Parousia - Temas Diversos

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2° SEMESTm DE 2010

Editorial

ARTIGOS

0 selamento dos 144 mil


Emilson Reís, doutor em T:eología Pastoral

A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus


Natanael Moraes, doutor em Teologia Pastoral

"Educar é redimir": significado e implicações da noção redenção-educação


nos escritos de Ellen G. White
Adolf;o Suárez, doutor em Ciências da Religião

Uma fimdamentação biblica para os pequenos grupos


Umberto Moura, doutor em T:eologia Pastoral

Refoma de saúde: história e relevância teológica no movimento adventista ............... 95


Jean ZuckowsJti, Ph.D.

A Biblia e a comunicação pelo rádio .113

Waldecir Lima, mestre em Comunicação


EDITORIAL

Nos últimos anos, a revista Pcz7io#sz.cr trouxe, a cada edição, uma temática de-
finida, sempre buscando atender às demandas da lgreja num momento específico.
Neste número, porém, abrimos a oportunidade para que nossos professores apre-
sentem temas diversos, segundo o interesse de cada um, mas que tenham, igual-
mente, relevância para a lgreja. Deste modo, há dois temas escatológicos e quatro
temas relacionados à teologia aplicada.
0 primeiro artigo, baseado no Apocalipse, discorre sobre o selamento dos 144
mil. Depois de demonstrar o significado e o valor dos selos na história humana,
analisa os diversos selos que em diferentes momentos Deus empregou para distin-
guir seu povo e culmina com o selamento dos 144.000, destacando sua finalidade
e a maneira de recebê-lo. 0 segundo texto trata da tensão entre a iminência e a tar-
dança da vinda de Cristo. Consiste em uma discussão a partir dos textos pertinentes
encontrados na segunda carta de Pedro e expõe a realidade e as causas da tardança,
destacando a paciência e a soberania de Deus, inclusive sobre a própria tardança.
0 terceiro artigo, baseado nos escritos de Ellen G. White, faz uma comparação
entre educação e redenção, salientando a identidade entre estes dois conceitos,
além de mostrar como ambos têm uma fimção restauradora e um caráter holístico.
0 quarto trabalho aborda as origens dos Pequenos Grupos. Nele o autor expõe os
marcos bíblicos, teológicos e históricos que dão fimdamentação a esta prática. 0
quinto artigo trata de um tema distintivo para os adventistas do sétimo dia: sua
mensagem sobre a refoma da saúde. Apresenta seus aspectos históricos, teológi-
cos e missiológicos, enfatizando a orientação de Ellen G. White sobre o assunto. 0
último artigo discorre sobre a importância da comunicação do evangelho através
do rádio. Inclui um breve relato de como a lgreja Adventista do Sétimo Dia tem
usado este veículo de comunicação para disseminar a mensagem de salvação.
Portanto, é com satisfação que oferecemos aos nossos leitores estes seis arti-
gos, na esperança de que eles contribuam para que continuemos a crescer na graça
e no conhecimento de Cristo Jesus e para que a igreja cumpra sua missão.

Os editores.
O selamento dos 144 mil
Emilson dos Reis, doutor em Teologia Pastoral
Diretor da Faculdade Adventista de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.
Professor de Introdução Geral à Bíblia e Homilética na mesma faculdade.

Resumo: Este artigo consiste em um contrastes. Assim, de um lado está o


estudo bíblico sobre o selamento dos Cordeiro de Deus que nos ama e que
144 mil e inclui sua relação com o si- em seu sangue nos lavou de nossos
nal do sábado e com o selo do Espíri- pecados; enquanto que do outro, se
to Santo. Demonstra a importância e encontra um dragão, grande e verme-
utilidade dos selos na história humana lho, que é nosso acusador e está su-
e analisa os diversos selos ou sinais mamente irado contra nós.
usados por Deus através dos tempos Nele vemos a cena de Deus utili-
para distinguir o seu povo e o seu pro- zando três anjos que têm uma men-
pósito em cada caso e culmina com sagem, o evangelho eterno, para pro-
o selamento dos 144.000, destacando clamar a todos os homens; enquanto
que selo é esse, para que serve e como que, em contrapartida, o dragão tam-
podemos recebê-lo. bém se vale de três instrumentos para
aliciar toda a humanidade. São eles
Abstract: This article consists in a a primeira besta, a segunda besta e a
biblical study about the sealing of the imagem da besta. De um lado temos
144 thousand and includes its relation os homens sendo convidados a ado-
with the Sabbath sign and with the rar o Deus Criador, enquanto que, ao
seal of the Holy Spirit. It shows the mesmo tempo, são pressionados a
importance and usefulness of the seals adorar a besta e o próprio dragão.
in human history and analyses the di- No capítulo 12 há uma mulher
vers seals or signs used by God throu- pura, toda iluminada; mas, no capí-
gh time to distinguish His people and tulo 17 está outra mulher, vestida de
their purpose in each case and culmi- escarlate e adornada com jóias e com-
nates with the sealing of the 144`000, pletamente embriagada e prostituída.
emphasising what this seal is, what it No capítulo 21 lemos sobre a Nova
is for and how we can receive it. Jerusalém, a cidade dos remidos, ci-
dade amada, onde tudo é pureza e
Introdução perfeição; mas no capítulo 18 apare-
ce outra cidade, a grande Babilônia,
O estudo do Apocalipse é um dos que se tornou morada de demônios e
mais fascinantes que se possa reali- cujos pecados se acumularam até o
zar. Ele é diferente dos demais livros céu, que viveu em luxúria e enganou
da Bíblia, especialmente porque usa todas as nações com suas feitiçarias,
muitos símbolos. Outra de suas ca- e que foi responsável pela morte dos
racterísticas é o farto emprego de profetas e dos santos.
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No capítulo 14 são apresentadas Muitos cristãos desconhecem o


duas colheitas. A primeira é a ceifa da propósito do selamento dos 144 mil
seara, que está madura; a segunda é e ficam confusos quando estudam o
a colheita das uvas maduras, que são assunto, pois não percebem a relação
colocadas no lagar da ira de Deus e que há com o sinal do sábado ou com
pisoteadas. A primeira representa a o selo do Espírito Santo. O estudo
salvação do povo de Deus; a segunda, bíblico que segue, busca esclarecer o
a destruição dos ímpios. No capítulo assunto, analisando os diversos selos
15 encontramos os remidos, felizes, ou sinais usados por Deus através dos
cantando o cântico de Moisés e do tempos para distinguir o seu povo e o
Cordeiro, agora completamente sal- seu propósito em cada caso e culmina
vos; mas, no capítulo seguinte estão com o selamento dos 144 mil, desta-
os ímpios, recebendo as sete últimas cando que selo é esse, para que serve
pragas, mordendo a língua de tanta e como podemos recebê-lo.
dor e blasfemando de Deus.
No Apocalipse vemos os justos A visão do selamento
mortos revivendo na primeira ressur- Este estudo começa com a aber-
reição e recebendo a imortalidade, tura do sexto selo de um livro que
enquanto que todos os ímpios partici- se encontrava na mão de Deus: “Vi
pam da segunda ressurreição para re- quando o Cordeiro abriu o sexto selo,
ceberem a justa paga e serem destru- e sobreveio grande terremoto. O sol
ídos. No capítulo 20, enquanto Cristo se tornou negro como saco de crina,
reina por mil anos, Satanás fica preso a lua toda, como sangue, as estrelas
por mil anos. No capítulo vinte e um do céu caíram pela terra, como a fi-
o apóstolo viu o primeiro céu e a pri- gueira, quando abalada por vento for-
meira terra passarem, mas viu, tam- te, deixa cair os seus figos verdes, e
bém, o surgimento de um novo céu e o céu recolheu-se como um pergami-
uma nova terra. nho quando se enrola. Então, todos os
Sem dúvida, todos estes contras- montes e ilhas foram movidos do seu
tes nos fazem recordar das palavras lugar. Os reis da terra, os grandes, os
de Jesus, colocando diante de nós comandantes, os ricos, os poderosos e
dois caminhos e dois destinos, e ins- todo escravo e todo livre se esconde-
tando conosco para que escolhamos o ram nas cavernas e nos penhascos dos
caminho da vida (Mt 7:13-14). Mas montes e disseram aos montes e aos
o Apocalipse apresenta ainda outro rochedos: Caí sobre nós e escondei-
contraste: os que se posicionam inte- nos da face daquele que se assenta
gralmente ao lado de Deus recebem no trono e da ira do Cordeiro, porque
o seu selo, enquanto que todos os chegou o grande Dia da ira deles; e
demais, a grande maioria, recebe ou- quem é que pode suster-se?” (Ap
tro sinal, a marca da besta. Todos os 6:12-17).
homens serão assinalados com um ou Esta é uma descrição parcial do
outro destes sinais. que ocorrerá por ocasião da segunda
O selamento dos 144 mil / 9

vinda de Cristo1 (Ap 6:12-17), quan- O que é um selo?


do Deus e seu Filho estão irados2 e a
Abramos agora um parêntese para
natureza encontra-se em comoção. Ao
compreendermos o que é um selo e
contemplar essas cenas, em visão, o
para que serve. Para nós, hoje, um
profeta exclama: “e quem é que pode
selo é um pequeno pedaço de papel
suster-se?” (v. 17).3 Na sequência, a
onde estão impressas uma figura e al-
próxima visão responde a esta per-
gumas informações e que representa
gunta: “Depois disto, vi quatro anjos
o pagamento de uma taxa, geralmente
em pé nos quatro cantos da terra, con-
para transportar uma carta ou um pa-
servando seguros os quatro ventos da
cote que o recebe, de um lugar para
terra, para que nenhum vento sopras-
outro. Se você quiser entender o sig-
se sobre a terra, nem sobre o mar, nem
nificado do selo de Deus então esque-
sobre árvore alguma. Vi outro anjo
ça este significado atual.
que subia do nascente do sol, tendo o
Nos tempos bíblicos era muito
selo do Deus vivo, e clamou em gran-
comum o uso de selos que, todavia,
de voz aos quatro anjos, aqueles aos
eram mais parecidos com os nos-
quais fora dado fazer dano à terra e ao
sos modernos carimbos. Usualmente
mar, dizendo: Não danifiqueis nem a
eram feitos de metal (ouro, prata ou
terra, nem o mar, nem as árvores, até
bronze), de pedras (preciosas ou co-
selarmos na fronte os servos do nosso
muns), de louça (barro cozido), ou
Deus. Então, ouvi o número dos que
de outro material duro6 e podiam ser
foram selados, que era cento e qua-
encontrados principalmente em dois
renta e quatro mil, de todas as tribos
formatos: (1) como um anel, que con-
dos filhos de Israel” (7:1-4).
tinha um desenho ou inscrição em re-
Os ventos são uma clara represen- levo e que, quando pressionado contra
tação das forças malignas4 que são algo, deixava sua marca; (2) como um
impedidas pelos exércitos de Deus cilindro ou carretel que, ao ser rola-
de exercer completo domínio sobre do sobre uma superfície mole, como
a humanidade e realizar todo o mal a argila ou a argamassa, formava um
de que são capazes. Enquanto isso, o desenho contínuo de acordo com sua
anjo encarregado de selar os servos gravação.7 Enquanto o selo em forma
de Deus prossegue em sua tarefa e, de anel era usado no dedo, o outro era
ao ser completada, é dito que foram suspenso por um cordão e posto em
selados 144 mil. Pouco depois, em torno do pescoço ou de um dos pul-
nova visão, João contempla o mesmo sos, ou mesmo preso com alfinete em
grupo,5 agora completamente salvo alguma parte do vestuário.8 Se o do-
no reino de Deus e junto de Cristo, o cumento a receber o selo fosse mole,
Cordeiro: “Olhei, e eis o Cordeiro em como é o caso do barro, o selo era
pé sobre o monte Sião, e com ele cen- pressionado sobre ele; mas se fosse
to e quarenta e quatro mil, tendo na de outro material, o selo poderia ser
fronte escrito o seu nome e o nome de untado com uma tinta espessa e apli-
seu Pai” (14:1). cado.9 Também é significativo saber
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que um selo possuía um desenho ou Havia, também, um procedimen-


uma marca distintiva de seu proprie- to adotado em certas circunstâncias,
tário e que os selos da Palestina eram especialmente por autoridades, de
redondos ou ovais, com a superfície entregar seu selo a outra pessoa, per-
dividida por uma linha dupla, con- mitindo que ela o usasse, significando
tendo acima o nome do proprietário e a transferência de autoridade.16 Isso
abaixo o nome de seu pai.10 ficou evidente em vários momentos
da história de Israel. Quando Faraó
Para que serve um selo? escolheu José para ser governador,
deu-lhe seu anel – que continha seu
A arqueologia tem descoberto
selo – indicando com isso que José,
centenas de selos no Oriente, inclu-
a partir daquele momento, agiria em
sive na Babilônia, no Egito e em Is-
seu nome (Gn 41:41-42). No episó-
rael. Sabe-se hoje, que os selos têm
dio em que Jezabel tentou conseguir
sido usados desde o 4º milênio antes
a vinha de Nabote para o rei Acabe,
de Cristo e que trazem muitas infor-
é dito que ela “então, escreveu cartas
mações relevantes sobre o passado.11
em nome de Acabe, selou-as com o
Um selo possuía diversas utilidades,
sinete dele e as enviou aos anciãos
sendo empregado para indicar o pro-
e aos nobres que havia na sua cida-
prietário, para autenticar documentos,
de e habitavam com Nabote” (1Rs
como uma espécie de marca registra-
21:8). Também, tanto Hamã como
da, para proteger um documento ou
Mardoqueu, ao receberem autoridade
objeto e como parte de rituais.12 Exa-
de Assuero para enviar cartas a todo
minemos os principais usos.
o império em seu nome, fizeram uso
(1) Era um sinal de autoridade,
do anel real (Et 3:10-12; 8:2, 7-8). A
de autenticidade.13 O selo validava
marca do anel era evidência suficiente
o documento, fosse ele um contra-
de que aquele que emitira o documen-
to de casamento (Tobias 7:14), um
to estava investido de autoridade.
contrato de venda (Jr 32:10-11, 44),
ou outro qualquer. De fato, sem um (2) Era um sinal de propriedade.
selo, nenhum documento era consi- Quando eram encomendados objetos
derado autêntico. Para os antigos, de cerâmica para um palácio ou um
possuía o mesmo valor que a as- templo, por exemplo, cada peça rece-
sinatura tem, hoje, para nós.14 Sua bia a marca ou selo do proprietário, in-
função era jurídica, de modo que, dicando a quem pertencia.17 Ainda hoje
aquele que aplicava seu selo a um se faz um uso semelhante: indivíduos e
documento, ficava obrigado a cum- bibliotecas carimbam seus livros para
prir seu conteúdo.15 Atualmente é indicar que são sua propriedade, e fa-
costume uma autoridade usar ou um zendeiros marcam seu gado à ferro e
papel timbrado ou outro que conte- fogo com o mesmo objetivo.
nha um carimbo com seu nome, fun- (3) Um sinal de proteção. Era uma
ção e território onde atua, ao qual marca que legalmente protegia aquilo
apõe a sua assinatura. que a recebia contra qualquer violên-
O selamento dos 144 mil / 11

cia, com o propósito de torná-lo invio- Portanto, é bastante evidente que


lável, como é o caso de cofres, casas, o uso de selos era uma necessidade
celeiros, tumbas, jarros e recipientes constante na vida particular e públi-
de toda espécie.18 Temos o exemplo do ca.20 Além disso, o selamento foi em-
que ocorreu quando Daniel foi coloca- pregado em sentido figurado ou sim-
do na cova dos leões: “Foi trazida uma bólico em todos os períodos, dentro
pedra e posta sobre a boca da cova; e fora de Israel. Nesses casos, selar
selou-a o rei com o seu próprio anel e significava autenticar uma coisa ou
com o dos seus grandes, para que nada dar fé a ela (Dn 9:24; Jo 3:33; 6:27;
se mudasse a respeito de Daniel” (Dn Rm 4:11; 1Co 9:2; 2Tm 2:19), dar
6:17). As autoridades selaram para ou comunicar segurança (Dt 32:34;
proteger a cova de ser aberta, violada. Jó 14:17; Ct 4:12; Ez 28:12; Rm
O mesmo aconteceu com o sepulcro 15:28) e manter sigilo (Is 29:11; Dn
de Jesus. O evangelho registra a res- 12:4, 9).21 Desse modo, com o sen-
posta de Pilatos aos líderes judeus que tido figurado, o salmista orou para
solicitaram ao governador romano a que Deus colocasse um selo em seus
proteção do túmulo de Cristo: “Aí ten- lábios para que não viesse a pecar
des uma escolta; ide e guardai o sepul- quando falasse (Sl 141:30); Jó decla-
cro como bem vos parecer. Indo eles, rou que Deus “sela as estrelas”, para
montaram guarda ao sepulcro, selando indicar que Ele pode trancá-las para
a pedra e deixando ali a escolta. (Mt que não brilhem (Jó 9:7) e almejou
27:65-66). Também, poderia haver que seus pecados estivessem selados
a necessidade de que livros e docu- num saco, i. e., afastados da vista,
mentos, que então existiam na forma perdoados;22 o evangelho declara
de rolo, fossem amarrados com um que Deus colocou o seu selo sobre
cordão que recebia um lacre de argi- Cristo (Jo 6:27), o que significa que
la com uma marca. Tal selo protegia o o apontou como seu representante
documento de modo que, para abri-lo, autêntico e autorizado para dar aos
era necessário partir o selo. Esse uso homens o alimento que dá vida;23 e,
aparece na literatura apocalíptica: em semelhantemente, Paulo afirmou que
Daniel é dito que uma porção de seu a igreja de Corinto, fundada por ele,
livro deveria ser encerrada e selada até era o selo de seu apostolado, no sen-
um tempo determinado (Dn 12:9); e, tido de que a existência dessa igreja
no Apocalipse, João contempla na mão no mundo testificava da legitimidade
de Deus um livro selado com sete selos de sua autoridade apostólica.24
(Ap 5:1), que são abertos, um a um, ao
passo que as profecias do Apocalipse Os selos de Deus
não devem ser seladas, antes, devem Retornando o nosso pensamento
estar disponíveis para quem quiser para as coisas espirituais, pensemos
conhecê-las.19 Hoje há empresas que no que consiste o selo de Deus. Exa-
protegem suas mercadorias com fitas minando as Escrituras encontramos
adesivas que contém sua marca. vários selos ou sinais que Deus, ao
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longo do tempo, tem usado para mar- viria sobre o Egito, Deus falou: “Por-
car seu povo. Um exame deles nos que, naquela noite, passarei pela ter-
ajudará a compreender a visão do se- ra do Egito e ferirei na terra do Egito
lamento no Apocalipse. todos os primogênitos, desde os ho-
(1) A circuncisão. Tratando do mens até aos animais; executarei juí-
selo da circuncisão, Paulo afirmou: zo sobre todos os deuses do Egito. Eu
“Abraão creu em Deus, e isso lhe foi sou o SENHOR. O sangue vos será
imputado para justiça.... E recebeu por sinal nas casas em que estiver-
o sinal da circuncisão como selo da des; quando eu vir o sangue, passarei
justiça da fé...” (Rm 4:3, 11). Abraão por vós, e não haverá entre vós praga
teve fé nas promessas que Deus lhe destruidora, quando eu ferir a terra do
fez e Deus entrou em aliança com ele Egito” (Êx 12:12-13). O sangue fun-
(Gn 15:5-6, 18). Posteriormente, cer- cionava como um selo de proteção.27
ca de treze anos mais tarde, ele rece- Os que se encontravam dentro das
beu a ordem para se circuncidar e para casas marcadas com o sangue do cor-
circuncidar, dali em diante, todos os deiro manifestavam fé nas palavras
homens de sua casa (Gn 17:24). de Deus e obediência, ao agirem exa-
O que agradou a Deus não foi algo tamente como Deus havia especifica-
que Abraão tivesse produzido ou feito, do. Esse selo também foi passageiro.
mas sua firme aceitação da palavra de Teve a validade de apenas uma noite.
Deus, sua plena confiança nele e, por (3) O sábado. Enquanto Israel es-
isso, Deus o justificou. Mas o sinal visí- tava acampado junto ao Monte Sinai e
vel desse relacionamento foi a circunci- depois de lhes dar suas leis, estatutos
são.25 Essa fé em Deus e em Sua palavra e ordenanças, o Senhor voltou a falar
distinguia os israelitas dos demais po- sobre o sábado: “Pelo que os filhos de
vos e a circuncisão a que se submetiam Israel guardarão o sábado, celebran-
relembrava a eles mesmos que eram do-o por aliança perpétua nas suas ge-
propriedade de Deus (Dt 10:15; Is 43:1; rações. Entre mim e os filhos de Israel
44:1-3). Assim a circuncisão manifesta- é sinal para sempre; porque, em seis
va a fé dos filhos de Deus, mas também dias, fez o SENHOR os céus e a terra,
sua obediência – porque não era Deus e, ao sétimo dia, descansou, e tomou
quem os circuncidava, mas eles mes- alento” (Êx 31:16-17). O sábado é um
mos, em submissão à orientação divina. sinal entre Deus e seu povo para sem-
Foi um selo transitório. Com a morte de pre. Lembra-nos que Deus é o Criador.
Cristo na cruz, perdeu o seu valor es- Mas também é um sinal de que é Ele
piritual: “Porque, em Cristo Jesus, nem que nos santifica, isto é, a cada dia nos
a circuncisão, nem a incircuncisão têm torna mais semelhantes a Ele mesmo:
valor algum, mas a fé que atua pelo “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel e
amor” (Gl 5:6. Ver também Gl 6:15; lhes dirás: Certamente, guardareis os
1Co 7:19; At 15).26 meus sábados; pois é sinal entre mim
(2) O sangue do cordeiro nas por- e vós nas vossas gerações; para que
tas. Ao anunciar a décima praga que saibais que eu sou o SENHOR, que
O selamento dos 144 mil / 13

vos santifica” (Êx 31:13).28 Ao pro- estava, indo até à entrada da casa; e o
feta Ezequiel foi dito: “Santificai os SENHOR clamou ao homem vestido
meus sábados, pois servirão de sinal de linho, que tinha o estojo de escre-
entre mim e vós, para que saibais que vedor à cintura, e lhe disse: Passa pelo
eu sou o SENHOR, vosso Deus” (Ez meio da cidade, pelo meio de Jerusa-
20:20).29 O sábado, quando devida- lém, e marca com um sinal a testa dos
mente observado por nós é um sinal homens que suspiram e gemem por
de que Ele é o nosso Deus. É um selo causa de todas as abominações que se
de propriedade. Aquele que guarda o cometem no meio dela. Aos outros
sábado como Deus deseja, está ma- disse, ouvindo eu: Passai pela cidade
nifestando fé em Deus como Criador após ele; e, sem que os vossos olhos
e Redentor, e também obediência ao poupem e sem que vos compadeçais,
mandamento que ele deixou. Assim, matai; matai a velhos, a moços e a
a guarda do sábado é uma indicação virgens, a crianças e a mulheres, até
externa de uma atitude interna. “Por- exterminá-los; mas a todo homem
que esta é a aliança que firmarei com que tiver o sinal não vos chegueis;
a casa de Israel, depois daqueles dias, começai pelo meu santuário. Então,
diz o Senhor: na sua mente imprimi- começaram pelos anciãos que esta-
rei as minhas leis, também sobre o vam diante da casa. E ele lhes disse:
seu coração as inscreverei; e eu serei Contaminai a casa, enchei de mortos
o seu Deus, e eles serão o meu povo” os átrios e saí. Saíram e mataram na
(Hb 8:10). Esse selo permanece. Dis- cidade” (Ez 9:1-7).
tingue os que amam a Deus e guar- Essa visão, que em sua totalidade
dam os Seus mandamentos. abrange os capítulos 8-11, era sim-
(4) O sinal na testa dos homens bólica, e, portanto, os eventos des-
de Jerusalém. Em 592 a.C., seis anos critos nunca ocorreram literalmente.
antes de Jerusalém ser destruída pe- Os homens com armas de destruição
los exércitos de Babilônia, Ezequiel simbolizavam a iminente invasão ba-
recebeu uma visão sobre selamento. bilônica e a destruição de Judá e Je-
Assim ele a narrou: “Então, ouvi que rusalém.30 A visão transmitiu diversas
gritava em alta voz, dizendo: Chegai- mensagens importantes aos exilados:
vos, vós executores da cidade, cada (1) Embora muitos praticassem a ido-
um com a sua arma destruidora na latria secretamente, Deus sabia quais
mão. Eis que vinham seis homens a eram os seus verdadeiros seguidores e
caminho da porta superior, que olha os protegeria. O processo do assinala-
para o norte, cada um com a sua arma mento separaria os que eram inteira-
esmagadora na mão, e entre eles, cer- mente fiéis a Deus daqueles que eram
to homem vestido de linho, com um idólatras, de modo que os justos fos-
estojo de escrevedor à cintura; entra- sem poupados quando viesse a cala-
ram e se puseram junto ao altar de midade.31 (2) Os dirigentes, tais como
bronze. A glória do Deus de Israel se os anciãos e os sacerdotes, eram gran-
levantou do querubim sobre o qual demente responsáveis pela situação
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de Judá e, por isso, estariam entre os do Espírito em nosso coração” (2Co


primeiros a serem unidos pelas forças 1:21-22) – asseverando, desse modo,
destruidoras vindas da Babilônia. (3) que Deus nos selou colocando o seu
O tempo concedido a Judá se esgota- Espírito em nosso coração. Este é um
ra. Logo viria a destruição. selo de propriedade. Quem tem o Es-
Assim, o sentido primário do tex- pírito pertence a Deus (Rm 8:9). Para
to, em seu contexto, nos mostra que alguém ser selado com o Espírito deve
esse sinal foi passageiro e teve sig- crer, mas também deve obedecer, por-
nificado apenas para os judeus que que o Espírito só é dado àqueles que
viveram às vésperas da destruição de obedecem a Deus (At 5:32). Esse selo
Jerusalém, ocorrida em 586 a.C. Mas, permanece com o povo de Deus até
secundariamente, a visão de Ezequiel sua redenção final (Jo 14:16-17).34
também retrata o que haverá no final (6) O selo do Apocalipse. Final-
da história humana e, neste aspecto, mente retornamos à visão do sela-
possui o “mesmo” significado que a mento no Apocalipse. Ali o selo é co-
visão do selamento no Apocalipse,32 locado sobre o povo de Deus que vive
que logo será identificado. nos últimos dias, antes de sobrevir
(5) O Espírito Santo. Tanto na o julgamento de Deus (como em Ez
antiguidade como hoje, documen- 9).35 Eles não são tirados do mundo,
tos legais importantes recebem um mas marcados com o selo de Deus.36
selo oficial, indicando a conclusão da Mas, que selo é esse colocado sobre a
transação e o direito de posse.33 Ten- fronte dos 144 mil (Ap 14:1)? É um
do como base esse procedimento ju- selo semelhante àquele usado na Pa-
rídico, o apóstolo Paulo tratou, com lestina, que continha o nome do pro-
brevidade, do selamento do Espírito prietário e o nome de seu pai. Nesse
Santo em algumas de suas epístolas. caso, o nome de Jesus e o nome de
Aos efésios ele escreveu: “Em quem seu Pai.37 Contudo, devemos observar
também vós, depois que ouvistes a que, na Bíblia, frequentemente a pala-
palavra da verdade, o evangelho da vra “nome” é usada para referir-se ao
vossa salvação, tendo nele também caráter e é isso o que acontece nessa
crido, fostes selados com o Santo passagem. Deus não colocará qual-
Espírito da promessa” (Ef 1:13) e quer marca visível na testa de seus
“não entristeçais o Espírito de Deus, filhos,38 mas lhes imprimirá na alma
no qual fostes selados para o dia da o seu caráter, de modo que se torna-
redenção” (Ef 4:30). Portanto, aquele rão “participantes da natureza divina”
que conheceu o evangelho e creu foi (2Pe 1:4). Desde sua conversão de-
selado com o Espírito Santo, prome- senvolveram um caráter mais e mais
tido por Jesus. O mesmo ensinamen- semelhante a Jesus e, agora, refletirão
to foi enviado aos coríntios: “Mas completamente a sua imagem.39
aquele que nos confirma convosco É declarado que estão selados na
em Cristo e nos ungiu é Deus, que fronte porque dedicaram a mente a
também nos selou e nos deu o penhor Cristo de modo cabal e completo. Isso
O selamento dos 144 mil / 15

nos leva obrigatoriamente a pensar na santificação consiste na harmonia com


lei de Deus, nos dez mandamentos, Deus, na imitação de Seu caráter. Essa
visto que eles são um reflexo do caráter harmonia e semelhança são alcançadas
de Deus. Assim, os selados são aqueles pela obediência aos princípios que são
que têm um caráter como o de Deus e, o transunto de Seu caráter. E o sábado é
o sinal da obediência. Aquele que de co-
portanto, estão em harmonia com sua ração obedecer ao quarto mandamento,
lei. “Porque esta é a aliança que firma- obedecerá toda a lei.42
rei com a casa de Israel, depois daque-
les dias, diz o Senhor: na sua mente Esse selo permanece por toda a eter-
imprimirei as minhas leis, também so- nidade. Para sempre os remidos refleti-
bre o seu coração as inscreverei; e eu rão o caráter de Deus e de seu Filho.
serei o seu Deus, e eles serão o meu
povo” (Hb 8:10). Deus planejou fazer Conclusão
uma aliança com Seu povo escrevendo
Sua lei em seu entendimento e em seu Como vimos, um selo dos tempos
coração, de modo que vivam de acor- bíblicos era semelhante a um carimbo
do com essa lei. e servia principalmente para indicar
Este selo é um indicativo de pro- autoridade e propriedade e para prote-
priedade, mostrando que os assinala- ger. E foi com algum desses propósi-
dos pertencem a Deus, mas, também tos que Deus, ao longo da história, deu
é uma marca de proteção,40 para que a seu povo diversos selos ou sinais,
passem como vencedores pelo tempo alguns dos quais foram transitórios,
de angústia e não sejam atingidos pe- enquanto que outros, permanentes.
las sete pragas. Desse modo, enquanto O selo mencionado no Apocalipse é
a marca da besta atrai o juízo de Deus permanente e marca os que são pro-
sobre quem a possui (Ap 14:9-11 cf. priedade exclusiva de Deus a fim de
9:4), o selo de Deus protege aquele protegê-los tanto da ira de Deus como
que o recebeu.41 Mais uma vez, os dos ataques das forças demoníacas.
selados são pessoas de fé e obediên- Ao ser concluído o selamento, o
cia. Ao descrevê-los João diz: “Aqui indivíduo está definitivamente esta-
está a perseverança dos santos, os que belecido na verdade, de modo que
guardam os mandamentos de Deus e nada mais poderá afastá-lo do cami-
a fé em Jesus” (Ap 14:12). Por isso, nho de Deus. O caráter de Deus e
deduzimos também que a guarda do os princípios de Sua lei foram fixa-
sábado faz parte da vida e do caráter dos permanentemente em sua vida.
dessas pessoas. Elas não adoram a Cumprir-se-á, então, o que se encon-
besta, nem a sua imagem, mas somen- tra na última página da Bíblia: “... o
te a Deus, porque Ele é o Criador, e o justo continue na prática da justiça, e
sábado é a contínua lembrança desta o santo continue a santificar-se” (Ap
grande verdade. 22:11). Todos os homens que viverem
nos últimos dias serão assinalados ou
Para os que guardam o sábado, esse dia com a marca da besta ou com o selo
é o sinal da santificação. A verdadeira de Deus, o que será um claro indica-
16 / Parousia - 2º semestre de 2010

tivo da posição pessoal assumida no caráter permanecerá puro e sem mácula


grande conflito entre o bem e o mal. para toda a eternidade.
Cabe a cada um tomar sua decisão. Agora é o tempo de preparar-nos. O selo
de Deus jamais será colocado à testa de
Os que se estão unindo com o mundo, um homem ou mulher impuros. Jamais
estão-se ajustando ao modelo mundano, será colocado à testa de um homem ou
e preparando-se para o sinal da besta. mulher cobiçosos ou amantes do mundo.
Os que desconfiam do eu, humilham-se Jamais será colocado à testa de homens
diante de Deus e purificam a alma pela ou mulheres de língua falsa ou coração
obediência à verdade, estão recebendo enganoso. Todos os que recebem o selo
o molde divino e preparando-se para re- devem ser imaculados diante de Deus –
ceber na fronte o selo de Deus. Quando candidatos para o Céu.43
sair o decreto, e o selo for aplicado, seu

Referências University Press, 2002), p. 254; Emilson dos


Reis, p. 149-151.
1
Roy Allan Anderson, O Apocalipse Re- 5
Warren W. Wiersbe, “Apocalipse”, Co-
velado (Santo André: Casa Publicadora Bra- mentário bíblico expositivo, 6 vols. (Santo
sileira, 1977), p. 87. André: Geográfica Editora, 2006), 6:752.
2
Para um estudo do tema da ira divina, 6
W. W. Rand, “Sello”, Diccionario de la
ver Emilson dos Reis, A ira de Deus: estu- Santa Bíblia (New York: Sociedade Ameri-
do bíblico teológico e proposta homilética cana de Tratados, 1890), p. 607. Mesmo os
(Tese doutoral, Seminário Adventista latino pobres usavam selos, neste caso, geralmen-
Americano de Teologia, Engenheiro Coelho, te feitos de alguma pedra comum. – Harold
2009). G. Stigers, “Seal, signet”, Wycliffe Bible
3
A mesma pergunta, apresentada de dife- Encyclopedia, Cavalles F. Pfeiffer, Howard
rentes maneiras, aparece ocasionalmente no F. Voos e John Rea, ed., 2 vols. (Chicago:
Antigo Testamento, em contextos que ante- Moody Press, reimpressão 1975), 2:1540.
cipam algum julgamento divino (1Sm 6:20; 7
Enciclopédia de Bíblia, teologia e fi-
2Cr 20:6; Jó 41:10; Sl 76:7; Pv 27:4; Jr 49:19; losofia (EBTF), ed. 1995, ver “Selo”; F. B.
50:44; Na 1:6; Ml 3:2). – David E. Aune, Re- Huey Jr., “Seal”, The Zondervan Pictorial
velation, Word Biblical Commentary (Dallas: Encyclopedia of the Bible, Merrill C. Tenney,
Words Books, Publishers, 1988), 52b:440. ed., 5 vols. (Grand Rapids: The Zondervan
4
Morris Ashcraft, “Apocalipse”, Co- Publishing House, reimpressão 1986), 5:319-
mentário Bíblico Broadman, 12 vols. (Rio 320.
de Janeiro: JUERP, 1984), 12:339; Ray Sum- 8
EBTF, ver “Selo”. Ver Rand, p. 607.
mers, A mensagem do Apocalipse: Digno é 9
Ibid., p. 608.
o Cordeiro, 5ª ed. (Rio de Janeiro: JUERP, 10
EBTF, ver “Selo”. Ver também Huey,
1986), p. 140; Anderson, p. 87; “Four winds p. 323; Summers, p. 141.
[Rv 7:1]”, Seventh-Day Adventist Bible Com- 11
Huey, p. 319-323. Ver também Mer-
mentary (SDABC), Francis D. Nichols, ed., 7 rill F. Unger, “Seal, signet”, Unger’s Bible
vols. (Washington, DC: Review and Herald, Dictionary, 3ª ed. (Chicago: Moody Press,
1953-1957), 7:781. – Estas forças malignas 1960), p. 989. Encontraram até os selos de
que causam destruição, no seu devido tempo dois oficiais do rei Uzias e um selo do rei Jo-
também podem ser consideradas como agen- tão. – Huey, p. 323.
tes de Deus. Ver Ranko Stefanovic, Revela- 12
Ibid., p. 322-324; Curtis Vaughan,
tion of Jesus Christ: Commentary of the Book Efésios: Comentário bíblico, (Miami: Vida,
of Revelation (Berrien Springs: Andrews 1986), p. 32; “Seal [Rv 7:2]”, SDABC, 7:782.
O selamento dos 144 mil / 17

Entre os pagãos, como era o caso dos assírios 32


Ellen G. White, Testemunhos para mi-
e babilônios, os selos eram usados também nistros e obreiros evangélicos (Santo André,
em ritos comunitários. Contendo os nomes SP: Casa Publicadora Brasileira, 1964), 444-
de reis e de deuses, eram depositados nos 446 e 431-432. Ver também, João B. Taylor,
templos e também afixados nos documentos Ezequiel: Introdução e comentário (São Pau-
de alianças religiosas. – Huey, p. 322. lo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1984), p.
13
R. Schippers, “Selo”, Dicionário In- 93.
ternacional de Teologia do Novo Testamento, 33
Wiersbe, “Efésios”, 6:14. Ver John R.
Colin Brown, ed., (São Paulo: Vida Nova, W. Stott, A mensagem de Efésios (São Paulo:
1985), 4:399. ABU, 1986), p. 26 e 140; Vaughan, p. 32-33.
14
Unger, p. 989. 34
Wiersbe, “Efésios”, 6:55. Um exame
15
Schippers, 4:399. do contexto das passagens bíblicas que tra-
16
Ibid., 4:400. tam do selamento do Espírito Santo revela
17
EBTF, ver “Selo”; Huey, p. 322. a posse plena das bênçãos de Deus no fi-
18
Unger, p. 989; Stigers, 2:1540. nal. – Francis Foulkes, Efésios: Introdução
19
Schippers, 4:402. e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Nova
20
Ibid., 4:400. / Mundo Cristão, reimpressão 1986), p. 48.
21
Rand, p. 608; Huey, p. 323. Ver também Stigers, 2:1541.
22
Schippers, 4:400, Huey, p. 322. 35
Wiersbe, “Apocalipse”, 6:751; Sum-
23
F. F. Bruce, João: Introdução e comen- mers, p. 141; “Seal [Rv 7:2]”, SDABC,
tário (São Paulo: Vida Nova e Mundo Cris- 7:782.
tão, 1987), p. 137. “Se o tempo aoristo do 36
Summers, p. 145.
verbo ‘selar’ (grego esphragisen) indica que 37
Segundo uma das linhas de interpre-
devemos identificar a ação com um evento tação do Apocalipse, as mensagens das sete
particular, provavelmente devamos pensar no cartas foram endereçadas primeiramente para
batismo de nosso Senhor”. – Ibid. Ver tam- as congregações cristãs que se formaram nas
bém “Seal [Rv 7:2]”, SDABC, 7:782; Stigers, cidades mencionadas. Elas revelavam sua
2:1541. condição e necessidade e apontavam para
24
Schippers, 4:401. o seu dever. Em segundo lugar, essas cartas
25
Clyde T. Francisco, “Gênesis”, Co- contêm instruções úteis para os cristãos de to-
mentário Bíblico Broadman, 12 vols. (Rio de das as épocas e, finalmente, suas mensagens
Janeiro: JUERP, 1984), 1:223. são especialmente adaptadas às condições
26
John William McGorman, “Gálatas”, da Igreja em sete períodos de tempo – desde
Comentário Bíblico Broadman, 12 vols. (Rio o primeiro até o segundo advento de Cristo
de Janeiro: JUERP, 1984), 11:144; Donald – de modo que a primeira carta se destina à
Guthrie, Gálatas: Introdução e comentário igreja primitiva, aquela da era apostólica, e a
(São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, sétima, àquela que vive nos dias que prece-
1984), p. 166-167. dem o retorno de Cristo e o final da história
27
Roy L. Honeycutt Jr., “Êxodo”, Co- humana neste mundo de pecado. – Ver “The
mentário Bíblico Broadman, 12 vols. (Rio de seven churches [Rv 1:11]”, SDABC, 7:737;
Janeiro: JUERP, 1984), 1:444-445; R. Alan C. Marvin Pate, “O ponto de vista dispensa-
Cole, Êxodo: Introdução e comentário (São cionalista progressivo”, As interpretações do
Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, s/d.), p. Apocalipse, organizado por C. Marvin Pate
107. (São Paulo: Vida, 2001), p. 142-143. É signi-
28
Ver “My sabbaths [Ex 31:13]” e “A ficativo que a promessa de Cristo aos vence-
sign [Ex 31:13]”, SDABC, 1:662. dores – justamente em sua carta à Laodicéia,
29
Ver “I gave them my sabbaths [Ez aos que estiverem vivendo nos dias próximos
20:12]”, SDABC, 4:646. à Sua segunda vinda – é que tenham gravados
30
Stefanovic, 255; Wiersbe, “Ezequiel”, [selados] sobre si o nome de Deus e o novo
4:222. nome de Cristo (Ap 3:12).
31
Schippers, 4:400; Stefanovic, p. 255. 38
George Eldon Ladd, Apocalipse: Intro-
18 / Parousia - 2º semestre de 2010

dução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Ladd, p. 84; Anderson, p. 88-89.
Nova e Mundo Cristão, 1982), p. 84-85. 41
Schippers, 4:403; Aune, 52b:440.
39
Ellen G. White, Vida e ensinos, 6ª ed. 42
Ellen G. White, Testemunhos seletos, 3
(Santo André: Casa Publicadora Brasileira, vols., 4ª ed. (Santo André: Casa Publicadora
1973), p. 111. Brasileira, 1971), 3:17.
40
Wiersbe, “Apocalipse”, 6:751; Ash- 43
Idem, Vida e ensinos, 10ª ed. (Tatuí: Casa
craft, 12:339; Summers, p. 140-141 e 145; Publicadora Brasileira, 2001), p. 189-190.
A tensão entre iminência e tardança da
vinda de Jesus
Natanael B. P. Moraes, doutor em Teologia Pastoral
Professor de Teologia Aplicada na Faculdade Adventista de Teologia do Unasp,
campus Engenheiro Coelho.

Resumo: Este artigo estuda a tensão mados de surpresa. Jesus empregou


entre iminência e tardança da vinda de varias metáforas para advertir os dis-
Jesus. A primeira parte analisa o tema cípulos sobre este fato, como o ladrão
conforme apresentado em 2 Pedro 3:3- na noite (Mt 24:42-44; Lc 12:40; cf.
12. Depois considera vários aspectos 1Ts 5:2, 4; 2Pe 3:10), o noivo e as dez
relacionados com o tópico proposto virgens (Mt 25:1-13), o dilúvio e o
como soberania de Deus, livre arbítrio mundo pré-diluviano (Mt 24:38, 39).
humano, imagem de Deus, responsa- O apóstolo Paulo acrescentou a figura
bilidade, condicionalidade da profecia. das dores de parto que sobreveem à
A conclusão procura reunir todos os parturiente (1Ts 5:3).1
motivos estudados, contudo dentro da As figuras empregadas por Jesus e
perspectiva de 2 Pedro 3:1-12. Paulo não mencionam o tempo quan-
do ocorrerá o advento: o pai de fa-
Abstract: This article studies the ten- mília não sabe quando o ladrão virá;
sion between the imminence and tar- as virgens não sabem quando vem o
diness of Jesus’ coming. The first part noivo; a mulher é tomada de surpresa
analyses the theme according to what pelas dores do parto. Ninguém sabe o
is presented in 2 Peter 3:3-12. It later momento, nem os anjos, nem mesmo
considers various aspects related with o Filho, somente o Pai (Mt 24:36). Os
the topic proposed as God’s greatness, discípulos não receberam informação
human free will, the image of God, precisa sobre o tempo exato (At 1:6,
responsibility, and prophetic conditio- 7). Contudo, Jesus proveu sinais para
nality. The conclusion looks to unite anunciar sua vinda, não para que fos-
all the motive studied, though with the sem feitos cálculos sobre o dia do seu
perspective of 2 Peter 3:1-12. retorno, mas para incentivar a atenção
dos seus discípulos, para mantê-los
Introdução atentos (1Ts 5:4-6).2
A promessa do retorno de Jesus Já se passaram 2.000 anos e Jesus
é apresentada em algumas passagens ainda não voltou. Será que a vinda de
do Novo Testamento, por vezes, como Jesus foi adiada, ou ainda pior, cance-
iminente e noutras como postergada. A lada? Para Paulo, Tiago e Pedro o dia
iminência enfatiza o caráter transcen- está “às portas” (Rm 13:12; Tg 5:8;
dental de sua vinda, por isto homens 1Pe 4:7). O próprio Jesus disse: “Cer-
e mulheres serão repentinamente to- tamente, venho sem demora” (Ap
20 / Parousia - 2º semestre de 2010

22:20). Contudo, outras passagens como na primeira epístola (1Pe 1:12-15),


apontam o retorno de Jesus para o fu- Pedro realça que está procurando relem-
turo como é o caso da parábola do ho- brar seus destinatários “das palavras que,
mem nobre que partiu para uma terra anteriormente, foram ditas pelos santos
distante (Lc 19:11-27). Para Mateus, profetas, bem como do mandamento do
o “senhor daqueles servos” voltará Senhor e Salvador, ensinado pelos vos-
“depois de muito tempo” (Mt 25:19). sos apóstolos” (2Pe 3:2).7
Noutras parábolas, Jesus também alu-
diu a uma demora (Mt 24:48; 25:5).3 Os últimos dias – 2 Pedro 3:3
A mesma tensão entre o “já” e o
“...tendo em conta, antes de tudo,
“ainda não” se encontra no Antigo
que, nos últimos dias, virão escarnece-
Testamento. O dia do Senhor está per-
dores com os seus escárnios, andando
to e também distante (Hc 2:3; Is 2:2,
segundo as próprias paixões.”8
20; 13:6; Sf 1:14; 3:8).4
No sentido escatológico, a expres-
Inicialmente o presente trabalho
são “último dia” ou “últimos dias” se
analisará a tensão entre proximida-
refere ao período de tempo que antecede
de e tardança da vinda de Cristo em
imediatamente o final da história deste
2 Pedro 3:1-12. Também serão con-
mundo e a inauguração do futuro tempo
sideradas as noções de presciência e
messiânico (cf. Is 2:2. Mq 4:1; Jo 11:24;
soberania divina, livre arbítrio huma-
12:48, At 2:17; Tg 5:3; 2Pe 3:3).9
no, condicionalidade do cumprimen-
to profético e respectivas implicações
Os escarnecedores/falsos
na vida presente dos cristãos.
mestres – 2 Pedro 3

Uma discussão sobre a parousia - Os escarnecedores que suscitaram


2 Pedro 3:1-12 o problema da tardança combinavam
ceticismo escatológico com libertinis-
Esta passagem aborda algumas
mo ético (2Pe 2). Parece que eles esta-
alegações de falsos mestres referentes
vam recorrendo ao ensino paulino da
à Parousia e a resposta de Pedro a es-
liberdade da lei (2Pe 2:19; 3:15). Há
tas alegações. Os versos 1-10 seguem
eruditos que defendem a hipótese de
uma estrutura quiástica:
que as duas posturas dos falsos mes-
tres estavam conectadas a uma forma
A – Negação da Parousia (v. 3-4a)
de escatologia realizada10 gnóstica ou
B – A estabilidade universal como
protognóstica.11 Para Charles H. Tal-
motivo para negação da Parousia (v. 4b)
bert, a escatologia realizada era a real
B’ – Réplica a B (v. 5-7)
base para a negação da Parousia.12
A’ – Réplica a A (v. 8-10)5
Argumentos defendidos pelos es-
Depois de haver tratado da proble-
carnecedores – 2 Pedro 3:4
mática dos falsos mestres, Pedro se volta
para o tema do Dia do Senhor e questões “...e dizendo: Onde está a promessa
sobre teodiceia.6 No inicio do capítulo 3, da sua vinda? Porque, desde que os pais
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 21

dormiram, todas as coisas permanecem Esperamos que ao longo da pesqui-


como desde o princípio da criação.” sa o leitor tenha condições de ampliar a
Antes de prosseguirmos, apresenta- compreensão sobre as duas hipóteses.
mos os pressupostos de duas hipóteses O argumento “todas as coisas per-
referentes ao tempo da vinda de Cristo. manecem como desde o princípio da
Para alguns pesquisadores, a fra- criação” reconhecia a existência de um
se “Não retarda o Senhor a sua pro- universo criado por Deus, mas em si
messa” (v. 9) é um indicativo de que mesmo um sistema fechado, naturalis-
Deus predeterminou uma data para a ta, sujeito apenas às leis de causa e efei-
segunda vinda desde e eternidade e to que nega a intervenção divina.13 Ou
esta não será postergada. Alguns dos seja, o argumento estava fundamenta-
pressupostos que dão sustentação a do na imutabilidade das leis naturais.14
esta hipótese são: (1) reconhecimento Nos tempos modernos, esta perspecti-
da soberania divina; (2) presciência va é classificada como uniformismo.15
divina absoluta e causativa; (3) ne- Foi introduzida por James Hutton
gação da condicionalidade do tempo (1726-1797) e assumia a operação por
da vinda de Cristo; (4) redução e/ou longos períodos de tempo, dos mesmos
negação do papel do livre-arbítrio hu- agentes geológicos atualmente conhe-
mano como fator de influência na tar- cidos como vulcanismo, erosão e se-
dança ou apressamento do tempo da dimentação.16 Deste modo, o presente
vinda de Cristo; (5) tardança aparente torna-se a chave para a compreensão
da vinda de Cristo. do passado. O uniformismo nega ca-
tegoricamente a intervenção divina na
Os principais pressupostos da hi- história, particularmente a criação em
pótese que defende a influência huma- seis dias e o dilúvio global.17
na para apressamento ou postergação A perspectiva uniformista do pas-
do tempo da vinda de Cristo são: (1) sado contribuiu para forjar o ceticis-
reconhecimento da soberania divina; mo escatológico sobre a Parousia, por
(2) presciência divina absoluta e não isso Pedro primeiramente irá desafiar
causativa; (3) autenticidade do livre- este ponto de vista antes de abordar o
arbítrio humano; (4) a vinda de Cristo tema da tardança.18
em glória e majestade na companhia
dos anjos é uma profecia incondicio-
nal; (5) o tempo da vinda de Cristo A refutação do argumento uni-
está condicionado ao testemunho de formista dos escarnecedores
vida cristã e ao envolvimento dos
crentes na pregação do evangelho ao
1. A Criação do Mundo, Um Ato
mundo; (6) a postergação do tempo
Eminentemente Divino – 2 Pedro 3:5
da vinda de Cristo não reduz a sobe-
rania de Deus em definir o tempo do “Porque, deliberadamente, esque-
fim, mas significa que sua resolução cem que, de longo tempo, houve céus
soberana leva misericordiosamente bem como terra, a qual surgiu da água e
em consideração as ações humanas. através da água pela palavra de Deus.”
22 / Parousia - 2º semestre de 2010

Ao manterem seu ponto de vista Pedro tem um argumento triplo


uniformista, os falsos mestres fecham contra a perspectiva errônea dos es-
voluntariamente seus olhos para a carnecedores: primeiro, a própria
verdade, descartando aqueles relatos criação representa a intervenção de
bíblicos que apresentam a interven- Deus no mundo,21 como expressão de
ção direta de Deus. Como resultado sua livre escolha.22 Os oponentes fa-
de sua cegueira auto-induzida, os lharam por não perceber a implicação
escarnecedores deixam de lado dois desta abordagem, pois ao apelar para
eventos históricos monumentais que a criação eles admitiam que houvera
colidem com suas ideias, a criação um princípio. Segundo, os oponentes
executada pela Palavra de Deus (2Pe poderiam objetar que Deus colocara
3:5; Sl 33:6 e 9) e o juízo divino do o mundo em movimento, mas desde
dilúvio (2Pe 3:5).19 Portanto, é ação então não interferira mais cosmologi-
divina criadora, independente da par- camente. Mas tal noção não conside-
ticipação humana, que é evocada por rava o dilúvio, que envolvera um ca-
Pedro em sua argumentação contra o taclismo mundial. Terceiro, a história
tema uniformista dos escarnecedores. terminará com uma grande conflagra-
ção, quando os atuais céus e terra se-
rão queimados e os ímpios punidos.23
2. O Juízo Divino do
As três intervenções divinas, a cria-
Dilúvio – 2 Pedro 3:6
ção, o dilúvio e o dia da punição fi-
“...pela qual veio a perecer o nal dos ímpios pelo fogo ocorrem por
mundo daquele tempo, afogado em ação direta da palavra de Deus.
água.”
Deus, por seu poder, criou o mun- Pedro refuta a negação da
do; por seu poder Ele o sustém (Hb parousia – breve análise de
1:3). Aquele que por sua palavra criou 2 Pedro 3:8
o universo tem poder para destruir
“... para o Senhor, um dia é como
aquilo que Ele trouxe à existência. O
mil anos, e mil anos, como um dia.”
juízo divino exercido através do di-
Evidentemente, o verso 8 faz re-
lúvio20 alterou a sequência natural de
ferência ao Salmo 90:4: “Pois mil
causa e efeito. Com a recordação deste
anos, aos teus olhos, são como o dia
fato histórico, Pedro refuta o argumen-
de ontem que se foi e como a vigí-
to uniformista dos escarnecedores.
lia da noite.” Este salmo, escrito por
Moisés (Sl 90:1), contrasta a eterni-
3. Deus Intervirá Novamente no
dade de Deus com a curtíssima exis-
Futuro – 2 Pedro 3:7
tência humana (Sl 90:9, 10). O verso
“Ora, os céus que agora existem 4 está relacionado com o verso 2; o
e a terra, pela mesma palavra, têm Deus eterno não é vulnerável à passa-
sido entesourados para fogo, estando gem do tempo como os seres huma-
reservados para o Dia do Juízo e des- nos, embora não se deva dizer que o
truição dos homens ímpios.” tempo não tenha sentido para Deus.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 23

A linguagem é comparativa, não ab- tos todos os meus dias, cada um deles
soluta. Naturalmente, mil anos é um escrito e determinado, quando nem
período longíssimo para a história hu- um deles havia ainda [soberania]” (Sl
mana, mas para Deus é como a vigília 139:4, 7-8, 16).
da noite.24 A onisciência de Deus é uma de-
corrência de sua eternidade. Visto que
O tempo divino Ele existe em eterno presente e todo o
conhecimento lhe está patente, então
Êxodo 3:14 fornece uma base
para Deus é como se o tempo se cons-
para a compreensão do tempo divi-
tituísse num ponto, ao contrario do
no: “Disse Deus a Moisés: EU SOU
sentido de tempo humano que seria
O QUE SOU. Disse mais: Assim di-
linear, ou uma sequência de pontos.
rás aos filhos de Israel: EU SOU me
Deste modo, a declaração “para o Se-
enviou a vós outros.” A forma verbal
nhor, um dia é como mil anos, e mil
“EU SOU”, nas duas menções, no he-
anos, como um dia” (2Pe 3:8) indica
braico, encontra-se no Qal imperfeito
que, ao contrário do ser humano, “aos
do verbo ser, e transmite uma noção
olhos de Deus um longo período pode
de continuidade, de ação não con-
parecer breve”.26
cluída: “Eu estou sendo o que estou
sendo”, ou seja, “Aquele que sempre Discussão do texto
é”. Não é um ser conceitual, abstrato,
mas um ser ativo. Assim, é impróprio O sentido da declaração de Pedro,
nos referirmos a Deus como Aquele no verso 8, tem sido discutido con-
que “era” ou que “será”, pois a reali- sideravelmente ao longo dos anos.
dade desta existência ativa só pode ser Todos os exegetas reconhecem que
indicada pelo presente “É”, ou “Está a afirmação é proveniente do Salmo
Sendo”, “sempre É” ou “Sou”.25 A 90:4, mas se divide em dois grupos:
Divindade vive num eterno presente, (1) aqueles que interpretam a decla-
sem as comuns limitações humanas ração de acordo com paralelos da lite-
de passado e futuro. ratura judaica e cristã contemporânea
Há outro texto no Antigo Testa- a Pedro, e concluem que ela procura
mento que revela alguns atributos di- demonstrar que o “Dia do Juízo” (v. 7)
vinos e contribui para a compreensão perdurará por mil anos; (2) a maioria
do tempo divino: “Ainda a palavra me dos demais intérpretes, que entendem
não chegou à língua, e tu, SENHOR, que o verso 8 deve ser estudado no
já a conheces toda [onisciência]... contexto do problema escatológico da
Para onde me ausentarei do teu Espí- tardança, concluem que Pedro produ-
rito? Para onde fugirei da tua face? Se ziu um argumento original sem prece-
subo aos céus, lá estás; se faço a mi- dentes ou paralelo na literatura.27
nha cama no mais profundo abismo, O primeiro grupo aponta para tex-
lá estás também [onipresença]... Os tos rabínicos e cristãos do segundo
teus olhos me viram a substância ain- século onde a cronologia escatológica
da informe, e no teu livro foram escri- se baseia na fórmula “um dia do Se-
24 / Parousia - 2º semestre de 2010

nhor equivale a mil anos” (Sl 90:4). buindo um período de tempo de mil
Algumas vezes a regra tem sido apli- ou mais milhares de anos até o advento
cada à narrativa da criação, a fim de de Cristo.
transmitir a noção de que “seis dias”, O segundo grupo de intérpretes
de mil anos cada, seriam seguidos por que afirma ser inédito o uso de Sal-
um sábado milenar.28 A fórmula tam- mo 90:4 em 2 Pedro 3:8 é questiona-
bém pode ser aplicada aos textos que do por Richard J. Bauckham: “... há
abordam o dia ou dias do Messias (Is vários exemplos do uso desse verso
63:4; Sl 90:15). Outra situação a ser [Sl 90:4] na literatura judaica que os
mencionada é sobre o debate entre comentaristas não encontraram antes,
os rabinos Eliezer e Joshua. De sua mas que podem ser relevantes parale-
parte, Eliezer concluía que o reino los de 2 Pedro 3:8.”32 Como exemplo,
messiânico perduraria por mil anos, Bauckham menciona um trecho do
mas Joshua argumentava que “dias” apócrifo Apocalipse de Abraão, cuja
no plural, no Salmo 90:15, implica data de escrita é estimada como sen-
em dois mil anos.29 Outros aplicam do o final do primeiro século ou início
a fórmula a Gênesis 2:17. Segundo o do segundo.33 O texto é atribuído ao
texto, “no dia em que dela comeres, rabino Eleazar B. Azariah. Ele deduz,
certamente morrerás” parecia exigir a a partir do texto de Gênesis 15, que
morte de Adão imediatamente ao seu o período, durante o qual Abraão (de
pecado, contudo Adão viveu cerca de acordo com Gn 15:1) enxotava as aves
mil anos (Gn 5:6). A protelação do de rapina das carcaças sacrificadas,
juízo divino sobre Adão é explicada foi de um dia, do nascer do sol ao pôr
com base na fórmula apresentada pelo do sol. As aves de rapina representam
Salmo 90:4, pois para Deus um “dia” os gentios opressores de Israel duran-
corresponde a mil anos. O dia de Adão te o período de quatro reinos. Diz o
de mil anos era explicado por Joshua rabino Eleazar, “Desse incidente você
como um sinal da misericórdia de pode aprender que o domínio desses
Deus.30 É verdade que esta aplicação quatro reinos perdurarão apenas um
provê uma ligação com 2 Pedro 3:9, dia de acordo com o dia do Santíssi-
mas interessante como possa parecer mo, bendito seja Ele”.34 A referência
o paralelo, ele não explica satisfato- ao “dia do Santíssimo” deve ser à má-
riamente 2 Pedro 3:8. A aplicação de xima “Um dia do Senhor equivale a
regra exegética a Gênesis 2:17 é sem- mil anos”.35
pre um cálculo cronológico, interpre- Para Bauckham, a relevância do
tando “dia” como mil anos. Com base Apocalipse de Abraão é que, dife-
nessa analogia, 2 Pedro 3:8 só pode- rentemente de outros textos rabínicos
ria se referir à tardança da Parousia se já mencionados, este se refere à tar-
tivesse sido prometido que a tardança dança do Fim, pois no apocalíptico
perduraria por “um dia” ou “dias”, judaico o período de quatro reinos é
mas esse não é o caso.31 Portanto, o precisamente o período da tardança.
texto não indica que Pedro esteja atri- O destaque é que embora para o Isra-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 25

el oprimido o tempo pareça extenso, mento escatológico, e a referência à


da perspectiva do Deus eterno é um perspectiva do Deus eterno sobre o
período muito breve. A reflexão tem a transcurso do tempo faz ligação com
função de consolar Israel, pois relati- um tema frequente no Apocalipse
viza a importância do período de do- de Baruc: a soberania divina sobre o
minação gentílica. Assim, ele “provê tempo. Sim, porque diferentemente
um paralelo para a noção de 2 Pedro do ser humano, Deus conhece todo
3:8, que é certamente para aqueles o curso da história, sendo soberano
que reclamam da tardança e que ago- sobre todos os eventos, determinan-
ra obtiveram uma nova perspectiva: do seu respectivo tempo; somente Ele
sob o ponto de vista da eternidade é tem informação sobre o tempo do fim
apenas um tempo curto”.36 que Ele designou (cf. 2 Apocalipse
Outra passagem similar mencio- de Baruc 48:2-3; cf. 21:8, 10; 54:1;
nada por Bauckham é 2 Apocalipse 56:2).39
de Baruc 48:12-13: “Nascemos rapi- Após a discussão sobre os referi-
damente e retornamos rapidamente. dos paralelos judaicos com 2 Pedro
Mas contigo as horas são como as 3:8, passemos ao estudo propria-
longas eras, e os dias são como ge- mente dito da passagem. No verso
rações”. Esse contraste entre a exis- 8, Pedro se esquiva da especulação
tência infinita de Deus e a transitorie- referente ao tempo da vinda de Je-
dade da vida humana é a base para a sus porque ele tem ciência de que “a
súplica a Deus por misericórdia, no respeito daquele dia e hora ninguém
capítulo 48:11: “Ouve Teu servo e sabe, nem os anjos dos céus, nem
atenta ao meu pedido”. Um fato re- o Filho, senão o Pai” (Mt 24:36).40
levante a ser referido é que de acordo Nesse verso, Pedro contrasta a tran-
com a Enciclopédia Judaica, o Apo- sitoriedade da vida humana com a
calipse de Baruc deve ter sido escrito eternidade de Deus. É a limitação
entre 70 e 130 AD, o que torna o li- de seu ponto de vista que leva o ser
vro, possivelmente, um contemporâ- humano a ficar impaciente. Ele gos-
neo de 2 Pedro.37 Há uma outra ideia taria de ver pessoalmente o retorno
similar a de Baruc no livro de Ecle- do Senhor. Por sua vez, o Deus eter-
siástico, escrito em torno de 200-180 no está livre dessa impaciência. Isso
aC.38 O texto encontra-se no capítulo não implica em que o crente deva
18:9-11, “A duração de sua vida: cem descartar a expectativa iminente,
anos quando muito. Como uma gota mas precisa considerá-la sob a pers-
do mar, um grão de areia, assim são pectiva da história que está sob o
seus poucos anos perante um dia da controle de Deus.41
eternidade. Por isso o Senhor os trata A repetição invertida do verso 8,
com paciência e sobre eles derrama a “para o Senhor, um dia é como mil
sua misericórdia”. Em Baruc, o con- anos, e mil anos, como um dia” pode
texto é escatológico. Seu pedido por ser um recurso empregado por Pedro
misericórdia é uma suplica por livra- para realçar o contraste, por um lado, a
26 / Parousia - 2º semestre de 2010

respeito do amplo tempo concedido por rada; pelo contrário, ele é longânimo
Deus para que o ímpio se arrependa (v. para convosco, não querendo que
9). Por outro lado, deve ser visto como nenhum pereça, senão que todos che-
uma séria advertência ao impenitente guem ao arrependimento”.
de que o fim pode chegar rapidamen- Chegamos ao texto de 2 Pedro,
te.42 Visto por outro ângulo, a primeira que apresenta a tensão entre a imi-
parte da dupla declaração, “para o Se- nência do retorno de Jesus e a sua
nhor, um dia é como mil anos” prepara tardança. Consideraremos alguns as-
o leitor para a discussão sobre a tar- pectos sintáticos, veremos alguns pa-
dança divina e o seu propósito (v. 9); a ralelos na literatura grega e judaica, o
segunda parte, “para o Senhor, um dia posicionamento de diversos intérpre-
é como mil anos” é uma advertência tes sobre a passagem e, por fim, uma
a respeito da imprevisibilidade do fim tentativa de melhor compreensão da
do tempo (v. 10), especialmente para o tensão presente no verso.
impenitente. Ao relativizar o conceito
de tempo para Deus, do modo como o
fez no verso 8, Pedro insiste em que Consideração gramatical
o problema do tempo é humano e não
confere uma base para questionar a A forma verbal “retarda”, pro-
providencia divina.43 veniente do verbo grego bradúno,
Há, também, no verso 8, uma ad- tem o sentido de “atrasar, esten-
vertência implícita a que se evite a crí- der-se por um período de tempo,
tica à tardança divina em cumprir as com a implicação de demora e/ou
Suas promessas. Agindo dessa forma, tardança”.46 Pedro conjugou o verbo
os seres humanos passam a desafiar a bradúno no presente do indicativo
Deus, cuja esfera de ação está acima ativo. Segundo Robertson, “o senti-
do tempo presente dos seres humanos. do continuo não deve monopolizar
A crítica humana à tardança divina no o tempo ‘presente’, embora denote
cumprimento de Suas promessas cons- com mais frequência uma ação li-
titui-se numa invasão indevida do tem- near. O verbo e o contexto é quem
po futuro que pertence a Deus.44 devem decidir”.47 Portanto, poderí-
Considerando o contexto do capítu- amos traduzir o verbo bradúno em
lo, Pedro, no verso 8, argumenta que em- 2 Pedro 2:9 por, “o Senhor não está
bora o retorno de Cristo possa parecer retardando a Sua promessa”, pelo
muito distante dos seres humanos, sob a menos esta é a acepção da Bíblia
perspectiva divina o retorno é iminente. de Jerusalém em inglês, “O Senhor
O ser humano finito não pode confinar o não está sendo tardio em realizar a
Deus infinito ao seu padrão de tempo.45 sua promessa”. Com este sentido, a
tensão entre iminência e tardança se
Breve análise de 2 Pedro 3:9 acentua ainda mais, pois atribui uma
noção contínua por parte de Deus
“Não retarda o Senhor a sua pro- em “não estar atrasando” o cumpri-
messa, como alguns a julgam demo- mento da Sua promessa.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 27

Paralelos com 2 Pedro 3:9 cumpridas e injustiça.53 De particular


Plutarco viveu entre 45-125 D.C. e interesse para o estudo de 2 Pedro 3:9
passou a maior parte de sua vida em e seu paralelo com o embate com os
Queroneia, cidade da Grécia. Ele ser- epicureus é a questão da injustiça. Se
viu vários anos como um dos sacer- a justiça demora a ser aplicada “o bem
dotes do templo de Apolo de Delfos, a não pode prosperar enquanto o ímpio
32 quilômetros de sua casa. Vários dos não recebe o que merece. Portanto,
seus diálogos foram registrados e pu- Deus não recompensa nem pune”.54
blicados. Setenta e oito ensaios e outras Assim, o embate epicureu contra a pro-
obras sobreviveram, sendo conhecidas vidência em De Sera baseia-se sobre o
como Obras Morais.48 No tratado De argumento da injustiça, mais especi-
Sera Numinis Vindicta, Plutarco expõe ficamente no protesto contra a justiça
uma polêmica com os epicureus sobre a que demora a ser cumprida.55 A con-
providência divina. Segundo Plutarco, testação de Plutarco se assemelha ao
“Epicuro negava a Providência Divina que Pedro disse no verso 9, “... Deus,
e sustentava que os deuses não se inte- que não tem nenhuma necessidade de
ressavam pelas atividades humanas”.49 tardança nem de arrependimento, mas
Um estudo mais acurado, revela que o transfere a punição para o futuro e es-
principal objetivo do debate epicureu pera o tempo devido – nós mesmos de-
era a rejeição da providência divina veríamos ser circunspectos em todos
conhecida como teodiceia: Deus não os aspectos e deveríamos ver como
julga, não recompensa, nem pune.50 parte da virtude divina a clemência e
Mas, por quê? O objetivo do sistema longanimidade que Deus manifesta,
de Epicuro era o “prazer”, definido transformando poucos, na verdade,
mais acuradamente como “ausência pela punição, mas pela postergação da
de dor no corpo e de perturbação de punição beneficiando e admoestando a
alma”.51 Epicuro estendia a ausência muitos”.56 No contexto de 2 Pedro 3,
de perturbação também a Deus. Então, a frase perturbadora dos oponentes, “o
se Deus está livre de perturbação, ele Senhor retarda a sua promessa” (cf. v.
não pode ser providente, porque isso 4, 9) deveria ser entendida com uma
O envolveria com uma preocupação rejeição, por parte dos escarnecedores,
constante. Este é o propósito de Epi- da doutrina tradicional da vinda do jul-
curo em Máximas Soberanas: “Um ser gamento e da Parousia.57
bendito e indestrutível não tem pertur- Há outro paralelo com 2 Pedro 3 a
bação em si mesmo e não traz pertur- ser considerado: trata-se dos debates
bação sobre qualquer outro ser; desse judaicos, provavelmente da segunda
modo ele está livre de ira e parcialida- metade do fim do primeiro século da
de, pois todas essas coisas implicam era cristã. Evidências históricas indi-
em fraqueza”.52 O arsenal epicureu cam que em todas as gerações judai-
contra a providência consistia de qua- cas entre a metade do segundo século
tro argumentos básicos nas áreas de a.C. e a metade do primeiro século
cosmologia, liberdade, profecias não d.C. havia uma esperança de reden-
28 / Parousia - 2º semestre de 2010

ção escatológica num futuro bem soberana de Deus para Israel, que não
próximo. Ao mesmo tempo, há, tam- depende de modo algum do preparo
bém, evidências de que durante este de Israel. Eliezer, por outro lado, con-
período de cerca de dois séculos de diciona a vinda da redenção ao arre-
contínuo desapontamento não dimi- pendimento de Israel.62
nuiu a expectativa da iminência do A ideia a respeito do arrependi-
cumprimento das profecias bíblicas.58 mento de Israel antes do fim não era
Como, então, os apocalipses judaicos recente.63 É provável que a declaração
enfrentaram a questão da tardança do de Eliezer representasse uma reação
cumprimento das profecias? Vários ao desastre de 70 d.C. quando esva-
estudos reconhecem o papel relevante neceram as esperanças de redenção e
de Habacuque 2:3, que parece ter sido Israel vivenciou uma catástrofe que
o texto chave do AT para a reflexão só poderia ser interpretada como pu-
sobre a tardança. A história da inter- nição de Deus. A conclusão era que
pretação do texto contém a explana- Israel não era digno da redenção. So-
ção básica da tardança. Ela apela para mente quando Israel se arrependesse
a soberania onipotente de Deus, que é que ocorreria a redenção.64
já estabeleceu o tempo do fim. Ainda A posição do Eliezer pode indi-
que o cumprimento se estenda mais do car que a data divinamente designa-
que o cumprimento profético sugere, da para o fim tenha sido adiada por
essa tardança aparente pertence aos causa dos pecados de Israel. Uma
propósitos de Deus. Segundo a escala outra alternativa, é que poderia não
divina de tempo, o cumprimento das haver algo como uma data fixa para
profecias não está atrasado.59 o fim, ou então, poderia ser que o ar-
Um exemplo do debate sobre a rependimento de Israel em si mesmo
tardança escatológica da redenção é o fosse parte do plano predeterminado
que se travou entre os rabinos Eliezer por Deus. Essa é a visão sugerida por
B. Hyrcanus e Joshua B. Hananiah.60 uma versão mais longa do debate: “R.
A versão mais breve do debate é de- Eliezer diz: ‘Se Israel não se arrepen-
monstrada a seguir: “R. Eliezer diz: der, nunca será redimido...’ R. Joshua
‘Se Israel se arrepende, eles serão re- diz para ele: ‘Se Israel endurece e não
dimidos’. R. Joshua diz: ‘Se eles se se arrepende, pode você dizer que eles
arrependerem ou não se arrepende- nunca serão salvos?’R. Eliezer diz
rem, quando chegar o fim, sem demo- para ele: ‘O Santíssimo, bendito seja,
ra eles serão redimidos, tal como foi fará surgir entre eles um rei tão firme
dito: ‘Eu, o SENHOR, a seu tempo como Haman, e sem demora eles se
farei isso prontamente (Is 60:22)”.61 arrependerão e serão redimidos’.”65
Joshua mantém o tradicional apelo Noutras palavras, a redenção não
apocalíptico à soberania de Deus, que pode ser postergada indefinidamente
determina o tempo do fim. Quando o pela falha de Israel em se arrepender,
tempo designado chegar, ocorrerá a porque o próprio Deus incitará Israel
redenção escatológica como a graça ao arrependimento. A relevância desse
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 29

debate é que a noção de Eliezer é uma encontrado na seção compreendida


tentativa de compreender a tardança. entre os capítulos 6-11.68 Nesses ca-
O significado da postergação não está pítulos, João retrata um movimen-
totalmente escondido nos misteriosos to desde a vitória de Cristo na cruz
propósitos soberanos de Deus. Este é (5:12), passando por uma serie de
o tempo no qual Deus espera gracio- rápidos juízos, culminando na inau-
samente que Seu povo mude e Ele os guração do reino (Ap 11:15-17). Essa
castiga até que se arrependam.66 expectativa é frustrada ao longo dos
Mais relevante para o estudo de capítulos 6-11. O quarteto dos cava-
2 Pedro 3 são os paralelos bíblicos, leiros é liberado e entram na história;
porque, diferentemente dos paralelos quando o Cordeiro abre o quarto selo,
grego e judaico, eles são inspirados há uma frustração porque os juízos
pelo Espírito Santo (2Pe 1:20-21). são parciais, afetando apenas a quarta
Por exemplo, o mau servo, mencio- parte da terra (6:8). Por sua vez, os
nado por Cristo na parábola, diz, mártires clamam “Até quando”, na
“Meu senhor demora-se” (Mt 24:48). abertura do quinto selo (6:10). Com
Ele usa o verbo kronizo, o mesmo o sexto selo, cresce a expectativa: pa-
empregado pela Septuaginta (LXX), rece que o dia do juízo está chegando,
em Habacuque 2:3. Por sua declara- mas novamente João deixa seus leito-
ção, o mau servo não espera jamais res em suspense, inserindo um longo
ser convocado para prestar contas de parêntese (cap. 7) antes do sétimo selo
suas ações, pois na sua perspectiva, final. A série de trombetas segue um
a tardança de seu senhor indica que modelo semelhante. Os juízos são in-
ele nunca virá. Se Jesus estava inte- tensificados, mas ainda são limitados,
ragindo com o pensamento epicureu afetando, dessa vez, um terço da terra
ou não, este não é o foco de discussão e seus habitantes (Ap 8:7-12, 15, 18).
aqui, mas é provável que tais ideias Ao invés de operar a aniquilação dos
estivessem por trás dos argumentos inimigos de Deus, fica evidente que
dos escarnecedores, em 2 Pedro. A estes juízos se constituem em adver-
frase que “alguns” proferiram, “a tências preliminares, designados, na
julgam demorada” foi contestada por paciência de Deus, a dar aos homens
Pedro, ao dizer enfaticamente que oportunidade de arrependimento. Se-
não está sobrevindo uma tardança. guiu-se o terceiro selo, contudo, é-nos
Ao contrário, o que está ocorrendo informado que esses juízos não pro-
é uma manifestação da misericórdia duziram arrependimento nos homens;
de Deus.67 eles permanecem tão impenitentes
O livro do Apocalipse apresen- quanto antes (9:20). Contudo, mais
ta notáveis paralelos com 2 Pedro 3. uma vez, aumenta a expectativa dos
O tema da iminência é mais óbvio leitores: agora a paciência de Deus
no inicio e no fim do livro (Ap 1:1, deve se esgotar; certamente seguir-
3; 22:6, 7, 10, 12, 20). O motivo da se-á o juízo final da sétima trombeta.
tardança é menos evidente e pode ser Todavia, mais uma vez João frustra
30 / Parousia - 2º semestre de 2010

as expectativas, inserindo uma lon- não se arrependeram” (9:20). Era de


ga passagem entre a sexta e a sétima se esperar que eles fossem punidos,
trombetas, da mesma maneira como juntamente com os demais que mor-
ele havia procedido entre o sexto e o reram, mas não. Então João introduz
sétimo selos.69 um novo parêntese entre a sexta e a
Deste modo João incorporou o sétima trombetas, os capítulos 10-11.
motivo da tardança na estrutura do É mais uma postergação que segue o
seu livro na forma de parênteses. Es- padrão literário do profeta. Contudo
peramos encontrar o sentido da tar- é nesse período de tardança (cap. 10-
dança no conteúdo desses parênteses 11) que ocorre a incumbência, “É ne-
e também no episódio do quinto selo cessário que ainda profetizes a respei-
(6:9-11). Os mártires clamam “Até to de muitos povos, nações línguas e
quando” (6:10), que é a tradicional reis” (10:11). Em lugar de tirar a vida
questão apocalíptica sobre a tardança dos dois terços impenitentes restan-
(Dn 12:6; Hc 1:2; Zc 1:12) e o proble- tes, Deus lhes dá mais uma oportuni-
ma dela decorrente, o da justiça e da dade de ouvirem a mensagem de ar-
vindicação dos mártires. A resposta a rependimento. Em Apocalipse, esses
essa questão também é tradicional; a são os paralelos de tardança com 2
tardança perdurará por “pouco tem- Pedro 3:9. A informação relevante da
po” (cf. Is 26:20; Ag 2:6; Hb 10:37. O tardança em Apocalipse 10:11 é que
mesmo motivo aparece em Ap 12:12; ela corresponde ao desejo de Deus,
17:10), até que a cota de mártires pre- de “que nenhum pereça, senão que
determinada se complete (6:11).70 todos cheguem ao arrependimento”.
O capítulo 7, parêntese entre o A tardança é permitida pela soberania
sexto e o sétimo selos, abre-se com os misericordiosa de Deus que utiliza
quatro anjos segurando os quatro ven- os crentes no anúncio do evangelho,
tos para impedir danos à terra. Deus cumprindo a profecia de Jesus sobre o
os retém até que os anjos selem “na tempo do fim (Mt 24:14) e a comissão
fronte os servos do nosso Deus” (7:3). evangélica (Mt 28:19, 20).
Noutras palavras, a tardança é o perí-
Aspectos complementares no
odo no qual os fiéis são protegidos da
estudo de2 Pedro 3:9
ira vindoura de Deus. Assim, no co-
texto dos sete selos, Deus prorroga o No início do verso 9, há um apelo
fim por causa da igreja, de modo que à soberania de Deus, com conotação
o Cordeiro possa ser o líder de uma de iminência, “Não retarda o Senhor
vasta multidão redimida.71 a sua promessa”. Há, também, uma
Durante o tempo da sexta trom- alusão à Habacuque 2:3, “Porque a
beta, os três flagelos, “fogo, fumaça visão ainda está para cumprir-se no
e enxofre” provocam a morte da “ter- tempo determinado, mas se apressa
ça parte dos homens” (9:18). Contu- para o fim e não falhará; se tardar,
do, “os outros homens, aqueles que espera-o, porque, certamente, virá,
não foram mortos por esses flagelos não tardará”.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 31

Quando o NT emprega expres- culpados diante dEle (Rm 2:6-11), a


sões que denotam iminência, estas longanimidade de Deus é extensiva a
podem indicar que em nossa escala todos, inclusive aos ímpios. Convém
de tempo a Parousia está próxima. lembrar que a longanimidade de Deus
Contudo, a linguagem de iminência fora mencionada a Israel, em Êxo-
também pode ser usada para a Pa- do 34:6: “Passando o SENHOR por
rousia a fim de destacar uma ação diante dele, clamou: SENHOR, SE-
divina, não uma ação humana. Do NHOR Deus compassivo, clemente e
mesmo modo pode sugerir que a imi- longânimo e grande em misericórdia
nência encontra-se na escala divina e fidelidade”. Semelhantemente em 1
de tempo, não na humana.72 Pedro 3:20, “quando a longanimida-
“...pelo contrário, ele é longâni- de [makrothumia] de Deus aguardava
mo para convosco, não querendo que nos dias de Noé”, onde a makrothu-
nenhum pereça, senão que todos che- mia não se estendia apenas a Noé e
guem ao arrependimento”. sua família, mas a todas as pessoas.73
Em 2 Pedro 3:9, a resposta ao ar- Há outros aspectos em 2 Pedro
gumento da tardança, que fora apre- 3:9 a serem considerados, como é o
sentado pelos escarnecedores, con- caso da ambiguidade. Será que Pe-
siste numa reinterpretação positiva dro quer transmitir a ideia de que a
da postergação do tempo como uma falta de arrependimento por parte da
dádiva para o arrependimento, que se humanidade pode retardar a Parousia
fundamenta na natureza benevolente (3:9), enquanto o arrependimento e as
de Deus. O próprio livro de Gênesis, boas obras podem apressar a segun-
em 6:3; 7:4, 10 demonstra que Deus da vinda (3:12), de modo que não é
concedeu um tempo de espera, pos- realmente Deus, mas a humanidade
tergando o juízo para que o povo ante- quem determina a data da Parousia?
diluviano se arrependesse. Conforme Pedro admite isso sob o ponto de vis-
Gênesis 6:3, Deus informa que “os ta humano, de que há um adiamento,
seus dias serão cento e vinte anos”. por causa do arrependimento huma-
Em 2 Pedro 3:9, a palavra grega tra- no, para que a Parousia ocorra mais
duzida por “longânimo” é makrothu- tarde do que originalmente esperado.
mia, a mesma que é usada por Paulo, O inverso também é verdadeiro, se
em Romanos 2:4: “Ou desprezas a ri- há arrependimento a Parousia pode
queza da sua bondade, e tolerância, e vir mais rápido do que o esperado,
longanimidade [makrothumia], igno- tomando em consideração a longani-
rando que a bondade de Deus é que midade divina. Mas isso não anula,
te conduz ao arrependimento?”. Aqui necessariamente, a soberania divina.
Paulo está criticando aquelas pessoas Não é nenhum pecado humano, mas a
que desprezavam a longanimidade de longanimidade divina, que não pode
Deus porque ignoravam o propósi- ser reprimida. Desta perspectiva eter-
to de sua bondade. Visto que Deus é na sobre o curso da história (cf. v. 8),
imparcial e que todos são igualmente Deus pode incorporar tal intervalo em
32 / Parousia - 2º semestre de 2010

Sua meta soberana. Pedro realmente parecer mil anos de postergação pode
não sugere que esse intervalo pode ser, na realidade, apenas um dia. Pe-
perdurar indefinidamente, enquanto dro insiste em que o tempo da vinda
as pessoas permanecem sem se arre- do Senhor é desconhecido76 e que virá
pender. A paciência de Deus não pode inesperadamente como o ladrão. Como
ser desprezada (cf. Rm 2:4). Aquele nas demais situações em que esta me-
que persiste na impiedade, sem se ar- táfora aparece no NT (Mt 24:43-44; Lc
repender, descobrirá que o juízo so- 12:39-40; 1Ts 5:2; Ap 3:3; 16:15), ela
brevirá repentinamente (v. 10a).74 é derivada da parábola de Jesus e co-
munica tanto imprevisibilidade como
Breve análise de 2 Pedro 3:10 ameaça. Para aqueles que, a despeito
das oportunidades que o Senhor em
“Virá, entretanto, como ladrão, o
Sua longanimidade lhes confere, per-
Dia do Senhor, no qual os céus pas-
manecem impenitentes, o dia do Se-
sarão com estrepitoso estrondo, e os
nhor deveria transmitir uma perspecti-
elementos se desfarão abrasados;
va amedrontadora, pois ele determina
também a terra e as obras que nela
o fim da longanimidade e a chegada da
existem serão atingidas”.
punição.77 Mas para aqueles que acei-
Assim como Deus interveio so-
tam o chamado de Deus (Is 25:9; Jl
beranamente para a criação (3:5) e
2:32), será um dia bem vindo.78
no dilúvio (3:6), Ele irá intervir no-
vamente na natureza por ocasião da Breve análise de 2 Pedro 3:11
segunda vinda de Jesus. É uma res-
posta ao argumento uniformista dos “Visto que todas essas coisas hão
escarnecedores. de ser assim desfeitas, deveis ser tais
Pela redação do verso 10, Pedro como os que vivem em santo procedi-
desfaz qualquer engano que pudesse mento e piedade”.
sobrevir de uma má compreensão do Pedro conclui sua carta da mesma
verso 9, como se a longanimidade de maneira como outras cartas do NT,
Deus cancelasse o dia do juízo. O que ou seja, com uma seção que define
ele dissera é que está apenas poster- para os seus leitores como eles de-
gado, mas certamente virá. Dessa ma- veriam se comportar, como povo de
neira, a longanimidade de Deus não é Deus. De modo particular, esta seção
desculpa para os pecadores continu- da carta apresenta seus requisitos
arem a pecar com tranquilidade, sem morais e éticos no contexto do dia
temer o juízo.75 do Senhor, que virá em breve, junta-
A afirmação categórica da vinda mente com os eventos cataclísmicos
repentina do dia do juízo, no verso ligados a este evento.79
10, também procura desfazer a noção A conexão do verso 11 com o
equivocada que alguns tinham sobre o verso anterior e posterior sugere que,
tempo. Pensavam que o tempo deles apesar de que o dia da Parousia não
era ilimitado. Pela citação do Salmo possa ser fixado (cf. 3:12), o Senhor,
90:4, Pedro queria dizer, o que pode eventualmente, em Sua soberania, de-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 33

cidirá que o tempo de tardança chegou pode dedicar parte considerável do


ao fim e, então, expirou a oportuni- seu tempo à pesquisa teológica, por
dade de arrependimento. Isso aconte- exemplo, mas na vida prática pode
cerá sem aviso prévio – ocorrerá tão desconsiderar o devido preparo mo-
repentina e inesperadamente como o ral, levando uma vida de desobediên-
aparecimento do ladrão na noite.80 cia aos mandamentos divinos.
Por sua vez, a expressão “san-
to procedimento” tem sentido moral, Análise de “apressando”
que descreve uma vida de dedicação a
Em grego, o verbo traduzido por
Deus, sem nada de mal e pecaminoso e
“apressando” é spudo. Aparece seis
conduta inculpável.81 A conduta diária
vezes no NT (Lc 2:16; 19:5; 19:6; At
do cristão precisa ser consistente com
20:16; 22:18 e 2Pe 3:12). O particípio
sua esperança (cf. Rm 15:13; Cl 1:23;
presente foi o tempo escolhido por Pe-
Hb 6:11; 1Jo 3:3), à medida que ele
dro para o verso 12; como o presente,
considera a realidade da recompensa e
o particípio é durativo,86 desse modo,
a promessa da glória eterna.82
a noção transmitida é, “continuamen-
Para Hans Conzelmann, a declara-
te apressando”. A versão Almeida
ção de Paulo (as epístolas do apóstolo
Revista e Atualizada assim traduziu
são mencionadas por Pedro em 2Pe
o texto: “apressando a vinda do Dia
3:15, 16) “Deus ressuscitou o Senhor
de Deus”.87 Outras versões optaram
e também nos ressuscitará a nós pelo
por uma tradução diferente, como é
seu poder” (1Co 6:14) coloca a esca-
o caso da versão Almeida Revista e
tologia como uma “forma transparen-
Corrigida, “apressando-vos para a
te de regras imediatas de conduta de
vinda do Dia de Deus”.88
vida”.83 Essa parece ser a atitude de 2
Segundo Daniel Arichea e Howard
Pedro 3:7, 9-12, 14, 17, 18.
Hatton, “apressando” também pode ser
Análise de 2 Pedro 12 traduzido por “earnestly desiring” [“ve-
ementemente desejando”], conforme a
“Esperando e apressando a vinda versão da American Stand Version. A
do Dia de Deus, por causa do qual os justificativa apresentada é a de que o
céus, incendiados, serão desfeitos, e os particípio grego pode ser derivado de
elementos abrasados se derreterão”. um verbo que significa “desejar arden-
O verbo “esperar” (grego pros- temente” ou “ser zeloso”, ou de outro
dokao), que é usado para expressar a verbo que significa “apressar”, ou seja,
expectativa escatológica em Mateus ambas as traduções são possíveis. Es-
11:3, Lucas 7:19, 20, aparece três ve- ses comentaristas defendem que a sen-
zes nos versos 12-14.84 Em parte, a tença “esperando e apressando a vinda
espera não deve se caracterizar ape- do Dia de Deus” poderia ser traduzida
nas por uma atitude intelectual; há um desta maneira: “à medida que você es-
aspecto moral nela incluído.85 Uma pera pelo dia em que o Senhor virá para
pessoa pode ter interesse e conheci- julgar o mundo, faça o seu melhor para
mento profundo de profecias bíblicas, que esse dia venha logo”.89
34 / Parousia - 2º semestre de 2010

A principal questão a ser colocada determinar o tempo do Fim (cf. Co-


é: podem os cristãos, por seu “santo mentário sobre o v. 9), mas significa
procedimento” (3:11), apressar a vin- apenas que Sua determinação sobe-
da de Jesus, ou isto depende exclusi- rana graciosamente leva em conta os
vamente da intervenção divina?90 A acontecimentos humanos”.93
teologia está dividida quanto à res- De acordo com Peter H. Davids a
posta. Antes de apresentarmos as duas frase “apressando a vinda do Dia de
principais posições, é preciso lembrar Deus” indica que “o dia do Senhor
que, a semelhança de todas as hipó- não é uma data fixa, mas algo que
teses, ambas são construídas a partir os cristãos podem mudar pelo ‘santo
de pressupostos básicos. Cabe a nós procedimento e piedade’. Essa ideia
analisar esses pressupostos à luz de baseia-se no apressamento do tempo
princípios hermenêuticos sólidos. por Deus em Is 60:22”.94 Outro texto
Passemos a análise da primeira citado por Peter Davids é Atos 3:19-
alternativa. Para Simon Kistemaker 20, que liga arrependimento ao retor-
e William Hendriksen, alguns “co- no de Cristo, “Arrependei-vos, pois, e
mentaristas optaram pela segunda convertei-vos para serem cancelados
versão porque eles acreditam que o os vossos pecados, a fim de que, da
homem é incapaz de mudar o tempo presença do Senhor, venham tempos
estabelecido por Deus para o retorno de refrigério, e que envie ele o Cristo,
de Cristo”.91 Essa é o posição de João que já vos foi designado, Jesus”.95
Calvino, defensor da predestinação,
em seu comentário sobre 2 Pedro É possível compreender a tensão
3:12: “Esperando e apressando para, entre iminência e tardança?

ou, esperando pelo apressamento;


Estudamos inicialmente a tensão
assim eu traduzo as palavras, embo-
entre iminência e tardança no contex-
ra sejam dois particípios, aquilo que
to de 2 Pedro 3. Há necessidade de
antes tínhamos separadamente, ele
uma perspectiva mais abrangente. Os
reúne numa sentença, isto é, que nós
elementos para a compreensão já es-
devemos apressadamente esperar”.92
tão presentes na discussão feita sobre
Tomamos Richard Bauckham
o texto. Contudo é preciso aprofundar
como representante da segunda alter-
alguns tópicos abordados. Passemos
nativa: “É evidente que esta ideia de
ao primeiro.
apressar o Fim representa o corolário
da explicação (v. 9) de que Deus adia Soberania de Deus
a Parousia pelo fato de Ele desejar
que cristãos se arrependam. O arre- O apóstolo informa que “nos últi-
pendimento e santo procedimento mos dias” (v. 3) viriam escarnecedores
desses cristãos podem, portanto, do hedonistas questionando a “promessa
ponto de vista humano, apressar a da sua vinda” (v. 4). Eles emprega-
chegada da Parousia. Esse fato não riam argumentos uniformistas, que
deprecia a soberania de Deus em negariam a intervenção divina na his-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 35

tória humana. Para refutar esses con- das que se cruzavam entre si, por sua
ceitos errôneos, Pedro menciona dois vez, movidas por quatro seres viven-
atos soberanos de intervenção divina tes. Acima de tudo havia, “algo seme-
no mundo, a criação e o dilúvio (vv. lhante a um trono, como uma safira;
5, 6). Em seguida acrescenta que o sobre esta espécie de trono, estava
“Dia do Juízo” (v. 7, 10-12), a vir no sentada uma figura semelhante a um
futuro, será outro ato divino interven- homem” (Ez 1:26). Ezequiel também
cionista na história humana. Pedro re- viu que “Tinham os querubins uma
correu a essas ações na história para semelhança de mão de homem debai-
defender a soberania de Deus perante xo das suas asas” (Ez 10:8).98
os escarnecedores. Segunda Pedro 3:9 descreve outra
A soberania de Deus “é um ensi- atitude soberana de Deus, “Não retarda
no bíblico pelo qual todas as coisas o Senhor a sua promessa, como alguns
estão sob o Seu governo e controle e a julgam demorada”. Evidentemen-
que nada acontece sem Sua permissão te, Pedro se referia à segunda vinda
ou direção. Deus não atua apenas so- de Cristo. Essa é uma posição que se
bre algumas coisas, mas sobre todas fundamenta exclusivamente na sobe-
segundo o conselho da Sua própria rania de Deus, independentemente da
vontade (Ef 1:11). Seus propósitos participação humana. Contudo, a parte
são todo-inclusivos e nunca frustra- do verso que diz “pelo contrário, ele é
dos (ver Is 46:11); nunca poderá ser longânimo para convosco, não queren-
surpreendido por nada. A soberania do que nenhum pereça, senão que to-
de Deus não se atém apenas a Ele ter dos cheguem ao arrependimento”, jun-
poder ou no direito de conduzir todas tamente com o verso 12, “esperando e
as coisas, mas no fato de assim proce- apressando a vinda do Dia de Deus”
der, sempre e sem exceção”.96 indicam que a participação humana
Um bom exemplo bíblico reve- deve ser levada em consideração para
lador da soberania de Deus é a visão a ocorrência da Parousia. Por um lado,
narrada por Ezequiel. Quando ele é a bondade de Deus, que espera pelo
se encontrava “no meio dos exila- arrependimento dos impenitentes, que
dos, junto ao rio Quebar, se abriram parece atrasar a Parousia, por outro é a
os céus, e eu tive visões de Deus” participação dos crentes com a prega-
(Ez 1:1). O profeta estava “sobrecar- ção do evangelho que parece apressar
regado de tristes lembranças e sinais a Parousia.
perturbadores”.97 A visão recebida foi Algumas declarações de Ellen
uma resposta as suas preocupações. White interligam a soberania de
Ele viu que “um vento tempestuoso Deus com a segunda vinda de Cris-
vinha do Norte, e uma grande nuvem, to. Em sua primeira visão ela ouviu
com fogo a revolver-se, e resplendor a voz de Deus anunciando “o dia e a
ao redor dela, e no meio disto, uma hora de vinda de Jesus”.99 Em 1888,
coisa como metal brilhante, que saía referindo-se a esta visão, ela disse
do meio do fogo” (Ez1:4). Havia ro- que esquecera o tempo anunciado.100
36 / Parousia - 2º semestre de 2010

Noutra declaração, através da ex- Tendo por base a soberania divina


pressão “o tempo aparentemente se é que alguns estudiosos argumentam
estende”, Ellen White sugeriu que o que o tempo da vinda de Cristo está
tempo para a vinda de Cristo está de- nas mãos de Deus e as atividades dos
finido.101 Ainda em 1888 ela afirmou seres humanos não o afeta, “a data já
que há um tempo definido para o re- está definida desde a eternidade pela
torno de Jesus.102 É interessante que, ‘presciência de Deus’ (1 Pe 1:2), e
a semelhança de 2 Pedro 3:9, Ellen não será postergada”.105
White também mostrou ambiguidade Presciência divina e a tensão en-
sobre os temas de iminência e tardan- tre iminência e tardança
ça: “A extensão de tempo que nos foi
concedida parecia curta, demasiada- Ao desenvolver o tema da predes-
mente curta, para esclarecermos ao tinação, Calvino citou Agostinho que
mundo os aspectos grandes e mara- comentara a queda de Adão, “o homem
vilhosas da lei de Deus. As promes- não somente [a si mesmo] se perdeu,
sas de Deus - como nos agarrávamos mas ainda a seu arbítrio”.106 A noção
a elas! Não conseguíamos suportar agostiniana sobre a natureza humana
toda a glória! Ficávamos sem força pecaminosa depois da queda esclarece
física, e o poder de Deus, qual halo porque o cristão precisa de Deus para
de glória, repousava sobre nós. Que fazer o bem. A noção de total depra-
louvores ascendiam a Deus! ‘Porque vação da natureza humana decaída
ainda dentro de pouco tempo aque- explica a ausência do livre-arbítrio no
le que vem virá, e não tardará.’ Ha- ser humano, daí a total dependência de
via um tempo de tardança para nós, Deus para escolher fazer o bem.107
mas Ele, nosso Senhor, conhecia o Segundo Calvino, a soberania di-
fim desde o princípio. Não se tratava vina sobre o ser humano é plena e lhe
de nenhuma demora; e cada ano que exclui o livre-arbítrio, “[Ele] próprio
passava continuávamos a trabalhar, efetua em nós o querer, [o] que outra
orar e crer. Os erros que sobre nós [cousa] não é senão que o Senhor, por
vinham com ímpeto, nós os enfrentá- Seu Espírito, nos dirige, inclina, go-
vamos no poder de Deus, e os expli- verna o coração e nele reina como em
cávamos. E a glória enchia o recinto domínio Seu”.108
onde nos reuníamos”.103 Diante do acima exposto, é fácil
Para Ralph C. Neall, que es- entender o comentário de Calvino
creveu uma tese sobre a referida sobre 2 Pedro 3:12: “Nós devemos
tensão em Ellen White, disse não apressadamente esperar”.109 Sua posi-
ser possível haver ajustamento: ção endossa o ponto de vista de que o
“... confessamos que nos sentimos homem é incapaz de mudar o tempo
desconfortáveis com todo o empre- estabelecido por Deus para o retorno
endimento de harmonização. Se a de Cristo. A posição acima apresen-
própria White não reconciliou os tada, juntamente com predestinação,
dois, porque eu deveria?”104 presciência absoluta e causativa, ne-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 37

gação do livre-arbítrio compõem os trição que impeça alguém de esco-


pilares básicos do calvinismo. lher uma alternativa que ele gostaria
De sua parte, a igreja adventista de escolher, ausência de condições
segue a posição da presciência abso- naturais que impeçam alguém de
luta e não causativa que reconhece alcançar um objetivo escolhido e a
a autenticidade do livre-arbítrio hu- posse de meios ou poder para alcan-
mano.110 Esse pressuposto tem uma çar o objetivo que alguém escolheu
explicação mais consistente para a pela sua própria vontade;115 respon-
tensão entre iminência e tardança: sabilidade, como uma consequên-
“Isto transparece claramente nas pre- cia natural da liberdade de escolha
dições concernentes à segunda vinda concedida por Deus ao homem pelo
de Cristo. A Bíblia faz o tempo em fato de tê-lo criado a Sua imagem,
que esse evento ocorrerá depender da visto que “sem uma real liberdade
atuação humana com respeito à pro- de escolha não pode haver uma real
clamação do evangelho (Mt 24:14) responsabilidade moral”.116
e à aceitação prática do evangelho Sem racionalidade e livre-arbí-
na vida dos crentes (2Pe 3:9); e o trio o ser humano ficaria desprovido
aspecto condicional do tempo para da imagem de Deus, porque nossa
que esse evento ocorra é mais do que capacidade racional está vinculada
reforçado em 2 Pedro 3:12, ao decla- à existência de uma lei moral fun-
rar que pela atuação humana positi- damentada em princípios lógicos.117
va, esse dia pode ser apressado”.111 Na verdade, se não houvesse lei, não
Em função dessa posição, a igreja existiria razão e se não houvesse ra-
adventista dispõe de um pressuposto zão, não existiria liberdade de esco-
fundamental: o comportamento dos lha, pois esta só pode ser exercida
crentes pode apressar ou atrasar a se- mediante a avaliação inteligente das
gunda vinda de Cristo. possibilidades que se apresentam ao
Imagem de Deus, livre-arbítrio e indivíduo pensante. Além do mais,
responsabilidade se o homem tivesse sido criado sem
a faculdade de raciocinar e sem a li-
A expressão “imagem de Deus” berdade de escolha, ele não estaria
abrange os seguintes aspectos: se- habilitado a amar a Deus, porque só
gundo Ellen White, um reflexo de está apto a amar aquele que, através
Deus, “tanto na aparência exterior do uso da razão, escolhe responder
como no caráter”;112 habilidade de ao amor de Deus com amor.
raciocinar, que, segundo Emil Brun- De modo notável, Emil Brunner
ner, é “o órgão da recepção da [Sua] interligou liberdade, amor e respos-
Palavra”;113 livre-arbítrio que, por ta a Deus: “Ele [Deus] é Quem de-
sua vez, se caracteriza pela posse seja de mim uma livre resposta ao
de conhecimento, porque “aumenta Seu amor, uma resposta que retorne
a capacidade de agir livremente”,114 o amor pelo amor, um eco vivo, uma
ausência de coação humana ou res- reflexão viva de Sua glória”.118
38 / Parousia - 2º semestre de 2010

Condicionalidade do cumprimento essa última citação inspirada da pro-


das profecias e segunda fetiza lança luz sobre a tensão entre
vinda de Cristo iminência e tardança e permite que
se estabeleça outro pressuposto: a se-
Os pressupostos, presciência divi-
gunda vinda de Jesus é uma profecia
na absoluta e não causativa, autentici-
incondicional, mas o tempo da segun-
dade do livre-arbítrio humano, tempo
da vinda é condicional, pois depen-
da segunda vinda de Cristo antecipa-
de da atitude dos crentes que podem
do ou retardado pelo comportamento
apressar ou adiar esse tempo!
dos crentes, são endossados por Ellen
White em seus escritos. Em 1851 ela Várias vezes Ellen White afir-
dissera, “Vi que o tempo para Jesus mou que Jesus já poderia ter voltado:
permanecer no lugar santíssimo es- “Houvessem os adventistas, depois
tava quase terminado e esse tempo da grande decepção de 1844, ficado
podia durar apenas um pouquinho firmes na fé, e seguido avante em
mais”.119 Como Jesus não voltara, ela união no caminho aberto pela pro-
foi acusada de falsidade, por isso ela vidência de Deus, recebendo a men-
se defende: “Sou eu acusada de falsi- sagem do terceiro anjo e proclaman-
dade porque o tempo tem continuado do-a ao mundo, no poder do Espírito
mais do que meu testemunho parecia Santo, haveriam visto a salvação de
indicar? Que diremos então dos teste- Deus, o Senhor haveria cooperado
munhos de Cristo a Seus discípulos? poderosamente com seus esforços, a
Estavam eles enganados?”.120 Em obra se haveria completado, e Cristo
seguida, ela cita textualmente vários haveria vindo antes disto para receber
versos bíblicos que tratam diretamen- Seu povo para lhes dar o galardão”.122
te da iminência da segunda vinda de Lastimavelmente, a geração adventis-
Cristo: 1 Coríntios 7:29-30; Roma- ta que passou pelo desapontamento
nos 13:12; Apocalipse 1:3; 22:6-7 e não conseguiu se unir para pregar a
conclui sua linha de raciocínio com mensagem do terceiro anjo.123
a afirmação, “É verdade que o tempo Essa declaração de Ellen White
tem prosseguido mais do que espe- têm uma conexão direta com 2 Pedro
rávamos nos primeiros tempos desta 3:9, 12. Os dois versos (9 e 12) são
mensagem. Nosso Salvador não apa- como dois lados de uma mesma moe-
receu tão depressa como esperáva- da, que expressam, de modo positivo,
mos. Falhou, porém, a palavra do Se- a razão da tardança: para que os im-
nhor? Nunca! Devemos lembrar que penitentes se arrependam e para que
as promessas e ameaças de Deus são os crentes apressem a segunda vinda.
igualmente condicionais”.121 Por outro lado, 2 Pedro 3:9, 12 está
Embora os escritos de Ellen Whi- em paralelo com Apocalipse 10:11,
te não devam substituir a tarefa da de modo que a convocação à pregação
exegese bíblica, suas exposições ofe- do evangelho em Apocalipse corres-
recem um guia inspirado para a com- ponde ao apressamento da Parousia
preensão das Escrituras. Pois bem, de 2 Pedro 3:12. Assim, pela combi-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 39

nação das três passagens, podemos mundo em tempo de paz. Mas não, a
entender que Deus permite a tardança revelação informa que “o trabalho que
devido a Sua longanimidade para que a igreja tem deixado de fazer em tempo
através da pregação do evangelho os de paz e prosperidade terá de realizar
impenitentes tenham a oportunidade em terrível crise, sob as circunstâncias
de ouvi-lo e se arrependam. mais desanimadoras e difíceis”.128 A ta-
De acordo com Ellen White, a refa de evangelização a ser realizada é
nossa pregação do evangelho cumpre enorme, mas deve ser feita pelo motivo
a profecia de Jesus, em Mateus 24:14, correto, amor a Jesus: “Ao participarem
e apressa o Seu retorno.124 Por outro de Seu amor, entrarão para o Seu servi-
lado, a falta de missionários é uma ço a fim de salvar os perdidos”.129
das causas da tardança do retorno de
Cristo.125 Outro fator que contribuiu A relação entre soberania de
para a postergação de Sua vinda é o Deus e livre-arbítrio humano
caráter deficiente dos que professam Alguns pesquisadores postulam
ser Seus seguidores, “Cristo aguarda que o tempo da vinda de Cristo está
com fremente desejo a manifestação definido por Deus e as atividades dos
de Si mesmo em Sua igreja. Quando o seres humanos não o afeta. Nesse
caráter de Cristo se reproduzir perfei- caso, a ênfase recai sobre a sobera-
tamente em Seu povo, então virá para nia divina. Como apoio a essa hipó-
reclamá-los como Seus. Todo cristão tese, Ralph Neall,130 emprega uma
tem o privilégio, não só de esperar a citação de Ellen White significativa:
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, “Como as estrelas no vasto circuito
como também de apressá-la. (2Pe de sua indicada órbita, os desígnios
3:12.) Se todos os que professam Seu de Deus não conhecem adiantamento
nome produzissem fruto para Sua nem tardança”.131 Uma breve leitu-
glória, quão depressa não estaria o ra do contexto da citação demonstra
mundo todo semeado com a semente que essa afirmação foi feita por Ellen
do evangelho! Rapidamente amadu- White para se referir à primeira vin-
receria a última grande seara e Cristo da de Cristo a este mundo. Aplicar a
viria recolher o precioso grão”.126 mesma, com o propósito de apoiar a
Observe-se que Ellen White abor- hipótese de tempo determinado por
da dois tópicos também presentes em Deus para a segunda vinda, parece-
2 Pedro 3:11-12. O primeiro é a for- nos um tanto tendencioso e fora de
mação do caráter e o segundo, a par- contexto.
ticipação ativa do crente na pregação A bem da verdade, desde o prin-
do evangelho para que Cristo volte cipio, estamos lidando com varias
logo.127 São duas condições “gêmeas” tensões. No caso da iminência e tar-
a serem cumpridas para que ocorra a dança, o problema é que os polos
segunda vinda de Cristo. deste paradoxo podem produzir uma
Seria muito bom saber que a igreja variedade de resultados sobre a fé e o
cumpriria seu papel evangelizador no comportamento cristão. Por exemplo,
40 / Parousia - 2º semestre de 2010

se o tempo da vinda de Cristo está nas “O Paradoxo da graça é que o ato que
mãos de Deus, as atividades dos seres emana totalmente de Deus pode ser re-
humanos não a afeta; se depende da alizado através do homem”.133
ação humana, não está nas mãos de Por sua vez, ao discorrer sobre
Deus. Como se pode constatar, é o an- soberania divina e livre-arbítrio no
tigo problema do determinismo contra contexto da visão de Ezequiel, no rio
o livre-arbítrio. A primeira alternativa Quebar, disse Ellen White: “Todos es-
pode conduzir à passividade: porque tão pela sua própria escolha decidindo
deveriam os seres humanos se pre- o seu destino, e Deus está governando
ocupar se suas ações não afetam os acima de tudo para o cumprimento de
planos de Deus? Mas o segundo pode Seu propósito”.134
levar ao desespero. Se a geração dos É muito bom saber que Deus res-
apóstolos não foi santa o suficiente peita o livre-arbítrio que Ele nos con-
para satisfazer o padrão (pois Cristo cede, mas, por outro lado, devemos
não veio no tempo deles) então que estar sempre cônscios de que Ele é
esperança pode ter a última geração quem deve conduzir nossa vida pes-
de satisfazer o padrão esperado?132 soal e a igreja. Estamos dispostos a
O estudo da relação entre sobera- entregar a Ele, diariamente, em vo-
nia divina com livre-arbítrio humano luntária submissao, a liderança?135
na Bíblia permite que se vislumbre Compreendendo a tensão entre
uma parceria ideal. Tomemos, por iminência e tardança da parousia
exemplo, as profecias de tempo refe-
rentes à primeira vinda de Jesus, como Vários textos da Bíblia abordam a
Daniel 9:24-27; Isaías 7:14, etc. Evi- tensão entre iminência e tardança da
dentemente eram profecias incondi- Parousia. Escolhemos 2 Pedro 3:9 por
cionais, contudo o seu cumprimento ser mais desafiante, por apresentar a
dependia da livre aceitação por parte tensão num único verso.
dos escolhidos para que, tomando par- Devemos procurar a explicação
te ativa, elas se cumprissem. Esse foi da tensão no contexto do capítulo 3.
o caso de Maria perante o anjo: “Des- Tempo é a questão em debate em 2
cerá sobre ti o Espírito Santo, e o po- Pedro 3. Pela ótica dos escarnecedo-
der do Altíssimo te envolverá com a res, o transcorrer uniforme do tempo,
sua sombra; por isso, também o ente sem interferências, atestava que a
santo que há de nascer será chamado promessa da vinda não se cumprira.
Filho de Deus” (Lc 1:35). Maria po- Pedro refuta este argumento, dizendo
deria ter recusado a incumbência ce- que, por duas vezes, Deus interferiu
leste, mas não e ela espontaneamente soberanamente, sem a interferência
disse: “Aqui está a serva do Senhor; humana na história terrestre, através
que se cumpra em mim conforme a tua da criação e do dilúvio por meio da
palavra” (Lc 1:38). De modo objetivo, água. Do mesmo modo, intervirá na
o relato acima confirma a declaração história no Dia do Juízo com destrui-
bem colocada por Harold H. Rowley: ção pelo fogo.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 41

O capítulo também aborda o tem- cia, White diz: “Devemos vigiar e tra-
po de Deus. Em parte, ele começara balhar e orar como se este fosse o últi-
a explicar o tempo de Deus no verso mo dia que nos fosse concedido”.137
anterior, que, à semelhança do verso A frase do verso 9 “Não retarda o
9, também traz uma tensão: “...para o Senhor a sua promessa” é uma alusão a
Senhor, um dia é como mil anos, e mil Habacuque 2:3, que apela à soberania
anos, como um dia”. Esse verso é uma de Deus, com conotação de iminência.
alusão ao Salmo 90:4 que contrasta a Por sua vez, a iminência da vinda de
transitoriedade da vida humana com Cristo na Bíblia tem aplicação dupla: a
a eternidade de Deus. Visto que para primeira deve ser vista pela perspectiva
Deus um longo período de tempo, divina. Ou seja, a vinda de Cristo com
como mil anos, parece breve, não há poder e glória, na companhia dos anjos
atraso na sua vinda. Portanto, o ser hu- é um acontecimento eminentemente
mano precisa saber que Deus não con- divino, que ocorrerá independente da
sidera a passagem do tempo do modo participação humana. A segunda apli-
como o faz a pessoa humana, por isso cação da iminência no verso 9 é que,
Ele não pode ser acusado de ser omis- pelo ponto de vista humano, deve ser
so ou negligente com respeito ao cum- tomada como uma advertência de que
primento de Sua promessa. a Parousia está próxima.
A dupla frase do verso 8, entendi- Para alguns pesquisadores, a
da como um amplo tempo concedido, frase “Não retarda o Senhor a sua
é um convite ao impenitente a que se promessa” é um indicativo de que
arrependa. Isto é, uma “tardança mi- Deus predeterminou uma data para
sericordiosa” da vinda de Cristo que a segunda vinda desde e eternidade
visa a salvação. É, também, uma ad- e esta não será postergada. Procu-
vertência sobre a imprevisibilidade do rou-se ao longo da pesquisa reunir
tempo, que assim poderia ser entendi- textos bíblicos, declarações do Es-
do: “Esteja sempre preparado para a pírito de Profecia e posicionamen-
vinda de Cristo”. Na verdade, o ver- to teológico de diversas fontes. O
so 8 prepara o leitor para o verso 9, conjunto das evidências sugere que
argumentando que, embora o retorno essa hipótese segue pressupostos
de Cristo possa parecer muito distante mais afins ao calvinismo do que
dos seres humanos, sob a perspectiva ao adventismo. Uma das principais
divina o retorno é iminente. consequências da hipótese do tempo
Tal como Pedro, Ellen White tam- predeterminado é a passividade no
bém advertiu sobre a necessidade de que se refere ao envolvimento com
vivermos em atitude de urgência: “Não a pregação do evangelho. Afinal, se
sereis capazes de dizer que Ele virá o tempo já está definido o esforço
dentro de um, dois, ou cinco anos, nem na evangelização não irá alterar o
deveis retardar Sua vinda, declarando quadro final.
que não será por dez, ou vinte anos”.136 Mas, como em todo o capítulo, o
Noutro texto que confere mais urgên- verso 9 está focado no tempo. Em sua
42 / Parousia - 2º semestre de 2010

segunda parte, Pedro nega o argumen- e vinte anos, conferida aos antedilu-
to dos escarnecedores que dizem haver vianos (Gn 6:3; 7:4, 10; 1Pe 3:20); a
uma tardança da vinda de Jesus. Con- revelação do caráter de Deus a Moisés
forme o apóstolo, o que está ocorrendo (Êx 34:6); a bondade, longanimidade
não é tardança, mas uma manifestação de Deus que leva ao arrependimento
da misericórdia de Deus. Na perspec- (Rm 2:4-11). A rejeição da longani-
tiva divina de tempo (v. 8) não há tar- midade divina significa indisposição
dança do retorno de Cristo, porque o para se arrepender. Isso pode retar-
que para nós mortais é muito tempo, dar a segunda vinda (3:9), enquanto
para Deus é uma pequena fração no arrependimento e as obras piedosas
Seu contexto de existência eterna. podem apressar a Parousia (3:12);
Pedro não é o único escritor do contudo, sob a perspectiva divina, a
NT a falar sobre tardança. Encontra- tardança (v. 9) deve ser compreendida
mos um relevante paralelo em Apoca- dentro do contexto da Sua soberania,
lipse 6-11. O motivo da postergação pois é Ele quem a autoriza.
é apresentado no livro do Apocalipse Tempo continua sendo o cen-
como se estivesse entre parênteses: tro da atenção no verso 10. O juízo,
por pouco tempo (iminência) é a res- em forma de destruição a ocorrer na
posta ao clamor por justiça da parte vinda de Jesus (v. 7, 10), juntamen-
dos mártires (6:10, “tardança”). Tam- te com a criação (v. 5) e o dilúvio (v.
bém, no contexto dos sete selos, Deus 6) é a resposta de Pedro ao argumen-
prorroga o fim (7:3) por causa da to uniformista dos escarnecedores.
igreja, para que o Cordeiro possa ser A longanimidade de Deus expressa
o líder de uma vasta multidão redimi- pela oportunidade de arrependimen-
da. No contexto das trombetas, João to concedida aos impenitentes, que é
introduz um novo parêntese (caps. entendida por tardança (v. 9), não é
10-11) onde aparece a ordem: “É ne- permanente de modo a cancelar a vin-
cessário que ainda profetizes a respei- da de Jesus. Que o dia da Parousia é
to de muitos povos, nações línguas e desconhecido, fica certificado por Sua
reis” (10:11), indicando que, na pro- vinda súbita, “como ladrão”.
vidência misericordiosa e soberana de O verso 11, para não fugir à regra,
Deus, a tardança é permitida para que também trata de tempo. Só que o alvo
o evangelho seja pregado, cumprindo se volta do futuro para o presente: o
a profecia de Jesus sobre o tempo do conhecimento de eventos futuros ne-
fim (Mt 24:14) e a comissão evangé- gativos ou positivos, anunciados pela
lica (Mt 28:19, 20). profecia bíblica, deve motivar o cris-
No verso 9, a longanimidade de tão a ter uma vida consagrada no tem-
Deus é uma virtude perdoadora que po presente.
se manifesta ao “longo” do tempo. Chegamos ao último verso de nos-
Essa longanimidade mencionada em so estudo. Seus dois verbos iniciais
2 Pedro 3 tem vários paralelos bíbli- estão ligados a tempo, o tema central
cos: a postergação do juízo por cento do capítulo 3. “Apressando” é o par-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 43

ticípio presente do verbo grego spudo sagens bíblicas diretamente ligadas


que poderia ser traduzido tanto por com a iminência da vinda de Cristo.
“apressando a vinda do Dia de Deus” Em seguida, ela acrescenta, “Hou-
como por “apressando-vos para a vin- vessem os adventistas, depois da
da do Dia de Deus”. A primeira versão grande decepção de 1844, ficado fir-
confere aos crentes um papel que pode mes na fé, e seguido avante em união
influenciar a antecipação da Parousia; no caminho aberto pela providência
a segunda versão não deixa claro se o de Deus, recebendo a mensagem do
crente pode apressar o dia da Parou- terceiro anjo e proclamando-a ao
sia. A indefinição nos deixa com uma mundo, no poder do Espírito Santo,
pergunta: “Podem os cristãos, por seu haveriam visto a salvação de Deus, o
santo procedimento, apressar a vinda Senhor haveria cooperado poderosa-
de Jesus, ou isso depende exclusiva- mente com seus esforços, a obra se
mente da intervenção divina?” haveria completado, e Cristo haveria
O contexto do capítulo 3 sugere vindo antes disto para receber Seu
que Deus adia a Parousia porque Ele povo para lhes dar o galardão”.139 A
deseja que os impenitentes se arre- promessa da segunda vinda não foi
pendam. O “arrependimento” (v. 9), anulada, mas o tempo do retorno de
o “santo procedimento” (v. 11, 14), Jesus foi postergado por falha huma-
sob o ponto de vista humano, podem na. Isso comprova que o tempo do
“apressar” a Parousia, o que tem am- retorno de Cristo está condiciona-
paro em Isaías 60:2; Atos 3:19-20. do a atitude dos crentes, que podem
As orações e piedade dos crentes po- apressar ou adiar esse tempo.
dem apressar a Parousia. Por sua vez, ao Deus exercer Sua
A soberania divina e a responsa- soberania não implica em anulação
bilidade humana no verso 12 devem do livre-arbítrio humano, porque sem
ser mantidas em tensão como em 2 a liberdade de escolha, ele não esta-
Pedro 3:9. Contudo, no verso 12, a ria habilitado a amar a Deus, porque
ênfase recai sobre aquilo que os se- só está apto a amar aquele que atra-
res humanos podem fazer para apres- vés do uso da razão, escolhe respon-
sar o dia de Deus. der ao amor de Deus com amor. Até
O contexto geral das Escrituras mesmo no cumprimento de profecias
juntamente com o testemunho do incondicionais, como foi o caso da
Espírito de Profecia sugerem que primeira vinda de Cristo à terra, atra-
o comportamento dos crentes pode vés do nascimento virginal do Filho
atrasar ou apressar a segunda vin- de Deus, a soberania divina foi exer-
da de Cristo. A declaração de Ellen cida em concomitância com a livre
White, “... as promessas e ameaças de participação de Maria.
Deus são igualmente condicionais”138 Conclusão
foi proferida após ela haver citado 1
Coríntios 7:29-30; Romanos 13:12; Em 2 Pedro 3, os escarnecedores
Apocalipse 1:3; 22:6-7, quatro pas- argumentam que a uniformidade da
44 / Parousia - 2º semestre de 2010

natureza, ao longo da história, evi- 2 Pedro 3:9, 12, indica que a tardan-
dencia que Deus não intervém; por- ça é de fato permitida pela soberana
tanto, não haverá a vinda prometida. vontade de Deus para que os crentes,
Isso é uma negação da soberania di- através da pregação do evangelho ao
vina. Pedro contra argumenta dizen- mundo, persuadam os impenitentes
do que, ao contrário do que eles afir- ao arrependimento.
maram, Deus interveio sim, primeiro Os pressupostos bíblicos da pres-
através da criação e depois por meio ciência divina absoluta e não causa-
do dilúvio e que, por fim, interferirá tiva, a autenticidade do livre-arbítrio
no Dia do Juízo, mais uma vez. De humano, a incondicionalidade da vin-
sua parte o apóstolo defende a sobe- da de Cristo em glória e majestade
rania de Deus. Não existe atraso da com os anjos, a condicionalidade do
promessa divina, pois a percepção tempo da vinda de Cristo ao testemu-
da passagem do tempo na perspecti- nho de vida cristão e ao envolvimento
va dEle é diferente da ótica humana. dos crentes na pregação do evangelho
Para Deus um dia é como mil anos, ao mundo confirmam que, de fato,
e mil anos, como um dia, ou seja, é pela ótica humana há uma tardança da
como se fosse um ponto, enquanto vinda, enquanto que pela perspectiva
para o ser humano, sujeito a passa- divina, não há atraso.
gem do tempo, este se assemelha a Tendo em mente o contexto de
uma sucessão de pontos, ou uma li- soberania divina e liberdade huma-
nha. Em função de sua percepção, na, lembramos que a tardança da
existe, para o homem, uma tardança segunda vinda de Cristo, motivada
da vinda. Conforme a explicação de pela longanimidade de Deus, não
Pedro, esta postergação se deve a reduz a Sua autoridade quanto a
longanimidade de Deus que confere definir o tempo do fim, mas signi-
mais tempo para que os impenitentes fica que Sua resolução leva miseri-
se arrependam e para que os crentes cordiosamente em consideração as
atuem para apressar a vinda. ações humanas que podem retardar
Há diversas passagens paralelas ou apressar a vinda de Jesus. Em
nas Escrituras que atestam a tardança fim, tudo permanece sob a tutela so-
da Parousia. Uma das mais relevantes berana do Todo-Poderoso, inclusive
é Apocalipse 10:11, que, associada a a tardança!

Referências 4
Ibid.
5
Daniel C. Arichea and Howard Hatton,
1
Richard P. Lehmann, “The Second Co- A Handbook on the Letter from Jude and the
ming of Jesus”, em Handbook of Seventh-day Second Letter from Peter, (HLJSLP), UBS
Adventist Theology Handbook of Seventh-day handbook series; Helps for translators (New
Adventist Theology (Hagerstown: Review York: United Bible Societies, 1993), 144, em
and Herald, 2000), 903. Sistema de Biblioteca Digital Libronix 3.0e
2
Ibid. (2000-2007), (SBDL).
3
Ibid., 913. 6
Relembrando, etimologicamente, teo-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 45

diceia (theos dike) significa a justificação de e religião (São Paulo: Instituto Adventista de
Deus. A palavra foi introduzida por Gottfried Ensino, 1977), 1:60.
Leibniz em artigo publicado em 1710, “Essais 17
MacArthur, 2PJ, 114, em SBDL.
de Théodicée sur la bonte de Dieu, la liberté 18
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 295,
de l’homme et l’origine du mal”, cujo propó- em SBDL.
sito era demonstrar que a presença do mal no 19
MacArthur, 2PJ, 118, em SBDL.
mundo não entra em conflito com a bondade 20
Para uma melhor descrição desta gi-
de Deus. “Theodicy”, Catholic Encyclopedia, gantesca conflagração, ver Ellen G. White,
pesquisa realizada na internet, no site http:// Patriarcas e profetas (Tatuí: Casa Publica-
www.newadvent.org/cathen/14569a.htm, no dora Brasileira, s.d.), 99, em Obras de Ellen
dia 12 de outubro de 2010. Ver, também, Earl G. White (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
Richard, Reading 1 Peter, Jude, and 2 Peter s.d.), 1CD-Rom.
: A Literary and Theological Commentary 21
Schreiner, NAC, 366. em SBDL.
(LTC), Reading the New Testament series 22
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 301,
(Macon, GA.: Smyth & Helwys Publishing, em SBDL.
2000), 373, em SBDL. 23
Schreiner, NAC, 366. em SBDL.
7
Richard J. Bauckham, vol. 50, Word 24
Marvin E. Tate, vol. 20, Word Biblical
Biblical Commentary: 2 Peter, Jude, Word Commentary: Psalms 51-100, electronic ed.,
Biblical Commentary (WBC), (Dallas: Word, Logos Library System; Word Biblical Com-
Incorporated, 2002), 282, em SBDL. mentary (Dallas: Word, Incorporated, 1998),
8
Salvo indicação contrária, todas as re- 440, em SBDL..
ferências neste artigo são da Versão de João 25
John I. Durham, vol. 3, Word Biblical
Ferreira de Almeida (São Paulo: Sociedade Commentary : Exodus, Word Biblical Com-
Bíblica do Brasil, 1993). mentary (Dallas: Word, Incorporated, 2002),
9
“Last Days”, The Seventh-day Adventist 39, em SBDL. Cf. The Seventh-day Adven-
Bible Dictionary; The Seventh-day Adventist tist Bible Commentary (SDABC), Francis D.
Bible Commentary, Volume 8 (Review and Nichol, ed. (Hagerstown: Review and Herald
Herald Publishing Association, 1979; 2002), Publishing Association, 1978; 2002), 1:511.
659, em SBDL. 26
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 309,
10
Para uma melhor noção sobre escatolo- em SBDL.
gia realizada, ver o livro de Charles H. Dodd, 27
Ibid., 306. Ver, Allen Black and Mark
The Parables of the Kingdom (Londres: Nis- C. Black, 1 & 2 Peter, The College Press NIV
bet, 1950). Commentary (Joplin: College Press Pub.,
11
Richard J. Bauckham, ”The Delay of 1998), 2Pe 3:8, em SBDL; Charles Bigg, A
the Parousia”, Tyndale Bulletin, 31, 1980, 20, Critical and Exegetical Commentary on the
em http://servicos.unasp-ec.edu.br/services/ Epistles of St. Peter and St. Jude (Edinburgh:
ATLA (ATLA). T&T Clark International, 1901), 295, em
12
Charles E. Talbert,”2 Peter and the SBDL.
Delay of the Parousia”, Vigiliae Christianae 28
Idem, “The Delay of the Parousia”,
20 (1966), 137-145, citado em Richard J. TB, 21, em SBDL.
Bauckham,”The Delay of the Parousia”, Tyn- 29
Midrash of Psalms on Ps. 90:4, citado
dale Bulletin (TB), 31, 1980, 20, em http:// em Bauckham, “The Delay of the Parousia”,
servicos.unasp-ec.edu.br/services/ATLA. TB, 21, em SBDL.
13
MacArthur, 2 Peter and Jude, 114, em 30
Jerome H. Neyrey, “The Form and
SBDL. Background of the Polemic in 2 Peter”, Jour-
14
Roy E. Gingrich, The Book of 2 Peter nal of Biblical Literature (JBL), 99/3 (1980),
(B2P), (Memphis: Riverside Printing, 1997), 429, 430, em http://servicos.unasp-ec.edu.br/
20, em SBDL. services/ATLA/.
15
MacArthur, 2 Peter and Jude, 114, em 31
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 307,
SBDL. em SBDL.
16
Orlando R. Ritter, Estudos em ciência 32
Ibid., 308, em SBDL.
46 / Parousia - 2º semestre de 2010
33
Translations of Early Documents, 2010.
Series I, Palestinian Jewish Texts, The Apo- 50
Neyrey, 408, JBL, em ATLA.
calypse of Abraham, G. H. Box, ed., (Lon- 51
Epicuro, Letter to Menoeceus, pesqui-
dres: 68, Haymarket, S. W. I.; Nova Iorque: sa realizada na internet, no site http://www.
Macmillan, 1919), pesquisa realizada na in- epicurus.net/en/menoeceus.html, no dia 24
ternet, no site http://www.marquette.edu/ma- de outubro de 2010. O contexto de 2 Pedro
qom/box.pdf, no dia 21 de outubro de 2010. 3 realmente parece indicar que os falsos mes-
34
Pirqe de R. Eliezer 28: tradução de G. tres compartilhavam conceitos epicureus o
Friendlander, Pirkê de Rabbi Eliezer (Nova que transparece em duas declarações. A pri-
Iorque: Hermon Press, 1965), 200, citado em meira refere-se à conduta deles, “andando
Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB, segundo as próprias paixões” (v. 3). Esta afir-
24, em SBDL. mação sugere que eles viviam para atender os
35
Bauckham, “The Delay of the Parou- seus instintos (cf. 2Pe 2:2, 6, 7, 10, 13, 18).
sia”, TB, 24, em SBDL. A segunda declaração, “Onde está a promes-
36
Ibid., 25, em SBDL. sa da sua vinda? Porque, desde que os pais
37
Crawford H. Toy, Louis Ginzberg, dormiram, todas as coisas permanecem como
“Apocalypse of (Syriac) Baruc”, Jewish desde o princípio da criação”.
Encyclopedia, pesquisa realizada na internet, 52
Idem, Sovram Maxims, pesquisa rea-
no site http://www.jewishencyclopedia.com/ lizada na internet, no site http://www.btin-
view.jsp?artid=330&letter=B, no dia 21 de ternet.com/~glybhughes/squashed/epicurus.
outubro de 2010. htm, no dia 24 de outubro de 2010.
38
Roland E. Murphy, “Eclesiástico”, En- 53
Para uma melhor noção sobre esta dis-
ciclopedia de la Bíblia (Barcelona: Ediciones cussão, ver Neyrey, 409-411, JBL.
Garriga, 1964), 2:1056. 54
Neyrey, 409, em JBL.
39
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 308- 55
Ibid., 411.
309, em SBDL. 56
Plutarco, http://www.archive.org/stre-
40
Kistemaker and Hendriksen, NTC, am/plutarchondelayo00plut/plutarchonde-
332, em SBDL. layo00plut_djvu.txt, 24/10/2010.
41
Bauckham, “The Delay of the Parou- 57
Neyrey, 414-415, em JBL.
sia”, TB, 26, em ATLA. 58
Bauckham, “The Delay of the Parou-
42
Idem, 2 Peter, Jude, WBC, 308-309, sia”, TB, 4-5, em ATLA.
em SBDL. 59
Ibid., 5-6.
43
Richard, LTC, 379, em SBDL. 60
Midrash Tanhuma Behuqotai 5; y
44
Davids, PNTC, 277, em SBDL. Ta’na. 1:1; b Sanh. 97b-98a. Citado em
45
MacArthur, 2PJ, 121. Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB,
46
Bradúno, Louw-Nida Lexicon, em 4-5, em ATLA.
BibleWorks (BW), (Norfolk: BibleWorks, 61
Midrash Tanhuma Behuqotai 5 (Neus-
1992-2008), 1DVD. ner, op. cit. I 479). O uso de Is 60:22 referen-
47
Archibald T. Robertson, Grammar of te a este tema está bem certificado para este
the Greek New Testament (GGNT), em BW. período: Eclesiástico 26:8; 2 Baruc 20:1f;
Conferir, William D. Mounce, Basics of 54:1; 83:1; Ep. De Barnabé 4:3; cf. Pseudo
Biblical Greek (Grand Rapids: Zondervan, Filo, Lib. Ant. Bib. 19:13; 2 Pe 3:12. Cf. re-
1993), 125. ferencias rabínicas adicionais em A. Strobel,
48
“Plutarch”, pesquisa realizada na inter- Untersuchungen zum eschatologischen Ver-
net, no site http:e-classics.com/plutarch.htm, zögerungsproblem auf Grund der spätjüdis-
no dia 24 de outubro de 2010. ch-urchristlichen Geschichte Von Habakuk
49
Plutarco, “Plutarch on the , Delay of 2.2 ff. (Supplements to Novum Testamen-
the Divine Justice”, pesquisa realizada na tum 2. Leiden: E. J. Brill, 1961). Citado em
internet, no site http://www.archive.org/stre- Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB,
am/plutarchondelayo00plut/plutarchonde- 12, em ATLA.
layo00plut_djvu.txt, no dia 24 de outubro de 62
Bauckham, “The Delay of the Parou-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 47

sia”, TB, 12, em ATLA. em SBDL.


63
Cf. O Testamento de Moisés 1:18, cita- 85
Davids, PNTC, 290, em SBDL.
do em Bauckham, “The Delay of the Parou- 86
Robertson, “Participle”, GGNT, em
sia”, TB, 12, em ATLA. BW.
64
Ibid., 12-13. 87
Um pouco diferente, mas com o mes-
65
Y Ta’an. 1:1 (Neusner, op. cit. I 477). mo sentido são as versões: Nova Tradução na
Citado em Bauckham, “The Delay of the Linguagem de Hoje, “façam o possível para
Parousia”, TB, 13, em ATLA. que venha logo”; Nova Versão Internacional,
66
Bauckham, “The Delay of the Parou- “apressando a sua vinda”, Versão Católica,
sia”, TB, 13-14, em ATLA. “apressais o dia de Deus”.
67
Davids, PNTC, 278, em SBDL. 88
Assim, também o traduziu a versão
68
Bauckham, “The Delay of the Parou- Almeida Corrigida e Fiel; a versão Almeida
sia”, TB, 28, em ATLA. Revisada Imprensa traduziu, “desejando ar-
69
Ibid., 29-30. dentemente a vinda do dia de Deus”.
70
Ibid., 30. 89
Arichea, e Hatton, HLJSLP, 159, em
71
Ibid., 32. SBDL.
72
L. Morris, “Parousia”, ISBE, 3:667, 90
Ibid., 158. Que Deus irá interferir está
em SBDL. claro pelo contexto do capítulo 3. A criação, e
73
Neyrey, 424-425, em JBL. o dilúvio foram intervenções divinas do pas-
74
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 313, sado que dão sustentação à manifestação do
em SBDL. Ver, também, Simon J. Kistemaker poder de Deus no futuro, “Ora, os céus que
and William Hendriksen, vol. 16, New Testa- agora existem e a terra, pela mesma palavra,
ment Commentary (NTC): Exposition of the têm sido entesourados para fogo, estando re-
Epistles of Peter and the Epistle of Jude, Ac- servados para o Dia do Juízo e destruição dos
companying Biblical Text Is Author’s Trans- homens ímpios” (3:7). Pedro repete isto nos
lation., New Testament Commentary (Grand versos 10, 12.
Rapids, MI: Baker Book House, 1953-2001), 91
Kistemaker and Hendriksen, NTC,
333, em SBDL; Allen Black and Mark C. 338, em SBDL.
Black, 1 & 2 Peter, The College Press NIV 92
John Calvin, Calvin’s Commentaries:
commentary (Joplin, Mo.: College Press 2 Peter: Commentaries on the Catholic Epis-
Pub., 1998), 2Pe 3:9, em SBDL; Davids, tles, electronic ed., Logos Library System;
PNTC, 281, em SBDL. Calvin’s Commentaries (Albany, OR: Ages
75
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 314, Software, 1998), 2Pe 3:12, em SBDL. Out-
em SBDL. ros comentaristas seguem a mesma linha de
76
Richard, LTC, 381, em SBDL. Calvino, como é o caso de R. C. H. Lenski,
77
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 314, The Interpretation of the Epistles of St. Peter,
em SBDL. St. John and St. Jude (Minneapolis: Augsburg
78
SDABC, 6:144, em SBDL. Publishing House, 1966), 348, em SBDL.
79
Arichea, e Hatton, HLJSLP, 157, em 93
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 325,
SBDL. em SBDL. Tradução do inglês para o portu-
80
Davids, PNTC, 282, em SBDL. guês realizada pelo professor Neumar Lima.
81
Ibid., 158. Ver, também, Schreiner, NAC, 389; Davids,
82
MacArthur, 2PJ, 128, em SBDL. PNTC, 291, em SBDL.
83
Hans Conzelmann, 1 Corinthians: A 94
Davids, PNTC, 290, em SBDL.
Commentary on the First Epistle to the Cor- 95
Ibid. Podem ser acrescidos outros tex-
inthians, Translation of Der Erste Brief an tos como Habacuque 2:3 e Hebreus 10:37.
Die Korinther.; Includes Indexes., Herme- Ver, também, Schreiner, NAC, 390.
neia--a critical and historical commentary 96
“Sovereignty of God”, Theopedia,
on the Bible (Philadelphia: Fortress Press, pesquisa realizada na internet, no site http://
1975), 111. www.theopedia.com/Sovereignty_of_God,
84
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 324, no dia 1 de novembro de 2010.
48 / Parousia - 2º semestre de 2010
97
Ellen G. White, Educação, 177, em 1982), 246, em University Microfilms Inter-
OEGW, 1CD-Rom. A perspectiva adventista national (Ann Arbor).
sobre o papel de Ellen White na compreen- 105
Leroy E. Beskow, “Postergou Deus
são da mensagem bíblica é que “adventistas a Data de Seu Regresso?”, em O futuro – A
acreditam que Deus inspirou a Ellen White. visão adventista dos últimos acontecimentos,
Portanto, suas exposições sobre qualquer Alberto R. Timm, Amin A. Rodor e Vander-
passagem bíblica oferecem um guia inspira- ley Dorneles (Engenheiro Coelho: Unaspress,
do para a compreensão dos textos, sem esgo- 2004), 78.
tar seu significado ou tornar desnecessária a 106
Agostinho, Enchiridion – manual, cap.
tarefa da exegese”. Comissão de Estudo da IX, seção 30 (PLM, vol. XL, p. 246), citado
Bíblia do Concílio Anual da Associação Ge- em João Calvino, As institutas (São Paulo:
ral de 1986, “Como Estudar a Bíblia”, Minis- Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:24.
tério, julho-agosto de 1996, 15. Ver, também, 107
Idem, Sermão CLXXVI, seção V e,
as seguintes obras de Ellen G. White, Evan- também, seção VI (PLM, vol. XXXVIII, pp.
gelismo, 256; O Grande Conflito, 193, 195; 952-953), citado em Calvino, 2:46.
Testemunhos Seletos, 2:280, 292, 312 e 313; 108
João Calvino, As institutas (São Pau-
Counsels to Writers and Editors, 33 a 35. lo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 2:61.
98
Segundo Ellen White, “Nos anais da 109
idem, Calvin’s Commentaries: 2 Pe-
história humana o crescimento das nações, o ter: Commentaries on the Catholic Epistles,
levantamento e queda de impérios, aparecem electronic ed., Logos Library System; Cal-
como dependendo da vontade e façanhas do vin’s Commentaries (Albany, OR: Ages Soft-
homem. O desenvolver dos acontecimentos ware, 1998), 2Pe 3:12, em SBDL.
em grande parte parece determinar-se por seu 110
Alberto R. Timm, “Presciência Di-
poder, ambição ou capricho. Na Palavra de vina Relativa ou Absoluta?”, O Ministério,
Deus, porém, afasta-se a cortina, e contem- novembro-dezembro de 1984, 13.
plamos ao fundo, em cima, e em toda a mar- 111
Ibid., 18.
cha e contramarcha dos interesses, poderio 112
Ellen G. White, Patriarcas e Profetas,
e paixões humanas, a força de um Ser todo 45, em Obras de Ellen G. White (Tatuí, SP:
misericordioso, a executar, silenciosamente, Casa Publicadora Brasileira, s.d.), 1CD-Rom.
pacientemente, os conselhos de Sua própria 113
Emil Brunner, Man in Revolt (Londres:
vontade”. Lutterworth Press, 1942), 103.
99
Idem, Primeiros escritos, 15, em 114
P. H. Partridge, “Freedom”, Encyclo-
OEGW, 1CD-Rom. pedia of Philosophy (EP), (New York: Mac-
100
Idem, Mensagens escolhidas, 3:112, millan Publishing Co., Inc. & The Free Press,
em OEGW, 1CD-Rom. 1972), 3:223.
101
Idem, Testemunhos para a igreja 115
Ibid., 3:222. Evidentemente, há ou-
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2003), tros conceitos, como autodeterminação, onde
4:306. Grifo nosso. liberdade é “uma atividade do sujeito que
102
Idem, Idem, “To Dear Sister”, 11 de emana de si mesmo, e que não pode ser redu-
agosto de 1888, S-38-1888, MS Release 816, zida inteiramente à influência das condições”.
em Ellen G. White Writings (EGWW), (Sil- Mackenzie, Encyclopaedia of Religion and
ver Spring: Ellen G. White Estate, 2008), Ethics (ERE), 7:905-906. Há o conceito he-
1CD-Rom. donista, no qual liberdade é a “ausência de
103
Idem, Loma Linda Messages, Mis- obstáculos para a satisfação dos desejos”.
cellaneous Collections, 157, em EGWW, Partridge, “Freedom”, EP, 3:223.
1CD-Rom. Este texto foi traduzido por Neu- 116
Shadworth H. Hodgson, citado por Da-
mar de Lima, professor de Tradução e Inter- vid Fyffe em “Responsibility”, ERE, 10:739.
pretação no Unasp – EC. 117
Segundo Brunner, o “nosso pensa-
104
Ralph E. Neall, The Nearness and the mento racional é necessariamente legalístico.
Delay of the Parousia in the Writings of Ellen Esse caráter legalístico é o que distingue a
White (Berrien Springs: Andrews University, sua exatidão, é o que diferencia o pensamen-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 49

to da mera imaginação e fantasia. Só aquilo 124


Idem, Maravilhosa Graça, 351, em
que é ensinado conforme a lei, conforme a OEGW, 1CD-Rom.
norma, é de fato pensamento. Subjacente à 125
Idem, Maranata, 53, em OEGW,
lei moral da razão, encontra-se a lógica. Sem 1CD-Rom.
uma lei lógica, também não há razão moral”. 126
Idem, Parábolas de Jesus, 69, em
Man in Revolt, 246. OEGW, 1CD-Rom. Ellen White compara os
118
Idem, The Christian Doctrine of Cre- erros cometidos pelo povo de Israel, que não
ation and Redemption, Dogmatics, vol. 2 entrou na terra prometida, com os enganos
(Londres: Lutterworth Press, 1952), II/55. dos adventistas do sétimo dia, “Por quarenta
119
Ellen G. White, Experience and Views, anos a incredulidade, a murmuração e a rebe-
citado em Mensagens Escolhidas, 1:67, em lião excluíram o antigo Israel da terra de Ca-
Obras de Ellen G. White (OEGW), (Tatuí: naã. Os mesmos pecados têm retardado a en-
Casa Publicadora Brasileira, s.d.), 1CD- trada do Israel moderno na Canaã celestial”.
Rom. Evangelismo, 696, em OEGW, 1CD-Rom.
120
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:67, 127
Ver, também, Testemunhos para a
em OEGW, 1CD-Rom. igreja (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
121
Ibid. Grifo nosso. 2006), 8:22; Evangelismo, 694.
122
Ellen G. White, Mensagens Escolhi- 128
Idem, Testemunhos Seletos, 2:164, em
das, 1:68, em OEGW, 1CD-Rom. Em 1896, OEGW, 1CD-Rom.
oito anos depois da reunião da associação ge- 129
Idem, O Maior Discurso de Cristo,
ral de 1888, quando foi apresentada a mensa- 13, em OEGW, 1CD-Rom.
gem da justificação pela fé por E. J. Waggo- 130
Ralph E. Neall, “Have We Delayed
ner e A. T. Jones, Ellen White declarou, “Se The Advent?”, Ministry, fevereiro, 1988, 43.
aqueles que reivindicam ter uma viva experi- 131
Ellen G. White, O Desejado de Todas
ência nas coisas de Deus, tivessem cumprido as Nações, 32, em OEGW, 1CD-Rom.
a incumbência que Deus lhes ordenou, todo 132
Neall, 245.
o mundo teria sido advertido, e o Senhor Je- 133
Harold H. Rowley, A importância da
sus teria vindo ao nosso mundo com poder e literatura apocalíptica (São Paulo: Edições
grande glória”. “There is Work for All”, The Paulinas, 1980), 177.
Home Missionary, August 1, 1896, § 6, em 134
Ellen G. White, Educação, 178, em
EGWW, 1CD-Rom. OEGW, 1CD-Rom.
123
Conforme Ellen White, a mensagem 135
Ver, Ellen G. White, Testemunhos
do terceiro anjo inclui, (1) “a justificação Para a Igreja (Tatuí: Casa Publicadora Brasi-
pela fé”, Evangelismo, 190; (2) “A reforma leira, 2006), 9:260.
de saúde... os mandamentos de Deus e o tes- 136
idem, Mensagens Escolhidas, 1:189,
temunho de Jesus”, Conselhos Sobre o Regi- em OEGW, 1CD-Rom.
me Alimentar, 75; o “sábado do quarto man- 137
Idem, Testemunhos Seletos, 2:60, em
damento”, mas, especialmente, “o grande OEGW, 1CD-Rom.
centro de atração, Jesus Cristo, não deve ser 138
Idem, Mensagens Escolhidas, 1:67,
deixado fora da mensagem do terceiro anjo”. em OEGW, 1CD-Rom.
Mensagens Escolhidas, 1:383, em OEGW, 139
Ibid., p. 68.
1CD-Rom.
“Educar é redimir”: significado e impli-
cações da noção de redenção-educação
nos escritos de Ellen G. White
Adolfo S. Suárez, doutor em Ciências da Religião
Professor nas faculdades de Pedagogia e Teologia, coordenador do Núcleo de
Integração Fé e Ensino do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Resumo: O artigo aborda a noção de onde se vive multidimensionalmente,


redenção nos escritos de Ellen G. Whi- o que exige uma formação e postura
te. Além de tratar da temática da re- igualmente amplas.
denção como processo, Ellen G. White
compreende redenção como conheci- Abstract: This article is about re-
mento de Cristo. Seria, então, uma demption in Ellen G. White’s writin-
experiência no âmbito da vida diária. gs. Other than including redemption
Dessa maneira, o estudo da redenção as a process, Ellen G. White unders-
não é um exercício teórico, limitado à tands redemption as knowledge of
discussão conceitual, informacional. O Christ. Therefore, it is an experience
artigo também trata da notável simila- in daily living. In this manner, the stu-
ridade entre educação e redenção. Ar- dy of redemption is not a theoretical
gumenta-se que, provavelmente, Ellen exercise, limited to the discussion of
G. White pensa assim devido à função concepts, informational. This article
restauradora da redenção, função esta also involves the notable similarity
também atribuída à educação. Um se- between education and redemption.
gundo aspecto que torna a educação e It is discussed that, probably, Ellen
a redenção uma só obra é o caráter ho- G. White thinks alike due to the res-
lístico de ambas. E qual a implicação toring function of redemption, func-
de tudo isto para a educação? São pro- tion is also attributed to education. A
postas duas. Primeiramente, teríamos second aspect that makes education
uma práxis pedagógica que impacta o and redemption a single process is the
sujeito ao longo da vida, atingindo-o holistic character of both. And what
em todas as circunstâncias e espaços is the implication of all this for edu-
em que se encontre. Em segundo lu- cation? There are two proposals. Firs-
gar, teríamos uma práxis pedagógi- tly, we would have a teaching practice
ca que impacta o sujeito em toda sua that impacts the subject during his li-
complexidade. Estes dois elementos fetime, affecting him in all circums-
mencionados promovem o desenvol- tances and spaces in which he finds
vimento completo do sujeito, sintoni- himself. Secondly, we would have a
zando-o com a demanda da sociedade, teaching practice that impacts the sub-
52 / Parousia - 2º semestre de 2010

ject in all his complexity. Both these cador morávio descreve a perda dessa
aspects mentioned promote the com- harmonia, e argumenta ser papel da
plete development of the subject, syn- educação a recuperação dessa harmo-
chronizing him according to society’s nia perdida. Ele diz que “um dos pri-
demands, where there is multidimen- meiros ensinamentos que a Sagrada
sional life, which demands a forma- Escritura nos dá é este: sob o sol não
tion and posture equally broad. há nenhum outro caminho mais eficaz
para corrigir as corrupções humanas
Introdução que a reta educação da juventude”.4
Em nossa contemporaneidade,
O filósofo educacional Cipria-
no Relatório para a UNESCO da Co-
no Luckesi aponta três maneiras de
missão Internacional sobre Educação
compreender o sentido da educação
para o século XXI, o político e econo-
na sociedade: educação como re-
mista francês Jacques Delors, se bem
denção, educação como reprodução
que não pende para uma visão reden-
e educação como um meio de trans-
tora, não deixa de enfatizar o papel
formação da sociedade.1 Pela sua
preponderante da educação para os
busca de sentido e ensejo de ação,
indivíduos e para a coletividade. As-
todas elas podem ser consideradas
sim ele se expressa:
tendências filosófico-políticas. So-
bre a educação como redenção, Lu- Ao terminar os seus trabalhos a Co-
ckesi destaca sua característica de missão faz, pois, questão de afirmar a
enxergar a sociedade como “con- sua fé no papel essencial da educação
junto” de indivíduos que convivem no desenvolvimento contínuo, tanto
em sociedade, bem como sua ênfase das pessoas como das sociedades.
no desenvolvimento de habilidades Não como um “remédio milagroso”,
e “veiculação dos valores éticos não como um “abre-te sésamo” de
necessários à convivência social”.2 um mundo que atingiu a realização
Para Dermeval Saviani, o sentido e de todos os seus ideais, mas, entre
outros caminhos e para além deles,
finalidade da educação redentora é
como uma via que conduza a um
“reforçar os laços sociais, promover
desenvolvimento humano mais har-
a coesão social e a integração de to- monioso, mais autêntico, de modo
dos os indivíduos no corpo social”.3 a fazer recuar a pobreza, a exclusão
Como se vê, educação e redenção é social, as incompreensões, as opres-
uma discussão até certo ponto “nor- sões, as guerras...5
mal” no ambiente educacional.
Um exemplo clássico da concep- A noção de redenção-educação6 é
ção de educação como redenção en- fundamental nos escritos de Ellen G.
contra-se na conhecida obra Didática White. No ano de 1870, ela começou
Magna, da autoria de Comênius e es- a publicação, em quatro volumes, do
crita no século 17. Partindo da com- que considerava ser a história da re-
preensão de um mundo criado por denção, intitulada The Spirit of Pro-
Deus como harmônico e bom, o edu- phecy.7 Posteriormente, apresentou
“Educar é redimir” / 53

material adicional sobre o assunto, Redenção enquanto conhecimento


originando a série Grande Conflito,8 de Cristo
com pouco mais de 3.500 páginas.
Para os Depositários da literatura de Um aspecto fundamental da citação
Ellen G. White, essa coleção permitiu acima é que redenção é conhecimento
que a igreja adventista e o mundo ti- de Cristo; seria, então, uma experiên-
vessem “conhecimento do grande pla- cia no âmbito da vida diária, pois, para
no da redenção humana e os propósi- Ellen G. White, quem conhece a Cristo
tos de Deus em levar a cabo Seu plano e possui seu amor, “como o suave per-
original na criação do homem”.9 fume não pode ocultar-se. Sua santa
Considerando que o tema da re- influência será sentida por todos aque-
denção é fundamental na pedagogia les com quem entramos em contato”.11
whiteana, este artigo discorrerá so- Infere-se, então, que o estudo da re-
bre esse assunto, e se propõe refletir denção não pode ser um exercício ape-
em questões como: Qual o sentido de nas teórico, pois “o evangelho é um
uma educação redentiva em Ellen G. sistema de verdades práticas destina-
White? Porventura a redenção white- das a efetuar grandes modificações no
ana é de natureza apenas religiosa ou caráter humano”. De maneira que “se
espiritual? Que elementos tornam a não efetuar transformação na vida, nos
educação e a redenção uma só obra? hábitos, e na prática, ela não é verdade
Para elucidar essas questões, aborda- para aqueles que reivindicam acredi-
remos três tópicos fundamentais: sua tar nela”.12 Por isso é necessário que a
compreensão de redenção, a similari- redenção seja percebida por ‘aqueles
dade entre redenção e educação, e o com quem entramos em contato’. Ou
impacto dessas idéias para a prática seja, é necessário experienciar a reden-
pedagógica. ção; ela precisa ser visível na realida-
de prática, não podendo ser limitada à
Conceito e objetivos da redenção discussão conceitual, informacional.
Por outro lado, a expressão ‘verda-
A conceituação whiteana de re- des práticas’, com seus consequentes
denção aponta, ao mesmo tempo, desdobramentos, evidencia que Ellen
para seus objetivos fundamentais. As- G. White faz uso da noção bíblica de
sim ela se expressa a respeito: verdade, e não da tradição filosófica
grega.13 A noção bíblica de ‘verdade
[A redenção é o] processo pelo qual (em hebraico emet, em grego ale-
a alma é treinada para o Céu. Este theia), difere notavelmente da nossa;
treinamento significa conhecimen- refere-se menos à busca da inteligên-
to de Cristo. Significa emancipação cia teórica, abstrata, e mais à neces-
de idéias, hábitos e práticas que têm
sidade de conhecimento útil para se
sido adquiridas na escola do príncipe
de escuridão. A alma se deve libertar
conduzir na vida. É verdadeiro aquilo
de tudo aquilo que é oposto à lealda- no qual o ser humano pode confiar,
de para com Deus.10 mediante o qual pode orientar sua
vida. No pensamento semita, quando
54 / Parousia - 2º semestre de 2010

alguém afirmava que sua palavra é a ticismo, sobrecarregado de formas


verdade (por exemplo, 1Rs 10:6; 2Cr absurdas e exigências destituídas de
9:5), não se entendia apenas que quem significado; era, porém, um sistema
disse essa palavra estaria convencido de verdade que satisfazia as necessi-
do que disse, senão que, além de tudo, dades do coração. Seus ensinos eram
simples, claros e abrangentes. As ver-
era realmente assim.14 Além disso, a
dades práticas que proferia tinham
verdade bíblica não faz referência a um poder convincente, e prendiam a
teorias, mas a ações. Por exemplo, a atenção do povo.17
afirmação “verdade já presente con-
vosco” (2Pe 1:12) não se refere a A compreensão whiteana sobre a
doutrinas, mas a ações redentoras de “verdade prática” nos leva à discussão
Deus que têm sido experimentadas.15 de que somente a teoria não é suficien-
Todavia, isso não significa que te para a compreensão da vida.18 Como
em Ellen G. White não haja espaço afirmam os biólogos Humberto Matu-
para a teoria. Orientando sobre o rana e Francisco Varela, “se a vida é um
procedimento de evangelização, por processo de conhecimento [princípio
exemplo, ela afirma: assumido pelos autores], os seres vi-
vos constroem esse conhecimento não
Os discursos teóricos são essenciais a partir de uma atitude passiva e sim
para que todos possam conhecer a pela interação”.19 E para compreendê-
forma de doutrina, e vejam a cadeia la “será necessário entendermos como
da verdade, elo por elo, unidos em
conhecemos e o que conhecemos.
um todo perfeito. Mas nenhum dis-
curso deve ser feito sem apresentar a Nesta perspectiva, necessariamente,
Cristo, e Cristo crucificado, como o teremos que nos remeter à experiência
fundamento do evangelho, fazendo cotidiana, ao fenômeno do conhecer.”20
aplicação prática das verdades apre- De modo que a discussão em Ellen G.
sentadas [...] White não deve ser a respeito de qual
é mais importante – ou a verdade teó-
Depois de a teoria da verdade haver rica ou a verdade prática; afinal, não
sido apresentada, então vem a parte se deve encarar a vida necessariamen-
laboriosa da obra. O povo não deve te numa visão do tipo ‘sim – não’, e
ser deixado sem instrução no que res- nem tampouco ‘ou isto ou aquilo’.21 O
peita às verdades práticas relaciona-
ponto fundamental, neste caso, é a ne-
das com sua vida diária.16
cessidade de uma visão sistêmica para
O que se percebe nos escritos whi- encarar esse possível paradoxo.
teanos é preocupação em não limitar a Redenção enquanto alvo
vida cristã a uma mera explanação teó-
rica ou doutrinária. Seu paradigma era a O segundo elemento da conceitu-
doutrina de Cristo, a qual, segunda ela, ação whiteana de redenção refere-se
ao alvo de todo o processo: “para o
[...] não consistia do palavreado con- Céu.” A compreensão de Céu, neste
traditório dos escribas, cheio de mis- contexto, pode ser entendida de duas
“Educar é redimir” / 55

maneiras. Primeiramente indicaria homem a imagem de seu Autor”, e no


que as pessoas estão sendo prepara- qual ocorre um retorno do ser huma-
das para habitar no Céu, que é o lugar no “à perfeição em que fora criado”,
da habitação de Deus.22 Em segun- demonstrado num crescimento inte-
do lugar, com essa expressão White gral – “corpo, mente e alma”.28 Esta
contrasta as exigências divinas com restauração, como vimos, é defendida
as humanas, e argumenta que essas pela autora como o principal alvo da
são pesadas, posto que exigentes e educação.
causadoras de perplexidades e ansie-
dades, enquanto que aquelas contam O papel do ser humano na redenção
com o auxílio divino e, especialmen-
te, baseiam-se no amor e na graça, e Um terceiro elemento na conceitu-
não apenas na exigência por parte de ação de redenção refere-se ao papel do
Deus, bem como não no mero cum- ser humano. Ellen G. White entende
primento por parte dos seres huma- que, no processo de efetivação da re-
nos.23 A redenção, então, envolveria a denção, há cooperação entre Deus e o
paz da “entrega completa”, e, em con- ser humano.29 Ela afirma o seguinte:
trapartida, o abandono do “amor de si
No plano da salvação, a sabedoria divina
mesmo que traz desassossego”.24
designou a lei da ação e reação, tornando
Pode-se perceber claramente que a obra de beneficência em todos os seus
o conceito whiteano de redenção não ramos, duplamente abençoada. O que dá
se restringe a elementos subjetivos aos necessitados beneficia a outros, e é
ele próprio beneficiado em grau ainda
como arrependimento, perdão, justi- maior. Deus poderia ter conseguido Seu
ficação e santificação.25 A redenção objetivo na salvação dos pecadores sem
visa atingir o ser humano em sua tota- o auxílio do homem; mas Ele sabia que
lidade sistêmica, efetuando nele pro- o homem não poderia ser feliz sem de-
fundas modificações experienciais, sempenhar uma parte na grande obra na
qual ele cultivaria a abnegação e a bene-
promovendo o “desenvolvimento do ficência.
corpo, mente e alma para que se pu-
desse realizar o propósito divino da Para que o homem não perdesse os ben-
sua criação”.26 ditos resultados da beneficência, nosso
Redentor elaborou o plano de alistá-lo
A redenção enquanto alvo leva- como Seu cooperador.30
nos à ideia whiteana de que redenção
tem a ver com libertação, emancipa- Para Ellen G. White, a efetivação
ção de ideias, hábitos e práticas da- da redenção humana requer a coope-
quilo que está em oposição direta a ração das pessoas; ou seja, a huma-
Deus, e que compromete a lealdade nidade é redimida com a sua própria
a Ele. Nesse sentido, Ellen G. White participação. Essa ideia é explicitada
defende a ideia de que um objetivo da na citação a seguir:
liberdade é o desenvolvimento do ca-
ráter.27 É no processo de desenvolvi- [...] Deus deu a cada homem a sua
mento do caráter que se restaura “no obra. Devemos desenvolver a nossa
56 / Parousia - 2º semestre de 2010

salvação com temor e tremor; porque cesso. Como lembra Thomas Groome,
Deus é quem efetua em nós tanto o no sentido bíblico conhecer a Deus é
querer como o realizar, segundo a uma atividade dinâmica, experiencial
Sua boa vontade. Na obra de salvação e relacional, que envolve toda a pes-
há cooperação dos agentes humanos soa e encontra expressão numa vida
e divinos. Tem-se declarado muita
de obediência amorosa a Deus. Sem
coisa acerca da ineficácia do esforço
humano; no entanto, o Senhor não esta ação amorosa, Deus não é conhe-
faz nada pela salvação da alma sem a cido; sem tal ação, qualquer tipo de
cooperação do homem.31 conhecimento não é, na visão bíblica,
mais do que tolice.33
A noção whiteana de serviço e co- Outro aspecto importante é a re-
operação não como consequência, mas ceptividade humana da redenção. A
como condição da redenção humana, ideia whiteana é que as providências
é fundamental para a teologia e sua de redenção são gratuitas para todos.
relação com a educação. Entende-se Ela afirma que “não ganhamos a sal-
que é condição porque a salvação do vação por nossa obediência; pois a
ser humano (e isso envolve teologia salvação é dom gratuito de Deus, e
ou conhecimento teológico, “Soterio- que obtemos pela fé”.34 Num outro
logia”) acontece com a cooperação de trecho, insiste na gratuidade da re-
seres humanos (e isto pode implicar denção dizendo que “a salvação é o
em ações pedagógicas). De modo que, dom gratuito de Deus para o crente,
enquanto a teologia fornece as ferra- que lhe é concedido unicamente por
mentas para a possível compreensão da amor a Cristo” e deixa claro que o ser
redenção, a educação pode estabelecer humano “não pode apresentar suas
ações apropriadas para uma prática pe- boas obras como argumento para a
dagógica redentora. Só desta maneira salvação de sua alma”.35
a redenção significaria “benefício” ao Todavia, percebe-se que Ellen G.
ser humano, o qual ocorreria na medi- White não entende gratuidade como
da em que ele próprio toma parte ou universalismo.36 Nesse sentido, ela diz
se envolve nesse processo, pois, como que “as provisões da redenção são li-
diz Ellen G. White, as pessoas podem vres para todos; os resultados da reden-
ser “polidos instrumentos nas mãos de ção serão desfrutados por aqueles que
Deus para a salvação de almas”.32 cumprirem as condições”.37 E quais são
Todavia, isso não significa que a essas condições? Ela própria responde:
teologia e a educação sejam elemen-
É eleita toda pessoa que operar a
tos distintos e independentes de um
sua própria salvação com temor e
mesmo processo, do tipo teoria e prá- tremor. É eleito aquele que cingir a
tica; também não significa que a teo- armadura, e combater o bom com-
logia seja o conhecimento da salvação bate da fé. É eleito quem vigiar e
ou de Deus, e a educação constitua orar, quem examinar as Escrituras,
sua prática. São, sim, dois elementos e fugir da tentação. É eleito aquele
complementares de um mesmo pro- que continuamente tiver fé, e que for
“Educar é redimir” / 57

obediente a toda a palavra que sai da é a função restauradora de ambas.


boca de Deus.38 Nesse sentido, as palavras de Ellen G.
White são que “restaurar no homem
A redenção é oferta gratuita, que a imagem de seu Autor, levá-lo de
precisa ser ‘aceita’ pela ação huma- novo à perfeição em que fora criado
na. Assim sendo, o ser humano tem o [...] – esta deveria ser a obra da reden-
poder de negar a redenção ao não se ção. Este é o objetivo da educação, o
deixar tocar pela gratuidade, pela gra- grande objetivo da vida”.42 Se uma
ça. Ou seja, o não cumprimento das ação restauradora se faz necessária, é
condições é a negação da redenção. indispensável perguntar a razão dela.
Após termos descrito e analisado Além do mais, cabe esclarecer o que
alguns aspectos fundamentais referen- significaria “restaurar no homem a
tes à questão da redenção em Ellen G. imagem de seu Autor”.
White, agora precisamos concentrar a
análise nos elementos educação/reden- Por que se faz necessária
ção, juntos. É o que faremos a seguir. uma Restauração?

Educação e redenção Pela ótica whiteana, torna-se


No pensamento de Ellen G. White imperativo voltar ao relato bíblico
existe similaridade entre educação e da criação e recordar que “quando
redenção, a ponto dela afirmar que “no Adão saiu das mãos do Criador, ele
mais alto sentido, a obra da educação e trazia em sua natureza física, inte-
da redenção são uma”.39 Como observa lectual e espiritual, a semelhança
Snorrason, “o contexto no qual este hu- de seu Criador”.43 Com esta seme-
manamente impossível alvo da educa- lhança, era o objetivo de Deus que
ção é dado é soteriológico”.40 Segue-se, “quanto mais o homem vivesse tan-
então, que quando White falou de edu- to mais plenamente revelasse esta
cação ‘no mais alto sentido’, ela estava imagem, refletindo mais completa-
falando de educação redentiva, religio- mente a glória do Criador”,44 ima-
sa, especificamente da educação cris- gem esta que se manifestaria pelo
tã.41 Assim sendo, a educação cristã não desenvolvimento contínuo de todas
pode ser dissociada da redenção, pois suas faculdades.
elas são uma só obra. E se a educação e
a redenção são uma única obra, realida- Pela desobediência, porém, isto se
perdeu. Com o pecado a semelhança
de ou processo, é fundamental entender
divina ficou obscurecida, sendo quase
quais os possíveis aspectos que eviden- que totalmente apagada. Enfraqueceu-
ciam essa similaridade. se a capacidade física do homem e sua
capacidade mental diminuiu; ofuscou-
Função restauradora se-lhe a visão espiritual. Tornou-se su-
jeito à morte. Todavia, o ser humano
Um primeiro aspecto que torna a não foi deixado sem esperança. Por
educação e a redenção uma só obra infinito amor e misericórdia foi con-
58 / Parousia - 2º semestre de 2010

cebido o plano da salvação, conceden- da reflexão filosófica, e abre espaço


do-se um tempo de graça.45 para os testemunhos pessoais. Nisso
consiste a superioridade da religião
No entender de Ellen G. White, a com relação à filosofia.50
função restauradora da educação e da
redenção é necessária devido à queda, Talvez, então, porque “a religião
pois, embora exista “em cada coração oferece uma resposta global, boa ou
não somente poder intelectual, mas má, consistente ou não, ao problema
espiritual – percepção do que é reto, do mal”,51 é que as pessoas procuram
anelo de bondade”,46 há contra estes nela – senão a compreensão do fenô-
princípios “um poder contendor, an- meno – pelo menos o remédio para a
tagônico. [...] Há em sua natureza um sua cura.
pendor para o mal, uma força à qual, Se levarmos em conta as dimen-
sem auxílio, não poderá ele resistir.”47 sões do mal adotada por Juan Antonio
Ao destacar o problema do mal Estrada,52 podemos afirmar que Ellen
como constituinte da natureza hu- G. White entende o mal dentro de três
mana, White ecoa o pensamento de aspectos diferentes. Em primeiro lu-
conhecidos teólogos e filósofos. De gar ela entende que o mal é uma ex-
acordo com Mondin, ao longo da his- periência constitutiva do ser humano.
tória o problema do mal despertou o É o que Estrada chama de ‘mal me-
interesse em muitos gênios do pensa- tafísico’. Para Ellen G. White, não se
mento religioso e filosófico, dentre os pode pensar em pessoas sem pensar
quais “o autor do livro de Jó, Orígenes, no mal, e não apenas porque as pesso-
Agostinho, Boécio, Anselmo, Tomás as são más, mas porque se vive na de-
de Aquino, Cusano, Pascal, Leibniz, pendência dele; ela diz que o ser hu-
De Maistre, Schelling e outros”.48 mano vive num “estado de culpa”.53
Juan Antonio Estrada, teólogo e Em outras palavras, o mal é da natu-
filósofo, afirma que “como elemento reza humana, a qual ficou “depravada
constitutivo da experiência humana pelo pecado”.54
[o mal] sempre foi um problema cen- Por outro lado, Ellen G. White
tral da filosofia e da religião”.49 E sen- compreende que devido ao mal ser um
do um assunto relacionado à origem constitutivo das pessoas, a raça huma-
e finalidade da vida humana, deve ser na está exposta a outro tipo de mal, a
profundamente analisado. Para Es- dor e o sofrimento, chamado por Es-
trada, é apropriado estudar o mal do trada de ‘mal físico’; é o mal como
ponto de vista da religião; nesse sen- vivência. De fato, o conhecimento e a
tido, ele diz: prática do mal acompanham o ser hu-
mano “por todos os dias de sua vida”,
A dimensão existencial do mal, que desde o momento em que Adão e Eva
mais cedo ou mais tarde experimen- livremente o escolheram.55 Como re-
tamos em nós mesmos ou nas pessoas sultado disso, o ser humano vivencia
que nos são próximas, resiste a uma “a onda de desgraças que emanou
mera especulação racional, própria da transgressão de nossos primeiros
“Educar é redimir” / 59

pais”.56 Infelizmente “o pecado deles não faço o bem que prefiro, mas o
abriu as portas do dilúvio das desgra- mal que não quero, esse faço. Des-
ças sobre o mundo”.57 venturado homem que sou! Quem
Em terceiro lugar, Ellen G. Whi- me livrará do corpo desta morte?62
te entende que o mal significa atos e
Conclui-se, então, que a ação res-
ações – que Estrada chama de ‘mal
tauradora se faz necessária devido à
moral’. De acordo com Estrada, é de-
queda, que entronizou o mal na huma-
vido à existência da moral que o ser
nidade com consequências nefastas.
humano tem “a consciência do peca-
É necessário, pois, lidar com o mal. A
do e da culpa e o anseio de justiça e
restauração, deste modo, teria o obje-
perdão como sua contrapartida”.58
tivo de combater e eliminar o mal. To-
Neste sentido, White afirma que o ser
davia, este pareceria ser um objetivo
humano vive num “estado de culpa
geral, e Ellen G. White se refere espe-
consciente”.59 Ou seja, a pessoa sabe
cificamente a “restaurar no homem a
quando suas práticas e ações são más,
imagem de seu Autor”. O nosso pró-
sentindo-se culpada por elas.
ximo passo, então, é entender pontu-
Enquanto que para Estrada o mal
almente essa expressão. Comecemos
moral limita-se a ações que quebram
por uma afirmação que aponta para
códigos de conduta da sociedade – o
uma explicação adequada:
mal é o produto das ações humanas,
diz ele60 – para Ellen G. White o mal
O homem foi formado à semelhança
moral também se refere à quebra dos de Deus. Sua natureza estava em har-
códigos de conduta divinos.61 São eles monia com a vontade de Deus. Sua
que regem a conduta humana. Assim mente era capaz de compreender as
sendo, a desobediência às leis de Deus coisas divinas. Suas afeições eram
também está na esfera do mal moral. puras; seus apetites e paixões estavam
Como se vê, Ellen G. White cons- sob o controle da razão. Ele era santo
tata marcado antagonismo na nature- e feliz tendo a imagem de Deus e em
za humana, e sua explicação para essa perfeita obediência à Sua vontade.63
profunda realidade espiritual e antro-
pológica é a queda, que aponta, de No parágrafo acima se percebe
modo amplo, para o aparecimento do que a expressão whiteana “formado
mal na humanidade e, de modo espe- à semelhança de Deus” refere-se à
cífico, para a tensão que esse mal pro- completude na natureza humana, nos
voca na experiência humana. Prova- aspectos físico, mental, emocional e
velmente, ela se inspira nas palavras espiritual. Entretanto, a autora tam-
do apóstolo Paulo, o que evidencia bém destaca a incompletude humana
essa tensão nas seguintes palavras: quando afirma que caso o ser humano
tivesse permanecido fiel a Deus, “teria
Porque eu sei que em mim, isto é, ele continuado a obter novos tesouros
na minha carne, não habita bem ne- de conhecimentos, a descobrir novas
nhum, pois o querer o bem está em fontes de felicidade e a alcançar con-
mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque cepções cada vez mais claras da sabe-
60 / Parousia - 2º semestre de 2010

doria, do poder e do amor de Deus”.64 afetada a “unidade complexa da na-


Logo, embora o ser humano possuísse tureza humana”, instaurando-se dese-
determinada completude, ainda tinha quilíbrio e fragmentação nos campos
um longo caminho a percorrer. Ellen “físico, biológico, psíquico, cultural,
G. White chama a atenção para o ina- social, histórico”,68 e, acrescentaria
cabamento, e nisto há proximidade White, espiritual.
com o pensamento do educador Paulo É nesse clima de desestabilidade
Freire, o qual argumenta que “as raízes que deve ser compreendida a obser-
da educação mesma, como manifesta- vação de Ellen G. White de que tan-
ção exclusivamente humana” podem to a redenção como a educação têm
ser encontradas no fato de os homens como objetivo “restaurar no homem
se saberem inacabados, tendo “a cons- a imagem de seu Criador, levá-lo de
ciência de sua inconclusão”.65 Usando volta à perfeição69 em que fora criado,
as palavras freireanas, pode-se afirmar, promover o desenvolvimento do cor-
então, que as idéias de White sobre a po, mente e espírito”.70 É importante
completude e incompletude são uma notar que, diante do desequilíbrio da
espécie de estar sendo para poder ser. unidade complexa da natureza huma-
Nesse sentido, parece que tanto a con- na, a educação e a redenção promo-
cepção freireana quanto a whiteana vem o fortalecimento justamente da
instam a educação a se refazer cons- totalidade do ser. Pensar diferente-
tantemente. Afinal, ela está sendo. E mente – por exemplo, numa educação
é no processo de se refazer constante- que trate apenas de questões cogni-
mente que a educação refaz o educan- tivas, ou numa redenção que trate
do, restaurando-o continuamente. apenas de questões espirituais – seria
Mas, afinal, o que teria ocorrido provavelmente entendido por Ellen G.
com a imagem de Deus no ser humano White como idéias “demasiadamente
devido à queda? Ellen G. White afir- acanhadas”.71 Em outras palavras, a
ma que “com o pecado a semelhança restauração da imagem de Deus se-
divina ficou obscurecida, sendo quase ria ou implicaria no desenvolvimento
que totalmente apagada”.66 E especi- completo, holístico, do ser humano.72
fica o que seria esse obscurecimento: Todavia, esse desenvolvimento
“Enfraqueceu-se a capacidade física não seria operacionalizado só pela
do homem e sua capacidade mental vontade humana, mas como fruto da
diminuiu; ofuscou-se-lhe a visão es- conversão, que produz na pessoa o
piritual. Tornou-se sujeito à morte”.67 desejo de mudança. Ellen G. White
A partir das palavras whiteanas, creio entende que a conversão é um “poder
ser possível pensar num ser humano regenerador, que nenhum olho huma-
não apenas enfraquecido, mas desin- no pode ver”, o qual “gera na alma
tegrado devido à não possibilidade uma vida nova; cria um novo ser, à
do uso apropriado de suas potencia- imagem de Deus”.73 De modo que a
lidades. Usando a concepção do soci- conversão é fundamental para a res-
ólogo Edgar Morin, diríamos que foi tauração do ser e, consequentemente,
“Educar é redimir” / 61

é importante para a educação e a re- educação whiteana é a restauração da


denção. O sujeito restaurado é um su- imagem de Deus no ser humano. De
jeito convertido, em quem a imagem acordo com Snorrason, essa imagem é
de Deus foi resgatada, tornando-se composta de alguns elementos, dentre
uma nova criatura em sua plenitude, os quais os mais importantes são a li-
em sua totalidade. Essa noção white- berdade de escolha, dignidade, indivi-
ana sobre a necessidade da conversão dualidade e um caráter de amor expres-
parece encontrar convergência com sos em serviço desinteressado a Deus
a ideia do teólogo e sociólogo Hugo e aos seres humanos. Tal caráter inclui
Assmann a respeito da conversão na o desenvolvimento do ser inteiro para
educação para a solidariedade.74 Ass- o serviço. Entretanto, o principal obje-
mann afirma: tivo epistemológico da educação, um
conhecimento experimental e pessoal
Os seres humanos não são ‘natu- de Deus, é indispensável para o obje-
ralmente’ tão solidários quanto pa- tivo educacional último – axiológico e
recem supor nossos sonhos de uma metafísico – a saber, a restauração da
sociedade justa e fraternal. Por isso imagem de Deus no ser humano. Este
não convém colocar num segundo
objetivo final da educação não é está-
plano, ou no rol dos pressupostos
tico, mas dinâmico. O ser humano
7 re-
tácitos, o complicado problema da
educação – melhor dito: da con- fletirá esta imagem, a glória de Deus,
versão! – individual e coletiva, im- mais e mais através da eternidade,76
prescindível para que existam pre- sendo possível e verificável pelo de-
disposições para uma solidariedade senvolvimento completo, holístico,
efetiva, já que esta não conta com das capacidades humanas.77
‘instintos naturais’ adequados.75
Caráter integral
Assmann defende a conversão Um segundo aspecto que tornam a
– individual e coletiva – como im- educação e a redenção uma só obra é
prescindível para que existam pre- o caráter integral de ambas. Ellen G.
disposições para uma solidariedade White afirma que a obra da redenção e
efetiva. Ellen G. White, por sua vez, o objetivo da educação são “promover
defende a conversão que significa a o desenvolvimento do corpo, mente e
restauração da imagem de Deus, que alma para que se pudesse realizar o
implica na restauração do ser total, propósito divino da sua criação”.78
com efeitos mentais, espirituais e Esta conceituação está mais explici-
sociais. Ambas as propostas podem tada na citação a seguir:
ser vistas como efetivas para a busca
de uma prática pedagógica que preze A verdadeira educação significa mais do
que avançar numa determinada série de
pelo envolvimento prático em ações
estudos. Significa mais do que a prepa-
solidárias na sociedade. ração para a vida presente. Ela tem que
Pelo que vimos até aqui, não res- ver com todo o ser, e com todo o pe-
ta dúvida de que o objetivo último da ríodo de existência possível ao homem.
62 / Parousia - 2º semestre de 2010

É o desenvolvimento harmonioso dos Considera a globalidade da pessoa,


poderes físicos, intelectuais e espiritu- desenvolve a espiritualidade, promove
ais. Prepara o estudante para a alegria
do serviço neste mundo e para a alegria
as inter-relações, busca o equilíbrio,
mais elevada de um serviço mais amplo facilita a cooperação, pretende alcan-
no mundo por vir.79 çar a inclusão, busca a experiência e
deseja atingir a contextualização.81 O
Considerando que as palavras aci- propósito da educação seria, então, ali-
ma foram escritas em 1903, é signi- mentar todas essas potencialidades.82
ficativo pensar no intuito whiteano Sendo o aspecto espiritual um
de que uma educação completa deve elemento diferenciado na concepção
abranger o ser total. Todavia, deve ser educacional integral, cabe entender
ressaltado que o caráter integrativo seu significado. Yus explica:
whiteano não se parece completamen-
te à educação integral ou holística de- Talvez o traço mais característico e di-
fendida na atualidade. De acordo com ferenciador da tradição holística tenha
sido, e ainda é, a ênfase dada às dimen-
Rafael Yus,
sões espirituais dos alunos, um elemento
desprezado pelos sistemas educacionais
O termo Educação Holística foi pro- atuais, ou mesmo reduzido a um deter-
posto pelo americano R. Miller (1997) minado dogma. O holismo valoriza e
para designar o trabalho de um conjunto desenvolve a espiritualidade como esta-
heterogêneo de liberais, de humanistas do de conexão de toda a vida, de experi-
e de românticos que têm em comum a ência do ser, de sensibilidade e compai-
convicção de que a personalidade glo- xão, de diversão e esperança, de sentido
bal de cada criança deve ser considerada de reverência e de contemplação diante
na educação. São consideradas todas as dos mistérios do universo, assim como
facetas da experiência humana, não só o do significado e do sentido da vida. Esse
intelecto racional e as responsabilidades sentimento de harmonia e espiritualidade
de vocação e cidadania, mas também os é considerado essencial para a constru-
aspectos físicos, emocionais, sociais, es- ção da paz do planeta.83
téticos, criativos, intuitivos e espirituais
inatos da natureza do ser humano.80
Para Saturnino de la Torre e Maria
Como se vê, a principal diferença Cândida Moraes, educar não é apenas
entre o integralismo whiteano e o de- valorizar as inteligências ou a cogni-
fendido por alguns educadores da atu- ção, mas também preocupar-se com a
alidade radica nos seus fundamentos; evolução da consciência e do espírito.
enquanto que este se fundamenta em Eles chamam esse processo de sen-
fontes humanistas, aquele argumenta tipensamento. Nesse sentido, educar
ter sua fonte em Deus, ou no que se para sentipensar é:
compreende de Deus. A principal se-
Educar no caminho do amor, da intei-
melhança estaria na intencionalidade
reza e da sabedoria. É educar o outro
do desenvolvimento da personalidade na justiça e na solidariedade. [...] É
global. Neste sentido, ainda no enten- educar sem reprimir ou negar a expe-
der de Yus, a educação integral pos- riência da comunhão, a experiência
sui oito características fundamentais: do coração, a experiência do espírito
“Educar é redimir” / 63

e a experiência do sagrado, reprimi- ramente a capacidade cognitiva do


dos durante séculos em nome de algo indivíduo; o processo educacional é
que no mundo moderno chamamos completo quando o estudante aprende
de ciência.84 a aprender, aprende a fazer, aprende a
viver junto e aprende a ser,89 e creio
Entretanto, a inclusão do espiri-
que é no aprender a ser que se pode
tual não é comum nas propostas edu-
pensar a religião, a religiosidade e a
cacionais e mesmo nas reflexões que
espiritualidade humanas, enquanto
tentam integrar a espiritualidade à
elementos ontológicos.
temática educacional. Por exemplo,
o educador e neurologista Howard George Knight esquematizou os
Gardner entende ser complicada a objetivos que fundamentam os afaze-
possibilidade de uma inteligência es- res pedagógicos do sistema educacio-
piritual. No entanto admite a hipótese nal da IASD, desde uma perspectiva
de uma “capacidade de pensar sobre whiteana, conforme mostra o figura
questões cósmicas e existenciais”,85 a seguir.90 Essa síntese ressalta que
questões estas que abrangem profun- a verdadeira educação significa mais
dos temas teológicos e filosóficos, do que a preparação para a vida pre-
como a existência humana, “a natu- sente em apenas um campo do saber;
reza da vida, da morte, da felicida- fundamenta-se no relacionamento
de e da tragédia”.86 E ao tratar des- com Deus, impacta a vida diária em
sas questões fundamentais, Gardner seus diversos aspectos e pretende es-
acredita ser necessário lidar com o tender-se à vida por vir.
tema da religião. Suas palavras nes- Como observamos acima, a pro-
te sentido são que, “na maioria das posta whiteana de educação se ca-
sociedades, os sistemas religiosos, racteriza por sua clara orientação re-
míticos ou filosóficos organizados ligiosa. Entretanto, isso não significa
lidam com estas questões, mas as que desconsidera o cotidiano, pois a
pessoas também podem desenvolver comunhão/relacionamento com Jesus
suas próprias estruturas existenciais Cristo é evidenciado pelo desenvol-
ou espirituais singulares”.87 vimento do caráter, que preparia a
A esse respeito, Ellen G. White pessoa para uma interação apropriada
afirma que “a verdadeira educação sig- com a sociedade, no intuito do servi-
nifica mais que um curso de estudo”.88 ço. De modo que os chamados “alvos
Assim como Torre e Moraes, White secundários” são assim denominados
acredita que o processo educativo não por sua pouca importância, mas
vai além do oferecimento da forma- porque não devem ser considerados
ção acadêmica. E, semelhantemente a um fim em si mesmos.
Yus, compreende que apenas a educa- Quando Ellen G. White afirma que
ção integral é uma educação comple- a verdadeira educação tem que ver
ta. Portanto, no contexto educacional com todo o ser, abrangendo os pode-
whiteano, educar não é apenas trans- res físicos, intelectuais e espirituais,91
mitir informação, desenvolvendo me- indica que não se deve praticar uma
64 / Parousia - 2º semestre de 2010

Quadro 1

educação fragmentada, ou mesmo Implicações da educação e reden-


não se pode enaltecer um aspecto em ção para a prática pedagógica
detrimento de outro. Todavia, como
observa Snorrason, ela reconhece as Ao fazer a afirmação de que “no
diferenças individuais,92 não sendo mais alto sentido, a obra da educa-
intransigente em relação a alguns ção e da redenção são uma”, Ellen G.
desenvolverem alguma habilidade White não quer dizer que a educação
específica. Ela entende que “alguns cristã despreze as questões seculares
são qualificados para exercer maior ou materiais. Tampouco quer dizer
força intelectual que outros, enquan- que a educação limita-se a reflexões
to outros são inclinados a amar e religiosas ou espirituais. Ela mesma
desfrutar de trabalho físico”;93 mas, afirma, por exemplo, que “o intelecto
insiste na ideia de que “as culturas humano precisa expandir-se, e adqui-
moral, intelectual e física deveriam rir vigor, agudeza e atividade [...] A
ser combinadas para ter homens e mente deve idear, trabalhar e esfor-
mulheres bem-desenvolvidos e bem- çar-se a fim de dar solidez e vigor ao
equilibrados”.94 Nesse sentido, en- intelecto”.96 Obviamente, então, não
tende que as pessoas “deveriam bus- entra em questão aqui um tipo de edu-
car melhorar onde são deficientes”, cação que despreze o preparo cogniti-
não se deixando avaliar e ditar seu vo. Os educadores australianos Collin
comportamento pelos hábitos e cos- e Russell Standish captaram apropria-
tumes da sociedade e da moda.95 damente o sentido da ideia whiteana
“Educar é redimir” / 65

ao comentarem que pensar a educação ver com todo o ser, e com todo o pe-
como sinônimo de redenção permi- ríodo de existência possível ao homem.
É o desenvolvimento harmonioso dos
te transportar “os alvos educacionais poderes físicos, intelectuais e espiritu-
dos limites do imediato para o âmbi- ais. Prepara o estudante para a alegria
to das realidades eternas”.97Além do do serviço neste mundo e para a alegria
mais, longe de limitar sua compreen- mais elevada de um serviço mais amplo
são apenas ao nível religioso-espiritu- no mundo por vir.100
al, “colocar a educação no âmbito do
A partir desta afirmação, destaco
eterno é realmente ampliar o sentido e
duas implicações do pensamento de
o significado daquilo que está aconte-
Ellen G. White na prática pedagógica:
cendo no presente”.98
(1) uma práxis que impacta o sujeito
Justamente no sentido de cuidar
durante toda a sua vida, preenchendo
com uma educação limitada em sua
todas suas circunstâncias e espaços
abrangência, falando aos dirigentes
em que se encontre (“todo o período
da IASD na década de 1870, Ellen
de existência possível ao homem”), e
G. White afirmou que as ideias deles
(2) uma práxis capaz de alcançar o su-
acerca da educação eram demasiada-
jeito em toda sua complexidade, que
mente acanhadas. Era necessário “um
possibilite desenvolver no educando
escopo mais amplo” e “um objetivo
todas suas potencialidades (“ela tem
mais elevado”.99 Esta educação mais
que ver com todo o ser... É o desen-
ampla é possibilitada pela similarida-
volvimento harmonioso dos poderes
de proposta entre educação e reden-
físicos, intelectuais e espirituais”).
ção, similaridade esta que, como já foi
dito, permite transportar os objetivos
Uma práxis pedagógica que impacta
educacionais dos limites do imediato
o sujeito ao longo da vida
para o campo das realidades eternas.
Mas, afinal, qual seria esse “esco- Devido à sua abrangência, a pro-
po mais amplo” e esse “objetivo mais posta whiteana pretende impactar o
elevado”? Em seu livro Educação sujeito durante toda sua vida, atin-
Ellen G. White descreveu aquilo que gindo-o, obviamente, em todas as
pode ser considerado, sinteticamente, circunstâncias e espaços em que se
seu conceito fundamental e objetivo encontre. Deste modo, teríamos uma
último da educação, a partir do qual se práxis pedagógica que fosse além
depreendem as particularidades que da sala de aula, sendo capaz de unir
caracterizam sua prática pedagógica. a educação familiar, escolar, social e
Esse pequeno parágrafo aponta, resu- eclesial, considerando que estes são
midamente, para a natureza da prática os espaços mais importantes do sujei-
pedagógica whiteana. Ela afirma: to pensado por Ellen G. White. Essa
A verdadeira educação significa mais do
abrangência pode ser verificada nos
que avançar numa determinada série de objetivos gerais da educação whitea-
estudos. Significa mais do que a prepa- na. Com esse propósito em mente, a
ração para a vida presente. Ela tem que seguir são sintetizados e comentados
66 / Parousia - 2º semestre de 2010

Quadro 2

esses objetivos gerais da educação.101 crescimento moral ou espiritual dos


Primeiramente apresenta-se uma des- estudantes; mesmo no aspecto cogni-
crição sumária, e depois faz-se uma tivo há um grande benefício em seu
explicação um pouco mais detalhada. estudo. Ela entende que “a grandeza
Ellen G. White entende que “todo de seus temas, a nobre simplicidade
o saber e desenvolvimento real têm sua de suas declarações, a beleza de suas
fonte no conhecimento de Deus”;102 imagens, despertam e elevam os pen-
sobre este objetivo repousa seu arca- samentos como nada mais o faz”.105
bouço educacional. Ela afirma que a Para Ellen G. White, “nenhum outro
educação que se baseia em Deus é ca- estudo poderá transmitir tal poder
paz de renovar a mente e transformar mental como o faz o esforço para se
o espírito, além de colocar o estudante compreenderem as verdades estu-
diante das grandes lições da vida, pois pendas da revelação” 106 bem como
Ele é a Sabedoria.103 Fundamentar a “nenhum outro livro pode satisfazer
educação em Deus não significa dar os questionamentos da mente, ou aos
um passo no escuro, e muito menos anelos do coração”.107
esconder-se na espiritualidade, igno- Na concepção whiteana, é funda-
rando o preparo acadêmico.104 mental entender que as coisas cria-
No pensamento whiteano, a Bí- das apresentam sinais de Deus.108 A
blia não é importante apenas para o natureza, então, pode tornar-se um
“Educar é redimir” / 67

gigantesco compêndio de ensino- crítico, formadores de opinião. Assim


aprendizado, no qual os estudantes é expressa essa intencionalidade:
podem ver “uma expressão do amor Cada ser humano criado à imagem de
e da sabedoria de Deus”.109 Nesse Deus é dotado de certa faculdade própria
sentido, e valorizando o papel da do Criador – a individualidade – faculda-
natureza e o impacto que ela causa de esta de pensar e agir. Os homens nos
quais se desenvolve essa faculdade são
especialmente nas crianças, Ellen G. os que encaram responsabilidades, que
White afirma que “a única sala de são os dirigentes nos empreendimentos e
aula para as crianças de oito a dez que influenciam caracteres. É a obra da
anos, deve ser ao ar livre, entre as flo- verdadeira educação desenvolver esta fa-
res a desabrochar e os belos cenários culdade, preparar os jovens para que se-
jam pensantes e não meros refletores do
da Natureza”.110 A valorização da na- pensamento de outrem. Em vez de limitar
tureza não se limita à contemplação, o seu estudo ao que os homens têm dito
mas se requer que os estudantes se ou escrito, sejam os estudantes encami-
envolvam com o cuidado da terra. Ela nhados às fontes da verdade, aos vastos
entende que “o trabalho na horta e no campos abertos a pesquisas na natureza e
na revelação. Que contemplem os gran-
campo será uma mudança agradável des fatos do dever e do destino, e a mente
na rotina tediosa das lições abstratas expandir-se-á e fortalecer-se-á.113
a que nunca deveriam circunscrever-
se as mentes juvenis.111 Ellen G. White entende que o
O processo de resgate da imagem processo ensino-aprendizagem de-
do Criador no ser humano também veria ser encarado como muito mais
implica no desenvolvimento de uma do que um simples adestramento ou
inteligência vigorosa. White afirma: disciplina mental. Sua intenção deve-
ria ser “produzir homens fortes para
O intelecto humano precisa expandir- pensar e agir, homens que sejam se-
se, e adquirir vigor, agudeza e atividade.
nhores e não escravos das circunstân-
Deve-se obrigá-lo a fazer trabalho árduo,
pois do contrário tornar-se-á débil e inefi- cias, homens que possuam amplidão
ciente. É necessária energia cerebral para de espírito, clareza de pensamento, e
pensar com mais afinco; deve-se exigir coragem nas suas convicções”.114
do cérebro o máximo a fim de resolver De acordo com Ellen G. White,
e dominar problemas difíceis, se não ha-
não é possível desenvolver o espírito
verá um decréscimo de vigor mental e
da capacidade de pensar. A mente deve e a mente de maneira apropriada num
idear, trabalhar e esforçar-se a fim de dar corpo enfermo, pois o cuidado da saú-
solidez e vigor ao intelecto.112 de física impacta no desenvolvimento
de espírito, caráter e mente robustos.
Igualmente, a educação whiteana Assim sendo, “um conhecimento de
valoriza e promove o desenvolvimen- fisiologia e higiene deve ser a base de
to do pensamento reflexivo, e procura todo esforço educativo”.115 Isso fará
– mediante as diversas metodologias com que as pessoas sejam influencia-
e técnicas pedagógicas – a formação das “com o conceito de que o corpo
de estudantes com um elevado senso é um templo em que Deus deseja ha-
68 / Parousia - 2º semestre de 2010

bitar; que deve ser conservado puro, tido, Ellen G. White adverte que “a
como a habitação de pensamentos educação que consiste no exercício
elevados e nobres”.116 da memória, com a tendência de de-
Por outro lado, os estudantes sencorajar o pensamento indepen-
precisam ser instruídos nos diversos dente, tem uma influência moral que
campos do saber, mas deve ter-se o é pouco tomada em conta”.122 Qual
cuidado de também ensiná-los no seria essa influência? “Ao sacrificar
cumprimento dos deveres práticos o estudante a faculdade de raciocinar
da vida diária, pois “essa é a educa- e julgar por si mesmo, torna-se inca-
ção de que tanto se necessita”.117 De paz de discernir entre a verdade e o
maneira que, tão importante quanto erro, e cai fácil presa do engano”.123
a aquisição de informação em qual- Como se percebe, Ellen G. Whi-
quer ramo da ciência, é orientar os te acredita que a educação deve for-
estudantes nas atividades corriquei- mar um estudante autônomo, que
ras, com as quais se deparam no dia- saiba fazer boas escolhas, assim
a-dia.118 Os deveres práticos da vida como administrar suas decisões e
diária são as ocupações domésticas, assumir a responsabilidade por elas.
auxílio aos pais nas pequenas coisas Afinal, a pessoa “que confia no ju-
que devem ser feitas em casa e na ízo de outrem, mais cedo ou mais
formação de hábitos de utilidade no tarde será por certo corrompido”.124
lar, deveres estes apropriados à sua Essa autonomia implica em pen-
idade.119 Quanto à cidadania, a esco- samento crítico,125 o que significa
la precisa despertar nos estudantes pensar com liberdade, sem neces-
as “sensibilidades morais no que res- sariamente repetir discursos forma-
peita a ver e sentir os direitos que a dos e aceitos; o pensamento crítico
sociedade tem sobre eles”.120 Assim inclui pensar para além do aceito,
fazendo, os estudantes podem tor- do estabelecido, daquilo entendido
nar-se, por preceito e exemplo, uma como normalidade.
influência positiva para a sociedade. A educação whiteana estimula
A educação whiteana valoriza o que haja nas escolas um ambiente
bom uso da vontade própria. A este de valorização das pessoas, inde-
respeito, ela escreveu que se deve pendentemente de raça, religião ou
compreender “a verdadeira força da sexo. “Tanto quanto possível”, diz
vontade. Esta é o poder que gover- White, “deve cada criança ser ensi-
na a natureza do homem, o poder da nada a confiar em si mesma. Pondo
decisão ou de escolha. Tudo depende em exercício as várias faculdades,
da reta ação da vontade. O poder da aprenderá onde é mais forte e em
escolha deu-o Deus ao homem; a ele que é deficiente”.126 Reconhecendo
compete exercê-lo”.121 Desse modo, o papel decisivo dos professores
o processo ensino-aprendizado en- neste empreendimento, ela afirma
volveria mais do que mera assimila- que “o sábio instrutor dará espe-
ção de uma informação. Neste sen- cial atenção ao desenvolvimento
“Educar é redimir” / 69

dos traços mais fracos, para que a de cooperação entre os estudantes, o


criança possa formar um caráter que inibe a formação de estudantes
bem equilibrado e harmonioso”.127 egoístas, interessados apenas em seu
Essas orientações fazem sentido, bem-estar. Quanto a isso, Ellen G.
mais ainda hoje quando pesquisas White assevera:
sobre inteligência emocional têm
esclarecido o papel da autoestima A cooperação deve ser o espírito da sala
no processo educacional. O psicó- de aulas, a lei de sua vida. O professor
que adquire a cooperação de seus dis-
logo Maxwell Maltz, por exemplo, cípulos consegue um auxílio impres-
afirma que o sentimento de inferio- cindível na manutenção da ordem. Nos
ridade contribui para a manifestação serviços da sala de aula muitos rapazes,
de distúrbios de ansiedade, falta de cujo estado irrequieto acarreta desordem
adaptação social, mau desempenho e insubordinação, encontrariam vazão à
sua energia supérflua. Que os mais ve-
escolar, expulsão da escola, delin- lhos ajudem aos mais novos, os fortes
qüência, etc.128 Ou seja, muitos con- aos fracos; e, quanto possível, seja cada
flitos pessoais acontecem devido à um chamado a fazer algo em que se dis-
baixa autoestima e em decorrência tinga. Isso fomentará o respeito próprio e
da pouca expectativa que as pessoas o desejo de ser útil.130
colocam sobre si mesmas.
Pode-se perceber nos objetivos ge-
Finalmente, a educação whiteana
rais da educação de Ellen G. White uma
fala da importância de se ensinar, por
prática pedagógica que impacta o sujei-
preceito e exemplo, lições de com-
to durante toda a sua vida, em todas as
paixão, amabilidade, piedade, corte-
circunstâncias. Seja o senso de adora-
sia, alegria e afeto, como característi-
ção, a valorização e desenvolvimen-
cas fundamentais que possibilitam a
to das potencialidades humanas, bem
boa convivência entre as pessoas.129
como o envolvimento com a socieda-
Ela também valoriza a disposição
de, tudo isso ocorre ao longo da vida.

Quadro 3
70 / Parousia - 2º semestre de 2010

Assim sendo, a educação deveria ser nem se vendam; homens que no íntimo
estruturada em todas as suas esferas – da alma sejam verdadeiros e honestos;
homens que não temam chamar o pe-
familiar, escolar, social e eclesial – com cado pelo seu nome exato; homens cuja
o intuito de alcançar sempre o sujeito, consciência seja tão fiel ao dever, como a
e não apenas no período escolar, ou en- bússola o é ao pólo; homens que perma-
quanto durar sua educação formal. neçam firmes pelo que é reto, ainda que
caiam os céus.135
Uma práxis pedagógica que impacta
o sujeito em toda sua complexidade
Ellen G. White entende que os
sentimentos e emoções são também
Em segundo lugar, o impacto da educáveis, sendo possível desenvol-
compreensão whiteana de educação e vê-los e controlá-los. Então, o estu-
redenção implica em alcançar o sujei- dante pode aprender a dominar suas
to em toda sua complexidade. Deste emoções, controlar suas atitudes e
modo, teríamos uma educação preocu- pesar seu julgamento, agindo sempre
pada em desenvolver no educando to- com bondade, a despeito da injustiça.
das suas potencialidades, e não apenas A autora sugere que desde cedo na
as habilidades cognitivas. Essa abran- vida a pessoa deve ficar “acostumada
gência pode ser verificada nos objetivos à submissão, renúncia e consideração
específicos em relação aos estudantes. pela felicidade de outrem”. Entende
A seguir, esses objetivos são sintetiza- que os jovens “devem ser ensinados
dos e posteriormente comentados.131 a subjugar seu temperamento repen-
A educação whiteana prioriza o tino, a conter a palavra apaixonada, a
cultivo da “retidão de coração e le- manifestar invariável bondade, cor-
aldade para com Deus”,132 em con- tesia e domínio próprio”.136 Hoje se
sonância com seu objetivo principal, sabe que a inteligência emocional é
que é “o desenvolvimento harmônico fundamental e significativa para o su-
das faculdades físicas, intelectuais e cesso e felicidade,137 justificando as-
espirituais”.133 Ao mesmo tempo, a sim a importância desse treinamento
autora afirma a necessidade de condi- na sala de aula.
ções para que o estudante desenvolva Além disso, Ellen G. White afirma
conduta reta, na expectativa de que se que o estudante precisa desenvolver a
torne alguém útil, possuidor de valor inteligência interpessoal, relacionan-
moral e integridade.134 Observa-se do-se apropriadamente com pequenos
que essa é uma questão fundamental e grandes grupos, cooperando com
no pensamento whiteano, mais im- todos, fortalecendo a união entre a
portante até que o cumprimento do família e os amigos. Por causa disso,
currículo escolar, embora uma coisa ela acredita que o ambiente escolar
não substitua a outra. Ellen G. White deve oferecer condições apropriadas
assim se expressou a esse respeito: ao estudante para o desenvolvimento
de relacionamentos saudáveis, partin-
A maior necessidade do mundo é a de do do respeito a si mesmo, com a fi-
homens – homens que se não comprem nalidade de respeitar a dignidade das
“Educar é redimir” / 71

pessoas, e finalmente considerando a dizer que a obediência deve ser resul-


todos como membros “da grande fra- tado da opção, provavelmente ela está
ternidade humana”.138 criticando a visão dominante de obe-
O estudante precisa conviver com diência. Daí que sua defesa da impor-
situações pedagógicas que o motivem tância de desenvolver no estudante a
e ensinem a tomar decisões mediante disposição de obedecer, bem como o
escolhas sábias. Compreende-se, en- rigor com as questões que envolvem
tão, que é importante orientá-lo em desobediência e afronta à autoridade,
seu processo de escolha e decisão. deve ser compreendida no contexto de
Nesse intento, White valoriza a ca- sua noção de uma obediência que re-
pacidade de raciocinar, pois “todo ser sulta da escolha.
humano dotado de razão tem o poder Ellen G. White adverte sobre o
de escolher o que é reto”.139 Para po- excessivo tempo dedicado ao cultivo
der escolher o que é certo, o estudan- da mente, enquanto se negligencia o
te precisa ter a competência de refletir conhecimento do próprio organismo,
em suas decisões e escolhas, assim na crença de que o corpo cuidará de si
como emitir julgamento crítico sobre mesmo. Suas palavras a este respeito
tudo aquilo que vê ao seu redor. Sobre são de que “todo estudante deve saber
essa temática, as palavras de Ellen G. cuidar de si mesmo de tal maneira que
White são: conserve a saúde nas melhores condi-
ções possíveis, resistindo à debilidade
Os professores devem levar os estudan-
e à doença”.142 No caso da pessoa ser
tes a pensar, e a entender claramente a
verdade por si mesmos. Não é suficiente alcançada por alguma enfermidade
ao mestre explicar, ou ao aluno crer; deve ou acidente, “deve saber enfrentar as
ser suscitado o espírito de investigação, e emergências comuns”.143
o estudante deve ser atraído a enunciar
Além das atividades escolares
a verdade em sua própria linguagem,
tornando assim evidente que ele vê sua formais, Ellen G. White entende
força e faz a aplicação. Por trabalhosos que há importantes atividades que
esforços, as verdades vitais devem assim ocorrem fora da sala de aula e que
ser gravadas na mente. Este pode ser um envolvem importante aprendizado.
processo lento; é, porém, mais valioso do
De acordo com Cadwallader, há
que passar correndo sobre assuntos im-
portantes, sem a devida consideração.140 dois tipos de atividades físicas de
aprendizado extra-classe que são
A autora não compactua com a prá- apresentadas por Ellen G. White,
tica de uma obediência cega. Ela não nomeadas como trabalho manual e
defende nem mesmo a obediência im- deveres domésticos.144 O trabalho
posta; seu princípio é de que “é melhor manual era aquele feito pelo estu-
pedir do que ordenar; aquele a quem dante enquanto estava na área de
assim nos dirigimos tem oportunidade fazenda da escola,145 bem como a
de se mostrar leal aos princípios retos. construção e manutenção de edifí-
Sua obediência é o resultado da esco- cios. No pensamento whiteano, nin-
lha em vez de o ser da coação”.141Ao guém pode ser considerado educa-
72 / Parousia - 2º semestre de 2010

do se não aprendeu a trabalhar com e ajudar os irmãos, os companheiros, e a


suas mãos. O trabalho manual tem mostrar bondade para com os idosos, os
doentes e os infelizes. Quanto mais profun-
muitos benefícios que podem ser damente o espírito de verdadeiro serviço
classificados como físico, de saúde, permear o lar, tanto mais profundamente
moral, vocacional e até mesmo inte- ele se desenvolverá na vida das crianças.
lectual.146 Por isso, o trabalho deve- Elas aprenderão a encontrar prazer em ser-
ria ter um lugar importante no cur- vir e sacrificar-se pelo bem dos outros.151
rículo e, extracurricularmente, em
Pode perceber-se nos objetivos es-
grande parte poderia substituir os
pecíficos relacionados à formação dos
jogos e esportes.147 Já os deveres do-
estudantes uma prática pedagógica
mésticos incluiam as atividades de
voltada a atingir o sujeito em toda sua
trabalho doméstico na cozinha, sala
complexidade. A partir do paradigma
de jantar, dormitórios ou alojamen-
de que é necessário restaurar no ser
tos de estudante e o quarto indivi-
humano a imagem do Criador, Ellen
dual do estudante.148 Em acréscimo,
G. White propõe mecanismos que
Ellen G. White afirma que “os que
permitem o cumprimento desse alvo
estão sempre ocupados e que ani-
específico, e que impactam a pessoa
mosamente cumprem suas tarefas
em todas suas dimensões: a mental
diárias, são os mais felizes e gozam
(desenvolver pensamento crítico e
a melhor saúde”, de maneira que
reflexivo, desenvolver a capacidade
“a mais pura e elevada alegria vem
de fazer escolhas e tomar decisões,
àqueles que fielmente cumprem os
obedecer conscientemente os princí-
deveres designados”.149
pios e normas), a social (desenvolver
Finalmente, a educação deve pre- relacionamentos saudáveis, cultivar
ocupar-se em desenvolver nos estu- desprendimento de si mesmo e solida-
dantes o interesse pela comunidade, riedade), a emocional (ter equilíbrio
assim como cultivar neles o espírito emocional, desenvolver caráter ínte-
filantrópico. “A satisfação das crian- gro), a física (conhecer e vivenciar as
ças por serem úteis e praticarem atos leis da saúde, envolver-se em ativida-
de abnegação para ajudar a outros”, des que requeiram esforço físico) e a
diz White, “será o prazer mais salutar espiritual (ser leal a Deus e valorizar
que já experimentaram”.150 Sobre este o que é espiritual). Além do mais,
propósito, a autora afirma: a dimensão espiritual pode incluir,
como vimos na citação anterior, “o
Desde bem cedo, deve-se ministrar à crian-
ça a lição da prestimosidade. Logo que espírito do verdadeiro serviço”, pois,
suas forças e o poder de raciocínio estejam como fica claro em Ellen G. White, a
suficientemente desenvolvidos, deveria ser alegria de servir é uma característica
dadas a ela tarefas para desempenhar em que une a vida daqui com a do Céu,
casa. Deve ser estimulada a tentar auxiliar
sendo uma responsabilidade essencial
o pai e a mãe, estimulada a ser abnegada e
a controlar a si mesma, a colocar a felicida- da educação.152
de e o bem-estar dos outros acima dos seus, De modo que uma prática peda-
a estar atenta às oportunidades de animar gógica que alcance o sujeito em toda
“Educar é redimir” / 73

sua complexidade, além de atender ao whiteana de “plano” tem a ver mais


educando, promovendo seu desenvol- com propósitos, meios e realização,
vimento completo, sintoniza-o com a do que apenas a ênfase em algo já
demanda da sociedade, aonde, como definido. Além disso, redenção é co-
vimos, vive-se multidimensionalmen- nhecimento de Cristo. Seria, então,
te, exigindo uma formação e postura uma experiência no âmbito da vida
igualmente amplas. Ao que tudo indi- diária, pois quem conhece Cristo e
ca, a ideia whiteana de uma educação possui seu amor, exerce influência
que “tem que ver com todo o ser”, nos demais. Dessa maneira, o estudo
está em sintonia com as demandas da da redenção não é um exercício teó-
contemporaneidade. rico, limitado à discussão conceitual,
informacional, pois o evangelho é
Resumo e considerações finais um sistema de verdades práticas des-
tinadas a efetuar grandes modifica-
Neste artigo tratei da noção de re-
ções no caráter humano; ele é visível
denção nos escritos de Ellen G. White.
na realidade prática.
Segundo a autora, redenção é um tema
que vai além da compreensão humana; Mostrei que a efetivação da re-
embora seja uma obra maravilhosa, é denção humana requer a cooperação
o “o mistério dos mistérios”. Por quê? das pessoas; ou seja – de certa manei-
Inicialmente porque implica na assun- ra – a humanidade é redimida com a
ção da humanidade por parte de Cristo, sua própria participação. Assim sen-
processo deveras misterioso à humani- do, o serviço e cooperação não são
dade. Além disso, devido à inesgotabi- consequências, mas condição da re-
lidade do tema, a mente humana tem denção humana. E como a redenção
dificuldade para captar racionalmente se manifesta? Quando amamos uns
o quadro completo do significado da aos outros. Isto é, a redenção se tor-
cruz; é um mistério no sentido de ser na presente na medida em que nos
de difícil compreensão. Todavia, para- colocamos ao serviço do próximo; a
doxalmente, é possível compreender a cooperação humana – o serviço – não
redenção. Como? Mediante uma expe- vem depois, vem ao mesmo tempo.
riência pessoal; a redenção se daria na Não há um sem o outro.
experiência da vida. Além disso, observamos que existe
Também percebemos que para uma notável similaridade entre educa-
Ellen G. White a redenção é um ção e redenção. Na verdade, no mais
processo, compondo-se de diver- alto sentido, as obras da educação e da
sos elementos, tais como o pecado, redenção são uma. Argumentei que,
o arrependimento, a justificação e a provavelmente, White assim pensa de-
santificação, que ocorrem de modo vido à função restauradora da reden-
sucessivo, alterando por completo ção, função esta também atribuída à
a vida da pessoa. Como processo, a educação. A restauração é necessária
salvação é mais do que algo plani- porque, diante do desequilíbrio da uni-
ficado ou definido; a compreensão dade complexa da natureza humana –
74 / Parousia - 2º semestre de 2010

pelo pecado – a educação e a redenção Pelo que foi exposto neste ar-
promovem o fortalecimento da totali- tigo, creio que é possível verificar
dade do ser, visando o resgate da ima- certo caráter “antecipatório” na
gem de Deus nas pessoas. Um segundo proposta pedagógica de Ellen G.
aspecto que torna a educação e a reden- White, especialmente se lembrar-
ção uma só obra é o caráter holístico mos que suas reflexões educacio-
de ambas; Ellen G. White afirma que a nais concentram-se, maiormente,
obra da redenção e o objetivo da edu- entre 1872 e 1903. Já nesse período
cação é promover o desenvolvimento ela falava de uma práxis pedagógi-
do corpo, mente e espírito para que se ca que impactasse o sujeito durante
pudesse realizar o propósito divino da toda a sua vida, preenchendo todas
criação. Isto significa que não se deve suas circunstâncias e espaços em
praticar uma educação fragmentada, que se encontre, bem como de uma
ou mesmo não se pode enaltecer um práxis pedagógica capaz de alcançar
aspecto em detrimento de outro, em- o sujeito em toda sua complexida-
bora se reconheçam as diferenças e ca- de, que possibilitasse desenvolver
pacidades individuais. no educando todas suas potenciali-
E qual a implicação de tudo isso dades; além disso, referiu-se a uma
para a educação? Propus duas. Pri- prática pedagógica que preparasse
meiramente, teríamos uma práxis para o serviço. Estas ideias podem
pedagógica que impacta o sujeito ao ser consideradas pensamentos semi-
longo da vida, atingindo-o em todas nais do que hoje se conhece como
as circunstâncias e espaços em que se Educação Integral ou Holística. É
encontre; esta práxis pedagógica iria oportuno lembrar que, de acordo
além da sala de aula, sendo capaz de com Rafael Yus, o termo Educação
unir a educação familiar, escolar, so- Holística foi proposto pelo america-
cial e eclesial, considerando que estes no Ron Miller em meados da década
são os espaços mais importantes do de 1980 – praticamente um século
sujeito pensado por Ellen G. White. depois de White – “para designar
Em segundo lugar, teríamos uma prá- o trabalho de um conjunto hetero-
xis pedagógica que impacta o sujeito gêneo de liberais, de humanistas e
em toda sua complexidade; a práxis de românticos que tem em comum
pedagógica whiteana preocupa-se a convicção de que a personalida-
em desenvolver no educando todas de global de cada criança deve ser
suas potencialidades, e não apenas considerada na educação”.153 Consi-
as habilidades cognitivas. Estes dois derando o tempo, as circunstâncias
elementos mencionados promovem o e o precário preparo acadêmico de
desenvolvimento completo do sujei- Ellen G. White, provavelmente es-
to, e sintoniza-o com a demanda da tamos diante de uma pessoa que es-
sociedade, onde se vive multidimen- tava na fronteira, na liminaridade,
sionalmente, o que exige uma forma- quanto a alguns de seus conceitos
ção e postura igualmente amplas. e práticas educacionais; nesse caso
“Educar é redimir” / 75

específico, quanto à sua noção de que o processo ensino-aprendizado é


educação holística. muito mais do que apenas desenvolvi-
A percepção de que a educação é mento cognitivo. Além disso, a noção
redenção certamente conferiu à edu- da educação como redenção possibi-
cação adventista uma fundamental litou à educação adventista avançar
noção de seriedade, fortalecendo sua significativamente, tanto de modo
missão e permitindo-lhe compreender qualitativo quanto quantitativo.

Referências
7
A informação é dos Depositários das
Publicações de Ellen G. White, em Ellen G.
1
Cipriano Carlos Luckesi, Filosofia da White, The Story of Redemption (Washing-
Educação (São Paulo: Cortez, 1994), p. 37. ton, DC: Review and Herald, 1947), p. 9.
2
Ibid., p. 38. Esta obra traz um breve resumo de toda essa
3
Dermeval Saviani, Escola e Democra- temática.
cia (São Paulo: Cortez / Autores Associados, 8
Composta pelas obras Patriarcas e Pro-
1987), p. 17. fetas, Profetas e Reis, O Desejado de Todas
4
Comenius, Didática Magna, 2ª ed. (São as Nações, Atos dos Apóstolos e O Grande
Paulo: Martins Fontes, 2002), p. 62. Conflito.
5
Jacques Delors, Org., Educação: Um 9
Ellen G. White, The Story of Redemp-
Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNES- tion, p. 10. O livro Steps to Christ, publicado
CO da Comissão Internacional Sobre Edu- pela primeira vez em 1892, talvez seja o que
cação para o Século XXI, 5ª ed. (São Paulo: melhor descreve os elementos e o processo
Cortez/MEC, 2001), p. 11. de redenção, conforme compreendido por El-
6
Neste artigo optei pelo uso do termo len G. White; ver Steps to Christ (Mountain
redenção devido à expressão whiteana “no View: Pacific Press, 1956).
mais alto sentido, a obra da educação e da 10
Idem, The Desires of Ages, p. 330.
redenção são uma”. Education, p. 30. O uso “Redemption is that process by which the
do vocábulo redenção – e não de salvação soul is trained for heaven. This training
– aliado à educação pode ser explicado pelo means knowledge of Christ. It means eman-
fato de que, no sentido bíblico, a metáfora de cipation from ideas, habits, and practices that
redenção inclui as ideias de soltar de um laço, have been gained in the school of the prince
livrar de cativeiro ou escravidão, comprar de of darkness. The soul must be delivered from
volta algo perdido ou vendido, trocar algo na all that is opposed to loyalty to God”.
posse de alguém, resgatar. Walter A. Elwell, 11
Idem, Steps to Christ, p. 77.
ed., Evangelical Dictionary of Biblical Theol- 12
“The gospel is a system of practical
ogy (Grand Rapids, Michigan: Baker, 1996), truths destined to work great changes in hu-
p. 664. Ellen G. White entende que restaurar man character. If it does not work the trans-
no ser humano a imagem de seu Autor, con- formation in life, in habits, and practice, it is
duzindo-o novamente à perfeição da criação, no truth to those who claim to believe it. Man
promovendo seu desenvolvimento completo, must be sanctified through the truth”. Idem,
“tal deveria ser a obra da redenção. Este é o This Day with God (Washington, DC: Re-
objetivo da educação, o grande objetivo da view and Herald, 1979), p. 81.
vida”. Education, p. 15-17. Como se vê, a 13
Para estudo mais detalhado sobre a
díade educação-redenção pode ser justificada compreensão whiteana de conhecimento te-
pela ideia do resgate e restauração, que, de órico, conhecimento prático e conhecimento
acordo com White, são obras fundamentais especulativo, ver Erling Bernhard Snorrason,
tanto da educação quanto da redenção. Aims of Education in the Writings of Ellen
76 / Parousia - 2º semestre de 2010

White (Tese de Ph.D. em Educação. Andrews ças que tinham atravancado a lei de Deus,
University, Berries Springs, Michigan, Esta- Ele mostrou que a lei é uma lei de amor, uma
dos Unidos, 2005), p. 161-170. expressão da bondade divina. Mostrou que
14
Pierre Maurice Bogaert, Matthias Del- na obediência a seus princípios se acha en-
cor, Edmond Jacob, Edouard Lipinski, Rob- volvida a felicidade da humanidade, e com
ert Martin-achar, Joseph Ponthot, Dicciona- ela a estabilidade, o próprio fundamento e ar-
rio Enciclopédico de la Biblia (Barcelona: cabouço da sociedade humana”. White, Edu-
Herder, 1993), p. 1560-1561. cation, p. 76.
15
Ver Allen C. Myers, ed., The Eerdmans 24
Idem, The Desires of Ages, p. 330.
Bible Dictionary (Grand Rapids, Michigan: 25
Elementos ‘subjetivos’, claro, estão
Eerdmans, 1987), p. 1022-1023. Também presentes no conceito whiteano. Ela afirma,
conferir David Noel Freedman, ed., Eerd- por exemplo, que “o plano de redenção não
mans Dictionary of the Bible (Grand Rapids, é meramente uma maneira de fugir da pena-
Michigan: Eerdmans, 2000), p. 1338-1339. lidade da transgressão, mas através dele o
16
White, Testimonies for the Church, vol. pecador é perdoado de seus pecados”. White
4 (Mountain View: Pacific Press Publishing também entendia que, após o perdão, a pes-
Association, 1948), p. 394-395. soa é vista não como um culpado perdoado
17
White, “Sanctify Them through Thy e liberto do cativeiro, que é olhado com sus-
Truth”, em The Review and Herald, 7 de fe- peita e com o qual não se admite amizade e
vereiro de 1888. confiança. Após o perdão, a pessoa é recebida
18
Vale a pena lembrar que essa expressão como uma criança que merece a mais plena
whiteana foi inicialmente publicado na Letter confiança. White, “Christ our Sacrifice”, em
14, de 13 de Março de 1885; portanto, numa The Review and Herald, 21 de setembro de
época em que ainda não havia a discussão te- 1886.
órica sobre a relação teoria-prática, pelo me- 26
Idem, Education, p. 15-16.
nos não como entendemos hoje, a partir, por 27
Esta ênfase mostra que os temas re-
exemplo, da Teoria do Conhecimento. denção e liberdade – além de serviço – têm
19
Humberto R. Maturana e Francisco J. proximidade, o que sugeriria um estudo arti-
Varela, A Árvore do Conhecimento: As Bases culado; para um aprofundamento dessa abor-
Biológicas da Compreensão Humana, Tradu- dagem, ver Educação, Liberdade e Serviço:
ção de Humberto Mariotti e Lia Diskin (São Os Fundamentos da Pedagogia de Ellen G.
Paulo: Pala Athenas, 2001), p. 12. White (Engenheiro Coelho: UNASPRESS,
20
Lindemberg Medeiros de Araújo, “Te- 2010).
oria do Conhecimento em Maturana e Va- 28
White, Education, p. 15-16.
rela- Movimento, Realidade e Autopoiese.” 29
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
Pesquisa realizada no site http://www.prac. cation: Instruction for the Home, the School,
ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/ and the Church (Nashville, Tennessee: South-
artigos/pa_a_movimento_realidade_e_auto- ern Publishing Association, 1923), p. 217. “In
poiese.pdf, acessado em 8 de junho de 2009. the work of salvation there is a co-operation
21
Humberto Mariotti, “Autopiese, Cul- of human and divine agencies. There is much
tura e Sociedade.” Pesquisa realizada no site said concerning the inefficiency of human ef-
http://www.geocities.com/pluriversu/auto- fort, and yet the Lord does nothing for the
poies.html, acessado em 8 de junho de 2009. salvation of the soul without the co-operation
22
Ver por exemplo Steps to Christ, p. of man.”
11. 30
Idem, Testimonies for the Church, vol.
23
O conceito de um Deus que é amor é 3 (Mountain View: Pacific Press, 1948), p.
claro em White. Ver, por exemplo, Steps to 382.
Christ, p. 10. Sobre a compreensão whitea- 31
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
na da lei na perspectiva do amor, ela afirma: cation, p. 217.
“Cristo veio ao mundo com o amor acumula- 32
Ibid., p. 218.
do na eternidade. Varrendo aquelas cobran- 33
Thomas H. Groome, Christian Reli-
“Educar é redimir” / 77

gious Education – Sharing Our History and 52


Ibidem. Estrada afirma que, “na his-
Vision (São Francisco: Harper & Row, 1980), tória da filosofia ocidental, o mal tem sido
p, 144. analisado tradicionalmente a partir de três
34
White, Step to Christ, p. 61. dimensões: o mal metafísico, o mal físico e
35
Idem, “The Grace of God Manifested o mal moral”.
in Good Works”, em The Review and Herald, 53
White, Patriarchs and Prophets, p. 61.
29 de janeiro de 1895. 54
Ibidem.
36
Universalimo é a doutrina religiosa de 55
Ibid., p. 59. Ellen G. White usa a ex-
que cada pessoa, cedo ou tarde, será reconci- pressão “teriam a ciência do mal”, querendo
liada com Deus. No processo, também ocor- dizer que Adão e Eva conheciam e, portanto,
re a reconciliação com todas as pessoas. De praticariam o mal, como realmente já o ha-
acordo com esta doutrina, haverá uma res- viam feito, deliberadamente desobedecendo
tituição final de todas as coisas e todo dano à ordem de Deus.
que as pessoas fizeram será cancelado, e todo 56
Ibid., p. 60.
relacionamento quebrado será curado. Ver 57
Ibidem.
Jerry L. Walls, ed., The Oxford Handbook 58
Estrada, A Impossível Teodicéia, p. 13.
of Eschatology (Oxford: Oxford University 59
White, Patriarchs and Prophets, p. 61.
Press, 2008), p. 446-461. Para um estudo do 60
Estrada, A Impossível Teodicéia, p. 13.
atual estado do debate sobre este tema, ver 61
White, Patriarchs and Prophets, p. 57.
Robin A. Parry e Christopher H. Partridge, 62
Romanos 7:18-19, 24. Há uma discus-
Universal Salvation? The Current Debate são aprofundada a respeito da impotência da
(Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 2003). vontade, na perspectiva do apóstolo Paulo.
37
White, Patriarchs and Prophets, p. Ver Hannah Arendt, A Vida do Espírito, tra-
208 dução de Cesar Augusto de Almeida, Antônio
38
Ibidem. Abranches e Helena Martins (Rio de Janeiro:
39
Idem, Education, p. 30. “In the highest Civilização Brasileira, 2008), p. 326-335.
sense the work of education and the work of 63
White Patriarchs and Prophets, p. 45.
redemption are one, for in education, as in re- 64
Ibid., p. 15.
demption, “other foundation can no man lay 65
Freire, Pedagogia do Oprimido, p. 84.
than that is laid, which is Jesus Christ.” “It 66
White, Education, p. 15.
was the good pleasure of the Father that in 67
Ibidem.
Him should all the fullness dwell.” 1 Corin- 68
Edgar Morin, Os Sete Saberes Neces-
thians 3:11; Colossians 1:19, R.V. sários à Educação do Futuro, 8ª ed., tradu-
40
Snorrason, Aims of Education in the ção de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne
Writings of Ellen White, p. 211. Sawaya (São Paulo: Cortez; Brasília: UNES-
41
Ibidem. CO, 2003), p. 15.
42
White, Education, p. 15-16. 69
Quanto à noção de perfeição, observa-
43
Idem, Education, p. 15. se em White a típica tensão que caracteriza
44
Ibidem. seu pensamento quando o assunto é com-
45
Ibidem. plexo, requerendo mais do que apenas uma
46
Ibid., 29. definição unilateral. Assim sendo, ao mesmo
47
Ibidem. tempo em que reconhece que “a igreja de
48
Battista Mondin, Quem é Deus? Ele- Cristo na Terra será imperfeita” (A Igreja Re-
mentos de Teologia Filosófica, tradução de manescente, [Tatuí: Casa Publicadora Brasi-
José Maria de Almeida (São Paulo: Paulus, leira, 1995], p. 42), afirma que “a ética evan-
1997), p. 374. gélica não reconhece nenhuma norma senão
49
Juan Antonio Estrada, A Impossível Te- a perfeição do caráter divino” (The Ministry
odicéia: A Crise da Fé em Deus e o Problema of Healing [Mountain View: Pacific Press,
do Mal (São Paulo: Paulinas, 2004), p. 9. 1947], p. 451), devendo “o homem fazer ve-
50
Ibid., p. 17. ementes esforços para vencer o que o impede
51
Ibid., p. 16. de alcançar a perfeição” (Atos dos Apóstolos,
78 / Parousia - 2º semestre de 2010

p. 482). Esse ideal não deve ser considerado 70


White, Education, p. 15-16.
inatingível, pois a perfeição é uma oferta de 71
Ibidem.
Jesus a todas as pessoas. De modo que, para 72
A citação a seguir corrobora esse ra-
alcançar a perfeição, o ser humano depen- ciocínio: “The Scriptures teach us to seek for
de inteiramente de Deus (Conselhos Sobre the sanctification to God of body, soul, and
Saúde, p. 384; Atos dos Apóstolos, p. 482); spirit. In this work we are to be laborers toge-
por isso, não deve haver preocupação quanto ther with God. Much may be done to restore
à sua consecução, pois ela pode ser alcan- the moral image of God in man, to improve
çada pela graça e poder dEle. (Conselhos the physical, mental, and moral capabilities.
Sobre Saúde, p. 384; Atos dos Apóstolos, p. Great changes can be made in the physical
478). Por exemplo, quando White fala sobre system by obeying the laws of God and brin-
a necessidade da perfeita obediência às leis ging into the body nothing that defiles. Our
de Deus, assim ela coloca suas ideias: “... dependence is not in what man can do: it is
by perfect obedience to the requirements of in what God can do for man through Christ.
the law, man is justified. Only through faith When we surrender ourselves wholly to God,
in Christ is such obedience possible” (Signs and fully believe, the blood of Christ cleanses
of the Times, 23 de julho de 1902). Mas, o from all sin”. White, “A Teacher Sent from
que Ellen G. White entende por “perfeição”? God”, em The Review and Herald, 30 de
A seguinte citação parece apontar para uma Abril de 1901.
compreensão adequada: “A verdadeira santi- 73
Idem, Steps to Christ, p. 57.
ficação significa perfeito amor, perfeita obe- 74
Notoriamente, o pressuposto de Whi-
diência, perfeita conformidade com a von- te é que a conversão, embora com notáveis
tade de Deus. Devemos santificar-nos para efeitos em todas as áreas da vida, é de natu-
Deus mediante a obediência à verdade. Nos- reza eminentemente espiritual e motivada por
sa consciência deve ser expurgada das obras Deus, enquanto que Assmann aborda o tema
mortas para servir ao Deus vivo. Não somos desde uma perspectiva fenomenológica, com
ainda perfeitos; mas é nosso privilégio des- implicações sociais.
vencilharmo-nos dos obstáculos do eu e do 75
Hugo Assmann, Reencantar a Educa-
pecado e prosseguir para a perfeição. Gran- ção: Rumo à Sociedade Aprendente (Petró-
des possibilidades, altas e santas conquistas polis: Vozes, 1998), p. 20.
são colocadas ao alcance de todos” (Atos dos 76
Estes elementos whiteanos da imagem
Apóstolos, p. 565). Como se vê, White pare- de Deus serão tratados nos próximos capítu-
ce sinonimizar “perfeição” com “santidade”, los desta pesquisa. O raciocínio é explanado
enfatizando o fato de que há um elevado alvo em Snorrason, Aims of Education in the Writ-
a ser alcançado, o que envolve compromisso ings of Ellen White, p. 191-202.
com Deus, bem como ações práticas, con- 77
Ronald Habermas, professor de Estu-
cretas, de amor. Por outro lado, sensível ao dos Bíblicos e Formação Cristã na John Bro-
fato de que o ser humano está em constante wn University, nos Estados Unidos, lista 33
aprendizado, White afirma que não somos qualidades da imagem de Deus nas pessoas,
ainda perfeitos, o que poderia evidenciar sua a partir do relato bíblico de Gênesis 1 a 3,
compreensão de perfeição não como ser sem- representando a vida antes da queda. Essas
defeito, mas, como entende Paulo Freire – e qualidades são: honra, familiaridade, cultura-
já foi frizado acima – alguém que está sendo lidade, majestade, saúde, incorruptibilidade,
para poder ser (Pedagogia do Oprimido, p. tranquilidade, adoração, materialidade, ima-
84). Para um estudo aprofundando do con- terialidade (espírito), beleza, sensitividade,
ceito de perfeição em Ellen G. White, ver cuidado, moralidade, vontade, educabilida-
Woodrow Wilson Whidden, The Soteriology de, autodisciplina, autocontrole, sexualida-
in Ellen G. White: The Persistent Path to de, matrimônio, ensino, razão, diligência
the Perfection, 1836-1902 (Tese de PhD não (criatividade), raciocínio lógico, responsabi-
publicada. Drew University, Madison, New lidade, avaliação, capacidade para expressar
Jersey, 1989), p. 328-396. decepção, verbalismo, alegria, indivisibili-
“Educar é redimir” / 79

dade, escolha do mal, impressionabilidade, preparation for the life that now is. It has to
comungabilidade. Uma leitura atenta dessas do with the whole being, and with the whole
qualidades nos mostra que elas abrangem a period of existence possible to man. It is the
totalidade da vida humana, referindo-se aos harmonious development of the physical, the
poderes físicos, mentais, sociais, emocionais mental, and the spiritual powers. It prepares
e espirituais. Ronald T. Habermas, Introduc- the student for the joy of service in this world
tion to Christian Education and Formation and for the higher joy of wider service in the
– A Lifelong Plan for Christ Centered Resto- world to come”.
ration (Grand Rapids: Zondervan, 2008), p. 92
Snorrason, Aims of Education in the
49-50. Writings of Ellen White, p. 204.
78
White, Education, p. 15-16. 93
White, Testimonies for the Church, vol.
79
Ibid., p. 13. “True education means 3, p. 157.
more than the pursual of a certain course of 94
Ibidem.
study. It means more than a preparation for 95
Ibidem.
the life that now is. It has to do with the who- 96
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
le being, and with the whole period of exis- cation, p. 226.
tence possible to man. It is the harmonious 97
Collin D. Standish e Russell R. Stan-
development of the physical, the mental, and dish, Uma Visão Adventista da Educação,
the spiritual powers. It prepares the student tradução de Gerson Pires de Araújo (Enge-
for the joy of service in this world and for nheiro Coelho: Gráfica Alfa, 2002), p. 11.
the higher joy of wider service in the world 98
Ibidem.
to come”. 99
White, Education, p. 13.
80
Rafael Yus, Educação integral: uma 100
Ibidem.
educação holística para o século XXI (Porto 101
Sobre os objetivos whiteanos da edu-
Alegre: Artmed, 2002), p. 16. cação, dois dos principais trabalhos acadê-
81
Ibid., p. 21-25. micos são: Snorrason, Aims of Education
82
Ibid., p. 109. in the Writings of Ellen White, p. 178-249;
83
Ibid., p. 22. e Edward Miles Cadwallader, Educational
84
Saturnino de La Torre e Maria Cândida Principles in the Writings of Ellen G. White,
Moraes, Sentipensar: Fundamentos e Estra- p. 126-151. Devido à abrangência do mate-
tégias para Reencantar a Educação (Petró- rial escrito por Ellen G. White, é possível
polis: Vozes, 2003), p. 127. descrever dezenas de objetivos gerais. Ca-
85
Howard Gardner, Inteligência: Um dwallader, por exemplo, lista 19 objetivos
Conceito Reformulado, tradução de Adalgisa fundamentais, com diversas subdivisões, to-
Campos da Silva (Rio de Janeiro: Objetiva, talizando quarenta e seis alvos educacionais
2001), p. 88. gerais (p. 129-135). Snorrason classifica-os
86
Ibidem. em quatro modalidades: conversão, restau-
87
Ibidem. ração da imagem de Deus, desenvolvimen-
88
White, Counsels to Parents, Teachers, to de todos os poderes ou potencialidades
and Students, p. 64. e preparação para o serviço (p. 178-233).
89
Hugo Assmann e Jung Mo Sung, Com- A Confederação das Uniões Brasileiras da
petência e Sensibilidade Solidária – Educar IASD, representando todo o sistema de Edu-
para a Esperança (Petrópolis: Vozes, 2000), cação Básica Adventista em nível nacional,
p. 211. elaborou, em 2004, o primeiro documento
90
George R. Knight, Filosofia e Educa- oficial, intitulado Pedagogia Adventista, o
ção: Uma Introdução da Perspectiva Cristã qual atualmente serve de parâmetro para a
(Engenheiro Coelho: Unaspress, 2001), p. prática pedagógica nas escolas da rede. En-
215. tre as páginas 48 a 52, de maneira concisa,
91
White, Education, p. 13. “True educa- esse documento apresenta os objetivos pri-
tion means more than the pursual of a cer- mordiais ideais da educação escolar, confor-
tain course of study. It means more than a me entendidos pela IASD, os quais podem
80 / Parousia - 2º semestre de 2010

ser expressos em dez proposições; nesta 129


White, Child Guidance, p. 143.
pesquisa, optou-se por fazer uma aborda- 130
Idem, Education, p. 285-286.
gem a partir desses dez objetivos, os quais, 131
Esta abordagem é baseada em Ca-
pretensamente, sintetizam o pensamento dwallader, Educational Principles in the Wri-
whiteano sobre o tema; ver Confederação tings of Ellen G. White, p. 314-342; Suárez,
das Uniões Brasileiras da Igreja Adventista A Influência da Educação Escolar Adventista
do Sétimo dia, Pedagogia Adventista (Tatuí: na Identidade e na Fé de Adolescentes, p. 80-
Casa Publicadora Brasileira, 2010). Para 86; e Confederação das Uniões Brasileiras da
um aprofundamento dessa abordagem, ver Igreja Adventista do Sétimo dia, Pedagogia
Adolfo S. Suárez, A Influência da Educação Adventista, p. 53-56.
Escolar Adventista na Identidade e na Fé de 132
White, Counsels to Parents, Teachers,
Adolescentes, p. 64-88. and Students, p. 496.
102
White, Education, p. 14. 133
Idem, Education, p. 13.
103
Idem, Fundamentals of Christian Ed- 134
Idem, Fundamentals of Christian Ed-
ucation, 543, 544. ucation, p. 248.
104
Os itens 4 e 5 focam o preparo aca- 135
Idem, Education, p. 57.
dêmico. 136
Idem, Counsels to Parents, Teachers,
105
White, Education, p. 124. and Students, p. 124.
106
Ibidem. 137
John Gottman e Joan DeClaire, Inte-
107
Idem, Counsels to Parents, Teachers, ligência Emocional e a Arte de Educar Nos-
and Students, p. 53-54. sos Filhos, 49ª ed. (Rio de Janeiro: Objetiva,
108
idem, Education, p. 99. 2001), p. 17.
109
Ibid., p. 102. 138
White, Education, p. 240.
110
Idem, Fundamentas of Chstian Edu- 139
Ibid., p. 289.
cation, p. 21. 140
Idem, Counsels on Education (Moun-
111
Idem, Counsels to Parents, Teachers, tain View, California: Pacific Press, 1968), p.
and Students, p. 187. 140.
112
Idem, Fundamentals of Christian Ed- 141
Idem, Education, p. 290. A preocu-
ucation, p. 226. pação de Deus pela liberdade humana não
113
Idem, Education, p. 17. excluía a “pronta e perfeita obediência”.
114
Ibid., p. 18. Entretanto, não havia obrigatoriedade, pois
115
Ibid., p. 195. o ser humano fora estabelecido como “livre
116
Ibid., p. 201. agente moral”. “The Character of the Law of
117
Idem, Counsels to Parents, Teachers, God”, em The Sings of the Times, 15 de abril
and Students, p. 88. de 1886. De fato, “todo indivíduo, desde o
118
Idem, The Ministry of Healing, p. mais humilde e obscuro até ao maior e mais
444. exaltado, é um agente moral” (ver “The Use
119
Idem, Counsels to Parents, Teachers, of Talents”, em The Review and Herald, 1º
and Students, p. 149. de maio de 1888), o qual, por livre, pode obe-
120
Idem, Education, p. 84. decer ou desobedecer (White, The Sanctified
121
Idem, Steps to Christ, p. 47. Life (Washington, DC: Review and Herald,
122
Idem, Education, p. 230. 1971) , p. 76).
123
Ibidem. 142
White, Fundamentals of Christian
124
Ibid., p. 231. Education, p. 426-427.
125
Ibid., p. 17. 143
Ibidem.
126
Idem, Child Guidance: Counsels to 144
Cadwallader, Educational Principles
Seventh-day Adventist Parents (Washington, in the Writings of Ellen G. White, p. 301-
DC: Review and Herald, 1982), p. 156. 313.
127
Ibidem. 145
É necessário lembrar que White acre-
128
Citado em Les Parrot, Adolescentes ditava no funcionamento de internatos, erigi-
em Conflito (São Paulo: Vida, 2003), p. 236. dos em amplo espaço físico, com lugar para
“Educar é redimir” / 81

atividades de agricultura. légios sejam ensinados a assumir a obra que


146
No aspecto moral, por exemplo, Whi- lhes é indicada, submetendo toda inclinação
te afirma que o trabalho manual é uma salva- para a indolência. Necessitam familiarizar-
guarda contra as tentações, devido à operosi- se com os deveres da vida diária. Devem ser
dade e disciplina que cria na pessoa. Ela diz ensinados a executar os deveres domésticos
assim: “At the creation, labor was appointed bem e cabalmente, com o mínimo de baru-
as a blessing. It meant development, power, lho e confusão possíveis. Tudo deve ser feito
happiness. The changed condition of the earth decentemente e com ordem... Muitos ramos
through the curse of sin has brought a change de estudo que consomem o tempo do estu-
in the conditions of labor; yet though now at- dante, não são essenciais à utilidade ou feli-
tended with anxiety, weariness, and pain, it is cidade; entretanto é essencial a todo jovem
still a source of happiness and development. familiarizar-se completamente com os deve-
And it is a safeguard against temptation. Its res de cada dia. Sendo necessário, uma jovem
discipline places a check on self-indulgence, pode dispensar os conhecimentos de francês
and promotes industry, purity, and firmness. ou álgebra, ou mesmo de piano; mas é indis-
Thus it becomes a part of God’s great plan pensável que aprenda a preparar bom pão,
for our recovery from the Fall. Education, p. confeccionar vestidos graciosamente adapta-
214. dos, e executar eficientemente os muitos de-
147
Cadwallader, Educational Principles veres atinentes ao lar”. White, The Adventist
in the Writings of Ellen G. White, p. 301. Home (Washington, DC: Review and Herald,
148
White, Testimonies for the Church, 1983), p. 88, 89.
vol. 6 (Mountain View: Pacific Press, 1948), 149
White, “The Reward of Faithful Toil”,
p. 169; Vale ressaltar que, embora o contex- em The Youth’s Instructor, 5 de dezembro de
to das orientações whiteanas a este respeito 1901.
seja uma escola em regime de internato, estas 150
Idem, Fundamentals of Christian Ed-
atividades não se restringem necessariamen- ucation, p. 36.
te apenas ao ambiente de internato. Sobre o 151
Idem, The Ministry of Healing, p.
ambiente do lar, White declara: “A educação 401.
que rapazes e moças que frequentam nossos 152
Idem, Education, p. 13. “True educa-
colégios deviam receber na vida doméstica é tion […] prepares the student for the joy of
digna de especial atenção. É de grande im- service in this world and for the higher joy of
portância na obra da edificação do caráter wider service in the world to come”.
que os estudantes que frequentam nossos co- 153
Yus, Educação Holística, p. 16.
Uma fundamentação bíblica para os
pequenos grupos
Umberto Moura, doutor em Teologia Pastoral
Professor de Formação Pastoral na Faculdade Adventista de Teologia e diretor
de Desenvolvimento Espiritual do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Resumo: Desde algumas décadas até for the same. Small Groups, really,
o presente, os Pequenos Grupos vêm are not ready and working in biblical
assumindo um importante papel no writings, but have in them its origin
crescimento e desenvolvimento de and inspiration.
igrejas em todo o mundo. Tal cres- Introdução
cimento, declarado como um fenô-
meno por diversos autores, também Os Pequenos Grupos ou Células
traz desafios consideráveis para sua têm sido redescobertos como impor-
consolidação como um movimento tante instrumento de crescimento de
bíblico, teológico e histórico. Esse igreja ao redor do mundo,1 há algu-
estudo entende que há uma base bí- mas décadas;2 inclusive pela Igreja
blica para os grupos pequenos, e pro- Adventista do Sétimo Dia (IASD) do
põe essa fundamentação entendida a Brasil.3 Tem sido entendido tratarem-
partir da clarificação de seus concei- se de grupos com poucas pessoas que
tos e de uma definição para os mes- se reúnem regularmente, com propó-
mos. Os Pequenos Grupos, realmen- sito especifico e intencional.
te, não estão prontos e funcionando Desde então tem havido um con-
no texto bíblico, mas têm neles sua siderável esforço por parte dos estu-
origem e inspiração. diosos de Pequenos Grupos para orga-
nizá-los biblicamente e fundamentar
Abstract: Since a few decades ago sua teologia. Se os Pequenos Grupos
until the present time, Small Groups são o que pretendem ser – um fenô-
have taken an important roll in the meno4, um movimento5 – conforme
growth and development of chur- declarados e defendidos por teólogos
ches around the world. This growth, e pastores do movimento, precisam
declared as a phenomenon by va- de uma sustentação bíblica e teológi-
rious authors, also bring considerable ca consistente.
challenges for its consolidation as a Muitos eruditos têm enfatizado
biblical, theological and historical essa necessidade, outros já se ante-
movement. This study understands ciparam a declarar que ela não exis-
that there is a biblical study for ha- te. Esse estudo trata exatamente da
ving small groups, and proposes this fundamentação bíblica dos Pequenos
foundation parting from the clarifica- Grupos, considerando sua necessida-
tion of its concepts and of a definition de, sem ignorar seus desafios.
84 / Parousia - 2º semestre de 2010

Antes, porém, de tratar da apre- base bíblica que lhes aporte. Pelo
sentação dessa base bíblica, talvez tempo em que os grupos pequenos
fosse oportuno considerar que, a am- estão em funcionamento, e ainda não
pla generalização no uso deste termo se apresentou uma fundamentação
– Pequenos Grupos – tem criado difi- bíblica, não quer dizer inexistência da
culdades para sua compreensão. Mui- mesma, mas indica a dificuldade da
tos passaram a atribuir esse nome a tarefa. Primeiro, porque a expressão
uma variedade de atividades realiza- “pequenos grupos”, ou “célula”, não
das com poucas pessoas, grupos pe- aparece uma única vez em toda a
quenos que, insistentemente, têm sido Bíblia.8 Segundo, porque aquilo que
chamados de Pequenos Grupos. 6
se entende hoje por Pequenos Gru-
Este trabalho entende Pequenos pos, um verdadeiro sistema altamente
Grupos como um termo técnico, com organizado, não podem ser encontra-
significação substantivada que desig- dos no Antigo Testamento; no Novo
na uma atividade específica. Isso se Testamento eles também não estão
contrapõe ao uso livre e adjetivado do muito claros. Terceiro, as característi-
mesmo, cuja percepção tem escapado cas (estratégias, estruturas, métodos)
quando se trata grupos pequenos de dos Pequenos Grupos atuais diferem
pessoas reunidas para qualquer fina- bastante dos grupos pequenos dos
lidade religiosa como se fossem Pe- tempos bíblicos. Ralph Neighbour
quenos Grupos. 7 admite que os Pequenos Grupos “não
Para o atual contexto, portanto, estão baseados sobre um sólido en-
Pequenos Grupos podem ser defini- tendimento teológico do porque de
dos como um sistema desenvolvido sua existência”.9 “Realmente”, confir-
dentro de um processo organizado ma Comiskey, “o Antigo Testamento
intencionalmente para o crescimento diz muito pouco sobre o ministério de
espiritual, com multiplicação e con- grupos pequenos”.10
servação de seus membros. Seu ob-
jetivo missional envolve os aspectos Os grupos pequenos no antigo
testamento
espiritual e social, profético e esca-
tológico. Seus diversos ministérios Neighbour e Comiskey parecem
desenvolvem-se a partir de reuniões bastante coerentes em suas opiniões
interativas, em grupos pequenos, quando se percebe que os textos a
compostos por membros da comuni- seguir são os únicos a tratar explici-
dade de fé, seus familiares, amigos e tamente de organização de grupos pe-
convidados. Seus encontros aconte- quenos no Antigo Testamento.11
cem em dia, local e horário regulares, “Procura dentre o povo homens
em comunhão, através do louvor, ora- capazes, tementes a Deus, homens
ção, testemunho e estudo da Palavra. de verdade, que aborreçam a avareza;
Tratando-se de um movimento põe-nos sobre eles por chefes de mil,
religioso os Pequenos Grupos neces- chefes de cem, chefes de cinqüenta e
sitam, obviamente, de uma criteriosa chefes de dez” (Êx 18:21).
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 85

“Tomei, pois, os cabeças de vossas mente tratando de Pequenos Grupos,


tribos, homens sábios e experimenta- como frequentemente são citados, ou
dos, e os fiz cabeças sobre vós, chefes está falando de grupos pequenos. Seja
de milhares, chefes de cem, chefes de como for, encontra-se aqui uma impor-
cinquenta, chefes de dez e oficiais se- tante sinalização de sua origem. Uma
gundo as vossas tribos” (Dt 1:15). revisão no sentido da palavra οἶκος em
Parece claro, pelo contexto destas seu contexto histórico-literário ajudará
passagens (Êx 18:14-16; Dt 1:9-10, nesse esclarecimento.
12-17), que trata-se de uma organi- Lawrence Richard, em seu comen-
zação sócio-político-administrativa, tário sobre Romanos 16:5, apresenta
não de um modelo de funcionamento argumentos bastante elucidativos ao
eclesiástico com vistas à evangeli- destacar o papel das casas nos cultos
zação, conservação ou crescimento. dos primeiros séculos e, surpreende, ao
Outra observação importante é que a perceber os grupos pequenos já como
palavra casa, em hebraico ‫( בית‬bait),12 “um fenômeno” naquele período.
local imprescindível para acontecer os
Pequenos Grupos, não aparece nesses Durante quase três séculos o cristianismo
textos, sugerindo que os grupos pe- era um fenômeno em ‘grupo pequeno’.
Os primeiros cristãos não construíram
quenos de Jetro não incluíam reuniões grandes igrejas ou catedrais. Em vez dis-
nos lares. O Êxodo foi a experiência so, reuniram-se em casas de culto e de
do “povo de Israel como nação”.13 partilha. Com base no tamanho das ca-
Flávio Josefo concorda que a di- sas das cidades do 1º século, as reuniões
visão em “regimentos de mil e de devem ter acomodado um número muito
limitado de pessoas.16
quinhentos homens; os regimentos,
ainda, em companhias de cem e de
Sanday e Headlam concordam
cinquenta homens e essas companhias
com Richard e fazem um destaque
em esquadras de trinta, de vinte e de
importante. Eles dizem que
dez homens comandados por oficiais,
que teriam nomes conforme o número não há provas decisivas até o terceiro sé-
de soldados sob seu comando”,14 seria culo da existência de edifícios utilizados
para auxiliar na liderança de Moisés, para as igrejas. As referências parecem ser
que “estava sobrecarregado pela mul- para todos os lugares, em casas particula-
tidão de negócios”.15 res, por vezes, muito provavelmente casas
de uma grande dimensão. No NT temos
em primeiro (At 12:12) a casa de Maria,
Os grupos pequenos a mãe de João [Marcos], onde muitos se
no novo testamento reuniam e oravam.... Não há razão para
supor que esta igreja era o local de encon-
A ocorrência de grupos pequenos tro de todos os cristãos romanos.17
no Novo Testamento, porém, é bastante
frequente. Um conjunto de textos pauli- O segundo texto que trata da mes-
nos (Rm 16:5; 1Co 16:19; Cl 4:15; Fm ma questão é 1 Coríntios 16:19. De
2) foram selecionados para uma análise, acordo com Fausset, Áquila e Prisci-
a fim de se verificar se Paulo está real- la (cf. At 18:2; Rm 16:3, 4),
86 / Parousia - 2º semestre de 2010

originalmente expulsos da Itália por toda a igreja” (Rm 16:23), a qualificação


Claudius, tinham chegado a Corinto (daí “todo” ὅλη, seria desnecessário se os co-
a sua saudação aos Coríntios ser apropria- ríntios somente se encontrassem como
da aqui) e, em seguida, mudaram-se com um simples grupo nas sucessivas cidades
Paulo de Corinto para Éfeso (At 18:2, 18, onde eles viveram, e.g., em Éfeso (1Co
19, 26); aqui, como em Roma, posterior- 16:19) e Roma (Rm 16:15).20
mente, eles levantaram uma igreja (ou
assembléia de fiéis) na casa deles (Rm
16:3, 5).... Em 1Co 16:20, “Todos os ir- Norman Geisler declara que “reunião
mãos” (isto é, toda a igreja) parecem ser das igrejas nos lares foi uma prática co-
distinguidos como “a igreja que está em mum até antes que houvesse edifícios de
sua casa”, mas que era uma montagem igreja (Rm 16:5; 1Co 16:19; Fm 2)”.21
parcial e privada fora da Igreja em geral Lightfoot demonstra ter a mesma com-
de Corinto..18
preensão sobre a questão das casas que
eram tratadas como igreja.22
Henry apoia a posição de Fausset e Finalmente, a quarta passagem sele-
demonstra que, entender a igreja como cionada que trata da expressão a igreja
funcionando em casa era bastante co- em casa é Filemom 2. Os estudiosos em
mum, inclusive por não estar limitada a geral confirmam as posições dos estu-
um número pequeno de pessoas. Sendo dos das passagens anteriores. Fausset,
assim, a própria família pode ser entendi- por exemplo, declara que “na ausência
da como uma igreja em casa.19 de uma igreja regular, nomeadamente as
Outro texto analisado, o terceiro casas de santos eram utilizadas para essa
dentre os selecionados, que trata da finalidade”.23 E Henry conclui: “A casa
questão do funcionamento da igreja de Filemom era uma igreja”.24
nos lares dos cristãos é Colossenses Essa declaração de Henry é importante,
4:15. Comentando sobre esse texto, porque, na verdade não se tratava da ausên-
Peter O’brien entende que cia de uma igreja regular, pois a igreja fun-
cionava regularmente nas casas. Esse tipo
igrejas em casa... são frequentemente de observação é muito comum, indicando
mencionadas nas cartas do NT. Há oca- que os comentaristas poderão estar olhan-
sião em que toda a congregação de uma do a história de trás para frente, tendo em
cidade pode ser pequena o suficiente mente o paradigma da igreja do presente.
para se reunir na casa de um dos seus Encontra-se no Novo Testamento a
membros, e deve ser lembrado que não ocorrência de pelo menos 229 vezes a
era assim até cerca de meados do tercei-
ro século, quando os primeiros cristãos palavra casa (οἶκος).25 Otto Michel, em
possuíam propriedades para propósitos sistemático estudo, apresenta o uso da
de adoração.... Em outros lugares igrejas palavra οἶκος em seu contexto histórico
em casa parece ter sido o menor círculo literário e seus respectivos empregos,
de companheirismo dentro de um grande em nove conteúdos.26 No nono tópico,
grupo. Além da casa de Ninfas em Lao-
dicéia, conhecemos que em Colossos a “The ‘House’ as a Group in the Structure
casa de Filemom era usada como local de of the Christian Community”, declara:
encontro (Fm 2). Em Filipos, a casa de
Lídia parece ter sido usada dessa manei- O primitivo cristianismo estrutura sua
ra (At 16:15, 40) enquanto em Coríntios congregação em famílias, grupos e “ca-
Gaio é descrito como “hospedeiro e de sas”. A casa era tanto um local de comu-
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 87

nhão como um local de encontro. Assim para este objetivo. Igualmente impor-
lemos da casa de Estéfanas em 1Co 1:16, tante é perceber que a igreja cristã dos
da casa de Filemom em Fm 2, a casa de
Cornélio em At 11:14, a casa de Lídia em
primeiros séculos operava com base
At 16:15, a casa da prisão do governador em grupos pequenos que se reuniam
em Filipos em At 16:31, 34.27 nas casas – igrejas em casa.
Em seu trabalho “Os Pequenos
P. Weigandt também apresenta Grupos e a Hermenêutica: Evidências
um estudo exegético da palavra οἶκος Bíblicas e Históricas em Perspecti-
(e οἰκία) e reforça os conceitos de va”, Wilson Paroschi questiona os
Michel. Demonstra que οἶκος é uma Pequenos Grupos baseado em alguns
palavra de amplo uso no Novo Testa- conceitos, principalmente o da pres-
mento e fora dele. O termo é bastante critibilidade no livro de Atos. Ele diz
usado quando se trata de local de reu- que, “nos moldes atuais”, os Pequenos
nião da igreja apostólica.28 Grupos não representam “exatamente
Apesar de Sanday e Headlam co- a prática primitiva da igreja”.33
mentarem que “durante quase três Isso está correto, quando defen-
séculos o cristianismo era um fenô- sores de Pequenos Grupos querem
meno em ‘grupo pequeno’”29 e James dizer que estes já foram praticados
D. G. Dunn mencionar que a Igreja no período apostólico. Por outro lado,
“funcionava em base regular”, talvez ignorar que existe uma relação entre
semanalmente, ou mensalmente,30 em modelos, não parece correto; assim
nenhum dos textos estudados (Rm como negar que os grupos pequenos
15:5; 1Co 16:19; Cl 4:5; Fm 2) e de do período apostólico sirvam de mo-
acordo com estes mesmos autores e delo para hoje baseado na repetição
outros consultados31 a palavra οἶκος e histórica, ou na importância exage-
suas derivadas referem-se a uma re- rada que alguns deram às práticas do
união de Pequenos Grupos conforme livro de Atos, ou numa interpretação
entendidos e praticados pelas igrejas hermenêutica baseada na falta de
nas últimas décadas.32 prescritibilidade. Isso também não
Em consideração ao que foi trata- convence. Os Pequenos Grupos de
do até o momento é possível concluir hoje não são os Pequenos Grupos do
parcialmente que os textos analisados período apostólico, mas, com certeza,
no Novo Testamento não demonstram têm neles sua origem bíblica, modelo
que os Pequenos Grupos/Células são e inspiração adaptados e contextuali-
encontrados como um programa zados para essa época.
regular eclesiástico. Essa percepção, Paroschi declara que é “um erro
todavia, não é o bastante para desa- tratar o livro de Atos como um manu-
creditar os Pequenos Grupos como al da igreja, e a igreja apostólica como
uma prática encontrada na Bíblia. um modelo em tudo para a igreja de
Indica apenas que o uso intencional todos os tempos e lugares”.34 Realmen-
de certos textos retirados de seu sig- te, considerar o livro de Atos como um
nificado original não está adequado manual da igreja, e a igreja apostólica
88 / Parousia - 2º semestre de 2010

como um modelo “em tudo” parece pos não estão prontos no texto bíbli-
mesmo um exagero. Porém, esse ar- co, mas os grupos pequenos estão no
gumento não elimina o fato de que a texto bíblico; eles não são prescriti-
igreja apostólica no livro de Atos tem vos no texto bíblico, mas eles estão
diversas práticas, ainda que não pres- descritivos no texto bíblico.
critivas. Isso, porém, não é o bastante
para desautorizar os grupos pequenos Os grupos pequenos
como uma prática saudável e reco- e as igrejas em casa
mendável para a igreja de outras épo-
Os grupos pequenos estão pre-
cas, especialmente, quando um profeta
sentes no texto bíblico, não, todavia,
utiliza o mesmo livro de Atos como
como Pequenos Grupos, como se su-
modelo dessas mesmas práticas.35
punha ou se critique. Encontram-se,
A discussão travada na matéria em
porém, muito bem caracterizados no
questão, não deveria ser entre o uso bí-
princípio “igrejas no lar” ou, como
blico e legítimo dos Pequenos Grupos e
preferem os escritores da área, “igre-
a hermenêutica no livro de Atos, mas en-
jas em casa”. Wolfgang Simson, em
tre o uso ilegítimo de textos bíblicos mal
sua obra Casas que transformam o
aplicados do livro de Atos por alguns au-
mundo, atém-se especialmente a es-
tores e defensores de Pequenos Grupos e
clarecer as peculiaridades e funciona-
a hermenêutica no livro de Atos.
mento das igrejas nos lares no período
Além disso, no que o próprio au-
neotestamentário. Simson deixa claro
tor concorda,36 não é necessário ha-
que a igreja desse período funciona-
ver prescritibilidade de uma prática
va nas casas não como uma estraté-
da igreja do passado para autorizar
gia, não como um método escolhido,
essa mesma prática no presente. Em
mas como única forma de existência.
segundo lugar, mesmo não havendo
Declara que “os primeiros cristãos –
prescritibilidade há uma consistente
ainda por muitos anos após a conclu-
descritibilidade dos grupos pequenos
são do cânon bíblico – reuniam-se em
no texto bíblico – eles são históricos.
casas, geralmente no recinto maior de
Não há como separar a igreja apos-
que um dos membros dispunha”.41
tólica dos grupos pequenos nos lares,
pois era assim que a igreja apostólica Antes do período de governo de [Alexan-
funcionava.37 Essa é a sua história. E dre] Severo (222-235 A.D.) era expres-
é essa prática que vem sendo resga- samente proibido por decreto construir
templos cristãos ou prédios eclesiásticos.
tada desde o século XVIII, por João
Isso significava que as igrejas nos lares
Wesley,38 por diversas igrejas evan- representavam a única forma de igreja
gélicas históricas, entre inúmeras viável e mais ou menos tolerável.42
outras,39 e pela Igreja Adventista do
Sétimo Dia, desde seus primórdios.40 Icenogle reforça esse conceito de
E, finalmente, é necessário entender que os grupos pequenos do Novo Tes-
a diferença entre grupos pequenos e tamento tinham o epíteto de igreja, ao
Pequenos Grupos. Os Pequenos Gru- declarar que, “durante os tempos do
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 89

Novo Testamento, o povo de Deus os edifícios públicos, perdendo a


continuou a ter encontros em gru- sua maior marca operacional – a re-
pos pequenos chamados ἐκκλησίαν união nos lares.
(reuniões ou igrejas)”.43 Portanto, os Fica assim conciliada a razão
grupos pequenos do período neotesta- porque Lucas, ao escrever o livro de
mentário eram igrejas com poucas Atos, e Paulo, ao escrever suas car-
pessoas que se reuniam nas casas – tas fazem referência às igrejas nas
igrejas em casa. Não eram Pequenos casas (οἶκος: At 2:46; 5:42; 16:40;
Grupos/Células conforme se entende 20:20; Rm 16:5; 1Co 16:19; Cl
no presente, porém, hospedavam em 4:15; Fm, 2). Essa era a única ma-
seu modus operandi um princípio neira possível da igreja funcionar
básico dos Pequenos Grupos/Células e sobreviver45. William Barclay,46
do presente – as reuniões nas casas. John Mallison47 e F. F. Bruce con-
Ainda concordando com a po- firmam que os grupos formados no
sição de Simson, Martin apresenta período do Novo Testamento eram
essa importante declaração: “igrejas em casa”.48
Igreja em casa, portanto, é um
Escavações arqueológicas de 1930-31, conceito que se autodefine:49 é uma
no local onde hoje é a Síria descobriram igreja que funciona em casa, não em
uma casa igreja do terceiro século. Este
edifício em Dura-Europos mostra evi- prédios, edifícios ou catedrais; cujo
dências de ter sido remodelado a partir limite de membros dependia de sua
de uma residência privada em um lugar estrutura física. Algumas cabiam até
para acomodar também encontros da “cerca de 120 pessoas” (At 1:15); seus
igreja cristã. Quando igrejas começaram cultos eram marcados “por grande
a erguer seus próprios edifícios (a partir
do quarto século), igrejas em casa torna- simplicidade”,50 voltados para a co-
ram-se obsoletas, e a natureza da igreja munhão, o partir do pão e as orações
mudou.44 (At 2:46; 6:4; 1Co 11:20-27).
Simson é bastante enfático ao de-
A declaração de Martin transbor- clarar que, as igrejas em casa “seg-
da de interesse pelo menos em dois uem um modelo do Novo Testamento
aspectos. Primeiro, porque indica e não um modelo da história eclesiás-
que a mudança da casa-residência tica posterior”.51 Também é bastante
para casa-igreja já estava ocorrendo persuasivo ao apresentar os mesmos
antes do quarto século. Muito natu- textos utilizados pelos autores do mo-
ral. Havia um aumento expressivo vimento celular como argumento a
no número de cristãos, e a família favor das igrejas em casa (Rm 16:5;
que ali residia necessitava de um 1Co 16:19; Cl 4:15; Fm 2).52
mínimo de privacidade. Mesmo as- Observe-se que os textos acima
sim, a igreja em casa mantinha suas trazem a palavra “casa” como local
características. Segundo, diz res- onde a igreja se reunia. Isso indica
peito à mudança da natureza da ig- naturalmente que igrejas em casa estão
reja, quando esta sai das casas para mais bem contextualizadas que Peque-
90 / Parousia - 2º semestre de 2010

nos Grupos ou Células. O modelo das pos não se limita ao livro de Atos, e
igrejas em casa já está pronto e funcio- nem mesmo às epístolas paulinas, o
nando no texto bíblico, sem qualquer que já os tornariam bem consisten-
necessidade de arranjos ou analogias.53 tes. Os Pequenos Grupos apoiam-se
Floyd Filson, em seu conceituado em profundos conceitos e princípios
artigo “The Significance of the Early encontrados em seus marcos bíbli-
House Churches”, faz a seguinte de- cos, teológicos e históricos, perce-
claração: “Foi a hospitalidade destes bidos através do texto sagrado desde
lares que tornou possível a adoração Gênesis, e da história sagrada desde
cristã, a refeição comum, e a coragem o Éden.55 Desde ali, na formação da
sustentada pelo companheirismo do humanidade, Deus toma a iniciativa
grupo. O movimento cristão real- de reunir a família humana em torno
mente enraizou-se nesses lares”.54 do altar do sacrifício, provendo-lhe
calor, abrigo, companhia e comu-
Conclusão nhão pelo sangue do Cordeiro (Gn
Esse estudo encerra-se entendendo 1:27; 2:7-8, 20-21).56
que ofereceu evidências consistentes Segue-se a simbologia através
a indicar que o movimento de Peque- dos tempos, através de patriarcas e
nos Grupos/Células segue a mesma profetas (Gn 12:7-8; 22:9-13; 46:1;
trilha do movimento igreja em casa, 1Sm 7:9-10), do povo escolhido Isra-
em grupos pequenos, cuja origem el (Êx 27:1-8), do remanescente (Ed
está inquestionavelmente incrustada 10:34-36; 12:43), até ao tempo de
no texto bíblico. Possivelmente, a Cristo (Lc 1:8-9, Mt 27:41), quando
visão simplista e precária sobre o que o próprio Filho de Deus é apresen-
são os Pequenos Grupos/Células pre- tado como o Cordeiro de Deus que
cipite a utilização de textos bíblicos tira o pecado do mundo (Jo 1:29). E
de maneira inadequada, comprom- novamente Ele reúne Sua igreja em
etendo e dificultando desnecessari- torno de Si e a comissiona na tarefa
amente sua justificativa bíblica. Por de pregar o Evangelho (Mc 16:14-
outro lado, minimizar a importância 16). O modelo de comunhão perma-
dos Pequenos Grupos apenas baseado nece, em grupos pequenos, em torno
no conceito da não-prescritibilidade do Cordeiro, de Seu testemunho e
ignorando as evidências histórico- de Sua Palavra (At 1:12-14; 2:42). É
textuais do livro de Atos e de toda a nessa Palavra, através de suas narra-
Bíblia é outro extremo. tivas inspiradas, proféticas e históri-
É ainda importante ressaltar que cas que os Pequenos Grupos encon-
a base bíblica para os Pequenos Gru- tram seu gênesis.

Referências Evangélica Esperança, 1996), p. 3. Ver tam-


bém Robert Michael Lay, Hélio R. Nichele,
1
Christian Schwarz, O desenvolvimen- ed., Manual do auxiliar de célula (Curitiba,
to natural da igreja (Curitiba, PR: Editora PR: Ministério Igreja em Célula, 1998), p.
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 91

20-28; Joel Comiskey, Crescimento explosi- Latin America” (Ph.D. tese, Fuller Theologi-
vo da igreja em célula (Curitiba, PR: Minis- cal Seminary, Pasadena, California, 1997), p.
tério Igreja em Células, 1997), p. 15; Russell 13.
Burrill, Como reavivar a igreja no século 21 11
Embora no livro de Neemias, capítulo
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 3, encontre-se uma organização de trabalha-
19. dores em grupos, percebe-se, porém, que se
2
William A. Beckham, A segunda refor- trata de um trabalho específico, de um mu-
ma: a igreja do Novo Testamento no século tirão, que se encerrou no momento em que
XXI (Curitiba: Ministério Igreja em Células, a obra terminou — “cinquenta e dois dias”
2007), p. 11. depois (Ne 6:15).
3
Os Pequenos Grupos hoje estão sendo 12
Ver James Swanson, Dictionary of
recomendados em todos os programas das Biblical Languages with Semantic Domain:
Uniões e Campos da IASD do Brasil através Hebrew Old Testament (Oak Harbor: Logos
das Resoluções de Foz do Iguaçu: Recomen- Research Systems, Inc., 1997), p. 1074.
dações do Departamento dos Ministérios Pes- 13
Atilio René Dupertuis, De Egipto a
soais para o Concílio Quinquenal da DSA, Canaán: el evangelio en el éxodo (Berrien
Foz do Iguaçu, 30/10 a 09/11/2005; e da Pro- Springs: Pioneer Publications, 1995), p. 29.
posta sobre Pequenos Grupos, Documento de 14
Flávio Josefos, História dos hebreus:
Pequenos Grupos da DSA, votado em maio obra completa (Rio de Janeiro: Casa Publica-
de 2007, no Centro de Vida Saudável (CEVI- dora das Assembléias de Deus, 1992), p. 92.
SA), Engenheiro Coelho, São Paulo; e do do- 15
Ibid.
cumento Divisão Sul-Americana, “Proposta 16
Lawrence O. Richards, The Bible Read-
do II Fórum de Pequenos Grupos da DSA, ers Companion (Wheaton: Victor Books,
Aprofundando a Caminhada”, Brasília, DF, 1991), p. 752.
02-05 de novembro de 2008. 17
W. Sanday e Arthur C. Headlam, Aq-
4
Comiskey, Crescimento explosivo, p. uila and Priscilla, A Critical and Exegetical
15; Burrill, Como reavivar, p. 19; Jeffrey Ar- Commentary on the Epistle of the Roman
nold, Pequenos grupos sua missão na igreja (New York: C. Scribner’s sons, 1979), p.
e na comunidade (Arapongas: Gráfica e Edi- 420. Ver também “In their house” [Rm 16:5],
tora Aleluia, 2000), p. 25; Beckham, p. 15. Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Ad-
5
Beckham, p. 11, 13 e 16; Arnold, p. 25. ventist Bible Commentary (Hagerstown: Re-
6
Sérgio Leoto, “Iniciando Pequenos view and Herald, 1976), 6:652.
Grupos I”. Pesquisa realizada no site http://
18
A. R. Fausset, The First Epistle of Paul
www.igeva.com.br/pages/estudos.php?id_ the Apostle to the Corinthians, A Commen-
estudo=313, acessado em 5 de dezembro de tary, Critical and Explanatory, on the Old and
2008. New Testaments (Oak Harbor: Logos Re-
7
Pesquisa feita no site http://www.igeva. search Systems, Inc., 1997), 1Co 16:19.
com.br/pages/estudos.php?id_estudo=313,
19
Matthew Henry, The First Epistle of
acessado em 5 de dezembro de 2008. St. Paul to the Corinthians, Matthew Henry’s
8
Weverton Miranda, “Pequenos Gru- Commentary on the Whole Bible: Complete
pos”. Pesquisa realizada no site http://www. and Unabridged in One Volume (Peabody:
pibac.org.br/site/index.php?option=com_co Hendrickson, 1996), 1Co 16:19. Ver também
ntent&task=view&id=51&Itemid=64, aces- John A. Witmer, Romans, The Bible Knowl-
sado em 5 de dezembro de 2008. edge Commentary: An Exposition of the
9
Ralph W. Neighbour, Jr., Where do We Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Victor Books,
Go From Here? A Guide Book for the Cell 1983-c1985), p. 548; “Church … in their
Group Church (Houston: Touch Publications, house” [1 Co 16:19], Nichol, 6:817.
2000), p. 228.
20
Peter T. O’brien, Colossians 4:7-18,
10
Joel Comiskey, “A Cell-Based Min- Word Biblical Commentary, vol. 44 (Waco:
istry: A Positive Factor Church Growth in Word Books, 1982), p. 256-257.
21
Norman L. Geisler, Colossians, The
92 / Parousia - 2º semestre de 2010

Bible Knowledge Commentary: An Exposi- Igreja em Células”, http://www.celulas.com.


tion of the Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Vic- br/; “Touch Ministry”, http://www.touchusa.
tor Books, 1983-c1985), p. 685. org/; “Cell Church Network - Hong Kong”,
22
Joseph Barber Lightfoot, Saint Paul’s www.ccmnglobal.com/; “Igreja Evangélica
Epistles to the Colossians and to Philemon, Elim”, http://www.igrejaselim.org.br/; E para
Classic Commentaries on the Greek New Tes- entender como funcionam algumas Igrejas
tament (London and New York: Macmillan em Pequenos Grupos, ver “Igreja Adventista
and Co., 1886), p. 241. Ver ainda “Nymphas” do Sétimo Dia”, www.pequenosgrupos.com.
[Cl 4:15], Nichol, 7:218. br/; “Primeira Igreja Batista em Arraial do
23
A. R. Fausset, The Epistle of Paul to Cabo”, http://www.pibac.org.br/site/index;
Philemon, A Commentary, Critical and Ex- “IGEVA - Igrejas Evangélicas”, http://www.
planatory, on the Old and New Testaments igeva.com.br/pages/comunidades.php.
(Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc., 33
Wilson Paroschi, “Os Pequenos Gru-
1997), Fm 2. pos e a Hermenêutica: Evidências Bíblicas e
24
Matthew Henry, The Epistle of St. Históricas em Perspectiva”, (Engenheiro Co-
Paul to Plilemon, Matthew Henry’s Com- elho, São Paulo, 2009).
mentary on the Whole Bible: Complete and 34
Paroschi, p. 6.
Unabridged in One Volume (Peabody: Hen- 35
Ver, por exemplo, Ellen G. White,
drickson, 1996), Ph 2. Ver também “Thy hou- Atos dos apóstolos (Tatuí: Casa Publicadora
se” [Fm 2], Nichol, 7:378. Brasileira, 2006), p. 91-92; Ellen G. White,
25
Ver J. Goetzmann, “Οἶκος”, O Novo Serviço cristão (Tatuí: Casa Publicadora Bra-
Dicionário Internacional de Teologia do sileira, 2004), p. 72-73.
Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 36
Ver Paroschi, p. 9.
1981), 1:365-368. Ver também W. E. Vine, 37
Ver Robert Fitts, The Church in the
M. F. Unger e W. White, Vine’s Complete House – A Return to Simplicity (Kaulua-Ko-
Expository Dictionary of Old and New Tes- na, HI, s.d.), p. 9; http://robertfitts.com/63.
tament Words (Nashville: Thomas Nelson, 38
Ver, por exemplo, Howard Snyder, The
1996), 2:308-309. Radical Wesley: Pattern for Church Renewal
26
Otto Michel, “Οἶκος” Theological Dic- (Grand Rapids: Zondervan, 1987); D. Mi-
tionary of the New Testament, Gerhard Kit- chael Henderson, John Wesley’s Class Meet-
tel e Gerhard Friedrich, ed., (Grand Rapids: ing (Neppanee: Evangel Publishing House,
Eerdmans, 1985), 5:119-130. 1997).
27
Ibid. 39
Ver Christian Schwarz, O desenvolvi-
28
P. Weigandt, “Oἶkos”, Exegetical Dic- mento natural da igreja (Curitiba, PR: Edito-
tionary of the New Testament (EDNT), Horst ra Evangélica Esperança, 1996); Roberto Mi-
Robert Balz and Gerhard Schneider, ed., chael Lay, Hélio R. Nichele, ed., Manual do
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990-c1993), auxiliar de célula (Curitiba: Ministério Igreja
2:495. Para estudo completo ver idem, EDNT, em Célula, 1998); Joel Comiskey, Cresci-
2:495, 500-503. mento explosivo da igreja em célula (Curiti-
29
Sanday, CECER, p. 420. ba: Ministério Igreja em Células, 1997).
30
James D. G. Dunn, Romans 9-18. Word 40
A Igreja Adventista traz desde sua ori-
Biblical Commentary (Dallas: Word Publish- gem a prática de estudo da Bíblia em grupos
ing, 1992), p. 893. pequenos, em suas reuniões. A seguir, algu-
31
Weigandt, EDNT, 2:495, 500-503; mas poucas obras que ensinam essa prática:
Sanday, CECER, p. 420; Dunn, Romans 9-18. Ellen G. White, Conselhos sobre a escola
WBC, p. 893; Peter O’brien, Colossians sabatina (Santo André, SP: Casa Publicadora
4:7-8. Word Biblical Commentary (Waco: Brasileira, 1984); Manual da escola sabati-
Word Books, 1982), p. 256-257; Idem, Phi- na (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
lemon 1-3. WBC, p. 273. 1995); Departamento da Escola Sabatina, Au-
32
Para entender como funcionam as prin- xiliar do programa para o jardim da infância
cipais Igrejas em Células, ver “Ministério (Santo André, São Paulo: Casa Publicadora
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 93

Brasileira, 1966); Laveta Maxine Payne, Cal- mente, teve lugar durante aqueles primeiros
led to Teach a Sabbath School Class (Hagers- anos.” Robert Fitts, The Church in the House
town: Review and Herald, 1969). – A Return to Simplicity (Kaulua-Kona, HI,
41
Simson, p. 63. s.d.), p. 9. Pesquisa feita no site http://rober-
42
Ibid., p. 77. tfitts.com/63, acessado em 8 de dezembro de
43
Icenogle, p. 14. 2008.
44
Ernest Martin, Believers Church Bible 53
Alguns autores do movimento celular e
Commentary: Colossians, Philemon (Scotda- de grupos pequenos que apresentam a analo-
le: Herald Press, 1993), p. 297. gia das células: Neighbour, Where do We Go,
45
Daniel Rode, “Uma Teologia de Pe- p. 223; Lay, p. 27-31; Cox, p. 61; Aluízio A.
quenos Grupos”, em Ministério, julho-agosto Silva, Manual da visão de células (Goiânia:
de 2009, p. 19-20. Videira, 2008), p. 27; Comiskey, Crescimen-
46
Ver William Barclay, The Letter to to explosivo, p. 19.
the Romans (Philadelphia: The Westminster 54
Floyd V. Filson, “The Significance of
Press, 1955), p. 228. the Early House Churches”, em Journal of
47
Ver John Mallison, Growing Christians Biblical Literature, 58 (1939): p. 109–112.
in Small Groups (London: Scripture Union, 55
O estudo atual limita-se a apresentar
1989), p. 5. um resumo do tema “Uma Fundamentação
48
Ver Frederick F. Bruce, The Epistles to Bíblica para os Pequenos Grupos”. Escapa ao
the Ephesians and Colossians (Grand Rap- propósito do mesmo apresentar uma funda-
ids: Eerdmans, 1957), p. 309-310. mentação teológica e histórica dos Pequenos
49
Para uma compreensão mais pormeno- Grupos. Para um estudo mais pormenoriza-
rizada sobre conceitos e definições de igrejas do sobre o tema, inclusive a respeito dos seis
em casa, ver Robert e Julia Banks, The Chur- princípios bíblicos dos Pequenos Grupos,
ch Comes Home (Peabody, MS: Hendrickson ver José Umberto Moura, “Uma Fundamen-
Publishers, 1998), p. vii-viii e 6. tação Bíblica, Teológica e Histórica desde
50
George Eldon Ladd, Teologia do Novo uma Perspectiva da Igreja Adventista do Sé-
Testamento (São Paulo: Hagnos, 2002), p. 320. timo Dia” (DTP tese, Seminário Adventista
51
Ibid., p. 109. Latino-Americano de Teologia, Engenheiro
52
Robert Fitts, comentando sobre es- Coelho, São Paulo, 2009).
ses textos, declara o seguinte: “A partir das 56
Ver Wuthnow, I Come Away, p. 349;
Escrituras, é evidente que a igreja primitiva “El éxodo” [12:1–51], Comentario bíbli-
reunia-se nas casas. Eles não tinham edifícios co mundo hispano Éxodo (CBMH), Daniel
de igrejas. Tais edifícios não apareceram até Carro, José Tomás Poe e Rubén O. Zorzo-
o ano 232 A.D. Naqueles primeiros dias não li, ed., (El Paso, TX: Editorial Mundo His-
eram chamadas de “igrejas-casa”. Eles eram pano, 1997), 2:114-126; Ellen G. White,
“a Igreja” que se reunia na casa de alguém. Mensagens escolhidas, 3 vols. (Santo An-
É notável que o mais explosivo período de dré: Casa Publicadora Brasileira, 1966),
crescimento da Igreja na história, até recente- 1:280.
Uma fundamentação bíblica para os
pequenos grupos
Umberto Moura, doutor em Teologia Pastoral
Professor de Formação Pastoral na Faculdade Adventista de Teologia e diretor
de Desenvolvimento Espiritual do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Resumo: Desde algumas décadas até for the same. Small Groups, really,
o presente, os Pequenos Grupos vêm are not ready and working in biblical
assumindo um importante papel no writings, but have in them its origin
crescimento e desenvolvimento de and inspiration.
igrejas em todo o mundo. Tal cres- Introdução
cimento, declarado como um fenô-
meno por diversos autores, também Os Pequenos Grupos ou Células
traz desafios consideráveis para sua têm sido redescobertos como impor-
consolidação como um movimento tante instrumento de crescimento de
bíblico, teológico e histórico. Esse igreja ao redor do mundo,1 há algu-
estudo entende que há uma base bí- mas décadas;2 inclusive pela Igreja
blica para os grupos pequenos, e pro- Adventista do Sétimo Dia (IASD) do
põe essa fundamentação entendida a Brasil.3 Tem sido entendido tratarem-
partir da clarificação de seus concei- se de grupos com poucas pessoas que
tos e de uma definição para os mes- se reúnem regularmente, com propó-
mos. Os Pequenos Grupos, realmen- sito especifico e intencional.
te, não estão prontos e funcionando Desde então tem havido um con-
no texto bíblico, mas têm neles sua siderável esforço por parte dos estu-
origem e inspiração. diosos de Pequenos Grupos para orga-
nizá-los biblicamente e fundamentar
Abstract: Since a few decades ago sua teologia. Se os Pequenos Grupos
until the present time, Small Groups são o que pretendem ser – um fenô-
have taken an important roll in the meno4, um movimento5 – conforme
growth and development of chur- declarados e defendidos por teólogos
ches around the world. This growth, e pastores do movimento, precisam
declared as a phenomenon by va- de uma sustentação bíblica e teológi-
rious authors, also bring considerable ca consistente.
challenges for its consolidation as a Muitos eruditos têm enfatizado
biblical, theological and historical essa necessidade, outros já se ante-
movement. This study understands ciparam a declarar que ela não exis-
that there is a biblical study for ha- te. Esse estudo trata exatamente da
ving small groups, and proposes this fundamentação bíblica dos Pequenos
foundation parting from the clarifica- Grupos, considerando sua necessida-
tion of its concepts and of a definition de, sem ignorar seus desafios.
84 / Parousia - 2º semestre de 2010

Antes, porém, de tratar da apre- base bíblica que lhes aporte. Pelo
sentação dessa base bíblica, talvez tempo em que os grupos pequenos
fosse oportuno considerar que, a am- estão em funcionamento, e ainda não
pla generalização no uso deste termo se apresentou uma fundamentação
– Pequenos Grupos – tem criado difi- bíblica, não quer dizer inexistência da
culdades para sua compreensão. Mui- mesma, mas indica a dificuldade da
tos passaram a atribuir esse nome a tarefa. Primeiro, porque a expressão
uma variedade de atividades realiza- “pequenos grupos”, ou “célula”, não
das com poucas pessoas, grupos pe- aparece uma única vez em toda a
quenos que, insistentemente, têm sido Bíblia.8 Segundo, porque aquilo que
chamados de Pequenos Grupos. 6
se entende hoje por Pequenos Gru-
Este trabalho entende Pequenos pos, um verdadeiro sistema altamente
Grupos como um termo técnico, com organizado, não podem ser encontra-
significação substantivada que desig- dos no Antigo Testamento; no Novo
na uma atividade específica. Isso se Testamento eles também não estão
contrapõe ao uso livre e adjetivado do muito claros. Terceiro, as característi-
mesmo, cuja percepção tem escapado cas (estratégias, estruturas, métodos)
quando se trata grupos pequenos de dos Pequenos Grupos atuais diferem
pessoas reunidas para qualquer fina- bastante dos grupos pequenos dos
lidade religiosa como se fossem Pe- tempos bíblicos. Ralph Neighbour
quenos Grupos. 7 admite que os Pequenos Grupos “não
Para o atual contexto, portanto, estão baseados sobre um sólido en-
Pequenos Grupos podem ser defini- tendimento teológico do porque de
dos como um sistema desenvolvido sua existência”.9 “Realmente”, confir-
dentro de um processo organizado ma Comiskey, “o Antigo Testamento
intencionalmente para o crescimento diz muito pouco sobre o ministério de
espiritual, com multiplicação e con- grupos pequenos”.10
servação de seus membros. Seu ob-
jetivo missional envolve os aspectos Os grupos pequenos no antigo
testamento
espiritual e social, profético e esca-
tológico. Seus diversos ministérios Neighbour e Comiskey parecem
desenvolvem-se a partir de reuniões bastante coerentes em suas opiniões
interativas, em grupos pequenos, quando se percebe que os textos a
compostos por membros da comuni- seguir são os únicos a tratar explici-
dade de fé, seus familiares, amigos e tamente de organização de grupos pe-
convidados. Seus encontros aconte- quenos no Antigo Testamento.11
cem em dia, local e horário regulares, “Procura dentre o povo homens
em comunhão, através do louvor, ora- capazes, tementes a Deus, homens
ção, testemunho e estudo da Palavra. de verdade, que aborreçam a avareza;
Tratando-se de um movimento põe-nos sobre eles por chefes de mil,
religioso os Pequenos Grupos neces- chefes de cem, chefes de cinqüenta e
sitam, obviamente, de uma criteriosa chefes de dez” (Êx 18:21).
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 85

“Tomei, pois, os cabeças de vossas mente tratando de Pequenos Grupos,


tribos, homens sábios e experimenta- como frequentemente são citados, ou
dos, e os fiz cabeças sobre vós, chefes está falando de grupos pequenos. Seja
de milhares, chefes de cem, chefes de como for, encontra-se aqui uma impor-
cinquenta, chefes de dez e oficiais se- tante sinalização de sua origem. Uma
gundo as vossas tribos” (Dt 1:15). revisão no sentido da palavra οἶκος em
Parece claro, pelo contexto destas seu contexto histórico-literário ajudará
passagens (Êx 18:14-16; Dt 1:9-10, nesse esclarecimento.
12-17), que trata-se de uma organi- Lawrence Richard, em seu comen-
zação sócio-político-administrativa, tário sobre Romanos 16:5, apresenta
não de um modelo de funcionamento argumentos bastante elucidativos ao
eclesiástico com vistas à evangeli- destacar o papel das casas nos cultos
zação, conservação ou crescimento. dos primeiros séculos e, surpreende, ao
Outra observação importante é que a perceber os grupos pequenos já como
palavra casa, em hebraico ‫( בית‬bait),12 “um fenômeno” naquele período.
local imprescindível para acontecer os
Pequenos Grupos, não aparece nesses Durante quase três séculos o cristianismo
textos, sugerindo que os grupos pe- era um fenômeno em ‘grupo pequeno’.
Os primeiros cristãos não construíram
quenos de Jetro não incluíam reuniões grandes igrejas ou catedrais. Em vez dis-
nos lares. O Êxodo foi a experiência so, reuniram-se em casas de culto e de
do “povo de Israel como nação”.13 partilha. Com base no tamanho das ca-
Flávio Josefo concorda que a di- sas das cidades do 1º século, as reuniões
visão em “regimentos de mil e de devem ter acomodado um número muito
limitado de pessoas.16
quinhentos homens; os regimentos,
ainda, em companhias de cem e de
Sanday e Headlam concordam
cinquenta homens e essas companhias
com Richard e fazem um destaque
em esquadras de trinta, de vinte e de
importante. Eles dizem que
dez homens comandados por oficiais,
que teriam nomes conforme o número não há provas decisivas até o terceiro sé-
de soldados sob seu comando”,14 seria culo da existência de edifícios utilizados
para auxiliar na liderança de Moisés, para as igrejas. As referências parecem ser
que “estava sobrecarregado pela mul- para todos os lugares, em casas particula-
tidão de negócios”.15 res, por vezes, muito provavelmente casas
de uma grande dimensão. No NT temos
em primeiro (At 12:12) a casa de Maria,
Os grupos pequenos a mãe de João [Marcos], onde muitos se
no novo testamento reuniam e oravam.... Não há razão para
supor que esta igreja era o local de encon-
A ocorrência de grupos pequenos tro de todos os cristãos romanos.17
no Novo Testamento, porém, é bastante
frequente. Um conjunto de textos pauli- O segundo texto que trata da mes-
nos (Rm 16:5; 1Co 16:19; Cl 4:15; Fm ma questão é 1 Coríntios 16:19. De
2) foram selecionados para uma análise, acordo com Fausset, Áquila e Prisci-
a fim de se verificar se Paulo está real- la (cf. At 18:2; Rm 16:3, 4),
86 / Parousia - 2º semestre de 2010

originalmente expulsos da Itália por toda a igreja” (Rm 16:23), a qualificação


Claudius, tinham chegado a Corinto (daí “todo” ὅλη, seria desnecessário se os co-
a sua saudação aos Coríntios ser apropria- ríntios somente se encontrassem como
da aqui) e, em seguida, mudaram-se com um simples grupo nas sucessivas cidades
Paulo de Corinto para Éfeso (At 18:2, 18, onde eles viveram, e.g., em Éfeso (1Co
19, 26); aqui, como em Roma, posterior- 16:19) e Roma (Rm 16:15).20
mente, eles levantaram uma igreja (ou
assembléia de fiéis) na casa deles (Rm
16:3, 5).... Em 1Co 16:20, “Todos os ir- Norman Geisler declara que “reunião
mãos” (isto é, toda a igreja) parecem ser das igrejas nos lares foi uma prática co-
distinguidos como “a igreja que está em mum até antes que houvesse edifícios de
sua casa”, mas que era uma montagem igreja (Rm 16:5; 1Co 16:19; Fm 2)”.21
parcial e privada fora da Igreja em geral Lightfoot demonstra ter a mesma com-
de Corinto..18
preensão sobre a questão das casas que
eram tratadas como igreja.22
Henry apoia a posição de Fausset e Finalmente, a quarta passagem sele-
demonstra que, entender a igreja como cionada que trata da expressão a igreja
funcionando em casa era bastante co- em casa é Filemom 2. Os estudiosos em
mum, inclusive por não estar limitada a geral confirmam as posições dos estu-
um número pequeno de pessoas. Sendo dos das passagens anteriores. Fausset,
assim, a própria família pode ser entendi- por exemplo, declara que “na ausência
da como uma igreja em casa.19 de uma igreja regular, nomeadamente as
Outro texto analisado, o terceiro casas de santos eram utilizadas para essa
dentre os selecionados, que trata da finalidade”.23 E Henry conclui: “A casa
questão do funcionamento da igreja de Filemom era uma igreja”.24
nos lares dos cristãos é Colossenses Essa declaração de Henry é importante,
4:15. Comentando sobre esse texto, porque, na verdade não se tratava da ausên-
Peter O’brien entende que cia de uma igreja regular, pois a igreja fun-
cionava regularmente nas casas. Esse tipo
igrejas em casa... são frequentemente de observação é muito comum, indicando
mencionadas nas cartas do NT. Há oca- que os comentaristas poderão estar olhan-
sião em que toda a congregação de uma do a história de trás para frente, tendo em
cidade pode ser pequena o suficiente mente o paradigma da igreja do presente.
para se reunir na casa de um dos seus Encontra-se no Novo Testamento a
membros, e deve ser lembrado que não ocorrência de pelo menos 229 vezes a
era assim até cerca de meados do tercei-
ro século, quando os primeiros cristãos palavra casa (οἶκος).25 Otto Michel, em
possuíam propriedades para propósitos sistemático estudo, apresenta o uso da
de adoração.... Em outros lugares igrejas palavra οἶκος em seu contexto histórico
em casa parece ter sido o menor círculo literário e seus respectivos empregos,
de companheirismo dentro de um grande em nove conteúdos.26 No nono tópico,
grupo. Além da casa de Ninfas em Lao-
dicéia, conhecemos que em Colossos a “The ‘House’ as a Group in the Structure
casa de Filemom era usada como local de of the Christian Community”, declara:
encontro (Fm 2). Em Filipos, a casa de
Lídia parece ter sido usada dessa manei- O primitivo cristianismo estrutura sua
ra (At 16:15, 40) enquanto em Coríntios congregação em famílias, grupos e “ca-
Gaio é descrito como “hospedeiro e de sas”. A casa era tanto um local de comu-
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 87

nhão como um local de encontro. Assim para este objetivo. Igualmente impor-
lemos da casa de Estéfanas em 1Co 1:16, tante é perceber que a igreja cristã dos
da casa de Filemom em Fm 2, a casa de
Cornélio em At 11:14, a casa de Lídia em
primeiros séculos operava com base
At 16:15, a casa da prisão do governador em grupos pequenos que se reuniam
em Filipos em At 16:31, 34.27 nas casas – igrejas em casa.
Em seu trabalho “Os Pequenos
P. Weigandt também apresenta Grupos e a Hermenêutica: Evidências
um estudo exegético da palavra οἶκος Bíblicas e Históricas em Perspecti-
(e οἰκία) e reforça os conceitos de va”, Wilson Paroschi questiona os
Michel. Demonstra que οἶκος é uma Pequenos Grupos baseado em alguns
palavra de amplo uso no Novo Testa- conceitos, principalmente o da pres-
mento e fora dele. O termo é bastante critibilidade no livro de Atos. Ele diz
usado quando se trata de local de reu- que, “nos moldes atuais”, os Pequenos
nião da igreja apostólica.28 Grupos não representam “exatamente
Apesar de Sanday e Headlam co- a prática primitiva da igreja”.33
mentarem que “durante quase três Isso está correto, quando defen-
séculos o cristianismo era um fenô- sores de Pequenos Grupos querem
meno em ‘grupo pequeno’”29 e James dizer que estes já foram praticados
D. G. Dunn mencionar que a Igreja no período apostólico. Por outro lado,
“funcionava em base regular”, talvez ignorar que existe uma relação entre
semanalmente, ou mensalmente,30 em modelos, não parece correto; assim
nenhum dos textos estudados (Rm como negar que os grupos pequenos
15:5; 1Co 16:19; Cl 4:5; Fm 2) e de do período apostólico sirvam de mo-
acordo com estes mesmos autores e delo para hoje baseado na repetição
outros consultados31 a palavra οἶκος e histórica, ou na importância exage-
suas derivadas referem-se a uma re- rada que alguns deram às práticas do
união de Pequenos Grupos conforme livro de Atos, ou numa interpretação
entendidos e praticados pelas igrejas hermenêutica baseada na falta de
nas últimas décadas.32 prescritibilidade. Isso também não
Em consideração ao que foi trata- convence. Os Pequenos Grupos de
do até o momento é possível concluir hoje não são os Pequenos Grupos do
parcialmente que os textos analisados período apostólico, mas, com certeza,
no Novo Testamento não demonstram têm neles sua origem bíblica, modelo
que os Pequenos Grupos/Células são e inspiração adaptados e contextuali-
encontrados como um programa zados para essa época.
regular eclesiástico. Essa percepção, Paroschi declara que é “um erro
todavia, não é o bastante para desa- tratar o livro de Atos como um manu-
creditar os Pequenos Grupos como al da igreja, e a igreja apostólica como
uma prática encontrada na Bíblia. um modelo em tudo para a igreja de
Indica apenas que o uso intencional todos os tempos e lugares”.34 Realmen-
de certos textos retirados de seu sig- te, considerar o livro de Atos como um
nificado original não está adequado manual da igreja, e a igreja apostólica
88 / Parousia - 2º semestre de 2010

como um modelo “em tudo” parece pos não estão prontos no texto bíbli-
mesmo um exagero. Porém, esse ar- co, mas os grupos pequenos estão no
gumento não elimina o fato de que a texto bíblico; eles não são prescriti-
igreja apostólica no livro de Atos tem vos no texto bíblico, mas eles estão
diversas práticas, ainda que não pres- descritivos no texto bíblico.
critivas. Isso, porém, não é o bastante
para desautorizar os grupos pequenos Os grupos pequenos
como uma prática saudável e reco- e as igrejas em casa
mendável para a igreja de outras épo-
Os grupos pequenos estão pre-
cas, especialmente, quando um profeta
sentes no texto bíblico, não, todavia,
utiliza o mesmo livro de Atos como
como Pequenos Grupos, como se su-
modelo dessas mesmas práticas.35
punha ou se critique. Encontram-se,
A discussão travada na matéria em
porém, muito bem caracterizados no
questão, não deveria ser entre o uso bí-
princípio “igrejas no lar” ou, como
blico e legítimo dos Pequenos Grupos e
preferem os escritores da área, “igre-
a hermenêutica no livro de Atos, mas en-
jas em casa”. Wolfgang Simson, em
tre o uso ilegítimo de textos bíblicos mal
sua obra Casas que transformam o
aplicados do livro de Atos por alguns au-
mundo, atém-se especialmente a es-
tores e defensores de Pequenos Grupos e
clarecer as peculiaridades e funciona-
a hermenêutica no livro de Atos.
mento das igrejas nos lares no período
Além disso, no que o próprio au-
neotestamentário. Simson deixa claro
tor concorda,36 não é necessário ha-
que a igreja desse período funciona-
ver prescritibilidade de uma prática
va nas casas não como uma estraté-
da igreja do passado para autorizar
gia, não como um método escolhido,
essa mesma prática no presente. Em
mas como única forma de existência.
segundo lugar, mesmo não havendo
Declara que “os primeiros cristãos –
prescritibilidade há uma consistente
ainda por muitos anos após a conclu-
descritibilidade dos grupos pequenos
são do cânon bíblico – reuniam-se em
no texto bíblico – eles são históricos.
casas, geralmente no recinto maior de
Não há como separar a igreja apos-
que um dos membros dispunha”.41
tólica dos grupos pequenos nos lares,
pois era assim que a igreja apostólica Antes do período de governo de [Alexan-
funcionava.37 Essa é a sua história. E dre] Severo (222-235 A.D.) era expres-
é essa prática que vem sendo resga- samente proibido por decreto construir
templos cristãos ou prédios eclesiásticos.
tada desde o século XVIII, por João
Isso significava que as igrejas nos lares
Wesley,38 por diversas igrejas evan- representavam a única forma de igreja
gélicas históricas, entre inúmeras viável e mais ou menos tolerável.42
outras,39 e pela Igreja Adventista do
Sétimo Dia, desde seus primórdios.40 Icenogle reforça esse conceito de
E, finalmente, é necessário entender que os grupos pequenos do Novo Tes-
a diferença entre grupos pequenos e tamento tinham o epíteto de igreja, ao
Pequenos Grupos. Os Pequenos Gru- declarar que, “durante os tempos do
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 89

Novo Testamento, o povo de Deus os edifícios públicos, perdendo a


continuou a ter encontros em gru- sua maior marca operacional – a re-
pos pequenos chamados ἐκκλησίαν união nos lares.
(reuniões ou igrejas)”.43 Portanto, os Fica assim conciliada a razão
grupos pequenos do período neotesta- porque Lucas, ao escrever o livro de
mentário eram igrejas com poucas Atos, e Paulo, ao escrever suas car-
pessoas que se reuniam nas casas – tas fazem referência às igrejas nas
igrejas em casa. Não eram Pequenos casas (οἶκος: At 2:46; 5:42; 16:40;
Grupos/Células conforme se entende 20:20; Rm 16:5; 1Co 16:19; Cl
no presente, porém, hospedavam em 4:15; Fm, 2). Essa era a única ma-
seu modus operandi um princípio neira possível da igreja funcionar
básico dos Pequenos Grupos/Células e sobreviver45. William Barclay,46
do presente – as reuniões nas casas. John Mallison47 e F. F. Bruce con-
Ainda concordando com a po- firmam que os grupos formados no
sição de Simson, Martin apresenta período do Novo Testamento eram
essa importante declaração: “igrejas em casa”.48
Igreja em casa, portanto, é um
Escavações arqueológicas de 1930-31, conceito que se autodefine:49 é uma
no local onde hoje é a Síria descobriram igreja que funciona em casa, não em
uma casa igreja do terceiro século. Este
edifício em Dura-Europos mostra evi- prédios, edifícios ou catedrais; cujo
dências de ter sido remodelado a partir limite de membros dependia de sua
de uma residência privada em um lugar estrutura física. Algumas cabiam até
para acomodar também encontros da “cerca de 120 pessoas” (At 1:15); seus
igreja cristã. Quando igrejas começaram cultos eram marcados “por grande
a erguer seus próprios edifícios (a partir
do quarto século), igrejas em casa torna- simplicidade”,50 voltados para a co-
ram-se obsoletas, e a natureza da igreja munhão, o partir do pão e as orações
mudou.44 (At 2:46; 6:4; 1Co 11:20-27).
Simson é bastante enfático ao de-
A declaração de Martin transbor- clarar que, as igrejas em casa “seg-
da de interesse pelo menos em dois uem um modelo do Novo Testamento
aspectos. Primeiro, porque indica e não um modelo da história eclesiás-
que a mudança da casa-residência tica posterior”.51 Também é bastante
para casa-igreja já estava ocorrendo persuasivo ao apresentar os mesmos
antes do quarto século. Muito natu- textos utilizados pelos autores do mo-
ral. Havia um aumento expressivo vimento celular como argumento a
no número de cristãos, e a família favor das igrejas em casa (Rm 16:5;
que ali residia necessitava de um 1Co 16:19; Cl 4:15; Fm 2).52
mínimo de privacidade. Mesmo as- Observe-se que os textos acima
sim, a igreja em casa mantinha suas trazem a palavra “casa” como local
características. Segundo, diz res- onde a igreja se reunia. Isso indica
peito à mudança da natureza da ig- naturalmente que igrejas em casa estão
reja, quando esta sai das casas para mais bem contextualizadas que Peque-
90 / Parousia - 2º semestre de 2010

nos Grupos ou Células. O modelo das pos não se limita ao livro de Atos, e
igrejas em casa já está pronto e funcio- nem mesmo às epístolas paulinas, o
nando no texto bíblico, sem qualquer que já os tornariam bem consisten-
necessidade de arranjos ou analogias.53 tes. Os Pequenos Grupos apoiam-se
Floyd Filson, em seu conceituado em profundos conceitos e princípios
artigo “The Significance of the Early encontrados em seus marcos bíbli-
House Churches”, faz a seguinte de- cos, teológicos e históricos, perce-
claração: “Foi a hospitalidade destes bidos através do texto sagrado desde
lares que tornou possível a adoração Gênesis, e da história sagrada desde
cristã, a refeição comum, e a coragem o Éden.55 Desde ali, na formação da
sustentada pelo companheirismo do humanidade, Deus toma a iniciativa
grupo. O movimento cristão real- de reunir a família humana em torno
mente enraizou-se nesses lares”.54 do altar do sacrifício, provendo-lhe
calor, abrigo, companhia e comu-
Conclusão nhão pelo sangue do Cordeiro (Gn
Esse estudo encerra-se entendendo 1:27; 2:7-8, 20-21).56
que ofereceu evidências consistentes Segue-se a simbologia através
a indicar que o movimento de Peque- dos tempos, através de patriarcas e
nos Grupos/Células segue a mesma profetas (Gn 12:7-8; 22:9-13; 46:1;
trilha do movimento igreja em casa, 1Sm 7:9-10), do povo escolhido Isra-
em grupos pequenos, cuja origem el (Êx 27:1-8), do remanescente (Ed
está inquestionavelmente incrustada 10:34-36; 12:43), até ao tempo de
no texto bíblico. Possivelmente, a Cristo (Lc 1:8-9, Mt 27:41), quando
visão simplista e precária sobre o que o próprio Filho de Deus é apresen-
são os Pequenos Grupos/Células pre- tado como o Cordeiro de Deus que
cipite a utilização de textos bíblicos tira o pecado do mundo (Jo 1:29). E
de maneira inadequada, comprom- novamente Ele reúne Sua igreja em
etendo e dificultando desnecessari- torno de Si e a comissiona na tarefa
amente sua justificativa bíblica. Por de pregar o Evangelho (Mc 16:14-
outro lado, minimizar a importância 16). O modelo de comunhão perma-
dos Pequenos Grupos apenas baseado nece, em grupos pequenos, em torno
no conceito da não-prescritibilidade do Cordeiro, de Seu testemunho e
ignorando as evidências histórico- de Sua Palavra (At 1:12-14; 2:42). É
textuais do livro de Atos e de toda a nessa Palavra, através de suas narra-
Bíblia é outro extremo. tivas inspiradas, proféticas e históri-
É ainda importante ressaltar que cas que os Pequenos Grupos encon-
a base bíblica para os Pequenos Gru- tram seu gênesis.

Referências Evangélica Esperança, 1996), p. 3. Ver tam-


bém Robert Michael Lay, Hélio R. Nichele,
1
Christian Schwarz, O desenvolvimen- ed., Manual do auxiliar de célula (Curitiba,
to natural da igreja (Curitiba, PR: Editora PR: Ministério Igreja em Célula, 1998), p.
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 91

20-28; Joel Comiskey, Crescimento explosi- Latin America” (Ph.D. tese, Fuller Theologi-
vo da igreja em célula (Curitiba, PR: Minis- cal Seminary, Pasadena, California, 1997), p.
tério Igreja em Células, 1997), p. 15; Russell 13.
Burrill, Como reavivar a igreja no século 21 11
Embora no livro de Neemias, capítulo
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 3, encontre-se uma organização de trabalha-
19. dores em grupos, percebe-se, porém, que se
2
William A. Beckham, A segunda refor- trata de um trabalho específico, de um mu-
ma: a igreja do Novo Testamento no século tirão, que se encerrou no momento em que
XXI (Curitiba: Ministério Igreja em Células, a obra terminou — “cinquenta e dois dias”
2007), p. 11. depois (Ne 6:15).
3
Os Pequenos Grupos hoje estão sendo 12
Ver James Swanson, Dictionary of
recomendados em todos os programas das Biblical Languages with Semantic Domain:
Uniões e Campos da IASD do Brasil através Hebrew Old Testament (Oak Harbor: Logos
das Resoluções de Foz do Iguaçu: Recomen- Research Systems, Inc., 1997), p. 1074.
dações do Departamento dos Ministérios Pes- 13
Atilio René Dupertuis, De Egipto a
soais para o Concílio Quinquenal da DSA, Canaán: el evangelio en el éxodo (Berrien
Foz do Iguaçu, 30/10 a 09/11/2005; e da Pro- Springs: Pioneer Publications, 1995), p. 29.
posta sobre Pequenos Grupos, Documento de 14
Flávio Josefos, História dos hebreus:
Pequenos Grupos da DSA, votado em maio obra completa (Rio de Janeiro: Casa Publica-
de 2007, no Centro de Vida Saudável (CEVI- dora das Assembléias de Deus, 1992), p. 92.
SA), Engenheiro Coelho, São Paulo; e do do- 15
Ibid.
cumento Divisão Sul-Americana, “Proposta 16
Lawrence O. Richards, The Bible Read-
do II Fórum de Pequenos Grupos da DSA, ers Companion (Wheaton: Victor Books,
Aprofundando a Caminhada”, Brasília, DF, 1991), p. 752.
02-05 de novembro de 2008. 17
W. Sanday e Arthur C. Headlam, Aq-
4
Comiskey, Crescimento explosivo, p. uila and Priscilla, A Critical and Exegetical
15; Burrill, Como reavivar, p. 19; Jeffrey Ar- Commentary on the Epistle of the Roman
nold, Pequenos grupos sua missão na igreja (New York: C. Scribner’s sons, 1979), p.
e na comunidade (Arapongas: Gráfica e Edi- 420. Ver também “In their house” [Rm 16:5],
tora Aleluia, 2000), p. 25; Beckham, p. 15. Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Ad-
5
Beckham, p. 11, 13 e 16; Arnold, p. 25. ventist Bible Commentary (Hagerstown: Re-
6
Sérgio Leoto, “Iniciando Pequenos view and Herald, 1976), 6:652.
Grupos I”. Pesquisa realizada no site http://
18
A. R. Fausset, The First Epistle of Paul
www.igeva.com.br/pages/estudos.php?id_ the Apostle to the Corinthians, A Commen-
estudo=313, acessado em 5 de dezembro de tary, Critical and Explanatory, on the Old and
2008. New Testaments (Oak Harbor: Logos Re-
7
Pesquisa feita no site http://www.igeva. search Systems, Inc., 1997), 1Co 16:19.
com.br/pages/estudos.php?id_estudo=313,
19
Matthew Henry, The First Epistle of
acessado em 5 de dezembro de 2008. St. Paul to the Corinthians, Matthew Henry’s
8
Weverton Miranda, “Pequenos Gru- Commentary on the Whole Bible: Complete
pos”. Pesquisa realizada no site http://www. and Unabridged in One Volume (Peabody:
pibac.org.br/site/index.php?option=com_co Hendrickson, 1996), 1Co 16:19. Ver também
ntent&task=view&id=51&Itemid=64, aces- John A. Witmer, Romans, The Bible Knowl-
sado em 5 de dezembro de 2008. edge Commentary: An Exposition of the
9
Ralph W. Neighbour, Jr., Where do We Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Victor Books,
Go From Here? A Guide Book for the Cell 1983-c1985), p. 548; “Church … in their
Group Church (Houston: Touch Publications, house” [1 Co 16:19], Nichol, 6:817.
2000), p. 228.
20
Peter T. O’brien, Colossians 4:7-18,
10
Joel Comiskey, “A Cell-Based Min- Word Biblical Commentary, vol. 44 (Waco:
istry: A Positive Factor Church Growth in Word Books, 1982), p. 256-257.
21
Norman L. Geisler, Colossians, The
92 / Parousia - 2º semestre de 2010

Bible Knowledge Commentary: An Exposi- Igreja em Células”, http://www.celulas.com.


tion of the Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Vic- br/; “Touch Ministry”, http://www.touchusa.
tor Books, 1983-c1985), p. 685. org/; “Cell Church Network - Hong Kong”,
22
Joseph Barber Lightfoot, Saint Paul’s www.ccmnglobal.com/; “Igreja Evangélica
Epistles to the Colossians and to Philemon, Elim”, http://www.igrejaselim.org.br/; E para
Classic Commentaries on the Greek New Tes- entender como funcionam algumas Igrejas
tament (London and New York: Macmillan em Pequenos Grupos, ver “Igreja Adventista
and Co., 1886), p. 241. Ver ainda “Nymphas” do Sétimo Dia”, www.pequenosgrupos.com.
[Cl 4:15], Nichol, 7:218. br/; “Primeira Igreja Batista em Arraial do
23
A. R. Fausset, The Epistle of Paul to Cabo”, http://www.pibac.org.br/site/index;
Philemon, A Commentary, Critical and Ex- “IGEVA - Igrejas Evangélicas”, http://www.
planatory, on the Old and New Testaments igeva.com.br/pages/comunidades.php.
(Oak Harbor: Logos Research Systems, Inc., 33
Wilson Paroschi, “Os Pequenos Gru-
1997), Fm 2. pos e a Hermenêutica: Evidências Bíblicas e
24
Matthew Henry, The Epistle of St. Históricas em Perspectiva”, (Engenheiro Co-
Paul to Plilemon, Matthew Henry’s Com- elho, São Paulo, 2009).
mentary on the Whole Bible: Complete and 34
Paroschi, p. 6.
Unabridged in One Volume (Peabody: Hen- 35
Ver, por exemplo, Ellen G. White,
drickson, 1996), Ph 2. Ver também “Thy hou- Atos dos apóstolos (Tatuí: Casa Publicadora
se” [Fm 2], Nichol, 7:378. Brasileira, 2006), p. 91-92; Ellen G. White,
25
Ver J. Goetzmann, “Οἶκος”, O Novo Serviço cristão (Tatuí: Casa Publicadora Bra-
Dicionário Internacional de Teologia do sileira, 2004), p. 72-73.
Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 36
Ver Paroschi, p. 9.
1981), 1:365-368. Ver também W. E. Vine, 37
Ver Robert Fitts, The Church in the
M. F. Unger e W. White, Vine’s Complete House – A Return to Simplicity (Kaulua-Ko-
Expository Dictionary of Old and New Tes- na, HI, s.d.), p. 9; http://robertfitts.com/63.
tament Words (Nashville: Thomas Nelson, 38
Ver, por exemplo, Howard Snyder, The
1996), 2:308-309. Radical Wesley: Pattern for Church Renewal
26
Otto Michel, “Οἶκος” Theological Dic- (Grand Rapids: Zondervan, 1987); D. Mi-
tionary of the New Testament, Gerhard Kit- chael Henderson, John Wesley’s Class Meet-
tel e Gerhard Friedrich, ed., (Grand Rapids: ing (Neppanee: Evangel Publishing House,
Eerdmans, 1985), 5:119-130. 1997).
27
Ibid. 39
Ver Christian Schwarz, O desenvolvi-
28
P. Weigandt, “Oἶkos”, Exegetical Dic- mento natural da igreja (Curitiba, PR: Edito-
tionary of the New Testament (EDNT), Horst ra Evangélica Esperança, 1996); Roberto Mi-
Robert Balz and Gerhard Schneider, ed., chael Lay, Hélio R. Nichele, ed., Manual do
(Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1990-c1993), auxiliar de célula (Curitiba: Ministério Igreja
2:495. Para estudo completo ver idem, EDNT, em Célula, 1998); Joel Comiskey, Cresci-
2:495, 500-503. mento explosivo da igreja em célula (Curiti-
29
Sanday, CECER, p. 420. ba: Ministério Igreja em Células, 1997).
30
James D. G. Dunn, Romans 9-18. Word 40
A Igreja Adventista traz desde sua ori-
Biblical Commentary (Dallas: Word Publish- gem a prática de estudo da Bíblia em grupos
ing, 1992), p. 893. pequenos, em suas reuniões. A seguir, algu-
31
Weigandt, EDNT, 2:495, 500-503; mas poucas obras que ensinam essa prática:
Sanday, CECER, p. 420; Dunn, Romans 9-18. Ellen G. White, Conselhos sobre a escola
WBC, p. 893; Peter O’brien, Colossians sabatina (Santo André, SP: Casa Publicadora
4:7-8. Word Biblical Commentary (Waco: Brasileira, 1984); Manual da escola sabati-
Word Books, 1982), p. 256-257; Idem, Phi- na (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,
lemon 1-3. WBC, p. 273. 1995); Departamento da Escola Sabatina, Au-
32
Para entender como funcionam as prin- xiliar do programa para o jardim da infância
cipais Igrejas em Células, ver “Ministério (Santo André, São Paulo: Casa Publicadora
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 93

Brasileira, 1966); Laveta Maxine Payne, Cal- mente, teve lugar durante aqueles primeiros
led to Teach a Sabbath School Class (Hagers- anos.” Robert Fitts, The Church in the House
town: Review and Herald, 1969). – A Return to Simplicity (Kaulua-Kona, HI,
41
Simson, p. 63. s.d.), p. 9. Pesquisa feita no site http://rober-
42
Ibid., p. 77. tfitts.com/63, acessado em 8 de dezembro de
43
Icenogle, p. 14. 2008.
44
Ernest Martin, Believers Church Bible 53
Alguns autores do movimento celular e
Commentary: Colossians, Philemon (Scotda- de grupos pequenos que apresentam a analo-
le: Herald Press, 1993), p. 297. gia das células: Neighbour, Where do We Go,
45
Daniel Rode, “Uma Teologia de Pe- p. 223; Lay, p. 27-31; Cox, p. 61; Aluízio A.
quenos Grupos”, em Ministério, julho-agosto Silva, Manual da visão de células (Goiânia:
de 2009, p. 19-20. Videira, 2008), p. 27; Comiskey, Crescimen-
46
Ver William Barclay, The Letter to to explosivo, p. 19.
the Romans (Philadelphia: The Westminster 54
Floyd V. Filson, “The Significance of
Press, 1955), p. 228. the Early House Churches”, em Journal of
47
Ver John Mallison, Growing Christians Biblical Literature, 58 (1939): p. 109–112.
in Small Groups (London: Scripture Union, 55
O estudo atual limita-se a apresentar
1989), p. 5. um resumo do tema “Uma Fundamentação
48
Ver Frederick F. Bruce, The Epistles to Bíblica para os Pequenos Grupos”. Escapa ao
the Ephesians and Colossians (Grand Rap- propósito do mesmo apresentar uma funda-
ids: Eerdmans, 1957), p. 309-310. mentação teológica e histórica dos Pequenos
49
Para uma compreensão mais pormeno- Grupos. Para um estudo mais pormenoriza-
rizada sobre conceitos e definições de igrejas do sobre o tema, inclusive a respeito dos seis
em casa, ver Robert e Julia Banks, The Chur- princípios bíblicos dos Pequenos Grupos,
ch Comes Home (Peabody, MS: Hendrickson ver José Umberto Moura, “Uma Fundamen-
Publishers, 1998), p. vii-viii e 6. tação Bíblica, Teológica e Histórica desde
50
George Eldon Ladd, Teologia do Novo uma Perspectiva da Igreja Adventista do Sé-
Testamento (São Paulo: Hagnos, 2002), p. 320. timo Dia” (DTP tese, Seminário Adventista
51
Ibid., p. 109. Latino-Americano de Teologia, Engenheiro
52
Robert Fitts, comentando sobre es- Coelho, São Paulo, 2009).
ses textos, declara o seguinte: “A partir das 56
Ver Wuthnow, I Come Away, p. 349;
Escrituras, é evidente que a igreja primitiva “El éxodo” [12:1–51], Comentario bíbli-
reunia-se nas casas. Eles não tinham edifícios co mundo hispano Éxodo (CBMH), Daniel
de igrejas. Tais edifícios não apareceram até Carro, José Tomás Poe e Rubén O. Zorzo-
o ano 232 A.D. Naqueles primeiros dias não li, ed., (El Paso, TX: Editorial Mundo His-
eram chamadas de “igrejas-casa”. Eles eram pano, 1997), 2:114-126; Ellen G. White,
“a Igreja” que se reunia na casa de alguém. Mensagens escolhidas, 3 vols. (Santo An-
É notável que o mais explosivo período de dré: Casa Publicadora Brasileira, 1966),
crescimento da Igreja na história, até recente- 1:280.
Reforma de saúde:
história e relevância teológica
no movimento adventista
Jean Zuckowski, Ph. D.
Professor de História Eclesiástica e História da IASD na Faculdade Adventista
de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Resumo: Este artigo analisa o desen- movimento Milerita que propagava a


volvimento e importância da reforma mensagem da segunda vinda de Cris-
de saúde no movimento adventista do to a Terra em 1844. Entretanto, Jesus
sétimo dia. A primeira parte discor- não veio como predito, e a busca por
re sobre os antecedentes históricos e entender o erro na interpretação pro-
o desenvolvimento da mensagem de fética levou um grupo destes adven-
saúde no começo da igreja adven- tistas Mileritas a restaurarem e desco-
tista do sétimo dia. A segunda parte brirem novas verdades bíblicas.
apresenta a significância teológica da Os primeiros anos de pesquisas
mensagem de saúde analisando a re- bíblicas destes adventistas Mileritas,
lação saúde e salvação, e a visão de depois de 1844, foram marcados pela
Ellen G. White e sua contribuição formação das doutrinas básicas do
para a reforma de saúde. que se tornaria a Igreja Adventista do
Sétimo Dia. Sábado, santuário, a na-
Abstract: This article analyses the tureza do homem e outras doutrinas
development and relevance of the foram ampliadas e conectadas ao en-
health message in the Adventist mo- tendimento profético histórico já obti-
vement. The first part discusses about do pelos Mileritas. A descoberta des-
the historical background and the tas novas verdades reforçou a crença
development of the health message adventista na iminente segunda vinda
in the first years of the seventh day de Cristo ao mundo. O tempo era cur-
Adventist church. The second part to e fazia-se necessário pregar essa
presents the theological significance verdade presente ao mundo.
of the health message. It analyzes the O esforço em proclamar essa men-
link between salvation and health, as sagem levou os adventistas sabatistas
well as Ellen White’s vision on and a procurar uma melhor forma de orga-
her contribution to the health reform. nização. Em 1860 foi adotado o nome
Adventista do Sétimo Dia; sedes admi-
Introdução nistrativas locais e outras instituições
foram organizadas. A grande ênfase
A Igreja Adventista do Sétimo missionária acompanhada da rápida
Dia foi organizada em continuação ao expansão das administrações locais
96 / Parousia - 2º semestre de 2010

levou os Adventistas do Sétimo Dia a específico é analisar o impacto desta


buscar uma organização central e, em mensagem na vida da igreja, algumas
1863, foi organizada a Conferência crises na história da mesma referen-
Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. tes à mensagem de saúde e sua signi-
Depois de ter sido estabelecido as ficância para os dias atuais.
bases doutrinárias e organizacionais O artigo está divido em duas
os Adventistas do Sétimo Dia desen- partes: histórica e teológica. A parte
volveram um entendimento particular histórica discorrerá sobre os antece-
sobre estilo de vida cristão. Institui- dentes históricos e o desenvolvimen-
ções educacionais e de saúde tornam- to da mensagem de saúde entre os
se, então, um terceiro passo na orga- Adventistas do Sétimo Dia. A parte
nização da igreja. teológica analisará a conexão entre a
No desenvolvimento doutrinário e mensagem de saúde e salvação, bem
organizacional, pioneiros como José como a visão de Ellen G. White e sua
Bates, Tiago White, Hiran Edson e ou- contribuição para reforma de saúde.
tros restauraram e descobriram novas
doutrinas através do estudo extensivo Parte 1 – História da reforma
da bíblia. Ellen G. White, como men- de saúde
sageira de Deus para o povo rema-
nescente, recebeu visões confirmando
Introdução
estas verdades bíblicas descobertas.
Entretanto, no desenvolvimento do No começo do século 19 os EUA
estilo de vida, especialmente a refor- experimentaram um grande descré-
ma de saúde, foi considerada pela li- dito na profissão médica e um cres-
derança da igreja como assunto de ex- cente despertar por tratamentos natu-
trema importância e urgência devido rais, reforma de saúde e temperança.
à visão que Ellen G. White recebeu Como resultado foram organizadas
em 1863.1 sociedades de temperança, clínicas
Sabendo-se que muitos dos prin- e instituições de saúde promovendo
cípios da reforma de saúde adotados tratamentos naturais.2 No movimen-
pelos adventistas já eram conhecidos to adventista a mensagem de saúde
antes de Ellen G. White ter recebido desenvolveu-se através do ministério
sua visão em 1863, por que Deus então profético de Ellen G. White. Ela re-
revelou isto à sua igreja através de sua cebeu quatro visões específicas sobre
mensageira? Qual a importância da saúde, e o trabalho médico missioná-
mensagem de saúde? Como foi o de- rio tornou-se parte integrante da mis-
senvolvimento da mensagem de saúde são adventista. Gradualmente o traba-
e sua aceitação entre os adventistas? lho médico missionário expande-se
O objetivo deste artigo é analisar com o estabelecimento de instituições
o desenvolvimento e importância da de saúde, mas problemas teológicos e
mensagem de saúde para a Igreja Ad- administrativos acompanham esta ex-
ventista do Sétimo Dia. O propósito pansão. Muito embora o ideal de Deus
Reforma de saúde / 97

para a reforma de saúde ainda não te- e fora, exercício, descanso e a absti-
nha sido alcançado, a Igreja Adven- nência de bebidas fortes, do chá e do
tista do Sétimo Dia espera pelo tempo café. Dentre estes reformadores pode-
em que o remanescente iluminará a mos citar Sylvester Graham,4 William
terra através dos poderosos efeitos da Alcott,5 Dr. J. C. Jackson, Dr. Harriet
reforma de saúde na vida dos crentes Austin,6 Dr. Joel Shew,7 e outros.
e seu trabalho missionário.
José Bates
Antecedentes históricos
e culturais Entre os pioneiros adventistas do
Sétimo Dia, José Bates foi o primeiro
No começo do século 19, as po-
a adotar a reforma de saúde. Mesmo
bres condições de higiene da popu-
antes de ter aceitado o cristianismo ele
lação eram um campo fértil para a
já havia abandonado o uso de álcool e
proliferação de doenças. As práticas
fumo. Após sua conversão, ele orga-
convencionais de medicina não eram
nizou uma sociedade de temperança
eficientes para promover a cura na
em sua igreja local. Ao aposentar-se,
maioria dos casos. Os procedimentos
ele fez mudanças em seus hábitos nu-
médicos baseavam-se em premissas
tricionais e abandonou o uso do chá e
erradas no que tange o diagnóstico e
café, sendo ele o mais saudável den-
natureza das doenças. Os tratamentos
tro todos os líderes do movimento
mais comuns eram o sangramento e
Adventista do Sétimo Dia. Entretan-
o uso de fortes estimulantes e drogas
to, dentro do movimento adventista
como ópio e protocloreto de mercú-
ele nunca tentou impor seu estilo de
rio.3 Pobres hábitos alimentares con-
vida aos outros, advogando a reforma
tribuíam para o aparecimento de do-
de saúde apenas depois das visões de
enças. A base da dieta americana era
Ellen G. White.8
carne, pão branco, massas, frituras e
alimentos gordurosos.
As visões de Ellen G. White
Os problemas de saúde e a imo-
ralidade experimentada pelos ame- Ellen G. White teve quatro visões
ricanos levaram muitas pessoas a específicas na área de saúde. Em seus
envolverem-se em terapias naturais e escritos ela apresenta muitos outros
movimentos de reforma de saúde no conceitos sobre a reforma de saúde,
começo do século 19. As sociedades mas nessas quatro visões se encon-
de temperança e principais movimen- tram o cerne da mensagem de saúde
tos de reforma advogavam uma forte adventista e através delas pode ser
redução no consumo de álcool, mas delineado o desenvolvimento do en-
instituições de tratamento natural pro- tendimento adventista na área.
curavam uma reforma de saúde mais Ellen G. White recebeu sua primei-
ampla. Os pontos principais defendi- ra visão no outono de 1842.9 Os pon-
dos por estes reformadores eram a re- tos principais apresentados nesta visão
forma alimentar, o uso de água dentro são os efeitos maléficos do tabaco, chá
98 / Parousia - 2º semestre de 2010

e café. O anjo lhe orientou que todos tretanto, seu conteúdo foi dirigido à
aqueles que não abandonassem o taba- igreja como um todo.15 As diferentes
co não receberiam o selamento, pois o orientações trazidas pela visão podem
uso de tabaco é idolatria. A visão esta- ser sumarizadas em dez tópicos. 16 O
belece uma teologia escatológica onde primeiro apresenta o cuidado com a
há uma ligação íntima entre o viver saúde como um dever religioso. Deus
saudável, a espiritualidade e a prepara- requer que seu povo O glorifique
ção para a segunda vinda.10 Muito em- através de corpos saudáveis. Segun-
bora a visão claramente condenasse o do, doenças são apresentadas como
uso do tabaco, esse foi tolerado entre a resultado das violações das leis de
membresia adventista até 1853,11 sen- saúde. Terceiro, a intemperança pode
do somente em 1855 votado excluir do ser apresentada na vida do cristão em
rol de membros aqueles que não aban- diferentes maneiras, tais como: (1)
donassem este vício.12 uso de “bebidas estimulantes”; (2)
A segunda visão de Ellen G. White uso de tabaco “em qualquer forma”;
foi dada em 12 de fevereiro de 1854.13 (3) uso de alimentos altamente condi-
Nessa visão, ela aborda os seguintes mentados; (4) a “intemperança no tra-
pontos: (1) adultério na igreja; (2) falta balho”; e (5) “a indulgência é à base
de pureza do corpo entre adventistas; das paixões”.17
(3) necessidade do controle do apetite; O quarto tópico apresenta a dieta
(4) profanação; (5) negligência paterna vegetariana como ideal para o ser hu-
na educação dos filhos; e (6) casamen- mano. Ela apresenta que o alimento
tos não recomendados. Novamente é suíno deveria ser totalmente abando-
realçado que saúde e espiritualidade nado. O quinto ponto está relacionado
estão conectados e para ser um cristão com a importância de hábitos corre-
puro, o mesmo deve ser temperante. tos de saúde. Cristãos deveriam de-
A terceira visão de Ellen G. White senvolver hábitos saudáveis como: o
sobre saúde, recebida em 6 de junho de controlar o apetite, não comer dema-
1863 em Otsego, Michigan, é a mais siado, não comer entre as refeições,
expressiva. Ela e seu marido estavam etc. O sexto tópico está relacionado
hospedados na casa de Aaron Hilliard com a saúde mental. A visão apre-
participando de um encontro evan- senta que muitas das doenças têm sua
gelístico liderado pelos pastores R. J. origem na mente e não são causadas
Laurence e M. E. Cornell. Nessa casa, por fatores externos ou orgânicos.
apenas dezesseis dias depois da Confe- Sétimo, os efetivos remédios de
rência Geral dos Adventistas do Sétimo Deus para os seres humanos são: (1)
Dia ter sido organizada em Battle Cre- ar, (2) água, (3) luz solar, (4) exercí-
ek, ao por do sol, Ellen G. White levan- cio, (5) descanso, e (6) abstinência.18
ta-se para orar e é tomada em visão por O próximo tópico enfatiza a higiene
quarenta e cinco minutos.14 pessoal como pureza de vida. Para
A visão teve como foco central Ellen G. White, higiene e pureza en-
a recuperação de Tiago White, en- volvem cuidados com o corpo, roupa,
Reforma de saúde / 99

casa e pureza de coração. O nono tó- mudou seu nome para Sanitarium
pico dá orientações sobre a constru- (Sanatório).22
ção de uma casa. Os lugares mais Depois de um começo pequeno
altos e uma própria ventilação são o sanatório experimentou um cresci-
destacados como pontos chaves na mento que o levou a ser conhecido
construção de uma casa. Finalmente mundialmente como o líder em trata-
ela enfatiza que é um dever cristão mentos naturais. Ele também se tornou
partilhar com outros os princípios da o centro para treinamento de médicos
reforma de saúde. missionários da Igreja Adventista do
A quarta visão, em 25 de dezem- Sétimo Dia na época. Ellen G. Whi-
bro de 1865, da às bases para o estabe- te tinha declarado que todo ministro
lecimento das instituições de saúde. A deveria combinar a pregação da pa-
Igreja Adventista do Sétimo Dia de- lavra com o ministério do alívio das
veria providenciar lugares onde pes- doenças assim como Jesus fez em seu
soas pudessem ser curadas e aprender ministério.23 O Dr. Kellogg e os mem-
sobre a medicina natural preventiva. bros associados do sanatório, depois
O Dr. Kellogg e a obra da inauguração do novo prédio em
médico-missionária
1877, abriram uma “escola de saúde”
com o objetivo de promover os prin-
As condições de saúde da maio- cípios básicos de higiene e nutrição a
ria dos líderes da Igreja Adventista do todos que estivessem interessados em
Sétimo Dia em 1863, quando Ellen G. preparar-se para a obra médico mis-
White recebeu sua visão sobre saúde, sionário e a pregação do evangelho.
não eram boas. Para eles esta mensa- Ele também organizou a Sociedade
gem foi de fundamental importância. Americana de Saúde e Temperança
O senso da obrigação de promover a que, em seu ponto de vista, deveria
reforma de saúde e a inclusão da mes- ter como membros todos os Adven-
ma como parte da terceira mensagem tistas do Sétimo Dia.24
angélica19 motivou-os a publicar a re- O Dr. Kellogg tinha um carinho
vista The Health Reformer e a cons- especial pela mensagem de saúde.
truir o Instituto Ocidental para Refor- Quando ele assumiu a liderança do
ma de Saúde. 20 instituto, “imediatamente decidiu im-
Esse instituto para reforma de plantar na instituição um programa
saúde foi aberto tendo como médi- que incluísse todos os aspectos da
cos os doutores H. S. Lay e Phoebe doutrina de saúde.”25 Muito embora
Lamson.21 Porém, o médico mais fa- ele tenha reconhecido que era muito
moso do instituto foi o Dr. John Har- difícil fazer todas as mudanças neces-
vey Kellogg, que teve seus estudos sárias naquele momento, trabalhou
patrocinados pelo casal White. O Dr. persistentemente e, de forma gradual,
Kellogg trabalhou também como edi- eliminou completamente carne, chá e
tor da revista The Health Reformer café do sanatório.26 Ele era um defen-
e ao tornar-se o diretor do instituto sor rigoroso da reforma de saúde.
100 / Parousia - 2º semestre de 2010

Muito embora a Escola de Saúde fechas- escolhidos deveriam estudar no colé-


se depois de alguns anos, o Dr. Kellogg gio com todas as suas despesas pagas.
a reativou em 1889 com um novo nome:
Escola de treinamento de Médicos Mis-
Conquanto “ele sonhasse que todos os
sionários do Sanatório. Durante a pró- membros da igreja deveriam ser médi-
xima década esta escola ofereceu uma cos missionários, os bons samaritanos
variedade de cursos com duração de um para o mundo,”28 ele tinha uma per-
mês a dois anos. Muitos dos cursos eram sonalidade muito forte e dificilmente
projetados especialmente para pastores
e suas esposas, missionários além mar
delegava responsabilidades ou ouvia
e professores em escolas adventistas. O opiniões alheias. Sua maneira indepen-
objetivo do Dr. Kellogg era capacitar to- dente de trabalhar, juntamente com os
dos os trabalhadores adventistas com o problemas oriundos de sua visão do tra-
conhecimento em fisiologia, nutrição e balho médico e trabalho evangelístico,
tratamentos naturais simples para cura
das doenças através do uso de hidrote-
resultaram em uma crise na igreja.
rapia, massagem, exercícios e reforma Kellogg acusava os pastores e lei-
alimentar.27 gos de ignorar e mesmo se opor aos
princípios da reforma de saúde como
O Dr. Kellogg tinha uma grande
tinha sido proposto nos primórdios.
preocupação com a propagação da re-
Havia uma tendência de a área médica
forma de saúde, porém, ele falhava em
considerar seu trabalho primariamente
um ponto fundamental apresentado por
como filantrópico e humanitário e não
Ellen G. White. Para ela as instruções
evangelístico, gastando uma quantia
sobre a reforma de saúde deveriam ser
enorme de dinheiro com pessoas pobres
dadas em conexão com a terceira men-
nas grandes cidades e pouco dinheiro e
sagem angélica. Todavia, o Dr. Kellogg
esforço dedicado ao trabalho de evan-
enfatizava apenas a parte da importância
gelização da obra médico-missionária
da mudança dos hábitos de saúde, mas
mundial. Kellog estimulava os jovens
quase sempre negligenciava conectá-
a estudarem medicina a fim de atender
los com a terceira mensagem angélica.
a obra filantrópica em detrimento da
Havia uma grande necessidade de importância do preparo ministerial da
trabalhadores capacitados tanto para obra médico-missionária. Estas diver-
atender a área médica como a área gências de opiniões somadas com um
missionária. Todavia, como para o Dr. espírito de independência e crítica ao
Kellogg a principal área era a médica, trabalho evangelístico levaram a uma
ele apenas incentivava a formação de separação entre o trabalho médico
médicos, patrocinando estudantes de missionário liderado pelo Dr. Kellogg
medicina na Universidade de Ann Ar- e a liderança da igreja.29
bor. Logo depois ele fundou o Colégio Além destes problemas adminis-
Médico Missionário com o fim de pre- trativos, o Dr. Kellogg também tinha
parar médicos adventistas para institui- divergências teológicas com a lideran-
ções e missões. Apesar das dificuldades ça da igreja. Em seu livro The Living
financeiras, o Dr. Kellogg tinha em Temple, ele defendia ideias panteístas,
mente que estudantes cuidadosamente e se não fosse pela intervenção de El-
Reforma de saúde / 101

len G. White, ele teria convencido os 19 na América e a mensagem de saú-


líderes da casa publicadora Review and de pregada pelos Adventistas do Séti-
Herald a publicarem seu livro com o mo Dia é a conexão entre os aspectos
objetivo de levantar fundos.30 Os con- físicos e espirituais como essenciais
flitos administrativos e teológicos do para a promoção de um viver saudá-
Dr. Kellogg com a igreja resultou em vel e crescimento espiritual. A reforma
sua separação da igreja e a perda do de saúde na igreja adventista, mais do
sanatório de Battle Creek. que um meio para manter-se saudável,
é o meio para alcançar crescimento
Expansão da obra espiritual. Esta conexão entre físico e
médico - missionária espiritual faz da reforma de saúde algo
não apenas essencial para o cristão ao
Depois da separação de Kellogg
demonstrar o real caráter de Cristo em
da igreja e a perda das facilidades mé-
seu estilo de vida, mas também dá um
dicas lideradas por ele, a igreja abriu
sentido especial de missão ao movi-
uma escola de medicina em Loma Lin-
mento, promovendo a saúde física que
da, California em 1910. Loma Linda
habilitará os seres humanos alcança-
já possuía um Instituto de Reforma de
rem uma melhor comunicação com
Saúde e uma escola para treinamen-
Deus e preparo para a crise final. As-
to de enfermeiras. A escola de Loma
sim como foi durante o ministério de
Linda tornou-se um centro para o
Jesus, hoje, a cura física é tão essencial
treinamento de médicos missionários
quanto o desenvolvimento espiritual. A
e em muitos outros lugares a reforma
pregação desta reforma de saúde entre
avançou com a implantação de clíni-
os Adventistas do Sétimo Dia foi pro-
cas, hospitais, indústrias alimentares
movida mais pelo ministério profético
e outras facilidades médicas ao redor
de Ellen G. White que por médicos ou
do mundo. A Conferência Geral orga-
teólogos adventistas.
nizou em 1922 o Departamento médi-
co missionário que passou a coorde- A reforma de saúde
nar as várias instituições de saúde ao como verdade presente
redor do mundo. Entretanto, apesar
No desenvolvimento da mensa-
de toda expansão, a reforma de saú-
gem de saúde entre os adventistas, a
de não alcançou ainda seu objetivo de
transgressão das leis naturais do cor-
preparar um povo para encontrar-se
po humano foi considerada transgres-
com o seu Deus.
são da lei de Deus. Ellen G. White,
Parte 2 - A reforma de saúde orientando os pais em como deveriam
e a salvação ensinar aos filhos a importância do
estudo do corpo humano e as leis que
regem este organismo, disse: “Como
Introdução
princípio fundamental de toda a edu-
Uma das maiores diferenças entre cação, deve-se ensinar à juventude
os reformadores de saúde do século que as leis da natureza são as leis de
102 / Parousia - 2º semestre de 2010

Deus, verdadeiramente tão divinas todo o sistema nervoso do corpo, são


quanto os preceitos do Decálogo. o único meio pelo qual o céu pode se
Quanto às leis que governam nosso comunicar com o homem e afetam sua
organismo físico, Deus as escreveu vida íntima. Qualquer distúrbio na cir-
sobre cada nervo, músculo ou fibra culação da corrente elétrica do sistema
do corpo. Cada violação descuidada nervoso diminui a resistência das for-
ou negligente dessas leis constitui um ças vitais e o resultado é o amortecer
pecado contra o nosso Criador.”31 das sensibilidades mentais.”34
Para a igreja adventista, a terceira O conhecimento de que Deus se
mensagem angélica é o evangelho a comunica com o homem através dos
ser pregado hoje.32 Uma parte dessa nervos cerebrais fez com que os ad-
mensagem descrita em Apocalipse ventistas defendessem que a saúde
14:12 chama os adoradores à obedi- física é tão essencial quanto à saúde
ência da lei de Deus. Essa conexão espiritual. O cultivar da saúde física
feita por Ellen G. White entre a trans- habilitaria seres humanos serem usa-
gressão das leis do corpo humano e dos por Deus no máximo de suas po-
o decálogo fez a mensagem de saúde tencialidades. Ellen G. White disse
tornar-se verdade presente. que “a vida física é para ser cuidadosa-
Outro aspecto, apresentado pelos mente educada, cultivada e desenvol-
adventistas, que integra a reforma de vida, para que em homens e mulheres
saúde na verdade presente, é sua visão a natureza divina possa ser revelada
holística do homem e o direito de pro- em sua plenitude. Tanto os poderes
priedade de Deus sobre suas criaturas. físicos bem como os mentais, com
A relação intima entre corpo, mente suas inclinações, devem ser treinados
e espírito faz com que a transgressão de tal maneira que possam alcançar o
das leis de saúde enfraqueça o corpo mais alto grau de eficiência.”35
como um todo, física, moral e espiritu- Por outro lado, para os adventistas,
almente. Seres humanos devem honrar o desconsiderar a saúde física ao trans-
a Deus não somente com suas mentes, gredir as leis naturais que regem o or-
mas também com seus corpos. Deus ganismo humano resulta naturalmente
como criador tem o direito de proprie- na formação de barreiras na comuni-
dade sobre corpo e vida das criaturas, cação entre Deus e o homem. Assim,
devendo estas, viver para honrar a “cada violação do princípio em comer
Deus através de suas faculdades físi- e beber embota as faculdades percepti-
cas, mentais e espirituais.33 vas, fazendo impossível para o homem
apreciar ou dar o verdadeiro valor so-
Saúde física e espiritual bre as verdades eternas.”36
Os adventistas entenderam que a Santificação, segunda vinda e missão
comunicação entre Deus e o homem é
feita através dos nervos cerebrais. El- A íntima conexão entre a reforma
len G. White afirmou que “os nervos de saúde e a segunda vinda de Cristo
do cérebro, que se comunicam com é uma das mais importantes contri-
Reforma de saúde / 103

buições da mensagem adventista no angélica no preparar um povo para a


campo da saúde. Esta conexão traz luz vinda do Senhor.”38
a dois pontos importantes do evange- Essa ligação também expandiu
lho eterno para os últimos dias, que é o entendimento adventista sobre o
a terceira mensagem angélica: santifi- plano de salvação na qual Cristo, o
cação e missão. Ela também conecta sumo sacerdote, intercede por seus
a reforma de saúde com a salvação do filhos no santuário celestial. Depois
homem. Como Ellen G. White disse: de 1844, ao iniciar-se a segunda fase
“A luz dada por Deus sobre a refor- de seu ministério sacerdotal, o juízo
ma de saúde é para nossa salvação e investigativo, uma purificação seria
a salvação do mundo. Homens e mu- feita simultaneamente no céu e na ter-
lheres deveriam ser informados sobre ra. No céu, Cristo estaria purificando
o corpo humano preparado por nosso o santuário, enquanto que na terra, o
Criador como Seu lugar de habitação, Espírito Santo estaria purificando o
e sobre o qual Ele deseja que nós se- povo através da obra de santificação
jamos seus mordomos fiéis.”37 e selamento.
Dentro do contexto da santificação
Santificação e selamento, Ellen G. White explica
O propósito da pregação da ter- que a reforma de saúde é importante
ceira mensagem angélica é preparar na formação do caráter (a única coisa
um povo para encontrar-se com seu que levaremos da terra aos céus) e na
Deus. Sendo que a maneira de Deus restauração da humanidade. Ela diz
se comunicar com os seres humanos que “a perfeição de caráter não pode
é através dos nervos do cérebro e a ser alcançada enquanto as leis da natu-
transgressão das leis de saúde impos- reza são desconsideradas, pois, isto é
sibilita a apreciação das coisas eter- transgredir a lei de Deus. Sua lei é es-
nas, a reforma de saúde é essencial no crita com Seu próprio dedo sobre cada
processo de santificação, no preparo nervo, músculo, cada fibra de nosso
de um povo que permanecerá em pé ser, sobre cada faculdade que tem sido
diante de Deus no dia de Sua vinda. confiada ao homem. Estes dons são
Esta visão da mensagem de saúde concedidos ao homem não para serem
como preparação para a crise final é abusados e corrompidos, mas para se-
defendida por Ellen G. White quando rem usados para Sua honra e glória na
ela afirma que “a reforma de saúde é restauração da humanidade.”39
um braço do grande trabalho, que é A mensagem de saúde, também
preparar um povo para a vinda do Se- seria o meio de escape para o tempo
nhor. Ela está intimamente conectada do fim, provido por Deus, para que
com a terceira mensagem angélica Seu povo pudesse resistir às artima-
como a mão está ao corpo . . . . Apre- nhas de Satanás. Dentre estes ardis
sentar claramente a lei natural e insti- do inimigo, Ellen G. White enumera
gar a obediência da mesma, é a obra como principais a indulgência com o
que acompanha a terceira mensagem apetite, a gratificação do eu e as pai-
104 / Parousia - 2º semestre de 2010

xões carnais.40 O negligenciar, então, pessoa limpa e pura, não poderemos ser
dos princípios de saúde, mantém o apresentados imaculados perante Deus.42
crente sob o domínio do pecado e o
Ela continua dizendo que este tra-
impossibilita de compreender as ver-
balho de purificação deve ser pregado
dades bíblicas. Como ela advertiu a
pelos ministros. Eles devem alertar
igreja: “É impossível para os homens,
o mundo que existe um meio eficaz
enquanto viverem sob o poder do pe-
para libertar todo aquele que vive
cado, nos hábitos que destroem a saú-
escravizado pelo pecado. “O mundo
de, apreciar as verdades sagradas.”
deve saber que há um antídoto para
Ellen G. White expande esta idéia o pecado. Quando o trabalho médico
dizendo: missionário inteligentemente alivia
Quando o intelecto é anuviado, os po- o sofrimento e salva vidas, corações
deres morais são enfraquecidos e o pe- são abrandados. Todos aqueles que
cado não parecerá pecaminoso. Os mais
são ajudados ficam cheios de gra-
nobres, grandiosos e gloriosos temas da
palavra de Deus parecerão fábulas sem tidão. Enquanto o trabalho médico
sentido. Satanás poderá então facilmente missionário atua no corpo, Deus atua
retirar a boa semente que foi semeada no no coração.”43
coração... É desta maneira que egoísmo, Entretanto, para que a igreja alcan-
indulgências destruidoras da saúde estão
ce êxito neste trabalho, Deus convida
a neutralizar a influência da mensagem
que tem por objetivo preparar um povo seu povo a ter uma clara concepção de
para o grande dia de Deus.41 seus requerimentos. Assim, cada cren-
te é convidado a “ingerir os alimentos
Para ela, Deus está preparando um mais simples, preparados da maneira
povo para representá-lo neste mundo mais simples, para que os sensíveis
e apenas aqueles que forem completa- nervos do cérebro não sejam enfra-
mente purificados pelo poder de Cris- quecidos, entorpecidos ou paralisados,
to serão apresentados por Jesus como fazendo impossível ao ser humano
inculpáveis perante o Pai. discernir as coisas sagradas e o valor
da expiação, do purificador sangue de
Eu vi que Deus estava purificando para Cristo como de valor inigualável.”44
si mesmo um povo peculiar. Eu vi que
o campo deveria estar limpo, ou Deus
passaria e veria a impureza de Israel não Missão
indo assim com eles para a batalha. Ele
os deixaria em desprezo e nossos inimi-
Para os adventistas, seguindo as
gos triunfariam sobre nós e seriamos en- orientações do ministério profético de
fraquecidos em vergonha e desgraça. Ellen G. White, a reforma de saúde
tornou-se o carro chefe na missão da
Eu vi que Deus não reconheceria uma igreja, que é a propagação do evange-
pessoa impura e desleixada como cristão.
Sua reprovação estava sobre eles. Nossa
lho eterno da terceira mensagem an-
alma, corpo e espírito devem ser apre- gélica. O conhecimento e prática da
sentados imaculados por Jesus perante reforma simplificariam o cumprimen-
Seu Pai, e a menos que sejamos uma to do dever cristão para cada membro
Reforma de saúde / 105

da igreja, facilitando o testemunhar apresenta que cada membro da igreja


do amor de Cristo. “Há um trabalho a deveria se envolver nesta obra: “Nós
ser feito pela nossa igreja que poucos estamos em um tempo em que cada
imaginam o que é. ‘Eu estava faminto membro da igreja deve firmemente
,’disse Cristo, ‘e me destes de comer; envolver-se na obra médico-missioná-
eu estava sedento e me destes de beber; ria. O mundo é um leprosário cheio de
eu era estrangeiro e me acolhestes; nu, vítimas de doenças tanto físicas como
e me vestistes; eu estava doente e fostes espirituais. Em todos os lugares pes-
visitar-me; eu estava na prisão e você soas estão perecendo por falta do co-
veio a mim ....’Este é o tipo de trabalho nhecimento da verdade que nos tem
médico missionário a ser feito. Leve a sido confiada. Os membros da igreja
luz do sol da justiça nos lugares onde os precisam ser despertados a fim de que
doentes e sofredores estão.”45 possam cumprir com sua responsabili-
Para o cumprimento com êxito dade de transmitir estas verdades.”48
desta missão, Ellen G. White diz que Ela até mesmo declara que o co-
ministros deveriam estar bem prepa- nhecimento dos princípios gerais de
rados nos conhecimentos das leis de saúde providenciaria uma fonte con-
saúde. “Se nossos ministros trabalhas- tinua de trabalho no tempo do fim.
sem seriamente para obter uma educa- Quando os ataques religiosos subver-
ção na linha médico-missionária, eles terem as liberdades de nossa nação, to-
estariam mais bem preparados para dos aqueles que defendem a liberdade
realizar o trabalho que Cristo realizou de consciência estarão em uma posição
como médico-missionário.”46 desfavorável. Para seu próprio bem, eles
deveriam enquanto têm oportunidade,
Para Ellen G. White a pregação tornarem-se conhecedores em como
da mensagem de saúde é o trabalho curar, prevenir e quais são as causas das
médico missionário que cada minis- doenças. Todos aqueles que assim o fi-
tro deveria estar envolvido: “Os mi- zerem, encontrarão um campo de traba-
nistros do evangelho deveriam pregar lho em qualquer lugar. Haverá pessoas
sofrendo, muitos deles, que necessitarão
os princípios de saúde, pois estes têm de ajuda, não apenas entre os de nossa
sido dados por Deus como um dos fé, mas principalmente entre aqueles que
meios necessários para preparar um não conhecem a verdade.49
povo perfeito em caráter. Portanto,
os princípios de saúde nos têm sido O trabalho médico-missionário era
dados a fim de que nós, como povo o método de Cristo trabalhar e nós de-
possamos estar preparados tanto físi- veríamos seguir seu exemplo. “Cristo
ca, como mentalmente para receber ia onde o povo estava e colocava diante
a plenitude das bênçãos de Deus. O deles as grandes verdades de Seu reino.
trabalho médico-missionário tem seu Ao sair de lugar em lugar, ele abençoava
lugar e parte no fechamento do traba- e confortava os sofredores e curava os
lho da pregação do evangelho.”47 doentes. Este é o nosso trabalho. Deus
No entanto, este trabalho não está deseja que a obra de ajuda aos necessi-
restrito aos ministros. Ellen G. White tados seja desempenhada por nós.”50
106 / Parousia - 2º semestre de 2010

Deus não deixou seu povo rema- O propósito, beleza e importância


nescente sem luz com respeito ao seu da mensagem de saúde no contexto de
plano de salvação e dever cristão de santificação e missão é, portanto, “as-
levar aos outros o conhecimento des- segurar o mais alto possível desenvol-
ta salvação. Ele levantou um profeta vimento da mente, alma e corpo. To-
para apresentar aos seres humanos das as leis da natureza—que são leis
como devem preparar-se para encon- de Deus — são designadas para nosso
trá-lo em sua segunda vinda, e como bem. A obediência às mesmas promo-
partilhar este conhecimento salvífico verá felicidade nesta vida e ajudará na
a última geração deste mundo. A men- preparação para a vida porvir.”54
sagem de saúde não é o evangelho
Sumário
para este tempo, mas é um dos meios
mais eficazes para quebrar precon- A reforma de saúde foi conectada
ceitos e alcançar pessoas para Deus. pelos adventistas à terceira mensagem
A mensageira do Senhor disse que angélica através do decálogo, da vi-
Deus em sua providência colocou o são holística da natureza humana e o
trabalho médico-missionário como “a direito de propriedade de Deus sobre
grande cunha de entrada, onde a alma suas criaturas. Deus se comunica com
doente pode ser alcançada.” 51 Ele é a os seres humanos através dos nervos
mão direita da terceira mensagem an- do cérebro e a transgressão das leis
gélica que abre portas para a entrada de saúde cria uma barreira nesta co-
do evangelho. “Esta é a parte na qual municação. A aplicação destes princí-
o trabalho médico-missionário deve pios habilitará os homens discernir e
agir. Ele deve ser amplamente usado entender as sagradas escrituras. A re-
para preparar o caminho para a recep- forma de saúde é essencial na prepa-
ção da verdade neste tempo. O corpo ração dos crentes para o tempo do fim
sem as mãos é imprestável.”52 e segunda volta de Cristo. O povo de
A importância da mensagem de Deus ao final deve ter uma completa
saúde no contexto da missão, segundo transformação de caráter onde todas
Ellen G. White, está no fato que ela é as tendências para o pecado devem
um dos meios mais eficazes para “ven- ser purificadas pelo sangue de Cristo.
cer o preconceito e ganhar as mentes,” Deus suscitou um profeta no tem-
e que deveria ser usada “não apenas po do fim, Ellen G. White, para tra-
em um ou dois lugares, mas em mui- zer uma luz especial ao povo rema-
tos lugares onde a verdade não foi ain- nescente, à mensagem de saúde, que
da proclamada.” Todos os crentes en- deve ser pregada a todo mundo. Ela
tão, são convidados a “trabalhar como é a mão direita da terceira mensagem
médicos missionários evangelistas, angélica e a grande cunha de entrada
curando as almas doentes em pecado do evangelho. Ela quebra preconcei-
ao dar-lhes a mensagem da salvação.” tos e habilita o povo receber o evan-
Pois “este trabalho eliminará precon- gelho. O trabalho médico-missionário
ceitos como nenhum outro.”53 era o modelo do ministério de Cristo
Reforma de saúde / 107

e seu método deve ser nosso método. ram incentivos e apoio financeiro do
A cura física deve juntar-se a cura casal White na preparação para obra
espiritual na pregação do evangelho, médico-missionária destaca-se o Dr.
onde médicos, pastores e membros Kellogg. Ele tornou-se a pessoa mais
são responsáveis por este ministério. influente na medicina natural de seus
Todo pastor deveria ter um conheci- dias tanto dentro como fora da igreja.
mento deste ministério de cura. Todavia, suas convicções teológicas
e estilo administrativo levaram-no a
Conclusão separar-se do movimento adventista
A reforma de saúde dentro do e rejeitar o ministério profético de
movimento adventista do sétimo dia Ellen G. White. Muito embora, hou-
surgiu num contexto cultural e histó- ve grande perda na apostasia do Dr.
rico do século 19 na América do Nor- Kellogg, a igreja continuou seu traba-
te, onde havia uma grande descrença lho médico-missionário fundando ou-
sobre a medicina convencional e um tras instituições de saúde na América
crescente despertar pela saúde através e em outras partes do mundo.
de movimentos de temperança que in- A mensagem da reforma de saúde
cluíam a condenação de vícios como teve um grande impacto na teologia
tabaco e alcoolismo, bem como a cria- e missão da igreja adventista. Os ad-
ção de institutos para o viver saudável. ventistas conectaram a mensagem de
José Bates, um dos primeiros adven- saúde com a terceira mensagem angé-
tistas reformadores de saúde, partici- lica fazendo desta uma verdade pre-
pou neste movimento de temperança sente. Para os adventistas a reforma
mesmo antes de tornar-se cristão, mas de saúde é essencial no preparo de um
propagou a mensagem de saúde ape- povo para a segunda vinda de Cris-
nas depois das visões de Ellen G. Whi- to, pois ela proporciona uma melhor
te sobre o tema. Através do ministério comunicação entre Deus e o homem;
profético de Ellen G. White a Igreja habilita os homens a entenderem ver-
Adventista do Sétimo Dia foi impeli- dades espirituais, discernir entre certo
da a pregar e aceitar esta mensagem, e errado e apreciar a expiação provida
todavia condenando muitas práticas de por Cristo na cruz; e auxilia no pro-
reformadores de saúde fora do movi- cesso de santificação, na preparação
mento adventista. Através das quatro do caráter, única coisa que levaremos
visões de Ellen G. White os adventis- da terra ao céu. A mensagem de saúde
tas desenvolveram uma visão única de deve ser a mão direita na pregação do
reforma de saúde onde a saúde física evangelho, este era o método de Cris-
foi conectada a saúde espiritual. to e deve ser pregada a todo o mundo
Tiago e Ellen promoveram o traba- por pastores, médicos e leigos como
lho médico-missionário, a fundação de estilo de vida ideal para o homem e
institutos de saúde e a capacitação de esperança de cura física e espiritual.
adventistas para desenvolverem este A análise e importância da men-
trabalho. Dentre aqueles que recebe- sagem de saúde na Igreja Adventista
108 / Parousia - 2º semestre de 2010

do Sétimo Dia tiveram uma grande a comunidade nos caminhos da re-


influência do ministério profético de forma de saúde. Como Ellen White
Ellen G. White. Ela não somente cha- disse, “Ao aproximar-se o tempo de
mou a atenção da igreja para a impor- fim, nós devemos proclamar mais e
tância da mensagem, como também, mais a questão da reforma de saúde
apresentou os aspectos teológicos e e temperança cristã, apresentando-a
missiológicos da mesma, mostran- numa maneira mais positiva e decidi-
do o como e o porquê ela deveria ser da. Nós devemos lutar continuamente
levada avante. Na visão de Ellen G. para educar o povo, não apenas em
White a mensagem de saúde não é um palavras, mas em prática. Preceito e
método opcional de trabalho missio- prática combinados têm uma grande
nário, nem o único método de levar o influência.”55
evangelho, mas a mão direita na pro- O povo remanescente está em tem-
clamação da terceira mensagem an- po de preparação para segunda vinda
gélica e uma parte essencial da mes- de Cristo. Uma vida mais abundante
ma. A purificação do povo de Deus é prometida por Deus a todos os que
será unicamente possível através da praticam os princípios de saúde. Está
aplicação prática das leis de saúde na chegando o tempo em que todos os que
vida diária. professam crer na terceira mensagem
O trabalho médico-missionário angélica experimentarão o clímax do
deve ser exercido por médicos, mi- viver saudável. Oportunidades estão
nistros e membros leigos. Eles devem abertas para todos os que praticam
ensinar por palavra e prática. O pre- o trabalho médico-missionário, pois
gar e praticar a mensagem de saúde a “vida esta cheia de oportunidades
purificará o povo de Deus e iluminará para a prática missionária. Cada ho-
o mundo com sua glória. O trabalho mem, mulher e criança podem seme-
médico missionário é mais do que um ar diariamente a semente de palavras
trabalho institucional. Este é um tra- bondosas e obras altruístas. Nós ve-
balho a ser realizado no lar, por sá- remos o trabalho médico-missionário
bios pais, promovendo e ensinando ampliando-se e aprofundando-se em
uma dieta saudável; na comunidade, cada ponto de seu progresso, por cau-
por crentes fiéis, ensinando os sim- sa da afluência de centenas e milha-
ples remédios naturais para todos em res de águas a jorrar que brevemente
necessidade e, por pastores guiando cobrirão toda a terra como as águas
membros novos e velhos, bem como cobrem o mar.”56

Referências particularmente por outros membros e mes-


mos líderes do adventismo antes da visão de
1
O assunto da temperança, e especial- Ellen G. White em 1863. Entretanto foi de-
mente alguns pontos sobre a reforma de pois desta visão que a mensagem sobre o es-
saúde, como: fumo, álcool, carne de porco e tilo de vida adventista ganhou aceitação geral
outros já tinham sido apresentados e vividos entre os Adventistas do Sétimo Dia.
Reforma de saúde / 109
2
Conrad, P.; Schneider, J. W. Deviance Hillside na qual eles administravam trata-
and medicalization: from badness to sick- mentos naturais e publicavam uma revista
ness (Philadelphia: Temple University Press, mensal chamada The Laws of Life. Robinson,
1992), p. 82-85. The Story of Our Health Message, p. 34.
3
Veja D. E. Robinson, The Story of Our 7
Dr. Joel Shew (1816-1855) era um mé-
Health Message: The Origin, Character, dico que defendia o sistema Priessnitz e es-
and Development of Health Education in the creveu muitas obras sobre hidroterapia tais
Seventh-Day Adventist Church (Nashville: como: Joel Shew, The Water-Cure in Preg-
Southern Publishing Association, 1965), p. nancy and Childbirth: Illustrated with Cases,
13-27. Showing the Remarkable Effects of Water in
4
Sylvester Graham era um ministro pres- Mitigating the Pains and Perils of the Par-
biteriano americano (ordenado em 1826) que turient State (New York: Fowlers and Wells
pregava temperança enfatizando o uso de ali- Publishers, 1849); Hydrotherapy, or, the
mentos integrais e dieta vegetariana. Alguns Water-Cure: Its Principles, Processes, and
de seus trabalhos são: Sylvester Graham, Modes of Treatment, 4th , improved and enl.
Lectures on the Science of Human Life: Con- ed. (New York: Fowlers and Wells, 1850);
taining Three Lectures--Eighth, the Organs Children, Their Hydropathic Management in
and Their Uses ; Thirteenth, Man’s Physical Health and Disease; a Descriptive and Prac-
Nature and the Structure of His Teeth ; Four- tical Work, Designed as a Guide for Fami-
teenth, the Dietetic Character of Man (Battle lies and Physicians (New York: Fowlers and
Creek: Published at the office of the Health Wells, 1852); Midwifery and the Diseases of
Reformer, 1872); A Treatise on Bread and Women: A Descriptive and Practical Work
Bread-Making (Payson: Leaves-of-Autumn (New York: Fowlers and Wells, 1852); The
Books, 1978). Water-Cure Manual: A Popular Work Em-
5
William Alcott (1798–1859) era um bracing Descriptions of the Various Modes of
médico, professor, reformador educacional Bathing, the Hygienic and Curative Effects
e prolífero autor nos tópicos de educação e of Air, Exercise, Clothing, Occupation, Diet,
saúde. Seus principais trabalhos na área de Water-Drinking, &C. : Together with Des-
saúde são: William Andrus Alcott, The Young criptions of Diseases, and the Hydropathnic
House-Keeper: Or, Thoughts on Food and Means to Be Employed Therein (New York:
Cookery, 3d stereotype ed. (Boston: G. W. Fowlers and Wells, 1852); Consumption: Its
Light, 1838); The Teacher of Health, and the Prevention and Cure by the Water Treatment
Laws of the Human Constitution (Boston: D. : With Advice Concerning Hæmorrhage from
S. King, 1843); Tea and Coffee: Their Phy- the Lungs, Coughs, Colds, Asthma, Bronchi-
sical, Intellectual and Moral Effects on the tis, and Sore Throat (New York: Fowler and
Human System, Rev. stereotype ed. (Boston: Wells, 1854); M. L. Shew and Joel Shew, Wa-
G. W. Light, 1844); The Young Mother, or, ter-Cure for Ladies: A Popular Work on the
Management of Children in Regard to Heal- Health, Diet, and Regimen of Females and
th, 11th stereotype ed. (Boston: Waite Pier- Children, and the Prevention and Cure of Di-
ce, 1846); Vegetable Diet: As Sanctioned by seases; with a Full Account of the Processes
Medical Men, and by Experience in All Ages. of Water-Cure; Illustrated with Various Ca-
Including a System of Vegetable Cookery, 2d ses (New York: John Wiley, 1849).
, rev. and enl. ed. (New York: Fowlers and 8
Para estudos adicionais em José Bates
Wells, 1849); Lectures on Life and Health, veja: Joseph Bates, The Autobiography of El-
or, the Laws and Means of Physical Culture der Joseph Bates; Embracing a Long Life on
(Boston: Phillips Sampson and Corporation, Shipboard, with Sketches of Voyages on the
1853); The Laws of Health: Or, Sequel to Atlantic and Pacific Oceans, the Baltic and
“the House I Live in” (Boston: J. P. Jewett Mediterranean Seas; Also Impressment and
and company, 1856). Service on Board British War Ships, Long
6
Dr. Jackson e Dr. Austin foram os lí- Confinement in Dartmoor Prison, Early Ex-
deres da clínica chamada Our Home on the perience in Reformatory Movements; Travels
110 / Parousia - 2º semestre de 2010

in Various Parts of the World and a Brief Ac- 26


Ibid., p. 65.
count of the Great Advent Movement of 1840- 27
Schwarz and Greenleaf, Portadores de
44 (Nashville, TN: Southern Publishing As- Luz, p. 201.
sociation, 1970), p. 168-192; Robinson, The 28
Ibid., p. 264.
Story of Our Health Message, p. 50-59; Ri- 29
Robinson, The Story of Our Health
chard W. Schwarz and Floyd Greenleaf, Por- Message, p. 299-300.
tadores de Luz (Engenheiro Coelho: Unas- 30
Schwarz and Greenleaf, Portadores de
press, 2009), p. 101-102. Luz, p. 270.
9
A data de 1848 para a visão sobre taba- 31
White, Child Guidance: Counsels to
co, chá e café é encontrada no artigo de Tiago Seventh-Day Adventist Parents, Christian
White na Review and Herald of November Home Library (Washington, D.C.: Review
8, 1870. (p. 165; cited in Robinson, Story of and Herald Publishing Association, 1954), p.
Our Health Message, pp. 65-70]). 362.
10
Ellen Gould Harmon White and Ellen 32
Idem, Counsels on Health, p. 524.
G. White Estate Inc., Manuscript Releases: 33
P. Gerard Damsteegt, Development
From the Files of the Letters and Manus- of the Seventh-Day Adventist Theology: An
cripts (Washington, D.C.: E. G. White Estate, Outline (Berrien Springs: Christian Heritage
1981), 5:377. Media, 1995), p. 60-61.
11
Robinson, The Story of Our Health 34
White, Testimonies for the Church,
Message, p. 66. 2:347.
12
Ellen Gould Harmon White, Review 35
Idem, “The Circulation of Our Health
and Herald, December 4 1885. Journals,” Review and Herald, November 12
13
White, “Manuscript 1, 1885.” 1901.
14
Robinson, The Story of Our Health 36
Idem, “Duty to Know Ourselves,” He-
Message, p. 76. alth Reformer (1866).
15
Ibid., p. 77. 37
Idem, Our High Calling, p. 267.
16
White, Spiritual Gifts, Facsimile re- 38
Idem, Testimonies for the Church,
production. ed. (Washington, D.C.: Review 3:161.
and Herald Publishing Association, 1945), p. 39
Idem, “The Circulation of Our Health
120-152. Journals.”
17
Referência intemperança sexual no re- 40
Idem, Christian Education, p. 175.
lacionamento marital. 41
Idem, Our High Calling, p. 266.
18
Numa lista posterior Ellen G. White in- 42
Idem, Medical Ministry: A Treatise on
cluiu uma dieta própria e confiança no poder Medical Missionary Work in the Gospel, 2d
de Deus. ed. (Mountain View: Pacific Press Publishing
19
Ellen Gould Harmon White and Ha- Association, 1963), p. 246.
rold Milton Walton, Testimony Studies on 43
Ibidem.
Diet and Foods (Payson: Leaves-of-Autumn 44
Idem, Testemunies for the Church,
Books, 1979), p. 87-88. 2:46.
20
Robinson, The Story of Our Health 45
Idem, A Call to Medical Evangelism,
Message, p. 148-149. p. 22-23.
21
Schwarz and Greenleaf, Portadores de 46
Idem, Medical Ministry, 239.
Luz, p. 109. 47
Idem, A Call to Medical Evangelism
22
Ibid., p. 111-112. and Health Education: Selections from the
23
White, Testimonies for the Church, p. Writings of E. G. White (Nashville: Southern
225. Publishing Association, 1954), p. 43.
24
Schwarz and Greenleaf, Portadores de 48
Idem, Testimonies for the Church,
Luz, p. 158. 3:62.
25
Richard W. Schwarz, John Harvey 49
Idem, Counsels on Health and Instruc-
Kellogg, M.D (Nashville: Southern Pu- tion to Medical Missionary Workers (Moun-
blishing Association, 1970), p. 64. tain View: Pacific Press Publishing Associa-
Reforma de saúde / 111

tion, 1951), p. 535. Compilation from the Writings of Ellen G.


50
Idem, Medical Ministry, p. 319. White (Washington, D.C.: Review and He-
51
Idem, Counsels on Health, p. 535. rald Publishing Association, 1976), 23.
52
Idem, Medical Ministry, p. 238. 55
White, Testimonies for the Church,
53
Idem, Testimonies for the Church, 4:112.
9:211. 56
White, Medical Ministry, 317.
54
Idem, Counsels on Diet and Foods: A
A Bíblia e a comunicação pelo rádio
Valdecir S. Lima, mestre em Comunicação
Professor de Comunicação Aplicada ao Ministério na Faculdade Adventista de
Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.

Resumo: Este artigo retrata a impor- not been reached, and that the primary
tância do rádio como mídia capaz de element of this job is power.
cumprir a missão de propagar a men-
sagem da volta de Jesus. Essa mídia
Introdução
que em um passado não tão distante
já esteve na vanguarda, parece resis- “Era madrugada de sábado. Lílian
tir às grandes inovações tecnológicas não conseguia dormir naquele quar-
dos tempos modernos no disputadís- to imundo de um motel. Ao seu lado
simo campo das comunicações de estava um desconhecido. Acabava de
massa e ainda fazer a diferença, cau- sair com ele por dinheiro. O homem
sando impacto quando o assunto é a roncava. A jovem chorava em silên-
pregação do evangelho. Este artigo cio, mais só e triste do que nunca. Seu
relata também como a Bíblia aborda a corpo era um objeto que os homens
comunicação e enfatiza a necessidade compravam. Sentia-se indigna, imun-
e importância de divulgar o amor de da. Algum dia poderia ser amada por
Jesus na maior parte do mundo ainda alguém? Mereceria ser amada? Como
não alcançado, e que o elemento pri- havia chegado a esse ponto? Preferiu
mordial nessa tarefa é o poder. não continuar pensando. Começou a
girar o botão do rádio da cabeceira, li-
Abstract: This article portraits the im- gado bem baixinho, para não acordar
portance of the radio as media capable o estranho. Uma frase ouvida por aca-
of accomplishing the mission of spre- so chamou sua atenção. A voz dizia:
ading the message of Jesus’ coming. – Você é a coisa mais preciosa que
This media that in the not so distant Jesus tem na Terra.
past has already been in the limelight, Seu corpo estremeceu. Seu coração
seems to have resisted the great tech- quase saiu pela boca. Aproximou o ou-
nological innovations of modern times vido do rádio e continuou ouvindo.
in the disputed area of mass commu- – Não importa onde você está –
nication e still make a difference, cau- dizia a voz. – Não importa se está na
sing impact in relation to preaching the cama de um hospital ou viajando em
gospel. This article also relates how uma estrada. Se está na cela de uma
the bible deals with communication prisão ou em um quarto imundo de
and emphasises the need and impor- um motel, sem poder dormir. Quero
tance of spreading the love of Jesus to que você saiba que Jesus ama você, e
the majority of the world that has still morreu para salvá-la.
114 / Parousia - 2º semestre de 2010

Lílian continuou prestando atenção. – Para onde você quer ir?


– O que você precisa fazer para que – Poderia me levar até o estádio?
o amor de Jesus seja uma realidade em – ela pediu.
sua vida? – perguntou o homem. De- Quando desceu do carro, notou
pois leu na Bíblia: “Se confessarmos que havia muita gente entrando apres-
os nossos pecados. Ele é fiel e justo sada. Ela se misturou à multidão. Ha-
para nos perdoar os pecados e nos pu- via entrado uma única vez naquele
rificar de toda a injustiça”(1Jo 1:9). lugar, para assistir a um show de um
... – Venha comigo para o Calvário famoso grupo musical. Gostava de
– a voz continuava dizendo. - Fe- música e se considerava romântica.
che os olhos e imagine a cena da dor e Seus amigos lhe diziam que ela ide-
morte. Olhe o Senhor Jesus pendurado alizava o amor e por isso sofria. De
em uma miserável cruz. Veja-O san- qualquer modo, ela gostava de músi-
grar. Talvez você nunca consiga en- ca e, naquela manhã, sentiu-se tocada
tender esse amor. Você pode ter vivido pelos hinos que um grande coral can-
da forma mais errada. Pode ter desci- tava. Há poder na Palavra de Deus.
do até as profundezas mais escuras do Ela é capaz de criar e recriar. Naquela
pecado. Pode ter destruído tudo o que manhã, a Palavra de Deus operou um
um dia já teve de bom. Pode estar se milagre na vida de Lílian. O tema do
sentindo um lixo neste momento. Mas amor de Deus renovou o coração da-
escute bem: apesar de tudo isso, você quela jovem quase destruída pelas de-
continua sendo a coisa mais preciosa cisões erradas. O texto da mensagem
para Jesus. De outra forma. Ele não te- era: “O que encobre as suas transgres-
ria morrido lá na cruz por você. sões jamais prosperará; mas os que as
Lílian pensou que estivesse en- confessa e deixa alcançará misericórdia”
louquecendo. Aquilo não podia ser (Pv 28:13).
verdade. Como aquele pregador sabia Muitos anos depois, após terminar
o que ela sempre havia sentido? Cho- uma pregação, eu estava sentado na
rou. Chorou muito, como querendo sala pastoral, aguardando a pessoa que
que as lágrimas lavassem a sua vida. me levaria ao hotel. Um colega entrou:
Ao terminar a mensagem, entrou ou- – Há uma pessoa que quer cum-
tro locutor e disse: “O pastor Bullón, primentá-lo.
que acaba de apresentar esta mensa- – Deixe-a entrar – respondi. Nem
gem, irá pregar às onze horas da ma- havia terminado a frase quando ela
nhã no estádio desta cidade.” apareceu. Eu não sabia quem era
Aquela notícia a alegrou. Iria ao aquela mulher elegante. Jamais a ha-
estádio. Queria conhecer aquele ho- via visto antes. Era nítida a emoção.
mem. Desejava ouvir mais sobre o Ela era uma arquiteta bem conceitu-
amor de Jesus. ada. Uma mulher feliz, casada, com
Às nove horas da manhã, o des- dois filhos e uma carreira profissional
conhecido com quem dormira aquela brilhante. Era fruto do amor de Deus.
noite se levantou e perguntou a Lílian: Era simplesmente Lílian.”1
A Bíblia e a comunicação pelo rádio / 115
Esse é só um exemplo do poder mas de revelar o Seu plano e de re-
da Palavra de Deus através do rádio. velar Seu próprio caráter. “Havendo
Esse meio de comunicação tão anti- Deus antigamente falado muitas ve-
go e simples pode ser o veículo atra- zes, e de muitas maneiras, aos pais,
vés do qual vidas são transformadas. pelos profetas, a nós falou-nos nestes
O rádio, o companheiro que nos faz últimos dias pelo Filho” (Hb 1:1).
imaginar, ver, sentir, criar. Que pode O plano da Salvação envolveu os
trazer a Bíblia até nós. Trazer Deus mais significativos elementos da co-
até nós. Trazer-nos a salvação. municação. Deus Se comunicou de
Desde o relato da criação Deus muitas maneiras, muitas vezes e por
se mostra um comunicador buscando diferentes meios. Seu objetivo foi al-
trazer-nos salvação. Ele falou e tudo cançar os pais, no passado, e agora
se fez. “E disse Deus: Haja... e hou- quer nos alcançar utilizando a maior
ve.” “Pela palavra do Senhor foram mídia de que já se teve notícia: a Pala-
feitos os céus, e todo o exército deles vra encarnada. Portanto, Deus falou,
pelo espírito da sua boca”, “Porque criou, escreveu, utilizou-Se de rituais
falou, e tudo se fez; mandou, e logo e símbolos, habitou entre Seu povo e
tudo apareceu” (Gn 1:3; Sl 33:6 e 9). por fim Se encarnou. Para a comuni-
Os atos criativos de Deus foram ex- cação de Deus ser compreensível a
pressos com palavras, através de uma nós, ela exigiu a maior e a mais in-
comunicação perfeita, sem ruídos, compreensível entrega: Seu Filho.
verdadeira e poderosa. As palavras de “Mas, agora, em Cristo Jesus, vós,
Deus são a expressão idêntica de Seu que antes estáveis longe, fostes apro-
caráter, por isso Ele fala e acontece. ximados pelo sangue de Cristo. ...e,
A comunicação entre Deus e o ho- tendo derribado a parede da separa-
mem no Éden era perfeita e Deus fa- ção que estava no meio, a inimizade,
lava cara a cara com Seus filhos. Po- ...e reconciliasse ambos em um só
rém, após a entrada do pecado, essa corpo com Deus, por intermédio da
comunicação tornou-se impossível. cruz, destruindo por ela a inimizade”
“Mas as vossas iniqüidades fazem (Ef 2:13-16). Está restaurado o canal
separação entre vós e o vosso Deus; de ligação, está destruída a parede de
e os vossos pecados encobrem o seu separação entre nós e Deus. Jesus é
rosto de vós, para que vos não ouça” o meio, (a mídia, o canal, o veículo)
(Is 59:2). O pecado é o maior ruído de pelo qual podemos nos comunicar
comunicação de que se tem notícia. O com o Pai.
ser humano desde a queda no Éden A verdade de Cristo contida na
tem que pagar o preço da desobedi- Bíblia é a mensagem que deve ser co-
ência, que é a morte, e como conse- municada a todos os seres humanos, e
quência de seu ato as possibilidades aqueles que já tiveram o privilégio de
de voltar a se relacionar com Deus de conhecer esse plano têm o dever de
forma direta terminaram. Mas Deus, fazê-lo conhecido a todos com quem
em sua infinita bondade, buscou for- se relacionam. Essa tarefa é a nos-
116 / Parousia - 2º semestre de 2010

sa missão. A Bíblia apresenta vários pelo meio do céu, tendo um evange-


meios de comunicação de forma que lho eterno para pregar aos que se as-
a publicidade moderna parece, à luz sentam sobre a terra, e a cada nação, e
da Bíblia, não ser tão nova assim. tribo, e língua, e povo” (Ap 14:6).
Há muito tempo, por volta do Hoje, com certeza temos muito
ano 600 a.C. o profeta Habacuque mais opções de comunicação do que
já havia registrado em seu livro uma nos tempos bíblicos, e as mais ade-
revelação que preconiza a utilização quadas ao nosso tempo são também
dos ‘outdoors’ como forma de agili- as mais acessíveis, bem aceitas e que
zar a transmissão da mensagem: “O atingem um maior número de pesso-
Senhor me respondeu e disse: escre- as com a capacidade de fazê-las en-
ve a visão, grava-as sobre tábuas, tender a mensagem de forma direta e
para que a possa ler até quem passa objetiva. Eis por que o uso do rádio
correndo” (Hc 2:2). tem se mostrado extremamente eficaz
A imagem também é um elemen- para o cumprimento dessa missão.
to importante no ato comunicativo. Depois do rádio, outras mídias têm
Ela deve causar impressões agradá- surgido, mais atuais e complexas como
veis, mas deve também ser utilizada a TV e a internet, mas a verdade é que
com sabedoria, portanto muito cui- a imprensa e o rádio jamais perderão o
dado com elas, porque podem desti- seu posto respeitável quando se fala em
lar sensualidade inadequada, podem alcançar o coração das pessoas devido
evocar a magia da forma, da beleza e ao calor e a humanidade que eles carre-
despertar vontades que encaminhem gam em suas características peculiares.
o consumidor para destinos que não Um dos segredos do sucesso do rádio
enobrecem: “Não olhes para o vinho, em divulgar o evangelho encontra-se
quando se mostra vermelho, quando na própria Bíblia. No Novo Testamento
resplandece no copo e se escoa sua- encontramos o evangelho sendo prega-
vemente” (Pv 23:31). do em circunstâncias exatamente simi-
A comunicação deve também, a lares às próprias do rádio:
exemplo da comunicação divina, ser 1. No lar: “...vai para tua casa,
encaminhada em ritmo acelerado, para os teus. Anuncia-lhes tudo o que
sem delongas, em prontidão: “Ele en- o Senhor te fez e como teve compai-
via as suas ordens à terra, e sua pala- xão de ti...” (Mc 5:19).
vra corre velozmente” (Sl 147:15). 2. Em hotéis ou pensões: Ao che-
No Apocalipse, essa velocidade é gar Paulo a Roma “muitos foram ter
marcada pela velocidade de um anjo. com ele à pousada...” (At 28:23).
A mensagem deve correr, em ampla 3. Nas prisões: “Paulo e Silas ora-
cobertura e com abrangência univer- vam e cantavam louvores a Deus e os
sal, não deve se conformar com os demais companheiros de prisão escu-
passos lentos do homem, ou com as tavam” (At 16:25).
limitações e morosidade natural do 4. Junto à cama do enfermo: “...
ser humano: “Vi outro anjo voando em cama, enfermo com febre... Paulo
A Bíblia e a comunicação pelo rádio / 117
foi visitá-lo, e, impôs-lhe as mãos e o metas. “A palavra que sair da minha
curou” (At 28:8). boca, não voltará para mim vazia” (Is
5. Em parques e lugares públicos: 55:11). O amor de Jesus é a mensa-
“Foi, pois, a uma cidade de Samaria, gem que o mundo tem que conhecer
chamada Sicar, junto ao poço que e essa é a nossa missão. A missão dos
Jacó tinha dado a seu filho José” (Jo seguidores de Jesus é levar a mensa-
4:5). gem do amor de Deus ao mundo. “E
6. A bordo de navios: Paulo em sua será pregado este evangelho (boas no-
viagem à Roma. “Portanto, senhores, vas) do reino por todo o mundo, para
tende bom ânimo! Pois eu confio em testemunho a todas as nações. Então,
Deus” (At 27:25). virá o fim” (Mt 24:14).
7. Ao estar viajando: Filipe e o O fim dos tempos está relacionado
etíope (At 8). com a pregação do evangelho, que é
8. Ao ir caminhando: Jesus no ca- um ato de comunicação. Todas as pes-
minho a Emaús (Lc 24:13-15 e 27). soas que foram batizadas estão na igre-
9. Nas praças: “... e todos os dias ja como missionários e são, portanto,
na praça...” (At 17:17). comunicadores ativos da mensagem.
10. Em escritórios de negócios: Os seguidores de Jesus são portadores
Levi na alfândega (Mc 2:14). de diferentes dons, mas todos coope-
11. Em reuniões sociais: Bodas de ram para um mesmo fim: promover e
Caná (Jo 2:1-2 e 11). facilitar a pregação do evangelho.
12. Em todas as partes: “...iam por “E disse-lhes [Jesus]: Ide por todo
toda a parte, anunciando a Palavra...” o mundo e pregai o evangelho a toda
(At 8:4). criatura” (Mc 16:15). A pregação é o
elemento básico para que as pesso-
Vimos, portanto, um breve paralelo
as conheçam a mensagem. A clareza
entre as mídias do tempo bíblico e o rá-
da exposição dessas ideias e a eficá-
dio, deixando claro que as abordagens
cia na produção de respostas depen-
do Novo Testamento coincidem com as
derão, em grande parte, do domínio
peculiaridades pertinentes ao rádio.
das técnicas da comunicação, da es-
A comunicação e a missão colha da mídia, bem como da correta
utilização dos princípios que regem
Deus é um grande comunicador. a comunicação da Palavra. Essa co-
Como vemos em Sua Palavra: “No municação deve ser efetivada com e
princípio era o Verbo, e o Verbo es- sem palavras, ou seja, pela pregação e
tava com Deus e o Verbo era Deus...” pelo testemunho.
(Jo 1:1). Deus e a Palavra são um, Já que temos que ir a todo mundo
assim, a comunicação faz parte da e pregar, o crescente número de rádios
essência de Deus, Deus é um comu- e canais de TV à disposição da igreja
nicador por excelência. Comunicar é é, sem dúvida, um elemento indispen-
produzir respostas. E foi dessa exata sável no cumprimento dessa missão.
maneira que Deus estabeleceu Suas Em virtude de estarmos vivendo a era
118 / Parousia - 2º semestre de 2010

da tecnologia, torna-se imprescindível mem até o seu batismo. “A tecnologia


um contato com estes elementos para pode simplesmente executar a trans-
que haja uma contextualização de nos- missão, o que não deveria ser confun-
sos métodos, tornando-os compatíveis dida com comunicação. Transmissão
com as exigências deste tempo. via ondas (rádio, TV etc) ocorre sem
Entretanto, a comunicação que envolvimento.”2 Não é o elemento de
objetiva levar uma mensagem que persuasão que conta, mas o espírito e
transforme a vida das pessoas não o poder (1Cr 2:4).
se faz através de um processo mera- O rádio, transmitindo o conteúdo
mente técnico, mas primordialmente da Bíblia irá oferecer o caminho para as
espiritual. Acima de tudo, a comuni- pessoas, mas deve haver poder (Deus
cação dentro do ministério prova que tocando pessoas através de pessoas).
você não comunica o que você quer, Não é pelo espalhar Bíblias que o mun-
você comunica, primeiramente, o que do será convertido, mas por pessoas que
você é. Para tanto é preciso se entre- amam pessoas, pessoas que represen-
gar cada vez mais ao Espírito para ser tam o amor de Deus, pessoas que oram,
usado por Ele para que sua influência pessoas comprometidas e dispostas a
seja suave e simples, que contenha ajudar. Pregação sem amor, convicção
uma delicadeza e uma força tal que e oração, tem pouco resultado.
fertilize a mente, o coração e transfor- “A base da comunicação efetiva é
me a vida. De nada adiantam métodos o envolvimento de emissor e receptor.
ou estratégias ou mídias sem poder. Este deve ser o interesse especial do
O rádio, como mídia, é apenas um condutor da comunicação para assegu-
aparato, necessita de pessoas amando rar o envolvimento dos participantes.”3
pessoas através dele, o rádio, assim como A comunicação e o rádio
o apóstolo Paulo não tem poder inerente.
Explico: Atos 19:11 afirma: “E Deus atra- Há 150 anos a comunicação
vés de Paulo fazia obras maravilhosas...” acontecia na velocidade de um ho-
O lenço de Paulo era o veículo do mila- mem a pé, ou a cavalo. O mundo ti-
gre, e Paulo era não mais que um canal nha bem menos habitantes, era bem
usado por Deus. O rádio é uma mídia mais lento e a explosão demográfica
maravilhosa quando usada por pesso- estava apenas começando. Com a
as que são canais de Deus, assim como chegada da era industrial, acontecida
Paulo. É assim com a mídia, Deus pode na Inglaterra, instalou-se uma mu-
usá-la se nós estivermos dispostos a ser dança de comportamento. O mundo
usados por Ele. cresceu, o homem começou a utilizar
O eunuco estava envolvido com o auxílio das invenções na agricultu-
uma mídia, lia a Palavra de Deus, lia ra e na indústria, o que caracterizou
Isaías. Esse contato com a mensa- o início do êxodo rural e a semente
gem teve um acréscimo orientado por de um novo estilo de vida que mar-
Deus. Deus orientou um servo Seu caria sua vida para sempre: a pressa
para acompanhar o estudo deste ho- e a falta de tempo.
A Bíblia e a comunicação pelo rádio / 119
A eletricidade propiciou a lâm- perdê-lo. Atualmente, o total dos mu-
pada elétrica, o telégrafo e o cresci- nicípios brasileiros com acesso ao ser-
mento dos demais meios de comu- viço de rádio, provido por aparelho de
nicação. A revolução nos transportes rádio passou de 88,1% em 2007, para
proporcionou uma alteração no estilo 88,9% em 2008. O rádio, entre os bens
de vida, o cavalo foi substituído pela duráveis e serviços de acesso à comu-
força-cavalo (hp) e a chegada do trem nicação (TV, internet, etc), é o que mais
tornou a vida mais rápida e ágil. proximidade tem com o indivíduo por
Foi nesta virada de costumes que ser um elemento de serviço mais bara-
se deu a maior mudança de que o to e também por possuir maior inde-
mundo tem notícia: a velocidade da pendência da energia elétrica4.
comunicação que era de 6 a 18 Km/h
passou para 300.000 km/segundo. O Características básicas do rádio
mundo simplesmente ficou atordoa- O rádio surgiu em uma época re-
do. Havíamos entrado na era da ve- pleta de mudanças. No início da era
locidade. Dos cerca de 1,5 bilhão de moderna, o comportamento e a ética
habitantes em meados do século XIX, eram questionados sob a influência
o mundo passou para uma população de uma grande guerra, o mundo já
que beira os 7 bilhões de indivíduos, não era mais o mesmo, a psicolo-
hoje. Um belo crescimento que jus- gia, a filosofia, os regimes políticos,
tifica o avanço nas comunicações. a necessidade de informações, os
Quando o homem se deu conta, esta- questionamentos, a rebeldia, tudo
va na era da comunicação de massa. cooperava para a chegada do rádio.
McLuhan acertou quando, mais tarde, E hoje, o rádio ainda ocupa uma po-
afirmou que o mundo havia se torna- sição privilegiada entre os meios de
do uma aldeia global. comunicação no Brasil. As caracte-
Até 1860, o que havia de mais pare- rísticas básicas do rádio não foram
cido com o rádio era a “telegrafia sem alteradas com o tempo, aliás, o tem-
fio”, mas não se imaginava a possibi- po tornou-se um grande aliado des-
lidade da transmissão de mensagens se veículo ao se perceber que mes-
faladas, através do espaço. Então, nos mo com o advento de outras mídias,
Estados Unidos após anos de pesquisas aparentemente mais sofisticadas, o
e aprimoramentos, Lee Forest instalou rádio continuou a ser um veículo pri-
a primeira “estação-estúdio” de radio- mordial até os dias atuais sem perder
difusão, em Nova Iorque, em 1916, re- sua importância. Eis algumas razões
alizando o primeiro programa de rádio para esse sucesso:
de que se tem notícia. Esta rádio apre-
sentava conferências e música de câ- 1. Busca um amplo alcance de
mara. O rádio nessa época transparecia pessoas.
novidade e vanguarda absoluta. 2. Destrói as barreiras geopolíti-
No Brasil, a partir de 1922, o rádio cas, sociais e culturais.
ocupou seu espaço para nunca mais 3. Transcende o espaço e o tempo
120 / Parousia - 2º semestre de 2010

4. Dirige-se à intimidade de cada um grupo cada vez maior de pessoas


indivíduo. aos pés de Cristo.
5. Transmite simpatia com muita Com esse objetivo em mente, as
facilidade. igrejas se apoderaram desse fantásti-
6. Comunica de forma afetiva e co e inovador meio de comunicação
calorosa. de massa para evangelizar o mundo,
7. Apresenta uma programação bem como promover o relaciona-
dinâmica e versátil em rede local. mento saudável entre igreja e comu-
8. Propicia recepção instantânea nidade para que de todas as formas
da mensagem. essa mensagem pudesse ser pregada
9. Nivela as distâncias linguísticas e corações alcançados.
entre comunidades heterogêneas. A comunicação do evangelho ao
10. Cobre os fatos ao vivo. mundo via rádio
11. Serve para contrastar opiniões
e conhecimento. Todos os seres humanos precisam
12. Apresenta grande poder de conhecer a verdade que a Palavra de
sugestão. Deus contém. Todos devem saber que
13. O rádio chega a um público que são participantes do privilégio da sal-
se encontra em casa, dedicado a algu- vação e do plano da redenção. Todos,
ma atividade ou realizando um deslo- absolutamente todos, têm esse direito,
camento (dentro de casa ou carro). mas a verdade é que dois terços dos
14. Pode ser portátil. quase 7 bilhões da população da Ter-
15. Tem baixo custo de produção ra não têm conhecimento da salvação
comparado a outras mídias. em Jesus Cristo.
16. Pode elevar sua qualidade de A área compreendida entre o oeste
transmissão a cada dia. da África até o Japão na Ásia, com-
preendida entre os paralelos 10 e 40
Sem dúvida, o rádio tem um pa- ao norte do Equador, é também co-
pel fundamental na proclamação do nhecida como Janela 10/40 e é onde
evangelho, e fazer uso desse meio vivem 97% das pessoas menos evan-
de comunicação é primordial para gelizadas do mundo.
uma igreja que pretende pregar uma Nessa área há 1,6 bilhões de mu-
mensagem de esperança nesses últi- çulmanos, hindus e budistas vivendo
mos dias. Em virtude do crescimento em países onde a igreja cristã foi qua-
populacional, do acesso às novidades se eliminada como resultado da opres-
pela classe menos favorecida e do po- são islâmica. A maior parte da Janela
der de alcance desse veículo, as igre- 10/40 está fechada para missionários
jas evangélicas, obedecendo a ordem ocidentais. Esta é uma área de gran-
de Jesus de pregar o evangelho a todo de escuridão espiritual denominada
o mundo dedicaram-se a desenvolver “cinturão de resistência.” A popula-
programas de comunicação para ma- ção cristã ali é menor que 2%, uma
ximizar os efeitos da pregação e atrair pequena, porém, preciosa minoria.
A Bíblia e a comunicação pelo rádio / 121
Na Janela 10/40 existem mais gelho ao mundo. As transmissões da
de 60 países; 12.500 grupos étnicos; TWR tem ajudado a estabelecer no-
10.000 povos que ainda não recebe- vas comunidades cristãs em quase
ram o evangelho; 6.528 línguas. 1.1 todos os continentes, trabalhando em
bilhão de pessoas não alfabetizadas e cooperação com igrejas de várias de-
1.3 bilhão de pessoas miseravelmente nominações. Em países como Índia,
pobres. Estima-se que mais de 85 mil Vietnam e Moçambique, ou regiões
morrem por dia nessa área sem nunca como a Selva Amazônica e os Andes,
terem ouvido falar o nome de Jesus a implantação de igrejas é o resultado
nem sequer uma vez na vida. direto dos seus programas. No Brasil
Outra área crítica na Janela 10/40 onde está há mais de 40 anos, a Rádio
é a China. Pastores e evangelistas Transmundial transmite em 3 línguas
são detidos todos os dias. Igrejas – o Português, o Macuxi e o Ticuna –
nos lares são fechadas e seus líderes e cobre quase a totalidade da nação.
ameaçados. Muitos são presos por A TWR está presente em 160 países
portarem a Bíblia. E, a China ainda transmitindo o Evangelho em 225
mantém uma posição ateísta infle- línguas e dialetos, o que faz com que
xível. Os países com as maiores po- ela seja a maior rede de radiodifusão
pulações não-cristãs do mundo estão do mundo, comunicando em mais lín-
todos nessa Janela e são eles: China, guas do que a BBC, a Voz da Amé-
Índia, Indonésia, Japão, Bangladesh, rica, a China Rádio Internacional e a
Paquistão,Turquia e Irã. Voz da Rússia juntas.
Mas aí está uma grande oportu- O rádio e a comunicação adventista
nidade para as rádios mundiais. Há
os que acreditam ser o rádio a única A igreja adventista, também obe-
mídia sem fronteiras. Ninguém pode decendo a ordem de Jesus e conscien-
medir com exatidão o alcance desse te da necessidade de ir, pregar o evan-
veículo de massa. O rádio chega a lu- gelho a todo o mundo, desenvolve um
gares onde ninguém poderia entrar. programa de comunicação para maxi-
E várias igrejas e grupos não gover- mizar os efeitos da pregação e atrair
namentais têm usado essa ferramenta um grupo cada vez maior de pessoas
para levar a mensagem a pessoas que aos pés de Cristo.
não poderiam ser alcançadas de ne- O Departamento de Comunicação
nhuma outra forma.5 nas igrejas adventistas utiliza meios
Um belíssimo trabalho tem sido modernos de comunicação de massa
realizado pela Rádio Transmundial, para administrar pessoas, unificar os
ligada à gigantesca rede Trans World pensamentos, ideais, propósitos, ati-
Radio, a TWR, que é uma organiza- tudes e ações da igreja, promover o
ção não governamental de comunica- relacionamento saudável entre igreja
ção, sem finalidade lucrativa, fundada e comunidade para que de todas as
em 1954 no Marrocos, com o objeti- formas o evangelho possa ser pregado
vo de levar as boas novas do Evan- e corações alcançados.
122 / Parousia - 2º semestre de 2010

Como vimos, o rádio chegou ao Foi assim que surgiram os primeiros


Brasil no inicio do século 20. A partir programas de rádio feitos por pasto-
da metade do século, o rádio sofreu res distritais nas emissoras de suas
uma série de mudanças, melhoramen- próprias cidades e também, motiva-
tos e então surgiram novos tipos de dos pelo Programa A Voz da Profecia,
emissoras, como as FM’s e as redes muitos outros programas começa-
centrais de radio. 6 Nessa mesma épo- ram a ser produzidos pelo Brasil por
ca as igrejas começaram a se valer membros adventistas independentes
desse meio de comunicação e, em um da organização.
formato peculiar, caloroso e atraente, No Brasil, a igreja Adventista foi
através da voz do Pr. Roberto Mendes a primeira a transmitir um programa
Rabello, acompanhado pelo quarteto evangélico radiofônico e desde 1943
masculino Arautos do Rei, ‘no dia 23 até hoje seus projetos só têm aumen-
de setembro de 1943, A Voz da Pro- tado e alcançado mais pessoas.
fecia, programa de rádio da Igreja Atualmente, a Igreja mantém 17
Adventista do Sétimo Dia, estréia no emissoras próprias (metade AM e
rádio brasileiro. Foram 17 emissoras, metade FM) ao redor de todo Brasil
divididas em todo território nacional formando a Rede Novo Tempo de Rá-
que transmitiram esse primeiro pro- dios, com sede em Jacareí, São Paulo,
grama evangélico do Brasil.’7 mas espalhadas em 10 estados brasi-
O Programa foi um sucesso, mas, leiros e mais de 900 municípios.
como sabemos, a mensagem pelo rá- Nos países hispanos são 89 emis-
dio não cria laços de amizade e não cria soras, sendo 27 na Argentina, 12 na
vínculo ou compromisso com as verda- Bolívia, 26 no Chile, 4 no Equador, 16
des bíblicas. Por isso, juntamente com no Peru, 2 no Uruguai e 2 no Paraguai
o programa surgiu também a Escola No mundo, temos a Adventist
Radiopostal, um sistema para entrar em World Radio somando ao todo 500
contato com o ouvinte por correspon- emissoras de Rádio e TV e oito sa-
dência. “Logo que se começaram a di- télites com o principal objetivo de
vulgar o endereço, as cartas começaram levar o evangelho às pessoas que vi-
a chegar e, em meados de 1945, A Voz vem na região da janela 10/40. A Ad-
da Profecia já havia recebido 45 mil pe- ventist World Radio envia mensagens
didos de estudos bíblicos.8 de esperança em mais de 70 línguas9,
Após 50 anos levando mensagens mensagens onde sobressaem o ensino
bíblicas a todo Brasil, percebeu-se bíblico e os valores cristãos tais como
uma abertura para novos horizontes. a ética, a cidadania, a solidariedade e
Os tempos eram outros e havia a ne- o respeito aos direitos humanos.
cessidade de desmembrar o progra- Não é possível medir totalmente
ma para alcançar o público em suas os resultados e o alcance do rádio,
necessidades e interesses variados. pois “o rádio possui o seu manto de
Era necessário um resultado e um invisibilidade, como qualquer outro
trabalho mais detalhado e minucioso. meio. Manifesta-se a nós ostensiva-
A Bíblia e a comunicação pelo rádio / 123
mente numa franqueza íntima e parti- sado fardo da falta de liberdade ou na
cular de pessoa a pessoa, embora seja, escuridão da ignorância são atingidas
real e primeiramente, uma câmara de pelas invisíveis e velozes ondas que
eco subliminar cujo poder mágico atravessam continentes e confirmam
fere cordas remotas e esquecidas.”10 o que está predito sobre Deus: “a pa-
Mas, sem dúvida, pessoas como lavra que sair da minha boca não vol-
Lílian mencionada no início de nosso tará para mim vazia.”
artigo, presas no pecado, sem pers- “E será pregado este evangelho do
pectiva alguma de libertação, outras reino por todo o mundo, para teste-
esquecidas nas cadeias ou nas prisões munho a todas as nações. Então, virá
da consciência, outras ainda sob o pe- o fim” (Mt 24:14).

Referências 6
Ibidem.
7
Roberto M. Rabello, “Vinte anos de
1
Alejandro Bullón, Convite para mudar Rádio-evangelismo”, em Revista Adventista,
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. agosto de 1963, p. 16.
28-34. 8
Idem, “A Escola Radiopostal na Igreja”,
2
Donald Smith, Creating Understanding em Revista Adventista, setembro de 1946, p.
(Grand Rapids: Zondervan Publishing Hou- 3.
se, 1997), p. 25. 9
Pesquisa realizada no site http://www.
3
Ibid., p. 29. awr2.org/, acessado em 9 de novembro de
4
Publicação da ABAP/IBGE: Números 2010.
Oficiais da Indústria de Comunicação, em 10
Marshall Mcluhan, Os Meios de Co-
2007. municação como Extensões do Homem. Trad.
5
Pesquisa realizada no site http://www. Décio Pignatari (São Paulo: Editora Cultrix,
janela1040.org/, acessado em 9 de novembro 1996), p. 339.
de 2010.

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