Literatura Brasileira I0
Literatura Brasileira I0
Literatura Brasileira I0
LITERATURA BRASILEIRA I
PRISCILA FINGER DO PRADO
Caros alunos,
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Boa leitura!
Sumário
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um ciclo. Segundo a pesquisa Retratos da leitura no Brasil (2015), houve um aumento no número
de leitores no país, que hoje conta com 56%. O que contribui para uma pessoa ter mais ou menos
acesso à leitura é a condição social e a escolaridade dela. Quanto maior a escolaridade e a renda,
maior a probabilidade de a pessoa comprar livros, ganhar livros de presente, ler livros digitais
ou mesmo frequentar bibliotecas. Aliás, é assustador pensar que a maioria dos brasileiros não
frequenta bibliotecas.
Ainda segundo a pesquisa, quanto à possibilidade de frequentar bibliotecas, o brasileiro
responde que poderia fazê-lo mais, se houvessem mais livros atuais nesses lugares. Nossas
bibliotecas são grandemente constituídas de “livros antigos”, e a maior parte dos brasileiros lê
por gosto, quando tem interesse no tema. Outro dado interessante é que, quando se está na
escola, é mais provável que se leia livros, e isso influencia bastante nos autores mais conhecidos
dos brasileiros alfabetizados, citados na pesquisa: Machado de Assis, Monteiro Lobato, Paulo
Coelho, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Maurício de Souza, Cecília Meireles, Clarice
Lispector, José de Alencar, Vinícius de Moraes, Érico Veríssimo. Na primeira aula de Literatura
Brasileira, costumo perguntar quais os autores nacionais que os alunos leram ou conhecem, e
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os nomes coincidem com os apontados na pesquisa, porque são os autores mais trabalhados na
escola, à exceção de Paulo Coelho e de Maurício de Souza, a cuja leitura as pessoas costumam
chegar por indicação de terceiros. Mas o que isso tem a ver com nossa disciplina, afinal?
Nossa disciplina se intitula Literatura Brasileira I e antecede outras duas disciplinas de
mesmo enfoque (Literatura Brasileira II e Literatura Brasileira III). O objetivo das disciplinas é
pensar a produção literária nacional, desde as origens até a contemporaneidade. Nossa disciplina
especificamente pensa as origens da literatura nacional até o século XIX, no Romantismo. Pensar
nossa relação com os livros e com os autores nacionais é importante, especialmente para
entendermos as possíveis dificuldades que teremos nessa disciplina. Se estivéssemos em um
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sistema literário nacional.
Sob essa hipótese, retomaríamos, talvez, criticamente, as leituras já feitas no Ensino
Médio, e pensaríamos nas relações dessa produção com a produção portuguesa e a ocidental,
de modo geral. Também poderíamos dedicar mais tempo para a produção contemporânea,
avaliando, por exemplo, as indicações de autores para a Festa Literária de Paraty -FLIP (a mais
importante do país) de 2017, como Ana Miranda, Conceição Evaristo e Maria Valéria Rezende;
ou os livros contemplados pelo Prêmio Jabuti de 2017 (o mais importante do país), como os
romances de Silviano Santiago, Machado, e de Cristovão Tezza, A tradutora, e os livros de poesia
de Simone Brantes, Quase todas as noites, e de Luci Collin, A palavra algo; ou ainda os 70 autores
que representaram o Brasil na Feira do Livro de Frankfurt de 2013, quando o país foi homenageado,
incluindo aí Paulo Coelho; sem contar os fenômenos de venda com publicações independentes,
com a primeira divulgação em nichos nerd da internet, como é o caso de Eduardo Spohr. Sob
essa hipótese, poderíamos avaliar como as mudanças sócio-econômico-culturais contribuem
para uma transformação nos rumos do que é publicado e do que é lido no país. Mas não vivemos
num país de leitores.
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Por não viver em um país de leitores, precisamos que a faculdade nos dê não só a
formação crítica para lidar com a língua e a literatura na escola mais tarde, como também uma
complementação na formação escolar que tivemos, que é deficitária. O Brasil é um país jovem.
Enquanto cultura letrada, só é possível pensar o Brasil a partir da chegada dos portugueses aqui.
E é quando começa o processo de colonização, que não é pacífico, como muitas vezes nos fizeram
pensar. Para que o Brasil se transformasse na nação que é hoje, muitas e muitas pessoas foram
exploradas e mortas, muitas pessoas deixaram de receber o básico, para que outras tivessem o
supérfluo.
Vivemos num país de desigualdades, e não há como essas desigualdades não
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aparecerem na literatura nacional, de uma forma ou de outra. A primeira coisa que vocês poderão
perceber, nesse sentido, é a ausência de escritoras mulheres por um período de tempo bem
longo. Mulheres não recebiam instrução formal no país, logo, como poderiam escrever? Outra
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coisa que poderão perceber, com o desenvolvimento de suas leituras, é que o negro sempre
teve um espaço reduzido na produção nacional, tanto como tema literário quanto como autor
de literatura. E quando produziu, teve sua identidade étnica apagada ou atenuada, como é o
caso de Machado de Assis, Castro Alves ou Lima Barreto, todos mulatos. E o índio, vocês podem
me perguntar? O índio tem espaço na literatura nacional...não tem? Como tema idealizado da
literatura sim, mas e como autor? Você conhece algum autor indígena? Mas todas essas questões
só são possíveis de serem trabalhadas se conhecermos as obras literárias, se conhecermos os
autores, ao menos os principais, que escreveram e pensaram o Brasil. Por isso, vamos começar
do começo, estudando primeiro o que foi produzido no Brasil, em termos literários, durante o
período em que era colônia de Portugal; depois, pensaremos no período da independência e em
como esse fato político contribuiu para a consolidação de nosso sistema literário brasileiro.
O conceito de sistema literário nos é dado por Antonio Candido, grande intelectual
brasileiro, no livro Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1975). Neste, o autor
se preocupou em analisar a formação da literatura nacional sob um viés sociológico e literário.
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A fim de que os conceitos principais de seu livro chegassem a um número maior de pessoas,
Candido elaborou um “resumo”, adjetivado “para principiantes”, o livro Iniciação à Literatura
Brasileira (1999). Antonio Candido entende por sistema literário:
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de autores guiados por uma tradição da qual podem fazer parte, não há como pensar a literatura
de um país, segundo o autor. Por isso, é a partir do conceito de sistema literário que é possível
pensar a formação da literatura brasileira, a qual se daria em três etapas: “: (1) a era das
manifestações literárias, que vai do século XVI ao meio do século XVIII; (2) a era de configuração
do sistema literário, do meio do século XVIII à segunda metade do século XIX; (3) a era do sistema
literário consolidado, da segunda metade do século XIX aos nossos dias”(1999). Dentro da era
das manifestações literárias, temos os textos de informação e a produção jesuíta, bem como
os autores barrocos. Dentro da era de configuração do sistema literário, temos os escritos do
Arcadismo. Por fim, dentro da era do sistema literário consolidado, temos a produção romântica
em diante. Nesse livro, estudaremos especificamente a era das manifestações literárias e a era da
configuração do sistema literário brasileiro, ou seja, do Quinhentismo até o Arcadismo.
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Referências bibliográficas
Leia mais
Brasil_-_2015.pdf
FLIP 2017
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Disponível em: http://flip.org.br/edicoes/flip-2017/autores
Lista dos autores brasileiros que vão para a Feira do Livro de Frankfurt de 2013.
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/cultura/2013/03/divulgada-lista-de-autores-brasileiros-que-
vao-para-feira-do-livro-de-frankfurt-2013
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CAPÍTULO II – QUINHENTISMO E
INFORMAÇÃO DA TERRA E DAS
GENTES
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Em 1500, atracava na costa brasileira a nau do homem que faria o primeiro relato oficial
sobre o Brasil. Trata-se de Pero Vaz de Caminha, e o relato que escreveu é hoje conhecido como
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a certidão de nascimento do Brasil para o mundo europeu, a partir da escrita, que não havia por
cá. A Carta de Caminha, escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral, anuncia o achamento de uma
nova terra ao rei português, Dom Manuel, caracterizando a terra e as gentes do lugar.
Pouco se sabe sobre a vida deste escrivão, como pouco se sabe sobre os outros
viajantes que por aqui passaram. Sobre a chegada dos portugueses em terras brasileiras,
conjectura-se que tenha sido proposital e que já se sabia anteriormente da existência de terras
nas proximidades geográficas do que hoje é o Brasil. Por isso, a Carta de Caminha é toda escrita
como que para justificar a viagem que os trouxe até ali, seja por erro de rota, seja por plano
de conquista. A descrição da terra é feita de maneira exagerada, idealizada e, especialmente,
interessada. Descreve-se o índio como ser ingênuo e pacífico (o que mais tarde será retificado,
com o encontro com outras tribos), descreve-se a terra como extremamente fértil, como se toda
riqueza pudesse ser retirada dela sem esforço. Destaco a falta de esforço acrescida ao trabalho
com a terra, porque essa é uma das características que o português apresenta enquanto homem
colonizador, segundo Sérgio Buarque de Hollanda (2015). Para o sociólogo, o português é o tipo
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aventureiro, que se lança em viagens buscando um retorno fácil de dinheiro e de status. Essa
busca de frutos, sem gostar de/querer plantar, vai ser decisiva para a formação do Brasil tal
como se deu, com base na escravização do trabalho de outros (primeiro o indígena, depois o
africano) para um trabalho que não queriam fazer, ainda que visassem lucrar com a plantação
e a exploração da terra do Novo Continente. Esse tipo de colonização também será decisivo
para uma mentalidade escravocrata que não permitirá a abolição da escravatura antes do final
do século XIX e que, ainda hoje, permite situações de abuso de poder, de trabalho escravo e de
discriminação de pessoas pela cor de sua pele, a cor da pele daqueles que foram escravizados
durante mais de três séculos.
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marcados, eis o problema, por uma intenção extraliterária, ou seja, foram redigidos em forma
de “tratados”: desejam catalogar uma terra (vegetação, fauna, clima) e um povo (da constituição
física a seus costumes). Passeiam, assim, pela geografia, zoologia, botânica e etnografia, sem
escrúpulos: sem deixar de lado a fantasia” (VOGT & LEMOS, 1982, p. 101). São exemplos dessa
literatura informativa, além da Carta de Caminha, o Diário de Navegação, de Pero Lopes e Sousa
(1530); o Tratado da Terra do Brasil e a História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente
chamamos Brasil, de Pero Magalhães Gândavo (1576); os Tratados da terra e da gente do Brasil,
de Fernão Cardim (1583); o Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa (1578);
os Diálogos das Grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes Brandão (1618); o Diálogo sobre
a Conversão dos gentios, do Pe. Manuel da Nóbrega; e a História do Brasil, de Fr. Vicente de
Salvador (1627). Segundo Vogt e Lemos (1982), seria necessário um gênero extra que recobrisse
os dois tipos mais usados para falar da terra, a “crônica histórica” e a “narrativa de viagem”.
Se hoje o que nos leva a esses textos é especialmente um interesse histórico, documental; na
época em que foram escritos, serviam para divertir um determinado público europeu, que tinha
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tempo de ócio a ser preenchido. As narrativas de viagem poderiam ser lidas como histórias de
aventura, enquanto as crônicas históricas serviam para atenuar a curiosidade que fora atiçada
pela descoberta da nova terra.
Outro dado importante sobre os textos de informação é a forma como as descrições
foram feitas. A terra brasileira teve sua descrição moldada pela visão medieval da natureza como
manifestação divina: “Nessa idealização, cada ser – animado ou inanimado – ocultaria uma lição
moral de Deus dirigida ao homem” (1982, p.102). A terra brasileira ganhou ares de cenário bíblico,
especificamente do Éden do Velho Testamento: as terras descobertas seriam uma nova versão do
Paraíso Terrestre, o que avalizou a vinda de povoadores potenciais para cá. Além disso, a descrição
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da terra e das gentes constituirá um elemento importante para a formação da literatura brasileira,
já que será retomada em vários momentos, a fim de se pensar a identidade do país, seja para ser
ressaltada (Romantismo), seja para ser questionada (Pré-modernismo e Modernismo).
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O texto mais importante, nesse sentido, é a Carta de Pero Vaz de Caminha. Este
documento, que fora direcionado ao rei português de então (rei D. Manuel), só veio a público
no século XIX, mais especificamente em 1817, quando foi publicada a Corografia Brasílica, por
Manuel Aires do Casal. Caminha inicia apresentando o intento da carta ao rei: “Posto que o
Capitão-mor desta vossa frota, assim como os outros capitães escrevem à Vossa Alteza sobre a
nova descoberta desta vossa terra nova que ora nesta navegação se achou, não deixarei também
de dar conta disso a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que, para o bem contar
e falar, o saiba pior que todos fazer”. Depois da apresentação, junto a uma justificativa, ficamos
sabendo a data e o lugar de partida da viagem, 9 de março, de Belém, e dos lugares pelos quais
passaram, como as ilhas Canárias e as ilhas de Cabo Verde. Também são apresentados, com
detalhes, os indícios da terra que viria a ser descoberta, como quer a narrativa de viagens. Enfim,
a descrição do primeiro monte avistado, denominado Monte Pascoal, por causa do período da
Páscoa em que se encontravam, dando, também por isso, o nome da nova terra, que se chamou
primeiramente Terra de Santa Cruz. Podemos perceber ainda a narração de cada decisão do
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grupo quanto à exploração do espaço, a fim de conhecimento; o relacionamento com o povo
encontrado; o ritual da primeira missa e a despedida e planos de retorno (inclusive os degredados
que ficaram na terra, quando da partida da frota). É importante notar que esse episódio do
encontro entre portugueses e indígenas é sempre destacado pelo viés dos primeiros, e que não
sabemos ao certo o que pensaram os que aqui já viviam.
Segundo Antonio Candido (1999), a história da literatura brasileira é a história de uma
imposição cultural. Não há como pensar a sociedade colonial brasileira como um prolongamento
das culturas locais, uma vez que estas foram destruídas, e as leis, os costumes e o equipamento
espiritual da metrópole foi transposto para esse território “descoberto”, do qual logo tomaram
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Dessa forma, como defende Candido, a literatura não “nasceu” aqui, mas veio
pronta, e ao ser imposta, juntamente com a cultura e a religião, desautorizou a forma de viver,
de se relacionar e de desenvolver a espiritualidade dos nativos. A grande diferença de hábitos
propiciou, num primeiro momento, uma necessidade de descrição e conhecimento, pois não se
pode dominar o que não se conhece. Assim, com intuito pragmático, os homens que vieram para
o Brasil passaram a desenvolver uma escrita descritiva da terra e de seus habitantes. Além disso,
“precisaram criar os veículos de comunicação e impor o seu equipamento ideológico” (1999), o
que fizeram a partir da catequese e/ou da violência. Os responsáveis pela parte da catequese
foram os jesuítas, que vieram para o Brasil a partir de 1549, dentre os quais os principais, por sua
produção escrita, são Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Os textos produzidos pelos jesuítas,
nesse período, são chamados de Literatura Jesuítica. Dessa literatura interessada, com objetivos
de catequese, obtém-se um importante documento sobre a época, sobre o relacionamento com
os povos indígenas, sobre sua língua, em especial o tupi, mas também é possível se destacar
qualidades estéticas, especialmente na produção de José de Anchieta.
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Manuel da Nóbrega é autor do Diálogo sobre a conversão do gentio, em que defende a
catequese como forma de salvar essas pessoas que, “apesar de selvagens”, poderiam ter alma e
serem acolhidas na fé católica. A relação entre índios e jesuítas ganhará destaque em outra obra,
séculos depois (O Uraguai, de Basílio da Gama), demonstrando o contraditório dessas relações, já
que, ao mesmo tempo em que os jesuítas se dedicavam a cuidar dos povos indígenas, privavam-
lhes de suas crenças e cultura em favor das suas.
Anchieta tem ampla produção de poemas, em castelhano, latim, português e tupi, e
peças teatrais, os quais serviam para a catequese dos índios. A obra de maior vulto desse jesuíta
é, segundo Candido (1999), um poema épico sobre Mem de Sá, então governador geral do Brasil.
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José de Anchieta tem grande importância por sua produção, tanto pelo documento de época que
representa, quanto pelo trabalho artístico que empenhou em sua escrita:
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Mas é o Anchieta poeta e dramaturgo que interessa ao estudioso da incipiente
literatura colonial. E se os seus autos são definitivamente pastorais (so sentido eclesial
da palavra), destinados à edificação do índio e do branco em certas cerimônias litúrgicas
(Auto representado na festa de São Lourenço, na Vila de Vitória e na visitação de Sta
Isabel), o mesmo não ocorre com os seus poemas que valem em si mesmos como
estruturas literárias.” (BOSI, 2000).
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Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. Literatura concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2000.
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: Humanitas, 1999.
MOISÉS, Massaud. Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
VOGT, Carlos; LEMOS, José Augusto Guimarães de. Cronistas e viajantes. São Paulo: Abril Educação,
1982.
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Textos selecionados
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uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou
um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas,
como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem
parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu
às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que
sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo
da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de ave amarela,
que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as
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orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de
maneira tal que a cabeleira era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais
lavagem para a levantar”.
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não beberam; apenas lavaram as bocas e lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário,
brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois
tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para
o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim
o desejarmos! ”
cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma
coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da
sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos
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pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso
desvergonha nenhuma”.
Apresentação dos interesses na descrição das terras e das gentes (religioso e político)
“Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou
ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os
de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas
são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo;
por causa das águas que tem! Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será
salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que
não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute
bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a
saber, acrescentamento da nossa fé! E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta
Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo
dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo”.
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Excertos da edição a seguir descriminada:
CAMINHA, Pero Vaz. Carta ao rei D. Manuel. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
À Santa Inês
I II Não se vende em praça Debaixo do sacramento,
Cordeirinha linda, Não é d’Alentejo este pão de vida, em forma de pão de trigo,
como folga o povo este vosso trigo, porque é comida vos espera, como amigo,
porque vossa vinda mas Jesus amigo que se dá de graça. com grande contentamento.
lhe dá lume novo! é vosso desejo.
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o diabo espanta. deste trigo novo. de Iesu, que é sumo rei.
Ó que doce bolo,
Por isso vos canta, Santa padeirinha, que se chama graça! Naquele lugar estreito
com prazer, o povo, morta com cutelo, Quem sem ele passa cabereis bem com Jesus,
porque vossa vinda sem nenhum farelo é mui grande tolo, Pois ele, com sua cruz,
lhe dá lume novo. é vossa farinha. vos coube dentro no peito,
Homem sem miolo, ó virgem de grão respeito.
Nossa culpa escura Ela é mezinha qualquer deste povo,
fugirá depressa, com que sara o povo, que não é faminto Entrai ad altare Dei,
pois vossa cabeça que, com vossa vinda, deste pão tão novo! virgem mártir mui formosa,
vem com luz tão pura terá trigo novo. pois que sois tão digna esposa
de Iesu, que é sumo rei.
Vós sois, cordeirinha, O pão que amassastes
dentro em vosso peito, III
de Iesu formoso,
mas o vosso esposo é o amor perfeito
com que a Deus amastes. CANTAM:
já vos fez rainha.
Entrai ad altare Dei
Também padeirinha Deste vos fartastes,
virgem mártir mui formosa,
sois de nosso povo, deste dais ao povo,
pois que sois tão digna esposa
porque deixe o velho
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pois, com vossa vinda, de Iesu, que é sumo rei.
lhe dais lume novo. pelo trigo novo.
Do Santíssimo Sacramento
Suas graças são tamanhas, Em o qual nosso padar Como não nos enfrascamos Deixado para memória Morra eu, por que viver Mitigador do desejo
Que se não podem contar, Acha gostos diferentes Nos deleites deste Pão Da morte do Redentor, Vós possais dentro de mim; Com que a vós suspiro, e gemo,
Mas bem se podem gostar Debaixo dos acidentes Com que o nosso coração Testemunho de Seu amor Ganha-me, pois me perdi Esperança do que temo
De quem ama. Escondidos. Tem fartura. Verdadeiro. Em amar-me. De perder.
Sua graça se derrama Uns são todos incendidos Se buscarmos formosura Oh mansíssimo Cordeiro, Pois que para incorporar-me Pois não vivo sem comer,
Nos devotos corações Do fogo de vosso amor, Nele está toda metida, Oh menino de Belém, E mudar-me em vós de todo, Como a vós, em vós vivendo,
E os enche de benções Outros cheios de temor Se queremos achar vida, Oh Jesus todo meu Bem, Com um tão divino modo Vivo em vós, a vós comendo,
Copiosas. Filial, Esta é. Meu Amor. Me mudais. Doce amor.
Oh que entranhas piedosas Outros com o celestial Aqui se refina a fé, Meu Esposo, meu Senhor, Quando na minha alma entrais Comendo de tal penhor,
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De vosso divino amor! Lume deste sacramento Pois debaixo do que vemos, Meu amigo, meu irmão, É dela fazeis sacrário, Nela tenha minha parte,
Ó meu Deus e meu Senhor Alcançam conhecimento Estar Deus e homem cremos Centro do meu coração, De vós mesmo é relicário E depois de vós me farte
Humanado! De quem são, Sem mudança. Deus e Pai. Que vos guarda. Com vos ver.
Amém.
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Quem vos fez tão namorado Outros sentem compaixão Acrescenta-se a esperança, Pois com entranhas de Mãe Enquanto a presença tarda
De quem tanto vos ofende?! De seu Deus que tantas dores Pois na terra nos é dado Quereis de mim ser comido, De vosso divino rosto,
Quem vos ata, quem vos prende Por nos dar estes sabores Quanto lá nos céus guardado Roubai todo meu sentido O saboroso e doce gosto
Com tais nós?! Quis sofrer. Nos está. Para vós Deste pão
Por caber dentro de nós E desejam de morrer A caridade que lá Prendei-me com fortes nós, Seja minha refeição
Vos fazeis tão pequenino Por amor de seu amado, Há de ser aperfeiçoada, Iesu, filho de Deus vivo, E todo o meu apetite,
Sem o vosso ser divino, Vivendo sem ter cuidado Deste pão é confirmada pois que sou vosso cativo, Seja gracioso convite
Se mudar. Desta vida. Em pureza. que comprastes De minha alma.
Para vosso amor plantar Quem viu nunca tal comida Dele nasce a fortaleza, Com o sangue que derramastes, Ar fresco de minha calma,
Dentro em nosso coração Que é o sumo de todo bem, Ele dá perseverança, Com a vida que perdestes, Fogo de minha frieza,
Achastes tal invenção Ai de nós que nos detém Pão da bem-aventurança, Com a morte que quisestes Fonte viva de limpeza,
De manjar, Que buscamos! Pão de glória. Padecer. Doce beijo.
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LEIA MAIS:
buscar outras leituras, a fim de termos mais informações e pontos de vista sobre o objeto de
estudo.
V
Por isso, sugere-se a seguinte bibliografia, para aprofundar os estudos sobre cada ponto
desse material.
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BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2000.
MOISÉS, Massaud. A Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
STEGAGNO PICCHIO, Luciana. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2004.
br/download/texto/bn000116.pdf
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CAPÍTULO III - BARROCO E
CONSCIÊNCIA COLONIAL
O Barroco brasileiro precisa ser estudado em sua especificidade de produção artística
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em uma colônia ainda bastante despovoada e desigual. Como contexto histórico, é importante
saber que o território brasileiro primeiramente serve à corte portuguesa como uma grande
lavoura de pau-brasil. Essa árvore de cor avermelhada servia para o tingimento de tecidos como
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algodões, linhos e sedas. Mais tarde, começam a ser implantadas aqui também grandes lavouras
de cana-de-açúcar, que constituíram o império dos senhores de engenho (que logo tiveram
representação na literatura).
Para aumentar a produtividade, e sabendo do propósito dos portugueses que para cá
vinham, era necessário haver mais pessoas envolvidas, e o caminho encontrado foi o de escravizar
pessoas para obter mão-de-obra. Houve, durante o processo de colonização, um genocídio dos
povos indígenas, e os índios que restaram, estavam sob a proteção dos jesuítas (ainda que isso
não fosse suficiente para estancar a cobiça dos bandeirantes que caçavam pessoas para escravizá-
las). Por essa razão, iniciou-se uma prática que demoraria anos para terminar, o tráfico humano.
Pessoas eram retiradas de seus países, de suas famílias e amigos, a fim de serem escravizadas do
outro lado do Atlântico.
Calcula-se que nove milhões de pessoas tenham vindo para o Brasil na condição de
escravos, sendo que um terço dessas pessoas morreram antes mesmo de chegar aqui, devido
às péssimas condições de transporte (também isso teve representação na literatura mais tarde).
Essas pessoas, negras na cor, africanas de origem, eram destinadas ao trabalho desgastante dos
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engenhos de açúcar. Com tudo isso, a exploração do indígena e do negro e a incrementação
de lavouras no país, formou-se um país de mestiços, principalmente resultado da miscigenação
entre o homem branco europeu (que vinha para a colônia em número maior do que a mulher) e
as mulheres indígenas e negras.
Segundo Alfredo Bosi (2000), havia, no país, pois, nos primeiros séculos, ilhas sociais
formadas pelos ciclos de ocupação e de exploração. Assim, pequenos nichos sociais foram se
formando de maneira rudimentar, sem ares de urbanidade propriamente, mas já com alguma
característica de organização citadina, em espaços como a Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio
de Janeiro e São Paulo, os quais se formaram em temporalidades diversas. A organização política
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ganhou a forma das Capitanias hereditárias, em que poucos homens eram responsáveis pela
administração do país, mesmo que muitos deles nunca tenham vindo, de fato, para a colônia.
Começa-se, no Brasil, uma tradição de latifúndios...
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Dessa rudimentar estrutura urbana fizeram parte os escritores que estudaremos nesse
tópico. As produções feitas aqui se constituíram pela estética de um Barroco diluído, que apareceu
diferentemente na literatura, na música e nas artes plásticas. Segundo Bosi (2000), na literatura,
é possível pensar em ecos do Barroco do século XVII até o XVIII, em autores como Gregório de
Matos, Botelho de Oliveira, Frei Itaparica, bem como nas primeiras academias aqui formadas. Já
na música e nas artes, o Barroco é posterior, ocorrendo especialmente na segunda metade do
século XVIII em Minas Gerais, sendo que os nomes mais significativos foram, nas artes, Aleijadinho
e Manuel da Costa Ataíde, e na música, Lobo de Mesquita e Marcos Coelho (composições sacras).
Antonio Vieira merece uma explicação à parte, já que o que produz é prosa sacra e que sua
produção tem como assunto temas que refletem a realidade brasileira, mas também a europeia,
especialmente a portuguesa. Por isso, é comum encontrarmos seu nome tanto em manuais de
literatura brasileiros quanto nos portugueses.
Em termos de literatura, a produção nesse período é esparsa: tem-se a Prosopopeia,
de Bento Teixeira, um poema épico de louvor a uma figura política; a obra poética de Gregório
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de Matos; a coleção de poemas Música do Parnaso, de Manuel Botelho de Oliveira; o poema
Descrição da Cidade da Ilha de Itaparica, do frei Manuel de Santa Maria Itaparica; a oratória
sagrada do padre Antonio Vieira; a prosa alegórica Compêndio Narrativo do Peregrino da América,
de Nuno Marques Pereira; e a produção variada das Academias do século XVIII. Dentre todos
esses nomes, os que ganham destaque são Antonio Vieira e Gregório de Matos, consideradas
duas das maiores figuras da literatura brasileira por Antonio Candido (1999).
A produção de Gregório de Matos só conheceu publicação depois de sua morte, no
século XIX. Era comum que o poeta recitasse seu poema para que outra pessoa o transcrevesse.
Sua produção, contudo, é grande e variada. Gregório de Matos escreveu poemas sobre várias
V
temáticas, como o desterro, o amor, o humor, a religião, o espaço histórico e a reflexão. Sua
produção segue muitos dos preceitos do barroco espanhol, especialmente de Góngora e de
Quevedo.
V
O poeta, como um intelectual deslocado, é um grande crítico da sociedade, que se
forma a partir de paradoxos, com religiosos, senhores de engenho, indígenas, negros, viajantes,
comerciantes e algumas figuras do governo oficial. O que o poeta critica principalmente são os
costumes dessa sociedade mista, em que falta organização política e firmeza moral, até nos
religiosos. Gregório de Matos entende o Brasil e, nesse caso, a Bahia especificamente, como um
lugar rico, mas que pela má administração se vê empobrecido, o que acaba afetando, inclusive, os
costumes dos que ali vivem. Ele reconhece a questão da exploração da colônia, ainda que, tenha
uma mentalidade bastante conservadora quanto à realidade de miscigenação brasileira, que vê
com maus olhos, como se pode perceber pelos seguintes versos: ”Não sei, para que é nascer//
neste Brasil empestado// um homem branco, e honrado// sem outra raça”. Para pensarmos essa
questão sob outro viés, será preciso esperar o século XIX, com a estética realista principalmente.
O outro grande nome do barroco brasileiro (e também do barroco português) é
Antonio Vieira. Destaca-se, em sua produção, a perícia verbal, o desejo de ação, a sólida cultura
humanística e a religiosidade, esta estreitamente ligada à política expansionista de Portugal.
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Segundo Bosi (2000), Vieira é um espírito verdadeiramente barroco, e seus sermões tratavam os
mais diversos assuntos, de maneira conceitual, com retórica admirável. Antonio Vieira nasceu em
Lisboa, estudou no Colégio dos Jesuítas e foi ordenado em 1634. Como missionário, frequentou a
corte europeia (não só a portuguesa), mas também professou na colônia brasileira.
Os sermões que nos interessam principalmente, neste sentido, são os que tratam do
Brasil e de seu povo, mas também o “Sermão da Sexagésima”, proferido na Capela Real de Lisboa
em 1655, que tem como tema a arte de pregar. Nesse sermão, o sermonista analisa os elementos
responsáveis pela conversão dos homens pelos religiosos, destacando quais seriam as possíveis
faltas de cada um, a saber: a pessoa (do pregador), o estilo em que prega, a matéria sobre a qual
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se prega (o Evangelho), a ciência (ou o saber necessário para fazer suas próprias reflexões sobre
o Evangelho) e a voz (ou a entonação correta para sensibilizar e converter).
Sermões importantes para compreendermos a perícia retórica de Vieira, bem como
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para entendermos mais sobre esse período do Brasil Colônia são o “Sermão pelo sucesso das
armas de Portugal contra as de Holanda”, que apresenta um olhar sobre a invasão holandesa no
litoral brasileiro, um importante capítulo da História do Brasil; o “Sermão de Santo Antônio (aos
peixes)”, em que o padre apresenta o estado de devassidão de costumes em que se encontrava a
colônia, de modo que era mais fácil os peixes ouvirem os saberes necessários para se converterem
do que os próprios fiéis; o “Sermão da Primeira Dominga da Quaresma”, em que o pregador
tenta persuadir os colonos a libertarem os indígenas “que lhe fazem evocar os hebreus cativos
do Faraó” (BOSI, 2000, p.45); e ainda o “Sermão XIV do Rosário”, pregado à Irmandade de Pretos
de um engenho baiano, no qual ele “equipara os sofrimentos de Cristo aos dos escravos” (BOSI,
2000, p.45).
Na proposta de Antonio Candido para pensar a formação da Literatura brasileira, o
Barroco, assim como o Quinhentismo (Literatura de Informação) são considerados não como
parte de um sistema literário brasileiro, mas como manifestações literárias esparsas que ainda
não fundavam um sistema. Essa proposta sociológica, segundo a qual uma literatura, para existir,
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precisa de um sistema formado por obras, leitores e autores, não foi aprovada por todos, como é
o caso de Haroldo de Campos, que viu nessa seleção um caso de “sequestro”. Para ele, devido a
importância das obras produzidas no período, especialmente a produção de Gregório de Matos.
Por mais que se tenha formado uma polêmica pelo diferente olhar desses teóricos quanto à
Literatura Brasileira, a perspectiva de um não anula a do outro, até porque Candido não nega a
importância estética de Gregório de Matos, somente o classifica sob uma ótica diferente, em que
a formação da literatura depende do amadurecimento da sociedade e de seu arcabouço cultural
e editorial.
V
Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. Literatura concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2000.
MATOS, Gregório. Literatura Comentada: Gregório de Matos. Seleção de textos, notas, estudos
biográficos, histórico e crítico por Antônio Dimas. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
V
MOISÉS, Massaud. Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
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Abaixo, você poderá encontrar poemas de Gregório de Matos, bem como excertos de três
Textos selecionados
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Para pensar a reflexão sobre o tempo e a vida, na estética de Gregório de Matos
V
Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.
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Quem veria uma flor, que a não cortara
De verde pé, de rama florescente?
E quem um Anjo vira tão luzente
Que por seu Deus, o não idolatrara?
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Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,
MATOS, Gregório. Literatura Comentada: Gregório de Matos. Seleção de textos, notas, estudos
biográficos, histórico e crítico por Antônio Dimas. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
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Sobre a arte de pregar e sobre como pensar a argumentação: Sermão da Sexagésima (excerto)
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Sobre os tipos de ladrão e a crítica aos governantes: Sermão do Bom ladrão (excerto)
“Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a
pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria, ou
escusa, ou alivia o seu pecado, como diz Salomão: Non grandis est culpa, cum quis furatus fuerit:
furatur enim ut esurientem impleat animam. O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao
inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de
mais alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento, distingue muito bem
S. Basílio Magno: Non est intelligendum fures esse solum bursarum incisores, vel latrocinantes in
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balneis; sed et qui duces legionum statuti, vel qui commisso sibi regimine civitatum, aut gentium,
hoc quidem furtim tollunt, hoc vero vi et publice exigunt: Não são só ladrões, diz o santo, os que
cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais
V
própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos
e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já
com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam
cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros,
se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam”.
Sobre a arte de pregar e corrupção da sociedade: Sermão de Santo Antonio (aos peixes) (excerto)
“Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-
lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a
corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que
têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não
salga, ou porque a não se deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam
a verdadeira doutrina que lhe dão, a não querer receber. Ou é porque o sal não salga, e os
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pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes
querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em
vez de servir a Cristo servem a seus apetites. Não é tudo isso verdade? Ainda mal”.
Excertos retirados da seguinte edição:
VIEIRA, Antonio. Sermões: Padre Antonio Vieira. / organização e introdução Alcir Pécora. São
Paulo: Hedra, 2000.
Para saber mais sobre a formação do Brasil e do povo brasileiro, há textos históricos e
sociológicos que podem ser úteis, como :
BRASIL. Para uma história do negro no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1988.
Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon1104317/icon1104317.pdf V
CUNHA, Manuela Carneiro da (org.) História dos índios do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras/Secretaria Municipal de Cultural, 1992. Disponível em: http://etnolinguistica.wdfiles.com/
local--files/historia/p567-598_Bibliografia.pdf
FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime do sistema
patriarcal. São Paulo: Global, 2003. Disponível em: http://www.usp.br/cje/anexos/freire_gilberto_
casa_grande_senzala.pdf
HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1982.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. Disponível em: http://www.iphi.org.br/sites/filosofia_brasil/Darcy_Ribeiro_-_O_povo_
Brasileiro-_a_forma%C3%A7%C3%A3o_e_o_sentido_do_Brasil.pdf
V
SANTOS, Luzia Aparecida Oliva dos. O percurso da indianidade na literatura brasileira matizes da
V
figuração. [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. Disponível
em: https://static.scielo.org/scielobooks/yhzv4/pdf/santos-9788579830204.pdf
ANTONIO CANDIDO INDICA 10 LIVROS PARA CONHECER O BRASIL. Disponível em: https://www.
brasildefato.com.br/2017/05/12/antonio-candido-indica-10-livros-para-conhecer-o-brasil/
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CAPITULO IV – ARCADISMO E
CONSTRUÇÃO DO SENTIMENTO
NACIONAL
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O século XVIII começa uma importante mudança no cenário nacional, no que diz
respeito à construção do sentimento nacional, pelo desenvolvimento de uma consciência sobre
a condição colonial que passou a existir, ainda que de forma incipiente, no século anterior, por
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parte de um pequeno grupo de intelectuais. O Brasil do século XVIII é o Brasil da corrida pelo
ouro, das minas gerais. Por conta disso, foi uma época em que a população aumentou e que se
pode vislumbrar uma elite cultural mais coesa.
Em relação à literatura, temos um grupo maior de intelectuais, e há relações entre
eles. Segundo Candido (1999), a importância desse momento para a formação da literatura
brasileira é a constituição da produção literária como fato cultural configurado:
Essa consciência de grupo se deu tanto no quesito literário quanto no político. Neste,
tivemos um episódio relevante para a História do Brasil, que foi a Inconfidência Mineira. Este foi o
nome dado a um episódio específico da nossa história de luta contra os desmandos da Metrópole,
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principalmente por parte dos poetas de Vila Rica. Esta cidade, por conta da descoberta das minas,
chegou a ser chamada de “a perola preciosa do Brasil”, devido ao processo de povoamento e
urbanização que recebeu, inclusive em relação à arte. Por conta disso, a Metrópole passou a
aumentar cada vez mais a carga de impostos, o que permitiu a D. João V reinar com muita ostentação
e luxo do outro lado do Atlântico. Esse aumento na carga de impostos ocasionou a revolta desse
grupo de poetas que, por serem mais críticos, mas também por fazerem parte de uma elite que
ficou sobrecarregada com a tributação, ousou pensar em um processo de independência para
o Brasil. Os planos para esse golpe eram vagos, a hipótese era de que Minas passaria a ser uma
república independente ao final do processo. Até mesmo a abolição da escravatura foi cogitada.
V
Mas o plano não vingou. A tributação extra foi revogada - o que foi o principal motivo para a
revolta – e os inconfidentes se desarticularam:
V
Alvarenga Peixoto, José Álvares Maciel, Luís Vaz de Toledo Pisa, Francisco Antonio
de Oliveira Lopes, Francisco de Paula Freire de Andrade e Domingos de Abreu Vieira
partiram para o exílio em Angola, no dia 5 de maio de 1792. No dia 23, zarpou o navio
que levou para Moçambique os conjurados Tomás Antônio Gonzaga, Vivente Vieira
da Mota, José Aires Gomes, João da Costa Rodrigues, Vitoriano Gonçalves e Salvador
Amaral Gurgel. Os padres implicados foram julgados secretamente em Lisboa. Claudio
Manuel da Costa fora encontrado morto na Casa de Contos, em Vila Rica, no dia 4 de
julho de 1789. A informação oficial foi de que ele se suicidara, mas muitos historiadores
acham que, na verdade, o poeta foi morto 0 numa sessão de tortura ou, então, pelos
próprios inconfidentes (BUENO, 2010, p.141).
Essas informações nos são importantes porque mostram o quanto a vida literária
(ou intelectual, de modo geral) pode ter a ver com a política de um país, já que política é ação
que se baseia em ideias. E vice-versa. Também nos ajuda a compreender como as questões de
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decisão política em nosso país sempre partirão de uma elite cultural (o que vai se efetivar com os
processos de independência, de instauração da República e mesmo do golpe militar de 1964). As
ideias que baseavam os ideias independentistas faziam parte do arcabouço teórico do Iluminismo
que, nas artes, ganhou o nome de Neoclassicismo, ou Arcadismo.
O movimento do Neoclassicismo, ou Arcadismo, apregoava um retorno à estética
clássica. Segundo Bosi (2000, p.55), tem-se aí um pensamento “voltado para o racional, o claro,
o regular, o verossímil”. Na filosofia, esse pensamento vem sob a forma do Iluminismo, com o
pensamento de importantes filósofos como Voltaire e Rousseau. Em Literatura propriamente,
tem-se um estilo suave, musical e ajustado à temática bucólica. Ainda segundo Bosi (2000, p.55),
V
a primeira Arcádia foi fundada em 1690, em Roma. Seu programa propunha acabar com o mau
gosto (especialmente o que estava em voga com o Barroco), sendo que seus sócios tomavam
nomes de pastores gregos ou romanos e seu emblema era a flauta de Pã, coroada de pinheiros
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e louros.
No Brasil, como vimos, esse movimento se desenvolveu nos centros urbanos,
especialmente em Vila Rica, Minas Gerais. São nomes importantes do Arcadismo Brasileiro Cláudio
Manuel da Costa, com suas Obras póeticas de Glauceste Satúrnio, Tomás Antônio Gonzaga, com
Marília de Dirceu e a obra satírica Cartas chilenas, Silva Alvarenga, com Glaura, Basílio da Gama,
com O Uraguai e Santa Rita Durão, com o Caramuru. O auge da lírica árcade para muitos críticos
é a produção de Tomás Antonio Gonzaga, que abraça mais completamente a estética, inclusive
adiantando algumas características que vão vigorar mais adiante no romantismo brasileiro.
Marília de Dirceu é uma obra que apresenta três partes, as quais, segundo Bosi (2000), poderiam
se resumir a duas, devido ao seu teor. Nessa obra, o poeta se traveste da figura de Dirceu, a fim
de, primeiro, apresentar e enaltecer sua amada Marília e o romance dos dois, e depois descrever
a tristeza do distanciamento da amada e da impossibilidade de concretização do amor devido
ao exílio a que o autor foi obrigado. Já da perspectiva da poesia épica, pode-se dizer que O
Uraguai ganha destaque, tanto pela inovação formal, já que os versos não obedecerão à métrica
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tradicional (presente na poética de Camões e seguida pela escrita de Santa Rita Durão), quanto
pela inovação temática, já que, ao oferecer uma homenagem ao Marquês de Pombal, acaba por
fazer uma representação idealizada do indígena, na guerra guaranítica que ocorreu no sul do país.
As questões temáticas e formais iniciadas no Arcadismo serão desenvolvidas no Romantismo, o
qual coincide socialmente, com o período em que o Brasil se torna uma nação independente.
Referências bibliográficas
BOSI, Alfredo. Literatura concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2000.
V
BUENO, Eduardo. Brasil: uma história. Cinco séculos de um país em construção. São Paulo: Leya,
2010.
V
CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. São Paulo: Humanitas, 1999.
MOISÉS, Massaud. Literatura Brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2004.
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No primeiro Canto, temos a Invocação No Canto II, temos o exemplo de Na Lira I da primeira parte de Marília No quarto Canto, o episódio mais
da musa (comum em epopeias e poemas misericórdia do General, ao propor que de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, conhecido do poema épico, a morte de
os índios saíssem “por bem” do lugar tem-se a apresentação do eu lírico como Lindóia, famoso por sua beleza e lirismo.
épicos), em que se pede ajuda divina onde viviam para que a troca entre um homem de posses que cultiva a vida Lindóia busca a morte após se ver
para cantar os versos, e a apresentação Portugal e Espanha fosse feita. A partir do campo. O principal elemento aqui é o afastada do amado Cacambo.
do tema, neste caso, o herói que da terceira estrofe desse canto, temos bucolismo, presente em grande parte da
subjugou os índios e os jesuítas na a voz do indígena reclamando sobre produção árcade.
o procedimento dos portugueses e Este lugar delicioso e triste,
Guerra Guaranítica, Gomes Freire de espanhóis, inclusive argumentando contra Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Cansada de viver, tinha escolhido
Andrade. Na segunda estrofe, o motivo a colonização pela distância (geográfica) Que viva de guardar alheio gado; Para morrer a mísera Lindóia.
da Guerra, a troca de territórios entre entre colonizador e colonizado. De tosco trato, de expressões grosseiro, Lá reclinada, como que dormia,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Na branda relva e nas mimosas flores,
Portugal e Espanha, sendo que Portugal Tenho próprio casal, e nele assisto; Tinha a face na mão, e a mão no tronco
Canto II
passaria a ficar com os Sete Povos Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; De um fúnebre cipreste, que espalhava
(hoje no Rio Grande do Sul), enquanto Quando Meneses, que vizinho estava, Das brancas ovelhinhas tiro o leite, Melancólica sombra. Mais de perto
Espanha passaria a ficar com Colônia do Lhe diz: Nestes desertos encontramos E mais as finas lãs, de que me visto. Descobrem que se enrola no seu corpo
Mais do que se esperava, e me parece Graças, Marília bela,
Sacramento (hoje no Uruguai). Graças à minha Estrela!
Que só por força de armas poderemos Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
V
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Que tinha prisioneiros no seu campo Ao som dela concerto a voz celeste; Porém o destro Caitutu, que treme
Pasto de corvos. Dura inda nos vales Fossem vestidos das formosas cores, Nem canto letra, que não seja minha, Do perigo da irmã, sem mais demora
Que a inculta gente simples tanto adora. Graças, Marília bela, Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
O rouco som da irada artilheria. Graças à minha Estrela!
Abraçou-os a todos, como filhos,
MUSA, honremos o Herói que o povo E deu a todos liberdade. Soltar o tiro, e vacilou três vezes
E o índio, um pouco pensativo, o braço Mas tendo tantos dotes da ventura,
rude Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Entre a ira e o temor. Enfim sacode
E a mão retira; e, suspirando, disse: O arco e faz voar a aguda seta,
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue Gentes de Europa, nunca vos trouxera Depois que teu afeto me segura,
Que queres do que tenho ser senhora. Que toca o peito de Lindóia, e fere
Dos decretos reais lavou a afronta. O mar e o vento a nós. Ah! não debalde A serpente na testa, e a boca e os dentes
Estendeu entre nós a natureza É bom, minha Marília, é bom ser dono
Ai tanto custas, ambição de império! Todo esse plano espaço imenso de águas. De um rebanho, que cubra monte, e Deixou cravados no vizinho tronco.
Os termos do domínio assinalassem. Prosseguia talvez; mas o interrompe prado; Açouta o campo co’a ligeira cauda
Sepé, que entra no meio, e diz: Cacambo Porém, gentil Pastora, o teu agrado O irado monstro, e em tortuosos giros
Vossa fica a Colônia, e ficam nossos Fez mais do que devia; e todos sabem Vale mais q’um rebanho, e mais q’um
Sete povos, que os Bárbaros habitam Que estas terras, que pisas, o céu livres trono. Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Deu aos nossos avôs; nós também livres Graças, Marília bela, Em negro sangue o lívido veneno.
Naquela oriental vasta campina Graças à minha Estrela!
As recebemos dos antepassados. Leva nos braços a infeliz Lindóia
Que o fértil Uraguai discorre e banha. Livres as hão de herdar os nossos filhos. O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Desconhecemos, detestamos jugo Com o solto cabelo descomposto,
Quem podia esperar que uns índios Tropeçando em ruínas encostar-se. Conhece, com que dor! no frio rosto
Que não seja o do céu, por mão dos padres. Os sinais do veneno, e vê ferido
rudes, As frechas partirão nossas contendas Desamparada dos habitadores
Dentro de pouco tempo: e o vosso Mundo, A Rainha do Tejo, e solitária, Pelo dente sutil o brando peito.
Se atravessassem no caminho aos No meio de sepulcros procurava Excertos da obra, extraídos da seguinte
Se nele um resto houver de humanidade,
nossos, Julgará entre nós; se defendemos Com seus olhos socorro; e com seus olhos edição:
Tu a injustiça, e nós o Deus e a Pátria. Só descobria de um e de outro lado GAMA, Basílio. O Uraguai. Porto Alegre:
E que lhes disputassem o terreno! Pendentes muros e inclinadas torres. Vê
Enfim quereis a guerra, e tereis guerra. Mercado Aberto, 2002.
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Na Lira I da primeira parte de Marília Na Lira XII da segunda parte de Marília de Quando passar pela rua
de Dirceu, de Tomás Antonio Gonzaga, Dirceu, o eu lírico já se encontra distante O meu companheiro honrado,
tem-se a apresentação do eu lírico da amada e se ressente do exílio. Sem que me vejas com ele
Caminhar emparelhado,
como um homem de posses que cultiva Ah! Marília, que tormento Tu dirás: “Não foi tirana
a vida do campo. O principal elemento Não tens de sentir, saudosa! Somente comigo a sorte;
aqui é o bucolismo, presente em Não podem ver os teus olhos Também cortou, desumana,
A campina deleitosa, A mais fiel união.”
grande parte da produção árcade. Mandarás aos surdos deuses
Nem a tua mesma aldeia, Novos suspiros em vão.
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que, tiranos1, não proponham
Que viva de guardar alheio gado; À inda inquieta2 idéia Numa masmorra metido,
De tosco trato, de expressões grosseiro, Uma imagem de aflição. Eu não vejo imagens destas,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Mandarás aos surdos deuses Imagens, que são por certo
Tenho próprio casal, e nele assisto; Novos suspiros em vão. A quem adora funestas.
Mas se existem, separadas
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Dos inchados, roxos olhos,
Das brancas ovelhinhas tiro o leite, Quando levares, Marília,
V
V
Os pastores, que habitam este monte, Nos dedos da branca mão.
Respeitam o poder do meu cajado: Mandarás aos surdos deuses GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de
Com tal destreza toco a sanfoninha, Novos suspiros em vão. Dirceu. São Paulo: Germape, s.d.
Que inveja até me tem o próprio Quando à janela saíres,
Alceste: Sem quereres, descuidada,
Ao som dela concerto a voz celeste; Tu verás, Marília, a minha3
Nem canto letra, que não seja minha, E minha pobre morada.
Graças, Marília bela, Tu dirás então contigo:
Graças à minha Estrela! “Ali Dirceu esperava
Para me levar consigo;
Mas tendo tantos dotes da ventura, E ali sofreu a prisão.”
Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Mandarás aos surdos deuses
Depois que teu afeto me segura, Novos suspiros em vão.
Que queres do que tenho ser senhora. Quando vires igualmente
É bom, minha Marília, é bom ser dono Do caro Glauceste a choça4,
De um rebanho, que cubra monte, e Onde alegres se juntavam
prado; Os poucos da escolha nossa,
Porém, gentil Pastora, o teu agrado Pondo os olhos na varanda
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um Tu dirás, de mágoa cheia:
trono. “Todo o congresso5 ali anda,
Graças, Marília bela, Só o meu amado não6.”
Graças à minha Estrela! Mandarás aos surdos deuses
Novos suspiros em vão.
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SAIBA MAIS:
Para pensar a catequização dos índios pelos jesuítas, o trabalho do Padre José de Anchieta e a
ação do colonizador/explorador português
• Anchieta: José do Brasil
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• https://www.youtube.com/watch?v=A2mOrUs31yU
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