Pensar Contábil CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ

5º lugar – 21ª Edição Prêmio Contador Geraldo de La Rocque 2021

ESG, Impactos Ambientais e Contabilidade

ESG, Environmental Impacts and Accounting
Artigo recebido em: 16/10/2020 e aceito em: 10/12/2020

Sebastião Bergamini Junior 2 IMPACTOS AMBIENTAIS

CRCSP-081030/O
Rio de Janeiro – RJ
Nesta seção será abordada a importância da Agenda ESG;
a natureza difusa dos direitos legais que caracterizam as obri-
Bacharel em Ciências Contábeis pela Faculdade
Moraes Junior (Mackenzie Rio)1 gações ambientais, ressaltando a importância da regulação
sebastiao.bergamini@gmail.com para bem definir estas obrigações; e a identificação do foco
adequado da contabilidade para registrar o impacto ambiental
das atividades empresariais.
RESUMO
2.1 Agenda ESG
A Agenda ESG (environmental, social and governance)
está em ascensão. Este trabalho examina o estado da arte O Fórum Econômico Mundial é uma organização interna-
das técnicas contábeis no país para auxiliar a implantação cional criada com o objetivo de facilitar a cooperação públi-
desta agenda no que se refere ao registro dos impactos das co-privada que promove eventos anuais em Davos, na Suíça.
atividades empresariais no meio ambiente. O último ocorreu entre os dias 21 e 24 de janeiro deste ano,
Palavras-chave: ESG, Sustentabilidade, Impactos privilegiando os temas mudanças climáticas e políticas ambien-
Ambientais, Transparência do Desempenho Ambiental. tais. Para dar concretude à meta de sustentabilidade empre-
sarial, foi proposto no Fórum o protagonismo do Capitalismo
ABSTRACT dos Stakeholders. Esta proposta reconhece a legitimidade
da demanda das partes interessadas em exigirem a prática
The ESG (environmental, social and governance) Agenda de um capitalismo sustentável pelas empresas, com respeito
is on the rise. This paper examines the state of the art of ac- às suas obrigações no âmbito ambiental, social e de gover-
counting techniques in the country to assist the implemen- nança (enviromental, social and governançe – ESG). A cha-
tation of this Agenda with regard to recording the impacts of mada Agenda ESG é composta por um conjunto de medidas
business activities on the environment. contemplando diversos objetivos: transparência, prestação de
Keywords: ESG, Sustainability, Environmental Impacts, contas, relações equitativas e licença social. As ambiciosas
Transparency of Environmental Performance. medidas se desdobram em providencias a serem tomadas
pelas empresas para atender todas as partes interessadas,
que são os acionistas minoritários, empregados, parceiros de
1 INTRODUÇÃO negócios, agentes financeiros, órgãos de monitoramento contra
práticas corruptas, agências de proteção do meio ambiente
O Capitalismo de Stakeholders está em ascensão, junta- e de regulação setorial, instâncias tributantes do governo,
mente com a crescente disseminação dos investimentos ESG. organizações não-governamentais voltadas para a proteção
O tema representado pelo reconhecimento, mensuração e dos direitos difusos e demais interessados da sociedade orga-
divulgação dos impactos ambientais, sociais e de governança nizada. Nas últimas décadas, as iniciativas no âmbito do ESG
retorna à agenda das empresas. Este tema constitui um vasto se desdobraram em acordos multilaterais bem conhecidos:
campo de estudos, porém o objeto deste trabalho ficou res- Protocolo de Quioto (1997), para redução da emissão de gases
trito à questão ambiental, abrangendo três seções (além das de efeito estufa; Pacto Global da ONU (2000), com dez medidas
conclusões): para contextualizar a relevância dos impactos socioambientais em quatro esferas, sendo duas na ambiental;
ambientais; para demonstrar o estado da arte das técnicas Protocolo de Nagoya (2010), estabelecendo regras para pro-
contábeis voltadas para registrar o desempenho ambiental das teção e utilização de recursos da biodiversidade; Acordo de
empresas; e para comentar a transparência do desempenho Paris (2015), para reduzir o aquecimento global; entre outros.
ambiental em seus diversos níveis. O contexto territorial está Na esfera empresarial se observa iniciativas no mesmo sentido:
no país e o temporal se reporta ao atual momento, no qual o Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, da
estão ocorrendo grandes mudanças econômicas e sociais. ETCO (2006); os Princípios do Equador (2013); e os Princípios
de Responsabilidade Bancária – PRB, do Programa de Meio
Ambiente da ONU – Unep (2019). Estas iniciativas estão sendo
complementadas com medidas recentes, sugerindo que a
Agenda ESG está em fase de maior aceitação: (1) Guia de
métricas de ESG: em setembro passado o Fórum Econômico
1
Faculdade Moraes Junior / Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio – CEP 20061-003 -
Rio de Janeiro – RJ.

46
CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

ESG, Impactos Ambientais e Contabilidade

Mundial lançou um guia contemplando 21 indicadores ESG1 obrigação de reparar danos ambientais e de registrar obrigações
projetados para serem incluídos nas atualizações financeiras decorrentes do desenvolvimento de atividades empresariais que
regulares das empresas; (2) Métrica para mensuração dos prejudiquem o meio ambiente está consolidada em diversos
efeitos das mudanças climáticas: o Financial Stability Board dispositivos legais, que apresentaram aspectos inovadores na
(FSB), instituição criada na esteira da crise de 2008 para dar data de sua aprovação: (1) imputou responsabilização para a
suporte à ação de governos e sistema financeiro, formou um empresa detentora do ativo por danos que não foram pratica-
grupo de trabalho, o Task Force on Climate-related Financial dos por ela, e sim pelo proprietário anterior; (2) desconsiderou
Disclosures (TCFD), que vem desenvolvendo estrutura concei- a personalidade jurídica da empresa na busca de reparação
tual para reportar os impactos das atividades empresariais sobre por danos, a qual pode ser realizada junto a sócios, pessoas
o meio ambiente (LEITÃO, 2020); (3) Matriz de riscos ambientais: físicas ou jurídicas, e a proprietários anteriores; e (3) admitiu a
foi apresentada uma proposta de adoção, pelo Brasil, de uma retroação da obrigação de reparação de danos para períodos
matriz de riscos ambientais, de uso obrigatório na seleção de anteriores, durante os quais não havia impedimento legal para
projetos e na decisão acerca de seu eventual financiamento; e desenvolver atividades que, posteriormente, se revelaram pre-
(4) Rating “verde”: recentemente, o Banco de Compensações judiciais ao meio ambiente.
Internacionais (BIS) propôs que as empresas fossem submeti- Os efeitos dos impactos ambientais no meio ambiente estão
das a um escrutínio, visando obter sua classificação de risco codificados no embasamento jurídico, caracterizando três tipos
quanto aos impactos ambientais, ou rating “verde” (MOREIRA, de obrigações, apresentados em ordem da mais assertiva para
2020). Em paralelo a estas iniciativas relativas à métrica, o a menos (BERGAMINI JUNIOR, 1999): (1) legal, que decorre
mercado financeiro e de capitais vem estimulando a criação de imposição da lei ou dos termos de um contrato específico,
de novos produtos financeiros que adotem os princípios de como um Termo de Ajuste de Conduta determinando a obri-
sustentabilidade, os chamados investimentos ESG. gatoriedade de promover a limpeza de um local contaminado,
por exemplo; (2) construtiva, que consiste na assunção de obri-
gação em decorrência de práticas padronizadas da indústria,
3 RELEVÂNCIA: RISCOS E PASSIVOS AMBIENTAIS de política empresarial que conste de seus relatórios, de suas
intenções terem sido anunciadas publicamente, ou de expec-
Dos debates ocorridos em janeiro passado durante o Fórum tativas do público em geral; e (3) equitativa, que surge quando
Econômico Mundial, resultou o Relatório de Riscos Globais uma empresa assume uma obrigação porque fazê-lo é correto e
20202. Esta edição do Relatório destacou os dez maiores riscos moral. Considerando estes níveis de responsabilização, podemos
para os próximos dez anos. Em termos de probabilidade, os classificar os custos ambientais em dois tipos: (1) custos inter-
cinco primeiros fatores de risco eram ambientais: mudanças nos, que são aqueles que se referem ou surgem de eventos ou
climáticas radicais, falhas na gestão dos fatores ambientais, transações entre a empresa que os reporta e uma terceira parte,
desastres naturais, perdas na biodiversidade e desastres inclusive as diversas instâncias do poder público, afetando a sua
ambientais provocados pelo homem. Os passivos ambientais situação econômico-financeira e o seu nível de risco; e (2) custos
acumulados e não registrados foram objeto de outro estudo externos, que são os que não iriam afetar a posição econômico-
do Fórum (WEF, 2020), que os quantificou em US$ 44 trilhões, -financeira da empresa porque teriam sido absorvidos de forma
representando mais da metade do PIB mundial, que foi de difusa pela sociedade como um todo. Com o advento da Lei
US$ 85 trilhões em 2018 (dado do Banco Mundial). No mesmo de Crimes Ambientais, ficou estabelecido o princípio de “quem
estudo foram projetados os custos de transição até 2030 para polui, paga”, ou seja, aquele que aufere benefícios econômicos
uma nova economia, dimensionados em US$ 2,7 trilhões por provocando danos ambientais, tem a obrigação de repará-los.
ano. A União Europeia aprovou a formação de um Fundo de Portanto, o direito ambiental não reconhece, em tese, a existência
Transição para financiar o processo de transformação da atual de custos ambientais externos. As leis ambientais de caráter
economia para outra que seja circular e de baixo carbono, geral devem ser complementadas pela regulação específica
portanto neutra em termos de impactos climáticos (COSTA; setorial, de forma a tornar mais claras as obrigações ambientais
GROSSI, 2020). A expressão “passivo ambiental” exige qua- das empresas. Esta medida aumenta a segurança jurídica dos
lificação para haver entendimento adequado, que pode ser negócios, tendo como corolário a concessão de maior clareza
obtido a partir da compreensão dos direitos difusos e dos ao reconhecimento das obrigações ambientais pela contabili-
tipos de obrigações e custos ambientais. dade. Por exemplo, a recente atualização da regulamentação de
descomissionamentos, realizada em 27/04/2020 pela Agência
Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), por
4 DIREITOS DIFUSOS meio da emissão da Resolução nº 817. Estas regras se aplicam
às instalações de exploração e de produção de petróleo e gás
A evolução do Direito neste país incorporou o princípio da natural, à alienação e a reversão de bens e ao cumprimento de
função social da propriedade e abriu exceção para o reconheci- obrigações remanescentes relativas às reparações ambientais.
mento dos direitos coletivos e difusos, tais como os direitos do Esta Resolução contempla os aspectos ambientais de forma
consumidor e os envolvidos na proteção do meio ambiente. A holística e integrada com os aspectos regulatórios e de segu-
rança da navegação, sendo classificada por especialistas da
1
Disponível em: www.weforum.org. Acesso em: 25 set. 2020.
área como grande avanço por trazer transparência e segu-
2
Disponível em: www.weforum.org. Acesso em: 25 set. 2020. rança jurídica aos novos processos de descomissionamento

Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021 47

Pensar Contábil CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Sebastião Bergamini Junior

(BEZERRA; GOMES, 2020). Em reportagem recente, consta possibilidade incerta, devendo ser divulgada em notas explicativas
que a ANP estimou este tipo de gasto com plataformas maríti- como evento de perda possível. Em alguns casos, a possibilidade
mas de petróleo em cerca de US$ 5 bilhões para os próximos chega ao nível de remota, devendo ser desprezada como possível
cinco anos3. Na mesma reportagem, este gasto foi dimensionado obrigação ambiental no relato ambiental.
pela consultoria Wood Mackenzie em um valor entre US$ 14,5 e
US$ 16,0 bilhões nos próximos dez anos. A Petrobras estimou
estes gastos em US$ 6 bilhões até 2024, com a perspectiva de 6 TÉCNICA CONTÁBIL
desativação de 18 plataformas, algumas com mais de 40 anos
de operação. Em síntese, o novo regramento da ANP deixa mais Nesta seção será detalhada a contribuição da ciência contábil
explícitas as obrigações ambientais das petroleiras e permite para dar concretude à implantação da Agenda ESG, especifica-
que a técnica contábil melhore a mensuração e divulgação do mente no que se refere ao registro do desempenho ambiental das
desempenho ambiental das empresas do setor. empresas. Este conteúdo está distribuído em seis segmentos:
no primeiro é definida a base técnica contábil que será utilizada
para desenvolver os temas seguintes; a compatibilidade deste
5 FOCO NAS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS instrumental para atender as necessidades dos stakeholders; o
reconhecimento das obrigações ambientais sob a forma de passi-
O instrumental de análise de risco define as três formas vos e de contingentes; a mensuração das obrigações ambientais;
de aleatoriedade: o risco, a incerteza e o desconhecido. Com e a divulgação destas obrigações. O último segmento trata da
base neste instrumental podemos identificar a natureza dos asseguração por terceira parte, necessária para aumentar o grau
impactos ambientais usando como exemplo o descomissio- de credibilidade das informações. O resultado dessa exposição
namento de uma usina termoelétrica. Esta operação envolve irá demonstrar que o suporte técnico proporcionado pela técnica
uma estimativa complexa que resulta em valor que pode ser contábil no atual estado da arte é suficiente, em tese, para contri-
claramente reconhecido, mensurado e divulgado sob a forma buir de forma efetiva para a implantação da Agenda ESG no que
de uma provisão passiva. O desmantelamento da usina permite se refere ao registro dos impactos das atividades empresariais
verificar possíveis infiltrações de líquidos contaminantes no no meio ambiente.
solo, que poderão resultar em futuros custos para remediação
da terra. Em geral, estes custos não podem ser mensurados 6.1 Fundamentos
de forma prévia ao descomissionamento, o que resulta em
estimativas precárias e grosseiras, acarretando em um possí- A fundamentação técnica da contabilidade brasileira está
vel gasto futuro que poderá ser registrado como contingente contida nos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos
passivo, reportável apenas em notas explicativas. Em geral, Contábeis (CPC), que replicam as normas emanadas do Comitê
o desconhecimento de possíveis passivos ambientais deriva das Internacional de Padrões Contábeis (International Accounting
limitações do estágio da ciência em cada época. Por exemplo, Standards Board – IASB), publicados sob a forma de normas
em meados de 1930, a Frigidaire, divisão de negócios da GM, internacionais de relatórios financeiros (International Financial
sintetizou um gás inerte, não-tóxico e não inflamável chamado Reporting Standards – IFRS). No Brasil, a referida fundamentação
Freon 12, criado para arrefecer sistemas de ar condicionado é composta por 51 pronunciamentos: o CPC 00 versa sobre
e de refrigeradores, com base em gases raros de clorofluor- a Estrutura Conceitual dos Relatórios Financeiros; outros 49
carbonetos – ou gases CFC. Os efeitos desastrosos desta pronunciamentos numerados sequencialmente abordam temas
família de gases para a camada de ozônio foram descobertos específicos; e o CPC PME regula a contabilidade de pequenas
por dois cientistas mais de quarenta anos depois. Estes gases e médias empresas4. Estes pronunciamentos são complemen-
foram banidos em nível mundial a partir de 1987 com base no tados por 23 interpretações (Interpretação do CPC ou ICPC) e
Protocolo de Montreal. por 8 orientações (Orientações do CPC ou OCPC). O material
Utilizando o conceito de desconhecimento ainda no exemplo é revisado periodicamente, tendo sido publicada em 7/7/2020
da usina termoelétrica, poderíamos supor hipoteticamente que, a última das 16 revisões. Os 49 pronunciamentos temáticos
com o avanço da ciência, no futuro poderia ser descoberto que são genéricos, não se referindo especificamente ao registro de
as instalações estariam emitindo radiações eletromagnéticas impactos ambientais. No entanto, existem 4 ICPC’s que abordam
prejudiciais à saúde humana, o que faria emergir uma nova obri- temas transversos: a ICPC 12, que trata de mudanças em pas-
gação, provavelmente um novo passivo ambiental, e ao final o sivos por desativação, restauração e outros passivos similares;
pagamento de indenizações aos funcionários que tiveram sua a ICPC 13, que regula os direitos a participações decorrentes
saúde prejudicada. Em resumo, o foco da contabilidade deve estar de fundos de desativação, restauração e reabilitação ambiental;
no reconhecimento das obrigações ambientais que se materiali- a ICPC 15, que normatiza o registro de passivo decorrente de
zam sob a forma: (1) de superveniências passivas ambientais, ou participação em um mercado específico – resíduos de equi-
seja, uma obrigação que emerge da concretização de um risco, pamentos eletrônicos; e a ICPC 18, que trata dos custos de
devendo ser reconhecida, mensurada e divulgada como passivo remoção de estéril de minas de superfície na fase de produção.
ambiental; e (2) de contingências passivas ambientais, ou seja, A avaliação do instrumental técnico para o registro dos
uma obrigação emergente ainda não claramente definida e de impactos das atividades empresariais no meio ambiente foi rea-

3
ORDONEZ, R. Investir para destruir. O Globo, São Paulo, 11 out. 2020. p. 27. 4
Disponível em: www.cpc.org.br.

48 Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021

CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

ESG, Impactos Ambientais e Contabilidade

lizada neste trabalho de forma singela5, utilizando basicamente é improvável de ser atingida integralmente, ao
o conteúdo do pronunciamento CPC 00, que detalha a Estrutura menos não em curto prazo, pois leva tempo para
Conceitual para Relatório Financeiro. A Estrutura Conceitual compreender, aceitar e implementar novas for-
contribui para a missão declarada da IFRS Foundation (e do mas de analisar transações e outros eventos.
IASB, que faz parte da IFRS Foundation) de Contudo, estabelecer uma meta a ser atingida é
essencial para que o relatório financeiro evolua de
desenvolver pronunciamentos que tragam trans-
modo a melhorar a sua utilidade (CPC 00, 1.11).
parência, prestação de contas e eficiência aos
mercados financeiros em todo o mundo. Esta No entanto, a Estrutura considera que os relatórios financei-
Estrutura “estabelece a base para os pronun- ros não são “essencialmente direcionados” aos stakeholders,
ciamentos que contribuem para a transparência o que poderia ser entendido como possível restrição à uti-
ao melhorar a comparabilidade internacional, lização de informações contábeis abrangentes e completas
reforçar a prestação de contas, reduzindo a pelos stakeholders.
lacuna de informações e contribuir para a efi- Possível restrição:
ciência econômica (CPC 00, SP 1.5). Outras partes, como reguladores e o público
em geral, que não investidores, credores por
No entanto, existe uma limitação: “esta Estrutura não é um empréstimos e outros credores, podem também
pronunciamento propriamente dito e seu conteúdo não se considerar relatórios financeiros para fins gerais
sobrepõe a qualquer pronunciamento ou qualquer requisito úteis. Contudo, esses relatórios não são direcio-
em pronunciamento” (CPC 00, SP 1.2). Para esta análise, nados essencialmente a esses outros grupos
o autor levou em consideração a hipótese de que a Estrutura (CPC 00, 1.10).
Conceitual está plenamente coerente com o conteúdo vigente
dos pronunciamentos, interpretações e orientações do CPC. Um dos problemas ligados ao desempenho ambiental é que
determinados projetos são desenvolvidos com prazo definido de
6.2 Informações para os Stakeholders duração, como, por exemplo, a exploração de uma concessão
petrolífera marítima por meio de uma plataforma de explora-
As necessidades informacionais sobre o desempenho ção, o que pode conflitar com a premissa de continuidade
ambiental constantes da Agenda ESG devem ser consideradas operacional. Por exemplo, uma grande empresa de petróleo
no contexto de contínuo aperfeiçoamento da técnica contábil e gás pode patrocinar projeto veiculado por sociedade de
para atender seus usuários. propósito específico com duração definida. Neste caso, deve
Necessidade informacionais: ser desconsiderada a premissa de continuidade com relação
Os usuários primários individuais têm neces- ao projeto, que deve ser mantida para seu patrocinador, com
sidades e desejos de informação diferentes e reflexos diferenciados na contabilização de uma e de outra.
possivelmente conflitantes sobre as informa- Premissa da continuidade operacional:
ções que julgam necessárias. Ao desenvolver As demonstrações contábeis são normalmente
os Pronunciamentos, o IASB buscou fornecer elaboradas com base na suposição de que a
um conjunto de informações que atendesse entidade que reporta está em continuidade ope-
às necessidades do maior número de princi- racional e continuará em operação no futuro
pais usuários. Contudo, o IASB reconhece que previsível. Assim, presume-se que a entidade
concentrar-se em necessidades de informa- não tem a intenção nem a necessidade de entrar
ção ordinárias não impede que a entidade que em liquidação ou deixar de negociar. Se existe
reporta inclua informações adicionais que sejam essa intenção ou necessidade, as demons-
mais úteis para um subconjunto específico de trações contábeis podem ter que ser elabora-
principais usuários (CPC 00, 1.8). das em base diferente. Em caso afirmativo, as
demonstrações contábeis descrevem a base
Contínuo aperfeiçoamento: utilizada (CPC 00, 3.9).
Em grande medida, relatórios financeiros
baseiam- se em estimativas, julgamentos e 6.3 Reconhecimento das Obrigações Ambientais
modelos e, não, em representações exatas. Esta
Estrutura Conceitual estabelece os conceitos Os capítulos 5, 6 e 7 da Estrutura tratam do registro das
subjacentes a essas estimativas, julgamentos transações, inclusive as ambientais, na tradicional sequên-
e modelos. Os conceitos são a meta que os cia “Reconhecimento, Mensuração e Divulgação”. O tema
responsáveis pela elaboração (preparadores) Reconhecimento de um passivo ambiental depende da con-
de relatórios financeiros se esforçam por atin- firmação de que existe uma obrigação real.
gir. Como na maioria das metas, a visão desta Obrigação:
Estrutura Conceitual de relatório financeiro ideal O primeiro critério para o passivo é que a enti-
dade tenha a obrigação (4.28). A obrigação é o
5
Para estudo do tema passivo ambiental é sugerida a análise do Pronunciamento CPC 25 –
Provisões para Passivos Contingentes e Ativos Contingentes e a interpretação ICPC 12 – dever ou responsabilidade que a entidade não
Mudanças em passivos por desativação.

Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021 49

Pensar Contábil CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Sebastião Bergamini Junior

tem a capacidade prática de evitar. A obrigação entidade tem uma obrigação; a obrigação é de
é sempre devida à outra parte (ou partes). A outra transferir um recurso econômico; e a obrigação
parte (ou partes) pode ser uma pessoa ou outra é uma obrigação presente que existe como
entidade, grupo de pessoas ou outras entida- resultado de eventos passados (CPC 00, 4.27).
des, ou a sociedade em geral. Não é necessário Contingentes ambiental passivo:
conhecer a identidade da parte (ou partes) para
Em alguns casos, é incerto se existe uma obriga-
quem a obrigação é devida (4.29). Se a parte tem
ção. Por exemplo, se outra parte está buscando
obrigação de transferir um recurso econômico,
compensação devido a uma suposta irregulari-
ocorre que outra parte (ou partes) tem o direito de
dade da entidade, pode ser incerto se a irregu-
receber esse recurso econômico. Contudo, um
laridade ocorreu, se a entidade a cometeu ou
requisito para uma parte reconhecer o passivo e
como a lei se aplica. Até que essa incerteza de
mensurá-lo a um valor específico não implica que
existência seja resolvida – por exemplo, por uma
outra parte (ou partes) deve reconhecer um ativo
decisão de tribunal –, é incerto se a entidade tem
ou mensurá-lo pelo mesmo valor. Por exemplo,
obrigação perante a parte que está buscando
determinados pronunciamentos podem conter
compensação e, consequentemente, se existe
diferentes critérios de reconhecimento ou requisi-
passivo (4.35). Em alguns casos, essa incerteza,
tos de mensuração para o passivo de uma parte e
possivelmente combinada com a baixa proba-
o ativo correspondente da outra parte (ou partes)
bilidade de entradas ou saídas de benefícios
se esses critérios ou requisitos diferentes são
econômicos e um intervalo excepcionalmente
consequência de decisões destinadas a selecionar
amplo de possíveis resultados, pode significar
as informações mais relevantes que representam
que o reconhecimento do ativo ou passivo,
fidedignamente o que pretendem representar
necessariamente mensurado em um único
(CPC 00, 4.30).
valor, não forneceria informações relevantes.
Seja o ativo ou o passivo reconhecido, ou não,
Além da obrigação legal, a Estrutura reconhece a existência informações explicativas sobre as incertezas
da obrigação construtiva e da obrigação equitativa, englo- associadas a ele podem precisar ser fornecidas
bando as duas sob a denominação de “obrigação presumida”. nas demonstrações contábeis (CPC 00, 5.14).
Obrigações que se enquadram como “obrigação presumida”,
muitas vezes apresentam dificuldades conceituais e metodo- 6.4 Mensuração das Obrigações Ambientais
lógicas no ato de seu reconhecimento como uma obrigação
efetiva e no processo de mensurá-las de forma objetiva. O mantra da Administração “medir para administrar” está
“Obrigação presumida”: presente no processo de reconhecimento das obrigações
Muitas obrigações são estabelecidas por ambientais, que devem ser registradas independentemente das
contrato, legislação ou meios similares e são dificuldades inerentes à sua mensuração, sempre utilizando a
legalmente exigíveis pela parte (ou partes) para base de mensuração mais adequada.
quem são devidas. Obrigações também podem Mensurar para reconhecer:
resultar, contudo, de práticas usuais, políticas Para que o ativo ou passivo seja reconhecido,
publicadas ou declarações específicas da enti- ele deve ser mensurado. Em muitos casos, essas
dade se a entidade não tem capacidade prá- mensurações devem ser estimadas e, portanto,
tica de agir de modo inconsistente com essas estão sujeitas a incerteza na mensuração. O uso de
práticas, políticas ou declarações. A obrigação estimativas razoáveis é parte essencial da elabo-
que surge nessas situações é denominada, às ração de informações financeiras e não prejudica
vezes, “obrigação presumida” (CPC 00, 4.31). a utilidade das informações se as estimativas são
descritas e explicadas de forma clara e precisa.
O registro de obrigações ambientais a serem desembolsa- Mesmo o elevado nível de incerteza na mensura-
das no futuro compreende aquelas que são claras, explícitas ção não impede, necessariamente, essa estimativa
e mensuráveis, e que devem ser registradas como passivos de fornecer informações úteis (CPC 00, 5.19).
ambientais; e outras obrigações de natureza mais difusa, incerta
e de difícil mensuração que, dependendo das informações dis- Bases de Mensuração:
poníveis, podem ser registradas tanto como passivo ambiental, os elementos reconhecidos nas demonstra-
quanto como contingente passivo ambiental, a ser relatado ções contábeis são quantificados em termos
sob a forma de notas explicativas. monetários. Isso exige a seleção de uma base
Passivo ambiental: de mensuração. A base de mensuração é uma
Passivo é uma obrigação presente da entidade característica identificada – por exemplo, custo
de transferir um recurso econômico como resul- histórico, valor justo ou valor de cumprimento –
tado de eventos passados (4.26). Para que exista de item sendo mensurado. Aplicar a base de
passivo, três critérios devem ser satisfeitos: a mensuração a ativo ou passivo cria uma men-

50 Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021

CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

ESG, Impactos Ambientais e Contabilidade

suração para esse ativo ou passivo e para as critérios na definição de premissas pela entidade com relação
respectivas receitas e despesas (6.1). É provável às dos participantes do mercado.
que a consideração das características qualita- Premissas específicas da Entidade:
tivas de informações financeiras úteis e da res-
O valor em uso e o valor de cumprimento refle-
trição de custo resulte na seleção de diferentes
tem premissas específicas da entidade em vez
bases de mensuração para diferentes ativos,
de premissas de participantes do mercado. Na
passivos, receitas e despesas (CPC 00, 6.2).
prática, às vezes pode haver pouca diferença
Descrição da base de mensuração: entre as premissas que os participantes do
Um pronunciamento pode precisar descrever mercado utilizariam e aquelas que a própria
como implantar a base de mensuração selecio- entidade utiliza (CPC 00, 6.19).
nada nesse pronunciamento. Essa descrição
pode incluir: (a) especificar técnicas que podem As técnicas de mensuração baseadas em projeções de fluxos
ou devem ser usadas para estimar a mensuração, de caixa estão bem desenvolvidas, permitindo um aceitável grau
aplicando uma base de mensuração específica; (b) de confiabilidade no processo de mensuração. É possível que
especificar uma abordagem de mensuração sim- esta confiabilidade se reduza no caso de a entidade sofisticar
plificada que provavelmente forneça informações essa mensuração com o uso de fluxo de caixa probabilístico.
similares às fornecidas pela base de mensuração Técnicas de mensuração baseadas em fluxo de caixa:
preferida; ou (c) explicar como modificar a base A incerteza de resultado decorre de incerte-
de mensuração, por exemplo, excluindo do valor zas sobre o valor ou época dos fluxos de caixa
de cumprimento de passivo o efeito da possibili- futuros. Essas incertezas são características
dade que a entidade pode deixar de cumprir esse importantes de ativos e passivos. Ao mensurar
passivo ou risco de crédito próprio (CPC 00, 6.3). ativo ou passivo por referência a estimativas
de fluxos de caixa futuros incertos, um fator a
A Estrutura conceitual reconhece a mensuração ao custo
ser considerado são as possíveis variações na
histórico e ao valor atual. A mensuração ao valor atual abrange
estimativa do valor ou época desses fluxos de
três formas: valor justo, valor em uso de ativos e valor de cum-
caixa. Essas variações são consideradas ao
primento de passivos. Para o registro de passivos ambientais
escolher um único valor dentro do intervalo de
se aplica a base de mensuração constituída pelo valor de
possíveis fluxos de caixa (CPC 00, 6.93).
cumprimento de passivos.
Valor de cumprimento de passivos: Fluxo da caixa probabilístico:
Valor em uso é o valor presente dos fluxos de O valor escolhido, às vezes, é ele mesmo o valor
caixa, ou outros benefícios econômicos, que a de possível resultado, mas esse nem sempre é o
entidade espera obter do uso de ativo e de sua caso. O valor que fornece as informações mais
alienação final. Valor de cumprimento é o valor relevantes geralmente é aquele no centro do
presente do caixa, ou de outros recursos eco- intervalo (estimativa central). Diferentes estima-
nômicos, que a entidade espera ser obrigada a tivas centrais fornecem diferentes informações.
transferir para cumprir a obrigação. Esses valores Por exemplo: (a) o valor esperado (média pon-
de caixa ou outros recursos econômicos incluem derada por probabilidade, também conhecida
não somente os valores a serem transferidos à como média estatística) reflete todo o intervalo
contraparte do passivo, mas também os valores de resultados e dá mais peso aos resultados que
que a entidade espera ser obrigada a transferir a são mais prováveis. O valor esperado não pre-
outras partes de modo a permitir que ela cumpra tende prever o fluxo de entrada ou de saída de
a obrigação (6.17). Como o valor em uso e o caixa definitivo ou outros benefícios econômicos
valor de cumprimento baseiam-se em fluxos de resultantes desse ativo ou passivo; (b) o valor
caixa futuros, eles não incluem custos de tran- máximo com mais probabilidade de ocorrer (similar
sação incorridos ao adquirir o ativo ou assumir à média estatística) indica que a probabilidade
o passivo. Entretanto, o valor em uso e o valor de perda subsequente não é superior a 50% e
de cumprimento incluem o valor presente de que a probabilidade de ganho subsequente não
quaisquer custos de transação que a entidade é superior a 50%; (c) o resultado mais provável
espera incorrer na alienação final do ativo ou no (modo estatístico) é o único fluxo de entrada ou
cumprimento do passivo (CPC 00, 6.18). saída mais provável resultante de ativo ou passivo
(CPC 00, 6.93)
A base de mensuração baseada no valor atual na modalidade
de cumprimento de passivos é especifica para a entidade, o 6.5 Divulgação das Informações Ambientais
que tende a aumentar a necessidade de informações adicionais
para os usuários dos relatórios financeiros, relativas tanto à Para a divulgação, a entidade coleta os dados analíticos
descrição da base de mensuração quanto às diferenças de relativos às suas transações, os compila e ajusta para elaborar

Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021 51

Pensar Contábil CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Sebastião Bergamini Junior

a versão sintética e agregada que deverá ser apresentada em assuntos de maior risco ou que envolvem maior julgamento da
suas demonstrações contábeis. Administração como estimativas; e assuntos que trouxeram
Divulgação: dificuldades ao auditor, geraram consultas ou mudança na
A entidade que reporta comunica informações abordagem da auditoria, dentre outros.
sobre seus ativos, passivos, patrimônio líquido, Este formato de asseguração teve o objetivo de conciliar as
receitas e despesas apresentando e divulgando expectativas dos agentes de mercado com as limitações do
informações em suas demonstrações contábeis mundo real. Estas ficarão mais evidentes com as crescentes
(7.1). A comunicação efetiva de informações nas exigências de novas informações para abordar a pauta ESG.
demonstrações contábeis requer: (a) concen- Considerando a natureza multidisciplinar da agenda ESG e de
trar-se em princípios e objetivos de divulgação seus reflexos nos relatórios contábeis, provavelmente haverá sen-
e apresentação em vez de concentrar-se em sível aumento na complexidade dos trabalhos de asseguração.
regras; (b) classificar informações de maneira a
agrupar itens similares e separar itens diferentes;
e (c) agregar informações de tal modo que não 7 TRANSPARÊNCIA DO DESEMPENHO AMBIENTAL
sejam obscurecidas por detalhes desnecessá-
rios ou por agregação excessiva (CPC 00, 7.2). Em tese, a leitura em conjunto das Demonstrações Contábeis
e do Relatório de Sustentabilidade deveria permitir aos
Notas explicativas para o passivo ambiental: stakeholders que obtivessem uma visão global do desempe-
Seja o ativo ou passivo reconhecido ou não, a nho ambiental das empresas. Especialistas consideram que
representação fidedigna do ativo ou passivo um bom relato ambiental depende, do ponto de vista técnico,
pode precisar incluir informações explicativas da clara definição das obrigações ambientais decorrentes de
sobre as incertezas associadas à existência legislação abrangente e regulação adequada; e, adicionalmente,
ou mensuração do ativo ou passivo, ou ao seu do ponto de vista do comprometimento, da adesão genuína dos
resultado – o valor ou época de qualquer entrada executivos das grandes empresas à Agenda ESG. Nesta seção
ou saída de benefícios econômicos que resul- serão abordados os resultados do diagnóstico elaborado pelo
tarão dele (CPC 00, 5.23). Isar há vinte anos sobre o relato ambiental e, na sequência, as
motivações envolvidas na adesão à Agenda ESG.
A comunicação efetiva do desempenho ambiental irá depen-
der do processo de agregação de itens similares e de segrega- 7.1 Contabilidade e Meio Ambiente
ção de itens diferentes, sempre com o objetivo de divulgar as
informações relevantes para os stakeholders. O detalhamento O passivo ambiental de empresas e governos totaliza
em notas explicativas das atividades ligadas ao desempenho US$ 44 trilhões de acordo com o estudo apresentado no último
ambiental será essencial no processo de divulgação. Registra-se Fórum Econômico Mundial. Pouco se sabe sobre as empresas
que as métricas desenvolvidas ou em desenvolvimento para e os setores que detém volumes mais expressivos destas
a medição dos aspectos ambientais, sociais e de governança superveniências passivas ambientais. A constatação de que
tem como matéria-prima as informações contábeis divulgadas existem problemas sérios para relatar o desempenho ambiental
nas demonstrações contábeis. das empresas é antiga, o que inclusive levantou a possibili-
dade de se desdobrar um ramo da ciência contábil que seria
6.6 Asseguração por Terceira Parte especializado no tratamento contábil das questões ambien-
tais. Em fevereiro de 1998, o Programa das Nações Unidas
As Demonstrações Contábeis contendo o relato do desem- para o Meio Ambiente (Unep), por meio do Grupo de Trabalho
penho ambiental deve passar pelo escrutínio dos auditores para Intergovernamental das Nações Unidas de Especialistas em
que as informações prestadas aos stakeholders tenham alto Padrões Internacionais de Contabilidade e Relatórios (Isar),
grau de credibilidade. O modelo de asseguração ou certificação emitiu um documento intitulado “Relatório Financeiro e Contábil
externa atual exige que o auditor externo emita um parecer sobre Passivo e Custos Ambientais”6. Na época foi destacado
conclusivo sobre a aderência das práticas contábeis utilizadas que os conceitos nele utilizados estavam em consonância
pela empresa aos padrões estabelecidos nos pronunciamen- com os da contabilidade financeira aprovados pelo Comitê
tos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis. O processo de Padrões de Contabilidade Internacional (Iasc – atual Iasb).
de trabalho envolve planejamento, verificação de sistemas Em 2010 ocorreu a adoção do IFRS pelas empresas brasilei-
de controles internos, questionamentos à Administração e ras, que passaram a utilizar as normas contábeis internacionais
aplicação de testes por amostragem de acordo com as nor- conforme normatizadas pelo CPC. A hipótese de desenvolver
mas brasileiras de contabilidade e auditoria série NBC TA. e utilizar uma Contabilidade Ambiental se tornou uma questão
As normas listam os assuntos a serem abordados, tais como superada a partir de então, à medida que as propostas do Isar
ênfase nas divulgações relacionadas com a continuidade das para o registro das transações relativas ao meio ambiente eram
operações da entidade; inserção de seção para comunicar os compatíveis com o padrão contábil internacional.
assuntos chave de auditoria, ou seja, aqueles assuntos que,
no julgamento do auditor, são os mais significativos na audi-
toria das demonstrações do período corrente; descrição dos 6
Disponível em: www.bndes.gov.br. Acesso em: 11 maio 2021.

52 Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021

CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ Pensar Contábil

ESG, Impactos Ambientais e Contabilidade

7.2 Problemas no Relato Ambiental de referência para direcionar os leitores para documentos ou
relatórios contendo informações consistentes entre si sobre
O relato ambiental tem o objetivo de demonstrar a existên- a sustentabilidade da empresa.
cia de capacitação gerencial interna para a administração de
questões ambientais e a explicitação do real nível de expo- 7.3 Assertividade da Agenda ESG
sição da empresa aos riscos socioambientais. Note que a
primeira se refere aos processos utilizados e a segunda aos Em um famoso artigo versando sobre direito de propriedade
resultados obtidos. Com relação ao processo, deve ficar cla- publicado há cinquenta anos, o economista americano Milton
ramente evidenciada a inserção das questões socioambientais Friedman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1976,
na estratégia de longo prazo da empresa; com relação aos afirmou que “o papel social da empresa deve se restringir a gerar
resultados, devem estar disponibilizadas informações que empregos, pagar salários justos e manter seus impostos em dia;
permitam as partes interessadas a formar um juízo conclusivo com isso, ela contribui com o bem-estar público”. Este artigo, que
sobre seu desempenho socioambiental, o que somente será ficou conhecido como o “Manifesto do Livre Mercado”, revela
possível se estiverem disponíveis informações que permitam visão restrita sobre o alcance da responsabilidade social corpo-
verificar a evolução da empresa no decorrer do tempo e de rativa, à medida que considera que as empresas terão cumprido
forma comparada com o desempenho de empresas pares. todas suas obrigações simplesmente ao se manterem dentro da
Em 1998 o Isar tabulou os fatores que levavam a uma baixa conformidade legal, se adequando em nível de suficiência no
transparência do desempenho ambiental, como, por exemplo atendimento de obrigações sociais e ambientais previstas em lei.
(UNCTAD, 2002): (1) dificuldades metodológicas – ausência de Atualmente prevalece uma visão mais abrangente, provavel-
definição clara de custos ambientais e de passivos ambientais; mente por terem sido levados em consideração os efeitos inde-
dificuldade em calcular um passivo ambiental efetivo; problemas sejados da política liberal e desregulamentada vigente desde a
em determinar a existência de uma obrigação no futuro por era Reagan-Thatcher nos anos 1980, que resultou em aumento
conta de custos passados; alvos ambientais representados da desigualdade social, de danos ao meio ambiente e da possibi-
por custos que não foram previamente estabelecidos de forma lidade desta geração transmitir um legado negativo para as novas
mensurável, impossibilitando seu posterior acompanhamento; gerações. Com os interesses dos stakeholders voltando à pauta
(2) falta de informações adequadas – baixa consistência entre das grandes empresas, os agentes de governança externam sua
as informações públicas disponibilizadas pela empresa, pouca persistente dúvida: esta Agenda foi ou está sendo incorporada de
comparabilidade entre o desempenho da mesma empresa em forma efetiva e genuína entre os compromissos prioritários das
períodos diferentes ou entre empresas diferentes do mesmo grandes empresas ou as práticas de “maquiagem verde” ainda
setor de atividades; e (3) postura conservadora da empresa irão prevalecer? O combate à prática da “maquiagem verde” exige
frente aos stakeholders: relutância das empresas em veicular comprometimento e assertividade dos administradores, que por
informações sobre o impacto de suas atividades no meio outro lado dependem do reconhecimento, por estes mesmos admi-
ambiente; preferência em divulgar sua própria versão em relató- nistradores, das armadilhas éticas que cercam o comportamento
rios caracterizados por serem qualitativos, descritivos e parciais, das pessoas em situações de conflitos de interesse.
frustrando uma visão abrangente e objetiva do desempenho A ética comportamental (SILVEIRA, 2015) avalia como as
ambiental da empresa; reduzida propensão para conceder pessoas se comportam de fato quando expostas a dilemas
transparência aos danos provocados pela empresa em seus morais e estuda formas para auxiliá-las a melhorar seu com-
ativos próprios. A proposta do Isar para o relato ambiental portamento ético. Este conhecimento pode ser útil na análise
realizado no âmbito das demonstrações contábeis contempla de condutas antiéticas que surgem no mundo corporativo,
a utilização de indicadores de desempenho que sintetizem como o desrespeito aos consumidores, a violação de direi-
informações quantitativas e qualitativas para determinar a tos humanos e a transferência de custos ambientais para a
eficiência e a efetividade da empresa em utilizar os recursos sociedade. A ética comportamental tem três constatações
disponíveis. Na busca da transparência, tais indicadores devem incômodas que explicam a recorrência de práticas empresariais
ser complementados com informações divulgadas em notas antiéticas: as pessoas superestimam seu comportamento ético
explicativas, com detalhes sobre externalidades, contingências devido à racionalidade limitada, vieses cognitivos e etapas do
e aspectos de conformidade, como licenças, multas e outros, processo decisório. Em consequência, estas limitações geram
bem como de comparativos com empresas pares e indica- uma tendência à hipocrisia moral. Outro fator que contribui para
dores setoriais, dentre os quais aqueles voltados para medir limitar a racionalidade é a postura psicológica nas três etapas
a ecoeficiência. Na época, já restava registrado que o êxito do processo decisório: a predição (etapa anterior à decisão),
na obtenção de um adequado relato do desempenho social que é caracterizada pela visão ampla, pela perspectiva de
e ambiental dependia da incorporação, de forma planejada e longo prazo e está baseada em princípios; a ação (momento
estruturada, do conhecimento multidisciplinar de profissio- da decisão) tem como características a visão estreita, a pers-
nais de outros ramos do conhecimento. Entre as propostas pectiva de curto prazo, e está baseada em ganhos imediatos;
do Isar de vinte anos atrás e as de hoje ocorreram inovações e a avaliação (etapa posterior à decisão), que tem como carac-
com relação à forma do relato ambiental, sendo a principal o terísticas a reconstrução do passado, na qual o agente passa a
desenvolvimento do Relato Integrado, que permite realizar a ter novamente uma visão mais ampla baseada em valores. Esta
fusão do relatório financeiro, do balanço social e do relatório de reconstrução compreende a racionalização de possíveis atos
sustentabilidade em um único documento; e criar uma central antiéticos e serve para trazer conforto ao agente. Portanto, para

Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021 53

Pensar Contábil CRCRJ Conselho Regional de Contabilidade do RJ

Sebastião Bergamini Junior

realizar um dado potencial ético será necessário reconhecer interesses dos acionistas, além do fato de que os administradores
estas limitações, pois se considera que a maioria das coisas das corporações norte-americanas têm obrigação inscrita de
erradas foi feita por pessoas boas, que se tornaram cegas do forma explícita na lei de colocarem os acionistas em primeiro
ponto de vista ético por pressões dos tempos e dos contextos. lugar. A associação sem fins lucrativos Business Roundtable,
formada por executivos das maiores empresas americanas,
7.4 Gerenciamento de Conflitos de Interesses recentemente divulgou carta assumindo “o compromisso de
gerar valor para todas as partes interessadas”. No entanto, dois
Os investimentos em empresas ESG estão em ascensão, jun- professores da Faculdade de Negócios de Columbia observaram
tamente com seu par simétrico, o Capitalismo de Stakeholders. que, paradoxalmente, os signatários da referida carta tinham
No entanto, esta ascensão pode estar alicerçada em frágeis históricos em ESG piores do que seus pares setoriais.
fundamentos conceituais. O apelo do investimento em empresas
que aderem ao ESG é dúbio, com expectativa de que os retornos
serão menores do que os esperados para este tipo de investi- 8 CONCLUSÕES
mento (ARMSTRONG, 2020). Para alguns, os investimentos ESG
deveriam ser encarados com desconfiança pelos investidores A Agenda ESG contempla providências com os objetivos de:
que desejam receber retornos adequados e por cidadãos que (1) conceder elevada transparência ambiental das empresas, por
desejam mudanças reais no modelo de liberalismo econômico meio da disponibilização de informações mínimas que reduzam a
vigente. O movimento em favor dos stakeholders se apoia em uma assimetria informacional a níveis que possibilitem uma adequada
ideia perigosa e enganosa: a de que os interesses econômicos prestação de contas; (2) aumentar a transparência, o que deve
dos acionistas e os dos stakeholders sempre se harmonizam permitir que se torne efetiva a almejada prestação de contas,
no longo prazo. O conflito de interesses emergirá, de forma que consiste na responsabilização da empresa frente às partes
inevitável, pelo fato de os altos executivos não agirem tendo interessadas, relativa às práticas adotadas na gestão de suas
em mente um futuro longínquo, mas fazendo escolhas sobre o atividades nos âmbitos ambiental, social e de governança; (3)
que podem antever com certo grau de confiança, o que para demonstrar, no âmbito do processo de responsabilização, que
muitos deles é calculado em trimestres. Embora o pacote de suas atividades são desenvolvidas dentro de elevados padrões
benefícios dos executivos seja de longo prazo, o seu escrutínio éticos nas relações mantidas com todas as partes interessadas,
é trimestral. A visão de curto prazo também vem influenciando sendo suas práticas consideradas por todos como efetivamente
conselheiros de administração, que são os responsáveis pela equitativas; e (4) convergir, com o cumprimento destes objeti-
estratégia de longo prazo, e que passaram a ser remunerados, vos, para a obtenção da legitimidade social na sua atuação de
de forma crescente, com base em parcela variável baseada no empreender atividades com fins lucrativos, ou seja, a finalidade
desempenho. O Capitalismo de Stakeholders deve considerar, a ser atingida é a de obter e manter o reconhecimento público
de forma realista, que os altos executivos algumas vezes terão de que é justa a sua “licença social” para operar.
que fazer escolhas que significam beneficiar os acionistas às A contribuição da técnica contábil na concretização da
custas das partes interessadas ou vice-versa. Em público estes Agenda ESG é clara, pois os dados primários contábeis cons-
executivos ignoram o dilema que enfrentarão ao fazer escolhas tituem a base de quase todas as métricas quantitativas que
mutuamente excludentes entre acionistas e partes interessadas, foram ou estão sendo desenvolvidas para reconhecer, mensurar
se calando sobre como estes conflitos de interesses poderiam ser e divulgar os impactos das atividades empresariais no meio
administrados. Os incentivos financeiros tenderão a promover os ambiente, uma das principais metas da Agenda ESG.

REFERÊNCIAS
ARMSTRONG, R. O apelo dúbio do investimento ESG. Valor Econômico, São Paulo, 2020.
BERGAMINI JUNIOR, S. Contabilidade e riscos ambientais. Revista do BNDES , Brasília, DF, n. 11, p. 97-116, 1999.
COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS (CPC). CPC-00 (R2): Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro –
Situação e finalidade da Estrutura Conceitual. Disponível em: http://static.cpc.aatb.com.br/Documentos/573_CPC00(R2).pdf.
Acesso em: 11 maio 2021.
COSTA, C;. GROSSI, M. ESG, qual a teoria da mudança?. Valor Econômico, São Paulo, 2020.
LEITÃO, S. Por uma matriz de riscos ambientais. Valor Econômico, São Paulo, 2020.
MOREIRA, A. BIS sugere criação de ‘rating verde’ para companhias. Valor Econômico, São Paulo, 2020.
ORDONEZ, R. Investir para destruir. O Globo, São Paulo, 11 out. 2020. p. 27.
SILVEIRA, A. D. M. da. Governança corporativa no Brasil e no mundo. São Paulo: Editora Campus, 2015.
UNCTAD. Guidance manual accounting and financial reporting for environmental cost and liabilities. Geneva: Unctad, 1998.
WEF. The future of the nature and business 2020. Geneva: WEF, 2020.

54 Pensar Contábil, Rio de Janeiro v. 23, n. 80, p. 46-54, jan./abr. 2021