Tendências Da Literatura Contemporânea
Tendências Da Literatura Contemporânea
Tendências Da Literatura Contemporânea
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NOSSA HISTÓRIA
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Sumário
TENDÊNCIAS DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA ........................................... 1
NOSSA HISTÓRIA ......................................................................................................... 2
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 4
CAPÍTULO I – O QUE É LITERATURA CONTEMPORÂNEA?................................... 7
Contexto histórico ........................................................................................................ 7
Características da literatura contemporânea ................................................................. 8
Concretismo ................................................................................................................ 10
Poema processo .......................................................................................................... 10
Poesia social ............................................................................................................... 10
Poesia marginal .......................................................................................................... 10
Autores da literatura contemporânea .......................................................................... 10
CAPÍTULO II - CULTURA E LITERATURA CONTEMPORÂNEAS: ALGUMAS
ABORDAGENS DO PÓSMODERNO. ........................................................................ 11
O pós-modernismo no Brasil ...................................................................................... 13
Algumas abordagens do pós-modernismo.................................................................. 21
Engajamento e criticidade: a grande desilusão do sujeito descentralizado ............ 21
Fragmentação: a arte imita a vida ............................................................................... 24
Humor e a ironia: uma estreita relação entre o riso e a dor ........................................ 26
O humor como movimento contemporâneo ............................................................... 28
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 34
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INTRODUÇÃO
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possibilidade de “leituras cruzadas” ou de hipertextos que se revelam no pro-
cesso de construção do significado do texto, o que faz da leitura um ato de inte-
ração que não se restringe a autor, obra e leitor, mas se estende autores,
obras/textos (estes acessados com um simples click) e leitor. Esse perfil de
grande parte do leitor contemporâneo indica ainda a necessidade de se pensar
a crítica literária, pois, conforme alerta Everton Vinicius de Santa, “Pensar na
literatura diante das novas tecnologias presentes no meio digital implica, sobre-
maneira, estabelecer possibilidades e multiplicidades de leituras e mesmo de
criação.” (SANTA, 2011, p. 9)
Nesse âmbito da crítica literária, cabe apontar que há muitos estudos sobre a
forma de escrita da literatura do século XXI, como os de Beatriz Rezende e He-
lena Bonito Pereira, pesquisadoras que se esforçam para apresentar um mape-
amento das nossas letras e dar a conhecer as singularidades da literatura deste
período. Em relação às narrativas literárias, é importante registrar que elas cres-
cem em um contexto que, por um lado, mantém o livro impresso e favorece a
disseminação do digital, e, por outro, largamente se posiciona em direção oposta
a uma dura realidade no país, a diminuição do número de leitores, como bem
alertam as constantes pesquisas publicadas em Retratos da Leitura no Brasil,
publicadas pelo Instituto Pró-Livro3 . Apesar de a investigação sobre a qualidade
da leitura não ser o foco da maioria dos trabalhos na área de Letras, é crucial
destacar que a literatura no século XXI requer um questionamento sobre como
se lê e que significados o leitor atribui ao que lê.
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as que percorrem as obras romanescas, como a abordagem da violência, dos
conflitos sociais, dos fatos cotidianos.
Quanto à forma do conto, pelo menos duas perguntas precisam ser considera-
das se quisermos elucidar a narrativa curta deste tempo: De que forma o conto
brasileiro do século XXI incorpora os traços da narrativa literária deste século?
Há algum traço que distingue o conto deste século ao que se teoriza ser conto
em momentos históricos anteriores? Tais questionamentos, para obter respostas
de caráter mais conclusivo, precisariam compor um estudo mais longo, repleto
de análise de diferentes autores e obras do século, o que não caberia na exten-
são deste texto. Por isso, optamos por construir uma leitura crítica de contos de
apenas um autor, André Sant’Anna, que é também roteirista, publicitário e mú-
sico e iniciou sua trajetória literária com Amor, publicação de 1998. Escritor ainda
pouco estudado, nem sempre presente nos planos de ensino de disciplinas de
literatura nos cursos de Letras, sua obra merece atenção da crítica não só pela
potencialidade artística de seu texto, mas também pelo tom social e de resistên-
cia de sua escritura que se funda no rebelar-se contra uma sociedade injusta,
consumista e violenta.
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CAPÍTULO I – O QUE É LITERATURA CONTEMPO-
RÂNEA?
Contexto histórico
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veremos quais são no próximo tópico, são explicadas pela sucessão de fatos
transcorridos.
No final dos anos 70, o então presidente Figueiredo sancionou a Lei da Anistia,
que permitiu o retorno dos exilados para o Brasil. Assim, o clima de otimismo
voltou para os descontentes com a ditadura militar que, por sua vez, acabou em
1985 com movimento Diretas Já! Em 1898, foi eleito para presidente Fernando
Collor de Mello, sendo deposto 2 anos depois.
Características da literaturacontemporânea
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• Intertextualidade: quando há o diálogo com outras obras que o autor pre-
sume que sejam conhecidas;
• Ecletismo: mistura de estilos, contemplando gostos diversificados;
• Váriosmodos de narrativas;
• Preocupação com o presente, sem planejamento para o futuro;
• Temas do cotidiano;
• Engajamento social;
• Técnicas novas de arte e escrita;
• Elaboração de contos e crônicas;
• Obras reduzidas (minicontos, mini crônicas, etc).Tendências contemporâ-
neas da literatura brasileira
• regionalista;
• intimista;
• urbano-social;
• político;
• memorialista;
• experimentais e metalinguísticos.
A segunda é a alternativa, com autores que, de fato, queriam romper com o tra-
dicional, lançando novas maneiras e estilos de expressar a sua arte. O destaque
fica para a poesia, em que os sentimentos oprimidos pela ditadura ganham es-
paço.
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Concretismo
É um tipo de poesia que não tem forma, nem versos definidos, diferentemente
do lirismo. Ele pode ser lido de qualquer direção. Embora tenha surgido antes,
ganhou visibilidade após a Exposição Nacional da Arte Concreta de São Paulo.
Poema processo
Poesia social
Poesia marginal
Autores da literaturacontemporânea
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• Ariano Suassuna (1927-2014): escreveu “Auto da Compadecida” (1955)
e “O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-
Volta”;
• Antônio Callado (1917-1997): escritor de “A Madona de Cedro” (1957),
“Quarup” (1967) e “O Tesouro de Chica da Silva” (1962);
• Caio Fernando Abreu (1948-1996): autor de “Morangos Mofados” (1982)
e “Onde Andará Dulce Veiga?” (1990);
• Cora Coralina (1889-1985): autora de “Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais” (1965) e “Estórias da Casa Velha da Ponte” (1985);
• Ferreira Gullar (1930-2016): escritor de “Poema Sujo” (1976) e “Em Al-
guma Parte Alguma” (2010).
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de tempo o conjunto do aparato tecnológico vigente passa por saltos qua-
litativos em que a ampliação, a condensação e a miniaturização de seus
potenciais reconfiguram completamente o universo de possibilidades e
expectativas, tornando-se cada vez mais imprevisível, irresistível e incom-
preensível (Sevcenko 2004: 16).
Dessa forma, ele tem também menos tempo para as ações “menores” – fazer
compras, ter um momento de lazer com a família, conversar com os amigos,
pagar contas, etc. E para isso também a tecnologia e a comunicação estão aí,
prontas para adequá-lo ao novo modo de vida. Já se fazem compras, inclusive
as básicas de mercado e se pagam quase todas as contas sem sair de casa; o
lazer também é oferecido em casa e sem necessariamente a presença de todos
os membros da família; e amigos são construídos através de bate-papos virtuais.
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O pós-modernismo no Brasil
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Podemos perceber assim que Canclini relaciona o pós-moderno com a mul-
tiplicidade cultural e de estágios de desenvolvimento da América Latina. Essa
mistura própria desse continente, segundo Canclini, é algo que está alta-
mente ligado à proposta pós-moderna.
Para Chiampi não há, pois, motivos para querer preservar a diferença entre
erudito e popular; “sua identidade e legitimidade ficam comprometidas pelo
contágio” (Chiampi 1996: 83), não podendo mais (nenhum dos dois) voltarem
ao seu estágio original, sem estarem afetados, contaminados um pelo outro.
Essa contaminação existente na América Latina é, para a autora, indício de
uma nova tendência, no caso, o pós-modernismo:
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parece experimentar dias de glória que transcendem sua condição de
resíduo. Reciclado por narradores pertencentes ao cânone literário, seu
reaproveitamento e funcionalização em obras prestigiadas lhe outorga
um novo status dentro da cultura pós-moderna na América Latina (Chi-
ampi 1996: 76).
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Assim, a partir das décadas de 50 e 60, o Brasil assistia ao surgimento de
vanguardas e posicionamentos assumidos que foram mudando o contexto
literário em nosso país. Na poesia, encontramos o movimento da poesia con-
creta (1956), o Neoconcretismo (1959), a Literatura-praxis (1962), o movi-
mento do Poema/processo (1967). Em 1968, emerge o Tropicalismo, que re-
presenta uma tomada de posição de alguns artistas renovadores na área de
diversas atividades – teatro, cinema, artes plásticas e música popular.
Esse momento foi crucial para o desenvolvimento da arte como tal, já que
toda a produção “carregou-se de uma implicação ideológica que se expres-
sava nacensura”, que representava “o tipo de orientação que o Estado pre-
tendiaconferir à cultura e acabou funcionando como uma espécie de em-
blema da época, por meio do qual seria possível interpretar toda a produção
cultural, como se interpreta um código cifrado, acessível apenas aos inicia-
dos” (Pellegrini 1995: 73).
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difundindo-se uma “estética ‘internacional-popular’, fundada na proliferação
das imagens, via televisão: a do espetáculo3” (Pellegrini 1995: 75).
Por outro lado, esvaiu-se também o caráter rebelde dos anos 60 e 70; a po-
esia marginal ampliou seus leitores através de uma grande editora: a Brasili-
ense, profissionalizou-se e incorporou-se no meio do mercado de bens cultu-
rais. Os grupos experimentais, por sua vez, desapareceram ou aderiram aos
grupos profissionais selecionados pela televisão.
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início do século XXI. E é a esse retrato que se refere o conto atual. Não há
mais uma preocupação como tinha o humanismo liberal, com grandes feitos
e soluções. Hoje, o conto está centralizado nos pequenos (ou grandes) pro-
blemas individuais, que nem sempre têm soluções, como são também na
realidade.
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almente. A coletividade foi substituída pelas pequenas preocupações indivi-
duais. Esse personagem anônimo dentro da ficção contemporânea também
foi observado por Fredric Jameson (1994) como marca presente e muito re-
presentativa.
Italo Calvino (1990) trata sobre esse assunto em seu livro Seis propostas
para o próximo milênio, apontando a rapidez como uma delas. Para ele, a
velocidade não tem valor em si, pois “o tempo narrativo pode ser também
retardador ou cíclico, ou imóvel. Em todo caso, o conto opera sobre a dura-
ção, é um sortilégio que age sobre o passar do tempo, contraindo-o ou dila-
tando-o” (Calvino 1990:48-49). O que o autor ressalta é que a negligência
quanto aos detalhes inúteis prende muito mais a atenção do leitor ao conto.
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19) chama de “retórica negativizada”, ou seja, “descontinuidade, desmem-
bramento, deslocamento, descentralização, indeterminação e antitotaliza-
ção”. Esses termos, sempre antecedidos por prefixos de negação, são usa-
dos pela ficção contemporânea para negar o compromisso, ou ainda “incor-
porar aquilo que pretende contestar” (Hutcheon 1995: 19).
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Os dois gêneros, o conto e a crônica, são muito representativos na literatura
contemporânea, por sua brevidade e leveza, por sua simplicidade e sutileza
de sensibilidade com o fato que vai narrar. Ambos, conto e crônica, estimulam
o leitor a uma nova procura, já que seu conteúdo é tão atraente e singular,
apesar de tratar muitas vezes de tramas tão comuns à vida diária desse
mesmo leitor. Esse que, em muitos momentos, recorre à arte para entender
sua vida e as agruras que a envolvem, que muitas vezes prefere rir dos seus
problemas a se desesperar com eles, se aproxima da narrativa breve, sim-
ples e reflexiva para dar talvez um sentido a sua vida que nem sempre é leve
e nem sempre é passível de ser entendida.
Em suma, a literatura brasileira tem vivido, nas últimas décadas, sob o signo
da multiplicidade, seja no campo político, social ou artístico. No que se refere
ao espaço artístico, a contemporaneidade presencia fortes mudanças que
envolvem atitudes variadas e multifacetadas, procedimentos de vanguarda,
posicionamentos divergentes e aproximação das culturas erudita e popular.
Em todas essas mudanças o que é certo é que há, sem dúvida, traços da
pós-modernidade. Justifica-se, então, falarmos em Pós-modernismo na lite-
ratura e na cultura brasileira.
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Um dos grandes questionamentos abordados pelo pós-moderno é a totaliza-
ção, a verdade absoluta, a crença indissolúvel nas grandes autoridades soci-
ais. Esses conceitos totalitários foram herdados do que comumente se chama
de humanismo liberal. O poder centralizado do homem ocidental, branco, he-
terossexual, de classe média cai em decorrência da ascensão das margens.
É o que Linda Hutcheon denomina “descentralização do sujeito” para carac-
terizar esse movimento de mudança de sentido cultural: o centro cede lugar
às margens e a homogeneidade, às diferenças.
A partir de uma perspectiva descentralizada (...), se existe um mundo, então
existem todos os mundos possíveis: a pluralidade histórica substitui a essên-
cia atemporal eterna (Hutcheon 1995: 85).
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sendo contestado como para o que se oferece como resposta a isso, e fazê-
lo de uma maneira autoconsciente que admite seu próprio caráter provisório”
(Hutcheon 1995: 31). Para a autora canadense o lema do pós-modernismo
deve ser: “Vivam as margens!”.
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única verdade objetiva, há ordens e verdades múltiplas, heterogêneas e pro-
visórias e essas são criadas por todos os indivíduos descentralizados dentro
da história. Essa é a verdade pós-moderna: tudo é limitado, temporário e pro-
visório; nada é eterno e completo. “O impulso pósmoderno não é buscar ne-
nhuma visão total. Ele se limita a questionar. Caso encontre uma verdade
dessas visões, ele questiona a maneira como, na verdade, a fabricou4” (Hut-
cheon 1995: 73). Linda Hutcheon diz ainda que o pós-modernismo não está
em acordo nem com a ordem, nem com a desordem, ele questiona ambas,
cada uma em seus aspectos falhos.
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O sujeito se desintegrou num fluxo de euforia intensa, fragmentada
e desconexa, e que o eu pós-moderno descentrado já não sente an-
siedade (...) e já não possui a profundidade, a substancialidade e a
coerência que eram os ideais e às vezes a realização do eu moderno
(Kellner 2001: 298).
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específicos (...), moldado de modo a gerar resultados que não seriam atingi-
dos com uma exposição mais baseada na seqüência ou na integralidade”
(Simon 1999: 66).
Sendo assim, o recurso mais utilizado pelo humor contemporâneo é a ironia. Isso
porque, segundo Georges Minois, “a ironia está próxima da consciência do nada”
(Minois 2003: 567). Ela está muito perto da tristeza, porque celebra a derrota da
razão. Podemos dizer, portanto, que a ironia é pessimista porque trabalha com
contradições que do ponto de vista da razão são absurdas e irremediáveis. Para
o historiador, o uso da ironia no humor torna este superficial, sem grandes en-
gajamentos. Isso porque o “ironista sempre pisa em falso, porque nunca adere
completamente ao presente. Ele toca de leve os problemas, jamais se engaja a
fundo, não corre o risco de desencanto, pois nunca toma como seu valor ne-
nhum” (Minois 2003: 570).
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Uma forma bastante frequente (e por que não dizer eficaz?) de se estabelecer o
humor irônico no pós-modernismo é a paródia, e esta por sua vez chega com
um tom de crítica ao passado e também ao presente, através do referencial his-
tórico do qual se apropria. Apesar de que o próprio Modernismo tenha se utili-
zado amplamente do recurso parodístico, podemos perceber nessa nova ver-
tente uma significativa mudança. No Modernismo, os objetos da paródia eram
textos consagrados de uma literatura que eles pretendiam contestar. Agora, te-
mos uma paródia que revisita textos modernos a fim de desconstruí-los e des-
mistificá-los. É o caso, por exemplo, da obra consagrada de Franz Kafka, A Me-
tamorfose, que já foi parodiada por vários escritores contemporâneos, como o
conto “O despertar de Gregório Barata” de Sérgio Sant’anna, em histórias em
quadrinhos e até através de uma música que versa sobre uma barata encontrada
numa cozinha e traz um trocadilho com o nome do próprio autor: “sim, vem Kafka
(cá, ficar), comigo...”.
Linda Hutcheon diz que a predominância da paródia se dá pelo fato de que a voz
mais forte vem das margens assinalando uma “posição paradoxal: tanto de den-
tro como de fora”. Essa oposição traz a paródia como “a forma intertextual que
constitui, paradoxalmente, uma transgressão autorizada, pois sua irônica dife-
rença se estabelece no próprio âmago da semelhança” (Hutcheon 1995: 95).
Utilizando-se da paródia, o pós-modernismo pode realizar seu propósito dentro
da arte: “incorporar aquilo que pretende contestar” (Hutcheon 1995: 19), ou seja,
se colocar dentro de um contexto que ele quer subverter.
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O humor como movimento contemporâneo
Esse fenômeno já foi descrito por Bergson quando afirma que o riso depende da
indiferença do espectador. Afirma ainda que numa “sociedade de puras inteli-
gências provavelmente não mais se choraria, mas ainda se risse” (Bergson
2001: 3), já que o riso se liga à inteligência pura. É a inquietação do saber e a
falta de comoção que gera o riso. Podemos perceber na sociedade contemporâ-
nea esses dois aspectos: nunca se descobriu tanto e nunca se importou tão
pouco com o próximo. A correria diária e a luta com uma concorrência acirrada
por um lugar ao sol levam o homem a se isolar em seu micromundo, deixando a
coletividade (macro-mundo) e seus problemas, seus dissabores ou suas alegrias
para segundo plano. Além disso, há, no nosso tempo, uma genérica descrença
em uma solução grandiosa para as diversas agruras que invadem a sociedade.
A dúvida é o mal da contemporaneidade. Duvida-se do caráter de uns, do amor
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de outros. Duvida-se dos políticos, da igreja, dos pais, dos filhos, do professor e
do aluno. Para Slavutzky (apud Kupermann 2003:15), a contemporaneidade se-
ria caracterizada pelo espectro da derrota do sujeito: “em lugar das paixões, a
calmaria, em lugar do desejo, a ausência do desejo, em lugar do sujeito, o nada,
e em lugar da história, o fim da história”.
Diante de todos esses conflitos que se cercam do homem moderno, resta-lhe rir
de tudo e de todos, e mais: fazer também os outros rirem. Como se a ordem
fosse: “Já que não podemos vencê-los, rimos deles”. A procura pela comicidade
em suas várias manifestações aumenta a cada dia, talvez como uma forma de
defesa, como já se referiu Freud, no que se refere a não ter soluções para os
diversos problemas. Rir para não chorar. Do mesmo modo também afirma Gilles
Lipovetsky, em A era do vazio (1989), que vivemos em uma “sociedade humo-
rística”, em que há um desenvolvimento generalizado do código e do estilo hu-
morístico. Esse fenômeno é claramente percebido em campos bastante hetero-
gêneos: na publicidade, nos slogans de manifestações políticas, na moda, na
arte, nos meios de comunicação de massa e, sobretudo, nas relações interpes-
soais; o clima de irreverência e espontaneidade passa a ter um valor privilegiado,
como se nada devesse ser levado a sério.
Para Georges Minois, esse fenômeno se dá porque o homem moderno está di-
ante de uma nova obsessão: “fazer a festa”. Tudo é motivo para se dar uma festa
(aniversário, acontecimentos culturais, artísticos ou esportivos, festas sem mo-
tivo). “O riso, que, bem entendido, deve acompanhar todas essas festas, tornou-
se o antiestresse infalível” (Minois 2003: 593). Essa obsessão festiva deve-se ao
fato de que a sociedade atual não consegue resolver os problemas que estão a
sua frente. Então procura algo que a faça esquecer deles. Mas essa festa não é
como as da Antiguidade Clássica – com o intuito de restabelecer a ordem social
–, a festa da atualidade é “perpétua, existencial, ontológica” (Minois 2003:600).
Na sociedade moderna, o que seria um fenômeno excepcional – a festa –, torna-
se um modo de existência permanente, uma maneira de ser.
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sucesso é necessário que haja unanimidade e isso seria dizer que ela é obriga-
tória.
Daniel Kupermann, em Ousar rir (2003:15-16) diz que, à medida que uma fase
de depressão, de um “mau humor crônico” assola a sociedade contemporânea
(acompanhada por decepções nos diversos campos possíveis ao longo de sua
história e sem uma aparente esperança também diante do futuro), é bastante
natural que se tenha tantas manifestações humorísticas. “Trata-se agora de evi-
tar qualquer litígio, em nome do bem-estar definido por uma cultura na qual a
adaptação e o sucesso pessoal são os alvos almejados”. Assim, o humor passa
a dominar as várias instâncias da sociedade com a mesma tônica: “ausência de
conflitos; impossibilidade de revolta; descrença”; é o humor descontraído que se
apresenta, quando ninguém acredita na importância das coisas. Ele se apre-
senta, de acordo com as ideias de Kupermann (2003: 16-17), como um
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O historiador francês Georges Minois comunga em certos aspectos das mesmas
ideias de Kupermann quando se trata do humor contemporâneo. Minois diz que
o homem moderno encontra no riso uma válvula de escape para zombar de seus
males, que foram muitos no século XX: guerras, crises econômicas, genocídios,
fome, miséria, terrorismos, desemprego, bombas atômicas, degradação do meio
ambiente, etc. Desse modo, como não há como escapar ou mesmo justificar tais
agruras, é melhor rir, de um riso nervoso, incontrolável talvez. “Essa doce droga
permitiu à humanidade sobreviver a suas vergonhas” (Minois 2003: 553).
Com essa mistura de dor e riso, a sociedade contemporânea cria uma espécie
de “fraternidade humorística”, cujo principal objetivo é tornar os sofrimentos mais
suportáveis. Segundo Minois, são “as desgraças do século que estimulam o de-
senvolvimento do humor, como um antídoto ou um anticorpo diante das agres-
sões da doença” (Minois 2003: 558). Aqui, o humor ganha uma dimensão cole-
tiva que parte da reflexão do problema através do humor e caminha para o ato
solidário. É um humor sociológico que requer a participação ativa do ouvinte, sua
cumplicidade. Ele gera uma simpatia, vinda da solidariedade diante das desgra-
ças e dificuldades do grupo social, profissional, humano.
O riso nascido desse humor não é explosivo, nem incontrolável. É um riso eco-
nômico que propicia um alívio intelectual triste e pode ser traduzido como um
simples “sorriso fraternal”, que funciona como uma arma protetora contra a an-
gústia.
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Sob uma outra perspectiva, Luiz Carlos Travaglia (1990: 55) aponta o humor
contemporâneo como crítico e engajado, usado como uma espécie de arma de
denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico; uma
forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das
realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar falsos
equilíbrios.
Crítico ou não, o humor está presente nos diversos gêneros e formas de lazer
(cinema, teatro, televisão, etc.) e, nesse contexto, a literatura também dá sua
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contribuição; são diversos os autores que incluem em suas obras uma pequena
parcela de comicidade ou ainda trabalham exclusivamente com ela. Um gênero
estreitamente relacionado com o aspecto cômico e que também surgiu com
maior ênfase na contemporaneidade é a crônica. Vários são os cronistas e,
quase sem exceção, todos usam o humor para se referirem ao aspecto social
que objetivam. Temos vários nomes como: Rubem Braga, Sergio Porto (Stanis-
law Ponte Preta), Luiz Fernando Veríssimo (que também utiliza o humor em seus
contos), Moacyr Scliar, entre outros.
Rir é um verbo que mudou seu sentido com o passar dos tempos. Antes ria-se
com os deuses, para se aproximar deles. Ria-se em festas periódicas, em que
se procurava estabelecer uma ordem social entre as pessoas. Hoje, a festa é
algo não mais esporádico ou periódico; é uma constante, já que se brinca com
tudo e com todos num constante processo de vulgarização do sério, de desmis-
tificação do onipotente, de relativização do absoluto. Hoje rir não se relaciona
apenas ao movimento que se realiza com os músculos do rosto diante de uma
situação engraçada.
Hoje rir está intimamente ligado ao movimento dos músculos do rosto diante de
uma situação sem solução ou sem grandes perspectivas. O riso contemporâneo
é de certa forma um riso triste que não libera nenhuma substância que denota a
alegria do ridente. É o riso amargo e irônico de um povo que já não tem motivos
para rir, mas continua rindo para ter motivos para continuar vivendo.
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REFERÊNCIAS
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio. Trad. Ivo Barroso. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CANDIDO, Antonio et. al. (org.). A crônica: o gênero, sua fixação e suas trans-
formações no Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fun-
dação Casa de Rui Barbosa, 1992.
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KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Trad. Ivone C. Benedetti. Bauru, SP:
EDUSC, 2001.
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