Admin, 02 Gersem Baniwa
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Gersem Baniwa1
RESUMO
Este artigo trata da ideia de “educação para manejo do mundo” que foi o tema de minha
pesquisa doutoral publicada em 2011. A ideia central é a educação indígena Baniwa como
processo formativo e transformativo, cujo propósito é o manejo do mundo no sentido de
compreendê-lo para respeitá-lo e dele garantir o equilíbrio da vida e da existência humana e
da natureza. Conhecimento para o manejo do mundo e da natureza possibilita a construção
permanente de uma vida e existência humana desejável e sustentável, baseada no princípio
filosófico indígena de bem viver da natureza e com a natureza, contrapondo-se à ideia
globalizada do conhecimento para exploração, destruição e dominação da natureza e da vida.
De acordo com o pensamento indígena de manejo e domesticação permanente da vida e do
mundo, o poder não está nas mãos das sociedades humanas, mas na composição da natureza,
ao contrário do pensamento ocidental globalizado, em que o poder político, histórico e
civilizatório está nas mãos das sociedades humanas.
RESUMO EM BANIWA
Kwa ampinima waa unheen mayé yamaan ara resé, sesé waa asikai akuaarama amunham
ramekuera se doutorado, assui anpinima aé yepê livro upé 2011 ramemkwera. Kwa
yamanduari-sá umbué yandé mayé ya viveri arama puranga kwa yane ara irumu. Yavivei
arama puranga kwa panhé ya ara upé asuí irumu. Kwa yamanduari-sá yandé Baniwaitá
amuripi turusú kua mayé kariwaitá tamanduari tamunhamunham asuí tayuká kwa yane ara,
yaneretama. Kwa Baniwa tamanduari sá upé awá umundu kwa mundo upé aité kwa ara
yaraitá, umbaa miraitá, mayé kwa kariwaitá umanduari sá.
YANEENGA RETEWAÁ: Yakwa-sá. Escola ukua-sá. Yandé índio-itá yakua-sá asuí kua mayé ya
viveri puranga kwa yané ara irumu.
1
Mestre e doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UNB). Professor Adjunto do
Departamento de Educação Escolar Indígena da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas
(DEEI/FACED/UFAM). Professor indígena do povo Baniwa. Manaus, AM, Brasil. E-mail:
gmapolero@gmail.com.
ABSTRACT
This article is about "education for the management of the world" that was the subject of my
doctoral research published back in 2011. The main idea is the Baniwa indigenous education
as a formative and transformative process which its aim is to manage the world in a way to
understand it, respect it and ensure the balance of life, human existence and nature. The
knowledge for the management of the world and nature enables the permanent construction of
a desirable and sustainable human life and an existence based on the indigenous philosophical
principle of well-being of nature and with the nature, opposing the globalized idea of
knowledge for exploration, destruction and domination of nature and life. According to the
indigenous thinking on the management and permanent domestication of life and the world,
the power is not in the hands of human societies, but in the composition of nature, unlike
Western globalized thinking, where political, historical and civilizing power are in the hands
of human societies.
Apresentação
A educação escolar indígena é um campo que não possui metodologias acabadas, até
porque é recente para os povos indígenas brasileiros, o que eleva a importância da troca de
conhecimentos como esta, proporcionada por este espaço de diálogo. Classifico este texto
como uma provocação cujo título “Educação para o manejo do mundo” é de minha tese de
doutorado (LUCIANO, 2013). A provocação tem como objetivo central chamar nossa atenção
para a compreensão da educação indígena como formas próprias e milenares de lidar com o
mundo e com a natureza, contrapondo frontalmente à ideia etnocêntrica e eurocêntrica de que
os povos indígenas vêm sendo educados, como se não tivessem antes e sempre sua educação
própria (LUCIANO, 2013).
Nossa experiência de 30 anos de luta pela causa indígena nos autoriza afirmar que é
necessário pensar melhor sobre o que nos é imposto pelo mundo do branco, especialmente,
pela escola e pela universidade. A ciência acadêmica ocidental divide e opõe índio e branco,
homem e mundo, sociedade e natureza, corpo e espírito, bem e mal, rico e pobre, gordo e
magro, conhecimento tradicional ou popular e conhecimento científico e assim por diante. É
necessário a gente entender bem esse tipo de pensamento e, principalmente, ter muito cuidado
para não acreditar nele como verdade absoluta. Os conhecimentos e pensamentos indígenas
são muito diferentes e não se baseiam nesse dualismo por oposição. Acreditar e seguir
indistintamente o pensamento ocidental na escola e na academia pode produzir estragos
profundos irreversíveis para os nossos conhecimentos e modos de vida indígena.
Sabemos que os estudos na graduação e na pós-graduação ainda não garantem espaços
institucionais adequados para os indígenas e seus distintos e numerosos conhecimentos e
experiências de vida, pois o cartesianismo e o positivismo antropocêntrico reinantes nos
programas, cursos e disciplinas continuam orientados e orientando pesquisas e teorias a partir
da ideia frágil de “objetividade” da produção acadêmica, que induz ou mesmo seduz ao
pensamento e atitudes perigosas de separação e distanciamento hierárquico do homem da
natureza cósmica com suposto privilégio do primeiro sujeito homem e em detrimento do
segundo sujeito natureza (SOUZA SANTOS, 2000).
A ciência ocidental induz os estudantes indígenas ao exercício de isolamento do
homem do mundo e da natureza, ainda que como estratégia metodológica e isso provoca
profundos dilemas existenciais, cosmológicos e epistemológicos aos indígenas que acreditam
e se sentem membros inseparáveis e interdependentes da natureza cósmica. Quando a Ciência
A educação como manejo do mundo vem para contrapor a ideia de educação para
manipulação, exploração, dominação e destruição do mundo, pois a ciência, embora busque a
compreensão da natureza, é sempre para subjugá-la, dominá-la, explorá-la como se isso fosse
possível em sua plenitude e, não para compreendê-la, respeitá-la, protegê-la e cuidá-la como
algo tão imprescindível para a vida no planeta.
A ideia de manejo traz consigo outra ideia, a de domesticação. Manejo do mundo
refere-se à capacidade sensível de compreensão e de alinhamento natural ao funcionamento
orgânico da natureza e do mundo, enquanto domesticação refere-se à compreensão e domínio
das instituições, atores e conhecimentos dominantes colonizadores, que à luz da capacidade
de manejo, devem ser humanizadas, naturalizadas (alinhadas à natureza) e apropriadas
complementariamente em benefício da vida humana, da natureza e do mundo. Ambos os
conceitos fazem parte de um vocabulário estratégico colonial, mas aqui apropriado e revertido
em estratégia de descolonização ou contra colonização cada vez mais adotadas pelos povos
indígenas nos últimos anos.
Este Curso de Especialização em Educação Escolar Indígena é uma oportunidade rara,
porque ainda são pouquíssimas as iniciativas desse gênero no Brasil. Os cursos de
especialização voltados para as temáticas de interesse dos povos indígenas precisam se
multiplicar abrindo novas abordagens teóricas, metodológicas e práticas relativas ao campo
das temáticas indígenas. Nos últimos 20 anos tem havido importantes discussões sobre o que
é educação escolar indígena e elas apontam para a necessidade de estabelecimento de outros
horizontes, outras metas e métricas e outros objetivos sobre o que significa a educação escolar
indígena que ainda é muito pouco discutida, inclusive, pelos próprios povos indígenas, para
saber como lidar com a educação escolar dentro das aldeias. Esse é um debate que tem
circulado nas academias e muito pouco nas comunidades indígenas.
Considerações finais
Educação para manejo do mundo é, sobretudo, uma prova de que do árduo processo
de domesticação podem-se afirmar a independência do pensar e novas bases para a
ação transformadora (SOUZA LIMA, 2013, p. 17).
Referências bibliográficas
CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser.
Feusp, 2005.
LUCIANO, Gersem dos Santos. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
MACAS, Luis. Sumak Kawsay: la vida en plenitud. In: América Latina en movimiento nº
452. Fevereiro de 2010.
ROUSSEAU, J-J. O contrato social. In: Oeuvres completes, tome III. Collection “Pléíade”.
Paris: Gallimard, 1757.