DURKHEIM

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CONSIDERAÇÕES SOBRE DURKHEIM: O DIREITO E A CAPÍTULO

MORAL NA SOCIEDADE

09
Erika Neder
Mestra em direito pela
Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF
Doutoranda em ciências sociais pela
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF
Adriana Serrão
Mestranda do PPGD da UERJ da Área de concentração
Pensamento Jurídico e Relações Sociais.
Linha de pesquisa Teoria e Filosofia do Direito

RESUMO

É possível observar a relação de Émile Durkheim com o direito em suas obras,


especialmente em "Da Divisão do Trabalho Social", publicado originalmente
em 1893 e "As Regras do Método Sociológico", publicado em 1895. Durkheim
argumentava que o direito era uma das principais instituições sociais que
refletiam e mantinham a coesão social em uma sociedade. Argumentava,
ainda, que o direito era uma expressão da consciência coletiva de uma
sociedade, que era o conjunto de valores, crenças e normas compartilhadas
por seus membros. Dessa forma, segundo Durkheim, o direito é uma forma
de controlar o comportamento individual e garantir que os membros da
sociedade sigam as normas e valores coletivos. Ele também enfatizou a
importância da punição e da repressão como formas de reforçar o
cumprimento das leis e preservar a ordem social. Um dos aspectos a ser
estudado é o fato do crime na sociedade. Para Durkheim, o crime é uma
anomalia social que ocorre quando as normas e os valores sociais não são
suficientemente claros e não são internalizados pelos indivíduos. Ele
argumenta que o crime não é apenas um fenômeno individual, mas é também
um fenômeno social que afeta a coesão e a solidariedade da sociedade.
Durkheim entende que o crime é necessário para a sociedade, pois ele serve
como um indicador de que algo está errado na estrutura social e que
mudanças são necessárias. O crime também tem uma função positiva de
reafirmar a moralidade e as normas sociais quando os infratores são punidos.
A punição do crime é uma forma de reafirmar a coesão social e a
solidariedade, demonstrando que a sociedade se preocupa em manter seus
valores e normas.

Palavras-chave: direito; moral; crime; Durkheim.

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Editora Epitaya | ISBN: 978-65-87809-75-5 | Rio de Janeiro | 2023 | pag. 127
INTRODUÇÃO

Émile Durkheim produziu sua obra em um período marcado por


mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas na Europa. Ele pretendeu
compreender as transformações experimentadas pelos mecanismos de
organização das sociedades a partir de uma perspectiva científica,
procurando analisar as distintas formas de construção da coesão social em
contextos modernos e tradicionais. Sua obra estruturou a matriz sociológica
de descrição da modernidade a partir da diferenciação social.
Dentre a diversidade temática explorada pelo sociólogo no estudo do
fato social, objeto de estudo metodológico da sua vertente, Durkheim
procurou explorar as diferentes formas de existência desse objeto sociológico.
As obras de Durkheim têm como objetivo principal o estudo científico
da sociedade e a compreensão dos fenômenos sociais que a constituem. Ele
foi um dos fundadores da sociologia como disciplina científica e seus
trabalhos mais importantes incluem "Da Divisão do Trabalho Social", "As
Regras do Método Sociológico" e "O Suicídio".
O conceito de fato social é central na obra de Durkheim. Ele define o
fato social como uma maneira de pensar, sentir e agir que é exterior ao
indivíduo e que exerce poder coercitivo sobre ele. Os fatos sociais são
coletivos, generalizados e independentes dos indivíduos que os constituem.
Eles são objetos de estudo da sociologia e podem ser observados
empiricamente, como as instituições, as normas, os valores e as crenças.
Durkheim defende que os fatos sociais são mais do que a soma dos
indivíduos que os constituem e que eles possuem uma realidade objetiva que
pode ser estudada cientificamente. Ele argumenta que os fatos sociais
exercem uma influência determinante sobre o comportamento dos indivíduos
e que eles são responsáveis por manter a coesão social e a solidariedade
entre os membros de uma sociedade.
As obras de Durkheim são dedicadas ao estudo científico da
sociedade e seus fenômenos sociais. O conceito de fato social é central em
sua teoria, e ele o define como uma maneira de pensar, sentir e agir que é
exterior ao indivíduo e que exerce poder coercitivo sobre ele. Os fatos sociais
são coletivos, generalizados e independentes dos indivíduos que os
constituem, e são objetos de estudo da sociologia.

DURKHEIM: ENTRE A SOCIOLOGIA E O DIREITO

O fato social na sua construção, além de objeto de estudo,


caracteriza-se pela existência pragmática de fenômenos que exercem
influência na construção da consciência social coletiva. Ele propôs como
objeto de estudo os fatos sociais e propôs o método da observação e
experimentação indireta, ou seja, o método comparativo, para que a
sociologia pudesse tornar-se uma ciência positiva e chegar a resultados
sólidos, livres das abstrações metafísicas. Assim, a partir da análise crítico-

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analítica dos impactos desse fenômeno sociológico, o sociólogo trata da
existência do crime.
A análise crítico-analítica dos impactos do fenômeno sociológico
sobre a existência do crime tem sido um tema central na sociologia,
especialmente na criminologia. A abordagem sociológica para o estudo do
crime busca entender a relação entre o crime e as estruturas sociais,
instituições e processos sociais.
Dessa forma, de acordo com essa perspectiva sociológica, o crime
não é simplesmente um fenômeno individual ou psicológico, mas sim um
comportamento influenciado por fatores sociais e estruturais. Por exemplo, a
desigualdade social, a pobreza, a exclusão social e a falta de oportunidades
podem levar ao aumento da criminalidade em determinadas áreas ou grupos
sociais.
Além disso, a perspectiva sociológica também enfatiza a importância
do sistema de justiça criminal e das políticas públicas de prevenção do crime.
O sistema de justiça criminal pode influenciar a taxa de criminalidade por meio
de suas políticas de encarceramento, julgamento e punição, enquanto as
políticas públicas de prevenção do crime podem abordar fatores sociais
subjacentes que levam ao crime.
Em resumo, a análise crítico-analítica dos impactos do fenômeno
sociológico sobre a existência do crime enfatiza a necessidade de entender
os fatores sociais e estruturais que levam ao crime e de desenvolver políticas
e programas para prevenir e reduzir a criminalidade.
Ao dialogar com a perspectiva comteana, Durkheim propõe a
observação das várias sociedades como espécies distintas de um organismo
cujas observações e comparações nos levariam a conhecer tal organismo.
Em relação a Spencer, outro grande influenciador seu, a crítica de Durkheim
é no sentido de haver uma necessidade de sintetização e generalização dos
fatos sociais, submetendo-os a uma mesma lei geral, para que cada fato
social fosse estudado particularmente, com o objetivo de conhecê-lo e de
estabelecer regras para aquele tipo determinado de sociedade, sem
generalizações abstratas.
No entanto, Durkheim ainda cultivou certos ideais evolucionistas
muito caros ao positivismo, como a crença na superioridade qualitativa do
mais complexo sobre o mais simples, do orgânico sobre o inorgânico, das
sociedades civilizadas sobre as sociedades primitivas, da ciência sobre
outras formas de conhecimento, da razão sobre a tradição e a religião.
Importante explicar que o positivismo é uma corrente filosófica que
se originou na França no século XIX, sendo influenciada por Auguste Comte.
O positivismo defende que o conhecimento científico é o único conhecimento
válido e que a ciência deve ser a base para a compreensão e transformação
da sociedade. Para os positivistas, o método científico é o melhor caminho
para se chegar ao conhecimento objetivo e a verdade sobre o mundo.
Acreditam também que a ciência é capaz de identificar as leis naturais e
sociais que governam o universo e que a compreensão dessas leis é
fundamental para a solução dos problemas sociais.

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Nesse sentido, o positivismo enfatiza a importância da observação
empírica e da experimentação para a produção de conhecimento científico. É
uma corrente que busca a neutralidade, objetividade e universalidade na
produção de conhecimento.
Para Durkheim, a moral, na qualidade de fato social, é processada no
interior das consciências individuais e na intimidade da consciência coletiva.
Ela torna-se explícita e eficaz, quando se objetiva e é subsumida pelo
ordenamento jurídico, ou seja, o direito explicita e objetiva, em normas
positivas, o que está difuso na moral. Por consequência, para tratá-la
cientificamente, é necessário captá-la em suas manifestações exteriores,
acessíveis aos sentidos.
Em busca das manifestações exteriores da moral, Durkheim pediu
socorro ao direito, porque este é constituído de normas positivas, isto é, de
regras colocadas objetivamente ao alcance de todos, por intermédio dos
códigos, das leis esparsas e, excepcionalmente, através dos costumes.
Quando há um rompimento do tecido social, o direito também oferece
a possibilidade de recomposição. A essas diferentes maneiras de
reconciliação correspondem os diversos momentos constitutivos da história
do crime, da pena e do direito. Assim, ao transitar pelo mundo do direito, o
autor observou o princípio da coerção, componente essencial da norma
jurídica e isso propiciou a passagem de seus estudos do campo da moral
para o mundo do direito.
O direito repressivo foi a mediação que lhe permitiu seguir já no
campo do direito através dos estudos do crime, da pena e do direito.
Inicialmente Durkheim parte do ponto de vista dos fenômenos morais
em sua tentativa de delinear os processos de solidariedade social, indo de
encontro à problemática de que os fatores morais pertencem à esfera do
subjetivo e imaterial, havendo-se de buscar uma forma de capturar a essência
destes processos a partir dos seus efeitos sensíveis. A solução encontrada é
considerar o direito como símbolo visível da solidariedade social, substituindo
o fato interno que escapa por um fato externo que o simbolize e estudar o
primeiro através do segundo.
De fato, onde existe a solidariedade social, apesar de seu caráter
imaterial, ela não permanece no estado de pura potencialidade, mas
manifesta sua presença através de efeitos sensíveis. Esse símbolo é o direito.
A abordagem do direito na obra de Durkheim se desenvolve
principalmente no bojo de sua análise referente às formas de solidariedade
social. Sua obra apontou as bases não-contratuais do contrato. Ele define o
contrato a partir do livre consentimento das vontades dos contratantes e da
regulamentação social que sobre ele incide. Assim, as vontades individuais
somente são fonte de direito quando se conformam à regulamentação social
e respeitam os valores sociais.
Nesse sentido, o direito é concebido enquanto regramento moral,
como expressão da solidariedade de uma determinada sociedade. Entretanto,
não se pode confundir direito com moral. A relação entre direito e moral é um
tema muito debatido na filosofia e, principalmente, na sociologia jurídica. Em

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linhas gerais, pode-se dizer que a moral é um conjunto de valores e normas
que orientam o comportamento humano em sociedade, enquanto o direito é
um conjunto de normas criadas pelo Estado para regular as relações entre as
pessoas e garantir a ordem social.
A relação entre direito e moral pode ser vista de diferentes
perspectivas. Por um lado, há autores que defendem que o direito deve se
basear em valores morais, sendo que as normas jurídicas deveriam refletir os
valores éticos e morais da sociedade. Nessa perspectiva, a moral seria um
fundamento do direito, como defendem alguns jusnaturalistas.
Por outro lado, há quem argumente que o direito e a moral são
esferas distintas e que não devem se confundir. Nessa visão, o direito tem
suas próprias fontes e princípios que não se confundem com os valores
morais. O direito seria, assim, uma construção social autônoma, que não
depende necessariamente da moral para se justificar, e aqui tem-se os
autores positivistas.
No entanto, mesmo que o direito e a moral sejam esferas distintas,
eles podem estar interligados. Em algumas situações, as normas jurídicas
podem refletir valores morais compartilhados pela sociedade, enquanto em
outras situações pode haver conflitos entre as normas jurídicas e os valores
morais. Por fim, é importante destacar que a relação entre direito e moral
pode variar de acordo com a época, a cultura e as normas jurídicas em vigor
em determinado contexto histórico e social.
O direito retrata as variedades fundamentais da solidariedade social.
Através dele, o exercício comparativo sobre os laços sociais de cada
sociedade pode ser realizado. Assumir essa prerrogativa integra uma conduta
metodológica de Durkheim. Ao olhar para as diferentes formas de
organização da vida social, em sua síntese jurídica, Durkheim evidencia uma
preocupação: é preciso seguir o desenvolvimento do fato social em sua
integridade, em todas as espécies sociais, acompanhando o curso da
construção do fenômeno social, debruçando-se sob seu desenvolvimento
histórico, verificando em que medida avança, recua ou se estabiliza.
Ao iniciar suas reflexões sobre as questões da moral profissional,
Durkheim observa que os fatos morais e jurídicos consistem em regras de
conduta sancionadas e, que, portanto, essa é a característica de todos os
fatos desse tipo. A moral é apresentada como um sistema de estados
coletivos, em que a sociedade é objeto da conduta moral, superando os
interesses individuais. A sociedade é algo que está fora e dentro do homem
ao mesmo tempo, sendo esse fenômeno explicitado durante o processo de
adoção dos princípios e valores morais, ou seja, aquilo que as pessoas
sentem, pensam ou fazem, independentemente de suas vontades individuais.
Ao iniciar suas reflexões sobre as questões da moral profissional,
Durkheim parte do pressuposto de que a moral é uma categoria social que se
manifesta através de um conjunto de normas e valores que orientam o
comportamento humano em sociedade. Para Durkheim, a moral não é
apenas um conjunto de regras individuais que as pessoas adotam
voluntariamente, mas sim um sistema de estados coletivos que transcende

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os interesses individuais e se baseia em valores e crenças compartilhados
pela sociedade como um todo.
Para Durkheim, a moral é um fenômeno que está presente em todas
as sociedades humanas, e que desempenha um papel fundamental na
construção da coesão social. Isso porque a moral impõe limites à ação dos
indivíduos, orientando-os para um comportamento que é considerado
aceitável e desejável pela sociedade. Dessa forma, a moral é um elemento
essencial para a manutenção da ordem e da estabilidade social.
Além disso, Durkheim argumenta que a moral não é algo que está
apenas dentro do indivíduo, mas que também está fora dele, ou seja, é algo
que é imposto pela sociedade. Esse fenômeno é evidenciado no processo de
adoção dos princípios e valores morais, que muitas vezes são internalizados
pelos indivíduos sem que eles percebam. Assim, a moral é apresentada como
um sistema que está acima dos interesses individuais e que é capaz de
superar as diferenças e os conflitos existentes na sociedade.
Ao aplicar essa perspectiva ao campo da moral profissional,
Durkheim sugere que as regras e normas que regem o comportamento dos
profissionais em suas atividades laborais são uma expressão da moral social.
Assim, as normas profissionais não são apenas um conjunto de regras
técnicas ou funcionais, mas sim uma manifestação da moral coletiva que
orienta o comportamento dos profissionais em relação aos seus colegas, aos
clientes e à sociedade como um todo.
A moral é sempre obra de um grupo e só poderá funcionar se esse
grupo protegê-la com sua autoridade. A força moral superior ao indivíduo é a
força coletiva. O fato moral consiste em regras de conduta sancionadas, e as
sanções são consequências do ato, puníveis porque são proibidas. O
indivíduo é chamado pelo Estado para a existência moral, sendo necessária
uma organização que lhe faça lembrar e que o obrigue a respeitá-lo através
da disciplina moral. Essa disciplina moral orienta-se para a coletividade
nacional e não para o indivíduo.
Durkheim distingue três grandes tipos de moral que decorrem do
pertencimento a grupos particulares: o vínculo à família e ao sistema de
parentesco que funda a moral doméstica; o vínculo ao mundo do trabalho,
especialmente às corporações, que funda a moral profissional; e o vínculo à
pátria, que funda a moral cívica. A ideia de moral profissional foi defendida
tendo em vista que o Estado, distante da vida do homem comum, não poderia
lhe fornece bases morais. Assim, para cada atividade o grupo específico
correspondente seria o responsável pela elaboração das normas e morais
que regeriam essas atividades específicas, tendo em vista que existem tantas
morais quanto profissões diferentes.
Além dessa moral, Durkheim ressaltou a importância da moral cívica,
que diz respeito ao conjunto de regras sancionadas que tratam da relação
entre indivíduo e o corpo político.
O fator que distingue uma sociedade rudimentar de uma sociedade
moderna é a presença de elementos como a divisão do trabalho social, o
Estado e comunidades políticas. O Estado nada mais é do que o organizador

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da vida social, sendo que ele deve ser independente da sociedade e suas
ações devem possuir maior consciência e reflexão.
O que vai determinar o tipo de Estado é a maneira como ele se
comunica com a sociedade. Quanto maior a comunicação entre Estado e
sociedade, através dos grupos secundários, mais democrático.
Em Divisão do Trabalho Social, o autor tratou da solidariedade
mecânica ou da coesão social por semelhanças, através de analogias.
Utilizando o movimento desenvolvido de maneira unida e uniforme pelos
indivíduos, classificados pelo autor como moléculas sociais, dentro dos
agrupamentos humanos com o movimento dos elementos no interior dos
corpos brutos ou inanimados, ele esclareceu a forma de solidariedade
denominada mecânica.
Solidariedade ou união mecânica, no sentido de espontânea,
padronizada e coesa, a tal ponto que o sentimento de uma passa ser o
sentimento da coletividade, a vontade de um, passa ser a vontade de todos
e, vice-versa, o desejo do grupo é o desejo de todas as pessoas, a maneira
de sentir coletiva passa a ser maneira de sentir de cada um.
Quando a solidariedade social do tipo mecânico prevalece,
predominam a semelhança funcional, a divisão social de trabalho
fundamentada no gênero e na idade, na especialização de tarefas. Nessas
condições, as redes que articulam e unem as pessoas, em sociedade, são
constituídas, sobretudo, pela tradição e religião, pelo afeto e parentesco.
Lembrando que, para Durkheim, a sociedade pode ser dividida em
dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade
orgânica. A solidariedade mecânica é característica das sociedades
tradicionais, em que as relações entre os indivíduos são baseadas na
semelhança e na identidade de valores, crenças e costumes. Nesse tipo de
sociedade, a divisão do trabalho é simples e pouco especializada, sendo
baseada no gênero, na idade e nas habilidades naturais dos indivíduos.
Nas sociedades com solidariedade mecânica, as redes sociais que
unem as pessoas são formadas principalmente pela tradição e pela religião,
pelo afeto e pelo parentesco. A coesão social é mantida pelo
compartilhamento de valores e pela conformidade às normas e regras sociais
estabelecidas pela tradição e pela religião.
Por outro lado, na solidariedade orgânica, que é característica das
sociedades modernas, as relações entre os indivíduos são baseadas na
interdependência e na complementaridade. Nesse tipo de sociedade, a
divisão do trabalho é complexa e altamente especializada, sendo baseada
nas habilidades adquiridas pelos indivíduos por meio da educação e da
formação profissional.
Nas sociedades com solidariedade orgânica, as redes sociais são
formadas principalmente pelas instituições sociais, como as empresas, as
escolas, as universidades e as organizações não governamentais. A coesão
social é mantida pela interdependência dos indivíduos e pela colaboração e
cooperação entre eles.

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Para Durkheim, o direito é um reflexo da solidariedade social
predominante em uma determinada sociedade. Assim, nas sociedades com
solidariedade mecânica, o direito é caracterizado pela retribuição e pela
vingança, enquanto nas sociedades com solidariedade orgânica, o direito é
caracterizado pela reparação e pela compensação.
Em suas reflexões sobre as formas de solidariedade mecânica, o
autor analisa o crime como fator de ruptura dos laços que vinculam os
membros de um agrupamento social. Ocorre que, como não pode haver
sociedade em que os indivíduos não divirjam em maior ou menor grau, é
também inevitável que entre essas divergências existam algumas que
apresentem um caráter criminoso. O crime consiste num ato que ofende
certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma clareza
particulares.
Nesses momentos e nessas sociedades, é muito importante a função
das normas, que compõem o direito repressivo, destinadas à recomposição
e ao fortalecimento dos vínculos sociais rompidos pelo comportamento do
tipo criminoso. Crime seria todo ato que, num grau qualquer, determina contra
seu autor a reação característica da pena.
Às rupturas nas relações sociais correspondem estruturas que
suturam essas rupturas a serem utilizadas de forma latente, combinada,
transparente e simultânea: a tipificação do crime, a cominação da pena e o
conhecimento do direito.
O direito repressivo, nessas condições, é composto pelo conjunto de
normas, sobretudo, costumeiras e religiosas, positivadas ou não, cujo
conteúdo define o crime, a pena e prescreve os rituais de punição.
Em relação à sua análise das sociedades complexas ou modernas, a
divisão social do trabalho já é mais avançada e complexa. Na medida em que
as sociedades modificam suas estruturas, isto é, transformam-se, através da
diferenciação e multiplicação de funções, também a solidariedade deixa de
se assentar na semelhança para se fundamentar na diferenciação.
Assim, Durkheim entendeu que as formas de solidariedade se
fundamentam principalmente na diferenciação de funções ou nas
especializações, cada qual com seu papel especial e formado de partes
diferenciadas. Através da solidariedade orgânica, a coletividade constitui-se
pela interdependência de funções e papéis distintos.
Não se pode deixar de observar que pelo fato de uma sociedade se
fundamentar na solidariedade orgânica, não significa que ela exclua
totalmente a solidariedade mecânica. As duas formas de solidariedade
coexistem no interior de uma mesma sociedade. No entanto, em momentos
diferentes, uma forma de solidariedade pode predominar sobre a outra.
Também nesse segundo tipo de sociedade, o crime esgarça relações
e rompe vínculos sociais. Os sentimentos coletivos feridos e rompidos
tendem a recompor-se através de sanções ou penalidades dos mais
diferentes matizes. Porém, nas sociedades onde predomina a solidariedade
orgânica, haverá a preponderância do direito restitutivo, ou seja, todo o direito
que não seja penal ou repressivo.

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A ideia de sanção continua presente, seja sob forma de pena, seja na
figura da restituição, e sempre com a função de restabelecer vínculos,
conexões ou liames sociais rompidos.
O próprio autor demonstrou, ainda, que as mudanças sociais
acarretam transformações do direito. Assim como ocorre com o tipo de
solidariedade, também o direito seria determinado pela forma de
diferenciação social e se modificaria no bojo do desenvolvimento da
sociedade que consiste numa reorganização da sociedade da forma
segmentária de diferenciação para a funcional, pautada pela divisão do
trabalho social.
A divisão do trabalho é um fenômeno social que combina o volume,
densidade material e moral da sociedade. Assim, quanto mais intenso o
relacionamento entre os indivíduos, maior a densidade. A diferenciação social
resulta da combinação dos fenômenos do volume e da densidade material e
moral. A questão decisiva seria relativa à complexidade estruturalmente
permissível, importando, em primeiro lugar, o tipo de diferenciação sistêmica
e secundariamente a forma do direito.
Apesar da repugnância geral ao crime e às suas diversas formas de
manifestação, dentro da lógica do autor o crime encontra-se no espectro da
normalidade estatística, apresentada pelos demais fatos sociais, constituindo
um fato social normal. Com esta tese, o autor argumentou que o crime não é
uma doença social em si mesmo, embora o comportamento criminoso em
concreto ou até certas elevações apresentadas pelas taxas de criminalidade
possam indicar uma patologia.
Levando-se sempre em consideração a preocupação fundamental do
autor, objetivada em sua missão de fazer da sociologia uma ciência,
espelhada nos padrões metodológicos das ciências naturais, sua abordagem
referente ao crime, à pena e ao direito foi sempre sociológica, de constatação,
descrevendo e interpretando os fatos sociais como eles são. Isso possibilitou
a sua conclusão sociológica, científica sobre a normalidade do fato social
denominado crime.
Portanto, o crime é normal, necessário e útil, enquadrado na
categoria dos fatos sociais normais, uma vez que uma sociedade sem crime
seria inteiramente impossível já que não pode haver sociedade em que os
indivíduos não divirjam em maior ou menor grau. Assim, é inevitável que entre
essas divergências existam algumas que apresentem um caráter criminoso,
que ofendem certos sentimentos coletivos dotados de uma energia e de uma
clareza particulares.
Como um fato social normal, o crime possui existência real e efetiva
no seio social e sempre esteve presente no âmbito da convivência coletiva,
ligando-se a um fato oriundo das consequências da própria convivência
humana e social. A consciência coletiva, orientadora coercitiva e exterior do
comportamento individual, possui uma existência própria que convenciona
formas de pensar, sentir e agir no seio coletivo.
Por sua vez, toda e qualquer sociedade sã, normal, não pode
subsistir sem a punição do comportamento criminoso, o que a conduz,

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necessariamente, a exigir a punição do crime e a não suportar a conivência
com a impunidade. Percebeu-se um nexo permanente entre crime, pena e o
direito que reside nas regras da moral ferida.
A moral, que em última análise, vincula e solda as pessoas em
sociedade, contém normas de caráter difuso, sendo, por consequência,
também difusas as suas sanções pelo seu caráter interno e difuso
externamente.
Tudo o que a consciência coletiva preceitua pragmaticamente no
âmbito da sociedade liga-se diretamente a uma ordem moral que dá
sustentação à sua própria existência. Certamente, nessa via conclusiva, o
crime é considerado tal qual ele o é por ofender as ordens sociais
convencionadas pela consciência coletiva.
No entanto, em consonância às análises de Durkheim, o crime por si
só não basta para configurar-se como um fato social patológico. O que pode
ser patológico é o seu grau de ocorrência no seio social, não sua mera
existência objetiva. Dessa forma, à medida que um crime possua certas taxas
normais de ocorrência que não exorbitem os graus com os quais ocorra, o
crime é considerado algo normal e, de certo modo, benéfico para a
manutenção da coesão social.
Considerando que o crime é necessário, por estar ligado às
condições fundamentais de toda vida social, ele também é útil, pois é
indispensável à evolução normal da moral e do direito.
O criminoso, desse modo, é apenas um agente regular da vida social,
sendo que muitas vezes, ele constitui uma simples antecipação da moral
futura. Já no quadro epistemológico o crime é produto da consciência coletiva
que não deseja determinadas condutas. O processo de criminalização perde
o foco para o ato e a sanção.
Por todo o exposto, é possível observar que, na obra de Durkheim, o
modo como o trabalho é socialmente divido expressa a forma de cooperação
entre os indivíduos. A divisão do trabalho social diz respeito ao modo como
os indivíduos se ligam uns aos outros. A esse fenômeno atribui-se o nome de
solidariedade. A solidariedade social é um fenômeno moral. É moral tudo que
é fonte de solidariedade. Por assim o ser, a solidariedade não pode ser
apreendida internamente.
É necessário aprendê-la de um modo que possibilite a observação,
descrição e classificação. Como fenômeno moral, a solidariedade só pode
ser compreendida através de um elemento externo que a exprima.
O direito é justamente essa ferramenta fundamental para esta
operação. Como signo externo da moral, possibilita o exercício comparativo.
O número de normas jurídicas aumenta proporcionalmente à diversidade de
relações sociais possíveis de uma sociedade.
As regras jurídicas acompanham as regras morais. O direito, assim,
ecoa as formas fundamentais de solidariedade social. O direito é acionado
porque possui a capacidade de evidenciar o desenvolvimento do direito
restitutivo em relação ao repressivo, demonstrando o avanço da
solidariedade orgânica nas sociedades complexas.

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A relação entre as regras jurídicas e as regras morais é um tema
central na sociologia jurídica. Como mencionado, de acordo com a doutrina
de Durkheim, as sociedades passam por dois tipos de solidariedade: a
solidariedade mecânica, característica de sociedades com baixa divisão do
trabalho, em que as pessoas compartilham valores e normas comuns; e a
solidariedade orgânica, típica de sociedades com alta divisão do trabalho, em
que as pessoas dependem umas das outras para a realização de diferentes
tarefas.
Nesse sentido, as regras morais são consideradas uma expressão da
consciência coletiva de uma sociedade, refletindo a solidariedade mecânica
presente nela. Já as regras jurídicas refletem a solidariedade orgânica, uma
vez que são criadas para regular as interações entre as pessoas em uma
sociedade complexa e dividida em diferentes funções sociais.
Assim, o direito é acionado porque possui a capacidade de evidenciar
o desenvolvimento do direito restitutivo em relação ao repressivo,
demonstrando o avanço da solidariedade orgânica nas sociedades
complexas. O direito restitutivo é aquele que busca reparar danos ou
restabelecer relações quebradas entre as partes, enquanto o direito
repressivo visa punir a transgressão das regras e normas.
O respeito à vida, a propriedade, a honra dos semelhantes é a esfera
mais geral de toda a ética, já que ela é independente de qualquer condição
local ou étnica. O ato imoral do homicídio, por exemplo, é analisado sob esse
prisma de regra moral universal, que se sustenta sobre qualidades que todos
os homens compartilham. No direito penal dos povos mais sofisticados, o
homicídio é universalmente visto como o maior dos crimes.
Para Durkheim, ele fere os sentimentos relativos à pessoa do
indivíduo com objetos individuais. É um crime constituído de irreflexão, de
medo espontâneo, de impulso.
A taxa de homicídio, nesse modo, revela que a imoralidade está se
tornando um risco calculado porque racionalidade está presente tanto no ato
moral quanto no imoral uma vez que são fatos da mesma natureza, simétricos,
que se explicam mutuamente.

CONCLUSÕES

Apesar de a sociologia contemporânea apresentar contrapontos à


produção intelectual de Durkheim, é inegável a sua contribuição para a
compreensão da sociedade, sobretudo pela criação do conceito de fato social
e pelas explicações das relações entre indivíduos e destes com a sociedade
nos dois modelos propostos, além de sua compreensão acerca do direito
penal nos diferentes momentos.
Há a existência de deveres morais gerais que estão além de qualquer
nacionalidade, cultura ou território. O ato moral é um ato racional do indivíduo
e o Estado através da coerção social é o responsável pela fixação desses
hábitos nos indivíduos. A partir da análise histórica das sociedades Durkheim
analisa a formação do contrato social e suas peculiaridades.

Os desafios contemporâneos e interdisciplinares na atualidade


Editora Epitaya | ISBN: 978-65-87809-75-5 | Rio de Janeiro | 2023 | pag. 137
Percebe-se, também, que para Durkheim o Estado vai além de um
agente de poder, mas tornou-se um agente moral que desempenha funções
que vão além das questões políticas, cumprindo com o papel de organizador
da vida social, defensor das liberdades individuais, sendo o veículo promotor
de justiça social.
A recuperação da moralidade, do consenso moral traduzido enquanto
regulador das necessidades morais dos indivíduos, repõe a temática da
postura ideológica positivista, conservadora, evidenciando os valores da
sociedade como supraindividuais e propõe uma nova ordenação.
A divisão social do trabalho possui um valor moral intrínseco: é por
meio dela que o indivíduo se torna consciente do seu estado de dependência
em relação à sociedade, é dela que fluem as forças que o retêm e o contêm.
O direito e a moral regulamentam comportamentos humanos na
sociedade por meio de imperativos estabelecidos pela coletividade. A
desobediência é sancionada pela coerção. Ambos têm como objetivo garantir
a coesão social, acompanhando a evolução do desenvolvimento a partir da
adequação de suas regras. A moral, porém, tem caráter íntimo, enquanto o
direito está posto externamente, formalizado. Além disso, a moral
regulamenta todas as relações humanas, já o direito, apenas aquelas
essenciais para a boa convivência social.
Finalmente, o direito é um fenômeno social, não se funda nem
sobrevive sem a sociedade. É ela, então, que concede poder ao direito. Uma
análise que se debruce sobre o ordenamento jurídico de uma sociedade,
obrigatoriamente o tensionará às regras morais. Ao tomá-lo assim, Durkheim
supera um exame rigorosamente hermético das regras jurídicas que vê na
própria letra da lei o fundamento explicativo para sua existência e
funcionamento. A forma jurídica de uma sociedade é um artefato
iminentemente social e histórico.
O crime, por exemplo, na visão do sociólogo, possui um caráter
instrutor e regulador da ordem coletiva. A ordem social, durante toda a história
evolutiva das sociedades, necessitou de determinadas estruturas para
constituir sua solidariedade e manter-se coesa ao buscar a ampliação dos
seus graus evolutivos.
Então, nessa ótica, o crime pode ser considerado um ponto de partida
para a correção de determinadas falhas nas estruturas sociais e morais
existentes na sociedade, haja vista que é a partir das inovações nas
estruturas morais que se acarretam as transformações das falhas existentes
nas estruturas anteriores; daí concretizam-se também as inovações das
bases jurídico-sociais que definem o crime como tal.
Considerando que um certo grau de atividade passional é sempre
necessário para o crime e considerando, também, que o crime está incluso
nas condições de normalidade da vida, então, o essencial é que as taxas de
homicídio estejam adequadas ao estágio civilizacional de determinada
sociedade.
Finalmente, oportuno concluir com citação de um fragmento original
do autor:

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"Para que os assassinos desapareçam é preciso que nas
camadas sociais onde eles se recrutam, cresça o horror
pelo sangue derramado; mas, para isso, é necessário
que ele cresça em toda a sociedade" (DURKHEIM, 2002,
p.84).

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. Os Juristas: Rudolf Von Jhering. In: “Ética e sociologia da


moral”. São Paulo: Landy, 2003, p. 41-56.

DURKHEIM, Émile. Deveres Gerais, independentes de qualquer grupamento


social e A regra de proibição contra os atentados contra a propriedade. In
“Lições de Sociologia – A Moral, o Direito e a Sociedade”. São Paulo: Martins
Fontes, 2002, p. 153-167.

DURKHEIM, Émile. Método para determinar essa função e Outra prova do


que precede. In: “Da divisão do trabalho social”. São Paulo: Martins Fontes,
2004, p. 13-37 e 111-126.

CHAZEL, François. Émile Durkheim et l’élaboration d’un "programme de


recherche" en sociologie du droit. In: CHAZEL, François; COMMAILLE,
Jacques (dir), “Normes juridiques et régulation sociale”, Paris: LGDJ, 1991.

VOGT, Paul. Obligation and right: the durkheimians and the sociology of law.
In: BESNARD, Phillipe. (org.). “The sociological domain: the durkheimians
and the founding of French sociology”. Cambridge: Cambridge University
Press, 1983.

MASSELLA, Alexandre Braga. A realidade social e moral do direito: uma


perspectiva Durkheimiana. “Lua Nova”, São Paulo, n. 93, p. 267-295, 2014.

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