Tendências Da Literatura Contemporânea

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TENDÊNCIAS DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA

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NOSSA HISTÓRIA

A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empre-


sários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação
e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade ofere-
cendo serviços educacionais em nível superior.

A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de


conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici-
pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação
contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos
e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra-
vés do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma


confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica,
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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Sumário
TENDÊNCIAS DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA ........................................... 1
NOSSA HISTÓRIA ......................................................................................................... 2
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 4
CAPÍTULO I – O QUE É LITERATURA CONTEMPORÂNEA?................................... 7
Contexto histórico ........................................................................................................ 7
Características da literatura contemporânea ................................................................. 8
Concretismo ................................................................................................................ 10
Poema processo .......................................................................................................... 10
Poesia social ............................................................................................................... 10
Poesia marginal .......................................................................................................... 10
Autores da literatura contemporânea .......................................................................... 10
CAPÍTULO II - CULTURA E LITERATURA CONTEMPORÂNEAS: ALGUMAS
ABORDAGENS DO PÓSMODERNO. ........................................................................ 11
O pós-modernismo no Brasil ...................................................................................... 13
Algumas abordagens do pós-modernismo.................................................................. 21
Engajamento e criticidade: a grande desilusão do sujeito descentralizado ............ 21
Fragmentação: a arte imita a vida ............................................................................... 24
Humor e a ironia: uma estreita relação entre o riso e a dor ........................................ 26
O humor como movimento contemporâneo ............................................................... 28
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 34

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INTRODUÇÃO

A narrativa literária brasileira deste início de século XXI apresenta tendências


até então não demonstradas em relação a perfil de autor, escrita literária e forma
de divulgação de obras. Escritores não vinculados a grandes editoras e repre-
sentantes de vozes pouco presentes no cotidiano da literatura brasileira canô-
nica ou bastante difundida (como autores e autoras negros, escritores indígenas
ou provenientes de contextos marginalizados socialmente, como os dos grupos
LGBT e da periferia, entre outros) estão mais presentes nas publicações deste
tempo ao passo que também verificamos mudanças no meio da socialização dos
textos. Nessa perspectiva, Regina Zilberman (2010) destaca o contexto de glo-
balização, que estimula a proliferação de diferentes instrumentos de divulgação
de livros, e a pluralidade de suportes para o registro da escrita literária, não mais
restrita ao papel impresso e já afeita ao formato digital.

Ler literatura através da tela do computador já é uma opção de muitos leitores,


cuja forma de se relacionar com o texto também já não é a mesma, haja vista a

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possibilidade de “leituras cruzadas” ou de hipertextos que se revelam no pro-
cesso de construção do significado do texto, o que faz da leitura um ato de inte-
ração que não se restringe a autor, obra e leitor, mas se estende autores,
obras/textos (estes acessados com um simples click) e leitor. Esse perfil de
grande parte do leitor contemporâneo indica ainda a necessidade de se pensar
a crítica literária, pois, conforme alerta Everton Vinicius de Santa, “Pensar na
literatura diante das novas tecnologias presentes no meio digital implica, sobre-
maneira, estabelecer possibilidades e multiplicidades de leituras e mesmo de
criação.” (SANTA, 2011, p. 9)

Nesse âmbito da crítica literária, cabe apontar que há muitos estudos sobre a
forma de escrita da literatura do século XXI, como os de Beatriz Rezende e He-
lena Bonito Pereira, pesquisadoras que se esforçam para apresentar um mape-
amento das nossas letras e dar a conhecer as singularidades da literatura deste
período. Em relação às narrativas literárias, é importante registrar que elas cres-
cem em um contexto que, por um lado, mantém o livro impresso e favorece a
disseminação do digital, e, por outro, largamente se posiciona em direção oposta
a uma dura realidade no país, a diminuição do número de leitores, como bem
alertam as constantes pesquisas publicadas em Retratos da Leitura no Brasil,
publicadas pelo Instituto Pró-Livro3 . Apesar de a investigação sobre a qualidade
da leitura não ser o foco da maioria dos trabalhos na área de Letras, é crucial
destacar que a literatura no século XXI requer um questionamento sobre como
se lê e que significados o leitor atribui ao que lê.

Fundamental também é, ao observarmos os estudos críticos sobre a literatura


brasileira, buscamos compreender os diferentes gêneros literários para identifi-
carmos em que medida cada forma narrativa expressa as peculiaridades da es-
crita narrativa recém-produzida. Nessa perspectiva, ainda encontramos espar-
sos trabalhos que discutem um gênero de modo especial que, desde os anos
1970, tem alcançado maior projeção no contexto das produções literárias e tem
sido eleito por diferentes autores para materializar as criações artísticas. Faze-
mos alusão ao conto, que, no Brasil, tem se expressado em escrita de autores
canônicos e não canonizados e em obras publicadas em livro ou apenas disse-
minadas no meio digital e tem expressado diversas tendências temáticas, como

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as que percorrem as obras romanescas, como a abordagem da violência, dos
conflitos sociais, dos fatos cotidianos.

Quanto à forma do conto, pelo menos duas perguntas precisam ser considera-
das se quisermos elucidar a narrativa curta deste tempo: De que forma o conto
brasileiro do século XXI incorpora os traços da narrativa literária deste século?
Há algum traço que distingue o conto deste século ao que se teoriza ser conto
em momentos históricos anteriores? Tais questionamentos, para obter respostas
de caráter mais conclusivo, precisariam compor um estudo mais longo, repleto
de análise de diferentes autores e obras do século, o que não caberia na exten-
são deste texto. Por isso, optamos por construir uma leitura crítica de contos de
apenas um autor, André Sant’Anna, que é também roteirista, publicitário e mú-
sico e iniciou sua trajetória literária com Amor, publicação de 1998. Escritor ainda
pouco estudado, nem sempre presente nos planos de ensino de disciplinas de
literatura nos cursos de Letras, sua obra merece atenção da crítica não só pela
potencialidade artística de seu texto, mas também pelo tom social e de resistên-
cia de sua escritura que se funda no rebelar-se contra uma sociedade injusta,
consumista e violenta.

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CAPÍTULO I – O QUE É LITERATURA CONTEMPO-
RÂNEA?

A literatura contemporânea é a que vivenciamos atualmente. Começou após


o encerramento do pós-modernismo, por volta da metade do século XX.

A transição de uma escola literária para outra se dá por meio de mudanças


no cotidiano de determinada época. Acontecimentos que envolvem a socie-
dade em geral, e até mesmo a política, fazem com que os movimentos artísticos
mudem, com aspectos característicos de cada período.

Sendo assim, podemos afirmar que a literatura contemporânea brasileira é


um reflexo dos acontecimentos do momento: o desenvolvimento industrial e tec-
nológico acentuado e a crise nos meios político e social.

Contexto histórico

Para compreender melhor o que é a literatura contemporânea, é interessante


entender o contexto histórico da época. Muitas características dessa escola, que

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veremos quais são no próximo tópico, são explicadas pela sucessão de fatos
transcorridos.

Nos anos 60, sob o governo populista de Juscelino Kubitscheck, a população


brasileira foi tomada por uma euforia política e econômica. Isso refletiu na cultura
em diversos movimentos artísticos, como Bossa Nova, Cinema Novo, Van-
guarda, teatro de Arena e a chegada da televisão. Então, com o golpe militar,
que derrubou João Goulart, a euforia teve fim.

O clima de censura e o medo se instauraram no país. Com o fechamento do


congresso, jornais, revistas, filmes, músicas e peças de teatro censurados, o
exílio de intelectuais, políticos e artistas que se opunham à ditadura militar, foi
necessário usar disfarces na cultura.

Os movimentos artísticos precisaram encontrar formas diferentes para se


expressarem ou até mesmo acontecerem por “debaixo dos panos”. O tri-
campeonato da seleção brasileira de futebol foi usado como motivo naciona-
lista para silenciar o povo.

No final dos anos 70, o então presidente Figueiredo sancionou a Lei da Anistia,
que permitiu o retorno dos exilados para o Brasil. Assim, o clima de otimismo
voltou para os descontentes com a ditadura militar que, por sua vez, acabou em
1985 com movimento Diretas Já! Em 1898, foi eleito para presidente Fernando
Collor de Mello, sendo deposto 2 anos depois.

Características da literaturacontemporânea

Nas últimas décadas, a multiplicidade é um ponto marcante da cultura bra-


sileira. Podemos dizer que a literatura contemporânea brasileira é um apa-
nhado de diversas escolas literárias anteriores. Sendo assim, as caracterís-
ticas dela são:

• Quebra do limite entre a arte erudita e a popular;

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• Intertextualidade: quando há o diálogo com outras obras que o autor pre-
sume que sejam conhecidas;
• Ecletismo: mistura de estilos, contemplando gostos diversificados;
• Váriosmodos de narrativas;
• Preocupação com o presente, sem planejamento para o futuro;
• Temas do cotidiano;
• Engajamento social;
• Técnicas novas de arte e escrita;
• Elaboração de contos e crônicas;
• Obras reduzidas (minicontos, mini crônicas, etc).Tendências contemporâ-
neas da literatura brasileira

Antes de expor quais são as tendências contemporâneas da literatura bra-


sileira, é preciso conceituá-la. Tendências ou estilos literários são padrões de
escrita, ou outra manifestação de arte, que caracterizam uma escola.

As tendências contemporâneas da literatura brasileira são divididas em duas


linhas. A primeira é a tradicional, que conta com autores e características pós-
modernistas reformuladas. Como exemplo temos as vertentes do romantismo:

• regionalista;
• intimista;
• urbano-social;
• político;
• memorialista;
• experimentais e metalinguísticos.

A segunda é a alternativa, com autores que, de fato, queriam romper com o tra-
dicional, lançando novas maneiras e estilos de expressar a sua arte. O destaque
fica para a poesia, em que os sentimentos oprimidos pela ditadura ganham es-
paço.

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Concretismo

É um tipo de poesia que não tem forma, nem versos definidos, diferentemente
do lirismo. Ele pode ser lido de qualquer direção. Embora tenha surgido antes,
ganhou visibilidade após a Exposição Nacional da Arte Concreta de São Paulo.

Poema processo

Em 1964, dois autores — Décio Pignatari e o Luiz Ângelo Pinto — criaram o


poema semiótico ou código, dando início a esse estilo, que geralmente é vi-
sual. O Poema Processo tem semelhança com o dadaísmo — movimento ar-
tístico e literário considerado o mais radical da Vanguarda Europeia.

Poesia social

Os versos da Poesia Social saem do padrão da concreta e da lírica, impondo


temas de interesse social, como a Guerra Fria e o Neocapitalismo. Após o golpe
militar, ela é considerada um estilo de resistência, junto com outras expres-
sões culturais.

Poesia marginal

A poesia marginal vai na contramão da cultura do Brasil na época da ditadura


militar. Ela tinha o objetivo de expressar toda a violência diária sofrida pelos
opositores ao regime, e ir contra o conservadorismo da sociedade. Suas ca-
racterísticas marcantes são a ironia, o sarcasmo, as gírias e o humor.

Autores da literaturacontemporânea

Bom, agora que você já sabe o que é a literatura contemporânea brasileira,


que tal descobrir quais são os autores que fazem parte dessa escola literária?
Confira a seguir os grandes nomes e algumas de suas respectivas obras de
sucesso:

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• Ariano Suassuna (1927-2014): escreveu “Auto da Compadecida” (1955)
e “O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-
Volta”;
• Antônio Callado (1917-1997): escritor de “A Madona de Cedro” (1957),
“Quarup” (1967) e “O Tesouro de Chica da Silva” (1962);
• Caio Fernando Abreu (1948-1996): autor de “Morangos Mofados” (1982)
e “Onde Andará Dulce Veiga?” (1990);
• Cora Coralina (1889-1985): autora de “Poemas dos Becos de Goiás e
Estórias Mais” (1965) e “Estórias da Casa Velha da Ponte” (1985);
• Ferreira Gullar (1930-2016): escritor de “Poema Sujo” (1976) e “Em Al-
guma Parte Alguma” (2010).

Como vimos, literatura contemporânea é marcada por uma mistura de esti-


los literários, como um reflexo dos acontecimentos de sua época. Ela perdura
até hoje com grandes obras e autores reconhecidos internacionalmente.

CAPÍTULO II - CULTURA E LITERATURA CONTEM-


PORÂNEAS: ALGUMAS ABORDAGENS DO PÓSMO-
DERNO.

A virada do século XX para o século XXI é marcada pelo montante de mudanças


ocorridas e pela velocidade das descobertas. Nunca se descobriu tanto em tão
pouco tempo. Podemos dizer que nesse período houve mais inovações nos mais
diversos setores do que em todos os séculos anteriores juntos, construindo, as-
sim, uma nova realidade nas diversas civilizações ocidentais. Os avanços tec-
nológicos juntamente com o desenvolvimento da imprensa e da comunicação
cada vez mais rápida e ágil deram ao homem do início do século XXI um novo
perfil. A globalização aproximou nações enquanto os grupos se reuniram em pe-
quenos setores para lutar por seus direitos. A política, até então a grande domi-
nadora do mundo, rendeu-se também às regras ditadas pela economia.

A aceleração das inovações tecnológicas se dá agora numa escala mul-


tiplicativa, uma autêntica reação em cadeia, de modo que em intervalos

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de tempo o conjunto do aparato tecnológico vigente passa por saltos qua-
litativos em que a ampliação, a condensação e a miniaturização de seus
potenciais reconfiguram completamente o universo de possibilidades e
expectativas, tornando-se cada vez mais imprevisível, irresistível e incom-
preensível (Sevcenko 2004: 16).

Com o grande avanço tecnológico e comunicativo, a população do novo século


está diante de novas buscas, de novos anseios, de uma nova realidade. Surgem
a “sociedade de consumo” e a “sociedade globalizada”. Isso tudo graças aos
meios de comunicação que possibilitam a aproximação de nações extrema-
mente distantes, mas que podem também isolar pessoas muito próximas em
suas “aldeias comunicativas”. Os hábitos foram mudando, os recursos se trans-
formando e se multiplicando, tudo em prol da comodidade dos indivíduos que,
em sua maioria, têm de trabalhar mais que antes para comprar mais que antes
e se sentir inserido nessa sociedade que lhe é apresentada.

Dessa forma, ele tem também menos tempo para as ações “menores” – fazer
compras, ter um momento de lazer com a família, conversar com os amigos,
pagar contas, etc. E para isso também a tecnologia e a comunicação estão aí,
prontas para adequá-lo ao novo modo de vida. Já se fazem compras, inclusive
as básicas de mercado e se pagam quase todas as contas sem sair de casa; o
lazer também é oferecido em casa e sem necessariamente a presença de todos
os membros da família; e amigos são construídos através de bate-papos virtuais.

Diante dessa nova perspectiva de vida, algumas normas e códigos de morais


reguladores do comportamento social ganham novos contornos e em meio a
esse contexto, emerge um fenômeno intitulado Pós-modernismo e que abrange
as diversas áreas da sociedade: arte, ciência, tecnologia, política, filosofia e cul-
tura. Em linhas gerais, as mudanças que convergiram para o surgimento dessa
nova tendência destacaram-se a partir de meados dos anos 50, com a arquite-
tura e a computação, infiltram-se no meio intelectual nos anos 60, apresentam
um crescimento na filosofia nos anos 70 e alastram-se nos anos 80 abrangendo
os campos da moda, do cinema, da música, entre outros.

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O pós-modernismo no Brasil

Há grandes controvérsias a respeito da empregabilidade do termo pósmo-


dernismo em países que estejam dissociados do grande eixo que engloba os
países do primeiro mundo. Alguns estudiosos negam a existência ou a ade-
quação do conceito nos países subdesenvolvidos chamados de terceiro
mundo. Para a escritora canadense Linda Hutcheon, o movimento não pode
ser aceito como “um fenômeno cultural internacional, pois é basicamente eu-
ropeu e (norte- e sul-) americano” (Hutcheon 1995: 20). Fredric Jameson é
mais radical ainda quando diz que o pósmodernismo é “essencialmente
norte-americano” (Jameson 1994: 136).

Outros teóricos, porém, principalmente os que se localizam nesses ditos pa-


íses subdesenvolvidos reagem contrariamente a essas idéias. Um deles é
Aijaz Ahmad, que, num texto dirigido exclusivamente a Jameson, postula a
possibilidade de uma literatura em países do terceiro mundo que não se res-
tringe a propósitos alegorizantes e que essa possibilidade não é aceita por
Jameson devido a um etnocentrismo que o impede de ver os avanços signi-
ficativos em tais países, bem como estudar suas produções artísticas.

No que se refere às relações entre o pós-moderno e a América Latina, dois


estudiosos se destacam: Nestor Garcia-Canclini e IrlemarChiampi. O primeiro
refere-se à hibridização cultural existente nesse continente como algo essen-
cial no pós-modernismo. No plano do desenvolvimento, Garcia-Canclini ob-
serva a heterogeneidade latino-americana quanto aos estágios próprios de
cada país:

Hoje concebemos a América Latina como uma articulação mais com-


plexa de tradições e modernidades (diversas, desiguais), um continente
heterogêneo formado por países onde, em cada um, coexistem múlti-
plas lógicas de desenvolvimento. Para repensar esta heterogeneidade
é útil a reflexão antievolucionista do pós-modernismo, mais radical que
qualquer outra anterior (Garcia-Canclini 1997: 28).

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Podemos perceber assim que Canclini relaciona o pós-moderno com a mul-
tiplicidade cultural e de estágios de desenvolvimento da América Latina. Essa
mistura própria desse continente, segundo Canclini, é algo que está alta-
mente ligado à proposta pós-moderna.

IrlemarChiampi, usando o bolero e o romance do pós-boom hispanoameri-


cano como exemplos, também destaca a aproximação do erudito e do popu-
lar feita através da cultura de massa como aspecto fundamental no pós-mo-
dernismo da produção da América Latina. Para a autora, essa aproximação
pode ser caracterizada por duas modalidades. A primeira delas seria o des-
locamento do material exclusivo da cultura popular-massiva para inseri-lo no
código culto da enunciação narrativa. Aqui, Chiampi discute como os elemen-
tos ditos como “espúrios”, “alienantes”, “adulterados” são reutilizados em ou-
tros contextos de forma que possam adquirir novas funções dentro da narra-
tiva em um processo de incorporação chamada por ela de “repragmatização”.

A segunda forma é o deslocamento do código culto da literatura para um


contexto mais melodramático da narrativa. Esse segundo processo visa
“aproveitar diversos resíduos da tradição literária para transcodificá-la na nar-
rativa, mediante a despragmatização do seu efeito estético ‘alto’” (Chiampi
1996: 81). Acontece, então, uma inversão da apropriação dos materiais resi-
duais da cultura popular-massiva.

Para Chiampi não há, pois, motivos para querer preservar a diferença entre
erudito e popular; “sua identidade e legitimidade ficam comprometidas pelo
contágio” (Chiampi 1996: 83), não podendo mais (nenhum dos dois) voltarem
ao seu estágio original, sem estarem afetados, contaminados um pelo outro.
Essa contaminação existente na América Latina é, para a autora, indício de
uma nova tendência, no caso, o pós-modernismo:

O lixo cultural, cuja presença a cultura hegemônica foi tolerando na


época moderna desde que se mantivesse em territórios bem definidos
– onde o contágio não ameaçasse a pureza das expressões culturais
genuínas e nobres, as do Folclore e da Arte, o popular e o erudito –,

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parece experimentar dias de glória que transcendem sua condição de
resíduo. Reciclado por narradores pertencentes ao cânone literário, seu
reaproveitamento e funcionalização em obras prestigiadas lhe outorga
um novo status dentro da cultura pós-moderna na América Latina (Chi-
ampi 1996: 76).

No Brasil, o termo “pós-modernismo” foi empregado pela primeira vez em


1946 por Alceu Amoroso Lima, já dentro de uma realidade especificamente
brasileira. Fala-se em aspectos específicos porque o Brasil – e aqui podería-
mos incluir também os outros países da América Latina – possui uma reali-
dade histórico-cultural diferente dos países europeus e norte-americanos,
convergindo assim para alguns aspectos singulares também na arte.

Uma questão bastante relevante é de ordem política já que os países do


então chamado terceiro mundo não se encontram no mesmo estágio de mo-
dernização que os do primeiro mundo. Dessa forma, não há como pensar o
pós-moderno como homogêneo, haja vista que vivemos em sociedades he-
terogêneas quanto aos estágios de modernização. Poderíamos pensar então
não em um pós-modernismo, mas em pós-modernismos, ou seja, como te-
mos sociedades heterogêneas, o conceito também se mostra heterogêneo
adaptado a cada realidade onde está inserido.

Seria então incoerente estender determinados conceitos, que são de uma


amplitude maior a diferentes países sem observar as diferenças sociais, po-
líticas e culturais que compõem os diferentes países. Em se tratando da Amé-
rica Latina seria prudente observar o processo de modernização ocorrido nas
últimas décadas e então teríamos como ponto de referência que esse pro-
cesso “apresenta uma feição peculiar, característica de uma economia de-
pendente e de uma realidade social fortemente matizada e diferenciada, e as
manifestações estéticas aqui surgidas estão em constante diálogo com tais
aspectos” (Coutinho 1995: 428). É válido, porém, que se insiram as manifes-
tações artísticas produzidas na América Latina dentro do contexto pós-mo-
derno desde que essas peculiaridades sejam respeitadas.

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Assim, a partir das décadas de 50 e 60, o Brasil assistia ao surgimento de
vanguardas e posicionamentos assumidos que foram mudando o contexto
literário em nosso país. Na poesia, encontramos o movimento da poesia con-
creta (1956), o Neoconcretismo (1959), a Literatura-praxis (1962), o movi-
mento do Poema/processo (1967). Em 1968, emerge o Tropicalismo, que re-
presenta uma tomada de posição de alguns artistas renovadores na área de
diversas atividades – teatro, cinema, artes plásticas e música popular.

Esse momento foi crucial para o desenvolvimento da arte como tal, já que
toda a produção “carregou-se de uma implicação ideológica que se expres-
sava nacensura”, que representava “o tipo de orientação que o Estado pre-
tendiaconferir à cultura e acabou funcionando como uma espécie de em-
blema da época, por meio do qual seria possível interpretar toda a produção
cultural, como se interpreta um código cifrado, acessível apenas aos inicia-
dos” (Pellegrini 1995: 73).

O Estado, através da censura, agiu de forma a constranger a criação artística,


num primeiro momento, e depois, quando percebe que está perdendo terreno
diante do povo, da classe média e do empresariado, passa a investir num
incentivo à cultura criando uma Política Nacional de Cultura, em 1975. Assim,
a cultura nacional passa a fazer parte de um sistema empresarial que a co-
loca nos moldes da profissionalização e da conquista do mercado. Aqueles
que não estavam de acordo com essa política não recebiam incentivo dela,
então agiam de forma paralela e marginal, com recursos próprios. Entre eles,
podemos citar a poesia marginal e os grupos experimentais de teatro e ci-
nema.

A partir dos anos 80 essa relação entre o Estado e a produção cultural se


solidifica com uma significativa ampliação do espaço para a produção. Es-
paço este “dimensionado pelos parâmetros da indústria cultural, sendo que o
fator decisivo dessa nova dimensão fora a simbiose operada entre a mídia e
o mercado”. Dessa forma, o limite entre cultura e mercadoria desaparece,

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difundindo-se uma “estética ‘internacional-popular’, fundada na proliferação
das imagens, via televisão: a do espetáculo3” (Pellegrini 1995: 75).

Por outro lado, esvaiu-se também o caráter rebelde dos anos 60 e 70; a po-
esia marginal ampliou seus leitores através de uma grande editora: a Brasili-
ense, profissionalizou-se e incorporou-se no meio do mercado de bens cultu-
rais. Os grupos experimentais, por sua vez, desapareceram ou aderiram aos
grupos profissionais selecionados pela televisão.

Observamos, contudo, que, mesmo em meio a esse fenômeno chamado


mercado de bens culturais ou ainda indústria cultural, nossa literatura vem
trazendo grandes inovações em suas produções nessas últimas décadas. A
poesia contemporânea traz, por um lado, manifestações que vêm para con-
solidar o discurso modernista e, por outro, apresenta novos matizes e novas
contribuições para uma nova tendência. Na prosa, temos um grande número
de escritores que enriqueceu e continua enriquecendo a cultura brasileira.

Alguns seguem desenvolvendo a linha do texto espelho ou do texto de de-


núncia social, na continuidade da tradição realista-naturalista, acrescida de
um ou outro aspecto diferenciador; outros continuam o percurso da intros-
pecção psicológica e outros mais se preocupam basicamente com a lingua-
gem em si mesma (Proença Filho 2002: 387).

Além do romance, a emergência do conto é um fato bastante relevante den-


tro da literatura brasileira contemporânea. O conto passa a ser um gênero de
destaque na atualidade, trazendo muitas propostas de recursos renovadores.
As temáticas do conto são variadíssimas e vão “desde a caracterização de
problemas individuais até os espaços do imaginário aberto, passando por es-
paços relevantes da realidade social brasileira” (Proença Filho 2002: 388).

Em se tratando especificamente do conto contemporâneo, nota-se que este


acompanha as mudanças da era moderna capitalista. O homem, com seus
limites e apreensões, em sua luta diária perante a sociedade esmagadora, e
até suas pequenas vitórias cotidianas, é o retrato do final do século XX e

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início do século XXI. E é a esse retrato que se refere o conto atual. Não há
mais uma preocupação como tinha o humanismo liberal, com grandes feitos
e soluções. Hoje, o conto está centralizado nos pequenos (ou grandes) pro-
blemas individuais, que nem sempre têm soluções, como são também na
realidade.

Para tanto, o conto se utiliza de todos os artifícios da modernidade. Assim,


como imagens televisivas dos meios de comunicação, o conto vai traçando o
retrato da sociedade contemporânea. Luiz Carlos Simon (1999) comenta es-
sas peculiaridades da ficção pós-moderna e diz que o conto possui três as-
pectos básicos: fragmentação, velocidade e intensidade.

O primeiro se refere a frases desconexas, falta de linearidade e superposi-


ção de ideias, sempre escolhidas pelo contista a fim de gerar um efeito jamais
conseguido se baseado na integridade e na sequência. Segundo o autor,
essa escolha pelo fragmento é igualmente um reflexo da sociedade atual, em
que a fragmentação, o caco é visível e fortemente presente.

As referências ao efêmero e ao frágil, às vozes e aos momentos alimentam


a afinidade entre o conto e a fragmentação. Agora, além da intencionalidade
do recorte e da natureza lírica emanada da fixação em um momento, pode-
se começar a confirmação de que o caráter fragmentário transcende a estru-
tura do conto e caracteriza também o mundo aí representado igualmente fra-
gmentado (Simon 1999: 67).

Percebe-se, então, que numa sociedade baseada no recorte individual, nos


problemas de ordem particular e fragmentária, a ficção não poderia deixar de
ser semelhante. A preferência por tais temas é explícita no conto contempo-
râneo, o sujeito aqui enfocado não é mais do centro – como observa Linda
Hutcheon – e sim o das margens, seja de ordem sexual, étnica, econômica
ou social. Encontrar, por exemplo, um protagonista num conto sem nem se-
quer um nome, que não consegue ultrapassar seus obstáculos ou resolver
seus problemas, é muito comum nos contos com que o leitor se depara atu-

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almente. A coletividade foi substituída pelas pequenas preocupações indivi-
duais. Esse personagem anônimo dentro da ficção contemporânea também
foi observado por Fredric Jameson (1994) como marca presente e muito re-
presentativa.

Dessa forma, o autor dá preferência a personagens carentes de identificação,


apresentando, muitas vezes, histórias de seres (a maioria sem nome ou qual-
quer outro traço que o individualize), que representam tipos genéricos, mo-
delos de ação e comportamento, em vez de personalidades cuja intimidade
e psicologia são vasculhadas pelo escritor.

O segundo aspecto atribuído ao conto contemporâneo é a velocidade. Este


que já fora observado por Tchekov com uma supressão de detalhes e por
Poe no que se refere à duração do tempo de leitura e sua relação com a
unidade do efeito. Hoje, porém, a velocidade é muito mais marcante na vida
cotidiana, pois o homem contemporâneo dispõe de pouco tempo para estar
informado, se entreter ou manterse em contato com a arte. Em se tratando
do conto, é possível perceber que este segue essa tendência, atualizando o
conceito de velocidade. As obras são cada vez mais sintéticas e objetivas,
com uma linguagem mais voltada para o leitor moderno.

Italo Calvino (1990) trata sobre esse assunto em seu livro Seis propostas
para o próximo milênio, apontando a rapidez como uma delas. Para ele, a
velocidade não tem valor em si, pois “o tempo narrativo pode ser também
retardador ou cíclico, ou imóvel. Em todo caso, o conto opera sobre a dura-
ção, é um sortilégio que age sobre o passar do tempo, contraindo-o ou dila-
tando-o” (Calvino 1990:48-49). O que o autor ressalta é que a negligência
quanto aos detalhes inúteis prende muito mais a atenção do leitor ao conto.

A intensidade é a terceira característica atribuída ao conto contemporâneo.


Novamente, concebida, hoje, de forma diferente do que fora anteriormente.
O conceito não corresponde mais “à ideia de um aprofundamento crítico e
reflexivo” (Simon 1999: 75), mas está ligado ao que Linda Hutcheon (1995:

19
19) chama de “retórica negativizada”, ou seja, “descontinuidade, desmem-
bramento, deslocamento, descentralização, indeterminação e antitotaliza-
ção”. Esses termos, sempre antecedidos por prefixos de negação, são usa-
dos pela ficção contemporânea para negar o compromisso, ou ainda “incor-
porar aquilo que pretende contestar” (Hutcheon 1995: 19).

Um gênero muito próximo do conto, exclusivamente brasileiro e que ganha


uma vitalidade literária muito grande nas últimas três décadas, é a crônica,
com autores que trabalham incessantemente a fim de assegurar-lhe a per-
manência apesar de sua efemeridade.

Diferentemente de outros gêneros, a crônica não vai em busca do grandioso


e do sublime; o que ela faz é pegar o miúdo e, assim, mostrar o que nele há
de grandioso, singular ou inesperado. Ela também não é um gênero feito para
durar como os outros, “uma vez que é filha do jornal e da era da máquina,
onde tudo acaba tão depressa” (Candido 1992: 14). Assim, ela ensina a cada
um a conviver com as palavras de forma íntima e pessoal, transformando a
literatura em algo que se relaciona com a vida de cada um, já que faz com
que a palavra não se dissolva tão rapidamente, ao contrário, permaneça um
pouco mais, mesmo que seja por um curto espaço de tempo, em nossas
mentes, ganhando relevo entre os nossos pensamentos, permitindo que o
leitor a sinta na força dos seus valores próprios.

Assim como o conto, a crônica também economiza nas palavras, abdica do


tom rebuscado da linguagem, prefere a simplicidade e a naturalidade e
busca, da mesma forma, uma aproximação com a oralidade. Seu traço parti-
cular é a aproximação de fatos exclusivos do dia-a-dia, como se fosse uma
conversa fiada com o leitor. O que se observa, porém, é que esse ar despre-
ocupado, de coisa sem muita importância permite à crônica aprofundar-se
“no significado dos atos e sentimentos do homem” (Candido 1992: 18) e ser-
vir-se como crítica social. De uma maneira leve e bem-humorada, a crônica
se permite ser “um veículo privilegiado para mostrar de modo persuasivo
muita coisa que, divertindo, atrai, inspira e faz amadurecer a nossa visão das
coisas” (Candido 1992: 19).

20
Os dois gêneros, o conto e a crônica, são muito representativos na literatura
contemporânea, por sua brevidade e leveza, por sua simplicidade e sutileza
de sensibilidade com o fato que vai narrar. Ambos, conto e crônica, estimulam
o leitor a uma nova procura, já que seu conteúdo é tão atraente e singular,
apesar de tratar muitas vezes de tramas tão comuns à vida diária desse
mesmo leitor. Esse que, em muitos momentos, recorre à arte para entender
sua vida e as agruras que a envolvem, que muitas vezes prefere rir dos seus
problemas a se desesperar com eles, se aproxima da narrativa breve, sim-
ples e reflexiva para dar talvez um sentido a sua vida que nem sempre é leve
e nem sempre é passível de ser entendida.

Em suma, a literatura brasileira tem vivido, nas últimas décadas, sob o signo
da multiplicidade, seja no campo político, social ou artístico. No que se refere
ao espaço artístico, a contemporaneidade presencia fortes mudanças que
envolvem atitudes variadas e multifacetadas, procedimentos de vanguarda,
posicionamentos divergentes e aproximação das culturas erudita e popular.
Em todas essas mudanças o que é certo é que há, sem dúvida, traços da
pós-modernidade. Justifica-se, então, falarmos em Pós-modernismo na lite-
ratura e na cultura brasileira.

Algumas abordagens do pós-modernismo

O pós-modernismo é um fenômeno cultural, estético, político e filosófico que


abrange vários aspectos diferenciadores para que possa ser chamado de movi-
mento. O presente estudo pretende abordar alguns deles, selecionando-os de
forma a reunir elementos que possibilitem uma pesquisa acerca das vertentes
sociais e estéticas desse movimento. Dessa forma pretende-se apresentar algu-
mas abordagens referentes à produção pós-moderna, privilegiando alguns as-
pectos que possam trazer uma relevante contribuição para o trabalho aqui apre-
sentado.

Engajamento e criticidade: a grande desilusão do sujeito descentralizado

21
Um dos grandes questionamentos abordados pelo pós-moderno é a totaliza-
ção, a verdade absoluta, a crença indissolúvel nas grandes autoridades soci-
ais. Esses conceitos totalitários foram herdados do que comumente se chama
de humanismo liberal. O poder centralizado do homem ocidental, branco, he-
terossexual, de classe média cai em decorrência da ascensão das margens.
É o que Linda Hutcheon denomina “descentralização do sujeito” para carac-
terizar esse movimento de mudança de sentido cultural: o centro cede lugar
às margens e a homogeneidade, às diferenças.
A partir de uma perspectiva descentralizada (...), se existe um mundo, então
existem todos os mundos possíveis: a pluralidade histórica substitui a essên-
cia atemporal eterna (Hutcheon 1995: 85).

Essa descentralização descrita por Hutcheon se estabelece em vários âmbi-


tos distintos, dentro e fora da ficção. O universal e totalizante cedem lugar ao
local e ao particular. Nas produções artísticas, por exemplo, vemos uma emer-
gência de autores dos países ditos do Terceiro Mundo (América Latina e
África principalmente). A literatura desses países já é analisada de forma par-
ticular, com certo enfoque em suas inovações e vanguardas. O centro artístico
– Europa e América do Norte – divide espaço com as produções dos países
em desenvolvimento.

Dentro da ficção, os temas assim como os personagens são notadamente das


margens, representados pelos vários pequenos grupos que as compõem: os
negros, as mulheres, os homossexuais, os índios, os miseráveis, etc. “O múl-
tiplo, o heterogêneo, o diferente: essa é a retórica pluralizante do pós-moder-
nismo” (Hutcheon 1995: 95) e esse discurso vai se disseminar por todas as
manifestações que se denominam pós-modernas.

A ideia do pós-modernismo em focalizar as margens não quer dizer mudar


as posições: trazer a margem para o centro. A intenção é questionar essa
disposição interno/externo, centro/margens e despertar uma consciência
tanto estética quanto política existente nessas relações. Linda Hutcheon com-
pleta dizendo que “as contradições formais e temáticas da arte pós-moderna
atuam exatamente nesse sentido, de chamar a atenção tanto para o que está

22
sendo contestado como para o que se oferece como resposta a isso, e fazê-
lo de uma maneira autoconsciente que admite seu próprio caráter provisório”
(Hutcheon 1995: 31). Para a autora canadense o lema do pós-modernismo
deve ser: “Vivam as margens!”.

Trazer como ponto central da arte pós-moderna o sujeito anônimo acarreta


ao próprio fenômeno um outro aspecto muito constante nas produções; se o
sujeito é descentralizado, o tema que envolve esse sujeito não pode ser de
centro, ele deve convir com seu representante. Dessa forma, temos nas pro-
duções pós-modernas uma tendência que abarca as questões próprias dos
grupos das margens – suas mazelas, suas aspirações e tudo que os envolve.
Fredric Jameson se refere a esse sujeito como um representante de seu
grupo, como um anônimo capaz de representar milhões de outros anônimos,
numa multiplicação de identidades.

O pós-moderno toma uma posição de desconstrução diante das totalidades


tradicionais e apresenta em seu lugar o homem comum e seus problemas
individuais. Diante disso, temos uma nova perspectiva crítica diante da reali-
dade; se os problemas são individualizados, as soluções (se elas existem)
são apresentadas da mesma forma. O sujeito pós-moderno já não acredita
em grandes feitos, grandes revoluções em busca do bem comum. No aqui e
agora, cada um deve resolver seus problemas a seu modo sem esperar que
ninguém o faça a não ser ele próprio. Podemos dizer então que o indivíduo
pós-moderno perdeu as ilusões que seus antepassados cultivavam “quanto à
obtenção de respostas conclusivas sobre o sentido do universo e da vida,
entrevistas no sonho de unidade e poder representados primordialmente na
figura de Deus” ou outro referente de autoridade – história, natureza, conhe-
cimento (Konzen 2000: 81).

É importante ressaltar que o pós-modernismo questiona os sistemas centra-


lizados, totalizantes, hierarquizados e fechados, mas não os destrói. Na ver-
dade, ele não aponta grandes soluções; apresenta o problema para que haja
uma reflexão sobre e não para apontar uma outra alternativa. Isso porque,
dentro da ótica pós-moderna, não existe uma ordem única possível, uma

23
única verdade objetiva, há ordens e verdades múltiplas, heterogêneas e pro-
visórias e essas são criadas por todos os indivíduos descentralizados dentro
da história. Essa é a verdade pós-moderna: tudo é limitado, temporário e pro-
visório; nada é eterno e completo. “O impulso pósmoderno não é buscar ne-
nhuma visão total. Ele se limita a questionar. Caso encontre uma verdade
dessas visões, ele questiona a maneira como, na verdade, a fabricou4” (Hut-
cheon 1995: 73). Linda Hutcheon diz ainda que o pós-modernismo não está
em acordo nem com a ordem, nem com a desordem, ele questiona ambas,
cada uma em seus aspectos falhos.

Fragmentação: a arte imita a vida

A vida do homem contemporâneo está cada vez mais envolvida com um


ritmo frenético, uma descontinuidade de tempo e espaço, uma necessidade
cada vez maior de trabalhar mais para viver melhor e um desejo de viver
melhor para poder trabalhar menos. Tudo se resume a pequenas partes se-
paradas de um quebra-cabeça que parece não se juntar nunca, de forma a
apresentar a vida – que é (ou deveria ser) algo contínuo e ininterrupto – em
algo completamente fragmentado e separado pelos dias vividos e pelos am-
bientes e situações encontrados.

Isso pode ser observado na área profissional, em que há uma segmentação


através das especializações; nos programas televisivos, cada vez menores
ou seqüencializados em pequenos capítulos; nos serviços prestados, com
um telefone ou um atendente para cada departamento. Muitas vezes, o indi-
víduo tem de estar em vários lugares num único dia, receber milhares de
informações de uma só vez, resolver muitas situações sem ter tempo de
analisá-las adequadamente. Tudo porque não há tempo na nossa sociedade
capitalista, em que o mais importante é conseguir ganhar mais dinheiro no
menor espaço de tempo possível. Esse aparente caos cotidiano está pre-
sente em todas as classes sociais e em praticamente todos os pontos geo-
gráficos do nosso planeta. Estamos na era pósmoderna, passando por uma
cultura pós-moderna. E nessa cultura pós-moderna, diz Douglas Kellner,

24
O sujeito se desintegrou num fluxo de euforia intensa, fragmentada
e desconexa, e que o eu pós-moderno descentrado já não sente an-
siedade (...) e já não possui a profundidade, a substancialidade e a
coerência que eram os ideais e às vezes a realização do eu moderno
(Kellner 2001: 298).

Tais sujeitos, segundo alguns teóricos, se desestabilizaram e se tornaram


massas, criando um mundo desconexo, fragmentado e descontínuo.
Essa fragmentação é refletida na arte pós-moderna. São inúmeros os exem-
plos de textos descontínuos, esculturas e pinturas fragmentadas, poemas
que parecem não ter início nem fim. A vida em fragmentos é inspiração para
a arte pós-moderna. Essa descontinuidade é feita pela hibridização de gê-
neros, pela mistura de texto literário com não literário, pela ruptura inespe-
rada da obra, pela mistura de materiais e recursos. Tudo isso é feito de ma-
neira consciente pelo artista num intuito de apresentar o homem contempo-
râneo como ele é em seu cotidiano fragmentado e desconexo.

Em consonância com esta cultura fragmentada, um gênero vem demons-


trando bastante importância na contemporaneidade: o conto. Dessa forma,
faz-se necessário analisar o conto nesse entrelaçamento com a cultura pós-
moderna pelo veio da fragmentação. Sendo o conto, como diz Alfredo Bosi,
o gênero da literatura contemporânea, é quase natural que traga consigo
aspectos imanentes dessa cultura. Dessa forma, podemos notar uma apro-
ximação muito grande desta forma ficcional com os aspectos culturais da
sociedade em que ele é inserido. Num momento em que o caco reflete os
vários discursos e as várias realidades, o conto, através de sua supressão
de tempo e espaço, caminha lado a lado, ou melhor, vai ao encontro de seu
público para tentar satisfazer seus desejos enquanto leitores.

Assim, o fragmento torna-se necessário também na literatura para que ela


alcance seu objetivo primeiro: ser lida. A brevidade do conto tem esse poder,
já que o leitor não precisa disponibilizar de muito tempo para a leitura.
Tempo, aliás, que ele não tem. O fragmento, dessa forma, não é algo gra-
tuito; “haveria também uma intencionalidade no processo de recorte com fins

25
específicos (...), moldado de modo a gerar resultados que não seriam atingi-
dos com uma exposição mais baseada na seqüência ou na integralidade”
(Simon 1999: 66).

Podemos dizer, portanto, que não estamos desamparados, nem estamos


sós. Há um meio de vermos nossa sociedade refletida na arte de uma forma
mais direta e profunda. A fragmentação diária é compreendida e harmoni-
zada através da ficção que também abre mão da continuidade e da pereni-
dade para ser um pequeno fragmento descentralizado, descontínuo, um
caco.

Humor e a ironia: uma estreita relação entre o riso e a dor

Um dos aspectos apresentados pelo pós-modernismo é o fato de não apresen-


tar soluções para os problemas que apresenta. Como não consegue resolver os
problemas que aponta, o pós-modernismo ri deles. Ri num sentido de denúncia
e renúncia, para combater ou apenas para não chorar das tragédias que o indi-
víduo enfrenta. Como afirma Sandra Fontoura, uma das características marcan-
tes no pósmodernismo, é “um teor irônico ou até cômico, para não dizer que tem
um toque de loucura, uma vez que não apresenta soluções ou alternativas, ape-
nas aceita passivamente o que o moderno não conseguiu resolver e ri da tragé-
dia cotidiana” (Fontoura 1996: 33).

Sendo assim, o recurso mais utilizado pelo humor contemporâneo é a ironia. Isso
porque, segundo Georges Minois, “a ironia está próxima da consciência do nada”
(Minois 2003: 567). Ela está muito perto da tristeza, porque celebra a derrota da
razão. Podemos dizer, portanto, que a ironia é pessimista porque trabalha com
contradições que do ponto de vista da razão são absurdas e irremediáveis. Para
o historiador, o uso da ironia no humor torna este superficial, sem grandes en-
gajamentos. Isso porque o “ironista sempre pisa em falso, porque nunca adere
completamente ao presente. Ele toca de leve os problemas, jamais se engaja a
fundo, não corre o risco de desencanto, pois nunca toma como seu valor ne-
nhum” (Minois 2003: 570).

26
Uma forma bastante frequente (e por que não dizer eficaz?) de se estabelecer o
humor irônico no pós-modernismo é a paródia, e esta por sua vez chega com
um tom de crítica ao passado e também ao presente, através do referencial his-
tórico do qual se apropria. Apesar de que o próprio Modernismo tenha se utili-
zado amplamente do recurso parodístico, podemos perceber nessa nova ver-
tente uma significativa mudança. No Modernismo, os objetos da paródia eram
textos consagrados de uma literatura que eles pretendiam contestar. Agora, te-
mos uma paródia que revisita textos modernos a fim de desconstruí-los e des-
mistificá-los. É o caso, por exemplo, da obra consagrada de Franz Kafka, A Me-
tamorfose, que já foi parodiada por vários escritores contemporâneos, como o
conto “O despertar de Gregório Barata” de Sérgio Sant’anna, em histórias em
quadrinhos e até através de uma música que versa sobre uma barata encontrada
numa cozinha e traz um trocadilho com o nome do próprio autor: “sim, vem Kafka
(cá, ficar), comigo...”.

Linda Hutcheon diz que a predominância da paródia se dá pelo fato de que a voz
mais forte vem das margens assinalando uma “posição paradoxal: tanto de den-
tro como de fora”. Essa oposição traz a paródia como “a forma intertextual que
constitui, paradoxalmente, uma transgressão autorizada, pois sua irônica dife-
rença se estabelece no próprio âmago da semelhança” (Hutcheon 1995: 95).
Utilizando-se da paródia, o pós-modernismo pode realizar seu propósito dentro
da arte: “incorporar aquilo que pretende contestar” (Hutcheon 1995: 19), ou seja,
se colocar dentro de um contexto que ele quer subverter.

A ironia usada na contemporaneidade tem também um tom de moralidade, fa-


zendo com que os atos ditos “imorais” saiam de seus esconderijos e se tornem
públicos. O riso causado pela ironia é sempre calculado, intelectualizado, refle-
tido. Sem dúvida nenhuma, é esse o recurso que se generalizou no campo do
humor. E este vem para destruir fronteiras; o superior tem seu valor absoluto
colocado em dúvida através da ironia. Esse processo se dá em todos os setores
da sociedade: religião, Estado, razão, economias. A ironia tem o poder de tornar
tudo relativo; nada mais é absoluto.

27
O humor como movimento contemporâneo

Trazendo o humor e a irreverência como herança do Modernismo, as várias ma-


nifestações artísticas contemporâneas usam e abusam desses recursos em
suas obras. Ao contrário, esse fenômeno não se restringe apenas a uma ou outra
arte, ou em uma ou outra obra; o humor está impregnado em (quase) tudo, e
tudo é passível de se transformar em objeto do riso.
Atentemo-nos para os diversos programas televisivos. Boa parte deles se dedica
ao humor: “A praça é nossa” (SBT), “Casseta e Planeta” (GLOBO), “A escolinha
do professor Raimundo” (GLOBO), “Os normais” (GLOBO), “Sai de baixo”
(GLOBO), “A grande família” (GLOBO), “Pânico” (REDE TV), entre outros. Ob-
servemos as piadas, as crônicas e os quadrinhos inseridos em jornais e revistas;
muitos filmes no cinema ou na televisão; alguns programas de rádio; a tempes-
tade de charges que surgiram em quase todos os meios de comunicação; a In-
ternet, que está carregada de páginas dedicadas somente ao humor. Notamos,
nesse contexto, uma tendência muito forte a satirizar tudo e todos. Não há o que
escape das garras da comicidade (nem os seres supremos de antes); desde
acontecimentos banais do cotidiano até grandes tragédias, como guerras, de-
sastres, atentados terroristas. É só o momento de passar a comoção do aconte-
cido que já aparecem as piadas, as charges, uma tirada sobre o assunto. Então,
o que era trágico passa a ser cômico.

Esse fenômeno já foi descrito por Bergson quando afirma que o riso depende da
indiferença do espectador. Afirma ainda que numa “sociedade de puras inteli-
gências provavelmente não mais se choraria, mas ainda se risse” (Bergson
2001: 3), já que o riso se liga à inteligência pura. É a inquietação do saber e a
falta de comoção que gera o riso. Podemos perceber na sociedade contemporâ-
nea esses dois aspectos: nunca se descobriu tanto e nunca se importou tão
pouco com o próximo. A correria diária e a luta com uma concorrência acirrada
por um lugar ao sol levam o homem a se isolar em seu micromundo, deixando a
coletividade (macro-mundo) e seus problemas, seus dissabores ou suas alegrias
para segundo plano. Além disso, há, no nosso tempo, uma genérica descrença
em uma solução grandiosa para as diversas agruras que invadem a sociedade.
A dúvida é o mal da contemporaneidade. Duvida-se do caráter de uns, do amor

28
de outros. Duvida-se dos políticos, da igreja, dos pais, dos filhos, do professor e
do aluno. Para Slavutzky (apud Kupermann 2003:15), a contemporaneidade se-
ria caracterizada pelo espectro da derrota do sujeito: “em lugar das paixões, a
calmaria, em lugar do desejo, a ausência do desejo, em lugar do sujeito, o nada,
e em lugar da história, o fim da história”.

Diante de todos esses conflitos que se cercam do homem moderno, resta-lhe rir
de tudo e de todos, e mais: fazer também os outros rirem. Como se a ordem
fosse: “Já que não podemos vencê-los, rimos deles”. A procura pela comicidade
em suas várias manifestações aumenta a cada dia, talvez como uma forma de
defesa, como já se referiu Freud, no que se refere a não ter soluções para os
diversos problemas. Rir para não chorar. Do mesmo modo também afirma Gilles
Lipovetsky, em A era do vazio (1989), que vivemos em uma “sociedade humo-
rística”, em que há um desenvolvimento generalizado do código e do estilo hu-
morístico. Esse fenômeno é claramente percebido em campos bastante hetero-
gêneos: na publicidade, nos slogans de manifestações políticas, na moda, na
arte, nos meios de comunicação de massa e, sobretudo, nas relações interpes-
soais; o clima de irreverência e espontaneidade passa a ter um valor privilegiado,
como se nada devesse ser levado a sério.

Para Georges Minois, esse fenômeno se dá porque o homem moderno está di-
ante de uma nova obsessão: “fazer a festa”. Tudo é motivo para se dar uma festa
(aniversário, acontecimentos culturais, artísticos ou esportivos, festas sem mo-
tivo). “O riso, que, bem entendido, deve acompanhar todas essas festas, tornou-
se o antiestresse infalível” (Minois 2003: 593). Essa obsessão festiva deve-se ao
fato de que a sociedade atual não consegue resolver os problemas que estão a
sua frente. Então procura algo que a faça esquecer deles. Mas essa festa não é
como as da Antiguidade Clássica – com o intuito de restabelecer a ordem social
–, a festa da atualidade é “perpétua, existencial, ontológica” (Minois 2003:600).
Na sociedade moderna, o que seria um fenômeno excepcional – a festa –, torna-
se um modo de existência permanente, uma maneira de ser.

Uma questão apontada por Minois em relação a estas festas permanentes é a


contradição no que se refere a sua credibilidade. Para que essas festas tenham

29
sucesso é necessário que haja unanimidade e isso seria dizer que ela é obriga-
tória.

Daniel Kupermann, em Ousar rir (2003:15-16) diz que, à medida que uma fase
de depressão, de um “mau humor crônico” assola a sociedade contemporânea
(acompanhada por decepções nos diversos campos possíveis ao longo de sua
história e sem uma aparente esperança também diante do futuro), é bastante
natural que se tenha tantas manifestações humorísticas. “Trata-se agora de evi-
tar qualquer litígio, em nome do bem-estar definido por uma cultura na qual a
adaptação e o sucesso pessoal são os alvos almejados”. Assim, o humor passa
a dominar as várias instâncias da sociedade com a mesma tônica: “ausência de
conflitos; impossibilidade de revolta; descrença”; é o humor descontraído que se
apresenta, quando ninguém acredita na importância das coisas. Ele se apre-
senta, de acordo com as ideias de Kupermann (2003: 16-17), como um

humor acrítico e gratuito, ‘humor de massa’ próprio da sociedade hedo-


nista na qual é o instrumento privilegiado para a promoção de uma proxi-
midade cordial e de uma atmosfera de comunhão liberta de tensões. O
humor pós-moderno é, assim, uma espécie de lubrificante social.

Ainda segundo o psicanalista, essa descontração generalizada remete-se e é


proporcional “à falência de projetos comuns e ao desinteresse das possibilidades
de transformação social” (Kupermann 2003: 17), ou seja, ele é a prova da des-
crença pós-moderna perante as mudanças coletivas. Nesse sentido, diz ele, o
humor contemporâneo é, acima de tudo, cínico, pois reflete alguém que ri de si
mesmo e de suas próprias desgraças; é um riso amarelo, constrangido. É o hu-
mor da “descontração e do cinismo desencantado”, em que vigora “a desvitali-
zação e a banalização esterilizante”. Por isso, o homem pós-moderno tem difi-
culdades em “rebentar de riso”, em sair de si, em sentir-se entusiasmado perante
aos acontecimentos. “O humor de massa seria, assim, a pálida atualização da
risada entusiasmante que, da Antiguidade ao Renascimento, acompanhou festi-
vidades populares, e na qual o Romantismo buscou inspiração para a libertação
do espírito” (Kupermann 2003: 21).

30
O historiador francês Georges Minois comunga em certos aspectos das mesmas
ideias de Kupermann quando se trata do humor contemporâneo. Minois diz que
o homem moderno encontra no riso uma válvula de escape para zombar de seus
males, que foram muitos no século XX: guerras, crises econômicas, genocídios,
fome, miséria, terrorismos, desemprego, bombas atômicas, degradação do meio
ambiente, etc. Desse modo, como não há como escapar ou mesmo justificar tais
agruras, é melhor rir, de um riso nervoso, incontrolável talvez. “Essa doce droga
permitiu à humanidade sobreviver a suas vergonhas” (Minois 2003: 553).

A sociedade de final do século XX e início do século XXI tornou-se, então, uma


“sociedade humorística” que, por não encontrar mais soluções para os proble-
mas, ri deles. O riso é algo obrigatório nesse meio. Não há espaço para os não
ridentes; seja onde for, “manter o cômico é inevitável”. Esse riso, porém, não é
de alegria. A obrigatoriedade do riso retira-lhe o tom espontâneo e lhe impõe
uma carga negativa. “O mundo deve rir para camuflar a perda de sentido. Ele
não sabe para onde caminha, mas vai rindo. Ri para agarrar-se a alguma conti-
nência” (Minois 2003: 554). Assim, rir de uma situação dá ao homem a impres-
são de tê-la dominado.

Com essa mistura de dor e riso, a sociedade contemporânea cria uma espécie
de “fraternidade humorística”, cujo principal objetivo é tornar os sofrimentos mais
suportáveis. Segundo Minois, são “as desgraças do século que estimulam o de-
senvolvimento do humor, como um antídoto ou um anticorpo diante das agres-
sões da doença” (Minois 2003: 558). Aqui, o humor ganha uma dimensão cole-
tiva que parte da reflexão do problema através do humor e caminha para o ato
solidário. É um humor sociológico que requer a participação ativa do ouvinte, sua
cumplicidade. Ele gera uma simpatia, vinda da solidariedade diante das desgra-
ças e dificuldades do grupo social, profissional, humano.

O riso nascido desse humor não é explosivo, nem incontrolável. É um riso eco-
nômico que propicia um alívio intelectual triste e pode ser traduzido como um
simples “sorriso fraternal”, que funciona como uma arma protetora contra a an-
gústia.

31
Sob uma outra perspectiva, Luiz Carlos Travaglia (1990: 55) aponta o humor
contemporâneo como crítico e engajado, usado como uma espécie de arma de
denúncia, de instrumento de manutenção do equilíbrio social e psicológico; uma
forma de revelar e de flagrar outras possibilidades de visão do mundo e das
realidades naturais ou culturais que nos cercam e, assim, de desmontar falsos
equilíbrios.

Segundo o linguista, partindo do ponto de vista social e político, o humor desem-


penha um papel fundamental na sociedade no que concerne ao ataque à cen-
sura, ao que é pré-estabelecido, ao controle social e ao estabelecimento de ou-
tras possibilidades nesses mesmos âmbitos. Com o intuito de desafiar a autori-
dade do discurso oficial, através de críticas e de denúncias depreciativas, o hu-
mor torna possível o que pela via do sério seria considerado “crime” e desacato.

Mesmo o humor veiculado pelos meios de comunicação de massa não é visto


por Travaglia como alienado e “pálido” como afirma Kupermann. Ele é, ao con-
trário, uma forma criativa, uma arma, um meio utilizado em todas as sociedades
para “descobrir (através da análise crítica do homem e da vida) e revelar verda-
des escondidas e falsificadas, permitindo uma visão especial da vida, uma nova
visão do mundo pela transposição de conceitos, uma ampliação dos contatos
com nossas realidades.” O mesmo autor ainda coloca o humor como responsá-
vel por ser “o senso das proporções e da verdade escondida” e por revelar “a
alegria da descoberta” de forma “não -convencional, sinuosa, intuitiva” gerando
um compromisso entre humor e riso, e entre esses e a sociedade (Travaglia
1990: 67).

Em meio a essa divergência de ideias a respeito do humor contemporâneo,


resta-nos refletir a respeito do conceito de engajamento e de crítica social utili-
zada pelo movimento Pós-moderno e em que temática o humor dos nossos dias
estaria inserido, sem, no entanto, enquadrá-lo em sistemas e características pre-
estabelecidos.

Crítico ou não, o humor está presente nos diversos gêneros e formas de lazer
(cinema, teatro, televisão, etc.) e, nesse contexto, a literatura também dá sua

32
contribuição; são diversos os autores que incluem em suas obras uma pequena
parcela de comicidade ou ainda trabalham exclusivamente com ela. Um gênero
estreitamente relacionado com o aspecto cômico e que também surgiu com
maior ênfase na contemporaneidade é a crônica. Vários são os cronistas e,
quase sem exceção, todos usam o humor para se referirem ao aspecto social
que objetivam. Temos vários nomes como: Rubem Braga, Sergio Porto (Stanis-
law Ponte Preta), Luiz Fernando Veríssimo (que também utiliza o humor em seus
contos), Moacyr Scliar, entre outros.

Em vários gêneros literários, percebemos também algumas passagens ou até


obras completas dedicadas ao humorismo. Contistas como Rubem Fonseca,
que se caracteriza pelo apelo à violência nua e crua, recorre à ironia como re-
curso cômico; romancistas como Ignácio de Loyola Brandão usam o humor para
fazer suas críticas ao sistema social e político vigente; poetas como José Paulo
Paes também buscam no humor uma forma de expressar seus pensamentos;
enfim, são muitos os autores que, através do recurso humorístico, procuram per-
mear suas obras com originalidade e criatividade, convergindo para um movi-
mento que faz do humor uma de suas características básicas.

Rir é um verbo que mudou seu sentido com o passar dos tempos. Antes ria-se
com os deuses, para se aproximar deles. Ria-se em festas periódicas, em que
se procurava estabelecer uma ordem social entre as pessoas. Hoje, a festa é
algo não mais esporádico ou periódico; é uma constante, já que se brinca com
tudo e com todos num constante processo de vulgarização do sério, de desmis-
tificação do onipotente, de relativização do absoluto. Hoje rir não se relaciona
apenas ao movimento que se realiza com os músculos do rosto diante de uma
situação engraçada.

Hoje rir está intimamente ligado ao movimento dos músculos do rosto diante de
uma situação sem solução ou sem grandes perspectivas. O riso contemporâneo
é de certa forma um riso triste que não libera nenhuma substância que denota a
alegria do ridente. É o riso amargo e irônico de um povo que já não tem motivos
para rir, mas continua rindo para ter motivos para continuar vivendo.

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