Segreg. Horiz.
Segreg. Horiz.
Segreg. Horiz.
MULHERES
Horizontal segregation: a challenge for women's education
Bianca Araci de Figueiredo – UFSCar/So*
Hylio Laganá Fernandes – UFSCar/So**
Resumo: Os estereótipos de gênero atravessam as escolas e fazem parte da dinâmica das relações
construídas, educando corpos e mentes nos moldes de um sistema heteronormativo que
classifica, ordena e hierarquiza. O objetivo desse artigo é investigar semelhanças e diferenças
quanto as percepções e os interesses de meninas e meninos sobre as disciplinas escolares,
tendo como base os estudos de gênero e de segregação horizontal das profissões. Esse
trabalho foi desenvolvido por meio do uso de imagens e questionário, em uma escola no
interior do Brasil, com estudantes entre 15 e 18 anos. Os resultados sugerem que a cultura
escolar, heteronormativa e sexista, reproduz uma lógica de segregação que estimula os
meninos para as exatas e as meninas para humanas, saúde e educação. Esse cenário,
produzido na instituição escolar e tão importante no momento da escolha profissional,
estimula “preferências” e habilidades diferentes em razão do sexo biológico.
Palavras-chave: Escola. Educação. Gênero. Segregação.
Abstract: Gender stereotypes cross schools and are part of the dynamics of constructed relationships,
educating bodies and minds in the mold of a heteronormative system that classifies, orders
and hierarchizes. The aim of this article is to investigate similarities and differences regarding
the perceptions and girls’ and boys’ interests over school subjects, based on gender studies
and the horizontal segregation of professions. This work was developed through the use of
images and questionnaire, in a school in the interior of Brazil, with students between 15 and
18 years old. The results suggest that the school culture, heteronormative and sexist,
reproduces a logic of segregation that stimulates the boys to the exact science and the girls
to human, health and education science. This scenario, produced in the school institution and
so important at the moment of the professional choice, stimulates "preferences" and different
abilities due to the biological sex.
Keywords: School. Education. Gender. Segregation.
INTRODUÇÃO
Segregação horizontal é um termo utilizado pela sociologia que explica a produção e perpetuação das
desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Nesse conceito é considerado que as barreiras
enfrentadas pelas mulheres são iniciadas logo na infância, especialmente por meio educação familiar
e escolar, que direcionam a escolha das carreiras profissionais de acordo com o gênero (OLINTO,
2011). Além da esfera familiar, a escola tende a ser o primeiro espaço de socialização em que as
crianças interagem e que são educadas. De modo que, ao longo da trajetória de vida escolar valores,
visões de mundo, identidades, desejos e perspectivas vão sendo construídos com base nas
experiências diárias. Os estereótipos de gênero atravessam as escolas e fazem parte da dinâmica das
relações construídas, educando corpos e mentes nos moldes de um sistema heteronormativo que
classifica, ordena e hierarquiza (LOURO, 2014). Ao analisar a instituição escolar privilegiando a ação
dos sujeitos que a compõe, a escola se mostra como o resultado de um confronto de interesses, dentre
os quais, para Dayrell (1996), conflitam o sistema organizacional, que define o que é ideal nas relações
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X
57 Segregação horizontal: um desafio para a educação de mulheres
sociais por meio do conteúdo abordado, da hierarquização dos espaços e funções, com as inter-
relações dos sujeitos em um processo permanente de construção social.
Nessa perspectiva, os sujeitos se apropriam de modo heterogêneo do espaço escolar, das normas
institucionais, dos saberes e das práticas. As situações cotidianas e a rotina escolar se mostram
permeadas pela “[...] apropriação, elaboração, reelaboração ou repulsa expressa pelos sujeitos sociais”
(DAYRELL, 1996 p.2), em um constante manipular do conhecimento em prol dos interesses individuais
ou coletivos. Nesse sistema, as sobrevivências escolares e a relação dos estudantes com o
conhecimento institucionalizado são marcadas por diversos fatores sociais, sendo um deles o gênero.
A escola exerce sobre os corpos escolarizados ações distintivas, para os quais é informado o “lugar”
que cada um ocupa; “o lugar” dos pequenos e dos grandes, dos meninos e das meninas (LOURO, 2014,
p. 62). Outro fator importante a ser considerado na escolarização de meninas e meninos – e
consequentemente na segregação horizontal – são as concepções do corpo docente a respeito das
feminilidades e masculinidades, que podem vir a influenciar no ensino-aprendizado; estimulando de
formas desiguais, a depender do gênero, “preferências” e “aptidões”.
A abordagem dada ao conteúdo escolar fica a cargo das concepções políticas e pedagógicas do
professor. Afinal, nenhuma ação social é neutra, desprovida de perspectivas de mundo e de
experiências, os professores também partem de um lugar de fala, com intencionalidades e resistências.
Carvalho (2001) comenta que as “[...] expectativas e formas de educação diferenciadas estabelecidas
pelas famílias para seus filhos e filhas”, somadas às “[...] opiniões dos professores e professoras sobre
as relações de gênero” possuem interferência no desempenho escolar entre meninas e meninos;
culminando no que Olinto (2011) conceitua como “segregação horizontal” na escolha e trajetória
profissional das mulheres.
Na segregação horizontal, Olinto (2011) esclarece que estão incluídos mecanismos que segmentam
as carreiras profissionais, para as quais as meninas são levadas desde a infância fazerem escolhas
que as conduzam a atividades profissionais consideradas “femininas”. Algumas áreas, como a de
saúde e educação, são exemplos da feminização exacerbada de algumas carreiras, o que vêm sendo
relatado na esfera nacional e internacional. Essa tendência é preocupante, visto que as profissões com
o estigma de serem femininas são tipicamente desvalorizadas e menos reconhecidas no mercado de
trabalho, de modo a aprofundar ainda mais as desigualdades de gênero (OLINTO, 2011).
Schwartz et al (2006) demonstram que áreas ligadas a exatas, são frequentemente predominadas por
homens. Ela sugere que as escolas podem ser as principais responsáveis por essas desigualdades “[...]
quando por volta da sétima série as meninas são desestimuladas em disciplinas como matemática,
enquanto os meninos são motivados, fazendo com que a matemática seja tida como ‘coisa de menino’”
(p. 261). A escola, que educa sujeitos para inseri-los na realidade social, está completamente imersa
no universo das relações, da diversidade e da heterogeneidade cultural da sociedade. Esse espaço
privilegia a produção e reelaboração dos significados das práticas sociais, dos lugares ocupados e das
relações de poder, tendo inclusive a capacidade para a transformá-los. Ou seja, de modo mediato ou
imediato, as escolas incorporam no currículo e no fazer cotidiano todas as especificidades culturais,
sejam elas conservadoras ou subversivas.
PROPOSTA E EXECUÇÃO
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X
FIGUEIREDO, B.A.; FERNANDES, H.L. 58
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A atividade com o uso de imagens representativas de disciplinas escolares resultou no quadro 1 abaixo.
O resultado obtido com a categorização realizada pelas meninas explana o que Olinto (2011) considera
como “mecanismo de segregação horizontal”. Elas alocaram as disciplinas de matemática e física
como exclusivas para homens; enquanto que, português e história foram consideradas disciplinas para
mulheres.
Fonte: Página Canal do ensino Fonte: Blog Espalhando Fonte: Página Deviante
BIOLOGIA
argumenta que a escola é feita por homens, pois o conhecimento institucionalizado foi produzido
historicamente por homens, já que a ciência se mostra, ainda hoje, masculina.
A delimitação de português e artes como “disciplinas de mulher” na atividade com imagens
corresponde a “preferência” das meninas por essas duas disciplinas (Gráfico 1). Embora educação
física tenha sido apontada como a de maior interesse das meninas, a justificativa decorre da
possibilidade de “ficar sentada na quadra ouvindo música, conversar e não ter tanta pegação no pé”
(fala de uma estudante), ou seja, o atrativo da disciplina não é a pratica esportiva em si. Contudo, vale
ressaltar que esse não é um dado universal para essas meninas, havendo aquelas que realmente
possuem grande interesse nas atividades físicas.
História também foi apontada por elas como atividade de mulheres. Porém, não está entre as
disciplinas com destaque majoritário das preferências. É simbólica a inclusão da disciplina de história
como atividade de mulheres, juntamente com português, ela representa que a área de humanas é
considerada um espaço para mulheres, ainda que não haja grande interesse individual para essa
disciplina especificamente.
Gráfico 1 – Disciplinas preferidas por todas as meninas/escola da periferia
25
20
15
10
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X
FIGUEIREDO, B.A.; FERNANDES, H.L. 60
Contraditoriamente, o gráfico 2 nos mostra que os meninos atribuíram todas as disciplinas de exatas
com de “mulheres”, assim como português e inglês. E, como disciplinas para homens eles colocaram
história, geografia e educação física. Esses meninos consideram que artes e biologia são disciplinas
indistintas para homens e mulheres.
12
10
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X
61 Segregação horizontal: um desafio para a educação de mulheres
D: “Eu acho muito difícil matemática, mas eu quero ser contadora. Em casa
ninguém acha que vai dar certo, mas eu vou tentar” (Fala de uma menina do
primeiro ano do ensino médio).
É possível encontrar alguns elementos nas falas acima que sugerem o direcionamento dos meninos
para as áreas e exatas, enquanto que ocorre o inverso para as meninas. A representatividade é um
desses fatores, sendo apontado pela estudante A. A presença restrita de mulheres nas áreas de exatas
é simbólico, e as meninas fazem uma leitura que compreende que esse não é um espaço para elas;
legitimando o discurso de que mulher não leva jeito pra números, como é possível interpretar na fala
do estudante B, então elas buscam outras áreas de interesse.
Na fala do estudante B, encontramos mais um elemento interessante. A subjetividade que é atribuída
universalmente ás mulheres não se enquadra na objetividade exigida pelas ciências exatas. Citele
(2000, p. 68 apud Schwartz et. al 2006) comenta que a negação das mulheres na ciência “[...] tem sido
historicamente constitutiva de uma peculiar definição de ciência – como indiscutivelmente objetiva,
universal, impessoal e masculina”; portanto, as barreiras à serem enfrentadas pelas mulheres desde o
ensino básico, especialmente nas ciências exatas, são muito mais numerosas que para os homens.
Percebemos também que desde a infância há o direcionamento das crianças para determinadas
carreias e que são distintas à depender do sexo biológico e persiste por meio das escolhas
profissionais das(os) adolescentes. O desenvolvimento de “preferências” não é inato ou próprio do
indivíduo, elas se constroem perante os estímulos familiares, escolares etc., como sugere o estudante
C e Olinto (2011), no seu trabalho sobre a segregação horizontal. Entretanto, tal direcionamento pode
provocar o estabelecimento de resistências, como indica a estudante D e demonstrado no trabalho de
Schwartz (2006) que evidencia a contribuição de mulheres para a informática.
As práticas escolares cotidianas fazem parte de uma dinâmica de relações sociais que interferem na
produção de subjetividades de cada estudante, sendo elas positivas ou negativas (DAYRELL, 1996).
Portanto, o posicionamento político e pedagógico da escola, principalmente dos professores, culmina
na experiência e na reação dos estudantes perante as desigualdades sociais de gênero.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A segregação horizontal considera que as mulheres são levadas a fazer escolhas, planejamento de vida
e de carreira, muito diferente daqueles feitos por homens. O resultado encontrado nesse trabalho
concorda com a existência da segregação horizontal no mercado de trabalho, produzida e perpetuada
por meio do ensino escolar.
Nesse trabalho podemos sugerir que embora os meninos apresentem certas dificuldades nas
disciplinas de exatas, eles não deixam de apreciá-las; como ocorre com as meninas. Observamos que
a cultura escolar, heteronormativa e sexista, reproduz uma lógica de segregação que estimula os
menino para as exatas e as meninas para humanas, saúde e educação. Esse cenário, produzido na
instituição escolar e tão importante no momento da escolha profissional, estimula “preferências” e
habilidades diferentes em razão do sexo biológico.
Não podemos desconsiderar que as “preferências” por determinadas disciplinas possuem
interferências do modo como as(os) professoras(es) ensinam, de suas práticas educativas e relações
estabelecidas com os estudantes. Todavia, nós professoras(es) devemos estar atentas(os) a
diversidade que atravessa a sala de aula e as opressões que as acompanham, para que as nossa
práticas com intuitos “libertários” não se tornem aprisionamentos.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, M. P. Mau aluno, boa aluna? Como as professoras avaliam meninos e meninas. Estudos
feministas, Florianópolis, v.9. n.2, p.554-574, 2001. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n2/8640.pdf. Acesso em: 20 out.2018.
CITELI, M. T. Mulheres nas ciências: mapeando campos de estudos. Cadernos Pagu, n.15, Campinas,
SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2000. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?down=51341. Acesso em: 20 out.2018.
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X
FIGUEIREDO, B.A.; FERNANDES, H.L. 62
DAYRELL, J. A escola como espaço sócio-cultural. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo
Horizonte: UFMG, p. 136-161, 1996. Disponível em:
https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1748941/mod_resource/content/1/Escola_Dayrell.doc. Acesso
em:20 out. 2018.
OLINTO, G. A. inclusão das mulheres nas carreiras de ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social,
Brasília, v. 5, n. 1, 2011. p. 68-77. Disponível em:
http://repositorio.ibict.br/bitstream/123456789/427/1/GildaO.pdf. Acesso em:20 out. 2018.
Ensaios Pedagógicos (Sorocaba), vol.2, n.3, set. - dez. 2018, p.56-62 ISSN: 2527-158X