Desafios Da Nação - Volume 2

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Volume 2

Brasília, 2018
Volume 2
Governo Federal

Presidente da República
Michel Temer

Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão


Ministro Esteves Pedro Colnago Junior

Fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento,


Desenvolvimento e Gestão, o Ipea fornece suporte técnico
e institucional às ações governamentais – possibilitando
a formulação de inúmeras políticas públicas e programas de
desenvolvimento brasileiros – e disponibiliza, para a
sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.

Presidente
Ernesto Lozardo
Diretor de Desenvolvimento Institucional
Rogério Boueri Miranda
Diretor de Estudos e Políticas do Estado,
das Instituições e da Democracia
Alexandre de Ávila Gomide
Diretor de Estudos e Políticas
Macroeconômicas
José Ronaldo de Castro Souza Júnior
Diretor de Estudos e Políticas Regionais,
Urbanas e Ambientais
Constantino Cronemberger Mendes
Diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação
e Infraestrutura
Fabiano Mezadre Pompermayer
Diretora de Estudos e Políticas Sociais
Lenita Maria Turchi
Diretor de Estudos e Relações Econômicas
e Políticas Internacionais
Ivan Tiago Machado Oliveira
Assessora-chefe de Imprensa e Comunicação
Mylena Pinheiro Fiori
Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
Sumário

Apresentação...........................................................v 8 Caminhos para Aperfeiçoar a


Gestão da Água e a Segurança
Hídrica no Brasil............................................. 103
Parte 1
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
9 Setor Elétrico Brasileiro: Caminhos
para a Descentralização........................... 117

1 É preciso reconstruir os pilares


do federalismo brasileiro............................ 17
10 Diagnóstico do Setor de
Telecomunicações no Brasil:

2 Reforma da Tributação da Renda


das Pessoas Jurídicas, Regimes
Desafios e Propostas.....................................127

Especiais e Isenção da Distribuição


dos Lucros e Dividendos........................... 27
11 Planejamento Integrado
de Infraestrutura............................................ 137

3 Competição Fiscal, Guerra Fiscal


e Federalismo no Brasil............................... 37
Parte 3
Sustentabilidade e Competitividade Setorial

4 Desenvolvimento Territorial
e Crescimento Inclusivo: 12 A Economia Digital e o Futuro
do Trabalho no Brasil.................................. 149
Avaliação de Políticas e Propostas
de Aperfeiçoamento.................................... 45
13 Segurança Alimentar

5 Defesa Nacional, Soberania


e Produtividade ...............................................57
e Nutricional...................................................... 163

Parte 2
14 Sustentabilidade Produtiva
do Agronegócio Brasileiro......................179

Infraestrutura para o Desenvolvimento


15 Trajetórias Criativas....................................... 195

6 Cidades Brasileiras:
Diagnóstico e Desafios para Notas........................................................... 211
a Moradia e Mobilidade.............................. 77

Equipe técnica...................................231
7 Saneamento e Segurança à Saúde:
Caminhos para Ampliação de
Infraestruturas e Melhoria
dos Serviços........................................................ 91
Apresentação

D
iante da urgência de a economia Em um mundo globalizado, país algum
brasileira retomar seu ritmo de cres- pode prescindir de um mínimo de planeja-
cimento acelerado e sustentável, há mento estratégico adaptativo que lhe permita
necessidade de um longo e inadiável percurso desfrutar das oportunidades de progresso
de reformas e de políticas macro e microeco- material, científico e tecnológico semelhan-
nômicas que a tornem competitiva e ensejem tes às oferecidas pelas demais economias.
a construção de uma sociedade próspera. Do mesmo modo, a globalização exige que as
A economia brasileira tem sofrido retrocessos nações tenham um mínimo de coerência na
em seu desenvolvimento. E não por conta da política de desenvolvimento no fortalecimento
sua vocação natural, mas, essencialmente, por do capitalismo de mercado.
opções malconcebidas de desenvolvimento,
pois nosso país se notabiliza pela imensa di- O debate que surge atualmente está cen-
versidade de recursos naturais, enorme costa trado na onda antiglobalização. Essa não é
marítima, a par de grande potencial de recur- uma agenda dos países emergentes, mas dos
sos humanos a serem explorados. desenvolvidos: os Estados Unidos e os países
da União Europeia. Estes últimos não estavam
As políticas macroeconômicas, ao longo das e ainda não estão aptos a competir no comér-
últimas décadas, reverteram possibilidades de cio global sem as amarras do protecionismo.
progresso social e material, deixando lacunas O recuo no tema globalização representa uma
de atraso e de vulnerabilidade socioeconô- reordenação de forças políticas e comerciais,
mica. O processo de desenvolvimento requer assim como institucionais, havendo, no mo-
consistência da política econômica e sólidas mento, uma volta ao protecionismo comercial.
instituições econômicas, políticas e adminis- Em época alguma na história econômica mun-
trativas. Esse arquétipo de desenvolvimento dial, a globalização dos mercados, antes da cri-
deve nortear o progresso socioeconômico. Em se de 2008, promoveu em duas décadas a in-
face de restrições temporárias ou estruturais clusão de mais de 800 milhões de pessoas no
de desenvolvimento, como falhas de mercado mercado formal de trabalho, reduzindo simul-
ou baixa inserção da economia no mercado taneamente a pobreza e o desemprego de for-
global, os modelos de desenvolvimento hete- ma inequívoca. Esse resultado foi uma agenda
rodoxos possibilitam acertos e ajustes fiscais estimulada pelos países desenvolvidos, mas
e creditícios que ensejam estimular o cresci- estes desconheciam que o processo de aber-
mento no curto prazo. No entanto, criam-se tura ao mercado global de produção de bens e
desequilíbrios fiscais e/ou de produtividade e serviços exige racionalidade macroeconômica,
de mercados competitivos em outros âmbitos. institucional e políticas de crescimento sus-
A economia não sai do lugar, mas acumula de tentáveis. Considerando-se somente os países
forma contínua os deficit fiscal, social e co- desenvolvidos, essas condições não estiveram
mercial. Prevalece o atraso socioeconômico e presentes no período 1980-2008. A euforia
científico da nação. pelo crescimento exuberante, baseada na glo-
balização dos mercados, foi um dos engodos
criados pelos países que consumiam mais do A chave do crescimento sustentável, tão
que eram capazes, financiando esse deficit em pretendido, mas mal compreendido, consiste
conta corrente por meio dos superavit dos países dos elementos que tecem os arcos da segurança
emergentes – a China, os países da Ásia em do desenvolvimento. Eles estão representados
geral e os países do Oriente Médio exporta- por medidas microeconômicas e estruturantes
dores de petróleo. A irracionalidade econô- nos diferentes setores da economia. Nesse
mica estava clara. O sistema de produção e sentido, nenhum segmento ou setor econômico
alocação de recursos estava desequilibrado. deve ter sua importância reduzida, mas orien-
A qualquer momento, a catástrofe ocorreria. tada, segundo sua significância, na construção
Eram várias as avarias que ocorreram no siste- da prosperidade. Em se tratando da segurança,
ma de financiamento de crédito imobiliário dos a educação refere-se tanto ao acesso como à
Estados Unidos e se espalharam mundo afora. qualidade e à utilidade do ensino na vida das
No período 1980-2008, na medida em que a pessoas. A cooperação entre os entes federados
equação de troca mudou, os emergentes, fi- deve assegurar a harmonia do desenvolvimento
nanciando as demandas dos desenvolvidos, regional. Nessa perspectiva, a gestão do de-
também passaram a comercializar produtos senvolvimento precisa estar ciente de tais as-
com elevado valor agregado, pois dessa forma pectos, afirmando-se a importância de todos
o superavit em conta corrente dos emergentes os elementos. A sociedade deve saber de sua
estaria assegurado, ao passo que a demanda importância na produtividade e atuar no ca-
de recursos dos desenvolvidos seria finan- pitalismo de mercado, reconhecendo-o como
ciada pelos emergentes. Os países asiáticos um bem cultural que deve ser preservado de
deram início à concorrência tecnológica mui- forma eficaz e eficiente.
to rapidamente, e se impuseram no mercado
global. Após a crise de 2008, todos os proble- Em resumo, este volume endereça a segu-
mas relacionados à inconsistência do modelo rança do desenvolvimento como um conjunto
global de financiamento dos países desenvol- de medidas interconectadas que possibilitam
vidos afloraram, e formou-se um ambiente de sua sustentabilidade. Os fatores de produção
disputa política dentro de um espectro de (capital e trabalho) têm sua importância, mas,
convergência global. A reorganização desse sem se considerarem os arcos de segurança
desequilíbrio está em curso, mas a disputa do crescimento, que promovem a sustenta-
pela participação no produto interno bruto bilidade da produtividade e da prosperidade
(PIB) global se dá agora, claramente, entre social, os resultados na elevação da renda por
desenvolvidos e emergentes, notadamente habitante não surgem. Os arcos da segurança
China, Estados Unidos e União Europeia. estarão desconectados ou dispersos na eco-
nomia, enfraquecendo a capacidade produtiva
A economia brasileira não foi afetada de dos fatores de produção. Trata-se, portanto, da
forma drástica pela crise global, mas se desar- consistência do processo de gestão do desen-
ticulou economicamente por conta das polí- volvimento, assegurando a qualidade tanto dos
ticas populistas de desenvolvimento, sendo o fatores de produção quanto dos investimentos.
Estado provedor, por meio da expansão fiscal
e creditícia, em meio a uma política desenvol- Este volume almeja somente apresentar
vimentista heterodoxa. Nesses casos, vence os temas considerados mais relevantes que
a irracionalidade da política macroeconômica, compõem os arcos da segurança do desen-
empobrecendo a sociedade, aumentando volvimento e a plenitude produtiva dos fatores
desequilíbrios fiscais e creditícios que podem de produção. Em um próximo volume, é nossa
afastar de vez as possibilidades de o país vir a intenção apresentar os temas referentes à
ser uma nação de renda alta. Como abordar o gestão do desenvolvimento, integrando tanto
desenvolvimento socioeconômico brasileiro? os arcos da segurança do desenvolvimento

vi
sustentável como a valorização plena dos fato- focar todas as políticas que reflitam a seguran-
res de produção e a qualidade do investimento, ça do crescimento sustentável e competitivo.
na promoção de uma maior inserção da eco- O grau ou a intensidade de uma em relação às
nomia brasileira no comércio internacional. demais não é uma questão de negociação polí-
tico-setorial, mas de como o país poderá cres-
Ao retomar as propostas deste projeto de cer sem distorções nas contas públicas e ofere-
nação – assegurar o aumento contínuo da ren- cer condições claras de maior competitividade
da por habitante, eliminando a pobreza; pro- internacional, reduzindo tarifas de importações
mover, em todas as áreas socioeconômicas e facilitando o papel do capital internacional na
e estruturais, a produtividade e a competitivi- economia brasileira.
dade dos fatores de produção; desenvolver e
absorver tecnologias críticas ao progresso; e Esses entendimentos asseguram os avan-
propiciar a plena inclusão social –, a questão ços delineados nas cinco metas deste traba-
com que se depara o Brasil, enquanto nação lho. Há concordância plena entre economis-
emergente, é como assegurar a evolução de tas do crescimento de que a qualidade das
todas essas premissas de desenvolvimento instituições é o elemento que oferece maior
competitivo. Para o país, são metas ambicio- consistência ao progresso. Dela tudo o mais
sas, que porém julgamos atingíveis em um decorre. Uma vez ajustadas as tarifas de im-
quarto de século. portações, as instituições passam a refletir a
segurança das transações comerciais do país.
O projeto Desafios da Nação, em seu volu- Há muitas evidências empíricas que confir-
me II, se propõe a endereçar essa questão e mam essas premissas do crescimento. Posto
apresentar os contornos de política microe- que os contornos institucionais necessários
conômica para assegurar o crescimento da ao desenvolvimento foram apresentados no
produtividade dos fatores de produção e dos volume I, agora, importa desenhar políticas
investimentos estruturais no país. setoriais de desenvolvimento que assegurem
o crescimento contínuo da renda por habitan-
Cada capítulo faz um sucinto diagnóstico te e da produtividade, bem como o progresso
setorial e conclui com proposições, com o intui- científico e tecnológico.
to de se delinearem os fundamentos que asse-
gurem a construção do processo de desenvol- A relação capital e trabalho no modelo de
vimento, ou seja, a qualidade do uso do capital crescimento reflete o grau de eficiência que
e do trabalho no crescimento. Para maior clare- cada um desempenha. No entanto, sem a exis-
za, cabe destacar a evidência empírica de que a tência do arcabouço institucional e de políticas
abertura econômica em si não é condição sufi- setoriais que assegurem a qualidade do cres-
ciente para o crescimento econômico; pode ser cimento do capital e do trabalho em uma eco-
necessária, mas a chave desse processo con- nomia emergente, esta não alcançará as metas
siste na solidez institucional conjugada com as que foram delineadas. Este livro é mais do que
características das políticas de desenvolvimen- um complemento ao primeiro volume: é um
to. A eficiência da abertura econômica decorre norteador de rumos que assegura a qualidade
do equilíbrio fiscal da União, dos estados e dos da produtividade do capital e do trabalho no
municípios, de um regime tributário condizente processo do crescimento econômico brasileiro.
com a concorrência internacional, assim como
da adoção de tarifas de importações compatí- Todavia, será preciso corrigir distorções e
veis com as do resto do mundo, que busquem anomalias estruturais para se construir um sis-
assegurar a eficiência dos setores de bens de tema produtivo seguro, consistente e competiti-
capital e de serviços. Se perguntarmos o que vo. A realidade econômica brasileira não oferece
deve ser feito primeiro, a resposta é inequívoca: segurança ao desenvolvimento. Isso se deve ao

vii
nosso modelo, baseado no poder do Estado de da Federação e a redução do custo da produção.
articular o desenvolvimento por meio de gastos O cipoal de vinculações e de emendas consti-
ou de desequilíbrios fiscais, o que é a causa das tucionais que divergem em conteúdo e abrem
irracionalidades institucionais brasileiras. Neste abismos fiscais para os entes federados faz com
volume, como no anterior, o objetivo é apre- que estes percam sua essência constitucional:
sentar proposições que possam transformar o pessoa jurídica de direito público com autono-
arcaico capitalismo e torná-lo competitivo de mia de administração, de regulação e de orga-
mercado. Ao Estado caberia o papel de arti- nização. Cria-se, por seu turno, a dependência
culador do progresso nacional, diferentemente de recursos fiscais federais: constituir-se-ia uma
dos modelos anteriores, em que o Estado foi espécie de lobby político monitorado pelo Exe-
o indutor ou o vetor do desenvolvimento, por cutivo. A guerra fiscal, por exemplo, representa
meio da expansão fiscal e do endividamento o suicídio coletivo dos entes federados: todos se
público. De fato, tais modelos de Estado inibem empobrecem. A sociedade fica desguarnecida
a expansão do mercado de capitais e distorcem da proteção social e da qualidade dos serviços
os objetivos das instituições na promoção do providos pelos governos.
desenvolvimento sustentável.
As disputas anticooperação interfederati-
O primeiro volume do Desafios da Nação va em relação às políticas de desenvolvimen-
enfatizou aspectos direcionados à redução das to regional têm patrocinado o desequilíbrio
distorções que limitam as possibilidades de federativo fiscal. A reforma tributária deveria
se alcançarem os intentos deste projeto. Este ser parte de uma construção que condicionas-
volume, por sua vez, compreende três partes: se o federalismo fiscal. Deveria, igualmente,
i) cooperação federativa e soberania nacional; procurar edificar os pilares de uma estratégia
ii) infraestrutura para o desenvolvimento; e nacional de desenvolvimento consistente com
iii) sustentabilidade e competitividade setorial. o regime federativo, propiciando a coesão dos
São quinze capítulos que endereçam à segu- entes federados e a integração nacional. Esses
rança do desenvolvimento, dado que as condi- são alguns dos importantes temas tratados no
ções básicas apresentadas no primeiro volume primeiro capítulo, porém esquecidos nos deba-
tenham sido realizadas: as reformas fiscal, tra- tes sobre a reforma tributária.
balhista, previdenciária e tributária. Os textos
não esgotam o tema, porém apresentam o que o Em meio à discussão da reforma tributária,
Ipea conseguiu de melhor produzir para atender poucos se atrevem ao debate sobre as mais
ao foco central deste projeto: a segurança do alarmantes distorções econômicas no Brasil,
desenvolvimento e da produtividade nacional. que restringem o potencial de investimentos e
do crescimento. Trata-se da elevada carga tri-
butária, do disparate de tributar o lucro e isen-
Resumo das seções e de cada capítulo tar os dividendos e da existência dos regimes
O tema cooperação federativa e soberania na- especiais de Lucro Presumido e do Simples
cional consiste de cinco trabalhos. O primeiro Nacional. Essa arquitetura tributária consiste
deles trata de uma das matérias mais críticas e em uma estrutura que trabalha contra o inves-
controversas no processo de desenvolvimento, tidor e, por conseguinte, inibe o crescimento
assim como tem sido um dos maiores obstá- sustentável. O capítulo 2 adentra nessas in-
culos à redução das incertezas do progresso consistências e apresenta proposições para se
nacional: a reforma tributária. corrigirem tais anomalias.

Ela contém dois aspectos importantes no de- As crises fiscais no país não decorrem so-
senvolvimento: a integração econômica regional mente da irresponsabilidade dos governos, mas
também da criação do mercado competitivo,

viii
entre entes federados, por investimentos: a guer- nacional se tornam pilares imprescindíveis à
ra fiscal. Essa realidade institucional estimula a segurança do desenvolvimento e à coesão polí-
insegurança no desenvolvimento regional. Isso tico-federativa do país.
se deve aos deslocamentos dos investimentos
produtivos para regiões que, temporariamen- Em países desenvolvidos, onde a pobreza
te, oferecem condições fiscais mais favoráveis, não é mais uma condição das populações, a
por meio da redução de tributos ou de isenções. questão regional se torna, grosso modo, apenas
A guerra fiscal leva a uma deterioração das con- uma tarefa de conter o aumento das diferenças
dições financeiras de todas as Unidades da Fe- no crescimento das diversas regiões. Contraria-
deração (UFs), que, consequentemente, perdem mente, em nações de baixo nível de desenvolvi-
a capacidade de atrair novos investimentos pela mento, como o Brasil, a questão regional é não
falta de recursos para a construção de infraes- somente um problema de distância nos níveis
trutura ambiental, de saúde pública e de educa- de bem-estar, renda e riqueza entre regiões,
ção. Ela promove o desequilíbrio do desenvol- mas, principalmente, evidencia um forte quadro
vimento regional e aguça as incertezas futuras de pobreza ou miséria absoluta. De sorte que a
quanto ao progresso regional, apontando para a política territorial não deveria ser reconhecida
falência fiscal dos entes federados que compe- apenas como forma de atuação governamental,
tem nessa disputa por “quem vai perder menos”. visando à redução de disparidades; pelo con-
trário, seu propósito mais nobre é ser utilizada
Nas interações dessa competitividade fiscal, como propulsora de estratégias do desenvol-
podem ser classificados dois aspectos: vertical, vimento regional. Dentro dessa formulação de
quando se dá entre diferentes níveis de gover- desenvolvimento territorial nacional, o capítulo
no; e horizontal, quando a interação acontece 4 oferece um diagnóstico das consequências
no mesmo nível de governo. Ao se considerar dos desequilíbrios inter-regionais, que influen-
a elasticidade da demanda em relação ao pre- ciam sobremaneira as limitações das políticas
ço do produto, os efeitos sobre a carga tribu- tradicionais de desenvolvimento regional inclu-
tária são expressivos. Provavelmente, este seja sivo, e traz proposições para corrigi-las.
um dos motivos da elevada carga de impostos
no Brasil. Essa característica nos remete, mais O tema soberania nacional como elemento
uma vez, à insegurança do desenvolvimento, crítico na segurança do desenvolvimento, com
pois a competição fiscal empobrece as UFs e certeza, é apresentado nos estudos de pla-
as regiões. O capítulo 3 apresenta uma preciosa nejamento estratégico do Ipea pela primeira
análise e valiosas proposições para que se cor- vez. Preservar a soberania significa assegurar
rijam as incertezas quanto à prosperidade sus- os fundamentos da defesa e da produtividade
tentável e integrada do desenvolvimento. nacional, uma vez que estes se reforçam mu-
tuamente. Nesse sentido, o domínio científico
As estratégias e políticas que visam à re- e tecnológico se destaca como fator condi-
dução de disparidades inter-regionais de de- cionante da soberania, pois nele residem os
senvolvimento implicam soluções políticas fundamentos da capacidade de um país ser
negociadas e, geralmente, complexas, em am- soberano sobre suas estratégias econômicas
biente de relações federativas, como é o caso e políticas, ampliando ao máximo suas janelas
brasileiro. Em contextos federativos nos quais de oportunidade para o desenvolvimento.
a competição entre entes governamentais é
acentuada, a guerra fiscal tende a se consolidar Esse tema está no capítulo 5, de cuja lei-
e reduzir a eficiência da ordem tributária nacio- tura se depreende que a defesa nacional,
nal: distorções cumulativas na alocação terri- juntamente com as instituições de segurança
torial de recursos tendem a se cristalizar. Por pública e de inteligência de Estado, constitui a
estas razões, políticas de dimensão territorial estrutura de segurança nacional que sustenta

ix
o exercício da soberania. Ao mesmo tempo, O capítulo 7 trata da importância de uma
no Estado democrático, a segurança nacional política de saneamento básico como fator de
é condicionada pela soberania, na medida em redução da mortalidade infantil e de minoração
que uma nação se mostra capaz de aproveitar da desigualdade social no Brasil. A mortalidade
as oportunidades e mitigar as ameaças à sua infantil está diretamente relacionada à preca-
liberdade de escolha nos campos econômico e riedade do sistema de saneamento básico. Esse
institucional. Assim, a segurança do desenvol- tema é chave para a diminuição das desigual-
vimento está calcada na soberania econômica, dades e para estimular a melhor distribuição da
tecnológica e institucional. Diante dessa pos- renda nacional. A infraestrutura do saneamen-
tulação, esse capítulo apresenta um conjunto to está diretamente vinculada à segurança da
de proposições para que o Brasil fortaleça os qualidade de vida e à promoção da saúde da
pilares que asseguram a soberania nacional. população em geral. Este tema atende às exigi-
bilidades da Agenda da ONU 2030 em seus Ob-
Nas últimas três décadas, o Brasil realizou jetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS
uma série de avanços institucionais para apri- 6). Algumas proposições de políticas de sanea-
morar as políticas de desenvolvimento urbano. mento estão presentes nesse capítulo.
No entanto, o adensamento populacional e a
perspectiva do agravamento dos desastres na- O capítulo 8 apresenta um dos mais rele-
turais acende um sinal amarelo para a neces- vantes tópicos, relacionado ao uso da água
sidade de se proverem condições de moradia potável e ao saneamento básico. Ambos têm
segura, assim como se verifica a tendência do impacto na segurança da qualidade da vida e
aumento do transporte individual motorizado. no controle de doenças, principalmente nas
A qualidade de vida nas cidades requer a efeti- áreas urbanas.
vidade das políticas públicas urbanas e a qua-
lidade da mobilidade urbana. O Brasil, até recentemente, apresentava
uma situação confortável em relação à oferta
A desigualdade na distribuição dos recur- de água potável – pois ela consistia em 12%
sos e das oportunidades no território urbano de toda a água doce superficial do Planeta –,
acarreta injustiças e iniquidades sociais. As- além de contar com grandes aquíferos. Essa
sim, com as discrepâncias no acesso à educa- realidade mudou. As grandes estiagens e cri-
ção, à saúde e às oportunidades de emprego, ses hídricas no Sul, Sudeste, Centro-Oeste e
entre outros, agrava-se a desigualdade social, Nordeste evidenciam a fragilidade dessa si-
ensejando o avanço da violência urbana. tuação. Esse cenário se soma à realidade de
rios poluídos e a conflitos entre usos da água
Este tema é tratado no capítulo 6, que ofere- e deficiências no monitoramento, que eviden-
ce uma série de propostas no âmbito do Ministé- ciam a necessidade de busca pela segurança
rio das Cidades (MCidades), cujo papel central é hídrica como um desafio central ao Estado
apontar diretrizes e financiar as políticas dos es- brasileiro. O uso das águas e a necessidade
tados, do Distrito Federal e dos municípios para de saneamento básico são objeto de estudo
a promoção do desenvolvimento urbano. do capítulo 8, em que são apresentadas várias
proposições corretivas de um contexto que
O segundo tema apresentado neste tra- poderá se tornar mais grave em um futuro pró-
balho refere-se à infraestrutura para o de- ximo, inviabilizando as metas deste projeto de
senvolvimento. Ele contém seis capítulos, que dobrar a renda por habitante em uma geração.
abordam os principais problemas do setor, e
encaminha proposições para se reduzirem e/ O capítulo 9 trata dos problemas do setor
ou eliminarem as incertezas de cada um dos elétrico brasileiro e aponta para soluções. A forte
setores em questão. judicialização é um dos óbices mais prementes.

x
Os programas que definem preços e despacho O segundo desafio será financiar a expansão
apresentam falhas de modelagem, e há indícios das redes de acesso com base em tecnolo-
de ineficiência no despacho, além de excessiva gias que não se tornem gargalos para a quali-
volatilidade nos preços. O preço de liquidação dade do serviço prestado.
de diferenças (PLD) é muitas vezes modificado,
depois de divulgado. Há demasiados impostos, Ao fechar esta seção do trabalho, o capítulo
taxas e encargos. Subsídios cruzados pouco 11 trata de um dos mais delicados e urgentes
transparentes estimulam ineficiências. O capí- assuntos no que concerne ao desenvolvimento
tulo apresenta um sucinto diagnóstico e várias nacional: a infraestrutura. Este é um dos mais
recomendações para tornar o setor mais bem relevantes gargalos para o desenvolvimento
regulado, mais previsível e apto a receber in- nos próximos anos. Pode-se afirmar que a difi-
vestimentos seguros e contínuos. A defasagem culdade não se circunscreve à oferta de recur-
dos investimentos é fruto da arbitragem do go- sos financeiros, mas abrange também a quali-
verno nas regras de funcionamento do setor. Há dade do planejamento setorial. Em geral, ela é
também evidências de uma variabilidade muito insuficiente: os estudos e projetos são mal ela-
grande no PLD. As alterações frequentes nos borados e os contratos não alinhavam adequa-
preços, evidenciadas pela volatilidade, mostram damente os incentivos do contratado (cons-
que o programa “se surpreende” frequentemen- trutor ou concessionário) aos do contratante
te e não está sendo capaz de capturar adequa- (governo). Com isso, durante a execução da
damente o funcionamento do sistema elétrico obra, quando existe, perde-se tempo e dinheiro
brasileiro. Em uma palavra, pode-se afirmar que consertando erros e omissões das fases iniciais
o excesso de poder centralizado no governo re- dos projetos. Algumas providências deverão
sume as mazelas do setor elétrico nacional. ser tomadas: retomar a capacidade de plane-
jamento setorial; prover premissas e projeções
No capítulo 10, constata-se que, enquanto socioeconômicas uniformes; avaliar os efeitos
os setores de transporte, energia e petróleo, que os projetos propostos em um setor trazem
entre outros segmentos da infraestrutura na- para outros setores de infraestrutura. Esta é a
cional, buscam nas concessões uma forma se- proposta do Ipea: promover a articulação entre
gura e atrativa para o capital privado, as teleco- os diversos planos, reduzindo a possibilidade
municações vivem um drama oposto: eliminar de que um projeto proposto não tenha efeitos
as obsoletas concessões de telefonia fixa e negativos nos demais. Propõe-se fazer essa in-
concluir um processo de transformação do pa- tegração por meio de uma suíte integrada de
pel do Estado, iniciado, há exatos vinte anos, modelos, conforme descrito no capítulo.
com a privatização do Sistema Telebras. Nas
telecomunicações – atividade que gera riqueza A última parte deste trabalho remete-nos a
suficiente para autofinanciar sua universaliza- alguns componentes vinculados à competitivi-
ção –, a prioridade absoluta é reduzir as cargas dade setorial da economia brasileira. Inicia-se
regulatória e tributária. É preciso que o Estado com o capítulo 12, o qual aborda um dos temais
planeje a redução progressiva dessa carga, socialmente mais sensíveis: o futuro do merca-
para que o serviço de banda larga avance sobre do de trabalho no mundo.
áreas ainda desatendidas. Esse capítulo sugere
uma série de recomendações para que o setor Os avanços tecnológicos poupadores de
se torne mais autônomo e autofinanciável. mão de obra no curto e médio prazos serão um
dos maiores desafios das economias. Há dois
O primeiro desafio, portanto, é ampliar fatores que atuam de modo inverso à deman-
as rotas de backbone para que seja viável da de mão de obra: o rápido envelhecimento da
construir backhaul nas localidades ainda sem população e as inovações poupadoras de mão
condições básicas para a oferta do serviço. de obra convencional. O trabalhador enfrentará

xi
novos desafios na sua capacitação continua- São dois pilares sociais da globalização do ca-
da. Mesmo assim, surgem questões, como as pitalismo que conjugam diferentes aspectos
seguintes: qual deverá ser o conteúdo dessa inter-relacionados da política pública: econo-
capacitação? Como ela se dará, sem onerar o mia, sociedade, meio ambiente e recursos pú-
trabalhador, mas deixando-o livre para escolher blicos e privados. No entanto, a SAN não pode
novas alternativas horizontais ou uma especiali- ser formulada independentemente dos demais
zação vertical na sua capacidade laboral? programas sociais, como assistência social,
saúde, educação, trabalho, hábitos de con-
O mercado de trabalho no mundo também sumo, agricultura e desenvolvimento agrário.
deverá sofrer enormes modificações no em- Assim, o texto abrange várias dimensões ati-
prego da mão de obra na era do conhecimento. nentes ao tema, que vão desde a produção e
Esse mercado, no Brasil, terá desafios gigantes- a oferta de bens alimentícios (em quantidade
cos, muitos dos quais serão reflexo das desi- suficiente e qualidade necessária) até o aces-
gualdades sociais, da qualidade e do conteúdo so a esses bens por parte da população (dis-
dos currículos das escolas públicas e privadas tribuição e comercialização), considerando-se,
sintonizadas com a evolução do perfil das de- sobretudo, aqueles segmentos sociais mais
mandas setoriais. A baixa disponibilidade de vulneráveis e os territórios de menor dinamis-
mão de obra qualificada tem uma relação intrín- mo econômico.
seca com os investimentos historicamente de-
ficientes em educação e formação profissional. O Brasil já possui consideráveis arranjos
institucionais, tecnológicos e sociais para de-
Nesse contexto, o impressionante desen- senvolver amplo repertório de programas que
volvimento tecnológico nas últimas décadas, incidem sobre os fatores determinantes do SAN.
consubstanciado na chamada quarta revolução Nesse capítulo, há uma série de proposições
industrial, impõe ao país, de forma premente, que podem assegurar o acesso da população de
o enfrentamento das questões da baixa qua- baixa renda e pouco qualificada para o mercado
lificação de sua população e da baixa produ- formal de trabalho à alimentação de qualidade.
tividade de suas firmas. Ambas são reflexos
da deficiência das políticas educacionais e da O capítulo 14 avalia as transformações do
formação da mão de obra, de um lado, e dos de- setor agropecuário, apresenta os riscos de
sarranjos macroeconômicos e crises fiscais, que continuidade da produção em face da deman-
atuam de forma negativa no aumento da produ- da crescente, e propõe soluções que reduzirão
ção e nos investimentos privados, de outro. as dificuldades econômicas, sociais e estrutu-
rais desse segmento.
Esse capítulo se propõe a discutir como
o intenso processo atual de transformações Há uma mudança tanto na dinâmica da
tecnológicas impactará o futuro do trabalho produção da agropecuária brasileira como na
no Brasil. Conclui-se com a apresentação de demanda dos mercados internacionais. A pro-
propostas de políticas públicas para o enfren- dução agropecuária brasileira é estratégica
tamento, nas próximas décadas, de alguns dos para o crescimento econômico do país. Nas
desafios para o futuro do trabalho no Brasil. duas últimas décadas, o setor agropecuário
se expandiu de forma ascendente. Em 2017, o
O capítulo 13 trata da segurança alimentar e nu- crescimento foi da ordem de 13%, maior taxa
tricional (SAN). Este tema tem angariado cres- desde o ano de 1997. O PIB setorial represen-
cente relevância no debate contemporâneo, tou 27% de toda a economia, e as exportações
uma vez que, neste século, o grande desafio atingiram 40% do total exportado pelo país
do capitalismo internacional será a redução da (Ministério da Agricultura, 2018). A população
pobreza e o aumento da segurança alimentar. mundial chegará a 9,6 bilhões. Isso significa

xii
que haverá mais pressão de demanda sobre foge da captura pelas estatísticas, seja pela de-
produtos agrícolas e agropecuários. Nesses ficiência das classificações em identificar ativi-
segmentos, o Brasil tem vantagens compe- dades e ocupações intermediárias nas cadeias
titivas inigualáveis, mas há inúmeros riscos e produtivas, seja pela estruturação do fenômeno
restrições internas que poderão inviabilizar a economia criativa. Esse capítulo não pretende
produtividade e a organização produtiva do mapear um cenário propositivo de atividades,
setor agropecuário no que concerne, especi- porém, faz-se uma série de proposições capa-
ficamente, à proteína animal. Esse texto apre- zes de estimular essa nova atividade de empre-
senta um sucinto e preciso diagnóstico, assim go interdependente no âmbito doméstico e em
como recomendações para superação das in- nível internacional. Trata-se de uma nova fonte
certezas e restrições internas na continuidade de emprego e de renda. Portanto, estimular este
crescente da oferta do produto. mercado é mais uma frente de novas oportuni-
dades de trabalho em um mundo interconecta-
O último capítulo traz uma “novidade” (com do e interdependente tecnologicamente.
efeito, trata-se de uma atividade já em franca
evolução em países desenvolvidos), a chamada Ao encerrar esta apresentação, cabe des-
economia criativa, a qual envolve grande varie- tacar que as várias abordagens dos temas
dade de ocupações. Delimitar suas fronteiras é aqui explorados são relevantes para orientar
um desafio. A primeira classificação da econo- a sustentabilidade da taxa de crescimento da
mia criativa foi realizada pelo governo britânico produtividade dos fatores de produção. Os tó-
e incluiu as seguintes atividades: publicidade, picos foram escolhidos como sendo os mais
arquitetura, mercado de artes e antiguidades, significativos para se atingir o intento desejado
artesanato, design, design de moda, cinema, deste projeto, estando presente a exploração
software, softwares interativos para lazer, mú- dos elementos que possibilitam a sustentabili-
sica, artes performáticas, indústria editorial, dade do crescimento dos fatores de produção
rádio, TV, museus, galerias e as atividades rela- e da produtividade. A estrutura lógica des-
cionadas às tradições culturais. O Ministério da ta propositura é que, conforme apresentado
Cultura do Brasil fez seu esboço de um plano no primeiro volume, nenhum dos pressupos-
para desenvolvimento do setor, em 2011. Ainda tos do Desafios da Nação prevalece sem que
que guardem pequenas diferenças, em geral haja sustentabilidade fiscal e estabilidade dos
as categorizações incluem as artes, as clássi- principais preços macroeconômicos. Ao exis-
cas indústrias culturais e o tema mais recente tirem essas condições – e é para isso que se
das tecnologias de informação e comunicação formulam políticas de crescimento econômico
(TICs). O mais importante no momento é dizer –, certamente será assegurada a continuidade
que mapear os territórios da criatividade permi- do crescimento, viabilizando-se os intentos al-
te a descrição e redescrição da potência cria- mejados: dobrar a renda por habitante, triplicar
tiva empírica do local e a percepção mais pre- o percentual de crescimento da produtividade,
cisa do que já existe em termos de atividades e desenvolver e absorver tecnologias críticas
criativas. Grande parte das atividades criativas para a inclusão social.

Ernesto Lozardo
Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Brasília-DF, novembro de 2018

xiii
Parte 1
COOPERAÇÃO FEDERATIVA 
E SOBERANIA NACIONAL
1
É PRECISO
RECONSTRUIR
OS PILARES DO
FEDERALISMO
BRASILEIRO
É PRECISO RECONSTRUIR OS PILARES DO FEDERALISMO BRASILEIRO

N
a coletânea intitulada O federalismo da descentralização por ocasião da restaura-
brasileiro em seu labirinto,1 os cami- ção da democracia. Atualmente, vivemos uma
nhos que conduziram ao labirinto fe- situação inédita: a centralização em plena de-
derativo foram explorados sob vários ângulos mocracia. Está na hora de pôr em debate as
pelos que contribuíram para essa publicação, razões que levaram a essa situação e a neces-
de modo a expor as razões que levaram a essa sidade de avançar na construção de um novo
insólita situação e as limitações para encontrar modelo de federalismo fiscal.
a saída, por meio de ações individuais, na au-
sência de uma estratégia coletiva a ser levada
a um debate nacional.
A referência para o debate
A referência para esse debate é o trabalho
Na elaboração dessa estratégia, impor- realizado por uma comissão de especialistas
ta lançar um olhar para o passado e cha- instalada na Fundação Getulio Vargas (FGV)
mar atenção para um aspecto que não tem com a missão de elaborar propostas para uma
merecido a devida atenção nas discussões reforma tributária, por demanda do ministro
sobre as possíveis soluções para a atual da Fazenda em 1963, implementada em 1965.
crise federativa, que pode ser considerada Este fato resultou em um esforço sério de con-
como a mais grave entre as que ocorreram ceber um modelo que tratasse de assegurar o
ao longo de sua história. equilíbrio entre os dois polos, por meio de uma
proposta de reforma constitucional. A reforma
Essa retrospectiva permite destacar que o
tributária era parte de uma construção que
federalismo só foi efetivamente discutido em
abrigava o federalismo fiscal. Contemplava
dois momentos de nossa história: por ocasião
também programas de cooperação interfede-
da independência e no período final do im-
rativa e políticas de desenvolvimento regional:
pério, quando a proposta de adotar o regime
pilares de uma estratégia nacional de desen-
federativo foi finalmente adotada na Constitui-
volvimento que desse vitalidade ao regime
ção de 1891. No centro dos debates a respeito
federativo e promovesse a coesão dos entes
do assunto, esteve sempre presente o conflito
federados e a integração nacional.
entre as vantagens de um regime centraliza-
do, defendido por José Bonifácio como essen-
cial para fazer as reformas sociais necessárias A plataforma fiscal
para a formação da jovem nação brasileira, e
as demandas das províncias mais ricas por Na execução dessa tarefa, a comissão lançou
maior descentralização do poder e autonomia quatro pilares para a construção de uma plata-
para lidar com a diversidade de situações exis- forma fiscal. Esta tratava de buscar o equilíbrio
tentes no vasto território nacional. do conjunto, por meio da combinação dos efei-
tos decorrentes:
Ao longo do período republicano, este
mesmo conflito marcou a alternância de regi- • da atribuição de competências a cada
mes políticos, com a centralização promovida ente federado para instituir e adminis-
durante os regimes autoritários e a retomada trar impostos;

18
• da instituição de um moderno regime base econômica mais desenvolvida, que então
de repartição de receitas, para corrigir eram os de maior população, beneficiavam-se
as disparidades na arrecadação de- diretamente do repasse de 20% da receita es-
correntes da concentração territorial tadual. O outro grupo, que abrigava os municí-
da atividade produtiva e das respecti- pios com baixo nível de atividade econômica e
vas bases tributárias; pequena população, era atendido por repasses
diretos do governo federal de parcelas do FPM
• da preservação de um regime de coope- proporcionalmente maiores a municípios me-
ração dos entes federados no financia- nos populosos.
mento e na gestão de uma política de
investimentos na infraestrutura básica; e Os outros dois pilares que garantiam o
equilíbrio da plataforma cuidavam de reforçar
• do reforço dos instrumentos financeiros o projeto de industrialização do país e de sus-
na política de desenvolvimento regional. tentar as iniciativas voltadas para a promoção
da integração nacional e da coesão federativa.
No campo das competências tributárias, a De um lado, por meio de um regime próprio de
proposta introduziu no Brasil a novidade que financiamento de investimentos na infraes-
começava a ser adotada no mundo: tratou-se trutura básica e de cooperação federativa na
da adoção de um novo regime de tributação gestão desses projetos, mediante a partilha
das vendas, que substituía o antigo imposto das receitas geradas pelos impostos únicos
sobre vendas e consignações por um imposto sobre combustíveis, telecomunicações e ener-
sobre o valor agregado, para corrigir a inefici- gia elétrica. Do outro, pelo reforço das ações
ência dos tributos preexistentes e estimular a voltadas para redução das disparidades regio-
competitividade da economia. Adicionalmen- nais via ampliação dos recursos dos fundos fi-
te, promoveu a recuperação do Imposto sobre nanceiros, para estimular as ações a cargo das
a Renda, para reforçar a receita do governo instituições federais de fomento.
federal, e reuniu a diversidade de tributos co-
brados pelos municípios em um imposto sobre Esses quatro pilares sustentavam uma pla-
a prestação de serviços de qualquer natureza. taforma que gerava efeitos complementares à
medida que a modernização do regime tribu-
O segundo pilar da plataforma exibia um tário apoiava o crescimento econômico, en-
moderno regime de repartição de receitas, quanto o FPE e o FPM cuidavam de evitar que
com a criação dos fundos constitucionais para as disparidades orçamentárias crescessem,
entregar parcelas da arrecadação dos tribu- em função da concentração territorial da ativi-
tos federais sobre a renda e sobre os produ- dade produtiva. De outra parte, as inciativas a

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


tos industrializados a estados e municípios – cargo das agências regionais política regional
o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o reforçavam a coesão nacional via apoio a in-
Fundo de Participação dos Municípios (FPM). vestimentos, que se beneficiavam de avanços
Adotaram-se critérios de repartição que bus- na qualidade da infraestrutura.
cavam aproximar o rateio desses fundos de um
regime de equalização fiscal. No caso do FPE,
a fórmula de rateio combinava variáveis que vi- A plataforma teve vida curta
savam reduzir as disparidades interestaduais, O modelo em tela funcionou satisfatoriamen-
mediante a entrega de uma parcela maior dos te durante os quinze anos posteriores à sua
recursos aos estados com menor renda per adoção, dando suporte a um período em que
capita e maior população. No caso dos muni- o crescimento econômico foi acompanhado de
cípios, os repasses combinavam dois critérios: aumento nas receitas de estados e municípios,
aqueles localizados nos estados com uma principalmente destes últimos, e da redução

19
das desigualdades regionais, mas começou a A exemplo do que aconteceu em outros
perder força com o agravamento da crise eco- momentos de transição de regimes autoritá-
nômica da década de 1980, gerando pressões rios para a democracia, a questão federativa
para alterar o modelo concebido em 1963. se limitou a uma mobilização articulada por
Com o agravamento da crise, as receitas dos estados e municípios para promover a descen-
estados e dos municípios foram duplamente tralização das receitas públicas, mediante o re-
afetadas pela perda de dinamismo da arreca- forço das competências tributárias de estados
dação própria e a concomitante redução na e municípios, paralelamente ao aumento no
parcela da receita federal repartida com es- percentual das receitas da União a serem re-
tados e municípios via fundos constitucionais, partidas, por meio dos fundos constitucionais.
repercutindo também na capacidade de finan- Um peculiar arranjo político fez com que essa
ciamento dos fundos regionais e na operação movimentação tivesse sido bem-sucedida, ao
de incentivos fiscais, baseados em tributos combinar os interesses das unidades mais de-
da competência do governo federal. Nesse senvolvidas por aumento das bases próprias
momento, algumas iniciativas patrocinadas de tributação com os das unidades de menor
pelos municípios promoveram as primeiras al- desenvolvimento por aumento na participação
terações no modelo, ao ampliar a parcela dos das receitas dos tributos federais.
impostos federais a ser repartida por meio dos
fundos constitucionais, em um momento em Tal arranjo se manifestou na forma da in-
que a crise econômica já criava dificuldades corporação dos antigos impostos únicos à
para a manutenção do equilíbrio fiscal. base tributária dos estados paralelamente
à abertura de espaço para a ampliação dos
Aberta a porta, mudanças pontuais adota- serviços sujeitos ao pagamento dos impostos
das ao sabor das pressões do momento con- municipais, que atendiam aos interesses das
tribuíram para iniciar um processo de corrosão unidades economicamente mais fortes, com-
dos pilares que sustentavam a plataforma, que plementado pela ampliação dos percentuais
foram se tornando incapazes de sustentá-la da receita dos tributos federados repartida na
com as inúmeras modificações introduzidas na Federação, que atendia aos interesses das de-
Constituição Federal de 1988. mais unidades federadas por recebimento de
uma fatia maior da receita da União.
A implosão da plataforma O impacto imediato dessa medida foi forte,
As inúmeras modificações introduzidas no mas durou pouco. Por terem ignorado as im-
campo tributário e no regime federativo, na plicações da criação de um regime distinto de
reforma constitucional de 1988, contribuí- financiamento para custear as despesas da se-
ram para uma rápida desfiguração do mode- guridade social, os ganhos iniciais de estados e
lo concebido em 1963 e a posterior implosão municípios foram em pouco tempo revertidos,
da plataforma fiscal. Na situação peculiar em à medida que eles não se beneficiavam da am-
que a reforma constitucional foi promovida, pliação das receitas da seguridade.
não houve espaço para uma discussão séria e
O golpe fatal veio com as medidas fiscais
aprofundada sobre os aperfeiçoamentos que
e econômicas adotadas para contornar a crise
poderiam ser promovidos no desenho do mo-
do final dos anos 1990, que punha em cheque a
delo concebido. Por ter sido adotado em 1965,
capacidade de o país garantir a sobrevivência
esse modelo sequer foi discutido, visto que em
do Plano Real. Nesse momento, o agravamen-
um ambiente hostil, qualquer coisa que fosse
to da crise fiscal motivou uma operação de so-
associada a uma obra do regime militar não
corro apoiada no recurso ao Fundo Monetário
merecia atenção.
Internacional (FMI) para aportar os recursos

20
necessários para lidar com esse problema. A
contrapartida foi a obrigatoriedade de o país
Adotou-se a constituição
ter de gerar de uma hora para outra um supe-
ravit primário da ordem de mais de 3 pontos
do Fundo Social de
percentuais (p.p.) do produto interno bruno Emergência: a separação
(PIB). Essas medidas visavam evitar o calote
da dívida e ganhar tempo para a adoção de das receitas vinculadas à
medidas complementares requeridas para es-
capar do fracasso de mais uma tentativa para seguridade social foi
debelar a hiperinflação.
sucessivamente prorrogada
A seguridade social atropelou com pequenos ajustes,
a federação assumindo posteriormente
Para cumprir o acordo firmado com o FMI, o
governo recorreu a medidas para escapar de a denominação oficial de
situações complicadas. Como não havia con-
dições para gerar o superávit fiscal necessário
desvinculação de receitas
para isso mediante a contenção de gastos, o
recomendável era recorrer ao aumento dos
da União (DRU).
impostos. Como a regra constitucional deter-
minava a entrega de quase metade da recei- Na esfera da Federação, a invasão pelo
ta adicional dos impostos federais a estados, governo federal do campo das competências
municípios e fundos regionais, a opção recaiu tributárias reservadas a estados e municípios
na prorrogação de uma medida, adotada no pela Constituição, combinada com a redução
primeiro ano de vigência do Plano Real, que da base sobre a qual incidem os percentuais
desvinculava 20% do acréscimo das receitas que compõem o FPE e o FPM, e a sucessiva
das contribuições vinculadas à seguridade so- renovação da DRU acarretou a queda no ritmo
cial para apoiar a implantação do programa de de expansão das receitas próprias e a conco-
estabilização monetária. mitante redução nos aportes federais de re-
cursos para complementar as receitas estadu-
Inicialmente, adotou-se a constituição do ais e municipais.
Fundo Social de Emergência: a separação das
receitas vinculadas à seguridade social foi su- Mas o impacto dessa medida não se limi-

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


cessivamente prorrogada com pequenos ajus- tou ao efeito agregado sobre o montante de
tes, assumindo posteriormente a denominação recursos dos governos subnacionais. É bom
oficial de desvinculação de receitas da União lembrar que, em 1989, os coeficientes de ra-
(DRU). Ao longo do tempo, essa operação con- teio dos recursos do FPE e do FPM foram mo-
tribuiu para dois efeitos igualmente perversos. dificados. No caso dos estados, uma parcela
Na esfera do governo federal, o aumento da maior dos recursos foi reservada para ser re-
carga tributária foi acompanhado da deterio- partida entre os estados das regiões Norte,
ração da qualidade do regime fiscal, em decor- Nordeste e Centro-Oeste, ao mesmo tempo
rência do recurso a tributos de baixa qualida- que a fórmula original para rateio desse fun-
de, ao mesmo tempo em que acarretou uma do foi posta de lado. Com o congelamen-
crescente rigidez orçamentária. to dos índices de participação aplicados ao
cálculo da parcela a ser repartida entre eles.
No tocante aos municípios, a mudança nas

21
regras combinou um pré-rateio do FPM entre apenas por meio das disparidades nas recei-
os estados, para posterior repartição da cota tas orçamentárias per capita. Devido à unifor-
de cada um entre os respectivos municípios. midade das vinculações constitucionais das
A semelhança do FPE, os coeficientes que receitas orçamentárias a setores prioritários
definem o pré-rateio desse fundo entre os para a população, como as áreas de educação
estados não foi modificado posteriormente. e saúde, e à enorme diversidade no perfil das
demandas dos respectivos habitantes, a dis-
ponibilidade de recursos para atender a essas
A geografia fiscal descolou-se responsabilidades não coincide com o perfil
da geografia política das demandas de seus habitantes. A alocação
dos recursos não se dá em função das prio-
Em um contexto em que a dinâmica demo- ridades locais, mas em razão de obrigações
gráfica e socioeconômica provocava grandes estabelecidas na Constituição Federal.
deslocamentos populacionais que mudavam
o perfil da ocupação do território brasileiro,
a queda no ritmo de expansão das receitas A alocação dos recursos é
próprias, combinada com as mudanças pro- predeterminada. Pode haver mais
cessadas há trinta anos nas regras de rateio
dos fundos constitucionais, gerou um enorme dinheiro para aplicar em uma área
incremento na disparidade da repartição das em que há menos demanda e vice-versa
receitas orçamentárias estaduais e municipais,
em absoluta fala de sintonia com os desloca- Esse é o principal problema que afeta a qua-
mentos populacionais. lidade da gestão dos serviços públicos na
esfera federativa. O cumprimento da norma
constitucional força o desperdício de recursos
em uma situação em que o perfil demográfico
A alocação dos e socioeconômico da população local indica
recursos não se dá menos necessidade de recursos para o ensino
básico e mais necessidade de recursos para a
em função das prioridades prestação dos serviços básicos de saúde, mas
o administrador local não tem como escapar
locais, mas em razão dessa situação. Em qualquer caso, a popula-
ção sai prejudicada. Seja pelo desperdício que
de obrigações decorre de gastos que não seriam prioritários
para não desrespeitar a lei, seja pela escassez
estabelecidas na de recursos para atender outras prioridades.

Constituição Federal. E não são apenas as vinculações cons-


titucionais que comprometem a autonomia
federativa para decidir sobre a alocação dos
O corolário desse processo é a falta de recursos que compõem seus orçamentos,
aderência da disponibilidade de recursos a mas a progressiva centralização das decisões
disposição de cada estado e município ao ta- sobre todas as políticas públicas relevantes
manho e ao perfil das demandas de seus ha- para o país, decorrente da multiplicação dos
bitantes por acesso a serviços sob suas res- chamados sistemas nacionais de políticas pú-
ponsabilidades. O problema não se manifesta blicas. Esse fato subverteu um dos princípios

22
fundamentais do federalismo: o de garantir a próxima rodada de eleições para o executivo
unidade na diversidade. Às vinculações consti- municipal, na medida em que, ao assumirem
tucionais foram sendo agregadas normas que cadeiras em Brasília, buscam reforçar suas ba-
definem, por exemplo, os programas que de- ses regionais, mediante a defesa de medidas
vem ser nacionalmente adotados e as regras de interesse da região, como a liberação de
de remuneração dos servidores, vinculando a emendas ao orçamento federal, o acesso ao
gestão da despesa estadual e municipal a nor- crédito público e demais ações de interesse da
mas definidas pelo governo federal. população local.

Para atender suas necessidades, os habitan-


A concentração populacional em tes de um aglomerado urbano não dependem
grandes aglomerados urbanos apenas da atuação do governo local. Eles pre-
cisam que os poderes públicos que atuam na
demanda cooperação dos entes região cooperem na organização da rede de
federados, mas o ambiente não é prestação de serviços públicos, nos investi-
mentos em infraestrutura urbana, para se lo-
propicio para isso comoverem e disporem de condições adequa-
O processo de urbanização da população bra- das de moradia e saneamento, bem como para
sileira é um dos mais rápidos no mundo e o terem segurança de transitarem livremente no
resultado disso está muito bem documentado espaço comum.
no estudo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) sobre a rede de cidades. Não existem, entretanto, condições adequa-
Nesse estudo, o IBGE mostra que os índices de das para que a indispensável cooperação ocor-
concentração do PIB da população e do elei- ra. As rivalidades políticas são um fator relevan-
torado nas 68 cidades que compõem o núcleo te. No particular calendário em que as eleições
das microrregiões de cada região são grandes, nacionais se sucedem a intervalos de apenas
sendo um pouco maiores no Norte, Nordeste e dois anos, as relações políticas não dão sus-
Centro-Oeste, situando-se em torno da meta- tentação a eventuais acordos que possam ser
de nessas regiões. feitos em um determinado momento, dadas as
enormes possibilidades de mudanças nas for-
Como era de se esperar, esse fato repercutiu ças que comandam a política federal, estadual e
nas estratégias eleitorais, por meio da opção municipal. A alternativa para isso não é elaborar
de parte dos candidatos a uma cadeira na Câ- uma nova lei, a exemplo da recente aprovação
mara dos Deputados, por concentrarem suas do Estatuto da Metrópole, é, sim, criar incenti-
estratégias eleitorais em microrregiões que vos à cooperação.

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


têm parcelas relevantes do eleitorado brasi-
leiro, portanto, com grande potencial de lhes
proporcionarem um coeficiente de votos su-
ficiente para o sucesso nas eleições e para o
Desequilíbrios e ausência
fortalecimento dos respectivos partidos nes- de condições para a
ses espaços privilegiados. Forma-se, então,
uma aliança, na qual os partidos que vencem cooperação geram um
as eleições para o executivo municipal nessas
localidades consolidam seu poder local, refor- coquetel amargo para a
çando as chances de sucesso dos candidatos
ao parlamento federal. Por seu turno, ampliam gestão pública.
as chances de vitória dos correligionários na

23
Incentivos à cooperação podem ser embu- populações, mas a escalada da guerra fiscal
tidos nas regras que regulam a operação do estimulou conflitos que, após a abertura da
regime de transferências federais a estados e economia, também contribuíram para o en-
municípios, a exemplo do que ocorre em ou- fraquecimento dos laços econômicos inter-
tras federações. Outros incentivos poderiam -regionais que são fundamentais para a co-
fazer parte de uma política de crédito, na qual esão da nação. As fracassadas tentativas de
empréstimos de agências financeiras oficiais alcançar um acordo para por fim à guerra fis-
de crédito podem exigir a colaboração de cal deixam claro que o assunto não será solu-
estados e municípios para a execução de um cionado mediante a insistência em mudanças
programa de investimentos na expansão e me- pontuais na legislação.
lhoria dos serviços de saneamento básico em
uma determinada microrregião. As chamadas
emendas de bancada ao orçamento é outro
A política do pires na mão não
instrumento que teria possibilidade de exercer é solução
esse papel. Nada disso ocorre hoje em dia, mas
é uma questão de grande importância em um O corolário de todos os acontecimentos regis-
processo de construção de um novo modelo trados ao longo dos últimos trinta anos é a im-
de federalismo fiscal. possibilidade de construir uma agenda coletiva
dos interesses federativos e incorporar o tema
na agenda das reformas institucionais que es-
A coesão nacional é essencial para tão na pauta das prioridades nacionais e que
o futuro do país precisariam ser impulsionadas pelo vencedor
das eleições nacionais de 2018. O federalismo
Uma federação se apoia no entendimento de brasileiro não pode se acomodar a uma situa-
que todos ganham se houver união em torno ção em que a saída para a crise federativa é a
dos interesses comuns da nação, e que medi- submissão ao governo federal e a barganha in-
das para garantir esse propósito sejam ado- dividual por acesso preferencial aos escassos
tadas para solidificar a coesão nacional. Mas recursos orçamentários da União e ao crédito
essa questão não está na pauta das preocu- administrado por instituições financeiras go-
pações nacionais. Conjugada com o abando- vernamentais, como a Caixa Econômica Fede-
no de uma política nacional de desenvolvi- ral (Caixa), O Banco Nacional de Desenvolvi-
mento regional, a incorporação dos antigos mento Econômico e Social (BNDES) e o Banco
impostos únicos à base tributária dos impos- do Brasil (BB).
tos estaduais forneceu aos estados menos
industrializados a munição que faltava para A revolução em curso na forma como os
agir por conta própria, em face da receita negócios se organizam, no novo mundo da
proporcionada pela tributação de combustí- chamada economia digital, irá revolucionar
veis, energia e telecomunicações compensar a tributação e seus efeitos já se manifestam
a perda de receita decorrente da concessão com clareza no conflito entre estados e mu-
de benefícios tributários. nicípios, devido à impossibilidade de definir
uma linha divisória entre o que constitui um
Com a omissão do governo federal, a ação
individual dos estados, por meio de incentivos serviço e o que se enquadra no conceito tra-
tributários voltados para atrair investimentos, dicional de mercadoria. A atual repartição
trouxe benefícios imediatos, evitando maio- das bases tributárias, na qual os serviços são
res prejuízos para as economias locais e suas tributados pelos municípios e as mercado-
rias pelos estados, terá que ser rapidamente

24
revista. O tema está na pauta das propostas encontrou espaço para prosperar. E, na sua
de reforma tributária que estão sendo apre- ausência, as intenções dos constituintes de
sentadas ao debate público, mas não será promover mudanças que visassem o fortale-
fácil resolver essa questão sem ter em conta cimento da federação foram abortadas. Na
os efeitos da reforma tributária na Federação, situação atual, o Brasil de hoje mais se pare-
e na ausência de um concomitante debate ce com um Estado unitário do que com uma
sobre um novo modelo de federalismo fiscal moderna federação. Não há mais espaço para
que possa acomodar os interesses de esta- tratar do problema por meio de ajustes pontu-
dos e municípios. ais. É preciso tratar da construção de um novo
modelo de federalismo fiscal.

Como tratar da questão da


Propostas
autonomia federativa?
Não se trata de delinear recomendações
Na velha economia, as regras aplicadas à re- específicas sobre o que precisa ser feito e
partição das competências tributárias em uma como. Afinal de contas, o tema tem uma di-
federação tinham como referência o território mensão essencialmente política e precisa ser
e a mobilidade das bases. Nela, predominavam abordado em um foro próprio. Trata-se de
os serviços pessoais cuja prestação se dava discutir as deformações que se acumularam
essencialmente no âmbito local, ao passo que no perfil do Estado brasileiro e de encontrar
se atribuía ao consumo uma escala estadual e um modo para elaborar a pauta das discus-
à renda uma abrangência nacional. Essa de- sões que necessitam ser travadas, indicando
marcação deixa de ser referência para a eco- caminhos que precisam ser trilhados para
nomia moderna, em que as atividades não têm que as intenções dos constituintes de 1988
local facilmente definido, demandando novos sejam alcançadas.
critérios para tratar dessa questão.
Para o traçado dos caminhos, o desenho da
Esse fato levanta a questão de como lidar plataforma concebida em 1963 oferece um bom
com um dos pontos principais do federalismo, ponto de partida. Com base nessa referência,
que se refere ao grau de autonomia dos entes fe- o trabalho de elaboração de um novo desenho
derados. Cabe examinar se o foco da autonomia deveria partir da recuperação dos princípios a
não deveria ser direcionado para o lado do or- seguir expostos, então adotados para erigir os
çamento. Nesse caso, essa questão precisa ser pilares de sustentação de uma nova plataforma.
abordada à luz das responsabilidades do Estado,
de como as responsabilidades são repartidas, 1. Equiparação: um novo modelo de equi-

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


de como se compõe o regime de financiamento líbrio fiscal deve buscar a equiparação
dessas responsabilidades, e de como se dá a re- dos recursos que integram os orça-
partição dos recursos financeiros para que haja mentos dos entes federados à parcela
coerência na disponibilidade de recursos para das responsabilidades do Estado a eles
atender às responsabilidades de cada um. atribuídas no plano constitucional.

2. Cooperação: em uma nova realida-


Intenções e realidade de, em que o adequado exercício das
Em uma situação em que a crise fiscal invia- responsabilidades de cada um não
biliza o crescimento econômico sustentável depende apenas da ação isolada de
do país, a adoção de uma nova abordagem cada um, a existência de condições e
para tratar dos problemas federativos não de instrumentos que promovam a co-
operação entre os entes federados é

25
condição essencial para a obtenção No meio do caminho tem uma pedra
dos resultados desejados.
Evocando a imagem do poeta, o caminho a ser
3. Harmonização: harmonizar não é si- trilhado não é isento de obstáculos. Logo no início
nônimo de uniformizar. Harmonizar tem uma grande pedra que demandará muita for-
implica adotar regras locais que não ça para ser removida. Retomando a menção an-
contradigam as regras nacionais e não terior ao atropelamento sofrido pela Federação, a
gerem conflitos de interpretação que pedra em questão se formou pelo crescimento do
inviabilizem a cooperação. espaço que as receitas da seguridade social ocu-
pam no total da carga tributária nacional e pelas
4. Coesão: essa é uma questão que precisa várias dimensões de seu impacto na Federação.
ser abordada no plano nacional. A obedi-
ência aos princípios anteriores concorre Sua remoção não será uma tarefa fácil, pois
para a coesão da nação, mas é neces- deverá enfrentar grande resistência com base
sário que ela seja reforçada por meio de em argumentos que, se olhados de modo ra-
políticas nacionais que tratem de corrigir cional, não mais se sustentam. Cumpre, por-
desequilíbrios inter-regionais e fortaleça tanto, dar a devida transparência às razões
o processo de integração nacional. que não mais justificam sua permanência, pois
a remoção desses obstáculos será fundamen-
Em conjunto, esses quatro pilares concor- tal para abrir o caminho que leva à saída do la-
rem para o equilíbrio e a autonomia federativa, birinto tributário e avançar rumo à construção
criando as condições para que o Estado nacio- de um novo modelo de federalismo fiscal equi-
nal disponha das condições requeridas para librado, voltado ao crescimento econômico e à
conciliar o crescimento econômico com a re- integração dos entes federados.
dução das disparidades sociais o que, por seu
turno, reforça a coesão nacional.

Como mencionado anteriormente, o propósito


deste capítulo não é dizer o que tem que ser feito
e, sim, oferecer subsídios para colocar em debate
um tema que esteve ausente da agenda nacional
nos últimos cinquenta anos e, a partir daí, deline-
ar os caminhos a serem perseguidos em busca de
um novo modelo de federalismo fiscal.

Não há mais espaço


para tratar do problema
por meio de ajustes
pontuais. É preciso
tratar da construção
de um novo modelo de
federalismo fiscal.

26
2
REFORMA DA TRIBUTAÇÃO
DA RENDA DAS PESSOAS
JURÍDICAS, REGIMES
ESPECIAIS E ISENÇÃO DA
DISTRIBUIÇÃO DOS
LUCROS E DIVIDENDOS
REFORMA DA TRIBUTAÇÃO DA RENDA DAS PESSOAS JURÍDICAS, REGIMES
ESPECIAIS E ISENÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS E DIVIDENDOS

O
Brasil é um país peculiar no que tange à Por fim, tanto os regimes especiais de tri-
tributação dos lucros: ao mesmo tempo butação da renda da PJ quanto a isenção da
que tem uma das mais altas alíquotas distribuição dos lucros e dividendos também
padrão do imposto de renda da pessoa jurídica são responsáveis pelo crescente fenômeno da
(IRPJ), não tributa a distribuição de lucros e “pejotização”, pelo qual profissionais liberais e
dividendos dos seus sócios e acionistas. Além empregados passam a receber o rendimento de
disso, ao contrário da maioria dos países, tem seu trabalho por meio de pessoa jurídica para
inúmeros regimes especiais de tributação da evitar a tributação mais alta na pessoa física.
renda da pessoa jurídica (PJ), que contribuem Tanto os regimes especiais como o fenômeno
para criar uma série de distorções e acarretam da “pejotização” criam distorções importantes
impactos nos investimentos e na produtividade na distribuição da carga tributária entre pessoas
do país. Trata-se de um contrasenso para um físicas (PF) e PJs, além de causarem litígio e
país emergente. insegurança jurídica, que impactam no desen-
volvimento econômico do país.
No debate nacional, muito se fala sobre a Diante desse panorama, desenvolveremos
isenção da distribuição de lucros e dividendos a seguir o diagnóstico desses problemas e, ao
ser um benefício tributário em prol dos mais ricos, final, apresentaremos algumas propostas de
o que contribuiria para acentuar ainda mais as mudança e os resultados esperados.
desigualdades criadas pelo sistema tributário.
O primeiro pressuposto que se precisa levar
em conta, no entanto, é o fato de que a isenção
da tributação sobre a distribuição dos lucros
Os regimes especiais
e dividendos não foi uma escolha aleatória do do Lucro Presumido e do
legislador. Criada pela Lei no 9.249, de 26 de
dezembro de 1995, a isenção foi implementada Simples Nacional, criados
em contrapartida a inúmeras medidas que au-
mentaram a base de cálculo da PJ (o que, por
com a justificativa de
consequência, aumentou a carga tributaria das
empresas).1 Este fato deve ser enfatizado tendo
incentivar as pequenas
em vista que qualquer proposta de mudança de e médias empresas, na
ambos os institutos deve ter como contrapartida
uma revisão ampla do IRPJ, sob pena de restringir verdade, atualmente,
o potencial do investimento produtivo no país.
criam enormes distorções
Por seu turno, os regimes especiais do Lucro
Presumido e do Simples Nacional, criados com a
ao desincentivarem o
justificativa de incentivar as pequenas e médias investimento e a
empresas, na verdade, atualmente, criam enormes
distorções ao desincentivarem o investimento e a produtividade das
produtividade das empresas, além de correspon-
derem a um alto valor de renúncia tributária. empresas.

28
Diagnóstico do que sobre os lucros retidos.4 Uma das principais
críticas a este modelo é o fato de dificultar a fisca-
Necessidade de integração entre o IRPJ e lização, tendo em vista que aumenta o número de
o IRPF: breve discussão sobre os modelos contribuintes a serem fiscalizados.
internacionais De modo inverso, um segundo regime de inte-
Uma importante premissa que devemos ter em gração é aquele em que há a tributação exclusiva
conta ao tratar da tributação de lucros e divi- na pessoa jurídica, isentando os rendimentos
dendos é a necessidade de integração do IRPJ recebidos pelo acionista quando da distribuição
com o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física de dividendos, tal como ocorre no Brasil.
(IRPF). Segundo a Organização para a Coopera-
ção e Desenvolvimento Econômico (OCDE),2 os Por fim, uma maneira de tratar a tributação dos
países adotam diferentes regimes de integração rendimentos da pessoa física é o sistema dual de
entre os dois impostos. Um primeiro modelo é imposto de renda (DIT), que pode ser caracterizado
aquele em que a integração não é reconhecida, como um sistema padrão de imposto de renda,
sob a prerrogativa de que a pessoa jurídica seria adotado em muitos países membros da OCDE.5
uma pessoa distinta de seus sócios/acionistas e Este sistema prevê um tratamento diferenciado do
que, portanto, a integração do IRPJ com o IRPF IRPF, dependendo do tipo de rendimento da pessoa
seria desnecessária. A consequência de não se física: em geral, sobre os rendimentos do trabalho,
adotar a integração entre o IRPJ e o IRPF é a como salário, incide uma alíquota progressiva, en-
ocorrência de uma dupla tributação, ou seja, uma quanto sobre rendimentos do capital, incluindo os
incidência tributária tanto no nível da PJ quanto retornos do investimento na pessoa jurídica, teria
no nível da PF. Esta dupla tributação causa um uma tributação flat. A ideia é que, tendo em vista
incentivo para o reinvestimento excessivo na PJ, que o retorno do capital na forma de distribuição
ou seja, evita-se a distribuição dos lucros para de lucros ou dividendos já foi tributado pelo IRPJ, a
que a tributação sobre os dividendos não incida. dupla tributação dos lucros distribuídos é impedida
por meio de um sistema de imputação completa.
Há modelos, porém, que evitam a dupla tributação Segundo este sistema, os acionistas passam a ter
ao adotarem uma integração entre o IRPF e o IRPJ, direito a um crédito, a ser deduzido no IRPF inci-
que pode ocorrer de diversas maneiras. Um dos dente sobre os dividendos, equivalente ao imposto
regimes de integração é o chamado integração total da pessoa jurídica incidente sobre a parcela dos
(full imputation), no qual todos os lucros advindos dividendos que recebem.
das pessoas jurídicas são atribuídos aos acionistas e
são, portanto, tributados somente na pessoa física.3 Além disso, tendo em vista que no Brasil in-
Neste modelo, a pessoa jurídica é considerada como cide sobre a pessoa física a tabela progressiva

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


mera passagem, permitindo uma plena integração para os rendimentos como salários e aluguéis
do IRPJ com o IRPF. A desoneração do dividendo no (cujas alíquotas variam de 0% a 27,5%) e alí-
nível da pessoa jurídica que o distribui pode assumir quotas proporcionais e diferenciadas sobre os
formas diferentes. Uma das formas de se colocar em rendimentos nominais (tais como juros, rendi-
prática esta integração é dar um crédito aos acionistas mentos sobre aplicações financeiras, ganhos de
pessoas físicas no mesmo valor do IRPJ pago, corres- capital e JCP), pode-se afirmar que o sistema de
pondente à distribuição dos lucros que foram por eles tributação da renda da pessoa física segue um
recebidos. Além disso, no nível da pessoa jurídica, modelo “semidual”.6 Um modelo semidual é um
pode-se adotar tanto um sistema de dedução de sistema no qual se aplicam diferentes alíquotas do
dividendos pagos (total ou parcial) do lucro tributá- imposto a diferentes tipos de renda, geralmente
vel das empresas quanto a separação de alíquota: se tributando com alíquotas mais baixas e fixas
alíquotas mais baixas sobre os lucros distribuídos as rendas do capital e com alíquotas maiores e
progressivas as demais rendas.7

29
Em resumo, cumpre enfatizar que não po- Ao fazermos uma comparação internacional
demos discutir a tributação da distribuição dos das alíquotas aplicáveis ao lucro das pessoas
lucros e dividendos sem levar em consideração a jurídicas, podemos perceber que a referida alí-
necessidade de integração entre o IRPJ e o IRPF. quota agregada brasileira está muito acima das
Conforme exposto, diversos são os modelos de médias de alíquotas de economias avançadas
integração, que podem ser centrados tanto no e das emergentes. Diversas bases de dados
nível da PJ quanto no nível do acionista, como mostram que as empresas brasileiras suportam
no caso do Brasil que isenta os dividendos uma das maiores cargas no mundo sobre os
recebidos por este. seus lucros.A alíquota de 34% do IRPJ/CSLL
no Brasil está muito acima da média global,
O modelo brasileiro: alíquota padrão do de 22,96% (média ponderada de 29,41%), e
é mais alta que as médias da América do Sul
IRPJ como uma das mais altas do mundo? (atualmente, 28,73%), dos países da Europa
No Brasil, a forma padrão de apuração do IRPJ (18,35%) e dos países da OCDE (24,18%),
é o chamado Lucro Real. Chama-se Lucro Real segundo dados do Tax Foundation relativos
porque, nesse regime, a pessoa jurídica deter- a 2017.
mina a base de cálculo do imposto a partir do
lucro líquido contábil, realizando certos ajustes Conforme será detalhado, a isenção do sócio
determinados pela legislação tributária para e acionista pelos lucros e dividendos distribuídos
se chegar ao lucro real. A alíquota-padrão é uma forma de mitigar essa peculiaridade impor-
aplicável para as PJs que apuram o imposto tante do Brasil de manter uma alta alíquota-padrão
de renda com base no lucro real é de 15%, incidente sobre a renda da pessoa jurídica.
mas o contribuinte deverá ainda computar
uma alíquota adicional de 10% do imposto Entretanto, também se precisa levar em
de renda sobre o montante do lucro tributável consideração que é um erro comparar alíquotas
que exceder a parcela de R$ 240 mil anuais. nominais incidentes sobre o lucro de pessoas
Além disso, há que se considerar que sobre jurídicas entre países com inflação alta (como
o lucro haverá ainda a incidência da Contri- o Brasil) e países com inflação baixa, tendo
buição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), em vista parte do lucro nominal das empresas
pela alíquota padrão de 9%, o que totaliza apenas corresponde ao valor da inflação sobre
uma carga tributária sobre o lucro de 34%. o capital.8

A isenção da tributação sobre o lucro e


Em resumo, cumpre dividendos foi criada para mitigar a alta
tributação da pessoa jurídica no Brasil
enfatizar que não podemos Conforme já exposto, o Brasil adota um regi-
discutir a tributação da me jurídico de tributação da renda exclusivo
na PJ. Com a finalidade de seguir os padrões
distribuição dos lucros e internacionais, evitar a dupla tributação da
renda e promover a integração do IRPJ com
dividendos sem levar em o IRPF, o sistema tributário brasileiro criou
a isenção do IR incidente sobre os dividen-
consideração a necessidade dos distribuídos, conforme art. 10, da Lei
de integração entre o no 9.249/1995.9

IRPJ e o IRPF.

30
Os lucros ou dividendos calculados com base
nos resultados apurados a partir do mês de
A isenção da tributação
janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas
pessoas jurídicas tributadas com base no
sobre o lucro e dividendos
lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão
sujeitos à incidência do imposto de renda na
foi criada para mitigar a
fonte, nem integrarão a base de cálculo do
imposto de renda do beneficiário, pessoa física alta tributação da pessoa
ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.
jurídica no Brasil.
Segundo a Exposição de Motivos do Projeto de
Lei no 913/1995, posteriormente convertido na Diante desse contexto, fica evidente que a
Lei no 9.249/1995, a alteração da legislação do discussão sobre o fim da isenção da tributação
IRPJ tinha por objetivo “simplificar a apuração do sobre lucros e dividendos deve ficar atrelada a
imposto (...), uniformizar o tratamento tributário mudanças com a finalidade de ajustar a tributação
dos diversos tipos de renda, integrando a tribu- da pessoa jurídica aos impactos que a eliminação
tação das pessoas físicas e jurídicas, ampliar o de tal isenção causará. Ao se desconsiderar esse
campo de incidência do tributo (...) e, finalmente, contexto histórico e simplesmente eliminar tal
articular a tributação das empresas com o Plano isenção de maneira isolada, sem qualquer outra
de Estabilização Econômica”. medida que diminua a carga tributária referen-
te ao IRPJ, corre-se o risco de se sobretaxar a
O modelo brasileiro de tributação dos lucros atividade produtiva, incentivar excessivamente
tem fundamentos. Conforme pesquisadores, a o reinvestimento e inibir novos investimentos.
isenção na distribuição dos lucros tem por con-
sequência evitar o estímulo à retenção de lucro Em resumo, se a implementação da isenção
nas empresas, o que prejudicaria a alocação dos lucros e dividendos foi efetuada de acordo
eficiente do capital.10 com um contexto de reforma maior e como uma
medida compensatória a outras que elevaram
Sobre a Lei no 9.249/1995, faz-se muito im- a carga tributária das PJs, eventual extinção do
portante considerar todas as medidas previstas instituto deve ser acompanhada de medidas de
na lei em conjunto, tendo em vista que, por seu revisão do regime do IRPJ, de preferência por
intermédio, se implementou uma ampla reforma meio de redução das alíquotas padrão do IRPJ
nos sistemas do IRPJ e IRPF no Brasil. A questão e da CSLL e alteração dos regimes tributários
mais relevante é levar em conta que algumas das alternativos, conforme será abordado a seguir.
medidas que foram adotadas – como é o caso da
isenção da distribuição de lucros e dividendos e
Diversos regimes especiais (Lucro
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
dos JCPs – tiveram por objetivo compensar as
consequências de outras medidas igualmente Presumido, Simples Nacional etc.)
previstas na mesma lei, principalmente aquelas diminuem a carga tributária da PJ e
que aumentaram a base tributável das pessoas criam distorções importantes ao sistema
jurídicas. Conforme já demonstrado, ao mesmo
tempo que ocorreu a instituição dos JCPs e a No Brasil, além do regime padrão de apuração
isenção do imposto de renda (IR) à distribuição do IRPJ pelo lucro real, a pessoa jurídica pode
de dividendos, outras alterações na tributação calcular o imposto conforme outros dois re-
foram promovidas, tais como a extinção da gimes: Simples Nacional e Lucro Presumido.
correção monetária dos balanços e a amplia- Ambos são regimes especiais, opcionais e,
ção da base tributável, mediante vedação de em regra, mais benéficos à pessoa jurídica, no
dedutibilidade de certas despesas.11 sentido de diminuir a carga tributária incidente
sobre seus rendimentos. Tais regimes, além de

31
diminuírem a tributação da PJ, criam uma série
de distorções, tal como um incentivo para que
Diversos regimes
profissionais liberais prestem serviços por meio
de PJs (pejotização) e desigualdades tributárias
especiais (Lucro
(já que contribuintes na mesma condição es- Presumido, Simples
tarão sujeitos a níveis de tributação diferentes,
de acordo com o regime adotado). Nacional etc.)
Assim, mesmo sendo a alíquota nominal padrão diminuem a carga
de 34% elevada, a alíquota efetiva da grande
maioria das PJs é bem menor. Especialistas tributária da PJ e criam
afirmam que isto ocorre por conta de brechas
na legislação doméstica e pela possibilidade distorções importantes
de planejamento em operações feitas com
outros países. Além disso, uma grande parte
ao sistema.
dos lucros distribuídos provém de empresas
optantes do lucro presumido e do Simples, nos Lucro presumido
quais o lucro é arbitrado e geralmente muito
Trata-se de uma outra sistemática de apuração
inferior à rentabilidade efetiva das empresas.12
do IRPJ e da CSLL das pessoas jurídicas no Brasil,
Especialistas afirmam que o principal pro- na qual são aplicados determinados percentuais
blema dos regimes simplificados, tais como de margem de presunção à receita bruta do
o Simples e o lucro presumido, é que podem contribuinte, a depender do setor em que este
atua. Para receitas de comércio ou indústria,
levar os agentes econômicos a se organizarem
aplica-se uma margem de presunção de lucro
de forma ineficiente, reduzindo a produtividade
de 8%, enquanto que sobre receitas advindas da
do país.13 O argumento apresentado é de que a
prestação de serviços aplica-se um percentual de
redução do custo tributário induz os negócios a se
32%. Uma vez determinado o “lucro presumido”,
organizarem como pequenos empreendimentos,
as alíquotas referentes ao cálculo do imposto de
mesmo que uma empresa de maior porte seja
renda são idênticas às do lucro real: 15% sobre
economicamente mais eficiente. No caso do
o valor total do lucro tributável mais 10% sobre
Brasil, o ganho tributário permitido pelos regimes
o montante do lucro tributável que exceder a
simplificados vai, segundo especialistas, além do
parcela de R$ 60 mil trimestrais. Além de apurar
que poderia ser embasado pela dificuldade do
o imposto de renda, a empresa que apura no
custo de conformidade ou mesmo pelo combate
sistema de lucro presumido também recolhe a
da economia informal,14 além de não justificarem
contribuição social sobre lucro líquido com uma
o alto limite de receita anual para enquadramento
alíquota de 9%, segundo a mesma sistemática.
no Simples (atualmente, em R$ 4,8 milhões) e
Tendo em vista que se baseia em uma presunção
no Lucro Presumido (R$ 78 milhões).
de lucratividade, a sistemática do Lucro Presumido
Nessa parte, serão apresentadas somente não considera, para fins de apuração dos tributos
as características principais de cada regime a pagar, as despesas e os custos utilizados pela
especial e algumas análises dos impactos pessoa jurídica no âmbito de sua atividade.
que causam no sistema tributário em geral.
Um dado importante levado em conside-
Importante enfatizar que trataremos apenas
ração pelas empresas que optam pelo lucro
das regras gerais dos dois regimes, sem desen-
presumido é o fato de que esta sistemática, em
volvermos com mais profundidade as inúmeras
regra, determina a apuração do Programas de
exceções, regimes especiais e tratamentos
Integração Social e de Formação do Patrimônio
diferenciados neles presentes.

32
do Servidor Público (PIS) e da Contribuição para Apesar de o Simples Nacional possuir diversas
Financiamento da Seguridade Social (Cofins) limitações para o enquadramento (relacionadas
pelo sistema cumulativo, com uma alíquota à receita bruta anual,16 ligadas à atividade, aos
agregada de 3,65%, mais baixa em relação a do sócios e à estrutura organizacional da pessoa
sistema cumulativo (9,25%), aplicado às pessoas jurídica), o sistema é adotado por 12,5 milhões
jurídicas que apuram pelo lucro real. Tratando-se de empresas no Brasil e arrecada cerca de R$
de um regime especial, baseado na aplicação de 75 bilhões por ano.17 As alíquotas aplicáveis às
margens fixas sobre as receitas do contribuinte, microempresas e empresas de pequeno porte
tal sistema, assim como o Simples, causa uma variam em função da atividade que exercem e
série de distorções na tributação das empresas, da receita bruta auferida.
que vão desde um tratamento desigual entre
contribuintes até uma desoneração excessiva Diversos estudos18 analisaram o Simples Nacional,
para aqueles setores com margens de lucro muito não só avaliando o seu impacto na formalização
acima das estabelecidas legalmente. das empresas e dos empregos, mas principalmente
avaliando seu custo-benefício, ao se considerar seu
Simples Nacional forte componente de renúncia fiscal.19 Nesta linha,
A Constituição Federal (CF) de 1988 prevê o recente estudo do Banco Mundial20 mostrou que
Simples Nacional no art. 146, estabelecendo a o regime gerou uma renúncia tributária de 1,2%
criação, por lei complementar, de “tratamento do produto interno bruto (PIB) em 2015, o que
diferenciado e favorecido para as microempresas e corresponde a 43,5% de todos os gastos tributá-
para as empresas de pequeno porte”.15 O sistema rios naquele ano e que grande parte deste valor
de tributação simplificada atualmente em vigor, se concentrou no setor de serviços e fabricação.
Simples Nacional, foi estabelecido pela Lei Com-
O relatório do Banco Mundial ainda afirma
plementar no 123, de 14 de dezembro de 2006,
que, através de um rol de programas no qual
que permitiu que microempresas e empresas de
se inclui o Simples Nacional, o Brasil favorece
pequeno porte passassem a optar por um regime
a rentabilidade de empresas menos eficientes
diferenciado e mais favorecido de apuração e
e desincentiva a expansão de empresas mais
recolhimento de impostos e contribuições da
eficientes. O mesmo estudo concluiu que o
União, dos estados, do Distrito Federal e dos Mu-
Simples é caro e potencialmente distorcido, e
nicípios, mediante regime único de arrecadação. ainda sugere o caráter regressivo do programa.21

TABELA 1
Consolidação da DIRPF 2015, ano-base 2014: número de declarantes
Total
Grupo de ocupação Número de declarantes

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


(%)
Servidor público 5.298.439 19,2
Empregado estatal 1.422.259 5,2
= Setor público 6.720.698 24,4
Empregado privado 7.894.721 28,6
Capitalista ou proprietário 4.791.840 17,4
Conta própria 3.124.449 11,3
= Setor privado 15.811.010 57,3
Aposentado 3.761.267 13,6
Outros e não identificado 1.288.078 4,7
Soma 27.581.053 100,0
Fonte: Afonso, Pinto e Lukic (2017, com dados da RFB).

33
Já o estudo da Receita Federal do Brasil22 por conta própria (11,3% do total de contribuintes)
traz uma análise do impacto da permissão para ou proprietários de empresa (17,4% do total), ou
a adesão de novas atividades intelectuais ao seja, dos 15,8 milhões de declarantes, 7,9 milhões
Simples Nacional, concluindo que tal inclusão não eram empregados (50,1% dos declarantes
não tende a induzir novos investimentos ou a do setor privado).
aumentar o nível da atividade econômica, e
isso ocorre em virtde da natureza intelectual Estudos constataram que dos 21,4 milhões de
das atividades incluídas.23 A análise da Receita declarantes do IRPF em 2016 com renda mensal
Federal conclui que a inclusão de novas atividades até 10 salários mínimos (SM), 87% dos rendimentos
no Simples Nacional tem como consequências foram tributáveis (na declaração ou na fonte) e 13%
principais uma economia tributária para essas isentos.27 O mesmo estudo mostrou que para os 75
categorias, mediante a migração para o regime mil declarantes com renda mensal superior a 160
simplificado, e distorções no sistema tributário, SM, 69% corresponderam rendimentos isentos, e
prejudicando a sua eficiência.24 a maior parte rendimentos isentos das pessoas de
alta renda são lucros e dividendos recebidos por
Por fim, pesquisadores mostraram que o Sim- acionistas ou sócios de empresas, cujo valor foi de
ples cria um grande impacto sobre a lucratividade R$ 334 bilhões em 2015.28
das empresas, não somente porque simplifica a
arrecadação tributária, por meio da cobrança de Outras pesquisas identificaram a origem do
um único imposto, mas também porque reduz problema na isenção da distribuição dos lucros e
fortemente a tributação total, em especial no dividendos, promovida pela reforma abrangente do
custo do trabalho.25 imposto de renda realizada em 1995, que incentivou
o fenômeno de criação das empresas individuais.29
O fenômeno da pejotização como
consequência dos regimes especiais Propostas e resultados esperados
de tributação da renda da pessoa Conforme o diagnóstico apresentado, o modelo
jurídica e da isenção da distribuição de tributação da renda da pessoa jurídica no
de lucros e dividendos Brasil tem gerado inúmeras distorções e impac-
tado negativamente a produtividade do país.
Os regimes especiais de tributação da renda, A seguir, enumeramos algumas propostas de mu-
principalmente o Lucro Presumido e o Simples danças e revisões no sistema em geral, bem como
Nacional, em conjunto com a isenção da distri- os resultados esperados com estas mudanças.
buição de lucros e dividendos, incentivaram um
fenômeno no Brasil chamado de pejotização. Além •  ma medida inicial e transitória seria acabar
U
da tributação da renda da PJ e da PF, para explicar com a isenção do imposto de renda da
este fenômeno, é preciso também considerar a alta pessoa física dos lucros e dividendos distri-
tributação sobre o salário e o emprego, assunto buídos por empresas do lucro presumido e
que não será, no entanto, tratado aqui. do Simples, já que tais pessoas jurídicas já
são subtributadas. Esta medida possibilitará
O fenômeno da pejotização constitui uma uma menor utilização destes instrumentos
alternativa de planejamento tributário em que, de como forma de planejamento tributário, no
um lado, temos o trabalhador fugindo de alíquo- sentido de evitar a tributação do trabalho
tas mais altas do IRPF em relação à tributação
na pessoa física.
da renda da PJ; e de outro lado, encontra-se o
empregador, que procura reduzir os custos dos •  liminação e/ou revisão dos regimes
E
encargos patronais e os riscos de demandas na especiais do Lucro Presumido e Sim-
justiça trabalhista26 Em 2014, mais da metade dos ples Nacional: tendo em vista que estes
contribuintes do setor privado eram trabalhadores

34
regimes ultrapassam o que interna- dos lucros e dividendos distribuídos
cionalmente se considera benefícios não pode ser uma medida isolada, mas
razoáveis para pequenas e médias somente deve ocorrer após as demais
empresas e criaram um modelos que propostas mencionadas, e se coordenada
incentivam a criação de pequenas em- com estas, sob pena de onerarmos ainda
presas e desincentivam a produtividade, mais o setor produtivo brasileiro.
a proposta seria revisar os valores de
enquadramento (limitar a pequenas
e médias empresas), as margens de
presunção de lucratividade (no caso
do lucro presumido), bem como revisão
das tabelas do Simples para diferenciar
os setores do comércio, da indústria e
de serviços dos profissionais liberais ou
empregados que criam pessoas jurídicas
e se beneficiam do regime. Ou seja, neste
processo, devem-se criar mecanismos
para diferenciar o estímulo ao empre-
endedorismo da simples desoneração
da renda dos sócios das empresas.30

•  iminuição da alíquota incidente sobre


D
o lucro da pessoa jurídica no regime do
lucro real, tal como está sendo adotado
em diversos países e como forma de
possibilitar e atrair um maior investimento
nas empresas do país. Ao se eliminarem
ou limitarem os regimes especiais, se
possibilitará um aumento considerável da
base tributável pelo IRPJ, possibilitando,
com isso, uma diminuição da alíquota
sem uma diminuição da arrecadação
correspondente a estes tributos.

•  omente após a redução das alíquo-


S

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


tas da PJ, ou conjuntamente com esta,
haverá possibilidade de introdução de
alguma tributação do lucro e dividendos
distribuídos, de preferência isentando a
parcela reinvestida em outros investi-
mentos e tributando apenas a parcela
destinada ao consumo dos acionistas
e sócios das empresas.31 Uma outra
alternativa seria tributar os dividendos e
os lucros distribuídos, mas conceder um
crédito referente ao imposto pago pela
PJ referente a estes valores. Importante
enfatizar que a eliminação da isenção

35
3
COMPETIÇÃO
FISCAL, GUERRA
FISCAL E
FEDERALISMO NO
BRASIL
COMPETIÇÃO FISCAL, GUERRA FISCAL E FEDERALISMO NO BRASIL

O
federalismo brasileiro é composto Críticos de medidas que facilitam a com-
pela União, que é o governo central, petição fiscal costumam apontar para perdas
os 26 estados e o Distrito Federal, de arrecadação em nível nacional, geradas
que compõem o nível intermediário de go- pela concessão de benefícios desnecessários
verno, e os 5.561 municípios, que formam os para empresas. Argumenta-se3 que a guerra
governos locais. As interações entre essas fiscal traz prejuízos ao país como um todo e
três esferas de governo ocorrem de forma que, apesar de trazer benefícios aos estados
direta e indireta, seja por meio de divisão que concedem incentivos, tais benefícios não
de responsabilidade, incidência de impos- se sustentam no longo prazo. Além disso, a
tos, transferências voluntárias e obrigatórias guerra fiscal promove o desequilíbrio do de-
para estados, Distrito Federal e municípios, senvolvimento regional e estimula a insegu-
seja pela grande variedade de ações da rança do crescimento sustentável. No longo
União, com efeitos específicos em determi- prazo, a guerra fiscal leva a uma deterioração
nados estados ou municípios, ou de ações das condições financeiras de todos os estados,
dos estados, que surtem efeitos relevantes que, como consequência, perdem as condições
em determinados munícipios.1 É nesse con- de atrair novos investimentos. Os vencedores
texto que aparecem estudos e propostas de acabam sendo os estados financeiramente
políticas relacionados ao que costuma ser mais poderosos, que conseguem arcar com
chamado de guerra fiscal, e que, neste docu- os ônus das renúncias fiscais, além dos custos
mento, também será chamado de competi- para manter as condições de produção.
ção fiscal.2 Essa guerra fiscal gera inseguran-
ça no desenvolvimento regional, devido aos
deslocamentos de investimentos produtivos
para regiões que, temporariamente, ofere-
Em uma Federação
cem condições mais favoráveis. com diversos arranjos
A última tentativa de disciplinar a com-
petição fiscal entre os estados e o Distrito
de carga tributária e
Federal foi implementada por meio da Lei oferta de serviços
Complementar (LC) no 160, de 7 de agosto de
2017. Uma das principais mudanças introdu- públicos, indivíduos
zidas pela lei foi determinar que a concessão
de benefícios fiscais por parte dos estados podem escolher migrar
que buscam atrair investimentos pudesse
ser autorizada por dois terços das unidades para os estados que
federadas (estados e Distrito Federal), pois,
anteriormente, exigia-se unanimidade. Nes-
apresentem a melhor
se sentido, a lei facilita a competição fiscal
e traz a segurança jurídica para que estados
combinação entre
possam atrair investimentos. impostos e
serviços públicos.

38
A análise descrita anteriormente é alinhada pelo bem é relativamente elástica em relação
à abordagem tradicional de finanças públicas,4 ao preço, há pouco comércio entre fronteiras
em que a questão da guerra fiscal é vista sob o estaduais, e a variação do nível de impostos
aspecto da eficiência. À essa abordagem tra- de um determinado estado responde pouco à
dicional contrapõe-se a abordagem de James variação do nível de impostos nos outros esta-
Buchanan,5 segundo a qual a competição fiscal dos, mas reage às alterações nas alíquotas de
deve ser vista como uma forma de corrigir falhas impostos federais. Essa última resposta pode
de governo, ou seja, como uma forma de restrin- ser positiva ou negativa.
gir o Estado. Em uma Federação com diversos
arranjos de carga tributária e oferta de serviços As interações verticais na economia bra-
públicos, indivíduos podem escolher migrar para sileira7 apontam que um aumento no imposto
os estados que apresentem a melhor combina- federal, especificamente no Imposto sobre
ção entre impostos e serviços públicos. Produtos Industrializados (IPI), leva a um au-
mento nos impostos estaduais, especifica-
Essa diversidade gera insegurança, que deve mente no Imposto sobre Circulação de Mer-
ser tratada para que haja um equilíbrio entre efi- cadorias e Prestação de Serviços (ICMS). O
ciência e atuação do Estado, e as propostas re- efeito encontrado é significativo nas duas
duzam ao máximo o espaço para a competição especificações de modelos utilizados nos
fiscal, para que se proporcione crescimento, in- estudos. Análises8 das interações verticais e
vestimento e equilíbrio do progresso regional. horizontais no mercado de cigarro e gasoli-
na do país encontram evidências de que um
aumento de 1% na alíquota do IPI leva a um
Diagnóstico aumento de 1,15% na alíquota do imposto
As interações entre as esferas de governo em estadual. O efeito é, portanto, significativo.
uma Federação geram uma série de efeitos na No caso da gasolina, não é encontrado efei-
economia, entre os quais a disputa entre estados to significativo dos impostos federais sobre
e municípios para atrair investimentos. Existem as alíquotas dos impostos estaduais. Por seu
outras questões relevantes, como o efeito dessas turno, estimou-se que a alíquota de ICMS
interações no nível da carga tributária. sobe 0,27% em resposta a um aumento de
1% na alíquota dos estados vizinhos.
As interações podem ser classificadas sob duas
perspectivas: vertical, quando se dá entre diferen- Existem evidências, portanto, de que a inte-
tes níveis de governo, e horizontal, quando a intera- ração vertical no Brasil pode levar a um excesso
ção acontece no mesmo nível de governo.6 de tributação em produtos e serviços que façam
parte da base de tributação nos níveis federal e

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


As interações horizontais levam a uma re- estadual. Esse tipo de efeito pode resultar em es-
dução dos impostos nos estados, enquanto tados aumentarem as alíquotas de tributos para
as verticais levam ao aumento dessas taxas se protegerem de possíveis quedas de arrecada-
quando a demanda pelo bem econômico é re- ção, causadas por provável queda da demanda
lativamente inelástica em relação ao preço e decorrente do aumento da alíquota do tributo
existem fortes incentivos para arbitragem en- federal. Se válida essa proposição, é possível que
tre estados (por exemplo, forte comércio entre a interação vertical ajude a explicar a alta carga
as fronteiras estaduais). O nível de impostos de tributária do Brasil em comparação com a de
um determinado estado tende a aumentar com outros países emergentes. Tanto a arrecadação
a elevação do nível de impostos nos outros es- federal quanto a arrecadação das unidades fede-
tados, e reage pouco às alíquotas de impostos radas são altas no Brasil quando comparadas às
federais. Vale o contrário: quando a demanda de outros países da América Latina.9,10

39
Existem evidências, para os estados corresponderam a 7,2% do PIB
em 2017. Dos vários tipos existentes de trans-
portanto, de que a ferências, as mais significativas em termos de
recursos são as referentes ao Fundo de Partici-
interação vertical no pação dos Estados (FPE) – que, nos últimos dez
anos, representou, em média, 45% das trans-
Brasil pode levar a um ferências totais – e as referentes ao Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação
excesso de tributação em Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação (Fundeb) – que, nos últimos dez anos,
produtos e serviços que representou cerca de 41% das transferências.

façam parte da base de O FPE tem como um de seus objetivos redu-


zir as desigualdades regionais, e a cota de cada
tributação nos níveis estado é calculada levando em conta o PIB per
federal e estadual. capita e a população do estado. Isso faz que al-
guns estados mais pobres acabem por receber
maiores parcelas do fundo. Como esses esta-
A avaliação do federalismo fiscal no Brasil com dos, muitas vezes, são os mais agressivos para
foco nas interações horizontais constata fortes evi- atrair novos investimentos, aparece a associa-
dências da existência de dependência horizontal ção entre transferências e competição fiscal.
nas alíquotas de ICMS, e essa dependência é mais Por exemplo, o estado da Bahia, considerado
forte entre estados de uma mesma região geográ- por estudiosos como o estado líder (no sentido
fica. A Bahia seria o estado líder da competição de Stackelberg) da competição fiscal, é tam-
fiscal entre os estados brasileiros. Testes rejeita- bém o estado que recebe a maior parcela do
ram as hipóteses de que São Paulo, o estado com FPE: 9% se considerada a média dos últimos
maior participação no produto interno bruto (PIB) dez anos. Ocorre que as transferências não se
brasileiro, atuasse como líder na competição fiscal. resumem ao FPE, e as ações da União nos es-
O resultado, aparentemente surpreendente, pode tados não se resumem às transferências.
estar relacionado a mecanismos de transferência
de receitas tributárias entre a União e os estados.11 Programas e empreendimentos da União não
contabilizados como transferências também po-
O fato de a União distribuir entre os esta- dem ajudar determinados estados a atrair novas
dos parte da receita obtida com seus impostos empresas sem contar com recursos próprios. Um
mais elásticos, a exemplo do imposto de renda, exemplo disso são as universidades federais: em
pode interferir no valor das alíquotas determi- Minas Gerais, estado que conta com 4,5% do
nadas por cada estado. As unidades federadas FPE, existem dez universidades federais, con-
podem estar dispostas a abrir mão de parte da templando cerca de 150 mil alunos; e o Piauí
arrecadação própria, por contarem com recei- também conta com 4,3% do FPE, porém possui
tas geradas em outras unidades e transferidas apenas uma universidade federal, que contempla
via União para manter seus níveis de gastos. aproximadamente 29 mil alunos.

A questão das transferências costuma Outro exemplo que não tem relação com
acompanhar os debates sobre federalismo fiscal transferências, mas pode afetar a decisão de
na imprensa e na sociedade em geral. Não ra- investir, são os subsídios da União. Tomando-se
ramente, aparece o argumento de que estados como exemplo o caso do Banco Nacional de De-
pobres, notadamente do Norte e Nordeste, são senvolvimento Econômico e Social (BNDES), ope-
excessivamente beneficiados pelas transferên- rador dos grandes programas de crédito sub-
cias. Como um todo, as transferências da União sidiados pela União, tem-se que, na média dos

40
últimos dez anos, cerca de 42% dos desembol- brasileiros ilustra que apenas no Espírito Santo
sos foram destinados a São Paulo, estado que e no Mato Grosso houve redução dessa alíquo-
tem cerca de 1% do FPE. Enquanto a Bahia re- ta, entre 1997 e 2012. Esse resultado sugere que
cebeu 2,4% dos desembolsos desse banco. a competição fiscal no Brasil não está sendo
suficiente para induzir uma redução da alíquota
É fácil perceber que estados que recebem par- efetiva na grande maioria dos estados.
celas maiores do FPE não necessariamente rece-
bem parcelas maiores dos desembolsos do BNDES. Ao se analisar a evolução da alíquota efetiva
Isso não é um problema, longe disso, pois o BNDES do ICMS entre 1997 e 2012, não é possível per-
não tem como função reduzir desigualdades regio- ceber tendência de queda em nenhuma das me-
nais, e não faria muito sentido condicionar a ação didas. Na média do período entre 1997 e 2010,
do banco ao nível de renda dos estados. o desvio padrão das alíquotas efetivas de ICMS
correspondeu a 22% da média. Embora o des-
Até este ponto, o diagnóstico centrou-se nos vio-padrão tenha caído no período, de 0,177 para
efeitos das interações verticais e horizontais na 0,139, o declínio não parece ter sido persistente
definição das estratégias de cada estado quando o suficiente para caracterizar um processo de
da definição das alíquotas. Outra abordagem seria convergência entre as alíquotas efetivas dos di-
seguir a sugestão de James Buchanan, e avaliar a versos estados. No entanto, a correlação entre a
competição fiscal como uma forma de disciplinar alíquota efetiva de ICMS, em 1997, e a variação
governadores, mediante o risco da imigração para dessa, entre 1997 e 2012, é negativa e significa-
estados. Nesse sentido, a imigração poderia ser tiva, o que sugere a existência de um processo
evitada, com combinações mais apropriadas de de convergência: as alíquotas em estados com
impostos e serviços públicos oferecidos, fornecen- maiores alíquotas cresceram menos que as dos
do, assim, segurança aos entes federados. estados com menores alíquotas. Se o processo
de convergência é robusto ou se está associado a
A literatura a respeito da competição fiscal existência de competição fiscal são questões que
no Brasil, seguindo a abordagem de Bucha- devem ser desenvolvidas em outras pesquisas.14
nan, é pequena e não oferece material para
uma survey no estilo da que foi feita com a
questão do efeito da competição fiscal sobre
o nível das alíquotas dos impostos estaduais. A avaliação do federalismo
O fato de a carga tributária dos governos sub-
nacionais no Brasil ser alta, em comparação
fiscal no Brasil com foco
com a de outros países da América Latina,
sugere que a competição fiscal por aqui não
nas interações horizontais
teve o efeito de reduzir impostos estaduais.12 constata fortes evidências
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
Para avaliar essa sugestão, seria necessário
ter alguma estimativa de como seriam tais da existência de
taxas no caso de a competição fiscal “funcio-
nar”, ou seja, seria necessário construir um dependência horizontal
contrafactual. Esse exercício está fora do es-
copo deste documento, e não foi encontrado nas alíquotas de ICMS,
na literatura sobre competição fiscal no país.
e essa dependência é
A evolução das alíquotas de ICMS pode aju-
dar a avaliar o efeito da competição fiscal no mais forte entre estados
Brasil.13 Uma discussão sobre as alíquotas efe-
tivas de ICMS (definidas como arrecadação de
de uma mesma região
ICMS como proporção do PIB) para os estados geográfica.

41
Um último ponto que deve • a interação vertical faz que as alíquo-
tas de impostos que incidem sobre
ser registrado é a excessiva bens e serviços tributados pelos esta-
dos e pela União sejam excessivamen-
complexidade da legislação te altas;

de ICMS, que torna difícil, • os estados respondem a variações nas


alíquotas de outros estados com varia-
para empresas e cidadãos, ções na mesma direção das próprias
alíquotas;
avaliar quanto de imposto
• a resposta é mais forte se o estado que
efetivamente incide sobre mudou a alíquota pertencer à mesma

cada etapa da cadeia região geográfica;

de produção. • as transferências podem ter um pa-


pel importante para explicar os efei-
tos e a intensidade da competição
Um último ponto que deve ser registrado é a fiscal, mas, antes de caminhar nes-
excessiva complexidade da legislação de ICMS, sa direção, talvez seja necessário
que torna difícil, para empresas e cidadãos, ava- entender melhor os efeitos das ações
liar quanto de imposto efetivamente incide sobre da União na capacidade dos estados
cada etapa da cadeia de produção. A complexi- de atrair investimentos;
dade excessiva também impõe custos, associa-
dos à contratação de contadores e advogados • e a competição fiscal no Brasil não foi
da área tributária, para evitar problemas com a suficiente para reduzir a alíquota efeti-
Secretaria de Fazenda dos diversos estados. A va de ICMS na média e na maioria dos
complexidade e as diferenças entre leis esta- estados, mas pode ter ajudado a induzir
duais que regulam o ICMS é um dos problemas um processo de convergência entre as
associados a esse imposto.15 O número de dife- alíquotas efetivas dos vários estados.
rentes alíquotas de ICMS no mesmo estado varia
de dois, em Alagoas, a onze, em Pernambuco. Na Propostas
Bahia, os valores das cinco alíquotas diferentes
existentes oscilam entre 7% e 38%, e no Acre, Em uma perspectiva de guerra fiscal e com o
as três alíquotas existentes variam entre 12% e diagnóstico de que a soma de ganhos e perdas
25%. Também há distinções entre os sistemas dos estados, do Distrito Federal e da União re-
de classificação de bens e serviços para fins de sulta em uma perda líquida e concentrada nos
determinação da alíquota. Em alguns estados, é estados mais pobres, o caminho seria na dire-
utilizada a Nomenclatura Comum do Mercosul/ ção de propostas que eliminem ou reduzam ao
Sistema Harmonizado (NCM/SH) e em outros máximo o espaço para guerra fiscal. Nessa dire-
é usada a Nomenclatura Brasileira de Mercado- ção, a proposta de mudar a legislação para que
rias/Sistema Harmonizado (NBM/SH). o ICMS passe a ser cobrado no destino, e não
mais na origem, pode ser bastante efetiva.
Entre os pontos relevantes que devem dar
suporte a propostas de políticas da próxima Essa sistemática (a cobrança no destino)
seção, destacam-se estes: não elimina de todo a guerra fiscal, mas
impõe fortíssima restrição à eficácia dos in-
centivos do ICMS. Como todas as saídas de

42
mercadorias destinadas a outros estados ou ticidade ou de difícil arbitragem entre os
ao exterior não são tributadas, não servem estados, poderia reduzir as alíquotas ex-
de base para a concessão de incentivos; e cessivas derivadas da interação vertical.
como a Constituição veda aos estados es-
tabelecer diferença tributária entre bens em • Incorporação de uma medida de esfor-
razão de sua procedência ou destino, não há ço fiscal no cálculo das cotas de trans-
como privilegiar o consumo de bens produ-
ferências para estados e municípios:
zidos no estado. A única forma possível de
conceder benefício fiscal para atrair em- as reações dos estados à variação
preendimentos é a redução do imposto a re- das alíquotas de outros estados, assim
colher, cujo valor agora depende do volume como a interação horizontal entre os
de vendas da empresa para dentro do esta- estados, decorrente da substituição
do. Evidentemente, somente as empresas de arrecadação própria por transfe-
que pretendam dirigir sua produção primor- rências da União, poderiam ser redu-
dialmente para esse mercado poderão ser zidas se a União atrelasse parte das
atraídas. Ademais, elimina-se a hipótese – transferências ao esforço fiscal dos
que, como se viu, existe atualmente e não é estados e municípios. Esforços nesse
mera curiosidade teórica, pois efetivamente
sentido deveriam ser precedidos por
ocorre – de um estado conceder incentivo, e
uma avaliação de outros mecanismos
outro pagar a conta.16
utilizados pela União e que beneficiam
A proposta de cobrar ICMS no destino determinados estados e municípios
pode ser a base para uma mudança profunda quanto à capacidade de atrair e man-
na estrutura tributária brasileira, que, entre ter investimentos.
outras mudanças, deve redefinir o pacto fe-
• Simplificação da legislação do ICMS:
derativo do país. Em um contexto de guerra
essa legislação é excessivamente com-
fiscal, a proposta reduziria muito o espaço
plexa e contribui para que o Brasil seja
para disputas predatórias entre estados, e em
um dos países onde mais se gasta tem-
um conceito de competição fiscal, a mudança
po com a burocracia para pagar impos-
tornaria mais fácil para os consumidores pe-
tos. Uma lei federal que disciplinasse o
sar os aspectos tributários. Porém, por mais
número máximo de tarifas nos estados
interessante que seja, a proposta pode se
e no Distrito Federal, bem como unifi-
tornar inviável, por conta de dificuldades para
casse os sistemas de classificação, po-
aprovação no Congresso Nacional.
deria ajudar tanto na redução de custos
Adiante, serão apresentadas propostas me- das firmas quanto na escolha de onde
nos ousadas do que a adoção do sistema de co- se instalariam, assim como a decisão

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


brança no destino, mas, provavelmente, sejam de “migrar com os pés”, por parte dos
consumidores/contribuintes.
mais factíveis de ser aplicadas.
Apesar de mais simples que a mudança na
• Redefinição da base tributária, de forma
tributação da origem para tributação no des-
a minimizar a incidência de impostos de
tino, as propostas listadas também podem
diferentes esferas de governo no mes-
encontrar dificuldades para aprovação. De
mo bem ou serviço: uma reforma tribu-
fato, mudanças nas regras do federalismo fis-
tária que reduzisse, ou mesmo eliminas-
cal implicam perda de arrecadação no curto e
se, o IPI, diminuindo a cobrança, pela
médio prazo. Em um contexto de crise fiscal
União, de impostos que incidem sobre o
nas três esferas de governo, dificilmente será
valor agregado para bens de baixa elas-
aceita qualquer mudança que implique per-
da de receitas no curto prazo. Nesse sentido,

43
possivelmente, o mais pragmático em termos regras e qual será a recepção dessas no STF e no
de competição fiscal seja garantir que a LC no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A experiência
160/2017 seja implementada. da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostra
as dificuldades de fazer valer punições a estados
Se não se resolver a questão das disputas e municípios. O veto presidencial a artigos da lei
fiscais entre estados e municípios e se a LC no que poderiam trazer prejuízo ao Tesouro Nacional
160/2017, que disciplina práticas que vinham pode ser derrubado no Congresso Nacional, tra-
sendo aplicadas e questionadas no Supremo zendo novas dificuldades para implementação da
Tribunal Federal (STF), não for implementada, nova lei.
não haverá segurança jurídica para investidores
e governos estaduais. A exigência de aprova- Este documento apresenta algumas propos-
ção unânime no Conselho Nacional de Política tas, mas reconhece que uma visão pragmática
Fazendária (Confaz)17 para conceder benefícios concentraria os esforços no acompanhamento da
fiscais resultou em uma série de benefícios con- implementação da LC no 160/2017 e de como os
cedidos por meio de artimanhas para burlar as dispositivos da lei serão recebidos pelos estados e
exigências legais. Por conta disso, o STF julgou pelas cortes superiores. Se a LC no 160/2017 tiver
inconstitucional uma série de benefícios, o que sucesso em impor as normas por ela estabelecida,
deixou empresas beneficiárias em situação de- deverá ocorrer uma redução significativa nos as-
licada. A LC no 160/2017 regulamenta a conces- pectos perniciosos da guerra fiscal, sem que sejam
são de benefícios fiscais por parte dos estados eliminadas as possibilidades de competição fiscal.
e troca a exigência de aprovação unânime por
aprovação por dois terços dos votos no Confaz Se as propostas sugeridas forem imple-
para concessão de novos benefícios.18 A nova lei mentadas, é de se esperar uma maior sim-
também garante a validade por quinze anos dos plicidade e transparência dos impostos es-
benefícios já concedidos. taduais – quem sabe –, até tornaria possível
uma redução de alíquotas sem prejudicar o
A nova lei resolve uma questão particular- total arrecadado. Além disso, poderia ser ob-
mente delicada, a glosa de créditos do ICMS servada uma maior segurança jurídica, assim
por estados destinatários da mercadoria. Gros- como a busca por equidade entre os estados
so modo, a prática consiste em não reconhecer nesse contexto de competição fiscal. De toda
valores de ICMS destacados nas notas fiscais forma, buscou-se introduzir no debate ques-
como crédito ao contribuinte que recebeu a tões associadas à abordagem de James Bu-
mercadoria, com o argumento de que o imposto chanan e à tradicional abordagem de finan-
não foi devidamente pago no estado de origem. ças públicas. De fato, ampliar o debate nessa
O art. 5o, da LC no 160/2017, termina com a glo- direção talvez seja o resultado esperado mais
sa de crédito. plausível da análise realizada.

Finalmente, a LC no 160/2017 imputa punições


para os estados que concederem benefícios fis-
cais sem convênio aprovado na forma da lei. Entre
as punições, estão a suspensão de transferências
voluntárias e a de garantias da União para endivi-
damento. Os estados também serão punidos, com
a imposição de barreiras para a realização de ope-
rações de créditos com a União.

Como a LC no 160/2017 é muito recente, ainda


não se sabe como os estados vão reagir às novas

44
4
DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL E
CRESCIMENTO
INCLUSIVO:
AVALIAÇÃO DE
POLÍTICAS E
PROPOSTAS DE
APERFEIÇOAMENTO
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E CRESCIMENTO INCLUSIVO:
AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS E PROPOSTAS DE APERFEIÇOAMENTO

E
ste texto traz uma reflexão sobre campo de política pública nos anos vindouros.
enfrentamentos e obstáculos ao de- Na seção final, algumas sugestões para o aper-
senvolvimento territorial no Brasil atual. feiçoamento das políticas regionais são apre-
Inicialmente, apresenta um diagnóstico cen- sentadas, com base em diagnóstico e premissas
trado no período 2000-2015, sobre avanços de políticas adotados na discussão antecedente.
e limitações da situação de bem-estar e das
disparidades econômicas nas Grandes Regiões Política de desenvolvimento territorial deve
brasileiras. Argumenta-se que muitos dos fazer parte da estratégia nacional de coesão
avanços realizados foram induzidos pelos regional. Nos países desenvolvidos, compa-
princípios norteadores de um federalismo do rativamente a experiências em países em
bem-estar social e da coesão regional que se desenvolvimento, os desequilíbrios regionais
gestou no país desde a promulgação da Cons- assumem, nos dias atuais, dimensão menos
tituição de 1988 (CF/1988). dramática, visto que a existência dessa ano-
malia foi sendo corrigida ao longo do processo
Em seguida, discute-se a necessidade de evolutivo da nação.
incorporação da dimensão regional-territorial
no planejamento federal. Para tal, consideram- Sem dúvida, as estratégias e as políticas
-se duas perspectivas sobre os formatos mais que visam a redução de disparidades inter-re-
adequados ao desenho e à implementação de gionais de desenvolvimento implicam soluções
políticas públicas: i) a superação da visão pre- políticas negociadas e, geralmente, complexas
valecente em alguns círculos governamentais em ambiente de relações federativas, como
de que a política territorial (urbana, regional, é o caso brasileiro. Em contextos federativos
rural, ambiental etc.) deve ser tópica, conjun- cuja competição entre entes governamentais
tural e episódica – o contra-argumento inspira- é acentuada, a guerra fiscal tende a se conso-
-se em experiências de políticas regionais em lidar e reduzir a eficiência da ordem tributária
países da União Europeia onde estas são con- nacional: distorções cumulativas na alocação
sideradas elementos próprios de estratégias territorial de recursos tendem a se cristalizar.
nacionais em seus países, com vistas a trans-
formações de médio e longo prazo –; e ii) as Por essas razões, políticas de dimensão
políticas territoriais explícitas devem ser parte territorial se tornam pilares imprescindíveis à
integrante de um arranjo institucional-federa- segurança do desenvolvimento e à coesão po-
tivo devotado ao desenvolvimento e à coesão lítico-federativa nacional.
regional. Não são, portanto, políticas isoladas,
pelo contrário, são parte de uma estratégia Disparidades regionais
mais ampla de atuação governamental.
de desenvolvimento
A explicitação do padrão de atuação gover-
Quando se fala em desigualdades territoriais,
namental longamente construído no país no pe-
está-se aludindo a fenômenos sociais e eco-
ríodo pós-constituinte, isto é, a partir de 1988,
nômicos, os quais, regra geral, são fenômenos
em termos de políticas, instrumentos e recursos
que se expressam na forma de desequilíbrios
aplicados, é elemento central para a compre-
relacionados a processos de causação circular
ensão das reais possibilidades e apostas neste

46
acumulativos.1 Ou seja, manifestam-se na for- Contudo, as políticas postas em uso sempre
ma de círculos viciosos de baixo crescimento foram pouco articuladas entre si e mesmo
de bem-estar ou econômico, para as regiões não faziam convergir objetivos de alcance
perdedoras, e, noutra direção, em círculos vir- social com os de orientação econômica.
tuosos de elevada expansão de bem-estar ou
de renda e produto, para as regiões ganhado- Em fins da década de 1980, por mérito
ras. Identificar os processos negativos de cau- e propósito dos debates constituintes e da
sação circular e romper com estes têm sido, promulgação da CF/1988, alguns elementos
em muitos países e também aqui no Brasil, os da intervenção pública vieram a dar nova
objetivos das políticas territoriais. feição ao ordenamento territorial no Brasil.
Os resultados de suas proposições têm dei-
Em países de baixo nível de desenvolvi- xado marcas relevantes na mudança para
mento, a questão regional é não somente um melhor do patamar de desenvolvimento na-
problema de distância nos níveis de bem-es- cional e estão diretamente associados a um
tar, renda e riqueza entre regiões, mas, prin- arranjo institucional de políticas que se cons-
cipalmente, é de forte quadro de pobreza ou tituiu pela articulação de diversos propósi-
miséria absoluta. Contrariamente, em países tos. Esse arranjo é composto, grosso modo,
desenvolvidos, onde a pobreza não é mais uma por três vetores de políticas que se reforçam
condição das populações, a questão regional mutuamente: i) políticas sociais universais de
se torna, grosso modo, apenas uma tarefa de saúde, educação e assistência com recur-
conter o aumento das diferenças no cresci- sos constitucionalmente definidos; ii) siste-
mento das diversas regiões. ma federativo de redistribuição de recursos,
propiciadores de elevação de capacidades
No Brasil, a questão regional surge com for- de financiamento em regiões e estados de
ça no centro das atenções nacionais por volta menor desenvolvimento socioeconômico; e
da década de 1950, em contexto histórico de iii) recursos de políticas setoriais e de instru-
acelerada industrialização e urbanização, na mentos de financiamento de bancos públicos
passagem, portanto, de uma economia predo- para o desenvolvimento territorial.3
minantemente agrária e rural para outra com
feições e dinâmica urbana e industrial.2 O re-
conhecimento do acelerado crescimento in-
dustrial da região Sudeste e da economia do
Muitos dos avanços
estado de São Paulo, em particular, desde fins
do século XIX, levou a uma interpretação de
realizados foram
que as regiões Norte e Nordeste estavam fi- induzidos pelos princípios
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
cando flagrantemente para trás, num contexto
de estruturas produtivas obsoletas e de baixa norteadores de um
vitalidade social.
federalismo do bem-estar
Desde então, uma certa combinação de
políticas nacionais (setoriais, de infraestrutu- social e da coesão regional
ra e sociais) com políticas regionais e urba-
nas explícitas (incentivos fiscais e tributários que se gestou no país
e crédito público subsidiado para atividades
produtivas) tem sido adotada, com vistas à desde a promulgação da
melhoria dos padrões de vida das popula-
ções em áreas de baixo desenvolvimento.
Constituição de 1988.

47
De um lado, a CF/1988 propugnou a cria- estavam nos patamares médios superiores
ção de sistemas universais para as políticas de de Índice de Desenvolvimento Humano Mu-
saúde, educação e previdência, os quais viriam nicipal – IDHM (muito alto, alto e médio); em
a se chamar, nos dias atuais, de Sistema Úni- 2010, com os avanços produzidos pela ação
co de Saúde (SUS), o atual Fundo Nacional de pública, 74,8% já se encontrava neste mes-
Desenvolvimento da Educação Básica (Fun- mo grupo.4
deb) e a previdência rural, respectivamente.
Tais sistemas passariam a ser a base para a As melhorias regionais nesse quesito são
melhoria das condições de vida de amplas evidentes. Os indicadores avançam nas re-
camadas da população brasileira, porque se giões de menor patamar de desenvolvimen-
constituiriam em provedores de amplo acesso to, concorrendo para a convergência de pa-
da maioria da população a bens e serviços pú- drões de desenvolvimento socioeconômico.
blicos essenciais. As regiões Norte e Nordeste apresentaram
taxas superiores à média nacional e à das
De outro lado, a CF/1988 também reali- demais regiões. A despeito deste esforço,
zou alterações em regras de redistribuição estas regiões ainda se encontram em padrão
federativa de recursos, visando a redução relativamente inferior ao nacional: corres-
das também elevadas disparidades de recur- ponde para cada uma das duas regiões, res-
sos tributários entre entes da Federação, por pectivamente, em 2010, a 91,7% e 91,2% da
meio dos Fundos de Participação a Estados média nacional (Índice de Desenvolvimento
(FPEs) e Municípios (FPMs). No campo da Humano – IDH = 0,727).
questão regional, em especial, criou os Fun-
dos Regionais de Desenvolvimento para a Noutra perspectiva das disparidades regio-
Região Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Cen- nais, a dimensão econômica do desenvolvi-
tro-Oeste (FCO), com vistas ao fortaleci- mento regional brasileiro apresenta trajetória
mento das economias regionais mais frágeis. complexa, com transformações lentas e de
longo prazo. A persistente e elevada diferença
Esse duplo aparato de mecanismos públi- de capacidade produtiva entre as regiões se
cos voltados para a modificação das estruturas faz notar no processo de desenvolvimento das
produtoras e mantenedoras das condições de últimas seis décadas, pelo menos. A tabela 1,
miséria e pobreza em todo o território nacional com dados de participação das regiões no pro-
– políticas sociais universais e um federalismo re- duto interno bruto (PIB) nacional, desde 1949
distribuidor inter-regionalmente – tem propiciado até 2015, aponta para relevantes modificações
alterações significativas em indicadores sociais e nas posições relativas.
econômicos nas regiões mais atrasadas.
Perde posição relativa no cenário econômico
Um quadro referencial e sucinto dos es- nacional a economia da região Sudeste e ganham
forços e avanços na última década, bem de modo mais expressivo as regiões de fronteira
como de desafios para o futuro próximo, é do Norte e do Centro-Oeste. Regiões com eco-
a seguir discutido. Do ponto de vista das nomias mais consolidadas historicamente, como
melhorias de bem-estar que podem ser no- as do Sul e do Nordeste, encontram grandes difi-
tadas no território nacional, os dados do
culdades para expandir sua presença na econo-
Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil
mia nacional. O elemento auspicioso do quadro
2013 (Programa das Nações Unidas para o
apresentado é a existência de uma tendência à
Desenvolvimento – PNUD/Fundação João
desconcentração produtiva regional, a qual se
Pinheiro – FJP/Ipea) indicam que em 2000
faz presente desde a década de 1970 e continua
apenas 28,5% dos municípios brasileiros
a operar na última década.

48
TABELA 1
Brasil e regiões: composição regional do PIB total (1949-2015, anos escolhidos)
Proporção do PIB total nacional (%)
Grandes Regiões
1949 1959 1970 1980 1990 2000 2015
Norte 1,8 2,0 2,2 3,1 4,9 4,6 5,4
Nordeste 14,4 14,4 11,7 12,0 12,9 13,1 14,2
Sudeste 65,9 63,0 65,5 62,4 58,8 57,8 54,0
Sul 16,2 18,2 16,7 17,0 18,2 17,6 16,8
Centro-Oeste 1,8 2,4 3,9 5,5 5,2 7,0 9,7
Brasil 100 100 100 100 100 100 100
Fontes: Contas Regionais da Fundação Getúlio Vargas – FGV (para os anos 1949 e 1959); Contas Regionais, IBGE (dados brutos, para os anos 1970 a 2015).

TABELA 2
Brasil e regiões: proporção relativa da região no PIB per capita total (1980-2015, anos escolhidos)
Proporção do PIB per capita nacional (%)
Grandes Regiões
1980 1990 2000 2010 2015
Norte 60,0 72,0 60,4 64,0 62,6
Nordeste 41,5 44,5 46,6 48,3 51,2
Sudeste 145,5 137,7 135,6 133,2 128,8
Sul 107,7 121,0 118,8 111,2 117,6
Centro-Oeste 70,2 80,1 101,3 124,0 128,0
Brasil 100 100 100 100 100
Fonte: Contas Regionais, IBGE (dados brutos).

Tarefa mais difícil tem sido a de alterar as Norte e Nordeste, com padrões de pobreza,
proporções relativas das regiões no PIB per ca- miséria e insuficiência de crescimento mais
pita nacional (tabela 2). As regiões Norte e Nor- notórios, sofriam de longa trajetória de de-
deste continuam bem abaixo da média nacional, cadência econômica – pelo menos, desde o
enquanto as demais regiões já estão todas em final do século XX, quando se iniciaram as
patamar superior à média. A região Norte tem ações mais relevantes da moderna política
sofrido revezes na sua tentativa de convergên- regional brasileira, concebida e iniciada em
cia com o padrão nacional e vem se situando na final dos anos 1950 e início dos anos 1960 –,
faixa dos 60%, com altos e baixos. A região Nor- e o papel da política nessas regiões, a partir
de sua aplicação, foi, então, de conter aque-
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
deste, com quase 30% da população do país,
encontra muita dificuldade para fazer seu PIB la trajetória e imprimir novo ritmo de cres-
por habitante se elevar num contexto em que o cimento. Este intento, de fato, foi atingido,
ritmo da atividade econômica tem sido positivo. como mostram vários estudos que apontam
Seu PIB per capita tem se mantido, já por longo para a existência de taxas de crescimento do
período, em torno da média nacional. É nesta PIB total e o do PIB per capita naquelas duas
região que o problema regional brasileiro é mais regiões com patamar superior às mesmas
presente, persistente e complexo. ocorridas no resto do país, em sucessivos pe-
ríodos entre 1960 e 2015.5
Esses resultados são relativamente insu-
ficientes, contudo devem ser apreciados em Em um segundo momento, a estrutura
perspectiva ampla. Primeiramente, as regiões produtiva nessas regiões continua a sofrer

49
transformações de monte, principalmente Políticas territoriais explícitas e
pela expansão de seu tecido industrial ou
agroindustrial, ainda que sua participação implícitas: o que esperar da
na indústria nacional continue relativamen- ação pública
te pequena. Análises recentes de Montei-
ro Neto e Raphael Silva (2018)6 e Sampaio Políticas territoriais referem-se àqueles temas
(2017)7 sobre as transformações da indús- do campo de preocupação das políticas pú-
tria brasileira apontam para a existência de blicas permeados por grandes embates e, por
um vetor de desconcentração regional que vezes, poucos consensos. Os países deveriam
contempla as regiões Norte, Nordeste e adotar políticas explícitas para corrigir dese-
Centro-Oeste. quilíbrios regionais? Ou, contrariamente, dei-
xar as forças próprias do mercado na busca
Na escala microrregional, também se ob- dos melhores usos e retornos para os recursos
serva desconcentração da atividade indus- existentes, estabelecer uma possível trajetória
trial no território nacional. Monteiro Neto et de convergência de rendas por habitante?
al. (2018) mostram, por meio do conceito de
aglomerações industriais relevantes (AIRs) – Políticas regionais são relevantes para o de-
definidas como aquelas microrregiões com senvolvimento nacional. Países que compõem a
mais de 10 mil empregos industriais em cada Organização para Cooperação e Desenvolvimen-
ano analisado –, que as regiões Sudeste e Sul to Econômico (OCDE), principalmente no conti-
juntas detinham, em 2000, 76 AIRs entre as nente europeu, advogam e praticam largamente
99 brasileiras (76,8% do total). Este número políticas territoriais. Em 2009, em publicação so-
aumentou para 117 AIRs em 2015, num total bre este tema das políticas territoriais, a OCDE
de 160 para o Brasil como um todo (73,1% do passou a defender explicitamente a utilidade e a
total). As aglomerações nestas duas regiões adoção de políticas com vistas a aumentar a com-
mais desenvolvidas responderam por 85,1% petitividade das regiões no cenário internacional
do valor agregado bruto (VAB) da indústria em e a fortalecer estratégias de desenvolvimento en-
2000; em 2015, o percentual foi reduzido para dógeno em regiões deprimidas ou de baixo cres-
78% do total.8 cimento.9 Num continente de longa experiência
histórica de uso intensivo de recursos naturais –
Há, de fato, desconcentração da atividade os quais se encontram em estágio de escassez
industrial – representada pelo emprego e va- relativa – e de capital, a necessidade de revitali-
lor adicionado bruto na indústria extrativa e zar territórios subnacionais (e setores produtivos)
de transformação –, que, no entanto, tem tra- pouco competitivos tem sido vista não apenas
jetória lenta. Os avanços nas regiões Norte, como importante, mas também como urgente.10
Nordeste e Centro-Oeste são constantes, po-
rém, pequenos. No Brasil, a experiência histórica e institucio-
nal da política regional mostra que esta se tor-
Considerando que políticas territoriais atu- na mais relevante e eficaz quando aplicada em
am sob múltiplas escalas, deve ser lembrado contexto de estratégias nacionais de desenvolvi-
que o esforço de ordenamento territorial no mento amplas e robustas. Foi entre 1950 e 1970,
Brasil necessita considerar a sua rede de cida- em diversos governos, que propuseram esforços
des médias como alvo, de maneira a promover de expansão de infraestruturas para o cresci-
a desconcentração da atividade econômica, mento econômico. No período 2003-2015, o go-
da urbanidade e da população das grandes verno federal, em face do contexto de expansão
metrópoles e cidades da porção atlântica do das receitas fiscais, voltou a dar amplo apoio à
território em direção ao interior. mobilização de políticas, ações e recursos em
territórios e regiões menos desenvolvidos.

50
No Brasil, a experiência um amplo e coordenado leque de instrumen-
tos de políticas, o qual conjugou objetivos e re-
histórica e institucional da cursos de política social explícita, investimento
público em infraestrutura regional e urbana e
política regional mostra ampliação da oferta de crédito público ao in-
vestimento privado.
que esta se torna mais
Considerando a política territorial como
relevante e eficaz quando resultante de ações das políticas urbana (no
âmbito do Ministério das Cidades) e regional
aplicada em contexto de explícita (no ministério da Integração Nacio-

estratégias nacionais de nal), registra-se o fortalecimento jurídico, nor-


mativo, institucional e de capacidade de exe-
desenvolvimento amplas cução desde o início dos anos 2000. De um
lado, a Política Nacional de Desenvolvimento
e robustas. Urbano (PNDU) foi instituída, ainda em 2004,
com foco de atuação nas áreas de saneamen-
to e habitacional. Sua atuação mais visível foi
Contudo, políticas territoriais não podem ser a implementação do Programa Minha Casa
tidas como relevantes apenas em épocas de Minha Vida (PMCMV), que se prestou ao fi-
bonanças fiscais. As ações que visam ao orde- nanciamento de moradias populares, visando
namento territorial e ao melhor uso dos recur- à redução do deficit habitacional nacional. De
sos econômicos, políticos e institucionais das outro, a Política Nacional de Desenvolvimento
regiões deveriam ser parte de estratégias que Regional (PNDR), sancionada em 2007, voltada
produzem maior racionalidade na aplicação dos para a redução de disparidades regionais em
recursos orçamentários do Estado brasileiro. múltiplas escalas do território, e segue vigendo
Isso requer o abandono da visão de que política até o momento.11
regional/territorial é mero custo adicional ao or-
çamento nacional, em prol de um outra em que O padrão de atuação governamental no
a dimensão territorial se coloca no centro de território caracterizou-se pela busca de articu-
cada política temática e/ou setorial, com vistas lação e coordenação das ações das políticas
à maior eficiência e economia de recursos. regionais e urbanas com as políticas sociais
universais (saúde, educação e assistência) ou
O arranjo institucional-federativo da política de bem-estar, representadas, entre outras,
territorial. A consideração da essencialidade de pela aplicação do Programa Bolsa Família

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


políticas territoriais/regionais em estratégias (PBF) de transferências de renda a famílias
nacionais de desenvolvimento requer, por con- pobres, pelos benefícios de prestação conti-
sequência, que seja devidamente (re)conhecido nuada (BPCs) – que se referem a recursos do
e pactuado o compromisso em torno da conso- Tesouro para provisão de apoio à aposentado-
lidação do arranjo institucional para a atuação ria rural e a deficientes –, bem como dessas
no desenvolvimento regional. com os investimentos públicos federais e os
recursos do sistema bancário público para fi-
Deve-se mencionar a mudança de estra- nanciamento da atividade privada proveniente
tégia governamental para atuação na política da política regional, na forma de fundos cons-
territorial operada ao longo da última década titucionais do desenvolvimento regional, e os
e meia (2000-2015). Sob sucessivas adminis- advindos do BNDES para setores produtivos
trações, o governo federal passou a mobilizar e infraestrutura.

51
A política territorial, vista pelo prisma de Noutra perspectiva, as transferências de
um arranjo institucional-federativo, passou a renda a pessoas (PBF e BPC) destinam-se
se caracterizar pelo protagonismo de diver- majoritariamente, na perspectiva macroeco-
sas instâncias governamentais, numa estra- nômica, à demanda de consumo nas regiões
tégia de cooperação e articulação de atores recebedoras. Correspondem a recursos, na
federais. Neste arranjo, como executores di- maior parte das vezes, inteiramente gastos na
retos de políticas territoriais, contou-se com própria economia local onde residem as famí-
a participação dos ministérios das Cidades e lias recebedoras e se destinam a aumentar o
da Integração Nacional, complementados pela seu bem-estar. Segundo vários estudos re-
atuação de executores de políticas de desen- centes, tais transferências sociais têm tido im-
volvimento produtivo (ministérios da Fazenda pacto, além da própria elevação do bem-estar
e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços) da população, muito significativo no cresci-
e por executores de políticas sociais no terri- mento econômico das localidades atendidas,
tório, como os ministérios do Desenvolvimento por meio do aumento da demanda de bens e
Social e da Previdência Social – e também de serviços locais e também por meio do aumen-
parceiros em governos subnacionais (estados to da arrecadação municipal de impostos.
e municípios). Desse modo, a estratégia pas-
sou a requerer bases mais robustas para sua Em todos os três tipos de instrumento, a
implementação e efetividade e a coordenação hipótese de vazamentos de renda para outras
do núcleo político do governo federal. regiões, na forma de compra de bens de consu-
mo, insumos, máquinas e equipamentos e ser-
Em cada instrumento ou ação mobilizada, viços especializados, se verifica com maior ou
orientações macroeconômicas distintas se ve- menor intensidade. Entretanto, quanto maior a
rificam, geradoras de diferentes impactos mul- parcela de recursos destinada à mudança es-
tiplicadores sobre pessoas, setores e lugares. trutural, isto é, à possibilidade de modificação
Inicialmente, pode-se apontar o papel relevan- da estrutura produtiva e tecnológica regional,
te do investimento público federal, o qual cor- maior a mudança realizada. Desse modo, quan-
responde a gasto público direto realizado em to mais estrategicamente uma combinação de
cada região e que, em sua maior parte, tem se instrumentos for adotada e quanto maiores fo-
destinado à expansão de infraestrutura (habi- rem os recursos disponíveis para a modificação
tações, rodovias, portos, aeroportos, hidroelé- – quantitativa e qualitativamente – da oferta
tricas, universidades etc.) para a competitivi- regional, maiores as possibilidades de expansão
dade econômica regional. de sua fronteira de produção e do bem-estar.

Outro mecanismo utilizado para a política Os volumes dos recursos orientados pelo
regional foi o crédito público ao investimen- arranjo institucional na última década e meia
to privado, cujo destino é o financiamento de contribuem para a leitura dos propósitos da
projetos de custeio ou investimento privado atuação governamental nas regiões-alvo de
– em ambos os casos, se espera que parte do políticas regionais (tabela 3). Os dados cobrem
gasto realizado fique na região recebedora do o período 2000-2015 para as regiões Norte,
crédito e leve à ampliação do empreendimento Nordeste e Centro-Oeste. De imediato, se ve-
produtivo. O investimento público e o crédito rifica a mais elevada participação de recursos
público ao setor privado são fontes de recur- para o crédito ao investimento privado (recur-
sos propícias a realizar mudanças econômicas sos emprestáveis e posteriormente reembol-
estruturais nas regiões recebedoras, uma vez sados pelas empresas) na composição das
que atuam sobre a ampliação da capacidade fontes assinaladas. Com R$ 931,5 bilhões (va-
produtiva preexistente. lores acumulados e medidos em R$ de 2015)

52
TABELA 3
Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste: recursos de política pública com impactos regionais, valores
acumulados (2000-2015)
(Em R$ bilhões de 2015)

Investimento Crédito ao investimento Programas


Totais
Região/período público federal Fundos Desembolsos sociais
(B + C) = (D) (A+D+E)
(A) constitucionais (B) (C) (E)
Nordeste INV PUBL FNE BNDES FNE + BNDES PBF + BPC Subtotal NE
2000-2015 209,2 156,5 278,6 435,1 209,2 853,5
24,5% 18,3% 32,6% 50,9% 24,5% 100%
Norte INV PUBL FNO BNDES FNO + BNDES PBF + BPC Subtotal NO
2000-2015 89,8 53,3 150,3 203,6 82,5 375,9
23,9% 14,1% 40,0% 54,1% 21,9% 100%
Centro-Oeste INV PUBL FCO BNDES FCO + BNDES PBF + BPC Subtotal CO
2000-2015 74,2 75,5 217,3 292,8 87,0 454,0
16,3% 16,6% 47,9% 64,5% 19,1 % 100%
Total NE+NO+CO 373,2 285,3 646,2 931,5 378,7 1.683,4
22,2% 16,9% 38,4% 55,3% 22,5% 100%

Fontes: Investimento público federal – Secretaria de Orçamento Federal (SOF), Ministério do Planejamento; fundos constitucionais – Ministério da Integra-
ção Nacional; desembolsos do BNDES: relatórios anuais do BNDES (vários números); PBF – Ministério do Desenvolvimento Social; e benefícios de
prestação continuada – Ministério da Previdência.
Notas: 1 Para o investimento federal, são utilizados dados do período 2001-2006.
2
O PBF tem seu início de implementação em 2004. Os dados utilizados são do período 2004-2015.

do crédito bancário público – operacionalizados conjuntamente, do gasto federal e do crédito


pelos bancos regionais de desenvolvimento na público federal ao investimento, representou,
Amazônia (Banco da Amazônia S.A. – Basa), no grosso modo, em torno de 75% (ou mais) do
Nordeste (Banco do Nordeste do Brasil S.A. – conjunto das fontes investigadas. Sinalizando,
BNB) e no Centro-Oeste (Banco do Brasil) e portanto, para a preocupação em, de fato, con-
mais os desembolsos do Banco Nacional de De- duzir a trajetória das regiões em relevo para
senvolvimento Econômico e Social (BNDES) –, um patamar superior de desenvolvimento.
num total de R$ 1,7 trilhão do conjunto das
fontes para as três regiões. Em termos per- Sem sombra de dúvida, os instrumentos
centuais, corresponde a 55,3% do total das não exclusivos da política no âmbito do arran-

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


fontes analisadas. jo institucional com vistas à atuação regional,
representados pelos investimentos federais
O investimento público federal deu contri- (orçamento da União), pelos desembolsos do
buição relevante para a realização da estra- BNDES e pelas transferências de renda de pro-
tégia regional e representou R$ 373 bilhões gramas sociais (BPC e PBF), são muito mais
(22,2%) do total das fontes analisadas no perí- relevantes, em termos de volumes disponibili-
odo 2000-2015 –12 montante superior até mes- zados, que o instrumento exclusivo da política
mo ao observado para os tradicionais fundos regional explícita: os desembolsos dos fundos
constitucionais regionais. constitucionais de desenvolvimento. A opera-
ção destes fundos constitucionais torna-se, en-
A forte orientação dada à demanda de in- tretanto, magnificada quando são aplicados em
vestimento ou, entendido como sua contrafa- sintonia com as demais estratégias e recursos,
ce, à expansão da oferta agregada, por meio, no bojo deste arranjo institucional específico.

53
Também o aspecto temporal da matura- Na perspectiva social, em que as políticas
ção em cada forma de gasto deve ser devi- universais de educação, saúde e transferências
damente apreciado. Para cada tipologia de de renda a famílias têm papel preponderante,
instrumento/recurso, há uma temporalidade embora as modificações em termos de bem-
específica das etapas de realização e con- -estar das populações tenham sido atingidas,
clusão das ações planejadas, as quais de- a política regional explícita se mostra limitada
veriam ser consideradas quanto à geração para expandir o multiplicador local desta tipo-
de efeitos multiplicadores. De um lado, as logia de gasto. Este, sem sombra de dúvida, de-
transferências de renda às famílias, por seu veria ser um apontamento para que a política
caráter de gasto para atendimento das ne- regional viesse a se debruçar em como reduzir
cessidades básicas das famílias, correspon- vazamentos de renda das regiões recebedoras
dem a recursos de aplicação com efeito mais (menos ricas) de políticas sociais para as regi-
imediato (curto prazo) sobre a elevação da ões produtoras de bens e serviços (mais ricas).
demanda agregada regional. De outro lado,
vêm as decisões de gasto do governo federal Quanto aos instrumentos econômicos, re-
em investimento, como as de impacto mais lacionados às instituições bancárias regionais
efetivos nas regiões recebedoras (médio e públicas e às instituições federais regionais
longo prazo), e, por fim, o crédito público ao de planejamento (superintendências de de-
investimento privado é aquele que leva mais senvolvimento regional), os recursos dispo-
nibilizados têm tido orientação difusa e pou-
tempo para se transformar em demanda efe-
co orientada para ganhos de produtividade
tiva nas regiões, pois corresponde a gastos
sistêmica regional. A demanda por recursos
a serem realizados durante um horizonte de
dos fundos constitucionais e do BNDES está,
planejamento privado mais alongado. O uso
na maior parte das vezes, comandada pela
concatenado de uma pletora de instrumen-
necessidade empresarial em dar sequência
tos ora de investimento público, ora do priva-
a seus planos de negócio. Observa-se que a
do (induzido pelo crédito público), ora ainda
política regional não tem, de maneira explícita,
de consumo das famílias, torna-se condição
premissas orientadoras para quais setores ou
de relevância para a mudança da trajetória
quais atividades os recursos deveriam prefe-
de desenvolvimento regional.
rencialmente ser alocados.

Considerações para o Na política urbana, a ênfase na redução de


deficits habitacionais, por meio do PMCMV,
aperfeiçoamento de políticas13 teve elevado impacto sobre o emprego formal
Em seções anteriores, foram elencados avan- de baixa remuneração na atividade da cons-
ços e dificuldades para implementação de polí- trução civil. Contudo, depois que os investi-
ticas territoriais no país. Nas últimas duas déca- mentos se reduziram, desempregando traba-
das, indicadores sociais e econômicos tiveram lhadores, não houve reorientação da mão de
evolução positiva em regiões-alvo de políticas obra para outra frente de emprego.
territoriais explícitas. Registrou-se a existência
Adicionalmente a essas questões elen-
de um arranjo institucional-federativo como
cadas, duas agendas de políticas deveriam
crucial para a consolidação das ações gover- estar associadas a qualquer nova estratégia
namentais e seu êxito. Conquanto os resulta- de desenvolvimento regional que buscasse
dos sejam animadores, ainda restam problemas a sustentabilidade do crescimento. A primei-
a serem enfrentados e elementos de política a ra é a da estratégia de fortalecimento de um
serem reavaliados e modificados. sistema regional/local de inovação, com vis-
tas à expansão da competitividade regional.

54
A segunda é a da sustentabilidade ambiental, Experiências em curso em países na
que deve ser vista não apenas pelos aspectos União Europeia apontam para o êxito
das restrições ambientais, mas pelo desenvol- deste caminho, no qual se assentam
vimento, por meio da ciência e inovação, do estratégias de revitalização e busca de
potencial de uso dos recursos naturais à dis- competitividade, bem como de trans-
posição no território e da capacidade de mi- formações estruturais, em regiões es-
tigação dos efeitos da ação humana sobre os tagnadas. Daí que política regional não
ecossistemas naturais. pode ser encarada como elemento de
atuação conjuntural e/ou de tempora-
Em suma, a política regional brasileira, cuja lidade restrita. Ela é estrutural e com
operação em contexto de um sofisticado ar- atuação de médio e longo prazo.
ranjo institucional-federativo logrou avançar
de maneira considerável em seus resultados, 2. O arranjo institucional-federativo conta
pode ainda ser aprimorada, no sentido de bus- para o êxito da política. A política terri-
car obstinadamente reduzir vazamentos regio- torial deve ser entendida e aplicada em
nais de recursos transferidos às regiões menos contexto de um arranjo federativo mais
desenvolvidas; ter como premissa orientadora, amplo, em que o Estado coloca à dis-
para a aplicação explícita de recursos ao setor posição das regiões diversas políticas
produtivo, a consolidação de uma trajetória de e instrumentos em ação coordenada,
elevação da produtividade e competitividade como o foi o caso recente. Medidas e
regional e setorial; e abraçar, pela modificação instrumentos visando a modificações
e atualização de seus objetivos e estratégias, sustentadas nas regiões tendem a
as agendas de inovação e sustentabilidade apresentar baixa eficácia – e a desper-
ambiental de maneira mais efetiva. diçar recursos – se aplicados isolada-
mente e/ou de modo tópico no tempo.
À guisa de conclusões
As disparidades territoriais socioeconômicas no
Brasil têm se mostrado de difícil reversão. Os
A política territorial
avanços na sua minoração têm sido lentos, em-
bora persistentes. Os resultados se tornam sig-
não deveria ser reconhecida
nificativos quando a ação governamental reque- apenas como forma
rida alinha propósitos e instrumentos diversos,
de maneira concertada e articulada. Em decor- de atuação governamental
rência das várias considerações apresentadas
que visa à redução de
Cooperação Federativa e Soberania Nacional
sobre políticas e arranjos institucionais voltados
para a atuação sobre o território no Brasil, su-
gere-se a necessidade de reconhecimento das disparidades, pelo
seguintes premissas norteadoras.
contrário, seu propósito
1. Política territorial é política de desen-
volvimento. A política territorial não mais nobre é ser utilizada
deveria ser reconhecida apenas como
forma de atuação governamental que
como propulsor
visa à redução de disparidades, pelo
contrário, seu propósito mais nobre é
de estratégias do
ser utilizada como propulsor de estra- desenvolvimento regional.
tégias do desenvolvimento regional.

55
3. Introdução de mecanismos de pactu-
ação entre atores da política regional.
Se as políticas sociais brasileiras já in-
corporaram elementos de cobrança e
pactuação para obtenção de benefícios,
o mesmo ainda não ocorre na política
regional. Por exemplo, os recursos de
empréstimo dos fundos constitucio-
nais não contêm dispositivos que aliem
disponibilidade de crédito à prescrição,
seja de aumentos de produtividade, pela
incorporação e ou produção de inova-
ção tecnológica ou ainda de treinamen-
to da mão de obra, seja de expansão da
capacidade exportadora do empreendi-
mento produtivo.

4. Regionalização das estratégias e ações


do Plano Plurianual (PPA) federal. Es-
forços maiores devem ser realizados
no sentido de colocar a dimensão
territorial nas estratégias de opera-
cionalização do planejamento gover-
namental federal. Os documentos de
PPAs federais, regra geral, tendem a
priorizar recortes setoriais ou temáti-
cos para a organização do orçamen-
to governamental, contribuindo para
que as frequentes disputas políticas
por recursos sejam ganhas por temá-
ticas mais afeitas a grupos de interes-
se mais consolidados, em regiões de
maior desenvolvimento.

56
5
DEFESA NACIONAL,
SOBERANIA E
PRODUTIVIDADE
DEFESA NACIONAL, SOBERANIA E PRODUTIVIDADE

N
ão obstante a relevância da produtivi- A soberania econômica consiste no direito
dade da economia e da eficiência dos de uma nação de dispor e regular o uso dos
fatores de produção, a segurança das fatores econômicos – incluindo capital humano
instituições e a defesa da soberania também – e recursos naturais presentes no seu territó-
são imprescindíveis para o desenvolvimento de rio. O exercício dessa soberania exige capaci-
uma nação. Para que os agentes econômicos dade de o Estado mapear, monitorar e regular
invistam e inovem, é necessário que o Estado a exploração desses recursos e a aplicação dos
não apenas execute políticas públicas com efi- fatores produtivos, de modo a tornar eficaz seu
ciência, mas que também forneça previsibilida- direito político sobre a esfera econômica.
de e segurança aos contratos, por meio de um
marco regulatório consistente, transparente e Já a soberania político-institucional se re-
eficaz. E, para além da segurança política e ju- fere ao direito de uma nação de escolher seu
rídica, cumpre ao Estado também assegurar os modelo de representação política e organiza-
meios para o pleno e efetivo exercício da sobe- ção social e de agir para preservar esta auto-
rania da nação, manifesto no grau de liberdade determinação contra ameaças tanto externas
da sociedade para fazer escolhas econômicas quanto internas, ressalvados os limites es-
e políticas na busca pelo desenvolvimento so- tabelecidos mediante compromissos junto à
cioeconômico e democrático. comunidade internacional. Para tanto, faz-se
necessário que o Estado tenha não apenas
É necessária a permanente renovação da capacidade de mobilização e ação junto à so-
capacidade de defesa nacional, mesmo na au- ciedade, mas, em primeiro lugar, legitimidade
sência de ameaças externas de vulto, para as- política para fazê-lo, condição esta que não é
segurar sua prontidão e eficácia na função de assegurada por acordos internacionais, mas,
elemento central na segurança dos cidadãos pelo efetivo reconhecimento da população.
e das instituições nacionais. Nesse contexto,
o próprio conceito de soberania, antes restrito Portanto, a soberania não é uma condição
ao domínio jurídico da nação sobre determina- política assegurada às nações reconhecidas
do espaço geográfico, há tempos foi ampliado pelo sistema internacional, mas se desdobra em
para incluir dimensões econômicas e institu- dimensões econômicas e políticas cujo grau de
cionais consideradas essenciais para o pleno efetivo exercício se dá de forma bastante desi-
exercício da vontade da sociedade.1 A ausên- gual no mundo. Enquanto alguns países logram
cia de domínio sobre recursos econômicos e exercê-la em sua plenitude, outros se veem cer-
tecnológicos estratégicos, e a incapacidade de ceados em seu exercício por força de condicio-
influenciar as instituições internacionais que nantes que ensejam uma relação de dependên-
regulam a exploração desses elementos, limita cia para com aqueles, de modo que preservar a
severamente as possibilidades de desenvolvi- soberania significa assegurar os fundamentos da
mento de uma nação, de modo que a qualidade defesa e da produtividade nacional, uma vez que
da defesa e da soberania nacional constituem estes se reforçam mutuamente.
dois pilares indispensáveis para assegurar o
processo de desenvolvimento socioeconômi- Nesse sentido, o domínio científico e tecno-
co da nação. lógico se destaca como fator condicionante da
soberania, pois nele residem os fundamentos

58
Figura 1
Dimensões da soberania como mediadora da relação entre a segurança nacional e o desenvolvimento
sustentável

Bem-estar social Produtividade Sustentabilidade

Desenvolvimento Sustentável

Soberania Soberania
Soberania
institucional econômica

Produtividade

Segurança Nacional

Inteligência de
Bem-estar social
Segurança pública Defesa Nacional
Estado

Elaboração dos autores.

da capacidade de um país exercer sua sobe- Ao mesmo tempo, no Estado democrático, a se-
rania sobre suas estratégias econômicas e po- gurança nacional é condicionada pela soberania
líticas, ampliando, ao máximo, suas janelas de na medida em que uma nação se mostra capaz
oportunidade para o desenvolvimento. A natu- de aproveitar as oportunidades e mitigar as ame-
reza da dependência entre as nações não mais aças à sua liberdade de escolha nos campos
se dá apenas no plano econômico, mas prin- econômico e institucional. Por seu turno, a pro-

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


cipalmente no do conhecimento, de maneira dutividade, assim como a sustentabilidade e o
que a dominância tecnológica é uma condição bem-estar da sociedade, é condição necessária
necessária para a plena soberania nacional. para o desenvolvimento da nação, processo este
Diferentemente do passado, em que o requi- que amplia sua capacidade de exercício da sobe-
sito básico para a soberania era o domínio dos rania ao expandir e aprimorar a capacidade pro-
recursos existentes na nação, hoje a soberania dutiva do país. Dessa forma, o desenvolvimento
se fundamenta sobre o domínio do conheci- também é influenciado pela soberania, uma vez
mento tecnológico. que o escopo das estratégias, visando o progres-
so socioeconômico de uma nação, é limitado
A defesa nacional, juntamente com as insti- pelo seu domínio sobre os recursos materiais e o
tuições de segurança pública e de inteligência arcabouço institucional que regula sua atividade
de Estado, constitui a estrutura de segurança econômica e política.
nacional que sustenta o exercício da soberania.

59
A figura 1 ilustra como se dá a relação de ii) garantia contra a imprevisibilidade; e iii) apoio
mútua dependência entre a defesa nacional flexível à política externa.
e a produtividade por meio do fortalecimento
da segurança institucional e da ampliação das A dissuasão é a sinalização de um cus-
oportunidades de desenvolvimento econômico, to aos possíveis agressores da nação, sendo,
que definem o alcance das dimensões da so- portanto, uma dimensão preventiva da defesa.
berania de uma nação. Quanto maior o poderio militar de um país na
percepção dos demais, menos provável será
Tendo em vista esses condicionantes, as uma agressão à sua soberania. No caso de a
Forças Armadas modernas se estruturam dissuasão falhar, o poder militar deve ter a ca-
para desempenhar um papel muito mais pacidade de realizar uma retaliação (contra-a-
amplo do que a proteção da integridade ter- taque) contra estes agressores, materializan-
ritorial dos países e de seus cidadãos, em- do, assim, a ameaça antes sinalizada.
bora esta ainda seja sua prioridade. A pre-
ocupação com a soberania nacional exige Já a garantia contra a imprevisibilidade é uma
que o aparato militar também seja capaz de função complementar à anterior e remete à ideia
contribuir para a segurança da sociedade na de que o poderio militar constitui um seguro con-
sua busca pelo desenvolvimento por meio da tra a incerteza em um contexto geopolítico com-
ampliação das suas oportunidades de inova- plexo, em que novas ameaças ganham relevo
ção tecnológica,2 ao mesmo tempo em que a ao mesmo tempo em que evolui a própria forma
resguarda de ameaças que incluem a nega- como os conflitos armados são travados.
ção do acesso a essas opções estratégicas
por parte de outras nações. Finalmente, as Forças Armadas também
cumprem um papel cada vez mais ativo e rele-
vante na política externa dos países, que não se
Soberania econômica e limita à demonstração de força para proteção
político-institucional: de interesses nacionais ou afirmação de com-
promissos com aliados. Em especial, as mis-
funções primárias e subsidiárias sões humanitárias e pacificadoras das Nações
das Forças Armadas Brasileiras Unidas constituem um importante instrumento
de ampliação da influência internacional dos
No campo econômico, a defesa é uma condição países em tempos de paz, tendo sido usadas
necessária para a soberania ao assegurar à na- com sucesso pelo Brasil nesse propósito. Tam-
ção a proteção dos recursos naturais e fatores de bém a cooperação militar com países vizinhos
produção localizados em seu território, incluindo e da costa africana figura como uma das prin-
o capital humano. Já no campo institucional, sua cipais estratégias empregadas pelo Estado
contribuição consiste em legitimar e efetivar os brasileiro para fortalecer laços diplomáticos e
compromissos e interesses do país junto à comu- econômicos, ao mesmo tempo em que dimi-
nidade internacional, além de reforçar a confian- nuindo os riscos de ameaças oriundas desses
ça da sociedade no Estado, condição igualmente países no futuro.
essencial para o exercício da soberania.
Na ausência de conflitos armados, as forças
As funções primárias (ou externas) cons- militares nacionais se dedicam a atividades de
tituem a missão mais importante das Forças treinamento, manutenção e modernização,
Armadas e dependem diretamente do pode- de modo a conservar e ampliar sua capacida-
rio bélico e da capacidade de mobilização da de para um eventual emprego futuro. Contu-
sociedade para o cumprimento de seus ob- do, mesmo em países envolvidos em guerras
jetivos, quais sejam: i) dissuasão e retaliação; ou que possuem efetivos permanentemente

60
mobilizados para o emprego dentro e fora de de bens e serviços de defesa, com o compro-
seu território, também é comum que os militares misso de apoio das Forças Armadas para o
auxiliem o Estado no fornecimento de servi- desenvolvimento deste setor, de modo que
ços públicos considerados estratégicos para o quatro outras funções subsidiárias também
desenvolvimento socioeconômico e a segu- se destacam no caso do Brasil: i) fortaleci-
rança institucional da nação. mento da base industrial de defesa; ii) prote-
ção das infraestruturas críticas; iii) integração
A principal vantagem da atuação das forças territorial por meio da prestação de serviços
militares em atividades alheias às suas funções públicos – para populações em regiões remo-
primordiais é sua capacidade de mobilização e tas do país; e iv) atuação como força de reser-
pronto emprego em todo o território nacional. va – em situações de ameaça às instituições
Essa atuação pode se dar tanto para atender e insuficiência da capacidade do Estado de
a demandas imediatas da sociedade que su- prover serviços essenciais.
peram a capacidade de resposta do Estado,
tais como catástrofes naturais e calamidades Essas três últimas funções, realizadas, prin-
públicas, quanto para auxiliar no desenvolvi- cipalmente, pelo Exército, constituem a cha-
mento de capacidades estratégicas para o mada estratégia de presença que justifica o
desenvolvimento do país no futuro. fracionamento e a dispersão de suas unidades
por todo o território nacional.4
As chamadas funções subsidiárias (ou in-
ternas) das Forças Armadas brasileiras, que
excedem as atividades convencionais de pro- Diagnóstico das capacidades da
teção da integridade territorial, dissuasão defesa nacional para o cumprimento de
militar e apoio à política externa, se acham
disciplinadas na Lei Complementar no 97, de
suas funções primárias e secundárias
junho de 1999, em especial, nos arts. 16 a 18. A maioria dos países dedica uma quantidade
Elas abrangem as seguintes atividades: i) pa- considerável de recursos humanos e financeiros
trulhamento, revista e prisão na faixa de frontei- para a manutenção de suas forças militares –
ra, no mar e nas águas interiores – patrulha de usualmente de ordem superior a 1% do seu
fronteira, guarda-costeira e polícia hidroviária;3 produto interno bruto (PIB) anual –, ainda que
ii) orientação, coordenação e controle das ati- não vislumbrem em médio prazo ameaças mi-
vidades de aviação civil – controle de tráfego litares à sua soberania e integridade territorial.
aéreo; e iii) cooperação na execução de obras Em 2017, o gasto mundial de defesa alcançou
e serviços de engenharia. um montante de US$ 1,74 trilhão, o equivalente
a 2,2% de toda a riqueza produzida no período

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


Para além dessas atribuições previstas em todo o planeta.
em lei, os militares brasileiros também contri-
buem para a formação e o emprego de qua- O Brasil possui hoje o 11o maior orçamen-
dros técnicos em todo o território nacional e to militar do mundo, com gastos da ordem de
mantêm um expressivo contingente perma- US$ 29,3 bilhões, ou o equivalente a 1,4% do
nentemente mobilizado para auxiliar as insti- PIB. Esse montante é compatível com o tama-
tuições públicas em situações emergenciais. nho da economia brasileira e a média de outros
Da mesma forma, os documentos oficiais de países de renda similar. Contudo, quase 83%
defesa salientam a importância da proteção desses gastos são destinados a encargos de
de infraestruturas estratégicas para a econo- pessoal (ativo e pensões) e benefícios diver-
mia nacional e de o país contar com uma base sos a servidores, que, somados aos gastos de
industrial forte e diversificada para a produção custeio da estrutura de defesa do país, fazem

61
Tabela 1
Programa Avançar – carteira de projetos estruturantes do Ministério da Defesa do Brasil
(Em R$ milhões)

Progresso na
Valor
Valor global execução
Unidade/força Projeto Início/ término desembolsado
do projeto orçamentária
até 2017
(%)
Administração
HX-BR 1 2008/2022 7.949 4.300,0 58,6
central
Submarinos convencionais 2 2010/2023 10.863 6.425,0 64,8
Submarino de propulsão nuclear 2009/2029 12.141 2.301,6 20,6
Marinha do Brasil
Estaleiro e base naval 2009/2026 12.498 7.643,1 64,5
Tecnologia nuclear de Marinha 2000/2030 6.835 1.324,7 24,4
Guarani 3
2012/2040 20.800 1.125,1 6,8
Astros 2020 2011/2023 2.435 654,2 34,6
Exército brasileiro
Sistema Integrado de Monitoramento
2012/2035 11.992 1.020,3 11,2
das Fronteiras (Sisfron)
FX-2 4 2014/2026 21.759 3.683,9 21,8
Força Aérea
KC-390 (desenvolvimento) 5
2009/2019 6.446 5.257,3 88,5
brasileira
KC-390 (aquisição) 2014/2026 13.228 689,4 8,0
Total 2000/2040 130.946 34.424,6 26,3
Fonte: MD (2018).
Notas: 1 Programa de aquisição de cinquenta helicópteros EC725 de fabricação da Helibras, para todas as forças.
2
Programa de construção de quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, em parceria com a França.
3
Programa de desenvolvimento e aquisição de 2.044 blindados sobre rodas produzidos pela Iveco.
4
Programa de aquisição de 36 caças multipropósito Gripen NG (Brasil-Suécia).
5
Programa de desenvolvimento do avião cargueiro militar da Embraer (serão adquiridas 28 aeronaves).

restar apenas pouco mais de 5% para realização A tabela 1 apresenta o cronograma de projetos
de investimentos em programas estratégicos desse programa e seus requisitos financeiros,
do setor. distribuídos pelas respectivas forças encarre-
gadas de sua gestão.
Os principais programas brasileiros de ree-
quipamento e desenvolvimento de novas capa- Mesmo considerando que a maior parte
cidades militares, que incluem as iniciativas de dos projetos estruturantes das Forças Arma-
domínio de tecnologias consideradas estraté- das tenha se iniciado a partir da década de
gicas nos documentos oficiais da defesa nacio- 2010, praticamente todos eles (com exceção
nal (cibernética, nuclear e aeroespacial), estão do Guarani) deveriam estar concluídos em
consolidados no chamado Programa Avançar 2030. Para a manutenção do cronograma de
do Ministério da Defesa (MD), englobando uma execução desses projetos, o Programa Avan-
carteira de projetos militares de cerca de R$ 127 çar requereria um fluxo de investimentos de,
bilhões, cuja previsão de execução se estende no mínimo, R$ 7,5 bilhões ao longo da próxima
por até quarenta anos (de 2000 a 2040). Entre- década. Contudo, o limite previsto na Lei Orça-
tanto, vários desses projetos têm sofrido atra- mentária Anual (LOA) de 2018 é de apenas R$
sos e reformulações recorrentes em virtude da 4,8 bilhões, e o Ministério do Planejamento já
ausência de segurança orçamentária ou de no- indicou a necessidade de contingenciamento
vas priorizações por parte das Forças Armadas. que reduzirá esse teto para R$ 4,3 bilhões, o
que certamente resultará em mais atrasos e,

62
até mesmo, colocará em risco a viabilidade de Nesses três campos, a prioridade é elevar a
algumas das iniciativas previstas no programa. capacitação científica e tecnológica do Brasil e
preparar os recursos humanos para atuar, sem-
Além dos projetos estratégicos de defe- pre que exigido, na fronteira do conhecimento.
sa no Brasil se desenvolverem em um ritmo Para tanto, é necessário conjugar os esforços das
bastante inferior ao adequado de acordo com forças, da academia e do setor privado (indústria
o planejamento original das Forças Armadas, de defesa), além de parcerias estratégicas com
verifica-se que o volume de gastos militares outras nações, de modo a permitir que o país de-
como um todo é insuficiente para que elas senvolva uma trajetória consistente de pesquisa,
executem as várias funções subsidiárias que aquisição, emprego e maturidade de tecnologias
lhes são impostas pela realidade socioeconô- sensíveis, cuja aplicabilidade não se restringe ao
mica do país. Dado o atual contexto de grave campo militar, mas também ao civil, com impac-
restrição fiscal e necessidade de priorização tos sistêmicos relevantes para o incremento da
de gastos sociais, não se vislumbra uma evo- produtividade do país.
lução positiva deste quadro no futuro próxi-
mo – antes, o contrário. Cibernética
Diante desse cenário, cumpre ao MD priori- A segurança cibernética e o impacto nos
zar ações que potencializem os efeitos a médio setores produtivos
e longo prazo para a soberania nacional, ain-
da que em detrimento das necessidades mais As tecnologias de informação e comunicações
urgentes de reequipamento das forças. Nesse (TICs) desempenham papel essencial em todas
sentido, uma vez que a soberania tecnológica as áreas produtivas. A aplicação destas tec-
desempenhará um papel cada vez mais deci- nologias abrange um leque de setores produ-
sivo para o aproveitamento das oportunidades tivos que vai da produção agropecuária à ex-
econômicas e geopolíticas do país, é essencial ploração de serviços aeroespaciais, passando
que as iniciativas de domínio das tecnologias pela integração de infraestruturas e serviços,
estratégicas para o desenvolvimento sejam inclusive, nos escritórios e residências (atra-
priorizadas também na defesa nacional e não vés da chamada “internet das coisas”), o que
apenas na esfera das políticas setoriais. A pró- evidencia seu papel essencial na vida contem-
xima seção analisa em detalhe como evoluí- porânea. Todavia, as TICs não estão livres de
ram os programas de defesa voltados a essas ameaças, cuja importância cresce à medida
tecnologias no Brasil ao longo da última déca- que essas tecnologias se incorporam ao nosso
da e oferece proposições de políticas para for- cotidiano econômico e social.
talecimento dessas iniciativas no futuro.

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


As infraestruturas tecnológicas que supor-
tam os diversos setores produtivos são alvos
Soberania tecnológica: diagnóstico e constantes de ataques provenientes de uma
propostas para a defesa nacional grande variedade de atores. Entre esses atores,
estão incluídos criminosos comuns, assaltantes
A Estratégia Nacional de Defesa (END) elegeu os corporativos, vândalos, espiões, ativistas, terro-
setores nuclear, cibernético e aeroespacial como ristas, forças militares e até curiosos. As motiva-
prioritários para modernizar a estrutura de defesa ções para os ataques podem ser, entre outras,
do país e capacitá-la ao enfrentamento de ame- financeiras, políticas, a destruição de um adver-
aças à soberania nacional. Coube à Marinha do sário, a intenção de causar danos a outrem, a
Brasil a responsabilidade sobre o setor nuclear; ao superação de um desafio ou o ganho de status.
Exército brasileiro, a liderança do sistema de defesa Nesse sentido, os ataques cibernéticos podem
cibernética em território nacional; e à Força Aérea, a resultar em impactos sobre serviços, cuja integri-
condução do programa aeroespacial do país. dade, se comprometida, pode resultar em perda

63
significativa de vidas, além de vários outros O país não é o único nessa situação. Institui-
impactos econômicos ou sociais. ções como o Fundo Monetário Internacional
(FMI) utilizam dados de diversas empresas e
Os ativos de informação que afetam direta- reportam largas margens de erro. Nos Esta-
mente a consecução e a continuidade da mis- dos Unidos, por exemplo, onde os crimes ci-
são do Estado e a segurança da sociedade são bernéticos são computados pelo Internet Cri-
conhecidos como infraestruturas críticas da in- me Complaint Center (IC3) do Federal Bureau
formação. Os meios de armazenamento, trans- of Investigation (FBI), os prejuízos reportados
missão e processamento, os sistemas de infor- oficialmente chegaram a US$ 1,4 bilhão em
mação, bem como os locais onde se encontram 2017. Contudo, as estimativas do mercado são
esses meios e as pessoas que a eles têm aces- muito maiores, uma vez que muitas empresas
so, estão incluídos nos ativos de informação. optam por esconder esses ataques do pú-
blico a fim de evitar desconfianças quanto à
As infraestruturas críticas nacionais estão confiabilidade de seus sistemas de segurança
distribuídas em cinco setores: energia, trans- de informação.
porte, água, finanças e comunicações. Essa
lista pode variar para cada país e estabelecer Os custos diretos do potencial impacto fi-
escalas de criticidade. Os Estados Unidos lis- nanceiro dos ataques cibernéticos são rela-
tam dezesseis setores de infraestrutura crítica, tivamente conhecidos, incluindo o custo da
enquanto oito setores são adotados na Austrá- investigação forense, assistência jurídica, no-
lia, dez no Japão, dez no Canadá, doze na Co- tificação ao cliente, segurança pós-violação
missão Europeia e treze no Reino Unido. A lista aos clientes e proteção de crédito e medidas
internacional de infraestruturas críticas inclui: de resposta para fortalecer a segurança ciber-
indústria e pesquisa química; instalações co- nética. Por sua vez, os custos indiretos são me-
merciais; serviços financeiros; comunicações; nos visíveis e mais difíceis de quantificar an-
indústria crítica; energia, barragens e forneci- tecipadamente. Eles incluem efeitos negativos
mento hidroelétrico; base industrial de defesa; no nome da marca e no relacionamento com
serviços de emergência; alimentação e agri- o cliente (risco de reputação), depreciação do
cultura; instalações governamentais; cuidados valor da propriedade intelectual, perdas de
com a saúde e saúde pública; tecnologia da in- oportunidades, maiores despesas operacio-
formação; reatores nucleares, materiais e resí- nais contínuas (para evitar incidentes futuros)
duos; sistemas de transporte, água e sistemas e o impacto de um determinado incidente em
de água; e espaço sideral. prêmios futuros de seguro cibernético. No se-
tor financeiro brasileiro, os prejuízos com ata-
Não há estatísticas precisas dos prejuízos ques cibernéticos corresponderam a 95% das
com ataques cibernéticos, pois os incidentes perdas totais com fraudes em 2017, em que
são subnotificados. No Brasil, as estatísticas dos pese o investimento de mais de R$ 2 bilhões
centros de resposta a incidentes de segurança por parte das companhias em sistemas volta-
mantidos pelas instituições públicas reportam dos para segurança da informação.
somente a quantidade e os tipos de incidentes,
não havendo um registro centralizado de crimes Os ataques contra empresas podem cau-
nem a atribuição dos prejuízos causados. sar queda nos preços de suas ações na bolsa
de valores. Um estudo realizado pelo governo
As estatísticas de impacto econômico dos Estados Unidos aponta que a queda do
sobre o Brasil são produzidas por empresas valor em bolsa pode chegar a 15%. Por esse
especializadas, cada qual com sua própria motivo, as empresas tendem a não reportar os
metodologia. Por isso, os números diferem incidentes de segurança, a fim de se proteger.
significativamente entre cada uma delas. Porém, o cenário está para mudar com a entrada

64
em vigor das regras de proteção de dados Segurança da Informação e Comunicações e
estabelecidas no Regulamento Geral sobre a de Segurança Cibernética da Administração
Proteção de Dados da União Europeia (RGPD). Pública Federal. O Comitê Gestor de Seguran-
As empresas passam a ser obrigadas a noti- ça da Informação (CGSI) assessora o GSIPR
ficar seus usuários sobre falhas e incidentes no aperfeiçoamento da gestão de segurança
de segurança envolvendo o acesso indevido a da informação e comunicações da administra-
dados pessoais. No Brasil, um regulamento se- ção pública federal, direta e indireta.
melhante está prestes a ser aprovado.
Ao CGSI estão vinculados outros dois ór-
A internet é um fator de alto impacto positi- gãos, o Centro de Tratamento de Incidentes
vo no PIB dos Estados Unidos, que pode variar de Rede do Governo (CTIR Gov) e o Centro de
de 3% a 6%, segundo o FMI. No entanto, a ins- Pesquisas e Desenvolvimento para a Seguran-
tituição estima que os prejuízos com ataques ça das Comunicações (Cepesc). Já o Instituto
cibernéticos nos Estados Unidos podem variar Nacional de Tecnologia da Informação (ITI),
entre 0,6% e 2,2% do PIB. Os impactos globais que administra a Infraestrutura de Chaves Pú-
estimados foram de US$ 250 bilhões a US$ 1 tri- blicas Brasileira (ICP-Brasil), está vinculado à
lhão em 2017. No mesmo período, o Brasil pode Casa Civil da Presidência da República.
ter perdido entre R$ 32 bilhões a R$ 76 bilhões,
respectivamente 0,50% a 1,15% do PIB.5 Desde 2008, a END estabelece o setor
cibernético como um dos três setores de
Governança da segurança e defesa importância estratégica para a defesa do
país, cabendo ao Exército brasileiro a sua
cibernética no Brasil coordenação. Para implantar a defesa ci-
O Brasil possui uma avançada estrutura de bernética no país, o Exército brasileiro criou
governança para a defesa cibernética. No ní- o Programa Estratégico de Defesa Ciberné-
vel político, está a segurança cibernética, que tica (PgEDciber), que conta atualmente com
inclui também a segurança da informação e oito projetos, com o objetivo de incrementar
comunicações, coordenada pela Presidência as atividades de capacitação, doutrina, ci-
da República e abrangendo a administração ência, tecnologia e inovação, inteligência
pública federal direta e indireta, bem como e operações. Estes projetos estruturantes
as infraestruturas críticas da informação na- são conduzidos por organizações militares,
cionais. No nível estratégico, está a defesa como o Instituto Militar de Engenharia, o
cibernética, a cargo do MD, Estado-Maior Centro de Comunicações e Guerra Eletrôni-
Conjunto das Forças Armadas e comandos ca do Exército, o Centro de Desenvolvimen-
das Forças Armadas, interagindo com a Pre- to de Sistemas do Exército, o Centro Tecno-

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


sidência da República e a administração pú- lógico do Exército e o Centro de Inteligência
blica federal. Nos níveis operacional e tático, do Exército.
está a guerra cibernética, restrita ao âmbito
interno das Forças Armadas. A criação do Comando de Defesa Ciberné-
tica (CDCiber), órgão responsável pela coor-
No âmbito político e civil da administra- denação e integração das atividades do setor,
ção pública federal, a coordenação e a defini- foi uma das primeiras iniciativas do programa.
ção de diretrizes e normas para a segurança Recentemente foi ativado o Estado-Maior Con-
cibernética cabem ao Gabinete de Segurança junto (EMC) do CDCiber, que é integrado pelas
Institucional da Presidência da República (GSI- três Forças Armadas e possui a competência
PR). Os órgãos públicos devem seguir os obje- de assessorar o chefe do CDCiber. Também
tivos e as metas estipulados na Estratégia de faz parte da estrutura de defesa cibernética
o Núcleo da Escola Nacional de Defesa

65
Cibernética (NuENaDCiber), que visa capacitar A redução sistemática no orçamento do go-
recursos humanos, civis e militares para pro- verno brasileiro vai contra a tendência global, que
porcionar pronta-resposta às ameaças. A coo- destina cada vez mais recursos à segurança ciber-
peração entre as forças é um dos pontos a ser nética. A previsão do mercado é de que os gastos
destacado: a escola é atualmente dirigida por mundiais, públicos e privados, devem aumentar
um oficial da Aeronáutica, enquanto o Estado- 8% em 2018, podendo chegar a US$ 96 bilhões.
-Maior Conjunto é comandado por um oficial da O governo dos Estados Unidos, por exemplo,
Marinha do Brasil. No nível tático, cabe também aumentou em 4% seu orçamento para o setor,
a ação conjunta das três forças. passando de US$ 14,4 bilhões no ano fiscal, em
2017-2018, para US$ 14,98 bilhões no orçamento
Orçamento de segurança e defesa 2018-2019. Dos recursos previstos, US$ 8,8 bi-
cibernética no governo federal lhões estão destinados ao Departamento de De-
fesa e US$ 1,7 bilhão, à segurança interna.
Há uma grande dificuldade em se estimar os
gastos reais com segurança cibernética no A dificuldade em obter recursos específi-
governo. Os dados levantados nesta pesquisa cos para segurança e defesa cibernética leva
cobrem as ações orçamentárias específicas, os órgãos públicos a incluírem seus gastos em
mas não captam os gastos com segurança ci- outras áreas, principalmente em serviços e in-
bernética em outras ações orçamentárias ge- vestimentos de tecnologia da informação. Isso
néricas, como as de tecnologia da informação. impossibilita uma análise dos orçamentos e
Também não são computados os contingen- gastos efetivos.
ciamentos financeiros.
Tecnologia e soberania
Os recursos previstos para a segurança e de-
fesa cibernética nas leis orçamentárias federais Como ocorre com as demais áreas estratégi-
foram declinantes ao longo da última década. O cas de defesa, a cibernética também é vulne-
pico orçamentário ocorre em 2013, quando foram rável à dependência por tecnologias externas.
disponibilizados R$ 135 milhões, em valores atu- As ameaças à defesa cibernética incluem as
alizados. Porém, pode ser observada uma queda restrições de acesso à alta tecnologia e os ata-
significativa da disponibilidade de recursos ao lon- ques à cadeia de suprimentos de tecnologia da
go dos anos seguintes, principalmente para a área informação e comunicações.
de defesa cibernética. Em 2018, foram previstos
somente R$ 54,3 milhões, sendo R$ 40,9 milhões A falta de uma indústria nacional diversificada
para os gastos militares com defesa cibernética, e um mercado amplo para soluções desenvolvi-
o equivalente a um terço do orçamento de 2013. das localmente impede a mitigação das ameaças
cibernéticas. Por isso, as encomendas tecnoló-
A diminuição de gastos reflete também nas gicas são os instrumentos largamente empre-
metas das ações orçamentárias, que estão sen- gados para atender às demandas públicas em
do reduzidas consideravelmente. A meta de im- áreas estratégicas nesse setor. Um exemplo
plantação do sistema de defesa cibernética para bem-sucedido é o desenvolvimento demandado
a defesa nacional caiu de 18%, em 2017, para so- pelo Exército brasileiro, do Simulador de Opera-
mente 4% em 2018. A gestão do Sistema Nacio- ções de Guerra Cibernética (Simoc), que auxilia
nal de Certificação Digital da Infraestrutura de no treinamento dos militares.
Chaves Públicas (ICP-Brasil) também reduziu
sua meta de disponibilidade para 89%, apesar A Rede Nacional de Segurança da Informa-
de um incremento orçamentário em 2018. ção e Criptografia (Renasic) é outra iniciativa
do CDCiber. O objetivo é fomentar projetos de

66
laboratórios virtuais para o desenvolvimento A demanda por recursos humanos em segu-
de produtos com tecnologias nacionais que rança e defesa cibernética é crescente. Nos Es-
atendam à demanda das Forças Armadas bra- tados Unidos, a título de exemplo, foram preen-
sileiras, por meio da cooperação entre órgãos chidos somente dois terços das vagas abertas no
públicos, universidades, institutos de pesquisa ano de 2017 para essa área. No Brasil, a legislação
e instituições privadas. A Renasic é composta federal determina que cada órgão público deve
por um comitê diretor, comitês técnico-cientí- possuir um gestor de segurança da informação e
ficos, laboratórios de pesquisa e grupos de tra- uma equipe de tratamento e resposta a inciden-
balho. Infelizmente, a iniciativa sofre os mes- tes em redes de computadores (ETIR). Também
mos problemas das iniciativas com os atrasos é exigido que os postos de gestor e de agente
na aprovação de novos projetos e na disponi- responsável pela ETIR sejam ocupados por ser-
bilização de recursos financeiros. Também há vidores públicos. Apesar dos poderes Legislativo
grande dificuldade em transformar os estudos e Judiciário não estarem obrigados a obedecer a
realizados em produtos plenamente operacio- essas normas, a boa prática vem sendo respei-
nais. Mesmo os poucos produtos operacionais, tada. Para atender as 271 instituições federais,
como gerador de bits aleatórios (keyBITS), seriam necessários, no mínimo, 542 servidores
que melhora a segurança das comunicações públicos especializados na esfera federal. Levan-
usando princípios da física quântica e pode do em conta os estados e os municípios, a de-
ser adotado na área militar e civil, enfrentam manda por gestores e agentes passaria de 12 mil
empecilhos para serem colocados no merca- servidores.
do, e faltam recursos aos órgãos públicos para
adquiri-los e manter uma indústria sustentável. As Forças Armadas também necessitam de
recursos humanos especializados para atuar na
Outra forma de mitigar as vulnerabilidades parte de gestão, operações e desenvolvimen-
em tecnologias importadas é o emprego de to de tecnologias.6 O atual sistema de ensino
mecanismos de certificação. A implantação, militar, bem como a Escola Nacional de Defesa
pelo MD, do sistema de homologação e certifi- Cibernética, poderia, a princípio, ser capaz de
cação de produtos de defesa cibernética é uma atender à demanda crescente pela formação
das iniciativas previstas no Plano Plurianual de pessoal militar especializado. Todavia, a
(PPA) 2016-2018. Contudo, até o momento, carreira militar tem dificultado a retenção de
não foram destinados recursos orçamentários pessoal nos postos especializados. O oficial
específicos para essa iniciativa. mais experiente é designado a novos postos e
a atividades muito diferentes das funções que
Recursos humanos vinha exercendo, deixando, na área de defesa
cibernética, os militares em treinamento.7

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


O desenvolvimento de tecnologias de guerra
cibernética é um desafio que envolve, princi-
palmente, recursos humanos. Perfis profissio-
Propostas de reformulação de
nais nessa área são raros e de difícil formação, políticas públicas
pois se requer um perfil hacker, normalmente Apesar da avançada arquitetura de governança
autodidata, com habilidades avançadas de para a segurança e defesa cibernética brasi-
programação, alto conhecimento técnico, de- leira, a plena implantação e a manutenção da
dicação, estudo contínuo e sigilo absoluto. No estrutura prevista são prejudicadas pela falta
entanto, os profissionais são avessos a dis- de recursos financeiros, pela carência de
ciplinas rígidas e controles hierárquicos. Por recursos humanos especializados, por informa-
esses motivos, em geral, são contratados por ções imprecisas e pela dependência tecnológica
empresas privadas, que vendem suas armas de outros países.
às forças militares.

67
O aumento de recursos para segurança ci- A pesquisa e o desenvolvimento de tecno-
bernética é um ponto importante, mas deve logias de armas cibernéticas necessitam de
ser acompanhado por iniciativas que melho- uma dinâmica diferente da tradicional, pois
rem a gestão dos recursos orçamentários e não é viável a atuação exclusiva do Estado na
financeiros. A inclusão de um quadro de des- formação e a contratação de profissionais na
pesas com segurança cibernética na Lei de Di- área. Portanto, deve-se delegar esta tarefa à
retrizes Orçamentárias (LDO), tal qual ocorre iniciativa privada, cabendo ao Estado o incen-
com as despesas com TICs, facilitaria a ges- tivo à criação e à manutenção de empresas
tão orçamentária. A inclusão de naturezas de nacionais que atendam a essa demanda estra-
despesa específicas para registro dos gastos tégica. A forma de contratação dessas empre-
no Sistema Integrado de Administração Fi- sas também é uma questão a ser resolvida. Por
nanceira (SIAFI), como foi feito com o serviço ser altamente sensível, os contratos devem ser
de emissão de certificados digitais (natureza incluídos nas ações de caráter sigiloso do MD.
3.3.90.40.23), permitiria o acompanhamento
dos gastos efetivos. A atração, formação e manutenção de re-
cursos humanos especializados é um grande
Quanto à falta de informações precisas desafio tanto de gestão quanto financeiro.
da real situação do país, a implantação de um A formação de pessoal militar está bem enca-
mecanismo de registro (centralizado ou distri- minhada, mas ainda é necessário solucionar a
buído) de incidentes e de crimes cibernéticos questão da profissionalização dos quadros.
permitiria a análise dos dados das diversas
instituições que cuidam do setor. Também é Uma proposta viável seria a criação de uma
essencial a aprovação de uma lei brasileira de carreira civil de segurança e defesa cibernética,
proteção de dados, com obrigatoriedade de vinculada à estrutura do MD. A carreira permi-
registro de incidentes que impactem o consu- tiria a profissionalização da área e a ascensão
midor. Dados agregados e não identificados técnica desvinculada dos postos de comando
dos registros devem ser disponibilizados publi- militares. Os servidores poderiam ser designa-
camente para que pesquisadores e especialis- dos tanto para as Forças Armadas quanto para
tas da área possam realizar análises de risco os postos técnicos e de gestão nos órgãos ci-
melhor embasadas. vis da administração pública federal.

O domínio nacional da produção de todas as Tanto na área militar quanto na adminis-


tecnologias da informação e comunicação não é tração pública civil, é fundamental pensar na
possível, devido à dinâmica e à grande competiti- retenção de talentos. A concorrência do mer-
vidade do mercado. Porém, o fomento para o de- cado e de carreiras melhor remuneradas do
senvolvimento de tecnologias e de componentes serviço público tendem a retirar os especia-
estratégicos para a segurança nacional deve ser listas de seus postos originais. Não há uma
reforçado com a disponibilização de recursos fi- solução única para essa questão, mas ações
nanceiros e mecanismos institucionais para pes- complementares. A primeira destas é a criação
quisa e desenvolvimento (P&D) em cibernética. de uma carreira com remuneração compatível
Estes incluem a melhoria dos mecanismos de go- com o mercado. A segunda envolve outros
vernança dos fomentos, a participação ativa da incentivos profissionais. Treinamento contínuo,
indústria nacional em todas as fases da P&D das autonomia, novos desafios e flexibilização nos
encomendas tecnológicas, além de novos meca- horários de trabalho são algumas das estraté-
nismos normativos que permitam a segurança gias recomendadas para reter os profissionais
jurídica e a sustentabilidade financeira destas de segurança cibernética.
aquisições públicas.

68
Espacial de players capazes de atuar na área. Não é de
surpreender a forte participação estatal nos di-
Contextualização do setor versos sub-ramos da indústria; não apenas na
Não obstante o progresso em campos como a atuação, mas também na disponibilização dos
cibernética e o átomo, o espaço ainda consti- recursos financeiros envolvidos com a ativida-
tui uma fronteira militar e tecnológica essencial de. Isso também porque quase sempre as tec-
nos dias de hoje. Se, por um lado, o impulso nologias empregadas são de natureza dual, nas
motivador para as atividades aeroespaciais quais, muitas vezes, o que caracterizará determi-
perdeu força pelo aspecto militar stricto sensu, nada tecnologia como de uso civil – científico ou
por outro, a revelação de outras potencialida- comercial – ou militar serão a sua finalidade ou
des desse campo engendrou interesses de ou- aplicação. Assim, os cuidados com a apropriação
tras fontes, sempre com forte vínculo com as desse conhecimento são a regra, e não exceção.
atividades de P&D. Assim, além das aplicações
na área de defesa, outros domínios se desta- No mesmo sentido, a questão da disponibili-
cam na utilização da tecnologia aeroespacial, dade de recursos humanos qualificados e espe-
a exemplo de meteorologia, planejamento cializados para o setor tem sido igualmente um
territorial, meio ambiente, agricultura, tráfego ponto de estrangulamento, uma vez que é difícil
aéreo e comunicações que, para além da te- formar tais quadros. Outra dificuldade é que, ao
lefonia e da televisão, englobam a superlativa longo do tempo, o país não tem sido capaz de
atividade de transmissão de dados de toda oferecer oportunidades – condições de trabalho,
ordem. Portanto, deter o conhecimento para oferta de trabalho, remuneração compatível,
projetar, integrar e operar sistemas espaciais perspectivas de aprimoramento intelectual e
garante ao país independência em áreas estra- profissional – a estudantes, pesquisadores e
tégicas essenciais para o desenvolvimento. profissionais que garantisse uma comunidade
de especialistas mínima garantidora de retenção
O Brasil sempre foi um ator relevante no dos quadros. Além disso, considera-se a perda
setor aeronáutico e há condições para que de 21 profissionais em 2003, por ocasião da ex-
também seja um protagonista no espaço. No plosão do Veículo Lançador de Satélites (VLS)
tocante a esse setor, pode-se afirmar que a 1 v. 03, junto com os dois satélites a bordo e a
indústria de satélites – enquanto meio execu- própria plataforma de lançamento, acidente que
tor das atividades espaciais – está concertada representou perda quase irreparável de recur-
com virtualmente todas as ações relacionadas sos humanos e tecnológicos no projeto.
com o setor espacial: desde a formação dos
recursos humanos necessários ao desenvol- É fundamental presumir que a concepção
vimento dos equipamentos e serviços, até a e a operação do Programa Espacial Brasileiro

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


construção, operação e comercialização dos (PEB) ter se dado no âmbito militar estão rela-
empregos possíveis para essa tecnologia. cionadas aos fatos de que: i) a sua idealização
foi feita em um contexto histórico no qual os
Há de se considerar, contudo, que este se- conceitos de nacionalismo, soberania e desen-
tor apresenta características muito peculiares volvimentismo se encontravam fortemente pre-
quanto ao seu desenvolvimento. A geração de sentes nos desenhos das políticas públicas da
conhecimento, assim como o estabelecimento época; e ii) as estruturas militares estavam mais
de uma infraestrutura de apoio à atividade, con- capacitadas, tecnológica e organizacionalmen-
tém alta complexidade e valor agregado, grandes te, a empreender ações de tal complexidade e
riscos – econômicos, tecnológicos e, quiçá, de adversidade, considerando as barreiras interna-
soberania – e longos ciclos de desenvolvimento, cionais à transferência de conhecimento e ao
o que leva, entre outros aspectos, à concentração acesso aos insumos e equipamentos destina-
dos a tecnologias consideradas sensíveis.

69
Se, por um lado, essa abordagem pôde partir de 2014. Em 2017, apesar da dotação inicial
garantir um início real do programa, por ou- de orçamento para o programa aeroespacial bra-
tro, esse vínculo militar sempre foi utilizado sileiro ter sido de R$ 266 milhões, após os con-
como argumento para boicotes e embargos, tingenciamentos apenas R$ 109 milhões, ou 41%
especialmente dos Estados Unidos, que sem- desse valor, foram efetivamente desembolsados.
pre se valeram do argumento da necessida- Para 2018, haverá nova queda dos investimentos,
de de coibir o uso de tecnologia de mísseis uma vez que somente R$ 98 milhões foram auto-
para artefatos bélicos nucleares, utilizan- rizados. Tal diminuição de recursos é ainda mais
do o Regime de Controle da Tecnologia de grave considerando-se o volume já insuficiente
Mísseis (MTCR).8 disponibilizado nos últimos anos para o cumpri-
mento de várias das metas estipuladas para o
Por todas essas razões, os Estados desem- programa. Na ausência de um fluxo adequado de
penham papel-chave na gestão de programas investimentos, até mesmo a viabilidade da pre-
espaciais, incentivando a capacitação tecno- paração do Centro de Lançamento de Alcântara
lógica envolvida nesse setor e, também, viabi- (CLA) para uso comercial por meio da parceria
lizando sua utilização para outras aplicações com outros países pode ser comprometida.
econômicas e militares.
Outra questão que prejudica o avan-
O problema orçamentário ço do PEB é a incompatibilidade do marco
jurídico de licitações do país com a realidade
É importante destacar, antes de tudo, que o
das instituições públicas que atuam em
PEB não tem pretensões ambiciosas, como
setores intensivos em tecnologia, com gastos
o envio de missões tripuladas ou a destinos
expressivos destinados para P&D. A legislação
mais distantes, mas objetivos mais limitados
atual que regula a atuação do Estado no setor
e orientados às prioridades do país, a exemplo
compreende, para além do marco geral disci-
do lançamento de satélites de monitoramento
plinado pela Lei no 8.666/1993, também as se-
e comunicações para uso civil e militar.
guintes normativas: Lei no 10.973/2004 (Lei da
Inovação); Lei no 11.196/2005 (Lei do Bem); Lei
O Programa Nacional de Atividades Espa-
no 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Com-
ciais (PNAE), elaborado para o decênio de 2012
pras); e Emenda Constitucional no 85/2015,
a 2021, previa o repasse total de US$ 2,2 bilhões
Lei no 13.243/2016 e Decreto no 9.283/2018
com foco na conclusão do satélite CBERS-4 e
(regulamentam as atividades de ciência, tec-
nos lançamentos dos foguetes Cyclone-4 e VLS,
nologia e inovação no país). Embora várias
do veículo lançador de microssatélites (VLM), do
dessas regulações posteriores tenham avan-
satélite Amazônia-1 e do Satélite Geoestacio-
çado na direção de favorecer um sistema mais
nário de Defesa e Comunicações Estratégicas
ágil de aquisição de bens e serviços intensivos
(SGDC-1). Contudo, na esteira da crise fiscal do
em tecnologia, os órgãos de controle ainda se
país, o cronograma para os desembolsos não
orientam pela lógica da Lei no 8.666/1993 para
vem sendo cumprido, o que dificulta a execução
fiscalizar as atividades do setor aeroespacial,
dos programas, não obstante os resultados já al-
que é baseada em premissas irrealistas sobre
cançados pela PEB nos últimos anos.9
o funcionamento desse mercado.10
De 2008 até 2018, o histórico de disponibilida-
Conclui-se que a trajetória de desenvolvi-
de de recursos financeiros para o setor espacial,
mento das atividades espaciais no Brasil tem
a exemplo de outros projetos estratégicos da
sido marcada por contingenciamentos orça-
área de defesa, combinou um início promissor
mentários e descontinuidade de projetos, a
com estagnação e posterior queda acentuada,
exemplo de outras áreas estratégicas da de-
na esteira da crise fiscal enfrentada pelo país a
fesa nacional.

70
Prioridades garante menor consumo de combustível dos
veículos lançadores e incremento da carga sa-
Segundo a END, entre as prioridades do se-
telitizável; ii) uma maior segurança e diminuição
tor espacial, destacam-se: projetar e fabricar
dos custos de seguro, em razão de sua proxi-
veículos lançadores de satélites e os próprios
midade com o oceano Atlântico, garantindo que
satélites, assim como os sistemas e tecnolo-
eventuais quedas não ocorrerão em áreas habi-
gias necessários ao seu guiamento e contro-
tadas; e iii) o clima estável que permite o lança-
le; desenvolver tecnologias de comunicações,
mento de foguetes durante todo o ano.11
comando e controle a partir de satélites, com
as forças terrestres, aéreas e marítimas, inclu-
sive submarinas, para que elas capacitem-se a Propostas de reformulação de
operar em rede e a orientar-se por informações políticas públicas
deles recebidas. Tais prioridades estão refletidas Parcerias estratégicas: as parcerias estratégicas
nos três eixos estratégicos do PEB: os satélites podem se dar em diversos âmbitos. No comer-
per se, assim como as suas aplicações, os veí- cial, por exemplo, a efetivação da utilização do
culos lançadores de satélites e os centros de CLA por outros países garantirá a viabilização
lançamento de satélites, onde o CLA destaca-se. e o aprimoramento de tal infraestrutura, com a
sua modernização – interesse de todos os usu-
Várias das funcionalidades dos satélites têm
ários – e a diminuição dos custos de operação
seus reflexos positivos para o processo de de-
dessa base, visto que o mercado de lançamento
senvolvimento nacional por meio de resultados
de satélites gera receitas para a atividade de es-
difusos, ou não diretamente presentes no valor
paço como um todo, desde que sejam conside-
da produção doméstico. Por exemplo, a cole-
radas as consequências de tal atitude no tocan-
ta de dados ambientais tem sido fundamental
te à soberania nacional. De toda sorte, é preciso
para a gestão dos recursos hídricos nacionais,
ressaltar que acordos e parcerias entre nações
assim como os dados meteorológicos para a
têm sido utilizados em larga escala nesse setor,
produção agrícola em geral.
demonstrando o imperativo de se partilhar cus-
Se, por um lado, a exploração comercial da tos e riscos, além da possibilidade de se unir es-
atividade espacial vem se tornando cada vez mais forços na geração e administração de conheci-
relevante no mundo, por outro, as barreiras à en- mento e de sistemas de extrema complexidade.
trada nesse mercado permanecem vultosas. Isso
Permanência e continuidade das dotações
deve-se não apenas em razão da necessidade de
orçamentárias: faz-se mister que haja perma-
elevado volume de investimentos na fase inicial
nência e cadência nas destinações orçamentá-
dos projetos, mas também devido a sua comple-
rias e programáticas das atividades espaciais.
xidade operacional e riscos envolvidos, nos quais

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


Por se tratar de um setor muito específico e
sobressaem também os de natureza política.
restrito em termos de número de atores envol-
Nesse sentido, destacam-se, no campo da vidos, é de suma importância que os esforços
exploração espacial, os países com acesso pri- direcionados à atividade permaneçam ocor-
vilegiado de capacidade de lançamento, por rendo continuamente, pois não raras vezes um
meio de uma base para lançamento de veículos ator que é dedicado a algum ofício deste ne-
espaciais, como o CLA. Sua operacionalidade já gócio o é de maneira exclusiva. De sorte que
foi testada e aprovada pelo número de lança- a interrupção no fornecimento dos insumos
mentos bem-sucedidos ocorridos desde o final necessários à sua atuação – que incluem re-
da década de 1980. O CLA possui vantagens cursos econômicos, humanos e até normativos
competitivas relevantes no mercado tais como: – tem maior probabilidade de causar prejuízos
i) a proximidade com a linha do Equador, que irreversíveis aos resultados destes projetos do
que em outros setores em geral.

71
Fortalecimento e consolidação do segmento Foco nos esforços voltados ao desenvolvi-
empresarial espacial brasileiro, por meio da fle- mento de veículos lançadores de microssatélites
xibilização dos contratos, de maior segurança (VLMs): o progresso técnico vivenciado, em par-
orçamentária e do estímulo à celebração de ticular na última década, aponta para um promis-
parcerias estratégicas com empresas de países sor mercado de microssatélites, com viabilização
identificados pelo Brasil como parceiros prefe- e utilidades crescentes no mundo, criando poten-
renciais para exploração do setor, de maneira ciais oportunidades para o desenvolvimento tec-
a gerar condições mínimas de participação na- nológico e a inserção do Brasil nesse mercado.
cional nas atividades industriais essenciais ao
desenvolvimento do setor. Nuclear
Assinatura do Acordo de Salvaguardas Contextualização do setor
Tecnológicas entre Brasil e Estados Unidos: a Em desenvolvimento desde 1979, o Programa
subscrição de tal contrato concorrerá para o Nuclear da Marinha (PNM) é, segundo o Livro
fortalecimento do PEB ao viabilizar a geração de Branco de Defesa Nacional (LBDN), um dos
recursos, capacitação, progresso e aprofunda- projetos prioritários para a defesa. Ademais,
mento das atividades espaciais com um país o PNM se insere e está intrinsicamente ligado
que não apenas possui liderança tecnológica ao Programa Nuclear Brasileiro (PNB), que, há
nesse campo, mas, também, tem relevantes décadas, permite ao país avanços tecnológicos
afinidades econômicas e políticas com os fundamentais no domínio da tecnologia nuclear.
objetivos da política externa brasileira.12
Desde 1987, o Brasil detém o domínio técnico
Efetivação do Conselho Nacional do Espaço: do ciclo de enriquecimento de urânio por ultra-
será necessária a apresentação de um projeto centrifugação. Cerca de 3% (1,9 GW) da energia
de lei ao Congresso Nacional da instância que elétrica produzida no Brasil provém das duas
elevará o nível de decisão das ações relacionadas usinas de geração de energia nuclear em opera-
às atividades espaciais. A princípio, o conse- ção em Angra dos Reis (RJ): Angra I (609 MW) e
lho deve ser composto pelos representantes Angra II (1275 MW). Entretanto, de acordo com o
máximos da Casa Civil da Presidência da Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, preten-
República e dos ministérios da Defesa; da Ciência, de-se aumentar a produção desse tipo de ener-
Tecnologia, Inovação e Comunicações; das gia em 4000 MW ao longo da próxima década,
Relações Exteriores e do Planejamento. por meio da construção de quatro novas usinas:
duas na região Sudeste e duas no Nordeste. Se
Reformulação da Lei de Licitações para aqui- concretizados, tais projetos elevarão substan-
sição de produtos e serviços de elevado conteúdo cialmente a demanda por combustível nuclear
tecnológico: ainda que haja normas especiais para no país, com reflexos positivos para o desen-
compras, contratações e desenvolvimento de volvimento nacional da tecnologia de enrique-
produtos e de sistemas de defesa (Lei no 12.598, cimento de urânio, além de contribuírem para a
de 2012), há produtos e serviços que ainda são de diversificação da matriz energética nacional.
grande dificuldade de acesso e viabilização.
O Brasil se encontra em posição privilegiada
Apoio à formação e à contratação de re- no que tange à produção de energia nuclear de-
cursos humanos qualificados, resgatando vido à sua considerável disponibilidade de urânio.
os princípios estabelecidos na estratégia de De fato, há 277 mil toneladas desse elemento
implementação do PNAE (2005): formação, passíveis de extração no território nacional – o
capacitação e alocação de recursos humanos que equivale a, aproximadamente, 5% das reser-
de modo a favorecer a inovação tecnológica e vas mundiais –, fazendo do país detentor de uma
o aperfeiçoamento da gestão. das maiores reservas de urânio do mundo.

72
Cabe ressaltar que, conforme as Indús-
trias Nucleares do Brasil S.A. (INB), apenas
Previsto para estar
um quarto do território brasileiro foi pros-
pectado para extração de urânio, indicando a
concluído em 2029, o
possibilidade de expansão das reservas bra- SN-BR é importante não
sileiras. Ademais, segundo as INB, as reservas
de urânio encontradas nas minas de Caetité somente para a defesa
(BA) e Santa Quitéria (CE) serão suficientes
para atender a todas as necessidades des- nacional, mas também é
se minério por parte do Brasil pelos próximos
cem anos, o que assegura a continuidade dos relevante por impulsionar
programas civis e militares para utilização da
tecnologia nuclear.
o desenvolvimento
No que tange ao PNM, além de contribuir
tecnológico do país.
para obtenção do domínio do ciclo do com-
bustível nuclear, o programa busca, também, a O PNM é conduzido, em grande parte, pelo
construção de uma planta nuclear de geração CTMSP, em suas instalações localizadas nas
de energia elétrica – o Laboratório de Gera- cidades de São Paulo (sede) e Iperó (Centro
ção de Energia Núcleo-Elétrica (LABGENE), Experimental de Aramar – CEA), buscando al-
previsto para estar concluído em 2021 –, bem cançar a capacidade técnica necessária para
como o fortalecimento do Centro Tecnológico projeção, construção, comissionamento, ope-
da Marinha em São Paulo (CTMSP). Consistin- ração e manutenção de reatores nucleares do
do em uma planta nuclear com um reator de, tipo água pressurizada (PWR), possibilitando,
aproximadamente, 10 metros de altura, o LA- também, a produção de combustível nuclear.
BGENE será utilizado como um protótipo em Além do LABGENE, o CEA abriga, também, a
terra do sistema de propulsão nuclear a ser Unidade Produtora de Hexafluoreto de Urânio
empregado no submarino de propulsão nucle- (USEXA) e o Laboratório de Materiais Nuclea-
ar brasileiro (SN-BR), tendo, também, poten- res (LABMAT), destinados à produção de com-
cial para a geração de energia elétrica. bustível nuclear para o SN-BR.

O SN-BR será abastecido e impulsionado Também em Iperó, em terreno contíguo ao


por um reator nuclear desenvolvido no Brasil e CEA, porém operado inteiramente pela Comis-
possui uma série de vantagens sobre os sub- são Nacional de Energia Nuclear (CNEN), será
marinos convencionais, incluindo uma grande construído o Reator Multipropósito Brasileiro

Cooperação Federativa e Soberania Nacional


autonomia, maiores velocidades e maiores pro- (RMB), cujo propósito principal é a produção de
fundidades alcançadas. De fato, a autonomia radioisótopos e radiofármacos que beneficiarão
desse tipo de embarcação é tamanha que as uma grande parcela da população atualmente
únicas limitações à sua capacidade de submer- desassistida no acesso a esses medicamentos.
são são os estoques de mantimentos e a fadiga O reator, de potência máxima de 30 MW, volta-
da tripulação. Previsto para estar concluído em -se principalmente às aplicações de medicina
2029, o SN-BR é importante não somente para nuclear, além da indústria, do meio ambiente,
a defesa nacional, mas também é relevante por entre outras áreas. Além da direção da CNEN,
impulsionar o desenvolvimento tecnológico do o RMB conta com o aporte financeiro da Finan-
país por meio da internalização de capacidades ciadora de Projetos (Finep), por meio de convê-
produtivas para componentes e sistemas avan- nio no valor de R$ 150 milhões, bem como com
çados de engenharia e comunicações.13 a coexecução da Amazônia Azul Tecnologias

73
de Defesa S.A. (Amazul), empresa pública a motivos de escala, ou seja, a baixa demanda
vinculada ao MD diretamente envolvida com o nacional por urânio não justifica os altos custos
desenvolvimento dos submarinos da Marinha do desempenho dessas atividades. Além disso,
(incluindo o SN-BR). Apesar de sua importância, embora o Brasil seja autossuficiente em jazidas
devido ao contingenciamento orçamentário, o de urânio, a exploração da mina de Caetité, úni-
RMB teve sua conclusão postergada e está pre- ca em operação no momento no país, encontra-
visto para entrar em operação em 2024. -se suspensa à espera de liberação por parte da
CNEN para retomar as operações, fazendo com
O problema orçamentário que o próprio minério de urânio que atende às
necessidades nacionais tenha de ser importado.
Ao todo, os recursos dispendidos pelo governo
federal com o PNB durante o período 2012-2018
foram de, aproximadamente, R$ 4,1 bilhões. Como
Propostas de reformulação
prova de sua importância estratégica para o país, de políticas públicas
o PNM e o Programa de Desenvolvimento de Sub- Prospectar e desenvolver novas minas de urânio
marinos (Prosub) – o qual inclui o desenvolvimen- em território nacional, para reduzir a dependên-
to do SN-BR – foram incluídos, em 2013, no Pro- cia em relação à única existente hoje (Caetité),
grama de Aceleração do Crescimento (PAC) do cuja exploração se encontra paralisada por
governo federal. Tal inclusão se deveu à capaci- questões regulatórias.
dade desses programas nas áreas de transferên-
cia de tecnologia, capacitação de pessoal e na- Retomar os investimentos para a execução, em
cionalização, trazendo retornos e externalidades escala industrial, de todas as etapas do ciclo do
consideravelmente positivas a toda a sociedade combustível nuclear, hoje realizadas parcialmen-
brasileira. Entre 2010 e 2018, o desenvolvimento te no exterior em razão da insuficiência de escala
do SN-BR respondeu por cerca de 20% de todos para atender à demanda no país. A capacidade
os recursos destinados ao Prosub. de realizar tais etapas em território nacional as-
seguraria a continuidade dos programas nuclea-
A despeito da clara importância dos programas res militares e civis, dirimindo o risco de eventuais
direta ou indiretamente envolvidos com o desen- obstáculos por parte de outros países ao forneci-
volvimento da energia nuclear no Brasil, tais pro- mento de urânio enriquecido ao Brasil.
gramas ainda sofrem com a falta de recursos. De
fato, os principais envolvidos no PNB e no PNM Concluir a construção do RMB para produção
afirmam que a redução e/ou corte de investimen- de radiofármacos em escala industrial, suprindo a
tos constitui o principal risco dos programas, sendo demanda por medicamentos desenvolvidos com
uma preocupação considerável de seus dirigentes. tecnologia nuclear no país, hoje restritos a uma
parcela reduzida da população com acesso a pla-
Prioridades nos de saúde complementar.
Apesar de deter o domínio técnico do ciclo do
Concluir a construção das novas usinas de
combustível nuclear, o Brasil não executa em
geração de energia nuclear previstas no PNE,
escala industrial todas as etapas desse ciclo. No
diversificando a matriz energética brasileira e
que tange à geração de energia elétrica no país
reduzindo sua dependência de fontes poluen-
pelas usinas Angra I e Angra II, as etapas de con-
tes e sujeitas a riscos climáticos, e também
versão, enriquecimento e reconversão são, atu-
ampliando a demanda por combustível nucle-
almente, realizadas no exterior (no que se refere
ar no país, o que asseguraria escala para as
às necessidades do PNM, a Marinha realiza tais
atividades de produção e enriquecimento de
atividades no CEA). Isso se deve, segundo as INB,
urânio em território nacional.

74
Parte 2
INFRAESTRUTURA PARA 
O DESENVOLVIMENTO
6
CIDADES BRASILEIRAS:
DIAGNÓSTICO E
DESAFIOS PARA A
MORADIA E MOBILIDADE
CIDADES BRASILEIRAS:
DIAGNÓSTICO E DESAFIOS PARA A MORADIA E MOBILIDADE

N
os últimos trinta anos, o Brasil realizou Ou seja, em termos de segurança, as cida-
uma série de avanços institucionais des brasileiras devem aumentar a segurança
para o aprimoramento de suas políti- física das habitações e a segurança no trânsito
cas de desenvolvimento urbano. Esses avanços de seus habitantes. A perspectiva do agrava-
incluem, por exemplo, a Constituição Federal mento dos desastres naturais acende um sinal
de 1988, a promulgação de um conjunto de leis, amarelo para a necessidade de prover condi-
entre elas o Estatuto da Cidade (Lei Federal no ções de moradia segura, assim como a tendên-
10.257/2001), a Política Nacional de Mobilidade cia do aumento do transporte individual moto-
Urbana (Lei Federal no 12.587/2012), o Estatu- rizado, especialmente das motocicletas, impõe
to da Metrópole (Lei Federal no 13.089/2015), o um cenário alarmante no caso das mortes no
Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano trânsito. Além disso, a desigual distribuição de
(Medida Provisória no 2.220/2001), o Sistema recursos e oportunidades no território urba-
Nacional de Habitação de Interesse Social (Lei no aprofunda as injustiças e as desigualdades
Federal no 11.124/2005), a criação do Ministério sociais. Comprometido o acesso aos serviços
das Cidades (MCidades), em 2003, e do Plano de educação e de saúde e a oportunidades
Nacional de Habitação (PlanHab),1 em 2009. de emprego, agrava-se a desigualdade social
existente nas cidades, ensejando o avanço da
Esses normativos trazem uma série de ino- violência urbana.
vações, por exemplo, ao reconhecer a moradia
e o transporte como direitos sociais; considerar Assim, são identificados dentre os principais
a função social da propriedade como premissa; desafios das cidades brasileiras a mobilidade e a
exigir que municípios elaborem seus planos dire- moradia. A precariedade dos sistemas de trans-
tores e de mobilidade urbana; determinar a cria- porte público e a dependência do transporte
ção de uma estrutura de governança e coope- individual motorizado geram graves problemas,
ração interfederativa entre estados e municípios tais como congestionamento urbano, poluição
para a elaboração dos planos metropolitanos; e ambiental e acidentes de trânsito. As políticas
prever um conjunto de instrumentos urbanísti- de habitação não têm sido suficientes para
cos, jurídicos e tributários para gestão urbana. atender ao crescimento do deficit habitacional
no país, nem para lidar com a situação da popu-
Esses avanços institucionais representam lação habitando em áreas de risco e desastres
parte da estrutura de segurança da vida e se- naturais. A população de baixa renda que habita
gurança da mobilidade urbana. No processo as periferias se afasta cada vez mais das áreas
de desenvolvimento ao qual este projeto foi onde se localizam as oportunidades de empre-
elaborado, a qualidade de vida urbana requer gos, acesso a serviços, cultura e educação, dimi-
a efetividade das políticas públicas urbanas nuindo suas chances de mobilidade social. Estes
e a qualidade de mobilidade urbana. Mesmo problemas são agravados porque, de forma ge-
assim, as cidades brasileiras ainda enfrentam ral, as práticas de planejamento e de gestão nas
graves desafios, que expõem expressiva par- cidades brasileiras ainda têm uma visão pouco
cela da população ao risco de perder sua vida integrada de como questões habitacionais, de
em habitações precárias ou em acidentes de mobilidade urbana, uso do solo e meio ambien-
trânsito, além de afetar a qualidade de vida de te precisam ser pensadas conjuntamente. Além
toda a população. disso, uma camada adicional de complexidade

78
vem se delineando, pois o processo de cresci- Diagnóstico e desafios
mento urbano, que ultrapassa fronteiras admi-
nistrativas, cria a necessidade de planejamento A questão da moradia
e gestão integrados entre municípios.
A partir do início dos anos 1980, houve um
Esse contexto leva a um desenvolvimento ur- grande crescimento urbano fora do marco le-
gal. A promulgação da Lei no 6.766/1979, que
bano fragmentado, muitas vezes precário e com
estabeleceu novos parâmetros e procedimen-
graves consequências para o desenvolvimento
tos para o parcelamento do solo urbano, con-
econômico e social do país e para as condições
tribuiu para este fenômeno ao exigir padrões
de saúde e bem-estar da população. Não por aca-
urbanísticos incompatíveis com as capacida-
so, a III Conferência sobre Habitação e Desenvol-
des de grande parte da população. Em menor
vimento Urbano Sustentável (Habitat III), promo-
medida, a extinção do Banco Nacional da Habi-
vida pela Organização das Nações Unidas (ONU)
tação (BNH), em 1986, principal agente de pro-
a cada vinte anos, traz diretrizes pactuadas entre
moção de habitação de interesse social no país
os países-membros e que conformam a Nova
entre 1964 e 1986, também contribuiu para este
Agenda Urbana. Nela se vislumbram cidades e as-
tipo de crescimento urbano. O movimento pela

Infraestrutura para o Desenvolvimento


sentamentos humanos que exerçam sua função reforma urbana e a inclusão na Constituição de
social – conceito que abarca a concretização do 1988 dos arts. 182 e 183, que versam sobre a
direito à moradia adequada, acesso universal a política de desenvolvimento urbano e a função
água e saneamento seguros e economicamente social da cidade e da propriedade, foram acom-
acessíveis, assim como acesso igualitário para to- panhados de iniciativas inovadoras e relativa-
dos a bens públicos –; sejam participativos; alcan- mente bem-sucedidas de provisão de habita-
cem a igualdade de gênero; atendam aos desafios ção e urbanização de assentamentos precários
de um crescimento econômico contínuo, inclusivo em alguns municípios. Em 2003, a criação do
e sustentável, tendo a urbanização como alicerce MCidades retomou uma estratégia nacional
para uma transformação estrutural; promovam para a questão, criando mecanismos de parti-
investimentos em mobilidade sustentável, segura cipação popular e financiamento. Alguns anos
e acessível; implementem a redução e a gestão após, em 2011, o orçamento federal para o se-
de risco de desastres e construam resiliência; e tor avolumou-se expressivamente no arcabou-
protejam e conservem seus recursos naturais. ço do Programa de Aceleração do Crescimento
Esta mesma concepção de cidades inclusivas e (PAC) 2. Os investimentos se dividiram princi-
sustentáveis encontra-se pormenorizada nos Ob- palmente entre o PAC urbanização de favelas e
jetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
sobretudo o ODS 11, cujas providências, para seu
monitoramento, encontram-se em plena execu-
ção do Brasil.
Apesar desses
Sendo assim, este capítulo traz um breve
diagnóstico de alguns dos problemas cen-
investimentos e avanços
trais de mobilidade, moradia e gestão urbana
enfrentados pelas cidades brasileiras e apon-
institucionais, a política
ta algumas diretrizes de ação que podem ser
priorizadas pelo governo federal para o enfre-
de habitação não tem sido
tamento desses desafios. Questões de sane- suficiente para equacionar
amento ambiental e segurança pública estão,
também, entre os grandes desafios enfrenta- o problema da moradia
dos pelas cidades brasileiras, mas são tratados
em outros capítulos deste documento. no país.

79
Gráfico 1
Deficit habitacional brasileiro por componentes (2007-2015)
(Em milhares de domicílios)
7000

333
6000 367
367 381 390
362 386 371
5000
1743 3178
1706 1917 2553 2927
2091
4000 2311

3000
2481
2211 2512
1917
2000 1905 1902
1865 1912

1000
1264 1159 1089 1188
884 997 863 943

0
2007 2008 2009 2011 2012 2013 2014 2015
Habitação precária Coabitação familiar Ônus excessivo com aluguel Adensamento excessivo

Fonte: FJP.
Elaboração dos autores.

Apesar desses investimentos e avanços e Estatística (IBGE), em 2010 havia mais de


institucionais, a política de habitação não tem 8 milhões de pessoas vivendo em áreas de
sido suficiente para equacionar o problema da risco no país, das quais 4,8 milhões nas onze
moradia no país. A última atualização do defi- maiores metrópoles brasileiras.2
cit habitacional brasileiro, feita pela Fundação
João Pinheiro (FJP), informa que o deficit era de Além disso, o preço da terra é maior nas
6,3 milhões de domicílios, em 2015 (gráfico 1), metrópoles, e o mercado formal de constru-
e indica uma tendência de crescimento na úl- ção não oferece alternativas suficientes que
tima década. atendam, particularmente, às famílias de bai-
xa renda. Outro fator importante é a legisla-
O deficit habitacional é notoriamente ção urbanística vigente, que enseja uma ocu-
maior nas regiões metropolitanas (RMs) e pação com densidades baixas, aumentando o
aglomerações urbanas. Nessas áreas, con- custo da terra na cidade formal. Portanto, um
centra-se a maioria da população que re- importante componente deste deficit habita-
side em áreas de risco, como encostas de cional são os custos com habitação, que con-
morros, terrenos sujeitos a enchentes, além somem parte considerável do orçamento das
de áreas de proteção ambiental, em suma, famílias brasileiras. O ônus excessivo com o
áreas não disponíveis para o mercado for- pagamento de aluguel é o principal item do
mal e, portanto, única alternativa habitacio- componente do deficit habitacional no Brasil,
nal para famílias de baixa renda. Segundo e em 2015 respondia por cerca de 50% do de-
dados do Instituto Brasileiro de Geografia ficit no país.

80
Foi o pagamento de aluguel o que mais também, a extensão da cobertura dos ser-
contribuiu para o crescimento do deficit to- viços de saneamento para a cidade formal.
tal nos últimos anos. O PMCMV, apesar de Desse modo, ambos os desafios ressaltam a
prover moradias subsidiadas, foi também importância de uma articulação das políticas
acompanhado de um aumento no valor dos habitacionais com as políticas de saneamento.
imóveis, que contribuiu para essa elevação.
Com relação aos demais componentes, cer- Cabe apontar uma condição de habitação
ca de 14,8% do deficit brasileiro correspon- que vai além das dimensões específicas do
dia às moradias precárias, enquanto 29,9% deficit, das favelas e das áreas de risco: a
diz respeito à coabitação e apenas 5,2% é inserção urbana. O PMCMV concentrou mui-
relativo ao adensamento excessivo, em 2015. tas unidades construídas em áreas urbanas
Estes são componentes do deficit habitacio- periféricas, onde o preço da terra é mais
nal comumente associados à população em baixo em comparação às zonas centrais.
favelas e áreas similares, o que o IBGE defi- Como resultado, a política habitacional pro-
ne como aglomerados subnormais.3 duziu conjuntos habitacionais desconectados
da mancha urbana e mal servidos por transporte

Infraestrutura para o Desenvolvimento


Em 2010, 11,4 milhões de pessoas mora- público, piorando o acesso às oportunidades
vam em favelas, 90,8% das quais situadas disponíveis nas cidades para a popula-
nas metrópoles brasileiras. Os projetos de ção atendida. Esse resultado adverso não
urbanização de favelas, apesar de melho- foi devidamente previsto no desenho do
rarem a estrutura física das moradias e a programa, pois decorre de interação comple-
infraestrutura urbana nessas áreas, se con- xa entre muitas condicionantes da provisão
frontam com as limitações das políticas de da moradia, como a dinâmica de valoriza-
regularização fundiária. Já a precariedade ção dos terrenos e as legislações urbanís-
das moradias fica concentrada nas regiões ticas pertinentes. Por um lado, fica exposto
Norte e Nordeste, visto que há maior de- o desafio do governo federal de promover o
ficiência de infraestrutura de saneamento “direito à cidade”, conceito defendido pelo
nessas regiões. Cerca de 70% do deficit Brasil nos fóruns sobre habitação da ONU.
habitacional causado por este componente Por outro lado, fica patente a necessidade de
concentra-se nestas regiões devido às con- atenção à gestão integrada de políticas seto-
dições sanitárias menos favoráveis. riais (como transporte, habitação, saneamento,
segurança etc.) e de desenvolvimento urbano.
Assim, as condições sanitárias dos aglo-
merados subnormais das grandes metrópo- Mobilidade urbana
les do Sul e do Sudeste são melhores que as
de uma boa fatia dos domicílios do Norte e do O governo federal também expandiu subs-
Nordeste. Por um lado, isso reflete a concen- tancialmente seus investimentos na área de
tração do deficit habitacional por precarie- mobilidade nos últimos anos, por meio do PAC
dade das moradias no Norte e no Nordeste. 2 da mobilidade urbana e dos investimentos
Por outro lado, há melhor infraestrutura de para realização de megaeventos no país, des-
saneamento nas grandes metrópoles, onde tacadamente a Copa do Mundo de Futebol de
vive a maior parte da população em favelas. 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Apesar
Ou seja, no Sul e no Sudeste, o tipo de incre- desses investimentos, as condições de trans-
mento da rede de água e esgoto necessário é porte urbano, nas médias e grandes cidades
marginal, mas qualitativamente diferenciado, brasileiras, seguem se deteriorando. Um dos
por ter de chegar à porção da cidade que sinais dessa piora é o consistente aumento no
cresceu à margem das normas urbanísti- tempo que as pessoas gastam no trânsito em
cas. Já no Norte e no Nordeste, o desafio é, seus deslocamentos casa-trabalho (gráfico 2).

81
Gráfico 2
Tempo médio no deslocamento casa-trabalho nas principais RMs brasileiras
2A – Principais RMs do Sudeste 2B – Principais RMs do Nordeste
RJ

45 SP 45
Tempo médio (minutos)

40 40
REC
SAL
BH
35 35
FOR

30 30
2001 2004 2007 2011 2015 2001 2004 2007 2011 2015

2C – Principais RMs do Centro-Oeste e do Norte 2D – Principais RMs do Sul


45 45

DF
40 DF
40

35 35
BEL CUR
POA
30 30

2001 2004 2007 2011 2015 2001 2004 2007 2011 2015

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD/IBGE, vários anos).


Elaboração dos autores.
Obs.: R J – Rio de Janeiro; SP – São Paulo; BH – Belo Horizonte; REC – Recife; SAL – Salvador; FOR – Fortaleza; DF – Distrito Federal; BEL – Belém; CUR –
Curitiba; e POA – Porto Alegre.

Essa tendência de piora das condições de transporte no Brasil, um grande desafio para a
mobilidade urbana se deve, em parte, ao aumen- mobilidade urbana no país é mudar o foco da
to expressivo das taxas de motorização no país. política para priorizar sistemas de transporte
Entre 2006 e 2013, a frota de veículos e de mo- público e de deslocamento ativo a pé e de bici-
tocicletas cresceu 71% e 129%, respectivamente. cleta. Um número crescente de estudos nacio-
O aumento do tempo nos deslocamentos diários nais e internacionais aponta para os benefícios
está associado ao agravamento de diversos pro- da prática de deslocamento ativo, sejam eles
blemas, como aumento da emissão de gases de benefícios pessoais, em termos de melhores
efeito estufa e poluição atmosférica; maior inci- índices de saúde e bem-estar, sejam em ter-
dência de agravos respiratórios, com aumento mos de benefícios coletivos, com a mitigação
dos custos para o sistema de saúde; além de de problemas de poluição, congestionamento
impactos econômicos negativos, devido à, por e de custos no sistema de saúde.
exemplo, perda de produtividade.
Em 2013, mais de um terço da população aci-
Dado o histórico de políticas de incentivo ma de 18 anos de idade nas cidades brasileiras se
que favoreceram o automóvel como meio de deslocava para atividades habituais (trabalho e

82
escola) a pé ou de bicicleta. Essa taxa é relativa- Outro direito reconhecido pela Lei da Polí-
mente alta quando comparada a de países como tica Nacional de Mobilidade Urbana é que os
França e Holanda, especialmente quanto ao fato cidadãos tenham fácil acesso a informações
de a infraestrutura cicloviária e de calçadas no sobre itinerários, horários e tarifas dos serviços
Brasil ter sido historicamente relegada pela políti- de transporte público. Cerca de 97% dos mu-
ca de mobilidade nas cidades. No entanto, as pre- nicípios brasileiros acima de 100 mil habitan-
cárias condições urbanas ambientais, por exem- tes possuem serviços de transporte público.
plo, pela baixa manutenção e oferta de calçadas No entanto, a grande maioria desses municí-
e ciclovias, impõem a pedestres e ciclistas sérios pios não disponibiliza essas informações de
riscos de saúde e acidentes, relacionados à queda maneira atualizada nas paradas/estações nem
e ao compartilhamento de vias com automóveis. por meio de plataformas digitais e aplicativos,
Esses riscos são ainda maiores entre os grupos o que atualmente pode ser realizado com so-
populacionais que possuem taxas mais altas de luções tecnológicas relativamente baratas,
deslocamento ativo, como é o caso da população como por Sistema de Posicionamento Global
de baixa renda que recorre ao transporte a pé e (GPS, sigla em inglês) e painéis eletrônicos.
de bicicleta como alternativa, devido à falta de re- A falta de informação desincentiva o uso do

Infraestrutura para o Desenvolvimento


cursos para pagar as tarifas do transporte público. transporte público, pois diminui a capacida-
de dos cidadãos de planejarem suas viagens
Um desafio de gestão enfrentado pela
para acessarem oportunidades de empre-
grande maioria dos municípios brasileiros é a
go ou serviços de educação, saúde e lazer.
baixa transparência na disponibilização de da-
dos públicos das prefeituras e de seus progra- A organização e a transparência destes dados
mas em portais digitais. Essa é uma questão dos sistemas de transporte público aumenta-
particularmente grave na área de mobilidade riam, ainda, a capacidade de organização da
urbana, por exemplo, na qual, regularmen- sociedade civil e dos centros de pesquisa de
te, há baixa transparência sobre informações monitorar a qualidade dos serviços de trans-
de planejamento e gestão, financiamento, de porte público.
subsídios e receitas e custos de tarifas. Essa
falta de transparência impede a participação e Atualmente, a seleção de projetos de trans-
o controle social do cidadão sobre a operação porte para receber investimento do governo
dos sistemas de transporte público, ferindo um federal não avalia como cada projeto deverá
direito reconhecido pela Política Nacional de beneficiar a população em termos de acesso a
Mobilidade Urbana (Lei no 12.587/2012). oportunidades de empregos, escolas ou servi-
ços de saúde, por exemplo. Dessa maneira, pa-
râmetros qualitativos de avaliação desses pro-
Em 2013, mais de um jetos, bem como a avaliação dos impactos que

terço da população acima estes podem ter para o conjunto da sociedade,


devem ser implementados. Da mesma forma,
de 18 anos de idade cabe ao poder público federal a elaboração e
a disseminação de diretrizes e programas de
nas cidades brasileiras capacitação, com o apoio da União, para forta-
lecer as capacidades técnicas e institucionais
se deslocava para dos municípios na elaboração de seus proje-
atividades habituais tos. Contribuem para a lentidão da implemen-
tação de obras os burocráticos e conflituosos
(trabalho e escola) a pé processos de desapropriação e licenciamento,
para os quais devem ser pensadas alterativas
ou de bicicleta. de simplificação.

83
Por fim, a falta de dados de transpor- realçou a provisão local de vários serviços
te público pelas prefeituras compromete a públicos. A experiência, desde então, tem
avaliação de quais projetos de mobilidade mostrado a dificuldade dos municípios em
urbana deveriam ser priorizados, o que, por ter receitas compatíveis com suas respon-
sua vez, compromete a eficácia do investi- sabilidades. A efetividade dos instrumentos
mento público. de política urbana depende do fortalecimen-
to das instituições para a sua aplicação. Há
Questões de gestão e planejamento precariedade das condições administrativas,
operacionais, de planejamento e financei-
Talvez, um dos maiores entraves do desen-
ra em grande parte dos municípios. Diante
volvimento urbano no país seja como melho-
disso, mesmo os vultosos recursos, desti-
rar as capacidades de gestão, planejamento
nados até os primeiros anos desta década,
e financiamento nos municípios brasileiros.
não serviram para estancar as deficiências
Isso implica, por exemplo, que raramente os
em infraestrutura urbana no país, e mesmo
instrumentos para gestão urbana são imple-
estes repasses esbarraram nos limites do
mentados. Dos vários instrumentos urba-
federalismo fiscal brasileiro.
nísticos propostos no Estatuto da Cidade,
poucos foram apropriados nas legislações As fontes de financiamento público dos
municipais e utilizados com efetividade. municípios, sejam elas transferências inter-
Esses instrumentos podem contribuir para governamentais, sejam arrecadação própria,
controlar o crescimento urbano espraiado e demonstram-se sensíveis aos períodos de bai-
diminuir a ociosidade de terrenos e domicí- xo crescimento econômico, com forte impac-
lios vagos em áreas bem localizadas e servi- to sobre o financiamento do desenvolvimento
das de infraestrutura. Assim, são desenhados urbano. Além disso, o sistema tributário bra-
para promover a participação popular e a sileiro pouco colabora com o estabelecimen-
inclusão na construção das cidades. Alguns to de uma cooperação interfederativa. Uma
podem ser utilizados com o intuito explícito possível solução para este desafio deverá
de redistribuição de melhorias urbanas, caso vislumbrar a participação de todos os entes
da outorga onerosa do direito de construir. federativos envolvidos com o tema, a partir
Outros buscam resgatar os custos coletivos do estabelecimento de uma matriz interfede-
da implantação da estrutura urbana, cujos rativa de responsabilidades.
benefícios estariam sendo apropriados por
indivíduos particulares, como o Imposto
Predial e Territorial Urbano (IPTU) progres-
sivo, desestimulando a especulação imobi- Dos vários instrumentos
liária. Nesse contexto, as Zonas Especiais de
Interesse Social (Zeis) são um instrumento
urbanísticos propostos
com implementação relativamente superior.
Seu intuito é a demarcação de áreas de inte-
no Estatuto da Cidade,
resse social para regularização fundiária ou
para promoção de habitação e equipamen-
poucos foram apropriados
tos de interesse social, nos casos das Zeis nas legislações
de vazios urbanos.
municipais e utilizados
Além disso, a descentralização federa-
tiva promovida pela Constituição de 1988 com efetividade.

84
No contexto da arrecadação própria, o IPTU visão setorial integrada e escala administrativa
pode servir como fonte de receita estável para supramunicipal tem o potencial de promover
os governos locais, uma vez que sua arreca- uma urbanização mais compacta e, portan-
dação é menos volátil às oscilações de ciclos to, mais sustentável para o meio ambiente.
econômicos. Nota-se que o financiamento do A ausência dessa integração vem contribuindo
desenvolvimento urbano pode se beneficiar de para um padrão de crescimento das metrópo-
uma maior participação do setor privado, ou les brasileiras baseado em baixa densidade
de maneiras novas de captação de mais-valia populacional e fragmentação do tecido urba-
urbana. Mesmo assim, a arrecadação por meio no, com o aprofundamento dos efeitos negati-
do IPTU é a mais simples e demasiadamente vos de congestionamento que começam a su-
negligenciada. Não há dúvidas de que deve perar as economias de aglomeração positivas,
contribuir para aumentar a capacidade de fi- comum às cidades.
nanciar melhorias urbanas locais com recursos
próprios. Além disso, trata-se de um imposto De outra maneira, deixa-se de aproveitar o
menos regressivo e, portanto, mais justo, mas fenômeno da urbanização como fonte de de-
que, ao mesmo tempo, possui um elevado cus- senvolvimento e prosperidade. Instituições e

Infraestrutura para o Desenvolvimento


to administrativo, o qual poderia ser mitigado infraestruturas que buscam conectar lugares
por uma governança conveniada ou consor- compartilham, mais amplamente, os benefícios
ciada, por exemplo. da densidade urbana e econômica. Portanto, é
premente a promoção de um sistema de cida-
Outro desafio para a gestão e o planeja- des conectado e integrado com alinhamento
mento das cidades no Brasil é a baixa integra- entre políticas urbana e regional de promoção
ção da governança metropolitana. Embora os do crescimento econômico.
municípios das aglomerações urbanas funcionem
como uma cidade única, com uma dinâmica ur-
bana compartilhada cotidianamente, a fragmen-
Diretrizes e propostas para o
tação político-administrativa dessas regiões gera desenvolvimento das cidades
inúmeras distorções e ineficiências na prestação
dos serviços públicos. A Lei do Estatuto da Me- O governo federal, em particular o MCidades,
trópole alçou a necessidade de planejamento tem papel central em apontar diretrizes e fi-
e gestão urbanos à escala metropolitana.4 Tais nanciar as políticas municipais, estaduais e do
processos de planejamento demandam a gestão Distrito Federal para promoção do desenvolvi-
interfederativa e uma visão territorialmente inte- mento urbano. A articulação dessas diretrizes
grada das funções públicas de interesse comum, com instrumentos de gestão e financiamento
como o uso do solo, o saneamento básico e a mo- tem importante papel na indução/influência,
bilidade urbana. por exemplo, dos projetos e programas go-
vernamentais locais de habitação e mobili-
Um conhecido entrave da política urbana dade urbana. A seguir, são listadas algumas
brasileira é a falta de integração das diversas linhas de ação que o governo federal poderia
políticas habitacionais, de mobilidade urbana, priorizar na próxima década, visando enfren-
uso do solo e meio ambiente nas gestões mu- tar alguns dos principais desafios das cidades
nicipais, estaduais e federal. Essa visão com- brasileiras. A governabilidade sobre a maioria
partimentalizada agrava problemas urbanos das propostas depende, fundamentalmente,
quando, por exemplo, certas políticas setoriais, da ação do governo federal em conjunto com
vistas isoladamente, têm efeitos negativos so- municípios, estados e Distrito Federal, execu-
bre outras áreas do desenvolvimento urbano. tores das políticas urbanas em âmbito local
Nesse sentido, o desenvolvimento urbano com e que possuem papel central na cooperação
pelo pacto federativo.

85
Melhorar o acesso à moradia adequada de Zeis de vazio), para fins de interesse
1. celerar a expansão de infraestru-
A social. Promover programas urbanos
tura de água potável e esgotamento integrados em grande escala, incluindo
sanitário para o Norte e o Nordeste. a produção de forma progressiva do
Ressalta-se a necessidade de plane- parcelamento do solo urbano e de lo-
jar esta expansão em sintonia com as tes urbanizados, visando à contenção
demais diretrizes de desenvolvimento da proliferação de estruturas informais
urbano, dentre elas as de urbanização de ocupação e de uso do solo urbano
de favelas e a priorização de bairros de e à sustentabilidade ambiental. Isto
mais baixa renda. contribuiria para preservar porções
bem localizadas, em termos de acesso
2. P
 romover a redução do número de à cidade, dos processos especulativos,
moradores em áreas de risco como que elevam o preço da terra, favore-
prevenção a danos e mortes causa- cendo, assim, um desenvolvimento ur-
dos por desastres naturais de origem bano compacto de alta densidade ao
hidrometeorológica envolvendo inun- longo de corredores de transporte. Ao
dações, alagamentos e deslizamentos. mesmo tempo, promove o crescimen-
Planejar estrategicamente as áreas to urbano nas franjas da cidade alinha-
de expansão urbana, impedindo no- do com o desenvolvimento sustentável
vas ocupações em áreas de risco. Em das cidades.
áreas onde a urbanização for estrutu-
ralmente possível e economicamente 4. F
 omentar a diversidade na provisão ha-
viável, realizar a urbanização do bairro, bitacional subsidiada para a população
ou terrenos, provendo de infraestrutu- de baixa renda, por exemplo, por meio
ra básica e melhorias estruturais, tais de locação social e produção habitacio-
como elevação do terreno, estabili- nal autogerida. A locação social pode
zação de encostas, muros de arrimo, ser associada a políticas de repovoa-
adequação da fundação das habita- mento de áreas centrais, contribuindo
ções etc. Viabilizar alternativas de mo- para o desenvolvimento urbano com-
radia adequada para essa população pacto. Construir políticas específicas
nos casos em que a remoção seja ne- de reabilitação de imóveis associadas
cessária. Continuar promovendo a me- às políticas habitacionais, de mobilida-
lhoria dos sistemas de avaliação e ma- de e de geração de emprego e renda
peamento de riscos, previsão e alerta em áreas com infraestrutura e servi-
de prevenção de desastres em linha ços. Pautar a provisão habitacional no
com o projeto Gides-Jica (Projeto de plano nacional resultante de processo
Fortalecimento da Estratégia Nacional participativo, que considere a integra-
de Gestão Integrada de Riscos em De- ção setorial moradia-mobilidade e leve
sastres Naturais-Agência de Coopera- em conta o horizonte temporal maior
ção Internacional do Japão).5 que os ciclos eleitorais.

3. A
 poiar municípios na provisão direta de 5. F
 inanciar programas de reurbanização
moradia de interesse social com quali- de favelas, com participação social no
dade, priorizando terrenos bem locali- desenho do projeto. Estes programas
zados. Isso pode ser feito por meio da só devem ser fomentados ao estarem
criação e manutenção de bancos de inseridos em uma estratégia de desen-
terras públicas municipais (no formato volvimento urbano que garanta que
não se configurem em incentivo para

86
o aumento de urbanizações ilegais nas médias e grandes cidades. Além
em condições semelhantes. Contribuir disso, a priorização dos sistemas de
para implantação de infraestruturas transporte público favorece a popula-
urbanas desenhadas especialmente ção de mais baixa renda que depende
para as áreas informais, com soluções desses serviços.
técnicas diferenciadas, que garantam
a qualidade do serviço e sua manu- 2. F
 omentar programas locais de elabo-
tenção ao longo do tempo. Ao mesmo ração de projetos e de investimento
tempo, a execução de um plano de em infraestrutura cicloviária, calçadas
habitação com alternativas habitacio- e faixas de travessia, melhorando a
nais diversificadas e de boa qualidade infraestrutura básica para mobilida-
garantirá a existência de oferta de de universal de pedestres e ciclistas.
habitação de interesse social mais O fomento a essa infraestrutura deve
atrativa que a ocupação informal. aumentar a segurança do transporte
ativo, o que deve diminuir as fatalida-
6. S
implificar o processo de regulari- des no trânsito e incentivar que via-

Infraestrutura para o Desenvolvimento


zação fundiária nos casos em que o gens motorizadas de curta e média
poder público municipal julgar perti- distância possam ser substituídas por
nente a permanência do loteamento, viagens a pé ou de bicicleta. Embora
ou seja, quando a ocupação estiver essas medidas possam trazer ganhos
consolidada em terreno que não apre- gerais para a população das cidades
sente riscos e não esteja em área brasileiras, têm um potencial benefício
de proteção ambiental. Disponibilizar ainda maior para as pessoas de mais
recursos para apoio técnico aos ope- baixa renda, que mais dependem de
radores municipais locais. Promover modos ativos de transporte.
a adequação das normas estaduais
e municipais ao arcabouço legal 3. C
 riar um programa de apoio às políticas
nacional. Por sua vez, simplificar a locais de cobrança de pedágio e de es-
legislação de uso, parcelamento e tacionamento em áreas públicas urba-
ocupação do solo e das normas edilí- nas centrais congestionadas de médias
cias, com vistas a permitir a redução e grandes cidades, com receitas rever-
dos custos e o aumento da oferta de tidas para investimentos no transporte
lotes e unidades habitacionais. público. Essas políticas podem contri-
buir para desincentivar o uso do trans-
Priorizar sistemas de transporte coletivo de porte individual motorizado e reduzir o
massa e transporte ativo tráfego e a emissão veicular nas áreas
mais congestionadas das cidades.
1.  riorizar transporte coletivo de mas-
P
sa, aumentando o apoio a governos 4. A
 primorar o sistema de seleção dos
locais para proposição e financiamen- projetos de mobilidade elaborados pe-
to de projetos de mobilidade urbana las prefeituras que receberão recursos
de corredores exclusivos de ônibus do governo federal. Isso implica fazer
e de expansão e modernização de avaliações dos projetos de investimen-
meios de transporte de média e alta to e suas alternativas levando em con-
capacidade, como metrôs, trens e bus sideração seus impactos, por exemplo,
rapid transit (BRTs). Essas iniciativas em termos ambientais e da contri-
podem aumentar a eficiência como buição desses investimentos para a
um todo do sistema de transporte expansão do acesso da população a

87
oportunidades de empregos, escolas, Uma possível estratégia de capacitação
serviços de saúde etc. Dada a restri- poderia envolver algumas cidades-polo
ção de disponibilidade de recursos, como núcleos de capacitação regionais.
essas avaliações permitem, ainda, a Um destes instrumentos é a cobrança
realização de simulações de diferentes efetiva do IPTU progressivo no tempo,
alternativas de projeto, incorporando cuja aplicação poderia contribuir para
sugestões de técnicos e comunidades a redução da especulação imobiliária. A
locais para definição de projetos com criação de Zeis também tem importante
melhor relação custo-efetividade. potencial na promoção do acesso à ter-
ra. As políticas de acesso à terra bem lo-
5.  ontribuir para a capacitação dos go-
C calizada contribuem para um desenvol-
vernos locais, visando incorporar em vimento urbano mais compacto e para
seus processos de gestão e planeja- cidades com maior equidade no acesso
mento boas práticas de transparência e às oportunidades.
compartilhamento de dados. Isso pode
incluir, entre outras coisas, a organiza- 2. P
 romover maior integração das políti-
ção e a disponibilização de dados de cas nacionais de habitação e mobilidade
transporte público em formato Espe- urbana. Isso pode envolver, por exem-
cificação Geral de Dados de Transpor- plo, a criação de condicionantes de
te Público (GTFS, sigla em inglês). A integração setorial dessas políticas em
organização e a disponibilização dos níveis municipal e metropolitano para
dados GTFS possibilitam, por exemplo, que governos locais tenham seus pro-
construção de aplicativos móveis que jetos financiados pelo governo federal.
permitem à população fazer consultas Na escala federal, isso passaria pela
de itinerários, horários e frequência dos elaboração de uma política nacional
serviços, planejar viagens, obter infor- de desenvolvimento urbano, unifican-
mações atualizadas sobre localização do princípios e diretrizes incorporados
de veículos e alertas de serviço. A dis- em peças legais que orientam o de-
ponibilização desses dados facilita, ain- senvolvimento urbano, articulada com
da, a participação e o controle social dos a atual Política Nacional de Desenvol-
serviços de transporte público e possi- vimento Regional (PNDR), com vistas
bilita a utilização de novas ferramentas à compacidade, conectividade e inte-
para planejamento e avaliação de pro- gração das cidades. Estimular cidades
jetos de transporte. O governo federal que sejam compactas e um sistema de
poderia colocar a adoção de práticas de cidades que iniba o crescimento popu-
transparência desses dados locais como lacional excessivo de cada cidade iso-
condicionante para que municípios re- ladamente contribui para a urbaniza-
cebessem maiores repasses de recursos ção sustentável e inclusiva. Em termos
e investimentos em mobilidade urbana. de sustentabilidade ambiental, haveria
diminuição da emissão de carbono
Aprimorar a gestão e o planejamento do desen- nas cidades, devido a menores deslo-
volvimento das cidades camentos para trabalho, por exemplo.
Em termos de sustentabilidade econô-
1. P
romover a capacitação de gestores
mica, haveria a diminuição do preço da
locais para a aplicação dos instrumen-
terra e uma maior eficiência econômi-
tos do Estatuto da Cidade e a internali-
ca na extensão das redes de eletricida-
zação dessa legislação nos municípios.
de, água e esgoto.

88
3. F
 omentar a capacidade municipal para eficientes de financiamento de gestão
arrecadação de receitas próprias lo- e sanar inseguranças jurídicas do atual
cais, propondo novos instrumentos cenário, sobretudo no Estatuto da Me-
que ampliem o escopo daqueles já pro- trópole (Lei no 13.089/2015).
postos pelo Estatuto da Cidade. Pro-
mover o desenvolvimento urbano com 6. P
olíticas urbanas são essencialmen-
o apoio dos demais setores da econo- te locais e devem fomentar a partici-
mia, utilizando para tanto as diferentes pação social local, por exemplo, pela
modalidades de financiamento em que criação de orçamentos participativos
ocorre captação de mais valia urbana. ou participação social no desenho de
Inserção do planejamento do desen- programas e projetos. Fortalecer o
volvimento urbano na estratégia de papel do Conselho das Cidades como
promoção de desenvolvimento eco- órgão consultivo e deliberativo de
nômico. Entre os municípios menores, maneira que seja um canal efetivo de
o aumento da capacidade de arreca- participação da sociedade. O correto
dação própria contribui para tornar a funcionamento do Conselho das Cida-

Infraestrutura para o Desenvolvimento


receita desses municípios menos de- des, sobretudo os ciclos de conferên-
pendentes das transferências federais cias municipais, estaduais e nacional,
e menos voláteis aos ciclos econômicos. possibilita que as demandas urbanas,
locais por natureza sejam elevadas ao
4. F
 omentar a capacidade municipal para nível nacional e tenham, portanto, re-
arrecadação de receitas próprias locais presentação na política urbana do go-
via IPTU. Em termos de administração verno federal.
tributária, sancionar lei federal criando
a obrigatoriedade de um registro na- 7. Implementar, pelo menos nas esca-
cional de devedores tributários e o pro- las metropolitanas, estaduais e na-
testo da dívida ativa de todos os entes cional, sistemas de informações para
da Federação. Fomentar programas de subsidiar o planejamento territorial.
aprimoramento da gestão pública dos Tal sistema deve conter informações
municípios que incluam o gerencia- georreferenciadas das mais distintas
mento da dívida ativa, plataformas de temáticas, formando base para a ela-
gerenciamento de informações sobre boração de diagnósticos e prognósti-
os imóveis e modernização e atualiza- cos, visando à elaboração e ao moni-
ção dos cadastros imobiliários. toramento de políticas públicas, além
de consistente suporte para a tomada
5. F
omentar a gestão e a governança de decisão pertinente à gestão e à
metropolitana, por meio da coopera- governança dos espaços municipais,
ção interfederativa para provisão de metropolitanos e estaduais. Ressalta-
serviços urbanos com características -se a existência de uma Infraestrutura
de funções públicas de interesse co- Nacional de Dados Espaciais (Inde):
mum (FPICs), ou seja, que ultrapas- conjunto integrado de tecnologias, po-
sam as fronteiras administrativas de líticas, procedimentos e padrões para
municípios contíguos. Promover a in- ordenar a geração, o armazenamen-
vestigação de quais são as maneiras to, o acesso, o compartilhamento e o
mais adequadas para operar as FPI- uso de dados geoespaciais de origem
Cs, levando em consideração a hete- federal, distrital, estadual e municipal.
rogeneidade de cada uma delas e as Assim, os sistemas de informações
realidades locais. Incentivar formas locais devem, preferencialmente, ser

89
erigidos sob a estrutura de uma In-
fraestrutura de Dados Espaciais (IDE)
que permita a comunicação e a inte-
gração com a Inde.

Considerações finais
Este capítulo apontou alguns dos principais
desafios urbanos presentes nas cidades bra-
sileiras ligados a moradia, mobilidade, gestão
e planejamento do desenvolvimento das ci-
dades. O rápido processo de urbanização da
população brasileira perdeu ímpeto no perío-
do recente; mesmo assim, a população urbana
continuará crescendo nas próximas décadas,
e, com isso, os desafios elencados neste capí-
tulo tenderão a se agravar. A natureza do de-
senvolvimento urbano impõe a necessidade do
planejamento urbano prévio ao crescimento,
pois é muito mais racional prover as soluções
de saneamento e mobilidade, por exemplo,
antes de a ocupação urbana se implantar do
que após a sua consolidação. Assim, a solução
desses desafios, necessariamente, passa por
ações enfáticas dos poderes públicos nas três
esferas federativas, reconhecendo o desenvol-
vimento urbano e territorial sustentável como
essencial para a realização do desenvolvimen-
to sustentável, inclusivo e próspero para todos,
tal como preconiza a Nova Agenda Urbana.
Os resultados das propostas deste capítulo se
traduzirão em melhoria do bem-estar da po-
pulação, de forma geral, por meio de melhores
e mais acessíveis moradias, menor tempo de
deslocamento urbano, redução da poluição
ambiental e sonora, oferta de serviços em mais
quantidade e qualidade e maior participação
da sociedade no processo decisório. Além de
maior segurança física das moradias, maior se-
gurança no trânsito e menor violência urbana.

90
7
SANEAMENTO E
SEGURANÇA À SAÚDE:
CAMINHOS PARA
AMPLIAÇÃO DE
INFRAESTRUTURAS E
MELHORIA DOS SERVIÇOS
SANEAMENTO E SEGURANÇA À SAÚDE:
CAMINHOS PARA AMPLIAÇÃO DE INFRAESTRUTURAS
E MELHORIA DOS SERVIÇOS

O
saneamento no Brasil, além de se arranjos e repartição de responsabilidades,
constituir em setor-chave a ser de- até o compartilhamento de acesso a fontes de
senvolvido para diminuir as desigual- água ou o estabelecimento de grupos de con-
dades sociais e estimular a distribuição de tingência e de salas de gestão de crise, bem
renda, dialoga fortemente com os cinco pila- como de outras ações em situações de seca.
res desta publicação. A infraestrutura do setor
está intimamente ligada às condições básicas Os desafios perpassam a qualidade das
da segurança para a qualidade de vida e para instituições, a estabilidade e a previsibilidade
a promoção da saúde da população em geral. do marco regulatório, até a representatividade
Com este enfoque, o tema é também parte da da sociedade em seus conselhos e o equilíbrio
Agenda da ONU 2030, em seus Objetivos do dos gastos públicos. O fornecimento de água,
Desenvolvimento Sustentável (ODS 6). Este a coleta e o tratamento de esgotos para po-
segmento, que pertence ao mesmo tempo aos pulações de pequenas cidades (abaixo de 50
setores de infraestrutura e de saúde, apresen- mil habitantes) e vilarejos, assim como o sa-
ta diversos desafios para a universalização dos neamento rural, são desafios prementes. Os
serviços, sendo necessário reforço de estraté- resíduos sólidos urbanos e a drenagem plu-
gias e programas continuados no longo prazo. vial apresentam outros desafios na PNSB, que
também prevê ações para monitorar e melho-
Passados onze anos da vigência da Políti- rar a qualidade da água e cuidar dos recursos
ca Nacional de Saneamento Básico (PNSB), hídricos. Segundo estimativa do Ministério das
estabelecida pela Lei no 11.445/2007, e após a Cidades – MCidades (Brasil, 2014),1 o deficit
edição da Lei no 12.305/2010, que institui a Po- de serviços de saneamento na área rural é de
lítica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o 2,4 milhões de habitantes sem acesso e cana-
momento é de reflexão sobre formas de aper- lização interna de água, e cerca de 24 milhões
feiçoar a gestão e o financiamento do setor. sem acesso ao afastamento dos esgotos sani-
Além da dificuldade de expansão da cobertura tários nos domicílios.
dos serviços, ressalta-se o alto índice – na casa
dos 50%, em algumas localidades – de perdas
físicas (desperdício) de água e perdas no fatu-
ramento das empresas, ao lado de continuida-
Para superar os
de da poluição e da degradação dos rios. desafios da universalização
Até recentemente, a população brasileira
considerava a escassez de água uma ocor-
do saneamento básico
rência associada ao semiárido da região Nor- é necessário reforço de
deste. O agravamento do quadro de escassez
hídrica em Unidades da Federação (UFs) como estratégias e continuidade
São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal tem
modificado essa visão e levado o Estado a me- de programas no
lhorar a gestão de recursos hídricos do sanea-
mento. As respostas às crises têm sido desde longo prazo.

92
No Brasil e em vários países, o Estado tem Estado de promoção do saneamento, vincu-
exercido a função de provedor de saneamento lando fontes de financiamento e “blindando” o
básico e assume a responsabilidade de univer- setor de mudanças de rumo ou de prioridade
salizar o acesso a toda a população. A rápida e em governos distintos.
desordenada passagem de uma sociedade na
qual 83% das pessoas viviam no ambiente ru- Importante ressaltar que “blindar o setor”
ral, em começos da década de 1970, para 84% não significa deixar de cobrar eficiência dos
que habitavam meio urbano, em 2010, exige a prestadores de serviços. Pelo contrário, a efi-
presença do Estado. ciência e os cuidados com a água e o meio
ambiente devem ser exigências do Estado. O
Para isso, os principais instrumentos previstos PLANSAB ainda não possui planos de ação e
na Lei no 11.445/2007 são o Plano Nacional de valores de investimento para resíduos sólidos
Saneamento (PLANSAB), o Sistema Nacional de e drenagem, monitorando-os sistematicamen-
Informações sobre Saneamento (SNIS) e os pla- te apenas a partir de 2015, sendo importante
nos municipais de saneamento básico (PMSBs). avançar nessa agenda.
O SNIS tem reconhecida importância como

Infraestrutura para o Desenvolvimento


sistema de informações de caráter institucio-
nal, administrativo, operacional, gerencial e de Na raiz dos problemas do
qualidade da prestação de serviços de água, saneamento
de esgotos e de manejo de resíduos sólidos ur-
banos do setor de saneamento no Brasil. Embora haja UFs em que os municípios mais
carentes e deficitários já contam com o su-
O PLANSAB e o ODS 6 – Água e Saneamento porte das empresas estatais de saneamento
A primeira revisão do PLANSAB, prevista na Lei no de e dos programas de apoio dos governos, as
11.445/2007, foi aprovada em 2014. Apresenta al- dificuldades da ampla maioria em dar res-
gum alinhamento com as metas do ODS 6 (Água e posta aos serviços de saneamento incluem
Saneamento), ao prever o acesso à água por poço ou a formulação de projetos, a captação de re-
nascente com canalização interna para 99% dos dom- cursos, a execução de obras e a manuten-
icílios urbanos e rurais em 2033 (100% dos domicíli- ção dos serviços. Tal situação se aplica aos
os urbanos e 80% dos domicílios rurais); a meta ODS
quatro componentes do saneamento básico
6 mais diretamente relacionada, a 6.1, é de acesso
universal à água potável e segura até 2030. Para esgot- (água, esgotos, resíduos sólidos e drena-
amento sanitário, a meta do plano é de 92% dos dom- gem). É sabido que isso resulta não apenas
icílios (urbanos e rurais) atendidos por alguma solução das fragilidades do setor, mas também do
sanitária até 2033, enquanto a meta 6.2 é de acesso a endividamento dos municípios, de receitas
condições sanitárias e de higiene segura para todos e insuficientes e da falta de infraestrutura – a
erradicação da defecação a céu aberto até 2030. exemplo de pessoal qualificado no quadro
permanente. Remete-se, inclusive, ao pacto
Como as metas do PLANSAB são mais federativo e até aos processos de formação
abrangentes e regionalizadas que as do ODS não dinâmica de municípios no Brasil.
6, porém menos ambiciosas, é desejável que
estas sejam internalizadas e incorporadas O saneamento rural – em que se encontram
de forma apropriada na revisão do plano, em os piores índices de cobertura – é outro aspecto
andamento em 2018. Da mesma forma, é pre- do desafio para a universalização. Com a formula-
ciso que, na revisão dos planos de ação, se- ção do Programa Nacional de Saneamento Rural
jam contempladas/acordadas formas de im- (PNSR), em 2018, busca-se reverter o quadro atual,
plementação e fontes de financiamento, que no qual se observa ausência de responsabilida-
atualmente não aparecem nos planos. Assim, des definidas para as companhias de água, sejam
os planos podem servir como estratégia de elas públicas ou privadas, estaduais ou municipais.

93
Falta também inserir, na revisão do PLANSAB, desenvolvimento regional com os planos dire-
estratégias e metas mais claras para o meio rural. tores dos municípios, bem como os planos mu-
nicipais de saneamento básico e de gestão da
Diversas iniciativas do governo federal e dos água. Tal medida permite reduzir despesas, ao
governos estaduais e municipais, assim como de se optar pelo uso e por cuidados com a água
organizações não governamentais (ONGs), institui- no âmbito local. Porém, deve-se considerar,
ções de pesquisa e associações dos próprios mora- em algumas situações, a alta inadimplência –
dores de zonas rurais, tentam amenizar a situação; que alcança 40% na região metropolitana de
contudo, permanece a baixa escala, a dependência Belém, por exemplo –, resultante do baixo grau
de orçamentos externos e de um banco ou com- de educação e comunicação sobre a impor-
panhia-âncora para os investimentos. O Programa tância da água tratada; fator que eleva o preço
Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Sistema de Sa- final dos serviços para a população.
neamento Rural Cearense (Sisar) são as iniciativas
que ganharam escala no meio rural. Não é exagero Tendo em vista a dificuldade de implantação
afirmar que há uma situação de marginalização, e o deficit de sistemas, assim como motivos eco-
quando se considera que saneamento é essencial nômico-financeiros, ou de opção dos governan-
para a promoção da saúde das pessoas. tes, observa-se também certa dependência da
atuação mais impositiva de agências reguladoras
Soma-se ainda o fato de milhões de bra- e do Ministério Público (MP) para que as conces-
sileiros viverem em condições de risco, em sionárias avancem no tratamento de esgotos e na
encostas, morros e zonas de alagamento, ex- preservação de rios. Esta situação se repete em
postos aos riscos tanto na ocorrência de en- relação aos demais setores produtivos, fazendo
chentes quanto na escassez hídrica – tais con- com que parte das indústrias e dos produtores
dições dificultam e encarecem o saneamento. agrícolas não se sintam responsáveis pela pre-
Há também o impedimento das prestadoras servação ambiental. Portanto, é desejável uma
de fornecerem serviços em aglomerados sub- postura mais proativa de agentes e instituições
normais, ou áreas irregulares, devido à falta de fiscalização, controle e promoção da justiça, a
de regularização fundiária que deixa, segun- fim de garantir o cumprimento da legislação e a
do os dados do último Censo Demográfico do melhoria da qualidade da água por parte de todos
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística os setores usuários e agentes poluidores de rios.
(IBGE), cerca de 11,42 milhões de habitantes
sem serviços de águas e esgotamento sa- Nesse contexto, há necessidade de avan-
nitário, e portanto vulneráveis a doenças de ços na gestão integrada da água, do meio
veiculação hídrica. Adicionalmente, há dificul- ambiente e do saneamento, com foco em me-
dades para o alcance da população indígena, didas preventivas, sendo identificadas no de-
em virtude de fatores de ordem cultural e do bate, em resumo, três frentes de ação: i) aper-
desconhecimento do Estado sobre demandas feiçoar a governança do sistema, com foco na
e formas de implementação mais adequadas gestão ancorada na opção pelo diálogo sobre
de saneamento que contemplem as diversas desafios locais; ii) fazer ajustes específicos e
realidades desse segmento. objetivos no marco regulatório, de modo a se
aperfeiçoar, por exemplo, o reuso da água de
Assim, a melhoria dos índices de sanea- esgoto tratado e a provisão do saneamento
mento é limitada pelo crescimento desorde- rural; e iii) definir novos caminhos e formatos
nado das cidades, que acaba por dificultar o de investimentos, considerando-se a situação
planejamento, elevar o custo de captação, tra- de crise fiscal e sendo priorizadas regiões e
tamento e distribuição da água, além de afe- grupos vulneráveis. Para tanto, a estabilidade
tar as nascentes e poluir os mananciais. Uma orçamentária, o fortalecimento dos municípios
medida inadiável é a integração das ações de e a capacitação de pessoal são fundamentais.

94
Uma medida inadiável também na prestação de informações sobre
cobertura dos serviços de saneamento básico.
é a integração das ações Milhares de municípios e grande quantidade de
empresas prestadoras de serviços não repas-
de desenvolvimento regional sam seus dados de forma contínua, apesar de a
legislação prever obrigatoriedade nesse sentido.
com os planos diretores Ainda assim, tomando-se os dados coletados e
dos municípios, bem os estimados pelo Ministério das Cidades, englo-
bando o meio urbano e por regiões, observam-
como os planos municipais -se baixos índices de atendimento de água e de
esgotos principalmente no Norte (55,4% com
de saneamento básico redes de água e 10,5% com coleta de esgotos)
e Nordeste (73,6% com redes de água e 26,8%
e de gestão da água. com coleta de esgotos). As regiões Sul e Cen-
tro-Oeste têm os melhores índices, ambas supe-
rando 89% dos domicílios com rede de água e

Infraestrutura para o Desenvolvimento


Planos municipais de saneamento 51,5% com coleta de esgotos.

básico, deficit do setor e governança Resíduos sólidos e drenagem


O componente setorial do modelo de gestão urbana de águas pluviais
são os PMSBs, instrumento referencial para a
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de
governança na área, inclusive para o acesso a
2010, instituiu normas sobre os resíduos sóli-
financiamentos, o estabelecimento de diretri-
dos, com metas para a eliminação dos lixões,
zes municipais do saneamento e, recentemen-
e trouxe instrumentos de planejamento em
te, tendo em vista as recentes crises hídricas,
diversos níveis (nacional, estadual, microrre-
o delineamento de planos de contingência em
gional, intermunicipal e metropolitano, e mu-
situações de escassez hídrica. Porém, há gran-
nicipal). A PNRS prevê também os planos de
de disparidade de qualidade e de efetividade
gerenciamento de resíduos sólidos para deter-
dos planos entre os municípios. O Ministério
minados geradores de resíduos privados.
das Cidades aponta que, dos 5.570 municípios
brasileiros, 1.667 (cerca de 30%) não presta- Deve-se destacar, ademais, a responsabili-
ram quaisquer informações ao SNIS sobre da- dade compartilhada dos geradores de resíduos:
dos vinculados aos PMSBs. fabricantes, importadores, distribuidores, co-
merciantes, o cidadão e titulares de serviços de
Além disso, 2.091 (cerca de 38%) estão ela-
manejo dos resíduos sólidos urbanos na logística
borando os planos e 1.692 (cerca de 30%) já
reversa. Os instrumentos da PNRS contribuem
possuem os PMSBs. Por fim, 120 (cerca de 2%)
também com metas do Plano Nacional sobre Mu-
possuem inconsistências nas informações dos
dança do Clima, como a de alcançar o índice de
PMSBs. No final de 2017, para evitar que os muni-
reciclagem de resíduos de 20% em 2015, e trata-
cípios irregulares deixassem de receber repasses
dos internacionais como o Acordo de Paris, nas
da União, decidiu-se prorrogar os prazos de ela-
metas ODS 12 e ODS 11. A viabilidade dos servi-
boração dos planos em mais dois anos. Observa-
ços depende da existência de taxas municipais,
-se que as regiões Sul e Sudeste têm o maior per-
podendo os municípios subcontratar empresas.
centual de municípios com PMSBs elaborados.
Entretanto, mesmo após a instituição da Lei
Na mesma linha, os dados do PLANSAB e
no 12.305/2010, segundo dados de levantamen-
do SNIS (Brasil, 2018)2 ilustram disparidades
to e estimativas da Confederação Nacional dos

95
Municípios (CNM),3 ainda existem 2.978 lixões a Além disso, o maior gargalo para os servi-
céu aberto no Brasil. A pesquisa, realizada entre ços de drenagem urbana está na dificuldade
4.224 municípios (cerca de 75% dos municípios em cobrar pelos serviços, o que os torna pouco
do Brasil), indicou que a disposição inadequada atrativos para as companhias de saneamento.
de resíduos em lixões e aterros foi reduzida de Sistemas existentes são geralmente ineficien-
50,6%, em 2015, para 48%, em 2017. tes e sujeitos a pouca ou nenhuma manuten-
ção. O único município que conseguiu instituir
Os serviços de drenagem e manejo das águas a cobrança por estes serviços foi Santo André-
pluviais urbanas, segundo a Lei no 11.445/2007 -SP, sendo que outras cidades iniciaram a re-
(PNSB), com a limpeza e a fiscalização preven- gulação, como Teresina, Porto Alegre e Brasília.
tiva das redes urbanas, completam a estrutura Uma sugestão é que a cobrança possa ser atre-
de saneamento apta a garantir a saúde públi- lada a programas de pagamento por serviços
ca e a qualidade de vida. A drenagem urbana é ambientais (PSA), ou mesmo de preservação
muito importante, principalmente nas regiões de mananciais, de modo que a sociedade com-
densamente urbanizadas, sujeitas a inundações preenda a finalidade e os benefícios da taxa.
e alagamentos; situações que causam enormes
riscos às pessoas e danos materiais, erosão dos
solos e assoreamento de corpos hídricos.
Qual governança se espera construir com
mudanças na legislação?
Entre as dezenas de proposições legislativas atualmente
As variações do clima e as mudanças climá-
em apreciação no Congresso Nacional, são apresenta-
ticas potencializam a tendência de maior fre-
das mudanças diversas, incluindo assuntos como regu-
quência de verões chuvosos e maior intensida- lação, tarifas, formas de induzir ações de preservação de
de de enchentes, aumentando a necessidade nascentes, situações de seca, facilidades de acesso do
de sistemas de drenagem urbana para diminuir setor privado ao mercado de saneamento, entre outros.
riscos. Parte do debate tem considerado que Há medidas que criam espaço de mercado sem subsídio
um conjunto de medidas estruturantes e de cruzado no saneamento e, para tanto, atribuem e deli-
infraestrutura verde (regulamentação do uso e mitam funções de regulação para a Agência Nacional de
ocupação do solo, educação ambiental, siste- Águas (ANA).
ma de alertas e previsão de inundações etc.)
para o controle de enchentes pode ser mais Um destaque importante sobre mudanças
efetivo para aumentar a resiliência a desastres possíveis é que tanto a forma como o conteúdo
causados pelas mudanças climáticas do que de alterações na legislação desse setor têm for-
medidas estruturais (obras de infraestrutura tes reações dos diversos agentes que tratam o
para captação, armazenamento e transporte tema em seu dia a dia, e que a trajetória recente
de águas pluviais). A infraestrutura verde atua de criação de leis e políticas tem sido a de cons-
nas causas, e não nos sintomas dos problemas trução de normas em diálogos com a sociedade,
de drenagem, indo ao encontro dos acordos a exemplo do que ocorreu com a Política Nacio-
internacionais assinados pelo Brasil, como o nal de Saneamento Básico e a Política Nacional
Protocolo de Hyogo e as metas ODS 13. Os sis- de Resíduos Sólidos. Medidas sem esse perfil
temas novos devem ser pensados nessa linha. não têm prosperado. É fato que há lacunas na
regulação em pontos como água de reuso, si-
Há de se destacar que a coleta dos dados so- tuações de conflito e modelo de agências. Con-
bre os serviços de drenagem de 2018 apresenta, tudo, quaisquer que sejam, as normas propostas
em relação aos dados de 2016, dificuldade na podem ser mais um fator de incertezas e de ris-
definição de indicadores para diagnóstico des- cos para investimentos, ao criar instabilidade no
te componente em nível local e dúvidas sobre a marco regulatório, nas regras de funcionamento
fidedignidade das informações, devido à baixa do mercado de quem já se estabeleceu.
institucionalização de padrões, que persiste.

96
É também importante considerar as insta- tarifas sociais para a população de baixa renda;
bilidades geradas pela ausência de consensos, ii) a adoção de medidas de fomento ao uso ra-
dado que a trajetória natural, em se tratando de cional da água, com previsão e incentivo a ino-
saneamento ambiental, tem essa marca. Para vações; iii) controle democrático pela sociedade,
empreendimentos que duram mais de cinquen- com efetivação de conselhos e gestão transpa-
ta anos, que é uma característica do setor, é ne- rentes; e iv) integração da gestão do saneamento
cessário construir a segurança no investimento, ao uso eficiente dos recursos hídricos, inclusive
com boa qualidade nas normas, o que não se com diálogos entre os planos municipais de sa-
observa em diversas proposições atualmente neamento básico, os planos diretores municipais
em debate no Congresso Nacional. Reduzir a e as políticas para as cidades. Os dois últimos
aversão ao risco das instituições bancárias pri- itens destacados têm, na prática, indicado ne-
vadas quanto à provisão de financiamento no cessidade de melhorias, e apresentado as maio-
setor passa por esse diálogo, sendo um caminho res dificuldades de elaboração e implementação.
para que o investimento não continue quase que
exclusivamente viabilizado pelo setor público. Uma vez que a titularidade dos serviços de
saneamento básico pertence aos municípios,

Infraestrutura para o Desenvolvimento


cabe a eles a responsabilidade do planejamento
Regulação do saneamento: busca e da fiscalização dos serviços. A prestação pode
pela segurança institucional frente ser direta pelos municípios; indireta, através de
delegação por meio de concessão, permissão
à diversidade de realidades ou autorização; ou por gestão associada – a
No momento em que há dezenas de proposi- exemplo dos consórcios municipais. A regulação
ções legislativas para alteração do marco legal também é de responsabilidade dos municípios,
do saneamento básico, cabe destacar aspectos embora existam agências reguladoras de ser-
da evolução do modelo vigente. Ele tem sido viços de saneamento no âmbito das UFs – são
considerado bastante moderno e ambicioso, exemplos Ceará, Minas Gerais, Espírito Santo,
não apenas no Brasil, por englobar os serviços Distrito Federal, Paraná e São Paulo –, em razão
de drenagem e de resíduos sólidos no conjunto de as companhias estaduais deterem grande
das diretrizes da política de saneamento. Regula- parcela dos serviços e demandarem regula-
mentada em 2010 (Decreto no 7.217/2010), a lei já ção homogênea e uniformidade de normas. Há
apresenta a universalização como princípio e es- também locais onde a regulação é exercida por
tabelece metas para 2033. Também trata de se- agências de consórcios de municípios, como na
gurança, qualidade e regularidade dos serviços, Bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, em
bem como da articulação com as políticas de de- São Paulo; e em Florianópolis e nos municípios
senvolvimento urbano e regional, de habitação, do Médio Vale do Itajaí, em Santa Catarina.
de combate e erradicação da pobreza, além de
proteção ambiental e promoção da saúde. Entre as boas práticas e medidas adotadas
por empresas e governos municipais e esta-
A Lei no 11.445/2007 traz elementos de rele- duais com potencial para gerar maiores índi-
vante interesse social, voltados para a melhoria ces de eficiência e respostas para a socieda-
da qualidade de vida – em que o saneamento bá- de, estão: i) manutenção de quadros próprios
sico é fator determinante –, e que devem ser res- com excelência técnica; ii) sustentabilidade
saltados na trajetória do setor e da realidade do financeira das companhias, sendo os sistemas
país, por exemplo: i) a consideração da capaci- de monitoramento e de gestão ancorados na
dade de pagamento dos distintos usuários – por estrutura tarifária e/ou na cobrança pelo uso
meio de subsídio, no qual quem tem maior ren- da água (Lei no 9.433/1997); iii) adequação
da e consome mais paga mais, e do sistema de da regulação, com regras claras de oferta de

97
serviços, de implementação de planos munici- No que tange ao reuso de águas servidas, a
pais e de execução da ação fiscalizadora das ati- atual legislação ainda dificulta a utilização de
vidades – seja por meio de agências ou do órgão água de reuso e do lodo de estações de trata-
executivo responsável; e iv) atuação da Justiça mento de esgotos na agricultura, embora já exis-
ou do Ministério Público nos casos de omissão tam experiências nesse sentido. Entre as dificul-
ou atrasos em tomada de decisão do sistema dades, são listados entraves entre a titularidade
político-deliberativo – a exemplo do que ocorre de municípios, as licenças de instalação por ór-
em Brasília, São Paulo, Campinas e Curitiba. gãos estaduais, a concorrência com a água potá-
vel, a tributação e o financiamento com recursos
As agências, em geral, contam com algo em da União.
torno de 0,5% da receita líquida das conces-
sionárias para sua manutenção. O contingen-
ciamento de recursos pelas UFs tem ainda que Desafios para o financiamento
ser superado pelo aperfeiçoamento de normas O investimento é sempre um desafio em toda
e pelo compromisso dos agentes políticos e di- atividade de infraestrutura no Brasil, e mesmo
rigentes, pois afeta a pronta atuação do órgão em países que contornaram desafios em setores
regulador e das secretarias de meio ambiente e como o saneamento. A viabilização de fundos
gestão de recursos hídricos. A população rural públicos para obras e gestão é um fato, um
não é contemplada, sistematicamente, pelas padrão mundial. Um dos caminhos de maior
concessionárias, pelos contratos e mesmo por importância que se debate é o estabelecimen-
ações das agências reguladoras. É oportuno, to do conceito de infraestrutura baseada nos
portanto, que uma eventual Política Nacional recursos naturais, que pressupõe a conside-
de Saneamento Rural seja consolidada e que ração da contabilidade ambiental e da água,
considere tal situação. Por sua vez, a incipiente concebendo-se os serviços ambientais para
regulação para adequação de serviços de resí- além da relação de custo-benefício tradicional
duos sólidos e drenagem urbana necessita de que ignora os impactos e custos futuros para
um desejável aprendizado, com a regulação de a sociedade. Apesar de ser um facilitador de
água e esgotos.

Gráfico 1
Investimentos em infraestrutura no Brasil e em países selecionados da América Latina (2000 a 2015)
9

6
% do PIB

1
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Brasil Costa Rica Paraguai Peru Uruguai
Chile Colômbia Bolívia Argentina

Elaboração dos autores, a partir de dados do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial.6

98
acesso a recursos, o conceito não se estrutu- cresce também com o baixo dinamismo eco-
rou ainda no Brasil. nômico próprio dos municípios e da sua pe-
quena autonomia arrecadatória, fomentando a
Em situação de crise econômica, a qualida- dependência de repasses da União e dos esta-
de da gestão é fundamental. Ao avaliarmos os dos para o saneamento.
investimentos em infraestrutura como um todo,
de alguns países da América Latina (Brasil, Cabe ressaltar iniciativas como o Programa
Chile,4 Costa Rica, Colômbia, Paraguai, Bolívia, de Aceleração do Crescimento (PAC). Nele, os
Peru, Argentina e Uruguai),5 tomados em rela- municípios mais deficitários de serviços e que
ção à taxa percentual do produto interno bruto são justamente os que possuem situação fi-
(PIB), observa-se que o investimento nacional nanceira mais delicada, por vezes, precisaram
está diminuindo (gráfico 1). Em relação ao inves- competir com municípios mais ricos ou com
timento per capita, que não aparece no gráfico, empresas mais bem estruturadas. Exigências
o Brasil tem a trajetória de aportes mais baixos, das linhas de financiamento, como o Fundo
desde 2008. de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), re-
sultam na captação de recursos somente por

Infraestrutura para o Desenvolvimento


No saneamento, estimativa do PLANSAB empresas bem estruturadas e competitivas.
aponta a necessidade de R$ 304 bilhões en- Portanto, é necessário priorizar o acesso a
tre 2014 e 2033, para que se atinjam as metas recursos financeiros não onerosos aos muni-
de abastecimento de água e esgotamento sa- cípios de frágil situação fiscal e a concessioná-
nitário, o que corresponde a um investimen- rias de médio e pequeno porte. Estes, por sua
to anual de aproximadamente R$ 15 bilhões. vez, têm que se fortalecer para a manutenção
No entanto, as linhas de financiamento são continuada dos sistemas.
rotineiramente descontinuadas, além de ha-
ver escassez de infraestrutura e de quadros
técnicos treinados nas concessionárias e em
pequenas prefeituras.
A população rural
Segundo dados do Banco Interamericano de
não é contemplada,
Desenvolvimento (BID),7 entre os setores de in- sistematicamente, pelas
fraestrutura, o saneamento é o que menos dis-
pôs de recursos, entre 2008 e 2014, sendo que, concessionárias, pelos
no período, apenas em 2012 a proporção atingiu
0,4% do PIB. No setor, os investimentos foram contratos e mesmo por
inferiores aos dos segmentos de transporte,
energia e telecomunicações, que, somados, al- ações das agências
cançaram entre 2,3% e 3% do PIB. Além disso,
a média de investimento no setor de infraes-
reguladoras. É oportuno,
trutura é muito inferior aos 10% indicados nos
cenários de Cavalcanti e Souza Júnior (2018)8
portanto, que uma eventual
necessários para alavancar o crescimento eco- Política Nacional de
nômico do país.
Saneamento Rural seja
Dessa forma, o baixo nível de investimen-
to alimenta um ciclo em que a expectativa da consolidada e que
dificuldade de captação de recursos inibe a
formação de quadros e sua capacitação para considere tal situação.
concorrer por recursos escassos. Este ciclo

99
O baixo nível de Dificuldades de execução
orçamentária e de ampliação
investimen­to alimenta da cobertura dos serviços
um ciclo em que a Segundo relatório do Tribunal de Contas da
União (TCU) de 2015, que avaliou a gestão de
expectativa da dificuldade obras do PAC (I e II) no Programa de Serviços
de captação de recursos Urbanos de Água e Esgoto do Ministério das
Cidades, do total de R$ 10,4 bilhões investidos
inibe a formação de em 491 contratos de repasses firmados pelo
ministério entre 2007 e 2011, apenas 58 con-
quadros e sua capacitação tratos foram concluídos (11,81%). Deste mon-
tante, somente R$ 587 milhões (5,64 %) foram
para concorrer por recur- de fato investidos (TCU, 2015).9

sos escassos. A título de comparação, países como Chile,


Costa Rica, Paraguai, Argentina e Uruguai,
nesse período (2007 a 2011), apesar de
O modelo de crédito do PAC I e do PAC II criou
terem investido menos no setor, tanto em va-
uma polêmica por parte das concessionárias e
lores absolutos quanto em valores relativos
bancos privados. Diante da oferta abundante de
ao PIB per capita,10 melhoraram seus índices
crédito, considerado barato pelas instituições
de cobertura de serviços de água e esgoto
financeiras ofertantes do crédito livre privado,
de forma mais eficaz que o Brasil. Inclusi-
os recursos privados ficaram pouco atrativos e
ve, o Paraguai ultrapassou o Brasil no índice
pouco demandados. Ao mesmo tempo, medi-
de cobertura no meio urbano. Dessa forma,
das como o aumento do custo de empréstimos
públicos, como os do Banco Nacional de Desen- é urgente que tanto o PLANSAB quanto os
volvimento Econômico e Social (BNDES), não PMSBs aprimorem os planos de ação para
solucionam o problema, pois elevam a competi- aprimoramento da qualidade e da eficácia
tividade privada de forma não dinâmica e a cus- na execução dos investimentos.
to alto para a sociedade. Este é o outro lado da
Os problemas de deficit de água e de ser-
polêmica, que se vincula ao fato de o custo total
viços de esgotos não são características, no
do empréstimo privado ser muito caro no Brasil,
Brasil, de qual o tipo de capital controlador
mesmo para a área de saneamento.
das concessionárias, seja público ou privado.
Além da demanda de recursos para am- Todos eles apresentam casos de sistemas de-
pliação de sistemas, há, em muitas cidades do ficitários, e por vezes esses serviços passam
país, a necessidade de altos investimentos para do controle público para o privado e vice-ver-
renovação de ativos como redes, estações de sa, sem um padrão de resultados definido. Em
tratamento, elevatórias e reservatórios, al- 2017, segundo dados da ANA, 69% dos municí-
guns com mais de cinquenta anos. É um gas- pios eram atendidos por companhias estudais,
to bilionário em muitas cidades, que se soma 27%, por serviço municipal e 4% dos municí-
à necessidade do setor de pagar os passivos pios contavam com empresas privadas – com
ambientais do lançamento de esgotos sem o destaque para os estados do Rio de Janeiro, de
tratamento adequado. Parte dos recursos para Mato Grosso e do Tocantins. Do total dos mu-
isso, assim como para investimentos em con- nicípios, seja com empresas públicas ou priva-
trole de perdas e outros custos de natureza das, 55% necessitam de ampliação dos siste-
operacional, de manutenção de ativos, devem mas de oferta de água, dos quais 9% precisam
vir das tarifas, como já ocorre parcialmente. de novos mananciais.

100
Subsídios para água e esgotos para a população de Propostas para ampliação da
baixa renda segurança no saneamento
Outro aspecto importante no contexto do financia-
mento do saneamento é a continuidade de condições • Efetivar uma articulação do Plano Plu-
de carência de parte da população, ainda não supera- rianual (PPA) com o PLANSAB e os
das em nosso país. Isso mantém a necessidade de ta- ODS em nível de programas e ações.
rifa social, na qual o preço dos serviços é subsidiado,
mesmo se supondo que o desejável seja a elevação do • Promover o alinhamento dos PMSBs
nível de renda, de modo que todos tenham condições com o planejamento de longo prazo.
de pagar pelos serviços. Atualmente, o subsídio é um
mecanismo que reconhece o princípio fundamental da • Apoiar, por meio de um programa especí-
água como direito essencial à vida. fico do PPA, programas estaduais e muni-
cipais de proteção e recuperação de ma-
Ademais, quando o subsídio ocorre entre nanciais e áreas de recarga de aquíferos.
municípios e entre faixas na tarifa, há a possibi- • Melhorar a comunicação com a popu-
lidade de que ele seja uma solução mais eficien- lação sobre a água que consome, bem

Infraestrutura para o Desenvolvimento


te – por ter caminhos burocráticos mais curtos como os esgotos e os resíduos lança-
e mais baratos, com valores mais facilmente dos, para se difundir a importância da
acompanhados no plano municipal – do que a gestão compartilhada entre gerações.
opção de repassar recursos de impostos que
passam também pelos outros níveis de gover- • Aperfeiçoar os bancos de dados e pro-
no. As empresas de saneamento – públicas ou mover o monitoramento robusto da
privadas – praticam a tarifa social, em valores a qualidade da água bruta e da tratada,
partir de R$ 5,00 para usuários de baixa renda bem como dos lançamentos de esgotos
– em geral para consumo de até 10 m³/mês. A e níveis de tratamento.
medida pode ser aperfeiçoada, reavaliando-se
• Incentivar a gestão integrada de resíduos,
os critérios e mantendo-se o princípio de subsi-
da água, de esgotos e de drenagem pluvial,
diariedade e critérios de elegibilidade. fortalecendo o PLANSAB e o sistema de
saneamento como um todo.
Para dar respostas à demanda de serviços,
as companhias têm buscado parcerias públi- • Reforçar a obrigatoriedade de informações
co-privadas (PPPs), abertura de capital e/ou dos prestadores de serviços e das prefeituras
formação de sociedades de propósito específi- ao SNIS, com auditoria dos dados.
co (SPEs). Há companhias, como a Companhia
de Saneamento do Paraná (Sanepar), a Com- • Melhorar os diagnósticos e planos
panhia de Saneamento de Minas Gerais (CO- de ação do PLANSAB, com o objeti-
PASA) e a Companhia de Saneamento Básico vo de se alcançar maior efetividade
do Estado de São Paulo (Sabesp), que optaram e qualidade nos investimentos.
por abrir o capital por meio da realização de
initial public offering (IPO), sendo este o para- • Aplicar os princípios poluidor-pagador,
digma de algumas empresas. Outro paradigma usuário-pagador e logística reversa ao
é a alocação de lucros obtidos de municípios setor de saneamento, inclusive com a
superavitários, com o obejetivo de viabilizar a geração de dados de passivos ambien-
expansão dos serviços até os municípios de- tais do setor.
ficitários. Em todas as situações, as conces-
sionárias continuam dependentes de recursos
públicos para investimentos.

101
• Prever diferentes tipos de regulação para
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
Os dados do SNIS são fornecidos pelas prefei-
diferentes graus de maturidade de gestão
turas e prestadoras de serviços de saneamen- dos serviços, com normas que permitam a
to, voluntariamente, ao Ministério das Cidades. adoção de tecnologias de reuso com se-
Porém, o sistema não é alimentado ainda pelo gurança jurídica.
total de municípios, ademais de apresentar
incertezas e imprecisões, o que dificulta o • Enfrentar o problema da marginalização
aperfeiçoamento do PLANSAB. Os dados são do saneamento rural por parte do Estado
utilizados para diagnósticos, bem como para (municípios, estados e União) e das con-
elaboração de metas nacionais e regionais de cessionárias, a partir da consolidação da
curto, médio e longo prazo; além disso, servem Política Nacional do Saneamento Rural.
de base para as diretrizes e as estratégias, cu-
jas revisões devem ocorrer a cada quatro anos. • Melhorar os dados sobre o sanea-
No contexto dos ODS, essas informações são
mento rural e a legislação existente
imprescindíveis para que haja avanços na con-
cepção do saneamento como segurança de
sobre o tema, facilitando parcerias e
vida e saúde. ampliando a obtenção de financia-
mentos via cooperação.
• Manter e aperfeiçoar o subsídio cruzado • Focar ações estruturantes e de infraes-
e tarifas cruzadas como meios essen- trutura verde, principalmente no caso
ciais de redução de desigualdades en- de drenagem urbana e de resíduos
tre municípios e entre faixas de renda e sólidos, de modo a se evitarem obras
consumo, alinhando-se o setor aos com- futuras de maiores riscos e custos.
promissos do Brasil com os ODS.
• Promover melhorias na legislação, a
• Reforçar o alinhamento de planeja- fim de se garantir a cobrança pelos
mento entre os diferentes níveis fede- serviços de drenagem urbana e re-
rativos e entre as diferentes escalas de solver os impedimentos legais para a
decisão e ação coletiva. prestação de serviços.
• Promover maior envolvimento dos mu-
nicípios, incluindo-se capacitação, su-
porte técnico e apoio financeiro para
a gestão da água e do saneamento em
localidades mais carentes. Efetivar, nos
casos de novas agências reguladoras, a
capacitação para a função de regulador.

• Promover ações contínuas de educa-


ção ambiental para melhorar a comuni-
cação com a população e conscientizar
da importância dos serviços de sanea-
mento básico.

• Conscientizar a população para promo-


ver a adesão aos serviços de saneamen-
to, modificando hábitos culturais que
causem riscos à saúde e à segurança, e
eliminando fraudes.

102
8
CAMINHOS PARA
APERFEIÇOAR A GESTÃO
DA ÁGUA E A SEGURANÇA
HÍDRICA NO BRASIL
CAMINHOS PARA APERFEIÇOAR A GESTÃO DA ÁGUA
E A SEGURANÇA HÍDRICA NO BRASIL

A
sociedade cada vez mais reconhece que Entretanto, após mais de duas décadas da
água é um recurso essencial para o de- consolidação desses marcos, a complexida-
senvolvimento sustentável de qualquer de do sistema hidrológico e de sua gestão se
nação, seja por sua relevância econômica, pelo evidencia. Primeiramente, pelo fato de que a
bem-estar social que proporciona ou por sua oferta de água no território brasileiro se dis-
intrínseca, indissociável, relação com um meio tribui de modo inversamente proporcional à
ambiente saudável. Devido ao grande volume to- distribuição da população e à localização das
tal de água existente no território brasileiro, até atividades industriais e de serviços: 68% da
recentemente se considerava que o Brasil vivia água superficial concentra-se na região Nor-
uma situação confortável, por abrigar, aproxima- te, onde há 7% da população, e apenas 13%
damente, 12% de toda a água doce superficial encontra-se na região Sudeste, onde residem
do planeta, além de contar com grandes aquí- 58% dos brasileiros e localiza-se a maioria das
feros. Contudo, recentes eventos de estiagem indústrias e dos serviços do país. Assim, no Su-
prolongada, de crise hídrica no Sul, no Sudeste, deste há uma disponibilidade hídrica per capita
no Centro-Oeste, além do Nordeste, evidenciam inferior à de outras regiões, com exceção de
a fragilidade de muitos paradigmas, alguns deles áreas sob forte restrição hídrica, como o semi-
abordados neste capítulo. Tais ocorrências se árido nordestino. Com isso, são particularmente
somam à realidade de rios poluídos, conflitos afetadas as regiões metropolitanas, a exem-
entre usos e deficiências no monitoramento, plo de Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro,
que evidenciam a necessidade de busca pela ou mesmo o Distrito Federal, localidades que
segurança hídrica como um desafio central ao já enfrentam situações de insegurança hídrica
Estado brasileiro. em períodos de seca.

A criação do Ministério do Meio Ambien- A poluição dos corpos hídricos continua


te (MMA), em 1992, da Lei das Águas (Lei no sendo uma realidade em boa parte das grandes
9.433/1997) e da Agência Nacional de Águas e médias cidades, o que torna o tratamento da
(ANA) sinalizou, somando-se à perspectiva de água excessivamente caro ou mesmo inviável
abundância de água, que o país caminhava co- em algumas situações. Casos extremos como
erentemente para ter uma excelente gestão de os dos rios Tietê e Pinheiros, em trechos que
seus recursos hídricos. Foram incorporados ao percorrem a macrometrópole paulista, agra-
marco regulatório saberes acumulados desde vam ainda mais a baixa disponibilidade hídrica
o Código de Águas, de 1930, passando pelas naquela região. Em todo o país, o lançamento
conferências da Organização das Nações Uni- de esgoto bruto ou apenas parcialmente tra-
das (ONU), de 1972 à Rio 92, em sua Agenda tado continua a ser um desafio ambiental de
21. Entre as bases essenciais da boa gestão, grandes proporções e um tema prioritário para
adotaram-se a participação da sociedade nas a gestão da água, apesar de a cobertura dos
decisões, o compartilhamento de responsabi- sistemas de tratamento ter avançado bastante
lidades, o olhar de longo prazo, a criação de nos anos recentes.
instrumentos de gestão e planejamento, a vi-
são de integração água-meio ambiente, a de- Outro fator importante que evidencia a com-
finição de prioridades de uso e a preocupação plexidade da gestão da água no Brasil é a sa-
com conflitos e viabilidade econômica. zonalidade climática, com situações de secas

104
extremas, anuais ou em ciclos de alguns anos, 2015 e publicados em 2018, cerca de 30% da
como acontece no semiárido nordestino, ou de população mundial não tenha acesso a água
inundações, mais comuns no Sul, no Sudeste e no tratada de forma segura e 60%, a esgotamen-
Norte do país. Ambas as situações afetam, sobre- to sanitário adequado, sendo este um dos
tudo, populações mais carentes e atividades eco- motivos pelos quais a ONU adotou água e
nômicas exercidas em áreas de risco. As variações saneamento como um dos Objetivos de De-
do clima e as mudanças climáticas globais, que senvolvimento Sustentável (ODS) – o ODS 6.
influenciam fortemente o ciclo da água, tendem De acordo com a ANA,3 porém, no Brasil a si-
a agravar ainda mais esse quadro, aumentando a tuação é mais favorável do que a de outros pa-
frequência de eventos hídricos críticos. íses em desenvolvimento, com um percentual
de 93% de acesso a água potável e de, apro-
Fechando este breve diagnóstico, há de ximadamente, 55% de acesso a esgotamen-
se destacar, também, falhas de proteção aos to sanitário adequado.4 Note-se, entretanto,
ecossistemas e de ação coletiva – do Estado, que no Brasil os dados abrangem apenas a
do setor produtivo e da população – no senti- população urbana, já que os dados relativos
do de conciliar a produção econômica com a à população rural para esses indicadores são

Infraestrutura para o Desenvolvimento


dinâmica própria do ambiente. Tais falhas con- bastante imprecisos. Adicionalmente, em que
tinuam impactando as bacias hidrográficas, pese o fato de as secas e inundações serem
os distintos biomas e suas águas superficiais frequentes e causarem mortes, doenças, além
e subterrâneas. Além da já mencionada polui- de grandes prejuízos materiais, há de se des-
ção, os desmatamentos em larga escala são tacar que grande parte das dificuldades de se
determinantes da perda ou da redução dos caminhar para a segurança hídrica decorre de
serviços ecossistêmicos relacionados ao ciclo deficiências na governança e no sistema de
hidrológico, como a interceptação da chuva, a gestão de recursos hídricos do país.
recarga de lençóis freáticos e de aquíferos, a
redução da taxa de erosão do solo e a redução
de riscos de desastres naturais.
Todos esses fatores, que
Todos esses fatores, que interferem na qua-
lidade e na quantidade de água disponível, têm
interferem na qualidade
provocado alterações em diversas escalas
geográficas. Como resultado, situações de in-
e na quantidade de água
segurança hídrica, competição e conflitos pela
água têm se intensificado. São conhecidos os
disponível, têm provocado
conflitos entre os usos na agricultura, na indús- alterações em diversas
tria, no turismo, na energia, no transporte e no
saneamento/saúde, entre outros. Em ambientes escalas geográficas.
rurais, a Comissão Pastoral da Terra,1 que moni-
tora conflitos pela água no campo desde 2005, Como resultado, situações
contabilizou 197 desses conflitos em 2017, maior
número da série histórica e um crescimento de de insegurança hídrica,
130% em relação ao ano anterior.
competição e conflitos
Além das situações mencionadas de crise
hídrica, é fato que persistem inconsistências
pela água têm
nos sistemas de governança, fazendo com
que, segundo dados da ONU2 referentes a
se intensificado.

105
Um bom modelo que ainda corpos d’água, além de indicar diretrizes para
a cobrança pelo uso da água. No entanto, são
enfrenta desafios frequentes as críticas a planos de recursos hí-
Com a Lei no 9.433, sancionada em 8 de janeiro dricos, por serem documentos genéricos, com
de 1997, o Brasil deu um passo importante na metas nem sempre aplicáveis, e, por vezes, figu-
gestão dos recursos hídricos de seu território: rativos e com baixa aderência à realidade.
a um só tempo, instituiu a Política Nacional de
Recursos Hídricos (PNRH) e criou o Sistema Na visão da Organização para Cooperação e
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hí- Desenvolvimento Econômico (OCDE), bem como
dricos (SINGREH),5 cuja previsão legal remon- de diversos especialistas do país, há também
tava à Constituição Federal de 1988. A Lei no falta de alinhamento entre planos de recursos hí-
9.433/1997 continua relevante no contexto dricos em diferentes escalas geográficas (nacio-
atual, sendo que seus fundamentos, seus prin- nal, estadual, local e de bacia), além de um baixo
cípios e suas diretrizes encontram-se entre os patamar de execução das ações previstas. Entre
mais avançados para tratar da gestão de re- as causas de tudo isso, destacam-se a falta de
cursos hídricos. financiamento e a baixa capacidade de infraes-
trutura física e de pessoal para a execução e o
Um dos grandes méritos do modelo de ges- acompanhamento das ações na grande maioria
tão da água no Brasil é o fato de as respon- dos órgãos responsáveis pela gestão da água.
sabilidades, inclusive orçamentárias, serem Além disso, uma séria limitação à efetividade dos
compartilhadas entre União, estados, municí- planos de recursos hídricos é a sua desconexão
pios, Distrito Federal e comitês de bacia hidro- de outros instrumentos de planejamento
gráfica (CBHs). O modelo replica, seguindo a (setoriais, de saneamento, de desenvolvimento
Constituição, as atribuições de cada ente da regional ou mesmo de base municipal, como os
Federação e provoca, em todos eles, a neces- planos de uso e ocupação dos solos). Este fato
sária preocupação com a sustentabilidade fi- é resultante, principalmente, da falta de diálogo
nanceira do sistema. Tal desenho pressupõe, entre os agentes responsáveis por essas pastas
inclusive, formas de viabilização da partici- nos diferentes níveis de governo. Isso acaba por
pação social e a tomada de decisão coletiva intensificar disputas e conflitos pelo uso da água,
em conselhos, comitês, câmaras técnicas e cujas soluções ou acordos de compartilhamento,
demais foros, nas mais distintas realidades do em diversas situações, acabam sendo buscados
país. No entanto, a PNRH e a própria institu- fora do SINGREH, inclusive na esfera judicial.
cionalidade do SINGREH vêm enfrentando crí-
ticas, dentre as quais algumas decorrentes da A cobrança pelo uso, por sua vez, tem o
baixa implementação de seus instrumentos de potencial de desempenhar papel relevante na
gestão, mesmo decorridos mais de 21 anos da gestão eficiente dos recursos hídricos, ao es-
sanção da Lei no 9.433/1997. timular o seu uso racional, a conservação da
qualidade e a autonomia financeira da gestão,
Entre os instrumentos previstos na PNRH, os especialmente se associada aos demais ins-
planos de recursos hídricos foram criados por trumentos da PNRH. Sua aplicação, contudo,
atos normativos, porém com baixa implementa- ainda é bastante restrita a poucas bacias hi-
ção efetiva. Elaborados de modo a fundamentar drográficas e, mesmo na maioria dessas, os
e orientar a implementação e o gerenciamento valores cobrados estão defasados e são in-
da PNRH no recorte territorial escolhido (des- suficientes para induzir ao uso mais eficiente
de parte de uma bacia hidrográfica até vá- da água ou mesmo para a implementação dos
rias ao mesmo tempo), os planos definem cri- planos de bacia. A ampliação da cobrança en-
térios de outorga e de enquadramento dos contra resistência de alguns setores – princi-
palmente, indústria e agricultura.

106
O Sistema de Informações sobre Recursos Há, também, uma percepção errônea de que
Hídricos (SIRH), conforme estabelece a Lei no o enquadramento deve ser implementado so-
9.433/1997, “é um sistema de coleta, tratamento, mente após a implementação dos demais ins-
armazenamento e recuperação de informações trumentos de gestão, o que contribui para rele-
sobre recursos hídricos e fatores intervenientes gá-lo a um segundo plano.
em sua gestão”.6 Nele, os dados gerados pelos
órgãos integrantes do SINGREH serão incorpo- Assim como os planos de recursos hídricos,
rados ao Sistema Nacional de Informações sobre a outorga é um instrumento bastante difun-
Recursos Hídricos (SNIRH). O modelo contempla dido no SINGREH, embora venha enfrentan-
a realidade de diversos órgãos, gerando informa- do desafios para a sua plena implementação,
ções sobre a água antes da edição da referida lei, sobretudo em situações de crise. Um primeiro
como as entidades do sistema elétrico e dos se- aspecto a ser considerado é que a gestão efi-
tores de mineração, saneamento e privado. ciente do uso da água demanda o estabeleci-
mento de um cadastro fidedigno de usuários
A ANA é o órgão responsável pelo agru- e usos, levantando informações aprofundadas
pamento de todos os dados produzidos, em sobre o respectivo setor usuário, a fim de aper-

Infraestrutura para o Desenvolvimento


parcerias com os demais. Os principais gar- feiçoar os procedimentos técnicos para emis-
galos se referem à integração de dados em são de outorgas para os usos consuntivos –
áreas remotas, descentralizadas, e à obtenção conforme consta na legislação. Além disso, é
de informações sobre a qualidade e as águas também um instrumento cuja implementação
subterrâneas, o que dificulta a difusão das requer monitoramento e fiscalização adequa-
informações e as tomadas de decisão planeja- dos, o que nem sempre está presente.
das, a exemplo do que exige o Plano Nacional
de Recursos Hídricos, de modo a integrar as di- A emissão de outorgas em situações de
versas demandas. A necessidade de se pautar dupla dominialidade constitui-se um grande
a gestão da água, tendo em vista a seguran- desafio. Enquanto a outorga na calha principal
ça hídrica, torna essencial o aumento e a me- dos rios federais encontra-se sob a responsa-
lhoria de informações, não apenas de dados bilidade da ANA, nas bacias hidrográficas que
hidrológicos, bem como o fomento de mode- a abastecem encontra-se sob responsabilida-
lagens capazes de conciliar as outorgas e os de dos respectivos órgãos estaduais de gestão
usos prioritários em cada região e em localida- de recursos hídricos. Assim, não raro são apli-
des em situação de escassez ou conflitos. cados diretrizes e critérios técnicos distintos
nos estados, o que tem gerado conflitos entre
O enquadramento dos corpos d’água em usuários e mesmo entre órgãos gestores dos
classes de uso, por sua vez, é um instrumento estados envolvidos, dificultando a boa gestão
estratégico para o desenvolvimento sustentável, dos recursos hídricos.
pois busca atribuir à água padrões de qualida-
de compatíveis aos múltiplos usos que dela se Outro desafio ao aperfeiçoamento da outor-
faz ou se pretende fazer. Dadas as implicações ga, que se refere tanto ao planejamento da ges-
econômicas resultantes de sua aplicação – que tão quanto à eficácia do instrumento, ocorre em
restringe usos – e o volume de recursos neces- locais de corpos d’água intermitentes, como se
sários para a mudança de uma classe a outra – verifica no semiárido, onde tem sido mais difícil
que demanda investimentos em ações de sa- o alcance da segurança hídrica. Nessas cir-
neamento, em equipamentos etc. –, o enqua- cunstâncias, é necessário que sejam definidas,
dramento é um dos instrumentos com me- pelo respectivo titular, as atividades econômi-
nor grau de implementação e, igualmente, cas prioritárias, indicativas de uso econômico
enfrenta resistência de interesses econômicos. eficiente, e que respeitem também os critérios

107
de enquadramento e o Plano de Recursos Hídri- na edição de normas e na liderança comparti-
cos. Para tanto, o SIRH deve ser capaz de pro- lhada com os CBHs. Um grande desafio insti-
ver informações de qualidade e confiabilidade. tucional a ser vencido neste âmbito, porém, é a
necessidade de fortalecimento desses conse-
Conflitos setoriais apontam também para lhos, a fim de que exerçam seus papéis delibe-
a necessidade de se estender ou aperfeiçoar rativos e orientadores do SINGREH.
a regulamentação da outorga para usos não
consuntivos, como transporte aquaviário e No modelo, o papel da ANA é o de agên-
geração de energia, de modo a conferir maior cia executiva do SINGREH, tendo a missão de
segurança jurídica a usuários nessas modali- efetivar as deliberações do CNRH, apoiar os
dades e a facilitar a gestão dos múltiplos usos, órgãos gestores estaduais e os CBHs e, além
especialmente em situações de escassez. Em- disso, auxiliar na execução das atividades ne-
bora esta seja uma questão que também en- cessárias para efetivar os instrumentos de
frenta resistência, situações como a interrup- gestão já mencionados. Portanto, a ANA tem
ção da hidrovia Tietê-Paraná, ocorrida entre funções e atribuições distintas das agências
maio de 2014 e janeiro de 2017, são um claro reguladoras de serviços ou de bens ofertados
indicativo de sua relevância. Também é ur- ao mercado. Este modelo tem evoluído, na
gente avançar na efetivação da outorga para avaliação de especialistas, apesar dos desafios
o lançamento de esgotos, medida que pressu- apresentados, tendo sido elogiado e até repli-
põe o enquadramento cuidadoso dos corpos cado em outros países. Nesse sentido, merece
hídricos, de tal maneira que a qualidade da ênfase a necessidade de se elevar o tema dos
água seja garantida para todos os usos e para recursos hídricos ao status de prioridade po-
as futuras gerações. lítica em nível das UFs e, assim, promover um
amplo reforço na capacidade operacional em
No que se refere à governança da água e, es- todos os elos que integram a gestão estadual
pecialmente, ao desempenho do SINGREH, es- de recursos hídricos.
tudos recentes têm destacado assimetrias insti-
tucionais entre os membros e as instituições que
formam o sistema, o que tem gerado distorções Ações institucionais de fortalecimento
na capacidade operacional, de gerenciamento do modelo de gestão
e, até mesmo, de poder, dificultando, por exem-
plo, a descentralização do processo de gestão, Diante dos desafios da gestão dos recursos
tal como previsto na PNRH. Essas assimetrias hídricos no Brasil, em dezembro de 2011, com
comprometem inclusive a capacidade de arti- o propósito de alavancar a importância políti-
culação entre os órgãos e, em última análise, a ca da gestão dos recursos hídricos nos esta-
própria função do SINGREH. dos e, assim, fortalecer as respectivas estru-
turas estaduais destinadas a essa finalidade,
Peça fundamental no modelo de gestão a ANA e diversos representantes dos órgãos
da água instituído no Brasil é o seu sistema gestores estaduais de recursos hídricos firma-
de conselhos, sendo que o Conselho Nacio- ram o Pacto Nacional pela Gestão das Águas.
nal de Recursos Hídricos (CNRH) foi instalado Como resultado deste, foi instituído em 2013
em 1998 e atualmente quase todas as Uni- o Programa de Consolidação do Pacto Na-
dades da Federação (UFs) contam também cional pela Gestão de Águas, intitulado como
com um Conselho Estadual de Recursos Hí- Progestão, cujo regulamento foi estabelecido
dricos (CERH). O modelo brasileiro pressupõe por meio da Resolução ANA no 379, de 21 de
protagonismo dos conselhos na articulação, no março de 2013.
planejamento, na deliberação sobre conflitos,

108
Nesse sentido, merece descontinuada nos estados, nos municípios e,
inclusive, no âmbito da Secretaria de Recur-
ênfase a necessidade de sos Hídricos e Qualidade Ambiental (SRHQ)
do MMA, que exerce a função de acompanha-
se elevar o tema dos mento, suporte, proposição e assessoramen-
to do CNRH, em todas as suas atribuições. O
recursos hídricos ao quadro técnico da SRHQ reduziu-se, em 2018,
a um terço do que contava em 2004, apesar
status de prioridade de ter incorporado novas atribuições, inclusive

política em nível das ações sobre a qualidade da água.

UFs e, assim, promover Como consequência desses fatores, bem


como da não adesão dos usuários a boas prá-
um amplo reforço na ticas de gestão e conservação da água, o que
poderia ser sumarizado como aumento da in-
capacidade operacional segurança hídrica, têm sido registrados: prejuí-

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zos econômicos para os diversos usos e acirra-
em todos os elos que mento dos conflitos pelo uso da água; escassez
e encarecimento da água para a população; e
integram a gestão estadual comprometimento da qualidade e quantidade
da água disponível. O baixo nível de conheci-
de recursos hídricos. mento acerca da gestão de recursos hídricos
também é um fato, inclusive no nível das bacias
hidrográficas, o que leva a população a não
O principal objetivo do Progestão é promover
exercer o seu papel de pressão e contribuição
a efetiva articulação entre os processos de
na governança, exceto em situações de crise
gestão das águas e de regulação de seus usos,
ou por iniciativas do Ministério Público, como
conduzidos tanto na esfera nacional quanto na
tem sido rotina (considerando-se os exemplos
estadual. Além disso, o programa visa também
de São Paulo, Fortaleza, Brasília, Curitiba etc.).
fortalecer os sistemas estaduais de gerencia-
mento de recursos hídricos (SEGREHs), com Diversos outros passos têm sido dados no
vistas a intensificar o processo de articulação e sentido de fortalecer o modelo de gestão ain-
a ampliar os laços de cooperação institucionais da em construção, sendo o Progestão, men-
no âmbito do SINGREH, de modo que o modelo cionado anteriormente, o mais importante
brasileiro de governança das águas seja no campo do fortalecimento institucional do
integrado, descentralizado e participativo, tal SINGREH nos estados. Entretanto, há outras
como previsto na PNRH. iniciativas dentro do SINGREH que ajudam a
fortalecer o modelo, aproximando-o das ca-
Dentre as várias causas que explicam o
racterísticas nacionais: Programa Nacional de
problema vivido na gestão das águas nos es-
Fortalecimento dos Comitês de Bacias Hidro-
tados brasileiros, cabe destacar a fragilidade
gráficas (Procomitês) – ANA; Programa Des-
da estrutura orçamentária do SINGREH, prin-
poluição de Bacias Hidrográficas (Prodes) –
cipalmente nos estados, em diversos dos quais
ANA; Programa Produtor de Água, que usa o
os recursos provenientes do Progestão têm
conceito de Pagamento por Serviços Ambien-
sido fundamentais para fortalecer a infraestru-
tais (PSA) relacionados à água – ANA; Pro-
tura de gestão da água. Destaca-se, também,
grama Água Doce (PAD), que busca levar o
o quadro de pessoal dos órgãos gestores com
acesso a água de qualidade para o consumo
grande defasagem numérica e capacitação

109
humano por meio da dessalinização – MMA; Pode-se considerar que há um consenso
e Programa de Ação Nacional de Combate à de que a PNRH e o SINGREH devem buscar
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca novos arranjos organizativos e de governança
(PAN-Brasil) – MMA. para a gestão dos recursos hídricos, em deter-
minadas circunstâncias locais, além dos que
Muitas dessas iniciativas contam com são atualmente utilizados, sem caracterizar
ações que focam não apenas a gestão da ruptura com o modelo atual. Essa necessidade
água, mas também as ações de abasteci- torna-se mais evidente em regiões metropoli-
mento e de fortalecimento do saneamen- tanas, no semiárido, na gestão de rios sob do-
to, como é o caso do uso de recursos da mínio da União, bem como nos rios transfron-
cobrança pelo uso da água, pelos comi- teiriços e em regiões de grandes dimensões
tês de bacia, para elaborar planos munici- geográficas, como a Amazônia e as grandes
pais de saneamento, para educação am- bacias do bioma Cerrado.
biental e para a preservação de nascentes.
Os princípios da subsidiariedade na gestão e Em macrometrópoles, como São Paulo,
do compartilhamento de responsabilidades onde o abastecimento é sustentado por meio
e direitos se constroem a partir do fortaleci- de transposições de água entre distintas ba-
mento e do ganho de escala dessas iniciati- cias, a complexidade se eleva e demanda
vas, que ocorrem com base no envolvimento maiores esforços nos processos de tomadas
da população e da assunção, por parte do Es- de decisão. É um exemplo em que a existên-
tado e de demais entes da Federação, do seu cia de uma agência executiva do SINGREH
papel de protagonista. Assim, é indicado que é importante, em meio a conflitos entre UFs,
o Brasil siga a trajetória de construção desse bacias e usos múltiplos. Nesse caso, da mesma
modelo, ancorado nos seus princípios e nas forma que no caso da hidrovia Tietê-Paraná,
suas diretrizes. fica evidente que a solução de questões
hídricas não se esgota na gestão de recursos
Adequações são necessárias, como já era hídricos. Pelo contrário, são imprescindíveis a
previsto na PNRH, que tem entre suas dire- articulação e a integração com outras políti-
trizes a “adequação da gestão de recursos cas e outros instrumentos de planejamento
hídricos às diversidades físicas, bióticas, de- territorial, em especial os que tratam de sa-
mográficas, econômicas, sociais e culturais neamento e uso e ocupação do solo, aspec-
das diversas regiões do país”. Nesse senti- tos que afetam diretamente a qualidade e a
do, um desafio que neste momento muito se quantidade da água disponível.
debate é a necessidade de regulamentação
de novos arranjos de governança, de acor- Outro exemplo da necessidade de maior
do com especificidades territoriais, não ne- articulação de políticas para melhorar a go-
cessariamente envolvendo uma bacia por vernança da água, também envolvendo as
inteiro. Há de se reconhecer e aproveitar a transposições de bacias, é a região semiárida,
motivação e a capacidade de agentes locais que conta com transposições de rios e de
em se mobilizar pela resolução de conflitos açudes – pela intermitência dos seus cursos
e gestão da água, por exemplo, como ocorre d’agua – tornando o modelo de gestão por
no Ceará (gestão por açudes, gestão nego- bacia hidrográfica mais complexo. Desafios
ciada da água, comitê de contingência da como responsabilidades de gestão, custos
seca), nas bacias dos rios Piracicaba, Capi- de manutenção, fiscalização e definição dos
vari, Jundiaí (PCJ), em São Paulo (tradição de usos são ainda incertezas no sistema.
consórcios, parcerias, papel preponderante
de municípios), entre outros.

110
A solução padeçam da falta de recursos financeiros até
para realizar as reuniões.
de questões hídricas não A gestão de rios transfronteiriços, isto é,
se esgota na gestão de em que há o compartilhamento de bacias hi-
drográficas com países vizinhos, apresenta
recursos hídricos. alto nível de complexidade, posto que ações
que ocorrem fora do território nacional afe-
Pelo contrário, são tam tanto a quantidade quanto a qualidade
dos recursos hídricos brasileiros e vice-versa.
imprescindíveis a É necessário, portanto, que haja uma intensa

articulação e a integração cooperação e troca de informações com os


países das regiões transfronteiriças. O que se
com outras políticas e vê na atualidade, porém, é o oposto disso, em-
bora tenha sido louvável a iniciativa do CNRH
outros instrumentos de de criar uma câmara técnica exclusivamente

Infraestrutura para o Desenvolvimento


para esse fim. Queixas relativas à burocracia
planejamento territorial, e morosidade excessivas no encaminhamento
de questões relativas à cooperação na gestão
em especial os que de recursos hídricos transfronteiriços são fre-
quentes, principalmente no que concerne à
tratam de saneamento e estrutura diplomática dos países, as quais não
priorizam e não estão preparadas para lidar
uso e ocupação do solo, com o tema.

aspectos que afetam Por fim, um tema de grande importância


na gestão dos recursos hídricos é a forma de
diretamente a qualidade financiar a gestão, os programas e os cinco
e a quantidade da instrumentos mencionados anteriormente,
seja na esfera da União ou das UFs. Para tan-
água disponível. to, a legislação apresenta uma estrutura de
receitas e fundos que financiam a gestão das
águas, bem como define as formas de alocação
Ademais, a institucionalidade formalmente e dos investimentos. Embora a manutenção do
reconhecida no SINGREH tem se mostrado sistema não seja de custo elevado, conside-
insuficiente para a gestão da água nessas si- rando a complexidade do tema e o porte da
tuações, o que ocasionou o surgimento de ins- economia brasileira, o debate acadêmico e os
tâncias decisórias não previstas na PNRH, mas diagnósticos de diversos atores têm apontado
legítimas e condizentes com a realidade local, que estados, municípios e órgãos colegiados
como as comissões gestoras de açudes e as- apresentam dificuldades de criar e de man-
sociações de usuários, as quais atualmente en- ter a estrutura de gestão. Por isso, merecem
contram respaldo apenas nos planos de bacia, destaque duas fontes de receitas que dão
em deliberações dos CBHs. No estado do Rio sustentação ao SINGREH: i) a Compensação
Grande do Norte, organizações assemelha- Financeira pela Utilização dos Recursos Hídri-
das às comissões de açudes ultrapassam uma cos (CFURH), instituída pela Constituição de
centena, com perspectiva de aumentar, tendo 1988, vindo a somar-se aos royalties da Itaipu
importante papel de definir regras de opera- Binacional; e ii) a cobrança pelo uso da água (Lei
ção dos reservatórios durante a seca, embora no 9.433/1997). Há também UFs com fundos

111
específicos de recursos hídricos, porém sem o leis da gestão da água no Brasil, algumas delas
porte financeiro e as garantias plenas de auto- com possibilidades de aperfeiçoar o modelo vi-
nomia para o suporte das atividades de gestão. gente. É importante um olhar sobre as propos-
tas, muitas delas advindas tanto da academia,
Os recursos da CFURH têm a finalidade das agências do Estado e da sociedade civil
de dar suporte a todo o sistema, inclusive às quanto do setor produtivo e das organizações
atividades do CNRH e a uma parte das ações multilaterais. As proposições no Congresso,
da sua secretaria executiva. Também são desde 1999, abordam fundamentos e princí-
destinados às iniciativas de melhoria da ges- pios da Lei no 9.433/1997, bem como todos os
tão em todos os âmbitos, além de viabilizar cinco instrumentos nela contidos, até a tipifi-
a formação do pessoal, a geração de dados cação de crimes e a previsão de penalidades
e estudos e o apoio à participação social e para infrações no uso dos recursos hídricos.
à efetivação de programas de aperfeiçoa-
mento da gestão da água. A segunda fonte, Cabe destacar que o maior número de propo-
a cobrança pelo uso da água, tem a função sições se situa no âmbito econômico da gestão
de viabilizar a gestão por bacias e visa ao es- da água. Por exemplo, entre as 128 proposições
tímulo das ações dos CBHs e suas agências, identificadas (52 no Senado e 76 na Câmara dos
com alocações definidas dentro dos respec- Deputados), há destaque para alterações na
tivos comitês. CFURH e na cobrança pelo uso da água, com
alterações na forma de repartição dos recursos
A alocação desses recursos, contudo, arrecadados entre municípios e nas áreas de
apresenta uma trajetória de descontinui- aplicação destes. As propostas indicam a des-
dade, a exemplo do apoio à pesquisa, ao tinação dos recursos da CFURH para: preserva-
desenvolvimento tecnológico e à inovação, ção de nascentes, matas ciliares, reflorestamen-
afetado por contingenciamentos no Fun- to, preservação ambiental no âmbito das bacias
do Setorial de Recursos Hídricos (CT-Hi- e municípios impactados. Diversas proposições
dro) ou dos contingenciamentos feitos por sugerem alternativas para aumentar a eficiência
governos estaduais. Além disso, os valores no uso e até a criação de um mercado de águas
arrecadados pela cobrança do uso da água (Projeto de Lei do Senado no 495, de 2017), in-
são bastante baixos e cobrados apenas re- clusive com cessão do direito de uso da água
centemente, e em poucos CBHs, o que tem obtido por outorgas mediante a autorização do
exigido que os orçamentos dos governos poder público/comitês de bacias.
federal, estaduais, distrital e municipais
complementem tais recursos. Portanto, é O incentivo ao aperfeiçoamento da gestão
importante que seja garantida a destinação da água, dos cuidados com a qualidade e com
adequada dos recursos, conforme previsto a redução de atividades poluidoras, bem como
na legislação, fortalecendo a autonomia do o aperfeiçoamento dos instrumentos de ges-
sistema. Tal preocupação tem sido levada tão da Lei no 9.433/1997 e ações de educação
tanto ao CNRH quanto ao Congresso Nacio- ambiental completam os temas que são objeto
nal, conforme abordado a seguir. de outras propostas nas duas casas legislati-
vas. Merece atenção uma iniciativa que trata de
educação e comunicação em recursos hídricos
Iniciativas para mudanças e outra que propõe o fortalecimento do CNRH
e da Política Nacional de Segurança de Barra-
na legislação gens (PNSB). Há, também, sugestões importan-
Além de mudanças no campo da regulação a tes tratando de interfaces entre as atividades
cargo do Poder Executivo, parte do Legislati- de saneamento e fontes alternativas de abas-
vo tem se ocupado em propor mudanças nas tecimento para a ampliação dos serviços e a

112
garantia de qualidade da água. A transposição de gias sociais para a convivência com as
bacias, em alguns projetos, exige a revitalização secas no semiárido;
de bacias impactadas antes do início de obras.
• diversificar as fontes de financiamento
Em resumo, as iniciativas parlamentares tra- e criar mecanismos de compensação
tam de quatro grandes grupos temáticos princi- financeira entre entes federados e en-
pais: i) repartição de recursos (CFURH e outorga), tre bacias doadoras e receptoras, em
com destinação local e a municípios atingidos por casos de transposição de bacias;
obras e retiradas de água; ii) formas de destina-
ção, com priorização de proteção de ambientes • em territórios antropizados e indus-
impactados; iii) aperfeiçoamento dos instrumen- trializados, aprofundar a possibilidade
tos de gestão, tendo em vista o uso mais eficiente de utilizar novos parâmetros na defini-
da água; e iv) acréscimos de fundamentos, dire- ção dos valores a serem cobrados;
trizes e aperfeiçoamento de instrumentos da Lei
no 9.433/1997, em assuntos como qualidade, usos • aprimorar os instrumentos econômi-
múltiplos e interações com a produção. Já a Me- cos de incentivo, com mecanismos para

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dida Provisória no 844/2018, vigente no momen- manter as florestas e áreas de proteção
to da elaboração deste capítulo, apresenta uma de recursos hídricos, a exemplo do PSA;
série de dispositivos tratando de atribuições da
ANA na regulação de serviços de saneamento, o • fomentar inovações tecnológicas e ope-
que se configura uma atribuição fora da estrutura racionais associadas à gestão hídrica,
e da concepção do SINGREH, cujos desmembra- inclusive no que se refere a parâmetros
mentos são incertos, devido a dissensos impor- de aferição de demandas, redução de
tantes e pela forma como foi efetivada. perdas físicas e reuso de águas;

Diante dos desafios identificados ante- • incluir na legislação, inclusive nos pla-
riormente e do conjunto de proposições de nos diretores municipais, a necessida-
mudanças na legislação, é importante que se de de reconhecimento das áreas de
concretizem as seguintes medidas para aper- recarga de aquíferos inseridas no mu-
feiçoar a gestão de recursos hídricos, com nicípio, com vistas a preservá-las;
vistas a fortalecer o modelo vigente.
• estender a outorga para usos não con-
1. Sugestões de melhorias na PNRH e em suntivos de água, como o transporte
seus instrumentos: aquaviário, e aperfeiçoar para a gera-
ção hidrelétrica;
• realizar o planejamento e a articulação
intersetorial para a gestão integrada de • em casos que envolvam a utilização de
recursos hídricos e de outros instrumen- água para a irrigação, implementar sis-
tos de gestão territorial, urbana e setorial; temas de alocação negociada de água
e a adoção da outorga coletiva e ou-
• incorporar cenários de mudanças cli- torga sazonal;
máticas em planos de recursos hídri-
cos, alterando o foco das ações para • em situações de dupla dominialida-
prevenção e gerenciamento de riscos, de, fomentar processos intensos de
em lugar de gestão de crises, bem diálogos, com ampla participação
como prever ações de mitigação e dos respectivos comitês de bacia nas
adaptação aos impactos decorrentes tomadas de decisão;
de eventos críticos, adotando tecnolo-

113
A segurança hídrica das águas e valorizando tecnologias
desenvolvidas pelas comunidades.
representa um dos pilares 2. Sugestões para aperfeiçoamento dos
críticos no desenvolvimento sistemas de gerenciamento de recur-
sos hídricos (nacional e estaduais):
sustentável nacional e, • fortalecer os conselhos de recursos
assim sendo, deve ser hídricos, principalmente os conselhos
nacional e estaduais, suas secretarias
prioridade de todos os executivas e suas câmaras técnicas;

níveis governamentais, • fortalecer as capacidades técnicas


dos órgãos gestores estaduais, por
dos usuários, dos CBHs meio da contratação e capacitação

e de toda a sociedade. continuada de técnicos especializados


no quadro permanente;

• criar um programa nacional de pro- • promover um maior grau de coordena-


teção e recuperação de recursos ção das ações voltadas para a gestão de
hídricos com metas quinquenais e recursos hídricos no Brasil, com efetivo
decenais, alinhadas aos ODS; protagonismo do CNRH e dos CERHs;

• apoiar centros de excelência acadêmi- • incentivar a participação formal de repre-


ca em modelagem de ecossistemas e sentantes da administração municipal em
recursos hídricos, integrando formas de CBHs, visto que os municípios são respon-
monitoramento existentes e adotando a sáveis pelo planejamento e pela fiscaliza-
bacia hidrográfica como referência; ção do uso e da ocupação dos solos;

• aprimorar ações de educação am- • fortalecer o modelo de gestão por


biental e de comunicação com a po- responsabilidades e direitos compar-
pulação sobre a água que consome, tilhados, prezando pelo envolvimento
elevando a gestão da água ao con- da sociedade civil, de sua organização
texto de ecossistemas; local, inclusive com recursos que via-
bilizem esse envolvimento, seguindo a
• reduzir o gasto público em setores/ati- linha dos ODS;
vidades econômicas que lançam conta-
minantes ou que causam poluição das • instituir formalmente na PNRH a possi-
águas, inclusive as subterrâneas; bilidade de instâncias decisórias que já
vêm atuando na prática e que são impor-
• reconhecer e aprimorar, em todos os tantes em um contexto local ou regional,
entes da Federação, a aplicação dos como comissões gestoras de açudes;
instrumentos de gestão de recursos
hídricos como política de Estado; e • reforçar a capacidade institucional
do CNRH e dos CERHs, a fim de atu-
• aprimorar o sistema de operação dos arem como mediadores e árbitros
reservatórios no semiárido, incorpo- efetivos em situações de conflitos
rando a previsão climática na outorga por recursos hídricos, prevenindo a
judicialização desses;

114
• no caso de hidrovias, criar um fórum
multissetorial de caráter permanente,
com o objetivo de discutir o uso múl-
tiplo, acompanhar níveis de reserva-
tórios e construir pactos de gestão
entre os usuários;

• rever a composição de órgãos cole-


giados, de modo a aumentar a partici-
pação qualificada dos representantes
e a manter o equilíbrio representativo
entre os setores e os segmentos que
os compõem;

• incentivar a elaboração e adoção de


marcos regulatórios que valorizem o

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envolvimento da diversidade de atores
e comunidades locais, tendo os CBHs
como espaços de construção de metas
e pactos entre os entes do SINGREH;

• aprimorar a gestão transfronteriça de


recursos hídricos, pressupondo respon-
sabilidades, pactos e arranjo deliberati-
vo de um conjunto de ministérios; e

• promover intercâmbios e capacita-


ção técnica em gestão integrada de
recursos hídricos entre países, por
meio da celebração de acordos de
cooperação técnica.

A segurança hídrica representa um dos pilares


críticos no desenvolvimento sustentável nacional e,
assim sendo, deve ser prioridade de todos os níveis
governamentais, dos usuários, dos CBHs e de toda
a sociedade. O aperfeiçoamento de políticas, pro-
gramas e instrumentos que resultem em uma boa
governança sobre a água deve ser um processo
enraizado, continuado e fruto de intensos diálogos no
nível local. Para tanto, o compartilhamento de res-
ponsabilidades e o fortalecimento dos instrumentos
de gestão previstos na legislação devem ser priori-
dades inadiáveis.

115
9
SETOR ELÉTRICO
BRASILEIRO:
CAMINHOS PARA A
DESCENTRALIZAÇÃO
SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO:
CAMINHOS PARA A DESCENTRALIZAÇÃO

O
s problemas de que padece o setor decisões arbitrárias do governo, que interveio
elétrico brasileiro são inúmeros. A forte com a intenção de corrigir os próprios erros
judicialização é um dos mais prementes: cometidos anteriormente.
várias empresas conseguiram liminares para não
fazer pagamentos no processo de liquidação da Diante de tal diagnóstico, parece claro o
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica caminho a seguir: reduzir o poder do governo
(CCEE). A Eletrobras, que acumulou fortes pre- no setor e promover a descentralização com
juízos nos anos anteriores, está com capacidade a participação ativa dos agentes nas decisões
muito limitada de investimento e sofre com perdas alocativas. Naturalmente, há significativas
bilionárias em algumas de suas distribuidoras. Os dificuldades para caminhar em tal direção.
programas que definem preços e despacho apre- Provavelmente, a maior delas é a resistência
sentam problemas de modelagem e há indícios cultural em confiar nos mecanismos de mercados.
O setor está acostumado a uma organização
de ineficiência no despacho, além de excessiva
centralizada, com forte participação do governo,
volatilidade nos preços. Para piorar, o preço de
e parece duvidar de que a descentralização
liquidação de diferenças (PLD) é muitas vezes
pode realmente funcionar. Em certa medida,
modificado depois de divulgado, ensejando a
essa posição é alimentada por preocupações
modificação de transações previamente concluí-
legítimas, como discutiremos adiante, mas que
das. O mecanismo de expansão é centralizado, podem ser adequadamente levadas em conta.
dependente do ambiente de contratação regulada
(ACR). Dada a enorme dependência do governo, Neste capítulo, descrevem-se em detalhes os
os atrasos nas obras são muito frequentes. Há problemas mencionados, bem como a direção
excessivos impostos, taxas e encargos. Subsídios geral a ser adotada, ou seja, a descentralização.
cruzados pouco transparentes estimulam inefi- Esta é especificada em uma série de medidas
ciências. As decisões são muito centralizadas, recomendadas ao futuro governo, organizadas
estabelecendo divisão de custos e riscos que em ações de curto, médio e longo prazos. A dis-
não refletem a alocação mais eficiente, tanto cussão das medidas inclui também uma reflexão
na produção (risco hidrológico e vantagens a sobre as dificuldades e possíveis percalços que
fontes renováveis), quanto na comercialização deverão ser superados.
e distribuição (consumidores livres vs. cativos).

Entendemos que uma questão fundamental Diagnóstico do setor


que sumariza os problemas supracitados, e está Aqui analisaremos brevemente os principais
na origem de todos eles, é o excesso de poder problemas que afligem o setor elétrico brasileiro.
centralizado no governo. Este se manifesta na
definição de regras, na atuação das estatais,
Judicialização
no estabelecimento de subsídios cruzados
com pouca transparência, no cálculo do preço As transações no setor elétrico estão travadas em
da energia (PLD), na organização e gerencia- função de uma enorme quantidade de liminares
mento dos leilões etc. O procedimento para a que suspendem pagamentos e transferências.
definição do preço da energia é um ponto de Esse é um problema grave que necessita urgen-
fundamental importância. A própria judicializa- temente de solução.
ção aconteceu, em grande parte, por conta de

118
Números da CCEE dão uma ideia da magnitude Situação da Eletrobras
do problema e de como este vem se agravando.
A situação da Eletrobras é crítica. A empresa de
Em julho de 2017, a CCEE contabilizou R$ 4,23
investimentos 3G Radar estima que, ao longo dos
bilhões de transações de energia elétrica, mas houve
últimos quinze anos, o custo da estatal para o
liquidação de apenas R$ 1,87 bilhão. Cerca de R$ 2
governo foi da ordem de R$ 228 bilhões. Apenas
bilhões não foram liquidados, por conta de liminares
com suas distribuidoras, a Eletrobras perdeu algo
relacionadas ao fator de ajuste do mecanismo de
em torno de R$ 41 bilhões. Sem recursos e sem
realocação de energia (MRE), que é usualmente
poder contar com aportes do Tesouro, não tem
chamado no setor pela sigla em inglês GSF (ge-
capacidade de investimento. E novos investimen-
nerating scaling factor). Outros R$ 360 milhões
tos seriam cruciais para que o setor continuasse
ficaram sem liquidar por inadimplência ou razões
a atender à crescente demanda de eletricidade,
diversas. Em julho de 2018, foram contabilizados
cujo ritmo de crescimento foi diminuído recente-
R$ 11,58 bilhões, mas liquidados apenas R$ 2,38
mente apenas pela desaceleração da economia.
bilhões. Um total de R$ 7,84 bilhões (68%) estão
relacionados com liminares de risco hidrológico no O caminho mais natural é a privatização da
mercado livre, enquanto R$ 1,36 bilhão representa estatal. No entanto, isso encontra resistência

Infraestrutura para o Desenvolvimento


outros valores em aberto na liquidação. de forças políticas. Há ainda uma preocupação
que tem sido pouco manifestada, mas que
No centro dos problemas de judicialização
nos parece bastante relevante: a estrutura de
descritos anteriormente, está uma disputa pela
mercado após a privatização. Dependendo de
repartição dos custos (e da receita) no setor elétrico,
como essa privatização ocorra, é possível que se
relacionada às seguintes causas: i) geração fora
torne bastante difícil implementar um mercado
da ordem de mérito, isto é, o despacho de usinas
de curto prazo competitivo, o que deveria ser
térmicas mais caras, contrariando a programação
uma meta central a perseguir nos próximos anos.
determinada pelos programas; ii) antecipação da
garantia física de algumas usinas estruturantes,
mesmo antes de estarem em funcionamento Despacho e formação do preço de
completo; iii) atraso nas linhas de transmissão; e liquidação de diferença
iv) importação de energia. Essas disputas foram O Brasil não tem um mercado spot propriamente
originadas em interferências do governo nas re- dito. O que há é um mercado de liquidação das
gras do mercado, produzindo insatisfações que diferenças entre o contratado e o produzido,
são em seguida contestadas no Poder Judiciário. através do PLD, sobre o qual falaremos em se-
As disputas se arrastam por meses, ou até anos, guida. A programação de despacho, assim como
paralisando as transações no setor. o planejamento de longo prazo, é realizada com
base em programas de otimização e simulação
O Ministério de Minas e Energia (MME) propôs
desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas em Energia
um encaminhamento para destravar as liquidações
Elétrica (Cepel) a partir da década de 1980, mas
no setor. Basicamente, a proposta consiste em fazer
sem a participação direta dos agentes. Entre os
as empresas desistirem de suas ações, inclusive
programas utilizados, destaca-se o Newave, des-
dos honorários de sucumbência, em troca de terem
tinado ao planejamento de médio e longo prazos.
as concessões estendidas como forma de serem
compensadas pelas perdas. Há poucos meses
existia a perspectiva de que tudo fosse decidido
ainda no primeiro semestre de 2018. A resolução
Ao longo dos últimos
dos problemas depende, entretanto, de aprovação
do Congresso, e isso não foi garantido ainda. Dada
quinze anos, o custo da
a agenda eleitoral de 2018, há um risco não despre-
zível de que o problema se arraste até 2019, com
estatal para o governo foi da
consequências bastante negativas para o setor. ordem de R$ 228 bilhões.

119
Os programas são alimentados com infor- subseção anterior, é uma preocupação central na
mações das redes (capacidade das redes de maioria dos mercados de eletricidade em várias
transmissão, por exemplo), dos geradores (ca- partes do mundo. No entanto, isso não chega a
pacidade, limites de operação, custos, níveis de constituir um fator impeditivo de se desenha-
reservatório – se for o caso –, custos de início rem mercados suficientemente competitivos.
e término de operações etc.), assim como da Tudo está no estudo da estrutura de mercado
demanda. O programa determina as alocações e no desenvolvimento de regras que permitam
estocásticas ótimas, considerando algumas mitigar a possibilidade de comportamento an-
aproximações tecnicamente justificáveis (pelo ticompetitvo. No caso específico do Brasil, isso
menos quando foram introduzidas pela primeira inclui o estudo da possibilidade de manipulação
vez). Calcula também os preços sombra das usando-se a estrutura de bacias. De fato, uma
restrições, que definem o custo marginal de usina a montante em um rio poderia em tese
operação (CMO) dos submercados (Nordeste, limitar quanto uma usina a jusante pode pro-
Norte, Sul e Sudeste/Centro-Oeste). O CMO duzir, utilizando apenas seus lances num leilão
determina então o PLD para as diferentes regiões de energia diário. Isso levaria à possibilidade
e situações (carga leve, média e pesada), mas é teórica de manipular preços em seu benefício.
sujeito a valores máximos e mínimos, definidos O efeito, no entanto, é provavelmente limitado.
pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
De todo modo, há argumentos muito fortes para
Como podemos perceber, não há participa- modificar a forma atual de despachar e planejar o
ção ativa dos agentes na formação de preços. sistema. Seria possível melhorar substancialmente
Em particular, estes não podem comunicar de a performance dos programas usados no setor.
uma forma sistemática as variações de custos a Há também evidências de uma variabilidade
que possam estar sujeitos, nem sua perspectiva muito grande no PLD, mesmo quando compara-
quanto ao gerenciamento de seus reservatórios do com outros sistemas hidrotérmicos, como o
(no caso de hidrelétricas). Tudo é feito por um Nordpool.1 As alterações frequentes nos preços,
programa do tipo “planejador central”, que não evidenciadas pela volatilidade, mostram que o
recebe retroalimentação das informações do programa “se surpreende” frequentemente e não
próprio sistema. Se recordarmos que os preços está sendo capaz de capturar adequadamente
e alocações no setor elétrico são extremamente o funcionamento do sistema elétrico brasileiro.
voláteis, exigindo ajustes constantes e rápidos, A razão para isso são os erros de modelagem e
podemos desconfiar de que uma organização aproximações grosseiras introduzidas nos progra-
desse tipo pode ser subótima em vários aspectos. mas. Todos esses desvios da realidade explicam
Infelizmente não há, no entanto, uma estimativa como o sistema “se surpreende”, levando preços
confiável de quanto é a perda de eficiência por a mudarem constantemente. Isso implica neces-
conta dessa centralização. sariamente perda de eficiência, tendo em vista
que uma aderência ao modelo implicaria preços
A bem da verdade, devemos reconhecer que mais estáveis e melhor utilização dos recursos.
o uso de programas de planejamento tem alguma
razão de ser num sistema predominantemente Encaminhar para uma estrutura de mercado
hidrelétrico, como é o brasileiro. A questão é de curto prazo com lances encontrará, prova-
que a alternativa usada em todo o mundo – a velmente, duas resistências entre os agentes.
determinação do despacho e do preço por meio Por um lado, há uma questão cultural. O setor
de lances dos agentes – abre a possibilidade de tem se desenvolvido historicamente com um
comportamento estratégico, para influenciar controle central e planejado. A mudança para
ou manipular preços, no sentido de elevá-los. a formação de preços spot por meio de lances
A questão é legítima e importante. A possibilidade pelos agentes representaria caminhar na direção
de abuso do poder de mercado, mencionada na da descentralização. Será necessário fazer com

120
que os agentes se sintam paulatinamente seguros vantagem é que processos competitivos definem
de que tal descentralização pode funcionar e é, quais empresas desenvolverão os novos projetos
na verdade, superior. de geração. Assim, o esquema garante que as
empresas mais eficientes sejam as responsáveis
Além disso, há a preocupação com compor- pela expansão do parque gerador.
tamentos estratégicos em bacias por causa de
externalidades na produção. Conforme já men- Isso não significa que o modelo esteja livre de
cionamos, a preocupação é legítima, mas parece falhas. A principal delas já era evidente desde o
ser superestimada. Será necessário mostrar início: a sistemática foi concebida esquecendo
com estudos convincentes que os eventuais a existência do ambiente de contratação livre
problemas podem ser resolvidos. (ACL). De fato, a expansão estava baseada exclu-
sivamente no ACR, onde estão os consumidores
Tributos e encargos do setor residenciais e de baixa tensão, uma vez que se
contratava a expansão para atender à demanda
Um grande conjunto de impostos, taxas e en-
projetada pelas distribuidoras servindo ao ACR.
cargos incide sobre o setor elétrico; o total de
Se o ACL é pequeno, essa organização pode não
arrecadação de tributos e encargos que recaíram

Infraestrutura para o Desenvolvimento


ser muito problemática. No entanto, à medida
sobre esse setor em 2015 foi de aproximadamente
que o ACL se torna mais expressivo em relação
R$ 88,1 bilhões, distribuídos da seguinte forma:
ao ACR, a expansão passa a depender de um
• geração – R$ 14,7 bilhões; segmento cada vez menor da demanda total e
o esquema se torna problemático.
• transmissão – R$ 3 bilhões; e
• distribuição – R$ 70,4 bilhões. Há outras questões na expansão além do equi-
líbrio entre ACL e ACR. Por exemplo, o processo
Isso representa aproximadamente 52% da todo é excessivamente centralizado e controlado
receita operacional bruta do setor. Mais da pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que
metade de todo o custo da energia elétrica no define as regras do leilão; e pela CCEE, que o re-
Brasil é constituída de tributos e encargos. aliza. Um dos problemas que isso causa é a falta
de liberdade dos agentes para convocar leilões e
Além do valor elevado, há outros problemas promover uma contratação quando necessário.
na tributação. A eficiência é um deles. Os sub-
sídios cruzados pouco transparentes impedem Centralização
que os sinais de esgotamento financeiro sejam
sentidos pelos agentes econômicos, dificultando Conforme afirmamos anteriormente, uma das
a busca de eficiência. Por exemplo: há subsídios características marcantes do setor elétrico é
ao fornecimento de energia em regiões distan- a concentração de poder e controle nas mãos
tes, mas não há incentivos para que empresas do governo. Tudo parece passar ou depender
ofereçam soluções mais baratas, posto que são fortemente de órgãos estatais ou com influên-
compensadas por seu custo operacional, não cia dos governantes. Por exemplo, o Operador
pelo custo de oportunidade. As ineficiências se Nacional do Sistema (ONS), e a CCEE, apesar
multiplicam e aumentam os custos finais para de serem formalmente entes privados, sofrem
os consumidores e contribuintes. forte ingerência do governo.

O governo também influencia o setor por


Mecanismo de expansão meio de empresas públicas, tais como a EPE, a
Um dos melhores aspectos da organização do Eletrobras e subsidiárias, além de manter pode-
setor elétrico desenvolvida em 2004 foi a siste- rosos órgãos colegiados, a exemplo do Comitê
mática de expansão através de leilões. A principal de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e

121
do Conselho Nacional de Política Energética Propostas
(CNPE). À margem de todas essas entidades,
temos uma dependência central do MME e da Diante do exposto, atacamos as questões apon-
Aneel. Exagerando um pouco, a impressão que tadas, oferecendo sugestões específicas para
se tem é que quase tudo o que ocorre no setor encaminhar ao setor, centradas no estímulo à
gira em torno desses órgãos e das suas decisões. competição, eficiência e sustentabilidade. Não
serão discutidas soluções específicas para os
problemas de judicialização, tampouco será
Captura e influência política abordada a privatização da Eletrobras. Sobre
Há muitas razões pelas quais o governo pode o primeiro tema, esperamos que seja resolvido
ter forte interesse em manter o controle sobre o ainda pelo atual governo, dados os esforços para
setor elétrico. Uma vez no governo, os partidos tal. Naturalmente, nada garante que seja assim.
passam a reter o poder em relação à definição de O problema pode muito bem ficar para 2019.
tarifas. Isso os afeta eleitoralmente. A princípio, Mas a solução já delineada pelo MME parece
recorre-se a essa retenção de controle como um ser suficientemente adequada, pelo menos em
“seguro” contra aumentos exorbitantes, sempre linhas gerais. Quanto à Eletrobras, o caminho da
impopulares. Nenhum governante deve se sentir privatização vislumbra-se como o mais adequado,
seguro em depender de entes independentes em ainda que haja uma importante questão a respeito
aspectos que lhe dizem respeito diretamente. da estrutura de mercado posterior. Seria interes-
No entanto, sendo esse poder é retido pelo sante estudar a conveniência de dividi-la para
governo, é muito tentador utilizá-lo, e se torna privatizar. Mas a melhor forma de fazê-lo é uma
difícil resistir à tentação de controlar preços. questão por demais específica para este texto.
Essa tentação que se abate sobre os governos
alcança e contamina uma agência reguladora As propostas estão organizadas em ações
que não seja independente e sólida. Os lucros de curto, médio e longo prazos, começando
das empresas acabam ficando à mercê das com uma visão geral do que é necessário fazer.
definições do governo.
Visão geral
Essa situação cria toda uma série de
A direção geral é introduzir mais mecanismos de
incentivos perversos. Se seus lucros de-
mercado, aumentar a transparência, reduzir subsídios
pendem tanto do Estado, passa a ser muito
cruzados, simplificar regras e reduzir a concentração
mais importante ter influência no governo
de poder no governo. A participação direta dos
do que ser mais eficiente. O segundo passo
agentes no processo de formação de preços de
óbvio é a incubação da corrupção: visto que
curto prazo por meio de lances deverá aumentar
a influência nas decisões governamentais
a eficiência alocativa no despacho. Naturalmente,
é tão valiosa, as empresas tentam ganhá-la
para chegar a isso, será necessário realizar uma
por diversos meios, incluindo os ilícitos, com
serie de pequenas mudanças, cuidadosas e bem
transferências de recursos. planejadas, em coordenação com os agentes do
mercado e buscando seu apoio para que se alcance
uma evolução estável e firme. Assim, deveremos
Uma das características buscar o desenvolvimento de uma cultura de
mercado no setor, para adaptar à nossa realidade
marcantes do setor as mais avançadas estruturas em uso no mundo.

elétrico é a concentração Ações de curto prazo


de poder e controle nas Deve-se começar por quebrar o monopólio do
Cepel no fornecimento dos programas de otimi-
mãos do governo. zação. Obviamente, tais softwares não deverão ser

122
substituídos da noite para o dia. O primeiro passo Uma vez que mercados têm tido desempenho muito
deve ser a convocação de uma concorrência para a bom em várias partes do mundo, a maior exposição
apresentação de programas alternativos. O processo à experiência internacional pode ser particularmente
ofereceria subsídio ou estímulo para a entrada de útil ao Brasil. Poder-se-ia contratar alguns desses
grupos de pesquisa, com a perspectiva de forma- especialistas internacionais para ajudar no esforço
ção de empresas com a intenção de comercializar de definir caminhos de reformulação do setor.
posteriormente os softwares desenvolvidos. Poderia
ser adaptada uma formatação que permitisse o uso Metas de médio prazo
de recursos de pesquisa e desenvolvimento (P&D)
já previstos no setor para essa finalidade. Será interessante desenvolver um programa para
reduzir a participação e o poder do governo no
Em paralelo, deve-se iniciar o processo de defi- mercado em todos os níveis. A ideia é que haja
nição de uma metodologia de despacho por lances cada vez menos influência governamental nas
que permita a participação ativa dos agentes. Isso é decisões alocativas no setor e maior participação
importante para que agentes possam adaptar sua dos agentes.
produção a condições reais em cada momento e

Infraestrutura para o Desenvolvimento


aumentar a inteligência do processo de despacho. Dever-se-á buscar uma racionalização dos
Por exemplo, se o combustível para uma térmica tributos e encargos do setor. Há algumas iniciativas
ficou anormalmente caro ou mesmo indisponível, distintas para simplificar a estrutura tributária no
o agente poderá posicionar-se com lances mais Brasil. Uma delas é a que está sendo desenvolvida
altos. Em outros momentos, em que disponha do pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). A proposta
combustível com baixo custo de oportunidade, do CCiF é substituir cinco impostos (PIS/Cofins/
poderá atuar mais agressivamente. Da mesma IPI/ICMS/ISS)2 por um imposto sobre bens e
forma, um operador hidrelétrico poderá influenciar serviços, com alíquota única e as características
seu despacho quando o nível de seu reservatório de um imposto de valor agregado. Estima-se que
estiver excessivamente baixo ou alto, comunicando uma alíquota de aproximadamente 25% seria
ativamente essa posição através de lances. Obvia- suficiente para substituir a arrecadação presente
mente, passar para esse esquema não será imediato. de tais impostos e simplificar sobremaneira a
É necessário um período de desenvolvimento. Mas prática tributária brasileira. Essa ideia é positiva
iniciar este processo deve ser uma atitude imediata. não apenas para a economia do Brasil como
um todo, mas também para o setor elétrico. De
Pode parecer algo contraditório investir no acordo com Brasil (2016), no setor elétrico o
desenvolvimento de sistemas de otimização ao peso combinado de ICMS, PIS, Cofins e ISS é de
mesmo tempo que se inicia a abertura do proce- 33,58% da receita bruta. Assim, se a estimativa
dimento de lances no mercado de curto prazo. No do CCiF de alíquota de 25% estiver correta, isso
entanto, as duas iniciativas são complementares. representaria uma redução dos impostos no setor.
Os programas de otimização podem ser vistos
como preditores de preços futuros. No fundo, No campo da distribuição, será necessário
é exatamente nisso que se baseiam: buscam desenvolver um plano de modernização que
prever o custo futuro de energia para decidir de leve em conta as revoluções tecnológicas que
que modo despachar no presente. Vistos como ocorrem em todo o mundo – incluindo a geração
projetores de preços, tais programas são insumo distribuída, a resposta da demanda e o smart
importantíssimo à atividade de valorização dos grid. No exterior, isso tem sido pensado dentro
custos de oportunidade de gerar energia a cada de um plano de utilities of the future; entendemos
momento, o que é necessário para dar lances. ser necessário perseguir inovações nessa linha.

Outra ação é preparar um workshop convidando A separação entre a energia e o acesso à


especialistas internacionais com uma visão geral rede elétrica, medida que já está em discussão
dos rumos do setor elétrico em todo o mundo. na Aneel e na Consulta Pública nº 33/2017, é

123
importante para estender ao mercado residencial Mercado de contratos para resolver o problema
a possibilidade de escolher seus fornecedores de da expansão
energia. Isso tem acontecido em alguns estados
Conforme comentamos, uma das mais importan-
dos Estados Unidos, como Illinois e Texas. Em geral,
tes vantagens do modelo de 2004 é o processo
permite-se que municipalidades representem os
competitivo para a escolha de novos projetos.
consumidores de sua região e negociem contratos
Todavia, tal processo tem falhas que precisariam
de fornecimento a menor preço. Naturalmente cada
ser corrigidas, sendo a principal a centralização de
consumidor pode individualmente optar por não
muitas definições na mão do governo. Devemos
seguir a escolha municipal. Isso trouxe dinamismo
caminhar para uma descentralização baseada no
e competição ao segmento dos comercializadores.
posicionamento livre dos agentes em contratos.
Ações de longo prazo Para isso, devemos ter um mercado trans-
Nos países mais desenvolvidos, o aumento da parente e líquido de contratos padronizados. O
eficiência energética dos equipamentos elé- envolvimento do governo no desenvolvimento
tricos e a estabilidade da população sinalizam desse mercado deveria ser apenas para viabilizar
uma estagnação do consumo elétrico total – a e dar suporte à sua criação e expansão, de forma
menos que haja rápida adoção de veículos a que ele atingisse sua finalidade.3 Na verdade, tal
elétricos. Esta não é, no entanto, a perspectiva mercado de contratos de longo prazo precisaria
para o Brasil. Aqui, a tendência é o consumo de ser composto de um mercado primário e outro
energia elétrica crescer por anos a fio. Cumpre, secundário. No mercado primário, contratos
portanto, garantir um mecanismo de expansão seriam alocados de forma inicial, através de
eficiente da oferta de energia. um processo competitivo similar ao que ocorre
hoje e com as modificações descritas a seguir.
Em muitas partes do mundo, foram criados O mercado secundário garantiria a possibilidade
mercados de capacidade para garantir a adequação de mudanças de posicionamento contratual,
da oferta. No entanto, antes de serem criados segundo a conveniência de cada agente.
esses “balcões”, garante-se que o mercado de
curto prazo estará bem desenhado. Como não Os mercados primários deveriam ter metas
temos o último, parece-nos que o caminho para de contratação definidas por projeções futuras
o primeiro é um pouco menos claro. Não obstan- de demanda de energia. Tais projeções poderiam
te, o MME propôs, por intermédio da Consulta ser feitas como agora ou utilizando-se o méto-
Pública no 33/2017, a separação de “lastro” e do proposto por De Castro e Cramton,4 com a
“energia”, sem dar muitos detalhes. Até onde a criação de mercados de predição para propor
proposta deixa ver, o “lastro” seria comercializado outro mercado: o de contratos de previsão de
em termos mais ou menos análogos ao que se demanda de energia elétrica. Esse método não é,
conhece no resto do mundo como capacidade. no entanto, essencial para a proposta delineada.

Apesar de esta ser uma direção possível,


acreditamos que a melhor solução para o me-
canismo de expansão seria a criação de um
A melhor solução para o
mercado de contratos de longo prazo ativo e
líquido, em que posições contratuais pudessem
mecanismo de expansão
ser tomadas e desfeitas de acordo com as seria a criação de um
conveniências e necessidades de cada agente.
Um mercado de contratos nesses moldes seria mercado de contratos de
uma evolução natural do que há de melhor no
modelo de 2004. longo prazo ativo e líquido.

124
Observe-se que, historicamente, o governo seriam substituídos por contratos semanais e,
mantém o volume de contratação como um segredo em seguida, por diários. Um dia ou um par de
em cada leilão, a fim de forçar os geradores a se dias antes poderiam ser convertidos em horários.
comportarem mais agressivamente em suas ofertas. Esta conversão significaria simplesmente a troca
A ideia é que a escassez de informação favoreça de contratos: a liquidação de um contrato seria
a redução de preços e, portanto, a modicidade feita não por troca de recursos financeiros, mas
tarifária. No entanto, não é certo que isso ocorra pela sua substituição por contratos de duração
obrigatoriamente. A falta de transparência pode menor. Todas essas conversões de contratos
reduzir a participação potencial, o que tem efeitos implicariam que os preços dos novos contratos
muito mais negativos do que a eventual agressivi- poderiam flutuar, passando a ser mais baixos ou
dade dos participantes. De fato, a teoria de leilões mais altos do que o preço do contrato anterior, a
sugere que não há nada mais importante do que depender de quão valiosa fosse a energia em cada
promover a participação de mais competidores.5 período. No caso de contratos horários, aqueles
Além disso, é do interesse do leiloeiro (o governo, referentes a horas de pico seriam mais caros do
no caso dos leilões de eletricidade) que toda infor- que os referentes a horas de reduzida demanda.
mação seja revelada.6 Assim, a prática do governo

Infraestrutura para o Desenvolvimento


desde 2004 não parece ser a mais recomendável. A definição precisa dos contratos é tarefa
para detalhamento futuro. Por exemplo, pode ser
Garantindo-se, portanto, a transparência quanto conveniente que, em vez de 1 MW médio para um
ao volume a ser contratado, o mercado primário ano todo, já se negocie o fornecimento de 1 MW
– organizado na forma de leilão – seria aberto a médio apenas nas horas de pico do ano. Tudo isso
todos os participantes interessados. Do lado da é questão de explorar o mais conveniente, mas
oferta, teríamos geradores e construtores. Do lado a ideia básica é essa troca. Os consumidores ou
da demanda, comercializadores, distribuidoras e comercializadores que não tiverem adquirido seus
entidades financeiras, atuando de forma voluntária.7 contratos nos leilões primários deverão fazê-lo,
Naturalmente, uma dificuldade desses mercados prioritariamente, da entidade mantenedora do
de longo prazo é que a demanda em geral não mercado até que esta liquide suas posições – o
comparece em nível adequado. À medida que que lhe garantirá um reduzido risco.
o mercado amadureça e se torne mais líquido,
agentes financeiros e especuladores tendem a Pode-se ainda considerar a criação de contratos
entrar nesse mercado para garantir a necessária especiais para fontes renováveis e limpas. Esta
demanda. Terão instrumentos para fazer dinheiro parece ser uma tendência moderna, substituindo-se
dessa forma, pelos mecanismos descritos a seguir. os subsídios usuais por mecanismos de contratos
que encontrem os preços adequados para suportar
À proporção que o tempo passa, os contratos a entrada dessas fontes em níveis desejados pelos
alocados no mercado primário são trocados por consumidores e contribuintes. Há vários aspectos
outros de duração mais curta. Por exemplo, no a serem detalhados nessa proposta, mas a ideia
ano de 2020 poderiam ser negociados contratos serve de ponto de partida para uma organização
para fornecimento de 1 MW médio em 2025. No que privilegie a eficiência e a competição para a
início do ano 2024, estes contratos seriam trocados expansão da oferta de energia.
por doze contratos mensais para fornecimento
em cada um dos meses de 2025, pela mesma Resultados esperados e conclusão
quantidade de 1 MW médio (poder-se-ia consi-
derar a conveniência de fazer primeiro uma troca Neste capítulo, foi analisada a situação atual
em trimestrais, para depois se passar a mensais). do setor elétrico brasileiro, identificando-se os
principais problemas e as respectivas causas.
Dois ou três meses antes do início do mês a Enfatizou-se a excessiva centralização de po-
que se referissem os contratos mensais, estes der do governo, a ineficiência do processo de

125
despacho e formação do preço de liquidação Outro benefício da existência de um mercado
de diferenças e as dificuldades operacionais do líquido e centralizado de contratos é a formação
mecanismo de expansão da oferta. Listou-se de preços transparentes, que possam ser tomados
uma série de sugestões práticas para reduzir a por investidores como sinais confiáveis do preço
participação do governo, encaminhar o mercado futuro de energia. Tal informação é extremamente
de curto prazo e rever as regras da expansão. Em relevante em decisões de investimento.
particular, sugeriu-se a criação de um mercado
de contratos transparentes, formado por três Ainda outro resultado esperado do mercado
partes: um mercado de predição, um mercado centralizado é a redução de riscos bilaterais, com
primário e um mercado de contratos. a consequente redução dos custos de monito-
ramento. Uma câmara especializada de risco
Um dos principais resultados esperados da poderia desenvolver a competência de auditar e
combinação dos mercados de contratos pro- verificar a situação de solvência de suas partes
postos neste capítulo é a redução de custos a contratantes. Enquanto organismo centralizado,
longo prazo, sem se sacrificar a eficiência. Um ela exerceria esse papel de prover o bem público
mercado líquido permite que empresas que de meios para averiguar a confiabilidade de uma
sofram choques ou mudanças das condições forma muito mais eficiente do que empresas
que tinham quando assinaram esses contratos individuais estariam aptas para fazê-lo. O risco
possam ajustar suas posições sem grandes das partes contratantes seria o do mercado,
dificuldades. Exemplo: uma distribuidora que e não o risco isolado de cada empresa. Dessa
fez uma previsão de consumo para um centro forma, os contratos poderiam ser anônimos e
produtivo exportador pode ver sua previsão negociados livremente, permitindo o reposi-
profundamente prejudicada se a taxa de câmbio cionamento. A ideia é favorecer as soluções de
torna tal centro não competitivo. Um grande mercado, a eficiência e a competição, seguindo
consumidor de energia pode ver seu ramo de o exemplo das melhores práticas internacionais.
atividades experimentar uma expansão susten- Com isso, espera-se contribuir para o objetivo
tada, fazendo com que necessite de muito mais de colocar o Brasil na fronteira da evolução do
energia do que havia inicialmente previsto. Tais setor elétrico mundial.
choques podem ter um impacto na eficiência
alocativa do mercado. De fato, uma alocação
eficaz exige que os produtores de menor custo
e os consumidores de maior valor estejam con-
tratados. Com os choques aludidos, a identidade
de tais produtores e consumidores pode variar e,
para manter a eficiência, as empresas precisam
ser capazes de mudar de posição sem grandes
dificuldades. A liquidez é fundamental para isso.

Espera-se contribuir para


o objetivo de colocar o
Brasil na fronteira da
evolução do setor
elétrico mundial.

126
10
DIAGNÓSTICO
DO SETOR DE
TELECOMUNICAÇÕES
NO BRASIL:
DESAFIOS E
PROPOSTAS
DIAGNÓSTICO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL:
DESAFIOS E PROPOSTAS

E
nquanto os setores de transporte, ener- oferecidos por mais de 5 mil prestadores de
gia e petróleo, entre outros segmentos pequeno porte distribuídos por todo o país.
da infraestrutura nacional, buscam nas
concessões uma forma segura e atrativa para Esses resultados foram atingidos sem apor-
o capital privado, as telecomunicações vivem te de recursos públicos nem transferência
um drama inverso: encerrar obsoletas conces- de recursos de outros setores da economia.
sões de telefonia fixa e concluir um processo A oferta de banda larga no Brasil, fixa e mó-
de transformação do papel do Estado, inicia- vel, é integralmente associada a autorizações.
do há exatos vinte anos com a privatização do O avanço nas telecomunicações deve-se, até
Sistema Telebras. este momento, ao direcionamento de parte do
valor econômico das outorgas para a infraes-
Ao prestigiar o instituto da autorização e trutura, em cumprimento a uma política regu-
transformá-lo em ato vinculado – ou seja, ao latória que, ao invés de recolher todo o mon-
permitir que todo interessado que atendesse a tante ao Tesouro, combina projetos rentáveis
condições preestabelecidas em lei pudesse ex- com outros menos atrativos.
plorar livremente a atividade sem depender de
um processo estatal lento, discricionário e reple- Quando o Estado erra na forma ou na dose
to de premissas e condicionamentos que depois da intervenção, contudo, impondo controles e
se transformam em armadilhas contratuais para obrigações equivocadas ou excessivas, captu-
ambos os lados –, a Lei Geral de Telecomunica- rando para si ou simplesmente desperdiçando
ções (LGT) tornou fluida a entrada e a saída de a riqueza gerada pela atividade, um ciclo vicio-
novos atores e acabou por demonstrar, ao longo so se forma: as empresas deixam de atender
de duas décadas, que o Estado ajuda quando às necessidades da sociedade e, particular-
cria um ambiente estável e, depois, apenas sai mente, descumprem suas obrigações, sofrem
do caminho, deixando de usar o poder de outor- penalidades que lhes retiram rentabilidade e,
ga como ferramenta de controle político. portanto, a capacidade de investimento. Isso
agrava os problemas e realimenta o ciclo.
Em junho de 2018, 4.071 municípios e
94,2% da população tinham à disposição pelo O aprimoramento da atividade de regu-
menos uma oferta de banda larga móvel em lação está na agenda política do país, diante
4G graças às obrigações de cobertura estabe- do volume insatisfatório de investimentos na
lecidas pela Agência Nacional de Telecomuni- infraestrutura nacional. Revisões normativas e
cações (Anatel) em leilões de radiofrequência renegociações contratuais têm sido frequen-
e, obviamente, à avaliação das operadoras de tes em variados setores regulados. O Congres-
que o atendimento à demanda poderia ser so também debate alterações legislativas que
rentável. Até o final de 2019, não haverá sede buscam aprimorar a governança, a efetividade
municipal no Brasil desatendida por ofertas e, assim, a legitimidade das agências regula-
de acesso 3G ou 4G. A banda larga fixa, por doras para mediar os interesses das empresas,
sua vez, atingiu, em agosto de 2018, uma pe- dos consumidores e do governo eleito, com o
netração populacional de cerca de 45%, com qual ainda não conseguiram desenvolver uma
30,5 milhões de acessos ativos, 25% dos quais relação institucional madura e autônoma.

128
Nas telecomunicações, a prioridade absoluta
é reduzir as cargas regulatória e tributária. Essa
Essa atividade gera
atividade gera riqueza suficiente para autofinan-
ciar sua universalização, com a qualidade deseja-
riqueza suficiente para
da pelos consumidores, com sobra de valor adi- au­tofinanciar sua
cionado para dotar de recursos orçamentários a
União, os estados e os municípios, desde que o universalização, com
volume apropriado com tributos, somado àque-
le despendido no cumprimento de obrigações a qualida­de desejada
questionáveis, seja reduzido do patamar atual.
pelos consumidores,
De 2002 a 2016, a riqueza gerada (a valores
correntes) pelas grandes prestadoras de serviços desde que as cargas
de telecomunicações1 foi de R$ 1,18 trilhão, ante
um valor de produção de R$ 2,32 trilhões. Durante
regulatória e tributária
esses quinze anos, o valor adicionado flutuou entre sejam reduzidas.

Infraestrutura para o Desenvolvimento


47% e 51% da produção,2 sendo 60% desse valor
apropriado pelo Estado em tributos.
O PERT correlaciona a qualidade do servi-
É preciso que o Estado planeje a redução ço de acesso à internet às rotas do backbone
progressiva dessa carga para que o serviço e à presença de backhaul de fibra ótica.4 Em
de banda larga avance sobre áreas ainda mais de 2.300 municípios, nos quais residem
desatendidas. No ritmo atual de crescimento cerca de 14% da população do país, não há
da banda larga fixa, a universalização do aces- backhaul em fibra ótica. Por outro lado, em
so à internet com a qualidade necessária levará cerca de 1.250 municípios havia, em 2016,
mais de vinte anos. Com o intuito de contribuir pelo menos três provedores de backhaul em
para alterar esse prognóstico e qualificar o de- fibra ótica registrados nos sistemas da Anatel.
bate sobre a reforma do modelo setorial, que A importância desse segmento da rede reve-
encontra resistências e dúvidas quanto às mu- la-se na distribuição dos acessos fixos à in-
danças propostas à LGT, este capítulo procu- ternet: 98% deles estão nos municípios aten-
rará demonstrar o impacto potencial que uma didos por fibra ótica, pois o escoamento do
realocação do valor adicionado no setor pro- tráfego de dados requer redes de transporte
duziria sobre a população ainda desatendida. de alta capacidade.

Infraestrutura: diagnóstico e O primeiro desafio, portanto, é ampliar as


rotas de backbone para que seja viável cons-
indutores do desenvolvimento truir backhaul nas localidades ainda desassis-
A Anatel dedicou-se recentemente a levantar a tidas de uma condição básica para que haja
situação da infraestrutura e produzir um diag- oferta do serviço. Enquanto redes terrestres
nóstico que pudesse orientar a formulação de de transporte não atingirem todos os municí-
políticas públicas. O documento que agrega as pios do país, a solução alternativa para a uni-
informações obtidas nesse estudo intitula-se versalização é o satélite, sobretudo as novas
Plano Estrutural das Redes de Telecomunica- tecnologias satelitais de alta performance,
ções (PERT) e foi aberto à consulta pública no cuja disseminação também requer reduções
mês de julho.3 na carga tributária.

129
Um segundo desafio, ainda mais dispen- Novo salto ocorreu em 2013, mas desta vez os
dioso e demorado, é financiar a expansão das incentivos já não ficaram a cargo somente do Es-
redes de acesso5 com base em tecnologias tado. Embora as operadoras tivessem acabado de
que não se tornem gargalos para a qualidade comprar o espectro do 4G e tivessem metas a cum-
do serviço prestado. Atualmente, as redes LTE prir, a vigorosa competição estabelecida no SMP
(4G) e as denominadas FTTx6 são as únicas e a mudança nos hábitos dos consumidores, que
capazes de oferecer desempenho satisfatório. reduziram o uso do telefone para se comunicar via
Nesse segmento, o PERT identificou a existên- internet, fizeram as empresas acelerarem a oferta
cia de mais de 2 mil distritos desprovidos de de banda larga para compensar a transferência de
antenas e de redes cabeadas em fibra.7 E, nas valor do serviço de voz para o de dados, evitar a per-
sedes municipais já atendidas por backhaul da de clientes e minimizar a queda no faturamento.
em fibra ótica, o desafio é ainda maior: 80%
dos acessos fixos estão em municípios com A propósito, foi a primeira vez, desde a pri-
vatização, que o setor registrou queda nominal
mais de 100 mil habitantes e apenas 45% dos
na receita. Nem assim as empresas puderam
domicílios brasileiros encontram-se servidos,
diminuir os investimentos, que têm representa-
metade deles com velocidades aquém do ne-
do cerca de 20% das receitas.9 Em um cenário
cessário (de 2 a 5 Mbps).
de retração do consumo, contudo, as inversões
Entre as modalidades de acesso em banda acabaram concentradas nos mercados em que
larga, a disseminação do serviço móvel (4G), a competição pelos usuários é mais acirrada.
como se viu, está bem adiantada. É preciso Neles, as operadoras não têm alternativa: in-
priorizar, portanto, a expansão do Serviço de vestem ou perdem market share.
Comunicação Multimídia (SCM), indisponível
A priorização das grandes operadoras nos
para mais da metade dos internautas, segundo
maiores mercados, associada à instabilidade fi-
a última pesquisa TIC Domicílios.8
nanceira do Grupo Oi, incentivou o crescimento
acelerado dos provedores regionais em merca-
Apesar de incompleta, nossa infraes-
dos de média atratividade. Segundo o PERT, qua-
trutura de telecomunicações tem recebido
se 90% dos acessos desses provedores foram
vultosos investimentos desde a privati- instalados nos cerca de 3.100 municípios com
zação. Quando se analisa o montante in- Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
vestido por ano pelas grandes operadoras, (IDHM)10 entre 0,65 e 0,8, e quase todo o restan-
desde 1998, notam-se saltos em resposta te nas quarenta maiores cidades.11
a incentivos bem definidos. Em 2001, por
exemplo, foram R$ 24,5 bilhões aporta- Diferentemente da explicação usual para as
dos em função dos benefícios concedidos deficiências de infraestrutura em outros setores,
a quem antecipasse o cumprimento das o desempenho ainda insatisfatório das telecomu-
nicações em determinadas regiões do país não
metas de universalização do telefone fixo
pode ser atribuído ao nível agregado de investi-
(Plano Geral de Metas para a Universalização mentos, que dificilmente se elevará muito acima
do Serviço Telefônico Fixo Comutado Prestado da atual proporção de 20% das receitas. Esse
no Regime Público – PGMU I). Em 2008, a li- volume de inversões tem assegurado que parte
citação do espectro do 3G, que finalmente da infraestrutura – com destaque para as redes
permitiria o acesso à internet pelo telefone móveis – acompanhe o estado da arte, sobre-
celular, impôs a universalização do Serviço tudo nas áreas mais populosas e com melhores
Móvel Pessoal (SMP), dividindo o esforço indicadores socioeconômicos.
de cobrir o país entre as operadoras.

130
Tabela 1
Potencial de competitividade no SCM (acesso fixo à internet)
Competitivo Moderadamente Potencialmente Não Total
Região Competitivo Competitivo Competitivo
(1) (2) (3) (4) (5)

Norte 0 (0%) 16 (2,1%) 236 (7,4%) 198 (12,4%) 450 (8,0%)

Nordeste 3 (9,4%) 44 (5,8%) 804 (25,3%) 943 (58,9%) 1.794 (32,0%)

Sudeste 8 (25,0%) 298 (39,4%) 986 (31,0%) 376 (23,5%) 1668 (30,0%)

Sul 17 (53,1%) 360 (47,6%) 785 (24,7%) 29 (1,8%) 1191 (21,0%)

Centro-Oeste 4 (12,5%) 38 (5,0%) 369 (11,6%) 56 (3,5%) 467 (8,0%)

Total 32 (100,0%) 756 (100,0%) 3.180 (100,0%) 1.60 (100,0%) 5. (100,0%)

Infraestrutura para o Desenvolvimento


Fonte: Plano Estrutural das Redes de Telecomunicações (PERT/2018) – Anatel.

Em grande parte do território, no entan- de intervenção seja eficiente, os municípios


to, a planta instalada precisa de atualização precisam ser segregados segundo seu po-
tecnológica ou não é suficiente para aten- tencial de consumo. Isso porque há locais
der à demanda. Não se trata de escassez ar- nos quais, com algum alívio no peso imposto
tificialmente produzida – como argumentam pelo Estado, a demanda seria suficiente para
alguns para condenar a priori o estabeleci- viabilizar uma oferta sem subsídios cruza-
mento de franquias nos serviços de acesso dos; em outros, mesmo que a oferta fosse
à internet – nem de carência de fontes de viabilizada, a política seria pouco efetiva sem
financiamento, mas de retornos insuficien- subsídios diretos ao consumo.
tes para justificar mais aportes do que os já
realizados. Segundo a consultoria McKinsey
& Company, entre 2012 e 2017 o retorno
médio sobre o capital investido das qua-
O desempenho
tro maiores operadoras variou de 10,6% a
1,5%, abaixo do custo de capital setorial,
ainda insatisfatório
estimado em mais de 11% pela Anatel. Nes- das telecomu­nicações
se contexto, é improvável que o desempe-
nho do setor avance e atinja os níveis dese- em determinadas regiões
jados de cobertura e qualidade.
do país não pode ser
Para induzir o desenvolvimento da infra-
estrutura e dos serviços onde eles ainda são atribuído à falta de
deficientes, a intervenção estatal faria a di-
ferença se permitisse que parte da carga re- investi­mentos, cerca
gulatória e tributária fosse direcionada para
construir redes e, eventualmente, subsidiar
de 20% das receitas
diretamente o consumo. E para que esse tipo
todo ano.

131
Figura 1
Modelo de gaps para o Brasil – banda larga fixa (2017)

Fonte: LCA Consultores.

Alguns estudos foram elaborados recente- pode-se dizer que a tabela 1 revela o desem-
mente com o propósito de avaliar o desempe- penho possível desse mercado, dadas as atu-
nho dos mercados de banda larga.12 Eles ajudam ais cargas regulatória e tributária.
a definir o montante e a maneira de se realocar
espacialmente os recursos arrecadados do se- Um estudo da LCA Consultores parece
tor. A tabela 1, extraída do PERT, apresenta a ratificar essa avaliação de que a oferta de
distribuição dos municípios, por região, segundo acessos fixos está atingindo uma espécie
seu potencial para desenvolver ofertas competi- de fronteira de eficiência. Usando o modelo
tivas do SCM:13 85% dos municípios, nos quais de gaps do Banco Mundial, a LCA segregou
residem 45% da população e apenas 18% dos o país em cinco grupos de municípios com
acessos fixos, são classificados nas categorias base em proxies de oferta e de demanda do
3 e 4, o que indica haver severas restrições ao SCM, obtendo como resultado o ilustrado na
desenvolvimento desse mercado. figura 1. Para exemplificar o contraste en-
tre os extremos, salientamos que, na área 1
É interessante notar que tal situação (17,6 milhões de habitantes), o produto in-
resulta de vinte anos de investimentos terno bruto (PIB) per capita é de R$ 36 mil,
privados no mercado de banda larga fixa sem enquanto nas áreas 4 e 5, onde vivem 83,2
obrigações impostas pelo Estado.14 Conside- milhões de pessoas, esse indicador mede,
rando a ausência de barreiras à entrada, a respectivamente, R$ 12,6 mil e R$ 8,2 mil.
intensa atuação dos provedores locais (no A densidade do SCM na área 1 é de 29 aces-
lado da oferta) e a atratividade do serviço de sos por 100 habitantes, em contraste com
acesso à internet (no lado da demanda), 7,1 e 2,4 nas áreas 4 e 5.

132
O modelo de gaps é uma forma simples de
explicar o desempenho refletido na tabela 1,
A densi­dade de banda
com pouca variação no enquadramento dos
municípios. Nas áreas 4 e 5 há 5.013 municí-
larga fixa tem crescido
pios, número muito próximo dos 4.782 classi- 1,5 ponto per­centual
ficados pela Anatel nas categorias 3 e 4. Esse
é o contingente de municípios cuja demanda ao ano. Nesse ritmo,
agregada não conseguiu atrair investimen-
tos, sobretudo da parte de múltiplos atores. a universalização
A enorme “nuvem de pontos” nas áreas 4 e
5 da figura 1 ilustra o tamanho do desafio a demoraria mais de
ser enfrentado no setor, a despeito de todo o
avanço e do respeitável investimento que re-
vinte anos.
cebeu anualmente em duas décadas.
O estudo da LCA estimou o montante a ser
A infraestrutura foi implantada e ofertas investido na infraestrutura das áreas 4 e 5 para

Infraestrutura para o Desenvolvimento


competitivas surgiram naturalmente em cer- comportar um perfil de acesso similar ao da
ca de oitocentos municípios, já contabilizada área 1: seriam necessários mais 19,4 milhões
a contribuição dos pequenos provedores. Nos de acessos a um custo de R$ 77,9 bilhões16
demais, as opções de acesso à internet são re- para conectá-los em fibra ótica. Se forem con-
duzidas e baseadas em tecnologias mais limi- tabilizados os usuários atendidos nas demais
tadas, com algumas exceções. áreas por malhas de cabos de cobre e tecnolo-
gias de média capacidade, bem como aqueles
Se o Estado não aliviar a carga imposta ao ainda não conectados da área 3, a quantidade
setor, o avanço da banda larga no Brasil con- de acessos dobra.17
tinuará lento. Nos últimos cinco anos, a den-
sidade tem crescido ao redor de 1,5 ponto Nesse contexto, ainda que se faça intenso
percentual ao ano. Nesse ritmo, a universali- uso das tecnologias wireless, cujo custo de im-
zação do SCM demoraria mais de vinte anos plantação é menor, comparado ao das redes
para ser alcançada, prazo incompatível com em fibra ótica, o valor a ser investido superará
a necessidade de elevar a produtividade com folga R$ 100 bilhões. Como então finan-
brasileira e inserir o país na economia digital. ciar a universalização da ultra banda larga em
médio prazo?
Como universalizar com eficiência a O relativo sucesso da banda larga móvel
ultra banda larga no Brasil (SMP) baseou-se no tradicional modelo “filé
com osso”, no qual áreas rentáveis subsidiam
Em agosto de 2018, havia 30,5 milhões de
a infraestrutura em áreas economicamente in-
acessos fixos reportados, metade deles em
viáveis. O Estado agiu bem quando, em licita-
tecnologias que limitam a velocidade a 10
ções de direito de uso de radiofrequência, ao
Mbps. Isso equivale a uma densidade de 14,5
invés de arrecadar o valor integral das outor-
acessos por 100 habitantes. Chegamos, com
gas, redirecionou parte da carga tributária para
limitações, no meio do caminho.15 Conectar a
metas de atendimento de áreas menos atrati-
outra metade da população e ainda atualizar
vas ou inviáveis. Mesmo assim, a arrecadação
tecnologicamente a base instalada custará
acumulada com outorgas desde 1998, atua-
mais, com um retorno inferior.
lizada para valores de 2016 pelo Índice Geral

133
Gráfico1
População total atingida
25000000

20000000

15000000

10000000

5000000

0
0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 40000

Prioridade População Prioridade IDH Prioridade mercado

de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) e Uma segunda linha de ação afetaria não


excluídos os leilões de privatização, foi de ina- apenas a União, mas também os estados,
creditáveis R$ 120,9 bilhões! que precisariam eliminar a carga tributária in-
cidente sobre a construção de redes e a pres-
A expansão da malha de fibra ótica, fun- tação de serviços nos municípios das áreas 4
damental para melhorar o desempenho dos e 5, em troca de investimentos em projetos
serviços fixos e móveis e indispensável para negociados com o poder público. Para que
as redes e serviços 5G, deveria se basear na a ultra banda larga se dissemine, o fisco fe-
mesma estratégia. Nessa linha, duas ações de- deral e os fiscos estaduais terão de renovar
veriam ser levadas adiante, de preferência por e adequar programas que substituam uma
determinação legal: arrecadação improvável por novos investi-
mentos em redes.18 Somente em 2017, a ar-
1. transformar integralmente a arrecada- recadação total, com telecomunicações, do
ção com outorgas nos próximos leilões Imposto sobre Operações relativas à Circula-
de espectro em metas para desconti- ção de Mercadorias e Prestação de Serviços
nuar as plantas de 2G e 3G no Brasil e de Transporte Interestadual e Intermunicipal
substituí-las por 4G ou 5G; e e de Comunicação (ICMS), foi de R$ 34,8
bilhões, em prejuízo do investimento, pouco
2. amparar a regulamentação da Ana-
superior a R$ 28 bilhões.
tel que permite direcionar os valo-
res devidos na renovação das outor- Desse montante investido em 2017, 59% fo-
gas de radiofrequência para projetos ram aportados em serviços fixos, o que inclui obri-
previstos no PERT. Com essas duas gações anacrônicas previstas nos contratos de
ações, estima-se que o Estado pode- concessão e em alguns regulamentos editados
ria negociar, nos próximos dois anos, pela Anatel. O inadimplemento de obrigações
a implantação de projetos de massifi- contratuais e regulamentares gerou, em média,
cação da ordem de R$ 30 bilhões ao desde 1998, um passivo de quase R$ 20 bilhões
longo de uma década, como se fez à em multas, 25% do valor necessário para levar
época com o 3G. fibra ótica às áreas desassistidas.

134
Outra ação concreta, portanto, é encerrar os quantos domicílios com perfil equivalente ain-
contratos de concessão e atualizar regulamen- da restam desatendidos em cada município.
tos que, ao manterem obrigações obsoletas, O critério do Índice de Desenvolvimento
consomem direta e indiretamente capacidade Humano (IDH) estima a ativação de novos
de investimento das empresas. Complemen- acessos caso a rede fosse expandida a par-
tarmente, seria interessante que se amparasse tir dos municípios de menor IDH. Um tercei-
o órgão regulador em sua proposta de substi- ro ensaio baseou-se apenas no tamanho da
tuir a atual política de sanção por negociações população de cada município.
prévias voltadas à resolução dos problemas de
qualidade identificados, como pretendiam os O gráfico 1 mostra a população total que
Termos de Ajustamento de Conduta conduzi- poderia ser atingida por projetos financiados
dos pela Anatel. por aquelas fontes nos municípios ainda não
conectados por backhaul, tendo em vista os
Por fim, é imprescindível modificar a legisla- três critérios utilizados. O eixo horizontal indi-
ção do Fundo de Universalização dos Serviços ca a quantidade de fibra ótica necessária para
de Telecomunicações (Fust) para que sua arre- conectar um certo número de municípios.20

Infraestrutura para o Desenvolvimento


cadação – em torno de R$ 1,3 bilhão por ano – Conforme pode ser visto, os critérios de mer-
possa ser destinada a projetos de banda larga cado potencial e de população são aqueles
em áreas inviáveis. Hoje os recursos desse fun- que geram o maior benefício social, conside-
do só podem ser aplicados nas concessões de rando-se o número de pessoas que passam a
telefonia fixa. acessar a internet.
Embora todas essas fontes possam ser Seria necessário um estudo mais detalha-
vistas como recursos públicos e, assim, de- do para calcular o valor econômico associado
preender-se que as propostas ora apre- às ações propostas nesta seção, pois elas ge-
sentadas estariam repassando ao Estado a ram receitas diretas e externalidades positi-
obrigação de financiar a universalização da vas para as prestadoras, que as precificariam
banda larga, na verdade elas compõem o va- em uma negociação. Avalia-se, contudo, que,
lor adicionado pelo próprio setor, que vem se todas essas ações viessem a ser imple-
sendo taxado excessivamente ao longo de mentadas nos próximos dois anos, o Brasil re-
duas décadas. Se o Estado tivesse redire- duziria o tempo necessário para universalizar
cionado apenas o valor das outorgas desde o acesso à internet, com qualidade de ultra
1998, excluídas as receitas com os leilões de banda larga, para menos de dez anos.
privatização, teriam sido investidos recursos
suficientes para conectar todas as residên-
cias do país com fibra ótica. Como não se
terá, de imediato, todo o montante de que Apenas com o valor
se necessita para atingir essa meta, é fun-
damental que haja critérios de eficiência na
das outorgas cobrado
aplicação do recurso que vier a ser destina-
do em cada exercício. O objetivo deveria ser
desde 1998, excluídos
maximizar a ativação de acessos, sobretudo
nas classes de menor renda.
os leilões de privatização,
Em estudo recente,19 o Ipea fez projeções
teria sido possível conectar
considerando diferentes critérios. O critério todas as residências
do “mercado potencial” identifica o perfil dos
atuais consumidores de banda larga e estima do país com fibra ótica.

135
Para colocar o Brasil na era digital, será
preciso concluir a desestatização das tele-
comunicações iniciada há vinte anos, o que
ainda exigirá:

• extinguir os atuais contratos de con-


cessão, que ainda preveem o retorno
de ativos operacionais ao controle do
poder público;

• reduzir o custo da intervenção estatal


para um patamar capaz de tornar o se-
tor novamente atrativo a investimen-
tos privados de longo prazo; e

• reaplicar um percentual do valor adi-


cionado atualmente retido pelo Es-
tado, em quantidade suficiente para
universalizar a ultra banda larga em
menor tempo.

Quaisquer que sejam as ações tomadas


pelo próximo governo, o que se espera para
as telecomunicações é que o poder público,
atendo-se às atribuições de formular políticas,
regular o exercício da atividade econômica e
arrecadar tributos, passe a priorizar, de fato, a
entrega de serviços essenciais com qualidade
a todos os cidadãos.

136
11
PLANEJAMENTO
INTEGRADO DE
INFRAESTRUTURA
PLANEJAMENTO INTEGRADO DE INFRAESTRUTURA

É
reconhecida a carência de infraestru- projetos. Elevar a qualidade dos planejamentos
tura no Brasil. Vários estudos apontam setoriais ao obtido no setor elétrico é o primeiro
para o baixo estoque de infraestrutura passo. No setor de transporte inter-regional, a
em relação ao produto interno bruto (PIB), seja criação da Empresa de Planejamento e Logís-
em perspectiva histórica, seja em compara- tica S. A. (EPL), em 2012, tenta espelhar o mo-
ções internacionais.1 Há necessidade premente delo bem-sucedido do setor elétrico, por meio
de se ampliarem os investimentos nos setores da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), cria-
de infraestrutura. Pelo menos desde meados da em 2004. Os demais setores, especialmente
dos anos 2000, se observa esforço do governo aqueles sob gestão estadual e municipal, sofrem
federal nesse sentido. Entretanto, apesar dos ainda de falta de capacitação em seu planeja-
maiores recursos fiscais aportados, os investi- mento, com fortes diferenças entre os entes.
mentos em projetos de infraestrutura sofreram
com atrasos e aumentos de custos, e muitas Todavia, além de se retomar a capacidade
vezes não produziram os benefícios desejados. de planejamento setorial, também seria neces-
sário provê-los com premissas e projeções so-
As dificuldades em executar os projetos de cioeconômicas uniformes, bem como avaliar
infraestrutura foram, em geral, causadas por os efeitos que os projetos propostos em um se-
planejamento setorial insuficiente, estudos e tor trazem em outros setores de infraestrutura.
projetos mal elaborados e contratos que não A EPE, por exemplo, poderia utilizar projeções
alinhavam adequadamente os incentivos do de crescimento do PIB em suas previsões de de-
contratado (construtor ou concessionário) aos manda por energia que estivessem em sintonia
do contratante (governo). Com isso, durante a com aquelas utilizadas pela EPL ou qualquer ou-
execução das obras, perdeu-se muito tempo tro órgão de planejamento de infraestrutura, de
e dinheiro consertando erros e omissões das saneamento ou mobilidade urbana. As projeções
fases iniciais dos projetos. Os projetos com usadas pelos diversos setores deveriam ser, no
melhor desempenho foram os do setor elétri- mínimo, compatíveis. Os efeitos que um projeto
co, por contar com planejamento setorial mais de trem urbano movido a eletricidade, por exem-
desenvolvido, e os contratados em regime de plo, poderiam trazer para o sistema elétrico de-
concessão, em que o concessionário exigiria veriam ser consistentemente considerados nos
estudos e projetos mais bem desenvolvidos planos da EPE. Há necessidade clara de maior
para se aventurar em um contrato de tão longo harmonização entre setores e projetos, assim
prazo. Mesmo assim, vários casos de conces- como na demanda e oferta de serviços entre eles.
são, em que os resultados não foram satisfa-
tórios, apontam para a necessidade de maior Este capítulo tem por objetivo apresentar pro-
alinhamento de incentivos nos contratos. postas que contribuam para a redução de algu-
mas dessas lacunas. Especificamente, propõe-se
Com o retorno de fortes restrições fiscais, a sistematização de projeções socioeconômicas
as opções para se realizar os investimentos em das variáveis importantes a cada setor, e sua
infraestrutura tão necessários recaem, em al- disponibilização aos diversos órgãos de planeja-
guma medida, em maior uso de concessões mento de infraestrutura, de modo que cenários
e parcerias público-privadas. Isso obrigará compatíveis entre os setores possam ser adota-
melhor planejamento e elaboração dos estudos e dos no planejamento setorial de infraestruturas.

138
As opções para se realizar impondo custos de capital e manutenção des-
necessários à sociedade.
os investimentos em O setor elétrico é o setor com planejamen-
infraestrutura tão to setorial mais estruturado no país, em gran-
de parte devido à criação da EPE, há quatorze
necessários recaem, em anos. A empresa produz planos decenais de
energia, assim como os planos nacionais, de
alguma medida, em maior mais longo prazo. Para isso, a própria empresa
elabora suas previsões de demanda de energia.
uso de concessões e As projeções socioeconômicas usadas nesse

parcerias público-privadas. processo são obtidas por meio de consultas a


estudos internacionais e a órgãos públicos que
Isso obrigará melhor contenham análises e dados nesse sentido.
Ao final, a EPE define seu próprio cenário de
planejamento e elaboração crescimento econômico. Para a energia elé-

Infraestrutura para o Desenvolvimento


trica, adota-se um cenário em geral mais ele-
dos estudos e projetos. vado, exatamente para evitar que energia seja
um limitador do crescimento econômico. Além
disso, pela dependência de regimes hidrológi-
O Ipea pretende contribuir ainda na pro- cos, o sistema precisa prever alguma ociosi-
dução de planos setoriais mais consistentes dade para suportar anos com poucas chuvas.
e também compatíveis entre si. Além disso, é O efeito negativo disso é que, se o crescimento
proposta do Ipea promover a articulação entre econômico real ficar muito abaixo do previsto,
os diversos planos, reduzindo a possibilidade o custo da energia será mais elevado, o que
de que um projeto proposto em algum plano também acaba provocando certa inibição na
não tenha seus efeitos considerados nos de- atividade econômica.
mais. Propõe-se fazer essa integração por meio
de uma suíte integrada de modelos, conforme Em outros setores, a regra geral tem sido a
descrito neste texto. de que cada estudo de viabilidade de projeto
utilize uma projeção própria de crescimento
econômico. Isso tem trazido problemas tanto
Breve diagnóstico sobre o devido a premissas superestimadas de cres-
planejamento de infraestrutura cimento econômico quanto referentes a não
considerar adequadamente questões de con-
O crescimento econômico é, provavelmente,
corrência e complementaridade entre proje-
a variável mais relevante para a demanda de
tos, muitas vezes dentro do mesmo setor.
serviços de infraestrutura. Assim, projeções
populacionais e de PIB, entre outras, tornam- Como exemplo, pode-se citar o estudo do
-se indispensáveis aos planejamentos setoriais trem de alta velocidade (TAV) entre Rio de
de infraestrutura. A ausência de projeções crí- Janeiro, São Paulo e Campinas e os estudos
veis e embasadas tecnicamente – ainda que para a concessão do aeroporto do Galeão.2
contenham incertezas e cenários – pode levar Em ambos os casos, os estudos indicaram
a erros. De um lado, podem produzir planos haver forte correlação entre o volume de
que não satisfazem as necessidades de infra- passageiros e o PIB, o que, de fato, é com-
estruturas da sociedade, limitando o próprio provado pela literatura citada em cada es-
crescimento econômico, e, de outro lado, po- tudo. Portanto, tem-se que as projeções de
dem resultar em projetos que ficarão ociosos, demanda por passageiros seriam função da

139
elasticidade-renda,3 das projeções popu-
lacionais e das projeções de PIB per capita
O uso de premissas
(essas duas últimas se consolidando nas
projeções do próprio PIB).
superestimadas acaba por
Apesar de os valores adotados para elas-
afugentar os potenciais
ticidade-renda estarem embasados pela li- investidores. Se essa
teratura, as projeções de PIB usadas apenas
referenciavam premissas do Tesouro Nacio- premissa, de mais fácil
nal e projeções do Banco Central do Brasil
(BCB), sem, entretanto, indicar que estudos averiguação, está
seriam esses. Ambos os casos indicaram
projeções de crescimento do PIB em torno superestimada, pode-se
de 3,6% ao ano (a.a.) para os horizontes das
concessões (de mais de trinta anos). Olhan-
esperar que outras
do em retrospectiva, nunca o Brasil teve ta-
xas de crescimento nesse patamar por tão
premissas usadas no
longo período. E, quando considerada a re-
dução da taxa de crescimento populacional,
projeto também estejam
tais projeções se tornam ainda mais supe- enviesadas, levando a
restimadas. Mesmo nos anos em que os pro-
jetos foram lançados, quando o país ainda uma desconfiança geral
passava por fortes taxas de crescimento, e
naturalmente maior otimismo para com seu sobre o projeto.
futuro, tais projeções eram pouco críveis
para os potenciais investidores. Outro problema identificado, devido a cada es-
tudo ter sua própria projeção de demanda, é não
O uso de premissas superestimadas acaba
identificar corretamente efeitos de concorrência
por afugentar os potenciais investidores. Se
e complementaridade entre projetos. É comum
essa premissa, de mais fácil averiguação, está
dois projetos distintos considerarem capturar a
superestimada, pode-se esperar que outras
mesma demanda, como se um passageiro fizes-
premissas usadas no projeto também este-
se a mesma viagem duas vezes, uma por cada
jam enviesadas, levando a uma desconfiança
projeto. Exemplo disso pode ocorrer quando
geral sobre o projeto.4 Se ainda quiserem par-
se propõe a construção ou a ampliação de um
ticipar da concorrência, os investidores terão
aeroporto, considerando que mais pessoas irão
de, necessariamente, elaborar seus próprios
deixar de viajar de carro e ônibus para fazê-lo de
estudos de viabilidade, o que será tão mais
avião, e, ao mesmo tempo, realizar previsões de
caro quanto a quantidade e o nível de deta-
investimentos na rodovia de onde sairão os no-
lhamento das informações que deverão ser
vos passageiros aéreos. Normalmente, essa so-
coletadas. Além do aumento de custo para os
breposição ocorre quando os elaboradores dos
potenciais licitantes, a menor concorrência
projetos são de órgãos ou até esferas públicas
na licitação pode atrair empresas menos pre-
distintas, como um projeto elaborado pela União
ocupadas no valor ex-ante do contrato e mais
e outro por um estado ou município.
na possibilidade de renegociar o contrato a
posteriori, o que fatalmente levaria a uma re- Mas surpreende quando isso aparece dentro
dução dos benefícios (ou aumento de custos) de um mesmo plano de governo, como o Progra-
para o governo e a sociedade. ma de Investimento em Logística 2015-2018,5 em

140
que eram propostas: i) a concessão da BR-163 geram demanda por energia, elétrica ou de com-
entre Sinop (MT) e o Porto de Miritituba (PA), bustíveis, por exemplo, e isso deve ser conside-
com investimentos estimados em R$ 6,6 bilhões rado nas fases de planejamento. De forma aná-
na pavimentação e duplicação da via; e ii) a con- loga, projetos de energia, como novas refinarias
cessão de uma ferrovia entre Lucas do Rio Verde de petróleo, geram demandas na infraestrutura
(MT) e Miritituba (PA), com R$ 9,9 bilhões, neces- de transportes. Hidrelétricas demandam água, o
sários à sua construção. A rodovia tinha o obje- que pode afetar sua utilização em outros usos e
tivo de “aumentar escoamento de grãos pelos vice-versa. A interação entre os diferentes se-
portos do Arco Norte”6 e a ferrovia, de “melhorar tores da infraestrutura é, salvo raras exceções,
o escoamento da produção agrícola do MT pela negligenciada nos planos setoriais.
hidrovia do Tapajós”,7 formas diferentes de dizer a
mesma coisa. Pouco tempo depois, a duplicação
da BR-163 deixou de fazer parte dos planos fe-
Propostas de política pública:
derais, pela clara concorrência entre os projetos. suíte de modelos para
Também há casos de projetos complementa-
planejamento integrado

Infraestrutura para o Desenvolvimento


res, que são propostos isoladamente, mas com Apesar dos avanços nos planejamentos de
a indicação clara de que a demanda será cap- energia, via EPE, e, mais recentemente, na
turada, mesmo sem mencionar a necessidade infraestrutura de transportes inter-regional,
do projeto complementar. Um exemplo é o da com a EPL, há bastante terreno sobre o qual
Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que chega- se avançar para dar maior credibilidade e atrair
rá em um novo porto em Ilhéus (BA). Porém esse o investimento privado aos diversos projetos
porto deverá ser construído por um investidor de infraestrutura necessários à melhoria do
que vier a solicitar autorização à Agência Nacio- bem-estar da sociedade brasileira. A proposta
nal de Transportes Aquaviários (Antaq), por se do Ipea é desenvolver um sistema de Planeja-
tratar de um terminal de uso privativo (TUP), não mento Integrado de Infraestrutura, em que as
sujeito ao regime de concessão. projeções econômicas e as interações entre os
diversos planos setoriais sejam compatibilizadas
A correta identificação dos projetos concor- e cenários de evolução possam ser cotejados
rentes e complementares é fundamental para a com alternativas de políticas públicas.
atratividade dos contratos de concessão. A recei-
ta a ser auferida depende, em geral, da demanda Inicialmente, Ipea, EPE e EPL fariam a
atendida, que pode ser maior ou menor, a depen- integração de seus modelos econômicos e
der de quais projetos foram efetivamente implan- de planejamento setorial, de forma a com-
tados pelo governo. Em alguns casos, é possível patibilizar as projeções macroeconômicas,
reduzir os efeitos dessa incerteza de demanda, de produção agropecuária e industrial para
atrelando algum parâmetro do contrato à deman- o planejamento da infraestrutura de trans-
da efetivamente capturada. Por exemplo, pode-se portes e energética. Além disso, buscariam
definir o valor de outorga a ser pago anualmente identificar os efeitos indiretos que demanda
como um percentual da receita tarifária de cada e oferta de um setor provocam nos outros.
ano. Mas, ainda assim, como isso impactará o or- Em seguida, seriam integrados os plane-
çamento fiscal, é recomendável otimizar o portfó- jamentos de água e saneamento, e, mais à
lio de projetos a serem executados com recursos frente, subsidiariam também o planejamen-
públicos, para reduzir o custo aos contribuintes. to urbano das principais cidades do país.
Nesse processo também se faz necessário
E não apenas a demanda de diferentes proje- englobar as discussões de cenários futuros,
tos pode estar associada, mas também itens de devido a incertezas quanto às mudanças
custo. Projetos de infraestrutura de transportes

141
climáticas, adoção de novas tecnologias, No modelo de contabilidade macroeconô-
mudanças culturais e até a reformas econô- mica, a partir da disponibilidade de capital e
micas já em discussão, que podem afetar a trabalho e da produtividade total dos fatores
demanda por diversas infraestruturas. (PTF), estima-se a produção econômica futu-
ra em função de variações nos estoques dos
Efetivamente, no intuito de alcançar esse fatores e na produtividade. A função de produ-
planejamento integrado, uma série de modelos ção implícita no modelo considera a desagre-
econômicos será utilizada, alguns já disponí- gação do estoque de capital em infraestrutura
veis no Ipea e outros ainda em desenvolvimen- e demais setores, devido ao efeito usualmen-
to. A seguir, uma breve descrição de cada um. te mais elevado que o primeiro tem sobre a
produtividade. Há também a decomposição
Modelos de projeção macroeconômica do capital humano em função do nível de pro-
O Ipea possui dois modelos já desenvolvidos e dutividade da mão de obra. As projeções são,
calibrados para a economia brasileira que permi- então, geradas a partir de projeções demográ-
tem fazer projeções macroeconômicas de longo ficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
prazo. Um utiliza como abordagem a contabilida- tatística (IBGE) e de cenários para:
de prospectiva do crescimento e o outro trata-se
de um modelo de equilíbrio geral com gerações • taxa de crescimento do investimento
sobrepostas. Cada um tem um grau de detalha- (agregado e infraestrutura);
mento específico, e a utilização de ambos con-
• evolução do capital humano; e
comitantemente permite melhor entendimento
das possibilidades futuras de crescimento.
• evolução da PTF.

O Desafios da nação, volume 1, apresentou


Nesse processo também resultados de projeções de PIB em diferentes
cenários, usando o modelo aqui descrito. Nes-
se faz necessário se estudo, os cenários avaliados consideraram
algumas reformas fiscais e microeconômicas,
englobar as discussões que resultaram em dois cenários de cresci-
de cenários futuros, mento médio do PIB per capita: 1,49% e 2,08%
a.a. A projeção de crescimento demográfica
devido a incertezas usada correspondia a um crescimento médio
de 0,28% a.a., ressaltada a necessidade de au-
quanto às mudanças mento da produtividade da economia para se
obter maior crescimento econômico no futuro,
climáticas, adoção de dada a redução do crescimento populacional.

novas tecnologias, No modelo de contabilidade do crescimento, a


poupança e o investimento agregado da economia,
mudanças culturais e até e com isso o estoque de capital, são definidos
exogenamente. No modelo de equilíbrio geral
a reformas econômicas já essas variáveis são endogeneizadas, garantindo
em discussão, que podem a consistência macroeconômica das simula-
ções – que, por construção, respeitam as restri-
afetar a demanda por ções de recursos e usos e as condições bási-
cas de equilíbrio da economia. A estrutura e as
diversas infraestruturas. hipóteses básicas desse segundo modelo são:

142
i) modelo de equilíbrio geral com estrutura de Um estudo elaborado para subsidiar a EPL no
gerações sobrepostas, que permita captar planejamento da infraestrutura de transportes
o efeito da transição demográfica e das po- já faz isso, ao avaliar a distribuição geográfica
líticas fiscais sobre as taxas de poupança e da produção agrícola, sem e com mudanças
de crescimento da economia; ii) demografia climáticas, que escoará pela rede viária do país.
adaptada às projeções demográficas do IBGE; Conforme o estudo, espera-se um aumento da
iii) acumulação de capital humano em linha com es- produção de soja e milho no país, em ambos os
timativas e projeções demográficas e hipóteses cenários, mas com diferenças entre as princi-
comportamentais e econômicas; iv) regime pre- pais regiões produtoras. No cenário com mu-
videnciário consistente com as linhas básicas danças climáticas, a produção em 2050 seria
do sistema brasileiro; v) setor público com efeitos menor na região Centro-Oeste e nos estados
reais na economia, por meio de gastos em edu- da Bahia, do Tocantins, do Maranhão e do
cação e saúde e gastos de investimento que Piauí, e maior na região Sul.
geram externalidades para os fatores privados
de produção; e vi) possibilidade de fechamento Modelo nacional dos sistemas
do modelo com diferentes regras fiscais, o que de infraestruturas

Infraestrutura para o Desenvolvimento


permite gerar cenários macroeconômicos sob
diferentes opções de política. O Ipea identificou que já está disponível me-
todologia específica para análise de evolução
Modelo de uso do solo para projeções conjunta de interdependências de infraes-
truturas, demanda e oferta variáveis, a partir
agropecuárias e florestais de cenários alternativos de futuro. De fato, o
Em uma parceria do Ipea com o International Reino Unido, por meio do projeto Consórcio
Institute for Applied Systems Analysis (IIASA) de Pesquisa em Transições de Infraestrutura
e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Infrastructure Transitions Research
(Inpe), foi desenvolvido o modelo GLOBIOM- Consortium – ITRC), já em sua fase de ex-
-Brazil, a partir do modelo GLOBIOM original- pansão, nomeada Análise Sistêmica de Infra-
mente elaborado pelo IIASA. Trata-se de um estruturas em Múltiplas Escalas (Multi-Scale
modelo global de uso do solo capaz de simular Infrastructure Systems Analytics – Mistral),
a decisão econômica do produtor rural sobre reúne sete grandes universidades britânicas
o que plantar. A versão brasileira considera o no projeto comum de harmonizar a coevolu-
detalhamento geográfico do Brasil em célu- ção da infraestrutura do país.
las de simulação de 50 x 50 km. As principais
culturas temporárias, como soja, milho, trigo, Na primeira fase, o ITRC propunha as qua-
cana-de-açúcar e algodão, são consideradas, tro ênfases a seguir.
assim como as pastagens para pecuária e as
florestas nativas e plantadas. Por ser um mo- 1.  esenvolver a competência para men-
D
delo global, a produção brasileira concorre surar a capacidade (oferta) e a deman-
com a dos outros países no atendimento da da de seus sistemas de infraestrutu-
demanda mundial por tais produtos, conside- ra, de modo a confrontá-los com as
rando também os custos de transporte. estratégias nacionais, ou cenários de
futuros possíveis, mantendo os efeitos
Além de estimar a produção futura desses interdependentes entre os setores.
produtos, diferentes análises podem ser fei-
tas, como o estudo, realizado em 2017, sobre 2. D
 esenvolver um modelo resiliente que
o impacto do Código Florestal.8 Também será pudesse prever possíveis efeitos em
possível investigar o efeito das mudanças cli- cascata e vulnerabilidades ou gar-
máticas na produção agropecuária e florestal. galos em sistemas necessariamente

143
codependentes, a exemplo da disponi- dos impostos, e suas interligações, permite ava-
bilidade de água para agricultura, uso liar setorial e regionalmente os impactos de po-
humano e geração de energia. líticas específicas, como mudanças em regras
tributárias, no mercado de trabalho e também
3. A
 nálise vinculada à capilaridade espa- impactos de choques de preços e câmbio, ou
cial de grupos heterogêneos específi- mesmo o efeito de investimentos específicos
cos em escala local. em algum setor. Indiretamente, esses modelos
servem ainda para calibrar os ganhos de pro-
4. Desenvolver planejamento de longo prazo. dutividade que são dados como premissas nos
modelos de projeção macroeconômica.
Em um momento seguinte, a Mistral propõe
metas mais profundas, incluindo: i) detalhamen- O Ipea, atualmente, desenvolve trabalhos
to da infraestrutura local, e não apenas regional; utilizando dois tipos de modelos de CGE: um
ii) detalhamento das interdependências entre estático e outro dinâmico. Embora ambos uti-
os setores; iii) troca de experiências com outros lizem a mesma base de dados, a Global Trade
países; e iv) intensa quantificação das relações Analysis Project (GTAP), que detém informa-
entre infraestrutura e economia como um todo. ções de comércio internacional sobre 57 seto-
res e 140 países (que podem ser agregados de
Nesse contexto, o Ipea e o ITRC estão ini-
diversas formas), eles se diferenciam quanto
ciando um projeto de trabalho para adaptar seu
aos propósitos e às respostas.
modelo, também conhecido como Modelo de
Infraestrutura Nacional (National Infrastructure A utilização do primeiro modelo tem se con-
Model – Nismod), para o caso brasileiro. O proje- centrado em responder a efeitos de diversos
to prevê, ao longo de dois anos, um modelo inicial choques pontuais, principalmente no curto pra-
para o caso brasileiro, na escala das Unidades da zo, nacionalmente. O segundo está sendo de-
Federação (UFs), que integre o sistema de trans- senvolvido também para responder aos efeitos
portes, água e energia, podendo incluir ainda re- dos choques pontuais e repetitivos, no curto e no
síduos sólidos e sistema de comunicações. longo prazo e nas dimensões nacional e regional.

Modelos de equilíbrio geral e de A construção do modelo dinâmico, que habi-


comércio regionalizados litará o Ipea a responder questões prospectivas
para a produção de planejamentos integrados
Além dos modelos de projeção macroeconô- social, econômica e ambientalmente, encon-
mica, o Ipea utiliza modelos de equilíbrio geral tra-se na fase de construção do detalhamen-
computável (CGE), em que os setores produ- to regional do Brasil, com a desagregação da
tivos são considerados em mais detalhe, em estrutura produtiva e de consumo nas 27 UFs.
uma perspectiva microeconômica. Esses mo- Essa regionalização, em função das caracterís-
delos têm a capacidade de quantificar efeitos ticas regionais, combinada com a adequação
de diversos tipos de políticas, sejam elas se- do modelo às características gerais brasileiras,
toriais, fiscais, cambiais, regionais, ambientais permitirá melhor avaliar o efeito de diferentes
ou mesmo sociais, mas também podem avaliar choques. Questões importantes, como inves-
os efeitos de mudanças climáticas. Em suma, timentos específicos em um estado e/ou em
podem antecipar como a atividade econômica, um setor; alteração do modelo tributário e das
de forma simultânea e interligada, se compor- regras tributárias entre os estados; bem como
tará perante mudanças orientadas ou não. utilização eficiente dos fatores de produção,
em particular o uso adequado da terra, poderão
A análise simultânea do consumo, da produ-
ser analisadas quanto aos resultados possíveis
ção, do emprego, da poupança, do comércio e
de serem alcançados e seus custos associados.

144
Modelos baseados em agentes para possibilidade de casamento, geração de novas
regiões metropolitanas residências e novas firmas a partir das áreas
de ponderação do IBGE. Com isso, constrói-se
Finalmente, um modelo intraurbano para regiões um modelo com maior dinamicidade e veros-
metropolitanas brasileiras com ênfase no mercado similhança com a realidade observada. Adicio-
imobiliário e na mobilidade urbana foi publicado re- nalmente, uma simulação de transportes foi
centemente pelo Ipea e disponibilizado na internet.9 incorporada ao modelo, de forma a utilizar a
O modelo está todo ajustado com dados oficiais demanda de geração de viagens – que inclui
do IBGE e roda simulações a partir dos anos 2000, a mobilidade residencial das famílias –, a ofer-
com horizonte máximo (restrito aos dados) de trinta ta de capacidade de trânsito e o sistema de
anos. Além de três mercados (de bens, de trabalho transporte público por ônibus e metrô.
e imobiliário), cinco impostos estão implementados.
O modelo foi validado utilizando-se de similaridade
de indicadores macroeconômicos, análise de sen- Resultados esperados
sibilidade de parâmetros e regras e comparações
com dados de arrecadação tributária. Inicialmente Com essa proposta de suíte de modelos, o Ipea
propõe aumentar a capacidade de articulação

Infraestrutura para o Desenvolvimento


projetado para análise de alternativas de distribui-
ção fiscal entre municípios metropolitanos, uma e previsão do planejamento de infraestruturas
série de outras possibilidades de análise estão nacionais, de modo a ganhar expertise e capa-
disponíveis, configurando o modelo como uma pla- cidade de análise de efeitos quantificáveis de
taforma de análise de políticas públicas. propostas de políticas públicas. Um sistema de
modelos como o proposto torna suas projeções
Uma segunda fase do modelo em desen- e análises mais consistentes, plausíveis e balan-
volvimento incorpora dados de migração, ceadas, e, portanto, com melhor capacidade de

Figura 1
Interação entre os modelos econômicos e os planejamentos setoriais
Oferta e demanda
externa
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et

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Modelos Macroeconômicos
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PolicySpace Modelos Equilíbrio Modelo de


(metrópoles) Geral Computável Uso do
Setorial e Regional Solo

NISMOD – sistemas de infraestrutura

Energia
Transportes
Água e
Infra Urbana
Saneamento

Elaboração dos autores.

145
contribuir com políticas públicas, tornando os seleção de projetos mais fundamentada como
projetos mais eficientes e dando maior segu- pela menor incerteza dos investidores quanto à
rança aos atores envolvidos. viabilidade de cada projeto. Indiretamente, aca-
ba aumentando a segurança de que os projetos
De fato, a partir dos modelos e sua retroali- serão efetivamente implementados. Ao mesmo
mentação, será possível simular diferentes ce- tempo, recupera-se a função de Estado de regu-
nários de mudanças tecnológicas, de hábitos de lar e promover a igualdade de oportunidades e in-
consumo, de mudanças climáticas, de reformas formações, enquanto otimiza a oferta de serviços
institucionais diversas (tributária, trabalhista, e preserva a modicidade tarifária.
previdenciária, de mobilidade urbana) e veri-
ficar o impacto da demanda pelos setores de Por fim, cabe ressaltar que essa suíte de mo-
infraestrutura, assim como inferir o efeito que a delos não se encerra ao planejamento de infra-
melhora na oferta de infraestrutura traria para estrutura, mas pode ser usada para avaliação
a produção nos demais setores. Nesse sentido, e proposição de políticas públicas em diversas
o Ipea contribuiria para a articulação de entida- áreas, assim como ter o feedback de outros mo-
des setoriais, a exemplo da EPE e EPL, garantin- delos. Com a evolução dessa proposta de inte-
do a harmonia entre os cenários e insumos e os gração, espera-se obter capacidade de simular
resultados dos vários planejamentos setoriais. cenários alternativos e efeitos de propostas de
políticas públicas de forma abrangente – conjun-
A figura 1 ilustra como esses modelos intera- to de planos – e específica – cada plano em parti-
giriam entre si e com os planejamentos setoriais cular. Isso propiciará maior eficiência aos projetos
de transportes e energia. Como exemplo, pode- e maior segurança aos atores envolvidos.
-se avaliar o efeito de mudanças climáticas na
produtividade agrícola e estimar a produção de
produtos agropecuários e florestais a partir do
modelo de uso do solo, Globiom, calibrado para Essa suíte de modelos
o Brasil. Essa previsão de produção alimentaria
os modelos de equilíbrio geral setorial e regiona-
aumenta a previsibilidade
lizado para prever o impacto nos demais setores
da economia, devido à demanda por insumos e
da expansão da
fatores de produção para o setor agropecuário.
Dos modelos de equilíbrio geral, as produtivida-
infraestrutura, informa
des agregadas seriam recalculadas e inseridas
nos modelos de projeção macroeconômica, que
com mais precisão os
podem servir para uma nova rodada do modelo investidores e reduz a
de uso do solo, repetindo o ciclo de análise. Além
disso, os custos de transporte e energia podem necessidade recorrente de
ser alterados, devido aos planos setoriais, afetan-
do os resultados dos modelos econômicos, que, reavaliação e ajustes de
consequentemente, podem gerar novas proje-
ções de demanda para esses setores. projetos em implantação.
Finalmente, vale ressaltar que essa suíte de Com isso, alcança-se
modelos aumenta a previsibilidade da expansão
da infraestrutura, informa com mais precisão os maior eficiência
investidores e reduz a necessidade recorrente de
reavaliação e ajustes de projetos em implanta- econômica e mais
ção. Com isso, alcança-se maior eficiência eco-
nômica e mais segurança institucional, tanto pela segurança institucional.

146
Parte 3
SUSTENTABILIDADE E
COMPETITIVIDADE SETORIAL
12
A ECONOMIA
DIGITAL E O
FUTURO DO
TRABALHO NO
BRASIL
A ECONOMIA DIGITAL E O FUTURO DO TRABALHO NO BRASIL

O
trabalho no Brasil é marcado por habilidades no mercado de trabalho brasileiro
grandes desafios, muitos dos quais apresentará a tendência verificada, nos últimos
são reflexo das desigualdades que ca- quinze anos, na utilização de habilidades e apti-
racterizaram o desenvolvimento socioeconô- dões no mercado de trabalho formal brasileiro,
mico do país. A baixa disponibilidade de mão discutindo como esta realidade dialoga com as
de obra qualificada tem uma relação intrínseca tendências e os desafios apontados na literatu-
com os investimentos historicamente deficien- ra. Por fim, a seção Políticas voltadas para o fu-
tes em educação e formação profissional. Ape- turo do trabalho no Brasil apresentará propos-
sar dos lentos avanços na cobertura do aten- tas de políticas públicas para o enfrentamento,
dimento educacional e na qualidade do ensino, nas próximas décadas, de alguns dos desafios
o Brasil ainda figura em posição insatisfatória verificados para o futuro do trabalho no Brasil.
nas comparações internacionais que medem o
desempenho de estudantes. Ainda há no país
uma baixa cobertura do ensino pré-escolar,
A quarta revolução industrial e o
baixas taxas de cobertura e de conclusão do futuro do trabalho
ensino médio, baixo acesso ao ensino superior,
sobretudo às áreas de ciências, tecnologia, A literatura sobre a quarta revolução industrial
engenharias e matemática (CTEM), além de aponta para um conjunto de tecnologias emer-
uma má alocação de recursos entre os níveis gentes que tem o potencial de redefinir os padrões
de ensino, com pouca ênfase para a educação de atividade, produção e interação humanas em
básica, relativamente ao ensino superior. ritmo e escala sem precedentes. Entre essas tec-
nologias estão a análise de dados em larga es-
Nesse contexto, o impressionante desen- cala,1 a inteligência artificial, a aprendizagem de
volvimento tecnológico verificado nas últimas máquina,2 a computação em nuvem,3 a internet
décadas, consubstanciado na chamada quarta das coisas, a segurança cibernética, a manufatura
revolução industrial, impõe ao país, de forma aditiva (impressão 3D) e a realidade aumentada.
premente, o enfrentamento da questão da bai-
xa qualificação de sua população e da baixa A manufatura avançada faz uso da digita-
produtividade de suas firmas. Ambas são refle- lização dos processos produtivos, associando
xo de deficiências nas políticas educacionais e componentes físicos e digitais, que se comu-
de formação de mão de obra, de um lado, e nas nicam de forma autônoma, em uma mesma
políticas de incentivo à produção e ao investi- planta produtiva e ao longo de toda a cadeia
mento, de outro. de valor. Entre os processos de digitalização
da manufatura estão incluídos: i) o uso de
Este capítulo se propõe a discutir como sensores em peças e equipamentos fabris; ii)
o intenso processo atual de transformações a utilização de sistemas ciberfísicos, sistemas
tecnológicas impactará o futuro do trabalho de segurança e sistemas de monitoramento de
no Brasil. Para isso, a seção intitulada A quar- consumo energético; e iii) o emprego de siste-
ta revolução industrial e o futuro do trabalho mas analíticos e de monitoramento de dados
apresentará algumas das tendências tecnoló- relevantes para a produção. Trata-se de um
gicas e perspectivas para o futuro do trabalho modelo da fábrica inteligente, em que siste-
debatidas na literatura. A seção A utilização de mas controlados por computador monitoram

150
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
processos, criam uma cópia virtual do mundo da quarta revolução industrial em muitos paí-
físico e tomam decisões descentralizadas com ses da Organização para a Cooperação e o De-
base em mecanismos de auto-organização. senvolvimento Econômico (OCDE).4

Uma grande parte dessas tecnologias se pro- Com relação aos ganhos de produtividade,
põe a substituir atividades cognitivas, antes exclu- as máquinas atualmente em desenvolvimen-
sivamente humanas, por soluções automatizadas. to têm demonstrado a capacidade de realizar
A aprendizagem de máquina, por exemplo, se uti- várias atividades tão bem ou de forma até su-
liza da disponibilidade crescente de dados em lar- perior aos humanos, inclusive aquelas que en-
ga escala para identificar padrões e automatizar volvem habilidades cognitivas. A produtividade
tarefas nas áreas de pesquisa científica, diagnós- global advinda da automação poderia crescer
tico médico, análise jurídica e outras. entre 0,8% e 1,4% anualmente. Análises cen-
tradas das atividades desempenhadas pelas
Nas chamadas cidades inteligentes, há aplica- ocupações norte-americanas indicam que
ções de internet das coisas em desenvolvimento menos de 5% podem ser totalmente automa-
para auxiliar na mobilidade urbana, no uso efi- tizáveis com as tecnologias atuais. No entanto,
ciente de sistemas de segurança, de produção e cerca de 60% das ocupações têm ao menos
distribuição de energia e água. No setor da saúde, 30% de atividades passíveis de automação.
dispositivos conectados e demais aplicações em Adicionalmente, metade de todas as atividades
internet das coisas podem otimizar tratamentos atuais poderia ser automatizada entre 2035 e
médicos e a gestão de hospitais e sistemas de 2075, a depender da viabilidade técnica, dos
saúde. Exemplos nesse setor incluem as tecno- custos de desenvolvimento e de implantação,
logias de realidade aumentada – que podem pro- bem como da dinâmica e da regulação do mer-
porcionar o acompanhamento remoto das condi- cado de trabalho e da aceitação social.5
ções de pacientes em tempo real e a realização a
distância de procedimentos médicos. Para economias emergentes com popula-
ção em fase de envelhecimento, como China,
O segmento de logística também deve ser Rússia, Brasil e Argentina, a automação pode
beneficiado pelas aplicações da quarta revolu- prover a injeção de produtividade necessária
ção industrial. De fato, a interoperabilidade dos para a manutenção do crescimento do produ-
sistemas e modais de transporte é a principal to interno bruto (PIB) per capita. A velocidade
característica da cadeia logística da indústria do de adoção de tecnologias de automação nes-
futuro, o que inclui aplicações e sensores para o ses países, no entanto, deve ser menor que nos
rastreamento de cargas, rotas e veículos. países mais desenvolvidos, tendo em vista os
salários médios mais baixos.
O ritmo e o escopo das transformações no
mercado de trabalho advindas da quarta revo-
lução industrial são ainda incertos e têm sido
objeto de intensa discussão. Estudos recentes O ritmo e o escopo
sobre o tema, utilizando a base de habilidades
e tarefas ocupacionais organizada e disponibi-
das transformações no
lizada pelo Occupational Information Network
(O*NET), sob o patrocínio do Departamento
mercado de trabalho
de Trabalho dos Estados Unidos, estimam al-
tas probabilidades de automatização para até
advindas da quarta
47% dos empregos desse país, além da pre- revolução industrial são
sença de grandes gargalos na oferta de habi-
lidades ligadas às necessidades tecnológicas ainda incertos.

151
Segundo pesquisa com base na avaliação A utilização de habilidades no
de competências de adultos (Programme for
International Assessment of Adult Competen- mercado de trabalho brasileiro
cies – PIAAC), da OCDE, cerca de 14% dos Esta seção apresenta uma análise da utili-
empregos (66 milhões de trabalhadores) nos zação de habilidades no mercado de traba-
32 países participantes têm probabilidade de lho formal brasileiro, com base nos dados da
automação superior a 70%, e 32% dos em- Relação Anual de Informações Sociais (Rais)
pregos têm probabilidade entre 50% e 70%. do Ministério do Trabalho (MTb) e nas habi-
Há uma grande variação desse potencial de lidades ocupacionais da base de dados O*-
automação entre os países, sendo maior em NET.8,9 Habilidades correlatas mensuradas
países do sul e leste europeus, na Alemanha, pela O*NET são agrupadas em fatores, com a
no Chile e no Japão do que em países do nor- utilização do método de análise fatorial. Esses
te da Europa. A maior parte dessa variação é fatores representam dimensões distintas das
explicada por diferenças na organização das habilidades e aptidões requeridas dos traba-
tarefas dentro dos setores, enquanto apenas lhadores que desempenham cada uma das
30% são explicados pela diferença na com- ocupações brasileiras.
posição setorial das economias. Além disso,
a automação traz maior risco de desempre- Foram também mensurados, com base nas
go para os jovens do que para trabalhadores informações disponibilizadas pela documenta-
em idade próxima à aposentadoria. Os traba- ção da Classificação Brasileira de Ocupações
lhadores com ocupações sob maior risco são (CBO) de 2002, os anos de estudo mínimos
aqueles que tendem a ter menos chances de requeridos para o desempenho das ocupações
participar de treinamentos.6 brasileiras, bem como, com base nas informa-
ções da Rais, os anos de estudo dos trabalha-
Um estudo do Banco Mundial para o ce- dores que desempenham cada ocupação.
nário da América Latina e do Caribe defende
que a adoção de tecnologias de informação e Os resultados permitem comparar a esco-
comunicação (TICs) oferece um caminho para laridade dos trabalhadores civis formais brasi-
crescimento inclusivo – que melhora as pers- leiros entre 2003 e 2016 com duas característi-
pectivas de emprego para os trabalhadores cas de seus postos de trabalho: a escolaridade
menos qualificados – ao criar um ambiente mínima para o desempenho da ocupação e
favorável à expansão de emprego pelo cresci- o índice de utilização de habilidades cogniti-
mento das firmas adotantes, sob um ambiente vas. Enquanto houve uma expansão média de
de políticas adequadas.7 18,1% nos anos de estudo dos trabalhadores, a
melhoria na qualidade média de suas ocupa-
Apesar das diferenças metodológicas e ções, em termos tanto da escolaridade exigida
das distintas conclusões acerca dos even- quanto da utilização de habilidades cognitivas,
tuais riscos e benefícios trazidos pela quar- cresceu em níveis muito inferiores (3,6% e
ta revolução industrial, é possível dizer que 3,0%, respectivamente).
há um consenso na literatura sobre a capa-
cidade transformadora, para o mercado de Grande parte do ganho de escolaridade se
trabalho, das novas tecnologias. O desafio deveu ao ingresso de trabalhadores jovens no
posto a cada país é o de se adaptar de forma mercado, cuja escolaridade é muito superior
rápida e flexível a este futuro ainda relativa- à dos trabalhadores que se aposentaram no
mente incerto, mas com um grande poten- período, refletindo os ganhos educacionais
cial transformador. do país ao longo das últimas décadas. O re-
sultado indica que, apesar do crescimento da

152
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Gráfico 1
Habilidades e competências que apresentaram maior crescimento nos empregos formais brasileiros
(2003-2016)
(valores de 2003 = 100)
104 104

103
103

102
102
101
101
100
100
99

98 99

97 98
2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016
Habilidades visuais e operacionais Equilíbrio e força corporais Habilidades cognitivas Habilidades interpessoais
Habilidades de manutenção e reparo Habilidades em design e engenharia Habilidades gerenciais Habilidades em vendas

102 102

101 101

100 100

99 99

98 98
2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016
Habilidades em saúde e medicina Independência Habilidades artísticas Habilidades em tecnologia da informação

Habilidades em ensino e ciências sociais Habilidades em reconhecimento de padrões Habilidades em acurácia e automação Habilidades em segurança pública

Fontes: Rais/MTb e O*NET.


Elaboração própria.
Obs.: TI – tecnologia da informação.

escolaridade de seus trabalhadores, o país na utilização dessas habilidades ocorreu devido à


não tem conseguido gerar empregos quali- retração do emprego nas indústrias de transfor-
tativamente melhores de forma significativa, mação e construção civil. A utilização das demais
mesmo em um período em que o crescimento habilidades mostra estabilidade no período.
do emprego, da formalização e da renda dos
trabalhadores foi muito favorável, relativa-
mente às décadas anteriores. Apesar do crescimento
O gráfico 1 ilustra a evolução de dezesseis
grupos de habilidades ocupacionais distintas.
da escolaridade de seus
O crescimento mais favorável, apesar de mo- trabalhadores, o país não
desto, se deu no uso das habilidades cognitivas,
interpessoais, gerenciais e de vendas. Quatro tem conseguido gerar
grupos de habilidades foram particularmente afe-
tados pela desaceleração e posterior crise eco- empregos qualitativamente
nômica iniciada a partir de 2012: as habilidades
visuais e operacionais, o equilíbrio e a força cor-
melhores de forma
porais, as habilidades de manutenção e reparo, e
as habilidades em design e engenharia. A queda
significativa.

153
Algumas habilidades ocupacionais, como armazenagem e correio, todos com incremen-
as artísticas, de saúde e medicina, de ensino e tos superiores a 20% no período. A escolarida-
ciências sociais, e as de segurança pública, são de média exigida pela ocupação do trabalha-
mais específicas de determinados setores de dor, por sua vez, evoluiu mais favoravelmente
atividade. No entanto, algumas habilidades são na agricultura, pecuária, produção florestal,
mais gerais e podem ser utilizadas como um pesca e aquicultura; nas artes, cultura, esporte
indicador da evolução da qualidade ocupacio- e recreação; nas outras atividades de serviços;
nal de todos os setores de atividade. Conside- e na indústria de transformação.
rando-se as seções da classificação nacional
de atividades, pode-se comparar a variação Os resultados parecem indicar que parte da
percentual, entre 2006 e 2016, na utilização de estagnação verificada no uso de certas habi-
algumas habilidades mais gerais selecionadas lidades importantes para o futuro do trabalho
(habilidades cognitivas; habilidades interpes- no Brasil entre 2006 e 2016 se deveu à queda
soais; habilidades gerenciais; independência; na participação da indústria de transforma-
habilidades em TI) com a variação na escolari- ção e de outras atividades de serviços no to-
dade do trabalhador e na escolaridade mínima tal do emprego do país. Por sua vez, os seto-
exigida pela ocupação desempenhada. res de alojamento e alimentação; educação;
construção; transporte, armazenagem e correio;
Apesar do avanço da escolaridade do traba- comércio; reparação de veículos; e as ativida-
lhador em todos os setores, alguns deles – como des administrativas e serviços complementares,
educação, construção e utilidades públicas apesar de exibirem crescimento em sua partici-
(água, esgoto e energia) – apresentaram queda pação no emprego, não apresentaram um com-
no índice de utilização de habilidades cognitivas portamento favorável em termos da utilização
e até mesmo na escolaridade média requerida de habilidades de alto nível cognitivo e técnico.
pela ocupação. Houve uma evolução favorável
na utilização de habilidades cognitivas no setor Do ponto de vista regional, a figura 1 classi-
de artes, cultura, esporte e recreação, outros fica as mesorregiões do país segundo dois cri-
serviços, informação e comunicações, saúde, térios. As mesorregiões que estavam em 2016
construção, e indústria da transformação. Ha- entre a metade com maior utilização de habili-
bilidades interpessoais, habilidades gerenciais dades cognitivas foram classificadas como de
e independência também experimentaram um alta utilização dessa habilidade, enquanto as
crescimento no setor de artes, cultura, esporte que estavam na metade inferior foram classi-
e recreação, e outros serviços. Habilidades em ficadas como de baixa utilização. Aquelas que
TI experimentaram um crescimento no setor de estão na metade que apresentou maior cresci-
atividades administrativas e serviços comple- mento percentual na utilização dessas habili-
mentares, na indústria extrativa e nos serviços dades no período foram classificadas como de
de água, esgoto, atividades de gestão de resí- alto crescimento, enquanto as que ficaram na
duos e descontaminação. metade com menor crescimento (ou decrésci-
mo) foram classificadas como de baixo cresci-
Já a escolaridade média dos trabalhado- mento. Foram classificadas como “demais” as
res evoluiu positivamente em quase todos os regiões que estavam entre as 30% com menor
setores, mas particularmente nos setores de: emprego total em 2016, e foi desconsiderado o
construção; serviços domésticos; agricultura, emprego da administração pública.
pecuária, produção florestal, pesca e aquicul-
tura; indústrias de transformação; artes, cultu- Há mesorregiões com utilização relativa-
ra, esporte e recreação; água, esgoto, ativida- mente alta de habilidades cognitivas em todo
des de gestão de resíduos e descontaminação; o país. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-
outras atividades de serviços; e transporte, -Oeste, onde há maior grau de informalidade

154
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Figura 1
Utilização de habilidades cognitivas no emprego privado por mesorregião (2003-2016)

Fontes: Rais/MTb e O*NET.


Elaboração própria.

no emprego (no Acre, Maranhão, Piauí, Pará Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Goiás e Piauí
e Acre, por exemplo, a informalidade atingiu apresentam a evolução menos favorável no
entre 44% e 48% dos empregados no quarto conjunto de suas mesorregiões.
trimestre de 2016, segundo dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
trimestral),10 há seguramente uma superesti-
mação da utilização de trabalho qualificado,
Parte da estagnação
pois o trabalho sem carteira assinada, ausente
dos dados da Rais, concentra grande parte do
verificada no uso de
emprego com baixo conteúdo cognitivo. certas habilidades
A evolução favorável da utilização de ha- importantes para o futuro
bilidades cognitivas, denotada pela coloração
verde na figura 1, diferencia as regiões com uma do trabalho no Brasil
evolução favorável ao longo do período. Nota-
-se uma maior concentração de regiões com entre 2006 e 2016
desempenho favorável no Sul e no Sudeste,
nas mesorregiões da região Centro-Oeste que se deveu à queda na
se encontram vizinhas da região Sudeste, além
de mesorregiões na Bahia, no Ceará, no Rio
participação da indústria
Grande do Norte, no Maranhão, em Pernambu-
co e na Paraíba. Os estados do Amazonas, de
de transformação.

155
Nota-se uma maior gera importantes externalidades sociais. Uma
força de trabalho qualificada facilita a adoção
concentração de regiões e a difusão de novas tecnologias e ideias, au-
mentando a produtividade individual e da eco-
com desempenho favorável nomia, além de contribuir para uma sociedade
mais democrática.
no Sul e no Sudeste.
A segunda razão diz respeito à equidade.
As restrições à qualificação atingem os mais
Padrões muito semelhantes são verifica- pobres mais severamente, pois estes não têm
dos em relação à distribuição de habilidades ou carecem de meios e/ou de informações
de engenharia e design, e de TI, por exemplo. acuradas sobre os custos e benefícios do in-
Chama atenção, entre as mesorregiões de alta vestimento em habilidades. A terceira razão
utilização de habilidades, mas baixo dinamis- tem um caráter mais político que econômico.
mo no período, as mesorregiões do sudeste de O processo de educação e desenvolvimento
São Paulo e do sul do Rio de Janeiro, que con- de habilidades de crianças e jovens faz parte
centram uma importante parcela do emprego de seu processo de socialização e de compar-
industrial brasileiro. tilhamento de uma cultura comum.11
Os resultados mostram que a utilização de ha- O governo federal já dispõe de diversas ini-
bilidades de maior consonância com o futuro do ciativas para a regulação e o estímulo ao de-
emprego cresceu de forma tímida no país duran- senvolvimento de tecnologias e habilidades
te o período 2003-2016. Os setores de atividade digitais no país. Entre as recentes iniciativas
que mais haviam apresentado evolução favorável visando à transformação digital da economia
até 2011, como os de construção e extração mi- brasileira, podem ser mencionadas as seis es-
neral, foram muito afetados pela crise econômica tratégias a seguir.
dos anos 2010, revertendo os ganhos na utiliza-
ção de habilidades de design e engenharia no 1. Estratégia Brasileira para a Transforma-
país. Além disso, a evolução regional indica que ção Digital (E-Digital)12 – visa harmoni-
algumas regiões do Brasil parecem não apresen- zar e articular as diversas iniciativas do
tar perspectivas de uma maior inclusão na produ- Poder Executivo federal ligadas ao am-
ção e no trabalho do futuro, permanecendo com biente digital, com o objetivo de apro-
empregos de baixa qualidade e produtividade. veitar o potencial dessas tecnologias
para a promoção do desenvolvimento
Políticas voltadas para o futuro econômico e social. Define cem ações
estratégicas subdivididas nos eixos: in-
do trabalho no Brasil fraestrutura de TICs, pesquisa e desen-
Diante do panorama desfavorável da evolução volvimento (P&D) em tecnologias digi-
da qualificação do trabalho formal no Brasil e tais emergentes, educação, economia
dos desafios ensejados pela quarta revolução digital e governo digital.
industrial, esta seção discute algumas das po-
2. Estratégia Nacional de Ciência, Tec-
líticas para o futuro do trabalho que devem ser
nologia e Inovação: 2016-202213 (ENC-
alvo de ação por parte dos governos e empre-
TI) – validada pelo Conselho Nacional
sas do país. Segundo o Banco Interamerica-
de Ciência e Tecnologia em 2016,
no de Desenvolvimento (BID), há três razões
configura-se na política nacional de
pelas quais os governos dispendem recursos
ciência, tecnologia e inovação (CT&I)
públicos no desenvolvimento de habilidades.
e contém orientações estratégicas
A primeira é que a produção dessas habilidades

156
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
de médio prazo para a implemen- brasileira18 – estabelece como uma de
tação de políticas públicas na área suas prioridades a digitalização do se-
de CT&I. Enfatiza o estímulo ao de- tor agropecuário, enfatizando ações na
senvolvimento e à modernização de área de automação, agricultura de pre-
tecnologias básicas nacionais, como cisão, sistemas de informação e com-
sensores, redes de alta velocidade, putação científica, geotecnologias e
processamento de alto desempenho, nanotecnologias.
novos padrões de comunicação entre
dispositivos, aplicativos, software e Este conjunto de iniciativas, embora ainda
outras tecnologias. incipiente e em fase de implantação, constitui
um passo importante na direção de políticas
3. Estratégia de Governança Digital da Ad- públicas mais efetivas para o enfrentamento
ministração Pública Federal: 2016-201914 dos desafios colocados pela quarta revolução
(EGD) – tem como objetivos estratégi- industrial para empresas e trabalhadores bra-
cos: i) fomentar a disponibilização e o sileiros. Os resultados desanimadores do pon-
uso de dados abertos pelo governo; ii) to de vista da estrutura ocupacional e do de-
promover a transparência por meio do sempenho educacional brasileiros, no entanto,
uso de TICs; iii) ampliar a oferta e apri- apontam para a necessidade de o país reforçar
morar os serviços públicos por meio da seu conjunto de ações e políticas voltadas para
transformação digital; iv) compartilhar e o enfrentamento das mudanças tecnológicas.
integrar infraestruturas, dados, proces-
sos, sistemas e serviços; e v) ampliar a Estudos publicados por organizações em-
participação social no ciclo de vida das presariais19 e organismos multilaterais20 apon-
políticas e serviços públicos. tam um conjunto de políticas para o futuro do
trabalho que pode ser subdividido em: i) polí-
4. Internet das Coisas: um plano de ação ticas sistêmicas voltadas para a melhoria da
para o Brasil15 – visa acelerar a im- capacidade de coordenação e integração de
plantação de aplicações baseadas em políticas, a geração de informações e o apri-
internet das coisas com impactos nos moramento dos sistemas de ensino e treina-
três principais setores da atividade mento; e ii) políticas de capacitação das em-
econômica brasileira, aumentando a presas e qualificação de trabalhadores, jovens
competitividade e fortalecendo as ca- e desempregados. As subseções seguintes
deias produtivas nacionais, como prio- buscam detalhar esse conjunto de políticas e
ridade para as áreas de cidades, saúde, ações proposto atualmente por tais institui-
agronegócio e indústria. ções, dando ênfase à sua pertinência para a
experiência e os desafios impostos pelo con-
5. Plano de CT&I para Manufatura Avança- texto brasileiro.
da no Brasil16 (ProFuturo) – visa “propi-
ciar condições de acesso e inserção das Políticas sistêmicas e de coordenação
empresas brasileiras no ecossistema
de manufatura avançada, com suporte Políticas nessa categoria têm o objetivo de
da ciência, tecnologia e inovação para suprir as necessidades de coordenação e inte-
desenvolvimento de cadeias produtivas gração de esforços, garantir a coleta e a difu-
de setores econômicos estratégicos e são de informação, e promover a qualidade dos
promissores para o país, que atendam a sistemas de ensino e treinamento em todos os
demandas de alcance social”.17 níveis. Representam um conjunto de políticas e
ações de particular importância para o Brasil,
6. Visão 2014-2034: o futuro do desen- subdividindo-se em cinco categorias elenca-
volvimento tecnológico da agricultura das a seguir.

157
1. Geração de informação, antecipação de habilidades no mercado de
de necessidades e mecanismos de co- trabalho para estudantes e tra-
ordenação: balhadores, com interatividade e
facilidade de navegação;
a. manter um sistema de atualização
periódica e bem documentada da d. garantir uma linha de comunicação
classificação ocupacional brasilei- ininterrupta entre, de um lado, o
ra, a CBO de 2002, a exemplo do conteúdo dos currículos educacio-
que fazem os países da OCDE e a nais e a oferta de treinamento e, de
Organização Internacional do Tra- outro, as necessidades de habilida-
balho (OIT), de modo a refletir as des dos empregadores:
novas tendências ocupacionais di-
tadas pelos avanços tecnológicos; • há programas de sucesso na
Finlândia e na França, que po-
b. criar um sistema de mensuração, deriam inspirar políticas dessa
atualizado periodicamente, dos re- natureza no Brasil, bem como
quisitos ocupacionais do Brasil, nos a experiência dos cursos do
moldes do sistema desenvolvido Programa Nacional de Acesso
pelo National Center for O*NET De- ao Ensino Técnico e Emprego
velopment,21 que permita a mensu- (Pronatec) organizados pelo
ração e o monitoramento da oferta Ministério da Indústria, Comér-
e da demanda por habilidades e cio Exterior e Serviços (MDIC)
competências laborais no país; entre 2011 e 2014, com base na
demanda das firmas;22 esses
c. criar sistemas de coleta e utiliza- cursos se mostraram mais efe-
ção de informações sobre deman- tivos em garantir a empregabi-
das de habilidades atuais e futuras, lidade dos egressos do que cur-
com base no sistema retromen- sos ofertados sem a respectiva
cionado, provendo informação prospecção da demanda local; e
relevante e tempestiva sobre o
contexto e o tipo de educação e • conselhos de habilidades seto-
treinamento requerido: riais exercem papel de coordena-
ção em países como o Canadá, a
• a maior parte dos países da República Tcheca, a Dinamarca,
OCDE realiza exercícios de an- a Finlândia e a Alemanha;
tecipação e avaliação de habi-
lidades, por exemplo, o Comitê e. garantir uma melhor articulação
de Aconselhamento à Migração entre o Sistema Nacional de Em-
utiliza informações quantita- prego (SINE) e a oferta de cursos
tivas (dados sobre vagas, sa- de treinamento para beneficiários
lários e emprego), bem como do seguro-desemprego, alinhando
relatórios qualitativos de partes a oferta de habilidades ao perfil dos
interessadas; e trabalhadores desocupados:

• os portais Eduscopio, da Itália, • atualmente o SINE encaminha


e My Next Move, dos Estados uma parcela inexpressiva de tra-
Unidos, são exemplos de sítios de balhadores para cursos de quali-
aconselhamento de carreira com ficação (o pico histórico foi atin-
informações sobre necessidades gido em 2014 e correspondeu

158
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
a apenas 1,6% dos requerentes do retorno sobre educação, sobre-
do seguro-desemprego naquele tudo a profissional e tecnológica.
ano; a parcela atual é inferior a
0,1% dos requerentes). 4. Educação superior e pós-graduação:

2. Educação infantil e básica: a. dar prioridade à expansão de


cursos nas áreas de CTEM, bem
a. reforçar a cobertura do ensino como à reformulação de currícu-
pré-escolar e o ensino fundamen- los e à formação de professores
tal em tempo integral; e nas ciências sociais e humanas,
de modo a estimular o desenvol-
b. desenvolver um currículo baseado vimento de habilidades analíticas
em competências, sobretudo no e quantitativas, crescentemente
que se refere aos fundamentos da demandadas também nessas áre-
matemática e da linguagem, por as de conhecimento:
constituírem a base para a constru-
ção de habilidades mais complexas • um exemplo de sucesso é o Con-
em jovens e adultos. selho de Financiamento da Edu-
cação Superior da Inglaterra, que
3. Educação secundária e educação distribui fundos públicos (como o
vocacional: STEM Capital Fund) para institui-
ções de ensino superior de modo
a. assegurar que instituições e pro- a promover, por exemplo, o de-
gramas de educação e treinamento senvolvimento de instalações de
técnico e vocacional se adaptem às treinamento em CTEM.
necessidades do mercado de tra-
balho em nível local; 5. Monitoramento e avaliação:

b. no sistema de aprendizagem, a a. na medida do possível, novas políti-


participação de entidades repre- cas devem ser precedidas de inicia-
sentativas dos empregadores, a tivas-piloto e só serem expandidas
exemplo do que faz o Sistema S, se avaliações demonstrarem resul-
deve auxiliar na elaboração de re- tados positivos. O Brasil é particu-
quisitos curriculares e nos planos larmente carente desse tipo de re-
de avaliação; gra para a implantação de políticas,
o que resulta em desperdício de
c. fazer uso das novas tecnologias na recursos e sub ou sobredimensio-
ampliação da capacidade de oferta namento de programas.
do sistema educacional mediante,
por exemplo, ferramentas de en- Políticas voltadas para trabalhadores
sino a distância, como os massive
open online courses (MOOCs); e e empresas
Há evidências de que processos de transfor-
d. intervenções para redução da eva- mação econômica no Brasil, tais como a libe-
são, enfrentando a questão das ralização econômica dos anos 1990, levaram a
gestações de adolescentes, conce- grandes custos de ajustamento regional e se-
dendo bolsas de estudo por mérito torial, devido a distorções no mercado de tra-
e realizando campanhas voltadas balho e à baixa mobilidade de capital no país.23
para jovens e suas famílias a respeito Da mesma forma, as grandes transformações

159
tecnológicas ensejadas pela quarta revolução b. trabalhos temporários ou em jorna-
industrial tendem a gerar custos sociais e eco- das parciais necessitam de incenti-
nômicos, sobretudo para os trabalhadores me- vos ao aprendizado não diretamente
nos qualificados e para as firmas e setores de ligados ao emprego; na França, con-
atividade menos produtivos. tas individuais concedem um direito
ao treinamento, que é preservado
Nesse sentido, a literatura aponta para a mesmo se ocorrer a perda de em-
necessidade de um conjunto de políticas volta- prego, sendo transferíveis entre em-
do para o treinamento e suporte aos trabalha- pregadores; no Reino Unido, o Union
dores deslocados de seus postos de trabalho, Learning Fund recruta ativamente
bem como ao incentivo à inovação e à adoção trabalhadores de baixa qualificação
de novas práticas pelas empresas. para atividades de treinamento.

1. Treinamento e aprendizado baseados 3. Reconhecimento do treinamento for-


no trabalho: mal e informal:

a. expandir o aprendizado baseado a. incentivar a criação de cursos de


no trabalho, para promover tran- formação modular certificada que
sições bem-sucedidas da escola permitam a adultos atualizar e
para o trabalho; aperfeiçoar conhecimentos e níveis
de habilitação escolar e profissional
b. promover a retenção no emprego de forma flexível; e
e o reemprego por meio de treina-
mento e programas ativos, em res- b. o reconhecimento de aprendiza-
posta a mudanças estruturais; do prévio é particularmente rele-
vante na África do Sul e fortalece
c. incentivar a participação de indi- o poder de sinalização de habili-
víduos de grupos mais vulneráveis dades de indivíduos a quem foi
em programas de aprendizado ao negada anteriormente educação
longo da vida e programas de em- formal de qualidade.
pregabilidade, endereçando as bar-
reiras à sua participação; e 4. Maior apoio público à intermediação no
mercado de trabalho e à assistência na
d. buscar equilíbrio entre o desenvol- procura por emprego:
vimento de habilidades específicas,
que supram necessidades imediatas a. facilitar os requerimentos para
dos empregadores, habilidades mais a mobilidade de trabalho entre
gerais e transferíveis, que serão bené- ocupações e setores por meio de
ficas aos indivíduos ao longo da vida. melhor avaliação de habilidades,
reconhecimento de habilidades e
2. Oportunidades de treinamento fora do estratégias de treinamento para os
local de trabalho: que procuram trabalho.
a. políticas de incentivo ao lifelong-le- 5. Mobilidade da mão de obra e entra-
arning, isto é, à formação continuada da de imigrantes com habilidades em
do trabalhador, uma vez que os siste- alta demanda:
mas tecnológicos altamente comple-
xos e evolutivos demandam aprimo- a. atacar barreiras institucionais à
ramentos profissionais constantes; e mobilidade e à inserção no mercado

160
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
de trabalho, tais como regras e re- Conclusões
gulações que gerem desincentivos
à troca de trabalho e de local: Este capítulo tratou dos desafios para o futu-
ro do trabalho no Brasil à luz das mudanças
• salário mínimo legal mais baixo tecnológicas trazidas pela quarta revolução
para os jovens; políticas para industrial. A literatura indica que as oportuni-
os distintos perfis de jovens – dades de trabalho estarão crescentemente li-
aqueles que já estão fora do sis- gadas à capacidade do trabalhador de desem-
tema educacional formal, que penhar tarefas não repetitivas, que envolvem
concluíram níveis formais de conteúdo analítico, decisório ou interativo. Ta-
escolaridade, mas que neces- refas rotineiras de operação, controle ou que
sitam de apoio para encontrar envolvam aptidões físicas tendem a perder
empregos de alta produtividade importância à medida que a mecanização e a
e aqueles que estão em empre- automação se espalham nos mais diversos se-
gos de baixa produtividade e tores de atividade.
necessitam de programas que
lhes proporcionem competên- O panorama de baixa qualificação e baixa
cias mais modernas; e utilização de habilidades de alto nível nas ocu-
pações brasileiras (particularmente as cogni-
b. criar programas de incentivo à en- tivas, em design e engenharia, e em TI) indi-
trada de imigrantes, como o Visto de ca uma alta vulnerabilidade do país às novas
Habilidades Críticas da África do Sul, demandas tecnológicas. São particularmente
ou à permanência de estrangeiros preocupantes a persistente desigualdade re-
egressos de programas de pós-gra- gional e a estagnação intertemporal, que ocor-
duação, como o Optional Practical re em três níveis: i) na utilização geral de habi-
Training Extension for STEM Stu- lidades no país; ii) na utilização de habilidades
dents dos Estados Unidos. desagregada por setores de atividade; e iii) na
evolução de algumas mesorregiões tradicio-
6. Competências tecnológicas nas em- nais na produção manufatureira, sobretudo no
presas: eixo Rio-São Paulo.

a. incentivar o melhor uso de habili- Dessa forma, o caminho para preparar o


dades, ao promover a inovação e Brasil para o futuro do trabalho é longo e de-
a introdução de novas práticas de safiador. Para tanto, foram elencadas neste
trabalho de alto desempenho: capítulo algumas recomendações de política
baseadas na experiência nacional e nas re-
• o programa Industria 4.0 da Itá- comendações internacionais sobre o tema.
lia propõe a mudança do siste- São de particular importância a melhoria dos
ma produtivo por meio do uso sistemas de educação, em todos os níveis, de
de tecnologias de maior valor modo a possibilitar a redução das desigualda-
agregado; e des e da evasão entre os jovens e o ensino
de competências e habilidades de maior valor
b. facilitar parcerias locais, nacionais cognitivo e analítico. São também importan-
e internacionais que busquem me- tes a criação e manutenção de um sistema
lhorar a adaptabilidade dos locais de informações ocupacionais, a coordenação
de trabalho. das políticas de educação, a recolocação pro-
fissional e o treinamento.

161
13
SEGURANÇA
ALIMENTAR E
NUTRICIONAL
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

A
segurança alimentar e nutricional índices de pobreza e desigualdade no acesso
(SAN), enquanto diretriz de política à alimentação saudável, a questão da SAN ga-
pública, tem ganhado crescente re- nha um destaque ainda maior.
levância no debate contemporâneo, uma vez
que agrega em sua concepção ao menos três Por isso, o envolvimento do Estado no pla-
dimensões fundamentais para o paradigma nejamento e na execução de programas que
da sustentabilidade: sociedade, economia e tenham como foco o enfrentamento desses
meio ambiente. Na prática, ela conjuga distin- riscos torna-se essencial. No entanto, esta-
tos aspectos que envolvem a garantia da ali- belecer prioridades para essa política não é
mentação suficiente e saudável ao conjunto tarefa simples, uma vez que envolve diversos
da população, expressando-se na agenda go- interesses econômicos, comerciais e políticos
vernamental sob a forma de programas abri- na definição de suas linhas de ação.1
gados em diferentes políticas setoriais, como
assistência social, saúde, educação, trabalho, Historicamente, o Brasil sempre esteve in-
agricultura e desenvolvimento agrário. serido nas articulações globais para o enfren-
tamento da fome e da desnutrição, com desta-
Nesse sentido, faz-se necessário abordar a que para a atuação do médico e escritor Josué
relação entre Estado e SAN no Brasil contem- de Castro (1908-1973), que se tornou referên-
porâneo. Embora o enfoque analítico principal cia internacional no tema e presidiu o conse-
recaia especificamente sobre a questão do lho da Organização das Nações Unidas para a
acesso à alimentação adequada pelo conjunto Agricultura e Alimentação (FAO) entre 1952 e
da sociedade, reconhece-se que as dimensões 1956. Contudo, a trajetória da SAN na agenda
que conformam esse domínio de intervenção governamental do país passou por diferentes
estatal se interconectam em diversos aspec- momentos em termos de institucionalização e
tos, de modo que os princípios da SAN devem efetividade, sendo marcada por uma série de
ser compreendidos não isoladamente, mas descontinuidades, mecanismos clientelistas,
como referencial básico para um planejamento baixo grau de centralidade na política geral e
estratégico de ações que articule programas, poucos resultados sociais concretos.2
projetos e metas.
Somente nos anos 1980, já no contexto
Tanto a garantia da produção de alimentos de redemocratização, a temática começou a
em quantidade e qualidade suficientes quanto ganhar contornos institucionais mais efetivos.
a criação de mecanismos de acesso da popu- Em 1986, durante a 1a Conferência Nacional
lação a esses alimentos constituem elementos de Alimentação e Nutrição, o termo seguran-
centrais de orientação para os debates em tor- ça alimentar e nutricional surgiu pela primeira
no da construção de um projeto nacional de vez em um documento oficial, com a elabora-
desenvolvimento capaz de conciliar os impera- ção da proposta de Política Nacional de Segu-
tivos da sustentabilidade com a justiça social. rança Alimentar e Nutricional pelo Ministério
Em países “em desenvolvimento”, onde a fome da Agricultura.3 O foco estratégico dessa pro-
e a desnutrição seguem como riscos sociais posta visava uma ação integrada que aliasse
iminentes, em razão da persistência de altos inventivos para a produção de alimentos, por

164
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
um lado, e o combate à prevalência de inse- (para estimular a participação da sociedade e
gurança alimentar – entendida como o não melhorar a eficiência das ações). Foram defini-
atendimento de necessidades nutricionais das seis áreas de atuação consideradas estra-
básicas – na população, sob o aspecto quali- tégicas,8 que congregavam dezesseis progra-
tativo ou quantitativo, cujo nível de incidência mas em uma Agenda Básica da Comunidade
mais grave é a fome.4 Solidária. Esses programas recebiam um selo
de prioridade para o recebimento de recursos,
No início dos anos 1990, alcançou desta- e sua incidência deveria ser focalizada em mu-
que o Movimento Ação da Cidadania Contra a nicípios com elevada proporção de pobreza.9
Fome, a Miséria e pela Vida, sob a liderança do
sociólogo Herbert de Souza, que contou com Sob esse arranjo, a política de segurança
uma grande mobilização popular em todo o alimentar encontrava-se inserida em uma es-
país. Contribuiu também como subsídio a esse tratégia de focalização para o combate à po-
movimento o lançamento do Mapa da Fome no breza. Ainda que tenha obtido avanços pontu-
Brasil, elaborado pelo Ipea, que indicava a exis- ais e colocado o tema em pauta na sociedade,
tência de 32 milhões de pessoas vivendo em houve uma série de dificuldades na operacio-
condições miseráveis.5 Outro fato relevante nalização dos programas. Em 1999, tentou-se
foi a abertura no Congresso Nacional de uma ainda mudar seu desenho estratégico, com o
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da lançamento do Programa Comunidade Ativa,
Fome, em 1991, aumentando ainda mais a poli- mas a falta de aportes de recursos do governo
tização sobre o debate em curso. federal comprometeu o atingimento de suas
metas no plano local.10
Como resposta ao conjunto de mobilizações
em torno do tema, o governo federal lançou o
Plano de Combate à Fome e à Miséria (PCFM),
em 1993, no intuito de envolver as três instâncias
A política de segurança
de poder público (municipal, estadual e federal)
e a sociedade civil (através dos representantes
alimentar encontrava-se
dos movimentos sociais e das organizações não
governamentais – ONGs) para articular uma es-
inserida em uma estratégia
tratégia emergencial de combate à fome e à des- de focalização para o
nutrição. Nessa perspectiva, foi criado o Conse-
lho Nacional de Segurança Alimentar (Consea),6 combate à pobreza.
ligado à Presidência da República, com repre-
sentantes de vários ministérios e organizações Ainda que tenha obtido
sociais, cuja função inicial seria subsidiar a elabo-
ração do PCFM.7 avanços pontuais e
O desenho inicial do Consea acabou por ser, colocado o tema em pauta
em termos práticos, substituído por uma dire-
triz distinta de política social, com o lançamen-
na sociedade, houve uma
to do Programa Comunidade Solidária (PCS),
no início de 1995. A proposta de implemen-
série de dificuldades
tação do PCS visava uma melhor articulação
de ações em torno de três princípios: parceria
na operacionalização
(entre instâncias do governo e da sociedade dos programas.
civil), solidariedade (como engajamento ético
para o combate à miséria) e descentralização

165
No caso do PBF, Diagnóstico
é possível afirmar que Em termos esquemáticos, os avanços e desa-
fios da política de SAN no Brasil, sob a ótica do
ele permitiu enfrentar o acesso, podem ser abordados a partir de di-
mensões analíticas que envolvam, por um lado,
problema da fome e a oferta pública e a capacidade de deman-
da de alimentos por parte de populações
desnutrição das famílias economicamente vulneráveis, e, por outro, a
mais pobres, não apenas trajetória de consolidação institucional que
permitiu sua formalização na agenda gover-
pela transferência de namental. O objetivo de uma abordagem com
essa abrangência é afirmar o caráter comple-
um valor monetário, mentar e simbiótico desses eixos na confor-
mação de um sistema nacional de segurança
mas também pelas alimentar. Com esse entendimento, para um
breve diagnóstico sobre o estado da arte da
condicionalidades exigidas, política, optou-se por dividir esse complexo
emaranhado de programas e estruturas go-
sobretudo na manutenção vernamentais em cinco eixos: i) garantia de
das crianças na escola – renda; ii) compras públicas; iii) infraestrutura
de preparação e distribuição; iv) participação
com acesso à merenda popular; e v) marco regulatório.

escolar – e no Garantia de renda


acompanhamento No eixo de garantia de renda, o lançamento do
Programa Bolsa Família (PBF), em outubro de
neonatal das 2003 (Medida Provisória no 132), representou
o passo mais significativo. Criado como um
beneficiárias grávidas. programa específico de transferência de ren-
da condicionada para famílias de baixa renda,
com critérios objetivos de acesso e de valores
Outra diretriz paradigmática de política dos benefícios, o PBF passou a incorporar em
nacional surgiu a partir de 2003, no início do sua estrutura operacional outros três progra-
primeiro governo Lula. O eixo institucional de mas de transferência monetária executados
organização dessa nova estratégia foi o Pro- por órgãos diferentes de governo, com regras
grama Fome Zero (PFZ). Com o envolvimento próprias de implementação. A partir de então,
de mais de trinta ações integradas sob a res- foi possível reduzir os custos operacionais e
ponsabilidade de dezenove ministérios, alia- ampliar o alcance em termos de beneficiários
do também a uma expressiva mobilização da e localidades atendidas, além de permitir uma
sociedade civil,11 o PFZ deu novo impulso à integração mais efetiva com outras ações de
temática de SAN no planejamento do governo assistência social.12 Para a gestão do progra-
federal, sobretudo a partir do Plano Plurianual ma, foi criado, em janeiro de 2004, o Ministério
(PPA) 2004-2007, quando uma série de novos do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
programas passou a compor um marco refe- (MDS), que resultou da fusão do Ministério Ex-
rencial para o estabelecimento de uma política traordinário de Segurança Alimentar e Comba-
nacional de segurança alimentar e combate à te à Fome (Mesa), do Ministério da Ação Social
fome no Brasil. (MAS) e da Secretaria Executiva do PBF.

166
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
A opção por um programa de transferên- junto ao público-meta também é bastante
cia de renda em larga escala possui vantagens destacada. Segundo dados de 2016 do Institu-
e desvantagens em relação a outras opções to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
de políticas específicas de SAN, tais como a 74% dos beneficiários encontram-se entre os
distribuição de alimentos e/ou de cupons para 20% mais pobres da população, enquanto pro-
aquisição de alimentos.13 No caso do PBF, é gramas similares na América Latina alcançam
possível afirmar que ele permitiu enfrentar o em média 45% de focalização junto a essa par-
problema da fome e desnutrição das famílias cela populacional.19
mais pobres, não apenas pela transferência de
um valor monetário, mas também pelas con- No entanto, a partir de 2015 o programa co-
dicionalidades exigidas, sobretudo na manu- meçou a passar por cortes, tanto no volume de
tenção das crianças na escola – com acesso recursos anuais quanto no total de famílias be-
à merenda escolar – e no acompanhamento neficiárias. Segundo dados do próprio MDS, en-
neonatal das beneficiárias grávidas. Ou seja, tre 2014 e 2017, houve uma queda de 12,2% no
a contribuição de programas como o PBF se total dos gastos com transferências monetárias
torna mais efetiva para o bem-estar nutricio- do PBF e 10,3% no número de beneficiários, de
nal quando combinada com outros tipos de modo que os números do programa regrediram
intervenção que atendam a carências sociais a níveis anteriores aos alcançados em 2012.
distintas da população atendida.14
Essa queda significativa da capacidade de
Para tanto, foi fundamental o papel das atendimento torna-se mais preocupante por
equipes locais de atendimento socioassisten- ocorrer em um momento de crise econômica
cial – sobretudo dos Centros de Referência em que acarretou forte elevação do nível de de-
Assistência Social (Cras) –,15 não apenas para semprego no país, que, após seguir uma traje-
o cadastramento das famílias no benefício no tória relativamente longa de redução até 2014,
Cadastro Único para Programas Sociais do Go- voltou a crescer nos anos seguintes e pratica-
verno Federal (CadÚnico), como também pelo mente triplicou em um triênio.20 Além de aten-
acompanhamento de suas condicionalidades. der à necessidade de renda adicional por parte
Para dotar os entes municipais de infraestru- de um contingente maior de famílias atingidas
tura e pessoal que possibilite essa evolução do pela crise, o fortalecimento do PBF nesse con-
programa, o número de Cras foi elevado signi- texto poderia servir como mecanismo de atua-
ficativamente desde o lançamento do PBF: de ção anticíclica para amenizar a queda do nível
1.978 unidades, em 2005, para 8.292, em 2017, de consumo na economia.
cobrindo praticamente a totalidade dos muni-
cípios brasileiros.16 Toda essa rede de cuidados Vale destacar ainda, no campo da garan-
está relacionada de maneira complementar tia de renda, a política de valorização do sa-
com a estratégia ampliada de segurança ali- lário mínimo, adotada pelo governo federal.21
mentar e nutricional, sobretudo no caso de Entre 2004 e 2017, o salário mínimo (SM)
famílias em situação de vulnerabilidade social teve um aumento real em torno de 70%, o
que dependem da oferta de serviços públicos. que ajudou a ampliar as condições de acesso
a alimentos para a população.22 Embora não
Em termos de trajetória de execução, o PBF componha diretamente o arranjo programá-
apresentou evolução bastante positiva desde tico do PFZ, os ganhos reais do SM tiveram
seu surgimento,17 tanto em termos de volume forte implicação na renda familiar de um am-
de recursos quanto de número de famílias be- plo contingente populacional, difundidos na
neficiadas, repercutindo favoravelmente sobre sociedade basicamente por dois mecanis-
a melhoria de diversos indicadores sociais no mos. O primeiro é via mercado de trabalho,
Brasil.18 Ademais, sua capacidade de focalização

167
que apresentou tendência bastante positiva PFZ. O PAA foi organizado em torno de uma
no período 2003-2014, quando a taxa média parceria interministerial entre MDS, Minis-
anual de desemprego aberto, medida pela tério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
Pesquisa Mensal de Emprego (PME), caiu de e Companhia Nacional de Abastecimento
12,3% para 4,8%. (Conab). Em linhas gerais, o PAA busca in-
tegrar as políticas agrícola e de segurança
O segundo é via políticas sociais, sobretu- alimentar, no intuito de estimular o desen-
do os programas previdenciários e assisten- volvimento de circuitos regionais de produ-
ciais. Cerca de 70% dos beneficiários da pre- ção, distribuição e consumo de alimentos.
vidência social recebem até um SM, entre os Sua execução ocorre a partir da compra pú-
quais se encontram os segurados especiais blica de alimentos produzidos por agriculto-
da previdência rural.23 Já os assistidos pelo res familiares, a preços estabelecidos pela
Benefício de Prestação Continuada (BPC),24 Conab, para doação a entidades socioassis-
que também possuem o direito de receber um tenciais, merenda escolar ou para formação
SM mensal, constituem um amplo contingen- de estoques.26 Por essa razão, o PAA pode
te de cidadãos em situação de vulnerabilida- ser considerado um programa de natureza
de social e, portanto, sob sério risco de inse- dual: por um lado, estimula a produção da
gurança alimentar. Em 2017, foram atendidas agricultura familiar, via modalidades de finan-
pelo BPC mais de 4,55 milhões de pessoas, ciamento da produção e garantia de compra
sendo 2,53 milhões de pessoas com defici- dos produtos; por outro, facilita o acesso aos
ência e 2,02 milhões de pessoas idosas.25 É alimentos a populações potencialmente vul-
importante sublinhar, para os objetivos des- neráveis, via alimentação escolar, refeições
te texto, que um benefício monetário pago a hospitalares, atendimento a creches, entre
uma família em estado de extrema vulnerabi- outras possibilidades.27
lidade tende a converter-se rapidamente em
consumo de bens de primeira necessidade, De acordo com o PAAData, no período
como os alimentos. 2011-2016, o PAA beneficiou cerca de 730
mil famílias agricultoras,28 adquirindo apro-
Compras públicas ximadamente 2,1 milhões de toneladas de
alimentos e atendendo a 104 mil entidades
O segundo eixo do repertório recente de
socioassistencias em todo o país, com um
ações governamentais no tema da segurança
dispêndio total de R$ 4,5 bilhões.29,30 No en-
alimentar a ser destacado refere-se à utiliza-
tanto, a inflexão nas dotações orçamentárias
ção do instrumento de compras públicas. A
anuais começou a ser sentida após 2012, ano
adoção dessa estratégia tem em vista fomen-
em que se atingiu o maior montante de re-
tar dinâmicas de complementaridade entre a
cursos operacionalizados do programa (R$
geração de trabalho e renda para grupos pro-
1,2 bilhão, em valores atuais) e também o
dutivos específicos, como os agricultores fami-
maior número de agricultores familiares
liares, e promover a aquisição e distribuição de
alimentos saudáveis a populações em situação atendidos (186 mil). Após uma leve recupe-
de vulnerabilidade socioeconômica. ração em 2014, os anos seguintes foram de
queda contundente nos valores anuais, atin-
Um dos programas de maior destaque gindo em 2016 o seu menor patamar global,
com o uso de compras públicas é o Progra- desde seu surgimento: R$ 432 milhões de
ma de Aquisição de Alimentos (PAA), insti- execução orçamentária e 76,9 mil agriculto-
tuído pelo governo federa,l em 2003, como res familiares beneficiados com a comercia-
uma das ações estruturantes no âmbito do lização de sua produção.31

168
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Outra política de compras públicas de O PNAE integra a estratégia do PFZ desde
alimentos que experimentou uma notável o início, o que implicou elevação dos recursos
expansão nas últimas duas décadas foi o e expansão de sua rede de atendimento para
Programa Nacional de Alimentação Escolar além de escolas públicas, incluindo também
(PNAE), de responsabilidade do Ministério creches públicas e filantrópicas. Em 2009,
da Educação (MEC). Com o objetivo de aten- por meio da Lei no 11.497, foi determinado que,
der às crianças matriculadas em escolas pú- no mínimo, 30% do valor repassado a esta-
blicas, o PNAE tem cumprido papel central dos, municípios e Distrito Federal pelo Fundo
na promoção do acesso a alimentos em favor Nacional de Desenvolvimento da Educação
de um contingente expressivo da população: (FNDE) para o PNAE deveriam ser utilizados
de 1995 a 2015, o número de estudantes na compra de gêneros alimentícios diretamen-
atendidos por essa política saltou de 33 mi- te da agricultura familiar. Essa medida contri-
lhões para 42 milhões, com um empenho de buiu não apenas para promover a estruturação
recursos, nesse último ano, da ordem de R$ produtiva da agricultura familiar, garantindo-
3,7 bilhões.32 -lhe um amplo mercado em todo o território
nacional, como também para dinamizar arran-
jos produtivos locais. Em 2011, 26% dos muni-

Por essa razão, o PAA cípios do país já cumpriam o mínimo exigido


de aquisições da agricultura familiar; em 2016,
pode ser considerado um essa proporção chegou a 44%, segundo dados
do próprio FNDE.
programa de natureza Infraestrutura de preparação e distribuição
dual: por um lado, estimula O terceiro eixo de análise do repertório institu-
a produção da agricultura cional da política de SAN no Brasil diz respei-
to aos equipamentos implementados de forma
familiar, via modalidades descentralizada em parceria com governos sub-
nacionais, com destaque para os restaurantes
de financiamento da populares33 e as cozinhas comunitárias.34 Esses
equipamentos visam ofertar refeições saudá-
produção e garantia de veis, a preços acessíveis e com regularidade, à
população pobre de grandes centros urbanos.35
compra dos produtos; por Os dados de execução desses programas
outro, facilita o acesso aos apontam para a constituição de uma significa-
tiva rede de serviços em operação, composta
alimentos a populações atualmente de 101 restaurantes populares e
188 cozinhas comunitárias, além de 84 bancos
potencialmente vulneráveis, de alimentos.36 A implementação é realiza-
da de forma descentralizada, em cooperação
via alimentação escolar, com estados e municípios. Os recursos dispo-

refeições hospitalares, nibilizados pelo governo federal, por meio de


contratos de repasse, são destinados para a
atendimento a creches, elaboração de projetos básicos de arquitetu-
ra e engenharia, execução de obras e insta-
entre outras possibilidades. lações, aquisição de equipamentos, materiais
permanentes e materiais de consumo, além de

169
fornecer capacitação e formação profissional a serem destinados ao Programa Nacional de
na área da alimentação e nutrição.37 Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pro-
naf), que praticamente dobrou seu volume de
Considerando que as cozinhas comunitárias operações de crédito no ano seguinte.43
podem preparar até duzentas refeições/dia e
os restaurantes populares chegam a oferecer Além do Consea nacional, foram criados 27
mais de 1 mil refeições/dia, é possível afirmar conselhos estaduais e dezenas de conselhos
que esses equipamentos exercem um papel im- municipais, que propiciaram maior imbrica-
portante na ampliação do acesso a alimentos mento da temática nas agendas subnacionais
por parte da população economicamente vul- de governo. Outros conselhos nacionais tam-
nerável. Além da oferta de refeições em condi- bém foram constituídos recentemente com
ções acessíveis, tais equipamentos permitem a ampla interface com políticas de segurança
inserção de novos hábitos alimentares a seus alimentar, tais como o Conselho Nacional de
usuários, dentro de um conceito de alimenta- Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf)
ção balanceada e nutritiva, inclusive com a uti- e o Conselho Nacional de Economia Solidária.
lização de gêneros alimentícios regionais.38
Outro espaço importante de participação
Contudo, uma análise mais detalhada apon- são as Conferências Nacionais de Segurança
ta para uma flagrante dificuldade de execução Alimentar e Nutricional (CNSANs). A primeira
dos projetos no plano local. Há um grande nú- conferência ocorreu em 1994, no governo Ita-
mero de equipamentos paralisados nos muni- mar Franco. Após um hiato de dez anos, uma
cípios (dezoito restaurantes populares e 67 co- segunda conferência foi realizada em 2004
zinhas comunitárias),39 que se somam aos 37 (II CNSAN), durante o primeiro governo Lula,
(22%) contratos de repasse para a construção já como resultado da reativação do Consea e
de restaurantes populares e 101 (41%) de cozi- da estruturação da nova política em torno do
nhas comunitárias que foram cancelados entre PFZ. Foi a partir da II CNSAN que o conceito
2005 e 2017. Atualmente, o financiamento des- de segurança alimentar e nutricional passou a
ses equipamentos ocorre fundamentalmente ser adotado oficialmente, bastante abrangente
via emendas parlamentares.40 e de natureza interdisciplinar, como sendo:

Participação social a realização do direito de todos ao aces-


so regular e permanente a alimentos de
O quarto eixo a ser considerado neste estudo qualidade, em quantidade suficiente, sem
refere-se à participação social em distintos ní- comprometer o acesso a outras necessi-
veis decisórios do conjunto de programas en- dades essenciais, tendo como base prá-
volvidos na política nacional de SAN. Desde ticas alimentares promotoras de saúde,
que a temática ganhou centralidade na agen- que respeitem a diversidade cultural e
que sejam social, econômica e ambiental-
da governamental, foram instituídos diversos
mente sustentáveis.44
canais de interface socioestatal para viabilizar
essa participação.41 Desde então, as conferências nacionais vêm
ocorrendo a cada quatro anos.45 Em 2016 houve
A primeira grande iniciativa nesse sentido foi
a V CNSAN, com a participação de mais de 2 mil
a recriação do Consea, em 2003, que voltou a
pessoas (entre delegados, convidados e visitan-
assumir um papel estratégico na articulação de
tes), com o tema: Comida de verdade no campo
políticas de SAN em âmbito federal.42 Logo no
e na cidade: por direitos e soberania alimentar.
ano de sua reinstalação, o Consea encaminhou
De maneira geral, tanto os conselhos como as
doze sugestões de políticas na forma de Expo-
conferências, apesar de suas deficiências já am-
sições de Motivos ao Presidente da República.
plamente retratadas na literatura,46 propiciam
Uma delas solicitava uma elevação dos recursos

170
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
um espaço valioso de debate e aprofundamento no Brasil. Esse eixo pode ser considerado um
sobre as diretrizes de construção e implemen- desdobramento da organização da sociedade
tação de programas voltados à SAN em todo o civil, que ocupou os espaços de participação
território nacional. Por isso, precisam ser man- com o intuito de pressionar o governo federal
tidos e valorizados enquanto instrumentos de a instituir um marco normativo que garanta um
aprofundamento da prática democrática no país. comprometimento contínuo do Estado com
a temática, tanto em termos de disponibiliza-
A questão da participação e gestão social ção de infraestrutura e orçamento adequado
também foi impulsionada pela adoção de abor- quanto do estabelecimento de uma regulação
dagens territoriais para o planejamento e imple- pública para a SAN. Assim, embora por si só
mentação de políticas públicas.47 Na própria área não garanta a regularidade das ações con-
da SAN foram criados os Consórcios Nacionais quistadas em anos anteriores, as novas institu-
de Segurança Alimentar e Desenvolvimento cionalidades estabelecem constrangimentos
(Consad), em 2003. Seu objetivo era constituir formais à descontinuidade dessas políticas,
arranjos federativos envolvendo municípios com fornecendo instrumentos para a reivindicação
altos índices de pobreza para serem apoiados social ante os órgãos de governo.
com diversos programas governamentais, so-
bretudo no âmbito do PFZ, e se organizarem em Entre os principais marcos normativos cele-
torno de projetos comuns no intuito de fomentar brados está a aprovação da Lei no 11.346/2006,
novas oportunidades de negócio para a dina- conhecida como Lei Orgânica de Seguran-
mização das economias internas. Cada Consad ça Alimentar e Nutricional (Losan). Ela surgiu
contava com seu próprio conselho, composto a partir das recomendações aprovadas na II
por representantes dos poderes públicos locais CNSAN, inclusive incorporando o próprio con-
e de lideranças sociais e empresariais.48 Outra ceito de SAN, aprovado em plenário, mostrado
iniciativa de natureza similar foi o Programa Na- anteriormente. Em seu art. 4o, foram listadas as
cional de Desenvolvimento de Territórios Rurais seguintes diretrizes para programas governa-
(Pronat), lançado para ser o precursor de uma mentais direcionados às questões de alimen-
abordagem diferenciada de desenvolvimento tação e nutrição no Brasil:
das áreas rurais, mais integrada com a dinâmi-
ca econômica dos territórios em que se inserem I - a ampliação das condições de acesso aos
(não se limitando apenas à dimensão agrícola), alimentos por meio da produção, em especial
da agricultura tradicional e familiar, do proces-
e tendo a agricultura familiar como vetor para
samento, da industrialização, da comercializa-
a viabilização de novos projetos de geração de ção, incluindo-se os acordos internacionais, do
renda. Com base na metodologia do Pronat, abastecimento e da distribuição dos alimentos,
o governo federal chegou a lançar em 2009 o incluindo-se a água, bem como da geração de
Programa Territórios da Cidadania, que seria emprego e da redistribuição da renda;
uma tentativa ampliada de articular as políticas
sociais entre os ministérios.49 Apesar do grande II - a conservação da biodiversidade e a utili-
entusiasmo inicial com o programa, ele perdeu zação sustentável dos recursos;
força após o lançamento do Programa Brasil
III - a promoção da saúde, da nutrição e da
Sem Miséria, em 2011, e praticamente deixou de
alimentação da população, incluindo-se gru-
existir a partir do PPA 2012-2015. pos populacionais específicos e populações
em situação de vulnerabilidade social;
Marco legal
IV - a garantia da qualidade biológica, sani-
Por fim, o quinto eixo aqui considerado refe-
tária, nutricional e tecnológica dos alimen-
re-se à consolidação institucional alcança- tos, bem como seu aproveitamento, estimu-
da recentemente, a política nacional de SAN lando práticas alimentares e estilos de vida

171
saudáveis que respeitem a diversidade étni- programas de vários setores de governo e as
ca, racial e cultural da população; instâncias de participação da sociedade. Sua
implementação foi planejada a partir de um pro-
V - a produção de conhecimento e o acesso
cesso gradativo, dado o ineditismo da coorde-
à informação; e
nação interescalar e intersetorial que ela repre-
VI - a implementação de políticas públicas e senta. Seus objetivos principais são: i) melhorar
estratégias sustentáveis e participativas de a qualidade dos programas que são induzidos a
produção, comercialização e consumo de ultrapassar as fronteiras do diagnóstico setorial
alimentos, respeitando-se as múltiplas ca- dos objetos de sua ação; ii) fortalecer a área da
racterísticas culturais do país.50 SAN nos diversos setores de governo implicados;
iii) identificar carências ou ações faltantes; e iv)
Uma de suas principais determinações foi a explicitar e equacionar visões distintas de pro-
criação do Sistema Nacional de Segurança Ali- gramas que guardam interfaces entre si, para os
mentar e Nutricional (Sisan), planejado para ser quais tem papel decisivo a participação social.52
um instrumento de integração entre as várias po-
líticas e estruturas ligadas à SAN nas três esferas Outra conquista institucional importan-
de poder federativo (rede de programas sociais, te veio com a Emenda Constitucional (EC) no
programas de alimentação e nutrição, ações es- 64/2010, que alterou o art. 6o da CF/1988 para
truturantes e equipamentos públicos), a exemplo introduzir a alimentação no rol dos direitos
do Sistema Único de Saúde (SUS). O Sisan incor- fundamentais da população brasileira, com
pora toda a estrutura institucional de deliberação vistas a assegurar o direito humano à alimen-
da política, tendo como principais pilares o Con- tação adequada (DHAA).53 Esse aperfeiçoa-
sea, as conferências e a Câmara Interministerial mento normativo visa combater o flagelo da
de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan).51 fome como “a manifestação mais extrema da
privação humana” e da “violação do mais fun-
Consequentemente, foi assinado o Decreto damental dos direitos humanos”.54 Com isso,
no 7.272/2007, que instituiu a Política Nacional o Estado brasileiro assume formalmente suas
de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN), obrigações em relação ao DHAA, que são: res-
elaborada como estratégia de articulação dos peitá-lo, protegê-lo, promovê-lo e provê-lo.55
Gráfico 1
Evolução da população residente em domicílios de acordo com a situação de segurança alimentar
(2004, 2009 e 2013)
(Em %)

80 77,4
69,8
70 65,1
60
50

40
30
20 18 18,7
14,8
9,9
10 6,9 6,5 5 4,6 3,2
0
2004 2009 2013
AS IAM IAL IAG

Fonte: IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD Segurança alimentar 2013. Brasília: IBGE, 2013.
Obs.: Segurança alimentar (SA); insegurança alimentar leve (IAL); insegurança alimentar moderada (IAM); insegurança alimentar grave (IAG).

172
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Outra conquista dispositivos do direito internacional, como o
art. 11 do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais
institucional importante e Culturais e o Comentário Geral no 12 da ONU,
de 1966, do qual o Brasil é signatário.
veio com a Emenda
Esse acúmulo de conquistas institucionais
Constitucional (EC) no no campo da SAN fez com o que o Brasil se
tornasse referência internacional nos deba-
64/2010, que alterou o tes sobre a temática, tanto nos fóruns multi-
art. 6o da CF/1988 para laterais, a exemplo do Comitê de Segurança
Alimentar Mundial da FAO e da Conferência
introduzir a alimentação Internacional sobre Nutrição, como no âmbito
da Cooperação Sul-Sul, sobretudo com países
no rol dos direitos da América Latina e da África.56 Ressalta-se
ainda que o país assumiu publicamente o com-
fundamentais da população promisso com a Década de Ação em Nutrição
(2016-2025), lançada pela ONU.
brasileira, com vistas a
assegurar o direito humano Análise de indicadores recentes
Após situar brevemente os avanços institu-
à alimentação adequada. cionais da temática e sua maior centralidade
na agenda governamental, resta saber, então,
quais os resultados desse repertório de políti-
Vale lembrar que a alimentação já se encon-
cas lançado sobre os indicadores de SAN na
tra inserida na Declaração Universal dos Direi-
população brasileira. Esse tipo de verificação
tos Humanos, de 1948, em seu art. 25, como um
não é trivial, dada a multidimensionalidade que
direito fundamental à garantia da sobrevivência
o tema envolve, a vasta dimensão territorial
e manutenção da saúde e dignidade das popu-
e a heterogeneidade social presente no país.
lações. Sua definição foi ampliada em outros
Gráfico 2
Evolução da pobreza no Brasil (2004-2017)
(Em % da população)
30
25,32
25
22,87

20 19,09
17,91

15
15,61 14,71
13,57 10,52 10,13 10,01 10,83
10 12,43
11,18
8,38
5

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Pobreza

Fontes: Até 2015, dados das Pnads anuais, 2016 e 2017, dados da Pnad Contínua. Entre 2001 e 2003 não estão inclusas as áreas rurais da região Norte
(exceto Tocantins).
Elaboração: Ninsoc/Ipea.
Obs.: As linhas de pobreza e pobreza extrema utilizadas correspondem a uma renda per capita mensal de R$ 178,00 e R$ 89,00, respectivamente.

173
Ainda assim, alguns indicadores existentes, Os dados da PNAD fornecem ainda mui-
apesar do alto nível de agregação, possibilitam tos outros elementos para analisar a ques-
abordagens empíricas que podem lançar luzes tão da SAN no país.59 Em suma, os domicílios
importantes sobre o debate proposto. com maior número de pessoas residentes
possuem maior propensão a sofrer algum
Os suplementos da Pesquisa Nacional por grau de insegurança alimentar. O mesmo
Amostragem de Domicílios (PNAD), do IBGE, ocorre com domicílios com maior número de
realizados nos anos de 2004, 2009 e 2013, per- crianças e adolescentes, o que aponta para
mitem empreender uma análise inicial sobre a a necessidade de atenção especial à ques-
evolução dos indicadores imediatamente após tão infanto-juvenil. Em termos raciais, os nú-
os lançamentos dos programas sociais capita- meros indicam que domicílios chefiados por
neados pela estratégia do PFZ. Para possibi- pessoas brancas possuem índices melhores
litar a comparação entre os períodos, o IBGE que aqueles chefiados por indivíduos não
fez uso da Escala Brasileira de Insegurança brancos, embora esta parcela da população
Alimentar (Ebia), baseada no projeto desenvol- tenha apresentado uma melhora percentual
vido por Radimer et al. (1992),57 que classifica dos indicadores superior no período. A ques-
as unidades domiciliares a partir de uma série tão de gênero também é um fator discrimi-
de componentes, de acordo com os graus de nante: a proporção de domicílios em situação
(in)segurança alimentar das famílias, gerando de insegurança alimentar moderada ou grave
quatro situações possíveis: segurança alimen- chefiados por mulheres é superior à de ho-
tar (SA), insegurança alimentar leve (IAL), mo- mens (9,3% contra 6,9%). Outra segmenta-
derada (IAM) ou grave (IAG). ção possível é por região: a prevalência de
algum grau de insegurança alimentar nos do-
Os números do gráfico 1 indicam que houve micílios brasileiros em 2013 foi de 22,6%, sen-
um crescimento contínuo no total de domicí- do que a média para as regiões Norte e Nor-
lios com situação de segurança alimentar, re- deste foram bem superiores (36,1% e 38,1%),
presentando um aumento de 18,9% no período ao passo que nas regiões Sul e Sudeste não
2004-2013. Por seu turno, as três modalidades chegou a 15%. Por isso, a integração de polí-
de insegurança alimentar registraram queda: ticas que envolvam, por um lado, transferên-
os totais de domicílios com insegurança mo- cia de renda e acesso à alimentação saudável
derada e grave se reduziram em mais de 50%, às famílias vulneráveis e, por outro, ações de
um indicativo de que, mesmo nos quadros em educação, serviços de creche e assistência
que subsiste alguma insuficiência em relação à criança, geração de emprego e saúde da
à quantidade e/ou qualidade da alimentação a mulher, articuladas a políticas desenvolvi-
que a família tem acesso, essa insuficiência se das nas esferas subnacionais de governo,
deslocou das modalidades mais severas para devem estar sempre no horizonte estratégico
a modalidade leve. Tais avanços fizeram com dos gestores.
que o Brasil fosse retirado do Mapa da Fome
da FAO/ONU, que inclui aqueles países com Por fim, os domicílios situados em áreas
mais de 5% da população em situação de in- urbanas possuem índices de insegurança ali-
segurança alimentar grave.58 Contudo, aproxi- mentar moderada ou grave inferior àqueles si-
madamente um quarto do total de domicílios tuados em áreas rurais (6,8% contra 13,6%).60
no país ainda apresentava, segundo os dados Tal indicador reforça a importância de progra-
de 2013, algum problema ou deficiência em mas de compra institucional de produtos da
termos de garantia de sua segurança alimen- agricultura familiar, pois, além de garantirem a
tar, o que já apontava para a necessidade de aquisição de alimentos para abastecer canais
se aprofundar os avanços obtidos até então.

174
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
públicos de distribuição via políticas assis- alta correlação sobre a condição de seguran-
tenciais e educacionais, também estimulam a ça alimentar de um domicílio,61 é possível su-
atividade produtiva e a geração de renda em por uma reversão também nesses indicado-
estabelecimentos rurais no Brasil. res, resultante da crise econômica recente.62
Ademais, dados da própria POF indicam que
Mais uma vez, é preciso ressaltar a pre- a renda influi diretamente sobre a qualidade
ocupação com o atual estágio da economia da alimentação, uma vez que, quanto menor
brasileira, que enfrenta uma forte crise des- o poder aquisitivo familiar, menor o consumo
de 2015, cujos impactos fiscais foram senti- de alimentos saudáveis, como hortaliças, fru-
dos no conjunto das políticas sociais em ge- tas, carne e leite.63 Nesse cenário, o recrudes-
ral e nos programas que compõem a política cimento das políticas de garantia de renda e
nacional de SAN em particular, com queda de acesso e distribuição de alimentos tende a
significativa de recursos disponíveis e públi- agravar a situação das famílias mais pobres.
co beneficiado. Programas geridos por go-
vernos subnacionais também sofreram des- Ainda assim, todas essas informações de-
continuidade, como no caso de restaurantes vem ser analisadas com cuidado, sendo ne-
populares e cozinhas comunitárias. cessárias informações mais específicas para
verificar a realidade. Alguns indicadores nu-
Como consequência dessa inflexão na re- tricionais do MS permitem qualificar melhor
alidade socioeconômica do país, dados re- essa ameaça. As estimativas apontam para um
centes já indicam o aumento da pobreza e da crescimento de 8,5% do número de crianças
indigência, após anos de sucessivas quedas. menores de 5 anos de idade com desnutrição
O percentual de pessoas em situação de po- (peso abaixo do ideal para a idade), incluindo
breza em 2017 é bastante superior ao obser- aquelas com desnutrição grave, entre 2015 e
vado em 2014, quando se atingiu o menor pa- 2016, apenas para citar um indicador que in-
tamar histórico, como demonstra o gráfico 2, cide sobre o grupo da primeira infância, certa-
tomando por base as linhas utilizadas no PBF. mente o mais vulnerável.64
Em termos absolutos, esse contingente repre-
senta 18,7 milhões de pessoas em situação de Outra informação importante refere-se à
pobreza e 10,2 milhões em pobreza extrema relação entre sobrepeso e insegurança ali-
em 2017, contra 10,9 milhões e 4,4 milhões que mentar, já que a prevalência de sobrepeso/
havia, respectivamente, em 2014. obesidade na população é frequentemente
associada ao crescimento de várias doenças
O aumento recente da pobreza no país re- crônicas. Estimativas do MS apontam 42,6%
vela uma preocupação importante pois este da população adulta em 2006 com excesso
fato tem como consequência imediata um de peso e 11,8% em situação de obesidade;
maior risco de elevação das condições de in- em 2016, esses números subiram para 53,8%
segurança alimentar da população. Segundo e 18,9%, respectivamente.65 Entre os adoles-
dados da Pesquisa de Orçamento Familiar centes entre 13 e 17 anos, 24% estavam com
(POF) de 2008-2009, as famílias brasileiras peso acima do ideal para a idade, em 2016,
gastam em média 16,1% de sua renda com ali- podendo chegar a 30% em algumas escolas
mentação. Porém, essa média difere de acor- particulares na região Sul.66 No caso da popu-
do com o poder aquisitivo da família: entre o lação de baixa renda, o problema de sobrepe-
quintil superior, cai para 15,2%, e, no de me- so está associado, sobretudo, ao aumento no
nor renda, o gasto se eleva para 29,8%. Nesse consumo de alimentos de baixo custo e alta
sentido, como a renda é um componente com densidade calórica.67

175
Tais evidências demonstram que o moni- que possibilita uma coordenação intersetorial
toramento da SAN é bastante complexo, pois mais eficaz e o acompanhamento sistemático
envolve dimensões vinculadas a questões ali- de suas ações e resultados.
mentares que vão além da renda, como valores
e hábitos culturais, muitos deles incentivados A segunda trata da necessidade de uma
pela própria indústria da alimentação, que não atuação coordenada entre unidades federa-
necessariamente convergem para as diretrizes tivas e organizações privadas (com ou sem
do DHAA. Algumas ações específicas recen- fins lucrativos) para a efetivação no território
tes foram lançadas no intuito de incentivar um das metas previstas no plano federal. Nesse
novo padrão de consumo alimentar baseado sentido, é importante a elaboração de planos
em hábitos alimentares mais saudáveis, como específicos para a articulação do conjunto de
o Guia Alimentar para a População Brasileira programas governamentais incidentes direta
e o Programa Saúde na Escola, pelo MS, e os ou indiretamente sobre os objetivos de SAN
Pactos Federativos para a Promoção da Ali- no país, fortalecendo a complementaridade e
mentação Adequada e Saudável (Decreto no a sinergia entre eles, além de permitir um uso
8.553/2015), mas sua eficácia ainda é algo di- mais justo e racional dos recursos disponibili-
fícil de averiguar.68 zados. Para isso, a manutenção e o fortaleci-
mento das instâncias de acompanhamento e
deliberação participativa nos estados e muni-
Propostas cípios são fundamentais para que os objetivos
Valendo-se dos pontos centrais apresenta- possam ser atingidos de forma transparente.
dos até aqui, é possível traçar um conjunto de
Terceiro, ressalta-se que o Brasil já possui
propostas que visem contribuir para o debate
um acúmulo considerável em termos de arran-
sobre a manutenção de uma estratégia nacio-
jos institucionais e tecnologias sociais para o
nal em defesa da SAN. Para isso, parte-se de
desenvolvimento de um amplo repertório de
algumas premissas.
programas que incidem sobre os fatores de-
A primeira delas é a valorização do caráter terminantes da fome e da desnutrição. Ob-
multidimensional do campo de práticas que viamente, ajustes e adequações são sempre
envolvem a questão alimentar enquanto políti- demandados, mas não se pode duvidar que o
ca de Estado. Isso permite elenca-la como um país obteve avanços na construção de marcos
eixo estratégico de articulação intersetorial referenciais relevantes para dotar o aparato
entre estruturas de governo para um progra- estatal das capacidades necessárias para atin-
ma extensivo de investimentos públicos. Um gir objetivos nesse campo, inclusive com reco-
ponto de partida para isso pode ser o Plano nhecimento internacional. Logo, a definição de
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional instrumentos e estratégias de ação deve ser
(Plansan), elaborado pela Caisan e pelo Con- baseada nas práticas e estruturas já em cur-
sea, com base no PPA 2016-2019.69 O Plansan so, testadas e ajustadas continuamente, para
é estruturado em nove desafios, que se des- evitar ao máximo possíveis descontinuidades,
dobram em 121 metas, contemplando ações rupturas ou mesmo sobreposições durante a
de: produção saudável de alimentos, disponi- etapa de implementação no território.
bilidade (comercialização e abastecimento),
Por fim, as propostas, assim como todo o
acesso (renda, doação, alimentação escolar) e
debate empreendido neste texto, encontram-
consumo (alimentação saudável).70 Em termos
-se em conexão com os Objetivos de Desen-
de estrutura operacional, ele envolve ao todo
volvimento Sustentável (ODS), das Nações
catorze ministérios em sua implementação, o
Unidas. Por isso, a perspectiva adotada vai ao

176
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
encontro dos fundamentos da agricultura sus- torno de Planos Safras Territoriais, no
tentável e do direito humano à alimentação intuito de integrar localmente programas
como referencial analítico central. de crédito, assistência técnica, agroin-
dústrias, cooperativismo e mercados ins-
Nesse sentido, as propostas apresentadas titucionais para o fortalecimento da agri-
são as a seguir. cultura familiar e desenvolvimento local.

1. Avaliar uma estratégia de recomposi- 7. Reavaliar e repactuar projetos para-


ção orçamentária dos programas pre- lisados, atrasados ou abandonados
sentes no PNSAN, em especial aqueles da Rede de Equipamentos Públicos
tomados como estruturantes (caso do de SAN, junto aos entes federativos
PAA), repactuando objetivos e compe- responsáveis.
tências, tendo como parâmetro as me-
tas previstas para o Brasil no ODS. 8. Incluir na Rede de Equipamentos Pú-
blicos de SAN as cozinhas de escolas,
2. Realizar, em parcerias com as equipes unidades de saúde, presídios, entre
socioassistenciais de estados e muni- outras, para que possam ser passíveis
cípios, uma revisão geral do CadÚnico, de receber novos investimentos em
visando eliminar possíveis fraudes ou equipamentos e qualificação de suas
falhas operacionais no Programa Bol- equipes profissionais.
sa Família, ao mesmo tempo em que
se articule um amplo trabalho de bus- 9. Retomar a priorização de implantação
ca ativa, sobretudo em regiões mais de tecnologias sociais de acesso à
pobres e de difícil acesso, para alcan- água para o consumo humano e para
çar famílias que necessitam do benefí- produção agrícola, como o Programa
cio e não estão incluídas. de Cisternas, sobretudo em áreas de
maior vulnerabilidade hídrica.
3. Retomar o Programa Bolsa Verde, pra-
ticamente extinto em 2017, que alia 10. Reforçar ações de apoio a práticas as-
transferência de renda a famílias po- sociativistas de trabalhadores no âm-
bres no meio rural com manutenção de bito da Economia Solidária, tanto no
recursos florestais. meio rural quanto nos centros urbanos,
visando a geração de novas oportuni-
4. Reforçar ações específicas de distri- dades de trabalho e agregação de va-
buição de alimentos, incluindo o PNAE, lor, integradas com outras políticas de
a grupos populacionais específicos crédito, assistência técnica e compras
(povos indígenas, comunidades qui- governamentais.
lombolas e povos e comunidades tra-
dicionais, entre outros) em situação de 11. Garantir o financiamento público para o
maior vulnerabilidade social. funcionamento dos canais participativos
do Sisan (Conseas, conferências e Cai-
5. Retomar e ampliar as Unidades de Distri- sans), visando sua manutenção como
buição da Agricultura Familiar, com o ob- mecanismos de transparência que fa-
jetivo de fortalecer o acesso da agricul- vorecem o acompanhamento e controle
tura familiar aos mercados institucionais. social sobe o conjunto de investimentos
e seus indicadores de efetividade.
6. Retomar a estratégia de desenvolvimen-
to de territórios rurais, articulados em

177
12. Aperfeiçoar o marco regulatório do enraizamento institucional e de amadureci-
Sistema Único de Atenção à Sanidade mento normativo que essa política já alcançou
Agropecuária (Suasa) para uma melhor no campo de atuação de Estado é uma condi-
abrangência da heterogeneidade dos ção fundamental para a retomada da trajetória
sistemas produtivos no Brasil. bem-sucedida que suas ações tiveram nas úl-
timas duas décadas.
13. Promover a adoção de medidas regula-
tórias no âmbito da produção, comercia- Especialmente em um contexto de crise eco-
lização, oferta e publicidade de produtos nômica, com sinais de retrocesso em campos
alimentícios ultraprocessados (em âm- importantes da política social, espera-se que
bito federal, estadual e municipal), com as políticas de segurança alimentar sejam
participação do Consea Nacional. fortalecidas e expandidas como forma de as-
segurar a continuidade futura da conquista
14. Fortalecer as instituições educacionais essencial da superação da fome, além de ex-
para o exercício de suas competências plorar seu potencial e fomentar novas dinâmi-
no campo do ensino, pesquisa e exten- cas econômicas nos seus distintos territórios
são sobre diversos temas de interesse de incidência.
para a Política Nacional de SAN.

15. Elaborar um programa nacional de qua-


lificação (em diferentes níveis) para pro-
fissionais que já atuam ou desejam atuar
com a promoção e avaliação das ações
de educação alimentar e nutricional no
âmbito do Sisan, em parceria com as
instituições de ensino técnico e superior
e organizações não governamentais,
bem como para profissionais da aten-
ção básica de saúde e de assistência
social para atuarem na prevenção e no
controle dos agravos nutricionais.

16. Fomentar o desenvolvimento de pes-


quisa científica e tecnológica em SAN,
com editais específicos para seleção
de projetos e encontros (regionais e
nacionais) de apresentação e discus-
são dos resultados produzidos.

Conclusão
O conjunto das evidências e informações
apresentado ao longo deste capítulo tem por
objetivo não apenas chamar a atenção para
a inflexão negativa que a política de SAN tem
sofrido no contexto da crise econômica, mas,
ao mesmo tempo, assinalar que o grau de

178
14
SUSTENTABILIDADE
PRODUTIVA DO
AGRONEGÓCIO
BRASILEIRO
SUSTENTABILIDADE PRODUTIVA DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO

A
produção agropecuária brasileira é es- governamental, o setor agropecuário expandiu
tratégica para o crescimento econômico a produtividade média anual.2 De um lado, há
do Brasil. Nas duas últimas décadas, o produtores rurais eficientes no uso de novos
setor agropecuário expandiu de forma ascen- conhecimentos e tecnologias, mesmo que
dente. Em 2017, o crescimento foi da ordem de essa adoção tecnológica seja restrita a um
13%, maior taxa desde 1997. O produto interno grupo de maior escala e dinamismo produti-
bruto (PIB) setorial representou 27% de toda a vos. De outro, parte da eficiência auferida no
economia, e as exportações atingiram 40% do âmbito microeconômico pelos produtores é
total exportado pelo país.1 Para manter as pers- dissipada pelo elevado custo tributário e pelos
pectivas de crescimento, considera-se essencial gargalos de distribuição e logística, o que re-
reorganizar, estruturar e modernizar o mode- duz a competitividade e a inserção nos merca-
lo institucional que regula e apoia o setor. Será dos internacionais. Ademais, os produtos bra-
necessário investir em ciência e tecnologia, bem sileiros sofrem com as barreiras tarifárias e não
como em infraestrutura, para aumentar a com- tarifárias, em parte por desorganização interna
petitividade interna e elevar a participação das das instituições (defesa sanitária, rastreabili-
exportações no mercado externo. dade, desperdícios etc.) e em parte por exces-
so de protecionismo estrangeiro, que deve ser
Embora significativos os ganhos produtivos, combatido por uma política externa agressiva
existem desafios estruturais a serem resolvidos de promoção dos produtos nacionais.
– econômicos e sociais – para garantir a sus-
tentabilidade produtiva. Os desafios econômi- Além da perda de competitividade por fal-
cos se associam à reestruturação do sistema ta de planejamento, a insegurança jurídica e
nacional de inovação, à solução dos problemas institucional é outro fator que prejudica a es-
de infraestrutura logística (transporte, arma- tabilidade dos investimentos. Essa inseguran-
zenagem e distribuição), à conquista de novos ça se concentra em três campos: i) na falta de
mercados, bem como à redução da carga tri- garantia da propriedade da terra em muitas
butária, a fim de estimular o empreendedoris- regiões brasileiras; ii) no mercado de trabalho
mo. Quanto aos desafios sociais, deve-se com- com uma legislação trabalhista que desesti-
preender que nem toda pobreza rural é parte mula o emprego; e iii) na área ambiental, por
de um problema estrutural, mas com certeza meio de um cenário de mudanças climáti-
envolve um debate sobre política assistencial. cas com uma maior pressão internacional.
As políticas de transferência de renda estariam O ambiente institucional não pode permitir
fora do escopo das políticas produtivas inseri- que organizações não reconhecidas pela lei
das em um Ministério da Agricultura. Portanto, desestabilizem a produção, o que é o caso
a alocação dos recursos escassos se daria en- de invasões de terra, bloqueios indevidos de
tre os grupos ou agentes com maiores chances estradas e rodovias, bem como desordem no
de adentrarem a moderna dinâmica produtiva. meio rural. As regras jurídicas3 devem favo-
recer a estabilidade institucional e da produ-
De acordo com o relatório da Organização ção, estimulando o investimento produtivo e
de Cooperação e Desenvolvimento Econômi- o crescimento.
co (OCDE) de 2018, apesar do baixo incentivo

180
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Embora significativos os Não obstante, o crescimento da produção
nacional pode ser freado por problemas estru-
ganhos produtivos, turais internos. Para minimizar tais problemas e
criar soluções institucionais, as políticas públi-
existem desafios cas devem viabilizar o ritmo de expansão da pro-
dução e conseguir atender à crescente deman-
estruturais a serem da internacional. A base do crescimento se dará
via aumento da produtividade, que se associa à
resolvidos – econômicos manutenção do investimento. Em um ambiente
de orçamento público escasso, o enfoque deve
e sociais – para garantir a se dar na melhoria da infraestrutura e logística,

sustentabilidade produtiva. na promoção de novos mercados externos, bem


como na elaboração de políticas agrícolas (cré-
dito, seguro, armazenagem, garantia de renda,
Embora o setor agropecuário seja estra- economia de baixo carbono etc.) mais eficien-
tégico para o desenvolvimento econômico bra- tes, que atendam aos agricultores. Ressalta-se
sileiro, a gestão por parte do Estado se mostra que a produção em larga escala será ajustada
fragmentada, dividida ideologicamente e con- pelo mercado, enquanto a pobreza rural será
flituosa. A estratégia setorial encontra-se dis- atendida por políticas assistencialistas. Em re-
tribuída entre vários ministérios. Além de essas sumo, os recursos devem ser alocados entre os
instituições competirem por recursos, muitos produtores desassistidos pelo mercado e com
maior potencial de inclusão produtiva.
trabalhos são sobrepostos, criando situações
conflitantes, o que interfere negativamente na Em concordância com os objetivos de sus-
dinâmica competitiva do setor, principalmente tentabilidade do crescimento e da competitivi-
em fóruns internacionais. Essa rivalidade prejudi- dade do agronegócio, este texto considera dois
ca a imagem do agronegócio perante a opinião aspectos fundamentais: i) promover a política in-
pública, conduzindo a sociedade a ter uma visão tersetorial definida pelo governo federal de modo
distorcida do papel do setor agropecuário na a não provocar descontinuidade na formação de
economia como um todo. preços de mercado; e ii) manter a estabilidade
dos investimentos com vistas ao aumento tanto
Estima-se que a população mundial al- do volume quanto da produtividade dos setores
cançará o número de 9,6 bilhões de pessoas, do agronegócio nas diferentes regiões do país.
o que puxará a demanda por alimentos em
70%.4 Para atender a esse desafio internacio-
nal, espera-se que o Brasil tenha participação Diagnóstico da produção5 –
preponderante no crescimento da produção excedente produtivo e desafios
agropecuária, já que é um dos poucos países
no mundo com disponibilidade de aumento da institucionais e econômicos para
área produtiva. Ademais, nas duas últimas dé- o setor
cadas, a pauta de exportação dos produtos do
agronegócio brasileiro migrou dos mercados A produção agropecuária brasileira vem se
americano e europeu para o mercado asiático, modernizando desde os anos 1990. Com a
essencialmente para a China e para a Índia. incorporação de tecnologia e novos conhe-
Deve-se ressaltar que é justamente nas eco- cimentos, a produtividade cresceu continu-
nomias emergentes que a demanda por pro- amente. Logo, a produção se expandiu rapi-
dutos agropecuários mais cresce, o que pode damente. O acesso à tecnologia concentrou
beneficiar a economia brasileira. a produção em um grupo especializado de

181
Tabela 1
Estratificação de renda dos estabelecimentos por produção (2006)
Número de
Salário mínimo mensal Valor bruto da produção
Grupos estabelecimentos % %
equivalente anual (bilhões)
(mil)

Pobreza extrema (0 a 2] 3.242 69,6 6,5 3,9

Baixa renda (2 a 10] 960 20,9 18,5 11,1

Média renda (10 a 200] 416 9,0 59,9 35,9

Alta renda >200 23 0,5 81,7 49,0

Total – Brasil 4.641 100,0 166,7 100,0

Fonte: VIEIRA FILHO, J. E. R.; FISHLOW, A. Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade. Brasília: Ipea, 2017. p. 89.
Obs.: Salário mínimo mensal equivalente = valor bruto da produção mensal/salário mínimo mensal.

produtores, deixando à margem um outro Além da concentração produtiva, em 2006,


grupo, que não foi capaz de absorver o novo a extrema pobreza (composta por 3.242 mil
padrão tecnológico. O excedente produtivo estabelecimentos) estava bastante regionali-
gerado pelo grupo especializado foi direcio- zada. Esse grupo ficou à margem do sistema
nado ao mercado interno, evitando o risco de produtivo. Para se ter uma ideia, 60% da extre-
desabastecimento, e ao mercado externo, di- ma pobreza se concentrou no Nordeste brasi-
versificando a pauta exportadora e ampliando leiro. Há muitas iniciativas de desenvolvimento
as divisas internacionais. regional, tal como os fundos constitucionais
para a região Nordeste. Contudo, tais arranjos
Os dados do Censo Agropecuário de 2006 se mostraram desarticulados e surtiram poucos
mostraram a existência de uma forte con- efeitos ao longo do tempo, ao contrário do que
centração produtiva na agricultura brasileira.6 se observou, por exemplo, no Centro-Oeste.
Em parte, essa concentração expressou, de um
lado, a eficiência produtiva de um grupo restri-
to de produtores. De outro, verificou-se a fragi-
lidade da inserção dos produtores mais pobres
Com a incorporação
na moderna dinâmica produtiva. Os agriculto-
res mais pobres ficaram excluídos do mercado,
de tecnologia e
em situação de subsistência e pobreza. novos conhecimentos,
A tabela 1 apresenta a estratificação de ren-
da dos estabelecimentos agropecuários por
a produtividade cresceu
produção. Observa-se que 0,5% dos estabele- continuamente. Logo,
cimentos foi responsável por cerca de metade
da produção agropecuária no Brasil, ou seja, a produção se expandiu
49,1% do valor bruto da produção nacional. No
contraste, a extrema pobreza era representa- rapidamente.
da por cerca de 69,6% dos estabelecimentos,
os quais eram responsáveis por somente 3,9% De acordo com a tabela 2, os dados do Cen-
do valor bruto da produção. so Agropecuário de 2017 mostram que há um
aumento da área média dos estabelecimentos

182
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Tabela 2
Número e área dos estabelecimentos agropecuários no Brasil: comparativo entre 2017 e 2006
2006 2017 2017/2006

Área Área
Regiões Área Área Área
Estabelecimentos (milhões Estabelecimentos (milhões Estabelecimentos Área
média média média
(mil) de (mil) de (%) (%)
(ha) (ha) (%)
hectares) hectares)

Norte 476 56 117 580 66 114 22,0 19,1 -2,4

Nordeste 2.454 76 31 2.322 71 30 -5,4 -7,1 -1,9

Sudeste 922 55 60 969 60 62 5,1 9,2 3,9

Sul 1.006 42 42 853 43 50 -15,2 2,6 21,0

Centro-Oeste 317 105 332 347 111 319 9,2 5,0 -3,9

Brasil 5.176 334 64 5.072 350 69 -2,0 5,0 7,1

Fontes: IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário 2006: Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação – segun-
da apuração. Rio de Janeiro: IBGE, 2012; IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário 2017: resultados preliminares.
Rio de Janeiro: IBGE, 2018.

no Brasil ao comparar com o Censo Agropecuário diminuição da área média dos estabeleci-
de 2006; entretanto, esse crescimento difere em mentos agropecuários. O Norte foi a segun-
termosregionais.Nogeral,houveumaquedanonú- da região com a maior média e apresentou
mero de estabelecimentos, passando de 5.176 mil redução da área média entre as duas conta-
para 5.072 mil, bem como um aumento da área gens censitárias. Embora tenha ocorrido uma
desses estabelecimentos em todo o país, de redução média da área dos estabelecimentos
334 milhões de hectares para 350 milhões. A no Nordeste, essa região detinha a menor mé-
área média cresceu significativamente no Sul dia nacional em 2006, mantendo sua posição
e no Sudeste, regiões tradicionais, mas reduziu em 2017.
no restante do país. Há, portanto, indício de que
parte dos produtores do Sul está se deslocando O grupo especializado transformou o se-
para as fronteiras do Centro-Oeste, do Norte e tor agropecuário brasileiro. No que tange à
do Matopiba.7 produção agrícola, observou-se um cresci-
mento significativo dos cultivos de algodão,
Esses resultados de deslocamento espa- cana-de-açúcar, milho e soja (tabela 3). Na
cial foram corroborados com as projeções de produção de cana-de-açúcar, o rendimen-
longo prazo do Ministério da Agricultura,8 que to cresceu 16% entre 1995-1996 e 2006. No
mostraram que a possibilidade de ganhos de entanto, com a política de favorecimento à
escala, a incorporação de novas terras, o pre- produção de petróleo, em meados de 2000, e
ço mais baixo das terras e a possibilidade de com a pouca sinalização do governo para os
escoamento da produção por novos portos investimentos setoriais, a produtividade per-
e rotas de navegação funcionaram como fa- maneceu estagnada, com leve queda entre
tores de atração. Ressalta-se ainda que foi a 2006-2017. Nos demais cultivos, o rendimen-
produção de grãos e a pecuária que puxaram to expandiu fortemente, o que proporcionou
essa expansão. No Centro-Oeste, região com aumentos sucessivos e safras recordes.9
a maior média de área, observou-se uma

183
Tabela 3
Quantidade produzida, área plantada e rendimento por diferentes culturas
1995-1996 2006 2017
Produtos (mil toneladas)
Regiões
Cana-de- Cana-de- Cana-de-
Algodão Milho Soja Algodão Milho Soja Algodão Milho Soja
açúcar açúcar açúcar
Norte 3,4 182,8 397,5 16,5 2,0 1.033,8 676,1 767,2 24,0 3.624,6 2.759,2 3.894,9
Nordeste 76,2 47.075,8 1.806,9 877,3 803,1 62.439,6 5.485,2 3.714,8 973,7 40.092,4 5.555,2 9.023,5
Sudeste 197,7 173.073,7 5.901,6 1.715,4 113,9 269.383,9 7.482,2 3.047,6 69,6 423.294,6 12.215,0 8.709,3
Sul 267,4 20.197,8 11.788,4 10.708,3 20,4 29.542,8 18.417,8 17.420,1 0,1 38.580,0 22.492,9 34.516,9
Centro-Oeste 269,4 19.276,7 5.616,2 8.246,3 1.552,2 45.066,5 9.366,2 21.246,2 2.597,5 132.472,8 47.800,2 47.594,9
Brasil 814,2 259.806,7 25.510,5 21.563,8 2.491,6 407.466,6 41.427,6 46.195,8 3.664,8 638.064,3 90.822,5 103.739,5
Área (mil hectares)
Norte 3,6 5,7 358,2 8,6 0,7 19,1 281,3 297,9 5,4 56,7 540,3 1.308,3
Nordeste 162,4 1.003,3 2.354,8 426,5 274,6 1.138,0 3.141,0 1.425,5 232,0 784,6 1.871,2 2.878,1
Sudeste 130,4 2.570,2 2.134,7 839,6 42,1 3.516,1 1.619,0 1.166,3 20,7 5.817,0 1.942,0 2.173,0
Sul 171,1 348,0 4.075,0 4.830,7 12,0 374,2 4.175,5 7.263,3 0,0 654,8 3.790,6 9.962,3

184
Centro-Oeste 152,1 289,2 1.680,2 3.374,5 529,7 634,9 2.387,2 7.730,4 651,7 1.809,5 8.237,7 14.148,2
Brasil 619,6 4.216,4 10.602,1 9.479,9 859,0 5.682,4 11.604,0 17.883,3 909,8 9.122,6 16.381,8 30.469,9
Rendimento (ton./ha)
Norte 0,950 32,129 1,110 1,920 2,794 54,037 2,404 2,575 4,461 63,909 5,106 2,977
Nordeste 0,469 46,921 0,767 2,057 2,925 54,870 1,746 2,606 4,197 51,098 2,969 3,135
Sudeste 1,515 67,338 2,765 2,043 2,708 76,614 4,622 2,613 3,361 72,769 6,290 4,008
Sul 1,564 58,044 2,893 2,217 1,700 78,943 4,411 2,398 1,523 58,920 5,934 3,465
Centro-Oeste 1,771 66,648 3,343 2,444 2,930 70,978 3,923 2,748 3,986 73,208 5,803 3,364
Brasil 1,314 61,618 2,406 2,275 2,900 71,707 3,570 2,583 4,028 69,943 5,544 3,405
Fontes: IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário 1995-1996: número 1 – Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1998. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Censo agropecuário 2006: Brasil, Grandes Regiões e Unidades da Federação – segunda apuração. Rio de Janeiro: IBGE, 2012; IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário
2017: resultados preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
A produção de grãos cresceu 182% entre A consequência da expansão produtiva foi
1995 e 2017.13 No período de 1975 a 1996,14 a o abastecimento dos mercados doméstico e
produtividade total dos fatores (PTF) cres- internacional. O excedente de vários produtos
ceu, em média, 3,0% ao ano (a.a.). A partir de do agronegócio foi direcionado ao mercado
1997 até 2014, esse indicador passou a cres- externo, apesar dos vários problemas macro-
cer 4,3% a.a. Logo, verificou-se uma quebra econômicos de infraestrutura e logística, bem
estrutural da curva de produtividade de 1997 como de acesso aos mercados, que estiveram
em diante.15 No período analisado, houve um fora do alcance dos produtores. Com o boom
deslocamento da produção de algodão, saindo das commodities em meados dos anos 2000,
de estados como São Paulo para regiões como associado ao aumento da produtividade seto-
Mato Grosso, Bahia e Goiás. A política agrícola rial, os produtos oriundos do agronegócio am-
mudou muito na década de 1990, com a intro- pliaram sua competitividade internacional.
dução, em 1996, de novos instrumentos, com o
setor privado passando a ter forte atuação na Quanto à balança comercial brasileira, o
agricultura. A iniciativa privada assumiu várias agronegócio é extremamente relevante na
funções bastante dispendiosas que eram rea- geração de divisas internacionais. Em um
lizadas anteriormente pelo governo, tais como comparativo de 1997 a 2017, enquanto o sal-
carregamento de estoques. do comercial dos demais setores da economia
se manteve negativo, com poucas exceções, o
No que tange à produção pecuária, verifi- agronegócio apresentou crescimento ao lon-
cou-se também um forte crescimento. Esse go de toda a séria histórica. Houve mudanças
resultado pode ser observado pelo aumento expressivas na pauta de exportação do se-
do efetivo dos rebanhos no Brasil, notadamen- tor agropecuário. Soja, carnes e produtos do
te bovino, bubalino, suíno e galináceos (tabela setor sucroalcooleiro passaram a ter grande
4). O rebanho bovino saltou de 158 milhões de importância na pauta de exportações, o que
cabeças, em 1996, para 215 milhões, em 2017. foi uma melhora qualitativa. Em 1997, o agro-
O efetivo suíno foi ampliado em cerca de 12 negócio exportava US$ 23,9 bilhões, enquan-
milhões de cabeças no período analisado. O to as importações do setor eram de apenas
rebanho de galináceos praticamente dobrou US$ 8,2 bilhões. O saldo comercial resultante
de 1996 a 2017. O rebanho de bubalinos vem foi de US$ 15,2 bilhões. Em 2017, as exporta-
ganhando espaço, principalmente no Norte do ções setoriais alcançaram US$ 96 bilhões, ao
país, alcançando um efetivo de 1,4 milhão de passo que as importações foram de US$ 14,2
cabeças no último ano. bilhões. A balança comercial do agronegócio

Tabela 4
Efetivo dos rebanhos por tipo no Brasil
1996 2006 2017
Rebanho
Efetivos (milhões de cabeças)

Bovino 158,3 205,9 214,9

Bubalino 1,0 1,2 1,4

Suíno 29,2 35,2 41,1

Galináceos 728,1 1.011,5 1.425,7

Fontes: IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção da Pecuária Municipal 1996: volume 24 – Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1996;
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção da Pecuária Municipal 2006: volume 34 – Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2006;
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Produção da Pecuária Municipal 2017: volume 45 – Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2017.

185
em 2017 foi de US$ 81,9 bilhões. Ao analisar ao contrário da China, a taxa de crescimento
os demais setores de atividade da economia, foi bem inferior, sendo de 3% para a União Eu-
exceto o agronegócio, em 1997, o saldo comer- ropeia e de 5% para os Estados Unidos.
cial foi negativo de US$ 21,9 bilhões e, em 2017,
o resultado também foi desfavorável, sendo Ao longo das últimas duas décadas, a pauta
negativo em US$ 14,9 bilhões. O saldo agre- de exportações brasileiras migrou da Europa e
gado da economia, incluindo o agronegócio, da América do Norte para a Ásia. Em 2000, a
portanto, era negativo em 1997 em torno de Europa participava com 43% das compras do
US$ 6,8 bilhões, passando para um saldo posi- agronegócio brasileiro, passando para 18% em
tivo em 2017 de cerca de US$ 67 bilhões. 2017. Os Estados Unidos e o Canadá represen-
tavam 19% do destino das exportações brasi-
Contribuíram também para o aumento das leiras em 2000 e passaram para 8% em 2017.
exportações as mudanças institucionais, tais Em contraste, em 2000, a China representava
como a Lei Kandir, que propôs a desoneração apenas 4% do destino das exportações bra-
do Imposto de Circulação de Mercadorias e sileiras. Em 2017, essa participação se elevou
Serviços (ICMS) para produtos in natura ex- para 30%, aproximadamente. A participação
portados. Se não fosse o bom desempenho do do resto da Ásia, exceto a China, saltou de 11%
setor agropecuário na economia brasileira, o para 18%, no respectivo período. Deve-se ob-
saldo comercial final não seria superavitário. É servar que a economia chinesa cresce a taxas
importante ressaltar que por trás desse cresci- elevadas, reduzindo a pobreza e aumentando
mento estiveram os ganhos de produtividade, a demanda por alimentos.
e não uma “reprimarização” da pauta produti-
va do Brasil. O moderno setor agropecuário re- Posto o diagnóstico da acentuada expan-
quer profundos efeitos de encadeamento para são produtiva no Brasil e da forte demanda
trás e para frente em toda economia. internacional, é preciso pensar em políticas
públicas que viabilizem o escoamento da
No que se refere à participação de merca- produção, seja no mercado interno, seja no
do mundial das exportações, em 2017, o Bra- externo. Assim, para se pensar na susten-
sil ocupou o terceiro lugar, com uma parcela tabilidade da produção nacional, deve-se
de 7%, ficando atrás da União Europeia (11%) elaborar propostas e diretrizes para os se-
e dos Estados Unidos (10%). A participação guintes temas: i) ciência e tecnologia; ii) in-
brasileira cresceu 8% a.a., taxa superior às en- fraestrutura e logística; iii) política de aces-
contradas na economia europeia e americana. so aos mercados internacionais; iv) política
Vale destacar que a China também vem cres- agrícola – crédito e seguro; v) segurança e
cendo sua participação de mercado mundial, estabilidade jurídica; e vi) diversificação da
encontrando-se na quarta posição (próxima riqueza em regiões vulneráveis.
à porcentagem brasileira) e com uma taxa de
crescimento bem elevada (9%).
Propostas e diretrizes para políticas
Quanto à participação de mercado das im- públicas no agronegócio
portações mundiais, em 2017, o grande desta-
que coube à China, que se firmou na terceira Ciência e tecnologia
colocação, com uma parcela de 9% das impor-
Com pouco mais de quatro décadas, a agricul-
tações globais. Além disso, essa participação
tura brasileira se revolucionou. A PTF cresceu de
vem crescendo a uma taxa de 15% a.a. A União
forma muito acelerada, algo nada visto no resto
Europeia e os Estados Unidos ocuparam a pri-
do mundo. O país passou de importador a ex-
meira e a segunda colocação, respectivamen-
portador líquido de alimentos, fibras e energia.
te. Ressalta-se que, nesses últimos mercados,
A agricultura empresarial se tornou intensiva em

186
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
conhecimento e tecnologia, ao contrário do que No passado, a produção era localizada e os
era visto no passado. A economia se diversifi- problemas, bem específicos. Com a moderni-
cou. Contudo, embora a Empresa Brasileira de zação e a expansão da agricultura, terras que
Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tenha sido não eram propícias ao plantio foram incor-
essencial nessa transformação, principalmente poradas ao sistema de produção (passaram
como elo catalizador da pesquisa dentro do am- a ser agricultáveis). Esse foi o exemplo óbvio
biente institucional da Federação, dos estados e da incorporação do Cerrado na produção. A
dos municípios, é necessário repensar as estra- soja que era produzida no Sul do país passou
tégias da pesquisa pública. Além disso, é preciso a ser plantada em Roraima, com igual capaci-
redimensionar o tamanho da Embrapa e redefi- dade de rendimento. Se antes as unidades da
nir o seu papel, de forma a incorporar os novos Embrapa eram descentralizadas para melhor
padrões tecnológicos e eliminar o viés ideológi- compreensão das realidades locais, o modelo
co em um conjunto extenso das pesquisas. de pesquisa moderno requer uma maior inte-
gração dessas unidades com as pesquisas de
Deve-se estabelecer o que de fato é estra- caráter amplo do contexto nacional. É preciso
tégico para a economia de mercado. Novos pa- dotar a instituição de quadros técnicos espe-
radigmas tecnológicos surgiram, alterando pro- cializados em economia para melhor planeja-
cessos e produtos. São as tecnologias digitais e mento econômico das pesquisas que tenham
de precisão, biotecnologia, sensores e imagens uso aplicado de mercado.
de satélites, veículos remotos, drones, microirri-
gação, agricultura vertical etc. Essas novas tec- A agenda de pesquisa deverá atuar em con-
nologias estão transformando o espaço. Se não sonância com o ambiente produtivo, mas com
pensadas no presente, o país corre o risco de integração nacional. Os estudos devem ter
sair na retaguarda tecnológica e perder o campo orientação de uso aplicado no mercado. Não
conquistado na produção agrícola tropical. se tem dúvida de que alguns temas, tais como
As estratégias de pesquisa devem acompanhar a inclusão produtiva dos agricultores no Nor-
as diferentes cadeias produtivas nas várias regi- deste, a agricultura de baixo carbono e os sis-
ões brasileiras, revelando o seu funcionamento temas de gerenciamento de grandes bancos
e identificando os desafios futuros. de dados, são relevantes para reposicionar a
pesquisa pública no cenário macroeconômico.
Não se pode ignorar também o papel, igual- Os novos arranjos de pesquisa necessitam de
mente relevante, das universidades e das Orga- liberdade institucional para fomentar a produ-
nizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária ção, atraindo inclusive o investimento privado
(Oepas), bem como, mais recentemente, da nesse contexto.
iniciativa privada (grandes empresas). Deve-se
fomentar a interação do setor público com o Infraestrutura e logística
privado no financiamento das pesquisas.16 O pri-
meiro passo é flexibilizar o ambiente jurídico de Embora haja expansão da fronteira agropecu-
instituições como a Embrapa e as universidades ária em direção ao Centro-Oeste, ao Norte e
públicas, para proporcionar uma aproximação do ao Matopiba,17 os desafios continuam enormes
setor privado e dos centros de pesquisa interna- em termos de construção da infraestrutura
cionais aos interesses produtivos nacionais. O de armazenamento e de logística para escoa-
segundo passo é desburocratizar as agências re- mento da produção nacional. Mesmo com os
guladoras que aprovam as pesquisas realizadas, vultosos investimentos realizados para melho-
tornando-as mais técnicas. Muitos processos rar a capacidade de armazenamento e de es-
dependem de diversos órgãos, distribuídos em coamento da produção, os recursos aplicados
vários ministérios, do Meio Ambiente, de Ciência não atenderam às expectativas. Não se pode
e Tecnologia e de Saúde. diluir o aumento da produtividade com as

187
ineficiências da infraestrutura fora da unidade produção no espaço geográfico sem os investi-
de produção. O aumento da competitividade é mentos necessários em infraestrutura mostrou a
fundamental para reduzir a pressão sobre os fragilidade do sistema para manter a competitivi-
recursos naturais, preservar o meio ambiente e dade do agronegócio brasileiro.
manter o desenvolvimento do agronegócio no
Cerrado brasileiro. Quanto ao armazenamento, pelo Censo
Agropecuário de 2017, a capacidade brasileira
No que tange à questão logística de trans- estava em torno de 95,9 milhões de tonela-
porte de cargas, é preciso realizar ainda mui- das. Para um comparativo, a safra de grãos do
tos investimentos em modais de transportes, mesmo ano ficou em torno de 238 milhões de
infraestrutura necessária para escoar a produ- toneladas, ou seja, existe uma capacidade de
ção do país. A matriz brasileira de transportes armazenamento de apenas 40% da produção
é concentrada no modal rodoviário (cerca de de grãos no país. Na década de 1990, o Bra-
61%), que é menos eficaz do que os modais sil produzia menos do que sua capacidade de
ferroviário (21%) e hidroviário (13%). O restan- armazenagem. Faltam políticas públicas, que
te do transporte é realizado pelos modais ae- poderiam ser financiadas pelo Banco Nacional
roviário e dutoviário (5%). Comparativamente de Desenvolvimento Econômico e Social (BN-
aos principais competidores, Estados Unidos e DES), para estimular o investimento ao nível do
Argentina, os modais de transportes nacionais produtor. Esse armazenamento individual as-
são menos eficientes. seguraria uma melhor rentabilidade, reduzindo
as perdas pós-colheita. Ademais, tal armaze-
Entre 1997 e 2017, a produção de milho e a namento poderia ser complementado com a
de soja, conjuntamente, aumentaram de 59 mi- criação de pátios multimodais, melhorando o
lhões de toneladas para cerca de 212 milhões transbordo e o armazenamento de grãos ao
de toneladas. No que se refere ao comércio in- longo das rodovias, ferrovias e hidrovias.
ternacional, nos mesmos anos, as exportações
saltaram de 2 milhões de toneladas para apro- Para melhorar a infraestrutura e a eficiência do
ximados 91 milhões de toneladas. Ao subdividir investimento, tal como já apresentado no Desa-
o país em arcos Norte e Sul, observou-se que fios da nação, volume 1, de 2018, recomendam-se
a produção no arco Norte aumentou de 22 mi- a continuidade do programa de novas concessões
lhões de toneladas para 124 milhões de tonela- ferroviárias e hidroviárias, a prorrogação anteci-
das, ou seja, sua participação passou de 37%, pada de concessões ferroviárias, para viabilizar
em 1997, para 58%, em 2017. Ao analisar as ex- os investimentos associados, bem como a imple-
portações por essa subdivisão, as exportações mentação do programa proposto de concessões
no arco Norte quase não existiam em 1997 e rodoviárias, que permitiria a expansão e a renova-
passaram a representar cerca de 21% em 2017, ção de toda a malha rodoviária federal, inclusive
enquanto as exportações pelo arco Sul foram estimulando o investimento privado. Além disso,
de 79% em 2017. O ano de 2006 ainda mostrou linhas de financiamento seriam estimuladas para
uma evolução intermediária. aumentar a capacidade e a eficiência do armaze-
namento produtivo ao nível do produtor.
Essas informações sinalizam que o cresci-
mento da produção é cada vez maior na porção Política de acesso aos mercados
Norte do país. Contudo, o escoamento da safra internacionais
para exportação ainda se dá de forma concentra-
da pela infraestrutura do arco Sul. É preciso dotar No que tange ao saldo comercial, o Brasil é o país
o arco Norte de melhor infraestrutura nos portos com o maior superavit do mundo, pois exporta
e nos modais de transporte. O reordenamento da muito e importa pouco. O agronegócio equilibra
a balança comercial brasileira, evitando uma crise

188
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
nas contas externas do país. Contudo, não faz sen- É importante definir uma política mais
tido o Brasil adotar uma política liberal na exporta- agressiva de abertura comercial para os
ção e incorporar medidas protecionistas na impor- produtos do agronegócio, mesmo que em
tação. Esse comportamento faz com que os países alguns segmentos o país enfrente uma perda.
que negociam com o Brasil tomem posições mais Todavia, no cômputo geral, uma maior libe-
protecionistas, aumentando o nível das barreiras ralização, negociada por diferentes regiões
tarifárias e não tarifárias em relação aos produtos e países, tem mais a beneficiar a economia
nacionais com maior inserção de mercado. O Bra- brasileira do que o contrário. A presença das
sil exporta sete vezes mais do que importa. instituições brasileiras de fomento ao comér-
cio ainda se faz de forma tímida e esporádi-
A maior parte das exportações brasilei- ca no exterior. Os temas de saúde e nutrição,
ras se concentra em quatro grandes seg- sanidade, qualidade e rastreabilidade, perdas
mentos: complexo soja; carnes e couros; e desperdícios de alimentos, adoção de trans-
açúcar e etanol; e produtos florestais, que gênicos, uso de hormônios e antibióticos, bem
representam basicamente 77% dos produ- como questões ligadas ao bem-estar ani-
tos exportados pelo agronegócio. Aqui é im- mal ganham importância na agenda global.
portante destacar que, no complexo soja, A participação brasileira nos fóruns interna-
o mercado é bastante liberalizado; entre- cionais de discussão se dá de maneira equi-
tanto, no segmento de carnes e couros, por vocada e superficial, o que alimenta inver-
exemplo, o comércio é mais complicado. O dades e falsas acusações, prejudicando o
principal produto exportado pelo Brasil, a acesso aos mercados. Deve-se organizar as
soja, é basicamente importado pela China. principais cadeias produtivas, incluindo uma
O segundo, carnes e couros, é mais distribuído participação público-privada mais efetiva,
entre Ásia, Oriente Médio e Europa. O Brasil para buscar uma maior participação de mer-
enfrentou, nos últimos anos, problemas com o cado e ocupar uma posição mais efetiva no
mercado europeu na exportação de carnes de cenário internacional.
aves e bovinos. O segmento de açúcar e eta-
nol vem crescendo muito na Ásia, enquanto o
de produtos florestais é mais bem distribuído
em várias regiões do mundo.
O agronegócio equilibra a
A despeito de o consumo per capita de car-
balança comercial
ne no mundo desenvolvido cair (por questões
éticas e morais), o consumo por habitante vem
brasileira, evitando uma
crescendo nas regiões em desenvolvimento
(por melhoria de renda das famílias via cresci-
crise nas contas externas
mento econômico), como é o caso da China e do país. Contudo, não faz
da Índia. Há também um crescimento da popu-
lação urbana nesses países, o que estimula a sentido o Brasil adotar
demanda por alimentos. Em resumo, a deman-
da tende a crescer fundamentalmente na Ásia. uma política liberal na
O Brasil vem aumentando sua participação nos
mercados como o de soja, açúcar, café, algodão exportação e incorporar
e milho. Em contraposição, o país vem perdendo
participação nas exportações de frango, carne
medidas protecionistas
bovina e carne suína, essencialmente nas pro-
teínas animais, mercados em que há restrições
na importação.
ao acesso nos países desenvolvidos.

189
Política agrícola – crédito e seguro rural É importante que se crie
O Brasil é um país que provê nível baixo relati-
vo de apoio e proteção ao setor agropecuário, dentro do Ministério da
o que reflete em sua posição competitiva de
exportador. Os níveis de subsídios ficaram em Agricultura, da Embrapa
torno de 2,7% da renda bruta do produtor en-
tre 2015 e 2017, patamar muito abaixo quando
ou do próprio Ipea
comparado à média dos países da OCDE.18 uma instituição de
Os instrumentos de política agrícola têm
por objetivo impulsionar a atividade agropecu-
estudos econômicos
ária no país, com o aumento da produtividade. e estratégicos do
Os principais instrumentos são: o planejamen-
to agrícola, o crédito rural (para a produção pa- agronegócio, que possa
tronal e familiar), a política de garantia de pre-
ços mínimos e o seguro rural. Particularmente, definir linhas de pesquisa
o crédito rural é um importante instrumento de
política agrícola indutor de investimentos. Dos com interesse aplicado.
recursos totais disponibilizados, cerca de 85%
destinou-se à produção de larga escala, en- A contratação de seguro se concentrou
quanto os 15% restantes foram direcionados à em termos de produto e região.20 Cerca de
agricultura familiar.19 44% das apólices se concentravam na pro-
dução de soja e 60% do total de apólices se
Para que se tenha maior eficiência, a política
localizava somente em dois estados: Paraná
de crédito deverá focar o grupo de agricultores
e Rio Grande do Sul. É necessário ampliar a
que detém a maior chance de adentrar a fron-
cobertura da política, de forma a diversificar
teira tecnológica de produção. Isso requer con-
o risco em outros cultivos e regiões. A prin-
centrar o programa (planos Safra e da agricultu-
cipal ideia é fomentar a política de seguro21
ra familiar, que incluem o Programa Nacional de
e retirar, paulatinamente, a oferta de crédito
Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf)
público no sistema. O estímulo da oferta de
entre os agricultores que estão nos grupos de
crédito privada está associado ao desenvol-
renda média, o que requer uma redefinição com-
vimento do mercado de seguro rural. Com os
pleta dos grupos a serem assistidos pela política.
riscos climáticos, biológicos e de mercado, a
A política de seguro rural busca subsidiar parte
política de seguro se torna fundamental nes-
do custo do prêmio do seguro agrícola privado
se processo. O grande produtor será, portanto,
aos produtores e, simultaneamente, contribui
atendido pelo mercado, enquanto as políti-
para aproximar segurados e agentes financei-
cas públicas se voltariam ao médio produtor.
ros de crédito. A aquisição de seguros rurais
A pobreza rural, nesse caso, seria assistida por
pode chegar a ter subvenção que varia de 35%
políticas de transferência de rendas.
a 45% do valor segurado na apólice, alterando
pelo tipo de cultivo e atividade pecuária, com
diferentes níveis de cobertura. O objetivo do Segurança e estabilidade jurídica
seguro rural é manter a estabilidade financeira A garantia da propriedade privada pelo Estado
do investimento, de um lado, e a competitivi- em todas as regiões do país é extremamente
dade do setor agropecuário, mesmo em condi- importante. Invasões e depredação do patri-
ções de perda de capital ou de quebra de safra, mônio privado devem ser alvejadas de forma
de outro. coercitiva. Para tanto, é necessário que haja

190
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
uma força-tarefa especializada para conter a setor tem mais a contribuir com o desenvolvi-
criminalidade e os roubos no campo. Por ser mento do meio ambiente do que o contrário.
um setor vital à economia brasileira, a tolerân-
cia deverá ser zero a qualquer tipo de estímulo Com regras institucionais mais estáveis,
à desordem ou atentados contra o patrimônio o setor poderá ampliar a produtividade, sen-
dos trabalhadores rurais. do movido por inovações tecnológicas, mas
igualmente balizado por um desenvolvimento
O setor agropecuário contribui bastante sustentável. Nenhum outro país, com extensão
com a geração de renda e emprego na econo- continental como o Brasil, avançará de forma
mia, principalmente de forma indireta. O seg- similar. As questões de segurança, de estabi-
mento foi responsável por empregar cerca de lidade jurídica trabalhista e de regras ambien-
24% da população economicamente ativa, em- tais darão suporte à produção sustentável. As
bora se saiba que a modernização tende a es- políticas agrícolas produtivas estarão voltadas
vaziar o campo. O empregador rural será agen- a fortalecer os agricultores que forem capazes
te importante no processo de desenvolvimento de se inserir no mercado. Se as leis ambientais
econômico. O ambiente jurídico no mercado de e econômicas forem respeitadas, o investimen-
trabalho não pode inviabilizar o sistema produti- to direto estrangeiro será atraído, de modo a
vo. Pelo contrário, precisa estimular a produção ampliar a produção interna.
intensiva em capital, de modo a liberar mão de
obra no meio rural para o mercado de trabalho Diversificação da riqueza em regiões
nas zonas urbanas ou para outros setores, tais vulneráveis
como a própria agroindústria.
Ao implementar as diretrizes de políticas públi-
A regulamentação do Código Florestal mini- cas anteriores, espera-se minimizar o problema
miza as incertezas e traz segurança para o pro- da pobreza rural no geral. Alternativamente, pre-
dutor. O Código Florestal é uma lei prática, que tende-se diversificar a riqueza nas regiões mais
pode ser modificada ou aperfeiçoada a bem do vulneráveis, Norte e Nordeste. O diagnóstico
direito. Todavia, tal como definidas, as relações apresentado indicou que existem agricultores
entre o meio ambiente e a produção agropecu- longe da fronteira tecnológica, sendo a maioria
ária serão pautadas por regras. Nesse sentido, localizada no Nordeste. Em muitas situações, os
é essencial que o quadro normativo do Cadas- problemas do grupo de agricultores mais pobres
tro Ambiental Rural (CAR) seja concluído. Esse devem ser solucionados mais por políticas assis-
banco de informações evidenciará as neces- tenciais22 do que produtivas setoriais.
sidades do sistema, seja de recuperação, seja
de expansão da produção. Com a consolidação Por exemplo, o deficit da previdência rural
das regras, o empresário poderá programar os foi de R$ 110,7 bilhões em 2017, o maior valor
investimentos requeridos ao aumento da pro- desde 2003. Com o envelhecimento da popu-
dução nas várias regiões brasileiras. lação, as regras da aposentadoria se tornam
progressivamente incompatíveis. No Brasil,
A partir de análises do CAR, mensurou-se grande parcela da população rural beneficiária
a participação da agricultura na preservação se define como segurado especial, o que signi-
do meio ambiente em torno de 24% do terri- fica receber aposentadoria sem ter contribuído
tório nacional. Os resultados mostraram que, compulsoriamente. A proporção de benefícios
em 2016, mais de 170 milhões de hectares de concedidos por via judicial no meio rural ficou
vegetação nativa estavam preservados pelos em torno de 90% do total, decisões que se
agricultores dentro dos imóveis rurais. Portan- baseiam em provas testemunhais, em grande
to, é preciso compreender a produção agrope- parte subjetivas e passíveis de manipulação.
cuária fora da tutela ambiental, uma vez que o Em termos regionais, o Nordeste concentrou

191
grande parte desses benefícios rurais. No ge- às demais regiões do país. É preciso atacar
ral, os principais beneficiários da previdência o problema de forma a criar instituições edu-
rural são os que ganham mais – como, de resto, cacionais e financeiras. Adicionalmente, me-
ocorre com a maioria dos programas sociais: é canismos financeiros devem ser induzidos a
a transferência dos recursos dos mais pobres estimularem o crédito (em grande parte pelo
para os de melhor renda. Fica latente a neces- mercado), o seguro rural, o investimento pro-
sidade de separar o que é política assistencia- dutivo, amparados por serviços continuados
lista do que seria planejamento previdenciário de assistência técnica e extensão rural, bem
de caráter contributivo.23 como infraestrutura básica de distribuição
e acesso aos mercados, assim melhorando
Embora seja possível verificar resultados os indicadores de performance produtiva. É
bastante positivos em termos produtivos, ain- preciso fomentar o investimento nas regiões
da há uma forte heterogeneidade estrutural dinâmicas, como os cerrados nordestinos, e
na agricultura brasileira. Essa heterogeneidade criar alternativas de renda no semiárido, tal
indica, entre outros aspectos, distintas capaci- como estímulo à irrigação, ao turismo rural ou
dades de absorção tecnológica entre os agen- à produção de energia solar. Não necessaria-
tes produtivos. Por meio de um comparativo mente as rendas alternativas precisam estar
censitário entre 2006 e 2017, a porcentagem vinculadas ao setor agropecuário.
de produtores associados à cooperativa ou a
entidades de classe caiu ao longo do tempo, as-
sim como a porcentagem de estabelecimentos Resultados esperados
que receberam orientação técnica produtiva.
Diante do exposto, não se tem dúvida da im-
Quando o produtor é associado, pressupõe- portância estratégica do setor agropecuário
-se que seja mais organizado e que consiga para a segurança produtiva e alimentar do Bra-
extrair mais informações e conhecimento do sil. Esse é um setor que deve ser profundamen-
ambiente que o auxiliem no processo produti- te estudado, inclusive para servir de modelo
vo, ou seja, esse seria um indicador de melhora ao restante da economia brasileira. O setor
institucional. No que se refere ao recebimento agropecuário cresce basicamente em função
de assistência técnica, a média nacional ficou da incorporação de ciência e tecnologia, o
em torno de 19,9%, um indicador que expressa que resulta em ganhos de produtividade. Além
pouca preocupação por parte das autoridades disso, há uma enorme demanda internacional,
públicas em termos de segurança produtiva. dada pelo crescimento populacional e pelos
Além disso, essa porcentagem ainda foi me- mercados emergentes, essencialmente China
nor em regiões que necessitam de políticas e mercados asiáticos. Embora ainda existam
de fomento, o que é o caso do Nordeste, que problemas estruturais a serem solucionados,
apresentou a menor porcentagem, em torno é um setor de atividade econômica que vem
transformando diversas regiões no país, prin-
de 7,4%.
cipalmente com a melhora dos indicadores de
No que tange ao grupo intermediário e de desenvolvimento humano. O exemplo mais re-
maior potencial de acesso aos mercados, es- cente é a incorporação da região do Matopiba
pera-se que as políticas públicas de estímulo na fronteira produtiva.
à produção tenham maior eficácia, caso os
Para sustentar a produção e o crescimento
recursos não sejam diluídos. A infraestrutura
setorial, alguns pontos são importantes de se-
institucional promotora da produção agro-
rem planejados em uma estratégia futura. Os
pecuária no Norte e, principalmente, no Nor-
pontos destacados estão enumerados a seguir.
deste é muito defasada quando comparada

192
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
1. Sugere-se uma reorganização institu- zenamento na unidade produtiva é
cional, com a criação de um forte Minis- uma garantia de aumento de renda
tério da Agricultura, destinado a tratar ao produtor, já que seria possível ven-
das questões produtivas que não se- der o produto em uma melhor época,
jam tuteladas pela ordem ambiental independentemente da sazonalidade
e social, mas com o intuito de agilizar característica do setor. Embora mui-
as decisões e os processos que bene- to investimento tenha sido realizado
ficiem o setor a expandir sua participa- para construir infraestrutura, parte se
ção e aumentar seu protagonismo no perdeu, seja por má gestão, seja por
comércio internacional. desvio dos recursos. Assim, é necessá-
rio ampliar e melhorar a infraestrutura
2. Reestruturar o sistema nacional de ino- de escoamento do país como um todo
vação tecnológica, no intuito de flexi- para eliminar gargalos da porção Sul e
bilizar o ambiente jurídico das institui- expandir o escoamento em outras regi-
ções de pesquisa e das universidades. ões e direções.
A ideia é estimular as parcerias e o
apoio financeiro privado, otimizando o 5. Remodelar a política de crédito, de
uso dos recursos em gerar inovações, modo a direcionar os recursos públicos
com aplicação de mercado. Nesse sen- ao grupo de produtores com a melhor
tido, é importante que se crie dentro do condição de incorporar assistência
Ministério da Agricultura, da Embrapa técnica e extensão rural, no intuito de
ou do próprio Ipea uma instituição de ampliar o investimento e o crescimen-
estudos econômicos e estratégicos do to econômico. No que tange à extrema
agronegócio (similar ao Economic Re- pobreza, políticas assistencialistas te-
search Service americano), que possa rão maior espaço. Quanto aos produto-
definir linhas de pesquisa com interes- res mais eficientes, a oferta de crédito
se aplicado. caberá ao ajuste do mercado. A ideia
da política de crédito é focar a atenção
3. Após a redefinição estratégica do sis- no grupo de agricultores com maior
tema de pesquisa, garantir recursos possibilidade de adentrar na fronteira
estáveis à promoção da pesquisa agro- tecnológica de produção dinâmica.
pecuária com foco no redimensiona-
mento da Embrapa e redefinição do 6. Expandir e ampliar a política de seguro
seu papel, bem como na coordenação rural, que será importante para estimu-
da assistência técnica e extensão rural. lar o crescimento da oferta de crédito
no mercado privado. Além disso, com o
4. É urgente melhorar a eficiência dos in- cenário de mudanças climáticas, é es-
vestimentos públicos em infraestrutura sencial que essa política esteja disponi-
de logística (tais como armazenamento bilizada em todas as regiões, inclusive
a nível de unidade produtiva, ampliação as que possuem maiores vulnerabilida-
da malha ferroviária, expansão das hi- des às mudanças do clima.
drovias navegáveis, transporte de ca-
botagem, pavimentação e manutenção 7. Acabar com a insegurança jurídica no
das rodovias, bem como moderniza- setor: punir as invasões ilegais de ter-
ção dos aeroportos). Com a flutuação ra, garantir a proteção do patrimônio e
sistêmica dos preços agropecuários, da propriedade, flexibilizar (não afrou-
a ampliação da capacidade de arma- xar) a legislação ambiental e trabalhis-
ta para estimular o investimento, bem

193
como favorecer arranjos institucionais
público-privados e cooperativos.

8. Estabelecer no Brasil inteiro articu-


lação com estados e municípios na
organização e implementação de um
amplo programa de educação básica e
técnica, voltado exclusivamente para
atender às necessidades do meio ru-
ral. Seria interessante verificar como
experiências privadas, tal como o Ser-
viço Nacional de Aprendizagem Rural
(Senar) e outros exemplos, poderiam
contribuir com essa temática.

9. Definir estratégias de incorporação pro-


dutiva do Nordeste brasileiro, levando
em consideração o semiárido nordesti-
no. Para tanto, será preciso induzir ino-
vações tecnológicas e institucionais, no
intuito de economizar o fator escasso –
água. Além disso, deve-se promover o
ambiente institucional (crédito, seguro,
extensão e educação) no Nordeste.

10. Separar a política produtiva da assis-


tencial, de modo a ganhar eficiência
em ambos os lados, ou seja, ampliar a
produção em regiões que necessitam
do apoio público e reduzir a extrema
pobreza por outras vias institucionais.

O desenvolvimento econômico brasileiro de-


pende do setor agropecuário. As sugestões aqui
apresentadas são para assegurar a qualidade do
crescimento com a sustentabilidade produtiva.
O investimento em ciência e tecnologia, assim
como a infraestrutura institucional são variáveis
centrais nesse modelo. Com o funcionamento
das instituições e com a apresentação do diag-
nóstico trazido pelo novo censo agropecuário,
os contornos propositivos identificam e sugerem
avanços nas políticas públicas que possam me-
lhorar os fatores socioeconômicos e produtivos
da sociedade brasileira.

194
15
TRAJETÓRIAS
CRIATIVAS
TRAJETÓRIAS CRIATIVAS

O
conceito de economia criativa, derivado A literatura gerada sobre economia criativa,
da ideia de indústrias criativas, é amplia- boa parte dela em forma de manuais voltados
ção do conceito de indústrias culturais para boas práticas de negócios criativos, exor-
e abrange as atividades econômicas e sociais ta o valor da criatividade como uma espécie de
articuladas a um sistema de valores culturais e ativo imprescindível para fazer girar a engrena-
a uma estrutura ocupacional. Nesse contexto, a gem dessa nova economia. Segundo os espe-
criatividade está fortemente ligada às liberda- cialistas, a noção de criatividade assegura, por-
des e capacidades, e o contexto criativo exige a tanto, o modus operandi da chamada economia
habilidade para percorrer tradições culturais de criativa. As políticas de economia criativa lidam
resolução de problemas de forma normalizada, com um conceito que é fluído e abrange ações
retendo experiências, mas também propondo da criatividade ou de atividades pós-industriais
diferentes arranjos e soluções para questões na tecnologia, na cultura, nas cidades, cujos
recorrentes (bem como para novas agendas de eixos deslizam da produção de bens para os
problemas públicos). A economia, por sua vez, setores de serviços relacionados aos insumos,
se liga às diferentes possibilidades de distribui- capacidades individuais e/ou coletivas e insti-
ções (de recursos e oportunidades) e a formas tucionalidades locais. As atividades criativas
institucionais capazes de regular o desenvolvi- são abrangentes, englobam as indústrias cul-
mento, a proteção das liberdades e a inovação. turais, produção cultural e artística, atividades
A atitude frente à criatividade e ao desenvolvi- de diferentes mídias e tecnologias da comuni-
mento com liberdade define e assegura os valo- cação. Além disso, é composta por uma grande
res sociais da economia criativa. variedade de segmentos que tem impactos so-
ciais, efeitos multiplicadores na economia dos
O industrialismo já não é o cerne da organi- territórios onde se desenvolvem e nos compor-
zação econômica, pois a urbanização crescen- tamentos culturais.
te, as necessidades técnicas da organização
da produção e do consumo, o delineamento O caso brasileiro impõe considerações adi-
e a dinamização de um amplo setor de servi- cionais importantes. A história das cidades
ços, sem esquecer o redimensionamento dos brasileiras, as interdependências territoriais e
papéis do Estado, constituem-se no polo cen- os dinamismos da Federação deram margem
tral e no fundamento material das sociedades ao desenvolvimento e ao convívio de múltiplas
contemporâneas. As redefinições das funções sociedades, com dinamismos econômicos es-
e dos instrumentos da administração pública pecíficos e estruturas ocupacionais diferen-
nas regulações econômicas aconteceram em ciadas, bem como de múltiplas capacidades
razão dos padrões de financiamento da eco- estatais locais.
nomia para responder a exigências políticas
de proteção social e qualificação do trabalho.
As formas de desenvolvimento estão associa-
das aos processos de qualificação contínua,
As políticas de economia
por meio da experiência criativa, aos sistemas
nacionais de educação, desenvolvimento de
criativa lidam com um
orçamento de pesquisa ordenada (P&D) e po- conceito que é fluído.
líticas de economia criativa.

196
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
As cidades brasileiras têm perfis popula- Para além da sua configuração física –
cional, econômico, social e político singula- edifícios, ruas, avenidas e infraestrutura de
res que diferencia cada uma delas do con- produção –, à cidade criativa também se faz
texto geral. Em muitos casos, a integração necessário explorar uma força de trabalho
do espaço urbano, caracterizado pela frag- fundada em pilares como talento e criati-
mentação, é o tema mais relevante. Em ou- vidade, tecnologia e inovação, tolerância,
tros, o desafio é a revitalização dos espaços diversidade social e cultural. Desse modo,
da cidade. Em certas situações, a reorgani- associa-se à infraestrutura urbana recursos –
zação do espaço envolve investimentos que culturais, artísticos, educacionais, informa-
sejam multiplicadores econômicos e pro- cionais e tecnológicos – que possam firmar
movam a sustentabilidade das atividades. um capital humano crítico, aberto, criativo
Sejam quais forem os objetivos, em todos e inovador. Há uma mudança de ênfase da
eles há necessidades de mobilização de ca- retórica política das indústrias culturais para
pacidades de agência do poder público, que as indústrias criativas, a partir do alargamen-
proporcione a segurança para o futuro da to do entendimento político do que é cultura
economia brasileira e da economia criativa e das relações que se pode estabelecer com
em particular. a cidade.3

Os discursos e os conceitos derivados da Os usos mais correntes da ideia de criativida-


economia criativa (cidades, bairros, classes, de no contexto da economia criativa remetem à
dimensão artística do termo, e também na ca-
clusters criativos, redes) são apropriados
pacidade de inovação produtiva, seja de tecno-
para uso político por governos mediante a
logias, de processos ou de produtos. Abordada
implementação de políticas públicas na área
sob diferentes nomes e enfoques, a economia
da economia criativa. No contexto dos argu-
criativa tem sido objeto de intensa reflexão e
mentos que dão destaque aos aspectos da
tentativas de delimitação. É possível afirmar que
criatividade no desenvolvimento da econo-
a economia criativa consiste de um conjunto de
mia, o termo criativo também tem sido ex-
atividades pós-industriais, e pode ser represen-
plorado por autores que buscam formas de tada como sendo atividades agregadoras de
organização urbana ligadas à cultura da cria- serviços não operacionais, mas finais. Elas são
tividade. A perspectiva da cidade criativa, na geradoras de emprego e renda.
visão de Charles Landry,1,2 um dos criadores
do termo, é aquela que possui não apenas
atividades das indústrias culturais e classes
criativas, mas, especialmente, um conjunto As atividades criativas são
de ferramentas de inovação urbana que per-
mita um olhar transversal para as questões
abrangentes, englobam as
da melhoria da qualidade de vida no territó- indústrias culturais,
rio tanto do ponto de vista socioeconômico
quanto sociocultural. produção cultural e
As atividades criativas são abrangentes, artística, atividades de
englobam as indústrias culturais, produção
cultural e artística, atividades de diferentes diferentes mídias e
mídias e tecnologias da comunicação.
tecnologias da comunicação.

197
Diagnóstico acerca da economia criativa é a classificação
dos seus segmentos produtivos. A primeira
A sociedade pós-industrial tem sido asso- classificação foi elaborada pelo governo bri-
ciada ao conhecimento e à informação e por tânico e inclui as seguintes atividades: publi-
essa razão é construída sob o signo da criati- cidade, arquitetura, mercado de artes e anti-
vidade, da flexibilidade e da adaptabilidade a guidades, artesanato, design, cinema, design
contextos diferenciados. As transformações de moda, software, música, artes performáti-
da economia e as necessidades de aumento cas, softwares interativos para lazer, indústria
de produtividade e de flexibilidade no uso de editorial, rádio, TV, museus, galerias e as ati-
recursos produtivos passaram a interpelar va- vidades relacionadas às tradições culturais. A
lores semelhantes. Autonomia, flexibilidade e partir desse primeiro esquema classificatório
criatividade – que, no contexto da regulação derivaram tantos outros. Até mesmo o Minis-
das relações entre capital e trabalho (e da ga- tério da Cultura (MinC) do Brasil o fez no seu
rantia de direitos sociais) ou do capitalismo esboço de um plano para desenvolvimento do
organizado, eram negativamente identificados setor, em 2011. Ainda que guardem pequenas
aos negócios, às habilidades práticas geren- diferenças no ordenamento classificatório to-
ciais, aos valores e aos interesses do capitalis- dos eles incluem as artes, as clássicas indús-
ta – são agora estimuladas e são incorporadas trias culturais e o tema mais recente das tec-
na descrição das estruturas e das qualidades nologias de informação e comunicação.
do mercado de trabalho. Mas tudo isso deve
ser apresentado com as devidas considera- A suspeita de que o Brasil tem um patrimônio
ções e os devidos cuidados. de criatividade, ou, contrariamente, uma carên-
cia, pode ser objeto de discussões e de levanta-
O que caracteriza os mundos das artes e mentos estatísticos futuros. O mais importante
da cultura em geral é a multifuncionalidade, a no momento é dizer que mapear os territórios da
flexibilidade e a intermitência. Não há dúvida criatividade permite a descrição e redescrição
que o trabalho artístico é criativo. As dúvidas da potência criativa empírica do local e a percep-
surgem quando vemos que a autonomia e a ção mais precisa do que já existe em termos de
flexibilidade podem ter um sentido negativo, atividades criativas. Grande parte das atividades
ou seja: implicam não apenas em liberdade e criativas foge da captura pelas estatísticas, seja
possibilidades de invenção e autoinvenção, pela deficiência das classificações em identificar
mas simplesmente precarização das condi- atividades e ocupações intermediárias nas ca-
ções de trabalho. Nesse quadro, processos de deias produtivas, seja pela estruturação do fenô-
qualificação, desenvolvimento de capacida- meno economia criativa.
des e de formação no campo da criatividade
devem assegurar a ampliação não apenas de As economias criativas não são apenas
competências e habilidades profissionais, mas mais abrangentes do que a economia da cul-
a internalização de múltiplos patrimônios de tura. Não se organizam em torno do que se
repertórios e de possibilidades de reorganiza- chama artes, cultura e mídias, mas sim do
ção e da potencialização dos capitais sociais conjunto de atividades criativas de produ-
na forma de trabalho em rede. As artes são o ção da economia pós-fordista. Esta abrange
núcleo e oferecem um modelo valorativo aná- as novas tecnologias, ou melhor, as ativida-
logo para a economia criativa. des da criatividade que são seu fundamento
e todo o conjunto de atividades criativas re-
A denominada economia criativa envol- lacionadas ao declínio da sociedade organi-
ve grande variedade de ocupações. Delimitar zacional ou da sociedade salarial.
suas fronteiras torna-se um desafio. Cabe ob-
servar que um dos legados do esforço analítico

198
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Quadro 1A
Classe criativa
Núcleo hipercriativo Hipercriativo Profissionais criativos

Profissões ligadas às artes, ao de- Profissões ligadas à computação e à Profissões gerenciais


sign, ao entretenimento, aos espor- matemática Profissões ligadas aos negócios e às
tes e à mídia operações financeiras
Técnicos em biblioteconomia Profissões ligadas à arquitetura e à Profissões ligadas ao direito
Técnicos em museologia engenharia Profissões técnicas e profissões liga-
Técnicos em artes gráficas das à área de saúde
Cinegrafistas Profissões ligadas às ciências bioló- Vendas e gerenciamento de vendas
Fotógrafos gicas, naturais e sociais de alto nível
Bailarinos de danças populares
Músicos e cantores populares Profissões ligadas à educação, ao
Palhaços, acrobatas e afins treinamento e à biblioteconomia
Apresentadores de espetáculos
Modelos
Técnicos esportivos
Atletas profissionais
Árbitros desportivos

Elaboração dos autores.


Obs.: Se, para Richard Florida, a classe criativa compõe-se por um núcleo hipercriativo e profissionais criativos, neste trabalho optamos por fazer ligeira adaptação:
separamos os hipercriativos em um núcleo de atividades ligadas às políticas culturais do MinC, mas adicionando atividades ligadas aos esportes (na definição
de Florida: profissões ligadas às artes, ao design, ao entretenimento, aos esportes e à mídia), e outro grupo ligado às atividades culturais mais gerais.

Quadro 1B
Classes sociais
Trabalhadores urbanos Trabalhadores de serviços Trabalhadores rurais

Profissões ligadas à construção e à Profissões de apoio à área da saúde Profissões ligadas ao cultivo da terra
extração Profissões ligadas à preparação de Profissões ligadas à pesca
Profissões ligadas a instalação, ma- alimentos e a outros serviços relacio- Profissões ligadas ao trabalho flo-
nutenção e reparo nados à alimentação restal
Profissões ligadas à produção Profissões ligadas à assistência pes- Profissões ligadas à criação de ani-
Profissões ligadas ao transporte soal mais
Profissões menos qualificadas na
área de vendas e trabalhos afins
Profissões de apoio na área adminis-
trativa
Profissões ligadas ao serviço social e
comunitário
Profissões ligadas à segurança

Elaboração dos autores.


Obs.: Mantivemos a classe trabalhadora, de serviços e agricultura, e separamos as burocracias pública e privada como grupo de status e não diretamente
ligados às classes (essas aparecerão na tabela 1A).

199
Tabela 1A
Composição de classes no Brasil
Burocracia Burocracia Classe de Classe Profissionais Centro
Ano Agricultura Hipercriativos
Privada pública serviços trabalhadora criativos Hipercriativo
2002 16.306.044 857.916 883.450 32.405.455 18.829.843 7.176.401 303.674 2.804.070
2007 16.769.571 935.463 873.170 38.339.073 21.510.849 8.140.676 370.318 3.880.191
2011 14.720.347 859.691 967.621 40.763.904 23.594.942 8.221.797 424.334 5.152.241
2015 13.312.120 1.179.721 1.100.978 41.382.417 23.198.461 8.840.102 417.157 5.930.351
Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Núcleo de Gestão de Informações Sociais (Ninsoc)/Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc)/Ipea.

Dizer que as economias criativas não se or- a situação objetiva do emprego exige um ajus-
ganizam em torno das artes não significa que tamento entre capital cultural e função, seria di-
estas não sejam um dos seus componentes fícil construir a classe criativa pelo diploma e não
fundamentais. Richard Florida, referência no as- a partir das atividades. Dessa forma, é provável
sunto, faz uma longa lista de componentes do encontrar a classe criativa nos serviços assisten-
núcleo hipercriativo. Desse núcleo, fazem parte ciais, na agricultura, nos hospitais, nas atividades
os cientistas, os professores, os poetas, os artis- bancárias, elétricas ou de infraestrutura, mas é
tas, os designers, os editores, as personalidades difícil totalizá-las em estatísticas.
culturais e os formadores de opinião. Existem
também os profissionais criativos que detêm Os dados apresentados por Richard Flori-
conhecimento especializado, como profissio- da para os Estados Unidos de 1999 indicam
4

nais de tecnologia da informação, profissionais uma participação percentual de 30% das clas-
da saúde e administradores de empresa, que, a ses criativas no total de trabalhadores daque-
depender de suas atuações, podem se aproxi- le país. Para o Brasil, o número é expressivo,
mar do núcleo hipercriativo, ao se dedicarem a mas não alcança nem de perto a dimensão
inovações ou criações de novas formas de exer- daqueles apresentados por Florida. Em 2002,
cer a profissão. a classe criativa de trabalhadores das catego-
rias definidas como criativas no Brasil atingia
As atividades das classes criativas estão des- 10 milhões de pessoas, número que salta para,
critas no quadro 1A. São caracterizadas pela pre- aproximadamente, 15 milhões de trabalhado-
sença de capacidades intensivas de resolução res, em um aumento de 3% na participação.
criativa de problemas. No núcleo criativo, estão as
profissões ligadas às artes, ao patrimônio cultural, A tabela 1A mostra a composição de clas-
estético e histórico; nas profissões hipercriativas, ses em termos absolutos. As três últimas jun-
estão as atividades ligadas às ciências exatas e à tas compõem a classe criativa. A classe de
educação; e, entre os profissionais criativos, estão serviços era constituída de 32,4 milhões de
aqueles ligados a gerência, planejamento, serviços trabalhadores em 2002 e dá um salto para
de cuidados pessoais e mediação de interesses. 41,3 milhões em 2015. O trabalho na agricul-
tura cai de 16,3 milhões de trabalhadores em
Por não conter somente atividades essen- 2002 para 13,3 milhões em 2015, e as buro-
cialmente criativas é que o núcleo hipercriativo cracias privada e pública também crescem
não é facilmente capturável nas estatísticas de no decorrer dos anos. Para a classe traba-
emprego e de atividades disponíveis no Brasil. É lhadora, também se percebe um aumento
possível inferir que os setores criativos têm entre dos seus números totais: sai de 18,8 milhões
seus componentes os mais escolarizados (diplo- de trabalhadores em 2002 e vai para 23,1 mi-
ma universitário ou pós-graduação), mas, como lhões em 2015. As divisões da classe criativa

200
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Tabela 1B
Composição de classes no Brasil
(Em %)

Burocracia Burocracia Classe de Classe tra- Profissionais Centro


Ano Agricultura Hipercriativos
Privada pública serviços balhadora criativos Hipercriativo
2002 20,5 1,1 1,1 40,7 23,7 9,0 0,4 3,5
2007 18,5 1,0 1,0 42,2 23,7 9,0 0,4 4,3
2011 15,5 0,9 1,0 43,0 24,9 8,7 0,4 5,4
2015 14,0 1,2 1,2 43,4 24,3 9,3 0,4 6,2
Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.

Tabela 1C
Variação de cada classe no Brasil
(Em %)

Burocracia Burocracia Classe de Classe tra- Profissionais Centro


Ano Agricultura Hipercriativos
Privada pública serviços balhadora criativos Hipercriativo
2002 100 100 100 100 100 100 100 100
2007 103 109 99 118 114 113 122 138
2011 90 100 110 126 125 115 140 184
2015 82 138 125 128 123 123 137 211
Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.
Obs.: 2002= 100%.

Gráfico 1
Proporção de trabalhadores com nível superior
(Em %)

Agricultura 1

Classe trabalhadora 3

Classe de serviços 10

Burocracia pública 32

Centro Hipercriativo 32

Burocracia Privada 39

Profissionais criativos 43

Hipercriativos 75

- 10 20 30 40 50 60 70 80

Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.

201
Tabela 2
Classes criativas no Brasil por região
(Em %)

Classe criativa Profissionais criativos Centro Hipercriativo Hipercriativos Classe criativa


Região/ano
2002 2007 2011 2015 2002 2007 2011 2015 2002 2007 2011 2015 2002 2007 2011 2015 2002 2007 2011 2015
Norte 4,1 5,9 6,7 6,9 5,1 5,6 5,7 5,3 5,9 5,6 4,8 5,4 4,1 5,9 6,7 6,9 4,1 5,9 6,7 6,9
Nordeste 18,6 17,0 20,9 20,4 20,3 20,1 18,4 17,6 22,1 24,1 21,2 18,1 18,6 17,0 20,9 20,4 18,6 17,0 20,9 20,4
Sudeste 52,2 52,3 48,3 48,1 51,5 50,2 51,4 51,7 51,0 43,5 50,9 54,1 52,2 52,3 48,3 48,1 52,2 52,3 48,3 48,1
Sul 17,1 16,8 15,7 16,3 15,5 16,6 16,4 17,1 15,8 19,0 17,8 15,6 17,1 16,8 15,7 16,3 17,1 16,8 15,7 16,3
Centro-oeste 8,1 7,9 8,4 8,3 7,6 7,4 8,1 8,4 5,1 7,8 5,4 6,8 8,1 7,9 8,4 8,3 8,1 7,9 8,4 8,3
Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100
Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.
Obs.: 2002= 100%.

202
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
também tiveram dinamismos positivo: os da classe de serviços (28%) e da classe tra-
profissionais criativos, que eram em torno de balhadora (23%). Os hipercriativos mais que
7,1 milhões em 2002, atingem o número de dobraram no período, enquanto que o centro
8,8 milhões em 2015; o centro hipercriativo hipercriativo teve um aumento de 37% em re-
era de 303 mil em 2002 e vai para 417 mil em lação a 2002 e os profissionais criativos regis-
2015; e os hipercriativos saem de 2,8 milhões traram aumento de 23%.
em 2002 para quase 6,0 milhões em 2015.
No que se refere ao capital educacional, o
Se fosse possível classificar e sintetizar a centro hipercriativo tem a maior escolaridade
estrutura social pelos dados construídos em média (13,8 anos de estudo). A classe traba-
uma única frase, afirmar-se-ia: somos uma so- lhadora tinha a média 7,8 anos de estudo em
ciedade de serviços. De acordo com a tabela 2015. A classe de serviços, 9,3 anos de estudos
1B, para o ano de 2015, a classe de serviços se (média). Na agricultura, a escolaridade é de 4,7
constitui em 43,4% dos trabalhadores, a dos anos. As burocracias pública e privada apresen-
trabalhadores 24,3%, e a criativa (profissio- tam escolarização média elevada, ambas com
nais criativos mais centro hipercriativo mais hi- mais de 12,0 anos de estudos. Deve-se registrar
percriativos) por 15,9% – portanto, um pouco que a escolarização aumentou no período para
maior do que os trabalhadores da agricultura. todas as classes. O gráfico 1 mostra a partici-
pação percentual de pessoas com escolaridade
Entre 2002 e 2015, conforme a tabela 1C, superior em cada classe. Entre os hipercriativos,
houve diminuição de trabalhadores na classe 75% têm ensino superior, enquanto na classe
da agricultura (18%) e aumento da burocracia trabalhadora essa porcentagem é de 3% e na
privada (38%), da burocracia pública (25%), classe de serviços, de 10%.
Figura 1
Classes criativas nos municípios brasileiros (2010)

Fonte: Censo 2010/IBGE.


Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.

203
Tabela 3
Classes criativas no Brasil por gênero, raça/etnia e qualidade do trabalho
(Em %)

Classe Profissionais criativos Centro hipercriativo Hipercriativos Total


Ano/
Negros Mulheres Informais Negros Mulheres Informais Negros Mulheres Informais Negros Mulheres Informais
Grupo
2002 28,56 47,33 25,12 39,05 24,96 73,13 24,35 60,09 32,62 45,21 41,30 46,50
2007 32,04 47,37 25,50 41,50 27,90 73,47 29,50 62,88 33,24 48,96 42,28 43,89
2011 33,81 46,86 23,91 42,10 24,95 71,78 34,97 65,52 30,61 50,38 42,17 40,94
2015 35,85 48,01 25,69 44,20 24,71 73,59 36,27 64,65 30,15 53,24 42,65 41,44
Fonte: PNAD/IBGE.
Elaboração: Ninsoc/Disoc/Ipea.
Obs.: 2002= 100%.

O dinamismo das classes varia muito de re- municípios, essa classe criativa oscila em uma
gião para região, de município para município. participação relativamente baixa. As configu-
A descrição, aqui, será apenas a classe criativa. rações de classes são complexas e muitas são
Interessa enfatizar os dinamismos e as diferen- as dificuldades de caracterizá-las sem refe-
ças de dinamismos em cada município. Ou seja, rência às estratégias de acomodação política,
as configurações locais envolverão, sempre, de- institucional e ideológicas. Seja como for, cada
senhos de ação no âmbito criativo que deverão situação municipal concreta exige atuação e
ser adequados a cada configuração específica. desenhos de ação, como já se disse singular.

De acordo com a tabela 2, a participação das Para Richard Florida, a classe criativa será
classes criativas, entre 2002 e 2015, aumenta na atraída para onde existir o talento, a tecnolo-
região Norte de 4,1% para 6,9% e na região Nor- gia e a tolerância. O autor desenvolve índices
deste, de 18,6% para 20,4%; diminui na região estatísticos para medir os três alicerces da
Sudeste de 52,2% para 48,1% e na região Sul, criatividade, estando ela associada à abertura
de 17,1% para 16,3%; e aumenta ligeiramente na para a diversidade e a valores como a tolerân-
região Centro-Oeste, de 8,1% para 8,3%. A con- cia, hospitalidade e reconhecimento das dife-
centração é evidente, dadas as características renças. A análise de exemplos de cidades que
sociodemográficas e socioeconômicas. apresentam tais características faz com que o
autor considere que os centros urbanos que
As classes são recortadas por inúmeras cli- possuem maior tolerância social são também
vagens e uma delas é a regional, como vimos. os que apresentam maior desenvolvimento so-
Outras se associam com questões de gênero, cial e econômico.
etnia e qualidade de inserção na ocupação labo-
ral. A estrutura organizacional do trabalho e das No caso brasileiro, três elementos são consi-
corporações do mundo do trabalho é extrema- derados importantes para que a criatividade flo-
mente complicada. Os desafios organizacionais resça: escolarização, presença de grupos étnicos
são imensos dada a distribuição das categorias e e de gêneros variados fazem parte da diversida-
classes no território, lembrando que cada muni- de. A mestiçagem foi associada à plasticidade e
cípio tem uma dinâmica classista específica. à tolerância em relação à presença de grupos de
formações culturais e étnicas diferenciadas.
A figura 1 apresenta a distribuição das clas-
ses criativas por sua participação em cada mu- Economia, política e ideologia fazem intersec-
nicípio. Em muitos deles, as classes criativas, ção, o que é o mesmo que dizer que classe, raça
no sentido que se tomou emprestado de Ri- e gênero são interdependentes e constituem
chard Florida, é inexistente. Em muitos outros o mesmo regime cultural de desumanização.

204
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Mas qual é o papel da economia criativa na re- Os dinamismos econômicos e sociais têm
versão dos efeitos de intolerância e violência extraordinária dependência dos governos, mas
simbólica entre os diversificados grupos cultu- é possível imaginar a reconfiguração de relações
rais e étnicos? e arranjos de articulação entre poder público e
iniciativas sociais. Entretanto, a coordenação de
Descritivamente, podemos mostrar qual é a ações, embora não exija ou pressuponha cen-
expressão dessa cultura da exclusão nas clas- tralização e uniformização de critérios de ação,
ses criativas. Ali existe diversidade, não há dú- objetivos e públicos entre unidades federativas,
vidas, mas a composição e a comparação com exige capacidade de planejamento.
outras classes revelam ainda os desafios impor-
tantes para se criar as condições de exercício A área da economia criativa não alçou a um
da criatividade pela presença da diversidade. quadro orçamentário organizado e nem esta-
beleceu capacidades de coordenação inter-
Conforme a tabela 3, os negros eram 53,2% setorial. Apesar da organicidade do Plano de
do mercado de trabalho brasileiro em 2015 – Economia Criativa, uma observação mais pró-
o aumento foi de 8% na participação em re- xima qualificaria as ações como fragmentárias
lação a 2002. Entretanto, em 2015, constituí- e dispersas, algo muito distante de uma políti-
am-se em 35,8% dos profissionais criativos, ca de economia criativa.
44,2% de participação no centro hipercriativo
e 36,2% dos hipercriativos. A participação au- É necessário criar pontos de atuação
mentou em todos os anos da análise. Por sua (institucionalidades) no governo federal, com
vez, a participação das mulheres era de 42,6% competências definidas e capazes de coor-
no total em 2015. Entre os profissionais cria- denação, que sejam dotados de instrumentos,
tivos, a participação era de 48,0%; no centro recursos e objetivos claros em cada nível de
hipercriativo, 24,7% – aqui houve diminuição atuação. A despeito do rol enorme de ações de
na participação; e no hipercriativo, 64,6%. economia da cultura e criativa no governo fe-
deral, não existe nenhum orçamento temático
No que se refere à informalidade, aponte-se
interdependente e articulado a mecanismos
a sua dimensão no mercado geral, 41,4% em
de agenciamento, coordenação e definição de
2015, queda de cinco pontos em relação a 2002
prioridades. Nenhuma avaliação ou sistema de
(46,5%). Entre os profissionais criativos, a infor-
pesquisa de médio e longo prazos foi desenha-
malidade era de 25,6% em 2015; entre os do cen-
do para a criação de capacidades de governo.
tro hipercriativo, 73,5%; e no hipercriativo, 30,1%.
Nenhuma iniciativa de institucionalização foi
É necessária cautela para qualquer inferência
efetiva. As escassas pesquisas e avaliações re-
generalizante aqui, em razão da natureza das ati-
alizadas são descontinuadas e órgãos gover-
vidades, que são mais intermitentes. Entretanto,
em um olhar tradicional da proteção do trabalho, namentais foram pouco receptivos a propo-
os desafios são, no mínimo, significativos. sições e críticas. O desenho de estruturas de
pesquisa e de avaliação deve considerar que
elas fazem parte da arquitetura de governan-
Desafios para as políticas ça. As críticas, amparadas em monitoramento e
públicas avaliação, fazem parte de processos reflexivos e
de aprendizagem institucional e, por essa razão,
Os instrumentos de políticas públicas para a devem ser contínuas e dialógicas e, sobretudo
economia criativa são muito variados e têm di- adequadas às escalas de atuação da política.
ferentes alcances. As capacidades de agência
(institucionais), a educação e a qualificação Deve ser reservado lugar especial a progra-
(capacidades sociais) são os principais instru- mas de ação organizados em quadro de priori-
mentos de um programa de economia criativa. dades e objetivos hierarquizados que estejam

205
associados ao indispensável estímulo para de mobilidade socioeconômica e atuação es-
atuação em rede e para a gestão. A orientação tratégica. As classificações de atividades eco-
para projetos pontuais e a sua dispersão em nômicas (CNAE)5 e brasileiras de ocupações
diferentes estruturas institucionais despende (CBO)6 e as demais estatísticas vigentes como
recursos e criatividade institucional. Por essa o Perfil dos Municípios Brasileiros (MUNIC)
razão, a organização programática deve ser (suplemento de cultura) não abarcam as com-
seguida de institucionalização de mecanismo plexidades da cultura. É necessário acumular
de gestão e agenciamento de ações interse- pesquisas e rever as classificações que orga-
toriais e transversais. Isso significa a necessi- nizam as pesquisas e os levantamentos atuais
dade de criação de estruturas administrativas de forma a retratar, adequadamente, ativida-
adequadas, com competências definidas e de des, agentes, profissões, bens e serviços que
recursos de agência. compõem o setor criativo brasileiro.

Os estímulos governamentais ensejarão a Mercado de trabalho


necessidade de pessoas qualificadas, desenho
de cursos superiores e técnicos que respondam Propomos três linhas, embora não excluden-
às demandas dinamizadas pelo apoio público. tes, para a atuação sobre o trabalho criativo.
A universidade não pode ser sobrecarregada A primeira diz respeito aos trabalhos de ges-
com expectativas excessivas no que tange à tão e apoio ao trabalho criativo, especialmente
formação direcionada para a economia criati- àqueles ligado às atividades não propriamente
va, mas pode responder a desenvolvimento de artísticas. A segunda linha refere-se ao desen-
paradigmas de gestão em rede, consultorias volvimento de capacidade de análise, mobili-
especializadas e pesquisas avaliativas. zação de recursos técnicos, jurídicos e econô-
micos, bem como de formatação de modelos
A delimitação de currículos transversais de negócios alternativos àqueles exigidos pela
direcionados à economia criativa e abertos economia da cultura. Do lado da administração
às participações flexíveis e especiais, bem pública, é fundamental o desenvolvimento de
como a oferta de cursos e oficinas direciona- capacidades de atuação em rede de forma de
das para a sociedade civil não universitária, deixar a iniciativa da ação aos agentes priva-
deverá ampliar capacidades na área. De modo dos da sociedade civil e, ao mesmo tempo, de-
geral, a política universitária não é responsiva sempenhando capacidade de agência, ou seja,
a necessidades específicas, por essa razão o coordenação, incentivo e de logística.
estímulo a ofertas direcionadas para questões
e demandas pontuais deve ensejar a criação A terceira linha corresponde à proteção
de novas formas institucionais flexíveis, mas do trabalhador criativo. Esse trabalho é ca-
contínuas de qualificação. Arquitetura análo- racterizado pela flexibilidade, adaptabilidade,
ga deverá ser pensada para as ações de P&D, versatilidade, autonomia, multifuncionalida-
fortemente relacionadas às transformações da de e intermitência. Os trabalhadores criativos
economia e da cultura. valorizam esses aspectos, mas, muitas vezes,
essas situações confundem-se com proces-
Monitoramento sos de precarização de condições de trabalho,
Um dos desafios enfrentados pelas políticas marcas da informalidade, baixa remuneração,
públicas voltadas para a economia criativa é descontinuidade das contratações e presta-
a defasagem das classificações de atividades ções de serviço. Desse modo, é necessário
e ocupações em relação aos dinamismos do criar formas de proteção e que preservem os
mercado contemporâneo. Disso decorrem difi- trabalhadores criativos das inseguranças do
culdades para mensuração, acompanhamento mercado de trabalho.

206
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
Fomento tica o incentivo às redes de articulação e coope-
ração das atividades criativas, com a participação
A proposição de políticas públicas voltada
de diferentes atores, voltadas para a empregabi-
para atender à demanda por recursos pode
lidade criativa, e que ainda registre a trajetória e
ser estruturada em torno políticas de acesso a
o avanço de empreendimentos, projetos e ideias
crédito intermediado por instituições financei-
sobre criatividade e inovação. O acompanha-
ras, fomento direto e indireto. Com relação ao
mento de ações dessa natureza e o acúmulo de
acesso a crédito, uma das maiores dificulda-
experiências permitirão o desenvolvimento de
des desses empreendimentos é a percepção
modelos de negócios, metodologias, processos e
de risco e a ausência de garantias, o que pode
ferramentas de gerenciamento mais adequadas
ser contornado com a presença de mecanismo
e propícias aos empreendimentos criativos.
de aval e com a participação do poder público,
com a criação de linhas de financiamento pró-
prias, institutos de aval de crédito ou mesmo Capacitação
institutos voltados especialmente para o finan- Os processos de capacitação no âmbito da
ciamento dos empreendimentos criativos. economia criativa devem considerar as ca-
racterísticas do trabalho criativo e, no âmbito
Os principais instrumentos de fomento dire- público, as necessidades de atuação em rede.
to e indireto são subvenções, editais e bolsas, Em relação aos processos específicos de ca-
por meio de incentivos fiscais como facilitação pacitação, é necessária a aproximação com as
ou isenção do pagamento de impostos de em- universidades no desenho de processos pe-
preendimentos criativos. Esses, em geral, se dagógicos, processos didático-pedagógicos
dão através de editais públicos – prêmios, apoio e materiais de aprendizado adequados às ne-
ao desenvolvimento de estudos e pesquisas, cessidades da economia criativa, de atuação
iniciativas empreendedoras, projetos de
em rede, em territórios específicos, nas mode-
incubadoras, formação de profissionais criativos.
lagens singulares dos negócios etc.
O financiamento de atividades criativas
pode potencializar resultados caso se associe Proposições
a instrumentos de planejamento de ações em
rede, com a definição de prioridades e obje- O que podemos esperar de uma sociedade, ci-
tivos, instrumentos de coordenação e de sis- dade ou economia que se diz criativa?
temas de monitoramento que sejam capazes
de criar continuidade e institucionalidade, que A retórica da criatividade e da inovação
vençam a fragmentação e a pouca organicida- opera na produção de sentidos em que alguns
de do conjunto de ações. elementos auxiliam a dimensionar os resulta-
dos que se pode esperar. Valores como inte-
Outra ação de estímulo e promoção do setor gração e coesão social, tolerância e acolhimen-
criativo em termos de políticas públicas consis- to do diferente, cooperação, desenvolvimento
te no desenvolvimento ou reconhecimento de de liberdade, proteção social, sustentabilidade
iniciativas já existentes, de plataformas de ar- e melhoria da qualidade de vida fazem parte
ticulação e conteúdo que funcionem para o in- dos objetivos da economia criativa. Contudo,
tercâmbio de ideias, aprendizado e qualificação a construção desta ambiência requer não só
profissional, troca e contratação de serviços, pro- uma ampla infraestrutura urbana – moradia,
dução de eventos e encontros sobre economia transporte, emprego, renda, educação – como,
criativa. Reconhecer e fomentar iniciativas exis- sobretudo, um conjunto de condições morais,
tentes, assim como desenvolver plataformas em intelectuais, culturais e sociais que influencia a
segmentos que ainda não contam com iniciativas vida das pessoas do mesmo modo que os ser-
do tipo, significa incorporar como prioridade polí- viços básicos essenciais a uma sociedade.

207
As relações entre que normalmente escapam às mensurações
macroeconômicas realizadas por órgãos como
economia criativa, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Isso permitiria monitorar adequada-
sustentabilidade e mente o desenvolvimento do setor criativo no
país, além de reunir subsídios para se pensar
inclusão social dependem em estratégias de internacionalização e de tro-
cas internacionais favoráveis ao Brasil.
de trocas comerciais
Fortalecimento institucional
justas, da construção de Desenvolvimento de capacidades institucio-
uma cultura comum e da nais e de agenciamento do poder público para
proporcionar que os diversos arranjos produti-
compreensão de que os vos e modelos de negócio, assim como a força
produtiva neles empenhada, sejam fonte de
que estão presentes no aprendizado e de gestão em rede. O objetivo é
o fortalecimento do mercado de trabalho criati-
mundo comum ocupam vo, para que, em perspectiva internacional, não
nele diferentes lugares. sejam reproduzidas as assimetrias causadas
pela divisão internacional do trabalho – que,
atualmente, é muito influenciada pelo nível
Tal ambiente se ergue primordialmente em de desenvolvimento de negócios criativos em
um contexto de governança democrática dos cada país e pelo fluxo de royalties derivados de
recursos e serviços e se traduz no engajamento direitos de propriedade intelectual no comér-
comunitário na resolução de problemas urbanos cio internacional.
e participação do cidadão nas decisões políticas.
No cenário atual de competitividade acirrada, Incentivos financeiros para o setor criativo
as relações entre economia criativa, sustenta- Criação de institutos de aval de crédito e/ou de
bilidade e inclusão social dependem de trocas financiamento das indústrias criativas, através
comerciais justas, da construção de uma cultura de parcerias público-privadas: institutos com-
comum e da compreensão de que os que estão postos por várias empresas, bancos públicos
presentes no mundo comum ocupam nele dife- e privados com conselho formado especifica-
rentes lugares, ou seja, o comum não é partilhado mente para avaliar o setor criativo e o poten-
da mesma forma por todos. Em termos práticos, cial de negócio de determinadas ideias para o
podemos elencar os resultados a seguir. acesso ao crédito financeiro. Uma alternativa
para sanar o baixo interesse do setor bancário
Sistema de monitoramento de dados e estatísticas em financiar empreendimentos dessa nature-
Desenvolvimento de sistema de monitoramen- za, dado o risco envolvido, é fazer com que o
to de dados e estatísticas com recorte para o instituto subsidie parte do prejuízo proveniente
setor da economia criativa com metodologia da inadimplência de ideias que não alavanca-
própria que permita comparabilidade inter- ram. Empresas como Banco Nacional de De-
nacional. Importante ter dados não apenas senvolvimento Econômico e Social (BNDES),
quantitativos, mas também qualitativos dada Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal
a especificidade da cultura e do setor criativo. (Caixa) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro
Isso porque o setor se organiza em torno de e Pequenas Empresas (Sebrae) são algumas
redes de colaboração e prestação de serviços das instituições aptas para compor a lista de

208
Sustentabilidade e Competitividade Setorial
parceiros para o desenvolvimento de uma po- cultura, em geral, aumenta as aptidões artísticas
lítica de financiamento do setor criativo com e críticas dos indivíduos ao estimular suas com-
propostas de acesso ao crédito. petências criativas, talentos inovadores, sensibi-
lidade estética, habilidades sociais e de comuni-
Legislação, políticas de fomento, proteção e cação dos jovens ainda no período escolar.
regulamentação do trabalho criativo
Novas tecnologias: implementação nas es-
Legislação/proteção: desenvolvimento de mar- colas de ensino médio de processos de capaci-
cos legais – tributários, previdenciários, traba- tações tecnológicas, novas tecnologias e letra-
lhistas e de propriedade intelectual – para os mento digital que auxiliem o jovem a explorar
setores criativos brasileiros. as várias potencialidades oferecidas pela in-
ternet e pelo mundo virtual.
Fomento: elaboração de políticas públicas
fruto de planejamento e coordenações inter- Transdisciplinaridade: promoção de pen-
setoriais cujos instrumentos incluam editais samento sistêmico, senso crítico dos ado-
públicos de fomento aos empreendimentos e lescentes, atitude empreendedora e atuação
profissionais, incubadoras, pesquisas e estu- colaborativa diante dos problemas sociais ao
dos sobre o setor criativo. transcender a educação formal e dar ênfase
maior a abordagem transdisciplinar.
Valorização: desenvolvimento (ou apoio a ini-
ciativas já existentes) de plataformas de conteú-
do que proporcionem articulação e qualificação
profissional, e que sistematizem experiências e O fortalecimento da
modelos de negócios voltados para empreendi-
mentos criativos em diversos segmentos. economia criativa
Educação depende do aumento e da
Desenvolvimento de rede de escolas criativas, ampliação das capacidades
eventos e plataformas de articulação e inter-
câmbio de ideias capazes de qualificar com- criativas, estéticas e
petências criativas de acordo com os diversos
segmentos e as áreas específicas de atuação. intelectuais dos indivíduos.
Ensino médio Tais capacidades são
Acesso à cultura: desenvolvimento de propos- exploradas e instigadas
tas, nas escolas de ensino médio, que aumen-
tem o contato dos adolescentes com artes per- através da promoção do
formáticas, artes eruditas e populares, saberes
tradicionais, música, literatura, filosofia, poesia, acesso dos jovens aos
museus, softwares interativos para o lazer e
para o ensino, dentre outras. O fortalecimento conteúdos, bens e
da economia criativa depende do aumento e da
ampliação das capacidades criativas, estéticas serviços culturais.
e intelectuais dos indivíduos. Tais capacidades
são exploradas e instigadas através da promo-
ção do acesso dos jovens aos conteúdos, bens
e serviços culturais. É sabido que o acesso à

209
NOTAS

1. É Preciso Reconstruir os Pilares do Federalismo 7. COELHO, I. Tributação e desenvolvimento


Brasileiro dos mercados financeiros e de capitais no
Brasil. Palestra Corecon/SP, março de 2015.
1. Organizada por Fernando Antônio Rezende Disponível em: <http://bit.ly/1k1C3qr>.
da Silva.
8. APPY, B. Impactos distributivos da tributação
2. Reforma da Tributação da Renda das Pessoas da renda. Estado de São Paulo, São Paulo,
Jurídicas, Regimes Especiais e Isenção da 27 dez. 2016. Disponível em: <https://goo.
gl/24p5nD>.
Distribuição dos Lucros e Dividendos
9. BRASIL. Lei no 9.249, de 26 de dezembro
1. A mesma lei criou o juros sobre o capital de 1995. Altera a legislação do imposto de
próprio (JCP), um mecanismo que permite a renda das pessoas jurídicas, bem como da
dedução de uma porcentagem do valor capi- contribuição social sobre o lucro líquido, e dá
talizado na empresa, como forma de equipa- outras providências. Brasília: Congresso Na-
rar o pagamento de juros no financiamento cional, 1995. Disponível em: <https://goo.
por meio de empréstimo. Ambas as medidas gl/qJxZqg>.
– isenção dos dividendos e criação do JCP –
foram tomadas de forma coordenada no âm- 10. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado
bito da implementação de uma reforma do de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis-
imposto de renda da PJ. ponível em: <https://goo.gl/hzmyEi>.
2. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERA-
11. AFONSO, J. R.; LUKIC, M. S. R. Tributação
ÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.
da renda das pessoas jurídicas no Brasil
Fundamental Reform of Corporate Income
e os juros sobre o capital próprio. Curitiba:
Tax. 2007. Disponível em: <https://goo.gl/
Juruá, 2016.
gAEry7>.
12. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado
3. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERA-
de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis-
ÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.
Fundamental Reform of Corporate Income ponível em: <https://goo.gl/hzmyEi>.
Tax. 2007. Disponível em: <https://goo.gl/
13. APPY, B. Tributação e produtividade no Brasil.
v3x9ru>.
In: BONELLI, R.; VELOSO, F.; PINHEIRO, A. C.
4. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO (Orgs.). Anatomia da produtividade no Bra-
E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Funda- sil. Rio de Janeiro: Elsevier; FGV/Ibre, 2017d.
mental Reform of Corporate Income Tax. 2007.
Disponível em: <https://goo.gl/TyvnSL>. 14. APPY, B. Tributação e produtividade no Brasil.
In: BONELLI, R.; VELOSO, F.; PINHEIRO, A. C.
5. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO (Orgs.). Anatomia da produtividade no Bra-
E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Funda- sil. Rio de Janeiro: Elsevier; FGV/Ibre, 2017d.
mental Reform of Corporate Income Tax. 2007.
Disponível em: <https://goo.gl/TyvnSL>. 15. BRASIL. Constituição da República Federati-
Notas

va do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Brasí-


6. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO lia: Assembleia Constituinte, 1988. Disponí-
E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Funda- vel em: <https://goo.gl/CG9J7E>.
mental Reform of Corporate Income Tax. 2007.
Disponível em: <https://goo.gl/TyvnSL>. 16. O limite atualmente é de R$ 4,8 milhões.

211
17. Segundo dados da Receita Federal, em ja- 20. DUTZ, M. et al. Business support policies
neiro de 2018, a quantidade de optantes do in Brazil: large spending, little impact. World
Simples Nacional era de 12.538.217. Dispo- Bank Group, nov. 2017. (Background Paper).
nível em: <https://goo.gl/EY35kz>.
21. DUTZ, M. et al. Business support policies in
18. FAJNZYLBER, P.; MALONEY, W. F.; MONTES- Brazil: large spending, little impact. World
-ROJAS, G. W. Does formality improve mi- Bank Group, nov. 2017. (Background Paper).
cro-firm performance? Evidence from the
Brazilian SIMPLES Program. Journal of De- 22. RFB – RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arre-
velopment Economics, v. 94, p. 262-276, cadação do Simples Nacional em 2015 –
2011; MONTEIRO, J. C. M.; ASSUNÇÃO, J. J. Inclusão de novos setores, efeitos no lucro
Coming out of the shadows? Estimating the presumido/lucro real e impactos do PLP
impact of bureaucracy simplification tax cut 25/2007. Brasília: RFB, 24 ago. 2015. Dis-
on formality in Brazilian microenterprises. ponível em: <https://goo.gl/psL6ef>.
Journal of Development Economics, v. 99,
p. 105-115, 2012; PIZA, C. Revisiting the 23. RFB – RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arre-
impact of the Brazilian SIMPLES program on cadação do Simples Nacional em 2015 –
firm’s formalization rates. The World Bank, Inclusão de novos setores, efeitos no lucro
2016. (Policy Research Working Paper Se- presumido/lucro real e impactos do PLP
ries, n. 7605). 25/2007. Brasília: RFB, 24 ago. 2015. Dis-
ponível em: <https://goo.gl/psL6ef>.
19. Paes (2014) investigou a evolução da ar-
recadação do Simples Nacional e mostrou 24. RFB – RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Arre-
evidências sobre o impacto desse programa cadação do Simples Nacional em 2015 –
cotejando as receitas com a contrapartida do Inclusão de novos setores, efeitos no lucro
aumento do gasto tributário e comparando o presumido/lucro real e impactos do PLP
seu desempenho com aquele apresentado 25/2007. Brasília: RFB, 24 ago. 2015. Dis-
pelo regime anterior, o Simples. No período ponível em: <https://goo.gl/psL6ef>.
de 2001 a 2010, a arrecadação do Simples
Nacional cresceu quase 20% ao ano, muito 25. BARBOSA FILHO, F. H.; LUKIC, M. R. Impacto
acima da média da taxa de crescimento dos de regimes simplificados de tributação na
demais tributos analisados e três vezes maior produtividade: uma análise do Simples Na-
do que a taxa real de crescimento de toda a cional. Rio de Janeiro: FGV, 2018.
arrecadação (Paes, 2014). Este patamar de
arrecadação indicaria que o Simples Nacional 26. AFONSO, J. R.; PINTO, V. C.; LUKIC, M. S. R. O
colaborou para o desenvolvimento e o cresci- trabalho pela pessoa jurídica: muito além da
mento das empresas optantes. Segundo o au- reforma trabalhista. Revista dos Tribunais,
tor, “as empresas dentro do regime consegui- São Paulo, v. 106, n. 985, p. 187-210, nov.
ram crescer de forma mais rápida do que as 2017.
de fora do regime, e isso se refletiu no maior
crescimento do pagamento de impostos por 27. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado
estabelecimento” (Paes, 2014, p. 551). Já no de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis-
que diz respeito à renúncia fiscal do Simples ponível em: <https://goo.gl/hzmyEi>.
Nacional, Paes demonstrou um crescimento
desta a taxas quase duas vezes maiores do 28. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado
que a do crescimento da arrecadação den- de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis-
tro do regime simplificado. Com a introdução ponível em: <https://goo.gl/hzmyEi>.
do Simples Nacional, a relação entre arreca-
dação/renúncia fiscal, que estava abaixo de 29. CASTRO, F. A.; BUGARIN, M. S. A progressivi-
dade do imposto de renda da pessoa física
R$ 0,40, passou para um patamar superior a
no Brasil. Estudos Econômicos, São Paulo,
R$ 0,80 de renúncia por real arrecadado em
v. 47, n. 2, p. 259-293. abr./jun. 2017. Dis-
2010 (Paes, 2014).

212
ponível em: <http://bit.ly/2vmWq8s>. Aces- 8. POLITI, R. B.; MATTOS, E. Competição vertical
so em: 9 ago. 2017. e horizontal no Brasil: uma análise empírica
das interações fiscais no mercado de cigarro
30. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado e gasolina. Pesquisa e Planejamento Eco-
de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis- nômico, v. 42, n. 2, p. 61-91, 2012.
ponível em: <https://goo.gl/hzmyEi>.
9. BESLEY, T.; ROSEN, H. Vertical externali-
31. APPY, B. Tributação dos dividendos. Estado ties in tax setting: evidence from gasoline
de São Paulo, São Paulo, 25 jul. 2017b. Dis- and cigarettes. Journal of Public Econo-
ponível em: <https://goo.gl/BtYr4L>. mics, v. 70, n. 3, p. 383-398, 1998.
3. Competição Fiscal, Guerra Fiscal e Federalismo 10. ARROYO, J. M.; JIMÉNEZ, J. P.; MUSSI, C. Re-
no Brasil venue sharing: the case of Brazil’s ICMS.
Santiago: Cepal, 2012. (Eclac – Serie Ma-
1. Nessas últimas categorias estão, por exem- croeconomia del Desarrollo, n. 121).
plo, obras de infraestrutura, como estradas
e ferrovias; estatais e autarquias, como a 11. MELLO, L. The Brazilian “tax war’’: the case
Petrobras e as universidades federais ou es- of value-added tax competition among the
taduais; e mesmo financiamentos do Banco States. Public Finance Review, v. 36, n. 2,
Nacional de Desenvolvimento Econômico e p. 169-193, 2008.
Social (BNDES).
12. ARROYO, J. M.; JIMÉNEZ, J. P.; MUSSI, C. Re-
2. Como regra geral, o termo “guerra fiscal” venue sharing: the case of Brazil’s ICMS.
será utilizado no contexto da abordagem Santiago: Cepal, 2012. (Eclac – Serie Ma-
tradicional das finanças públicas e o termo croeconomia del Desarrollo, n. 121).
“competição fiscal” será adotado no con-
texto da abordagem de Buchanan para a 13. ELLERY JUNIOR, R.; NASCIMENTO JÚNIOR, A.
questão ou quando de análises do autor Análise do ICMS e a questão federativa. In:
desse capítulo. IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA. Tributação no Brasil: estudos,
3. VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem ideias e propostas. Brasília: Ipea, 2017. Dis-
ganha e quem perde. Planejamento e Políti- ponível em: <https://goo.gl/LSxTAS>.
cas Públicas, n. 15, p. 4-15, 1997.
14. Uma regressão entre a variação da alíquota
4. FELD, L. James Buchanan’s theory of federa- efetiva e a alíquota efetiva resulta em um
lism: from fiscal equity to the ideal political or- coeficiente de -15,89 para a alíquota efetiva
der. Constitutional Political Economy, v. 25, em 1997; a estatística t é de -5,99.
n. 3, p. 231-252, 2014.
15. ELLERY JUNIOR, R.; NASCIMENTO JÚNIOR, A.
5. BUCHANAN, J.; MUSGRAVE, R. Public finan- Análise do ICMS e a questão federativa. In:
ce and public choice: two contrasting vi- IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
sions of the State. MIT press, 1999. (CESifo APLICADA. Tributação no Brasil: estudos,
Book Series). ideias e propostas. Brasília: Ipea, 2017. Dis-
ponível em: <https://goo.gl/LSxTAS>.
6. KEEN, M. J.; KOTSOGIANNIS, C. Does federa-
lism lead to excessively high taxes? The Ame- 16. VARSANO, R. A guerra fiscal do ICMS: quem
rican Economic Review, v. 92, n. 1, p. 363- ganha e quem perde. Planejamento e Políti-
370, 2002. cas Públicas, n. 15, p. 4-15, 1997.
Notas

7. CAMPOS, R. H.; KLOECKNER, R. F. R. Vertical 17. O Confaz é presidido pelo ministro da Fazen-
tax competition in Brazil: empirical evidence da e conta com todos os secretários de Fa-
for ICMS and IPI in the period 1995-2009. zenda estaduais em sua composição.
Economia, v. 16, n.1, p. 111-127, 2015.

213
18. Além de dois terços de aprovação por parte 7. SAMPAIO, D. Desindustrialização e desenvol-
dos estados, a lei exige pelo menos um ter- vimento regional no Brasil (1985-2015). In:
ço de votos favoráveis dos estados de cada MONTEIRO NETO, A.; CASTRO, C.; BRANDÃO,
região do país. C. A. (Orgs.). Desenvolvimento regional no
Brasil: políticas, estratégias e perspectivas.
4. Desenvolvimento Territorial e Crescimento Brasília: Ipea, 2017.
Inclusivo: avaliação de políticas e propostas
de aperfeiçoamento 8. MONTEIRO NETO, A.; SILVA, R. O.; SEVERIAN,
D. Região e indústria no Brasil: continuida-
1. Conforme conceito utilizado por Myrdal de da “desconcentração concentrada”. Bra-
(1960) em Teoria econômica e regiões sub- sília: Ipea, 2018. Mimeo.
desenvolvidas. Rio de Janeiro: Instituto Su-
perior de Estudos Brasileiros, 1957. 9. OECD – ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO
E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. How re-
2. Ver texto clássico sobre o tema: Cano e Wil- gions grow: trend and analysis. Paris: OECD,
son (1998). Desequilíbrios regionais e con- 2009a; ______. Regions matter: economic
centração industrial no Brasil – 1930-1995. recovery, innovation and sustainable growth.
Campinas: Unicamp, 1985. Paris: OECD, 2009b.

3. Conforme MONTEIRO NETO, A. Federalismo 10. A preocupação com o tema, bem como a
e distribuição intergovernamental de recur- prioridade dada na agenda de desenvolvi-
sos no Brasil: um mapa do padrão de atua- mento da OCDE, ficou clara com a criação
ção federal no território no período recente do documento Regional outlook, em 2011, o
(2000-2015) – Região Nordeste perspecti- qual vem sendo publicado anualmente des-
va. In: MONTEIRO NETO, A.; CASTRO, C. N.; de então. Em 2016, por exemplo, o tema da
BRANDÃO, C. A. (Org.). Desenvolvimento publicação foi “Regiões produtivas para so-
regional no Brasil: políticas, estratégias e ciedades inclusivas” (OECD – ORGANIZAÇÃO
perspectivas. Rio de Janeiro: Ipea, 2017. PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO. Regional outlook 2016: pro-
4. Para dados sobre o desenvolvimento huma- ductive regions for inclusive societies. Paris:
no, ver Atlas do Desenvolvimento Humano OECD, 2016.).
no Brasil. Disponível em: <https://goo.gl/
4dxXbs>. Para indicadores de vulnerabilidade 11. O tratamento detalhado e aprofundado da
social, acessar o Atlas da Vulnerabilidade So- questão urbana é realizado em capítulo es-
cial do Brasil. Disponível em: <https://goo.gl/ pecífico desta coletânea Desafios da nação,
VwqeBh>. intitulado Cidades brasileiras: diagnóstico e
desafios.
5. Sobre a região Nordeste: GOMES, G. M.; VER-
GOLINO, J. R. A macroeconomia do desen- 12. Os dados de investimento público federal
volvimento nordestino: 1960/1994. Brasília: regionalizados foram gentilmente disponibi-
Ipea, 1995. (Texto para Discussão, n. 372); e lizados para este estudo do projeto Desafios
sobre a Amazônia: GOMES, G. M.; VERGOLI- da nação pelo pesquisador do Ipea Nelson
NO, J. R. Trinta e cinco anos de crescimen- Zackseski, no âmbito do projeto “Regionali-
to econômico na Amazônia (1960/1995). zação do Investimento Público Federal”, em
Brasília: Ipea, 1997. (Texto para Discussão, curso na Diretoria de Estudos Regionais, Ur-
n. 533). banos e Ambiental (Dirur).

6. MONTEIRO NETO, A.; SILVA, R. O. (2018). Des- 13. As ideias aqui sintetizadas estão baseadas em
concentração territorial e reestruturação proposições contidas em diversos estudos re-
regressiva da indústria no Brasil: padrões e centes sobre avaliações da política regional bra-
ritmos. Brasília: Ipea, 2018. (Texto para Discus- sileira – sob as dimensões do uso de recursos,
são, n. 2402). das estratégias perseguidas, dos resultados

214
obtidos e das sugestões para alteração de de força de reserva (tratada a seguir), op-
objetivos –, em autores nacionais como: COE- tamos por não apresentá-la de forma inde-
LHO, V. A política regional no governo Lula pendente neste texto.
(2003-2010). In: MONTEIRO NETO, A.; CAS-
TRO, C. N.; BRANDÃO, C. A. Desenvolvimen- 4. As funções primárias das Forças Armadas
to regional no Brasil: políticas, estratégias e brasileiras contribuem para o fortalecimen-
perspectivas. Brasília: Ipea, 2017; ALVES, A. to tanto da soberania econômica como da
M.; ROCHA NETO, J. M. A nova Política Nacio- soberania político-institucional do país. Mas,
nal de Desenvolvimento Regional – PNDR II: no que tange às funções subsidiárias, ainda
entre a perspectiva de inovação e a persistên- é possível classificá-las de acordo com seu
cia de desafios. Revista Política e Planeja- maior efeito sobre alguma dessas dimen-
mento Regional, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. sões da soberania. Assim, as funções de
311-338, jul./dez. 2014. Foram consideradas controle de tráfego aéreo, obras e serviços
também experiências da política regional na de engenharia, proteção de infraestruturas
União Europeia e em países da OCDE, em tex- críticas e fortalecimento da base industrial
tos da OCDE citados e em BACHTLER, J. F. et de defesa remetem mais diretamente à di-
al. Towards Cohesion Policy 4.0 – Structural mensão da soberania econômica do Brasil.
transformation and inclusive growth. Regional Por seu turno, as funções de patrulha de
Studies Association – Europe, 2017. (Working fronteira, guarda-costeira e polícia hidroviá-
Paper, jun. 2017). ria, integração territorial e força de reserva
contribuem para fortalecer, sobretudo, a
5. Defesa Nacional, Soberania e Produtividade dimensão político-institucional da soberania,
reforçando interna e externamente o papel
1. Segundo o Manual Básico da Escola Supe- do Estado brasileiro como representante le-
rior de Guerra (2009, p. 25), soberania sig- gítimo dos interesses da sociedade.
nifica a “manutenção da intangibilidade de
uma nação, assegurada a capacidade de 5. Os prejuízos financeiros não são o único im-
autodeterminação e de convivência com as pacto negativo na produtividade. O tempo
demais nações em termos de igualdade de gasto pelas vítimas de crimes cibernéticos
direitos, não aceitando qualquer forma de in- para o tratamento do incidente é, em média,
tervenção em seus assuntos internos, nem de 33,9 horas no Brasil, bem acima das 23,6
participação em atos dessa natureza em re- horas da média mundial. São mais de qua-
lação a outras nações”. tro dias de trabalho perdidos por ano. Com
uma estimativa de 62,2 milhões de crimes
2. Inovação tecnológica deve ser compreendi- cibernéticos somente em 2017, as vítimas
da em sentido amplo, não se limitando ao brasileiras perderam um total de mais de 2
campo econômico, mas também ao insti- bilhões de horas ou 263 milhões de dias de
tucional. Conforme o Manual de Oslo, uma trabalho e lazer naquele ano.
inovação é a implementação de um produto
(bem ou serviço) novo ou significativamen- 6. As possibilidades de criação de uma nova
te melhorado, ou um processo, ou um novo força cibernética e de uma arma de defesa
método de marketing, ou um novo método cibernética na estrutura do Exército brasilei-
organizacional nas práticas de negócios, na ro já foram debatidas pelos militares brasilei-
organização do local de trabalho ou nas rela- ros. Entretanto, ambas as propostas enfren-
ções externas. tam dificuldades políticas e operacionais.

3. A Lei Complementar no 97 também prevê 7. O Decreto no 9.455, de 1o de agosto de 2018,


como função subsidiária a cooperação soluciona parte do problema, permitindo a
Notas

com órgãos federais na repressão a deli- incorporação, no posto de major do Exército,


tos. Uma vez que esta função já está englo- de brasileiros com reconhecida competência
bada na função de patrulhamento da faixa técnico-profissional ou com notória cultura
de fronteira, e, em menor grau, também na científica, em caráter voluntário e temporário,

215
por um período de até oito anos. O venci- possuam preços e/ou prazos fixos, que per-
mento determinado para o cargo pela nova mitam melhor comparação entre si. Contudo,
legislação, de R$ 10.472,00, é compatível no caso de setores intensivos em tecnologia
com o salário médio pago pelo mercado aos como o aeroespacial, equipamentos, siste-
especialistas de segurança da informação, mas e serviços, em geral, não existem e pre-
podendo atrair bons profissionais. Contudo, cisam ser desenvolvidos, podendo apenas
a gestão especializada ainda carecerá de ser parcialmente fornecidos pelo mercado.
pessoal permanente e com experiência. Os Usualmente não há oferta nacional desses
salários de especialistas no Brasil variam de bens, sendo necessário o desenvolvimento
R$ 3 mil a R$ 16 mil, enquanto os cargos de autônomo ou a importação, o que torna mais
gestão pagam entre R$ 15 mil e R$ 40 mil. difícil a contratação por meio de prazos e
Esses salários ainda estão bem abaixo da preços fixos, uma vez que estes orçamentos
realidade internacional. Nos Estados Unidos, e cronogramas não são compatíveis com os
os salários de variam de US$ 1.700 a US$ processos de P&D típicos do setor.
12.700 para especialistas e podem chegar
a US$ 24 mil para um diretor. A tendência 11. ANDRADE, I. O. et al. O Centro de Lançamen-
mundial, inclusive no Brasil, tem sido de au- to de Alcântara: abertura para o mercado in-
mento dos salários na área, ao mesmo tem- ternacional de satélites e salvaguardas para
po em que as habilidades e responsabilida- a soberania nacional. Brasília: Ipea, 2018.
des estão cada vez mais desafiadoras. (Texto para Discussão, n. 2423).

8. O Regime de Controle de Tecnologia de Mís- 12. No que concerne à celebração de acordos


seis, conhecido internacionalmente como e às negociações para comercialização do
MTCR, é um acordo das grandes potências CLA, cabe ao Estado brasileiro analisar o in-
ocidentais que regula o acesso das nações teresse de cada governo e empresa estran-
em desenvolvimento à tecnologia dos mís- geira e buscar o modelo de negócio mais se-
seis. Esse fórum de consultas foi criado pelo guro e apropriado em cada caso, sempre de
Grupo dos Sete, em 1987, para evitar a pro- modo a assegurar a proteção dos interesses
liferação de armas de destruição em massa, nacionais e da soberania do país.
e atualmente envolve 25 países. O Brasil
comprometeu-se a respeitar as diretrizes 13. ANDRADE, I. O. et al. Submarino Nuclear
do MTCR em fevereiro de 1994, e, por meio Brasileiro: defesa nacional e externalidades
da Lei no 9.112, de 10 de outubro de 1995, tecnológicas. Brasília: Ipea, 2018. Texto para
passou a impor restrições à exportação de Discussão. No prelo.
bens sensíveis que incluem aqueles com tec-
nologia de missilística.
6. Cidades Brasileiras: diagnóstico e
desafios para a moradia e mobilidade
9. Os satélites CBERS-4 e SGDC-1 foram con-
cluídos e lançados em 2016 e 2017, respec- 1. Note-se a alteração recente do marco legal
tivamente. Já o projeto Cyclone-4 foi descon- de regularização fundiária (Lei Federal no
tinuado em razão do fim da parceria com a 13.465/2018), que busca simplificar os
Ucrânia. Por sua vez, o programa VLS encon- procedimentos de regularização fundiária.
tra-se atualmente paralisado em razão do Os efeitos desta nova legislação ainda não
redirecionamento de esforços ao VLM. foram devidamente identificados.

10. Em geral, pressupõe-se que o bem ou ser- 2. Número apurado entre os 831 municípios monito-
viço que vai ser adquirido ou contratado já rados. Disponível em: <https://bit.ly/2S0ASJG>.
está disponível no mercado (e, portanto, tem Acesso em: 13 set. 2018. As onze maiores RMs
um preço definido e comparável internacio- brasileiras são: Brasília, Belo Horizonte, Belém,
nalmente). Além disso, os órgãos de contro- Curitiba, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife,
le favorecem modalidades de contrato que Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

216
3. O IBGE utiliza o conceito de aglomerados 2. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Na-
subnormais para designar favela, invasão, co- cional de Saneamento Básico. Sistema Nacional
munidade, baixada, ressaca, palafita, grota, de Informações sobre Saneamento: diagnósti-
entre outros. Segunda a definição oficial, aglo- co dos serviços de agua e esgotos – 2016. Brasília:
merado subnormal “é um conjunto constituí- MCidades, 2018.
do de, no mínimo, 51 unidades habitacionais
(barracos, casas...) carentes, em sua maioria, 3. CNM – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MU-
de serviços públicos essenciais, ocupando ou NICÍPIOS. Pesquisa sobre gestão municipal
tendo ocupado, até período recente, terreno de resíduos sólidos: análise dos resultados
de propriedade alheia (pública ou particular) prévios. CNM, 2017. Disponível em: <goo.gl/
e estando dispostas, em geral, de forma de- K2CaAy>.
sordenada e densa”. Disponível em: <https://
bit.ly/2R1SELb>. Acesso em: 13 ago. 2018. 4. Dados disponíveis para o período 2008-2014.
Neste texto, o termo favela é utilizado como
sinônimo de aglomerado subnormal 5. Dados disponíveis para o período 2008-2012.

4. A Lei no 13.089/2015, o Estatuto da Metrópo- 6. Inter-American Development Bank (IDB).


le, estabelece diretrizes gerais para o plane- Disponível em: <https://data.iadb.org/>.
jamento, a gestão e a execução das funções World Bank Open Data. The World Bank. Dis-
públicas de interesse comum não apenas em ponível em: <https://data.worldbank.org/>.
RMs, mas, também, em aglomerações urba-
nas instituídas pelos estados. Ambas abar- 7. Inter-American Development Bank (IDB).
cam as mais distintas configurações de mu- Infralatam: numbers for development. 2018.
nicípios em termos populacionais, territoriais, Disponível em: <https://data.iadb.org/>.
financeiros, de estrutura de gestão etc.a
8. CAVALCANTI, Marco Antonio F. H.; SOUZA JÚ-
5. O Projeto GIDES-JICA visa o fortalecimento da NIOR, José Ronaldo de Castro. Como retomar o
estratégia nacional de gestão integrada de ris- crescimento acelerado da renda per capita bra-
cos em desastres naturais. Iniciado em julho sileira? Uma visão agregada. In: DE NEGRI, João
de 2013, é executado pelo MCidades, pelo Alberto; ARAÚJO, Bruno César; BACELETTE,
Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Ricardo (Orgs.). Desafios da nação: artigos de
Desastres Naturais do Ministério da Ciência, apoio. Brasília: Ipea, 2018. v. 1, p. 81-98.
Tecnologia e Inovação (Cemaden/MTCI), pelo
Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e 9. TCU – TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Audi-
Desastres do Ministério da Integração Nacional toria operacional. TC 017.507/2015-4 Fiscalis
(Cenad/MI) e pelo Serviço Geológico Brasileiro 317/2015. Secretaria-Geral de Controle Exter-
(CPRM), contando com a cooperação de espe- no/Secretaria de Controle Externo da Agricultura
cialistas japoneses dos ministérios da Terra, e do Meio Ambiente. Brasília: TCU, 2015. p. 43.
Transporte, Infraestrutura e Turismo (MLIT), da
Agência de Meteorologia do Japão e de outros 10. Segundo dados do BID e do Banco Mundial,
órgãos de expertise na área, por meio da Agên- entre 2008 e 2014, o Brasil investiu cerca de
cia de Cooperação Internacional do Japão (JICA). 0,31% de seu PIB, o que corresponde a cerca
de USD 6.794,8 milhões/ano e USD 33,97
7. Saneamento e Segurança à Saúde: caminhos per capita/ano, valores superiores aos inves-
para ampliação de infraestruturas e melhoria tidos no mesmo período pelos seguintes pa-
dos serviços íses: Costa Rica, que investiu cerca de 0,1%
de seu PIB (cerca de USD 44,2 milhões/ano
1. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria e USD 9,45 per capita/ano); Paraguai, 0,14%
Notas

Nacional de Saneamento Ambiental. Plano (cerca de USD 29,11 milhões/ano e USD


Nacional de Saneamento Básico: mais saú- 4,57 per capita/ano); e Argentina, 0,23 %
de com qualidade de vida e cidadania. Brasí- do PIB (cerca de USD 1.176,26 milhões/ano
lia: MCidades, 2014. e USD 27,93 per capita/ano). Entre 2008 e

217
2014, os valores do Chile também foram infe- 2. PIS – Programa de Integração Social; Cofins –
riores: em média, 0,08% do PIB (cerca de USD Contribuição para o Financiamento da Segu-
193,4 milhões/ano e USD 11,25 per capita/ ridade Social; IPI – Imposto sobre Produtos
ano). Entre 2008 e 2012, o Uruguai investiu Industrializados; ICMS – Imposto sobre Opera-
0,24% do PIB, o que corresponde a USD 99 ções relativas à Circulação de Mercadorias e
milhões/ano e USD 29,32 per capita/ano. Prestação de Serviços de Transporte Interesta-
dual e Intermunicipal e de Comunicação; ISS –
8. Caminhos para Aperfeiçoar a Gestão da Água Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.
e a Segurança Hídrica no Brasil
3. Em princípio, tal mercado poderia ser orga-
1. CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Con- nizado pela CCEE, mas, enquanto esta não
flitos no Campo Brasil 2017. CPT, 2018. Dis- provar ter suficiente independência do gover-
ponível em: <https://bit.ly/2Jgk80x>. no, talvez seja mais prudente que os próprios
agentes criem um mercado de contratos tipo
2. ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. “bolsa” por sua própria iniciativa, apoiados
Sustainable Development Goal 6: Synthesis pelo governo. Os participantes do mercado
Report 2018 on Water and Sanitation. Nova poderão ser “sócios” ou membros dessa en-
Iorque: ONU, 2018. Disponível em: <https:// tidade sem fins lucrativos, à semelhança do
bit.ly/2z3IyAe>. PJM, nos Estados Unidos.

3. ANA – AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Con- 4. DE CASTRO, L. I.; CRAMTON, P. Predication


juntura dos Recursos Hídricos 2017: rela- markets for eletricity demand. In: ANNUAL
tório pleno. Brasília: ANA, 2017. Disponível ALLERTON CONFERENCE ON COMMUNI-
em: <https://bit.ly/2y4eCpi>. CATION, CONTROL, AND COMPUTING, 50.,
2012, Ilinois. Anais… Allerton, Illinois, 2012.
4. No Brasil, como acesso a esgotamento sanitá- Disponível em: <goo.gl/EfQpSq>.
rio adequado consideram-se 43% que se utili-
zam de esgoto coletado e tratado e 12% com 5. BULOW, J.; KLEMPERER, P. Auctions versus
uso de solução individual do tipo fossa, em am- negotiations. American Economic Review, v.
bos os casos referentes apenas a dados para a 86, n. 1, p. 180-194,. Disponível em: <goo.
população urbana, conforme mencionado. gl/yX3geW>.

5. Mais detalhes sobre o SINGREH podem ser 6. MILGROM, P.; WEBER, R. J. (1982). A theory
obtidos nos sites da ANA (disponível em: <ht- of auctions and competitive bidding. Econo-
tps://bit.ly/2Q7n0PW>) ou do MMA (disponí- metrica, v. 50, n. 5, p. 1089-1122, 1982.
vel em: <https://bit.ly/2DM3K4y>). Disponível em: <goo.gl/q9mqCJ>.

6. BRASIL. Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 7. No início, pode-se exigir que as distribuido-


1997. Institui a Política Nacional de Recursos ras participem obrigatoriamente, até o nível
Hídricos, cria o Sistema Nacional de Geren- de suas demandas, como é hoje. Mesmo
ciamento de Recursos Hídricos, regulamenta assim, elas terão um ganho com o mercado
o inciso XIX do art. 21 da Constituição Fede- secundário, porque poderão desfazer suas
ral, e altera o art. 1o da Lei no 8.001, de 13 posições, se for necessário. Aos poucos,
de março de 1990, que modificou a Lei no essa participação pode se tornar voluntária,
7.990, de 28 de dezembro de 1989. Diário conforme já preconizamos.
Oficial, Brasília, p. 470, 9 jan. 1997. Seção 1.
10. Diagnóstico do Setor de Telecomunicações
9. Setor Elétrico Brasileiro: caminhos para a no Brasil : desafios e propostas
descentralização
1. Esses números não incluem as operações
1. PSR. Variabilidade do preço de curto prazo. do Grupo Claro, que não estão disponíveis.
Energy Report, 125, maio 2017.
2. Disponível em: <goo.gl/mFzzu4>.

218
3. Disponível em: <goo.gl/EXEQhq>. ordem de 620 mil. Em 1.595 deles, não ha-
via registro da existência de provedor de pe-
4. As redes de telecomunicações podem ser queno porte com, no mínimo, dez usuários.
segmentadas em três níveis. O núcleo (ba-
ckbone) corresponde à infraestrutura de 12. O termo “mercado” designa o conjunto de
transporte de dados e comunicação de altís- serviços de telecomunicações substitutos
sima capacidade, formada por multiplexado- entre si. Na avaliação da Anatel, as telefo-
res óticos que interligam Estados e regiões nias fixa e móvel compõem um único merca-
geopolíticas. O nível de transporte seguinte do, mas o acesso fixo à internet, provido pelo
(backhaul) destina-se a conectar as aglome- SCM, não integra o mercado formado pelo
rações humanas ao backbone. No nível infe- acesso móvel em 3G e 4G, servido pelo SMP.
rior, por fim, situam-se as redes de acesso
(distribuição) que conectam individualmente 13. A classificação, feita pela Anatel, leva em
os usuários residenciais e empresariais. conta o potencial de consumo e, portanto, de
competitividade de um município, variando
5. As redes de acesso são as malhas de dis- do grau 1 – no qual o nível de concorrência
tribuição dos sinais dentro das cidades, dispensa qualquer intervenção estatal – ao
podendo ser cabeadas ou baseadas em ra- grau 4, que identifica municípios nos quais
diofrequência. A capacidade dessas redes ações regulatórias não seriam suficientes
é definida pela tecnologia utilizada e pela sequer para assegurar a expansão da oferta.
quantidade de elementos que as compõem Nos níveis intermediários, estão os municí-
(número de antenas, quantidade de cabos, pios nos quais há condições mínimas para
velocidade dos multiplexadores, roteadores que se estabeleça um ambiente concorren-
e comutadores, entre outros elementos). cial e, em consequência, surjam serviços
com preço e qualidade mais adequados. A
6. Fiber to the X (ou FTTx) é o acrônimo para topo- distinção entre as categorias 2 e 3 está no
logias de rede de acesso que levam a fibra óti- tipo de intervenção.
ca até um ponto próximo ao consumidor final,
seja o armário de telecomunicações do bairro, 14. Situação bem diferente do mercado de banda
o edifício ou mesmo a residência do assinante. larga móvel, cujos investimentos resultaram
não exclusivamente de decisões privadas,
7. Nessa estatística, contudo, a Anatel ainda mas do cumprimento de obrigações de cober-
leva em consideração a tecnologia 3G como tura contraídas junto ao poder concedente.
alternativa de conexão à internet, que estará
disponível em 100% das sedes municipais 15. Considerando-se que há, em média, 3 habi-
até o final de 2019. tantes por domicílio no país, densidades na
ordem de 30 acessos fixos por 100 habitan-
8. Disponível em: <goo.gl/MKqmPn>. tes, encontradas nas áreas 1 e 2 do modelo
da figura 1, representam a universalização
9. A título de comparação, o setor de distribui- da banda larga fixa.
ção de energia elétrica investiu R$ 13,8 bi-
lhões em 2016, o que equivale a 10% de sua 16. O valor médio por conexão de fibra foi esti-
receita naquele ano. mado em R$ 4 mil. Em seu relatório, a LCA
destaca que o valor por usuário pode ser
10. O IDHM é um índice que combina renda, es- diferente em função de especificidades dos
colaridade e longevidade de um município. municípios, como legislações restritivas e di-
ficuldades topográficas excessivas.
11. Há 2.430 municípios com IDHM menor do
Notas

que 0,65. Nesse universo, até abril de 2018, 17. Na área 3, a densidade ainda está a 13 pon-
a quantidade de acessos fornecida por pe- tos do patamar de universalização. Além disso,
quenos provedores era pouco significante, da cerca de 15 milhões de usuários residentes
nas áreas 1 a 3 ainda são atendidos por redes

219
e tecnologias que limitam a taxa de conexão 4. Ainda que o estudo do TAV tenha apresenta-
a 10Mbps. Portanto, há um expressivo inves- do uma superestimação da projeção do PIB,
timento a ser feito em 544 municípios, onde há outros pontos do estudo que merecem
moram 56,2% da população, que não está destaque positivo, como o fato de avaliar se
sendo contabilizado no exercício feito pela LCA. haveria oferta suficiente de energia elétrica
para operar o projeto, questão em muito ne-
18. Um exemplo concreto de intervenção estatal gligenciada em outros projetos avaliados.
positiva foi a edição do Convênio ICMS nº 19,
de 3 de abril de 2018, por meio do qual o Con- 5. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orça-
selho Nacional de Política Fazendária (Confaz) mento e Gestão (MP). Apresentação do mi-
autoriza o Ceará a reduzir a base de cálculo nistro do Planejamento, Nelson Barbosa,
do ICMS para serviços de telecomunicações sobre do Programa de Investimentos em
em até 75%. Outro exemplo de programa de Logística (PIL), no Senado Federal. Brasí-
incentivos recente, embora já encerrado, é o lia, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/
Regime Especial de Tributação do Programa TmM7xT>. Publicado em: 11 jun. 2015.
Nacional de Banda Larga (REPNBL), que isen-
tava, da tributação referente ao Programa de 6. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orça-
Integração Social (PIS) e à Contribuição para o mento e Gestão (MP). Apresentação do mi-
Financiamento da Seguridade Social (Cofins), nistro do Planejamento, Nelson Barbosa,
os projetos de construção de novas redes. sobre do Programa de Investimentos em
Logística (PIL), no Senado Federal. Brasí-
19. CARVALHO, A. Y.; MENDONÇA, M. J.; SIL- lia, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/
VA, J. J. Dimensionamento do mercado de TmM7xT>. Publicado em: 11 jun. 2015.
banda larga no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea,
2017. (Texto para discussão, n. 2322). 7. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orça-
mento e Gestão (MP). Apresentação do mi-
20. O exercício foi elaborado para conectar até o nistro do Planejamento, Nelson Barbosa,
número de 1.000 municípios. sobre do Programa de Investimentos em
Logística (PIL), no Senado Federal. Brasí-
11. Planejamento Integrado de Infraestrutura lia, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/
TmM7xT>. Publicado em: 11 jun. 2015.
1. FRISCHTAK, C. R.; Mourão, J. Uma esti-
mativa do estoque de capital de infra- 8. SANTOS, M. A. et al. Setor agropecuário bra-
estrutura no Brasil. In: DE NEGRI, J. A.; sileiro pós-Novo Código Florestal: uma si-
ARAÚJO, B. C.; BACELETTE, R. (Orgs.). mulação de impactos econômicos. Brasília:
Desafios da Nação: artigos de apoio. Ipea, 2017. (Texto para Discussão, n. 2320).
Brasília: Ipea, 2018. Disponível em: <ht- Disponível em: <https://goo.gl/sY1yqZ>.
tps://goo.gl/QA3dUh>. Texto para Discussão.

2. ANTT – AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPOR- 9. Disponível em: <https://github.com/BAFur-


TES TERRESTRES. Trem de alta velocidade: tado/PolicySpace>.
Estudos de Viabilidade. Disponível em: <ht- 12.A Economia Digital e o Futuro do Trabalho
tps://goo.gl/in45gA>. Publicado em: 1o julh.
2013. ANAC –AGÊNCIA NACIONAL DE AVIA- no Brasil 
ÇÃO CIVIL. Informações sobre o processo li-
1. Big data analytics: análise de grandes quantida-
citatório: Antônio Carlos Jobim – Galeão (RJ)
des de dados gerados eletronicamente e por
e Tancredo Neves – Confins (MG). Disponível
meio de comunicação máquina a máquina.
em: <https://goo.gl/ZG3GJG>. Publicado
em: 12 mar. 2016.
2. Machine learning: desenvolvimento de algorit-
mos de computador que aprendem autono-
3. Com a renda sendo representada pelo PIB
mamente com base nos dados e informa-
per capita.
ções disponíveis.

220
3. Cloud computing: serviços de acesso remoto a development. Washington: IDB, 2017.
servidores, armazenamento, componentes
de rede e aplicativos de computação. 12. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações. Estratégia bra-
4. Conferir, entre outros: 1) FREY, C. B.; OSBOR- sileira para a transformação digital (e-digital).
NE, M. A. The future of employment: how sus- Brasília: MCTIC, 2018. Disponível em: <ht-
ceptible are jobs to computerisation? Techno- tps://goo.gl/4e8g9N>.
logical Forecasting and Social Change, v. 114, p.
254-280, Jan. 2017. Disponível em: <https:// 13. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia,
goo.gl/2a1xSu>. 2) OECD – ORGANISATION Inovações e Comunicações. Estratégia na-
FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVE- cional de ciência, tecnologia e inovação: 2016-
LOPMENT. Getting skills right: skills for jobs 2022. Brasília: MCTIC, 2016. Disponível em:
indicators. Paris: OECD Publishing, July 2017. <https://goo.gl/K4PqB7>.
Disponível em: <https://goo.gl/mQdVVW>.
14. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orça-
5. MANYIKA, J. et al. A future that works: automa- mento e Gestão. Estratégia de governança
tion, employment, and productivity. McKin- digital da administração pública federal: 2016-
sey & Company, Jan. 2017. Disponível em: 2019. Brasília: MP, 2016. Disponível em:
<https://goo.gl/JUbZmc>. <https://goo.gl/Lejb7w>.

6. NEDELKOSKA, L.; QUINTINI, G. Automation, 15. BRASIL. Internet das coisas: um plano de ação
skills use and training. Paris: OECD Publishing, para o Brasil. Brasília: BNDES; MP; MCTIC,
Mar. 2018. (OECD Social, Employment and jan. 2018. Disponível em: <https://goo.gl/
Migration Working Papers, n. 202). VN3Lk1>.

7. DUTZ, M. A.; ALMEIDA, R. K.; PACKARD, T. G. 16. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia,
The jobs of tomorrow: technology, productivity, Inovações e Comunicações. Plano de CT&I
and prosperity in Latin America and the Ca- para manufatura avançada no Brasil. Brasília:
MCTIC, dez. 2017. Disponível em: <https://
ribbean. Washington: World Bank, 2018.
goo.gl/hhYV1D>.
8. Foi utilizada a versão 23.0 da base de dados
17. BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologia,
O*NET (O*NET 23.0 database), consultada em
Inovações e Comunicações. Plano de CT&I
7 de agosto de 2018. Disponível em: <ht-
para manufatura avançada no Brasil. Brasília:
tps://www.onetcenter.org/database.html>.
MCTIC, dez. 2017. p. 13.
9. A metodologia utilizada para a aplicação das
18. EMBRAPA – EMPRESA BRASILEIRA DE PES-
habilidades ocupacionais norte-americanas
QUISA AGROPECUÁRIA. Visão 2014-2034: o fu-
nas ocupações brasileiras está descrita em:
turo do desenvolvimento tecnológico da agri-
1) MACIENTE, A. N. The determinants of ag- cultura brasileira. Brasília: Embrapa, 2014.
glomeration in Brazil: input-output, labor and Disponível em: <https://goo.gl/HpxBSz>.
knowledge externalities. 2013. Tese (Douto-
rado) – University of Illinois, Urbana, 2013. 19. Conferir: 1) BRUNO, F. da S. A quarta revolução
Disponível em: <https://goo.gl/cGxGLf>. 2) industrial do setor têxtil e de confecção: a visão
MACIENTE, A. N. A composição do emprego de futuro para 2030. São Paulo: Estação das
sob a ótica das competências e habilidades Letras e Cores, 2016. 2) CNI – CONFEDERA-
ocupacionais. Mercado de Trabalho – conjuntura ÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Desafios para
e análise, ano 22, n. 60, p. 33-43, abr. 2016. a indústria 4.0 no Brasil. CNI, 2016.
Notas

10. Dados disponíveis em: <https://goo.gl/


20. Ver: 1) IDB – INTER-AMERICAN DEVELOP-
BYpBNF>.
MENT BANK. Learning better: public pol-
icy for skills development. Washington:
11. IDB – INTER-AMERICAN DEVELOPMENT
IDB, 2017. 2) OECD – ORGANISATION FOR
BANK. Learning better: public policy for skills

221
ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELO- de produtos agrícolas; dez redes de super-
PMENT. Getting skills right: good practice in mercados respondem por mais de 50% das
adapting to changing skill needs – a perspec- vendas de produtos alimentícios no comér-
tive on France, Italy, Spain, South Africa and cio varejista. Ver: WILLOUGHBY, R.; GORE, T.
the United Kingdom. Paris: OECD Publishing, La hora del câmbio: acabar com el sufrimento
2017. Disponível em: <https://goo.gl/Am- de las personas en las cadenas de suminis-
dJtD>. 3) OECD – ORGANISATION FOR ECO- tro de los supermercados. Oxford, United
NOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT; Kingdom: Oxfam Internacional, 2018.
ILO – INTERNATIONAL LABOR ORGANIZA-
TION; WORLD BANK. Enhancing employability: 2. Ver: SILVA, S. A trajetória histórica da segurança
report prepared for the G20 Employment alimentar e nutricional na agenda política nacio-
Working Group with inputs from the Interna- nal: projetos, descontinuidades e consolida-
tional Monetary Fund. Paris: OECD Publish- ção. Brasília: Ipea, 2014. (Texto para Discus-
ing, 2016. 4) ALMEIDA, R. K.; PACKARD, T. G. são, n. 1.953).
Competências e empregos: uma agenda para a
juventude. Washington: World Bank, 2018. 3. O documento foi intitulado como Segurança
Alimentar: proposta de uma política contra a fome.
21. O*NET Resource Center, consultado em 7
de agosto de 2018. Disponível em: <https:// 4. Ver: GODOY, K. et al. Perfil e situação de inse-
www.onetcenter.org/>. gurança alimentar dos usuários dos restau-
rantes populares no Brasil. Caderno de Saúde
22. O’CONNELL, S. D. et al. Can business input Pública, v. 30, n. 6, p. 1239-1249, 2014.
improve the effectiveness of worker training?
Evidence from Brazil’s Pronatec-MDIC. Wa- 5. Ver: PELIANO, A. M. M. O mapa da fome: sub-
shington: World Bank, July 2017. (Policy Re- sídios à formulação de uma política de segu-
search Working Paper, n. 8155). Disponível rança alimentar. Brasília: Ipea, 1993. (Docu-
em: <https://goo.gl/KdTyqM>. mento de Política, n. 14).

23. Conferir: 1) DIX-CARNEIRO, R. Trade liberali- 6. Decreto no 1.098/1994.


zation and labor market dynamics. Econometri-
ca, v. 82, n. 3, p. 825-885, May 2014. Disponível 7. Ver: IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔ-
em: <https://goo.gl/UWqdMN>. 2) DIX-CAR- MICA APLICADA. Vinte anos da Constituição
NEIRO, R.; KOVAK, B. K. Trade liberalization Federal. 2 ed. Políticas sociais: acompanha-
and regional dynamics. American Economic mento e análise, Brasília, v. 1, n. 17, 2008.
Review, v. 107, n. 10, p. 2908-2946, Oct. 2017.
Disponível em: <https://goo.gl/zp9jcG>. 3) 8. As seis áreas principais eram: i) redução da
DIX-CARNEIRO, R.; KOVAK, B. K. Trade reform mortalidade na infância; ii) alimentação; iii)
and regional dynamics: evidence from 25 ye- apoio ao ensino fundamental e pré-escolar;
ars of Brazilian matched employer-employee iv) habitação e saneamento; v) geração de
data. Washington: World Bank, 2015. (Policy renda e qualificação profissional; e vi) forta-
Research Working Papers). Disponível em: lecimento da agricultura familiar.
<https://goo.gl/wpioky>.
9. Ver: PELIANO, A. M. M.; RESENDE, L. F. L.;
13. Segurança Alimentar e Nutricional BEGHIN, N. O Comunidade Solidária: uma
estratégia de combate à pobreza. Revista Pla-
1. Para oferecer uma dimensão dos grandes nejamento e Políticas Públicas, n. 12, p. 19-28,
interesses em jogo no debate global sobre 1995. Para uma interpretação do período de
alimentação, vale notar que: apenas três transição entre as políticas, ver: TESSARO-
conglomerados empresariais controlam cer- LO; E. M.; KROHLING, A. A passagem do Pro-
ca de 60% do volume global de negócios de grama Comunidade Solidária para o Progra-
sementes comerciais e produtos químicos ma Bolsa Família: continuidades e rupturas.
agrícolas; quatro empresas controlam 70% CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, v.
do volume de negócios do comércio mundial 16, p. 74-92, 2011.

222
10. Ver: BELIK, W.; SILVA, J. G.; TAKAGI, M. Políti- presentando anualmente em torno de 0,5%
cas de combate à fome no Brasil. Revista São do produto interno bruto (PIB).
Paulo em Perspectiva, v. 15, n. 4, p. 119-129,
2001. 18. Diversos estudos sobre resultados e parti-
cularidades do PBF podem ser conferidos
11. KEPPLE, A. W.; SEGALL-CORREA, A. M. Con- nas coletâneas do Ipea. Ver: CASTRO, J. A.;
ceituando e medindo segurança alimentar e MODESTO, L. (Orgs.). Programa Bolsa Famí-
nutricional. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. lia 2003/2010: avanços e desafios. Brasília:
16, n. 1, p. 187-199, 2011. Ipea, 2010. v. 1 e v. 2; e CAMPELLO, T.; NERI,
M. Programa Bolsa Família: uma década de in-
12. Ver: SILVA, S. A trajetória histórica da segurança clusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013.
alimentar e nutricional na agenda política nacio-
nal: projetos, descontinuidades e consolida- 19. Ver: CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL
ção. Brasília: Ipea, 2014. (Texto para Discus- DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO-
são, n. 1953). NAL. II Plano Nacional de Segurança Alimentar
e Nutricional (PLANSAN 2016-2019): balanço
13. Um quadro esquemático sobre vantagens e da execução 2016/2017. Brasília: Caisan,
desvantagens desses tipos de políticas, sob 2018.
a ótica da SAN, pode ser conferido em: BUR-
LANDY, L. Transferência condicionada de 20. SILVA, S. Análise dos dados recentes do de-
renda e segurança alimentar e nutricional. semprego no Brasil. Revista Construção, jul.
Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, p. 2018. Disponível em: <https://goo.gl/9Tur-
1441-1451, 2007. ZG>.

14. Ver: BURLANDY, L. Transferência condiciona- 21. Ver: IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔ-
da de renda e segurança alimentar e nutri- MICA APLICADA. Políticas sociais: acompa-
cional. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, nhamento e análise, Brasília, n. 19, 2011.
n. 6, p. 1441-1451, 2007.
22. Em torno de 48 milhões de pessoas no Bra-
15. Os Cras são compostos por equipes munici- sil – entre ocupados e aposentados – têm
pais encarregadas de gerar condições dentro rendimentos indexados ao mínimo. Ver: DIE-
das áreas de saúde, educação e assistência ESE – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE
social, bem como acompanhar o cumprimen- ESTATÍSTICAS SOCIAIS E ECONÔMICAS. Polí-
to das condicionalidades estabelecidas para tica de valorização do salário mínimo. São Pau-
o recebimento do benefício do PBF (escola- lo: Dieese, 2017. (Nota Técnica, n. 166).
ridade e vacinação das crianças). Cabem ao
gestor municipal o planejamento e a coorde- 23. Em 2014, por exemplo, cerca de um terço
nação das pessoas envolvidas com a execu- da renda per capita dos domicílios rurais vi-
ção, o acompanhamento e a fiscalização das nha da previdência, tornando residual a po-
atividades no município. breza extrema entre idosos no campo. A pro-
porção de domicílios rurais com beneficiário
16. Além dos Cras, a rede socioassistencial tam- da previdência saltou de 23,2%, em 1993, a
bém conta atualmente com 2.318 unidades 31,7%, em 2014 (ver: IPEA – INSTITUTO DE
dos Centros de Referência Especializada PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Políticas
em Assistência Social (Creas). Ver dados do sociais: acompanhamento e análise. Brasília:
Censo Suas. Disponível em: <https://goo.gl/ Ipea, n. 24, 2016), o que permite supor que
XK5i46>. as aposentadorias contribuíram de modo
expressivo para ampliar o acesso da popula-
Notas

17. Apesar dos números expressivos em termos ção rural a alimentos.


de alcance, o volume total de gastos do PBF
sempre teve um peso relativamente peque- 24. O BPC é um direito garantido pelo art. 203
no no Orçamento Geral da União (OGU), re- da Constituição Federal de 1988 (CF/1988)

223
e regulamentado pela Lei no 8.742/1993 dos produtores participantes, considerando
(Lei Orgânica da Assistência Social – Loas) a linha operada pela Conab e as linhas esta-
e pelo Decreto no 6.214/2007. Ele assegura duais e municiais.
o pagamento de um salário mínimo mensal
às pessoas a partir de 65 anos de idade e 29. Em valores de 2017, atualizados pelo Índice
às pessoas com deficiência, desde que com- Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
provem, em ambos os casos, possuir renda (IPCA).
per capita mensal familiar inferior a um quar-
to do salário mínimo vigente. Ver: CAISAN 30. Apesar do PAAData conter informações so-
– CÂMARA INTERMINISTERIAL DE SEGU- mente a partir de 2011, os relatórios anuais
RANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. II Plano da Conab permitem um acompanhamento
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional da trajetória de execução do PAA desde seu
(PLANSAN 2016-2019): balanço da execução início. Entre 2004 e 2010 foram executados
2016/2017. Brasília: Caisan, 2018. cerca de R$ 85 milhões pelo programa em
todo o território nacional.
25. Outro programa social de viés previdenciário
e atrelado ao salário é o Programa Seguro- 31. Ainda não estão disponíveis os dados de to-
-Desemprego, em suas diferentes modalida- das as modalidades para 2017, mas as infor-
des, que também obteve forte crescimento mações já divulgadas pela Conab apontam
nesse período. Ver: SILVA, S. P. Arranjos ins- que, o PAA Conab aplicou R$ 124,7 milhões
titucionais de financiamento das políticas públi- em 2017, 39% a menos que o total de recur-
cas de trabalho e renda no Brasil: uma análise sos dispendidos, nessa linha, em 2016. O nú-
a partir da trajetória do Fundo de Amparo ao mero de agricultores participantes reduziu-se
Trabalhador (FAT). Brasília: Ipea, 2018. (Tex- de 29,3 mil, em 2016, a 18,8 mil em 2017,
to para Discussão, no prelo). 36% a menos. A quantidade adquirida dimi-
nuiu praticamente à metade, de 88,1 mil, em
26. O caráter inovador desse programa reside 2016, a 44,4 mil toneladas, em 2017.
justamente em uma mudança institucional
fundamental para sua viabilização, que é 32. Últimos dados disponíveis em: <https://goo.
a dispensa dos processos licitatórios para gl/zbp7rN>.
compras públicas requeridos pela Lei no
8.666/1993 à aquisição de produtos da agri- 33. “Os restaurantes populares são equipamentos
cultura familiar para fins do programa, desbu- públicos de alimentação e nutrição de médio
rocratizando o processo de comercialização. e grande porte com capacidade de produção
de, no mínimo, mil refeições diárias e desti-
27. Ver: D’ÁVILA, C.; SILVA, S. P. Segurança ali- nam-se ao preparo e comercialização de refei-
mentar e desenvolvimento local: uma aná- ções saudáveis a preço acessível, bem como
lise dos resultados do Programa de Aquisi- à promoção da alimentação saudável, em ci-
dades com população superior a cem mil ha-
ção de Alimentos (PAA) em Minas Gerais.
bitantes, devendo estar localizados, preferen-
Revista de Políticas Públicas, v. 15, n. 2, p.
cialmente, em centros urbanos” (p. 23), ver:
335-346, 2011.
PERINI, J. H. M. et al. A rede de equipamentos
públicos de alimentação e nutrição (Redesan)
28. O limite de aquisições é definido por decre- como estratégia da política de segurança ali-
to, de acordo com cada modalidade do pro- mentar e nutricional. In: MDS – MINISTÉRIO
grama, estabelecendo anualmente um valor DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Rede de equi-
máximo por unidade familiar de produção. pamentos públicos de alimentação e nutrição: re-
Atualmente, o limite de participação dos sultados de avaliações. Brasília: MDS, 2010.
agricultores é de R$ 8 mil, na compra direta e p. 19-33. (Cadernos de Estudos Desenvolvi-
na formação de estoque, de R$ 9,5 mil no PAA mento Social em Debate, n. 14).
Leite e de R$ 6,5 mil por unidade familiar/
ano na modalidade doação simultânea, que 34. “As cozinhas comunitárias, por sua vez, são
responde a, aproximadamente, três quartos equipamentos públicos de alimentação e

224
nutrição de pequeno porte com capacidade sultados de avaliações. Brasília: MDS, 2010.
de produção de, no mínimo, cem refeições p. 19-33. (Cadernos de Estudos Desenvolvi-
diárias, destinadas ao preparo, à comercia- mento Social em Debate, n. 14).
lização acessível ou à doação de refeições
saudáveis em áreas de vulnerabilidade so- 37. Ver: PERINI, J. H. M. et al. A rede de equipamen-
cial. Cabe esclarecer que esses equipamen- tos públicos de alimentação e nutrição (Rede-
tos diferem dos restaurantes populares não san) como estratégia da política de segurança
apenas pelo seu tamanho em termos de in- alimentar e nutricional. In: MDS – MINISTÉRIO
fraestrutura e capacidade de atendimento, DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Rede de equipa-
mas, preponderantemente, por sua capila- mentos públicos de alimentação e nutrição: resul-
ridade em municípios com populações mar- tados de avaliações. Brasília: MDS, 2010. p.
ginais e com quadro de indicadores sociais 19-33. (Cadernos de Estudos Desenvolvimento
situado nos patamares mais baixos” (p. 23), Social em Debate, n. 14). Para uma análise mais
ver: PERINI, J. H. M. et al. A rede de equipa- específica, ver: GONÇALVES, M. P.; CAMPOS, S.
mentos públicos de alimentação e nutrição T.; SARTI, F. M. Políticas públicas de segurança
(Redesan) como estratégia da política de alimentar no Brasil: uma análise do Programa
segurança alimentar e nutricional. In: MDS – de Restaurantes Populares. Revista Gestão e Polí-
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
ticas Públicas, v. 1, n. 1, p. 92-111, 2011.
Rede de equipamentos públicos de alimentação e
nutrição: resultados de avaliações. Brasília:
38. Ver: SILVA, S. A trajetória histórica da segurança
MDS, 2010. p. 19-33. (Cadernos de Estudos
alimentar e nutricional na agenda política nacio-
Desenvolvimento Social em Debate, n. 14).
nal: projetos, descontinuidades e consolida-
ção. Brasília: Ipea, 2014. (Texto para Discus-
35. Embora o acesso a esses equipamentos
seja universal, a prioridade são os grupos são, n. 1.953).
de pessoas em risco ou em situação de in-
segurança alimentar. Em busca de atingir o 39. Dados do primeiro semestre de 2018.
público-alvo, suas unidades devem estar lo-
calizadas na periferia e em áreas de grande 40. CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL DE
circulação de pessoas nos centros urbanos. SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. II
Ver: GODOY, K. et al. Perfil e situação de inse- Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutri-
gurança alimentar dos usuários dos restau- cional (PLANSAN 2016-2019): balanço da exe-
rantes populares no Brasil. Caderno de Saúde cução 2016/2017. Brasília: Caisan, 2018.
Pública, v. 30, n. 6, p. 1239-1249, 2014.
41. Denominados de “instituições de delibera-
36. “Os bancos de alimentos são equipamentos ção participativa” (IDP) por: SILVA, S. Demo-
públicos destinados ao armazenamento e cracia, políticas públicas e instituições de delibe-
processamento estratégico de alimentos ração participativa: visões sobre a experiência
provenientes de doações oferecidas por brasileira. Brasília: Ipea, 2018. (Texto para
parceiros do setor alimentício e por ações Discussão, n. 2358).
governamentais, visando à diminuição do
42. Ver: SILVA, S. Dimensões da deliberação par-
desperdício e ao melhor aproveitamento dos
ticipativa em conselhos de políticas públi-
alimentos que são distribuídos gratuitamente,
cas: o Consea na visão de seus conselheiros.
preferencialmente, às entidades da rede de
Revista de Ciências Humanas, Viçosa, v. 17, n.
proteção e promoção social incluídas no Ca-
1, p. 60-78, 2017.
dastro Nacional de Entidades de Assistência
Social, mantido pelo MDS” (p. 24), ver: PERI-
43. OLIVEIRA, J. J. A influência do Conselho Na-
NI, J. H. M. et al. A rede de equipamentos pú-
cional de Segurança Alimentar no orçamen-
blicos de alimentação e nutrição (Redesan)
to da União. In: CONGRESSO CONSAD DE
Notas

como estratégia da política de segurança ali-


GESTÃO PÚBLICA, 10, 2017, Brasília, Anais...
mentar e nutricional. In: MDS –MINISTÉRIO
2017.
DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Rede de equi-
pamentos públicos de alimentação e nutrição: re- 44. CONSEA – CONSELHO NACIONAL DE SEGU-
RANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Princí-

225
pios e diretrizes de uma política de segurança ali- 50. BRASIL. Lei no 11.346, de 15 de setembro
mentar e nutricional. Textos de referência da II de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segu-
Conferência Nacional de Segurança Alimen- rança Alimentar e Nutricional (Sisan) com
tar e Nutricional. Brasília: Consea, 2004. vistas em assegurar o direito humano à ali-
mentação adequada e dá outras providên-
45. O Consea também realiza a CNSAN+2, que cias. Brasília: Congresso Nacional, 2006.
são conferências realizadas dois anos após Disponível em: <https://goo.gl/MPXqM7>.
cada CNSAN. Há ainda as conferências em
outros níveis da Federação, como as estadu- 51. A Caisan, criada em 2007 (Decreto no 6.273),
ais e as municipais. envolve dezenove ministérios com a missão
de promover a articulação dos órgãos gover-
46. Ver: COHN, A. A participação social e os namentais ligados à SAN.
conselhos de políticas públicas: avanços e
52. Ver: MALUF, R. Segurança alimentar e nutri-
dilemas na institucionalização da relação
cional. Perspectivas dos investimentos sociais no
estado-sociedade no Brasil. In: CARDOSO
Brasil, 2010. (Estudo n. 34).
JUNIOR, J. C.; BERCOVICI, G. (Orgs.). Diálogos
para o desenvolvimento: república, democracia 53. Ver: RECINE, E.; LEÃO, M. O direito humano
e desenvolvimento. Brasília: Ipea, 2013. v. à alimentação adequada e o Fome Zero. In:
10. PIRES, R. R. (Org.). Diálogos para o desen- BRASIL. Fome Zero: uma história brasileira.
volvimento: efetividade das instituições parti- Brasília: MDS, 2010. v. 2.
cipativas no Brasil. Brasília: Ipea, 2011. v. 7.
AVRITZER, L.; SOUZA, C. H. L. (Orgs.). Confe- 54. Ver: FAO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNI-
rências nacionais: atores, dinâmicas participa- DAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO.
tivas e efetividade. Brasília: Ipea, 2013. Programa de lucha contra el hambre. Roma:
FAO/ONU, 2003.
47. SILVA, S. P. A abordagem territorial no plane-
jamento de políticas públicas e os desafios 55. Muito além de um pacote mínimo de calo-
para uma nova relação entre estado e so- rias, proteínas e outros nutrientes especí-
ciedade no Brasil. In: IPEA – INSTITUTO DE ficos e de ações emergenciais de combate
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil em à fome e à desnutrição, o DHAA implica o
Desenvolvimento 2013: Estado, planejamento acesso a uma alimentação de qualidade,
e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2013. diversificada, baseada em práticas alimen-
tares saudáveis. Ver COSTA, C.; MALUF, R.
48. Ver: BIDARRA, Z. S.; ROCHA, F. M. Um estudo Diretrizes para uma política municipal de segu-
sobre o desenho institucional do Consórcio rança alimentar e nutricional. São Paulo: Pólis,
de Segurança Alimentar e Desenvolvimento 2001. (Publicações Pólis, n. 38).
Local (Consad). Informe Gepec, v. 16, n. 2, p.
98-114, 2012. SILVA, S. Políticas públicas 56. Ver: CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL
e estratégias territoriais de implementação: DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO-
uma análise do desenho institucional dos NAL. II Plano Nacional de Segurança Alimentar
Consads no Brasil. Revista Desenvolvimento e Nutricional (PLANSAN 2016-2019): balanço
Socioeconômico em Debate, v. 1 n. 1, p. 37-60, da execução 2016/2017. Brasília: Caisan,
2015. 2018.

49. Considerações analíticas e operacionais 57. RADIMER, K. L. et al. Understanding hunger


sobre a abordagem territorial em políticas and developing indicators to assess it in wom-
públicas. In: SILVA, S. P. Considerações ana- en and children. Journal of Nutrition Education, v.
líticas e operacionais sobre a abordagem 24, n. 1, supplement. 1, p. 36-45, 1992.
territorial em políticas públicas. In: IPEA –
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLI- 58. Ver: FAO – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNI-
CADA. Brasil em Desenvolvimento 2013: Estado, DAS PARA A AGRICULTURA E A ALIMENTA-
planejamento e políticas públicas. Brasília: ÇÃO. The state of food insecurity in the world.
Ipea, 2013. Roma: FAO/ONU, 2014.

226
59. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRA- & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, p. 1441-1451,
FIA E ESTATÍSTICA. PNAD Segurança alimentar 2007. KEPPLE, A. W.; SEGALL-CORREA, A. M.
2013. Brasília: IBGE, 2013. Conceituando e medindo segurança alimen-
tar e nutricional. Revista Ciência & Saúde Cole-
60. Ver: IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GE- tiva, v. 16, n. 1, p. 187-199, 2011.
OGRAFIA E ESTATÍSTICA. PNAD Segurança ali-
mentar 2013. Brasília: IBGE, 2013. 68. “A iniciativa [dos pactos federativos] destina-
-se ao engajamento dos entes subnacionais e
61. Ver: HOFFMANN, R. Elasticidades-renda das firmatura de compromissos a fim de ampliar
despesas com alimentos em regiões metro- as condições de oferta, disponibilidade e con-
politanas do Brasil em 1995-96. Informações sumo para uma alimentação saudável e para
Econômicas, v. 30, n. 2, p. 17-24, 2000. o combate ao excesso de peso e à obesidade”
(p. 41) em: CAISAN – CÂMARA INTERMINISTE-
62. Vale ressaltar que a própria linha de pobreza RIAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO-
extrema é medida como correspondente ao NAL. II Plano Nacional de Segurança Alimentar e
custo mensal de uma cesta de alimentos que Nutricional (PLANSAN 2016-2019): balanço da
atende às necessidades calóricas básicas de execução 2016/2017. Brasília: Caisan, 2018.
uma pessoa adulta. Ver RUEDIGER, M. A.; JAN-
NUZZI, P. M. Políticas públicas para o desenvolvi- 69. O Plansan é um dos principais instrumentos de
mento sustentável. Rio de Janeiro: FGV, 2018. monitoramento e avaliação da Política Nacio-
nal de Segurança Alimentar e Nutricional (PN-
63. A quantidade (em kg/pessoa/ano) de frutas SAN), instituída pelo Decreto no 7.272/2010.
adquirida por domicílios da classe de renda
menor foi de um quarto da quantidade ad- 70. Ver: CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL
quirida pelos domicílios de maior renda em DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIO-
2009. Para hortaliças, a proporção foi de um NAL. II Plano Nacional de Segurança Alimentar
terço, e, para leite e carne, cerca de 50%. e Nutricional (PLANSAN 2016-2019): balanço
da execução 2016/2017. Brasília: Caisan,
64. Ver: RUEDIGER, M. A.; JANNUZZI, P. M. Políti- 2018.
cas públicas para o desenvolvimento sustentável.
Rio de Janeiro: FGV, 2018. 14. S
 ustentabilidade Produtiva do
Agronegócio Brasileiro
65. Ver: CAISAN – CÂMARA INTERMINISTERIAL
DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. 1. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e
II Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutri- Abastecimento. Projeções do agronegócio:
cional (PLANSAN 2016-2019): balanço da exe- Brasil 2017/18 a 2027/28 – projeções de
cução 2016/2017. Brasília: Caisan, 2018. longo prazo. Brasília: SPA/Mapa, 2018.

66. Ver: RUEDIGER, M. A.; JANNUZZI, P. M. Políti- 2. OECD – ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-
cas públicas para o desenvolvimento sustentável. -OPERATION AND DEVELOPMENT. Agricultu-
Rio de Janeiro: FGV, 2018. ral policy monitoring and evaluation 2018.
Paris: OECD, 2018.
67. Para uma análise a nível municipal de indica-
dores de desnutrição no Brasil, ver: CAISAN 3. Tais regras são pouco efetivas e dependem
– CÂMARA INTERMINISTERIAL DE SEGURAN- de outras instituições coercitivas, policiais
ÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Mapeamento e judiciais.
da insegurança alimentar e nutricional com foco
na desnutrição a partir da análise do cadastro úni- 4. SEARCHINGER, T. et al. Creating a sustaina-
Notas

co e do SISVAN 2014. Brasília: Caisan, 2016. ble food future: a menu of solutions to sus-
Para mais informações, ver: BURLANDY, L. tainably feed more than 9 billion people by
Transferência condicionada de renda e segu- 2050. World resources report 2013-14: inte-
rança alimentar e nutricional. Revista Ciência rim findings. WRI, 2014.

227
5. Para um diagnóstico mais aprofundado da 13. Como iniciativas, tem-se a Lei no 13.243, de
evolução da estrutura produtiva, confira al- 11 de janeiro 2016, que dispôs sobre estí-
guns estudos publicados pelo Ipea: i) GAS- mulos ao desenvolvimento científico, à pes-
QUES, J. G.; VIEIRA FILHO, J. E. R.; NAVARRO, quisa, à capacitação científica e tecnológica
Z. (Orgs.). A agricultura brasileira: desempe- e à inovação. Entretanto, faltam instrumen-
nho, desafios e perspectivas. Brasília: Ipea, tos que flexibilizem as relações econômicas
2010; ii) VIEIRA FILHO, J. E. R.; GASQUES, J. do setor público e do privado. O Projeto de
G. (Orgs.). Agricultura, transformação produ- Lei no 5.243, de 2016, pretende autorizar
tiva e sustentabilidade. Brasília: Ipea, 2016; a Empresa Brasileira de Pesquisa Agrope-
e iii) VIEIRA FILHO, J. E. R.; FISHLOW, A. Agri- cuária (Embrapa) a criar uma subsidiária
cultura e indústria no Brasil: inovação e com- integral, denominada Embrapa Tecnologias
petitividade. Brasília: Ipea, 2017. Sociedade Anônima (EmbrapaTec).

6. Essa concentração foi confirmada pelo estu- 14. O produto interno bruto (PIB), em alguns mu-
do de ALVES, E.; ROCHA, D. P. Ganhar tempo nicípios da região Matopiba, pode ser mais
é possível? In: GASQUES, J. G.; VIEIRA FILHO, que o dobro da média dos estados a que
J. E. R.; NAVARRO, Z. (Orgs.). A agricultura pertencem. BRASIL. Ministério da Agricultu-
brasileira: desempenho, desafios e perspec- ra, Pecuária e Abastecimento. Projeções do
tivas. Brasília: Ipea, 2010. p. 275-290. agronegócio: Brasil 2017/18 a 2027/28
– projeções de longo prazo. Brasília: SPA/
7. Expressão que engloba os estados do Mara- Mapa, 2018.
nhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia.
15. OECD – ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-
8. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e -OPERATION AND DEVELOPMENT. Agricultu-
Abastecimento. Projeções do agronegócio: ral policy monitoring and evaluation 2018.
Brasil 2017/18 a 2027/28 – projeções de Paris: OECD, 2018.
longo prazo. Brasília: SPA/Mapa, 2018.
16. Para uma avaliação do Plano Safra e do
9. A expansão da produtividade total dos fato- Programa Nacional de Fortalecimento da
res (PTF) foi analisada por GASQUES, J. G. et Agricultura Familiar (Pronaf), recomenda-se
al. Total factor productivity in Brazilian agri- a leitura dos estudos realizados no Ipea: i)
culture. In: FUGLIE, K. O.; WANG, S. L.; BALL, COSTA, E. M.; VIEIRA FILHO, J. E. R. Choque
V. E. (Orgs.). Productivity growth in agricultu- de oferta no crédito rural e seu impacto pro-
re: an international perspective. Oxfordshire: dutivo na agricultura brasileira. In: SACHSI-
CAB International, 2012. p. 145-162. DA, A. (Org.). Políticas públicas: avaliando
mais de meio trilhão de reais em gastos pú-
10. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e blicos. Brasília: Ipea, 2018. p. 207-224; e ii)
Abastecimento. Projeções do agronegócio: ARAÚJO, J. A.; VIEIRA FILHO, J. E. R. Análise
Brasil 2017/18 a 2027/28 – projeções de dos impactos do Pronaf na agricultura do
longo prazo. Brasília: SPA/Mapa, 2018. Brasil no período de 2007 a 2016. Brasília:
Ipea, 2018. (Texto para Discussão, n. 2412).
11. GASQUES, J. G. et al. Total factor productivity in
Brazilian agriculture. In: FUGLIE, K. O.; WANG, 17. Confira: TABOSA, F. J. S.; VIEIRA FILHO, J. E. R.
S. L.; BALL, V. E. (Orgs.). Productivity growth in Programa de subvenção ao prêmio do segu-
agriculture: an international perspective. Ox- ro rural (PSR): avaliação de impacto na área
fordshire: CAB International, 2012. p. 145-162. plantada e na produtividade agrícola no Brasil.
In: SACHSIDA, A. (Org.). Políticas públicas: ava-
12. GASQUES, J. G. et al. Total factor producti- liando mais de meio trilhão de reais em gastos
vity in Brazilian agriculture. In: FUGLIE, K. públicos. Brasília: Ipea, 2018. p. 225-246.
O.; WANG, S. L.; BALL, V. E. (Orgs.). Produc-
tivity growth in agriculture: an international 18. Há propostas nesse sentido em debate.
perspective. Oxfordshire: CAB International, Para tanto, confira o relatório da Comissão
2012. p. 145-162. de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do

228
Senado Federal que buscou avaliar a política
de seguro rural, resultando no Projeto de Lei
do Senado (PLS) no 4/2017.

19. Políticas, mesmo as assistenciais, não deve-


riam ser totalmente top down. A verdadeira
emancipação, cidadania, se alcança com
educação, formação (profissional) e parti-
cipação. Se tais estratégias não funcionam
bem em uma população envelhecida, esse
é outro debate que deve ser levado em con-
sideração. O perfil das políticas públicas não
pode ser definido apenas com base no perfil
da renda dos seus beneficiários. Um conjun-
to de características dos beneficiários e do
ambiente socioeconômico e geográfico deve
ser considerado. Há que se ter um diagnósti-
co amplo, sistêmico, para um planejamento
adequado das políticas públicas, que leve ao
desenvolvimento e à redução da dependên-
cia de políticas assistenciais.

20. Confira: MARANHÃO, R. L. A.; VIEIRA FILHO,


J. E. R. Previdência rural no Brasil. Brasília:
Ipea, 2018. (Texto para Discussão, n. 2404).

15. Trajetórias Criativas


1. LANDRY, C. The creative city: a toolkit for
urban innovators. London: Comedia/Eaths-
can, 2002.

2. LANDRY, C. Lineages of the Creative City.


Stroud: Comedia, 2005.

3. É importante reconhecer que a atuação nos


espaços urbanos apresenta efeitos tanto
positivos quanto negativos. Não é incomum
encontrarmos processos de gentrificação,
exclusão da população local, especulação
imobiliária, aumentos do custo de vida local
etc., em ações que aproximam políticas cul-
turais e/ou criativas às políticas urbanas. Es-
sas externalidades devem ser consideradas
na atuação urbana.

4. FLORIDA, R. The rise of creative class. New


York: Basic Books, 2004.
Notas

5. Disponível em: <https://bit.ly/2qK9ZgB>.

6. Mais informações no link: <https://bit.ly/2P-


Zgn1K>.

229
Equipe Técnica

Coordenação geral e editoração do projeto Maurício P. Fleury Curado


Ernesto Lozardo Melina Rocha Lukic
Alexandre Xavier de Carvalho Ywata Roberto Ellery Jr.
Adolfo Sachsida
Helena Karla Barbosa de Lima
Foram pareceristas e/ou debatedores
dos documentos do projeto
Pesquisadores do Ipea que contribuíram com Adolfo Sachsida
a elaboração e consolidação dos documentos Adriana Melo Alves
do projeto Alexandre Xavier de Carvalho Ywata
Bolívar Pêgo
Aguinaldo Nogueira Maciente
Carlos Wagner Oliveira
Alexandre Arbex Valadares
Constantino Cronemberger Mendes
Antenor Lopes de Jesus Filho
Diana Motta
Aristides Monteiro Neto
Eimair Ebeling
Bernardo Alves Furtado
Elisabetta Recine
Bolívar Pêgo
Eliseu Roberto de Andrade Filho
Edison B. Silva Filho
Emilio Matsumura
Fabiano Mezadre Pompermayer
Enid Rocha Andrade da Silva
Fernando Rezende
Ernesto Lozardo
Frederico Augusto Barbosa da Silva
Helena Karla Barbosa de Lima
Gesmar Rosa dos Santos
Jose Garcia Gasques
Israel de Oliveira Andrade
Leonardo Monastério
José Eduardo M. S. Brandão
Lenita Maria Turchi
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho
Lilian Rahal
Júlio César Roma
Marcelo Cavalcanti
Mário Jorge Mendonça
Marcio Bruno Ribeiro
Rafael H. M. Pereira
Marcus Peixoto
Sandro Pereira Silva
Nelson Zackseski
Vanessa Nadalin
Paulo Camaruci
Pedro Humberto de Carvalho Júnior
Pesquisadores externos ao Ipea que
Raphael Camargo Lima
contribuíram com a elaboração e Renato Maluf
consolidação dos documentos do projeto Rodrigo Fracalossi de Moraes
Bárbara Marguti Rogério Edivaldo Freitas
Giovanni Roriz Lyra Hillebrand Rosa Moura
Igor Vilas Boas de Freitas Sandra Paulsen
Julio Issao Kuwajima Ubiratan Castellano
Luciano I. de Castro Vitarque Coelho
Luiz Gustavo Aversa Franco
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea 2018

Desafios da nação, volume 2 / Instituto de Pesquisa Econômica


Aplicada, Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
– Brasília : Ipea, 2018.
229 p. : il., gráfs. color.

Inclui Bibliografia.
ISBN: 978-85-7811-339-1

1. Desenvolvimento Econômico e Social. 2. Crescimento


Sustentável. 3. Infraestrutura Econômica. 4. Desenvolvimento Urbano
5. Brasil. I. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. II. Brasil.
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.

CDD 338.981

Ficha catalográfica elaborada por Andréa de Mello Sampaio CRB-1/1650

É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a
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Regina Marta de Aguiar
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Alice Souza Lopes (estagiária)
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Isabela Monteiro de Oliveira (estagiária)
Isabella Silva Queiroz da Cunha (estagiária)
Lauane Campos Souza (estagiária)
Lynda Luanne Almeida Duarte (estagiária)
Polyanne Alves do Santos (estagiária)

Editoração
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