Parousia - Temas Diversos
Parousia - Temas Diversos
Parousia - Temas Diversos
2° SEMESTm DE 2010
Editorial
ARTIGOS
Nos últimos anos, a revista Pcz7io#sz.cr trouxe, a cada edição, uma temática de-
finida, sempre buscando atender às demandas da lgreja num momento específico.
Neste número, porém, abrimos a oportunidade para que nossos professores apre-
sentem temas diversos, segundo o interesse de cada um, mas que tenham, igual-
mente, relevância para a lgreja. Deste modo, há dois temas escatológicos e quatro
temas relacionados à teologia aplicada.
0 primeiro artigo, baseado no Apocalipse, discorre sobre o selamento dos 144
mil. Depois de demonstrar o significado e o valor dos selos na história humana,
analisa os diversos selos que em diferentes momentos Deus empregou para distin-
guir seu povo e culmina com o selamento dos 144.000, destacando sua finalidade
e a maneira de recebê-lo. 0 segundo texto trata da tensão entre a iminência e a tar-
dança da vinda de Cristo. Consiste em uma discussão a partir dos textos pertinentes
encontrados na segunda carta de Pedro e expõe a realidade e as causas da tardança,
destacando a paciência e a soberania de Deus, inclusive sobre a própria tardança.
0 terceiro artigo, baseado nos escritos de Ellen G. White, faz uma comparação
entre educação e redenção, salientando a identidade entre estes dois conceitos,
além de mostrar como ambos têm uma fimção restauradora e um caráter holístico.
0 quarto trabalho aborda as origens dos Pequenos Grupos. Nele o autor expõe os
marcos bíblicos, teológicos e históricos que dão fimdamentação a esta prática. 0
quinto artigo trata de um tema distintivo para os adventistas do sétimo dia: sua
mensagem sobre a refoma da saúde. Apresenta seus aspectos históricos, teológi-
cos e missiológicos, enfatizando a orientação de Ellen G. White sobre o assunto. 0
último artigo discorre sobre a importância da comunicação do evangelho através
do rádio. Inclui um breve relato de como a lgreja Adventista do Sétimo Dia tem
usado este veículo de comunicação para disseminar a mensagem de salvação.
Portanto, é com satisfação que oferecemos aos nossos leitores estes seis arti-
gos, na esperança de que eles contribuam para que continuemos a crescer na graça
e no conhecimento de Cristo Jesus e para que a igreja cumpra sua missão.
Os editores.
O selamento dos 144 mil
Emilson dos Reis, doutor em Teologia Pastoral
Diretor da Faculdade Adventista de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.
Professor de Introdução Geral à Bíblia e Homilética na mesma faculdade.
longo do tempo, tem usado para mar- viria sobre o Egito, Deus falou: “Por-
car seu povo. Um exame deles nos que, naquela noite, passarei pela ter-
ajudará a compreender a visão do se- ra do Egito e ferirei na terra do Egito
lamento no Apocalipse. todos os primogênitos, desde os ho-
(1) A circuncisão. Tratando do mens até aos animais; executarei juí-
selo da circuncisão, Paulo afirmou: zo sobre todos os deuses do Egito. Eu
“Abraão creu em Deus, e isso lhe foi sou o SENHOR. O sangue vos será
imputado para justiça.... E recebeu por sinal nas casas em que estiver-
o sinal da circuncisão como selo da des; quando eu vir o sangue, passarei
justiça da fé...” (Rm 4:3, 11). Abraão por vós, e não haverá entre vós praga
teve fé nas promessas que Deus lhe destruidora, quando eu ferir a terra do
fez e Deus entrou em aliança com ele Egito” (Êx 12:12-13). O sangue fun-
(Gn 15:5-6, 18). Posteriormente, cer- cionava como um selo de proteção.27
ca de treze anos mais tarde, ele rece- Os que se encontravam dentro das
beu a ordem para se circuncidar e para casas marcadas com o sangue do cor-
circuncidar, dali em diante, todos os deiro manifestavam fé nas palavras
homens de sua casa (Gn 17:24). de Deus e obediência, ao agirem exa-
O que agradou a Deus não foi algo tamente como Deus havia especifica-
que Abraão tivesse produzido ou feito, do. Esse selo também foi passageiro.
mas sua firme aceitação da palavra de Teve a validade de apenas uma noite.
Deus, sua plena confiança nele e, por (3) O sábado. Enquanto Israel es-
isso, Deus o justificou. Mas o sinal visí- tava acampado junto ao Monte Sinai e
vel desse relacionamento foi a circunci- depois de lhes dar suas leis, estatutos
são.25 Essa fé em Deus e em Sua palavra e ordenanças, o Senhor voltou a falar
distinguia os israelitas dos demais po- sobre o sábado: “Pelo que os filhos de
vos e a circuncisão a que se submetiam Israel guardarão o sábado, celebran-
relembrava a eles mesmos que eram do-o por aliança perpétua nas suas ge-
propriedade de Deus (Dt 10:15; Is 43:1; rações. Entre mim e os filhos de Israel
44:1-3). Assim a circuncisão manifesta- é sinal para sempre; porque, em seis
va a fé dos filhos de Deus, mas também dias, fez o SENHOR os céus e a terra,
sua obediência – porque não era Deus e, ao sétimo dia, descansou, e tomou
quem os circuncidava, mas eles mes- alento” (Êx 31:16-17). O sábado é um
mos, em submissão à orientação divina. sinal entre Deus e seu povo para sem-
Foi um selo transitório. Com a morte de pre. Lembra-nos que Deus é o Criador.
Cristo na cruz, perdeu o seu valor es- Mas também é um sinal de que é Ele
piritual: “Porque, em Cristo Jesus, nem que nos santifica, isto é, a cada dia nos
a circuncisão, nem a incircuncisão têm torna mais semelhantes a Ele mesmo:
valor algum, mas a fé que atua pelo “Tu, pois, falarás aos filhos de Israel e
amor” (Gl 5:6. Ver também Gl 6:15; lhes dirás: Certamente, guardareis os
1Co 7:19; At 15).26 meus sábados; pois é sinal entre mim
(2) O sangue do cordeiro nas por- e vós nas vossas gerações; para que
tas. Ao anunciar a décima praga que saibais que eu sou o SENHOR, que
O selamento dos 144 mil / 13
vos santifica” (Êx 31:13).28 Ao pro- estava, indo até à entrada da casa; e o
feta Ezequiel foi dito: “Santificai os SENHOR clamou ao homem vestido
meus sábados, pois servirão de sinal de linho, que tinha o estojo de escre-
entre mim e vós, para que saibais que vedor à cintura, e lhe disse: Passa pelo
eu sou o SENHOR, vosso Deus” (Ez meio da cidade, pelo meio de Jerusa-
20:20).29 O sábado, quando devida- lém, e marca com um sinal a testa dos
mente observado por nós é um sinal homens que suspiram e gemem por
de que Ele é o nosso Deus. É um selo causa de todas as abominações que se
de propriedade. Aquele que guarda o cometem no meio dela. Aos outros
sábado como Deus deseja, está ma- disse, ouvindo eu: Passai pela cidade
nifestando fé em Deus como Criador após ele; e, sem que os vossos olhos
e Redentor, e também obediência ao poupem e sem que vos compadeçais,
mandamento que ele deixou. Assim, matai; matai a velhos, a moços e a
a guarda do sábado é uma indicação virgens, a crianças e a mulheres, até
externa de uma atitude interna. “Por- exterminá-los; mas a todo homem
que esta é a aliança que firmarei com que tiver o sinal não vos chegueis;
a casa de Israel, depois daqueles dias, começai pelo meu santuário. Então,
diz o Senhor: na sua mente imprimi- começaram pelos anciãos que esta-
rei as minhas leis, também sobre o vam diante da casa. E ele lhes disse:
seu coração as inscreverei; e eu serei Contaminai a casa, enchei de mortos
o seu Deus, e eles serão o meu povo” os átrios e saí. Saíram e mataram na
(Hb 8:10). Esse selo permanece. Dis- cidade” (Ez 9:1-7).
tingue os que amam a Deus e guar- Essa visão, que em sua totalidade
dam os Seus mandamentos. abrange os capítulos 8-11, era sim-
(4) O sinal na testa dos homens bólica, e, portanto, os eventos des-
de Jerusalém. Em 592 a.C., seis anos critos nunca ocorreram literalmente.
antes de Jerusalém ser destruída pe- Os homens com armas de destruição
los exércitos de Babilônia, Ezequiel simbolizavam a iminente invasão ba-
recebeu uma visão sobre selamento. bilônica e a destruição de Judá e Je-
Assim ele a narrou: “Então, ouvi que rusalém.30 A visão transmitiu diversas
gritava em alta voz, dizendo: Chegai- mensagens importantes aos exilados:
vos, vós executores da cidade, cada (1) Embora muitos praticassem a ido-
um com a sua arma destruidora na latria secretamente, Deus sabia quais
mão. Eis que vinham seis homens a eram os seus verdadeiros seguidores e
caminho da porta superior, que olha os protegeria. O processo do assinala-
para o norte, cada um com a sua arma mento separaria os que eram inteira-
esmagadora na mão, e entre eles, cer- mente fiéis a Deus daqueles que eram
to homem vestido de linho, com um idólatras, de modo que os justos fos-
estojo de escrevedor à cintura; entra- sem poupados quando viesse a cala-
ram e se puseram junto ao altar de midade.31 (2) Os dirigentes, tais como
bronze. A glória do Deus de Israel se os anciãos e os sacerdotes, eram gran-
levantou do querubim sobre o qual demente responsáveis pela situação
14 / Parousia - 2º semestre de 2010
dução e comentário, 2ª ed. (São Paulo: Vida Ladd, p. 84; Anderson, p. 88-89.
Nova e Mundo Cristão, 1982), p. 84-85. 41
Schippers, 4:403; Aune, 52b:440.
39
Ellen G. White, Vida e ensinos, 6ª ed. 42
Ellen G. White, Testemunhos seletos, 3
(Santo André: Casa Publicadora Brasileira, vols., 4ª ed. (Santo André: Casa Publicadora
1973), p. 111. Brasileira, 1971), 3:17.
40
Wiersbe, “Apocalipse”, 6:751; Ash- 43
Idem, Vida e ensinos, 10ª ed. (Tatuí: Casa
craft, 12:339; Summers, p. 140-141 e 145; Publicadora Brasileira, 2001), p. 189-190.
A tensão entre iminência e tardança da
vinda de Jesus
Natanael B. P. Moraes, doutor em Teologia Pastoral
Professor de Teologia Aplicada na Faculdade Adventista de Teologia do Unasp,
campus Engenheiro Coelho.
A linguagem é comparativa, não ab- tos todos os meus dias, cada um deles
soluta. Naturalmente, mil anos é um escrito e determinado, quando nem
período longíssimo para a história hu- um deles havia ainda [soberania]” (Sl
mana, mas para Deus é como a vigília 139:4, 7-8, 16).
da noite.24 A onisciência de Deus é uma de-
corrência de sua eternidade. Visto que
O tempo divino Ele existe em eterno presente e todo o
conhecimento lhe está patente, então
Êxodo 3:14 fornece uma base
para Deus é como se o tempo se cons-
para a compreensão do tempo divi-
tituísse num ponto, ao contrario do
no: “Disse Deus a Moisés: EU SOU
sentido de tempo humano que seria
O QUE SOU. Disse mais: Assim di-
linear, ou uma sequência de pontos.
rás aos filhos de Israel: EU SOU me
Deste modo, a declaração “para o Se-
enviou a vós outros.” A forma verbal
nhor, um dia é como mil anos, e mil
“EU SOU”, nas duas menções, no he-
anos, como um dia” (2Pe 3:8) indica
braico, encontra-se no Qal imperfeito
que, ao contrário do ser humano, “aos
do verbo ser, e transmite uma noção
olhos de Deus um longo período pode
de continuidade, de ação não con-
parecer breve”.26
cluída: “Eu estou sendo o que estou
sendo”, ou seja, “Aquele que sempre Discussão do texto
é”. Não é um ser conceitual, abstrato,
mas um ser ativo. Assim, é impróprio O sentido da declaração de Pedro,
nos referirmos a Deus como Aquele no verso 8, tem sido discutido con-
que “era” ou que “será”, pois a reali- sideravelmente ao longo dos anos.
dade desta existência ativa só pode ser Todos os exegetas reconhecem que
indicada pelo presente “É”, ou “Está a afirmação é proveniente do Salmo
Sendo”, “sempre É” ou “Sou”.25 A 90:4, mas se divide em dois grupos:
Divindade vive num eterno presente, (1) aqueles que interpretam a decla-
sem as comuns limitações humanas ração de acordo com paralelos da lite-
de passado e futuro. ratura judaica e cristã contemporânea
Há outro texto no Antigo Testa- a Pedro, e concluem que ela procura
mento que revela alguns atributos di- demonstrar que o “Dia do Juízo” (v. 7)
vinos e contribui para a compreensão perdurará por mil anos; (2) a maioria
do tempo divino: “Ainda a palavra me dos demais intérpretes, que entendem
não chegou à língua, e tu, SENHOR, que o verso 8 deve ser estudado no
já a conheces toda [onisciência]... contexto do problema escatológico da
Para onde me ausentarei do teu Espí- tardança, concluem que Pedro produ-
rito? Para onde fugirei da tua face? Se ziu um argumento original sem prece-
subo aos céus, lá estás; se faço a mi- dentes ou paralelo na literatura.27
nha cama no mais profundo abismo, O primeiro grupo aponta para tex-
lá estás também [onipresença]... Os tos rabínicos e cristãos do segundo
teus olhos me viram a substância ain- século onde a cronologia escatológica
da informe, e no teu livro foram escri- se baseia na fórmula “um dia do Se-
24 / Parousia - 2º semestre de 2010
nhor equivale a mil anos” (Sl 90:4). buindo um período de tempo de mil
Algumas vezes a regra tem sido apli- ou mais milhares de anos até o advento
cada à narrativa da criação, a fim de de Cristo.
transmitir a noção de que “seis dias”, O segundo grupo de intérpretes
de mil anos cada, seriam seguidos por que afirma ser inédito o uso de Sal-
um sábado milenar.28 A fórmula tam- mo 90:4 em 2 Pedro 3:8 é questiona-
bém pode ser aplicada aos textos que do por Richard J. Bauckham: “... há
abordam o dia ou dias do Messias (Is vários exemplos do uso desse verso
63:4; Sl 90:15). Outra situação a ser [Sl 90:4] na literatura judaica que os
mencionada é sobre o debate entre comentaristas não encontraram antes,
os rabinos Eliezer e Joshua. De sua mas que podem ser relevantes parale-
parte, Eliezer concluía que o reino los de 2 Pedro 3:8.”32 Como exemplo,
messiânico perduraria por mil anos, Bauckham menciona um trecho do
mas Joshua argumentava que “dias” apócrifo Apocalipse de Abraão, cuja
no plural, no Salmo 90:15, implica data de escrita é estimada como sen-
em dois mil anos.29 Outros aplicam do o final do primeiro século ou início
a fórmula a Gênesis 2:17. Segundo o do segundo.33 O texto é atribuído ao
texto, “no dia em que dela comeres, rabino Eleazar B. Azariah. Ele deduz,
certamente morrerás” parecia exigir a a partir do texto de Gênesis 15, que
morte de Adão imediatamente ao seu o período, durante o qual Abraão (de
pecado, contudo Adão viveu cerca de acordo com Gn 15:1) enxotava as aves
mil anos (Gn 5:6). A protelação do de rapina das carcaças sacrificadas,
juízo divino sobre Adão é explicada foi de um dia, do nascer do sol ao pôr
com base na fórmula apresentada pelo do sol. As aves de rapina representam
Salmo 90:4, pois para Deus um “dia” os gentios opressores de Israel duran-
corresponde a mil anos. O dia de Adão te o período de quatro reinos. Diz o
de mil anos era explicado por Joshua rabino Eleazar, “Desse incidente você
como um sinal da misericórdia de pode aprender que o domínio desses
Deus.30 É verdade que esta aplicação quatro reinos perdurarão apenas um
provê uma ligação com 2 Pedro 3:9, dia de acordo com o dia do Santíssi-
mas interessante como possa parecer mo, bendito seja Ele”.34 A referência
o paralelo, ele não explica satisfato- ao “dia do Santíssimo” deve ser à má-
riamente 2 Pedro 3:8. A aplicação de xima “Um dia do Senhor equivale a
regra exegética a Gênesis 2:17 é sem- mil anos”.35
pre um cálculo cronológico, interpre- Para Bauckham, a relevância do
tando “dia” como mil anos. Com base Apocalipse de Abraão é que, dife-
nessa analogia, 2 Pedro 3:8 só pode- rentemente de outros textos rabínicos
ria se referir à tardança da Parousia se já mencionados, este se refere à tar-
tivesse sido prometido que a tardança dança do Fim, pois no apocalíptico
perduraria por “um dia” ou “dias”, judaico o período de quatro reinos é
mas esse não é o caso.31 Portanto, o precisamente o período da tardança.
texto não indica que Pedro esteja atri- O destaque é que embora para o Isra-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 25
respeito do amplo tempo concedido por rada; pelo contrário, ele é longânimo
Deus para que o ímpio se arrependa (v. para convosco, não querendo que
9). Por outro lado, deve ser visto como nenhum pereça, senão que todos che-
uma séria advertência ao impenitente guem ao arrependimento”.
de que o fim pode chegar rapidamen- Chegamos ao texto de 2 Pedro,
te.42 Visto por outro ângulo, a primeira que apresenta a tensão entre a imi-
parte da dupla declaração, “para o Se- nência do retorno de Jesus e a sua
nhor, um dia é como mil anos” prepara tardança. Consideraremos alguns as-
o leitor para a discussão sobre a tar- pectos sintáticos, veremos alguns pa-
dança divina e o seu propósito (v. 9); a ralelos na literatura grega e judaica, o
segunda parte, “para o Senhor, um dia posicionamento de diversos intérpre-
é como mil anos” é uma advertência tes sobre a passagem e, por fim, uma
a respeito da imprevisibilidade do fim tentativa de melhor compreensão da
do tempo (v. 10), especialmente para o tensão presente no verso.
impenitente. Ao relativizar o conceito
de tempo para Deus, do modo como o
fez no verso 8, Pedro insiste em que Consideração gramatical
o problema do tempo é humano e não
confere uma base para questionar a A forma verbal “retarda”, pro-
providencia divina.43 veniente do verbo grego bradúno,
Há, também, no verso 8, uma ad- tem o sentido de “atrasar, esten-
vertência implícita a que se evite a crí- der-se por um período de tempo,
tica à tardança divina em cumprir as com a implicação de demora e/ou
Suas promessas. Agindo dessa forma, tardança”.46 Pedro conjugou o verbo
os seres humanos passam a desafiar a bradúno no presente do indicativo
Deus, cuja esfera de ação está acima ativo. Segundo Robertson, “o senti-
do tempo presente dos seres humanos. do continuo não deve monopolizar
A crítica humana à tardança divina no o tempo ‘presente’, embora denote
cumprimento de Suas promessas cons- com mais frequência uma ação li-
titui-se numa invasão indevida do tem- near. O verbo e o contexto é quem
po futuro que pertence a Deus.44 devem decidir”.47 Portanto, poderí-
Considerando o contexto do capítu- amos traduzir o verbo bradúno em
lo, Pedro, no verso 8, argumenta que em- 2 Pedro 2:9 por, “o Senhor não está
bora o retorno de Cristo possa parecer retardando a Sua promessa”, pelo
muito distante dos seres humanos, sob a menos esta é a acepção da Bíblia
perspectiva divina o retorno é iminente. de Jerusalém em inglês, “O Senhor
O ser humano finito não pode confinar o não está sendo tardio em realizar a
Deus infinito ao seu padrão de tempo.45 sua promessa”. Com este sentido, a
tensão entre iminência e tardança se
Breve análise de 2 Pedro 3:9 acentua ainda mais, pois atribui uma
noção contínua por parte de Deus
“Não retarda o Senhor a sua pro- em “não estar atrasando” o cumpri-
messa, como alguns a julgam demo- mento da Sua promessa.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 27
ção escatológica num futuro bem soberana de Deus para Israel, que não
próximo. Ao mesmo tempo, há, tam- depende de modo algum do preparo
bém, evidências de que durante este de Israel. Eliezer, por outro lado, con-
período de cerca de dois séculos de diciona a vinda da redenção ao arre-
contínuo desapontamento não dimi- pendimento de Israel.62
nuiu a expectativa da iminência do A ideia a respeito do arrependi-
cumprimento das profecias bíblicas.58 mento de Israel antes do fim não era
Como, então, os apocalipses judaicos recente.63 É provável que a declaração
enfrentaram a questão da tardança do de Eliezer representasse uma reação
cumprimento das profecias? Vários ao desastre de 70 d.C. quando esva-
estudos reconhecem o papel relevante neceram as esperanças de redenção e
de Habacuque 2:3, que parece ter sido Israel vivenciou uma catástrofe que
o texto chave do AT para a reflexão só poderia ser interpretada como pu-
sobre a tardança. A história da inter- nição de Deus. A conclusão era que
pretação do texto contém a explana- Israel não era digno da redenção. So-
ção básica da tardança. Ela apela para mente quando Israel se arrependesse
a soberania onipotente de Deus, que é que ocorreria a redenção.64
já estabeleceu o tempo do fim. Ainda A posição do Eliezer pode indi-
que o cumprimento se estenda mais do car que a data divinamente designa-
que o cumprimento profético sugere, da para o fim tenha sido adiada por
essa tardança aparente pertence aos causa dos pecados de Israel. Uma
propósitos de Deus. Segundo a escala outra alternativa, é que poderia não
divina de tempo, o cumprimento das haver algo como uma data fixa para
profecias não está atrasado.59 o fim, ou então, poderia ser que o ar-
Um exemplo do debate sobre a rependimento de Israel em si mesmo
tardança escatológica da redenção é o fosse parte do plano predeterminado
que se travou entre os rabinos Eliezer por Deus. Essa é a visão sugerida por
B. Hyrcanus e Joshua B. Hananiah.60 uma versão mais longa do debate: “R.
A versão mais breve do debate é de- Eliezer diz: ‘Se Israel não se arrepen-
monstrada a seguir: “R. Eliezer diz: der, nunca será redimido...’ R. Joshua
‘Se Israel se arrepende, eles serão re- diz para ele: ‘Se Israel endurece e não
dimidos’. R. Joshua diz: ‘Se eles se se arrepende, pode você dizer que eles
arrependerem ou não se arrepende- nunca serão salvos?’R. Eliezer diz
rem, quando chegar o fim, sem demo- para ele: ‘O Santíssimo, bendito seja,
ra eles serão redimidos, tal como foi fará surgir entre eles um rei tão firme
dito: ‘Eu, o SENHOR, a seu tempo como Haman, e sem demora eles se
farei isso prontamente (Is 60:22)”.61 arrependerão e serão redimidos’.”65
Joshua mantém o tradicional apelo Noutras palavras, a redenção não
apocalíptico à soberania de Deus, que pode ser postergada indefinidamente
determina o tempo do fim. Quando o pela falha de Israel em se arrepender,
tempo designado chegar, ocorrerá a porque o próprio Deus incitará Israel
redenção escatológica como a graça ao arrependimento. A relevância desse
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 29
Sua meta soberana. Pedro realmente parecer mil anos de postergação pode
não sugere que esse intervalo pode ser, na realidade, apenas um dia. Pe-
perdurar indefinidamente, enquanto dro insiste em que o tempo da vinda
as pessoas permanecem sem se arre- do Senhor é desconhecido76 e que virá
pender. A paciência de Deus não pode inesperadamente como o ladrão. Como
ser desprezada (cf. Rm 2:4). Aquele nas demais situações em que esta me-
que persiste na impiedade, sem se ar- táfora aparece no NT (Mt 24:43-44; Lc
repender, descobrirá que o juízo so- 12:39-40; 1Ts 5:2; Ap 3:3; 16:15), ela
brevirá repentinamente (v. 10a).74 é derivada da parábola de Jesus e co-
munica tanto imprevisibilidade como
Breve análise de 2 Pedro 3:10 ameaça. Para aqueles que, a despeito
das oportunidades que o Senhor em
“Virá, entretanto, como ladrão, o
Sua longanimidade lhes confere, per-
Dia do Senhor, no qual os céus pas-
manecem impenitentes, o dia do Se-
sarão com estrepitoso estrondo, e os
nhor deveria transmitir uma perspecti-
elementos se desfarão abrasados;
va amedrontadora, pois ele determina
também a terra e as obras que nela
o fim da longanimidade e a chegada da
existem serão atingidas”.
punição.77 Mas para aqueles que acei-
Assim como Deus interveio so-
tam o chamado de Deus (Is 25:9; Jl
beranamente para a criação (3:5) e
2:32), será um dia bem vindo.78
no dilúvio (3:6), Ele irá intervir no-
vamente na natureza por ocasião da Breve análise de 2 Pedro 3:11
segunda vinda de Jesus. É uma res-
posta ao argumento uniformista dos “Visto que todas essas coisas hão
escarnecedores. de ser assim desfeitas, deveis ser tais
Pela redação do verso 10, Pedro como os que vivem em santo procedi-
desfaz qualquer engano que pudesse mento e piedade”.
sobrevir de uma má compreensão do Pedro conclui sua carta da mesma
verso 9, como se a longanimidade de maneira como outras cartas do NT,
Deus cancelasse o dia do juízo. O que ou seja, com uma seção que define
ele dissera é que está apenas poster- para os seus leitores como eles de-
gado, mas certamente virá. Dessa ma- veriam se comportar, como povo de
neira, a longanimidade de Deus não é Deus. De modo particular, esta seção
desculpa para os pecadores continu- da carta apresenta seus requisitos
arem a pecar com tranquilidade, sem morais e éticos no contexto do dia
temer o juízo.75 do Senhor, que virá em breve, junta-
A afirmação categórica da vinda mente com os eventos cataclísmicos
repentina do dia do juízo, no verso ligados a este evento.79
10, também procura desfazer a noção A conexão do verso 11 com o
equivocada que alguns tinham sobre o verso anterior e posterior sugere que,
tempo. Pensavam que o tempo deles apesar de que o dia da Parousia não
era ilimitado. Pela citação do Salmo possa ser fixado (cf. 3:12), o Senhor,
90:4, Pedro queria dizer, o que pode eventualmente, em Sua soberania, de-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 33
tória humana. Para refutar esses con- das que se cruzavam entre si, por sua
ceitos errôneos, Pedro menciona dois vez, movidas por quatro seres viven-
atos soberanos de intervenção divina tes. Acima de tudo havia, “algo seme-
no mundo, a criação e o dilúvio (vv. lhante a um trono, como uma safira;
5, 6). Em seguida acrescenta que o sobre esta espécie de trono, estava
“Dia do Juízo” (v. 7, 10-12), a vir no sentada uma figura semelhante a um
futuro, será outro ato divino interven- homem” (Ez 1:26). Ezequiel também
cionista na história humana. Pedro re- viu que “Tinham os querubins uma
correu a essas ações na história para semelhança de mão de homem debai-
defender a soberania de Deus perante xo das suas asas” (Ez 10:8).98
os escarnecedores. Segunda Pedro 3:9 descreve outra
A soberania de Deus “é um ensi- atitude soberana de Deus, “Não retarda
no bíblico pelo qual todas as coisas o Senhor a sua promessa, como alguns
estão sob o Seu governo e controle e a julgam demorada”. Evidentemen-
que nada acontece sem Sua permissão te, Pedro se referia à segunda vinda
ou direção. Deus não atua apenas so- de Cristo. Essa é uma posição que se
bre algumas coisas, mas sobre todas fundamenta exclusivamente na sobe-
segundo o conselho da Sua própria rania de Deus, independentemente da
vontade (Ef 1:11). Seus propósitos participação humana. Contudo, a parte
são todo-inclusivos e nunca frustra- do verso que diz “pelo contrário, ele é
dos (ver Is 46:11); nunca poderá ser longânimo para convosco, não queren-
surpreendido por nada. A soberania do que nenhum pereça, senão que to-
de Deus não se atém apenas a Ele ter dos cheguem ao arrependimento”, jun-
poder ou no direito de conduzir todas tamente com o verso 12, “esperando e
as coisas, mas no fato de assim proce- apressando a vinda do Dia de Deus”
der, sempre e sem exceção”.96 indicam que a participação humana
Um bom exemplo bíblico reve- deve ser levada em consideração para
lador da soberania de Deus é a visão a ocorrência da Parousia. Por um lado,
narrada por Ezequiel. Quando ele é a bondade de Deus, que espera pelo
se encontrava “no meio dos exila- arrependimento dos impenitentes, que
dos, junto ao rio Quebar, se abriram parece atrasar a Parousia, por outro é a
os céus, e eu tive visões de Deus” participação dos crentes com a prega-
(Ez 1:1). O profeta estava “sobrecar- ção do evangelho que parece apressar
regado de tristes lembranças e sinais a Parousia.
perturbadores”.97 A visão recebida foi Algumas declarações de Ellen
uma resposta as suas preocupações. White interligam a soberania de
Ele viu que “um vento tempestuoso Deus com a segunda vinda de Cris-
vinha do Norte, e uma grande nuvem, to. Em sua primeira visão ela ouviu
com fogo a revolver-se, e resplendor a voz de Deus anunciando “o dia e a
ao redor dela, e no meio disto, uma hora de vinda de Jesus”.99 Em 1888,
coisa como metal brilhante, que saía referindo-se a esta visão, ela disse
do meio do fogo” (Ez1:4). Havia ro- que esquecera o tempo anunciado.100
36 / Parousia - 2º semestre de 2010
nação das três passagens, podemos mundo em tempo de paz. Mas não, a
entender que Deus permite a tardança revelação informa que “o trabalho que
devido a Sua longanimidade para que a igreja tem deixado de fazer em tempo
através da pregação do evangelho os de paz e prosperidade terá de realizar
impenitentes tenham a oportunidade em terrível crise, sob as circunstâncias
de ouvi-lo e se arrependam. mais desanimadoras e difíceis”.128 A ta-
De acordo com Ellen White, a refa de evangelização a ser realizada é
nossa pregação do evangelho cumpre enorme, mas deve ser feita pelo motivo
a profecia de Jesus, em Mateus 24:14, correto, amor a Jesus: “Ao participarem
e apressa o Seu retorno.124 Por outro de Seu amor, entrarão para o Seu servi-
lado, a falta de missionários é uma ço a fim de salvar os perdidos”.129
das causas da tardança do retorno de
Cristo.125 Outro fator que contribuiu A relação entre soberania de
para a postergação de Sua vinda é o Deus e livre-arbítrio humano
caráter deficiente dos que professam Alguns pesquisadores postulam
ser Seus seguidores, “Cristo aguarda que o tempo da vinda de Cristo está
com fremente desejo a manifestação definido por Deus e as atividades dos
de Si mesmo em Sua igreja. Quando o seres humanos não o afeta. Nesse
caráter de Cristo se reproduzir perfei- caso, a ênfase recai sobre a sobera-
tamente em Seu povo, então virá para nia divina. Como apoio a essa hipó-
reclamá-los como Seus. Todo cristão tese, Ralph Neall,130 emprega uma
tem o privilégio, não só de esperar a citação de Ellen White significativa:
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, “Como as estrelas no vasto circuito
como também de apressá-la. (2Pe de sua indicada órbita, os desígnios
3:12.) Se todos os que professam Seu de Deus não conhecem adiantamento
nome produzissem fruto para Sua nem tardança”.131 Uma breve leitu-
glória, quão depressa não estaria o ra do contexto da citação demonstra
mundo todo semeado com a semente que essa afirmação foi feita por Ellen
do evangelho! Rapidamente amadu- White para se referir à primeira vin-
receria a última grande seara e Cristo da de Cristo a este mundo. Aplicar a
viria recolher o precioso grão”.126 mesma, com o propósito de apoiar a
Observe-se que Ellen White abor- hipótese de tempo determinado por
da dois tópicos também presentes em Deus para a segunda vinda, parece-
2 Pedro 3:11-12. O primeiro é a for- nos um tanto tendencioso e fora de
mação do caráter e o segundo, a par- contexto.
ticipação ativa do crente na pregação A bem da verdade, desde o prin-
do evangelho para que Cristo volte cipio, estamos lidando com varias
logo.127 São duas condições “gêmeas” tensões. No caso da iminência e tar-
a serem cumpridas para que ocorra a dança, o problema é que os polos
segunda vinda de Cristo. deste paradoxo podem produzir uma
Seria muito bom saber que a igreja variedade de resultados sobre a fé e o
cumpriria seu papel evangelizador no comportamento cristão. Por exemplo,
40 / Parousia - 2º semestre de 2010
se o tempo da vinda de Cristo está nas “O Paradoxo da graça é que o ato que
mãos de Deus, as atividades dos seres emana totalmente de Deus pode ser re-
humanos não a afeta; se depende da alizado através do homem”.133
ação humana, não está nas mãos de Por sua vez, ao discorrer sobre
Deus. Como se pode constatar, é o an- soberania divina e livre-arbítrio no
tigo problema do determinismo contra contexto da visão de Ezequiel, no rio
o livre-arbítrio. A primeira alternativa Quebar, disse Ellen White: “Todos es-
pode conduzir à passividade: porque tão pela sua própria escolha decidindo
deveriam os seres humanos se pre- o seu destino, e Deus está governando
ocupar se suas ações não afetam os acima de tudo para o cumprimento de
planos de Deus? Mas o segundo pode Seu propósito”.134
levar ao desespero. Se a geração dos É muito bom saber que Deus res-
apóstolos não foi santa o suficiente peita o livre-arbítrio que Ele nos con-
para satisfazer o padrão (pois Cristo cede, mas, por outro lado, devemos
não veio no tempo deles) então que estar sempre cônscios de que Ele é
esperança pode ter a última geração quem deve conduzir nossa vida pes-
de satisfazer o padrão esperado?132 soal e a igreja. Estamos dispostos a
O estudo da relação entre sobera- entregar a Ele, diariamente, em vo-
nia divina com livre-arbítrio humano luntária submissao, a liderança?135
na Bíblia permite que se vislumbre Compreendendo a tensão entre
uma parceria ideal. Tomemos, por iminência e tardança da parousia
exemplo, as profecias de tempo refe-
rentes à primeira vinda de Jesus, como Vários textos da Bíblia abordam a
Daniel 9:24-27; Isaías 7:14, etc. Evi- tensão entre iminência e tardança da
dentemente eram profecias incondi- Parousia. Escolhemos 2 Pedro 3:9 por
cionais, contudo o seu cumprimento ser mais desafiante, por apresentar a
dependia da livre aceitação por parte tensão num único verso.
dos escolhidos para que, tomando par- Devemos procurar a explicação
te ativa, elas se cumprissem. Esse foi da tensão no contexto do capítulo 3.
o caso de Maria perante o anjo: “Des- Tempo é a questão em debate em 2
cerá sobre ti o Espírito Santo, e o po- Pedro 3. Pela ótica dos escarnecedo-
der do Altíssimo te envolverá com a res, o transcorrer uniforme do tempo,
sua sombra; por isso, também o ente sem interferências, atestava que a
santo que há de nascer será chamado promessa da vinda não se cumprira.
Filho de Deus” (Lc 1:35). Maria po- Pedro refuta este argumento, dizendo
deria ter recusado a incumbência ce- que, por duas vezes, Deus interferiu
leste, mas não e ela espontaneamente soberanamente, sem a interferência
disse: “Aqui está a serva do Senhor; humana na história terrestre, através
que se cumpra em mim conforme a tua da criação e do dilúvio por meio da
palavra” (Lc 1:38). De modo objetivo, água. Do mesmo modo, intervirá na
o relato acima confirma a declaração história no Dia do Juízo com destrui-
bem colocada por Harold H. Rowley: ção pelo fogo.
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 41
O capítulo também aborda o tem- cia, White diz: “Devemos vigiar e tra-
po de Deus. Em parte, ele começara balhar e orar como se este fosse o últi-
a explicar o tempo de Deus no verso mo dia que nos fosse concedido”.137
anterior, que, à semelhança do verso A frase do verso 9 “Não retarda o
9, também traz uma tensão: “...para o Senhor a sua promessa” é uma alusão a
Senhor, um dia é como mil anos, e mil Habacuque 2:3, que apela à soberania
anos, como um dia”. Esse verso é uma de Deus, com conotação de iminência.
alusão ao Salmo 90:4 que contrasta a Por sua vez, a iminência da vinda de
transitoriedade da vida humana com Cristo na Bíblia tem aplicação dupla: a
a eternidade de Deus. Visto que para primeira deve ser vista pela perspectiva
Deus um longo período de tempo, divina. Ou seja, a vinda de Cristo com
como mil anos, parece breve, não há poder e glória, na companhia dos anjos
atraso na sua vinda. Portanto, o ser hu- é um acontecimento eminentemente
mano precisa saber que Deus não con- divino, que ocorrerá independente da
sidera a passagem do tempo do modo participação humana. A segunda apli-
como o faz a pessoa humana, por isso cação da iminência no verso 9 é que,
Ele não pode ser acusado de ser omis- pelo ponto de vista humano, deve ser
so ou negligente com respeito ao cum- tomada como uma advertência de que
primento de Sua promessa. a Parousia está próxima.
A dupla frase do verso 8, entendi- Para alguns pesquisadores, a
da como um amplo tempo concedido, frase “Não retarda o Senhor a sua
é um convite ao impenitente a que se promessa” é um indicativo de que
arrependa. Isto é, uma “tardança mi- Deus predeterminou uma data para
sericordiosa” da vinda de Cristo que a segunda vinda desde e eternidade
visa a salvação. É, também, uma ad- e esta não será postergada. Procu-
vertência sobre a imprevisibilidade do rou-se ao longo da pesquisa reunir
tempo, que assim poderia ser entendi- textos bíblicos, declarações do Es-
do: “Esteja sempre preparado para a pírito de Profecia e posicionamen-
vinda de Cristo”. Na verdade, o ver- to teológico de diversas fontes. O
so 8 prepara o leitor para o verso 9, conjunto das evidências sugere que
argumentando que, embora o retorno essa hipótese segue pressupostos
de Cristo possa parecer muito distante mais afins ao calvinismo do que
dos seres humanos, sob a perspectiva ao adventismo. Uma das principais
divina o retorno é iminente. consequências da hipótese do tempo
Tal como Pedro, Ellen White tam- predeterminado é a passividade no
bém advertiu sobre a necessidade de que se refere ao envolvimento com
vivermos em atitude de urgência: “Não a pregação do evangelho. Afinal, se
sereis capazes de dizer que Ele virá o tempo já está definido o esforço
dentro de um, dois, ou cinco anos, nem na evangelização não irá alterar o
deveis retardar Sua vinda, declarando quadro final.
que não será por dez, ou vinte anos”.136 Mas, como em todo o capítulo, o
Noutro texto que confere mais urgên- verso 9 está focado no tempo. Em sua
42 / Parousia - 2º semestre de 2010
segunda parte, Pedro nega o argumen- e vinte anos, conferida aos antedilu-
to dos escarnecedores que dizem haver vianos (Gn 6:3; 7:4, 10; 1Pe 3:20); a
uma tardança da vinda de Jesus. Con- revelação do caráter de Deus a Moisés
forme o apóstolo, o que está ocorrendo (Êx 34:6); a bondade, longanimidade
não é tardança, mas uma manifestação de Deus que leva ao arrependimento
da misericórdia de Deus. Na perspec- (Rm 2:4-11). A rejeição da longani-
tiva divina de tempo (v. 8) não há tar- midade divina significa indisposição
dança do retorno de Cristo, porque o para se arrepender. Isso pode retar-
que para nós mortais é muito tempo, dar a segunda vinda (3:9), enquanto
para Deus é uma pequena fração no arrependimento e as obras piedosas
Seu contexto de existência eterna. podem apressar a Parousia (3:12);
Pedro não é o único escritor do contudo, sob a perspectiva divina, a
NT a falar sobre tardança. Encontra- tardança (v. 9) deve ser compreendida
mos um relevante paralelo em Apoca- dentro do contexto da Sua soberania,
lipse 6-11. O motivo da postergação pois é Ele quem a autoriza.
é apresentado no livro do Apocalipse Tempo continua sendo o cen-
como se estivesse entre parênteses: tro da atenção no verso 10. O juízo,
por pouco tempo (iminência) é a res- em forma de destruição a ocorrer na
posta ao clamor por justiça da parte vinda de Jesus (v. 7, 10), juntamen-
dos mártires (6:10, “tardança”). Tam- te com a criação (v. 5) e o dilúvio (v.
bém, no contexto dos sete selos, Deus 6) é a resposta de Pedro ao argumen-
prorroga o fim (7:3) por causa da to uniformista dos escarnecedores.
igreja, para que o Cordeiro possa ser A longanimidade de Deus expressa
o líder de uma vasta multidão redimi- pela oportunidade de arrependimen-
da. No contexto das trombetas, João to concedida aos impenitentes, que é
introduz um novo parêntese (caps. entendida por tardança (v. 9), não é
10-11) onde aparece a ordem: “É ne- permanente de modo a cancelar a vin-
cessário que ainda profetizes a respei- da de Jesus. Que o dia da Parousia é
to de muitos povos, nações línguas e desconhecido, fica certificado por Sua
reis” (10:11), indicando que, na pro- vinda súbita, “como ladrão”.
vidência misericordiosa e soberana de O verso 11, para não fugir à regra,
Deus, a tardança é permitida para que também trata de tempo. Só que o alvo
o evangelho seja pregado, cumprindo se volta do futuro para o presente: o
a profecia de Jesus sobre o tempo do conhecimento de eventos futuros ne-
fim (Mt 24:14) e a comissão evangé- gativos ou positivos, anunciados pela
lica (Mt 28:19, 20). profecia bíblica, deve motivar o cris-
No verso 9, a longanimidade de tão a ter uma vida consagrada no tem-
Deus é uma virtude perdoadora que po presente.
se manifesta ao “longo” do tempo. Chegamos ao último verso de nos-
Essa longanimidade mencionada em so estudo. Seus dois verbos iniciais
2 Pedro 3 tem vários paralelos bíbli- estão ligados a tempo, o tema central
cos: a postergação do juízo por cento do capítulo 3. “Apressando” é o par-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 43
natureza, ao longo da história, evi- 2 Pedro 3:9, 12, indica que a tardan-
dencia que Deus não intervém; por- ça é de fato permitida pela soberana
tanto, não haverá a vinda prometida. vontade de Deus para que os crentes,
Isso é uma negação da soberania di- através da pregação do evangelho ao
vina. Pedro contra argumenta dizen- mundo, persuadam os impenitentes
do que, ao contrário do que eles afir- ao arrependimento.
maram, Deus interveio sim, primeiro Os pressupostos bíblicos da pres-
através da criação e depois por meio ciência divina absoluta e não causa-
do dilúvio e que, por fim, interferirá tiva, a autenticidade do livre-arbítrio
no Dia do Juízo, mais uma vez. De humano, a incondicionalidade da vin-
sua parte o apóstolo defende a sobe- da de Cristo em glória e majestade
rania de Deus. Não existe atraso da com os anjos, a condicionalidade do
promessa divina, pois a percepção tempo da vinda de Cristo ao testemu-
da passagem do tempo na perspecti- nho de vida cristão e ao envolvimento
va dEle é diferente da ótica humana. dos crentes na pregação do evangelho
Para Deus um dia é como mil anos, ao mundo confirmam que, de fato,
e mil anos, como um dia, ou seja, é pela ótica humana há uma tardança da
como se fosse um ponto, enquanto vinda, enquanto que pela perspectiva
para o ser humano, sujeito a passa- divina, não há atraso.
gem do tempo, este se assemelha a Tendo em mente o contexto de
uma sucessão de pontos, ou uma li- soberania divina e liberdade huma-
nha. Em função de sua percepção, na, lembramos que a tardança da
existe, para o homem, uma tardança segunda vinda de Cristo, motivada
da vinda. Conforme a explicação de pela longanimidade de Deus, não
Pedro, esta postergação se deve a reduz a Sua autoridade quanto a
longanimidade de Deus que confere definir o tempo do fim, mas signi-
mais tempo para que os impenitentes fica que Sua resolução leva miseri-
se arrependam e para que os crentes cordiosamente em consideração as
atuem para apressar a vinda. ações humanas que podem retardar
Há diversas passagens paralelas ou apressar a vinda de Jesus. Em
nas Escrituras que atestam a tardança fim, tudo permanece sob a tutela so-
da Parousia. Uma das mais relevantes berana do Todo-Poderoso, inclusive
é Apocalipse 10:11, que, associada a a tardança!
Referências 4
Ibid.
5
Daniel C. Arichea and Howard Hatton,
1
Richard P. Lehmann, “The Second Co- A Handbook on the Letter from Jude and the
ming of Jesus”, em Handbook of Seventh-day Second Letter from Peter, (HLJSLP), UBS
Adventist Theology Handbook of Seventh-day handbook series; Helps for translators (New
Adventist Theology (Hagerstown: Review York: United Bible Societies, 1993), 144, em
and Herald, 2000), 903. Sistema de Biblioteca Digital Libronix 3.0e
2
Ibid. (2000-2007), (SBDL).
3
Ibid., 913. 6
Relembrando, etimologicamente, teo-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 45
diceia (theos dike) significa a justificação de e religião (São Paulo: Instituto Adventista de
Deus. A palavra foi introduzida por Gottfried Ensino, 1977), 1:60.
Leibniz em artigo publicado em 1710, “Essais 17
MacArthur, 2PJ, 114, em SBDL.
de Théodicée sur la bonte de Dieu, la liberté 18
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 295,
de l’homme et l’origine du mal”, cujo propó- em SBDL.
sito era demonstrar que a presença do mal no 19
MacArthur, 2PJ, 118, em SBDL.
mundo não entra em conflito com a bondade 20
Para uma melhor descrição desta gi-
de Deus. “Theodicy”, Catholic Encyclopedia, gantesca conflagração, ver Ellen G. White,
pesquisa realizada na internet, no site http:// Patriarcas e profetas (Tatuí: Casa Publica-
www.newadvent.org/cathen/14569a.htm, no dora Brasileira, s.d.), 99, em Obras de Ellen
dia 12 de outubro de 2010. Ver, também, Earl G. White (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira,
Richard, Reading 1 Peter, Jude, and 2 Peter s.d.), 1CD-Rom.
: A Literary and Theological Commentary 21
Schreiner, NAC, 366. em SBDL.
(LTC), Reading the New Testament series 22
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 301,
(Macon, GA.: Smyth & Helwys Publishing, em SBDL.
2000), 373, em SBDL. 23
Schreiner, NAC, 366. em SBDL.
7
Richard J. Bauckham, vol. 50, Word 24
Marvin E. Tate, vol. 20, Word Biblical
Biblical Commentary: 2 Peter, Jude, Word Commentary: Psalms 51-100, electronic ed.,
Biblical Commentary (WBC), (Dallas: Word, Logos Library System; Word Biblical Com-
Incorporated, 2002), 282, em SBDL. mentary (Dallas: Word, Incorporated, 1998),
8
Salvo indicação contrária, todas as re- 440, em SBDL..
ferências neste artigo são da Versão de João 25
John I. Durham, vol. 3, Word Biblical
Ferreira de Almeida (São Paulo: Sociedade Commentary : Exodus, Word Biblical Com-
Bíblica do Brasil, 1993). mentary (Dallas: Word, Incorporated, 2002),
9
“Last Days”, The Seventh-day Adventist 39, em SBDL. Cf. The Seventh-day Adven-
Bible Dictionary; The Seventh-day Adventist tist Bible Commentary (SDABC), Francis D.
Bible Commentary, Volume 8 (Review and Nichol, ed. (Hagerstown: Review and Herald
Herald Publishing Association, 1979; 2002), Publishing Association, 1978; 2002), 1:511.
659, em SBDL. 26
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 309,
10
Para uma melhor noção sobre escatolo- em SBDL.
gia realizada, ver o livro de Charles H. Dodd, 27
Ibid., 306. Ver, Allen Black and Mark
The Parables of the Kingdom (Londres: Nis- C. Black, 1 & 2 Peter, The College Press NIV
bet, 1950). Commentary (Joplin: College Press Pub.,
11
Richard J. Bauckham, ”The Delay of 1998), 2Pe 3:8, em SBDL; Charles Bigg, A
the Parousia”, Tyndale Bulletin, 31, 1980, 20, Critical and Exegetical Commentary on the
em http://servicos.unasp-ec.edu.br/services/ Epistles of St. Peter and St. Jude (Edinburgh:
ATLA (ATLA). T&T Clark International, 1901), 295, em
12
Charles E. Talbert,”2 Peter and the SBDL.
Delay of the Parousia”, Vigiliae Christianae 28
Idem, “The Delay of the Parousia”,
20 (1966), 137-145, citado em Richard J. TB, 21, em SBDL.
Bauckham,”The Delay of the Parousia”, Tyn- 29
Midrash of Psalms on Ps. 90:4, citado
dale Bulletin (TB), 31, 1980, 20, em http:// em Bauckham, “The Delay of the Parousia”,
servicos.unasp-ec.edu.br/services/ATLA. TB, 21, em SBDL.
13
MacArthur, 2 Peter and Jude, 114, em 30
Jerome H. Neyrey, “The Form and
SBDL. Background of the Polemic in 2 Peter”, Jour-
14
Roy E. Gingrich, The Book of 2 Peter nal of Biblical Literature (JBL), 99/3 (1980),
(B2P), (Memphis: Riverside Printing, 1997), 429, 430, em http://servicos.unasp-ec.edu.br/
20, em SBDL. services/ATLA/.
15
MacArthur, 2 Peter and Jude, 114, em 31
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 307,
SBDL. em SBDL.
16
Orlando R. Ritter, Estudos em ciência 32
Ibid., 308, em SBDL.
46 / Parousia - 2º semestre de 2010
33
Translations of Early Documents, 2010.
Series I, Palestinian Jewish Texts, The Apo- 50
Neyrey, 408, JBL, em ATLA.
calypse of Abraham, G. H. Box, ed., (Lon- 51
Epicuro, Letter to Menoeceus, pesqui-
dres: 68, Haymarket, S. W. I.; Nova Iorque: sa realizada na internet, no site http://www.
Macmillan, 1919), pesquisa realizada na in- epicurus.net/en/menoeceus.html, no dia 24
ternet, no site http://www.marquette.edu/ma- de outubro de 2010. O contexto de 2 Pedro
qom/box.pdf, no dia 21 de outubro de 2010. 3 realmente parece indicar que os falsos mes-
34
Pirqe de R. Eliezer 28: tradução de G. tres compartilhavam conceitos epicureus o
Friendlander, Pirkê de Rabbi Eliezer (Nova que transparece em duas declarações. A pri-
Iorque: Hermon Press, 1965), 200, citado em meira refere-se à conduta deles, “andando
Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB, segundo as próprias paixões” (v. 3). Esta afir-
24, em SBDL. mação sugere que eles viviam para atender os
35
Bauckham, “The Delay of the Parou- seus instintos (cf. 2Pe 2:2, 6, 7, 10, 13, 18).
sia”, TB, 24, em SBDL. A segunda declaração, “Onde está a promes-
36
Ibid., 25, em SBDL. sa da sua vinda? Porque, desde que os pais
37
Crawford H. Toy, Louis Ginzberg, dormiram, todas as coisas permanecem como
“Apocalypse of (Syriac) Baruc”, Jewish desde o princípio da criação”.
Encyclopedia, pesquisa realizada na internet, 52
Idem, Sovram Maxims, pesquisa rea-
no site http://www.jewishencyclopedia.com/ lizada na internet, no site http://www.btin-
view.jsp?artid=330&letter=B, no dia 21 de ternet.com/~glybhughes/squashed/epicurus.
outubro de 2010. htm, no dia 24 de outubro de 2010.
38
Roland E. Murphy, “Eclesiástico”, En- 53
Para uma melhor noção sobre esta dis-
ciclopedia de la Bíblia (Barcelona: Ediciones cussão, ver Neyrey, 409-411, JBL.
Garriga, 1964), 2:1056. 54
Neyrey, 409, em JBL.
39
Bauckham, 2 Peter, Jude, WBC, 308- 55
Ibid., 411.
309, em SBDL. 56
Plutarco, http://www.archive.org/stre-
40
Kistemaker and Hendriksen, NTC, am/plutarchondelayo00plut/plutarchonde-
332, em SBDL. layo00plut_djvu.txt, 24/10/2010.
41
Bauckham, “The Delay of the Parou- 57
Neyrey, 414-415, em JBL.
sia”, TB, 26, em ATLA. 58
Bauckham, “The Delay of the Parou-
42
Idem, 2 Peter, Jude, WBC, 308-309, sia”, TB, 4-5, em ATLA.
em SBDL. 59
Ibid., 5-6.
43
Richard, LTC, 379, em SBDL. 60
Midrash Tanhuma Behuqotai 5; y
44
Davids, PNTC, 277, em SBDL. Ta’na. 1:1; b Sanh. 97b-98a. Citado em
45
MacArthur, 2PJ, 121. Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB,
46
Bradúno, Louw-Nida Lexicon, em 4-5, em ATLA.
BibleWorks (BW), (Norfolk: BibleWorks, 61
Midrash Tanhuma Behuqotai 5 (Neus-
1992-2008), 1DVD. ner, op. cit. I 479). O uso de Is 60:22 referen-
47
Archibald T. Robertson, Grammar of te a este tema está bem certificado para este
the Greek New Testament (GGNT), em BW. período: Eclesiástico 26:8; 2 Baruc 20:1f;
Conferir, William D. Mounce, Basics of 54:1; 83:1; Ep. De Barnabé 4:3; cf. Pseudo
Biblical Greek (Grand Rapids: Zondervan, Filo, Lib. Ant. Bib. 19:13; 2 Pe 3:12. Cf. re-
1993), 125. ferencias rabínicas adicionais em A. Strobel,
48
“Plutarch”, pesquisa realizada na inter- Untersuchungen zum eschatologischen Ver-
net, no site http:e-classics.com/plutarch.htm, zögerungsproblem auf Grund der spätjüdis-
no dia 24 de outubro de 2010. ch-urchristlichen Geschichte Von Habakuk
49
Plutarco, “Plutarch on the , Delay of 2.2 ff. (Supplements to Novum Testamen-
the Divine Justice”, pesquisa realizada na tum 2. Leiden: E. J. Brill, 1961). Citado em
internet, no site http://www.archive.org/stre- Bauckham, “The Delay of the Parousia”, TB,
am/plutarchondelayo00plut/plutarchonde- 12, em ATLA.
layo00plut_djvu.txt, no dia 24 de outubro de 62
Bauckham, “The Delay of the Parou-
A tensão entre iminência e tardança da vinda de Jesus / 47
ject in all his complexity. Both these cador morávio descreve a perda dessa
aspects mentioned promote the com- harmonia, e argumenta ser papel da
plete development of the subject, syn- educação a recuperação dessa harmo-
chronizing him according to society’s nia perdida. Ele diz que “um dos pri-
demands, where there is multidimen- meiros ensinamentos que a Sagrada
sional life, which demands a forma- Escritura nos dá é este: sob o sol não
tion and posture equally broad. há nenhum outro caminho mais eficaz
para corrigir as corrupções humanas
Introdução que a reta educação da juventude”.4
Em nossa contemporaneidade,
O filósofo educacional Cipria-
no Relatório para a UNESCO da Co-
no Luckesi aponta três maneiras de
missão Internacional sobre Educação
compreender o sentido da educação
para o século XXI, o político e econo-
na sociedade: educação como re-
mista francês Jacques Delors, se bem
denção, educação como reprodução
que não pende para uma visão reden-
e educação como um meio de trans-
tora, não deixa de enfatizar o papel
formação da sociedade.1 Pela sua
preponderante da educação para os
busca de sentido e ensejo de ação,
indivíduos e para a coletividade. As-
todas elas podem ser consideradas
sim ele se expressa:
tendências filosófico-políticas. So-
bre a educação como redenção, Lu- Ao terminar os seus trabalhos a Co-
ckesi destaca sua característica de missão faz, pois, questão de afirmar a
enxergar a sociedade como “con- sua fé no papel essencial da educação
junto” de indivíduos que convivem no desenvolvimento contínuo, tanto
em sociedade, bem como sua ênfase das pessoas como das sociedades.
no desenvolvimento de habilidades Não como um “remédio milagroso”,
e “veiculação dos valores éticos não como um “abre-te sésamo” de
necessários à convivência social”.2 um mundo que atingiu a realização
Para Dermeval Saviani, o sentido e de todos os seus ideais, mas, entre
outros caminhos e para além deles,
finalidade da educação redentora é
como uma via que conduza a um
“reforçar os laços sociais, promover
desenvolvimento humano mais har-
a coesão social e a integração de to- monioso, mais autêntico, de modo
dos os indivíduos no corpo social”.3 a fazer recuar a pobreza, a exclusão
Como se vê, educação e redenção é social, as incompreensões, as opres-
uma discussão até certo ponto “nor- sões, as guerras...5
mal” no ambiente educacional.
Um exemplo clássico da concep- A noção de redenção-educação6 é
ção de educação como redenção en- fundamental nos escritos de Ellen G.
contra-se na conhecida obra Didática White. No ano de 1870, ela começou
Magna, da autoria de Comênius e es- a publicação, em quatro volumes, do
crita no século 17. Partindo da com- que considerava ser a história da re-
preensão de um mundo criado por denção, intitulada The Spirit of Pro-
Deus como harmônico e bom, o edu- phecy.7 Posteriormente, apresentou
“Educar é redimir” / 53
salvação com temor e tremor; porque cesso. Como lembra Thomas Groome,
Deus é quem efetua em nós tanto o no sentido bíblico conhecer a Deus é
querer como o realizar, segundo a uma atividade dinâmica, experiencial
Sua boa vontade. Na obra de salvação e relacional, que envolve toda a pes-
há cooperação dos agentes humanos soa e encontra expressão numa vida
e divinos. Tem-se declarado muita
de obediência amorosa a Deus. Sem
coisa acerca da ineficácia do esforço
humano; no entanto, o Senhor não esta ação amorosa, Deus não é conhe-
faz nada pela salvação da alma sem a cido; sem tal ação, qualquer tipo de
cooperação do homem.31 conhecimento não é, na visão bíblica,
mais do que tolice.33
A noção whiteana de serviço e co- Outro aspecto importante é a re-
operação não como consequência, mas ceptividade humana da redenção. A
como condição da redenção humana, ideia whiteana é que as providências
é fundamental para a teologia e sua de redenção são gratuitas para todos.
relação com a educação. Entende-se Ela afirma que “não ganhamos a sal-
que é condição porque a salvação do vação por nossa obediência; pois a
ser humano (e isso envolve teologia salvação é dom gratuito de Deus, e
ou conhecimento teológico, “Soterio- que obtemos pela fé”.34 Num outro
logia”) acontece com a cooperação de trecho, insiste na gratuidade da re-
seres humanos (e isto pode implicar denção dizendo que “a salvação é o
em ações pedagógicas). De modo que, dom gratuito de Deus para o crente,
enquanto a teologia fornece as ferra- que lhe é concedido unicamente por
mentas para a possível compreensão da amor a Cristo” e deixa claro que o ser
redenção, a educação pode estabelecer humano “não pode apresentar suas
ações apropriadas para uma prática pe- boas obras como argumento para a
dagógica redentora. Só desta maneira salvação de sua alma”.35
a redenção significaria “benefício” ao Todavia, percebe-se que Ellen G.
ser humano, o qual ocorreria na medi- White não entende gratuidade como
da em que ele próprio toma parte ou universalismo.36 Nesse sentido, ela diz
se envolve nesse processo, pois, como que “as provisões da redenção são li-
diz Ellen G. White, as pessoas podem vres para todos; os resultados da reden-
ser “polidos instrumentos nas mãos de ção serão desfrutados por aqueles que
Deus para a salvação de almas”.32 cumprirem as condições”.37 E quais são
Todavia, isso não significa que a essas condições? Ela própria responde:
teologia e a educação sejam elemen-
É eleita toda pessoa que operar a
tos distintos e independentes de um
sua própria salvação com temor e
mesmo processo, do tipo teoria e prá- tremor. É eleito aquele que cingir a
tica; também não significa que a teo- armadura, e combater o bom com-
logia seja o conhecimento da salvação bate da fé. É eleito quem vigiar e
ou de Deus, e a educação constitua orar, quem examinar as Escrituras,
sua prática. São, sim, dois elementos e fugir da tentação. É eleito aquele
complementares de um mesmo pro- que continuamente tiver fé, e que for
“Educar é redimir” / 57
pais”.56 Infelizmente “o pecado deles não faço o bem que prefiro, mas o
abriu as portas do dilúvio das desgra- mal que não quero, esse faço. Des-
ças sobre o mundo”.57 venturado homem que sou! Quem
Em terceiro lugar, Ellen G. Whi- me livrará do corpo desta morte?62
te entende que o mal significa atos e
Conclui-se, então, que a ação res-
ações – que Estrada chama de ‘mal
tauradora se faz necessária devido à
moral’. De acordo com Estrada, é de-
queda, que entronizou o mal na huma-
vido à existência da moral que o ser
nidade com consequências nefastas.
humano tem “a consciência do peca-
É necessário, pois, lidar com o mal. A
do e da culpa e o anseio de justiça e
restauração, deste modo, teria o obje-
perdão como sua contrapartida”.58
tivo de combater e eliminar o mal. To-
Neste sentido, White afirma que o ser
davia, este pareceria ser um objetivo
humano vive num “estado de culpa
geral, e Ellen G. White se refere espe-
consciente”.59 Ou seja, a pessoa sabe
cificamente a “restaurar no homem a
quando suas práticas e ações são más,
imagem de seu Autor”. O nosso pró-
sentindo-se culpada por elas.
ximo passo, então, é entender pontu-
Enquanto que para Estrada o mal
almente essa expressão. Comecemos
moral limita-se a ações que quebram
por uma afirmação que aponta para
códigos de conduta da sociedade – o
uma explicação adequada:
mal é o produto das ações humanas,
diz ele60 – para Ellen G. White o mal
O homem foi formado à semelhança
moral também se refere à quebra dos de Deus. Sua natureza estava em har-
códigos de conduta divinos.61 São eles monia com a vontade de Deus. Sua
que regem a conduta humana. Assim mente era capaz de compreender as
sendo, a desobediência às leis de Deus coisas divinas. Suas afeições eram
também está na esfera do mal moral. puras; seus apetites e paixões estavam
Como se vê, Ellen G. White cons- sob o controle da razão. Ele era santo
tata marcado antagonismo na nature- e feliz tendo a imagem de Deus e em
za humana, e sua explicação para essa perfeita obediência à Sua vontade.63
profunda realidade espiritual e antro-
pológica é a queda, que aponta, de No parágrafo acima se percebe
modo amplo, para o aparecimento do que a expressão whiteana “formado
mal na humanidade e, de modo espe- à semelhança de Deus” refere-se à
cífico, para a tensão que esse mal pro- completude na natureza humana, nos
voca na experiência humana. Prova- aspectos físico, mental, emocional e
velmente, ela se inspira nas palavras espiritual. Entretanto, a autora tam-
do apóstolo Paulo, o que evidencia bém destaca a incompletude humana
essa tensão nas seguintes palavras: quando afirma que caso o ser humano
tivesse permanecido fiel a Deus, “teria
Porque eu sei que em mim, isto é, ele continuado a obter novos tesouros
na minha carne, não habita bem ne- de conhecimentos, a descobrir novas
nhum, pois o querer o bem está em fontes de felicidade e a alcançar con-
mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque cepções cada vez mais claras da sabe-
60 / Parousia - 2º semestre de 2010
Quadro 1
ao comentarem que pensar a educação ver com todo o ser, e com todo o pe-
como sinônimo de redenção permi- ríodo de existência possível ao homem.
É o desenvolvimento harmonioso dos
te transportar “os alvos educacionais poderes físicos, intelectuais e espiritu-
dos limites do imediato para o âmbi- ais. Prepara o estudante para a alegria
to das realidades eternas”.97Além do do serviço neste mundo e para a alegria
mais, longe de limitar sua compreen- mais elevada de um serviço mais amplo
são apenas ao nível religioso-espiritu- no mundo por vir.100
al, “colocar a educação no âmbito do
A partir desta afirmação, destaco
eterno é realmente ampliar o sentido e
duas implicações do pensamento de
o significado daquilo que está aconte-
Ellen G. White na prática pedagógica:
cendo no presente”.98
(1) uma práxis que impacta o sujeito
Justamente no sentido de cuidar
durante toda a sua vida, preenchendo
com uma educação limitada em sua
todas suas circunstâncias e espaços
abrangência, falando aos dirigentes
em que se encontre (“todo o período
da IASD na década de 1870, Ellen
de existência possível ao homem”), e
G. White afirmou que as ideias deles
(2) uma práxis capaz de alcançar o su-
acerca da educação eram demasiada-
jeito em toda sua complexidade, que
mente acanhadas. Era necessário “um
possibilite desenvolver no educando
escopo mais amplo” e “um objetivo
todas suas potencialidades (“ela tem
mais elevado”.99 Esta educação mais
que ver com todo o ser... É o desen-
ampla é possibilitada pela similarida-
volvimento harmonioso dos poderes
de proposta entre educação e reden-
físicos, intelectuais e espirituais”).
ção, similaridade esta que, como já foi
dito, permite transportar os objetivos
Uma práxis pedagógica que impacta
educacionais dos limites do imediato
o sujeito ao longo da vida
para o campo das realidades eternas.
Mas, afinal, qual seria esse “esco- Devido à sua abrangência, a pro-
po mais amplo” e esse “objetivo mais posta whiteana pretende impactar o
elevado”? Em seu livro Educação sujeito durante toda sua vida, atin-
Ellen G. White descreveu aquilo que gindo-o, obviamente, em todas as
pode ser considerado, sinteticamente, circunstâncias e espaços em que se
seu conceito fundamental e objetivo encontre. Deste modo, teríamos uma
último da educação, a partir do qual se práxis pedagógica que fosse além
depreendem as particularidades que da sala de aula, sendo capaz de unir
caracterizam sua prática pedagógica. a educação familiar, escolar, social e
Esse pequeno parágrafo aponta, resu- eclesial, considerando que estes são
midamente, para a natureza da prática os espaços mais importantes do sujei-
pedagógica whiteana. Ela afirma: to pensado por Ellen G. White. Essa
A verdadeira educação significa mais do
abrangência pode ser verificada nos
que avançar numa determinada série de objetivos gerais da educação whitea-
estudos. Significa mais do que a prepa- na. Com esse propósito em mente, a
ração para a vida presente. Ela tem que seguir são sintetizados e comentados
66 / Parousia - 2º semestre de 2010
Quadro 2
bitar; que deve ser conservado puro, tido, Ellen G. White adverte que “a
como a habitação de pensamentos educação que consiste no exercício
elevados e nobres”.116 da memória, com a tendência de de-
Por outro lado, os estudantes sencorajar o pensamento indepen-
precisam ser instruídos nos diversos dente, tem uma influência moral que
campos do saber, mas deve ter-se o é pouco tomada em conta”.122 Qual
cuidado de também ensiná-los no seria essa influência? “Ao sacrificar
cumprimento dos deveres práticos o estudante a faculdade de raciocinar
da vida diária, pois “essa é a educa- e julgar por si mesmo, torna-se inca-
ção de que tanto se necessita”.117 De paz de discernir entre a verdade e o
maneira que, tão importante quanto erro, e cai fácil presa do engano”.123
a aquisição de informação em qual- Como se percebe, Ellen G. Whi-
quer ramo da ciência, é orientar os te acredita que a educação deve for-
estudantes nas atividades corriquei- mar um estudante autônomo, que
ras, com as quais se deparam no dia- saiba fazer boas escolhas, assim
a-dia.118 Os deveres práticos da vida como administrar suas decisões e
diária são as ocupações domésticas, assumir a responsabilidade por elas.
auxílio aos pais nas pequenas coisas Afinal, a pessoa “que confia no ju-
que devem ser feitas em casa e na ízo de outrem, mais cedo ou mais
formação de hábitos de utilidade no tarde será por certo corrompido”.124
lar, deveres estes apropriados à sua Essa autonomia implica em pen-
idade.119 Quanto à cidadania, a esco- samento crítico,125 o que significa
la precisa despertar nos estudantes pensar com liberdade, sem neces-
as “sensibilidades morais no que res- sariamente repetir discursos forma-
peita a ver e sentir os direitos que a dos e aceitos; o pensamento crítico
sociedade tem sobre eles”.120 Assim inclui pensar para além do aceito,
fazendo, os estudantes podem tor- do estabelecido, daquilo entendido
nar-se, por preceito e exemplo, uma como normalidade.
influência positiva para a sociedade. A educação whiteana estimula
A educação whiteana valoriza o que haja nas escolas um ambiente
bom uso da vontade própria. A este de valorização das pessoas, inde-
respeito, ela escreveu que se deve pendentemente de raça, religião ou
compreender “a verdadeira força da sexo. “Tanto quanto possível”, diz
vontade. Esta é o poder que gover- White, “deve cada criança ser ensi-
na a natureza do homem, o poder da nada a confiar em si mesma. Pondo
decisão ou de escolha. Tudo depende em exercício as várias faculdades,
da reta ação da vontade. O poder da aprenderá onde é mais forte e em
escolha deu-o Deus ao homem; a ele que é deficiente”.126 Reconhecendo
compete exercê-lo”.121 Desse modo, o papel decisivo dos professores
o processo ensino-aprendizado en- neste empreendimento, ela afirma
volveria mais do que mera assimila- que “o sábio instrutor dará espe-
ção de uma informação. Neste sen- cial atenção ao desenvolvimento
“Educar é redimir” / 69
Quadro 3
70 / Parousia - 2º semestre de 2010
Assim sendo, a educação deveria ser nem se vendam; homens que no íntimo
estruturada em todas as suas esferas – da alma sejam verdadeiros e honestos;
homens que não temam chamar o pe-
familiar, escolar, social e eclesial – com cado pelo seu nome exato; homens cuja
o intuito de alcançar sempre o sujeito, consciência seja tão fiel ao dever, como a
e não apenas no período escolar, ou en- bússola o é ao pólo; homens que perma-
quanto durar sua educação formal. neçam firmes pelo que é reto, ainda que
caiam os céus.135
Uma práxis pedagógica que impacta
o sujeito em toda sua complexidade
Ellen G. White entende que os
sentimentos e emoções são também
Em segundo lugar, o impacto da educáveis, sendo possível desenvol-
compreensão whiteana de educação e vê-los e controlá-los. Então, o estu-
redenção implica em alcançar o sujei- dante pode aprender a dominar suas
to em toda sua complexidade. Deste emoções, controlar suas atitudes e
modo, teríamos uma educação preocu- pesar seu julgamento, agindo sempre
pada em desenvolver no educando to- com bondade, a despeito da injustiça.
das suas potencialidades, e não apenas A autora sugere que desde cedo na
as habilidades cognitivas. Essa abran- vida a pessoa deve ficar “acostumada
gência pode ser verificada nos objetivos à submissão, renúncia e consideração
específicos em relação aos estudantes. pela felicidade de outrem”. Entende
A seguir, esses objetivos são sintetiza- que os jovens “devem ser ensinados
dos e posteriormente comentados.131 a subjugar seu temperamento repen-
A educação whiteana prioriza o tino, a conter a palavra apaixonada, a
cultivo da “retidão de coração e le- manifestar invariável bondade, cor-
aldade para com Deus”,132 em con- tesia e domínio próprio”.136 Hoje se
sonância com seu objetivo principal, sabe que a inteligência emocional é
que é “o desenvolvimento harmônico fundamental e significativa para o su-
das faculdades físicas, intelectuais e cesso e felicidade,137 justificando as-
espirituais”.133 Ao mesmo tempo, a sim a importância desse treinamento
autora afirma a necessidade de condi- na sala de aula.
ções para que o estudante desenvolva Além disso, Ellen G. White afirma
conduta reta, na expectativa de que se que o estudante precisa desenvolver a
torne alguém útil, possuidor de valor inteligência interpessoal, relacionan-
moral e integridade.134 Observa-se do-se apropriadamente com pequenos
que essa é uma questão fundamental e grandes grupos, cooperando com
no pensamento whiteano, mais im- todos, fortalecendo a união entre a
portante até que o cumprimento do família e os amigos. Por causa disso,
currículo escolar, embora uma coisa ela acredita que o ambiente escolar
não substitua a outra. Ellen G. White deve oferecer condições apropriadas
assim se expressou a esse respeito: ao estudante para o desenvolvimento
de relacionamentos saudáveis, partin-
A maior necessidade do mundo é a de do do respeito a si mesmo, com a fi-
homens – homens que se não comprem nalidade de respeitar a dignidade das
“Educar é redimir” / 71
pelo pecado – a educação e a redenção Pelo que foi exposto neste ar-
promovem o fortalecimento da totali- tigo, creio que é possível verificar
dade do ser, visando o resgate da ima- certo caráter “antecipatório” na
gem de Deus nas pessoas. Um segundo proposta pedagógica de Ellen G.
aspecto que torna a educação e a reden- White, especialmente se lembrar-
ção uma só obra é o caráter holístico mos que suas reflexões educacio-
de ambas; Ellen G. White afirma que a nais concentram-se, maiormente,
obra da redenção e o objetivo da edu- entre 1872 e 1903. Já nesse período
cação é promover o desenvolvimento ela falava de uma práxis pedagógi-
do corpo, mente e espírito para que se ca que impactasse o sujeito durante
pudesse realizar o propósito divino da toda a sua vida, preenchendo todas
criação. Isto significa que não se deve suas circunstâncias e espaços em
praticar uma educação fragmentada, que se encontre, bem como de uma
ou mesmo não se pode enaltecer um práxis pedagógica capaz de alcançar
aspecto em detrimento de outro, em- o sujeito em toda sua complexida-
bora se reconheçam as diferenças e ca- de, que possibilitasse desenvolver
pacidades individuais. no educando todas suas potenciali-
E qual a implicação de tudo isso dades; além disso, referiu-se a uma
para a educação? Propus duas. Pri- prática pedagógica que preparasse
meiramente, teríamos uma práxis para o serviço. Estas ideias podem
pedagógica que impacta o sujeito ao ser consideradas pensamentos semi-
longo da vida, atingindo-o em todas nais do que hoje se conhece como
as circunstâncias e espaços em que se Educação Integral ou Holística. É
encontre; esta práxis pedagógica iria oportuno lembrar que, de acordo
além da sala de aula, sendo capaz de com Rafael Yus, o termo Educação
unir a educação familiar, escolar, so- Holística foi proposto pelo america-
cial e eclesial, considerando que estes no Ron Miller em meados da década
são os espaços mais importantes do de 1980 – praticamente um século
sujeito pensado por Ellen G. White. depois de White – “para designar
Em segundo lugar, teríamos uma prá- o trabalho de um conjunto hetero-
xis pedagógica que impacta o sujeito gêneo de liberais, de humanistas e
em toda sua complexidade; a práxis de românticos que tem em comum
pedagógica whiteana preocupa-se a convicção de que a personalida-
em desenvolver no educando todas de global de cada criança deve ser
suas potencialidades, e não apenas considerada na educação”.153 Consi-
as habilidades cognitivas. Estes dois derando o tempo, as circunstâncias
elementos mencionados promovem o e o precário preparo acadêmico de
desenvolvimento completo do sujei- Ellen G. White, provavelmente es-
to, e sintoniza-o com a demanda da tamos diante de uma pessoa que es-
sociedade, onde se vive multidimen- tava na fronteira, na liminaridade,
sionalmente, o que exige uma forma- quanto a alguns de seus conceitos
ção e postura igualmente amplas. e práticas educacionais; nesse caso
“Educar é redimir” / 75
Referências
7
A informação é dos Depositários das
Publicações de Ellen G. White, em Ellen G.
1
Cipriano Carlos Luckesi, Filosofia da White, The Story of Redemption (Washing-
Educação (São Paulo: Cortez, 1994), p. 37. ton, DC: Review and Herald, 1947), p. 9.
2
Ibid., p. 38. Esta obra traz um breve resumo de toda essa
3
Dermeval Saviani, Escola e Democra- temática.
cia (São Paulo: Cortez / Autores Associados, 8
Composta pelas obras Patriarcas e Pro-
1987), p. 17. fetas, Profetas e Reis, O Desejado de Todas
4
Comenius, Didática Magna, 2ª ed. (São as Nações, Atos dos Apóstolos e O Grande
Paulo: Martins Fontes, 2002), p. 62. Conflito.
5
Jacques Delors, Org., Educação: Um 9
Ellen G. White, The Story of Redemp-
Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNES- tion, p. 10. O livro Steps to Christ, publicado
CO da Comissão Internacional Sobre Edu- pela primeira vez em 1892, talvez seja o que
cação para o Século XXI, 5ª ed. (São Paulo: melhor descreve os elementos e o processo
Cortez/MEC, 2001), p. 11. de redenção, conforme compreendido por El-
6
Neste artigo optei pelo uso do termo len G. White; ver Steps to Christ (Mountain
redenção devido à expressão whiteana “no View: Pacific Press, 1956).
mais alto sentido, a obra da educação e da 10
Idem, The Desires of Ages, p. 330.
redenção são uma”. Education, p. 30. O uso “Redemption is that process by which the
do vocábulo redenção – e não de salvação soul is trained for heaven. This training
– aliado à educação pode ser explicado pelo means knowledge of Christ. It means eman-
fato de que, no sentido bíblico, a metáfora de cipation from ideas, habits, and practices that
redenção inclui as ideias de soltar de um laço, have been gained in the school of the prince
livrar de cativeiro ou escravidão, comprar de of darkness. The soul must be delivered from
volta algo perdido ou vendido, trocar algo na all that is opposed to loyalty to God”.
posse de alguém, resgatar. Walter A. Elwell, 11
Idem, Steps to Christ, p. 77.
ed., Evangelical Dictionary of Biblical Theol- 12
“The gospel is a system of practical
ogy (Grand Rapids, Michigan: Baker, 1996), truths destined to work great changes in hu-
p. 664. Ellen G. White entende que restaurar man character. If it does not work the trans-
no ser humano a imagem de seu Autor, con- formation in life, in habits, and practice, it is
duzindo-o novamente à perfeição da criação, no truth to those who claim to believe it. Man
promovendo seu desenvolvimento completo, must be sanctified through the truth”. Idem,
“tal deveria ser a obra da redenção. Este é o This Day with God (Washington, DC: Re-
objetivo da educação, o grande objetivo da view and Herald, 1979), p. 81.
vida”. Education, p. 15-17. Como se vê, a 13
Para estudo mais detalhado sobre a
díade educação-redenção pode ser justificada compreensão whiteana de conhecimento te-
pela ideia do resgate e restauração, que, de órico, conhecimento prático e conhecimento
acordo com White, são obras fundamentais especulativo, ver Erling Bernhard Snorrason,
tanto da educação quanto da redenção. Aims of Education in the Writings of Ellen
76 / Parousia - 2º semestre de 2010
White (Tese de Ph.D. em Educação. Andrews ças que tinham atravancado a lei de Deus,
University, Berries Springs, Michigan, Esta- Ele mostrou que a lei é uma lei de amor, uma
dos Unidos, 2005), p. 161-170. expressão da bondade divina. Mostrou que
14
Pierre Maurice Bogaert, Matthias Del- na obediência a seus princípios se acha en-
cor, Edmond Jacob, Edouard Lipinski, Rob- volvida a felicidade da humanidade, e com
ert Martin-achar, Joseph Ponthot, Dicciona- ela a estabilidade, o próprio fundamento e ar-
rio Enciclopédico de la Biblia (Barcelona: cabouço da sociedade humana”. White, Edu-
Herder, 1993), p. 1560-1561. cation, p. 76.
15
Ver Allen C. Myers, ed., The Eerdmans 24
Idem, The Desires of Ages, p. 330.
Bible Dictionary (Grand Rapids, Michigan: 25
Elementos ‘subjetivos’, claro, estão
Eerdmans, 1987), p. 1022-1023. Também presentes no conceito whiteano. Ela afirma,
conferir David Noel Freedman, ed., Eerd- por exemplo, que “o plano de redenção não
mans Dictionary of the Bible (Grand Rapids, é meramente uma maneira de fugir da pena-
Michigan: Eerdmans, 2000), p. 1338-1339. lidade da transgressão, mas através dele o
16
White, Testimonies for the Church, vol. pecador é perdoado de seus pecados”. White
4 (Mountain View: Pacific Press Publishing também entendia que, após o perdão, a pes-
Association, 1948), p. 394-395. soa é vista não como um culpado perdoado
17
White, “Sanctify Them through Thy e liberto do cativeiro, que é olhado com sus-
Truth”, em The Review and Herald, 7 de fe- peita e com o qual não se admite amizade e
vereiro de 1888. confiança. Após o perdão, a pessoa é recebida
18
Vale a pena lembrar que essa expressão como uma criança que merece a mais plena
whiteana foi inicialmente publicado na Letter confiança. White, “Christ our Sacrifice”, em
14, de 13 de Março de 1885; portanto, numa The Review and Herald, 21 de setembro de
época em que ainda não havia a discussão te- 1886.
órica sobre a relação teoria-prática, pelo me- 26
Idem, Education, p. 15-16.
nos não como entendemos hoje, a partir, por 27
Esta ênfase mostra que os temas re-
exemplo, da Teoria do Conhecimento. denção e liberdade – além de serviço – têm
19
Humberto R. Maturana e Francisco J. proximidade, o que sugeriria um estudo arti-
Varela, A Árvore do Conhecimento: As Bases culado; para um aprofundamento dessa abor-
Biológicas da Compreensão Humana, Tradu- dagem, ver Educação, Liberdade e Serviço:
ção de Humberto Mariotti e Lia Diskin (São Os Fundamentos da Pedagogia de Ellen G.
Paulo: Pala Athenas, 2001), p. 12. White (Engenheiro Coelho: UNASPRESS,
20
Lindemberg Medeiros de Araújo, “Te- 2010).
oria do Conhecimento em Maturana e Va- 28
White, Education, p. 15-16.
rela- Movimento, Realidade e Autopoiese.” 29
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
Pesquisa realizada no site http://www.prac. cation: Instruction for the Home, the School,
ufpb.br/copac/extelar/producao_academica/ and the Church (Nashville, Tennessee: South-
artigos/pa_a_movimento_realidade_e_auto- ern Publishing Association, 1923), p. 217. “In
poiese.pdf, acessado em 8 de junho de 2009. the work of salvation there is a co-operation
21
Humberto Mariotti, “Autopiese, Cul- of human and divine agencies. There is much
tura e Sociedade.” Pesquisa realizada no site said concerning the inefficiency of human ef-
http://www.geocities.com/pluriversu/auto- fort, and yet the Lord does nothing for the
poies.html, acessado em 8 de junho de 2009. salvation of the soul without the co-operation
22
Ver por exemplo Steps to Christ, p. of man.”
11. 30
Idem, Testimonies for the Church, vol.
23
O conceito de um Deus que é amor é 3 (Mountain View: Pacific Press, 1948), p.
claro em White. Ver, por exemplo, Steps to 382.
Christ, p. 10. Sobre a compreensão whitea- 31
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
na da lei na perspectiva do amor, ela afirma: cation, p. 217.
“Cristo veio ao mundo com o amor acumula- 32
Ibid., p. 218.
do na eternidade. Varrendo aquelas cobran- 33
Thomas H. Groome, Christian Reli-
“Educar é redimir” / 77
dade, escolha do mal, impressionabilidade, preparation for the life that now is. It has to
comungabilidade. Uma leitura atenta dessas do with the whole being, and with the whole
qualidades nos mostra que elas abrangem a period of existence possible to man. It is the
totalidade da vida humana, referindo-se aos harmonious development of the physical, the
poderes físicos, mentais, sociais, emocionais mental, and the spiritual powers. It prepares
e espirituais. Ronald T. Habermas, Introduc- the student for the joy of service in this world
tion to Christian Education and Formation and for the higher joy of wider service in the
– A Lifelong Plan for Christ Centered Resto- world to come”.
ration (Grand Rapids: Zondervan, 2008), p. 92
Snorrason, Aims of Education in the
49-50. Writings of Ellen White, p. 204.
78
White, Education, p. 15-16. 93
White, Testimonies for the Church, vol.
79
Ibid., p. 13. “True education means 3, p. 157.
more than the pursual of a certain course of 94
Ibidem.
study. It means more than a preparation for 95
Ibidem.
the life that now is. It has to do with the who- 96
Idem, Fundamentals of Christian Edu-
le being, and with the whole period of exis- cation, p. 226.
tence possible to man. It is the harmonious 97
Collin D. Standish e Russell R. Stan-
development of the physical, the mental, and dish, Uma Visão Adventista da Educação,
the spiritual powers. It prepares the student tradução de Gerson Pires de Araújo (Enge-
for the joy of service in this world and for nheiro Coelho: Gráfica Alfa, 2002), p. 11.
the higher joy of wider service in the world 98
Ibidem.
to come”. 99
White, Education, p. 13.
80
Rafael Yus, Educação integral: uma 100
Ibidem.
educação holística para o século XXI (Porto 101
Sobre os objetivos whiteanos da edu-
Alegre: Artmed, 2002), p. 16. cação, dois dos principais trabalhos acadê-
81
Ibid., p. 21-25. micos são: Snorrason, Aims of Education
82
Ibid., p. 109. in the Writings of Ellen White, p. 178-249;
83
Ibid., p. 22. e Edward Miles Cadwallader, Educational
84
Saturnino de La Torre e Maria Cândida Principles in the Writings of Ellen G. White,
Moraes, Sentipensar: Fundamentos e Estra- p. 126-151. Devido à abrangência do mate-
tégias para Reencantar a Educação (Petró- rial escrito por Ellen G. White, é possível
polis: Vozes, 2003), p. 127. descrever dezenas de objetivos gerais. Ca-
85
Howard Gardner, Inteligência: Um dwallader, por exemplo, lista 19 objetivos
Conceito Reformulado, tradução de Adalgisa fundamentais, com diversas subdivisões, to-
Campos da Silva (Rio de Janeiro: Objetiva, talizando quarenta e seis alvos educacionais
2001), p. 88. gerais (p. 129-135). Snorrason classifica-os
86
Ibidem. em quatro modalidades: conversão, restau-
87
Ibidem. ração da imagem de Deus, desenvolvimen-
88
White, Counsels to Parents, Teachers, to de todos os poderes ou potencialidades
and Students, p. 64. e preparação para o serviço (p. 178-233).
89
Hugo Assmann e Jung Mo Sung, Com- A Confederação das Uniões Brasileiras da
petência e Sensibilidade Solidária – Educar IASD, representando todo o sistema de Edu-
para a Esperança (Petrópolis: Vozes, 2000), cação Básica Adventista em nível nacional,
p. 211. elaborou, em 2004, o primeiro documento
90
George R. Knight, Filosofia e Educa- oficial, intitulado Pedagogia Adventista, o
ção: Uma Introdução da Perspectiva Cristã qual atualmente serve de parâmetro para a
(Engenheiro Coelho: Unaspress, 2001), p. prática pedagógica nas escolas da rede. En-
215. tre as páginas 48 a 52, de maneira concisa,
91
White, Education, p. 13. “True educa- esse documento apresenta os objetivos pri-
tion means more than the pursual of a cer- mordiais ideais da educação escolar, confor-
tain course of study. It means more than a me entendidos pela IASD, os quais podem
80 / Parousia - 2º semestre de 2010
Resumo: Desde algumas décadas até for the same. Small Groups, really,
o presente, os Pequenos Grupos vêm are not ready and working in biblical
assumindo um importante papel no writings, but have in them its origin
crescimento e desenvolvimento de and inspiration.
igrejas em todo o mundo. Tal cres- Introdução
cimento, declarado como um fenô-
meno por diversos autores, também Os Pequenos Grupos ou Células
traz desafios consideráveis para sua têm sido redescobertos como impor-
consolidação como um movimento tante instrumento de crescimento de
bíblico, teológico e histórico. Esse igreja ao redor do mundo,1 há algu-
estudo entende que há uma base bí- mas décadas;2 inclusive pela Igreja
blica para os grupos pequenos, e pro- Adventista do Sétimo Dia (IASD) do
põe essa fundamentação entendida a Brasil.3 Tem sido entendido tratarem-
partir da clarificação de seus concei- se de grupos com poucas pessoas que
tos e de uma definição para os mes- se reúnem regularmente, com propó-
mos. Os Pequenos Grupos, realmen- sito especifico e intencional.
te, não estão prontos e funcionando Desde então tem havido um con-
no texto bíblico, mas têm neles sua siderável esforço por parte dos estu-
origem e inspiração. diosos de Pequenos Grupos para orga-
nizá-los biblicamente e fundamentar
Abstract: Since a few decades ago sua teologia. Se os Pequenos Grupos
until the present time, Small Groups são o que pretendem ser – um fenô-
have taken an important roll in the meno4, um movimento5 – conforme
growth and development of chur- declarados e defendidos por teólogos
ches around the world. This growth, e pastores do movimento, precisam
declared as a phenomenon by va- de uma sustentação bíblica e teológi-
rious authors, also bring considerable ca consistente.
challenges for its consolidation as a Muitos eruditos têm enfatizado
biblical, theological and historical essa necessidade, outros já se ante-
movement. This study understands ciparam a declarar que ela não exis-
that there is a biblical study for ha- te. Esse estudo trata exatamente da
ving small groups, and proposes this fundamentação bíblica dos Pequenos
foundation parting from the clarifica- Grupos, considerando sua necessida-
tion of its concepts and of a definition de, sem ignorar seus desafios.
84 / Parousia - 2º semestre de 2010
Antes, porém, de tratar da apre- base bíblica que lhes aporte. Pelo
sentação dessa base bíblica, talvez tempo em que os grupos pequenos
fosse oportuno considerar que, a am- estão em funcionamento, e ainda não
pla generalização no uso deste termo se apresentou uma fundamentação
– Pequenos Grupos – tem criado difi- bíblica, não quer dizer inexistência da
culdades para sua compreensão. Mui- mesma, mas indica a dificuldade da
tos passaram a atribuir esse nome a tarefa. Primeiro, porque a expressão
uma variedade de atividades realiza- “pequenos grupos”, ou “célula”, não
das com poucas pessoas, grupos pe- aparece uma única vez em toda a
quenos que, insistentemente, têm sido Bíblia.8 Segundo, porque aquilo que
chamados de Pequenos Grupos. 6
se entende hoje por Pequenos Gru-
Este trabalho entende Pequenos pos, um verdadeiro sistema altamente
Grupos como um termo técnico, com organizado, não podem ser encontra-
significação substantivada que desig- dos no Antigo Testamento; no Novo
na uma atividade específica. Isso se Testamento eles também não estão
contrapõe ao uso livre e adjetivado do muito claros. Terceiro, as característi-
mesmo, cuja percepção tem escapado cas (estratégias, estruturas, métodos)
quando se trata grupos pequenos de dos Pequenos Grupos atuais diferem
pessoas reunidas para qualquer fina- bastante dos grupos pequenos dos
lidade religiosa como se fossem Pe- tempos bíblicos. Ralph Neighbour
quenos Grupos. 7 admite que os Pequenos Grupos “não
Para o atual contexto, portanto, estão baseados sobre um sólido en-
Pequenos Grupos podem ser defini- tendimento teológico do porque de
dos como um sistema desenvolvido sua existência”.9 “Realmente”, confir-
dentro de um processo organizado ma Comiskey, “o Antigo Testamento
intencionalmente para o crescimento diz muito pouco sobre o ministério de
espiritual, com multiplicação e con- grupos pequenos”.10
servação de seus membros. Seu ob-
jetivo missional envolve os aspectos Os grupos pequenos no antigo
testamento
espiritual e social, profético e esca-
tológico. Seus diversos ministérios Neighbour e Comiskey parecem
desenvolvem-se a partir de reuniões bastante coerentes em suas opiniões
interativas, em grupos pequenos, quando se percebe que os textos a
compostos por membros da comuni- seguir são os únicos a tratar explici-
dade de fé, seus familiares, amigos e tamente de organização de grupos pe-
convidados. Seus encontros aconte- quenos no Antigo Testamento.11
cem em dia, local e horário regulares, “Procura dentre o povo homens
em comunhão, através do louvor, ora- capazes, tementes a Deus, homens
ção, testemunho e estudo da Palavra. de verdade, que aborreçam a avareza;
Tratando-se de um movimento põe-nos sobre eles por chefes de mil,
religioso os Pequenos Grupos neces- chefes de cem, chefes de cinqüenta e
sitam, obviamente, de uma criteriosa chefes de dez” (Êx 18:21).
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 85
nhão como um local de encontro. Assim para este objetivo. Igualmente impor-
lemos da casa de Estéfanas em 1Co 1:16, tante é perceber que a igreja cristã dos
da casa de Filemom em Fm 2, a casa de
Cornélio em At 11:14, a casa de Lídia em
primeiros séculos operava com base
At 16:15, a casa da prisão do governador em grupos pequenos que se reuniam
em Filipos em At 16:31, 34.27 nas casas – igrejas em casa.
Em seu trabalho “Os Pequenos
P. Weigandt também apresenta Grupos e a Hermenêutica: Evidências
um estudo exegético da palavra οἶκος Bíblicas e Históricas em Perspecti-
(e οἰκία) e reforça os conceitos de va”, Wilson Paroschi questiona os
Michel. Demonstra que οἶκος é uma Pequenos Grupos baseado em alguns
palavra de amplo uso no Novo Testa- conceitos, principalmente o da pres-
mento e fora dele. O termo é bastante critibilidade no livro de Atos. Ele diz
usado quando se trata de local de reu- que, “nos moldes atuais”, os Pequenos
nião da igreja apostólica.28 Grupos não representam “exatamente
Apesar de Sanday e Headlam co- a prática primitiva da igreja”.33
mentarem que “durante quase três Isso está correto, quando defen-
séculos o cristianismo era um fenô- sores de Pequenos Grupos querem
meno em ‘grupo pequeno’”29 e James dizer que estes já foram praticados
D. G. Dunn mencionar que a Igreja no período apostólico. Por outro lado,
“funcionava em base regular”, talvez ignorar que existe uma relação entre
semanalmente, ou mensalmente,30 em modelos, não parece correto; assim
nenhum dos textos estudados (Rm como negar que os grupos pequenos
15:5; 1Co 16:19; Cl 4:5; Fm 2) e de do período apostólico sirvam de mo-
acordo com estes mesmos autores e delo para hoje baseado na repetição
outros consultados31 a palavra οἶκος e histórica, ou na importância exage-
suas derivadas referem-se a uma re- rada que alguns deram às práticas do
união de Pequenos Grupos conforme livro de Atos, ou numa interpretação
entendidos e praticados pelas igrejas hermenêutica baseada na falta de
nas últimas décadas.32 prescritibilidade. Isso também não
Em consideração ao que foi trata- convence. Os Pequenos Grupos de
do até o momento é possível concluir hoje não são os Pequenos Grupos do
parcialmente que os textos analisados período apostólico, mas, com certeza,
no Novo Testamento não demonstram têm neles sua origem bíblica, modelo
que os Pequenos Grupos/Células são e inspiração adaptados e contextuali-
encontrados como um programa zados para essa época.
regular eclesiástico. Essa percepção, Paroschi declara que é “um erro
todavia, não é o bastante para desa- tratar o livro de Atos como um manu-
creditar os Pequenos Grupos como al da igreja, e a igreja apostólica como
uma prática encontrada na Bíblia. um modelo em tudo para a igreja de
Indica apenas que o uso intencional todos os tempos e lugares”.34 Realmen-
de certos textos retirados de seu sig- te, considerar o livro de Atos como um
nificado original não está adequado manual da igreja, e a igreja apostólica
88 / Parousia - 2º semestre de 2010
como um modelo “em tudo” parece pos não estão prontos no texto bíbli-
mesmo um exagero. Porém, esse ar- co, mas os grupos pequenos estão no
gumento não elimina o fato de que a texto bíblico; eles não são prescriti-
igreja apostólica no livro de Atos tem vos no texto bíblico, mas eles estão
diversas práticas, ainda que não pres- descritivos no texto bíblico.
critivas. Isso, porém, não é o bastante
para desautorizar os grupos pequenos Os grupos pequenos
como uma prática saudável e reco- e as igrejas em casa
mendável para a igreja de outras épo-
Os grupos pequenos estão pre-
cas, especialmente, quando um profeta
sentes no texto bíblico, não, todavia,
utiliza o mesmo livro de Atos como
como Pequenos Grupos, como se su-
modelo dessas mesmas práticas.35
punha ou se critique. Encontram-se,
A discussão travada na matéria em
porém, muito bem caracterizados no
questão, não deveria ser entre o uso bí-
princípio “igrejas no lar” ou, como
blico e legítimo dos Pequenos Grupos e
preferem os escritores da área, “igre-
a hermenêutica no livro de Atos, mas en-
jas em casa”. Wolfgang Simson, em
tre o uso ilegítimo de textos bíblicos mal
sua obra Casas que transformam o
aplicados do livro de Atos por alguns au-
mundo, atém-se especialmente a es-
tores e defensores de Pequenos Grupos e
clarecer as peculiaridades e funciona-
a hermenêutica no livro de Atos.
mento das igrejas nos lares no período
Além disso, no que o próprio au-
neotestamentário. Simson deixa claro
tor concorda,36 não é necessário ha-
que a igreja desse período funciona-
ver prescritibilidade de uma prática
va nas casas não como uma estraté-
da igreja do passado para autorizar
gia, não como um método escolhido,
essa mesma prática no presente. Em
mas como única forma de existência.
segundo lugar, mesmo não havendo
Declara que “os primeiros cristãos –
prescritibilidade há uma consistente
ainda por muitos anos após a conclu-
descritibilidade dos grupos pequenos
são do cânon bíblico – reuniam-se em
no texto bíblico – eles são históricos.
casas, geralmente no recinto maior de
Não há como separar a igreja apos-
que um dos membros dispunha”.41
tólica dos grupos pequenos nos lares,
pois era assim que a igreja apostólica Antes do período de governo de [Alexan-
funcionava.37 Essa é a sua história. E dre] Severo (222-235 A.D.) era expres-
é essa prática que vem sendo resga- samente proibido por decreto construir
templos cristãos ou prédios eclesiásticos.
tada desde o século XVIII, por João
Isso significava que as igrejas nos lares
Wesley,38 por diversas igrejas evan- representavam a única forma de igreja
gélicas históricas, entre inúmeras viável e mais ou menos tolerável.42
outras,39 e pela Igreja Adventista do
Sétimo Dia, desde seus primórdios.40 Icenogle reforça esse conceito de
E, finalmente, é necessário entender que os grupos pequenos do Novo Tes-
a diferença entre grupos pequenos e tamento tinham o epíteto de igreja, ao
Pequenos Grupos. Os Pequenos Gru- declarar que, “durante os tempos do
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 89
nos Grupos ou Células. O modelo das pos não se limita ao livro de Atos, e
igrejas em casa já está pronto e funcio- nem mesmo às epístolas paulinas, o
nando no texto bíblico, sem qualquer que já os tornariam bem consisten-
necessidade de arranjos ou analogias.53 tes. Os Pequenos Grupos apoiam-se
Floyd Filson, em seu conceituado em profundos conceitos e princípios
artigo “The Significance of the Early encontrados em seus marcos bíbli-
House Churches”, faz a seguinte de- cos, teológicos e históricos, perce-
claração: “Foi a hospitalidade destes bidos através do texto sagrado desde
lares que tornou possível a adoração Gênesis, e da história sagrada desde
cristã, a refeição comum, e a coragem o Éden.55 Desde ali, na formação da
sustentada pelo companheirismo do humanidade, Deus toma a iniciativa
grupo. O movimento cristão real- de reunir a família humana em torno
mente enraizou-se nesses lares”.54 do altar do sacrifício, provendo-lhe
calor, abrigo, companhia e comu-
Conclusão nhão pelo sangue do Cordeiro (Gn
Esse estudo encerra-se entendendo 1:27; 2:7-8, 20-21).56
que ofereceu evidências consistentes Segue-se a simbologia através
a indicar que o movimento de Peque- dos tempos, através de patriarcas e
nos Grupos/Células segue a mesma profetas (Gn 12:7-8; 22:9-13; 46:1;
trilha do movimento igreja em casa, 1Sm 7:9-10), do povo escolhido Isra-
em grupos pequenos, cuja origem el (Êx 27:1-8), do remanescente (Ed
está inquestionavelmente incrustada 10:34-36; 12:43), até ao tempo de
no texto bíblico. Possivelmente, a Cristo (Lc 1:8-9, Mt 27:41), quando
visão simplista e precária sobre o que o próprio Filho de Deus é apresen-
são os Pequenos Grupos/Células pre- tado como o Cordeiro de Deus que
cipite a utilização de textos bíblicos tira o pecado do mundo (Jo 1:29). E
de maneira inadequada, comprom- novamente Ele reúne Sua igreja em
etendo e dificultando desnecessari- torno de Si e a comissiona na tarefa
amente sua justificativa bíblica. Por de pregar o Evangelho (Mc 16:14-
outro lado, minimizar a importância 16). O modelo de comunhão perma-
dos Pequenos Grupos apenas baseado nece, em grupos pequenos, em torno
no conceito da não-prescritibilidade do Cordeiro, de Seu testemunho e
ignorando as evidências histórico- de Sua Palavra (At 1:12-14; 2:42). É
textuais do livro de Atos e de toda a nessa Palavra, através de suas narra-
Bíblia é outro extremo. tivas inspiradas, proféticas e históri-
É ainda importante ressaltar que cas que os Pequenos Grupos encon-
a base bíblica para os Pequenos Gru- tram seu gênesis.
20-28; Joel Comiskey, Crescimento explosi- Latin America” (Ph.D. tese, Fuller Theologi-
vo da igreja em célula (Curitiba, PR: Minis- cal Seminary, Pasadena, California, 1997), p.
tério Igreja em Células, 1997), p. 15; Russell 13.
Burrill, Como reavivar a igreja no século 21 11
Embora no livro de Neemias, capítulo
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 3, encontre-se uma organização de trabalha-
19. dores em grupos, percebe-se, porém, que se
2
William A. Beckham, A segunda refor- trata de um trabalho específico, de um mu-
ma: a igreja do Novo Testamento no século tirão, que se encerrou no momento em que
XXI (Curitiba: Ministério Igreja em Células, a obra terminou — “cinquenta e dois dias”
2007), p. 11. depois (Ne 6:15).
3
Os Pequenos Grupos hoje estão sendo 12
Ver James Swanson, Dictionary of
recomendados em todos os programas das Biblical Languages with Semantic Domain:
Uniões e Campos da IASD do Brasil através Hebrew Old Testament (Oak Harbor: Logos
das Resoluções de Foz do Iguaçu: Recomen- Research Systems, Inc., 1997), p. 1074.
dações do Departamento dos Ministérios Pes- 13
Atilio René Dupertuis, De Egipto a
soais para o Concílio Quinquenal da DSA, Canaán: el evangelio en el éxodo (Berrien
Foz do Iguaçu, 30/10 a 09/11/2005; e da Pro- Springs: Pioneer Publications, 1995), p. 29.
posta sobre Pequenos Grupos, Documento de 14
Flávio Josefos, História dos hebreus:
Pequenos Grupos da DSA, votado em maio obra completa (Rio de Janeiro: Casa Publica-
de 2007, no Centro de Vida Saudável (CEVI- dora das Assembléias de Deus, 1992), p. 92.
SA), Engenheiro Coelho, São Paulo; e do do- 15
Ibid.
cumento Divisão Sul-Americana, “Proposta 16
Lawrence O. Richards, The Bible Read-
do II Fórum de Pequenos Grupos da DSA, ers Companion (Wheaton: Victor Books,
Aprofundando a Caminhada”, Brasília, DF, 1991), p. 752.
02-05 de novembro de 2008. 17
W. Sanday e Arthur C. Headlam, Aq-
4
Comiskey, Crescimento explosivo, p. uila and Priscilla, A Critical and Exegetical
15; Burrill, Como reavivar, p. 19; Jeffrey Ar- Commentary on the Epistle of the Roman
nold, Pequenos grupos sua missão na igreja (New York: C. Scribner’s sons, 1979), p.
e na comunidade (Arapongas: Gráfica e Edi- 420. Ver também “In their house” [Rm 16:5],
tora Aleluia, 2000), p. 25; Beckham, p. 15. Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Ad-
5
Beckham, p. 11, 13 e 16; Arnold, p. 25. ventist Bible Commentary (Hagerstown: Re-
6
Sérgio Leoto, “Iniciando Pequenos view and Herald, 1976), 6:652.
Grupos I”. Pesquisa realizada no site http://
18
A. R. Fausset, The First Epistle of Paul
www.igeva.com.br/pages/estudos.php?id_ the Apostle to the Corinthians, A Commen-
estudo=313, acessado em 5 de dezembro de tary, Critical and Explanatory, on the Old and
2008. New Testaments (Oak Harbor: Logos Re-
7
Pesquisa feita no site http://www.igeva. search Systems, Inc., 1997), 1Co 16:19.
com.br/pages/estudos.php?id_estudo=313,
19
Matthew Henry, The First Epistle of
acessado em 5 de dezembro de 2008. St. Paul to the Corinthians, Matthew Henry’s
8
Weverton Miranda, “Pequenos Gru- Commentary on the Whole Bible: Complete
pos”. Pesquisa realizada no site http://www. and Unabridged in One Volume (Peabody:
pibac.org.br/site/index.php?option=com_co Hendrickson, 1996), 1Co 16:19. Ver também
ntent&task=view&id=51&Itemid=64, aces- John A. Witmer, Romans, The Bible Knowl-
sado em 5 de dezembro de 2008. edge Commentary: An Exposition of the
9
Ralph W. Neighbour, Jr., Where do We Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Victor Books,
Go From Here? A Guide Book for the Cell 1983-c1985), p. 548; “Church … in their
Group Church (Houston: Touch Publications, house” [1 Co 16:19], Nichol, 6:817.
2000), p. 228.
20
Peter T. O’brien, Colossians 4:7-18,
10
Joel Comiskey, “A Cell-Based Min- Word Biblical Commentary, vol. 44 (Waco:
istry: A Positive Factor Church Growth in Word Books, 1982), p. 256-257.
21
Norman L. Geisler, Colossians, The
92 / Parousia - 2º semestre de 2010
Brasileira, 1966); Laveta Maxine Payne, Cal- mente, teve lugar durante aqueles primeiros
led to Teach a Sabbath School Class (Hagers- anos.” Robert Fitts, The Church in the House
town: Review and Herald, 1969). – A Return to Simplicity (Kaulua-Kona, HI,
41
Simson, p. 63. s.d.), p. 9. Pesquisa feita no site http://rober-
42
Ibid., p. 77. tfitts.com/63, acessado em 8 de dezembro de
43
Icenogle, p. 14. 2008.
44
Ernest Martin, Believers Church Bible 53
Alguns autores do movimento celular e
Commentary: Colossians, Philemon (Scotda- de grupos pequenos que apresentam a analo-
le: Herald Press, 1993), p. 297. gia das células: Neighbour, Where do We Go,
45
Daniel Rode, “Uma Teologia de Pe- p. 223; Lay, p. 27-31; Cox, p. 61; Aluízio A.
quenos Grupos”, em Ministério, julho-agosto Silva, Manual da visão de células (Goiânia:
de 2009, p. 19-20. Videira, 2008), p. 27; Comiskey, Crescimen-
46
Ver William Barclay, The Letter to to explosivo, p. 19.
the Romans (Philadelphia: The Westminster 54
Floyd V. Filson, “The Significance of
Press, 1955), p. 228. the Early House Churches”, em Journal of
47
Ver John Mallison, Growing Christians Biblical Literature, 58 (1939): p. 109–112.
in Small Groups (London: Scripture Union, 55
O estudo atual limita-se a apresentar
1989), p. 5. um resumo do tema “Uma Fundamentação
48
Ver Frederick F. Bruce, The Epistles to Bíblica para os Pequenos Grupos”. Escapa ao
the Ephesians and Colossians (Grand Rap- propósito do mesmo apresentar uma funda-
ids: Eerdmans, 1957), p. 309-310. mentação teológica e histórica dos Pequenos
49
Para uma compreensão mais pormeno- Grupos. Para um estudo mais pormenoriza-
rizada sobre conceitos e definições de igrejas do sobre o tema, inclusive a respeito dos seis
em casa, ver Robert e Julia Banks, The Chur- princípios bíblicos dos Pequenos Grupos,
ch Comes Home (Peabody, MS: Hendrickson ver José Umberto Moura, “Uma Fundamen-
Publishers, 1998), p. vii-viii e 6. tação Bíblica, Teológica e Histórica desde
50
George Eldon Ladd, Teologia do Novo uma Perspectiva da Igreja Adventista do Sé-
Testamento (São Paulo: Hagnos, 2002), p. 320. timo Dia” (DTP tese, Seminário Adventista
51
Ibid., p. 109. Latino-Americano de Teologia, Engenheiro
52
Robert Fitts, comentando sobre es- Coelho, São Paulo, 2009).
ses textos, declara o seguinte: “A partir das 56
Ver Wuthnow, I Come Away, p. 349;
Escrituras, é evidente que a igreja primitiva “El éxodo” [12:1–51], Comentario bíbli-
reunia-se nas casas. Eles não tinham edifícios co mundo hispano Éxodo (CBMH), Daniel
de igrejas. Tais edifícios não apareceram até Carro, José Tomás Poe e Rubén O. Zorzo-
o ano 232 A.D. Naqueles primeiros dias não li, ed., (El Paso, TX: Editorial Mundo His-
eram chamadas de “igrejas-casa”. Eles eram pano, 1997), 2:114-126; Ellen G. White,
“a Igreja” que se reunia na casa de alguém. Mensagens escolhidas, 3 vols. (Santo An-
É notável que o mais explosivo período de dré: Casa Publicadora Brasileira, 1966),
crescimento da Igreja na história, até recente- 1:280.
Uma fundamentação bíblica para os
pequenos grupos
Umberto Moura, doutor em Teologia Pastoral
Professor de Formação Pastoral na Faculdade Adventista de Teologia e diretor
de Desenvolvimento Espiritual do Unasp, campus Engenheiro Coelho.
Resumo: Desde algumas décadas até for the same. Small Groups, really,
o presente, os Pequenos Grupos vêm are not ready and working in biblical
assumindo um importante papel no writings, but have in them its origin
crescimento e desenvolvimento de and inspiration.
igrejas em todo o mundo. Tal cres- Introdução
cimento, declarado como um fenô-
meno por diversos autores, também Os Pequenos Grupos ou Células
traz desafios consideráveis para sua têm sido redescobertos como impor-
consolidação como um movimento tante instrumento de crescimento de
bíblico, teológico e histórico. Esse igreja ao redor do mundo,1 há algu-
estudo entende que há uma base bí- mas décadas;2 inclusive pela Igreja
blica para os grupos pequenos, e pro- Adventista do Sétimo Dia (IASD) do
põe essa fundamentação entendida a Brasil.3 Tem sido entendido tratarem-
partir da clarificação de seus concei- se de grupos com poucas pessoas que
tos e de uma definição para os mes- se reúnem regularmente, com propó-
mos. Os Pequenos Grupos, realmen- sito especifico e intencional.
te, não estão prontos e funcionando Desde então tem havido um con-
no texto bíblico, mas têm neles sua siderável esforço por parte dos estu-
origem e inspiração. diosos de Pequenos Grupos para orga-
nizá-los biblicamente e fundamentar
Abstract: Since a few decades ago sua teologia. Se os Pequenos Grupos
until the present time, Small Groups são o que pretendem ser – um fenô-
have taken an important roll in the meno4, um movimento5 – conforme
growth and development of chur- declarados e defendidos por teólogos
ches around the world. This growth, e pastores do movimento, precisam
declared as a phenomenon by va- de uma sustentação bíblica e teológi-
rious authors, also bring considerable ca consistente.
challenges for its consolidation as a Muitos eruditos têm enfatizado
biblical, theological and historical essa necessidade, outros já se ante-
movement. This study understands ciparam a declarar que ela não exis-
that there is a biblical study for ha- te. Esse estudo trata exatamente da
ving small groups, and proposes this fundamentação bíblica dos Pequenos
foundation parting from the clarifica- Grupos, considerando sua necessida-
tion of its concepts and of a definition de, sem ignorar seus desafios.
84 / Parousia - 2º semestre de 2010
Antes, porém, de tratar da apre- base bíblica que lhes aporte. Pelo
sentação dessa base bíblica, talvez tempo em que os grupos pequenos
fosse oportuno considerar que, a am- estão em funcionamento, e ainda não
pla generalização no uso deste termo se apresentou uma fundamentação
– Pequenos Grupos – tem criado difi- bíblica, não quer dizer inexistência da
culdades para sua compreensão. Mui- mesma, mas indica a dificuldade da
tos passaram a atribuir esse nome a tarefa. Primeiro, porque a expressão
uma variedade de atividades realiza- “pequenos grupos”, ou “célula”, não
das com poucas pessoas, grupos pe- aparece uma única vez em toda a
quenos que, insistentemente, têm sido Bíblia.8 Segundo, porque aquilo que
chamados de Pequenos Grupos. 6
se entende hoje por Pequenos Gru-
Este trabalho entende Pequenos pos, um verdadeiro sistema altamente
Grupos como um termo técnico, com organizado, não podem ser encontra-
significação substantivada que desig- dos no Antigo Testamento; no Novo
na uma atividade específica. Isso se Testamento eles também não estão
contrapõe ao uso livre e adjetivado do muito claros. Terceiro, as característi-
mesmo, cuja percepção tem escapado cas (estratégias, estruturas, métodos)
quando se trata grupos pequenos de dos Pequenos Grupos atuais diferem
pessoas reunidas para qualquer fina- bastante dos grupos pequenos dos
lidade religiosa como se fossem Pe- tempos bíblicos. Ralph Neighbour
quenos Grupos. 7 admite que os Pequenos Grupos “não
Para o atual contexto, portanto, estão baseados sobre um sólido en-
Pequenos Grupos podem ser defini- tendimento teológico do porque de
dos como um sistema desenvolvido sua existência”.9 “Realmente”, confir-
dentro de um processo organizado ma Comiskey, “o Antigo Testamento
intencionalmente para o crescimento diz muito pouco sobre o ministério de
espiritual, com multiplicação e con- grupos pequenos”.10
servação de seus membros. Seu ob-
jetivo missional envolve os aspectos Os grupos pequenos no antigo
testamento
espiritual e social, profético e esca-
tológico. Seus diversos ministérios Neighbour e Comiskey parecem
desenvolvem-se a partir de reuniões bastante coerentes em suas opiniões
interativas, em grupos pequenos, quando se percebe que os textos a
compostos por membros da comuni- seguir são os únicos a tratar explici-
dade de fé, seus familiares, amigos e tamente de organização de grupos pe-
convidados. Seus encontros aconte- quenos no Antigo Testamento.11
cem em dia, local e horário regulares, “Procura dentre o povo homens
em comunhão, através do louvor, ora- capazes, tementes a Deus, homens
ção, testemunho e estudo da Palavra. de verdade, que aborreçam a avareza;
Tratando-se de um movimento põe-nos sobre eles por chefes de mil,
religioso os Pequenos Grupos neces- chefes de cem, chefes de cinqüenta e
sitam, obviamente, de uma criteriosa chefes de dez” (Êx 18:21).
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 85
nhão como um local de encontro. Assim para este objetivo. Igualmente impor-
lemos da casa de Estéfanas em 1Co 1:16, tante é perceber que a igreja cristã dos
da casa de Filemom em Fm 2, a casa de
Cornélio em At 11:14, a casa de Lídia em
primeiros séculos operava com base
At 16:15, a casa da prisão do governador em grupos pequenos que se reuniam
em Filipos em At 16:31, 34.27 nas casas – igrejas em casa.
Em seu trabalho “Os Pequenos
P. Weigandt também apresenta Grupos e a Hermenêutica: Evidências
um estudo exegético da palavra οἶκος Bíblicas e Históricas em Perspecti-
(e οἰκία) e reforça os conceitos de va”, Wilson Paroschi questiona os
Michel. Demonstra que οἶκος é uma Pequenos Grupos baseado em alguns
palavra de amplo uso no Novo Testa- conceitos, principalmente o da pres-
mento e fora dele. O termo é bastante critibilidade no livro de Atos. Ele diz
usado quando se trata de local de reu- que, “nos moldes atuais”, os Pequenos
nião da igreja apostólica.28 Grupos não representam “exatamente
Apesar de Sanday e Headlam co- a prática primitiva da igreja”.33
mentarem que “durante quase três Isso está correto, quando defen-
séculos o cristianismo era um fenô- sores de Pequenos Grupos querem
meno em ‘grupo pequeno’”29 e James dizer que estes já foram praticados
D. G. Dunn mencionar que a Igreja no período apostólico. Por outro lado,
“funcionava em base regular”, talvez ignorar que existe uma relação entre
semanalmente, ou mensalmente,30 em modelos, não parece correto; assim
nenhum dos textos estudados (Rm como negar que os grupos pequenos
15:5; 1Co 16:19; Cl 4:5; Fm 2) e de do período apostólico sirvam de mo-
acordo com estes mesmos autores e delo para hoje baseado na repetição
outros consultados31 a palavra οἶκος e histórica, ou na importância exage-
suas derivadas referem-se a uma re- rada que alguns deram às práticas do
união de Pequenos Grupos conforme livro de Atos, ou numa interpretação
entendidos e praticados pelas igrejas hermenêutica baseada na falta de
nas últimas décadas.32 prescritibilidade. Isso também não
Em consideração ao que foi trata- convence. Os Pequenos Grupos de
do até o momento é possível concluir hoje não são os Pequenos Grupos do
parcialmente que os textos analisados período apostólico, mas, com certeza,
no Novo Testamento não demonstram têm neles sua origem bíblica, modelo
que os Pequenos Grupos/Células são e inspiração adaptados e contextuali-
encontrados como um programa zados para essa época.
regular eclesiástico. Essa percepção, Paroschi declara que é “um erro
todavia, não é o bastante para desa- tratar o livro de Atos como um manu-
creditar os Pequenos Grupos como al da igreja, e a igreja apostólica como
uma prática encontrada na Bíblia. um modelo em tudo para a igreja de
Indica apenas que o uso intencional todos os tempos e lugares”.34 Realmen-
de certos textos retirados de seu sig- te, considerar o livro de Atos como um
nificado original não está adequado manual da igreja, e a igreja apostólica
88 / Parousia - 2º semestre de 2010
como um modelo “em tudo” parece pos não estão prontos no texto bíbli-
mesmo um exagero. Porém, esse ar- co, mas os grupos pequenos estão no
gumento não elimina o fato de que a texto bíblico; eles não são prescriti-
igreja apostólica no livro de Atos tem vos no texto bíblico, mas eles estão
diversas práticas, ainda que não pres- descritivos no texto bíblico.
critivas. Isso, porém, não é o bastante
para desautorizar os grupos pequenos Os grupos pequenos
como uma prática saudável e reco- e as igrejas em casa
mendável para a igreja de outras épo-
Os grupos pequenos estão pre-
cas, especialmente, quando um profeta
sentes no texto bíblico, não, todavia,
utiliza o mesmo livro de Atos como
como Pequenos Grupos, como se su-
modelo dessas mesmas práticas.35
punha ou se critique. Encontram-se,
A discussão travada na matéria em
porém, muito bem caracterizados no
questão, não deveria ser entre o uso bí-
princípio “igrejas no lar” ou, como
blico e legítimo dos Pequenos Grupos e
preferem os escritores da área, “igre-
a hermenêutica no livro de Atos, mas en-
jas em casa”. Wolfgang Simson, em
tre o uso ilegítimo de textos bíblicos mal
sua obra Casas que transformam o
aplicados do livro de Atos por alguns au-
mundo, atém-se especialmente a es-
tores e defensores de Pequenos Grupos e
clarecer as peculiaridades e funciona-
a hermenêutica no livro de Atos.
mento das igrejas nos lares no período
Além disso, no que o próprio au-
neotestamentário. Simson deixa claro
tor concorda,36 não é necessário ha-
que a igreja desse período funciona-
ver prescritibilidade de uma prática
va nas casas não como uma estraté-
da igreja do passado para autorizar
gia, não como um método escolhido,
essa mesma prática no presente. Em
mas como única forma de existência.
segundo lugar, mesmo não havendo
Declara que “os primeiros cristãos –
prescritibilidade há uma consistente
ainda por muitos anos após a conclu-
descritibilidade dos grupos pequenos
são do cânon bíblico – reuniam-se em
no texto bíblico – eles são históricos.
casas, geralmente no recinto maior de
Não há como separar a igreja apos-
que um dos membros dispunha”.41
tólica dos grupos pequenos nos lares,
pois era assim que a igreja apostólica Antes do período de governo de [Alexan-
funcionava.37 Essa é a sua história. E dre] Severo (222-235 A.D.) era expres-
é essa prática que vem sendo resga- samente proibido por decreto construir
templos cristãos ou prédios eclesiásticos.
tada desde o século XVIII, por João
Isso significava que as igrejas nos lares
Wesley,38 por diversas igrejas evan- representavam a única forma de igreja
gélicas históricas, entre inúmeras viável e mais ou menos tolerável.42
outras,39 e pela Igreja Adventista do
Sétimo Dia, desde seus primórdios.40 Icenogle reforça esse conceito de
E, finalmente, é necessário entender que os grupos pequenos do Novo Tes-
a diferença entre grupos pequenos e tamento tinham o epíteto de igreja, ao
Pequenos Grupos. Os Pequenos Gru- declarar que, “durante os tempos do
Uma fundamentação bíblica para os pequenos grupos / 89
nos Grupos ou Células. O modelo das pos não se limita ao livro de Atos, e
igrejas em casa já está pronto e funcio- nem mesmo às epístolas paulinas, o
nando no texto bíblico, sem qualquer que já os tornariam bem consisten-
necessidade de arranjos ou analogias.53 tes. Os Pequenos Grupos apoiam-se
Floyd Filson, em seu conceituado em profundos conceitos e princípios
artigo “The Significance of the Early encontrados em seus marcos bíbli-
House Churches”, faz a seguinte de- cos, teológicos e históricos, perce-
claração: “Foi a hospitalidade destes bidos através do texto sagrado desde
lares que tornou possível a adoração Gênesis, e da história sagrada desde
cristã, a refeição comum, e a coragem o Éden.55 Desde ali, na formação da
sustentada pelo companheirismo do humanidade, Deus toma a iniciativa
grupo. O movimento cristão real- de reunir a família humana em torno
mente enraizou-se nesses lares”.54 do altar do sacrifício, provendo-lhe
calor, abrigo, companhia e comu-
Conclusão nhão pelo sangue do Cordeiro (Gn
Esse estudo encerra-se entendendo 1:27; 2:7-8, 20-21).56
que ofereceu evidências consistentes Segue-se a simbologia através
a indicar que o movimento de Peque- dos tempos, através de patriarcas e
nos Grupos/Células segue a mesma profetas (Gn 12:7-8; 22:9-13; 46:1;
trilha do movimento igreja em casa, 1Sm 7:9-10), do povo escolhido Isra-
em grupos pequenos, cuja origem el (Êx 27:1-8), do remanescente (Ed
está inquestionavelmente incrustada 10:34-36; 12:43), até ao tempo de
no texto bíblico. Possivelmente, a Cristo (Lc 1:8-9, Mt 27:41), quando
visão simplista e precária sobre o que o próprio Filho de Deus é apresen-
são os Pequenos Grupos/Células pre- tado como o Cordeiro de Deus que
cipite a utilização de textos bíblicos tira o pecado do mundo (Jo 1:29). E
de maneira inadequada, comprom- novamente Ele reúne Sua igreja em
etendo e dificultando desnecessari- torno de Si e a comissiona na tarefa
amente sua justificativa bíblica. Por de pregar o Evangelho (Mc 16:14-
outro lado, minimizar a importância 16). O modelo de comunhão perma-
dos Pequenos Grupos apenas baseado nece, em grupos pequenos, em torno
no conceito da não-prescritibilidade do Cordeiro, de Seu testemunho e
ignorando as evidências histórico- de Sua Palavra (At 1:12-14; 2:42). É
textuais do livro de Atos e de toda a nessa Palavra, através de suas narra-
Bíblia é outro extremo. tivas inspiradas, proféticas e históri-
É ainda importante ressaltar que cas que os Pequenos Grupos encon-
a base bíblica para os Pequenos Gru- tram seu gênesis.
20-28; Joel Comiskey, Crescimento explosi- Latin America” (Ph.D. tese, Fuller Theologi-
vo da igreja em célula (Curitiba, PR: Minis- cal Seminary, Pasadena, California, 1997), p.
tério Igreja em Células, 1997), p. 15; Russell 13.
Burrill, Como reavivar a igreja no século 21 11
Embora no livro de Neemias, capítulo
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005), p. 3, encontre-se uma organização de trabalha-
19. dores em grupos, percebe-se, porém, que se
2
William A. Beckham, A segunda refor- trata de um trabalho específico, de um mu-
ma: a igreja do Novo Testamento no século tirão, que se encerrou no momento em que
XXI (Curitiba: Ministério Igreja em Células, a obra terminou — “cinquenta e dois dias”
2007), p. 11. depois (Ne 6:15).
3
Os Pequenos Grupos hoje estão sendo 12
Ver James Swanson, Dictionary of
recomendados em todos os programas das Biblical Languages with Semantic Domain:
Uniões e Campos da IASD do Brasil através Hebrew Old Testament (Oak Harbor: Logos
das Resoluções de Foz do Iguaçu: Recomen- Research Systems, Inc., 1997), p. 1074.
dações do Departamento dos Ministérios Pes- 13
Atilio René Dupertuis, De Egipto a
soais para o Concílio Quinquenal da DSA, Canaán: el evangelio en el éxodo (Berrien
Foz do Iguaçu, 30/10 a 09/11/2005; e da Pro- Springs: Pioneer Publications, 1995), p. 29.
posta sobre Pequenos Grupos, Documento de 14
Flávio Josefos, História dos hebreus:
Pequenos Grupos da DSA, votado em maio obra completa (Rio de Janeiro: Casa Publica-
de 2007, no Centro de Vida Saudável (CEVI- dora das Assembléias de Deus, 1992), p. 92.
SA), Engenheiro Coelho, São Paulo; e do do- 15
Ibid.
cumento Divisão Sul-Americana, “Proposta 16
Lawrence O. Richards, The Bible Read-
do II Fórum de Pequenos Grupos da DSA, ers Companion (Wheaton: Victor Books,
Aprofundando a Caminhada”, Brasília, DF, 1991), p. 752.
02-05 de novembro de 2008. 17
W. Sanday e Arthur C. Headlam, Aq-
4
Comiskey, Crescimento explosivo, p. uila and Priscilla, A Critical and Exegetical
15; Burrill, Como reavivar, p. 19; Jeffrey Ar- Commentary on the Epistle of the Roman
nold, Pequenos grupos sua missão na igreja (New York: C. Scribner’s sons, 1979), p.
e na comunidade (Arapongas: Gráfica e Edi- 420. Ver também “In their house” [Rm 16:5],
tora Aleluia, 2000), p. 25; Beckham, p. 15. Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Ad-
5
Beckham, p. 11, 13 e 16; Arnold, p. 25. ventist Bible Commentary (Hagerstown: Re-
6
Sérgio Leoto, “Iniciando Pequenos view and Herald, 1976), 6:652.
Grupos I”. Pesquisa realizada no site http://
18
A. R. Fausset, The First Epistle of Paul
www.igeva.com.br/pages/estudos.php?id_ the Apostle to the Corinthians, A Commen-
estudo=313, acessado em 5 de dezembro de tary, Critical and Explanatory, on the Old and
2008. New Testaments (Oak Harbor: Logos Re-
7
Pesquisa feita no site http://www.igeva. search Systems, Inc., 1997), 1Co 16:19.
com.br/pages/estudos.php?id_estudo=313,
19
Matthew Henry, The First Epistle of
acessado em 5 de dezembro de 2008. St. Paul to the Corinthians, Matthew Henry’s
8
Weverton Miranda, “Pequenos Gru- Commentary on the Whole Bible: Complete
pos”. Pesquisa realizada no site http://www. and Unabridged in One Volume (Peabody:
pibac.org.br/site/index.php?option=com_co Hendrickson, 1996), 1Co 16:19. Ver também
ntent&task=view&id=51&Itemid=64, aces- John A. Witmer, Romans, The Bible Knowl-
sado em 5 de dezembro de 2008. edge Commentary: An Exposition of the
9
Ralph W. Neighbour, Jr., Where do We Scriptures, vol. 2 (Wheaton: Victor Books,
Go From Here? A Guide Book for the Cell 1983-c1985), p. 548; “Church … in their
Group Church (Houston: Touch Publications, house” [1 Co 16:19], Nichol, 6:817.
2000), p. 228.
20
Peter T. O’brien, Colossians 4:7-18,
10
Joel Comiskey, “A Cell-Based Min- Word Biblical Commentary, vol. 44 (Waco:
istry: A Positive Factor Church Growth in Word Books, 1982), p. 256-257.
21
Norman L. Geisler, Colossians, The
92 / Parousia - 2º semestre de 2010
Brasileira, 1966); Laveta Maxine Payne, Cal- mente, teve lugar durante aqueles primeiros
led to Teach a Sabbath School Class (Hagers- anos.” Robert Fitts, The Church in the House
town: Review and Herald, 1969). – A Return to Simplicity (Kaulua-Kona, HI,
41
Simson, p. 63. s.d.), p. 9. Pesquisa feita no site http://rober-
42
Ibid., p. 77. tfitts.com/63, acessado em 8 de dezembro de
43
Icenogle, p. 14. 2008.
44
Ernest Martin, Believers Church Bible 53
Alguns autores do movimento celular e
Commentary: Colossians, Philemon (Scotda- de grupos pequenos que apresentam a analo-
le: Herald Press, 1993), p. 297. gia das células: Neighbour, Where do We Go,
45
Daniel Rode, “Uma Teologia de Pe- p. 223; Lay, p. 27-31; Cox, p. 61; Aluízio A.
quenos Grupos”, em Ministério, julho-agosto Silva, Manual da visão de células (Goiânia:
de 2009, p. 19-20. Videira, 2008), p. 27; Comiskey, Crescimen-
46
Ver William Barclay, The Letter to to explosivo, p. 19.
the Romans (Philadelphia: The Westminster 54
Floyd V. Filson, “The Significance of
Press, 1955), p. 228. the Early House Churches”, em Journal of
47
Ver John Mallison, Growing Christians Biblical Literature, 58 (1939): p. 109–112.
in Small Groups (London: Scripture Union, 55
O estudo atual limita-se a apresentar
1989), p. 5. um resumo do tema “Uma Fundamentação
48
Ver Frederick F. Bruce, The Epistles to Bíblica para os Pequenos Grupos”. Escapa ao
the Ephesians and Colossians (Grand Rap- propósito do mesmo apresentar uma funda-
ids: Eerdmans, 1957), p. 309-310. mentação teológica e histórica dos Pequenos
49
Para uma compreensão mais pormeno- Grupos. Para um estudo mais pormenoriza-
rizada sobre conceitos e definições de igrejas do sobre o tema, inclusive a respeito dos seis
em casa, ver Robert e Julia Banks, The Chur- princípios bíblicos dos Pequenos Grupos,
ch Comes Home (Peabody, MS: Hendrickson ver José Umberto Moura, “Uma Fundamen-
Publishers, 1998), p. vii-viii e 6. tação Bíblica, Teológica e Histórica desde
50
George Eldon Ladd, Teologia do Novo uma Perspectiva da Igreja Adventista do Sé-
Testamento (São Paulo: Hagnos, 2002), p. 320. timo Dia” (DTP tese, Seminário Adventista
51
Ibid., p. 109. Latino-Americano de Teologia, Engenheiro
52
Robert Fitts, comentando sobre es- Coelho, São Paulo, 2009).
ses textos, declara o seguinte: “A partir das 56
Ver Wuthnow, I Come Away, p. 349;
Escrituras, é evidente que a igreja primitiva “El éxodo” [12:1–51], Comentario bíbli-
reunia-se nas casas. Eles não tinham edifícios co mundo hispano Éxodo (CBMH), Daniel
de igrejas. Tais edifícios não apareceram até Carro, José Tomás Poe e Rubén O. Zorzo-
o ano 232 A.D. Naqueles primeiros dias não li, ed., (El Paso, TX: Editorial Mundo His-
eram chamadas de “igrejas-casa”. Eles eram pano, 1997), 2:114-126; Ellen G. White,
“a Igreja” que se reunia na casa de alguém. Mensagens escolhidas, 3 vols. (Santo An-
É notável que o mais explosivo período de dré: Casa Publicadora Brasileira, 1966),
crescimento da Igreja na história, até recente- 1:280.
Reforma de saúde:
história e relevância teológica
no movimento adventista
Jean Zuckowski, Ph. D.
Professor de História Eclesiástica e História da IASD na Faculdade Adventista
de Teologia do Unasp, campus Engenheiro Coelho.
para a reforma de saúde ainda não te- e fora, exercício, descanso e a absti-
nha sido alcançado, a Igreja Adven- nência de bebidas fortes, do chá e do
tista do Sétimo Dia espera pelo tempo café. Dentre estes reformadores pode-
em que o remanescente iluminará a mos citar Sylvester Graham,4 William
terra através dos poderosos efeitos da Alcott,5 Dr. J. C. Jackson, Dr. Harriet
reforma de saúde na vida dos crentes Austin,6 Dr. Joel Shew,7 e outros.
e seu trabalho missionário.
José Bates
Antecedentes históricos
e culturais Entre os pioneiros adventistas do
Sétimo Dia, José Bates foi o primeiro
No começo do século 19, as po-
a adotar a reforma de saúde. Mesmo
bres condições de higiene da popu-
antes de ter aceitado o cristianismo ele
lação eram um campo fértil para a
já havia abandonado o uso de álcool e
proliferação de doenças. As práticas
fumo. Após sua conversão, ele orga-
convencionais de medicina não eram
nizou uma sociedade de temperança
eficientes para promover a cura na
em sua igreja local. Ao aposentar-se,
maioria dos casos. Os procedimentos
ele fez mudanças em seus hábitos nu-
médicos baseavam-se em premissas
tricionais e abandonou o uso do chá e
erradas no que tange o diagnóstico e
café, sendo ele o mais saudável den-
natureza das doenças. Os tratamentos
tro todos os líderes do movimento
mais comuns eram o sangramento e
Adventista do Sétimo Dia. Entretan-
o uso de fortes estimulantes e drogas
to, dentro do movimento adventista
como ópio e protocloreto de mercú-
ele nunca tentou impor seu estilo de
rio.3 Pobres hábitos alimentares con-
vida aos outros, advogando a reforma
tribuíam para o aparecimento de do-
de saúde apenas depois das visões de
enças. A base da dieta americana era
Ellen G. White.8
carne, pão branco, massas, frituras e
alimentos gordurosos.
As visões de Ellen G. White
Os problemas de saúde e a imo-
ralidade experimentada pelos ame- Ellen G. White teve quatro visões
ricanos levaram muitas pessoas a específicas na área de saúde. Em seus
envolverem-se em terapias naturais e escritos ela apresenta muitos outros
movimentos de reforma de saúde no conceitos sobre a reforma de saúde,
começo do século 19. As sociedades mas nessas quatro visões se encon-
de temperança e principais movimen- tram o cerne da mensagem de saúde
tos de reforma advogavam uma forte adventista e através delas pode ser
redução no consumo de álcool, mas delineado o desenvolvimento do en-
instituições de tratamento natural pro- tendimento adventista na área.
curavam uma reforma de saúde mais Ellen G. White recebeu sua primei-
ampla. Os pontos principais defendi- ra visão no outono de 1842.9 Os pon-
dos por estes reformadores eram a re- tos principais apresentados nesta visão
forma alimentar, o uso de água dentro são os efeitos maléficos do tabaco, chá
98 / Parousia - 2º semestre de 2010
e café. O anjo lhe orientou que todos tretanto, seu conteúdo foi dirigido à
aqueles que não abandonassem o taba- igreja como um todo.15 As diferentes
co não receberiam o selamento, pois o orientações trazidas pela visão podem
uso de tabaco é idolatria. A visão esta- ser sumarizadas em dez tópicos. 16 O
belece uma teologia escatológica onde primeiro apresenta o cuidado com a
há uma ligação íntima entre o viver saúde como um dever religioso. Deus
saudável, a espiritualidade e a prepara- requer que seu povo O glorifique
ção para a segunda vinda.10 Muito em- através de corpos saudáveis. Segun-
bora a visão claramente condenasse o do, doenças são apresentadas como
uso do tabaco, esse foi tolerado entre a resultado das violações das leis de
membresia adventista até 1853,11 sen- saúde. Terceiro, a intemperança pode
do somente em 1855 votado excluir do ser apresentada na vida do cristão em
rol de membros aqueles que não aban- diferentes maneiras, tais como: (1)
donassem este vício.12 uso de “bebidas estimulantes”; (2)
A segunda visão de Ellen G. White uso de tabaco “em qualquer forma”;
foi dada em 12 de fevereiro de 1854.13 (3) uso de alimentos altamente condi-
Nessa visão, ela aborda os seguintes mentados; (4) a “intemperança no tra-
pontos: (1) adultério na igreja; (2) falta balho”; e (5) “a indulgência é à base
de pureza do corpo entre adventistas; das paixões”.17
(3) necessidade do controle do apetite; O quarto tópico apresenta a dieta
(4) profanação; (5) negligência paterna vegetariana como ideal para o ser hu-
na educação dos filhos; e (6) casamen- mano. Ela apresenta que o alimento
tos não recomendados. Novamente é suíno deveria ser totalmente abando-
realçado que saúde e espiritualidade nado. O quinto ponto está relacionado
estão conectados e para ser um cristão com a importância de hábitos corre-
puro, o mesmo deve ser temperante. tos de saúde. Cristãos deveriam de-
A terceira visão de Ellen G. White senvolver hábitos saudáveis como: o
sobre saúde, recebida em 6 de junho de controlar o apetite, não comer dema-
1863 em Otsego, Michigan, é a mais siado, não comer entre as refeições,
expressiva. Ela e seu marido estavam etc. O sexto tópico está relacionado
hospedados na casa de Aaron Hilliard com a saúde mental. A visão apre-
participando de um encontro evan- senta que muitas das doenças têm sua
gelístico liderado pelos pastores R. J. origem na mente e não são causadas
Laurence e M. E. Cornell. Nessa casa, por fatores externos ou orgânicos.
apenas dezesseis dias depois da Confe- Sétimo, os efetivos remédios de
rência Geral dos Adventistas do Sétimo Deus para os seres humanos são: (1)
Dia ter sido organizada em Battle Cre- ar, (2) água, (3) luz solar, (4) exercí-
ek, ao por do sol, Ellen G. White levan- cio, (5) descanso, e (6) abstinência.18
ta-se para orar e é tomada em visão por O próximo tópico enfatiza a higiene
quarenta e cinco minutos.14 pessoal como pureza de vida. Para
A visão teve como foco central Ellen G. White, higiene e pureza en-
a recuperação de Tiago White, en- volvem cuidados com o corpo, roupa,
Reforma de saúde / 99
casa e pureza de coração. O nono tó- mudou seu nome para Sanitarium
pico dá orientações sobre a constru- (Sanatório).22
ção de uma casa. Os lugares mais Depois de um começo pequeno
altos e uma própria ventilação são o sanatório experimentou um cresci-
destacados como pontos chaves na mento que o levou a ser conhecido
construção de uma casa. Finalmente mundialmente como o líder em trata-
ela enfatiza que é um dever cristão mentos naturais. Ele também se tornou
partilhar com outros os princípios da o centro para treinamento de médicos
reforma de saúde. missionários da Igreja Adventista do
A quarta visão, em 25 de dezem- Sétimo Dia na época. Ellen G. Whi-
bro de 1865, da às bases para o estabe- te tinha declarado que todo ministro
lecimento das instituições de saúde. A deveria combinar a pregação da pa-
Igreja Adventista do Sétimo Dia de- lavra com o ministério do alívio das
veria providenciar lugares onde pes- doenças assim como Jesus fez em seu
soas pudessem ser curadas e aprender ministério.23 O Dr. Kellogg e os mem-
sobre a medicina natural preventiva. bros associados do sanatório, depois
O Dr. Kellogg e a obra da inauguração do novo prédio em
médico-missionária
1877, abriram uma “escola de saúde”
com o objetivo de promover os prin-
As condições de saúde da maio- cípios básicos de higiene e nutrição a
ria dos líderes da Igreja Adventista do todos que estivessem interessados em
Sétimo Dia em 1863, quando Ellen G. preparar-se para a obra médico mis-
White recebeu sua visão sobre saúde, sionário e a pregação do evangelho.
não eram boas. Para eles esta mensa- Ele também organizou a Sociedade
gem foi de fundamental importância. Americana de Saúde e Temperança
O senso da obrigação de promover a que, em seu ponto de vista, deveria
reforma de saúde e a inclusão da mes- ter como membros todos os Adven-
ma como parte da terceira mensagem tistas do Sétimo Dia.24
angélica19 motivou-os a publicar a re- O Dr. Kellogg tinha um carinho
vista The Health Reformer e a cons- especial pela mensagem de saúde.
truir o Instituto Ocidental para Refor- Quando ele assumiu a liderança do
ma de Saúde. 20 instituto, “imediatamente decidiu im-
Esse instituto para reforma de plantar na instituição um programa
saúde foi aberto tendo como médi- que incluísse todos os aspectos da
cos os doutores H. S. Lay e Phoebe doutrina de saúde.”25 Muito embora
Lamson.21 Porém, o médico mais fa- ele tenha reconhecido que era muito
moso do instituto foi o Dr. John Har- difícil fazer todas as mudanças neces-
vey Kellogg, que teve seus estudos sárias naquele momento, trabalhou
patrocinados pelo casal White. O Dr. persistentemente e, de forma gradual,
Kellogg trabalhou também como edi- eliminou completamente carne, chá e
tor da revista The Health Reformer café do sanatório.26 Ele era um defen-
e ao tornar-se o diretor do instituto sor rigoroso da reforma de saúde.
100 / Parousia - 2º semestre de 2010
xões carnais.40 O negligenciar, então, pessoa limpa e pura, não poderemos ser
dos princípios de saúde, mantém o apresentados imaculados perante Deus.42
crente sob o domínio do pecado e o
Ela continua dizendo que este tra-
impossibilita de compreender as ver-
balho de purificação deve ser pregado
dades bíblicas. Como ela advertiu a
pelos ministros. Eles devem alertar
igreja: “É impossível para os homens,
o mundo que existe um meio eficaz
enquanto viverem sob o poder do pe-
para libertar todo aquele que vive
cado, nos hábitos que destroem a saú-
escravizado pelo pecado. “O mundo
de, apreciar as verdades sagradas.”
deve saber que há um antídoto para
Ellen G. White expande esta idéia o pecado. Quando o trabalho médico
dizendo: missionário inteligentemente alivia
Quando o intelecto é anuviado, os po- o sofrimento e salva vidas, corações
deres morais são enfraquecidos e o pe- são abrandados. Todos aqueles que
cado não parecerá pecaminoso. Os mais
são ajudados ficam cheios de gra-
nobres, grandiosos e gloriosos temas da
palavra de Deus parecerão fábulas sem tidão. Enquanto o trabalho médico
sentido. Satanás poderá então facilmente missionário atua no corpo, Deus atua
retirar a boa semente que foi semeada no no coração.”43
coração... É desta maneira que egoísmo, Entretanto, para que a igreja alcan-
indulgências destruidoras da saúde estão
ce êxito neste trabalho, Deus convida
a neutralizar a influência da mensagem
que tem por objetivo preparar um povo seu povo a ter uma clara concepção de
para o grande dia de Deus.41 seus requerimentos. Assim, cada cren-
te é convidado a “ingerir os alimentos
Para ela, Deus está preparando um mais simples, preparados da maneira
povo para representá-lo neste mundo mais simples, para que os sensíveis
e apenas aqueles que forem completa- nervos do cérebro não sejam enfra-
mente purificados pelo poder de Cris- quecidos, entorpecidos ou paralisados,
to serão apresentados por Jesus como fazendo impossível ao ser humano
inculpáveis perante o Pai. discernir as coisas sagradas e o valor
da expiação, do purificador sangue de
Eu vi que Deus estava purificando para Cristo como de valor inigualável.”44
si mesmo um povo peculiar. Eu vi que
o campo deveria estar limpo, ou Deus
passaria e veria a impureza de Israel não Missão
indo assim com eles para a batalha. Ele
os deixaria em desprezo e nossos inimi-
Para os adventistas, seguindo as
gos triunfariam sobre nós e seriamos en- orientações do ministério profético de
fraquecidos em vergonha e desgraça. Ellen G. White, a reforma de saúde
tornou-se o carro chefe na missão da
Eu vi que Deus não reconheceria uma igreja, que é a propagação do evange-
pessoa impura e desleixada como cristão.
Sua reprovação estava sobre eles. Nossa
lho eterno da terceira mensagem an-
alma, corpo e espírito devem ser apre- gélica. O conhecimento e prática da
sentados imaculados por Jesus perante reforma simplificariam o cumprimen-
Seu Pai, e a menos que sejamos uma to do dever cristão para cada membro
Reforma de saúde / 105
e seu método deve ser nosso método. ram incentivos e apoio financeiro do
A cura física deve juntar-se a cura casal White na preparação para obra
espiritual na pregação do evangelho, médico-missionária destaca-se o Dr.
onde médicos, pastores e membros Kellogg. Ele tornou-se a pessoa mais
são responsáveis por este ministério. influente na medicina natural de seus
Todo pastor deveria ter um conheci- dias tanto dentro como fora da igreja.
mento deste ministério de cura. Todavia, suas convicções teológicas
e estilo administrativo levaram-no a
Conclusão separar-se do movimento adventista
A reforma de saúde dentro do e rejeitar o ministério profético de
movimento adventista do sétimo dia Ellen G. White. Muito embora, hou-
surgiu num contexto cultural e histó- ve grande perda na apostasia do Dr.
rico do século 19 na América do Nor- Kellogg, a igreja continuou seu traba-
te, onde havia uma grande descrença lho médico-missionário fundando ou-
sobre a medicina convencional e um tras instituições de saúde na América
crescente despertar pela saúde através e em outras partes do mundo.
de movimentos de temperança que in- A mensagem da reforma de saúde
cluíam a condenação de vícios como teve um grande impacto na teologia
tabaco e alcoolismo, bem como a cria- e missão da igreja adventista. Os ad-
ção de institutos para o viver saudável. ventistas conectaram a mensagem de
José Bates, um dos primeiros adven- saúde com a terceira mensagem angé-
tistas reformadores de saúde, partici- lica fazendo desta uma verdade pre-
pou neste movimento de temperança sente. Para os adventistas a reforma
mesmo antes de tornar-se cristão, mas de saúde é essencial no preparo de um
propagou a mensagem de saúde ape- povo para a segunda vinda de Cris-
nas depois das visões de Ellen G. Whi- to, pois ela proporciona uma melhor
te sobre o tema. Através do ministério comunicação entre Deus e o homem;
profético de Ellen G. White a Igreja habilita os homens a entenderem ver-
Adventista do Sétimo Dia foi impeli- dades espirituais, discernir entre certo
da a pregar e aceitar esta mensagem, e errado e apreciar a expiação provida
todavia condenando muitas práticas de por Cristo na cruz; e auxilia no pro-
reformadores de saúde fora do movi- cesso de santificação, na preparação
mento adventista. Através das quatro do caráter, única coisa que levaremos
visões de Ellen G. White os adventis- da terra ao céu. A mensagem de saúde
tas desenvolveram uma visão única de deve ser a mão direita na pregação do
reforma de saúde onde a saúde física evangelho, este era o método de Cris-
foi conectada a saúde espiritual. to e deve ser pregada a todo o mundo
Tiago e Ellen promoveram o traba- por pastores, médicos e leigos como
lho médico-missionário, a fundação de estilo de vida ideal para o homem e
institutos de saúde e a capacitação de esperança de cura física e espiritual.
adventistas para desenvolverem este A análise e importância da men-
trabalho. Dentre aqueles que recebe- sagem de saúde na Igreja Adventista
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Resumo: Este artigo retrata a impor- not been reached, and that the primary
tância do rádio como mídia capaz de element of this job is power.
cumprir a missão de propagar a men-
sagem da volta de Jesus. Essa mídia
Introdução
que em um passado não tão distante
já esteve na vanguarda, parece resis- “Era madrugada de sábado. Lílian
tir às grandes inovações tecnológicas não conseguia dormir naquele quar-
dos tempos modernos no disputadís- to imundo de um motel. Ao seu lado
simo campo das comunicações de estava um desconhecido. Acabava de
massa e ainda fazer a diferença, cau- sair com ele por dinheiro. O homem
sando impacto quando o assunto é a roncava. A jovem chorava em silên-
pregação do evangelho. Este artigo cio, mais só e triste do que nunca. Seu
relata também como a Bíblia aborda a corpo era um objeto que os homens
comunicação e enfatiza a necessidade compravam. Sentia-se indigna, imun-
e importância de divulgar o amor de da. Algum dia poderia ser amada por
Jesus na maior parte do mundo ainda alguém? Mereceria ser amada? Como
não alcançado, e que o elemento pri- havia chegado a esse ponto? Preferiu
mordial nessa tarefa é o poder. não continuar pensando. Começou a
girar o botão do rádio da cabeceira, li-
Abstract: This article portraits the im- gado bem baixinho, para não acordar
portance of the radio as media capable o estranho. Uma frase ouvida por aca-
of accomplishing the mission of spre- so chamou sua atenção. A voz dizia:
ading the message of Jesus’ coming. – Você é a coisa mais preciosa que
This media that in the not so distant Jesus tem na Terra.
past has already been in the limelight, Seu corpo estremeceu. Seu coração
seems to have resisted the great tech- quase saiu pela boca. Aproximou o ou-
nological innovations of modern times vido do rádio e continuou ouvindo.
in the disputed area of mass commu- – Não importa onde você está –
nication e still make a difference, cau- dizia a voz. – Não importa se está na
sing impact in relation to preaching the cama de um hospital ou viajando em
gospel. This article also relates how uma estrada. Se está na cela de uma
the bible deals with communication prisão ou em um quarto imundo de
and emphasises the need and impor- um motel, sem poder dormir. Quero
tance of spreading the love of Jesus to que você saiba que Jesus ama você, e
the majority of the world that has still morreu para salvá-la.
114 / Parousia - 2º semestre de 2010
Referências 6
Ibidem.
7
Roberto M. Rabello, “Vinte anos de
1
Alejandro Bullón, Convite para mudar Rádio-evangelismo”, em Revista Adventista,
(Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2010), p. agosto de 1963, p. 16.
28-34. 8
Idem, “A Escola Radiopostal na Igreja”,
2
Donald Smith, Creating Understanding em Revista Adventista, setembro de 1946, p.
(Grand Rapids: Zondervan Publishing Hou- 3.
se, 1997), p. 25. 9
Pesquisa realizada no site http://www.
3
Ibid., p. 29. awr2.org/, acessado em 9 de novembro de
4
Publicação da ABAP/IBGE: Números 2010.
Oficiais da Indústria de Comunicação, em 10
Marshall Mcluhan, Os Meios de Co-
2007. municação como Extensões do Homem. Trad.
5
Pesquisa realizada no site http://www. Décio Pignatari (São Paulo: Editora Cultrix,
janela1040.org/, acessado em 9 de novembro 1996), p. 339.
de 2010.