Vida Ao Extremo
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Capítulo 8
Rubens T. D. Duarte, Catherine G. Ribeiro e Vivian H. Pellizari
Introdução
Os 3,8 bilhões de anos nos quais a vida se desenvolveu em
nosso planeta forjaram um amplo espectro funcional da vida mi-
crobiana, permitindo-a ocupar nichos considerados inabitáveis
para a vasta maioria de outros seres vivos. A afinidade pelo extre-
mo faz de alguns micro-organismos terrestres importantes alvos no
estudo da astrobiologia, pois refletem a plasticidade da vida nos
mais diversificados e inóspitos ambientes.
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Extremófilos
Em 1964, o microbiologista norte-americano Thomas Brock
fez uma descoberta que mudou o conceito de vida: ele observou
micro-organismos sobrevivendo ao redor de gêiseres do Parque
Nacional do Yellowstone (eua) que lançavam água a 82 °C, uma
temperatura muito acima da tolerância dos seres vivos. Mais tarde,
em 1967, Brock publicou os resultados de sua pesquisa descre-
vendo que o micro-organismo, identificado como uma arqueia e
batizada de Thermus aquaticus, não apenas tolerava altas tempera-
turas, mas também exigia essa temperatura para crescer. Passamos,
então, a conhecer um novo grupo de seres vivos – os extremófilos.
Muitos pesquisadores começaram a explorar diferentes ambientes
à procura de vida, muitos dos quais considerados até então inóspi-
tos por serem ambientes extremos.
O conceito ecológico de ambiente extremo está intrinseca-
mente atrelado ao conceito humano de habitabilidade. Uma am-
pla gama de ambientes com extremos de calor, frio, pH, salini-
dade, pressão e radiação são dominados por micro-organismos,
cuja divergência genética manifestada em diferenciação metabó-
lica possibilitou a ocupação de nichos considerados improváveis.
Esses ambientes podem ser característicos de exoplanetas com po-
tenciais chances de abrigar vida, mesmo que suas condições am-
bientais sejam diferentes das condições medianas do planeta Terra.
Atualmente, podem ser encontrados em cultura representantes de
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Figura 8.2. Dry Valleys, na Antártica, um dos desertos mais secos da Terra.
Fonte: Nasa/gsfc/meti/ersdac/jaros e u.s./Japan aster Science Team
Resistência à radiação
Embora a maioria das espécies existentes na atualidade ne-
cessite de um escudo para a radiação solar de alta energia, alguns
micro-organismos são capazes de suportar e proliferar em altos
níveis de radiações ultravioleta e ionizante. A bactéria de solo
Bacillus subtilis detém o recorde de seis anos de sobrevivência no
espaço (Horneck; Bücker; Reitz, 1994; Wassmann et al., 2012).
Outra bactéria, denominada Deinococcus radiodurans, é consi-
derada um dos seres vivos mais resistentes à radiação ionizante.
Essa bactéria de pigmento laranja-avermelhado foi descoberta
por acaso em 1956, quando a indústria começou a usar radiação
gama para esterilizar comida enlatada. Doses mil vezes maiores
que a dose capaz de matar seres humanos não causam efeito letal
nessa bactéria.
A pesquisa envolvendo resistência em níveis consideráveis de ra-
diação também está correlacionada às questões sobre panspermia e
à possibilidade de micro-organismos sobreviverem a longas viagens
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Acidofílicos e alcalifílicos
Micro-organismos vivos também proliferam em pH extremos
e muitas vezes requerem ambientes extremamente ácidos ou alca-
linos para apresentarem atividade metabólica. O pH tem uma gra-
dação logarítmica de 0 a 14 e mede a concentração de íons H+ em
solução. A maior parte dos processos biológicos no planeta Terra
tende a acontecer na porção mediana da escala. Os micro-orga-
nismos acidofílicos (adaptados ao ácido, ou pH abaixo de 5,0) e
os alcalifílicos (adaptados à alcalinidade, com pH acima de 9,0)
não têm muito em comum, a não ser o fato de serem extremófilos.
São organismos de grupos diferentes, que evoluíram com adapta-
ções distintas. Entre os amantes do ácido, a arqueia Picrophilus é
considerada a espécie mais acidofílica já encontrada, isolada de
solos vulcânicos do Japão, tendo um crescimento ótimo em pH
0,7 – algo entre um ácido de bateria veicular e o ácido sulfúrico
(Schleper et al., 1995). Embora solos ácidos sejam abundantes em
nosso planeta, ambientes alcalinos são particularmente difíceis de
serem encontrados e são representados principalmente por áreas
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A caixa-preta biológica
A prospecção pela existência de vida fora da Terra pode en-
contrar barreiras dentro da pesquisa biológica convencional. Uma
das questões que desafiam a microbiologia ambiental é a chama-
da Caixa-Preta Biológica (ou Biosfera Oculta), que representa o
desconhecimento da maior porção da microbiota que nos cerca.
Esse fenômeno decorre das limitações de cultivo de micro-orga-
nismos in vitro: a ciência ainda não é capaz de simular todas as
condições necessárias para o crescimento de muitas espécies de
micro-organismo. Estima-se que menos de 1% da biodiversidade
microbiana já tenha sido cultivada em laboratório. Isso é ainda
mais crítico ao se tratar de extremófilos, pois pouco conhecemos
sobre sua biologia. Em termos práticos, essa impossibilidade de
cultivo gera problemas na análise do metabolismo e função eco-
lógica dos micro-organismos, deixando vagas as inferências sobre
o papel deles em seus respectivos ambientes. As técnicas mole-
culares têm ajudado muito a preencher essas lacunas e detectam
e identificam sequências de dna específicas de micro-organismos
em qualquer amostra ambiental, independentemente se estiverem
dentro de células vivas, mortas ou em estado de dormência. Desde
que foram estabelecidas, em meados da década de 1980, muitos
grupos novos de micro-organismos foram descobertos através des-
ses métodos. Com técnicas cada vez mais sofisticadas, como o
sequenciamento de genoma de células únicas, utilizando-se dna
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Broca
térmica
Broca
eletromecânica
Referências
Abrevaya, X. C. et al. Comparative survival analysis of Deinococcus
radiodurans and the Haloarchaea Natrialba magadii and
Haloferax volcanii, exposed to vacuum ultraviolet irradiation.
Astrobiology, v. 11, p. 1034-1040, 2011.
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