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REVISTA JURÍDICA

DA ESCOLA SUPERIOR
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
DE SÃO PAULO
ANO 8 - VOL 15

JANEIRO - JUNHO 2019


REVISTA JURÍDICA DA ESCOLA SUPERIOR
DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO
REVISTA JURÍDICA DA ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO

Ficha catalográfica elaborada pela Escola Superior do Ministério Público

Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. São Paulo:
ESMP, 2012-

ISSN: 2316-6959

Volume 15

2019

1. Direito – periódicos. I. Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. CDU


34(815.6)(5)

Publicação semestral

© Todos os direitos reservados.

Os autores têm responsabilidade integral e individual pelo conteúdo de suas matérias


publicadas neste periódico.

Editoração:
Escola Superior do Ministério Público de São Paulo
Rua 13 de Maio, 1259 – 3o andar – Bela Vista
01327-001 – São Paulo – SP – Brasil
Tel. (11) 3017-7781
esmp_revista@mpsp.mp.br
ISSN 2316-6959

VOLUME 15
2019

REVISTA JURÍDICA DA ESCOLA SUPERIOR


DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO
EXPEDIENTE
REVISTA JURÍDICA DA Da Ponte, Doutor pela Pontifícia Universidade
ESCOLA SUPERIOR DO Católica de São Paulo (PUC-SP), Procurador de
MINISTÉRIO PÚBLICO Justiça do Ministério Público do Estado de São
DE SÃO PAULO Paulo, Diretor-Geral da Escola Superior do Mi-
nistério Público do Estado de São Paulo, Profes-
Editor Responsável sor da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e da Universidade Santa Cecília
Antonio Carlos da Ponte, Diretor-Geral da Es- (UNISANTA); Antonio Sérgio Cordeiro Piedade,
cola Superior do Ministério Público do Estado Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de
de São Paulo. Doutor e Livre-Docente em Direito São Paulo (PUC-SP), Professor da Universida-
pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau- de Federal do Mato Grosso (UFMT), Promotor
lo (PUC-SP), Procurador de Justiça do Ministé- de Justiça do Ministério Público do Mato Gros-
rio Público do Estado de São Paulo, Professor so (MP-MT); Bernadette Aubert, Doutora pela
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Université de Poitiers (França), Professora da
(PUC-SP) e da Universidade Santa Cecília (UNI- Université de Poitiers (França); Michel Danti-
SANTA). -Juan, Doutor pela Université de Poitiers (Fran-
ça), Professor da Université de Poitiers (Fran-
Editora Adjunta ça); Eduardo Augusto Alves Vera Cruz Pinto,
Doutor pela Universidade de Lisboa (Portugal),
Ticiane Lorena Natale, mestranda em Direito Professor da Universidade de Lisboa (Portugal);
do Trabalho e da Seguridade Social pela Facul- Eduardo Augusto Salomão Cambi, Doutor pela
dade de Direito da Universidade de São Paulo Universidade Federal do Paraná (UFPR), Promo-
(FDUSP). Servidora pública do Ministério Público tor de Justiça do Ministério Público do Estado do
do Estado de São Paulo. Paraná, Professor da Universidade Estadual do
Norte do Paraná (UENP) e Universidade Parana-
Conselho Editorial ense (UNIPAR); Fernando de Brito Alves, Dou-
tor pela Instituição Toledo de Ensino (ITE-SP),
Alexandre Rocha Almeida de Moraes, Dou- Professor da Universidade Estadual do Norte do
tor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paraná (UENP-PR) e das Faculdades Integradas
Paulo (PUC-SP), Assessor da Escola Superior de Ourinhos (FIO-SP); Emerson Garcia, Doutor
do Ministério Público do Estado de São Pau- pela Universidade de Lisboa, Promotor de Jus-
lo, Promotor de Justiça do Ministério Público tiça do Ministério Público do Estado do Rio de
do Estado de São Paulo, Professor da Pontifícia Janeiro; Fernando Reverendo Vidal Akaoui,
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), da Doutor em Direito pela Pontifícia Universida-
Faculdade Damásio de Jesus (SP) e das Faculda- de Católica de São Paulo (PUC-SP), Professor e
des Toledo de Ensino (Presidente Prudente-SP); Coordenador Pedagógico da Universidade Santa
Antonio André David Medeiros, Doutor pela Cecília (UNISANTA), Promotor de Justiça do Mi-
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo nistério Público do Estado de São Paulo; Gilberto
(PUC-SP), Professor da Universidade Federal Giacóia, Doutor pela Universidade de São Paulo
do Mato Grosso do Sul (UFMS); Antonio Carlos (USP), Professor da Universidade Estadual do
EXPEDIENTE
Paraná (UENP-PR) e Procurador de Justiça do São Paulo (USP); Alexandre Rocha Almeida de
Ministério Público do Estado do Paraná (MP-PR); Moraes, Pontifícia Universidade Católica de São
Gregório Assagra de Almeida, Pós-Doutor pela Paulo (PUC-SP), Ministério Público de São Pau-
Syracuse University, New York, Estados Unidos, lo (MP-SP), Doutor pela Pontifícia Universidade
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Américo Bedê
Católica de São Paulo (PUC-SP), Promotor de Freire Júnior, Faculdade de Direito de Vitória
Justiça do Ministério Público do Estado de Mi- (FDV), Tribunal Regional Federal da 2ª Região,
nas Gerais; Hermes Zaneti Junior, Pós-Doutor Doutor pela Faculdade de Direito de Vitória; An-
em Direito pela Università degli Studi di Torino, tonio Sergio Cordeiro Piedade, Universidade
Doutor pela Universidade Federal do Rio Grande Federal do Mato Grosso (UFMT), Ministério Públi-
do Sul (UFRGS), Promotor de Justiça do Minis- co do Mato Grosso (MP-MT), Doutor pela Pontifí-
tério Público do Estado do Espírito Santo e Pro- cia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP);
fessor da Universidade Federal do Espírito Santo Augusto Eduardo de Souza Rossini, Ministério
(UFES); Jean Pradel, Doutor pela Université de Público do Estado de São Paulo (MP-SP), De-
Montpellier (França), Professor da Université de partamento Penitenciário Nacional do Ministério
Poitiers (França); Luiz Fernando Kazmierczak, da Justiça (DPN-MJ), Faculdades Metropolitanas
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de Unidas (FMU), Doutor pela Faculdade de Direito
São Paulo (PUC-SP), Professor da Universidade da Pontifícia Universidade Católica de São Pau-
Estadual do Norte do Paraná (UENP-PR); Maria lo (PUC-SP); Cristiano Pereira Moraes Garcia,
Teresa Giménez Candela, Doutora pela Uni- Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Fa-
versidade de Navarra (Espanha), Professora da culdades de Atibaia, Faculdades de Campinas e
Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha); Universidade São Francisco (USF), Doutor pela
Pedro Henrique Demercian, Doutor em Direito Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade
pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau- Católica de São Paulo (PUC-SP); Eduardo Au-
lo (PUC-SP), Professor da Pontifícia Universida- gusto Salomão Cambi, Universidade Estadual
de Católica de São Paulo (PUC-SP), Procurador do Norte do Paraná (UENP), Universidade Para-
de Justiça do Ministério Público do Estado de naense (UNIPAR), Ministério Público do Estado
São Paulo (MP-SP); Samuel Rodriguez Ferran- do Paraná, Doutor pela Universidade Federal do
déz, Doutor pela Universidad Miguel Hernández Paraná (UFPR); Elizete Alves, Centro Universi-
de Elche e Professor da Universidad de Murcia tário Municipal de São José (USJ), Doutora pela
(Espanha). Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Pós-Doutora pela Universidad de Alicante (Es-
Pareceristas panha); Emerson Garcia, Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, Doutor pela Universi-
Alberto Camiña Moreira, Universidade Pres- dade de Lisboa; Felipe Chiarello, Universidade
biteriana Mackenzie, Doutor pela Faculdade de Presbiteriana Mackenzie (SP), Doutor pela Uni-
Direito da Pontifícia Universidade Católica de versidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Fer-
São Paulo (PUC-SP); Ana Lúcia Menezes Vieira, nando Akaoui, Ministério Público de São Paulo
Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Dou- (MP-SP) e Universidade Santa Cecília (UNISANTA
tora pela Faculdade de Direito da Universidade de – SP), Doutor pela Pontifícia Universidade Cató-
EXPEDIENTE
lica de São Paulo (PUC-SP); Fernando de Brito Doutora pela Université de Paris II Panthéon-As-
Alves, Universidade Estadual do Norte do Paraná sas; Mariângela Tomé Lopes, Instituto Brasileiro
(UENP-PR) e Faculdades Integradas de Ourinhos de Ciências Criminais, Universidade São Judas
(FIO-SP), Doutor pela Instituição Toledo de En- Tadeu e Universidade Anhembi Morumbi, Dou-
sino (ITE-SP); Flávio Cardoso Pereira, Escola tora pela Faculdade de Direito da Universidade
Superior do Ministério Público do Estado de Goi- de São Paulo (USP); Mário Sérgio Sobrinho,
ás, Doutor pela Universidad de Salamanca (Espa- Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Dou-
nha), Pós-Doutor pela Universidade de Coimbra tor pela Faculdade de Direito da Universidade de
(Portugal); Gilberto Giacóia, Universidade Esta- São Paulo (USP); Neuro José Zambam, Faculdade
dual do Paraná (UENP-PR), Ministério Público do Metodista do Passo Fundo (RS), Faculdade Meri-
Estado do Paraná (MP-PR), Doutor pela Univer- dional – IMED, Doutor pela Pontifícia Universi-
sidade de São Paulo (USP); Gregório Almeida, dade Católica do Rio Grande do Sul; Octavio Luiz
Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), Motta Ferraz, Warwick University (Reino Unido),
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de Doutor em Direito pela University College Lon-
São Paulo (PUC-SP) e Pós-Doutor pela Syracuse don; Orides Mezzaroba, Universidade Federal de
University, New York, Estados Unidos; Jaceguara Santa Catarina (UFSC), Doutor pela Universidade
Dantas da Silva Passos, Ministério Público do Federal de Santa Catarina (UFSC); Paulo Roberto
Estado de Mato Grosso do Sul (MP-MS), Doutora Ribeiro Nalin, Universidade Federal do Paraná,
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pós-doutor pela Juristische Fakultät - Universi-
(PUC-SP); José Antonio Remédio, Universidade tät Basel (Faculdade de Direito da Universidade
Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Doutor pela da Basiléia - Suíça), Doutor pela Universidade
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Federal do Paraná; Pedro Demercian, Ministé-
Católica de São Paulo (PUC-SP); Jorge Renato rio Público de São Paulo (MP-SP), Doutor pela
dos Reis, Universidade de Santa Cruz do Sul, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Pós-Doutor pela Università Degli Studi di Sa- (PUC-SP); Rafael de Oliveira Costa, Ministério
lerno-Itália, Doutor pela Universidade do Vale do Público de São Paulo, Doutor pela Universidade
Rio dos Sinos; Luis Fernando de Moraes Man- Federal de Minas Gerais (UFMG); Ricardo Andra-
zano, Ministério Público de São Paulo (MP-SP) de Saadi, Departamento de Recuperação de Ati-
e Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre vos e Cooperação Jurídica Internacional da Secre-
pela Faculdade de Direito da Universidade de São taria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça
Paulo (USP); Luiz Fernando Kazmierczak, Uni- (DRCI/SNJ/MJ), Doutor pela Faculdade de Direito
versidade Estadual do Norte do Paraná (UENP- da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Ro-
-PR), Doutor pela Pontifícia Universidade Ca- berto Barbosa Alves, Ministério Público de São
tólica de São Paulo (PUC-SP); Luiz Gustavo Paulo, Doutor pela Universidad Complutense de
Gonçalves Ribeiro, Ministério Público do Estado Madrid (Espanha); Rodolfo da Costa Manso Real
de Minas Gerais (MP-MG), Escola Superior Dom Amadeo, Fundação Getúlio Vargas, Doutor pela
Helder Câmara (ESDHC-MG), Doutor pela Univer- Universidade de São Paulo; Samyra Naspolini,
sidade Federal de Minas Gerais e Pós-Doutor pela Centro Universitário das Faculdades Metropoli-
Universitá degli Studi di Messina (Itália); Maria tanas Unidas (FMU-SP), Universidade de Marília
Áurea Cecato, Universidade Federal da Paraíba, (UNIMAR-SP), Faculdade de Direito de Sorocaba
EXPEDIENTE
(FADI-SP), Doutora pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP); Sérgio Perei-
ra Braga, Universidade Nove de Julho (UNINO-
VE), Ministério Público de São Paulo (MP-SP),
Doutor pela Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP);
Silvio Antonio Marques, Ministério Público de
São Paulo (MP-SP); Doutor pela Faculdade de Di-
reito da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP) e Doutorando na Faculdade de
Direito da Université Paris 1 Panthéon-Sorbon-
ne; Tailson Pires Costa, Faculdade de Direito de
São Bernardo do Campo, Universidade Metropoli-
tana de Santos e Universidade Católica de Santos,
Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Dou-
tor pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP); Tiago Cintra Essado, Ministé-
rio Público de São Paulo (MP-SP), Doutor pela
Universidade de São Paulo (USP); Valter Foleto
Santin, Fundação Escola Superior do Ministério
Público de Mato Grosso (MT), Ministério Público
de São Paulo (MP-SP), Doutor pela Universidade
Estadual do Norte do Paraná (UENP-PR); Vladi-
mir Brega Filho, Universidade Estadual do Norte
do Paraná (UENP-PR), Ministério Público de São
Paulo (MP-SP), Doutor pela Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo; Wilson Engelmann,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS
– RS), Doutor pela Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (UNISINOS – RS).
CENTRO DE ESTUDOS E
APERFEIÇOAMENTO FUNCIONAL

ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO


PÚBLICO DE SÃO PAULO

Diretor
Antonio Carlos da Ponte

Assessores
Alexandre Rocha Almeida de Moraes
Karina Beschizza Cione
Reynaldo Mapelli Júnior
Roberto Barbosa Alves
Thales Cezar de Oliveira

Coordenação Editorial
Reynaldo Mapelli Júnior

Editores
Editor Responsável – Antonio Carlos da Ponte
Editora Adjunta - Ticiane Lorena Natale

Revisão Ortográfica
Renato de Souza Marques Craveiro
Ticiane Lorena Natale

Diagramação e Arte
Felipe Araujo de Oliveira
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Antonio Carlos da Ponte ............................................................................................................................... 14

Artigos

TRÁFICO DE PESSOAS E TUTELA PENAL


Antonio Carlos da Ponte
Fabíola Moran Faloppa ................................................................................................................................. 18

LA DILIGENCIA POLICIAL DE VALORACIÓN DEL RIESGO DE VIOLENCIA DE GÉNERO EN EL SISTEMA


VIOGÉN
Bárbara Sánchez López ................................................................................................................................ 42

LOS DERECHOS A LA TRADUCCIÓN Y A LA INTERPRETACIÓN RECONOCIDOS A LAS VÍCTIMAS EN EL


PROCESO PENAL ESPAÑOL: LUCES Y SOMBRAS
Clara Fernández Carron ................................................................................................................................ 56

TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA COMO INSTRUMENTO DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR EM


OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA INCOLUMIDADE ECONÔMICA: ANÁLISE DA EFICÁCIA DO TAC FIRMADO
ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO AMAPÁ E A COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO AMAPÁ
Zacarias Alves de Araújo Neto
Gabriela Ferreira Sanches ............................................................................................................................ 69

COOPTAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS COMO FORMA EXTREMA DE CORRUPÇÃO - DESAFIOS E


PERSPECTIVAS
Flávio Cardoso Pereira ................................................................................................................................. 97

PROGRAMA DE APADRINHAMENTO - SUA OBRIGATORIEDADE COMO COMPLEMENTAÇÃO NECESSÁRIA


PARA OS PROGRAMAS DE ACOLHIMENTO
Fausto Junqueira de Paula .......................................................................................................................... 118

MEDIAÇÃO PENAL E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO BRASIL: UMA EXPERIÊNCIA NECESSÁRIA


Celeste Leite dos Santos ............................................................................................................................ 132
APRESENTAÇÃO
Vem a público a Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São
Paulo correspondente ao primeiro semestre de 2019. Esta edição tem um significado
muito especial, porque, em boa medida, representa os frutos de um projeto iniciado há
mais de três anos: a internacionalização da ESMP. Graças à pronta atenção do Profes-
sores Rafael Hinojosa Segovia e Julio Banacloche Palao, da Universidad Complutense de
Madrid, abriu-se a valiosa oportunidade de promoção do I Congresso Hispano-Brasileiro
de Direito Processual Penal. Os temas, cuidadosamente selecionados pelo CEAF/ESMP,
foram prontamente aceitos pela UCM. Para tratar deles foram convidados professores de
altíssimo gabarito e com larga experiência em suas respectivas áreas de atuação. Além
disso, a organização do evento permitiu que trabalhos inéditos, de caráter individual ou
coletivo, fossem apresentados pelos participantes. Três deles são agora publicados: La
diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén,
de Bárbara Sánchez López; Los derechos a la traducción y a la interpretación recono-
cidos a las víctimas en el proceso penal español: luces y sombras, de Clara Fernández
Carrón; e Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária, de
Celeste Leite dos Santos. Ao lado deles, a Revista traz outros temas igualmente atuais
e interessantes: Tráfico de pessoas e tutela penal, que tive a honra de escrever com a
competentíssima Promotora de Justiça Fabíola Moran Faloppa; Termo de Ajustamento de
Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o Ministério Público
do Amapá e a Companhia de Eletricidade do Amapá, magnífica experiência comparti-
lhada com a comunidade jurídica por Zacarias Alves de Araújo Neto e Gabriela Ferreira
Sanches; Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e
perspectivas, tema de leitura imprescindível que nos é proposto com a competência ha-
bitual por Flávio Cardoso Pereira; e Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade
como complementação necessária para os Programas de Acolhimento, tema contempo-
râneo que Fausto Junqueira de Paula visita com particular propriedade. Agradeço aos
autores, aos coordenadores e aos pareceristas pelo trabalho incansável; e espero que,
uma vez mais, a Revista atenda aos interesses do leitor.

Muito obrigado!

Antonio Carlos da Ponte


Procurador de Justiça e Diretor do CEAF/ESMP
São Paulo, SP
LINHA EDITORIAL
A Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo está
aberta às mais variadas abordagens teóricas e metodológicas, priorizando textos inter-
disciplinares e análises críticas. Os artigos científicos devem tratar, de forma crítica,
assuntos que, de preferência, abordem o papel do Ministério Público no Estado Demo-
crático de Direito; porém a Revista espera a participação de toda a comunidade acadêmi-
ca, não se restringindo a ser um veículo de comunicação apenas do Ministério Público.

No sentido de fomentar o aprofundamento das pesquisas nas linhas e teses do


Ministério Público, a Revista busca abordar os seguintes temas, centralmente:

I. Ministério Público: dirigida ao debate de temas institucionais, visa princi-


palmente a pesquisar e refletir sobre o papel do Ministério Público no Estado Democrá-
tico de Direito.

II. Ciências Criminais: tema que prevalece na atuação do Ministério Público,


nesta linha pretende-se abordá-lo a partir do pluralismo de teorias que reflitam sobre o
Direito e o Processo Penal, a Dogmática Penal e a Política Criminal.

III. Tutelas Coletivas e Difusas: tema relevante na sociedade brasileira atual,


merece espaço específico na Revista para o aprofundamento das questões relativas aos
interesses transindividuais, difusos e coletivos.

IV. Temas Interdisciplinares: não se esgotando nos temas penais, a Revista


também possui essa seção que será dedicada a vários temas jurídicos, abordados inter e
multidisciplinarmente, trazendo o enfoque da sociologia, teoria geral, história e ciências
afins para o jurídico, bem como o das outras ciências jurídicas para o penal.

O aceite dos artigos restringir-se-á a aqueles oriundos de Mestres (titulação


mínima), sendo que a contribuição de mestrandos e pesquisadores em geral será muito
bem-vinda desde que em coautoria com um Mestre. Também se exige o ineditismo do
artigo e o cumprimento das regras da ABNT adotadas pela Revista, sendo que as mesmas
encontram-se especificadas nas Diretrizes para os Autores.
TRÁFICO DE PESSOAS E TUTELA PENAL

HUMAN TRAFFICKING AND CRIMINAL


CARE
Antonio Carlos da Ponte
Diretor do CEAF-ESMP
Procurador de Justiça do Estado de São Paulo
Mestre e Doutor em Direito Processual Penal pela PUC-SP
Livre-Docente em Direito Penal pela PUC-SP

Fabíola Moran Faloppa


Promotora de Justiça do Estado de São Paulo
Mestranda em Direito Penal na PUC-SP
RESUMO

Este estudo analisa, com foco no caso brasileiro, o tráfico de pessoas. Aborda-se que esta prática, apesar de ilícita e
com extenso tratamento penal, segue presente e lucrativa na sociedade globalizada. A partir do importante avanço
dado pelo Protocolo de Palermo na especificação e no combate ao problema, o Brasil criou um novo tipo penal, o art.
149-A do CP e o seu rol de finalidades do tráfico de pessoas é aqui criticamente examinado na perspectiva da pro-
teção da dignidade da pessoa humana. Para a investigação, utilizou-se de revisão bibliográfica e também de análise
de documentos (textos normativos e dados nacionais e internacionais). Os resultados da investigação centram-se na
necessidade de um tratamento unificado que envolva toda a comunidade internacional para prevenção, repressão e
apoio à vítima deste problema multifatorial.

Palavras-chave: tráfico de pessoas; dignidade da pessoa humana; Protocolo de Palermo; Art. 149-A do Código Penal
Brasileiro; imigração.

ABSTRACT

This issue focuses the human trafficking in brazilian perspective. It discusses that this experience, although being
ilegal and having extensive criminal law care, follows present and profitable in globalized society. Since the important
advance brought by Palermo Protocol in specification and fight against this problem, Brazil has created a new criminal
norm, the Criminal Code’s art. 149-A, and its list of objectives is, in this issue, critically examinated in the protection
of human dignity perspective. For the research, it has been used bibliographic revision and also document analysis
(normative texts and national and international data). The research results focus the unified care need, which engages
the whole international community for prevention, repression and support to this multifactorial problems’ victim.

Keywords: Human trafficking; human dignity; Palermo Protocol; Brazilian criminal code’s Art. 149-A; immigration.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Tráfico de pessoas x contrabando de migrantes. 3. O Brasil no cenário do tráfico internacional. 4. Das fina-
lidades do tráfico de pessoas. 4.1. Da remoção de órgãos tecidos ou partes do corpo. 4.2. Da submissão a trabalho em con-
dições análogas à de escravo. 4.3. Da submissão a qualquer tipo de servidão. 4. Da adoção ilegal. 4.5. Da exploração sexual.
4.5.1. O consentimento da vítima no tráfico humano para fins de exploração sexual. 5. Exploração, abuso e vulnerabilidade:
uma visão a partir da dignidade da pessoa humana. 6. Considerações finais. Referências.
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

1 INTRODUÇÃO

A escravidão de pessoas caminha lado a lado da construção da história da


própria humanidade. Inicialmente, na Idade antiga, relacionava-se à submissão de
prisioneiros de guerra, mas também à forma de pagamento de dívidas por inadim-
plentes. Assim como a escravidão negra, que a sucedeu, ela era considerada lícita,
já que o escravo era visto como um bem, uma coisa pertencente ao seu proprietário.
Mais especificamente a respeito de tráfico negro para escravidão nas lavouras, visu-
alizava-se forte componente econômico. Escravos provenientes de diversas regiões
da África eram vendidos por altos valores, reservando o seu acesso apenas aos mais
abastados.
Com a evolução da humanidade e o final da escravidão dos africanos nas
colônias, acreditava-se na erradicação dessa forma nefasta de aniquilamento da dig-
nidade. No entanto, não foi o que se verificou.
Há muitas outras formas de escravidão, em diversos níveis no mundo con-
temporâneo, e grande parte delas está vinculada ao tráfico de seres humanos, fenô-
meno este difuso, inerente ao mundo globalizado, e com origens e consequências
das mais variadas. Conforme pontua Thais de Camargo Rodrigues, “suas causas
são diversas, não há um modelo padrão de aliciamento e nem um tipo específico de
modus operandi. Além disso, existem graus diferentes de exploração, que oferecem
desde uma relativa liberdade à vítima até sua completa escravização” (RODRIGUES,
2014, p. 25).
Ao contrário da escravidão antiga com finalidade econômica, o fenômeno li-
gado ao tráfico de pessoas moderno tem sua raiz predominante na desigualdade so-
cial e na vulnerabilidade de pessoas – homens, mulheres e crianças – oriundas, em
sua grande maioria, de classes sociais menos favorecidas, lares desestruturados,
vítimas de abuso sexual na infância, dependência de drogas, entre outros fatores.
A despeito da concentração dos traficantes dentro do “nicho da vulnerabilida-
de”, é fato que “o tráfico não poupa classe social ou etnia, e até mesmo lá (nos Es-
tados Unidos da América) há relatos de vítimas brancas e de classe social elevada”
(RODRIGUES, 2014, p. 78).
O tratamento desumano ou degradante é outro traço comum entre a escra-
vidão antiga e a contemporânea, ressalvando-se, contudo, o atual caráter ilícito da
atividade, reservada à criminalidade organizada, que usualmente emprega violência,
grave ameaça, engodo ou abuso de indivíduos em situação de extrema vulnerabili-
dade.
De acordo com o Protocolo Adicional da Convenção das Nações Unidas con-
tra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição
do Tráfico de Pessoas, em especial e mulheres e crianças, a expressão “tráfico de
pessoas” significa:

O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento


de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de co-
ação, ao rapto, à fraude, o engano, ao abuso de autoridade ou à situação de
vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefício para

20
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 18 - 40

obter a aceitação de uma pessoa que tenha autoridade sobre a outra para
fins de exploração. (BRASIL, 2004b).

O mesmo documento internacional (Protocolo de Palermo) define a explora-


ção como sendo “no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras for-
mas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas
similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos” (BRASIL, 2004b).
O tráfico de pessoas, portanto, destina-se aos mais diferentes propósitos.
Além da exploração na indústria do sexo, a forma mais disseminada e denunciada,
existem outras destinações às vítimas: trabalho sob condições abusivas e análogas
à escravidão, mendicância forçada, adoção ilegal, servidão doméstica, e doação in-
voluntária de órgãos para transplante.
Diante desse cenário multifacetado do tráfico humano, a criminalidade or-
ganizada atualmente movimenta cifras expressivas na ordem anual de 31.6 bilhões
de dólares, estimando-se que a cada ser humano transportado transnacionalmente,
arrecada-se o lucro correspondente a US$ 30 mil por ano (CUNHA; PINTO, 2018,
p. 10). O comércio humano ilícito, além de bilionário, implica corrupção sistêmica de
funcionários públicos dos países envolvidos, os quais colaboram ou participam da
empreitada criminosa facilitando a passagem das vítimas nas respectivas fronteiras.
Segundo dados lançados em 2017, mais de 40 milhões de pessoas em todo
o mundo foram vítimas da escravidão. Referidas estimativas também demonstram
que mulheres e meninas são as mais afetadas, chegando a quase 29 milhões, ou
71% do total. As mulheres representam 99% das vítimas de trabalhos forçados na
indústria do sexo e 84% das encaminhadas para casamentos forçados (MUNDO...,
2017).
Trata-se de fenômeno global e de difícil combate, o que exige uma mudança
de paradigma dentro do próprio direito e processo penal, no sentido de garantir a co-
operação e atuação conjunta de todos os países que são rota e destino de vítimas do
tráfico, de modo a garantir uma repressão eficaz. Ademais, há que se atuar de modo
uniforme e organizado na identificação e cuidados das vítimas, muitas das quais
se encontram em situação de vulnerabilidade extrema, sendo, por diversas vezes,
desrespeitadas em seus direitos fundamentais e tratadas como imigrantes ilegais,
aos quais se destina a pura e simples deportação. E justamente quanto a esse traço
marcante do tráfico moderno repousa a sua maior dificuldade de combate, qual seja,
a identificação e diferenciação da vítima de tráfico humano para fins de exploração (e
para outros fins) da pessoa objeto de migração ilegal.

2 TRÁFICO DE PESSOAS X CONTRABANDO DE MIGRANTES

O Protocolo de Palermo, promulgado pelo Decreto nº 5.017/2004 (BRASIL,


2004b) definiu os limites conceituais do tráfico de pessoas, ao passo em que o Pro-
tocolo relacionado ao Decreto nº 5.016/2004 (BRASIL, 2004a) estabeleceu, em seu
art. 3o, que o tráfico (ou contrabando) de migrantes consiste na “promoção, com o
objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício
material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado do qual essa pessoa não seja

21
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

nacional ou residente permanente”.


Há, portanto, traços essenciais que diferenciam esses dois fenômenos re-
correntes na atualidade, valendo ressalvar, em primeiro lugar, que, ao contrário do
contrabando humano, o tráfico envolve, a par do recrutamento de pessoas em seu
lugar de origem, a sua exploração em locais de trânsito e de destino.
A finalidade do tráfico de pessoas é, portanto, a exploração, mediante a coisi-
ficação da vítima, com o claro objetivo de obtenção de lucro1. Já no tráfico de migran-
tes objetiva-se a facilitação da entrada ilegal de migrantes mediante contraprestação
financeira.
A vítima do tráfico humano é a pessoa explorada2, enquanto no contrabando
de migrantes o próprio Estado figura na condição de ofendido, em função da violação
de sua legislação. O migrante ilegal, portanto, é visto como “objeto” do tráfico3.
Segundo Thais de Camargo Rodrigues (2014, p. 74),

o pagamento também é um diferencial. No tráfico de pessoas, o valor des-


pendido com a viagem é, em regra, cobrado do traficado quando este chega
ao destino, e a um preço muito elevado, o que faz com que se crie uma gran-
de dívida: o traficado coloca-se em posição de sujeição diante do traficante.

No tocante ao consentimento, a pessoa contrabandeada tem sempre a ciên-


cia a respeito do contratado com o agente facilitador, consentindo a esse respeito.
Já no tráfico de pessoas, por mais das vezes, haverá vício nesse consentimento,
notadamente por conta de erro, abuso ou coação.
É sempre bom lembrar que, em ambos os casos, a entrada da pessoa trafi-
cada em solo estrangeiro pode se dar de forma lícita (com visto e passaporte válidos)
ou ilícita. Desse modo, a única forma de se avaliar a situação da vítima reside na veri-
ficação da finalidade do seu deslocamento, isto é, havendo o objetivo de exploração,
configurado estará o tráfico nos moldes previstos no Protocolo de Palermo.

3 O BRASIL NO CENÁRIO DO TRÁFICO INTERNACIONAL

O Brasil desempenha dupla função em meio ao tráfico de pessoas, sendo


fonte e destino de pessoas traficadas.
Nas redes internacionais do tráfico humano, o grande volume de participação
brasileira é diretamente influenciado pelo baixo custo operacional, pela existência de
boas redes de comunicação de bancos e casas de câmbio e de portos e aeroportos,
pela facilidade de ingressos em determinados países sem a formalidade do visto con-
sular, pela tradição hospitaleira com turistas e pela miscigenação racial.
Levantamento do Ministério da Justiça realizado no âmbito de projeto im-

1 Tomando-se por base a máxima Kantiana, no sentido de que todo homem é um fim em si
mesmo, não devendo ser funcionalizado para projetos alheios, não há como negar que o bem jurídico
máximo protegido pelo tipo penal que descreve o crime de tráfico de pessoas, para além da liberdade
individual, é a dignidade da pessoa humana.
2 Arts. 6o a 8o, do Decreto 5.017 (BRASIL, 2004b) e arts. da Lei 13.344 (BRASIL, 2016).
3 Art. 5, do Decreto 5.016/04: “Os migrantes não estarão sujeitos a processos criminais nos
termos do Presente Protocolo, pelo fato de terem sido objeto dos atos enunciados no seu Artigo 6”
(BRASIL, 2004a).

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 18 - 40

plementado com o Escritório das Nações Unidas contra Drogas- e Crime UNODC,
apurou que os estados em que a situação é mais grave são Ceará, São Paulo e
Rio de Janeiro, por serem os principais pontos de saída do país, além do estado de
Goiás. No caso deste último, onde o aliciamento acontece principalmente no interior,
profissionais que atuam no enfrentamento ao tráfico de pessoas acreditam que as
organizações criminosas se interessam pela mulher goiana pelo fato de seu biotipo
ser atraente aos clientes de serviços sexuais, em especial da Europa.
O país onde foi registrada a incidência maior de brasileiras vítimas de tráfico
de pessoas foi o Suriname, com 133 vítimas, seguido da Suíça, com 127, da Espa-
nha, com 104 e da Holanda, com 71 (NAÇÕES UNIDAS; SECRETARIA NACIONAL
DE JUSTIÇA, 2013).
O tráfico interno com o objetivo de fornecer mão de obra para o trabalho
forçado na agricultura, deslocando as vítimas de áreas urbanas para áreas rurais,
também é um problema grave no país.
A Organização Internacional do Trabalho estima que entre 25 e 40 mil brasi-
leiros são submetidos a trabalho forçado (MUNDO..., 2017).
O Brasil também é um país receptor de vítimas do tráfico. Elas vêm prin-
cipalmente de outras nações da América do Sul (Bolívia e Peru), mas também da
África (Nigéria) e Ásia (China e Coréia). A maioria acaba submetida a regimes de
escravidão nas grandes cidades, como São Paulo, onde permanece confinada em
oficinas de costura, submetendo-se à jornada diária de trabalho superior a 15 horas
e dormindo no próprio local de trabalho. A Pastoral do Migrante calcula que 10% dos
bolivianos que ingressam ilegalmente no Brasil pelo Estado do Mato Grosso do Sul,
chegam a São Paulo para submissão ao trabalho forçado na indústria têxtil (BOR-
GES, 2015, p. 40).
Diante desse preocupante quadro nacional e buscando atender ao Mandado
de Criminalização extraído do Protocolo de Palermo, foram promulgadas as Leis nºs
11.106/05 (BRASIL, 2005) e 12.015/09 (BRASIL, 2009). Finalmente, no ano de 2016
sancionou-se a Lei nº11.344/16 (BRASIL, 2016) com o claro objetivo de adequar a
nossa legislação ao compromisso internacional assumido pelo Brasil. Nesse sentido,
são revogados os artigos 231 e 231-A do Código Penal – ambos restritos ao tráfico
de pessoas para fins de exploração sexual – passando-se à tipificação das demais
formas de exploração (remoção de órgãos, trabalho escravo, servidão e adoção ile-
gal), o que representa inegável avanço no combate ao tráfico de pessoas.
O novo tipo penal, de outro lado, foi incluído no Capítulo IV (Dos Crimes
contra a Liberdade Individual) (BRASIL, 1940), reunindo em um mesmo dispositivo o
tráfico nacional e transnacional.
O artigo 149-A do Código Penal figura com a seguinte redação:

Art.149-A, CP. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alo-


jar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou
abuso, com a finalidade de:
I – remover-lhe os órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV – adoção ilegal; ou

23
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

V – exploração sexual
Pena – reclusão de 4 (quarto) a 8 (oito) anos, e multa.

O tipo penal de conduta mista traz oito verbos nucleares, objetivando punir o
agente que agencia (negocia, comercializa, serve de agente ou intermediário), alicia
(atrai ou exerce a persuasão), recruta (chama, escala), transporta (desloca de um
lugar para outro), compra (adquire mediante contraprestação financeira), aloja (rece-
be, acomoda) ou acolhe (abriga) pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação,
fraude ou abuso, com a finalidade de remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo,
submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo ou servidão, bem como
à adoção ilegal ou exploração sexual.
Ainda que traga em seu bojo a finalidade de se adequar e tornar mais eficien-
te o combate ao tráfico humano, a nova lei mostrou-se um tanto quanto resumida em
relação aos modos de execução, especialmente se confrontada com o artigo 3º, do
Protocolo de Palermo. Nesses termos, verifica-se que o referido documento interna-
cional define o tráfico de pessoas como atividade cometida

à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude,


o engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à
entrega ou aceitação de pagamentos ou benefício para obter a aceitação
de uma pessoa que tenha autoridade sobre a outra para fins de explora-
ção. (BRASIL, 2004b, grifo nosso).

Ao passo em que a Lei nº 11.344/16 restringe-se ao emprego de “grave


ameaça, violência, coação, fraude ou abuso” (BRASIL, 2016).
A violência destacada pelo legislador pátrio significa a violência física real
contra a pessoa, abrangendo desde as vias de fato contra a vítima até as lesões e
homicídio de terceiros que se oponha à conduta do agente.
Por grave ameaça entende-se a promessa de mal injusto e grave à própria
vítima ou alguém que lhe seja próximo. José Paulo Baltazar Júnior (2014, p. 248-249)
arremata que igualmente deve ser compreendida como grave ameaça a situação
em que “a vítima é ameaçada de ser deportada, ou é mantida em cárcere privado e
obrigada a trabalhar, a fim de cobrir as despesas de viagem, não raro aumentadas
artificialmente, de modo a nunca se alcançar o pagamento”.
Há fraude, por outro lado, quando a vítima ignora a intenção espúria do trafi-
cante, quando se vê impedida de retornar ao seu lugar de origem em função da reten-
ção de seu passaporte, ou mesmo quando, ainda que ciente de seu encaminhamento
à prostituição, não sabe que será coagida a fazê-lo em condição de exploração.
Quanto ao abuso, este será melhor analisado adiante, eis que sua compre-
ensão enquanto elemento normativo do tipo, deve estar atrelada à compatibilização
do tipo penal com a Constituição Federal, em especial com o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana. A Lei nº 13.344/16 ainda prevê causas de aumento e de
diminuição de pena ao crime de tráfico de pessoas, nos seguintes moldes:

Art.149-A: .........................................................................................................
§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 18 - 40

ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com
deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coa-
bitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de
superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;
ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
§ 2o A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não
integrar organização criminosa. (BRASIL, 2016).

Quanto a esse ponto em específico da lei são tecidas severas crítica, em


especial porque a “violência ou grave ameaça” empregadas no crime em debate
eram anteriormente – sob a égide do revogado artigo 231-A, § 2º, CP – consideradas
qualificadoras do crime, estabelecendo-se pena de 04 (quatro) a 10 (dez) anos de
reclusão e multa. Desse modo, a nova lei que deveria vir para punir de forma mais
enérgica os traficantes de seres humanos, acabou por prever resposta penal atenu-
ada.
Critica-se, de outro lado, a causa especial e diminuição de pena prevista no
art.149-A, §2º, do Código Penal. À semelhança da Lei de Drogas (BRASIL, 2006),
passa o dispositivo legal relacionado ao tráfico de pessoas a prever a redução da
pena em caso de primariedade do agente, associada à condição de não integração
de organização criminosa. Em face da ausência de precisão terminológica e da es-
pecial dificuldade de produção de prova negativa por parte do órgão acusatório, cer-
tamente se estabelecerá grande dificuldade de definição do alcance e incidência da
norma, o que certamente desencadeará a sua concessão a todo e qualquer agente
que se mostre primário.

4 DAS FINALIDADES DO TRÁFICO DE PESSOAS

O delito previsto no artigo 149-A, CP, eminentemente doloso, exige para a


sua configuração, a finalidade especial de traficar pessoa visando especificamente:
remover-lhe os órgãos, tecidos ou partes do corpo; submetê-la a trabalho em condi-
ções análogas à de escravo; submetê-la a qualquer tipo de servidão; adoção ilegal;
ou exploração sexual.

4.1 Da remoção de órgãos tecidos ou partes do corpo

A remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo é disciplinada pela Lei nº


9.434/97 (BRASIL), que define a sua possibilidade post mortem (após diagnosticada
a morte encefálica, para destinação a transplante ou tratamento e desde que haja
consentimento da família do falecido4), bem como por parte de pessoa viva e capaz,
4 Decreto 9.175/17 – art. 20: “A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano,
após a morte, somente poderá ser realizada com o consentimento livre e esclarecido da família do
falecido, consignado de forma expressa em termo específico de autorização. §1º A autorização deverá
ser do Cônjuge, do companheiro ou de parente consanguíneo, de maior idade e juridicamente capaz,
na linha reta e colateral, até o segundo grau, firmada em documento subscrito por duas testemunhas
presentes à verificação da morte. §2º Caso seja utilizada autorização de parente de segundo grau,

25
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

de forma gratuita, e desde que se trate

[...] de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja


retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco
para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas
aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação ina-
ceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente
indispensável à pessoa receptora (art.9º, §3º). (BRASIL, 1997).

A referida lei igualmente prevê que, caso a remoção de órgãos, tecidos ou


partes do corpo – entre vivos e post mortem –, se opere sem o cumprimento das
determinações legais, deverá o agente responder pelo crime previsto em seu artigo
14, com penas variadas em função das consequências e circunstâncias dos fatos. A
compra e venda de órgãos, tecidos ou partes do corpo é igualmente crime (art.15),
assim como a realização do seu enxerto e transplante de forma irregular (art.16). Por
fim, criminaliza-se o recolhimento, transporte, guarda ou distribuição de partes do
corpo humano, ciente o agente de que obtidos em descumprimento aos requisitos
legais (art.17) (BRASIL, 1997).
Ao estudar o tema relacionado especificamente ao tráfico de pessoas des-
tinado ao abastecimento do mercado ilegal de transplantes, forçoso é o reconheci-
mento de que os avanços da medicina caminharam a passos largos, sem que a so-
ciedade se visse pronta para o atendimento de tal demanda. Primeiramente, cumpre
lembrar que ainda não há consenso social direcionado à doação de órgãos por parte
dos brasileiros, muitos dos quais, por motivos religiosos ou simplesmente culturais,
negam o fornecimento dos órgãos de ente falecido para transplante aos enfermos.
Devemos reconhecer que, de modo geral, aquele que compra órgãos remo-
vidos ilicitamente muitas vezes não coincide com o sujeito receptor. Nesse ponto, há
uma omissão legislativa significativa, ao contrário do Código Penal Espanhol, que
busca, em um tipo penal completo, abarcar toda a forma de tráfico de órgãos, tute-
lando toda a cadeia delitiva, desde a publicidade até a recepção do órgão (ESPAÑA,
1995).

4.2 Da submissão a trabalho em condições análogas à de escravo

São fundamentos da República Federativa do Brasil a soberania, a cidada-


nia, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciati-
va, além do pluralismo político (art.1o, CF).
É o trabalho que dignifica o homem, eis que provê a sua subsistência e de
sua família, ao mesmo tempo em que promove o crescimento do país. Diante de
sua relevância, seja como direito ou obrigação do indivíduo, a Constituição Federal
prevê, em diversas passagens, a liberdade, o respeito e a dignidade do trabalhador,
deverão estar circunstanciadas, no termo de autorização, as razões de impedimento dos familiares de
primeiro grau. §3º A retirada de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano de falecidos incapa-
zes, nos termos da lei civil, dependerá de autorização expressa de ambos os pais, se vivos, ou de quem
lhes detinha, ao tempo da morte, o poder familiar exclusivo, a tutela ou a curatela. §4º Os casos que
não se enquadrem nas hipóteses previstas no §1º ao §3º dependerão de prévia autorização judicial”
(BRASIL, 2017).

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como ocorre nos artigos 5o, XIII, 6o, 7o, 8o e 194 a 204 (MORAES, Alexandre de,
2010, p. 22).
Nesse sentido, ao se retirar a plena liberdade e a dignidade do trabalhador5,
este é reduzido à condição de coisa, em situação análoga à escravidão6.
O trabalho escravo atualmente configura uma das maiores chagas brasilei-
ras, o que é compartilhado por muitos outros países. Com base em dados extraídos
do The Global Slavery Index, Paulo César Corrêa Borges coloca que, somente em
relação à América do Sul, a estimativa de pessoas submetidas a formas contemporâ-
neas de trabalho escravo “[...] em números absolutos é de 589.600 vítimas, da qual
cerca de 422.200 vítimas são [...] do Brasil (155.300), Colômbia (105.400), Argentina
(77.300), Venezuela (60.900) e Bolívia (23.000)” (BORGES, 2015, p. 49), de modo
que esses cinco países, no total, concentram 71,60% das vítimas no espaço sul-a-
mericano.
O legislador penal brasileiro cuida do trabalho escravo no artigo 149 do Có-
digo Penal, ao qual podem ser paralelamente aplicados os delitos de periclitação
da vida e da saúde (art.132), frustração de direito trabalhista (art. 203), e o crime de
tráfico de pessoas (art.149-A), entre outros (BRASIL, 1940).
O crime de redução à condição análoga a de escravo tem a seguinte reda-
ção, devidamente modificada pela Lei nº 10.803 (BRASIL, 2003):

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga a de escravo, quer submeten-


do-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a con-
dições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua
locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente
à violência.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem:
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador,
com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de docu-
mentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Verifica-se, portanto, que o dispositivo penal cuida expressamente das con-


5 Quanto ao bem jurídico tutelado pelo art.149 CP, a jurisprudência inclina-se para a existência
de dois deles, quais sejam a dignidade e a liberdade individual. A Min. Rosa Weber, na ementa do acór-
dão proferido no Inquérito 3.412/AL: “PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO.
ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE
IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. [...] A ‘escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o
cerceamento da liberdade pode ocorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessaria-
mente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como
pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas pela violação intensa e persistente
de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno[...]”. Em sentido contrário, contudo, o
Ministro Marco Aurélio defendeu que o crime em debate pressupõe a restrição da liberdade de locomo-
ção do trabalhador, enquanto, o Min. Dias Toffoli argumentou que erigir a dignidade da pessoa humana
como bem jurídico tutelado pelo direito penal seria “um passo exagerado” (BRASIL, 2012).
6 A esse respeito Cezar Bitencourt assevera: “Reduzir alguém à condição análoga à de escravo
fere, acima de tudo, o princípio da dignidade humana, despojando-o de todos os valores ético-sociais,
transformando-o em res, no sentido concebido pelos romanos” (2018, p. 12171, e-book).

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Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

dutas que podem ser consideradas como trabalho escravo, vinculando o aplicador
a tais modalidades. De outro lado, cominaram-se causas especiais de aumento de
pena nos casos de crimes praticados contra criança e adolescente e por motivo de
raça, cor, etnia, religião ou origem. Em ambos os casos, observa-se que o legislador
atendeu às disposições constitucionais que preconizam a doutrina da proteção inte-
gral da infância e da juventude (art. 227, CF) e o mandado de criminalização explícito
previsto no art. 3o, IV, CF, que pressupõe o enfrentamento da discriminação nas mais
diferentes formas.

4.3 Da submissão a qualquer tipo de servidão

A finalidade do tráfico de pessoas associada à submissão da vítima a qual-


quer tipo de escravidão não encontra correspondente específico entre as figuras típi-
cas descritas na legislação penal brasileira (CUNHA; PINTO, 2018. p. 145).
Nesse sentido, invoca-se a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Es-
cravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escrava-
tura (NAÇÕES UNIDAS, 1956) para o esclarecimento da dimensão do conceito de
servidão em face do próprio conceito da escravidão.
De acordo com tal documento internacional, entende-se por servidão em ca-
ráter geral

a condição de qualquer um que seja obrigado pela lei, pelo costume ou por
um acordo, a viver e trabalhar numa terra pertencente a outra pessoa e a
fornecer a essa outra pessoa, contra remuneração ou gratuitamente, determi-
nados serviços, sem poder mudar a sua condição (art.1o, §2o).

Define-se, ainda, a servidão por dívida como “o estado ou condição resul-


tante do fato de que um devedor se haja comprometido a fornecer, em garantia de
uma dívida, seus serviços pessoais ou os de alguém sobre o qual tenha autoridade”
(art.1o, §1o).
Mais adiante, em seu artigo 7o, § 1o, define-se em linhas gerais a escravidão
como estado ou condição de um indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte
dos poderes atribuídos ao direito de propriedade.
Cotejando, portanto, os conceitos dispostos na Convenção com artigo 149,
CP, verifica-se que este engloba em seus incisos o conceito de servidão, ao passo
em que a definição de escravidão prevista no documento internacional não se amol-
da ao nosso sistema, que não contempla a escravidão como uma realidade em que
seres humanos constituam propriedade alheia (CUNHA; PINTO, 2018, p.146).

4.4 Da adoção ilegal

O art.149-A, IV, CP não diferencia a vítima, que pode ser criança, adoles-
cente e até mesmo pessoa adulta. Para esse último caso, nada impede o tráfico de
maiores de idade para adoção ilegal, como, por exemplo,

[....] a hipótese em que alguém, titular de valioso patrimônio, seja pelo agente

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acolhido, mediante abuso, para ser forçado a adotar o mesmo agente, que
futuramente se beneficiará da herança. Neste caso, a adoção – que evidente-
mente deve ser voluntária – seria ilegal, bastante, portanto, para caracterizar
a finalidade especial. (CUNHA; PINTO, 2018, p.147).

Quanto às vítimas menores, a doutrina da proteção integral preconizada pelo


Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu, para a adoção, uma série de regras a
serem observadas no melhor interesse aos direitos fundamentais do ser humano em
desenvolvimento. Exige-se, pois, preparação psicossocial e jurídica dos postulantes
à adoção, criação e observância da ordem dos cadastros de adoção separados para
fins de adoção nacional e internacional, estágio de convivência, e demais requisitos
previstos em lei, que observem o superior interesse da criança no processo de ado-
ção.
A obediência à ordem do cadastro é de tal forma resguardada pelo Estatuto
da Criança e do Adolescente, que este somente autoriza a adoção em favor de candi-
dato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente quando: a) se tratar de pedido
de adoção unilateral; b) o pedido for formulado por parente com o qual a criança ou
adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; ou, c) quando oriundo
o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos
ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de
laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou
qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 da Lei nº 8.069/90 (BRASIL).7
É inegável que, diante de tantas exigências legais, existam pessoas dispostas
a burlar o sistema legal de adoção, de modo a criar um “mercado paralelo” destinado
ao atendimento de uma demanda ilícita, sem que se descarte a contraprestação fi-
nanceira pelo “serviço”. Cuida-se, pois, de problema real, com o qual nos deparamos
dentro da realidade social globalizada.
Segundo a ONU, existem 25 milhões de crianças e adolescentes desapa-
recidos e 46 milhões de trabalhadores escravos no mundo (40% crianças e adoles-
centes). No Brasil, são 250 mil pessoas desaparecidas, sendo que apenas 15% são
encontradas. A cada quinze minutos uma criança ou adolescente desaparece, se-
gundo dados de CPI da Câmara dos Deputados de 2010. Somente no ano de 2016,
no Estado de São Paulo, foram lavrados cerca de 22 mil boletins de ocorrência de
desaparecimento de pessoas; entre janeiro de 2009 e setembro de 2014, 129.065
(destes, 9 mil relativos a crianças e 46 mil a adolescentes, segundo o MP-SP e o
PLID-SP). Não é diferente no mundo: 400 mil pessoas desaparecidas na Inglaterra e
600 mil nos EUA (FERREIRA, 2017).
Estima-se, portanto, que certo percentual dessas crianças e adolescentes
sejam encaminhadas à adoção ilegal, assim como para a remoção de órgãos, explo-
ração sexual, mendicância e trabalho escravo.

7 “Art. 237. Subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude
de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto:
Pena - reclusão de dois a seis anos, e multa.
Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa:
Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.” (BRASIL, 1990).

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Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

4.5 Da exploração sexual

Ao falarmos em exploração sexual, de imediato idealizamos sua vertente


comercial traduzida pela prostituição. Entretanto, segundo a Agenda de Estocolmo,
assim como em outros estudos, a exploração sexual de crianças, adolescentes e
adultos engloba, para além da prostituição, a pornografia, o turismo sexual e o tráfico
para fins sexuais (DUARTE, 2009).
A pornografia envolve produção, divulgação, exibição, distribuição, venda,
compra, posse e utilização de material pornográfico (CASTANHA, 2008). O art. 24,
do ECA, Lei 8.069/90 (incluído pela Lei 11.829, de 2008) apresenta a definição de
pornografia nos seguintes termos:

para os efeitos dos crimes previstos nesta lei, a expressão ‘cena de sexo
explícito ou pornográfica’ compreende qualquer situação que envolva crian-
ça ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou
exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primor-
dialmente sexuais. (BRASIL, 1990).

Turismo sexual é aquele desenvolvido em cidades turísticas e amparado


pelo comércio local, voltado notadamente às mulheres mais jovens, por nacionais e
estrangeiros em países dotados de grande vulnerabilidade social.
Por fim, o tráfico para fins sexuais é o “movimento clandestino e ilícito de
pessoas através de fronteiras nacionais, com o objetivo de forçar mulheres e adoles-
centes a entrar em situações opressoras e exploradoras, para lucro dos aliciadores,
traficantes” (CUNHA; PINTO, 2018, p.148).

4.5.1 O consentimento da vítima no tráfico humano para fins de exploração


sexual

Para melhor compreender a questão afeta ao consentimento da vítima no


tráfico voltado à exploração sexual, faz-se necessário, primeiramente o estudo dos
crimes previstos no Capítulo V do Código Penal, os quais tratam do Lenocínio e de-
mais condutas voltadas à repressão da exploração sexual.
Atualmente, muitas vozes se insurgem contra esses tipos penais, reputando-
-os não recepcionados pela Constituição Federal.
Argumenta-se, nesse sentido, que a liberdade sexual, único bem jurídico pro-
tegido pena norma penal, seria absolutamente disponível, de modo que apenas o
discurso em prol da moralidade sexual e dos bons costumes sustentariam a incrimi-
nação daquele que explora a prostituição alheia.
A esse respeito, Guilherme de Souza Nucci pondera que, em havendo o
consentimento do ofendido nos crimes contra a liberdade sexual, não se justifica a re-
pressão penal do lenão, eis que a suposta imoralidade da conduta não teria o condão
de alçá-la à condição de bem jurídico. O autor ainda argumenta que, se a atividade
principal (prostituição) não é considerada ilícita por nosso ordenamento jurídico, seria
um verdadeiro contrassenso punir aquele que a favorece (NUCCI, 2010, p. 139-140).
Thais de Camargo Rodrigues propõe a delimitação do bem jurídico sexual

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penal pautando-se em um direito penal mínimo baseado nos princípios da lesividade,


subsidiariedade e fragmentariedade. Questionando-se, ainda, sobre o propósito da
interferência do direito penal nesse campo, reafirma que não se pode conceber a tu-
tela penal para a mera proteção da moralidade pública, mas para garantir a liberdade
do indivíduo, de modo a preservar a sua autodeterminação. Desse modo, há que se
tutelar apenas a dignidade sexual de crianças, bem como a liberdade dos indivíduos,
protegendo-os de quaisquer formas de violência ou constrangimento (RODRIGUES,
2014, p. 30).
Alice Bianchini, nessa mesma linha sustenta que “um Estado de Direito pres-
supõe o respeito às opções de vida de cada pessoa, sem se prestar a perseguir
concepções ideológicas, ou privilegiar pregações religiosas ou moralistas”. E nessa
esteira, conclui ser vedado ao direito penal imiscuir-se na tarefa de protetor da mo-
ralidade sexual, de forma que todos os delitos em que a liberdade sexual não estiver
em jogo, dirige-se a punição a um comportamento que (à época) se tem por impró-
prio, indigno, e não à lesão de um bem jurídico, violando-se, por consequência, o
princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos (BIANCHINI, 2009).
Tomando por base a vitimodogmática, a Teoria da Autocolocação da Vítima
em Risco e o princípio da autorresponsabilidade da vítima, Alessandra Orcesi Pedro
Greco pontua que aqueles “que sabem qual a situação que os espera e essa situa-
ção é aceita, mas, por meios de coação não pode abandoná-la; e aqueles que sabem
o que os espera e aceitam essas condições porque sua condição de vida, ainda que
menos digna, é melhor do que na região de origem” devem ter a sua situação anali-
sada de modo diferente daqueles que “ [...] são aliciados com falsas promessas e em
que, logo após, a situação não desejada se revela, mas que, dadas as circunstân-
cias, é irreversível”. Segundo a autora, “o ponto pendente está na aceitação, se livre
e consciente da vítima às condições da nova vida, em caráter inicial ou permanente,
e o assumir o risco dos desvios comuns em casos dessa natureza é suficiente para
excluir o crime de tráfico de pessoas”. A despeito de tais colocações, ainda pondera
a necessidade de verificação efetiva da capacidade da vítima em assumir o risco ou
consentir, e se não se encontra em situação de fragilidade que justifique a própria
existência dos crimes de tráfico de pessoas, a fim de se avaliar a efetiva possibilidade
da aplicação da Teoria da Autocolocação em risco e do consentimento do ofendido
como excludentes da imputação nessa modalidade criminosa (GRECO, 2010, p. 30-
31).
Não podemos concordar, contudo, com tais posicionamentos no sentido de
que a simples autonomia da vontade da pessoa maior e capaz se mostre suficiente
à exclusão da antijuridicidade do crime de tráfico de pessoas atrelado à exploração
sexual consentida pela vítima.
Em primeiro lugar, pontua-se a inexistência de contradição entre o direito à
liberdade sexual assegurado pela CF e as figuras típicas concebidas pelo legislador
penal, frente à necessária ponderação entre o princípio constitucional insculpido no
artigo 5o, X e XLI, da CF e o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme se
discorrerá adiante, nenhum princípio é absoluto, e, por vezes, há que se priorizar a
dignidade, especialmente quando suportada por valores socialmente compartilhados

31
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

pela comunidade8.
No âmbito do direito penal, o princípio da alteridade tem por objetivo impedir
a incriminação de condutas meramente subjetivas, incapazes de lesionar um bem
jurídico, de modo que, não havendo a necessária transcendência da esfera individual
do autor, não poderá ele ser punido por ter feito mal a si mesmo9. A despeito da não
incriminação da prostituição por nosso ordenamento jurídico10, em face do Princípio
da Alteridade, a sua exploração assume relevância social, eis que implica necessa-
riamente o fomento de atividade ofensiva à moralidade pública sexual, quebra os
valores familiares, e por conseguinte afronta ao Estado Democrático de Direito.
No contexto contemporâneo, o direito penal cada vez mais se sedimenta
como instrumento de defesa e conservação da sociedade, sendo que o maior dilema
que enfrenta na pós modernidade consiste justamente na “complexidade e contin-
gências sociais decorrentes, dentre outros, das transformações dos valores verifica-
das em tempo tão curto” (MORAES, Alexandre Rocha, 2016, p. 30). Frente a esse
dilema, acredita-se na necessidade do intérprete penal em resgatar a vontade da lei
vigente, segundo os valores definidos nos bens jurídicos eleitos pelo legislador, dire-
tamente do texto constitucional.
E nesse passo, o Estado Democrático de Direito insculpido por nossa Lei
Maior não se limita a estabelecer a igualdade entre todos os homens, mas também
por impor orientações e deveres voltados à construção de uma sociedade livre, justa
e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional, pela erradicação da pobre-
za e da marginalização, pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela
promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo,
idade e quaisquer outras formas de discriminação; pelo pluralismo político e a liber-
dade de expressão de ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo
como fonte única do poder e, principalmente, pelo respeito inarredável da dignidade
humana. Nesse sentido, a par da discutível possibilidade do consentimento da vítima
no que diz respeito à sua exploração sexual, é certo que não se pode afastar a tutela
da moralidade e dignidade sexual no crime de tráfico de seres humanos, eis que este
deflui da própria essência e necessidade de tutela da dignidade da pessoa humana
(CAPEZ; PRADO, 2009, p. 131).
De outro lado, ao se falar em consentimento da vítima como causa suprale-
gal excludente da antijuridicidade, há que se verificar a, em primeiro lugar, a sua
eficácia, em função do “balanceamento de interesses”. Nesse sentido posiciona-se
Jescheck, para quem
8 Cezar R. Bitencourt, citado por Thais de Camargo Rodrigues (2014), com referência à sua
obra Tratado de Direito Penal, conclui que “o legislador age contraditoriamente. Ao mesmo tempo em
que visa proteger a liberdade sexual individual (art.5o, X e XLI, da Constituição Federal), criminaliza o
exercício dessa mesma liberdade”.
9 Segundo Claus Roxin (2008, p. 44), a autolesão consciente, assim como a “sua promoção por
terceiros não constituem objeto legítimo do direito penal, pois a finalidade deste é unicamente impedir
que alguém seja lesionado contra a sua vontade. O que ocorre de acordo com a vontade do lesionado
é uma componente de sua auto-realização, que em nada interessa ao Estado”.
10 Da mesma forma com que a autolesão e o suicídio, a prostituição não é crime. No entanto,
são punidos pela lei penal a auto-agressão com finalidade de fraude ao seguro (art.171, §2º, V, CP)
e o induzimento ou auxílio ao suicídio (art.122, CP). Como conclusão, não há contrassenso algum na
criminalização da conduta acessória, quando a principal não é considerada crime.

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 18 - 40

La valoración subjetiva de los bienes jurídicos por el individuo es reconocida


dentro de los ciertos limites por el ordenamento jurídico porque el uso sin obs-
táculos de la libertad personal se presenta en quanto tal como un valor social
en el Estado de Derecho Liberal, que debe sospesarse junto con el interés
de la comunidade en la conservación de los bienes jurídicos11. (PIERANGELI,
2010, p. 107).

No caso do tráfico de seres humanos há evidente necessidade de conserva-


ção de interesses outros, que não a própria liberdade sexual do indivíduo, de modo
a redundar na mais absoluta ineficácia do consentimento da vítima. Nesse sentido a
lição de José Henrique Pierangeli, para quem “a eficácia do consentimento deve efe-
tivamente ser deduzida da forma e do motivo que leva o Estado a tutelar determina-
dos bens, e, sempre que essa tutela se apresente como expressão de um interesse
geral ou público, o consentimento será ineficaz” (PIERANGELI, 2010, p. 114).
A prostituição enquanto exploração sexual comandada por terceiros, para
além da dignidade da vítima e os direitos fundamentais dela decorrentes, atinge valo-
res caros para a nossa estrutura social (valores familiares, moral coletiva), sendo que
sua prática disseminada certamente serviria de incremento do descontrole social.
Em complemento, há que se analisar a questão sob o ponto de vista da po-
lítica criminal, enquanto atividade de estado, na luta eficiente contra a criminalidade.
Não cabe ao Estado furtar-se de sua atuação com base no slogan da ampla liberda-
de sexual defendida na atualidade. O tráfico de seres humanos figura como uma das
maiores afrontas ao Estado Democrático de direito, eis que aniquila o seu fundamen-
to, qual seja a dignidade da pessoa humana. É vital, portanto o seu enfrentamento de
forma efetiva e geral, para que se opere a repressão e supressão da fonte de lucro da
criminalidade organizada voltada à degradação de seres humanos, ainda que cien-
tes e conscientes do efetivo abandono à proteção que lhes é outorgada pela norma
penal. Isso porque, o consentimento para a prostituição jamais pode significar o con-
sentimento para exploração, isto é, a aquiescência quanto ao tratamento desumano
e indigno inerente ao tráfico de pessoas.

5 EXPLORAÇÃO, ABUSO E VULNERABILIDADE: UMA VISÃO A PARTIR DA


DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Antes da promulgação da Lei nº 13.344/2016, o emprego de violência ou a


fraude na execução do crime de tráfico de pessoas configuravam causas de aumen-
to de pena. Por essa razão, era voz corrente na doutrina, devidamente amparada
pela jurisprudência, que o consentimento da vítima era irrelevante, não se prestando,
pois, a excluir a tipicidade e nem mesmo a antijuridicidade da conduta.
Com o advento da nova lei, os referidos modos de execução migraram para
a condição de elementos do tipo penal do tráfico de pessoas. Como resultado, sem
que haja violência, coação, fraude ou abuso, não haverá crime.
11 “A avaliação subjetiva dos direitos legais pelo indivíduo é reconhecida dentro de certos limites
pela ordem jurídica, porque o uso desimpedido da liberdade pessoal é apresentado como um valor so-
cial no Estado do Direito Liberal, que deve ser ponderado juntamente com o interesse da comunidade
na conservação dos bens jurídicos” (tradução livre).

33
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

Tomando por base tal disposição legal, alguns autores defendem a tese
segundo a qual o consentimento válido da vítima atualmente funciona como causa
excludente de tipicidade.
Causa estranheza, em um primeiro momento, tal posicionamento, especial-
mente quando se transporta o tipo penal para o mundo fenomênico, notadamente
porque tal assertiva redundaria em absurdos como a atipicidade da conduta do tra-
ficante que, contando com a aquiescência da vítima, efetua a sua compra, mediante
contraprestação financeira, para a remoção de seu fígado.
Ainda que deficiente a redação do artigo 149-A do Código Penal, há que se
enfrentar a sua interpretação de acordo com as disposições do Protocolo de Palermo
e frente à dignidade da pessoa humana, postulado este inegociável, eis que ínsito à
própria condição humana.
Inicialmente, não se pode olvidar que o artigo 3º, “a” e “b”, do Protocolo Adi-
cional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas dispõe que:

a) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhi-


mento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas
de coação, ao rapto, à fraude, o engano, ao abuso de autoridade ou à situa-
ção de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefí-
cio para obter a aceitação de uma pessoa que tenha autoridade sobre a outra
para fins de exploração.
b) O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista
qualquer tipo de exploração descrito na alínea ‘a’ do presente Artigo será con-
siderada irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na
alínea ‘a’. (BRASIL, 2004b).

De outro lado, há que se buscar no elemento normativo “abuso” a verdadeira


essência do tipo penal em debate, fundando-se, pois, na vulnerabilidade da vítima
e na impossibilidade de acatamento de condutas autorreferentes violadoras de sua
dignidade.
Isso porque a dignidade, enquanto valor ínsito à própria condição humana, é
irrenunciável12.
Segundo a lição do Ministro Luís Roberto Barroso (2010), são elementos es-
senciais da dignidade humana, o valor intrínseco da pessoa humana, autonomia de
vontade e seu valor comunitário.
Ao tratarmos do “valor intrínseco”, podemos afirmar que a dignidade não de-
pende de concessão, não pode ser retirada e não é perdida, mesmo diante da con-
duta individual indigna de seu titular. É justamente o valor intrínseco que, em muitas
situações, protege a pessoa contra si mesma, como mandado estatal impeditivo de
condutas auto lesivas à dignidade.

12 Cumpre observar que o princípio da dignidade da pessoa humana não é representativo de um


“direito à dignidade”. A dignidade não é algo que alguém precise postular ou reivindicar, porque decorre
da própria condição humana. O que se pode exigir não é a dignidade em si – pois cada um já́ a traz
consigo –, mas respeito e proteção a ela. Com razão, portanto, Ingo Sarlet (2015, p. XX), ao observar
que: “quando se fala – no nosso sentir equivocadamente – em direito à dignidade, se está́ , em verdade,
a considerar o direito a reconhecimento, respeito, proteção e até́ mesmo promoção e desenvolvimento
da dignidade, podendo inclusive falar-se de um direito a uma existência digna”.

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 18 - 40

Em atenção a esse valor maior, a lei penal não pode compactuar com situ-
ações que fomentem ou perpetuem a indignidade. Ao termo “abuso”, portanto, deve
ser atribuído alcance mais extenso, evitando-se o seu atrelamento aos conceitos de
abuso de autoridade ou simples vulnerabilidade, tal como definida no artigo 217-A,
CP.
A esse respeito, Edmilson da Costa Barreiros Júnior (2017, p. 123) afirma:

Não é possível compreender tal elementar típica sem entender que as diver-
sas formas de vulnerabilidade, protegidas pelos Tratados e Convenções In-
ternacionais, estejam nela compreendidas. A vivência do Direito Internacional
e do enfrentamento do tráfico humano pressupõe o enriquecimento desse
conceito. O Direito não deve lutar contra a realidade quando há interpretação
compatível para uma regulação razoável.

Não se concebe o tráfico de pessoas sem o antecedente da vulnerabilidade,


seja ela social, cultural, psicológica, econômica13 ou simplesmente moral14. Não é
somente a lógica das relações sociais que impõe tal raciocínio, mas também a Cons-
tituição Federal e os Tratados e Convenções Internacionais, em especial o Protocolo
de Palermo.
A sujeição à exploração, portanto, pressupõe algum tipo de vulnerabilidade
diretamente atrelada à relativização da dignidade da pessoa humana . Nesse sen-
tido, ainda que consentimento houvesse por parte da vítima de tráfico humano, o
simples contexto de vida em que se encontra inserida impede a aferição e sua va-
lidade. E para além disso, mesmo que reputado válido tal consentimento, ao nosso
ordenamento jurídico não é lícito compactuar com a lógica sinistra que transige com
a relativização da dignidade da pessoa humana.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tráfico de pessoas, nas suas mais diversas formas é fenômeno global,


inerente aos tempos modernos, e que demonstra que, apesar de todos os esforços
civilizatórios empenhados até o presente momento histórico, ainda não foi encontra-
da uma solução para a total erradicação da escravidão humana.
Trata-se de crime silencioso, de difícil apuração, seja por suas próprias ca-
racterísticas, seja pelo planejamento e execução organizados por redes criminosas
internacionais, que movimentam um mercado bilionário em torno da denegação da
dignidade da milhares de pessoas vulneráveis por todo o mundo.
Seja por sua extensão, seja por seu caráter multifacetado, toda política crimi-
nal voltada à sua erradicação não pode ser pensada e nem mesmo estruturada por
um só país atingido, mas por toda a comunidade internacional, tomando-se por base
13 De acordo com a OIT (2005, p. 61), “embora todo o projeto de migração exija capital financeiro
e social, as vítimas de tráfico não têm acesso a esse capital e, por isso, se tornam presas de grupos de
criminosos ou de indivíduos que exploram sua pobreza. São mais vulneráveis do que outros migrantes,
pois antes da partida, têm de tomar dinheiro emprestado de agentes, inclusive de traficantes”.
14 Thamara Duarte Cunha Medeiros (2013, p. 14) ainda destaca como fatores contributivos da
vulnerabilidade a “insegurança econômica e social; desigualdades e discriminação contra as mulheres
e negros; desemprego, serviços de saúde e de educação precários, péssimas condições de moradia e
alimentação, migrações, entre outros”.

35
Tráfico de Pessoas e Tutela Penal

o necessário tripé da prevenção, repressão e apoio à vítima, de forma integral.


No que diz respeito à repressão penal, não se imagina eficácia de resposta
que não passe pela necessária transnacionalidade da atuação e extensão de com-
petências para além dos limites territoriais de cada país, como única garantia de
erradicação da impunidade.
Barreiras formais de competência, falhas legislativas, ausência de compro-
metimento com a troca de informações e colaboração entre estados visando ao efe-
tivo cumprimento dos termos dos acordos internacionais configuram os maiores em-
pecilhos para o enfrentamento eficiente dessa modalidade criminosa.
Não haverá alteração desse triste quadro enquanto não houver uma efetiva
mudança de paradigma no sistema de repressão penal. Há que se ter em mente
que o tráfico de pessoas implica escravidão e perda de dignidade, exigindo, portan-
to, contundente repressão; sob pena de ruptura com o conceito de Estado Social e
Democrático de Direito. Seu enfrentamento não é um convite, mas obrigação social.
Cabe a cada um de nós e, em especial ao Ministério Público, a execução desse mis-
ter.

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(Artigo de convidado)

40
LA DILIGENCIA POLICIAL DE
VALORACIÓN DEL RIESGO DE VIOLENCIA
DE GÉNERO EN EL SISTEMA VIOGÉN

A DILIGÊNCIA POLICIAL DE VALORAÇÃO


DO RISCO DE VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO
SISTEMA VIOGÉN

GENDER-BASED RISK ASSESSMENT BY


POLICE THROUGH VIOGÉN TOOL
Bárbara Sánchez López
Profesora Ayudante
Doctora de Derecho Procesal, Universidad Complutense de
Madrid
RESUMEN

El objeto de esta comunicación es la poco conocida diligencia de valoración del riesgo de violencia de género y su
implementación en España a través del sistema VdG o Viogén, cuyo desarrollo ha terminado configurando medidas
policiales autónomas de protección de la víctima que pueden determinar el futuro de la valoración individual que el
Estatuto de la Víctima de Delito, por exigencias de la Directiva 2012/29/UE, ha generalizado a toda clase de delitos
violentos.

Palabras clave: Proceso penal. Funciones de la policía. Estatuto de la víctima. Violencia de género. Valoración del
riesgo de la víctima.

RESUMO

O objeto deste artigo é a pouco conhecida diligência de valoração do risco de violência de gênero e sua implementa-
ção na Espanha através do Sistema VdG ou Viogén, cujo desenvolvimento terminou por configurar medidas policiais
autônomas de proteção da vítima que podem determinar o futuro da valoração individual que o Estatuto da Vítima do
Delito, por exigências da Diretiva 2012/29/UE, generalizou a toda classe de delitos violentos.

Palavras-chave: Processo Penal. Funções da polícia. Estatuto da vítima. Violência de gênero. Valoração do risco da
vítima

ABSTRACT

This paper focuses on the still little known gender-based risk assessment by police in Spain and its implementation
in Spain through VioGén System, which development has constituted autonomous police measures that can determine
the individual valoration’s future that the Victim’s Statute, by Directive 2012/29/UE’s demand, has generalized to
every kind of violent delicts.

Keywords: Criminal procedure. Police functions. Victim’s statute. Gender based violence. Victim risk assess-
ment.

SUMÁRIO

1. Introducción. 2. El protagonismo de las Fuerzas de Seguridad del Estado en la diligencia de valoración individualizada del
riesgo de violencia de género. 3. El sistema VdG o VioGén como plataforma de seguimiento integral de la violencia de género.
4. La compilación de la información relativa a los factores de riesgo a través de los formularios VPR y VPER. 5. La valoración
del riesgo en el sistema VioGén y la adopción de medidas de protección policial. 6. La valoración policial de la evolución del
riesgo.
La diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén

1 INTRODUCCIÓN

Desde el año 1999 en el que se introdujeron medidas de alejamiento en favor


de las víctimas de violencia doméstica se han dado pasos de gigante en la implemen-
tación de medidas específicas de protección a las víctimas1. Por elementales razones
de tiempo y de espacio, no me detendré en desarrollar las medidas de alejamiento
ni las órdenes de protección de víctimas, aunque – sin duda – han sido precursoras
de la que aquí nos ocupa, que hasta hace pocos años ha presentado – y sigue pre-
sentando, pero no con carácter exclusivo– naturaleza instrumental respecto de las
primeras. Me refiero a la llamada diligencia de valoración del riesgo de violencia de
género y al conocido como “sistema VdG o Viogén”, que apenas han concitado aten-
ción doctrinal desde el ámbito jurídico2 y, por ello, su conocimiento hoy suele estar
restringido al círculo de profesionales de la psicología, la medicina forense o la policía
que trabajan en este área3. Por su carácter multidisciplinar y sobretodo por la impor-
tancia que va a cobrar en el futuro con la generalización de la diligencia de valoración
del riesgo a toda clase de delitos violentos4, merece la pena que nos detengamos
unos minutos en conocer en qué consiste esta valoración individual del riesgo de
violencia de género por parte de la policía.

1 Me refiero, fundamentalmente, a la LO 11/1999 (ESPAÑA, 1999a), de 30 de abril, y LO 14/1999


(ESPAÑA, 1999b), de 9 de junio, que introdujeron las medidas cautelares y definitivas de alejamiento
en el proceso penal; y a la Ley 27/2003 (ESPAÑA), de 31 de julio, reguladora de la Orden de protección
de las víctimas de la violencia doméstica, que fue el primer paso legislativo en materia de medidas es-
pecíficas contra la violencia doméstica o en el ámbito familiar. La aspiración de una ley integral contra
la violencia de género en especial se vio colmada apenas un año más tarde con la LO 1/2004, de 28 de
diciembre, de Medidas de Protección Integral contra la Violencia de Género (en adelante, LOMPIVG)
(ESPAÑA, 2004). El último hito del legislador nacional en materia de protección de la víctima está situ-
ado en la Ley 4/2015, de 27 de abril, reguladora del Estatuto de la Víctima del Delito (ESPAÑA, 2015a),
desarrollada mediante Real Decreto 1109/2015, de 11 de diciembre (ESPAÑA, 2015b).
2 Los estudios más reseñables, con perspectiva jurídica, se deben a Manuel José García Ro-
dríguez (2017), “Evaluación individual de las víctimas para determinar sus necesidades especiales de
protección y asistencia en el marco del proceso penal”; y a José Luis González Álvarez, “Sistema de
Seguimiento Integral de las víctimas de violencia de género. VIOGEN” (2016).
3 Desde estas otras importantes perspectivas, destacan las aportaciones de María José Garrido
Antón (2012), “Validación del procedimiento de valoración del riesgo de los casos de violencia de géne-
ro del Ministerio del Interior de España”, tesis doctoral inédita, codir. Luis F. García Rodriguez e Sergio
Escorial Martín; de Jorge Zurita Bayona (2014), “Violencia contra la mujer. Marco histórico evolutivo y
predicción del nivel de riesgo”, tesis doctoral inédita, codir. Manuel de Juan Espinosa y Luis Francisco
García Rodriguez; de Juan José López-Ossorio (2017), “Construcción y validación de los formularios
de valoración policial del riesgo de reincidencia y violencia grave contra la pareja (VPR4.0-VPER4.0)
del Ministerio del Interior de España”, tesis doctoral inédita, codir. Luis Francisco García Rodríguez y
José Luis González-Álvarez. Cfr. también Juan José López-Ossorio, José Luis González-Álvarez y
Antonio Andrés-Pueyo (2016), “Eficacia predictiva de la valoración policial del riesgo de la violencia de
género”.
4 Véanse el artículo 22 de la Directiva 2012/29/UE, del Parlamento Europeo y del Consejo, de 25
de octubre de 2012 (UNIÓN EUROPEA), por la que se establecen normas mínimas sobre los derechos,
el apoyo y la protección de las víctimas de delitos, y por la que se sustituye la Decisión marco 2001/220/
JAI del Consejo (UNIÓN EUROPEA, 2001); los artículos 23-24 de la Ley 4/2015, de 27 de abril, regula-
dora del Estatuto de la Víctima del Delito (en adelante, LEVD) (ESPAÑA, 2015a); y su desarrollo en los
artículos 9 y 30 y ss. del Real Decreto 1109/2015, de 11 de diciembre, por el que se desarrolla la LEVD
y se regulan las Oficinas de Asistencia a las Víctimas del Delito (ESPAÑA, 2015b).

44
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 42 - 54

2 EL PROTAGONISMO DE LAS FUERZAS DE SEGURIDAD DEL ESTADO EN LA


DILIGENCIA DE VALORACIÓN INDIVIDUALIZADA DEL RIESGO DE VIOLENCIA
DE GÉNERO

La LOMPVIG (ESPAÑA, 2004) proporciona el marco legal difuso – pero, al


parecer, suficiente y, en todo caso, sobrevenidamente consolidado por la LEVD (ES-
PAÑA, 2015a) – de esta medida consistente en la valoración del riesgo de la víctima
de violencia de género. Ningún artículo se ocupa de ella frontalmente, sino que es el
resultado de la coordinación entre las diferentes Administraciones públicas compe-
tentes en materia de prevención, detección e intervención continuada en favor de la
mujer en situación de riesgo de padecer violencia de género, con base en los dife-
rentes artículos que regulan sus funciones (v., en lo referente a la policía, el art. 32
LOMPVIG). Y es que, aunque cabría imaginar que la valoración de esta situación de
riesgo sería una tarea exclusiva de los jueces con la participación de las Unidades de
Valoración Forense Integral a que se refiere la DA 2ª LOMPIVG, en ningún lugar está
dicho que se trate de una medida exclusivamente jurisdiccional. Más aun, si el obje-
tivo en esta materia es proporcionar una respuesta inmediata a las necesidades de
seguridad de la víctima, no conviene –probablemente- que la valoración del riesgo y
la adopción inmediata de medidas adecuadas hayan de ser siempre jurisdiccionales,
habida cuenta que la primera respuesta institucional la proporcionan las Fuerzas de
Seguridad del Estado (en adelante, FSE); lo que no cabe en ningún caso es excluir
el control jurisdiccional sobre las diligencias de la policía o de cualquier otra Adminis-
tración, sean de clase que sean.
En la actualidad, la valoración policial individualizada del riesgo para toda
víctima está expresamente contemplada – desde el año 2015 – en el artículo 282
LECrim (ESPAÑA, 1882), reformado por la LEVD5. Pero esta disposición no existía
al tiempo de promulgarse la LOMPIVG. Su implantación en materia de violencia de
género mediante la plataforma que hoy conocemos como sistema VdG o Viogén ha
venido propiciada por varios hechos: 1º) por la creación –ex artículo 31 LOMPIVG –
de unidades policiales “especializadas en la prevención de la violencia de género y
en el control de la ejecución de las medidas judiciales adoptadas en materia de vio-
lencia de género”6; y 2º) por la aprobación de sucesivos protocolos de actuación y co-
5 Dice ahora así el artículo 282 LECRIM: “La Policía Judicial tiene por objeto y será obligación
de todos los que la componen, averiguar los delitos públicos que se cometieren en su territorio o de-
marcación; practicar, según sus atribuciones, las diligencias necesarias para comprobarlos y descubrir
a los delincuentes, y recoger todos los efectos, instrumentos o pruebas del delito de cuya desaparición
hubiere peligro, poniéndolos a disposición de la autoridad judicial. Cuando las víctimas entren en con-
tacto con la Policía Judicial, cumplirá con los deberes de información que prevé la legislación vigente.
Asimismo, llevarán a cabo una valoración de las circunstancias particulares de las víctimas para de-
terminar provisionalmente qué medidas de protección deben ser adoptadas para garantizarles una
protección adecuada, sin perjuicio de la decisión final que corresponderá adoptar al Juez o Tribunal./
Si el delito fuera de los que sólo pueden perseguirse a instancia de parte legítima, tendrán la misma
obligación expresada en el párrafo anterior, si se les requiere al efecto. La ausencia de denuncia no
impedirá la práctica de las primeras diligencias de prevención y aseguramiento de los delitos relativos
a la propiedad intelectual e industrial” (ESPAÑA, 1882).
6 Así, en el Cuerpo Nacional de Policía, la valoración se realiza por las “Unidades de Familia
y Mujer” (UFAM), que prestan una atención integral, especializada y personalizada a las víctimas de
violencia de género, violencia doméstica y violencia sexual (integran a las antiguas UPAP –Unidades

45
La diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén

ordinación policiales en materia de violencia de género, que han tenido un efecto de


refuerzo sobre la función de la policía en la prevención y detección de las situaciones
de riesgo para la víctima7. Como corolario de estas medidas, dentro del catálogo de
medidas urgentes del Plan Nacional de Sensibilización y Prevención de la Violencia
de Género 2007-2008, se incluyó la implantación del “sistema de seguimiento inte-
gral en los casos de violencia de género, Sistema VdG o VioGén”8.
De esta forma, desde el mismo momento en que la policía tenga conocimien-
to de hechos que pudieran ser constitutivos de infracción penal en materia de violen-
cia de género, las FSE han de practicar – como diligencia de investigación que deben
incorporarse al atestado9 – las medidas de averiguación de la existencia e intensidad
de la situación de riesgo para la víctima, fundamentalmente a través de la toma de
declaración de la víctima, de testigos, pero también recabando información de per-
sonas del entorno familiar, vecinal, laboral, Servicios Sociales, servicios sanitarios y
administrativos de atención a la víctima, consultas en los registros públicos, etc. La
finalidad de la información recopilada radica en acordar las medidas más adecuadas
al nivel de riesgo detectado y, por eso, su eficacia reside en la puesta en común de
esta información a través de esta plataforma VdG o Viogén, que está en funciona-
miento desde julio de 2007.

3 EL SISTEMA VDG O VIOGÉN COMO PLATAFORMA DE SEGUIMIENTO INTE-


GRAL DE LA VIOLENCIA DE GÉNERO

El sistema VdG o Viogén, de seguimiento integral en los casos de violencia


de género, es un servicio estratégico que se mantiene constantemente actualizado y
que integra, tecnológicamente, toda la información disponible sobre un caso o sobre
una víctima en los que se ha realizado ya la valoración del riesgo10; los casos salen
de Prevención, Asistencia y Protección a la mujer maltratada – y SAM – Servicios de Atención a la
Mujer –). Por su parte, en la Guardia Civil existen unidades específicas llamadas “Equipo Mujer-Menor”
(EMUME), creados en 1995 como equipos especializados en hechos delictivos en los que se encuen-
tran implicados mujeres y menores, tanto en calidad de víctimas como de autores; trabajan en Puntos
de Atención Especializada (PAE) comarcales y provinciales y a nivel nacional trabaja el EMUME-Cen-
tral, que presta labores de apoyo y que interviene directamente cuando concurren circunstancias de
especial complejidad. Y, por último, en los ámbitos autonómico y municipal, un número creciente de
administraciones han creado también unidades especializadas que colaboran con los Juzgados y con
los servicios sociales. A nivel autonómico, merece destacar, por su integración en el sistema VioGén,
la especialización de la Policía Foral de Navarra. En el escalón municipal, v. gr., en la Villa de Madrid
asume la función de policía especializada la “Unidad de Atención y Protección a la Familia” (UAPF).
7 La decena de protocolos policiales aplicables a esta materia pueden consultarse en (CON-
SEJO GENERAL DEL PODER JUDICIAL, 2018). Nosotros centraremos nuestra atención en el nuevo
protocolo del año 2016 para la valoración policial del nivel de riesgo de violencia de género.
8 El Consejo de Ministros de 22 de junio de 2007 aprobó estas medidas, dentro de las cuales
consta la creación de una “aplicación informática que permite reunir todos los datos de que disponen
las Fuerzas y Cuerpos de Seguridad del Estado e Instituciones Penitenciarias. Instrumento para la
valoración del riesgo. Aplicación del sistema de control GPS a los agresores” (LA MONCLOA, 2007).
Mediante Orden INT/1911/2007, de 26 de junio, ya derogada, se creó, en el Ministerio del Interior, el
fichero de datos de carácter personal “Violencia doméstica y de género” (ESPAÑA, 2007a).
9 Como hace notar De Hoyos Sancho (2009, p. 164, nota 12), en sede judicial debe ser posible
contrastar la información con informes periciales de las unidades de valoración forense integral.
10 En el sistema VioGén un caso agrupa toda información que vincula a una víctima con un
agresor determinado; si la víctima ha padecido violencia por parte de más de un agresor, cada uno de

46
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 42 - 54

del sistema si causan baja por haberse dictado con carácter firme sentencia absolu-
toria o auto de sobreseimiento libre del encausado, o por cumplimiento y cancelación
de antecedentes (o por fallecimiento). En la fecha actual de principios de mayo de
2018, existen en el sistema VdD o VioGén casi medio millón de casos, que compren-
de tanto los casos activos (= los que son objeto de atención policial en términos ac-
tuales), como los inactivos (= casos que han sido activos y que no lo son en términos
actuales, pero que son susceptibles de volver a serlo). En la actualidad, el número
de casos activos representa el 10’90 % de todos los casos que gestiona el sistema11.
La información procede de las declaraciones de la propia víctima, de los tes-
tigos directos y de referencia, y de las incidencias provenientes del Registro Judicial
de Medidas Cautelares, de dispositivos de geoposicionamiento, de servicios de aten-
ción y asistencia para víctimas, del Registro de Armas, de antecedentes policiales y
–tratándose de agentes de la Policía Nacional y la Guardia Civil– de cuantos ficheros
policiales pueden consultar, como, v. gr., la situación legal en España de personas
extranjeras mediante “ADEXTRA”. Las finalidades que así cumple el sistema VioGén
son, fundamentalmente, tres: 1º) integra toda la información policial, judicial y peni-
tenciaria sobre la violencia de género para coordinar las actuaciones necesarias; 2ª)
realizar la valoración del nivel de riesgo de padecer nuevas agresiones y sirve para
controlar su seguimiento; y 3º) y proporciona esta información a los agentes institu-
cionales que intervienen en el área de la violencia de género. Integra, además, un
subsistema muy útil llamado “sistema 3A: Aviso, Alerta, Alarma”, que genera alertas
y notificaciones telemáticas inmediatas sobre ciertas circunstancias significativas: v.
gr., para informar a la víctima sobre los cambios en la situación de libertad o de pri-
sión del agresor, para avisar a los agentes de la necesidad de revisar la evolución
del riesgo, para alertarles de que se ha reanudado la convivencia de la víctima con
el agresor, de que se ha registrado una nueva agresión de un autor con otra víctima,
o de la suspensión o finalización de una orden de protección. Con la implementación
de este subsistema se consigue una permanente actualización del nivel de riesgo
de la víctima, que se denomina “Estimación Permanente de Evolución del Riesgo”
(EPER).
El servicio entró en funcionamiento a raíz de una primera Instrucción núm.
10/2007, de 10 de julio, de la Secretaría de Estado de Seguridad del Ministerio del
Interior, por la que se aprobó el “Protocolo para la valoración policial del nivel de
riesgo de violencia contra la mujer en los supuestos de la Ley Orgánica 1/2004, de
28 de diciembre, y su comunicación a los órganos Judiciales y al Ministerio Fiscal”
(ESPAÑA, 2007b). En la actualidad y tras diversas modificaciones, tanto del protoco-
lo como de los formularios de valoración de riesgo, el protocolo ha sido sustituido por
otro aprobado mediante Instrucción 7/2016, de la Secretaría de Estado de Seguridad
(en adelante, “el Protocolo”) (ESPAÑA, 2016), que asegura la uniformidad en la com-
pilación y el tratamiento de los datos y su fácil consulta por las personas autorizadas;
ellos genera un caso. El sistema VioGén no integra los casos que tienen pendiente la realización de la
valoración del riesgo.
11 El número total de casos que gestiona VioGén es de 497.641, según el Informe estadístico del
Sistema VioGén con datos tomados al 30 de abril de 2018 (MINISTERIO DEL INTERIOR, 2018). De
ellos, son casos activos 54.259 y solo 500 han causado baja. El resto son casos inactivos.

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La diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén

el acceso al fichero de datos y su gestión se rige por la vigente Orden INT/1202/2011,


de 4 de mayo (véase el anexo II. 13: Fichero de violencia doméstica y de género)
(ESPAÑA, 2011).
El alto nivel de seguridad en el acceso al fichero explica que solo puedan
acceder a él determinados usuarios institucionales y que, mediante su identificaci-
ón electrónica, los usuarios gocen de diferentes niveles de acceso y edición de los
datos. Pueden acceder a él los órganos judiciales del orden penal, los fiscales desti-
nados en las fiscalías de los tribunales competentes, los funcionarios autorizados de
las unidades policiales especializadas en violencia de género, los Directores de los
Centros Penitenciarios o de los Centros de Inserción Social, Delegaciones y Subde-
legaciones del Gobierno, las Unidades de Valoración Forense Integral, y el personal
de las CC.AA. y –previa suscripción del correspondiente convenio de cooperación
con la Secretaría de Estado de Seguridad del Ministerio del Interior–, el personal de
las entidades locales con competencia en servicios asistenciales, puntos de coordi-
nación de las órdenes de protección de violencia doméstica y de género y oficinas de
atención a la víctima del delito.

4 LA COMPILACIÓN DE LA INFORMACIÓN RELATIVA A LOS FACTORES DE


RIESGO A TRAVÉS DE LOS FORMULARIOS VPR Y VPER

Como diligencia policial, los agentes especializados deben compilar la infor-


mación imprescindible para evaluar tanto el riesgo de que se produzca una nueva
agresión (Valoración Policial del Riesgo, VPR), como su evolución posterior (Valo-
ración Policial de la Evolución del Riesgo, VPER). La recogida de esta información
se realiza por los agentes policiales – nunca por la víctima – cumplimentando los
factores de riesgo de tipo histórico que permiten realizar la estimación del riesgo a
través de dos formularios distintos y que van ya – desde septiembre de 2016 – por la
novedosa versión 4.012.
La información inicial del caso se compila a través del “formulario VPR”, en el
que se contemplan treinta y nueve indicadores de riesgo. Algunos de ellos son, v. gr.,
si han existido vejaciones, insultos, humillaciones, violencia física o sexual; cuáles
han sido las reacciones defensivas de la víctima; si el agresor ha empleado armas
contra la víctima y si tiene acceso a ellas; si la víctima ha recibido amenazas o planes
para causarle daño físico o psíquico; si ha existido una escalada en la gravedad o en
la frecuencia de las agresiones o amenazas; si el agresor ha mostrado en los últimos
seis meses celos exagerados o conductas de control sobre la víctima; si el agresor
ha dado muestras de comportamiento violento causando daños materiales, o faltan-
do el respeto a la autoridad, o agrediendo a personas o animales, o despreciando o
enfrentándose a terceras personas; si en los últimos seis meses existen indicios de
12 El desarrollo inicial de estos formularios se debe al trabajo conjunto de especialistas policiales
y de investigadores del área de la psicología procedentes de la Universidad Autónoma de Madrid, de
la Universidad de Barcelona y de la Universidad de Málaga; en la actual versión 4.0, efectuada tras
una revisión de la eficacia predictiva del sistema, han trabajado durante más de dos años un grupo de
trabajo de expertos del Ministerio de Interior, la magistratura, el CGPJ, la Fiscalía Especial de Violencia
sobre la Mujer, la Delegación del Gobierno para la Violencia de Género y de las FSE. Cfr. M. J. García
Rodríguez, (2017, p. 747), y J. L. González Álvarez (2016, p. 111).

48
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 42 - 54

que el agresor tenga algún problema laboral o de otro orden distintos de la relación
de pareja; si el agresor se encuentra fugado o en paradero desconocido.
En la versión inmediatamente anterior a la actual, había que indicar –res-
pecto de cada ítem de riesgo – el o las varias fuentes de la información mediante
opciones predeterminadas acumulables (“víctima”, “autor”, “testigo”, “Informe técni-
co”) y, al mismo tiempo, se debía seleccionar el nivel de riesgo apreciado entre las
seis opciones disponibles: “no sabe”, “no disponible”, “bajo”, “medio”, alto”, “extremo”
(este último introducido en el año 2008). La versión actual sigue compilando las va-
rias fuentes, pero, con la mayor concreción de los indicadores de riesgo, la respuesta
al nivel de riesgo apreciado se ha ajustado a un formato más concreto y polarizado:
“sí”, “no”, “no (se) sabe”.

5 LA VALORACIÓN DEL RIESGO EN EL SISTEMA VIOGÉN Y LA ADOPCIÓN DE


MEDIDAS DE PROTECCIÓN POLICIAL

Los datos así recogidos se someten a algoritmos diseñados ad hoc para


valorar automáticamente las puntuaciones introducidas en los distintos ítems; estos
algoritmos son producto del estudio continuado de los policías, psicólogos y acadé-
micos expertos que trabajan en el desarrollo del sistema VioGén en la Secretaría de
Estado de Seguridad.
El sistema devuelve la valoración de riesgo de la víctima estructurada en
los siguientes cinco niveles de riesgo: “no apreciado” (25.933 casos), “bajo” (23.357
casos), “medio” (4.767 casos), “alto” (188 casos) y “extremo” (14 casos). Este nivel
puede ser variado al alza por los agentes actuantes en atención a circunstancias que
no vengan recogidas en los indicadores del sistema y siempre que lo valoren como
necesarias para la mejor protección de la víctima.
Cada uno de los niveles de riesgo lleva aparejadas determinadas medidas
policiales de protección y seguridad de las víctimas de carácter obligatorio y de ca-
rácter complementario (que se encuentran recogidas en el Adjunto I del nuevo Pro-
tocolo), así como – novedosamente con el nuevo Protocolo – medidas de autopro-
tección por parte de la víctima (Adjunto II del Protocolo), que constituyen el “Plan de
Seguridad personalizado de cada víctima”, con especial atención a víctimas menores
(Adjunto III del Protocolo). Por lógicas razones de brevedad, no puedo extenderme
en explicar las medidas asociadas a cada nivel de riesgo, aunque no puedo dejar de
referirme, cuanto menos, a las medidas previstas para los dos niveles de riesgo más
frecuentes: el nivel de riesgo “no apreciado”, que es el nivel prevalente con 25.933
casos en la actualidad, y el nivel de riesgo “bajo”, que sigue en número con 23.357
casos. También he de hacer notar que las medidas asociadas a un nivel de riesgo
suponen la adopción de las previstas para todos los niveles de riesgo menores que
el valorado.
Cuando la valoración del riesgo de violencia de género que arroja VioGén es
“no apreciado”, corresponde adoptar las medidas de información y prevención aplica-
bles a cualquier ciudadano para informarle de los derechos y de los recursos públicos
a su disposición y ofrecerle recomendaciones de autoprotección, complementadas

49
La diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén

con la facilitación de los teléfonos de emergencia y la asistencia especializada.


Cuando, en un escalón superior, el nivel de riesgo es “bajo”, la policía debe
adoptar, de un lado, medidas obligatorias consistentes en: 1º) Respecto del agresor,
comunicarle que la víctima dispone de un servicio policial de protección y requerirle
–si tuviera licencia de armas– para que las entregue voluntariamente a los agentes
actuantes, cursando posteriormente una solicitud de retirada del permiso de armas
a la autoridad judicial. Y 2º) respecto de la víctima, establecer contactos telefónicos
esporádicos con ella; facilitarle números de teléfono de contacto permanente (24
horas) con las FSE; informarle de forma precisa sobre el servicio de tele asistencia
móvil; derivarle hacia los servicios sociales y asistenciales que correspondan a su
domicilio, recomendándole encarecidamente que se informe de los recursos a su
disposición (especialmente los que tengan que ver con su seguridad: puntos de en-
cuentro, viviendas de acogida, etc.); y darle recomendaciones sobre autoprotección y
modos de evitar incidentes. Además y como medidas complementarias de protección
correspondientes a este nivel, los agentes pueden establecer contactos personales,
esporádicos y discretos, con la víctima; confeccionar una ficha con los datos relevan-
tes de la víctima y del agresor para que la porte el personal de patrulla; y acompañar
a la persona denunciada –si el juez ha acordado su salida del domicilio– a recoger
sus enseres. Lo anterior se completa con el diseño del Plan de Seguridad de la Vícti-
ma, que en este nivel incluye las recomendaciones de: 1º) Portar siempre el teléfono
móvil con la lista de números de teléfono importantes y de emergencia en un lugar
preferente, así como guardar los números de emergencia (112, 091, 062 y 092) en
el dispositivo móvil vinculándolos a teclas de marcación automática y rápida; 2º) Ins-
talar en el móvil la app AlertCops, una aplicación telemática de seguridad ciudadana
para dispositivos móviles desarrollada por el Ministerio de Interior, que presta un
servicio de notificación inmediata de denuncias, u otra aplicación equivalente; y 3º)
fomentar la realización de cursos de defensa personal.
El resultado de la VPR se comunica al Juzgado y, en su caso, al Ministerio
Fiscal junto en un informe que se incluye en el atestado y debe recoger los principa-
les factores de riesgo apreciados. Judicializado el atestado, corresponde al juez valo-
rar, con el auxilio de las Unidades de Valoración Forense Integral, las circunstancias
fácticas que justifican la adopción de medidas cautelares de protección de la víctima,
a cuyo efecto el informe policial constituye una diligencia más que permite su más
precisa valoración judicial.
Cabe, así, que existan discrepancias entre las medidas policiales implanta-
das y la resolución judicial sobre las medidas cautelares procedentes. Para el caso
de discrepancia, el Protocolo, no obstante reconocer la preeminencia de las medidas
judiciales que en su caso se acuerden, impone el deber de las FSE de “seguir faci-
litando la protección que corresponda a la víctima por su nivel de riesgo, y el caso
permanecerá “activo” en el Sistema VioGén, hasta que el nivel de riesgo llegue a “no
apreciado” y se pase a “inactivo”. Y si es imposible el seguimiento de estas medidas
policiales que cabe calificar como autónomas, a causa, v. gr., de renunciar la víctima
a una orden de protección o por trasladarse al extranjero “éstas se adaptarán a las
circunstancias que se deriven de la nueva situación”.

50
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 42 - 54

6 LA VALORACIÓN POLICIAL DE LA EVOLUCIÓN DEL RIESGO

Por lo demás, como el riesgo de padecer un episodio de violencia de género


es siempre cambiante y dinámico, una vez efectuada la valoración inicial del riesgo
corresponde mantener actualizada la evaluación del riesgo. De ahí que el Protocolo
imponga la obligación de monitorizar la situación de riesgo de la víctima y realizar la
Valoración Policial de la Evolución del Riesgo (VPER) en tres supuestos: cuando lo
pida el juez o el Ministerio fiscal, cuando se comunique algún hecho o cambio signi-
ficativo (v. gr. una nueva denuncia o el quebrantamiento de una medida de protecci-
ón), o periódicamente, mediante una reevaluación de los factores de riesgo y como
parte de la función de predicción y prevención de la violencia de género que cumple
el sistema VioGén.
La VPER se completa también telemáticamente a través de ítems de riesgo
que permiten valorar circunstancias sobrevenidas desde la última evaluación, para lo
que pueden resultar precisas nuevas entrevistas con la víctima y con personas de su
entorno. Una vez que un caso es registrado en el sistema VioGén es sometido a la
realización periódica de la VPER cada cierto tiempo predeterminado que es inversa-
mente proporcional al nivel de riesgo apreciado en la valoración de la que se parte.
Así, el nivel extremo ha de ser reevaluado antes de 72 horas; el nivel alto, antes de 7
días; el nivel medio, antes de 30 días; el bajo, antes de 60 días; y el nivel no aprecia-
do, cada 60 días cuando la víctima cuente con orden de protección, y cada 90 días,
si no cuenta con orden de protección.
Cuando se estime, en fin, que han desaparecido o remitido las circunstancias
de riesgo para la víctima, el Protocolo establece que las FSE lo comuniquen al Juzga-
do, “informando sobre los factores determinantes de tal valoración, pasando el caso
a estar ‘inactivo’ en el Sistema VioGén cuando no resulte de aplicación una medida
cautelar de protección en vigor”.

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La diligencia policial de valoración del riesgo de violencia de género en el Sistema Viogén

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(Artigo de convidado)

54
LOS DERECHOS A LA TRADUCCIÓN Y A
LA INTERPRETACIÓN RECONOCIDOS A
LAS VÍCTIMAS EN EL PROCESO PENAL
ESPAÑOL: LUCES Y SOMBRAS

OS DIREITOS À TRADUÇÃO E À
INTERPRETAÇÃO RECONHECIDOS ÀS
VÍTIMAS NO PROCESSO PENAL
ESPANHOL: LUZES E SOMBRAS

THE RIGHT ON TRADUCTION AND INTER-


PRETATION RECOGNIZED TO THE VICTIMS
IN SPANISH CRIMINAL PROCESS: LIGHTS
AND SHADOWS
Clara Fernández Carron
Profesora contratada
Doctora interina de Derecho Procesal de la Universidad Com-
plutense de Madrid
RESUMEN

El presente trabajo tiene por objeto analizar el reconocimiento legal a la víctima alófona de su derecho a la traducción y
a la interpretación en el marco del proceso penal. Se estudia el alcance con el que se han visto reconocidos ambos de-
rechos a las víctimas y se van analizando las ventajas e inconvenientes que presenta la regulación legal en este punto,
para acabar concluyendo que si bien ésta es, en general, positiva, sin embargo, adolece de un problema importante: en
la práctica, el ejercicio efectivo de ambos derechos por parte de la víctima alófona puede llegar a resultar muy difícil.

Palabras clave: Víctima. Derecho a la traducción. Derecho a la interpretación. Videoconferencia.

RESUMO

O presente trabalho tem por objeto analisar o reconhecimento legal à vítima alófona de seu direito à tradução e à
interpretação no marco do processo penal. Estuda-se o alcance com o qual ambos os direitos são reconhecidos às
vítimas e analisam-se as vantagens e inconvenientes que apresenta a regulação legal neste ponto, para concluir que,
se bem que esta é, em geral, positiva, todavia padece de um problema importante: na prática, o exercício efetivo de
ambos os direitos por parte da vítima alófona pode ser muito difícil.

Palavras-chave: Vítima. Direito à tradução. Direito à interpretação. Videoconferência.

ABSTRACT

The present issue aims to analyze the legal recognition for the foreign victim of its right to traduction and interpreta-
tion in criminal process. The reach of the recognition of both rights to the victims is studied, and also the advantages
and inconveniences that legal regulation presents in this point, to conclude that, although it is generally positive, it
suffers from an important problem: in practice, the effective exercising of both rights by the foreign victim may be
very difficult.

Keywords: Victim. Right to Traduction. Right to Interpretation. Video Conference.

SUMÁRIO

1. Observaciones preliminares. 2. Origen de la LEVD. 3. Derecho a la traducción y derecho a la interpretación reconocidos a las
víctimas. 3.1. Cuestiones generales. 3.2. Derecho a la interpretación. 3.3. Derecho a la traducción. 4. Conclusiones
Los derechos a la traducción y a la interpretación reconocidos a las víctimas en el proceso penal español:
luces y sombras

1 OBSERVACIONES PRELIMINARES

La finalidad del presente estudio radica en el análisis de un punto muy preci-


so del régimen jurídico de la víctima en el proceso penal español: el reconocimiento
por parte del legislador de los derechos a la traducción y a la interpretación. Habida
cuenta de la extensión de este trabajo, procederemos en primer lugar a abordar bre-
vemente el análisis del origen de la Ley 4/2015 (ESPAÑA, 2015a), de 27 de abril, del
Estatuto de la víctima del delito (en adelante LEVD) que, entre el catálogo general
de derechos comunes que reconoce a todas las víctimas, regula los derechos a la
traducción e interpretación reconocidos a las víctimas del delito , y que fue desar-
rollada posteriormente por el Real Decreto 1109/2015 (ESPAÑA, 2015b), de 11 de
diciembre, por el que se desarrolla la LEVD y se regulan las Oficinas de Asistencia
a las Víctimas del Delito (en lo sucesivo RD 1109/2015); a continuación centraremos
nuestra atención en determinar el alcance del derecho a la traducción y del derecho
a la interpretación; y, finalmente, concretaremos las ventajas e inconvenientes que, a
nuestro juicio, presenta la regulación legal de ambos derechos.

2 ORIGEN DE LA LEVD

El primer precedente del “Estatuto de la víctima” lo constituye la Decisión


Marco 2001/220/JAI del Consejo, de 15 de marzo de 2001, relativa al estatuto de la
víctima en el proceso penal (en adelante DM), que reconoce un conjunto de derechos
de las víctimas en ese ámbito (ESPAÑA, 2001). Aunque ésta, con la que se preten-
día lograr un reconocimiento homogéneo y uniformador de la víctima en el ámbito de
la UE, no fue desarrollada por los países de la Unión, sin embargo, algunos sí que
publicaron su normativa específica. Esto es lo que ocurrió, entre otros, con nuestro
Estado en el que, aunque con un ámbito y alcance diferentes, se aprobaron algunas
normas que atendían a colectivos concretos de víctimas de determinados delitos (ter-
rorismo, libertad sexual, violencia de género, etc…), pero que no ofrecían un catálogo
sistemático y unificado de derechos de la víctima, y que por tanto no brindaban una
respuesta conjunta a la situación de la víctima en general ni tampoco, en particular,
a su situación ante el proceso penal . Centrándonos ya en el origen de la LEVD, lo
primero que hay que advertir es que, en el Anteproyecto de esta Ley (en lo sucesivo
ALEVD) (ESPAÑA, 2014), el legislador pretendió introducir la trasposición de dos
Directivas: de un lado, la Directiva 2010/64/UE del Parlamento Europeo y del Conse-
jo, de 20 de octubre de 2010, relativa al derecho a la interpretación y a la traducción
en los procesos penales (en adelante DIT) (UNIÓN EUROPEA, 2010); y de otro, la
Directiva 2012/29/UE del Parlamento Europeo y del Consejo, de 25 de octubre de
2012, por la que se establecen normas mínimas sobre los derechos, el apoyo y la
protección de las víctimas de delitos (en lo sucesivo DPVD), que sustituyó a la DM
(UNIÓN EUROPEA, 2012). Dado que la opción de introducir en la LEVD la trasposi-
ción de la DIT fue rápidamente rechazada , la LEVD, en síntesis, y por lo que ahora
interesa, vino a transponer a nuestro Derecho interno la DPVD .

58
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2018: 56 - 67

3 DERECHO A LA TRADUCCIÓN Y DERECHO A LA INTERPRETACIÓN


RECONOCIDOS A LAS VÍCTIMAS

3.1 Cuestiones generales

Antes de adentrarnos en el análisis de los derechos a la traducción y a la


interpretación reconocidos a las víctimas de delitos, deben tenerse presentes las
siguientes consideraciones previas:
a) La aprobación de la LEVD no ha supuesto la derogación de la normativa
nacional especial existente en nuestro Ordenamiento jurídico destinada a reconocer
los derechos de los colectivos de víctimas que presentan especiales necesidades o
una mayor vulnerabilidad. De ello se deduce que, por lo que respecta al reconoci-
miento de los derechos a la traducción y a la interpretación, habrá de estarse a lo
dispuesto en toda esta normativa, conjugando las previsiones que se recojan al res-
pecto en cada una de ellas.
b) La LEVD ha supuesto un cambio radical en la forma de entender la par-
ticipación de la víctima en el proceso judicial. Por fin está presente en el proceso y
debe ser tenida en cuenta desde su inicio, reconociéndosele una participación mucho
más activa en él y, de solicitarlo, debiendo ser informada cumplidamente del estado
de la causa durante su tramitación, o al menos de sus hitos más relevantes, llegando
incluso a permitirla recurrir determinadas resoluciones aun cuando no esté previa-
mente personada y, en ocasiones, incluso sin necesidad de asistencia letrada. En
consecuencia, la LEVD ha incrementado notablemente las exigencias derivadas del
derecho a interpretación y a traducción.
c) A la hora de reconocer derechos a las víctimas – directas o indirectas (art.
2 LEVD) –, la LEVD no diferencia entre la gravedad del delito. Esto se corrobora con
la lectura de su art. 1, en el que se dispone que las disposiciones de la ley serán apli-
cables a las víctimas de delitos cometidos en España o que puedan ser perseguidos
en España. Así, se han de reconocer los mismos derechos a las víctimas de delitos
leves que a las que lo sean de delitos graves, cosa que, atendiendo al importante
número de derechos que se les reconoce en la LEVD y teniendo en cuenta la esca-
sez de recursos humanos y materiales, conduce a que, en la práctica, resulte muy
difícil alcanzar la efectividad real de tales derechos, por lo que hubiera sido muy po-
sitivo que, en aras a priorizar y asignar más eficientemente la escasez de recursos,
la LEVD hubiera diferenciado a las víctimas atendiendo a criterios de mayor o menor
gravedad del delito.
d) Los derechos que reconoce la LEVD a las víctimas (art. 3 y ss) tienen un
ámbito de aplicación temporal bastante extenso: se les garantiza su ejercicio antes
del comienzo del proceso (es decir, desde el primer contacto con autoridades o fun-
cionarios); a lo largo de todo el proceso; y tras su conclusión, durante un periodo de
tiempo adecuado.
e) El primero de los derechos básicos de las víctimas, denominado “derecho
a entender y ser entendida”, está relacionado directamente con garantizar la comuni-
cación, condición previa e indispensable para asegurar la efectividad de su derecho

59
Los derechos a la traducción y a la interpretación reconocidos a las víctimas en el proceso penal español:
luces y sombras

a participar en el proceso. Tal derecho se reconoce en su máxima extensión, ya que


es exigible en todo tipo de actuaciones que tengan que ver con el delito cometido -no
ya sólo desde la interposición de la denuncia y durante el proceso penal, sino incluso
con carácter previo a la interposición de aquélla-, y ya sea en sede administrativa,
policial o judicial. A fin de que el derecho de la víctima a entender y ser entendida en
cualquier actuación pueda ejercitarse plenamente, el art. 4 LEVD señala que todas
las comunicaciones con las víctimas, orales o escritas, se han de hacer en un len-
guaje claro, sencillo y accesible, teniéndose en cuenta las características personales
de aquéllas y, especialmente, las necesidades de las personas con discapacidad
sensorial, intelectual o mental o su minoría de edad.
f) Una vez garantizada la comunicación, puede desplegar ya toda su eficacia
el derecho a la información reconocido a las víctimas tanto desde el primer contacto
que tengan con las autoridades competentes, incluyéndose aquí también el momen-
to previo a la interposición de la denuncia (art. 5 LEVD), como sobre la causa penal
(art. 7 LEVD). Por lo que respecta a lo primero, el art. 5 LEVD, en el que se recoge
un extenso elenco de derechos que habrán de comunicarse a la víctima, señala que
toda víctima tiene derecho a recibir, sin retrasos innecesarios, información adaptada
a sus circunstancias y condiciones personales y a la naturaleza del delito cometido y
de los daños y perjuicios sufridos, sobre una serie de extremos entre los que, por lo
que a nosotros ahora interesa, se incluye la información sobre los servicios de inter-
pretación y traducción disponibles , además de la información relativa al derecho a
efectuar una solicitud para ser notificada de ciertas resoluciones .
g) Aunque la DPVD, al igual que lo hizo la DIT, reconoce de forma indepen-
diente dos derechos distintos, el derecho a interpretación (art. 7.1) y el derecho a
traducción (art. 7.3), distinción que, a nuestro juicio, resulta muy acertada porque con
ella se favorece la visibilidad de ambos derechos, se clarifica su alcance y se refuerza
el contenido sustancial de cada uno de ellos , la LEVD se ha decantado por regular
de forma entremezclada ambos derechos, regulándolos de forma conjunta en su art.
9 rubricado “Derecho a la traducción e interpretación”. Pues bien, en este punto ra-
dica, a nuestro juicio, uno de los principales inconvenientes que presenta la técnica
legislativa empleada en la LEVD: aunque se trata de dos derechos que presentan
aspectos comunes, son distintos e independientes el uno del otro, exigiéndose habi-
lidades y competencias diferentes para el ejercicio de cada uno de ellos, con lo que
regularlos de forma entremezclada a lo único a lo que coadyuva, desgraciadamente,
es a aumentar la confusión que, a día de hoy, reina ya desde hace tiempo respecto de
las profesiones de traductor e intérprete incluso en el ámbito de nuestros Tribunales.
h) La LEVD guarda absoluto silencio respecto del plazo para proceder tanto
a la traducción de los documentos como a la asistencia de intérprete, a diferencia
de lo que ocurre con la LECrim en la que, respecto al derecho a traducción recono-
cido a los sospechosos y acusados, se señala que habrá de hacerse en “un plazo
razonable”. Aunque si bien ante la ausencia de previsión legal al respecto, habrá
que entender que la traducción y/o la provisión de un intérprete a la víctima alófona
habrá llevarse a cabo lo antes posible, tal solución, no obstante, plantea importantes
problemas por cuanto con ella no parece posible determinar a partir de qué momento

60
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2018: 56 - 67

podrá la víctima impugnar que se ha producido una vulneración en su derecho a la


traducción o a la interpretación.

3.2 Derecho a la interpretación

El art. 9 LEVD reconoce una serie de derechos a toda víctima que no hable
o no entienda el castellano o la lengua oficial que se utilice en la actuación de que se
trate , previsión esta última relativa a la lengua oficial, que no se recogía en el ALEVD
. Entre ellos, y centrándonos ahora en el derecho relativo a la interpretación, tal pre-
cepto dispone que la víctima alófona tendrá derecho a ser asistida gratuitamente por
un intérprete que hable una lengua que comprenda cuando se le reciba declaración
en la fase de investigación por el Juez, el Fiscal o funcionarios de policía, o cuando
intervenga como testigo en el juicio o en cualquier otra vista oral, derecho también
aplicable a las personas con limitaciones auditivas o de expresión oral . Sobre este
particular, señalar que, aunque el art. 21.b) LEVD, con el fin de evitar en la medida de
lo posible la victimización secundaria, señala que se recibirá declaración de la víctima
el menor número de veces posible y, únicamente cuando resulte estrictamente ne-
cesario, vista la estructura de nuestro proceso penal, en la práctica, la víctima presta
varias veces declaración (ante la policía; la ratifica en el Juzgado; el Ministerio Fiscal
suele pedirle otra en fase de instrucción; y en juicio oral), habrá de reconocérsele el
derecho a interpretación en todas estas declaraciones. Posteriormente, el art. 9.2
LEVD señala que la asistencia de intérprete se podrá prestar por medio de video-
conferencia o cualquier medio de telecomunicación, salvo que el Juez o Tribunal, de
oficio o a instancia de parte, acuerde la presencia física del intérprete para salvaguar-
dar los derechos de la víctima. Aunque esta posibilidad pueda estar pensada para
evitar distorsiones por déficit de medios personales, se debería imponer como regla
general la presencia física del intérprete junto a la víctima, convirtiendo el recurso a
la videoconferencia en excepción, dado que estar presente virtualmente a través de
ésta no puede equipararse a la presencia física en ningún caso, ya que aquélla pre-
senta importantes problemas tanto a nivel de deficiencias o dificultades técnicas (de
visión; de audición; y generales, tales como las averías informáticas del propio siste-
ma, etc.), como de condicionantes externos que afectan a las declaraciones como,
finalmente, presenta el serio inconveniente de que su uso conduce a una profunda
deshumanización de la justicia, lo que se hace especialmente patente cuando de la
víctima de un delito se trata, dada la situación de especial vulnerabilidad en la que se
encuentra. Aunque la interpretación a distancia o remota presenta ciertas ventajas ,
nunca debería prevalecer en detrimento de la presencia física del intérprete: sustituir
la presencia física por la presencia a distancia debería ser excepcional, restringi-
éndose pues el uso de la videoconferencia en los casos en que resulte realmente
justificada la absoluta imposibilidad de que el intérprete se desplace a tiempo al lugar
donde se desarrollen las actuaciones. En definitiva, asumiendo un mal menor para
evitar males mayores, entendemos que sólo debería procederse al uso de la video-
conferencia para facilitar la interpretación con una víctima cuando se constate la ne-
cesidad de recurrir a los servicios de interpretación para hacer efectiva la asistencia

61
Los derechos a la traducción y a la interpretación reconocidos a las víctimas en el proceso penal español:
luces y sombras

a la víctima sin demora y ello no pueda hacerse de otro modo, por resultar excesivo
para aquélla el tiempo de espera para poder proveerla de la presencia física del in-
térprete y ser, por tanto, en el caso concreto lesivo para sus derechos.
De otro lado, y aunque así no se recoja expresamente en la LEVD, parece
lógico entender que a la víctima también ha de reconocérsele la asistencia lingüística
a la hora de comunicarse con su abogado en los casos en que requiera de asistencia
letrada, debiendo por tanto reconocérsele el derecho a interpretación para las comu-
nicaciones orales que tenga con su abogado. A la víctima también se le reconoce el
derecho a la asistencia lingüística gratuita a la hora de presentar su denuncia [(art.
6 b)]. Igualmente, y dado que el art. 11 b) LEVD reconoce el derecho de la víctima a
comparecer ante las autoridades encargadas de la investigación para aportarles las
fuentes de prueba y la información que estime relevante para el esclarecimiento de
los hechos , habrá que entender que, en estos casos, deberá reconocérsele el dere-
cho a ir acompañada de un intérprete, cosa que puede predicarse también para los
casos en que la víctima interese que se impongan al liberado condicional las medidas
o reglas de conducta previstas por la ley que consideren necesarias para garantizar
su seguridad; desee facilitarle al tribunal cualquier información que resulte relevan-
te para resolver sobre la ejecución de la pena impuesta (art. 13.2 LEVD); o bien
haya solicitado información relativa a la situación o estado del procedimiento (art. 7.4
LEVD). Sobre este último particular, señalar que este derecho plantea un problema
importante: resulta muy difícil determinar qué se entiende por informar y hasta dónde
llega dicho deber de información, en la medida en que la LEVD se refiere con carác-
ter genérico a informar sobre “la situación en que se encuentra el procedimiento”.
Finalmente, en los casos en que la víctima se halle ante actuaciones policia-
les, de denegársele su derecho a interpretación, decisión policial que, a tenor de lo
dispuesto en el art. 6 RD 1109/2015, será excepcional y motivada, debiendo quedar
debida constancia de la misma y de su motivación en el atestado que, a su vez, de-
berá recoger la disconformidad formulada por la víctima ante la decisión denegatoria,
el art. 9.4 LEVD le reconoce la posibilidad de recurrir tal decisión ante el Juez de ins-
trucción, entendiéndose interpuesto tal recurso cuando la víctima hubiera expresado
su disconformidad en el momento de la denegación. Sobre este particular, señalar
simplemente que se trata de recurso completamente nuevo y singular, inexistente
hasta la fecha, sobre cuya tramitación poco se especifica en la LEVD, más allá de su
constancia en el atestado, pues ni tan siquiera se señala plazo para resolverlo. En
cambio, si la decisión de no facilitar interpretación a la víctima fue judicial, a tenor de
lo dispuesto en el art. 9.5 LEVD, podrá ser recurrida en apelación .

3.3 Derecho a la traducción

El reconocimiento del derecho a la traducción procede sólo cuando la víctima


en su primera comparecencia haya solicitado la notificación de las resoluciones a que
se refieren los arts. 7.1 y 12 LEVD [por remisión del art. 9.1 b) y c)], comunicaciones
que le serán remitidas a su dirección de correo electrónico o, excepcionalmente,
cuando no disponga de ella, por correo ordinario a la dirección que hubiera facilitado

62
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2018: 56 - 67

. La traducción de las resoluciones se circunscribe, al menos, a su parte dispositiva


y a un breve resumen de los fundamentos, lo que supone una traducción parcelaria,
cabiendo excepcionalmente sustituir la traducción escrita de documentos por un re-
sumen en forma oral de su contenido en una lengua que comprenda la víctima, cuan-
do de este modo se garantice suficientemente la equidad del proceso (art. 9.3 LEVD).
Sobre este último particular, señalar que si bien permitirse, aunque sea de forma ex-
cepcional , sustituir la traducción escrita por un resumen en forma oral del contenido
de los documentos es una facultad que tiene sus ventajas, puesto que conlleva un
menor coste económico y puede ser preferible por razones de tiempo, ya que obtener
una traducción oral inmediata y no esperar a una escrita evita dilaciones temporales,
sin embargo, tal previsión restringe en cierta medida el derecho a la traducción.
La víctima tiene también derecho a que se le entregue una copia de la de-
nuncia traducida (art. 6.a) LEVD); a que se le informe en una lengua que comprenda,
de la fecha, hora y lugar de celebración del juicio [art. 9.1 d) LEVD] así como del
contenido de la acusación dirigida contra el infractor (art. 7.1 LEVD), información que,
aunque no se establece expresamente en tales preceptos deba realizarse de forma
escrita, habrá que entender que así habrá de hacerse ; a la traducción gratuita de
los extremos sobre los que deben ser informados a tenor de lo dispuesto en el art. 5
LEVD, para lo que en principio se cuenta ya con impresos o formularios de diligen-
cias de información de tales derechos traducidas a los idiomas más frecuentes ; y a
la traducción gratuita de aquella información que resulte esencial para el ejercicio de
los derechos a que se refiere el Título II LEVD (todos ellos relativos a su participación
activa en el proceso penal, incluida la fase de ejecución), pudiendo presentar a su
vez una solicitud motivada para que se considere esencial un documento [art. 9.1 c)
LEVD].
Pues bien, por lo que respecta a las concretas resoluciones que deberán ser
traducidas, lo primero que hemos de señalar es que la LEVD ha sido muy genero-
sa en este punto, incluyendo un importante número de resoluciones que habrán de
notificarse a la víctima y que, por tanto, habrán de ser traducidas a una lengua que
comprenda. Además de reconocérsele el derecho a obtener la traducción escrita de
la copia de la denuncia presentada, lo que requerirá la disponibilidad inmediata de
intérpretes, cosa que no siempre resultará posible, máxime en los casos en que la
víctima hable una lengua o dialecto minoritario, habrán de notificárseles las siguien-
tes resoluciones: la que acuerde no iniciar el procedimiento penal; la sentencia que
ponga fin al procedimiento; las resoluciones que acuerden la prisión o la posterior
puesta en libertad del infractor, así como la posible fuga del mismo; las resoluciones
que acuerden la adopción de medidas cautelares personales o que modifiquen las
ya acordadas; las resoluciones o decisiones de cualquier autoridad judicial o peniten-
ciaria que afecten a sujetos condenados por delitos cometidos con violencia o intimi-
dación y que supongan un riesgo para la seguridad de la víctima; las resoluciones a
que se refiere el artículo 13 (relativas todas ellas a determinados autos dictados por
el Juez de Vigilancia Penitenciaria ); y la resolución de sobreseimiento.
Finalmente, por lo que respecta al régimen de recursos ante la decisión de-
negatoria del derecho a traducción, se trata del mismo que el dispuesto para la de-

63
Los derechos a la traducción y a la interpretación reconocidos a las víctimas en el proceso penal español:
luces y sombras

negación del derecho a interpretación, por lo que, para evitar reiteraciones innecesa-
rias, véase lo dicho al respecto en el epígrafe anterior.

4 CONCLUSIONES

Aunque si bien es cierto que, gracias a la aprobación de la LEVD, en los últi-


mos tiempos se han reforzado en nuestro Ordenamiento jurídico los derechos y ga-
rantías reconocidos a las víctimas del delito, hemos de admitir que, sin restar valor a
lo que la LEVD les supone a estas últimas, dado que han tenido que esperar más de
un siglo desde la publicación de la LECrim para ver reconocidos sus derechos, más
cierto aún es el hecho de que muchos de éstos resultan inoperativos en la práctica,
dada la carencia de medios y recursos personales. Por lo que a nosotros ahora intere-
sa, esto es lo que ocurre precisamente con los preceptos de la LEVD que reconocen
los derechos a la traducción y a la interpretación a las víctimas que, muy a nuestro
pesar, en muchos casos no suponen más que meras declaraciones de intenciones.
Y ello es así porque, teniendo en cuenta, de un lado, lo previsto en la disposición
adicional segunda de la LEVD, en la que se señala que “las medidas incluidas en la
misma no podrán suponer incremento de dotaciones de personal, ni de retribuciones
u otros gastos de personal”, y de otro que los derechos a interpretación y traducción
a la víctima se han reconocido en la LEVD ampliamente, de modo que las exigencias
derivadas de la interpretación de diligencias orales y de la traducción de actuaciones
escritas van a verse notablemente incrementadas, tal disposición adicional deja en
papel mojado las previsiones de la LEVD relativas a ambos derechos ya que, para su
ejercicio efectivo en la práctica, parece obvio que resulta imprescindible destinar más
medios personales, y por lo tanto, incrementar el número de intérpretes y traductores.
El reconocimiento y efectividad de los derechos a traducción y a interpretación que
regula la LEVD no pueden pasar por su aplicación “a coste cero”.
Aunque en este punto el legislador aparenta ser muy garantista con la pro-
tección de tales derechos, la realidad es que en su intención subyace algo diametral-
mente opuesto: reconoce derechos “en vacío” ya que, sin medios, no puede existir un
reconocimiento efectivo de los derechos a interpretación y traducción que, recuérde-
se, han de garantizarse a las víctimas de forma gratuita, con el incremento de costes
económicos que ello entraña para las arcas públicas.

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65
Los derechos a la traducción y a la interpretación reconocidos a las víctimas en el proceso penal español:
luces y sombras

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516/2015. Derecho a la interpretación y traducción fidedigna y de calidad. Se estable-
ce la doctrina de que para que pueda ser apreciado un motivo de recurso por infrac-
ción constitucional del derecho a un proceso con todas las garantías derivada de un
supuesto defecto de traducción, lo determinante no es que se haya producido alguna
imprecisión o error genérico en el proceso de traducción, lamentablemente frecuentes
y prácticamente inevitables, sino que la parte recurrente ponga de relieve que este
supuesto error pudo ser relevante para el fallo porque menoscabó la defensa del re-
currente al inducir a error al Tribunal o bien porque le impidió exponer debidamente su
versión de los hechos o desarrollar correctamente su defensa. Se desestima el recur-
so de casación por quebrantamiento de forma, infracción de precepto constitucional e
infracción de ley. STS 18/2016, 26 de Enero de 2016. Disponible en: https://supremo.
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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2018: 56 - 67

*As referências e citações deste artigo foram normalizadas, pela RJESMPSP, de


acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Submetido: 21/03/2019
Aprovado: 08/05/2019

67
OTERMO
COMBATE
DE AJUSTAMENTO
À IMPUNIDADEDE COMO DI-
REITO FUNDAMENTAL
CONDUTA COMO INSTRUMENTO
DA VÍTIMADE E DA
SOCIEDADEAO CONSUMIDOR EM
PROTEÇÃO
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA
INCOLUMIDADE ECONÔMICA:
THE FIGHT AGAINST IMPUNITY AS VICTIM’S
ANÁLISE DA EFICÁCIA
AND SOCIETY’S DO TAC RIGHT
FUNDAMENTAL FIRMADO
ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO
AMAPÁ E A COMPANHIA DE
ELETRICIDADE DO AMAPÁ

TERM OF ADJUSTMENT OF CONDUCT AS


AN INSTRUMENT OF PROTECTION
TO THE CONSUMER IN COMPLIANCE WITH
THE PRINCIPLE OF ECONOMIC SECURITY:
ANALYSIS OF THE EFFECTIVENESS OF THE
TAC SIGNED BETWEEN THE PUBLIC
MINISTRY OF AMAPÁ AND THE COMPANY
OF ELECTRICITY OF AMAPÁ
Zacarias Alves de Araújo Neto
Mestre em Direito Ambiental e Políticas Pública pela UNIFAP
Professor de Direito Processual Civil e Direito do Consumidor
do Curso de Direito da UNIFAP

Gabriela Ferreira Sanches


Graduada em Direito pela UNIFAP
Servidora da Companhia Elétrica do Amapá.
RESUMO

O presente trabalho tem como escopo demonstrar o Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento democrático
para a defesa do direito do consumidor, verificar a eficácia desse instrumento e, ainda apresentar soluções de confli-
tos em torno da prestação de serviços públicos desta região, constituindo-se atualmente uma alternativa extrajudicial
para a solução negociada de conflitos. Para tanto, realizou-se um estudo de caso, com base no ordenamento jurídico
vigente, examinando o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pelo Ministério Público do Amapá (MP) e a
Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) vigente nos anos de 2015 a 2017.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Incolumidade econômica. Termo de Ajustamento de Conduta.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to demonstrate the Term of Adjustment of Conduct as a democratic instrument for the
defense of consumer law, to verify the effectiveness of this instrument and also to present solutions of conflicts
regarding the provision of public services in this region, constituting an extrajudicial alternative to the negotiated
solution of conflicts. Therefore, a case study was conducted, based on the current legal system, examining the Term of
Conduct Adjustment (TAC) signed by the Public Ministry of Amapá (MP) and the Companhia de Eletricidade do Amapá
(CEA) in force in the years from 2015 to 2017.

Keywords: Consumer Rights. Economic uncertainty. Term of Adjustment of Conduct.


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1 INTRODUÇÃO

A proteção ao direito do consumidor é prevista no ordenamento jurídico bra-


sileiro como uma ação constitucional com status de direito fundamental, estabele-
cido no art. 5º, XXXII, cujo alvo de proteção é o cidadão. Estabelecida a defesa do
consumidor como norma de Direito Fundamental, coloca-se também, diante de sua
situação jurídica, a salvo da reforma do legislador conforme defende Bruno Nubens
Miragem (2002, p. 17), ao afirmar que “Tem-se assentado na doutrina e na jurispru-
dência brasileira que a localização do preceito constitucional nesse setor privilegiado
da Constituição, o coloca a salvo da possibilidade de reforma pelo poder constituinte
instituído”.
Um dos órgãos responsáveis pela proteção ao Direito do Consumidor é o
Ministério Público (MP), órgão legitimado para propor o Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) como possibilidade de tutela extrajudicial dos direitos transindividuais
e com natureza de título executivo extrajudicial.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apresentar o Termo de Ajustamento
de Conduta como instrumento democrático para a defesa do Direito do Consumidor
em observância ao Princípio da Incolumidade Econômica, através da devida revisão
literária e do enfoque doutrinário sobre o instrumento, trazendo à tona as principais
características desse instituto.
Como caso paradigma a pesquisa realizou a análise do TAC assinado em
29 de novembro de 2015, firmado pelo Ministério Público do Estado do Amapá e a
Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) com vigência até 15 de dezembro do
ano de 2017. Esse estudo permitiu identificar as principais causas de reclamações
de consumidores, quais os principais efeitos da assinatura do TAC entre a Promotoria
de Justiça e a Sociedade de Economia Mista e de que forma o TAC tem propiciado
a resolução das demandas.
No estudo foi necessária a colaboração da Promotoria de Justiça de Defesa
do Consumidor de Macapá - PRODECON e da Companhia de Eletricidade do Ama-
pá, além da elaboração de um formulário próprio para a obtenção dos dados neces-
sários a partir dos seguintes questionamentos:
a) o conteúdo do TAC de 29 de novembro de 2015;
b) número de reclamações de aumento de consumo da fatura de energia
elétrica na vigência do TAC;
c) eficácia do Termo de Ajustamento de Conduta: cumprido, parcialmente
cumprido e não cumprido;
d) a avaliação do resultado da propositura do TAC para resolução de recla-
mações de aumento de consumo ou do valor da fatura;
e) comparativo do número de audiências antes e depois da assinatura do
TAC.
Por fim, é válido ressaltar que a pesquisa apresenta conteúdo de grande
interesse não apenas da comunidade acadêmica, mas também para a sociedade
civil amapaense, considerando que o direito a uma prestação de serviço público ade-
quada e eficaz está previsto no art. 6º da Lei nº 8078, de 11 de setembro de 1990

71
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

– Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, diante da abrangência de pessoas que


utilizam o serviço de energia elétrica, pode-se afirmar que é uma relação jurídica que
afeta grande parte da população amapaense.

2 MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Pode-se afirmar que o Direito Contemporâneo vem passando por uma gran-
de revitalização ao buscar meios alternativos de resolução de conflitos (MARC). Bo-
aventura de Sousa Santos (1997) já vislumbrava a tendência atual em se ensejar
uma alternativa à decisão adjudicada pela justiça burocratizada. Esta mudança fica
evidente na busca por um Direito cada vez menos litigioso, sem falar que a utilização
desses meios parece promover alívio na máquina judiciária e celeridade na solução
das lides.
É prudente que estes instrumentos não devam ser considerados meros me-
canismos de desobstrução ao Poder Judiciário. No processo civil, por exemplo, sua
missão é justamente promover a pacificação social. Contudo, não raros são os en-
tendimentos jurídicos que definem estes instrumentos de solução de conflitos como
alternativas melhores que o provimento judicial. É o que se nota por exemplo na fala
da ministra Ellen Gracie (MINISTRA..., 2011) que, na abertura do seminário “Poder
Judiciário e Arbitragem” no ano de 2011, destacou a importância da utilização dos
métodos alternativos de solução de litígios. A ministra ponderou que “os métodos
alternativos de solução de litígio são melhores do que a solução judicial, que é im-
posta com a força do Estado e que padece de uma série de percalços, como a longa
duração do processo, como ocorre no Brasil e em outros países”.
Percebe-se então, uma forte tendência no sistema jurídico brasileiro, incluin-
do nas praxes processuais dos tribunais, de tentativa de aprimoramento de uma
nova cultura jurídica, incentivando cada vez mais as práticas alternativas de solução
de conflitos. É importante ressaltar que no Direito contemporâneo a concepção de
acesso à justiça não é mais igualada ao Direito de acesso aos tribunais, e sim às vá-
rias possibilidades de resolução de conflitos, não exclusivamente através do Poder
Judiciário. Marcelo Malizia Cabral (2013), por exemplo, defende o que entende ser
uma nova concepção de acesso à justiça:

Em resumo, a construção de uma nova concepção de acesso à justiça pode


ser sistematizada a partir das seguintes premissas: a) busca da igualdade
material no acesso à justiça; b) acesso à justiça como acesso ao direito e a
mecanismos alternativos de resolução de conflitos; c) utilização do Poder Ju-
diciário para a resolução de conflitos como ultima ratio e d) desburocratização
e democratização do acesso aos tribunais. (CABRAL, 2013, p. 28).

Diante do posicionamento do autor, pode-se pensar em acesso à justiça no


panorama atual como a utilização das mais variadas formas alternativas de soluções
de conflitos utilizando o Poder Judiciário como última opção, mas sem esquecer de
buscar-se constantemente formas de desburocratizar e democratizar o acesso aos
tribunais, uma vez que o direito ao judiciário encontra-se expressamente previsto no
artigo 5º, XXXV da Constituição Federal Brasileira, sendo que para sua concretiza-

72
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

ção é necessária uma prestação jurisdicional célere e efetiva.


É fato que desde sempre os conflitos foram uma constante na história da
humanidade. No entanto, nota-se que ao longo dos séculos a humanidade se preo-
cupou em aperfeiçoar os meios alternativos de solução de conflitos até alcançar-se
os modelos de processos judiciais contemporâneos. No princípio, utilizava-se da au-
totutela como forma de resolver os conflitos sociais, preponderando desta forma a
autodefesa e uma justiça demasiadamente vingativa, vigorando nestes tempos a Lei
das XII Tábuas, originária da Lei de Talião. Esta forma de justiça foi pouco a pouco
substituída pela autocomposição, com a adoção da arbitragem nos casos em que as
partes não entravam em consenso. Tão logo o Estado começa a intervir nas relações
jurídicas, obriga os indivíduos a adotarem a arbitragem para resolver seus conflitos,
fazendo-os chegarem enfim a um término de suas demandas, aceitando a sentença
estabelecida pelo árbitro (GRINOVER, 2008).
O surgimento do juiz estatal e do processo ocorre no momento em que o Es-
tado chama para si a responsabilidade de solucionar os litígios, que até então eram
resolvidos nos moldes da arbitragem, passando assim a existir o poder-dever dos
juízes de dizer o direito na composição das lides (MARINONI; MITIDIERO, 2008).
Esta construção histórica da tutela jurídica da humanidade é por muitos au-
tores considerada contraditória e sem uma linearidade de fato definida. Assim, para
José Luiz Bolzan de Morais (1999), por exemplo:

Pode-se, assim, construir um quadro acerca da transformação da tutela ju-


rídica na sociedade, não obstante, frisamos, novamente, que tal “evolução”
não se estabeleceu necessariamente nesta sequência clara e lógica como
aparenta, afinal, a história humana não é retilínea, ao contrário ela é contradi-
tória, com avanços, estagnações e, às vezes, até retrocessos. O que embasa
tal assertiva é o fato de institutos utilizados nas civilizações antigas, como
é o caso da mediação e da arbitragem, no devir demonstrado acima, foram
substituídos por outros, que eram considerados mais justos e eficazes, e hoje
estão sendo retomados com o objetivo de atacar a debatida crise da admi-
nistração da justiça, pelos mais variados motivos. (MORAIS, 1999, p. 119).

Os meios alternativos de solução de conflitos, como se pode observar, sem-


pre foram existentes ao longo da história e, através desta nova concepção de aces-
so à justiça, eles vêm ocupando um papel de destaque diante da tutela de direitos.
Pode-se afirmar ainda que estes mecanismos vêm contribuindo cada vez mais com
novas formas procedimentais diante de antigos e novos direitos.

2.1 Algumas espécies

Dentre os MARC atuais considerados como instrumentos de ampliação do


acesso à justiça destacam-se a conciliação, a mediação e a arbitragem. A conciliação
consiste na tentativa de resolução de conflito através de intervenção de um terceiro
que auxilia as partes a conciliarem, porém, a lide é resolvida através do consenso
dos interessados. Para Lília Maia de Moraes Sales (2007), a conciliação consiste em
um:

73
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

[...] meio de solução de conflitos em que as pessoas buscam sanar as di-


vergências com o auxílio de um terceiro, o qual recebe a denominação de
conciliador. A conciliação em muito se assemelha à mediação. A diferença
fundamental está na forma de condução do diálogo entre as partes. (SALES,
2007, p. 42).

É papel do conciliador interferir no diálogo, apresentando possíveis soluções


para o litígio, cabendo às partes aceitarem ou não. A conciliação pode ocorrer durante
o processo judicial ou extrajudicial. Utiliza-se no processo civil a conciliação judicial,
que visa à solução do conflito pelos próprios interessados antes que o Estado-Juiz
se manifeste. A conciliação no procedimento judicial pode ser realizada pelo próprio
juiz ou por um conciliador designado.
A mediação, assim como a conciliação, ocorre por intermédio de um terceiro
que atua facilitando o diálogo entre as partes. Para José Cretella Neto (2004):

A mediação busca, em um primeiro momento, colocar as partes “frente a


frente”, e, em um segundo momento “o mediador propõe as bases para o de-
senvolvimento das negociações e intervém durante todo o processo, com o
objetivo de concitar as partes a aproximar seus pontos de vista sem, contudo,
impor uma solução”. (CRETELLA NETO, 2004, p. 3).

Desta forma, a mediação busca principalmente o diálogo entre as partes


mesmo que o acordo não seja possível, diferente da conciliação que tem como princi-
pal objetivo o acordo entre os interessados. Para Lia Regina Castaldi Sampaio (2007,
p. 20) “o acordo passa a ser consequência lógica, resultante de um bom trabalho de
cooperação realizado ao longo de todo o procedimento, e não sua premissa básica”,
concluindo-se então que o objetivo da mediação é buscar principalmente o diálogo e
a solução dos conflitos de maneira satisfatória para as partes.
A arbitragem por sua vez trata-se de um MARC no qual um árbitro (ou en-
tidade especializada), por consenso mútuo, é escolhido pelas partes para resolver
seus conflitos e proferir uma sentença. Este MARC foi reconhecido através da Lei
nº 9.307, de 23 de setembro de 1996 – Lei da Arbitragem (BRASIL), na qual esta-
beleceu-se o respaldo das sentenças proferidas pelo árbitro sem necessidade de
sujeição à homologação do Poder Judiciário.
A arbitragem é aplicada em litígios de natureza patrimonial disponível e sua
utilização pode ocorrer nos casos de contratos através de Cláusula compromissó-
ria, estabelecida pelas partes, ou através de Termo de Compromisso Arbitral, nos
casos de ausência contratual. Também pode ser solicitada por interesse das partes
no curso de processo judicial através de petição ao Juiz, requerendo extinção do
processo sem julgamento do mérito e encaminhando a lide para resolução através
da arbitragem. A vantagem da utilização do método da arbitragem está na celeridade
das decisões, no sigilo das lides, uma vez que os dados não são levados ao conheci-
mento público, na informalidade, na autonomia da vontade das partes e na sentença
irrecorrível.

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

2.2 Termo de Ajustamento de Conduta como método alternativo de resolução


de conflitos

Como já fora mencionado, este estudo busca evidenciar o TAC como uma
alternativa extrajudicial para a solução negociada de conflitos diante de direitos tran-
sindividuais. Neste sentido, como os demais institutos jurídicos, o TAC surgiu no
ordenamento jurídico brasileiro como um MARC em face dos anseios sociais e da
busca por celeridade na tutela de direitos difusos.
Apesar do §6º do artigo 5º da Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985 – Lei da
Ação Civil Pública (BRASIL) ser atualmente a principal norma que regula o instituto,
estabelecendo sua aplicação como medida precedente ao ajuizamento da ação civil
pública, o TAC não nasceu com o advento desta norma. Atribui-se seu surgimento
com a Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) (BRASIL), a qual preceitua em seu artigo 211 que “os órgãos públicos legiti-
mados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às
exigências legais, o qual terá eficácia de título de executivo extrajudicial”.
Contudo, é a através do artigo 113 da Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990
(BRASIL) - Código de Defesa do Consumidor (CDC), acrescentando o § 6º ao art. 5º
da Lei da Ação Civil Pública (BRASIL, 1985) que surge expressamente o TAC como
possibilidade de solução extrajudicial de conflitos transindividuais. Geisa de Assis
Rodrigues (2011) fala da importância do Termo de Ajustamento de Conduta como
método de solução extrajudicial de conflitos:

O ajustamento de conduta foi muito além dessa possibilidade ao se constituir


em solução extrajudicial de conflito de direitos transindividuais realizada pelo
próprio Ministério Público (e não por outras partes e por ele referendada), e
por outros órgãos públicos para compor conflitos relativos a direitos indispo-
níveis.
Podemos também arrolar como precursora da possibilidade da celebração do
compromisso de ajuste por órgãos públicos a própria prática administrativa
do Estado contemporâneo de se adotar, em determinadas situações, deci-
sões que importem, em uma certa medida, negociação sobre a forma de
cumprimento das normas legais ligadas a interesses da comunidade. (RO-
DRIGUES, 2011).

Rodrigues (2011) corrobora ainda quanto à preferência que deve ser dada a
este instituto diante de conflitos envolvendo direitos transindividuais:

De fato, ajuizar a ação civil pública é o caminho mais fácil para o Ministério
Público.
No entanto, não é necessariamente a forma mais adequada de tutela dos
direitos transindividuais. Sempre que haja possibilidade do acordo, pela evi-
dente ampliação de acesso à justiça que o mesmo proporciona, deve-se pre-
ferir promover o ajustamento de conduta. (RODRIGUES, 2011).

O que se pode extrair do entendimento da autora é que assim como os de-


mais meios de resolução de conflitos, através do TAC é possível alcançar a moderna
concepção de acesso à justiça, inclusive buscando a judicialização como ultima ra-
tio, uma vez que este instituto pode se constituir, em muitos casos, como uma forma

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Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

mais adequada de tutela de direitos transindividuais.

3 TAC E O DIREITO DO CONSUMIDOR

Para melhor compreensão, procurou-se na doutrina definições a respeito do


instituto em análise. Para a doutrina majoritária, o Termo de Ajustamento de Conduta
é um instrumento jurídico no qual se consigna a assunção de um compromisso de
determinado agente perante o poder público em sentido amplo, com vistas à adequa-
ção de sua conduta e formação de título executivo extrajudicial.

3.1 Conceito e Natureza Jurídica

O TAC é, segundo José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 211), “o ato
jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende
interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da
adequação de seu comportamento às exigências legais”.
A determinação da natureza jurídica do TAC é de entendimento controver-
tido na doutrina. Encontra-se dividida, substancialmente, em três correntes e pode
ser entendida como: (a) ato jurídico administrativo; (b) negócio jurídico bilateral, (c)
transação.
Para os que defendem a tese do TAC como um ato jurídico administrativo, o
compromisso de ajustamento não possui natureza contratual, pois os órgãos públi-
cos que o tomam não têm poder de disposição do direito transindividual objetivado
no TAC. Nessa linha, Hugo Nigro Mazzilli (2006) defende que:

[...] o compromisso de ajustamento de conduta é antes um ato administrativo


negocial (negócio jurídico de Direito Público), que consubstancia uma decla-
ração de vontade do Poder Público coincidente com a do particular (causador
do dano, que concorda em adequar sua conduta às exigências da lei). (MA-
ZZILLI, 2006, p. 93).

Assim, pelo que se extrai do pensamento de MAZZILI (2006), o TAC como


ato jurídico administrativo é em suma um ato administrativo negocial unilateral, no
qual prepondera a unilateralidade de vontade do Poder Público em impor condições,
cabendo ao particular somente a anuência.
Geisa de Assis Rodrigues (2011), por sua vez, afirma que este instrumento
é um “negócio jurídico bilateral, um acordo, que tem apenas o efeito de acertar a
conduta do obrigado às determinações legais” (RODRIGUES, 2011). Os defensores
da corrente que defendem o TAC como negócio jurídico bilateral afastam a natureza
jurídica de transação, pois sustentam que os direitos transindividuais são essencial-
mente indisponíveis.
Rodrigues (2011) enfatiza que a “flexibilização das condições de prazo, modo
e lugar do adimplemento da obrigação não está na esfera da transação, mas sim da
negociação” e esclarece:

Chegamos assim à conclusão de que o ajustamento de conduta é um negó-

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

cio jurídico bilateral. A bilateralidade é fundamental, já que devem existir pelo


menos duas pessoas na celebração do ajuste. Por isso que os órgãos públi-
cos legitimados não podem firmar um “autoajustamento” de conduta, quando
sejam eles os autores da ameaça ou do dano ao direito transindividual. Mais
do que seria desejável, é muito comum o Estado ser o agente do agir que põe
em risco a proteção dos direitos transindividuais, porém a conduta só pode
ser ajustada por outro legitimado, não sendo possível ocorrer um esdrúxulo
“autoajustamento”. Há evidência que o Poder Público pode espontaneamen-
te rever a sua conduta e cessar a ameaça ou a reparação da violação ao
direito, mas não se trata do negócio de ajustamento de conduta. (RODRI-
GUES, 2011).

Em outro extremo da discussão bibliográfica sobre o tema, estão aqueles


que defendem ser o TAC uma forma de transação. Daniel Roberto Fink (2002) consi-
dera o TAC como um instituto que possui natureza jurídica de transação, cujo regime
jurídico deve obedecer às regras do direito civil.
Com um entendimento semelhante, Edis Milaré (2005) considera o Termo de
Ajustamento de conduta como um:

[...] mecanismo de solução pacífica de conflitos, com natureza jurídica de


transação, consistente no estabelecimento de certas regras de conduta a se-
rem observadas pelo interessado, incluindo a adoção de medidas destinadas
à salvaguarda do interesse difuso atingido. (MILARÉ et al, 2005, p. 11).

Ana Luiza de Andrade Nery (2010, p. 153) defende a natureza jurídica de


transação híbrida do TAC e justifica “porque deve respeitar a principiologia do direito
público e do direito privado para cumprir os requisitos de validade do negócio jurídico,
característica que distingue o ajustamento de conduta da transação”.
Voltaire de Lima Moraes (2007) defende por sua vez o instituto como transa-
ção atípica e faz a seguinte qualificação sobre o TAC:

Trata-se de transação atípica, considerando que a ação civil pública, esteja


ela situada no plano constitucional ou infraconstitucional, traz a marca da
indisponibilidade quanto ao seu objeto material, pois os direitos que ela visa
proteger não são patrimoniais de caráter privado, caso em que ela é inadmis-
sível (art.84 do CC). Sendo assim, as concessões recíprocas devem situar-
-se, por parte do agente, v.g., no tempo em que deve o infrator ajustar-se às
disposições legais, ou forma de cumprimento dessas disposições, circuns-
tâncias que levam à conclusão de que o compromisso de ajustamento cons-
titui uma transação atípica. (MORAES, 2007, p. 50).

Como se pode observar, são latentes as divergências e plurais os entendi-


mentos sobre o TAC, concluindo-se ser sua natureza jurídica de complexa determi-
nação.

3.2 LEGITIMIDADE E REQUISITOS

De acordo com o artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública, o legislador conferiu


a legitimidade para a propositura do Termo de Ajustamento de Conduta para o Mi-
nistério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados-membros, os Municípios,

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Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

o Distrito Federal, as Autarquias, Empresas Públicas, Fundações, Sociedades de


Economia Mista e associações que estejam constituídas há pelo menos 1 (um) ano
nos termos da lei civil.
A respeito da legitimidade conferida ao Ministério Público, órgão importante
para este estudo, conforme Mazzili (2001), o atual ordenamento jurídico permite a
autonomia e independência dos Promotores de Justiça e a eles são conferidas a
defesa de interesses difusos e coletivos, entre eles o direito do consumidor, podendo
esta defesa ser exercida através de instrumentos como o Inquérito Civil e o Termo
de Ajustamento de Conduta para a resolução de conflitos em matéria de direito do
consumidor, por meio de construção de acordo, sem a necessidade de intervenção
do Poder Judiciário.
Considerando que o TAC é um título executivo extrajudicial, funcionando
como uma espécie de acordo, por este motivo são exigidos alguns requisitos para
sua eficácia e cumprimento. Deve necessariamente ser escrito em vernáculo, po-
dendo ser sob a forma de instrumento ou até ata de reunião (desde que evidentes
a natureza do ajuste e o teor de suas cláusulas). Deve constar no TAC: o nome, a
qualificação e o endereço das partes compromissadas e dos respectivos represen-
tantes legais. Deve haver fundamentação sobre os motivos e as causas invocadas
pelos legitimados para tomar o ajustamento de conduta. O instrumento dispensa a
presença de testemunhas, sendo suficiente a assinatura do compromitente e do com-
promissário (RODRIGUES, 2011).

4 EFICÁCIA DO TAC NA DEFESA DO CONSUMIDOR

No que tange ao instituto do Termo de Ajustamento de Conduta objeto desta


pesquisa, tem-se a definição do Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (1993), que
considera o ajuste de conduta como um instituto estabelecido em favor da tutela dos
direitos transindividuais, ou seja, não é finalidade da norma favorecer o violador do
direito.
Diante das considerações acerca da importância do Termo de Ajustamento
de Conduta, busca-se através da sua utilização verificar a eficácia desse instituto em
um caso concreto de tutela de interesses transindividuais.
Leciona o renomado doutrinador, Norberto Bobbio (2010):

O problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se esta norma é


ou não seguida pelas pessoas a quem se destina (os chamados destinatários
da norma judicial) e, caso seja violada, seja feita valer com os meios coerciti-
vos pela autoridade que a estabeleceu. (BOBBIO, 2010, p. 39).

A eficácia do TAC inicia-se no momento da tomada do compromisso. Podem


os interessados pactuar no próprio instrumento o início, o termo, as condições ou os
prazos para o cumprimento do compromisso de ajustamento (MAZZILLI, 2006).
Pode-se observar que a eficácia de um TAC tem relação com a capacidade
deste instrumento em produzir efeitos jurídicos, dentre eles, fazer cumprir a respon-
sabilidade do obrigado diante das cláusulas ajustadas entre os interessados e com

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isso resultar na formação do título executivo extrajudicial. Rodrigues (2011) analisa


em sua obra o que vem a ser a eficácia deste instituto:

Analisar o negócio jurídico sob o plano da eficácia é justamente verificar se o


mesmo tem aptidão para produzir efeitos.
O ajustamento de conduta tem os seguintes efeitos principais: a) a determi-
nação da responsabilidade do obrigado pelo cumprimento do ajustado; b) a
formação do título executivo extrajudicial.
Quanto ao procedimento da investigação, o efeito depende da regra vigente
na instituição, podendo ocorrer: a) a suspensão do procedimento administra-
tivo no qual foi tomado, ou para o qual tenha repercussão, ocorrendo a homo-
logação do compromisso; b) a suspensão do procedimento sem que haja a
homologação do compromisso, com o seu encerramento apenas após o seu
pleno cumprimento; c) o arquivamento do processo administrativo, havendo
a necessidade de se instaurar um novo procedimento para a fiscalização do
cumprimento do termo de ajustamento de conduta. Em regra, o ajustamento
de conduta produz todos esses efeitos quando da sua assinatura. (RODRI-
GUES, 2011, grifo nosso).

Além disso, no plano da eficácia, o TAC pode suspender o processo adminis-


trativo do qual resultou, com ou sem homologação do compromisso, ou ainda promo-
ver o arquivamento do procedimento administrativo instaurado.

5 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE ECONÔMICA DO CONSUMI-


DOR

O Código de Defesa do Consumidor, distanciando-se das tradicionais legis-


lações nas quais predominava o sistema de regras entendido como aquele no qual o
legislador tenta prever todas as possibilidades de situações, regulando-as em regras
específicas, adotou um sistema de cláusulas abertas, no qual preponderam os prin-
cípios. Por este motivo diz-se que o CDC é uma lei principiológica.
Assim, dos artigos presentes no CDC, aliado aos direitos previstos em outras
áreas do direito correlacionadas à seara consumerista, a doutrina chegou, mesmo
que de forma não consensual, a uma delineação dos princípios mais importantes no
que diz respeito aos direitos dos consumidores, lembrando que para a doutrina majo-
ritária estes princípios, exteriorizados explicitamente no CDC, não são taxativos, mas
meramente exemplificativos, uma vez que não se esgotam na menção expressa do
Código, havendo outros que nele estão implicitamente inseridos.
Faz-se necessário elucidar o conceito de Princípio e sua função no ordena-
mento jurídico, dessa forma, conceitua Celso Antônio Bandeira de Mello:

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de


um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção
das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema
jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É

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Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o es-


calão do princípio atingido, porque representa insurgência contra o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu ar-
cabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 2004, p. 451).

Os princípios, afirma Paulo Bonavides (2004, p. 259), “são o oxigênio das


Constituições na época do pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas
constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem
normativa”.
Neste estudo dá-se ênfase ao Princípio da Proteção ao Direito do Consu-
midor, garantia fundamental, pela qual, conforme o preceito Constitucional (art. 5º,
XXXII), cabe ao Estado o dever de proteger o consumidor, devido à condição de de-
sigualdade existente nas relações de consumo. Portanto, as normas do consumidor
deverão ser aplicadas para equilibrar tais relações, estabelecendo a igualdade entre
as partes. Justamente com esse intuito, foi editado o Código de Defesa do Consu-
midor, introduzindo no ordenamento nacional diversas ferramentas que podem ser
utilizadas para garantir a proteção dos consumidores. Rogério Tadeu Romano (2017)
estabelece a seguinte definição deste princípio:

e) O princípio da proteção: este princípio está estampado no artigo 6º do


CDC, seja protegendo a incolumidade física (direito à vida, saúde e seguran-
ça do consumidor em relação aos riscos oferecidos considerados perigosos
ou nocivos), a incolumidade psíquica (o direito à liberdade na escolha e nas
contratações), a incolumidade econômica (protege o consumidor contra prá-
ticas abusivas, produtos e serviços nocivos a ele. Este princípio tem base no
artigo 5º, XXXII da CF; (ROMANO, 2017, grifo nosso).

O fato é que todas as normas instituídas no CDC têm como princípio e meta
a proteção ao consumidor, também estampada no artigo 47 do CDC, que estabe-
lece que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favoráveis
ao consumidor”. Considera-se o núcleo do sistema protetivo instituído pelo CDC a
busca de um equilíbrio entre os participantes das relações de consumo. O artigo 4º
desta norma instituiu a Política Nacional das Relações de Consumo que, conforme o
texto da lei, tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o
respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econô-
micos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia
das relações de consumo.
Observando a Teoria da Qualidade no Direito do Consumidor, o Ministro An-
tônio Herman Benjamin (2009) diz que é possível enxergar duas órbitas distintas de
proteção. A primeira centraliza sua atenção na garantia da incolumidade físico-psí-
quica do consumidor, protegendo sua saúde e segurança, enquanto que a segunda
buscar regrar a incolumidade econômica do consumidor em face dos incidentes de
consumo capazes de atingir seu patrimônio, e é justamente o desprezo pelos inte-
resses econômicos dos consumidores que constitui a parte mais visível da sua des-
proteção.
Chamam-se práticas abusivas as ações que surgem das condutas de forne-
cedores que desvirtuam os padrões de boa conduta nas relações de consumo, ex-

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

trapolando os limites da boa-fé, podendo atingir tanto a incolumidade físico-psíquica


quanto a econômica do consumidor.
Neves e Tartuce (2014) compartilham o mesmo pensamento sobre o caráter
exemplificativo do artigo 39 do CDC ao abordar a questão das práticas abusivas nas
relações de consumo:

O art. 39 da Lei 8.078/1990 tipifica, mais uma vez em rol exemplificativo ou


numerus apertus, uma série de situações tidas como ensejadoras do abuso
de direito consumerista. Muitas das hipóteses ali descritas são bem comuns
na contemporaneidade, sem excluir outras que surgirem pela evolução das
relações negociais. Deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer
conduta ou ato em contradição com o próprio espírito da lei consumerista.
Como bem leciona Ezequiel Morais, ‘prática abusiva, em termos gerais, é
aquela que destoa dos padrões mercadológicos, dos usos e costumes (incs.
II e IV, segunda parte, do art. 39 e art. 113 do CC/2002) e da razoável e boa
conduta perante o consumidor’. (NEVES E TARTUCE, 2014, p. 276).

Neste mesmo entendimento, “pode-se definir o abuso do direito como o re-


sultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem, i.e,
o abuso do direito se caracteriza pelo uso irregular e desviante do direito em seu
exercício, por parte do titular” (NUNES, 2009, p. 139). Desta forma, atenta contra o
princípio da incolumidade econômica qualquer prática considerada abusiva, capaz
de causar dano ao patrimônio do consumidor.

6 CONCESSIONÁRIAS DE ENERGIA ELÉTRICA E O DIREITO DO CONSUMIDOR

É importante ressaltar que a legislação e a doutrina diferenciam vários tipos


de consumidores, e esta pesquisa realizou um estudo sobre a relação de consumo
do usuário dos serviços públicos de energia elétrica. Neste sentido, Fadel (2009)
considera que sinônimo de consumidor é o usuário dos serviços públicos de energia
elétrica, sendo que o “consumidor de energia elétrica é o usuário que adquire ou uti-
liza este produto como destinatário final fático e econômico, apresentando vulnerabi-
lidade técnica, cientifica ou fática, frente ao fornecedor” (FADEL, 2009, p. 61).
Partindo desta ideia, considera-se a prestação de fornecimento de energia
elétrica espécie de relação jurídica normatizada pelo Código de Defesa do Consu-
midor, sendo que, desta forma, as concessionárias de energia elétrica aderem às
normas do CDC, conforme o exposto na Resolução ANEEL nº 414/2010:

Art. 140. A distribuidora é responsável, além das obrigações que precedem o


início do fornecimento, pela prestação de serviço adequado a todos os seus
consumidores, assim como pelas informações necessárias à defesa de inte-
resses individuais, coletivos ou difusos. (ANEEL, 2010, grifo nosso).

Nota-se que a exigência de prestação de serviço público adequado e eficaz


está prevista no art. 6º do CDC. Diante disto analisa-se o conceito de eficiência atri-
buído aos serviços prestados pelas concessionárias de energia elétrica.
Luiz Antônio Rizzato Nunes (2009) considera que a eficiência é a ideia de
que o serviço deve ser prestado de forma que atinja a finalidade para a qual é desti-

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incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

nado, ou seja, não basta ser adequado, nem estar à disposição das pessoas. É ne-
cessário que alcance os objetivos da contratação. Quanto ao sentido de adequação,
parte-se da definição legal, nos termos do artigo 6º da Lei 8.987 de 13 de fevereiro de
1995 - Lei de Concessões e Permissão (BRASIL), na qual serviço público adequado
é aquele prestado com regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade,
generalidade, cortesia e modicidade tarifária.
O Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) é ainda mais específico
quanto às concessionárias, no seu artigo 22:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, per-


missionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados
a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
Parágrafo Único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obriga-
ções referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-
-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código. (BRASIL,
1990).

Diante destas considerações sobre a defesa do direito do consumidor no


ordenamento jurídico brasileiro, ao garantir a segurança nas relações de consumo
envolvendo a prestação do fornecimento de energia elétrica faz-se importante frisar
o que a legislação e doutrina entendem sobre a tutela dos direitos dos consumidores
envolvidos neste tipo de relação jurídica.
O parágrafo único do artigo 2º do CDC reconhece a existência de uma co-
letividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que atuam em uma relação de
consumo e que a elas são garantidos os chamados direitos transindividuais, assim
denominados por não pertencerem ao indivíduo de forma isolada, e que podem ser
classificados em: direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Pode-se dizer
que o direito transindividual, também chamado de direito coletivo em sentido amplo,
é gênero que abriga três espécies ou categorias, conforme previsto no artigo men-
cionado.
Neste estudo, aborda-se o direito difuso, este direito que para Celso Antônio
Pacheco Fiorillo (2005, p. 6) “se apresenta como um direito transindividual, tendo um
objeto indivisível, titularidade indeterminada e interligada por circunstância de fato”.
Este direito, que é considerando pela literatura jurídica como essencialmente de na-
tureza indivisível, só é considerado como um todo, não sendo possível individualizar
a pessoa atingida pela lesão gerada por sua violação. Nasce de uma circunstância
de fato, comum a toda a comunidade.

7 O CASO CEA

No final do ano de 2015 eram comuns na mídia notícias de consumidores


protestando com cartazes e diversas confusões na unidade de atendimento presen-
cial na Companhia de Eletricidade do Amapá, havendo a necessidade de intervenção
policial. As reclamações apresentadas eram de diversas naturezas, indo desde a fal-
ta de atendimento nos postos presenciais, até o aumento de até 900% no valor das

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faturas e a entrega de duas contas no mês de novembro (PACHECO, 2015).


O Ministério Público se pronunciou na imprensa expressando interesse em
intervir na situação e apresentar alguma solução para a sociedade, ávida por respos-
ta do Estado. O Promotor de Justiça Alcino de Oliveira Moraes, titular da Promotoria
de Defesa do Consumidor na época, em entrevista ao site de notícias G1 afirmou:

Assim que tomamos conhecimento desse fato, que vem gerando toda essa
confusão no Estado, instauramos procedimento administrativo para apurar.
E, como faço, antes de tomar qualquer medida judicial, eu gosto de ouvir a
outra parte para saber o que é necessário fazer e se há interesse em solucio-
nar o problema. Ninguém é obrigado a assinar um TAC, mas, em compensa-
ção, fica sujeito às medidas judiciais. (PACHECO, 2015).

A Companhia de Eletricidade do Amapá manifestou interesse em resolver as


demandas apresentadas pelo MP, tendo a diretoria da empresa estabelecido diálogo,
adotando as medidas para cumprir as condições propostas pelo MP. O diretor-pre-
sidente da CEA em exercício, José Eliaz Rosa, disse em entrevista, também ao site
de notícias G1, que a diretoria encontrou, no início da sua gestão, uma empresa com
sérios problemas, mas que de forma alguma iriam criar dificuldades para os consu-
midores (PACHECO, 2015).

8 O TAC FIRMADO EM 29 DE NOVEBRO DE 2015

No dia 29 de novembro de 2015, o MP e a CEA firmaram um TAC, com o


intuito de garantir uma forma eficiente de resolução dos conflitos e correção dos
problemas relativos à prestação dos serviços de energia elétrica aos consumidores.
Para a propositura do instrumento de Termo de Ajustamento de Conduta em
comento, o Ministério Público do Amapá considerou os seguintes fatos:
a) a competência do Compromitente, o Ministério Público do Amapá, em
promover a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais
em consonância com o artigo 127 da Constituição Federal Brasileira de 1988 e atra-
vés da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Macapá - PRODECON, a
defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos consumido-
res de Macapá;
b) a defesa do Consumidor como um direito fundamental do cidadão e
dever do Estado, conforme artigo 5º, inciso XXXII da CF e artigo 1º do CDC;
c) considerou que a Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões e Permissões da
Prestação de Serviços Públicos) (BRASIL), no §1º do artigo 6º estabelece que “servi-
ço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,
segurança, atualidade e cortesia na sua prestação” e que os consumidores/usuários
dos serviços de fornecimento de energia elétrica possuem o direito de acesso aos
serviços de energia elétrica com padrões de qualidade e regularidade adequados,
principalmente em relação às suas reclamações;
d) os fatos ocorridos no âmbito de todo o Estado referentes ao lançamento
de duas faturas de energia no mês de novembro de 2015, bem como cobranças fei-
tas a mais e cortes que se caracterizaram como indevidos;

83
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

e) que as medidas tomadas pela Compromissária, a Companhia de Eletri-


cidade do Amapá, não foram suficientes para esclarecimento da população;
f) que houve o ingresso de representação de um grupo de consumidores
junto à PRODECON e, assim, foi instaurado um Procedimento Preparatório de Inqué-
rito Civil;
g) que a Compromissária fôra devidamente notificada para prestar escla-
recimentos e se comprometeu a tomar medidas urgentes para minimizar os efeitos
dos problemas ocorridos, como a implantação de um atendimento diferenciado e o
aumento dos seus guichês de atendimento ao público;
h) que a Compromissária reconheceu expressamente a ocorrência dos
fatos objeto do procedimento e que geraram dissabores a incontáveis consumidores
em todo o Estado do Amapá;
i) que a Compromissária expediu um Ofício expondo suas justificativas e
sinalizou claramente sua intenção de resolver todas as pendências através do TAC.
Diante das questões levantadas pelo Parquet e com a devida anuência da
Companhia de Eletricidade, ambos celebraram o Termo de Ajustamento de Conduta
contendo as características que serão abordadas adiante.

8.1 A fundamentação legal do TAC

O TAC de 29 de novembro de 2015 teve como base para a sua celebração


o artigo 5º, §6º, da Lei de Ação Civil Pública (BRASIL, 1985), que dispõe que “Os
órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajusta-
mento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia
de título executivo extrajudicial”. Além deste, utilizou-se o disposto do artigo 93, in-
ciso II, do CDC (BRASIL, 1990) para justificar a atribuição legal para o trato coletivo
de âmbito estadual da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor da Capital.
Destacou-se na celebração do TAC a atenção do Compromitente em atender
às recomendações contidas na Resolução nº 118 do Conselho Nacional do Ministério
Público (CNMP, 2014). Esta resolução, em suma, surge como uma norma que passa
a fixar regras para o Ministério Público brasileiro adotar mecanismos de negociação,
mediação e conciliação em conflitos em que o órgão atua como parte na defesa de
direitos e interesses da sociedade, demonstrando desta forma o interesse do MP em
buscar uma solução amigável, de forma a evitar e/ou minimizar o ajuizamento de
ações para o trato de assuntos que podem ser resolvidos no âmbito administrativo.
Enfatiza-se novamente a tendência do direito brasileiro em buscar soluções alternati-
vas de soluções de conflitos, independente das partes envolvidas na lide.

8.2 O objeto do TAC

O objeto do TAC de 29 de novembro de 2015 foi garantir formas eficientes de


correção e resolução dos problemas anunciados nas considerações do referido ins-
trumento, referentes ao lançamento de duas faturas no mês de novembro de 2015,
cobrança exorbitante de consumo e suspensão indevida de fornecimento de energia.

84
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

8.3 As obrigações pactuadas

Dentre as obrigações estabelecidas no TAC a CEA deveria: a) disponibilizar


aos consumidores serviços adequados e eficientes, de acordo com os parâmetros de
qualidade definidos na Seção III, Das Diretrizes para a Adequada Prestação dos Ser-
viços, da Resolução Normativa 414 – ANEEL (2010), tais como condições de regula-
ridade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua
prestação e modicidade das tarifas; b) manter em pleno funcionamento um atendi-
mento diferenciado para atendimento das demandas relatadas no TAC, bem como o
serviço normal de atendimento; c) suspender a cobrança e os cortes no fornecimento
de energia referentes às contas de energia emitidas no mês de novembro para os
consumidores que contestassem tal cobrança no balcão diferenciado de atendimento
CEA; d) revisar todas as cobranças extras de novembro que fossem contestadas no
balcão diferenciado de atendimento, realizando os devidos ajustes, prorrogando os
prazos de pagamento e parcelando a segunda fatura em no mínimo três vezes; e)
devolver aos consumidores todos os valores que fossem reconhecidamente pagos a
mais; f) providenciar idêntico atendimento diferenciado como o realizado na capital
nas comarcas do interior do Estado; e g) abster-se de efetuar registro em banco de
dados negativos (SPC e SERASA) dos consumidores com reclamações em análise.

8.4 Sanções pelo descumprimento do TAC

Caso a compromissária descumprisse as obrigações pactuadas, obrigava-se


ao pagamento das seguintes espécies de multa: a) Para os casos individuais em
que se constatasse a cobrança indevida, o valor equivalente a 30% (trinta por cen-
to) da fatura questionada revertendo-se o valor em benefício do consumidor lesado,
b) em caso de descumprimento de obrigação de natureza coletiva, o valor de R$
100.000,00 (cem mil reais) revertida para o Fundo Especial de Apoio e Desenvolvi-
mento do Ministério Público do Estado do Amapá (FEMPAP).
O TAC em questão, após sua celebração, teve três aditivos. O primeiro foi
realizado no dia 24 de dezembro de 2015, o segundo no dia 05 de abril de 2016 e o
terceiro em 15 de março de 2017. Foi arquivado em 15 de dezembro de 2017. Em
suma, estes aditivos reiteravam todas as obrigações constantes no primeiro TAC,
postergando seus prazos e ajustando questões relacionadas ao atendimento diferen-
ciado até então disponibilizado pela compromissária.

8.5 Resultados do TAC

A CEA, por sua vez, através da Comunicação Externa nº 0052 de 18 de julho


de 2017, encaminhada à Controladoria Geral do Estado (CGE), informou os motivos
das reclamações que ocasionaram a necessidade de resolução por TAC e a forma
como até aquele momento havia procedido para cumprimento do acordo.
Primeiramente, a concessionária reconheceu que em virtude da modificação
e aperfeiçoamento do processo de faturamento (leitura de consumo, faturamento,

85
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

impressão e entrega de contas) da Companhia, ocorrido em novembro de 2015, o


qual anteriormente era concluído em até 25 dias, passou para 01 (um) dia (variação
de dias entre a leitura e entrega da conta). Isto ocasionou aos consumidores, duran-
te sua implementação, os problemas de emissão de duas faturas no mesmo mês,
aumento de dias faturados e consequentemente aumento de consumo no primeiro
ciclo após a mudança, bem como o consumo acumulado ocasionado em função do
faturamento por média nos meses anteriores.

8.5.1 Cumprimento das obrigações

Diante da situação e em cumprimento dos itens 1 e 2 das obrigações esta-


belecidas no TAC de novembro de 2015, que versam sobre a implantação de aten-
dimento diferenciado aos consumidores, a empresa alegou ter tomado as seguintes
medidas:
a) ampliação do espaço físico do Atendimento Presencial Macapá: Os nú-
meros de guichês no atendimento presencial em Macapá passaram de 06 para 12
guichês, dobrando a capacidade de atendimento;
b) aumentou em 100% o número de assentos;
c) transferência Provisória de funcionários para o setor de atendimento,
visando à celeridade nos processamentos internos das reclamações e a fim de dimi-
nuir o prazo de resposta final;
d) criação de atendimento diferenciado para consumidores com recla-
mações registradas no Instituto de Defesa do Consumidor do Amapá - PROCON e
PRODECON, com o intuito de gerar solução imediata (COMUNICAÇÃO EXTERNA
Nº0052, 2017).
Quanto aos itens 3 e 4 do TAC, respectivamente, abster-se de efetuar até o
dia 30 de junho de 2016 o registro em cadastros de proteção ao crédito dos nomes
dos consumidores por falta de pagamento das faturas objeto do TAC e fazer, quando
for o caso, a devida revisão da conta reclamada, a empresa manifestou que provi-
denciou:
a) a suspensão da cobrança das faturas 10/2015 e 11/2015 para clien-
tes baixa tensão residenciais, rurais e comerciais com reclamação em curso junto a
CEA, PROCON, PRODECON;
b) a Suspensão de cobrança das faturas via inclusão no cadastro de ina-
dimplentes: SPC e SERASA.
Além disso, a CEA afirmou, conforme as tabelas abaixo constantes no relató-
rio encaminhado à CGE, que recebeu, no período de novembro de 2015 a fevereiro
de 2017, um total de 56.709 (cinquenta e seis mil e setecentos e nove) reclamações
em suas lojas de atendimento e 3.989 (três mil e novecentos e oitenta e nove) re-
clamações encaminhadas do PROCON aos atendimentos alternativos da CEA nos
postos de Atendimento do Sistema Integrado de atendimento ao Cidadão – SIAC,
totalizando assim 60.698 (sessenta mil seiscentas e noventa e oito) reclamações
recebidas em um período de 15 meses, de acordo com os detalhamentos contidos
as tabelas abaixo inseridas.

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

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22
Tabela 01 – Serviços gerados no sistema Comercial CEA

QUANTIDADE DE SERVIÇOS GERADOS


Alteração Reclamação
Mês/Ano Tabela 01 – Serviços
Vencimento geradosRefaturamento
Parcelamento no sistema Comercial CEA em Vencimento
com Analise
de conta Campo Optativo
NOV-15 1.268 QUANTIDADE
1.412 DE SERVIÇOS3.907 GERADOS 3.082 1276
DEZ-15 Alteração
3.301 2.025
3.794 Reclamação
11.774 1834
Mês/Ano Vencimento Parcelamento
Refaturamento com Analise em Vencimento
JAN-16 de4.952
conta 2.195
5.181 5.934
Campo 1265
Optativo
NOV-15
FEV-16 1.412
2.824 1.268
2.956 3.907
4.884 3.082
8.912 1276
698
DEZ-15
MAR-16 3.301
3.510 2.025
3.414 3.794
3.918 11.774
2.742 1834
793
ABR-16
JAN-16 897
4.952 2.689
2.195 3.290
5.181 2.812
5.934 804
1265
MAI-16 1.058 2.872 4.155 2.502 836
FEV-16 2.956 2.824 4.884 8.912 698
JUN-16 489 2.230 3.114 1.484 697
MAR-16 3.510 3.414 3.918 2.742 793
JUL-16 549 1.735 2.548 4.164 621
ABR-16 897 2.689 3.290 2.812 804
AGO-16
MAI-16 753
1.058 1.684
2.872 2.716
4.155 3.229
2.502 492
836
SET-16 326 1.655 2.464 2.463 364
JUN-16 489 2.230 3.114 1.484 697
OUT-16 252 1.660 2.048 1.994 461
JUL-16
NOV-16 549
535 1.735
1.846 2.548
1.974 4.164
1.785 356
621
DEZ-16
AGO-16 188
753 3.429
1.684 1.924
2.716 1.857
3.229 371
492
JAN-17
SET-16 233
326 3.403
1.655 2.017
2.464 1.091
2.463 517
364
FEV-17
OUT-16 308
252 1.990
1.660 2.020
2.048 884
1.994 406
461
TOTAL
NOV-16 21.575
535 37.063
1.846 49.954
1.974 56.709
1.785 11.791
356
Fonte: Sistema Comercial
DEZ-16 188 AJURI – CEA, extraído em 17.07.2017.
3.429 1.924 1.857 371
JAN-17 233 3.403 2.017 1.091 517
FEV-17 308Tabela 02 – Reclamações
1.990 2.020pelo PROCON
geradas 884 406
TOTAL 21.575 37.063 49.954 56.709 11.791
Fonte: Sistema Comercial
SEDE AJURI – CEA, extraídogerada
Quantidade em 17.07.2017.
Quantidade Situação
Período de 01/10/2015

concluída
Central PROCON 3.756 geradas pelo PROCON
Tabela 02 – Reclamações 3.756 Regular
a 31/12/2016a 31/12/2016

PROCON SIAC-NORTE 130 130 Regular


PROCON SIAC-SUL - 2 2 Regular
SEDE Quantidade gerada Quantidade Situação
PROCON – SIAC 65 65
Período de 01/10/2015

concluída Regular
Laranjal do Jarí
Central PROCON 3.756 3.756 Regular
PROCON SIAC- 36 36
PROCON SIAC-NORTE 130 130 Regular
CENTRO
PROCON SIAC-SUL - 2 2 Regular
TOTAL 3.989 3.989
PROCON – SIAC 65 65
Fonte: Controle Geral dos atendimentos – Relatório Analítico. Regular
Laranjal do Jarí
PROCON SIAC- 36 36
Regular
A Concessionária afirma que foram tomadas todas as providências necessárias à
CENTRO
TOTAL 3.989 3.989
resolução das reclamações envolvendo aumento exorbitante de consumo nas faturas.
Fonte: Controle Geral dos atendimentos – Relatório Analítico.
Na tabela 01 afirma-se que a empresa realizou 49.954 (quarenta e nove mil e
A Concessionária
novecentos afirmarefaturamentos
e cinquenta e quatro) que foram tomadas todas
(correção as providências
dos valores necessárias
das faturas) no períodoà
resolução das reclamações envolvendo aumento exorbitante de consumo nas faturas.
Na tabela 01 afirma-se que a empresa realizou 49.954 (quarenta e nove mil e
A Concessionária afirma que foram tomadas todas as providências necessá-
novecentos e cinquenta e quatro) refaturamentos (correção dos valores das faturas) no período
rias à resolução das reclamações envolvendo aumento exorbitante de consumo nas
faturas.
Na tabela 01 afirma-se que a empresa realizou 49.954 (quarenta e nove mil e
novecentos e cinquenta e quatro) refaturamentos (correção dos valores das faturas)
no período de novembro de 2015 a fevereiro de 2017. Além disso, aponta-se ainda a
realização de 37.063 (trinta e sete mil e sessenta e três) parcelamentos, atendendo,
portanto, ao item 4 das obrigações da compromissária constantes no TAC (revisão de
cobranças extras e parcelamento de faturas).

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Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

Além disso, a empresa apresentou um relatório de levantamento de lança-


mentos de créditos por cobrança indevida para constatar o ressarcimento por paga-
mento a mais das faturas que foram questionadas nas lojas de atendimento, confor-
me o gráfico abaixo.

Gráfico 01- Levantamento de lançamentos de créditos por cobrança indevida


por unidade consumidora no período de julho de 2015 a maio de 2016.

Fonte: Sistema Comercial AJURI – CEA, extraído em 30.01.2018.

Conforme o gráfico, nota-se que no período posterior à celebração do TAC


houve registro de lançamentos de créditos por cobrança indevida, e, conforme ma-
nifestação da CEA, o número de créditos ao consumidor só não foi maior devido ao
fato das faturas questionadas, em sua maioria, não terem sido pagas até a conclusão
da análise das reclamações, até mesmo porque a empresa estava obrigada a não
suspender o fornecimento de energia por débitos dos meses de outubro e novembro
de 2015. Destaca-se, com isso, que o TAC teve eficácia na proteção aos riscos de
danos econômicos aos consumidores ao determinar a revisão das faturas, suspen-
são de suas cobranças até o tratamento das reclamações pela concessionária e o
dever da empresa em devolver aos consumidores todos os valores que fossem reco-
nhecidamente pagos a mais.
Ainda a respeito das faturas com referências 10/2015 e 11/2015, que foram
objeto do Termo de Ajustamento de Conduta, a empresa informou que as referidas
não são objeto de reclamações via PROCON ou PRODECON desde dezembro de
2016.

8.5.2 Manutenção da linearidade da quantidade de demandas judiciais

88
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

Na pesquisa também se obteve acesso, através da Procuradoria Jurídica da


CEA, ao número de Processos Judiciais respondidos pela Companhia de Eletricida-
de do Amapá com causas de pedir envolvendo reclamações de faturas no período
de cinco meses antes e cinco meses depois do surgimento da lide, e constatou-se,
conforme quadro abaixo:

Gráfico 02 - Quantitativo de demandas judiciais de maio de 2015 a maio de


2016.

Fonte: elaborado pelos autores.

Demonstra-se, no quadro de levantamento de Processos Judiciais, que


houve linearidade no número de audiências (números absolutos) respondidas pela
CEA que tiveram como causa de pedir cancelamento ou revisão de faturas, consta-
tando-se que o acordo firmado entre PRODECON e CEA surtiu efeito no sentido de
evitar-se um grande número de judicialização das demandas.
Se forem considerados os dados da Tabela 01 – Serviços gerados no sistema
Comercial CEA, em especial a coluna Reclamação com Análise em Campo, tem-se
que houve um aumento de quase 300% entre os meses de novembro e dezembro de
2015 (época na qual ocorreu a emissão de faturas em duplicidade e excessos de co-
brança), sem que houvesse aumento proporcional no número de demandas judiciais,
no mesmo período, conforme demonstrou o Gráfico 02.

8.5.3 Conscientização institucional

Há que se ressaltar que a Concessionária de energia tem expressado, ulti-

89
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

mamente, principalmente após a propositura do TAC em questão, um forte interesse


em estabelecer diálogo com os órgãos competentes, como o PROCON, o MP, o
Poder Judiciário e demais Poderes Públicos, como Prefeituras e Governo do Estado,
bem como com seus consumidores, buscando dar publicidade sobre suas ações
institucionais e buscando evitar possíveis conflitos. Como exemplo, tem-se a recente
parceria entre a CEA e o Tribunal de Justiça do Amapá - TJAP através do Centro
Judiciário de Solução de Conflitos – CEJUSC, na qual estabeleceu-se a realização
de conciliações entre a empresa e consumidores para a resolução de demandas
envolvendo inadimplência. Manifestou-se a empresa através de seu site oficial sobre
essa ação:

A Conciliação representa benefícios aos consumidores, à CEA e ao judiciário,


pois através do diálogo entre as partes, com a mediação da justiça, os con-
flitos são solucionados sem a necessidade de tramitação judicial, tornando
mais célere os processos.
Em reunião com a diretoria da CEA, a juíza Joenilda Lenzi, coordenadora do
CEJUSC do Fórum de Macapá, destacou que a iniciativa de potencializar a
conciliação no Amapá é uma forma de modernizar a justiça no Estado, ga-
rantindo soluções rápidas aos conflitos e possibilitando um melhor relaciona-
mento entre os consumidores e as instituições. (CARVALHO, 2017).

Esta manifestação pública da concessionária indica que passar por um pro-


cesso de ajustamento de conduta, além de proporcionar o afastamento dos riscos de
danos econômicos aos consumidores, de forma indireta também trouxe conscientiza-
ção institucional à empresa, que passou a se preocupar com a receptividade de suas
ações por parte de seus consumidores.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de análise dos dados, pode-se inferir que o TAC firmado em 29 de


novembro de 2015, bem como seus demais aditivos, foi um importante instrumento
estabelecido entre o legitimado, MP, e a CEA na defesa dos interesses transindivi-
duais dos consumidores, uma vez que determinou a responsabilidade da concessio-
nária e viabilizou a formação do título executivo extrajudicial. Além disso, ensejou o
arquivamento do processo administrativo do qual surgiu TAC e demonstrou-se como
um meio alternativo de solução do conflito.
Nota-se também que o instrumento assegurou a proteção da incolumida-
de econômica do consumidor-usuário de energia elétrica, uma vez que estabeleceu
obrigações de revisar os valores cobrados, através de refaturamentos, e possibilitou
a negociação das faturas através de parcelamentos. Assegurou a devida devolução
de valores comprovadamente cobrados a mais. Além disso, determinou a não sus-
pensão do fornecimento de energia das unidades consumidoras que estavam aguar-
dando a conclusão das reclamações pelas faturas objeto do TAC e a não inclusão
do nome dos seus titulares em registros de cadastros de proteção ao crédito. Dentre
outros resultados do TAC, aponta-se a não judicialização da demanda e a conscien-
tização institucional que a empresa passou a apresentar após assinatura do compro-

90
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 69 - 95

misso de ajustamento de conduta.


O TAC de 29 de novembro de 2015 revelou-se, na pesquisa, um instrumento
alternativo de acesso à justiça por ter-se constatado que não houve somente judiciali-
zação dos conflitos, tendo concedido de certa forma à sociedade de economia mista,
uma vez revestida de seu papel público, uma forma de responder por suas responsa-
bilidades sem, no entanto, prejudicar o serviço por ela prestado.
Uma crítica negativa que se pode tecer acerca do TAC em questão é quanto
ao seu objeto. O tratamento das faturas com valores exorbitantes e a emissão da se-
gunda fatura no mês de novembro de 2015, como foi de conhecimento do MP, PRO-
CON, da distribuidora e da própria CGE, foi atendido pela concessionária ainda no
ano de 2016, sendo, portanto, questionável a quantidade de prorrogações de prazos
estabelecidos pelos aditivos assinados. Exprime este fato uma certa demora do MP
em promover a devida fiscalização do cumprimento das cláusulas e o encerramento
do acordo que perdurou por mais de dois anos.
Tendo em vista a importância da proteção ao direito do consumidor no orde-
namento jurídico brasileiro e que o legislador não poupou medidas protetivas diante
da ameaça a estes Direitos, destina-se esta pesquisa a uma contribuição diante da
reflexão sobre as várias possibilidades de acesso à justiça na tutela dos Direitos
Transindividuais e especialmente na tutela do Direito do Consumidor, verificando-se
que este instrumento jurídico, como medida alternativa, é capaz de proteger a inco-
lumidade econômica do consumidor.
É cristalina a relevância dos meios alternativos de solução de conflitos no
sistema jurídico brasileiro, principalmente pelo caráter pacificador a eles atribuídos.
É valioso também ressaltar que diante de uma ameaça a um direito funda-
mental e no caso desta pesquisa, diante da proteção à incolumidade econômica do
Direito do Consumidor, não é admissível que a sociedade e os órgãos competentes
abdiquem de lutar pela tutela de seus interesses. Todavia, é importante que a medida
necessária para a defesa do interesse em lide não ultrapasse a proporcionalidade
necessária para o cumprimento de seu objetivo.
No caso da propositura do TAC para a resolução de demandas semelhantes
à que envolveu a Companhia de Eletricidade do Amapá, uma instituição da adminis-
tração pública, é de extrema importância que se busque recuperar o bem jurídico
lesado ou afastar os riscos de danos sem que ocorra a judicialização da questão,
uma vez que é importante zelar pela manutenção da continuidade dos serviços da
concessionária e pela reconstrução da relação de confiança do consumidor diante
da empresa prestadora de serviço público. Neste raciocínio destaca-se a lição de
MAZZILLI (2006):

Em suma, o compromisso de ajustamento de conduta, conquanto ainda não


tenha alcançado toda sua potencialidade, assim mesmo já é um grande
avanço na composição extrajudicial de conflitos coletivos (de grupos, classes
ou categoria de pessoas), e, assim, torna mais eficaz a defesa de interesses
transindividuais. Desta forma, concorre grandemente para a obtenção da har-
monia e paz social. Trata-se de instrumento que tem merecido intensa utili-
zação, porque, por meio dele, morrem no nascedouro inúmeras demandas, o
que traz grande proveito para a coletividade. (MAZZILI, 2006, p. 19).

91
Termo de Ajustamento de Conduta como instrumento de proteção ao consumidor em observância do princípio da
incolumidade econômica: análise da eficácia do TAC firmado entre o MPAP e a Companhia de Eletricidade do Amapá

Observa-se que o TAC analisado atingiu, em suma, seus objetivos, confir-


mando que a coletividade pode contar com uma valiosa alternativa na tutela de seus
interesses econômicos.
Cumpre ressaltar que o TAC deve ser razoável no prazo estipulado para seu
cumprimento e deve atender a um fim específico, sob pena de se banalizar o obje-
tivo do instituto. Mesmo que a parte compromissária aponte uma conduta irregular
futuramente, é papel dos órgãos públicos legitimados fiscalizar e tomar as devidas
providências, inclusive caso seja necessário firmar de um novo TAC. O sentido do
instituto está justamente relacionado com a resolução de questões pontuais, e não a
um meio de correção ou sanção perpétua (o que pode ocorrer através de uma vigên-
cia por tempo indeterminado), pois este não é seu objetivo.
Conforme se constatou, o Termo de Ajustamento de Conduta tem se
apresentado como um relevante instituto de solução alternativa de conflitos de natu-
reza difusa. Sua adequada propositura se mostra eficaz na tutela da proteção ao Di-
reito do Consumidor e, o mais importante, confirma com o alcance de seus objetivos,
pois o Direito, além de manter a ordem e a segurança das relações jurídicas, também
pode exercer um valioso papel de instrumento de pacificação social.

REFERÊNCIAS

AMAPÁ (ESTADO). Ministério Público do Estado do Amapá. Termo de Ajustamento


de Conduta. Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor de Macapá/AP. Ma-
capá, 2015.

ANEEL. Resolução Normativa Nº 414, de 9 de setembro de 2010. Estabelece as


Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica de forma atualizada e con-
solidada. Brasília, DF, 9 set. 2010. Disponível em: http://www2.aneel.gov.br/cedoc/
ren2010414.pdf. Acesso em: 18 dez. 2018.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Teoria da qualidade. 2. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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Submetido: 03/01/2019
Aprovado: 10/05/2019

95
COOPTAÇÃO DE AGENTES PÚBLICOS
COMO FORMA EXTREMA DE
CORRUPÇÃO.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS

THE PUBLIC AGENTS CAPTURE AS AN


EXTREME KIND OF CORRUPTION.
CHALLENGES AND PERSPECTIVES
Flávio Cardoso Pereira
Procurador de Justiça do Ministério Público de Goiás
Diretor da Escola Superior do Ministério Público de Goiás
Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela
Universidade de Coimbra
Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca
RESUMO

O dinheiro como moeda de circulação e aquisição de bens e serviços tem-se apresentado contemporaneamente como
um instrumento de dominação, sendo que muitas vezes se sobrepõe aos limites morais e éticos inerentes ao cidadão.
A situação se agrava a partir do momento em que a delinquência organizada, através do emprego da corrupção, se
infiltra nas instituições governamentais. Agentes públicos passam a laborar de forma criminosa para grupos delitivos
com o objetivo de gerar lucros e poder. Impera então o que se poderia denominar de “reconfiguração cooptada do
Estado”.

Palavras-chave: Dinheiro. Corrupção. Crime organizado. Cooptação de agentes.

ABSTRACT

Money as a service and good circulation and acquisition currency has been nowadays a domination mechanism, which
many times imposes itself to moral and ethical limits, inherent to the citizens. Situation get worse when organized
delinquency, by means of corruption, infiltrates government institutions. Public agents start to labor in a criminal
fashion to generate profits and power. It prevails, then, what can be called “State capture reconfiguration”.

Keywords: Money. Corruption. Organized crime. Agents capture.

SUMÁRIO

1. Introdução e complexidade do tema; 2. O dinheiro como fator de desvalorização dos ideais éticos e morais; 3. Aspectos
essenciais acerca do fenômeno da corrupção; 4. A relação promíscua entre a criminalidade organizada e a corrupção; 5. A
reconfiguração cooptada do Estado: conceito, características, causas, efeitos e perspectivas de enfrentamento; 6. Conclusões.
Bibliografia.
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 97 - 116

1 INTRODUÇÃO E COMPLEXIDADE DO TEMA

O fenômeno da corrupção, nos dias atuais, consiste em flagelo destrutivo ao


tecido político, econômico e social de grande maioria das civilizações. Trata-se de
uma das enfermidades mais dolorosas e cruéis da sociedade democrática1.
Como bem perlustra González Pérez (2006, p. 39), a corrupção consiste, de
modo claro e objetivo, numa das formas mais destacadas de degradação dos valores
morais.
Nesse aspecto, as sociedades seguem a cada dia enfrentando este fenô-
meno global como sendo efetivamente um grave e complexo obstáculo ao avanço
na consolidação dos sistemas democráticos, bem como do pleno e livre exercício e
desfrute dos direitos humanos. Impede, ainda, que se alcancem níveis satisfatórios
de governabilidade, os quais possam permitir o desenvolvimento sustentável dos
Estados.
Visto desde outra vertente, como consequência da expansão da corrupção,
restam afetadas as condições políticas, sociais e econômicas que permitem a imple-
mentação e estruturação de políticas públicas que apresentem resultados eficazes
frente às principais necessidades sociais, a exemplo da redução da pobreza e da
desigualdade social2.
Em razão dessa conjuntura exposta, é afirmação pacífica e inconteste a ideia
de que a corrupção representa um grave problema para o Estado de Direito. Ade-
mais, a literatura não somente jurídica tem destacado já há bastante tempo as conse-
quências que as difusões de práticas corruptas provocam sobre o desenvolvimento
econômico3, sobre o gozo dos direitos humanos e acerca do bom funcionamento da
democracia.
Não por outra razão, referido fenômeno, na era contemporânea, faz parte
da pauta obrigatória de discussões de muitos governos, organizações sociais e da
própria sociedade.
Assim, cabe ressaltar que o enfrentamento à corrupção constitui nos dias de
hoje um componente central e inescusável da agenda de fortalecimento e melhoria
das instituições, fazendo parte das estratégias desenvolvidas pela grande maioria
dos Estados e organismos internacionais, visando a impulsionar um marco de esta-
belecimento de estratégias anticorrupção, cujas metas almejam, de forma precípua,
minimizar os efeitos dramáticos advindos desses processos de provocação de debi-
lidade institucional e humanística.
Trata-se, portanto, de um sistema de comportamentos ou de redes, no qual
1 Não por outro motivo, a ONU já ditou que: “La corrupción es una plaga insidiosa que tiene un
amplio espectro de consecuencias corrosivas para la sociedad. Socava la democracia y el estado de
derecho, da pie a violaciones de los derechos humanos, distorsiona los mercados, menoscaba la cali-
dad de vida y permite el florecimiento de la delincuencia organizada, el terrorismo y otras amenazas a la
seguridad humana”. Cfr. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas de 31 de outubro de 2003, Resolução 58/4 (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS, 2003).
2 Para uma melhor compreensão entre a relação estabelecida entre pobreza, desigualdade so-
cial e o fenômeno da corrupção, imprescindível a leitura da obra de Malen Seña (2017).
3 Sobre o tema, leitura obrigatória: Rose Ackerman (2001).

99
Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

participa um poder fático (individual ou coletivo), portador de interesses particulares


e com poder de influência para garantir condições de impunidade, a fim de lograr
que agentes públicos ou até mesmo privados, portadores de capacidade de decisão
ou de intervenção, exerçam atos ilegítimos e/ou ilegais que afetem valores éticos de
integridade e justiça, violentando muitas vezes normas legais para a obtenção de
benefícios econômicos, políticos e sociais (PEREIRA, 2017, p. 57).
Nesse diapasão, certo é que o esquema de corrupção é por definição um
plano de segurança de rendimentos ilícitos. Tudo é pensado e concebido para mini-
mizar riscos antes, durante e depois da transação ilegal. A segurança passa por me-
canismos de lavagem de capitais ou de eliminação de registros, compra de proteção,
silêncio ou cumplicidade e outras técnicas para despistar detalhes da trama (SOUSA,
2011, p. 25).
A corrupção constitui, em síntese, uma ameaça à primazia da lei, da de-
mocracia e dos direitos humanos, uma vez que atropela os princípios de uma boa
administração, da equidade e da justiça social, prejudicando a livre concorrência,
obstaculizando o desenvolvimento econômico e colocando em perigo a estabilidade
das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade.
Delineadas essas observações perfunctórias e necessárias, torna-se irrefu-
tável afirmar que a corrupção vem atingindo níveis de atrocidade e danosidade nunca
antes conjecturados. Embora já se tenha notícia de práticas corruptivas desde a anti-
guidade4, vale ressaltar que, contemporaneamente, referido fenômeno se dissemina
movido por uma força galopante, assemelhando-se a uma verdadeira endemia que
atinge a todas as sociedades, provocando prejuízos irreparáveis.
Fala-se, portanto, nos dias de hoje, em corrupção sistêmica, empresarial,
governamental, eleitoral, política, privada, pública, urbanística, etc. Um leque imenso
de condutas cujo objetivo seria único: a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo de
outrem.
E a situação se torna insustentável quando se denota a quebra ou o rompi-
mento dos ideais éticos e morais por parte do cidadão, em especial do funcionário
público, o qual se deixa ceder muitas vezes pelo atrativo do suborno ofertado por
grupos poderosos de criminosos.
Diante do quadro caótico apontado, caberia questionar: nos acercamos de
algo próximo ao que se poderia denominar de “auge do fenômeno da corrupção”?
Haveria, assim, algo mais grave e drástico do que a cooptação de agentes
públicos pela delinquência organizada?
Instalado um estado de degeneração institucionalizada e de anestesia moral
e ética de boa parte dos cidadãos naqueles países que sofrem com índices altíssi-
mos de percepção da corrupção, cumpre-nos a árdua tarefa de apontar um cenário
positivo de esperança no enfrentamento deste grave problema globalizado.
Em termos acadêmicos e em ambientes especializados na temática da cor-
rupção, pouco se escreveu acerca dessa faceta envolvendo a cooptação de agentes
públicos, ou, dito de outro modo, uma verdadeira infiltração das organizações crimi-
4 Sobre alguns dados históricos sobre o fenômeno da corrupção, vid. Brioschi (2010) e Rocha
Furtado (2015, p. 15 et seq.).

100
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 97 - 116

nosas na esfera governamental.


Porém, eis que nos últimos anos surgem os primeiros estudos sobre uma
fase altamente drástica no processo de evolução dessa forma de quebra irrestrita da
confiança entre a sociedade e as instituições públicas (Estado), ou seja, começa-se
a tratar do tema da infiltração da criminalidade organizada no aparato estatal (insti-
tuições governamentais) (PEREIRA, 2015; GARAY SALAMANCA; SALCEDO-ALBA-
RÁN, 2012), a começar pelos embrionários trabalhos publicados sobre a “captação
ou captura do Estado”5.
Dentro desse cenário, fortalecem-se as organizações criminosas que, por
meio de cooptação e do suborno, passam a ter em seus quadros pessoas (muitas
vezes servidores públicos ou agentes políticos) que passam a laborar criminosamen-
te em prol da obtenção de lucros advindos da corrupção e de outros tantos crimes,
como a lavagem de dinheiro, a fraude a processos de licitações, o narcotráfico, etc.
Tecnicamente, poder-se-á denominar este aspecto peculiar da corrupção
como “cooptação de agentes públicos” ou “reconfiguração cooptada do Estado”.
É Importante proceder a uma análise acerca da complexa tarefa de conci-
liar o dinheiro como valor monetário e a moral como valor ético a ser incorporado
nas relações cotidianas. Tema este umbilicalmente ligado ao crescimento e à expan-
são do fenômeno da corrupção, especialmente naquela modalidade referente a atos
desviantes praticados por agentes públicos no marco do desenvolvimento de seus
múnus laborais.

2 O DINHEIRO COMO FATOR DE DESVALORIZAÇÃO DOS IDEAIS ÉTICOS E


MORAIS

Avulta em importância ressaltar uma raiz emblemática para a melhor com-


preensão desse estágio superior atingido no contexto do fenômeno da corrupção (a
cooptação de agentes públicos): a existência de limites morais do mercado e a influ-
ência do dinheiro no contexto das relações sociais.
A discussão desses pontos fundamentais poderá ser buscada em Michael
Sandel (2012), através da constatação de algumas verdades incontestáveis, a saber:
a) O dinheiro é sempre uma forma de poder social e um instrumento de
disciplina nas relações sociais;
b) O dinheiro nos dias atuais passou a ser o valor supremo na configura-
ção da ideologia da sociedade ocidental;
c) Vivemos e enfrentamos uma situação perceptível de “degeneração mo-
ral institucionalizada”, marcada pela destruição do senso de moralidade pública, em
nome da defesa, quase religiosa, do mercado e do capital.
Diante desse nefasto panorama desenhado pelo filósofo norte-americano,
surgem naturalmente algumas consequências extremamente preocupantes, como o
fato de agentes públicos eventualmente cederem a propostas de corrupção (subor-
no), passando a colaborar criminosamente com redes ilícitas de criminosos. Nesse
5 De forma embrionária sobre o tema da “Captura do Estado” (fase prévia à reconfiguração
cooptada do Estado): Hellman e Kaufmann (2001, pp. 31-35); Brooks, Walsh, Lewis e Kim (2013, p.
115-132).

101
Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

sentido, quebra-se a confiança entre os cidadãos e o Estado, configurando-se um


cenário de debilidade institucional em razão do aumento dos índices de percepção
da corrupção (PEREIRA, 2017, p. 59), com destaque para a perpetuação de um alto
grau de impunidade6.
Como consequência deletéria, destaca-se um acréscimo no surgimento e
atuação das chamadas “bandas podres”7 que por vezes infestam o ambiente de al-
gumas entidades governamentais.
A propósito e nessa quadra da conjuntura, a questão monetária torna-se fator
de destaque nas relações sociais e no cotidiano da maioria dos cidadãos, e muito es-
pecialmente se desponta a questão da vulnerabilidade por parte de algumas pessoas
vinculadas de forma empregatícia a organismos estatais, as quais muitas vezes se
deixam “vender” pelo apelo financeiro, comprometendo o ideal ético e moral corres-
pondente ao exercício das funções públicas.
Faltam a estes agentes públicos um compromisso com a ética profissional ou
funcional8, segundo a qual deveriam atuar de modo correto e com respeito às obri-
gações e responsabilidades inerentes ao cargo, de modo a não banalizar ou mesmo
enodoar o exercício da função pública.
E deve mesmo ser assim, pois os empregados públicos deverão manter obe-
diência a alguns preceitos inerentes ao bom desempenho de suas funções, dentre os
quais poderíamos destacar a neutralidade política, a imparcialidade, a objetividade
e, naquilo que mais nos interessa, a integridade moral. Em síntese, o ideal a ser per-
seguido seria a moralidade ética aplicada ao exercício da função pública (PEREIRA,
2015, p. 67-68).
Por esta razão, há um forte consenso de que uma cultura política de ética
pública oferece um ambiente menos propício à propagação da corrupção nas suas
múltiplas manifestações, no quadro do relacionamento com representantes ou agen-
tes de instituições públicas (BARATA, 2012, p. 40).
Vislumbra-se, pois, uma instigação direta e irrefutável por parte do mercado
econômico ao uso do dinheiro como demonstrativo de evidente poder, aniquilando-
-se, muitas vezes, comportamentos que estejam fundamentados na ética e na boa
moral (PEREIRA, 2015, p. 2-3).
Como quer que seja, preocupa sobremaneira o crescimento absurdo de no-
tícias de casos envolvendo autoridades públicas e servidores de todas as esferas da
administração pública, fatos esses geradores de inúmeras investigações e condena-
ções de pessoas cooptadas por organizações criminosas.
E o mais grave: essa modalidade de corrupção vem sendo percebida dentro
das estruturas de praticamente todo o aparato governamental, fato esse que provoca
resultados devastadores quanto à quebra do elo de confiança estabelecido entre a
sociedade e as instituições públicas.
Basta uma pesquisa nada profunda nas redes sociais e noticiários para se
6 A respeito do tema, vid. Chinchón Álvarez (2014, p. 18-22).
7 Seriam grupamentos de pessoas que atuam isoladamente ou de forma coletiva e que se en-
contram imbuídas de interesses e propósitos escusos e contrários ao bem-estar da administração
pública, praticando condutas ilícitas, imorais e antiéticas
8 Para uma melhor compreensão acerca do tema da ética, cfr. Cortina (2017).

102
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 97 - 116

deparar com notícias de prisões de agentes públicos, bem como de deflagração de


gigantescas operações policiais e do Ministério Público na busca da desarticulação
desses grupos espúrios de criminosos que se utilizam da cooptação e do suborno
para lançar seus tentáculos para dentro do aparato estatal.
Do mesmo modo, nos últimos anos, no Brasil, percebe-se um incremento
no número de condenações de agentes públicos e políticos justamente em razão de
ligações espúrias com organizações criminosas, muito especialmente em consequ-
ência de desdobramentos de operações como a Lava Jato, Zelotes, escândalo do
Mensalão etc9.
Voltando ao aspecto que envolve o dinheiro nos dias atuais (SIMMEL, 2016)
e muito em razão de uma crise financeira que atinge grande parte das sociedades,
esta forma de moeda apresenta-se como instrumento de cobiça a despertar em ci-
dadãos descompromissados com a chamada “ética funcional” o desejo de auferir
ganhos ilícitos através do engajamento laboral junto a organizações criminosas.
Em apertada síntese, cumpre-nos afirmar que estamos, de fato, diante de um
caótico e paranoico quadro de totalitarismo econômico do sistema capitalista, o qual
está predisposto a subverter as disposições éticas mais fundamentais da conduta
humana em nome do encilhamento financeiro (PEREIRA, 2015, p. 6).

3 ASPECTOS ESSENCIAIS ACERCA DO FENÔMENO DA CORRUPÇÃO

Já tivemos oportunidade, em linhas pretéritas, de tecer alguns apontamentos


acerca da corrupção e de sua danosidade social e institucional.
Reforçando essa assertiva, pode-se afirmar que a corrupção é algo que exis-
te e sempre existiu, qualquer que seja o sistema político e durante todos os tempos.
De acordo com os sistemas políticos, os contextos econômicos ou os distintos traços
culturais, a corrupção será maior ou menor, porém não se pode negar que exista ou
que possa existir em alguma medida10.
Nessa conjuntura, ainda que se aceite que a corrupção sempre existiu desde
tempos remotos, vale destacar que na atualidade referido fenômeno adquire e apre-
senta características inéditas, a exemplo da extensão, periculosidade e notoriedade
pública, fatores estes que afetam de modo drástico o bom funcionamento das insti-
tuições democráticas.
Em reforço a esta assertiva, imprescindível aduzir que a qualidade institucio-
nal, a eficácia regulatória e a boa governança pública são novos temas, conceitos e
enfoques que, diante da busca de uma redução dos índices de percepção da corrup-
ção, passaram a ser considerados como verdadeiros padrões internacionais de de-
senvolvimento de metas eficazes de estabelecimento de estratégias anticorrupção.
Por conseguinte, encontra-se sedimentado o preceito de que a corrupção
é um vício que se estabeleceu e se perpetuou na sociedade moderna, exigindo es-
forços hercúleos de toda a comunidade internacional, no sentido de se obter uma
minimização de seus efeitos suportados junto à sociedade e seus cidadãos, já que,

9 Vid. Ação Penal 470 julgada pelo Supremo Tribunal Federal


10 A propósito, vid. Laporta (1997, p. 19).

103
Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

segundo Rose-Ackerman, a eliminação total da corrupção nunca será um objetivo


digno de considerar, porém o que se poderia buscar seria dar passos para limitar seu
alcance e reduzir os danos produzidos (ROSE-ACKERMAN, 2001, p. 5).
Mas nesse momento, cumpre-nos, embora ciente das dificuldades ampla-
mente expostas pela doutrina no sentido de entraves11 para se ofertar um conceito
fechado sobre a corrupção, lançar algumas observações sobre uma definição apro-
ximada desse fenômeno.
A forma mais adequada para se buscar um conceito sobre a corrupção de-
penderá da visão externada pelos olhos do observador.
Nesse sentido, teríamos quatro perspectivas a serem buscadas:
a) Política: centrando-se na análise do poder e dos problemas políticos.
Um deles seria a contaminação dos partidos políticos por grandes somas de dinheiro
privado, doadas com a intenção de se obter vantagens estatais a posteriori;
b) Econômica: levando em consideração a ideia de como a corrupção afe-
ta a eficiência e os mercados;
c) Social: analisando os fatores culturais, religiosos e morais. Assim, o
ambiente seria fator decisivo para a expansão da corrupção. Destacam-se muitas
características sociais como a baixa qualidade democrática, pouca transparência
(ausência de accountability), sistema eleitoral pouco confiável, déficit de responsabi-
lidade (impunidade), etc;
d) Jurídica: referindo-se à violação de uma norma, com a finalidade de
perseguir qualquer vantagem privada.
Por conseguinte, em excepcional abordagem,

Francesco Kjellberg define a corrupção como uma quebra ou rompimento


das normas legais (concepção jurídica), ou das normas éticas não escritas
(concepção ética), porém com apoio social generalizado (concepção socioló-
gica), relativas a como se deve exercer o serviço público, para proporcionar
uma prestação de benefícios a certos grupos ou a cidadãos de forma não pa-
ritária (concepção política), com vontade de obtenção indevida de lucros dire-
tos ou indiretos (concepção econômica) (VILLORIA MENDIETA; IZQUIERDO
SÁNCHEZ).

De toda sorte, parece-nos muito interessante, ainda, a conceituação cons-


truída por Carl Friedrich, no sentido de que a corrupção, especialmente aquela de-
nominada como “pública”, é um tipo de comportamento que se desvia da norma que
realmente predomina ou que se acredita que prevaleça em determinado contexto, a
exemplo do político. Seria um comportamento desviado associado a uma motivação
particular, a saber, aquela da ganância privada às expensas públicas (FRIEDRICH,
1989, p. 15).
Apresentados elementos que compõem uma conceituação aproximada do
11 E as dificuldades surgem, a partir de algumas constatações. Senão vejamos: a) Multiplicidade
de formas de expressão da corrupção. Inúmeras condutas, sendo que muitas delas nem se encontram
tipificadas em lei; b) Mudanças dos valores que definem o que uma sociedade entende por corrupção
em um determinado tempo e numa determinada cultura; c) São formas de condutas ou atitudes pra-
ticadas na clandestinidade (secretismo) e d) Dificuldades para de medir a percepção da corrupção.
Ainda sobre os obstáculos para uma definição ideal da corrupção, vide MALEN SEÑA, 2017, p. 42-43;
BARBUGIANI, 2017, p. 20-22.

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fenômeno da corrupção, importante também apresentar alguns contextos que po-


derão contribuir para estabelecimento de um terreno fértil para a expansão dessa
patologia.
Desta maneira, a existência de um sistema punitivo ineficaz (representativo
de impunidade) de ações e condutas corruptas que não estejam tipificadas como de-
litos, a presença de desenhos institucionais instrumentalizados e medidas oriundas
de agências anticorrupção que cumprem uma função apenas decorativa e simbólica
no plano jurídico-político (falta de eficácia), a perpetuação de um sistema processual
defeituoso ou desatualizado (gerador de dificuldades probatórias), a ausência de não
recuperação pelo Estado dos ativos obtidos mediante prática de atos de corrupção, o
excesso de burocracia no tocante à prestação de serviços públicos e por fim, a dispo-
nibilidade de grandes recursos financeiros para campanhas políticas, sem qualquer
controle normativo, constituem fatores diretos e contributivos de conformação de um
cenário cultural de aceitação e de proliferação da corrupção.
Como quer que seja, poder-se-á apontar, ainda, como efeitos ou consequên-
cias negativas advindas da corrupção:
a) Influência no desenvolvimento econômico e social de um país;
b) Prejuízo à qualidade de investimento com visível diminuição de produ-
tividade da economia;
c) Imposição de barreiras ao livre mercado (eliminação da saudável con-
corrência);
d) Desprestígio ao ideal democrático;
e) Desgaste com relação à confiança cidadã; e
f) Aumento do descrédito nas instituições públicas.
De se admitir, portanto, que a corrupção debilita o sistema econômico de di-
versos modos, seja reduzindo os ingressos impositivos do Estado, seja incrementan-
do o valor dos produtos para se cobrir os custos da mesma, ou seja, ainda, distorcen-
do a livre concorrência ao colocar o agente corruptor em uma posição de vantagem
no mercado, frente ao competidor.
Feitas as considerações necessárias, cumpre-nos concluir no sentido de que
a corrupção ameaça o império da lei, a democracia e os direitos humanos, corroendo
a boa governabilidade, a honestidade e a justiça social, distorcendo a concorrência,
obstaculizando o desenvolvimento econômico e ao fim, colocando em risco a estabi-
lidade das instituições democráticas e os fundamentos morais da sociedade12.

4 A RELAÇÃO PROMÍSCUA ENTRE A CRIMINALIDADE ORGANIZADA E A COR-


RUPÇÃO

A corrupção é a pedra angular da criminalidade organizada13.


Essa afirmação impactante encontra fundamento e respaldo na constatação
indiscutível de que, nos dias atuais, praticamente nenhuma organização criminosa
consegue desenvolver com êxito suas atividades ilícitas sem contar com o uso do
12 Prefácio da Convenção da Justiça Criminal sobre Corrupção, elaborada em Estrasburgo e com
início de vigência na ordem internacional em 01/07/2002 (CONSELHO DA EUROPA, 2018).
13 Sobre o tema, vide González Ruiz, Buscaglia, García González, Prieto Palma (2002, p. 55-62).

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Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

ingrediente da corrupção, muito especialmente através da prática do suborno e da


compra de informações privilegiadas junto a determinados atores que ostentam car-
gos detentores de informações úteis aos interesses do grupamento delitivo.
Ademais, um território infestado pela corrupção apresenta níveis altíssimos
de ausência de confiança da população frente às instituições públicas, além de os-
tentar um grau de debilidade institucional severo.
Tal cenário apresenta-se como altamente atrativo aos olhos das grandes re-
des ilícitas voltadas à prática de delitos graves e de destacada repercussão social
(PEREIRA, 2015, p. 45).
Outro aspecto interessante nessa simbiose entre a criminalidade organizada
e o fenômeno da corrupção diz respeito ao fato de que a primeira apresenta algumas
particularidades com relevância direta com a atividade política e a sustentabilidade
dos Estados democráticos. Assim, a corrupção e o crime organizado são fenômenos
que se complementam e que ameaçam destruir as instituições públicas.
Desse modo, a delinquência organizada desenvolveu não somente um gran-
de poder econômico, mas também uma importante capacidade para corromper fun-
cionários públicos e agentes privados, obtendo assim um enorme potencial para influir
nas decisões governamentais que possam trazer benefícios ao grupamento delitivo.
Corolário dessa situação exposta, esses clãs de criminosos, para conser-
varem o poder, acabam por entabular relações espúrias e extremamente estreitas
junto a agentes políticos, uma vez que a meta seria garantir imunidade e impunidade
diante de qualquer resposta em nível de persecução criminal que busque desarticular
a organização delitiva.
Nesse rumo, o objetivo dessas redes criminais seria perpetuar uma relação
parasitária com algumas instituições governamentais, utilizando-se, para tal fim, da
infiltração de agentes criminosos dentro de setores sensíveis da administração pú-
blica.
Portanto, as redes ilícitas utilizam a corrupção de modo muito especial no
setor público, como instrumento para enfrentar os poderes governamentais através
da imposição da impunidade, violando notoriamente o Estado de Direito (GONZÁLEZ
RUIZ; BUSCAGLIA; GARCÍA GONZÁLEZ; PRIETO PALMA, 2002, p. 60).
Bem de se observar que na prática, segundo especialistas, as organizações
criminosas utilizam a corrupção para desenvolverem seu trabalho delitivo, logrando
acesso a mercados mediante pagamento a funcionários justamente encarregados
de sua proteção, obtendo contratos de obras públicas ou controlando o mercado de
produtos.
Por outra parte, corrompem magistrados, membros do Ministério Público e
policiais visando à obtenção de informações prévias de ações de persecução crimi-
nal; também agentes prisionais para seguirem comandando suas atividades delitivas
de dentro das unidades penitenciárias. Buscam, também, evitar a aplicação da justi-
ça através de ameaças, com a compra de testemunhas, peritos, vítimas e outras au-
toridades GONZÁLEZ RUIZ; BUSCAGLIA; GARCÍA GONZÁLEZ; PRIETO PALMA,
2002, p. 57).
Como consequência dessa situação, surge o enfraquecimento do ideal de

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cidadania, o que contribuirá sobremaneira para uma omissão deliberada da parti-


cipação popular no enfrentamento da corrupção. Nesse cenário, reinam a omissão
e o comodismo por parte de uma população contaminada por um estado notório de
“anestesia moral e ética” (PEREIRA, 2015, p. 46).
A seguir, cumpre-nos tecer observações acerca de um dos estágios mais
avançados do processo de corrupção, qual seja, a infiltração da criminalidade organi-
zada no aparato estatal, ou, em outros termos, a reconfiguração cooptada do Estado.

5 A RECONFIGURAÇÃO COOPTADA DO ESTADO: CONCEITO, CARACTERÍSTI-


CAS, CAUSAS, EFEITOS E PERSPECTIVAS DE ENFRENTAMENTO

Reconfiguração cooptada do Estado corresponde à cooptação de agentes


públicos, ou, ainda, a uma infiltração do crime organizado nas instituições governa-
mentais.
Conceitualmente falando, seria a ação de agentes sociais legais ou ilegais,
que, mediante práticas legais ou ilegais, porém, algumas vezes legítimas, buscam
sistematicamente modificar por dentro o regime e influir na formulação, modificação,
interpretação e aplicação das regras do jogo social e das políticas públicas14.
Dito de modo mais claro, a reconfiguração cooptada do Estado se refere a
processos nos quais setores criminosos cooptam ou são cooptados por agentes pri-
vados ou públicos para modificar e utilizar as instituições de um determinado Estado.
Ocorre nesse caso a manipulação das instituições do Estado para lograr sua
própria transformação em função de interesses criminosos.
Uma verdadeira infiltração do crime organizado dentro do aparato estatal,
utilizando-se normalmente do suborno e de suas variáveis relativas à corrupção, com
a finalidade de que essas organizações criminosas possam estender seus tentáculos
para dentro de setores sensíveis do arcabouço estatal, seja dentro do ramo legisla-
tivo, executivo ou judicial15.
Outrossim, quando as redes criminosas alcançam certa complexidade e es-
tabelecem vínculos com agentes que operam em posições privilegiadas da admi-
nistração pública ou do setor privado, as regras do jogo social, as leis e até mesmo
os costumes começam a favorecer interesses delitivos. Dito em poucas palavras,
os efeitos institucionais são drásticos (SALCEDO-ALBARÁN; GARAY SALAMANCA,
2016, p. 9).
Essa infiltração gravíssima do crime para dentro das instituições apresenta
algumas características bastante destacadas, a saber:
a) Etapa de maior complexidade no processo de corrupção;
b) Participação de indivíduos ou grupos sociais legais e ilegais;
c) Os benefícios a serem atingidos não são somente de caráter econômi-
co, mas também penais e inclusive de legitimação social;
d) Uso de coação e estabelecimento de alianças políticas que comple-
mentam ou substituem o “suborno”;

14 Vide com detalhes sobre essa conceituação, Salcedo-Álbarán e Garay Salamanca (2016).
15 Interessante sobre esta temática, cfr. Shelley (2002).

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Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

e) Busca de influência e infiltração nos mais diferentes ramos do poder


público e em distintos níveis da administração (PEREIRA, 2018, p. 340).
Dúvida palpitante consiste em analisar como ocorre esse processo de in-
filtração das redes ilícitas de criminosos organizados nas instituições públicas. Em
basicamente duas situações poderia ocorrer a penetração insidiosa de delinquentes
no aparato governamental. Na primeira hipótese fática, pode ocorrer através do in-
gresso nas carreiras jurídicas ou assemelhadas, mediante concursos públicos. Nes-
sa modalidade, organizações criminosas patrocinam a preparação intelectual de cri-
minosos (inclusive mediante pagamento de cursos preparatórios de estudos ou em
cursos de pós-graduação) para adentrarem postos de destaque dentro do aparato
de persecução penal, do sistema de justiça criminal e de outros órgãos de controle
interno (como, por exemplo, em concursos para admissão ao cargo de magistrado,
membro do Ministério Público, quadros policiais, tribunais de contas, receita federal e
outros órgãos de fiscalização no enfrentamento à corrupção e ao crime organizado).
Outras vezes, promovem fraudes nos exames de admissão dos candidatos ou se
utilizam de suborno para promover a facilitação do ingresso do candidato no certa-
me. Da mesma forma para o ingresso público a cargos na Administração Pública em
geral, mediante cargos comissionados.
Numa segunda hipótese, mediante ingresso de agentes criminosos na po-
lítica por intermédio do financiamento de campanhas eleitorais. No caso brasileiro,
muito especialmente, já se vem noticiando pela imprensa, há tempos, tentativas do
grupo criminoso denominado PCC (Primeiro Comando da Capital) de se infiltrar no
campo político através de financiamento ilegal de campanhas eleitorais para vários
cargos políticos16.
Outro exemplo clássico de instalação do fenômeno da reconfiguração co-
optada do Estado, já em nível bastante avançado, seria o do Estado mexicano em
razão do domínio político e sobre praticamente todas as instituições públicas pelos
cartéis de drogas de Sinaloa, Ciudad Juarez e outras regiões. Nesse sentido, bas-
tante conhecido o poderio financeiro e político do traficante conhecido pela alcunha
de “El Chapo” (BUSCAGLIA, 2013), atualmente preso em um presídio de segurança
máxima nos Estados Unidos da América.
Da mesma forma, a trajetória de Pablo Escobar e seu cartel de Medellín,
quando no seu auge chegaram a cooptar e ter em seus quadros inúmeras autorida-
des e agentes políticos que prestavam serviços ao bom andamento dos negócios
ligados ao tráfico de drogas na Colômbia, bem como laboravam em prol da não edi-
ção de uma lei de extradição que pudesse levar o rei do tráfico para julgamento nos
Estados Unidos (AGUILLAR, 2012).
Desta sorte, quer nos parecer estar muito clara a incidência de alguns fatores
contributivos a tal situação narrada.
Seriam fatores indiretos ou remotos uma inexpressiva valorização salarial do
funcionário público, uma deficiente fiscalização relativa ao ingresso em cargos públi-
cos, um reduzido incentivo e reconhecimento meritório daqueles servidores públicos
16 Vide como meros exemplos noticiados pela mídia nacional: Agência Estado (2008), Vieira
(2014), Colosalle (2019), Polícia... (2016).

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especializados e, por fim, a ausência de controles eficazes relativos a evoluções


patrimoniais suspeitas.
Há ainda outros fatores mais graves ou diretos, como a debilidade institucio-
nal dos Estados, a ausência de reforço ético junto ao servidor público e a expansão
da criminalidade organizada e da corrupção.
Parece-nos, então, de suma gravidade esse processo de colocação ardilo-
sa e criminosa de agentes públicos cooptados por redes ilícitas dentro de algumas
instituições governamentais, fato este com repercussão direta na exposição de uma
fragilidade exacerbada do Estado, determinante do estabelecimento de uma ausên-
cia de confiança da sociedade para com as instituições.
Interessante ainda descrever os graves e drásticos efeitos institucionais da
infiltração da criminalidade organizada em entidades governamentais.
Inicialmente, denota-se uma clara e perceptível perda de credibilidade do
Estado frente à sociedade, restando ao cidadão um estado de rompimento de con-
fiança17 para com as instituições públicas ou com pessoas que as representam.
Nessa senda, uma parcela da sociedade não demonstra vontade em partici-
par do processo político eleitoral e, por outro lado, participa ativamente de um cenário
de banalização do voto popular através da “venda” do mesmo.
Não há confiança em se buscar os serviços junto aos órgãos de persecução
e fiscalização, e ainda pairam dúvidas sobre a eficiência do sistema de justiça.
Um segundo efeito seria o desestímulo, desencorajamento e apatia relativos
ao ingresso na função pública por parte das pessoas honestas, bem como o estímulo
às pessoas desonestas.
A partir de um cenário de ausência de seriedade e compromisso demonstra-
do por agentes públicos cooptados de praticarem atos de corrupção, situação esta
que repercute sobre a imagem de uma determinada instituição pública, o corolário
lógico será a ausência de vontade dos cidadãos de bem de ingressarem no serviço
público.
Da mesma forma e com mais gravidade, quando uma instituição tem em
seus quadros estabelecidas e consolidadas verdadeiras “bandas podres” formadas
por funcionários corruptos, a tendência natural seria uma atração quase que automá-
tica de pessoas com tendência a serem infiltradas para laborarem criminosamente
na administração pública, com vistas a favorecer interesses de alguma organização
criminosa.
Por fim, como terceiro efeito poderíamos citar a institucionalização e confor-
mação com o modo “corrupto” de se viver.
Instalada uma cultura da corrupção18 ou um ambiente de conformismo por
parte da sociedade que aprende a aceitar os resultados nefastos produzidos pela
corrupção, tem-se uma população contaminada por um estado de anestesia moral e
ética.
Esta contaminação destrói os ideais democráticos, fulminando as iniciativas
populares e solidificando a ausência de vontade política.
17 Acerca desse importante tema, vid. Fukuyama (1996).
18 Vid. Gil Villa (2008).

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Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

Chegado a este ponto, cumpre-nos neste momento ofertar uma visão positi-
va e de perspectiva futura acerca dessa grave problemática.
Três seriam os caminhos a serem trilhados dentro de uma política de preven-
ção à proliferação do fenômeno da cooptação criminosa de agentes públicos.
Uma inicial ideia consiste no resgate do caráter ético da função pública.
Mas no que consiste a ética?
A ética pode ser definida como sendo o campo da teoria filosófica que proce-
de à averiguação dos fundamentos racionais das condutas e das práticas humanas
e sociais19. Ou, desde outra vertente, seria aquela disciplina do conhecimento que
possui como escopo o estudo e análise das atitudes e costumes do ser humano,
classificando-as como ações devidas ou indevidas, benéficas ou danosas, para, ao
fim, influenciar na formação do caráter moral do indivíduo20.
Interessa-nos, dentro do tema da reconfiguração cooptada do Estado e de
modo muito particular, a denominada “ética profissional” ou “ética da função pública”,
a qual é inerente àquelas pessoas que laboram em cargos públicos21.
Seria a ética, dentro desse contexto, a disciplina normativa da atuação dos
servidores orientados a satisfazer os interesses gerais da comunidade, a partir do
setor público (MEDINA OSÓRIO, 2007, p. 25).
Uma constatação inicial conduz a uma triste realidade em nosso país, uma
vez que grande parte daquelas pessoas que ingressam no funcionalismo público ou
na política não possuem conhecimento e responsabilidade suficientes sobre a ques-
tão dos valores éticos inerentes ao labor no ambiente do serviço público e da política.
E quando possuem, infelizmente por razões escusas, não os incorporam às
suas rotinas de trabalho, restando muitas vezes em situação de vulnerabilidade para
eventual cooptação criminosa.
Porém, quando reforçados os ideais éticos junto ao servidor, este interioriza
verdadeiramente os valores do serviço público; produz-se, ainda, uma mudança de
atitude em sentido positivo, ou seja, atua com responsabilidade e eficiência, geran-
do melhores resultados nos serviços prestados às instituições públicas. Quando as
instituições funcionam, tem lugar uma satisfação quanto ao serviço, uma melhora na
qualidade de vida que conduz ao resgate da confiança dos cidadãos em suas institui-
ções (BAUTISTA, 2015, p. 18).
19 Em palavras de Fereira (2005), “A ética, portanto, seria a morada ou lugar no qual se habita, o
refúgio de toda pessoa, a fortaleza inexpugnável do ser humano. É solo firme para caminhar sobre a
vida. É uma lâmpada que ilumina o homem no transcorrer de sua vida”.
20 De se anotar que Cortina (1995) diferencia a ética da moral, explicitando que “a ética, se bem
incide também nas decisões corretas da conduta humana, a realiza através de cânones ou fundamen-
tos morais, ou seja, não aponta o que é bom ou mal para se fazer (moral), mas tão somente se é bom
ou não (ética) ”. Com mais detalhes, vide essa obra completa (CORTINA, 1995).
21 Como marco referencial à compreensão do tema relativo à “ética da função pública”, imperioso
mencionar as conclusões da denominada “Comissão Nolan”, a qual foi criada no Reino Unido no mês
de outubro do ano de 1994. Referida comissão teve como escopo primordial proceder a uma análise
acerca das normas de condutas vigentes na Administração Pública e, de modo consectário e em caso
de necessidade, propor as alterações que se fizessem oportunas. Os trabalhos dessa citada comissão
estenderam-se pelo prazo de 06 (seis) meses, sobrevindo ao final um informe nominado “Normas de
conduta nas instituições públicas”. Neste documento, constam os 07 (sete) princípios basilares a serem
incorporados a toda e qualquer instituição pública, a saber: integridade, altruísmo, liderança, honestida-
de, transparência, responsabilidade e objetividade.

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Uma segunda meta de caráter preventivo diz respeito à solidificação de me-


lhores incentivos aos funcionários públicos, ou seja, o fortalecimento da confiança.
O agente público portador de uma sensação de reconhecimento ao êxito do
seu trabalho desempenhado torna-se leal e fiel aos propósitos delineados pela sua
instituição.
Nesta trilha, o incentivo laboral visa de forma precípua a uma indução direta
e certeira a um determinado comportamento, que, na hipótese do serviço público,
consiste na realização dos objetivos delineados institucionalmente, devendo ser per-
meados por uma atuação racional e marcada pela avaliação dos custos e benefícios
auferidos.
Mais que isto, tais comportamentos devem estar balizados pelo incentivo a
uma produtividade marcada pelo conteúdo ético inerente ao serviço prestado.
De outra parte, é cediço que um agente público integrado fielmente à insti-
tuição vinculada a ele e, ademais, incentivado pelo Estado a produzir seu labor em
ambiente altamente positivo, livre da contaminação pela lacra social da corrupção22,
representará sem sombra de dúvidas um salto na qualidade e na confiabilidade na
prestação do serviço público.
Mitiga-se, ao menos em tese, a real potencialidade da infiltração criminosa
de redes ilícitas junto às instituições governamentais, em razão da vulnerabilidade
apresentada por servidores públicos desmotivados e sem confiança no seu potencial
ético.
Também, reduzir-se-á substancialmente a possibilidade de que o servidor
público que se sinta desvalorizado pela Administração Pública, portanto sem qual-
quer incentivo ou confiança, ceda às tentações do suborno ou de outras práticas de
corrupção Pereira (2015, p. 146).
Atrelado à proposta do incentivo, surge como ideia fundamental o fortaleci-
mento da confiança, a qual pode ser compreendida como uma expectativa de um
comportamento eticamente justificável23.
Um detalhe que não pode passar desapercebido diz respeito à constatação
de que a confiança se consolida e se constrói a partir do conhecimento que surge da
experiência dos cidadãos diante de um correto funcionamento de suas instituições.
Desde outra vertente, tem-se que a ausência de confiança não somente se
converte na consequência de que as instituições públicas sejam consideradas como
não portadoras de crédito de confiabilidade, mas, ainda, estabelece-se como o prin-
cípio de um novo ciclo de corrupção, que se denota diante da percepção negativa da
atuação do Estado.
A última meta preventiva conduz à ideia de um fomento às escolhas certas
em momento de indecisão24.
Para se ter uma exata compreensão sobre a importância de uma correta
22 Por este motivo, o resultado da corrupção é a destruição da confiança nos funcionários públi-
cos, sobretudo quando estes entrelaçam as funções públicas com os interesses privados, produzindo
uma grave lesão dos deveres e das responsabilidades como agentes públicos.
23 Com mais detalhes sobre essa conceituação, cfr. Hosmer (1995).
24 Importante acerca dessa temática a leitura de imprescindível obra de Richard Thaler e Cass
Sunstein, “Un pequeño empujón” (2009).

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Cooptação de agentes públicos como forma extrema de corrupção - Desafios e perspectivas

tomada de decisões em situações complexas, basta mencionar que em média uma


pessoa pode chegar a adotar de 80 a 200 decisões por dia, sobre os mais variados
temas da vida cotidiana.
E indaga-se: quantas dessas decisões adotadas são acertadas?
Estaria o funcionário público preparado para reagir de forma ética e moral-
mente correta a uma proposta de cooptação?
Parece-nos, inicialmente, correto defender que caberia ao Estado fomentar
as escolhas de seus servidores em momento de tomada de decisões que possam
refletir no bom andamento da estrutura administrativa daquele.
Mas qual seria uma justificativa basilar para se defender tal ideia?
A resposta pode ser encontrada em uma constatação singela: todos nós seres
humanos cometemos erros sistemáticos em nossas tomadas de decisões, mormente
quando nos encontramos despreparados e em situação de extrema vulnerabilidade.
E quando esses erros possam trazer prejuízos a terceiros e ao próprio Esta-
do-administrador, caberia falar em preocupação institucional.
Dentro de uma perspectiva do tema da reconfiguração cooptada do Estado,
notar-se-á que as situações complexas desenvolvidas no ambiente do funcionalismo
público e da própria política requerem uma estremada e cautelosa tomada de deci-
sões, se bem é certo que estas escolhas implicarão automaticamente em adoção de
riscos.
Seguindo esta linha de raciocínio, o nó górdio da quaestio, segundo Hallinan
(2010), consiste na explicação de que os seres humanos são, por natureza, seres
propensos a suportarem prejuízos e, desse modo, padecemos de um excesso de
confiança em nós mesmos. Ademais, somos completamente irracionais e não temos
a mínima consciência acerca de nossas limitações.
Tais considerações por certo nos conduzem a imaginar o quanto se torna
cruel e desumano o oferecimento de uma dádiva ou qualquer outra forma de suborno
a um agente político ou a um servidor público, os quais se encontram muitas vezes
vulneráveis nesse cenário de cobiça e de infiltração dos interesses de redes ilícitas
junto ao Estado (PEREIRA, 2015, p. 149-150).

6 CONCLUSÕES

Ao fim de nossas considerações sobre o tema, poder-se-á alcançar algumas


ilações.
1. O fator pecuniário nos dias de hoje converteu-se em um processo autodes-
trutivo das relações humanísticas.
2. Ética e boa moral no ambiente do serviço público são condições a serem
fortalecidas junto aos funcionários públicos, muito especialmente junto àqueles que
ingressam no ambiente da administração pública e, ainda, da política.
3. Devem existir limites morais ao mercado econômico, não podendo os ide-
ais éticos e profissionais ser objeto de compra e venda.
4. A delinquência organizada utiliza a corrupção como fonte de obtenção de
lucros e de poder, sendo o suborno e a compra de informações privilegiadas instru-

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mentos para conseguir infiltrarem-se no aparato governamental.


5. A corrupção pode ser vista e analisada como um dos mais destacados obs-
táculos no cumprimento da obrigação estatal de promoção e proteção dos direitos
humanos. Ademais, consiste em ameaça constante e grave a manutenção do pleno
exercício da democracia, uma vez que paulatinamente e de forma drástica vem des-
truindo as estruturas das instituições, prejudicando dessa forma a governabilidade de
alguns Estados infectados por esta patologia social.
6. A denominada “reconfiguração cooptada do Estado”, “cooptação de agen-
tes públicos” ou “infiltração do crime organizado nas instituições governamentais”
deve ser considerada como uma das formas mais graves de corrupção, uma vez que
possibilita que organizações criminosas possam estender seus tentáculos para den-
tro dos poderes do Estado, fazendo com que agentes públicos cooptados possam
laborar em prol dos interesses criminosos daquelas.
7. Os efeitos dessa cooptação atingem a credibilidade das instituições públi-
cas e instigam a perpetuação da impunidade, debilitando o aparato estatal.
8. Como medidas de prevenção aptas a minimizar os efeitos dessa forma
grave de corrupção, propomos o reforço da ética funcional junto aos servidores, o
estímulo da confiança, o reconhecimento meritório do agente público especializado
e, por fim, o fomento à interferência do Estado no tocante à adoção de estratégias
de acerto em decisões complexas a serem tomadas pelo servidor público e eventu-
almente pelo agente político.

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Submetido: 21/03/2019
Aprovado: 08/05/2019

116
PROGRAMA DE APADRINHAMENTO –
SUA OBRIGATORIEDADE COMO
COMPLEMENTAÇÃO NECESSÁRIA AOS
PROGRAMAS DE ACOLHIMENTO

SPONSORSHIP PROGRAM – ITS


ENFORCEABILITY AS AN INDISPENSABLE
SUPPLEMENT IN HOST PROGRAMS

Fausto Junqueira de Paula


Promotor de Justiça em São José dos Campos/SP
Professor da Escola Superior do Ministério Público/SP
Mestre pela UNIMES de Santos/SP e Doutorando pela PUC/SP
RESUMO

A criança e o adolescente são inseridos em programa de acolhimento familiar e institucional para sua própria pro-
teção, porque em dado momento sua família de origem deixou de lhe oferecer a tutela condizente e necessária para
sua evolução como pessoa humana. Ocorre que a ausência do referencial familiar traz inexorável decréscimo à sua
qualidade de vida e à sua formação, razão pela qual os programas de acolhimento devem organizar os serviços ou
programas de apadrinhamento dando oportunidade, inclusive, para que a comunidade se aproxime da criança e do
adolescente acolhido. Recente alteração legislativa regulamentou o instituto e reclama sua implementação como
forma de humanização dos programas de acolhimento.

Palavras-chave: Criança e adolescente. Programa de Apadrinhamento. Obrigatoriedade em Programas de Acolhi-


mento. Humanização do Atendimento.

ABSTRACT

Children and adolescents are in familiar and institutional host programs for their own protection because sometimes
their original families refrained from providing compatible and necessary guardianship for their evolution as a human
person. The familiar benchmark lack brings inescapable decrease to children and adlescents’ life quality and to their
development. Because of this, host programs must organize attendance or aponsorship programs, bringing opportu-
nity, moreover, so that community may approach hosted children and adolescents. The recent legislative change has
regulated the institute and claims its implementation as a way of humanizing host programs.

Keywords: Children and adolescentes. Host Program. Enforceability in host programs. Attendance Humanization.

SUMÁRIO

1. Introdução. 2. Distinções. 3. Programa de Apadrinhamento. 3.1. Fundamentos legais e conceito. 3.2. Objetivos do Progra-
ma de Apadrinhamento. 3.3. Sujeitos do apadrinhamento. 4. Execução do Programa de Apadrinhamento 5. Obrigatoriedade
dos serviços ou programa de apadrinhamento como complementação necessária para os Programas de Acolhimento.
6. Notas Conclusivas. Referências.
Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

1 INTRODUÇÃO

A criança e o adolescente são sujeitos de seus próprios direitos, entes subor-


dinantes em uma relação jurídica em que o Estado, a sociedade e a família são entes
subordinados, dos quais se exige a tutela prioritária de tais direitos fundamentais,
tudo traduzido na norma constitucional inserta no art. 227 da Constituição Federal,
que introduz, no ordenamento jurídico pátrio, a Doutrina da Proteção Integral1.
Assim, preconiza Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 25):

A proteção integral não pode ser concebida como recurso utilitário do mun-
do adulto, mero expediente garantidor da maturidade, mas como um dever
de todos, uma obrigação correlata ao magno direito de viver como criança
e como adolescente, expresso em interesses juridicamente protegidos que
permitam existir em condições de dignidade e respeito, de modo que os movi-
mentos progressivos, mais perceptíveis na infância e adolescência, afigurem-
-se como consequências naturais e não como fins em si mesmos.

Logo, sempre que a criança e o adolescente estiverem sob ameaça ou efe-


tiva lesão aos seus direitos fundamentais, os tais entes subordinados devem aplicar
as medidas de proteção previstas em lei, notadamente aquelas elencadas no art. 101
do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 (BRASIL).
O referido dispositivo legal dispõe de um rol extenso que visa a proteger a
criança e o adolescente nos mais diversos aspectos de sua vida, algumas vezes
apartando-o de sua própria família de origem que, não obstante sua missão natural
e até mesmo constitucional, negligencia suas obrigações e figura como agente de
violação de direitos.
Não é incomum que, no ambiente familiar, venham ocorrer graves violações
de direitos da criança e do adolescente, como abuso sexual, agressão física e moral
com maus tratos, alienação parental, ou, ainda, abandono material, afetivo e educa-
cional. É uma dura realidade, rotina em Varas da Infância e da Juventude, que pais,
mães, padrastos e madrastas, avós e avôs tornem o ambiente familiar palco da tra-
gédia da vida da criança e do adolescente.
Nesses casos, ao verificar o elenco do art. 101 do Estatuto de Criança e do
Adolescente – ECA – notam-se algumas medidas de proteção instituídas de modo
especial para combater a ação deletéria, no âmbito familiar, daqueles que deviam
cuidar, mas que, tornam-se agressores, como por exemplo, o acolhimento institucio-
nal, a inclusão em programa de acolhimento familiar e a colocação em família subs-
tituta (guarda, tutela e adoção).
As demais medidas de natureza social, educacional e sanitária visam, tam-
bém, a amparar as famílias e evitar que a lesão de direito se avulte. Por tal razão,
na aplicação das medidas de proteção levar-se-ão em conta as necessidades peda-
gógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares
1 Art. 227, caput. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adoles-
cente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, vio-
lência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

120
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 118 - 130

e comunitário, regendo-se pelo princípio da intervenção precoce, que preconiza a


intervenção das autoridades competentes logo que a situação de perigo seja conhe-
cida (art.100, caput e inciso VI, do ECA). Inclusive, nesse sentido, já alertava Tânia
da Silva Pereira nos primeiros anos do Estatuto, em sua obra singular (1996, p. 553).
Essas crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente, embora protegi-
dos dos seus agressores, acabam tendo outro direito fundamental violado, vale dizer,
são afastados do ambiente familiar e despidos do direito à convivência familiar, o que
traz um sério comprometimento no seu desenvolvimento como pessoa humana.
Nem mesmo a regência da medida de acolhimento pelo princípio da brevi-
dade é capaz de aplacar a realidade dessas crianças e adolescentes, pois a impos-
sibilidade de retorno à família natural ou extensa e as remotas chances de coloca-
ção em família substituta, diante de algumas circunstâncias, acaba por eternizar a
invisibilidade dessas crianças na instituição de proteção e seu afastamento de um
modelo saudável da convivência familiar, o que traz prejuízo também à convivência
comunitária.
É verdade que o acolhimento institucional é medida excepcional, devendo
ser preferido, caso seja possível, o acolhimento familiar ou, ainda, a colocação em
família substituta. Melhor ainda seria o retorno à família de origem. Mas, por diversas
circunstâncias, as entidades de acolhimento continuam com sua capacidade tomada,
pois atualmente há no Brasil um grande número de crianças e adolescentes acolhi-
dos institucionalmente e por tempo muito além do desejável, sem perspectiva de
volta à família natural ou colocação em família substituta.
Segundo dados do CNJ (2019), somente no Estado de São Paulo, em janeiro
de 2019, são 13.149 acolhidos e em todo país são 46.441 acolhidos. Para se ter um
parâmetro, essa comunidade infanto-juvenil equipara-se à população inteira de uma
pequena cidade, mas pulverizada por diversas cidades brasileiras, muitas vezes,
invisíveis à sociedade e, o que é pior, às instituições e órgãos públicos que deveriam
zelar por seus direitos.
Neste cenário, o programa de apadrinhamento surge como instrumento de
proteção capaz de proporcionar às crianças e aos adolescentes acolhidos com re-
motas chances de colocação de família substituta um estabelecimento com convívio
social saudável com membros da comunidade. A partir desse relacionamento, podem
ser constituídos novos paradigmas de vida, com bons exemplos, amizade, relacio-
namentos positivos e, eventualmente, embora raro, sua guarda definitiva ou adoção
pelos padrinhos e madrinhas, uma vez que a adoção tardia é um desejo inconfessá-
vel de todos que atuam com tais crianças e adolescentes.
Logo, a implementação dos serviços ou do programa de apadrinhamento não
é um luxo ou algo supérfluo, mas inerente, necessário e exigível como forma de
humanização do próprio acolhimento institucional e familiar, vez que a invisi-
bilidade da criança e do adolescente não aproveita a ninguém e traz prejuízos irrepa-
ráveis aos seres humanos em condição peculiar de desenvolvimento.
Aliás, sustenta Martha de Toledo Machado (2004, p. 109):

essa característica é inerente à sua condição de seres humanos ainda

121
Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

em processo de formação, sob todos os aspectos, v.g. físico (nas suas face-
tas constitutiva, motora, endócrina, da própria saúde, como situação dinâmi-
ca), psíquico, intelectual (cognitivo), moral, social etc.

2 DISTINÇÕES

Cioso distinguir o programa de apadrinhamento de outros programas ou me-


didas que guardam com ele alguma semelhança, mas visam a outros objetivos e, por
tal razão, exigem requisitos legais diversos e geram efeitos de outra ordem.
O programa de acolhimento familiar – família acolhedora, introduzido no Es-
tatuto da Criança e do Adolescente pela Lei Federal 12.010/09 (BRASIL), diferencia-
-se do apadrinhamento afetivo. Refere-se à modalidade de acolhimento em que o
acolhido ao contrário de ir para uma instituição, dirige-se a uma família previamente
cadastrada, que pode receber subsídio financeiro do poder público e é regido igual-
mente pelos princípios da brevidade e da excepcionalidade (VALENTE, 2014, p. 108).
Trata-se de medida de proteção prevista no rol do artigo 101 do ECA, ao
lado do acolhimento institucional, aplicável em situações extremas nas quais a crian-
ça não pode mais permanecer no seio de sua família natural e nem mesmo na sua
família extensa, que é aquela formada pelos parentes com os quais há vínculo de
afinidade e afetividade.
No acolhimento familiar, a criança não será inserida em uma instituição, mas
sim junto a uma família previamente cadastrada ao programa específico de proteção,
a qual é capacitada e estruturada para receber os petizes vitimizados e ampará-los
durante o tempo necessário para restaurar a família de origem ou colocá-los em fa-
mília substituta, caso seja impossível o retorno aos pais.
Assim, a formalização da colocação será através da guarda para atender
situações peculiares (art. 33, ECA), e a família deve receber auxílio econômico que
permita um acolhimento sem prejuízo de suas condições sócio econômicas (art. 34,
ECA).
Portanto, o acolhimento familiar difere do apadrinhamento, que é um progra-
ma em que o “padrinho” não deverá acolher a criança em sua residência sob forma
de guarda, mas tão somente estabelecer um vínculo afetivo através de uma convi-
vência monitorada, no âmbito da entidade e para fora dos muros conforme evolua o
relacionamento. Por exemplo, tomar um sorvete, ir ao cinema, ao parque de diver-
sões, ou, até mesmo, visitar a casa do padrinho ou realizar uma viagem.
Inclusive, a criança inserida em programa de acolhimento familiar poderá
também ser apadrinhada, ex vi do que dispõe o caput do art. 19-B, do ECA. E a perti-
nência é manifesta, eis que mesmo o acolhimento familiar não elimina a necessidade
de aprimorar o exercício do direito à convivência familiar e comunitária.
Há também, no rol do artigo 101 do ECA, precisamente no inciso II, a medida
de proteção de orientação, apoio e acompanhamento temporário que, à primeira vis-
ta, aproxima-se do apadrinhamento tratado pelo artigo 19-B da mesma lei. Contudo,
a medida do inciso II tem uma característica mais técnica e profissional, normalmente
executada por profissionais da área social e psicológica, ou, também, por profissio-

122
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 118 - 130

nais da pedagogia e psicopedagogia.


Por exemplo, crianças e adolescentes inseridas em famílias com problemas
que afetam seu cuidado e os seus relacionamentos são orientadas, apoiadas e acom-
panhadas pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e pelo Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), de modo a sanar as ame-
aças e as lesões aos seus direitos fundamentais, evitando a imposição de medidas
mais contundentes.

3 PROGRAMA DE APADRINHAMENTO

3.1 Fundamentos Legais e Conceito

Recente alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, promovido pela


Lei 13.509/17 (BRASIL), introduziu no ordenamento jurídico o programa de apadri-
nhamento, previsto agora no art. 19-B e seus parágrafos do ECA, destinado a crian-
ças e adolescentes inseridos em acolhimento familiar ou institucional.
O apadrinhamento é medida de proteção da criança e do adolescente pre-
vista fora do rol do artigo 101 do ECA, que não é exaustivo, consistente no esta-
belecimento de vínculos externos à instituição para fins de convivência familiar e
comunitária e colaboração com seu desenvolvimento nos aspectos social, moral,
físico, cognitivo, educacional e financeiro, complementar às medidas de proteção do
acolhimento familiar e institucional.
Pode ser instituído por meio de um programa de atendimento autônomo, ins-
crito no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA ou
através de um serviço ligado ao programa de acolhimento institucional ou familiar. De
todo modo, cuida-se de uma medida intimamente ligada à medida de acolhimento,
humanizadora deste sistema de proteção e imprescindível para o sucesso da prote-
ção dessas crianças e adolescentes com alto grau de vulnerabilidade.

3.2 Objetivos do Programa de Apadrinhamento



Assim, o programa de apadrinhamento tem por objetivo ampliar a convivên-
cia familiar e comunitária da criança e do adolescente acolhidos institucionalmente ou
inseridos em família acolhedora, possibilitando que pessoas da comunidade, devida-
mente capacitadas, inclusive pessoas jurídicas, possam estabelecer e proporcionar
vínculos externos aos acolhidos e, com isso, colaborar com o seu desenvolvimento
nos aspectos social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro.
A pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento, notadamente
a criança e o adolescente, necessita de paradigmas familiares positivos para sua
saudável evolução e busca da maturidade. Porém, inseridos em acolhimento, no-
tadamente quando executado em instituição, ficam alijados desse contato porque
perderam sua família natural ou não puderam, por várias circunstâncias, ainda voltar
para sua origem ou se ligar a uma família substituta.
Esse decréscimo não é aceitável. A carência do direito à convivência familiar

123
Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

e comunitária traz prejuízos, muitas vezes, irreparáveis à formação da pessoa huma-


na, incutindo traumas e sofrimentos que, mais adiante na vida, tendem a gerar com-
portamentos repetitivos de violação de direitos, além de muito sofrimento imediato.
Por isso a urgente necessidade de implementar o programa de apadrinha-
mento como complementação necessária do programa de acolhimento institucional
e familiar, de forma a atenuar essa carência e evitar a lesão em grau máximo aos
direitos fundamentais da criança e do adolescente acolhidos.
Por derradeiro, cioso ressaltar que não é à toa que os destinatários do pro-
grama de apadrinhamento são crianças e adolescentes com remotas chances de
reinserção familiar ou colocação em família substituta.
Um objetivo “acidental” do apadrinhamento pode ser a colocação em família
substituta, especialmente a adoção, pois, criado o vínculo afetivo, não é surpresa se
os padrinhos se interessarem pela permanência definitiva do afilhado em sua vida e,
como estes não têm chances de retorno à família e já foram oferecidos ao cadastro
de adoção, nada impediria tal colocação junto aos padrinhos.
Evidente que o padrinho ou madrinha não tem a obrigação de adotar e nem
lhes pode pesar essa expectativa. Nem mesmo no afilhado. Ambos devem ser prepa-
rados sob o aspecto emocional, tão somente, para o programa de apadrinhamento,
mas se naturalmente surgir o interesse espontâneo, os executores, com apoio do
Sistema de Justiça, deverão administrar a situação em prol do melhor interesse da
criança e do adolescente.

3.3 Sujeitos do Apadrinhamento

O apadrinhamento é medida bilateral, que se desenvolve pela convivência


entre dois sujeitos – padrinhos e afilhados – vale dizer, o adulto que exercerá a fun-
ção de padrinho ou madrinha e a criança ou adolescente.
O padrinho/madrinha – chamaremos de sujeito ativo – é o adulto da relação,
responsável por trazer o paradigma de família e, com sua maturidade e experiência
de vida, colaborar para o desenvolvimento do afilhado nos aspectos social, moral,
físico, cognitivo, educacional e financeiro.
O padrinho/madrinha deve possuir pelo menos dezoito anos de idade e pre-
encher os requisitos previstos no programa de apadrinhamento, de modo especial,
consoante dispõe o art. 29 do ECA, devendo ser capacitado para a natureza da me-
dida e para oferecer convivência familiar e comunitária adequada e saudável.
No parágrafo 2º do artigo 19-B do ECA havia uma vedação que impedia a
pessoa cadastrada no Cadastro Nacional de Adoção de figurar como padrinho ou
madrinha. Apontam-se dificuldades para administrar as relações do padrinho/cadas-
trado com o afilhado, pois este pode sentir-se rejeitado por não ter sido escolhido
pelo padrinho que quer adotar, porque normalmente o padrinho deseja outro perfil de
criança para adoção.
Todavia, o referido dispositivo legal foi vetado. Nas razões do veto pode-se
verificar que a preocupação em suprimir a vedação existe para permitir que, caso
fosse criado vínculo afetivo entre padrinhos e aquele, este tivesse a possibilidade de

124
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 118 - 130

adotá-lo, já que os destinatários são justamente crianças e adolescentes sem família


natural e com remotas chances de colocação em família substituta.
De toda forma, no caso de formação de um vínculo afetivo no apadrinhamen-
to que gere o interesse na adoção por todos envolvidos, não haveria nenhum impe-
dimento de se proceder à adoção, afinal a criança ou adolescente já foi oferecido ao
Cadastro de Adoção e não foi escolhido. Os padrinhos poderiam obter a guarda para
fins de adoção e prescindir do cadastro, na forma do disposto no inciso III, do pará-
grafo 13º, do artigo 50 do ECA.
Da forma como está disposta a lei, sendo possível à pessoa inscrita no ca-
dastro figurar como padrinho ou madrinha, será necessário acompanhamento detido
na execução do programa para evitar que a frustração acima apontada aconteça, de
modo a vitimar, novamente, a criança ou o adolescente.
Por fim, no que toca ao sujeito ativo do apadrinhamento, a pessoa jurídica,
ex vi do que dispõe o parágrafo 3º do artigo 19-B do ECA, pode também apadrinhar
criança ou adolescente a fim de colaborar para o seu desenvolvimento.
A amplitude das finalidades do apadrinhamento permite que pessoas jurí-
dicas – empresas, fundações, sociedades, associações etc. - possam apadrinhar
financeiramente crianças e adolescentes acolhidos, custeando ações e serviços de
natureza social, educacional e até mesmo de saúde, promovendo, por exemplo, a
profissionalização dos jovens ou criando projetos de aceleração educacional, inser-
ção no mercado de trabalho e bolsas para atividades esportivas e artísticas.
De outra banda, estão os sujeitos passivos (crianças e adolescentes acolhi-
dos), prioritariamente aqueles com remotas possibilidades de reinserção familiar ou
colocação em família substituta.
O artigo 2º, caput, do ECA, define criança como sendo a pessoa de até 12
anos incompletos e, adolescente, a pessoa entre 12 e 18 anos de idade. De tal forma,
no dia em que completa 12 anos de idade o indivíduo já é adolescente, e vai nesta
condição até o dia em que completa 18 anos de idade, quando será adulto para todos
os fins.
A emancipação não retira a possibilidade de o indivíduo figurar como afilhado
de apadrinhamento em todas as suas formas, desde que presentes os demais requi-
sitos legais.
A criança ou o adolescente para poderem figurar como afilhados do progra-
ma de apadrinhamento, devem estar inseridos em programa de acolhimento familiar
ou institucional. O acolhimento é medida de proteção aplicada judicialmente, por via
de ação judicial promovida pelo Ministério Público na forma do artigo 101, parágrafo
2º do ECA, ou em situações excepcionais e de urgência, nos moldes do artigo 93
desta lei.
Segundo dispõe o parágrafo 4º do artigo 19-B do ECA, o perfil da criança
ou do adolescente a ser apadrinhado será definido no âmbito de cada programa de
apadrinhamento, com prioridade para aquelas com remotas chances de reinserção
familiar ou de colocação em família substituta. Portanto, em cada programa será
possível o estabelecimento de regras diversas para definição do perfil do afilhado,
atentando-se para o fato de que a reinserção familiar ou colocação em família subs-

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Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

tituta, se possíveis, devem preferir à medida de apadrinhamento, porque promove de


fato o direito à convivência familiar e comunitária de modo completo.
Dessa forma, não só a experiência da Vara da Infância e da Juventude, mas
também a simples consulta aos dados do Cadastro Nacional de Adoção, que registra
as preferências das pessoas e casais cadastrados, revela que as crianças a partir
dos sete anos de idade, grupos de irmãos, adolescentes e de modo geral deficientes
ou pessoas com doenças crônicas, possuem remotas chances de serem adotadas e
devem ser colocadas em programa de apadrinhamento.

4 EXECUÇÃO DO PROGRAMA DE APADRINHAMENTO

O parágrafo 5º do art. 19-B do ECA dispõe que os programas ou serviços de


apadrinhamento apoiados pela Justiça da Infância e da Juventude poderão ser exe-
cutados por órgãos públicos ou por organizações da sociedade civil.
Assim, para a implementação do programa ou serviços de apadrinhamento,
deve ser firmada uma parceria entre a Justiça da Infância e da Juventude e os órgãos
públicos ou as organizações da sociedade civil. Esses entes, conforme o modelo
escolhido, serão os executores responsáveis pelo cumprimento do programa de apa-
drinhamento.
Portanto, para organizar o programa de apadrinhamento, é necessário arre-
banhar os padrinhos e madrinhas dentre os membros da comunidade, selecioná-los,
conforme sua aptidão, dar a formação adequada e colocá-los em contato com as
crianças e adolescentes destinatários da medida.
De outro lado, é de extrema importância selecionar e preparar as crianças e
os adolescentes destinatários do programa de apadrinhamento dentre aquelas inse-
ridas no acolhimento do município.
Depois de selecionados os padrinhos e madrinhas, assim como as crianças e
os adolescentes afilhados, imperioso monitorar o estabelecimento dos vínculos afe-
tivos e a continuidade do relacionamento, sua amplitude e profundidade. Em realida-
de, na maioria dos casos, cuida-se de uma relação afetiva que vai se estabelecendo
gradativamente, crescendo de modo natural, atuando os executores do programa
como facilitadores e apoiadores.
Nessas tarefas, claro que as entidades não governamentais e órgãos públi-
cos envolvidos com os programas de acolhimento institucional e familiar são atores
primordiais e necessários, pois conhecem a realidade histórica e diária de cada crian-
ça e adolescente. Seus serviços técnicos e educadores acompanham diuturnamente
cada acolhido.
As entidades de acolhimento e as secretarias municipais envolvidas com os
serviços de acolhimento devem ser os executores necessários do programa de apa-
drinhamento, reservando ao Sistema de Justiça o papel de apoiador e fiscalizador do
programa, à luz do que proclamam os parágrafos 5º e 6º do art.19-B e art. 95, ambos
do ECA. A comunidade local fornece o bem mais precioso, que são as pessoas ap-
tas ao exercício da cidadania, da fraternidade e do amor ao próximo, que serão os
padrinhos e madrinhas.

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Nesta esteira, o Sistema de Justiça deve apoiar e fiscalizar a seleção das


pessoas interessadas em figurar como padrinhos e madrinhas, bem como acompa-
nhar o desenvolvimento do apadrinhamento, cujas informações devem constar, inclu-
sive, no Plano Individual de Atendimento (PIA) do acolhido, pois se trata de atividade
a ser desenvolvida, na forma do inciso III, §6º do art. 101 do ECA.
Verifica-se que há previsão, também, de que pessoas jurídicas possam apa-
drinhar criança ou adolescente a fim de colaborar para seu desenvolvimento (§3º,
art.19-B, ECA). Amplas as possibilidades de colaboração podem movimentar as em-
presas em prol dos infantes e jovens acolhidos, não só no aspecto financeiro, mas
também no desenvolvimento cognitivo, educacional, físico etc.
Auxílios no custeio de cursos de profissionalização, idiomas, conteúdos edu-
cacionais diversos, intercâmbios, bolsas para a prática esportiva são apenas alguns
exemplos possíveis, mas fará diferença a atuação criativa dos executores, apoiado-
res e das próprias empresas interessadas.
Observa-se que a boa execução do programa de apadrinhamento reproduz
a base jurídica do direito da criança e do adolescente, que é o Princípio da Proteção
Integral trazido pelo artigo 227 da Constituição Federal, pois colocam Estado (Poder
Público municipal e Sistema de Justiça), Sociedade (associações civis) e famílias
(padrinhos e madrinhas) como entes subordinados, a serviço da tutela de direitos
fundamentais dos entes subordinantes (criança e adolescente), cumprindo-se assim
o mandamento constitucional.
A execução do programa de apadrinhamento pretende repor oportunidades
às crianças e aos adolescentes acolhidos que, no seio de uma família adequada,
certamente as teriam. Busca minimizar as dores do esquecimento e da invisibilidade
social, dos quais foi vítima em sua própria família e restituir a esperança de um bom
futuro e o direito de sonhar.

5 OBRIGATORIEDADE DOS SERVIÇOS OU PROGRAMA DE APADRINHAMEN-


TO COMO COMPLEMENTAÇÃO NECESSÁRIA AOS OS PROGRAMAS DE ACO-
LHIMENTO

Os programas de acolhimento familiar e institucional não podem prescindir


dos serviços ou de um programa de apadrinhamento para que possam cumprir efe-
tivamente seu desiderato.
O acolhimento institucional e familiar são as medidas de proteção mais com-
plexas dentre aquelas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Fede-
ral 8.069/90 (BRASIL) – cuja execução demanda uma série de ações e serviços de
modo a atender aos princípios elencados no artigo 92, 94, §1º, e, ainda, artigo 100,
todos do mesmo Estatuto, em perfeita harmonia com o disposto no artigo 227 da
Constituição da República.
Tais princípios e regras tipificadas revelam normas de eficácia plena, exigí-
veis de imediato do Estado, da Sociedade e da Família em benefício da criança e
do adolescente (MACHADO, 2004, p. 393). O desatendimento revela omissão juridi-
camente inaceitável, passível de correção pela via jurisdicional provocada por quem

127
Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

tenha legítimo interesse perante a Justiça da Infância e da Juventude.2


Antes da modificação do Estatuto pela lei 13.509/17 (BRASIL), quando não
havia disciplina legal explicita do programa de apadrinhamento, normalmente sua im-
plementação ocorria por portaria judicial do juízo da infância e da juventude, que vin-
culava os serviços técnicos do judiciário, os órgãos públicos e as associações civis,
colhendo-se bons resultados, todavia tímidos na maioria das vezes e, mesmo assim,
isolados em comarcas nas quais o envolvimento pessoal do juiz ou do promotor, ou
de servidores das equipes interprofissionais fazia toda a diferença.
Mas não é possível contar com o interesse pessoal de um bom profissional,
pois a tutela de direitos fundamentais da criança e do adolescente não pode depen-
der de uma situação aleatória e infelizmente cada vez mais rara.
Com a nova disciplina legal, a Justiça da Infância e da Juventude devem
apoiar e fiscalizar o programa ou os serviços de apadrinhamento a serem executados
por órgãos públicos ou por organizações da sociedade civil.
No âmbito do Ministério Público, a via dos procedimentos administrativos
da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude é adequada para induzir a re-
ferida política pública, vale dizer, mobilizar os órgãos públicos, associações civis e a
comunidade a implementar o programa ou serviços de apadrinhamento, atuando em
harmonia com o programa de acolhimento em execução na comarca.
Nesse sentido, quando ainda em atuação na promotoria da infância e da ju-
ventude de São José dos Campos, tivemos a oportunidade de buscar a implementa-
ção do programa de apadrinhamento afetivo, conclamando todos os entes envolvidos
direta ou indiretamente com o acolhimento institucional – Entidades Cruzada Paro-
quial, APAR, Secretarias Municipais e comunidade - à estruturação de um projeto do
respectivo programa, tudo com o envolvimento do CMDCA, a quem cabe a inscrição
do programa, sua fiscalização e, mais do que isso, o estímulo do poder público e da
iniciativa privada (FERRAZ, 2014, p. 437).
Patrícia Silveira Ferraz, na obra coordenada por Kátia Regina Ferreira Lobo
Andrade Maciel, ressalta:

sendo o CMDCA o órgão deliberativo e controlador das ações que compõem


a política de atendimento infantojuvenil, necessário que a este seja incumbida
a função de inscrever os programas a serem desenvolvidos pelas entidades,
viabilizando-lhe, assim, uma visão geral das ações existentes no município,
com estratégias de atuação que busquem evitar ações sobrepostas ou disso-
nantes com a realidade local. (FERRAZ, 2014, p. 421).

Dessa forma, com a disciplina legal do apadrinhamento e o mandamento


constitucional de prioridade absoluta, dirigidos a todos os atores responsáveis pela
tutela dos direitos da criança e do adolescente, não resta dúvida de que cada Institui-
ção deve ter sua estratégia e caminhar no sentido da humanização do atendimento
prestado no acolhimento institucional e familiar e, no passo, a implantação do apadri-
nhamento é medida obrigatória e necessária em benefício dos acolhidos.
2 Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 82) proclama que o fundamento objetivo de uma
tutela jurisdicional diferenciada para a criança e o adolescente reside, portanto, na existência de um mi-
crossistema disciplinador de relações jurídicas especiais e no trato da forma de distribuição da justiça,
distinta, ao menos em parte, daquela usualmente prevista na codificação geral.

128
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 118 - 130

Assim, cabe ao Ministério Público, na sua instância administrativa superior,


e aos seus membros, na confecção do Planejamento Estratégico, eleger como dire-
triz a tomada efetiva de providências para implantação do apadrinhamento em cada
comarca, para que sejam, inclusive, prioritárias tais ações e cobradas pelos órgãos
internos e externos de controle.

6 NOTAS CONCLUSIVAS

6.1. O programa de apadrinhamento foi introduzido no Estatuto da Criança


e do Adolescente pela Lei nº 13.509/17, através da inserção do artigo 19-B e seus
parágrafos.
6.2. O programa de apadrinhamento destina-se à criança e ao adolescente
inserido em acolhimento familiar ou institucional para que estabeleça vínculos exter-
nos à instituição, com o objetivo de convivência familiar e comunitária, desenvolvi-
mento social, moral, físico, cognitivo, educacional e financeiro.
6.3. Podem ser padrinhos ou madrinhas as pessoas maiores de 18 anos de
idade que tenham comprovada aptidão inerente aos objetivos do programa de apa-
drinhamento. Também as pessoas jurídicas podem figurar como padrinhos e colabo-
rar de diversas formas para o desenvolvimento do acolhido.
6.4. São destinatários do programa de apadrinhamento, prioritariamente, a
criançae o adolescente com remotas chances de reinserção familiar ou colocação
em família substituta.
6.5. O programa de apadrinhamento deve ser executado pelos órgãos pú-
blicos ou por organizações da sociedade civil, com apoio e fiscalização da Justiça
da Infância e da Juventude, que deve ser instada no caso de omissão na criação do
programa.
6.6. No caso de evolução dos vínculos afetivos a ponto dos padrinhos e ma-
drinhas desejarem a adoção do afilhado, o fato do apadrinhamento não é impeditivo
de tal pretensão, desde que presentes os demais requisitos legais.
6.7. A implantação do programa ou serviços de apadrinhamento é política pú-
blica exigível como providência para humanização do acolhimento, inclusive perante
o Poder Judiciário, pelos entes legitimamente interessados.

REFERÊNCIAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de


1988. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 jan. 2019.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança


e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República,
1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em:
09 jan. 2019.

129
Programa de Apadrinhamento - Sua obrigatoriedade como complementação necessária
para os Programas de Acolhimento

BRASIL. Lei nº 12.010, de 3 de agosto de 2009. Dispõe sobre adoção; altera as Leis
nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de
29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo
Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm. Acesso em: 09 jan. 2019.

BRASIL. Lei nº 13.509, de 22 de novembro de 2017. Dispõe sobre adoção e alte-


ra a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º
de maio de 1943, e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Brasília,
DF: Presidência da República, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13509.htm. Acesso em:

CNJ. Quantidade de acolhidos por Estado. Cadastro Nacional de Crianças Acolhi-


das. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2019. Disponível em: http://www.cnj.jus.
br/cnca/relatorio/ControleRelatorio.php?action=acolhido. Acesso em: 09 jan. 2019.

FERRAZ, Patrícia Silveira. A política de atendimento. In: MACIEL, Kátia Regina Fer-
reira Lobo Andrade (coord.). Curso de Direito da Criança e do Adolescente. Aspectos
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MACHADO, Martha Toledo. A Proteção Constitucional de Crianças e Adolescen-


tes e os Direitos Humanos. 1. ed. São Paulo: Manole, 2004.

PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela


Jurisdicional Diferenciada. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente – Uma proposta


interdisciplinar. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1996.

VALENTE, Jane. Família Acolhedora. As relações de cuidado e de proteção no


serviço de acolhimento. 1. ed. São Paulo: Editora Paulus, 2014.

Submetido: 21/03/2019
Aprovado: 08/05/2019

130
MEDIAÇÃO PENAL E VIOLÊNCIA DE
GÊNERO NO BRASIL:
UMA EXPERIÊNCIA NECESSÁRIA

CRIMINAL MEDIATION AND GENDER


VIOLENCE IN BRAZIL:
A NECESSARY EXPERIENCE
Celeste Leite dos Santos
Promotora de Justiça do Estado de São Paulo
Doutora pela USP
Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de
Coimbra
Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pelo CEAF-ESMP
RESUMO

O presente artigo analisa a questão da vitimização terciária de mulheres vítimas de violência de gênero em razão do
desconhecimento dos operadores jurídicos dos aspectos cíveis abrangidos pela Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006
na sua integralidade. Persiste a separação entre os aspectos criminais, cíveis e emocionais que surgem como conse-
quências pelo crime praticado. A mediação penal constitui importante ferramenta extraprocessual de um Ministério
Público Resolutivo, cabendo ainda ao parquet o dever de fornecer orientação jurídica adequada às vítimas de crimes.

Palavras-chave: Mediação. Violência de gênero. Sistema de justiça.

ABSTRACT

This article analyzes the question of the tertiary victimization of women victims of gender violence due to the lack of
knowledge of the legal operators of the civil aspects covered by Law n. 11.340, dated August 7, 2016 in its entirety.
The separation between the criminal, civil and emotional aspects that arise as consequences for the crime practiced
persists. Criminal mediation is an important extra-procedural tool of a Public Prosecutor’s Office, and parquet also
has the duty to provide adequate legal guidance to crime victims.

Keywords: Mediation. Gender violence. Justice system.

SUMÁRIO

1. A violência de gênero e o marco legal brasileiro da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2016). 2. A me-
diação penal e a justiça restaurativa. 3. Características da mediação penal. 3.1. Objetivos da mediação penal. 3.2. Objeções
à aplicação da mediação penal em contexto de violência de gênero. 3.3. Da possibilidade da mediação penal. 4. Conclusão.
Bibliografia.
Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária

1 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E O MARCO LEGAL BRASILEIRO DA LEI MARIA


DA PENHA (LEI N. 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006)

A Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), marco legal no combate à violência


doméstica e familiar contra a mulher, já completou mais de uma década sem que
tenhamos alcançado sua plena efetividade, ou seja, a adoção de políticas públicas
eficientes voltadas à prevenção, erradicação, bem como à repressão dos casos em
que haja a prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral (art. 7°,
incisos I a V da Lei n. 11.340) (BRASIL, 2006). Tal marco legal representou avanço,
fruto de resposta à condenação do Estado Brasileiro pela Organização dos Estados
Americanos (2001), apresentado pela Senhora Maria da Penha (Relatório n. 54/2001,
Caso n. 12.051).
Houve significativa melhora em relação ao ciclo vicioso que vigorava no sis-
tema de justiça brasileiro: a mulher sofria violência no recinto de seu lar, sofria re-
vitimização ao levar o fato ao conhecimento das autoridades policiais (vitimização
secundária – por meio de questionamentos inadequados e imputação de culpa do
ocorrido à própria vítima) e novo episódio de vitimização pelo Poder Judiciário (vitimi-
zação terciária), seja na esfera penal em que os casos eram arquivados ou os réus
absolvidos (frequentemente se arguia que seria a palavra de um contra a palavra de
outro), seja ao deduzir sua pretensão perante a Vara de Família (através de alega-
ções de que agia motivada por um desejo de vingança). Assim, a vítima era ouvida
por todos os integrantes do sistema de justiça, porém não era escutada.
Atento à necessidade de se obter um grau civilizatório que almeje a igualdade
efetiva entre homens e mulheres, houve por bem o legislador ordinário estabelecer
o princípio do juiz do fato nos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar
contra a mulher, in verbis:

Art. 13. Ao processo, ao julgamento e à execução das causas cíveis e crimi-


nais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher
aplicar-se-ão as normas do Código de Processo Penal e Processo Civil e da
legislação específica relativa à criança, ao adolescente e ao idoso que não
conflitarem com o estabelecido nesta lei (BRASIL, 2006, grifamos).

Desse modo, foi reconhecida a necessidade do tratamento integrado dos


casos de violência doméstica e familiar não apenas para fins de apuração e preven-
ção, mas também devido à especialidade do conflito, que a causa seja apreciada
pelo promotor de justiça e juiz de direito do fato, buscando não apenas a obtenção
da reprimenda penal ao ato praticado, mas sobretudo a prevenção de novos delitos,
através da preservação da integridade física, psíquica, moral e patrimonial da mulher,
da prole e do próprio agressor.
A díade justiça criminal x justiça cível remanesce na prática de nossos Tribu-
nais, uma vez que os juízes de direito e promotores de justiça com atribuição para
oficiar perante a Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, via de regra,
não apreciam as questões atinentes à guarda, ao patrimônio do casal e ao divórcio,
limitando-se na grande maioria dos casos à análise da concessão de separação de
corpos do casal e restrição de visitas à prole, a título de medida protetiva.

134
REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 132 - 143

Desse modo, forçoso reconhecer que os juízes e promotores de justiça não


aplicam a máxima do juiz e promotor do fato, ignorando a competência cumulativa
que lhes foi atribuída, limitando-se a criar programas que ora isolam o agressor (pro-
gramas educativos ao agressor, adoção de medidas protetivas que obrigam o agres-
sor etc), ora isolam a mulher (adoção de medidas protetivas à vítima que possuem
caráter cautelar, mas não solucionam o conflito), inexistindo um programa único que
busque o tratamento do conflito apresentado de forma integrada, por meio de técni-
cas de gerenciamento adequado que são possíveis em um ambiente de mediação
penal. Ambos se sentem penalizados pelo sistema de justiça e nunca acolhidos, en-
tendidos e ainda que ouvidos, escutados. A participação de agressor e vítima, ainda
que se adotem medidas visando à humanização do processo, remanesce no nível
instrumental, por falta da integração de medidas que seriam possíveis no ambiente
imparcial e de assunção de responsabilidades da mediação penal. A vitimização
terciária se revela tão evidente que a deputada Erika Kokay propôs projeto de lei já
aprovado em março de 2019 pela Câmara dos Deputados com o escopo de fixar que
a vítima tem o direito à informação sobre a possibilidade da resolução plena de todos
os aspectos cíveis e criminais envolvidos. Não mais se justifica em nossa sociedade
que o Poder Judiciário não seja visto como um espaço de acolhimento a vítimas de
crimes e constitua ele próprio um espaço de perpetuação do ciclo vitimizatório.
Nessa seara, abre-se espaço para a adoção de programas de mediação
penal pré processuais e processuais no âmbito do Ministério Público e do Poder Ju-
diciário, devendo, desde já anotar-se que em razão da competência cumulativa do
Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher para processo,
julgamento e execução dos crimes decorrentes de violência doméstica e familiar con-
tra a mulher, na fase processual seria a sua disponibilização não apenas recomen-
dável, mas obrigatória1 (cf. art. 334 da Lei n. 13.105 (BRASIL, 2015a) c.c. art. 13 da

1 A esse respeito, estabelece o Código de Processo Civil (Lei n. 13.105 de 16 de março de


2015): “Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improce-
dência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência
mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 1o O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou
de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização
judiciária. § 2o Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo
exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à compo-
sição das partes. § 3o A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado. §
4o A audiência não será realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse
na composição consensual; II - quando não se admitir a auto composição. § 5o O autor deverá indicar,
na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresen-
tada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência. § 6o Havendo litisconsórcio,
o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes. § 7o A
audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei. § 8o
O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato
atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem eco-
nômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9o As partes de-
vem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. § 10. A parte poderá constituir
representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. § 11. A auto
composição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. § 12. A pauta das audiências
de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte)
minutos entre o início de uma e o início da seguinte (BRASIL, 2015).

135
Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária

Lei n. 11.340 (BRASIL, 2006).

2 A MEDIAÇÃO PENAL E A JUSTIÇA RESTAURATIVA

Knopepfler (2002, p. 319) propugna que o advento da justiça restaurativa


está ligado a um certo grau de fracasso em relação ao sistema penal clássico e
sua expressão retributiva e reabilitadora. Pela concepção retributiva, a pena tende
a restabelecer a ordem perdida em função da violação do contrato social, e impõe
um sofrimento proporcional à infração cometida. O adágio correspondente ao punitur
quia peccatum est, significa punir porque uma falta foi cometida. A concepção rea-
bilitadora tende, quanto a isto, a ressocializar o delinquente e a determinar suas ne-
cessidades a fim de ajudá-lo e tratá-lo. O adágio consagrado é o punitur ne peccatur,
punir para que ele não cometa nova infração penal.
A vítima é largamente negligenciada pelas duas concepções. De um lado
há a canalização de um atávico desejo de vingança privada e sua transferência aos
detentores do poder público pode revelá-la em si mesma, na medida em que leva a
negar as feridas sofridas pela vítima, constituindo um vetor de vitimização secundária
que amplifica o desejo de vingança que ela estava precisamente procurando apazi-
guar.
A teoria da justiça restaurativa ou reparadora, nascida nos anos 70 na Améri-
ca do Norte, procura aportar um corretivo às falhas do sistema criminal clássico. Uma
das ideias fundadoras dessa corrente introduzidas pela criminologia de Nils Christie
(1977, p. 1 e ss) é que as principais partes interessadas foram desapropriadas do
conflito e devem ser devolvidas à titularidade. Alguns anos depois, Howard Zehr pu-
blicou a obra “Mudando De Lentes: Um Novo Foco para o Crime e a Justiça”, pelo
qual o autor revela que a justiça criminal, enxerga o crime através de lente essencial-
mente retributiva, ignorando a vítima e o autor do fato. Para Zehr, as vítimas de cri-
mes têm muitas necessidades, muitas delas ignoradas por nosso sistema de justiça
criminal. De fato, o sistema judiciário frequentemente aumenta a lesão. Os ofensores
são menos ignorados por este sistema, mas suas necessidades reais – por respon-
sabilidade, por fechamento, por cura – também são deixadas sem solução. Tais fra-
cassos não são acidentais, mas inerentes às próprias definições e suposições que
governam nosso pensamento sobre crime e justiça. Zehr propõe a adoção de modelo
restaurativo mais consistente com a experiência, com o passado e com a tradição
bíblica. Parte da mudança na forma como o comportamento criminoso é observado:
o crime deve ser entendido não apenas como violação à lei, mas também como le-
são as vítimas e à comunidade, como uma ofensa entre duas pessoas e sua relação
(ZEHR, 2005, p. 32 e ss).
Partindo da constatação de que nas sociedades ocidentais o sistema pe-
nal clássico exclui as pessoas (os mais afetados pelo fenômeno criminal), a justiça
restaurativa participa da vontade de lhes implicar adequadamente (SAWIN; ZEHR,
2007, p. 41). Tanto quanto possível, as partes do conflito devem participar ativamente
de sua resolução e mitigação de suas consequências.
A justiça restaurativa visa transformar a maneira como as sociedades con-

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REVISTA JURÍDICA ESMP-SP, V.15, 2019: 132 - 143

temporâneas apreendem e respondem ao fenômeno criminal e aos problemas dele


decorrentes. Os objetivos perseguidos são a reparação e o apaziguamento dos pre-
conceitos que a vítima sofreu, ainda que a responsabilização do delinquente tome
em consideração a percepção de que seu comportamento não é aceitável e afetou
os outros física, psicológica a materialmente.
Os princípios da justiça restaurativa se desenvolveram por diversas formas.
Na América do Norte existem três abordagens relevantes: a mediação entre a vítima
e o delinquente (Victm Offender Reconciliation Program – VORP), as conferências
em família ou em comunidade (originárias de métodos práticos da Nova Zelândia e
Austrália - Conferencing) e os círculos de sentença e reconciliação (Circles).
A corrente da justiça restaurativa conheceu progressiva e larga difusão atra-
vés do mundo e em particular em toda a Europa, onde se desenvolveu, de forma
predominante, o modelo de mediação penal.

3 CARACTERÍSTICAS DA MEDIAÇÃO PENAL

Existem três definições de mediação em matéria penal. Para colocar em evi-


dência as características de seu processo, irá se partir de um dentre eles, a Reco-
mendação n. R (99) 19 (COUNCIL OF EUROPE COMMITTEE OF MINISTERS,
1999) sobre a mediação em matéria penal adotada em setembro de 1999 pelo Co-
mitê de Ministros da Europa. A mediação em matéria penal se define como “qual-
quer processo para a vítima e o infrator participarem ativamente, se consentirem
livremente, para a solução das dificuldades resultantes do crime, com a ajuda de um
terceiro independente (mediador)”. Dentre seus elementos característicos, podemos
destacar a confidencialidade absoluta das discussões encetadas no bojo da media-
ção, a liberdade das partes de aderirem a um processo de mediação e a qualificação
adequada do mediador.
Na Espanha, o Conselho Geral do Poder Judiciário incluiu uma referência es-
pecífica da mediação civil e penal como instrumento eficaz na resolução de conflitos:
“Na mediação penal, vítima e infrator, através de um processo de diálogo e comuni-
cação confidencial, conduzido e dirigido por um mediador imparcial, se reconhecem
capacidade para participar em resolução [...]” (CONSEJO GENERAL DEL PODER
JUDICIAL, 2018). O Código Penal Espanhol (ESPAÑA, 1995) prevê as seguintes ate-
nuantes genéricas: “a) o reconhecimento dos fatos; b) a reparação do dano causado;
c) o perdão do ofendido”. De outra parte, a Lei Espanhola do Estatuto da Vítima do
Delito (ESPAÑA, 2015) prevê um conceito amplo de vítima, não apresentando qual-
quer restrição aos casos em que haja violência de gênero.
A mediação penal pressupõe em primeiro lugar a existência de um conflito.
O conflito resulta do antagonismo posicional das partes e o procedimento de media-
ção tende a desconstruir suas posições e lhes fazer evoluir, levando em conta os
elementos subjacentes necessários à compreensão global da disputa e auxiliar as
partes, notadamente, os medos, preocupações, percepções, sentimentos, emoções,
interesses, necessidades e valores.
Em segundo lugar, o conflito em questão tem a particularidade de ter nascido

137
Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária

da prática de um crime. Tal circunstância induz necessariamente às necessidades


e interesses particulares da vítima e do autor, os quais devem ser adequadamente
tratados durante o procedimento de mediação.
Em seguida, a conduta do procedimento de mediação necessita a interven-
ção de um profissional especialmente formado para esta finalidade, imparcial e in-
dependente, para gerenciar sua disputa e negociar um acordo. O mediador aparece
como um facilitador da comunicação entre as partes, que age sobre o processo de
busca do acordo e não sobre o seu conteúdo. Através da escuta ativa, da reformu-
lação e da maiêutica, ele ajuda progressivamente as partes a deslocarem a posição
que apresentam em seus conflitos para identificarem seus interesses subjacentes
e mudarem o paradigma comunicacional, a fim de explorar as trilhas de solução às
suas diferenças.
O único obstáculo no tocante à adoção do presente modelo de procedimento
de mediação é que o art. 30, §4° da Lei n. 13.140 (BRASIL, 2015) veda a sua con-
fidencialidade caso constate a prática de crimes de ação penal pública. Entretanto,
tal obstáculo pode ser facilmente dirimido com o prévio esclarecimento deste ponto
às partes envolvidas no conflito2. Acresça-se que tal obstáculo já existe nos casos
apresentados diretamente à Vara de Família e Sucessões, sem que haja o benefício
de que sejam trabalhados todos os aspectos apresentados no conflito.

3.1 Objetivos da mediação penal

Por intermédio desta técnica de gestão de conflitos, a infração é apreendida


como direcionada às pessoas e suas relações e não simplesmente reduzida a uma
transgressão de uma regra. Assim, a mediação penal é vista como “uma opção fle-
xível, focada na resolução de problemas e no envolvimento das partes interessadas
em complemento ou como alternativa ao processo penal tradicional” (COUNCIL OF
EUROPE COMMITTEE OF MINISTERS, 1999, p. 1).
Na perspectiva da vítima, o procedimento de mediação visa à satisfação do
seu interesse em obter uma explicação, obter desculpas e uma reparação por parte
do delinquente. Ele oferece a oportunidade de se fazer entender e de expressar sua
2 Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial
em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as
partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou
necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação. § 1o O dever de confidencialidade
aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pesso-
as de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação,
alcançando: I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra
na busca de entendimento para o conflito; II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso
do procedimento de mediação; III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo
mediador; IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação. § 2o A
prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral
ou judicial. § 3o Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência
de crime de ação pública. § 4o A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discri-
minadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação,
aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos
termos do art. 198 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (BRASIL,
1966, grifamos).

138
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vitimização e consequências, contribuindo para apaziguar sua cólera e facilitando


seu restabelecimento a longo prazo.
Para as vítimas, especialmente em um contexto familiar, os impactos morais
ou emocionais são tão ou mais importantes que as consequências materiais. Assim,
consoante propugna Zeher, a vítima pode obter resposta às numerosas questões
suscitadas pela infração, tornando-a capaz de compreender os fatos e o porquê de
ter sido alvo, o porquê de ter agido assim e como reagirá no futuro. A possibilidade
de reencontrar o autor do fato permite à vítima obter uma certa quietude e atenuar o
sentimento de insegurança gerado pela infração, tornando a vítima capaz de receber
um pedido de desculpas e a expressão de um arrependimento sincero. Isto contribui
para a diminuição de seu desejo de vingança.
A participação como verdadeiro ator no processo de resolução do conflito
restitui à vítima o sentimento de dono/condutor da situação que lhe foi tolhida com
o cometimento da infração. A revitimização faz com que ela perceba uma perda do
poder de controle da situação. Relegada ao lugar de objeto da infração cometida,
ainda que haja a responsabilidade do autor do crime pelo direito penal clássico, a
vítima necessita de um papel ativo a fim de ter de volta o sentimento de controle da
situação que lhe foi retirado.
Enfim, a vítima deve receber uma compensação pelos danos sofridos e, em
particular, das perdas financeiras e materiais advindas da infração. A primeira com-
pensação a ser obtida é de natureza pecuniária. É interessante revelar que a vítima
busca mais do que uma compensação material, podendo esta assumir a feição ma-
terial ou simbólica (pagamento de importância à vítima, prestação de serviços para a
vítima, prestação de serviços em benefício da comunidade ou a um objetivo humani-
tário, publicação de uma retratação, etc).
Para o autor da infração a mediação tende a reforçar o seu senso de res-
ponsabilidade e a lhe oferecer oportunidades concretas de se emendar, tendo que
enfrentar diretamente a consequência do crime praticado e a dor causada à vítima.
Pelo seu papel ativo, e não apenas defensivo, o autor não é mais marginalizado en-
quanto membro da sociedade. Pelo reencontro com a vítima, o autor pode constatar
as consequências humanas de seu comportamento e considerar sua vítima como
uma pessoa, e não como um simples alvo ou um objeto. Pela personalização da ví-
tima, o autor toma consciência concreta das lesões causadas (físicas, psíquicas ou
materiais).

3.2 Objeções à aplicação da mediação penal em contexto de violência domésti-


ca e familiar contra a mulher

A doutrina majoritária é contrária à aplicação da mediação penal aos casos


de violência de gênero por entender que existe desequilíbrio de poder entre a víti-
ma e o agressor; que o princípio da legalidade da ação penal é vulnerado, sendo
discutível que o Estado possa renunciar ao jus puniendi (ARENAL, 2014); que sua
aplicação é proibida pelo “Manual de Legislação de Violência Contra a Mulher” (UNI-
TED NATIONS, 2010, p. 40), cujo ponto 3.9.1 recomenda “Proibir explicitamente a

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Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária

mediação em todos os casos de violência contra a mulher, tanto antes como durante
os procedimentos judiciais”; que permitir a mediação penal seria um retrocesso na
luta contra a violência de gênero; que, no Brasil, a Lei Maria da Penha (2006) veda a
aplicação de institutos da Lei n. 9.099 (BRASIL, 1995), tais como a transação penal
e a suspensão condicional do processo.

3.3 Da possibilidade da mediação penal

A objeção atinente ao desequilíbrio de poder entre as partes encontra


na mediação técnicas adequadas para evitar a revitimização da mulher e muitas
vezes revela o desconhecimento do procedimento de mediação e suas técnicas,
uma vez que o mediador e as partes podem optar pela realização de audiências
exclusivamente privadas (caucus), sendo revelado à outra parte apenas o que for ex-
pressamente acordado na sessão de mediação, mesmo no caso de prática de crime
de ação penal pública, uma vez que este dever de não confidencialidade deve ser
interpretado como referente aos órgãos de persecução penal. Aliás, em se tratando
de violência de gênero, o delito cometido, em regra, não é desconhecido pela vítima
e, nos crimes praticados sem violência física, não se pode negar ao autor do fato o
direito de tentar celebrar, com participação direta do “parquet” nos crimes de ação
penal pública e participação posterior nos crimes de ação penal privada, do direito
de obter uma atenuação de pena pela confissão, uma valoração adequada das con-
sequências do crime para a vítima ao aplicar a pena ou mesmo um acordo de não
persecução penal (nos delitos praticados sem violência física), confessando integral-
mente o delito e reparando o dano causado. Assim, não há ofensa ao princípio da
legalidade, mas aplicação sistemática da legislação penal.
A intervenção do Ministério Público na mediação, no caso de acordo
entre as partes que verse sobre direito indisponível, porém transigível, é obrigatória
por expressa disposição legal.

4 CONCLUSÃO

A violência de gênero comporta tratamento especializado do conflito familiar


e/ou relacional existente. A inclusão dos verdadeiros atores do conflito em ambiente
de gerenciamento de conflitos permite a manutenção dos laços existentes, mediante
a transformação da comunicação disfuncional e a cessação de situações de violên-
cia.
O Estado, ao intervir em casos de violência de gênero substitui, seus prota-
gonistas, mas não tem o poder em ambiente representativo e ficcional do ocorrido,
de transformá-lo.
Não se pode negar às partes o direito de serem escutadas, ainda que sepa-
radamente (caucus) por especialista em gerenciamento de conflitos, bem como que
subsequente julgamento abarque todas as consequências advindas de uma infração
penal, sejam estas cíveis ou criminais, uma vez que ausente em nosso ordenamento
jurídico a possibilidade de oferecimento pelo parquet de acordo de imposição nego-

140
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ciada de pena. Nos crimes de ação penal privada e naqueles condicionados à repre-
sentação da vítima, a disponibilização da mediação penal favorece a obtenção de
formas criativas de reparação do dano. Cumpre mencionar que a faculdade conferida
à vítima em propor a queixa-crime ou oferecer a representação ou desta se retratar
nos crimes de ação penal pública condicionada até o oferecimento da denúncia já se
encontram disponibilizados no ordenamento jurídico brasileiro. Nos crimes de ação
penal pública incondicionada, não se pode negar às partes o direito de serem escuta-
das com a consequente reparação do dano à vítima e a correlata atenuação da pena
a ser imposta ao infrator, ou, mesmo, a correta valoração da pena a ser imposta pelo
magistrado dentro dos parâmetros legais estabelecidos no tipo penal secundário nos
casos de ação penal pública incondicionada.
O tratamento integrado do conflito no Brasil está expressamente estabelecido
no art. 13 da Lei 11.340 (BRASIL, 2006), que estabelece como regra para o processo,
julgamento e execução o juiz e promotor do fato (competência cumulativa). A me-
diação se encontra disciplinada em leis específicas e posteriores, razão pela qual é
direito das partes em situação de violência doméstica e familiar optarem ou não pelo
uso desta técnica. Além disso, a vítima tem direito a que todos os aspectos do conflito
(cíveis e criminais) sejam apreciados pelo juiz e promotor do fato, sendo a ausência
de sua apreciação em ambiente especializado ato atentatório à sua dignidade.

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contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Domésti-
ca e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a
Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da Repú-
blica, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/
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Mediação penal e violência de gênero no Brasil: uma experiência necessária

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violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Dis-
criminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Pu-
nir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal,
o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF:
Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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1997, e o Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972; e revoga o § 2o do art. 6o da
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Submetido: 24/04/2019
Aprovado: 08/05/2019

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TRÁFICO DE PESSOAS: O TRÁFICO DE ÓRGÃOS SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO ESPANHOL

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