Artigo Ednara
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Artigo Ednara
Resumo
Introdução
Por isso, é importante, nesse movimento, ressaltar que o papel do(a) professor(a) de
Educação Física é perceber, através dos discursos e movimentos corporais dos(as) estudantes,
os conflitos de gênero e proporcionar-lhes as mesmas possibilidades e oportunidades
vivenciais dos conteúdos, independentemente das suas identidades de gênero ou orientações
sexuais.
São notórios os avanços que até o momento foram arduamente conquistados, seja por
meio dos grupos de estudos sobre os gêneros, movimentos feministas, leis federais,
estaduais/municipais, debates sociais e pesquisas diretamente nas escolas. Entretanto, apesar
desses movimentos e leis, estamos testemunhando em nossa sociedade, principalmente a
partir de 2014, com a aprovação do Plano Nacional de Educação, um forte conservadorismo
em relação à educação de gênero dentro das escolas.
A Educação Física escolar como uma prática sociocultural não pode se eximir do
debate de gênero nas escolas. É evidente a necessidade de abordarmos esses conceitos e
avaliar seus impactos nas práticas corporais. De acordo com a BNCC (2017), a Educação
Física está inserida na Área de Linguagens juntamente com Arte, Língua Portuguesa e Língua
Inglesa. Nesse document, a Educação Física é compreendida como “[...] o componente
curricular que tematiza as práticas corporais em suas diversas formas de codificação e
significação social, entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos
sujeitos, produzidas por diversos grupos sociais no decorrer da história” (BNCC, 2017, p.
213). Nessa concepção, o movimento humano é entendido como linguagem, portanto, como
elemento da cultura.
Caminhos metodológicos
Nesta pesquisa nos inpiramos nos princípios da Pesquisa-Ação tendo em vista que o
estudo foi composto no processo social (THIOLLENT, 2008), ou seja, com a participação
dos/as pesquisadores/as e pesquisados/as (estudantes) e a comunidade escolar na preparação
das intervenções ministradas nas aulas de Educação Física.
Iniciamos as ações por meio de reuniões com os diversos segmentos escolares
separadamente: pais, mães e/ou responsáveis e servidores/as (equipe técnica, professores/as,
terceirizados/as), aos quais apresentamos a proposta de trabalho e sua importância. Em se
tratando da temática de gênero, que, não raro, tem sido criminalizada quando discutida nas
escolas (SILVA, 2021), pensamos que envolver toda a comunidade seria importante para
legitimar a nossa ação pedagógica na escola. Ressaltmos que a pesquisa foi aprovada pelo
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob parecer nº CAAE 54570221.4.0000.5542
Iniciamos a ação pedagógica propriamente dita com os/as estudantes buscando
compreender, por meio de um questionário diagnóstico, quais níveis de conhecimento as
turmas tinham sobre gênero e esportes, sobre a participação por gênero nas práticas
corporais, bem como, os seus desejos em relação as práticas corporais que mais gostariam de
realizar nas aulas.
Ao todo, foram respondidos 65 questionários (estudantes presentes no dia): 36
(55,40%) são meninos cis, 27 (41,54%) meninas cis, 01 (1,53%) identificou-se como não
binário e 01 (1,53%) como homem trans. A faixa etária desse grupo é de 14 anos, com
estudantes participativos(as) e comunicativos(as) nas aulas, que gostam de expressar suas
ideias e que, por vezes, são impacientes com opiniões diferentes. Identificamos os dados e
falas dos(as) estudantes com letras do alfabeto (A, B, C, D...).
As respostas obtidas sobre as preferências dos/as estudantes em relação às práticas
corporais nas aulas de Educação Física não nos causaram estranheza, já que os meninos
responderam o futebol e as meninas jogos e brincadeiras, seguida da dança. Perguntamos
também, sobre o que os/as estudantes pensam sobre as aulas mistas e 92,31% dos/as
estudantes responderam que gostam de fazer aula mista, e os/as outros/as 7,69% estudantes
disseram não gostar. Entre os(as) estudantes que responderam não gostar das aulas mistas de
Educação Física, temos que os meninos cis representam 5,55% desse público e, como
justificativa, responderam que: 01 não gosta de Educação Física, e a outra resposta não foi
justificada. Entre as meninas cis, estas representam 11,53% desse público, e as justificativas
foram: 02 meninas cis “prefiro aula separada, pois cada um tem habilidades e aprendizados
diferentes e isso prejudica o andamento da aula”, e 01 menina cis justificou que não gosta de
fazer, porque os meninos são mais fortes.
Outra pergunta relevante de mencionar foi sobre atividades generificadas.
Perguntamos aos/às estudantes se eles/as acreditam que existem atividades físicas próprias
para cada gênero. A maioria dos/as estudantes (86,15%), acredita que não existem atividades
próprias para cada gênero.
A partir dos dados produzidos por meio do questionário, realizamos o planejamento
participativo das aulas envolvendo os/as estudantes, com o intuito de refletir e discutir as
relações de gênero nas práticas corporais. Assim, fomos pensando as aulas, coletivamente, de
forma a diversificar o conteúdo e a pensar a inclusão por gênero de fato; e não apenas colocar
os gêneros no mesmo espaço. Apostamos neste planejamento participativo por acreditar ser
uma possibilidade canalizadora para uma educação transformadora, problematizadora e
emancipatória via práticas corporais. Os conteúdos definidos nesse planejamento foram:
Jogos e brincadeiras; Esportes tradicionais e de aventura, e por fim a dança.
O planejamento participativo iniciou com a distribuição dos/das estudantes em
pequenos grupos (no máximo cinco pessoas), onde cada grupo escolheu duas práticas
corporais a serem vivenciadas juntamente com a temática gênero. Ao final verificamos quais
foram os três conteúdos mais escolhidos e acrescentamos, com a turma toda em uma votação,
mais duas práticas corporais: Skate e Lutas.
Feita as escolhas, nosso próximo passo foi elaborar a sequência sequência didática 3
com com base nos dados produzidos pelos questionários e na discussão dos levantamentos
dos interesses do estudantes pelas práticas corporais. Em síntese, para melhor visualização,
organizamos a intervenção pedagógica em um quadro por meio de três eixos: Temas,
Conteúdos e Objetivos.
Quadro 1 – Sequência didática
1 - Discutir as visibilidades e
invisibilidades das mulheres nos
TEMA 1: A invisibilidade das Esportes tradicionais (futsal, esportes e nas lutas;
mulheres nos esportes e nas handebol e basquete);
lutas: o que fazer para mudar 2 - Incentivar a participação das
essa situação Lutas meninas nos esportes e nas lutas.
Skate
1 - Vivenciar as brincadeiras
antigas;
TEMA 2: Jogos e brincadeiras e Jogos e Brincadeiras (elástico,
as relações de gênero cabo de guerra, pular corda e 2 - Discutir as relações de
amarelinha) gênero, refletindo a
importância do brincar
juntos(as);
3 - Valorizar os jogos e as
brincadeiras como forma de
lazer e integração social.
1 - Desenvolver uma cultura
não preconceituosa e não
discriminatória das
TEMA 3: Homens também Dança manifestações e expressões
dançam: Debatendo corporais a partir das questões
masculinidade preconceitos de gênero, construindo, assim,
relações respeitosas;
2 - Debater temas como
masculinidade e preconceitos no
universo das danças,
estimulando o interesse pela
3
A criação dessa sequência didática, além de organizar metodologicamente as nossas aulas, objetivou também
apoiar os/as colegas de profissão que queiram um material sequencial e organizado desenvolvido por meio de
uma experiência com a aprendizagem ativa.
dança para todos os gêneros.
1 - Demonstrar conhecimentos
aprendidos sobre a importância
Avaliações das intervenções Debates, confecção dos cartazes de ressignificar conceitos
e avaliação escrita relacionados aos gêneros por
meio das práticas corporais.
4
ESPN Brasil. espnW Brasil - INVISIBLE PLAYERS. Youtube, 08 de mar. 2016. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=XoZrZ7qPqio. Acesso em: 15 abr. 2022.
Imagem 1 – Atividade com Vídeo Invisible Players
No final do vídeo, revelamos quem eram os(as) personagens e, para a surpresa dos(as)
estudantes, eram mulheres, sendo essas: Marta, no futebol; Maya Moore, no basquete; e Maya
Gabeira, no surfe. Ou seja, assim como aconteceu no vídeo, em nossa aula e nas duas turmas,
nenhuma mulher foi mencionada pelos(as) estudantes.
Houve um espanto, um silêncio e até uma culpabilização das próprias meninas, por
não citarem o gênero feminino. O debate prosseguiu de forma interessante. As duas turmas
foram bem participativas e também bem agitadas — às vezes, organizar as falas não era tarefa
tão simples. Palavras como “preconceito”, “falta de investimento”, “mídia”, “superioridade
masculine”, “desvalorização feminine”, “homem e esporte” foram as mais citadas na reflexão,
como bem podemos observar abaixo nas questões apresentadas após a apresentação do vídeo.
Quando perguntados(as) sobre o motivo pelo qual as mulheres não foram citadas, as respostas
giraram em torno das seguintes falas:
Porque não pareciam ser mulheres nas imagens (fonte: relato do estudante A).
Porque a gente associa os esportes aos homens (fonte: relato da estudante B).
A mídia trata melhor os homens, assim a gente lembra mais deles (fonte: relato da
estudante D).
Em relação à influência da mídia, citada pela aluna acima, Souza e Knijnik (2007, p.
37 apud LOBO, 2003, p. 03) reiteram que “[...] se algo não foi veiculado, não existiu [...]”.
Dessa forma, os veículos de comunicação têm uma forte influência — negativa, de certo —
sobre a invisibilidade da participação das mulheres nos esportes. Isso porque, apesar de o
futebol ser um fenômeno social de grande abrangência e visibilidade e fazer parte da vida de
muitas pessoas (GOELLNER, 2004), ainda caminha a passos lentos quando o assunto é a
divulgação de campeonatos femininos de futebol.
Outra pergunta que lançamos à turma foi: “Por que a remuneração de homens e
mulheres é tão diferente no esporte?”. E obtivemos os seguintes relatos:
Concordamos com esses argumentos e dialogamos que, de fato, existe uma grande
barreira a ser enfrentada no que diz respeito à visibilidade na mídia pelos patrocínios e
salários em comparação a homens e mulheres nos esportes. Citamos dois exemplos bem
clássicos do futebol brasileiro. Utilizamos a atleta Marta e comparamos o salário dela com o
do jogador Neymar, afinal, são dois principais jogadores brasileiros de futebol nos últimos
anos. Segundo os dados, em 2018, Marta ganhava menos de 1% comparado ao salário do
futebolista, atualmente do Paris Saint-Germain (PSG). Mencionamos, inclusive, que, em
2021, havia uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) que retratava e
questionava essa realidade.
Finalizamos nossas discussões perguntando como podemos mudar essa situação.
Refletimos, então, a importância e a urgência de transformarmos esse quadro e, como
sugestão, foram surgindo as seguintes ações: melhorar financeiramente (patrocínios),
melhores investimentos pelos clubes, divulgação nos principais meios de comunicação (como
TV, rádio e internet) e minimizar preconceitos e machismos nos esportes. Além disso,
podemos citar outras ações, tais como:
Todas essas falas nos chamam a atenção, porém uma, em especial, merece nossa
atenção. A estudante utilizou a seguinte frase: “deixar a gente participar dos esportes” —
como se esse conteúdo pertencesse exclusivamente ao público masculino e, caso elas
quisessem jogar, teriam que pedir autorização a eles. Nos chamou a atenção, pois a própria
estudante reproduziu as ideias da cultura patriarcal, a qual coloca a mulher na posição inferior
à do homem, remetendo-nos à configuração de sociedade em que haveria o dominante (ser
masculino) e subordinado (ser feminino), descrita por Cunha (2014) e Saffioti (1987), e ao
arbitrário cultural (BOURDIEU; PERSSON, 2013).
Porém, não podemos nos afastar da certeza de que vivemos em um espaço universal,
democrático e de direito, e que nós professores(as) precisamos garantir a equidade de
oportunidades das práticas corporais a todos(as), dialogando e reprimindo comportamentos de
superioridade e inferioridade, seja por quaisquer motivos.
Finalizamos dizendo aos(às) estudantes que é importante também que a mudança
comece em cada um(a), com ações individuais, como os meninos sendo mais cooperativos,
mais solidários, mais pacientes. Afinal, a educação que elas receberam foi diferente da
educação que eles receberam, e as meninas precisam participar mais das aulas, ocupando o
espaço que também é delas. Ademais, pensando em um futuro quando tiverem os seus filhos
e/ou filhas, que comecem a educá-los(as) de forma diferente, incentivando para a prática dos
esportes de forma não generificada.
Absurdo essa lei (fonte: relato do estudante que estava como testemunha).
Ainda bem que não estamos mais em 1941 (fonte: relato do estudante L que estava
como júri popular).
Eu não queria viver nessa época, adoro jogar futebol (fonte: relato da estudante X
que estava como júri popular).
Não temos mais a lei, mas ainda temos o preconceito (fonte: relato do estudante Z
que estava como testemunha).
Os/as estudantes que não estavam atuando diretamente nos papéis (advogado de
desa/acusação e testeminhas) ficaram com a função de ser o júri popular. Solicitamos, então,
que levantassem as mãos, ora quem gostaria que a jogadora fosse condenada, ora quem
gostaria que ela fosse absolvida. Por unanimidade, o júri concluiu que ela deveria ser
inocentada.
Acreditamos que essas opiniões estão relacionadas ao momento histórico diferente de
1941. Atualmente, a mulher, em nossa sociedade, possui mais abertura para jogar futebol,
apesar de ainda sofrer preconceitos e estgmatizações machistas. Portanto, é necessário que o
esporte incline-se e submeta-se aos códigos dos processo de escolarização na sociedade
republicana e seja tratado pegagogicamente como “esporte da escola” e não meramente como
modelo de esporte de alto rendimento, o qual é sexista, excludente e orientado pela ótica de
mercado. Corroboramos as análises de Vago (1996) quando o autor afirma que a escola,
como instituição social na sociedade democrática, “[…] pode produzir uma cultura escolar de
esporte que, ao invés de reproduzir as práticas de esporte hegemônicas na sociedade, como
escreveu Bracht (1992), estabeleça com elas uma relação de tensão permanente, num
movimento propositivo de intervenção na história cultural da sociedade” (VAGO, 1996, p.
04).
Na perspectiva do esporte “na escola”, este passa a ser objeto de treinamento e, assim,
sendo excludente nas aulas (principalmente para as meninas e os meninos não habilidosos),
em que alcança um número menor de estudantes. O esporte “da escola” significa que ele
pertence à escola e, pertencendo e estando à disposição dela, todos e todas têm o direito de
experimentá-lo, independentemente de suas habilidades, capacidades ou gênero.
Ressaltamos que, embora os avanços relatives à participação das mulheres nas práticas
corporais sejam vísiveis, ainda precisamos “driblar” muitos desafios para que efetivamente as
mulheres possam escolher livremente ser amantes do futebol e acima de tudo praticantes.
Afinal, se o corpo é da mulher,
Ela joga o que ela quiser….
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALTOÉ, J. Dança nas aulas de educação física: legitimidade e democratização "via" prática
pedagógica. Orientador: Ueberson Ribeiro Almeida. Co-orientadora: Erineusa Maria da Silva.
2020. 340 f. Dissertação (Mestrado) – Mestrado Profissional em Educação Física em Rede
Nacional – Proef, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo, 2020.
Disponível em: https://sappg.ufes.br/tese_drupal//tese_13639_Janaina%20Lubiana%20Alto
%E9%20-%20Disserta%E7%E3o.pdf. Acesso em: 11 julh. 2023.
ALTMANN. H. Educação física escolar: relações em jogo. São Paulo: Cortez, 2015. 176 p.
(Coleção Educação e Saúde, v. 11)
JAGGAR, A. M.; BORDO. S. R. Gênero, Corpo, Conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 1997.
PINTO, Queilane dos Santos. As percepções dos estudantes sobre questões de gênero e
dança na escola: problemáticas e contribuições das aulas de educação física no ensino médio
de uma escola pública em Cabaceiras do Paraguaçu. 2016, 43 f. (Graduação em Educação
Física) - Faculdade Maria Milza, Governador Mangabeira, 2016. Disponível:
http://131.0.244.66:8082/jspui/handle/123456789/335. Acesso em: 11 julh. 2023.