BatalhaColiseuanalise AraujoJunior 2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE9 PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA MÍDIA

ADALBERTO ALMEIDA DE ARAÚJO JÚNIOR

BATALHA DO COLISEU: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS DISCURSIVAS


E SIMBÓLICAS NO RAP A PARTIR DO ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

NATAL/RN
2022
ADALBERTO ALMEIDA DE ARAÚJO JÚNIOR

BATALHA DO COLISEU: UMA ANÁLISE DAS PRÁTICAS DISCURSIVAS


E SIMBÓLICAS NO RAP A PARTIR DO ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Estudos da Mídia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
como critério para obtenção do título de Mestre em Estudos da Mídia.

LINHA DE PESQUISA: ESTUDOS DA MÍDIA E PRÁTICAS


SOCIAIS
ORIENTADOR: PROF. DR. ITAMAR DE MORAIS NOBRE
COORIENTADOR: PROF. DR. FRANCISCO CARLOS GUERRA
DE MENDONÇA JÚNIOR

NATAL/RN
2022
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte.
UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Araújo Júnior, Adalberto Almeida de.


Batalha do Coliseu: uma análise das práticas discursivas
e simbólicas no rap a partir do espaço universitário /
Adalberto Almeida de Araújo Júnior. - Natal, 2022.
164f.: il.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de


Ciências Humanas, Letras e Arte, Programa de Pós-graduação
em Estudos da Mídia.
Orientador: Itamar de Morais Nobre.
Coorientador: Francisco Carlos Guerra de Mendonça Júnior.

1. Batalhas de rap. 2. Contra-hegemonia. 3.


Decolonialidade. I. Nobre, Itamar de Morais. II. Mendonça
Júnior, Francisco Carlos Guerra de. III. Título.

RN/UF/
AGRADECIMENTOS

Realizar esta pesquisa de mestrado foi, sem sombra de dúvidas, o maior desafio da
minha vida. Porém, ouso dizer que também foi o mais prazeroso. Todos os empecilhos,
mudanças de rota, trabalhos e retrabalhos foram essenciais para eu poder me dar conta do quão
grandioso é esse universo que me propus a pesquisar e o quão pequeno sou diante disso tudo.
No entanto, também me fez pensar sobre a grandiosidade das pessoas que integram esse
universo, dado que, não fosse o trabalho coletivo, a generosidade e a compaixão de muitos, o
hip-hop certamente não seria o que é hoje. Da mesma forma que este trabalho não seria o que
se tornou, não fosse a colaboração das inúmeras pessoas que cruzaram meu caminho durante
essa jornada. Portanto, nada mais justo do que agradecê-las.
Gostaria de começar pela minha mãe, minha primeira professora, dona Maria Gorete de
Lima. Sou eternamente grato pelo incentivo que ela sempre me deu e por me mostrar, desde os
meus primeiros anos de minha vida, o valor inestimável da educação. Foi ela quem primeiro
me mostrou que o estudo abre portas, e foi através dele que trilhei o meu caminho até aqui.
Espero continuar galgando este caminho, com o mesmo afinco e dedicação, para poder
continuar te dando orgulho e te fazendo feliz, o que, consequentemente, resulta também na
minha felicidade. Te amo, mãe.
Ao meu orientador, professor Itamar de Morais Nobre, no qual enxergo uma figura
paterna na academia. Agradeço por estar comigo desde a graduação, sempre com muito
cuidado, carinho e atenção. Me fascina sua maneira de lidar com seus alunos, valorizando o
afeto, o amor e mostrando sempre uma grande disposição, não só para ensinar, mas também
para aprender. Aprendemos muito juntos nesses últimos anos e espero honrar seus
ensinamentos e perpetuá-los em busca de uma universidade mais justa, igualitária e humanista.
Obrigado pela confiança e por nunca ter soltado minha mão, mesmo nos momentos mais
difíceis.
Ao meu coorientador Carlos Guerra Júnior, por me aceitar de braços abertos como aluno
e me aproximar do magnífico mundo do hip-hop, através da ciência e da vivência, sempre me
mostrando o que há de melhor nas produções acadêmicas e fonográficas desse maravilhoso
universo. Minha pesquisa deu um salto depois que nos conhecemos e sinto que, desde então,
adquiri um forte aliado para a vida, sejas nas ruas, nos palcos ou nas salas de aula. Vida longa,
MC Mossoró!
Aos meus colegas de mestrado da turma de 2019 do PPgEM/UFRN, em especial:
Alexandre Cunha, Jadeanny Arruda, Laís di Lauro, Luciana Mendes, Marília Diógenes, Renata
Luz Passos, Janaína Lima, Jonathan Costa e Tatiana Diniz. Agradeço pelas trocas, conversas,
leituras compartilhadas, cafés e o apoio que encontrei em vocês durante essa caminhada. Sem
essa companhia a jornada acadêmica seria muito mais monótona e solitária.
Agradeço também às minhas irmãs de orientação que, mesmo não estudando na mesma
turma, sempre estiveram dispostas a ajudar no que quer que fosse, independente das
dificuldades: Alice Andrade, Andrielle Mendes, Beatriz Paiva, Cledivânia Alves, Emanuele
Bazílio e Sarah Fontenelle. Vocês são mulheres incríveis, inspiradoras e de muita garra. Sou
imensamente grato pelo apoio e companhia.
Aos demais professores do PPgEM/UFRN, pelo incentivo e dedicação ao programa, em
especial: Denise Carvalho dos Santos Rodrigues, Juciano de Sousa Lacerda e Josenildo Soares
Bezerra. A vocês, minha gratidão e admiração.
À secretaria do PPgEM/UFRN, em especial, Ana Comissário e Jamal Singh, pelo
empenho em resolver as burocracias que permeiam uma pós-graduação em uma instituição
pública de ensino.
Aos professores que integram o grupo de pesquisa Rede Folkcom, pelo incentivo em
pesquisar esta área da comunicação tão maravilhosa, em especial: Antônio Hohlfeldt, Maria
Érica e Protásio Cezar dos Santos.
À professora Thífani Postali, pelas orientações e direcionamentos no meu exame de
qualificação.
Aos queridos amigos Aldecy Júnior, Huorge Karajan, Yara Costa e Kleyton Souza, que
tanto contribuíram para a realização desta pesquisa.
Em especial, à minha amiga Lívia Nobre que, desde a concepção do pré-projeto, sempre
se dispôs a ajudar, ouvir, acolher a fazer os apontamentos necessários para que eu pudesse
sempre melhorar como pesquisador e também como pessoa. Tenho certeza que você terá um
futuro brilhante na ciência.
À minha psicóloga, Lorena Leão, que esteve comigo desde o início dessa difícil, porém
emocionante, jornada. Obrigado por manter meus pés no chão.
E, finalmente, à UFRN que, há mais de dez anos, tem sido minha segunda casa,
fornecendo todo o suporte necessário para o cumprimento desta árdua tarefa. Em especial, aos
meus colegas servidores, lotados na Secretaria de Educação à Distância (SEDIS/UFRN), onde
também trabalham: Fabíola Barreto, Mauricio Oliveira, Maria Carmem e Camila Gonçalves,
cujo apoio foi de suma importância para que eu chegasse até aqui.
A todos vocês, e a mim mesmo, por não ter desistido no meio do caminho, minha eterna
gratidão.
RESUMO

Investiga-se as práticas sociais e discursivas em batalhas de rap (ritmo e poesia) no ambiente


universitário, considerando o caso da Batalha do Coliseu, no Campus Central da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal (RN). Para desenvolver este trabalho utilizamos
pesquisa bibliográfica, observação, aplicação de entrevistas semiestruturadas e questionários, bem
como análise do discurso e uma adaptação da cartografia simbólica, um método de interpretação de
dados proposto pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2002), para representar,
através de um mapa analítico-descritivo, os espaços, sujeitos, práticas e discursos predominantes
nesse tipo de manifestação cultural. A partir dos resultados obtidos, observamos que as batalhas de
rap podem ser consideradas formas de comunicação popular contra-hegemônica, tendo em vista o
vínculo observado entre a música rap com as questões sociais e as lutas contra as diferentes formas
de opressão. Ademais, percebeu-se também a necessidade de um maior aprofundamento sobre as
discussões levantadas por esta pesquisa, considerando os processos de comunicação que constituem
os grupos populares marginalizados da sociedade, compreendendo suas práticas comunicativas
como manifestações culturais de resistência popular.
Palavras-chave: batalhas de rap; contra-hegemonia; decolonialidade.
ABSTRACT

Social and discursive practices in rap battles (rhythm and poetry) in the university environment are
investigated, considering the case of the Batalha do Coliseu, at the Central Campus of the Federal
University of Rio Grande do Norte (UFRN), in Natal (RN). To develop this work, we used
bibliographic research, observation, application of semi-structured interviews and questionnaires,
as well as discourse analysis and an adaptation of symbolic cartography, a method of data
interpretation proposed by the Portuguese sociologist Boaventura de Sousa Santos (2002), to
represent, through an analytical-descriptive map, the spaces, subjects, practices and discourses
predominant in this type of cultural manifestation. From the results obtained, we observed that rap
battles can be considered forms of counter-hegemonic popular communication, given the link
observed between rap music and social issues and the struggles against different forms of
oppression. Furthermore, it was also noticed the need for a deeper understanding of the discussions
raised by this research, considering the communication processes that constitute the marginalized
popular groups of society, understanding their communicative practices as cultural manifestations
of popular resistance.
Keywords: rap battles; counter-hegemony; decoloniality.
LISTA DE SIGLAS

CCDM: Centro de Convivência Djalma Marinho;

CCHLA: Centro de Ciências Humanas, Letras e Arte;

DJ: Disco-jóquei;

DSP: Diretoria de Segurança Patrimonial;

EUA: Estados Unidos da América;

FBI: Federal Bureau of Investigation;

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

MC: Mestre de cerimônia;

MPLA: Movimento Popular de Libertação de Angola;

MTV: Music Television;

OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico;

ONG: Organização não-governamental;

PPgEM: Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia;

RAP: Rhythm and poetry;

RIAA: Recording Industry Association of America;

UEE: União Estadual dos Estudantes;

UFRN: Universidade Federal do Rio Grande do Norte;

UNESP: Universidade Estadual Paulista;

UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas;

UNISO: Universidade Federal de Sorocaba;

USP: Universidade de São Paulo.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Homem anda sobre os escombros do bairro do Bronx, Nova Iorque. ..................... 17

Figura 2: Grafites no metrô de Nova Iorque. .......................................................................... 18

Figura 3: Exemplo de bloc party, festa com aparelhagem de som em quadra do Bronx. ....... 19

Figura 4: B-boys performando ao som do break em festa de hip-hop..................................... 20

Figura 5: Grandmaster Flash, Afrika Bambaataa e Kool Herc. .............................................. 21

Figura 6: Publicidade da organização não-governamental Zulu Nation. ................................ 22

Figura 7: MC Coke La Rock e DJ Kool Herc. ........................................................................ 24

Figura 8: Flyer de apresentação de Grandmaster Flash & The Furious Five no clube Twin City
Roller Rink, 10/9/81. ................................................................................................................ 25

Figura 9: Homenagem do Google à rapper brasileira Dina Di, falecida em 2010. ................ 33

Figura 10: Capa do disco “Straight outta Compton”, lançado em 1988 pelo grupo NWA. ... 35

Figura 11: “Polícia faz demonstração de força em show de rap", diz título do Detroit Free Press
em 8/8/89. ................................................................................................................................. 36

Figura 12: Capa do disco Sobrevivendo no inferno, lançado em 1997 pelo grupo Racionais
MC’s. ........................................................................................................................................ 40

Figura 13: Publicidade do Mano a Mano, podcast apresentado pelo rapper Mano Brown na
plataforma Spotify. .................................................................................................................... 45

Figura 14: Rapper MCK segura a Constituição de Angola em videoclipe da música “Violência
Simbólica”. ............................................................................................................................... 50

Figura 15: Exemplo de “chave” da Batalha do Santa Cruz (São Paulo/SP). .......................... 59

Figura 16: Cena do filme “8 mile”, na qual B. Rabbit enfrenta Papa Doc. ............................ 64

Figura 17: Gráfico do quantitativo de mídias produzidas durante a observação. ................... 88

Figura 18: Planta baixa/corte do anfiteatro do setor II .......................................................... 101

Figura 19: Representação gráfica em perspectiva do anfiteatro do setor II .......................... 102


Figura 20: Vista da arquibancada para o centro do palco e prédios do Setor II. ................... 103

Figura 21: Vista para o anfiteatro e prédios do Setor II e Instituto Internacional de Física. . 103

Figura 22: Vista parcial da arquibancada do anfiteatro. ........................................................ 104

Figura 23: Vista para o anfiteatro, prédios e caixa d’água do Setor II. ................................. 104

Figura 24: Centro de Convivência da UFRN e imediações. ................................................. 106

Figura 25: Centro de Convivência da UFRN. ....................................................................... 107

Figura 26: Estacionamento da Praça Cívica da UFRN. ........................................................ 108

Figura 27: Percentual de respostas sobre gênero................................................................... 109

Figura 28: Percentual de respostas sobre perfil étnico-racial. ............................................... 110

Figura 29: Percentual de respostas sobre renda..................................................................... 110

Figura 30: Percentual de respostas sobre formação acadêmica............................................. 111

Figura 31: Percentual de respostas sobre moradia. ............................................................... 112

Figura 32: Percentual de respostas sobre moradia. ............................................................... 112

Figura 33: Percentual de respostas sobre frequência na Batalha do Coliseu. ....................... 113

Figura 34: Percentual de respostas sobre frequência em outras batalhas de rap................... 113

Figura 35: Percentual de respostas sobre vínculo estudantil com a UFRN. .......................... 114

Figura 36: Público assiste atento à Batalha do Coliseu. ........................................................ 115

Figura 37: Foto do vencedor com a “chave” do dia. ............................................................. 115

Figura 38: Público da Batalha do Coliseu ocupando as arquibancadas. ............................... 116

Figura 39: Vista alternativa do público da Batalha do Coliseu. ............................................ 116

Figura 40: Encartes das primeiras edições da Batalha do Coliseu ........................................ 120

Figura 41: Primeira Batalha do Coliseu registrada nesta pesquisa........................................ 121

Figura 42: Apresentação de grupo musical da Batalha do Coliseu. ...................................... 121


Figura 43: Batalha do Coliseu acontecendo no Centro de Convivência Djalma Marinho
(CCDM/UFRN). ..................................................................................................................... 123

Figura 44: Aula de campo da disciplina de Folkcomunicação (DECOM/UFRN) na Batalha do


Coliseu. ................................................................................................................................... 124

Figura 45: Batalha do Coliseu na rampa do restaurante do CCDM/UFRN. ......................... 124

Figura 46: Batalha do Coliseu no CCDM/UFRN. ................................................................ 125

Figura 47: Jurados explicando as regras da Batalha do Coliseu no CCDM/UFRN. ............. 125

Figura 48: Seletiva estadual para a fase regional do Duelo de MCs Nacional. ..................... 127

Figura 49: Participação de MCs que frequentam a Batalha do Coliseu na seletiva. ............. 127

Figura 50: Apresentação de grupo musical na seletiva estadual do Duelo de MCs. ............. 128

Figura 51: Retorno da Batalha do Coliseu em 2022. ............................................................ 129

Figura 52: Apresentação de grupo musical no retorno da Batalha do Coliseu. .................... 129

Figura 53: Batalha do Coliseu com estrutura de som, tenda e iluminação adequados. ......... 130

Figura 54: Vista do público para o palco da Batalha do Coliseu. ......................................... 148

Figura 55: Foto do vencedor com a “chave” do dia no corredor do Setor II para se abrigar da
chuva....................................................................................................................................... 148

Figura 56: Detalhe da chave do dia nas mãos do MC vencedor. ........................................... 149
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Batalhas de rap do RN com datas das seletivas para as batalhas filiadas à CDB. .. 65

Tabela 2: Batalhas de rap observadas no Campus Central da UFRN em Natal. .................... 87

Tabela 3: Lista de informantes voluntárias, siglas e datas das entrevistas. ............................. 90


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12
2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O RAP ......................................................... 15
2.1 O movimento cultural hip-hop....................................................................................... 16
2.2 Rap: um desdobramento do hip-hop .............................................................................. 27
2.2.1 Mainstream, underground e outras tendências no rap .......................................... 28
2.2.2 Identidade feminina no rap .................................................................................... 31
2.3 O rap e as mídias ........................................................................................................... 34
2.3.1 Definindo as bases da relação: o rap na mídia ..................................................... 35
2.3.2 Representações do rap na mídia brasileira ........................................................... 37
2.3.3 O rap no contexto das novas mídias ...................................................................... 43
2.4 Rap e educação formal ................................................................................................... 47
2.5 Batalhas de rap .............................................................................................................. 56
3 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS ........................................................................................ 67
3.1 Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados ................................................. 69
3.2 Linhas abissais e ecologia de saberes ............................................................................ 70
3.3 Culturas híbridas e choques culturais ............................................................................ 75
3.4 Capital cultural ............................................................................................................... 78
3.5 O estranho na sociedade pós-moderna........................................................................... 80
4 CAMINHOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 83
4.1 Observação sistemática .................................................................................................. 86
4.2 Entrevistas semiestruturadas e questionário .................................................................. 89
4.3 Análise do discurso ........................................................................................................ 91
4.4 Cartografia simbólica ..................................................................................................... 94
5 BATALHA DO COLISEU .................................................................................................. 98
5.1 Espaços de realização das atividades ........................................................................... 100
5.1.1 Anfiteatro do Setor II (Coliseu) ............................................................................ 100
5.1.2 Centro de Convivência Djalma Marinho (CCDM) .............................................. 105
5.1.2 Estacionamento da Praça Cívica (UFRN)........................................................... 107
5.2 Perfil socioeconômico dos agentes participantes......................................................... 108
5.3 Práticas sociais realizadas nos espaços ........................................................................ 117
5.4 Construções narrativas nos discursos predominantes .................................................. 130
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................................. 151
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 154
12

1 INTRODUÇÃO

“Não basta seguir o caminho, é preciso que saibamos dar valor


à caminhada, pois não é o fim que nos marca,
mas a jornada que nos fortifica.”

(Patrícia Regina de Souza)

Rap é uma expressão do inglês, "rhythm and poetry" e pode ser traduzida como “ritmo
e poesia”. De acordo com a socióloga estadunidense Tricia Rose (1996), o rap é uma forma de
expressão musical originária do movimento cultural hip-hop e combina narrativas orais e
rimadas com batidas eletrônicas rítmicas. O etnomusicólogo estadunidense Emmett G. Price III
(2006), por sua vez, destaca o papel do elemento MC nos eventos que originaram o movimento
hip-hop. De acordo com Price (2006), a princípio, os MCs se reservavam à tarefa de animar o
público que frequentava os bailes de hip-hop, atuando como “mestres de cerimônia”, daí a
origem da sigla. No entanto, o autor ressalta que o papel dos MCs foi gradativamente adquirindo
destaque, ao passo que começaram a elaborar rimas e criar uma conexão mais intrínseca com o
público, que passou a despertar mais o interesse por esse tipo de interação. Nesse contexto, DJs
(disco-jóqueis) e MCs (mestres de cerimônia) passaram a produzir músicas juntos, dando
origem ao que hoje conhecemos como rap (PRICE, 2006).

O presente trabalho tem como objetivo principal investigar as batalhas de rap como
formas de comunicação popular de caráter contra-hegemônico. Considerando suas motivações
e ideologias políticas, como um movimento que gera práticas comunicacionais que vão contra
os processos históricos de dominação social. Para isso, propomos uma adaptação da
“cartografia simbólica”, uma teoria do próprio sociólogo português Boaventura de Sousa
Santos (2002), a fim de elaborar um mapa analítico-descritivo capaz de cartografar as práticas
socioculturais e discursivas provenientes das atividades realizadas pela Batalha do Coliseu, bem
como suas interações com o meio ao qual está inserido, uma vez que se trata de uma
manifestação cultural que acontece dentro do ambiente universitário.

Para alcançar o objetivo principal proposto acima, foram definidos como objetivos
específicos necessários a esta pesquisa: contextualizar historicamente o rap, considerando seu
caráter sociocultural, bem como sua relação com as mídias e o ensino formal; discutir conceitos
que viabilizem uma compreensão acerca dos aspectos socioculturais inerentes ao rap e à
realização de batalhas de rap; e analisar sistematicamente as implicações socioculturais da
13

realização de batalhas de rap no contexto dos ambientes universitários, considerando o caso da


Batalha do Coliseu.

O que se busca com a presente pesquisa é solucionar a seguinte pergunta-problema:


como o ambiente universitário influencia as práticas sociais e discursivas em batalhas de rap?
Com isso, também se tem como expectativa, dialogar com os sujeitos e saberes da cultura
envolvida, evitando ao máximo observá-los como meros objetos de pesquisa, e sim em caráter
de equanimidade, no qual ambas as partes podem aprender e dialogar uma com a outra. Na
melhor das hipóteses, a intenção aqui é também contribuir com esses sujeitos e com iniciativas
semelhantes que proponham a integração de saberes de origens e características distintas no
interior do ambiente acadêmico. Para alcançar tais metas propostas por este trabalho,
estruturamos suas etapas e dividimos em capítulos, que serão descritos a seguir.

O primeiro capítulo deste trabalho faz uma breve contextualização sobre a historicidade
do rap, considerando os aspectos sociais e políticos vinculados ao hip-hop, movimento cultural
que deu origem ao estilo musical. Para isso realizamos pesquisas bibliográficas para reunir
dados acerca da origem do movimento cultural hip-hop, bem como o contexto social em que
surgiu, suas principais formas de expressão e os primeiros grupos de rap que começaram a
surgir. Logo após, falamos sobre o rap e suas principais tendências de distribuição, seguido de
uma breve análise sobre a representatividade feminina no rap. Em seguida, abordamos a relação
do rap com as mídias, considerando suas representações, e com as instituições de ensino formal,
identificando dificuldades, mas também iniciativas em direção ao estreitamente dessa relação.
Por fim, caracterizamos o fenômeno social que define o objeto de estudo da nossa pesquisa, as
batalhas de rap, classificando suas formas de realização e práticas em comum, seguido de uma
breve contextualização com a realização de batalhas de rap na cidade de Natal (RN).

O capítulo seguinte reúne as aproximações teóricas realizadas através de estudos


bibliográficos e análises das leituras buscando suas relações com os fenômenos sociais
recorrentes das práticas sociais investigadas neste estudo. Para construir o embasamento
teórico, recorremos a Luiz Beltrão (1971; 2001) para caracterizar o processo comunicacional
que foi percebido na batalha de rap, através da teoria da folkcomunicação. As teorias das
“linhas abissais” e “ecologia de saberes”, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2007),
foram utilizadas neste trabalho para compreender os tensionamentos dos sistemas de dominação
percebidos nas interações entre os agentes envolvidos nas batalhas. No campo conceitual da
cultura, recorremos às contribuições de Néstor García Canclini (2019) para abordar a questão
14

das “hibridações culturais” e Homi Bhabha (1998) para tratar dos “choques culturais”,
fenômenos identificados no contexto estudado por esta pesquisa. Por fim, no campo da
sociologia, são discutas as teorias do “capital cultural” e do “estranho” na sociedade pós-
moderna, dos sociólogos Pierre Bourdieu (1998) e Zygmunt Bauman (1998), respectivamente,
buscando relacioná-las com as interações sociais observadas na Batalha do Coliseu.

No capítulo sobre os caminhos metodológicos, esclarecemos o conjunto de técnicas e


métodos e de coleta e interpretação de dados utilizadas nesta pesquisa. É nesse capítulo que
caracterizamos os tipos de pesquisa científica que classificam este trabalho. Por fim, temos um
capítulo dedicado ao nosso objeto de estudo, a Batalha do Coliseu, no qual definimos quatro
principais categorias de análise e apresentamos os resultados obtidos através do uso dos
métodos e técnicas descritos no capítulo anterior. Ao final do trabalho conclui-se que os
objetivos desta pesquisa foram alcançados, esclarecendo o questionamento gerado pela
pergunta problema, ao identificar indicadores de mobilização política e social através das
práticas socioculturais engajadas nos eventos observados, caracterizando os processos
comunicativos provenientes de tais atividades como processos de comunicação de caráter
contra-hegemônico. Ainda que, percebe-se também a necessidade de estudos mais
aprofundados sobre o tema a fim de investigar mais a fundo as motivações e referenciais
simbólicos presentes nesses contextos.
15

2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE O RAP

“A maioria das pessoas hoje em dia não conseguem


nem definir em palavras o hip-hop. Elas não conhecem
toda a cultura que há por trás disso.”

(Afrika Bambaataa)

Neste capítulo, será feita uma breve contextualização sobre o rap, compreendendo sua
origem, difusão e integração com projetos e iniciativas de mobilização social. Sendo o rap um
desdobramento do hip-hop, abordaremos o contexto social em que o hip-hop e, por conseguinte,
o rap surgiram e se popularizaram, bem como suas relações com a indústria cultural e as mídias
de massa. Também serão apresentados exemplos de iniciativas integrativas entre práticas do
rap e metodologias tradicionais de educação formal, para então discutir o que são e como se
caracterizam as batalhas de rap.

O primeiro subcapítulo será dedicado à contextualização histórica do surgimento do hip-


hop, movimento cultural que deu origem ao gênero musical rap. Para isso, nos baseamos em
diferentes autores como os(as) sociológos(as) Tricia Rose (1994), José Carlos Gomes da Silva
(1999) e Maria Eduarda Araújo Guimarães (1999); os(as) jornalistas Marcos Antônio Zibordi
(2015), Mark Skillz (2014), além de Janaina Rocha, Mirella Domenich & Patrícia Casseano
(2001). Também utilizamos como referência o educador físico Daniel Bidia Olmedo Tejera
(2013), a pedagoga Elaine Nunes de Andrade (1999), o crítico musical Nelson George (2004),
o etnomusicólogo Emmett G. Price III (2006) e a curadora de moda N. J. Stevenson (2012). As
contribuições desses autores fundamentaram o conteúdo deste subcapítulo e fornecendo
elementos informativos e analíticos essenciais para a compreensão do contexto sociocultural no
qual o rap surgiu, bem como suas implicações na sociedade.

No segundo subcapítulo, iremos nos ater ao rap, uma das formas de expressão do hip-
hop, utilizando como referências, os textos dos professores universitários David Toop (2000),
Mickey Hess (2007) e Adam Bradlay & Andrew DuBois (2010); da antropóloga Jaqueline Lima
Santos (2019), os(as) historiadores(as) Micael Herschmann (2005) e Maria Aparecida da Silva
(1999), as sociólogas Gayatri Spivak (2010) e Patricia Hill Collins (2006), etnomusicóloga
Kyra Gaunt (2003), bem como as contribuições da comunicóloga Thífani Postali (2020), e da
socióloga Denise Carvalho dos Santos Rodrigues (2017). No terceiro subcapítulo, traremos a
discussão sobre o rap através da perspectiva das mídias e suas relações. Para a construção deste
subcapítulo nos baseamos em autores como os professores universitários Francisco Carlos
16

Guerra de Mendonça Júnior (2014, 2020) e S. Craig Watkins (2005), além dos(as) já
supracitados(as) autores(as) Guimarães (1999), Rose (1994) e Herschmann (2005).

O quarto subcapítulo será dedicado a uma análise da utilização do rap como instrumento
de educação formal e sua relação com as instituições e espaços de ensino. Para tanto, somamos
as ontribuições dos autores já citados, elucidações de outros autores, como o professor
estadunidense James Braxton Peterson (2016), o jornalista brasileiro Marcos Antonio Zibordi
(2015) e o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1989). No quinto e último subcapítulo, focamos
especificamente nas batalhas de rap, buscando compreender suas origens e adaptações, através
da discussão de textos como os do antropólogo brasileiro Ricardo Indig Taperman (2011), a
professora de letras Rôssi Alves (2013) e a arquiteta e urbanista potiguar Sarah Esli de Lima
Souza (2019). Através do cruzamento dessas fontes com notícias jornalísticas e outras
informações reunidas com buscas realizadas em páginas na internet e consultas pessoais a
figuras relevantes no cenário hip-hop local, foi possível traçar um breve apanhado sobre a
atuação de batalhas de rap no estado do Rio Grande do Norte e, mais especificamente, na cidade
de Natal, capital do estado.

2.1 O movimento cultural hip-hop

Neste subcapítulo, iremos nos ater ao surgimento do hip-hop, enquanto movimento


cultural, bem como sua relação com as questões de raça, gênero e luta de classes, para depois
compreender como esse movimento se estruturou e expandiu suas formas de expressão –
principalmente o rap – para além da realidade local onde surgiu, tornando-se um movimento
cultural difundido mundialmente. É importante compreender que o rap é um gênero musical
oriundo do hip-hop, um movimento cultural mais abrangente. De acordo com a socióloga
estadunidense Tricia Rose (1994), o hip-hop surgiu em meados dos anos 1970 no bairro do
Bronx, periferia de Nova Iorque, Estados Unidos.

De acordo com o sociólogo brasileiro José Carlos Gomes da Silva (1999), o hip-hop
surgiu como um movimento artístico-político entre jovens afro-americanos e caribenhos que
viviam nos guetos em meio ao cenário de violência, desemprego e conflitos entre gangues que
assolavam os bairros periféricos da metrópole nova-iorquina naquela época. Nesse contexto,
Silva (1999) destaca a existência de gangues e as chamadas “posses” como principais formas
de convivência entre os jovens da periferia. No entanto, o autor pontua que, enquanto as
gangues promoviam violência no bairro e guerras entre grupos rivais, realizando assaltos e
17

intimidando inimigos, as posses já eram pacíficas e tiveram papel fundamental na concepção


do movimento hip-hop. De acordo com o autor:

É nesse plano mais particular, relativo ao bairro, que os jovens se estruturam mediante
as festas de rua, as crews ou posses. As posses constituíram-se como espaço próprio
pelo qual os jovens passaram não apenas a produzir arte, mas a apoiar-se mutuamente.
Diante da desagregação de instituições tradicionais, como a família, e a falência dos
programas sociais de apoio, as posses consolidaram-se no contexto do movimento
hip-hop como uma espécie de “família forjada” pela qual os jovens passaram a discutir
os seus próprios problemas e a promover alternativas no plano da arte. No contexto
norte-americano as posses constituem-se como o oposto às gangues, que são também
grupos juvenis de apoio, que, não obstante, promoviam a violência entre os iguais
(SILVA, 1999, p.27, grifo do autor).

Conforme observa o educador físico brasileiro e pesquisador em ciências da motricidade


Daniel Bidia Olmedo Tejera (2013), nesse contexto de vulnerabilidade e desamparo social
(Figura 1) emergiu uma “criatividade e disposição desses jovens diversos a criarem e
organizarem manifestações a favor das mudanças que eles acreditavam ser necessárias para
aquela ocasião” (p. 22). Silva (1999) observa então que, reunidos no âmbito das posses, esses
jovens foram gradativamente substituindo a rivalidade das ruas, provocada pelos conflitos entre
gangues, pelas disputas no plano simbólico, através da arte. O autor menciona as festas de rua,
ou block parties, que começaram a surgir no Bronx como alternativa de lazer e reflexão entre
os jovens, onde formas de expressão como música, dança e grafite começaram a ser utilizados
como instrumentos de conscientização política.

Figura 1: Homem anda sobre os escombros do bairro do Bronx, Nova Iorque.


Fonte: Owen Franken, 1976.

O grafite, de acordo com professora universitária brasileira Elaine Nunes de Andrade


(1999), é uma forma de arte visual que surgiu a princípio “para demarcar o território de ação de
determinado grupo, mas ultrapassou os guetos e passou a embelezar a cidade nova-iorquina”
18

(p. 87). De acordo com a autora, o grafite possui uma intenção de protesto que o difere das
pichações, pois seus desenhos “revelam dor, exaltação do grupo, repúdio a uma forma de
opressão” (ANDRADE, 1999, p. 87). Além de assinarem seus nomes artísticos – ou tags – a
autora ressalta que os grafiteiros também se expressam por meios de letreiros e painéis
elaborados nas paredes da cidade e superfícies do metrô, colorindo a paisagem urbana com
mensagens de otimismo e nomes de grupos 1. Na figura a seguir, exemplos de grafites no metrô
de Nova Iorque, com mensagens como “do the right thing!” e “justice is adequate!” – traduzidas
como “faça a coisa certa!” e “justiça é adequado!”, respectivamente – e referências a crews
como os Cold Crush Brothers, do Bronx (Figura 2).

Figura 2: Grafites no metrô de Nova Iorque.


Fonte: The Guardian, 2014.

Interessado inicialmente pelo grafite, conforme relata o escritor e crítico musical


estadunidense Nelson George (2004), o jovem imigrante jamaicano Kool Herc (Clive
Campbell) começou a frequentar as posses, mas logo passou a promover suas próprias bloc
parties (Figura 3), onde colocou em prática sua técnica de utilizar dois toca-discos reproduzindo
discos idênticos simultaneamente, de forma que era possível destacar e repetir infinitamente o
momento mais impactante da batida musical, chamado de break beat, ou apenas break 2. Essa

1
DICING with death: the original New York graffiti artists – in pictures. The Guardian, Londres, 5 set. 2014.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/gallery/2014/sep/05/original-new-york-graffiti-
artists-in-pictures>. Acesso em 25 fev. 2022.
2
Um exemplo de música com break beat é “Give it Up or Turn it a Loose” (aos 4:57) de James Brown
(GEORGE, 2004).
19

técnica ficou conhecida como “Merry-Go-Round” 3. Os jovens que se aglomeravam para


dançar, embalados no ritmo da seleção de funk e soul music afro-americana de Kool Herc, logo
foram batizados pelo DJ de breakers, ou b-boys e b-girls, pois dançavam ao som do break.
Segundo consta nos noticiários, a primeira festa de Kool Herc nesses termos aconteceu em 11
de agosto de 1973, no salão de um prédio localizado na avenida Sedwick, 1520, bairro do
Bronx, Nova Iorque 4.

Figura 3: Exemplo de bloc party, festa com aparelhagem de som em quadra do Bronx.
Fonte: Henry Chalfant, 1984.

A break dance, ou dança break, de acordo com Andrade (1999), tem seus movimentos
robóticos e acrobáticos inspirados no “corpo debilitado dos soldados que voltavam da Guerra
do Vietnã” (p. 87) e no movimento das hélices dos helicópteros utilizados no conflito. Segundo
a autora, o objetivo era “mostrar o descontentamento dos jovens com relação à guerra”
(ANDRADE, 1999. p. 87). No ambiente das festas, os b-boys e b-girls se revezavam,
disputando uns com os outros, nos espaços abertos no meio da multidão, chamados de cyphers,
para realizar suas performances provocativas 5 (Figura 4).

3
KOOL Herc "Merry-Go-Round" technique. [S. l.: s. n.], 2012. 1 vídeo (4 min.). Publicado pelo canal
GoodStuff79. Disponível em: <https://youtu.be/7qwml-F7zKQ>. Acesso em 5 mar. 2022.
4
ALTMAN, M. Hoje na História: 1973 - Hip hop surge durante festa no Bronx, em Nova York. Opera Mundi,
São Paulo, 11 ago. 2021. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/hoje-na-historia/37403/hoje-na-
historia-1973-hip-hop-surge-durante-festa-no-bronx-em-nova-york>. Acesso em 27 fev. 2022.
5
GEORGE, C. Exploring the birth of the b-boy in 70s New York. Vice, Londres, 26 nov. 2018. Disponível em:
<https://i-d.vice.com/en_uk/article/ev3v4z/exploring-the-birth-of-the-b-boy-in-70s-new-york>. Acesso em 25
fev. 2022.
20

Figura 4: B-boys performando ao som do break em festa de hip-hop.


Fonte: Ricky Flores, 1984

Por outro lado, conforme constatamos em George (2004), a origem dos movimentos da
dança break pode estar relacionada também às gangues, que apostavam dinheiro em disputas
de um tipo de dança chamada Good Foot 6, inspirada em James Brow, renomado artista da
música negra norte-americana. De acordo com o autor, as festas de Kool Herc, com suas
aparelhagens inspiradas nos sound systems jamaicanos, atraiu o interesse de jovens como
Grandmaster Flash (Joseph Saddler) e Afrika Bambaataa (Kevin Donovan) (Figura 5). Segundo
George (2004), Grandmaster Flash era um jovem interessado em discos e circuitos de áudio
que, não só conseguiu replicar, como aperfeiçoou a técnica de Kool Herc, consagrando-se como
DJ 7. Já Afrika Bambaataa era um ex-integrante de gangues que, inspirado nas block parties de
Kool Herc, passou a promover encontros de grupos voltados para disputas de música, dança e
grafite (GEORGE, 2004).

6
GOOD Foot Dance / James Brown. [S. l.: s. n.], 2016. 1 vídeo (1m43s). Publicado pelo canal '00s Grits &
Soul. Disponível em: <https://youtu.be/hRl5r83B_zI>. Acesso em 5 mar. 2022.
7
GRANDMASTER Flash – Wildstyle. [S. l.: s. n.], 2010. 1 vídeo (2m4s). Publicado pelo canal Roland.
Disponível em: <https://youtu.be/JHIsNQ3eh2g>. Acesso em 6 mar. 2022.
21

Figura 5: Grandmaster Flash, Afrika Bambaataa e Kool Herc.


Fonte: Source Magazine, 1993.

De acordo com o etnomusicólogo estadunidense Emmett G. Price III (2006), ao


perceber a relação entre essas diferentes formas de expressão artística, Afrika Bambaataa
decidiu uni-las e formar um novo conceito chamado hip-hop, que logo passou a ser considerado
um movimento cultural, constituído pelos elementos DJ, break dance, grafite e MC. Segundo
o autor, gradativamente os membros de gangues foram aderindo ao hip-hop. O desejo de
Bambaataa era direcionar as disputas das ruas para o campo das artes, promovendo um clima
de união e fraternidade entre os grupos (PRICE, 2006). Para isso, ele fundou a organização não-
governamental Zulu Nation (Figura 6), que tinha como lema “Paz, Amor, União e Diversão”,
considerado por ele como a base do autêntico espírito do hip-hop. A organização foi fundada
em 12 de novembro de 1973, com o objetivo de inspirar jovens desprivilegiados e membros de
gangues a usar forças criativas como meios de mudança de vida, utilizando o hip-hop como
veículo para alcançar tal objetivo 8.

8
HISTORY: Afrika Bambaataa forms Universal Zulu Nation, Backyard Opera, 11 out. 2020. Disponível em:
<https://www.backyardopera.com/music-17/2020/10/11/history-afrika-bambaataa-forms-universal-zulu-nation-
587wp>. Acesso em 27 fev. 2022.
22

Figura 6: Publicidade da organização não-governamental Zulu Nation.


Fonte: Pete Nice, 1990.

O DJ Afrika Bambaataa acredita que o rap sempre existiu, manifestando-se de diversas


formas ao longo da nossa história, através de músicas que podem ser consideradas como
similares ao rap em suas devidas épocas 9. Esse pensamento é sustentado pela socióloga
brasileira Maria Eduarda Araújo Guimarães (1999), quando argumenta que a maneira
discursiva na qual o rap é construído, em que o cantor “na verdade parece estar falando” (p.
39), remete às tradições africanas dos relatos orais. A pedagoga brasileira Elaine Nunes de
Andrade (1999) também corrobora com esse pensamento, ao afirmar que indícios de tradições
culturais que podem ter contribuído para a origem do rap “podem ser encontradas entre a
população historicamente escravizada tanto do Brasil quanto dos EUA” (p. 87). De acordo com
a autora:

No Brasil, os ganhadores de pau, que vendiam água nas ruas de Salvador, utilizando-
se do canto-falado em que o MC (mestre-de-cerimônia) conduzia o grupo. Nos EUA,
houve os escravos das fazendas de algodão no sul do país, os griots, que também se
utilizavam desse estilo de cantar. É um exemplo básico da transcendência negra: não
importa onde estejam seus descendentes, há referências e culturas de origem africana
que permanecem por gerações (ANDRADE, 1999, p. 87).

O jornalista brasileiro Marcos Antônio Zibordi (2015) explica que, apesar de ter surgido
a partir da iniciativa de DJs como Kool Herc e Afrika Bambaataa, o papel dos DJs acabou

9
DIEC, J. Afrika Bambaataa raps on early hip-hop. Cornell Chronicle, Ithaca, 29 nov. 2012. Disponível em:
<https://news.cornell.edu/stories/2012/11/afrika-bambaataa-raps-early-hip-hop-history>. Acesso em 5 mar.
2022.
23

ficando em segundo plano em relação aos MCs, limitando-se a reproduzir os discos que
tocavam nas festas. No entanto, o autor observa que logo os DJs passaram a ter mais relevância
no movimento à medida que começaram a produzir sons próprios e explorar novas estéticas nas
suas produções musicais.

Até então meros discotecários, os DJs passam a fazer experimentações como acelerar
e retardar a rotação dos discos ou provocar ruídos pela fricção da agulha. Compõem
a partir de colagens de trechos instrumentais fortemente rítmicos, novo método de
selecionar um fragmento do vinil, de preferência sem a voz do cantor, e repeti-lo
diversas vezes, criando outra narrativa sonora a embalar os dançarinos que
acompanhavam essas sequências feitas de pedaços, de cortes, ou de breaks: eram os
break boys, ou b. boys, com a designação feminina de b. girls (o nome da dança
defendido pelos praticantes da cultura é especificamente breaking) (ZIBORDI, 2015,
p. 21, grifo do autor).

Segundo o jornalista Mark Skillz (2014), um dos DJs que começou a se destacar nesse
cenário foi o DJ Hollywood que, inspirado nos DJs de rádio, que falavam enquanto a música
era tocada, passou a elaborar rimas que eram faladas durante a reprodução de seus discos. O DJ
Hollywood se considera um forte influenciador, pois considera que ninguém antes dele integrou
o microfone ao toca-discos da maneira que ele fez, apesar de reconhecer que existiram rappers
na música antes dele. O único reconhecimento público pelas contribuições do DJ Hollywood
para o rap foi através do prêmio “Hip-Hop Honors”, do canal VH1, concedido em 2005. De
uma forma geral, muitas vezes o DJ Hollywood deixa de ser citado em contextualizações
históricas sobre o rap. Isso pelo motivo de muitos pioneiros do movimento o considerarem um
DJ de disco music e não necessariamente de hip-hop 10.

É o caso dos próprios DJs Kool Herc, Afrika Bambaataa e Grandmaster Flash, conforme
podemos verificar em George (2004). Embora exista uma discussão sobre quem foram os
primeiros rappers no movimento hip-hop, os DJs precursores do movimento compartilham da
mesma visão sobre o DJ Hollywood: que ele era um DJ mais voltado para o disco. De acordo
com o DJ Grandmaster Flash (apud GEORGE, 2004), as primeiras pessoas que ele viu falar ao
microfone durante as músicas e entreter o público, não necessariamente sincronizados com a
batida, foram nas festas de Kool Herc, como por exemplo Coke La Rock (Figura 7), que muitas
vezes atuava como MC em discotecagens do próprio Kool Herc. Segundo o DJ Kool Herc,

10
SKILLZ, M. DJ Hollywood: The Original King of New York. Cuepoint, 19 nov. 2014. Disponível em
<https://medium.com/cuepoint/DJ-hollywood-the-original-king-of-new-york-41b131b966ee>. Acesso em 5 mar.
2022.
24

frases e gírias comuns utilizadas entre os moradores do bairro eram faladas ao microfone, como
se estivesse falando com um amigo no meio da plateia (GEORGE, 2004).

Figura 7: MC Coke La Rock e DJ Kool Herc.


Fonte: Universal Hip Hop Museum, 1980.

O DJ Afrika Bambaataa (apud GEORGE, 2004) complementa que, quando os MCs


começaram a rimar, foi por influência de um grupo formado pelo DJ Grandmaster Flash,
inicialmente com os MCs Keith Cowboy, Kidd Creole e Melle Mel. De acordo com o DJ
Grandmaster Flash (apud GEORGE, 2004), foi o MC Cowboy que introduziu frases como
“Joguem suas mãos pro ar!”, “Batam palmas na batida!” e “Alguém grita aí!”, com uma voz
poderosa que demandava atenção do público, já os irmãos Kidd Creole e Melle Mel foram os
primeiros a adicionar um caráter poético às suas rimas, além de apresentar uma fluidez que lhes
permitia complementar as frases um do outro. O DJ ressalta que, juntamente com Coke La
Rock, eles foram os “primeiros técnicos da rima” (GEORGE, 2004, p. 52) em seu grupo, antes
da entrada dos MCs Mr. Ness/Scorpio e Rahiem, que chegaram depois para integrar o quinteto
que ficou conhecido como Grandmaster Flash & The Furious Five (Figura 8):
25

Figura 8: Flyer de apresentação de Grandmaster Flash


& The Furious Five no clube Twin City Roller Rink, 10/9/81.
Fonte: Johan Kugelberg hip-hop collection, Cornell University Library, 1981.

Conforme observa Andrade (1999), embora o hip-hop englobe também as formas de


expressão a dança break e o grafite, foi através da música rap que o movimento desenvolveu
seu meio artístico mais expressivo. De acordo com Price (2006) através da Zulu Nation, tornou-
se possível mudar gradativamente a realidade social do seu bairro. O autor ressalta que, no final
dos anos 1970, o hip-hop já era um dos movimentos culturais com mais adeptos nas periferias
de Nova Iorque, que posteriormente foi se expandindo para outras regiões dos Estados Unidos.
Segundo Silva (1999), à medida que os elementos centrais do movimento hip-hop foram sendo
constituídos, foram também desterritorializados, se espalhando pelas grandes metrópoles
mundiais.
26

Pelos meios de comunicação, TV, cinema, rádios, indústria fonográfica, redes de


computadores etc., os jovens de diferentes metrópoles integram-se ao movimento hip
hop. Desde então passaram a reinterpretar a realidade particular por eles vivida
orientados por símbolos e práticas culturais elaboradas externamente. É o que hoje se
verifica com a segunda geração de descendentes de africanos na França, com os jovens
turcos na Alemanha e com os jovens excluídos nos bairros periféricos de São Paulo e
cidades-satélites de Brasília (SILVA, 1999, p.28).

Price (2006) considera que, com sua globalização, o hip-hop se tornou o movimento
negro mais importante do mundo, por expandir a causa negra globalmente, mesclando arte e
consciência política adaptando-se às questões de cada localidade. Isso vai ao encontro do
pensamento de Rose (1994) que, por sua vez, destaca que o rap levanta uma série de questões
sobre cultura e música popular, pois aborda uma série de problemas sociais, culturais e políticos
da sociedade contemporânea. De acordo com Rose (1994), as formas de expressão e linguagens
desenvolvidas no hip-hop construíram um imaginário discursivo e simbólico capaz de dialogar
com as grandes massas sobre as dinâmicas sociais, positivas e negativas, vividas pelas
comunidades negras nas periferias dos grandes centros urbanos.

Devido à atitude e estilo bastante distintos adotados pelos hip-hoppers, não demorou
muito para que o mercado da moda também se apropriasse desses elementos para lucrar. Os
agasalhos, bonés, tênis, bermudas largas, camisetas com frases ou estampas de líderes e músicos
negros, que facilmente identificam os integrantes do movimento em qualquer lugar do mundo,
logo viraram tendência também entre jovens não negros e de classe média, que passaram a se
identificar e se expressar através dos elementos culturais do hip-hop (GUIMARÃES. 1999). De
acordo com Stevenson (2012, p. 244), “não foi só a linguagem que fez parte do estabelecimento
da cultura hip-hop, mas também um código de vestuário dotado de padrões que significavam
pertencimento ao grupo”.

Com a ascensão do hip-hop e sua consequente popularização, tanto no mercado como


na mídia, alguns militantes foram se afastando cada vez mais de sua premissa inicial de
promover uma “consciência coletiva”, para então satisfazer as demandas do mercado. Price
(2006) explica que, para conter isso, Afrika Bambaataa, através da organização Zulu Nation,
propôs a adição de um quinto elemento ao movimento: o overstanding 11 (“exagero de
conhecimento” em tradução livre). Para Bambaataa, seria necessário resgatar a avidez por
conhecimento que motivaram inicialmente a criação do hip-hop. Apesar de não considerar o

11
Um neologismo a partir do termo em inglês understanding, que significa compreensão ou entendimento.
Bambaata subverteu o prefixo under (sub, por baixo), substituindo-o por over (sobre, por cima).
27

lucro como objetivo final algo necessariamente ruim, o DJ considerava a busca excessiva por
esse lucro como um fator determinante para a desvirtuação do movimento para com seus
objetivos originais (PRICE, 2006).

De acordo com Andrade (1999), além de promover a educação política e o direito à


cidadania, o hip-hop também se mostrou uma expressiva ferramenta de complementação à
educação formal de seus participantes, com início nas atividades realizadas nas posses, como
ações pedagógicas em grupo visando “pleitear direitos, atingir objetivos e intervir nas relações
sociais” (p. 89). A movimentação desses jovens em torno da cultura hip-hop e, mais
precisamente do rap, possibilitou “a garantia de superar a crise social com fatos como
desemprego, as dificuldades escolares, e a perseguição dos policiais” (p. 90). Nas ações
pedagógicas, os grupos jovens desenvolvem estratégias para superar os fatores da exclusão,
fortalecendo sua identidade étnica e reafirmando “sua capacidade de apresentar ideias,
compartilhar opiniões e sugerir mudanças sociais” (p. 91).

Nesse subcapítulo pudemos nos familiarizar com o contexto social crítico no qual o
movimento cultural hip-hop surgiu e como suas formas de expressão, principalmente o rap,
apresentam relações com as tradições dos povos negros escravizados e trazidos para as
Américas, fazendo dessa cultura negra parte importante de um imaginário social de ligação na
diáspora. Pudemos compreender também aspectos relacionados aos objetivos do movimento
que, através de suas mobilizações e instituições, buscava promover união, cultura e
conscientização entre os jovens negros e menos favorecidos das periferias. Também citamos
agentes importantes no processo de constituição do movimento, como os DJs Kool Herc, Afrika
Bambaataa e Grandmaster Flash. Vimos também que existe uma discussão sobre quem foi o
primeiro rapper no movimento hip-hop e a contribuição do DJ Hollywood nesse processo,
apesar de os DJs citados anteriormente ressaltarem que este último se trata de um DJ de disco
music, portanto, não o consideram um integrante do hip-hop, apesar de reconhecerem seu
talento e trabalho com as rimas. Isso dá indícios de que, apesar de ser um movimento com
objetivos bem definidos, o hip-hop também apresenta suas ambiguidades, conforme veremos
mais detalhadamente no próximo subcapítulo.

2.2 Rap: um desdobramento do hip-hop

Após levantar questões básicas acerca do surgimento do movimento cultural hip-hop,


neste subcapítulo iremos nos ater aos aspectos das negociações da música rap no seu processo
28

de disseminação, entendendo-a como um desdobramento do hip-hop. Para isso precisamos


retomar a discussão do final do subcapítulo anterior, quando os primeiros grupos de rap
começaram a surgir. Conforme vimos em George (2004), o DJ Afrika Bambaataa defende que
os primeiros rappers do movimento hip-hop foram os MCs que rimavam e se apresentavam
junto com os DJs nas festas de hip-hop do Bronx como as do DJ Kool Herc. Para Price (2006),
a notoriedade dada à música rap vem do fato de esta ser a forma de expressão que detém o
poder da palavra, tornando-se uma espécie de porta-voz para movimento.

2.2.1 Mainstream, underground e outras tendências no rap

De acordo com Price (2006), foi a partir da décadas de 1980 e 1990 que as gravadoras
começaram a se interessar pelo rap, mais do que pelos demais elementos do hip-hop, o que deu
início a um dos debates mais predominantes até hoje no movimento: entre os que defendem o
rap underground como forma de expressão que carrega a verdadeira essência do movimento e
os que se integram ao mercado mainstream do entretenimento e da indústria cultural, assinando
com grandes gravadoras, fechando contratos de publicidade, fazendo aparições em meios como
televisão, rádio e revistas. Segundo o autor, as gravadoras passaram a dar mais destaque aos
MCs – em detrimento de outros artistas do movimento, como DJs, grafiteiros e breakers em
suas produções, o que ficou mais evidente com o surgimento do gangsta rap, onde figuras como
b-boys, b-girls e grafiteiros são menos visibilizadas, apesar de popularizar o papel da produção
musical dos DJs.

De acordo com Rose (1994), o estilo gangsta rap surgiu em Los Angeles, na Costa
Oeste dos Estados Unidos, popularizado inicialmente pelo rapper Ice-T e caracterizado por
narrar as experiências e fantasias relacionadas ao cotidiano dos jovens negros e pobres dos
subúrbios da cidade, evidenciando a violência e os conflitos entre gangues, o que acabou
encorajando o surgimento de outros artistas como Ice Cube, Too Short, Dr. Dre, Ezy-E, Snoop
Dogg e grupos como NWA, Compton’s Most Wanted, WC and the Maad Circle, South Central
Cartel. Em um contexto geral, Rose (1994) considera que as articulações muitas vezes
contraditórias do rap não indicam uma falta de clareza intelectual no movimento, uma vez que
essas divergências são naturais em processos dialéticos que oferecem mais de um ponto de vista
social, cultural ou político.

O debate sobre mainstream e underground também levanta questões sobre a noção que
os rappers têm do hip-hop enquanto movimento e a necessidade de uma coerência da
29

integridade, postura e autobiografia dos artistas com os ideais do movimento. Segundo o autor,
muitas letras questionam tanto a estrutura da indústria fonográfica e a própria carreira de
rapper, quanto a noção do que é “hip-hop de verdade” e “MCs de verdade” (p. 22). Segundo o
autor, criou-se também uma tensão comercial entre os termos hip-hop e rap, em que o termo
hip-hop pode compreender toda uma cultura que vai além da música, incluindo também as artes
do grafite e da dança break, ou até mesmo um estilo de vida, apesar de alguns MCs usarem o
termo “hip-hop music” ou apenas “hip-hop” para se referirem à música rap. O autor ressalta
que, em algumas letras, tanto o termo rap pode ser usado para se referir a músicas comerciais,
quanto o termo hip-hop pode ser usado para se referir a músicas autênticas, ao mesmo tempo
que alguns artistas fazem questão da distinção entre rappers e MCs ou MCs “de verdade”
(HESS, 2007, p. 23).

Para Rose (1994), a inserção do hip-hop no mercado capitalista resultou em uma


reconfiguração do movimento. Segundo a autora, com sua popularização, o rap passou a ser
consumido não só entre os jovens negros da periferia, como também entre brancos de classes
sociais mais abastadas, tornando-se a maior parte do público, fascinados pela diferença entre a
construção social da cultura negra criada pelo pensamento hegemônico e as narrativas contidas
nas músicas, consideradas por muitos, “proibidas”. A autora relata também que passaram a
prevalecer letras que exaltavam a violência, sexo e consumo excessivo de drogas, bem como
diminuiu o número de rappers com uma atitude mais consciente, preocupados com as questões
sociais, em razão da maior popularidade e visibilidade dada aos rappers que apresentassem um
discurso mais vendável. Guimarães (1999) corrobora com o pensamento de Rose (1994) ao
apontar que, mesmo se tratando de uma forma de expressão que retrata a realidade da periferia,
descrevendo um cotidiano em que a violência é uma presença constante, o rap conseguiu
transpor as barreiras (físicas e simbólicas) que cerceavam seus discursos e passou a ser
valorizado na indústria cultural, mobilizando um mercado expressivo ao redor do mundo, se
inserindo no mercado de bens culturais das classes média e alta e nos meios de comunicação de
massa.

Ao realizar um estudo sobre o rap de Angola, a antropóloga brasileira Jaqueline Lima


Santos (2019) identificou quatro principais subdivisões do gênero musical no país, sendo eles
os raps considerados como de ascensão social, futurista, mainstream comercial e mainstream
underground. Segundo a autora, os artistas da escola da ascensão social geralmente são
oriundos de classes sociais populares que conseguem atingir grande popularidade e, apesar de
30

não fazerem grandes críticas às instituições e o regime vigente de Angola, tratam de temas
sociais ao abordar suas trajetórias individuais, narrando momentos de pobreza e sofrimento
vivenciados, bem como o acesso a bens de consumo proporcionado por suas carreiras,
ressaltando sua própria ascensão social. Os futuristas, segundo a autora, são os artistas mais
focados em questões subjetivas e suas inserções no mundo, buscando, através de reflexões sobre
suas constituições enquanto sujeitos e a apresentação de um olhar crítico sobre o contexto em
que vivem, propor perspectivas para o futuro e utilizar a produção musical e artística como uma
forma de “transcender”. Nesse segmento a autora cita os artistas Kool Klever e Keita Mayanda.

O mainstream comercial, segundo Jaqueline Santos (2019), é o segmento que


compreende as produções elaboradas pelas instituições dirigidas pela chamada “burguesia
nacional”. Nesse contexto, a autora relata que as narrativas se moldam conforme os interesses
do mercado fonográfico angolano, com letras que celebram temas como ostentação, ego, festas,
amor e disputas, mencionando grupos como Kalibrados, Zona 5, DJ Tafinha e Cage One.
Segundo a autora, existem também os artistas do mainstream underground que, apesar de
abordarem questões sociais e políticas, conseguem fazer com que seus discursos circulem em
todos os espaços da sociedade angolana, vendo nisso uma estratégia para atingir públicos mais
diversos e gerar um maior impacto social através de suas letras, mesmo que muitas vezes esses
artistas sejam vítimas de boicote, censura e até mesmo perseguição política devido à sua postura
antigoverno. Nesse cenário, a autora cita os exemplos Kid MC, Eva RapDiva e Yanick
Afroman.

O historiador brasileiro Micael Herschmann (2005) observa que, apesar da atitude


consciente proposta por muitos dos militantes mais antigos do hip-hop, com posicionamentos
geralmente contra a violência e o uso de drogas ilícitas, muitos rappers apresentam discursos
em suas letras muitas vezes contrários a esses posicionamentos, gerando uma tensão entre os
membros que apresentam uma postura mais rígida. O autor também reflete sobre as relações de
gênero no hip-hop, observando que as mulheres, mesmo que envolvidas nos processos, acabam
ocupando papéis secundários, apesar de os homens não admitirem o machismo, muitas vezes
velado, mas que também se manifesta de forma clara em discursos misóginos e xingamentos
sexistas presentes em algumas das letras (HERSCHMANN, 2005).
31

2.2.2 Identidade feminina no rap

De acordo com a historiadora brasileira especializada em diáspora africana Maria


Aparecida da Silva (1999), o protagonismo da mulher no hip-hop pode ser considerado mais
expressivo no rap, sendo, portanto, menos percebido no break e, por conseguinte, no gratife,
outras formas de expressão artística que também constituem esse movimento cultural. De
acordo com a autora, algumas hip-hoppers afirmam que é muito mais fácil para uma mulher ser
aceita como breaker (dançarina de break) do que respeitada como rapper, bem como o fato de
haver diferenças substanciais no tratamento entre b-boys e b-girls. Enquanto os primeiros usam
livremente roupas largas e são aplaudidos exclusivamente pela radicalidade de suas
performances, as mulheres são encorajadas a usar roupas de lycra que denotam as formas
físicas, arrancando assovios e aplausos da plateia majoritariamente masculina que muitas vezes
são dirigidos a aspectos pessoais ou físicos da pessoa e não necessariamente à sua apresentação.
A autora ainda considera que “em defesa da supremacia masculina no rap, os garotos inventam
uma superproteção para as rappers” (SILVA, 1999, p. 96) ao mesmo tempo que
hipersexualizam a figura feminina em suas letras.

Tricia Rose (1994) segue o mesmo pensamento ao considerar que o rap reflete o
machismo da sociedade, visto na baixa representatividade feminina no movimento,
principalmente em seu início, e na objetificação sexual das mulheres nas letras das músicas. A
autora afirma que as letras presentes no rap mainstream nos Estados Unidos sustentam um
discurso sexista ao mesmo tempo que isso é negado pelos rappers, que afirmam tratar as
mulheres de acordo com seus padrões e valores morais. Por isso, ela lamenta o fato de esse
discurso ser aceito, pois explora e controla a sexualidade feminina. Além disso, a autora
considera que o rap mainstream trata as mulheres como inferiores, naturalizando sua pouca
ocupação dos espaços sociais. Já os homens são tidos como líderes naturais e provento das
famílias, reforçando o patriarcado.

Na mesma linha, segue o pensamento da socióloga estadunidense Patricia Hill Collins


(2006), que também observa a falta de protagonismo feminino no movimento hip-hop,
argumentando que isso é um reflexo das estruturas patriarcais da sociedade. Por outro lado, a
autora também defende que a expansão do hip-hop para além das fronteiras dos bairros de
periferia fez com que sua mensagem transcendesse o provincianismo das universidades norte-
americanas, atingindo, por exemplo, mulheres negras que apresentam dificuldades no acesso à
educação universitária devido a uma barreira socioeconômica (COLLINS, 2006). De acordo
32

com Collins (2006), que estudou o feminismo negro no contexto do hip-hop, apesar de ser um
movimento bastante heterogêneo, com bastante divergências entre mensagens, algumas
mulheres negras conseguiram utilizar a popularização do movimento para reivindicar suas
demandas e politizar outras mulheres negras, que talvez não teriam outra forma de conhecer o
feminismo, além do rap.

A questão da falta de protagonismo feminino no hip-hop também é abordada pela


etnomusicóloga estadunidense Kyra Gaunt (2003), destacando, por sua vez, que este não é um
fenômeno observado apenas no hip-hop. Tal apagamento sofrido pelas mulheres nesses
espaços, principalmente as mulheres negras, é abordado pela socióloga indiana Gayatri Spivak
(2010), ao observar que as mulheres negras sofrem um duplo apagamento, por serem mulheres
e negras. De acordo com a autora, numa sociedade que é igualmente sexista e racista, podem
tanto um homem negro quanto uma mulher branca contribuir com esse apagamento, ao
questionarem a legitimidade dessas opressões, ao invés de refletir sobre seus privilégios
(SPIVAK, 2010).

Ainda nesse campo do pensamento, destacamos o trabalho da comunicóloga brasileira


Thífani Postali (2020), que estudou as questões que permeiam o local social da mulher negra e
suas representações em produções audiovisuais. A autora observa que, mesmo em produções
que buscam questionar as relações sociais que reproduzem, acabam por corroborar com as
narrativas dominantes, invisibilizando os problemas enfrentados pelas mulheres negras
marginalizadas, inclusive as que são reconhecidas como líderes comunicadoras em suas
determinadas localidades (POSTALI, 2020). Para a socióloga brasileira Denise Carvalho dos
Santos Rodrigues (2017), os problemas enfrentados por esses grupos específicos são pautados
por manifestações de racismo, preconceito e discriminação, motivadas por convicções
ideológicas, religiosas, raciais, culturais, étnicas e esportivas, visando a exclusão social desses
grupos, mesmo com após a implementação de todo um aparato jurídico antirracista ao Sistema
de Justiça Criminal brasileiro.

No contexto do Brasil, o caso da assessoria de imprensa da rapper Karol Conká ter


apresentado a artista como “pioneira da cena do rap” no país, enquanto ela participava do reality
show Big Brother Brasil, da Rede Globo, em 2021, revelou que às vezes existe também uma
falta de conhecimento sobre a participação das mulheres no hip-hop entre integrantes do próprio
movimento ou produtores e demais profissionais envolvidos com a música rap. Isso porque a
assessoria de Conká aparentemente ignorou ou parecia desconhecer o fato de que a artista
33

nasceu em 1986, quando rappers femininas como Rose MC, Rubia e Sharylaine já estavam em
atividade no Brasil. Quando questionada sobre o ocorrido, Sharylaine lamenta, apesar de
reconhecer a relevância do trabalho da rapper curitibana: “Falamos tanto da invisibilidade da
mulher, aí você tem um apagamento histórico de mulheres que fizeram com que essa cultura
acontecesse. […] É inegável que Karol transcendeu os espaços limites que representantes
femininas sobretudo negras tenham alçado e ou alcançado, e neste sentido ela também figura
como um divisor de águas” 12.

Em 2022, o Google do Brasil fez uma homenagem a Dina Di que, assim como
Sharylaine, é reconhecida como uma das pioneiras do rap. O texto que acompanha a publicação
ressalta esse pioneirismo da rapper, exaltando seu papel na criação do grupo Visão de Rua –
que ganhou Prêmio Hutúz em 2000 e 2001 como melhor grupo feminino, consagrando a artista
como “Rainha do Rap Nacional” – além de sua contribuição para a reflexão sobre as duras
realidades do sistema carcerário feminino no país. O texto destaca também que, após ter
cumprido pena em regime de reclusão, a artista “visitou prisões para compartilhar sua música
com mulheres encarceradas para inspirar uma transformação positiva e dar aos detidos
esperança de um futuro melhor” 13. A rapper, que faria 46 anos em 2022, faleceu no dia 20 de
março de 2010, aos 34 anos, em condições precárias de saúde, devido a uma infecção hospitalar
que contraiu semanas antes, ao dar à luz sua filha Aline 14.

Figura 9: Homenagem do Google à rapper brasileira Dina Di, falecida em 2010.


Fonte: Google, 2022.

Neste subcapítulo vimos que os primeiros grupos de rap, que surgiram a partir da junção
de DJs e MCs desenvolveram técnicas para performar suas músicas em apresentações ao vivo,

12
CARVALHO, I. Contra a invisibilidade histórica, Sharylaine rebate ‘pioneirismo’ de Karol Conká. Brasil de
Fato, São Paulo, 14 fev. 2021. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2021/02/14/contra-a-
invisibilidade-historica-sharylaine-rebate-pioneirismo-de-karol-conka>. Acesso em 4 mar. 2022.
13
46º aniversário de Dina Di. Google, 19 fev. 2022. Disponível em: <https://www.google.com/doodles/dina-dis-
46th-birthday>. Acesso em 4 mar. 2022.
14
GOOGLE faz homenagem à Dina Di, pioneira do hip-hop brasileiro que faria 46 anos. Isto É, São Paulo, 19
fev. 2022. Disponível em: <https://istoe.com.br/google-faz-homenagem-a-dina-di-pioneira-do-hip-hop-
brasileiro-que-faria-46-anos/>. Acesso em 4 mar. 2022.
34

popularizando o estilo de música rap, destacando-o em relação aos demais elementos de


expressão artística do movimento hip-hop. Também vimos que, apesar de sua divulgação
inicialmente alternativa, através de gravações de apresentações em fitas cassete e distribuição
independente, a música rap também se inseriu no nicho das gravadoras, gerando discos que
atingiram altos índices de venda no mercado fonográfico, resultando em mais visibilidade e
retorno financeiro para artistas que apresentassem tais resultados. Observamos também que a
inserção no mercado capitalista, de certa forma, reformulou o hip-hop, moldando as letras de
rap para cada vez mais abdicar de debater questões sociais sérias para adotar um discurso mais
ameno e se adequar aos interesses e restrições da indústria fonográfica. Além disso, ressaltamos
as divergências no movimento e também entre rappers que, muitas vezes, se posicionam de
maneira antagônica em seus discursos, o que gera uma pluralidade de falas tão diversas que
consequentemente também acaba incluindo discursos questionáveis e igualmente
preconceituosos. Nesse contexto, vimos também a questão da representação feminina no hip-
hop e como as integrantes do movimento lidam com a opressão masculina, seja ela velada ou
não, tanto dentro e quanto fora do movimento. Tendo em vista essas questões acerca da música
rap, seu surgimento, popularização e também suas contradições, passaremos a discutir mais
detalhadamente no próximo subcapítulo sobre a relação que esse estilo musical desenvolveu
com as mídias massivas e como isso afetou na percepção do rap na sociedade.

2.3 O rap e as mídias

Neste subcapítulo iremos focar na relação que o rap desenvolveu com as mídias
enquanto estabelecia sua rede de difusão, além de buscar identificar quais tensionamentos
perpassam essa relação. Conforme observa a socióloga brasileira Maria Eduarda Araújo
Guimarães (1999), inicialmente o rap mostrou-se um produto aparentemente pouco atraente
para o mercado de bens culturais, devido à sua origem periférica e a violência presente em letras
de músicas. Com efeito, por muito tempo, a mídia simplesmente ignorou ou restringiu-se a citar
o rap apenas para enaltecer seu caráter violento, alegando que os grupos musicais
disseminavam o gangsterismo. Não é por acaso que, segundo relata a autora, no decorrer de seu
processo de difusão, o rap encontrou inúmeras dificuldades, exigindo de seus participantes
trilhar caminhos alternativos para distribuição de suas produções fonográficas, como a criação
de selos independentes, divulgação de músicas em rádios piratas e comunitárias, produção de
fanzines sobre rap, além da articulação de um circuito alternativo de distribuição de discos em
lojas e galerias dos centros das cidades.
35

2.3.1 Definindo as bases da relação: o rap na mídia

Nos Estados Unidos, Tricia Rose (1994) relata que no final da década de 1980 os artistas
e grupos de rap começaram a gerar uma série de reações adversas entre as instituições de
segurança pública, como a polícia, a exemplo do caso relacionado à música “Fuck tha police!”,
lançada em 1988 pelo grupo de gangsta rap da cidade de Compton, Califórnia, NWA – Niggas
With Attitude, traduzido como “Negros Com Atitude” – que foi uma das que mais gerou
comoção entre as autoridades. Na letra, presente na segunda faixa do disco Straight Outta
Compton (Figura 10), o grupo ofende a polícia e responsabiliza seus agentes pela opressão e
morte da população negra.

Fuck tha police!


(NWA, 1988, faixa 2)

Fuck tha police!


Comin' straight from the underground
A young nigga got it bad 'cause I'm brown
And not the other color some police think
They have the authority to kill a minority
[…]

Foda-se a polícia!
Diretamente do submundo
Um jovem negro se dá mal porque é marrom
E não de outra cor, assim pensa a polícia
Eles têm a autoridade pra matar uma minoria
[...]
(tradução nossa).

Figura 10: Capa do disco “Straight outta Compton”, lançado em 1988 pelo grupo NWA.
Fonte: Amazon, s.d.
36

De acordo com Rose (1994), a letra dessa música chamou a atenção das autoridades,
em especial o oficial Milt Ahlerich, diretor assistente do FBI – sigla do Departamento Federal
de Investigação dos Estados Unidos – que publicou uma carta oficial do departamento
vinculando o aumento nos casos de violência à música do grupo e alegando preocupação com
o incentivo à violência e desrespeito aos policiais que letras como essa supostamente
propagavam. Segundo a autora, o pronunciamento do oficial do FBI gerou comoção entre as
autoridades e recebeu o apoio dos demais agentes de lei, resultando em perseguição ao grupo e
até mesmo a censura da música em cidades como Detroit, onde uma apresentação dos rappers
chegou a ser interrompida em 1989 após eles cantarem os primeiros versos da letra 15. O caso
repercutiu na mídia após ser noticiado pela imprensa local que relatou o tumulto e
consequências geradas pelo uso da força adotado pela polícia (Figura 11). Segundo consta em
Rose (1994), o objetivo dos policiais era mostrar para as “crianças” que não se pode dizer “foda-
se a polícia” em Detroit.

Figura 11: “Polícia faz demonstração de força em show de rap", diz título do Detroit Free Press em 8/8/89.
Fonte: John Collier, s.d.

15
MARSH, D; POLLACK, P. Wanted for Attitude: The FBI Hates This Band. The Village Voice, Nova Iorque,
10 out. 1989. Disponível em: <https://www.villagevoice.com/2020/09/02/crackdown-on-culture-the-fbi-hates-
this-band/>. Acesso em 17 mar. 2022.
37

2.3.2 Representações do rap na mídia brasileira

Já no Brasil, Maria Eduarda Guimarães (1999) afirma que o rap chegou não muito
tempo depois de seu surgimento nos Estados Unidos, trazido pelo pernambucano, radicado em
São Paulo, Nelson Triunfo, o “Nelsão”. Segundo relata a autora, Nelsão teve contato e se
interessou pela black music norte-americana e formou o grupo de dançarinos Funk & Cia. que,
posteriormente passou a dançar break e acabou levando o ritmo do hip-hop para lugares como
a Praça da Sé e a Estação São Bento do Metrô em São Paulo. O primeiro programa de rádio
brasileiro, destaca a autora, foi o Rap Brasil, que surgiu no início dos anos 1980 na rádio
Metropolitana FM, apresentado pelo Dr. Rap. Apesar disso, conforme podemos verificar em
Guimarães (1999), as mesmas condições de resistência foram oferecidas ao rap aqui no Brasil,
tal qual nos Estados Unidos, presumidamente devido ao seu caráter periférico e a questão da
violência abordada nas letras das músicas. Segundo a visão da autora, “por ser um discurso
sobre a vida dos excluídos das periferias não há como não fazer referência à violência intrínseca
a esta” (GUIMARÃES, 1999, p. 40).

No livro-reportagem “Hip-hop: A periferia grita”, publicado em 2001, as jornalistas


brasileiras Janaina Rocha, Mirella Domenich e Patrícia Casseano buscam compreender como o
hip-hop se tornou uma ferramenta de protagonismo para jovens da periferia aqui no Brasil.
Conforme observam as autoras, por se tratar de um movimento social baseado em uma série de
parâmetros organizacionais, o hip-hop passou a ser um instrumento capaz de questionar a
realidade vigente em diversos contextos e propor estratégias de emancipação social em seus
locais de atuação. Em razão disso, as autoras afirmam que lideranças e grupos de artistas
começaram a se consolidar conforme o movimento ia se espalhando pelo país, a exemplo da
dupla Thaíde e DJ Hum e o já citado Nelsão, considerados precursores do movimento em São
Paulo, o rapper GOG, considerado um dos pioneiros do rap brasiliense, além do grupo
paulistano Racionais MC’s que, de acordo com as autoras, foi o responsável por popularizar o
rap como gênero musical no país (ROCHA; DOMENICH & CASSEANO, 2001).

Conforme podemos verificar em Guimarães (1999), a carreira do grupo Racionais MCs,


formado por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay, também teve seus embates com a
mídia e as autoridades policiais. Segundo consta no noticiário da época, o grupo chegou a ser
detido em 1994 durante uma apresentação no vale do Anhangabaú em São Paulo. De acordo
38

com a Folha de São Paulo 16, os rappers foram levados para o 3º Distrito Policial de Santa
Ifigênia, região central da cidade, onde prestaram depoimentos e foram liberados em seguida.
A polícia, que já havia interrompido o show do grupo MRN – Movimento e Ritmo Negro – no
mesmo dia, justificou a ação alegando que as letras incitavam o crime e a violência. Na música
Eles não sabem nada, do grupo MRN, os rappers questionam a inteligência dos agentes de
segurança pública e alegam que suas ações são movidas por sentimentos de maldade, referindo-
se aos agentes como “raça” que “não sabe o que é viver”, além de insultá-los de “filhas da puta”
(sic).

Eles não sabem de nada


(MRN, 1994, faixa 4)

[...]
Gente dessa raça não sabe o que é viver
A maldade forra seus sentimentos
A bondade deles é atirar daqui ou de lá
Filhas da puta, pá, pá, pá!
[...]

Já os Racionais tiveram seu show interrompido no momento em que cantavam a música


Homem na estrada, que narra a história de um ex-presidiário, marcado pelo estigma social de
ter cumprido pena em regime de reclusão, que encontra dificuldades em se reinserir na
sociedade. Na letra, os rappers apontam como ações violentas da polícia contra a população
pobre das periferias viram conteúdo para notícias de jornais sensacionalistas, que por sua vez,
exaltam esse tipo de atitude por parte dos agentes de segurança pública e lucram com a
audiência dos programas. Por esse motivo, os rappers indicam que preferem eles mesmos
fazerem sua própria segurança, por não confiar na polícia, a quem se referem como “raça do
caralho”, “filhos de puta” e “comedores de carniça”.

Homem na estrada
(Racionais MC’s, 1993, faixa 5)

[...]
Tiram sua liberdade, família e moral
Mesmo longe do sistema carcerário
Te chamarão para sempre de ex-presidiário
Não confio na polícia, raça do caralho!!!
[...]

16
POLÍCIA prende grupos de rap durante show. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28 nov. 1994. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/11/28/brasil/23.html>. Acesso em 28 fev. 2022.
39

Vão invadir o seu barraco, é a polícia


Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malícia
Filhos da puta, comedores de carniça
Já deram minha sentença e eu nem tava na treta
[...]

A repercussão do caso na mídia, conforme aponta Micael Herschmann (2005),


contribuiu com o estereótipo de que shows de rap incitam a violência, pois alguns veículos de
comunicação noticiaram o fato relacionando-o com os casos de confronto com a polícia em
shows de rap nos Estados Unidos, alegando já haver indícios de conflitos semelhantes aqui no
Brasil, e exaltando o fato de algumas músicas abordarem temas como violência, sugerindo que
as críticas feitas pelos rappers são motivo para a reação dos policiais. Conforme foi noticiado
no Jornal do Brasil, em caderno publicado aos 12 de dezembro de 1994, “o confronto entre a
polícia e os rappers brasileiros, a exemplo do que já ocorre nos Estados Unidos, acabou
estourando. Cantando a violência, os rappers não poupam críticas aos policiais, que reagem,
como aconteceu em São Paulo” 17.

No entanto, conforme observa Guimarães (1999), após o sucesso alcançado com o


lançamento do disco “Sobrevivendo no inferno” em 1997 – que apesar de ter sido distribuído
de forma independente através do selo próprio Cosa Nostra, vendeu 200 mil cópias em apenas
um mês, marca que posteriormente ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas 18 – e a
popularização do rap que se consolidou a partir daí, pôde-se perceber uma mudança de tom na
forma que a imprensa passou a tratar o gênero musical, chegando inclusive a elogiar artistas de
rap como os Racionais, referindo-se a eles inclusive como “sociólogos sem diploma” 19.

17
RAPPERS enfrentam a polícia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 dez. 1994. Caderno B, p. 1.
18
‘SOBREVIVENDO no inferno’, dos Racionais MC's, completa dez anos. G1, São Paulo, 5 nov. 2007.
Disponível em: <https://g1.globo.com/Noticias/Musica/0,,MUL169176-7085,00.html>. Acesso em 18 mar.
2022.
19
RACIONAIS fazem ‘sociologia’ da periferia. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 nov. 1997, p. D4.
40

Figura 12: Capa do disco Sobrevivendo no inferno, lançado em 1997 pelo grupo Racionais MC’s.
Fonte: Amazon, s.d.

De acordo com Guimarães (1999), as rádios também passaram por um processo de


resistência semelhante ao da imprensa antes de começarem a divulgar músicas e grupos de rap,
sendo a televisão a última a se “render” ao estilo, quando começou a produzir programas –
como o Yo! 20 da MTV Brasil, apresentado por KL Jay, e o Manos e Minas 21, da TV Cultura,
apresentado por Thaíde – e passou a exibir matérias que exaltassem características positivas do
estilo, ao invés de discriminar ou simplesmente ignorá-lo. Por essa razão, a autora observa que
alguns grupos desenvolveram uma relação bastante ambígua com os veículos de comunicação
e a indústria fonográfica pois, por um lado consideram os meios de comunicação aliados do
“sistema” ao qual combatem, mas por outro, reflete a autora, “sabem que necessitam deles tanto
para divulgar seus trabalhos quanto para conhecer os trabalhos de outros manos” (p. 43). Ao
citar o exemplo do grupo Racionais MC’s, a autora relata que eles recusaram inúmeros convites
para se apresentar na Globo e SBT, principais canais de televisão brasileiras. A justificativa é
dada pelo DJ do grupo, KL Jay, que diz: “[...] tendo a visão dos problemas do meu povo, como
posso falar com a Globo, que contribuiu com o regime militar, que faz programa
sensacionalista? Ou para o SBT, que incentiva crianças de três, quatro anos a dançar a dança da

20
A DESCONTRAÇÃO dos cariocas invade a programação da MTV. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 ago.
1991. Disponível em: <https://www.tv-pesquisa.com.puc-rio.br/>. Acesso em 18 mar. 2022.
21
MANOS e Minas. TV Cultura, São Paulo. Disponível em:
<https://cultura.uol.com.br/programas/manoseminas/>. Acesso em 18 mar. 2022.
41

garrafa?” 22. Mesmo assim, basta uma breve busca na internet para constatar que, apesar das
declarações, o grupo chegou a se apresentar pelo menos uma vez no Programa Livre, do SBT 23.

Isso porque, conforme observa Guimarães (1999), se apresentar nas casas noturnas, nos
clubes dos bairros de classe média e demais ambientes fora do circuito da periferia acabou se
transformando em mais uma maneira de os rappers ganharem dinheiro. Muitas vezes cobrando
até mais caro do que o valor normalmente negociado para apresentações realizadas nos bairros
de periferia. O rapper Mano Brown, também dos Racionais, justifica: “Os boyzinhos não
gostam de mim, gostam da minha música, então, que paguem mais caro” 24. O relato do MC
pode ser complementado pela visão de seu companheiro de grupo KL Jay, que comenta:

[...] na periferia a gente toca com prazer porque estamos ao lado do nosso povo. Eles
entendem o que os Racionais falam nas letras. [...]. Para se apresentar em festivais
comerciais cobramos três vezes mais do que estamos acostumados para tocar nesse
festival. Vamos lá, pegamos o dinheiro, tocamos e voltamos para a periferia. Os
playboys têm que pagar mesmo. Eles devem muito para nós, pretos. Foram na África
e escravizaram nosso povo que enriqueceu a Europa e a América. Estamos apenas
cobrando, legalmente, esse dinheiro (grifo do autor) 25.

Para Guimarães (1999), além de uma forma de ganhar dinheiro, tal postura é
compreendida também como uma atitude ética e política, visto que tocar na periferia é uma
forma de dialogar com os excluídos, enquanto tocar em outras áreas é uma maneira de transmitir
a realidade do gueto para outros setores da sociedade. A autora observa que, apesar de grande
parte do público considerar que apresentações de grupos de rap em áreas nobres contribuam
para que os brancos enxerguem com outros olhos a realidade da juventude negra, alguns
rappers discordam, como é o caso de Mano Brown, que declara: “O povo dos Jardins só ouve
Racionais porque o som é bom, mas ninguém pensa nas letras”. E reitera: “Não acredito na
integração. Foram 400 anos de racismo e exploração. Não serão quatro anos de rap que irão
mudar as coisas 26”.

Ao realizar um estudo sobre o hip-hop como identidade cultural negra e periférica, o


comunicólogo Mendonça Júnior (2014) buscou entender as razões da aversão de alguns rappers

22
REZENDE, M. Racionais MC’s dizendo ‘Não’ aos programas de auditório e à maior TV do país, grupo de rap
paulistano caminha para o 2º disco de ouro do mais recente CD, dá show para 10 mil pessoas, prepara entrada na
MTV e vai virar filme em 98. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23 dez. 1997, caderno 4, p. 1.
23
RACIONAIS "Fim De Semana No Parque" No Programa Livre Do SBT Vídeo Raríssimo [1994]. [S. l.: s. n.],
2021. 1 vídeo (7m20s). Publicado pelo canal Vídeos Raros Do Rap Nacional. Disponível em:
<https://youtu.be/BUn9Ku9zQ7o>. Acesso em 18 mar. 2022.
24
DOS brancos eu só quero o dinheiro. Revista Veja, São Paulo, 8 jun. 1994.
25
Jornal da Tarde, São Paulo, 4 ago. 1998, p. 8C.
26
VOZ do subúrbio. Isto É, São Paulo, 25 mai. 1994, p. 47.
42

brasileiros à Rede Globo de Televisão. Em seu estudo, o pesquisador aponta que essa rejeição
à mídia se intensificou devido ao racismo histórico observado nas grandes mídias, tornando-se
notória quando o rapper Mano Brown rejeitou um convite para participar de uma entrevista na
Rede Globo em 1999. O autor observa que apesar de vários rappers hoje em dia já aceitarem
participar de programas de televisão em grandes emissoras como a Globo, alguns mantiveram
sua postura de recusa. A exemplo disso, o autor cita os casos dos membros do Racionais MCs
Ice Blue, KL Jay e Edi Rock, que após terem criticado as redes de televisão, posteriormente
foram à Globo, com exceção de Mano Brown, apesar de este último ter aceitado participar de
outros programas e ser capa da revista Rolling Stones 27. Por outro lado, o autor também cita os
exemplos dos rappers GOG, que chegou a rejeitar seis convites da emissora, e Marechal que
foi à Globo, no entanto com o intuito de criticá-la ao vivo (MENDONÇA JÚNIOR, 2014).

Ambos os artistas foram analisados em um estudo de caso realizado pelo pesquisador


que através de seus depoimentos buscou entender os motivos dessa aversão. Segundo o autor,
apesar de Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, destacar que não impõe como regra para outros
rappers seguir tal postura de recusa, o artista defende sua visão ao pontuar que a Globo sempre
esteve distante das causas sociais e foi preconceituosa com o povo negro, cujo qual o rap se
coloca como representante, sendo ela seu principal alvo de recusa. Já sobre Rodrigo Cerqueira
de Souza Machado Vieira, o MC Marechal, o pesquisador observa que, apesar de ter ido à Globo
com intuito de criticá-la, o rapper também fez parceria em música com o grupo Costa Gold,
considerado mainstream (MENDONÇA JÚNIOR, 2014).

Dando continuidade aos seus estudos, Mendonça Júnior (2020) ressalta que Eduardo
Taddeo não aceita entrevistas em quaisquer canais de televisão desde o ano 2000, devido ao
episódio em que o videoclipe da música Isso aqui é uma guerra do grupo Facção Central foi
censurado após ação movida pelo promotor de justiça do Ministério Público Carlos Cardoso 28.
Segundo relata Mendonça Júnior (2020), o Facção Central foi a diversos programas de televisão
e explicou que o videoclipe retrata a realidade de muitos na periferia, que geralmente não têm
alternativa senão aderir ao crime para garantir a própria sobrevivência, de forma que o objetivo
do grupo era alertar esse problema à sociedade e não incentivar a prática de novos crimes. O

27
CARAMANTE, A. Eminência Parda. Rolling Stones, São Paulo, 11 jan. 2010. Disponível em:
<https://rollingstone.uol.com.br/edicao/39/mano-brown-eminencia-parda/>. Acesso em 16 mar. 2022.
28
CARVALHO, L. M. O bagulho é doido, tá ligado? Entre o crime e a indústria cultural, a viagem dos rappers
do Facção Central ao coração do Brasil. Piauí, São Paulo, 10 jul. 2007. Disponível em:
<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-bagulho-e-doido-ta-ligado/>. Acesso em 1 mar. 2022.
43

autor destaca que os integrantes do Facção Central consideram que a repercussão do caso na
mídia contribuiu para a imagem de criminalização vinculada ao grupo, o que fez Eduardo
Taddeo desenvolver uma aversão aos principais veículos de comunicação do Brasil, acusando-
os de incentivar a violência urbana e contribuir com estereótipos dados aos moradores das
periferias, passando a não mais aceitar convites para entrevistas em grandes emissoras pelo
resto de sua carreira. Embora seja considerado um ícone da intervenção social e da luta por
direitos, Eduardo Taddeo considera incongruente julgar um outro periférico por falar o que
deseja, por isso não questiona quem não assume a mesma postura que ele, observa o
pesquisador (MENDONÇA JÚNIOR, 2020).

2.3.3 O rap no contexto das novas mídias

No contexto das novas mídias e tecnologias de comunicação, destacamos a pesquisa do


professor estadunidense de cultura juvenil S. Craig Watkins (2005), que procurou relacionar as
transformações que o hip-hop sofreu na era digital. Para o autor, o hip-hop pode ser considerado
como um dos movimentos mais importantes da nossa era, por dar voz e possibilitar canais de
informação a uma população socialmente desprovida, oferecendo-lhes uma perspectiva de
esperança. Watkins (2005) acredita que o hip-hop influenciou a cultura pop ao ponto de
praticamente forçar os meios de comunicação de massa a dar visibilidade aos grupos sociais
que foram historicamente marginalizados. No entanto, o autor destaca que muitos jovens não
utilizam essa projeção possibilitada pelas novas tecnologias trazidas pela era digital como
instrumento de emancipação coletiva, focando apenas em questões triviais, como consumo
individual excessivo, disputas territoriais e misoginia (WATKINS, 2005).

Do ponto de vista do consumo nesse novo cenário, o gerente do Centro Regional para o
Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br), Alexandre Barbosa,
observa que o Brasil passou de uma situação em que os usuários de internet faziam download
de músicas e vídeos em um passado recente para hoje fazerem esse consumo de forma online,
através de plataformas de streaming como YouTube, Netflix e Spotify. Pelo menos é o que indica
a pesquisa realizada em 2019 pelo órgão, vinculado ao CGI.br – Comitê Gestor da Internet no
Brasil – que aponta que, entre os usuários de internet entrevistados, 74% assistiram a
programas, filmes, vídeos ou séries e 72% ouviram música online em 2019 29. O consumo de

29
CONSUMO de vídeo e áudio online cresce no Brasil, aponta pesquisa. Época Negócios, Rio de Janeiro, 31
mai. 2020. Disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2020/05/consumo-de-video-e-audio-
online-cresce-no-brasil-aponta-pesquisa.html>. Acesso em 23 mar. 2022.
44

música rap por meios dessas plataformas também tem crescido e conquistado lugar de destaque
dentre os gêneros musicais mais ouvidos em plataformas como o Spotify desde 2017, quando
chegou a ultrapassar o rock como gênero musical mais ouvido nos Estados Unidos, país de
origem do gênero 30.

Os rappers, por sua vez, aparentam reagir de maneiras distintas, de acordo com suas
convicções pessoais, ao surgimento dessas novas tecnologias de comunicação. Mendonça
Júnior (2014) observa que o rapper GOG, por exemplo, não é muito adepto à tecnologia, usando
muito pouco o aparelho celular e comumente trocando o número pessoal de contato. No entanto,
o autor destaca que o artista utiliza seu perfil nas redes sociais Instagram, YouTube e
Facebook 31 para expressar suas opiniões oficiais. Segundo o autor, o rapper acredita em uma
periferia da internet, onde a música possa ser compartilhada de maneira gratuita e livre de
anúncios pagos (MENDONÇA JÚNIOR, 2014).

Já o rapper Mano Brown – que deu início a essa rejeição à mídia no país após sua recusa
ao convite da Globo em 1999 – aparenta ter seguido um caminho diferente, passando a
apresentar um podcast próprio na plataforma de streaming de áudio Spotify, o Mano a Mano
(Figura 13). O referido podcast teve o episódio mais ouvido da plataforma no Brasil em 2021,
na ocasião em que recebeu como convidado o ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva 32. O
rapper também acabou concedendo entrevistas a outros programas no mesmo formato, como o
Podpah 33 em 2022, podcast transmitido através da plataforma de streaming de vídeo YouTube.
O referido programa recebe costumeiramente artistas de rap para conceder entrevistas,
inclusive já havia recebido outros integrantes do Racionais MCs anteriormente, como Ice Blue 34
e Edi Rock 35, com exceção apenas de KL Jay, que ainda não participou do programa.

30
RAP supera o rock e o pop como gênero musical mais popular nos EUA, O Globo, Rio de Janeiro, 4 jan.
2018. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/musica/rap-supera-rock-o-pop-como-genero-musical-
mais-popular-nos-eua-22253134>. Acesso em 13 jul. 2019.
31
Perfil de GOG no Facebook. Disponível em: <https://www.Facebook.com/gogpoeta/>. Acesso em 23 mar.
2022.
32
ENTREVISTA de Lula a Mano Brown é o podcast mais ouvido no Spotify em 2021. Carta Capital, 1 dez.
2021. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/entrevista-de-lula-a-mano-brown-e-o-
podcast-mais-ouvido-no-Spotify-em-2021/>. Acesso em 16 mar. 2022.
33
MANO Brown - Podpah #351 [S. l.: s. n.], 2022. 1 vídeo (2h53m57s). Publicado pelo canal Podpah.
Disponível em: <https://youtu.be/aahyLNH4PrE>. Acesso em 23 mar. 2022.
34
ICE Blue - Podpah #91 [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo (4h1m15s). Publicado pelo canal Podpah. Disponível em:
<https://youtu.be/0eEC42Lotfg>. Acesso em 23 mar. 2022.
35
EDI Rock - Podpah #227 [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo (2h58m42s). Publicado pelo canal Podpah. Disponível
em: <https://youtu.be/aahyLNH4PrE>. Acesso em 23 mar. 2022.
45

Figura 13: Publicidade do Mano a Mano, podcast apresentado pelo rapper Mano Brown na plataforma Spotify.
Fonte: Colletivo (arte) e Pedro Dimitrow (foto), 2021.

Aparentemente o podcast é um formato que apresenta uma visível ascensão nos hábitos
de consumo de conteúdo entre os usuários de internet brasileiros. De acordo com a
“Podpesquisa Produtor 2020/2021” 36, realizada pela Associação Brasileira de Podcasters
(Abpod), cerca de 70,3% dos produtores de podcasts entrevistados iniciaram suas atividades a
partir de 2018. A estimativa da associação é de que hoje exista um público de aproximadamente
34,6 milhões de ouvintes no Brasil, país que segundo aponta o relatório internacional “State of
the Podcast Universe” 37, publicado pela Voxnest, ocupa o quinto lugar no ranking de países
onde a produção de podcasts mais cresceu desde 2020. Em uma rápida “navegada” por entre as
listas de recomendações de plataformas de streaming de música como Spotify que, segundo a
Abpod, é utilizado por cerca de 87,2% dos ouvintes de podcast, não é muito difícil encontrar
sugestões de produções do gênero, que muitas vezes se assemelha a um programa de rádio ou
de entrevistas, abordando temas sérios como direito e ciência ou simplesmente para debater
trivialidades ou contar histórias com um teor de “conversa de bar”. Alguns, geralmente os
transmitidos ao vivo em plataformas de streaming de vídeo como o YouTube, regularmente
recebem artistas de rap para conceder entrevistas, já outros são exclusivamente dedicados ao
assunto, como é o caso do RAP, falando, que em 2022 recebeu o DJ do grupo Racionais MC’s,
KL Jay 38.

36
LOURES, A; CASTRO, F. Nas ondas do áudio: 8% dos brasileiros ouvem podcast e tendência só cresce.
Exame, São Paulo, 13 abril 2021. Disponível em: <https://exame.com/bussola/nas-ondas-do-audio-8-dos-
brasileiros-ouvem-podcast-e-tendencia-so-cresce/>. Acesso em 23 mar. 2022.
37
2020 Mid-Year Podcast Industry Report. Voxnest, 30 jul. 2020. Disponível em:
<https://blog.voxnest.com/2020-mid-year-podcast-industry-report/>. Acesso em 23 mar. 2022.
38
KL Jay | Programa RAP, falando: Ep. 01, Temp. 02 [S. l.: s. n.], 2022. 1 vídeo (3h04m23s). Publicado pelo
canal RAP, falando. Disponível em: <https://youtu.be/aahyLNH4PrE>. Acesso em 23 mar. 2022.
46

Sabe-se, porém, que isso representa apenas uma das formas de difusão e consumo de
músicas de rap e conteúdos relacionados, uma vez que o estilo também se utiliza de formas
alternativas de divulgação fora do eixo das mídias tradicionais, conforme vimos anteriormente.
Não obstante, as reflexões feitas a partir dos tópicos elucidados nesse subcapítulo levantaram
questões acerca da relação que alguns artistas de rap desenvolveram com as mídias ao longo
do tempo. Questões como: o que motiva essa relação por vezes conflituosa? Qual a razão do
conflito? Esse conflito é tensionado por interesses de ambos os lados, visando o benefício
próprio? Ou é uma relação que se dá a partir de uma identificação genuína ou gerada a partir de
um sentimento de pertencimento? É difícil saber ao certo, pois trata-se de uma relação complexa
que envolve uma série de agentes e instituições que compreendem um recorte do tecido social
que vem se desenvolvendo há algumas décadas. O que certamente indica a necessidade de um
aprofundamento teórico quanto a essas questões.

No entanto, a partir das bibliografias aqui trazidas, foi possível observar, por exemplo,
que as opiniões dos artistas de rap podem variar, chegando até mesmo a serem antagônicas.
Como vimos, alguns tiveram repulsa aos veículos de comunicação em um primeiro momento,
mesmo que tenham mudado de ideia ao longo de suas carreiras, enquanto outros optaram por
manter seus posicionamentos, mesmo não cobrando tal postura de outros artistas. Vimos
também que, enquanto alguns rappers podem defender uma postura contrária à indústria
fonográfica e as grandes gravadoras, mesmo que também mudem de opinião com o tempo,
outros podem apresentar pensamentos semelhantes, divergentes ou até mesmo radicalmente
opostos. Isso, no entanto, não significa dizer falta clareza intelectual ao movimento pois, como
vimos, trata-se e um movimento expressa uma diversidade de opiniões e pontos de vista.

Por outro lado, percebeu-se que a mídia também teve suas movimentações nessa
relação, inicialmente ignorando ou criminalizando artistas de rap através de matérias
jornalísticas muitas vezes tendenciosas, resultando em casos de censura, mas logo mudando a
postura a partir do momento que o rap começou a se consolidar como um gênero musical
lucrativo. De todo modo, tanto os aspectos aqui discutidos, quanto os questionamentos gerados
a partir dessa discussão, se somam às reflexões que buscam compreender como o rap dialoga
com as estruturas de poder que geralmente são alvos de críticas em suas letras, como o Estado
– cujos interesses são ocasionalmente defendidos pela polícia – e a mídia. Além disso, outra
instituição tradicional que também é alvo de críticas nas letras de rap é o ensino formal, cuja
relação iremos abordar com mais detalhes no subcapítulo a seguir.
47

2.4 Rap e educação formal

Neste subcapítulo investigaremos de que maneira o rap dialoga com as instituições de


educação formal, como escolas e universidades. Para isso, verificaremos a existência e como
se dão os processos educativos no movimento cultural hip-hop e como a educação formal é
vista e representada em letras de rap. Por fim, analisaremos como o rap e demais elementos do
hip-hop são percebidos e aceitos pelas instituições formais de ensino. No livro “Rap e educação,
rap é educação”, primeira publicação brasileira sobre o tema, organizado pela pedagoga Elaine
Nunes de Andrade (1999), a autora explica que o hip-hop se estabeleceu como um instrumento
capaz de promover a educação política e exercer o direito à cidadania através de suas formas
de expressão artísticas e atividades politicamente engajadas que atuam como um complemento
à educação formal dos jovens de periferia, que muitas vezes têm dificuldade de acesso e/ou
desempenho nos ambientes escolares.

De volta ao contexto das posses que, como vimos, tiveram papel fundamental no
desenvolvimento do movimento hip-hop, Silva (1999), considera que uma iniciativa exitosa no
quesito integração entre cultura hip-hop e educação no Brasil foi o Projeto Rappers, realizado
a partir de 1991 pela organização não-governamental (ONG) Instituto da Mulher Negra
Geledés, fundada em 1988 “com o objetivo de combater a discriminação racial e de gênero na
sociedade brasileira e desenvolver propostas de políticas públicas que promovam a equidade de
gênero e raça” (p. 93). A partir da atuação desse projeto:

A ação dos rappers tornou-se, então, mais descentralizada, e as temáticas condizentes


com as características do local onde cada posse atua. Surgiram também incentivos
governamentais para o desenvolvimento do hip hop como instrumento de socialização
do jovem da periferia. Em Mauá, na Grande São Paulo, o Quilombo do Hip Hop, por
exemplo, oferece aulas sobre os elementos artísticos do hip hop. O espaço para que as
oficinas aconteçam foi cedido pela Secretaria de Cultura e Esportes da cidade. A Casa
do Hip Hop, em Diadema, no ABC paulista, inaugurada em julho de 1999, é um dos
centros culturais da prefeitura dedicado aos jovens. Lá acontecem oficinas de break,
grafite, DJ e MC ministradas por precursores da cultura, como Nelsão e Thaíde, que
são funcionários registrados do centro cultural, ou por outras pessoas que se destacam
nessas áreas, como o grafiteiro Tota, de Santo André. O local abriga também o Museu
do Hip Hop, administrado pelo auxiliar de obras Nino Brown, conhecido como “o
antropólogo do hip hop” por possuir o maior acervo particular sobre o movimento
(ROCHA; DOMENICH & CASSEANO, 2001, p. 54).
48

Andrade (1999) destaca a ação da Posse Hausa 39, de São Bernardo do Campo, região
metropolitana de São Paulo, cujas atividades a autora acompanhou entre 1994 e 1996 e
constatou que suas ações podem ser consideradas tanto culturais quanto pedagógicas, pois
envolvem desde a elaboração de letras ou grafites e realização de eventos artísticos ou culturais
à produção de panfletos biográficos sobre personalidades negras e organização de movimentos
de rua. Nessas ações “os rappers se tornam sujeitos da História” (ANDRADE, 1999, p. 91).
Sobre os processos criativos e dialógicos promovidos no ambiente da posse, a autora relata:

O rap surge entre os grupos musicais da posse sem um mecanismo preestabelecido,


as letras são criadas em casa, num bate-papo, com amigos, depois de uma leitura que
realizaram de um livro ou de um artigo de jornal, de um fato que vivenciaram e tornou-
se significativo, ou, então, de uma palestra a que compareceram, ou mesmo de um
clip musical, de um fato que escutaram ou de um programa televisivo que assistiram.
Nas reuniões da posse nada é criado, tudo é discutido, analisado, e possivelmente
dessa assimilação decorram o interesse e o estímulo para a criação (ANDRADE,
1999, p. 90-91, grifo da autora).

Para Andrade (1999), a movimentação desses jovens em torno do hip-hop – e mais


especificamente do rap – garante uma possibilidade de superação da crise social e de fatores
como o desemprego, as dificuldades escolares e a perseguição policial. O ambiente de diálogo
estabelecido na posse pode estar diretamente ligado ao estímulo criativo e interesse gerados
entre esses jovens (ANDRADE, 1999). Nessas ações culturais e pedagógicas, Andrade (1999)
considera que é possibilitado aos jovens desenvolver estratégias para superação “do mundo da
exclusão e, mais ainda, do mundo da violência simbólica” (p. 91) através do empoderamento
de sua identidade étnica e geracional, reconhecendo-a como condição única para tal superação.
A autora observa que os sujeitos envolvidos nas ações da posse também:

Reafirmam, como jovens, sua capacidade de apresentar ideias, compartilhar opiniões


e sugerir mudanças sociais. Promovem, como negros, o cultivo à autoestima e à luta
pelo direito à cidadania. Nesse ínterim, verifica-se que a educação alternativa,
desenvolvida no interior do grupo, é a responsável pela articulação da posse, a
“Hausa” educa-se para constituir (ANDRADE, 1999, p. 91, grifo da autora).

O termo “violência simbólica” utilizado pela autora, retratado como algo a ser superado
pelos jovens negros e periféricos, remete à teoria do sociólogo francês Pierre Bourdieu.
Segundo Bourdieu (1989), esse tipo de violência ocorre quando há uma imposição cultural, por
meio de símbolos e signos culturais, de uma classe dominante a uma classe dominada. De

39
POSSE Hausa - Banzo Bantu - Campanário - Anos 90 - Hip-hop - Velha Escola [S. l.: s. n.], 2014. 1 vídeo
(20m43s). Publicado pelo canal Honerê Al-amin Oadq. Disponível em: <https://youtu.be/aahyLNH4PrE>.
Acesso em 26 mar. 2022.
49

acordo com o sociólogo, a violência simbólica se sustenta nas estruturas sociais e normas do
mundo civilizado fazendo com que, de certa forma, a classe oprimida reconheça essa violência
como legítima. Tal consentimento ocorre porque essa imposição é compreendida pelo oprimido
como uma não violência, por entender que certas autoridades são funcionais para a sociedade
e, portanto, devem ser respeitadas. Os espaços e instituições onde a violência simbólica
normalmente se manifesta são a mídia, a religião, a arte, o sistema de ensino escolar e a família.
Desse modo, a violência simbólica atua no campo das subjetividades impondo padrões para
garantir a unidade do sistema e prevenir a formação de células de resistência (BOURDIEU,
1989). Esse mesmo tipo de violência é retratada em uma música lançada em 2018 pelo rapper
angolano MCK, intitulada “Violência simbólica”, cuja letra propõe uma análise da conjuntura
sociopolítica de Angola, tendo como referência o conceito homônimo do sociólogo francês.
Vejamos o seguinte trecho:

Violência simbólica
(MCK, 2018, faixa 6)

Náuseas, Cólicas, Violência Simbólica


O Povo está cansado dessa gestão Diabólica
Arrogância, Censura, Administração Insólita
O Povo está cansado dessa gestão caótica

40 cacimbos depois, Angola está na mesma


O M está na área, miséria e malária
Situação precária, saúde funerária
Gestão deficitária, não há reforma agrária
A Imprensa é Carcerária, nada ou pouco informa
A Escola é Partidária, mutila e nos deforma
Aliás, pensando bem, até forma
Mudos e papagaios que opinam com a barriga
[…]

De acordo com Mendonça Júnior (2020), que analisou o conteúdo das letras de MCK
em sua pesquisa, o rapper indica na letra dessa música os espaços onde a violência simbólica
se manifesta em Angola. Segundo observa o autor, MCK acredita que os veículos de
comunicação atuam conforme os interesses do Movimento Popular de Libertação de Angola
(MPLA), assim como as escolas que, como sugere a letra, ensinam de acordo com a cartilha do
partido. O rapper defende a ideia de que as opiniões daqueles que possuem formação acadêmica
em seu país são geralmente reproduzidas a favor do partido, visando algum benefício próprio
em troca, como cargos privilegiados setores ligados direta ou indiretamente à administração
pública (MENDONÇA JÚNIOR, 2020).
50

Figura 14: Rapper MCK segura a Constituição de Angola


em videoclipe da música “Violência Simbólica”.
Fonte: YouTube 40, 2017.

Outro caso analisado por Mendonça Júnior (2020) é o do rapper português, filho de
cabo-verdianos, Chullage, que também critica em suas músicas o academicismo elitista e o
sistema midiático português. De acordo com o autor, tal crítica voltada principalmente aos
elitistas reformistas que não conseguem dialogar com os grupos e lutas populares abordados
em seus estudos, tornando-os meros objetos de pesquisa inanimados. Para o artista, o que
acontece nesses casos é uma apropriação, pois quando os saberes populares são convidados
para dialogar nos ambientes formais de educação, há uma perspectiva de que tais saberes sejam
forçadamente enquadrados nos formatos padrões de conhecimento adotados pelas instituições
de ensino. Segundo Mendonça Júnior (2020), tal postura crítica adotada por Chullage dificultou
inclusive no desenvolvimento da sua pesquisa, uma vez que o artista tende a rejeitar convites
para participar de entrevistas e atividades acadêmicas em instituições formais de ensino
superior, conforme podemos constatar no trecho a seguir:

Essa aversão a entrevistas se estende inclusive ao meio acadêmico, no qual o artista


também acredita que se apropria do hip-hop. Para Chullage, a inclusão do movimento
nas universidades acontece, geralmente, apenas para que o meio acadêmico possa ser
visto como mais democrático. Assim sendo, apresentou uma resistência para conceder
entrevista para esta tese e só aceitou depois de um ano conversando com o autor e,
sobretudo, porque a atuação do autor desta tese no hip-hop não se resume a pesquisa
acadêmica (MENDONÇA JÚNIOR, 2020, p. 217).

Ademais, Mendonça Júnior (2020) constata em sua pesquisa que tal postura adotada por
Chullage, semelhantemente a outros artistas de rap, se dá ao fato de que tais artistas acreditam
que sua música se destina, principalmente, à população preta e periférica, aos chamados

40
MCK - Violência simbólica [S. l.: s. n.], 2017. 1 vídeo (3m55s). Publicado pelo canal Canal da Diferencial.
Disponível em: https://youtu.be/DmddT9lCaYw. Acesso em 29 mar. 2022.
51

intelectuais orgânicos e não aos intelectuais pós-modernos, elitistas e reformistas. Uma postura
semelhante quanto a essa relação também pode ser observada no grupo de rap brasileiro Gíria
Vermelha. Na letra da música “Homens de cátedras”, lançada em 2015 pelo grupo maranhense,
os artistas demonstram sua insatisfação com os acadêmicos elitistas e seus discursos de difícil
compreensão que, segundo a visão dos rappers, pouco dialoga com os sujeitos que vivem a
realidade social que estudam.

Homens de cátedras
(Gíria Vermelha, 2015, faixa 6)

[...]
Catedrático, emblemático
Cheio de palavras-chaves
Pra distorcer a realidade
Engana até Mestre dos Magos
Indecifrável, enigmático
Escreve linhas e artigos
Depois junta tudo isso
Num combate ao comunismo
Fala, fala, fala muito
Contra todo socialismo
Diz que a foice e o martelo
Está morto e destruído
Que seus sonhos não valeram
Que a vida é mesmo assim
Que o Capital venceu
Com o fim do Muro de Berlim
Pessimista pra igualdade
Otimista pra miséria
Publica livros e mais livros
De autoria pós-moderna
Que não há classe, que não há raça
Que a exploração feita em massa
É produto do discurso
De nossa mente e linguagem
Fragmentado, descentrado
Homem de múltiplas faces
Não é branco, não é negro
Vai ver que se chama de mulato
Mas não vive na miséria
Nunca viu uma favela
Nunca viu preto com fome
A não ser em sua tela
HD digital high definition
Chama pobreza de contingência do destino
Mas veja só, saca só, tamo aqui
Não faço rap pra intelectual curtir
[…]
52

A música também faz críticas às publicações científicas que, de certa forma,


deslegitimam problemas sociais, sustentando estruturas de exploração que resultam na
desigualdade racial e luta de classes. Os rappers também alegam que os intelectuais culpam os
pobres por seus próprios infortúnios, ao mesmo tempo que escondem a real razão da
desigualdade, mas não possuem conhecimento de causa uma vez que, segundo os rappers,
nunca visitaram uma favela ou viram um preto passando fome, a não ser através das telas de
seus dispositivos eletrônicos. O grupo também critica estudos que propõem os ataques ao
comunismo e formas de socialismo, indicando serem favoráveis a tais ideais, diferentemente
dos “homens de cátedras” que, como sugere a letra, operam a favor do capital. Por fim, os
artistas declaram que não fazem rap para intelectual “curtir”, deixando bem claro que esse não
é o público-alvo de suas músicas.

Hertz e Verck são formados em história e pós-graduados em educação, já Luciana


Pinheiro é formada em Farmácia. No entanto, uma das proezas do Gíria Vermelha é
conseguir dialogar, de forma didática/ musical, com setores da classe trabalhadora
tanto do universo letrado (das academias) como universo plebeu (das periferias) e do
universal sindical 41.

Apesar de apresentar um posicionamento crítico em relação à academia em suas letras,


o rapper Rosenverck Estrela Santos, integrante do Gíria Vermelha, também é do meio
acadêmico, atualmente professor do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Estudos
Africanos e Afro-brasileiros (LIESAFRO) na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) 42.
Em sua dissertação de mestrado, Estrela Santos (2007) busca compreender as relações entre
hip-hop e educação popular no contexto maranhense, por meio de um estudo sobre o
movimento organizacional “Quilombo Urbano”, ativo desde 1990 em São Luís do Maranhão.
No estudo, o autor propõe análises baseadas em considerações teóricas sobre identidade étnico-
racial, consciência crítica e educação popular, observando que, através de atividades
organizativas e político-culturais, o movimento possibilitou a mobilização de uma consciência
crítica e o desenvolvimento de uma identidade étnico-racial entre os jovens negros e pobres da
periferia de São Luís. O autor aponta o hip-hop como facilitador nesse processo, por meio da
identificação que ocorre em razão de sua linguagem e estilo característicos, envolvendo os

Conteúdo disponível em: <http://giriavermelha.blogspot.com/p/quem-somos.html>. Acesso em 25 mar, 2022.


41

Conteúdo disponível em: <https://sigaa.ufma.br/sigaa/public/docente/portal.jsf?siape=2413345&lc=pt_BR>.


42

Acesso em 24 mar. 2022.


53

jovens, que conseguem assimilar mais facilmente os conteúdos transmitidos através de


apresentações musicais e outras atividades culturais promovidas pelo movimento.

A partir desses exemplos, é possível compreender as razões da dificuldade dos métodos


tradicionais de ensino utilizados pelas escolas em contemplar em sua totalidade o seu alunado,
considerando todas as suas diferenças sociais, étnicas e históricas. Como estratégia no sentido
oposto a essa tendência, os professores universitários estadunidenses Murray Forman e Mark
Anthony Neal (2004) editaram o livro That's the joint!: The hip hop studies reader, que reúne
44 textos de autores de diversas áreas a fim de constatar a importância de se produzir estudos
críticos sobre o movimento na academia. Segundo Forman e Neal (2004), essa resistência se dá
pelo fato de muitos intelectuais ainda considerarem o hip-hop um tema irrelevante para a ciência
e que estudos sobre este tema acarretariam numa vulgarização do conhecimento, uma vez que
acreditam que o movimento incentiva o vandalismo e atos prejudiciais à saúde.

Além disso, estudos relacionados ao hip-hop e seus elementos ainda enfrentam certa
dificuldade em serem aceitos como conhecimento científico nas universidades. Apesar disso, o
hip-hop aparenta ter feito avanços em conquistar cada vez mais os espaços das instituições de
ensino. Em suas aulas na Duke University, Mark Anthony Neal costuma utilizar músicas do
rapper Jay-Z para discutir temas como racismo, crime, pobreza, misoginia e até mesmo
linguística em suas aulas. Segundo o professor, o fato de os alunos já conhecerem previamente
as letras das músicas facilita a compreensão das teorias e reflexões relacionadas a elas. Além
disso, em 2002, a Universidade de Harvard criou o Hip Hop Archive, com o objetivo de
catalogar livros, teses, álbuns, vídeos e demais materiais relacionados ao hip-hop 43. A iniciativa
também financia pesquisas sobre o tema, que carece de dados sobre a história do movimento 44.
Também foi na Universidade de Harvard que o aluno Obasi Shaw ganhou um título de honra
ao apresentar um álbum de rap inédito com músicas autorais como forma de obtenção do título
de licenciatura em Língua e Literatura Inglesa, ao invés do tradicional método monográfico de
entrega de trabalho de conclusão de curso 45.

43
MISSION. Hip Hop Archive, Boston. Disponível em: <http://hiphoparchive.org/about/mission/. Acesso em 21
fev. 2022>.
44
SUPPORT Hari. Hip Hop Archive, Boston. Disponível em: <http://hiphoparchive.org/about/support-hari/>.
Acesso em 21 fev. 2022.
45
ALUNO de Harvard ganha título de honra com álbum de rap entregue como tese. O Globo, Rio de Janeiro, 22
mai. 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/aluno-de-harvard-ganha-titulo-de-honra-
com-album-de-rap-entregue-como-tese-21373321>. Acesso em 9 ago. 2022.
54

Outra iniciativa importante foi na Universidade de Cornell, ao ser criado em 2007 o


Cornell Hip Hop Collection, reunindo um acervo de materiais em áudio, vídeo, livros, revistas,
fotografias e peças publicitárias, dentre outras mídias, com livre consulta para a comunidade
em geral 46. O sociólogo e ativista do pensamento contra-hegemônico e descolonizador
Boaventura de Sousa Santos é um notório militante a favor do rap, por acreditar nas
aproximações do conhecimento científico e popular em razão de uma Epistemologia do Sul,
tradutora e das ecologias dos saberes, o que pode ser constatado em várias de suas obras. Apesar
de pouco difundidas na comunidade acadêmica, algumas de suas experiências com o ritmo
podem ser encontradas em plataformas de difusão de conteúdo na internet 47. Ainda que
considere tais iniciativas animadoras, o sociólogo também critica as instituições por tratarem a
implementação do rap como método de ensino formal como uma eterna novidade 48. Para o
sociólogo, o fato de um jovem apresentar um disco de rap como trabalho de conclusão de curso
configura uma quebra de paradigmas, no entanto, outras formas não ortodoxas de apresentação
de resultados em pesquisas científicas já aconteciam em outras novidades, havendo um
destaque para o caso supracitado por se tratar de uma universidade conhecida mundialmente
como Harvard. Quando realizou seu levantamento sobre as iniciativas relacionadas ao rap nas
instituições formais de ensino, Neal (2004) identificou mais de 300 iniciativas, dentre cursos,
palestras e outras atividades acadêmicas já realizadas. Apesar disso, o autor destaca que, sempre
que é publicada alguma notícia trazendo alguma novidade sobre o avanço dos estudos sobre
hip-hop na academia, o assunto é tratado como polêmica.

É válido citar também o exemplo do professor de inglês estadunidense James Braxton


Peterson (2016) que, através da chamada “Pedagogia da playlist”, desenvolvida a partir de sua
experiência de mais de vinte anos utilizando músicas de rap em sala de aula, propõe técnicas
de ensino e aprendizagem associadas a músicas de rap para ministrar os conteúdos de
disciplinas formais como geografia, sociologia, antropologia e linguística. Segundo o professor,
a eficácia do método se dá pela identificação dos alunos com o conteúdo das letras, o que chama

46
CORNELL Hip Hop Collection. Cornell University Library, Ithaca. Disponível em:
<http://rmc.library.cornell.edu/hiphop/>. Acesso em 21 fev. 2022.
47
FST 2012: Boaventura de Sousa Santos vira rapper em ensaio de hip-hop baseado em sua obra [S. l.: s. n.],
2012. 1 vídeo (1m48s). Publicado pelo canal FSTematico2012. Disponível em: <https://youtu.be/xciJlb4aVmI>.
Acesso em 9 ago. 2022.
48
AULA Magistral #5 ‘A arte e as Epistemologias do Sul: as linguagens da libertação’ [S. l.: s. n.], 2018. 1
vídeo (1h15m5s). Publicado pelo canal Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Disponível
em: <https://youtu.be/7y_W6UWnIXk>. Acesso em 9 ago. 2022.
55

mais sua atenção para o conteúdo que está sendo ministrado, resultando em uma maior imersão
e envolvimento dos alunos nos processos de ensino e aprendizagem.

No Brasil, apesar de ainda modestos, também é possível notar avanços do hip-hop rumo
à ocupação de espaços nas instituições formais de ensino. Em 2015, o professor de jornalismo
Marcos Antonio Zibordi realizou um estudo sobre a produção acadêmica relacionada ao hip-
hop e seus elementos no contexto das principais universidades públicas do estado de São Paulo.
Zibordi (2015), que consultou repositórios da Universidade de São Paulo (USP), da
Universidade Estadual Paulista em Franca (UNESP) e da Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), catalogou cerca de 110 trabalhos produzidos sobre hip-hop, rap e grafite. Já em
2021, a professora de antropologia da UNICAMP Jaqueline Santos organizou um ciclo de
palestras sobre pesquisas relacionadas ao hip-hop, intitulado “Seminários Internacionais de
Pesquisa: Hip Hop em Trânsito”, que colocou pesquisadores da área, nacionais e internacionais,
para debater sobre o tema em diversas sessões 49. Foi também na UNICAMP que foi criado o
“1º Arquivo Brasileiro de Hip-hop”, a partir de uma doação voluntária do acervo pessoal hip-
hopper e antropólogo paulistano King Nino Brown 50. Em Brasília, a Batalha da Escada, uma
batalha de rap que, assim como a Batalha do Coliseu, acontece dentro do ambiente
universitário, acabou se tornando uma disciplina integrante da grade curricular da Faculdade de
Comunicação na Universidade de Brasília (UnB) 51. A Batalha da Escada também é organizada
por alunos da UnB e, antes de se tornar disciplina, foi transformada em projeto de extensão, sob
a orientação da professora de jornalismo Márcia Marques.

Neste subcapítulo, enfatizamos a relação do rap com o as instituições de ensino formal,


considerando os avanços quanto ao estreitamento dessa relação, bem como as dificuldades
enfrentadas para uma maior inserção do rap e demais elementos do hip-hop nos ambientes
acadêmicos e escolares. Foi possível constatar, através do cruzamento de informações obtidas
nas bibliografias supracitadas, com reflexões trazidas a partir de letras de rap que se

49
SEMINÁRIOS Internacionais de Pesquisa | Hip Hop em Trânsito. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Campinas, 9 ago. 2021. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/ifch/noticias-
eventos/programa-sociologia/seminarios-internacionais-pesquisa-hip-hop-transito-lancamento>. Acesso em 9
ago. 2022.
50
UNICAMP inaugura primeiro arquivo brasileiro de Hip-hop. Hora Campinas, Campinas, 12 nov. 2022.
Disponível em: <https://horacampinas.com.br/unicamp-inaugura-primeiro-arquivo-brasileiro-de-hip-hop/>.
Acesso em 9 ago. 2022.
51
BABU, D. Batalha de MCs será tema de disciplina da Universidade de Brasília. Correio Braziliense, Brasília,
26 jul. 2019. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-
arte/2019/07/26/interna_diversao_arte,773833/batalha-da-escada-se-torna-disciplina-da-unb.shtml>. Acesso em
9 mar. 2022.
56

relacionassem de alguma forma com as discussões debatidas no texto, que o hip-hop tem feito
consideráveis avanços para estreitar cada vez mais sua relação com a educação formal, apesar
da constante represália sofrida por parte da comunidade acadêmica. Vimos também que esse
contexto gera uma postura de repulsa em artistas de rap que, por sua vez, criticam o sistema de
ensino formal e, muitas vezes, se recusam a participar de atividades integrativas por não
apoiarem tais metodologias. No entanto, é possível ver iniciativas de integração do hip-hop com
disciplinas acadêmicas em universidades internacionais e também no Brasil, onde não só
existem iniciativas no tocante ao incentivo dos chamados “Hip Hop Studies”, que são os
estudos acadêmicos relacionados à cultura hip-hop em geral, como também foi possível
identificar iniciativas relacionadas diretamente a batalhas de rap, como foi o caso da já citada
Batalha da Escada, o exemplo que mais se aproxima do nosso objeto de estudo, a Batalha do
Coliseu, pelo fato de ser uma batalha de rap que acontece dentro do ambiente universitário. No
subcapítulo seguinte, abordaremos especificamente as batalhas de rap, suas características e
diferentes categorias, bem como uma breve contextualização sobre a ocorrência desse tipo de
evento no estado do Rio Grande do Norte, finalizando o capítulo.

2.5 Batalhas de rap

Neste último subcapítulo abordaremos mais detalhadamente as batalhas de rap,


buscando compreender suas origens, características, categorias e processo de popularização,
considerando suas representações, tanto nas bibliografias consultadas, quanto nas mídias, –
imprensa, produções audiovisuais, e internet – bem como nas próprias músicas de rap.
Conforme vimos anteriormente, o hip-hop surgiu com o intuito inicial de deslocar os conflitos
constantes no cotidiano dos jovens excluídos da periferia das ruas para o campo das ideias e da
expressão artística. Com efeito, o hip-hop acabou incorporando também em sua concepção a
postura contundente e caráter de rivalidade presente no contexto de tais conflitos. Por essa
razão, a competitividade acabou se tornando uma característica marcante no hip-hop e suas
formas de expressão.

O antropólogo brasileiro Ricardo Indig Taperman (2011) aponta ser possível observar
o aspecto de rivalidade presente nas diversas formas de expressão oriundas do hip-hop, como
nas disputas por visibilidade na paisagem urbana existentes no grafite, as “firulas” técnicas
executadas pelos DJs, os campeonatos de break e também os duelos de MCs. De acordo com a
professora de letras Rôssi Alves (2013), autora do livro “Rio de rimas”, que aborda o contexto
57

das batalhas e rap no Rio de Janeiro, esses duelos, também chamados de batalhas de rap,
batalhas de rima ou batalhas de freestyle, acontecem geralmente na rua, em encontros realizados
por grupos de hip-hoppers.

Por outro lado, conforme observa o musicólogo estadunidense Elijah Wald, a origem
das batalhas de rimas pode remeter a um período muito anterior ao surgimento rap em si. Em
seu livro “The dozens: A history of Rap’s Mama”, publicado em 2012 pela Oxford University
Press, Wald (2012) explica que o jogo “the dozens”, uma forma de interação social que remete
às tradições verbais oriunda das cerimônias ritualísticas africanas, caracterizado como um duelo
verbal de piadas ofensivas e rimadas que se popularizou entre os negros americanos na primeira
metade do século XX, acabou influenciando inúmeros artistas e músicos da cultura popular
afro-americana. De acordo com o autor, no referido jogo, cujo gatilho geralmente é iniciado
com a interjeição “yo’ mama”, poderia ser de cunho agressivo, ofensivo, sagaz, brutal,
engraçado, estúpido, violento, psicologicamente intrigante, deliberadamente enganoso ou, até
mesmo, apresentar todas essas formas em uma única performance. Sendo permitido ofender
não só o seu adversário, como também amigos, parentes e membros da família, o que pode ser
facilmente percebido pelo jargão da brincadeira, que comumente inicia o ataque ao mencionar
a mãe do outro indivíduo. Apesar de considerar incertas as respostas acerca das origens do jogo,
Wald (2012) explica que as buscas por essas explicações remetem desde a versos cerimoniais
oriundo das igrejas latinas medievais, passando pelas plantações escravistas da região sul dos
Estados Unidos, até performances de jovens delinquentes e músicos do Mississipi a artistas da
música negra norte-americana como Chuck Berry.

A partir dessas duas abordagens sobre a historicidade das batalhas de rap, é possível
perceber que este tipo de manifestação cultural, assim como o hip-hop em si, surge em um
contexto urbano, no entanto, apesar de suas linguagens e características serem moldadas pelo
contexto em que surgem, suas origens remetem a tradições mais antigas, em sua maioria,
oriundas do continente africano. Assim como a batida rítmica e a tradição da oralidade presentes
no hip-hop como um todo, as batalhas e rap também carregam essa tradição da oralidade e
também da rítmica, ao considerarmos a métrica da fala necessária para a construção das rimas.
Tais características remetem à cultura africana trazidas pelos negros escravizados para as
Américas no processo de diáspora iniciado com a escravização dos povos africanos durante a
colonização do continente americano. No entanto, essas tradições foram se adaptando e sendo
moldadas aos contextos nas quais se inseriam, trazendo elementos da cultura popular urbana e
58

da globalização ao longo dos anos. Por essa razão, é possível identificar uma série de
performances culturais que podem ser entendidas como batalhas de rimas, a exemplo dos duelos
de embolada, de coco e de poesia tradicionais do Nordeste brasileiro, assim como diversos
outros exemplos que podem ser citados ao buscarmos diferentes tradições culturais ligadas ao
ritmo e à rima ao redor do mundo. No entanto, para alcançar os objetivos deste trabalho, iremos
nos ater especificamente às batalhas de rap, no contexto do hip-hop.

As batalhas de rap podem ser definidas como disputas entre MCs organizadas em duelos
de rimas improvisadas, também chamadas de freestyle ou apenas “free”. Apesar de centradas
na disputa entre rappers, as batalhas também podem incluir outras atrações como apresentações
de MCs e grupos de rap, bem como apresentações e batalhas de DJs, de dança e também de
poesia. Existem mais de um tipo de batalhas de rap, sendo a mais comum a batalha de sangue,
que propõe a vitória da melhor rima, permitindo inclusive que os adversários se agridam
verbalmente. É comum, quando o MC responsável pela apresentação da batalha pergunta: “O
que vocês querem ver?” A plateia responder prontamente: “Sangue!”. Com o objetivo de
“esculachar” o oponente, os rappers geralmente constroem suas rimas a partir de características
pessoais ou físicas e até mesmo “segredos” de seus adversários. Quanto mais ousada for a
performance do rapper, mais chance ele tem de ganhar, apesar de o público não aceitar qualquer
tipo de ofensa, como xingamentos mútuos e direcionados a terceiros (ALVES, 2013).

Além da batalha de sangue, também existem batalhas de conhecimento, de imagens,


temáticas ou de ideias. A primeira batalha de conhecimento surgiu a partir da iniciativa de
Gerard Miranda e MC Marechal, em promover uma disputa que privilegiasse a reflexão e o
debate crítico, ao invés de uma mera disputa ofensiva, como é comum nas batalhas de sangue.
A Batalha do Conhecimento, por sua vez, originou novas categorias com outros nomes, porém
com características similares, como Batalha de Ideias, de Palavras ou de Imagens. Nessas
batalhas o que prevalece é a capacidade do rapper de elaborar suas rimas a partir de um tema
pré-selecionado, que pode ser uma imagem projetada em um telão, um filme ou um debate
sugerido (ALVES, 2013).

Estruturadas em esquema de “mata-mata”, como em alguns campeonatos de futebol, as


batalhas podem contar com até 16 participantes. A “chave”, como é chamada a tabela onde são
anotados os nomes dos competidores, é feita na hora, geralmente em uma folha de papel ou
caderno (Figura 16). Ou seja, não é possível saber previamente com quem os participantes irão
duelar na primeira rodada. A partir dessa fase, o vencedor da primeira batalha enfrenta o
59

vencedor da segunda e assim sucessivamente, eliminando sempre os que perdem o duelo.


Seguindo a lógica da chave, é possível prever, a partir da segunda rodada, quem enfrentará
quem no próximo duelo, o que faz com que os rappers se antecipem em articular suas rimas a
partir das características de seu adversário. Ao todo, são quatro etapas de batalhas, podendo ter
dois ou três rounds (ALVES, 2013).

Figura 15: Exemplo de “chave” da Batalha do Santa Cruz (São Paulo/SP).


Fonte: TEPERMAN, 2011, p. 232.

Os participantes têm 45 segundos cada para proferir seus ataques. A decisão de quem
começa é feita por meio de sorteio, geralmente par ou ímpar. O segundo a rimar tem a vantagem
de pensar no que vai dizer durante a performance do primeiro, embora seja ele que dê início ao
segundo round, o que, por sua vez, permite que o primeiro pense na devida resposta. “Rimar
sobre o que o adversário disse, utilizando-se das afirmações dele, é uma estratégia muito
valorizada pelo público – é a articulação da resposta de um MC ao ataque do outro que ajuda
muito a definir o vitorioso” (ALVES. 2013, p. 28).

Ao final do segundo round, o apresentador pede que o público aplauda os candidatos.


Ganha o que for mais aplaudido. Como nem sempre a distinção é fácil, é comum o
apresentador substituir os aplausos por braços ao alto. Quando nem assim fica clara a
decisão do público, parte-se para o terceiro round. É comum, já ao fim do segundo
round, antes mesmo de a plateia ser convocada a aplaudir, decidindo a luta, que a
mesma grite, implorando o terceiro round: “Ter-cei-ro! Ter-cei-ro!” O campeão da
batalha tem direito a um freestyle no fim do show (ALVES, 2013, p. 28, grifo do
autor).
60

Os critérios levados em consideração para definir o vencedor geralmente são: ousadia


da performance, maior torcida ou melhor rima. É comum que muitas vezes a vitória se dê mais
pela capacidade do rapper de reunir um público que defenda seu território, do que
necessariamente pelo seu desempenho artístico, uma vez que a territorialização é uma questão
muito forte nessa cultura. Um MC pode ser votado pelo seu talento ou pelo fato de “defender”
sua quebrada. A premiação varia, podendo ser livros, camisetas, bonés ou, até mesmo, dinheiro
arrecadado com a plateia pelos organizadores (ALVES, 2013).

Apesar das definições que geralmente se aplicam a boa parte das batalhas de rap
conhecidas, existem diversos tipos e formatos de batalhas de rap ao redor do mundo, com suas
próprias regras e formas de organização. Em Angola, por exemplo, existe a batalha conhecida
como Reis do Rompimento Primeira Liga (RRPL) 52, na qual os duelos são definidos com dias
de antecedência, permitindo assim que os rappers estudem seus adversários e preparem seus
ataques baseando-se nas características de seus adversários. Logicamente, as rimas não são
feitas de improviso, mas escritas e decoradas pelos seus autores e recitadas na hora, sem o
acompanhamento de alguma batida eletrônica, se assemelhando mais ao formato das
apresentações e batalhas de slam 53, o que necessariamente das batalhas de freestyle
propriamente ditas, no contexto do hip-hop, com rimas improvisadas e acompanhamento
musical.

No contexto dos países de língua espanhola, inclusive da América Latina, destacam-se


batalhas como a Freestyle Master Series España (FMS España) 54, Freestyle Master Series
Argentina (FMS Argentina) 55, e a Batalla de Los Gallos 56, um evento que reúne MCs de
diversos países falantes da língua espanhola, organizada pela marca de bebidas energéticas Red
Bull, conhecida por patrocinar inúmeras iniciativas de fomento ao esporte e práticas culturais,

52
#RRPL Apresenta Salomão Rei VS Hidra "Final da 7 Temporada" Ep 32 [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo
(1h5m21s). Publicado pelo canal Reis do RompimentoTV. Disponível em: <https://youtu.be/Rv5PbMscbss>.
Acesso em 10 ago. 2022.
53
O poetry slam é uma batalha de poesia falada, na qual cada participante deve apresentar em aproximadamente
três minutos uma poesia inédita e autoral sem o auxílio de adereços de cena ou acompanhamento musical
(FREITAS, 2020).
54
#FMSESPAÑA Jornada 5 Temporada 5 - #FMS22 | Urban Roosters [S. l.: s. n.], 2022. 1 vídeo (5h42m45s).
Publicado pelo canal Urban Roosters. Disponível em: <https://youtu.be/kB2gmiCvl50>. Acesso em 10 ago.
2022.
55
#FMSARGENTINA Jornada 3 Temporada 4 - #FMS22 | Urban Roosters [S. l.: s. n.], 2022. 1 vídeo
(5h38m45s). Publicado pelo canal Urban Roosters. Disponível em: https://youtu.be/_-DxRpFt8Z8. Acesso em
10 ago. 2022.
56
RED Bull Batalla: Official Event Page. Red Bull. Disponível em: <https://www.redbull.com/br-pt/event-
series/red-bull-batalla>. Acesso em 10 ago. 2022.
61

como a música. Já no Brasil, o evento mais conhecido de batalhas de rap é o Duelo de MCs 57,
originário de Belo Horizonte/MG. Anualmente ocorre o Duelo de MCs Nacional, que reúne
rappers de todas as regiões do Brasil, indicados através de seletivas regionais devidamente
organizadas e cadastradas no evento. O coletivo Família de Rua se articula com os coletivos
regionais e estaduais para garantir a lisura das fases seletivas, que definem os MCs que
representarão seus estados na grande final.

A popularização das batalhas de rap, assim como no hip-hop como um todo,


possivelmente deu-se em grande parte pela influência da mídia, através de suas representações
na imprensa jornalística, na indústria fonográfica e, até mesmo, no cinema, sendo o mais
evidente exemplo de uma dessas representações o filme “8 mile”, lançado em 2002, distribuído
pela Universal Pictures e estrelado pelo rapper estadunidense Eminem. No filme, cujo roteiro
se inspira na própria biografia do artista, Eminem interpreta o rapper branco Jimmy Smith Jr.
– conhecido como B. Rabbit – em sua jornada tortuosa em busca do sucesso como artista de
rap, um gênero musical majoritariamente dominado por negros. Para tanto, o protagonista
busca destaque em meio ao cenário de rap de sua cidade se apresentando nas batalhas que ali
acontecem, no entanto, enfrenta dificuldades em ser respeitado pelos demais frequentadores e
MCs justamente por ser branco. Em uma de suas batalhas, B. Rabbit enfrenta Lickety, que deixa
bem claro em seu ataque o não pertencimento de seu adversário àquele lugar devido à cor da
sua pele:

LICKETY

Fucnkin' Nazi, this crowd ain't your type


Take some real advice and form a group with Vanilla Ice.
And what I tell you, you better use it
this guy's a hillbilly, this ain't Willie Nelson music

Seu nazista de merda, essa galera não é a sua


Ouça um conselho de verdade e forme um grupo com Vanilla Ice
E o que eu te digo, é melhor fazer
Esse cara é um caipira, isso não é uma música de Willie Nelson
(tradução nossa).

57
Organizado pelo coletivo Família de Rua, o Duelo de MCs ocorre desde 2007 no viaduto Santa Tereza em
Belo Horizonte (MG), realizando anualmente o Duelo de MCs Nacional, que geralmente acontece no mês de
dezembro, atraindo rappers de todo o país, previamente selecionados nas batalhas devidamente cadastradas nos
coletivos de rap de seus respectivos estados. A Batalha do Coliseu, por exemplo, é integrada ao Coletivo das
Batalhas do Rio Grande do Norte, cujo perfil pode ser acessado na rede social Instagram através do link
disponível em: <https://www.Instagram.com/cooperativadasbatalhasdorn/>. Acesso em 29 ago. 2022.
62

Em outra batalha, dessa vez contra o rapper Lotto, B. Rabbit também é atacado pelo seu
adversário devido à cor da sua pele, enfatizando uma narrativa de não pertencimento:

LOTTO

I'll spit a racial slur, honky, sue me


This shit is a horror flick, but the black guy doesn't die in this movie
You think these niggas gonna feel the shit you say?
I got betta chance joining the KKK

Eu vou cuspir um insulto racista, branquelo, me processa


Essa merda é um filme de terror, mas o cara negro aqui não morre
Você acha que os negros aqui vão curtir essa merda que você fala?
Eu tenho mais chance de entrar na KKK
(tradução nossa).

Além de ser branco, B. Rabbit também se torna alvo de chacotas por morar em um
trailer com a mãe solteira e ser pobre, precisando trabalhar para ajudar com as despesas da
família, enquanto o grupo composto por alguns dos MCs que o enfrentaram é liderado por um
MC muito respeitado na cidade, com pinta de traficante, que sempre aparece trajado em roupas
de grife e a bordo de carros caros. Seu nome é Papa Doc. O clímax do filme se dá justamente
na batalha de B. Rabbit com Papa Doc que, para a surpresa de todos, tem seu maior segredo
revelado pelas rimas de seu adversário, tornando-se o cerne para o ataque de B. Rabbit a Papa
Doc. O segredo é que, apesar de ser negro e sustentar uma aparência de gangster, Papa Doc
vem de um contexto familiar muito mais confortável do que B. Rabbit, tendo estudado em
escola particular e sempre convivido em um ambiente familiar saudável, ao contrário de B.
Rabbit, que além das dificuldades financeiras sempre presentes em sua vida, também teve que
enfrentar o abandono paternal e a violência doméstica do atual companheiro de sua mãe, que
constantemente coloca a sua vida, da sua mãe e da sua pequena irmã em risco.

B. RABBIT

This guy ain't no motherfuckin' MC


I know everything he's got to say against me
I am white, I am a fuckin' bum
I do live in a trailer with my mum
[...]
But Never try to judge me dude
You don't know what the fuck I've beem through

Esse cara não é MC porra nenhuma


Eu sei tudo que ele tem a dizer contra mim
Eu sou branco, eu sou a porra de um vagabundo
63

Eu moro em um trailer com minha mãe


[...]
Mas nunca tente me julgar, cara
Você não sabe as merdas que eu tive que passar

[…]

But I know something about you


You went to Cranbrook, that's a private school
What's the matter dog, you embarrassed?
This guy's a gangsta? His real name is Clarence

And Clarence lives at home with both parents


And Clarence's parents have a real good marriage

Mas eu sei algo sobre você


Você estudou na Cranbrook, essa é uma escola particular
Qual o problema cachorro, tá envergonhado?
Esse cara é um gângster? Seu nome verdadeiro é Clarence

E Clarence mora numa casa com os dois pais


E os pais de Clarence tem um casamento muito bom
(tradução nossa).

Nesses versos é possível perceber uma postura muito comum nas batalhas de rap:
quando o MC assume a postura de mais durão, alegando ter passado por mais dificuldades,
logo, sendo melhor que seu adversário. Essa foi a principal arma utilizada no ataque de B.
Rabbit a Papa Doc pois, apesar de ser menos respeitado na cena rap da cidade e aparentar menos
ser um artista bem-sucedido, o rapper branco interpretado por Eminem provou seu valor ao
mostrar ser mais “casca grossa” que seu adversário, merecendo assim o respeito da plateia e a
vitória naquela batalha. No entanto, iremos nos aprofundar mais nos discursos utilizados nas
rimas em batalhas de rap no capítulo analítico, considerando especificamente o contexto da
Batalha do Coliseu.
64

Figura 16: Cena do filme “8 mile”, na qual B. Rabbit enfrenta Papa Doc.
Fonte: IMDB, 2002.

Considerando sua inevitável popularização, as batalhas de rap logo se espalharam por


várias cidades ao redor do mundo e também em diferentes regiões do Brasil. Em Natal, capital
do Rio Grande do Norte, não tem sido diferente. As batalhas de rap vêm ganhando notoriedade
no meio artístico, político e institucional. Algumas batalhas inclusive já ocuparam espaços
considerados eruditos da cultura na cidade, como é o exemplo da Batalha do Vinho que, em
2018, foi vencedora na categoria “Linguagens Urbanas” da 16ª edição do Prêmio Hangar de
Música 58, uma das premiações mais prestigiadas do estado no âmbito mainstream, embora seja
alvo de críticas por parte de alguns produtores culturais populares, devido à pouca atenção do
festival dedicada aos artistas de rap, que são aglutinados em uma só categoria. A batalha, que
teve início em 2011 no Espaço Cultural Jesiel Figueiredo, bairro do Gramoré na Zona Norte, e
alguns hiatos ao longo de sua existência, já recebeu incentivo da Secretaria de Cultura de Natal,
através da Lei Dalma Maranhão de Incentivo à Cultura 59.

A arquiteta e urbanista potiguar Sarah Esli de Lima Souza (2019), que investigou a
apropriação dos espaços públicos por batalhas de rap em Natal, aponta que o primeiro evento
desse tipo na cidade aconteceu em 2005. No mesmo ano, alguns hip-hoppers já haviam pensado
em realizar um evento dessa natureza no período próximo às festividades de Reis, em janeiro,
dando origem ao Som de Reis. O projeto, pensado inicialmente para ocorrer somente no mês
de janeiro, logo ganhou força e passou a acontecer no início de todos os meses na Praça André
de Alburquerque, localizada no bairro Cidade Alta, Zona Leste da cidade. Por ser conhecida

58
MENDONÇA, J. Confira os vencedores da 16ª Edição do Prêmio Hangar de Música. Potiguar Notícias,
Natal, 4 dez. 2018. Disponível em: <http://www.potiguarnoticias.com.br/noticias/39916/confira-os-vencedores-
da-16a-edicao-do-premio-hangar-de-musica>. Acesso em 16 jul. 2019.
59
SHOWS, espetáculos infantis e dança na Agenda Cultural do fim de semana. Prefeitura do Natal, Natal, 21
jul. 2017. Disponível em: <https://www.natal.rn.gov.br/news/post/26526>. Acesso em 21 fev. 2022.
65

popularmente com Praça Vermelha, logo o evento se tornou a Batalha da Vermelha, dando
origem às batalhas de rap em Natal. Logo, outros espaços também foram sendo apropriados
para a realização de batalhas de rap, como a pista de skate e estacionamento do Supermercado
Nordestão, localizados no conjunto Santa Catarina, bairro Potengi, Zona Norte da cidade, e o
ginásio do bairro Cidade da Esperança, na Zona Leste (SOUZA, 2019). Ao longo da realização
dessa pesquisa, registramos a atividade de mais batalhas na cidade de Natal e nas cidades
metropolitanas e do interior, às quais foram dispostas na tabela a seguir (Tabela 1), que indica
os nomes das batalhas, seguidos do local e data de realização das seletivas estaduais para as
batalhas cadastradas na Cooperativa de Batalhas do RN. As batalhas não cadastradas e sem data
marcada para seletiva estadual de 2022 estão indicadas com um asterisco (*), seguido apenas
do dia e horário de realização corriqueiros.

Tabela 1: Batalhas de rap do RN com datas das seletivas para as batalhas filiadas à CDB.

Batalha Local Dia Hora

Batalha 100 Título* Praça Muriaé (Natal) Terças 18h

Batalha Clandestina* Praça do Nova (Natal) Sábados 19h

Batalha da Brisa Deck de Ponta Negra (Natal) 21/08 16h

Batalha da Cohab Caminhódromo da Cohab (Parnamirim) 28/08 16h

Batalha da Esperança Rodinha do Padre (Natal) 03/09 18h

Batalha da Ilha Ilha de Santana (Caicó) 06/08 20h

Batalha da Matriz Praça da Matriz (Ceará-Mirim) 09/09 19h

Batalha da Pista Praça Dinarte Mariz (Macau) 27/08 16h20

Batalha da Praça Praça dos Três Poderes (Extremoz) 18/09 18h30

Batalha do Coliseu Escola de Música da UFRN (Natal) 13/09 18h

Batalha do Coreto Pça. Des. Celso Sales (S. J. do Mipibu) 20/08 15h30

Batalha do Cristo Praça da Rodoviária (Currais Novos) 19/08 19h

Batalha do Gina Ginásio Poliesportivo Jorge Tavares (Parnamirim) 04/09 18h

Batalha do Gueto Praça da Rodoviária (Currais Novos) 26/08 19h

Batalha do Nova* Rua do Aboio, 938 (Natal) Quintas 18h

Batalha do Vinho Espaço Cultural Jesiel Figueiredo (Natal) 10/09 16h

Batalha dos Deuses Skate Park (Mossoró) 17/09 18h

Batalha dos Pitbulls* Rua Serra do Mel, 8055 (Natal) Sextas 18h30
66

Rinha de MCs Skate Park Zona Norte (Natal) 31/08 18h

Sertão Battle Escola de Artes (Mossoró) 13/08 18h

Fonte: Cooperativa das Batalhas do RN, informação por WhatsApp, 2022.


* Batalhas não cadastradas na CDB ou que não obtiveram vaga para as seletivas estaduais.

Neste subcapítulo, abordamos especificamente as batalhas de rap, buscando


compreender suas possíveis origens, características e diferentes formatos de realização. Através
da bibliografia consultada, constatamos que apesar dos diferentes indícios, as origens das
batalhas de rap, assim como as demais formas de expressão cultural advindas do hip-hop,
apontam para tradições culturais milenares, trazidas pelos povos escravizados do continente
africano para a América e outras regiões do mundo, em um processo diaspórico. Vimos também
como este tipo de evento se popularizou juntamente com a expansão do hip-hop pelo mundo,
adaptando-se igualmente aos contextos de cada localidade, fazendo surgir novas configurações
e formatos, além de destacar-se no cenário midiático da indústria fonográfica e do audiovisual,
chegando inclusive às telas do cinema, impulsionando ainda mais sua popularização.
Observamos também o contexto das batalhas de rap no Rio Grande do Norte e, mais
especificamente, em Natal, capital potiguar, que concentra o maior número de batalhas de rap
atuantes no estado.

Com isso, finalizamos a contextualização histórica proposta por este capítulo. Buscamos
abordar apenas os elementos necessários para uma melhor compreensão sobre o movimento
hip-hop, suas raízes culturais e suas ligações com questões sociais como racismo, sexismo,
colonialismo e outras formas de opressão. Tal abordagem visou uma contextualização modesta,
no entanto suficiente para discussão do tema, visto que o objetivo deste trabalho não é,
necessariamente, propor uma análise da historicidade do rap. No próximo capítulo, iniciaremos
a etapa teórica deste trabalho, que busca elencar conceitos e referenciais teóricos que auxiliem
na compreensão dos fenômenos socioculturais intrínsecos às práticas sociais e comunicativas
relacionadas à realização de batalhas de rap.
67

3 APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

“Durante muito tempo, por exemplo, o triunfalismo da ciência


moderna deixou de lado os conhecimentos indígenas, os
conhecimentos da ecologia, da natureza. Parece que esses
conhecimentos não têm importância alguma, são irrelevantes, não se
devem levar em conta. Precisamos levá-los em consideração e, para
isso, é preciso uma ruptura epistemológica. É pensarmos que a
ciência não é o único conhecimento válido, há muitos conhecimentos
que devem interagir. Esses conhecimentos vêm, muitas vezes, das
lutas sociais, das periferias, das populações quilombolas, ribeirinhas
e indígenas. É uma forma de descolonizar o próprio conhecimento.”

(Boaventura de Sousa Santos)

Para compreender os fenômenos sociais, culturais e midiáticos que perpassam a


realização de batalhas de rap, se faz necessária a elucidação de alguns conceitos e teorias nas
áreas da comunicação midiática, sociologia e filosofia. A discussão de tais temas forma uma
estrutura essencial para interpretar os dados colhidos nas entrevistas, fotografias, vídeos e notas
feitas nas visitas a campo em dias de encontros de batalhas de rap na UFRN.

No primeiro subcapítulo, será discutido com as batalhas de rap podem, a partir de suas
características, ser compreendidas como uma forma de comunicação específica comum entre
os grupos sociais marginalizados, a folkcomunicação. Este conceito teórico, considerado
pioneiro nos estudos em comunicação no Brasil, foi apresentado pelo jornalista e pesquisador
pernambucano Luiz Beltrão (1971). Trata-se de um conceito fundamental para entender que
tipo de comunicação ocorre nas batalhas de rap e quem são seus agentes. Entendemos que os
processos de comunicação existentes nas batalhas podem ser caracterizados como formas de
folkcomunicação (BELTRÃO, 1971), pois se dão fora dos meios hegemônicos de comunicação
de massa, envolvendo setores e sujeitos considerados marginalizados pela sociedade, devido às
suas origens populares e periféricas.

No segundo subcapítulo, falaremos sobre a linhas que separam a sociedade


hegemônica da marginalizada e discutiremos uma possível proposta para esse paradigma.
Através da assimilação dos conceitos de “linhas abissais”, do sociólogo português Boaventura
de Sousa Santos (2007), é possível compreender como fenômenos sociais históricos, como a
colonização e a concepção de um pensamento ocidental hegemônico dividiram a sociedade
entre aqueles que dominam e os que são dominados. Também é de Santos (2007) a ideia de
uma “ecologia de saberes”, que visa a concepção de novas epistemologias e paradigmas, a partir
68

da integração das mais diversas fontes do saber. Acreditamos que a concepção de “linhas
abissais” (SANTOS, 2007) define as divisões invisíveis presentes nas cidades que separam os
espaços periféricos e segregados, de onde muitos dos participantes da Batalha do Coliseu se
deslocam, para espaços de poder, como a universidade pública, local de realização da Batalha,
gerando interações sociais que são passíveis de integração, mas também de atrito. Ademais, o
conceito de “ecologia de saberes” (SANTOS, 2007) surge como uma proposta de integração
dos diferentes saberes oriundos dos diferentes setores da sociedade separados por essas linhas
abissais.

No terceiro subcapítulo, discutiremos os impactos do processo de colonização e


modernização dos países da América Latina, e como isso contribuiu para a formação de culturas
híbridas. Para isso, utilizaremos os conceitos de hibridação, ou hibridização, do antropólogo
argentino Néstor García Canclini (2019). A discussão dos temas abordados neste capítulo
esclarecerá como a dominação imposta pela colonização se perpetuou através da indústria
cultural e das relações de consumo nas sociedades latino-americanas com as mídias. Também
discutiremos a concepção de choque cultural, segundo uma perspectiva de Homi Bhabha
(1998). No contexto desta pesquisa, os conceitos apresentados nesse subcapítulo servem para
relacionar os processos de reformulações que determinados elementos culturais apresentam
conforme vão se popularizando e disseminando, gerando hibridações culturais (CANCLINI,
2019) nas diferentes localidades onde chega, o que pode ser observado no rap que, apesar de
apresentar linguagens e padrões globais identificáveis em seus interlocutores, também
incorpora elementos culturais e simbólicos específicos dos diferentes contextos nos quais se
estabelece. Os choques provenientes dessas hibridações também são considerados. Por essa
razão, se faz necessária a discussão dos choques culturais (BHABHA, 1998), uma vez que
entendemos os tensionamentos observados entre os diferentes grupos de participantes e
entidades envolvidas na realização da Batalha do Coliseu como exemplos de tal fenômeno.

No quarto subcapítulo, abordaremos o capital cultural, teoria do sociólogo francês Pierre


Bourdieu (1998), a fim de entender a razão para esses choques culturais (BHABHA, 1998)
acontecerem. Desse modo, é possível esclarecer como jovens de uma mesma faixa etária, ou
até mesmo alunos de nível escolar semelhante, apresentam diferentes níveis de interpretação e
discussão de temas inerentes à sociedade, cuja compreensão demandam um acúmulo prévio de
um repertório cultural. A razão para discussão de tal conceito se dá por entendermos que a
diferença de capital cultural (BOURDIEU, 1998) existente entre os diferentes agentes
participantes da Batalha do Coliseu, dados os diferentes contextos sociais dos quais se originam,
69

pode ter sido um fator determinante para a ocorrência dos conflitos observados durante a
realização dos eventos.

Por fim, no quinto e último subcapítulo, argumentaremos como o conjunto desses e


outros processos de modernização da sociedade resultam na criação da imagem do sujeito
estranho, ou seja, aquele que não se adequa ao projeto de homogeneização da sociedade, através
do pensamento do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1998). Essa teoria trata da
coerção do estado em busca de uma sociedade homogeneizada, para chegar a uma nação
unificada, mesmo que isso custe a exclusão e até mesmo o extermínio de todo aquele que seja
considerado diferente. No contexto desta pesquisa, consideramos que tal processo pôde ser
percebido com alguns dos participantes da Batalha do Coliseu, tanto do ponto de vista dos
representantes da instituição de ensino onde ocorre, através das represálias por parte das
direções de departamento e equipes de segurança, como também entre parte dos próprios
sujeitos participantes da Batalha que, em dado momento, denotaram essa separação entre “nós”
e “eles” diante de comportamentos considerados inadequados para o contexto.

Consideramos a assimilação desses conceitos de suma importância para melhor


compreensão dos temas que serão discutidos nas fases seguintes do texto, onde abordaremos
com mais especificidade o surgimento e difusão do hip-hop pelo mundo, até chegar ao Brasil
e, por fim, em Natal (RN).

3.1 Folkcomunicação: a comunicação dos marginalizados

Quando o hip-hop surgiu e se popularizou nos Estados Unidos, na década de 1970, aqui
no Brasil, o jornalista brasileiro Luiz Beltrão já havia nos apresentado sua teoria da
folkcomunicação, primeira teoria da comunicação midiática genuinamente brasileira.
Defendida em 1967 na Universidade de Brasília, sua tese de doutoramento, intitulada,
“Folkcomunicação: um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e
expressão de ideias”, outorgou-lhe o primeiro título de Doutor em Comunicação por
universidade brasileira (MELO, 2008). Apesar das diferenças temporais e geográficas
observadas entre esses dois temas, e porque não dizer, objetos de estudo, é possível estabelecer
relações entre eles, a partir das características que definem os processos de folkcomunicação.

De acordo com Luiz Beltrão (1971; 2001), a folkcomunicação compreende os discursos


que se propagam através dos agentes e meios populares de difusão de fatos e expressão de
ideias, atrelados direta ou indiretamente ao folclore ou à cultura popular. O autor entende como
70

popular tudo que se refere ao povo, aqueles que não utilizam os meios formais de comunicação.
Segundo Beltrão (1971; 2001), os sujeitos que integram os grupos marginalizados da sociedade
possuem papel fundamental na mediação dos discursos que circulam entre si. Por isso, suas
práticas também demandam atenção dos estudos na área de comunicação midiática.

De acordo com o pesquisador em folkcomunicação Oswaldo Trigueiro (2001), a


folkcomunicação deve ser vista, estudada e discutida como uma teoria comunicacional. Sob a
ótica da folkcomunicação, as batalhas de rap podem ser entendidas como formas de
manifestações culturais, por se tratar de instrumentos de expressão da cultura local de uma
comunidade ou povo, estabelecendo canais autênticos de difusão de valores, crenças e histórias
de vida (CARVALHO, 2008). Ademais, o MC, por ser um agente responsável por grande parte
dos discursos propagados durante as batalhas de rap, podem ser vistos como líderes folk, pois
transitam entre as regiões hegemônicas e marginalizadas da sociedade, trazendo seus discursos
consigo e realizando uma tradução de suas experiências comunicativas com indivíduos de
ambas as esferas sociais (BELTRÃO, 1971; 2001).

Nesse contexto, enxergamos as batalhas de rap como promissores objetos de estudo da


folkcomunicação, compreendendo a realização desses eventos como formas autênticas de
comunicação popular e seus participantes como agentes ativos/ativistas midiáticos nos
processos comunicacionais que viabilizam. As batalhas de rap criam redes de difusão de fatos
e expressão de ideias, através de processos comunicacionais de caráter popular que se dão nos
espaços cultural e geograficamente marginalizados da sociedade, tal como descreve Luiz
Beltrão (1971) ao explicar o que é folkcomuconicação, no entanto, também levantam uma
discussão sobre o conteúdo das rimas e dos discursos proferidos nesses espaços, bem como suas
implicações para com relação aos espaços de realização e ao movimento cultural hip-hop.

3.2 Linhas abissais e ecologia de saberes

Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2007), a sociedade moderna é


dividida por linhas invisíveis, chamadas por ele de “linhas abissais”, pois são produto de um
pensamento moderno abissal. De acordo o sociólogo, essas linhas globais, herança da era
colonial, mantém a sociedade dividida em dois universos distintos: o “deste lado da linha” e o
“outro lado da linha”. Para o autor, as relações de dominação estabelecidas na era colonial não
se extinguiram com a descolonização das nações, mas se reconfiguraram de maneira tal que a
71

manutenção da realidade do que se encontra “deste lado da linha” implica na inexistência de


tudo aquilo que se encontra do “outro lado da linha” (SANTOS, 2007).

Para Sousa Santos (2007), o “pensamento abissal” se manifesta principalmente no


campo do conhecimento e do direito, através da monopolização do que é considerado
verdadeiro ou falso pela ciência e da determinação do que é legal ou ilegal pelo direito oficial
do Estado ou o direito internacional. Desse modo, a ciência define que tipo de conhecimento é
considerado verdadeiro ou falso e o direito define o que é legal ou ilegal “deste lado da linha”,
enquanto os conhecimentos provenientes do outro lado da linha são desconsiderados e
invalidados. O autor considera que, enquanto a realidade “deste lado da linha” é regida por uma
tensão regulação/emancipação, onde o conhecimento é determinado pela ciência e o direito
pelas leis, a realidade social do “outro lado da linha” é regida por uma tensão
apropriação/violência, onde todo e qualquer tipo de conhecimento é desconsiderado e
invalidado, por não se encaixar nos padrões do método científico, e o direito não se aplica,
dando lugar a um território “a-legal” (sic), ou seja, uma terra sem lei.

Sousa Santos (2007) argumenta que o modelo colonial de exclusão radical, cujas linhas
abissais separavam a sociedade civil das regiões em estado de natureza, permanece até hoje no
pensamento e nas práticas modernas, separando o mundo humano do subumano. Para o autor,
a divisão gerada pelo pensamento abissal submete indivíduos do “outro lado da linha” a
condições indignas de negação de direitos, além de invisibilizar seus saberes e culturas, uma
vez que “o olhar hegemônico, localizado na sociedade civil, deixa de ver e declara efetivamente
como não-existente o estado de natureza” (p. 74). Para o autor, isso explica as desigualdades
sociais acentuadas pela globalização e a visão eurocêntrica ocidental predominante no
pensamento tradicional hegemônico, sustentados por três principais formas de dominação: o
colonialismo, o capitalismo e o heteropatriarcado. As linhas abissais também estão presentes
na arquitetura urbana, dividindo as cidades em zonas consideradas desenvolvidas e
subdesenvolvidas, centrais e periféricas. Em contraponto a essa realidade, Sousa Santos (2007)
propõe um pensamento pós-abissal, cuja principal premissa busca uma “ecologia de saberes”.

De acordo com Sousa Santos (2007), um pensamento “pós-abissal” para uma “ecologia
de saberes” baseia-se no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos, bem
como a sua incompletude. A “ecologia de saberes” (SANTOS, 2007) sugere uma “co-presença”
radical e integração de conhecimentos científicos e não-científicos, através de uma relação
dinâmica e sustentável, sem comprometer dos diferentes saberes, valorizando sempre o
72

princípio da prudência, que visa dar preferência às formas de conhecimento que garantem uma
maior participação dos grupos sociais envolvidos nos processos em questão. Na “ecologia de
saberes”, cruzam-se conhecimentos e ignorâncias para um uso contra-hegemônico da ciência,
ilustra Sousa Santos (2007), ao citar o exemplo da preservação da biodiversidade possibilitada
por conhecimentos de origem camponesa e indígena, ameaçados justamente pela crescente
intervenção da ciência moderna.

Boaventura de Sousa Santos vê nessa forma de expressão musical, oriunda do hip-hop,


uma possibilidade de fomentar o pensamento pós-abissal entre seus agentes, no caso os rappers,
cuja linguagem se aproxima da realidade dos sujeitos abissalmente excluídos, tendo em vista
sua capacidade de atravessar as linhas abissais. O sociólogo propõe iniciativas que integrem
saberes e práticas do rap aos conhecimentos acadêmicos através de livros, músicas e eventos
na comunidade acadêmica, além de incentivar que letras de rap integrem conceitos das ciências
sociais com os saberes e as linguagens das periferias.

Uma dessas aproximações propostas por Sousa Santos foi como o rapper e geógrafo
brasileiro Renan Lélis Gomes, conhecido no meio hip-hop como Renan Inquérito. Para Gomes
(2012), apesar de ter surgido como forma de entretenimento, o hip-hop se tornou marcante
principalmente pelo seu caráter político. O autor explica que isso se deu pela similaridade entre
as condições sociais precárias sofridas nos bairros periféricos onde o movimento surgiu com a
realidade vivida nos diversos outros lugares por onde se espalhou (GOMES, 2012). O rapper-
geógrafo é um entusiasta do pensamento pós-abissal e da ecologia de saberes, e produziu uma
faixa, com participação de Boaventura de Sousa Santos, intitulada “Linha Abissal” 60, na qual
explica o conceito apresentado pelo sociólogo português.

Linha Abissal
(Renan Inquérito, 2018)

[...]
Vivemos separados no mesmo quintal
uma Linha Abissal
A divisão é tão profunda é tão desigual
uma Linha Abissal
Não posso aceitar que seja tão normal
essa Linha Abissal

Separa o disparo certeiro do acidental

60
INQUÉRITO e Boaventura de Sousa Santos | Linha Abissal [S. l.: s. n.], 2021. 1 vídeo (3m44s). Publicado
pelo canal Renan Inquérito. Disponível em: <https://youtu.be/AlHnMgu_Hys>. Acesso em 4 fev. 2022
73

Linha Abissal
Um mundo metropolitano e outro colonial
Linha Abissal
Que põe direitos humanos pra secar no varal
Linha Abissal
Que faz o navio negreiro parecer tão atual
Linha Abissal
[...]

O conceito de “linhas abissais”, trazido por Boaventura de Sousa Santos (2002) é


fundamental para compreender a razão para os tensionamentos ocorridos entre os diferentes
sujeitos em meio às práticas relacionadas à Batalha do Coliseu. Isso porque, como defende o
autor, as “linhas abissais” separam entre “selvagens” e “civilizados”, não só o mapa global,
definindo um Norte global, tido como avançado tecnológica e epistemologicamente, e um Sul
global, tido como arcaico e rudimentar, mas também a arquitetura das cidades, criando zonas
abissais de segregação social (SANTOS, 2002).

Trata-se da segregação social dos excluídos por meio de uma cartografia urbana
dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas. As zonas selvagens são as zonas do
estado de natureza hobbesiano, as zonas de guerra civil interna existentes em muitas
megacidades em todo o Sul global. As zonas civilizadas são as zonas do contrato
social, e vivem sob a constante ameaça das zonas selvagens. Para se defenderem,
transformam-se em castelos neofeudais, os enclaves fortificados que caracterizam as
novas formas de segregação urbana (cidades privadas ou condomínios fechados). A
divisão entre zonas selvagens e civilizadas está se transformando em um critério geral
de sociabilidade, em um novo espaço-tempo hegemônico que perpassa todas as
relações sociais, econômicas, políticas e culturais e que por isso é comum aos âmbitos
estatal e não-estatal (SANTOS, 2007, p. 90).

Acreditamos que os sujeitos envolvidos com a Batalha do Coliseu, ora subalternizados


pelo sistema de segregação descrito acima, ao decidir transpor as barreiras sociais impostas
pelas “linhas abissais” (SANTOS, 2007), se depararam com o próprio mecanismo de defesa
desse sistema, que por sua vez, tenta reafirmar tais barreiras sociais, de modo que seus espaços
de poder não possam ser ocupados por tais sujeitos. Além do conceito de “linhas abissais”,
Renan Inquérito também traduz na linguagem do rap, o conceito de “ecologia de saberes”, uma
proposta epistemológica igualmente apresentada pelo professor Boaventura de Sousa Santos
(2007), que também assina a obra homônima à teoria. Nesse caso, os autores optaram por uma
versão não musical, apresentando uma peça executada em forma de recitação de poesia, como
é comumente feito em encontros e saraus de poesia e slam.
74

Ecologia de Saberes
(Boaventura de Sousa Santos & Renan Inquérito, 2021)

[...]
Longe das citações tradicionais e seus dizeres
Vem pra uma ecologia de saberes
Cruzar conhecimentos e ignorâncias
É a infância do saber

Quando a gente volta a ser criança


Cientificamente falando
Volta a ter esperança
Pra continuar

Porque a ciência é adulta demais pra sonhar

E se vossa excelência, o doutor


Não acredita em nenhuma força superior
Por que eu vou acreditar em um ensino superior?
Será que algum saber é superior?

Não senhor

Não quero nem saber do seu saber alienígena


Quero saber popular, quilombola, ribeirinho e indígena
Dispenso seus moldes, sua fôrma, sua forma
Seu guia, sua rédea, seu paper, sua norma

Salve o saber que é diálogo


Que é horizontal, sem melhor nem pior
De igual pra igual
Viva a experiência que é pós-abissal

Que não é científica nem ocidental


Que não conhece sobre, conhece com
Que é intervenção, não representação
Que é colaborativa, não extrativista

Que é uma aposta, é utópica, mas é viva.


[...]

Nesse sentido, acreditamos que a concepção de uma “ecologia de saberes”, do mesmo


Boaventura de Sousa Santos (2007), também se aplica ao caso estudado, uma vez que, apesar
de possuírem origens e características distintas, os saberes integrados através dos eventos
promovidos pela Batalha do Coliseu apontam para uma necessidade de que esses diferentes
tipos de conhecimento, observados no mesmo contexto, possam coexistir, sendo eles: as
linguagens e simbolismos populares e periféricos do rap, juntamente com os saberes
75

tradicionais e problematizações de cunho social e político, recorrentes nos ambientes


acadêmicos.

Neste subcapítulo, abordamos os principais conceitos do sociólogo português


Boaventura de Sousa Santos que norteiam este trabalho. A partir dos conceitos aqui abordados,
pretendemos interpretar os fenômenos sociais observados no contexto da nossa pesquisa. No
subcapítulo seguinte, abordaremos o conceito de cultura, no contexto da hibridação e dos
choques culturais.

3.3 Culturas híbridas e choques culturais

O antropólogo argentino Néstor García Canclini (2019) elaborou o conceito de


“hibridação” para descrever os “processos socioculturais nos quais as estruturas ou práticas
discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e
práticas” (p.19). O autor cunhou esse conceito para analisar o que ele chamou de
“heterogeneidade multitemporal” das nações latino-americanas, resultado do processo tardio de
modernização da América Latina no final do século XX. Para Canclini (2019), a hibridação
abrange diversas mesclas interculturais, e não apenas aspectos étnico-raciais e religiosos ou
simbólicos, aos quais costumam se ater a termos como “mestiçagem” e “sincretismo”,
respectivamente. O autor considera tais termos limitados, também por sugerirem apenas uma
ideia de mistura e intercâmbio de culturas, enquanto hibridação compreende a criação de algo
novo, a partir da mescla de elementos culturais distintos.

Para Canclini (2019), esse atraso não só evidenciou diferenças econômicas e sociais,
como também simbólicas entre países da América Latina e do Norte global. Sustentando
tensionamentos e dualidades construídas pelo pensamento hegemônico que distingue
subdesenvolvido e desenvolvido, arcaico e moderno, primitivo e civilizado, popular e erudito,
local e global, o que é inerente à sociedade e o que é exterior. Canclini (2019) observa que os
países latino-americanos são resultado da sedimentação, justaposição e entrecruzamento de
tradições indígenas, do hispanismo colonial católico, bem como das ações políticas educativas
e comunicacionais modernas (p. 73). O autor discorre:

Houve rupturas provocadas pelo desenvolvimento industrial e pela urbanização que,


apesar de terem ocorrido depois que na Europa, foram mais aceleradas. Criou-se um
mercado artístico e literário através da expansão educativa, que permitiu a
profissionalização de alguns artistas e escritores. As lutas dos liberais do final do
século XIX e dos positivistas do início do século XX – que culminara na reforma
universitária de 1918, iniciada na Argentina e estendida logo a outros países –
76

conquistaram uma universidade laica e organizada democraticamente antes do que em


muitas sociedades europeias. Mas a constituição desses campos científicos e
humanísticos autônomos chocava com ao analfabetismo de metade da população, e
com as estruturas econômicas e hábitos políticos pré-modernos (CANCLINI, 2019, p.
74).

Para Canclini (2019), não restam dúvidas de que a expansão urbana é uma das causas
que intensificaram a hibridação cultural. Segundo o autor, países latino-americanos que, no
começo do século tinham aproximadamente 10% de sua população nas cidades, hoje
concentram cerca de 60% a 70% nas aglomerações urbanas. Canclini (2019), no entanto,
destaca que o conceito de “sociedade urbana” não se opõe taxativamente ao “mundo rural”,
uma vez que o predomínio das relações de heterogeneidade sobre homogeneidade, ou o
contrário, não são atribuíveis apenas à concentração populacional das cidades. De acordo com
o autor:

Passamos de sociedades dispersas em milhares de comunidades rurais com culturas


tradicionais, locais e homogêneas, em algumas regiões com fortes raízes indígenas,
com pouca comunicação com o resto de cada nação, a uma trama majoritariamente
urbana, em que se dispõe de uma oferta simbólica heterogênea, renovada por uma
constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação
(CANCLINI. 2019, p. 285).

Com o avanço das tecnologias e dos meios de comunicação de massa, países latino-
americanos passaram a consumir produtos culturais importados da Europa e Estados Unidos,
através do rádio, televisão, indústria fonográfica e cinema, favorecendo a hibridação de
culturas. Isso porque, fatores como a implementação de uma indústria midiática, e por
conseguinte uma indústria cultural, também podem ser observados nos processos de hibridação,
gerando uma cadeia de produção em massa de produtos culturais para atender às demandas do
mercado e da indústria. Nesse contexto, destaca-se o papel da mídia, em meio a essas
transformações socioculturais, ao se tornarem um grande agente mediador ou até mesmo
substituto das interações coletivas, onde a participação dos grupos populares relaciona-se cada
vez mais com uma “democracia audiovisual”, em que a realidade é produzida pelas imagens da
televisão (CANCLINI, 2019).

Os grupos populares saem pouco de seus espaços, periféricos ou centrais; os setores


médios e altos multiplicam as grades nas janelas, fecham e privatizam ruas do bairro.
Para todos o rádio e a televisão, para alguns o computador conectado para serviços
básicos, transmitem-lhes a informação e o entretenimento a domicílio (CANCLINI.
2019, p. 286).

De acordo com Canclini (2019), a pós-modernidade deve ser entendida não como uma
etapa que se estabeleceu após a consolidação do mundo moderno, mas como uma oportunidade
77

de problematizar os vínculos errôneos por ele estabelecidos com as contradições que buscou
excluir para se disseminar. O autor difere modernidade/pós-modernidade de modernização, à
qual ele compreende como um processo de evolução sociocultural, tecnológica e científica, sem
vínculo direto com uma época específica ou a um recorte temporal. Canclini identifica, na
modernidade, dois processos de desarticulação cultural, diferentes entre si, porém
complementares: o descolecionamento e a desterritorialização. O primeiro, busca a recusa da
produção de bens culturais colecionáveis, desconstituindo a caracterização de “grandes obras”
como cultas ou eruditas e a restrição popular aos bens produzidos por uma comunidade
específica. Já o segundo busca descontruir antagonismos produzidos por ideias hegemônicas:
colonizador/colonizado e nacionalista/cosmopolita.

Através do pensamento de Canclini (2019), é possível compreender o processo de


interculturalidade que perdura até hoje nos países latino-americanos. A abordagem crítica do
autor traz reflexões sobre valores construídos dentro de uma sociedade, como as relações
popular/erudito e subalterno/hegemônico, a partir de tensionamentos em torno do eixo
tradição/modernidade/pós-modernidade, no contexto do hibridismo sociocultural que marcou a
formação da América Latina. Isto posto, consideramos válido ressaltar o pensamento do autor
indiano Homi Bhabha (1998), quando considera, nesse contexto de hibridação, que diversidade
cultural não é o mesmo que diferença cultural, uma vez que a primeira sugere a dicotomia entre
o eu e o outro, o diferente, enquanto que, a última sugere um reconhecimento do potencial
criativo dessas culturas. De acordo com o autor:

A diferença cultural é um processo de significação através do qual afirmações da


cultura ou sobre a cultura diferenciam, discriminam e autorizam a produção de
campos de força, referência, aplicabilidade e capacidade. A diversidade cultural é o
reconhecimento de conteúdos e costumes culturais pré-dados; mantida em um
enquadramento temporal relativista, ela dá origem a noções liberais de
multiculturalismo, de intercâmbio cultural ou da cultura da humanidade. A
diversidade cultural é também a representação de uma retórica radical da separação
de culturas totalizadas que existem intocadas pela intertextualidade de seus locais
históricos, protegidas na utopia de uma memória mítica de uma identidade coletiva
única. A diversidade cultural pode inclusive emergir como um sistema de articulação
e intercâmbio de signos culturais em certos relatos antropológicos no início do
estruturalismo (BHABHA, 1998, p. 63).

Nesse sentido, Bhabha (1998) argumenta que a interação cultural se torna um problema
quando as culturas que interagem entre si apresentam práticas muito distintas, gerando um
choque cultural, o que pode ocasionar má interpretação ou apropriação indevida de significados
associados a ambas as culturas. Segundo o autor, “a cultura só emerge como um problema, ou
problemática, no ponto em que há uma perda de significado na contestação e articulação da
78

vida cotidiana entre classes, gêneros, raças, nações” (BHABHA, 1998, p.63). O que Bhabha
propõe é ampliar o debate sobre as diferentes formas de interações culturais, considerando o
que impede ou causa as más interpretações sobre as práticas e símbolos oriundos de cada
cultura. O autor ressalta que, apesar de bem-intencionadas, muitas das iniciativas nesse sentido
tendem a superficializar o debate, evidenciando estereótipos e preconceitos criados a partir de
tais interações culturais, tornando tais debates recorrentemente moralistas.

3.4 Capital cultural

Ao observar a desigualdade no desempenho escolar entre crianças de diferentes classes


sociais, o sociólogo francês Pierre Bourdieu (1998), propôs a concepção de capital cultural.
Para o pensador, a sociedade é estruturada, não necessariamente por classes sociais, mas por
espaços sociais ocupados por determinadas classes. Nesse sentido, a desigualdade observada
poderia ser resultado da má distribuição cultural entre os alunos, devido aos diferentes espaços
sociais por eles ocupados. Em outras palavras, pode-se relacionar, diretamente:

[...] o “sucesso escolar”, ou seja, os benefícios específicos que as crianças das


diferentes classes e frações de classe podem obter no mercado escolar, à distribuição
de capital cultural entre as classes e frações de classe. Este ponto de partida implica
em uma ruptura com os pressupostos inerentes [...] à visão comum que considera o
sucesso ou o fracasso escolar como efeito de “aptidões” naturais [...]. (BOURDIEU.
1998, p. 73)

Segundo Bourdieu (1998), ao se pensar em rendimento e investimento escolar, dois


fatores normalmente são levados em consideração: “aptidão” (ability) ou “dom”. No entanto,
o autor acredita que ambos são frutos “de um investimento em tempo e em capital cultural” (p.
73), não necessariamente de características inerentes ao indivíduo. Segundo o autor, tal
pensamento ignora a existência de um paradoxo considerado necessário, a “transmissão
doméstica do capital cultural” (p. 73). Para o sociólogo, a concepção de que a diferença no
desempenho de alunos provenientes de diferentes classes sociais se dá simplesmente por suas
diferenças de aptidões é, não só errônea, como também funcionalista, pois justifica a falta de
investimento em educação em espaços sociais menos privilegiados, além de ignorar o fato de
que o rendimento escolar de um aluno depende diretamente do capital cultural previamente
investido por sua família (BOURDIEU, 1998).

De acordo com Pierre Bourdieu (1998), o capital cultural se apresenta em três principais
formas, os estados incorporado, objetivado e institucionalizado. No estado incorporado, o
capital cultural se manifesta através de conhecimentos e habilidades inerentes ao sujeito,
79

enquanto que, no estado objetivado, sob a forma de bens culturais (livros, quadros, dicionários,
instrumentos e máquinas, etc.). Já no estado institucionalizado, o capital cultural, se encontra
na forma de certificações escolares que, supostamente, atestam sua garantia, conferindo a ele
propriedades inteiramente originais (BOURDIEU, 1998).

Em seu estado fundamental, o capital cultural, segundo Bourdieu (1998), está ligado ao
corpo, o que pressupõe sua incorporação. Nesse sentido, sua acumulação exige um investimento
pessoal, para que se torne parte integrante do indivíduo, pago com aquilo que se tem de mais
pessoal, seu tempo. Logo, o acúmulo de capital cultural incorporado depende diretamente da
quantidade de tempo livre que o indivíduo tem disponível para investir, uma vez que não pode
ser transmitido instantaneamente. Bourdieu pontua, a necessidade de concepção dessa ideia de
propriedade, a partir da impossibilidade de se compreender tal fenômeno puramente pela lógica
econômica, apesar de o acúmulo de capital cultural estar diretamente relacionada ao acúmulo
de capital financeiro.

A economia das grandes coleções de pintura ou das grandes fundações culturais, assim
como a economia da assistência, da generosidade e dos donativos, repousam sobre
propriedades do capital cultural, das quais os economistas não conseguem dar conta.
Com efeito, o economicismo deixa escapar, por definição, a alquimia propriamente
social pela qual o capital econômico se transforma em capital simbólico, capital
denegado ou, mais exatamente, não reconhecido. Ela ignora, paradoxalmente, a lógica
propriamente simbólica da distinção que assegura, por acréscimo, benefícios materiais
e simbólicos aos detentores de um forte capital cultural que retira, da sua posição na
estrutura da distribuição do capital cultural, um valor de raridade (este valor de
raridade tem por princípio, em última análise, o fato de que nem todos os agentes têm
meios econômicos e culturais para prolongar os estudos dos filhos além do mínimo
necessário à reprodução da força de trabalho menos valorizada em um dado momento
histórico) (BOURDIEU. 1998, p. 75-76).

Para Bourdieu (1998), a transmissão do capital cultural é a forma mais dissimulada de


transmissão hereditária de capital, devido à constante conversão do capital financeiro em capital
simbólico. Segundo o autor, é na própria lógica de transmissão do capital cultural que se
encontra o seu princípio mais poderoso de eficácia ideológica. Pois, tanto a capacidade de
acúmulo de capital cultural objetivado pelo sujeito depende do capital cultural incorporado pelo
conjunto de sua família, quanto o acúmulo individual de todo capital cultural útil só começa, a
tempo e sem atrasos, por membros de famílias dotadas de um forte capital cultural. É nessa
relação tempo/dinheiro que o autor enxerga a forte ligação entre o capital cultural e o capital
financeiro, uma vez que:

[...] o tempo durante o qual determinado indivíduo pode prolongar seu


empreendimento de aquisição depende do tempo livre que sua família pode lhe
assegurar, ou seja, do tempo liberado da necessidade econômica que é a condição da
80

acumulação inicial (tempo que pode ser avaliado como tempo em que se deixa de
ganhar) (BOURDIEU. 1998, p. 76).

No estado objetivado, o capital cultural, de acordo com Bourdieu (1998) pode ser
transmitido tão facilmente quanto o capital econômico. Sendo transmissível somente sua
propriedade jurídica e não o que constitui a sua condição de apropriação específica. O autor
explica que, para adquirir máquinas, é necessário somente capital financeiro, no entanto, para
operá-las, conforme sua utilização específica, é preciso dispor de capital cultural incorporado.
A mesma lógica pode ser aplicada para bens culturais: a mera posse de um capital cultural
objetivado (como obras de arte, quadros e esculturas), não implica na posse do capital cultural
incorporado necessário para apreciar e interpretar tais obras. Bourdieu evidencia que o capital
cultural objetivado se manifesta de forma material e simbólica sob a condição de ser apropriado
por agentes “e utilizado como arma e objeto nas lutas que se travam no campo da produção
cultural [...] e, para além desses, nos campos das classes sociais onde os agentes obtêm
benefícios proporcionais ao domínio que possuem desse capital objetivado” (BOURDIEU,
1998, p. 78).

O capital cultural institucional é, segundo Bourdieu, a objetivação do capital cultural


sob a forma de certificações escolares ou diplomas. Nesse formato, o capital cultural transcende
as limitações biológicas do sujeito, em sua forma incorporada, e confere um reconhecimento
institucional ao sujeito que o possui. De acordo com o autor, a posse desse tipo de capital
também permite a comparação entre diplomados, bem como sua permuta, além de estabelecer
taxas de convertibilidade entre capital econômico e capital cultural, visto que o diploma nada
mais é do que a conversão propriamente dita do primeiro no último, além de mensurar o valor
em dinheiro que será trocado pela força do trabalho de seu proprietário (BOURDIEU, 1998).

3.5 O estranho na sociedade pós-moderna

Em sua obra “Modernidade e holocausto”, o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt


Bauman (1998), versa sobre a construção de preconceitos motivados pela heterofobia 61, como
racismo e antissemitismo, e seus impactos na sociedade moderna. Para isso, o autor busca
compreender como crimes contra a humanidade e os direitos civis, como o Holocausto, vieram
a ocorrer. Segundo Bauman (1998), a raiz do problema pode estar no surgimento de uma
heterofobia, que constrói, num imaginário coletivo, uma narrativa de ódio entre grupos étnico-

61
Heterofobia: ressentimento da diferença (BAUMAN, 1998).
81

raciais distintos, mais precisamente, pela concepção de superioridade de um grupo sobre o


outro. Para Bauman, o antissemitismo representa esse tipo de ressentimento contra o povo
judeu, através da concepção de que judeus são um grupo “estranho, hostil e indesejável” (1998,
p. 37).

Bauman (1998) argumenta que a razão para isso pode residir no fato de os judeus
representarem um ideal não nacional em meio a um cenário mundial de surgimento e
crescimento de nações cada vez mais desenvolvidas ou em desenvolvimento. Nesse contexto,
os povos judeus, devido à sua própria dispersão e onipresença territoriais, passaram a
representar um “inimigo interno” comum entra as nações, uma vez que suas fronteiras eram
estreitas demais para serem definidas e os horizontes curtos demais para se ver além deles. De
acordo com Bauman (1998):

Os judeus eram não somente diversos de qualquer outra nação; eram também
diferentes de quaisquer outros estrangeiros. Em suma, eles minavam a própria
diferença entre hóspedes e hospedeiros, entre nativo e estrangeiro. E à medida que a
nacionalidade se tornava a base suprema da autoconstituição do grupo, eles vinham
minar a mais básica das diferenças: aquela entre “nós” e “eles”. (p. 49)

Nesse contexto, o indivíduo judeu era visto como o estranho, o estrangeiro, em outras
palavras, o indivíduo que não se encaixa no modelo de cidadão estabelecido pelo estado para
integrar uma nação unificada e homogênea. Segundo Bauman (1998, p. 24), “todas as
sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de
estranhos e os produz de sua própria maneira, inimitável”. Por não se adequar aos padrões
morais, estéticos ou cognitivos, o estranho é, para Bauman, um ser considerado indesejável e
incômodo para o conjunto da sociedade, devendo, portanto, ser excluído dela. Apesar disso, o
sociólogo compreende que essa uniformização era uma concepção do estado, para desumanizar
os diferentes e condená-los à subserviência. De acordo com o autor:

O elemento estranho, portanto, ameaça a unidade e a identidade do grupo nativo, não


tanto por confundir o seu controle sobre um território ou sua liberdade de ação pelos
padrões conhecidos, mas por borrar a fronteira do próprio território e apagar a
diferença entre o modo de vida familiar (certo) e o modo de vida estranho (errado)
(BAUMAN, 1998, p. 59).

Nesse sentido, o estranho representa, segundo Bauman (1998), um problema a ser


resolvido, uma erva daninha a ser eliminada, em prol da harmonia do jardim. Para isso, foi
estabelecida uma guerra contra os estranhos e diferentes. Tal projeto de exclusão consistia em
marginalizar esses estranhos e escondê-los por trás das paredes dos guetos, das barreiras sociais
82

da exclusão, silenciamento e apagamento histórico, além da impossibilidade de construir


espaços para difusão de suas ideias.

De acordo com Bauman (1998), o objetivo dessa estratégia era expulsar os estranhos
para além das fronteiras e da jurisdição do estado ou, em última ocasião, eliminá-los
fisicamente. Bauman compreende que a imposição de um padrão social e a concepção do
estranho que não se adapta a esse padrão foi um processo crucial no estabelecimento da ordem
e de ideais unificadores como estado e nação. No entanto, isso ocasionou uma política de
“aniquilação cultural e física dos estranhos e do diferente” (p. 26), na qual os sujeitos que não
se adaptassem eram considerados anomalias a se aniquilar. Para Bauman, os estranhos não
precisavam ser vistos como uma ameaça a ser enfrentada permanentemente, e que isso nem
seria necessário “enquanto a vida moderna continuasse nas mãos de um estado bastante
ambicioso e bem-dotado para prosseguir na tarefa” (p.26). O conceito de estranho de Bauman
(1998) pode ser complementado pela visão de Santos (2002), acerca das linhas abissais, uma
vez que os sujeitos considerados estranhos são aqueles que perpassam os limites sociais a si
permitidos moralmente, passando a integrar espaços antes não ocupados por seus semelhantes,
gerando um processo de “outrificação” do sujeito.
83

4 CAMINHOS METODOLÓGICOS

“Comunicação, na verdade, não é uma área autônoma de pesquisa.


Como todas as ciências aplicadas, ela incorpora contribuições que
vêm das demais ciências, das exatas e das humanas.”

(José Marques de Melo)

Neste capítulo, descreve-se os caminhos metodológicos percorridos nesta pesquisa


durante suas etapas, compreendendo a formulação das hipóteses, bem como os métodos,
procedimentos e técnicas escolhidos para abordar o tema estudado. No primeiro subcapítulo,
destacam-se os aspectos técnicos em relação à pesquisa, como sua natureza, objetivos e método
científico utilizados. No segundo subcapítulo, são identificados os procedimentos, a abordagem
e as técnicas de coletas de dados utilizadas para obtenção das informações. O terceiro
subcapítulo é dedicado a explicar com mais detalhes de que modo se deu a observação
participante e quais instrumentos foram utilizados para registro e análise posterior. Já o quarto
subcapítulo aborda as entrevistas semiestruturadas direcionadas a agentes diretamente
envolvidos com o fenômeno estudado, bem como a aplicação de questionários para cruzar com
as informações colhidas nos depoimentos. Por fim, no quinto subcapítulo, descreve-se como
foi utilizada a análise do discurso francesa para interpretação dos dados colhidos durante a
observação participante.

De acordo com a pedagoga brasileira Maria Margarida de Andrade (2001, p. 109), a


pesquisa “é o conjunto de procedimentos sistemáticos, baseado no raciocínio lógico, que tem
por objetivo encontrar soluções para problemas propostos, mediante a utilização de métodos
científicos”. Para a autora, pesquisar é realizar uma série de coletas e interpretações de dados
baseadas em métodos concretos, para obter possíveis respostas sobre um determinado contexto.
O sociólogo brasileiro Antônio Carlos Gil (2002) sustenta a visão da autora e acrescenta alguns
pontos a essa descrição:

Pode-se definir pesquisa como o procedimento racional e sistemático que tem como
objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa é
requerida quando não se dispõe de informação suficiente para responder ao problema,
ou então quando a informação disponível se encontra em tal estado de desordem que
não possa ser adequadamente relacionada ao problema (p. 17).

Quanto à natureza da pesquisa, Gil (1989) destaca que existem dois principais tipos de
pesquisa, segundo sua finalidade: a pesquisa pura e a pesquisa aplicada. Segundo o autor, a
pesquisa pura visa contribuir com os estudos científicos realizados sobre um determinado
84

assunto, não se preocupando diretamente com a aplicação prática de seus conhecimentos em


um contexto empírico. Já a pesquisa aplicada, apesar de herdar características da pesquisa pura,
como a consulta às bibliografias publicadas sobre o tema que se almeja estudar, visa muito mais
a aplicação de suas descobertas em um contexto prático, explica o autor, sendo, portanto, o tipo
de pesquisa que mais se dedicam estudiosos da psicologia, sociologia, serviço social e outras
áreas das ciências sociais (GIL, 1989).

Compreendemos que a presente pesquisa é de natureza aplicada pois visa, através do


levantamento bibliográfico sobre o tema, atrelado à aplicação de procedimentos e técnicas de
coletas de dados, seguidos de sua devida análise, investigar as implicações da realização de
batalhas de rap no ambiente universitário, de modo que, os resultados obtidos através da
pesquisa possam ser, de alguma forma, aplicados à realidade na qual os dados empíricos foram
colhidos. Neste sentido, busca-se, através da investigação dos conflitos que perpassa a
realização de batalhas de rap nos espaços de convívio da universidade pública, e não na rua,
lugar onde normalmente ocorrem, identificar conceitos e teorias sociais que podem ser
relacionadas para compreender tal fenômeno, bem como suas relações com o espaço e com os
sujeitos.

Sendo de natureza aplicada, a presente pesquisa se caracteriza como exploratória, pois


tem como objetivo “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo
mais explícito ou a constituir hipóteses” (GIL, 2002, p. 42). De acordo com Gil (2002), este
tipo de pesquisa busca o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições, podendo ter um
planejamento flexível, de modo que consiga contemplar uma variedade de aspectos acerca do
assunto estudado. Em sua maioria, as pesquisas exploratórias podem se desdobrar em uma série
de fases como: levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências
práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que "estimulem a compreensão"
(SELLTIZ; WRIGHTSMAN & COOK, 1967, p. 63).

Neste sentido, o método utilizado é o observacional que, de acordo com Gil (1989),
apesar de ser visto como primitivo, possibilita um maior nível de precisão nas ciências sociais.
O autor explica que, diferente de métodos como o experimental, no qual o cientista toma
providências para que algo ocorra, para então analisar o que se segue, no método observacional
o cientista apenas observa algo que já acontece ou aconteceu. Gil (1989) esclarece que, apesar
de existirem estudos que se concentram apenas no método observacional, outros utilizam-no
juntamente com outros métodos, sendo o mais comum. Segundo o autor, “pode-se afirmar com
85

muita segurança que qualquer investigação em ciências sociais deve valer-se, em mais de um
momento, de procedimentos observacionais” (GIL, 1989, p. 35).

Para Gil (2002), a pesquisa é realizada quando se combina conhecimentos disponíveis


sobre determinado assunto com a utilização sistemática de métodos, técnicas e procedimentos
científicos. O autor ressalta, porém, que a pesquisa se desenvolve ao longo de um processo que
compreende várias etapas, desde a formulação de um problema até a devida apresentação dos
resultados. Conforme já foi explicitado, a presente pesquisa parte da seguinte pergunta-
problema: como o ambiente universitário influencia as práticas sociais e discursivas em batalhas
de rap? Neste sentido, para atingir o objetivo principal desta pesquisa, que é investigar a
influência do espaço de realização nas práticas e discursos dos sujeitos participantes de batalhas
de rap no ambiente universitário, identificamos a necessidade de utilizar uma série de
procedimentos e técnicas que serão descritas a seguir.

Como procedimentos, utilizamos a pesquisa bibliográfica, documental e participante.


Por ser uma pesquisa de abordagem qualitativa, utilizamos como técnicas de coletas de dados:
a observação participante, entrevistas semiestruturadas, aplicação de questionário e análise do
discurso. Além disso, consideramos esta investigação uma pesquisa participante, devido ao
modo que se observa a relação entre pesquisador e pesquisado que, segundo o sociólogo
brasileiro Pedro Demo (2008), não consiste em uma mera observação ou imposição evidente
do primeiro para o segundo, mas de uma de uma interação dinâmica e dialética, capaz de gerar
até mesmo uma identificação entre ambos, “sobretudo quando os objetos são sujeitos sociais
também, o que permite desfazer a ideia de objeto que caberia somente em ciências naturais” (p.
115). De acordo com o sociólogo colombiano Orlando Fals Borda (1982, p. 43), a pesquisa
participante:

[...] responde especialmente as necessidades das populações que compreendem


operários, camponeses, agricultores e índios – as classes mais carentes nas estruturas
sociais contemporâneas – levando em conta as suas aspirações e potencialidades de
conhecer e agir.

Para o educador brasileiro Paulo Freire (1982), o objetivo das ciências sociais é
investigar os fenômenos da realidade concreta. No entanto, o autor considera que a realidade
concreta não se resume a um conjunto de informações e fatos sobre um determinado contexto,
cuja veracidade nos importa constatar. Ela é a soma de todas essas informações e fatos com a
percepção dos sujeitos nela envolvidos, ou seja, na relação dialética entre objetividades e
subjetividades. De acordo com Freire (1982), se uma pesquisa tem por objetivo resolver uma
86

problemática que afeta um determinado grupo popular, é preciso compreender essa


problemática através do ponto de vista dos indivíduos deste grupo, do contrário, a pesquisa
estará à serviço da dominação destes grupos, e não da sua libertação. O autor acrescenta:

Se, pelo contrário, a minha opção é libertadora, se a realidade se dá a mim não como
algo parado, imobilizado, posto aí, mas na relação dinâmica entre objetividade e
subjetividade, não posso reduzir os grupos populares a meros objetos de minha
pesquisa. Simplesmente, não posso conhecer a realidade de que participam a não ser
com eles como sujeitos também deste conhecimento que, sendo para eles, um
conhecimento do conhecimento anterior (o que se dá no nível de sua experiência
quotidiana) se torna um novo conhecimento. Se me interessa conhecer os modos de
pensar e os níveis de percepção do real dos grupos populares estes grupos não podem
ser meras incidências de meu estudo. Dizer que a participação direta, a ingerência dos
grupos populares no processo de pesquisa altera a “pureza” dos resultados implica na
defesa da redução daqueles grupos a puros objetos de ação pesquisadora de que, em
consequência, os únicos sujeitos são os pesquisadores profissionais. Na perspectiva
libertadora em que me situo, pelo contrário, a pesquisa, como ato de conhecimento,
tem como sujeitos cognoscentes, de um lado, os pesquisadores profissionais; de outro,
os grupos populares e, como abjeto a ser desvelado, a realidade concreta (FREIRE,
1982, p. 35).

Como técnicas para coletas de dados, utilizamos o método observacional, associado ao


registro em fotos e vídeos, utilizando um smartphone e um diário de campo para anotações
sobre percepções observadas in loco. Para complementar e enriquecer as considerações feitas
durante a observação, aplicamos um questionário direcionado aos frequentadores da Batalha do
Coliseu e realizamos quatro entrevistas semiestruturadas direcionadas a membros da
organização voluntária da Batalha do Coliseu. Como métodos de interpretação dos dados
colhidos, utilizamos a análise do discurso, considerando a vertente da escola francesa, e uma
adaptação da cartografia simbólica, uma metodologia analítica interdisciplinar capaz de
sistematizar as informações colhidas em um mapa analítico-descritivo. A partir do próximo
subcapítulo, passaremos a elucidar de maneira mais detalhada as formas que tais técnicas e
métodos foram aplicados na pesquisa.

4.1 Observação sistemática

Nesta pesquisa, propomos uma análise sobre os processos comunicativos que ocorrem
em batalhas de rap e como o espaço de realização afeta as práticas discursivas. Para isso,
passamos a observar e registrar eventos da Batalha do Coliseu, que ocorre no campus
universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal, nos períodos entre 9
de março e 26 de outubro de 2019, antes da pandemia de COVID-19, e de 12 de março a 10 de
maio de 2022, após o retorno das atividades acadêmicas presenciais no referido Campus. Nesse
87

sentido, consideramos nosso diário de campo e o smartphone 62 nossas principais ferramentas


de coleta de dados durante esta etapa. Utilizamos a câmera do dispositivo para registrar um total
de nove encontros, resultando em 91 fotografias e 191 vídeos que, ao todo, somam
aproximadamente 5 horas, 14 minutos e 14 segundos de conteúdo gravado. Desses encontros,
quatro ocorreram no Anfiteatro do Setor II, local de origem da batalha, quatro no Centro de
Convivência Djalma Marinho (CCDM), além de uma ocasião de ocorrência da fase seletiva
estadual para o Duelo de MCs Nacional. As datas de observação e as informações quantitativas
dos dados produzidos foram dispostos na tabela a seguir (Tabela 2):

Tabela 2: Batalhas de rap observadas no Campus Central da UFRN em Natal.

Local Data Fotos Vídeos

Coliseu (Setor II) 9/4/2019 4 5 (4m12s)

Centro de Convivência 30/4/2019 3 1 (31s)

Centro de Convivência 7/5/2019 1 3 (2m34s)

Centro de Convivência 21/5/2019 2 4 (5m32s)

Centro de Convivência 28/5/2019 7 10 (19m42s)

Praça Cívica 26/10/2019 17 13 (14m39s)

Coliseu (Setor II) 12/4/2022 35 36 (59m53s)

Coliseu (Setor II) 10/5/2022 11 66 (1h38m24s)

Coliseu (Setor II) 28/6/2022 18 53 (1h48m43s)

TOTAL 9 encontros 91 191 (5h14m14s)

Fonte: elaboração nossa, 2022.

No início desta pesquisa, o método observacional foi adotado principalmente com um


caráter exploratório, a fim de nos aproximarmos do nosso objeto de pesquisa e começar a
compreender seus processos e subjetividades através da observação em campo, auxiliada pelos
registros obtidos através de um smartphone. No decorrer da pesquisa, percebendo o valor desse
método para construção de uma amostra mais detalhada do que foi observado em campo,
passamos a intensificar a quantidade de registros, prolongando o tempo de gravação dos vídeos
e aproveitando as oportunidades para fazer registros fotográficos. Devido ao interesse de se

62
Durante o período de observação, utilizamos dois aparelhos smartphones. Em um primeiro momento
utilizamos um modelo Motorola G6 Play, com câmera de 16 megapixels, rodando sistema operacional Android
versão 9 e posteriormente passamos para um modelo Redmi Note 8, com câmera de 48 megapixels, rodando o
sistema operacional Android versão 10.
88

analisar os discursos dos MCs que frequentaram a batalha durante o período de observação,
passamos a registrar os duelos por completo, para posteriormente selecionar e transcrever as
rimas necessárias para construção das análises. Para ilustrar como se deu essa intensificação
nos registros durante a observação sistemática, elaboramos o seguinte gráfico (Figura 17):

Figura 17: Gráfico do quantitativo de mídias produzidas durante a observação.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Pensamos que uma fotografia isolada carrega por si só um valor narrativo-descritivo


inestimável do momento que registra. No entanto, ao organizar uma série de fotografias
pertencentes a um mesmo contexto sociocultural, é possível construir uma narrativa visual que
permite observar o momento registrado com mais amplitude do que através de apenas um
fragmento fotográfico. Consideramos fragmento fotográfico, uma fotografia produzida
isoladamente, desassociada de um contexto, porém, quando organizada com outros fragmentos
fotográficos de um mesmo cenário, produz uma percepção mais abrangente sobre aquele
determinado espaço (NOBRE, 2003; 2011). Semelhantemente às fotografias, consideramos
também os vídeos como fragmentos imagéticos de um contexto registrado que, caso dispostos
e analisados sistematicamente, possibilitam a elaboração de uma narrativa visual e discursiva
de caráter analítico e interpretativo, uma vez que são, indiscutivelmente, sequências de imagens.
Ademais, por se tratar de registros audiovisuais, as amostras de vídeo coletadas em campo
possibilitaram a análise posterior dos processos discursivos decorrentes das reuniões
promovidas pela Batalha do Coliseu, o que contribuiu de maneira considerável para a obtenção
dos resultados desta pesquisa.
89

4.2 Entrevistas semiestruturadas e questionário

Conforme fomos nos aproximando do nosso objeto, frequentando os eventos da Batalha


do Coliseu, interagindo com os indivíduos participantes, dialogando com membros da plateia e
da organização da batalha, muito foi sendo compreendido, mas também novos questionamentos
foram surgindo. Lacunas foram se formando e percebemos a necessidade de preenche-las para
possibilitar uma melhor compreensão da Batalha do Coliseu como um todo, desde antes mesmo
do início da nossa observação. Como foi seu início, quais articulações foram necessárias, como
se deu a divulgação do evento, quais implicações da ocorrência desses eventos no interior do
ambiente acadêmico, quais atritos surgiram, como foram contornados, foram algumas das
indagações que surgiram. Daí, identificamos a necessidade de elaborar uma série de entrevistas
com informantes que tiveram participação na organização da Batalha do Coliseu, para
elucidarmos algumas das questões que surgiram durante o período de observação.

Selecionamos quatro informantes, das quais, duas tiveram participação direta na


realização da Batalha do Coliseu desde seu início, e duas passaram a integrar a organização
posteriormente, mas exerceram papeis de suma importância para manter a continuação da
Batalha do Coliseu perante os empecilhos que ameaçaram impedir sua realização. Como os
eventos narrados pelas informantes abordam questões políticas e ideológicas, bem como
opiniões pessoais que, acima de tudo, tratam de articulações culturais e políticas no interior de
uma instituição pública de ensino, optamos por preservar as identidades das informantes,
substituindo seus nomes por identificadores genéricos, apenas para fins de inserções de citações
diretas ao longo do texto. Para facilitar as menções, atribuímos siglas a cada informante, para
não precisarmos ficar sempre recorrendo aos nomes por extenso atribuídos. Também
preferimos nos referir às informantes sempre no feminino (pessoas informantes), como forma
de evitar a identificação por flexão de gênero no corpo do texto. A disposição dos pseudônimos
dados às informantes, bem como suas siglas e data de realização das entrevistas foram dispostas
no quadro a seguir (Tabela 3):
90

Tabela 3: Lista de informantes voluntárias, siglas e datas das entrevistas.

Informante Sigla Data da entrevista

Informante-A INF-A 21/11/2021

Informante-B INF-B 28/11/2021

Informante-C INF-C 11/1/2022

Informante-D INF-D 12/1/2022

Fonte: elaboração nossa, 2022.

O modelo de entrevista adotado nesta pesquisa é o da entrevista semiestruturada. De


acordo com as sociólogas brasileiras Valdete Boni e Silvia Quaresma (2005), a entrevista
semiestruturada consiste em um método científico de pesquisa qualitativa que dispõe de
perguntas tanto abertas quanto fechadas, de forma que o entrevistado possa discorrer com mais
liberdade sobre o tema abordado. Nesse método de pesquisa, o entrevistador elabora perguntas
que irão direcionar o diálogo, que é conduzido praticamente como se fosse uma conversa
informal. É possível também adicionar perguntas durante a entrevista, caso seja necessário. De
acordo com as autoras, esse formato possibilita uma melhor interação entre ambas as partes,
possibilitando a obtenção de respostas mais espontâneas. Desse modo, realizamos entrevistas
semiestruturadas com quatro colaboradores voluntários que integram ou já integraram a
organização da Batalha do Coliseu. Conforme descrevemos anteriormente, das quatro
informantes entrevistadas, duas iniciaram suas atividades colaborativas na organização da
Batalha do Coliseu desde o início de suas atividades e duas passaram a integrar a organização
posteriormente. Sendo assim, dividimos as entrevistas em duas categorias, cada uma contendo
duas informantes, às quais foram direcionadas as seguintes perguntas:

Categoria 1: Informantes A e B (INF-A e INF-B)

• Quando e com que intuito começou a Batalha do Coliseu?


• Por que aquele lugar?
• Quem são as pessoas que frequentam a Batalha do Coliseu?
• Você acha que o local de realização do evento influencia no conteúdo das rimas?
• Quais são as principais restrições da Batalha do Coliseu?

Categoria 2: Informantes C e D (INF-C e INF-D)

• Como você conheceu a Batalha do Coliseu?


• Qual foi sua participação nas batalhas e organização do evento?
91

• Dentre os tipos de batalhas de rap conhecidos (batalha de sangue, batalha de


conhecimento, etc.), como você classificaria a Batalha do Coliseu?
• Quais dificuldades a batalha teve para se realizar no local?
• Você acredita que o ambiente (universidade) pode influenciar de alguma forma o
conteúdo das rimas?

A partir das entrevistas, percebeu-se a importância de conhecer também o público da


batalha, uma vez que todas as informantes entrevistadas relataram tensionamentos entre o
público da batalha e os MCs participantes. Tais tensionamentos poderiam estar relacionados a
discursos proferidos por MCs participantes, seguido da reação de parte dos integrantes da
plateia a esses discursos. Para identificar o perfil socioeconômico dos frequentadores da plateia
da Batalha do Coliseu, a fim de relacionarmos com os discursos registrados em vídeo durante
a fase observacional, elaboramos um questionário e solicitamos aos organizadores da batalha
que divulgassem o link em seus perfis nas redes sociais, para que os seguidores que
frequentaram a Batalha do Coliseu durante o recorte de tempo determinado pudessem
responder. As perguntas elaboradas, bem como as respostas obtidas, serão dispostas de maneira
mais detalhada no capítulo seguinte.

4.3 Análise do discurso

Neste trabalho, utilizamos a análise do discurso como método para tratamento dos dados
colhidos durante a fase de observação exploratória da pesquisa. Optamos por seguir a linha da
escola francesa da análise do discurso, nos baseando em autores como Jean Jacques Courtine
(2014) e Michel Pêcheux (2014). Para o filósofo francês Michel Pêcheux (2014), a análise do
discurso tece uma relação com o materialismo histórico, a linguística e a teoria do sujeito. De
acordo com o autor, o materialismo histórico compreende os processos de formação social, a
linguística diz respeito à análise dos processos de enunciação, enquanto a teoria do sujeito visa
compreender as subjetividades, bem como a relação que o sujeito cria com o simbólico. Já o
linguista francês Jean Jacques Courtine (2014) defende que a análise do discurso aborda a
textualização do político, visando interpretar politicamente o que é materializado nos textos,
através de uma decodificação de seus sentidos, símbolos políticos e as relações de poder neles
inerentes. Para o autor, devido ao fato de o texto se tratar de uma construção política, a análise
crítica do discurso também acaba por ser uma análise política.
92

De acordo com a linguista brasileira Eni Orlandi (2000), a escola francesa da análise do
discurso difere da corrente de influência inglesa pois compreende, de um modo geral, o sujeito
como um reprodutor de construções discursivas a partir de suas próprias ideologias, enquanto
a escola inglesa foca mais nas questões intralinguísticas entre o nível sintático e semântico do
discurso, buscando compreender as implicações sociais geradas a partir da reprodução de um
discurso. Orlandi (2000) explica que a análise do discurso busca uma reflexão não só sobre a
linguagem, mas também sobre o sujeito, a história e a ideologia. Neste sentido, o discurso é
visto não somente a partir do sentido morfológico das construções frasais, pois também são
considerados os contextos em que determinados discursos são inseridos, bem como suas razões,
objetivos e possíveis consequências acerca dos conteúdos abordados.

Consideramos como mais adequada para os fins deste trabalho, a visão da corrente de
influência francesa da análise do discurso, pois pretende-se compreender também os sujeitos
emissores desses discursos, bem como os contextos históricos e políticos nos quais estão
inseridos. O intuito do presente trabalho é compreender os discursos e práticas sociais
comunicativas referentes aos indivíduos que frequentam batalhas de rap, tomando com
referência a Batalha do Coliseu. Sendo assim, todos os discursos analisados compartilham de
uma mesma linguagem, que é a música rap, bem como compactuam da mesma ideologia, que
é utilizar esta expressão musical como uma forma de ativismo político e contra-hegemônico.
Além disso, existem também semelhanças históricas ligadas ao passado colonial comum entre
esses indivíduos e à homogeneização de bens e costumes causados pela globalização e
potencializados pela midiatização. Existem também diferenças relacionadas às realidades
pessoais diversas vivenciadas pelos sujeitos, trazendo seus pontos de vistas particulares na
construção de seus discursos, assim como um diálogo com os saberes locais, resultando em
produtos culturais híbridos, de acordo com a visão de Canclini (2019) e Homi Bhabha (1998).

Conforme já foi elucidado, o presente trabalho tem como pergunta principal: “De que
maneira as batalhas de rap podem ser vistas como uma forma de comunicação contra
hegemônica?”. Por este motivo, seguindo o modelo de análise do discurso sugerido por Orlandi
(2000), o corpus da análise será a linguagem, que no caso é a música rap, utilizada como forma
de expressão artística e política no contexto das batalhas de rap, considerando o caso dos artistas
que se expressam nos encontros da Batalha do Coliseu, que acontece no Campus Central da
UFRN, em Natal (RN). Nesse contexto, visamos identificar os sentidos e simbolismos presentes
no discurso considerando a perspectiva do emissor, portanto vale ressaltar que muitas vezes os
artistas tentam convencer a plateia que a sua visão sobre determinada questão ou problema
93

condiz com a verdadeira realidade. Isso porque, de acordo com o linguista brasileiro Roberto
Carlos da Silva Borges (2012), a construção de um discurso implica também a construção de
uma “imagem de si”, ou ethos, no qual o sujeito projeta a maneira como quer que esse discurso
seja percebido, tornando-o uma ferramenta para obtenção de uma maior adesão social a esta
imagem projetada. Segundo o autor, “o ethos está ligado àquilo que o sujeito quer parecer ser
e à imagem de si que esse sujeito cria por intermédio de seu discurso, com o objetivo de
conseguir adesão ao mesmo” (BORGES, 2012, p. 90).

Borges (2012) atenta para o fato que, ao se investigar um ethos discursivo, não podemos
nos ater somente aos elementos linguísticos do discurso, uma vez que a força dos elementos
não-linguísticos e/ou pré-discursivos podem afetar, tanto positiva quanto negativamente, a
eficácia do ethos que se deseja construir, afetando também o resultado da análise. Para o autor,
a análise daquilo que “parece ser” torna-se relevante, uma vez que as pistas discursivas
capturadas a partir dessa intenção podem também ser analisadas e nos levar a uma compreensão
mais ampla não só do discurso, mas também das estratégias criadas para se obter adesão às
ideias, posicionamentos e argumentações apresentadas no mesmo. Borges (2012) explica que a
criação do ethos está diretamente relacionada à mobilização de afetividade do interlocutor, uma
vez que esta é uma maneira de alcançar a compreensão do receptor. Tal compreensão pode ser
afetada por uma série de fatores, como as escolhas lexicais utilizadas pelo locutor ou até mesmo
o timbre da voz. Esses fatores muitas vezes podem fugir do controle do locutor, o que pode
resultar no sucesso ou fracasso da transmissão do discurso construído (BORGES, 2012).

Assim, o modelo de análise do discurso em que nos pautamos tem sua base teórica no
funcionamento do ato de comunicação, cujo sentido final é o resultado da relação de
intencionalidade entre as instâncias de produção e de recepção do ato de comunicação.
Logo, se a instância de recepção não estiver interessada na compreensão do que a
instância de produção realiza (não aderir a ele), o ato falha, perde seu sentido e o
contrato de comunicação está desfeito. A interpretabilidade (o sentido), então, está
sempre coadunada à intencionalidade dessas duas instâncias, constituindo-se,
portanto, como resultado de uma co-intencionalidade (produtor e receptor) (p. 92).

A partir das reflexões propostas por Borges (2012) sobre a intencionalidade no processo
comunicativo, quando trazidas para o contexto da Batalha do Coliseu, passamos a considerar a
seguinte reflexão: qual o ethos – ou ethé, no plural – são criados, de maneira consciente ou não,
pelos rappers para que se obtenha adesão dos demais indivíduos presentes na batalha aos seus
discursos? Além disso, quais elementos podemos destacar nesses discursos para compreender
as narrativas construídas nesses processos comunicativos e as práticas sociais que os rodeiam,
a partir de relações com as teorias das ciências sociais aqui articuladas. A partir do registro,
94

transcrição e análise dos discursos coletados durante a fase de observação, é possível analisar
o conteúdo dessas práticas comunicativas através do método de análise do discurso aqui
proposto.

4.4 Cartografia simbólica

Uma vez colhidos e analisados os dados coletados através do método observacional, da


aplicação de entrevistas e questionários, bem como da utilização da análise do discurso para
interpretação dos discursos registrados, é preciso organizá-los de maneira sistematizada a fim
de buscar uma apresentação clara dos resultados obtidos. Para tanto, propomos neste trabalho
utilizar uma adaptação da cartografia simbólica, que é um método de interpretação de dados
proposto pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2002). Enquanto, na cartografia
geográfica, elementos físicos do espaço geográfico são codificados em representações
mapeadas, a cartografia simbólica se propõe como uma cartografia subjetiva e
desterritorializada, na qual o território não é espaço geográfico, e sim a mente humana
(SANTOS, 2002).

Sousa Santos (2002) trabalha com a cartografia do direito e da sociologia. A cartografia


simbólica, não no ponto de vista semiótico, mas sim do ponto de vista cultural: as crenças, os
valores, política e educação. O simbólico diz respeito a essas categorias sociais e culturais.
Nobre (2011), por sua vez, propôs uma fotocartografia sociocultural que permite estudar
comunidades e determinados grupos sociais, posteriormente expandindo tal possibilidade para
outras áreas das ciências sociais e da comunicação. Portanto, este trabalho propõe a elaboração
de um mapa, de caráter analítico-descritivo, sobre os as práticas sociais comunicativas
produzidas nos eventos promovidos pela Batalha do Coliseu, no campus universitário da
UFRN, em Natal.

De acordo Santos (2002), os mapas configuram uma espécie de distorção reduzida da


realidade, que criam meios credíveis de correspondência, através de três principais mecanismos
de distorção: escala, projeção e simbolização. Entende-se por escala o nível de detalhamento
do mapa. Quanto menor a escala, menor a quantidade de informações, quanto maior a escala,
maior o volume de conteúdo analisado. A escala existe para reduzir as dimensões do mapa
através da redução de nível de detalhamento, uma vez que, conforme aponta Santos (2002), um
mapa em tamanho real não seria nada prático. Ilustra Santos (2002) que:
95

Jorge Luís Borges conta-nos a história do imperador que encomendou um mapa


exato do seu império. Insistiu que o mapa devia ser fiel até ao mínimo detalhe. Os
melhores cartógrafos da época empenharam-se a fundo neste importante projeto.
Ao fim de muito trabalho, conseguiram terminá-lo. Produziram um mapa de
exatidão insuperável, pois coincidia ponto por ponto com o império. Contudo,
verificaram com grande frustração, que o mapa não era muito prático, pois que era
do tamanho do império (SANTOS, 2002, p. 200).

Portanto, é necessário definir a escala de um mapa. Santos (2002) recomenda três níveis
principais de escala: grande, média e pequena. No entanto, devido às limitações literárias do
presente trabalho, iremos nos ater principalmente à grande escala, reduzindo nossas
observações ao contexto local, onde se manifestam os fenômenos aqui analisados. O mapa
analítico-descritivo da Batalha do Coliseu atende ao objetivo de explicar em escala detalhada
as características, condições e significados sobre o que é o rap, a partir do ponto de vista de
uma manifestação cultural folkcomunicacional, decolonial e contra-hegemônica. Na cartografia
simbólica, a escala não é numérica e sim subjetiva. Ela é oferecida a partir da dimensão espacial
e também das manifestações que ocorrem nesse recorte espacial onde, apesar da dimensão
espacial ser pequena, a dimensão simbólica é rica em detalhes sobre a manifestação em questão.

A projeção permite representar algo real em um mapa. Santos (2002) observa que o
globo terrestre, por exemplo, é originalmente redondo e de grandes proporções, tornando
inviável a representação exata em um mapa com medidas limitadas. No entanto, através do uso
de mecanismos controlados e pré-definidos de distorção, é possível ao cartógrafo redimensionar
a representação das proporções do ambiente e projetá-las na superfície plana de um mapa.
Segundo Santos (2002), cada projeção está sujeita a uma série de fatores, como os objetivos do
mapa, os dados coletados ou até mesmo a ideologia do próprio cartógrafo. A projeção será
usada aqui para representar a criação de canais populares de comunicação através da ocorrência
de batalhas de rap nos espaços de convívio do campus universitário da UFRN em Natal. No
entanto, apesar da utilização sistemática de elementos visuais e símbolos para elaborar nossa
análise, é preciso ressaltar a possibilidade de que o resultado interpretado não represente a
realidade com total precisão, visto que as projeções, conforme lembra Santos (2002), tendem a
enfatizar alguns aspectos locais em detrimento de outros.

Já a simbolização consiste na representação gráfica utilizada para indicar pontos


específicos de alguma localidade através de símbolos icônicos, como uma cruz para representar
uma igreja em um mapa, um avião para um aeroporto e assim por diante. Existem inúmeros
ícones utilizados para representar os mais diversos elementos reais em um mapa. Para Santos
(2002), os mapas são feitos tanto para ser vistos quanto para ser lidos. Portanto, é possível
apresentá-los de maneira gráfica e visual ou analítico-descritiva. Quando se categoriza não se
96

está apenas determinando deliberadamente as distorções. Os elementos simbólicos


(características variáveis e analisáveis) estão sendo retirados do espaço observado, registrado e
analisado. São as características simbólicas do mapa. No lugar de um rio ou uma ponte, por
exemplo, os símbolos são as categorias que identificamos durante a análise. No contexto da
nossa pesquisa, os espaços geográficos analisados também passam a ser encarados como
espaços simbólicos e, por fim, tratados como referenciais para a definição das categorias de
análise.

Considerando as narrativas construídas no contexto das batalhas de rap, pode-se


caracterizar e buscar significados, além de identificar a condição folkcomunicacional
(BELTRÃO, 1971) nesses fenômenos, uma vez que, após apontar os referenciais, torna-se
possível encontrar nesses referenciais dados que possam identificar na narratividade do rap uma
forma resposta popular ao sistema, aos mecanismos de dominação e à colonização. Pode-se
identificar em algum discurso, gíria ou forma de falar tradicional da localidade que gere algum
significado específico naquele contexto. As categorias de análise podem fornecer pistas sobre
as batalhas de rap como um todo, a partir do que foi observado na Batalha do Coliseu, apesar
de algumas das características observadas serem exclusivas da Batalha do Coliseu, dadas as
suas configurações individuais que a difere das demais, por ser uma batalha que acontece dentro
de uma universidade pública federal. A partir das categorias, é possível delinear as principais
marcações do mapa. Quando falamos de categorias, estamos falando também de projeção. Já a
simbolização são elementos dentro de uma projeção. As categorias podem ser vistas como
símbolos. Nesse caso, definimos como categorias de análise:

a) Espaços de realização das atividades;


b) Perfil socioeconômico dos agentes participantes;
c) Práticas sociais realizadas nos espaços;
d) Construções narrativas nos discursos predominantes.

A cartografia simbólica é uma metodologia que visa a interpretação de práticas sociais


e comportamentos culturais. Boaventura de Sousa Santos (2002) defende a cartografia
simbólica pelas suas virtualidades analíticas. Ele propõe que outros pesquisadores estudem
como aplicar a cartografia nas suas áreas. Isso porque, a cartografia geográfica não é virtual, e
sim concreta, pois trata de representar elementos concretos de um mundo real em um mapa que
é possível ver e, até mesmo, tocar, pois muitas vezes, trata-se de um objeto físico. O sociólogo
aposta nessa virtualidade pois, segundo defende, a partir do espírito cognoscente, com a psiqué,
97

com a bagagem cultural, ideológica, política e cultural, é possível a cada pesquisador,


independente da área de atuação, adaptar e propor uma cartografia que mais se adapte ao seu
contexto de pesquisa. Os mapas desenvolvidos por Boaventura tendem a ser regionais, mas
também transnacionais, pois tratam de elementos regionais ligados diretamente à localidade ou
questões geopolíticas de âmbito global.

Tratamos aqui dos caminhos percorridos para chegarmos ao formato aqui apresentado
de estratégia metodológica adotada para esta pesquisa. A escolha dessas técnicas e métodos
visaram otimizar a coleta e apuração dos dados, bem como a apresentação dos resultados,
considerando o contexto da nossa pesquisa. Tais ferramentas tornaram possível a construção
do capítulo a seguir, no qual serão apresentados, analisados e, quando possível, relacionados os
dados colhidos na pesquisa bibliográfica, observação sistemática, entrevistas e questionários
aplicados. No próximo capítulo, serão apresentados os resultados obtidos com esta pesquisa, de
maneira organizada e sistematizada em um mapa analítico-descritivo, de forma que a
compreensão da representação dos dados aqui apresentados se torne clara e de fácil
interpretação, tal qual um mapa visual geográfico.
98

5 BATALHA DO COLISEU

"A música é uma arma. Se ela tem esse poder


de mover o sistema, tem também o poder de elucidar.”

Milton Sales

Neste capítulo, discutiremos a Batalha do Coliseu, nos aspectos tocantes aos seus
espaços de realização, os agentes participantes, as práticas realizadas e os discursos
predominantes nesse contexto. Esses quatro principais eixos de análise dizem respeito aos
referenciais simbólicos que elencamos para a elaboração do mapa analítico-descritivo que este
trabalho se propõe a fazer. Isso porque, ao longo da pesquisa, identificamos tais referenciais
como essenciais para compreensão das práticas discursivas que ocorrem durante a realização
dos eventos promovidos pela Batalha do Coliseu nas intermediações do campus universitário
da UFRN em Natal (RN).

Adotamos tal método inspirados na fotocartografia sociocultural proposta Nobre (2011),


que buscou compreender as motivações para o engajamento de uma luta social e política entre
os moradores da Reserva de Desenvolvimento sustentável Ponta do Tubarão – localizada na
praia de Diogo Lopes, entre os municípios de Macau e Guamaré, estado do Rio Grande do
Norte – por meio de cinco principais indicadores: trabalho, lazer, religiosidade, saberes
tradicionais e ação do homem presente no meio ambiente. Assim como Nobre (2011), também
propomos uma aplicação da proposta epistêmica de Santos (2002), sobre uma cartografia dos
fenômenos sociais e referenciais simbólicos de um contexto cultural, através da integração de
técnicas e metodologias interdisciplinares, tendo a fotografia (e no nosso caso, também o vídeo)
como principal ferramenta de coleta de dados para posterior análise.

Em outro momento, também utilizamos a fotografia e a ideia de construção de uma


narrativa visual a partir de fragmentos fotográficos, tal qual propõe Nobre (2011), em nosso
trabalho monográfico de graduação, no qual investigamos as articulações comunicacionais de
uma banda independente potiguar de hardcore-punk em turnê pelas regiões Sudeste e Sul do
país, a partir do ponto de vista de um integrante da própria banda (ARAÚJO JÚNIOR, 2016).
Nessa ocasião, realizamos uma etnografia sustentada principalmente na observação, fotografia
e diário de campo. No entanto, ao perdermos o diário de campo na volta para casa, recorremos
às fotografias a fim de reconstituir os relatos feitos em campo a partir da leitura das fotografias
99

produzidas, o que nos despertou para o valor deste tipo de ferramenta na pesquisa em ciências
sociais.

No presente trabalho, associamos as técnicas de coletas de dados possibilitadas pelo uso


de um smartphone (registro de fotografias, vídeos, áudios e anotações) com outras técnicas
como a aplicação de entrevistas, questionários, análise do discurso e as próprias pesquisas
bibliográfica e documental para sistematizar, através do auxílio da cartografia simbólica, uma
mapa analítico descritivo sobre as práticas sociais discursivas e simbólicas produzidas pela
Batalha do Coliseu dentro do espaço universitário, considerando suas atividades no ambiente
interno do campus universitário da UFRN, em Natal (RN). Para tanto, semelhantemente a
Nobre (2011), definimos as principais categorias temáticas para construção de tal análise, sendo
elas:

a) Espaços de realização das atividades;


b) Perfil socioeconômico dos agentes participantes;
c) Práticas sociais realizadas nos espaços;
d) Construções narrativas nos discursos predominantes.

Nesse sentido, optamos por dividir a apresentação dos dados seguidos de sua devida
análise em quatro subcapítulos dedicados a cada uma dessas categorias de referenciais
simbólicos. O primeiro subcapítulo é dedicado aos espaços de realização adotados pela Batalha
do Coliseu, considerando-os como espaços geográficos e simbólicos, contextualizando suas
relações espaciais e socioculturais com o meio em que estão inseridos e seu papel no
desempenhar das atividades promovidas pela batalha. Para construção deste subcapítulo,
utilizamos principalmente a pesquisa bibliográfica e documental, a fim de reunirmos o máximo
de informações possíveis acerca dos espaços estudados, bem como as visitas realizadas durante
a observação e à posteriori, para realizar capturas visuais dos espaços à luz do dia. O segundo
subcapítulo trata do perfil socioeconômico do público que frequenta a Batalha do Coliseu, a
partir de uma apresentação dos dados colhidos através de um questionário aplicado aos
seguidores do perfil da Batalha do Coliseu na rede social Instagram que frequentaram a batalha
durante o período de recorte temporal definido por esta pesquisa.

O terceiro subcapítulo reúne os dados coletados sobre a Batalha do Coliseu em pesquisas


bibliográficas e nas entrevistas semiestruturadas com o material produzido durante a fase de
observação, a partir de um ponto de vista pessoal do autor desta dissertação, trazendo reflexões
acerca das práticas sociais testemunhadas e registradas de maneira sistematizada, a fim de
100

construirmos um corpus de análise sólido e passível de reflexão. Nessa parte, são evidenciadas
as questões da localidade, a partir da observação das práticas intrínsecas à Batalha do Coliseu
e como se dão as interações sociais e discursivas durante a realização de suas atividades. Por
fim, no quarto subcapítulo, analisamos as construções narrativas presentes nos discursos
predominantes na Batalha do Coliseu, relacionando os testemunhos das informantes voluntárias
consultadas em entrevistas com as práticas e discursos observados nos eventos que
participamos. Também buscamos relacionar os fenômenos e práticas sociais observadas com
as bibliografias trabalhadas nos capítulos anteriores, a fim de testarmos possíveis respostas para
a pergunta problema proposta no início deste trabalho.

5.1 Espaços de realização das atividades

Neste subcapítulo serão apresentadas informações colhidas sobre os locais de realização


da Batalha do Coliseu nas seguintes fontes: referências bibliográficas, documentos e
comunicados oficiais da UFRN, bem como publicações do Diário Oficial da União, além das
visitas e registros feitos em foto e em vídeo dos locais de realização das batalhas. São eles: o
Anfiteatro do Setor II, conhecido popularmente como “Coliseu”, o Centro de Convivência
DJalma Marinho (CCDM) e o estacionamento da Praça Cívica, todos localizados no campus
universitário da UFRN em Natal (RN).

5.1.1 Anfiteatro do Setor II (Coliseu)

Conforme pôde-se constatar nos registros oficiais, apesar de concebido ainda em 2010,
o projeto de construção da estrutura de 279,13m² em formato típico de anfiteatro, batizada pelos
estudantes da UFRN de Coliseu, só foi ser incluído no plano de obras da instituição 63 em 2016,
com previsão de término para maio de 2017. Segundo a assessoria de comunicação do Centro
de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA/UFRN), departamento responsável pela obra, o
objetivo do projeto era “viabilizar um espaço de convivência em que os alunos possam realizar
manifestações culturais, artísticas e políticas” 64. No entanto, apesar de prorrogado 65 o prazo de

63
ORÇAMENTO estimado: plano de obras 2016. SINFRA/UFRN, Natal, 18 out. 2016. Disponível em:
<https://infra.ufrn.br/docs/plano_obras_2016.pdf>. Acesso em 5/2/2022.
64
SOUSA, R. CCHLA da UFRN cria projeto de anfiteatro para o Setor II. Lab Comunica, Natal, 10 set. 2016.
Disponível em: <https://labcomunica.wordpress.com/2016/09/10/cchla-da-ufrn-cria-projeto-de-anfiteatro-para-o-
setor-ii/>. Acesso em 5 fev. 2022.
Acesso em 10/1/22.
65
DIÁRIO Oficial da União: Nº 110. BRASIL, 9 jun. 2017. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/progesp/wp-
content/uploads/2018/01/30-Retifica-AI-15-2017-DOU.pdf>. Acesso em 5/2/2022.
101

entrega para novembro de 2017, a obra, segundo o relato de alguns alunos, nunca chegou a ser
propriamente finalizada. Segue abaixo o projeto original do anfiteatro (Figura 18):

Figura 18: Planta baixa/corte do anfiteatro do setor II


Fonte: Daniel Macedo, 2010.

Apesar de ter sido construído com o intuito de fomentar a realização de atividades


culturais nas intermediações do setor de aulas, percebe-se a dificuldade dos alunos em utilizar
devidamente o espaço quando necessário, uma vez que a iluminação do ambiente é precária,
falta materiais disponíveis para auxiliar na realização de tais eventos, como equipamentos de
sonorização e iluminação, bem como tendas para uma eventual necessidade em casos de chuva
ou sol forte. Nesse contexto, os alunos que quiserem utilizar o espaço precisam conseguir os
equipamentos necessários através de meios próprios ou pegando emprestado algum item no
Centro Acadêmico para devolver depois, como mesas ou cadeiras.
102

Figura 19: Representação gráfica em perspectiva do anfiteatro do setor II


Fonte: Daniel Macedo e Anaísa Rocha, 2010.

Além dessas dificuldades, muitas vezes as atividades são interrompidas por agentes de
segurança do campus, que exigem autorização para realização das atividades, mesmo que tais
acordos já tenham sido negociados com a diretoria do departamento. Em algumas das edições,
a Batalha do Coliseu teve encontros interrompidos pela segurança do campus, obrigando seus
participantes a migrarem para outro setor que não fosse próximo das salas de aula, como é o
caso do Centro de Convivência Djalma Marinho, que fica na região central do Campus Natal
da UFRN. Após iniciarmos o acompanhamento da Batalha do Coliseu em abril de 2019,
registramos apenas um encontro no seu espaço original de realização (Figura 20 a Figura 23).
Os demais encontros registrados naquele ano ocorreram Centro de Convivência Djalma
Marinho, devido aos problemas que a organização do evento ainda enfrentava quanto à
autorização para realização da batalha no Setor II e também para escapar das chuvas, que
geralmente ocorrem nesse período do ano em Natal. Devido à falta de tenda para proteger os
equipamentos da chuva e a impossibilidade de abrigar todos os participantes da plateia, os
encontros seguintes registrados em 2019 se deram no espaço do Centro de Convivência Djalma
Marinho.
103

Figura 20: Vista da arquibancada para o centro do palco e prédios do Setor II.
Fonte: Própria, 9/2/2022.

Figura 21: Vista para o anfiteatro e prédios do Setor II e Instituto Internacional de Física.
Fonte: Própria, 9/2/2022.
104

Figura 22: Vista parcial da arquibancada do anfiteatro.


Fonte: Própria, 9/2/2022.

Figura 23: Vista para o anfiteatro, prédios e caixa d’água do Setor II.
Fonte: Própria, 9/2/2022.
105

5.1.2 Centro de Convivência Djalma Marinho (CCDM)

De acordo com Pereira e Nobre (2007), o Centro de Convivência Djalma Marinho


(CCDM) é uma edificação localizada em um ponto estratégico do campus central da UFRN,
em Natal. Segundo os autores, o projeto foi concebido em 1978 e inaugurando em 1982,
ocupando um espaço privilegiado nas imediações entre os edifícios da Reitoria e da Biblioteca
Central Zila Mamede (BCZM), centro geográfico e de decisões, “com o propósito de atrair,
predominantemente, a convergência das atenções do corpo discente, permitindo aí um espaço
de encontro e de atividades estudantis, com apoio de serviços básicos” (PEREIRA & NOBRE,
2007, p. 9). Segundo relatam Pereira e Nobre (2007):

Em 1978, o reitor da UFRN, professor Domingos Gomes de Lima, solicitou ao


Departamento de Arquitetura, um projeto para o Centro de Vivência - nome original
do edifício. Atendendo ao convite do professor Ronald de Goes, então chefe do
departamento, Hiran César da Silva e Marizo Vitor Pereira, professores do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFRN, concordaram em conceber e desenvolver a
proposta arquitetônica. Os alunos Adler Fontenelle, Fernando Costa, Francisco José
Rodrigues, Haroldo Maia e Márcia Fabíola também integraram a equipe responsável
pelos trabalhos, participando das discussões e do desenho das pranchas (PEREIRA &
NOBRE, 2007, p. 9).

Pereira e Nobre (2007) afirmam ainda que, após a discussão de algumas propostas, foi
concebido o projeto finalmente implantando, que consiste em uma grande plataforma coberta
sustentada por estruturas de concreto aparente, seguindo os princípios estéticos do brutalismo,
estilo arquitetônico predominante nos edifícios construídos no campus central da UFRN e
demais regiões da capital potiguar, principalmente entre as décadas de 1970 e 1980. Para Souza
Filho (2018), a escolha do local geográfico de construção do Centro de Convivência Djalma
Marinho (Figura 23) condiz com as intenções declaradas para construção da edificação em seu
projeto inicial, pois está situada em um “ponto central em relação aos setores de aula e
edificações representativas da administração e do saber” (SOUZA FILHO, 2018, p. 29).
106

Figura 24: Centro de Convivência da UFRN e imediações.


Fonte: Souza Filho (2018, p. 29).

No entanto, conforme observam Pereira e Nobre (2007), desde sua concepção, a


estrutura do CCDM passou por diversas modificações, deixando de lado sua proposta inicial,
baseada em uma relação estreita interior/exterior, para dar lugar ao chamado “efeito shopping”,
observado ao ser percorrer o espaço interno da estrutura, onde se encontram “lojas, agências
bancárias, posto de correio, livrarias e outras salas” (PEREIRA & NOBRE, 2007, p. 14). Para
os autores, tais modificações fizeram com que o edifício perdesse totalmente sua transparência
e ventilação, uma vez que suas fachadas foram substituídas por fachadas e fundos de bancos,
lojas, livrarias e restaurante, obstruindo a visão que originalmente atravessava a edificação,
tornando-o um “sinônimo de ocupação aleatória e caótica” (PEREIRA & NOBRE, 2007, p.
15).
107

Figura 25: Centro de Convivência da UFRN.


Fonte: Própria, 9/2/2022.

De acordo com Norberg-Schulz (1975), “o lugar é experimentado como um interior, em


contraste com o exterior que o rodeia”. A questão percebida sobre os espaços de realização das
batalhas durante a pesquisa é que este conceito de lugar muitas vezes é negado, como destacam
Pereira e Nobre (2007) ao analisar o processo de modificações e adaptações sofridas na
estrutura do Centro de Convivência, em que a lógica capitalista para o uso dos espaços acaba
se sobressaindo muitas vezes à proposta original para qual o espaço construído se destina,
gerando conflitos quanto às questões sociais para as quais tais espaços foram construídos, como
é o caso do chamado “efeito shopping” que, ao longo dos anos, foi moldando a estrutura e
espaço interno do CCDM, bem como afetou sua relação com o interior que rodeia (PEREIRA
& NOBRE, 2007).

5.1.2 Estacionamento da Praça Cívica (UFRN)

O estacionamento da Praça Cívica do campus universitário da UFRN em Natal (Figura


26) consiste em uma ampla área dedicada a estacionamento, próximo ao Anfiteatro da Praça
Cívica da UFRN, local onde normalmente acontecem eventos culturais na UFRN e a Semana
da Ciência, Tecnologia e Cultura (CIENTEC), principal feira expositora promovida pela
instituição, a fim de promover uma maior integração com a comunidade externa. Nesta
categoria, que diz respeito aos espaços, a sequência de fotos exposta foi organizada para que
108

haja uma compreensão do leitor quanto aos espaços que foram observados durante a pesquisa,
bem como sua localização, estrutura e uma breve contextualização histórica e sociocultural com
relação às atividades rotineiras do campus e seus usos durante a realização das práticas sociais
estudadas.

Figura 26: Estacionamento da Praça Cívica da UFRN.


Fonte: Própria, 9/2/2022.

5.2 Perfil socioeconômico dos agentes participantes

Com o intuito de conhecer melhor o perfil do público da Batalha do Coliseu, elaboramos


um questionário, dividido em três partes, com cinco perguntas de caráter socioeconômico,
étnico-racial, bem como sobre moradia, deslocamento e frequência na Batalha do Coliseu e em
outras batalhas de rap na cidade de Natal/RN. As perguntas de múltipla escolha eram destinadas
a quem já frequentou presencialmente alguma edição da Batalha do Coliseu no período entre
2018 e 2019. A necessidade de checar o perfil das pessoas que frequentam da Batalha surgiu a
partir da colocação feita por uma informante voluntária em entrevista ao autor desta dissertação
sobre o público do evento:

No início, eram só pessoas ali do setor II mesmo que passavam, ouviam e iam por
curiosidade ver o que estava acontecendo ali e acabavam ficando. Mas conforme a
Batalha foi ganhando nome e proporção começaram a aparecer pessoas de outros
setores. Tinha MC que cursava Educação Física, CeT e outros cursos de outros setores
da universidade e com o passar do tempo foram vindo pessoas também de fora da
UFRN, pessoas que às vezes não tinham nem ensino médio completo, pessoas que
normalmente não estariam ali ocupando aqueles espaços (INF-A, colaborador(a)
voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação verbal).
109

Entre os dias 30 de janeiro e 6 de fevereiro de 2022, foi solicitado aos seguidores dos
perfis da Batalha do Coliseu nas redes sociais digitais Instagram e Twitter, que respondessem,
em caráter colaborativo, o questionário supracitado. Para a aplicação online do questionário,
disponibilizou-se um link de acesso aos interessados, por meio da utilização da plataforma
Google Forms. Obteve-se uma amostra de 83 respondentes, número que representa
aproximadamente 83% do público de uma edição da Batalha do Coliseu 66. Os resultados
obtidos com a aplicação desse questionário representam, portanto, um grau de confiança de
95% e um erro amostral de 4%.

Figura 27: Percentual de respostas sobre gênero.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Da amostra, 48,2% declararam ser do gênero feminino, 44,6% se identificaram com o


gênero masculino, 2,4% responderam “não se aplica” e 4,8% responderam “outros”. Na
categoria “outros” responderam: “não binário”, “masculino/feminino é Sexo. Sou Homem” e
“As opções de resposta aqui não tão legais, ainda está reproduzindo o binário, não se aplica e
outro não é o que é recomendado por quem estuda gênero. Seria interessante atualizar essa
pergunta pra permitir a inclusão real da diversidade de gênero” 67. Vale salientar que o número
total de respondentes na categoria “outros” não diz respeito ao número total de pessoas travestis,
transgêneros e transexuais que frequentam a Batalha do Coliseu, haja visto que algumas se
identificam com os binários “feminino” ou “masculino”, logo nas categorias “feminino” ou
“masculino” estão inclusas pessoas trans.

66
Dado variável. Estimamos que o público médio da Batalha do Coliseu é de aproximadamente 100 pessoas.
67
Acreditamos que esta resposta se deu em virtude das opções fornecidas pelo questionário que, conforme foi
posto pela pessoa entrevistada, reforça um pensamento binário sobre gênero, não considerando as pessoas que se
identificam como não-binárias. Apesar de nos basearmos nos moldes utilizados pelo IBGE, atentaremos para
questões como a que foi posta aqui por essa respondente em estudos futuros.
110

Figura 28: Percentual de respostas sobre perfil étnico-racial.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Na pergunta sobre classificação étnico-racial, de acordo com o IBGE 68, 38,6% da


amostra se declarou branco(a), 32,5 % se declarou pardo(a), 22,9% se declarou preto(a), 4,8%
não souberam responder e 1,2% se declarou indígena. Nenhum respondente se identificou como
amarelo(a). Ou seja, o público da Batalha do Coliseu é formado, em sua maioria, por pretos e
pardos (55,4%), ao passo que pouco menos de um terço do público (38,6%) se autodeclara
branco. A presença de pessoas que se autodeclara indígena é pouco percebida, não chegando
aos 2%, bem como há, também, uma possibilidade de conflito de reconhecimento por parte do
público (4,8%) que preferiu não se declarar pertencente a nenhum desses grupos.

Figura 29: Percentual de respostas sobre renda.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

68
Desde o censo de 2000, o IBGE utiliza nas pesquisas sobre cor ou raça/etnia da população brasileira estas
cinco categorias.
111

Quanto à renda, de acordo com a classificação IBGE 69, 49,9% dos respondentes se
consideraram pertencentes à classe social E (renda familiar até R$ 2.424,00), 22,9%
responderam classe D (Renda familiar entre R$ 2.424,01 a R$ 4.848,00), 21,7% se
consideraram classe C (renda familiar entre R$ 4.848,01 a R$ 12.120,00) e 6% responderam
classe B (renda familiar entre R$ 12.120,01 e R$ 22.240,00). Nenhum dos respondentes
pertence à classe A (renda familiar acima de R$ 24.240,01). Em outras palavras, quase metade
do público da Batalha do Coliseu (49,4%) pertence à classe social mais baixa dentre as
alternativas disponíveis no questionário. Quanto à outra metade, boa parte é pertencente às
classes sociais C e D, somando 44,6% do público, além da pequena parcela de 6% dos mais
privilegiados nesse quesito, pertencentes à classe B, que goza de uma renda familiar de até R$
12.120,00 mensais.

Figura 30: Percentual de respostas sobre formação acadêmica.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

No que diz respeito ao grau de escolaridade, 56,6% possuem Ensino Superior


incompleto, 21,7% concluíram o Ensino Superior, 12% concluíram o Ensino Médio, 6%
responderam Pós-graduação (especialização, mestrado, doutorado, PhD), 2,4% possuem
Ensino Médio incompleto e 1,2% dos respondentes concluíram o Ensino Fundamental. Nenhum
dos respondentes alegou que possui Ensino Fundamental incompleto. Ou seja, podemos
concluir que pouco mais da metade (56,6%) dos respondentes tiveram acesso à universidade e
chegaram a frequentar o ensino superior, assumindo parte desses respondentes ainda são
graduandos. Consideramos interessante o fato de parte considerável dos respondentes (21,7%)
já haverem concluído o ensino superior e 12% o Ensino Médio, ao passo que metade dessa
quantia (6%) afirmaram estar cursando pós-graduação. Isso somado aos baixos índices

69
Válido para 2022 (salário mínimo de R$ 1.212).
112

apresentados nos níveis mais baixos de escolaridade, não tendo nenhuma respondente afirmado
não haver concluído o Ensino Fundamental, apontam para um nível de escolaridade
considerado de moderado a alto, dentre o público da Batalha do Coliseu.

Figura 31: Percentual de respostas sobre moradia.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Figura 32: Percentual de respostas sobre moradia.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Nas perguntas sobre moradia e deslocamento, 68,7% dos respondentes afirmaram


moram em Natal (RN), enquanto 31,3% não residem na capital potiguar. Dentre os
respondentes que residem em Natal, 41% são da Zona Sul da cidade, 13,3% são da Zona Norte,
9,6% da Zona Oeste, 3,6% Zona Leste e 2,4% moram no Centro. Por fim, 30,1% escolheram a
opção “Não moro em Natal”. A partir daqui, é possível tecer alguns apontamentos a partir dos
números apresentados. É possível perceber que há uma clara divisão entre dois principais
grupos: as pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, são de baixa renda e estão cursando ou
cursaram graduação, e as pessoas brancas, com rendas familiares moderadas e acesso à
educação de ensino superior, bem como pós-graduação. Isso indica uma possível antagonização
desses dois grupos, nos campos da subjetividade que permeiam os discursos perpetrados nos
eventos promovidos pela Batalha do Coliseu.
113

Figura 33: Percentual de respostas sobre frequência na Batalha do Coliseu.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

No que diz respeito a frequência de público, 44,6% afirmaram já ter comparecido mais
de 10 vezes na Batalha do Coliseu, 21,7% de 1 a 3 vezes, 18,2% de 3 a 5 vezes e 15,7%
responderam de 5 a 10 vezes. Aqui podemos atestar que as respondentes apresentam um
coeficiente de frequência considerado satisfatório para os fins desta pesquisa, tendo em vista
que mais da metade das pessoas afirmaram ter frequentado a Batalha do Coliseu mais de dez
vezes, ou de cinco a dez vezes, um número próximo à quantidade de dias acompanhados e
registrados durante a observação, que foram nove. Ademais, a fidelidade demonstrada ao
frequentar o evento mais de uma vez denota um certo nível de engajamento por parte do público,
que passa a participar mais ativamente dos processos.

Figura 34: Percentual de respostas sobre frequência em outras batalhas de rap.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Quando perguntados sobre a frequência em outras batalhas, além da Batalha do Coliseu,


63,9% das pessoas respondeu que sim, enquanto 36,1% respondeu que não. Ou seja, a maioria
do público frequenta outras batalhas, isso indica que boa parte do público tem afinidade com as
114

práticas recorrentes em batalhas de rap, apesar de pouco mais de um terço desse público não
frequentar outras batalhas, além da Batalha do Coliseu.

Figura 35: Percentual de respostas sobre vínculo estudantil com a UFRN.


Fonte: elaboração nossa, 2022.

Dentre os respondentes que colaboraram com a pesquisa, 71,1% afirmou possuir vínculo
estudantil formal com a UFRN, no período entre 2018 e 2019, enquanto 28,9% afirmou não
possuir qualquer vínculo estudantil com a instituição. A aplicação desse questionário
quantitativo possibilitou estimar um perfil socioeconômico do público que frequentou edições
da Batalha do Coliseu entre 2018 e 2019, bem como identificar de quais lugares da cidade esses
indivíduos se deslocam e seu vínculo com a instituição de ensino onde ocorriam os encontros.
Nota-se que há uma intersecção étnico-racial, de renda e moradia, na qual parte do público se
consideram brancos, possuem renda moderada e residem na Zona Sul de Natal, ao passo que
outra parte são pretos e pardos, de baixa renda e residem em outras regiões de Natal ou região
metropolitana. Esses e outros apontamentos serão explorados no relatório da pesquisa
qualitativa, após análise crítica das respostas para as entrevistas semiestruturadas, direcionadas
a organizadores e colaboradores da Batalha do Coliseu e das fotografias em vídeos produzidos
em campo. Os dados qualitativos são fundamentais para tornar inteligível as intersecções e
idiossincrasias dos discursos dos sujeitos envolvidos nas práticas. A seguir, uma sequência de
imagens que representa os agentes participantes da Batalha do Coliseu (Figura 36 a Figura 39).
115

Figura 36: Público assiste atento à Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 10/5/2022.

Figura 37: Foto do vencedor com a “chave” do dia.


Fonte: Própria, 10/5/2022
116

Figura 38: Público da Batalha do Coliseu ocupando as arquibancadas.


Fonte: Própria, 28/6/2022.

Figura 39: Vista alternativa do público da Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 28/6/2022.
117

Neste subcapítulo, delineamos o perfil social dos sujeitos que integram a plateia da
Batalha do Coliseu. A partir dos dados aqui colhidos e dispostos, torna-se possível cruzá-los
com os depoimentos das informantes e os fenômenos e conflitos observados durante os eventos,
levando em consideração os diferentes contextos sociais dos quais os sujeitos envolvidos nas
práticas analisadas são oriundos. No subcapítulo seguinte, abordaremos as práticas performadas
por tais sujeitos e como podemos identificar os significados e subjetividades gerados a partir
daí.

5.3 Práticas sociais realizadas nos espaços

Agora que descrevemos os espaços onde foram realizadas as observações das


atividades, iremos nos ater às atividades referentes à Batalha do Coliseu realizadas nestes
espaços, levando em consideração as práticas sociais culturais e comunicativas que se
sucederam durante o período de observação. A partir daqui, será usado um tom mais pessoal
nos momentos que dizem respeito à descrição dos fatos observados, tendo em vista que a
observação de tais fenômenos integram uma investigação in loco realizada pelo autor desta
dissertação, considerando seu ponto de vista pessoal sobre os fatos observados. De acordo com
os relatos colhidos com os idealizadores do evento nas entrevistas semiestruturadas, a Batalha
do Coliseu surgiu a partir da iniciativa de um aluno, na época do curso de História, juntamente
com seus colegas em fazer uma batalha de rap no anfiteatro do Setor II, como uma forma de
aproveitar aquele espaço, considerado por eles subutilizado. De acordo com os alunos, o espaço
não era aproveitado da forma como deveria. Alguns relatam que a obra nunca chegou a ser
concluída, faltando detalhes de acabamento, o que deixou a desejar no sentido da melhor
utilização do espaço construído, resultando em um ambiente mal iluminado e utilizado pelos
alunos apenas para passar o tempo e “fumar maconha”.

O espaço estava lá tipo abandonado, tá ligado? Não terminaram de construir, escuro.


Só a galera indo pra fumar e “arriar lombra”. E aí, tal dia eu falei: meu irmão, se a
gente fizesse uma batalha aqui? Pra poder fazer esse bagulho, usar esse espaço
mesmo, tá ligado? De fato, com alguma coisa. E aí aconteceu de eu falar com os boy,
tá ligado? (INF-B, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação
verbal, grifo nosso)

A primeira edição da Batalha do Coliseu aconteceu no dia 2 de julho de 2018, no


anfiteatro do Setor II. Segundo os alunos envolvidos na realização do evento, toda a produção
foi realizada com recursos próprios, sendo os próprios alunos que levaram equipamentos como
caixa de som, microfone e até mesmo extensão de energia para o local. Até mesmo a produção
118

dos primeiros encartes para divulgação do evento e divulgado nas redes sociais (Figura 26)
foram produzidos de maneira independente, informando data, horário e local de realização, bem
como a premiação do evento naquela data. De acordo com os relatos colhidos nas entrevistas
semiestruturadas, desde seu primeiro dia de realização, dentre algumas outras questões sociais
e burocráticas, a Batalha do Coliseu também tem a chuva como um forte empecilho para sua
plena realização. Isso, ocasionalmente gerou interrupções de eventos e até mesmo
deslocamento do contingente para um local coberto, como os corredores do Setor II ou até
mesmo a cobertura do Centro de Convivência, que sediou algumas edições observadas da
Batalha do Coliseu, durante a pesquisa em tempos de chuva na capital potiguar.

A Batalha do Coliseu passou a tomar maiores proporções a partir da participação em


um evento da União Estadual dos Estudantes (UEE) em decorrência do Mês da Consciência
Negra, aos 20 de novembro de 2018. De acordo com os relatos dos envolvidos que constam nas
entrevistas semiestruturadas, além das práticas de praxe em encontros desse tipo, como rodas
de conversa sobre determinados temas relacionados às questões raciais, o evento também
contou com oficinas de estêncil, produção de camisetas, uma melhor estrutura com som,
iluminação e tenda para realização das batalhas e até mesmo ambulantes vendendo doces e
comidas em suas barraquinhas, tal qual acontece festinhas de bairro de diversas regiões da
cidade. A repercussão foi positiva, devido ao espaço de destaque que a Batalha do Coliseu
começou a ocupar, no entanto, a aglomeração e barulho resultantes dos encontros passou a ser
um problema também para a instituição, uma vez que o espaço de realização da Batalha do
Coliseu fica em um setor de aulas, o que pode atrapalhar o pleno exercício de atividades
acadêmicas.

Isso gerou um desconforto entre os organizadores da Batalha do Coliseu e a coordenação


do Centro de Ciências Humanas Letras e Arte (CCHLA) da UFRN, sendo preciso uma
intermediação por meio da União Estadual dos Estudantes (UEE) para conseguir a autorização
de utilização do espaço para realização de eventos, visto que, em algumas ocasiões, a Batalha
chegou a ser interrompida por seguranças do campus, forçando os alunos a procurem outro
local para realizar o encontro até que entrassem em um acordo com a coordenação. Somado a
isso o fato das chuvas que acontecem entre os meses de março e julho na cidade de Natal, o
grupo decidiu migrar provisoriamente para o Centro de Convivência Djalma Marinho para
contornar a situação.

Quando, por exemplo, a segurança chegou e tal, porque não podia ter gente fumando
maconha, que era uma coisa que eles sabiam, né? Tinha gente que vendia droga ali,
119

isso era fato. Mas eles sabiam de tudo isso. Até porque já tinha sido pego pessoas em
outros setores e, assim, eu sabia dessas coisas porque até hoje eu tenho uma relação
muito boa com o reitor da UFRN, tá entendendo? Tipo, a gente sentou para discutir
plano de segurança, plano de assistência estudantil, tudo isso. Como eu disse pra você
eu sempre fui uma pessoa de talvez, por conta até do meu curso, como eu me formei
em gestão (de políticas públicas), acho que a gente aprende muito isso de “oh, a
sociedade civil tem esse papel aqui”. Se ela não souber dialogar e mostrar projeto e
resultado, a instituição não vai tomar iniciativa, né? Não adianta só eu querer fazer
ato, ato, ato, ato contra reitoria, sendo que os números estão ali, o orçamento estava
ali, a gente já vinha de uma universidade. Em um processo onde o orçamento da
universidade já vinha sendo enxugado, então o que nos cabia, enquanto corpo
discente, não é simplesmente ir pra rua, não. Mas é dizer: “como é que a gente vai
contemplar o maior número de pessoas que realmente precisa”. Saca? Então, essa
relação sempre foi muito boa e é tanto que a gente chegou num diálogo onde a gente
quase conseguiu uma emenda parlamentar pra terminar a reforma do Coliseu. Porque
era de interesse do reitor investir nessas questões mais culturais e artísticas. Então foi
uma coisa que ele gostava bastante. Só que, por outro lado, tinha reclamação dos
professores do Setor II por conta do barulho e a questão das drogas, assim, que é algo
que, né? Não tinha muita explicação. Não tinha o que fazer. Realmente era
complicado. Aí, tipo, no dia que a segurança chegou lá, né? Eu, de imediato, liguei
pro reitor (INF-D, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação
verbal).

Foi com esse pensamento que comecei a frequentar os encontros da Batalha do Coliseu
nas noites de terça-feira, por volta das 20 horas, horário em que os jovens começavam a se
aglomerar no entorno das arquibancadas do anfiteatro do Setor II. São os participantes da
Batalha do Coliseu que aos poucos vão se cumprimentando com gestos e apertos de mão
característicos entre os integrantes do grupo cultural ali representado: o hip-hop. Antes da
batalha começar de fato, é comum que haja rodas de improviso, com MCs alternando turnos
para recitar suas rimas inventadas na hora ao som de alguém fazendo um beatbox, músicas
reproduzidas em aparelhos celulares ou até mesmo batidas de palmas ou no peito. A iluminação
do espaço é precária, portanto, alguns também usam seus aparelhos celulares para iluminar o
ambiente.
120

Figura 40: Encartes das primeiras edições da Batalha do Coliseu


Fonte: Perfil da Batalha do Coliseu na rede social Instagram 70, 2018.

70
https://www.Instagram.com/batalhadocoliseu/
121

Dentre os jovens presentes, é possível perceber a atividade dos que fazem parte da
organização da batalha. São em parte estudantes do próprio departamento, ou de outros setores
da universidade. No entanto, jovens de fora da universidade que frequentam outras batalhas ou
simplesmente gostam de rap somam presença nos encontros, reunindo de 50 a 100 pessoas em
dia de menor quórum e chegando até 150 a 200 pessoas em dias de maior frequência em torno
das arquibancadas e bancos que existem espalhados pela área do setor de aulas (Figura 41).

Figura 41: Primeira Batalha do Coliseu registrada nesta pesquisa.


Fonte: Própria, 9/4/2019.

Figura 42: Apresentação de grupo musical da Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 9/4/2019.
122

É comum que, antes ou depois das batalhas, ocorra apresentações de grupos ou cantores
de rap, bem como apresentações de poesia (Figura 42). A Batalha do Coliseu segue o esquema
de chaves, tipo um “mata-mata”, em que o vencedor de uma chave enfrenta o vencedor de outra
chave, eliminando quem perde até sobrar apenas um vencedor da noite. Os duelos podem ser
temáticos, abordando temas pré-definidos 71, livres de tema ou até mesmo sem restrição alguma
quanto aos ataques ao seu oponente, sendo permitido até mesmo ofensas (como é o caso das
batalhas de sangue). A Batalha do Coliseu é normalmente de tema livre, com características de
uma batalha de sangue, apesar de o público normalmente não aceitar qualquer tipo de rima,
caso toque em assuntos delicados. Além disso, os participantes também concordam em não
ofender uns aos outros ou familiares em suas rimas.

Na Batalha do Coliseu, cada MC tem o mesmo tempo para improvisar suas rimas sobre
a batida que sai da caixa de som trazida por membros da organização que se revezam em tarefas
como reproduzir e pausar a música nos momentos oportunos, anotar os nomes dos participantes
em uma folha de caderno, indicando os vencedores até o final dos duelos, explicar as regras
para os participantes e mediar o encontro com o público (constantemente convocando a plateia
para “fazer barulho” para quem consideram ser o vencedor do duelo) e puxar uma série de
palavras de ordem, sendo as mais comuns: “se tu ama essa cultura como eu amo essa cultura
grita hip-hop! HIP-HOP!” (escrito conforme pronunciado); “Batalha do Coliseu, conscientiza
e fortalece. Conhece? CONHECE! Conhece? CONHECE!” e “Batalha do Coliseu, tem homem
e mulher na gangue. O que vocês querem ver? SANGUE!”. Nas palavras de ordem é possível
perceber adaptações de frases normalmente ditas em outras batalhas de diversas regiões do país,
trazendo elementos da cultura local como a gíria “conhece”, normalmente utilizada entre os
natalenses. Isso é um fenômeno que vai de encontro ao conceito de “hibridações culturais”
proposto por Nestor García Canclini (2019), pois trata-se de uma mistura de elementos globais
e locais em um mesmo contexto cultural.

Conforme já foi explicitado, em dias de chuva, é comum que os encontros da Batalha


do Coliseu sejam deslocados para alguma área coberta, como os corredores do Setor II ou o
Centro de Convivência Djalma Marinho (CCDM/UFRN), espaço que dispõe de uma melhor
iluminação, além da estrutura coberta que protege da chuva, porém com pouca ou nenhuma
estrutura favorável para comportar a quantidade de participantes que o anfiteatro do Setor II
suporta (Figura 30). Apesar de ser visível a presença de mulheres na Batalha, elas ainda são

71
Batalhas temáticas ou batalhas de conhecimento.
123

minoria dentre as pessoas participam dos duelos, reforçando os pensamentos de Rose (1994),
Collins (2006) e Postali (2020), em se tratando da baixa representatividade feminina no hip-
hop. Apesar disso, é possível observar a presença de mulheres, tanto na plateia, quanto na
organização da Batalha do Coliseu. A atuação das mulheres na organização da Batalha do
Coliseu geralmente se dá nas questões organizacionais da batalha, como realizar registros
(Figura 44) e atuar como mestres de cerimônia ao conduzir a plateia nos encontros. A presença
de homens é visualmente mais expressiva, não desconsiderando, porém, a participação do
público feminino nos encontros. Mesmo assim, durante todo o período de observação, só foi
possível presenciar mulheres duelando em duas ocasiões, na qual em uma, a MC também fazia
parte da organização da Batalha do Coliseu. A seguir, uma sequência de imagens da Batalha do
Coliseu acontecendo no Centro de Convivência Djalma Marinho (CCDM), na UFRN (Figura
43 a Figura 47):

Figura 43: Batalha do Coliseu acontecendo no Centro de Convivência Djalma Marinho (CCDM/UFRN).
Fonte: Própria, 30/4/2019.
124

Figura 44: Aula de campo da disciplina de Folkcomunicação (DECOM/UFRN) na Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 30/4/2019.

Figura 45: Batalha do Coliseu na rampa do restaurante do CCDM/UFRN.


Fonte: Própria, 7/5/2019.
125

Figura 46: Batalha do Coliseu no CCDM/UFRN.


Fonte: Própria, 21/5/2019.

Figura 47: Jurados explicando as regras da Batalha do Coliseu no CCDM/UFRN.


126

Fonte: Própria, 28/5/2019.

A sequência de imagens aqui exibida (Figura 43 a Figura 47) compreende os encontros


da Batalha do Coliseu que se realizaram nas instalações do Centro de Convivência Djalma
Marinho, devido às chuvas que ocorriam naquele período e também por causa do atrito ocorrido
com a coordenação do CCHLA, devido à falta de autorização para realizar um evento com as
proporções que a Batalha do Coliseu pouco a pouco ia tomando. Apesar das questões intrínsecas
ao fato de realizar a batalha no CCDM, isso também gerou algumas facilidades quanto à
qualidade dos registros que passei a fazer nos encontros como também a possibilidade de levar
os alunos matriculados na disciplina de Folkcomunicação, ministrada pelo Prof. Dr. Itamar
Nobre no DECOM/UFRN, na qual fui docente assistido, para um desses encontros (Figura 44),
possibilitando uma aproximação dos conceitos teóricos discutidos na disciplina em um campo
de aplicação prática, fomentando também uma “ecologia de saberes”, ao combinar saberes
tradicionais da academia aos saberes culturais populares vinculados à cultura hip-hop
(SANTOS, 2007).

No mês de outubro de 2019, correram as seletivas para o Duelo de MCs Nacional,


também nas intermediações do campus, porém dessa vez no estacionamento próximo à Praça
Cívica da UFRN (Figura 48 a Figura 50). Essa fase definiu os finalistas para a etapa regional
em Recife (PE). Todos os MCs que passaram para a etapa seguinte naquela ocasião
frequentavam a Batalha do Coliseu, inclusive o MC que se classificou para a fase regional em
Recife (PE), juntamente com outros MCs do Rio Grande do Norte, e acabou vencendo o
regional, ganhando uma vaga para o Duelo de MCs Nacional em Belo Horizonte (MG) naquele
ano, representando o seu estado em um evento nacional. Após as observações realizadas no ano
de 2019, foi possível notar a crescente relevância que a Batalha do Coliseu passou a ter no
circuito da cidade e até mesmo no cenário nacional de batalhas de rap, bem como o papel da
UFRN como agente facilitador desse tipo de manifestação cultural em seus espaços de convívio
social, por dispor de estrutura e segurança necessários para realização de tais encontros.
127

Figura 48: Seletiva estadual para a fase regional do Duelo de MCs Nacional.
Fonte: Própria, 26/10/2019.

Figura 49: Participação de MCs que frequentam a Batalha do Coliseu na seletiva.


Fonte: Própria, 26/10/2019.
128

Figura 50: Apresentação de grupo musical na seletiva estadual do Duelo de MCs.


Fonte: Própria, 26/10/2019.

A pandemia do coronavírus e as medidas de restrição implantadas em várias cidades no


Brasil, a partir de abril de 2020, afetou também a realização de batalhas de rap e, com isso, o
andamento desta pesquisa. Como batalhas de rap são eventos que pressupõem aglomeração,
ficou impossível seguir com o roteiro de observações e registros dos eventos, assim como vinha
sendo feito em 2019. Com isso, muitas alternativas foram buscadas, como forma de encorpar
mais volume de material coletado para se fazerem as análises. Foi em 2021 que começaram a
surgir iniciativas fomentadas por leis de incentivo criadas pelas instituições públicas ligadas à
cultura. Esses são os casos da Batalha do Gueto, de Currais Novos, e da Batalha do Vinho, de
Natal, que puderam realizar uma série de transmissões ao vivo entre janeiro e março de 2021,
após terem sido contempladas em editais da Lei Aldir Blanc, o que possibilitou o custeio da
realização de eventos nesse formato que acabou se tornando popular durante o período
pandêmico, devido à escassez de eventos culturais populares que agregassem uma certa
quantidade de público devido às medidas restritivas para conter a proliferação da Covid-19.

Apesar das atividades realizadas durante a pandemia, que também poderiam ser
utilizadas como objeto de estudo nesta ou em outras pesquisas semelhantes sobre o tema,
decidimos esperar a retomada das atividades presenciais da Batalha do Coliseu para dar
continuidade ao processo de observação sistematizada, utilizando os registros do diário de
campo e das fotografias e vídeos capturados com o aparelho celular. A sequência de imagens a
129

seguir representa o retorno das atividades da Batalha do Coliseu, em abril de 2022 (Figura 51 a
Figura 53):

Figura 51: Retorno da Batalha do Coliseu em 2022.


Fonte: Própria, 12/4/2022.

Figura 52: Apresentação de grupo musical no retorno da Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 12/4/2022.
130

Figura 53: Batalha do Coliseu com estrutura de som, tenda e iluminação adequados.
Fonte: Própria, 12/4/2022.

Neste subcapítulo, consideramos as práticas sociais realizadas nos encontros da Batalha


do Coliseu, compreendendo-as como fenômenos culturais comunicativos que produzem
significados e subjetividades que serão analisados mais detalhadamente no subcapítulo
seguinte. Antes de finalizar esta parte do texto, é válido frisar que a Batalha do Coliseu, até a
finalização da escrita deste trabalho encontra-se a um passo de se tornar um projeto de extensão
dentro da UFRN, tal qual ocorreu com a Batalha da Escada na UnB, indicando mais um
importante passo no estreitamento da relação entre o hip-hop e suas formas de expressão com
as instituições formais de ensino e os métodos tradicionais de educação.

5.4 Construções narrativas nos discursos predominantes

A Batalha do Coliseu enfrentou alguns percalços ao longo de sua trajetória, para que
pudesse manter suas atividades dentro das instalações do campus universitário da UFRN. Tanto
com relação à ocupação dos espaços na universidade e as implicações causadas por isso, quanto
com relação aos atritos causados pelos discursos utilizados por alguns MCs em suas rimas. Em
entrevista, a Informante-D relata que um dos primeiros episódios marcantes relacionados a este
segundo conflito, tem relação com falas consideradas homofóbicas e machistas proferidas por
algum MC em um duelo da Batalha do Coliseu, o que culminou na realização de uma Batalha
131

de Vogue, que também contou com rodas de conversa sobre conscientização em relação às
discussões sobre sexualidade e identidade de gênero

Tanto que teve um movimento, a Batalha de Vogue. A primeira batalha que aconteceu
em resposta a um episódio da Batalha do Coliseu, entendeu? E batalha de vogue
também é um movimento periférico e negro, né? […] A galera de Ciências Sociais
não se organizava em Centro Acadêmico, e tal, era um coletivo autônomo e tudo mais.
E aí, teve umas falas, nessa perspectiva aí, que eles consideraram LGBTfóbicas, as
machistas e tal, aí fizeram uma batalha de vogue (INF-D, colaborador(a) voluntário(a)
na Batalha do Coliseu, informação verbal).

De acordo com seus idealizadores, a Batalha do Coliseu se caracteriza como uma batalha
de sangue, na qual os temas são livres e são permitidos ataques mais incisivos aos seus
adversários, inclusive mencionando características físicas, pessoais, eventos do passado e até
mesmo segredos que, muitas vezes, parte do público não sabe, tornando-se um fator surpresa
durante o duelo. Em batalhas que acontecem na rua é comum que os ataques cheguem ao nível
de xingamentos pessoais entre os MCs, embora tal atitude não seja bem-vista em algumas
batalhas ou alguns tipos de batalhas como as temáticas e de conhecimento, nas quais são
predefinidos temas para as rimas e a desenvoltura dos MCs em construir uma boa narrativa
rimada sobre esse tema é que é avaliado, não sendo permitido ataques pessoais ao seu
adversário.

Apesar de, na Batalha do Coliseu, também ser possível ver os ataques típicos de uma
batalha de sangue, muitas vezes, tais ataques não são bem recebidos pela plateia, o que pode
acabar prejudicando o desempenho do MC, uma vez que é a plateia ou a comissão de jurados
previamente estabelecida que definem os vencedores de cada duelo. Em entrevista com uma
das informantes, foi explicitado o seguinte:

A Batalha do Coliseu é uma batalha de sangue, mas você não pode simplesmente ir lá
e falar qualquer besteira. Falar “pederastia” ou alguns insultos que, na minha opinião,
não cabem na batalha de MC. Eu acho que o MC tem que ter noção de diversos
assuntos, seja político ou qualquer que seja, e não só tentar ficando menosprezando o
MC que está batalhando com ele (INF-A, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do
Coliseu, informação verbal).

O termo “pederastia” é usado no contexto das batalhas de rap para se referir a rimas
com conteúdo ofensivo ou que contenha “baixaria”, como se fala popularmente. Segundo relata
a informante, a Batalha do Coliseu se configura como uma batalha de sangue, mas nem toda
rima é bem-vinda e principalmente bem-vista pelo público. A hipótese formulada é de que o
ambiente influencia nisso, uma vez que, por se tratar de uma batalha que acontece na
universidade – cujo público é majoritariamente formado por estudantes universitários,
132

principalmente das áreas das ciências humanas, que geralmente possuem posicionamentos
bastante incisivos sobre determinados assuntos, principalmente envolvendo desigualdade
social, violência, opressão, e questões associadas debates sobre raça e gênero – seus
participantes tendem a se adaptar àquele ambiente e, caso não haja uma adaptação, existe a
possibilidade de que ocorra um “choque cultural” (BHABHA, 1998). Ao ser questionado sobre
a possível influência do ambiente universitário sobre a forma como a Batalha do Coliseu
acontece, o informante relata:

O fato de ser na UFRN influencia por se tratar de um público que simplesmente não
aceita qualquer tipo de discurso de ódio, xingamentos ou falas pejorativas. E isso meio
que obriga o MC a estudar, se atualizar e a parar de rimar besteira (INF-A,
colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação verbal).

A razão para esta questão, como já elucidado, pode estar ligada diretamente ao local
onde a Batalha do Coliseu ocorre: o Campus Central da UFRN em Natal. Neste contexto, os
posicionamentos, as ideologias políticas e argumentos utilizados nos discursos podem ser
avaliados pela plateia presente, composta, em sua maioria, de estudantes universitários,
conforme foi apontado pelos dados obtidos nos questionários. Isso pode, de certa maneira,
influenciar a forma como os MCs e demais presentes na batalha se comunicam, uma vez que,
conforme argumenta Sousa Santos (2007), quando as estruturas tradicionais do saber se sentem
ameaçadas, colocam os demais saberes em cheque, subjugando-os. Em outro relato concedido
por informante, foram evidenciados os conflitos surgidos a partir dos choques causados pelos
discursos.

Tinha muito conflito, assim, com o pessoal, né? Que é a galera do Setor II, né?
Obviamente, pessoal de Ciências Sociais… E os MCs eram pessoas que não
estudavam na UFRN, né? A maioria tinha muito conflito da galera, tá entendendo?
Muito conflito, da galera que estava assistindo, com as coisas, que porque o pessoal
não estava entendendo que aquilo ali era uma batalha de sangue, aquilo ali era um
movimento de rua e que tipo ninguém ia sair dali fazendo de lacração, de não sei o
quê e tal, entendeu? Porque a galera não tinha acesso a esse tipo de discussão, né? Se,
para as próprias pessoas que estão dentro da universidade, é um debate ainda
complicado, né? Imagine pra quem nem terminou o Ensino Médio (INF-D,
colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação verbal).

Tais conflitos podem ser compreendidos pela teoria de “choques culturais” de Homi
Bhabha (1998), resultado das “hibridações culturais” (CANCLINI, 2019) decorrentes das
interações promovidas pela Batalha do Coliseu, no contexto do hip-hop. Uma informante
relatiou que houve ocasiões em que a Batalha do Coliseu quase encerrou suas atividades, devido
aos conflitos gerados pelos discursos utilizados por alguns MCs, principalmente os que vinham
de fora da universidade. Segundo foi relatado, esses MCs frequentavam outras batalhas da
133

cidade, que acontecem na rua e geralmente são menos restritivas quanto aos discursos adotados
pelos MCs, apesar de também haver batalhas que possuem regras bem definidas quanto a essas
questões. De acordo com a informante, os conflitos aconteciam mais diante de discursos de
ódio ou carregados de preconceito, principalmente os com cunho sexista, racista ou
homofóbico.

Teve esse choque de cultura, tá ligado? De tipo, a gente teve que conversar muito,
tanto com a plateia quanto com os MCs, tá ligado? Pra ter uma conscientização,
porque quando o cara falava assim uma coisa homofóbica, a galera gritava, tá ligado?
Tipo, não deixava a batalha terminar (INF-B, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha
do Coliseu, informação verbal).

Ainda segundo a informante, em algumas ocasiões a comoção foi tamanha que membros
da plateia começaram a intervir na batalha para impedir que algum determinado MC que estava
proferindo tais discursos pudesse rimar. Por essa razão, buscando uma maneira de solucionar
as consequências do “choque cultural” provocado entre parte da plateia e dos MCs que
frequentavam a Batalha do Coliseu, os organizadores estabeleceram as seguintes regras internas
para o evento:

a) Proibido qualquer tipo de discurso de ódio, seja racismo, homofobia ou o que quer
que seja. Em caso de descumprimento, o MC leva uma advertência. Com duas
advertências o MC é eliminado.
b) Proibido xingamentos, agressões ou palavras de baixo calão sem fundamento.
c) Proibido envolver terceiros (mãe, pai, amigo, etc).

De acordo com os informantes, esta formulação de regras visando a plena realização das
batalhas se sucedeu com a chegada de uma pessoa já reconhecida na cena de rap da cidade na
organização da Batalha do Coliseu. Procurado pelo autor desta dissertação, esta pessoa também
nos concedeu entrevista e relatou como foi sua chegada na organização do evento e como
enxergou e lidou com os conflitos que ali aconteciam, tornando-se mais uma informante desta
pesquisa. Quando perguntamos sobre sua visão acerca da relação MCs-organização-público que
havia se desenvolvido na Batalha do Coliseu até então, explica:

Para mim, o Coliseu sempre foi um espaço muito problemático em questão de batalha
de freestyle. Por quê? Porque quando você pega o contexto dos rimadores, é uma
galera que vive uma vida cotidiana e isso é o cidadão médio. O cidadão médio não
tem uma questão de problematização muito forte. Ao mesmo tempo, claro, não é pro
cara passar pano e dizer “pô o bicho mandou uma rima machista, não é pra mandar
uma ideia não”, tem que mandar um papo reto. Tem que mandar o papo reto. Só que
tipo o que eu problematizava muito é que no Coliseu, que era um espaço que pertence
aos estudantes universitários (INF-C, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do
Coliseu, informação verbal, grifo nosso).
134

De acordo com esta informante, o problema não necessariamente era o fato de haver
uma diferença cultural entre os MCs e parte dos indivíduos integrantes do público da Batalha
do Coliseu, e sim, o fato de não haver um diálogo propriamente dito entre essas três instâncias:
MCs, organização e público da batalha. Para a informante, não havia interesse dos alunos em
orientar os MCs sobre como construir mais cuidadosamente seus discursos para não ofender
ninguém, muito menos interesse dos MCs em moldar suas rimas para agradar um público que,
para eles, não se tratava de um público necessariamente interessado em rap ou hip-hop. Diante
dessa impossibilidade de diálogo, a informante relata que foi preciso intervir:

E aí teve até uma batalha que os bichos me chamaram. Na época eu estava até inscrito
e no dia eu decidi: “vou não”. E aí quando os caras me perguntaram porque não, eu
fui lá na frente. Mandei uma tese lá, aí teve até uma mina que me olhou e falou “meu
irmão, para com isso aí pelo amor de Deus, que eu vim pra ouvir rap”. Aí eu falei:
“então, o problema de vocês é não saber que isso aqui é rap, tá ligado? O maluco que
pegou uma passagem emprestada pro chegado pra vir pra cá hoje é rap. Eu aqui
falando sobre essas coisas que nos incomodam é rap. Tudo isso aqui é rap. O fato de
vocês não saberem disso prova que vocês não tão nem aí pro que a gente faz. Vocês
querem o pão e circo, vocês querem dar risada, ver o cara gastar com a cara um do
outro e a galera aqui compra a ideia e essa é uma ideia que eu não vou comprar”.
Peguei, pedi licença, agradeci e me sentei (INF-C, colaborador(a) voluntário(a) na
Batalha do Coliseu, informação verbal).

Uma diferença de “capitais culturais” (BOURDIEU, 1998) é percebida nessa relação,


pois enquanto parte do público demonstra pouco conhecimento sobre as questões sociais
debatidas no rap, é possível perceber um interesse pelo entretenimento através de sua música.
Por outro lado, a informante, mais engajada com o hip-hop, apresenta um conhecimento mais
aprofundado sobre as representações das lutas sociais no movimento. Isso sugere que esses
diferentes sujeitos tiveram experiências distintas de vivência e aprendizado com uma mesma
cultura em contextos sociais e níveis de interação diferentes. Tais vivências, associadas ao
conjunto de aprendizados adquiridos por esses sujeitos ao longo de suas vidas, pode ser a razão
para que indivíduos engajados em um mesmo movimento, como a Batalha do Coliseu,
apresentarem visões distintas sobre um mesmo fenômeno. As informantes relatam que foi
preciso essa intervenção para mediar a relação entre a organização da Batalha do Coliseu, seu
público e os MCs que participavam. De acordo a Informante-A, essa intervenção protagonizada
pela Informante-C se deu também de maneira mais direta na Batalha do Coliseu, participando
dos duelos, a fim de mostrar que era possível “rimar sem pederastia”, relata.

O próprio INF-C mostrou que é possível ganhar uma batalha contra um MC


“pederasta” usando conhecimento. Ele é um dos caras que, para mim, é um ícone e
não só mostrou isso como sempre passou essa ideia pra frente. E na Batalha do Coliseu
o pessoal sempre apoiou muito essa ideia. Às vezes saía uma rima ou outra que não
eram tão felizes, digamos assim, mas o público ia lá, cobrava – às vezes de uma forma
135

que eu achava um pouco incisiva demais, tinha como chegar e trocar uma ideia de
maneira diferente – mas querendo ou não a Batalha do Coliseu fez com que os MCs
parassem de rimar só pederastia justamente pelo público ser diferente do que o que a
gente encontra nas ruas fora da UFRN, um público que gritava e gostava de qualquer
tipo de rima. Lá não. Lá sempre foi mais puxado pro lado cultural, histórico e
consciente da parada (INF-A, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu,
informação verbal).

A partir dos testemunhos das informantes, pudemos constatar que houve um “choque
cultural” (BHABHA, 1998) entre as pessoas vindas de diferentes contextos sociais que se
reuniam na Batalha do Coliseu. Foi necessário que houvesse uma mediação, e porque não dizer,
um processo de conscientização coletiva para que se pudesse dar continuidade às atividades da
batalha. Do contrário, a ausência de diálogo entre os indivíduos pertencentes a cada uma das
instâncias que constituem uma batalha de rap – MCs, organização e público – acabariam por
dar fim às atividades da Batalha do Coliseu. No entanto, conforme relatam as testemunhas, aos
poucos foi sendo adotada uma consciência coletiva por parte dos participantes da Batalha, de
maneira que, posteriormente, os próprios MCs passaram a cobrar uma postura antes exigida
apenas por alguns membros da plateia.

Na Batalha da Cívica, por exemplo, dava a galera da rua mesmo, a galera que estudava
no Ulisses Teixeira, que estudava ali no Ateneu, entendeu? A galera das escolas
públicas, então era arriação, né? E se alguém ficasse falando palavrão e tal, tipo, falava
e depois continuava todo mundo amigo. Não tinha esse negócio de levar pro coração,
não tinha esse politicamente correto que tem dentro da universidade […]. Mas eu
percebi que, quando a galera que não era da universidade, mas colava nas batalhas,
começou a aparecer vendendo droga lá na batalha, a galera da universidade, alguns
grupos que estavam ali assistindo, começaram a dizer “ah não, legal, vou adotar aqui
o meu negro de estimação, meu MC de estimação” e aí passou a ser algo legal,
entendeu? E aí as boyzinhas já entendiam o lado dos caras. E aí, tipo assim, isso é o
retrato da hipocrisia na universidade, na verdade, porque as pessoas querem ser muito
corretas, né? As pessoas que estão ali dentro da universidade, estudando e tal, acham
que elas sabem o que é que rompe as desigualdades, mas elas estavam simplesmente
reproduzindo elas, tá entendendo? (INF-D, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha
do Coliseu, informação verbal).

O relato da testemunha acima aponta problemas sobre as práticas sociais


comunicacionais realizadas nas batalhas de rap e o cotidiano no ambiente universitário. Em um
primeiro momento, a testemunha descreve as limitações discursivas, ou ausência delas, nas
demais batalhas que costumava frequentar. No mesmo depoimento, a informante sugere que o
conflito gerado pelos discursos adotados por alguns MCs, considerados inadequados por parte
do público da Batalha do Coliseu, passou a se resolver quando alguns dos frequentadores
passaram a “vender droga”, nas dependências da universidade. Tal fato, apesar da ilicitude e
difícil relação com os discursos praticados por esses sujeitos, configura, de acordo com a
Informante-D, um “retrato da hipocrisia na universidade”. Em seguida, a informante argumenta
136

que parte dessas pessoas que frequentam a universidade e acreditam saber o que rompe as
desigualdades, acabam por reproduzi-las, corroborando com o pensamento da socióloga indiana
Gayatri Spivak (2010). Ao ser questionada sobre suas impressões sobre o as possíveis razões
para o conflito entre participantes na Batalha do Coliseu, a Informante-C, por sua vez, propôs
a seguinte reflexão:

Eu, enquanto estudante universitário, tenho um poder em relação ao MC. E nessa


microfísica, nessas relações sociais eu tenho formas de exercer esse poder. O poder,
por si só, pode ser formativo, pode ser construtivo, pode ser destrutivo, ele tem suas
variantes. Por que eu que, teoricamente, tenho o poder, né? – E aí também pegando,
sei lá, um Bourdieu “das ideia”, que a galera gosta muito, porque Bourdieu é hype! –
Se eu tenho um capital cultural intelectual superior, e a palavra é essa mesmo,
superior, teoricamente, ao de um MC, então por que não edificar alguma coisa? Por
que não construir, tá ligado? Por que não chegar mesmo e: “pô, meu irmão, vamos
sentar aqui, vamos trocar essa ideia? Vamos trocar essa ideia sobre essa rima que tu
mandou? Porque ela é meio paia. Por que ela é meio paia? Pô, man, porque tem isso,
tem aquilo, tem aquilo outro…”. Sabe? E tudo bem que ninguém tem esse
compromisso, mas parece que a galera que, futuramente fará um julgamento, porque
tem esse lance do julgamento, queira ou não, é mais uma politicagem do que qualquer
outra coisa. Parece que a galera não se toca nisso, tá ligado? Se você tá se formando
em algo, por que não começar esses diálogos de maneira mais construtiva? De maneira
menos cansativa e menos destrutiva até pro próprio evento, sabe? (INF-C,
colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação verbal).

A reflexão proposta pela Informante-C, retoma a discussão sobre “capital cultural” do


sociólogo francês Pierre Bourdieu (1998). A informante apresenta uma sugestão de como
utilizar esse “capital cultural” (BOURDIEU, 1998) para mediar relações e conflitos. Talvez de
maneira inconsciente, a Informante-C sugere uma alternativa que remete à “ecologia de
saberes” (SANTOS, 2007), pois concepções teóricas da sociologia na resolução de práticas
sociais comunicacionais relacionadas à Batalha do Coliseu, integrando saberes tradicionais e
populares em um mesmo contexto.

Durante nossa observação, foi possível presenciar uma ocasião em que um MC não
obteve uma boa reação da plateia, diante de suas escolhas discursivas, o que afetou diretamente
seu desempenho no duelo e, consequentemente, sua colocação na Batalha naquele dia, sendo
eliminado por uma maioria considerável de votantes a favor do MC adversário. Para elucidar
melhor a situação, segue uma transcrição das rimas improvisadas pelos MCs. O fato se deu no
dia 10 de maio de 2022.
137

APRESENTADOR(A)

Se tu ama essa cultura como eu amo essa cultura grita “hip-hop”!


HIP-HOP!
Se tu ama essa cultura como odeia a ditadura grita “ele não”!
ELE NÃO!

MC-B

Foda-se ele não e também aquela porra do BOPE


Cê é o MC-C, hoje tu vai ficar em choque
Cê tá ligado, eu sou a simbiose
Vamo pra cima, porque do rap eu tenho posse

Você, hã, eu falo só no decoro


Camisa de Portugal, já quer roubar meu ouro
Eu ranco o couro, cê tá ligado eu não sou ouro
Eu sou brasileiro eu rimo com decoro

MC-C

Rimo com conteito porque venho da ZN


Julgado pelo que visto, atitude de PM
Aí, você falou até uns bagulho
Cê bate de frente comigo e ouve o barulho

Mas aí, calma, calma que aqui cê não sobrevive


Você é a simbiose, sem o hospedeiro tu não vive
Aí, você sabe que a fita é sem caô
Porque hoje a potência do mar tá ao meu favor

MC-B

Cala a boca, mano. Aqui cê é caô


Não julguei pela roupa, mas o colonizador
Você tá ligado que aqui você é só um “alígena”
Alienígena e eu mato tipo um indígena

MC-C

Não mata tipo um indígena


Porque sabe que agora você morre e ninguém te socorre
Porque essa peita é até de Portugal
Eu sou filho de índio, isso é reintegração de posse

MC-B

Filho de índo? Aqui você sai e manca


Tô vendo cara de índio com essa tua cara branca
Então vou falar mano que aqui é só o caô
138

Também venho dos indígenas, não tenho alargador

MC-C

Esse omi eu achava que era campeão


Se me julga por branco indígena não sabe o que é miscigenação
Aí cê sabe que aqui é na moral
Esperava mais de você, um MC tão conceituado em Natal

MC-B

É, e aqui na literatura
Falei da tua cara, então peço até desculpa
Eu falo pra você, aqui no rap eu tenho um marco
Porque meti na tua cara uma flecha sem meu arco

MC-C

Manda sem o arco então pode crer


Porque cê não aguenta que meu rap é sensacional
Só que você falou que traz o marco
Marco, goleiro do palmeiras, vai ficar sem mundial

MC-B

Aê, meu irmão, jajá tu sai é choco


Eu não sou do Palmeiras, o MC-B aqui quebra o coco
Cê tá ligado que aqui cê sai da minha laia
Não sou Palmeiras, coqueiro porque a praia é minha laia

MC-C

Não é sua laia, agora cê não entende


Porque a minha rima tá distante até em Antares
É essa aqui a nossa diferença, eu sou indígena
Cê é zumbi do Palmeiras eu sou o Zumbi dos Palmares!

(Batalha do Coliseu, 10/5/2022, 1º round, transcrição nossa)

O que pude perceber nesta ocasião foi que, a princípio, o MC-B iniciou sua performance
de uma maneira não muito satisfatória, uma vez que, em seu primeiro ataque, ao se referir à
camisa da seleção de Portugal que o outro MC vestia, acabou rimando ouro com ouro e decoro
com decoro. Não obstante, o MC-C respondeu a este ataque falando que tal atitude de julgar
um indivíduo pela roupa seria algo esperado de um Policial Militar, sugerindo que o MC-B
estaria agindo com preconceito. Além disso, também respondeu a rima sobre simbiose
evidenciando que tal organismo é incapaz de sobreviver sem um hospedeiro. Na tentativa de
contra-atacar, o MC-B decidiu então deixar claro que sua rima não fazia referência
139

simplesmente à roupa de seu adversário, e sim, ao país de Portugal, que colonizou diversos
países, incluindo o Brasil. Porém o tiro “saiu pela culatra” quando ele finalizou sua rima
dizendo que “mataria” seu adversário “tipo um indígena”. O mal-estar causado entre os
presentes naquele momento foi perceptível. Alguns membros da plateia começaram a gritar
xingamentos contra o MC-B, enquanto o MC-C já desferia sua resposta, afirmando ser de etnia
indígena e, portanto, o fato de estar usando uma camiseta da seleção de Portugal poderia ser
interpretado como uma reintegração de posse.

Em seguida, o MC-B insistiu em atacar o MC-C afirmando que este não poderia ser
“filho de índio” por ser branco. Em meio a gritos de “cala a boca” e xingamentos vindos da
plateia contra o MC-B, o MC-C desmereceu a postura do seu adversário ao afirmar que o artista
não tinha conhecimento sobre o que é miscigenação e que esperava mais de um “MC tão
conceituado em Natal”. Sem saída, o MC-B não viu outra alternativa a não ser pedir desculpa
naquele exato momento, mas o seu desempenho naquele dia na batalha já estava arruinado.
Tanto as pessoas no público quanto os organizadores da batalha demonstraram extremo
desconforto perante suas rimas. Até eu, que estava ali observando, registrando tudo, tentando
me manter imparcial diante do que acontecia ali, me senti incomodado. Apesar de o pedido de
desculpas do MC-B parecer genuíno, não foi suficiente para convencer a plateia, que votou
contra ele nos dois rounds, eliminando-o em sua primeira batalha do dia.

Ainda sobre as rimas do primeiro round, o MC-B tentou manter-se na ofensiva, mas
talvez sua escolha de fazer uma analogia com arco e flecha depois de uma sequência de rimas
infelizes sobre indígenas e colonização não o favoreceu. Por outro lado, o MC-C pegou um
gancho no verso e que seu adversário disse trazer o marco do rap consigo e o atacou falando
que tal marco seria o goleiro Marcos do Palmeiras, em seguida fazendo a famigerada piada
sobre o time paulista Palmeiras não possuir título de campeão mundial no futebol. Após uma
tentativa não muito exitosa de resposta por parte do MC-B, que acabou rimando laia com laia,
o MC-C desferiu seu golpe final ao puxar um gancho ainda de sua última rima para evidenciar
a diferença existente entre os dois MCs que ali duelavam, afirmando que, enquanto seu
adversário seria o zumbi do Palmeiras, ele, por sua vez, era Zumbi dos Palmares. A meu ver,
ao ganhar esse round, o MC-C já havia ganhado o duelo. O segundo round aconteceu apenas
para cumprir a praxe. A plateia praticamente não deixou o MC-B rimar no segundo round,
xingando-o e gritando coisas contra ele, mandando-o ir embora, “vazar” dali. Posteriormente,
o MC se pronunciou em suas redes sociais, pediu desculpas pelas suas rimas, mas também
140

criticou a atitude de alguns membros da plateia, que mantiveram uma postura irredutível
enquanto o MC permaneceu no palco.

Analisando a possibilidade do porquê do acontecido, considero particularmente que o


erro do MC-B possa ter partido do momento em que ele, ao tentar atacar seu adversário fazendo
uma crítica sobre a colonização de Portugal no Brasil, acabou recebendo uma resposta mais
potente e, ao tentar fazer uma tréplica a altura, acabou assumindo a postura do opressor, no caso
do próprio país de Portugal, ao afirmar que, figurativamente, mataria seu adversário tal qual um
indígena, tornando muito difícil não relacionar tal rima com o genocídio indígena que teve
início no Brasil desde os tempos da colonização. Acredito que essa rima sensibilizou parte da
plateia e, inclusive, o seu adversário que logo em seguida se declarou indígena e manteve uma
postura de ataque mais consistente e consciente. Apesar dos tensionamentos, o referido episódio
foi importante durante a observação, pois serviu de referência para um desses momentos citados
pelas informantes em seus depoimentos em que os discursos sustentados pelas rimas de alguns
MCs geraram conflitos entre eles e a plateia, motivo pelo qual foi necessária a mediação e a
consequente reformulação da configuração da Batalha do Coliseu, bem como uma adaptação
dos MCs participantes com relação aos discursos construídos durante as suas rimas.

Levando isso em consideração, surge a pergunta: como se classifica então a Batalha do


Coliseu? Ela é uma batalha de sangue ou uma batalha de conhecimento? Levamos este
questionamento para as entrevistas semiestruturadas direcionadas às pessoas informantes
consultadas durante esta pesquisa. Em suma, as respostas das diferentes informantes igualmente
tenderam a se construir de uma maneira um pouco vaga, mas sempre direcionando para o
pensamento de que a configuração da Batalha do Coliseu está para algum lugar entre a batalha
de sangue e a batalha de conhecimento, conforme podemos constatar no exemplo a seguir:

Se eu fosse falar da Batalha do Coliseu, eu acho que ela, em particular, sempre foi
uma coisa que ficou meio perdida, porque nunca foi esclarecido muito isso no início,
sabe? “O que vocês querem? Vocês querem uma batalha de sangue propriamente dita,
vocês querem uma batalha temática?” Porque dava pra fazer. “Vocês querem uma
batalha do conhecimento?” […]. Eu acho que o que a galera tentava se propor era ser
uma batalha de sangue. Mas eu não sei isso ficava tão esclarecido na relação com o
público. Porque um evento como uma batalha é uma relação tripla: é uma relação dos
MCs, público e organização. E se qualquer uma dessas coisas for ignorada a batalha
não anda direito. Se não há um diálogo com o público, a batalha não anda. Se não há
um diálogo com os MCs, a batalha não anda. Se não há um diálogo com a organização,
a batalha não anda (INF-C, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu,
informação verbal).

No entanto, apesar de tal processo de reconfiguração estrutural ter tomado início ainda
em 2018, ano que a Batalha do Coliseu iniciou suas atividades, os conflitos ainda persistem e
141

tendem a acontecer em uma edição ou outra. Observando esse fenômeno a partir dos
pensamentos elucidados no capítulo teórico desta dissertação, é possível afirmar que tais
conflitos persistem, pois quando o “estranho” (BAUMAN, 1998) atravessa a “linha abissal”
(SANTOS, 2002), há a possibilidade de ocorrer um “choque cultural” (BHABHA, 1998), em
meio a um processo de “hibridação cultural” (CANCLINI, 2019). Ou seja, retomando o
pensamento Sousa Santos (2002), podemos considerar que o MC, que comumente vem da
periferia e/ou frequenta outras batalhas da cidade que acontecem na rua, ao atravessar a “linha
abissal” (SANTOS, 2002) que corta o mapa urbano, dividindo-o em zonas consideradas
desenvolvidas e subdesenvolvidas, torna-se um “estranho” (BAUMAN, 1998), a partir do
momento que atravessa essas linhas abissais para ocupar um espaço de poder como a
universidade pública. Esse atravessamento também pode ser interpretado a partir de ótica da
teoria da folkcomunicação, de Luiz Beltrão (1971), uma vez que o MC pode ser enxergado
como um líder de opinião, ou um “líder folk”, que transita entre os espaços marginalizados e
não-marginalizados da sociedade, realizando uma tradução de seus discursos, de forma que
estes sejam compreendidos em ambas as esferas (BELTRÃO, 1971).

Nesse contexto, em meio às observações e registros realizados durante os eventos da


Batalha do Coliseu, o autor desta dissertação decidiu participar de uma edição da Batalha do
Coliseu, duelando como MC, no dia 12 de abril de 2022. Colocar-se no lugar do artista, que
precisa se impor perante seu adversário e a plateia ali presente, pereceu ser uma experiência
agregadora para os fins desta pesquisa, uma vez que se colocar no lugar do interlocutor nos
processos comunicacionais aqui estudados de forma participativa seria uma forma de aprender
“com” e não “sobre”, tal qual sugere a “ecologia de saberes” (SANTOS, 2002). Não se sabe se,
na ocasião, os organizadores da Batalha erraram a quantidade de inscritos ou se apenas
permitiram a entrada de mais um MC, mesmo as chaves já estando fechadas. Mas por causa da
sobra de um MC para a quantidade de vagas no dia, a primeira batalha que o autor desta
dissertação participou foi tripla, ou seja, ao invés de dois, o duelo teve MCs, cada um rimando
uma vez, num ciclo anti-horário. Um dos MCs já era “figurinha carimbada” na Batalha do
Coliseu, uma pessoa que admiro muito devido ao seu conhecimento sobre hip-hop e sua
destreza na hora de rima, que chamarei de MC-A 72.

BT 73

72
Para preservar a identidade dos MCs, também substituí seus nomes ou vulgos por siglas identificadoras, tal
qual fizemos com as informantes que concederam entrevistas.
73
Quando o autor desta dissertação decidiu participar da Batalha do Coliseu, no dia 12 de abril de 2002, foi
perguntado qual seria seu “nome de MC” para colocar na chave. A resposta foi “BT”.
142

Prazer, BT. Chego aqui me apresentando


É, meu mano, é a primeira vez que eu tô rimando
E foda-se aqui, meu amigo
Eu chego logo e vou rimar com o meu mano MC-A

Foda-se, parceiro, aqui nós não tem medo


Porque a gente rima assim mesmo no desespero
Então, tem nada a ver, a gente vai ganhando
E assim que eu vou fazendo e vou improvisando

MC-A

Começou me elogiando depois foi me criticar


Me trouxeram um MC com transtorno bipolar
Aí fica embaçado, eu faço improvisado
Saudade do Coliseu, MC-A vem aconchegado

Aí, moleque, você quer fazer o R-A-P


Me disseram que, na vera, o seu nome é BT
Só que hoje você corre e eu nem sou a VT
É impossível quando eu quebro e começo a deter

BT

Voltando da pandemia, a galera tá de luto


Falei do MC-A e ele ficou puto
Qual foi, parceiro, eu cheguei te elogiando
E você foi logo me arregaçando

Então, satisfação, aqui pra rimar


E agora eu vou chegando aqui para me apresentar
Então é isso aí, galera, esse aqui sou eu
E essa aqui é a Batalha do Coliseu

MC-A

Olha como ele mosca


Aqui eu tô no band
“MC-A começou me arregaçando”
Bem-vindo, batalha de sangue

Aê, mano, você é uma piada


Começou hoje
Vai hoje mesmo
Terminar sua temporada

(Batalha do Coliseu, 12/4/2022, 1º round, transcrição nossa).


143

Como imaginei que seria “amassado” pelo outro MC, decidi começar minha rima
cumprimentando-o, falando que era uma honra estar ali pela primeira vez e rimando logo com
ele. O ethos que escolhi adotar foi o da cortesia, talvez para tentar minimizar o ataque que vinha
a seguir. O que não foi efetivo, pois tomei um ataque muito forte e fui chamado de “MC com
transtorno bipolar” por primeiro cumprimentar os MCs e depois falar que ia destruí-los na rima.
Minha segunda chance surgiu quando o terceiro MC começou a rimar e vi que sua dicção não
era boa, dificultando muito a compreensão. Então planejei direcionar meu próximo ataque a
ele, zombando da sua má dicção e declarando que não tinha entendido nada que ele tinha falado,
usando, dessa vez, um ethos mais cômico, para ganhar a plateia através do riso.

BT

Mano, batalha de sangue eu aqui tô fazendo


Desde o começo, mano, que eu não tô te entendendo
Que porra é essa, parceiro? Parece que tá com uma bola na boca
E até sua voz é rouca

E fala: blablablablabla e sei que lá


Que porra é, parceiro? Tu veio aqui foi pra rimar
Não é pra decifrar. E eu tô aqui pra te ouvir
Se tu continuar assim, mano, o teu rap vai ruir

(Batalha do Coliseu, 12/4/2022, 1º round, transcrição nossa).

Funcionou. Muitos riram, incluindo o outro MC que estava batalhando e os


organizadores da batalha, além da plateia, é claro. Ganhei o primeiro round, mas não consegui
vencer o segundo, pois meu adversário era muito forte. Mesmo assim, ainda finalizei minha
rima bem em resposta a um ataque que ele fez a mim sugerindo me agredir fisicamente, ao que
respondi não ser necessário o uso da “ignorância e violência” naquele espaço, e sim
“conhecimento e ciência”.

MC-A

Eu vou começando rimando no segundo round


Porque o meu estilo é rasteiro, é underground
Aê, o meu som é stereo ou surround?
Não importa, só que eu chego com o pé na porta

É sua vez, você é iniciante e eu sou garantido


E pra você não tem sorte de principiante
E eu sou príncipe desde antes
Fazendo esse bagulho e a diferença entre nós é tão, tão, tão distante
144

BT

Pode crer, parceiro


Eu sou principiante, mas meu verso não é o primeiro
Eu tô aqui é pra improvisar
E você com esse verso não vai me intimidar

Porque, parceiro, eu meto o que der na telha


Porque eu vim foi lá de Parelhas
Meu parceiro, eu meto a minha rima sem dó
Porque sabe de onde eu vim? Eu vim lá do Seridó

MC-A

Veio do Seridó, só que hoje você erra


Isso aqui não é Gugu, “De volta pra minha terra”
Aê, moleque, vai tomar um couro
Porque MC-A pega o mic e já toca o apavoro

BT

Pode crer, meu parceiro, não é de volta pra minha terra


Mas a terra cê comeu
Porque eu vim aqui pra te arregaçar
Mesmo vindo de longe eu vim de lá para cá

MC-A

Eu comi a terra e você pode sacar


“Carai, o MC-A comeu a terra e virou o Avatar”
Com a dobra de terra agora ele te enterra
Cê sabe que ele grita ou senão ele berra

BT

Que Avatar, parceiro? Eu sei que tu me adora


Hoje eu vou te mandar é pro planeta de Pandora
Porque tu tá ligado que o Avatar é outro
É o cara que é azul, não é esse anime morto

MC-A

É só pra quem pega a rima


Calma, calma, relaxa
Quer falar de pandora
Não faz rima fora da caixa
145

BT

Ih, parceiro, eu tô aqui pra te fuder


Porque na caixa eu tô dentro e fora
Tá ligado, meu parceiro, que aqui você se fode
Porque eu sou o Gato de Schrödinger

MC-A

Aê, eu tenho que arriar e chegar no sapatinho


Se o papo é caixa, com essa caixa, você é o monstrinho
Aê, moleque, cê sabe a rima é com ignorância
Já que o papo é Caixa, hoje cê toma uma bica na poupança

BT

Bica na poupança quem vai dar em você sou eu


Porque agora, parceiro, foi você quem pereceu
Partiu pra ignorância e pra violência
Mas aqui cê tem que ter conhecimento e ciência

(Batalha do Coliseu, 12/4/2022, 2º round, transcrição nossa).

As adaptações sofridas pela configuração das batalhas, bem como o comportamento e


discursos dos seus participantes, podem ser interpretados como uma forma de hibridação
cultural, uma vez que os elementos simbólicos e culturais trazidos de um contexto não-local,
acabam se adaptando às características intrínsecas ao meio local em que se realizam. Da mesma
forma que as diferenças de “capitais culturais” (BOURDIEU, 1998) entre os participantes que
se reúnem em torno dessa cultura provoca a ocorrência de “choques culturais” (BHABHA,
1998), o que no caso da Batalha do Coliseu, resultou em um processo de diálogo estabelecido
entre as três instâncias de grupos participantes da batalha, bem como a reformulação de regras
para garantir a continuidade do evento, evitando ao máximo, os conflitos gerados por esse
choque.

O que há de se considerar é que, conforme foi elucidado pela Informante-C, sem a


existência de diálogo entre a organização da batalha, o público e seus MCs, a realização desse
tipo de evento pode se tornar conflituosa. A exemplo do ocorrido na Batalha do Coliseu aos 10
de maio de 2022, mesmo dia em que um duelo no qual a abordagem considerada questionável
sobre temas como colonização e genocídio indígena adotada por um MC praticamente impediu
o evento de prosseguir. Na final dessa edição, um dos MCs finalistas defendeu que a batalha de
rap é, em suma, uma “trocação de ideia”, na qual o MC tem sua muita relevância, pois detém o
poder do discurso. Acrescentamos que seus resultados nos duelos, bem como sua ascensão no
146

cenário artístico podem sofrer influência das relações estabelecidas com o público que frequenta
esses eventos, como sugere o próprio MC, ao final de sua apresentação. Segue a transcrição:

MC-D

Eu acelero quatro versos por segundo


Tô aqui na batalha, mano eu sou do submundo
É porque eu vim dizer que seu mundo tá muito limpo
Eu vi pouco sujo e vou tornar imundo

Aí, cê sabe que eu faço na construção


Enquanto até uso uma aliteração
Sabe que a rima eu vou te explicar
Se quiser até te ensino umas metáforas

MC-E

Ensina metáfora, meu mano, vira a base que eu sou insano


É por isso mesmo que eu concretizo meu plano
Você não tá entendendo meu parceiro, você é ranzinza
Essa porra aqui nunca vai ser 50 tons de cinza

Então pega a visão, meu amigo, você se fode


Você toma um sacode, você não tem formação
Olha como o MC-E te amassa
Você não concretiza o plano na hora da execução

É por isso que você vai levar um pau


Vai ser surreal nesse instrumental

MC-D

É o papo do round passado


Enquanto o mano fala que eu faço a brisa
É porque de fato não é de cinza
Mas vão ser 50 tons de sangue na tua camisa

MC-E

Na minha camisa, só que você não tá entendendo


Aqui nessa sessão
Só que o sangue vai ser seu e mesmo assim eu vou fazer essa foto
E mostrar que lembro dos “irmão”

MC-D

Você pode agora, cê sabe, tirar uma foto


Pra deixar de lembrança
É a última lembrança de que naquele dia
Em algum momento você sentiu esperança
147

MC-E

No dia que eu senti esperança


É por isso, meu parceiro, que você se fudeu
É porque eu vou deixar uma foto registrada
Do momento que cê quase me venceu

MC-D

Do momento que eu quase te venci


Enquanto cê sabe que essa história
Não é repetida na batida
Contagia, mas isso é foto de outro dia

MC-E

Isso é foto de outro dia


Você não tá entendendo, mano, que cê se torna freguês
Eu sei que a gente já batalhou umas três vezes
E que eu vou te ganhar essa vai ser a primeira vez

MC-D

De fato, pode ser, se você me ganhar no proceder


Só que agora, sem caô
Não canta vitória porque ainda tem beat, meu mano
A batalha não acabou

MC-E

A batalha não acabou, meu mano


Só que você não entendeu que isso é trocação de ideia
Eu piso na sua traqueia, te abro que nem Pangeia
Você acha que eu não ganhei então pergunta pra plateia

(Batalha do Coliseu, 10/5/2022, 3º round, transcrição nossa)


148

Figura 54: Vista do público para o palco da Batalha do Coliseu.


Fonte: Própria, 28/6/2022

Figura 55: Foto do vencedor com a “chave” do dia no corredor do Setor II para se abrigar da chuva.
Fonte: Própria, 28/6/2022
149

Figura 56: Detalhe da chave do dia nas mãos do MC vencedor.


Fonte: Própria, 28/6/2022.

A sequência de imagens exibida acima (Figura 54 a Figura 56) representa a última etapa
da nossa observação, que compreende o período de abril a junho de 2022, na qual
testemunhamos e registramos os eventos descritos anteriormente. O que pudemos observar, a
partir de uma análise dos dados colhidos, é que, apesar dos conflitos gerados pelos “choques
culturais” (BHABHA, 1998) promovidos entre os participantes da Batalha do Coliseu, dadas
as suas diferenças de contextos social, em um espaço de poder como a UFRN 74, a partir de uma
“ecologia de saberes” (SANTOS, 2007), é possível que os saberes oriundos desses diferentes
contextos sociais coexistam, em virtude da promoção do progresso social.

A incursão perpetrada pela Batalha do Coliseu, desde seu surgimento até o momento
em que se encerra a observação sistemática realizada nesta pesquisa, não se deu em linha reta.
O trajeto, como foi possível perceber, teve seus percalços. De acordo com a Informante-A,
apesar de ter sido alvo de críticas por parte dos hip-hoppers da cidade, e dos conflitos
protagonizados entre público, organização e MCs – ambos relacionados às implicações

74
Apesar de se tratar de uma instituição pública de ensino, consideramos a UFRN um espaço de poder na
sociedade, uma vez que o acesso a tais espaços se mostra a ser cada vez mais difícil em decorrência da falta de
políticas públicas que possibilitem o acesso de um maior número de indivíduos em condições sociais menos
favorecidas à educação superior pública de qualidade.
150

causadas pelo seu local de realização, a UFRN – a Batalha do Coliseu se manteve em atividade.
A informante argumenta que, se em um primeiro momento, a Batalha do Coliseu chegou a ser
criticada e não integrar a Cooperativa de Batalhas do RN, posteriormente, não só passou a
integrar o coletivo, como também chegou a sediar uma seletiva estadual para o Duelo Nacional
de MCs, reforçando seu valor no cenário artístico das batalha de rap.

A Batalha do Coliseu foi muito criticada no início por se tratar de uma batalha que
não acontecia em um ambiente que, para os outros organizadores e frequentadores de
batalhas, não era rua, não era quebrada. Eu sempre fui um cara que gostei de quebrar
paradigmas e acredito que o hip-hop tem que estar em todos os lugares. A princípio,
a gente tinha até ficado fora da Cooperativa de Batalhas do RN, mas a gente batalhou
e mostrou que a gente vem crescendo e indo bem, tanto é que o estadual de 2019 foi
feito na UFRN. A gente conseguiu o espaço lá no anfiteatro do campus e conseguimos
trazer o estadual, que era um evento exclusivamente das ruas, para dentro da
universidade (INF-A, colaborador(a) voluntário(a) na Batalha do Coliseu, informação
verbal).

Neste capítulo, analisamos e apresentamos de maneira sistematizada os resultados


obtidos através da interpretação dos dados colhidos na pesquisa. A categorização simbólica
aqui adotada serviu para discutirmos de maneira mais detalhada cada um dos referenciais
elencados como mais importantes nos fenômenos observados. Ao categorizarmos os espaços
geográficos de realização, consideramo-los também como espaços simbólicos, com
significados e subjetividades capazes de influenciar as práticas neles ocorrentes. Através da
aplicação das entrevistas e questionários, pudemos conhecer melhor os sujeitos atuantes nas
práticas observadas, o que facilitou a compreensão das práticas em si e suas implicações.
Ademais, as construções narrativas dos discursos predominantes também foram consideradas,
levando-nos ao cerne desta investigação que busca observar os fenômenos aqui tratados a partir
da ótica da comunicação midiática e das práticas sociais culturais e narrativo-discursivas.
151

CONSIDERAÇÕES

Ao final deste trabalho, consideramos que objetivo principal, definido no início da


pesquisa foi alcançado, uma vez que, a partir das análises propostas através da combinação de
metodologias e técnicas de pesquisa, pudemos constatar que as práticas sociais e discursivas
em batalhas de rap podem sofrer influência do ambiente de realização quando este ambiente se
trata de um espaço universitário. Percebeu-se, através dos dados coletados, que a Batalha do
Coliseu, por acontecer nas instalações do campus universitário da UFRN, em Natal (RN),
acabou sofrendo algumas influências do seu espaço de realização, afetando as práticas sociais
e comunicacionais realizadas nesses eventos, em detrimento de outras batalhas de rap que
acontecem em outros ambientes urbanos e/ou de periferia.

Para além da discussão sobre qual definição específica de categoria pode ser atribuída
à Batalha do Coliseu, o que foi possível perceber, através da observação, registros bem como a
análise dos registros e aplicação de entrevistas e questionários, foi ocorrência de uma
reconfiguração no formato habitual da Batalha do Coliseu em relação aos tipos de batalhas já
conhecidos. Devido ao seu local de realização não usual, um campus universitário de uma
instituição pública de ensino, em contrapartida às demais batalhas que geralmente acontecem
na rua, foi necessário fomentar um diálogo entre a organização da batalha, seu público e os
MCs que dela participavam, para que houvesse uma conscientização por parte dos indivíduos
de que havia ali um choque cultural que necessitava ser problematizado e superado para que a
batalha pudesse acontecer sem interrupções e de maneira plena. Neste contexto, as regras foram
definidas para evitar que discursos delicados sensibilizassem a plateia, gerando novos conflitos,
o que, por sua vez, fez com que os MCs passassem a construir mais cuidadosamente seus
discursos, tendo em vista evitar novos conflitos.

Quando demos início à observação da Batalha do Coliseu, em abril de 2019, o objetivo


inicial era aproximar-se do nosso objeto de estudo, visto que o autor desta dissertação não tinha
quase ou nenhum conhecimento sobre batalhas de rap e nunca sequer tinha comparecido a uma
de fato. Devido ao fato de o autor desta dissertação ter nascido e crescido no interior do estado,
as práticas presenciadas durante a infância e adolescência que mais se assemelhavam ao
formato de uma batalha de rap eram as batalhas de repente, coco e embolada. Tendo suas
principais diferenças reservadas ao campo da estética, uma vez que, apesar de os ritmos e
características sonoras apresentarem diferenças substanciais, a forma como a poesia se encaixa
152

na métrica da batida e a forma contundente, muitas vezes até simbolicamente agressiva, que os
duelistas se dirigem um ao outro se assemelham em ambos os contextos. Para além das
diferenças externas percebidas entre estes dois grupos distintos de artistas – enquanto os MCs
portam microfones e rimam ao som de uma batida eletrônica potencializada por caixas de som
(quando não produzidas pela boca, o chamado beatbox), os repentistas embalam suas rimas
com batidas no pandeiro ou dedilhados na viola caipira – é possível, a partir de uma observação
mais criteriosa, perceber também semelhanças culturais que estes artistas possuem entre si.

Talvez a falta de conhecimento prévio aprofundado sobre o assunto tenha sido um fator
positivo no decorrer desta pesquisa, pois nos fez embarcar em uma jornada de observação com
um estado mental de “copo vazio”, pronto para apreciar e coletar informações acerca daquele
universo do qual eu pouco tinha conhecimento. Além disso, o fato de estar inserido no meio
estudado proporciona uma sensação de imersão mais profunda que alimenta o pesquisador com
informações para além do campo físico, do que pode ser observado, tocado ou ouvido. Tem a
ver com a sensação de estar lá e vibrar com a plateia, observar as rimas e votar junto, se sentir
parte de algo maior, que é o hip-hop. Mesmo sabendo que estamos ali fazendo ciência, colhendo
dados, observando detalhes e registrando o máximo que se pode para depois analisar o que foi
colhido através de uma lógica sistematizada e embasada teoricamente, é difícil não se deixar
envolver pela energia do momento. Me parece que é possível, nem que seja por um instante, o
pesquisador esquecer do seu papel isento e distante para querer fazer parte do fenômeno que
observa, assim como os outros indivíduos ali presentes. Se mesclar. Fazer parte do meio. Sentir
como é ser um deles. Então me surgiu o seguinte questionamento: até que ponto eu sou parte
do fenômeno que observo?

Por essa razão, consideramos que a resposta para a pergunta problema definida no início
dessa pesquisa não só foi respondida como também deu surgimento para novos
questionamentos, que por sua vez, necessitaram da combinação de diferentes técnicas de coleta
e análise de dados para se chegar às respostas para tais perguntas. Em um primeiro momento,
nos interessava apenas qual a influência do espaço de realização nas práticas discursivas dos
sujeitos participantes de batalhas de rap no ambiente universitário. No entanto, a busca pela
resposta desta pergunta problema, nos levou a uma série de pequenos questionamentos, tais
como: quais são as práticas discursivas que acontecem neste tipo de manifestação cultural?
Qual o perfil socioeconômico dos indivíduos participantes? Existe diferenças de contexto
social? Qual o motivo da necessidade de uma reformulação desses discursos? Como podemos
interpretar este fenômeno?
153

Estas e outras perguntas nos levaram a sistematizar um conjunto de metodologias e


técnicas interdisciplinares e integradas e adaptadas à realidade da nossa pesquisa, possibilitando
o preenchimento das lacunas reflexivas que foram surgindo no decorrer da pesquisa.
Constatamos que, devido às suas características, não só as batalhas de rap podem ser
consideradas uma forma de comunicação social de caráter contra-hegemônico, como também
existe a possibilidade de que a realização de atividades relacionadas a este tipo de manifestação
cultural pode sim sofrer influência do espaço de realização, quando considerados os espaços de
convívio social do ambiente universitário em uma instituição pública de ensino.

Apesar dos resultados obtidos, também tivemos dificuldades no desenvolvimento da


pesquisa. Sendo a maior, o período de pandemia de Covid-19, que impossibilitou o
cumprimento do cronograma tal qual havia sido planejado no início. Para além disso, devido às
prioridades desta pesquisa, optamos por nos ater especificamente aos dados considerados
essenciais para estabelecer relações com discussões epistemológicas propostas por este
trabalho. Por outro lado, esse fator sugere uma possibilidade de aprofundar e aprimorar os
métodos e técnicas integrados nesta pesquisa em trabalhos posteriores, como em uma pesquisa
de doutorado, por exemplo.

Por fim, consideramos que apesar de tortuoso, o caminho percorrido por esta pesquisa
foi exitoso, pois conseguimos observar e registrar os eventos do nosso objeto de estudo,
investigar suas origens e motivações político-ideológicas e relacioná-los com as teorias das
ciências sociais e da comunicação aqui articuladas. Dessa forma, consideramos que pudemos
compreender as batalhas de rap como formas de comunicação popular contra-hegemônica e
contribuir, de alguma forma, com os avanços dos estudos sobre rap no contexto das pesquisas
em comunicação midiática, bem como com o desenvolvimento das pesquisas em “Hip Hop
Studies” como um todo. O que se espera é que este trabalho também sirva de referências para
outras pesquisas, inspirando outros pesquisadores, impactando-os de alguma forma, visando
fomentar e estreitar cada vez mais a relação entre o hip-hop e seus elementos com as formas
tradicionais de educação formal.
154

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