Sims Sintomas Da Mente - Femi Oyebode

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Sims Sintomas da Mente

Introdução à Psicopatologia Descritiva

5ª EDIÇÃO

2a tiragem

Femi Oyebode MBBS, MD, PHD, FRCPSYCH


Professor of Psychiatry & Consultant Psychiatrist
University of Birmingham, National Centre for Mental Health
Birmingham, UK
Sumário

Capa

Folha de rosto

Dedicatória

Copyright

Tradução e Revisão Científica

Prefácio à 5ª ediçāo

Seção 1: Conceitos e Método

Capítulo 1: Conceitos Fundamentais da Psicopatologia Descritiva


Resumo

O que é Psicopatologia?

Fenomenologia e Psicopatologia

Conceitos

Capítulo 2: Elicitando os Sintomas da Doença Mental


Resumo

Diagnóstico e Rótulos

O Histórico Psiquiátrico

Personalidade Pré-mórbida, Prévia ou Usual

Diferenciação de Transtorno de Personalidade

O Exame do Estado Mental

Indagação Sistemática

Seção 2: Consciência e Cognição

Capítulo 3: Consciência e Distúrbios da Consciência


Resumo

Experiências Conscientes e Inconscientes

Alterações da consciência

Capítulo 4: Atenção, Concentração, Orientação e Sono


Resumo

Atenção, consciência e concentração

Orientação

Transtornos do Sono

Sonhos

Hipnose

Capítulo 5: Distúrbios da Memória


Resumo

Mecanismos da Memória

Outras Alterações da Memória


Perturbação Afetiva da Memória

Seção 3: Consciência da Realidade: Tempo, Percepção e


Julgamento

Capítulo 6: Alterações da Vivência do Tempo


Resumo

Alteração do Tempo Objetivo

Alteração do Tempo Subjetivo (Pessoal)

Ritmos Biológicos e sua relação com a Psiquiatria

Capítulo 7: Alterações da Percepção


Resumo

Sensação e Percepção

Percepção anormal

Alucinação

Pseudoalucinações

Outras Anormalidades da Percepção

Capítulo 8: Delírios e Outras Ideias Errôneas


Resumo

Ideias, crenças e delírios

Delírios Primários e Secundários

Tipos de Delírio Primário

As Origens do Delírio

Conteúdo dos Delírios

A Realidade dos Delírios


Ideias Errôneas

Capítulo 9: Perturbações do Processo de Pensamento


Resumo

Tipos de pensamento

Alterações do Processo de Pensamento

Perturbação do Juízo

Alterações de Controle do Pensamento

Capítulo 10: Distúrbios da Linguagem e da Fala


Resumo

Perturbações da Fala

Distúrbios Orgânicos da Linguagem

Perturbação Esquizofrênica da Linguegem

Capítulo 11: Insight


Resumo

Insight na prática clínica

Visão Geral do Conceito

Insight e comprometimento cognitivo

Seção 4: O Ser e o Corpo

Capítulo 12: Perturbações do Eu


Resumo

Eu e Self*

Autoconceito e Imagem Corporal


Autoimagem e Comunicação Não Verbal

Consciência do Corpo

Perturbações do Eu

Capítulo 13: Despersonalização


Resumo

Definições e Descrições

Teorias Orgânicas e Psicológicas

Despersonalização: Considerações adicionais

Capítulo 14: Alterações da Consciência Corporal


Resumo

Classificação

Alterações de Crenças sobre o Corpo (Queixa Corporal sem Causa Orgânica)

Conversão e Dissociação

Alterações das Características Físicas e Valoração Emocional do Corpo (Não Gostar do


Corpo)

Alterações da Consciência Sensorial do Corpo (Alterações Orgânicas na Imagem Corporal)

Alterações da Imagem Corporal Ligados à Cultura

Capítulo 15: A Psicopatologia da Dor


Resumo

Dor Orgânica ou Psicogênica?

A Dor e Sensação Intensificada

Sensação Diminuída para a Dor e Desejo de Dor

Dor sem Causa Orgânica

Dor e Sofrimento
Seção 5: Emoções e Ação

Capítulo 16: Alterações de Afeto e Emoções


Resumo

Teorias da Emoção

Emoções Básicas

Comunicação do Humor

Classificação das Perturbações das Emoções

Alterações nas Emoções Básicas

Anormalidade da Experiência e Atividade Fisiológica

Anormalidades de Avaliação

Anormalidades do Humor no Transtorno Bipolar

Depressão do Humor

Mania

Capítulo 17: Ansiedade, Pânico, Irritabilidade, Fobia e Obsessão


Resumo

Ansiedade

Irritabilidade

Obsessões e Compulsões

Capítulo 18: Perturbações da Vontade e Execução


Resumo

Anseio, impulso e vontade e seus distúrbios

Anormalidades da Necessidade, Instinto, Motivação e Vontade

Atos Impulsivos e Agressivos

Distúrbios do Movimento e Comportamento


Seção 6: Variações da Natureza Humana

Capítulo 19: A Expressão dos Transtornos da Personalidade


Resumo

Transtorno de Personalidade Paranoide

Transtorno de Personalidade Esquizoide

Transtorno de Personalidade Antissocial

Transtorno de Personalidade Emocionalmente Instável

Transtorno de Personalidade Histriônica

Transtorno de Personalidade Anancástica

Transtorno de Personalidade Ansiosa (Esquiva)

Transtorno de Personalidade Dependente

Transtornos Persistentes de Humor

Outros Transtornos de Personalidade

Seção 7: Diagnóstico

Capítulo 20: Psicopatologia e Diagnóstico


Resumo

Conceitos de Saúde e Psicopatologia

Uso de Sintomas para Formar Categorias Diagnósticas

Pós-escrito

Autoavaliação 1

Autoavaliação 2
Autoavaliação 1: Respostas

Autoavaliação 2: Respostas

Índice
Dedicatória

Para meu pai, Jonathan Akinyemi Oyebode (1918-1971)

Femi Oyebode
Copyright
© 2018 Elsevier Editora Ltda.
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá
ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:
eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
ISBN: 978-85-352-8716-5
ISBN versão eletrônica: 978-85-352-8991-6

SIMS’ SYMPTONS IN THE MIND 5th EDITION


Copyright © 2015 Elsevier Ltd. All rights reserved.

This adapted translation of Sims’ Symptons in the Mind 5th Edition, by Femi
Oyebode, was undertaken by Elsevier Editora Ltda and is published by
arrangement with Elsevier Ltd.

Esta tradução adaptada de Sims’ Symptons in the Mind 5th Edition, de Femi
Oyebode, foi produzida por Elsevier Editora Ltda e publicada em conjunto com
Elsevier Ltd.
ISBN: 978-0-7020-5556-0

First edition 1988


Second edition 1995
Third edition 2005
Fourth edition 2008
Fifth edition 2015
Reprinted 2015

Capa
Studio Creamcrackers
Editoração Eletrônica
Thomson Digital

Elsevier Editora Ltda.


Conhecimento sem Fronteiras

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20011-904 – Centro – Rio de Janeiro – RJ

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Nota
Esta tradução foi produzida por Elsevier Brasil Ltda. sob sua exclusiva
responsabilidade. Médicos e pesquisadores devem sempre fundamentar-se em
sua experiência e no próprio conhecimento para avaliar e empregar quaisquer
informações, métodos, substâncias ou experimentos descritos nesta
publicação. Devido ao rápido avanço nas ciências médicas, particularmente, os
diagnósticos e a posologia de medicamentos precisam ser verificados de
maneira independente. Para todos os efeitos legais, a Editora, os autores, os
editores ou colaboradores relacionados a esta tradução não assumem
responsabilidade por qualquer dano/ou prejuízo causado a pessoas ou
propriedades envolvendo responsabilidade pelo produto, negligência ou
outros, ou advindos de qualquer uso ou aplicação de quaisquer métodos,
produtos, instruções ou ideias contidos no conteúdo aqui publicado.
O Editor

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DELIVROS, RJ
O98s
5. ed.
Oyebode, Femi
Sims sintomas da mente : introdução a psicopatologia descritiva / Femi
Oyebode ;[tradução Maria Rita Guedes] ; [revisão científica Gustavo Bonini
Castelha]. - 5. ed. -Rio de Janeiro : Elsevier, 2018.
: il.

Tradução de: Sims’ Symptons in the Mind: textbook of descriptive


psychopathology 5th ed

Inclui bibliografia e índice


ISBN 9788535287165

1. Psicopatologia. 2. Comportamento humano. 3. Cognição. I. Guedes,


Maria Rita.
II. Castelha, Gustavo Bonini. III. Título.
17-43302 CDD: 616.89
CDU: 616.89
Tradução e Revisão Científica
Tradução
Maria Rita Guedes

Revisão Científica

Gustavo Bonini Castellana


Psiquiatra pela FMUSP, especializado em Psiquiatria Forense. Mestre em
Ciências pela FMUSP.
Coordenador e Professor do Curso de formação em Psiquiatria Forense do
NUFOR-IPq.

Jose Gallucci Neto


Mestre em Psiquiatra pela FMUSP, Chefe da Unidade Metabólica do IPq
HCFMUSP.
Coordenador da Residência Médica do Instituto Bairral de Psiquiatria.

Renato Luiz Marchetti


Doutor em Psiquiatria pela FMUSP. Professor Colaborador do Departamento de
Psiquiatria da FMUSP. Coordenador do Projepsi – Grupo de Neuropsiquiatria do
IPq-HCFMUSP.
Coordenador da Residência Médica do Instituto Bairral de Psiquiatria.
Prefácio à 5ª Ediçāo
Desde sua publicação em 1988, Sims Sintomas da Mente se tornou o principal
manual de psicopatologia clínica. Nesta 5ª edição, como na 4ª, foi mantida a
estrutura original do livro, mas algumas modificações foram feitas: alterações de
ênfase e novos materiais foram incluídos em diversos capítulos. Essas
modificações podem ser observadas nos capítulos sobre as perturbações da
memória, do tempo, da percepção, da fala e linguagem, do afeto e emoções e da
vontade e execução. De maneira geral, tais mudanças foram inspiradas pelo
desejo de incorporar os avanços da neuropsicologia e da neurociência cognitiva.
Em alguns casos foram fornecidas novas classificações das anormalidades
estudadas. Diversos capítulos trazem a descrição de outros fenômenos
patológicos. Esses fenômenos incluem experiências como palinopsia, palinaptia,
teleopsia, pelopsia, acinetopsia, fenômeno de zëitraffer, exosomestesia,
sinestesia, transtorno da integridade corporal, vulvodínia, penoescrotodínia e
muitos outros.
Nesta nova edição, muitos dos conceitos e descrições de diversos capítulos
foram atualizados. Tentei reduzir ao máximo as sobreposições de temas, mas é
praticamente impossível eliminar repetições por completo. Alguns conceitos
como experiências de passividade, são mais bem entendidos sob diferentes
perspectivas. Uma das principais características de Sims Sintomas da Mente é o
uso de figuras, tabelas e exemplos de casos. Isso foi mantido, acrescentando-se
quadros com exemplos de casos da literatura clássica e narrativas
autobibliográficas ficcionais. O símbolo indica as seções interativas de perguntas
e respostas para testar seu entendimento sobre temas fundamentais. Ao preparar
esta nova edição, tive em mente o centenário do trabalho de Karl Jasper,
Psicopatologia Geral. A psicopatologia descritiva, como método, tem
sobrevivido pelos últimos 100 anos. Ela é a base da prática da psiquiatria clínica.
Esse método nos permite observar e descrever fenômenos subjetivos e
comportamentos anormais e categorizá-los para mais claramente explicitar o
mundo que estes pacientes habitam. Adotando uma postura ateórica, o médico
treinado na abordagem fenomenológica é ainda mais consciente da necessidade
de compreensão empática e da transitoriedade da nossa compreensão e
explicações sobre psicopatologia.
Sou grato a um número infindável de pessoas. O Birmingham Philosophy
Group se reúne mensalmente desde 1992. Seus membros continuam a
influenciar minhas ideias sobre o fenômeno psiquiátrico, assim como os
membros da Seção de Psicopatologia da Associação Europeia de Psiquiatria,
entre os quais John Cutting, Maria Luisa Figueira, Mircea Lazarescu, Michael
Musalek, Gilberto di Petta e Pedro Varandas. Por fim, sem os pacientes que
vivenciam e enfrentam esses fenômenos anormais, e sem os alunos e residentes
de psiquiatria com suas perguntas incisivas e cuja curiosidade os leva a
investigar a natureza dos fenômenos, este livro certamente seria mais pobre.
Femi Oyebode
SEÇÃO 1
Conceitos e Método

Capítulo 1: Conceitos Fundamentais da Psicopatologia Descritiva


Capítulo 2: Elicitando os Sintomas da Doença Mental
CAPÍTULO 1

Conceitos Fundamentais da
Psicopatologia Descritiva

Como a mente deve ser concebida para fins de psicopatologia, quais são
suas faculdades, funções ou elementos (se houver), como eles podem
ser distinguidos e como os transtornos mentais podem ser
compreendidos, com aplicação de tais conceitos, são questões
filosóficas.
Manfred Spitzer (1990)

Resumo
Psicopatologia descritiva pode ser definida como a descrição, categorização e
definição de experiências anormais narradas pelo paciente e observadas em seu
comportamento. Baseia-se no método da fenomenologia, focando em fenômenos
vividos a fim de estabelecer seu caráter universal. O objetivo é ouvir
atentamente, observar cuidadosamente e compreender o evento ou fenômeno
psicológico por meio da empatia, de maneira que o médico possa, com a maior
exatidão possível, saber por si próprio como deve ser a sensação vivida por seu
paciente.
A psiquiatria é o ramo da medicina que lida com experiências psicológicas
mórbidas. Por definição, na prática da psiquiatria, fenômenos psicológicos são
os sintomas e os sinais clínicos observáveis, que funcionam como causa e
também como agentes terapêuticos. O escopo da psiquiatria inclui: transtornos
emocionais menores, que podem ser reações a estresse psicossocial ou
ambiental; mudanças psicológicas mais profundas não exclusivamente
associadas a estresse; transtornos de personalidade com influência disseminada
no comportamento, de tal monta que a pessoa sofre ou faz outros sofrerem;
alterações psicológicas consequentes à lesão cerebral; e transtornos associados
ao uso de substâncias como álcool, maconha, cocaína ou heroína. A fim de
descrever, delinear e diferenciar estas condições, os fenômenos psicológicos
mórbidos que constituem a experiência subjetiva dos pacientes precisam ser
cuidadosamente examinados, avaliados e registrados. É este o território da
psicopatologia descritiva. Em outras palavras, o objeto da psicopatologia
descritiva é a seleção, delimitação, diferenciação e descrição de determinados
fenômenos da experiência, que são definidos por meio de uma terminologia
comum para serem mais bem identificados.
Certamente, para a prática racional da psiquiatria, é necessário conhecer a
neurociência básica; também é necessário conhecimento factual adequado de
psicologia, sociologia e antropologia social. Além disso, há a necessidade de
amplo conhecimento prático de medicina geral, principalmente neurologia e
endocrinologia. Esta pode ser considerada a base mínima de conhecimento para
a prática da psiquiatria. Entretanto, é a psicopatologia descritiva que fornece o
alicerce da prática psiquiátrica clínica com qualidade.
Portanto, a psicopatologia descritiva é a ferramenta fundamental e exclusiva
do psiquiatra para o diagnóstico psicopatológico. Isso porque, além de escutar e
conduzir uma entrevista com um paciente, sua aplicação envolve o uso da
empatia e da compreensão (voltaremos a estes temas mais tarde). Assim, os
fenômenos subjetivos que são revelados durante a avaliação clínica, somados
aos comportamentos observáveis, determinam, em última análise, o julgamento
clínico que influencia as decisões sobre o tratamento e manejo.

O que é Psicopatologia?
Psicopatologia é o estudo sistemático das experiências anormais da consciência
e do comportamento. Ela inclui as psicopatologias explicativas, nas quais
buscam-se explicações para as experiências descritas, de acordo com conceitos
teóricos (por exemplo, a partir de uma base cognitiva, comportamental,
psicodinâmica ou existencial e assim por diante), e a psicopatologia descritiva,
que consiste na descrição, categorização e definição precisas de experiências
anormais relatadas pelo paciente e/ou observadas em seu comportamento
(Figura 1.1).
FIGURA 1.1 As psicopatologias.

Portanto, a psicopatologia descritiva se difere das outras formas de


psicopatologia ao evitar explicações sobre o fenômeno que descreve. Ela
simplesmente descreve, evitando especulações sobre a causa. Logo, a
psicopatologia descritiva se resguarda e evita teorias, suposições ou conceitos
teóricos pré-estabelecidos. Esta restrição da psicopatologia descritiva atua para
assegurar o quadro conceitual da fenomenologia, restringindo-o à real
experiência do paciente.
Por outro lado, a psicopatologia explicativa geralmente parte do pressuposto
de que os fenômenos mentais têm significado. Na psicanálise, por exemplo,
presume-se que pelo menos um de diversos mecanismos básicos estão
ocorrendo, o que torna o estado mental compreensível. Explicações sobre o que
ocorre no pensamento ou no comportamento se baseiam em processos teóricos
subjacentes como transferência ou mecanismos de defesa do ego. Por exemplo,
em um delírio, a psicopatologia psicodinâmica está mais inclinada a explicar o
delírio em termos de conflitos precoces reprimidos no inconsciente e que passam
a ganhar expressão somente de forma psicótica por meio de projeção. O
conteúdo do delírio é considerado uma importante chave para a natureza do
conflito subjacente, que tem suas raízes na fase inicial de desenvolvimento.
Enquanto a psicopatologia descritiva não faz qualquer tentativa de afirmar a
causa da manifestação do delírio – ela apenas observa, descreve e classifica –, a
psicopatologia psicodinâmica visa descrever como esses delírios ocorrem e
porque aquele delírio específico se manifesta, com base nas experiências daquela
pessoa no início da vida.
A psicopatologia descritiva, por sua vez, buscará exclusivamente descrever no
que aquela pessoa crê, como descreve sua experiência de crer, que tipo de
evidência apresenta de sua veracidade e qual o significado desta crença ou noção
frente à sua situação de vida. Avalia-se se a crença tem as exatas características
de um delírio e, se for o caso, que tipo de delírio. Feita esta avaliação
fenomenológica, a informação obtida pode ser usada no diagnóstico, prognóstico
e, portanto, na terapia.
As principais diferenças entre psicopatologia descritiva e psicopatologia
explicativa podem ser encontradas na Tabela 1.1.

Tabela 1.1
Psicopatologia: descritiva x psicanalítica

Descritiva Psicanalítica

Resumo Avaliação empática da experiência subjetiva do Estudo das raízes do comportamento atual e
paciente experiência consciente por meio de conflitos
inconscientes
Terminologia Descrição de fenômenos Processos teóricos demonstrados
Método Entendimento do estado subjetivo do paciente por Associação livre, sonhos, transferência
meio de entrevista empática
Aplicação Faz distinção entre compreensão e explicação: Compreensão em termos de processos teóricos
Prática compreensão pela observação e empatia
A forma e o conteúdo são claramente separados: a Não é feita distinção; envolvida com o conteúdo
forma tem importância para o diagnóstico
Processo e desenvolvimento diferenciados: o Não é feita distinção; os sintomas são vistos como
processo interfere com a base de tendo uma base psicológica inconsciente
desenvolvimento

Existem ainda modelos de psicopatologia radicalmente diferentes, que


consideram a experiência mental, incluindo pensamentos, humores e
motivações, como epifenômenos do cérebro. Nesses modelos (materialismo
radical ou materialismo eliminativo), a vida mental é ilusória e somente os
processos materiais e orgânicos são verdadeiros. A importância do que o
pensador agrega à experiência subjetiva é vista como irreal. Tal posição impõe
certas dificuldades para a averiguação e tratamento psicológico.
Berrios (1996) descreveu duas formulações da psicopatologia descritiva do
século XIX. Enquanto psicólogos e cientistas do cérebro tendiam a considerar os
fenômenos mórbidos como variações quantitativas de funções mentais normais –
visão de continuidade – os psiquiatras, chamados então de alienistas,
consideravam que alguns sintomas eram bizarros demais para ter uma
contrapartida no comportamento normal – visão de descontinuidade. Essas duas
formulações, de visão continuada e descontinuada, continuam a influenciar
como o fenômeno anormal é contextualizado em nossos dias. Sem dúvida, a
qualidade da empatia que um médico demonstra contribui para a compreensão
do paciente, mas há um limite, como no caso de fenômenos psicóticos nos quais
o pensamento e o comportamento do paciente não podem ser compreendidos
através da empatia, fazendo com que paciente e médico fiquem mutuamente
alienados.
A psicopatologia descritiva inclui duas técnicas complementares: a avaliação
empática da experiência subjetiva do paciente e a observação de seu
comportamento. Empatia é um importante termo psiquiátrico que literalmente
significa “sentir-se como” e a prática psiquiátrica enfatiza a vivência imaginativa
do mundo de outra pessoa. É diferente de simpatia, que é “sentir-se com”. Uma
maneira de distinguir empatia e simpatia é reconhecer o papel de uma postura
objetiva aliado a uma busca ativa de entender como determinados pensamentos
surgem de determinados humores, desejos ou medos, e o nexo de conexões entre
diferentes aspectos das experiências do paciente, o que faz parte da empatia.
O conceito de empatia em psicopatologia descritiva é um instrumento clínico
que precisa ser manejado com habilidade para avaliar o estado subjetivo do
paciente, usando como critério o próprio observador e sua experiência emocional
e cognitiva. Se a descrição do médico sobre a experiência interna do paciente
não é reconhecida por ele como sua, então o questionamento deve continuar até
que a experiência interna seja descrita e reconhecida pelo paciente.
Ao longo de todo esse processo, o sucesso depende da capacidade do médico,
como ser humano, de vivenciar a experiência interna da outra pessoa, o paciente;
por isso, não se trata de uma avaliação que possa ser realizada por meio de um
microfone ou computador. Ela depende totalmente da experiência e sentimentos
compartilhados entre médico e paciente: é a empatia que permite ao médico
compreender as experiências do paciente. Nesse sentido, pode-se dizer que é a
empatia que possibilita saber como é outra pessoa, outro sujeito de experiências,
que está em um determinado estado mental. Quando a empatia não consegue
tornar uma experiência subjetiva do paciente compreensível, então podemos
dizer que aquela experiência é incompreensível. Em outras palavras,
ultrapassamos nossa capacidade intuitiva máxima de compreender os fenômenos
vivenciados pela outra pessoa.
Outro componente importante da psicopatologia descritiva é a observação
precisa do comportamento. A experiência subjetiva humana é disponível para
exame e exploração não apenas por meio da comunicação verbal, mas também
através de gestos significativos, linguagem corporal, comportamento e ação. A
observação da expressão objetiva da experiência subjetiva, ou seja, do
comportamento, é extremamente importante e um exercício muito útil na prática
clínica; do outro lado, o uso de uma lista de sintomas para a verificação de sua
presença ou ausência é um obstáculo à observação clínica genuína, e também à
qualidade da comunicação médico-paciente. A objetividade que é facilitada por
uma lista de verificação prejudica a observação do comportamento, bem como a
escuta atenta e focada nos fenômenos relatados.

Fenomenologia e Psicopatologia
Como já foi descrito, a psicopatologia estuda a experiência, cognição e
comportamentos anormais. A psicopatologia descritiva evita explicações
teóricas dos eventos psicológicos. Ela descreve e categoriza a experiência
anormal relatada pelo paciente e observada em seu comportamento. Em seu
contexto histórico, Berrios (1984) a descreve como um sistema cognitivo
composto de termos, suposições e normas de aplicação – “a identificação de
classes de atos mentais anormais”.
A fenomenologia é um termo frequentemente associado à psicopatologia
descritiva. Tem longa tradição na filosofia e é associado a Edmund Husserl
(1859–1938). Em geral, ele é utilizado para indicar a averiguação dos processos
conscientes e intelectuais de uma pessoa, evitando ideias pré-concebidas sobre
causas externas e preconceitos. O método da fenomenologia visa focar em
fenômenos vivenciados a fim de estabelecer seu caráter universal.
Da forma como é utilizada na psiquiatria, a fenomenologia envolve a
elicitação e descrição de eventos psicológicos anormais por meio das
experiências internas do paciente e seu consequente comportamento. O
observador busca escutar atentamente, observar com precisão e compreender o
evento ou fenômeno psicológico, para que possa, tanto quanto possível, saber
por si próprio como o paciente se sente em sua experiência.
Mas como podemos usar a palavra observador em relação à experiência
interna de outra pessoa? É exatamente aqui que o processo de empatia se torna
relevante. A psicopatologia descritiva, portanto, inclui aspectos subjetivos
(fenomenologia) e objetivos (descrição do comportamento). Preocupa-se com a
rica variedade da experiência humana, mas deliberadamente limita seu âmbito
àquilo que é clinicamente relevante.
Como isto funciona na prática? A Sra. Jenkins reclama que é infeliz. É tarefa
da psicopatologia descritiva tanto elicitar seus pensamentos e ações sem tentar
explicá-los, quanto observar e descrever seu comportamento – seus ombros
caídos, o punho tenso e o contorcer das mãos. A fenomenologia exige uma
descrição muito precisa de como ela se sente internamente – “aquela sensação
horrível de não existir realmente” e de “não ser capaz de sentir nenhuma
emoção”.
Alguns psiquiatras consideram o método da fenomenologia com desvalia,
vendo-o como arcaico, exageradamente minucioso ou como uma forma pedante
de caça à lebre, mas trata-se de uma atitude que tais psiquiatras adotam com
prejuízo do seu trabalho e em prejuízo do paciente. O estudo de fenômenos
aguça ferramentas diagnósticas, aumenta a perspicácia clínica e melhora a
comunicação com o paciente. O paciente e suas queixas merecem nossa maior
atenção. Se “o estudo da humanidade é o homem”, o estudo de sua doença
mental começa com a descrição de como ele pensa e se sente internamente
(Pope, 1688–1744).
Negligenciar a fenomenologia por desconhecimento pode ter sérias
repercussões para o cuidado do paciente. Em um estudo clássico, oito
pesquisadores com boa saúde mental foram enviados separadamente para 12
unidades de internação em hospitais psiquiátricos americanos queixando-se de
ouvir estas palavras ditas em voz alta: “vazio”, “oco”, “surdo”
(Rosenham, 1973). Em todos os casos, com exceção de um, o diagnóstico foi de
esquizofrenia. Mesmo após a internação, quando eles não produziram sintomas
psiquiátricos posteriores, agindo de forma normal, respondendo perguntas com
sinceridade, exceto pelo fato de ocultarem seu nome e ocupação. A ética e o bom
senso do experimento certamente podem ser questionados, mas o que fica claro
não é que os psiquiatras devem deixar de fazer um diagnóstico, mas que devem
fazê-lo em uma base psicopatológica sólida. Nem Rosenham, seus colegas e nem
os psiquiatras deram qualquer informação sobre que sintomas poderiam ser
considerados para um diagnóstico de esquizofrenia; isto demanda um método
baseado na psicopatologia (Wing, 1978). Com o uso adequado da psicopatologia
fenomenológica, esta falha de diagnóstico não teria ocorrido.
Jaspers (1959) escreveu: “A fenomenologia, apesar de ser uma das pedras
fundamentais da psicopatologia, é ainda muito bruta.” De fato, um dos grandes
problemas da utilização deste método é a natureza confusa da terminologia.
Ideias quase idênticas podem receber diferentes classificações de pessoas com
diferentes bases teóricas – por exemplo, a infinidade de descrições acerca de
como uma pessoa pode se autoconceituar: autoimagem, esquema corporal etc.
Há também uma confusão considerável a respeito do significado do termo
fenomenologia. Berrios (1992) descreveu quatro significados em psiquiatria:

“P1 refere-se ao seu uso clínico mais comum, como um mero sinônimo
para ‘sinais e sintomas’ (como em ‘psicopatologia fenomenológica’); este
é um uso que se degenerou e, portanto, não é conceitualmente
interessante. P2 refere-se a um sentido pseudotécnico frequentemente
utilizado em dicionários e que alcança uma falsa unidade de significado
ao simplesmente catalogar usos sucessivos em ordem cronológica; esta
abordagem é equivocada, já que sugere linhas evolutivas falsas e leva a
questões importantes relacionadas com a história da fenomenologia. P3
refere-se ao uso idiossincrático iniciado por Karl Jaspers, que dedicou
seus primeiros escritos clínicos à descrição de estados mentais de forma
(segundo ele) empática e teoricamente neutra. Finalmente, P4 refere-se
a um sistema filosófico completo iniciado por Edmund Husserl e seguido
por autores do chamado ‘Movimento Fenomenológico’.”
(p. 304)

Dentre estes significados, este capítulo, e, na verdade, todo este livro, estará
voltado inteiramente para o significado Jaspersiano de fenomenologia, o P3 de
Berrios. Em seus escritos, Jaspers define a fenomenologia cerca de 30 a 40
vezes, de maneiras sutilmente distintas, mas sempre a relacionando com o estudo
da experiência subjetiva. Walker (1988, 1993a, b, 1994) demonstrou, de um
modo muito elegante, que, apesar de Jaspers considerar que foi influenciado por
Husserl e seu sistema de fenomenologia, isto não ocorreu efetivamente, pois sua
psicopatologia se baseia mais em conceitos kantianos, como forma e conteúdo.
Walker (1995a considera que Jaspers interpretou a fenomenologia de Husserl de
modo radicalmente equivocado. Esta visão tem sido refutada por outros
(Wiggins et al., 1992). A implicação para o que segue neste capítulo, e no resto
do livro, é que o conceito de fenomenologia usado aqui vem diretamente de
Jaspers e foi provavelmente influenciado por Kant e Husserl.
A fenomenologia, o método empático de apreensão de fenômenos, não pode
ser apreendida totalmente em um livro. Os pacientes são os melhores
professores, mas é preciso saber o que se está procurando - os aspectos práticos e
clínicos pelos quais o paciente descreve a si mesmo, seus sentimentos e seu
mundo. O psiquiatra busca desvendar a natureza da experiência do paciente,
entendê-la suficientemente bem e senti-la tão intensamente a ponto de o relato de
seus achados ser reconhecido pelo paciente. O método da fenomenologia em
psiquiatria é inteiramente voltado para seu objeto único de tornar a experiência
do paciente compreensível (esta é uma palavra técnica em fenomenologia e será
descrita mais detalhadamente; no entanto, aqui queremos dizer “a capacidade de
compreender o que se passa com o paciente”), de modo a permitir sua
classificação e tratamento.
A maior dificuldade da fenomenologia não está na assimilação de fatos
obscuros ou acúmulo de epônimos de fora, embora tais aspectos sejam difíceis.
A maior dificuldade está na compreensão de um método de investigação e na
capacidade de empregar conceitos novos. Na tentativa de evitar o obscuro e o
óbvio, no restante deste capítulo alguns desses conceitos são discutidos.

Conceitos
Doença e enfermidade
A psicopatologia se ocupa da doença da mente. Mas o que é doença? E qual é a
diferença entre doença e enfermidade? Trata-se de um tema vasto, que tem sido
discutido por filósofos, teólogos, administradores e advogados, além dos
médicos. Os profissionais que passam a maior parte do tempo de seu trabalho em
meio à saúde e à doença raramente fazem esta pergunta, e com menor frequência
ainda tentam respondê-la. Falar de doença, por definição, levanta questões sobre
a natureza da saúde. Uma questão ainda mais urgente é a possibilidade da mente
estar doente da mesma maneira que o fígado ou os rins adoecem. Estas questões
estão fora do escopo deste livro, mas é importante estar atento à variedade de
abordagens com que diferentes autoridades tratam o assunto. Colocarei alguns
argumentos básicos a seguir.
O modelo mais convincente de doença é aquele que baseia a condição médica,
como a tuberculose pulmonar, na anatomia mórbida demonstrada no exame dos
pulmões e que independe de um observador em particular, que é supostamente
sem valor. Melhor ainda se houver compreensão da fisiopatologia detalhada:
como o agente causador da tuberculose, por exemplo, resulta na anatomia
mórbida típica e reconhecida dos pulmões. Obviamente, na maioria das doenças
psiquiátricas, não há descrição de anatomia mórbida típica ou fisiopatologia.
Com base na ausência de lesões físicas demonstráveis, Szasz (1960) propôs
que não existem doenças psiquiátricas e mentais e que somente o desvio
comportamental e julgamentos morais ou sociais seriam objeto da psiquiatria.
Ele também argumentou que “mental” é um conceito abstrato e não objetivo ou
físico e, portanto, não poderia ser uma doença. De acordo com ele, doenças do
cérebro são reais, mas doenças mentais são uma impossibilidade lógica e,
portanto, Szasz usa o termo “mito” para caracterizar as doenças mentais.
Outros escritores, entre os quais Scadding (1967), Kendell (1975), Boorse
(1976) e Sedgwick (1973) apresentaram argumentos que se opõem a Szasz.
Scadding e Kendell utilizam a combinação de desvios estatísticos e desvantagem
biológica, como fertilidade reduzida, para o que é doença. Boorse acrescenta que
uma doença é qualquer condição que interfere em determinada função do
organismo (e sob este ponto de vista o funcionamento mental conta) que é
necessária para sua sobrevivência e reprodução. Além disso, uma doença se
torna enfermidade quando considerada indesejável, um motivo para tratamento
especial e uma desculpa válida para determinados comportamentos. Por fim,
Sedgwick afirma que todas as doenças começam como enfermidades porque os
sintomas são negativamente avaliados e, consequentemente, se tornam foco de
interesse social e moral fazendo com que, mais tarde, tais sintomas adquiram
status de doença. Nesse sentido, tanto as chamadas enfermidades físicas e
enfermidades mentais começam como estados negativamente avaliados que
afligem seres humanos, não havendo uma clara distinção entre eles. Veja Fulford
e outros (2006) para elaboração adicional sobre estes assuntos.
Fica claro que não há uma visão amplamente aceita sobre o status das
condições que se enquadram no interesse de psiquiatras. Uma máxima simples é
considerar doença o que os médicos tratam e enfermidade o que as pessoas
sofrem.* Não obstante, esta distinção entre normalidade e doença, saúde e
enfermidade, nada tem de trivial:

“Grande parte da ética médica e boa parte da base da política médica


atual, tanto privada quanto pública, se baseia precisamente na noção de
doença e normalidade. Por si, o médico (conscientemente ou não) pode
desempenhar seu papel sem uma definição formal de doença...
Infelizmente, o médico não pode trabalhar apenas com base no bom-
senso. Ele é atingido por duas frentes: por consumidores predatórios e
por conselheiros pretensiosos.”
(Murphy, 1979)

Normas, normal e anormal


O assunto da psiquiatria é a pessoa e não um órgão como o fígado, os rins ou até
mesmo o cérebro. As doenças psiquiátricas são diferentes das doenças
meramente neurológicas porque na neurologia o processo de doença preserva o
self, a pessoalidade de um indivíduo. Isto significa que podemos falar de uma
pessoa que sofre de esclerose múltipla ou de doença do neurônio motor. Na
psiquiatria, as doenças atingem o self, afetam a pessoa de forma profunda e não
superficial. Transtornos de humor e esquizofrenia têm influência difusa em
aspectos do self, atacando o que significa ser humano.
A capacidade de vivenciar e representar o mundo; a capacidade de habitar um
mundo social que inclui reconhecer suas regras e convenções básicas; a
capacidade de estabelecer relacionamentos e de imaginar o mundo do Outro; de
se comunicar, de usar a linguagem e entender símbolos, ou seja, de habitar um
mundo de significados; a capacidade de operar em um mundo de valores morais
e estéticos; e a possibilidade de atitude frente ao tempo, uma orientação para o
futuro; tudo que é necessário para ser um agente, autor de seus próprios projetos
e a motivação e vontade de agir; estes aspectos diversos da pessoa, assim como
tantos outros que ainda serão descritos, são influenciados, para não dizer
prejudicados, pelas doenças psiquiátricas. Nosso entendimento sobre estas
funções humanas mais elevadas é deficiente. Nestas áreas, anormalidade e
patologia se manifestam em comportamento social e sem marcos independentes
ou objetivos. Assim, falar de normas, normalidade e anormalidade faz parte da
discussão de qualquer fenômeno psiquiátrico, já que, para reconhecer
deficiências nessas áreas de função, nós precisamos compreender o que significa
o funcionamento normal, e, acima de tudo, o que significa falar de normas,
normalidade e anormalidade.
A palavra normal é empregada com pelo menos quatro sentidos na língua
inglesa, de acordo com Mowbray e outros (1979): a norma de valor, a norma
estatística, a norma individual e a norma tipológica. A norma de valor tem o
ideal como conceito de normalidade. Assim, a afirmação “é normal ter dentes
perfeitos” emprega a palavra normal com sentido de valor; na prática, a maioria
das pessoas tem algum problema com seus dentes. A norma estatística é,
naturalmente, o uso preferencial, sendo anormal o que sai da média. Se um
inglês normal mede 1,80 m, ter 1,90 m ou 1,60 m, é estatisticamente anormal.
A norma individual é o nível consistente de funcionamento que um indivíduo
mantém ao longo do tempo. Após uma lesão cerebral, uma pessoa pode
experimentar um declínio de inteligência em relação ao seu nível anterior, mas
pode não representar qualquer anormalidade estatística em relação à população
em geral (por exemplo, uma diminuição no QI de 125 para 105).
A anormalidade tipológica é o termo que descreve a situação em que uma
condição é considerada normal segundo os três significados anteriormente
citados, e, contudo, representa anormalidade, talvez até mesmo doença. O
exemplo citado por Mowbray e colaboradores é a doença infecciosa da pinta. As
manchas cutâneas causadas por esta doença são altamente valorizadas pelos
índios sul-americanos que dela padecem, a ponto de os que não têm esta doença
serem excluídos da tribo. Assim, possuir a condição é considerado normal no
sentido de valor, estatístico e individual, e ainda assim é patológico por resultar
de uma infecção por spirochaetales na pele. A busca pela magreza de modelos e
dançarinas em nossa sociedade é um exemplo típico.
Além disso, podemos falar de normas sociais para nos referir a regras,
convenções e práticas que determinam, em determinadas culturas, quais
comportamentos são aceitáveis e aprovados. Estes incluem etiqueta, moral e
ética subjacentes ao comportamento. Na verdade, para algumas pessoas, as
doenças psiquiátricas são vistas como meros comportamentos classificados
como desviantes das regras sociais, onde os psiquiatras não passariam de polícia
social.
Existem outros conceitos implícitos na discussão de normas, normalidade e
anormalidade. Trata-se de determinar se os diferentes fenômenos que interessam
a psicopatologistas são verdadeiramente diferentes da experiência normal, ou se
a distinção entre fenômenos normais e anormais tem natureza dimensional. A
diferenciação que se traça aqui vai muito além de determinar se os fenômenos
psicopatológicos são estatisticamente desviantes. A questão que se coloca é se a
ansiedade vivida por um paciente psiquiátrico, por exemplo, é apenas uma
exacerbação do que é vivenciado por uma pessoa “normal” ou se existe alguma
coisa taxativamente/qualitativamente diferente.

Compreensão e incompreensibilidade
Parece óbvio que compreender a história do paciente, captar a lógica interior da
narrativa e representar para si mesmo as experiências subjetivas do paciente é
fundamental para a prática clínica. Compreender, tanto no sentido cotidiano
quanto no fenomenológico, não se concretiza até que o médico tenha
conhecimento detalhado do histórico cultural do paciente e informações
específicas sobre sua família e ambiente imediato. A fenomenologia também não
pode se concentrar apenas no indivíduo isolado em determinado tempo e sim na
pessoa em um contexto social; afinal, a experiência de uma pessoa é fortemente
determinada por suas interações com os outros. Ela também deve levar em conta
o estado mental e o ambiente do indivíduo antes do evento de interesse imediato
e o que ocorre posteriormente.
Além disso, o método fenomenológico facilita a comunicação: seu uso facilita
a compreensão do paciente pelo médico, o que fomenta a confiança daquele ao
perceber que seus sintomas são entendidos e, portanto, aceitos como “reais”. A
exata descrição e avaliação de sintomas também ajuda na comunicação entre
médicos.
Wilhelm Dilthey (1833–1911) argumentou que as ciências naturais tratam a
natureza como objetos e forças que podem ser explicados através de leis causais.
Em outras palavras, o objetivo das ciências naturais é a formulação de leis gerais
e universais, ao passo que áreas das ciências humanas, como história e
psicologia, têm o homem como objeto de estudo, sem a aplicação de leis causais.
Para Dilthey, a ciência exata “explica” fenômenos naturais através da explicação
causal. Já as ciências humanas “compreendem” o fenômeno psíquico humano
através da interpretação das estruturas de significado reveladas em textos ou
diálogos com outra pessoa. Esta diferença entre explicação e compreensão
continua a influenciar nosso pensamento até hoje (Phillips, 2004). Nas ciências
exatas, nós conhecemos o objeto pelo lado de fora, mas nas ciências humanas
nós só podemos conhecer o objeto pelo lado de dentro. Somos capazes de
representar para nós mesmos, para não dizer “conhecer”, a vida interior de outra
pessoa porque nós também temos uma. Somos capazes de compreender o
pensamento do outro através de uma rede de significados associados a seus
comportamentos. Partimos da premissa de que o comportamento tem
significado; ou seja, decorre de eventos psicológicos com consistência interna.
Wittgenstein (1953) afirmou que “explicamos o comportamento humano
apresentando razões e não causas”.
Jaspers se baseou na formulação de Dilthey ao contrastar compreensão
(verstehen) e explicação (erklären) e mostrou que os termos podem ser usados
tanto no sentido “estático” quanto no sentido “genético”. Estático significa
compreender ou explicar a situação atual a partir das informações disponíveis no
momento; ao passo que genético [um termo infeliz dado seu uso contemporâneo]
leva em conta como a situação chegou a seu estado atual pelo exame dos
antecedentes, do processo de desenvolvimento e da situação resultante. Isto é
mostrado na Tabela 1.2.
Tabela 1.2
Diagrama de compreensão e explicação

Compreensão Explicação
Estático Descrição Fenomenológica Observação através do sentido externo de percepção
Genético Empatia estabelecida a partir do que resulta Causa e efeito do método científico

Explicação e compreensão são partes essenciais da investigação psiquiátrica.


Explicação trata do registro de eventos partindo de um ponto de observação fora
deles, e compreender a partir de dentro deles. Compreende-se a raiva de uma
pessoa e suas consequências; explica-se a ocorrência de neve no inverno.
Explicações também podem ser descritas como estáticas ou genéticas. (Ver
Quadros 1.1 e 1.2.)

Quadr o 1.1 Compreensão estática e genética


Compreensão é a percepção do significado pessoal da experiência subjetiva
do paciente.
▪ O método fenomenológico é o adequado se quisermos encontrar significado
em determinado momento no tempo. A experiência subjetiva do paciente é
dissecada formando-se um quadro estático do que tal pensamento ou tal
evento significaram para ele naquele determinado momento. Não se faz
qualquer comentário sobre como o evento surgiu e nem qualquer previsão
sobre o que acontecerá depois. O significado é simplesmente extraído como
uma descrição do que o paciente está vivenciando e o que isto significa para
ele agora. Um homem se sente zangado: a compreensão estática usa a
empatia para descrever em detalhes exatamente como é sentir-se zangado
para ele. Eu, o examinador, já vivenciei fenômenos parecidos? Eu os
conheço a partir de experiências que tive em minha vida?
▪ A compreensão genética, ao contrário da compreensão estática, se preocupa
com o processo. Entende-se que, quando insultado, este homem reage com
violência; quando esta mulher ouve vozes comentando seus atos, ela fecha
as cortinas de sua casa. Para compreender a maneira como os
acontecimentos psíquicos se originam uns dos outros na experiência do
paciente, o terapeuta usa a empatia como um método ou ferramenta. Ele se
coloca na situação do paciente. Se este primeiro acontecimento tivesse
ocorrido com ele, nas circunstâncias em que o paciente se encontra, o
segundo evento, que foi a reação do paciente ao primeiro, ocorreu dentro do
esperado com certa margem de certeza. Ele compreende os sentimentos
atribuídos ao paciente a partir da ação que deles resulta. Então, se eu fosse o
paciente com a mesma história, será que teria as mesmas experiências e o
mesmo comportamento? Um exemplo ajuda a demonstrar a humanidade
desta abordagem e a universalidade da experiência humana: eu devo me
colocar no lugar de uma jovem de 19 anos, criada em uma comunidade
pesqueira isolada, a mais velha de oito filhos, que se torna estuporosa
durante sua segunda gravidez. Ela é casada com um alcoólatra de 35 anos, e
seu pai também é alcoólatra. Devo compreender como ela lidou com o
comportamento de seu pai quando criança; o que sua gravidez significou
para ela; como ela viu o comportamento de sua mãe durante as próprias
gestações etc.

Quadr o 1.2 Explicação estática e genética


▪ A explicação estática é o sentido de percepção externo observando um
acontecimento, por exemplo: “Fui testemunha do eclipse de 1999 em
Plymouth.”
▪ A explicação genética consiste na descoberta de conexões causais: ela
descreve uma cadeia de eventos e por que eles seguem determinada
sequência (“a percepção visual do eclipse é o resultado de mudanças
fisiológicas na minha retina, que, por sua vez, produzem mudanças no meu
córtex occipital que me possibilitam ver o eclipse”).

Jaspers faz uma distinção importante entre o que é significativo e permite


empatia e o que é, em última instância, incompreensível, sendo esta a essência da
experiência psicótica.
Portanto, há um limite para a compreensão de um fenômeno psicopatológico.
Apesar de o observador poder empatizar com o conteúdo do delírio de um
paciente e, desta forma, compreender a origem do conteúdo das crenças, a
ocorrência do delírio em si, neste modelo, é mais resistente à nossa empatia e
compreensão. Pode-se dizer que nossa compreensão atinge seu limite quando
confronta o próprio delírio. Para isso, precisamos apelar a mecanismos
cognitivos ou a outros processos das ciências naturais. Precisamos de
explicações científicas e não de compreensão psicológica.
Podemos atingir a compreensão conhecendo o passado da paciente porque,
caso seu pensamento apresente um transtorno da forma, seu conteúdo pode se
referir à perseguição pelos nazistas – talvez por seus pais terem fugido da
Alemanha em 1937. Mas não podemos compreender a razão pela qual ela
acredita em algo que é claramente falso: que os perseguidores estão colocando
uma substância sem gosto em sua bebida que a faz passar mal. O delírio, em si,
como forma psicopatológica, é incompreensível. Portanto, conexões
significativas mostram o vínculo entre diferentes eventos psicológicos, através
da compreensão de como tais eventos surgem uns dos outros, por um processo
de empatia.
Este é um conceito controverso porque implica a existência de aspectos da
vida mental de outra pessoa que estão fora do nosso alcance e entendimento
empático, que contradiz outro axioma da prática psiquiátrica, ou seja, que o
nosso objetivo é compreender outra pessoa; mas quando há falta de
compreensão, somos levados a questionar o nível de rigor e consciência do
psiquiatra na busca por compreender a vida interna do paciente.

Empatia
O método clássico para obter informações sobre o paciente ocorre com a tomada
de seu histórico e exame físico. O uso da fenomenologia em psiquiatria é uma
extensão do histórico, ampliando a descrição da queixa corrente e fornecendo
informações mais detalhadas. Não deixa de ser um exame, já que revela o estado
mental. Para o médico, não é possível observar a alucinação do paciente, nem
medi-la de forma direta. No entanto, o que eu posso fazer para compreendê-lo é
utilizar as características humanas que tenho em comum com ele: o fato de
habitarmos o mesmo mundo de significados, de nos comunicarmos por meio de
linguagem e de, como ele, possuir uma vida interior mais rica. É ainda
importante ter curiosidade intelectual e genuíno interesse na vida interior de
outra pessoa. As indagações que surgem desta postura devem buscar recriar ou
representar para si as experiências subjetivas de outra pessoa a fim de
compreendê-las e lhes dar sentido. Portanto, o objetivo é usar o diálogo para
explorar e avaliar a experiência subjetiva do paciente, buscando criar em minha
própria mente como deve ser sua experiência. A partir de então, verifico a
exatidão da reconstrução de sua experiência, pedindo que o paciente confirme ou
negue a descrição. Também é importante observar seu comportamento – a
expressão triste de seu rosto ou o ato de bater com o punho na mesa – para
reconstruir suas experiências.
Escutar e observar são essenciais para a compreensão. No entanto, todo o
cuidado deve ser tomado com as perguntas. Muitas vezes, médicos erram em seu
diagnóstico por fazerem perguntas com as quais o paciente, submetendo-se ao
status do médico e ansiedade em cooperar, está totalmente disposto a concordar.
O método de empatia significa usar a habilidade de sentir-se na situação de
outra pessoa, movendo através de séries organizadas de perguntas, reformulando
e reiterando quando necessário, até que se tenha certeza do que está sendo
descrito pelo paciente. A sequência poderia ser a seguinte:
Pergunta – “Você diz que seus pensamentos estão mudando; o que acontece
com eles?”
Resposta – O paciente descreve seus pensamentos recorrentes sobre matar
pessoas e a afirmação de que isto se origina de uma dor em seu estômago.
Pergunta – (Tentando isolar os elementos de sua experiência) “Como é este
seu pensamento de matar pessoas?” (obsessão, delírio, fantasia, chance de se
transformar em ação etc.) “Você acredita que seu estômago afeta seu
pensamento?” É diferente de uma pessoa que sabe que fica irritada quando está
com fome? De que maneira é diferente? O que causa sua dor no estômago?
Resposta – O paciente descreve os detalhes, que incluirão, entre itens
irrelevantes, o tipo de informação essencial para a determinação dos sintomas
demonstrados.
Pergunta – (O convite à empatia) “Estou certo ao pensar que você está
descrevendo uma experiência na qual raios estão causando dor em seu estômago,
e que este, de alguma maneira bastante independente de você, causa este
pensamento que o assusta, de que você deve matar alguém com uma faca?” Este
é um relato dos sintomas relevantes que ele descreveu na linguagem que pode
reconhecer como sua.
Resposta – “Sim” (alcançamos nosso objetivo); “Não” (devo tentar elicitar
novamente os sintomas, experimentá-los por mim mesmo e descrevê-los
novamente ao paciente).
Para exemplificar o que isto significa na prática: como eu, um médico, decido
se determinado paciente está deprimido ou não? Isto não se dá como se uma
máquina pudesse registrar unidades de tom de voz ou expressão facial, chegando
a um diagnóstico de depressão. Para a avaliação clínica, o seguinte processo é
adotado:
▪ Eu sou capaz de me sentir infeliz, triste, deprimido e saber como é este
sentimento dentro de mim.
▪ Se eu estivesse me sentindo como vejo o paciente se sentindo, falando, agindo
etc, também me sentiria mal, deprimido, infeliz.
▪ Portanto, eu avalio o humor do paciente como sendo de depressão. É claro
que este processo mental de diagnóstico não é geralmente verbalizado.
Em outro exemplo, um paciente diz: “Os marcianos estão me fazendo dizer
palavrões, não sou eu que estou dizendo isto.” O questionamento empático
revela a falsa crença do paciente de que quando palavrões saem de sua boca a
causa está fora de si mesmo (marcianos), ao invés de dentro de si. O
questionamento incluiria: “Você realmente ouve os marcianos? Como você sabe
que são verdadeiramente marcianos?”
Outro exemplo não psicótico seria o de uma garota de 20 anos de idade que
desmaia quando recebe críticas no trabalho. Mesmo sendo um homem de 55
anos com outro tipo de formação, o médico precisa se colocar na posição da
paciente, conhecendo não apenas sua história social, mas também a maneira
como ela, no presente, percebe a história. Somente depois disso o
desenvolvimento de seus sintomas pode se tornar compreensível. Quando
tomamos conhecimento, por exemplo, de seu pai alcoólatra, das discussões deste
com a mãe epiléptica, da experiência cultural restrita da família em uma aldeia
isolada de pescadores; quando sabemos que a mãe tinha um ataque quando as
discussões com o marido se tornavam intoleráveis, podemos começar a
compreender algo sobre o desenvolvimento do sintoma da própria paciente. Isto
não é alcançado somente por explicação, como um observador externo, mas pela
compreensão empática e pela capacidade de experiência subjetiva por parte do
médico que, subitamente, “se torna” uma garota de 20 anos de idade para
conduzir o processo de entrevista psiquiátrica.
Portanto, o objetivo do método fenomenológico é (a) descrever experiências
interiores, (b) ordená-las e classificá-las e (c) criar terminologia confiável. A
empatia também é de grande valor terapêutico no estabelecimento da relação
com o paciente, já que saber que o médico compreende e que é capaz de
compartilhar seus sentimentos dá ao paciente confiança e sensação de alívio. A
empatia também é útil como forma de compartilhar o conhecimento geral no
campo da psiquiatria, já que permite o desenvolvimento de uma terminologia
diagnóstica.

Forma e conteúdo
Forma e conteúdo são distintos na fenomenologia. Para Jaspers:
“A forma deve ser mantida separada do conteúdo, que pode mudar de
tempos em tempos; por exemplo, uma alucinação pode ter conteúdos
diferentes, pode envolver um homem, uma árvore, figuras ameaçadoras
ou paisagens tranquilas. Percepções, ideias, julgamentos, sentimentos,
motivações, autoconsciência, são formas de fenômenos psíquicos;
denotam o modo particular de existência no qual o conteúdo nos é
apresentado.”
(Jaspers, 1959)

Como o fio e a trama, forma e conteúdo são essencialmente diferentes, mas


inexoravelmente entrelaçados. Uma maneira de pensar a forma é considerá-la
uma modalidade sensorial segundo a qual a percepção nos é apresentada, ou
como o domínio cognitivo de um determinado aspecto da vida psíquica é
vivenciado ou representado. A forma de uma experiência psíquica é a descrição
de sua estrutura em termos fenomenológicos, como, por exemplo, o delírio, ou
como Berrios (1996) coloca: “Forma se refere àqueles aspectos impessoais dos
sintomas mentais que garantem sua estabilidade no tempo e espaço; ou seja, seus
elementos de ‘consistência’.” Já o conteúdo é o colorido da experiência. O
paciente está preocupado, pois acredita que estão roubando seu dinheiro. Sua
preocupação é “pessoas estão pegando meu dinheiro”, e não “eu mantenho uma
falsa crença apoiada em razões inaceitáveis de que pessoas estão pegando meu
dinheiro”. Ele está preocupado com o conteúdo. Claramente, forma e conteúdo
são importantes, mas em contextos diferentes. O paciente está somente
preocupado com o conteúdo, “estou sendo perseguido por 10.000 tacos de
hóquei”. O médico se preocupa com a forma e com o conteúdo, mas, como
fenomenologista, neste caso, somente com a forma, a falsa crença de estar sendo
perseguido. Nesse sentido, os tacos de hóquei são irrelevantes. O paciente, por
sua vez, acha o interesse do médico pela forma incompreensível e um desvio do
que ele considera importante, acabando por demonstrar irritação.
No Capítulo 7 descreve-se uma paciente que disse: “Quando giro a torneira,
ouço uma voz sussurrando no cano: ‘Ela está a caminho da Lua. Vamos torcer
para que ela faça uma aterrissagem suave’.” A forma desta experiência é o que
exige a atenção do fenomenologista e é útil em termos de diagnóstico. Ela está
descrevendo uma percepção: é uma percepção auditiva e uma percepção auditiva
falsa ou perturbada. Tem as características de uma alucinação e, especificamente,
de uma alucinação funcional. Esta é a forma. Enquanto o psiquiatra se preocupa
em esclarecer a forma, a paciente pode ficar muito irritada porque “ele não está
anotando nada do que estou dizendo”. Ela está preocupada com o fato de poder
ser enviada à Lua. O que acontecerá quando chegar lá? Como voltará? Portanto,
o conteúdo é tudo o que importa para ela e a preocupação do médico com a
forma é incompreensível e extremamente frustrante.
A forma depende do transtorno mental do paciente, constituindo, portanto,
uma chave diagnóstica. Por exemplo, percepções delirantes ocorrem na
esquizofrenia, e quando demonstradas como a forma da experiência, sinalizam
esta condição. Detectar uma alucinação visual sugere a probabilidade de uma
psicossíndrome orgânica (Capítulo 7). A natureza do conteúdo destes dois
exemplos é irrelevante para se chegar a um diagnóstico. O conteúdo pode ser
compreendido em termos da situação de vida do paciente em relação à cultura,
ao grupo de pares, ao status, à sofisticação, à idade, ao sexo, aos eventos de vida
e à localidade geográfica. Outro paciente, por exemplo, disse que havia sido
enviado à Lua e retornado durante a noite duas semanas após a primeira descida
do homem na Lua. Descrever os pensamentos de uma pessoa como controlados
pela televisão é necessariamente restrito àquelas partes do mundo onde esta
invenção é conhecida.
Já o conteúdo hipocondríaco pode ocorrer de mais de uma forma, como uma
alucinação auditiva, na qual o paciente ouve uma voz dizendo: “Você tem
câncer”, ou a forma de delírio, quando ele acredita falsamente e com evidência
delirante que tem câncer. Pode ainda tomar a forma de uma ideia
supervalorizada, quando ele passa a maior parte do dia verificando sua saúde
porque acredita estar doente. Pode ser um transtorno de afeto, que se manifesta
como extrema ansiedade hipocondríaca ou desânimo hipocondríaco de fundo
depressivo.
Devemos salientar a importância da cultura e da variação individual na
avaliação de uma queixa detalhada do paciente. Apesar de o psiquiatra achar que
a sua percepção do paciente revela a forma psicopatológica específica de delírio,
isto não diminui a necessidade concomitante de compreender suas crenças
filosóficas, religiosas, políticas e sociais, e como elas se encaixam, ou deixam de
se encaixar, nos contextos subculturais mais amplos, nacionais e mais íntimos do
paciente (Fabrega, 2000).
Juntamente com a necessidade de destreza em psicopatologia e elucidação de
sintomas mentais, o psiquiatra precisa ter educação cultural e sensibilidade. No
mínimo, a fenomenologia amplia a consciência do contexto cultural e como este
influencia a cognição e o comportamento.
Fenômeno primário e secundário
Jaspers discute os diferentes significados que podem ser atribuídos aos
vocábulos primário e secundário aplicados a sintomas. A distinção pode se
referir à compreensão: o que é primário é imediato e final e, portanto, não pode
ser reduzido adicionalmente pela compreensão, como por exemplo, as
alucinações. Secundário é o que emerge do primário de uma maneira que possa
ser compreendido; por exemplo, a elaboração delirante que surge da parte
saudável da psique em resposta a alucinações que surgem de sua parte não
saudável. Mas a distinção entre primário e secundário também pode ser feita em
termos de causalidade, no sentido de que o que é primário é a causa aproximada,
enquanto o que é secundário é o efeito distal discernível: um acidente vascular
cerebral é a causa de uma afasia sensorial e, portanto, é primário; já a
perturbação resultante das relações com outras pessoas é secundária. A afasia é o
efeito distal e, portanto, secundário ao acidente vascular cerebral.
Estes dois significados distintos do termo primário obscurecem a distinção
crucial entre conexões significativas e conexões causais. Para elucidar dúvidas
no campo da física e da química fazemos observações por meio de
experimentos, para então formular conexões e leis causais, ao passo que, em
psicopatologia, experimentamos outro tipo de conexão, na qual eventos
psíquicos emergem uns dos outros de uma maneira que pode ser compreendida –
as chamadas conexões significativas.

Subjetividade e objetividade na psicopatologia


A objetividade na ciência passou a ser reverenciada como o ideal, de modo que
somente o que é externo à mente é considerado real, mensurável e válido. Isso é
um erro, porque avaliações objetivas são necessariamente carregadas do valor
subjetivo do que o observador escolhe avaliar, e é perfeitamente possível tornar
este aspecto subjetivo mais preciso e confiável. Avaliações estão sempre
associadas a avaliações subjetivas e objetivas. O processo de avaliação científica
é composto de diversos estágios: receber um estímulo sensorial, perceber,
observar (tornar as impressões significativas), anotar, codificar e formular
hipóteses. Este é um processo progressivo de descarte de informações e é a
avaliação subjetiva do que é válido que determina o que será utilizado para a
próxima parte do processo. “Não existe observação sem ideias preconcebidas.”
(Popper, 1974)
As avaliações objetivas na psiquiatria abrangem diversos aspectos da vida.
Alguns exemplos, além das muitas medições fisiológicas, são a avaliação de
movimento corporal, a expressão facial, os escritos do paciente, a capacidade de
aprendizagem, as respostas a um programa de condicionamento operante, a
extensão da memória, a eficiência ocupacional e a avaliação do conteúdo lógico
de suas afirmações. Tudo isso pode ser quantificado e analisado objetivamente.
Mas também é possível fazer análises subjetivas, por exemplo, a partir da
expressão facial, da autodescrição do paciente, de sua escrita ou de seus eventos
internos. Quando um médico diz: “Ela parece triste”, ele não está medindo
objetivamente sua expressão facial em “unidades de tristeza” segundo um
gabarito objetivo. Ele segue estes estágios: “Eu associo sua expressão facial com
o afeto que reconheço em mim como um sentimento de tristeza: ver sua
expressão faz com que eu me sinta triste”, o que estabelece rapport – a
qualidade da relação que o paciente estabelece com o médico durante a
entrevista clínica. Para que isto aconteça, o médico precisa estar receptivo à
comunicação. Ele também deve ser capaz de estabelecer rapport, ter capacidade
para a compreensão humana. Esta é necessariamente uma experiência subjetiva
para o médico, mas não significa que não seja real ou mesmo que não possa ser
medida. O método fenomenológico busca aumentar nosso conhecimento sobre
eventos subjetivos, de modo que possam ser classificados e, finalmente,
quantificados.
Aggernaes (1972) definiu subjetividade e objetividade em termos de
experiências diárias imediatas:

Quando alguma coisa vivida tem a qualidade de “sensação”, diz-se ter


também uma qualidade de “objetividade” quando a pessoa que a
experiencia sente que, em circunstâncias favoráveis, seria capaz de
viver a mesma coisa com uma modalidade de sensação diferente da que
a provocou. Quando algo que se vivenciou tem a qualidade de “ideação”,
ou seja, não está sendo percebido diretamente no momento, também se
diz ter uma qualidade de “objetividade” se o experimentador sente que,
em circunstâncias favoráveis, seria capaz, ainda assim, de experimentar
a mesma coisa com, no mínimo, duas ou mais modalidades de
sensação.

A experiência tem a qualidade de “subjetividade” se quem a vive sente


que, em circunstâncias favoráveis, seria capaz de experimentá-la com
duas ou mais modalidades de sensação.

Assim, olho para a mesa à minha frente como uma percepção visual ou posso
virar minha cabeça e ainda vivenciá-la como uma imagem visual. Enquanto
“vejo a mesa”, em qualquer destas formas, o fato de eu poder imaginar ouvir um
som se eu batesse na mesa com uma colher e machucar meus dedos se desse um
soco nela, confirma sua qualidade de objetividade. Se eu usar minha imaginação
para criar em minha mente uma imagem visual de uma cadeira que nunca
realmente vi, mas que é um composto de objetos e quadros que vi, sei que nunca
serei capaz de sentir ou ouvir esta cadeira de fato, esta é uma imagem subjetiva
sem realidade externa objetiva.

Experiência inconsciente e fenomenologia


A fenomenologia não pode se ocupar do inconsciente, já que o paciente não pode
descrevê-lo, e, portanto, é incapaz de gerar empatia. A psicopatologia descritiva
não possui uma teoria do inconsciente, nem nega sua existência. A mente
inconsciente está simplesmente fora de seus termos de referência, e eventos
psíquicos são descritos sem se recorrer a explicações que envolvam o
inconsciente. Os sonhos, os conteúdos do transe hipnótico e os deslizes da língua
(atos falhos) são descritos de acordo com o modo como o paciente os vivenciou,
ou seja, de acordo com a forma como se manifestam na consciência.

Substratos neurais e orgânicos e a


psicopatologia
A psicopatologia é o estudo de processos mentais anormais e, portanto, mesmo
quando as causas orgânicas de uma condição são conhecidas, a psicopatologia
continua envolvida na ordenação dos fenômenos sintomáticos e na experiência
do paciente, em vez de se preocupar com sua origem neural ou patologia
orgânica. Isto não significa que mecanismos neurais subjacentes não sejam
importantes. Ao contrário, eles são inegavelmente importantes. Entretanto, a
experiência subjetiva real do paciente também é importante e é o foco de atenção
da psicopatologia.
Existem muitas relações descritas entre doenças psiquiátricas e patologias
orgânicas identificáveis. No entanto, não é com estas relações que a
psicopatologia se preocupa, e sua utilidade não depende da localização de um
delírio ou de qualquer outro evento psíquico no cérebro. No início, psiquiatras de
orientação organicista, como Griesinger e Wernicke, não se preocupavam com o
psicopatológico na psiquiatria, e sim em mapear o cérebro do doente. Isto trouxe
excelentes contribuições, como por exemplo, a elucidação da natureza e
tratamento da sífilis cerebral. Da mesma forma, os behavioristas modernos
geralmente não se interessam pela fenomenologia. A fenomenologia não trata da
patologia orgânica ou do comportamento em si, mas da experiência subjetiva do
paciente em relação ao seu mundo.
Há tempos a psiquiatria sintomatológica e a psicopatologia descritiva parecem
ter perdido contato com a psiquiatria orgânica, na qual a prova de doença mental
é buscada na doença do cérebro. Temos hoje o que Mundt (2000) descreve como
uma “brisa fresca vinda do campo experimental da psicopatologia,
neuropsicologia e neurociências biológicas”. Esta relação ainda está nos estágios
iniciais, mas tem potencial para futuros estudos de sintomas e patologia cerebral.
Mas, para que essas investigações tenham sucesso e venham a se concretizar, é
essencial haver uma análise minuciosa da psicopatologia.

A dualidade mente-cérebro e a psicopatologia


O dualismo cartesiano representa a visão de que mente e corpo são instâncias
separadas; a mente acaba se associando a um determinado corpo, mas, em ultima
análise, é autossuficiente e capaz de existência independente. Esta visão, exposta
por René Descartes (1596–1650), distingue o mundo físico e material da mente
humana pensante, e continua exercendo influência extraordinária. A filosofia de
Husserl, a fenomenologia, surgiu como forma de rejeição das muitas conclusões
de Descartes. O dualismo cartesiano apresenta uma série de problemas
significativos, como, por exemplo, a substância imaterial (mente) influenciando
uma substância material (corpo).
Existem diversas outras tentativas filosóficas de lidar com a questão do
dualismo e sua discussão foge do escopo deste livro. O que é importante
ressaltar é que a psiquiatria é atormentada por este problema: como conciliar os
fenômenos relatados pelos pacientes com a materialidade do cérebro. É possível
ou plausível reduzir eventos mentais a eventos físicos do cérebro? E, até que
ponto essas mudanças podem ser observadas em um exame de ressonância
magnética funcional e interpretadas como produto de determinados fenômenos
mentais? Fenomenologia, como enfoque, evita este debate deixando-o de lado
(colocando-o entre parênteses, como diria Husserl), enquanto continua a
explorar, investigar, descrever, definir e catalogar eventos mentais, o fenômeno,
relatado por pacientes. A psicopatologia descritiva não se ocupa das causas, mas
da descrição da experiência.
A filosofia da mente é uma área de crescente pesquisa, que busca elucidar a
natureza da mente de forma mais específica. Entretanto, as teorias sobre o
assunto fogem do escopo deste livro (veja C. McGinn, The Character of Mind:
an Introduction to the Philosophy of Mind). Isto não significa que teorias como a
celebrada teoria de identidade de Spinoza, ou a teoria de identidade tipo
(também conhecida como materialismo redutivo) ou materialismo ou
funcionalismo eliminativo não sejam relevantes para a psiquiatria ou para a
psicopatologia experimental, mas meramente enfatiza o fato de que a
psicopatologia pode se desenvolver mesmo não havendo uma teoria completa e
final sobre a natureza da mente.

Referências
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Wittgenstein L. Philosophical Investigation (tradução Anscombe GEM). Oxford: Blackwell; 1953.

*
Nota da Revisão Técnica: Esta distinção não é tão clara na língua portuguesa, e mesmo em inglês os
termos disease (doença) e illness (enfermidade) são utilizados muitas vezes sem o rigor semântico sugerido
aqui pelo autor. De qualquer forma, tentamos aqui ser fiéis à melhor tradução dos termos em cada contexto
utilizado.
CAPÍTULO 2

Elicitando os Sintomas da Doença


Mental

Os seres humanos são como partes de um corpo, criados da mesma


essência. Quando uma parte está ferida e sofre, as outras não podem
permanecer em paz e em silêncio. Se o sofrimento dos outros o deixa
indiferente e sem sentimentos de pesar, você não pode ser chamado de
humano.
Sa’adi (século XIII), Pérsia

Resumo
A avaliação clínica de pacientes, que abrange o histórico médico, exame do
estado mental, exame físico e a síntese dos achados em um diagnóstico que leva
em conta o ambiente biológico, psicológico e social do paciente, é a base da
prática psiquiátrica. Sem ela, nenhuma orientação clínica ou tratamento
adequado seria possível. No cerne desta questão está a importância de colocar o
paciente no centro da atenção clínica, reconhecendo o valor do respeito à sua
dignidade, sua narrativa valiosa, rica e privilegiada. É criticável o predomínio da
abordagem clínica de avaliação na qual se preenche campos com um “X”. Esse
tipo de abordagem ignora o fato de que, embora as avaliações tenham uma
estrutura e incluam indagações sistemáticas, deveriam ser conduzidas no modo
de uma conversa e de maneira mais humana.
Elicitar os sintomas e sinais de transtornos emocionais significa escutar
ativamente a narrativa das queixas de uma pessoa e seu estado interno, e
observar todo o repertório de seu comportamento para então reduzi-los a
algumas afirmações. Esta é uma tarefa difícil e exige capacidade de escutar e se
comunicar, sensibilidade para perceber as necessidades e sentimentos da pessoa
que está aflita, bem como conhecimento das possíveis condições que dão origem
a tais queixas. É fundamental que haja verdadeiro interesse na condição humana
e suas múltiplas expressões, assim como curiosidade sobre experiências
intrapsíquicas. Isto não pode ser aprendido apenas em livros, e é de inestimável
valor adotar uma estrutura de anamnese que sugira áreas prováveis de
exploração. Existem muitos esquemas que datam de textos mais antigos com
apenas algumas modificações. Um resumo do esquema no qual este capítulo se
baseia pode ser visto no Quadro 2.1. Um guia prático para obter o histórico e
avaliação do estado mental, diagnóstico, formulação e administração pode ser
encontrado nos livros Handbook for Trainee Psychiatrists (Rix, 1987) e The
Psychiatric Interview (Carlat, 2005). Uma abordagem útil para obter
informações disponíveis do paciente para fins de diagnóstico e plano de
tratamento está em Making Sense of Psychiatric Cases (Greenberg et al., 1986),
e existem textos mais aprofundados sobre entrevistas psiquiátricas como The
Psychiatric Interview in Clinical Practice (MacKinnon et al., 2006) e The First
Interview (Morrison, 2008). Outras áreas a serem consideradas e a modificação
do histórico e avaliação em situações particulares podem ser encontradas em
Sims e Curran (2001).

Quadr o 2.1 Esquema para o exame psiquiátrico


Nome do paciente:________ Idade:_________ Profissão: ___________
Estado Civil: ______
Endereço:________________ Encaminhamento: _______________
▪ Motivos para encaminhamento
▪ Doença presente: sintomas e sua cronologia
▪ Histórico médico anterior
i Físico
ii Psiquiátrico
▪ Histórico familiar: pai, mãe, irmãos, outros parentes, ambiente em casa
▪ Histórico pessoal
i Gravidez
ii Primeira infância
iii Infância e adolescência
iv Educação escolar
v Educação complementar
vi Profissão (e serviço militar)
vii Histórico sexual: puberdade, menstruação
viii Histórico matrimonial
ix Filhos
▪ Dados sociais
i Situação de vida: empregado, situação de moradia, problemas financeiros,
relacionamentos
ii Crime, delinquência
iii Álcool, drogas, tabaco
iv Filiações e crenças sociais e religiosas
▪ Personalidade pré-mórbida
▪ Estado mental
i Aparência e comportamento
ii Fala e pensamento
iii Humor
iv Pensamentos e crenças
v Experiência e percepção:
a do ambiente (alucinações, ilusões, desrealização)
b do corpo (hipocondria, alucinações somáticas)
c do eu (despersonalização, passividade do pensamento)
vi Estado cognitivo: orientação, atenção, concentração e memória
vii Insight
▪ Diagnóstico e avaliação
i Diagnóstico e diagnóstico diferencial
ii Evidências para diagnóstico
iii Fatores etiológicos
iv Orientação
v Prognóstico

Há um verdadeiro conflito de interesses entre o paciente e o entrevistador. O


paciente descreve vivências penosas das quais quer ser livrar. Por exemplo, um
paciente pode dizer que está deprimido e triste, outro pode reclamar que seus
pensamentos estão sendo extraídos de sua cabeça por marcianos. Em ambos os
casos, o paciente quer que o sintoma seja aliviado e sente que, descrevendo-o ao
médico, dá o primeiro passo na direção do alívio. O médico precisa descobrir
uma série de coisas que o paciente pode considerar irrelevantes, como a
descrição detalhada dos sintomas e de seu estado mental. É preciso descobrir o
contexto do histórico de sintomas do paciente, o que inclui seu histórico de
desenvolvimento e sua adaptação ao ambiente social em geral e a seus sintomas
em particular. Para retomar nossos exemplos, não basta ao médico saber que o
paciente se sente deprimido, é preciso averiguar a verdadeira natureza da
“depressão”, o que a palavra significa para o paciente, como a condição afeta sua
rotina de vida e a existência ou não de outros sintomas associados.
A pessoa que sofre nas mãos dos marcianos somente estará disposta a falar
sobre marcianos. Entretanto, eles são em grande parte irrelevantes para o
entrevistador, que está interessado em saber detalhes do que os “pensamentos
extraídos” significam. Que evidência o paciente tem de que isto está
acontecendo? Que outros fenômenos mentais anormais estão sendo vivenciados?
Talvez o leitor possa entender a irritação do paciente se imaginar que, após ter
pago sua conta de gás, recebe uma notificação judicial informando que seu
fornecimento de gás será interrompido. Ao explicar às autoridades que a conta já
foi paga, estas não reconhecem seu erro, não se desculpam e não afirmam que
vão atualizar o cadastro no sistema; em vez disso, começam a perguntar ao
cliente lesado os motivos que o levaram a ficar tão aborrecido e que evidência
ele tem de estar sendo particularmente perseguido pelas autoridades. É de se
compreender que existe um potencial conflito de interesses entre o desejo de
alívio dos sintomas do paciente e a necessidade do médico de começar com um
diagnóstico. É preciso chegar a um acordo.
O paciente rapidamente irá se cansar do esforço exigido para responder a
perguntas que são direcionadas a estabelecer o estado de suas experiências
subjetivas. Diversas entrevistas curtas são preferíveis a uma sessão maratona:
“nunca pergunte hoje o que você pode perguntar amanhã”. Este método deve
encorajar, de um lado, o examinador a “colocar entre parênteses” todas as ideias
pré-concebidas e, de outro, o paciente a refletir sobre suas experiências sob a
orientação do examinador. É importante que o examinador faça uma distinção
clara entre observação e inferência, e não deve “cavar como um cão em uma
toca de coelho” ao procurar pelos fenômenos significativos.

Diagnóstico e Rótulos
Por que fazer um diagnóstico? A classificação médica de doenças permite que
um grupo de sintomas seja colocado sob um único termo que engloba a essência
de determinada condição. O termo diagnóstico coleta informações de maneira
eficiente, mas apresenta desvantagens, como a falta de confiabilidades de termos
diagnósticos, o risco de rótulos indevidos e o estigma associado a um
diagnóstico psiquiátrico. O trabalho de um profissional deve ter presente que sua
primeira missão é coletar informações cuidadosamente para que se possa saber
exatamente se o problema se encaixa em sua competência profissional e, a partir
de então, pensar qual ação é adequada – é isto que constitui um diagnóstico. É
verdade que para muitas doenças médicas comuns como diabetes, o termo
diagnóstico se refere a uma fisiopatologia subjacente e demonstrável para a qual
existem marcadores independentes, como nível de glicemia no sangue etc. Na
psiquiatria, praticamente todos os principais transtornos ainda são vistos como
síndrome, ou seja, um grupo de sinais e sintomas reconhecidos como típicos de
determinada doença. O termo diagnóstico, até agora, não se refere a qualquer
fisiopatologia descrita, nem mesmo a qualquer marcador independente ou
confiável. Este é um problema relevante que coloca os transtornos psiquiátricos
no quadro das doenças médicas de boa fé.
Na psiquiatria, a abordagem multifatorial para o entendimento do transtorno é
regra e não exceção. Esta é a base do enfoque biopsicossocial dos transtornos
psiquiátricos, ou seja, é inadequado um diagnóstico restrito a termos puramente
orgânicos ou comportamentais. O diagnóstico precisa ser feito com base nos
antecedentes biológicos, psicológicos e sociais, que por sua vez irão determinar
o gerenciamento biológico, psicológico e social da condição.

O Histórico Psiquiátrico
O mais importante neste tema é de que forma o levantamento do histórico ajuda
a elucidar o estado mental. A natureza e tipo de encaminhamento devem ser
registrados, como por exemplo, encaminhamento por clínico geral como um
problema urgente, por advogado para relatório judicial etc. Após o registro do
motivo do encaminhamento, o histórico geralmente começa com a descrição dos
sintomas atuais do paciente, em suas próprias palavras, incluindo a duração de
cada sintoma e relato do desenvolvimento. Usar as próprias palavras do paciente
é importante para elucidar o estado de sua mente e como ele vê seus próprios
sintomas. É válido perguntar “Qual o pior de todos esses sintomas? Ou qual é a
sua maior preocupação?” após receber uma lista de queixas. Isto mostra como o
paciente conceitua o seu problema e ainda sugere um alvo preliminar de
tratamento.
Frequentemente, o histórico da queixa do paciente é literalmente a sua
história; não há mal em registrá-la em forma de narrativa, desde que seja clara. O
relato cronológico da doença revela como o paciente enxerga o desenvolvimento
de seus sintomas e também fornece informações sobre a história real. No
histórico, o que se pretende é saber a sequência e os efeitos que tais sintomas
tiveram no estilo de vida do paciente, as mudanças de comportamento e
alterações de funções físicas. A esta altura, é conveniente observar quais
sintomas psiquiátricos o paciente já conhecia, mas que não foram levados a um
médico nem tratados. Eles podem ser relevantes no quadro geral de como a
doença evoluiu, já que a maioria das pessoas com condições psiquiátricas
clinicamente graves sequer busca ajuda médica, muito menos de um psiquiatra
(Andrews et al., 2001).
O paciente geralmente sente que é razoável descrever, em ordem cronológica
e meticulosa, suas doenças anteriores, cirurgias e acidentes. Ele também dará
valor a detalhar o hospital e o tratamento clínico geral de doenças mentais,
geralmente dando informações precisas sobre datas, duração, natureza do
tratamento, onde ficou internado e onde foi paciente ambulatorial. O tratamento
recebido pelo médico da família é menos lembrado; as datas são menos
confiáveis e frequentemente o paciente não sabe qual foi a natureza do
tratamento ou para que servia.
O histórico da família se refere a características genéticas, ambientais e
patoplásticas. Histórico de doença mental, suicídio, natureza do tratamento e
outros, são itens importantes em relação a parentes de primeiro grau (aqueles
que dividem 50% do material genético com o paciente: pais, irmãos, filhos) e
parentes mais distantes. É importante saber a qualidade desses relacionamentos,
a ligação emocional e os conflitos pessoais, tanto em relação à família na qual o
paciente era filho, quanto em relação à família na qual o paciente é pai/mãe. São
descritos relacionamentos entre determinados membros da família, assim como a
atmosfera emocional geral e problemas sociais ou financeiros. A profissão de
diferentes membros da família revela o contexto social; o histórico de saúde
pode ser relevante, da mesma maneira que a descrição de suas personalidades. É
claro que a família é vista sob a ótica do paciente. Isto significa que não é
somente uma descrição factual, mas acima de tudo, um relato do impacto
emocional que sua família tem sobre ele. Se o histórico do paciente for
complementado com o relato de outro informante, o próprio viés do paciente
será revelador de informações que poderão ser úteis no tratamento.
O histórico pessoal traça os estágios de desenvolvimento, saúde e formação
de relacionamentos do paciente envolvendo sua concepção, nascimento,
infância, experiências escolares, adolescência, além de histórico profissional,
conjugal e sexual. Os detalhes factuais desses estágios devem ser registrados,
assim como a maneira como influenciaram a personalidade e atitudes do
paciente, como ele se sente em relação a isso, como ele se relacionou com outras
pessoas (por exemplo, professores e colegas de trabalho) e como todos esses
detalhes estão ligados à condição psiquiátrica. Existem pelo menos dois
processos para a tomada do histórico. O registro factual correto do histórico de
queixas de um paciente e o histórico familiar, pessoal e social. Além disso, é
preciso compreender o significado do histórico do paciente, ou seja, a sua
história, para que se possa entender como ele se vê em relação ao mundo e como
seu desenvolvimento e circunstâncias foram determinantes em provocar,
exacerbar ou amenizar sua doença atual. O histórico factual é a base do
diagnóstico clínico, mas seres humanos vivem em um mundo de significados, e
as dimensões simbólicas e sociais do histórico são a base para uma resposta
adequada e humana à doença e ao sofrimento do paciente.
Relatos que enfatizam, por exemplo, o fato de o paciente ser apenas uma
criança, uma joia, uma vítima das más intenções de outras pessoas, um lutador
que superou todos os obstáculos, ou um azarado cuja vida é marcada pelo
fracasso e pela rejeição, nos informam os temas dominantes, o prisma pelo qual
o indivíduo analisa e percebe o mundo. Desta forma, é importante registrar os
fatos, os significados e o entendimento que o paciente tem sobre a trajetória de
sua vida, pois transmitem algo que enriquece o encontro clínico, e possibilitam
uma relação entre médico e paciente mais profunda e satisfatória, tanto para o
médico quanto para o paciente.

Personalidade Pré-mórbida, Prévia ou Usual


Avaliação de personalidade é a mais complexa e problemática tarefa que um
psiquiatra precisa enfrentar. Em entrevistas clínicas, o médico avalia a
personalidade do paciente usando três áreas de informação. Na primeira, o
examinador pede que o paciente descreva em detalhes seus relacionamentos com
outras pessoas, seus interesses e atividades. Na segunda, o examinador estuda a
maneira como o paciente reage ao examinador na situação da entrevista. Na
terceira, o examinador tenta ajudar o paciente a descrever e demonstrar: como
ele, o paciente, entende que é como pessoa; como ele se sente dentro de si em
diferentes situações; seus interesses, metas e padrões.
Avaliações de personalidade não são exclusividade de psiquiatras ou
psicólogos, constituindo uma importante competência de muitos profissionais
que lidam com pessoas como, por exemplo, professores, advogados e gerentes
de empresas, embora suas terminologias sejam diferentes. Personalidade é
aquela parte da pessoa, excetuadas suas características físicas, que faz dela um
indivíduo, ou seja, diferente de outras pessoas. Ela se revela pelos
comportamentos característicos de uma pessoa; se alguém pode imaginar suas
reações, qual será seu comportamento em determinadas situações, então a base
desta dedução é a avaliação de sua personalidade. Subjetivamente, a
personalidade é demostrada na totalidade das aspirações e objetivos de uma
pessoa, composta por tudo o que ela valoriza e ambiciona. Desta forma, a
personalidade não é uma coisa e sim uma abstração; uma maneira de enxergar
seres humanos. Além disso, ela é multidimensional e melhor definida em ação, e
por isso dificilmente a descrição verbal irá exaurir a essência de qualquer
indivíduo. Seres humanos são plenos de potencial e continuam a surpreender e a
maravilhar com sua capacidade de mudança, transformação e virtudes morais,
que podem não ser identificadas em um primeiro contato.
Categorizar personalidade em normal e anormal exige um nível adicional de
abstração. Normal, palavra comum no uso cotidiano, precisa ser empregada com
maior rigor neste contexto (Ver Capítulo 1). Na medicina, o termo normal é
geralmente usado para se referir a uma norma estatística, ou seja, o que acontece
com a maioria das pessoas. Da mesma forma, o termo ainda é usado para
significar “ideal”, no sentido de uma descrição que está de acordo com um tipo
“ideal”. Em relação à personalidade, a classificação e definição de transtornos da
personalidade se baseiam no desvio da norma, mas as definições se baseiam em
descrições “ideais” de tipos de personalidade ou, melhor dizendo, em uma
tipologia. Uma personalidade normal, portanto, é a que apresenta suas
características e em que medida estas se desenvolvem em conformidade com a
maioria das pessoas. Consequentemente, personalidade anormal tem
características desenvolvidas ou subdesenvolvidas de tal maneira que são
quantitativamente diferentes da massa da população. Em outras palavras,
anormalidades de personalidade são diferenças de grau; os traços desviantes,
embora compartilhados, são exagerados em sua expressão.
Na entrevista clínica, existem diversas áreas de diálogo com o paciente que
podem levar a informações importantes para descrever os detalhes e o colorido
da personalidade – o tipo de personalidade. Pintar o quadro e definir o tipo são
exercícios clínicos necessários. Relações sociais são investigadas. Como ele se
relaciona com a família? Ele é desapegado ou excessivamente dependente? Que
tipo de amizades ele cultiva, com que tipo de pessoas, próximas ou superficiais,
com apenas alguns ou com uma multidão sem limites? Como seus interesses e
atividades de lazer o levam a interagir? Ele é sociável ou solitário, estruturado ou
informal? Como se relaciona com chefes, colegas e empregados no trabalho? Ele
é líder ou liderado, um organizador ou um solitário? Ele é flexível ou truculento,
cooperativo, solidário ou gregário? Também sua preferencia sexual e
relacionamentos devem ser anotados.
A natureza de seus interesses e atividades é reveladora. O que ele gosta de
fazer em seu tempo livre? Se tem interesse em esportes, é útil saber se ele
consegue se sentir parte do time e envolvido e se é um participante ou um
observador. Deve-se perguntar sobre suas preferências e interesses em filmes e
literatura: como ele observa, critica e aprecia o material. A quais organizações
sociais ele pertence? Religião demanda mais que uma palavra para designar
filiação religiosa nas notas do caso. O método fenomenológico é igualmente
relevante para esta área da vida. Qual é a experiência do indivíduo em suas
crenças religiosas e como elas interagem com a sintomatologia psiquiátrica?
(Sims, 1994)
É necessário também avaliar seu estado de humor predominante, e se seu
humor oscila ou é estável, reativo a precipitantes ou endógeno. Traços de caráter
demandam uma lista detalhada de adjetivos, por exemplo, irritável, reservado,
exagerado com detalhes e assim por diante. Certamente será útil corroborar sua
descrição com o relato de outra pessoa. Perguntas devem ser formuladas sobre
suas atitudes e valores; a visão que tem de si e de seu corpo; como ele vê as
pessoas próximas; seus valores sociais mais gerais sobre religião, moral, política
e economia; como ele sente que eventos ocorrem e podem ser provocados.
Motivação e energia e como estas se expressam em ambição, letargia, eficácia e
persistência são aspectos importantes da personalidade.
Deve-se estudar sua vida fantasiosa: a frequência, duração e conteúdo de seus
devaneios; se são dirigidos a um objetivo e realistas ou dissociados de qualquer
expectativa de concretização. Sonhos e outros supostos sinais de atividade
psíquica inconsciente são úteis, principalmente quando o sujeito tenta interpretá-
los. Podemos indagar sobre seus hábitos de ingestão, inalação e excreção; se são
regulares e até que ponto ele depende desta regularidade; se existe um indicativo
de que deveria haver um histórico mais detalhado e exploração de hábitos de
alimentação, fumo, bebidas alcóolicas e consumo de outras drogas. A partir do
momento em que o paciente desdobra as facetas de sua personalidade, também a
ênfase geral que ele coloca em áreas de descrição faz com que seja mais fácil
compreendê-lo em sua totalidade.

Diferenciação de Transtorno de Personalidade


Atribuir ao paciente um tipo de personalidade sem levar em conta a infinidade
de variáveis individuais é inadequado. Entretanto, certas características tendem a
aparecer em conjunto e têm importância clínica. A atribuição a uma determinada
categoria de transtorno de personalidade se baseia na predominância relativa
destes diversos traços de caráter. Após determinar que determinado traço ou
traços estão presentes neste indivíduo de forma anormal, esta anormalidade faz
com que ele ou os outros sofram? Ou seja, estamos frente a um transtorno de
personalidade?
Uma pessoa pode apresentar mais de um tipo anormal de personalidade; eles
não se excluem mutuamente. Na formulação do histórico psiquiátrico e
avaliação do estado mental, deve-se fazer uma observação sobre a personalidade
pré-mórbida, ainda que seja apenas para anotar que devido à devastação da
doença mental é impossível avaliar o estado pré-mórbido. Os traços
predominantes devem ser descritos, preferivelmente com observações textuais
do paciente para ilustrá-los. O entrevistador deve decidir se estes traços se
apresentam como anormais e, em caso afirmativo, se isto representa um
transtorno da personalidade, passando-se então a diferenciar o tipo de transtorno.

O Exame do Estado Mental


O exame do estado mental é uma área de conhecimento reservada a psiquiatras.
A avaliação do estado mental é guiada pelos mesmos princípios de capacidade
de comunicação de qualquer outra entrevista clínica (Quadro 2.2), e depende da
facilidade com a linguagem, pois ela é a ferramenta que conduz a prática
psiquiátrica como um todo. O médico utiliza perguntas “abertas” no começo da
avaliação clínica e perguntas “fechadas” para esclarecer pontos específicos. Já
com relação à escuta, existem técnicas específicas para sinalizar escuta ativa.
Estas incluem o uso de “frases resumo” para sintetizar o que o médico entendeu
do que lhe foi relatado e dar a oportunidade para que o paciente corrija qualquer
ponto que foi mal interpretado pelo médico. Além disso, “frases de
normalização” podem ser usadas para introduzir temas difíceis, por exemplo, o
clínico pode introduzir a questão de pensamentos suicidas dizendo: “É comum
que pessoas que estão deprimidas se sintam perdidas e que a vida não vale a
pena; você já sentiu isso?” Afirmações que abordam os aspectos emocionais da
comunicação ou comportamento do paciente, tais como “eu posso imaginar
como deve ser difícil para você falar sobre essas experiências”, podem ajudar a
aprofundar a relação entre o médico e o paciente. Outras informações sobre a
condução de exame psiquiátrico podem ser encontradas em Leff and Isaacs
(1990).

Quadr o 2.2 Técnicas de comunicação


▪ Frases introdutórias e que dão o contexto: “Meu nome é Dr. Smith. Eu tenho
uma carta do seu clínico geral me informando que você tem se sentindo
desanimado nas últimas seis semanas” etc.
▪ Perguntas abertas: “Posso começar perguntando como você tem se sentido
ultimamente?”
▪ Perguntas fechadas: “Eu entendo que você tem ouvido vozes há várias
semanas. Essas vozes estão presentes o tempo todo?”
▪ Frases resumo: “Pelo que você me está dizendo, eu entendo que você tem se
sentindo desanimado nas ultimas seis semanas e que isto está piorando a
ponto de você estar sempre com os olhos marejados e que sem nenhum
motivo o seu sono também está afetado.”
▪ Frases de normalização: “É comum que pessoas neste tipo de situação se
sintam tão desanimadas que parece que a vida não vale mais a pena. Você já
sentiu isso?”
▪ Frases empáticas e de reflexão: “Pelo que eu entendi, quando seu marido foi
demitido você se preocupou muito com questões financeiras. Isso deve ter
sido muito difícil para você, principalmente por causa do novo bebê.”
▪ Frases de conclusão: “Agora tenho uma boa ideia de como as coisas têm
sido para você no último ano. Tem alguma coisa que você gostaria de ter
dito e que ainda não teve a oportunidade?”

Enquanto o entrevistador faz cada pergunta, ele deve antecipar as possíveis


respostas de uma pessoa sensata dentro daquele contexto. Em conversas
cotidianas, estamos condicionados a evitar perguntas constrangedoras de
maneira que, quando alguém faz um comentário estranho, a tendência é buscar o
sentido da reação de forma a torná-la comum, sensata, e evitamos fazer outras
perguntas sobre o assunto. Este é o extremo oposto da investigação
fenomenológica, onde o entrevistador está buscando caminhos para entrar no
modo de pensar do paciente. Quando o paciente diz algo descabido, estranho ou
inesperado, o entrevistador deve mencionar e, sem constranger ou abalar a
serenidade do paciente, esclarecer a experiência interna parcialmente revelada, o
que exige o uso do método empático descrito no Capítulo 1. Uma das
dificuldades do psicopatologista aspirante é saber quando explorar o que o
paciente relata em maiores detalhes – quando fazer a incisão em uma cirurgia
psicopatológica.
Palavras limitam e ao mesmo tempo liberam. O entrevistador clínico deve ter
muito cuidado para não limitar a resposta de seus pacientes impondo as algemas
dos jargões técnicos da psiquiatria. Deve-se prestar especial atenção ao uso da
linguagem do paciente e, tanto quanto possível, o clínico deve usar uma
linguagem que a reflita. É importante que tanto o médico quanto o paciente
estejam usando as palavras com o mesmo sentido. A pergunta “você ouve
vozes?” é um bom exemplo. O paciente pode responder um sincero “não” e
ainda assim estar sofrendo de alucinações auditivas praticamente contínuas. Esta
experiência perceptiva particular é geralmente descrita por pacientes e seus
médicos como “vozes”. Entretanto, fonemas podem ser interpretados pelo
paciente em outros termos. Ele pode não fazer qualquer distinção entre estas
percepções auditivas, “vozes” que ouve e que para as quais um observador
externo percebe existir um estímulo apropriado, e alucinações auditivas. Pode,
ainda, estar completamente alheio à forma da comunicação como auditiva e
alucinatória por estar completamente absorvido com seu conteúdo. Obviamente,
outro paciente pode responder sincera e afirmativamente à pergunta “você ouve
vozes?” e ainda assim ter uma forma diferente de experiência fenomenológica da
alucinação auditiva (veja o Capítulo 7).
Quase todo termo técnico na medicina geral tem implicações diagnósticas.
Isto também é um fato na psiquiatria. Um sintoma pode não ser patognomônico
de determinada condição e, apesar disso, ser encontrado predominantemente
naquela doença. Se o médico usa o termo perseverança ao descrever o estado
mental de seu paciente a um colega, ele está, por dedução, sugerindo o
diagnóstico de um estado psiquiátrico orgânico. Se este não for o diagnóstico,
ele terá dificuldade em justificar o uso da palavra. É realmente perseverança ou
apenas o uso repetitivo de palavras e frases por uma pessoa com debilidade
intelectual e que demonstra pobreza de expressão? Para evitar erros de
interpretação, é melhor usar descrições longas até que o entrevistador tenha
certeza de que o sintoma está realmente presente.
A observação da aparência e comportamento do paciente é um complemento
valioso para sua autodescrição. A observação dos outros, além da entrevista,
precisa ser levada em conta. Com o desenrolar da entrevista, o entrevistador
busca, de forma definitiva, sua real intenção de encontrar o significado por trás
das palavras que o paciente usa. O que o paciente está sentindo e vivenciando?
Seu próprio relato pode ser uma cortina para evitar que outras pessoas, ou ele
mesmo, enxerguem quão mal ele realmente se sente. O método empático é
fundamental para desvendar o que ele está insinuando assim como a observação
aguda e treinada. A observação pode revelar linhas brancas nas articulações das
mãos de uma pessoa ansiosa falando sobre o que mais a aborrece e enraivece. A
empatia permite que o observador use sua própria capacidade de emoção como
ferramenta terapêutica e de diagnóstico. Treinamento e experiência são
essenciais para saber em qual área o aprofundamento será recompensado com
informações úteis: como fazer perguntas que sejam compreensíveis para
pacientes com diferentes habilidades verbais e contextos culturais, e quais
resultarão em respostas apropriadas; como evitar prejudicar o paciente ainda
mais com perguntas bem dirigidas, porém brutais. Observação e empatia devem
sempre ser usadas em conjunto para se abstrair o estado mental. Note também o
duplo significado da palavra observador: não apenas perceber o que está ao
redor, mas também conformando o que se observa à moral e cultura da
sociedade. Um bom psicopatologista será observador em ambos os sentidos da
palavra.

Indagação Sistemática
A aparência e o comportamento do paciente são observados com base nas
informações clínicas médicas que revelam. O paciente parece doente? Ele está
alerta, orientado, completamente consciente, oscilando em seu estado mental?
Existem anormalidades neurológicas ou comportamentais? Mas a observação
também é útil para avaliar a comunicação não verbal (Argyle, 1975). A partir de
sua postura, gestos, expressões faciais e outras, ele pode trair seu estado de
emoção, revelar informações sobre sua personalidade e atitude perante o
observador e os outros apesar de seu silêncio ou comunicação verbal
contraditória. Obviamente, a observação do comportamento também revela
sintomatologias psiquiátricas como tiques, movimentos catatônicos, possíveis
alucinações de percepção, transtornos de alimentação e de excreção. A postura
pode ser reveladora ao observador atento, como por exemplo, a postura
faraônica e o movimento deliberado e lento da cabeça e pescoço de um paciente
com esquizofrenia. Se o paciente fica mudo, o comportamento observado é a
única fonte de informação clínica, mas a importância da observação precisa ser
salientada também para os pacientes que falam. A observação pode ser valiosa
para corroborar as queixas do paciente, para ter um grau claro do envolvimento
emocional que ele tem com seus sintomas, ou por vezes para contradizer suas
afirmações, por exemplo, a pessoa que fisicamente manifesta extrema ansiedade
e ainda assim nega qualquer preocupação durante a indagação.
Fala revela pensamento. Escutar e estudar as declarações do paciente é
geralmente a maneira mais importante de avaliar seu estado mental. Transtornos
do pensamento e a interpretação de anormalidades no uso das palavras, sintaxe e
associação de ideias são discutidos em mais detalhe no Capítulo 9. Também o
fluxo da fala merece atenção. Ele fala com boa sonoridade e de forma fácil ou
em monossílabas taciturnas? Ele simplesmente responde às perguntas ou fala
espontaneamente? Sua conversa é apropriada ao contexto social, e é coerente?
Sua linha de pensamento é facilmente interrompida? Durante a entrevista, o
máximo que puder ser anotado sobre o discurso do paciente deve ser registrado
palavra por palavra. Isto proporciona uma visão mais clara do ambiente interno
do indivíduo, e os dados de experiência própria permitem que outra pessoa
avalie o diagnóstico.
Quando o entrevistador indaga e forma a sua própria avaliação do humor, há
três áreas que devem ser exploradas: descrição subjetiva e objetiva do humor e
avaliação do rapport. Humor envolve muito mais do que apenas depressão ou
euforia; as nuances mais tênues da experiência emocional subjetiva devem ser
colhidas com o maior cuidado. Uma pessoa antecipando um evento pode estar
severamente apreensiva, muito empolgada, mas bastante ansiosa,
irremediavelmente resignada e assim por diante; para isso, “com medo do
futuro” não é uma descrição adequada. O humor pode ser estudado por sua
direção (depressão ou euforia), consistência (estável ou instável), sua adequação,
amplitude e grau de discrepância entre a descrição subjetiva e a observação
objetiva.
É claro que não existe uma avaliação totalmente objetiva do humor. O médico
geralmente avalia o estado de humor do paciente através de manifestações de
conduta e do tom geral de sua fala durante a entrevista. Faz-se a seguinte
anotação: “Parece deprimido; ele está agitado e tenso.” Na verdade, esta
observação sobre a emoção do paciente abrevia o processo que terá que ser
enfrentado para fazer sua avaliação. O médico observa o paciente e capta as
pistas de humor disponíveis, relacionando-as com as suas experiências com
outros pacientes e outras pessoas de sua vida e, em última instância, com o
conhecimento de seu próprio estado afetivo. Sua observação segue: “Se eu me
sentisse como meu paciente aparenta, fala e age, eu me sentiria profundamente
agitado; ele está, com base em observação, deprimido e agitado.”
Rapport é uma medida útil da capacidade do paciente de comunicar seus
sentimentos para outra pessoa. O entrevistador deve se transformar em um
parâmetro, um constante construtor de rapport, contra o qual a capacidade de
estabelecimento de rapport do paciente é medida. Para tanto, o médico precisa
ter experiência clínica e objetividade para saber como reage e se comunica com
uma grande variedade de pessoas. O entrevistador deve se conhecer o suficiente
para excluir isso da avaliação de rapport para que, tanto quanto possível, apenas
a capacidade de comunicação emocional do paciente seja testada.
Durante a entrevista, as ideias e crenças que o paciente adota e as
anormalidades de percepção que ele vivencia são verificadas e exploradas. Em
uma conversa comum, há um alto grau de preenchimento ou edição para suprir
eventuais deficiências na comunicação. A pessoa fala e seu pensamento é
cortado no meio de uma frase por não encontrar uma palavra. A outra pessoa
fornece a palavra e assim continua a conversa para alívio de ambas as partes. Há
uma tendência para aqueles que não estão habituados a conversar com
portadores de doença mental de introduzir tais gentilezas sociais para evitar
constrangimentos. A tendência do médico é achar que sabe o que o paciente vai
dizer, como se o processo de pensamento dele fosse semelhante ao seu, em vez
de se concentrar no que ele realmente diz, o que provoca a perda de parte
significativa da psicopatologia. O paciente não lhe entregará voluntariamente
sintomas de delírios e alucinações pelo motivo óbvio de que eles não são
vivenciados de maneira diferente do pensamento ou percepção de qualquer outra
pessoa. Para o paciente, subjetivamente, o delírio é indistinguível de qualquer
outra ideia, a alucinação é indistinguível de qualquer outra percepção normal.
Assim, a habilidade na entrevista é saber quando procurar por um delírio e como
fazer uma distinção clara entre o que a pessoa descreve e o que revela
fenomenologicamente.
Passividade ou delírios de controle, obsessões, compulsões e
despersonalização podem ser óbvias ou apenas se tornarem claras com algum
esforço. É importante tentar categorizar o tipo de experiência o mais cedo
possível na exposição às perguntas profissionais, porque as explicações dos
pacientes tendem a se contaminar pelo questionamento repetido. Quando se
suspeita de passividade, por exemplo, é geralmente melhor seguir as pistas
imediatamente e decidir definitivamente se o sintoma está presente.
A avaliação do estado cognitivo inclui, ainda que superficialmente, testes de
orientação, atenção, concentração e memória. O Miniexame do Estado mental
(Folstein et al., 1975) é amplamente utilizado como o teste padrão de função
cognitiva, cuja aplicação é útil no contexto clínico.
A partir de perguntas específicas e da entrevista em geral, o médico precisa
formar uma ideia sobre a atitude, dificuldades e perspectivas do paciente frente à
sua doença. Até que ponto ele tem insight sobre sua condição? Qualquer doença
com certo grau de gravidade irá alterar o mundo do paciente e como ele o vê.
Insight avalia a consciência da mudança pelo paciente e o correto
enquadramento de tal mudança como causada por uma doença mental que
demanda tratamento. Ou seja, insight é uma função extremamente complexa. É a
capacidade do indivíduo de ser autoconsciente e sensível a mudanças subjetivas
internas. A capacidade de atribuir corretamente a mudança subjetiva psicológica
a causas patológicas é prova de autoconsciência intacta apesar da evidência de
doença mental. É potencialmente uma parte valiosa do exame do estado mental,
já que está associado à aderência ao tratamento e também à probabilidade de
tratamento forçado. Em resumo, insight tem três componentes: reconhecimento
de mudança psicológica subjetiva, enquadramento de tal mudança como
patológica e reconhecimento da necessidade de tratamento e aderência a ele
(David, 1990; veja o Capítulo 11).
Muitos livros e instituições psiquiátricas têm seus próprios padrões de
entrevistas psiquiátricas. Este relato é um comentário geral e não apenas mais
um esquema. O Quadro 2.1 contém um apanhado de áreas chaves a serem
abordadas no histórico e no exame de um paciente psiquiátrico.

Referências
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Psychiatry. 2001;179:417–425.
Argyle M. Bodily Communication. London: Methuen; 1975.
Carlat DJ. The Psychiatric Interview. 2 ed. Filadélfia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005.
David AS. Insight and psychosis. British Journal of Psychiatry. 1990;156:789–808.
Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. ‘Mini-mental state’. A practical method of grading the cognitive
state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research. 1975;12:189–198.
Greenberg M, Szmuckler G, Tantam D. Making Sense of Psychiatric Cases. Oxford: Oxford University
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Leff JP, Isaacs AD. Psychiatric Examination in Clinical Practice. 3 ed. Oxford: Blackwell Scientific; 1990.
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Morrison J. The First Interview. 3 ed. London: The Guildford Press; 2008.
Rix KJB. Handbook for Trainee Psychiatrists. London: Baillière Tindall; 1987.
Sims A. ‘Psyche’ – spirit as well as mind? British Journal of Psychiatry. 1994;165:441–446.
Sims A, Curran S. Examination of the psychiatric patient. In: Henn F, Sartorius N, Helmchen H, Lauter H,
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SEÇÃO 2
Consciência e Cognição

Capítulo 3: Consciência e Distúrbios da Consciência


Capítulo 4: Atenção, Concentração, Orientação e Sono
Capítulo 5: Distúrbios da Memória
CAPÍTULO 3

Consciência e Distúrbios da
Consciência

Psiquiatria e neuropatologia não são apenas dois campos estreitamente


relacionados, trata-se de um campo onde a mesma língua é falada e que
é regido pelas mesmas leis.
Wilhelm Griesinger (1868)

Sempre me fascina o momento exato em que, da plateia, vemos abrir-se


a porta que dá para o palco e um artista sai à luz; ou, de outra
perspectiva, o momento em que um artista que aguarda na penumbra vê
a mesma porta abrir-se, revelando as luzes, o palco e a plateia...
refletindo sobre o que escrevi, tenho a intuição de que sair à luz é
também uma eloquente metáfora para a consciência, para o nascimento
da mente conhecedora, para a simples mas decisiva chegada do sentido
do self ao mundo mental.
Antonio Damasio (1999)

Resumo
A consciência é uma característica que define os animais, embora a
autoconsciência seja particular aos seres humanos. Do ponto de vista
fenomenológico*, anormalidades da consciência são problemáticas porque, por
definição, autorrelatos de estados patológicos, diferentemente de autorrelatos de
experiências conscientes, não estão imunes a erro. O estado inconsciente não é
favorecido já que o sujeito não é capaz de relatar a natureza e a qualidade da
experiência. Mesmo em situações nas quais há apenas deficiência mínima de
consciência, autorrelatos ainda dependem de qualificação e pesquisa. Portanto, a
terminologia é determinada pela observação de um grau quantitativo da
anormalidade ou das aparentes alterações qualitativas no estado consciente. A
terminologia nesta área é imprecisa e muitas vezes termos diferentes são usados
de maneira idêntica ou em relação a estados francamente indistinguíveis. Neste
capítulo termos como vigilância, lucidez, turvação da consciência, delírio,
estupor, coma e alguns outros são introduzidos e definidos.
Para ser capaz de vivenciar o mundo, a pessoa precisa estar consciente.
Assim, o ponto de partida lógico para o estudo dos sintomas, sob uma
perspectiva subjetiva, é aquele que permite a existência da subjetividade
(consciência). Até recentemente, estudos sobre a consciência eram vistos com
suspeita por neurocientistas, deixando médicos, neurologistas e psiquiatras em
uma lacuna de conhecimento. Isto foi corrigido na década passada através da
combinação e compartilhamento das perspectivas de diferentes disciplinas:
filosofia, psicologia, medicina e neurociências (Bock e Marsh, 1993).
Embora seja fundamental para nosso trabalho clínico relativo a transtornos da
consciência empregar o princípio da psicopatologia descritiva e fenomenologia
aplicada, precisamos atentar às suas limitações (Dennett, 1991). Dennet mostrou
que desde Descartes passando por Locke, Berkeley e Hume, houve uma
tendência na fenomenologia de descrever a consciência na primeira pessoa do
plural: “de acordo com a tradição filosófica de longa data, todos concordamos
com o que encontramos quando ‘olhamos para dentro’ da nossa própria
fenomenologia”. Podemos não ser iguais por dentro, e mesmo que fossemos,
poderíamos nos equivocar ao tentar descrever nossas experiências internas. Ele
também questiona a perspectiva da terceira pessoa na psicologia comportamental
e defende o “Método da Heterofenomenologia”. Sua autenticidade depende da
precisão meticulosa das perguntas feitas, da objetividade do registro das
transcrições (três estenógrafos elaborando documentos separados a partir de uma
única gravação), da adoção de “postura intencional” (presumindo que o sujeito
pretendia fazer uma declaração sobre algo) e de espaço para elucidação. Quando
este processo é seguido, o texto “é considerado a expressão sincera e confiável e
o assunto único e unificado das crenças e opiniões daquele sujeito”. Fica claro
que esse processo é semelhante, embora mais estruturado para fins de pesquisa,
aos passos individuais do método de empatia descrito no Capítulo 1.
A terminologia nesta área é incrivelmente confusa. Este capítulo e os capítulos
subsequentes tentam esclarecer as palavras usadas, ocasionalmente sacrificando
totalmente termos com longa história, e por vezes agrupando como um único
conceito palavras que expressam diferenças apenas sutis de significado. Um
grande problema é que diferentes disciplinas usam diferentes termos com
significados que se sobrepõem parcialmente.
Experiências Conscientes e Inconscientes
Consciência
Em psiquiatria as expressões consciência, mente consciente e conscientização
são empregadas muito livremente, mas frequentemente sem um significado
preciso. Consciência “é um estado de conhecimento acerca da existência do self
e do ambiente” (Fish, 1967). A consciência diz respeito a “estar consciente,
saber sobre si mesmo e sobre o mundo” (Scharfetter, 1980); e, “por consciência,
me refiro simplesmente àqueles estados subjetivos de senciência ou consciência
que terminam quando alguém vai dormir à noite ou entra em coma, ou morre, ou
de qualquer outra maneira, se torna, por assim dizer, inconsciente”
(Searle, 1994). A consciência é caracterizada por sua natureza subjetiva e
privacidade. Além disso, a consciência parece ter uma qualidade única, chamada
de qualia, que é resistente a qualquer descrição física externa. Este é o caráter
particular de qualquer objeto de nossa experiência consciente, por exemplo, a
vermelhidão da cor vermelha como a percebemos. A consciência também é
intencional, ou seja, é dirigida a objetos; isto quer dizer que a consciência tem
conteúdo – é sempre sobre alguma coisa. Finalmente, nossa experiência
consciente é unificada dentro de um todo e não nos é dada em fragmentos ou
partes não integradas.
O termo, da forma como é empregado por médicos, refere-se primeiro ao
conhecimento interno da experiência, em oposição à categorização de eventos à
medida que ocorrem. Em segundo lugar, ele se refere ao sujeito que reage a
objetos intencionalmente. E em terceiro lugar, denota a autoconsciência do self.

Inconsciência
Inconsciência, segundo Jaspers (1959), “significa algo que não é uma existência
interior e que não ocorre como uma experiência; em segundo lugar, algo que não
é considerado um objeto e que passou despercebido; em terceiro lugar, é algo
que não chegou a qualquer conhecimento de si mesmo”.
Na prática clínica, o termo inconsciente é empregado de três formas bastante
diferentes que somente têm em comum o elemento fenomenológico, no sentido
de que não há experiência subjetiva (Figura 3.1):
▪ Uma pessoa que sofre de doença cerebral grave pode estar inconsciente; neste
caso, a consciência é medida em uma escala, com o estado normal de
consciência em um extremo e a morte no outro.
▪ A pessoa adormecida está inconsciente; aqui também há uma escala que vai
da plena vigília até o sono profundo.
▪ Uma pessoa alerta e saudável está consciente apenas de certas partes de seu
ambiente, tanto externa quanto internamente; do restante, ela está
inconsciente. Aqui também existe uma escala, que vai da plena vigilância
dirigida ao objeto imediato de consciência até a total inconsciência.

FIGURA 3.1 Três dimensões da inconsciência.

O estado orgânico do cérebro, demonstrado, por exemplo, no


eletroencefalograma, é completamente diferente nessas três situações.
Este terceiro significado de inconsciência significa que certos processos
mentais não podem ser observados apenas pela introspecção, mesmo quando o
cérebro é normal e saudável. Entre tais processos, cuja existência, frequência e
complexidade possuem boas evidências, existem alguns que foram ou podem
ainda tornar-se conscientes. Isto é o que Freud chamou de pré-consciente
(Frith, 1979). Embora exista um limite rígido no número de itens disponíveis no
estado consciente e, portanto, capazes de serem memorizados (aproximadamente
sete, por exemplo, um número com sete dígitos), há um número muito maior de
informações armazenadas no nível pré-consciente. Quando um estímulo é
ambíguo, somente é possível uma interpretação por vez na consciência;
entretanto, no estado pré-consciente significados múltiplos são disponíveis.
Conscientemente, é muito difícil realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo,
mas é comum a realização de tarefas paralelas em um nível pré-consciente. Os
processos pré-conscientes são automáticos, ao passo que os processos
conscientes são flexíveis e estratégicos. Esta função do pré-consciente já era bem
conhecida muito antes de Freud, por exemplo, por Brodie (1854):

Parece-me, contudo, que em algumas ocasiões um processo ainda mais


impressionante ocorre na mente, ainda mais independente da vontade
do que aquele do qual estamos falando; como se houvesse na mente
algum princípio de ordem que opera sem que estejamos conscientes
disto. Já me ocorreu com frequência estar ocupado com um determinado
tema de investigação, acumular uma gama de fatos associados a ele,
mas não ser capaz de avançar. Depois, após algum tempo, sem
qualquer acréscimo ao meu cabedal de conhecimentos, vejo a
obscuridade e a confusão na qual o tema estava originalmente envolvido
se dissipando; os fatos parecem ter se encaixado em seus respectivos
lugares, e suas relações mútuas parecem se tornar aparentes, embora
eu não tenha a consciência de ter feito qualquer esforço especial para
tanto.

Inconsciente, no sentido acima, é a teoria segundo a qual psiquiatras e


psicopatologistas explicam alguns aspectos do comportamento observável. Nos
outros dois sentidos do termo “inconsciente”, trata-se do fato de que o indivíduo
está inconsciente para o mundo, ou seja, ele não pode ser acordado e é incapaz
de participar do mundo sensorial com aquele nível de consciência intacto.

Dimensões da consciência
A consciência, portanto, é o conhecimento da experiência. Pode haver a
consciência de objetos ou autorreflexão. O estado de consciência acerca de
objetos inclui a capacidade de estar consciente de si mesmo como um objeto (ver
Capítulo 14); a autorreflexão se refere à experiência subjetiva de si mesmo. As
três dimensões da consciência (contrastando com inconsciência, como na
Figura 3.1) são vigilância, lucidez e autoconsciência.

Vigilância (Alerta) – Sonolência (Sono)


A vigilância é considerada como a faculdade de permanecer deliberadamente
alerta quando, de outro modo, a pessoa poderia estar sonolenta ou adormecida.
Ela não é uniforme ou invariável, mas flutuante. Fatores internos ao indivíduo
que promovem a vigilância são o interesse, a ansiedade, o medo ou prazer
extremo, enquanto o tédio encoraja a sonolência. A situação do ambiente e o
modo como o indivíduo percebe a situação também afetam o eixo vigilância-
sonolência. Alguns estados anormais de saúde aumentam a vigilância, muitos a
diminuem.
Assim como a oposição entre a vigilância e a sonolência, há diferenças
qualitativas na natureza da vigilância. O estado vigilante da mente de uma
pessoa que rastreia uma tela de radar para a possível interceptação do inimigo é
muito diferente da atenção de um amante da música escutando uma sinfonia.
Esses aspectos da atenção e suas anormalidades são discutidos no Capítulo 4.

Lucidez – Turvação
A consciência é inseparável do objeto da atenção consciente: a lucidez apenas
pode ser demonstrada pela clareza do pensamento sobre determinado tópico. O
sensório, a conscientização total de todas as sensações internas e externas que se
apresentam ao organismo em determinado momento, pode ser claro ou turvo.
Obviamente, a lucidez não está desvinculada da vigilância: se a pessoa não está
plenamente desperta, ela não pode ter uma consciência clara.
A turvação da consciência denota os estágios mais baixos de deficiência da
consciência, em uma escala que vai dos estados de alerta e consciência plenos
até o coma (Lishman, 1997). O paciente pode estar sonolento ou agitado, e é
provável que apresente distúrbios de memória e desorientação. A maioria das
funções intelectuais está prejudicada, incluindo atenção e concentração,
compreensão e reconhecimento, entendimento, formação de associações,
julgamento lógico, comunicação pela fala e ação com um objetivo.
A consciência do Self
Juntamente com a vigilância total e clareza de consciência encontramos uma
capacidade de experienciar o self e uma consciência do self que é tanto imediata
quanto complexa. São apresentados mais detalhes no Capítulo 12.

Alterações da consciência
É comprovadamente difícil descrever com exatidão o que está perturbado nos
estados patológicos da consciência; daí esta definição um pouco difícil de um
estado perturbado da consciência (EPC) por Aggernaes (1975):

Um estado no qual uma pessoa não tem nenhuma experiência, ou no


qual todas as suas experiências apresentam desvios no que tange a
outras ou a mais qualidades, além do ritmo e a coloração do humor,
daqueles que teria sob condições de estímulo semelhantes em seu
estado habitual de vigília. O estado é um EPC apenas se o indivíduo não
consegue retornar e permanecer em seu estado habitual por sua própria
vontade e se outros causam um retorno duradouro a seu estado habitual
pela aplicação de um procedimento social simples.

A maioria dos estados anormais da consciência mostra um rebaixamento ou


diminuição da consciência. Entretanto, a consciência aumentada também ocorre,
e neste estado existe uma sensação subjetiva de percepção mais rica: as cores
parecem mais brilhantes e assim por diante; existem alterações no humor,
geralmente excitação chegando por vezes ao êxtase; existe a experiência
subjetiva de maior alerta e maior capacidade para a atividade intelectual,
memória e entendimento. Também pode haver sinestesia (um estímulo sensorial
em uma modalidade resultando em experiência sensorial em outra modalidade;
por exemplo, ouvir o ruído de uma unha riscando um quadro negro e sentir um
calafrio na espinha). Esses estados, tanto de aumento da consciência quanto de
sinestesia, podem ocorrer em pessoas normais e saudáveis, especialmente na
adolescência ou em momentos de crise emocional, social ou religiosa: quando
nos apaixonamos, quando ganhamos uma grande soma de dinheiro, na conversão
religiosa súbita etc.
A consciência aumentada não é incomum na presença de determinadas drogas,
principalmente alucinógenos, como ácido lisérgico dietilamida e determinados
estimulantes do sistema nervosa central, como anfetamina. Um estado
semelhante de consciência pode ocorrer ocasionalmente no início de doença
psicótica, sobretudo na mania, ou, menos frequentemente, na esquizofrenia.
A consciência está claramente associada com o sistema de excitação do
organismo. Uma representação hipotética desta relação é mostrada na Figura 3.2

FIGURA 3.2 Sistemas de excitação da consciência.

Alterações quantitativas da consciência


Como mencionado anteriormente, a consciência pode ser considerada em termos
de uma escala que vai desde o alerta e vigília plenos até o coma. Neste sentido, a
consciência pode ser considerada quantitativa (Figura 3.3). Deficiência da
consciência é a alteração primária de reações orgânicas agudas e tem um papel
fundamentalmente importante na detecção de perturbação aguda de função
cerebral e na avaliação da gravidade (Lishman, 1997).
FIGURA 3.3 Níveis ou estágios de consciência diminuídos.

Algumas condições podem produzir um nível variável de diminuição da


consciência como, por exemplo, na enxaqueca, podendo variar de uma
consciência embotada, passando por letargia e sonolência até perda da
consciência (Lishman, 1997).

Turvação da Consciência
A turvação da consciência representa graus menores de deficiência da
consciência com deterioração no pensamento, na atenção, percepção e memória,
além de, em geral, apresentar sonolência e percepção do ambiente reduzida. Há
diferenças significativas entre a vigília reduzida antes de se adormecer e a
turvação em estado orgânico (Lipowski, 1967). Embora a consciência do
paciente esteja turva, ele pode estar agitado e excitável ao invés de sonolento. A
turvação pode ser observada em uma grande variedade de condições orgânicas
agudas, incluindo intoxicação por drogas ou álcool, lesão na cabeça, irritação das
meninges causada por infecção e assim por diante. Sonolência, como termo
descritivo, significa simplesmente um estado de alerta e atenção diminuídos e
fora do controle do paciente.
O termo turvação deve ser empregado para o estado psicopatológico: uma
deficiência da consciência, sonolência leve com ou sem agitação e dificuldade de
atenção e concentração. Isto geralmente ocorre em casos de alterações orgânicas
de função como, por exemplo, tumor cerebral, após lesão craniana ou na
presença de aumento da pressão intracraniana. Na esquizofrenia, faz parte do
déficit cognitivo que às vezes ocorre nesta condição (Frith, 1979). O que se
sugere é que, nesta condição, existe certa consciência de processos automáticos
que normalmente ocorrem abaixo do nível da consciência. Tais processos estão
envolvidos na seleção de interpretação adequada de estímulos e respostas.

Sonolência
Como um estado persistente, este é o nível seguinte de deficiência progressiva.
O paciente está “desperto”, mas cai no “sono” quando privado de estimulação
sensorial. Ele apresenta lentidão nas ações, fala arrastada, morosidade de
intenção e sonolência na descrição subjetiva. Existe uma tentativa de evitar
estímulos dolorosos. Reflexos, incluindo os de tosse e de engolir, estão
presentes, mas reduzidos; o “tônus” muscular também fica diminuído.
Na prática psiquiátrica, a sonolência é geralmente observada após
superdosagem de drogas com efeito depressor do sistema nervoso central (por
exemplo, antidepressivos tricíclicos). Do ponto de vista psiquiátrico, o que isto
significa é que a entrevista do paciente fica impossibilitada. Esses níveis de
consciência diminuída são bastante inespecíficos e ocorrem independentemente
da causa: lesão craniana, tumor, epilepsia, infecção, transtorno cerebrovascular,
distúrbio metabólico ou estado tóxico.

Coma
Enquanto o paciente sonolento está consciente, às vezes entrando em estado de
inconsciência, no coma o paciente está inconsciente. Nos estados mais leves,
quando fortemente estimulado, ele pode mostrar-se momentaneamente excitável.
Não há respostas verbais nem a estímulos dolorosos. A resposta de manter a
postura ereta foi perdida; os reflexos e o tônus muscular estão presentes, mas
imensamente reduzidos; a respiração é lenta, profunda e rítmica; o rosto e a pele
podem se apresentar ruborizados.
Nos estágios posteriores, o paciente não pode mais ser excitado; ele mostra-se
profundamente inconsciente. Estágios distintos do coma têm sinais físicos
identificáveis que culminam eventualmente em morte cerebral, mas esses não
são discutidos em detalhes neste livro – eles estão além da psiquiatria
(Conference of Medical Royal Colleges and their Faculties, 1976). A avaliação
prática da profundidade e da duração das deficiências de consciência e do coma
foram quantificadas na escala elaborada por Teasdale e Jennett (1974).
Tais estágios são todos aqueles que ocorrem progressiva e quantitativamente
com o rebaixamento da consciência. Variações qualitativas serão discutidas a
seguir com maiores detalhes.

Alterações qualitativas da consciência


Existem diversos outros distúrbios orgânicos no funcionamento cerebral, quase
sempre associados a determinado grau de deficiência quantitativa. Infelizmente,
o uso da terminologia nesta área é confuso, com o mesmo termo sendo
empregado com diferentes significados e fenômenos semelhantes sendo
descritos com o emprego de diferentes palavras.

Delirium
Lipowski (1990) define delirium como “uma síndrome mental orgânica
transitória com surgimento agudo, caracterizada por deficiência global de
funções cognitivas, nível de consciência reduzido, anormalidades na atenção,
atividade psicomotora aumentada ou diminuída e ciclo desordenado de vigília e
sono”. O reconhecimento de que o termo delirium deveria referir-se a uma
síndrome envolvendo distúrbio global foi incorporado na quarta edição do
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-IV) (American Psychiatric
Association, 1994). No DSM-IV, o termo descreve uma perturbação da
consciência acompanhada de uma mudança cognitiva que não pode ser explicada
por demência pré-existente ou progressiva. Ocorre uma redução da clareza da
consciência do ambiente.* De forma semelhante, a CID-10 Classificação de
Transtornos Mentais e do Comportamento (ICD-10 Classification of Mental and
Behavioural Disorders) (World Health Organization, 1992) emprega o termo
delirium de forma genérica e global:

Síndrome etiologicamente não específica, caracterizada por


perturbações simultâneas de consciência, atenção, percepção,
pensamento, memória, comportamento psicomotor, emoção e ciclo
sono-vigília.
(p. 57)

São raros os relatos subjetivos de delirium e as esparsas descrições publicadas


são sujeitas a críticas, já que é fato que a consciência está afetada na presença de
delirium e que as descrições tiveram que ser construídas retrospectivamente.
Ainda assim, o relato de Crammer (2002) confirmou estados parciais de
excitação durante os quais algumas funções de memória e formação de crença
podem estar presentes apesar da aparente inconsciência. Em seus comentários
sobre o relato de Crammer, Fleminger (2002) salientou que a experiência de
delirium é comparável ao sonho, mas destaca que o delirium é lembrado com
maior vivacidade do que os sonhos. Da mesma forma, embora seja tradicional
conceber o delirium como um transtorno da consciência, pode ser mais adequado
considerá-lo um transtorno do ciclo sono-vigília. É por isso que a experiência de
delirium é comparável ao sonho e é mais provável em pessoas com privação de
sono.

Flutuação da Consciência
A flutuação da consciência é observada em diversas condições. Ela ocorre em
condições fisiológicas no sono e no estado de fadiga. Em pacientes com
epilepsia, existe uma flutuação em relação às crises, que podem ocorrer antes,
durante ou após uma convulsão. Alterações do nível de consciência são descritas
em tumores do terceiro ventrículo associadas a variações da pressão
intracraniana (Sim, 1974). Nos estados delirantes pode haver uma considerável
flutuação diurna da consciência. Caracteristicamente, o paciente torna-se mais
desorientado, perturbado em seu humor e distraído perceptivamente, com ilusões
e alucinações ao entardecer, apresentando maior grau de lucidez no meio da
manhã. Esta variação do nível de consciência também é descrita e observada em
drogas, como, por exemplo, mescalina, quando também podem ocorrer
flutuações da sensação de tempo.

Confusão
O conceito de confusão foi originalmente desenvolvido na França (confusion
mentale) e mais tarde na Alemanha (Verwirrtheit) no século XIX
(Berrios, 1981). Este é um termo definido de forma imprecisa, que se refere a
sintomas subjetivos e a sinais objetivos que indicam a perda da capacidade de
pensamento claro e coerente. Trata-se de uma palavra puramente descritiva e não
se aplica à turvação da consciência. Quando médicos, psiquiatras e enfermeiros
foram indagados sobre o significado de confusão, encontrou-se uma acentuada
discordância. O termo somente deve ser usado quando claramente definido
(Simpson, 1984). Ela ocorre com o prejuízo da consciência nos estados
orgânicos agudos e com perturbação dos processos de pensamento devido a dano
cerebral em estados orgânicos crônicos, mas também é observada em
perturbações não orgânicas, como parte do quadro nas psicoses funcionais ou
associada a forte emoção nos transtornos neuróticos. Portanto, este termo deve
ser empregado simplesmente para a descrição dessas perturbações do
pensamento, e não como um termo patognomônico de síndromes orgânicas.
Desta forma, para simplificar, pode-se dizer que a confusão do pensamento
ocorre quando o indivíduo descreve seu próprio pensamento como confuso ou
quando um observador externo considera que os processos de pensamento estão
perturbados e confusos. Em termos fenomenológicos, portanto, esta é
simplesmente uma descrição da autoexperiência do paciente ou da observação
do médico.

Outros termos
Estado Crepuscular
O estado crepuscular é uma interrupção bem definida da continuidade da
consciência (Sims et al., 2000). Ele é geralmente uma condição orgânica e está
presente no contexto de epilepsia, alcoolismo (mania à potu), trauma cerebral e
encefalites, e pode também ocorrer em estados dissociativos. É caracterizado
por: (a) início e términos abruptos; (b) duração que varia de algumas horas a
várias semanas; e (c) ocorrência de atos violentos ou ataques emocionais
inesperados (Lishman, 1997). Esse termo é reservado para estas três
características em combinação, como uma entidade psicopatológica, e por isso
ele deve ser empregado sempre que ocorrerem concomitantemente, não
importando a causa.
Desta forma, as implicações forenses desta condição são importantes, e ela
tem sido usada como uma defesa legal para comportamento violento seguido de
amnésia.
A consciência pode estar acentuadamente prejudicada ou ser relativamente
normal entre os episódios. Pode estar associada a estados semelhantes ao sonho,
delírios ou alucinações. Este estado ocasionalmente é associado a convulsões
epilépticas do lobo temporal, mas pode ocorrer em outros estados orgânicos sem
epilepsia; pode haver comportamento semelhante na dissociação histérica, e é
também descrito como uma reação aguda a grandes catástrofes. No contexto
forense, é importante demonstrar (a) a ocorrência de episódios semelhantes com
comportamento inexplicável antes do acontecimento principal e (b) outras
evidências objetivas de doença física ou mental. A síndrome de Ganser (descrito
em transtornos de memória no Capítulo 5) é, na prática, uma espécie de estado
crepuscular, no qual o elemento orgânico frequentemente é dúbio.

Mania à Potu (Intoxicação Patológica)


Este é um tipo de estado crepuscular associado especificamente ao alcoolismo. É
importante distinguir esta síndrome de intoxicação alcoólica patológica aguda do
delirium tremens, que é um sintoma de abstinência. Keller (1977) definiu a
mania à potu como:

Uma resposta extraordinariamente severa ao álcool, especialmente a


pequenas quantidades, marcada por comportamento violento
aparentemente sem sentido, geralmente seguido de exaustão, sono e
amnésia quanto ao episódio. Aparentemente, a intoxicação nem sempre
está envolvida, e, por esta razão, reação patológica ao álcool é o termo
preferível. A reação supostamente está associada à exaustão, grande
tensão ou hipoglicemia e ocorre especialmente em pessoas com fracos
mecanismos de defesa para seus próprios impulsos violentos.

Coid (1979) descreve quatro componentes:


▪ A condição segue-se ao consumo de uma quantidade variável de álcool.
▪ Ocorre, então, o comportamento violento e sem sentido.
▪ Segue-se sono prolongado.
▪ Ocorre a amnésia total ou parcial do comportamento perturbado.
Uma vez que frequentemente existem dúvidas quanto à efetiva ocorrência da
intoxicação após uma quantidade inapropriadamente pequena de álcool, e porque
vários dos outros fatores causais são categorias diagnósticas em si (hipoglicemia,
epilepsia), Coid eliminaria a categoria diagnóstica de intoxicação patológica da
definição acima, deixando apenas a embriaguez aguda ou outra condição
associada ao consumo de álcool.
Automatismo
Automatismo significa a ação que ocorre na ausência da consciência. Ele foi
definido por Fenwick (1990) da seguinte maneira:

Um automatismo é um ato de comportamento involuntário sobre o qual


um indivíduo não tem controle. O próprio comportamento é geralmente
inadequado às circunstancias, podendo não condizer com o caráter do
indivíduo. Ele pode ser complexo, coordenado e aparentemente
voluntário e dirigido, embora careça de julgamento. Depois dele, o
indivíduo pode não ter memória, ou apenas memória parcial e confusa
de seus atos.

O automatismo epiléptico pode ser definido como um estado de turvação da


consciência que ocorre durante ou imediatamente após uma convulsão e durante
o qual o indivíduo mantém o controle da postura e do tônus muscular, realizando
movimentos e ações simples ou complexas sem consciência do que está
acontecendo (Fenton, 1975). Isto ocorre como parte da apresentação clínica da
epilepsia psicomotora, mais frequentemente decorrente de descarga dos lobos
temporais e era particularmente comum naqueles pacientes epilépticos crônicos
que residiam em colônias para epilépticos ou em hospitais psiquiátricos.
Uma aura pode ser o primeiro sinal do ataque com automatismo do lobo
temporal e pode manifestar-se como sensações abdominais, sensações de
confusão do pensamento, sensações em outras partes do corpo, especialmente
cabeça, alucinações ou ilusões (especialmente olfativas ou gustativas),
anormalidades motoras, tais como contrações tônicas, movimentos
mastigatórios, salivação ou deglutição.
O comportamento durante o automatismo em geral tem um propósito e é
geralmente adequado; por exemplo, continuar secando os pratos. A consciência
quanto ao ambiente apresenta-se prejudicada; o paciente parece estar apenas
parcialmente consciente de que lhe falam e não responde adequadamente.
Inicialmente, a atividade é diminuída, com olhos fixos, postura inclinada; depois,
torna-se estereotipado, com movimentos repetitivos, estalar dos lábios, remexer
do corpo e outras ações. Finalmente, ocorrem comportamentos objetivos mais
complexos, tais como perambular, dizer coisas irrelevantes, tirar a roupa e assim
por diante. Às vezes, durante o automatismo, o paciente pode continuar a fazer o
que estava fazendo antes, como por exemplo, dirigindo seu automóvel, embora
exista amnésia subsequente e o comportamento ou fala no momento jamais
pareçam completamente normais.
A violência é rara durante o automatismo e, quando ocorre, geralmente
consiste em resistência a contenção. Entretanto, em raras ocasiões o
automatismo é citado como explicação para a ação violenta e criminosa de uma
pessoa, da qual ela não tem consciência posteriormente. A definição legal então
torna-se “o estado de uma pessoa que, embora capaz para ação, não tem
consciência do que está fazendo (…) isto significa a ação inconsciente,
involuntária e é uma defesa, pois a mente não acompanha o que está sendo feito”
(Kilmuir, 1963). Claramente, quando acontece tal comportamento violento, o
automatismo preenche os critérios de definição de estado crepuscular, definido
anteriormente.
O automatismo da fala ocorre quando existe o enunciado de palavras ou
sentenças identificáveis em algum estágio durante o ataque epilético, dos quais o
paciente não se recorda posteriormente. Em termos fenomenológicos, portanto, o
automatismo é ação sem qualquer conhecimento do agir, e é esta ultima
afirmação que precisa ser cuidadosamente investigada.

Estado Oniroide
Este é um termo insatisfatório e não claramente diferenciado do estado
crepuscular e do delirium. O paciente mostra-se desorientado, confuso e vivencia
alucinações elaboradas, geralmente visuais. Existe prejuízo da consciência e
acentuada mudança emocional, que pode ser de terror ou prazer com as
experiências alucinatórias; também podem ocorrer alucinações auditivas ou
táteis. O paciente pode dar a impressão de estar vivendo em um mundo de
sonhos e, o chamado delirium ocupacional pode ser mencionado neste contexto,
por exemplo, o marujo internado após uma lesão craniana ocorrida no mar
(associada ao consumo excessivo de álcool) que continuará gritando
“Guarneçam os botes”.
É importante observar outros sintomas ou o estado orgânico para fazer a
importante distinção entre doença física e uma condição dissociativa não
orgânica.

Estupor
Estupor é o nome de um complexo sintomático, cuja característica central é uma
redução ou ausência de funções relacionais, ou seja, ação e fala (Berrios, 1996).
Difere do coma e não se encontra em uma escala indo da vigília ao coma. Este
termo deve ser reservado para a síndrome na qual ocorrem mutismo e acinesia;
isto é, uma incapacidade de iniciar a fala ou de agir em paciente que parece
desperto e até mesmo alerta. Ele geralmente ocorre com algum grau de turvação
de consciência, mas não se refere unicamente a uma diminuição de nível. O
paciente pode se manter olhando para a frente ou seus olhos podem vagar
incessantemente, mas não parece assimilar coisa alguma.
Esta síndrome é característica de lesões na área do diencéfalo e do tronco
cerebral superior, bem como do lobo frontal e dos gânglios basais, sendo o termo
mutismo acinético reservado algumas vezes por neurologistas para a descrição
de uma síndrome orgânica definida com mais foco. Uma condição rara, mas
específica, que envolve as vias motoras da ponte ventral, é chamada de síndrome
do aprisionamento, na qual ocorre tetraplegia e anartria com consciência
preservada e movimento vertical dos olhos (Plum e Posner, 1972; Smith e
Delargy, 2005). É importante perceber, contudo, que os sintomas de acinesia e
mutismo em um paciente consciente também ocorrem na esquizofrenia, nas
psicoses afetivas (tanto depressivas quanto maníacas) e em estados dissociativos.
A diferença entre as causas psicogênicas (chamadas funcionais) e
neurológicas (orgânicas) de estupor pode ser clinicamente muito confusa.
Definições psiquiátricas têm exigido que a condição seja “uma ausência
completa, com consciência clara, de quaisquer movimentos voluntários” (Wing
et al., 1974). Naturalmente, não é possível, no momento da observação, saber se
a consciência está suficientemente clara ou não; e, mesmo no caso de estupores
funcionais, é comum o seguimento de amnésia. Portanto, uma definição
fenomenológica do estupor deve excluir o estado de consciência de um paciente
mudo, enquanto o diagnóstico de estupor deve ser seguido de investigação do
diagnóstico diferencial que inclui condições orgânicas não orgânicas.

Distúrbios do Sono
Estes serão discutidos no Capítulo 4.

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World Health Organization The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Clinical
Description and Diagnostic Guidelines. Geneva: World Health Organization; 1992.

*
Nota da Revisão Técnica: A palavra fenomenologia é usada pelo autor neste capítulo numa linguagem
corrente com o sentido de “descritivo”, sem o mesmo rigor usualmente presente entre os autores da
filosofia.
*
Nota da Revisão Técnica: Não houve alterações no DSM-V.
CAPÍTULO 4

Atenção, Concentração, Orientação e


Sono

Vem sono! Oh, sono que nos traz a paz O repouso – local do
entendimento, bálsamo da aflição, A riqueza do pobre, libertação do
prisioneiro, O juiz imparcial entre o céu e a terra.
Sir Philip Sidney (1554–1586), Astrophel e Stella, soneto 39

Resumo
Consciência, atenção, concentração e sono são fenômenos interligados. No
capítulo anterior, descrevemos a consciência e suas anormalidades. A atenção é
geralmente comparada a um feixe de luz que tem uma área limitada de interesse
dentro de um campo geral, mas é mais bem entendida como um canal de
capacidade limitada que é dinâmico na seleção e inibição de informações para
posterior processamento (Broadbent, 1958; Smith e Kosslyn, 2007). Ela é
importante para a capacidade de um organismo se envolver com aspectos de seu
ambiente e necessária para sua orientação. Portanto, anormalidades por prejuízo
estão na base de fenômenos distintos como a desorientação e prejuízo de novos
aprendizados. O ciclo sono-vigília é um mecanismo fisiológico que determina a
alteração da vigília, ou seja, da consciência, para o estado especial temporário de
inconsciência, isto é, o sono. As anormalidades deste ciclo, incluindo
perturbações da quantidade e qualidade, são descritas neste capítulo.
Os termos atenção, concentração e orientação têm sido geralmente
empregados de uma forma muito vaga. Sugere-se que seu uso seja restrito ao
seguinte: atenção é a focalização passiva ou ativa da consciência sobre uma
experiência, como os estímulos sensoriais, gestos motores, memórias ou
representações internas. Ela pode ser definida como o processo que salienta
algumas informações e inibe outras, nos permitindo selecionar algumas
informações para processamento adicional (Smith e Kosslyn, 2007). O conceito
por vezes se apresenta como “alerta”, “consciência” e “responsividade”. A
atenção voluntária ocorre quando o sujeito foca sua atenção em um evento
interno ou externo; a involuntária ocorre quando o evento atrai a atenção do
sujeito sem seu esforço consciente. Concentração é apenas um aspecto da
atenção. Ela envolve atenção focada ou seletiva. Outros aspectos da atenção
incluem atenção sustentada ou vigilância, atenção compartilhada e atenção
alternante. Orientação é a consciência da localização da pessoa no tempo e no
espaço e das realidades de si mesma e de sua situação. Esta não é uma função
isolada, mas intimamente vinculada à memória e à clareza ou coerência do
pensamento.
Este capítulo aborda a função cognitiva, mas não se limita às funções que são
prejudicadas por lesões orgânicas, cobrindo um campo mais amplo do que
simplesmente a consciência e seus transtornos.

Atenção, consciência e concentração


A atenção é uma função diferente da consciência, embora dela dependa. Assim,
é possível haver diferentes graus de atenção com consciência plena, mas total
atenção e concentração são impossíveis com diminuição da consciência. Um
bom ponto de partida é a observação de William James (1842–1910) (1890):

Atenção é (...) a tomada de posse pela mente, de forma clara e vívida,


de um dos aparentemente diversos objetos ou linhas de pensamento
possíveis simultaneamente. Foco, concentração da consciência são
essenciais.

Existem modos passivos e ativos de atenção. Na atenção passiva, o sujeito


responde a um barulho alto, por exemplo, enquanto na atenção ativa, as
expectativas e metas prévias de um indivíduo determinam num modelo
descendente (top-down) aquilo a que se atenta (veja Eysenck e Keane, 2010 para
uma descrição mais completa). Uma característica central da atenção é sua
capacidade limitada. Isto se refere ao fato de que apenas uma parte da atividade
do processamento cognitivo pode ser conduzida por vez. A capacidade de
atenção é geralmente testada pelo teste de dígitos e, embora seja uma
característica relativamente estável da atenção, é propensa à influência da fadiga,
depressão e lesões cerebrais, por exemplo. Os componentes da atenção incluem
a orientação a eventos sensoriais, detecção de sinais para processamento focado
e manutenção de estado alerta e vigilante. É importante reconhecer que o
conhecimento, crenças anteriores, metas e expectativas podem alterar a
velocidade e a exatidão dos processos que selecionam informações relevantes ou
desejáveis do ambiente.
Existem outros quatro aspectos da atenção. A atenção focada ou seletiva se
refere à capacidade de salientar um ou dois estímulos ou ideias importantes, ao
mesmo tempo suprimindo a consciência de distrações concorrentes. Este aspecto
da atenção geralmente é designado concentração. Testes de séries são
geralmente empregados para avaliar este aspecto da atenção, que requer atenção
focada assim como outros processos cognitivos. Atenção sustentada ou
vigilância se refere à capacidade de manter atividade de atenção durante
determinado período de tempo. Ela é geralmente medida por testes de vigilância.
Atenção dividida envolve a capacidade de reagir a mais de uma tarefa ao mesmo
tempo ou a múltiplos elementos dentro de uma tarefa. Atenção alternante
permite mudanças do foco da atenção e das tarefas (Lezak et al., 2004;
Tabela 4.1).

Tabela 4.1
Aspectos da atenção

Aspecto da Atenção Definição

Atenção focada Capacidade de salientar estímulos importantes enquanto suprime a consciência de distrações
concorrentes
Atenção sustentada Capacidade de manter atividade de atenção por um prolongado período de tempo.
ou vigilância
Atenção dividida Capacidade de executar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, incluindo a elaboração dos
múltiplos elementos dentro de uma tarefa complexa
Atenção alternante Capacidade de mudar o foco de atenção de tarefa para tarefa
Capacidade de A extensão da capacidade de processamento inerente ao sistema de atenção; é geralmente
atenção considerada uma forma de memória operacional

Processos cognitivos automáticos, ou seja, aqueles que ocorrem sem intenção,


que são involuntários e que não interferem nas outras atividades em andamento,
ocorrem paralelamente àqueles que demandam processos atencionais (Kolb e
Whishaw, 1996). Esses processos automáticos possibilitam a extração sem
esforço de características da percepção de modo ascendente, enquanto os
processos atencionais e atenção possibilitam o processamento da informação de
forma descendente (Figura 4.1).
FIGURA 4.1 Variações no nível da consciência.

Alteração do grau de atenção


Em indivíduos normais, a atenção é diminuída durante o sono, sonhos, estados
hipnóticos, fadiga e tédio. Ela pode ser patologicamente diminuída em estados
orgânicos, geralmente com a diminuição da consciência, como, por exemplo,
traumas cranianos, estados tóxicos confusionais agudos como condições
induzidas pelo uso de drogas e álcool, epilepsia, elevação de pressão
intracraniana e lesões do tronco cerebral. Em estados psicogênicos, a atenção
pode ser alterada, como, por exemplo, na dissociação histérica. A redução da
atenção é também proeminente no transtorno depressivo, no qual o estado de
humor mórbido resulta na limitação da atenção a um número restrito de temas –
a maioria deles infelizes.
Um déficit grave de atenção é uma característica proeminente nos transtornos
hipercinéticos da infância (World Health Organization, 1992), mas também pode
ocorrer na vida adulta (veja Capítulo 3). A observação do comportamento da
criança por adultos, como pais ou professores, se concentra em três aspectos:
desatenção, impulsividade e hiperatividade. A desatenção é demonstrada naquela
criança, geralmente meninos com idade entre 3 e 10 anos, como a criança que
não consegue terminar as atividades que inicia, parece não ouvir, se distrai
facilmente e tem dificuldade de se concentrar em qualquer tarefa que exija
atenção sustentada, bem como pela sua dificuldade de se manter na mesma
brincadeira por um período determinado.
O prejuízo na atenção focada ou concentração denota uma incapacidade de
focalizar um objeto de maneira intencional, significando o enfraquecimento da
tendência de determinação. Essa é uma característica da mania e da hipomania,
que também ocorre em estados orgânicos. Tais características se combinam para
demonstrar os sintomas de distraibilidade, que é proeminente na mania e em
determinados estados orgânicos.
O estreitamento da atenção envolve a capacidade do sujeito de focar em uma
pequena parte do campo da consciência e ocorre em condições nas quais a
atenção involuntária é dirigida a outro lugar – por alucinações, delírios ou forte
emoção. Após uma conversa infrutífera com uma paciente com esquizofrenia
que ignorou repetidamente as perguntas, ela disse: “Eu gostaria que você não me
interrompesse quando estou recebendo minhas instruções.”

Psicose e atenção
Sabe-se que a esquizofrenia envolve déficits de atenção (Posner et al., 1988).
Entretanto, há uma dificuldade considerável em determinar quais aspectos da
atenção estão prejudicados na esquizofrenia porque as tarefas empregadas para
avaliar atenção podem envolver outras funções cognitivas, já que a atenção está
intimamente ligada a conceitos de memória operacional e função executiva.
Evidências recentes sugerem que a esquizofrenia está associada ao prejuízo
significativo no controle de seleção, na capacidade de identificar e tratar
informações relevantes para tarefas, mas pode não haver deficiência na
operacionalização de seleção – os processos que determinam o processamento de
informações relevantes (Luck e Gold, 2008).
No nível fenomenológico, Cutting (2011) enfatizou o grau de atenção
aumentada de pacientes com esquizofrenia. O que ainda precisa ser esclarecido é
se as experiências que são relatadas falam de atenção ativa ou passiva. Veja as
citações de McGhie e Chapman (1961):
“As coisas estão acontecendo rápido demais. Eu perco o foco e me
perco. Eu faço tudo ao mesmo tempo e por isso eu não faço nada.”

“Tudo parece fisgar minha atenção embora eu não esteja


particularmente interessado em nada... geralmente as coisas mais bobas
que estão acontecendo me interessam. Isso nem é verdade, elas não
me interessam, mas eu me vejo focado nelas.”

Com base nesses relatos, parece provável que na esquizofrenia exista maior
suscetibilidade aos apelos do ambiente que atraem a atenção passiva do paciente.
Uma boa maneira de entender isso é pensar em como um barulho repentino e
insuspeito atrai nossa atenção passiva. Parece que os pacientes com
esquizofrenia estão efetivamente mais ligados a características irrelevantes de
seu ambiente.
Existe evidência comprovada de que nos transtornos de humor, inclusive no
transtorno bipolar, durante a fase aguda e no estado eutímico, ocorrem
deficiências demonstráveis na atenção sustentada e memória operacional (Clark
et al., 2002; Marvel e Paradiso, 2004; Thompson et al., 2005).
O humor depressivo geralmente está associado a um envolvimento com
pensamentos sombrios de tal monta que a concentração e atenção ficam
prejudicadas. Isto sugere que a atenção, ativa ou passiva, é atraída pela
valorização de características negativas do mundo interno e externo do
indivíduo. Nestas situações, surgem compreensões equivocadas da percepção
influenciadas pelo estado de humor. Todo carro fúnebre está ali para levar o
paciente até seu túmulo e um carro preto que passa é visto apenas para
corroborar a sua crença. Da mesma maneira, a ansiedade aguda geralmente
resulta em atenção diminuída. Cutting (2011) argumenta que nos transtornos de
humor, o que atrai a atenção do indivíduo são pessoas e não coisas,
diferentemente da esquizofrenia, onde o oposto prevalece. Isso pode ser
exemplificado por Minkowski:

“Eu sinto que quando você insiste em alguma coisa eu devo me


submeter à sua vontade e fazer o que você exige (...) Eu estou
aprisionado nos seus assuntos.”

Existe uma necessidade de unir a literatura da psicopatologia e da psicologia


cognitiva. No estágio atual de conhecimento é impossível ver claramente como a
experiência subjetiva do paciente se relaciona com os resultados de testes
cognitivos. Embora, a rigor, a fenomenologia tenha uma postura ateórica, isto
não significa que deva haver uma severa dissociação entre os diferentes tipos de
conhecimento, como hoje vemos acontecer.

Orientação
Orientação é a capacidade de um indivíduo de estimar precisamente o tempo,
espaço e a pessoa em seu ambiente presente. Ela o capacita a extrair sentido e se
sentir à vontade em seu ambiente. Esta é praticamente a mesma faculdade da
apreensão intelectual, no sentido de que vários indicadores perceptuais são
utilizados, e que com sentido correto de tempo e lugar a pessoa é capaz de
chegar a conclusões adequadas a partir de seu contexto. Um homem que sofria
de demência avançada estava sendo entrevistado por um médico na presença de
12 estudantes de enfermagem, que tomavam notas com caneta e caderno.
Quando questionado a respeito de onde estava, ele olhou para a sala de aula
bastante sombria do hospital e disse: “Bem, estamos esperando para ver o
médico.” Ele captara certos indícios que o lembravam de uma sala de espera de
um clínico geral; ele ignorara completamente que todas as enfermeiras estavam
de uniforme, que estavam tomando notas e que perguntas formais eram-lhe
feitas; este paciente estava desorientado em relação ao tempo e às pessoas.
A orientação no tempo é instável, sendo facilmente perturbada pela
concentração profunda, emoção forte ou fatores orgânicos cerebrais (por
exemplo, intoxicação alcóolica). Graus mais leves de desorientação mostram-se
por erro em mais de meia hora em relação à hora do dia ou duração da
entrevista. Estágios mais avançados são demonstrados com dia incorreto da
semana, ano ou período do dia. Uma perturbação ainda maior é demonstrada
quando a estação do ano não é reconhecida corretamente.
A orientação no espaço é alterada mais tarde do que a orientação no tempo no
processo da doença. Um paciente pode ser incapaz de encontrar o seu caminho,
especialmente em um local que lhe é relativamente estranho. Ele pode levar um
tempo excessivo para aprender o caminho até a mesa de jantar na enfermaria
após a internação hospitalar. A desorientação no tempo e espaço é, quando
claramente estabelecida, evidência de um estado mental orgânico; ela pode ser o
primeiro sinal do processo de demência.
Na desorientação de pessoa, o paciente não lembra o seu próprio nome. A
perda do conhecimento do próprio nome e da identidade do paciente ocorre em
um estágio muito avançado de deterioração orgânica. A perda da compreensão
intelectual (apreensão) ocorre em estados orgânicos como uma forma de
desorientação, geralmente combinada com outras evidências de deterioração. Tal
pessoa é incapaz de compreender o contexto de sua situação atual e associa
objetos e eventos externos a si mesmo. A desorientação pode ocorrer com uma
perturbação da consciência, atenção, percepção ou inteligência. No déficit
intelectual grave e distúrbios graves de memória, a orientação é prejudicada
mesmo quando a consciência é clara (Scharfetter, 1980).

Desorientação
A orientação pode flutuar na presença de algumas condições orgânicas. Por
exemplo, um paciente com um estado tóxico agudo associado à insuficiência
cardíaca congestiva ficava desorientado quanto ao tempo todas as noites, mas
tinha estado mental bastante claro pela manhã.
A desorientação no tempo e a perda da apreensão intelectual (desorientação
situacional) são as que geralmente ocorrem em primeiro lugar nas doenças
progressivas; a desorientação de espaço ocorre mais tarde e, de pessoa, por
último. A desorientação da própria identidade ocorre em um estágio mais
avançado do que desorientação em relação a outras pessoas. Uma senhora idosa
que sabia quem era, e que sabia que fora casada com um professor, continuava se
referindo à filha como “aquela insolente que vem toda vez que o médico me
visita”.

Delírios que Mimetizam Desorientação


Naturalmente, é importante entendermos a distinção fenomenológica entre
desorientação e um delírio que resulta em erro de interpretação quanto ao local,
situação ou pessoa. A desorientação está geralmente associada a outras
características orgânicas, como a diminuição da consciência ou distúrbio da
memória. Os delírios de desorientação têm as características de um delírio
(Capítulo 8): uma pessoa na enfermaria pode acreditar que está em uma prisão e
uma visita pode ser considerada um funcionário da Gestapo que vem interrogá-
la.

Dissociação e Desorientação
A desorientação claramente definida é indicativa de uma síndrome cerebral
orgânica aguda quando associada a rebaixamento da consciência ou deterioração
orgânica crônica. No entanto, a dissociação histérica pode se fazer confundir
com uma aparente desorientação. Um exame cuidadoso do estado mental tende a
revelar discrepâncias sugestivas, por exemplo, a desorientação de pessoa pode
ser muito mais marcante do que de tempo, ou pode ser excessivamente bizarra.
No próximo capítulo, é descrito um paciente que vivia em Birmingham,
Inglaterra, mas descobriu-se em Montreal, após uma fuga histérica. Apesar de
aparentemente desorientado, ele apresentava, na verdade, uma anormalidade de
memória como parte de um estado dissociativo.

Transtornos do Sono
O sono profundo, satisfatório e contínuo é convencionalmente associado ao
bem-estar e à boa saúde, como exemplificado na citação do início deste capítulo;
considera-se que sua ausência ou baixa qualidade, da mesma maneira, explica o
transtorno de humor e o sofrimento. Existe uma relação entre sono perturbado e
transtorno psiquiátrico; uma doença mental pode causar e se manifestar como
distúrbios do sono, o sono perturbado pode precipitar sintomas psiquiátricos ou
ambos podem ocorrer ao mesmo tempo, mas independentemente. A International
Classification of Sleep Disorders classifica 85 distúrbios do sono em sete
categorias, a saber:
1. Insônias.
2. Transtornos respiratórios relacionados com o sono.
3. Hipersônias não relacionadas com transtorno respiratório.
4. Parassonias.
5. Transtornos de movimentos relacionados com o sono.
6. Outros transtornos do sono.
7. Sintomas isolados, variantes aparentemente normais e questões não
resolvidas.
Para uma análise mais profunda, consultar American Academy of Sleep
Medicine (2005).
A avaliação objetiva do sono é geralmente feita eletrofisiologicamente.
Podemos identificar cinco estágios de sono (Rechtschaffen e Kales, 1968). São
feitos registros com eletroencefalograma e eletromiograma dos músculos
oculares externos e da duração de diferentes estágios. Tem-se observado que o
sono com movimentos oculares rápidos (REM – Rapid Eye Movement) está
associado ao sonho. Com as novas tecnologias de neuroimagem é possível, pela
demonstração das mudanças no fluxo sanguíneo, localizar e representar
visualmente atividade alterada, especialmente no dorso medial do tálamo, que é
associado a diferentes estágios do sono, desde a vigília relaxada até o sono de
onda lenta do estágio 4. Também existem alterações no córtex visual e auditivo
possivelmente associadas ao sonho (Hofle et al., 1997). Ao considerar a
qualidade e duração do sono e seus estágios, e se estes forem sintoma, é
importante levar em consideração a idade do paciente, se está tomando alguma
medicação e se tem dormido durante o dia. A experiência subjetiva, descrita pelo
paciente, pode ser bem diferente dos achados objetivos da observação e
medição. O psiquiatra deve investigar o significado desta discrepância
fenomenologicamente e considerar as consequências para o diagnóstico e
tratamento.

Insônia
Insônia significa uma insatisfação subjetiva com a duração ou qualidade do sono
(Oswald, 1981); no entanto, também ocorre transtorno objetivo do sono em
muitas condições psiquiátricas. Formalmente, a insônia é definida pela
dificuldade de iniciar e/ou manter o sono, e despertares que ocorrem antes da
hora estabelecida para acordar (Ahmed e Thorpy, 2010). A pessoa pode se
queixar que a duração de seu sono é muito curta; ou que o sono é interrompido,
não revigorante ou insuficientemente profundo; ou que o padrão do sono piorou.
A insônia é mais comum entre mulheres e em pessoas mais velhas e está
frequentemente mais associada a uma sensação de excitação mental excessiva do
que a uma alteração corporal. As causas da insatisfação incluem expectativas
não realistas dos idosos de que dormirão tanto quanto o faziam quando mais
jovens, e dos sedentários de que dormirão tão profundamente quanto após uma
atividade física exaustiva.
A discussão sobre insônia primária está fora do escopo deste livro. Queixas
sobre a qualidade do sono são extremamente comuns e ocorrem em muitos
transtornos psiquiátricos, entre os quais a depressão, ansiedade generalizada,
pânico e fobia, hipocondria e transtornos de personalidade. Elas estão entre os
sintomas mais frequentemente relacionados com transtorno de ansiedade e
transtorno afetivo. Comparando pessoas com neurose a uma população normal,
Jovanovic (1978) descobriu que estes pacientes neuróticos reclamavam de
menos sono no primeiro terço da noite; eles passavam mais tempo acordados
deitados na cama, acordavam durante a noite com mais frequência, passavam um
período relativamente menor em sono profundo e seu sono tinha maior
probabilidade de ser prejudicado pelo fato de estarem em um local estranho. Os
indivíduos com transtorno depressivo grave sofrem de perturbação do sono,
levam mais tempo para adormecer e passam menos tempo dormindo devido a
períodos de falta de sono durante a noite e despertar nas primeiras horas da
manhã.
Insônia inicial, ou dificuldade para adormecer, ocorre em pessoas normais que
estão despertas devido a ansiedade ou excitação. Seus pensamentos tendem a
envolver as experiências carregadas de afeto do passado imediato e também
ensaios de formas de enfrentar problemas. A fadiga é vivenciada, mas há
também um alto nível de excitação que impede o relaxamento necessário e o
retraimento da percepção, necessários para o sono. A insônia terminal ou
despertar precoce é particularmente característico da fase depressiva dos
transtornos de humor. O paciente pode acordar frequentemente durante a noite
após adormecer de maneira satisfatória e daí em diante só ter sono leve e
irregular. Ou então ele pode acordar de madrugada e não conseguir voltar a
dormir. Uma característica importante de depressão é a mudança significativa no
ritmo do sono em relação ao padrão normal daquela pessoa. Na depressão, o
despertar precoce está frequentemente associado à alteração do humor matutino,
acentuadamente preponderante, com as sensações mais graves de desânimo e
retardo ocorrendo no início da manhã. Na mania, também se observa uma grande
redução na necessidade de sono.
A necessidade média de sono diminui com a idade. É normalmente cerca de 7
a 8 horas nos anos intermediários da idade adulta, mas é acentuadamente
reduzida a partir dos 50 anos aproximadamente. Com a insônia, ocorrem
estágios intermediários de sono leve e inquieto. Estes são geralmente associados
a experiências anormais no estado de sono, como as alucinações hipnagógicas e
hipnopômpicas (Capítulo 7). Também ocorrem pseudoalucinações, assim como
imagens vívidas e difíceis de distinguir de alucinações. Normalmente, a
passagem para o sono é rápida e ocorre passivamente, em vez de ser uma
intenção ativa de dormir. O despertar também é normalmente rápido e a
desaceleração deste processo de despertar pode ser descrita como um sintoma:
uma queixa de sentir-se tonto, incompetente e descoordenado por um tempo
excessivo ao acordar ou, em outras palavras, uma embriaguez de sono ou, mais
precisamente, despertar confusional do sono não REM no qual ocorre confusão e
desorientação, fala e atividade mental mais lenta (mentation) (Lishman, 1997;
Ahmed e Thorpy, 2010). Tais pacientes podem dormir por 17 horas ou mais e
sempre precisam de estimulação vigorosa para acordar. Esta condição pode
persistir por toda a vida.

Hipersonia
A característica que define a hipersônia é a sonolência durante o dia. Estes casos
normalmente são vistos mais por neurologistas do que por psiquiatras e aqui
serão registrados apenas brevemente.
Na síndrome Kleine-Levin ocorrem ataques de sonolência geralmente em
adolescentes. A condição é rara. Em relatos iniciais, o paciente dorme
excessivamente durante o dia e à noite, mas pode ser despertado como que de
um sono normal. Quando desperto, o paciente come vorazmente (megafagia) e
pode mostrar irritabilidade acentuada (Critchley, 1962). Mais recentemente,
ficou claro que esta condição é caracterizada por episódios de recaída-remissão
de hipersônia grave, prejuízo cognitivo, apatia, desrealização e perturbações
psiquiátricas e comportamentais. Meninos são mais frequentemente afetados que
meninas. Pouco mais da metade dos pacientes que tem hiperfagia são
hipersexuais (na maioria meninos) ou tem humor deprimido (na maioria
meninas) e aproximadamente um terço tem outros sintomas psiquiátricos como
ansiedade, delírios ou alucinações. Embora alguns sintomas sejam semelhantes
aos pacientes com encefalopatia, os resultados de exames de imagem e
laboratoriais não são significativos. O primeiro episódio de hipersônia é
geralmente desencadeado por uma infecção, com recidivas ocorrendo a cada 1-
12 meses em média por 14 anos. Entre os episódios, os pacientes geralmente têm
um padrão de sono, cognição, humor e hábitos alimentares normais. Durante os
episódios, o eletroencefalograma pode exibir atividade lenta difusa ou local.
Estudos de imagiologia funcional revelaram hipoatividade nas regiões do tálamo
e hipotálamo, e no lobo frontal e temporal (Arnulf et al., 2012).
Narcolepsia é uma forma de hipersônia e pode ocorrer com ou sem cataplexia.
Ataques de narcolepsia consistem de episódios curtos de sono (10 a 15 minutos)
que ocorrem de forma irresistível durante o dia; geralmente aparecem durante a
adolescência e persistem por toda a vida. A narcolepsia é frequentemente
associada a cataplexia, durante a qual o sujeito sofre uma queda devido a uma
súbita perda do tônus muscular provocada por alguma forte emoção.
Alucinações hipnagógicas e paralisia do sono também podem ocorrer, porém
são menos comuns. A narcolepsia está associada à latência de sono curta e
períodos em que o sono se inicia já na fase REM. Em geral, não há a presença de
doença cerebral estrutural. Alucinações hipnagógicas são geralmente auditivas,
mas podem também ser visuais ou táteis. Elas ocorrem entre a vigília e o sono e,
menos comumente, entre o sono e o despertar (alucinação hipnopômpica). A
paralisia do sono é a incapacidade de movimento entre a vigília e o sono (ou
entre o sono e a vigília).
A síndrome de Pickwick, denominada a partir da descrição do menino gordo
de The Pickwick Papers (Dickens, 1837), ou mais especificamente, a apneia
obstrutiva do sono, é uma profunda sonolência durante o dia que está associada a
obesidade grave e cianose devido à hipoventilação. A respiração é periódica
durante o sono e a sonolência, com fases apnéicas que podem durar até um
minuto.
A sonolência persistente pode ocorrer no caso de lesões orgânicas do
mesencéfalo ou hipotálamo por diversas causas. Fome, ganho de peso, sede
excessiva e poliúria também podem ocorrer. As condições mais importantes que
culminam na hipersônia secundária são tumores cerebrais, neurosarcoidose e
doença Niemann-Pick tipo C.
A hipersônia também pode ocorrer como um sintoma psicogênico. Pode haver
um estado que chega a constituir um estupor histérico e pode haver outros
sintomas de conversão. Outros pacientes com transtornos neuróticos queixam-se
constantemente de sonolência durante o dia e de incapacidade de concentração.

Parassonias
Parassonias são transtornos da transição entre o despertar e o sono que consistem
de movimentos anormais relacionados com o sono, comportamentos, emoções,
percepções, sonhos e funcionamento do sistema nervoso autônomo que
acompanha o sono (Ahmed e Thorpy, 2010). O sonambulismo é um exemplo
desta condição e consiste de uma série de comportamentos complexos que
surgem durante o sono de onda lenta e que resulta em caminhar durante
determinado período de consciência alterada. É mais característico em crianças
do que em adultos e ocorre mais em homens do que em mulheres. A atividade é
geralmente limitada a perambular sem rumo e comportamento repetitivo sem
propósito por alguns minutos. O sonâmbulo poderá responder
monossilabicamente a perguntas e há pouca consciência do ambiente, mas
ferimentos são incomuns. Frequentemente há histórico familiar e associação a
enurese. Como o sonambulismo ocorre no sono profundo (estágios 3 e 4),
normalmente durante o primeiro terço da noite, provavelmente não é uma
encenação de sonhos. Não é o mesmo fenômeno que o automatismo epilético,
que pode também levar uma pessoa, que está aparentemente adormecida, a se
levantar e caminhar. É importante estabelecer um diagnóstico para cada caso.
Terrores noturnos também ocorrem durante o sono profundo no início da noite
e frequentemente no mesmo indivíduo que é sonâmbulo. Manifesta-se por
intensa ansiedade; o sujeito pode gritar e ter a frequência cardíaca e respiração
aceleradas. Geralmente há total amnésia da experiência ao despertar. Esta não é a
mesma experiência do pesadelo, já que este é um tipo de sonho que ocorre em
estados mais leves de sono, sendo lembrado claramente se a pessoa desperta
imediatamente após a experiência. A maioria das crianças supera os terrores
noturnos e o sonambulismo.
Tem-se afirmado que um comportamento automático violento ocorreu durante
um episódio de terror noturno. Uma pessoa que comete um ato criminoso
enquanto está dormindo não é consciente de suas ações e não pode ser
legalmente responsabilizada; a lei chama isso de automatismos sãos (Fenwick,
1986; Ebrahim e Fenwick, 2010). Se o ato, por exemplo, um homicídio, for
lembrado pelo assassino como uma cadeia de eventos psíquicos (“ser perseguido
por soldados japoneses”), estas imagens provavelmente ocorreram no contexto
de um pesadelo e, portanto, o ato aconteceu ao despertar do sonho e seria
considerado como motivado. Durante o pesadelo em si, a paralisia do sono
impedirá que emoções violentas sejam representadas em atos reais. Para que o
ato seja convincentemente atribuído ao terror noturno, nem tal ato nem a sua
história prévia devem ser lembrados e todas as evidências devem apontar para o
fato de que aquele indivíduo estava dormindo naquele momento. Evidências
anteriores de terror noturno e atividade durante o sono são importantes para
corroboração.
Menos conhecidos são os relatos de sexsônia quando ocorre comportamento
sexual durante o sono. Esses casos parecem ocorrer no quadro de transtornos do
despertar, as chamadas parassônias não REM, que incluem o despertar
confusional, terror do sono e sonambulismo; transtorno do comportamento do
sono REM; convulsões noturnas parciais complexas; e apneia obstrutiva do sono
(Ebrahim e Fenwick, 2010).

Sonhos
Como a fenomenologia vê os sonhos, seu significado e interpretação? Em
primeiro lugar, a fenomenologia somente pode se ocupar do que é consciente;
ela não comenta o que é inconsciente, apesar de poder inferir a existência do
inconsciente ao explicar determinados comportamentos e fenômenos
observados. Em segundo lugar, o significado pertence ao sonhador e não ao
intérprete ou ao teórico. Isto tem implicações para o modo como a abordagem
fenomenológica será utilizada em terapia.
A fenomenologia pode contribuir para a compreensão do sonho. Pela
introspecção e tomada de relatos de pacientes enquanto eles estão efetivamente
sonhando, sabemos que a memória é precisa e detalhada, por vezes bastante
detalhada. Ainda, o processo de raciocínio é irrepreensível, tanto quando
elementos bizarros estão presentes quanto quando não estão. Portanto, esses
elementos bizarros não demonstram memória deficiente nem incapacidade de
pensamento racional. Eles parecem ser premissas – o “deixar” Euclidiano. No
sonho, a fantasia é permitida de maneira que quando falamos, ou sonhamos,
“deixe Bill Snooks (que mora em Heckmondwike e nunca se encontrou com o
presidente dos Estados Unidos da América) viajar em uma barca pelo
Amazonas”. O que aconteceria depois? Essa teoria fenomenológica dos sonhos
poderia ser explorada experimentalmente; se atitudes podem ser alteradas na
consciência por reprocessamento cognitivo, então as construções que são usadas
nos sonhos também deveriam ser passíveis de mudança.
O sono convencional (estágios 1-4) e o sono paradoxal (sono REM) foram
diferenciados pelo uso de traços encefalográficos em seres humanos
(Oswald, 1980). A atividade reflexa normal ocorre nos estágios de sono
convencional, mas é observada atividade localizada no sono paradoxal enquanto
outras ações musculares estão paralisadas. Os movimentos oculares rápidos
(REM) que ocorrem no sono paradoxal estão, até certo ponto, associados aos
sonhos. Os pesadelos são sonhos desagradáveis; frequentemente, o horror
específico de um pesadelo é que não há nada que o sofredor possa fazer a
respeito da experiência aterradora. O sonho ocorre no sono REM (paradoxal) e a
sensação transfixada do pesadelo é uma exata representação da paralisia do sono
que ocorre naquela fase.
Sonhos têm sido utilizados para o estabelecimento de teorias psicanalíticas
elaboradas envolvendo a origem do conflito; foge do âmbito deste livro entrar
em discussões nesta área. Este, naturalmente, foi um tópico extensamente
abordado por Sigmund Freud (1976). Mais recentemente, o significado dos
sonhos foi explorado empiricamente por Kramer e colaboradores (1976). Os
sonhos são relembrados e descritos como um evento psíquico: os pesadelos
(sonhos desagradáveis) são geralmente objetos de queixas pelo paciente e podem
ser um sintoma importante de depressão, por exemplo. Os sonhos são
experiências altamente complexas e, até agora, têm desafiado análise e
explicação adequadas. No entanto, algumas características podem ser descritas.
Ocorre a perda de algumas das estruturas da consciência de vigília, com perda
da autoconsciência e da consciência dos limites do próprio corpo. A margem
entre o self e o não self se torna indefinida. O sonhador pode sonhar que está se
fundindo ou se transformando em outra pessoa sem sentir nisto qualquer
contradição. O sentido de tempo também é perdido: não há sentido de
progressão de eventos, mas somente consciência imediata do presente. Os
eventos que ocorrem no sonho incluem aqueles nos quais o próprio sonhador é
essencial. Normalmente há perda do sentido de controle das circunstâncias e
perda das associações físicas e mentais entre as diferentes partes da experiência
total. Portanto, há lacunas inexplicadas, de espaço, tempo e de causalidade.
Juntamente com a perda das conexões temporais e espaciais, há perda de
associações psicológicas entre os eventos. Não há sequência progressiva de
ideias ou figuras em série. O sonho é percebido frequentemente como um grupo
de pequenos trechos de filmes muito diferentes.
Além da perda de estrutura, típica do estado de sonho, há também elementos
que não ocorrem no estado normal de vigília. Estes são mais bem denominados
imagens-sonho, já que não são claramente delírios, alucinações, falsas memórias
ou outras anormalidades de percepção ou ideação característica do estado de
vigília. Estas imagens são mais vívidas do que a fantasia, e têm uma
característica de instantaneidade e importância. Por isso, não nos surpreende que
desde o início dos tempos, as pessoas ajam de acordo com seus sonhos, como se
estes fossem instruções.
Para considerar o sonho como um sintoma e não meramente uma experiência
relembrada, ele precisa se investir de afeto desagradável. Um paciente pode
descrever sonhos prazerosos se for perguntado, mas normalmente não reclama
deles como sintomas, nem pede que sejam removidos. No entanto, se o sonho é
associado à ansiedade, terror, tristeza e, especialmente, se o conteúdo do tema é
recorrente, isto será motivo de queixa e indicará um afeto prevalente;
possivelmente, as áreas de conflito que precipitaram o sofrimento são reveladas
no conteúdo do sonho. Sonhos desagradáveis, nos quais uma parte do evento
traumático é reexperimentado, são uma característica diagnóstica do transtorno
de stress pós-traumático após um grande desastre ou catástrofe.
Hipnose
Marcuse (1959) sugeriu que “definimos hipnose mais pelo que ela faz do que
pelo que ela é”. Em um extremo, a hipnose é considerada um estado de
consciência muito diferente da consciência normal de vigília. Em outro extremo,
Merskey (1979) considera que “os fenômenos da hipnose são idênticos aos da
histeria: eles envolvem autoengodo e a produção de sintomas ou
comportamentos alternativos para a solução de um problema, ainda que não seja
um conflito”. Merskey ainda propôs uma definição:

A hipnose é uma manobra na qual o sujeito e o hipnotizador têm um


acordo implícito de que determinados eventos ocorrerão (por exemplo,
paralisia, alucinações, amnésias) durante um procedimento especial ou
posteriormente, de acordo com as instruções do hipnotizador. Ambos se
esforçam para colocar este acordo em prática e adotam regras de
comportamento apropriadas, e o sujeito usa mecanismos de negação
para relatar os eventos conforme o acordo implícito. Esta situação é
utilizada para operacionalizar diversos propósitos, terapêuticos ou não,
por parte dos dois participantes. Não há estado de transe, nenhuma
mudança fisiológica cerebral detectável; somente respostas fisiológicas
periféricas que podem ser produzidas igualmente por sugestões não
hipnóticas ou outras alterações emocionais.

Superficialmente, a hipnose parece se assemelhar ao sono, mas não existem


resultados eletroencefalográficos distinguindo a hipnose de outros estados de
vigília em relaxamento. Portanto, o transe na hipnose é produzido em um estágio
de vigília por uma pessoa sobre a outra, com o uso de sugestão com
concordância (Marcuse, 1959). Tem sido afirmado que a hipnose ocorre também
em algumas espécies não humanas, mas este estado não pode ser
necessariamente considerado idêntico ao da hipnose. A hipnose tem sido
utilizada para o controle da dor, no tratamento de hiperemese gravídica, para
diversas dificuldades sexuais e, especialmente, no controle da ansiedade
(Waxman, 1984).
Segundo Merskey, a indução da hipnose requer um contrato implícito. O
sujeito deve estar disposto e cooperativo; ele relaxa e exercita a imaginação. O
campo da consciência é restringido para incluir somente as instruções do
hipnotizador. O sujeito renuncia a certo grau de controle em favor do
hipnotizador e aceita a distorção da realidade. Após a indução bem-sucedida da
hipnose, a auto-hipnose pode ser estabelecida. Marcuse considera as seguintes
como características de um estado hipnótico:
▪ O sujeito para de fazer seus próprios planos.
▪ A atenção é seletivamente dirigida, por exemplo, à voz do hipnotizador.
▪ O teste da realidade é diminuído e são aceitas distorções.
▪ A sugestionabilidade é aumentada.
▪ O sujeito hipnotizado encena prontamente papéis não habituais.
▪ Frequentemente se verifica amnésia pós-hipnótica.
A sugestão, para o sujeito hipnótico, é direta e óbvia; ela não significa
ingenuidade ou perda de vontade própria. Ela descreve a emoção da confiança
dentro da relação implícita na qual o sujeito aceita as afirmações do
hipnotizador, atua sob seu comando e nega evidências de seus próprios sentidos
que possam contradizer tais afirmações.
É necessário haver capacidade para a fantasia para que ocorra a hipnose. O
relaxamento que acompanha a hipnose pode progredir para o sono normal
mesmo durante a sessão de hipnose. A alteração da consciência que ocorre na
hipnose é semelhante à dos estados dissociativos, mas diferente das flutuações
do nível de consciência que ocorrem nas psicossíndromes orgânicas.
A sugestão tem sido utilizada para produzir várias sequelas físicas como
vesículas de pele, alterações no pulso e pressão sanguínea, levitação de um
braço, opistótono, ausência de sensação de dor etc. Os efeitos psicológicos são
igualmente variáveis e incluem alterações na percepção, cognição, ideação,
memória e afeto. O sujeito ingressa em um estado dramaticamente alterado no
qual ele temporariamente delega a responsabilidade de seus atos ao hipnotizador.
Por sua vez, este retém a confiança do sujeito somente enquanto se mantiver
dentro dos limites de comportamento que o sujeito considera aceitáveis; além
desses limites, o sujeito abandonará sua relação de dependência e sairá do estado
hipnótico.
A hipnose permanece um enigma. Hoje vemos o surgimento de evidências dos
correlatos neurais subjacentes à capacidade de ser hipnotizado e do estado
hipnótico em si. Tais evidências apontam para uma maior conectividade entre o
córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, uma região de controle executivo do
cérebro, e a rede de saliência composta pelo córtex dorsal do cíngulo anterior,
ínsula anterior, amigdala e estriado ventral, responsável pela detecção,
integração e filtragem de informações somáticas, autonômicas e emocionais
relevantes em sujeitos extremamente hipnotizáveis quando comparados a
sujeitos menos hipnotizáveis (Hoeft et al., 2012). Quanto ao estado hipnótico em
si, durante imagens mentais para reabilitação de neurodeficiência, os aumentos
de sinal da Ressonância Magnética Funcional (fMRI) exclusivamente
relacionados com a hipnose foram observados no córtex frontal superior
esquerdo, no giro cingulado anterior esquerdo e tálamo esquerdo. Ao passo que
o córtex frontal superior e o cingulado anterior foram ativados mais em relação
ao desempenho de movimento do que de imagens e o tálamo foi ativado somente
durante imagens motoras. Essas áreas representam nodos centrais da rede de
saliência que liga áreas motoras primárias e superiores. Isso sugere que a
hipnose aumenta a imagem motora (Müller et al., 2012). Ainda é necessário
muito trabalho para desvendar a fisiologia da hipnose.

Referências
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Mental Illness. Cambridge: Cambridge University Press; 2010.
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CAPÍTULO 5

Distúrbios da Memória

Não podeis vós ministrar a uma mente enferma; Arrancar da memória


uma tristeza enraizada; Apagar os problemas escritos do cérebro; E com
algum doce antídoto de esquecimento Limpar o peito carregado deste
fardo perigoso Que pesa sobre o coração?
William Shakespeare (1606)

Resumo
A memória possui uma arquitetura bem descrita e delineada, ou seja, memória
sensorial, memória de curto e memória de longo prazo. Por sua vez, a memória
de curto prazo é subdividida em um sistema central executivo e um sistema
subordinado, designados bloco de rascunho visuoespacial e alça fonológica. Esta
arquitetura permite uma compreensão sistemática dos processos subjacentes que
estão em jogo na memória. É útil conceituar os processos da memória como
registro, retenção, recuperação, evocação e reconhecimento. Esses termos
permitem compreender as anormalidades presentes nas deficiências orgânicas da
memória.
Os distúrbios da memória são sempre importantes para quem os sofre;
algumas vezes, no entanto, o esquecimento é igualmente importante e é um
processo ativo, conforme colocado na citação acima. O distúrbio da memória
como uma característica específica após traumatismo craniano e outras
condições foi abordado nos escritos de neuropsiquiatria em meados do século
XIX; Hughlings Jackson (1887) considerava o distúrbio da memória como uma
parte integrante da deterioração do funcionamento mental orgânico. O mais
antigo estudo detalhado sobre perturbação da memória sob o ponto de vista
psicológico foi o de Ribot (1882). Korsakoff (1890) descreveu sua condição
epônima, notando que pode ocorrer um grave déficit de memória em pacientes
cujas demais funções intelectuais e de julgamento estejam preservadas.
Mecanismos da Memória
Uma das principais justificativas para o uso da psicopatologia na descrição de
distúrbios da memória é que não existe um bom análogo de memória nos
animais. Convencionalmente, a perturbação da memória é descrita em termos do
prazo em que a informação foi retida. Se nos concentrarmos nos aspectos
fenomenológicos, na análise da experiência, na verdade é bastante arbitrário
estabelecer uma distinção entre memória e percepção, já que ambas constituem
estágios do processamento de informações (Weinman, 1981). O armazenamento
da memória é organizado de três formas.

Memória sensorial
A memória sensorial é a fase inicial e precoce da memória. Ela contém grandes
quantidades de informações recebidas por um curto período. É um sistema de
seleção e registro pelo qual as percepções entram no sistema da memória (Lezak
et al., 2004). A imagem visual passageira, memória icônica, dura até 200
milissegundos, enquanto a memória auditiva, ecoica, dura até 2.000
milissegundos. A informação selecionada e registrada neste nível precisa ser
posteriormente processada como memória de curto prazo ou rapidamente decai e
se perde.

Memória de curto prazo


O conceito de memória de curto prazo se refere a um sistema de capacidades
limitadas que opera como um conjunto de subsistemas. Embora teoricamente se
diferencie de atenção, na prática equivale a uma capacidade de atenção limitada
a seis ou sete itens com duração de 15 a 30 segundos no teste de dígitos em
ordem direta, a menos que o material seja repetido. Baddeley e Hitch (1974)
levantaram a hipótese de um modelo de memória de trabalho composta de
executivo central, bloco de rascunho visuoespacial e alça fonológica. Neste
sistema, o executivo central é o controlador da atenção, auxiliado pelo bloco de
rascunho visuoespacial, que permite o armazenamento temporário e
manipulação de informações visuais e espaciais. A alça fonológica contém
traços de memória de informações verbais por alguns segundos, em combinação
com repetição subvocal (Baddeley, 1986; Baddeley, 2002).
Memória de longo prazo
A memória de longo prazo pode ser conceituada em dois sistemas de
recuperação: um sistema declarativo ou memória explícita, que lida com fatos e
eventos e está disponível à consciência para declaração, e um sistema não
declarativo ou implícito (Lezak et al., 2004). O sistema declarativo pode ser
adicionalmente dividido em semântico (memória factual) e episódico (memória
para eventos autobiográficos). Em outras palavras, a memória semântica é o
armazenamento de informações em forma pura, sem especificação de tempo ou
espaço (“General Psychopathology foi escrito por Karl Jaspers”), enquanto a
memória episódica se refere a eventos vivenciados pessoalmente (“Hoje eu comi
peixe no café da manhã”) (Baddeley, 1990). A memória de longo prazo pode
conter informações por prazos que vão de alguns minutos a muitas décadas e
tem grande capacidade. O esquecimento pode acontecer por perda de
informações ou falha na recuperação. As taxas de esquecimento normais são
determinadas por variáveis como falta de significado pessoal do material, estilo
conceitual e idade. O armazenamento e a recuperação da memória de longo
prazo se encontram prejudicados nas síndromes dismnésicas. A informação é
armazenada de forma reorganizada e às vezes distorcida.
A descrição dos requisitos da memória refere-se principalmente à memória de
longo prazo e pode ser subdividida fenomenologicamente nas cinco funções
abaixo.
▪ Registro ou codificação é a capacidade de acrescentar novas informações ao
depósito de memória.
▪ Retenção ou armazenamento é a capacidade de armazenar conhecimento que
pode subsequentemente voltar à consciência.
▪ Recuperação é a capacidade de obter as informações armazenadas na
memória por reconhecimento, evocação ou implicitamente, demostrando que
uma tarefa relevante é desempenhada mais eficientemente em decorrência de
experiência anterior.
▪ Evocação é a recuperação intencional de informações armazenadas para a
consciência em um momento selecionado. Ela demanda um processo de
busca ativo e complexo. É influenciada pelos efeitos de primazia (primeiro
item) e recência (último item). A pergunta “Qual é a capital da França?”
demanda a função evocação.
▪ Reconhecimento é a recuperação de informações armazenadas que dependem
da identificação de itens aprendidos anteriormente e se baseia em lembrar
(recordação com esforço) ou em saber (recordação baseada em
familiaridade). Neste processo um estímulo funciona como gatilho para a
memória e então ocorre a lembrança ou o reconhecimento imediato. A
pergunta “Quais das seguintes cidades é a capital da França: Paris, Lille ou
Lyon?” testa a função reconhecimento.
Anormalidades da memória podem ocorrer em qualquer uma dessas áreas. Em
outras palavras, pode haver déficit de registro, de armazenamento ou de
recuperação.

Distúrbios da memória
Os distúrbios da memória podem ser divididos em psicogênicos, que podem
ocorrer em indivíduos saudáveis, e orgânicos, associados à doença cerebral.
Estes últimos são designados amnésia orgânica, podendo ser identificados pelas
diferentes funções da memória.

Prejuízo de registro
Na amnésia anterógrada, o prejuízo é geralmente demonstrado na falha de
recuperação de informações que ocorre após o surgimento de um insulto ao
sistema nervoso central. Certamente, este prejuízo de recuperação pode se dar
por problemas no estágio de registro (codificação), especialmente em pacientes
com síndrome de Korsakoff. Há evidências de que estes pacientes podem ter
dificuldade em registrar espontaneamente as características semânticas da
informação em nível suficiente no seu recebimento e que esta falha resulta em
falta de memória (Mayes, 2002). Desta forma, a deficiência de registro é causada
por problemas na análise e representação inicial de informações e pela
incapacidade de selecionar as características relevantes de informações. Em um
teste de memorizar listas, por exemplo, as características semânticas das
palavras, como o fato de pertencerem à categoria nomes de flores, não ajudam a
pessoa a codificar as novas informações.

Déficit de retenção
A amnésia retrógrada é a perda da memória de eventos que antecedem uma
lesão cerebral. Assim como na amnésia anterógrada, o déficit é demonstrado no
prejuízo de recuperação, mas se considera resultante de prejuízo de retenção
(armazenamento), principalmente nos casos de lesão cerebral. Geralmente tem
duração curta, de menos de 30 minutos. Normalmente segue um gradiente
temporal no qual memórias mais recentes são mais vulneráveis a perda do que
memórias mais antigas. Existe uma dissociação entre amnésia anterógrada e
retrógrada que sugere que as estruturas anatômicas envolvidas no novo
aprendizado e recuperação de antigas memórias são diferentes.

Déficit de recuperação
Recuperação é a capacidade de acessar informações a partir dos depósitos de
memória. O prejuízo de recuperação pode ser devido a déficit de recuperação
direta, no qual um sinal desencadeia a memória automaticamente, ou de
recuperação estratégica (indireta), em que um sinal provoca um processo de
busca estratégica que produz um resultado. Na recuperação direta, a pergunta
“Você conhece Lagos?” atua como um sinal que desencadeia a memória
automaticamente. Na recuperação estratégica, a pergunta “Quem ganhou a Copa
do Mundo antes do atual campeão?” instiga um processo estratégico que
enquadra o problema da memória, inicia a busca e a restringe, levando a pistas
locais próximas que então ativam processos associativos de memória. O
resultado da memória é então monitorado para verificar sua exatidão e colocado
em um contexto temporal-espacial apropriado em relação a outras memórias
(Gilboa e Moscovitch, 2002). Considera-se que a recuperação direta depende
dos lobos temporais mediais e estruturas relacionadas, ao passo que a
recuperação estratégica depende do córtex pré-frontal ventromedial. A
confabulação é um bom exemplo de condição decorrente de deficiência de
recuperação. Ela resulta de um sistema de memória falho que cria associações
deficientes de memória, estratégias de busca falhas e monitoramento defeituoso
de memórias falhas (Gilboa e Moscovitch, 2002; DeLuca, 2009).

Déficit de reconhecimento
Reconhecimento é o resgate de informações armazenadas que dependem da
identificação de itens anteriormente aprendidos. Na memória episódica, ou seja,
memória de eventos que incluem o contexto, tempo, lugar e emoções associadas
ao evento, o reconhecimento pode tomar a forma de recordação consciente
(lembrar-se) ou por saber, puramente com base em sensação de familiaridade.
Este é o chamado paradigma lembrar/saber, que propõe um sistema de memória
de processo duplo, sendo que um se baseia na lembrança consciente e o outro na
familiaridade. Em outras palavras, a vivência subjetiva que acompanha o
reconhecimento de um estímulo apresentado anteriormente parece ter pelo
menos duas formas. O reconhecimento pode ocorrer quando o estímulo evoca
uma vivência específica na qual ele esteve previamente envolvido ou, o
contrário, o estímulo dá origem apenas à sensação de familiaridade sem qualquer
vivência de lembrança. A reação “lembrar” indica que o reconhecimento do
estímulo traz à mente a lembrança consciente de que aquilo ocorreu
anteriormente, ao passo que a reação “saber” indica que o reconhecimento do
estímulo não está acompanhado de nenhuma lembrança consciente de que tenha
ocorrido anteriormente (Dalla Barba, 1997; Tulving, 2000). O déficit de
reconhecimento foi descrito na doença de Alzheimer (Dalla Barba, 1997) e na
esquizofrenia (Drakeford et al., 2006).

Outras Alterações da Memória


Déjà vu e fenômenos relacionados
(paramnésia de identificação)
Déjà vu não é essencialmente um transtorno da memória, e sim um distúrbio no
qual a sensação de familiaridade, que normalmente ocorre em relação a eventos
que ocorreram anteriormente, ocorre em relação a um evento novo, ou seja,
quando o evento é vivenciado pela primeira vez. Em jamais vu, uma experiência
que o paciente sabe já ter vivenciado anteriormente não está associada à
correspondente sensação de familiaridade. O paciente também pode ter a
sensação de que alguma memória importante está prestes a ser relembrada,
embora isto nunca chegue a ocorrer.
Déjà vu e jamais vu são experiências comuns e normais, mas também podem
ser sintomas significativos de epilepsia do lobo temporal ou doença
cerebrovascular (Lishman, 1998). Um paciente epilético disse “eu sinto que fiz
algo terrivelmente errado”. No entanto, tais experiências em si mesmas, ou
associadas somente a vagas sensações de despersonalização, não devem ser
aceitas como evidência de epilepsia do lobo temporal, uma vez que esses
sintomas também são frequentemente experimentados por pacientes com
transtornos de ansiedade e por pessoas normais.

Confabulação
Esta consiste de uma falsificação da memória que ocorre sem alteração da
consciência e associada à amnésia derivada de causas orgânicas (Berlyne, 1972).
A confabulação é mais bem concebida como um termo inespecífico que cobre
uma grande variedade de fenômenos da memória qualitativamente diferentes. O
termo é usado para descrever pequenas distorções de uma memória real como
intrusões, floreios, elaborações ou falso alarme em testes de amnésia
anterógrada. Pode também se referir a descrições altamente implausíveis de
realidades falsas, como afirmar ser um viajante espacial residindo
temporariamente na terra (Gilboa e Moscovitch, 2002; Quadro 5.1). No entanto,
também é verdade que o termo “confabulação” foi, a meu ver,
desnecessariamente expandido para incluir:
1. Confabulações da memória.
2. Confabulações sobre intenções e ações como as que podem ocorrer em
pessoas calosotomisadas ou com hemiplegia do braço esquerdo e
heminegligência e anosognosia.
3. Confabulações perceptuais que ocorrem na síndrome de Anton
caracterizada pela falta de consciência de cegueira.
4. Confabulação sobre emoções (vide Hirstein, 2009, para uma abordagem
mais completa).

Quadr o 5.1 Características da confabulação


▪ É uma falsa memória recuperada, geralmente contendo detalhes falsos
dentro de seu próprio contexto.
▪ O paciente não é consciente de que está confabulando e da existência de um
déficit de memória. Em outras palavras, as confabulações não são
produzidas intencionalmente.
▪ Os pacientes podem atuar sobre suas confabulações, confirmando sua crença
na falsa memória.
▪ A confabulação é mais aparente na memória autobiográfica.
(De Gilboa e Moscovitch, 2002, com permissão de John Wiley.)

Bonhoeffer (1901) observou que a confabulação na síndrome de Korsakoff


podia assumir duas formas.
▪ A confabulação por embaraço era o resultado direto da perda de memória e
dependia de certo nível de atenção e atividade. Esta forma de confabulação é
de natureza passageira.
O paciente tenta preencher uma lacuna exposta da memória com uma
explicação confabulada ad-hoc, relacionando-a com seu comportamento recente.
Desta forma, isto revela consciência social e alguma percepção dos requisitos
para a situação em termos de comportamento social.
▪ Em outros casos, a confabulação excedeu as necessidades de compensação do
déficit de memória; o paciente descreve espontaneamente experiências
aventureiras de natureza fantástica. A espontaneidade é uma característica
chave desta forma de confabulação. Tal distúrbio de memória pode ocorrer
como resultado de deterioração orgânica após abuso de álcool e outras
substâncias psicoativas (CID-10; Organização Mundial de Saúde, 1992), na
qual há um déficit grave, principalmente da memória recente, evidência de
insulto cerebral e ausência de falha na memória imediata, da atenção,
consciência e funcionamento intelectual global.
A sugestionabilidade é uma característica proeminente do paciente que
confabula e foi considerada por Pick (1921) dependente da turvação da
consciência, julgamento enfraquecido e da interpolação com a fantasia; isto
pode, de fato, assemelhar-se a devaneios. O paciente confabulador pode produzir
declarações mutuamente contraditórias consecutivamente e não fazer qualquer
esforço em corrigi-las. O material das confabulações tem sido comparado aos
sonhos (Scheid, 1934). Explicou-se também, em termos de distúrbio da
memória, que confabulações são experiências reais tiradas de sua ordem
cronológica (Van der Horst, 1932) e que os objetos de desejo e interesses do
indivíduo guiam a confabulação da mesma maneira que nossos sonhos e
fantasias.
Parece provável que a confabulação esteja relacionada com mecanismos
normais de recordação. Por exemplo, digamos que todos os donos de
determinado modelo de carro foram perguntados pela polícia, como parte da
investigação de um assassinato, o que estavam fazendo em determinada
segunda-feira, nove meses antes. Para responder a esta pergunta, um indivíduo
não teria recordação sobre aquela segunda-feira em particular; então, ele recria
um programa típico com movimentos regulares e horários de compromissos para
uma segunda-feira típica daquele período. Parece que o mecanismo de
confabulação social é desta ordem. Frente à pergunta “O que você fez ontem?” a
paciente confabuladora poderia dizer “eu levei meu bebê no carrinho até o
escritório para ver meus antigos colegas”. Isto poderia realmente ter acontecido
12 anos antes, após sua demissão do emprego durante a gravidez. O tipo
fantástico de confabulação também é diretamente associado à memória.
Normalmente, uma pessoa tem memória clara de quais sensações e eventos
foram vivenciados e quais foram fantasiados; já na confabulação é provável que
fantasias antigas sejam relembradas, mas o indivíduo não se lembra que elas
foram fantasias e não realidade. Tais confabulações, como o tipo momentâneo,
são autobiográficas. A confabulação momentânea ou de embaraço é muito mais
comum do que o tipo fantástico e é uma memória verdadeira deslocada de seu
contexto temporal (Berlyne, 1972).
A confabulação fantástica com conteúdo persecutório foi descrita por Roth e
Myers (1969). Esta é uma falsificação da memória que ocorre em estado de
consciência clara. Tipicamente, o paciente acredita que seu dinheiro está sendo
roubado ou que estão tentando fraudá-lo. Falsificações de memória de diversos
tipos ocorrem na esquizofrenia, em depressões, no transtorno de personalidade
antissocial e em estados obsessivos. As características mais definitivas,
fantásticas e preenchedoras de lacunas de confabulações orgânicas estão sempre
associadas a perda de memória.
Assim, a parte central da ideia de confabulação é a noção de falsos relatos no
contexto de transtorno da memória. No mínimo, ela envolve tanto distorções de
conteúdo quanto de contexto temporal. A lembrança confabulatória geralmente
inclui adições, distorções ou elaborações que realmente ou plausivelmente
ocorreram (DeLuca, 2009).

“Médico: O que você fez hoje?

Paciente VR: Hoje eu acordei e fui para a unidade de reabilitação (...)


depois fui para casa e estava esperando um material e o recebemos.
Depois eu vim para o instituto de reabilitação, não, na verdade eu fui
para a loja Jimsburg e lá tive uma pequena reunião. Depois eu vim para
o hospital e nós almoçamos, depois encontrei você...”
(DeLuca, 2009)

Primeiramente, este exemplo ilustra o conteúdo da distorção, já que o paciente


estava no hospital há diversos meses sem ir para casa, e em segundo lugar,
deficiência do contexto temporal, já que o paciente foi dono da loja Jimsburg
muitos anos antes e já a tinha vendido.
A posição corrente é que a confabulação de memória geralmente decorre de
lesões duplas nas áreas prosencefálicas basais e sistemas executivos frontais.
Estas lesões parecem resultar em deficiência na recuperação estratégica de
memória e verificação/monitoramento deficiente do output anormal de memória
(DeLuca, 2009).

Perseveração
A perseveração geralmente ocorre associada a distúrbio da memória e é um sinal
de doença orgânica cerebral, talvez o único sinal patognomônico em psiquiatria.
Ela ocorre em estados de turvação da consciência e é particularmente útil na
distinção entre estes e as anormalidades dissociativas (Allison, 1962). A
perseveração é definida como uma resposta adequada que foi adequada a um
primeiro estímulo sendo dada de forma inadequada a um segundo estímulo,
diferente do primeiro. Isto pode ser demonstrado verbalmente ou em atividade
motora. O entrevistador, ao conduzir o exame do estado mental, pergunta: “Qual
é a capital da Itália?” – “Roma” e subsequentemente pergunta: “Qual é o objeto
que você usa para medir o tempo?” – “Roma”. Ou então, o examinador pede que
o paciente ponha sua mão direita em seu ombro esquerdo, o que ele faz
corretamente, e então, ao pedir que ele coloque a sua mão esquerda em seu
joelho esquerdo, ele outra vez coloca sua mão direita em seu ombro esquerdo.

Prejuízo de memória e eletroconvulsoterapia


Há sempre algum distúrbio de memória imediatamente após a
eletroconvulsoterapia (ECT). Isto inclui deficiência da capacidade de
aprendizagem, recuperação deficiente e aparente perda de memórias
armazenadas. Memórias de eventos que precedem imediatamente o tratamento
muito provavelmente serão permanentemente perdidas (amnésia retrógrada) e as
memórias pessoais (autobiográficas) mais recentes ficam mais vulneráveis à
perda do que as mais antigas (Cahill e Frith, 1995; Stern e Sackeim, 2002). Há
também algum grau de amnésia anterógrada, com dificuldade na retenção por
algumas horas após o tratamento. A perda de memória dos eventos que
ocorreram próximos ao momento do tratamento pode persistir por algumas
semanas após o término de um ciclo de tratamento. Este distúrbio da memória é
semelhante a outros estados amnésicos orgânicos.
O déficit de retenção é relacionado com a intensidade e a duração do estímulo
elétrico, bem como com a duração da convulsão. Conforme relatos, ocorre
menos confusão e distúrbio de memória após a ECT unilateral não dominante.
Não há evidência de perda de capacidade de aquisição de novos padrões de
comportamento ou de execução daqueles já estabelecidos, mesmo após um
longo ciclo de ECT.
Usando uma ampla bateria de testes para examinar todas as áreas da função
cognitiva, Weeks et al. (1981) afirmaram que a ECT não produz déficit
duradouro quando empregado em circunstâncias clínicas regulares. As funções
de memória testadas incluíram evocação, taxa de recordação e reconhecimento
nas modalidades auditivo-verbal e visuoespacial. Da mesma forma, Fraser
(1982) considera que a perda de memória após a ECT é mínima e pode ser
observada por apenas algumas horas após o tratamento. A colocação unilateral
de eletrodos acelera a recuperação pós-ictal e encurta a duração da amnésia
(Fraser, 1982). Em resumo, recentemente se conclui que a ECT causa apenas um
déficit temporário de memória (Williams et al., 1990).

Perda de memória na esquizofrenia


Os autores mais antigos tendiam a minimizar a importância do déficit intelectual
na esquizofrenia (Bleuler, 1911; Kraepelin, 1913). No entanto, foi demonstrado
déficit de desempenho intelectual (Rogers, 1986), déficit em baterias de testes
neuropsicológicos (Taylor e Abrams, 1984), por vezes uma síndrome semelhante
à demência (Liddle e Crow, 1984) e significativo déficit de memória
(Cutting, 1985; McKenna et al., 1990). O déficit de memória demonstrou não ser
restrito a pacientes com esquizofrenia crônica.
Existem déficits na memória de longo prazo, inclusive evidência de déficit de
recuperação tanto na evocação quanto no reconhecimento. Há ainda evidência de
déficit de memória de curto prazo, demonstrada por déficit nos testes de dígitos.
Ademais, há evidência de déficit de memória de trabalho e memória semântica,
mas a memória processual ou implícita permanece intacta. Parece que o déficit
de memória está associado à gravidade e cronicidade de doença, e a sintomas
negativos e alterações formais do pensamento (Tamlyn et al., 1992; McKenna
et al., 2002).

Disfunção do lobo temporal


A esta altura é interessante resumir os fenômenos psicopatológicos da disfunção
do lobo temporal: distúrbio de memória, percepção e afeto. Os distúrbios da
memória incluem os déficits hipocampais de armazenamento reduzido e
esquecimento acelerado; também ocorrem déjà vu e jamais vu, já descritos.
Podem ocorrer estados alterados de consciência como fuga, com prejuízo de
registro. É também descrita a evocação panorâmica, na qual o paciente pode
sentir que está rapidamente revivendo longos períodos de sua vida.

Perturbação Afetiva da Memória


A memória não é impactada apenas por lesão orgânica do próprio cérebro; ela
também é afetada pela emoção. Isto certamente ocorre em pessoas normais,
saudáveis, nas quais o estado afetivo influencia fortemente os processos de
lembrança e esquecimento. Também ocorre em portadores de psicoses afetivas e
esquizofrênicas, de neuroses e de transtornos de personalidade. A depressão está
ligada a problemas de memória relatados pelos próprios pacientes. Há também
evidência significativa de associação entre depressão e déficit geral de memória.
Considera-se que transtornos de humor, como a depressão, reduzem o volume de
recursos de processamento cognitivo disponíveis para determinada tarefa, e no
domínio da memória isto se manifesta como déficits de elaboração, organização,
codificação e recuperação de material para e da memória (Dalgleish e
Cox, 2002). Há também evidências de que memórias podem ser enviesadas por
material carregado afetivamente, de forma que as informações que contêm
valência emocional têm mais probabilidade de evocação quando congruentes
com o humor da pessoa durante a evocação. Este efeito de memória congruente
com o humor é semelhante, mas diferente da memória dependente do estado, que
se refere à distorção de memória na qual o material aprendido em determinado
estado de humor é mais facilmente resgatado quando a pessoa se encontra
naquele mesmo estado de humor.

Esquecimento seletivo
No esquecimento normal, há uma perda ou acesso diminuído a informações
recentemente adquiridas e armazenadas. As taxas de esquecimento são
influenciadas pela significância pessoal da informação, pelo estilo conceitual da
pessoa, pelo grau de processamento e elaboração da informação e pela idade. É
provável que o esquecimento normal seja determinado pelo desuso ou
interferência de aprendizados mais recentes ou materiais mais vívidos e apoiados
em processos fisiológicos ou metabólicos (Lezak et al., 2004). Além disso,
existem duas formas de interferência: proativa e retroativa. Na interferência
proativa, o material que se acabou de aprender interfere na evocação do material
que foi aprendido antes. Na interferência retroativa, o material que foi aprendido
antes interfere na evocação do material que se acabou de aprender (veja Eysenck
e Keane, 2010 para uma análise mais completa).
No entanto, o processo de repressão ou esquecimento seletivo sugere que o
esquecimento não se reduz simplesmente a erros nos mecanismos de
preenchimento e resgate. O esquecimento está sujeito à influência do afeto: quais
sensações são registradas, quais são retidas e por quanto tempo esta informação
estará disponível para evocação. Segundo Freud (1856–1939), memórias
traumáticas ou ameaçadoras são mantidas fora da mente consciente pelo
mecanismo da repressão. Existem outras formas de esquecimento ativo,
incluindo o esquecimento motivado que inclui a repressão como um exemplo e
também o esquecimento deliberado do local onde deixamos nossos óculos ontem
quando estamos procurando por eles hoje! O esquecimento dirigido é o termo
empregado para o processo pelo qual usamos ativamente processos de controle
executivo dentro do córtex pré- frontal para esquecer itens que não desejamos
evocar. Desta forma, o esquecimento é certamente um processo importante e
normativo.

Falsificação da memória
A falsificação da memória ocorre, até certo ponto, devido à interação da
memória com o afeto. Isto foi comentado por Nietzsche (1889): “Eu fiz isso, diz
minha memória; Eu não posso ter feito isso, diz meu orgulho, e permanece
inflexível. Por fim, a memória desiste.”
Na pseudologia fantástica – mentira fluente plausível – os relatos inverídicos
são geralmente grandiosos e extremos. As perguntas são respondidas com
fluência e a pessoa que as relata crê implicitamente na história que conta. Isto,
em geral, ocorre em um transtorno de personalidade associado ao tipo histriônico
ou antissocial e, muitas vezes, quando o indivíduo está passando por uma grave
crise na vida, como enfrentar um processo criminal. O quadro é de uma pessoa
muito isolada, sem família ou amigos, que se envolve em acidente e entra no
serviço de pronto-atendimento de um grande hospital em uma cidade estranha,
tarde da noite, com histórias de suas próprias conquistas e importância e das
vicissitudes que enfrentou. Há sobreposição com o chamado Transtorno Factício.
Em transtornos de personalidade e também em transtornos afetivos,
especialmente em períodos de forte emoção, a memória é falsificada e
distorcida, e eventos e circunstâncias são desvirtuados. A recomendação dos
médicos pode ser extremamente mal interpretada. Um oftalmologista examinou
os olhos de uma paciente deprimida e informou-a de que sua acuidade visual era
satisfatória e que não necessitava de tratamento. Esta relatou a seu psiquiatra que
sua “visão seria ruim para sempre e o oftalmologista me disse que não há nada a
ser feito”.
O déficit de memória é uma característica de estados orgânicos. Quando há
falha de raciocínio e julgamento pode ocorrer falsificação. Assim, os delírios
grandiosos e distúrbios da memória da paresia geral podem resultar em
falsificações e distorção dos eventos recordados. Da mesma forma, a
confabulação, como na síndrome de Korsakoff, está associada à falsificação.
Na esquizofrenia, situações relembradas frequentemente assumem um novo
significado: “Lembro que na semana passada, três carros vermelhos estavam me
seguindo em um semáforo em Stafford (...) eu percebi que estava envolvida com
política.” Isto foi relatado por uma paciente que repentinamente passou a
acreditar que todas as suas ações estavam sendo observadas e,
subsequentemente, que seu comportamento estava sendo controlado. A memória
é exata, mas o significado é distorcido. Devemos fazer a distinção entre
memórias delirantes, nas quais a experiência delirante primária é uma memória
verdadeira com interpretação delirante, e falsificações delirantes retroativas.
Estas ocorrem quando o paciente data o seu delírio para um período anterior ao
do início sua doença, com base na mistura de eventos verdadeiros recordados
com elaboração delirante do significado de tais eventos. Isto foi descrito por
alguns autores como uma forma de confabulação (Nathaniel-James e Frith,
1996; McKenna et al., 2009). No estudo original, no qual o sujeito recebia
narrativas e devia memorizá-las, a confabulação foi definida como recordação de
informações que não estavam presentes na narrativa original. O grau de
confabulação foi relacionado com problemas de supressão de respostas
inadequadas e alterações formais do pensamento. McKenna et al. (2009)
concluem que “Não há dúvida que o fenômeno da confabulação pode ser
observado na esquizofrenia. Está claro que não é nada comum de forma
espontânea e, quando efetivamente ocorre, sempre parece tomar a forma das
chamadas confabulações fantásticas (...) Confabulações simples, momentâneas
ou provocadas, por outro lado, parecem ser bastante comuns.”
A inexatidão da lembrança é algumas vezes denominada paramnésia.
Ocorrendo também em estados normais e em transtornos de personalidade, é
uma característica proeminente dos transtornos afetivos. Uma mulher com
depressão falsificava os acontecimentos de sua vida: “Eu não sou casada, meus
filhos são ilegítimos. Nós não compramos esta casa. Nós estamos falidos.”
Nenhuma dessas afirmações era verdadeira e a falsificação de sua memória
ocorreu devido a seu grave humor depressivo. A memória em si era correta, mas
ao se rebater qualquer fato, eram dadas outras explicações depressivas aos
eventos. A certidão de casamento, por exemplo, foi descrita como uma
falsificação e explicações legais complexas foram dadas para o fato de a casa
não pertencer a ela ou a seu marido. Na mania, eventos ou opiniões inaceitáveis
podem ser colocados de lado como se não tivessem ocorrido e objetivos não
realistas são buscados como se não houvesse nada impedindo a sua conquista.

Alterações psicogênicas da memória


Criptomnésia é a experiência de não lembrar que se está lembrando! Uma pessoa
faz um comentário espirituoso ou compõe uma melodia fascinante, sem se dar
conta de que está citando (plagiando), em vez de produzindo algo original. O
processo é visto quando palavras ou frases se tornam de uso popular por alguns
meses ou anos por algum processo de divulgação de massa, no qual as pessoas
que usam a expressão acreditam estar introduzindo uma ideia nova.
Geralmente, experiências desagradáveis e desconfortáveis não são lembradas
de forma precisa ou completa – “o esquecimento do desagradável”. Trata-se de
um defeito de evocação que pode ser visto como um mecanismo de defesa bem-
sucedido, que ajuda a manter a integridade da pessoa. No entanto, no afeto de
desesperança, a reativação de memórias de fracassos anteriores é uma razão
frequente para a perpetuação do pensamento e comportamento neuróticos
(Engel, 1968). A amnésia psicogênica pode surgir sem a presença de qualquer
doença orgânica, mas a presença de doença orgânica cerebral é sempre
modificada por fatores psicogênicos (Pratt, 1977).
O erro na nomeação de objetos e a perda momentânea de memória de palavras
em pessoas saudáveis* pode ser o resultado da recuperação falha de itens
armazenados na memória de curto e de longo prazo, e não da explicação
psicanalítica de repressão. Tais erros podem ser categorizados como fonêmicos
ou semânticos; os erros fonêmicos tendem a ocorrer em depósitos de curto-prazo
de até 30 segundos, e os semânticos em depósitos de longo-prazo após mais de
cinco minutos (Shallice e McGill, 1977).
Fuga Dissociativa (Histérica)
Os sintomas referentes aos transtornos dissociativos (ou conversivos) – histeria –
na Classificação Internacional de Doenças (OMS, 1992) são de dois tipos:
conversão e dissociação. Na dissociação, há um estreitamento do campo da
consciência com subsequente amnésia do episódio. De certa forma, os sintomas
dissociativos representam para o leigo uma impressão de “loucura”. Nos estados
dissociativos de fuga (histérica), há um estreitamento da consciência com fuga
dos locais habituais e amnésia subsequente. A pessoa parece estar em bom
contato com seu ambiente e normalmente se comporta adequadamente mantendo
o autocuidado básico, apesar de algumas vezes mostrar desinibição.
Frequentemente ocorre a perda ou adoção de uma falsa identidade. A duração do
episódio pode variar bastante, indo de algumas horas a várias semanas e a pessoa
pode percorrer distâncias consideráveis. Um cidadão de Birmingham, no Reino
Unido, descreveu um estado no qual ele “deu por si” em uma cidade que ele não
reconhecia e onde as pessoas falavam francês. Ao caminhar pelas ruas,
descobriu-se perto de um aeroporto e, para sua surpresa, viu que estava em
Montreal. Relevante em sua aventura foi a história de uma grave discussão e
rompimento de seu casamento pouco antes da decolagem. Assim, as
características da fuga dissociativa são amnésia dissociativa, deslocamento
motivado maior que o usual e manutenção de autocuidados básicos (OMS,
1992).

Síndrome de Ganser
O texto original de Ganser (1898) tem sido muito mal compreendido. Nele, ele
descreveu quatro criminosos que apresentavam os seguintes sintomas:
▪ Vorbeigehen (passar por) ou respostas aproximadas, descritos por Ganser:
“Na escolha de respostas, o paciente parece ignorar deliberadamente a
resposta correta indicada e selecionar uma resposta falsa, que qualquer
criança reconheceria como tal.”
▪ Turvação da consciência com desorientação.
▪ Estigmas “histéricos”.
▪ Histórico recente de traumatismo craniano, tifo ou estresse emocional grave.
▪ “Alucinações” auditivas e visuais (por sua descrição assemelhadas a
pseudoalucinações).
▪ Amnésia durante o período no qual os sintomas acima se manifestaram.
A síndrome de Ganser é vista muito raramente nas prisões inglesas, mas,
quando ocorre, é mais provável naqueles que estão aguardando julgamento do
que nos que já receberam a sentença (Enoch, 1990).
Tem se discutido se esta condição é primariamente histérica ou uma psicose
orgânica, com diferentes autores se dividindo entre as duas posições (Latcham
et al., 1978). Um caso que ilustrou os elementos tanto histéricos (dissociativos)
quanto orgânicos foi o de uma estudante universitária de 20 anos de idade que
sofreu lesão cerebral, com concussão, quando estava na Itália. Sua personalidade
pré-morbida era acentuadamente histriônica e teatral e aos 13 anos ela havia
desenvolvido uma incapacidade histérica de andar durante algumas semanas.
Após ser transferida do hospital italiano para a Inglaterra, ela demonstrou
respostas aproximadas da seguinte forma:
Pergunta: “Qual é a capital da Itália?”
Resposta: “Nápoles.”
Pergunta: “Quantas pernas tem uma centopeia?”
Resposta: “Sete.”
Isto foi acompanhado por interferência no tratamento de outros pacientes,
comportamento sedutor com os funcionários do sexo masculino, mudanças de
humor e modos frívolos. Nos testes em série de função intelectual na Escala
Wechsler de Inteligência Adulta (Wechsler Adult Intelligence Scale), os testes
iniciais 12 dias após a lesão craniana tiveram que ser interrompidos; decorrido
um mês havia um prejuízo acentuado, pior para desempenho do que para itens
verbais. Por fim, a função intelectual retornou a seu nível pré-mórbido, que era
superior, após nove meses. Whitlock (1967) considera que a distinção entre
síndrome de Ganser e pseudodemência está no distúrbio da consciência, presente
na primeira e não na última. No entanto, algumas vezes a turvação da
consciência em um estado orgânico não pode ser diferenciada do estado mental
alterado de transtorno dissociativo quando não há outros sinais orgânicos.
Enoch e Trethowan (1979) consideraram as quatro principais características
da síndrome de Ganser:
▪ Respostas aproximadas
▪ Turvação da consciência
▪ Características de conversão somática
▪ Pseudoalucinações (nem sempre presentes)
Devemos salientar que respostas aproximadas não são inexatidões aleatórias
de adivinhações rápidas, e sim reações que aparecem deliberadamente por não se
possuir a resposta correta. Estes autores consideram a síndrome como uma
reação dissociativa histérica e apontaram a semelhança de características com
aquelas exibidas por pessoas normais solicitadas a simular doença mental, com a
diferença que os sujeitos com Ganser eram subsequentemente amnésicos em
relação ao seu comportamento anormal. Ungvari e Mullen (1997) classificaram a
síndrome de Ganser junto com o grupo controverso de psicoses reativas, de
forma que um evento estressante da vida é o fator usual de predisposição.
Cutting (2011) tem uma nova e original abordagem da síndrome de Ganser.
Baseado no estudo de diversos casos, incluindo dois dele próprio, ele concluiu
que a síndrome de Ganser pode ser parte de uma doença depressiva ou de um
déficit temporário no conhecimento léxico ou semântico do hemisfério esquerdo.
Cutting argumenta que o déficit de conhecimento que se observa na síndrome de
Ganser não é de modo algum histérico, e sim a manifestação de um tipo
específico de déficit cognitivo.

Memória Recuperada e Síndrome da Falsa Memória


Atualmente, este é um dos temas mais debatidos na psiquiatria e na psicologia
clínica. Aqueles que trabalham com sobreviventes de experiências traumáticas
notaram em seus pacientes a recuperação de memórias adicionais durante as
seções clínicas após a aparente amnésia psicogênica por longo período, às vezes
por décadas. A memória recuperada tem sido especificamente associada ao
retorno de uma lembrança de abuso sexual na infância. Brewin (1996) analisou a
evidência de “esquecimento” de tais eventos, que são recordados após muitos
anos e os mecanismos que podem ser responsáveis pela amnésia. Ele conclui que
memórias podem ser recuperadas de amnésia total e que muitas vezes podem ser
bastante precisas. Por outro lado, tais “memórias” podem ser total ou
parcialmente inexatas.
O termo síndrome da memória falsa começou a ser empregado em 1992,
quando a False Memory Syndrome Foundation foi criada para representar os
interesses dos pais que foram acusados de abuso sexual de seus filhos. Na
opinião de Merskey (1998), aqueles que sofrem da síndrome da memória falsa
são geralmente mulheres que participam de algum tipo de psicoterapia. Elas
reportam abuso sexual na infância, alegando ter esquecido e apenas se lembrado
na idade adulta, tendo sido a lembrança reprimida por períodos que vão de 8 a 40
anos. Considera-se que estas “memórias” foram implantadas durante a terapia
por um processo de sugestão, semelhante ao que ocorre no transtorno de
personalidade múltipla. Outra situação em que se pensou que falsas memórias
foram desenvolvidas foi dentro de creches, nas quais os cuidadores foram
expostos a acusações graves e bastante bizarras.
Há evidência empírica que demonstra que há diferença entre os indivíduos
cujas memórias recuperadas são lembradas em terapia, e aqueles cujas memórias
foram evocadas fora da terapia e um terceiro grupo, cujas memórias de abuso
foram contínuas desde a infância até a vida adulta. No primeiro grupo, houve 0%
de evidência corroborativa enquanto nos outros dois grupos, 45% e 37%. Além
disso, aqueles que recuperaram memórias fora de terapia foram capazes de
suprimir pensamentos que provocavam ansiedade em relação a tais eventos,
quando comparados a pessoas que recuperaram memórias em terapia e ao grupo
com memórias contínuas, o que sugere que mulheres com memórias recuperadas
fora da terapia são especialmente adeptas a suprimir memórias emocionais sob
condições de laboratório, confirmando sua propensão a permanecer
inconscientes de memórias traumáticas por longos períodos antes de sua
recuperação (Geraerts et al., 2007, 2008).

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Description and Diagnostic Guidelines. Geneva: World Health Organization; 1992.

*
Nota da Revisão Técnica: Tais alterações, em português, são chamadas parafasias
SEÇÃO 3
Consciência da Realidade: Tempo,
Percepção e Julgamento

Capítulo 6: Alterações da Vivência do Tempo


Capítulo 7: Alterações da Percepção
Capítulo 8: Delírios e Outras Ideias Errôneas
Capítulo 9: Perturbações do Processo de Pensamento
Capítulo 10: Distúrbios da Linguagem e da Fala
Capítulo 11: Insight
CAPÍTULO 6

Alterações da Vivência do Tempo

Tempo e espaço estão sempre presentes nos processos sensoriais. Eles


não são objetos primários em si mesmos, mas investidos de toda
objetividade. Kant os chama de “formas de intuição”. Eles são universais.
Nenhuma sensação, objeto sensível ou imagem está isento deles. Tudo
que nos é apresentado no mundo chega a nós em termos de espaço e
tempo e é somente nestes termos que os vivenciamos.
Jaspers (1959)

Resumo
O tempo é essencial para a forma como os seres humanos vivenciam o mundo.
Embora seja difícil definir, existem aspectos claros como duração, sequência,
sincronia, ritmo, passado, presente, orientação futura e deslocamento
unidirecional do tempo, que são facilmente reconhecíveis e entendidos pela
maioria das pessoas sem a necessidade de maiores elaborações. Há também uma
relação importante com o espaço e noções do eu. Em termos gerais,
anormalidades da vivência do tempo podem ser divididas entre aquelas que
afetam o tempo objetivo e aquelas que afetam seus aspectos subjetivos. Também
existem as influências dos ritmos circadianos, estações do ano, ciclos mensais e
períodos de vida que devem ser salientadas.
Na citação, Jaspers chama a atenção para a maneira como os seres humanos
vivem no tempo e no espaço e como toda experiência subjetiva é mediada por
espaço e tempo. Jaspers prossegue:

“Se quisermos nos apropriar dessas coisas primárias com boa


terminologia, podemos dizer que ambas representam a existência
desfeita do Ser, separada de si mesmo. Espaço é o ser estendido (o lado
a lado) e tempo é o ser sequencial (um depois do outro).”
A sensação do tempo é certamente central ao conceito de eu e sua relação com
o mundo exterior. Mas o que é exatamente tempo e como ele é vivenciado?
Barbara Adam (1995) em seu livro Time Watch entrevistou diversas pessoas
sobre como elas vivenciam o tempo e algumas das respostas são instrutivas e
úteis:

“Como o tempo entra na minha vida? Eu nasci e agora tenho 15 anos.


Usamos a palavra quando perguntamos que horas são. Falamos sobre
hora de fechar, hora do jantar e que o tempo acabou. O que o tempo é,
isto é mais difícil de dizer. Não é uma pessoa, não é uma coisa, não é
um vegetal. É um período e unidades, o dia dividido em horas, minutos e
segundos. Mas também divide o passado do futuro (...) O tempo é agora,
este exato segundo. Mas eu não sei o que é que a gente divide em
unidades. Acho que é uma ilusão, já que não há nada a ser dividido.”

“Para mim o tempo é uma dimensão onde tudo se move e acontece.


Juntamente com o espaço, é uma estrutura universal. Não podemos nos
mover pelo espaço sem tempo e vice-versa, o que significa que não
podemos passar, gastar ou determinar tempo sem ocupar um espaço.
Nada existe ou acontece sem tempo e espaço.”

A própria Adam enfatizou diversos aspectos do tempo como segue:

“Assim, pensar sobre o tempo envolve ritmo com variações, uma


estrutura dinâmica de enquadramento, sincronização, duração,
sequência, ritmo e intensidade. Este conjunto de características do
tempo está implicado em todos os níveis da existência, dos mais físicos
dos movimentos planetários, via ritmos fisiológicos, até padrões de
organizações sociais; do que é aceito sem questionamento por via do
invisível, até o óbvio; do imposto por via do vivido, até uma construção
cultural.”

“Vinculado a estes processos está uma unidirecionalidade irreversível,


uma flecha de tempo. Não pode haver rejuvenescimento,
desconhecimento, uma reconstituição da poluição de volta para dentro
da aeronave.”

Esses relatos indicam que o tempo é de difícil definição, mas que existem
alguns aspectos claros como duração, sequência, sincronia, ritmo, passado,
presente, orientação futura e flecha de tempo. Existe também uma relação
importante entre o espaço e a noção de eu, especialmente em relação à própria
identidade, tema que já foi estudado por muitos pensadores, inclusive por Kant
(veja Crítica da Razão Pura).
Temos a sensação de que o tempo deixa uma marca nos mais diversos
aspectos da vida humana, mas de uma forma que sua influência não é geralmente
reconhecida. Além da dimensão explícita, como as formas de medição, existe
uma dimensão do tempo na memória, na linguagem (dada a dependência da
sequência e ordem de palavras para o significado explícito), no ritmo e ordem
das notas na música e em todas as ações que envolvem movimentos simbólicos,
como dança, esportes etc. De forma mais velada, o tempo está envolvido em
conceitos como expectativa, desejo, esperança, oração e até mesmo a morte.
Essas últimas ideias evoluíram dos trabalhos de Eugene Minkowski (1885–
1972), um psiquiatra fenomenologista.
O distúrbio da vivência do tempo é um indicador significativo de que algo não
está bem no eu ou em seus mecanismos. A percepção do tempo e os transtornos
de ritmo biológico serão considerados separadamente neste capítulo. Não há
consenso sobre a classificação dos transtornos do tempo. No entanto, é possível
dividir tais transtornos em duas categorias: transtorno do tempo objetivo e
transtorno do tempo subjetivo (Quadro 6.1).

Quadr o 6.1 Classificação do transtorno do tempo

Transtorno do tempo objetivo


▪ Transtorno da consciência de tempo: desorientação no tempo, desorientação
da idade
▪ Transtorno da duração do tempo
▪ Transtorno da cronologia (ordem temporal)
Transtorno do tempo subjetivo
▪ Transtorno do fluxo do tempo
▪ Transtorno da direção do tempo
▪ Transtorno da singularidade do tempo
▪ Transtorno da qualidade do tempo

Tempo objetivo (relógio) e tempo subjetivo


(pessoal)
Uma distinção importante é aquela entre o tempo objetivo (relógio) e o tempo
subjetivo (pessoal). O tempo objetivo - tempo cronológico, físico ou histórico – é
quantitativo e independente do eu. Baseia-se na medição precisa e é objetivo na
maneira como é compartilhado com os outros e passível de comprovação. O
tempo subjetivo é a experiência interior, subjetiva, do tempo. Estas duas formas
de percepção do tempo podem ser afetadas por enfermidades psiquiátricas.
Assim, o tempo objetivo pode ser alterado, de forma que o conhecimento do
tempo, ou seja, a orientação do tempo, inclusive desorientação quanto à idade e
percepção da duração do tempo e da cronologia, pode ser afetada adversamente.
Também o tempo subjetivo pode ser alterado, afetando a experiência de duração
do tempo, seu fluxo, significado, singularidade e sucessão.

Os ritmos biológicos e o tempo


Embora nossas unidades de tempo sejam, até certo ponto, arbitrárias, o tempo
natural e biológico opera dentro de períodos definidos. Os quatro períodos que
têm maior relevância para o transtorno mental são os ritmos circadianos (cerca
de 24 horas – noite e dia), ciclos mensais, variações sazonais e épocas da vida
(do nascimento à morte). Todos esses ritmos são importantes para o estado
mental em tempos de saúde e formam a base para condições como despertar
matinal precoce na depressão, tensão pré-menstrual, transtorno afetivo sazonal e
melancolia involutiva. Muitos desses ritmos biológicos com variação do humor
são mediados bioquimicamente pelo sistema endócrino.
O tempo pessoal (e também, em menor extensão, o tempo do relógio) é
frequentemente descrito em relação a esses ritmos biológicos. Toda a nossa
noção da progressão de tempo está intimamente relacionada com os processos de
funcionamento corpóreo: nascimento, crescimento e decadência.

Alteração do Tempo Objetivo


A capacidade de separar eventos em passado, presente e futuro, mesmo quando
limitada; a capacidade de estimar duração; e a capacidade de colocar eventos na
sequência correta, é necessária para a execução satisfatória de processos
intelectuais. O distúrbio da percepção de tempo está intimamente associado a
perturbações da consciência, atenção e memória.

Desorientação no tempo
A desorientação no tempo é demonstrada pela incapacidade de dizer as horas
corretamente sem recorrer ao relógio, de nomear a data, o dia e a estação do ano.
Este déficit está intimamente ligado a distúrbios de atenção, concentração,
consciência e memória, e é uma característica de delirium e de demência.
Também representa um bom critério clínico para a distinção entre transtornos
orgânicos e funcionais (Cutting, 1997). A segunda anormalidade é a
incapacidade de avaliar a duração do tempo e esta também é afetada em estados
orgânicos.

Desorientação quanto à idade


O termo desorientação quanto à idade foi empregado pela primeira vez por
Zangwill (1953) em relação à síndrome de Korsakoff para descrever “uma
desorientação fixa e estável para idade, impermeável à correção lógica”. A
desorientação quanto à idade, hoje definida como uma discrepância de cinco
anos entre a idade real do paciente e a idade que o paciente afirma ter, se
correlaciona clinicamente com o déficit intelectual na esquizofrenia crônica
(Crow e Stevens, 1978). Esses pacientes eram muito menos capazes que os
demais pacientes com esquizofrenia crônica sem desorientação quanto à idade de
responder perguntas sobre datas e duração do tempo. Eles sistematicamente
subestimaram o ano corrente e a duração de sua internação e, algumas vezes, sua
própria idade.
Isto fornece um suporte quantitativo à observação de que para alguns
pacientes crônicos “o tempo parou”; eles permanecem no cenário cultural da
época em que desenvolveram a doença. Tais pacientes tendem a usar expressões
idiomáticas, cantar as canções populares, vestir as roupas da moda e contar
piadas características do período anterior ao aparecimento de sua doença. É um
erro acreditar que eles estão se entregando à nostalgia; sua vida cultural está
ainda firmemente fixada naquele período específico. Não apenas na enfermaria
de um hospital psiquiátrico antigo, mas também em um albergue comunitário,
esses pacientes vivem em sua própria cápsula do tempo, com muros invisíveis,
mas impregnáveis.

Perturbação da duração do tempo


A estimativa da duração do tempo tem sido estudada com o emprego de diversos
métodos, mas os resultados não são consistentes. Medições objetivas da
estimativa da passagem do tempo, por exemplo, mostram que pacientes com
enfermidades depressivas tendem a subestimar a passagem de 30 segundos, em
média, com diferença de seis segundos. Isto é comparável à superestimação da
passagem do grupo de controle, com diferença média de 10 segundos (Kuhs
et al., 1991). Isto significa que pacientes depressivos, em média, estimaram uma
duração de 30 segundos como 24 segundos e o grupo de controle estimou uma
duração de 30 segundos como 40 segundos. Em outras palavras, o tempo
aparentava fluir mais vagarosamente para pacientes com depressão em relação
ao grupo de controle. É importante enfatizar que isto se refere a uma estimativa
da passagem de um tempo momentâneo. Outras investigações demonstraram
uma superestimação da duração do tempo na depressão (Kitamura e
Kumar, 1984; Munzel et al., 1988). Há mais consenso na experiência subjetiva
do tempo na depressão (veja a seguir).

Peturbação da cronologia (ordem temporal)


A memória da ordem temporal de eventos é um aspecto do sentido do tempo que
é frequentemente ignorado. Há evidências de que pacientes com lesões
diencefálicas, quando comparadas a lesões no lobo temporal medial, possuem
déficits distintos em tarefas de ordem temporal. Esses pacientes são incapazes de
indicar corretamente a ordem temporal de palavras aprendidas em uma lista ou
em uma sequência de apresentação de estímulo específico. Isto levou a sugerir
que estruturas diencefálicas podem ter um papel na codificação de informação
temporal (O’Connor e Verfaellie, 2002). Lesões no lobo frontal também estão
associadas a déficits de função em tarefas de ordem temporal. Além disso, sabe-
se que um aspecto da codificação de ordem temporal, designado estimativa de
frequência, que envolve estimar a frequência com que ocorreu um evento, é
prejudicado por lesões no frontal esquerdo, mas não no temporal (Baldoa e
Shimamura, 2002).
Foram reportados transtornos clinicamente significativos de ordem temporal
para eventos passados e atuais. Estes tomam a forma de memória intacta para
eventos autobiográficos, porém deficitários na determinação da duração e
momento dos eventos. Tais prejuízos estão associados a lesões orgânicas no giro
do cíngulo, nos lobos parietais e nas regiões frontais anteriores esquerdas
(Cutting, 1997).

Alteração do Tempo Subjetivo (Pessoal)


A alteração do tempo subjetivo é caracterizada por anormalidades na forma
como o tempo é vivenciado. Isto pode envolver a experiência de (a) fluxo de
tempo, (b) direção do tempo, (c) singularidade do tempo e (d) qualidade do
tempo. Estes transtornos são o ponto central da forma como o mundo é
vivenciado. Por definição, qualquer alteração no modo como o tempo é
vivenciado influenciará a experiência do mundo objetivo e pode levar a
percepções do mundo objetivo com uma tonalidade estranha.

Perturbação do fluxo do tempo


O fluxo (passagem) do tempo pode desacelerar ou acelerar. Em alguns casos,
pode ficar preso e permanecer como está. O conto de Tolstoy (1895) Master and
Man imita a vida – ou a morte. Perdido na noite em uma montanha de neve na
Rússia, seu personagem, Vasilii Andreich,

“Levantou e deitou dezenas de vezes. A noite parecia não ter fim. ‘Já
deve estar para amanhecer’, ele pensou enquanto se erguia e olhava ao
redor. ‘Vou verificar no relógio’ (...) Ele não podia acreditar em seus olhos
(...) Ainda era meia-noite e dez. Ainda tinha a noite inteira pela frente.”

O tempo, como uma modalidade da experiência pessoal, é alterado nos


transtornos de humor. Observou-se que, tanto clínica quanto experimentalmente,
pessoas com enfermidade depressiva sentem o tempo passar devagar (Wyrick e
Wyrick, 1977). Lewis (1967) cita um paciente deprimido com psicose funcional
afetiva:

“Tudo parece muito mais longo. Eu diria que era de tarde, embora digam
que é meio-dia. Eles sempre me dizem que é mais cedo do que eu
penso (...) e parece que estou errado e não posso evitar a sensação de
que estou certo (...) não consigo ver o fim em qualquer coisa, somente o
fim do mundo.”

O fluxo de tempo pode ser paralisado de tal maneira que aparenta estar
parado, que de algum modo tudo o que é temporal terminou. Isto é descrito, não
raro, na depressão psicótica. Um paciente diz: “Eu parei de ser, simplesmente
parei, todo o resto parou também.” A incessante marcha sequencial de eventos
não impressiona mais a pessoa com sua inevitabilidade.
Esta sensação de que o tempo parou pode também ser vivenciada em estados
de êxtase, nos quais a pessoa pode sentir que existe no passado, no presente e no
futuro, tudo ao mesmo tempo. Tais estados podem ocorrer na mania, em algumas
condições neuróticas ou em pessoas normais que estejam passando por uma
experiência psicológica excepcional.
Quando a alteração da vivência da passagem do tempo ocorre no quadro de
depressão, o humor depressivo também é aparente. Outro paciente de Lewis
(1967) disse:

“Eu nunca sei o que vai acontecer. É a mais terrível perspectiva que eu
já tive que enfrentar. É tudo eterno. Tenho que sofrer eternamente.”

E um dos pacientes de Minkowski (1970) disse:

“Continuo a viver agora na eternidade; não existem mais horas ou dias


ou noites. Do lado de fora as coisas continuam, as frutas nas árvores se
movem para lá e para cá. Os outros caminham pela sala, mas o tempo
não flui para mim. Meu relógio funciona como antes (...) Às vezes
quando as pessoas correm rápido pra cima e pra baixo nos jardins ou
quando o vento levanta as folhas, eu gostaria de viver novamente como
antes e poder correr interiormente com eles, de maneira que o tempo
voltasse a passar.”

Nestes exemplos, os pacientes estão tentando ao máximo descrever o


indescritível, a experiência de o tempo parar. Além desta experiência, também
temos o fenômeno relacionado, e ao mesmo tempo distinto, de viver o instante e
este sentimento está ligado à noção de finitude e falta de continuidade:

“Eu vivo na instantaneidade. Não tenho mais a sensação de


continuidade (...) Quando eu termino alguma coisa, eu tenho a sensação
de que não vou conseguir fazer mais nada depois, ou de fazer qualquer
coisa pela última vez, ir jantar, por exemplo.”
(Minkowski, 1970)

Esta última frase é talvez a chave da psicopatologia anormal. O significativo é


o humor anormal associado ao sentido de tempo; portanto, os pacientes
depressivos internados apresentavam uma tendência significativamente maior de
sentir que o tempo estava passando mais lentamente do que os “controles”
saudáveis (Kitamura e Kumar, 1982).
Na mania, o tempo passa rapidamente, mas o quadro não é nítido na
esquizofrenia (Orme, 1966). Sabe-se que o fluxo do tempo também é afetado em
condições orgânicas do cérebro. Pacientes com a síndrome de Korsakoff
subestimam a passagem do tempo e pessoas que tiveram talamotomia vivenciam
o fluxo do tempo de modo acelerado (Cutting, 1997).
Um déficit diferente do fluxo do tempo, apesar de relacionado, é o fenômeno
Zeitraffer. Este é literalmente um fenômeno de lapso de tempo. Foi descrito pela
primeira vez na literatura alemã nos anos 1930 e Cutting (1997) agora o trouxe à
atenção da comunidade de língua inglesa. Seus traços característicos são:
1. Aceleração ou desaceleração de eventos.
2. Sua associação com a velocidade aumentada, tom e volume das percepções
auditivas.
3. Alterações na fluência de movimentos observados.
Também podem ocorrer alucinações visuais, experiência anômala de espaço,
como distorções de linhas horizontais e verticais. Este fenômeno
invariavelmente ocorre em um quadro de doenças cerebrais orgânicas agudas
como um acidente cerebrovascular.
O caso original foi descrito por Hoff e Potzl (1934, citado em Cutting, 1997):

Primeiro, médicos e enfermeiras estavam se movimentando com passos


medidos, de forma determinada, como se estivessem em um filme.
Depois o ritmo das coisas ficou muito irregular, às vezes com passos
furiosos, “como imagens animadas rapidamente”, como se as pessoas
estivessem em “uma corrida” (...) A música, que vinha da sua esquerda,
soava alto e era muito rápida, como se “diversos rádios estivessem
tocando ao mesmo tempo (...) como se os instrumentos quisessem
mostrar o barulho de que são capazes de produzir”. Às vezes, a fala de
outras pessoas parecia excessivamente rápida e incompreensível,
“como se os médicos e as enfermeiras estivessem treinando para um
recorde mundial”. No entanto, se falassem com ele diretamente, a taxa
aparentava normalidade e ele conseguia entender bastante bem. Era
quando alguém falava à esquerda que soava mais estranho – mais
estridente, mais alto e mais rápido do que à direta.

Perturbação na direção do tempo


Parece um aspecto essencial da nossa experiência de tempo que a flecha do
tempo viaja do passado para o presente em direção ao futuro. É incompreensível
que alguém possa vivenciar o tempo como se eventos estivessem sendo
“rebobinados”, para trás. Este fenômeno foi reportado por um dos pacientes de
Lewis (1967):

“Sempre que alguém me dizia alguma coisa, fazia referência a uma parte
da minha vida (...) Uma mente estava vivendo para trás e minha mente
para frente.”
Outro dos pacientes de Minkowski (1970) disse:

“Não existe mais presente, somente a sensação do passado. Existe


futuro? Já existiu, mas agora está encolhendo. O passado é tão invasivo
(...) Vou te dar um exemplo de como é. Sou como uma máquina que
funciona mas não sai do lugar. Vai a toda velocidade mas permanece no
mesmo lugar. Sou como uma flecha em chamas que você lança para
frente; e de repente ela para, cai e é finalmente apagada como se
estivesse no vácuo. Ela é lançada para trás.”

Perturbação da singularidade do tempo


Parte de nossa vivência do tempo é a sensação da singularidade, momentânea ou
não, que vivemos. Esta singularidade da experiência do tempo é representada
nos eventos únicos que o povoam. Isto significa que a vivência recebe uma
identidade única a partir do contexto, dos eventos que se desenrolam em
determinado lugar, de determinadas personalidades e da associação com
emoções específicas. Estas coordenam o registro da hora cem cessar, associando
um sentimento específico e único.
A experiência de déjà vu pode ser conceituada como uma alteração da
sensação de singularidade da qual o tempo e os eventos se revestem. Quando ela
é rompida, eventos novos e o local no qual eles ocorrem parecem familiares.
Nesta conceituação, o déjà vu é a experiência desta sensação de familiaridade de
eventos e tempos que foram percebidos antes. Jamais vu é a ausência desta
sensação de familiaridade com eventos que foram encontrados anteriormente.
Em outras palavras, mesmo as situações percebidas anteriormente são
vivenciadas como novas, ou seja, como únicas.
Embora seja difícil conceituar essas vivências como transtornos do tempo, é
provavelmente mais apropriado se referir a elas como aspectos do transtorno da
memória (Capítulo 5).
Déjà vu ocorre no estado normal e em condições patológicas. O compositor
Ralph Vaughan Williams, ao descrever a primeira vez em que ouviu a melodia
usada em Dives and Lazarus, explicou: “Eu tive aquela sensação de
reconhecimento – aí está algo que conheço toda a minha vida; eu só não sabia.”
(Kennedy, 1964) A maioria das pessoas podem se lembrar de experiências
semelhantes de déjà vu. Ela é também comumente associada à epilepsia do lobo
temporal. Um paciente descreveu sua sensação antes de uma convulsão que
ocorreu em um hospital: “Eu fui à cozinha. Parecia que eu já havia visto aquela
janela antes. Foi uma sensação muito peculiar.” O Déjà vu e o jamais vu são
frequentemente descritos na esquizofrenia.
O Déjà vu pode ser produzido com estimulação cerebral. Penfield e
Kristiensen (1951) conseguiram reproduzir uma sensação de familiaridade com
estimulação de um eletrodo cerebral em pacientes epilépticos. Esta estimulação
claramente produziu uma alteração na sensação de familiaridade e não uma
anormalidade de memória. Foi uma perturbação da sensação de reconhecimento
que acompanha a evocação no processo de memória. Janet considerava o déjà vu
uma forma de perda da realidade ou negação do presente (Taylor, 1947),
enquanto Freud (1901) considerava que ele estava associado à evocação de
fantasias inconscientes.
De forma mais extrema, os transtornos da singularidade do tempo se
apresentam como uma reduplicação do tempo. O termo foi usado pela primeira
vez por Weinstein et al. (1952). Petho (1985) descreveu um caso onde o
principal sintoma da paciente era a crença de que ela já havia vivido esta vida
antes. A paciente vivenciou a reduplicação de todos os eventos e, em relação a
ter assistido os Jogos Olímpicos de 1976, ela disse: “Pode ser que eu vá; eu
tenho uma lembrança disso. Mas também eu tenho uma lembrança de não ir a
estes jogos, para que esta lembrança não volte para mim.”

Perturbação da qualidade do tempo


Na presença desta condição, a experiência normal da qualidade do tempo é
perdida ou de alguma forma distorcida. O que é essencial nessas experiências é
que o aspecto do tempo de “passar despercebido” é substituído por um grau de
alienação, de maneira que o tempo se torna saliente, invasivo ou até mesmo
irreal.
Na despersonalização e na desrealização, pode ocorrer a perda da sensação de
realidade em relação à experiência do tempo; também pode ocorrer alteração do
sentido da duração ou da perspectiva do tempo (Freeman e Melges, 1977). A
pessoa é capaz de avaliar um período de tempo com bastante precisão e não tem
perda de memória. No entanto, ela não tem a sensação de que coisas estão
acontecendo ou de que o tempo está passando, a anormalidade é sempre uma
anormalidade da experiência subjetiva. O próprio tempo se reveste de sensação
de irrealidade e ela se sente incapaz de iniciar uma ação.
Este fenômeno também pode ocorrer na esquizofrenia. Um dos pacientes de
Cutting (1997) disse:

“De certa maneira, o tempo mudou. O tempo não deveria ser do jeito que
é. Não sei como.”

Fischer descreveu vários casos (citado em Cutting, 1997), em um deles o


paciente diz:

“O tempo parou. Depois ficou diferente. Depois desapareceu


completamente (...) Depois apareceu um tempo novo. Este novo tempo
era infinito, mais múltiplo que o outro, quase não merece o nome ‘tempo’
como o conhecemos. De repente, eu me dei conta de que este tempo
não estava apenas na frente e atrás de mim, mas que se espalhava em
todas as direções.”

Ritmos Biológicos e sua relação com a


Psiquiatria
Todos os dias ocorrem mudanças profundas no corpo e no cérebro associadas ao
ritmo externo do mundo. Durante o dia estamos ativos e à noite dormimos, nos
recuperamos e reparamos diversas partes de nossos corpos. Este ritmo biológico
é impulsionado por um relógio interno. O principal relógio interno do corpo está
localizado nos núcleos supraquiasmáticos, um grupo de aproximadamente
100.000 neurônios localizado nos dois lados da linha média acima do quiasma
óptico, cerca de três centímetros acima dos olhos (Hastings, 1998). Há forte
evidência de que o relógio é uma propriedade autônoma dos núcleos
supraquiasmáticos e observa-se que células individuais, in vitro, continuam a
disparar ritmicamente por diversas semanas com apenas um leve desvio de 24
horas. Sabe-se que este relógio pode estar dessincronizado por mudança de fuso-
horário, turno de trabalho e depressão (Arendt, 1995). No entanto, ainda existe
bastante desconhecimento sobre associações a diferentes doenças mentais. Faz-
se aqui apenas breve referência aos ritmos diários, mensais e anuais, bem como
sua associação com as fases de vida. Entre os transtornos psiquiátricos, a maior
parte das informações se refere ao transtorno afetivo e suas associações com
ritmos diários e anuais (Thompson, 1988).

Ritmos circadianos
Na comparação do tempo interno com o tempo externo, o tempo do relógio,
estimativas repetidas de intervalos fixos de tempo mostram um aumento gradual
no tempo da estimativa, sugerindo que existe uma desaceleração do relógio
interno. Solicitou-se que os sujeitos dessem opiniões repetidas sobre a duração
de determinado intervalo de tempo; essas estimativas começavam sendo
ligeiramente mais longas que o tempo real e se tornavam progressivamente ainda
mais longas. O período intrínseco do ritmo circadiano é de aproximadamente 25
horas, mas isto é muitas vezes modificado por sugestões externas, como a luz do
dia (Wher e Goodwin, 1983). Isto se assemelha aos achados em experimentos de
vigilância, nos quais há uma diminuição gradual de eficiência. Também foi
encontrada uma maior superestimativa de intervalos fixos pela manhã, quando
comparados com a tarde, o que se considerou estar correlacionado com a
temperatura corporal. O relógio interno acelera quando a temperatura corporal
sobe.
Existem evidências circunstanciais consideráveis, mas pouca evidência direta,
de que os ritmos circadianos estão associados causalmente a transtornos afetivos
(Thompson, 1984). O despertar matinal precoce e a variação diurna de humor,
com humor mais depressivo no início da manhã, são considerados sintomas
biológicos de depressão e foram postulados como avanço de fase do ciclo sono-
vigília; isto é, cada ponto do ritmo ocorre mais cedo que o habitual em relação
ao ciclo luz-escuridão. Existe uma alteração na depressão, no sentido de que o
sono de movimentos oculares rápidos (REM) ocorre mais cedo, ao invés de mais
tarde, durante a noite, e isto também pode indicar o avanço de fase do ritmo
circadiano. A privação do sono tem sido usada com taxa variável de sucesso no
tratamento da depressão; têm sido realizadas pesquisas sobre os aspectos
genéticos e familiares da perturbação do sono, transtornos do sono na depressão
e outras alterações neuropsiquiátricas, e sobre a relação entre a perturbação do
sono na depressão e outras alterações neuroendócrinas (Linkowski e
Mendlewicz, 1993; Vogel et al., 1980).
Embora o humor matutino geralmente se manifeste com o indivíduo se
sentindo pior no início da manhã, às vezes o contrário acontece. Styron (1991)
descreve o seguinte, em relação à sua própria doença depressiva grave:

“Havia agora algo que se assemelhava a uma bifurcação do humor:


lucidez nas primeiras horas do dia, ficando enlameada à tarde e à noite.”

Na depressão, as mudanças na temperatura do corpo e nos níveis de cortisol


nas 24 horas do dia têm sido interpretadas como avanço de fase do ritmo
circadiano, mas os resultados são ambíguos. Foi investigada a ação de drogas
antidepressivas em termos do seu efeito sobre o ritmo, alongamento dos ciclos
intrínsecos de repouso, temperatura e sono; novamente, contudo, as evidências
não são claras. Estudos de corroboração de viajantes de avião que cruzam fusos
horários têm sugerido que viagens de leste para oeste têm maior probabilidade
de associação com depressão, e de oeste para leste à hipomania (Jauhar e
Weller, 1982). No entanto, estudos fisiológicos do jet lag (“efeitos de viagens
com mudança de fuso horário”) não confirmaram essa associação (Arendt e
Marks, 1982).
O estudo dos ritmos circadianos em transtornos de humor foi impulsionado
pela descoberta de genes relógio e relógios celulares, embora não haja achados
consistentes de que esses relógios sejam interrompidos nos transtornos de humor
(McCarthy e Welsh, 2012). Pode ser que a manifestação do gene relógio fora do
núcleo supraquiasmático esteja envolvida na regulação do humor
(McClung, 2007). Esta é uma questão para futura pesquisa. Sugeriu-se que pode
haver um ritmo encurtado, de menos de 24 horas, em pacientes com
esquizofrenia crônica. Anormalidades do ritmo circadiano também foram
descritas, mas não completamente comprovadas, na anorexia nervosa e em
pacientes com transtorno de personalidade.

Ciclos mensais
Obviamente, o ritmo biológico humano que mais se repete mensalmente é o
ciclo menstrual e este tem sido relacionado com mudanças no estado mental,
mas a síndrome pré-menstrual permanece controversa em sua definição, manejo
e implicações político-sociais (Bancroft, 1993). Mudanças psicológicas de
humor semelhantes a um ciclo mensal têm sido buscadas em homens, mas não
foram encontradas de forma convincente. A estimativa da frequência da
síndrome pré-menstrual varia na população geral entre 30% e 80% entre
mulheres em idade reprodutiva (Clare, 1982). Os sintomas psicológicos incluem
letargia, ansiedade, irritabilidade e depressão, mas muitos sintomas são tanto
psicológicos quanto físicos (dor de cabeça, sensação de inchaço, perda de
energia). É o momento da ocorrência e não a natureza dos sintomas que indica o
diagnóstico e existe uma constelação de queixas diferentes dentro da síndrome
(Sampson, 1989).
Muitos dados numéricos foram fornecidos por Dalton (1984) para sustentar a
ideia de que há um aumento de psicopatologia de diversos tipos durante os oito
dias do período pré-menstrual e do próprio período menstrual, em relação ao
restante do ciclo. Ela relatou que 46% das internações psiquiátricas de
emergência, 53% das tentativas de suicídio, 47% das internações por depressão
e 47% das internações por esquizofrenia de mulheres de idade reprodutiva
ocorrem durante estes estágios. No entanto, tais dados ainda não foram
comprovados. Relatos de manifestações incomuns de síndrome pré-menstrual
incluem descrições de alucinações auditivas e delírios de referência apenas no
período pré-menstrual, e estado hipomaníaco ou maníaco no período de 2-3 dias
antes do início da menstruação (Hsiao e Liu, 2007).

Variação sazonal
A estação do ano tem sido associada ao início de episódios de muitas doenças
psiquiátricas. Isto é, compreensivamente, mais pronunciado em latitudes mais
altas do Hemisfério Norte. Foram observadas associações semelhantes de
doenças com o verão ou inverno no Hemisfério Sul.
Tanto no Hemisfério Norte quanto no Hemisfério Sul, pacientes com
diagnóstico de esquizofrenia têm mais propensão de ter nascido nos meses de
inverno (Hare, 1988); isto é mais notadamente encontrado naqueles sem
histórico familiar do transtorno (O’Callaghan et al., 1991). A taxa de internação
em hospitais psiquiátricos é mais alta durante os meses de verão.
Por todas as décadas desde 1921, as taxas de suicídio na Inglaterra e no País
de Gales têm sido mais altas em abril, maio e junho (Morgan, 1979). Parece não
haver associação entre a estação do nascimento e transtorno afetivo; no entanto,
o início de doença depressiva e administração de terapia eletroconvulsiva são
mais comuns na primavera e no outono (Rawnsley, 1982). Symonds e Williams
(1976) encontraram um pico de internação de pacientes maníacos do sexo
feminino em agosto e setembro.
O transtorno afetivo sazonal (transtorno depressivo recorrente F33 em CID-
10) (Organização Mundial da Saúde, 1992) se caracteriza por episódios repetidos
de depressão, que podem variar de intensidade leve a grave e ocorrer novamente,
começando no mesmo período do ano, mais frequentemente no final do inverno
ou da primavera. É mais comum em mulheres do que em homens e tende a
iniciar em idade mais tardia, geralmente por volta dos cinquenta anos. Muitas
vezes, há um grande número de episódios de depressão em transtorno afetivo
sazonal (10 a 17 por paciente), com cada episódio variando de 17 a 23 semanas;
ansiedade, irritabilidade, hipersonia e aumento de apetite e ganho de peso são
sintomas importantes (Thompson e Isaacs, 1988).
Os sintomas característicos desta condição foram medidos pelo Questionário
de Avaliação do Padrão Sazonal (Seasonal Pattern Assessment Questionnaire)
(Thompson et al., 1988). Ela ocorre mais frequentemente em latitudes altas do
Hemisfério Norte. Um estudo conduzido na Finlândia (Saarijärvi et al., 1999),
onde sintomas proeminentes incluíam falta de energia, hipersonia, alimentação
excessiva, ganho de peso e vontade de consumir carboidrato, somados a outros
sintomas depressivos, tiveram menor prevalência entre os Lapps, que são étnica
e geneticamente diferentes dos Finns, que moram na mesma latitude.

Períodos da vida
Praticamente toda a psicopatologia é mediada e influenciada por alterações
situacionais e pelas épocas da vida. É importante levar em conta a
preponderância relativa de diferentes fatores: mudança biológica, pressão do
contexto social e percepção individual da situação de vida. Está fora do objetivo
deste livro descrever estas associações detalhadamente, mas um esboço geral é
apresentado na Figura 6.1. Os efeitos psicológicos de mudanças de vida
importantes foram estudados em situações de cuidados primários: nascimento do
primeiro filho (Jewell, 1984), início da vida escolar (Pitt e Browne, 1984),
puberdade (Howe e Page, 1984) e fim da escolarização (Brown, 1984).

FIGURA 6.1 Perturbação psiquiátrica e época da vida.

Alguns dos estados mentais anormais associados a mudanças na vida de


pessoas do sexo feminino podem igualmente estar relacionados com as épocas
da vida.

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CAPÍTULO 7

Alterações da Percepção

Por quase sete anos – exceto durante o sono – eu não tive um momento
sequer em que não ouvisse vozes. Elas me acompanham em todos os
lugares e o tempo todo; elas continuam mesmo quando estou
conversando com outras pessoas, elas continuam até mesmo quando
estou concentrado em outras coisas.
Daniel Schreber (1842–1911)

Resumo
As anormalidades da percepção continuam sendo as experiências mais
convincentes que os pacientes podem apresentar. Estas experiências se referem
às estruturas fundamentais do mundo perceptivo e aos correlatos neurais que
tornam a própria percepção possível. Dentre elas, distorções sensoriais e falsas
percepções apontam para a importância relativa e para as distinções que devem
ser traçadas entre sensação e percepção. A ilusão, que é a interpretação errônea
de uma percepção normal, e a alucinação, que é a percepção de um objeto na
ausência de estímulo, são as duas falsas percepções mais frequentemente
encontradas na prática clínica.
Os transtornos da percepção, especialmente as alucinações auditivas ou o
“ouvir vozes”, têm um papel central na psicopatologia. Juntamente com os
delírios (Capítulo 8), eles são considerados um sintoma de doença mental. Esta
aparente associação com doença mental significa que “ouvir vozes” é um sinal
de doença mental grave e que alucinações anunciam a loucura. Neste capítulo, a
natureza da sensação, da percepção e das representações será discutida como
uma introdução à investigação da natureza dos transtornos de percepção.

Sensação e Percepção
A sensação é apenas o primeiro estágio do recebimento de informações externas
ao eu. O sistema sensorial abrange a via visual, auditiva, tátil, olfatória,
gustativa, cinestésica e proprioceptiva. Estas vias lidam com o recebimento,
transformação e transmissão de dados sensoriais crus e distintos ao sistema
nervoso central. A transformação de um estímulo cru em informação sensorial,
que será posteriormente decodificada para uma percepção com significado no
nível cortical, envolve processos ativos que são influenciados pela atenção,
afeto, expectativas culturais, contexto, experiências anteriores, memória e, acima
de tudo, conceitos anteriores. Portanto, a percepção não é um processo passivo e
sim ativo, que envolve a construção de um mundo externo que se baseia em
moldes internos.
Muito do que sabemos sobre sensação e percepção vem do nosso
conhecimento sobre o sistema visual. No sistema visual, a sensação da luz é
recebida pela retina e transformada em um código neural, que é transmitido das
células ganglionares da retina ao córtex visual primário através do núcleo
geniculado lateral do tálamo. A percepção ocorre quando um estímulo passa por
processamento em termos de forma, cor, movimento e significado.
A distinção entre sensação e percepção é bem ilustrada na dissociação entre
sensação intacta e prejuízo da percepção na agnosia. Na agnosia de objetos
visuais, o sujeito é capaz de perceber que um objeto está em seu campo de visão
(ou seja, sentido intacto), mas é incapaz de reconhecer qual é o objeto ou sua
função (percepção prejudicada). Este modelo visual da percepção provavelmente
tem correspondente dentro de outros sistemas sensoriais.
Oliver Sachs (1995) conta a história de Virgil, um homem de 51 anos que é
cego desde a infância. Ele passou por uma extração de catarata, mas a volta do
sentido da visão não foi acompanhada de percepções descomplicadas. Virgil era
capaz de “captar detalhes incessantemente – mas não era capaz de sintetizá-los,
de formar uma percepção complexa à primeira vista. Este era um dos motivos
para o gato ser tão intrigante visualmente; ele via uma pata, o nariz, o rabo, uma
orelha, mas não conseguia ver tudo junto, enxergar o gato como um todo”. Este
caso lembra o paciente de Gregory (2004), S.B., que quando lhe foi mostrado
um torno mecânico após recobrada sua visão, “não conseguiu dizer nada sobre
ele, exceto que a parte mais próxima parecia uma maçaneta (...) Ele se queixou
que não conseguia enxergar a extremidade de corte nem o metal que estava
sendo trabalhado, nem nada mais e parecia bastante agitado (...) Foi permitido
que S.B. tocasse o torno. O resultado foi surpreendente (...) Ele passou as suas
mãos avidamente pelo torno, com os olhos fechados. Depois se afastou um
pouco, abriu os olhos e disse: ‘Agora que eu senti eu consigo enxergar”. Esses
dois casos marcam a diferenciação entre sensação e percepção e confirmam que
“o mundo não nos é dado: nós fazemos o mundo através de experiências,
categorização, memória e reconexão incessantes” (Sachs, 1995).
Existem vários modelos que competem entre si sobre o modo como ocorre o
reconhecimento através do sistema visual. Entretanto, a descrição detalhada
desses modelos está fora do objetivo deste capítulo (Smith e Kosslyn, 2007).
Processamentos ascendentes (bottom-up) consistem no processo primário que
transforma a sensação na percepção de objetos que tem forma, cor, motricidade e
localização no espaço. Por outro lado, processos descendentes (top-down) se
referem à influência que nossa experiência com percepção de objetos tem para
diminuir a competição entre possíveis interpretações a partir de informações
sensoriais. Os modelos alternativos de processos descendentes que tentam
explicar o reconhecimento de objeto, ou seja, a percepção, são o modelo de
correspondência de padrões, o modelo de correspondência de características, o
modelo de reconhecimento pelos componentes e os modelos de conformidade.
O modelo de correspondência de padrões requer um padrão interno na
memória com o qual um objeto possa ser pareado. O ponto fraco deste modelo é
ser necessário adaptar o tamanho e a orientação do objeto, e isto deve ser rápido
e de forma confiável. O modelo de correspondência de características requer que
uma característica distinta e única de um objeto seja, por si só, suficiente para
identificar o objeto. As árvores só precisam ser especificadas por ter tronco e
galhos, pouco importando a localização exata dos galhos e o tamanho do tronco.
O modelo de reconhecimento através dos componentes requer conhecimento da
ordem correta de partes em um espaço tridimensional. Assim,
independentemente da perspectiva, uma bicicleta ainda é reconhecida como uma
bicicleta. Por fim, o modelo de conformidade é um refinamento do modelo de
reconhecimento pelos componentes. Ele lida com os mecanismos que
possibilitam o reconhecimento através de exemplos de uma classe de objetos.
Esta é a distinção que ocorre, por exemplo, entre diferentes marcas de carros, a
variação que determina que um carro é Mercedes e outro é Volvo.

Representações
Representações mentais internas do mundo são recuperadas ativamente da
memória. A representação está na base da nossa capacidade para muitas
atividades cognitivas como aritmética mental, leitura de mapas, visualização,
representações de lugares visitados anteriormente e lembrança de discursos
falados. Na vida cotidiana é comum se dizer “enxergar com os olhos da mente”
ou “ouvir com os ouvidos da mente”. Estes termos se referem à representação.
Jaspers (1962) descreveu as características formais da representação da seguinte
forma:
1. Representações são figurativas e têm um caráter de subjetividade.
2. Elas aparecem em espaços subjetivos internos.
3. Elas não são claramente delineadas e nos parecem incompletas.
4. Embora os elementos sensoriais sejam individualmente iguais aos da
percepção, grande parte deles é insuficiente.
5. As representações se dissipam e sempre precisam ser recriadas.
6. As representações são criadas ativamente e dependem da nossa vontade
(Tabela 7.1).

Tabela 7.1
Características formais da percepção normal e da representação

Percepção normal Representação


Percepções de uma realidade concreta Representações são figurativas e têm um caráter de subjetividade
Percepções ocorrem em um espaço objetivo externo Representações aparecem em um espaço subjetivo interno
Percepções são claramente delineadas Representações são incompletas e pouco delineadas
Os elementos sensoriais são plenos e frescos Os elementos sensoriais são relativamente insuficientes
Percepções são constantes e permanecem inalteradas Representações são dissipadas e devem ser recriadas
Percepções são inerentes à nossa vontade Representações são dependentes da nossa vontade

Fonte: Jaspers (1962).

Estudos de neuroimagem funcionais demonstraram que as mesmas áreas


corticais estão envolvidas na representação visual e na percepção visual
(Kosslyn e Thompson, 2003), e estudos de ressonância transmagnética também
demonstraram que a ressonância transmagnética aplicada repetidamente em
áreas visuais reduz a capacidade de representação visual (Kosslyn et al., 1999).
Além disso, experimentos comportamentais mostraram que os participantes
conseguem construir representações mentais com qualidades perceptuais como
cor, tamanho, forma e orientação. Estas imagens são desiguais, com o nível de
detalhes dependendo do grau de atenção visual (Smith e Kosslyn, 2007).
O estudo da representação continua sendo uma área controversa dentro da
neurociência cognitiva. As teorias de representação visual se valem da
linguagem e do modelo da câmera; a isto se dá o nome de teoria pictórica ou de
retrato da representação mental. O principal proponente deste enfoque é
Kosslyn. Entretanto, o aprofundamento desta teoria e suas dificuldades fogem do
objetivo deste livro (Kosslyn, 2004; Pylyshyn, 2004). Kosslyn argumenta que
uma representação mental é figurativamente precisa, como se cada ponto dela
correspondesse a um ponto do objeto representado. Isto significa que existe uma
representação ponto a ponto, de forma que executar operações específicas na
representação leva o mesmo tempo que levaria para executar a mesma operação
no objeto. Em outras palavras, o tempo necessário para escanear uma
representação mental é o mesmo tempo que levaria para escanear o objeto.
Pylyshyn, por outro lado, argumenta que existem diferenças marcantes entre
imagens retinianas ou corticais e representações mentais.
Representações são importantes para a psicopatologia porque é necessário
compreender suas características ou natureza a fim de analisar a natureza das
percepções, alucinações e pseudoalucinações. Estudos de neuroimagem
funcional e estudos de casos têm mostrado que os mecanismos responsáveis pela
visão dos objetos e os responsáveis pelas representações podem ser semelhantes.
Em outras palavras, os substratos neurais da percepção e da representação, no
mínimo, se sobrepõem (Martin, 2006). Em última análise, essas investigações
podem auxiliar no estudo dos mecanismos que unem representações e
percepções anormais.

Constantes de formas, extensão e sinestesia


Sinestesia é uma condição rara que não é considerada um exemplo de
experiência anormal, mas mesmo assim nos proporciona algum entendimento
sobre os sistemas neurais de percepção elementar, o que pode auxiliar no
esclarecimento do problema da percepção anormal. A sinestesia pode ser
definida como a percepção de um objeto apresentado em uma modalidade
sensorial ao mesmo tempo que em modalidade sensorial diversa. Isto é mais bem
ilustrado com um exemplo de música e cor:

Quando eu escuto música, eu vejo as formas em uma área externa de


mais ou menos 30 centímetros à frente do meu rosto e com cerca de 30
centímetros de altura sobre a qual a música é projetada visualmente. Os
sons são mais parecidos com osciloscópios – linhas que se movem em
cores, frequentemente metálicas, com altura, largura e, o mais
importante, profundidade. A minha música preferida tem linhas que se
movem horizontalmente para além da área da “tela”.
(Cytowic e Eagleman, 2009)
Já foram relatadas diversas formas de sinestesia, incluindo as mais comuns,
que são grafema-cor; tempo-cor; sons musicais-cor; sons gerais-cor e fonema-
cor. Outras modalidades são sons-gosto; som-toque; visão-gosto etc. Outro
exemplo de som-cor:

Uma das coisas que eu amo no meu marido é a cor da sua voz e da sua
risada. É um marrom dourado lindo, como uma torrada crocante,
amanteigada, o que soa bem estranho, eu sei, mas é muito real.
(Cytowic e Eagleman, 2009)

Essas experiências parecem ser ampliadas no espaço, mas são diferentes do


simples ver ou imaginar. Elas são vivenciadas próximo ao corpo, ao alcance de
um membro e dentro do “espaço peripessoal”. Estas vivências levantam a
questão de como o espaço ampliado da sinestesia é semelhante ao espaço no
qual as alucinações são vivenciadas. Além disso, as experiências sinestésicas são
compatíveis ao longo do tempo e têm natureza elementar e específica. As
sensações não evocam percepções elaboradas ou complexas, e sim cores
elementares, formas, configurações de claro e escuro, sensações de áspero e liso
etc. Na verdade, há evidências de que as sensações são exemplos de Constantes
de Forma. Constantes de Forma no domínio visual são variações de túneis e
cones; radiações centrais; grades e casas de abelha; e espirais. Variações de cor,
brilho, simetria, reprodução, rotação e pulsação fornecem gradações adicionais
da experiência subjetiva desses perceptos. O que é significativo é que essas
constantes de forma parecem pertencer ao próprio córtex visual e são mais
comumente vivenciados na fase de emanação de enxaqueca ou em períodos de
privação sensorial (ver Cytowic e Eagleman, 2009, para uma discussão mais
detalhada).
Em suma, a sinestesia introduz a possibilidade de compreender que algumas
percepções anormais ocorrem dentro do espaço peripessoal e que não são
representações nem perceptos normais. Ou seja, pode existir um terceiro espaço
no qual ocorrem algumas experiências como as da sinestesia. Além disso,
características fundamentais e elementares do substrato neural da percepção
podem estar envolvidas na determinação da forma da percepção anormal, ou
seja, a natureza de percepções anormais não é determinada aleatoriamente.

Fala privada e fala interna


Além de compreender a natureza da representação, espaço ampliado e constantes
de forma, é necessário compreender por que as alucinações auditivas possuem a
estrutura sintática que apresentam, ou seja, formato de comando e sintaxe na
segunda e terceira pessoa. Uma abordagem empregada é o modelo de
desenvolvimento do pensamento e da linguagem de Vygotsky (1896–1934). Ele
propôs que a fala interna se desenvolvia em primeiro lugar a partir da
internalização de um diálogo externo em fala privada e, finalmente, em fala
interna (Vygotsky, 1934/1987; Fernyhough, 1996). Uma criança pode, por
exemplo, ser instruída por seus pais: “faça isto ou aquilo” e a criança internaliza
esta instrução em uma fala privada e, posteriormente, em fala interna. A fala
privada é uma fala aberta e enunciada que não tem por objetivo se comunicar
com os outros, mas que é ligada ao pensamento. Esta transformação de
dialogismo externo em fala interna fornece os fundamentos para a compreensão
da ubiquidade das alucinações auditivas de “comando”. O mesmo pode ser dito a
respeito da segunda e terceira pessoa nas alucinações auditivas. O que é
importante neste ponto é a forma como a proposta de Vygotsky liga o
pensamento à fala e também como sua crença de que a fala interna e o
pensamento são construídos sobre imagens fragmentadas e condensadas torna a
fenomenologia das alucinações mais compreensível, especialmente as
alucinações verbais.

Percepção anormal
Passaremos a dividir a percepção anormal em distorções sensoriais, nas quais
um objeto real é percebido de uma forma distorcida, e falsas percepções, nas
quais ocorre uma nova percepção que pode ou não ocorrer em resposta a um
estímulo externo. As ilusões, alucinações e pseudoalucinações serão incluídas
no campo das falsas percepções. Também deve ser levada em conta a
possibilidade de um déficit neurológico que possa estar afetando a percepção.
Subjetivamente, a alucinação se assemelha a uma percepção sensorial: ela é
vivenciada como uma percepção normal e pode ser diferenciada dos elementos
de fantasia de que se revestem. Na representação vívida, toda experiência é
imaginária. As pseudoalucinações têm uma estreita afinidade com as
representações, mas também apresentam alguns aspectos característicos de
percepção sensorial ou alucinação: a vivacidade, definição, constância e aparente
independência da vontade.
Distorções sensoriais
A perturbação do estado mental, com ou sem patologia cerebral orgânica, pode
causar distorção sensorial. Esta distorção pode envolver qualquer um dos
componentes ou aspectos elementares da percepção, como singularidade,
tamanho, forma, cor, localização, movimento ou qualidade geral. O que é
significativo é que o objeto que foi percebido é reconhecido e identificado de
forma correta, mas ainda assim há um desvio de sua aparência costumeira sem
prejudicar o conhecimento do que é (Cutting, 1997).

Aspectos Elementares da Percepção Visual


Na percepção visual, a recorrência ou duração de um fenômeno visual, além dos
limites comuns da aparência do evento real no mundo, é chamada palinopsia
(Cutting, 1997). Critchley (1951) forneceu alguns exemplos: um gato que foi
visto na rua um dia continuou aparecendo em diversos momentos e situações
variadas nos dias seguintes e as palavras “Pulman Springs” vista na traseira de
uma perua continuou aparecendo em outros veículos nos meses seguintes.
A dimensão da percepção pode ser maior (macropsia) ou menor (micropsia)
do que o esperado. Em alguns casos, também pode ocorrer redução aparente em
um hemicampo de visão (hemimicropsia). Estas anomalias são comuns na
epilepsia do lobo temporal. A alteração das formas costumeiras dos objetos
percebidos é chamada de metamorfopsia. Geralmente, isto envolve a aparência
de coisas sob um aspecto diferente: “Uma mulher via as pessoas de cabeça pra
baixo.” (Bleuler, 1950) Este é um exemplo de inversão. Quando a
metamorfopsia afeta rostos, é chamada de paraprosopia. Normalmente, essas
distorções perceptuais de rostos são de flutuação rápida e dinâmica. Schreber
(1955) descreve a sua experiência da seguinte maneira: “Ao mesmo tempo eu
testemunhei repetidamente que [alguns pacientes] trocaram de cabeça enquanto
estavam na sala comunitária; isto quer dizer que, sem sair da sala e enquanto eu
os observava, eles repentinamente corriam com uma cabeça diferente.” Bleuler
(1950) também descreve que “pacientes da enfermaria trocam de rosto assim que
olhamos para eles”. Um dos pacientes de Cutting (1997) disse: “O homem atrás
do caminhão estava fazendo caretas horríveis.”
Diferentes aspectos da percepção de cor podem ser afetados. A intensidade da
cor (hiperestesia visual), a tonalidade e a qualidade da cor também podem ser
afetadas. Cutting (1997) fornece diversos exemplos:
1. “Cores mais brilhantes”, “cores mais vivas” – vermelho, amarelo, laranja se
destacavam.
2. “Às vezes preto parecia marrom”, “marrom parecia diferente, problemas
com rosa que parecia verde”.
3. “Esta cor parece um azul velho – uma coisa horrível.”
Bleuler (1950) descreveu que “um paciente vê tudo com a cor vermelha; outro
vê tudo branco” e Jaspers “eu só vejo preto; mesmo quando o sol está brilhando,
é tudo preto”. Estas distorções perceptuais de cor ocorrem na esquizofrenia. Em
condições orgânicas, a acromatopsia, que é a ausência total de cor, tem sido
descrita após lesão occipital unilateral ou bilateral, geralmente dos giros linguais
e fusiformes. A discromatopsia se refere à perversão da percepção de cor e
ocorre após lesões unilaterais posteriores.
A localização espacial dos objetos percebidos também pode ser distorcida. A
teleopsia significa que um objeto parece distante e na pelopsia, o objeto parece
mais próximo do que deveria. Aliestesia é o termo empregado para quando o
objeto percebido está em posição diferente do esperado, de forma que o paciente
enxerga, por exemplo, a transposição de objetos da esquerda para a direita.
Acinetopsia é o prejuízo da percepção visual do movimento, em que o
indivíduo é incapaz de perceber o movimento de objetos. Ela é muito rara e pode
ocorrer após lesões corticais bilaterais posteriores. Zeki (1993) cita o caso de
Zihl:
“Ela tinha dificuldade, por exemplo, de colocar café ou chá em uma xícara
porque o líquido parecia estar congelado, como uma geleira. Além disso, ela não
conseguia parar de servir no momento correto, já que ela não conseguia
reconhecer o movimento na xícara (ou no bule) quando o líquido subia.”
A qualidade geral da percepção pode ser afetada. Isto geralmente envolve uma
alteração indefinível na aparência visual de como o mundo é percebido, de
maneira que tudo parece estar diferente do que já foi: “Pessoas (parecem)
brinquedos – quase mortos e sem vida, fazendo movimentos automáticos com
significado especial” (Cutting, 1997); “as pessoas parecem mortas, pálidas,
frias” (Cutting, 1997); “um operário de fábrica vê um gafanhoto e fica muito
perturbado e excitado com a visão deste animal muito estranho (minha ênfase) e
desconhecido” (Bleuler, 1950). Essas experiências são exemplos de
desrealização. Normalmente, a percepção é acompanhada de afeto, que pode ser
uma sensação de familiaridade, de prazer, de desagrado, de envolvimento, de
proximidade etc. Isto geralmente é adequado e, portanto, ignorado. No entanto,
mudanças nesses sentimentos podem se apresentar como sintomas, por exemplo,
“tudo parece claro, mas a quilômetros de distância”, “me sinto isolado. É como
olhar pelo lado errado de um telescópio”. Estas, e muitas outras sensações, são
descritas na desrealização (Capítulo 13). Há uma sensação de irrealidade no
campo perceptual, uma alteração nos sentimentos associados aos objetos de
percepção.
Um paciente que demonstrou tanto a perda da intensidade da sensação quanto
mudança dos sentimentos associados à percepção no contexto de doença
depressiva foi um sacerdote budista de 23 anos do Sri Lanka. Após uma sessão
de meditação ele ficou muito assustado ao acordar e descobrir que ele tinha
atacado outro sacerdote durante a noite. Nos dias seguintes, ele sentiu que tinha
perdido toda a sensação. Ele não conseguia entender o que via e ouvia. Ele só
conseguia ver as coisas que estavam próximas. Ele não conseguia ter nenhuma
sensação de pele. Ele disse que não conseguia ler ou entender, tampouco sentir
tristeza ou alegria. Disse que não conseguia sentir nada: “Tudo está adormecido,
corpo e mente.” Ele admitiu se sentir deprimido, que não valia a pena viver e
que tinha pensado em se matar. Não havia nenhuma anormalidade neurológica
ou outra anormalidade física.

Aspectos Elementares da Percepção Auditiva


Os aspectos elementares da percepção auditiva que podem ser alterados incluem
a singularidade da experiência, sua intensidade e posição espacial
(Cutting, 1997). Na palinacusia, a singularidade de uma experiência perceptiva é
prejudicada, com a persistência dos sons que são ouvidos. Um paciente voltou a
abrir a porta diversas vezes durante um período de 30 minutos depois que a
campainha tinha efetivamente tocado (Jacobs et al., 1973). A intensidade da
percepção auditiva pode ser alterada para mais ou para menos. Por exemplo, o
aumento da modalidade auditiva é chamado de hiperacusia, um sintoma no qual
o paciente se queixa que tudo está extraordinariamente alto, dizendo “eu não
aguento o barulho”. Conversas corriqueiras podem soar insuportavelmente
barulhentas e até mesmo um sussurro à distância pode ser desconfortável.
Certamente não há um aumento da acuidade auditiva, mas apenas uma
diminuição do limite tolerável ao som. O sintoma ocorre na depressão,
enxaqueca e em alguns estados tóxicos, por exemplo, na ressaca após consumo
excessivo de álcool. A posição espacial de um som pode ser transtornada, de
forma que o som parece estar mais próximo, mais distante ou deslocado de
posição.

Aspectos Elementares da Percepção Tátil


Palinaptia é a experiência da sensação tátil que sobrevive ao estímulo de
maneira que um objeto segurado na mão continua a ser percebido muito depois
de já ter sido descartado. Stacy (1987) relata o caso de um paciente com lesões
biparietais que podia sentir a escova de dentes em sua mão 15 minutos depois de
já tê-la guardado. A experiência de palinaptia ocorreu no contexto de
estereoagnosia e apraxia palpatória. A palinaptia pode ser concebida como uma
alucinação tátil complexa. A exosomestesia é o “deslocamento da sensação
cutânea para o espaço extrapessoal” (Shapiro e Fink, 1952; Shapiro et al., 1952).
Esta é uma condição curiosa na qual experiências específicas direcionam a
sensação de toque cutâneo como um objeto na sala que é distante do fato de ser
tocado.

Se a palma de sua mão estava em contato com algum objeto (cama,


mesa, livro) e seu dorso fosse espetado com um alfinete, o paciente
insistia que a cama ou a mesa haviam sido tocados e não sua mão. Este
fenômeno somente podia ser provocado a partir da mão e somente
quando a palma estava em contato com algum objeto.

Este fenômeno incomum pode ser induzido experimentalmente e sugeriu-se


que a imagem corporal, apesar de sua aparência de durabilidade e permanência,
é uma construção interna transitória que pode ser alterada pelas contingências do
estímulo e correlações encontradas (Ramachandran e Hirstein, 1998).

É até mesmo possível “projetar” sensações táteis em objetos


inanimados, como mesas e sapatos que não se assemelham a partes do
corpo. Pede-se que o paciente coloque sua mão direita embaixo da
superfície de uma mesa (ou atrás de uma tela vertical) de forma que ele
não possa vê-la. O investigador então usa sua mão direita para tocar e
bater na mão direita do sujeito (em baixo da mesa ou atrás da tela) e usa
sua mão esquerda para simultaneamente tocar e bater na mesa em
sincronia perfeita. Depois de 10-30 segundos, o sujeito começa a
desenvolver a ilusão de que as sensações estão vindo da mesa e que a
mesa agora é parte de seu corpo.

A alestesia é uma condição neurológica após lesões vasculares direitas do


putâmen, que é caracterizada por um estímulo sensorial em um lado do corpo
sendo percebido no lado contralateral. Ela também pode ocorrer após lesões na
medula, como tumores cervicais, hérnia de disco cervical e esclerose múltipla
(Fukutake et al., 1993; Kawamura et al., 1987).

Clivagem da Percepção
Este fenômeno bastante raro é por vezes descrito em estados orgânicos e também
na esquizofrenia: o paciente é incapaz de estabelecer as relações costumeiras e
presumidas entre duas ou mais percepções. Uma paciente assistindo televisão
vivenciou uma sensação de competição entre a percepção visual e a percepção
auditiva. Ela sentia que as duas não vinham da mesma fonte, mas estavam
brigando por sua atenção e enviando mensagens opostas. A clivagem da
percepção ocorre quando não é feita a ligação entre diferentes modalidades
sensoriais, e assim as sensações em si, embora de fato associadas, parecem ser
bastante separadas e até mesmo em conflito.

Falsa percepção
Agora nos voltaremos da percepção alterada de objetos reais para o estudo da
percepção de objetos que não estão presentes; estas são novas percepções que
incluem ilusão, alucinação e pseudoalucinação. As ilusões foram diferenciadas
fenomenologicamente das alucinações por Esquirol (1817) e posteriormente
também por Hagen, que introduziu o termo pseudoalucinação (Berrios, 1996).
Ele as descreveu como transformações de percepções que ocorrem com a
combinação das percepções reproduzidas a partir da fantasia do indivíduo com
percepções naturais.

Ilusão
Em geral, são descritos três tipos de ilusão: ilusão de completude, ilusão de afeto
e ilusão de pareidolia. A ilusão de completude ocorre devido à desatenção. As
letras desbotadas de um anúncio na frente de uma oficina são representadas na
Figura 7.1. Mais interessado em música do que em carros, o autor
constantemente o lê incorretamente como “Vivaldi”. Geralmente ignoramos os
erros de impressão em um jornal porque lemos as palavras como se tivessem
sido escritas corretamente. A partir do momento em que nossa atenção é voltada
para o erro, nossa percepção se altera. Uma percepção incompleta que não tem
sentido em si mesma é preenchida por um processo de extrapolação de
experiências e expectativas anteriores para produzir significado.
FIGURA 7.1 Ilusão.

A ilusão de completude demonstra o princípio de fechamento na psicologia da


gestalt: há uma tendência humana de completar um padrão familiar não
completamente finalizado (Beveridge, 1985). É necessário darmos sentido ao
nosso ambiente de modo que, quando os sinais sensoriais são absurdos, nós os
alteramos ligeiramente com os materiais recordados ou as fantasias para que
toda a experiência perceptiva se torne significativa.
Quando a ilusão surge do afeto, a percepção dos objetos cotidianos é alterada.
A ilusão somente pode ser compreendida no contexto do estado de humor
prevalecente. Uma criança com medo do escuro acorda à meia-luz e confunde
uma toalha pendurada com uma pessoa se movendo. A experiência dura apenas
um curto período e desaparece quando o medo intenso se vai; a ilusão é banida
pela atenção. Naturalmente, não existe distinção entre esses diferentes tipos de
ilusão. O grau de completude ou de afeto envolvido é variável. Por exemplo: um
homem lendo classificados de emprego encontra uma vaga que lhe agrada e
confunde a palavra escrita “adequado” com palavra ilusória “exige-se candidato
superior (...)”. Isto foi claramente uma ilusão tanto de completude quanto de
afeto. Da mesma forma, na fase de busca que ocorre após o luto, é possível que a
pessoa falecida seja momentaneamente reconhecida no meio de uma multidão.
Um olhar mais atento imediatamente afasta a sensação de familiaridade.
A pareidolia ocorre em uma parte considerável de pessoas normais. Ela
também pode ser provocada por drogas psicomiméticas. Na ilusão pareidólica as
imagens são tipicamente vistas em formas. Por exemplo, o autor costumava ver a
cabeça de um cocker spaniel em uma lasca da primeira pedra do caminho que o
levava à casa onde morava quando era criança; a imagem não era apenas a de
um cachorro, mas definitivamente de um cocker spaniel.
As ilusões pareidólicas são criadas a partir de perceptos sensoriais por meio de
combinação com a imaginação. O percepto assume uma aparência integral e
detalhada: “uma dama vitoriana com uma armação e saias rendadas”. A pessoa
que passa por essa experiência, como alguém que olha uma fotografia, sabe que
aquilo não está ali como um objeto, que é uma ilustração. No entanto, ele não
consegue ignorar o que vê. Ilusões de completude e de afeto ocorrem com a
desatenção; elas são banidas pela atenção, que irá, quando muito, aumentar a
intensidade das ilusões pareidólicas na medida em que se tornam mais
complexas e detalhadas.
As ilusões pareidólicas ocorrem mais em crianças do que adultos e devem ser
diferenciadas das seguintes condições:
▪ Erros de interpretação perceptiva, ou seja, cometer um erro quanto à natureza
da percepção sem que esta seja particularmente influenciada pela emoção
mesclada com a fantasia.
▪ Alucinação funcional, que ocorre quando é necessário um determinado
percepto para a produção de uma alucinação, mas esta não é a transformação
daquela percepção. Por exemplo, o paciente ouve vozes quando a torneira é
aberta, ouve vozes com a água corrente, mas as vozes e o ruído da água são
bastante distintos e podem ser ouvidos separada e sincronizadamente, como
qualquer outra voz é ouvida contra um ruído de fundo. A percepção de ouvir
água corrente é necessária para produzir a alucinação, mas a alucinação não
é a transformação daquela percepção.
▪ Interpretações fantásticas ou devaneios elaborados podem ser muito
semelhantes às ilusões pareidólicas e, como já foi discutido, existe uma
grande mescla de fantasia nessas ilusões.

Alucinação
Fenomenologicamente, as alucinações são os tipos mais significativos de falsas
percepções. Aqui estão cinco definições de alucinação:
▪ Uma percepção sem objeto (Esquirol, 1817).
▪ Alucinações propriamente ditas são falsas percepções que não são distorções
de percepções reais, mas que surgem por conta própria, como algo bastante
novo, e ocorrem simultânea e paralelamente com a percepção real
(Jaspers, 1962).
▪ Uma alucinação é um percepto exteroceptivo ou interoceptivo que não
corresponde a um objeto real (Smythies, 1956).
▪ De acordo com Slate (1976 a), três critérios são essenciais para uma definição
operacional: (a) a experiência do tipo percepto na ausência de um estímulo
externo; (b) a experiência tipo percepto que tem toda a força e o impacto de
percepções reais; e (c) a experiência tipo percepto que é indesejada, ocorre
espontaneamente e não pode ser facilmente controlada por quem a recebe.
Esta definição é derivada das características formais de percepção normal de
Jasper (Tabela 7.1).
▪ Segundo Cutting (1997), uma alucinação é a percepção sem objeto (dentro de
um quadro filosófico realista) ou o aspecto de alguma coisa específica no
mundo sem qualquer evento relevante correspondente (dentro de um quadro
Kantiano).
Um dos fatos mais simples sobre alucinações é frequentemente um dos mais
difíceis de compreender. Ou seja, o que o médico chama de alucinação, para o
paciente é uma experiência sensorial normal. Embora as definições padrão de
alucinação signifiquem que, subjetivamente, a alucinação é indistinguível de um
percepto normal, alguns autores argumentam que elas podem ser distintas (veja a
seguir). Uma das pistas que a pessoa acometida usa para compreender que pode
estar de fato tendo uma alucinação é o fato de não existirem provas
corroborativas para o percepto em outras modalidades. Uma mulher ouve vozes
que comentam a sua atividade: “Ela está indo até a pia. Ela está servindo café.”
Ela não vê ninguém no cômodo, mas reconhece as vozes dos vizinhos. Ela não
consegue entender como os pode estar ouvindo, mas está tão convencida sobre a
veracidade das vozes que ela fecha as cortinas e tira os espelhos das paredes.
Existe um conflito em sua mente: ela ouve as vozes, mas não vê ninguém
responsável por elas. No entanto, ela resolve esse conflito de maneira racional,
presumindo que ela acredite implicitamente que a percepção é genuína: “Alguém
deve ter consertado um dispositivo ou alterado meu sentido de audição.” O que é
importante é que ela não duvida da realidade do perceito.
Horowitz (1975) investigou alucinações através de uma abordagem cognitiva,
observando cada um dos seguintes conceitos em termos de codificação,
avaliação e transformação de informações.

Alucinações são imagens mentais que (1) ocorrem na forma de


perceptos, (2) resultam de fontes internas de informação, (3) são
avaliadas incorretamente como se originadas de fontes externas de
informação e (4) geralmente ocorrem de forma invasiva. Cada um destes
quatro conceitos se refere a um conjunto separado de processos
psicológicos, embora juntos constituam uma experiência integral.

Isto nos fornece uma estrutura contextual para a investigação do fenômeno da


alucinação.
Esta ideia foi adicionalmente desenvolvida por Bentall (1990), ao considerar
que as alucinações representam julgamentos incorretos sobre a origem de suas
percepções, tendendo a atribuí-las a uma fonte externa. Pensou-se explicar o
conteúdo da alucinação, pelo menos em parte, pela necessidade do indivíduo de
defender a própria autoestima. As alucinações resultam de uma falha nas
habilidades metacognitivas envolvidas na discriminação entre fontes de
informação autogeradas e externas. Esta explicação ganhou apoio adicional com
a descoberta de que indivíduos que sofrem de alucinações atribuíam
incorretamente e com maior frequência suas respostas auditivas a pistas difíceis
apresentadas por um investigador. O mesmo ocorria com menor frequência em
um grupo de pacientes que apresentava delírios, mas não alucinações, ou mesmo
em controles normais (Bentall et al., 1991).
As tentativas de explicar as alucinações em termos neuroquímicos e
neuropatológicos ainda não tiveram muito progresso. Houve um esforço em
incorporar conceitos de vulnerabilidade biológica e influências psicológicas na
etiologia e apresentação clínica das alucinações, mas as pesquisas não revelaram
um mecanismo único que as explique (Asaad e Shapiro, 1986).
As alucinações ocorrem ao mesmo tempo em que os estímulos sensoriais
normais são percebidos. Desta forma, elas são diferentes dos sonhos, que, de
fato, têm mais característica de ilusões. As alucinações são como perceptos
normais, que podem ser percebidos simultaneamente ou em sucessão rápida.
Portanto, o paciente pode ouvir vozes alucinatórias ao mesmo tempo em que está
vendo seu entrevistador e o ouvindo falar. A alucinação é como uma pós-
imagem, pareidolia ou a observação de um objeto sensorial normal, no sentido
de que ela não pode ser afastada pela atenção.
A noção de realidade vivenciada pelos pacientes durante uma alucinação foi
estudada por Aggernaes (1972), que desenvolveu os conceitos de Rasmussen.
Ele ressaltou seis qualidades das quais pessoas normais podem estar conscientes
quando vivenciam uma sensação, que também ocorriam em mais de 90% de uma
série de alucinações:
▪ Na sensação normal, somos capazes de distinguir a percepção dos nossos
órgãos sensoriais da imaginação dos mesmos objetos; da mesma forma, as
alucinações são vivenciadas como sensação e não como pensamento ou
fantasia.
▪ Quando uma pessoa tem uma experiência, ela percebe sua possível relevância
para suas próprias emoções, necessidades ou ações; as alucinações também
têm esta qualidade de relevância comportamental.
▪ A sensação normal tem uma qualidade de objetividade, no sentido que a
pessoa que tem a experiência sente que, em circunstâncias favoráveis, seria
capaz de sentir a mesma coisa em outra modalidade de sensação; esta é
também a experiência de quem tem alucinações.
▪ Considera-se que um objeto existe quando o observador tem certeza de que
ele ainda existe mesmo que ninguém mais o esteja vivenciando naquele
momento; os objetos percebidos e as alucinações compartilham esta
qualidade.
▪ A experiência da percepção do objeto e a alucinação são involuntárias, ou
seja, a pessoa sente que é impossível ou extremamente difícil alterar ou
ignorar a experiência por vontade própria.
▪ Normalmente, a pessoa está consciente, ou se torna consciente através de
perguntas simples, de que sua experiência não é o mero resultado de estar em
um estado mental não usual; esta qualidade de independência está presente
nas percepções normais e nas alucinações.
Outra qualidade da percepção normal de um objeto está mais frequentemente
ausente na alucinação. Trata-se da qualidade de seu caráter público, em que o
indivíduo sabe que qualquer pessoa com as faculdades sensoriais normais
poderia perceber o que ele está percebendo. Frequentemente o indivíduo que tem
uma alucinação não acredita que outros possam compartilhar sua experiência
(isso pode ter uma explicação delirante).
Fatores culturais certamente influenciam a maneira como o indivíduo
descreve suas percepções anormais. Andrade (1988) afirmou que, já que os
pacientes na Índia estavam mais prontos a aceitar explicações paranormais para
fenômenos, falsas percepções ou “verdadeiras alucinações” tendem a receber
atributos de objetividade e veracidade. Mesmo que isto seja verdade, o que não
foi comprovado, as qualidades descritas por Aggernaes ainda são úteis para
distinguir alucinações de outras anormalidades da percepção.
Cutting (1997) argumentou que as experiências alucinatórias são ocorrências
cotidianas dificilmente plausíveis e que, portanto, não significa que o percepto
alucinatório é indistinguível do perceito normal, mas sim que é considerado
realidade apesar de ser diferente da realidade cotidiana. Ele argumenta que, por
exemplo, alucinações liliputianas no delirium e alucinações complexas
envolvendo personagens cômicos obviamente não são percepções plausíveis no
mundo real, mas mesmo assim são consideradas reais! No entanto, Cutting
ignora o fato de que justamente porque o fenômeno alucinatório tem a qualidade
de uma experiência normal é que é considerado real apesar de, segundo ele, não
plausível. Outros autores, como Spitzer (1994), argumentam que as alucinações
não são como as percepções normais, já que os pacientes são capazes de
distinguir as experiências de percepção real das percepções alucinatórias. Este é
um dos motivos para os pacientes conseguirem entender a referência a “ouvir
vozes” em suas interações com os médicos; as duas partes sabem o que esta
expressão significa. De fato, Wernicke (1906) já chamou a atenção para este fato
quando mostrou que a noção de “ouvir vozes” não foi inventada por psiquiatras,
mas sim empregada pelos próprios pacientes para indicar que, de alguma
maneira, suas experiências eram semelhantes a ouvir outras pessoas falando,
mas, ao mesmo tempo, eram diferentes disso. Junginger e Frame (1985)
demostraram que uma parte considerável dos pacientes (40%) avaliava que as
vozes que ouviam eram mais semelhantes à fala interna do que ao discurso
externo falado ou ouvido, desta forma enfatizando que as alucinações podem não
ter sempre a marca da percepção normal.

Alucinação auditiva
As alucinações podem ocorrer em qualquer uma das cinco áreas especiais dos
sentidos e também na sensação somática. Começaremos discutindo as
alucinações auditivas, já que frequentemente têm alta significância diagnóstica.
Nos estados orgânicos agudos, as alucinações auditivas são geralmente sons não
estruturados – alucinações elementares; por exemplo, o paciente ouve ruídos de
alguma coisa se arrastando ou chocalhos, assobios, maquinário ou música.
Frequentemente esses ruídos são considerados muito desagradáveis e
assustadores. É interessante observar as alucinações musicais, que tendem a
ocorrer em mulheres mais velhas com surdez ou doença cerebral e sem histórico
de doença psiquiátrica (Berrios, 1990). Portanto, há semelhanças com a
síndrome de Charles Bonnet, descrita na seção sobre alucinações visuais.
Certamente, ouvir vozes é uma característica da esquizofrenia que também
pode ocorrer em outras condições, como por exemplo, na alucinose alcoólica
crônica ou psicoses afetivas. Geralmente em estados orgânicos, estas
alucinações auditivas são palavras simples ou frases curtas, frequentemente ditas
ao paciente na segunda pessoa, seja como ordens peremptórias ou como
comentários ofensivos. Vozes ofensivas ou imperativas também ocorrem na
esquizofrenia, mas também são ouvidas outras falas mais complexas; as vozes
podem ser isoladas ou múltiplas, masculinas, femininas ou ambas, de pessoas
conhecidas e reconhecidas pelo paciente, ou desconhecidas. Elas são percebidas
como se viessem de fora de sua cabeça ou do eu. A voz é clara, objetiva e
definitiva e é vista pelo paciente como um percepto normal que, ao mesmo
tempo, pode ter sentido desconcertante e incompreensível. Especialmente
características da esquizofrenia são as vozes que dizem os pensamentos do
próprio paciente em voz alta, que fazem um comentário contínuo sobre as ações
do paciente ou vozes que discutem vigorosamente entre si. Elas se referem ao
paciente na terceira pessoa (Schneider, 1959).
Em uma série de 100 pacientes vivenciando alucinações auditivas, todos
descritos como “ouvindo vozes”, 61 sofriam de esquizofrenia e 78 de condições
relacionadas com a esquizofrenia (Nayani e David, 1996); 52% dos pacientes
tinham experiência de tristeza e 45% vivenciaram agitação ou “frio na barriga”
durante ou antes do surgimento. A maioria das vozes falava em tom coloquial,
mas algumas sussurravam e outras gritavam; metade da amostra ouvia sua
própria voz através dos ouvidos como se fosse um estímulo externo. A maioria
das vozes era masculina, geralmente de um homem de meia-idade e
frequentemente falando com um sotaque diferente do sotaque do paciente como,
por exemplo, “uma voz de classe alta”. Os sujeitos ouviam uma média de 3,2
vozes diferentes e frequentemente conheciam a identidade de pelo menos uma
delas; em metade dos sujeitos, as vozes significavam forças do Bem e do Mal.
Metade dos sujeitos conseguia exercer algum controle sobre suas vozes e 2/3
tinham desenvolvido mecanismos para lidar com elas; foram encontrados altos
níveis de sofrimento entre aqueles com baixo controle e poucos mecanismos de
manejo das vozes. A maioria dos participantes atribuiu características de
realidade às suas vozes. Um longo histórico de alucinações auditivas tendia a
estar associado com mais palavras alucinatórias, mais vozes, maior variedade de
expressão emocional, estilo gramatical e probabilidade de interpretar as vozes de
forma delirante.
As alucinações auditivas na esquizofrenia são geralmente eventos privados,
mas diversos autores mais antigos observaram vocalizações que correspondiam
ao conteúdo das vozes que ocorriam simultaneamente a alucinações. Pessoas
normais ocasionalmente vocalizam seus próprios pensamentos em voz baixa; no
seu equivalente psicótico, parece que às vezes os indivíduos com esquizofrenia
vocalizam as suas alucinações ao mesmo tempo em que as vivenciam. Green e
Preston (1981) aumentaram a audibilidade dos sussurros de um desses pacientes
a um nível inteligível usando feedback auditivo.
Às vezes, pacientes com esquizofrenia descrevem percepções anormais nas
duas modalidades, visual e auditiva. O examinador deve ter cuidado para não
presumir que as duas alucinações estejam presentes, tanto a auditiva quanto a
visual; pode haver uma forma diferente, principalmente para a experiência
visual. Um homem de 45 anos descreveu sua experiência da seguinte maneira:
“Eu ouço meus sobrinhos falando [sobre mim]. ‘Ele é viado [homossexual] e um
pervertido’ (...) Eu também enxergo os meus sobrinhos. As cortinas se movem e
eu sei que são eles que as estão movimentando.” Esta é a descrição de uma
alucinação auditiva persecutória, mas a experiência visual é uma interpretação
delirante de uma percepção normal e não uma alucinação visual.
As descrições das vozes pelos próprios pacientes variam imensamente. Às
vezes os pacientes falam aberta e casualmente sobre suas “vozes”. Não raro, um
paciente pode negar vozes, mas afirmar que escuta “mensagens faladas”,
“transmissões” ou qualquer outro som falado e pode ser difícil definir se essa é
uma percepção real ou uma alucinação auditiva. As vozes podem ser tão
persistentes, convincentes e interessantes que uma conversa normal com o
médico é considerada comparativamente entediante e até mesmo irreal. As vozes
podem formar um pano de fundo constante na vida, tão certas que grande parte
da fala e do comportamento do paciente é dedicada a responder e obedecer a
essas vozes. As equipes de enfermagem psiquiátrica frequentemente observam
que as alucinações auditivas descritas pelos pacientes lhes são tão reais quanto
qualquer outra conversa relembrada, e tanto as percepções auditivas
alucinatórias quanto as reais formam as memórias nas quais os pacientes
baseiam sua vida e seu comportamento atual.
As alucinações auditivas ocorrem quando existe uma combinação de imagens
mentais vívidas e fraco teste de realidade na modalidade auditiva (Slade, 1976b).
Isto foi investigado com uma bateria de testes que incluiu o efeito da
transformação verbal. A palavra “tress” foi repetida em um gravador para os
pacientes durante 10 minutos. Depois de um tempo, as pessoas começaram a
ouvir outras palavras e sílabas. Os indivíduos normais e os pacientes com
esquizofrenia que não estavam sofrendo de alucinação auditiva, em geral ouviam
palavras que estavam foneticamente ligadas ao monossílabo original; mas os
pacientes que tinham alucinação auditiva ouviam vozes bastante diferentes
foneticamente com a mesma frequência daquelas a que estavam ligadas.
Parece que as alucinações auditivas dependem da importância do estímulo
sensorial. Quando diversos tipos de estímulos auditivos eram apresentados aos
pacientes com esquizofrenia que sofriam de alucinações, foi constatado que não
era o grau do estímulo externo que diminuía as alucinações, mas sim a natureza
do estímulo e o grau de atenção que recebiam. Quando era necessário o
monitoramento ativo do material pelo paciente lendo um texto em voz alta para
determinar seu conteúdo posteriormente, havia uma maior diminuição da
experiência alucinatória do que em qualquer uma das condições nas quais os
sons eram reproduzidos para o paciente em fones de ouvido (Margo et al., 1981).
Morley (1987) relatou o tratamento psicológico de um homem de 30 anos com
alucinações auditivas. A distração através de música reproduzida em um
gravador portátil produzia uma redução temporária na frequência e na clareza
das alucinações. Subsequentemente, essas alucinações eram completamente
eliminadas com um tampão de ouvido unilateral: a atenção foi considerada mais
eficaz do que a distração. O paciente localizou a alucinação a “cerca de 30
centímetros de distância de meu ouvido direito” e o tampão foi eficaz somente
no ouvido direito.
Os pacientes com esquizofrenia vivenciando alucinações auditivas apresentam
prejuízo no processamento cognitivo, nos aspectos de tolerância à ambiguidade e
na disponibilidade de significados alternativos. A tolerância à ambiguidade foi
testada solicitando que o paciente reconhecesse uma palavra falada, que era
obscurecida por um ruído de pessoas lendo. O volume do ruído era
gradativamente reduzido até que ocorresse o reconhecimento. Os significados
alternativos testam o conhecimento do indivíduo sobre os significados menos
familiares das palavras. Estes dois processos reduziam a qualidade da percepção
(resultando em alucinação) ao introduzir erros de julgamento prematuro sem a
segurança das alternativas subsequentemente alteradas (Heilbrun e Blum, 1984).
Algumas alucinações auditivas são consideradas “sintomas de primeira ordem
da esquizofrenia” (Schneider, 1959); estes são pensamentos audíveis, vozes
discutindo umas com as outras e vozes comentando o comportamento do
paciente. Estas três perturbações da percepção, assim como outros sintomas de
primeira ordem, representam uma enorme interferência nos limites do eu, na
descriminação entre “Eu” e “não Eu” (Sims, 1991).
Os mecanismos empregados por pacientes com esquizofrenia crônica para
lidar com alucinações auditivas persistentes foram discutidos por Falloon e
Talbot (1981). As estratégias utilizadas para lidar com vozes invasivas podem
ser classificadas como mudanças no comportamento, nos estados sensorial ou
afetivo e na cognição. Mudanças no comportamento incluíam alteração da
postura, como se deitar ou buscar a companhia de outros. A excitação fisiológica
foi alterada para lidar com as alucinações através de relaxamento ou exercícios
físicos, como caminhadas. Os métodos cognitivos incluíam controle de atenção
ou supressão ativa das alucinações. Estes autores acreditam que a aplicação de
estratégias de senso comum utilizadas pelos pacientes pode ser benéfica no
controle desses sintomas aflitivos.
Por último, existe grande debate sobre a presença das alucinações
auditivas/verbais em outros transtornos, que não psicoses, tais como distúrbios
de personalidade borderline e também em populações normais (McCarthy-
Jones, 2012). A pergunta que continua sem resposta é se a forma dessas
alucinações verbais é idêntica à forma das alucinações verbais na esquizofrenia,
por exemplo.

Alucinação visual
As alucinações visuais ocorrem de modo mais característico em estados
orgânicos do que nas psicoses funcionais. Um homem casado, de 69 anos, foi
encaminhado ao setor de emergência psiquiátrica para avaliação. Ele disse que
sua vida tinha acabado e que merecia morrer, porque tinha sido pego se
masturbando naquela tarde por sua nora e netos. Sua esposa disse que isto não
era verdade; ele tinha ficado muito agitado e aflito por mais de 12 horas e
ninguém tinha ido visitá-los naquele dia. Durante a entrevista ele se mostrou
muito agitado e cobria seu rosto com as mãos. Ele afirmava que podia ver
claramente uma folha de vidro meio metro à sua frente, que ele tentava remover.
Mais tarde, ele descreveu ver poeira caindo de todos os lugares e tentava pegá-
la. Ele manifestou turvação da consciência. Um diagnóstico de encefalite viral
foi feito com base no histórico de cefaleias constantes, nos sinais neurológicos e
na descoberta de linfocitose no líquido cefalorraquidiano.
Em geral, é difícil determinar se estão presentes todos os critérios para a
presença de alucinação na modalidade visual. A distorção do percepto visual,
baseada na sensação de estímulos externos ou interferência interna no campo
visual, pode produzir perturbações semelhantes às que ocorrem com percepções
inteiramente novas. Às vezes, o relato da experiência fornecida pelo próprio
paciente soa mais como uma transformação sensorial do que como uma
alucinação, mas a natureza bizarra e complexa da experiência dificulta a
descrição fenomenológica.
As alucinações visuais ocorrem com a presença de tumores do lobo occipital
que envolvem o córtex visual como, por exemplo, granuloma tuberculoso no
lobo occipital esquerdo causado por efeito “estelar” no campo visual direito
(Werring e Marsden, 1999). Alucinações e outras perturbações visuais podem
ocorrer na presença de outras lesões físicas, como a perda da visão de cores,
hemianopsia homônima (perda de metade do campo de visão, a mesma metade
em ambos os olhos; Komel, 1985), dislexia (incapacidade de ler no nível
adequado à idade e inteligência do indivíduo), alexia (cegueira de palavra) em
lesões no hemisfério dominante e cegueira cortical (cegueira devido a uma lesão
no centro visual cortical). Como no delirium tremens, elas podem estar
associadas a um afeto de terror ou a um afeto divertido absurdo. Alucinações
visuais semelhantes, ilusões e mudanças de humor ocorrem em outras formas de
delirium. As alucinações visuais também ocorrem em estados de pós-concussão,
nos estados crepusculares epiléticos e em perturbações metabólicas, como, por
exemplo, na insuficiência hepática. As alucinações visuais também têm sido
descritas em diversos processos de demência, inclusive no mal de Alzheimer
(Burns et al., 1990), demência senil (Haddad e Benbow, 1992), demência por
múltiplos infartos (Cummings et al., 1987), doença de Pick (Ey, 1973) e coreia
de Huntington (Lishman, 1989). Entre os encaminhamentos para serviço
psiquiátrico geriátrico, a perturbação perceptiva visual ocorria em 30% dos
pacientes; havia forte correlação entre a presença de alucinação visual e
patologia ocular (Berrios e Brook, 1984). De fato, alucinações visuais são
comuns em pacientes idosos em uma vasta gama de condições médicas e
frequentemente sem histórico psiquiátrico (Barodawala e Mulley, 1997).
Alucinações também têm sido descritas por pessoas depois de cheirar cola e
gasolina. Drogas como a mescalina e dietilamida do ácido lisérgico (LSD) são
fortes causas de alteração na percepção visual. As alucinações visuais variam
infinitamente em seu conteúdo. Elas vão desde raios de luz ou cores,
(alucinações elementares) passando por padrões e formas mais organizados, até
percepções complexas, íntegras, de pessoas e cenas. Alucinações visuais e
auditivas podem ocorrer de forma sincronizada em estados orgânicos, por
exemplo, na epilepsia do lobo temporal, em que a alucinação visual de uma
figura humana também foi ouvida.
As drogas psicomiméticas levam a alterações na percepção espacial, na
percepção do movimento e coloração, também podendo resultar em ilusões
visuais e alucinações. As alucinações visuais não são comuns na esquizofrenia
(embora alguns autores mais antigos usassem o termo alucinação para outras
anormalidades visuais observadas). Persaud e Cutting (1991) cautelosamente se
referem a “experiências perceptivas anômalas na modalidade visual” em
pacientes esquizofrênicos, como, por exemplo, o paciente que embora
reconhecendo um rosto, o considera distorcido. Estes autores relataram quatro
desses casos de perturbação de percepção em um campo visual, sempre o
esquerdo. Não é reconhecida a ocorrência de alucinações visuais em psicoses
afetivas não complicadas. Na esquizofrenia, é comum que o paciente descreva
alucinações auditivas associadas a pseudoalucinações visuais. Embora as
alucinações auditivas sejam completas e subjetivamente aparentem ter todas as
características de um percepto normal, as experiências visuais são
frequentemente determinadas com base nas alucinações auditivas e delírios
atuais. Na maioria dos casos, é possível perceber como a fantasia alterada por
psicose é responsável pelo conteúdo das experiências visuais. Foram descritas
cenas de alucinação elaboradas e vívidas em estados oniróides da esquizofrenia.
Nestas condições também ocorre um estado alterado de consciência.
Ocasionalmente, as alucinações visuais não parecem estar associadas a
qualquer outra anormalidade psiquiátrica. A síndrome de Charles Bonnet
(imagens visuais “fantasmas”) é uma condição na qual os indivíduos vivenciam
alucinações visuais complexas associadas a déficits visuais, sem uma
psicopatologia demonstrável ou perturbação da consciência normal (Schultz e
Melzack, 1991). Embora mais comum entre os idosos, elas podem ocorrer em
qualquer idade e são em geral associadas à redução da visão central ou
periférica. Os episódios podem durar de dias a anos, com relatos mais frequentes
de imagens de pessoas, animais, edifícios e cenários, com as imagens estáticas,
se movendo no campo visual ou animadas. Certamente, esta condição é de
grande importância no diagnóstico diferencial.
Na maioria dos casos da síndrome de Charles Bonnet, e de alucinose musical
em surdos, à qual se assemelha, não há patologia cerebral demonstrável (Fuchs e
Lauter, 1992). As características desta síndrome foram consideradas as seguintes
por Podoll et al. (1990):
▪ Idosos com consciência normal e alucinação visual.
▪ Sem presença de: delirium, demência, síndromes orgânicas afetivas ou
delirantes, psicose, intoxicação ou transtorno neurológico com lesões no
córtex visual central.
▪ Visão reduzida, na maioria dos casos em decorrência de doença nos olhos.
As alucinações nesta condição estão sempre localizadas no espaço externo,
são geralmente coloridas e muito mais vívidas e claras do que a visão
prejudicada do paciente permitiria. Em cerca de 1/3 dos casos, seu conteúdo é
elementar, como padrões geométricos. Objetos complexos geralmente têm a
forma de figuras humanas e, menos frequentemente, animais, plantas e objetos
inanimados; estes objetos podem estar fragmentados e mudar com o passar do
tempo – figuras sobrevoando o quarto. Os perceptos podem ser modificados
através do controle voluntário, como, por exemplo, fechar os olhos, e geralmente
ocorre um insight de que “não são reais”. Ocasionalmente, isto está associado a
medo de doença mental, sugerindo que esses fenômenos sejam
pseudoalucinações e não alucinações “verdadeiras”.
A síndrome de abstinência alcoólica do delirium tremens é uma forma
específica de síndrome orgânica aguda e é caracterizada por grandes alterações
na percepção, humor e estado de consciência (Capítulo 3). Ilusões pareidólicas
ou afetivas são frequentemente prodrômicas no delirium tremens e são seguidas
por alucinações liliputianas visuais e táteis, frequentemente envolvendo
pequenos animais ou homens minúsculos. Existe uma imbricação bizarra de
afeto, de maneira que o paciente vive absoluto terror e, ao mesmo tempo, uma
espécie de comicidade, comum nesses transtornos.
As alucinações no delirium tremens podem mudar tão rapidamente que o
paciente tem dificuldade de descrevê-las. Um paciente passando por tal
fenômeno visual tentou retratá-lo como mostra a Figura 7.2. As ilusões estão
frequentemente associadas a alucinações, especialmente as ilusões afetivas, nas
quais, através do estado predominante de terror, rachaduras na parede da
enfermaria ou cortinas balançando com o vento podem ser interpretadas de
maneira assustadora. Ao mesmo tempo, esses pacientes são altamente
sugestionáveis e podem formar as experiências visuais anormais por sugestão.
FIGURA 7.2 A experiência do delirium tremens.

Alucinação de sensação corporal


Berrios (1982) argumenta, de forma convincente, que diversas “percepções sem
objeto” foram reunidas por Esquirol (1817) dentro do termo alucinação, o que é
relevante para os “sentidos de distância” como a visão, a audição e, em menor
grau, o olfato e o paladar, mas não o tato. As chamadas alucinações táteis
parecem ser fenomenologicamente diferentes e lembrar apenas superficialmente
as alucinações dos sentidos de distância. Quanto às alucinações táteis, parece
que o fator mais importante para corroborar o diagnóstico é a ocorrência
concomitante de um componente delirante. Berrios conclui que os conceitos de
alucinação e delírio podem ser mais próximos um do outro do que se pensa,
sobretudo na psiquiatria britânica.
As alucinações de sensações corporais podem ser superficiais, cinestésicas ou
viscerais. As alucinações superficiais que afetam a sensação cutânea podem ser
térmicas, uma percepção anormal de calor e frio (“meus pés estão pegando
fogo”), táteis, ou seja, do toque (“uma mão morta me tocou”) ou hídricas, a
percepção de um fluído (“todo o meu sangue desceu para as pernas e eu sinto um
nível de água no meu peito”). Parestesia é o termo que descreve a sensação de
dormência ou “formigamento”. Ela pode ter origem delirante, embora
frequentemente mediada por condições neurológicas, como, por exemplo,
compressão do nervo ulnar causando formigamento no antebraço.
Alucinações cinestésicas são sensações nos músculos ou nas articulações. O
paciente sente que seus membros estão sendo dobrados ou torcidos, e que seus
músculos estão sendo comprimidos. Tais alucinações na esquizofrenia estão
frequentemente ligadas a delírios somáticos bizarros. Um homem esquizofrênico
descreveu da seguinte maneira a sua experiência: “Eu pensei que minha vida
estivesse fora dos meus pés e os fazia vibrar” – ele vivenciou alucinações
cinestésicas de vibração. As alucinações cinestésicas podem ocorrer em estados
orgânicos: “uma sensação de ser balançado para lá e para cá”. Percepções
cinestésicas anormais também têm sido descritas no estado de abstinência de
benzodiazepínicos (Schopf, 1983) ou intoxicação alcoólica. Um homem, após a
recuperação, descreveu seu episódio de delirium tremens: “Eu me sentia
flutuando no ar, a cerca de 15 m acima do chão.” Ele ilustrou essa sensação com
o quadro da Figura 7.2.
Alucinações viscerais são falsas percepções dos órgãos internos. As sensações
viscerais possíveis são bastante limitadas, como, por exemplo, dor, peso,
estiramento ou distensão, pulsação e diversas mesclas dessas sensações, como
latejamento. Entretanto, a gama de falsas percepções e interpretações bizarras é
ilimitada na esquizofrenia. Um homem acreditava que podia sentir o sêmen
subindo por sua coluna vertebral até seu cérebro, onde era depositado em
camadas.
As alucinações de sensações corporais são muito comuns na esquizofrenia e
quase sempre de elaboração delirante, no mais das vezes delírios de controle
(Capítulos 8 e 9). As alucinações táteis podem ser vivenciadas como um toque
suave (“como uma mão me acariciando”) ou podem ser dolorosas (“facas
apunhalando o meu pescoço”). Um paciente acreditava que o sensor de fumaça
na enfermaria era uma câmera com lâmpada infravermelha “porque eu sinto o
calor no meu pescoço”. Outra paciente descreveu uma alucinação tátil na qual
ela vivenciava uma estimulação genital, atribuída às relações sexuais que tinha
simultaneamente com “os dois irmãos Kennedy o tempo todo”. É importante
perceber que existe um componente tanto alucinatório quanto delirante nessas
experiências. Uma forma particularmente desagradável de alucinação tátil é
chamada de formigamento, a sensação de que pequenos animais ou insetos estão
rastejando sobre o corpo ou sob a pele. Isto está especialmente associado ao
efeito de algumas drogas e sintomas de abstinência, como por exemplo, a
dependência da cocaína e abstinência alcoólica. Com frequência está associado a
delírios de infestação, mas estes podem ocorrer sem alucinação.

Alucinação olfativa e gustativa


Alucinações de olfato e paladar geralmente se manifestam juntas e pode ser
muito difícil, ou impossível, distinguir uma da outra. Isto não é de surpreender,
já que muito do que um leigo chama de paladar, na verdade é olfato: “a
fragrância de eucalipto deste vinho do Vale Barossa”.

Alucinações Olfativas
A sensação ou memória olfativa é frequentemente associada a ressonâncias
emocionais poderosas; portanto, não é de surpreender que as alucinações são
revestidas de grande componente afetivo. As alucinações olfativas ocorrem na
esquizofrenia, na epilepsia e em alguns estados orgânicos. O paciente tem uma
alucinação de cheiro. O cheiro pode ser desagradável ou não, mas geralmente
tem um significado especial e pessoal (a qualidade de relevância de Aggernaes);
por exemplo, pode estar associado à convicção de que as pessoas estão
bombeando um gás venenoso ou anestésico na casa, que apenas o paciente pode
sentir. Ocasionalmente, pacientes têm uma alucinação olfativa relacionada
consigo mesmos: “Eu tenho um cheiro repulsivo, insuportável – como um
cadáver, como fezes.” Este paciente, em especial, se suicidou. Ele sentia que
criara tamanho mau cheiro a ponto de se tornar intolerável em qualquer
sociedade razoável. Às vezes os pacientes interpretam mal e supervalorizam
odores corporais normais. Um delírio de um paciente que acredita ter mau cheiro
sem uma alucinação olfativa concomitante é bastante comum na esquizofrenia e
em estados paranoides relacionados.
As alucinações olfativas ocorrem na epilepsia, especialmente em associação
com um foco no lobo temporal e comumente integram o início (a fase mais
precoce) de convulsões. Um paciente descreveu o cheiro de borracha queimada
pouco antes de ficar inconsciente. Alucinações visuais, auditivas, gustativas e
viscerais também ocorrem na epilepsia do lobo temporal.

Alucinações Gustativas
As alucinações gustativas ocorrem em diversas condições. Na esquizofrenia elas
podem ocorrer com delírios de envenenamento. Podem ser um gosto persistente,
como “cebolas”, “um gosto metálico” ou algum tipo de gosto mais estranho. Na
depressão e na esquizofrenia, o sabor da comida pode desaparecer
completamente ou se tornar desagradável. Podem ocorrer mudanças na
percepção gustativa em alguns estados orgânicos, como na epilepsia do lobo
temporal e também com alguns tipos de drogas psicotrópicas, como carbonato de
lítio ou disulfiram. É bastante difícil descrever como esta perturbação do gosto é
mediada e, portanto, se tem ou não caráter alucinatório.

Diferenciaçāo das alucinações


Antes de definir se um paciente está tendo alucinações, deve ser considerada a
possibilidade de outras experiências perceptivas. Estas não têm necessariamente
importância patológica. O diagnóstico diferencial da alucinação inclui ilusão,
pseudoalucinação, imagens hipnagógicas e hipnopômpicas e, claro, imagens
vívidas e percepção normal.

Pseudoalucinações
A pseudoalucinação é um dos fenômenos menos compreendidos da
psicopatologia. Segundo Berrios (1996), o termo “tem sido utilizado para se
referir a percepções reais que são vistas como alucinações isoladas ‘irreais’, que
não se enquadram em diagnósticos favorecidos, efeitos colaterais de drogas,
alucinações de abstinência, alucinações diabéticas etc.”. Segundo Berrios:

“Incontrolado, o uso se perdeu ainda mais, sendo o termo


pseudoalucinações aplicado (i) a fenômenos que se encaixam nos
critérios de alucinação ou ilusão, (ii) a alucinações em pessoas sem
doença mental (por exemplo, pessoas em luto), (iii) às falsas percepções
em pessoas que estão se recuperando de doenças psicóticas, (iv) a
alucinações fictícias em pessoas que exageram seus sintomas, e (v)
ocasionalmente, a percepções normais mas não usuais que inicialmente
parecem ser alucinações (por exemplo, transmissão de rádio na
obturação de um dente ou estilhaços intracranianos.”

Além disso, segundo Kräupl Taylor (1981), parte da confusão sobre o


significado do termo pseudoalucinação surgiu do fato de ser empregado de duas
formas diferentes e mutuamente contraditórias. De um lado, se refere a
alucinações com insight (Hare, 1973) e, de outro, a imagens internas vívidas.
Alucinações com insight são as experiências alucinatórias na qual o sujeito está
consciente de que o percepto alucinatório não corresponde à realidade externa,
embora as percepções sejam verídicas e no espaço objetivo externo. Imagens
internas vívidas são aqueles fenômenos que possuem toda a clareza e nitidez de
um perceito normal, exceto pelo fato de ocorrerem em um espaço subjetivo
interno.
Jaspers (1962) considerou a pseudoalucinação semelhante à percepção
normal, com a exceção de que ocorre em um espaço subjetivo interno. A
pseudoalucinação tem esta característica em comum com as representações. Em
outras palavras, para Jaspers, a pseudoalucinação é uma experiência perceptiva
que é figurativa e se manifesta em um espaço subjetivo interno e não no espaço
objetivo externo, mas possui toda a nitidez e clareza de uma percepção normal e
pode ser mantida inalterada. Ela ocorre independentemente da vontade do
indivíduo e, desta forma, não pode ser evocada deliberadamente. Jaspers extraiu
esta descrição de pseudoalucinação de Kandinsky.
Kandinsky (1849–1889) fundamentou sua descrição de pseudoalucinação em
suas próprias experiências. Ele cometeu suicídio aos 40 anos quando era um
paciente no St. Nicholas Hospital em São Petesburgo, onde ele tinha sido
superintendente médico (Lerner et al., 2001). Em 1885, ele descreveu a
pseudoalucinação como uma forma de percepção separada da verdadeira
alucinação e escreveu: “percepções subjetivas que, em nitidez e característica,
são alucinações reais, exceto pelo fato de não terem realidade objetiva” (citado
em Berrios, 1996). As pseudoalucinações podem ser identificadas nas
modalidades visual, auditiva ou tátil.
Hare (1973) deu como exemplo de pseudoalucinação a voz ouvida por uma
pessoa obsessiva ou deprimida. Ela é descrita pelo paciente como uma voz, mas,
na verdade, é reconhecida como seus próprios pensamentos. As
pseudoalucinações não são patognomônicas de qualquer doença mental. Um
paciente com transtorno de personalidade histriônica viu uma pessoa de robe ao
pé de sua cama levando o dedo indicador aos lábios para que a paciente fizesse
silêncio. A imagem era nítida e vívida, mas foi reconhecida como vista com o
olho interno. A paciente sabia que a figura não estava ao pé da cama e que as
outras pessoas no quarto não podiam vê-la. Quando ela tentou relacionar a figura
com o fundo de seu campo de visão, neste caso as paredes e cortinas do quarto,
ela percebeu que não conseguia; a imagem não possuía uma localização definida
no espaço exterior, fora dela mesma.
Resumindo, a importância da alucinação é que ela quase sempre denota um
estado mental mórbido. A importância da pseudoalucinação está em seu
diagnóstico diferencial da alucinação, já que a pseudoalucinação não é
necessariamente psicopatológica.

Outras Anormalidades da Percepção


Autoscopia
A autoscopia é a experiência de ver a imagem de si mesmo em um espaço
externo, sabendo que é você (ver também alucinação visual). Ela é às vezes
chamada de imagem fantasma no espelho, e é uma das anormalidades da
unidade do eu descritas no Capítulo 12. Entretanto, na autoscopia, a experiência
é necessariamente visual. Como tantos temas de considerável interesse
fenomenológico, o termo autoscopia tem sido empregado com diferentes
significados desde seu primeiro uso por Féré, em 1891. A experiência se refere a
como o indivíduo considera os limites do eu e é discutida adicionalmente a
outras alterações da vivência do eu. É melhor reservar o termo autoscopia para
anormalidades da percepção visual envolvendo o “ver a si mesmo”;
“experiências visuais nas quais os indivíduos veem uma imagem de si mesmos
no espaço externo, observada de dentro de seu próprio corpo físico” (Dening e
Berrios, 1994).
Embora este tópico tenha se mantido de considerável interesse literário ao
longo dos anos, os casos clínicos desta anormalidade perceptiva específica não
são comuns. Dening e Berrios revisaram 56 casos, 53 da literatura e três deles
próprios. Os homens predominavam em uma razão de 2:1 e a idade média dos
indivíduos era de 40 anos. Transtornos neurológicos com transtornos
psiquiátricos ocorriam em cerca de 60% dos casos (diferentes sujeitos), com
epilepsia em aproximadamente 1/3. A consciência diminuída ocorria em 45%,
delirium em 18% e 9% dos sujeitos faleceram no prazo de um ano.
Representações visuais ocorriam em 1/3 dos sujeitos e despersonalização em
18%. O diagnóstico psiquiátrico mais comum era de depressão. Em geral, os
episódios autoscópicos duravam menos de 30 minutos. Quase sempre, o
indivíduo via a sua própria face; com bastante frequência, ele estava deitado em
sua cama quando aconteceu. A experiência geralmente provocava angústia,
medo, ansiedade e depressão. Esta experiência subjetiva era complexa, com
diferentes componentes e causas, e não unitária.
Também foi descrita a autoscopia negativa, na qual o paciente olha para o
espelho e não vê nenhuma imagem, por exemplo.
Alucinação extracampina
“Eu sei que tem alguém atrás de mim, à direita, o tempo todo; ele se mexe
quando eu me mexo”, “Eu fico ouvindo eles falarem sobre minha doença lá no
correio” (a 1 km de distância) – estas alucinações são sentidas fora dos limites
do campo sensorial, fora do campo visual ou além da faixa de audibilidade. Elas
não têm importância diagnóstica, já que ocorrem na esquizofrenia, na epilepsia,
em outros estados orgânicos e também como alucinações hipnagógicas em
pessoas saudáveis. O fenômeno é definitivamente vivenciado como uma
percepção do paciente e não apenas como uma crença ou ideia.

Alucinação hipnagógica e hipnopômpica


Estas são as percepções que ocorrem no momento em que o indivíduo adormece
(hipnagógica) e desperta (hipnopômpica). Segundo Zilboorg e Henry (1941), as
alucinações hipnagógicas foram mencionadas pela primeira vez por Aristóteles.
Sabe-se que o nível de consciência varia consideravelmente em diferentes
estágios do sono e ambos os tipos de percepção anormal provavelmente ocorrem
em fase de sonolência crescente: a estrutura do pensamento, sentimentos,
percepções, fantasias e, finalmente, a autoconsciência se torna turva e imersa no
esquecimento. Estas experiências ocorrem em muitas pessoas saudáveis. Elas
também são descritas na narcolepsia, cataplexia, e paralisia do sono para formar
uma tétrade característica de sintomas (ver Narcolepsia para descrições). Estados
tóxicos, como inalar cola, febres agudas (especialmente em crianças), estados
depressivos pós-infecção e neuroses de ansiedade fóbica são outras condições
que podem estar associadas a estas percepções.
A percepção pode ser visual, auditiva ou tátil. Sua manifestação é repentina e
o sujeito acredita que foi despertado por ela, como por exemplo, uma voz alta na
rua de baixo gritando “guerra mundial!”, uma sensação de alguém o estar
empurrando pra fora da cama ou ver um homem cruzando o quarto. A
importância desses fenômenos na psicopatologia é reconhecer sua natureza e
perceber que elas não são necessariamente anormais, embora possam ser
verdadeiramente alucinatórias.

Alucinação funcional
Este é o estranho fenômeno onde é necessário um estímulo externo para
provocar a alucinação, mas a percepção normal do estímulo e a alucinação na
mesma modalidade são vivenciadas simultaneamente. Um paciente
esquizofrênico ouvia vozes alucinatórias somente quando a água estava correndo
nos canos da enfermaria. Na maior parte do tempo ele não ouvia vozes, mas
quando ouvia a água correndo ao longo dos canos na parede, ele ficava muito
aflito pelas vozes que lhe diziam para se ferir. Ele se sentia aterrorizado pelo
conteúdo dessas vozes porque ele temia que pudesse obedecer. Ele conseguia
separar facilmente o ruído de água das vozes, e estas jamais ocorriam sem o
ruído da água; contudo, ambas as percepções eram reconhecidas como distintas e
reais. Outro paciente ouvia vozes quando o rádio ou a televisão eram ligados,
junto com as vozes transmitidas; ele tinha delírios persecutórios de que essas
atividades eram executadas deliberadamente para aborrecê-lo e ele ficava muito
aflito e, por vezes, violento.

Alucinação reflexa
Enquanto um médico fazia suas anotações durante a entrevista de uma paciente,
ela disse: “Eu sinto que você está escrevendo no meu estômago.” A paciente viu
e ouviu o ato de escrever e estava bastante certa de que isto explicava a sensação
tátil em seu abdome. Um estímulo em uma modalidade sensorial que produz
uma alucinação em outra é chamada de alucinação reflexa. Esta é, na verdade,
uma forma alucinatória de sinestesia, mencionada anteriormente como a
experiência de uma imagem de estímulo em uma modalidade sensorial que
produz uma imagem em outra, por exemplo, a sensação de desconforto causada
por ver e ouvir alguém arranhando um quadro-negro com as unhas. Outra
alucinação reflexa foi observada em uma mulher que sentia dor sempre que
algumas palavras eram ditas. Alucinações funcionais e reflexas não são, em si
mesmas, de grande importância diagnóstica ou teórica, mas devem ser
mencionadas para o detalhamento e reconhecimento, a fim de identificar outros
sintomas mais importantes com confiança.

Representação anormal
Tarefas com imagens mentais têm como objetivo avaliar a capacidade do
indivíduo para a representação mental do mundo percebido. Em casos de
heminegligência, houve interesse em observar se os déficits de representação
observados eram devido à desatenção ou a prejuízo da representação mental.
Bisiach e Luzzatti (1978) descreveram anormalidades em indivíduos com
heminegligência. Foi pedido que seus pacientes descrevessem a Piazza del
Duomo, em Milão, de duas perspectivas: uma olhando para a catedral e outra
com as costas viradas para a catedral. Nas duas perspectivas, os indivíduos
foram incapazes de descrever o lado direito da cena, apesar de terem descrito
corretamente da perspectiva anterior. Em outras palavras, mesmo na imaginação
a representação mental da piazza era unilateralmente deficiente para o lado
direito. Nesses casos, a falta de atenção influenciou a capacidade para
representação. Guariglia et al. (1993) avaliaram um paciente sem
heminegligência que demonstrou prejuízo de representação para objetos no
campo visual esquerdo. Pela primeira vez, isto mostrou que sem
heminegligência, ou seja, desatenção visual para espaço, ainda era possível se
observar falha de representação.

Privação sensorial
A percepção contínua é necessária para a consciência. O campo da sensação
varia o tempo todo, na medida em que sensações individuais de diferentes
modalidades do mundo externo e do mundo interno do indivíduo competem por
atenção. A consciência consiste na integração deste campo sempre em mutação
para formar uma consciência composta de si no seu ambiente. A natureza
essencial da sensação tem sido explorada pelo estudo de sua ausência, conforme
foi revelado em pesquisa sobre os efeitos da privação sensorial (Zubek, 1969).
Este tópico recebe aqui apenas uma breve menção, já que é de certa forma
periférico à psiquiatria.
A privação sensorial foi estudada usando universitários canadenses como
voluntários (Bexton et al., 1954). Os indivíduos, usando óculos translúcidos e
luvas com punhos de papelão, ficavam deitados em uma cama em um quarto
claro, mas parcialmente à prova de som; havia um barulho constante de fundo.
Esta experiência foi considerada extremamente desagradável e, apesar de
estarem sendo pagos, os sujeitos não se dispuseram a permanecer neste estado
por mais de três dias.
Esta técnica foi subsequentemente aperfeiçoada para abafar as sensações
externas de uma forma mais efetiva. Diversas anormalidades da percepção foram
vivenciadas. Foram descritas alucinações visuais de complexidade variada, mas
um estudo posterior destas alterações da percepção levou a serem consideradas,
mais cautelosamente, como “sensações visuais relatadas” e “sensações auditivas
relatadas” (Zuckermann, 1969). Estas foram classificadas em “sensações
insignificantes” e “sensações integradas significativas”. Algumas destas se
assemelham mais a experiências alucinatórias. Dependendo do grau de privação
de outras sensações, a percepção anormal ocorre em outras modalidades além da
visão. Os sujeitos mostram um estado afetivo alterado: eles entram em pânico,
ficam inquietos, irritadiços ou, então, entediados e apáticos.
Apesar de consideráveis pesquisas neuropsicológicas com achados
importantes para a investigação do ambiente sensorial no crescimento e
desenvolvimento, interconexões cerebrais em desenvolvimento, neuroquímica e
neurofisiologia, o estudo da privação sensorial ainda não causou nenhum grande
impacto sobre a psicopatologia descritiva como inicialmente esperado. Isto se
deve a muitas dificuldades. Que parte dos efeitos da privação se deve a falhas de
desenvolvimento e qual parte se deve à perda de comportamentos já
estabelecidos? Como podemos usar o trabalho animal para explorar sintomas
subjetivos? Como podemos extrapolar conclusões a partir da experiência de
informações normais em um ambiente extremamente anormal para pessoas
psiquiatricamente enfermas? Muitos estudos sobre a privação sensorial são
descritos por Riesen (1975), que ligou os dados experimentais à função
neurológica e ao desenvolvimento.
Foi feita uma distinção entre privação sensorial e privação perceptual. Esta é
adquirida pela retirada dos padrões e significado das sensações usando
dispositivos como óculos translúcidos e ruído “branco” contínuo, e não evitando
sensações. Os efeitos prejudiciais da privação sensorial foram considerados por
Slade (1984) como:
▪ Incapacidade de tolerar a situação
▪ Alterações perceptuais
▪ Prejuízos intelectuais e cognitivos
▪ Efeitos psicomotores
▪ Alterações fisiológicas em termos de eletroencefalografia e medições de
resposta galvânica da pele
A fantasia é usada frequentemente como um meio de reduzir o componente
afetivo desagradável da privação sensorial. O sujeito pode ficar desorientado e
demonstrar crescente dificuldade para a solução de problemas e concentração.
Para a percepção e a manutenção do estado normal de consciência, é necessária
uma variedade de estímulos sensoriais disponíveis e que estes possam variar. Se
os objetos da percepção não mudam em si mesmos, o observador mudará seu
ponto de observação a fim de criar a mudança.
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CAPÍTULO 8

Delírios e Outras Ideias Errôneas

Não posso fingir que concordo com ele quando eu sei que sua mente
está funcionando sob um delírio.
Trollope (1869)

Resumo
Delírios são falsos julgamentos tomados com extraordinária convicção e
incomparável certeza subjetiva, imunes a outras experiências e a contra-
argumentos convincentes. Normalmente os delírios são facilmente reconhecidos
quando incompatíveis com o contexto educacional e sociocultural do indivíduo.
Delírios primários têm importância diagnóstica, ao passo que o conteúdo dos
delírios secundários pode sinalizar a natureza do fenômeno anormal primário do
qual se origina. Já ideias supervalorizadas são crenças compreensíveis que
surgem do histórico e das experiências de uma pessoa. Elas são mantidas com
convicção e motivam comportamentos que podem causar dano e sofrimento ao
paciente.
Anthony Trollope, em seu livro He Knew He Was Right, descreve não
somente o efeito devastador do ciúme delirante para o próprio indivíduo, mas
também o extraordinário dilema que representa para as outras pessoas que
entram em contato com ele: seja para condescender e correr o risco de reforçar o
problema, seja para confrontá-lo e arriscar atos violentos. O que é essencial para
a prática clínica na psiquiatria, sob a perspectiva do método fenomenológico ou
empático, é obter um relato claro das ideias ou noções que o sujeito, o paciente,
mantém de fato. Embora os delírios sejam frequentemente chamados de
“crenças”, cada vez mais a literatura questiona este conceito. Crenças falsas
abrangem delírios primário e secundário, ideias supervalorizadas e ideias
sensitivas de referência.

Ideias, crenças e delírios


Raramente alguém se declara delirante e em geral o que o paciente pensa ser um
delírio na verdade não é. Um delírio é uma ideia ou crença falsa, inabalável, que
não se coaduna com o contexto educacional, cultural e social do paciente,
mantido com convicção extraordinária e certeza subjetiva. Subjetivamente, ou
fenomenologicamente, os delírios não podem ser diferenciados de crenças
verdadeiras. Um bacharel em medicina da Universidade de Londres tem um
delírio de que está sendo usado como “um enviado de Marte”. Ele acredita ser
médico e enviado de Marte ao mesmo tempo e nenhuma das duas ideias lhe
parece delirante ou imaginária. Ele gosta de se imaginar um homem rico, com
uma propriedade em Gloucestershire, e não tem a menor dificuldade em
identificar esta última ideia como fantasiosa. Para ele mesmo, o delírio está
muito mais próximo de uma crença verdadeira do que da imaginação e as razões
para provar sua veracidade são as mesmas que a pessoa empregaria para provar
qualquer outra ideia que tenha sido contestada. Normalmente, é fácil distinguir
entre fantasia e realidade, embora o sujeito possa relutar bastante em aceitar suas
aspirações como “mera fantasia”. Do mesmo modo, em geral, não é nada difícil
para o observador externo determinar se uma falsa crença é um erro de
interpretação dos fatos resultante de raciocínio falso ou é um delírio.

Significado de delírio
A palavra delude em inglês vem do latim e significa brincar ou zombar, fraudar
ou trapacear. O equivalente em alemão, Wahn, significa capricho, opinião falsa
ou extravagante e, como no inglês, não faz referência à experiência subjetiva. O
equivalente em francês, délire, é mais empático: significa o arado saindo do
sulco (lira), talvez uma metáfora semelhante ao irônico “unhinged” do inglês
(fora da dobradiça, ou seja, “com um parafuso a menos”). De acordo com Bayne
e Fernandez (2009):

À primeira vista, parece óbvio que os delírios envolvem afastamento –


geralmente afastamento radical - das normas do procedimento humano
de formação de crenças. Os delírios se destacam como espécies
exóticas no jardim da crença, exemplos do que acontece justamente
quando se quebram os mecanismos de sua formação.

Neste capítulo, a complexidade dos delírios como conceitos, sintomas


vivenciados e fenômenos anormais será explorada, discutida e analisada.

Definição de Delírio
Continua a haver muita discussão e controvérsia sobre a definição de delírio. A
abordagem padrão segue a afirmação de Jaspers (1959), segundo a qual delírios
se manifestam como julgamentos e decorrem do processo de pensamento e
julgamento. Para Jaspers, as características dos delírios são as seguintes:
1. Eles são falsos julgamentos.
2. Eles são mantidos com extraordinária convicção e incomparável certeza
subjetiva.
3. Eles são imunes a outras experiências e a contra-argumentos convincentes.
4. Seu conteúdo é impossível.
Cada um desses critérios sofreu críticas. Os delírios podem não ser
objetivamente falsos em termos de conteúdo, como no caso do ciúme delirante,
onde a crença pode corresponder a uma verdade objetiva e, portanto, não é falsa.
Os delírios podem não ser mantidos com extraordinária convicção, entretanto,
crenças normais podem ser mantidas com extrema convicção. Crenças delirantes
também podem ser receptivas a contra-argumentos, embora seja raro que se
alterem com base apenas neles. Por último, o conteúdo delirante não precisa ser
impossível.
A ideia de que delírios não são crenças vem ganhando corpo. Spitzer (1994),
por exemplo, defende esta ideia ao fazer a distinção entre “saber” e “acreditar”.
Segundo Spitzer, os delírios fazem afirmações que se referem a saber e não a
crer. Em outras palavras, os pacientes têm certeza que “sabem isto ou aquilo” e
não que “acreditam nisto ou naquilo” e é justamente por isso que as afirmações
delirantes são expressas com convicção e certeza e não estão abertas a
discussões e questionamento. Berrios (1996) chegou às mesmas conclusões. Ele
afirma que “os delírios são atos de discurso vazio que se impõem como crenças”.
Além disso, ele afirma que o conteúdo dos delírios é incidental ao fato do
fenômeno ser um delírio. Para Berrios, o conteúdo dos delírios é escolhido
aleatoriamente, seu conteúdo sequer reflete qualquer coisa presente no ambiente
no momento em que o delírio é formado. Falta qualidade de informação no
conteúdo e ele não é uma “expressão simbólica de alguma coisa”. Estas críticas
sobre as definições e compreensão atual dos delírios salientam a complexidade
de seu status conceitual e mostram que ainda é necessário um trabalho teórico
aprofundado na psicopatologia.
É importante ressaltar que a tradição que localiza os delírios no campo do
pensamento e julgamento se origina simplesmente da necessidade de distinguir
as alucinações (anormalidades de percepção) dos delírios (anormalidades de
pensamento e julgamento). E, de qualquer forma, argumentar que os delírios não
são anormalidades de crença é como argumentar que coreia (um movimento
involuntário) não é uma anormalidade de movimento porque os movimentos
observados não têm um propósito nem são intencionais. Bortolloti (2010) fez
uma avaliação crítica dos argumentos contra a ideia de que os delírios são
crenças e concluiu que estes argumentos, que classifica como procedimentais,
epistêmicos e agenciais, se aplicam igualmente a crenças normais. Ela conclui
que não há razões suficientes para tratar os delírios como qualquer outra coisa
que não seja crença. Com isto em mente, é melhor que continuemos a classificar
os delírios como crenças anormais.
A decisão de chamar uma crença ou julgamento de delirante não é tomada
pela pessoa que a mantém, mas por um observador externo. Não pode haver
nenhuma definição fenomenológica de delírio porque é provável que o paciente
se atenha à suas crenças com a mesma convicção e intensidade com que sustenta
as outras crenças sobre si mesmo, ou como qualquer outra pessoa que tem
crenças pessoais e intensas não delirantes. Neste sentido, os delírios estão para a
ideação como as alucinações estão para a percepção. Subjetivamente, um delírio
é simplesmente uma crença, noção ou ideia. A definição de delírio de Stoddart
(1908), “um julgamento que não pode ser aceito pelas pessoas da mesma classe,
educação, raça e período da vida como é aceito pela pessoa que o experimenta”,
apresenta algumas vantagens. No entanto, esta definição poderia incluir paixão
delirante por uma pessoa que outros consideram inadequada, a crença religiosa
de uma minoria ou manter ideias incomuns sem reconhecer qualquer argumento
contrário razoável.
Hamilton (1978) definiu delírio como “uma crença falsa e inabalável que
surge de processos internos mórbidos. Ele pode ser reconhecido com facilidade
quando é incompatível com a bagagem educacional e cultural da pessoa”. Esta
definição argumenta que uma crença pode ser um delírio mesmo quando não é
incompatível com o contexto educacional e cultural do paciente.
Em vez de sugerir uma definição única de delírio, Kendler et al. (1983)
propuseram diversas dimensões ou vetores pouco relacionados de gravidade
delirante:
▪ Convicção: o grau de convencimento do paciente sobre a realidade de suas
crenças delirantes.
▪ Extensão: o grau de envolvimento da crença delirante nas áreas da vida do
paciente.
▪ Bizarrice: o grau de afastamento das crenças delirantes da realidade
consensual determinada culturalmente.
▪ Desorganização: o grau de consistência interna, lógica e sistematização das
crenças delirantes.
▪ Pressão: o grau de preocupação do paciente com as crenças delirantes
expressadas.
Duas outras dimensões que também podem ser consideradas são:
▪ Resposta afetiva: o grau de envolvimento das emoções do paciente com tais
crenças.
▪ Comportamento desviante resultante de delírios: o paciente às vezes, mas nem
sempre, age de acordo com seus delírios.

Delírios Primários e Secundários


O confuso tópico dos delírios primários e secundários exige explicação. É
provavelmente mais significativo usar o termo primário para sugerir que o
delírio não está ocorrendo em resposta a outra forma psicopatológica, como o
transtorno de humor. Delírio secundário é empregado para se referir ao fato de
que a crença falsa é compreensível nas circunstâncias presentes – devido ao
estado de humor pervasivo ou ao contexto cultural.
Gruhle (1915) considerou que o delírio primário era uma perturbação de
significado simbólico, não uma alteração na percepção sensorial, apercepção ou
inteligência. Delírios primários ocorrem na esquizofrenia e não em outras
condições; eles incluem tanto percepção delirante quanto intuição delirante
(Cutting, 1985). No entanto, intuições, noções ou ideias delirantes não são
patognomônicas de esquizofrenia, porque em casos específicos há muito espaço
para discutir se o delírio é efetivamente primário, ou seja, incompreensível, ou
de natureza secundária. Delírios secundários ocorrem em muitas condições além
da esquizofrenia e podem algumas vezes ser analisados em relação ao ambiente
cultural ou ao estado emocional da pessoa.
Wernicke (1906) formulou o conceito de uma ideia autóctone, uma ideia que é
“nativa do solo”, aborígene, que surge sem uma causa externa. O problema em
encontrar delírios supostamente autóctones ou primários é o fato de ser
controverso determinar se eles são verdadeiramente autóctones. É por isso que
eles não são considerados como sintomas de primeira ordem na classificação de
Schneider (1957). Em muitos casos é extremamente difícil determinar se um
delírio é autóctone. Diversos autores afirmam que todos os delírios são
compreensíveis se a pessoa souber o suficiente sobre o paciente.

O Absolutamente Incompreensível
A exposição detalhada de Jaspers foi cuidadosamente revisada por Walker
(1991), sendo relevantes seus conceitos de incompreensível e de conexões
significativas. Se pedirmos que um infrator descreva o mundo psíquico em que
vive – suas atitudes, seus sentimentos e como eles foram se desenvolvendo
desde sua infância até os dias atuais – nós até poderíamos compreender sua
crueldade sexual que, no início, parecia incompreensível: o comportamento se
torna significativo no contexto do abuso por seu padrasto e a sobrevivência como
adolescente em uma subcultura urbana marcada por violência, humilhação e
frustração. No entanto, quando consideramos uma solteirona de meia idade com
histórico de esquizofrenia que acredita que homens destrancam a porta de seu
apartamento, a anestesiam e a violentam sexualmente, nos deparamos com uma
experiência que não é compreensível. Obtendo maiores detalhes do histórico,
podemos compreender como o seu problema se centraliza na experiência sexual,
porque ela deve desconfiar dos homens, suas dúvidas sobre sua feminilidade e
suas sensações de isolamento social. Entretanto, o delírio, sua convicção
absoluta de que estas coisas estão efetivamente acontecendo com ela, que são
reais, não é compreensível. A única coisa que podemos fazer é tentar entender
externamente, sem realmente conseguir nos sentir no seu lugar (empatia
genética, Capítulo 1), o que ela está pensando e como ela vivencia o que está
experimentando, mas não podemos compreender como tal noção possa ter se
desenvolvido.
Esta é a essência do delírio primário ou autóctone; ele é absolutamente
incompreensível. A paciente descrita também acreditava que a polícia utilizava
raios para observá-la. Não é preciso tentar descobrir qual delírio veio primeiro, a
anestesia ou a observação por raios, para determinar o delírio primário; primário
não depende de relações temporais. Na medida em que ambos os delírios não são
compreensíveis, ambos são primários. Um delírio ainda pode ser primário neste
sentido de Jaspers, embora surja de uma memória, atmosfera ou percepção.
O protagonista do livro de Gogol (1809–1852) Diary of a Madman
(Gogol, 1972) diz: “A Espanha já tem rei. Ele foi encontrado, afinal. Este rei sou
eu. Somente hoje é que eu soube.” Esta crença repentina e inexplicável surgiu de
forma autônoma e não premeditada. A partir de então, ela ditou todo o
comportamento do indivíduo e influenciou a sua visão de mundo.

Como as Ideias e os Delírios Iniciam


Um delírio é uma crença, uma ideia, um pensamento, uma noção ou uma
intuição que surge como qualquer outra ideia – no contexto da percepção, da
memória ou da atmosfera – ou pode ser autóctone, parecendo ocorrer
espontaneamente.
As ideias são iniciadas da seguinte maneira:
▪ Um exemplo de ideia que ocorre com base em um percepto: sinto o cheiro de
comida cozinhando e então tenho a ideia de comer alguma coisa.
▪ As ideias podem seguir uma memória: eu me recordo de ouvir um quarteto de
cordas e tenho a ideia de colocar um CD.
▪ As ideias podem surgir de uma atmosfera ou de um estado de humor: eu já
estou irritado e quando vou pegar meu carro na oficina e ouço um barulho
inexplicável eu fico desarrazoadamente bravo e culpo o mecânico por não ter
feito o conserto de forma satisfatória.
▪ Uma ideia pode ser autóctone. Eu visito uma ala do hospital em uma tarde na
qual eu quase nunca vou. Embora aceite que a ocorrência de todo
comportamento tenha uma explicação, eu não sei por que eu fiz isso naquela
ocasião em particular. A origem da ideia pode ser explicada teoricamente,
como por exemplo, o inconsciente, mas subjetivamente ela parece ter
ocorrido de uma forma inédita. Os delírios ocorrem em contextos
semelhantes com base em percepção, memória, atmosfera ou de um modo
inédito – vindo do nada.
Na discussão sobre delírios primários, veremos como as quatro situações
também explicam o início dos delírios: percepção, memória, humor e de forma
autóctone. Neste sentido, o delírio é uma ideia.

Delírios secundários
Delírios primários diferem dos secundários pelo fato de os primeiros serem
fundamentalmente não compreensíveis. Delírios secundários são compreensíveis
no contexto de outros fenômenos anormais como: humor anormal, percepção
anormal ou até mesmo uma crença primária anormal. Uma paciente maníaca
dizia ser Mary, Rainha da Escócia. Ela reconhecia que a rainha em questão viveu
e morreu séculos antes, mas afirmava ser sua descendente e se sentia no direito
de dizer que ela era Mary, Rainha da Escócia. A crença podia ser atribuída a seu
humor eufórico e expansivo e desapareceu quando seu estado afetivo diminuiu.
Um paciente deprimido acreditava ter cometido um “pecado imperdoável”. A
discussão e a persuasão, mesmo com uma pessoa cujas crenças religiosas ele
aceitava, não trouxeram alívio e a crença podia ser vista como parte de seu
humor depressivo. Delírios depressivos podem persistir mesmo depois de um
tratamento resultar em melhora do retardo psicomotor, e explicam a ocorrência
de alguns suicídios na fase de recuperação da depressão. Foi sugerido que pode
ter havido um declínio na prevalência do delírio que ocorre na doença
depressiva, mas Eagles (1983), ao estudar internações nos hospitais em
Edimburgo entre 1892 a 1982, considerou não haver redução genuína.
Os delírios secundários podem ser diferentes de ideias supervalorizadas (ver a
seguir). Enquanto os delírios secundários resultam de outro fenômeno anormal,
as ideias supervalorizadas são compreensíveis sob a ótica da história pessoal do
paciente ou algum evento histórico identificável cujo valor foi por algum motivo
aumentado. Nenhum fenômeno anormal anterior explica a presença de uma ideia
supervalorizada.

Tipos de Delírio Primário


Kurt Schneider (1957) discute o dilema dos sintomas primários na esquizofrenia
de maneira muito lúcida, dando seis significados possíveis para o termo
primário, mas ainda nos deixa em dúvida quanto à crença ser ou não primária.
Entretanto, ele deixa claro que sintomas primários não são o mesmo que
sintomas de primeira ordem da esquizofrenia. Os sintomas primários são aqueles
que surgem sem uma causa compreensível no contexto de um transtorno
psicótico. Desta forma, eles são as manifestações necessárias da psicopatologia
subjacente, da mesma maneira como o inchaço e a vermelhidão são
consequências necessárias de um trauma físico. Por outro lado, segundo
Schneider, sintomas de primeira ordem são simplesmente uma lista empírica útil
de sintomas encontrados comumente na esquizofrenia e não em outras
condições. Descrever sua presença nada nos diz sobre como surgiram.
Jaspers diferencia delírios verdadeiros ou, delírios propriamente ditos, de
ideias deliroides. Neste sentido, delírios verdadeiros se tornam sinônimos de
delírios primários, e ideias deliroides de delírios secundários. Ideias deliroides
podem emergir compreensivelmente do ambiente interno e externo do paciente,
especialmente do seu estado de humor. Delírios verdadeiros não podem ser
explicados desta forma; eles são psicologicamente irredutíveis. Segundo Jaspers,
eles poder se apresentar com os seguintes tipos:
1. Delírio autóctone (intuição delirante)
2. Percepção delirante
3. Atmosfera delirante
4. Memória delirante

Delírio autoctóne (intuição delirante)


São os delírios que parecem surgir repentinamente, “do nada”; eles são
fenomenologicamente indistinguíveis da chegada repentina de uma ideia normal.
O paciente procura às cegas por explicações para a ocorrência de seu delírio ao
responder às perguntas do entrevistador, da mesma maneira que uma pessoa
saudável acharia difícil explicar a chegada de qualquer ideia repentina. A
diferença está na capacidade do observador de empatizar com o paciente, de
entender uma ideia não delirante por mais bizarra e destrutiva que seja, mas sem
compreender como alguém pode chegar a acreditar em seu delírio.
Schneider considerava que o termo ideia delirante se baseava em uma
psicologia ultrapassada e, portanto, deveria ser abandonado, contribuindo para
essa percepção o fato de muitas vezes ser confundido com ideia deliroide,
mesmo em alguns livros de doutrina. Intuição delirante é talvez a tradução mais
satisfatória do alemão Wahneinfall. Ela ocorre em uma única fase, ao contrário
da percepção delirante, que ocorre em duas fases: percepção seguida de falsa
interpretação. Como as percepções delirantes, as intuições delirantes são
autorreferentes e geralmente têm grande importância para o paciente.

Percepção delirante
A percepção delirante ocorre quando o paciente recebe uma percepção normal
que é então interpretada com significado delirante e tem enorme significado
pessoal, sendo um sintoma de primeira ordem da esquizofrenia. Jaspers delineou
o conceito da percepção delirante e Gruhle (1915) usou sua descrição para
abranger quase todos os delírios, mas minimizando a importância da intuição
delirante. Schneider (1949) considerava a essência da percepção delirante a
importância anormal vinculada a uma percepção normal, sem qualquer causa
que seja compreensível em termos racionais ou emocionais; ela é autorreferente,
importante, urgente, de imenso significado pessoal e, obviamente, falsa.
Geralmente é difícil determinar se um delírio é efetivamente uma percepção
delirante ou se está sendo utilizado para explicar a importância de determinados
objetos de percepção dentro de um sistema delirante. Uma mulher disse: “toda
noite o sangue é injetado para fora de meus braços (sic)”. Quando lhe foi pedida
alguma corroboração, ela explicou que tinha pequenas manchas marrons nos
braços e, desta forma, sabia o que estava acontecendo. O entrevistador examinou
as manchas dos braços, arregaçou sua manga e mostrou marcas idênticas em seu
próprio braço. Ele disse que elas estavam em seu braço desde que conseguia se
lembrar e se chamavam “sardas”. Ela concordou que as marcas eram parecidas e
aceitou a explicação do entrevistador, mas ainda assim insistia que suas sardas
provavam que ela estava sendo injetada durante o sono. Esta foi uma percepção
delirante.
Outro exemplo de provável percepção delirante causou problemas
consideráveis no manejo cirúrgico, resultando na morte da paciente (Porter e
Williams, 1997). Uma mulher de 65 anos inundou a sua casa ao deixar todas as
torneiras abertas.

Na internação ela estava desarrumada, o cabelo sem lavar, usava


roupas sujas. Vomitava bile e relutava em ser entrevistada. Ela
expressava crenças delirantes de que seu estômago tinha sido
expandido com éter ao longo de várias semanas e que era capaz de
estourar por causa de uma faixa de radio-cidadão localizada em seu
estômago. Ela acreditava que o IRA a estava perseguindo há anos e
vivenciava alucinações auditivas de vozes que ela identificava como
vindas de um receptor de faixa cidadão. Uma “voz” lhe disse para não
deixar que ninguém a examinasse. Não havia evidência de estado
confusional agudo e o diagnóstico foi consistente com uma psicose
paranoide de longa duração.

No exame físico seu abdome estava macio, mas distendido com uma
massa central dura, irregular e imóvel. O fígado e o baço apresentavam
tamanho normal e os rins não eram palpáveis. Os sons do intestino eram
altos. Foi feito um diagnóstico de possível malignidade intra-abdominal.

Ela recusou qualquer investigação ou tratamento, desenvolveu insuficiência


renal aguda e acabou por falecer; o líquido ascítico revelou a presença de células
adenocarcinomatosas, provavelmente de origem ovariana.
Outra paciente, com outros sintomas delirantes, acreditava que muitos dos
pacientes do hospital eram pessoas famosas engenhosamente disfarçadas com
perucas, maquiagem e barbas falsas. Ela reconhecia que eles não se pareciam
com as pessoas que ela presumia serem, mas achava que isto era uma grande
farsa, na qual ela mesma estava envolvida, para “ajudar as pessoas
espiritualmente”. Embora suas percepções fossem normais e suas interpretações
delirantes, isto não foi considerado uma percepção delirante, e sim um erro de
interpretação. Todas as circunstâncias de sua vida eram explicadas através de um
sistema delirante extremamente complicado e essas percepções não tinham
importância pessoal imediata além da importância que ela encontrava em todos
os objetos e eventos ao seu redor.
Na percepção delirante, há uma experiência direta de significado para a
percepção normal direta; não se trata de mera interpretação da percepção para
que se encaixe em outras crenças delirantes estabelecidas. Portanto, a percepção
delirante é uma experiência direta de significado que o paciente não tinha
anteriormente. Objetos ou pessoas ganham nova importância pessoal de natureza
delirante, embora a percepção em si permaneça inalterada. Isto é diferente de
interpretação delirante, na qual o sistema delirante afeta todos os aspectos da
vida do paciente de maneira que qualquer evento ou percepção é interpretado em
relação àquele delírio. Um paciente observa que uma maçaneta está faltando;
este não é o precipitante de uma nova importância pessoal imediata de natureza
delirante, mas na verdade confirma a crença que o paciente já tinha de que
pessoas estavam tentando aprisioná-lo e sujeitá-lo a uma vivissecção.
Quando consideramos uma percepção delirante, a percepção pode ser
compreendida em um sentido bastante amplo. Na experiência subjetiva, não há
diferença entre perceber um objeto através de um órgão dos sentidos e perceber
ou compreender o sentido de mensagens escritas ou faladas, embora as vias de
percepção sejam diferentes. Portanto, a percepção delirante inclui importância
delirante vinculada a palavras e frases, assim como também a objetos puramente
sensoriais. Por exemplo, uma paciente no Rubery Hill Hospital caminhou até
uma entrada do hospital e viu uma placa estragada que dizia: “RUBE... ILL.”
Ela de repente percebeu que aquela era uma mensagem secreta endereçada
somente a ela. “Você está ficando doente?”,* que as pessoas estavam
preocupadas em ajudá-la e que ela iria melhorar. A interpretação delirante foi
vinculada ao sentido do significado das letras do anúncio.
Existem duas fases distintas na percepção delirante:
▪ O objeto se torna significativo dentro de um campo de sensações e é
percebido; geralmente uma percepção visual (Mellor, 1991).
▪ O objeto se torna revestido de importância delirante.
Essas duas fases não precisam ser simultâneas para que a experiência seja uma
percepção delirante. Às vezes elas são separadas por um intervalo de vários
anos. Um paciente acreditava que sua mente estava sofrendo a interferência de
um aparelho eletrônico. Ele alegava que isso tinha começado quando, 5 anos
antes, escutou um ruído incomum ao atender o telefone. A crença delirante ele
tinha há apenas alguns meses.

Atmosfera delirante
Para o paciente que vivencia atmosfera delirante, seu mundo parece ter sido
alterado de forma sutil: “alguma coisa estranha está acontecendo”, “eu recebi um
mundo de novos significados”. Ele experimenta tudo a seu redor como sinistro,
portentoso, misterioso, peculiar, de uma forma indefinível. Ele sabe que está
pessoalmente envolvido, mas não consegue dizer como. Ele tem uma sensação
de antecipação, algumas vezes até de excitação, de que em breve todas as partes
separadas de sua experiência irão se encaixar para revelar algo extremamente
importante. Isto é, de fato, o que geralmente acontece, já que uma atmosfera
delirante é parte do processo subjacente e, frequentemente, o primeiro sintoma
de esquizofrenia e o contexto no qual surge uma intuição ou percepção delirante
completamente formada. O humor da atmosfera também é muito importante e
esta experiência é geralmente chamada de humor delirante. O paciente se sente
profundamente desconfortável, e muitas vezes extremamente perplexo e
apreensivo. Quando o delírio se forma por completo, o paciente parece aceitá-lo,
com uma sensação de alívio daquela tensão prévia e insuportável na atmosfera.
Um homem de meia idade se apresentou, em um primeiro momento, como um
paciente psiquiátrico com aparentes sintomas obsessivos. Ele sempre verificava
se seus vizinhos conseguiam ouvir o que ele dizia dentro de sua própria casa. Ele
havia pedido demissão de diversos empregos porque acreditava que seus
empregadores não aceitariam suas crenças religiosas. Ele sentia que as pessoas
ao seu redor eram hostis e implacavelmente contrárias a ele, embora não
conseguisse definir exatamente como – ele apenas “sentia”. Ele mudava de casa
repetidamente, mas a sensação persistia. Isto seguiu por vários anos até que um
dia ele chegou ao departamento de emergência de um hospital alegando que seus
vizinhos falavam sobre suas ações e controlavam seus pensamentos. Esta
atmosfera foi desenvolvida insidiosamente ao longo de anos e eventualmente ele
manifestou alucinações auditivas e passividade de pensamento (Capítulo 9).
De acordo com Berner (1991), os psicopatologistas alemães nunca usaram o
termo atmosfera delirante, mas sempre fizeram referência a humor delirante,
mas o autor considera que a palavra atmosfera é preferível porque permite fazer
uma distinção entre uma perturbação cognitiva, perceptiva, que provoca uma
resposta emocional e uma alteração de humor, ocasionando uma mudança na
percepção do mundo externo. Considera-se que a atmosfera delirante é um
estado final comum decorrente de diversas vias: vulnerabilidade a perturbações
cognitivas, como na esquizofrenia “Bleuleriana”; descarrilhamento dinâmico,
como em transtornos afetivos como depressão puerperal ou vulnerabilidade
psicogênica; ou sem nenhum dos dois, com eventos de vida estressantes. Berner
considera que este é um estado que não se restringe a pessoas que sofrem de
esquizofrenia.
As fases prodrômicas dos transtornos esquizofrênicos variam bastante em sua
natureza e frequentemente foi dado outro diagnóstico antes da sintomatologia
definitiva se estabelecer. Em uma revisão instrutiva da literatura sobre a
simulação da psicose e em um estudo de seis pacientes que se acreditava estarem
simulando uma psicose esquizofrênica, Hay (1983) comentou a natureza da
psicose simulada. Para ele, a simulação da esquizofrenia é geralmente uma fase
prodrômica de uma psicose esquizofrênica que ocorre em pessoas com
personalidades pré-mórbidas extremamente desviantes. Todos, exceto um de
seus pacientes, foram considerados como sofrendo de esquizofrenia à época do
acompanhamento.

Memória delirante
Praticamente da mesma forma que uma percepção delirante é uma interpretação
delirante de uma percepção normal, a memória delirante é a interpretação
delirante de uma lembrança normal. Estas são ocasionalmente chamadas de
delírios retrospectivos, nos quais um evento que ocorreu no passado é explicado
de forma delirante. Um homem de 50 anos, cuja doença mental já durava cerca
de dois anos, dizia que sua saúde havia sido permanentemente afetada desde
seus 16 anos, quando ele havia passado por “uma operação para remover o
apêndice”. Ele agora acreditava que aquela operação foi uma desculpa para
“implantar uma convolácea* dourada” no seu intestino.
Se um significado delirante for atribuído a uma percepção normal que é
relembrada, esta se torna uma percepção delirante. Ela possui os dois
componentes que foram descritos como necessários para a percepção delirante: a
imagem da percepção recordada e o apego a esta percepção de importância
delirante. Uma mulher casada se lembrava, anos antes, de ver um homem de pé
no bar “com uma expressão triste no rosto”. Ela “percebeu”, no início de sua
doença esquizofrênica, duas semanas antes de sua internação, que naquela época
aquele homem estava apaixonado por ela e ela tentou encontrar seu nome na
lista telefônica e entrar em contato novamente, sentindo que eles estavam
envolvidos em um relacionamento especial.
Obviamente, é um erro esperar que sintomas fenomenológicos se revelem
claramente a partir da fala do paciente. Não existe uma demarcação exata entre
memória delirante e percepção ou intuição delirante. O paciente descreve um
delírio. Isto aconteceu há uma hora, uma semana ou 10 anos? Até que ponto é
uma memória delirante e não uma intuição delirante? Da mesma forma, não
existe uma diferenciação absoluta entre um evento, percepção ou ideia normal
que aconteceu no passado e é recordada com uma interpretação delirante, e um
evento, percepção ou ideia delirante que aconteceu no passado e que também é
lembrada com uma interpretação delirante. Em outras palavras, existem dois
sentidos para o termo memória delirante. Há o sentido no qual uma recordação
normal é interpretada de maneira delirante no presente, e outro sentido no qual a
recordação em si é uma falsa memória que está impregnada de interpretação
delirante. Ambas são memórias delirantes e nem sempre é possível saber quanto
do evento foi factual e quanto foi delirante. Uma mulher com esquizofrenia, de
34 anos, contou que 12 anos antes pegou o telefone para ligar para um homem
de quem ela gostava muito: “Deus segurou meu braço e me fez desligar o
telefone.” Não foi possível determinar exatamente qual parte da experiência era
real e qual era delirante e em que momento ocorreu o delírio.
Por vezes são impostas distinções sutis na classificação de delírios primários,
mas estas são mais itens de colecionador do que características de relevância
clínica. A consciência delirante é uma experiência não sensorial por natureza, na
qual as ideias ou eventos assumem extrema clareza, como se possuíssem uma
realidade adicional. A importância delirante é o segundo estágio da percepção
delirante. Objetos e pessoas são percebidos normalmente, mas se revestem de
importância especial que não pode ser racionalmente explicada pelo paciente.

As Origens do Delírio
Qual é a origem de delírios? Esta pergunta nos leva a questionar até que ponto
delírios são, por definição, diferentes de crenças normais e, se são diferentes de
crenças normais, quais são os mecanismos que estão envolvidos no seu
desenvolvimento e manifestação? Na própria visão de Jaspers (1959), o delírio
seria um fenômeno primário que implica uma transformação da consciência total
de realidade. Isto significa que uma crença delirante envolve e implica atividade
prática, comportamento, o significado que é imanente em objetos e transforma
radicalmente a experiência básica do mundo. Uma pessoa que tem o delírio de
ser amado por uma celebridade se coloca no mundo com esta certeza e
conhecimento e age neste sentido, escrevendo, telefonando ou tentando visitar a
celebridade. Estas crenças equivocadas revestem o mundo do paciente de novos
significados. Neste sentido, a realidade está na interpretação ou na importância
atrelada a eventos que ocorrem e que são interpretados sob a ótica de uma crença
primária equivocada.
A compreensão de como os delírios alteram radicalmente o mundo do
paciente não nos ajuda a explicar como os delírios se formam. Os fatores
envolvidos na formação do delírio foram resumidos por Brockington (1991);
veja o Quadro 8.1.

Quadr o 8.1 Fatores envolvidos na formação de


delírios
▪ Transtorno de funcionamento cerebral
▪ Influências de contexto temperamental e de personalidade
▪ Preservação da autoestima
▪ O papel do afeto
▪ Resposta a um distúrbio perceptual
▪ Resposta à despersonalização
▪ Associação com sobrecarga cognitiva

Fish (1967) fez um resumo útil das primeiras teorias alemãs sobre as origens
do delírio. Conrad propôs cinco estágios no desenvolvimento da psicose
delirante:
▪ Trema: humor delirante representando uma mudança total na percepção do
mundo.
▪ Apofania: a busca e descoberta de novos significados para eventos
psicológicos.
▪ Anástrofe: agravamento da psicose.
▪ Consolidação: formação de um novo mundo ou conjunto psicológico baseado
em novos significados.
▪ Resíduo: eventual estado autístico.
Gruhle (1915) considerava a percepção delirante a forma mais significativa de
delírio, uma percepção normal que assume um novo significado, que resulta em
relação perturbada da compreensão de eventos. Matussek acreditava que na
percepção delirante há uma mudança na importância das palavras usadas ou na
natureza real da percepção em si. Estes autores, e também Schneider, consideram
a percepção delirante a chave para a compreensão da natureza da experiência
delirante.
Hagen via a atmosfera delirante como primária, surgindo por razões
desconhecidas e resultando em uma reordenação de significados no mundo ao
redor do paciente, que busca resposta para o problema de compreensão e a
encontra criando um delírio. É mais fácil tolerar a certeza de um delírio do que a
incerteza dos presságios do ambiente. Segundo Jaspers, ocorre uma mudança
sutil na personalidade devido à própria doença e isto cria a condição para o
desenvolvimento da atmosfera delirante na qual surge a intuição delirante.
Todas essas teorias se baseiam na premissa de que o delírio é primário e
absolutamente incompreensível da mesma maneira que Jaspers considera que a
experiência da realidade é primária. A experiência tem uma implicação
simbólica além do próprio evento; por exemplo, o ato do médico de escrever
uma receita para seu paciente no consultório significa muito mais para o paciente
do que se o médico estivesse rabiscando em seu receituário. (Um paciente no
Norte da África no século XIX comeu a receita passada por seu médico, tão
grande era a sua confiança e veneração pelo médico [Sims, 1972].) Parece que a
crença simbólica ligada a eventos e percepções é alterada no delírio e é por isso
que o paciente não necessariamente age de acordo com ele. A atmosfera
delirante não é um requisito essencial para uma intuição delirante, já que esta
pode ocorrer de forma inédita.
Alguns autores não tentaram explicar delírios porque eles os consideram
absolutamente incompreensíveis e que são diretamente resultantes de uma
anormalidade cerebral (Schneider, 1949). Bleuler se concentrou na alteração do
afeto como primária, e não a atmosfera ou percepção delirante. Ele argumentava
que o afeto intensificado enfraquece a capacidade de estabelecer associações,
facilitando a chegada do delírio. No início de doença esquizofrênica existe afeto
extremo, talvez na forma de ansiedade ou ambivalência que o paciente não
consegue expressar.
Kretschmer (1927) enfatizou a importância da personalidade subjacente. Ele
descreveu a personalidade sensitiva pré-mórbida, que ocorre em uma pessoa
que tem complexos carregados de afeto e possui uma capacidade limitada de
autoexpressão emocional. Tal pessoa é guiada dolorosamente por fortes
sensações sexuais, por exemplo, mas tem enorme dificuldade de comunicar sua
paixão e de se relacionar com outras pessoas. Ela tem plena consciência das
imposições sociais e é controlada rigidamente por seu superego. Esta pessoa, um
pouco rígida, bitolada e desconfiada, forma ideias sensitivas de referência. Pode
ocorrer uma experiência chave em sua vida e, subitamente, essas ideias se
estruturam como delírios de referência.
Uma menina ficava sempre tímida, reticente e sensitiva na escola, e quase
sempre relutava em comparecer. Ela era meticulosa na atenção a cuidado pessoal
e higiene. Após deixar a escola, ela se lembrava vividamente de diversas
situações da infância em que se sentia humilhada. Aos 18 anos, quando estava
trabalhando em uma fábrica, ela estava no vestiário feminino entristecida porque
seu namorado lhe havia dito que queria terminar com ela por causa de outra
pessoa e ouviu uma das outras mulheres dizer, “nossa, que cheiro ruim que ela
tem!” Ela imediatamente atribuiu a frase a si mesma como uma explicação para
o comportamento do namorado. A partir de então, ela se convenceu de que tinha
um cheiro desagradável o tempo todo, embora ela mesma não conseguisse sentir
o odor. Este delírio dominou sua vida, impedindo o convívio e causando muita
angústia. Este desenvolvimento de delírio (Sensitiver Beziehungswahn) a partir
de ideias sensitivas de referência, como sequela de experiência chave, pode ser
observado no início da esquizofrenia, mas não é comum. A experiência chave,
como esse caso ilustrou, tem duas qualidades importantes. Primeiro, ela é
particularmente adequada às áreas de conflito da paciente como ideias sensitivas
de referência. E em segundo lugar, ela ocorre em momentos de grande tumulto e
sofrimento emocional, de modo que o terreno psíquico está preparado para um
evento catastrófico.
Várias tentativas têm sido feitas para considerar todos os delírios
compreensíveis em relação à experiência subjetiva da pessoa ou seu contexto
social. Westphal argumentava que se soubéssemos tudo sobre o paciente, a
mudança na maneira como ele se enxerga e a crença de se ter tornado de alguma
forma perceptível poderiam explicar o delírio (Fish, 1967). As teorias de Freud
(1907) sobre o desenvolvimento dos delírios também buscaram torná-los
compreensíveis através de mecanismos de negação, projeção e assim por diante.
Outros autores alegaram que os delírios são compreensíveis em um contexto
social. Laing (1961) considerava a fuga para a loucura uma defesa necessária
contra uma família altamente destrutiva – não apenas compreensível, mas
admirável e até mesmo digna de ser seguida.
Quando quatro diferentes teorias psicológicas foram avaliadas para explicar
fenômenos paranoides, descobriu-se que a base vergonha-humilhação era a mais
consistente (Colby, 1977). Winters e Neale (1983) consideram que as teorias
existentes sobre o pensamento delirante envolvem dois temas principais:
motivacional e de déficit. O tema motivacional explica a chegada de um delírio
para explicar uma experiência perceptiva incomum ou para reduzir estados
psíquicos desconfortáveis. Déficit implica alguma alteração cognitivo-atencional
que resulta em delírio.
A variedade e gama de explicações aduzidas como origem dos delírios
atestam nossa ignorância sobre sua natureza, estrutura e origem. Talvez seja
prudente considerar o temo “delírio” como um termo que descreve uma grande
variedade de anormalidades do pensamento que tem uma relação familiar apenas
superficial. Para usar uma analogia, o termo “delírio” é como o termo “ataxia”,
um conceito que esconde diversas anormalidades de movimento em diferentes
lesões e mecanismos subjacentes. O termo “delírio” não é uma descrição única e
homogênea e provavelmente seja mais um termo guarda-chuva que tem sob si
uma gama de diferentes anormalidades do pensamento.

Cogniçāo e raciocínio no delírio


Para tentar compreender o papel da cognição e da razão na formação do delírio,
talvez seja útil pensar na formação, elaboração e persistência de uma crença
delirante como a expressão de diversas influências causais convergentes, cada
uma exercendo influência distinta na evolução da crença (Roberts, 1992). O
processo de raciocínio para chegar a conclusões sobre a situação de alguém no
ambiente externo parece ser alterado nas pessoas que vivenciam delírios. Um
estilo de “tirar conclusões precipitadas” tem sido observado em indivíduos
delirantes quando solicitados a realizar tarefas de raciocínio sobre probabilidades
(Huq et al., 1988). Isto foi confirmado por Garety et al. (1991) ao demonstrar
que 41% dos sujeitos delirantes, mas apenas 4% do grupo de controle, chegavam
a conclusões com base em apenas um item de informação. Uma causa comum da
anormalidade de processamento de informações foi proposta para aqueles
indivíduos com raciocínio e percepção anormais; o não uso de conhecimento
previamente adquirido, das regularidades no mundo, que resultam em um
excesso de confiança nas informações apresentadas imediatamente, pode ser um
fator para a formação do delírio (Garety, 1991). Este modelo enfatiza a natureza
desviante do processo de pensamento que é associado aos delírios em pacientes
com esquizofrenia. De acordo com o modelo de Garety, os processos de
julgamento envolvidos na formação do delírio incluem:
1. Expectativas prévias que podem ser modificadas por emoção.
2. Informações atuais que temos a nosso dispor, como as que chegam a nós
por meio de nossas percepções.
3. A natureza da tendência ou estilo do processamento de informações.
De acordo com este modelo, se nas anormalidades de percepção prevalece o
papel de informação desviante, os mecanismos de processamento serão
subenfatizados. Em outras palavras, quando os delírios são secundários às
alucinações, o raciocínio deveria se manter intacto. A vantagem deste modelo é
que ele realça os diferentes trajetos seguidos para a formação do delírio.

Atribuição no Delírio
Uma explicação psicológica alternativa para o delírio vem da teoria de
atribuição social. Kaney e Bentall (1989, 1992) concluíram que os pacientes
delirantes faziam atribuições excessivamente externas, estáveis e globais para
eventos negativos (“o fato de eu ter quebrado a minha perna prova mais uma vez
que os maçons estão atrás de mim”) e atribuições excessivamente internas,
estáveis e globais para eventos positivos (“todos sorriem e acenam quando me
veem porque eu sou um enviado de Deus para me comunicar com as pessoas
sobre o mal e tenho uma carta do Papa como prova”). Os sujeitos delirantes não
se dispunham a atribuir eventos negativos dos quais foram vítimas às suas
próprias causas e também, ao julgar o comportamento de outras pessoas,
relutavam em atribuir eventos negativos às próprias vítimas. Estes e outros
estudos sugerem que os delírios de perseguição têm a função de proteger o
indivíduo contra baixa autoestima (Bentall, 1993).
Considerou-se que os sujeitos delirantes avaliavam suas próprias afirmações
causais de maneira distinta e esta diferença, em relação a indivíduos deprimidos,
era maior do que as diferenças nas afirmações causais em si; ou seja, a diferença
entre sujeitos delirantes e outros na internalização de eventos positivos e
negativos não reflete diferenças nas afirmações causais dessas pessoas, mas sim,
diferenças nas suas atribuições (Kinderman et al., 1992). Ainda aqui se vê que os
delírios estão ligados tanto a um significado pessoal quanto aos limites do eu. A
investigação foi ainda expandida com o emprego de testes óbvios e opacos de
estilos de atribuição. Os indivíduos delirantes atribuíram resultados negativos a
causas externas nos testes óbvios ou transparentes, mas a causas internas nos
testes mais velados; isto embasou ainda mais a hipótese de que os delírios de
perseguição funcionam como um mecanismo de defesa contra os sentimentos
subjacentes de baixa autoestima (Lyon et al., 1994). Esta exploração psicológica
é apoiada pelo estudo clínico a seguir.

Delírio e Significado na Vida


Roberts (1991) desenvolveu a tese de que os delírios, no contexto do transtorno
esquizofrênico, podem não ser em si um mal ou uma doença, mas uma resposta
adaptativa ao que quer que seja que inicie um surto psicótico. Um grupo de
sujeitos cronicamente delirantes foi comparado com sujeitos delirantes em
remissão e com dois grupos de não pacientes. Delírios persecutórios eram
comuns em ambos os grupos de pacientes, mas delírios grandiosos e eróticos e
delírios de conhecimento especial eram mais comuns no grupo atualmente
delirante. O grupo com delírios crônicos pontuava muito mais no significado
positivo da vida do que os pacientes em remissão, e muito menos no quesito
depressão e intenção suicida. Eles tinham alto nível de propósito percebido e
significado na vida. Considera-se que, para alguns, a formação do delírio é
adaptativa no combate à sensação de falta de propósito, solidão, sentimento de
inferioridade, desesperança, isolamento e consciência dolorosa de
relacionamentos rompidos, fornecendo um novo sentido de identidade, um
sentido mais claro de dever e responsabilidade, uma experiência de liberdade,
proteção contra mágoas do passado e uma mudança do medo, preocupação,
depressão e tédio para se sentir cheio de vida, entusiasmado, interessado e em
paz. Um paciente descreveu o seguinte: “Eu tenho tido grandes momentos. Eu
tenho esse pensamento incrível na minha mente de que sou Jesus – isto é o
suficiente... Nada mais me fere, eu não preciso de mais nada agora.”

Conteúdo dos Delírios


Certamente os delírios variam infinitamente em seu conteúdo, mas algumas
características gerais ocorrem com frequência. Ao contrário da forma, que é
ditada pelo tipo de transtorno, o conteúdo é determinado pelo histórico
emocional, social, cultural e biográfico do paciente: Napoleões são raros em
hospitais psiquiátricos hoje em dia; os que sofrem de esquizofrenia em
sociedades tradicionais podem descrever que seus pensamentos sofrem
interferência dos espíritos de seus ancestrais, e não da televisão. Com o aumento
dos computadores e a internet afetando todos os aspectos de nossas vidas,
estamos começando a ver pessoas com transtornos mentais descrevendo delírios
de controle relacionados com a Internet (Catalano et al., 1991).

Delírios do tipo persecutório


Este é o conteúdo mais frequente de delírio e foi diferenciado de outros tipos de
delírio e de outras formas de melancolia por Lasègue (1852). As pessoas que
acreditam delirantemente que suas vidas estão sofrendo interferência de forças
externas sentem que isto é mais prejudicial do que benéfico. Uma variável das
crenças comuns de perseguição ou intenção malévola são os delírios de
discriminação: o paciente ou vítima acredita que está sendo menosprezado,
ignorado ou enganado em favor de outra pessoa. O agente que interfere nos
delírios de perseguição pode ser animado ou inanimado, outras pessoas ou
máquinas; pode ser sistemas, organizações ou instituições e não pessoas. Por
vezes, o paciente vivencia a perseguição como uma influência vaga, sem saber
quem é responsável.
Os delírios persecutórios ocorrem em diferentes condições: na esquizofrenia,
em psicoses afetivas do tipo maníaco e depressivo e em estados orgânicos,
agudos ou crônicos. O afeto associado à crença de perseguição pode variar desde
uma indiferença e apatia inadequadas na esquizofrenia, até imenso terror, como
geralmente ocorre no delirium tremens.
Os pacientes maníacos com delírios persecutórios exibem hiperatividade
grave e fuga de ideias na tentativa de expressar e lidar com suas crenças. Na
depressão, os delírios persecutórios assumem o colorido característico do estado
de humor dominante. Ideias persecutórias supervalorizadas são uma faceta
proeminente do tipo querelante de transtorno de personalidade paranoide.

Ciúme mórbido e delírio de infidelidade


O ciúme mórbido é uma perturbação de conteúdo descrito por Ey (1950) e pode
se manifestar de diversas formas, como delírio, ideia supervalorizada, afeto
depressivo ou estado de ansiedade. O sentimento de ciúme, associado à ideia de
que o objeto amado “pertence a mim” e, portanto, “eu pertenço ao outro” faz
parte da experiência humana normal e tem valor social nas relações conjugais
para a preservação da família. Diversos termos têm sido empregados para
descrever o ciúme anormal, mórbido ou destrutivo. Kraepelin (1905) empregou
o termo ciúme sexual, Enoch e Trethowan (1979) achavam importante distinguir
o ciúme psicótico dos demais tipos e isto depende da demonstração de delírio de
infidelidade. Às vezes é difícil diferenciar o ciúme compreensível daquele que é
delirante.
Mullen (1997) classificou o ciúme mórbido junto com os transtornos da
paixão, nos quais há uma sensação opressiva de “direito” e a convicção de que
outros estão se sub-rogando nos direitos da pessoa: “O ciumento mórbido
acredita ser vítima de infidelidade que o privou da lealdade que lhe é devida e
ele é levado a expor a deslealdade, retomar o controle e punir a transgressão.” As
outras duas categorias incluem o beligerante, que fica indignado com a infração
a direitos, e os erotomaníacos, que são movidos a invocar seus direitos de amor.
O delírio de infidelidade, ou seja, quando a pessoa acredita desarrazoadamente
ser vítima da infidelidade de seu parceiro, pode ocorrer sem outros sintomas
psicóticos. Este delírio foi descrito por Todd e Dewhurst (1955) e por Mullen
(1990). O ciúme pode ser identificado como delirante quando a crença do
cônjuge está baseada em provas delirantes. Tais delírios são resistentes a
tratamento e não mudam com o tempo. Um paciente estava muito preocupado
com o fato de que sua esposa estaria sendo infiel com diversas pessoas,
incluindo seu chefe, seu clínico geral e outros. Quatro anos depois, apesar de
inúmeros tratamentos, a sua crença permanecia inalterada, mas ele disse: “Hoje
eu não a culpo. Ela é muito mais jovem do que eu e todo mundo faz esse tipo de
coisa.” Os delírios de ciúme são comuns no abuso de álcool; por exemplo,
Shrestha et al. (1985) descobriram que ciúme sexual está presente em 35% dos
homens e 31% das mulheres alcoólatras. Como em alguns casos o ciúme parecia
justificado, ciúme mórbido foi constatado em 27% dos homens e 15% das
mulheres. O ciúme delirante, muitas vezes associado à impotência, também
ocorre em determinados estados orgânicos, como, por exemplo, a encefalopatia
traumática crônica de boxeadores, após contusões múltiplas por contragolpes.
Com bastante frequência, o cônjuge, cansado das constantes acusações de
infidelidade, acaba efetivamente entrando em outro relacionamento sexual, o que
pode resultar em exacerbação aguda do estado mental do paciente e maiores
conflitos conjugais.
O conteúdo sexual do delírio é obvio; no entanto, Enoch (1991) considera a
natureza da relação entre os dois parceiros um aspecto chave da condição. O
ciúme é dirigido ao parceiro sexual. A pessoa delirante é muito apegada ao outro
e às vezes completamente dependente emocionalmente do outro; ela pode ter a
ideia absurda de que o parceiro lhe pertence completamente. Em geral, a vítima
é muito mais atraente sexualmente do que o parceiro delirante, como no caso de
uma esposa mais jovem ou um marido sociável e popular. A pessoa delirante
pode ter sido promíscua no passado e, portanto, espera resignadamente que seu
cônjuge tenha comportamento semelhante. Ele pode ter ficado impotente e
projetado a culpa de sua falha na parceira. Ele pode ter fantasias homossexuais
dirigidas aos homens com quem afirma que sua esposa o trai. O ciúme mórbido
surge com a crença de que existe uma ameaça à posse exclusiva da esposa, mas
isto tende igualmente a ocorrer a partir de conflitos dentro de si, da sua própria
incapacidade de amar ou de seu interesse sexual dirigido a outra pessoa, como
aqueles decorrentes de mudanças em seu ambiente ou no comportamento da
esposa. Maridos ou esposas podem exibir ciúme sexual, assim como parceiros
não casados e casais homossexuais. Os crimes de violência são notadamente
associados ao ciúme mórbido, sendo a violência geralmente dirigida mais ao
parceiro do que ao suposto rival, e com mais frequência perpetrada por homens
do que por mulheres. O ciúme mórbido contribui de modo bastante expressivo
na frequência do espancamento de mulheres e é um dos motivos mais comuns de
homicídio (Mullen, 1990).

Delírios do amor
Os delírios associados a amar e ser amado são bastante diferentes das
anormalidades comportamentais e afetivas da ninfomania, a situação de uma
mulher caracterizada por um desejo sexual mórbido ou incontrolável, e da
satiríase, o equivalente masculino da atividade sexual excessiva. As duas
condições existem inicialmente na opinião de um comentarista externo – o
médico.
Na metade do século XIX aproximadamente duas vezes mais pacientes com
esquizofrenia tinham inquietação sexual, quando comparados com a metade do
século XX (Klaf e Hamilton, 1961). A erotomania foi descrita por Sir Alexander
Morrison (1848) da seguinte forma:

“caracterizada por delírios (...) o amor do paciente é do tipo sentimental,


ele está completamente ocupado pelo seu objeto de adoração e, quando
se aproxima, é com respeito (...) os delírios fixos e permanentes
envolvendo a erotomania podem levar os indivíduos afetados a se
destruir ou a destruir os outros, já que embora em geral tranquilo e
pacífico, o paciente ocasionalmente se torna irritável, passional e
ciumento”.

A erotomania é mais comum em mulheres do que em homens, e uma


variedade já foi chamada por Hart (1921), de “insanidade das solteironas”, na
qual frequentemente se desenvolvem delírios de perseguição. Estes têm sido
classificados como paranoia, em vez de esquizofrenia paranoide, e os sintomas
delirantes podem ocorrer no contexto da psicose maníaco-depressiva
(Guirguis, 1981). Trethowan (1967) demonstrou as características sociais da
erotomania, relacionando seu quadro com as dificuldades anteriores do paciente
no relacionamento com os pais.
Uma variação da erotomania foi descrita por Clérambault (1942) e leva seu
nome. Geralmente, uma mulher acredita que um homem mais velho e de melhor
posição social está apaixonado por ela. Normalmente, a vítima não fez nada para
merecer sua atenção e talvez sequer saiba que ela existe, podendo ser uma figura
pública conhecida e muito distante da paciente. Em um caso dos autores
mencionados, a vítima era um antigo empregador da paciente que ela acreditava
ser o pai de sua filha (muito embora ela tenha admitido em outra ocasião não ter
tido relacionamento sexual com o patrão). Ela também acreditava que ele lhe
enviava dinheiro e ela escrevia cartas agradecendo sua generosidade e
declarando gratidão por suas provas de amor (Sims e White, 1973).
Em uma série de 16 casos de erotomania, Mullen e Pathé (1994) buscaram
fazer uma distinção entre os casos em que há uma crença mórbida em ser amado,
e os casos de paixão mórbida. Eles descobriram que, na maioria dos casos, os
dois conceitos foram descritos: uma mescla de ser amado e de amar.

Falsa identificaçao delirante


A síndrome de falsa identificação delirante abrange um número de síndromes
diferentes, mas relacionadas, que tem em comum o conceito do duplo. Estas
síndromes incluem a síndrome de Capgras (Capgras e Reboul-Lachaux, 1923), a
síndrome de Frégoli (Courbon e Fail, 1927), a síndrome da intermetamorfose
(Courbon e Tusques, 1932) e a síndrome do duplo subjetivo
(Christodoulou, 1978).
A síndrome de Capgras é considerada por Enoch e Trethowan (1979) “uma
síndrome rara e colorida, na qual a pessoa acredita que outra pessoa, geralmente
próxima a ela, foi substituída por um sósia”. Trata-se de uma identificação
incorreta delirante específica de uma pessoa com a qual o sujeito tem fortes
vínculos emocionais e em relação à qual existe um sentimento de ambivalência à
época da manifestação. Na síndrome de Capgras, a crença tem todas as
características do delírio (Enoch e Trethowan, 1979) e seu conceito básico pode
ser encontrado em todas as culturas, daí sua universalidade
(Christodoulou, 1991). Como em todos os outros delírios, delírio descreve a
forma; o conteúdo é determinado pelo contexto cultural. Um paciente passou a
acreditar que sua mãe tinha sido substituída por uma impostora depois de cair
em um universo paralelo através de um túnel do tempo, e isto explicava as coisas
horríveis que tinham acontecido nas ultimas três semanas.
A síndrome de Frégoli é a identificação falsa delirante de uma pessoa
desconhecida como uma pessoa conhecida, embora não tenham nenhuma
semelhança física. A síndrome da intermetamorfose é a crença delirante de que
outras pessoas sofrem mudanças radicais em sua identidade física e psicológica
se tornando pessoas completamente diferentes. A síndrome de duplos subjetivos
é a crença delirante na existência de cópias físicas de si mesmo com identidades
psicológicas diversas (veja Moselhy e Oyebode, 1997 para resenha).
Em uma série de casos analisados por Berson (1983), 55% (70 pacientes)
foram inquestionavelmente diagnosticados com esquizofrenia e oito pacientes
(totalizando 61%) provavelmente sofriam de esquizofrenia; 13% tinham
transtorno de humor bipolar e 24% tinham um diagnóstico orgânico. De 133
pacientes, 57% eram mulheres; a faixa etária era de 12 a 78 anos, com idade
média de 42,8 anos. A opinião majoritária não considera o fenômeno como outra
doença separada e sim um sintoma que dá colorido ao estado clínico e domina a
sintomatologia. As quatro variedades de identificação falsa delirante têm
psicopatologicamente em comum a forma de delírio. A síndrome de Capgras,
quando ocorre na esquizofrenia, se baseia em uma percepção delirante
(Sims, 1986). Nesta síndrome, não ocorre mudança externa na aparência do
objeto nem falsa percepção, já que o paciente admite que o duplo se parece
totalmente com o original (Enoch e Trethowan, 1979), porém, perguntas
cuidadosas geralmente revelam a existência de estigmas diferenciadores. Às
vezes o paciente diz: “Eu sei que não é a minha mãe porque ela nunca ficaria em
pé desta maneira” ou “esta pessoa se movimenta muito devagar para ser meu
pai.”
A ambivalência em relação ao objeto da falsa identificação pode ser expressa
no histórico com relato claro de emoções negativas, como hostilidade, medo ou
rancor, e positivas, como afeição e dependência. Nas poucas ocasiões em que um
objeto, e não uma pessoa, é erroneamente identificado, aquele objeto tem uma
conotação emocional importante para o paciente, como, por exemplo, sua casa
ou a carta de um parente. No estudo de 133 pacientes, feito por Berson (1983),
os sujeitos das falsas identificações compreendiam 60 esposas e dois amantes;
em 29 casos, um ou mais filhos; 40 pais; 24 irmãos; 13 terapeutas; quatro avós;
três sogros; dois vizinhos; dois empregados domésticos; e um caso de noivo,
primo, enteado, empregador e pastor religioso. Em oito casos, o eu estava
identificado incorretamente, isoladamente ou em conjunto com outras evidências
da síndrome; em dois casos, animais e em oito ocasiões objetos inanimados
foram identificados incorretamente. Portanto, em 31% dos casos, a identificação
falsa delirante se referia a um parceiro conjugal e em 46% a um parente de
primeiro grau; em apenas 4% a identificação incorreta dizia respeito ao próprio
paciente.
Há um aumento de evidências de que as síndromes de falsa identificação
delirante estão associadas a transtornos orgânicos, incluindo demência, danos
cerebrais adquiridos, epilepsia e acidentes cerebrovasculares em 25% a 40% dos
casos e, estudos de neuroimagem revelam associação com anormalidades do
hemisfério direito, principalmente nas regiões frontal e temporal (Edelstyn
et al., 1999). Além disso, investigações neuropsicológicas têm sido consistentes
ao revelar prejuízos no processamento de rostos nas síndromes de identificação
incorreta delirante (Edelstyn et al., 1996; Ellis et al., 1993; Oyebode et al.,
1996). Esses achados suportam a premissa de anormalidades do hemisfério
direito nas síndromes de falsa identificação delirante, porque o hemisfério direito
está envolvido no processamento e reconhecimento de rostos.

Delírios grandiosos
Delírios grandiosos primários ocorrem na esquizofrenia. O paciente pode
acreditar ser uma celebridade ou ter poderes sobrenaturais, podendo acreditar
estar envolvido em alguma missão secreta e especial da qual ainda não conhece
todos os detalhes, mas aguarda ansiosamente por instruções. Crenças deste tipo
são ocasionalmente chamadas de delírios de finalidade especial e ocorrem na
forma de intuição delirante.
Crenças delirantes expansivas ou grandiosas podem abranger objetos.
Ocasionalmente um paciente psicótico demonstra delírios de invenção, nos quais
pode construir uma máquina que acredita ter capacidades especiais,
considerando-se um gênio criativo. Delírios grandiosos secundários, ou ideias
deliroides, ocorrem em estados maníacos. Um paciente disse que não havia vida
em Marte porque “se houvesse eu seria capaz de entrar em contato por telepatia,
usando meu grande talento”, sendo que ele não exibia evidências de verdadeira
experiência de passividade. Uma paciente maníaca, já mencionada, acreditava
que descendia da linhagem real dos Stuart e que de alguma maneira era Mary,
rainha da Escócia. Ela convidou a rainha e o primeiro-ministro para uma festa
em seu quarto de estudante porque imaginou que eles se sentiriam honrados: “é
justo que eles sejam convidados”. O afeto expansivo da mania torna esse tipo de
delírio claramente compreensível.

Delírios religiosos
Os delírios religiosos são comuns, mas formavam a porcentagem mais alta de
todos os delírios do século XIX em comparação ao século XX: três vezes mais
pacientes com esquizofrenia de ambos os sexos tinham foco religioso (Klaf e
Hamilton, 1961). A determinação se as crenças são ou não delirantes deve se
apoiar nos princípios descritos anteriormente, ou seja, no modo como a crença é
mantida e as evidências produzidas. O fato de uma crença religiosa ser muito
bizarra e diversa daquela do entrevistador não faz dela necessariamente um
delírio. Os delírios religiosos podem ser de natureza grandiosa, como, por
exemplo, um paciente no Reino Unido que acreditava ser uma emissária de Deus
para o Departamento de Habitação de Birmingham. Eles também podem ser
secundários a humor depressivo, como na paciente de Emil Kraepelin (1905)
citada no início do Capítulo 16: “Eu não posso viver e não posso morrer porque
eu falhei muito, eu vou levar meu marido e filhos para o inferno.”
A natureza religiosa do delírio é vista como um transtorno de conteúdo que
depende do contexto social do paciente, seus interesses e pares. A forma do
delírio é ditada pela natureza do transtorno. Portanto, os delírios religiosos não
são causados por crença religiosa excessiva ou por erros que o paciente atribui
como causa, mas simplesmente enfatizam o fato de que quando uma pessoa se
torna mentalmente enferma, o conteúdo de seus delírios reflete seus interesses e
preocupações predominantes.
Às vezes é difícil fazer a distinção entre um delírio religioso e uma crença ou
prática religiosa incomum. A morbidade psiquiátrica seria sugerida pelo seguinte
(Sims, 1992):
▪ Tanto a experiência subjetiva quanto o comportamento observado são
compatíveis com sintomas psiquiátricos, ou seja, a autodescrição desta
experiência particular é reconhecível como sintomatologia de transtorno
psiquiátrico conhecido – tem a forma de delírio.
▪ Existem outros sintomas reconhecíveis de transtorno mental em outras áreas
da vida: outros delírios, alucinações, transtorno de humor, de pensamento
etc.
▪ O estilo de vida, comportamento e direcionamento dos objetivos pessoais do
indivíduo subsequentemente ao evento ou experiência religiosa são
compatíveis com a história natural do transtorno mental e não com uma
experiência de vida pessoalmente enriquecedora, compatível com as
condições nas quais os delírios ocorrem.

Delírios de culpa e indignidade


Esses delírios são comuns em transtornos depressivos e frequentemente levam a
suicídio e, em raras ocasiões, a homicídio, quando o assassinato de um parente
próximo pode ser seguido do suicídio do paciente. Transtornos afetivos podem
levar mães deprimidas a matar seus filhos ou maridos a matar suas esposas e
filhos; o suicídio pode ocorrer logo em seguida ou algum tempo depois
(Higgins, 1990).
Crenças de culpa podem dominar completamente o pensamento do paciente.
Uma mulher idosa passava o dia caminhando apressada pela casa, retorcendo as
mãos e dizendo à sua família que ela era odiosa, indigna e merecia morrer. Ela
disse às filhas casadas que eram ilegítimas e que a casa em que residia não era
dela e sim roubada, e disse ao marido com quem estava casada há 30 anos que
eles não eram legalmente casados. Quando foi sugerido que ela fosse ao hospital,
ela presumiu que seria morta na chegada e perguntou se isto poderia ocorrer ali
mesmo, para que ela recebesse o castigo justo.

Delírios de pobreza e delírios niilistas


Delírios de pobreza são comuns na depressão; uma paciente idosa acreditava que
“as enfermeiras” estavam sistematicamente mexendo na sua bolsa e que ela era
indigente. A síndrome de Cotard contém aspectos típicos de depressão psicótica
nos idosos: delírios niilistas e hipocondríacos que são frequentemente bizarros,
dramáticos e revestidos de grandiosidade; quadro de humor depressivo, com
agitação ou retardo psicomotor e uma atitude completamente negativa. Segundo
Griesinger (1845): “O paciente confunde a alteração subjetiva da sua própria
atitude em relação a coisas externas (...) o mundo real parece ter desaparecido
por completo, ou estar morto.” Isto é explicado pelo próprio Cotard (1882):

Eu sugiro de forma provisória o termo “delírios niilistas” (délire de


negations) para descrever a condição dos pacientes aos quais
Griesinger se referia, nos quais a tendência à negação é levada ao
extremo. Se lhes é perguntado o nome ou idade, eles não têm – onde
nasceram? Não nasceram. Quem eram seu pai e mãe? Eles não têm
pai, mãe, esposa ou filhos. Será que têm uma cefaleia ou dor no
estômago, ou em qualquer outra parte do corpo? Eles não têm cabeça
nem estômago e alguns sequer corpo. Se lhes é mostrado um objeto,
uma rosa ou alguma outra flor, eles respondem “isto não é uma rosa,
nem mesmo uma flor!”. Em alguns casos a negação é total. Nada mais
existe, nem mesmo eles próprios.

O personagem central do livro Spider, de Patrick McGrath, disse: “Eu estava


contaminado por isso, me dava calafrios, matou algo dentro de mim, me
transformou em um fantasma, uma coisa morta, em resumo, me tornou mau.”
Em outro trecho, o mesmo personagem diz, “um único cano tira água do meu
estômago (...) e este cano cai no vazio e se conecta à coisa entre as minhas
pernas que já mal se assemelha a um órgão masculino” (McGrath, 1990).
Os delírios niilistas são o inverso dos delírios de grandiosidade, nos quais o
próprio indivíduo, situações ou objetos são expansivos e enriquecidos, havendo
ainda uma grandiosidade perversa sobre os próprios delírios niilistas.
Sentimentos de culpa e ideias hipocondríacas se desenvolvem à forma
depressiva mais extrema nos delírios niilistas.

Delírios hipocondríacos
Um homem muito deprimido disse que estava cheio de água, que não havia mais
nada dentro dele, que não conseguia urinar, mas que se o fizesse seria o seu fim.
Ele não podia beber, ou a água inundaria a sala. Outras crenças hipocondríacas e
delírios menos extremos ocorrem na depressão, e Schneider (1920) considerava
que localizar a experiência da depressão como uma sensação em um órgão
corporal é equivalente a um “sintoma de primeira ordem” da psicose depressiva
(Capítulo 16). Uma mulher idosa com depressão que passou por uma
substituição de válvula mitral devido a doença cardíaca reumática, disse que se
sentia inútil e sem esperanças, descrevendo suas funções físicas como “nada está
funcionando”.
Os delírios hipocondríacos podem também ocorrer na esquizofrenia e têm as
características de outras ideias esquizofrênicas, com explicação mais
persecutória do que niilista. Assim, um paciente acreditava que suas funções
corporais estavam sofrendo interferência de raios emitidos por um planeta e que
isso era parte de um plano para controlar seus pensamentos e comportamentos.
Os delírios hipocondríacos serão mais bem discutidos em associação com
hipocondria no Capítulo 14; no entanto, outras características da hipocondria,
como preocupação corporal, fobia de doenças e convicção da presença da
doença, sem resposta a tranquilização, na verdade, são mais comuns do que
delírio (Pilowsky, 1967). A dor facial é descrita no Capítulo 15 e outras ideias
deliroides e ideias supervalorizadas do corpo, no Capítulo 14. Os delírios que
envolvem as origens do paciente são descritos ocasionalmente e têm alguma
afinidade com o delírio hipocondríaco. O paciente acredita, com base em
evidência delirante, que não é filho de seus pais, que tem nascimento nobre,
parcialmente animal, ou sobrenatural, ou então, ele pode crer que não existe e
que jamais nasceu.
Os delírios hipocondríacos são comumente associados ao transtorno delirante
na CID-10 (anteriormente conhecido como paranoia; OMS 1992). Munro (1988)
descreveu o transtorno delirante como um transtorno monodelirante encapsulado
com diversos subtipos, tais como erotomaníaco, grandioso, ciumento,
persecutório, somático e não específico; o conceito foi desenvolvido a partir do
termo antigo paranoia (Munro, 1997). Ele descreveu o tipo somático como
psicose monossintomática hipocondríaca e, de 50 casos, os três principais
grupos são:
▪ Delírios de odor corporal e halitose.
▪ Delírio de infestação (insetos, vermes que escavam buracos ou corpos
estranhos sob a pele).
▪ Delírios de feiura ou deformidade (delírios dismórficos).
Quatro fatores independentes foram identificados em um estudo das
características do transtorno delirante, sugerindo uma considerável
heterogeneidade da condição (Serretti et al., 1999). O primeiro fator incorporava
sintomas depressivos nucleares que podem tomar a forma de síndrome
depressiva reativa a tensões decorrentes de ideação delirante, ou um transtorno
de humor comórbido, ou ambos. Outros fatores incluíam alucinações, delírios e
sintomas de irritabilidade.
A queixa era sempre apresentada com grande intensidade e os pacientes
estavam totalmente convencidos da natureza física do transtorno. Os delírios
hipocondríacos também podem ocorrer com a administração de drogas, tanto
prescritas, quanto de abuso.
O koro (Lapierre, 1972) é uma condição incomum que foi descrita como um
exemplo de delírio hipocondríaco, mas esta posição é provavelmente incorreta.
As características do koro são:
1. A crença de que o pênis está encolhendo para dentro do abdome.
2. A crença de que quando o pênis desaparece dentro do abdome, a morte é
certa.
3. Extrema ansiedade acompanhando esta crença.
Yap (1965) descreve este quadro como uma síndrome de despersonalização
ligada à cultura e a considera uma manifestação de ansiedade aguda associada a
crenças populares envolvendo exaustão sexual. Ela ocorreu em proporções
epidêmicas entre os malaios em Singapura (Gwee, 1963), mas também foi
descrita de forma isolada em um franco-canadense (Lapierre, 1972), em um
indivíduo das Índias Ocidentais, um Cipriota grego (Ang e Weller, 1984) e um
inglês (Berrios e Morley, 1984). Oyebode et al. (1986) demostraram no estudo
de caso único que esta crença é acompanhada de efetivo encolhimento peniano
medido por meio de pletismografia, o que sugere que a crença é baseada em uma
mudança fisiológica provavelmente causada por ansiedade. Em essência, a
alteração peniana é semelhante à taquicardia, hiperidrose ou qualquer outra
característica de excitação do sistema simpático associada a ansiedade.
Um grupo de pacientes que, em alguns aspectos são intermediários entre
aqueles que sofrem de delírios somáticos e delírios de infestação, são aqueles
que foram descritos por Videbech (1966) como pacientes com síndromes
paranoides olfativas crônicas, que também foram chamadas de “síndrome de
referência olfativa” (Pryse-Phillips, 1971). Caracteristicamente, estes pacientes
têm uma crença fixa e inalterável de que têm mau cheiro, mas não têm
alucinações ou outras experiências olfativas. Ela é geralmente observada no
contexto do desenvolvimento de personalidade sensitiva paranoide, na qual
ocorre uma severa reação fóbica à interpretação de que o comportamento das
outras pessoas indica que elas acham seu odor ofensivo e aversivo.

Delírios de Infestação
Esses delírios foram descritos por Hopkinson (1970) e por Reilly (1988). Na
síndrome de Ekbom (Ekbom, 1938), o paciente acredita que está infestado de
pequenos organismos, macroscópicos, e a vivência pode assumir a forma de um
estado alucinatório tátil, delírio ou ideia supervalorizada. A etiologia também é
variável, sendo provavelmente mais comum como sintoma de hipocondria
circunscrita na psicose afetiva juntamente com outros sintomas depressivos, mas
também ocorre na esquizofrenia paranoide, na psicose hipocondríaca
monossintomática (transtorno delirante), em síndromes cerebrais orgânicas e em
condições determinadas neuroticamente. Este tópico foi revisado por Berrios
(1985) e por Morris (1991).
Em alguns casos pacientes acreditavam que havia uma aranha no seu cabelo,
vermes e piolhos sob a pele ou infestação de vários insetos. O delírio pode ser
acompanhado por outros delírios depressivos ou ideias supervalorizadas de estar
sujo, culpado, indigno ou doente. Estes delírios também podem ocorrer na
esquizofrenia, onde tipicamente assumem um caráter bizarro e são
acompanhados por outros sintomas esquizofrênicos. Uma mulher de 49 anos,
mãe de quatro filhos, um dos quais desenvolveu um transtorno esquizofrênico,
se queixava de dor recorrente na vagina que explicou como sendo causada por
um parasita que havia migrado do estômago, onde tinha sido responsável por dor
epigástrica diagnosticada anteriormente como hérnia de hiato (McLaughlin e
Sims, 1984). Ela descreveu que o parasita viajava pela corrente sanguínea e tinha
sido responsável por dores que ela já tinha sentido no passado. Ela relatou que já
tinha defecado diversos vermes pequenos e vermelhos, bem como seus casulos
e, em uma ocasião, um sapo verde de 5 centímetros.
Delírios de infestação podem ocorrer em estados orgânicos com alucinações
táteis, no delirium tremens durante a abstinência de álcool e vício em cocaína.
Eles também podem ocorrer em doenças cerebrovasculares, na demência senil e
outras demências cerebrais, e têm sido atribuídos a acometimento do tálamo.
Ideias supervalorizadas e deliroides de infestação podem ocorrer em pessoas
com transtorno de personalidade do tipo anancástico ou paranoide sem
transtorno psicótico.
Estas ideias ocorrem caracteristicamente em pacientes com mais de 50 anos,
principalmente naqueles com especial preocupação com a higiene pessoal. A
condição pode ser precipitada por doença na pele e se torna uma elaboração
delirante de sintomas táteis existentes. Foi sugerido que o sintoma se desenvolve
em fases: em primeiro lugar, a sensação cutânea anormal, depois se desenvolve
uma ilusão e, finalmente, o delírio de infestação em si. Como mencionado
anteriormente, a infestação delirante é atualmente vista como uma forma de
transtorno delirante, em particular um subtipo de psicose hipocondríaca
monossintomática.

Delírio compartilhado
Laségue e Falret (1877) descreveram a chamada “la folie à deux (ou folie
communiquée)”. Ocasionalmente, um delírio (intuição delirante) é transferido de
uma pessoa psicótica a uma ou mais pessoas com as quais mantém relação
próxima, de modo que o destinatário compartilha uma crença falsa: a principal
adquire o delírio primeiro e é dominante, o parceiro se torna delirante através da
associação com a pessoa afetada. Esta situação, nas quais os parceiros aceitam,
apoiam e compartilham as crenças uns dos outros, foi chamada de psicose de
indução. O parceiro geralmente é alguém com privação social ou com
desvantagem mental ou física.
Em revisão da literatura inglesa sobre folie à deux, Gralnick (1942) subdividiu
a condição em quatro possíveis relações entre o principal e o associado.
▪ Na folie imposée, os delírios de uma pessoa mentalmente enferma são
transferidos para alguém que anteriormente não apresentava doença mental,
embora em geral a vítima tenha alguma desvantagem social ou psicológica.
A separação do par é frequentemente seguida da remissão dos sintomas no
associado.
▪ Folie communiquée ocorre quando uma pessoa normal sofre o contágio das
ideias depois de resistir por muito tempo. Uma vez adquiridas as crenças,
elas se mantêm não obstante a separação.
▪ Na folie induite, uma pessoa que já é psicótica acrescenta aos seus próprios
delírios aqueles de uma pessoa com quem tem relação próxima.
▪ Folie simultanée descreve a situação em que duas ou mais pessoas se tornam
psicóticas e compartilham simultaneamente o mesmo sistema delirante.
Considera-se que o principal é sempre psicótico (Soni e Rockley, 1974), mas
o associado pode ou não ser psicótico.
Entretanto, questionou-se a validade desta classificação, já que ela não possui
valor clínico especial e as diferenças psicopatológicas são questionáveis (Hughes
e Sims, 1997). Em um relato de caso de uma família afetada com folie à quatre
(Sims et al., 1977), o paciente inicialmente encaminhado acreditava que um
grande empreendimento industrial colocou dispositivos de escuta nas paredes da
casa de seu irmão. Ele alegava que os empregados da empresa o seguiam
constantemente e interferiam na sua própria casa. No início, a esposa acreditou
na história e produziu evidências supostamente confirmadoras. Um ano depois,
após sua internação para tratamento, ela não mais aceitava a trama e considerava
que seu marido sofria de doença mental. A esposa era uma pessoa extremamente
ansiosa que já havia recebido tratamento psiquiátrico e vinha de uma família na
qual três membros sofriam de coreia de Huntington. Quando o irmão do paciente
foi visitado em sua casa, constatou-se que ele e a irmã, que lá residia, também
acreditavam na trama e estavam recebendo tratamento para esquizofrenia, com
sintomas de primeira ordem.
A folie à deux demonstra como o conteúdo da crença é ditado pelas
circunstâncias sociais e ambientais, mas a forma precisa dos sintomas varia de
acordo com a natureza do transtorno. Portanto, a vítima não psicótica da folie
imposée irá exibir ideias deliroides, supervalorizadas ou mal interpretadas, mas
não delírios “verdadeiros” ou percepções delirantes.
Uma variação interessante da folie imposée foi descrita por Aldridge e Tagg
(1998). Foi o caso de um menino de 7 anos que apresentou sintomas psicóticos
falsos induzidos pelo fato de viver isolado com sua mãe, que sofria de
esquizofrenia. Inicialmente, ele era retraído, reservado e ritualístico, com atraso
no desenvolvimento. Na escola, ele tinha medo dos brinquedos e dos
professores, ficava em baixo de uma mesa e era ritualístico em relação ao
controle do horário e hábitos de ir ao banheiro, onde ele tirava toda a roupa e
entrava no vaso sanitário. Sua única fala era para repetir o horário mostrado no
relógio de forma ritualística. Então, ele foi adotado por uma senhora solteira,
experiente com crianças e, depois de um ano, o comportamento anormal já tinha
desaparecido e ele progrediu de forma compatível com seu leve grau de déficit
de aprendizagem.

Delírios de controle
Estes delírios, também conhecidos como experiências fabricadas ou de
passividade, são discutidos dentro do Capítulo 9, dedicado aos transtornos do
pensamento.

A Realidade dos Delírios


O grau de influência dos delírios na realidade do mundo habitado pelo paciente
deve ser determinado na medida segundo a qual os pacientes atuam sob suas
crenças. Pacientes com esquizofrenia nem sempre agem, mas podem agir
frequentemente sob o ditame de seus delírios. Um homem que acreditava que
navios de guerra americanos estavam navegando pela rua principal de
Birmingham, no Reino Unido (a 160 km do oceano) teve a refinada consciência
social de informar a polícia! Pessoas com delírios de ciúme mórbido são
potencialmente perigosas, sendo comum a ocorrência de violência e assassinato.
O paciente com delírios depressivos de culpa e indignidade tem grande
possibilidade de agir de acordo com os delírios e cometer suicídio.
Embora exista literatura crescente que levanta dúvidas sobre os delírios serem
ou não falsas crenças (vide trechos anteriores), o que não se pode negar é que
com muita frequência os pacientes agem de acordo com o conteúdo de tais
crenças. Para fins práticos, o conteúdo de um delírio é importante porque revela
informações sobre o provável comportamento de um paciente. Ou seja, o
conteúdo dos delírios atua para motivar o comportamento, dar razão à ação e
justificar a conduta; em outras palavras, ele tem poder premonitório. É somente
por este motivo que o conteúdo dos delírios é relevante para a prática clínica.
Hemsley e Garety (1986) comentaram sobre a “falta de ação compatível com
crenças aparentemente sinceras” enquanto, paradoxalmente, estudos de
psiquiatria forense revelaram que sintomas psicóticos, principalmente delírios,
são geralmente o fator principal para a ocorrência de delitos (Taylor, 1985).
Buchanan (1993) analisou as descrições de situações nas quais os pacientes
agiram de acordo com seus delírios e considerou que, nos transtornos afetivos, a
crença delirante e a ação podem ser consequentes ao estado de humor anormal.
Em outras circunstâncias, a causa da ação pode ser vista como uma combinação
de “crença” e “desejo”, desencadeados por fatores como a percepção: a crença é
claramente influenciada pela ocorrência do delírio, o desejo corresponde a
conceitos como motivação, impulso e inclinação; “percepção” é influenciada
pelas alterações perceptuais e cognitivas no estado psicótico. Taylor et al. (1998)
concluem favoravelmente a uma investigação sobre violência na população de
hospital de segurança máxima, afirmando: “já que os sintomas eram geralmente
um fator no aumento do índice de delitos, o tratamento parece ser importante
tanto para a segurança pública quanto para a saúde pessoal”. A conclusão é que
delírios, assim como crenças normais, não resultam necessariamente em ação.
Eles podem se expressar e ainda assim não influenciar o comportamento de
qualquer forma compreensível dentro do contexto da crença.
De modo geral, o comportamento violento como resposta a delírios não é
comum. No entanto, em uma amostra de 83 sujeitos delirantes internados
consecutivamente, algum aspecto dos atos de metade deles era compatível com o
conteúdo de seus delírios (Wessely et al., 1993). Quando a ação de acordo com
os delírios foi descrita pelos próprios indivíduos, ela foi associada ao
conhecimento de prova que suportava a crença, prova esta que foi buscada
ativamente; tendência à redução da convicção sobre a crença quando esta era
contestada; e a sensação de tristeza, medo ou ansiedade em decorrência do
delírio (Buchanan et al., 1993).

Ideias Errôneas
Ideia supervalorizada
Uma ideia supervalorizada é uma ideia aceitável, compreensível, seguida pelo
paciente além dos limites da razão e geralmente associada a uma personalidade
anormal. Os transtornos associados a ideias supervalorizadas foram avaliados
por McKenna (1984), cuja definição “se refere a uma crença solitária e anormal
que não é delirante nem obsessiva em sua natureza, mas que preocupa a ponto de
dominar a vida de quem a sofre”. Ela é supervalorizada porque causa uma
perturbação no funcionamento ou sofrimento para a própria pessoa ou a outros, e
se torna tão dominante que todas as outras ideias se tornam secundárias: a
própria vida do paciente passa a girar em torno daquela única ideia. Ela é
geralmente associada a afeto muito forte que a pessoa, por causa do seu
temperamento, tem imensa dificuldade em expressar.
Segundo McKenna, o termo foi introduzido por Wernicke (1906), que o
diferenciou de obsessão, já que não era vivenciada subjetivamente como algo
“sem sentido”, e de delírio. Jaspers considerou que o delírio é qualitativamente
diferente da crença normal, com uma transformação radical do significado
ligado aos eventos e incorrigível em grau bastante diferente. Uma ideia
supervalorizada, ao contrário, é uma noção isolada associada a grande afeto e
personalidade anormal e semelhante na qualidade da convicção política,
religiosa ou ética. Desta forma, segundo Jaspers (1959), as ideias
supervalorizadas são “convicções fortemente marcadas por afeto, o que é
compreensível dada a personalidade e histórico”. Além disso, Jaspers diz: “Elas
são noções isoladas que se desenvolvem de forma compreensível a partir de
determinada personalidade e situação.” Fish (1967) considerou haver uma
discrepância frequente entre o grau da convicção e o quanto uma crença
determinava ação. Contudo, o paciente com uma ideia supervalorizada
invariavelmente age com base nela, de forma determinada e repetida; o ato é
executado quase como a força de um instinto, como a construção de um ninho.
Em muitos aspectos, estas definições tentam posicionar as ideias
supervalorizadas em algum lugar entre crenças normais e delírios. Ideias
supervalorizadas diferem dos delírios porque surgem de forma compreensível a
partir do que conhecemos sobre a pessoa e a sua situação. Elas são convicções
mais apaixonadas como as de natureza política, religiosa e ética do que crenças
normais. Isto sugere que existe alguma coisa na tenacidade da convicção que
diferencia as ideias supervalorizadas das crenças normais, mas, ao mesmo
tempo, seu grau de convicção e incorrigibilidade é considerado inferior ao grau
dos delírios. No entanto, é certo que o grau de convicção não é uma base segura
para se distinguir os delírios das ideias supervalorizadas, sendo mais adequado
considerar as ideias supervalorizadas compreensíveis no contexto do histórico e
da vida do paciente.
McKenna lista os transtornos de conteúdo comumente associados à forma da
ideia supervalorizada representados na Tabela 8.1. A psicopatologia não é uma
ideia supervalorizada em todos os casos de cada uma dessas condições; por
exemplo, o ciúme mórbido pode ser delirante e a hipocondria pode ocorrer
secundariamente ao humor deprimido. Entretanto, quando uma ideia
supervalorizada é encontrada, ela geralmente está associada a uma personalidade
anormal.

Tabela 8.1
Transtornos com ideias supervalorizadas

O ciúme mórbido geralmente se manifesta como uma ideia supervalorizada.


Um marido tinha muito medo que sua esposa o estivesse traindo devido à sua
atitude coquete. Ele observava cada movimento, a interrogava constantemente,
examinava suas roupas íntimas, contratava detetives para segui-la e interpretava
maliciosamente qualquer contato inocente que ela tivesse com outros homens.
Durante a avaliação ele não estava delirando, mas a importância que ele dava a
investigar e preservar a fidelidade de sua esposa, e o tempo que ele dispendia
nessas tarefas era excessivo, destruiu a sua família e lhe custou o emprego.
A forma da ideia anormal em muitos transtornos de imagem corporal, como
dismorfofobia e transexualismo, é geralmente a de uma ideia supervalorizada.
Uma pessoa com transtorno de personalidade paranoide se envolveu em um
longo processo judicial porque um fazendeiro passou um arado sobre uma
passagem pública. É razoável supor que as pessoas que andam a pé se
aborrecessem quando uma das trilhas foi destruída, mas esta pessoa levou a
irritação razoável ao extremo e construiu armadilhas para eliminar o fazendeiro.
Seu entusiasmo por trilhas se transformou em ideia supervalorizada.

Ideias e síndromes paranoides


Na psiquiatria, a palavra paranoide significa “autorreferente” e não se limita a
delírios persecutórios; todos os delírios são, na verdade, delírios de referência
porque eles se referem ao próprio paciente. Uma pessoa não forma uma crença
delirante sobre homens de 15 centímetros em Marte a não ser que ela mesma
esteja implicada de alguma maneira. Portanto, um delírio paranoide é um delírio
de autorreferência, não necessariamente de natureza persecutória. O transtorno
de personalidade paranoide diz respeito ao tipo de personalidade anormal no
qual a reação da pessoa aos outros é indevidamente autorreferente; um estado
paranoide (Capítulo 19) abrange os estados mentais nos quais os fenômenos
autorreferentes são evidentes, ou seja, predominam as ideias deliroides de
referência ou ideias supervalorizadas. Um paciente, cujos delírios são todos de
natureza grandiosa e nenhum persecutório, ainda pode estar sofrendo de
esquizofrenia paranoide.
Embora os delírios primários sejam característicos da esquizofrenia, os
secundários (ideias deliroides) ocorrem em diversas condições, como, por
exemplo, transtorno bipolar do humor tanto na fase maníaca quanto na
depressiva; epilepsia e outras psicossíndromes orgânicas, intoxicação aguda por
drogas, diversos estados alcoólicos e, claro, na esquizofrenia. O termo paranoide
era originalmente sinônimo de insanidade delirante. Kraepelin (1905) usou o
termo mais especificamente para descrever a condição na qual existem delírios,
mas não alucinações. Na descrição de Kraepelin, a personalidade, estado de
humor e vontade do paciente são bem preservados.

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*
Nota da Revisão Técnica: Are (som da letra R, em inglês) you (som da letra U, em inglês) be (ing) ill
(doente)?
*
Nota da Revisão Técnica: Família de ervas, arbustos e trepadeiras do tipo de folhas geminadas.
CAPÍTULO 9

Perturbações do Processo de
Pensamento

Com o passar do tempo e dos anos, a pessoa fica tão preguiçosa na


vida pública que não é mais nem capaz de escrever. Na folha de papel,
podemos incluir muitas letras se tomarmos o cuidado de não ultrapassar
a “margem”. Em tempo bom, a pessoa deveria ser capaz de caminhar na
floresta. Certamente não sozinha, mas com uma menina. No final do
ano, todos fazemos nossa contabilidade. O sol já vai alto, mas ainda não
são nem dez horas.
Eugene Bleuler (1857–1939)

Resumo
Pouco sabemos sobre o pensamento e seus processos. Por este motivo, as
anormalidades do pensamento não podem ser facilmente relacionadas com
conceitos já estabelecidos sobre como funcionam os processos normais e os
desvios da normalidade. Neste capítulo serão descritos o pensamento fantasioso,
pensamento imaginativo e pensamento conceitual. Com isto em mente,
apresentaremos um modelo de pensamento baseado na associação de ideias
regido por um princípio determinante. Esta será a base da discussão das
anormalidades da forma do pensamento, uma área especialmente complexa da
psicopatologia, que demanda a capacidade de acompanhar com atenção o que
alguém diz e a capacidade de determinar se a sequência de ideias ou sua
associação está distorcida. Na seção final serão descritos os sintomas de primeira
ordem de Schneider, com exemplos.
Este capítulo trata das alterações do pensamento e o próximo, das alterações
da linguagem. O pensamento e seus processos são pouco conhecidos. Embora
haja interesse crescente sobre o assunto por parte de neurocientistas cognitivos,
seu principal foco de estudo foge ao que é de interesse do psicopatologista
clínico, ou seja, a experiência subjetiva do pensamento, especialmente aquela
relacionada com anormalidades. O interesse dos neurocientistas cognitivos se
foca na natureza da solução de problemas; nos diversos tipos de raciocínio,
inclusive analógico, indutivo e dedutivo; e na natureza da lógica e da formação
de crenças, todos temas importantes que podem estar prejudicados nos
transtornos psiquiátricos. No entanto, o processo que possibilita esses aspectos
do pensamento; a relação única do sujeito com seu próprio pensamento; a
experiência de pensamentos fluindo com coerência e a dimensão do pensamento
sem esforço, mas dirigido a metas, que sustenta a solução de problemas e o
raciocínio são pouco conhecidos ou pesquisados. Certamente é difícil estudar os
aspectos subjetivos do pensamento e, na maioria das vezes, o interesse se
concentra nos fenômenos objetivos da vida psíquica – o que Jaspers (1962)
chama de “desempenho”.
Existem dois aspectos distintos no estudo das perturbações do pensamento: a
consciência subjetiva do paciente sobre seus próprios padrões transtornados de
pensamento, e a manifestação anormal do pensamento expressa em sua fala
(Capítulo 10). Esta última é a expressão do pensamento e determina o que o
observador pode deduzir sobre o pensamento do paciente. Também é necessário
investigar a experiência do pensar na descrição dos processos psicológicos
subjetivos feita pelo paciente. A perturbação do pensamento formal, do ponto de
vista subjetivo e fenomenológico, é a anormalidade do mecanismo do pensar
descrita pelo paciente, que faz uma introspecção sobre próprios processos de
pensamento; ou seja, o paciente descreve, em suas próprias palavras, um
processo de pensamento que é obviamente anormal para o observador externo.

Tipos de pensamento
O processo de pensamento foi dividido por Fish (1967) nos três tipos seguintes:
▪ Pensamento fantasioso não dirigido – derreísta – pensamento autista.
▪ Pensamento imaginativo.
▪ Pensamento racional ou conceitual.
Os três tipos têm implicações ligeiramente diferentes para a psicopatologia,
descrição e categorização dos processos mórbidos. Eles podem ser considerados
funções do pensamento; ou seja, eles são os mecanismos necessários para que o
pensamento ocorra, mas não se manifestam eles próprios nos fenômenos.
Podemos contrastar esses fenômenos, que são produto do desempenho do pensar
– a percepção ou a ideia – das funções que não se tornam explícitas.
Pensamento fantasioso
O pensamento fantasioso pode ser de curta duração, como sonhar acordado antes
de dormir, ou se estabelecer como padrão. Jaspers cita Montaigne: “Plutarco diz
sobre as pessoas que desperdiçam seus sentimentos em porcos da Índia ou
cachorros de estimação, que o elemento amor em todos nós, quando privado de
objeto adequado, buscará algo trivial ou falso, em vez de permanecer sem
vínculos. Assim, a psique, em suas paixões, prefere se enganar ou, apesar de si
mesma, inventar algum objeto absurdo, em vez de abandonar todo impulso ou
objeto.”
A fantasia tem uma função importante na maneira como conduzimos nossas
atividades cotidianas, como, por exemplo, a maneira como formulamos nossa
fala e comportamento na imaginação antes de um encontro ou evento importante
e posteriormente acessamos o evento na fantasia para avaliar se poderíamos ter
tido melhor desempenho (ver Pensamento imaginativo). Para conseguirmos
aproveitar nossa imaginação de forma construtiva, precisamos da capacidade de
fantasia não direcionada e das habilidades aprendidas de estruturação do
pensamento. A fantasia também permite que uma pessoa escape ou negue a
realidade, ou então a transforme em alguma coisa mais tolerável e que demande
menos ação corretiva. Uma moça de 20 anos, que teve uma infância carente e se
prostituía pelas ruas da cidade, ouviu o sermão de um religioso em uma rádio
local. Ela começou a enviar flores e cartões para ele e sua esposa, entrou em
contato com eles e passou a chamá-los de “mãe” e “pai”. Quando questionada
pela polícia certa noite, ela deu seus nomes como os parentes mais próximos e
disse que eles eram efetivamente seus pais.
Pessoas tímidas e reservadas, que não sofrem de doença mental, podem usar o
pensamento derreísta para compensar decepções na vida. Bleuler (1911) viu esse
isolamento do mundo real em pensamento autista como uma característica da
esquizofrenia: “A preocupação muito comum entre jovens hebefrênicos com ‘os
temas mais profundos’ não é nada além de uma manifestação autista.” A
fantasia, especialmente em algumas pessoas com traços neuróticos, pode evoluir
do estágio deliberado e esporádico para um modo estabelecido; a pessoa passa a
acreditar no conteúdo da sua fantasia, que se torna subjetivamente real e aceita
como fato. Em seus últimos estudos, Freud considerou que este era o caso em
alguns dos relatos que recebia de mulheres que tiveram relação incestuosa com
seus pais durante a infância (Jones, 1962). Entretanto, em seus primeiros
trabalhos, ele considerava que essas mulheres haviam passado por uma agressão
sexual real, mas haviam empregado mecanismos inconscientes para reprimir o
conhecimento (Isräels e Schatzman, 1993; Webster, 1995). Diversos tipos de
experiência se enquadram na categoria de atuação da fantasia, como: mentira
patológica (pseudologia fantástica), conversão e dissociação histérica (sintomas
dissociativos histéricos somáticos e psicológicos) e ideias deliroides que
ocorrem em psicoses afetivas. Estes últimos tipos podem ser considerados
resultado do contexto afetivo e social do paciente.
A fantasia é geralmente entendida como a criação de imagens ou ideias que
não têm realidade externa. No entanto, o pensamento fantasioso também pode se
revelar na negação de eventos externos. Neste contexto, as observações descritas
com a explicação psicodinâmica de mecanismos de defesa do ego são
importantes. Os atos falhos ou “esquecimento” de palavra carregada de emoção
não são acidentais e sim uma forma de autoengano. O objeto óbvio,
significativo, mas desagradável, de uma percepção pode ser “ignorado”, e isto
geralmente revela negação fantasiosa. O pensamento fantasioso nega uma
realidade desagradável, mesmo quando a própria fantasia também é
desagradável. Este rearranjo ou transformação da realidade é habitualmente
demonstrado por pacientes neuróticos e ocorre ocasionalmente com todas as
pessoas. Jonathan Swift comentou a este respeito: “Quando a fantasia do homem
vai além da razão, quando a imaginação vai contra os sentidos e entendimento
comum e o bom senso é expulso, o primeiro convertido é ele próprio.”
(Swift, 1667–1745)

Pensamento imaginativo
O termo imaginação abrange estados psicológicos como fantasia (mencionada
anteriormente), geração de novas ideias e resultados criativos que compõem o
mundo das artes ou as descobertas da ciência. A imaginação tem pelo menos três
componentes: imagem mental, pensamento contrafactual e representação
simbólica. Imagem mental é a capacidade de criar representações mentais do
mundo baseadas em imagens. Pensamento contrafactual se refere à capacidade
de se separar da realidade para pensar em eventos e experiências que não
ocorreram e podem nunca ocorrer. Representação simbólica é o uso de conceitos
ou imagens para representar objetos ou entidades do mundo real (Roth, 2004).
Esta é, sem dúvida, a base da linguagem, das artes e da matemática.
Uma faceta deste tipo de pensamento, que vem de uma orientação teórica
psicanalítica, é o conceito de devaneio materno (Bion, 1962). A mãe, quando na
situação física e mental de “segurar o bebê” (Winnicott, 1957), tem uma
capacidade de devaneio ou de sonhar acordada sobre o bebê, geralmente
contemplando suas alegrias e conquistas futuras. Bion considera que este é um
fator necessário para o desenvolvimento saudável da autossensação do bebê;
quando o devaneio materno se rompe, como nos casos de depressão puerperal, o
bebê vivencia o rompimento como angústia. O processo de devaneio materno é,
em determinados aspectos, semelhante às orações que são feitas em favor de
outras pessoas.

Pensamento racional ou conceitual


Solução de problemas e raciocínio são dois dos principais aspectos do
pensamento racional. Solução de problemas é definida como o conjunto de
processos cognitivos que usamos para atingir uma meta quando é necessário
superar obstáculos, e raciocínio é o processo cognitivo que usamos para fazer
inferências a partir de conhecimento aprendido e tirar conclusões. Estes aspectos
do pensamento são diferentes, mas relacionados, de forma que o raciocínio pode
ser utilizado na solução de problemas (Smith e Kosslyn, 2007). As estratégias
empregadas a problemas envolvem o uso de heurística, ou seja, princípios
básicos que geralmente nos levam à resposta certa. O raciocínio envolve
analogias, indução ou dedução. O raciocínio analógico consiste na aplicação da
solução já conhecida a novos problemas com características semelhantes. Por
exemplo, se você perde a chave da sua mala, pode aplicar a este novo problema
o conhecimento de que objetos pontiagudos podem ser utilizados para abrir
cadeados. Raciocínio indutivo se baseia no uso de situações conhecidas para
fazer inferências sobre situações desconhecidas. Em geral, isto é formulado na
forma de generalização, partindo de uma única situação para todas as situações,
ou partindo de itens de uma categoria com determinadas propriedades para todos
os demais itens da mesma categoria. A isto se dá o nome de indução baseada em
categoria, e um exemplo deste tipo de raciocínio é, “meu gato tem quatro patas”,
portanto, “todos os gatos têm quatro patas”. O raciocínio dedutivo compreende
um argumento segundo o qual se a premissa é verdadeira, a conclusão não pode
ser falsa. Isto é geralmente estudado na forma de silogismo: (a) todos os
marcianos são verdes, (b) meu pai é um marciano e (c) meu pai é verde.
A solução de problemas e o raciocínio dependem da capacidade de formar
conceitos, ou seja, da capacidade de abstração, de teorizar o mundo, categorizar
objetos e eventos e de esclarecer os conceitos que determinam a categoria ou
classe estudada.

Alterações do Processo de Pensamento


Um modelo de associações baseado em
jaspers
Neste modelo de pensamento (desempenho psíquico), os pensamentos (eventos
psíquicos) parecem fluir em sequência ininterrupta, de forma que uma ou mais
associações, com posteriores eventos psíquicos, podem surgir de cada
pensamento. A sequência de pensamentos, com as associações que os ligam,
forma a estrutura deste modelo que é representada na Figura 9.1.
FIGURA 9.1 Modelo de associação.

Constelação é o nome que se dá à massa de possíveis associações resultantes


de um evento psíquico. Existe um número enorme de associações possíveis, mas
o pensar em geral avança em uma determinada direção por diversas razões
imediatas e impositivas. Este fluxo consistente de pensamento em direção a seu
objetivo é atribuído à tendência determinante (Jaspers). A ideia de associações
não tem a intenção de dizer que um evento psíquico evoca outro por um reflexo
automático, não inteligente e não verbal, mas que o pensamento, que pode ou
não ser expresso verbalmente, é um conceito que resulta na formação de
diversos outros conceitos, entre os quais um é mais proeminente por força da
tendência determinante. Este modelo é conjectural, mas possui algum valor ao
permitir a descrição das anormalidades do pensamento e da fala que ocorrem em
doenças mentais.
Somos subjetivamente conscientes de que nosso processo de pensamento é um
fluxo ou uma corrente. Para desenvolver a metáfora, os pensamentos podem se
acelerar ou desacelerar, atingir picos e calmarias, sofrer quedas vertiginosas, ter
maior volume de fluxo, sofrer bloqueios. Esta analogia não deve ser levada
muito longe, uma vez que não tem base neurofisiológica, mas é útil para
examinar determinadas anormalidades e se baseia na experiência subjetiva.

Aceleração do pensamento
A aceleração do fluxo de pensamento ocorre como fuga de ideias, na qual há
uma conexão lógica entre cada par de ideias sequenciais expressas. Contudo, o
objetivo do pensamento não é mantido por muito tempo e está em constante
transformação devido ao efeito do afeto frívolo e de alto grau de distração. A
tendência determinante é enfraquecida, mas associações ainda se formam
normalmente. A velocidade da formação de tais associações e, assim, do padrão
do pensamento, é extremamente acelerada. Isto é demonstrado na Figura 9.2.

FIGURA 9.2 Fluxo anormal de pensamento: fuga de ideias.

Este é o exemplo desta fuga de ideias de uma paciente maníaca de 45 anos.


Ela disse: “Eles acharam que eu estava na dispensa em casa (...) Buuuu (...) tem
uma caixa mágica. Coitada da Catarina, você sabe, Catarina a Grande, a grelha
da fornalha, eu estou sempre na chaminé. Eu quero gritar de alegria (...)
Aleluia!” Ao discutir a transcrição desta conversa quando o seu estado mental
tinha evoluído, a paciente achou fácil apontar as pontes lógicas do seu
pensamento em cada par de afirmações, mas não havia sentido na construção de
um argumento da primeira até a última sentença.
Acentuadamente diferente da fuga de ideias maníaca com pressão de fala e
associações múltiplas, mas interligadas, encontramos a psicose confusional
descrita por Fish (1962). Nesta, o pensamento é desordenado, mas o humor e as
atividades psicomotoras não apresentam prejuízo. Na sua forma excitada, é
marcante a pressão de fala incoerente, cujo contexto não é compatível com a
situação. Podem ocorrer identificações transitórias incorretas, quase jocosas, de
pessoas; ideias fugazes de referência; e alucinações auditivas. No estado inibido
da psicose confusional, ocorre pobreza na fala, podendo quase chegar ao
mutismo. Também pode ocorrer perplexidade, ideias de referência, ideias de
importância, ilusões e alucinações – auditivas, visuais ou somáticas. Geralmente
se apresenta como uma psicose cicloide, e outras características de psicose
maníaco-depressiva podem estar presentes.

Lentificação do pensamento
Na lentificação (assim como na depressão), embora dirigido a uma meta, o
pensamento avança tão lentamente, com tanta preocupação mórbida e
pensamentos tão sombrios, que a pessoa pode não atingi-la. O paciente tende a
mostrar pouca iniciativa e a não iniciar planejamento ou atividade espontânea.
Quando lhe é feita uma pergunta ele pondera, mas à medida que nenhum
pensamento lhe chega, não oferece resposta. Eventualmente, depois de um atraso
considerável, a resposta é dada. Ele tem dificuldade em tomar decisões e em se
concentrar; há perda de clareza do pensamento e baixo registro de eventos que
ele precisa lembrar. Em termos do modelo de fluxo de pensamento, no retardo há
pobreza na formação de associações; veja Figura 9.3.

FIGURA 9.3 Retardo.

A depressão, embora geralmente associada a retardo do pensamento, pode


ocorrer com agitação; pode haver uma situação complexa com prejuízo de
concentração devido ao retardo, e ao mesmo tempo uma experiência subjetiva de
pensamentos inquietos e ansiosos. Assim, Sutherland (1976), um psicólogo de
meia-idade, descrevendo sua própria doença mental, disse:

Eu contemplei a possibilidade de me jogar da balsa que cruza o Canal


(...) Chegamos a Nápoles (...) e meus amigos (...) estavam chateados
por mim, mas se sentiam impotentes para ajudar (...) enquanto os outros
se sentavam à mesa, eu rolava gemendo no pó. Eu revisitei muitos dos
lugares que um dia já amei: o Museo Nacionale com seus magníficos
mosaicos pilhados de Pompeia, a própria Pompeia e Capri. Nenhum
deles provocou em mim sequer uma fagulha de interesse – eu olhava
indiferente os quadros no museu, enquanto pensamentos angustiantes
corriam pela minha mente. Eu não consegui mostrar Pompeia para as
crianças porque não conseguia me concentrar o bastante para seguir o
roteiro. Capri perdeu toda a sua beleza e charme. Eu não consegui
sequer rir da vulgaridade do interior da villa de Axel Munthe, embora a
beleza do jardim formal e a magnífica vista da ilha e do mar, do
belvedere, evocassem uma pequena resposta. A frase “ver Nápoles e
morrer” ecoava na minha mente: eu tinha certeza que não voltaria para a
Inglaterra vivo e que jamais voltaria a Nápoles.

Podemos associar esta combinação de afeto deprimido e atividade acelerada à


descrição de estados afetivos mistos proposta por Kraepelin (1904).

Pensamento circunstancial
Tanto na fuga de ideias como na lentificação, o afeto influencia a velocidade do
pensamento: ele determina qual ideia terá prioridade e também é capaz de
distorcer o julgamento. No pensamento circunstancial, o fluxo lento de
pensamento não é prejudicado pelo afeto, e sim por um defeito na capacidade
intelectual, uma falha na diferenciação entre o que é o fundo e o que é a figura.
Esta é uma característica que ocorre em pacientes com epilepsia e também pode
ser observada em outros estados orgânicos e no retardo mental. Um processo
bastante semelhante ocorre com personalidades obsessivas, porém o excesso de
detalhes é introduzido ansiosamente para evitar possíveis omissões: os pingos
nos “is” e os traços nos “ts” são feitos com tanto rigor que o processo de atingir
um objetivo é significativamente prejudicado.
Frente a uma pergunta, o pensamento circunstancial é exibido pelo paciente
em uma resposta repleta de detalhes desnecessários, que ofuscam e impedem que
a pergunta seja respondida. Todo tipo de associações desnecessárias são
exploradas à exaustão antes que a pessoa volte ao ponto inicial. A conversa se
torna uma massa de parênteses e orações subordinadas. O paciente até explica e
se desculpa pelas digressões antes de voltar a se movimentar em direção à meta.
No entanto, a tendência determinante permanece e a pergunta é finalmente
respondida. Este é o típico exemplo de confundir a árvore com a floresta. O
pensamento circunstancial é representado em diagrama na Figura 9.4.

FIGURA 9.4 Modelo de pensamento circunstancial.

Interrupção no fluxo do pensamento


A continuidade do fluxo de pensamento pode ser perturbada de muitas maneiras.
Carl Schneider (1930) descreveu algumas dessas anormalidades: verschmelzung
(fusão), faseln (fala confusa), entgleiten (quebra súbita), entgleisen
(descarrilamento). Estes (e outros) processos ocorrem em conjunto, dando ao
paciente uma sensação de confusão e atordoamento. Ele tende a se queixar de
desânimo, de não conseguir se concentrar e de se sentir apreensivo sem saber o
porquê. Ele não consegue descrever com precisão seu pensamento alterado e
consequentes alterações na fala.
No descarrilamento (Figura 9.5), há uma ruptura na associação, de forma que
parece haver uma interpolação de pensamentos sem nenhuma conexão
compreensível com a cadeia de pensamentos: “Os carros se movimentam na rua
principal. Eles estão indo na direção Norte. Por que os heróis de pantomimas são
sempre representados por atrizes?” Este trecho da fala de um paciente com
esquizofrenia não tem conexões com significado, nem mesmo para o próprio
paciente. Com o descarrilamento, a pessoa não consegue ligar ideias e descreve
uma mudança na direção do seu pensamento.

FIGURA 9.5 Modelo de descarrilamento.

Na fusão, a cadeia normal de associações é preservada até certo ponto, mas


elementos heterogêneos são reunidos e formam ligações que não podem ser
consideradas uma progressão lógica da origem ao destino do pensamento.
Uma paciente esquizofrênica de 38 anos escreveu o seguinte:

Dois homens estão controlando o meu cérebro através de teletapia (sic)


ou por meios espirituais e eles abrem e fecham os canais da parte de
trás do meu cérebro liberando as palavras e não deixando sair a verdade
e eu não vou responder de jeito nenhum e só vou responder por escrito
a perguntas escritas, sabendo muito bem que os canais do meu cérebro
estão filtrando e que só metade do que eu digo é verdade, e sabendo
também que eu sou lida não apenas por algumas, mas por muitas
pessoas muito inteligentes, mas de jeito nenhum aceitáveis e eles levam
as pessoas acreditar que eu sou um tipo de milagre e eu não sou, eu só
tenho o sobrenome Terra Santa porque eu me casei com o Alfred Terra
Santa, e fazendo isso eles querem inventar umas histórias que não são
verdadeiras que eu venho de um lugar especial, mas não é verdade.

A fusão é demonstrada no início deste trecho, quando ela diz que o cérebro é
controlado “através” e depois esta palavra se associa a “por meios”. “Teletapia”
– não o mesmo que telepatia – é um neologismo. O trecho também revela
exemplos de passividade. “Canais” e “meios” são chavões, ou seja, são palavras
utilizadas com muito mais frequência do que o normal e adquirem um
significado muito mais amplo do que o habitual. Não é fácil representar esta
situação esquematicamente e eu espero que a Figura 9.6 não gere confusão.

FIGURA 9.6 Modelo de fusão.

A fala confusa implica um amálgama totalmente distorcido das partes que


compõem um único processo de pensamento e representa graus extremos de
fusão e descarrilamento. A alteração resultante da fala é chamada de salada de
palavras.*

Bloqueio de Pensamento
Quebra súbita é a experiência de um paciente com esquizofrenia de que sua
cadeia de pensamento se rompeu ou foi interrompida de forma inesperada e não
intencional, e que pode ocorrer no meio de uma solução de problema ou até
mesmo no meio de uma frase. Ela não é causada pela distração gerada por outros
pensamentos e, na introspecção, o paciente não é capaz de fornecer explicação
adequada; simplesmente acontece. Isto também é descrito como bloqueio do
pensamento, um termo que pode gerar dúvidas. A explicação do paciente pode
ser dada em termos de roubo do pensamento: “Parei de pensar porque os
pensamentos foram retirados de minha cabeça de repente.” A Figura 9.7 mostra
um modelo de bloqueio do pensamento.

FIGURA 9.7 Modelo de bloqueio do pensamento.

Outras alteraçó´es no fluxo do pensamento


Duas outras anormalidades do fluxo de pensamento são: compressão e
perseveração.
Compressão ocorre na esquizofrenia e o paciente diz que seus pensamentos
estão concentrados e comprimidos em sua cabeça, com demasiadas associações,
rápidas demais, inexplicáveis e fora de seu controle. O paciente pode até mesmo
localizar seus pensamentos anatomicamente, “estão amontoados atrás de minha
cabeça” ou em outro lugar. Isto se transforma em uma perseguição ou dança de
pensamentos e possui algumas das características da fuga de ideias, mas também
demonstra uma qualidade esquizofrênica de passividade, de ser controlado de
fora.
A perseveração (Capítulo 5) é mencionada aqui como uma alteração do fluxo
do pensamento, tipicamente um sintoma orgânico. O paciente retém uma
constelação de ideias muito depois de já não serem adequadas. Uma ideia
pertencente a constelação, que ocorreu na sequência anterior do pensamento, é
dada em resposta a uma pergunta diferente. Na perseveração, a resposta correta é
dada pelo paciente ao primeiro estímulo, como por exemplo: “Onde você mora?”
– “Rowley Regis.” No entanto, qualquer estímulo posterior que exija uma
resposta diferente pode receber a mesma resposta, agora de forma inadequada,
como por exemplo: “qual a capital da França?” – “Rowley Regis”, “quem mora
com você?” – “Rowley (...) meu filho e sua esposa”.

Perturbação do Juízo
Um juízo é um pensamento que expressa uma visão da realidade. A palavra,
neste caso, é usada no sentido de que “a meu juízo, isto e aquilo está
acontecendo”. Para avaliarmos se o julgamento é ou não perturbado é necessário
medi-lo diante do fato objetivo, o que pode ser difícil e por vezes demanda
consulta a especialista que atua na mesma área do paciente. A avaliação do juízo
falho não é feita unicamente com base em determinada crença ou argumento,
mas levando-se em consideração todo o comportamento e opiniões daquela
pessoa. A alegação de um homem de que seria uma figura da realeza perseguida
por marxistas pode até ser verdadeira. No entanto, a conclusão de que seu
julgamento está perturbado seria confirmada se ele tivesse se convencido de sua
condição real como reação aos comentários de uma enfermeira psiquiátrica sobre
suas tatuagens, ou se ele começasse a guardar pedregulhos e aranhas mortas em
uma lata de tabaco. Certamente os delírios são uma perturbação do juízo e
diversas formas de alteração do pensamento e déficit intelectual também podem
levar a perturbação do juízo.

Perturbação do juízo e delírio


O pensamento ou o desempenho psíquico necessário para a produção de um
delírio não depende da inteligência, e pode ocorrer com consciência clara e sem
sinais de perturbação orgânica do cérebro. O juízo em outras áreas da vida que
não envolve o delírio, e a própria engenhosidade do paciente ao explicar e
defender sua crença delirante, demonstra que sua capacidade essencial de pensar
logicamente está intacta; somente a crença falsa, a premissa falsa que levará a
crenças, parece transtornada. Um delírio na esquizofrenia não é um mero defeito
do raciocínio; seu desenvolvimento não pode ser entendido unicamente em
relação à experiência de vida real do paciente. Por exemplo, nem todos aqueles
que têm delírios de perseguição têm experiência de ser efetivamente
perseguidos. Esta é uma suposição sobre o mundo que o paciente habita, que não
é criada por ele através de um processo consciente lógico, e sim a partir de
premissas falsas. Ainda nos falta compreender os mecanismos subjacentes ao
desenvolvimento, frequentemente espontâneo, da premissa falsa. O ponto de
partida do pensamento já é “delirante” e o paciente aplica a lógica para elaborar
e defender a sua crença.
Podemos compreender por que a crença está dentro daquele determinado
contexto (associada à sua mãe ou relacionada com uma viagem interplanetária),
mas não podemos explicar como a forma de um delírio primário ocorreu. Esta é
uma diferenciação fundamental de ideias deliroides (delírios secundários) que
ocorrem nas psicoses afetivas, por exemplo. Nestas, podemos ver o conteúdo
sendo progressivamente influenciado pelo estado de humor instável, de modo
que, eventualmente, a falsa crença se torna o desenvolvimento lógico da extrema
anormalidade de humor.
Embora seja comum descrever os delírios como alterações do conteúdo do
pensamento, é importante destacar que os delírios primários não devem ser
compreendidos apenas desta forma. No delírio primário, todo o processo de
pensamento é perturbado e não apenas seu conteúdo. Se uma ideia fosse formada
em bases delirantes – “Eu soube que minha esposa era infiel logo que eu vi a
lâmpada se queimar” (Capítulo 8) – mas a noção em si mesma não fosse falsa ou
inaceitável para seus pares (a esposa admitiu sua infidelidade posteriormente),
ainda assim seria um delírio porque o conceito foi formado com base em
evidência delirante. Apesar de terem em comum a absoluta convicção com que
são revestidas, há uma diferença entre delírio e ideias supervalorizadas, já que
estas são compostas de uma crença razoável, quiçá verdadeira, mas que domina
o pensamento consciente de forma desarrazoada.

Pensamento concreto
Os processos anormais de pensamento na esquizofrenia e em alguns estados
orgânicos podem resultar na literalidade da expressão e compreensão. As
abstrações e símbolos são interpretados superficialmente, sem sutileza ou
qualquer consciência de nuances; o paciente não consegue se libertar do que as
palavras significam literalmente, excluindo as ideias mais abstratas que também
são transmitidas. Esta anormalidade é descrita como pensamento concreto, termo
originalmente introduzido por Goldstein (1936). Os testes empregados para
avaliar esta condição são a interpretação de provérbios e outros testes
psicológicos reconhecidamente pouco confiáveis, mas geralmente é reconhecida
na prática clínica de forma bastante dramática. Por exemplo, uma paciente com
esquizofrenia chegou ao consultório para a entrevista e imediatamente tirou os
sapatos, dizendo: “Eu sempre gosto de manter meus pés no chão quando estou
falando.” Outro exemplo: o médico observou seu paciente com esquizofrenia
crônica andando de lado no corredor do hospital. Ao perguntar por que ele
estava andando daquela maneira, ele respondeu que era “por causa dos efeitos
colaterais”†. Outro paciente disse: “Eu comecei e sentir que eu estava me
elevando e não queria voar, então eu amarrei estes pesos no meu tornozelo.”
No entanto, é importante destacar que, apesar dos exemplos convincentes de
pensamento concreto relatados anteriormente, a concepção atual é a de que
pacientes com esquizofrenia tendem a ter atitude mais abstrata do que os grupos
de controle (Weiner, 1966; Shimkunas, 1972; Cutting, 2011). Desta forma,
quando perguntados, por exemplo, “de que forma uma mesa se assemelha a uma
cadeira?” o paciente pode responder que são “objetos do universo”.

Teorias psicológicas sobre o pensamento na


esquizofrenia
Existem várias teorias psicológicas que buscam explicar o pensamento dos
pacientes com esquizofrenia. Estas teorias são prejudicadas porque não há uma
teoria geral do pensamento que seja satisfatória. Hoje em dia, temos resultados
consistentes de déficits de atenção, memória de trabalho, memória de
reconhecimento e funções executivas na esquizofrenia. Estas descobertas
empíricas ainda precisam ser integradas a uma teoria coerente que explique o
observado e as anormalidades do pensamento relatadas pelos pacientes nesta
condição.

Pensamento Superinclusivo
A diferença entre o pensamento concreto das síndromes mentais orgânicas e
aquele que ocorre na esquizofrenia foi descrita por Cameron (1944), que
considerou que, na esquizofrenia, o paciente é incapaz de manter limites
conceituais. A isto ele chamou de pensamento superinclusivo: ideias
remotamente relacionadas com o conceito em questão, que se incorporam aos
pensamentos do paciente. Desta forma, quando questionado: “quais destas são
partes essenciais de uma sala: paredes, cadeiras, piso, janela?”, o indivíduo
superinclusivo com esquizofrenia poderá incluir “cadeira”. Esta característica de
superinclusão pode ser observada em muitos aspectos do pensamento
esquizofrênico e foram criados questionários de teste envolvendo,
especificamente, testes de classificação. A falta de conexão adequada entre dois
pensamentos consecutivos é chamada de assindese.
No entanto, o pensamento concreto na esquizofrenia não pôde ser
diferenciado daquele de outros pacientes psicóticos e neuróticos (Payne
et al., 1970), e foi constatada sua associação à inteligência. O pensamento
superinclusivo ocorria apenas em cerca de metade dos pacientes com
esquizofrenia, geralmente os mais agudos. A outra metade, que sofria geralmente
de doença crônica, mostrava um retardo mais acentuado. McGhie (1969)
descobriu que os testes de Payne de superinclusão não distinguiam a
esquizofrenia de outros diagnósticos, como por exemplo, do pensamento
obsessivo ou maníaco, e Gathercole (1965) considerou que esses testes
demonstravam a fluência da associação, e não pensamento superinclusivo.
Um jovem que havia sofrido de esquizofrenia por anos começou a usar
drogas. À pergunta do médico: “que drogas você está usando?”, ele respondeu
“LSD, alimentos saudáveis e maconha”. Este é um exemplo de pensamento
superinclusivo. No entanto, foi uma afirmação espontânea; ele poderia muito
bem ter dado resposta totalmente correta a um questionário formal que não
tocasse em áreas significativas de sua experiência.
Chen et al. (1995) sugeriram que pode haver uma ampliação nos limites de
categoria (por exemplo, “móveis”) com preservação da estrutura interna da
categoria em pacientes com esquizofrenia. Isto resulta em temas relacionados
que estão efetivamente fora da categoria que está sendo processada pelo paciente
de forma semelhante àqueles que estão dentro dela. Cutting (2011) argumenta
que o que é mais proeminente é que pacientes com esquizofrenia
supercategorizam, encontrando mais categorias, frequentemente inúteis, dentro
das quais produzem listas.
Aggernaes (Aggernaes et al., 1976) levou esta teoria para além do ponto de
vista prático e clínico. Ele considera que os pacientes com esquizofrenia não se
distanciam da realidade; eles parecem experimentar o mundo real como real da
mesma forma que pessoas normais. No entanto, seu defeito no teste de realidade
decorre de uma tendência difusa de vivenciar alguns itens fantasiosos como
também reais.

Desatenção Esquizofrênica e Anormalidade da Memória de


Trabalho: Efeitos no Desempenho
McGhie (1969) se concentrou na perturbação da função atenção em pacientes
com esquizofrenia: eles são incapazes de filtrar e descartar dados sensoriais
irrelevantes para a tarefa que está sendo executada. Ele mostrou que o
desempenho de pacientes com esquizofrenia era muito pobre quando comparado
a sujeitos normais, mas eles não eram propensos à distração por estímulos
externos, auditivos ou visuais, como as pessoas normais. Em particular, os
pacientes hebefrênicos demonstravam menos distração, além de pouca
percepção e recordação das informações visuais. Eles apresentavam uma

Incapacidade de ignorar informações estranhas e irrelevantes (...)


especialmente quando a situação demandava o processamento rápido e
armazenagem das informações na memória de curto prazo. Esta
experiência é descrita subjetivamente: “Agora quando as pessoas falam
comigo é como se fosse outra língua. É muita coisa para guardar de uma
vez só. Minha cabeça está superlotada e eu não consigo entender o que
elas dizem. Isto faz você esquecer o que acabou de ouvir porque não
consegue ouvir por tempo suficiente. Está tudo em pedaços diferentes
que você tem que juntar na cabeça – apenas palavras no ar, a menos
que você possa compreender a partir do rosto”.

O efeito desta desatenção na vida social normal foi bem observado por
Morgan (1977) em sua descrição das três semanas vividas em proximidade com
dois pacientes com esquizofrenia crônica:

No caso de Vine, nosso relacionamento permaneceu igual, mas talvez


eu tenha compreendido suas deficiências um pouco melhor, e isto foi útil.
Ele estava sempre “perdendo o fio da meada”, até certo ponto na fala,
mas ainda mais notadamente na ação. Por exemplo, embora
repassássemos a sequência de testes de rotina pelo menos 500 vezes
juntos, ele jamais completou uma sequência sequer sem ter que ser
lembrado sobre o que vinha a seguir e o que ainda precisava ser feito. O
outro problema de Vine era curioso. Eu dizia, por exemplo: “Vamos fazer
os testes primeiro e depois eu gostaria que você terminasse de lavar a
louça”, e eu ficava surpreso quando a sua reação era correr para a pia e
começar a lavar a louça. Eventualmente eu acabei percebendo que ele
tinha um déficit de atenção. Ele frequentemente saltava feito um coelho
quando percebia que estava sendo abordado de algum modo e eu acho
que ao se recuperar do susto, ele já tinha perdido a primeira metade da
minha frase e tudo o que escutava era a segunda metade. Certamente
eu descobri que, inserindo um pequeno comentário preliminar, eu
obtinha uma resposta mais adequada.

Frith (1992) formulou a hipótese de que o mecanismo dos delírios de controle


também era responsável pela anormalidade do pensamento ou da linguagem na
esquizofrenia. Neste esquema, trata-se de uma falha no automonitoramento que é
responsável pela alteração do pensamento ou da linguagem. Desta forma, o
paciente é incapaz de editar frases irrelevantes ou perseverantes e isto resulta em
comunicação pobre. Há também a possibilidade de que o problema essencial
esteja no planejamento. Neste caso, a coerência da linguagem ou do pensamento
do paciente fica enfraquecida pela ausência de um objetivo e um plano explícito
e, além disso, há a invasão de pensamentos que não se encaixam no objetivo
geral, resultando em pensamento e linguagem desorganizados. Em resumo, os
pacientes com esquizofrenia “apenas são capazes de verificar se uma afirmação
está correta depois [salientado no original] de falar. Portanto, eles têm
dificuldade de evitar a produção de uma série de afirmações falhas, mesmo
durante as tentativas de corrigi-las” (Frith, 1992).
Liddle (2001) define a síndrome da desorganização como desarticulação de
pensamento, emoção e comportamento. Porém, os sintomas fundamentais são
perturbação do pensamento formal, afeto inadequado e comportamento bizarro e
errático. Ele conclui que a desorganização está associada a um desempenho
desacelerado das tarefas neuropsíquicas que exigem a seleção entre respostas
que concorrem entre si, ou a erros de comissão em tarefas que exigem a
supressão da resposta inadequada. Segundo ele, isto sugere que a desorganização
encontrada na esquizofrenia decorre do prejuízo nos circuitos neurais
responsáveis pela seleção e inibição de respostas. Os circuitos envolvidos são o
córtex frontal ventrolateral, o giro temporal superior esquerdo e o lóbulo parietal
inferior adjacente. Há ainda o envolvimento do cíngulo anterior e do tálamo.

Alterações de Controle do Pensamento


Sob este título, podemos discutir três padrões diferentes de pensamento:
passividade do pensamento ou delírios de controle do pensamento; obsessões e
compulsões, nas quais o paciente acredita que os pensamentos inaceitáveis estão
sob seu controle, mas resiste a eles; e o controle rígido do pensamento e
intolerância à variação que se torna habitual com a personalidade anancástica ou
obsessiva. Essas duas últimas serão discutidas no Capítulo 19.
Delírios de controle do pensamento
O controle do pensamento pode estar desorganizado quando o paciente atribui
seus próprios processos internos de pensamento a influências externas. A
perturbação subjetiva do pensamento na esquizofrenia é vivenciada como
passividade. O paciente com esquizofrenia vivencia seus pensamentos como
externos ou alheios, fora dele e de seu controle. Existe uma ruptura no modo
como ele pensa o limite entre ele e o mundo externo, de modo que ele não é mais
capaz de distinguir um do outro. Ele pode descrever passividade do pensamento,
retirada do pensamento, inserção e/ou difusão do pensamento; esses são
sintomas de primeira ordem da esquizofrenia (Schneider, 1959). Na Tabela 9.1,
são listados estes sintomas de primeira ordem.

Tabela 9.1
Sintomas de primeira ordem da esquizofrenia e sintomas do Exame
do Estado Atual

Sintomas de Primeira Ordema Sintoma equivalente do Exame do estado atualb


Delírio
Percepção delirante Delírio Primário
Alucinações auditivas
Pensamentos audíveis Eco ou comentário do pensamento
Vozes brigando ou discutindo Vozes sobre o paciente
Vozes comentando os atos do paciente Vozes sobre o paciente
Alteração do pensamento: passividade do pensamento
Retirada do pensamento Bloqueio ou retirada do pensamento
Inserção do pensamento Inserção do pensamento
Transmissão do pensamento (difusão do pensamento) Transmissão do pensamento ou compartilhamento do pensamento
Experiências de passividade: delírio de controle
Passividade do afeto (“sentimentos” feitos) Delírios de controle
Passividade de impulso (impulsos “feitos”) Delírios de controle
Passividade da vontade Delírios de controle
Passividade somática (influência no corpo) Delírios de penetração alienígena
a
Schneider (1959)
b
Wing et al. (1974).

Diversas formas de passividade de pensamento são descritas e o paciente pode


descrever que compartilha seus pensamentos com outras pessoas: seus
pensamentos sendo controlados ou influenciados de fora de si.
Os delírios de controle são geralmente associados a explicações delirantes
sobre como o pensamento poderia ser controlado, como por exemplo, por
dispositivos eletrônicos, computadores, telepatia. A inserção do pensamento é
descrita pelo paciente que acredita que seus pensamentos foram colocados em
sua mente de fora de si. Da mesma forma, ele pode descrever que seus
pensamentos estão sendo retirados contra a sua vontade: roubo de pensamento.
Isto pode ser dado como explicação para o bloqueio do pensamento quando eles
cessam e a mente fica subitamente “em branco”, vazia. A inserção e retirada de
pensamentos são sintomas de primeira ordem da esquizofrenia, mas o bloqueio
do pensamento não é, já que é difícil determinar quando é verdadeiramente
bloqueio do pensamento, retardo ou outra forma de dificuldade no pensar, e o
bloqueio é subjetivamente semelhante a ausências epiléticas. A difusão do
pensamento ocorre na esquizofrenia quando o paciente descreve que seus
pensamentos saem dele e se difundem de forma ampla e fora de seu controle.
Também é uma experiência de passividade e um sintoma de primeira ordem.
Um sintoma subjetivo adicional associado ao pensamento, de importância de
primeira ordem, é a experiência de pensamentos audíveis: ouvir seus próprios
pensamentos em voz alta. O paciente sabe que são seus pensamentos, mas ainda
assim, os escuta em voz alta imediatamente antes ou depois de pensá-los. Trata-
se certamente de uma perturbação de percepção, uma alucinação auditiva
(Capítulo 7).
Discutimos anteriormente neste capítulo a fusão, a mescla, o descarrilamento
e a compressão do pensamento, que ocorrem na esquizofrenia. A confusão que
se segue causa perda da capacidade de pensar com clareza, geralmente descrita
em termos de passividade. O paciente pode sentir que seu cérebro foi substituído
por algodão ou borracha retorcida. Seus pensamentos são emaranhados,
confusos, vagos, turvos: “Eu tento encontrar uma saída, mas eles são como
melado e ficam voltando e me grudando.”

Sintomas de Primeira Ordem da Esquizofrenia


Os sintomas de primeira ordem da esquizofrenia são discutidos neste capítulo
por motivo de conveniência, já que a maioria deles são exemplos de alterações
de controle ou de posse dos pensamentos. Segundo Schneider, a presença de um
ou mais sintomas de primeira ordem na ausência de doença orgânica pode servir
de evidência positiva de esquizofrenia. Estes sintomas de primeira ordem não
fazem parte de uma lista definitiva das características clínicas da esquizofrenia,
já que as alterações de afeto, vontade e atividade motora que podem ocorrer não
são incluídas, e diversos outros tipos de delírios, alucinações e alterações do
pensamento também ocorrem na esquizofrenia. Para que um sintoma seja
considerado de primeira ordem, ele deve apresentar as seguintes características:
▪ Deve ocorrer com razoável frequência na esquizofrenia
▪ Geralmente não deve ocorrer em outras condições além da esquizofrenia
▪ Não deve ser muito difícil determinar se o sintoma está ou não presente
Há alguns sintomas que ocorrem apenas na esquizofrenia, mas com frequência
baixa demais para serem considerados sintomas de primeira ordem para fins
práticos. Existem muitos aspectos que são característicos de esquizofrenia, mas
que também podem ocorrer em outras condições, como por exemplo,
alucinações auditivas não especificadas, pobreza de afeto e pensamento
superinclusivo. Há alguns sintomas que acontecem somente na esquizofrenia,
mas isto dá muita margem para discutir se este sintoma deve ou não ser
considerado de primeira ordem. Um exemplo disto é o delírio primário. Alguns
clínicos podem considerar uma determinada crença do paciente como um delírio
primário, enquanto outros não.
Embora os sintomas de primeira ordem sejam usados como uma lista de
verificação diagnóstica, um paciente que apresenta sete deles não está mais
gravemente doente do que alguém que apresenta três. Elicitá-los exige
experiência clínica considerável, já eles não podem ser coletados
quantitativamente simplesmente avaliando o paciente de maneira superficial.
Para que um psiquiatra possa utilizá-los clinicamente, é preciso conhecê-los. Em
segundo lugar, ele deve saber como esta pessoa, com este histórico social e
racial, tende a descrever determinado sintoma de primeira ordem (“meus
pensamentos são controlados pela... televisão, por... espíritos de meus ancestrais
mortos”). Em terceiro lugar, ele deve fazer as perguntas adequadas com
habilidade, sem colocar palavras na boca do paciente. Em quarto lugar, ele deve
ser capaz de interpretar as respostas do paciente e decidir se um sintoma de
primeira ordem está sendo descrito. Todo o processo envolve o emprego
capacitado do método fenomenológico descrito no Capítulo 1.
Há muitos psiquiatras que, neste ponto da discussão dos sintomas de primeira
ordem, diriam: “Por que me dar ao trabalho?”. Eles também concordariam que
frequentemente é difícil diagnosticar a esquizofrenia; que é importante não dar
este rótulo a pessoas que não sofrem da doença; e que é igualmente importante
tratar os que sofrem da doença de maneira adequada, efetiva e o mais cedo
possível.
Na prática clínica, a elicitação dos sintomas de primeira ordem pode ser vista
como um meio de determinar o grau de certeza do diagnóstico. Em um paciente
que apresenta as características gerais da esquizofrenia (delírio, alucinação,
distúrbio do pensamento, do afeto, vontade, atividade motora, comportamento,
relações sociais, história de vida), o diagnóstico é feito, mas ficam algumas
dúvidas. Se sintomas de primeira ordem são observados, não havendo patologia
orgânica inequívoca, então podemos concluir que o diagnóstico foi confirmado.
Alguns dos sintomas de primeira ordem são considerados menos confiáveis
como indicadores de esquizofrenia do que outros durante o seguimento, como
por exemplo: ouvir vozes discutindo (Mellor et al., 1981). Uma das vantagens
dos sintomas de primeira ordem como ferramenta diagnóstica é que, devido à
sua ênfase na forma e não no conteúdo, a pessoa que está simulando uma doença
mental provavelmente não os produzirá. Portanto, sua importância é dar
subsídios à diferenciação entre psicose verdadeira e simulada, como por
exemplo, em presidiários. Apesar do valor dos sintomas de primeira ordem no
diagnóstico de esquizofrenia quando presentes, sem dúvida há pacientes nos
quais eles não são observados. A esquizofrenia continua sendo, até certo ponto,
um diagnóstico de exclusão (Carpenter e Buchanan, 1994).

Exemplos de Sintomas de Primeira Ordem


O único tipo de delírio considerado sintoma de primeira ordem é a percepção
delirante, ou seja, uma percepção normal interpretada de maneira delirante e
considerada altamente significativa para o paciente (Capítulo 8). Exemplos de
percepção delirante e de outros sintomas de primeira ordem, como os seguintes,
são citados por Mellor (1970). A percepção delirante é exemplificada no
seguinte relato:

Um jovem irlandês tomava café da manhã com dois companheiros de


pensão. Ele teve uma sensação de desconforto, de que algo assustador
estava para acontecer. Um dos hóspedes empurrou o saleiro na sua
direção (ele compreendeu, ao mesmo tempo, que era um saleiro comum
e que a intenção de seu amigo era inocente). Pouco antes do saleiro
chegar até ele, ele soube que deveria voltar para casa, “para saudar o
Papa, que está visitando a Irlanda para ver sua família e para
recompensá-los (...) porque Nosso Senhor nascerá novamente de uma
das mulheres (...) E por isso elas (todas as mulheres) nascem diferentes,
com suas partes pudendas de trás para a frente”.
(p. 18)

Três tipos de alucinações auditivas são considerados sintomas de primeira


ordem: pensamentos audíveis, vozes que discutem e vozes que fazem
comentários simultâneos. Os pensamentos audíveis são a experiência do
paciente que ouve seus próprios pensamentos em voz alta. Na prática britânica, o
sintoma pode ter seu nome em alemão, Gedankenlautwerden, ou em francês,
écho de pensées. O paciente pode ouvir pessoas repetindo seus pensamentos em
voz alta logo depois de tê-los pensado, respondendo seus pensamentos, falando
sobre eles ou dizendo em voz alta o que ele está prestes a pensar, de modo que
seus pensamentos apenas repetem as vozes. Ele pode ficar muito incomodado
com a invasão de privacidade e preocupado por não conseguir manter o controle
de nenhuma parte de si mesmo, nem mesmo de seus pensamentos.

Um pintor de 35 anos ouviu uma voz baixa com sotaque de Oxford, que
ele atribuiu à BBC. O volume era ligeiramente mais baixo do que o de
conversas normais e podia ser ouvido pelos dois ouvidos. Ele conseguiu
localizar sua fonte no processo mastoide direito. A voz lhe dizia: “Eu não
suporto este homem, o modo como ele segura a própria mão faz com
que pareça uma bicha” (...) Ele imediatamente vivenciou o que a voz lhe
dizia como seus próprios pensamentos, excluindo todos os outros.
Quando ele lia o jornal, a voz falava tudo em que seus olhos batiam. Ele
não tinha tempo de pensar no que ele estava lendo antes que fosse dito
em voz alta.
(Mellor, 1970: 16)

Vozes que discutem umas com as outras significa duas ou mais vozes
alucinatórias discutindo ou brigando entre si e o paciente geralmente aparece na
terceira pessoa. O sintoma tende a não ser citado voluntariamente desta forma: o
paciente, na verdade, não diz: “Eu ouço vozes que brigam e discutem entre si.”
Portanto, o sintoma precisa ser cautelosa e sutilmente inquirido.

Um paciente de 24 anos relatou que ouvia vozes vindo do posto de


enfermagem. Uma voz, profunda e rouca, dizia repetidamente: “G.T. é
um maldito paradoxo”, enquanto outra, em um tom mais alto, dizia: “É
mesmo, ele deveria ser trancafiado”. Uma voz feminina interrompia às
vezes, dizendo: “ele não é, ele é um homem adorável”.
(Mellor, 1970: 16)

Vozes alucinatórias que fazem comentário simultâneo sobre as atividades do


paciente podem ocorrer e são de primeira ordem. O comentário pode vir
imediatamente antes, durante ou depois das atividades do paciente. Novamente,
o sintoma não é citado voluntariamente, mas pode ser inferido a partir das
queixas do paciente contra suas vozes. Para o entrevistador, há sempre o
problema de fazer perguntas de tal modo que lhe seja “permitido ver o que está
dentro”. Ele faz perguntas sobre percepções bastante óbvias para o paciente, que
não sabe que sua percepção é única e que outras pessoas não compartilham de
sua experiência perceptiva. Assim, o entrevistador tem a árdua tarefa de fazer
perguntas sobre alguma coisa sobre a qual não tem nenhuma experiência
pessoal; o paciente precisa responder perguntas que, dada sua situação, parecem
não fazer sentido. O que é anormal sobre vozes que comentam é que elas devem
ser vividas como percepções que vêm de fora do self; muitas pessoas normais
têm pensamentos reconhecidos como seus e vindo de dentro, comentando suas
ações:

Uma dona de casa de 41 anos ouviu uma voz vindo da casa no outro
lado da rua (...) A voz falava incessantemente em um tom monótono
descrevendo tudo o que ela estava fazendo, entremeando comentários
críticos. “Ela está descascando batatas, pegou o descascador, ela não
quer aquela batata, ela a está devolvendo porque acha que tem uma
saliência como um pênis, ela tem uma mente suja, ela está descascando
as batatas, agora ela as está lavando.”
(Mellor, 1970: 16)

Experiências de passividade são aqueles eventos no campo da sensação,


sentimento, impulso e vontade vivenciados como feitos ou influenciados pelos
outros. Eles foram bem descritos como delírios de controle, já que a experiência
do paciente de que o evento é forçado a ocorrer tem a forma de delírio. Os
termos distúrbios de passividade, experiências feitas, delírios de controle e
distúrbios de atividade pessoal são, na prática, sinônimos e intercambiáveis. O
evento é vivenciado pelo paciente como estranho, já que é vivenciado não como
seu, mas inserido no self pelo lado de fora. As experiências de passividade do
pensamento ocorrem como roubo do pensamento, inserção do pensamento ou
difusão do pensamento. No roubo do pensamento, o paciente acredita que seus
pensamentos estão sendo tirados da sua mente, e ele tem uma sensação de perda.
Ela pode estar associada a outras experiências de passividade do pensamento:

Uma mulher de 22 anos disse: “Estou pensando na minha mãe e de


repente meus pensamentos são sugados de minha mente por um
extrator frenológico a vácuo e não fica nada na minha mente, ela está
vazia.”
(Mellor, 1970: 16)

Na inserção do pensamento, o paciente vivencia pensamentos que não trazem


sensação de familiaridade, de serem dele, ele sente que os pensamentos foram
colocados em sua mente sem sua vontade, de fora de si. Como no roubo de
pensamentos, há uma clara distorção da vivência do eu, principalmente no limite
entre o que é e o que não é eu. Os pensamentos que efetivamente surgem de
dentro de si são considerados inseridos em sua mente a partir do exterior.

Uma dona de casa de 29 anos disse: “Eu olho pela janela e acho que o
jardim parece bom e que a grama parece atraente, mas os pensamentos
sobre Eamonn Andrews me vêm à mente. Não existe nenhum outro
pensamento ali, somente este (...) Ele trata a minha mente como uma
tela e joga seus pensamentos sobre ela como se joga uma fotografia em
um projetor.”
(Mellor, 1970: 17)

Na difusão do pensamento, o paciente vivencia seus pensamentos sendo


retirados da sua mente e depois tornados públicos e projetados em uma área
ampla. A explicação que ele dá para isto depende, como é comum no conteúdo
dos delírios, de sua formação cultural e interesses predominantes:

Um estudante de 21 anos disse: “À medida que eu penso, meus


pensamentos saem de minha cabeça em um tipo de fita picotada mental.
As pessoas só precisam passar a fita em sua mente para conhecer
meus pensamentos.”
(Mellor, 1970: 17)

Certamente a natureza da “influência” ou “controle” deverá ser


cuidadosamente investigada. Há um mundo fenomenológico de diferenças entre
a afirmação “meu pensamento é influenciado pelos meus pais, já que os meus
pensamentos são condensados de trás para a frente de minha cabeça” – uma
experiência de passividade, e “o que faço é influenciado pelo meu pai, no
sentido de que penso o que ele faria nas circunstâncias e depois faço o mesmo”
(ou “faço o oposto”) – não passividade. Todas as experiências de passividade são
consideradas sintomas de primeira ordem. Não tem grande relevância determinar
o tipo de passividade que está sendo descrita – se é de impulso ou de vontade,
por exemplo – mas é diagnosticamente importante determinar se é ou não uma
experiência de passividade. A passividade da emoção ocorre quando o afeto que
o paciente vivencia não parece pertencer a si mesmo. Ele acredita que fizeram
com que o sentisse:

Uma paciente de 23 anos disse: “Eu choro, as lágrimas correm pelo meu
rosto e eu pareço infeliz, mas por dentro eu sinto raiva porque eles me
usam desta forma e não sou eu quem está infeliz, são eles que estão
projetando infelicidade no meu cérebro. Eles projetam risadas em mim,
sem razão, e você não tem ideia como é terrível rir e parecer feliz e
saber que isso não vem de você, mas que é uma reação deles.”
(Mellor, 1970: 17)

Na passividade de impulso, o paciente vivencia um impulso que lhe parece


estranho de executar alguma atividade motora, mas o impulso também pode ser
vivenciado sem que o sujeito execute o ato. Uma mulher judia com
esquizofrenia, de 55 anos, disse: “Sinto minha mão subir para saudar e meus
lábios dizendo ‘Heil Hitler’ (...) Eu não chego a dizer (...) Eu tenho que me
esforçar para fazer com que meu braço não suba (...) eles colocam drogas em
minha comida; esta é a causa.” Se praticado, o ato é admitido como próprio, mas
o paciente sente que o impulso que o fez praticá-lo não era seu:

Um engenheiro de 26 anos esvaziou o conteúdo de um coletor de urina


sobre o carrinho do refeitório da sua enfermaria. Ele disse: “Eu tive esse
impulso e eu precisei fazer isso. Não era uma sensação minha, ela vinha
lá do departamento de raio X, foi por isso que fui mandado para lá ontem
para fazer os implantes. Não tinha nada a ver comigo, eles queriam que
fosse feito. Então peguei o coletor e o derramei. Era tudo o que eu podia
fazer.”
(Mellor, 1970: 17)

De modo semelhante, na passividade da vontade o paciente sente que não foi


sua vontade que praticou o ato:

Um estenodatilógrafo de 29 anos descreveu suas ações como segue:


“Quando minha mão alcança o pente, são minhas mãos e braço que se
movem, são meus dedos que tomam a caneta, mas eu não os controlo
(...) Eu me sento e quero que se movam, mas eles são totalmente
independentes, o que eles fazem não tem nada a ver comigo (...) Sou
apenas uma marionete manipulada por cordas cósmicas. Quando os
cordões são puxados meu corpo se move e eu não consigo evitar.”
(Mellor, 1970: 17)

Passividade somática é a crença de que influências externas estão agindo


sobre o corpo, o que não é o mesmo que alucinação háptica, e sim a crença
delirante de que o corpo está sendo influenciado de fora do self, e pode ocorrer
associada a diversas alucinações somáticas. Por exemplo, ocorreu uma
alucinação cinestésica, com experiência de passividade dada como explicação
por um paciente que sentia que sua mão estava sendo levada ao rosto. Ele podia
senti-la se movendo, embora, na verdade, estivesse imóvel. A passividade
somática pode também ocorrer associada a uma percepção normal e tais
experiências são bastante comuns na esquizofrenia:

Um homem de 38 anos saltou da janela de um quarto machucando seu


joelho direito, que ficou bastante dolorido. Ele descreveu sua experiência
física assim: “Os raios solares são dirigidos pelos satélites do exército
dos Estados Unidos em um feixe intenso que eu sinto que entra no
centro do meu joelho e irradia para fora, causando a dor.”
(Mellor, 1970: 16)

Sintomas de primeira ordem são de uso geral na prática clínica e também têm
sido adaptados para a pesquisa psiquiátrica. O método de determinação e
medição dos sintomas esquizofrênicos, entre outros sintomas, desenvolvidos por
Wing et al. (1974) no Present State Examination emprega os sintomas de
primeira ordem como a base do diagnóstico de esquizofrenia. O Present State
Examination oferece ao médico um meio de determinar quais sintomas e
síndromes estão presentes.
Koehler (1979), revisando o modo como diferentes autores descrevem a
presença de sintomas de primeira ordem na literatura inglesa, concluiu que às
vezes eles eram utilizados com sentido muito restrito e às vezes muito amplo.
Ele faz a distinção entre alienação do pensamento e influência do pensamento e
faz um apelo para afirmações mais claras sobre os critérios delimitadores dos
sintomas de primeira ordem e o viés nosológico vinculado aos fenômenos. Dos
exemplos de Mellor citados anteriormente, a alienação é necessária; ou seja, um
delírio de controle e não apenas uma experiência de influência do pensamento.
De modo semelhante, a difusão do pensamento é considerada um sintoma de
primeira ordem quando o paciente descreve que aquilo ocorreu fora de seu
controle, não importando se os pensamentos são compartilhados. Portanto, este
capítulo recomenda o uso restrito dos sintomas de primeira ordem. Eles têm sido
empregados para se estabelecer o diagnóstico, mas não são necessariamente
úteis em termos de prognóstico (Bland e Orn, 1980).
A diferença entre alienação ou experiência de controle e influência pode ser
exemplificada pelo sintoma esquizofrênico de inserção do pensamento. A
inserção do pensamento é mais concreta do que a inserção de uma ideia dentro
do pensamento de uma pessoa. Uma pessoa normal pode dizer, “minha mãe me
deu uma ideia” ou até mesmo “minha mãe plantou essa ideia na minha cabeça”,
sem que isto signifique inserção de pensamento. O paciente que vivencia
passividade acredita que, por algum processo concreto, os limites do eu
envolvendo o pensamento foram tão invadidos que sua mãe está efetivamente
colocando pensamentos dentro da sua cabeça (Capítulo 12). Desta forma, ele
pensa os pensamentos da mãe ou, talvez, a mãe esteja pensando dentro dele.

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*
Nota da Revisão Técnica: Ainda que a melhor tradução para drivelling fosse verborragia ou baboseira, o
autor descreve uma desorganização extrema da fala, compatível com o que se chama de salada de palavras.

Nota da Tradução: Em inglês, a expressão efeitos colaterais é side effects e a palavra side significa “de
lado”.
CAPÍTULO 10

Distúrbios da Linguagem e da Fala

Resumo
A fala é o aspecto da linguagem que corresponde às funções mecânicas e
articulatórias que permitem que a linguagem seja vocalizada, ao passo que a
linguagem é, em si, um sistema complexo baseado em diversos elementos que
incluem fonemas, estrutura sintática, semântica, prosódia e pragmática, tudo
concebido para auxiliar a comunicação e a codificar fatos na memória. As
anormalidades da fala são comuns na neurologia, mas raras na psiquiatria. A
linguagem e o pensamento são conjuntamente afetados nos transtornos
psiquiátricos, especialmente na esquizofrenia. No entanto, a efetiva relação entre
pensamento e linguagem ainda precisa ser elucidada de forma mais completa.

Falar não é apenas vocalizar palavras, é fazer proposições. Uma


proposição é uma relação tal de palavras que forma um novo significado.
J. Hughlings Jackson (1932)

É muito claro que as funções pensamento e fala se sobrepõem e não podem


ser separadas uma da outra; ao mesmo tempo, elas são claramente distintas. O
conteúdo deste capítulo não pode ser considerado isoladamente do capítulo
anterior, embora este considere a fala e a linguagem a partir de uma perspectiva
diversa.
Maher (1972) propôs um modelo que buscou demonstrar a ligação entre
pensamento e o comportamento da fala na linguagem:

conceitualizando a relação entre linguagem e pensamento. O modelo


poderia ser comparado a uma datilógrafa que copia um texto à sua
frente. Sua cópia pode parecer distorcida porque o texto está distorcido,
embora o canal de comunicação dos olhos e das mãos da datilógrafa
esteja funcionando corretamente. Por outro lado, o texto original pode
ser perfeito, mas a datilógrafa pode não ser muito boa, cometendo erros
de datilografia na cópia e, portanto, distorcendo-o. Finalmente, é
possível que uma datilógrafa ineficiente acrescente erros a um texto já
incoerente. Infelizmente, o psicopatologista pode observar apenas a
cópia (vocalização da linguagem); ele não pode examinar o texto
(pensamento). Em geral, a maior parte dos teóricos envolvidos com a
linguagem na esquizofrenia tem aceitado a primeira das três alternativas,
especificamente, que uma boa datilógrafa está transcrevendo um texto
incorreto. O paciente está relatando corretamente um conjunto de
pensamentos perturbados. Como Critchley afirma: “Qualquer aberração
considerável do pensamento ou da personalidade será espelhada nos
vários níveis de fonética, fonêmica, semântica, sintaxe e pragmática da
fala articulada.” A linguagem é o espelho do pensamento.
(p. 3)

O texto é comparado ao pensamento e a datilógrafa à linguagem. Muitos


clínicos consideram que a linguagem espelha o pensamento de forma bastante
exata e veem a anormalidade primária como alteração do pensamento
(Beveridge, 1985). A linguagem desordenada não é vista como um mero reflexo
da perturbação subjacente, e o diagnóstico de distúrbio do pensamento só é
possível com a análise do que o paciente diz. Algumas das teorias linguísticas
mais recentes usadas para análise da fala esquizofrênica contradizem a primazia
do pensamento.
A premissa de que a linguagem reflete diretamente o pensamento pode ser
contestada (Newby, 1995). Há uma corrente que argumenta que a linguagem em
si estrutura o pensamento e os conceitos, e determina como o mundo é
compreendido. Esta visão tem origem nos trabalhos de Edward Sapir (1884–
1939) e Benjamin Whorf (1897–1941). Em suma, a hipótese Sapir–Whorf diz
que a linguagem influencia a cognição. Esta visão tem suporte empírico limitado
e Pinker (1994) conclui que “as representações subjacentes ao pensamento, por
um lado, e as frases de uma língua, por outro, são, de muitas maneiras, fins
cruzados. As pessoas não pensam em inglês, chinês ou apache, elas pensam na
língua do pensamento. Esta linguagem provavelmente se parece um pouco com
estes idiomas, presumidamente tem símbolos para conceitos e arranjos de
símbolos que correspondem a “quem fez o que para quem”. Esta visão radical
contradiz a relação ponto a ponto entre linguagem e pensamento, implícita na
proposta de Maher, e o determinismo linguístico da hipótese de Sapir–Whorf.
A relação entre pensamento e linguagem é complexa tanto nos transtornos
orgânicos quanto na esquizofrenia: pode haver uma perturbação bastante
acentuada no uso da linguagem sem qualquer perturbação do pensamento
aparente. Isto é revelado nas raras anormalidades isoladas do funcionamento
específico da linguagem descritas neste capítulo. Entender como uma pessoa
saudável expressa os pensamentos em linguagem apenas pode ser atingido com
o estudo do desenvolvimento normal da linguagem. Isto está fora do âmbito
deste livro, mas é discutido em relação à percepção em Carterette e Friedman
(1976).
A linguagem é composta de diversos elementos. Fonemas são os sons mais
básicos que estão disponíveis para o uso na linguagem, e qualquer idioma, como
o inglês, usa apenas um repertório limitado de fonemas. Este repertório usado no
inglês compartilha apenas uma sobreposição limitada com o utilizado, por
exemplo, em Ioruba. Os morfemas são produzidos a partir de fonemas e são as
menores unidades de significado de uma palavra; a combinação de morfemas
forma as palavras. Um morfema pode ser uma palavra como “fazer” ou “in”. A
sintaxe (gramática) é a combinação permitida de palavras em frases e parágrafos,
e abrange as regras que determinam a ordem das palavras. Semântica é o
significado que corresponde às palavras e inclui o significado de todas as frases
possíveis. Prosódia se refere à modulação da entonação vocal que influencia
sotaques e também o significado literal e emocional de palavras e orações. A
pragmática da língua é a forma como a linguagem é usada na prática. Esta é uma
área relativamente nova de estudo e se refere aos múltiplos potenciais
significados de qualquer enunciado, que exige conhecimento do contexto e do
orador para sua completa interpretação. Por exemplo, a frase “esta sala está fria”
pode ter qualquer um de muitos significados, dependendo da identidade de quem
fala, do contexto do enunciado e a quem está sendo dirigido, ou seja, a distância
social ou relativa do destinatário. Talvez seja importante neste ponto fazer a
distinção entre linguagem e fala. Fala é o aspecto da linguagem que corresponde
às funções mecânicas e articulatórias que permitem que a linguagem seja
vocalizada. Assim, para que a linguagem se torne fala, as cordas vocais, pálato,
lábios e língua devem executar uma dança complexa e sincronizada com passos
interligados. A dissociação entre fala pobremente articulada e linguagem intacta
indica que as duas funções são separadas.
A teoria da linguagem de Chomsky é a que tem maior influência
(Chomsky, 1986). Basicamente, Chomsky argumentou que a linguagem é como
um instinto e que “toda frase que uma pessoa diz ou compreende é uma nova
combinação de palavras, que aparece pela primeira vez na história do universo.
Assim, a linguagem não pode ser um repertório de respostas; o cérebro deve
conter uma receita ou programa que permita construir um conjunto ilimitado de
frases a partir de uma lista finita de palavras. Este programa pode ser chamado
de gramática mental” (Pinker, 1994). Além disso, a criança rapidamente
desenvolve esta gramática complexa sem nenhuma instrução formal. Isto sugere
que elas devem ser dotadas originalmente de um plano comum à gramática de
todas as línguas, uma gramátia universal. Como a linguagem se desenvolve,
como o significado é aprendido e a neuropsicologia da linguagem são áreas cada
vez mais estudadas.

Perturbações da Fala
Este tema é abordado em livros de neurologia e foi revisado por Critchley
(1995); aqui, será apenas resumido. Muitas anormalidades, como parafasia, têm
causas orgânicas e psicogênicas; o diagnóstico exige um histórico médico e
psiquiátrico completo, bem como exame neurológico e do estado mental.

Afonia e disfonia
Afonia é a perda da capacidade de vocalizar; o paciente apenas fala em
sussurros. Disfonia denota um prejuízo com rouquidão, mas sem perda completa
da função. Ela ocorre na paralisia do nono nervo craniano ou em doenças das
cordas vocais.
A afonia também pode ocorrer sem doença orgânica na afonia dissociativa,
uma apresentação bastante comum em ambulatórios de otorrinolaringologia.
Este paciente pode falar em um “sussurro de palco”; a fonação pode flutuar de
acordo com a resposta da pessoa a quem a pessoa se dirige.

Disartria
As alterações da articulação podem ser causadas por lesões no tronco encefálico,
como paralisia bulbar e pseudobulbar. Também podem ocorrer em alterações
estruturais ou musculares da boca, faringe, laringe e tórax. Distúrbios
idiossincráticos da articulação são observados ocasionalmente na esquizofrenia
e, talvez, produzidos conscientemente em transtornos de personalidade.

Gagueira e tartamudez
Essas condições já foram estudadas na história da psiquiatria sob o aspecto de
perturbações neuróticas da infância, juntamente com comportamentos como roer
as unhas. No entanto, a etiologia psicogênica certamente não foi comprovada e
qualquer associação a neuroticismo pode ser secundária às barreiras na
comunicação causadas pela gagueira.

Logoclonia
É a repetição espástica das sílabas que ocorrem no parkisonismo
(Scharfetter, 1980). O paciente pode ficar preso ao uso de determinada palavra.

Ecolalia
O paciente repete palavras ou partes de frases que são dirigidas a ele ou em sua
presença, e geralmente não há compreensão de seu significado. A condição é
demonstrada com frequência nos estados de excitação esquizofrênica, no retardo
mental e em estados orgânicos como demência, especialmente se também houver
presença de disfasia.

Mudanças no volume e na entonação da fala


Muitos pacientes deprimidos falam muito baixo e com voz monótona. Pacientes
maníacos geralmente falam alto e de maneira excitada, com bastante variação no
tom. Os pacientes excitados que sofrem de esquizofrenia também podem falar
alto; a entonação e a ênfase de palavras podem ser idiossincrásicas e
inadequadas. No entanto, nenhum desses modos de comportamento tem
relevância diagnóstica. A velocidade e o fluxo da fala espelham a velocidade e o
fluxo do pensamento, que foi abordado no Capítulo 9.

Fala ininteligível
A fala pode ser ininteligível por diversos motivos e a maioria das anormalidades
descritas aqui, se levadas ao extremo, resultarão em incompreensibilidade.
▪ A disfasia pode ser tão profunda que, embora as sílabas sejam produzidas, a
fala é ininteligível.
▪ O paragramatismo (alteração da construção gramatical) e a incoerência da
sintaxe podem ocorrer em diversos transtornos. Palavras reconhecíveis
podem estar tão desordenadas nas frases que perdem seu sentido – salada de
palavras, como ocorre na esquizofrenia. Na mania, a velocidade da
associação pode ser tão rápida a ponto de quebrar a estrutura da frase por
completo e torná-la sem significado, enquanto, na depressão, o retardo pode
inibir a fala a tal ponto que apenas sílabas ininteligíveis são produzidas,
frequentemente na forma de lamúria.
▪ O significado privado pode ocorrer na esquizofrenia com o uso de (a) novas
palavras com um significado idiossincrático e pessoal – neologismos, (b)
chavões e expressões nas quais palavras existentes são usadas com
significado simbólico individual ou (c) um determinado idioma que pode ser
falado (criptolalia) ou escrito (criptografia).

Distúrbios Orgânicos da Linguagem


Os sintomas disfásicos são provavelmente mais úteis clinicamente do que
qualquer outro comprometimento cognitivo para indicar o local aproximado de
uma patologia cerebral (David et al., 2007). No entanto, os mecanismos
auditivos, visuais e motores da fala são distribuídos em diversas partes do
cérebro; frequentemente, diversas funções são afetadas e as lesões são
geralmente difusas, portanto, a localização exata no cérebro nem sempre é
possível. Das pessoas destras, sem qualquer dano cerebral, 90% têm a fala
localizada no hemisfério esquerdo e 10% têm a fala no hemisfério direito. Entre
os canhotos ou ambidestros, 64% têm a fala no hemisfério esquerdo, 20% no
hemisfério direito e 16% têm representação bilateral da fala.

Disfasia sensorial
Os termos afasia e disfasia são frequentemente empregados indistintamente. No
entanto, a afasia implica a perda completa da linguagem, enquanto a disfasia,
prejuízo ou dificuldade de linguagem. A disfasia é convencionalmente dividida,
para fins de classificação, em sensorial (receptiva) e motora (expressiva). Muito
frequentemente, há prejuízo global da linguagem com evidências de prejuízo nos
dois elementos. A Tabela 10.1 resume algumas das anormalidades que ocorrem
com os diferentes aspectos comprometidos da linguagem.

Tabela 10.1
Prejuízo da linguagem com diferentes tipos de disfasia
Espontânea Fala
Tipo Fluente Compreensão Repetição Nomeação Leitura Escrita
Surdez pura de palavras + - - + + + Não ao
ditado
Cegueira pura de palavras + + + + - +
Disfasia sensorial primária + - - + - -
-
Disfasia de condução + + - + Em voz -
- alta -
Disfasia nominal + + + - + +
- -
Mudez para palavras - + - + + +
-
Agrafia pura + + + + + -
Disfasia motora primária - + - + Voz alta – -
- Compr + -
Alexia com agrafia + + + - - -
Área da fala isolada - - + - - -
Disfasia motora - + + - Voz alta – -
transcortical Compr +
Disfasia sensorial + - + - - -
transcortical

(Baseado em Lishman, 1997, com permissão de Blackwell Scientific.)


Compr. = compreensão.

Surdez Pura de Palavras (Disfasia Auditiva Subcortical)


Na surdez pura de palavras, o paciente consegue falar, ler e escrever
fluentemente, de forma correta e com compreensão. Ele não consegue
compreender a fala, embora a audição não esteja prejudicada para outros sons;
ele ouve as palavras como sons, mas é incapaz de reconhecer seu significado,
apesar de saber que são palavras. Portanto, esta é uma forma de agnosia (falta de
reconhecimento) da palavra falada.

Cegueira Pura de Palavras (Afasia Visual Subcortical)


O paciente com cegueira pura de palavras consegue falar normalmente e
entender a palavra falada; ele consegue escrever espontaneamente e em resposta
a um ditado, mas é incapaz de ler com compreesão (alexia). Portanto, a condição
é a de alexia agnóstica sem disgrafia. Ele pode ter mais dificuldade com letras
impressas do que com letras manuscritas.
Este paciente também pode sofrer de hemianopsia homônima (perda da
metade direita do campo visual nos dois olhos) e incapacidade de nomear cores,
por mais que sejam percebidas.

Disfasia Sensorial Primária (Disfasia Receptiva)


Pacientes com disfasia sensorial primária não conseguem compreender o
discurso falado, com perda da compreensão do significado de palavras e da
gramática. A audição, contudo, não é prejudicada. Como consequência deste
déficit no córtex da associação auditiva (área de Wernicke), o paciente também
apresenta prejuízo da fala, escrita e leitura. A fala é fluente, sem percepção dos
muitos erros cometidos no uso das palavras, sintaxe e gramática.
A disfasia de condução pode ser considerada um tipo de disfasia sensorial na
qual a recepção sensorial da fala e da escrita se encontra prejudicada, na medida
em que o paciente não consegue repetir a mensagem embora consiga falar e
escrever. Se questionado sobre a mensagem, ele consegue responder “sim” ou
“não” corretamente, demonstrando compreensão. Ocorrem erros marcantes de
gramática e sintaxe (disfasia sintática).

Disfasia nominal
O paciente com disfasia nominal não consegue produzir nomes e sons por
vontade própria. Ele pode ser capaz de descrever o objeto e sua função e
reconhecer o nome quando lhe é apresentado: um paciente descreveu um relógio
de pulso como “um vaso de relógio”. Tipicamente, substantivos “vazios” como
“coisa” e “objeto” são usados, ao passo que substantivos “diferenciadores”
raramente são empregados. A fala é plana, a estrutura das frases geralmente
correta e a compreensão não apresenta prejuízo.

Jargonofasia
Na jargonofasia a fala é fluente, mas há uma perturbação tão grande nas palavras
e na sintaxe a ponto de torná-la ininteligível. A entonação e ritmo da fala são
preservados. Este é considerado um tipo grave de disfasia sensorial; não é
possível avaliar a própria fala do paciente, já que ele não se mostra
emocionalmente perturbado quando ouve gravações de sua fala severamente
prejudicada.

Afasias motoras
Mutismo Puro de Palavras
O paciente com mutismo puro de palavras entede o discurso falado e escrito e
pode responder a comentários. A escrita é preservada, mas a fala é indistinta e
não pode ser produzida por vontade própria. Não há perturbação local dos
músculos necessários para falar e a incapacidade é uma apraxia limitada aos
movimentos necessários para a fala.

Agrafia Pura
A agrafia pura é uma incapacidade isolada de escrever, que pode também
ocorrer sem comprometimento da fala (agrafia sem alexia); há compreensão
normal do material escrito e falado. Isto é o equivalente do mutismo de palavras
transposto para a escrita.

Disfasia Motora Primária


Na disfasia motora primária, há uma perturbação nos processos de seleção de
palavras, construção de frases e sua expressão. A fala e a escrita são
comprometidas e há dificuldade de seguir instruções complexas, embora a
compreensão da fala e da escrita possa estar preservada. O paciente tem
dificuldade de escolher e pronunciar palavras e a fala é hesitante e lenta; ele
reconhece seus erros, tenta corrigi-los e fica claramente aborrecido. Gestos
podem ser utilizados para substituir a comunicação verbal. A fala é tentada e
reconhecida como palavras faladas, mas palavras são omitidas, sentenças são
abreviadas e ocorre a perseveração.

Alexia com Agrafia


Os aspectos visuais da linguagem são considerados mais complexos do que os
aspectos auditivos, já que são exigidos esquemas visuais – “ver a palavra escrita
dentro da cabeça”, além de auditivos – “ouvir a palavra na mente”. Na alexia
com agrafia, o paciente não consegue ler ou escrever, mas a fala e a
compreensão não se apresentam comprometidas. Nesta condição, a alexia é
semelhante à cegueira pura de palavras: o paciente não consegue compreender as
palavras soletradas em voz alta, mostrando que é efetivamente analfabeto devido
ao distúrbio do simbolismo visual da linguagem.

Área da Fala Isolada


O déficit de compreensão pode ocorrer com a fala lenta e hesitante em uma
anormalidade na qual se supõe que as áreas anatômicas de Wernicke e Broca e as
conexões entre elas permanecem intactas, mas conexões de outras partes do
córtex com este sistema de linguagem se encontram comprometidas. Dois tipos,
expressivo e receptivo, são descritos: disfasia motora transcortical e disfasia
sensorial transcortical.
Na disfasia é mais frequente que haja uma mescla de elementos expressivos e
receptivos e síndromes claras são de difícil demonstração, mas sua importância é
parcialmente teórica na demonstração da gama de lesões anatômicas e da
especificidade dos sintomas resultantes. Esta descrição tem se focado
exclusivamente nos sintomas; a descrição exata das lesões anatômicas e os
sintomas neurológicos associados estão fora do nosso escopo. É importante
diferenciar os fenômenos de disfasia, talvez com neologismos e erros de sintaxe,
da salada de palavras da esquizofrenia com defeitos supercialmente semelhantes
de linguagem. A verbigeração descreve a repetição de palavras ou sílabas que
pacientes afásicos expressivos podem usar enquando procuram
desesperadamente pela palavra correta.

Mutismo
Mutismo, a ausência da fala no estado consciente, é um sinal importante em
doença psiquiátrica com extenso diagnóstico diferencial. A obtenção do histórico
e avaliação do estado mental é impossível em um paciente mudo. As principais
categorias de transtornos psiquiátricos podem apresentar mutismo: dificuldade
de aprendizagem, transtorno mental orgânico (por vezes relacionado com o uso
de drogas), psicose e neurose funcional e transtorno de personalidade. Algumas
causas mais específicas incluem depressão, esquizofrenia catatônica e transtorno
dissociativo. O mutismo ocorre como um elemento essencial de estupor
(Capítulo 3) e é preciso avaliar o nível de consciência como parte de um exame
neurológico completo de todos os pacientes com este sinal. Se não há
rebaixamento da consciência, como nas psicoses e neuroses funcionais, é
provável que o paciente mudo compreenda tudo o que é dito ao seu redor. Assim
como em transtornos cerebrais específicos, as causas de estupor abrangem
alterações metabólicos gerais, que também afetam o cérebro, como insuficiência
hepática, uremia, hipotireoidismo e hipoglicemia.

Perturbação Esquizofrênica da Linguegem


A comunicação falha através da linguagem é a característica que mais define a
esquizofrenia, de acordo com Crow (1997), e está associada a uma variação
genética à época em que a linguagem foi adquirida pelo Homo sapiens. O uso da
linguagem por pessoas com esquizofrenia pode ser diferente do uso por uma
pessoa normal, e esta diferença pode ser sutil e sem relação com sintomas
positivos como delírios e alucinações. Há bons motivos para crer que as
anormalidades no uso da linguagem estejam associadas a distúrbios do
pensamento. O esclarecimento da exata natureza da anormalidade da linguagem
tem sido um desafio e esta consideração é provisória; ela descreve como alguns
dos fenômenos têm sido vistos e conceitualizados. Não há uma teoria única que
unifique as diferentes anormalidades que vêm sido observadas e descritas. A
investigação sobre a perturbação de linguagem pode ser atribuída a um dos
quatro modelos mostrados na Tabela 10.2

Tabela 10.2
Modelos de investigação dos distúrbios de linguagem na
esquizofrenia

Modelo de Linguagem Técnica Empregada


Conceito de distúrbio do pensamento Psiquiátrica: descrição clínica da fala esquizofrênica
Teoria da aprendizagem comportamental Teste de associação de palavras, teste de volabulário de múltipla escolha
Modelo estatístico Técnica Cloze: razão forma/item
Modelo de linguística Análise da sintaxe, coesão ou proposições

(Extraído de Beveridge, 1985, com permissão.)

Descrição clínica e distúrbio do pensamento


A única demonstração inequívoca do distúrbio do pensamento é feita através da
linguagem. O distúrbio do pensamento pode ser revelado no fluxo da fala
(Capítulo 9), conteúdo e uso de palavras e gramática de forma distorcida, bem
como na incapacidade de conceituação adequada. Critchley (1964) considerou
que “a causa do comprometimento da fala esquizofrênica é um distúrbio
subjacente do pensamento, e não a falta de acessibilidade linguística”. Algumas
das categorizações do distúrbio do pensamento esquizofrênico, elaboradas por
clínicos, se encontram na Tabela 10.3.
Tabela 10.3
Categorização dos distúrbios de pensamento na fala

Clínico Categorização
Kraepelin Acatafasia
Bleuler Perda de associações
Gardner Forma de regressão
Cameron Assindese
Goldstein Pensamento concreto
Von Domarus Alteração do raciocínio dedutivo
Schneider Descarrilamento, substituição, omissão, fusão e salada de palavras

A literatura alemã sobre a psicopatologia da linguagem esquizofrênica e


distúrbios da fala se focou nas normas de disfunção da linguagem; foi
consistentemente reportada a incerteza dos pacientes quanto ao nível metafórico
correto na comunicação (Mundt, 1995). Kraepelin (1919) definiu a acatafasia
como um distúrbio na expressão do pensamento através da fala. A perda da
continuidade das associações, que implicava um desenvolvimento incompleto
de ideias, foi a primeira das funções incluídas entre os sintomas fundamentais da
esquizofrenia por Bleuler (1911).
Gardner (1931) considerou o distúrbio do pensamento uma forma de
regressão. Cameron (1944), ao descrever a assindesia, considerou a existência
de uma incapacidade de preservar fronteiras conceituais e uma pronunciada
escassez de ligações genuinamente causais. Ele deu o exemplo de um paciente
que, dadas as seguintes alternativas, completou a frase: “Eu sinto calor quando
corro porque ....” com todas as seguintes palavras: “rapidez, sangue, coração de
cervo, distância, força dirigida, cilindro motorizado, força”. O paciente usava
expressões imprecisas – metonímias, por exemplo, um paciente disse que estava
vivo;

porque você realmente vive fisicamente, porque você faz refeições três
vezes ao dia; isto é o físico [O que mais existe fora o físico?]. Também,
você está vivo principalmente para fazer um trabalho sob uma
perspectiva metódica de negócios

e pensamento superinclusivo no qual uma associação de conceitos que


estavam de alguma forma relacionados com o tema dominante se tornam
entrelaçados em respostas, por exemplo:

[O vento sopra] Devido à velocidade. [Pergunta repetida] Devido à perda


de ar, evaporação da água. [O que dá a velocidade?] o contato com as
árvores, do ar nas árvores.

O pensamento concreto, um termo que denota a incapacidade de pensar


abstratamente, foi proposto por Goldstein (1944), mas sua validade foi
contestada por Payne et al. (1959). Allen (1984) considera que pacientes com
esquizofrenia e distúrbio de fala demonstram evidência de pensamento concreto,
pensamento sem inferência e restrito ao que é declarado explicitamente, o que
não ocorre com pacientes com esquizofrenia sem distúrbio de fala. Quando a
organização temática da fala foi analisada em pacientes com distúrbio positivo
da fala (incoerência da fala) ou distúrbio negativo da fala (pobreza da fala), não
foram encontradas diferenças: pacientes com distúrbio da fala, tanto positivo
como negativo, demostraram restrição cognitiva e fizeram menos inferências do
que pacientes sem distúrbio da fala.
Uma deficiência na lógica do raciocínio dedutivo na esquizofrenia foi
sugerida por Von Domarus (1944). Algumas das anormalidades de pensamento
expressas na fala observada por Schneider foram discutidas no Capítulo 9.
Andreasen (1979) buscou classificar a descrição do comportamento cognitivo
e linguístico de pacientes sobre os fenômenos demonstrados, sem fazer
inferências sobre conceitos de distúrbio “global” do pensamento; tais
anormalidades ocorrem tanto na mania quanto na esquizofrenia. Alguns tipos de
distúrbios do pensamento, como neologismo e bloqueio, ocorreram com muito
pouca frequência para ter relevância diagnóstica. No entanto, ela encontrou alta
confiabilidade entre avaliadores para muitos tipos de distúrbios do pensamento e
também distinção entre diferentes doenças psicóticas. Descarrilamento, perda de
objetivo, pobreza do conteúdo da fala, tangencialidade e alogia eram
particularmente característicos da esquizofrenia. Descarrilamento significa a
perda de associação de maneira que as ideias escapavam para um tema
obliquamente relacionado ou totalmente não relacionado. Perda de objetivo é a
incapacidade de seguir uma corrente de pensamento até sua conclusão natural.
Pobreza de conteúdo da fala abrange pobreza de pensamento, fala vazia, alogia,
verbigeração e distúrbio formal negativo do pensamento; os relatos dos pacientes
fornecem poucas informações e tendem a ser vagos, superabstratos,
superconcretos, repetitivos e estereotipados. Tangencialidade significa responder
a uma pergunta de maneira oblíqua ou mesmo irrelevante. Alogia significa tirar
conclusões a partir de uma premissa através de uma inferência que não pode ser
vista como lógica.

Uso Equivocado de Palavras e Expressões


O paciente com esquizofrenia às vezes usa palavras de forma incorreta, já que
possui, na terminologia de Kleist (1914), comprometimento no armazenamento
de palavras. Ele possui um vocabulário restrito e assim utiliza palavras
idiossincraticamente para cobrir uma gama maior de significado do que elas
normalmente abrangem. Estas são chamadas de palavras ou expressões chavão,
e seu uso se tornará óbvio em uma conversa mais longa na qual uma palavra ou
expressão não usual é empregada com frequência. Por exemplo, um paciente
usava a palavra “desapaixonado” como um chavão, frequententemente com um
significado bizarro e idiossincrático durante alguns minutos de fala. Uma mulher
que estava delirantemente preocupada que a polícia estaria se intrometendo em
seus assuntos pessoais, intercalava sua conversa, geralmente de forma bizarra,
com a expressão “confidencialmente falando”.
Esta anormalidade parece refletir parcialmente uma pobreza de palavras e
sintaxe, bem como uma tendência ativa para que palavras ou sílabas, por
associação, invadam pensamentos e, portanto, a fala, logo após seu enunciado.
Na amostra de fala no Capítulo 9, as seguintes palavras podem ser vistas como
estímulos e respostas por invasão: “meios” – “modos”, “abre”– “fechado”,
“escondendo a verdade”– “de modo algum falarei”, “perguntas escritas” – “por
meio da escrita”, “milagre” – “Terra Santa”. Elas também parecem ser palavras
ou expressões chavão no sentido de que são usadas com mais frequência e maior
gama de significado do que o normal e correto.
As palavras carregam um halo semântico, ou seja, sua constelação de
associações é maior do que apenas o significado da palavra no dicionário. Um
garoto de 16 anos rouba uma maçã. Se eu o chamar de “transgressor”, isto tem
associações bíblicas; “criminoso” sugere um grau mais elevado de perversidade
do que a ação merece; “delinquente” é prontamente associado à sua juventude
devido à expressão “delinquente juvenil”. As constelações de associações em
pacientes são desorganizadas, já que eles frequentemente fazem associações
aparentemente irrelevantes. Estas podem ser explicadas pela percepção incorreta
de estímulos auditivos com desatenção específica, já a efetiva mediação de
associações em pacientes com esquizofrenia pode ser semelhante à das pessoas
normais. Isto até certo ponto explica por que as associações parecem
subjetivamente adequadas para o próprio paciente, já que ele não percebe que
interpretou a pista de forma equivocada: para ele, parece razoável, mas é
bastante irrelevante para o entrevistador. Citando Maher “O que parece bizarro
não é a natureza das associações que invadem o enunciado, mas o próprio fato
de invadi-lo.” (Maher 1972, p. 9)
Entre os distúrbios de palavras, destaca-se o neologismo. Um paciente
acreditava que seus pensamentos eram influenciados por algo fora de si mesmo,
por um processo de “telegonia”. Embora esta palavra realmente exista, o
paciente não tinha noção disto, nem o que significava. Ele criou a palavra para
descrever uma experiência singular, para a qual não existia nenhuma palavra
adequada. Um paciente de 47 anos com esquizofrenia e humor expansivo se
descreveu da seguinte maneira: “Eu sou o gênio em triplicata actimérico
quilofílico telepático de multibilhões de milhões” – o que realmente sugere certa
grandiosidade!
Os trocadilhos não intencionais da esquizofrenia foram explicados por
Chapman et al. (1964). Se uma palavra tem mais de um significado, é provável
que um de seus usos seja dominante. Por exemplo, a maioria das pessoas, na
maioria dos contextos, estaria mais propensa a usar a palavra “baía”* para se
referir a uma enseada do mar do que a uma árvore, ao barulho feito por um cão
de guarda, a cor de um cavalo, uma abertura na parede, o segundo ramo do
chifre de um cervo, um lugar desconfortável para se ficar ou até mesmo,
foneticamente, um governante turco! Existe uma tendência acentuada na
esquizofrenia de mostrar a invasão do significado dominante quando o contexto
requer o uso de um significado menos comum da palavra. Chapman et al. (1964)
usaram uma frase como “o tenista saiu da quadra (court) porque estava cansado”
e pediram que os pacientes com esquizofrenia interpretassem o significado com
uma de três explicações diferentes: uma se referia à quadra de tênis (tennis
court), uma a um tribunal de justiça (court of law) e outra completamente
irrelevante. A análise das respostas revela que significados dominantes, neste
caso tribunal de justiça (court of law), invadem as respostas com bastante
frequência, mas a invasão de significados secundários é menos frequente.
Maher descreveu um distúrbio da linguagem na esquizofrenia, no qual ocorre
a invasão através de associações sonoras com a sílaba inicial da palavra anterior:
“o subterfúgio e as substituições errôneas planejadas” (Maher 1972, p. 13). Isto é
diferente das associações sonoras que ocorrem normalmente na poesia e no
humor e também na fala maníaca, onde a rima ocorre nas sílabas finais.
Considera-se que a repetitividade no distúrbio da fala também está associada à
invasão de associações: o processo normal de eliminação de associações
irrelevantes não ocorre, de modo que uma palavra em uma frase provocará
associações por trocadilho, sonoridade e semelhança de ideias. Quando a
sentença é completada, uma frase sintaticamente correta pode então ser inserida,
rompendo o significado, mas comprovadamente associada à palavra ou ideia
anterior.
Maher considera que a incapacidade de manter a atenção pode explicar as
perturbações de linguagem observadas em alguns pacientes. A atenção
comprometida permite que associações irrelevantes invadam a fala, de modo
semelhante à perturbaçao que afeta a filtragem de estímulos sensoriais. De
acordo com esta teoria, a fala coerente normal é vista como a inibição
progressiva e instantânea de associações irrelevantes para cada enunciado e,
portanto, a tendência determinante progride com a eliminação ativa das
associações que não são dirigidas ao objetivo. Esta é uma das diversas potenciais
explicações para as anormalidades observadas.

Destruição de Palavras e Gramática


Alogia é o termo empregado para descrever o distúrbio negativo do pensamento,
ou a pobreza dos pensamentos expressos em palavras. De modo correspondente,
o termo paralogia é empregado para descrever o distúrbio positivo do
pensamento, ou a invasão de pensamentos irrelevantes ou bizarros. Parafasia é a
destruição de palavras com interpolação de sons mais ou menos truncados.
Embora o paciente seja capaz de produzir apenas este som não verbal, ele
claramente possui importância ou significado para ele. A parafasia literal é o
flagrante mau uso do significado das palavras a ponto de afirmações perderem
seu sentido. A parafasia verbal descreve a perda da palavra adequada, mas as
afirmações ainda possuem significado, por exemplo, um paciente descreveu uma
cadeira como “um sentador de quatro pernas”.
Na esquizofrenia, os distúrbios referentes a palavras e seu significado são
muito mais comuns do que distúrbios de gramática e sintaxe. No entanto, a
gramática também é ocasionalmente alterada; a perda da classe gramatical é
descrita como agramatismo. Pode ocorrer a perda de advérbios, resultando em
empobrecimento e simplificação de sentenças, uma forma de telegramês. Por
exemplo, “mesa rica está gasta; a mulher é rica para escrever; filho também é
lamentação”. Isto, bem como a demonstração de chavões (rico – lamentação),
evidencia perda de parte da fala, como por exemplo, o artigo indefinido. O
significado é mais desarticulado do que a gramática. O paragramatismo ocorre
quando há uma massa de orações complicadas que não fazem qualquer sentido
para atingir o objetivo do pensamento, embora as orações individuais sejam, em
si, bastante compreensíveis.
Parece provável que as regras da sintaxe sejam preservadas na esquizofrenia
muito depois de uma acentuada perturbação no uso das palavras de maneira que,
se na frase anterior uma associação invasiva substituísse a palavra “regras”, a
palavra usada corretamente seria provavelmente um substantivo. Por exemplo, o
paciente citado poderia ter dito neste contexto: “as lamentações da sintaxe são...”
Além das anormalidades descritas anteriormente, há evidência de que
pacientes com esquizofrenia demonstram ausência do uso de conectores no
discurso (veja McKenna e Oh, 2005 para uma descrição completa). Conectores
de discurso são mecanismos empregados para ligar duas orações, para que a fala
não seja uma mera coleção de sentenças não relacionadas. Há quatro tipos
principais de conectores: referência, conjunção, coesão léxica e elipse.
Referências, em inglês, são pronomes pessoais como “ele”, “ela”, “eles” e o
pronome neutro “it”; demonstrativos são palavras como “isto” e “aquilo”; e
comparativos são termos como “menor”, “igual a” etc. Nas frases seguintes:
“Encontrei o Peter ontem. Ele usava um terno escuro.” “Ele” é um conector de
referência. Na oração “Ela foi pela High Street esta manhã e comprou bolo no
mercado.” “E” é um conector de ligação. A falta do uso de conectores significa
que quem conversa com um paciente esquizofrênico tem dificuldade de
acompanhar sua fala.

Anormalidades psicogênicas
Andreasen (1979) mostrou que as anormalidades da linguagem presentes na
esquizofrenia também podiam ser observadas na mania. McKenna e Oh (2005)
defendem que há um contínuo do distúrbio de linguagem ou pensamento que
passa da esquizofrenia para transtorno de humor e transtornos orgânicos, como
epilepsia e demência fronto-temporal. O que McKenna e Oh enfatizam é que a
anormalidade da linguagem na esquizofrenia tem um substrato neurológico,
ligando as perturbações observadas à afasia, uma volta às ideias iniciadas por
Kleist no século XX.
A fala maníaca* foi analisada, e a fala e o número de associações
demonstrados na fuga de ideias e pressão de discurso são observados pelo maior
número de conectores que ocorrem na fala maníaca. O conteúdo da fala
depressiva é certamente influenciado pelo estado de humor, que também
influencia a escolha de palavras. As frases tendem a ser curtas e com associações
em menor número e mais simples, com lentificação.
O mutismo histérico pode ocorrer como uma reação anormal ao estresse. Um
homem de 35 anos não conseguiu mais tolerar as contínuas reclamações de sua
esposa e das duas cunhadas que moravam com eles. Certo dia, depois de beber
muito na noite anterior, ele destruiu os móveis da esposa em casa e ficou mudo
por 24 horas. Eventualmente ele foi encaminhado do departamento de
emergência psiquiátrico e a fala voltou gradualmente em dois ou três dias sem
qualquer outro tratamento.
No fenômeno de respostas aproximadas (Capítulo 5), o paciente dá uma
resposta errada para uma pergunta simples: “Quantas patas tem uma ovelha?” –
“Cinco”. Isto é, de acordo com Anderson e Mallinson (1941), “uma falsa
resposta à pergunta do examinador na qual a resposta, embora errada, indica que
a pergunta foi compreendida”. Este sintoma pode ocorrer em diversas condições,
inclusive na esquizofrenia, quando é geralmente associado ao humor tolo; ao
transtorno dissociativo, anteriormente chamado de pseudodemência histérica
(antes de fazer tal diagnóstico, o psiquiatra sensato exclui cuidadosamente causa
orgânica); à síndrome de Ganser e a outras condições orgânicas.
O uso excêntrico e pedante de palavras pode ocasionalmente ser observado
em pessoas com personalidade anancástica; a tendência à obsessão obstrui a
escolha de palavras e a construção de frases.

Modelo estatístico de linguagem


No procedimento denominado Cloze, palavras são eliminadas de transcrições de
fala e se verifica se a palavra omitida pode ser inferida. Maher considerou que,
na esquizofrenia, quanto maior a gravidade da doença, maior é o grau de
imprevisibilidade do enunciado de linguagem. Na fala normal, grande parte de
qualquer frase poderia ser omitida sem perda do significado. Por exemplo, se as
palavras “... grande... poderia... do” fossem omitidas da última sentença, o
significado continuaria óbvio; se letras fossem omitidas de palavras, por
exemplo, fala nrml, o significado continuaria claro. Previsibilidade é a
capacidade de antecipar corretamente as palavras que faltam; neste sentido, os
esquizofrênicos são imprevisíveis em sua fala. Eles tendem a usar pralavras e
expressões inesperadas. Na percepção da linguagem, o paciente com
esquizofrenia é menos capaz de obter informações de redundâncias, tanto
semânticas quanto sintáticas, da fala cotidiana.
Uma sofisticação do procedimento de Cloze foi investigada por Newby (1998)
e envolve o seguinte:
▪ O procedimento de Cloze modificado, onde a natureza da palavra inserida é
observada, como, por exemplo, classe gramatical.
▪ No procedimento de Cloze reverso, foi solicitado a pacientes com distúrbios
do pensamento que interpretassem um texto que já havia sido mutilado pelo
procedimento de Cloze, por exemplo, eliminando toda quarta ou quinta
palavra. Os pacientes com esquizofrenia tiveram um desempenho
significativamente pior do que o grupo de controle de pacientes ortopédicos,
sendo que pacientes maníaco-depressivos tiveram desempenho intermediário
em ambos os procedimentos Cloze, modificado e reverso.
A fala esquizofrênica é considerada menos previsível do que a fala normal e a
falta de previsibilidade é mais acentuada quando há distúrbio do pensamento
clinicamente manifesto (Manschreck et al., 1979). Foi feito um experimento
utilizando o procedimento Cloze, onde os pesquisadores deveriam avaliar partes
de fala esquizofrênica e normal, com a quarta ou quinta palavra eliminada. Com
a remoção da quinta palavra, a fala esquizofrênica com distúrbio do pensamento
era significativamente menos previsível do que a fala esquizofrênica sem
distúrbio do pensamento; esta não era menos previsível do que a fala normal.
Rutter (1979) questionou se a fala esquizofrênica é realmente menos
redundante do que a fala normal e demonstrou não haver diferença. A ideia de
que a linguagem esquizofrênica pode ser reduzida a simples regras matemáticas
foi rejeitada por Mandelbrot (1965). Mas estudos empregando esta técnica
persistem, ainda que esporadicamente, e demonstram que a fala e a linguagem
dos pacientes com psicose pode ser menos previsível do aquela dos controles
(Adewuya e Adewuya, 2006).
A razão forma/item é a medida do número de palavras diferentes comparada
ao número total de palavras (Zipf, 1935). Maher concluiu que a razão forma/item
de pacientes com esquizofrenia era mais baixa do que em sujeitos normais. A
tendência dos pacientes com esquizofrenia de repetir determinadas palavras e
usá-las de forma idissioncrática é designada uso de chavões.

Abordagem linguística para esquizofrenia


Diversas teorias linguísticas têm sido aplicadas à esquizofrenia (para uma
discussão completa ver McKenna e Oh, 2005). Estes métodos de análise da
linguagem esquizofrênica são experimentais e ainda não cobrem a gama de
anormalidades que ocorrem na condição. Chomsky (1959) propôs que os
humanos são capazes de usar séries e combinações de palavras que jamais
ouviram antes, através do uso de um conjunto limitado de processos integrativos
e padrões generalizados. No entanto, Moore e Carling (1982) chamaram a
linguística de Chomsky uma visão contentora da linguagem, separada da forma
como os usuários da língua efetivamente a aplicam a seus próprios significados e
contextos. Estudos de casos utilizaram entrevistas garavadas com pacientes com
esquizofrenia para demonstrar anormalidades marcantes. No entanto, em análise
mais detida, tais anormalidades também são encontradas na fala de pessoas
normais, embora com menos frequência. Um estudo adicional de pacientes
bilíngues revelou que sintomas psicóticos estão presentes em sua língua materna,
mas ausentes na segunda língua. O problema de estudos individuais é,
certamente, até que ponto eles podem ser generalizados para todos os pacientes
com esquizofrenia.

Análise Sintática
Em estudos da fala analisada em termos de sintaxe, quando comparada a
pacientes maníacos e controles normais, os pacientes com esquizofrenia
exibiram fala menos complexa, menor número de frases bem formadas, mais
erros semânticos e sintáticos e menos fluência. Também houve uso acentuado de
parafasias, agramatismos, anomia, problemas com pronomes, circunlóquios, etc.
Estes problemas pareciam estar associados a prejuízo intelectual geral
(McKenna e Oh, 2005). Obviamente esses estudos não justificam a conclusão de
que as diferenças decorrem diretamente da doença ou do distúrbio do
pensamento, nem levam em consideração o contexto social ou aspectos
emocionais. Entretanto, diferenças acentuadas são de interesse quando
consideramos que a maioria dos pacientes com esquizofrenia não exibe distúrbio
claro de linguagem.

Análise Proposicional
Esta é uma forma de análise de texto em que ele é dividido em suas proposições
constitutivas. Estas são então representadas em forma de diagrama para mostrar
a “geometria mental” (Hoffman et al., 1982). Considera-se que a fala normal
avança como em um diagrama de árvore única com todos os ramos partindo de
uma única proposta-chave, mas a fala psicótica rompe com as regras de relações
proposicionais com mais frequência.
Observadores, ouvindo a fala de pacientes com esquizofrenia, ficam
geralmente surpreendidos com a sua estranheza e desvios. Chaika (1995)
concluiu que isto não é meramente um déficit de sintaxe, e sim um fenômeno
mais grave como lapsos graves e repetidos, nos quais o erro é um lapso de
controle executivo, lapso de vontade. Morice (1995) demonstrou que com a
crescente complexidade da sintaxe, há um aumento do número de erros na fala
de pacientes com esquizofrenia; aqueles que expressam sentenças muito simples
cometem relativamente poucos erros. Um de seus pacientes disse: “e me
comunicando normalmente eu posso me perder no caos da linguagem”.
Este resultado foi confirmado por Thomas e Leudar (1995) com o emprego do
teste de Hunt, uma avaliação escrita onde os sujeitos produzem frases
sintaticamente complexas, a partir de expressões simples oferecidas como input.
Os pacientes com esquizofrenia com prejuízo de comunicação cometeram mais
erros do que os pacientes com esquizofrenia sem prejuízo de comunicação ou
controles normais, e esses erros tendiam a acontecer mais com estruturas
sintáticas complexas. Desta forma, concluiu-se que os pacientes possuíam uma
falha específica no processamento da linguagem, que era diversa dos distúrbios
cognitivos mais gerais da condição.
Embora esses métodos ainda sejam experimentais, o uso da linguagem e
sintaxe do paciente certamente permite a avaliação quantitativa do estado mental
e da experiência subjetiva e mais testes deverão ser desenvolvidos. O estudo do
distúrbio da linguagem é uma área na qual a psicopatologia descritiva pode
contribuir para a pesquisa psiquiátrica.

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*
Nota da Tradução: Em inglês, bay, palavra correspondente ao acidente geográfico em português, possui
todos os significados descritos no parágrafo em maior ou menor escala.
*
Nota da Revisão Técnica: Embora não esteja claro no texto, os quadros maníacos não são considerados
psicogênicos; aparentemente o autor colocou a descrição da fala maníaca neste item para diferenciar do
mutismo histérico e das respostas aproximadas, estes sim considerados psicogênicos.
C A P Í T U L O 11

Insight

Um homem que sabe quem e o que é, seu lugar no mundo, e o que são
as pessoas e coisas a seu redor; que julga de acordo com regras
conhecidas ou inteligíveis; e que, se tiver hábitos ou ideias peculiares,
pode justificar suas opiniões e conduta; um homem que, por mais que
aja errado, não é enganado por nenhum impulso incontrolável ou paixão,
que não desperdiça inutilmente os seus meios; que sabe as
consequências legais de seus atos; que consegue diferenciar o
comportamento decente do indecoroso, que sabe o que é adequado ou
inadequado dizer de acordo com as circunstâncias nas quais se
encontra; e que reverencia o tema e os ministros religiosos; um homem
que, se nem sempre consegue regular seus pensamentos,
temperamento e atos, não fica continuamente nos extremos e, se erra,
erra tanto por benevolência e hesitação, quanto por paixão e excitação e
mais frequentemente: enfim, um homem que consegue receber
repreensão e reconhecer quando precisa de correção.
John Perceval (1840)

Resumo
Em psiquiatria, insight se refere à capacidade do paciente de reconhecer que seus
sintomas são indicativos de transtorno mental e exigem tratamento. Hoje se sabe
que insight está associado a comprometimento da função cognitiva e prenuncia
baixa adesão ao tratamento e, por isso, tratamento hospitalar e internação
compulsória. O mecanismo subjacente da falta de insight está ainda começando
a ser esclarecido, mas sabe-se que está associado a déficits de autoconhecimento,
automonitoramento, empatia e teoria da mente.
Autoconsciência é uma capacidade humana básica, que se refere à
possibilidade de reconhecer a própria existência e experiência, bem como a
existência e experiência do outro. Ela inclui a habilidade de monitorar os eventos
da vida e a capacidade de tomar decisões sobre o futuro com base no
conhecimento. Além disso, envolve a habilidade de comunicar essa consciência
de si e do outro para os demais seres humanos (Marková, 1987). Esta capacidade
caracteristicamente humana é em parte o tema de Sófocles em Édipo Rei, no
qual a busca de Édipo pelo autoconhecimento resultou na descoberta de que
havia matado seu próprio pai e gerado filhos com sua mãe. O aforisma
“Conhece-te a Ti Mesmo” foi inscrito no átrio do Templo de Apolo em Delfos e,
em Apologia, Sócrates diz: “A vida sem reflexão não vale a pena ser vivida.”
Estas e tantas referências da antiguidade sobre o autoconhecimento salientam a
importância de seu papel na vida humana.
Certamente, autoconsciência envolve mais do que a mera consciência da
doença, sendo o conceito psiquiátrico de insight um subconjunto do conceito
geral de autoconsciência. Insight significa muito mais do que saber que está
doente e adotar uma atitude sensata em relação ao tratamento. Ele envolve
também nossa capacidade de introspecção, empatia e comunicação; não apenas
nos permite a visão de como realmente somos, mas também de como os outros
nos veem e, portanto, enxergar os outros como eles realmente são, uma vez que
eles possuem o mesmo repertório de mecanismos mentais que nós. Mesmo para
obter esse senso social, é importante ter capacidade de relacionar-se com outros
com empatia e conhecimento de como nossos comportamentos afetam suas
emoções e experiências. Por isso pode-se dizer que o insight é o produto direto
do conhecimento de nós mesmos, e é uma qualidade muito valorizada por
profissionais da saúde mental, já que se pressupõe a existência de uma forte
relação entre insight e melhor qualidade de vida (McGorry e McConville, 1999).
Embora na psiquiatria o foco principal seja o significado restrito de insight em
relação ao transtorno mental, é preciso preservar esse conceito mais amplo.
Nosso trabalho com os pacientes frequentemente exige o nosso insight de seus
pensamentos e comportamentos por meio de nossa capacidade de empatia, o que
possibilita ajudá-los a desenvolver o insight sobre si mesmos e a raiz de seus
problemas.
A relação entre a capacidade de insight, em um sentido geral, e as questões
práticas do tratamento é muito próxima. Cite-se aqui o exemplo de um médico
que sofria de transtorno delirante que anunciava e vendia ímãs para tratamento
de artrite e febre do feno. Ele acreditava piamente que esta forma de tratamento
era de valor inigualável para praticamente todas as condições médicas e havia
agredido fisicamente um farmacêutico que tinha tentado persuadi-lo do
contrário. Ele depreciou a validade de toda a psiquiatria “porque eu sou um
cientista e tudo deve ser demonstrado com base em provas”. Devido à falta de
insight de sua própria condição e à natureza de suas crenças, foi impossível
iniciar o tratamento. Seus sintomas persistiram, assim, por muito tempo.
Jaspers (1959) descreveu da seguinte forma as atitudes do paciente em relação
ao seu próprio transtorno:
1. Atitudes compreensíveis frente ao surgimento repentino de psicose aguda
(perplexidade, consciência da mudança).
2. Adaptação aos efeitos da psicose aguda.
3. Adaptação à doença nos estados crônicos.
4. Julgamento do paciente sobre sua doença.
5. Determinação de adoecer.
6. Atitude frente à própria doença: seu significado e possíveis implicações.
Todos esses pontos, especialmente os itens 3, 4 e 6, envolvem o processo de
insight, o conhecimento de si mesmo, especialmente em relação ao adoecimento.
Uma pessoa que fica gravemente doente subitamente, qualquer que seja a
natureza da doença, após ter sido saudável durante anos, fica perplexa com a
alteração de seu quadro de saúde, e pode passar por mudanças profundas no self
e na sua imagem corporal. Ela passa de uma pessoa saudável, que via a doença
como algo que acontecia com os outros, para uma pessoa que se enxerga
potencialmente frágil e vulnerável. Esta pode ser uma experiência enriquecedora
e não necessariamente de todo negativa.

Insight na prática clínica


Para melhor auxiliar um paciente com possível transtorno mental, o psiquiatra
faz perguntas específicas sobre a opinião que o paciente tem sobre seu quadro.
Essas perguntas abrangem seu nível de reconhecimento do transtorno, suas
atitudes em relação a isso e sua compreensão sobre os efeitos em suas
capacidades e perspectivas futuras. Tudo isso leva à avaliação do insight sobre
sua condição. Insight não é absoluto; seu comprometimento pode variar em
relação aos diferentes aspectos da condição. Por exemplo, o paciente pode ter
alguma compreensão sobre a probabilidade limitada de obter um trabalho
compatível com as suas qualificações, mas literalmente nenhuma compreensão
sobre como seus sintomas psicóticos interferem nos relacionamentos. Portanto, o
insight não é atualmente considerado um fenômeno de “tudo ou nada”* e sim um
fenômeno dimensional; ou seja, as pessoas podem ter diferentes níveis de
consciência sobre seu transtorno (Surguladze e David, 1999).
Todo transtorno mental altera a visão de mundo do paciente e a sua
capacidade de lidar com as situações. A avaliação de insight mede a consciência
do paciente acerca desta alteração e sua capacidade de se adaptar a ela. Como
função, o insight é bastante complexo: é a compreensão do indivíduo sobre seu
próprio estado de saúde, sua capacidade e valor, e também relaciona esta
avaliação do estado interno com as outras pessoas e o mundo externo. Em outras
palavras, a orientação do insight é tanto interna quanto externa. Este aspecto fica
mais claro na discussão sobre as contribuições da psicologia da gestalt para o
conceito de insight mais adiante. Na psicologia da gestalt, a noção de insight se
relaciona com a solução de problemas no mundo externo, enquanto na prática
clínica tem orientação interna.
Um dos aspectos mais frustrantes na prática psiquiátrica, do ponto de vista do
profissional que conduz o tratamento, é a aparente incapacidade dos pacientes de
reconhecer e/ou admitir que têm um transtorno mental. Os pacientes,
principalmente aqueles com esquizofrenia, frequentemente negam que suas
experiências sejam anormais e que não estejam bem. Daniel Schreber (1842–
1911) descreveu sua própria atitude em relação à sua alucinação auditiva-verbal
da seguinte forma:

Foi então que eu reparei, com interesse, que de acordo com o


TEXTBOOK OF PSYCHIATRY de Kraepelin (5ª edição, Leipzig, 1896, p.
110), que me tinha sido emprestado, que o fenômeno de estar em uma
espécie de comunicação sobrenatural com vozes já havia sido
observado em seres humanos cujos nervos estavam em estado de
excitação mórbida. Eu não vou negar que, em muitos desses casos,
poderia ser mera alucinação, como afirma o livro mencionado. Na minha
opinião, a ciência estaria cometendo um erro muito grande ao chamar de
“alucinação” todo fenômeno que não tenha objetividade real e jogá-lo no
limbo das coisas que não existem.

Mais adiante, Schreber continua:

A ciência parece negar qualquer fundo de realidade nas alucinações (...)


Na minha opinião, isto é definitivamente equivocado, ou no mínimo
generalizado.
Estas citações de Daniel Schreber demonstram um dos mais complexos
aspectos da natureza do insight: a capacidade de ter uma atitude frente às
experiências anormais dos outros, reconhecidas como patológicas, mas negar a
anormalidade da experiência em si próprio, e afirmar que não é evidência de
transtorno mental. Esta é a chamada contabilidade de partidas duplas.
A consequente recusa em colaborar com o tratamento e reabilitação resulta em
sofrimento de longa duração tanto para o paciente quanto para seus cuidadores.
É esta capacidade do paciente de compreender seu próprio transtorno que é
avaliada clinicamente. Assim como muitos outros conceitos, há certa confusão
terminológica, com livros descrevendo insight apenas como a capacidade de
julgamento do paciente sobre seu próprio transtorno e estado mental. O interesse
pelo conceito ressurgiu recentemente, com tentativas de defini-lo de forma
confiável e quantificável, e de estudar seus correlatos (Kumar e Sims, 1998).

Visão Geral do Conceito


A atitude do paciente em relação a seu transtorno tem implicações clínicas
óbvias, e o insight busca avaliar a consciência do paciente sobre o impacto que o
transtorno tem em sua vida e sua capacidade de se adaptar às mudanças que
resultaram do transtorno. Como função, é bastante complexa e se relaciona com
a capacidade de avaliar seu self e não self e seu grau de associação
(Capítulo 12). Na prática clínica, apenas determinados aspectos são valorizados,
como a consciência do paciente sobre o transtorno e sua adesão ao tratamento
prescrito. A avaliação de insight assume maior importância na psicose, já que há
incongruência entre a visão do paciente e dos outros em relação ao seu
transtorno mental, o que geralmente acarreta em dificuldades no tratamento. A
posição na psiquiatria é a de que o insight não se encontra comprometido em
condições não psicóticas, mas pode-se observar que uma visão mais ampla e
mais próxima da definição léxica é relevante quando sintomas neuróticos
impedem a total concretização do potencial de uma pessoa.

Desenvolvimento do conceito
As contribuições ao desenvolvimento do conceito de insight derivam da
psicopatologia, da psicologia da gestalt e da psicanálise. Na psicologia da
gestalt, insight é concebido como uma solução repentina e inesperada para um
problema. Segundo Markova (2005), o caráter “repentino” especifica uma
solução abrupta de um problema, o caráter “inesperado” se refere ao elemento
surpresa do evento e a expressão “solução de problema” sinaliza a limitação do
evento no tempo. Essencialmente, na psicologia da gestalt o insight é, por
definição, relacionado com uma tarefa específica, um problema no mundo
externo que pede solução. Além disso, muito se tem debatido dentro da
psicologia gestalt a respeito da natureza do insight, se é uma capacidade humana
única, além de ser uma capacidade cognitiva. O fato de na psicologia gestalt
insight se referir a um problema no mundo externo se distingue do conceito de
insight na prática clínica. Nesta, insight se concentra na compreensão de
alterações ou acontecimentos no interior de um indivíduo.
Para Jaspers (1959), geralmente a atitude do paciente em relação a seu
transtorno envolve uma “consciência da doença”, na qual o paciente expressa a
“sensação de estar doente e alterado, mas esta consciência não se estende a todos
os seus sintomas nem ao transtorno como um todo. Ela não envolve uma
estimativa objetivamente correta da gravidade do transtorno nem um julgamento
objetivamente correto de seu tipo específico”. Para Jaspers, “apenas quando tudo
isso está presente e há julgamento correto de todos os sintomas e do transtorno
como um todo, de acordo com o tipo e gravidade, é que podemos falar de insight
[ênfase no original]”. Desta forma, para Jaspers, o insight somente se torna
manifesto quando o paciente é capaz de se afastar do conteúdo de suas
experiências psíquicas para emitir um julgamento sobre elas e investigar suas
causas e motivos. A definição de insight de Lewis (1934, p. 333) como “a atitude
correta frente a uma alteração mórbida em si mesmo”, é uma reafirmação da
descrição de insight feita por Jaspers. Freud (1981) empregou o termo insight
para se referir a conhecimento do transtorno, mas, no todo, o objetivo da terapia
psicanalítica é o desenvolvimento de uma consciência mais profunda do self.
Esta é outra forma de dizer que, na psicanálise, insight se refere ao
conhecimento e à compreensão do processo mental inconsciente. Este é um
conceito mais complexo de insight porque significa a aquisição, pelo paciente,
de compreensão das motivações inconscientes de seu comportamento e, sob o
ponto de vista da estrutura da mente de Freud, sugere um grau de profundidade
de compreensão.
Para David (1990), o insight é composto por três dimensões que se
sobrepõem: o reconhecimento de uma alteração psíquica mórbida, a nomeação
desta alteração como proveniente de um transtorno mental e a compreensão de
que tal alteração exige um tratamento que precisa ser seguido. Com isso, uma
escala de avaliação foi criada a fim de determinar se a natureza do insight e sua
perda quantitativa estavam relacionadas com o grau da psicopatologia (David
et al., 1992).
Foi sugerido também que podem ser traçados paralelos entre a perda de
insight em pacientes psiquiátricos e a perda de consciência de doença de partes
do corpo em determinadas condições neurológicas. Na cegueira cortical,
hemiplegia do lado esquerdo após derrame e síndrome amnésica, a falta de
consciência da doença é bem reconhecida. O termo anosognosia foi cunhado por
Babinski (1857–1932) para se referir à falta de consciência ou negação da
hemiplegia observada em pacientes que sofreram derrame. Entretanto, há uma
diferença entre a falta de insight observada na psiquiatria e a falta de consciência
observada nas doenças neurológicas. Na psiquiatria, a falta de insight é
geralmente acompanhada por maior perda de julgamento, para além dos
sintomas ou das implicações para o paciente. Em casos neurológicos, a falta de
consciência está voltada a uma deficiência específica. No entanto, embora a falta
de insight na psiquiatria e falta de consciência da doença na neurologia não
sejam idênticas, comparações podem apontar para possíveis bases neurológicas
em comum.
Existem alguns problemas filosóficos quando consideramos insight em
pacientes com psicose. A capacidade de autoconhecimento e as consequências
de suas personalidades variam em pessoas que não têm nenhum transtorno
psiquiátrico. E porque pelo menos alguns dos conceitos de psicose se apoiem na
falta de insight como característica determinante, a discussão sobre o conceito
pode se tornar circular. Soma-se a isso o fato de que pode haver diferentes níveis
de insight e que a não verbalização de insight pode ser diferente de sua ausência.
Outro problema que deve ser considerado é um modelo possivelmente ilusório
onde uma parte “normal” da mente é capaz de julgar a “anormalidade” de outra
parte. Isto funciona desde que o médico reconheça que é meramente uma
maneira de falar, e não necessariamente uma representação fiel de como ocorre o
automonitoramento.

Avaliação do insight
As tentativas iniciais de medir insight focaram o seu papel nas terapias
psicodinâmicas. Tolor e Reznikoff (1960) desenvolveram um teste usando
situações hipotéticas baseadas nos mecanismos comuns de defesa e encontraram
correlação com inteligência. Este teste foi utilizado por Roback e Abramowitz
(1979), que detectaram uma correlação, naqueles com esquizofrenia, entre maior
sofrimento subjetivo e melhor adaptação comportamental. A validade desse teste
no trabalho clínico geral é afetada pelo fato de o conceito de insight se basear na
psicodinâmica e não nas características psicopatológicas.
Qualquer medida confiável e válida de insight na prática clínica deve se
basear nas quatro premissas abaixo:
▪ Insight é complexo e multidimensional.
▪ Fatores culturais devem ser considerados.
▪ O nível de insight pode variar nas diversas manifestações do transtorno
mental.
▪ Devem ser levadas em conta informações sobre a natureza do transtorno de
uma pessoa em situações além da entrevista (McGorry e McConville, 1999).
McEvoy et al. (1989a) desenvolveram um questionário para medir insight,
definido como a consciência do paciente sobre a natureza patológica de suas
experiências e também sua concordância com os profissionais que o atendem
sobre a necessidade de tratamento. O Insight and Treatment Attitudes
Questionnaire (ITAC) é uma entrevista semiestruturada com 11 itens validados
com pontuação que vai de 0 (sem insight) a 22 (insight máximo). Aplicando este
questionário, eles não encontraram qualquer relação com aspectos de
psicopatologia aguda.
O Schedule for Assessment of Insight in Psychosis (SAI) foi publicado em
1992 (David et al., 1992) e, além do reconhecimento do transtorno mental e
adesão ao tratamento, incluía a capacidade de renomear eventos mentais
incomuns como patológicos. Havia sete itens com pontuação máxima possível
de 14 e um item adicional sobre contradição hipotética.
A Scale to Assess Unawareness of Mental Disorder (Amador e Strauss, 1993)
é uma escala muito mais abrangente com seis itens gerais e quatro subscalas, das
quais podem ser calculadas dez pontuações em resumo. Outras escalas
disponíveis são a Global Insight Scale (Greenfield et al., 1989) e a
autodesignada Insight Scale for Psychosis (Birchwood et al., 1994). A escala de
Markova e Berrios (1991) é mais dirigida à avaliação dos aspectos de
autoconsciência e menos à definição clínica de insight em relação ao transtorno.
Isso também vale para a Beck Cognitive Insight Scale (Beck et al., 2004), que
mede um conceito mais amplo de insight, abrangendo a capacidade do paciente
de avaliar suas experiências anormais e suas inferências errôneas. A escala é
composta de duas subescalas: autorreflexão e autocerteza.
Outras abordagens têm sido o uso da “falta de insight e julgamento”, item da
Positive and Negative Syndrome Scale (PANSS) (Kay et al., 1987), como uma
medida única e global de insight, e o uso de vinhetas psicopatológicas. McEvoy
et al. (1993) usaram vinhetas que lançam características psicopatológicas
específicas na linguagem do dia a dia para determinar se os pacientes
monstravam tais características e o quanto as atribuíam a transtorno mental. Eles
descobriram que os pacientes deixavam de reconhecer sintomas negativos e de
enxergar sintomas positivos como evidência de transtorno mental.
Desde as primeiras avaliações impressionistas de natureza global, a medição
de insight tem progredido recentemente para o uso de definições
operacionalizadas e instrumentos padronizados. Embora os diferentes
instrumentos possam medir diferentes aspectos de um fenômeno complexo, há
pelo menos a liberdade de escolher um que se adeque a objetivos clínicos
específicos ou à pesquisa. Existe uma correlação inversa entre insight, gravidade
da psicopatologia e transtornos afetivos positivos (Sanz et al., 1998).

Insight na esquizofrenia
Não é de surpreender que a maior parte da pesquisa sobre os correlatos clínicos
de insight tenham por objeto pacientes com esquizofrenia. McEvoy et al.
(1989a) relataram que insight medido pelo ITAQ não tinha correlação com a
severidade da psicopatologia aguda e nem com as mudanças da psicopatologia
com tratamento. Eles especularam se os mecanismos subjacentes à produção de
sintomas positivos e insight comprometido eram independentes e se este último
era mais resistente ao uso efetivo de medicação neuroléptica. David et al. (1992)
descobriram que a “pontuação total de insight” em seus estudos tinham uma
correlação moderadamente inversa com a pontuação total do Present State
Examination (Wing et al., 1974), uma indicação da gravidade global do
transtorno. Tanto David et al. (1992) quanto McEvoy et al. (1989b) descobriram
que, como grupo, pacientes internados involuntariamente têm menos insight. De
maneira geral, parece que a relação entre insight pobre e aspectos de
psicopatologia não é linear, e sim complicada por outros fatores, inclusive
adesão ao tratamento.

Insight e comprometimento cognitivo


Tem sido frequentemente especulado que insight pobre tem base neurológica.
Lysaker e Bell (1994) descobriram que sujeitos com insight comprometido
tinham desempenho pior do que os sujeitos sem comprometimento de insight no
WCST (Wisconsin Card Sorting Test). Eles usaram o item PANSS de “falta de
insight e julgamento” para medir insight. Estudos de análise fatorial têm
demonstrado que esse item é um dos sintomas de comprometimento cognitivo,
como a desorganização cognitiva, baixa atenção, pensamento estereotipado e
pensamento abstrato pobre. No entanto, empregando uma metodologia diferente,
Kemp e David (1996) não conseguiram demonstrar a relação entre insight e
déficits neuropsicológicos. É possível que a cronicidade do trantorno seja uma
variável adicional, que predispõe ao comprometimento cognitivo. David et al.
(1992) haviam já encontrado uma relação entre aspectos de insight e
desempenho intelectual. No entanto, Cuesta et al. (1995) não conseguiram
demonstrar relação entre insight e fraco desempenho no WCST. Entretanto, o
estudo não usou as escalas padrão de classificação para medir insight. Em outro
estudo, Upthegrove et al. (2002) mostraram que o comprometimento no teste
span de dígito como medida da memória operacional estava significativamente
associado com o insight testado com medição padronizada. Além disso, está
ficando mais claro que insight está relacionado com índices de funções
cognitivas, incluindo medidas de monitoramento de erro, empatia e teoria da
mente (Pegaro et al., 2013; Pijnenborg et al., 2013; Kao et al., 2013). No entanto,
a natureza exata e a extensão dessas relações ainda é uma pergunta sem resposta.
Assim como em outras situações clínicas, a relação pode não ser direta, já que
outras variáveis como a cronicidade do transtorno, fatores de tratamento e
gênero podem estar envolvidas.

Insight e Prognóstico
A relação entre insight e prognóstico é muito complexa. Em primeiro lugar,
maior insight parece prognosticar desesperança, depressão e suicídio (Ampalam
et al., 2012; Balhara e Verma, 2012; Schrank et al., 2013). A consciência das
implicações sociais adversas do transtorno mental pode ser o fator mediador
entre insight e depressão (Thomas et al., 2012).
Em segundo lugar, McEvoy et al. (1989c) descobriram que pacientes com
bom nível de insight apresentavam menor probabilidade de sofrer reinternação e
tendiam a ser mais aderentes ao tratamento 30 dias depois da alta; a relação geral
entre insight e desfecho se aproximou muito de significância estatística. Sua
medida de “ambiente pós-internação”, que visava refletir o nível com que os
esforços dos outros estavam voltados a manter o paciente em tratamento, não foi
relacionada com insight. Amador e Strauss (1993) também verificaram que suas
medições de insight estavam relacionadas com o curso do transtorno.
A adesão ao tratamento está relacionada com o prognóstico e desfecho. A
relação entre insight pobre e baixa adesão ao tratamento foi demonstrada por
Bartko et al. (1988), Lin Bartko et al. (1979) e McEvoy Bartko et al. (1989c).
O resumo das evidências sugere que níveis mais altos da consciência do
transtorno estão associados a maior adesão medicamentosa e melhora clínica na
esquizofrenia (Amador et al., 1991). No entanto, há o risco de circularidade da
lógica, já que algumas das medidas de insight se baseiam em definições que
incluem não adesão. Além disso, a adesão ao tratamento prescrito é um
fenômeno muito mais complexo que é afetado por fatores sociais e crenças sobre
saúde e doença (Bebbington, 1995). Também é possível que a relação entre
adesão e aspectos diferentes de insight possa ser diferente. David et al. (1992)
acharam que a adesão ao tratamento não estava estritamente relacionada com a
capacidade de reconhecer os próprios delírios e alucinações e renomeá-los como
anormais.
É interessante notar que os pacientes podem aderir ao tratamento, mesmo que
não acreditem estar doentes, se o ambiente social for favorável (McEvoy et al.,
1989b). É reconhecido que crenças sobre a saúde e representação da doença
exercem um papel na adesão ao tratamento, porém a forma como elas interagem
com o insight influenciando a adesão ainda necessita ser estudada. Os domínios
da representação de um transtorno mental são identidade (o rótulo da doença),
causas (modelos explicativos), linha do tempo (surgimento e duração esperada),
controle (crença de que o self pode influenciar o desfecho) e consequências
(funcionais e outras) (Brownlee et al., 2000). O que é claro é que insight não é o
único fator determinante na busca de cuidado e adesão ao tratamento. McEvoy
et al. (1993) sugeriram que insight poderia melhorar com tentativas de
reabilitação psicossocial. Isto foi posteriormente estudado por Lysaker e Bell
(1995) em uma amostra de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia ou
transtorno esquizoafetivo. Anteriormente, Lysaker et al. (1994) haviam
descoberto que insight, medido pelo item no PANSS, estava relacionado com
níveis baixos de qualidade de trabalho e participação em programas de
reabilitação. Em seu estudo, publicado em 1995, os pacientes matriculados em
programas de reabilitação vocacional apresentaram melhora no insight após
cinco meses. Esta melhora foi maior nos pacientes com comparativamente
menos déficits cognitivos, o que confirmou seus achados anteriores referentes à
relação com prejuízos cognitivos. Entretanto, a falta de um grupo de controle
limita a possibilidade de generalização dos achados. De fato, parece interessante
a sugestão de que a reabilitação vocacional pode afetar insight favoravelmente
quando não há comprometimento cognitivo. McEvoy et al. (1993) propuseram
que a melhoria da autoestima gerada pela reabilitação pode afetar positivamente
o aumento do nível de insight.

Insight no transtorno afetivo bipolar


Ghaemi et al. (1995) estudaram insight em pacientes com mania aguda
empregando o ITAQ e descobriram que o aumento do nível de insight não estava
relacionado com a recuperação de outros sintomas. No entanto, assim como na
esquizofrenia, insight baixo foi relacionado com a internação involuntária.
Swanson et al. (1995) empregaram o método de vinhetas de caso para estudar
insight em dois grupos de pacientes com esquizofrenia e mania. Eles detectaram
uma diferença qualitativa entre mania e esquizofrenia, no sentido de que
pacientes com esquizofrenia, mas não mania, tinham consciência reduzida das
características de seu transtorno. No entanto, embora os pacientes com mania
tivessem consciência de seus sintomas, não reconheciam que eram emanados do
transtorno mental. Amador et al. (1994) e Michalakes et al. (1994), por outro
lado, não encontraram diferenças significativas entre os pacientes com
esquizofrenia e pacientes com mania em testes de insight. Os primeiros
concluíram que pacientes com mania aguda eram semelhantes aos pacientes com
esquizofrenia em pontuação de insight, enquanto pacientes deprimidos e
pacientes com transtorno esquizoafetivo tinham nível mais alto de insight. Em
conclusão, parece que tanto a esquizofrenia quanto o transtorno bipolar
acarretam comprometimento de insight e os fatores mediadores podem ser a
gravidade dos sintomas e o comprometimento cognitivo, especialmente o
comprometimento da memória de trabalho (Varga et al., 2007).

Críticas do conceito
O recente reaparecimento do interesse por insight tem tido a sua cota de críticas.
Antropólogos médicos têm criticado o conceito de insight por sua falha em
reconhecer que as pessoas podem ter diferentes explicações culturais, todas
possivelmente válidas, para explicar suas doenças. Sob este ponto de vista, o
conceito de insight é “eurocêntrico e essencialmente arrogante” (Perkins e
Moodley, 1993), uma vez que preconiza que o paciente, além de concordar que
está mentalmente transtornado e que precisa de tratamento, deve ainda se
comprometer a reconstruir suas experiências segundo os termos e conceitos da
psiquiatria ocidental. Johnson e Orrell (1995) revisaram os trabalhos de
cientistas sociais sobre as variações culturais e sociais na percepção leiga do
transtorno mental e argumentam que elas influenciam o insight. O contexto
social e cultural influencia as percepções estigmatizantes do transtorno mental e
a congruência dos pacientes com a visão médica ocidental sobre transtorno
mental. A capacidade de renomear um fenômeno mental como anormal pode ser
menos influenciada por fatores sociais quando comparados com as crenças sobre
sua causa. Embora tenhamos poucos estudos nesta área, parece que surgem
evidências de que fatores sociais e culturais são importantes no diagnóstico de
insight pobre. Por exemplo, diferenças entre o contexto étnico do psiquiatra e do
paciente parecem influenciar o julgamento daquele sobre o insight deste
(Johnson e Orrell, 1996).

Explicações para o insight comprometido


As tentativas para explicar as causas de insight pobre têm se concentrado em três
hipóteses (Amador et al., 1991; Lysaker e Bell, 1994). As duas primeiras se
concentram em mecanismos psicológicos putativos. Foi sugerido que a recusa
em tomar medicação prescrita, implicando insight pobre, é uma preferência
intencional pela experiência psicótica em detrimento da normalidade induzida
por drogas. A segunda formulação sugere que os pacientes negam o transtorno
em um nível psicológico para ajudá-los a lidar com a vida normal enquanto se
recuperam de uma psicose.
Uma terceira explicação sugere que insight pobre pode de alguma forma estar
relacionado com comprometimento cognitivo, valendo-se de semelhanças com
condições neurológicas como a anosognosia. Como já foi mencionado, estudos
detectaram uma correlação significativa entre desempenho comprometido no
WCST e insight pobre, sugerindo que comprometimentos cognitivos resultantes
de déficits no lobo frontal podem ser a causa de insight pobre na esquizofrenia.
E uma quarta explicação é o envolvimento de disfunção de mecanismos e redes
neurais que são a base do monitoramento do self e do outro. Em estudo recente,
pacientes com esquizofrenia exibiram menos ativação do córtex cingulado
posterior nas situações de autorreflexão e reflexão do outro e menos ativação no
precuneo na situação de reflexo do outro quando comparados a controles
saudáveis. Melhor nível de insight foi associado a maior resposta do giro frontal
inferior, ínsula anterior e lóbulo parietal inferior durante autorreflexão. Além
disso, melhor nível de insight cognitivo foi associado à ativação mais alta do
córtex pré-frontal ventromedial durante autorreflexão (van der Meer
et al., 2012).

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*
Nota da Revisão Técnica: De fato, em nossa prática costuma-se dizer que o paciente “tem” ou “não tem”
insight, devendo ser preferível avaliar qualitativamente sobre quais aspectos de seu problema o paciente tem
insight.
SEÇÃO 4
O Ser e o Corpo

Capítulo 12: Perturbações do Eu


Capítulo 13: Despersonalização
Capítulo 14: Alterações da Consciência Corporal
Capítulo 15: A Psicopatologia da Dor
CAPÍTULO 12

Perturbações do Eu

Com frequência, quando estava sozinho, eu me sentava nesta pedra e


então começava um jogo imaginário, mais ou menos assim: “Estou
sentado sobre esta pedra e ela está embaixo.” Mas a pedra também
poderia dizer: “Eu” e pensar: “Eu estou aqui parada neste barranco e ele
está sentado sobre mim.” Surgia, então, a pergunta: “Eu sou aquele que
está sentado na pedra, ou sou a pedra sobre a qual ele está sentado?”.
“Esta pergunta sempre me deixava perplexo e eu então me levantava
imaginando quem era o quê.”
Jung (1963)

O self nunca se destinou a ser um objeto sólido como uma pedra, um


cavalo ou uma erva, nem tampouco um conceito a ser considerado
semanticamente equivalente a mudanças na corrente sanguínea ou a
gradação em testes. Obviamente, pacientes com transtornos mentais
podem apresentar um eu que fere, aflige e pragueja, mas não como um
câncer ou fratura. Seu eu habita o mesmo reino que suas virtudes,
vícios, crenças e aspirações, e é aí que deve permanecer.
Berrios e Markova (2003)

Resumo
O conceito de Eu (self) tem mudado de significado e importância ao longo dos
anos e comporta cinco características formais: vitalidade, atividade, unidade,
identidade e limites do eu. Tais características podem se apresentar
comprometidas nos transtornos psiquiátricos. A primeira delas, o sentimento de
vitalidade, pode ficar comprometida trazendo sentimentos de morte, cujo
exemplo extremo são os delírios niilistas. Na perturbação da atividade, a
“qualidade de meu”, isto é, a sensação de ser um agente que põe em prática sua
vontade no mundo pode estar comprometida, como ocorre nas experiências de
passividade. A unidade do eu ao longo do tempo é significativamente afetada na
autoscopia e nos transtornos dissociativos de identidade. Já a perturbação da
identidade é ilustrada nos estados possessivos e em fenômenos como a
licantropia. Por fim, as anormalidades na distinção entre eu e não eu (distúrbio
dos limites do eu) são fundamentais para nossa compreensão das diversas
experiências na esquizofrenia, como experiências de passividade, inserção de
pensamentos e retirada de pensamento.

Eu e Self*
Self é um conceito cujo significado e importância têm mudado desde o início da
filosofia helenística (Berrios e Markova, 2003). A partir da metade do século
XIX, diversos conceitos de self entraram no ramo da psiquiatria, que hoje em dia
admite a existência de transtornos na forma como o indivíduo pensa e avalia a si
mesmo, com variações dependendo da natureza do transtorno. Entretanto, não há
consenso sobre o significado exato de self. Há uma pluralidade de conceitos, que
incluem o self ecológico, interpessoal, estendido, privado e conceitual, entre
outros (Zahavi, 2003). Neste capítulo, os termos eu e self são usados de forma
mais ou menos indistinta. O termo eu tem a vantagem de ser um termo técnico e,
portanto, com significado mais restrito, o que pode também representar uma
desvantagem quando se refere simplesmente à própria pessoa, como é
geralmente compreendido e subjetivamente vivenciado.
O uso da palavra eu por Freud ecoa Nietzsche (1901):

É este que vê em todos os lugares o ato e o perpetrador; este que


acredita na vontade como causa geral; este que crê no “eu” como ser, no
ego como substância e que projeta a sua crença no eu-substância sobre
todas as coisas.

Freud (1933) propôs que o eu representa “razão e o bom senso, enquanto o id


representa as paixões indomadas”. O eu:

foi modificado pela proximidade do mundo externo com sua ameaça de


perigo (...) O pobre eu precisa servir a três severos mestres e faz o
possível para harmonizar suas exigências e demandas. Essas
demandas são sempre divergentes e frequentemente parecem
incompatíveis. Não é de surpreender que o eu quase sempre fracasse
nesta tarefa. Seus três mestres tirânicos são o mundo externo, o
supereu e o id.
(Freud, 1933)

Autoconceito e Imagem Corporal


O corpo é único, no sentido de ser vivenciado por uma pessoa tanto como sujeito
da experiência quanto como objeto com a mesma materialidade de qualquer
outro objeto físico no mundo. Existe um modo no qual eu sou subjetivamente
consciente de meu próprio corpo, que é diferente de como eu vejo um bloco de
madeira. Mas eu também sou consciente de que meu corpo é um objeto no
mundo, para ser visto e também atuado pelo outro. Na maior parte do tempo não
temos consciência do nosso corpo, mas em casos de extrema ansiedade, dor
traumática e excitação sexual há a consciência do corpo como objeto: “meu
coração batendo, meu dedo latejando”. No resto do tempo, presumimos que as
partes do corpo estão integradas e que este corpo integrado, por razões práticas,
coincide e se identifica com o “self”, do qual não estamos conscientemente
separados e que tomamos como certo. Em outras palavras, é geralmente em
momentos de angústia ou dor que ganhamos consciência de nossos corpos como
distintos de “nós mesmos”. É através do nosso corpo que temos contato com o
mundo externo ao nosso self: movimentos do corpo nos remetem ao espaço
externo; nossas mãos têm um aspecto de ferramenta que nos permite pegar
objetos no mundo; e nossos corpos têm uma corporeidade que ocupa espaço, nos
dá presença, nos coloca como objetos no mundo.
Um dos pacientes de Eugene Minkowski (1970) disse:

Eu não quero prestar muita atenção nos meus movimentos, eu sou só


comida e defecação. Eu sou apenas um tipo de função animal, e uma
função que se fere. Eu não tenho sensações nem ideias precisas. Eu
tenho a sensação de ser apenas um conjunto de funções vegetativas, de
ser apenas uma massa.

Outro disse:

Em um de dois dias meu corpo é duro como madeira. Hoje meu corpo é
grosso como essa parede (aponta para a parede).

Minkowski se referiu a essas experiências como materialidade exacerbada, na


qual os pacientes demonstram consciência intensificada do aspecto
“objetificado” do corpo, demonstrando para o clínico uma atitude em relação ao
corpo que não é expressa na vida cotidiana.
Muitos termos são empregados para descrever o modo como uma pessoa se
conceitua. Neurologistas, neuropsiquiatras, psicanalistas e psicólogos têm
empregado os termos esquema corporal, conceito corporal, catexia corporal,
imagem corporal e corpo percebido. Todas descrevem aproximadamente a
mesma coisa, mas com diferentes nuances. Por exemplo, o autoconceito
geralmente se refere ao conhecimento plenamente consciente e abstrato da
consciência de si mesmo, ao passo que imagem corporal se refere mais a
questões inconscientes e físicas e abrange aspectos vivenciais de consciência
corporal. Em alguns casos, autoconceito é o mesmo que conceito corporal e, em
outros, o self consciente se refere a estar fora de sua “jaula”, o corpo. Esquema
corporal envolve um elemento espacial e é mais e geralmente maior que o
próprio corpo. Por exemplo, se você se imagina a caminho do trabalho, seu
esquema de ser automaticamente inclui suas roupas e seus óculos. O esquema
corporal muda de acordo com as diferentes circunstâncias. Quando estou
dirigindo, eu incorporo no meu conceito de tamanho físico a largura do meu
carro, de modo que dificilmente eu vou tentar passar por uma porta ou subir
escadas com o meu carro. Óculos, charuto, a chave de fenda de um carpinteiro, a
bengala de um cego, tudo isso contribui para o conceito de self de uma pessoa
em determinada situação. Catexia implica a noção de poder, força, libido –
talvez análoga à descarga elétrica: o self que faz as coisas acontecerem!
Certamente os aspectos sociais são também importantes neste tema. Um
homem com cabelo na altura dos ombros geralmente não se apresenta desta
maneira por negligência, mas por uma escolha deliberada – como ele se vê em
um contexto social. Está de acordo com o grupo de seus pares e também o
diferencia daqueles de quem pretende se dissociar. Critchley (1950) comentou
sobre “o curioso estado emocional geralmente conhecido como estar
apaixonado”, no qual há uma “tendência compulsiva de duas imagens corporais
de sexo oposto para proximidade e contiguidade, culminando em fusão ou
mescla”. Como fenomenologista, poderíamos discordar do mau uso do termo
compulsivo, de Critchley.
De acordo com Schilder (1935), imagens corporais nunca estão isoladas; elas
estão sempre envolvidas pela imagem corporal dos outros. As imagens corporais
estão mais interconectadas nas zonas erógenas e têm natureza social. Nossa
imagem corporal e o modo como as pessoas nos veem não dependem
exclusivamente uma da outra. Uma pessoa se enxerga e forma sua autoimagem
em determinado contexto social. Ela se enxerga em relação a outras pessoas; sua
visão de si mesmo não depende completamente, mas é significativamente
influenciada pela forma como os outros a enxergam e pela forma que ela
acredita que os outros a veem.
O desenvolvimento da autoimagem foi resumido esquematicamente por
Bahnson (1969) de forma organizada. Ele propôs que a autoimagem é mutável e
amorfa. Em qualquer momento determinado, o indivíduo percebe apenas uma
pequena amostra de uma galeria de possíveis autoimagens. A Figura 12.1 ilustra
a forma como “os selfs fenomenológicos são sobrepostos como camadas de
cebola”. Os diferentes aspectos da autoimagem se desenvolvem enquanto a
pessoa aumenta o escopo e a complexidade de seus relacionamentos. O termo eu
não é fenomenologicamente descritível e tem sido argumentado que o self não
pode observar a si mesmo; ou seja, a coisa e aquilo que a observa não podem ser
o mesmo. No entanto, é a natureza do self e do eu que será vivenciada como
sujeito ou objeto: um pequeno incômodo como uma afta bucal pode me fazer
sentir desconforto (subjetivamente); e eu posso descrever o que uma pessoa com
afta bucal sente (objetivamente).
FIGURA 12.1 Fases do desenvolvimento da autoimagem.

Autoimagem e Comunicação Não Verbal


Nos relacionamentos sociais, uma pessoa expressa a visão que tem de si mesma:
suas palavras e o modo como as profere expressa como ela vê seu
relacionamento com a outra pessoa e como ela se vê; por exemplo, isso ficaria
claro ao ver o dono de uma loja repreendendo uma criança.
Provavelmente mais importante do que esta forma verbal de expressão de
como nos vemos, frequentemente inconscientes, é a comunicação não verbal.
Todos os gestos e posturas, movimentos da face e pausas na fala expressam
significado para a pessoa com quem estamos falando, o que também
parcialmente demonstra como nos enxergamos.
“O núcleo central da autoimagem de uma pessoa é composto por seu nome,
sensações corporais, imagem corporal, gênero e idade. Para um homem, seu
trabalho é essencial – a não ser que esteja sofrendo de alienação do trabalho.
Para uma mulher, a família e o trabalho de seu marido também podem ser
importantes.” (Argyle, 1975). A discriminação de gênero desta afirmação hoje
em dia está ultrapassada, mas destaca o fato de que o conceito central do self
varia de pessoa para pessoa. Aspectos não verbais de comunicação são fatores
importantes no envio e recebimento de informações sobre a personalidade. O
papel social adotado e o grupo com o qual uma pessoa se identifica são
expressos intencionalmente e, desta forma, ilustram a autoimagem, e abrangem
“idade, sexo, raça, classe social, posição, profissão, escola ou faculdade
frequentada, nacionalidade, origem regional, grupo religioso e relações
familiares” (Argyle, 1975). Esses atributos da pessoa são geralmente exibidos
deliberadamente, mas há outras características que serão recebidas de forma não
verbal pelo observador mesmo quando a pessoa não tem a intenção de revelá-las,
como por exemplo, o temperamento, e traços de personalidade como
introversão, inteligência, crenças, valores e experiências anteriores.
De acordo com Argyle, a comunicação não verbal expressa a atitude da pessoa
pelos seguintes motivos:
▪ Em algumas áreas de interesse humano há falta de linguagem ou “codificação
verbal”. Por exemplo, é mais fácil descrever uma forma com as mãos do que
verbalmente. Descrever a personalidade, a nossa ou de terceiros, ou
comentar sobre relacionamentos pessoais é mais fácil de forma não verbal.
Uma pessoa buscará comunicar sua beleza física, papel e atitudes em relação
à outra pessoa de forma não verbal.
▪ Sinais não verbais têm mais força: ações falam mais alto que palavras. Para
um professor, um aceno tem mais probabilidade de resultar em ação do que
uma ordem verbal.
▪ Sinais não verbais são menos censurados e, portanto, mais provavelmente
genuínos. Se mensagens conflitantes são passadas verbal e não verbalmente,
o sinal não verbal é acolhido como o verdadeiro.
▪ Algumas mensagens, em razão da censura social, não podem ser manifestadas
explicitamente em um contexto social e, portanto, não podem ser
verbalizadas, mas podem ser transmitidas não verbalmente através de
determinada postura, gesto ou movimento no espaço. Por exemplo, a pessoa
que faz uma expressão facial e vira o rosto, pode sugerir, sem tornar
explícito, que “eu não gosto de você e estou entediada com nossa conversa”.
▪ Mensagens verbais são pontuadas e enfatizadas não verbalmente, como, por
exemplo, a pausa ao final de uma frase ou a cadência da voz. Esses detalhes
aumentam o significado das palavras efetivamente empregadas.
Uma pessoa interage com outras pelo uso da linguagem. Entretanto, sinais não
verbais também são importantes na expressão de significado e transmissão de
sentimentos. O eu fala tanto com o corpo quanto com palavras.

Consciência do Corpo
Temos uma consciência de nosso self e uma consciência, que se sobrepõe, mas é
ligeiramente diferente, do nosso corpo. O que é este senso de imagem ou
consciência corporal? De acordo com Head e Holmes (1911), o esquema
corporal é formado como uma experiência composta de sensações. Schilder
(1935) desenvolveu ainda mais a importância da percepção das sensações na
formação do esquema corporal: “a figura do nosso próprio corpo que formamos
em nossa mente, ou seja, o modo como o corpo parece para nós mesmos”. Freud
(1933) também se preocupou com a imagem corporal no desenvolvimento da
personalidade: “O eu é, em primeiro lugar, o eu do corpo.” Anormalidades da
imagem corporal podem ser claramente o resultado de sensações anormais, mas
nem sempre é assim. Por exemplo, a anormalidade da imagem corporal de um
amputado é resultado direto do dano físico, mas um paciente hipocondríaco pode
não ter nenhuma sensação anormal e mesmo assim acreditar que tem câncer. No
transexualismo, um homem pode ter uma experiência sensorial normal de seu
corpo, mas afirmar que o detesta, principalmente seu pênis; ele pode sentir que é,
na verdade, uma mulher presa em um corpo de homem (Morris, 1974). Sua
imagem corporal perturbada não é o resultado de sensação comprometida; há um
conflito entre o eu (a maneira como ele vivencia a si mesmo e o gênero que
atrubui) e a imagem corporal. A distinção de consciência do eu e consciência
corporal feita por conveniência entre este capítulo e o Capítulo 14 é artificial.
A imagem corporal pode ser alterada através do aumento, diminuição (ou
ablação) ou distorção. Ela incorpora mais do que apenas o corpo, exceto, talvez,
naquelas poucas ocasiões em que uma pessoa está tanto despida quanto se
conceitualizando como nua; os alfaiates há muito tentam nos persuadir que “as
roupas fazem o homem”. Certamente, elas são uma forma efetiva de
comunicação não verbal. As roupas nos dão algum insight sobre como uma
pessoa se vê e também sobre a forma como ela se propõe a interagir com outras
pessoas. Uma pessoa complementa seu humor e o papel social do momento na
sua escolha de roupas. Ela usa as roupas, como navios portam bandeiras, para
sinalização, e determinadas roupas são usadas para expressar uma mensagem
para quem a possa ler. Um estudante de medicina usa terno para uma prova oral,
uma mulher desabotoa um botão da blusa ao sair para o almoço. Ao entrar no
consultório médico, o paciente já começa a dar informações sobre si mesmo a
partir de sua aparência antes que qualquer palavra seja dita. Uma pessoa cujas
roupas são escolhidas por outros, como nos hospitais psiquiátricos do passado,
tem uma aparência peculiarmente isenta e sem significado; este aspecto de sua
imagem corporal está sem expressão e nada diz sobre a pessoa.

Perturbações do Eu
Na psicopatologia descritiva, empregamos o termo perturbações do eu ou
perturbações do self para descrever as experiências internas anormais do “eu” e
“aquilo que é meu”, que ocorrem no transtorno psiquiátrico. Essas podem
ocorrer no estado de consciência interna do paciente, independentemente de
eventuais alterações que possa exibir em sua atitude ou experiência do mundo
fora de si. Jaspers (1959), com sua característica clareza, descreveu a
consciência do eu, isto é, a capacidade de distinguir o eu do não eu, como tendo
quatro características formais. Scharfetter (1981, 1995, 2003) adicionou uma
quinta dimensão - vitalidade do eu - e defendeu sua inclusão com base na análise
fatorial. Anteriormente, esta característica era incorporada na consciência da
atividade, que abarcava “ser” e “existir” juntamente com outras ações. Desta
forma, hoje em dia temos as seguintes características da consciência do eu:
▪ Consciência de ser ou existir (vitalidade do eu): eu sei que estou vivo e que
existo, e isto é essencial para a consciência do self.
▪ Atividade do eu: eu sei que sou um agente que inicia e executa meus
pensamentos e ações.
▪ Unidade do eu: em todos os momentos eu sei que sou uma pessoa.
▪ Identidade do eu: existe continuidade na minha biografia, fisionomia, gênero,
origem genealógica etc. Eu sou a mesma pessoa o tempo todo.
▪ Fronteiras do eu: eu sou diferente de outras coisas e seres e posso diferenciar
meu eu do mundo externo; sou consciente dos limites entre self e não self.
Os transtornos da experiência interna nos quais essas características se
encontram comprometidos passam a ser mais detalhadamente explorados.
Abordaremos mais especificamente as alterações das cinco funções descritas por
Jaspers e Scharfetter a seguir.

Perturbação do ser ou vitalidade do eu


Eu nunca preciso me perguntar se eu existo. É uma afirmação que faço com
certeza inquestionável. Eu tenho tanta certeza disso que não incluo na minha
lista de dúvidas e incertezas. O meu conhecimento de que tudo mais existe se
baseia na premissa de que eu existo.
Ser: a experiência do paciente de sua própria existência pode estar
comprometida: “eu não existo; não tem nada aqui” ou “eu não estou mais vivo”
ou “eu estou apodrecendo”. Esta é a experiência central dos delírios niilistas,
que podem ocorrer nas psicoses afetivas (Capítulos 8 e 16). Veja um exemplo a
seguir.

Eu já não me sinto mais. Eu não existo mais. Quando alguém fala


comigo é como se estivessem falando com uma pessoa morta. Eu tenho
que me olhar pra ter certeza de que sou eu. Eu tenho a sensação que
sou uma pessoa ausente. Em suma, eu sou uma sombra que caminha.
(Minkowski, 1970)

Ideias niilistas (não delirantes) menos pronunciadas são vivenciadas como


despersonalização, uma alteração na maneira como alguém vivencia a si mesmo,
que é acompanhada por uma sensação de alteração ou perda de importância do
self: “Eu me sinto irreal, um pouco tonta, como se eu já não pudesse mais ter
tanta certeza de mim.”

Perturbações da atividade do eu
Faço algo e sei que estou fazendo aquilo. Tudo o que eu faço, em tudo o que eu
vivencio, através de todos os eventos que me acontecem, estou consciente de que
a experiência tem uma qualidade singular de ser minha. “Foi incrível. Eu me
belisquei para ter certeza de que estava realmente acontecendo comigo” expressa
a relação que vivenciamos entre consciência da realidade e atividade. É em
nossos atos, incluindo nossos pensamentos, que reforçamos nossa experiência a
nós mesmos.
O movimento pode apresentar anormalidade, como por exemplo, na
experiência de passividade ou delírios de controle em pacientes com
esquizofrenia (ver a seguir). Schreber descreveu diversos exemplos deste tipo de
experiência:

As dificuldades que me foram impostas são difíceis de descrever. Meus


dedos estão paralisados, a direção do meu olhar foi alterada para
impedir que eu ache as chaves certas, o ritmo está acelerado fazendo
com que os músculos de meus dedos se movam prematuramente: todas
essas foram, e ainda são, ocorrências diárias

o milagre do grito quando os músculos que servem ao processo de


respiração são colocados em movimento pelo Deus inferior (Ariman) de
uma forma que me força a emitir os sons de berros.

A memorização e imaginação podem estar alteradas, fazendo com que o


paciente com depressão se sinta incapaz de iniciar o ato de memória ou fantasia;
ou, por outro lado, um paciente com esquizofrenia sente que uma atividade,
quando acontece, não é iniciada por ele, e sim fora dele. Um paciente deprimido
disse “minha memória se foi, eu não tenho pensamentos, não consigo sequer
pensar”.
A vontade pode estar alterada; por exemplo, no caso do paciente com
esquizofrenia que não vivencia mais sua vontade como sendo dele mesmo. Em
geral, pacientes neuróticos descrevem uma incapacidade para iniciar a atividade,
uma sensação de falta de forças frente às vicissitudes da vida.
Algumas dessas anormalidades da experiência das atividades do próprio
indivíduo estão intimamente associadas ao humor, como por exemplo, a
sensação do paciente deprimido que acredita não ser capaz de fazer nada: a
alteração do autoconceito está diretamente ligada ao estado de humor.
Ocasionalmente, no entanto, não é o afeto associado à mudança da atividade que
sofre alteração, mas a crença sobre o início desta. Estas são as experiências de
passividade, que são discutidas em maiores detalhes juntamente com outros
sintomas de primeira ordem da esquizofrenia no Capítulo 9.

Perturbações da unidade do eu
A pessoa saudável está integrada em seu pensamento e comportamento de forma
que não precisa estar consciente da sua sensação de unidade. Há uma suposição
implícita de que ela é uma pessoa e conhece seus limites e capacidades. Mas este
pressuposto da unidade pode estar ausente em algumas condições. Nos sonhos,
às vezes nos vemos, até mesmo com alguma surpresa, no drama. Em algumas
formas de meditação transcendental, através de atos repetitivos e monótonos, o
indivíduo entra em um transe autoinduzido, no qual ele pode se observar
adotando o comportamento. O “Self” é tanto o observador quanto o objeto
observado.

Autoscopia (Heautoscopie)*
Autoscopia é um fenômeno conceitualmente difícil, no qual a indivisibilidade do
self parece estar comprometida. Segundo Fish (1967), “nesta estranha
experiência, o paciente se vê e sabe que ele é ele. Não se trata apenas de uma
alucinação visual porque as sensações cinestésica e somática também devem
estar presentes para dar ao indivíduo a impressão de que a alucinação é ele”.
Mais recentemente, Brugger e Regard (1997) identificaram seis tipos de
autoscopia: a sensação de presença, autoscopia negativa, autoscopia interna,
alucinação autoscópica, experiência fora do corpo, e heautoscopia propriamente
dita.
Na sensação de presença, o paciente tem a sensação da presença física de
outra pessoa. Normalmente, nenhuma percepção visual é relatada. Esta sensação
pode estar confinada a um hemispaço, principalmente quando a experiência
ocorre em associação com uma convulsão. A autoscopia negativa refere-se à
falha na percepção do próprio corpo, seja em um espelho ou olhando
diretamente. Este fenômeno está geralmente associado à despersonalização. A
autoscopia interna se refere a experiências de alucinação visual dos orgãos
internos no espaço extracorporal (Sollier, 1903). A alucinação autoscópica
acontece quando o paciente vê uma imagem de espelho de si mesmo, ou de seu
rosto ou tronco. Esta experiência é diferente da heautoscopia propriamente dita
porque o paciente não se localiza na posição da imagem no espelho. Estas
experiências alucinatórias são geralmente curtas, durando de segundos a minutos
e seguidas de reincidências como um “flash” (Lhermitte, 1951; Brugger, 2002;
Dewhurst et al., 1955).
As experiências fora do corpo são caracterizadas pela projeção de um self
observador (psicológico) em um espaço extrapessoal que aparentemente está
totalmente dissociado do corpo físico. Neste fenômeno o paciente vê a si e o
mundo de uma localização distinta de seu corpo físico. Aqui temos três
características fenomenológicas: descorporização, a impressão de ver o corpo de
uma perspectiva visual-espacial distante e elevada (também chamada de
perspectiva egocêntrica extracorpórea) e a impressão de ver o próprio corpo a
partir desta posição elevada (Anzellotti et al., 2011).
Por último, a heautoscopia propriamente dita é uma condição na qual o
indivíduo vê seu duplo (doppelgänger). Este duplo geralmente aparece sem cor,
pode se comportar de maneira indepentente e pode ou não espelhar a aparência
do paciente. Existe uma grande autoidentificação com o segundo corpo,
frequentemente associada à experiência de existir e perceber o mundo de dois
lugares ao mesmo tempo (Heydrich e Blanke, 2013). Podem ocorrer sensações
vestibulares como leveza extrema do corpo, sensação de estar voando, elevação,
rotação e vertigem (Anzellotti et al., 2011; Blanke et al, 2004). Há um mito
norte-europeu, compartilhado por diversos países, no qual uma pessoa veria o
seu duplo (“fantasma”, “aparição”) pouco antes de sua morte, o que torna este
um presságio (Todd e Dewhurst, 1962). Os autores apresentam um material
histórico interessante para fundamentar a ligação entre o doppelgänger e a
morte: a lenda é que, enquanto a pessoa jaz moribunda, seu fantasma flutua ante
seus olhos e ela vê a si mesma realizando todas as ações mais condenáveis e
repreensíveis de sua vida, que desfilam diante dele enquanto morre.
O interesse popular sobre o conceito do duplo é persistente, sendo tema de
diversas obras de ficção como The Double de Fyodor Dostoyevsky (1846), The
Master of Ballantrae, de Robert Louis Stevenson (1889), e Scandal, de Shusaku
Endo (1986). A pior característica do duplo, para o próprio indivíduo, é bem
ilustrada no Darkness Visible, de William Styron (1991): o envolvimento
terrível, indissociável, do duplo com o indivíduo, na tentativa de mortificá-lo,
provocá-lo e destruir o duplo e/ou a si mesmo.

A sensação de ser acompanhado por um segundo self – um observador


semelhante a um fantasma, capaz de assistir com curiosidade imparcial
enquanto o seu companheiro luta contra o desastre iminente, ou decide
enfrentá-lo (...) Eu, a provável vítima do autoassassinato era tanto o ator
solitário como o único membro da plateia (...) Eu me via em um misto de
terror e fascinação.

Estudos tem mostrado crescente evidência de que fenômenos autoscópicos


ocorrem em associação com convulsões (Anzellotti et al, 2011). Além disso, foi
postulado que a autoscopia resulta de uma falha de integração proprioreceptiva
de informações, táteis e visuais sobre o corpo, acompanhada de uma disfunção
vestibular (Blanke et al., 2004; Heydrich e Blanke, 2013). A base anatômica e o
mecanismo da autoscopia ainda precisam ser esclarecidos, mas há algumas
evidências que indicam que a ínsula posterior esquerda esteja envolvida na
heautoscopia e o córtex occipital direito na alucinação autoscópica (Heydrich e
Blanke, 2013). Devido à hipótese de que a autoscopia é uma falha de integração,
as junções multimodais entre os lobos parietal e temporal e entre o parietal e
occipital têm sido implicadas. Trabalhos experimentais realizaram aplicação de
estimulação transmagnética da junção temporoparietal esquerda para a produção
da heaustocopia (doppelgänger) (Blanke e Arzy, 2005).
Na prática, estes fenômenos podem ser extremamente difíceis de identificar e
delinear. A descrição que segue, de um homem inteligente, de 37 anos, com um
histórico de epilepsia e que estava recebendo tratamento com fenobarbital, é
considerada um exemplo de alucinação autoscópica, mas análises revelam
características de heautoscopia, assim como de experiência fora do corpo. O
paciente mantinha sua cabeça rígida, aparentando torcicolo para a direita. Se ele
girava para a esquerda, havia um gesto acentuado de baixar a cabeça, o que não
acontecia se a rotação fosse para a direita.

Estou fora de mim mesmo, à minha esquerda, mas apenas quando


estou sentado (...) ocorre em curtos episódios por cerca de 30 segundos
(...) meu verdadeiro “eu” perde todos os sentidos, já que todos os
sentidos estão no meu self alucinatório (...) o verdadeiro self é apenas
uma casca sem qualquer sensação (...) o self alucinatório pode ver o self
real e tudo o que o cerca, e me parece que o self alucinatório está
olhando para mim e para outras coisas na sala a partir de uma posição
em pé, à minha esquerda, e tudo está na perspectiva à direita. Se isto
estivesse acontecendo agora, o self alucinatório veria você mais de
frente e mais de cima do que eu o vejo agora, porque ele está em pé (...)
Eu não posso vê-lo ou ouvi-lo, mas posso ver o lado da minha cabeça.
Parece estar lá. Eu sei que não sou eu como tal. É como ter um sonho e
saber que é um sonho. Eu achei que era um sonho, mas já ocorreu
quando estava completamente desperto. No momento parece tão claro
como um pesadelo, mas depois eu sei que é falso, como um sonho
muito vívido, porém mais real que um sonho. Eu não veria um grão de
pó na minha face ou nada parecido. O outro não é uma personalidade
diferente.

Quando esta experiência ocorria, o paciente sentia que toda a sensação estava
no “self alucinatório”, inclusive a audição, visão e sensação de frio: “Eu sentia
frio nas costas do meu self alucinatório.” Não houve experiência de paladar ou
olfato. Havia ocorrido uma experiência de afeto.

Eu estava falando com um representante. O self alucinatório sentia pena


deste homem porque ele parecia anormal. Não tinha sentimentos pelo
self real. Ele parecia anormal porque eu tinha parado de falar e uma
expressão vidrada tinha se fixado em meus olhos.

Um exemplo bizarro de autoscopia foi também relatado por Ames (1984):


tiros dados pelo próprio indivíduo em sua cabeça-fantasma num paciente
sofrendo de esquizofrenia. Ele descreveu ver e ouvir a voz de outra cabeça que
estava posicionada em cima de seu próprio ombro, anexada a seu corpo, e que
tentava dominar sua própria cabeça, e se descrevia com duas cabeças, mas
acreditava que a outra era, na verdade, a cabeça do ginecologista de sua mulher,
com quem acreditava que ela estivesse tendo um caso. A voz da segunda cabeça
era do ginecologista; ouvia também as vozes de Jesus e Abraão à sua volta,
conversando sobre o fato de ele ter duas cabeças. O paciente tentou remover a
outra cabeça com seis tiros no seu próprio palato, causando danos extensos em
seu cérebro. Ames chamou esta condição de “fenômeno da bicefalia perceptiva
delirante”.

Personalidade Múltipla (Transtorno Dissociativo)


Estados dissociativos incluem as chamadas “personalidades dupla ou múltipla”
(Abse, 1982; McDougall, 1911; Prince, 1905). Slater e Roth (1969) comentam:

Uma garota que ora é “May”, ora “Margaret”, pode ser calma, estudiosa
e obediente como May e não ter consciência da existência de Margaret.
No entanto, quando se torna Margaret, ela poderia ser alegre,
voluntariosa, teimosa e se referir a May de forma desdenhosa. Parece
que essas personalidades múltiplas são sempre produções artificiais,
produto da atenção médica que despertam.

A essência da personalidade múltipla é a incorporação de pelo menos duas


personalidades (identidades). Este fenômeno levanta dúvidas sobre nossa
intuição natural de que um ser humano individual é indivisível e é uma única
pessoa incorporada. O relato de Prince deu uma descrição mais clara:

A senhorita Christine L Beauchamp, sujeito deste estudo, é uma pessoa


na qual se desenvolveram várias personalidades; isto quer dizer que ela
pode mudar de personalidade de tempos em tempos, frequentemente de
hora em hora e, a cada mudança, seu caráter se transforma e suas
memórias se alteram. Além do self real, original ou normal, o self que
nasceu e que era destinado a ser por natureza faz com que ela seja uma
entre as três pessoas. Eu digo três pessoas diferentes porque, mesmo
fazendo uso do mesmo corpo, elas têm caráter completamente distinto:
diferença que se manifesta em diferentes pensamentos, diferentes
pontos de vista, temperamento e diferentes gostos, hábitos, experiências
e memórias.

Em um estudo de caso característico de personalidade múltipla, antes que as


condições da prática médica nos Estados Unidos resultassem em uma
proliferação de casos do chamado “transtorno de personalidade múltipla”,
Larmore e colaboradores (1977) descreveram “uma mulher branca de 35 anos,
criada na área rural do estado de Kentucky” que tivera várias tentativas de
suicídio das quais afirmava não se lembrar. “Logo após a internação, uma
entrevista hipnótica foi conduzida, durante a qual uma das personalidades se
revelou espontaneamente e deu indícios da existência de outras personalidades.”
Quatro personalidades diferentes foram identificadas: Faith, “a personalidade
primária (...) conhecida como ‘o anjinho’ pela personalidade Alicia (...) gentil,
carinhosa e prestativa (...) tem dificuldade para se expressar (...) raiva e em lidar
com críticas”; Alicia, “um agente satânico (...) afirma controlar a maior parte das
funções fisiológicas de Faith (...) manifestando comportamento agressivo ou
autodestrutivo”; Alicia – Faith, sob a influência de Alicia, “tem apenas
consciência periférica sobre Alicia e nenhum conhecimento sobre Faith ou Anjo
da Guarda”; Anjo da Guarda “apareceu pela primeira vez logo após a morte do
avô (...) afirma ser o protetor de Faith”.
Um farto material tem sido lançado na literatura psiquiátrica sobre o tema do
transtorno de personalidade múltipla, desde o estabelecimento de seus critérios
de diagnóstico no DSM-IIIR (American Psychiatric Association, 1987), mas
geralmente sem precisão psicopatológica. Isto foi bem resumido por Fahy
(1988):

Recentemente tem ocorrido um aumento drástico no número de relatos


de casos de transtorno de personalidade múltipla (TPM) (...) Um exame
da literatura recente revela falta de informações sobre a confiabilidade
do diagnóstico, prognóstico ou do papel do viés de seleção. Argumenta-
se que fatores iatrogênicos podem contribuir para o desenvolvimento da
síndrome. Há poucas evidências, a partir de estudos genéticos ou
fisiológicos, que sugerem que o TPM representa um transtorno
psiquiátrico distinto.

Abse afirma que a “amnésia unilateral” é comum na personalidade múltipla;


isto é, a personalidade A é amnésica para a outra personalidade B, mas a
segunda, B, pode discutir as experiências de A. Geralmente, A é inibida e
deprimida enquanto B é mais livre e mais alegre. As formas de personalidade
múltipla vistas na prática são geralmente:
▪ Personalidades parciais simultâneas.
▪ Personalidades parciais sucessivas e bem definidas.
▪ Personalidades parciais múltiplas agrupadas.
Quando submetidos à psicoterapia, podem surgir explicações elaboradas para
o surgimento das personalidades adicionais. Embora isto permaneça uma área
contestada, uma opinião categórica de Merskey (2000) afirma:

Na visão deste autor, não há espaço para o diagnóstico de transtorno de


personalidade múltipla na psiquiatria e a pergunta fundamental é como
esse diagnóstico conseguiu atingir tanto destaque nos círculos
profissionais na América do Norte, embora, geralmente, não em
qualquer outro lugar.*

Labilidade da Consciência da Personalidade


A perda da unidade do self na esquizofrenia foi exemplificada por um paciente
que descreveu como, todas as noites, ele se transformava em um cavalo e trotava
por Whitehall. Ao mesmo tempo que isto acontecia em sua mente, ele também
acreditava que estava em Whitehall olhando o cavalo. Este tipo de sintoma foi
chamado de labilidade da consciência da personalidade e foi identificado por
Bonhoeffer (1907) na psicose paranoide.

Perturbações da identidade do eu
Eu sou quem eu era semana passada ou 30 anos atrás; sou quem serei pela
próxima semana ou daqui a 10 anos. Essa verdade, que pode ser dita sem
hesitação, não é certa para algumas pessoas que sofrem de esquizofrenia e outros
transtornos mentais, ou até mesmo para pessoas saudáveis em situações
anormais (ver Estado de possessão, adiante). Este transtorno da consciência do
eu é caracterizado por alterações na identidade do self ao longo do tempo.
Uma pessoa que se sente ameaçada em seu emprego e tem medo de ser
demitida provavelmente não irá funcionar bem, devido à sua sensação de
impermanência. A sensação de continuidade de si mesmo e de seu papel é um
pressuposto essencial da vida, sem o qual o comportamento não pode ocorrer de
forma adequada. Em um estado saudável, não temos dúvidas sobre a
continuidade de nós mesmos desde o passado até o presente. Entretanto,
pacientes com esquizofrenia ocasionalmente acreditam não terem sido a mesma
pessoa sempre. Tipicamente, isto assume a forma de uma experiência de
passividade e o paciente afirma que, em algum momento do passado, ele foi
completamente alterado de uma pessoa para outra, que é quem ele é agora.
Jaspers (1959) faz o relato de um paciente que conta:

Quando conto minha história, eu estou consciente de que somente parte


do meu self atual passou por tudo isso. Até 23 de dezembro de 1901 não
posso dizer que fui quem sou agora; meu self passado parece um anão
dentro de mim. É uma sensação desagradável; atrapalha minha
sensação de existir se eu descrevo minhas experiências passadas na
primeira pessoa. Posso fazer isso se usar uma imagem e recordar que o
anão reinou até aquela data, mas desde então, seu passado terminou.

Esta completa alteração no sentimento de identidade corresponde a uma


psicose; ocorre uma quebra na sensação de identidade do self e uma experiência
subjetiva de alguém totalmente diferente, embora ainda descrita como o próprio
indivíduo, “assumindo o controle”.
A sensação de perda de continuidade, que é, contudo, de menor intensidade
que a alteração psicótica descrita anteriormente e sem o elemento de
passividade, pode ser vivenciada no estado saudável, bem como nas neuroses e
nos transtornos de personalidade. O indivíduo sabe que as duas pessoas, antes e
depois, são realmente ele mesmo, mas se sente muito diferente do que era. Isto
pode ocorrer após uma situação de vida extremamente importante ou durante o
desenvolvimento emocional sem um evento externo. Por exemplo, um
adolescente pode quase que subitamente se sentir, ao longo de uma semana,
como se fosse uma pessoa bastante diferente. Deve-se notar que não há perda do
senso de realidade a ponto de ele realmente acreditar que é uma pessoa diferente.
Nesses quadros não psicóticos, os pensamentos e sentimentos parecem não estar
em harmonia com o próprio indivíduo que ele passou a ser.
No capítulo a seguir, há a descrição de um homem que desenvolveu uma
despersonalização de longo prazo depois de passar por um grande estresse no
trabalho, culminando em um evento extremamente perturbador (ver o próximo
capítulo). Sua esposa relata que depois disso ele nunca mais tinha sido o homem
com quem ela havia se casado, “mas sim seu (não existente) irmão gêmeo”.
Segundo ela, antes ele era um homem incisivo, de pensamento rápido e tomava
as decisões na família, e agora lhe faltava autoconfiança e ela tinha que fazer
tudo. Nenhum dos dois duvidava de que ele era a mesma pessoa, mas sua
conduta havia mudado como se ele tivesse se transformado em alguém
semelhante, mas não idêntico.
O sentimento de perda de continuidade contribui para a inércia da pessoa com
esquizofrenia e a apatia na depressão. A falta de um senso claro de identidade do
passado que continua no futuro é um obstáculo para a atividade planejada. Um
paciente com esquizofrenia, como parte da perturbação de passividade, pode ter
dúvidas sobre a sua continuidade do passado até o presente; um depressivo,
frequentemente não vê continuação no futuro: “Tudo é sombrio e não há nada
para se esperar.”
A alteração do sentimento de continuidade do self é resultado do transtorno
mental. Perceber que a alteração deste sentimento é consequência do transtorno
exige uma capacidade de insight (David, 1990), nem sempre possível.

Estado de Possessão
Esse quadro é classificado na CID-10 como transtornos (F44) dissociativos (ou
conversivos) – transtorno de transe e possessão (F44.3) (Organização Mundial
da Saúde, 1992). Entretanto, embora o estado alterado de consciência seja um
pré-requisito, o estado de possessão não necessariamente ocorre no contexto de
transtorno dissociativo. Ele pode ocorrer em pessoas normais e saudáveis, em
situações incomuns como um fenômeno de grupo (hipnose em massa) ou
individualmente, quando ocorre perda temporária tanto do sentido de
indentidade pessoal quanto da plena consciência do que está em volta. A pessoa
age como se estivesse, e acredita que foi, tomado por outro – um espírito, uma
força, uma divindade ou mesmo por outra pessoa. A diferença entre essas
condições que constituem o transtorno e as que podem ser consideradas parte de
um contexto cultural ou religioso isolado é que as primeiras são indesejadas,
causam sofrimento ao indivíduo e a quem o cerca e podem ser prolongadas para
além do evento imediato ou cerimônia que as provocou.
A possessão de uma jovem saudável, casada e mãe de três filhos por duas
“deusas” foi testemunhada no Sri Lanka. A mulher havia se tornado uma
varama, uma curandeira com poderes especiais, cerca de dois anos antes, quando
ela “viu” seu falecido padrasto, que veio até ela e disse que ela teria poder
sobrenatural para ajudar outras pessoas e a própria família. Seu marido estava
viciado em arak, uma bebida local e sua dependência levou a família a uma
grave situação financeira. Depois desta experiência, ela oferecia seus serviços
como curandeira e conciliadora de dificuldades domésticas em sua aldeia, e
várias pessoas a consultavam diariamente em sua casa, onde ela havia
transformado um pequeno quarto em santuário e outro em sala de espera.
Enquanto seu marido tocava repetidamente um chifre de búfalo e ela cantava, ela
autoinduzia um transe durante o qual falava com vozes diferentes, como uma das
divindades que aconselhava os clientes, cujas mensagens eram interpretadas por
seu marido. Os habitantes da aldeia consideravam seus conselhos úteis, seu
marido passou a ter uma atividade e ela resolveu completamente os problemas
financeiros da família por meio dos presentes que recebia pelo serviço prestado.
Outro caso, com a presença de transtorno psiquiátrico, foi o de uma dona de
casa de 37 anos no Sri Lanka que acreditava estar possuída pela sua avó há
muito falecida; em três ocasiões ela entrou em transe, perdeu contato com o
mundo externo e viu a imagem de sua avó se aproximando dela para tentar lhe
estrangular. Os episódios eram descritos com medo e angústia. Ela exibia
sintomas de transtorno depressivo, com pouco sono, despertar precoce, perda de
apetite e de peso, falta de energia, fadiga e humor deprimido; ela havia sido
abandonada pela mãe aos sete anos de idade.
Wijesinghe et al. (1976) pesquisaram uma população semiurbana de 7.653
pessoas no Sri Lanka e identificaram 37 sujeitos, 9 homens e 28 mulheres, com
“estado de transe por possessão”, mostrando estado alterado de consciência,
comportamento pelo qual o sujeito não reconhecia responsabilidade e amnésia
para o período do transe. Os episódios, que duravam cerca de 30 minutos, eram
geralmente precipitados por estresse emocional ou estímulos culturais, como
testemunhar uma cerimônia de exorcismo. Durante o transe, os sujeitos
mostravam-se inquietos, com tremores rítmicos do tronco e gestos exagerados, a
fala era agressiva e imperativa e o humor tipicamente irado. Com maior
frequência, o espírito possessor era o de um parente próximo falecido. Na
medida em que a condição perdurava, principalmente as mulheres se tornavam
adeptas permanentes. Na análise desses autores, apenas um dos sujeitos sofria de
esquizofrenia, embora 17 dos 37 manifestassem transtorno psiquiátrico ativo, na
maior parte de natureza neurótica.
Estados de transe e possessão revelam a fronteira tênue entre comportamento
normativo e o anormal. Moreira-Almeida e Cardeña (2011) argumentam que a
falta de sofrimento pessoal, ausência de prejuízo social ou funcional, ausência de
comorbidade psiquiátrica, autocontrole da experiência e crescimento pessoal,
todos apontam na direção de uma experiência espiritual não patológica. No
entanto, estados de possessão e transe podem ocorrer no contexto de transtorno
neurológico inquestionável, tais como lesões no gânglio basal e no lobo fronto-
parietal (Basu et al., 2002), o que aponta para a necessidade de um modelo
integrado fundamentado na neurociência, mas que contemple os processos
socioculturais envolvidos na forma como o self é construído socialmente
(Seligman e Kirmayer, 2008).
Ao estudar as alterações da autoconsciência, Jaspers (1959) se preocupou
tanto com alterações de conteúdo quanto de forma. Ao discutir os estados de
possessão, ele descreve a rara condição da licantropia, na qual o paciente
acredita ter sido transformado em um lobo. A licantropia tem uma longa história
nas sociedades ocidentais e crenças idênticas de transformação em outros
animais temidos como a raposa no Japão, o tigre, a hiena e o crocodilo na China,
Malásia e Índia são documentados (Fahy, 1989). Na antiguidade, havia uma
crença na possibilidade de transformação radical do corpo humano em corpo de
lobo. Entretanto, relatos de casos recentes adotaram uma abordagem
fenomenológica robusta e identificam a crença em transformação como um
delírio de valor não específico, mas principalmente associado a transtornos de
humor, esquizofrenia e ocasionalmente doença cerebral orgânica (Keck et al.,
1988; Fahy, 1989; Kulick et al., 1990). A licantropia é geralmente uma crença
transitória, mas ocasionalmente a crença pode ser persistente, durando muitos
anos (Keck et al., 1988). Koehler et al. (1990) revisaram o trabalho de Jaspers
sobre licantropia e demostraram que Jaspers fazia uma diferenciação entre
estados de possessão que se apresentavam com consciência alterada e estados de
possessão nos quais a consciência permanecia clara; os primeiros eram
geralmente de origem dissociativa (histérica), enquanto os últimos eram mais
associados com esquizofrenia. Isto salienta a importância da avaliação
psicopatológica para o diagnóstico psiquiátrico.

Perturbações das fronteiras (limites) do eu


As perturbações das fronteiras do eu se referem às alterações da consciência de
onde o eu termina e o não eu começa. A anormalidade não é restrita à
esquizofrenia. Por exemplo, na intoxicação por LSD, já foi descrita a sensação
de dissolução iminente do eu associada à sensação de que o self está
“escapando” com muita ansiedade (Anderson e Rawnsley, 1954). Um sujeito
descreveu a experiência da seguinte forma:

Eu estava desorganizado (...) o mundo à minha volta parecia realmente


muito distorcido (...) as coisas estavam bem instáveis e então eu decidi
me recostar calmamente por um momento e me acalmar, voltando ao
meu próprio mundo interior. Assim que eu introspectei desta forma eu
senti, com consternação, que “eu” mesmo estava de alguma forma
perturbado. O núcleo central da personalidade, o eu, o senso de
identidade pessoal estava flutuando e, na falta de expressão melhor, se
dissolvendo.

Outro sujeito disse: “Se alguém presente saísse da sala era como se eu
estivesse sendo privado de algo. Eu ficava menor – definitivamente me senti
vulnerável.”

Fronteiras do Eu na Esquizofrenia
Na esquizofrenia, a sensação de invasão do eu parece ser fundamental para a
natureza da condição vivenciada; muitos dos sintomas de primeira ordem têm
em comum a permeabilidade da barreira entre o indivíduo e seu ambiente, ou
seja, a perda dos limites do eu (Sims, 1993). Ocorre uma fusão entre self e não
self, experiência que é retratada na Figura 12.2, pintada por um paciente com
esquizofrenia. O paciente não tem consciência de que a perturbação se refere aos
limites do eu; ele descreve um problema como “coisas que outras pessoas estão
fazendo comigo, eventos que estão ocorrendo fora de mim mesmo”. O
observador externo encontra uma turvação ou perda dos limites do self, que não
é aparente para o próprio paciente.

FIGURA 12.2 Pintura feita por um jovem paciente com esquizofrenia.

Todas as experiências de passividade atribuem falsamente funções, que vêm


de dentro do self, a influências do não self vindas de fora. Isto também é verdade
para distúrbios de posse do pensamento, como inserção do pensamento e roubo
do pensamento. A difusão do pensamento, que se refere ao sentimento de que os
pensamentos privados se tornam públicos sem o consentimento ou ação do
paciente, é outro exemplo de ruptura dos limites normais do que é self e não self.
Outras experiências, como as alucinações auditivas, se baseiam na atribuição a
agentes externos de uma atividade (fala) que é gerada internamente pelo
paciente.
Passividade, delírio de controle, é tratada no Capítulo 9. A experiência
subjetiva de passividade é uma perturbação da distinção entre o que é e o que
não é self. Sensações, emoções, impulsos e ações que na realidade objetiva vêm
de dentro do self são atribuídas ao não self.

Outras Alterações de Fronteiras do Eu


Também ocorrem perturbações no limite do self em estados de êxtase
(Capítulo 16). O participante pode descrever a sensação de estar em união com o
universo, de se fundir no Nirvana, de vivenciar a união com os santos,
identificação com as árvores e flores e total união com Deus.
O estado de êxtase ocorre tanto em pessoas normais quanto naquelas com
transtorno de personalidade e nas que sofrem de psicose e epilepsia. Na
epilepsia, faz parte da aura e é caracterizado por sentimentos intensos de bem-
estar e consciência do eu aumentada. Tais alterações parecem ter origem na
hiperativação da ínsula anterior e não do lobo temporal (Picard e Craig, 2009).
No êxtase, é uma experiência como se e é mediada afetivamente. O fenômeno
descrito por Jung em si mesmo, descrito no início deste capítulo, representa a
falta de definição dos limites do self. Entretanto, não houve perda do julgamento
da realidade: tratava-se de um jogo e Jung sabia o que era ele e o que era a
pedra. Na psicose, perde-se esta capacidade de discernimento: um paciente com
esquizofrenia disse “eu sou invadido dia e noite. Eu não tenho mais privacidade
desde que a televisão entrou em mim”; outro paciente acreditava que enquanto
estava internado no hospital ele estava ajudando os demais pacientes porque ele
permeava a equipe médica e, assim, os ajudava em seu trabalho.

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*
Nota da revisão Técnica: Embora haja grande discussão na literatura atual sobre o signifcado destes
termos, o autor utiliza de forma indiscriminada os termos eu e self; por coerência com a tradução da obra de
Jaspers para o português traduzimos ego por eu e evitamos a confusão entre eu e self, sempre que possível.
*
Nota da Revisão Técnica: O termo heautoscopie é às vezes traduzido como “heautoscopia”, às vezes como
“autoscopia”. Optamos pela tradução genérica por “autoscopia” reservando “heautoscopia” para a
autoscopia propriamente dita (doppelgänger) descrita nos tratados de psicopatologia.
*
Nota da Revisão Técnica: De fato, no Brasil e na América do Sul este diagnóstico não é comum, sendo os
casos semelhantes enquadrados como transtornos dissociativos; por isso, a descrição de “várias
personalidades na mesma pessoa” revela mais a vivência subjetiva do que o diagnóstico em si.
CAPÍTULO 13

Despersonalização

Eu posso estar observando um copo com certo grau de atenção.


Enquanto eu digo para mim mesmo que este copo é um recipiente de
vidro ou metal, feito com o propósito de receber líquidos e levar aos
lábios de alguém sem machucar – enquanto eu consigo representar para
mim o copo de maneira convincente – eu sinto que tenho algum tipo de
relação com ele, uma relação próxima o suficiente para me fazer crer em
sua existência e, em nível subordinado, na minha própria existência. Mas
a partir do momento que o copo some e perde a sua vitalidade (...) se
revela para mim como uma coisa com a qual eu não tenho nenhuma
relação, uma vez que me parece um objeto absurdo – então, a partir
desse próprio absurdo surge o tédio que, no final das contas, é
simplesmente um tipo de incomunicabilidade e a capacidade de me
desligar dele.
(Alberto Moravia, 1960)

Resumo
Despersonalização é um estado subjetivo de irrealidade no qual ocorre uma
sensação de estranhamento, seja do self ou do ambiente externo. Frequentemente
é acompanhado de sintomas de desrealização, termo que denota o sentimento
semelhante de irrealidade em relação à consciência do mundo externo. A
atribuição desta sensação de irrealidade a uma parte específica do corpo é
chamada de dessomatização. Podem ocorrer experiências de alteração no
tamanho ou qualidade, como por exemplo, sensação de aumento ou diminuição,
vazio ou separação, ou de se estar cheio de água ou espuma. O termo
embotamento afetivo é empregado para descrever a perda consistente da
capacidade de sentir emoção, de maneira que a pessoa parece incapaz de chorar,
amar ou odiar. Tais experiências são associadas a ansiedade, transtornos de
humor, doenças orgânicas como epilepsia e lesões cerebrais traumáticas. A
despersonalização também pode ser desencadeada pelo uso de cannabis,
alucinógenos, ecstasy e álcool, podendo ser uma experiência de curta ou longa
duração, mas invariavelmente angustiante para o paciente.

Definições e Descrições
Despersonalização é o termo empregado para descrever uma alteração peculiar
na consciência do self, em que o indivíduo sente como se ele fosse irreal
(Sedman, 1972). É melhor reservar o uso da palavra a esta sensação de como se,
em vez da experiência de irrealidade que ocorre na psicose. O termo “como se” é
usado pelo paciente para demonstrar que ele não está usando as palavras no seu
sentido literal (como ele poderia saber como seria não “se encaixar no mundo”
quando todas as suas experiências foram no mundo?). Desta forma, “como se” é
a melhor maneira de expressar a incerteza e nos pintar um quadro da situação.
Considera-se que, após depressão e ansiedade, a despersonalização é o sintoma
mais frequente que ocorre na psiquiatria (Stewart, 1964) e as estimativas de
prevalência de 12 meses de despersonalização e desrealização em uma
população rural são colocadas em 19,1% e 14,4% (Aderibigbe et al., 2001).
Schilder (1928), cuja monografia clássica de 1914 foi determinante no estudo
da despersonalização, escreveu:

Para o indivíduo despersonalizado, o mundo parece estranho, peculiar,


alheio, como um sonho. Os objetos parecem estranhamente pequenos,
às vezes achatados. Os sons parecem vir de longe. As características
táteis dos objetos também parecem muito diferentes. Os pacientes
descrevem suas imagens como pálidas, sem cor e alguns dizem que
perderam completamente a capacidade de imaginação. As emoções
também sofrem grandes alterações. Os pacientes se queixam de não
conseguir sentir nem dor nem prazer; amor e ódio morreram para eles.
Eles vivenciam uma mudança radical de personalidade e no extremo se
queixam de não se conhecerem mais. É como se estivessem mortos,
sem vida, meros autômatos.

A despersonalização foi definida por Fewtrell (1986) como um estado


subjetivo de irrealidade no qual há uma sensação de estranhamento, do self ou do
ambiente externo.
Ackner (1954) propôs uma definição mais abrangente, com as seguintes
características:
▪ A despersonalização é sempre subjetiva: é um transtorno de experiência.
▪ A experiência é a de uma mudança interna ou externa, caracterizada por uma
sensação de estranheza ou irrealidade.
▪ A experiência é desagradável.
▪ Qualquer função mental pode ser o alvo desta alteração, mas sempre com o
envolvimento de afeto.
▪ O insight é preservado.
As seguintes características são excluídas da despersonalização:
▪ A experiência de irrealidade do self quando há elaboração delirante.
▪ As alterações dos limites do eu na esquizofrenia.
▪ A perda ou atenuação de identidade pessoal.
Sierra e Berrios (2001) propuseram uma descrição ainda mais abrangente,
cujos sintomas são listados no Quadro 13.1.

Quadr o 13.1 Componentes da despersonalização.


▪ Amortecimento emocional
▪ Alterações na experiência corporal
▪ Alterações na experiência visual
▪ Alterações na experiência auditiva
▪ Alterações na experiência tátil
▪ Alterações na experiência gustativa
▪ Mudança na experiência olfativa
▪ Perda da sensação de agente
▪ Distorções na experiência do tempo
▪ Mudanças na experiência subjetiva da memória
▪ Sensações de pensamento vazio
▪ Sensações subjetivas de incapacidade de evocar imagens
▪ Auto-observação aumentada
(De Sierra e Berrios, 2001, com permissão.)

A relação entre despersonalização e diversos aspectos teóricos de


autopercepção na fenomenologia foi revisada por Mellor (1988), que discute as
influências de Jaspers (1959), Mayer-Gross (1935), Schilder (1920) e Schneider
(1958) sobre o conceito. Mellor relata a frequência da condição e a variedade de
diferentes transtornos psiquiátricos com os quais pode estar associadas:
síndromes orgânicas, como lesões cerebrais traumáticas (Grigsby e Kaye, 1993),
epilepsia e enxaqueca (Lambert et al., 2002), cannabis, alucinógenos e ecstasy
(Matthew et al., 1993; Simeon et al., 2009), e é associada a transtornos de
ansiosos ou do humor (Simeon et al., 1997; Michal et al., 2005). A intensidade
da depressão certamente se correlaciona com a despersonalização e foi
observada em 75% de pacientes deprimidos com anedonia (Zikić et al., 2009).
Embora os sintomas tenham sido descritos muito antes, o termo foi
empregado por Heymans (1904) e por Dugas e Moutier em 1911. As primeiras
teorias envolvem o sistema sensorial, mas perda de humor e de sentimentos
também foi descrita de forma proeminente (Sierra e Berrios, 1997). A
despersonalização é frequentemente acompanhada do sintoma de desrealização,
termo cunhado por Mapother (1935) para expressar alteração semelhante na
consciência do mundo externo. Despersonalização e desrealização geralmente
andam lado a lado, pois o eu e seu ambiente são vivenciados como um todo
contínuo. Entretanto, nos casos de Mayer-Gross, cerca de ¼ dos pacientes
tinham despersonalização sem desrealização e 15% apenas desrealização.
Quanto menos o paciente se dá por certo, mais estranho e não familiar o mundo
se torna (Scharfetter, 1980). Uma paciente jovem disse:

Era como se eu não me encaixasse no mundo (...) Quando eu via a lua,


parecia que eu não ia aguentar. Um dia ela não estava lá e no outro dia
aparecia. Eu a vi e fiquei acabada (...) Eu sentia que não queria estar
viva porque eu não me relacionava com nada. Parecia que eu estava
fora de tudo e comecei a chorar. Eu não aguentava o sofrimento e a dor.
Parecia que eu nunca me sentiria parte de nada.

É importante notar que a despersonalização, como experiência, assim como


outros fenômenos não psicóticos, também ocorre com pessoas saudáveis.
Algumas pessoas podem ter a sensação de “não serem elas mesmas (...) olhando
para dentro de si externamente”, sem qualquer provocação. Outras podem passar
pela experiência em momentos de fortes estímulos emocionais ou crise de vida
de qualquer importância: felicidade extrema, paixão, a perda no luto, medo
intenso e raiva. A autodescrição da despersonalização é semelhante
independentemente do contexto.
Existe uma situação específica, que não ocorre na despersonalização, na qual
pessoas saudáveis (principalmente crianças) podem sofrer espontaneamente em
casos de fadiga, privação de sono ou privação sensorial, sendo descrita como
uma experiência extremamente desagradável e angustiante (Ackner, 1954). Pode
ser, inclusive, o pior sintoma em um transtorno afetivo. Uma jovem casada disse:

“Eu me sinto muito esquisita na cabeça. Muito atormentada. Minha


mente não me deixa em paz. É o que está em volta; eu não consigo ter a
minha mente só para mim. Era como seu eu fosse cair. Como se eu
estivesse perdida no nevoeiro. É como se eu não estivesse na minha
cabeça. Eu me sinto adormecida.”

O sintoma pode ser descrito de diversas formas e frequentemente é impossível


distinguir despersonalização de desrealização: “tudo parecia estar se afastando
de mim”. As cinco qualidades da experiência do self descritas no Capítulo 12
podem estar envolvidas na descrição de sintomas, embora sempre com esse
caráter de como se: vitalidade, atividade, unidade, identidade (continuidade) e
limites do eu. Em praticamente todos os casos há outras evidências de transtorno
de depressão, ansiedade ou ambos. Além desses, um sintoma muito prevalente é
a perda de autoestima: “eu me sinto irreal, plano, como se não estivesse
realmente aqui, menos pessoa, como se eu não conseguisse me mexer e ficasse
empacado”; por isso, a sensação de irrealidade de si mesmo ou do ambiente tem
implicações nos relacionamentos. O paciente se sente irreal e “isolado”, com
uma barreira à comunicação normal.
Aqui é importante salientar a diferença entre despersonalização como sintoma,
que ocorre em diversas condições psiquiátricas ou mesmo na ausência de
transtornos, e despersonalização como síndrome. Sierra e Berrios (2001) fizeram
uma descrição detalhada dos sintomas do transtorno de despersonalização,
baseada nas descrições clássicas de autores dos séculos XIX e início do XX e
listaram os quatro sintomas mais prevalentes para diagnóstico: amortecimento
emocional, alterações na percepção visual, alterações na experiência do corpo e
perda do senso de agente. Em estudo mais recente, Simeon et al. (2008)
demonstraram que a Cambridge Depersonalization Scale (Sierra e
Berrios, 2000) gerou cinco fatores: amortecimento, irrealidade do self, alterações
de percepção, irrealidade do que está em volta e desintegração temporal. Além
disso, pacientes com despersonalização parecem ter prejuízo da capacidade de
gerar imagens visuais quando comparados a controles normais. No entanto, essas
pessoas com prejuízo de imagens não exibiam anormalidade nos processos de
percepção avaliados com uma bateria de testes de percepção visual (Lambert
et al., 2001).
Os seguintes sintomas são ocasionalmente incluídos na descrição de
despersonalização, mas, para fins de clareza, devem ser separados e
considerados fenômenos psicopatológicos diferentes: perturbações da imagem
ou esquema corporal, transtorno da sensação subjetiva do tempo, preocupação
hipocondríaca, déjà vu ou metamorfopsia (a distorção de objetos visualmente
percebidos). Podem ser descritas pelo mesmo indivíduo e ocorrer como sintomas
da síndrome de despersonalização. A inclusão de experiências de passividade
esquizofrênica dentro do termo “despersonalização” feita por Langfeldt (1960) é
confusa e tais experiências devem ser excluídas da despersonalização, tanto
como sintoma quanto como transtorno.

A experiência subjetiva de despersonalização


A despersonalização é difícil de ser retratada pelo médico e também
extremamente difícil de ser descrita pelo paciente; este, frequentemente, introduz
suas tentativas de descrição com afirmações algo constrangidas como: “às vezes
acho que estou ficando louco” ou “você vai me achar muito estranho quando lhe
contar isso, doutor, mas (...)”. Segue-se uma lista hesitante e perplexa de
experiências desordenadas e desagradáveis que o paciente considera únicas, para
as quais é incapaz de construir metáforas satisfatórias. Como não consegue
descrevê-las, o paciente acredita que os outros irão achar que os sintomas são
falsos ou flagrante evidência de loucura iminente, de forma que os omite do
relato inicial, embora sejam muito comuns em pacientes psiquiátricos e causem
enorme sofrimento. Despersonalização é o sintoma sofrido pelo paciente que se
sente alterado ou de alguma forma deficiente; desrealização é o sintoma
equivalente para as experiências fora de si, ou seja, as experiências do mundo
externo. Já que não existe um limite definido e determinado que contenha o self,
não é fácil determinar se o transtorno é de despersonalização ou desrealização.
Mas isso não é tão importante: elas se mesclam e se sobrepõem e são
frequentemente incluídas no termo despersonalização.
Há sempre mudança de humor na despersonalização: o paciente perde o
sentimento de familiaridade que tem de si mesmo ou do mundo fora dele. Ele
pode dizer que se sente como uma marionete: vazio, distanciado e estranho; de
fora; sem envolvimento com a vida; não ele mesmo; como um fantasma, não
sólido; um estranho para ele mesmo; perda da emoção. De modo semelhante, na
desrealização, ele pode descrever seu ambiente como embotado, com cores
desbotadas, menor, distante, nublado, semelhante a um sonho, parado, “nada a
ver comigo” e também com falta de relevância emocional.
Embora seja comum, para o paciente é tão obscura e desagradável que,
quando a descrição de sintomas é interrompida pela hesitação do paciente, deve-
se conduzir as perguntas levando em conta possíveis sintomas de
despersonalização. No mais das vezes, seu alívio em encontrar alguém pronto a
escutar e compreender é enorme. Schilder (1935) descreveu esses sintomas da
seguinte maneira:

Em um caso de despersonalização, a pessoa se sente completamente


diferente do que era antes. Esta mudança está presente tanto no eu
(self) quanto no mundo externo e a pessoa não se reconhece como
personalidade. Seus atos lhe parecem automáticos. Ele observa seus
atos e comportamento da perspectiva de um observador. O mundo
externo é alheio e novo e não é tão real quanto antes.

Schilder usa a palavra personalidade para se referir à pessoa inteira e não


apenas à personalidade no sentido moderno da palavra. Esta consciência alterada
do self e suas relações com o ambiente é sempre vivenciada como algo
extremamente desagradável.
A localização desse sintoma em determinado órgão é chamada de
dessomatização. Há muitos e diferentes parâmetros possíveis na consciência de
diferentes órgãos: mudanças de tamanho ou qualidade, como por exemplo,
parecendo grande ou muito pequeno, vazio ou separado, ou cheio de água ou
espuma. O paciente pode ter a sensação de que suas pernas não têm peso, de
flutuar ou de simplesmente ser estranho. Koro, um transtorno relacionado com a
cultura descrito por Yap (1965), às vezes é descrito como um exemplo de
despersonalização, sendo melhor considerar esta condição como uma
manifestação cultural específica de ansiedade aguda, na qual o paciente acredita
que seu pênis está encolhendo e teme que acabe desaparecendo. Ao mesmo
tempo em que pode haver associação da sensação de irrealidade e de observação
do drama na qualidade de observador, a anormalidade primária é a de intensa
ansiedade.
A alteração na sensação do corpo ou despersonalização pode estar associada
com distorções do sentido de tempo, quando a passagem do tempo parece, de
algum modo, alterada: “o tempo, tanto passado quanto presente, parece um tanto
irreal pra mim, como se nunca tivesse acontecido e nunca fosse acontecer”.
O termo embotamento afetivo tem sido empregado para descrever a perda
consistente da capacidade de sentir emoção, de modo que a pessoa parece
incapaz de chorar, amar ou odiar (Anônimo, 1972). Um paciente diz, “estou
ficando louco da cabeça”; com mais perguntas, se descobre que ele acha seus
próprios processos mentais estranhos. A sensação de familiaridade que ocorre
quando a pessoa percebe objetos já conhecidos (abrir a porta da frente de casa e
olhar para dentro) também ocorre quando a pessoa faz uma introspecção em seus
próprios pensamentos (lembrando ou fantasiando meu hall de entrada). Eu sei o
que há na sala, em pensamento; eu sei o que vou achar de cada objeto, pois é
improvável que seja muito diferente do que pensei da última vez. Também sei,
em termos gerais, o que pensarei sobre mim mesmo em virtude de experiência
anterior. Esta suposta certeza desaparece; a perda de familiaridade de si mesmo
que ocorre na despersonalização, ou do fora de si mesmo na desrealização, é
semelhante à anormalidade da sensação de familiaridade que ocorre no jamais
vu (quando não existe a sensação de ter visto anteriormente um objeto bem
conhecido) e seu oposto, o déjà vu (quando um objeto ou experiências estranhas
parecem familiares). Esta associação entre as experiências subjetivas na
despersonalização e os fenômenos de déjà vu (incluindo jamais vu) e suas
origens comuns na alteração do sentimento de familiaridade são conhecidos
desde o trabalho de Heymans no início do século passado (Sno e
Draaisma, 1993).
Como outros aspectos da autoexperiência, a despersonalização possui
aspectos sociais e situacionais. Frequentemente, a pessoa sente que é menos
capaz de aceitar a si mesma, sua personalidade ou seu comportamento, do que as
outras pessoas aceitam os seus próprios. Ela considera que os sentimentos sobre
si mesma, sua perda da realidade, é única. Esta é uma barreira para a
apresentação do relato dos seus sintomas e isto, por sua vez, é uma barreira à
comunicação em todas as áreas da vida. Ela se sente diferente, isolada e afastada
dos outros, por isso é uma experiência individual, mas tem consequências sociais
significativas.
A despersonalização pode ocorrer em crises de duração variada, indo de
alguns segundos a meses. Tipicamente, no transtorno de despersonalização o
estado alterado dura algumas horas, na epilepsia do lobo temporal alguns
minutos e no transtorno de ansiedade alguns segundos. A melhora geralmente se
manifesta inicialmente mais pelo aumento gradual do tempo livre de sintomas do
que pela redução dos sintomas em si, mas pode se apresentar como um curso
crônico, sem remissão. O início pode ser insidioso e sem causa inicial conhecida,
ou pode ser em resposta a um estímulo. Os fatores precipitantes imediatos mais
comuns são estresse agudo, depressão, pânico e ingestão de maconha (Simeon
et al., 2003).
Um homem de meia-idade, que descreveu sua despersonalização “como algo
sobrenatural – meu corpo se separou de mim – uma sensação de perda”,
recordou vividamente sua primeira crise, aos 11 anos, quando passava por uma
anestesia para a redução de uma fratura. Crises subsequentes pareciam
semelhantes apesar da ausência de provocação. Ele também havia tido ataques
de paralisia do sono desde os 25 anos e descobriu que se mantendo acordado até
que estivesse muito cansado dormia mais rapidamente, e evitava a sensação.
Outro homem estava muito estressado por suas condições de trabalho
inadequadas, com muitas horas de trabalho, empregador hostil e o difícil trajeto
de carro até o trabalho. Em uma manhã de inverno, ele dirigia em forte neblina e
trânsito intenso nas estradas bloqueadas por acidentes, quando finalmente sofreu
um lapso de memória por 24 horas, durante as quais não se lembrava de ter
dirigido até outra cidade, se registrado em um hotel, pedido uma refeição,
guardado cuidadosamente suas roupas e ido deitar. Sua próxima lembrança foi a
de chegar ao hospital no dia seguinte. Depois disso ele se manteve
despersonalizado durante anos e sua esposa dizia que ele “não é o homem com
quem eu me casei; é como o seu irmão gêmeo”.
Frequentemente, a despersonalização é situacional, tanto em seu contexto
original quanto nas ocorrências repetidas. Os fatores comumente associados à
exacerbação dos sintomas são afetos negativos, estresse, interação social
percebida como ameaça e ambientes não familiares (Simeon et al., 2003).
Muitos policiais que se envolveram em um grande incidente em um campo de
futebol descreveram despersonalização, entre outros sintomas de estresse pós-
traumático, às vezes com a duração de anos (Sims e Sims, 1998). Um homem
descreveu se sentir “desligado (...) Eu sentia que não estava mais neste planeta”.
Uma vez que a despersonalização ocorre em momentos de grande estresse, ela
pode ocorrer com aqueles que tiveram comportamento antissocial, como por
exemplo, um crime violento, bem como na vítima. Rix e Clarkson (1994)
relatam o caso de um homem que agrediu cruelmente sua esposa com uma
grande chave inglesa: “Era como se fosse um sonho ou um pesadelo. Percebi
mais tarde o que eu tinha feito, mas naquele momento era como se eu não
estivesse lá.” Considerou-se que a despersonalização neste caso estava ligada à
dissociação, que embora representasse a alteração na autoexperiência do
indivíduo, não afetava sua vontade ou intenção.
Embora nos dois casos descritos acima a despersonalização estivesse ligada à
dissociação, é importante que as duas experiências sejam consideradas
fenômenos distintos. Evidência empírica também sugere que essas experiências,
mesmo quando associadas, são diferentes e não estão em um contínuo (Putnam
et al., 1996; Simeon et al., 1998). Tampouco a despersonalização ocorre com
maior frequência em transtornos dissociativos crônicos, como o transtorno
dissociativo de identidade, antes conhecido como transtorno de personalidades
múltiplas no DSM-IV (Ross, 1997).
Episódios autoinduzidos de despersonalização, como um sintoma
desagradável, também foram registrados após determinados padrões de
comportamento; Kennedy (1976) descreveu despersonalização autoinduzida que
persistia como uma queixa após meditação e ioga.

Teorias Orgânicas e Psicológicas


As teorias que explicam a ocorrência de despersonalização, incluindo a orgânica,
a psicológica, a psicanalítica e aquela que a relacionam com a esquizofrenia,
foram revisadas por Sedman (1970). A despersonalização é citada
consistentemente como um sintoma comum associado a estados orgânicos,
principalmente epilepsia do lobo temporal (Sedman e Kenna, 1965). Isto se
baseia na afirmação de Mayer-Gross (1935) de que a despersonalização é uma
resposta funcional pré-formada do cérebro, ou seja, é um mecanismo não
específico que resulta de diversas influências sobre o cérebro, que ocorre de uma
maneira idiossincrática em indivíduos de forma semelhante aos ataques
epiléticos ou delirium. Neste sentido, ele estava seguindo os conceitos
neurofisiológicos hierárquicos de John Hughlings Jackson (1884), que
considerava que os níveis mais altos de função cerebral se perdiam em primeiro
ligar, mantendo a atividade dos níveis inferiores inalterada.
As teorias orgânicas que se propõem a explicar a despersonalização sugerem
que a alteração da consciência age como um mecanismo de liberação.
Entretanto, em revisão da literatura, Sedman (1970) demonstrou que mesmo em
diversas formas de psicossíndromes orgânicas, a incidência de fenômenos de
despersonalização era semelhante àquela encontrada na população em geral,
entre 25% e 50%; nas psicoses orgânicas crônicas mais graves a taxa era inferior.
Em uma série de estudos, não foi demonstrada qualquer relação quantitativa
entre o grau de torpor (isto é, o estágio que vai do alerta total até a
inconsciência) e o desenvolvimento de despersonalização. O estudo do
desempenho de indivíduos com despersonalização em testes psicossomáticos
não revelou evidências que corroborassem uma relação específica entre turvação
da consciência e despersonalização. Parecia haver muitos indivíduos que, apesar
de diversos tipos de lesões cerebrais, nunca desenvolveram a despersonalização.
A partir desta informação Sedman (1970) concluiu que:

é provável que haja um mecanismo pré-formado embutido em


aproximadamente 40% da população para desenvolvimento de
despersonalização; que os fatores que iniciam esta resposta não sejam
especificamente aqueles associados à turvação da consciência; ou nos
quais a turvação da consciência parece estar exercendo um papel, é
provável que outro fator comum mais relevante esteja presente.

Assim, a relação entre despersonalização e a patologia cerebral ainda não é


clara. A despersonalização certamente não é patognomônica de doenças
orgânicas; na verdade, não há qualquer anormalidade orgânica ou psicótica na
vasta maioria das pessoas afetadas.
O estado de alerta aumentado observado na despersonalização é considerado
por Sierra e Berrios (1998) o resultado da ativação dos sistemas de atenção pré-
frontais e inibição recíproca do giro cingulado anterior, levando a experiências
de “esvaziamento da mente” e “indiferença à dor”. A falta de colorido
emocional, relatada como sensação de irrealidade, seria causada por um
mecanismo pré-frontal esquerdo com inibição da amígdala. Outros autores
descrevem ativação do hemisfério frontotemporal esquerdo combinada com
menor perfusão do núcleo caudado (Hollander et al., 1992; Phillips e Sierra,
2003).
Às vezes a despersonalização é associada a estados orgânicos autoinduzidos,
podendo ocorrer após a ingestão de álcool ou drogas, principalmente
psicomiméticos como o LSD (Sedman e Kenna, 1964), mescalina, maconha ou
canábis (Szymanski, 1981; Carney et al., 1984; Simeon et al., 2009) e com a
privação sensorial. Ela também é descrita como um efeito colateral de drogas
psicotrópicas prescritas, como os antidepressivos tricíclicos, mas devido à
associação comum entre despersonalização e depressão, nem sempre é possível
atribuir a causa.
Achados neuroquímicos identificaram o possível envolvimento de vias
serotonérgicas, de opioides endógenos e glutamatérgicas (NMDA). Além disso,
há evidências de alterações metabólicas abrangentes nas áreas corticais de
associação sensorial, bem como hiperativação pré-frontal e inibição límbica em
resposta a estímulos aversivos (Simeon, 2004). Ademais, existe associação com
traumas interpessoais de infância, principalmente maus-tratos emocionais
(Simeon et al., 2001; Simeon, 2004).

Despersonalização: Considerações adicionais


Muito se tem discutido se a despersonalização pode ser distinguida dos
transtornos de autoimagem descritos no Capítulo 12, que ocorrem na
esquizofrenia. De fato, as experiências de passividade foram até descritas como
uma variação de despersonalização. Entretanto, Meyer (1956), citado por
Sedman (1970), diferenciou as perturbações do eu esquizofrênico da
despersonalização em termos fenomenológicos, ou seja, em termos da descrição
do próprio paciente quanto à sua experiência interna. Naturalmente, sabemos
bem que verdadeiros sintomas de despersonalização realmente ocorrem em
pacientes esquizofrênicos, principalmente nos primeiros estágios do transtorno,
juntamente com psicopatologia esquizofrênica definitiva.
Despersonalização é descrita com frequência no transtorno maníaco-
depressivo; entretanto, os sintomas apenas ocorrem na fase depressiva e não há
referência a ocorrências da despersonalização na fase maníaca (Sedman, 1970).
Anderson (1938) considerou que os estados de êxtase que ocorrem nos
transtornos maníaco-depressivos eram o inverso de despersonalização e que,
enquanto os primeiros ocorriam na mania, a última ocorria na depressão.
Sedman (1972), em uma investigação de três grupos equiparados, cada um com
18 sujeitos com despersonalização e sintomas depressivos e de ansiedade,
considerou que os resultados salientavam a importância do humor deprimido na
despersonalização, enquanto a ansiedade parecia não trazer em si qualquer
relação significativa.
Muitos outros autores têm salientado a estreita associação entre os sintomas
de despersonalização e ansiedade. Por exemplo, Roth (1959, 1960) descreveu a
síndrome de despersonalização da ansiedade fóbica como uma entidade
nosológica separada, mas a viu como uma forma de ansiedade sobre a qual os
sintomas adicionais são sobrepostos em um determinado grupo de indivíduos.
Ele considerou a despersonalização como sendo mais comum em transtornos de
ansiedade do que em outros transtornos afetivos, como por exemplo, depressão.
Os sintomas fóbicos geralmente têm natureza agorafóbica. O paciente, mais
frequentemente mulher, casada e na terceira década da vida, sente um grande
medo de ser notada de forma constrangedora em público; por exemplo, de
desmaiar ou passar mal em um ônibus ou no supermercado. O medo de sair de
casa desacompanhada se desenvolve logo a seguir, de modo que a paciente se
sente amedrontada por estar distante do ambiente familiar sem alguma figura de
suporte à qual possa recorrer. Ela pode ser incapaz de sair de casa, mesmo
acompanhada do marido; pode sentir pânico quando sozinha em sua casa e,
portanto, impede a ida dos filhos à escola, um potencial fator precipitante da
recusa de ir à escola.
O sintoma de tontura é uma queixa muito comum e quase sempre resulta em
encaminhamento para serviços de otorrinolaringologia. Fewtrell e O’Connor
(1989) discutem dois possíveis modelos da relação desta condição com a
despersonalização: um é que a tontura e a despersonalização são a mesma
experiência, descrita de forma diferente; o outro, uma hipótese bipolar, propõe
que as duas experiências formam opostos extremos de uma dimensão que
descreve relações perturbadas entre indivíduo/mundo exterior.
Embora a despersonalização seja comumente descrita em associação com a
agorafobia, outros estados fóbicos, síndrome do pânico, diversos tipos de
condições depressivas, estresse pós-traumático e outras condições não psicóticas,
ela também pode ocorrer como síndrome pura de despersonalização, e Davison
(1964) descreveu a despersonalização episódica, na qual outros fatores
etiológicos ou transtornos comórbidos não são proeminentes.
Na teoria psicanalítica, a despersonalização assumiu um significado bastante
diferente e, portanto, suas origens têm diferentes explicações. Os psicanalistas
têm se preocupado menos com a descrição dos fenômenos do que com o
conceito subjacente de alienação do eu. No trabalho da escola existencialista,
tipificado por Binswanger (1963), discute-se ainda a despersonalização do
homem.

Esta despersonalização já foi tão longe que o psiquiatra (ainda mais do


que o psicanalista) não pode mais simplesmente dizer: “eu”, “você”, ou
“ele” quer, deseja, etc., as únicas frases que corresponderiam aos fatos
fenomenológicos. Em vez disso, conceitos teóricos o dispõem a falar do
meu, teu ou seu Eu, que deseja algo. Nesta despersonalização, vemos
em funcionamento aquele aspecto das bases de fundação da psiquiatria
mais conflitante com qualquer tentativa de estabelecimento de uma
psicologia genuína. Uma explicação desta influência perniciosa não
precisaria ir além da tarefa claramente reconhecida a que a psiquiatria,
desde Griesinger, se propôs – ou seja, a de criar uma psicologia que, por
um lado, sirva para trazer um complexo funcional reificado para uma
relação com um “órgão” material, mas que, por outro lado, permita que
este órgão em si seja dividido e compreendido em termos de suas
funções.

Este claramente é um sentido bastante diferente da palavra fenomenológico,


tal qual utilizado neste capítulo.
A penosa experiência de despersonalização, com uma sensação de irrealidade,
continua a ser essencial para a descrição dos transtornos do self. A perturbação
pode ser de causa orgânica ou ambiental, psicótica ou existencial. O interesse
sobre a experiência do self e do ambiente, na maioria das vezes, ocorre
simultaneamente.

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CAPÍTULO 14

Alterações da Consciência Corporal

Junto com medo e sofrimento, “arrotos agudos, grosserias plenas, calor


nas entranhas, gases e ronco nas tripas, queixas veementes, às vezes
dor na barriga e no estômago após ingestão de carne preparada de
forma elaborada, muita água no estômago e muita salivação, suor frio”.
Robert Burton (1577–1640), The Anatomy of Melancholia (1628)

Para alguns, a má saúde é uma forma de importância, Outros são


estoicos, alguns são fanáticos, que não sossegam até que passem pela
faca.
W.H. Auden (1969)

Resumo
O corpo é a manifestação física do ser individual. É a interface material,
corporal, com o mundo exterior. O mundo é vivenciado através dos sentidos do
corpo, que também é, ele próprio, vivenciado como um objeto no mundo. Neste
capítulo iremos examinar:
1. Transtornos de crenças sobre o corpo, inclusive crenças em doenças,
enfermidades e morte.
2. Transtornos de função corporal, inclusive perda da função sensorial, motor
ou cognitiva, que ocorre nos transtornos de conversão e dissociativos.
3. Transtornos da experiência das características físicas do corpo e do valor
emocional e estético.
4. Transtornos complexos da consciência sensorial do corpo que quase
exclusivamente têm como causa lesões neurológicas.
Apesar das diferenças entre essas experiências anormais, o que as une em um
aspecto coerente da psicopatologia é que o corpo, a maneira como é vivenciado,
é o fator central.
A fisicalidade do corpo é permanente: há densidade, massa, movimento, ação,
velocidade, posição, calor, frio e vários graus de toque, dor e assim por diante.
Desde Descartes (1596–1650), a relação entre mente e corpo tem estimulado
muita investigação e discussão. A proposta original de Descartes é a de que
mente e corpo são distintos e diferentes; além disso, que a mente pode existir
sem o corpo. Outras teorias buscam explicar a natureza da mente e do corpo. As
teorias materialistas sustentam que o corpo é tudo o que há e variações destas
teorias representam a mente de diversas formas, enquanto as teorias idealistas
levantam o argumento oposto, de que a mente é tudo que existe. O fato de
diversas descrições de humor, cognição, vontade e outras funções psicológicas
serem expressas em termos físicos – “coração pesado”, “cabeça dura”, “culhões
e determinação” e “frio na barriga” – demonstra a relação inextricável entre
mente e corpo e enfatiza como o corpo pode se tornar uma forma de comunicar
sofrimento e metáforas corporais para expressar sentimentos, de forma
consciente ou inconsciente. Não se sabe se essas metáforas resultam de
manifestações físicas do sofrimento emocional ou se a linguagem, isto é, a
metáfora, estrutura a experiência. O certo é que não há divisão entre a
experiência subjetiva do self e do corpo. Uma menina de 10 anos expressou essa
relação da seguinte maneira: “Você se sente melhor quando faz o dever de casa;
se não faz, fica com uma dor horrível no estômago.” Por fim, já que corpo em si
é um objeto no mundo, ele habita um mundo de valores e normas no qual há
corpos “bons” e “ruins”, corpos “desejáveis” e “indesejáveis”, além do subgrupo
estético, corpos “bonitos” e “feios”. Isto significa que as pessoas encaram o
próprio corpo e o dos outros com uma atitude: elas avaliam os corpos segundo
um conjunto de crenças e expectativas, julgam e agem em relação ao corpo com
aprovação ou desaprovação.
A fim de formarmos uma estrutura coesa para conceituar os transtornos do self
e as diversas anormalidades de imagem corporal devemos aplicar os métodos da
psicopatologia descritiva. O Capitulo 12 abordou a natureza e a patologia da
experiência do self. Este capítulo é voltado aos transtornos da consciência do
corpo.

Classificação
Cutting (1997) fornece um bom panorama da classificação das alterações da
consciência do corpo, que foi adaptada para este capítulo. (Tabela 14.1), que
abrange crenças sobre enfermidades, doenças e morte (ver a seguir). Este grupo
também inclui os transtornos de insatisfação com o corpo, que ocorrem nos
transtornos alimentares. A melhor forma de compreender essas insatisfações com
o corpo é considerá-las o resultado de avaliações cognitivas negativas, ou seja,
crenças sobre o corpo. Em seguida temos os transtornos da função corporal, que
abrangem a perda de funções sensoriais, motoras ou cognitivas, encontradas nos
transtornos dissociativos. Também podem ocorrer transtornos referentes à
experiência das características físicas do corpo, como transtornos da experiência
do tamanho, forma, estrutura ou peso do corpo. E, por fim, existem transtornos
complexos da experiência sensorial do corpo que quase exclusivamente são
resultado de lesões neurológicas.

Tabela 14.1
Classificação do distúrbio da consciência do corpo

Classificação Detalhes

Crenças sobre o corpo


Enfermidade e doença Sintomas hipocondríacos
Insatisfação com o corpo Discrepância entre o peso real e o peso ideal do corpo
Função do corpo
Déficit sensorial Por exemplo: perda sensorial dissociativa (cegueira)
Experiência das características físicas do corpo
Tamanho Microsomatognosia, macrosomatognosia e perturbação da imagem corporal
Forma “Meu maxilar está deformado”
Cor A cor da pele pode ser vivenciada como mais clara
Estrutura Meus pulmões estão conectados ao meu abdome
Peso Sensação de leveza ou peso
Experiência do valor emocional do corpo
Supervalorização anosognósica Exagero da força do corpo
Misoplegia Ódio a uma parte do corpo
Dismorfofobia Sentimento de feiura ou defeito do corpo ou parte dele
Experiência da consciência sensorial do corpo e do mundo
Palinaptia Persistência da sensação além da duração do contato com estímulo
Exosomestesia Sensação cutânea no espaço extrapessoal
Alestesia Experiência de sensação do lado oposto ao estímulo

(De Cutting, 1997, p. 317, com permissão da Oxford University Press.)


Alterações de Crenças sobre o Corpo (Queixa
Corporal sem Causa Orgânica)
Não é fácil classificar esses transtornos, em parte porque os sintomas têm origem
obscura e em parte porque há diferentes bases teóricas para os termos
empregados. Por exemplo, histeria de conversão se refere à suposta conversão
inconsciente de um afeto inaceitável em um sintoma físico. Hipocondria designa
uma preocupação com sintomas e doenças que o observador externo considera
excessiva; o mesmo nível de preocupação ou queixa associada à patologia que o
médico considera justificada não é considerada hipocondríaca. Dismorfofobia é
um termo fenomenológico que designa a experiência subjetiva de insatisfação
com a forma ou formato corporal (Figura 14.1).

FIGURA 14.1 Transtorno de queixa corporal.

Hipocondria
A hipocondria descreve a consciência subjetiva e indevida de sintomas físicos
que são interpretados como sinais de doença grave. Ela é um sintoma, não uma
doença e pode se manifestar de diversas formas: uma dor leve ou desconforto
dominam a vida da pessoa e sua atenção; temores irracionais sobre a
probabilidade de desenvolver doença grave, e necessidade de adotar precauções
excessivas; interpretar incorretamente sinais benignos como se tivessem
importância patológica. Essas expressões de insatisfação podem ocorrer
individualmente ou em conjunto e podem afetar qualquer sistema corporal ou
processo psicológico. Os sintomas hipocondríacos são muito comuns,
geralmente transitórios e pequena parte deles chega aos consultórios médicos.
Somente uma proporção atípica desses pacientes é examinada por psiquiatras.
Existe uma diferença entre medo de doença sem sintomas físicos, e os temores
e sofrimento que não estão associados a sintomas físicos, mas que surgem
simplesmente da possibilidade de uma doença grave. Isto mostra a sobreposição
entre fobias de doença (medo irracional de desenvolver uma doença) e
hipocondria (preocupação com sintomas). O diagnóstico é difícil quando uma
pessoa comprovadamente portadora de patologia física se queixa excessivamente
sobre seus sintomas; suas queixas parecem ser desproporcionais ao sofrimento e
debilitação da doença antevistos. Exames e investigações médicas necessários e
totalmente rotineiros tendem a reforçar os sintomas do paciente. Os sintomas
somáticos sem patologia orgânica são muito comuns e podem decorrer de falta
de compreensão sobre a natureza e importância de atividade fisiológica agravada
pela emoção (Kellner, 1985). Os mecanismos subjacentes aos sintomas
hipocondríacos incluem interpretação incorreta de sensações corporais normais e
conversão de afeto desagradável, principalmente depressão, em sintomas físicos,
bem como a experiência de sintomas autonômicos diretamente causados por
transtornos de humor.
Explícita na identificação da hipocondria é a condição do próprio paciente.
Implícita, no entanto, é a atitude do médico que rotula seu paciente como
hipocondríaco e o considera doente. Em uma sociedade tão consciente da saúde
e aparência física, o paciente pode ter que se manifestar de forma hipocondríaca,
já que o médico somente presta atenção a queixas físicas. O que os sintomas
comunicam aos outros é um componente importante de todos os transtornos de
consciência corporal; a concentração nos aspectos subjetivos dos sintomas não
deve desviar a atenção de suas implicações sociais. A hipocondria não é uma
condição incomumente iatrogênica induzida pela falha do médico em ouvir seu
paciente e incapacidade de avaliar adequadamente os aspectos psicológicos que
contribuem para os sintomas.

O que é Hipocondria?
Por derivação, a palavra hipocôndrio se refere à área anatômica abaixo da caixa
torácica (Figura 14.2) e, portanto, disfunção do fígado ou baço. Palavras como
atrabiliário ou melancolia se referem à bile negra que se considerava associada
à queixa hipocondríaca e humor deprimido. Kenyon (1965) definiu hipocondria
como uma preocupação mórbida com o corpo ou estado de saúde.

FIGURA 14.2 O hipocôndrio.

A hipocondria é uma condição em si mesma, um sintoma ou uma síndrome,


um substantivo ou um adjetivo? É melhor considerar a hipocondria um sintoma e
não uma condição em si. Ela não é unitária como condição, e sim um transtorno
de conteúdo e não de forma. O conteúdo é a preocupação excessiva com a saúde,
tanto física quanto mental, e a interpretação da experiência subjetiva como
decorrente de doença grave, mas sua forma é bastante variável. Embora o termo
hipocondríaco seja mais bem empregado como descrição e não como unidade de
doença (Kenyon, 1976), os dois sistemas atuais de classificação incluem um
transtorno puramente hipocondríaco.
Barsky e Klerman (1983) consideram que a palavra hipocondria é empregada
para descrever quatro conceitos bastante distintos:
▪ Ela descreve uma síndrome psiquiátrica caracterizada por sintomas físicos
desproporcionais à doença orgânica comprovável, medo de doença e a
convicção de estar doente, preocupação com o próprio corpo e busca de
cuidados médicos.
▪ A hipocondria é vista psicodinamicamente como um derivativo de impulsos
agressivos ou orais, ou como defesa contra culpa ou baixa autoestima.
▪ Ela resulta de uma ampliação e aumento perceptivo e interpretação cognitiva
incorreta de sensações corporais normais.
▪ Ela é um comportamento de doença socialmente aprendido, apoiado pela
filosofia e prática da profissão médica.
Apenas o primeiro destes é de natureza psicopatológica, e estes conceitos não
são excludentes e estão todos presentes no indivíduo que sofre do transtorno em
diferentes níveis. Algumas pessoas têm um estilo somático para descrever sua
percepção do desconforto interno. Appleby (1987) aponta que o exame mais
atento revela uma tríade descritiva do paciente se convencendo de que tem uma
doença, a temendo, e preocupando-se com o seu corpo. Ele salienta que o
paciente precisa entender seus sintomas antes que se possa esperar melhora.
Bridges e Goldberg (1985) avaliaram a apresentação somática de transtorno
psiquiátrico na rede de assistência básica em uma série de 500 pacientes
enfermos, entre os 2.500 que foram atendidos. Seus critérios operacionais para
somatização foram os seguintes:
▪ Comportamento na consulta: busca de auxílio médico para manifestações
somáticas e ausência de sintomas psicológicos.
▪ Atribuição: o paciente considera que as manifestações somáticas são causadas
fisicamente.
▪ Transtorno psiquiátrico: diagnóstico psiquiátrico justificado por psiquiatras.
▪ Resposta à intervenção: o psiquiatra pesquisador acredita que o tratamento do
transtorno psiquiátrico beneficiaria os sintomas somáticos.
Esses autores consideram que a somatização é um modo comum de
apresentação de transtorno psiquiátrico e em parte explica a falha de médicos de
família em detectar transtornos psiquiátricos nos cuidados primários.
Tentar fazer a distinção entre elementos orgânicos e psicológicos da doença ou
entre doença mental e física é uma tarefa infrutífera, baseada em um modelo
ultrapassado e em uma distinção linguística equivocada (Kendell, 2001). O
conflito psicológico pode ser mediado por doença física e uma doença física
resulta em sequelas psicossociais. Ocorrem sintomas tanto somáticos quanto
psicológicos, sendo perfeitamente possível que um paciente tenha uma reação
hipocondríaca a uma doença orgânica claramente definida.
Um paciente que julga ter sintomas de doença os comunica a seus parentes e
também ao médico em uma solicitação tácita de auxílio e de um rótulo
(Parsons, 1951). A fim de chegar à atenção médica, a pessoa precisa realizar um
determinado conjunto de ações, ou seja, assumir comportamento de doença
(Mechanic, 1962, 1986), que inclui a maneira como os sintomas são
diferencialmente percebidos, avaliados e atuados em diferentes tipos de pessoa e
em diferentes situações sociais. Enquanto algumas pessoas podem ser capazes de
minimizar os sintomas, ignorá-los e evitar atenção médica, outros podem reagir
a uma dor trivial e desconforto buscando cuidados prontamente. Desta forma,
fica claro que características individuais e socioculturais determinam como o
indivíduo irá reagir aos sintomas.
Os determinantes individuais da hipocondria parecem incluir a preocupação
com as funções corporais ou com a ideia de abrigar uma doença, a ruminação
sobre doença, sugestionabilidade, medo injustificado de infecção, fascinação
com informações médicas e medo de medicação prescrita (Fink et al., 2004). O
medo da morte também parece fazer parte da hipocondria (Noyes et al., 2002b),
enquanto adversidades na infância (incluindo eventos traumáticos e doenças e
ferimentos graves) e o modelo parental do comportamento frente à doença na
infância são fatores de vulnerabilidade (Noyes et al., 2002a; Kirmayer and
Looper, 2006). Ansiedade (Olatunji et al., 2009) e asco (Davey, 2011) também
parecem ser subjacentes na hipocondria. Neste contexto, asco é visto como uma
emoção para evitar a doença, e propensão a asco e sensibilidade são vistos como
fatores de vulnerabilidade para uma série de transtornos, inclusive fobia a
sangue-injeção-ferimento e hipocondria. A cibercondria, um termo que se refere
a excessivas e repetitivas buscas na Internet relacionadas com a saúde, revela
aspectos de hipocondria que podem ter permanecido encobertos, aspectos estes
comportamentais que incluem buscas por informações de saúde sobre
transtornos diagnosticados e não diagnosticados, busca de descrições sobre a
experiência de outras pessoas com a doença, fóruns de discussão e grupos de
apoio. Entretanto, tais comportamentos apenas provocam mais angústia e
ansiedade (Muse et al., 2012; Starcevic e Berle, 2013).
Existem diferenças culturais muito acentuadas na apresentação de sintomas de
humor transtornado; a somatização de sofrimento emocional se aplica tanto na
ansiedade quanto na depressão (Rack, 1982). O predomínio da descrição de
sintomas somáticos em detrimento de sintomas de humor na doença depressiva
foi reportado na Índia, Paquistão, Bangladesh, Hong Kong, Índias Ocidentais e
diversos países africanos. Os motivos para isso incluem as expectativas que o
paciente tem sobre o que o médico pode fazer; uso de sintomas somáticos como
metáfora para o sofrimento e a não aceitação dos sintomas psicológicos pela
sociedade. O Bradford Somatic Inventory foi desenhado para fazer uma
comparação multiétnica da frequência de sintomas somáticos, sua localização
anatômica e sua associação com o transtorno psiquiátrico (Mumford
et al., 1991). Populações imigrantes do Paquistão no Reino Unido demonstram
mais sintomas somáticos no Bradford Somatic Inventory em relação à população
nativa. Esses sintomas estão associados a ansiedade e depressão determináveis,
medidas por meio de questionários validados (Farooq et al., 1995).

Psicopatologia do Paciente Hipocondríaco


O conteúdo da hipocondria é a preocupação excessiva com a saúde, tanto física
quanto mental. Possíveis formas da condição são listadas no Quadro 14.1. Essas
formas para o conteúdo da preocupação sobre câncer podem incluir as seguintes:
▪ Uma voz alucinatória pode dizer ao paciente “você tem câncer, você está
morrendo”.

Quadr o 14.1 Psicopatologia da hipocondria


▪ Alucinação
▪ Delírio secundário
▪ Delírio primário
▪ Ideia supervalorizada
▪ Ruminação obsessiva
▪ Ruminação depressiva
▪ Preocupação ansiosa
▪ Pode ocorrer um delírio secundário associado a doença afetiva; o paciente
acredita injustificadamente que tem câncer; ele não consegue aceitar as
afirmações tranquilizadoras do médico. A crença é compreensível em termos
do estado geral de humor deprimido do paciente. O fato de os delírios
secundários poderem estar associados a psicoses afetivas foi claramente
descrito por Cotard (1882): “Ela acusava a si própria e se sentia culpada.
Após alguns meses, ela começou a ter delírios hipocondríacos, acreditando
que não possuía estômago e que seus órgãos haviam sido destruídos; ela
atribuía essas crenças aos efeitos de um emético que realmente havia
tomado.” Esta associação de delírios hipocondríacos e niilistas com psicose
depressiva no idoso foi chamada de síndrome de Cotard.
▪ O delírio pode ser de natureza primária. Um paciente com esquizofrenia
acreditava que havia sido inoculado sob anestesia geral com um câncer
transmissível, porque outros o consideravam homossexual.
▪ A hipocondria frequentemente se manifesta como uma ideia supervalorizada.
A pessoa está constantemente preocupada com o risco de doença e a
necessidade de adotar precauções que seus amigos consideram ridículas,
como por exemplo, o ponto a que a pessoa chega para evitar um possível
carcinógeno. Ela considera perfeitamente razoável tomar os devidos
cuidados para manter sua saúde, mas concorda que suas medidas são
excessivas. Não consegue evitar o pensamento, dia e noite, se preocupando e
tentando evitar a doença. Esta ideia supervalorizada é considerada razoável
ou pelo menos não estranha à natureza da pessoa, mas ocupa a mente em
grau injustificado, sendo toda a energia e o ser direcionados para esta única
ideia.
▪ A ideia hipocondríaca pode assumir a forma de ruminação obsessiva, na qual
a possibilidade de determinada doença ou forma de palavras como “eu tenho
câncer” pode ocorrer com demasiada frequência. Isto é reconhecido tanto
como “estranho à minha natureza” quanto “vem de dentro de mim”. O
indivíduo resiste, mas ela ocorre repetidamente.
▪ Sem chegar a ser um delírio, os pacientes podem ter sintomas hipocondríacos
de natureza não específica no curso de episódio depressivo. Pode ser possível
confortá-los em relação a qualquer sintoma, mas isso não melhora seu humor
e nem evita a ocorrência de sintomas hipocondríacos adicionais na forma de
ruminação depressiva.
▪ No contexto de ansiedade crônica ou aguda, o paciente pode estar propenso a
uma multiplicidade de preocupações envolvendo doença e medo de doença.
As percepções sensoriais são interpretadas como sintomas; os sintomas são
interpretados como doença grave. A maior parte dos sintomas
hipocondríacos ocorrem em relação a ansiedade e depressão; as outras
formas de transtorno são muito menos frequentes.
Os sintomas corporais mais comuns na hipocondria são: musculoesqueléticos,
gastrointestinais, incluindo indigestão, constipação e outras preocupações com
mau funcionamento, e aqueles relacionados com o sistema nervoso central,
como cefaleia (Kenyon, 1964). As partes do corpo mais comumente afetadas são
cabeça e pescoço, abdome e tórax. Em 16% dos pacientes, os sintomas são
predominantemente unilaterais, e destes, de acordo com Kenyon, 73% ocorriam
no lado esquerdo. Não havia qualquer anormalidade física significativa em 47%
daqueles internados em uma ala psiquiátrica para hipocondria. A dor era
proeminente em 70% dos pacientes.
A hipocondria pode estar associada a odor, aparência corporal, sexualidade,
sintomas dos olhos, nariz e garganta e anormalidades oftalmológicas
(Karseras, 1976), tais como astenopia, que inclui queixas como desconforto
ocular, dor nos olhos, ardência, pressão dentro ou em torno dos olhos, vista
cansada, sensação de “areia” nos olhos, vermelhidão crônica, sensação de que os
olhos são puxados para fora, rigidez na pele que recobre a ponte do nariz ou
pontadas na pele em torno dos olhos. A fotofobia é uma queixa hipocondríaca
comum, assim como “moscas volantes”, fotopsia e, ocasionalmente, diplopia.
A queixa hipocondríaca pode se relacionar com sintomas psicológicos e com o
medo de transtorno mental. Neste contexto, o sono frequentemente está
envolvido, com sensações subjetivas de que o sono não ocorre, não ocorre em
quantidade suficiente ou sua qualidade não é satisfatória. O medo da loucura e
da inevitável deterioração psiquiátrica está geralmente associado a transtornos de
ansiedade aguda e também a transtornos depressivos.

Conversão e Dissociação
A psicopatologia tem como seu tema fenômenos psicológicos conscientes reais.
Embora nossa maior preocupação sejam os fenômenos patológicos, também é
necessário saber o que e como as pessoas vivenciam em geral; em suma, a
psicopatologia está interessada em toda a gama de fenômenos psicológicos
conscientes. Isto levanta a questão sobre se as experiências que não estão no
conhecimento consciente, tais como as que são temas desta seção, poderão ser
assunto da psicopatologia, já que essas experiências não são conscientes. Essas
experiências e comportamentos têm uma genealogia muito antiga e até
recentemente eram chamadas de histeria.
O significado e a validade do termo histeria têm sido discutidos há séculos
(Veith, 1965). Slater (1965) queria rejeitar o diagnóstico de histeria, mas manter
a palavra como um adjetivo para descrever certos tipos de sintomas e
personalidade. Lewis (1975) resumiu esta controvérsia: “A maioria dos
psiquiatras ficaria em situação difícil se não mais pudessem fazer um
diagnóstico de ‘histeria’ ou ‘reação histérica’; e em todo caso, uma palavra
antiga e dura como histeria é muito difícil de ser eliminada. Ela tende a
sobreviver aos escritores de seu obituário”. Classicamente, sintomas físicos, que
geralmente mimetizam distúrbios neurológicos como convulsões, paralisia,
tremores, cegueira e anormalidades do andar ocorrem no contexto de sofrimento
psicológico sem os achados físicos esperados nos exames. O termo conversão
foi empregado para denotar o fato de que um sofrimento emocional ou conflito
psicológico havia sido convertido em queixas físicas. Um termo relacionado é a
dissociação, referindo-se à perturbação da unidade básica do self, resultando em
aparente separação de seus aspectos. Por exemplo, uma pessoa aparentemente
consciente pode relatar que é incapaz de se lembrar de aspectos vitais de sua
biografia apesar de não demonstrar anormalidades da memória. É obvio que o
termo dissociação é um conceito puramente descritivo para algo factualmente
vivenciado e encontrado na prática clínica, assim como uma teoria para o que
acontece em um determinado estado e, desta forma, fornecer uma hipótese para
um fato clínico observado. Ele é um conceito que não descreve qualquer coisa
uniforme, mas envolve modos de mecanismos explicativos extraconscientes.
As implicações dos conceitos de conversão e dissociação são:
1. Os sintomas apresentados são determinados psicologicamente apesar de
terem natureza física.
2. Considera-se que a causa é inconsciente, logo, o paciente não tem
consciência dos determinantes psicológicos.
3. Os sintomas podem trazer alguma forma de vantagem para o paciente, o
chamado ganho primário ou secundário.
4. Os sintomas ocorrem pela mediação dos processos supostamente
explanatórios, mas mal definidos de conversão ou dissociação.
O acompanhamento de dez anos de pacientes diagnosticados com histeria em
um hospital neurológico revelou que muitos haviam subsequentemente
desenvolvido doença física ou psiquiátrica grave e, por esse motivo, histeria
como uma categoria diagnóstica foi questionada (Slater e Glithero, 1965). O
acompanhamento de 113 pacientes diagnosticados como histéricos pelos
psiquiatras revelou 60% com evidência de transtorno afetivo e apenas 13% com
um quadro consistente de histeria (Reed, 1975). Entretanto, Merskey e Buhrich
(1975) fizeram o acompanhamento de pacientes diagnosticados com sintomas
motores de conversão em um hospital neurológico e de um grupo controle de
outros pacientes no mesmo contexto clínico. Eles encontraram uma taxa superior
de sintomas orgânicos no acompanhamento para o grupo de controle. A partir de
estudos de acompanhamento de pacientes neurológicos ou psiquiátricos, quando
o diagnóstico de histeria foi altamente inclusivo, outras condições orgânicas e
psiquiátricas se manifestaram regularmente, mas 15 a 20% ainda permaneceram
com o diagnóstico de histeria.
Para que seja feito o diagnóstico de transtorno dissociativo ou sintomas
neurológicos funcionais, características psicológicas positivas devem estar
presentes e características orgânicas devem estar ausentes. É importante
enfatizar o perigo de erros de identificação de doença física genuína como um
transtorno funcional. Assim, para que a astasia-abasia (ver Figura 14.3), por
exemplo, seja considerada dissociativa, os sintomas devem ter uma etiologia
psicogênica; o paciente não tem consciência disso e os sintomas podem ser
vistos como uma forma de lidar com o estresse. Se os sintomas são claramente
produzidos de modo consciente, temos a presença de deficiência deliberada,
simulação ou transtorno fictício. Pode ser necessário distinguir os sintomas da
doença original, por exemplo, trauma craniano, de uma reação histérica
secundária (Sims, 1985).
FIGURA 14.3 Astasia-abasia (extraído de Merskey, 1979).

A histeria epidêmica, comunicada ou em massa é conhecida e descrita desde


tempos remotos, por exemplo, os sintomas físicos do tipo conversão, associados
aos movimentos milenistas da Idade Média (Cohn, 1958); em uma comunidade
fechada de mulheres em um convento francês no século XVII (Huxley, 1952) e
entre meninas que trabalhavam em um moinho em Lancashire (St Clare, 1787).
Uma epidemia bastante semelhante ocorreu em uma escola em Blackburn 180
anos depois, com sintomas de taquipneia, tonturas, desmaios, cefaleia, tremores,
formigamentos, náusea, dor nas costas ou no abdome, ondas de calor e fraqueza
geral (Moss e McEvedy, 1966). A difusão dessas epidemias foi descrita: elas
invariavelmente ocorrem em mulheres jovens; frequentemente começam com
uma menina com posição proeminente em seu grupo de colegas, que se sente
infeliz; elas tendem a ocorrer em maior número nos alunos mais jovens de
escolas secundárias, ou seja, pouco depois do início da puberdade; parecem
afetar mais seriamente aquelas que são consideradas mais instáveis em testes
posteriores. O que parece caracterizar esses episódios são sintomas que ocorrem
entre pessoas que têm crenças compartilhadas sobre os sintomas relevantes sem
que haja causa ambiental identificável e pouca evidência clínica ou laboratorial
de doença. Frequentemente os sintomas se espalham por “contágio” e podem ser
deflagrados com maior emergência ou divulgação da imprensa (Jones, 2000). Os
episódios também parecem espelhar preocupações sociais proeminentes,
mudando dependendo do contexto e da circunstância. Do final do século XX em
diante, os sintomas parecem ser desencadeados pela exposição súbita a um
agente gerador de ansiedade, geralmente um odor inócuo, rumores de
intoxicação alimentar ou questões referentes a terrorismo químico e biológico
(Bartholomew e Wessely, 2002). Outras referências estão publicadas. (Aldous et
al., 1994; Kharabsheh et al., 2001; Chowdhury and Brahma, 2005; Kokota,
2011).
Seria difícil listar todos os sintomas possíveis que podem ter origem de
conversão ou dissociativa: motores, sensoriais, dolorosos e alterações na
consciência. O exame cuidadoso e emprego de técnicas neurofisiológicas
adicionais, como por exemplo, na investigação de cegueira dissociativa, muito
frequentemente podem demonstrar discrepância entre a gravidade dos sintomas e
a disfunção fisiológica, que pode ser mínima ou inexistente. A impossibilidade
fisiológica desses sintomas é bem demonstrada na Figura 14.4, que mostra o
campo visual de um paciente que se queixa de prejuízo da visão.
FIGURA 14.4 Campos visuais de um paciente histérico.

É importante levar em consideração o efeito que esses sintomas têm sobre


outros aspectos do comportamento e dos relacionamentos sociais do paciente. O
resultado dos sintomas é que o paciente é considerado doente ou incapacitado, e
isto altera a forma como ele ou ela são percebidos tanto por parentes e amigos
quanto pelos médicos e outros profissionais da saúde. Podem ocorrer
consequências físicas de longa duração de sintomas motores, como por exemplo,
contraturas; na verdade, trata-se da imitação de condições orgânicas expressas
como sintomas de conversão.
Classicamente, nestas condições o humor é descrito como belle indifference.
Este tipo de humor acometeu uma jovem de 20 anos com grave deficiência que
fazia com que ela precisasse recorrer a muletas nos últimos dois anos. Ela sorria
com sublime resignação por sua situação infeliz e todos à sua volta se sentiam
aliviados por ela ter aceitado seu sintoma de maneira tão estoica! Entretanto,
alguns pacientes com sintomas de conversão exibem excitação autonômica
maior que pacientes ansiosos e fóbicos (Lader e Sartorius, 1968).

Alterações das Características Físicas e


Valoração Emocional do Corpo (Não Gostar do
Corpo)
Esta parte trata de como o corpo é vivenciado subjetivamente como um objeto
físico que tem valor simbólico e estético para o indivíduo. Estes dois aspectos da
atitude da pessoa em relação ao próprio corpo são diferentes, mas relacionadas.
A experiência subjetiva distorcida do corpo, a chamada distorção da imagem
corporal, pode ocorrer independentemente da aprovação, desaprovação ou
mesmo aversão ao corpo. Além disso, o corpo pode ser avaliado como feio, ou
seja, esteticamente pouco atraente, sem que haja anormalidade comprovável da
imagem corporal.

Dismorfofobia (Transtorno Dismórfico Corporal)


Muitas pessoas se sentem insatisfeitas com sua aparência e, naturalmente, isto
não constitui em si um sintoma psiquiátrico. Entretanto, a aversão irracional ou
preocupação excessiva com um aspecto malquisto pode resultar em
encaminhamento psiquiátrico. Essas pessoas podem desaprovar sua aparência
geral ou se concentrar em uma característica. A dismorfofobia foi definida por
Morselli (1886) como “uma sensação subjetiva de feiura ou defeito físico que o
paciente acredita possa ser percebida, embora sua aparência esteja dentro dos
limites normais”. Como o termo fobia mudou no último século, Berrios (1996)
considera que dismorfofobia é um termo pelo menos satisfatório como
equivalente moderno. Segundo Andreasen e Bardach (1977), o sintoma primário
da dismorfofobia é a crença do paciente de que ele ou ela não são atraentes.
A dismorfofobia foi definida, de forma mais inclusiva, como a queixa
primária sobre algum defeito físico externo considerado perceptível para outras
pessoas, mas objetivamente, sua aparência está dentro dos limites normais
(Hay, 1970). Pacientes que se apresentaram para uma rinoplastia estética foram
examinados psiquiatricamente. Como grupo, essas pessoas eram mais
desfiguradas que o grupo de controle e mostravam alguma perturbação
psicológica, sendo que 40% apresentavam transtorno de personalidade. No
entanto, não havia qualquer relação entre o grau de deformidade e o nível de
perturbação psicológica. Hay e Heather (1973) comentaram que quando a
cirurgia era realizada, os pacientes com desfiguração mínima se saíam tão bem
quanto aqueles com defeitos mais acentuados, tanto subjetivamente na descrição
de sua autoimagem, quanto em testes psicológicos. Eles consideraram que o grau
de deformidade não era de grande importância para a decisão de se submeter à
cirurgia. Os pacientes relatavam uma melhora acentuada em sua aparência seis
meses após a rinoplastia e isto estava associado à redução da pontuação de
sintomas psiquiátricos (Robin et al., 1988).
O transtorno dismórfico corporal ocorre com mais frequência no final da
adolescência; ¾ dos pacientes são mulheres majoritariamente solteiras ou
divorciadas (Veale et al., 1996). Existe frequente comorbidade com transtorno de
humor, fobia social e transtorno obsessivo compulsivo e 72% dos casos
manifestaram transtorno de personalidade, geralmente paranoico, de fuga, ou do
tipo obsessivo-compulsivo. Desse grupo de pacientes, 24% já haviam tentado
suicídio. Em um estudo americano semelhante, 73% dos pacientes relataram se
olhar no espelho excessivamente, 63% relataram tentativas para camuflar suas
“deformidades” e outros relataram excessivos autocuidados (grooming) ou
escoriações (skin picking) (Phillips et al., 1993; Phillips et al., 2005). Quase
todos tinham limitações graves em suas atividades sociais. A maioria dos
pacientes sofria de transtorno de humor importante e 17% já haviam tentado
suicídio. As partes do corpo mais frequentemente relatadas, em ordem de
preocupação eram: pele, cabelo, nariz, estômago, dentes, peso, seios, glúteos,
olhos, coxas, sobrancelhas, pernas, tamanho ou formato do rosto, queixo, lábios,
braços, quadris, bochechas e orelhas (Phillips et al., 2005).
Estas queixas sobre o rosto, e especialmente sobre o nariz, são feitas em
termos extremos e exagerados apesar da deformidade ser, no mais das vezes,
relativamente leve. A insatisfação com a aparência e o grau que julgam que os
outros percebem sua desfiguração são bastante desproporcionais, assim como o
desconforto e a perturbação no funcionamento: “dor agonizante” e “total
incapacidade de respirar”. Ao mesmo tempo, a descrição real é bastante
imprecisa: “a pele sob meus olhos se junta no meu nariz de uma forma estranha”
(Birtchnell, 1988). Em virtude do grau extremo de reação que exibem, essas
pessoas podem contemplar soluções radicais como, por exemplo, desejar ter o
nariz amputado ou tentar suicídio. A dismorfofobia é uma perturbação
relativamente comum do self e geralmente tem a forma psicopatológica de ideia
supervalorizada.
A queixa de dismorfofobia é feita pelo sujeito em relação aos outros, mas
geralmente não se baseia na opinião dos outros. Portanto, a paciente se queixa de
seu nariz, ou do tamanho pequeno de seus seios, e acredita que será considerada
feia ou não atraente. Com frequência a aparência está dentro dos limites normais,
sem qualquer deformidade, mas o paciente está convencido de que cirurgia será
benéfica. Os pacientes frequentemente se enquadram no final da adolescência ou
por volta dos 20 anos. Com bastante frequência, há uma perturbação subjacente
de personalidade dos tipos anancástico ou dependente; podem ocorrer
perturbações de humor depressivo como reação à queixa e tais pacientes podem
falar em se suicidar ou tentar suicídio.
Uma estudante de 20 anos foi encaminhada à clínica psiquiátrica após tomar
veneno. Quando indagada sobre seu problema, ela irrompeu em lágrimas e disse,
descrevendo o pequeno tamanho de seus seios:

Basicamente tem uma grande diferença entre eu e as outras garotas. Eu


sempre fui autoconsciente. Eu costumava usar enchimentos. Até minha
mãe fazia piadas a respeito disso. Eu tentei me convencer de que
mudaria fisicamente. Não me sinto uma mulher completa. Eu preciso
comprar roupas que parecem ridículas na parte de cima. Meu namorado,
com quem saio há mais de um ano, sempre me fala sobre as outras
meninas. Ele foi a uma festa e dançou com outra garota, sei que fez isto
porque o busto dela era maior que o meu. Estou sempre consciente do
meu corpo, que não sou bonita (...) Eu me detesto, detesto o meu corpo
(...) Eu não gosto que meu namorado me toque ali, não consigo usar
roupas legais, não consigo aproveitar o que eu já tenho (...) até minha
irmã mais nova, de 16 anos, tem o seio maior que o meu.

É interessante notar que a cirurgia pode resultar em restituição da imagem


corporal normal. Em um estudo de 11 mulheres jovens sem qualquer outra
doença e seios não muito inadequados para seus corpos, que queriam fazer
mamoplastia de redução, Hollyman et al. (1986) descobriram que, após a
cirurgia, a imagem corporal voltou ao normal, a autoconfiança, sensações sobre
feminilidade e atração sexual também apresentavam melhoras.
Os sintomas de dismorfofobia são ocasionalmente descritos por pacientes com
esquizofrenia. Pode ocorrer como o primeiro sintoma, à medida que a condição
se desenvolve e o médico, portanto, deve procurar cuidadosamente por sintomas
sugestivos. Ela também pode estar presente em um caso já estabelecido e então
terá uma sintomatologia esquizofrênica típica. Uma garota de 19 anos, afro-
caribenha, anteriormente diagnosticada com esquizofrenia disse:

O Espírito é um homem, ele é quente e se movimenta em mim. Eu ainda


não consigo sentir. Preciso rezar por meu corpo novo. Eu o terei em
março. Eu vou ter que ficar bonita, eu não me sinto bonita agora, não
bonita o suficiente. Eu terei um rosto bonito, bons dentes, sobrancelhas
ruivas, olhos vermelhos, pupilas vermelhas e lábios macios e vermelhos.
Minha pele será clara e terei cabelos longos, espessos e claros, até o
joelho. Minha voz será diferente e eu terei uma nova língua. Eu falarei
muitos idiomas. Eu também cantarei. Meu cérebro e minha mente serão
iguais. Eu terei longas unhas, cintura fina, seios maiores e minhas
pernas serão um pouco mais torneadas. Minhas medidas mudarão de
33” 24” 35” para 38” 18” 36”.

Existe evidência crescente de que o processamento visual da face e objetos


pode estar prejudicado em indivíduos com transtornos dismórficos. As
anormalidades incluem a incapacidade de identificar faces com expressões de
emoção em condições experimentais (Feusner et al., 2010a) e o uso de um
processamento facial mais orientado para detalhes e fragmentações em
comparação aos controles (Feusner et al., 2010b). Os prejuízos de
processamento facial parecem estar relacionados com anormalidades
demonstráveis nos circuitos frontoestriatais (Feusner et al., 2010c) e volumes
regionais do cérebro no giro frontal inferior esquerdo e amígdala são
positivamente relacionados com a pontuação de gravidade de transtorno
dismórfico (Feusner et al., 2009). Estes achados sugerem que, apesar da ausência
de anormalidades graves de percepção, o prejuízo no processamento facial e
visual de objetos pode estar na base de avaliações negativas do corpo, que é
característica da dismorfofobia.

Transtorno de identidade da integridade


corporal
Esta é uma condição rara na qual ocorre uma aparente disparidade entre a
imagem corporal e o corpo físico. O paciente tem grande desejo de alterar seu
corpo para que este coincida com a imagem corporal. O desejo mais comum é o
de amputar um membro importante ou cortar a medula espinhal para ficar
paralisado. Há relatos de pacientes dizendo “eu não consigo sentir exatamente
onde minha perna deveria terminar e meu toco começar. Às vezes esta linha dói
ou fica amortecida” ou “meus membros parecem não pertencer a mim e não
deveriam estar ali” (Blom et al., 2012). Relatos sugerem que a cirurgia é seguida
de uma sensação de plenitude, integridade e satisfação. Talvez seja importante
mencionar que aproximadamente metade dos pacientes de estudos de coorte
declarou se sentir sexualmente excitado quando vê uma pessoa com deficiência,
remetendo aos seus próprios desejos de deficiência ou ficava sexualmente
excitado quando se imaginava deficiente (Blom et al., 2012).
Transexualismo
No transexualismo ocorre uma perturbação da imagem corporal com um
transtorno da identidade central de gênero, uma discrepância entre o sexo
anatômico e o gênero que a pessoa atribui a si mesma. O uso de roupas do sexo
oposto (travestismo) geralmente ocorre como uma forma de gratificação pessoal,
sem excitação genital. É muito mais comum em homens biológicos do que em
mulheres, mas ocorre em ambos os sexos. O indivíduo que sofre desta anomalia
sente que deveria ter sido do outro gênero, “um espírito de mulher preso no
corpo de um homem” (Morris, 1974). Em adultos, o distúrbio se manifesta no
desejo de se livrar de características sexuais primárias e secundárias e solicitação
de terapia hormonal, cirurgia ou outros meios para simular o gênero desejado
(Green, 2000). O poder desta convicção é descrito em Conundrum de Jan Morris
(1974), com brilho literário: “Eu tinha três ou quatro anos de idade quando
percebi que tinha nascido no corpo errado e deveria ter sido realmente uma
menina (...) a cada ano, todos os meus instintos pareciam se tornar mais
femininos, e meu aprisionamento dentro do físico masculino ficava mais
terrível.” Outro transexual se descreveu:

Eu sei que biologicamente sou homem, mas esta é uma terrível


anomalia da natureza. Na verdade, eu sou mulher e por algum tipo de
acidente eu tenho o corpo de homem. Eu penso como mulher e tenho
sentimentos e interesses femininos, e só me sinto confortável quando
uso roupas de mulher e tenho um emprego feminino. Portanto, eu sou
genuinamente mulher (...) Eu não sou contra os homossexuais, embora
eu não seja um. Quando faço sexo com um homem, você deve se
lembrar que na verdade eu sou mulher.

Os transexuais descrevem que seus sentimentos sobre o próprio corpo estavam


presentes desde cedo, na infância: a sensação de conforto e de que “era certo”
que eles vivenciavam ao usar o vestido da irmã, como eles tendiam naturalmente
a passatempos e interesses femininos. A diferença entre a autoimagem e o sexo
biológico é geralmente, e segundo seus próprios relatos, estabelecida claramente
antes da puberdade.
A base biológica do transexualismo é incerta. Blanchard, em uma série de
estudos (1989, 1991, 1993), sugeriu que os indivíduos que apresentam
transsexualismo homem-para-mulher e caracterizados como portadores de
autoginefilia (sexualmente excitados pelo pensamento ou sua imagem como
mulher) eram diferentes daqueles com orientação homossexual. Esta
classificação é controversa e não amplamente aceita (Moser, 2010). Existe
evidência de que anormalidades cromossômicas são raras (2,9% em transexuais
mulher-para-homem e 0,6% em transexuais homem-para-mulher) e incluem
aneuploidia gonossomal, translocação Robertsoniana e síndrome de Klinefelter
(Auer et al., 2013). Exames estruturais de imagem revelaram aumento na
espessura cortical em transexuais homem-para-mulher, mas a importância desses
achados ainda precisa ser determinada (Luders et al., 2012); e exames de
imagem por tensores de difusão mostraram microestrutura na substância branca
(fascículo longitudinal superior, cingulado anterior direito, fórceps menor direito
e trato corticoespinhal direito) em transexuais masculino-para-feminino não
tratados a meio caminho entre aquela de controles masculinos e femininos
(Rametti et al., 2011). Não obstante o fato de que as bases biológicas do
transexualismo ainda devem ser elucidadas, o que é incontestável é que a
insatisfação com o corpo e com as características sexuais secundárias e genitália
tem suas raízes em mecanismos cerebrais subjacentes à identidade de gênero.

Alterações do comportamento alimentar e


tamanho corporal
Os distúrbios de alimentação ocorrem em diversas condições nas quais a
alteração da imagem corporal causa o transtorno alimentar ou resulta deste. Três
condições serão discutidas: obesidade, anorexia nervosa e bulimia nervosa. Aqui
também o que nos interessa são os aspectos subjetivos, o efeito sobre a
autoimagem e não os aspectos físicos.

Obesidade
A obesidade se tornou uma grande preocupação no mundo ocidental. Tanto na
Europa quanto na América do Norte a prevalência de obesidade tem crescido
consideravelmente desde a metade dos anos 1970. Nos Estados Unidos, entre
1976 e 1980, 15% da população entre 20 e 74 anos eram obesos, enquanto de
2003 a 2004 este número aumentou para 33%. Atualmente, a taxa estimada é de
35,7% (Centres for Disease Control and Prevention). Esta tendência é replicada
na Europa (World Health Organization Regional Office for Europe). A obesidade
é definida como um índice de massa corporal maior que 30 quilogramas por
metro quadrado; estar acima do peso é ter um índice de massa corporal entre 25
e 29,9 quilogramas por metro quadrado. Hoje o aumento de casos de obesidade
infantil também passou a ser uma preocupação, sendo que a estimativa de
crianças obesas vai de 17% a 20%. A preocupação com a obesidade vem dos
riscos associados à saúde; hiperlipidemia, resistência à insulina, diabetes,
hipertensão, morbidade e morte prematura são complicações conhecidas. Por
este motivo, existem programas nacionais e internacionais de saúde para
combater o aparentemente implacável aumento da prevalência de obesidade.
Discutindo os fenômenos de imagem corporal na obesidade, Kalucy (1976)
considerou que a adolescência é o estágio crítico do desenvolvimento em que os
transtornos primários de forma corporal e experiência corporal aparecem. A
obesidade em adolescentes de sociedades ocidentais, conscientes sobre dietas,
resulta em autorrepúdio e autodepreciação. A presença de qualquer deformidade
física neste estágio da vida tende a provocar desgosto com a autoimagem, sendo
que a principal preocupação é a de se sentir repulsivos em relação ao sexo
oposto. Eles podem evitar espelhos e qualquer coisa que os faça lembrar sua
forma. Também se observa uma distorção do tamanho corporal, com
superestimativa das medidas corporais. Isto é interessante quando o comparamos
a pacientes com anorexia nervosa, que também superestimam sua forma e cujo
comportamento de dieta e rejeição de alimentos pode começar quando estão
levemente obesos durante a puberdade.

Anorexia Nervosa
A anorexia nervosa é uma condição cujo diagnóstico era equivocado no passado;
inicialmente, se supunha que os pacientes estavam fisicamente doentes. No
entanto, Marcé (1860) considerou que se tratava de uma forma de hipocondria.
Anorexia nervosa é uma doença que ocorre principalmente em mulheres jovens,
e a proporção de casos em homens varia de 1 em 20 a aproximadamente 1 em 10
em diferentes estudos (Dally e Gomez, 1979), sendo a proporção de meninos
maior na infância. Ocorre recusa em se alimentar, baixo peso corporal e
amenorreia. Crisp (1975) considerou que o transtorno é em primeiro lugar fobia
a peso, um medo de aumentar o peso corporal e não apenas um transtorno
alimentar semelhante àquele da infância. O medo da perda de controle é
importante; ao comer, o sujeito será incapaz de parar e, portanto, irá engordar.
Assim como a autoimagem anormal, também ocorrem atitudes anormais em
relação a alimento, gênero e sexo. Como a paciente com anorexia se vê? De
acordo com Bruch (1965), trata-se, em parte, de um transtorno narcisista, que ele
chamou de “a busca pela magreza”. Na definição da CID-10, a distorção da
imagem corporal é uma das cinco características essenciais: “há uma distorção
da imagem corporal na forma de uma psicopatologia específica, por meio da
qual um pavor de engordar persiste como uma ideia intrusiva e supervalorizada e
o paciente impõe um baixo limiar de peso a si próprio” (World Health
Organization, 1992: p. 177). As outras características são:
▪ Peso corporal pelo menos 15% abaixo do esperado.
▪ Perda de peso autoinduzida.
▪ Amenorreia.
▪ Puberdade atrasada ou bloqueada.
A anorexia nervosa se tornou muito comum no Reino Unido desde o final do
século XX (Kendell et al., 1973). Ela é muito mais rara, por exemplo, na Índia e
em outros países em desenvolvimento. Esta aparente diferença na predominância
sugere que pode estar ligada a atitudes sociais em relação à magreza, dietas e
emagrecimento. No mundo ocidental, a magreza é considerada atraente e a dieta
pode se tornar uma norma social que atua como uma pressão persuasiva sobre
uma adolescente impressionável, cujo peso corporal aumentou pouco mais que a
média na puberdade. Se há outras dificuldades psicológicas e conflitos sociais, o
emagrecimento pode sair do controle. Em outras partes do mundo, onde as
normas estéticas de beleza feminina se baseiam em um corpo mais volumoso, a
pressão de magreza é menor, mas a pressão em direção à obesidade pode ser
maior. Até mesmo na sociedade ocidental a prevalência da anorexia nervosa não
é uniforme na sociedade e sim determinada por gênero, idade, classe
socioeconômica e etnia.
Pacientes com anorexia nervosa frequentemente negam sua magreza e às
vezes afirmam que estão muito gordos. Devido à extrema preocupação com as
medidas e peso, Slade e Russell (1973) criaram uma técnica para investigar a
percepção do corpo em anoréxicos, que envolvia comparar o peso real de
sujeitos (medido por um antropômetro) e peso percebido, que era medido pelo
observador movendo luzes horizontais até uma distância que o sujeito estimava
ser a largura de quatro regiões corporais: face, tórax, cintura e quadris. Quando
comparados com um grupo de controle normal combinado para a idade, os
pacientes anoréxicos superestimavam significativamente sua dimensão percebida
em todas as regiões, com a face sendo superestimada em mais de 50%. Embora
mais magras no tórax, cintura e quadris, as pacientes anoréxicas se enxergavam
mais gordas que mulheres normais. A perturbação de imagem corporal não podia
ser explicada como um transtorno perceptual geral, já que as anoréxicas eram
razoavelmente precisas na medição da largura de blocos de madeira e
extremamente precisas na medição da altura física. Elas tendiam a superestimar
as medidas de outras pessoas, mas não tanto quanto as suas próprias. A distorção
da imagem corporal tendia a diminuir à medida que as pacientes ganhavam peso,
especialmente se isto ocorria lentamente. Demonstrou-se que o maior grau de
transtorno de imagem corporal tinha prognóstico pior. Slade e Russell (1973)
consideraram que “pacientes com anorexia nervosa mostram uma avaliação
falha de sua própria imagem corporal, no sentido de que percebem seus corpos
com dimensões exageradas”. Garfinkel et al. (1979) descobriram que alguns
sujeitos anoréxicos tendem a superestimar o tamanho de seu corpo e que esta
superestimativa era estável ao longo de um ano, não sendo afetada por alteração
de peso.
Um trabalho experimental realizado por Button et al. (1977) levantou dúvidas
sobre a conclusão de que apenas indivíduos anoréxicos superestimam seu peso,
enquanto mulheres normais são mais precisas, e de que perturbação de
percepção corporal é variável entre os anoréxicos. Esta conclusão foi agora
confirmada por uma grande meta-análise conduzida por Cash e Deagle (1997). A
perturbação na imagem corporal não parece estar associada a outras
características de anorexia ou de bulimia nervosa e não auxilia na diferenciação
entre mulheres normais e pacientes com transtornos alimentares. Além disso, a
insatisfação atitudinal com o corpo medida em questionários ou self: a
discrepância ideal diferenciou melhor os pacientes dos controles normais.
Assim, o papel da inexatidão da percepção de estimativa de tamanho, a distorção
da medida formal da imagem corporal, como critério de diagnóstico de anorexia
nervosa, deve ser questionado.
Slade (1988) também mostrou que sujeitos não anoréxicos superestimam as
dimensões de seus corpos, especialmente mulheres normais, sujeitos neuróticos,
mulheres grávidas, e pacientes com amenorreia secundária. Ele comparou o uso
de técnicas de corpo inteiro (com espelhos que distorcem a imagem, fotografias,
imagens de televisão) para esta investigação com métodos de partes do corpo
(estimativa visual de tamanho, calibradores) e mostrou que atitudes cognitivas
relativamente fixas em relação ao tamanho do corpo com o emprego das
primeiras técnicas demonstram crenças irracionais sobre a forma corporal,
enquanto um estado mais fluido de estimativa de peso corporal depende mais de
fatores emocionais que se alteram ao longo do tempo. Ele também mostrou que
quanto mais “acima do peso” a pessoa se considera, mais insatisfeita ela estará.
Muitos estudos recentes têm sido conduzidos em populações supostamente
normais. Strauman et al. (1991) estudaram as visões do self em um grande
número de estudantes universitárias para os fatores que descreveram como
“discrepância entre self real e self ideal” e “discrepância entre o que é e o que
deveria ser”. Eles mostraram que a discrepância entre o real e o ideal se
relacionava com a insatisfação com a forma do corpo. A discrepância entre o que
é e o que deveria ser estava associada ao que descreveram como atitudes e
comportamentos de anorexia; e discrepância entre o real e o ideal a atitudes e
comportamentos de bulimia. Gustavson et al. (1990) investigaram a distorção da
imagem corporal e revelaram diferenças entre estudantes normais e aqueles que
sofriam de transtornos alimentares. Moore (1988) pesquisou 854 mulheres entre
12 e 23 anos em ambulatório; 67% estavam insatisfeitas com o seu peso e 54%
com sua forma.
Zellner et al. (1989) estudaram os efeitos de anormalidades alimentares e de
gênero sobre a percepção da forma corporal desejável, usando desenhos de
corpos feitos por seus sujeitos. Eles descobriram que as mulheres desejam ser
mais magras do que elas pensam ser e que as mulheres com transtornos
alimentares desejam ser mais magras do que o nível de magreza que, em sua
opinião, os homens consideram atraente. Steiger et al. (1989) demonstraram que
as anoréxicas, mas não as bulímicas, exibiam distorção da imagem corporal e
que o peso corporal determinava o grau de perturbação na imagem corporal.
Dolan et al. (1990) demonstraram diferenças entre mulheres caucasianas, afro-
caribenhas e asiático-britânicas para alguns sintomas de transtornos alimentares,
mas nenhuma diferença para o transtorno de imagem corporal.
Com base nesses estudos, podemos dizer que há uma clara associação entre
perturbação de imagem corporal e transtorno alimentar. Isto é inversamente
relacionado com o peso, ou seja, quanto mais baixo o peso, maior o grau de
anormalidade da imagem corporal. Assim, no geral, aquelas com anorexia eram
mais afetadas do que aquelas com bulimia nervosa.
A pergunta sempre presente é até que ponto a cultura influencia a imagem
corporal e em que medida o ambiente social tem um impacto significativo. Há
evidências de que a insatisfação com o corpo é predominante em mulheres de
diversos grupos étnicos no mesmo país e além das fronteiras nacionais (Baillie e
Copeland, 2013; Angelova e Utermohlen, 2013; Demuth et al., 2013; Santana et
al., 2013). Existem fatores singulares para determinados contextos. No contexto
da Bulgária, por exemplo, fé e jejum afetaram diferencialmente o
comportamento das mulheres dependendo de sua predisposição a transtorno
alimentar. Para mulheres vulneráveis, o jejum atuava via reforço de asceticismo
e a restrição alimentar servia para induzir controle de peso para alcançar o
objetivo de corpo magro compatível com as regras socioculturais (Angelova e
Utermohlen, 2013). Nos Estados Unidos da América, mulheres de origem
europeia aprovavam o “corpo magro com curvas ou atlético como corpo ideal”
enquanto as mulheres afro-americanas “resistiam às noções de um único tipo de
corpo ideal” (Webb et al., 2013). Em um estudo elegante, Bagrowicz et al.
(2013) investigaram uma mostra de estudantes japonesas recém-chegadas a
Nova York para verificar a influência da obesidade endêmica. Depois de dois
meses na cidade, as estudantes japonesas tinham uma autoimagem mais magra,
mas “uma imagem ideal mais gorda” e consequentemente, menos insatisfação
corporal. Este estudo sugere que o ambiente social rapidamente influencia o
tamanho ideal do corpo.
Parece que as anormalidades da imagem corporal e do self é universal nos
transtornos alimentares: “Como, logo existo”. Há associações entre alimentação
anormal, principalmente na anorexia nervosa, e baixo peso corporal, com uma
crença ou temor de que “estou muito gorda” e com uma negação mais
abrangente do self. Ao buscar investigar os fatores que influenciam esta
superestimativa do tamanho corporal por mulheres anoréxicas e bulímicas,
Hamilton e Waller (1993) estudaram a influência do modo como a mídia exibe
corpos femininos idealizados e concluíram que as mulheres com transtornos
alimentares se superestimaram significativamente mais após verem essas
imagens do que depois de verem fotografias de objetos neutros. Tais imagens na
mídia realmente parecem influenciar o comportamento feminino, pelo menos em
pessoas mais vulneráveis.
Strober et al. (1979) avaliaram a percepção do tamanho corporal, a
experiência subjetiva de distorções da imagem corporal e a diferenciação de
conceitos corporais, pedindo que pacientes anoréxicas e controles desenhassem
uma figura humana logo após sua internação e seis meses depois. Os dois grupos
tendiam a superestimar o tamanho em ambos os momentos, mas experiências
que denotavam estranheza quanto ao corpo, insensibilidade a sensações
corporais e fraqueza dos limites corporais eram mais prevalentes em anoréxicas,
e persistiam em altos níveis após a diminuição dos sintomas intensos de
transtorno alimentar e de peso. Houve maior grau de distorção da imagem
corporal mais persistente naquelas que vomitavam. Esses autores consideraram
que as “falhas na formação da imagem corporal tornam a anoréxica vulnerável à
sua patologia manifesta, que é ativada por conflitos de amadurecimento típicos
da adolescência”.
O medo subjacente de perda de controle e a incessante necessidade de
vigilância de cada caloria ingerida influenciam todas as outras áreas da vida do
paciente. Limpeza e asseios obsessivos podem se manifestar, assim como
tentativa de controlar o comportamento de outras pessoas da casa. Uma paciente
anoréxica controlava o comportamento de seus pais e irmã gêmea ameaçando
comer ainda menos se eles não cooperassem. Ela pesava a sua própria comida e
a de todos os outros membros da família. Antes de sua doença, ela e a irmã
pesavam cerca de 57 kg mas, à medida que sua anorexia progrediu, ela insistia
que a irmã comesse a sua comida também, que a própria paciente preparava.
Como resultado, o peso da paciente caiu para 32 kg, enquanto sua irmã chegou a
83 kg.

Bulimia Nervosa
Esta condição foi descrita pela primeira vez por Russell em 1979. Embora o
paciente tenha peso normal ou quase normal, frequentemente há histórico de
anorexia nervosa com perda de peso (Fairburn e Cooper, 1984). A distorção da
imagem corporal também é uma característica da condição e o paciente acredita
que está muito gordo e pesado.
O transtorno alimentar típico é de grande preocupação com a comida,
compulsão alimentar ou comer desenfreadamente de forma episódica.
Geralmente isto é contrabalançado com vômitos autoinduzidos e outros métodos
de redução de peso, como abuso de laxantes ou anfetaminas, ou inanição
voluntária. Desta forma, o peso é mantido com estabilidade bastante frágil e a
perda de peso pode atingir proporções anoréxicas, podendo ocasionalmente
ocorrer obesidade associada a sentimentos de culpa. O medo de ganhar peso e a
preocupação dominante com a comida é uma ideia supervalorizada.
Na bulimia nervosa, há acentuada insatisfação com o corpo que é semelhante
à da anorexia nervosa (Cash e Deagle, 1997). Há evidências de que insatisfação
com o corpo se baseia em insatisfação de avaliação cognitiva e não depende de
percepção sensorial, embora possa ser influenciada pelo humor (Gardner e
Bockenkamp, 1996). Podem ocorrer diversos comportamentos anormais como
abuso de álcool, furtos (principalmente alimentos) e lesões autoinflingidas, e o
vômito ou purgação induzido pode resultar em um grande número de
complicações físicas.
Fatores subjacentes se concentram particularmente em dúvidas quanto à
feminilidade (Lacey et al., 1986). Relacionamento pobre com os pais,
dificuldades acadêmicas, conflitos conjugais entre os pais e relacionamentos
pobres da paciente com os próprios pares também ocorrem. Tais pacientes
descreviam eventos importantes de vida, como conflito sexual, mudanças
importantes nas circunstâncias da vida e experiências de perda.

Dismorfia Muscular
Dismorfia muscular é o termo usado para descrever a preocupação patológica
com a musculosidade caracterizada por preocupação com (a) o tamanho e
desenvolvimento de músculos, (b) a crença de que os músculos são muito
pequenos, (c) tempo excessivo em academias levantando peso, (d) uso de
esteroides anabolizantes e dietas para aumento de massa e (e) em uma forma
mais extrema, cirurgia cosmética para introduzir implantes peitorais. Ela é
ocasionalmente chamada de “anorexia reversa” ou “vigorexia” (Pope et al.,
1997; Choi et al., 2002). O exato status nosológico da dismorfia muscular ainda
é incerto. Alguns autores a descreveram como uma variação do transtorno
dismórfico do corpo (Choi et al., 2002), outros como uma variação masculina da
anorexia nervosa (Murray et al., 2010) e outros a relacionaram com transtorno
obsessivo compulsivo (Chung, 2001). De acordo com o nosso grau de
conhecimento sobre o assunto, talvez seja melhor considerá-la um fenômeno que
pode ocorrer em diversos transtornos psiquiátricos e não um transtorno em si.
Há evidências consistentes de que homens com dismorfia muscular têm uma
perturbação da imagem corporal, transtornos alimentares e fazem exercícios de
forma excessiva (Murray et al., 2012). Em levantadores de peso, a prevalência
foi relatada em 13,6% (Behar e Molinari, 2010). O monitoramento constante do
corpo, que pode ser interpretado como evidência de insatisfação com o corpo, é
comum na dismorfia muscular (Cafri et al., 2008; Walker et al., 2009). Quando
comparados a levantadores de peso sem dismorfia muscular, pacientes que
sofrem da condição têm mais propensão à insatisfação com o corpo, hábitos
alimentares anormais, uso de esteroides anabolizantes e histórico de ansiedade
ou depressão. Eles também se queixam de vergonha e constrangimento, má
qualidade de vida, tentativa de suicídio e também evidência de prejuízo no
funcionamento ocupacional e social (Olivardia et al., 2000; Pope et al., 2005).

Alterações da Consciência Sensorial do Corpo


(Alterações Orgânicas na Imagem Corporal)
Doenças ou traumas cerebrais alteram a imagem corporal de diversas formas.
Isto ocorre devido a dano ao objeto conceitualizado, por exemplo, amputação
com membro-fantasma ou cegueira que altera necessariamente o modo como o
indivíduo se percebe, ou dano do próprio processo de conceitualização, por
exemplo, seccionamento do corpo caloso. Com frequência, certamente existem
danos difusos, como ocorre com arteriopatia ou esclerose múltipla, não podendo
se separar essas duas características.
A expressão imagem corporal na neurologia foi definida por Critchley (1950)
como a ideia mental que um indivíduo possui de seu próprio corpo e seus
atributos físicos e estéticos. A sensação visual, impulsos táteis e estímulos
proprioceptivos contribuem para a formação da imagem corporal, mas não são
essenciais; após a amputação de um membro, um membro-fantasma que retém a
integridade da imagem corporal ocorre na maioria dos casos. A imagem corporal
“vive à beira da consciência e de modo algum é intrusiva em circunstâncias
normais. No entanto, ela está disponível e pode ser trazida à consciência tão logo
o fluxo de atenção voluntária ou involuntária se foque sobre ela”
(Critchley, 1950). Alterações mórbidas da imagem corporal podem mostrar
melhora, diminuição (ou ablação) ou distorção. Na neurologia, o termo esquema
corporal é usado para se referir à consciência das características espaciais do
próprio corpo, envolvendo informações sensoriais atuais e anteriores, enquanto
experiência corporal é mais abrangente, incluindo fatores psicológicos e
situacionais (Cumming, 1988). Os lobos parietais exercem papel importante,
mas o sistema aferente e o tálamo também estão envolvidos.

AcentuaçÃo patológica da imagem corporal


(hiperesquemazia)
A dor ou desconforto faz com que a parte afetada do corpo pareça grande. Após
deixar cair algo pesado no dedo do pé, um homem sentiu que seu corpo era “uma
concha insubstancial em torno de um imenso dedo latejante”. Esta descrição do
órgão dolorido que parece maior é frequente após uma cirurgia e ferimentos
traumáticos. Quando o tamanho é afetado, pode haver a sensação do corpo
parecer maior (macrosomatognosia). Critchley oferece vários exemplos de
lesões neurológicas que causam sensação de aumento de órgão:
▪ Com a paralisia parcial de um membro, o segmento afetado dá a impressão de
estar muito pesado e muito grande; por exemplo, na paralisia de Brown-
Séquard (lesão unilateral da coluna vertebral), o lado com sinais piramidais é
hiperesquemático, enquanto o outro lado, com perda da sensação de dor e
temperatura, é percebido como normal no esquema corporal.
▪ Unilateralmente, após trombose da artéria cerebelar inferior posterior.
▪ Na esclerose múltipla, novamente de forma unilateral.
A hiperesquemazia também pode ocorrer em doença vascular periférica, na
qual ocorre a sensação do membro afetado parecer maior e mais pesado. Ela
também pode ocorrer em estados tóxicos agudos. Casos não orgânicos ocorrem
na hipocondria, estados de despersonalização e na dissociação (transtorno de
conversão), como por exemplo, pseudociese e também, ocasionalmente, em
sonhos.

Imagem corporal diminuída ou ausente


(hipoesquemazia, aesquemazia)
Esta pode ocorrer quando a inervação aferente e eferente é perdida, por exemplo,
com a transecção da coluna vertebral o paciente pode se sentir “cortado ao
meio”, na altura da cintura.
A hipoesquemazia ou microsomatognosia pode acompanhar a privação
sensorial de ausência de peso, por exemplo, sob a água. Com vertigem, o
paciente pode se sentir excessivamente leve, como que flutuando no ar.
Lesões no lobo parietal podem resultar em estados complicados de diminuição
da imagem corporal. Critchley (1950) cita um paciente com embolia da artéria
cerebral média direita:

“Parecia que um lado de meu corpo estava faltando (o esquerdo), mas


também parecia que o lado insensível estava carregando um pedaço de
ferro tão pesado que eu não conseguia movê-lo (...) Cheguei mesmo a
imaginar que minha cabeça estivesse estreita, mas o lado esquerdo, a
partir do centro, parecia pesado, como se estivesse cheio de tijolos.”

Em determinado momento ele pensou que sua perna paralisada pertencia ao


homem na cama ao lado. Seu corpo lhe parecia ter metade da largura que deveria
ter. Deitar-se sobre o lado esquerdo lhe dava a sensação de que estava “deitado
no vazio” (...) que estava na borda extrema da cama e que iria cair. Nos
primeiros dias ele também sentia que não tinha pênis. Por causa disso, ele era
desajeitado com o papagaio e frequentemente sujava a cama. Sua sensação de ter
o pênis voltou subitamente certa manhã, associada a uma ereção, e logo depois
parecia totalmente normal.
Na hemisomatognosia (hemidespersonalizaçao), que foi descrita por
L’Hermitte (1939) e que trata de uma percepção unilateral incorreta do próprio
corpo, o paciente se comporta como se lhe faltassem os membros de um lado do
corpo; isto pode ocorrer como parte de uma aura epilética ou enxaqueca. A
anosognosia descreve a falta de consciência de deficiência, que pode, por
exemplo, ocorrer com esquecimento de um membro hemiplégico. A negligência
hemiespacial descreve aqueles pacientes que, quando solicitados a realizar uma
série de tarefas comportamentais no espaço, negligenciam o hemiespaço
contralateral à lesão (Cumming, 1988). A síndrome de Gerstmann (1930)
compreende agnosia dos dedos da mão, acalculia, agrafia e desorientação
direita/esquerda.
Condições não orgânicas como despersonalização também podem acarretar
uma diminuição da imagem corporal. Um paciente ansioso e despersonalizado
disse: “Eu não me sinto absolutamente a mesma pessoa. Às vezes a minha
cabeça parece anestesiada quando vou às compras. Eu sinto que deixei metade
de meu corpo para trás.” Esta era, claramente, uma experiência como se.

Distorçāo da imagem corporal (paraesquemazia)


Esta pode ocorrer com o aumento ou diminuição da imagem corporal e também
pode ocorrer com o uso de drogas alucinógenas como mescalina, maconha e
LSD. Partes do corpo podem parecer distorcidas, retorcidas, separadas do resto
do corpo ou fundidas com o ambiente externo. Essas experiências podem afetar
o corpo inteiro ou parte dele, como membros ou a cabeça. A forma pode ser
experimentada como deformada: “meu maxilar inferior está torcido e meus
dentes não se fecham mais adequadamente” ou “meu braço esquerdo encolheu e
se retorceu, um pouco como o tronco de uma árvore”. Quando a estrutura do
corpo é afetada, geralmente são os órgãos internos o foco da preocupação:

“Eu afirmo, portanto, que no meu corpo, principalmente no meu peito,


existem propriedades de um sistema nervoso que corresponde a um
corpo feminino e eu tenho certeza que um exame médico pode confirmar
isso”e

“A comida e a bebida ingerida simplesmente iam direto para a cavidade


abdominal e para as coxas, um processo que, apesar de soar
inacreditável, era sem dúvida como eu me lembro da sensação”
(Schreber, 1955)

Alterações na experiência de peso podem envolver a sensação de peso ou


leveza. Com haxixe:

As sensações produzidas eram de deliciosa leveza e fluidez (...) Eu


esperava ser erguido e levado pela primeira brisa (...) as paredes da
minha moldura explodiram para fora e caíram em ruína, e sem pensar
que forma eu usava (...) Eu senti que existia através de uma vasta
extensão de espaço. O sangue pulsava a partir da minha cabeça, corria
velozmente através de incontáveis distâncias antes de chegar às minhas
extremidades; o ar levado a meus pulmões se expandia em oceanos de
éter límpido, e o arco de meu crânio era mais amplo que a abóboda
celeste. Eu era uma massa de gelatina transparente e um confeiteiro me
vertia em uma forma retorcida.
(Taylor, 1856)

O valor atribuído ao corpo pode ser perturbado, variando de uma forte


supervalorização positiva do corpo ou partes dele, a uma desvalorização do
corpo, indo até asco ou ódio. Na hemiparesia do lado direito, os pacientes podem
às vezes afirmar que seu braço fraco está mais forte e mais útil do que antes. Isto
é chamado de supervalorização anosognósica (Cutting, 1997). Misoplegia é o
ódio a um membro e está associado a lesões parietais no lado esquerdo
(Cutting, 1997).
A distorção da imagem corporal pode ocorrer na aura epilética e também,
raramente, na enxaqueca.

Membro-fantasma
Isto ocorre imediatamente após a perda de um membro em praticamente todos os
pacientes e é particularmente comum após a perda traumática de um membro ou
quando há condição pré-existente de dor no membro. O início é imediatamente
após o efeito da anestesia na maioria dos casos, mas pode levar de dias a
algumas semanas em cerca de 25% dos casos. O fantasma pode durar alguns dias
ou semanas até gradualmente desaparecer da consciência, mas há casos que
persistiram por décadas. Além de ocorrer com a perda de um membro, este tipo
de distorção da imagem corporal é relativamente comum após a redução
cirúrgica de um olho, partes da face, seios, reto ou laringe. Há relatos de dores de
úlcera fantasma depois de uma gastrectomia parcial e de cólicas menstruais
depois de uma histerectomia. Quando uma pessoa que passou por amputação
vivencia neurite periférica generalizada envolvendo sensação, parestesias
também ocorrerão no membro-fantasma. O amputado tem consciência do
membro fantasma no espaço e também vivencia dor no espaço considerado
ocupado pelo membro.
Com o tempo, o membro parece mudar de tamanho. A imagem encolhe, mas
de modo desigual, sendo que as articulações distais encolhem mais lentamente
do que as proximais; este é o chamado fenômeno de telescopagem, para o qual
foram propostas diversas explicações. Na perda do membro superior, se
considera que a telescopagem ocorre devido a uma super-representação da mão
no córtex sensorial, e consequentemente esta é a área onde a sensação sobrevive
por mais tempo. Também existe a possibilidade de que a telescopagem ocorra
porque a representação do membro no mapa somatossensorial primário se altera
progressivamente. A postura do membro fantasma é frequentemente descrita
como “habitual”, como por exemplo, parcialmente flexionado no cotovelo, com
o antebraço em pronação. O membro pode parecer fixo em uma posição estranha
e isto pode gerar dificuldades para o paciente, como por exemplo, subir escadas.
Pode ocorrer a sensação de que o membro está retorcido e dolorido.
Existe literatura crescente sobre a plasticidade do sistema somatossensorial,
usando o membro fantasma como um experimento natural para demonstrar a
deaferentação seguida da perda de um membro e a reorganização do mapa
somatossensorial (Ramachandran e Hirstein, 1998). Após a perda do membro
superior, o estímulo sensorial a partir da face e do antebraço parece invadir o
território da mão, de forma que o estímulo sensorial para a face pode ser
deslocado para o membro fantasma.
Orbach e Tallent (1965) descreveram os conceitos do corpo de pacientes de 5
a 10 anos após uma colostomia. Tais pacientes estavam convictos de que haviam
sido seriamente danificados.

Eles acreditavam que sua integridade corporal tinha sido violada. Em


comum com essas crenças, muitos pacientes, em nível de fantasia,
percebiam a operação como um atentado físico ou sexual. Pacientes
que fantasiavam a cirurgia como um atentado sexual eram apoiados em
sua crença pelo estoma da colostomia, um novo orifício na frente do
corpo. A maior parte dos homens considerava este orifício evidência de
que haviam sido feminizados, enquanto as mulheres frequentemente
interpretavam isto como acréscimo de uma segunda vagina, porque era
interpretado como comparável à menstruação.

Em 1/5 dos pacientes, a preocupação com os processos corporais envolvia o


consumo de alimentos e a eliminação foi incorporada em um conceito de
substituição que tentava estabelecer a igualdade entre o consumo e a evacuação,
comendo aproximadamente o mesmo que havia sido recentemente evacuado. A
maioria dos demais pacientes expressava sensação de confusão sobre os
mecanismos e o funcionamento de seus corpos.
Quando os pacientes com colostomia foram estudados inicialmente e os
relatos publicados, a constrição da atividade e do espaço de vida foi salientada.
Atualmente, é aparente que a constrição encontra paralelo em um conceito de
que o corpo foi danificado e está frágil em decorrência da lesão.
A mastectomia também resulta em perturbação relativamente grave no
autoconceito e na imagem corporal. Uma paciente descreveu: “Eu nunca vou ser
como antes (...) é como um buraco, como uma lacuna (...) Quando eu deito
naquele lado, é como ser um homem.” (Hopwood e Maguire, 1988) Problemas
com a imagem corporal resultam não apenas da perda de uma parte do corpo ou
desfiguração, mas também da perda de função corporal. O transtorno da
autoimagem é frequentemente associado a sintomas depressivos.
A dor no membro-fantasma pode ser determinada psicologicamente
(Parkes, 1976): 46 amputados foram estudados 4 a 8 semanas e 13 meses após a
amputação; de 1/3 à metade mostravam perturbação moderada tendendo a
persistir um ano depois.
A perturbação na imagem corporal não está necessariamente associada à
sensação ou percepção anormal. O hipocondríaco pode acreditar que tem câncer,
embora não apresente sintomas físicos. O transexual tem experiência normal de
seu corpo, mas acredita que está no corpo errado. O narcisista se preocupa de um
modo incomum com seu corpo, mas é bastante preciso em sua percepção
quantitativa objetiva de si mesmo, ou seja, ele sabe o comprimento de seu nariz
ou a que distância consegue lançar uma bola de críquete. Quando a sensação é
anormal ou mesmo completamente deficiente em alguma modalidade, por
exemplo, na cegueira ou na surdez, a imagem corporal é indubitavelmente
alterada, mas esta alteração não significa transtorno mental; a alteração da
imagem corporal geralmente é adequada à deficiência.

Alterações da Imagem Corporal Ligados à


Cultura
Várias condições histéricas determinadas culturalmente foram descritas por
Langness (1967) e o que elas têm em comum é o início súbito e drástico,
relacionado no tempo com um problema psicossocial. Manifestações dessas
condições são comportamentos bastante incomuns, humor lábil, ocorrências
transitórias de alterações na fala, despersonalização com consciência alterada do
corpo e sintomas de algum modo semelhantes a delírios e alucinações. O curso
dessas condições em geral é limitado de uma a três semanas, mas podem recorrer
com episódios adicionais. Elas parecem ser mais prováveis nas pessoas pré-
dispostas com personalidades histriônicas (histéricas). Os sintomas precisos são
frequentemente localizados naquela cultura em particular e demonstram como
sintomas neuróticos em seu conteúdo atendem as expectativas da sociedade na
qual ocorrem. Por exemplo, Adair, escrevendo de Bath em 1786, descreveu
como a moda influenciava os grandes e opulentos na escolha de suas doenças e
considerou que o nervosismo da Rainha Anne resultou na transferência de
sintomas semelhantes “a todos que possuíam as mínimas pretensões de se
equiparar às pessoas da moda”.
Alguns dos transtornos da consciência do corpo localizados culturalmente são
resumidos na Tabela 14.2 (de Kiev, 1972). A variabilidade dessas síndromes é
imensa, mas a preocupação com órgãos e funções corporais é comum a muitas
delas. A natureza bizarra dos sintomas, por exemplo, no koro, no qual há o medo
de que o pênis encolha e seja absorvido pelo abdome, é frequentemente
explicada por um conhecimento falho de anatomia e fisiologia humanas, que
parece ingênuo aos médicos que clinicam na Europa. Entretanto, não sabemos
até que ponto os pacientes britânicos são ignorantes no que se refere à
organização e funções dos órgãos que não podem ver. Pacientes ambulatoriais de
hospitais foram comparados a médicos por Boyle (1970) quanto à sua
compreensão de termos médicos comumente usados. Como se poderia esperar,
os médicos foram consistentes no uso de termos, mas os pacientes apresentavam
uma enorme variação no entendimento de termos como “hemorroidas”,
“alimento com menos amido”, “palpitação”, “icterícia”, “flatulência”. Ao serem
solicitados para detalhar a anatomia de superfície de órgãos internos, por
exemplo, bexiga, rins e glândula tireoide, os pacientes mostravam grande
variação e eram, geralmente, bastante imprecisos. Há ainda anomalias bizarras
da imagem e funcionamento corporal na prática médica no Reino Unido. Uma
trabalhadora em um moinho de Lancashire se queixou de cefaleias enxaquecosas
e as atribuiu a menstruações insuficientemente abundantes. Esta explicação era
culturalmente aceitável para suas companheiras.

Tabela 14.2
Transtornos de imagem corporal ligados à cultura

Equivalente
Transtorno diagnóstico Local Principais sintomas
Koro Estado de Sudeste da Crença de que o pênis irá se retrair para dentro do abdome e causará a
ansiedade Ásia morte
Frigofobia Neurose Leste da Ásia Medo mórbido do frio, preocupação com perda da vitalidade, uso
obsessivo- compulsivo de camadas múltiplas de roupas
compulsiva
Latah Histeria Malásia Hipersugestionabilidade, obediência automática, coprolalia, ecolalia,
ecopraxia, ecomimia, consciência alterada, desorganização,
depressão e ansiedade
Olho mau* Neurose fóbica México e norte Olhares poderosos são prejudiciais e precauções devem ser tomadas para
da África evitar ou combater o olho mau
Vodu Neurose fóbica Haiti Violação de um tabu que pode resultar em morte
Windigo Reação Índios Medo de se envolver em canibalismo e de se tornar um feiticeiro;
depressiva canadenses depressão do humor
Amok Estado Malásia Neurastenia, despersonalização, raiva, automatismo, atos violentos
dissociativo

(Em Kiev, 1972, com permissão da Penguin.)


*
Nota da Tradução: Equivalente à expressão “olho gordo” ou “mau-olhado”.

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CAPÍTULO 15

A Psicopatologia da Dor

“Você quer saber de mim, querida? Isto é novidade, estou certa, quando
alguém quer saber de mim. Nada bem, Louisa. Muito tonta e confusa.”
“Você está com dor, mamãe?” “Eu acho que tem uma dor em algum
lugar da sala”, disse a Sra. Gradgrind, “mas eu não posso dizer
positivamente que a tenho”.
Charles Dickens (1854), Hard Times

Resumo
A dor é uma experiência desagradável que envolve o conhecimento consciente
de sensações nocivas, sentimentos dolorosos e aversivos associados a dano real
ou potencial de tecido (International Association for the Study of Pain, 1994), e
é frequentemente conceitualizada como um estado de humor. Na psiquiatria, a
dor pode se apresentar intensificada, acentuadamente diminuída ou ocorrer na
ausência de causas demonstráveis. Os casos mais problemáticos são aqueles nos
quais a dor é o foco da apresentação, mas não há causa física identificável. Dor
facial, síndrome da boca ardente, vulvodinia e prurido psicogênico são exemplos
desse problema.
Desde Aristóteles, a dor tem sido classificada não como uma percepção e sim
como um estado de humor e, portanto, excluída dos cinco sentidos.
Conceitualmente, é um tema muito difícil, duro de descrever e categorizar; o
único aspecto que é claro é que ele representa um estado de sofrimento subjetivo
do paciente. Mas o que ele quer dizer com “minha dor”? Onde está e o que é?
Certamente, o significado da dor é maior do que a dor em si e frequentemente a
razão pela qual a sensação é interpretada como sofrimento. Uma paciente com
dor de garganta acreditava que tinha câncer de garganta; sua mãe havia morrido
em decorrência desta condição. A relação entre os sintomas e seu significado não
é direta. Outra pessoa acreditava estar sofrendo de doença venérea sem ter sido
exposta ao risco, mas já tinha sido tratada com sucesso para Doença de Hodgkin.
Ela não tinha temores a respeito de sua doença real e potencialmente letal, mas
somente admitia conscientemente temer o impossível.
Os aspectos fenomenológicos da experiência de dor não são muito bem
estruturados, embora na medicina geral esta seja, acima de todas as outras, a área
na qual a fenomenologia poderia ser mais útil: dor é uma experiência subjetiva
que ocorre somente em estado consciente (Bond, 1976). Com frequência o
psiquiatra é confrontado com o problema de determinar se a dor é física ou
mental, orgânica ou funcional, médica ou psiquiátrica e certamente a resposta
para cada um dos pares acima é, no mais das vezes, ambos. Também podemos
ser solicitados a avaliar quanto da dor é psicogênica, embora isto seja
praticamente impossível, pois, segundo Aristóteles, a dor é um estado da mente,
mesmo quando há uma causa óbvia, como um hematoma sob a unha de um
dedo.

Dor Orgânica ou Psicogênica?


A transmissão de dor resulta em uma experiência subjetiva e consciente. Para
detalhes sobre as bases anatômicas para a dor e também sobre os mecanismos
bioquímicos, o leitor deve consultar Wall e Melzack (1999). Há um limiar para a
dor: uma pressão leve é percebida como toque, a pesada como dor. Uma
explicação para isto foi sugerida na teoria do controle do portão de Melzack e
Wall (1965), que consideraram que o estímulo doloroso através das fibras densas
mielinizadas e não mielinizadas resulta em feedback positivo na substância
gelatinosa, o que é transmitido no trato espinotalâmico lateral. No entanto, este
portão está sob a influência dos centros superiores, que podem superar o
estímulo local, como demonstrado pelo efeito de atenção: algumas vezes a dor
não é sentida quando a atenção é desviada da região afetada. Teorias bioquímicas
correntes também são importantes na explicação da mediação da dor.
Outras teorias envolvem o estudo de mecanismos pré e pós-sinápticos no
sistema nervoso central (Nathan, 1980). A estimulação elétrica em algumas
partes do tronco cerebral, entre elas a medula oblonga, substância cinzenta do
periaquedutal e o hipotálamo ao redor do terceiro ventrículo, pode produzir
analgesia. Descobriu-se que substâncias opioides endógenas (endorfinas) inibem
que fibras nervosas transmitam eventos desagradáveis. Isto foi inicialmente
descoberto após a estimulação elétrica na substância cinzenta do aqueduto do
tronco cerebral de ratos, mas foi posteriormente demonstrado em humanos
(Bond, 1976). Os mecanismos do sistema nervoso central para modulação da dor
incluem controle modulatório descendente e um número crescente de
neurotransmissores, principalmente a serotonina e opioides endógenos; é quase
certo que a interação desses diferentes sistemas atua na modulação da dor (Fields
e Basbaum, 1994). Hoje temos maior compreensão sobre a base molecular da
dor. O papel dos canais de sódio após lesão de nervo e os genes que codificam a
expressão de determinados canais de sódio em neurônios sensoriais primários
têm sido pouco a pouco elucidados (Waxman et al., 1999; Waxman, 1999).
A tentação de considerar a dor simplesmente uma sensação cria certos
dilemas. Por exemplo, qual é a experiência subjetiva da pessoa que reclama de
dor intensa sem patologia orgânica detectável, ou da pessoa com patologia leve
que se queixa de dor agonizante? Como se pode avaliar a pessoa com ferimento
aparentemente dolorido que diz não sentir nenhuma dor no momento?
Termos fisiológicos, puramente orgânicos e também palavras psicológicas,
emocionais, têm sido empregados. Beecher (1959) acreditava que a dor podia ser
definida e listou uma série de fisiologistas e psiquiatras renomados para
fundamentar seu argumento. No entanto, Merskey (1976) considera que dor é
uma experiência psicológica, particular para o indivíduo, mas que tende a ser
descrita em termos de dano no corpo e, portanto, definiu a dor como “uma
experiência desagradável que primariamente associamos a dano tecidual, ou
descrevemos em termos desse dano, ou ambos”.
Certamente, independentemente do estímulo físico, fatores psicológicos são
muito importantes na apreciação da dor. Por exemplo, a analgesia psicológica
(parto orientado ou natural nos cuidados obstétricos), utilizando preparação
psicológica, explicação e, algumas vezes, hipnose, resultará que 5 a 10% das
mulheres sintam pouca ou nenhuma dor, 15 a 20% apenas dor moderada e no
resto a dor não é alterada, mas o medo e a ansiedade diminuem (Bonica, 1994).
Ao negarem a avaliação subjetiva, médicos frequentemente não atentam para a
importante distinção entre a experiência da dor e suas causas físicas
(Noordenbos, 1959). O paciente presume que sua dor indica a presença de
doença física, mas dor de muitas espécies é um sintoma muito comum em muitas
condições psiquiátricas, sem haver patologia física.
A experiência da dor psicogênica foi associada a determinados tipos de
personalidade (Engel, 1959). Os traços mais importantes de personalidade
associados à dor são os de ansiedade, personalidade depressiva e ciclotímica no
polo depressivo – traços histéricos, hipocondríacos e obsessivos (Bond, 1976).
Pessoas com tais características de personalidade em um grau anormal têm
maior probabilidade de responder aos estresses da vida com dor. Queixas de dor
são comuns nas neuroses, especialmente na ansiedade crônica ou traços
histéricos (Merskey, 1965).
É importante ter muito cuidado para distinguir a dor de origem física da dor
que é em grande medida psicogênica: generalizações podem ser perigosas. No
entanto, Trethowan (1988) considera que existem diferenças importantes entre a
dor psiquiátrica e a dor de origem orgânica:
▪ A dor associada a transtorno psiquiátrico tende a ser mais difusa e menos
localizada do que a dor decorrente de lesão física. Ela se espalha com uma
distribuição não anatômica.
▪ O paciente se queixa de que a dor é constante. Ela pode se tornar até mais
grave às vezes, mas persiste sem trégua. As dores físicas normalmente têm
agentes causadores mais definidos e são aliviadas com o emprego de
medidas específicas.
▪ A dor psicogênica é vista como um estado claramente associado a um
transtorno subjacente de humor que parece ser primário em termos de tempo
e causa.
▪ Parece ser muito mais difícil descrever com precisão a qualidade da dor
psicogênica. O paciente não tem dúvida de que está sofrendo, que a dor é
muito desagradável e ele sente que não pode suportá-la. Mas, ao contrário do
dano doloroso a um órgão definido, quando a dor pode ser descrita como
ardência (pele), aguda (nervo) ou aperto (músculo cardíaco), o paciente com
dor não orgânica pode não encontrar palavras adequadas para descrevê-la.
▪ Uma consideração adicional a esta lista é o achado de progressão da
severidade e extensão da dor no decorrer do tempo – não usual para uma dor
fisicamente mediada sem aumento de dano no tecido (Tyrer, 1986).

A Dor e Sensação Intensificada


O aumento generalizado de estímulo (input) sensorial pode ser sentido como dor.
Isto é exemplificado na hiperacusia: o paciente se queixa de que os ruídos estão
desconfortavelmente altos. Não há aumento de sua capacidade de ouvir, mas o
limiar no qual o som é percebido como desagradavelmente alto é diminuído. Os
ruídos, até mesmo voz em volume normal, são descritos como dolorosos à
audição.
Com o uso de LSD, dor intensa pode ser sentida nos membros, que parecem
ter sido torcidos e retorcidos. De modo semelhante, nos primeiros estágios da
deficiência de tiamina, pode haver aumento de sensibilidade para dor. Nessas
situações há uma alteração da percepção de sensações e elas são vivenciadas
como dor.
No estado consciente, a pessoa recebe incontáveis sensações de todo o seu
corpo, como coceira, distensão, pressão, formigamento, dor leve, palpitação,
calor e assim por diante. Estas formam o sensorium da imagem corporal e
permitem a localização do self no espaço. Na maioria das vezes, muitas dessas
sensações não são notadas. No entanto, ocasionalmente a pessoa se concentra e
faz algo para eliminar a sensação – coçar sua orelha ou cruzar as pernas. A
atenção a essas sensações, principalmente quando ligadas a uma emoção
desagradável, pode ocasionar a experiência de dor. Perceber a sensação resulta
em medo e a angústia desta emoção é percebida como dor.
Esta parece ser a explicação para os sentimentos vitais da depressão descritos
no Capítulo 16. Sentimentos vitais são a localização da depressão em um órgão
corporal, com queixas como dor de cabeça, no peito ou em qualquer outro lugar.
Quando mais perguntas são feitas, os sintomas são descritos como
desagradáveis, como uma pressão ou até mesmo um sentimento de tristeza e
depressão naquele órgão: interpretações mórbidas de sensações corporais
comuns. A sensação é desagradável, porém normal, e seria ignorada em um
estado saudável. No transtorno de afeto, a sensação pode ser morbidamente
interpretada como a de um câncer, tuberculose ou doença venérea. Ocorrem
também, é claro, alterações físicas na depressão, por exemplo, diminuição do
peristaltismo e secreções gastrointestinais, que podem provocar outras sensações
desagradáveis, como espasmo e constipação.
A dor central (síndrome talâmica) é vivenciada como uma sensação
espontânea de ardor que pode ser ativada por estimulação cutânea ou mudança
de temperatura, que também pode se apresentar como alodinia tátil, alodinia ao
frio ou dor constante (Greenspan et al., 2004). É geralmente intratável e ocorre
em casos de acidente vascular cerebral, esclerose múltipla, siringomielia e lesão
medular. A hipótese atual é a de que ela surge em decorrência de interrupção no
trato espinotalâmico associado à descarga neuronal ectópica e possivelmente
envolve neurotransmissores adrenérgicos, GABA, glicina e outros (Devulde
et al., 2002).

Sensação Diminuída para a Dor e Desejo de Dor


Em determinadas situações, ocorre uma diminuição da percepção da dor.
Assimbolia para dor é a condição na qual situações que deveriam aumentar a dor
não aumentam (Schilder e Stengel, 1931). Esta condição pode ocorrer como um
transtorno congênito ou adquirido. Atualmente temos cinco variedades
hereditárias reconhecidas, frequentemente associadas a neuropatias autonômicas,
entre as quais, a anidrose (Butler et al., 2006). Diversas mutações de fator de
crescimento de nervos foram identificadas (Einarsdottir et al., 2004). A
assimbolia para dor adquirida também foi descrita em pacientes com lesão
vascular, predominantemente do lado esquerdo e envolvendo o córtex insular
(Berthier et al., 1988). Pacientes com assimbolia para dor demonstram resposta
ausente ou inadequada para estímulos dolorosos no corpo todo e incapacidade de
aprender fuga apropriada ou reações de proteção. Outras características incluem
anidrose, falta de sensibilidade térmica, automutilação, deficiência intelectual,
febre recorrente secundária a anidrose e falha de crescimento (Dias e
Charki, 2012). Há evidências de limiar de dor elevado e tolerância à dor em
pacientes com esquizofrenia e seus parentes, demonstrados pela relativa
insensibilidade à pressão nos dedos (Hooley e Delgado, 2001). Autolesões de
natureza grave podem também ocorrer na esquizofrenia, como por exemplo,
autocastração. Em outras situações, como embriaguez aguda, ocorre a
diminuição de sensibilidade devido à ação depressora central do álcool. Da
mesma forma, opiáceos são analgésicos devido à sua ação sobre a sensibilidade
central à dor.
A atenção também é um fator importante na percepção da dor. A “adrenalina”
ou agressividade, como no caso de jogadores de futebol ou soldados, pode fazer
com que o sujeito ignore um ferimento grave. Quando uma lesão tem vantagens
para o paciente, como capacitar o soldado a deixar o campo de batalha, ela causa
menos dor do que quando ela é vista como totalmente desvantajosa. Várias
técnicas psicológicas podem reduzir a experiência de dor, entre as quais hipnose,
diversas técnicas no parto, medicações placebo e, possivelmente, acupuntura. Na
dissociação (conversão), pode haver anestesia e analgesia localizadas no
membro afetado. Por exemplo, o paciente pode descrever que não tem percepção
da sensação de uma agulha.
Embotamento e distorção da percepção de dor é descrito no retardo mental
grave, por vezes resultando em autolesões sérias. O paciente pode bater sua
cabeça, ocorrendo formação de hematoma crônico, se morder ou de outra forma
se ferir repetidamente causando dano permanente. Enquanto isso, ele parece não
experimentar dor nem mesmo desconforto. A autoaplicação de bandagens
constritoras foi descrita em pacientes com esquizofrenia e em pacientes com
doenças orgânicas (Dawson-Butterworth et al., 1969). Em geral, as bandagens
são aplicadas no braço esquerdo e, apesar de lesões importantes nos tecidos, o
paciente não reclama de dor.
Autoagressão também ocorre em pessoas com transtornos de personalidade
sem deficiência intelectual. Tais comportamentos podem incluir cortar a pele, os
pulsos, queimar a pele, autogolpes, arranhar a pele e quebrar ossos (McElroy
et al., 2000). Esses pacientes geralmente são mulheres (Graff e Mallin, 1967) e o
comportamento parece estar ligado a alívio de tensão e amenizar emoções
negativas. Há evidências empíricas de que o comportamento de autoflagelação
tem diversos objetivos possíveis: autopunição, influenciar relacionamentos
pessoais, reduzir a tendência para dissociação e, ainda, induzir estímulo sensorial
intenso (Quadro 15.1).

Quadr o 15.1 Exemplos de comportamento de


autoflagelação

Quando ELA está sozinha em casa, ela se corta, tirando uma fatia do
nariz para esfregar na cara das pessoas. Ela sempre espera pelo
momento em que pode se cortar sem ser observada. Assim que ela
ouve o barulho da porta fechando ela pega seu talismã, a lâmina de
barbear do pai. ELA tira a lamina de sua embalagem dominical de
cinco camadas de plástico virgem. Ela é muito habilidosa no uso de
lâminas; afinal, é ela que faz a barba do pai, barbeia a bochecha macia
do pai abaixo da sobrancelha paterna completamente vazia, que agora
já não reage a qualquer pensamento, não se franze por qualquer
motivo. Aquela lâmina é destinada para a carne DELA. Esse filme fino
e elegante de aço azulado, maleável, elástico. ELA se senta em frente
ao espelho de aumento; abrindo suas pernas ela faz um corte,
aumentando a abertura que é a porta para seu corpo. Ela sabe, por
experiência, que o corte de navalha não dói, já que seus braços, mãos
e pernas frequentemente serviam como cobaias. Seu passatempo é
cortar o próprio corpo.
Elfriede Jelinek (1988), The Piano Teacher

Certa noite, eu fui ao banheiro e peguei os pedaços quebrados de uma


lâmina de barbear que eu tinha guardado. Eu cortei meus pulsos
diversas vezes, o mais fundo que eu consegui. Eu sabia perfeitamente
que aquilo não iria me matar, não como das outras vezes. Elas foram
uma coisa bem diferente. Ao terminar de escrever para você, a dor
dentro de mim é tão insuportável que uma força enorme me levou a
infligir uma dor física em mim mesma na esperança de aliviar a outra.
Sarah Ferguson (1973), A Guard Within

Dor sem Causa Orgânica


Infelizmente a dor é uma característica desagradável, comum a quase todos os
contextos médicos; ela é uma queixa frequente na prática médica, cirúrgica,
ginecológica e psiquiátrica. Casos persistentes podem ser encaminhados para
uma clínica de dor e predominam os casos sem base orgânica que expliquem a
queixa de dor (Tyrer, 1985). Principalmente dores nas costas, na cabeça e no
rosto frequentemente não estão associadas a lesões orgânicas. De 3 a 5% dos
pacientes, dependendo de como são feitos os encaminhamentos, têm transtorno
psiquiátrico quantificável.
Existem diversos mecanismos que podem explicar a presença de dor sem
doença física: a atividade nervosa autonômica pode ser interpretada e elaborada
através do medo de possíveis consequências, sensações normais podem ser
vivenciadas como doloridas em situações de estresse ou medo, dor relativamente
leve e desconforto de causa benigna podem ser equivocadamente interpretados
como mais preocupantes do que verdadeiramente são.
A classificação de dor não orgânica é complexa. Assim como ela ocorre como
uma perturbação primária a dor também é patente na hipocondria, no transtorno
de somatização e principalmente na depressão com transtorno de humor. Na
série de Tyrer, 2/3 dos pacientes sem causa orgânica e com perturbação
psiquiátrica mensurável foram diagnosticados como portadores de transtorno
depressivo maior. O restante apresentava transtorno de personalidade, estado de
ansiedade, histeria e dependência de drogas; parafrenia e síndrome orgânica
cerebral também ocorriam, mas de forma rara (Tyrer, 1985).
Dor sem explicação orgânica apropriada é um dos problemas mais difíceis que
chegam aos psiquiatras. Em um estudo de pacientes com dor, encaminhados aos
psiquiatras em um hospital geral, a cabeça e o pescoço eram os locais mais
comuns, seguidos das costas, abdome, braço ou perna, reto ou genitália e tórax
(Pilling et al., 1967). Em 32% desses pacientes médicos e cirúrgicos, a queixa
apresentada era dor e considerou-se que esses pacientes “falavam com seus
médicos em termos de dor ou outros sintomas orgânicos, e não em termos de
ansiedade, depressão e coisas do tipo”. Na avaliação da importância dos fatores
emocionais na dor crônica, o histórico e exame adequados, entre os quais
avaliação de atribuição e relação com o estado de humor, foram considerados os
mais úteis (Tyrer, 1992); os questionários mais úteis foram Hospital Anxiety and
Depression Scale (Zigmond e Snaith, 1983) e o West Haven - Yale
Multidimensional Pain Inventory (Kerns et al., 1985).
É totalmente compreensível que alguém com dor se sinta infeliz e que a dor
crônica ou a antecipação de dor recorrente provoque depressão do humor. Isto é
considerado tão natural que não é tomada nenhuma providência para aliviar o
humor depressivo se a causa da dor for óbvia. No entanto, se a percepção da dor
é vista de duas fontes distintas – a percepção sensorial e o afeto investido – os
esforços para aliviar o último, se bem-sucedidos, produzirão diminuição global
da dor. A dor pode ser uma causa de depressão e, neste caso, é apropriado o
tratamento da depressão.

Dor e perda
O modelo mais comum para este tópico é a dor no membro fantasma, tão comum
nos casos de amputação. A dor é sentida em um membro que não está lá; ou seja,
espacialmente, a dor está localizada fora do paciente. No entanto, não se trata de
alucinação. A pessoa sabe muito bem que perdeu a perna e a sensação de dor
está dentro dela mesma. A imagem corporal demora para se ajustar a uma
mudança como uma amputação, e pode jamais se adaptar completamente.
Ramachandran e Hirstein (1998) fornecem uma revisão minuciosa do tema. A
experiência do membro fantasma ocorre quase imediatamente após a perda de
um membro na grande maioria dos casos e a incidência pode ser ainda maior se
for resultado de perda traumática. Em casos de amputações cirúrgicas, fantasmas
aparecem assim que passa o efeito da anestesia. O membro fantasma dura alguns
dias ou semanas e gradualmente desaparece, mas pode persistir por anos ou até
mesmo décadas. De fato, algumas pessoas são capazes se recordar de um
membro fantasma por vontade própria após seu desaparecimento.
Os membros fantasmas são mais comuns após a amputação de um braço ou
uma perna, mas também são relatados após mastectomias ou remoção de partes
do rosto; até mesmo uma víscera interna fantasma pode produzir sensações de
movimento intestinal e flatulência. A postura do membro pode se tornar habitual,
com o braço, frequentemente parcialmente flexionado no cotovelo, com o
antebraço em pronação e quando o fantasma desaparece da consciência,
principalmente o antebraço, ele se torna progressivamente mais curto até que o
paciente fique apenas com uma mão fantasma. Talvez seja ainda mais
surpreendente que crianças com ausência congênita de membros podem
experimentar fantasmas. Inicialmente, considerava-se que a dor fantasma era
causada por neuromas de coto, mas visto que pacientes já nascidos sem membro
podem ter dor fantasma, os neuromas não parecem ser necessários para a
ocorrência de dor fantasma. A persistência da representação central do membro
amputado é em grande parte responsável pela ilusão fantasma e a dor associada.

Dor facial psicogênica


Há muito se sabe que muitos pacientes com dor crônica em diversos locais não
têm sinais físicos anormais e não manifestam doença orgânica grave. Dor facial
atípica é um exemplo especialmente frequente e intratável, não manifestando
sinais orgânicos, mas causando grande sofrimento; o paciente é enviado do
cirurgião ao dentista, deste para o clínico e daí para o psiquiatra, geralmente sem
solução. Tal dor tem sido frequentemente associada à depressão. Lascelles
(1966) descreveu uma série de 93 pacientes que sofriam de dor facial
prolongada, a maioria dos quais sofria de depressão atípica com intensa fatiga,
tensão e distúrbio do sono sobreposto à personalidade “obsessiva”; 53 desses
pacientes responderam bem à terapia antidepressiva.
Mais recentemente, Blumer e Heilbronn (1982) consideraram a dor crônica e
intratável sem causa orgânica uma variante do transtorno depressivo. Garvey
et al. (1983) investigaram a associação entre cefaleia e depressão em 116
pacientes que sofriam de transtorno depressivo maior. Estes pacientes sentiram,
durante um período não deprimido, uma taxa semelhante de dor de cabeça aos
sujeitos-controle não deprimidos, mas apresentaram uma taxa muito mais alta
durante os episódios depressivos. Feinmann et al. (1984) investigaram a eficácia
de um antidepressivo tricíclico, dosulepin (dothiepin)*, no tratamento da dor
facial psicogênica: 71% dos pacientes estavam livres dos sintomas em nove
semanas, comparados com 47% do grupo do placebo; após 12 meses de
acompanhamento, 81% dos pacientes estavam sem dor. Indicadores de bom
prognóstico para o sucesso do tratamento incluíam dor após um evento de vida
adverso, mínima intervenção cirúrgica anterior e ausência da dor após nove
semanas de tratamento. Esses estudos sugerem uma associação entre dor facial
sem sinais físicos e transtorno depressivo.

Síndrome da boca ardente


Um grupo de condições heterogêneas da pele que apresentam sensações
desagradáveis, como coceira, ardência, ferroadas ou dormência, é reconhecido
como responsável por afetar o rosto, o coro cabeludo e o períneo. Essas
condições são pouco compreendidas, mas demonstram uma interação entre dor
neuropática, coceira neuropática, transtornos neurológicos e psiquiátricos (Gupta
e Gupta, 2013). Quando essas condições afetam a cavidade oral são chamadas de
“síndrome da boca ardente”, uma condição caracterizada por uma ardência
intraoral na qual nenhuma causa médica ou dentária pode ser identificada
(Ducasse et al., 2013). As sensações orais anormais incluem ardência, picadas
(formigamento), alodinia (dor ao escovar os dentes e gengivas), dormência,
coceira e sensações de descargas elétricas (Braud et al., 2013). Essas sensações
ocorrem principalmente na ponta da língua, nos aspectos laterais da língua,
lábios e palato duro e mole (Sun et al., 2013) e podem envolver dor irradiando
para os maxilares inferior e superior, aspectos internos da bochecha e gengiva.
Apesar da salivação normal, os pacientes frequentemente reclamam de
xerostomia e disgeusia. A síndrome da boca ardente parece ocorrer com mais
frequência em mulheres na perimenopausa (Dahiya et al., 2013).

Vulvodínia
A vulvodínia pode ser definida como uma sensação persistente, espontânea,
indesejada, intrusiva e angustiante na vulva (Markos e Dinsmore, 2013) e é uma
condição pouco compreendida. Um subtipo frequente é chamado de
“vestibulodinia provocada” quando a dor ou desconforto é provocado por
relações sexuais e não de maneira meramente espontânea (Bois et al., 2013). Há
alguma evidência de que a vulvodinia está associada à hiperalgesia generalizada.
Além disso, ocorrem respostas cerebrais aumentadas para pressão do polegar,
que é a estimulação de área distante da vulva, demonstrável dentro da insula,
médio cingulado dorsal, cingulado posterior e tálamo, em comparação a
controles normais. A interpretação que se faz disso é evidência de aumento de
processamento de dor central na vulvodinia (Hampson et al., 2013). Ao contrário
da vulvodinia difusa, quando a dor é localizada à 1 e 11 horas, ela tende a ser
experimentada como dor profunda dentro do vestíbulo e a dor é provocada por
relação sexual e introdução de tampão. A dor às 5 e 7 horas é menos intensa
(Donders e Bellen, 2012). Ocorrem efeitos adversos significativos na qualidade
de vida e nos relacionamentos íntimos com parceiros sexuais (Bois et al., 2013;
Smith et al., 2013; Xie et al., 2012; Ponte et al., 2009).
Pacientes do sexo masculino também podem apresentar uma condição
semelhante à vulvodinia, com uma sensação de ardência no pênis e no escroto.
Esta condição é chamada de “penoescrotodínia”. A classificação proposta
atualmente é: generalizada, focal, provocada, não provocada e tipos mistos
(Markos, 2011).

Prurido psicogênico
A coceira e a vontade de coçar são respostas normais a reações cutâneas. A
coceira pruritrogênica (coceira ficológica) é transmitida por neurônios aferentes
dedicados, da mesma forma que a dor. Os mediadores de coceira incluem a
“conversa cruzada” entre Mastócitos dérmicos e aferentes cutâneos adjacentes.
Além disso, existem diversos neuropeptídeos (neurotensina e substância P, por
exemplo) envolvidos no processo (Greaves, 2010). Alguns casos, que são
considerados de origem neuropática, são considerados relacionados com dano ao
sistema nervoso periférico, como no caso de neuralgia pós-herpética, prurido
braquiorradial, notalgia parestésica, dano nervoso central na medula espinhal
devido a tumores e doenças desmielinizantes, como esclerose múltipla
(Yosipovitch e Samuel, 2008). Nessas condições, a sensação de coceira é
análoga à dor neuropática e ocorre sobreposição com sensações de ardência, dor
e picadas. Por outro lado, o prurido psicogênico ocorre sem causa física e não
está relacionado com dano nervoso demonstrável. O prurido psicogênico pode
estar associado à depressão e transtorno obsessivo compulsivo (Calikuşu
et al., 2003), ansiedade e delírios de infestação parasitária. O grupo francês de
psicodermatologia propôs um critério diagnóstico que inclui: prurido localizado
ou generalizado sine materia, pruridos crônicos com duração de mais de seis
semanas e ausência de causa somática. Além desses, deveria haver três critérios
adicionais entre os sete seguintes: relação cronológica do prurido com um ou
diversos eventos da vida que podem ter repercussões psicológicas, variações de
intensidade associadas ao estresse, variações noturnas, predominância durante o
descanso ou inatividade, associações com transtornos psiquiátricos, melhoria em
resposta a agentes psicotrópicos e melhoria em resposta à psicoterapia (Misery
et al., 2007).
Dor e Sofrimento
A dor é um tema de estudo adequado para o fenomenologista, pois os sinais
externos podem ser irrelevantes e a experiência subjetiva extremamente
importante. O principal problema na avaliação da dor é a extraordinária
dificuldade que um paciente tem de descrever a qualidade dessa dor: quanto
maior o componente psicogênico da dor, mais difícil é encontrar as palavras
certas para descrevê-la. Às vezes parece que a dor pode ser necessária como uma
solução neurótica para um conflito neurótico: para que o equilíbrio permaneça, é
necessário que a dor seja mantida. Trethowan (1988) considerou que tal paciente
“não está sofrendo absolutamente de dor. Ele está sofrendo é de ‘sofrimento”’.
Existem diferenças entre a pessoa que sofre de dor organicamente
determinada e o indivíduo que sofre cronicamente com múltiplos sintomas cuja
dor é considerada psicogênica. Este último realmente sofre, mas não mostra os
correlatos físicos da dor intensa. Parece que o estado de sofrimento no qual esta
pessoa existe encontra expressão, respeitabilidade e somente pode ser
comunicado quando é transformado perifericamente em uma dor específica. A
dor pode ocorrer com um pouco de sofrimento, como na injeção de anestesia
local que, depois da pequena picada, traz o alívio de uma dor pior. O sofrimento
pode ocorrer sem dor, mas pode também ser descrito como dor e pode ser a
natureza de muitas queixas neuróticas de dor. Esta transposição de afeto é
completamente compreensível quando consideramos a semântica do sofrimento.
Sofrimento de todos os tipos não físicos – indignação, humilhação, desilusão –
encontra expressão em termos que utilizam a palavra dor: “tomar as dores”,
“sentir-se esmagado”, “autoestima ferida”, “colocar o dedo na ferida”,
“comentários cortantes”. Não só a dor é uma metáfora para o sofrer, mas em
muitas situações o sofrimento pode ser experimentado e explicado por quem o
sofre em termos de dor.
Assim, o uso de palavras relativas à dor pode ser interpretado
metaforicamente e o paciente neurótico pode seguir esta linha até sua conclusão
lógica e descrever concretamente o sofrimento intolerável e humilhante de sua
existência diária como queixa de dor física localizada. A experiência de dor é
uma sensação física que assume um componente afetivo para sua expressão e
interpretação. Este componente afetivo – sofrimento – pode ocorrer sem
percepção física e ainda assim ser vivenciado pela pessoa como dor.

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*
Nota da Revisão Técnica: O medicamento dosulepin não está disponível no Brasil.
SEÇÃO 5
Emoções e Ação

Capítulo 16: Alterações de Afeto e Emoções


Capítulo 17: Ansiedade, Pânico, Irritabilidade, Fobia e Obsessão
Capítulo 18: Perturbações da Vontade e Execução
CAPÍTULO 16

Alterações de Afeto e Emoções

Quero te dizer que recebi o bolo. Muito obrigada, mas não mereço. Você
o enviou no aniversário de morte do meu filho, porque eu não sou digna
do meu aniversário; devo chorar até a morte; não posso viver e não
posso morrer, e porque fracassei em tantas coisas, eu levo meu marido
e minhas filhas para o inferno. Estamos todos perdidos; não nos
veremos mais; devo ir para a prisão dos condenados e também minhas
duas filhas, se não se acabarem porque nasceram no meu corpo.
Uma paciente de Emil Kraepelin (1905)

Resumo
O transtorno de humor é não apenas uma anormalidade comum que chega aos
psiquiatras, mas de importância considerável devido às graves consequências
que deficiências no reconhecimento ou tratamento podem ter nas vidas dos
pacientes. Ele está associado a suicídio, homicídio, comportamento imprudente e
tem significativo impacto social indesejado na reputação social. Afeto é um
termo amplo que abrange humor, sentimento, atitude, preferências e avaliações.
No seu uso moderno, ele se refere à expressão da emoção julgada pelas
manifestações externas que estão associadas a sentimentos específicos, como por
exemplo, riso, choro ou aparência de medo. Humor é um estado ou disposição
mais prolongado e predominante semelhante, enquanto emoção é um termo
frequentemente empregado para se referir a experiências espontâneas e
transitórias semelhantes, mas não idênticas a sentimento, já que não é necessário
incorporar os componentes físicos da experiência. As anormalidades de humor
podem ser classificadas como: a) estados mórbidos das emoções básicas,
incluindo tristeza, alegria, medo, raiva, surpresa e repugnância, que podem ser
afetados pela intensidade, duração, época, qualidade da experiência, expressão e
adequação ao objeto ou contexto social; b) anormalidades dos mecanismos
fisiológicos e de excitação associados a emoções; e c) anormalidades da
avaliação cognitiva do mundo social e da percepção das emoções dos outros.
A avaliação e observação do estado e das mudanças de humor são essenciais
na psiquiatria, mas requerem habilidade. Parte do problema sempre foi a
confusão conceitual e a falta de uma teoria psicopatológica coesa que tenha sido
tradicionalmente associada à perturbação do afeto (Berrios, 1985). Em um
estudo de pacientes com problema de falta de diagnóstico à época da alta
hospitalar, a depressão psicótica atípica foi considerada, no acompanhamento, a
condição mais frequentemente responsável pela dúvida (Anstee e
Fleminger, 1977). Em outro estudo, o afeto depressivo era a causa principal de
problemas somáticos sem patologia física (Brenner, 1979). No entanto, os
termos empregados não são padronizados, nem mutuamente exclusivos.
Diferentes idiomas, ao contrário dos nomes dados a objetos físicos, têm uma
gama de descrições de humor completamente diferente, não sabemos se apenas
os termos diferem nas diferentes culturas ou se talvez a experiência da própria
emoção seja diferente. Portanto, Angst não pode ser traduzida para a língua
inglesa com uma única palavra equivalente; e nem depression (depressão) pode
ser traduzida com precisão para a língua alemã. A palavra feeling* descreve uma
experiência ativa de sensação somática, de toque, assim como a experiência
passiva e subjetiva de emoção. De acordo com Whybrow (1997), emoção “é, na
verdade, memória e sentimento entrelaçados”. Sentimentos também são
convicções pessoais, projeções e sensibilidades sociais. Todas essas nuances de
significado são de certa forma diferentes das associações ligadas à palavra mood
(humor).
Tradicionalmente, a palavra sentimento tem sido empregada para descrever
uma reação positiva ou negativa a uma experiência, que é marcante, mas
transitória. Afeto é um termo mais amplo que abrange humor, sentimento,
atitude, preferências e avaliações. Na psiquiatria, é comum limitar o seu uso à
expressão de emoção vistas por manifestações externas que estão associadas a
sentimentos específicos; como por exemplo, riso, choro ou aparência de medo.
Humor é um estado ou disposição mais prolongado e predominante, enquanto
emoção é um termo frequentemente empregado para se referir a experiências
espontâneas e transitórias, semelhantes, mas não idênticas ao sentimento, já que
não é necessário incorporar os componentes físicos da experiência. Na prática,
esses termos são usados mais ou menos de forma intercambiável, fato que
contribui para muita confusão.
O humor descreve o estado do eu em relação a seu ambiente. Há uma enorme
gama de variação do que poderia ser razoavelmente chamado de humor normal.
O humor patológico, ou seja, o humor do qual o paciente sofre ou que causa
perturbação ou sofrimento a outros, também varia muito e o grau em que sua
expressão é aceitável para os outros é diferente em diferentes contextos sociais.
O médico precisa fazer duas perguntas envolvendo o humor do paciente.
Primeira: esta pessoa está sofrendo? Segunda, a expressão do humor é
inadequada neste contexto social? A psicopatologia do humor está confinada
àquelas situações nas quais a resposta é afirmativa para pelo menos uma das
perguntas e o tratamento é dirigido para a melhora do humor.
Como outras características humanas, a patologia do humor surge no contexto
de uma diátese. É a constituição física que determina a tendência para o
desenvolvimento, por exemplo, de um prolapso de disco intervertebral; no
campo mental, a personalidade está estreitamente associada ao tipo, qualidade e
direção do humor. Assim, uma pessoa com personalidade ciclotímica está mais
propensa a estados mórbidos de euforia e atividade excessiva ou tristeza
taciturna e retardo.

Teorias da Emoção
A teoria de emoção James–Lange foi desenvolvida independentemente por
James (1842–1910) e Carl Lange (1834–1900). O que ela coloca é que as
emoções são o resultado da autoconsciência de alterações físicas e corporais na
presença de um estímulo. William James (1884) escreveu:

Minha teoria (…) é que as alterações corporais seguem diretamente a


percepção do fato excitante, e que nosso sentimento das mesmas
mudanças enquanto elas ocorrem é a emoção. O senso comum diz, nós
perdemos nossa fortuna, lamentamos e choramos; nós encontramos um
urso, ficamos com medo e corremos; um rival nos insulta, ficamos com
raiva e atacamos. A hipótese aqui defendida é que essa ordem de
sequência não é correta (...) e que a afirmação mais racional é que nós
lamentamos porque choramos, ficamos com raiva porque atacamos,
ficamos com medo porque trememos (...) Sem os estados corporais que
seguem a percepção, esta última seria puramente cognitiva na forma,
pálida, sem cor, destituída de calor emocional. Podemos, então, ver o
urso e julgar que é melhor correr, receber um insulto e considerar correto
atacar, mas não deveríamos nos sentir realmente com medo ou com
raiva.

Esta teoria foi criticada por Walter Cannon (1871–1945) e Philip Bard (1898–
1977). Reações viscerais (fisiológicas) a estímulos são muito lentas para explicar
a rapidez das emoções que surgem na presença de estímulos adequados. Em
outras palavras, a prontidão da minha consciência do aumento da frequência
cardíaca e boca seca que ocorrem quando estou na presença de um leão hostil é
inadequada para explicar o meu medo do leão. Além disso, as reações viscerais a
estímulos variados são semelhantes, mas as emoções podem ser díspares como
medo, surpresa, alegria e assim por diante. E a injeção de adrenalina (epinefrina)
é acompanhada por alterações viscerais, mas não necessariamente por alteração
emocional. Além disso, animais com lesões espinhais continuam a experimentar
emoções. Ao contrário, a teoria de Cannon–Bard afirmou que a emoção tem
primazia temporal e que qualquer alteração visceral ou comportamental segue a
emoção. Segundo essa teoria, eu vejo um leão hostil e fico com medo. O meu
receio provoca a reação fisiológica típica do aumento da frequência cardíaca etc.,
e o comportamento resultante é fugir. Esta teoria não deixa nenhum espaço para
aspectos cognitivos na origem das emoções.
Outra teoria muito influente é a teoria dos dois fatores da emoção, de
Schachter e Singer (1962). Os dois fatores relevantes são excitação fisiológica e
cognição. Segundo esta teoria, um indivíduo está inserido em um determinado
contexto social e responde à situação com excitação fisiológica. O significado
atribuído a esta excitação é determinado pela cognição. Se ele considerar que o
contexto é de ameaça, ele sentirá medo, mas se ele considerar que a situação é
engraçada, a emoção será positiva. Esta teoria tem implicações óbvias para a
avaliação clínica dos transtornos do humor. Ela especifica que o contexto social
é importante, que as cognições do indivíduo são relevantes e, finalmente, que
também é importante considerar cuidadosamente e descrever a emoção
associada.

Emoções Básicas
Ekman e colaboradores (Ekman e Friesen, 1971) demonstraram que há seis
emoções básicas que são expressas no rosto: raiva, repugnância, medo, alegria,
tristeza e surpresa. Essas expressões básicas de emoção são universais e já
haviam sido descritas por Charles Darwin (1872). Embora a expressão facial de
emoções tenha um caráter universal, há diferenças em diversos aspectos. No
trabalho de campo de Ekman, na Papua Nova Guiné, entre o povo Fore, foi
identificada pouca distinção entre surpresa e medo. Além disso, também é
verdade que quando as pessoas experimentam fortes emoções, existem regras de
demonstração que determinam quem pode demonstrar qual emoção para quem e
quando. Diferentes culturas também diferem sobre quais eventos provavelmente
produzem determinadas emoções. Isto é bem exemplificado pela comida que
uma cultura considera uma iguaria e outra considera repulsiva. O que importa é
que o tema geral é universal; ingerir algo repulsivo é uma causa de asco
(Ekman, 1998).

Comunicação do Humor
“Nenhum homem é uma ilha, sozinho em si mesmo” (John Donne, 1571–1631),
e isto não poderia ser mais verdadeiro do que nos sentimentos, que são
extremamente afetados por aqueles à nossa volta. Os sentimentos são passíveis
de observação e compreensão e representam mensagens não verbais. O afeto em
si não é dirigido a outra pessoa, mas a expressão do afeto é transmitida tanto
deliberada quanto não intencionalmente às outras pessoas.
Uma das descobertas mais importantes da última década foram os neurônios
espelho. Tais neurônios foram encontrados em primatas e pássaros e sua
existência inferida em humanos. Os neurônios espelho são ativados quando um
animal executa uma ação e também quando um animal observa a mesma ação
executada por outro animal. Em outras palavras, esses neurônios espelham o
comportamento de outro animal. Em humanos, os neurônios relevantes estão no
córtex pré-motor e no córtex parietal inferior. Rizzolatti e Fadiga (1998)
demonstraram que entre os macacos do gênero macaca há dois grupos distintos
de neurônios no córtex pré-motor rostroventral, que respondem à observação de
pegar objetos e entender ações. Os neurônios canônicos respondem
especificamente a objetos tridimensionais, enquanto os neurônios espelho
respondem à observação direta de ações das mãos executadas por outro animal.
Rizzolatti e Craighero (2004) argumentam que este sistema de neurônios espelho
fundamenta o aprendizado por imitação e, portanto, tem importância no
desenvolvimento da cultura humana e aquisição da linguagem. Mais
recentemente, Gallese (2007) propôs que o sistema dos neurônios espelho é um
sistema de simulação incorporado, no qual não apenas vemos uma ação, emoção
ou sensação, mas também formamos representações internas dessas ações,
emoções ou sensações, com base na evocação dos mesmos sistemas neurais
evocados quando executamos as mesmas ações ou experimentamos as mesmas
emoções ou sensações. Desta forma, por meio desse sistema, o outro objetificado
se torna, para nós, um outro self de experiências. Em outras palavras, a empatia e
a capacidade de compreender o estado emocional de outra pessoa já possui uma
base identificada.
As emoções são comunicadas de forma não verbal por diferentes partes do
corpo, por exemplo, pelo rosto (especialmente os olhos), gestos, postura, tom de
voz e aparência geral, sobretudo na escolha das roupas. Enquanto avalia a
resposta afetiva do outro, o avaliador a influencia, em parte, com seu próprio
comportamento e inclinação. Uma pessoa que está alegre por encontrar alguém
irá cumprimentar o outro alegremente e induzir um sentimento de alegria, ainda
que transitório, que ele então lê como a outra pessoa também estando alegre. Isto
tem implicações importantes no modo como o humor é avaliado. Parece que a
emoção é avaliada empaticamente. Sem ter que colocar este argumento
elaborado em palavras, o observador diz para si mesmo: “Se eu me sentisse
como eu acho que esta pessoa está se sentindo, a partir de sua aparência, eu me
sentiria muito infeliz; ele está infeliz.” Este é o método empático descrito
anteriormente e ocorre espontaneamente e sem treinamento deliberado. A
avaliação do humor alheio não precisa se tornar verbal para evocar uma ação.
Ela ocorre rapidamente e é seguida pela resposta comportamental do observador.

Classificação das Perturbações das Emoções


Não há consenso sobre a classificação das anormalidades da experiência e
demonstração das emoções. Cutting (1997) fornece um panorama viável e que
foi adaptado para ser usado neste capítulo. Existem estados mórbidos das
emoções básicas, incluindo tristeza, alegria, medo, raiva, surpresa e repugnância.
Essas emoções básicas podem ser afetadas em intensidade, duração, época,
qualidade da experiência, expressão e adequação ao objeto ou contexto social.
Existem anormalidades dos mecanismos fisiológicos e de excitação associados a
emoções. Finalmente, existem anormalidades da avaliação cognitiva do mundo
social e da percepção das emoções dos outros (Quadro 16.1).

Quadr o 16.1 Classificação dos distúrbios da emoção

Anormalidades das emoções básicas


▪ Intensidade das emoções, incluindo diminuição e exacerbação
▪ Duração, tempo e qualidade da experiência, incluindo labilidade do humor,
choro e riso patológico, paratimia e paramimia
▪ Expressão da emoção, incluindo embotamento e achatamento do afeto
▪ Adequação ao objeto, incluindo fobia
Anormalidade de excitação fisiológia
▪ Alexitimia
Anormalidades da avaliação do contexto social
▪ Esquemas cognitivos negativos
▪ Agnosia prosopoafetiva
▪ Disprosódia vocal receptiva

Alterações nas Emoções Básicas


Alterações na intensidade de emoções
Na prática psiquiátrica, a descrição subjetiva de alterações na experiência da
emoção frequentemente é de piora – um estado de disforia, significando a
condição de “se sentir desconfortável”; mais raramente, o paciente pode
descrever êxtase ou euforia. A experiência subjetiva da alteração de humor pode
ser quantificada aproximadamente e representada graficamente como na
Figura 16.1, que mostra parte do gráfico de humor que um paciente
anteriormente deprimido registrou; ele percebeu uma associação entre um ataque
agudo de bronquite e uma exacerbação de sintomas depressivos.
FIGURA 16.1 Gráfico do humor mantido por um paciente deprimido que
tinha tido bronquite aguda.

Diminuição da Intensidade: Sensação de Perda de


Sentimento
Isto é experimentado como perda de sentimento, uma deficiência difusa que
afeta todas as emoções, incluindo tristeza, alegria, raiva, medo e assim por
diante. O paciente lamenta ou não compreende, sofre muito e frequentemente
sente culpa em relação a essa sensação. É uma experiência subjetiva de perda de
sentimentos que estavam presentes anteriormente, e não a ausência
objetivamente observada. Uma jovem deprimida disse: “Eu não tenho
sentimentos pelos meus filhos. Isto é horrível. Elas são crianças lindas.” Uma
pessoa com crença religiosa pode experimentar esta perda de sentimento com
um conteúdo religioso: ela não acredita mais em Deus. Em uma investigação
mais detalhada de suas experiências subjetivas essas pessoas tendem a descrever
uma perda da sensação de conforto associada à fé, em vez de qualquer alteração
real no conteúdo de suas crenças. Este afeto ocorre particularmente em psicoses
depressivas, mas também pode ocorrer em transtornos de personalidade e
esquizofrenia. Formas mais leves são experimentadas como despersonalização
ou desafetização (Capítulo 13): o paciente se queixa que seus sentimentos estão
adormecidos, diminuídos, distantes de si mesmo, e a isto damos o nome nada
melódico de “desafetização”.

Anedonia
A anedonia se refere especificamente à perda da capacidade de experimentar
alegria e prazer, sendo um subconjunto da diminuição da intensidade de
emoções. Na anedonia, ocorre total incapacidade de gostar de qualquer coisa ou
mesmo de obter satisfação habitual de eventos ou objetos cotidianos; “uma perda
da habilidade de experimentar prazer” (Snaith, 1993). O termo foi originalmente
introduzido por Ribot (1896) e foi considerado um sintoma proeminente de
transtorno depressivo por Klein (1974), provavelmente o melhor marcador
clínico que prediz a resposta ao tratamento. Este parecia ser um sintoma
fundamental do transtorno depressivo. Um homem muito inteligente e perspicaz
que sofria de depressão psicótica, disse: “Eu tenho uma sensação estranha. Eu
sei que o que eu estou lendo é engraçado, mas eu não acho a menor graça.” A
experiência foi muito bem descrita por J.S. Mill (1806–1873):

Era o outono de 1826. Eu estava em um estado de nervos monótono,


que todo mundo às vezes tem; insuscetível à diversão ou excitação de
prazer; um desses humores nos quais o que antes dava prazer, agora é
insípido ou indiferente (...) Nesse estado de espírito, me ocorreu fazer a
pergunta a mim mesmo, “suponha que todos os seus objetivos na vida
foram realizados; que todas as alterações nas instituições e opiniões que
você está ansiando pudessem se realizar neste momento: isto te traria
grande alegria e felicidade?” E uma autoconsciência irrepreensível
claramente respondeu, “não”. Com isto meu coração se afundou dentro
de mim
(Mill, 1873)

A anedonia, como experiência, está começando a ser desconstruída em seus


componentes. Considera-se que este déficit na capacidade de experimentar
prazer abrange prejuízos nos processos de avaliação de recompensa, tomada de
decisões, antecipação e motivação. Os circuitos neurais subjacentes a tais
mecanismos relacionados com a recompensa incluem as regiões do estriado
ventral e do córtex pré-frontal (Gaillard et al., 2013; Der-Avakian e
Markou, 2012).
A anedonia também é descrita como um sintoma na esquizofrenia, com grande
probabilidade de ser social – falta de capacidade de sentir prazer nos
relacionamentos (Cutting, 1985). Há evidências de que aspectos hedônicos da
experiência olfativa podem ser alterados na esquizofrenia. Pacientes do sexo
masculino com esquizofrenia não conseguiram atribuir uma valência hedônica
apropriada a um odor agradável, apesar de perceber corretamente as mudanças
na intensidade de odor em um estudo no qual o odor foi apresentado nas duas
narinas. Em um estudo onde acetato de amilo foi apresentado a uma narina, tanto
homens quanto mulheres com esquizofrenia subestimaram as características
hedônicas em baixas concentrações e superestimaram suas características
hedônicas em concentrações tidas como desagradáveis por grupo de controle e
parentes. Essas descobertas específicas para pacientes não podiam ser explicadas
por uso de medicação, hábito de fumar ou taxas subjetivas da intensidade do
odor, e sim foram associadas a níveis aumentados de anedonia/isolamento social
(Kamath et al., 2013). Um dos paradoxos da anedonia na esquizofrenia é que
quando avaliada por medidas de “traço” de afeto, verifica-se déficits robustos e
acentuados na experiência de prazer relatada. Mas, quando o afeto é avaliado
“no momento” por procedimentos de indução laboratorial de humor, não há
evidências de anedonia (Cohen et al., 2011; Strauss e Gold, 2012). Os motivos
dessa inconsistência ainda não são claros, mas podem incluir (a) déficit na
antecipação de experiência hedônica, (b) controle da regulação afetiva, (c)
déficit de codificação/evocação, (d) déficit de representação e (e) déficits sociais.
Por conseguinte, é provável que a anedonia não seja uma anormalidade
singular e homogênea, na qual a incapacidade de experimentar prazer afeta
igualmente todas as modalidades de experiência, e sim uma experiência
composta de diferentes partes. Esta conceptualização de anedonia recebe
amplificação por um relato de caso de perda seletiva da experiência da perda
emocional ao ouvir música (Satoh et al., 2011). O prazer em diferentes tipos de
experiência sensorial pode ser individualizado e ocorrer de forma seletiva.

Exacerbação de Emoções: Melancolia, Mania, Êxtase


Em transtornos afetivos, o humor é geralmente o principal foco da anormalidade,
que pode se manifestar como uma intensificação da tristeza ou da alegria. Na
tristeza, isto pode se apresentar como sentimentos de tristeza e humor sombrio,
desânimo, desespero ou desesperança. Frequentemente, a experiência real é
indescritível, mas reconhecida como diferente da tristeza normal. Em outras
palavras, a natureza é qualitativamente diversa da tristeza e semelhante à dor
física:

Eu sentia em minha mente uma sensação semelhante, mas


indescritivelmente diferente de dor real
(William Styron, 1990)

É uma angústia positiva e ativa, um tipo de neuralgia física


completamente desconhecida na vida normal.
(William James, 1902)

William Styron (1990), no livro sobre sua experiência pessoal de depressão,


argumentou que o termo depressão era uma palavra fraca para descrever a
experiência.

“Melancolia” seria uma palavra muito mais adequada e evocativa para as


formas mais escuras do transtorno, mas foi usurpada por um substantivo
de tonalidade branda e sem qualquer presença magistral, usado
indiferentemente para descrever um declínio econômico ou um sulco na
terra, uma palavra verdadeiramente fraca para uma doença tão grande
(...) Apesar disso, há 75 anos a palavra foi inocuamente deslizando pela
linguagem como uma lesma, deixando um pequeno traço de sua
intrínseca malevolência e impedindo, através de sua banalidade, uma
consciência mais ampla da terrível intensidade da doença quando está
fora de controle.

Os sentimentos positivos de alegria e prazer também podem ser


intensificados. Jamison (1995) descreveu sua experiência pessoal de mania:

Quando você está pra cima é maravilhoso. As ideias e os sentimentos


são rápidos e frequentes como estrelas cadentes e você as segue até
encontrar outras melhores e mais brilhantes. A timidez se vai; as
palavras certas e gestos surgem do nada, o poder de cativar os outros é
uma certeza. Encontra-se interesse em pessoas desinteressantes. A
sensualidade é difusa e o desejo de seduzir e ser seduzido é irresistível
(...) Mas em algum lugar isso muda (...) Tudo o que antes estava a favor
agora está contra – você fica irritado, bravo, com medo, incontrolável e
emaranhado nas cavernas mais escuras da mente.

Está claro que o aspecto positivo e alegre da elevação do humor pode


rapidamente se transformar em uma sensação disfórica que é desconfortável e
indesejável. No entanto, isto não é uma variação de depressão. A euforia é um
estado de alegria excessiva injustificada, que pode se manifestar como alegria
extrema, conforme foi descrito na mania, ou que pode parecer inadequada e
bizarra. Isto se observa com frequência em estados orgânicos, especialmente
aqueles associados a prejuízos no lobo frontal.
Estados intensificados de alegria como o êxtase, às vezes ocorrem em pessoas
com transtorno mental ou personalidade anormal. Compreensivelmente, a maior
parte dos psiquiatras que escreve sobre êxtase descreve sua ocorrência em
pacientes com psicose. Porém, a experiência extática pode também ser relatada
em associação a sintomas psiquiátricos menores. O paciente pode descrever um
estado de felicidade calmo e exaltado que chega ao êxtase, embora este estado de
humor tranquilo seja relativamente incomum e habitualmente de curta duração.
Na esquizofrenia, o humor extático pode estar associado a delírios exaltados,
como por exemplo, a paciente crônica que se sentava placidamente,
maravilhada, em uma ala de longa permanência, sabendo que era a Rainha do
Paraíso e esperando por um mensageiro que a informaria que deveria governar o
mundo. Os estados de êxtase, geralmente com colorido histriônico, podem
ocorrer nos transtornos dissociativos e podem estar associados a estigmas
religiosos (Simpson, 1984). Fenômenos histéricos bizarros em massa,
frequentemente com associações religiosas, em geral são desta espécie, por
exemplo, nos demônios de Loudun, descritos por Aldous Huxley (1952). As
condições sociais, institucionais e psicológicas para o desenvolvimento da
histeria epidêmica ou em massa (Sirois, 1982) em geral estão presentes nessas
situações e a falta de manejo adequado é frequentemente responsável pelo
desenvolvimento, a partir da histeria isolada em um indivíduo, para uma histeria
epidêmica. O êxtase, elação solene ou a expansividade exuberante e excessiva
também podem ser observados na epilepsia e em outros estados orgânicos; por
exemplo, na paresia geral.
A característica do êxtase é que ele é autorreferente; por exemplo, as flores da
primavera “se abrem para mim”. Ocorre uma alteração dos limites do “eu”, de
modo que a pessoa pode se sentir “em comunhão com o universo”, ou pode “se
esvaziar de toda a vontade”, de modo a dizer que “não sou nada, exceto
emoções”. A mudança nos limites do “eu” geralmente não tem o aspecto de
interferência com o self que acompanha as experiências de passividade. No
êxtase, a anulação do “eu” é vivenciada como voluntária. O conhecimento
especializado do anormal não impede a ignorância sobre o normal, e o psiquiatra
jamais pode generalizar, a partir de uma amostra de pessoas encaminhadas
seletivamente para ele, para toda a espécie humana. Esta discrepância pode se
tornar muito óbvia na área da experiência religiosa e de êxtase. É necessário
reconhecer, levar em conta, respeitar e usar a experiência subjetiva do próprio
paciente no tratamento (Sims, 1994). O psiquiatra atende um grupo altamente
não representativo daqueles que têm alguma forma de experiência religiosa, que
representa mais de 40% da população adulta dos Estados Unidos, mais homens
do que mulheres, mais estáveis do que instáveis e mais felizes do que infelizes.
A antropologia do êxtase (Lewis, 1971) pode ser vista na cultura cristã e
outras culturas, e somente se relaciona com transtorno mental reconhecível em
alguns pontos. William James (1902), em The Variety of Religious Experience (A
Variedade da Experiência Religiosa), demonstrou a vasta extensão da
fenomenologia da religião e mostrou o quanto seria insensato igualar o
surpreendente ao patológico. Os relatos variam no grau de psicopatologia entre
convertidos a grupos e seitas religiosas, e isto provavelmente está associado à
natureza do grupo. Desse modo, Ungerleider e Wellisch (1979) não encontraram
evidências de transtorno mental grave em um estudo, enquanto Galanter (1982)
descreveu evidências de problemas emocionais entre adeptos da Divina Luz,
Igreja da Unificação, Baba e Subud.
Indicadores sugestivos para o estabelecimento de associação entre uma
experiência religiosa e morbidade psiquiátrica são:
▪ A fenomenologia da experiência se encaixa em transtorno psiquiátrico.
▪ Existem outros sintomas identificáveis de perturbação mental.
▪ O estilo de vida, comportamento e direção das metas pessoais do indivíduo,
subsequentemente ao evento, são compatíveis com a história natural de um
transtorno mental, e não com uma experiência de vida enriquecedora.
▪ O comportamento é compatível com transtornos na personalidade do
indivíduo.
Na presença dos seguintes sinais, a experiência tende a ser mais intrínseca à
crença pessoal e menos propensa à indicação de transtorno psiquiátrico:
▪ A pessoa mostra algum grau de reticência em discutir a experiência,
especialmente com aqueles que julga não simpatizarem com o que dirá.
▪ É descrita de forma não emocional, com uma convicção natural e aparência
“genuína”.
▪ A pessoa compreende, aceita e até se condói da incredulidade dos outros.
▪ Ela geralmente considera que a experiência implica algumas demandas sobre
si mesmo.
▪ A experiência religiosa se ajusta às suas tradições religiosas reconhecíveis e as
de seu grupo de pares.
Estados de êxtase podem ser conceptualizados como um estado alterado da
consciência e podem ser autoinduzidos nos adeptos da meditação. Os Jhanas são
um exemplo de tal estado meditativo autoinduzido, caracterizado pela redução
da consciência de experiências externas, atenuação das verbalizações internas,
alteração da sensação de limite pessoal, intenso foco no objeto da meditação e
aumento de alegria. Demonstrou-se que este estado está associado à ativação de
processos corticais e do núcleo accumbens no sistema de recompensa de
dopamina/opioide (Hagerty et al., 2013).

Intensificação do Medo, Raiva e Surpresa


A intensificação do medo e da raiva é descrita no Capítulo 17. Estas duas
emoções básicas podem ocorrer em forma pura, mas também podem complicar a
intensificação de tristeza ou alegria, de maneira que não é incomum para
pacientes com humor deprimido ou eufórico a associação à ansiedade ou
irritabilidade. A surpresa mórbida é vista no latah, um transtorno ligado à cultura
descrito na Malásia, no qual parece haver resposta de surpresa exagerada
caracterizada por uma miríade de fenômenos eco, como ecolalia, ecopraxia e
ecomimia. Temos também a coprolalia, obediência automática e
hipersugestibilidade (Bartholomew, 1994). A hiperecplexia (ou hiperplexia) é
um reflexo intensificado de surpresa que ocorre como condição neurológica
hereditária envolvendo a inibição dos receptores de glicina ou como um
transtorno sintomático predominantemente da epilepsia, no qual um estímulo
surpresa provoca uma resposta normal de surpresa que provoca convulsão focal,
geralmente no lobo frontal (Meinck, 2006). Foram relatados casos de
manifestação tardia, sem patologia demonstrável, nos quais estímulos
audiogênicos, visuais ou táteis desencadeiam movimentos mioclônicos
caracterizados por piscar os olhos, flexão da cabeça, abdução dos antebraços,
movimento do tronco e flexão dos joelhos (Hamelin et al., 2004). Além disso, o
reflexo de surpresa pode se encontrar exacerbado nos transtornos de estresse
pós-traumático e nos estados de abstinência do álcool (Howard e Ford, 1992).

Alterações no timing, duração e adequação à


situação
Timing, Duração e Adequação à Situação
A época e a duração das emoções são aspectos da expressão emocional que
determinam se a emoção é apropriada ao contexto. No sofrimento patológico, o
timing e a duração podem ser alterados de maneira que o sofrimento é adiado ou
prolongado. O sofrimento adiado é, em essência, a prolongação da fase de torpor
inicial (ver a seguir). A labilidade do humor envolve tanto um aumento ou uma
intensificação de emoções, acompanhado de instabilidade na persistência de
emoções que se comunicam ao observador como uma inadequação ao contexto
social. Também podem aparecer como expressão superficial de emoção, apesar
de intensa, porque é transitória e pode parecer que não é sentida com
profundidade. Isto frequentemente indica lesão cerebral e pode ser observado
após lesão no lobo frontal ou em acidente vascular cerebral.
O riso ou choro patológico é geralmente uma emoção não provocada que não
tem objeto aparente. Em outras palavras, a emoção não está relacionada com
nenhuma situação social identificável. O riso patológico ocorre na epilepsia, no
qual é conhecido como epilepsia gelástica, mas pode também estar associado a
lesões cerebrais adquiridas. Ele é comumente associado a choro patológico que,
por sua vez, também está associado a lesão cerebral focal. É importante notar
que o choro patológico ocorre como uma condição separada sem a presença de
riso patológico (Poeck e Pilleri, 1963, citado em Cutting, 1997).
Na esquizofrenia, Bleuler (1911) descreveu paratimia e paramimia. Na
paratimia, os pacientes reagem a notícias tristes com alegria ou mesmo com riso.
Esses pacientes podem ficar tristes ou irritados com eventos aos quais outros
reagiriam com indiferença ou prazer. Além disso, o termo paratimia também é
usado para ataques de riso não provocados ou inadequados. Este aspecto da
paratimia em particular é semelhante, se não idêntico, ao riso patológico. Já
paramimia se refere à falta de unidade entre as diversas formas de expressar
emoções:

Uma paciente catatônica se aproximou de uma das cuidadoras de quem


ela gostava e disse, da maneira mais amigável possível, e em seu tom
de voz mais doce: “eu realmente gostaria de te dar um tapa na cara,
pessoas como você são geralmente chamadas de f.d.ps”.

Uma paciente se queixava amargamente sobre suas “vozes” e


alucinações corporais; sua boca e sua testa manifestavam repugnância,
porém seus olhos expressavam erotismo. Passados alguns minutos, a
boca também assumiu a expressão de alegria enquanto sua testa
continuava sombria e enrugada.

Anormalidades da expressão e adequação ao


objeto
Embotamento e Achatamento do Afeto
Os termos embotamento e achatamento são empregados sem distinção para se
referir à expressão facial imutável, diminuição de movimentos espontâneos,
pobreza de gestos expressivos, contato visual pobre, indiferença afetiva e falta
de inflexão vocal (Andreasen, 1979). Os termos se referem a um compósito de
características que estão relacionadas, mas não necessariamente, a uma
anormalidade unificada. O embotamento implica falta de sensibilidade
emocional, como aquela exibida pela menina com esquizofrenia que, com óbvio
prazer pelo efeito sensacional, levou seus visitantes até o quarto para lhes
mostrar sua mãe, que estava morta havia 48 horas. O achatamento é uma
limitação da gama habitual de emoções manifestadas, normalmente no rosto,
mas também em linguagem corporal. O indivíduo não expressa muito afeto em
qualquer direção, embora o afeto expressado tenha direção apropriada. Tanto o
embotamento quanto o aplainamento ocorrem na esquizofrenia.

Sensações Corporais Associadas à Emoção


Nas teorias da emoção, alterações fisiológicas como palpitações, boca seca,
sudorese etc., têm papel determinante no rótulo da emoção. Essas e outras
alterações podem ser as únicas características de transtorno emocional em
algumas pessoas. As relações entre humor e sintomas somáticos foram
discutidas no Capítulo 14. Em diversas culturas e línguas, considera-se que a
depressão tem localização anatômica, de forma que o estado de humor e a parte
do corpo se tornam sinônimos. Melancolia literalmente significa “bile negra”; de
modo semelhante, em Urdu, a palavra jee, que significa self, descreve
anatomicamente o hipocôndrio e significa depressão, isto é, a depressão é um
ataque central sobre o bem-estar do self. Alterações na sensação corporal são
importantes em diversas condições. A doença física frequentemente precipita
perda da sensação de bem--estar. Isto é experimentado subjetivamente como um
rebaixamento generalizado da vitalidade e pode estar associado a outras
anormalidades psicológicas, como, por exemplo, hipocondria ou dissociação.
Nestes contextos, a expressão de perturbação emocional tende a enfatizar mais o
físico do que o emocional:

E dali seguem os gases, palpitação, dificuldade de respiração, muita


umidade no estômago, peso e dor no coração e estupidez e apatia
intoleráveis. As excreções ou fezes são duras, escuras ou escassas. Se
o coração, cérebro, fígado, baço forem afetados, como geralmente são,
ocorrem muitas inconveniências e muitas doenças (…) aqueles
despertares frequentes e sonhos horríveis, risos fora de hora, choro,
suspiros, soluços, timidez, rubor, tremores, suores, falta de fôlego etc.
(Burton, 1577–1650, The Anatomy of Melancholia, 1628)

Sensações vitais foi o termo empregado por Wernicke (1906) para descrever
determinados sintomas somáticos que ocorrem nas psicoses afetivas. A palavra
vital vem do conceito de self vital, que descreve o estreito relacionamento do
corpo com a consciência do eu, o modo como experimentamos nossos corpos e a
impressão que julgamos causar com nossa presença física. Assim, as sensações
vitais são aquelas que nos tornam conscientes de nosso self vital. Essas são as
sensações de humor que parecem emanar do próprio corpo: afeto localizado e
somatizado. Por exemplo, pacientes deprimidos geralmente se queixam de
cefaleia. Em uma investigação mais profunda, o paciente pode dizer, “não é
exatamente uma dor, é mais como uma sensação insuportável de pressão, como
uma faixa apertada em torno da cabeça”, “uma sensação de sofrimento, como
uma nuvem negra pressionando a minha cabeça”. A cabeça é o local mais
comum de sensações vitais, mas estas também ocorrem no abdome – “eu tenho
uma sensação esquisita no meu intestino, ele está mais lento, bloqueado”, no
tórax – “é como um peso sobre meu peito que não me deixa respirar”, nos olhos
– “tudo parece negro, escuro e sombrio; meus olhos estão pesados, não consigo
enxergar bem” ou nas pernas – “minhas pernas estão terrivelmente pesadas; não
consigo caminhar e estou exausto”. Elas podem ocorrer em outras partes do
corpo, por exemplo, na bexiga, nos pés, nos cabelos e assim por diante. As
características que parecem constantes são a associação da sensação corporal
localizada com o humor deprimido dominante, a sensação de peso, tensão, até
mesmo depressão em determinado órgão; e consequente perda de função – “eu
não consigo pensar direito (...) meu intestino está travado”.
Schneider (1920) considerou as sensações vitais cruciais para o diagnóstico do
transtorno depressivo, equivalente aos sintomas de primeira ordem na
esquizofrenia, o núcleo da depressão ciclotímica e com origem autonômica. Ele
considerou que essas sensações são comuns na depressão. Parece que Dupré
(1913), ao escrever sobre o que chamou de estados cenestopáticos, estava
descrevendo o mesmo sintoma: “Estados cenestopáticos são, de fato, tão comuns
ao ponto de figurarem entre as características mais frequentes das psicoses.” Ele
descreveu a cenestestesia como “a consciência profunda, mais ou menos
indefinida que temos do nosso próprio corpo e do tom geral de atividade
funcional”. Os estados cenestopáticos são “as sensações aflitivas que emanam de
uma ou outra das áreas cenestésicas (...) uma mudança na qualidade normal da
sensação física em determinadas partes do corpo”. Elas são localizadas sem que
haja lesão patogênica no local. Dupré afirmou que os estados cenestopáticos
eram autônomos, e não associados a outros transtornos psiquiátricos; contudo, ao
descrever os afetos com os quais estavam associados, ele parece descrever os
transtornos afetivos. O humor da depressão pode ser descrito como uma perda
global da vitalidade na qual todas as funções são afetadas e todo o desempenho é
deprimido.
Mas mudanças nas sensações vitais não ocorrem somente na depressão. As
sensações bizarras que o paciente com esquizofrenia tem sobre seu corpo é uma
alteração no modo como se expressa, frequentemente adicionalmente elaborado
por delírios. Deve-se notar que o termo vital é usado de forma bastante diferente
em estados de ansiedade vital. Esses estados foram descritos por López Ibor
(1966), para quem a ansiedade é supostamente endógena, se desenvolvendo de
forma relativamente aguda em pessoas com personalidade estável.
O conteúdo depressivo do que os fenomenologistas considerariam sensações
vitais varia imensamente, por exemplo, “eu virei uma pedra (...) Tenho uma
sensação de depressão no peito (...) é uma dor, um nó, um peso (...) Eu tenho
uma nuvem sobre minha cabeça, uma sensação de nada (...)”. Em relação a
sensações vitais respiratórias, Burns (1971) comentou: “Uma característica
notável da falta de ar descrita por pacientes com depressão era seu início e
término razoavelmente súbitos, correspondendo exatamente ao início e solução
do transtorno depressivo.”
Trethowan (1979) considerou que a queda de vitalidade é característica nos
transtornos depressivos. Ele descreveu isto como uma “queda de vitalidade que
envolve todas as áreas e leva a perda acentuada da capacidade do sujeito de
funcionar como antes de ficar doente, tanto em termos da mente quanto do
corpo”.
Sensações Ligadas à Percepção de Objetos
Objetos podem evocar uma resposta emocional em uma pessoa normal. Por
exemplo, uma sensação gostosa de familiaridade com uma poltrona onde se
repousa após uma longa caminhada, ou apreensão em relação à cadeira do
dentista. Esta resposta afetiva normal pode ser exagerada patologicamente.
Sensações de medo excessivo, que chegam ao terror, podem permanecer
associadas a objetos. Os objetos aos quais o afeto é vinculado podem não ser
apenas objetos físicos, inanimados, mas também pensamentos e padrões de
pensamento, assim como pessoas. A ocorrência de determinadas ideias pode
estar associada regularmente a uma emoção patológica específica, talvez
resultando em fobia (Capítulo 17). Qualquer objeto de percepção pode ser
revestido de afeto idiossincrático.

Sensações Dirigidas a Pessoas


Essas podem ser perturbadas de diversas formas. O afeto pode estar ausente ou
amortecido, aumentado e excessivo ou distorcido. Ele também pode ser
ambivalente – amor e ódio, rejeição e superproteção concomitantemente. Uma
menina descrita no Capítulo 14, que sofria de anorexia nervosa, tomava grande
cuidado ao preparar as refeições para sua irmã gêmea, de quem era muito
próxima; a irmã se tornou obesa, enquanto a paciente emagreceu até
praticamente se transformar em um esqueleto. Em resposta à advertência quanto
a alimentar sua irmã, ela disse: “Eu pareço horrível, então ela precisa ficar
horrível também.”

Emoção Livremente Flutuante


Esta é descrita com frequência em transtornos psiquiátricos e em sua descrição
original sobre a neurose da ansiedade, Freud (1895) considerou que a condição
era caracterizada por ansiedade livremente flutuante. Um afeto poderoso parece
não ter um alvo e não estar associado a qualquer objeto. O paciente descreve que
sente ansiedade generalizada, não ansiedade em relação a alguma coisa em
particular, apenas ansiedade. Esta ansiedade livremente flutuante possui
concomitantes somáticos e psicológicos e pode parecer localizada fisicamente
em determinadas áreas do corpo. Outros afetos livremente flutuantes ocorrem,
tais como medo, inquietude, tensão, pessimismo, desânimo, euforia,
irritabilidade e assim por diante.
Anormalidade da Experiência e Atividade
Fisiológica
Uma hipótese especulativa que os médicos consideram útil é o temo alexitimia,
cunhado por Sifneos (1972) para descrever uma perturbação específica no
funcionamento psíquico, caracterizada por dificuldades na capacidade de
verbalizar afeto e fantasias elaboradas. Ela foi originalmente introduzida para
descrever transtornos psicossomáticos que ocorrem em pessoas que têm
dificuldade de expressar emoções. A ligação à ausência ou diminuição da
fantasia é um achado consistente (Nemiah e Sifneos, 1970). O estilo de
comunicação revela pensamento simbólico acentuadamente reduzido ou ausente,
de modo que atitudes, sentimentos, desejos e impulsos íntimos não são
revelados; também são relatados poucos sonhos e escassez de fantasia
(Taylor, 1984). O pensamento é literal, utilitário e preocupado com as minúcias
de eventos externos. Essas pessoas têm grande dificuldade de reconhecer e
descrever seus próprios sentimentos e de diferenciar estados emocionais de
sensações corporais. Eles têm uma existência rígida, robotizada, “quase como se
estivessem seguindo um manual de instruções”; pode haver rigidez na postura e
falta de expressão facial e prejuízo na capacidade de empatia nos
relacionamentos interpessoais. Características alexitímicas foram encontradas
principalmente em pacientes com transtornos psicossomáticos, somatoformes, de
dor psicogênica, devido ao uso de substâncias, de estresse pós-traumático,
depressão mascarada, neuroses de caráter e perversões sexuais, mas esses
achados não foram replicados de forma consistente.
A Escala de Alexitimia de Toronto, que é a medida mais usada para alexitimia,
possui quatro fatores: dificuldade em identificar sentimentos, pensamento
orientado para o exterior, dificuldade em expressar sentimentos e redução de
devaneios (Kirmayer e Robbins, 1993). A dificuldade de identificar e expressar
sentimentos parece estar relacionada com a amplificação somatossensorial
(Nakao et al., 2002), o que de certa forma valida a ideia de que a alexitimia é a
base da somatização excessiva, que pode ser causada pela consciência indevida
de sensações discrepantes, equivocadamente interpretadas como evidência de
doença física.
A somatização em pacientes com transtorno mental pode ser definida como a
percepção seletiva e foco nas manifestações somáticas do transtorno com
negação ou minimização das alterações afetivas e cognitivas (Katon et al., 1982).
Como um método de expressão da emoção, ela é frequentemente relatada em
estudos transculturais, principalmente no subcontinente da Índia, de acordo com
Rack (1982). Murphy e colaboradores (1967) estudaram a sintomatologia
depressiva básica em 30 países e mostraram como a cultura altera as
enfermidades e como a disforia é expressa. Bavington (1981), ao estudar a
depressão em uma cultura predominantemente Patha* no Paquistão, descobriu
que a somatização estava presente em 45% dos casos; a hipocondria em 55%,
características histéricas (dissociativas) em 60%, sentimento de culpa em 50%,
ideias paranoides em 38%, pensamentos suicidas em 75%, variação diurna em
18%, retardo em 50% e irritabilidade em 80% dos pacientes deprimidos.
Bavington explica tais ideias somáticas pela presença de sensações vitais, e não
pela pobreza da linguagem. Mumford (1992) verificou que os pacientes com
transtornos psiquiátricos vindos da Índia e do Paquistão geralmente
comunicavam seu sofrimento como sintomas somáticos; a apresentação somática
era comum em hospitais gerais, nos quais os transtornos psiquiátricos
frequentemente não eram reconhecidos ou tratados. O uso de sintomas e
metáforas somáticas para comunicar sofrimento emocional é encontrado em
todas as línguas e culturas. Queixas de disforia emocional em termos de
sintomas somáticos podem refletir a limitação da profissão médica na escuta das
queixas, e não pobreza de linguagem ou carência da expressão verbal do
paciente.

Anormalidades de Avaliação
A relação entre cognição e emoção é muito entrelaçada. Inicialmente, se pensava
que o estado emocional determinava as cognições associadas. Desta forma, o
humor deprimido provocaria pensamentos negativos sobre o “eu” e o mundo.
Entretanto, Beck (Beck 1967; Beck et al., 1979) propôs que uma constelação de
erros cognitivos iniciavam ou mantinham a depressão, como inferências
arbitrárias, abstrações seletivas, generalizações excessivas, ampliação e
minimização. Além disso, existiam esquemas cognitivos, ou seja, pressupostos
subjacentes sobre o “eu”, o mundo e o futuro, desenvolvidos a partir de
experiências anteriores e que habitualmente influenciavam como os eventos no
mundo eram avaliados, o que poderia levar a alteração de humor, diretamente ou
através de perturbações na autoestima. Esta proposta está em linha com a teoria
de emoção dos dois fatores de Schachter e Singer, segundo a qual a cognição
tem papel central.
Também existem anormalidades na avaliação da expressão vocal ou facial de
emoções nos outros. A agnosia prosopo-afetiva se refere à deficiência seletiva na
avaliação da expressão emocional exibida no rosto dos outros. Esta
anormalidade é diferente da prosopagnosia, na qual apenas o reconhecimento de
rostos familiares se encontra prejudicado. Geralmente, ela está associada a
doença cerebral adquirida e tem sido relatada em casos de demência
frontotemporal, quando também está associada a prejuízo no reconhecimento de
expressão vocal de emoção (Keane et al., 2002); após infarto talâmico direito
(Vuillemier et al., 1998); e em pessoas com lesões corticais límbicas e
heteromodais no lado direito (Weniger e Irle, 2002). Ela também foi relatada no
autismo e na síndrome de Asperger, mas não é parte de um prejuízo difuso da
capacidade de processamento de rostos (Hofter et al., 2005). Em outras palavras,
ela ocorre em alguns pacientes, mas não em outros e se dissocia do prejuízo de
reconhecimento de rostos em si.
Aspectos prosódicos da fala como tom, duração e amplitude são parte das
pistas não verbais que modificam o significado da palavra falada e indicam o
valor emocional de uma afirmação e a intenção de quem fala (Mitchell e
Ross, 2013). Prosódia emocional expressiva é a geração de afeto na fala. Os
mecanismos ainda não estão claros, mas acredita-se que haja envolvimento dos
gânglios basais bilaterais na produção motora da fala como uma função de
estado afetivo e lateralização direita de processos corticais no monitoramento e
produção de parâmetros acústicos da fala (Pichon e Kell, 2013), e até que ponto
há envolvimento frontotemporal unilateral direito ou bilateral na prosódia
emocional receptiva é incerto (Witteman et al., 2012). A disprosódia emocional
receptiva refere-se ao déficit seletivo no reconhecimento do tom emocional da
fala. Frequentemente isto está associado à disprosódia emocional receptiva, em
reconhecer o tom emocional na fala, o prejuízo na produção do tom emocional
da fala. As duas anormalidades são encontradas no mal de Parkinson (Caekebeke
et al., 1991; Pell, 1996).
A relação evolutiva entre música e linguagem é incerta, porém considera-se
que música e linguagem podem ter uma origem em comum, como uma
protolinguagem emocional que permanece evidente em funções sobrepostas e
compartilhamento de circuitos neurais. Um estudo envolvendo 12 indivíduos
com amusia congênita, um transtorno caracterizado por déficits nos atributos
acústicos e estruturais da música, revelou um acentuado prejuízo na prosódia
emocional receptiva, sugerindo que música e linguagem dividem mecanismos
que desencadeiam respostas emocionais a atributos acústicos (Thompson
et al., 2012).
Anormalidades do Humor no Transtorno Bipolar
Desde os escritos de Kraepelin, foi reconhecida a ocorrência de estados de
humor aparentemente opostos de mania e depressão no mesmo transtorno –
frequentemente em diferentes momentos e estágios do transtorno no mesmo
paciente, e mais raramente ao mesmo tempo no mesmo paciente. Embora sejam
descritos separadamente, é importante perceber que esses estados de humor
podem ocorrer juntos. Mania e depressão não são estados opostos de humor;
ambos são patológicos e seu oposto é a ausência de emoção mórbida. Agitação e
excesso de atividade podem ocorrer na depressão, irritabilidade e sensação de
frustração, na mania. Um paciente, hoje deprimido, tendo estado anteriormente
maníaco, relatou: “O primeiro arrebatamento, agradável e despreocupado,
desapareceu. Sinto-me mais cansado e com o humor instável.”

Depressão do Humor
Experiência central: psicológica e física
A depressão do humor é muito comum, e a depressão com persistência e
intensidade a ponto de ser considerada um transtorno psiquiátrico ocorre com
frequência. Discute-se qual é a característica central da depressão. Naturalmente,
argumentos em defesa de fatores bioquímicos, psicodinâmicos ou
condicionadores como causas iniciadoras não são mutuamente exclusivos. A
depressão afeta praticamente todas as funções físicas e psicológicas e,
empregando um método taquistoscópico, Powell e Hemsley (1984) puderam
demonstrar que a depressão influenciava a percepção.
A palavra depressão é algo incorreta, já que o transtorno depressivo pode
ocorrer sem que um paciente se queixe da depressão como um sintoma
(depressio sine depressione). Por este motivo, o termo melancolia pode ser
preferível; embora signifique literalmente “bile negra”, passou a ser aceito como
uma enfermidade médica. Este foi o termo usado por Lewis (1934) em sua
descrição clássica dos estados depressivos em um estudo detalhado de 61 casos;
isto influenciou todas as investigações subsequentes da condição.
Melancolia é o termo preferido para Whybrow (1997), que considera “captar
melhor a ‘verdadeira tempestade no cérebro’ que marca a experiência de
turbulência interna e pensamento confuso, quando a harmonia e a emoção vão
embora, frequentemente para serem substituídas por uma imitação atrofiada da
vida”.
Os sintomas subjetivos da depressão variam muito. O humor varia, indo da
indiferença e apatia até o profundo desalento, desânimo, prostração e desespero.
Anedonia, a completa incapacidade de sentir prazer, é uma característica
constante; ela é experimentada como falta de alegria e se revela na expressão
facial, fala, comportamento, estilo de vida e no relato da experiência pessoal
pelo próprio paciente.
Uma desaceleração na capacidade de iniciar pensamento ou ação é percebida
pelo observador como retardo. Um paciente, descrevendo isto após sua
recuperação, disse: “É como se tivessem derramado melado na minha cabeça
pelos meus ouvidos.” O retardo psíquico é vivenciado subjetivamente como uma
incapacidade de cumprir as obrigações normais, como perda da capacidade de
enfrentamento. A tendência a se culpar frequentemente resulta no paciente se
descrever como preguiçoso e inútil. Há uma queda dramática na autoestima
como um componente cognitivo proeminente.
A agitação e a inquietação sem objetivo se somam ao desconforto e à
incapacidade da pessoa deprimida de realizar qualquer coisa. Esta ansiedade e
preocupação com pensamentos sombrios prejudicam a concentração. A variação
diurna do humor é frequentemente marcante, com o paciente se sentindo pior, ou
até mesmo suicida, quando ele se desperta nas primeiras horas da manhã ou um
pouco mais tarde, durante a manhã. O grau de depressão e sofrimento às vezes
podem ser dissimulados com sucesso; trata-se da depressio sine depression
(depressão sorridente) em um paciente que parece não estar deprimido no
consultório, mas que pode, para consternação do médico, vir a se suicidar. A
dissimulação é provavelmente consciente e pode estar associada ao
mascaramento habitual da expressão das emoções ou à tentativa de evitar o
tratamento.
A concentração, aplicação e tomada de decisões se tornam difíceis, dolorosas
e às vezes impossíveis. A pessoa descreve dificuldade ou impossibilidade de
fantasiar ou recordar emoções. Isto é descrito como perda da memória e perda de
emoção. Com frequência, esta perda de função mental faz com que o paciente
acredite que “está ficando louco” ou “perdendo a cabeça”, uma espécie de
hipocondria mental. O retardo físico pode se tornar o foco de crenças
hipocondríacas sobre o corpo: “estou constipado (...) meu intestino está
totalmente bloqueado”. Uma mulher de meia-idade, muito deprimida, descreveu
suas sensações corporais: “Eu tenho a sensação semelhante à de uma anestesia
no dentista. Meu rosto parece completamente adormecido, mas ao mesmo tempo
todo dolorido.”
A ansiedade é um concomitante comum na depressão e pode obscurecê-la por
completo. Na depressão ansiosa, a agitação e a inquietação são extremas e o
paciente apresenta um sério risco de suicídio. O comportamento histriônico
também pode obscurecer o transtorno depressivo subjacente. Uma paciente que
estava na verdade muito deprimida, se beliscava e puxava seu cabelo o tempo
todo, dizendo: “Olha, eu não consigo sentir nada quando faço isso em mim.”
O afeto da depressão pode ser localizado somaticamente em sensações vitais
(mencionado anteriormente) e pode assumir a forma de profundo sofrimento ou
desalento. Em geral, há uma sensação de perda de capacidade, desesperança e a
sensação de que o paciente não aguenta. Frequentemente é descrita ausência de
sensações ou uma inexplicável perda de sensações “que deveriam existir”.
Sentimentos de culpa e inutilidade são marcantes nos transtornos depressivos
do tipo endógeno e já se sabe disso há muito tempo; por exemplo, Plutarco, no
primeiro século da era cristã, descreveu uma pessoa: Ele se vê como um homem
a quem os deuses odeiam e perseguem com sua ira (...) “Deixe-me!”, diz este
homem infeliz, “eu, o ímpio, o amaldiçoado, detestado pelos deuses a sofrer
minha punição” (Zilboorg e Henry, 1941). Por outro lado, Shepherd (1993)
considera que sentimentos de culpa não se mostravam predominantes nos
estados depressivos descritos na Inglaterra pré-puritana. O paciente pode se
culpar por ter se permitido entrar nesse estado de espírito. Ele fica cheio de
autorrepreensão e recriminação por toda sorte de pequenos pecados que fazem
parte de um passado distante. Ele se culpa por tudo o que dá errado à sua volta,
ele assume a culpa pessoal, o que pode ter intensidade delirante. Usando uma
escala para a avaliação de sentimentos de culpa, foi possível identificar dois
componentes separados: culpa “delirante” ou vergonha (vivenciada em relação
às próprias ações) e culpa “afetiva” (uma sensação mais generalizada de
indignidade) (Berrios et al., 1992). Assim como os delírios de culpa e
indignidade, os delírios hipocondríacos e niilistas são relativamente comuns na
depressão, especialmente quando ocorre em idosos.
Já os delírios ocorrem na depressão psicótica. É importante fazer uma
distinção entre uma crença sobre o estado do mundo colorido pelo humor
presente – “sinto que devo ter feito algo no meu cérebro, já que não consigo
pensar direito”, e uma crença delirante real – “Não consigo pensar nada, é
impossível, meu cérebro está morto”. A primeira é uma afirmação metafórica; a
última, uma crença mantida com convicção. Na prática, frequentemente há uma
área cinzenta entre delírios manifestamente depressivos e visões de mundo
carregadas emocionalmente.
A Tabela 16.1 apresenta a frequência de sintomas, ainda que leves, no
transtorno depressivo registrado quantitativamente com o emprego de uma
escala de avaliação em 239 homens e 260 mulheres (Hamilton, 1989). Podemos
observar que a ansiedade é um sintoma frequente no transtorno depressivo.

Tabela 16.1
Frequência de sintomas no transtorno depressivo

Homens Mulheres

Sintomas Sujeitos (%) Sintomas Sujeitos (%)

Humor Depressivo 100,0 Humor Depressivo 100,0


Perda de Interesse 99,6 Perda de Interesse 98,8
Ansiedade, psíquica 97,1 Ansiedade, psíquica 97,8
Ansiedade, somática 87,4 Somáticos, generais 94,2
Insônia, inicial 83,7 Ansiedade, somática 87,3
Suicídio 82,0 Somáticos, gastrointestinais 83,5
Somáticos, gerais 82,0 Suicídio 80,4
Somáticos, gastro 80,3 Insônia, inicial 77,7
Insônia terminal 74,1 Culpa 72,7
Culpa 71,5 Insônia terminal 71,9
Insônia intermediária 71,5 Perda de peso 68,8
Perda de peso 69,0 Agitação 68,1
Agitação 68,1 Insônia intermediária 66,5
Libido 59,8 Libido 49,5
Retardo 52,3 Retardo 43,5
Hipocondria 33,1 Hipocondria 25,8
Perda de insight 28,0 Perda de insight 21,9
Sintomas paranoides 25,1 Depersonalização 21,1
Sintomas obsessivos 13,3 Sintomas obsessivos 20,7
Depersonalização 10,9 Sintomas paranoides 13,8
Variação diurna: 59,4 Variação diurna: 60,1
Piora pela manhã 61,4 Piora pela manhã 65,5
Piora à noite 30,7 Piora à noite 25,0
Piora à tarde 7,9 Piora à tarde 9,5

(Segundo Hamilton, 1989, com permissão.)


Pensamentos suicidas
“Eu sinto que eu quero me destruir. Não tem sentido ir em frente.” As ideias,
ruminações e impulsos suicidas são comuns. Um estudo detalhado do suicídio
sob uma perspectiva literária foi escrito por Alvarez (1971). Ele estudou as
razões e os antecedentes de suicídio e tentativas de suicídio de muitos escritores
famosos, principalmente poetas. Ele descreve o suicídio como “deixar ir”:

Devo admitir que sou um suicida fracassado (…) Sêneca, a autoridade


máxima sobre o tema, apontou com desdém que as saídas estão por
toda a parte: cada precipício e rio, cada galho de cada árvore, cada veia
em seu corpo pode libertá-lo (...) Apesar disso tudo, jamais consegui
fazê-lo.

Os elementos interligados de criatividade artística, transtorno maníaco-


depressivo e suicídio foram explorados por Goodwin e Jamison (1990).
Tanto a musa quanto a loucura como presente dos deuses têm sido um tema
constante desde os tempos mais remotos, passando por poetas do século XIX
como Browning, Shelley, Coleridge e Byron, até os poetas americanos modernos
como Sylvia Plath e Anne Sexton, entre os quais se descobriu uma prevalência
muito alta de transtorno maníaco-depressivo e muitos suicídios. Em seu estudo
esclarecedor do transtorno maníaco-depressivo e o temperamento artístico,
Touched With Fire, Jamison (1993), demonstra taxas diferenciais para transtorno
depressivo e suicídio em poetas, artistas e outros escritores e comenta sobre isso.
Variações extremas de humor são frequentes, com entusiasmo e criatividade
ocorrendo durante a elação e o puro desespero ocorrendo quando o poeta se vê
sem inspiração. Poetas e músicos criativos (Schumann, Wolf, Rachmaninov,
Tchaikovsky etc.) demonstram este padrão com frequência especial, ao passo
que ele é muito menos comum entre biógrafos – e presumivelmente escritores de
livros didáticos. Assim como a depressão pode ocorrer sem suicídio ou ideias
suicidas, o suicídio pode ser executado sem predisposição de humor depressivo
patológico.
A depressão é vista como o caminho final comum que leva ao suicídio (Van
Heeringen et al., 2000). Esses autores se referem à emoção depressão e não à
categoria diagnóstica. Eles consideram que fatores psicológicos, sociais e de
etiologia biológica, e o aumento das taxas associadas a muitos transtornos
psiquiátricos, são mediados pela desesperança, resultando em comportamento
suicida. Esta emoção de desesperança surge do fato de se sentir derrotado em
alguma área importante da vida e de se sentir enclausurados, sem possibilidade
de fuga ou salvação. O comportamento suicida é, assim, “um grito de dor”, uma
tentativa de fugir dessa sensação de aprisionamento.
Planos de suicídio podem não ser executados unicamente em virtude do grau
de retardo; ocasionalmente, a terapia eletroconvulsiva pode diminuir o retardo
após três ou quatro sessões e, assim, aumentar o risco de suicídio, já que a
melhora da depressão de humor e baixa autoestima devido a sentimentos de
culpa ainda não ocorreu. A morte é frequentemente bem-vinda com uma
sensação de alívio. Um paciente com depressão psicótica, ao receber a proposta
de internação, aceitou com resignação: “Eu irei e lá vocês me matarão. É o que
eu mereço.” Com frequência, os parentes de suicidas relatam, posteriormente,
que nos dias ou horas que precederam a morte, esses pacientes estavam mais
felizes e mais tranquilos do que jamais haviam estado em muito tempo.
O homicídio de uma ou mais pessoas próximas do paciente seguido de
suicídio é um perigo real em uma pequena minoria de pacientes com transtorno
depressivo. Um homem profundamente deprimido achava que não valia a pena
viver, que ele havia fracassado completamente e que o mundo era intolerável. A
única pessoa com quem ele se importava era o filho de 5 anos e ele não queria
condená-lo ao que, em sua opinião, seria uma vida de sofrimento. Ele colocou o
filho sobre o guidão de sua bicicleta e o levou até um pântano, onde pretendia
matar ambos. O menino morreu afogado, mas o pai foi resgatado, reanimado e
acusado de assassinato. Posteriormente, ele respondeu ao tratamento para sua
grave depressão.

Depressāo e perda
Qualquer situação social de transição está associada a alguma perturbação da
emoção (Parkes, 1971). A depressão é o afeto associado à experiência de perda.
A intenção aqui não é entrar nos aspectos teóricos, mas discutir a experiência
subjetiva. Parkes (1976) demonstrou como a perda de uma pessoa, perda de um
membro ou mesmo a perda da própria casa são estressantes de formas
semelhantes e que ocorre um processo mental no qual a pessoa está “tornando
real dentro do self eventos que já ocorreram na realidade externa”. Este processo
está associado a acentuada dor psíquica e infelicidade. Um exemplo de
depressão associada à ameaça de perda de um objeto de amor foi o de um
motorista de táxi, que possuía seu próprio automóvel e que o considerava a única
coisa que ele prezava na vida. Durante um episódio de depressão profunda, ele
poliu o automóvel à perfeição, o levou até a garagem, conectou uma mangueira
ao cano de escape, ligou o motor e se suicidou. O humor disfórico associado à
experiência de perda é sempre exacerbado quando existe sensação de culpa ou
autorrecriminação associada às circunstâncias da perda: “Se pelo menos eu
tivesse chamado o médico para ver minha mãe antes; eu nunca vou me perdoar.”

Luto
A experiência imediata da perda é choque e amortecimento. A pessoa
subitamente enlutada pode dizer que não acredita que aquilo aconteceu com ela.
Apenas se sente amortecida e vazia, podendo descrever sensação de
despersonalização. Há uma tendência a negar que a perda ocorreu. Uma mulher
foi encaminhada ao cirurgião devido a um nódulo no seio. Na cirurgia, o
profissional descobriu que a massa era maligna e a mama foi amputada. Por
vários dias após a operação, ela foi incapaz de aceitar que a área dolorida sob o
vestido significava a perda de sua mama, e não uma pequena incisão.
Após o choque inicial e a negação, vêm as pontadas de dor, uma sensação
aguda de perda, com ansiedade marcante, bem como sofrimento – a busca
ansiosa. As implicações da experiência de perda começam a ser percebidas, o
que pode causar sensações de ansiedade que chegam ao pânico: “Como eu vou
suportar sem ele?”. Sintomas somáticos e psicológicos de ansiedade podem estar
presentes.
Foram observados três padrões distintos de luto mórbido (Lieberman, 1978):
▪ Fuga fóbica de pessoas, lugares ou coisas relacionadas com o falecido,
combinada com extrema culpa e raiva do falecido e de sua morte.
▪ Uma total falta de tristeza, com raiva dirigida contra outros e supervalorização
do falecido.
▪ Doença física e pesadelos recorrentes envolvendo o falecido.
Esses padrões têm relevância no tratamento usando o método comportamental
de luto forçado ou guiado.
Quando a experiência de perda foi aceita como uma realidade, ocorre a
depressão, o afeto que se relaciona com a perda. A pessoa se sente arrasada, sem
esperanças, talvez com redução da vitalidade e apatia de depressão. Ela se torna
resignada com sua situação, mas não vê saída: “Simplesmente não há mais
futuro para mim.” Não é de surpreender que esse estado esteja frequentemente
associado a ideias e impulsos suicidas, e existe um aumento na mortalidade por
suicídio e outras causas nos seis meses subsequentes ao luto (Parkes
et al., 1969).
À medida que o estado de luto é resolvido, a pessoa gradualmente supera sua
falta de esperança. Ocorre uma atitude mental que resulta em reorganização ou
redirecionamento. Ela gradualmente toma decisões e executa atividades que
demonstram sua aceitação emocional e intelectual da perda e intenção de
continuar sua vida da melhor forma possível, embora ainda se lembre da perda.
Este estágio de solução pode ser adiado por muitos anos, como no luto da
Rainha Vitória pelo Príncipe Albert.
Parkes (1976) estabelece a diferenciação entre experiência subjetiva de perda
externa e mudança interna. A perda externa é demonstrada pelo apego ao objeto
perdido. A ansiedade após a perda ocorre tanto em pessoas enlutadas quanto em
amputados, e está associada a uma busca ansiosa: uma mulher enlutada
caminhava pela rua imaginando se veria seu marido, que sabia estar morto.
Nessas circunstâncias, pode ocorrer a percepção equivocada de estranhos como
sendo o parente perdido. Um homem cujo pai havia falecido há muito tempo
pensou ouvir sua voz em outro cômodo, percebendo então que era seu filho. As
pessoas voltam a lugares associados à pessoa perdida ou guardam como
sagrados objetos que pertenceram a ela.
A mudança interna, com uma sensação de mutilação, é comum em pessoas
com diferentes tipos de perda. Os amputados se sentem muito lesados, tanto na
sua função quanto na autoimagem. Por ter perdido uma perna, um homem será
incapaz de executar suas atividades como antes e poderá se sentir menos
homem. Da mesma forma, a mulher com um braço amputado pode preferir uma
prótese estética mas inútil, a um gancho funcional. Ela pode sentir a afronta à
sua autoimagem com um braço mutilado mais do que a perda de função. Parkes
e Napier (1975) enfatizam as associações sociais da perda em sua discussão
sobre prevenção e alívio dos problemas resultantes de amputação. Viúvas
também descrevem uma sensação de perda interna devido ao luto;
frequentemente, como é natural, existe perda real de status. As pessoas que se
veem obrigadas a mudar de casa frequentemente descrevem uma alteração
interna devido à mudança: “Parte de mim morreu quando deixei a casa antiga.”

Mania
Mania é uma palavra com uma longa história. Hare (1981) considera que as
primeiras descrições de deterioração intelectual com excitação foram feitas em
associação à deterioração orgânica decorrente de saúde geral debilitada durante o
século XIX. À medida que a saúde física da população melhorou, foi possível
descrever condições individualizadas com diferentes históricos naturais.
Entretanto, a mania ainda constitui uma proporção mais alta das psicoses
afetivas que ocorrem no período puerperal do que de transtornos afetivos que
ocorrem em outras fases da vida (Dean e Kendell, 1981).
Mania é a elação do humor, aceleração do pensamento e hiperatividade.
Subjetivamente, embora possa ser descrita como um estado diferente do normal,
raramente ela é uma queixa de sintoma do paciente. Um jovem maníaco
internado descreveu seu estado interno: “Eu me sinto inundado de experiências
(...) Estou desenvolvendo um relacionamento profissional próximo com Camilla
Brown (outra jovem paciente) (...) Eu me sinto um foguete com o pavio aceso,
de pé em uma garrafa e pronto para levantar voo.” Tornou-se tradicional nos
referirmos a todos os casos, exceto os mais graves, como hipomania. Isto é
lamentável, uma vez que não nos referimos a “hipodepressão” e a pessoa que usa
o termo hipomania frequentemente dá a impressão de que o diagnóstico errado é
permissível em maior grau do que quando empregamos o termo mania.
Os estágios iniciais da mania podem ser vivenciados como agradáveis, até
mesmo “maravilhosos”, e um alívio imenso da depressão anterior. Um paciente
citado por Whybrow (1997) coloca isto da seguinte maneira: “Eu me sinto bem
nos primeiros estágios da mania – sobre o mundo e todos que estão nele. Tem
uma batida mais rápida; uma sensação de expectativa de que a minha vida será
plena e excitante.” Por esta razão, o paciente pode relutar em tomar medicação
ou relatar a condição para o médico. Mais tarde, no transtorno maníaco, a
experiência do paciente é geralmente descrita como desagradável e até
assustadora.
Na forma pura, ela é caracterizada por alegria excessiva, sequenciamento e
associação de pensamentos rápidos e hiperatividade. A velocidade do
pensamento e a capacidade imediata de fazer associações resultam em uma
conversa rápida e aparentemente animada (Capítulo 9). Trocadilhos e
associações brilhantes são abundantes, como por exemplo, em um caso citado
por Bingham (1841):

Uma elegante e ousada dama, bem vestida e conhecida dos


funcionários de determinada casa, “uma verdadeira louca”, como a
chamavam, foi trazida aqui por seus amigos. Tão logo ela foi anunciada,
todos os objetos e instrumentos de ataque foram cuidadosamente
tirados do caminho. Ela abriu a conversa com uma introdução familiar ao
médico sob cujos cuidados ela estivera antes e iria permanecer, dizendo-
lhe: “Bem, Doutor M(orrison), mas me perdoe, esqueci com quem estava
falando – é com Sir A(lexander). Bem, Sir A – desde a última vez que eu
tive o prazer de vê-lo, eu fui imbecilizada (benighted) e vossa senhoria
agraciado com o título de Sir (knighted).”*

Referências
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*
Nota da Tradutora: A palavra inglesa feeling abrange o que em português se distingue como sensação e
sentimento.
*
Nota da Tradução: Nome étnico de mais de 60 tribos que falam diversos dialetos da língua iraniana
(Pashtu). No Paquistão, vivem aproximadamente 15 milhões de membros dessa etnia.
*
Nota da Tradução: Benighted e knighted, no original, sem trocadilho equivalente em português.
CAPÍTULO 17

Ansiedade, Pânico, Irritabilidade,


Fobia e Obsessão

Montanus fala sobre um homem que não se afasta de casa por medo de
desmaiar ou morrer. Outro teme que cada pessoa que encontra o roube,
discuta com ele ou o mate. Um terceiro não ousa caminhar sozinho, por
medo de encontrar o demônio, um ladrão, ou de sentir-se mal; teme
todas as mulheres idosas e as considera bruxas; além de suspeitar que
cada cão ou gato preto seja o demônio; cada pessoa que se aproxima
dele é má; todas as criaturas, todos pretendem feri-lo, buscam sua ruína;
um outro não tem coragem de cruzar uma ponte, se aproximar de um
lago, rocha, penhasco, de se deitar em um cômodo onde existam vigas
no teto porque teme tentar se enforcar, se afogar ou se jogar. Se está
em um auditório silencioso, como em um sermão, tem medo de falar em
voz alta e de sem querer dizer alguma coisa inadequada. Se é fechado
em um quarto, tem medo de se sufocar por falta de ar, e ainda carrega
consigo loções ou odores fortes por temer síncopes ou tonturas; ou se
está em uma multidão, em uma igreja, em aglomeração, de onde talvez
não possa escapar, embora esteja sentado à vontade, é certamente
afetado. Ele se compromete e assume qualquer empreendimento
apressadamente, mas ao dar prosseguimento, não se aventura e teme
um número infinito de perigos, desastres etc. (...) Essas pessoas têm
medo de alguma perda, perigo, de que certamente perderão suas vidas,
bens e tudo o que têm; mas o porquê elas não sabem.
Robert Burton (1621)

Resumo
A reação ao estresse é um aspecto integral da existência humana e a reação de
alarme estabelece o contexto para a compreensão da ansiedade e os transtornos a
ela relacionados. A ansiedade livremente flutuante inclui características
experienciais da reação de alarme, mas que é identificada como anormal devido
à sua intensidade, duração prolongada, a natureza trivial dos eventos
desencadeadores e, por fim, pela natureza socialmente perturbadora e
incapacitante da experiência. A ansiedade pode se focar em um objeto ou
situação específica, ao que se dá o nome de fobia, e pode ocorrer como ataques
paroxísticos e episódicos como no pânico, ou ser incômoda quando não
controlada, como no caso dos fenômenos obsessivo-compulsivos.
A reação ao estresse faz parte da existência humana. Mas o que é estresse?
Existem pelo menos três conceitos de estresse: estresse como estímulo; estresse
como reação e estresse como interação. O conceito de estresse como estímulo se
baseia na premissa de que é um fator externo que afeta o indivíduo, enquanto
estresse como reação localiza o estresse dentro do indivíduo. Esta última noção
foi desenvolvida por Selye (1907–1982), que definiu estresse como “uma reação
não específica do corpo a qualquer demanda sofrida” (Selye, 1956). O conceito
de estresse como interação, com base no trabalho de Selye, foi desenvolvido por
Lazarus (1922–2002):

Uma relação particular entre a pessoa e o ambiente que é avaliado como


exigente ou que excede seus recursos e coloca seu bem-estar em risco.
(Lazarus e Folkman, 1984)

A Síndrome Geral de Adaptação de Selye afirma que a reação de estresse tem


três fases: reação de alarme, resistência e exaustão. A reação de alarme,
tipicamente chamada de reação fuga ou luta, envolve excitação autonômica
mediada pela liberação de catecolaminas e é vivenciada como medo, palpitações
ou prontidão para ação, entre outros. Se o fator de estresse persistir, ocorre
redução na liberação de catecolaminas e passam a ser liberados hormônios
glicocorticoides durante a fase de resistência. E, finalmente, nos contextos de
estresse crônico, a exaustão é o resultado com potencial para hipoglicemia e
morte.
Uma interpretação da Síndrome Geral de Adaptação de Selye, principalmente
os aspectos fisiológicos e experienciais da reação de alarme (resposta de fuga ou
luta), coloca a ansiedade e os transtornos emocionais relacionados com a
ansiedade em contexto. Os cinco fenômenos anormais tratados neste capítulo são
experiências humanas relativamente comuns e podem ser vistas como
consequência de perturbações na regulação da ansiedade. Nesse contexto, a
anormalidade é identificada pela gravidade e intensidade da experiência, duração
prolongada, ocorrência em reação ao que poderia ser considerado um estresse
situacional inadequado e o efeito deletério e incapacitante sobre o
funcionamento social. Cada um desses fenômenos possui um aspecto normal e
até mesmo necessário: é adequado ficar ansioso no início de um discurso em
público; é normal um pai expressar irritação quando seu filho de 8 anos quebra
uma vidraça – é uma experiência de aprendizado necessária para ele; o medo é
necessário para o enfrentamento quando um indivíduo repentinamente se
descobre rodeado por cobras venenosas; a verificação minuciosa é uma parte
importante do aprendizado de um piloto de avião competente; até mesmo o
pânico é normal, no sentido estatístico, em algumas situações de calamidades.
Todas as análises atuais dos transtornos de ansiedade incluem pânico e fobia,
tanto como estados de emoção quanto como síndromes distintas (Noyes e
Hoehn-Saric, 1998). A irritabilidade é um estado de humor distinto e importante
que ocorre em diversas condições e a obsessão é tanto um sintoma individual
quanto uma característica essencial do transtorno obsessivo-compulsivo.
Superficialmente, a obsessão e a compulsão podem não parecer relacionadas
com a ansiedade, mas ambas podem ser vistas como meios de regulação da
ansiedade.
Os pacientes podem ter insight e dizer que sofrem de “fobia”, “obsessão” ou
“estado de ansiedade”. No entanto, o significado leigo de cada um desses termos
é muito diferente de seu emprego na psiquiatria e geralmente o diagnóstico é
feito a partir da descrição do humor ou do processo de pensamento.

Ansiedade
A ansiedade é uma emoção universal e normal, uma resposta necessária e
adaptativa do organismo ao estresse. É sabido que níveis de excitação são
responsáveis pela eficiência da capacidade de um organismo de responder
adequadamente a uma tarefa: tanto a excitação baixa quanto a excessiva levam a
desempenho pobre (Lei Yerkes-Dodson) (Yerkes e Dodson, 1908). Lader e
Marks (1971) discutiram as características da ansiedade em termos da
normalidade ou patologia da emoção. Em termos bastante concretos, um homem
que descobre que está dividindo o campo com um touro se sente extremamente
ansioso e corre para a porteira em máxima velocidade; se, seis semanas mais
tarde, de volta à cidade, ele tiver um ataque de pânico e tiver que se deitar
porque alguém menciona uma parte da cidade chamada “Bullring”,* sua resposta
é claramente mal-adaptativa e sua ansiedade, patológica.
A ansiedade também pode ser arbitrariamente polarizada entre estado e traço
(Sims e Snaith, 1988). O estado de ansiedade é a qualidade de estar ansioso
agora, neste momento em particular, provavelmente como uma reação a
circunstâncias provocadoras. Traço ansioso é a tendência prolongada, talvez
durante toda a vida, de enfrentar as vicissitudes da vida com um grau
habitualmente excessivo de ansiedade. Ansiedade, como descrição da
experiência de emoção normal não é diferente em qualidade, apenas
quantitativamente, do estado de ansiedade (Hamilton, 1959). Típicos do humor
da ansiedade são sentimentos de constrição. A palavra angst está
etimologicamente associada à ideia de redução, estreitamento, “aperto” e, no uso
mais antigo era localizada no precórdio e proeminentemente associada à angina
(Sims, 1985). O paciente com estado de ansiedade pode se sentir inquieto,
incerto, vulnerável, encurralado, com falta de ar, sufocado. Além de sentir medo
e preocupação, ideias hipocondríacas e até mesmo sentimentos de culpa são
frequentemente proeminentes. Os sintomas de ansiedade ocorrem
patologicamente em estados de ansiedade sem causa externa óbvia. A ansiedade
não está ligada a qualquer objeto desencadeador específico e, portanto, é
chamada de ansiedade de flutuação livre.
Há também uma diferença entre a experiência da ansiedade como uma
emoção subjetiva e a ocorrência objetiva de alterações somáticas normalmente
associadas a este afeto; alguns dos sintomas mais comuns são apresentados na
Quadro 17.1 (Tyrer, 1982). Tyrer considera a irritabilidade como um sintoma de
estado de ansiedade, mas Snaith e Taylor (1985) salientaram que a irritabilidade
é um estado de humor independente, que pode estar associado à ansiedade – ou
qualquer outro transtorno de humor. Embora seja comum encontrar os aspectos
psicológicos e físicos da ansiedade associados e relacionados em intensidade,
isto pode não ocorrer necessariamente desta forma. O paciente pode se queixar
de se sentir extremamente ansioso, mas exibir expressão somática mínima; na
dissociação, têm sido descritas alterações físicas acentuadas enquanto o paciente
não faz queixas de se sentir ansioso. Esses três aspectos dicotômicos da
ansiedade são representados na Figura 17.1.

Quadr o 17.1 Sintomas de Ansiedade

Somáticos e autonômicos
▪ Palpitações
▪ Dificuldade para respirar
▪ Boca seca
▪ Náusea
▪ Frequência na micção
▪ Tontura
▪ Tensão muscular
▪ Sudorese
▪ Desconforto abdominal
▪ Tremor
▪ Pele Fria
Psíquicos (psicológicos)
▪ Sensação de temor e ameaça
▪ Irritabilidade
▪ Pânico
▪ Antecipação ansiosa
▪ Terror interno (psíquico)
▪ Preocupação com questões triviais
▪ Dificuldade de concentração
▪ Insônia inicial
▪ Incapacidade de relaxar
De Tyrer (1982), com permissão.
FIGURA 17.1 Modelo tridimensional dos sintomas de ansiedade.

A nosologia psiquiátrica faz uma distinção entre as três principais síndromes


de ansiedade: transtorno de ansiedade generalizada, fobia social ou específica e
transtorno de pânico. Aqueles que sofrem de transtorno de ansiedade
generalizada experimentam ansiedade constante e uma preocupação que não é
proporcional aos eventos ou circunstâncias reais (Spiegel e Barlow, 2000). A
preocupação se concentra geralmente em assuntos corriqueiros e muda de foco
ao longo do tempo; o sujeito quase nunca está livre de ansiedade.
Pacientes com transtorno de ansiedade descrevem componentes ideacionais
típicos, concentrando-se em temas de perigo pessoal e principalmente danos
físicos (Hibbert, 1984). Os pensamentos “mais importantes” dos pacientes
incluíam “posso entrar em pânico na frente dos outros”, “posso morrer de um
ataque cardíaco enquanto durmo” e “terei um ataque cardíaco”. O medo de
desastres físicos, psicológicos ou sociais também ocorria durante ataques de
pânico. Experiências de vida estressantes nos últimos 12 meses e alguma
perturbação fisiológica além de ansiedade imediatamente antes dos sintomas
foram descritas com frequência. Essas ideias podem ser interpretadas como
“preocupação”. Hoje se reconhece que a preocupação é um processo cognitivo
comum durante a experiência de ansiedade, e foi assim definida:

Uma corrente de pensamentos e imagens, carregada de afeto negativo e


relativamente incontrolável. O processo de preocupação representa uma
tentativa mental de solução de problemas sobre um assunto cujo
desfecho é incerto, mas contém a possibilidade de um ou mais
desfechos negativos. Consequentemente, a preocupação se relaciona
estreitamente com o processo de medo.
(Borkovec et al., 1983)

Outras funções psicológicas são afetadas pela ansiedade aguda. A capacidade


de reflexão é reduzida e o campo do conhecimento consciente é estreitado; isto
obviamente tem valor de sobrevivência para a ação física instantânea, mas é uma
desvantagem nos casos em que o que importa é o planejamento, análise e a
consideração de diversos fatores. As variações de atividade na presença de
ansiedade são vistas, por exemplo, após a experiência de uma catástrofe:
algumas vítimas se mostram embotadas e inertes; outras tensas, inquietas e
construtivamente hiperativas; e outras, ainda aterrorizadas, ficam quase que
literalmente “petrificadas” e incapazes de atividade sustentável.
No Exame de Estado Atual (Wing et al., 1974), a ansiedade geral é
contrastada com ansiedade situacional, ou seja, a tendência de ficar ansioso em
determinadas situações. Esta última é discutida posteriormente quando tratarmos
dos estados fóbicos. Na ansiedade geral inclui-se a ansiedade autonômica de
flutuação livre, ataques de pânico e a observação, durante a entrevista, de que o
paciente parece ansioso, tenso, preocupado ou apreensivo. A ansiedade de
flutuação livre abrange componentes autonômicos como rubor facial, “frio na
barriga”, sufocamento, falta de ar, tontura, boca seca, vertigens, palpitações,
sudorese e tremores, pupilas dilatadas, pressão sanguínea elevada; os aspectos
parassimpáticos incluem náusea, vômitos, frequência de micção e diarreia.
A qualidade psicológica de se sentir ansioso ou tenso é mais difícil de
quantificar do que seus correlatos fisiológicos. As palavras são idiossincráticas
em seu significado, de modo que há uma tendência em julgar a veracidade da
afirmação do paciente de que está “terrivelmente ansioso” de acordo com a
seriedade dos sintomas autonômicos que ocorrem concomitantemente.
Entretanto, com o uso de escalas seriais de avaliação, é possível comparar a
experiência subjetiva do paciente em diferentes momentos; um exemplo muito
usado é a Hospital Anxiety and Depression Scale (Zigmond e Snaith, 1983).
Registros seriais de um paciente que exibia sintomas tanto de ansiedade quanto
de depressão que respondiam ao tratamento em diferentes momentos são
mostrados na Figura 17.2. A autodescrição da ansiedade inclui preocupação,
cisma, falta de sono por causa de pensamentos e outros.

FIGURA 17.2 Registros em série de ansiedade e depressão de um


paciente na escala Hospital, Anxiety and Depression (extraído de Sims e
Snaith, 1988, com permissão de John Wiley).

Ataques e transtorno do pânico


Os ataques de pânico ocorrem como episódios individuais de ansiedade somática
ou autonômica associados a grande ansiedade psíquica, como extrema sensação
de medo. O ataque termina com a interrupção completa do comportamento do
paciente, de modo que ele deita no chão, corre para uma área ao ar livre, corre de
volta pra casa, ou “desmaia”, ou quando o paciente interrompe seu
comportamento atual voluntariamente, e o ataque apresenta remissão mais
gradual. Em qualquer um dos casos, há alguma coisa presente em seu modo de
atividade antes do ataque que precipita o pânico. O paciente faz essa associação
para si mesmo, e faz de tudo para evitar um ataque de pânico. Esta pode ser a
condição antecedente para o desenvolvimento de um estado fóbico. A duração
do ataque varia de menos de um minuto até várias horas, mas geralmente dura de
10 a 20 minutos. Os ataques podem ocorrer muitas vezes ao dia, embora
geralmente com menor frequência. O início é súbito, com muitos sintomas da
ansiedade como palpitações, dor ou desconforto no peito, sensações de
sufocamento ou falta de ar, vertigens, sensações de irrealidade, dispneia,
parestesias, ondas de calor, sudorese, desmaios, tremores ou medo de morrer ou
de ficar louco.
Existem diferenças e semelhanças entre transtorno de pânico e transtorno de
ansiedade generalizada. Dos sujeitos com transtorno de ansiedade generalizada,
que nunca tiveram ataques de pânico, 41 foram comparados com 71 sujeitos com
transtorno de pânico (Noyes et al., 1992). Os sujeitos com transtorno de
ansiedade generalizada tinham o início dos sintomas mais precoce, mais gradual
e mais frequentemente sofriam de fobias simples, enquanto os sujeitos com
transtorno de pânico tendiam a relatar despersonalização e agorafobia. Em geral,
aqueles com transtorno de pânico tinham um grau mais grave de doença e eram
mais propensos a relatar histórico de depressão maior.
Cada vez mais se reconhece que há no mínimo dois subtipos experienciais
separados e distintos no transtorno do pânico: um tipo respiratório que é
caracterizado pelo medo de morrer, dores e desconforto no peito, falta de ar,
parestesia e a sensação de sufocamento; e um tipo não respiratório. O subtipo
respiratório está associado à experiência espontânea de pânico e não ao pânico
induzido por determinadas situações. Além disso, tem mais probabilidade de ser
provocado, em testes de desempenho, com a inalação de 35% de dióxido de
carbono ou com hiperventilação produzindo alcalose de hipocapnia (Freire e
Nardi, 2012).

Estados fóbicos
As fobias, ou o medo irracional, são descritas há séculos. Benjamin Rush (1798),
por exemplo, define a fobia como “o medo de um mal imaginário, ou um medo
indevido de um mal real” e elenca 18 fobias, em parte com intenção humorística,
reproduzidas no Quadro 17.2. A agorafobia foi descrita originalmente por
Westphal (1871); esta condição, que significa em sua origem “medo de
mercados”,* causa grave incapacitação. As fobias a animais foram contrastadas
por Marks (1970):

Quadr o 17.2 Espécies de fobias de acordo com Rush


(1798)
▪ Fobia a gatos
▪ Fobia a ratos
▪ Fobia a insetos
▪ Fobia a odores
▪ Fobia à sujeira
▪ Fobia a rum
▪ Fobia à agua
▪ Fobia a ficar só
▪ Fobia ao poder
▪ Fobia a partidarismo
▪ Fobia à necessidade
▪ Fobia a médicos
▪ Fobia à sangue
▪ Fobia a trovões
▪ Fobia à casa
▪ Fobia à igreja
▪ Fobia a fantasmas
▪ Fobia à morte

Se nos virmos tentados a pensar que todos os estados fóbicos são uma
unidade que reflete o mesmo transtorno e etiologia, podemos
rapidamente nos livrar dessa ilusão, simplesmente observando o notável
contraste entre fobias a animais e agorafobias. Essas duas condições
diferem radicalmente no início, curso, sintomatologia, resposta ao
tratamento e medidas psicológicas.

Solyom et al. (1986) dividiram a sintomatologia de 199 pacientes em três


categorias: agorafobia (80 pacientes), fobia social (47 pacientes) e fobia simples
(72 pacientes). A agorafobia incluía “medo de sair de casa, de estar só em casa
ou na rua, em multidões, de viajar de carro, ônibus ou trem”. A fobia social
envolvia ansiedade em situações sociais. A fobia simples descrevia um único,
mas perturbador medo de animais, altura, doença, aviões, insetos e assim por
diante. O que é comum a todas essas experiências fóbicas é que o medo é intenso
e persistente e que, além disso, é provocado pela exposição ou antecipação de
exposição a sugestões que são objetos ou situações claramente discerníveis e
circunscritos.
Uma subdivisão mais abrangente dos estados fóbicos está no Quadro 17.3 de
Marks (1969). Uma vez que agorafobia literalmente significa “medo do lugar
amplo”, isto é muito apropriado para os dias de hoje, já que muitas vezes a
situação mais fóbica para essas pessoas é no supermercado. Na verdade, a
agorafobia é uma condição heterogênea e não uma entidade; o paciente não
apenas tem medo de multidão, mas tem uma série de respostas de evasão a
diversos estímulos (Snaith, 1991). A agorafobia abrange tanto aqueles que
temem estar sob escrutínio público e, portanto, evitam locais públicos, quanto
aqueles com medo de passar mal tanto em local público, onde ficam em
evidência, quanto em local exposto, onde não poderão receber ajuda.

Quadr o 17.3 Subdivisões da neurose fóbica

Fobias a estímulos externos


▪ Agorafobia
▪ Fobias sociais
▪ Fobias a animais
Fobias a estímulos internos
▪ Fobia a doenças
▪ Fobias obsessivas
▪ Fobias específicas diversas
(Baseado em Marks, 1969, com permissão)

As fobias sociais são condições comuns que têm sido relativamente


negligenciadas nos últimos anos (Swinson, 1992). Elas tendem a ocorrer em
associação a transtornos do humor ou outros tipos de ansiedade. Existe uma série
de manifestações diferentes, mas a fobia social pode ser considerada uma
variação extrema da timidez. Entretanto, a evasão é mais típica no transtorno
estabelecido, que é caracterizado por medo excessivo, inibição e evasão de
situações sociais devido à possibilidade de constrangimento ou humilhação.
Tipicamente, o medo foca em situações em que existe a possibilidade de
exposição pública, como falar em público, comer em público, assinar um
documento sob observação, ou, no caso de homens, urinar em banheiro público.
A fobia a doenças é diferente da preocupação hipocondríaca, no sentido que
na primeira, ocorre a evasão. Assim, os critérios para a fobia, de acordo com
Marks (1969) são:
▪ O medo não é proporcional às exigências da situação.
▪ Não pode ser explicado ou afastado por racionalização.
▪ Não pode ser voluntariamente controlado.
▪ O medo leva a uma evasão da situação temida.
Uma mulher casada de 28 anos disse:

Meus problemas de medo estão piores (...) Tenho medo de pegar


câncer. Tenho medo de pegá-lo do hospital (hospital de radioterapia) que
fica a um quilômetro e meio de distância (...) Comprei um lenço em uma
loja e a vendedora me assustou (...) a aparência dela, ela quase não
tinha cabelo e parecia muito velha (...) eu pensei que havia pegado
câncer dela e então eu tive que lavar a casa. Limpei a casa toda e isto
me deixou mal. Tive de mudar de casa por causa do hospital e jamais
vou conseguir voltar àquela loja.

Existe também uma relação entre fobias, principalmente agorafobia, e


depressão (Schapira et al., 1970). O medo persistente e os presságios,
frequentemente de natureza situacional, podem ocorrer juntamente com outros
sintomas depressivos. Estados fóbicos, assim como o transtorno do pânico,
podem responder à terapia com antidepressivos.
As fobias são de natureza avassaladora e irresistível, dominando toda a vida
da pessoa. Como as obsessões, elas são repetitivas, impossíveis de resistir,
consideradas inúteis e irracionais pelo sujeito, mas ao mesmo tempo, vindo de
dentro dele ou dela. Alguns autores, portanto, as descrevem como medos
obsessivos. É frequente que algum comportamento compulsivo, como lavar as
mãos, surja a partir de uma fobia, como por exemplo, medo de sujeira e
contaminação. O que é proeminente na descrição de sua fobia é que o paciente é
controlado por ela, que o medo é algo que vem de dentro (de forma alguma
controlado externamente).

Ansiedade em outros transtornos


Obviamente, a maior parte da discussão sobre ansiedade e suas diferentes formas
e manifestações foi feita no contexto dos transtornos de ansiedade. Entretanto,
ansiedade é um sintoma comum e é frequentemente parte de outras doenças,
tanto psiquiátricas quanto físicas. Entre as condições psiquiátricas, a
comorbidade mais frequente é no transtorno depressivo; a maioria dos pacientes
com depressão tem alguns sintomas de ansiedade; a maioria dos pacientes com
transtornos de ansiedade mais graves também tem sensação de depressão. A
ansiedade é um sintoma frequente nos estágios prodrômicos da esquizofrenia e
também está associada a recidivas (Tarrier e Turpin, 1992). A ansiedade
frequentemente ocorre com psicossíndromes orgânicas, tanto exacerbando a
inquietação das psicossíndromes orgânicas agudas ou delirium quanto na
manifestação como causa adicional de sofrimento subjetivo nos estados
orgânicos crônicos ou na demência. A ansiedade é uma reação compreensível a
uma doença física e ao consequente sofrimento, dor, incapacitação física e social
e ameaça à vida (Sims e Snaith, 1988). Nas seguintes condições ela também
pode ser uma expressão direta do processo mórbido: hipoglicemia,
hipertireoidismo, feocromocitona, síndrome carcinoide, cardiopatias, distúrbios
ictais e estados de abstinência de substâncias psicoativas. Por este motivo, tais
condições precisam ser levadas em conta no diagnóstico diferencial da ansiedade
e o componente da ansiedade em sua sintomatologia deve ser manejado no
tratamento.

Irritabilidade
A irritabilidade do paciente pode ser observada pelos outros ou vivenciada
subjetivamente em relação aos outros (externa) ou em relação a si mesmo
(interna). A irritabilidade, expressa externamente, é considerada um transtorno
de humor propriamente dito em si mesma e independente da ansiedade,
depressão ou outros estados de humor (Snaith e Taylor, 1985): “A irritabilidade
expressa externamente é um transtorno de humor independente e não meramente
uma alteração sintomática de estados de depressão ou ansiedade.” A
irritabilidade expressa externamente é comumente associada ao transtorno de
humor puerperal, enquanto a irritabilidade dirigida internamente foi descrita em
indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo. Na Escala de Irritabilidade,
Depressão e Ansiedade (IDA), foram desenvolvidas duas subescalas de
irritabilidade (Snaith et al., 1978): irritabilidade exteriormente dirigida e
irritabilidade interiormente dirigida. Snaith e Taylor (1985) definiram a
irritabilidade para uso no contexto da psicopatologia da seguinte forma:
A irritabilidade é um estado de emoção caracterizado por diminuição de
controle do temperamento, que geralmente resulta em ataques verbais
ou explosões comportamentais, embora o humor possa estar presente
sem manifestação observada. Ela pode ser experimentada na forma de
episódios breves, em determinadas circunstâncias, ou pode ser
prolongada e generalizada. A experiência de irritabilidade é sempre
desagradável para o indivíduo e a manifestação ostensiva de
irritabilidade não apresenta o efeito catártico de ataques de raiva
justificados.

Trata-se de um sintoma marcante nos casos de estresse pós-traumático, nos


quais é listada como um dos sintomas de aumento de excitação. Os familiares
descreveram uma pessoa que sobreviveu a uma catástrofe: “Ele mudou
completamente seu caráter. Seu temperamento se tornou grosseiro e fala
palavrões o tempo todo.”
A gravidade da irritabilidade provavelmente apresenta uma correlação inversa
com a idade e ocorre tanto em homens quanto em mulheres. É útil se fazer uma
distinção entre o humor subjetivo de irritabilidade e a observação de
comportamento violento, embora esses possam se sobrepor. A irritabilidade
grave pode causar um sofrimento considerável aos pacientes, familiares e
profissionais de saúde, podendo não haver qualquer outro sintoma psiquiátrico.
Os fatores que predispõem à irritabilidade não são claramente conhecidos. “O
estado de irritabilidade é primeiramente um humor que pode ser traduzido em
comportamento.” (Snaith, 1991)

Obsessões e Compulsões
Não há associação necessária entre obsessões, ou transtorno obsessivo-
compulsivo, e ansiedade ou qualquer tipo de transtorno de ansiedade. Obsessões
isoladas ou transtorno obsessivo-compulsivo podem ocorrer com ou sem
ansiedade, com ou sem depressão, com ou sem transtorno de personalidade,
anancástica ou não. É um sintoma distinto e separado.
O paciente pode ser incomodado por pensamentos que ele sabe que são seus,
mas que considera repetitivos e estranhos; ele descobre que é incapaz de impedir
sua repetição. Tais pensamentos obsessivos têm, segundo Lewis (1936), três
características essenciais: um sentimento de compulsão subjetiva, resistência a
ele e a preservação de insight. Essas características diferenciam a obsessão de
atos repetitivos e cerimônias sociais. A palavra obsessão é normalmente
reservada para o pensamento e compulsão para o ato. O indivíduo sabe que se
trata de seu próprio pensamento (ou ato), que surge de dentro de si mesmo e que
a continuidade do pensamento (ou ação) depende de sua própria vontade; ele
pode decidir não pensar em determinado momento (mas pode e certamente volta
a acontecer). Ele é atormentado pelo medo do que possa acontecer se alterar a
rotina. Não há perturbação de consciência ou da capacidade de saber que o
pensamento é seu. Em geral, a pessoa funciona normalmente em outras áreas da
vida que não estão contaminadas pelo pensamento obsessivo, mas, à medida que
as obsessões se tornam mais graves, há um aumento da incapacidade social e do
sofrimento que podem perturbar todo o seu estilo de vida.
John Bunyan, em sua comovente biografia Grace Abounding to the Chief of
Sinners (Graça Abundante ao Principal dos Pecadores, 1666), descreve
pensamentos obsessivos e ruminações ligados a suas crenças religiosas, mas que
também podem ser claramente separados delas. Por exemplo:

33. Agora você deve saber que antes disto eu me comprazia em tocar o
sino, mas minha Consciência começou a pesar, eu pensei que esta
prática era vã, e portanto me forcei a deixá-la, mas minha mente ainda
ansiava por isso, dizia que eu devia ir ao Campanário e ficar
observando: embora eu não ousasse tocar o sino. Mas eu achei que isto
também se tornou Religião, contudo, me forcei e continuei indo para
observar; mas logo depois, comecei a pensar, e, se um dos sinos cair:
então preferi ficar sob uma Viga principal que atravessava o Campanário
de lado a lado, pensando que ali eu estaria seguro. Mas depois eu
pensava novamente, E se o Sino cair para o lado, ele pode bater na
Parede, e então voltar e me atingir, me matar apesar da Viga. Isto fez
com que eu me postasse na porta do Campanário, e agora eu pensava,
Estou seguro o suficiente, se o Sino cair eu posso deslizar para trás
dessas grossas paredes e assim me ver salvo.

34. Assim, depois disso, eu ainda ia vê-los badalar, mas não além da
porta do Campanário; mas então passou pela minha cabeça, e se o
próprio Campanário cair, e este pensamento (ele poderia cair, suponho
eu) enquanto eu observava parado ali, perturbava a minha mente e eu
não ousava permanecer na porta do Campanário um segundo mais, mas
me vi forçado a fugir, por medo de ele cair sobre minha cabeça.
(p.13)

O sintoma obsessivo e a crença religiosa expressados nesta passagem não são


fenomenologicamente a mesma coisa, embora sejam interligados. A natureza do
pensamento obsessivo é demonstrada no modo como Bunyan se sentia
compelido a percorrer toda esta elaborada cadeia de argumentos; ele resistia às
suas ideias, mas sem sucesso. Não há falta de insight acerca de este ser seu
próprio comportamento. O comportamento era compulsivo, no sentido de que
noções ambivalentes e obsessivas eram postas em ação. Existe mais do que uma
mera sugestão de personalidade obsessiva subjacente, por exemplo, na
numeração dos parágrafos.
Uma parteira de 32 anos, após ter terminado seu turno do hospital, pensava
incessantemente que talvez tivesse empurrado uma via respiratória pela garganta
de um bebê que trouxera ao mundo naquele dia. Ela telefonou diversas vezes
para a enfermaria para se certificar de que o bebê estava bem. Quando
caminhava com seu cão na rua, verificava a coleira repetidamente, para que não
escapasse e fosse atropelado. Quando um menininho e sua mãe a visitaram em
casa, ela serviu ao garoto um copo de refrigerante. Contudo, ela precisou beber o
que acabara de servir para o garoto, embora não gostasse daquele refrigerante,
para se certificar de que não era nenhuma substância prejudicial. O acúmulo de
mais e mais sintomas finalmente impediu que ela trabalhasse ou tivesse vida
social razoável. Ela sabia que todas essas ideias eram suas, que eram estúpidas,
mas não conseguia evitar tais pensamentos e ações.
O comportamento compulsivo frequentemente provoca uma ansiedade
adicional no paciente, devido à necessidade que ele tem tanto de executar a ação
quanto de preservar a sua aceitação social. Embora grandes áreas da vida
estejam constantemente implicadas em rituais compulsivos, é surpreendente
como a pessoa obsessiva omite outras áreas de sua obsessão. O paciente que
chega a escoriar as mãos por lavagens excessivas e dedica uma parte
significativa de cada dia em busca de limpeza pode dirigir até seu trabalho em
um automóvel sujo e mal conservado e trabalhar em um escritório desleixado! O
dilema dos sintomas obsessivos permanece, eles são considerados parte do
comportamento do próprio paciente, que se esforça para resistir a eles sem
sucesso, isto é, estão sob controle voluntário, mas não são vivenciados como
completamente voluntários. O paciente tem uma consciência de que determinado
ato ou pensamento é voluntário e pode ser resistido, com dificuldade, mas o
padrão geral de pensamento ou comportamento é sentido subjetivamente como
inevitável – no fim, é inútil lutar contra ele. O ato às vezes “parece ser contra a
vontade do paciente, e frequentemente parece ter a qualidade de repugnância ou
repulsa; este anseio por fazer algo e ainda assim sentir repulsa é uma
característica singular do estado obsessivo” (Beech, 1974).
A obsessão pode ocorrer na forma de pensamentos, imagens, impulsos,
ruminações ou medos; as compulsões ocorrem na forma de atos, rituais,
comportamentos. A definição de Schneider (1959) salienta que não existe perda
do contato com a realidade: “Uma obsessão ocorre quando alguém não consegue
se livrar de um conteúdo da consciência, embora quando este ocorre ela perceba
que não faz sentido, ou pelo menos, que lhe está dominando e persistindo sem
motivo.” Assim, alucinações, delírios e perturbações do humor não podem ser
obsessivos na forma; eles não são vivenciados como sem sentido, nem há
tentativa de se livrar deles. O desejo de um alcoólatra pela bebida ou o impulso
anormal do desvio sexual não são compulsivos no sentido estrito. Eles não
contrariam a vontade da pessoa, embora esta possa se recriminar intensamente
por ter esses desejos.
Ideias obsessivas podem ser simples ou complexas. Uma canção ou algumas
notas musicais podem se tornar repetitivas e resistidas, ou uma sequência de
palavras, como por exemplo, “o Partido Socialista Britânico”, ser repetida de
forma irritante dentro de sua cabeça. As obsessões ou compulsões podem ser
mais complexas e ritualísticas, como por exemplo, um paciente que tentava
fechar a porta do carro depois de sair, descobriu que isto era muito difícil, pois
temia que o ato de fechar produzisse pensamentos repetitivos, desagradáveis e
obscenos. Por esse motivo, ele precisava fazer esforços imensos para colocar o
automóvel em determinado local, verificar todas as portas antes de sair, verificá-
las novamente após sair e virar a chave enquanto olhava em determinada
direção.
As imagens do pensamento obsessivo podem ser vívidas, mas são sempre
reconhecidas pelo paciente como produto de sua própria mente. Essas imagens
foram consideradas por De Silva (1986) de um entre quatro tipos.
1. A imagem obsessiva exibe repetitivamente a cognição intrusiva e
indesejada – imagens de sangue jorrando, ferimentos etc.
2. A imagem compulsiva exibe o comportamento compulsivo corrigindo uma
imagem obsessiva – a mulher que via cadáveres em caixões e precisava
imaginar as mesmas pessoas em pé - ou uma imagem compulsiva
independente.
3. A imagem de catástrofe afeta verificadores compulsivos que podem não
apenas temer a ocorrência de uma catástrofe, a menos que verifiquem, mas
também “vejam” o desastre ocorrendo em fantasia – a casa pegando fogo
se os registros de gás não estiverem desligados.
4. A imagem perturbadora pode ocorrer de modo intrusivo enquanto rituais
compulsivos estão sendo executados e exigem que o ritual seja reiniciado.
Ruminações são frequentemente pseudofilosóficas, irritantemente
desnecessárias, repetitivas e não chegam a nenhuma conclusão. Um padre sente
um impulso de dizer palavrões na igreja, ou uma mãe sente um impulso de
machucar seu filho – ambas queixas frequentes de pacientes obsessivos.
Garantia de que a pessoa não ferirá a si mesma ou a outros ou agirá de acordo
com seus impulsos, pode ser dada ao obsessivo, desde que o impulso seja
realmente obsessivo na forma, que a pessoa não esteja concomitantemente
deprimida e que não exista um transtorno de personalidade antissocial
coexistente.
Considera-se que os elementos que constituem a experiência obsessiva-
compulsiva incluem:
1. Um gatilho, que é um evento ou uma pista que ativa uma obsessão,
sensação de desconforto ou vontade compulsiva.
2. Uma obsessão em si.
3. Um desconforto que é vivenciado como uma inquietação geral, tensão ou
sensação de culpa.
4. Uma vontade compulsiva ou impulso de praticar determinado
comportamento.
5. Redução do desconforto.
6. Medo de catástrofe que o paciente acredita que irá acontecer, mas que pode
ser evitada com a prática do comportamento compulsivo.
7. Um senso de responsabilidade inflado até mesmo para eventos sobre os
quais o paciente não tem controle.
8. Comportamento de busca de tranquilização.
9. Evitar estímulos ou situações que possam desencadear obsessões ou
compulsões.
10. Perturbação do funcionamento social devido às longas e complicadas
compulsões que consomem tempo e são exaustivas.
11. Resistência – que já foi discutida anteriormente (de Silva, 2003).
As obsessões ocorrem no contexto do transtorno obsessivo-compulsivo como
o principal sintoma desta condição, mas podem ocorrer em outras situações. O
paciente deprimido com personalidade obsessiva (anancástica) pode demonstrar
obsessões e compulsões que desaparecem quando seu transtorno é tratado.
Estados obsessivos são mais comuns nos casos de personalidade obsessiva
subjacente, mas esse tipo de personalidade não é uma condição. Sintomas
obsessivos podem ocorrer na esquizofrenia, quando geralmente têm um caráter
bizarro. Sintomas obsessivos aparentes podem surgir pela primeira vez em uma
pessoa idosa, associados a uma psicossíndrome orgânica. Entretanto, o elemento
de resistência típico da obsessão geralmente não está presente. Parece que a
pessoa executa comportamentos repetitivos a fim de lidar com as incertezas da
vida causadas por suas falhas de memória e desempenho prejudicado. A
repetição e o pensamento estereotipado nas pessoas com deficiência de
aprendizagem são às vezes rotulados como compulsivos; no entanto, isto é
psicopatologicamente incorreto, uma vez que não há resistência ou conflito entre
desejo e repulsa. De modo semelhante, a repetição e a aderência do pensamento
ocorrem na epilepsia, após lesão craniana e em outros estados orgânicos; mas,
repita-se, não têm natureza verdadeiramente obsessiva.
Há uma semelhança surpreendente entre a apresentação clínica do transtorno
obsessivo-compulsivo em crianças e adolescentes e em adultos (Swedo
et al., 1989). Em 70 pacientes jovens consecutivos, rituais de lavar, arrumar,
repetir, verificar e tocar eram as compulsões mais frequentes, e as obsessões
eram medo de contaminação, preocupação com catástrofes com o paciente ou
alguém próximo a ele, simetria e excesso de escrúpulos. Embora a condição
fosse frequentemente de natureza familiar, os verdadeiros sintomas apresentados
não eram compartilhados por familiares, nem mesmo por gêmeos
monozigóticos.
Há alguma evidência de que existem categorias de medos e comportamentos
obsessivo-compulsivos associados a determinados tipos de ameaça, ou grupos de
ameaça: ameaça agressiva (aggressive threat domain), que envolve medo sobre o
próprio bem-estar e dos entes queridos; ameaça à segurança física referente ao
ambiente do lar e inclui verificação, simetria e sintomas de perfeccionismo;
ameaça de limpeza ambiental que se refere à higiene e limpeza pessoal e inclui
medos de contaminação e rituais de lavagem e limpeza; ameaça de privação, que
se refere a recursos essenciais e inclui comportamentos de acumulação
(Mathews, 2009).
O papel da repugnância na psicopatologia dos transtornos de ansiedade e
principalmente nas obsessões e compulsões tem sido gradualmente examinado e
compreendido. A repugnância pode ser considerada um sistema adaptativo que
evoluiu para motivar comportamentos para evitar doenças. Argumenta-se que
surgiu para facilitar o reconhecimento de objetos e situações associadas ao risco
de doença e impulsionar um comportamento de higiene. Além disso, a
repugnância assumiu um papel na regulação de comportamento social, atuando
para marcar comportamentos proibidos e desaprovados como inaceitáveis. Neste
sentido, a repugnância pode ser conceptualizada como uma emoção forte e
visceral que pode despertar fortes respostas afetivas e comportamentais.
Obsessões e compulsões podem ser entendidas neste esquema como transtornos
dos sistemas de repugnância: os pacientes apresentam medo de contaminação,
sofrem de pensamentos intrusivos de contaminação, praticam excessiva higiene
e desinfecção do “eu” e do ambiente (para uma exploração mais completa e
discussão do lugar da repugnância na psicopatologia, ver Curtis, 2011).

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*
Nota da Tradução: Em português, bullring significa arena de touros.
*
Nota da Revisão Técnica: Mercado deve ser entendido aqui como um grande espaço público destinado a
reuniões, tal qual na Grécia antiga.
CAPÍTULO 18

Perturbações da Vontade e Execução

Sei que o bem não mora em mim (na minha carne), em meus instintos
egoístas. O querer bem está em mim, mas não sou capaz de fazê-lo.
Não faço o bem que quero e sim o mal que não quero. Ora, se faço
aquilo que não quero, não sou eu que o faço, mas é o pecado que mora
em mim. Assim encontro em mim esta lei: quando quero fazer o bem,
acabo encontrando o mal (...). Mas percebo em meus membros outra lei
que luta contra a lei da minha razão e que me torna escravo da lei do
pecado que está nos meus membros.
Epístola de São Paulo aos Romanos (1662)

Resumo
Neste capítulo serão discutidos a experiência de incontáveis anseios não
direcionais; os impulsos naturais instintivos dirigidos a algum objetivo e o ato de
vontade, com um objetivo concebido conscientemente e conhecimento de como
alcançá-lo e suas consequências. As anormalidades do anseio, instinto, impulso e
vontade estão entre as mais complexas na psicopatologia. Necessidade é um
esforço na direção de determinado objeto, estado ou ação que é vivenciado como
desejo. Impulso é uma inclinação para satisfazer determinadas necessidades
primárias, ou seja, inatas, bem como atividade, o modo mais básico da expressão
de um indivíduo. Instinto é um padrão inato de comportamento que leva à
satisfação do impulso. Vontade é um esforço ou intenção direcionada a um
objetivo, baseada em uma motivação planejada cognitivamente. Os distúrbios
desses aspectos básicos do comportamento ocorrem em transtornos psiquiátricos
orgânicos e “funcionais” e se manifestam de diversas maneiras, entre os quais
prejuízos de apetites, impulsividade, agressão, alterações motoras e
anormalidades comportamentais graves.
Esta é a área mais insatisfatória da psicopatologia clínica. A insatisfação vem
em parte da perda de interesse sobre o assunto desde o final do século XIX, e
falta de clareza conceitual que resultou do empobrecimento da literatura, mas
também se deve à complexidade inerente ao tema. Conforme salientou Berrios
(1996): “A ‘vontade’ não desempenha mais um papel na psiquiatria e na
psicologia. Há cem anos, entretanto, era um conceito descritivo e explicativo
importante, e se referia ao ‘poder, força ou faculdade’ humana de iniciar uma
ação.” As distinções entre conceitos relacionados e ao mesmo tempo distintos
como instinto, anseio, ímpeto, impulso, estímulo, motivação, vontade,
movimentos voluntários e involuntários e responsabilidade deixaram de ser
considerados, até bem recentemente, objeto de investigação. Uma distinção
correta, mas apenas teórica pode ser feita entre o instinto e, portanto, o desejo de
realizar uma ação para satisfazer determinada necessidade particular, o impulso e
a motivação para praticar a ação e a vontade de executar a ação. Todas elas são
diferentes do produto final, da ação observada ou do comportamento em si
(Figura 18.1).

FIGURA 18.1 Relação entre instinto, necessidade e comportamento.

Anseio, impulso e vontade e seus distúrbios


Jaspers (1959) distingue anseio primário, sem conteúdo e não direcional;
impulso natural instintivo dirigido a algum objetivo; e o ato de vontade, com
objetivo concebido conscientemente e conhecimento de como alcançá-lo, e suas
consequências. Portanto, segundo Jaspers, subjetivamente há uma distinção entre
atos impulsivos, consciência da inibição da vontade e consciência da perda de
vontade ou de disponibilidade de força de vontade.
As definições propostas por Scharfetter (1980) são as seguintes:
▪ Necessidade (um conceito fenomenológico): um empenho na direção de um
determinado objeto, estado ou ação que é vivenciado como desejo.
▪ Impulso:
a. Como um conceito, uma inclinação de satisfazer determinadas
necessidades primárias, ou seja, inatas.
b. Como atividade, o modo básico de expressão do indivíduo.
▪ Instinto (um conceito): um padrão inato de comportamento que leva à
satisfação de impulso.
▪ Motivação:
a. Como um conceito fenomenológico, um humor ou afeto vivenciado
de forma mais ou menos clara regido por necessidades e que nos leva
a ações que satisfazem essas necessidades.
b. Como um conceito: um fator ativador hipotético.
▪ Vontade (um conceito fenomenológico): um empenho ou intenção dirigida a
objetivo, com base em motivação cognitivamente planejada.
Scharfetter passa a descrever as necessidades primárias que são inatas e não
aprendidas, como fome, sede, respiração, micção e defecação, sono e
autopreservação. Outras necessidades não são essenciais para a sobrevivência;
suas demandas podem ser adiadas e são mais afetadas por padrões adquiridos de
comportamento, tais como necessidade sexual e necessidade social.
Necessidades secundárias são adquiridas e variam de acordo com o indivíduo,
como por exemplo, fumar. Os seres humanos são tão complexos que, embora as
necessidades primárias exijam satisfação rápida, elas são responsáveis por
apenas uma pequena parte da experiência subjetiva e da atividade psicológica do
indivíduo. Enquanto escrevo isso, eu me permito tomar conhecimento da
necessidade primária de respirar, mas daqui a 10 minutos, não estarei sequer
pensando nisso. As necessidades primárias adquiridas e as necessidades
secundárias têm maior influência sobre o estado mental do indivíduo do que as
necessidades inatas.
Impulso pode ser concebido como um estado de tensão que inicia o
comportamento dirigido. Sob este ponto de vista, ele pode ativar ou determinar a
seletividade ou força de ações. Hull (1943) introduziu o conceito de necessidade
como preliminar para a introdução de um conceito mais mecânico de impulso.
Segundo Hull, “quando surge uma condição na qual uma ação da parte do
organismo é um pré-requisito ideal para a probabilidade de sobrevivência do
indivíduo ou da espécie, dizemos que existe um estado de necessidade” e “os
animais quase podem ser considerados agregações de necessidades. A função do
aparato efetor é mediar a saciedade dessas necessidades. Aparato de impulso é
sinônimo de aparato efetor”. Neste esquema, o papel do impulso é iniciar o
comportamento que satisfaz necessidades.
Instinto pode ser definido como “uma disposição psicofísica herdada ou inata,
que faz com que o sujeito perceba e preste atenção a objetos de determinada
classe, vivencie excitação emocional de determinada qualidade e aja de
determinada forma ou, pelo menos, sinta impulso de agir” (McDougall, 1908).
Para Freud, instinto “aparece como um conceito limítrofe, sendo tanto o
representante mental dos estímulos que emanam internamente e penetram na
mente e, ao mesmo tempo, uma medida da demanda feita sobre a energia da
mente em decorrência de sua conexão com o corpo” (Freud, 1915).
Motivação, como conceito fenomenológico, é facilmente compreendida pelo
leigo, mas é, na essência, tautológica: “eu faço isto porque estou motivado”,
“estou motivado para fazer isso”. No entanto, é um conceito absolutamente
essencial na psiquiatria e na psicologia, que abrange tanto um aspecto emocional
quanto um aspecto cognitivo. Em outras palavras, o conceito abrange as
recompensas prazerosas que regem e regulam o comportamento, assim como as
razões proferidas para o comportamento e inclui fatores motivacionais
intrínsecos e extrínsecos. Os fatores intrínsecos são aqueles internos à pessoa e
os fatores extrínsecos são aqueles, tais como cupons de desconto, que são
incentivos externos para se comportar de determinada maneira. Assim, o termo
motivação se refere não apenas ao objetivo ao qual o comportamento é dirigido,
mas também aos estados emocionais que o iniciam, assim como aqueles que
atuam para recompensar o comportamento. Motivação também se refere às
razões, justificativas ou explicações de uma ação.
De modo semelhante, vontade é um conceito necessário, mas de difícil
compreensão. Thomas Reid (1710–1796), fundador da Escola Escocesa do
Senso Comum, considerou vontade o poder de efetivar nossas ações voluntárias.
Para Reid (1863): “Todo nosso poder é dirigido pela nossa vontade, não
podemos formar conceito de poder, assim chamado apropriadamente, que não
esteja sob o controle da vontade. E, desta forma, nossos esforços, deliberações,
propósitos, promessas, estão apenas nas coisas que dependem da nossa vontade.
Nossos conselhos, advertências e comandos estão apenas nas coisas que
dependem da vontade daqueles a quem são endereçados. Não imputamos culpa
em nós mesmos, nem nos outros, sobre coisas nas quais a vontade não está
envolvida.” Outros autores fazem afirmações semelhantes, mas enfatizam outros
aspectos da vontade: “A vontade tem um objetivo concebido conscientemente e
é acompanhada da consciência dos meios necessários e consequências. Ela
implica a capacidade de tomar decisões, intenção e responsabilidade.”
(Jaspers, 1959). Logo, as teorias da vontade trazem implicações para as noções
da responsabilidade moral, para o que significa ser um agente e para qualquer
descrição de culpa, vergonha e punição.
Há tentativas mais modernas de esclarecer e delinear a fenomenologia da
vontade. Metzinger (2006) salienta que o conteúdo experiencial da vontade é
extremamente difícil de definir, o que ele chamou de características “rasas” e
evasivas do conteúdo fenomenológico da vontade. Com isto, ele quer dizer que
na “vontade” falta concretude sensorial, diferentemente de, por exemplo, visão
ou paladar; que a consciência do processo de “ter vontade” é intermitente e não
funcionalmente estável; que episódios de “vontade” não são segmentados
temporalmente e são inerentemente obscuros; e finalmente, que o objetivo
pretendido da “vontade” quase nunca é claro. Bayne e Levy (2006) escreveram:

Normalmente sentimos que nossas ações têm propósito. Nós


caminhamos simplesmente até uma porta e, com base nisso, formamos
a crença de que provavelmente temos a intenção de abri-la; ao contrário,
nossa experiência é a de caminhar rumo à porta com o objetivo de abri-
la. A orientação a objetivo pode operar em diversos níveis. Por exemplo,
uma pessoa pode experimentar: caminhar até a porta para abri-la; abrir a
porta para alimentar o cachorro; e alimentar o cachorro para que ele
fique quieto. A fenomenologia de uma ação individual pode incluir
propósitos agrupados com base nos quais o ato é executado.

A variedade de definições e compreensão dos diversos termos evidencia a


complexidade intrínseca desta área e a inexistência de uma teoria ou modelo
unificador que possa esclarecer o assunto.

Anormalidades da Necessidade, Instinto,


Motivação e Vontade
Em termos da autodescrição do sujeito, qualquer uma das seguintes
anormalidades fenomenológicas decorrentes de perturbação da vontade
observada pode ocorrer. Pode haver perturbação de necessidade, que pode
envolver fome, sede, comportamento exploratório ou sono. Falta de fome pode
resultar em anorexia que ocorre em doenças físicas crônicas, aumento de fome
pode causar hiperfagia na síndrome Kleine–Levin e perversão do apetite (pica).
Anormalidade da sede pode ocorrer na forma de sede aumentada na polidipsia
induzida por lítio (diabete insípido) ou na compulsão de beber água na psicose
(Singh et al., 1985), que pode resultar em hiponatremia. A anormalidade do
comportamento exploratório pode tomar a forma de diminuição, onde se
manifesta como falta de curiosidade e exploração do ambiente e pode ser
observada na esquizofrenia e na depressão. O comportamento exploratório pode
ser aumentado na mania. As anormalidades do sono são comuns e variadas.
Existem diversos padrões de insônia, incluindo insônia inicial, que é mais
frequentemente associada a transtornos de base ansiosa e despertar nas primeiras
horas do dia, que é mais característico da depressão. A hipersonia pode ocorrer
na narcolepsia, síndrome de Kleine–Levin e na síndrome de Pickwick.
A anormalidade do impulso pode envolver diminuição, aumento ou perversão.
A diminuição de impulso sobre as necessidades primárias ocorre na
esquizofrenia e na depressão e é provavelmente indistinguível das anormalidades
de necessidade. Ela se manifesta como uma ausência da tensão ativadora que
inicia o comportamento e é observável como apatia. A exacerbação do impulso
de satisfazer necessidades sexuais é mais saliente na mania, mas pode ocorrer
como parte da síndrome de Kleine–Levin ou após lesão cerebral adquirida ou
hipersexualidade induzida por L-dopa no mal de Parkinson. Se o impulso
determina a força e a seletividade do objetivo do comportamento, a perversão do
impulso inclui condições como fetichismo.
A anormalidade da motivação pode envolver diminuição ou exacerbação. Na
esquizofrenia e na depressão, pode não haver a motivação prazerosa intrínseca
que atua como incentivo para um comportamento. Isto é mais precisamente
descrito como anedonia, a ausência de prazer em relação a atividades geralmente
prazerosas. A motivação pode estar de aumentada e as atividades mais comuns
se tornam indevidamente fascinantes e recompensadoras. O transtorno de
motivação também pode envolver anormalidades de raciocínio, justificação e
explicação, como se depreende da literatura psicanalítica, mas isto foge do
objetivo deste livro.
Distúrbios da vontade podem se manifestar como perda de vontade. Segundo
Jeannerod (2006), o distúrbio da vontade se restringe àquelas condições
patológicas nas quais a capacidade de fazer escolhas, manifestar preferências,
possivelmente experimentar prazer e liberdade ao fazer essas escolhas ou
manifestar essas preferências é afetada. Isto pode tomar a forma de prejuízo na
vontade de agir na esquizofrenia e na depressão grave. É difícil fazer uma
distinção entre ausência de necessidade, impulso, motivação ou vontade. O
resultado final observável é falta de ação, sem que haja qualquer tipo de
anormalidade motora que impeça a ação. Outras anormalidades da vontade
incluem indecisão na depressão, ambivalência ou ambitendência na
esquizofrenia. Essas anormalidades possuem, em seu centro, objetivos
contrastantes com oscilação na tomada de decisões, que é observada como
indecisão ou comportamentos motores alternados e contrastantes. Experiências
de passividade são, por definição, anormalidades da vontade (Quadro 18.1). A
falta da vontade decorrente da incapacidade de sentir prazer, ou seja, anedonia,
já foi discutida anteriormente (Capítulo 16).

Quadr o 18.1 Classificação das anormalidades da


necessidade, impulso, motivação e vontade
Anormalidades da necessidade
Apetite
▪ Ausência na anorexia
▪ Aumento, como hiperfagia, na síndrome de Kleine–Levin
▪ Perversão na pica
Sede
▪ Aumento no diabetes insipidos, resultando em polidipsia e na compulsão por
beber água, resultando em hiponatremia
Comportamento Exploratório
▪ Diminuição na esquizofrenia e na depressão
▪ Aumento na mania
Sono
▪ Diminuição na ansiedade e nos transtornos depressivos
▪ Aumento na hipersonia e nas síndromes de Kleine–Levin e Pickwick
Anormalidades do impulso
▪ Diminuição na esquizofrenia e na depressão
▪ Aumento na mania
▪ Perversão no fetichismo
Anormalidades da motivação
▪ Diminuição, resultando em anedonia na depressão e esquizofrenia
▪ Aumento na mania
Anormalidades da vontade
▪ Ausência ou perda, resultando em apatia na esquizofrenia e na depressão
▪ Vontade oscilante, resultando em indecisão, ambivalência ou ambitendência
▪ Vontade anômala nas experiências de passividades e ações realizadas

Causas orgânicas
Impulsos biológicos tais como apetite, sono e sede estão localizados
anatomicamente na região do mesencéfalo. Portanto, doenças localizadas nessa
área, de natureza estrutural ou bioquímica, tendem a resultar em perturbação de
impulso e, consequentemente, vontade. Além disso, mecanismos hormonais,
metabólicos e neuropsicológicos afetam a vontade. Assim, a necessidade de
alimento, expressa em fome e consequente busca por comida, é afetada pelo
estado de plenitude do trato gastrointestinal, pela secreção de insulina do
pâncreas, pela inervação sensorial da parede intestinal, bem como pela regulação
do suposto “centro do apetite”. As doenças físicas têm um efeito tanto específico
quanto generalizado sobre a vontade.
O apetite excessivo (bulimia) pode ocorrer em condições como tumores que
afetam o hipotálamo e resultam em obesidade grave, que pode estar associada à
hipoventilação e sono excessivo (hipersonia) na síndrome de Pickwick (Burwell
et al., 1956), sonolência periódica e fome intensa com consumo voraz de
alimentos como na síndrome de Kleine–Levin (Critchley, 1962). A sede e o
consumo excessivo de líquidos (polidipsia) ocorrem na doença pituitária
posterior ou dos rins (diabete insípido nefrogênico, por exemplo, com tratamento
com lítio). A perda de apetite (anorexia) pode ocorrer em doença localizada no
mesencéfalo, resultando em caquexia grave; entretanto, a perda de peso é muito
mais comum como uma característica geral de qualquer doença física grave e
debilitante.

Distúrbio da vontade na esquizofrenia


Na esquizofrenia, a perturbação da vontade ocorre muito mais no nível da
motivação ou da vontade do que da necessidade. Pode ocorrer anormalidade do
apetite com polifagia e consequente obesidade, como ocorre com alguns
pacientes esquizofrênicos crônicos, embora não seja comum. Pacientes com
esquizofrenia que acreditam que seu alimento está sendo envenenado podem
deixar de comer, sendo este um ato deliberado de vontade. A perturbação mais
patente, contudo, é a perda de vontade, que resulta em retraimento de interação
social, falta de motivação para obter e manter emprego ou diminuição do
impulso sexual, resultando em menor fecundidade, especialmente em pacientes
esquizofrênicos do sexo masculino.
Este sintoma foi descrito por Bleuler (1911) como perturbação da iniciativa,
de acordo com Lehmann (1967), que também é reconhecido entre os chamados
sintomas negativos, que Crow (1980) chamou de esquizofrenia tipo II. Os traços
negativos – apatia emocional, lentidão do pensamento e movimento, falta de
atividade, falta de impulso, pobreza da fala e retraimento social – constituem
uma barreira importante para a reabilitação efetiva de pacientes esquizofrênicos
crônicos (Wing, 1978). Embora os sintomas positivos, como delírios,
alucinações e transtorno do pensamento sejam mais evidentes, sobretudo nos
primeiros estágios do transtorno esquizofrênico, o prognóstico provavelmente é
mais afetado pela perda da vontade.
Andreasen desenvolveu um instrumento para medir os sintomas negativos da
esquizofrenia, a Escala para Avaliação de Sintomas Negativos (Andreasen 1982,
1989). É muito claro que a qualidade de vida do paciente e também a da pessoa
responsável pelos seus cuidados é prejudicada pelas consequências desses
sintomas negativos, principalmente achatamento do afeto e a perda da vontade.
O que não está tão claro é se ele possui uma consciência subjetiva desses
sintomas ou se sofre em decorrência deles. Selten et al. (1993) desenvolveram
uma escala de autoavaliação, a Subjective Experience of Negative Symptoms
(Experiência Subjetiva de Sintomas Negativos) (SENS) para medir a experiência
subjetiva do achatamento afetivo, alogia, avolição e apatia, anedonia e
associabilidade, e déficit de atenção; a escala mede consciência, atribuição
casual, perturbação e sofrimento.

Distúrbio da volição em transtornos de humor


As anormalidades da vontade nos distúrbios afetivos estão associadas à
anormalidade de atividade, com retardo proeminente na depressão e
hiperatividade excessiva na mania. Na depressão, a motivação é mais
prejudicada do que a vontade. Um diretor de uma empresa gravemente
deprimido continuava se preocupando com seus planos para a companhia, mas
se descobriu incapaz de se forçar a fazer qualquer coisa. A perda de motivação
ocorre juntamente com a perda de outros afetos. A anedonia (Capítulo 16) ou
perda da capacidade de sentir prazer é um sintoma importante no transtorno
depressivo (Snaith, 1993), que também ocorre na esquizofrenia. Os pacientes
deprimidos geralmente descrevem perda de interesse por seus passatempos
anteriores e prazeres da vida. Esta anedonia pode ser interpretada como parte da
perda de motivação para executar essas atividades. Esses pacientes também
descrevem falta de apetite e de todo o interesse por alimentos, o que pode
resultar em acentuada perda de peso.
Um paciente de 45 anos, muito bem-sucedido como vendedor, desenvolveu
sintomas depressivos graves e persistentes (Sims, 1994). Como consequência,
dois anos antes da internação ele deixou o emprego, a casa, a esposa e os dois
filhos e perambulou pelo país, sendo internado por breves períodos em diversos
hospitais psiquiátricos. Ele descreveu seu estado subjetivo: “Eu me sinto muito
ansioso, desconfortável e deprimido. É como ter a mesma pessoa no mesmo
corpo que eu. É como duas pessoas diferentes dentro de um só corpo. Uma
pessoa prende – esta sou eu. A outra pessoa está tentando se soltar – o outro é
diferente, bastante forte.” “Eu” era descrito como “assustado, deprimido,
inseguro” e a “outra pessoa” como “confiante, afável, um grande vendedor”. O
self e o “outro self” são comparados na Figura 18.2. Quando estava saudável, ele
era ativo, extrovertido e capaz de funcionar bem sob pressão. Ao se tornar
deprimido, se sentia triste, inseguro sobre o que fazer, com medo e sem energia
para qualquer espécie de atividade. Quando deprimido, ele via seu “eu” como
sendo sua identidade real e o “outro eu” como “uma fantasia”.
FIGURA 18.2 “Eu e meu outro eu.”

Na mania, geralmente há maior atividade, uma sensação subjetiva de mais


energia, efetividade e autoconfiança, e a pessoa pode iniciar toda espécie de
novos projetos. Os pacientes maníacos tendem a ingerir muito álcool, mas
geralmente não comem em excesso, talvez porque sejam facilmente distraídos e
tendam a interromper suas refeições com novos empreendimentos. Essas pessoas
dizem que é muito fácil tomar decisões e sua fuga de ideias resulta em começar
muitas tarefas que não chegam ao fim.
Um homem idoso vivia com sua esposa em uma casa isolada do final do
século XIX geminada em uma cidade industrial. O primeiro indicador de sua
doença maníaca foi um pedido desesperado de auxílio feito por sua esposa ao
médico da família, pois o marido estava destruindo a casa. Na entrevista em
casa, era possível observar seus inúmeros projetos de construção inacabados. Ele
afirmou que considerava inadequado o fato de que, cada vez que sua esposa
tinha que ir ao banheiro, precisasse passar pelo quintal, onde podia ser vista
pelos vizinhos. Então, ele fez um buraco na parede entre a cozinha e o toalete,
para ter acesso interno a ele. Antes que pudesse dar acabamento ao buraco e
colocar uma nova porta, ele percebeu que a fiação estava muito velha e, então,
removeu todos os fios do piso térreo de sua casa. Ele pensava em renovar a
fiação, mas então se convenceu de que a esposa gostaria de um banheiro
totalmente novo. Neste ponto, a esposa percebeu que ele estava doente e
consultou o médico da família.

Atos Impulsivos e Agressivos


O termo impulsividade é geralmente reservado para comportamento prejudicial.
Considera-se que o universo comportamental que reflete a impulsividade
abrange ações que parecem mal concebidas, manifestadas prematuramente,
indevidamente arriscadas ou inadequadas à situação e que geralmente resultam
em consequências indesejadas. Quando as ações têm desfecho positivo, elas
tendem a não ser vistas como sinais de impulsividade, mas como indicadores de
ousadia, rapidez, espontaneidade, coragem ou pouco convencionais (Daruna e
Barnes, 1993). Eysenck (1993) fez a seguinte distinção entre impulsividade e
empreendedorismo: “Nosso conceito de impulsividade e empreendedorismo
pode ser mais bem descrito com a analogia de um motorista que conduz o seu
veículo em uma curva cega do lado errado da pista. O motorista com alta
pontuação em Impulsividade nunca leva em consideração o perigo ao qual se
expõe e fica genuinamente surpreso quando acontece um acidente. O motorista
com alta pontuação em Empreendedorismo, por outro lado, considera a posição
com cautela e decide correr o risco conscientemente.”
Os atos impulsivos são “executados com energia sem deliberação ou reflexão,
sob a influência de uma pressão poderosa que restringe a liberdade de vontade
do sujeito. Já que falta reflexão ou consideração, as consequências dos atos não
são pensadas ou levadas em consideração” (Scharfetter, 1980). Veremos que não
se trata de um fenômeno tipo “tudo ou nada”. Inibições voluntárias estarão
presentes em um grau variado, desde evitar o ato completamente, sua
modificação ou adiamento, chegando até total ausência, quando o ato ocorre sem
restrição.
Na última década houve crescente interesse na impulsividade como um
conceito, bem como na definição de uma série de transtornos de controle de
impulso. A impulsividade é vista como uma predisposição a reações rápidas e
não planejadas a estímulos internos ou externos, e sem a devida consideração
das consequências negativas de tais ações para o próprio indivíduo impulsivo ou
para os outros (Moeller et al., 2001). Seus elementos essenciais são:
predisposição, ação rápida e não planejada e falta de consideração das
consequências. Isto sugere que o termo hoje é empregado para identificar um
traço e não um comportamento isolado associado a um episódio de doença. A
literatura psicológica atual, por sua vez, foca nos conceitos comportamentais
resultantes de experimentos com animais. Esses esquemas identificam as
seguintes características da impulsividade:
1. Persistência dos comportamentos apesar de punição.
2. Preferência por uma recompensa menor, mas imediata, em detrimento de
recompensa maior, adiada.
3. Reações precipitadas ou incapacidade de impedir uma reação em um
paradigma de desinibição/atenção de resposta.
Mais uma vez, esses conceitos de impulsividade sugerem que ela é um traço.
Por outro lado, a literatura mais antiga da psiquiatria focava no
comportamento impulsivo como parte de episódios de doença: “de todos os
desejos mórbidos, o impulso violento [minha ênfase] à atividade muscular, ao
movimento corporal, deve ser observado, da maneira como se vê, especialmente
em estados de mania, como uma necessidade constante de movimento inquieto
de um lado para o outro, batendo, gritando, etc., um estado que frequentemente
envolve o dano e a destruição do que está ao alcance do paciente, sem que ele
tenha qualquer propósito definido de fazê-lo” e “a natureza involuntária desses
atos; o paciente geralmente se queixa de que não consegue resistir ao desejo e
ainda que tais atos têm algo de instintivo na maneira como se mostram; eles vêm
em surtos com intervalos lúcidos e são frequentemente acompanhados por outros
sintomas de desequilíbrio” (Griesinger, 1845). Bleuler (1911) faz uma distinção
entre atos impulsivos e atos compulsivos: “A ação aparece como algo além de
seu controle voluntário (...) O paciente faz algo que ele não quer fazer; no
entanto, ele não oferece qualquer resistência.” Assim, sob esta ótica, é a
resistência ao impulso de agir que define a compulsão.
Transtornos do controle de impulso incluem prejuízo do controle resultando
em desinibição e podem se manifestar em lesão cerebral adquirida,
esquizofrenia, mania, síndrome de descontrole episódico e transtornos de
personalidade antissocial e emocionalmente instável. O controle excessivo de
impulsos pode resultar em comportamento inibido e falta de espontaneidade,
presentes em transtornos relacionados com a ansiedade, incluindo transtornos de
personalidade esquiva.
Agressão é definida como “um ataque verbal ou físico contra outra criatura
viva ou coisas” (Scharfetter, 1980) e agressividade como predisposição à
agressividade. Em termos etiológicos gerais, ela é necessária para a
sobrevivência dos animais e para que o homem lide com conflitos individuais e
com problemas em sua sociedade. Entretanto, em um sentido psicopatológico
mais restrito, agressão envolve dano e destruição deliberada ou irresponsável e é
acompanhada por emoções negativas como raiva, medo, desespero, rancor ou
ódio.
Os dois conceitos de agressão diferenciados por Scharfetter são impulso inato
e resposta adquirida. A primeira teoria é seguida por etiologistas, como Lorenz
(1963), e na psicanálise clássica nos trabalhos de Freud e de Adler (1929); se a
agressão é um impulso inato, ela precisa encontrar uma forma de expressão. A
teoria de aprendizado afirma que agressão é uma reação adquiria em resposta a
estímulos externos, principalmente à expressão do comportamento agressivo de
outros, e é reforçada pelo resultado bem-sucedido.
A seguir, alguns exemplos de atos impulsivos.

Fomos a uma festa. No caminho de casa eu fui tomada pela ideia de


atravessar o rio a nado, de roupa. Não era tanto uma compulsão a ser
considerada, mas simplesmente um impulso colossal e poderoso. Eu
não pensei nem por um minuto e mergulhei direto (...) só quando senti a
água percebi que aquela era uma conduta insólita e saí. O incidente me
deu muito para pensar. Pela primeira vez algo inexplicável, um tanto
esporádico e estranho tinha acontecido comigo.
(Jaspers, 1923)

Uma jovem de 19 anos foi hospitalizada por mutismo. Ela ficava sentada,
sem se mexer por longos períodos, sem interesse pelo que estava à sua
volta, embora parecesse alerta (...) Ela se alimentava e se movia
devagar mas não era rígida. No segundo dia, repentinamente e sem
qualquer aviso, ela saltou da cadeira e agarrou a garganta de um
terapeuta que passava, prejudicando gravemente sua tireoide.
(Fink e Taylor, 2003)
Ele reclamava de dores de cabeça, era irritável e ocasionalmente
explodia em raiva com precipitantes mínimos ou triviais. Ocorriam
destruições de propriedades, incluindo paredes com marcas de murros e
móveis quebrados, além de agressões mal coordenadas a membros da
família e alguns vizinhos.
(Benson e Blumer, 1982)

Embora a impulsividade seja frequentemente demonstrada por meio de


agressão, não é sempre assim. Jogos de azar, uso indevido de substâncias, atos
sexuais associados à desinibição e furtos são alguns dos comportamentos que
podem ocorrer impulsivamente.

Psicopatologia do comportamento impulsivo


e agressivo

Atos criminosos podem surgir de diversos tipos de delírios, de


alucinações dos vários sentidos, da perda do controle, que pode atuar de
diversos modos; o que é mais difícil de determinar é a chamada
insanidade impulsiva, na qual o paciente perde o autocontrole e comete
um ato, cujos detalhes recorda, mas que diz, com sinceridade, que foi
incapaz de impedir. Esses impulsos insanos indubitavelmente ocorrem e
eu já fui consultado por pacientes que me disseram que a perda de
controle desse tipo lhes veio como uma tempestade e que eles
buscariam abrigo em qualquer lugar para evitar o perigo que poderia
surgir para si mesmos ou para outros. Isto é simples o suficiente quando
esses impulsos ocorrem em pessoas que sofreram de problemas
mentais, mas é muito mais difícil quando a única evidência de
insanidade é a existência desses impulsos; pode-se dizer que eles são
apenas o resultado do prazer incontrolado de poder, que é comum a
todos. Portanto, eu hesitaria em aceitar impulsos, a menos que eu
tivesse evidências de insanidade em outros membros da família, ou
neuroses como neuralgia ou epilepsia no próprio paciente.
(Savage, 1886)

Nada tende a resultar em encaminhamento a serviços psiquiátricos mais


rapidamente do que a demonstração pública de atos impulsivos ou agressivos
inexplicáveis. Além disso, nada tende a ser mais rotulado de loucura pelo
público leigo. Na prática, este comportamento público está geralmente associado
a transtorno mental. Em um estudo envolvendo pessoas mentalmente
perturbadas que chegaram à atenção da polícia, havia uma tendência de esses
indivíduos criarem problemas próximo ao centro da cidade, em vez de na
periferia. Das situações que resultaram em envolvimento policial, eram
frequentes ataques físicos ou danos, mas a qualidade bizarra do comportamento
era o que marcava a pessoa como mentalmente perturbada; por exemplo, um
homem que deu ao cobrador um limpador de para-brisa como passagem de
ônibus, ou a mulher que se apresentou muda na recepção de um hotel. Quando
foram internados, o diagnóstico predominante foi de transtorno psicótico (57%),
com esquizofrenia respondendo por 40% (Sims e Symonds, 1975).
A agressão excessiva, e principalmente a agressão não provocada, inadequada
ou mal dirigida, é muito mais encaminhada para avaliação psiquiátrica do que a
falta patológica de comportamento agressivo. Entretanto, esta também pode ser
uma manifestação de transtorno. A agressão excessiva pode ser considerada
tanto em termos do transtorno psiquiátrico subjacente quanto da natureza
específica do comportamento.

Agressão diminuída
A agressividade diminuída pode acompanhar impulso reduzido e às vezes é
observada em perturbações orgânicas, psicóticas e psicogênicas. Ela é
frequentemente associada à apatia nos transtornos orgânicos agudos como
encefalite, ou na demência progressiva, embora irritabilidade e irascibilidade
também possam ocorrer. Doença física debilitante generalizada é normalmente
acompanhada de indiferença e apatia.
Na esquizofrenia, a agressão é geralmente acentuadamente reduzida, com falta
de vontade e insucesso em iniciar qualquer atividade dirigida, podendo ocorrer
ocasionalmente violência não provocada. Também na psicose depressiva, a
agressividade reduzida é, em geral, a apresentação mais comum; no entanto,
homicídio, muitas vezes associado a suicídio, é certamente descrito entre
indivíduos gravemente deprimidos que sofrem de delírios depressivos.
Um nível consistentemente baixo de agressividade pode ocorrer como uma
característica de personalidade, como por exemplo, no transtorno de
personalidade dependente. Ele pode ser observado como parte de uma reação
neurótica ou durante situações adversas da vida, como por exemplo, luto de
perda ou a infelicidade por solidão. Certo grau de agressão é necessário para
muitas das atividades sociais da vida normal e sua ausência prejudica o
funcionamento. A falta patológica de agressão está estreitamente associada a
transtorno da vontade.

Distúrbios do Movimento e Comportamento


Os distúrbios do movimento e comportamento podem ter uma importância
diagnóstica crucial, principalmente quando existe dificuldade na expressão
verbal. Entretanto, como a ênfase deste livro é a descrição subjetiva da
anormalidade, esses transtornos são discutidos resumidamente. A distinção entre
movimento e comportamento é arbitrária, como será demonstrado,
principalmente no caso de esquizofrenia.

Distúrbios do movimento
O movimento pode ser aumentado ou acelerado, reduzido ou desacelerado, ou
pode exibir diversas anormalidades qualitativas. Alguns desses distúrbios do
movimento são involuntários e apropriadamente considerados neurológicos,
alguns são voluntários, mas realizados inconscientemente, enquanto outros são
atos deliberados (de vontade). As palavras usadas descrevem principalmente as
características objetivas da ação para um observador externo, não a experiência
subjetiva de quem a pratica.
Esses distúrbios do movimento passam a ser considerados resumidamente,
começando com anormalidades de movimento aumentado – agitação e
hiperatividade e movimento diminuído – retardo. Em seguida, os distúrbios de
movimento que ocorrem em algumas condições psiquiátricas são descritos.
Existem sequelas psiquiátricas de distúrbios primários de movimento, incluindo
parkinsonismo e há distúrbios de movimento associados a condições que são
primariamente psiquiátricas.

Agitação
Agitação se refere a perturbação mental que causa inquietação física e maior
excitação; fenomenologicamente, ela é uma descrição de estado de humor
subjetivo associado e resultando em expressão física. O paciente pode descrever
seu afeto como “sensação de agitação” e tanto ele quanto o observador externo
veem a inquietação motora como logicamente ligada a isso. A agitação é
observada em diversos estados mentais; patologicamente, ela pode ocorrer nas
psicoses afetivas, na esquizofrenia, em psicosíndromes orgânicas, como
demência senil, em transtornos neuróticos e de personalidade, principalmente
estados de ansiedade. Frequentemente, a agitação é um sintoma de doença física,
como por exemplo, o hipertireoidismo ou hipoparatireoidismo, sendo ainda um
componente importante de alguns estados de transtorno depressivo grave.
Embora o retardo seja observado com mais frequência na “depressão endógena”
ou melancolia, a agitação pode ocorrer alternando com fases de retardo, ou
concomitantemente a este, em um estado afetivo misto. Depressão agitada é um
termo antigo para uma variante de um episódio depressivo grave com ou sem
fatores psicóticos. Ela é alternativamente conhecida como melancolia. A
importância clínica prática deste estado de humor vem do fato de que, enquanto
os impulsos suicidas podem ter sua expressão evitada pelo retardo, a agitação
com inquietação pode tornar este comportamento mais provável. Uma resposta
inicial ao tratamento após o tratamento eletroconvulsivo ou medicação
antidepressiva eficaz pode resultar em menor retardo e, portanto, em maior risco
de suicídio.

Hiperatividade
A hiperatividade descreve o estado no qual há aumento da atividade motora,
possivelmente com agressividade, loquacidade ou atividade física
descoordenada. O termo descreve o comportamento e não o estado psicológico
subjetivo. A inquietação tem descrição pobre na literatura psiquiátrica e tem
causas diversas e múltiplas (Sachdev e Kruk, 1996). A hiperatividade inquieta ou
hipercinesia pode ocorrer em uma série de diferentes lesões cerebrais físicas,
mas é especialmente proeminente como sequela de lesão cerebral em crianças,
nas quais pode estar associada à desobediência impulsiva e surtos explosivos de
raiva e irritabilidade (Black et al., 1969); ela também está associada à epilepsia
na infância quando há dano cerebral.
Nos últimos anos, o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade,
anteriormente descrito como algo que ocorria apenas em crianças tem sido
diagnosticado em adultos; ocasionalmente esses transtornos da infância
persistem na vida adulta, mas a predominância do transtorno na idade adulta é
baixa se comparada com a da infância (Sachdev, 1999). Existe um padrão de
desatenção persistente em todas as áreas da vida, excesso de atividade com
inquietação e agitação, impulsividade com impaciência e dificuldade de retardar
respostas. Tais características psicológicas resultam em comportamento
perturbado em todas as áreas da vida. Na idade adulta, ocorrem dificuldades
persistentes em relacionamentos, geralmente histórico de trabalho pobre e
ocasionalmente também ficha criminal. O indivíduo é particularmente distraído e
propenso a ser perturbado em um contexto de grupo.
Em crianças, ocorre comorbidade significativa com transtorno de conduta,
transtorno opositivo desafiador, transtornos de humor e ansiedade e retardo
mental (Biederman et al., 1991). Das crianças que foram diagnosticadas com
TDAH, 30% a 70% continuarão apresentando sintomas da condição na vida
adulta (Bellak e Black, 1992). Em um estudo envolvendo adultos com TDAH, os
dois gêneros apresentaram manifestações da condição, porém as mulheres, que,
ao contrário da situação na infância eram a maioria, tinham taxas mais altas de
depressão, transtornos de ansiedade e de conduta do que os controles normais
(Biederman et al., 1994). Esta é uma condição à qual os que praticam psiquiatria
geral com adultos deverão prestar mais atenção no futuro e é digna de estudo
psicopatológico mais detalhado.

Retardo
O retardo possui dois significados bastante diferentes na psiquiatria. O retardo
motor, no sentido que é usado aqui, implica lentidão na iniciativa, execução e
finalização de atividade física e é frequentemente associado a retardo do
pensamento, como, por exemplo, no transtorno depressivo grave. O paciente se
descreve subjetivamente com dificuldades com o pensamento – “meus
pensamentos estão lentos” – e também para iniciar e executar atividade
espontânea. Já retardo mental é um sinônimo de deficiência mental,
subanormalidade mental ou déficit de aprendizagem. Trata-se de um termo
infeliz já que, embora exista déficit intelectual, pode não haver lentidão física; na
verdade, pode haver excesso de atividade, especialmente se também houver
lesão cerebral. Também é pouco provável que a pessoa afetada se queixe,
subjetivamente, de lentidão no processo de pensamento.
O retardo é um sintoma tão marcante do tipo endógeno grave de depressão
que no passado era usado para nomear a condição, depressão retardada.
Observa-se restrição no movimento, postura estática de desânimo e redução do
tônus muscular. A gesticulação é reduzida, assim como o componente emocional
da expressão facial.
O retardo com lentidão de atividade motora também é observado em outras
causas de lentidão mental, como em diversas síndromes mentais orgânicas e em
doenças físicas. O extremo do retardo – ausência completa de movimento
voluntário – é conhecido como acinesia e ocorre com mutismo no estupor.
Alterações de Movimento na Esquizofrenia
Para fins de conveniência, três tipos de anormalidade podem ser reconhecidas na
esquizofrenia: anormalidades isoladas de movimento e postura, que são
discutidos agora; padrões mais complexos de comportamento perturbado,
descritos a seguir neste capítulo; e os efeitos presumidos das drogas
neurolépticas sobre o movimento, que frequentemente são usadas em altas doses
e por tempo prolongado na esquizofrenia. Efeitos colaterais extrapiramidais são
descritos posteriormente neste capítulo, mas uma breve menção deve ser feita
sobre a síndrome neuroléptica maligna, que se apresenta com início rápido de
hipertonicidade muscular generalizada grave com hiperpirexia e mutismo
acinético e perturbação autonômica; a morte ocorre em cerca de 15% das
pessoas afetadas (Kellam, 1987). Alguns dos transtornos motores mais
peculiares são descritos primeiro, sendo então descritas as perturbações na
esquizofrenia crônica.

Alterações Isoladas de Movimento e Postura


Catatonia significa um estado de tônus aumentado em músculos em repouso,
eliminado por atividades voluntárias e, portanto, diferentes da rigidez
extrapiramidal. A síndrome de esquizofrenia catatônica foi originalmente
descrita por Kahlbaum (1873) e é caracterizada pela presença dos distúrbios
motores descritos a seguir. Ao revisar o conceito de Kahlbaum, Johnson (1993)
considera que a catatonia, a “insanidade de tensão”, é uma síndrome
neuropsiquiátrica causada por uma grande variedade de processos patológicos
orgânicos que se manifestam como catalepsia e um estado mental anormal. É
muito difícil classificar a exata natureza da postura peculiar e anormal da
esquizofrenia catatônica. A flexibilidade cérea (flexibilitas cerea) e o travesseiro
psicológico podem ocorrer, mas são condições raras. Na flexibilidade cérea,
quando os membros do paciente são colocados em qualquer posição pelo
entrevistador e permanecem na posição por tempo prolongado (um minuto ou
mais). O travesseiro psicológico, em que a cabeça passiva do paciente é mantida
algumas polegadas acima da cama, pode continuar por horas. Na estereotipia,
uma postura que parece desconfortável também pode ser mantida por algumas
horas.
Os vários sintomas de catatonia sempre envolvem atividade motora e postura.
Pode haver hiper ou hipoatividade, mutismo, postura e movimento
estereotipados, flexibilidade cérea, estupor e excitação incontrolável
(Fink, 1993). Algumas variações da catatonia são a catatonia letal (perniciosa),
com febre alta, rigidez e extrema hiperatividade e/ou estupor; síndrome
neuroplética maligna, com rigidez, febre, instabilidade autonômica e estupor,
associada ao uso de drogas antipsicóticas; catatonia periódica, caracterizada por
períodos de excitação seguidos por estupor catatônico; excitação maníaca, com
confusão; e estupor no contexto de delirium. Hoje se reconhece que o distúrbio
de movimento catatônico está presente em outros transtornos além da
esquizofrenia e foi mais recentemente identificado na encefalite anti-NMDA e
em comportamentos de autoflagelação no transtorno de espectro autista na
infância (Fink, 2013).
Há dois tipos de movimento anormal na esquizofrenia: movimentos
voluntários idiossincráticos ou maneirismos e movimentos involuntários
espontâneos. Os maneirismos são exibidos em movimentos e padrões de
comportamento peculiares, afetados e voluntários. O paciente pode afirmar que
não tem consciência desses atos ou explicá-los em termos de seus delírios.
Às vezes é difícil distinguir os maneirismos daqueles movimentos ou posturas
sem finalidade que não são dirigidos a objetivo, mas que são executados sem
variação por determinado paciente. É importante buscar distinguir quaisquer
desses tipos de movimentos dos movimentos anormais das síndromes
parkinsonianas, que ocorrem com bastante frequência em pacientes com
esquizofrenia tratados com drogas antipsicóticas típicas (de primeira geração).
Caretas são uma característica comum na esquizofrenia; Schnauzkrampf
(literalmente, “espasmo do focinho”) é uma expressão facial característica, na
qual o nariz e os lábios são unidos formando um bico.
A anormalidade na execução de movimento pode decorre das experiências
internas do paciente com esquizofrenia. Às vezes ele resiste a estímulos, por
exemplo, à solicitação do entrevistador para levantar seu braço direito, e
demonstra negativismo. Em outros momentos, ele demonstra obediência
excessiva, chegando à obediência automática: ele não apenas levanta o braço
direito, mas também levanta o outro e depois se levanta com os dois braços
erguidos em uma resposta dramática à solicitação. Esta alternância entre
cooperação e oposição produz o comportamento tímido e imprevisível de
ambitendência.
A obstrução é o equivalente no fluxo de ação ao bloqueio de pensamento no
fluxo da fala. O paciente subitamente para ao realizar um ato motor. Após uma
pausa, ele continua o ato ou pode começar a fazer outra coisa. Em geral, ele é
incapaz de explicar sua atitude, mas pode fazê-lo em termos de passividade:
“minha ação foi paralisada”.
Movimentos anormais manifestados na interação com o entrevistador podem
revelar excessiva cooperação ou oposição: mitgehen, ecopraxia, obediência
automática e advertência são sintomas de cooperação excessiva. Na mitgehen
(literalmente, em alemão, “ir com”), o entrevistador pode mover os membros ou
corpo do paciente direcionando-o com uma pressão de ponta dos dedos, “como
se movesse o ângulo de uma luminária” de acordo com Hamilton (1984).
Quando o paciente imita todos os atos do entrevistador, o sintoma é chamado de
ecopraxia; isto ocorre embora o médico peça que não o faça. A obediência
automática denota uma condição na qual o paciente realiza cada comando de
forma literal e concreta, como um autômato. Para demonstrar tais sintomas de
cooperação excessiva, deve-se pedir que o paciente resista ao entrevistador e
ainda assim mitgehen e ecopraxia ocorrem. Esta incapacidade de obedecer a
instruções para resistir ocorre no grasping. O entrevistador apresenta sua mão
para ser cumprimentado, mas ao mesmo tempo pede que o paciente não a pegue;
sempre que o paciente o cumprimenta o entrevistador tem grande dificuldade
para liberar sua mão novamente. Na advertência, o paciente se vira para o
entrevistador quando este se dirige a ele; novamente, o gesto tem uma qualidade
bizarra, exagerada e inflexível.
A oposição ocorre como resposta negativa a todas as abordagens do
entrevistador. O paciente resiste ao examinador quando este tenta mover seus
membros. Quando abordado, o paciente se vira para o outro lado – aversão. O
negativismo não é apenas a recusa do paciente de fazer o que lhe é solicitado: é
um processo ativo de resistência a todas as tentativas de estabelecer contato. A
oposição pode se manifestar como mutismo.
Os movimentos anormais da esquizofrenia são fortemente sugestivos de
anormalidade neurológica. Na opinião de Cutting (1985) os distúrbios de
movimento na esquizofrenia, entre os quais catatonia, perseverança e
movimentos involuntários e movimentos voluntários perturbados podem, em
alguns casos, representar um distúrbio de conação resultante de desequilíbrio
hemisférico. Sendo a formulação de Cutting correta ou não, há grande interesse
em movimentos anormais na esquizofrenia que são distintos daqueles
decorrentes do tratamento com drogas antipsicóticas. Na verdade, como veremos
a seguir, existe uma variedade de distúrbios de movimento, alguns sutis e outros
não tanto, prevalentes na esquizofrenia que aparentemente são anteriores ao
tratamento.
Por fim, a linguagem gestual na esquizofrenia parece estar prejudicada. Isto
assume a forma de déficit na capacidade de fazer gestos seguindo instruções, a
chamada habilidade pantomima e, adicionalmente, um prejuízo na capacidade de
imitar gestos demonstrados. Esses problemas salientam déficits nas habilidades
de comunicação gestual (Walther et al., 2013).

Alterações Motoras na Esquizofrenia Crônica


O distúrbio motor em pacientes psiquiátricos pode ser atribuído ao estado
mental, ao tratamento ou a doença neurológica independente não diagnosticada
(Rogers, 1985). Rogers estudou distúrbios motores em 100 pacientes
psiquiátricos internados extremamente crônicos, 59 mulheres e 41 homens, com
duração média de internação atual de 42,8 anos. Desses pacientes, 92% tinham
tido diagnóstico de esquizofrenia em algum momento e todos exibiam algum
distúrbio motor atual.
Os distúrbios motores foram listados sob as 10 categorias da Tabela 18.1.

Tabela 18.1
Porcentagem de pacientes com distúrbio motor atual (n = 100)

Distúrbio motor Porcentagem de todo o grupo

Movimento voluntário 97
Produção da fala 95
Postura 86
Tônus 85
Movimentos faciais ou posturas 74
Movimentos da cabeça, tronco ou membros 67
Atividade 64
Marcha 48
Movimentos oculares 48
Piscar de Olhos 38

(De Rogers, 1985, com permissão.)

Essas anormalidades eram:


▪ Dificuldade de iniciar, executar com eficiência ou manter atividade motora
proposital, resultando na restrição do repertório motor disponível.
▪ Produção da fala, com 22 pacientes geralmente mudos; 25 jamais iniciando
conversa espontânea; 53 mostrando “surtos” de gritos, cantos ou fala; e 51
inarticulados ou quase inaudíveis na entrevista.
▪ Postura e
▪ tônus, com uma tendência para flexão associada a diverso graus de rigidez e
afetando principalmente a cabeça ou pescoço.
▪ Movimentos ou posturas anormais dos músculos orofaciais, com contrações
rápidas ou lentas de diferentes grupos de musculares.
▪ Movimentos anormais da cabeça, tronco ou membros, que podem ser breves,
espasmódicos e semipropositados em qualidade.
▪ Atividade anormal pode ocorrer em surtos ou continuamente no
comportamento, como bater nos outros, bater os pés, tocar ou seguir pessoas.
▪ Marcha ou passo podia se apresentar com arrastar de pés, lentidão, não
balançar os braços ou se virar com a cabeça e o pescoço “como um bloco”.
▪ Desvio conjugado dos olhos, frequentemente para cima e lateralmente com
desvio da cabeça na mesma direção.
▪ Piscar de olhos acentuadamente aumentado ou diminuído na taxa ou como
“surtos”.
Desses 100 pacientes, 98% haviam tido distúrbio motor registrado antes de
1955, antes da existência de tratamento com drogas neurolépticas. Houve
variação significativa entre o tipo de distúrbio motor registrado antes de 1955 e o
que atualmente se observa. No passado, os distúrbios de movimento dos olhos,
tônus, marcha e piscar de olhos eram registrados com menos frequência. O
distúrbio de movimento nesse grupo de pacientes foi comparado entre aqueles
que recebiam drogas neurolépticas; aqueles que não recebiam tratamento há um
mês, um ano ou cinco anos; e aqueles que jamais haviam sido medicados. Com a
possível exceção de movimentos faciais, que eram mais frequentes entre os
sujeitos que haviam recebido tratamento no último ano, não havia diferença na
frequência de movimentos anormais.
Além dos movimentos anormais mencionados anteriormente, movimentos de
transbordamento têm sido descritos. Eles são definidos como movimentos
involuntários que tendem a acompanhar movimentos voluntários e são
reconhecidos como sinais neurológicos leves e considerados característicos de
esquizofrenia (D’Agati et al., 2012).

Alterações Motoras em Doença Cerebral


A perturbação dos núcleos da base que resulta em sintomas parkinsonianos
possui duas causas principais de relevância para a psiquiatria: a doença de
Parkinson e sintomas secundários à exposição a drogas psicotrópicas. Alguns
dos sintomas motores são similares nas duas condições, mas o quadro clínico
geral é diferente.

Doença de Parkinson
Na Doença de Parkinson, além de sintomas motores, frequentemente também
ocorrem anormalidades sensoriais, autonômicas e psiquiátricas. A descrição
original de Parkinson em 1817 implicava ausência de anormalidade perceptiva
(ao contrário de sensorial) e não faz comentários sobre “status psiquiátrico”, um
conceito então desconhecido.
Podem ocorrer anormalidades primárias ou secundárias, com ou sem excesso
ou escassez de atividade autonômica. Entretanto, os sintomas mais flagrantes
estão na função motora: lentidão de movimento emocional e voluntário
(Walton, 1985); rigidez muscular; acinesia; tremor; e distúrbios da marcha, fala e
postura. Não há necessariamente qualquer alteração mental, mas a depressão é
muito comum (Mindham, 1970), pode ocorrer deterioração intelectual com
eventual associação com transtorno de personalidade. Episódios psicóticos
também têm sido descritos. Uma descrição gráfica dos sintomas e experiência
subjetiva do parkinsonismo foi relatada em Awakenings de Sacks (1973).

Efeitos Colaterais Extrapiramidais de Drogas Antipsicóticas


Os distúrbios de movimento extrapiramidais produzidos por drogas
antipsicóticas são descritos em detalhes por Marsden et al. (1986). Eles incluem
parkinsonismo induzido por drogas com a tríade parkinsoniana clássica de
rigidez muscular, tremor e acinesia, bem como sintomas anormais da marcha,
fala e postura; salivação excessiva; dificuldade de deglutição; facies
característica; e pele oleosa. A acinesia varia desde um grau leve (discinesia),
com face imóvel, vazia, sem expressão; movimentos limitados com perda de
atividade motora associada como o balanço dos braços ao caminhar; e falta de
espontaneidade; até ausência mais grave e generalizada de movimento – isto
pode começar logo após o início do uso de medicamentos antipsicóticos. A
rigidez da roda dentada e movimento de “rolar pílula” dos dedos, tremor das
mãos ou tremor periorbital podem ocorrer, mas são menos comuns do que a
acinesia. Os efeitos colaterais extrapiramidais de drogas antipsicóticas são
listadas no Quadro 18.2 (de Gervin e Barnes, 2000).

Quadr o 18.2 Efeitos colaterais de drogas


antipsicóticas extrapiramidais
Distúrbios agudos de movimento
▪ Parkinsonismo
▪ Acatisia aguda
▪ Distonia aguda
Distúrbios crônicos de movimento
▪ Distonia tardia
▪ Acatisia crônica
▪ Discinesia Tardia
(De Gervin e Barnes, 2000, com permissão.)

A acatisia, inquietação motora, ocorre com frequência. Há uma experiência


subjetiva de inquietação motora com uma sensação de ser incapaz de ficar
sentado quieto, necessidade de levantar e andar a esmo e esticar as pernas, bater
os pés, balançar o corpo (Quadro 18.3). A acatisia pode ocorrer ao mesmo tempo
em que a acinesia do parkisonismo induzido por drogas e apresenta o estado
contrastante de um anseio subjetivo de se mover e prejuízo físico de movimento.
Para distinguir a acatisia de outras causas de inquietação interna, a inquietação
das pernas deve ser considerada especialmente proeminente.

Quadr o 18.3 Componentes subjetivos da acatisia

Ocorrência comum
▪ Sensação de inquietude interior
▪ Inquietação mental
▪ Agitação e disforia
▪ Sente que não consegue ficar parado
▪ Um anseio irresistível de mover as pernas
▪ Aumento da tensão interna quando se pede para ficar parado
Menos comuns
▪ Tensão e desconforto nos membros
▪ Parestesia e sensações desagradáveis de puxar ou empurrar nos músculos das
pernas
(De Gervin e Barnes, 2000, com permissão.)
As reações de distonia aguda incluem uma série de espasmos musculares
intermitentes ou prolongados e posturas anormais. A distonia foi definida como
“uma síndrome dominada por contrações musculares prolongadas,
frequentemente causando torsão e movimentos repetitivos, ou posturas
anormais” (Fahn et al., 1987). Pode haver protrusão da língua, caretas, crises
oculógiras, blefaroespasmo, torcicolo, opistótono e outras ações hipercinéticas
exageradas da face, cabeça, tronco ou membros. Owens (1990) considerou que
os principais tipos clínicos de distonias são distonias agudas, espasmos
oculógiros, distonias focais incluindo torcicolo, blefaroespasmo, “cãibra dos
escritores” e outras distonias ocupacionais e distonia laringofaríngica; distonias
segmentais, distonia generalizada, distonias relacionadas com drogas
(sintomática) e distonia psicogênica.
A frequência de associação da chamada discinesia tardia, na qual ocorrem
movimentos repetitivos e sem finalidade dos músculos faciais, boca e língua
(ocasionalmente com movimento coreoatetoide dos membros e grunhidos
respiratórios), à exposição a drogas psicotrópicas é controversa. Não há dúvida
de que a discinesia faciobucolinguomastigatória ocorre em muitos pacientes
psicóticos crônicos, principalmente os idosos, pacientes psicóticos que usam
medicação neuroléptica, mas estará causalmente associada a drogas? A palavra
tardia é empregada porque a síndrome era considerada uma consequência tardia
do tratamento medicamentoso; contudo, há casos descritos em pacientes que
jamais receberam drogas neurolépticas e a relação ainda precisa ser elucidada –
pode ser apenas uma fase posterior da doença. Na prática, os sintomas
extrapiramidais secundários a medicamentos são difíceis de avaliar e medir em
termos de gravidade – problemático explicar etiologicamente, mas importante
para o tratamento satisfatório do paciente. Em um acompanhamento de três anos
de pacientes psiquiátricos que receberam medicamentos antipsicóticos, a
discinesia orofacial aumentou de 39% para 47% na amostra, com alguns
indivíduos desenvolvendo o distúrbio pela primeira vez e uns poucos
apresentando remissão (Barnes et al., 1983). Havia uma associação entre
discinesia, idade superior a 50 anos e a presença de acatisia, mas nenhuma ao
uso de drogas antipsicóticas; na verdade, aqueles com dosagens altas não
estavam propensos a ter condição. Esses sintomas discinéticos também ocorrem
na coreia de Huntington e na coreia senil.

Coreia de Huntington
Trata-se de uma condição hereditária, herdada na forma mendeliana dominante,
que geralmente se manifesta no início da meia idade e se caracteriza por
movimentos coreiformes e demência. Movimentos espasmódicos, rápidos e
involuntários começam na face e membros superiores. Disartria e distúrbios da
marcha também podem ocorrer antes do desenvolvimento de déficit intelectual.
A demência progressiva, com inércia e apatia, pode ser acompanhada de
irritabilidade e surtos ocasionais de comportamento excitado. Ocasionalmente, a
demência ocorre como o primeiro sinal da doença.
Diversas anormalidades psicológicas foram descritas no estágio prodrômico
antes da manifestação de coreia e demência. Essas anormalidades podem ser
ansiedade, depressão reativa e características de transtorno de personalidade,
principalmente comportamento antissocial. Não se sabe se este é realmente um
sintoma precoce da doença ou parte da reação psicossocial a esta condição
terrível e carregada de maus prognósticos.

Tiques e Síndrome de Gilles de la Tourette


Tiques são movimentos rápidos, repetitivos, coordenados e estereotipados, a
maior parte dos quais pode ser imitada e são reproduzidos fielmente pelo
indivíduo (Macleod, 1987). Na síndrome de Gilles de la Tourette, tiques
múltiplos são acompanhados de vocalizações forçadas que frequentemente
assumem a forma de palavras ou expressões obscenas – coprolalia
(Lishman, 1997). A condição começa na infância, antes dos 16 anos; existem
múltiplos tiques motores e vocalizações altas não provocadas, que podem chegar
a gritos de palavras obscenas.
A condição é mais comum em meninos do que meninas e geralmente começa
entre os 5 e os 8 anos de idade, com tiques simples. As vocalizações geralmente
começam como sons indistintos, mas podem progredir para palavras obscenas de
“quatro letras”. Tanto os tiques quanto as verbalizações tendem a ocorrer na
presença de estresse emocional. O sujeito frequentemente tenta
desesperadamente não vocalizar a palavra e isto pode ser acompanhado de
ansiedade considerável. Um estudo interessante comparou adultos afetados a
adultos deprimidos e controles normais em medições de tendências obsessivas,
depressão e ansiedade (Robertson et al., 1993). Os pacientes com síndrome de
Gilles de la Tourette exibiam pontuação tão alta quanto a de depressivos em
medições de obsessividade, mas eram intermediárias entre esses e os sujeitos
normais, tanto para depressão quanto para ansiedade.
Distúrbios do comportamento
Não há uma demarcação clara entre os distúrbios de movimento e do
comportamento e a distinção feita aqui é arbitrária. Portanto, no parkisonismo, e
em grau ainda maior na esquizofrenia catatônica, o movimento anormal de um
indivíduo pode se tornar um padrão anormal de comportamento.

Distúrbios Comportamentais da Esquizofrenia


O distúrbio do movimento é típico da catatonia, na qual o paciente pode ficar
imobilizado em uma postura devido ao aumento do tono muscular em repouso;
isto se observa geralmente na esquizofrenia, mas tem sido descrito nos casos de
tumor do lobo frontal e em algumas outras condições orgânicas. Ocorrem
anormalidades de postura e movimento, frequentemente exibidas nas ações
realizadas em relação a uma outra pessoa – o entrevistador. Assim, na
flexibilidade cérea, a postura dos membros é descrita desta forma porque é
mantida indefinidamente, após serem manipulados e colocados em determinada
posição pelo observador. O comportamento, os movimentos compostos, também
podem ser anormais e isto é característico da esquizofrenia catatônica, com mais
do que apenas uma anormalidade isolada da postura. Tem sido comentado que a
incidência da esquizofrenia catatônica caiu acentuadamente. No entanto,
Mahendra (1981) questionou a existência da esquizofrenia catatônica como uma
condição com características esquizofrênicas kraepelianas clássicas e catatonia
no mesmo paciente. Ele acredita que muitos desses pacientes com catatonia
sofriam de doença neurológica, talvez pós-encefalítica, por infecções virais
epidêmicas e endêmicas. Fosse assim, a suposta associação entre a esquizofrenia
e a catatonia seria acidental.
Poderíamos fazer um vasto catálogo do comportamento bizarro e
ocasionalmente desagradável demonstrado por pacientes com esquizofrenia
crônica, mas este jamais seria completo. Determinados tipos de padrões
comportamentais são descritos aqui com exemplos. O estupor esquizofrênico
ocorre, embora raramente. O paciente se apresenta mudo e acinético, embora a
partir do estado de alerta dos olhos e incursão em atividade ou fala abrupta esteja
claramente consciente. O estupor esquizofrênico pode ser distinguido do estupor
maníaco ou depressivo com base nas anormalidades óbvias de humor no estupor
das psicoses afetivas. Uma paciente esquizofrênica se sentava muda e imóvel
com os braços em postura estereotipada e retorcida por horas a fio. Este sintoma
quase nunca é visto, atualmente, com o tratamento adequado de sintomas
esquizofrênicos.
O negativismo, descrito anteriormente dentro dos distúrbios motores, pode
influenciar significativamente o comportamento do paciente. Um paciente com
esquizofrenia foi entrevistado na prisão. Ele foi trazido à porta do consultório
médico. Quando o médico o convidou a entrar, ele deu dois passos para trás.
Para fazê-lo entrar, o médico precisou pedir que fosse embora. Quando o médico
estendeu a mão para cumprimentá-lo, o paciente levou sua própria mão às costas
e se postou atrás da escrivaninha. Ele só se sentou quando foi gentilmente
convidado a ficar em pé.
A excitação pode ocorrer em associação com a catatonia, mas também pode
ser observada quando não há este estado; ocasionalmente, um paciente fica
mudo e imóvel por determinado tempo e então se torna excessivamente ativo de
forma imprevista e aleatoriamente destrutivo. Um paciente com esquizofrenia
crônica, geralmente calmo, de repente começava a correr pela enfermaria e a
bater com a cabeça na parede. Em uma ocasião, esse comportamento foi dirigido
à janela e ele já havia se cortado com gravidade no passado.
O comportamento impulsivo pode nem sempre se manifestar como excitação;
ele pode ocorrer em oposição ao comportamento habitual do paciente. Uma
paciente idosa, normalmente respeitável e tranquila, de repente assediava
sexualmente os visitantes do sexo masculino que chegavam ao hospital.
A acumulação é uma característica comum em pacientes com esquizofrenia
crônica e não se limita a pacientes internados. Uma paciente costumava colocar
insetos e lixo encontrado no hospital, como pontas de cigarro e pedaços de
barbante, em uma pequena lata. Ela não parecia usar sua coleção, mas estava
constantemente coletando mais itens.
A intoxicação com água devido ao consumo excessivo de água tem sido
descrita na esquizofrenia, embora possa ocorrer, mas com frequência muito
menor, em quase todos os transtornos psiquiátricos (Ferrier, 1985). Tal sintoma é
potencialmente perigoso (Singh et al., 1985) e pode até mesmo resultar em morte
por hiponatremia, frequentemente associada a convulsões. O consumo de água
pode ser explicado pelo paciente em termos de delírios ou pode haver uma falha
do mecanismo homeostático normal de sede/consumo de líquidos, ou ambos.
Pode haver maneirismos e idiossincrasias de comportamento, bem como de
movimentos isolados. Um paciente crônico totalmente mudo costumava se isolar
no topo de uma escada íngreme acima de uma enfermaria, onde criativa e
delicadamente recortava chaves que abririam qualquer porta do hospital. Ele
trocava essas chaves por cigarros com outros pacientes, apesar de permanecer
em silêncio total.
A autonegligência clara foi descrita principalmente em idosos reclusos, que às
vezes são bem instruídos, inteligentes e bem posicionados financeiramente. Essa
síndrome, infelizmente, tem sido chamada de síndrome de Diógenes, devido ao
filósofo grego que rejeitava as normas sociais e luxos mundanos (Clark
et al., 1975). Um caso mais antigo foi descrito por Daniel Hack Tuke (1874), no
qual um velho rico, “o louco Lucas”, que morreu em completa imundice, seminu
e sozinho em sua mansão decadente. Ele foi um eremita por 25 anos,
continuamente aterrorizado pela possibilidade de seu irmão mais novo lhe tomar
a casa e matá-lo. Ele e reclusos semelhantes geralmente sofrem de um transtorno
esquizofrênico paranoide, embora o termo síndrome de Diógenes seja puramente
descritivo (Aquilina, 1992).
Múltiplas outras formas de comportamento anormal se manifestam na
esquizofrenia. Furtos flagrantes às vezes ocorrem com um tom de maneirismo,
como o paciente que “roubava” molas de colchões para o grande desconforto dos
ocupantes dos leitos. A agressão não provocada e a “maldade” podem ocorrer.
Os pacientes podem exibir traquinagem infantil ou sujeira grotesca, tendo sido
reportados autoimolação e suicídio. Isto pode ocorrer em obediência a
alucinações auditivas ou como parte de um delírio. Um paciente ouvia
regularmente uma voz que o instruía a saltar pela janela; ele foi impedido em
muitas ocasiões, mas finalmente arrebentou a estrutura reforçada da janela ao
saltar para a morte.

Sinais Comportamentais de Perturbação Emocional


Os psiquiatras aprenderam que devem ouvir seus pacientes; mas também é
importante os observar e formar hipóteses úteis e passíveis de serem testadas a
partir de suas observações. A medicina interna tradicionalmente tem feito
excelente uso diagnóstico a partir de sinais físicos e a psiquiatria também
lucraria com o uso de sinais comportamentais como possíveis indicadores, não
prova cabal, de perturbação psicológica. Trethowan (1977) observou, além das
evidências de catatonia e parkinsonismo, os seguintes sinais comportamentais,
ao contrário de sinais neurológicos, que podem ter valor diagnóstico na
psiquiatria:
▪ O aperto de mão pode ser sem vida e frouxo, como no adolescente astênico
ou naqueles que sofrem de esquizofrenia simples, ou como uma chave
inglesa na mania. A mão do paciente esquizofrênico com negativismo pode
ser retirada quando o entrevistador oferece a sua, ou o paciente maníaco ou
com transtorno de personalidade pode insistir em cumprimentar apertando a
mão, contrariando a intenção do médico.
▪ Outras formas de comportamento das mãos que podem ser significativos
incluem unhas roídas ou lascadas, mãos fechadas com as articulações
brancas e mexer os dedos sem parar; tudo isso pode indicar ansiedade aguda
ou crônica. Manchas de cigarro nos dedos obviamente refletem o número de
cigarros fumados e até que ponto cada cigarro é consumido; isto pode
demonstrar o grau de tensão. Tremor pode revelar alcoolismo com síndrome
de abstinência. No “sinal da aliança de casamento de Trethowan”, uma
mulher inconscientemente revela suas dificuldades conjugais durante a
anamnese, constantemente tirando e recolocando a aliança no dedo.
▪ Os pés podem ser usados para dar passos inquietos na depressão ansiosa.
Acatisia, já descrita, com incapacidade para manter os pés parados, pode
indicar medicação excessiva com fenotiazinas.
▪ Facies e postura depressiva podem levar a diagnóstico antes mesmo de o
paciente falar. O paciente pode ficar jogado na cadeira, com uma expressão
fixa de sofrimento extremo no rosto e rugas entre as sobrancelhas. Trethowan
(1977) comentou sobre a redução da frequência de piscar de olhos em
deprimidos com retardo grave.
▪ As roupas na mania podem ser características e sugestivas, tanto do
diagnóstico quanto do hipererotismo que frequentemente acompanha a
condição. Cabelo, maquiagem e roupas podem ser demonstrações
inequívocas de humor maníaco: “Stella, normalmente uma garota bastante
discreta, certo dia apareceu em meu consultório toda de preto: meias de
arrastão, uma minissaia que mal chegava a lhe cobrir a vulva e uma blusa
com um decote tão profundo que quase expunha seu umbigo. Como se isso
não fosse o bastante, ela tinha enfiado a calcinha vermelha, branca e azul por
cima da bolsa aberta, para que todos a vissem” (Trethowan, 1977).
▪ Acariciar o rosto pode ser um indicador de sofrimento emocional, como foi
descrita por Gillett (1986): “Durante a anamnese e a avaliação inicial, havia
uma questão imensamente emotiva, que era aparente a partir da observação
da sua linguagem corporal. Quando ela falava do filho, que morreu aos 3
anos de idade, seu corpo enrijecia, a tensão muscular no rosto aumentava,
como se estivesse tentando conter a expressão, o lacrimejamento aumentava
(embora de um modo quase imperceptível) e sua voz subia em tom e falhava.
Então, a paciente acariciava levemente sua face do lado direito com a ponta
de seu dedo indicador, como se estivesse enxugando uma lágrima imaginária
– um sinal comum, que geralmente indica ao mesmo tempo vontade de
chorar e desejo de não demonstrar isso.”
Esta lista está longe de ser completa. O que importa é que os médicos devem
usar seus olhos e toda a sua experiência clínica para formar hipóteses baseadas
na observação, que eles possam posteriormente testar no histórico ou exame do
estado mental.

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SEÇÃO 6
Variações da Natureza Humana

Capítulo 19: A Expressão dos Transtornos da Personalidade


CAPÍTULO 19

A Expressão dos Transtornos


da Personalidade

Mas as impressões e ações dos seres humanos não são apenas o


resultado de suas circunstâncias atuais, e sim o resultado coletivo
dessas circunstâncias e do caráter dos indivíduos: e as agências que
determinam o caráter humano são tão numerosas (nada que aconteceu
a uma pessoa ao longo de sua vida existe sem sua parte de influência),
que no geral elas jamais são exatamente as mesmas em dois casos.
Portanto, mesmo se nossa ciência da natureza humana fosse
teoricamente perfeita, isto é, se pudéssemos calcular o caráter como
calculamos a órbita de um planeta a partir dos dados existentes, ainda
assim, já que os dados jamais são todos disponíveis, nem exatamente
iguais em casos diferentes, não poderíamos fazer previsões positivas,
nem esboçar proposições universais.
John Stuart Mill (1811)

Resumo
Personalidade é a maneira própria pela qual um indivíduo se expressa. Ela inclui
sua forma de andar, vivenciar e reagir ao mundo. Suas respostas afetivas,
conduta e atitude moral, os valores que o guiam e aquilo que faz, o que ele cria e
como age. Por outro lado, as anormalidades da personalidade são padrões
duradouros de experiência e comportamento, que afetam a cognição, afeto,
funcionamento interpessoal e controle de impulso que são inflexíveis, difusos e
que levam a prejuízos clinicamente significativos. É importante salientar que os
tipos de personalidade anormal atualmente descritos são, na melhor das
hipóteses, tentativas provisórias e inconclusivas de colocar em palavras aspectos
complexos do funcionamento humano. As categorias têm utilidade clínica, mas
são problemáticas por diversos motivos, entre os quais a falta de confiabilidade,
validade e instabilidade ao longo do tempo.
Mill, no trecho de um Sistema de Lógica transcrito acima, afirma
sucintamente a dificuldade de elaborar uma teoria da personalidade que seja útil
na prática clínica para prever comportamento. Ainda assim, há um grande
número de teorias da personalidade. A definição de personalidade de Jaspers
(1913) é um bom começo – como também seriam outras definições:

“Personalidade é o modo particular como um indivíduo se expressa, a


forma como se move, como ele vivencia e reage a situações, como ele
ama, sente ciúme, como ele conduz sua vida em geral, que
necessidades ele tem, seus anseios e objetivos, quais são seus ideais e
como ele os molda, que valores o guiam e o que ele faz, o que cria e
como age. Em suma, personalidade é o termo que empregamos para a
totalidade das ligações significativas da vida psíquica de qualquer
indivíduo, que são individualmente distintas e características.”

Há uma noção implícita e errônea de que uma descrição da personalidade


pode captar tudo o que se pode dizer sobre uma pessoa. A reflexão demonstra
que é impossível descrever a totalidade de qualquer ser humano em um termo
único e simples. Além disso, como Jaspers observou: “a personalidade, como a
entendemos, não é um fenômeno individual e sim um fenômeno empírico e
inconclusivo” que é limitado em seu escopo justamente porque os seres humanos
são livres para agir no mundo e “a qualquer momento a liberdade pode gerar e
dar um significado diferente para tudo”. Ou seja, as descrições de personalidade
são provisórias e frágeis. A vida de um indivíduo, assim como suas escolhas, não
são fixas e pré-determinadas por qualquer descrição que possamos ter. Cada
indivíduo possui uma realidade infinita e potencial. Nossas frágeis tentativas de
descrição servem, sobretudo, para elaborar uma comunicação eficiente entre os
médicos.
As tentativas de classificação da personalidade se dividem em duas
características principais: nomotética e idiográfica. A abordagem nomotética
pressupõe que os seres humanos variam apenas no grau com que compartilham
de certos traços ou dimensões de personalidade. Por outro lado, a abordagem
idiográfica acredita que os seres humanos são indivíduos únicos, e as teorias
aqui apontam para as características que fazem do ser humano único e
diferenciado. Infelizmente, há um abismo entre as teorias psicológicas da
personalidade como as de Gordon Allport (1897–1967), Hans Eysenck (1916–
1997), e Raymond Cattell (1905–1998) e a abordagem que é favorecida pelos
psiquiatras que lidam predominantemente com as anormalidades da
personalidade.
O termo transtorno de personalidade é uma abstração construída sobre várias
teorias. Trata-se de um conceito desordenado, mas que certamente tem utilidade
clínica. O modo como o termo foi desenvolvido e sua relação com a neurose é
abordado em outro lugar (Sims, 1983). A intenção aqui é apenas discutir os
efeitos que os diferentes tipos de personalidade têm sobre ações e
comportamento. O clínico constrói sobre um modelo de transtorno de
personalidade. Isto leva a um padrão característico de comportamento que nos
permite, até certo ponto, prever suas ações futuras e o que torna este indivíduo
diferente. A designação clínica de personalidade é puramente descritiva e não
traz em si implicações teóricas; além disso, existe uma falha lógica em descrever
o tipo de personalidade em termos consistentes de comportamento e, ao mesmo
tempo, afirmar a que tipo se refere os padrões definidos de comportamento. A
observação acurada e detalhada das características de personalidade e sua
avaliação é uma habilidade psiquiátrica útil que, infelizmente, tem sido bastante
negligenciada há muitos anos.
Essas características do comportamento, entre as quais a capacidade e a
natureza dos relacionamentos com outras pessoas, são unidas para descrever
traços ou tipos de personalidade; obviamente, para serem clinicamente
relevantes, esses traços devem ter implicações para o funcionamento do
indivíduo. A distinção entre traço, a predisposição associada à personalidade, e
estado, a condição mental atual, é muito importante. Essas classificações de
transtorno de personalidade baseadas em listas de traços foram categorizadas por
Schneider (1923) e mais recentemente na CID-10 (Organização Mundial da
Saúde, 1992) e DSM-V (Associação Americana de Psiquiatria, 2013). Certas
características têm importância clínica, como até que ponto a pessoa tem
consciência dos sentimentos e é sensível ao julgamento de outras pessoas. A
personalidade anormal é observada quando um traço de personalidade
considerado clinicamente significativo está presente em um grau muito maior ou
muito menor, estatisticamente, em relação à população geral. A discussão dos
conceitos de personalidade e transtorno de personalidade foi desenvolvida por
Tantam (1988) e mais recentemente os transtornos de personalidade foram
revisados por Tyrer e Stein (1993).
Existem problemas consideráveis nas descrições dos tipos de transtorno de
personalidade. Os mais significativos são a falta de especificidade nas definições
de transtornos de personalidade, a comorbidade excessiva entre eles, a validade
questionável das categorias identificadas e a instabilidade desses termos
diagnósticos ao longo do tempo (Skodol, 2012). Além disso, reconhece-se que
parte do problema do sistema atual de classificação é a natureza insatisfatória
das tipologias de personalidade e a necessidade de integrar o pensamento
dimensional ao conceito de personalidade e de transtorno de personalidade.
Este desenvolvimento no pensamento sobre os transtornos de personalidade
também tem chamado a atenção para a necessidade de basear a discussão sobre
transtornos de personalidade no que se entende por traços normais de
personalidade. Isto levou a uma avaliação do Modelo de cinco fatores de
personalidade como uma possível fundamentação para a teoria da personalidade
anormal (Widiger et al., 2012). O Modelo de cinco fatores de personalidade
abrange neuroticismo, extroversão, abertura, amabilidade (socialização) e
conscienciosidade (realização). A expectativa é que uma integração de
personalidade normal e anormal dentro de uma estrutura hierárquica em comum
permitiria uma descrição mais precisa e individualizada da estrutura da
personalidade para qualquer indivíduo (Widiger et al., 2012), mas esta
expectativa não é amplamente compartilhada (Paris, 2013).
A anormalidade de personalidade tem sido descrita em termos de traço. O
que, então, é o transtorno de personalidade? Aqui, a definição de Schneider é
um bom ponto de partida: “O transtorno de personalidade está presente quando
aquela anormalidade de personalidade causa sofrimento ao próprio paciente ou a
outras pessoas.” (Schneider, 1958) Por outro lado, segundo o DSM-IV
(APA, 1994): “Um padrão prolongado de experiência e comportamento que afeta
a cognição, afeto, funcionamento interpessoal e controle de impulsos, que é
inflexível, difuso e leva a prejuízos clinicamente importantes.”
▪ Um funcionário altamente consciencioso e meticuloso dos Correios foi
promovido a chefe do setor de classificação após muitos anos de bons
serviços. A resposta apropriada poderia ter sido a de sentir prazer com o
aumento de salário e gastar o aumento da primeira semana antes de recebê-
lo. Entretanto, este homem temia a promoção. Ele se preocupava com a
possibilidade de não dar conta do trabalho, de não conseguir persuadir os
homens sob seu comando a classificar as cartas de acordo com seus altos
padrões, de não conseguir interagir socialmente com seus superiores e iguais
e de fazer papel de tolo e ser motivo de risadas para os outros. Ele se tornou
infeliz, ansioso e sem autoconfiança e teve que deixar o trabalho. Por causa
da sua personalidade anormal, obsessiva (anancástica), ele respondeu ao
estresse da promoção ficando altamente angustiado e desenvolvendo
sintomas de depressão neurótica.
A anormalidade da personalidade faz parte da constituição do indivíduo. Se
ela virá a se manifestar depende, em grande parte, de circunstâncias sociais.
Uma personalidade altamente anormal, que em uma situação pode ser
considerada psicopatia e ser observada em um criminoso condenado, em outra
situação será a força propulsora para um político revolucionário bem-sucedido e
criativo. Por isso, a personalidade de um indivíduo não pode ser separada de seu
contexto social e cultural; de fato, alguns argumentam que os conceitos de
transtorno de personalidade que utilizamos atualmente são originados e
balizados segundo as normas culturais da classe média ocidental (Mulder, 2012).
Uma vez determinada a presença de um transtorno de personalidade, seu tipo
deverá ser categorizado com o emprego de um sistema. Entretanto, é preciso
cautela, pois frequentemente é muito difícil encaixar a pessoa em categorias
arbitrárias da personalidade, e todo o tópico de classificação ainda é altamente
insatisfatório. Pode ser muito melhor usar algumas frases descritivas para a
personalidade e provavelmente será melhor combinar a descrição com a
categorização.
Os sistemas empregados CID-10 e DSM-V podem ser recomendados; a
classificação tipológica de transtorno de personalidade introduzida por Tyrer e
Alexander (1979) também era satisfatória, mas não foi amplamente empregada.
A Tabela 19.1 é um composto dessas classificações. Mas todas elas partem das
mesmas bases: a definição de personalidade, a avaliação de anormalidade e a
observação de determinados traços determinantes e que ocorrem com
regularidade. As cinco categorias de personalidade anormal de Tyrer e
Alexander derivam de uma análise agrupada de dados de personalidade e são,
portanto, uma simplificação da CID-9 (Organização Mundial da Saúde, 1977),
que por sua vez originalmente se baseou em Schneider. DSM-IV e DSM-V
apresentam certos termos diferentes, que provaram ser importantes na psiquiatria
americana, embora não sejam necessariamente considerados úteis em outros
locais. Eles incluem transtorno de personalidade narcisista, discutido mais
adiante neste capítulo; esquiva, que é semelhante ao transtorno de personalidade
ansiosa na CID-10; e transtorno de personalidade esquizotípica, que a CID-10
classifica com esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes (F2).

Tabela 19.1
Comparação dos tipos de personalidade
As descrições a seguir se baseiam na categorização encontrada no CID-10. É
importante perceber que essas categorias não se excluem mutuamente: tipos de
personalidades mistas são mais frequentes do que um único tipo de
personalidade em forma pura. Os leitores do Reino Unido ou de países
influenciados pela psiquiatria britânica devem levar em conta uma fonte de
confusão perpetuada pela recente discussão sobre os aspectos legais e
administrativos em relação a “pessoas perigosas com grave transtorno de
personalidade” (Haddock et al., 2001; Mullen, 1999).
Na psicopatologia descritiva, este debate é quase que inteiramente voltado ao
transtorno de personalidade antissocial, mas os que tomam parte na discussão
tendem a ignorar outros tipos de personalidade e, desta maneira, causam
confusão na avaliação e classificação daqueles com outros transtornos de
personalidade, como transtorno de personalidade anancástica ou ansiosa. Isto
pode resultar em um tratamento inadequado ou falta de administração de
tratamento por profissionais de saúde mental e estigmatização desnecessária dos
pacientes.

Transtorno de Personalidade Paranoide


A característica essencial desse tipo de transtorno de personalidade é a
autorreferência, o sentido psiquiátrico apropriado da palavra paranoide; essas
pessoas interpretam as palavras e ações de outros incorretamente, como se
tivessem significado especial para elas próprias ou fossem dirigidas
especialmente contra elas. Teoricamente, ideias de autorreferência poderiam
significar que os outros estão sempre os notando com admiração e benevolência;
na prática, essas pessoas não consultariam um psiquiatra e os que se apresentam
na psiquiatria costumam ter ideias de perseguição. Essas pessoas não confiam
nos outros e são muito sensíveis e desconfiadas, acreditando que os outros estão
contra elas e que tudo o que dizem a seu respeito é depreciativo.
Existem tipos ativos e passivos de transtorno de personalidade paranoide; os
dois tipos sentem que os outros “estão atrás deles”, mas suas reações diferem. A
personalidade paranoide ativa manifesta desconfiança e é hostil, e não confia em
ninguém. É briguenta, beligerante, se ofende com facilidade, extremamente
desconfiada e às vezes violenta; fará todo o possível para defender seus direitos
ou enfrentar injustiças reais ou imaginadas. É extremamente vigilante e tenaz na
tomada de precauções contra qualquer ameaça percebida. É o tipo de pessoa que
cruza sem medo um campo de milho recém-plantado, pois verifica em seu mapa
que por lá existe um direito de passagem e o dono da fazenda não tem o direito
de violar esse direito. Ela repudia a culpa e pode ser considerada desonesta,
ardilosa e cheia de segredos pelos outros. Essa pessoa é muito ciumenta do que
considera os seus pertences, que podem ser pessoas e objetos e gasta muito
tempo planejando como “se vingar”, podendo ser arrogante e fanático. O ciúme
mórbido pode ocorrer e esta pessoa pode se envolver em atos de violência
decorrentes de uma injustiça imaginada. Esta personalidade pode encontrar
expressão criativa na vida social e política, mas tende a ser muito destrutiva
dentro da família. Um paciente comentou com muito pesar: “Eu mal tenho
falado com minha esposa nos últimos 10 anos”, por causa do número de
processos que ele movia contra todos com quem ele tinha contato.
Já a pessoa com personalidade paranoide passiva enfrenta o mundo a partir de
uma posição de submissão e humilhação. Ela presume que tudo o que lhe
acontece será danoso. Como o tipo ativo, esta pessoa é desconfiada, sensível e
autorreferente, e interpreta incorretamente circunstâncias e outras pessoas. Ela
acredita que os outros não irão gostar dela e que, no final, a desapontarão. No
entanto, ela aceita “as pedras e flechas do destino perverso” de forma passiva,
curvando-se ao inevitável; é vulnerável e frequentemente se sente humilhada e
incapaz de iniciar qualquer atividade assertiva. Outras pessoas tendem a tirar
proveito dela, o que cumpre suas expectativas pessimistas.
Uma manifestação frequente de psicopatologia dentro do contexto de
personalidade paranoide é a presença de uma ideia supervalorizada (Capítulo 8).
Esta, alternadamente descrita como uma ideia fixa (idée fixe), é uma crença que
poderia parecer razoável tanto para o paciente quanto para outras pessoas. No
entanto, ela passa a dominar completamente o pensamento e a vida da pessoa e,
em vez de testar sua validade, ela tende a considerar que todas as circunstâncias
de vida lhe dão sustentação; ela se torna a base da ação, que pode ser agressiva
ou autodestrutiva. Isto é fenomenologicamente bastante diferente tanto de delírio
quanto de ideias obsessivas.

Transtorno de Personalidade Esquizoide


Este transtorno de personalidade é caracterizado pela falta de interesse e prejuízo
na capacidade de estabelecer relacionamentos sociais. Essas pessoas se retraem
do envolvimento social, exibem frieza (distanciamento emocional) e indiferença
a elogios, críticas e aos sentimentos de outras pessoas.
São “solitários”, não inclinados ao convívio e parecem um pouco distantes;
não possuem sentimentos ternos, têm pouco interesse em sexo e não se
interessam pela companhia de outros. Seu humor não é deprimido, não são
tímidas ou sensíveis em relação a outras pessoas, mas são solitárias e preferem
não se envolver em ocupações sociais. Seus interesses e passatempos tendem a
aumentar seu isolamento, já que se interessam mais por coisas, objetos e
máquinas.
Os parentes próximos costumam se queixar do distanciamento emocional do
sujeito, de sua incapacidade de inspirar sentimentos nos outros, falta de qualquer
sensação real de prazer, estranheza e excentricidade e indiferença ao sofrimento
alheio. Em um acompanhamento de sujeitos esquizoides, descobriu-se que eles
usavam menos construtos psicológicos do que o grupo controle, o que apontava
para falta de empatia em pacientes esquizoides (Chick et al., 1979).
Considera-se que pessoas com personalidade esquizoide e desadaptação social
têm mais probabilidade de desenvolver esquizofrenia. Estudos, como a avaliação
prévia da personalidade de 50.054 recrutas masculinos do exército sueco,
mostram que aspectos da personalidade são considerados fatores de risco para
posterior desenvolvimento de esquizofrenia (Malmberg et al., 1998).

Transtorno de Personalidade Antissocial


A anormalidade essencial do transtorno de personalidade antissocial (associal,
dissocial ou psicopática)* é, primariamente, a empatia. Existe um defeito na
capacidade de considerar os sentimentos de outras pessoas, principalmente de
compreender como outras pessoas se sentem sobre as consequências de seus
próprios atos. Este tipo inclui aquelas pessoas que sofrem de personalidade
psicopática dentro do significado da Lei de Saúde Mental de 1983 (Mental
Health Act, 1983) (Bluglass, 1983).
Enquanto uma pessoa “normal” se sente impedida, na maior parte do tempo,
por vergonha ou por empatia, de cometer atos desagradáveis contra outras
pessoas, colocando-se no lugar do outro, o antissocial é incapaz de sentir em si
mesmo o desconforto que outros experimentam em decorrência de seus atos.
Apesar de descrições abrangentes como a de Cleckley (1941), em The Mask of
Sanity, entre outros, ainda há muitas dúvidas se este tipo de personalidade forma
ou não uma categoria distinta e, isto ocorrendo, se deveria ser considerada dentro
ou fora da psiquiatria. Isto é sucintamente expresso por Wooton (1959): “Os
psicopatas são pessoas extremamente egoístas e ninguém sabe o que os faz ser
assim.”
A confusão da terminologia é explicada, em parte, pela natureza variada da
apresentação; em parte, pelo desejo conflitante de profissionais de não
estigmatizar e também não lançar culpa sobre aqueles que não podem controlar
suas ações; e em parte pelos requisitos de classificação de diferentes grupos e
contextos profissionais – advogados, criminologistas, psiquiatras, psicólogos etc.
Um relato abrangente de questões psiquiátricas, da história do desenvolvimento
e métodos de tratamento podem ser encontrados em Dolan e Coid (1993).
O conceito de desarranjo moral foi introduzido por Benjamin Rush (1812), e
de insanidade moral por Prichard (1835), que consideravam que os criminosos
apresentavam perda de sentimentos, de controle e de senso ético, sendo tais
características equivalentes à doença mental, mas em um nível diferente. Aqui, é
importante salientar que nem todos os psicopatas são criminosos, e nem todos os
criminosos são psicopatas. Henderson (1939) descreveu, por exemplo, os tipos
psicopatia criativa, inadequada e agressiva, citando Lawrence da Arábia como
um exemplo de psicopata criativo.
A definição de psicopatia proposta por Whiteley (1975) é a seguinte: o
psicopata é um indivíduo:
1. que persistentemente se comporta de uma forma que não está de acordo
com as normas sociais aceitas na cultura ou na época em que vive;
2. que parece não ter consciência de que seu comportamento é totalmente
errado;
3. cuja anormalidade não pode ser facilmente explicada como resultando da
“loucura” que comumente reconhecemos, nem apenas de “maldade”.
A incapacidade de planejar de antemão e de honrar obrigações, como
compromissos matrimoniais ou financeiros, é frequente. Há desprezo pela
verdade e também pela segurança, tanto a própria quanto a dos outros.

Transtorno de Personalidade Emocionalmente


Instável
Subtipo impulsivo
Este transtorno de personalidade não é encontrado com frequência. Sua
característica essencial é a propensão para explosões de afeto intempestivo e
descontrolado ou de raiva violenta, mas ocasionalmente podem ocorrer tristeza
inconsolável, extrema ansiedade ou imensa hilaridade. De qualquer forma, em
geral é a agressividade que leva o indivíduo com este transtorno à atenção do
psiquiatra, pois com uma provocação muito leve, ele pode se tornar irritável e
ocasionalmente violento. Essas pessoas são tratadas com extrema cautela pelos
outros, e seu mau humor, portanto, é reforçado, já que lhe permite obter o que
deseja. Assim, podem explorar o medo que outras pessoas sentem para
conquistar seus objetivos, por exemplo, o marido arbitrariamente violento que
domina completamente a esposa pelo medo. Por isso tais personalidades são
perturbadoras e impopulares.
Aqueles que possuem essa estrutura de personalidade se comportam
normalmente na maior parte do tempo, e apenas ocasionalmente explodem em
irritabilidade impulsiva, sendo mais comum em pessoas jovens de qualquer sexo
(Snaith e Taylor, 1985). No sistema de classificação defendido por Tyrer e
Alexander, este tipo de personalidade não é considerado distinto, mas combinado
com personalidade paranoide e antissocial para formar uma categoria de
transtorno de personalidade sociopática.

Subtipo borderline
Este diagnóstico pode parecer confuso, pois tem sido usado de diferentes
maneiras: para descrever pacientes aparentemente neuróticos que se mostraram
psicóticos no curso de tratamento psicanalítico; pacientes com uma estrutura de
personalidade persistentemente instável e vulnerável; ou pacientes que “quase”
tiveram esquizofrenia (Anonymous, 1986).
Atualmente, considera-se que pelo menos cinco dos seguintes elementos
devem estar presentes para que o diagnóstico seja feito (DSM-V; Associação
Americana de Psiquiatria, 2013):
▪ Esforços frenéticos para evitar abandono real ou imaginado.
▪ Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos.
▪ Perturbação da identidade em áreas como autoimagem, identidade de gênero
ou objetivos de longo prazo.
▪ Impulsividade ou imprevisibilidade em áreas que são potencialmente
autoprejudiciais.
▪ Comportamento, gestos, ou ameaças de suicídio recorrentes ou
comportamento de automutilação.
▪ Instabilidade afetiva devido à acentuada reatividade de humor.
▪ Sentimentos crônicos de vazio.
▪ Raiva intensa e inadequada ou dificuldade para controlar a raiva.
▪ Ideação paranoide transitória e relacionada ou sintomas dissociativos graves.
Embora psiquiatras com inclinação psicodinâmica empreguem amplamente
esta categoria, parece não haver um fio fenomenológico que ligue os critérios
bastante diferentes exigidos para seu diagnóstico. Carrasco e Lecic-Tosevski
(2000) o descreveram como o mais controverso de todos os transtornos de
personalidade e “mais bem compreendido como uma síndrome heterogênea
manifestada por instabilidade afetiva egossintônica e impulsividade (descontrole
comportamental) e propensão a distorções cognitivo-perceptuais no contexto de
relações interpessoais cronicamente instáveis”.
Tanto fatores genéticos quanto adversidades na primeira infância estão
envolvidos em sua etiologia, com implicações nos circuitos neurais que regulam
o afeto, comportamento e cognição (Hooley et al., 2012).

Transtorno de Personalidade Histriônica


A palavra histriônica é derivada de “encenar no palco”; trata-se de um termo
melhor que histérico para este transtorno, que é caracterizado por
comportamento teatral, busca de atenção e excitação, reação excessiva a eventos
de menor importância e súbitas explosões de humor, incluindo ataques de raiva.
Resumindo as descrições de 22 autores diferentes, De Alarcon (1973)
descobriu a maior concordância para transtorno de personalidade histriônica com
as seguintes características: comportamento histriônico, egocentrismo, labilidade
emocional, excitabilidade, dependência, sugestionabilidade e sedução.
A natureza das relações, com capacidade limitada de sentir afeto profundo e
de expressar esses sentimentos é típica destas personalidades. Ocorre
superficialidade e labilidade emocional, o que é visto pelos outros como falta de
autenticidade, embora os indivíduos afetados sejam superficialmente charmosos
– “são a vida e alma da festa”. Eles travam conhecimento rápido e excelente com
novas pessoas, mas têm grande dificuldade de manter um relacionamento íntimo
duradouro, mutuamente gratificante e exclusivo.
O humor é flutuante e inconsistente e exibem a outras pessoas um anseio por
atenção, afeição e aprovação. Por isso, são vistos como egocêntricos,
autoindulgentes e sem consideração. Geralmente há envolvimento extremo, mas
superficial, com muitas pessoas diferentes em um curto espaço de tempo. Por
isso costumam ser vistos como uma pessoa manipuladora, vaidosa e exigente,
sendo a manipulação quase sempre ineficaz e autodestrutiva.
São considerados, superficialmente, muito atraentes, e conquistam seus
objetivos de curto prazo, mas são incapazes de manter relacionamentos
duradouros; o casamento, por exemplo, frequentemente termina em divórcio.
Podem também ser dependentes e indefesos, constantemente buscando
tranquilização e aprovação alheia. Gestos de deliberada autolesão, sintomas de
conversão histérica e abuso de álcool e outras drogas são comuns. A depressão
reativa também é encontrada com frequência, principalmente quando ocorre
ruptura de relacionamentos. Em um estudo hospitalar de indivíduos com
transtorno de personalidade histriônica, Thompson (1980) constatou que 83%
dos sujeitos eram mulheres, e havia uma clara associação com depressão
neurótica, abuso de medicações, automutilação, abuso de álcool, histórico de
criminalidade e às vezes violência. Tyrer e Alexander não o consideram um
transtorno de personalidade distinto, mas o combinam com transtorno de
personalidade dependente em uma categoria de dependência passiva.

Transtorno de Personalidade Anancástica


Traços de personalidade anancástica em quantidade moderada são úteis na
sociedade e para o sucesso individual e podem frequentemente ser observados
em profissionais como advogados ou médicos. Entretanto, quando esses traços
se desenvolvem em grau anormal e interferem no funcionamento da pessoa, o
transtorno de personalidade pode estar presente. É caracterizado por
perfeccionismo, rigidez, sensibilidade, indecisão, incapacidade de expressar
emoções fortes e escrupulosidade excessiva. A sensação global de insegurança
anancástica está associada à extrema dúvida sobre si mesmo e sentimentos de
vulnerabilidade que envolvem o modo como as outras pessoas o veem.
O perfeccionismo e a atenção excessiva a detalhes interferem na compreensão
geral de assuntos ou situações. Há muita preocupação com regras, eficiência,
detalhes triviais, procedimentos e protocolos. Uma paciente estava fazendo listas
das listas que ela tinha se imposto anteriormente. Ela não conseguia jogar fora
uma lista até que todos os itens fossem concluídos, e como alguns deles eram
lembretes a ela própria sobre coisas que ela queria fazer regularmente, acumulou
um número tão grande de listas que elas se tornaram impossíveis.
Eficiência e perfeição são o alvo, mas o modo excessivamente detalhado pelo
qual o indivíduo tenta atingi-los prejudica a possibilidade de sucesso.
Frequentemente, a organização extrema em uma área da vida resulta em caos em
outra, como por exemplo, o médico que mantinha sua escrivaninha
imaculadamente organizada, mas jogava todas as suas anotações de casos e
outros papéis no banco traseiro do carro.
A rigidez dos padrões de comportamento é típica. O sujeito valoriza precisão e
minúcia e admira outras pessoas obsessivas por essas qualidades. Ele tende a
manter horários fixos e viver em um programa regular, alterado apenas com
muita preocupação. Essas restrições se estendem a outras pessoas de modo que
ele insiste que elas se submetam ao seu modo de fazer as coisas. Com
frequência, a pessoa não tem consciência dos sentimentos que seu
comportamento provoca. Este controle anancástico dos outros é tipificado pela
Sra. Ogmore-Pritchard em Under Milk Wood de Dylan Thomas (1954), que
impõe ao seu marido morto a regra: “Eu devo guardar os meus pijamas na gaveta
marcada pijamas (...) Devo tomar meu banho frio porque é bom para mim.”
O anancástico é extremamente suscetível a críticas alheias, reais ou
presumidas; a mais leve censura é “levada muito a sério”. Esta consciência da
opinião dos outros o torna um conformista, incapaz de sair da linha, sempre se
“equiparando aos vizinhos”. Ele é rígido, formal e autocontrolado, não apenas na
vida pública, mas também em casa e nas suas relações íntimas. A insegurança
sobre suas capacidades e seus relacionamentos torna o anancástico indeciso. Ele
duvida de sua própria capacidade e com muita facilidade secretamente concorda
com quem o critica. Ele vacila e tem grande dificuldade de fazer escolhas,
constantemente observando as situações sob diferentes perspectivas, “pensando
os prós e os contras”.
Frequentemente, se descobre em posição de ambivalência e pode
supercompensar esta indecisão tomando decisões arbitrárias que, então, se
tornam imutáveis com base em evidências insuficientes; ou ele pode compensar
esta rigidez em relação ao que é certo burlando ostensivamente a lei, mas sem
abandonar sua tendência obsessiva básica e perfeccionismo. O anancástico tem
dificuldade de começar ou terminar qualquer atividade muito difícil, mas o
trabalho árduo é altamente valorizado, de modo que ele está preparado para
executar a parte intermediária da tarefa indefinidamente.
A necessidade obsessiva de formalidade e sua suscetibilidade ao modo como
os outros o veem resultam em capacidade restrita de expressar emoções ternas,
sendo por isso indevidamente convencional, sério e formal. A avareza é
demonstrada tanto em relação a dinheiro quanto à expressão de sentimentos; na
realidade, são bastante afetivos, mas têm grande dificuldade de demonstrá-lo
adequadamente.
As diferentes facetas do transtorno de personalidade anancástica são
interligadas. Como traços de personalidade, elas são vistas com muita frequência
entre membros da profissão médica. Entretanto, desenvolvido como um
transtorno de personalidade, este modo de vida pode ser incapacitante,
principalmente a indecisão e a incapacidade de expressar emoções mais intensas.
A depressão, o transtorno obsessivo-compulsivo, os transtornos alimentares e a
hipocondria não raramente estão associados a esta personalidade (Samuels e
Costa, 2012).

Transtorno de Personalidade Ansiosa (Esquiva)


Enquanto o transtorno de ansiedade é um estado, o Transtorno de personalidade
esquiva é permanente (Capítulo 17). Há uma ansiedade sempre presente que é
exacerbada por qualquer causa predisponente clara. Frequentemente consideram
o lado público da vida, por exemplo, o trabalho, muito mais estressante do que o
lado privado, dentro da família.
Pode-se dizer que o traço ansiedade está presente quando o desenvolvimento
da personalidade do indivíduo resulta em algum nível de ansiedade anormal
como persistente no contexto de sua constituição (Sims e Snaith, 1988); por isso,
poderia ser alternativamente descrito como temperamento ansioso ou
personalidade propensa à ansiedade. Essas pessoas se descrevem como
“preocupadas natas”.
Caracteriza-se por sentimentos persistentes e difusos de terror e apreensão;
crença de ser socialmente inepto, feio ou inferior; preocupação excessiva com
críticas e rejeição alheios; hesitação em novos relacionamentos sociais; estilo de
vida restrito devido à necessidade de segurança; e evitação de situações sociais
que possam provocar desaprovação (CID-10; OMS, 1992).
Transtorno de Personalidade Dependente
A personalidade dependente se caracteriza por sentimentos de inadequação em
relação ao self e dependência de outras pessoas. Há acentuada falta de
autoconfiança, iniciativa e motivação. A pessoa se mostra incapaz de reagir a
novas demandas da vida e permite que outras pessoas, às vezes uma outra
pessoa, assumam a responsabilidade pelas principais áreas de sua vida. Por isso
pode funcionar razoavelmente bem e passar despercebida quando levada pela
vida por um relacionamento dominante.
Entretanto, quando ocorre um estresse externo, falta-lhe confiança, e pode ser
incapaz de enfrentar a situação, e necessita do apoio e encorajamento de
parentes, amigos íntimos, do médico da família, assistente social, ministro
religioso, empregador ou organizações sociais próximas. Pode, por isso,
florescer em um contexto como as forças armadas, mas ser incapaz de se adaptar
à vida civil.
Nos relacionamentos, tendem a passar pela vida com alguém do qual é
dependente do dominante; para um homem, este pode ser inicialmente sua mãe,
e subsequentemente sua esposa, que assumirá o papel de mãe. Crises que
resultam em encaminhamento psiquiátrico podem ocorrer quando um dos pais
morre ou se torna incapacitado, o casamento termina, ele perde o emprego ou
após identificação em crime ou após doença física. Em geral, apenas depois
dessas situações uma pessoa com esse tipo de transtorno de personalidade chega
à atenção de profissionais da saúde, já que a dependência pode chegar à
obediência passiva aos objetivos e demandas do parceiro mais dominante. Há
falta de vigor na manutenção de metas e objetivos e na tentativa de atingi-los.
Podem se descrever como deprimidas, mas é mais uma sensação de inércia e
incapacidade de enfrentar seus problemas do que sintomas de transtorno afetivo.
Originalmente se considerava que este transtorno de personalidade resultava
de relações problemáticas com os pais na infância. Hoje, considera-se que a
dependência patológica decorre de uma percepção do self como fraco, junto com
a crença de que outras pessoas são comparativamente competentes e
autoconfiantes. Consequentemente, o indivíduo se ocupa essencialmente de
obter e manter relacionamentos com cuidadores em potencial (Bornstein, 2012).

Transtornos Persistentes de Humor


Na CID-9 (Organização Mundial da Saúde, 1977), essas condições foram
classificadas como Transtorno de personalidade. Entretanto, na CID-10 elas
foram listadas como uma subcategoria de transtornos afetivos porque estão
geneticamente relacionadas com transtornos de humor e às vezes respondem aos
mesmos métodos de tratamento. Eles foram mantidos neste capítulo porque se
enquadram na psicopatologia dos Transtornos de personalidade. Akiskal (1993)
defendeu de forma convincente que a personalidade depressiva voltasse à
categoria genérica de transtornos de personalidade, em vez de ser classificada no
eixo I do DSM. De fato, há uma anormalidade persistente de humor ao longo da
vida, que não chega a ser uma enfermidade, ao contrário dos transtornos afetivos
reativos ou endógenos que têm duração mais curta. Os tipos mais frequentes de
transtorno afetivo de personalidade têm labilidade de humor ou posicionamento
depressivo persistente perante a vida. Podem ocorrer outras anormalidades de
personalidade, como hipomania persistente, mas essas raramente se apresentam
ao psiquiatra.
Os indivíduos com ciclotimia têm flutuação de humor acentuada, podendo
estar otimistas, cheios de energia, criativos e falantes por um dia ou uma semana,
e depois se mostrar soturnos, tristes, taciturnos e incapazes de se voltar a
qualquer tipo de atividade útil. Esses ciclos podem estar ligados a outros ritmos
biológicos como o ciclo menstrual; no entanto, eles podem aparecer subitamente,
aparentemente sem provocação. Considera-se que uma personalidade ciclotímica
pré-morbida predispõe à psicose maníaco-depressiva. Em um estudo sobre
transtorno maníaco-depressivo e criatividade, Goodwin e Jamison (1990)
descobriram que, principalmente entre poetas, havia um excesso de
personalidade ciclotímica, transtorno depressivo e suicídio.
A distimia se manifesta por tristeza e apreensão onipresentes e permanentes,
que leva a um dilema diagnóstico: “Trata-se de um estado ou de um traço
depressivo?” Essas pessoas são geralmente gentis e sensíveis; levam a si mesmas
e as suas atividades com seriedade; frequentemente têm preocupações com a
segurança e são hipocondríacas. Um conhecido com esta estrutura de
personalidade criava aforismos que revelavam seu estado mental: “não existe
uma situação tão ruim na vida que não possa piorar” ou “todo lado bom das
coisas tem um gêmeo perverso”.

Outros Transtornos de Personalidade


O DSM-V (APA, 1994) inclui dois outros transtornos de personalidade. Eles são
descritos brevemente a seguir, para fins de completude.
Transtorno de personalidade narcisista
Este transtorno é caracterizado por um senso de grandiosidade ou singularidade;
fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal; necessidade
exibicionista de atenção e admiração constantes; indiferença, raiva ou
humilhação em resposta a críticas ou indiferença alheia; e perturbações
características nas relações interpessoais, tais como sensação de ter direito a
favores especiais, tirar vantagem dos outros, relacionamentos que alternam entre
os extremos de idealização e desvalorização e falta de empatia.

Transtorno de personalidade esquiva


Na verdade, este transtorno de personalidade é muito próximo do transtorno de
personalidade ansiosa na CID-10; ele é caracterizado por excessiva sensibilidade
à rejeição, humilhação ou vergonha. Não há disposição de iniciar um
relacionamento, a menos que a pessoa receba sólidas garantias de aceitação sem
críticas. Também ocorre retraimento social, apesar da necessidade de afeto e
aceitação, e a pessoa apresenta baixa autoestima, desvalorizando suas próprias
conquistas e salientando suas deficiências pessoais. Essas pessoas são
anormalmente suscetíveis ao modo como acredita que os outros irão reagir a
elas.
No DSM-V, a noção dos três clusters de tipos de personalidade se baseia em
semelhanças descritivas. O grupo A inclui transtornos de personalidade
paranoide, esquizoide e esquizotípica. No grupo B estão os transtornos de
personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista. O grupo C contém
os transtornos de personalidade esquiva, dependente e obsessivo-compulsivo. É
claro que, na prática, os pacientes podem exibir características de clusters
diferentes, e a validade desta subclassificação ainda é questionada.
Por que um texto sobre psicopatologia está preocupado com a classificação da
personalidade e seus transtornos? A observação e delineação precisas das
características de personalidade são valiosas na prática clínica para o
diagnóstico, prognóstico e planejamento racional do tratamento. As habilidades
de um psicopatologista treinado são idealmente apropriadas para a observação de
traços da personalidade consistentes e para chegar a uma conclusão isenta de
considerações teóricas pré-concebidas.

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*
Nota da Revisão Técnica: O próprio autor mostrará na sequência do texto que esses termos não podem ser
usados sempre como sinônimos, mas neste capítulo “psicopata” e “antissocial” são utilizados sem distinção.
SEÇÃO 7
Diagnóstico

Capítulo 20: Psicopatologia e Diagnóstico


CAPÍTULO 20

Psicopatologia e Diagnóstico

“Há gloria para você!” “Não sei o que você quer dizer com ‘glória’” Alice
disse. “Eu quis dizer que há um belo argumento infalível para você!”
“Mas ‘glória’ não significa ‘um belo argumento infalível’”, Alice objetou.
“Quando eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty com certo
desprezo, “ela significa o que eu quiser que ela signifique... Nem mais
nem menos”.
Lewis Carroll (1872), Através do Espelho

Resumo
O diagnóstico permite a nomeação, definição e identificação de uma doença para
que ela possa se tornar objeto de consideração, comparação, explicação e
controle. Não resta dúvida, portanto, que o processo de diagnóstico é
fundamental para a prática da psiquiatria. A importância e relevância da
psicopatologia está justamente na possibilidade de identificar os fenômenos
anormais na entrevista clínica e, reforçados pela abordagem fenomenológica,
constituir as síndromes psiquiátricas. Em outras palavras, a psicopatologia é a
fundação sobre a qual a psiquiatria é construída.
Diagnóstico é muito mais que uma palavra rotulada sobre um paciente.
Palavras transmitem significado sobre os antecedentes do momento atual, sobre
outras condições semelhantes e, mais importante, sobre o que pode acontecer no
futuro e, portanto, o que deve ser feito a respeito. O diagnóstico é um meio de
comunicação entre médicos; ele deve abranger uma formulação completa
(Capítulo 2) e não apenas um termo usado de modo idiossincrático.
A importância de se fazer um diagnóstico na psiquiatria é a mesma de outras
especialidades médicas, mas as diferenças conceituais entre diferentes categorias
diagnósticas são geralmente maiores, já que transtornos mentais incluem
perturbação situacional, social, emocional e psicológica. Compreensivelmente, a
maior parte das doenças médicas que já foram descritas se baseiam em sinais e
sintomas, e isto vale também para a psiquiatria. Portanto, há uma associação
muito estreita entre observação e classificação de “sintomas na mente”
(Burton, 1621) e diagnóstico psiquiátrico.
A importância dada ao diagnóstico na psiquiatria se desenvolveu juntamente
com a introdução de tratamento eficaz para muitas condições. Houve uma
mudança substancial na atitude dos psiquiatras desde que Stengel escreveu, em
1959, que havia “uma insatisfação quase que geral com o estado da classificação
psiquiátrica, nacional e internacional”. Grande parte do progresso alcançado se
deve diretamente à aplicação mais cuidadosa da psicopatologia descritiva como
mostrou, por exemplo, Kendell (1975).
Schwartz e Wiggins (1987) demonstraram que para fazer um diagnóstico, um
médico experiente usa um mecanismo de tipificação: “Esta capacidade mais
fundamental de reconhecer vários transtornos mentais surge, não pelo domínio
de definições conceituais, e sim pelo contato direto com pacientes que
manifestam esses transtornos. Por meio desses contatos diretos, aprendemos as
formas típicas dos diversos transtornos mentais. Aprendemos o que é
característico de cada condição e como distinguir essas condições umas das
outras.” Este processo de “tipificação” busca reconhecer o que é emblemático de
diferentes condições, o que é incomum, porém representativo e o que é atípico e
tão incomum a ponto de ser pouco característico. Portanto, o exame detalhado
das funções psicopatológicas que compõem este texto é um pré-requisito, o
primeiro passo para o diagnóstico clínico na psiquiatria.
Os fenômenos anormais são a base do processo diagnóstico, que permite
nomear, definir e identificar uma doença, para que possa ser considerada,
comparada, explicada e controlada (Sadler, 2004). Na medicina geral, o
diagnóstico se baseia no processo clínico completo: anamnese detalhada, exame
do paciente e realização de investigações especiais adequadas. O mesmo se
aplica à psiquiatria. Mas devido às limitações do tema, este livro não aborda o
exame físico, nem os exames complementares (radiológicas, laboratoriais) ou
avaliações psicológicas (psicométricas).*

Conceitos de Saúde e Psicopatologia


O falecido Peter Sedgwick (1981) declarou com muita propriedade que “doença
é uma invenção humana (...), não existem doenças ou enfermidades na natureza”
- daí a citação no início deste capítulo. Ele apontou, corretamente, que os seres
humanos descrevem a praga da batata como uma doença apenas porque desejam
cultivar batatas: “Se o homem quisesse cultivar parasitas (em vez de batatas),
não haveria ‘praga’, mas simplesmente a forragem necessária para a safra de
parasitas.” Sedgwick afirmou que é o significado social que acaba por considerar
uma fratura de fêmur septuagenário como doença ou enfermidade.

Por seu autointeresse antropocêntrico, o homem optou por considerar


“doenças” ou “enfermidades” as circunstâncias naturais que precipitam a
morte (ou falha de funcionamento de acordo com certas regras) de um
número limitado de espécies biológicas: o próprio homem, seus animais
de estimação e outros animais valorizados, bem como as variedades de
plantas que ele cultiva para lucro ou prazer.

Esses argumentos nos apontam para o fato de que a medicina não é biologia
“objetiva, científica” aplicada, e sim carregada de valores, necessariamente. Isto
se aplica à perturbação de seu estado interno que os “pacientes” trazem como
“queixas” ao médico e também às queixas que o médico considera “sintomas”.
Para Sedgwick (1982), todas as doenças começam com estados de enfermidade
assim reconhecidos devido ao valor negativo que é ligado aos sintomas ou
queixas.

Todas as enfermidades, concebidas em termos corporais localizados ou


sob uma ótica mais geral de funcionamento humano, expressam tanto
um julgamento de valor social (contrastando a condição da pessoa com
determinadas normas entendidas e aceitas) quanto uma tentativa de
explicação (a fim de controlar a condição desvalorizada).

Outra visão do efeito de valores sociais sobre a apresentação de doença é a


noção do papel de doente, desenvolvida por Talcott Parsons (1902–1979)
(1951a). Quaisquer que sejam as causas subjacentes das condições, o papel que o
próprio sujeito – o paciente – decide atuar e o papel forçado por aqueles à sua
volta, devido à sua enfermidade, são altamente significativos na forma como os
sintomas se manifestam. Parsons (1951b) argumentou que saúde faz parte das
necessidades funcionais de um membro da sociedade, de maneira que sob o
ponto de vista do funcionamento do sistema social, um estado de saúde geral
muito baixo, ou uma incidência muito alta de doença, são disfuncionais. Sob
essa ótica, a doença incapacita o efetivo desempenho de papéis sociais e,
portanto, há interesse social em sua atenuação. Em outras palavras, a doença não
é um fenômeno pura ou meramente natural, e sim um estado de perturbação de
todo o ser humano, inclusive o estado do organismo como um sistema biológico,
e de suas adaptações pessoais e sociais, entre as quais sua capacidade de cumprir
seus papéis sociais.
Essa abordagem introduz a noção de que o próprio desvio comportamental
pode ser a definição de doença. Mas como esse desvio pode ser definido e
reconhecido pelos outros? O desvio social pode ser reconhecido por si mesmo. O
indivíduo pode vir a acreditar que ele tem um problema ou pode haver uma
reação social que indique que seu comportamento constitui um problema. A
reação social deste tipo pode ocorrer quando uma comunidade passa a
reconhecer a incapacidade ou relutância do indivíduo em reagir da forma
esperada.
De acordo com David Mechanic (1968): “O ponto de vista do que é desviante
depende em grande parte da estrutura de referência do observador e de quanto o
desviante parece capaz ou disposto a controlar suas reações. O avaliador observa
o ato dentro do contexto do que ele acredita ser a motivação do ator. Se a ação
parece sensata em termos da suposta motivação do ator, há uma boa chance de
que o comportamento desviante seja definido em termos de uma dimensão de
bondade-maldade. Se o comportamento parece peculiar e em discordância com
as expectativas de como uma pessoa sensata pode ser motivada, tal
comportamento tem mais probabilidade de ser caracterizado em termos da
dimensão de saúde-doença.” O problema disso é claro. A definição de doença
nesta formulação parece significativamente suscetível a erro, ao julgamento
subjetivo e sujeita a ser usada como ferramenta de controle social.
Em relação à autodefinição da doença, as pessoas diferem no modo como
percebem, avaliam e agem ou deixam de agir sobre os sintomas que vivenciam.
Mechanic (1986) chamou isto de comportamento de doença. Isto é influenciado
pela proeminência da queixa, o grau em que prejudica papéis sociais, o
conhecimento popular da gravidade e das consequências da queixa ou da doença
implícita e as demandas conflitantes sobre o tempo e recursos da pessoa.
Obviamente, sintomas psicológicos ou somáticos frequentemente ocorrem
sem qualquer evidência de doença orgânica. Ao tentar descrever e classificar
esses sintomas, é necessário estabelecer um fundamento fenomenológico, para
que as condições sejam reconhecidas devido às características particulares das
queixas do paciente, e não a alguma noção teórica presumida de causa.
O exagero que resulta da aplicação de uma teoria pré-formada da etiologia de
doenças a partir dos sintomas, ao invés de ir dos sintomas para a teoria, é
admiravelmente ilustrado no ensaio de Engelhardt (1981), “The disease of
masturbation” (A Doença da masturbação). No século XIX, acreditava-se que a
masturbação produzia muitos sinais e sintomas, entre os quais dispepsia,
constrição da uretra, epilepsia, cegueira, vertigem, perda da audição, cefaleia,
impotência, perda da memória, insanidade, arritmia cardíaca, raquitismo,
leucorreia em mulheres, conjuntivite e fraqueza generalizada, e era considerada
uma entidade de doença perigosa.
Lewis (1953) entendia que o transtorno mental podia ser caracterizado em
termos de “perturbação de funções parciais e eficiência geral”. “Funções
parciais” se referem aos diferentes aspectos da experiência psicológica e
comportamento, descritos em capítulos anteriores: memória, percepção,
formação de crenças e assim por diante. Portanto, Lewis via uma perturbação na
percepção, por exemplo, alucinação, como uma razão para estabelecer um caso
de doença mental em bases psicopatológicas.
Essa abordagem foi anterior à contribuição de Christopher Boorse para nosso
entendimento da natureza dos transtornos mentais. Sua distinção entre doença e
enfermidade é merecidamente influente. Ele argumentou que um organismo é
saudável na medida em que não está doente. E definiu doença como um tipo de
estado interno do organismo que interfere com alguma função que contribui para
a sobrevivência e a reprodução. Além disso, o estado de doença não está
simplesmente na natureza das espécies; ou seja, é atípica da espécie ou, se típica,
isso ocorre principalmente devido a causas ambientais. Doenças apenas se
tornam enfermidades quando atendem a determinadas condições adicionais e
normativas. Uma doença somente é uma enfermidade se for grave o suficiente
para ser incapacitante e, desta maneira, ser considerada indesejável, um motivo
para tratamento especial e uma justificativa válida para um comportamento
normalmente criticável. Para Boorse, funções mentais como o processamento
perceptual, inteligência e memória claramente servem para fornecer informações
sobre o mundo que podem guiar uma ação eficaz; impulsos servem para motivá-
la; ansiedade e dor são sinais de perigo; linguagem é um dispositivo de
cooperação cultural e enriquecimento cognitivo e assim por diante. Ele conclui:
“Parece certo que alguns dos transtornos mentais reconhecidos são verdadeiras
doenças, sejam elas mentais ou físicas. Mesmo sem qualquer conhecimento
sobre os sistemas funcionais relevantes, é possível inferir mau funcionamento
interno a partir do comportamento biologicamente incompetente.” Por fim,
Boorse pensava que as doenças são o que os médicos tratam e enfermidades* são
o que os pacientes sofrem (Boorse, 1976).

Uso de Sintomas para Formar Categorias


Diagnósticas
A relação entre sinais e sintomas na psiquiatria foi discutida no Capítulo 1.
Tradicionalmente, os sintomas foram divididos entre aqueles que causam
sofrimento e dor (angústia) e aqueles que causam perda de função (deficiência).
Quando a única desarmonia é entre o indivíduo e a sociedade, a perturbação não
é considerada transtorno mental. Para a grande maioria dos transtornos mentais,
a classificação diagnóstica é feita de acordo com o perfil de sintomas
apresentados. As exceções a isto são:
1. Quando a etiologia é conhecida, por exemplo, demência na doença do vírus
da imunodeficiência humana (HIV).
2. Quando a base genética e a patologia estrutural são conhecidas, por
exemplo, doença de Huntington.
3. Quando a causa resulta, hipoteticamente, de um processo sem evidências
conclusivas, por exemplo, fuga dissociativa.
A psicopatologia descritiva é quase ateórica em sua natureza e, portanto,
permite o desenvolvimento de uma terminologia diagnóstica essencialmente
descritiva.
Os sintomas são reunidos em constelações que geralmente ocorrem juntos
para formar as síndromes que caracterizarão os transtornos mentais. É comum
fazer uma distinção entre um transtorno que tem um início bem definido numa
vida até então normal, e as características duradouras dos transtornos de
aprendizagem e transtornos de personalidade.
Outra distinção fundamental geralmente feita por psiquiatras e baseada, em
ultima análise, na psicopatologia, é entre psicoses e neuroses. As psicoses são
chamadas de “transtornos mentais maiores”. Elas são extremamente difíceis de
definir, embora se diga que são caracterizadas por sintomas graves, como
delírios e alucinações, pela falta de insight (Gelder et al., 1983) e perda de
contato com a realidade. É provável que o uso cotidiano do conceito de psicose
por médicos se baseie na noção de “psicose única” – o desenvolvimento desse
conceito foi discutido por Berrios e Beer (1994).
Já a neurose “é uma reação psicológica ao estresse agudo ou contínuo,
expresso em emoção ou comportamento inadequado para lidar com aquele
estresse” (Sims, 1983: 3). As características fenomenológicas mantidas em
comum por pacientes neuróticos incluem perturbações da autoimagem, da
experiência de relacionamentos e, frequentemente, sintomas corporais sem causa
orgânica (Sims, 1983). Embora o termo neurose tenha caído em desuso, os
conceitos aos quais o termo se refere ainda são importantes como princípios
organizadores: uma reação compreensível ao estresse; a perturbação emocional é
uma variação de resposta normal, possivelmente exagerada apenas em grau e
intensidade; uma condição na qual o insight é preservado; e, finalmente, o grau
de ruptura da personalidade e autoidentidade é mínimo.
O diagnóstico psiquiátrico é frequentemente hierárquico, com as síndromes
orgânicas tendo precedência sobre as psicoses funcionais, estas sobre as neuroses
e as neuroses sobre reações situacionais ou de adaptação. Por exemplo, um
paciente com esquizofrenia associada a ansiedade geralmente receberá apenas o
diagnóstico de esquizofrenia. Na prática, esta pode ser uma desvantagem para o
planejamento de programas de tratamento, já que, por exemplo, o prognóstico de
esquizofrenia crônica pode ser determinado mais pela presença de sintomas
neuróticos do que pela resposta de sintomas esquizofrênicos ao tratamento
(Cheadle et al., 1978). Foulds (1976) usou esta abordagem hierárquica para
estabelecer um sistema de classificação da enfermidade pessoal, com delírios de
desintegração no ápice, assumindo prioridade sobre níveis intermediários até os
estados distímicos como o nível mais baixo.
Um exemplo de classificação categórica é mostrado no Quadro 20.1. Diversos
métodos não categóricos de classificação também têm sido usados. No enfoque
dimensional defendido por Eysenck (1970), as variações de apresentação do
transtorno mental são explicadas em apenas três dimensões: psicoticismo,
neuroticismo e extroversão/introversão. Já a classificação multiaxial codifica
diferentes conjuntos de informações separadamente.

Quadr o 20.1 Classificação dos transtornos mentais

Psicose
▪ Transtornos orgânicos:
síndrome orgânica aguda
síndrome orgânica crônica (demência)
síndrome amnéstica
▪ Esquizofrenia:
transtornos esquizoafetivos
estados paranoides
▪ Transtornos afetivos:
mania
transtorno depressivo
Neuroses e transtornos relacionados
▪ Neuroses:
neurose depressiva
neurose de ansiedade
neurose fóbica
neurose obsessiva
histeria
síndrome de despersonalização
não específica e mista
▪ Transtornos de personalidade
▪ Transtornos de ajustamento
▪ Outros transtornos:
disfunção e desvios sexuais
dependência de álcool e drogas
síndromes diversas
fatores psicológicos associados a condições médicas
▪ Retardo mental
▪ Transtornos específicos à infância
(Baseado em Gelder et al., 1983, com permissão da Oxford University Press.)

O exame do estado atual


Um exemplo de fenomenologia psiquiátrica aplicado à pesquisa nosológica é o
desenvolvimento do Exame do Estado Atual (PSE; Wing et al., 1974): “O roteiro
do Exame do Estado Atual (EEA) é um guia para a estruturação da entrevista
clínica, com o objetivo de avaliar o estado mental atual de pacientes adultos que
sofrem de uma das neuroses ou psicoses funcionais.” Ele visa investigar a
condição e estado subjetivo do paciente e registrar essas informações como
sintomas. Quando há conflito entre julgamentos clínicos e estatísticos, o
julgamento clínico deve prevalecer. Os sintomas são agregados em uma lista de
síndromes. A classificação de sintomas é realizada em um programa conhecido
como “Catego”, que reduz os 500 itens do EEA a um máximo de seis categorias
descritivas e, daí, a um grupo descritivo para aquele paciente.
Um objetivo do EEA tem sido o de determinar se existem sintomas
clinicamente reconhecíveis com os quais todos os psiquiatras possam concordar
e rotular da mesma forma. Wing et al. (1974) colocam duas perguntas:

Em primeiro lugar, se determinados fenômenos psicológicos e


comportamentais que têm sido geralmente considerados pelos
psiquiatras como sintomas de transtornos mentais podem ser
confiavelmente reconhecidos e descritos, não importando a língua e a
cultura do médico ou do paciente; em segundo lugar, se as regras de
classificação podem ser especificadas com tal precisão que um indivíduo
com determinado padrão de sintomas também será alocado ao mesmo
agrupamento clínico.

Portanto, o EEA parte de uma perspectiva psicopatológica. O entrevistador é


treinado a notar a presença ou a ausência dos sintomas listados no glossário.
Grupos de sintomas são reunidos em síndromes com o uso da classe
computadorizada Catego. O produto final do EEA é o diagnóstico como uma
ferramenta de pesquisa baseada na fenomenologia e disponível para estudo por
outros profissionais em outras culturas. Um exemplo da relação entre síndromes
e sintomas no EEA é mostrado na Figura 20.1.

FIGURA 20.1 Trecho do Exame do Estado Atual (extraído de Wing et al., 1974,
com permissão).

Este exemplo de um trecho do EEA envolve os termos usados para os


sintomas de esquizofrenia. A síndrome nuclear de Wing et al. (1974) é composta
pelos sintomas de primeira ordem de Schneider (1958). Os sintomas que eles
listaram para caracterizar esta síndrome na nona edição do EEA são intrusão de
pensamento, inserção de pensamento, irradiação de pensamento, pensamento
comentado, roubo de pensamento, vozes que comentam sobre o paciente,
delírios de controle, delírios de penetração por alienígenas e delírios primários.
Eles salientam que a inserção de pensamentos poderá ser classificada como um
falso-positivo quando o examinador não tiver o sintoma em mente, mas alguma
aproximação geral a ele.
Vozes sobre o paciente implicam alucinações verbais não afetivas ouvidas pelo
sujeito que falam sobre ele na terceira pessoa. Delírios de controle se referem,
naturalmente, a experiências de passividade. Delírios de forças alienígenas
penetrando ou controlando a mente ou o corpo são uma forma especial de
sintoma, já listado como pertencendo à síndrome nuclear. Por delírios primários,
Wing et al. se referem a percepção delirante e dão o exemplo de um paciente
que irá se submeter à biopsia do fígado e que passa a crer, enquanto a agulha é
inserida, que foi escolhido por Deus.
A décima edição do EEA foi posteriormente desenvolvida nos Anexos de
Avaliação Clínica em Neuropsiquiatria (Wing et al., 1990), que foram
subsequentemente mapeados nas categorias diagnósticas no CID-10 (OMS,
1992) e no DSM-IIIR (Associação Americana de Psiquiatria, 1987). A ênfase
que aqui se dá ao EEA é proposital porque ele é uma aplicação muito direta da
psicopatologia descritiva ao diagnóstico psiquiátrico (ver Tabela 20.1).

Tabela 20.1
Sintomas de primeira ordem da esquizofreniaa e sintomas do Exame
do Estado Atualb

Sintomas de Primeira Ordem Sintoma Equivalente do Exame do Estado Atual

Delirantes
Percepção delirante Delírio primário
Alucinações auditivas
Pensamentos audíveis Eco do pensamento ou comentário
Vozes brigando ou discutindo Vozes sobre o paciente
Vozes comentando os atos do paciente Vozes sobre o paciente
Distúrbio do pensamento: passividade do pensamento
Roubo do pensamento Bloqueio ou subtração do pensamento
Inserção do pensamento Inserção do pensamento
Irradiação de pensamentos (difusão do pensamento) Difusão ou compartilhamento de pensamentos
Experiências de passividade: delírio de controle
Passividade do afeto (sentimentos “fabricados”) Delírios de controle
Passividade do impulso (sentimentos “fabricados”) Delírios de controle
Passividade da vontade (atos de vontade “fabricados”) Delírios de controle
Passividade somática (influência exercida sobre o corpo) Delírios de penetração alienígena
a
Schneider (1958).
b
Wing et al. (1974).

Pós-escrito
O que é essencial para a psiquiatria é a necessidade de compreender o que o
paciente está vivendo. Eisenberg (1986) resumiu sucintamente as aspirações da
escola biológica de psiquiatria: “Para cada pensamento distorcido, há uma
molécula distorcida.” Ironicamente, se essa associação pudesse ser feita, ela faria
com que as habilidades fenomenológicas especializadas fossem mais e não
menos importantes, já que, do ponto de vista do paciente, provavelmente é mais
confortável que seus pensamentos sejam explorados e não suas moléculas. No
polo oposto da psiquiatria biológica, a psicodinâmica, também é dado muito
valor para a psicopatologia descritiva como ponto de partida para maior
compreensão.

Utilização da psicopatologia
Já foi dito que William de Ockham, que tão bravamente navegou as águas turvas
e perigosas da filosofia e das ciências medievais, era “um empirista que se
recusava a levar o conhecimento além dos limites da experiência verificável”
(Leff, 1958). Esta é a posição da psicopatologia descritiva: ter por objetivo não
tirar conclusões além da experiência subjetiva do paciente e sua exploração
criteriosa pelo entrevistador. Cada psiquiatra usa a fenomenologia até certo
ponto, mas ela é uma ferramenta muito mais útil se usada com rigor.
As quatro aplicações práticas da psicopatologia descritiva são, portanto, as
seguintes:
▪ Comunicação. Ela permite que os médicos falem e escrevam uns aos outros
sobre os problemas de seus pacientes de uma forma que ambos
compreendam. Isto certamente tem valor tanto na prática clínica quanto para
fins de pesquisa.
▪ Diagnóstico. O diagnóstico psiquiátrico se baseia consideravelmente na
psicopatologia, o que é totalmente adequado, principalmente até que haja
mais evidência da etiologia e patologia subjacente das diversas condições.
▪ Terapia. O método da empatia, que é o uso da fenomenologia para explorar a
experiência subjetiva do paciente, é uma forma racional de estabelecer um
relacionamento terapêutico. Ele permite que o terapeuta compreenda a
experiência subjetiva de seu paciente e dá a este segurança para confiar ainda
mais os segredos de seu ambiente interno ao terapeuta.
▪ A lei. A psicopatologia descritiva é a única maneira razoável de determinar o
que é transtorno mental e as diferenças entre os transtornos mentais na
perspectiva forense. O esclarecimento mútuo na área situada entre as leis e a
psiquiatria, onde atualmente há tanta incompreensão, ocorrerá a partir de um
reconhecimento mais claro do valor da psicopatologia por advogados e
médicos.
Os sintomas do paciente, seus sofrimentos, são um ponto de partida lógico
para a solidariedade, curiosidade e esforço terapêutico do médico. Começar de
qualquer outro ponto vira a medicina de cabeça pra baixo e, finalmente, chega-se
a um mundo de completa inversão, como o Erewhon de Samuel Butler (1872),
no qual “a doença de qualquer espécie é considerada (...) altamente criminosa e
imoral; e que eu podia, por ter pego um resfriado, ser levado a um magistrado e
aprisionado por tempo considerável (...)” e “se um homem falsifica um cheque,
ou ateia fogo à sua casa ou rouba uma pessoa com violência, ou faz quaisquer
dessas coisas consideradas crime em nosso próprio país, ele é levado a um
hospital e cuidadosamente tratado às custas do povo, ou se tinha situação boa,
deixa que todos os amigos saibam que está sofrendo de um grave ataque de
imoralidade (...) e esses vão visitá-lo com grande solicitude (...)”. Alguém pode
achar que isto é um exagero, mas os aspectos menos agradáveis disto certamente
parecem ter sido a situação de alguns dos dissidentes em custódia psiquiátrica,
na antiga República Socialista Soviética (Bloch e Reddaway, 1977).
O objetivo máximo da psiquiatria obviamente não é o conhecimento, mas sim
ajudar as pessoas a funcionarem e se sentirem melhor; por isso, a fenomenologia
é uma ferramenta terapêutica valiosa. Em uma situação ideal, ela oferece ao
paciente, na figura de seu médico, uma pessoa que compreende o que ele sente,
mas não tenta explicar as causas em termos teóricos, que podem não convencer o
paciente. O paciente frequentemente sente grande alívio quando o médico, ainda
que de forma hesitante, descreve seus sintomas ou a experiência interna que ele,
o paciente, considerava tão difícil de descrever.
Necessidade de pesquisa
A psicopatologia foi introduzida na psiquiatria antes da ênfase atual na
quantificação, nos levantamentos populacionais e no método experimental. Por
isso, é imperativo para o desenvolvimento da psicopatologia descritiva e, mais
importante, para o progresso contínuo da pesquisa em psiquiatria, que métodos
mais rigorosos de pesquisa sejam aplicados. A fenomenologia tem um lugar nas
pesquisas psiquiátricas que ainda não foi totalmente explorado. Ela forma uma
ponte lógica entre os achados de pesquisa que surgem da psicopatologia clínica
aplicada e o maior conhecimento da neuroanatomia e neurofisiologia, provindos
de métodos mais sofisticados de neuroimagem. Este é o rumo que a pesquisa na
psicopatologia descritiva deveria tomar.
A investigação da experiência do indivíduo precisa ser ligada a um
entendimento de sua biologia, assim como é importante avaliar como os
fenômenos normais são distribuídos dentro da população. As bases científicas da
psiquiatria incluem, além das ciências biológicas e comportamentais, a
epidemiologia e a fenomenologia. O reconhecimento de homogeneidade inclui
tanto os sintomas de um paciente individual quanto as características de uma
população afetada. O Exame do Estado Atual foi discutido anteriormente como
um método de quantificar informações psicopatológicas.
A introdução de métodos experimentais nas pesquisas sobre a psicopatologia
descritiva poderá envolver estudos de casos isolados nos quais variáveis que
foram avaliadas fenomenologicamente são alteradas. Por exemplo, Green e
Preston (1981) amplificaram o sussurro de um paciente esquizofrênico crônico
quando ele estava tendo uma alucinação auditiva. Ele sussurrava ao mesmo
tempo em que ouvia vozes, e o conteúdo de sua vocalização correspondia ao que
as vozes supostamente estavam dizendo, demonstrando, assim, a perturbação nos
limites do self encontradas na esquizofrenia. Esse tipo de investigação foi ainda
mais ampliada, e este livro contém diversos exemplos, como nos Capítulos 7 e 8.
Tem havido um perigo, no sentido de que alguns outros estudos psicológicos não
citados aqui usaram a fenomenologia de forma imprecisa e, portanto,
prejudicaram a importância de seus achados.
Um avanço interessante na pesquisa baseada na psicopatologia descritiva é a
aplicação de determinadas técnicas psicológicas a entidades fenomenológicas
específicas. Um exemplo disto é o uso da terapia cognitivo comportamental no
tratamento de alucinações auditivas persistentes (Bentall et al., 1994) e uma
aplicação mais geral de intervenções psicológicas na esquizofrenia (Haddock e
Lewis, 1996).
É importante que o progresso no tratamento de pacientes e na pesquisa que
avança nos aspectos biológicos da psiquiatria sejam auxiliados por diagnóstico
psiquiátrico preciso, baseado em fenomenologia confiável (isto é, capaz de
reprodução pelo mesmo entrevistador em um momento diferente, ou por
entrevistadores diferentes) e quantificável. Nunca as habilidades de um clínico
fenomenologista foram mais necessárias ou mais propensas a gerar resultados
benéficos tanto na compreensão quanto na terapia. A introdução de métodos
neuropsiquiátricos de investigação aprimorados aumenta a necessidade de
achados confiáveis da psicopatologia descritiva, em vez de torná-la obsoleta.
Jaspers (1959) comentou: “a fenomenologia, embora seja uma das pedras
angulares da psicopatologia, ainda está muito crua”. Isso ainda é verdade, mas
agora é o momento certo para que a psicopatologia descritiva se torne mais
sofisticada.
A fenomenologia leva a arte e a disciplina da observação do médico para
dentro da mente do paciente. David Hume (1804) descreveu a ausência de
exame físico na medicina em seu ensaio “Of Polygamy and Divorces”. Ele fala
sobre um médico levado ao palácio do Grand Signior em Constantinopla:

Não foi pouca a sua surpresa ao ver, olhando ao longo da galeria, muitos
braços nus destacando-se das laterais da sala. Ele não podia imaginar o
significado disto; até que lhe foi dito que aqueles braços pertenciam a
corpos, que ele deveria curar, sem saber qualquer coisa mais sobre eles
do que aquilo que pudesse depreender dos braços. Não lhe era
permitido fazer uma pergunta sobre a paciente ou mesmo sobre suas
atendentes, uma vez que ele poderia considerar necessário questionar
sobre circunstâncias acerca das quais as sutilezas do palácio não
permitem revelação. Assim, os médicos do Oriente fingem conhecer
todas as doenças a partir do pulso, como nossos charlatões na Europa
pretendem curar uma pessoa meramente pela visão de sua urina.

A psiquiatria precisa sair do palácio e usar todas as informações a seu dispor a


serviço de seus pacientes, o que inclui a fenomenologia, para o diagnóstico, o
entendimento e o tratamento.

Referências
Bentall RP, Haddock G, Slade PD. Cognitive behaviour therapy for persistent auditory hallucinations: from
theory to therapy. Behaviour Psychotherapy. 1994;25:51–56.
Berrios GE, Beer D. The notion of unitary psychosis: a conceptual history. History of Psychiatry.
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Bloch S, Reddaway P. Russia’s Political Hospital. London: Gollancz; 1977.
Boorse C. What a theory of mental health should be. Journal of the Theory of Social Behaviour.
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Burton R. The Anatomy of Melancholy, What it is. With all the Kinds, Causes, Symptoms, Prognostickes,
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World Health Organization The ICD-10 Classification of Mental and Behavioural Disorders: Clinical
Description and Diagnostic Guidelines. Geneva: World Health Organization; 1992.

*
Nota da Revisão Técnica: Na prática cotidiana, o diagnóstico em psiquiatria é essencialmente
fundamentado na anamnese e exame psíquico, sendo o exame físico e exames complementares utilizados
apenas para exclusão de outros diagnósticos orgânicos. Também por isso esses temas não são tratados aqui.
*
Nota da Revisão Técnica: Esta distinção não é tão clara na língua portuguesa, e mesmo em inglês os
termos disease (doença), illness (enfermidade) e disorder (transtorno) são utilizados muitas vezes sem o
rigor semântico sugerido aqui pelo autor.
Autoavaliação 1
Instruções
Cada item numerado é seguido por cinco opções com letras. Escolha UMA das
opções que seja a MELHOR para cada caso.

Capítulo 1
A psicopatologia descritiva:
a) É o estudo de mecanismos de defesa do ego que fundamenta a mudança de
comportamento
b) Está relacionada com a seleção, delimitação, diferenciação e descrição do
fenômeno psicológico anormal
c) É resultado direto da análise do conteúdo dos sonhos
d) É um método para descrever a interação entre os médicos e os pacientes
e) É um sistema introspectivo de compreensão e descrição de cognições
anormais
A empatia na psicopatologia descritiva é:
a) Alcançada através da exploração precisa, criteriosa, persistente e informada
da experiência do paciente
b) Uma técnica de comunicação que visa colocar o paciente à vontade
c) Metacomunicação
d) A base da compaixão pela situação do paciente
e) Um aspecto de transferência
O termo “compreensão” na psicopatologia:
a) Tem origem na teoria estrutural da psique de Freud
b) Descreve os mecanismos causais subjacentes às experiências anormais
c) Não tem nenhum limite na capacidade de descrever e compreender a
experiência
d) Tem origem no conceito de distinção entre as ciências e as ciências
humanas de Dilthey
e) Não tem espaço na psiquiatria contemporânea

Capítulo 2
As técnicas específicas da habilidade de comunicação incluem as seguintes,
EXCETO:
a) Afirmações resumidas
b) Ouvir com atenção
c) Afirmações de normalização
d) Perguntas ligadas
e) Perguntas abertas
Os aspectos da observação da aparência e do comportamento incluem as
seguintes, EXCETO:
a) Postura
b) Gestos
c) Fala
d) Expressão facial
e) Higiene pessoal
A avaliação do insight envolve os seguintes domínios, EXCETO:
a) Fluência da fala
b) Reconhecimento de alteração psicológica subjetiva
c) Atribuição da alteração à patologia
d) Reconhecimento da necessidade de tratamento
e) Adesão ao tratamento

Capítulo 3
O automatismo é caracterizado pelo que segue, EXCETO:
a) Comportamento involuntário
b) Comportamento inadequado às circunstâncias
c) Comportamento complexo e coordenado
d) Julgamento não prejudicado
e) Comportamento aparentemente intencional e dirigido
Mania à potu é uma síndrome caracterizada pelo que segue, EXCETO:
a) Insônia
b) Amnésia total ou parcial do comportamento aberrante
c) Consumo de álcool
d) Violência sem sentido
e) Sono prolongado
Delirium é uma condição caracterizada pelo que segue, EXCETO:
a) Início insidioso
b) Prejuízo global das funções cognitivas
c) Nível reduzido de consciência
d) Atenção prejudicada
e) Perturbação do ciclo sono-vigília

Capítulo 4
Os sonhos:
a) Ocorrem em sono não REM
b) Estão associados à paralisia
c) Envolvem uma acentuação da autoconsciência
d) Envolvem a consolidação das conexões espaciais e temporais
e) São sinônimos de terror noturno
A síndrome de Kleine-Levin é caracterizada por:
a) Hipersonia grave
b) Paralisia do sono
c) Latência REM curta
d) Alucinações Hipnagógicas
e) Cataplexia
A atenção:
a) É o foco da consciência em qualquer aspecto da experiência
b) É sinônimo de concentração
c) Envolve desinibição da memória
d) É diferente de vigilância
e) Depende exclusivamente de processos ativos

Capítulo 5
Sobre confabulação, as seguintes afirmações são VERDADEIRAS, EXCETO:
a) É uma falsa memória
b) Está associada à amnesia orgânica
c) Pode envolver a ornamentação de memórias reais
d) É tipicamente “fantástica” por natureza
e) A sugestionabilidade é uma característica proeminente
Memória de curto prazo:
a) É um sistema de capacidade ilimitada
b) Compreende um sistema de ação central
c) Envolve um “loop fonológico” que detém traços de memória por até cinco
minutos
d) Envolve um bloco de anotações visual-espacial que permite a manipulação
de informação visual
e) Não pode ser diferenciada da atenção
As funções da memória de longo prazo incluem as seguintes, EXCETO:
a) Registro
b) Retenção
c) Repressão
d) Recuperação
e) Evocação

Capítulo 6
As características formais de tempo incluem:
a) Duração
b) Sequência
c) Sincronia
d) Ritmo
e) Bidirecionalidade
As experiências de déjà vu são um exemplo de anormalidade do:
a) Ritmo
b) Senso de unicidade do tempo
c) Duração do tempo
d) Ordem Temporal
e) Direção do tempo
As características do transtorno afetivo sazonal incluem as seguintes, EXCETO:
a) Hipersonia
b) Insônia
c) Desejo por carboidratos
d) Comer em excesso
e) Letargia
Capítulo 7
As anormalidades dos aspectos da percepção visual incluem as seguintes,
EXCETO:
a) Palinopsia
b) Macropsia
c) Hemacropsia
d) Palinacusia
e) Acromatopsia
Na sinestesia:
a) A percepção de um objeto sensorial é apresentada em outra modalidade
sensorial
b) A percepção ocorre no espaço peripessoal
c) Ocorrem transformações de música para cor
d) Elaboração de Formas Constantes é uma característica
e) Sofrimento emocional é um acompanhamento comum
As características formais de imagens incluem as seguintes, EXCETO:
a) As imagens não são claramente delineadas
b) As imagens têm um caráter de objetividade
c) As imagens aparecem no espaço subjetivo interno
d) As imagens são criadas ativamente
e) As imagens se dissipam rapidamente e devem ser recriadas

Capítulo 8
Os seguintes são exemplos de delírios primários:
a) Delírios autóctones
b) Percepção delirante
c) Delírios persecutórios
d) Atmosfera delirante
e) Memória delirante
Delírios secundários são:
a) Secundários a outras experiências anormais
b) Compreensíveis sob o ponto de vista do contexto social do paciente
c) Não são mantidos com convicção
d) Suscetíveis a contra-argumentos
e) Transitórios
Delírios são exemplos de:
a) Perseveração
b) Prejuízo da consciência
c) Percepções falsas
d) Crenças falsas
e) Autoscopia

Capítulo 9
Os Sintomas de Primeira Ordem de Schneider incluem as seguintes, EXCETO:
a) Alucinações somáticas
b) Pensamentos auditivos
c) Experiências de passividade
d) Subtração do pensamento
e) Inserção do pensamento
Delírios de controle do pensamento incluem:
a) Difusão do pensamento
b) Eco do pensamento
c) Inserção do pensamento
d) Subtração do pensamento
e) Bloqueio do pensamento
O termo “circunstancialidade” se refere a:
a) Fuga de ideias
b) Perda da associação
c) Pensamento concreto
d) Pensamento superinclusivo
e) Impedimento do fluxo de pensamento por detalhe desnecessário

Capítulo 10
As anormalidades da linguagem reconhecidas na esquizofrenia incluem as
seguintes, EXCETO:
a) Falta de uso de conectores
b) Alogia
c) Neologismo
d) Associações de reverberação
e) Telegonia
A técnica Cloze é uma medida de:
a) Previsibilidade da fala
b) A proporção entre o número de palavras diferentes e o número total de
palavras
c) Conectores
d) Regras de proposição
e) Fluência da linguagem
Disfasia sensorial primária é:
a) A incapacidade de produzir nomes ou sons por vontade própria
b) Uma perturbação grave de palavras e sintaxes que resultam em discurso
inteligível
c) Um transtorno de discurso vago
d) A perda de compreensão do significado das palavras
e) A incapacidade de ler com compreensão

Capítulo 11
O insight na esquizofrenia tem se mostrado positivamente correlacionado com as
seguintes, EXCETO:
a) Probabilidade de depressão
b) Probabilidade de hospitalizações
c) Adesão ao tratamento
d) Resultados de longo prazo
e) Memória de trabalho
As medições válidas de insight devem levar em consideração as seguintes,
EXCETO:
a) O aspecto multidimensional do insight
b) A relação do insight com afeto
c) A influência de fatores culturais
d) A variação do insight através de diferentes sintomas domina
e) O valor agregado de observações comportamentais
O insight envolve todas as seguintes, EXCETO:
a) Consciência da alteração
b) Reconhecimento de doença nos outros
c) Atribuição da mudança à doença
d) Reconhecimento da necessidade de tratamento
e) Cooperação com o tratamento
Capítulo 12
A autoscopia pode envolver todas as seguintes, EXCETO:
a) Sentimento de presença
b) Falha em se perceber no espelho
c) Alucinação visual dos órgãos dentro do espaço corporal
d) Alucinação visual da cópia exata do “eu” na imagem do espelho
e) Projeção de um “eu” observador no espaço extrapessoal
A vitalidade do eu é:
a) Consciência de ser um agente
b) Consciência de unidade e coerência do self
c) Consciência de ser
d) Consciência da continuidade do self ao longo do tempo
e) Consciência dos limites do self
O delírio niilista é um exemplo de:
a) Perturbação do limite do ego
b) Perturbação da continuidade do self ao longo do tempo
c) Perturbação de atividade
d) Perturbação de vitalidade
e) Perturbação da unidade do self

Capítulo 13
As características definitivas da despersonalização incluem as seguintes,
EXCETO:
a) A experiência é agradável
b) Ocorre sensação de estranhamento
c) É uma experiência subjetiva
d) O insight é preservado
e) Pode afetar sensações corporais
Demonstrou-se que a despersonalização consiste de um número de componentes
incluindo as seguintes, EXCETO:
a) Alteração perceptual
b) Irrealidade dos arredores
c) Integração temporal
d) Irrealidade do self
e) Embotamento emocional
Sabe-se que a despersonalização é associada ao que segue, EXCETO:
a) LSD
b) Cannabis
c) Mescalina
d) Privação sensorial
e) Narcolepsia

Capítulo 14
Os determinantes individuais da hipocondria incluem as seguintes, EXCETO:
a) Sentimentos de repugnância
b) Preocupação com função corporal
c) Doença grave ou ferimento na infância
d) Medo de infecção
e) Fascinação com a internet
O distúrbio psicogênico em massa:
a) Ocorre geralmente em homens jovens
b) Frequentemente começa em uma criança com baixo status no grupo de
pares
c) Afeta mais gravemente as pessoas mais ajustadas
d) Os sintomas se espalham por transmissão da linha de visão
e) Não é afetada pela resposta da mídia
Os conceitos de “conversão” e “dissociação” sugerem que:
a) Sintomas físicos podem ter apenas uma base orgânica
b) A causa é inconsciente
c) Os sintomas não apresentam vantagem óbvia para o paciente
d) Os sintomas dificilmente são psicologicamente significativos
e) O paciente está representando um papel

Capítulo 15
A assimbolia à dor:
a) Apresenta-se com ausência de reação à dor
b) Está associada a um aumento da sensibilidade térmica
c) Está associada à hiperidrose
d) Apresenta-se com autoestimulação
e) Geralmente é um transtorno adquirido após lesões vasculares
A dor associada à psicopatologia é:
a) Mais bem localizada
b) Claramente delineada em distribuição neuroanatômica reconhecida
c) Fácil para o paciente descrever
d) Constante e permanente
e) Tende a ser provocada por agentes definidos
A dor central (síndrome talâmica):
a) Apresenta-se como uma sensação de corte
b) É ativada por estimulação cutânea
c) Apresenta-se como hipoalgesia
d) Não é afetada por mudanças de temperatura
e) Não se apresenta com alodinia

Capítulo 16
Alexitimia se refere:
a) À incapacidade de sentir prazer
b) A reagir a más notícias com risada
c) À ausência de unidade entre os diferentes modos de experimentar emoções
d) À incapacidade de verbalizar afeto e elaborar fantasia
e) À deficiência seletiva em interpretar corretamente expressões vocais de
emoções
As emoções básicas de Ekman incluem as seguintes, EXCETO:
a) Raiva
b) Repugnância
c) Medo
d) Ciúme
e) Tristeza
O humor é definido como:
a) Uma reação positiva ou negativa a uma experiência
b) Um estado interno ou predisposição prolongada e predominante
c) Uma experiência espontânea e transitória em resposta a uma experiência
d) Uma manifestação comportamental externa do estado interno
e) Uma atitude de avaliação em relação a um objeto

Capítulo 17
O subtipo respiratório do distúrbio do pânico é caracterizado pelas seguintes,
EXCETO:
a) Medo de morrer
b) Dores e desconforto torácicos
c) Respiração curta
d) Provocação por inalação de 35% de dióxido de carbono
e) Induzido por situações específicas
A Síndrome Geral de Adaptação de Selye inclui um dos seguintes estágios:
a) Choque e embotamento
b) Tristeza
c) Culpa e hostilidade
d) Reação de luta ou fuga
e) Resolução
Os elementos que constituem o fenômeno obsessivo-compulsivo incluem todas
as seguintes, EXCETO:
a) Aumento de sensação de responsabilidade até mesmo por eventos sobre os
quais o paciente não tem controle
b) Evitar gatilhos de obsessão
c) Medo do desastre que o paciente acredita que irá acontecer
d) Resistência
e) Aumento do desconforto após o ato compulsivo

Capítulo 18
O movimento anormal na catatonia inclui todas as seguintes, EXCETO:
a) Flexibilidade cérea
b) Travesseiro psicológico
c) Estereotipia
d) Cataplexia
e) Mitgehen
A motivação pode ser definida como:
a) Uma disposição inata que determina de quais objetos se ocupar no mundo
b) Um estado que inicia uma ação dirigida
c) Um esforço em direção a um objeto que é experimentado como um desejo
d) Um sistema de recompensa que rege e regula o comportamento
e) O poder de efetivar uma ação voluntária
A impulsividade envolve todas as seguintes, EXCETO:
a) Predisposição em direção a uma ação rápida, não planejada
b) Não levar em conta as consequências
c) Preferência por uma recompensa maior e tardia do que pequena porém
imediata
d) Perseverança do comportamento apesar de punição
e) Incapacidade de impedir resposta em um paradigma atencional de
desinibição de resposta

Capítulo 19
O transtorno de personalidade paranoide pode ser definido como um transtorno
em que:
a) Um indivíduo não confia nos outros e é excessivamente desconfiado
b) Existe uma falta de necessidade e dificuldade de estabelecer
relacionamentos
c) Uma falha na empatia é evidente
d) Ocorrem ataques incontroláveis de humor imoderado e descontrolado
e) Ocorre comportamento teatral e anseio por atenção
No Transtorno de Personalidade Dependente todas as seguintes características
ocorrem, EXCETO:
a) Falta de autoconfiança
b) Disposição perfeccionista
c) Anseio por apoio e incentivo alheio
d) Dificuldade em lidar com as demandas da vida
e) Presença de relacionamento dominante próximo
As seguintes condições têm se mostrado frequentemente associadas ao
transtorno de personalidade anancástica, EXCETO em:
a) Distúrbios alimentares
b) Hipocondria
c) Síndrome da dependência do álcool
d) Transtorno obsessivo compulsivo
e) Transtorno depressivo recorrente

Capítulo 20
O comportamento de doença é influenciado por todas seguintes, EXCETO:
a) A saliência da queixa
b) Nível de perturbação de papéis sociais
c) Compreensão cultural da seriedade da queixa
d) Demandas concorrentes sobre os recursos do paciente
e) A biologia subjacente da condição
Todos os seguintes indivíduos fizeram grandes contribuições para o nosso
entendimento da saúde e da doença, EXCETO:
a) Christopher Boorse
b) Aaron Beck
c) Peter Sedgwick
d) Talcott Parsons
e) David Mechanic
As aplicações práticas da psicopatologia incluem todas as seguintes, EXCETO:
a) Comunicação entre os médicos
b) Pesquisa da neurociência cognitiva
c) Diagnóstico
d) Nosologia
e) Terapia
Autoavaliação 2
Instruções
Cada conjunto de questões de associação consiste de uma lista de 10 opções
com letras (A – J), seguidas por quatro itens numerados. Para cada item
numerado, selecione a opção de letra adequada. Cada opção de letra deve
ser selecionada apenas uma vez.

Capítulos 3 e 4
A. Confusão
B. Coma
C. Delirium
D. Desorientação
E. Hipersonia
F. Insônia
G. Estado oniroide
H. Parassonia
I. Estupor
J. Estado crepuscular
1. Uma paciente de 75 anos é encontrada perambulando pelas ruas.
Durante o exame ela não sabe a data, dia, hora, estação em que está
ou seu próprio endereço.
2. Um paciente de 18 anos apresenta um histórico de diversos e
irresistíveis períodos de sonolência durante o dia. À noite, ele relata
momentos em que está completamente desperto, mas incapaz de
mover os membros.
3. A companheira de um paciente de 25 anos o acompanha na consulta.
Ela relata que ele fala enquanto dorme, perambula pelo quarto por
alguns minutos durante a noite e que ele não se lembra desses
incidentes.
4. Uma paciente de 47 anos com um histórico de depressão recorrente é
internada em estado de mutismo. Ela está imóvel, mas
completamente consciente e alerta. Ela é capaz de fazer contato
visual, mas não responde a nenhuma tentativa de comunicação
verbal.

Capítulo 5
A. Amnésia anterógrada
B. Confabulação
C. Criptamnésia
D. Fuga dissociativa
E. Falsa memória
F. Síndrome de Ganser
G. Perseveração
H. Pseudologia fantástica
I. Memória recuperada
J. Amnésia retrograda
1. Um paciente de 20 anos se envolveu em um acidente de trânsito. Ele
sofreu uma lesão na cabeça. Ele só conseguia lembrar de eventos que
aconteceram aproximadamente cinco minutos antes da colisão.
2. Um paciente de 20 anos se apresentou na prisão durante sua
detenção preventiva. Quando examinado, ele respondeu a perguntas
sobre a data e a capital da França com respostas aproximadas,
desorientação de tempo e lugar.
3. Um paciente de 45 anos se envolveu em um acidente no trabalho
onde sofreu uma grave lesão na cabeça e perdeu a consciência. Ao
recobrar a consciência, ele só conseguia lembrar de eventos que
aconteceram aproximadamente 36 horas depois do acidente.
4. Um paciente de 57 anos com um histórico estabelecido de prejuízo
da memória de curto prazo no contexto de abuso de álcool respondeu
a perguntas sobre o que ele havia feito durante o dia anterior com
relatos objetivamente falsos que incluíam adornos e intrusões de
ocasiões anteriores.

Capítulo 7
A. Imagem
B. Palinopsia
C. Macropsia
D. Micropsia
E. Paraprosopia
F. Alestesia
G. Pelopsia
H. Discromatopsia
I. Teleopsia
J. Metamorfosia
1. Um homem de 45 anos se apresenta com a queixa de que viu um
gato preto na esquina em que seu trajeto se juntava à rua principal.
Depois disso, pelas aproximadamente 72 horas seguintes, ele
continuou vendo o mesmo gato em diversas ocasiões e situações.
Qual é o termo para essa experiência?
2. Um homem de 19 anos com um diagnóstico recente de esquizofrenia
se queixava que os rostos das pessoas olhando para ele pareciam
repentinamente diferentes, como se estivessem fazendo caretas para
ele. Às vezes os rostos pareciam sinistros, desiguais e estranhos.
Qual é o termo para esta experiência?
3. Uma paciente de 25 anos com um histórico de convulsão focal
complexa se queixava de cenas e objetos se tornando menores antes
de uma convulsão. Como esta experiência é denominada?
4. Um paciente de 25 anos se queixava de que os objetos pareciam
muito distantes. Ele achou isto surpreendente e angustiante. Como
essa experiência é chamada?

Capítulo 8
A. Percepção delirante
B. Intuição delirante
C. Memória delirante
D. Atmosfera delirante
E. Delírio secundário
F. Ideia supervalorizada
G. Delírio de amor
H. Identificação incorreta delirante
I. Delírio de perseguição
J. Ciúme delirante
1. Um paciente de 20 anos foi internado em um hospital depois de
atacar seu pai. Ele relatou que seu pai havia sido substituído por um
“robô” que parecia exatamente como ele, mas que definitivamente
não era ele. Ele temia que este “robô” tivesse intenções malignas e
dizia que sua vida estava em perigo. Como essa crença é chamada?
2. Uma paciente de 40 anos se queixou que o sacerdote local a estava
mandando mensagens secretas, declarando seus sentimentos por ela.
Ela se queixava que embora ele fosse o pai de seus filhos, ele ainda
não havia ido visitá-los.
3. Uma paciente de 21 anos repentinamente se convenceu de que ela
era a legítima herdeira do trono da Noruega. Ela não era norueguesa
de nascença ou ancestralidade. Quando questionada sobre o porquê
de sua crença, ela respondeu que subitamente havia chegado a esta
descoberta. Ela negou qualquer outra experiência incomum.
4. Um paciente de 54 anos com um histórico de longa data de
esquizofrenia relatou alucinações auditivas verbais persistentes e de
conteúdo depreciativo e ameaçador. As vozes frequentemente lhe
diziam que ele merecia morrer e que os novos imigrantes em sua
região da Romênia iriam assassiná-lo. Ele acreditava firmemente que
corria risco com os imigrantes, principalmente os romenos. Esta
crença foi mantida com convicção e era incólume a contra-
argumentos.

Capítulo 9
A. Pensamento fantasioso
B. Pensamento imaginativo
C. Pensamento conceitual
D. Pensamento circunstancial
E. Bloqueio de pensamento
F. Pensamento concreto
G. Pensamento superinclusivo
H. Inserção do pensamento
I. Subtração do pensamento
J. Pensamento audível
1. Um estudante universitário de 21 anos descreveu passar muito tempo
pensando sobre o futuro, sobre a possibilidade de se tornar um
músico famoso, rico e de morar em uma mansão na Flórida.
2. Uma paciente de 25 anos, recentemente internada em um hospital, se
queixava de que seus pensamentos estavam sofrendo interferência.
Ela estava particularmente angustiada pela experiência de ter seus
pensamentos manipulados e tirados dela.
3. Em um teste, um paciente de 19 anos diagnosticado com
esquizofrenia respondeu à questão da seguinte maneira: “Quais dos
seguintes são partes essenciais de um quarto: paredes, cadeiras, piso,
janela?” “cadeiras”.
4. Uma paciente de 57 anos disse: “Comecei a me sentir tão alta que
amarrei um peso no meu tornozelo”.

Capítulo 10
1. Afonia
2. Logoclonia
3. Ecolalia
4. Paragramatismo
5. Disfasia nominal
6. Assindesia
7. Metonímia
8. Afasia de jargão
9. Disfasia receptiva
10. Neologismo
1. Um paciente destro, de 65 anos, que estava se recuperando de um
derrame do lado esquerdo, era incapaz de seguir o comando verbal:
“Pegue o papel com sua mão esquerda, dobre em dois e deixe no
chão”.
2. Um paciente de 25 anos disse: “Phlogons invadiram meus pulmões,
primeiro de lado e agora no meio”.
3. Um paciente de 64 anos com um longo histórico de esquizofrenia
respondeu à pergunta: “O que você tem no seu copo?”. “Um líquido
que apesar de não ter cor, se torna escuro no preparo.”
4. Um paciente de 72 anos com diagnóstico de doença de Parkinson
disse: “Eu estou come... come...., começando a pensar em mu...
mu..., mudar de casa”.

Capítulo 14
A. Misoplegia
B. Dismorfofobia
C. Palinaptia
D. Alestesia
E. Exomestesia
F. Microsomatognosia
G. Macrosomatognosia
H. Dismorfia muscular
I. Paraesquemazia
J. Hipoesquemazia
1. Um paciente de 23 anos se apresentou com a crença de que os seus
músculos eram muito pequenos, preocupação com a construção
corporal, exercícios excessivos e distúrbio alimentar.
2. Uma paciente de 56 anos se queixou de odiar sua mão esquerda.
Apesar de parecer normal, ela disse que a odiava e que sempre
desejou que fosse diferente em tamanho, forma e sensação.
3. Um paciente de 27 anos se apresentou com uma crença de longa data
de que seu rosto era feio, principalmente o seu nariz, que ele achava
muito largo e torto. Objetivamente seu nariz não era largo nem torto.
4. Uma paciente de 40 anos se apresentou com uma queixa de
continuar sentindo a escova de dentes em sua mão por até 15
minutos depois de tê-la usado.

Capítulo 16
A. Anedonia
B. Ecolalia
C. Hiperecplexia
D. Cenestestesia
E. Agnosia prosopoafetiva
F. Disprosódia emocional receptiva
G. Ciclotimia
H. Êxtase
I. Ecomimia
J. Alexitimia
1. Um paciente de 8 anos se apresentou com um histórico de reflexo de
susto aumentado, caracterizado por piscar de olhos, flexão da cabeça,
abdução dos antebraços, movimento do tronco e flexão dos joelhos
em resposta a ruídos altos.
2. Uma paciente de 40 anos com um histórico de depressão recorrente e
atualmente deprimida relatou a incapacidade de sentir prazer em seus
passatempos e interesses habituais, bem como uma incapacidade
geral de experimentar qualquer sentimento.
3. Um paciente de 36 anos se apresentou no hospital odontológico com
dor em ambos os lados do maxilar inferior, irradiando para a
articulação temporomandibular e pescoço. Em resposta à pergunta:
“E como você está se sentindo emocionalmente?”, ele pareceu
confuso e pediu para repetir a pergunta. Depois disse: “Meu corpo
está pesado e sinto dor por toda parte.”
4. Um paciente de 75 anos com diagnóstico de doença de Parkinson
fala com uma voz monótona. Somado a isto, ele parecia não
reconhecer o significado emocional das variações no tom da voz.

Capítulo 17
A. Ansiedade
B. Personalidade anancástica
C. Compulsão
D. Repulsa
E. Irritabilidade
F. Pânico
G. Fobia
H. Obsessão
I. Ruminação
J. Fobia social
1. Uma paciente de 32 anos se apresentou com episódios individuais de
medo intenso e extremo.
2. Uma paciente de 23 anos se apresentou com medo excessivo,
insegurança e evitação de situações sociais devido à possibilidade de
constrangimento ou humilhação.
3. Um estagiário de 27 anos se apresentou com um histórico de
pensamentos intrusivos e repetitivos sobre limpeza e higiene, que
estavam associados a aumento de tensão e preocupação, que ele
reconhecia serem seus próprios pensamentos. Ele tentou resistir a
esses pensamentos, mas descobriu que eles se tornavam ainda mais
urgentes e intrusivos.
4. Uma paciente de 32 anos, que tinha acabado de dar a luz, se
apresentou com um histórico de seis semanas de ataques de raiva,
sentimentos de hostilidade em relação ao marido, uma sensação
desagradável de angústia e impaciência com seus filhos.

Capítulo 18
A. Acatisia
B. Anedonia
C. Catatonia
D. Impulso
E. Impulsividade
F. Instinto
G. Síndrome de Kleine–Levin
H. Motivação
I. Anseio
J. Vontade
1. Um paciente de 21 anos recentemente diagnosticado com
esquizofrenia e tratado com risperidona se queixava de inquietude
motora, agitação interna e incapacidade de ficar parado.
2. Um paciente de 17 anos é levado ao seu clínico geral porque ele
recentemente havia reconhecido um problema com jogos, excessivo
consumo de álcool e abuso de cannabis. Somado a isso, ele é
avaliado como suscetível a perder a calma e sujeito a dizer coisas das
quais irá se arrepender depois.
3. Um paciente de 21 anos se apresentou com um histórico de
episódios de excesso de sono (chegando a 15 horas por dia), comida
em excesso, libido sexual aumentada, tristeza e crenças transitórias
de perseguição.
4. Uma paciente de 28 anos se apresentou pela primeira vez com
movimento acentuadamente desacelerado, ocasionalmente resultando
em imobilidade, posturas estranhas e mutismo. Durante o exame ela
permite que seus membros superiores sejam colocados em posições
desconfortáveis que ela consegue manter por longos períodos.
Autoavaliação 1: Respostas

Capítulo 1
A psicopatologia descritiva:
b) Está relacionada com a seleção, delimitação, diferenciação e descrição do
fenômeno psicológico anormal (p. 3)
A empatia na psicopatologia descritiva é:
a) Alcançada através da exploração precisa, criteriosa, persistente e informada
da experiência do paciente (p. 5)
O termo “compreensão” na psicopatologia:
d) Tem origem no conceito de distinção entre as ciências exatas e as ciências
humanas de Dilthey (p. 10)

Capítulo 2
As técnicas específicas da habilidade de comunicação incluem as seguintes,
EXCETO:
d) Perguntas ligadas (p. 25)
Os aspectos da observação da aparência e do comportamento incluem as
seguintes, EXCETO:
c) Fala (p. 26)
A avaliação do insight envolve os seguintes domínios, EXCETO:
a) Fluência da fala (p. 28)

Capítulo 3
O automatismo é caracterizado pelas seguintes, EXCETO:
d) Julgamento não prejudicado (p. 42)
Mania à potu é uma síndrome caracterizada pelas seguintes, EXCETO:
a) Insônia (p. 41)
Delirium é uma condição caracterizada pelas seguintes, EXCETO:
a) Início insidioso (p. 39)

Capítulo 4
Os sonhos:
b) Estão associados à paralisia (p. 53)
A síndrome de Kleine-Levin é caracterizada por:
a) Hipersonia grave (p. 52)
A atenção:
a) É o foco da consciência em qualquer aspecto da experiência (p. 45)

Capítulo 5
Sobre confabulação, as seguintes são VERDADEIRAS, EXCETO:
d) É tipicamente “fantástica” por natureza (p. 62)
Memória de curto prazo:
d) Envolve um bloco de anotações visual-espacial que permite a manipulação
de informação visual (p. 60)
As funções da memória de longo prazo incluem as seguintes, EXCETO:
c) Repressão (p. 69)

Capítulo 6
As características formais de tempo incluem:
e) Bidirecionalidade (p. 76)
As experiências de déjà vu são um exemplo de anormalidade do:
b) Senso de unicidade do tempo (p. 81)
As características do transtorno afetivo sazonal incluem as seguintes,
EXCETO:
b) Insônia (p. 84)

Capítulo 7
As anormalidades dos aspectos elementares da percepção visual incluem as
seguintes, EXCETO:
d) Palinacusia (p. 92)
Na sinestesia:
e) Sofrimento emocional é um acompanhamento comum (p. 89)
As características formais de imagens incluem as seguintes, EXCETO:
b) As imagens têm um caráter de objetividade (p. 88)

Capítulo 8
Os seguintes são exemplos de delírios primários:
c) Delírios persecutórios (p. 123)
Delírios secundários são:
a) Secundários a outras experiências anormais (p. 115)
Delírios são exemplos de:
d) Crenças falsas (p. 112)

Capítulo 9
Os Sintomas de Primeira Ordem de Schneider incluem as seguintes, EXCETO:
a) Alucinações somáticas (p. 151)
Delírios de controle do pensamento incluem:
b) Eco do pensamento (p. 152)
O termo “circunstancialidade” se refere a:
e) Impedimento do fluxo de pensamento por detalhe desnecessário (p. 144)

Capítulo 10
As anormalidades da linguagem reconhecidas na esquizofrenia incluem as
seguintes, EXCETO:
e) Telegonia (p. 166)
A técnica Cloze é uma medida de:
a) Previsibilidade da fala (p. 170)
Disfasia sensorial primária é:
d) A perda de compreensão do significado das palavras (p. 163)

Capítulo 11
O insight na esquizofrenia tem se mostrado positivamente correlacionado com as
seguintes, EXCETO:
b) A probabilidade de hospitalizações (p. 180)
As medições válidas do insight devem levar em consideração as seguintes,
EXCETO:
b) A relação do insight com afeto (p. 179)
O insight envolve todas as seguintes, EXCETO:
b) Reconhecimento de doença nos outros (p. 176)

Capítulo 12
A autoscopia pode envolver todas as seguintes, EXCETO:
c) Alucinação visual dos órgãos dentro do espaço corporal (p. 193)
A vitalidade do ego é:
c) Consciência de ser (p. 192)
O delírio niilista é um exemplo de:
d) Perturbação de vitalidade (p. 192)

Capítulo 13
As características definitivas da despersonalização incluem as seguintes,
EXCETO:
a) A experiência é agradável (p. 206)
Demonstrou-se que a despersonalização consiste de um número de
componentes incluindo as seguintes, EXCETO:
c) Integração temporal (p. 206)
A despersonalização é conhecida por estar associada aos seguintes, EXCETO:
e) Narcolepsia (p. 206)

Capítulo 14
Os determinantes individuais da hipocondria incluem as seguintes, EXCETO:
e) Fascinação com a internet (p.220)
O distúrbio psicogênico em massa:
d) Os sintomas se espalham por transmissão da linha de visão (p. 225)
Os conceitos de “conversão” e “dissociação” sugerem:
b) A causa é inconsciente (p. 224)

Capítulo 15
A assimbolia à dor:
a) Apresenta-se com ausência de reação à dor (p. 248)
A dor associada à psicopatologia é:
d) Constante e permanente (p. 247)
A dor central (síndrome talâmica):
b) É ativada por estimulação cutânea (p. 247)

Capítulo 16
Alexitimia se refere:
d) À incapacidade de verbalizar afeto e elaborar fantasia (p. 268)
As emoções básicas de Ekman incluem as seguintes, EXCETO:
d) Ciúme (p. 259)
O humor é definido como:
b) Um estado interno ou predisposição prolongada e predominante (p. 257)

Capítulo 17
O subtipo respiratório do distúrbio do pânico é caracterizado pelas seguintes,
EXCETO:
e) Induzido por situações específicas (p. 284)
A Síndrome Geral de Adaptação de Selye inclui um dos seguintes estágios:
d) Reação de luta ou fuga (p. 279)
Os elementos que constituem o fenômeno obsessivo-compulsivo incluem
todas as seguintes, EXCETO:
e) Aumento do desconforto após o ato compulsivo (p. 289)

Capítulo 18
O movimento anormal na catatonia inclui todas as seguintes, EXCETO:
d) Cataplexia (p. 304)
A motivação pode ser definida como:
d) Um sistema de recompensa que rege e regula o comportamento (p. 295)
A impulsividade envolve todas as seguintes, EXCETO:
c) Preferência por uma recompensa maior e tardia do que pequena porém
imediata (p. 300)

Capítulo 19
O transtorno de personalidade paranoide pode ser definido como um transtorno
em que:
a) Um indivíduo não confia nos outros e é excessivamente desconfiado (p.
320)
No Transtorno de Personalidade Dependente todas as seguintes características
ocorrem, EXCETO:
b) Disposição Perfeccionista (p. 326)
As seguintes condições têm se mostrado frequentemente associadas ao
transtorno de personalidade anancástica, EXCETO em:
c) Síndrome da dependência do álcool (p. 324)

Capítulo 20
O comportamento de doença é influenciado por todas seguintes, EXCETO:
e) A biologia subjacente da condição (p. 335)
Todos os seguintes indivíduos fizeram grandes contribuições para o nosso
entendimento da saúde e da doença, EXCETO:
b) Aaron Beck (conhecido entre os psiquiatras como criador da terapia
cognitiva comportamental e não uma autoridade no conceito de doença e
enfermidade)
As aplicações práticas da psicopatologia incluem todas as seguintes,
EXCETO:
d) Nosologia (p. 340)
Autoavaliação 2: Respostas

Capítulos 3 e 4
1. Uma paciente de 75 anos é encontrada perambulando pelas ruas. Durante o
exame ela não sabe a data, dia, hora, estação, onde ela está ou seu próprio
endereço.
D. Desorientação (p. 49)
2. Um paciente de 18 anos apresenta um histórico de diversos e irresistíveis
períodos de sonolência durante o dia. À noite, ele relata momentos em que
está completamente desperto, mas incapaz de mover seus membros.
E. Hipersonia (p. 52)
3. A companheira de um paciente de 25 anos o acompanha na consulta. Ela
relata que ele fala enquanto dorme, perambula pelo quarto por alguns
minutos durante a noite e que ele não se lembra desses incidentes.
H. Parassonia (p. 52)
4. Uma paciente de 47 anos com um histórico de depressão recorrente é
internada em estado de mutismo. Ela está imóvel, mas completamente
consciente e alerta. Ela é capaz de fazer contato visual, mas não responde a
nenhuma tentativa de comunicação verbal.
I. Estupor (p. 52)

Capítulo 5
1. Um paciente de 20 anos se envolveu em um acidente de trânsito. Ele sofreu
uma lesão na cabeça. Ele só conseguia lembrar de eventos que
aconteceram aproximadamente cinco minutos antes da colisão.
J. Amnésia retrógrada (p. 61)
2. Um paciente de 20 anos se apresentou na prisão durante sua detenção
preventiva. Quando examinado, ele respondeu a perguntas sobre a data e a
capital da França com respostas aproximadas, desorientação para o tempo
e o lugar.
F. Síndrome de Ganser (p. 68)
3. Um paciente de 45 anos se envolveu em um acidente no trabalho onde
sofreu uma grave lesão na cabeça e perdeu a consciência. Ao recobrar a
consciência, ele só conseguia lembrar de eventos que aconteceram
aproximadamente 36 horas depois do acidente.
A. Amnésia anterógrada (p. 61)
4. Um paciente de 57 anos com um histórico estabelecido de prejuízo da
memória de curto prazo no contexto de abuso de álcool respondeu a
perguntas sobre o que ele havia feito durante o dia anterior com relatos
objetivamente falsos que incluíam adornos e intrusões de ocasiões
anteriores.
B. Confabulação (p. 62)

Capítulo 7
1. Um homem de 45 anos se apresenta com a queixa de que viu um gato preto
na esquina em que seu trajeto se juntava à rua principal. Depois disso,
pelas aproximadamente 72 horas seguintes, ele continuou vendo o mesmo
gato em diversas ocasiões e situações. Qual é o termo para essa
experiência?
B. Palinopsia (p. 91)
2. Um homem de 19 anos com um diagnóstico recente de esquizofrenia se
queixava que os rostos das pessoas olhando para ele pareciam
repentinamente diferentes, como se estivessem fazendo caretas para ele. Às
vezes os rostos pareciam sinistros, desiguais e estranhos. Qual é o termo
para esta experiência?
E. Paraprosopia (p. 91)
3. Uma paciente de 25 anos com um histórico de convulsão focal complexa se
queixava de cenas e objetos se tornando menores antes de uma convulsão.
Como esta experiência é denominada?
D. Micropsia (p. 91)
4. Um paciente de 25 anos se queixava de que os objetos pareciam muito
distantes. Ele achou isto surpreendente e angustiante. Como essa
experiência é chamada?
G. Teleopsia (p. 92)

Capítulo 8
1. Um paciente de 20 anos foi internado em um hospital depois de atacar seu
pai. Ele relatou que seu pai havia sido substituído por um “robô” que
parecia exatamente como ele, mas que definitivamente não era ele. Ele
temia que este “robô” tivesse intenções malignas e dizia que sua vida
estava em perigo. Como essa crença é chamada?
H. Identificação delirante incorreta (p. 125)
2. Uma paciente de 40 anos se queixou que o sacerdote local estava lhe
mandando mensagens secretas, declarando seus sentimentos por ela. Ela se
queixava que embora ele fosse o pai de seus filhos, ele ainda não havia ido
visitá-los.
G. Delírio de amor (p. 124)
3. Uma paciente de 21 anos repentinamente se convenceu de que ela era a
legítima herdeira do trono da Noruega. Ela não era norueguesa de nascença
ou ancestralidade. Quando questionada sobre o porquê de sua crença, ela
respondeu que subitamente havia chegado a esta descoberta. Ela negou
qualquer outra experiência incomum.
B. Intuição delirante (p. 116)
4. Um paciente de 54 anos com um histórico de longa data de esquizofrenia
relatou alucinações auditivas verbais persistentes e de conteúdo
depreciativo e ameaçador. As vozes frequentemente lhe diziam que ele
merecia morrer e que os novos imigrantes em sua região da Romênia iriam
assassiná-lo. Ele acreditava firmemente que corria risco com os imigrantes,
principalmente os romenos. Esta crença foi mantida com convicção e era
incólume a contra-argumentos.
E. Delírio secundário (p. 115)

Capítulo 9
1. Um estudante universitário de 21 anos descreveu passar muito tempo
pensando sobre o futuro, sobre a possibilidade de se tornar um músico
famoso, rico e de morar em uma mansão na Flórida.
A. Pensamento fantasioso (p. 140)
2. Uma paciente de 25 anos, recentemente internada em um hospital, se
queixava de que seus pensamentos estavam sofrendo interferência. Ela
estava particularmente angustiada pela experiência de ter seus pensamentos
manipulados e tirados dela.
I. Difusão do pensamento (p. 155)
3. Em um teste, um paciente de 19 anos diagnosticado com esquizofrenia
respondeu à pergunta da seguinte maneira: “Quais dos seguintes são partes
essenciais de um quarto: paredes, cadeiras, piso, janela?” “Cadeiras”.
G. Pensamento superinclusivo (p. 149)
4. Uma paciente de 57 anos disse: “Eu comecei a me sentir tão alta que
amarrei um peso no meu tornozelo.”
F. Pensamento concreto (p. 148)

Capítulo 10
1. Um paciente destro, de 65 anos, que estava se recuperando de um derrame
do lado esquerdo, era incapaz de seguir o comando verbal: “Pegue o papel
com sua mão esquerda, dobre em dois e deixe no chão.”
I. Disfasia receptiva (p. 163)
2. Um paciente de 25 anos disse: “Phlogons invadiram meus pulmões,
primeiro de lado e agora no meio.”
J. Neologismo (p. 168)
3. Um paciente de 64 anos com um longo histórico de esquizofrenia
respondeu à questão: “O que você tem no seu copo?”. “Um líquido que
apesar de não ter cor, se torna escuro no preparo.”
G. Metonímia (p. 166)
4. Um paciente de 72 anos com diagnóstico de doença de Parkinson disse:
“Eu estou come... come..., começando a pensar em mu... mu..., mudar de
casa.”
B. Logoclonia (p. 161)

Capítulo 14
1. Um paciente de 23 anos se apresentou com a crença de que os seus
músculos eram muito pequenos, preocupação com a construção corporal,
exercícios excessivos e distúrbio alimentar.
H. Dismorfia muscular (p. 234)
2. Uma paciente de 56 anos se queixou de odiar sua mão esquerda. Apesar de
parecer normal, ela disse que a odiava e que sempre desejou que fosse
diferente em tamanho, forma e sensação.
A. Misoplegia (p. 236)
3. Um paciente de 27 anos se apresentou com uma crença de longa data de
que seu rosto era feio, principalmente o nariz, que ele pensava ser muito
largo e torto. Objetivamente seu nariz não era largo nem torto.
B. Dismorfofobia (p. 226)
4. Uma paciente de 40 anos se apresentou com uma queixa de que ela
continuava sentindo a sua escova de dentes na mão por até 15 minutos
depois de tê-la usado.
C. Palinaptia (p. 218)

Capítulo 16
1. Um paciente de 8 anos se apresentou com um histórico de reflexo de susto
aumentado, caracterizado por piscar de olhos, flexão da cabeça, abdução
dos antebraços, movimento do tronco e flexão dos joelhos em resposta a
ruídos altos.
C. Hiperecplexia (p. 265)
2. Uma paciente de 40 anos com um histórico de depressão recorrente e
atualmente deprimida relatou a incapacidade de sentir prazer em seus
passatempos e interesses habituais, bem como uma incapacidade geral em
experimentar qualquer sentimento.
A. Anedonia (p. 265)
3. Um paciente de 36 anos se apresentou no hospital odontológico com dor
em ambos os lados do maxilar inferior, irradiando para a articulação
temporomandibular e pescoço. Em resposta à pergunta: “E como você está
se sentindo emocionalmente?”, ele pareceu confuso e pediu para repetir a
pergunta. Depois disse: “Meu corpo está pesado e sinto dor por toda parte.”
J. Alexitimia (p. 268)
4. Um paciente de 75 anos com diagnóstico de doença de Parkinson fala com
uma voz monótona. Somado a isto, ele parecia não reconhecer o
significado emocional das variações no tom da voz.
F. Disprosódia emocional receptiva (p. 269)

Capítulo 17
1. Uma paciente de 32 anos se apresentou com episódios individuais de medo
intenso e extremo.
1. F. Pânico (p. 283)
2. Uma paciente de 23 anos se apresentou com medo excessivo, insegurança e
evitação de situações sociais devido à possibilidade de constrangimento ou
humilhação.
J. Fobia social (p. 285)
3. Um estagiário de 27 anos se apresentou com um histórico de pensamentos
intrusivos e repetitivos sobre limpeza e higiene, que estavam associados a
aumento de tensão e preocupação, que ele reconhecia serem seus próprios
pensamentos. Ele tentou resistir a esses pensamentos, mas descobriu que
eles se tornavam ainda mais urgentes e intrusivos.
H. Obsessão (p. 287)
4. Uma paciente de 32 anos, que tinha acabado de dar a luz, se apresentou
com um histórico de seis semanas de ataques de raiva, sentimentos de
hostilidade em relação ao marido, uma sensação desagradável de angústia
e impaciência com seus filhos.
E. Irritabilidade (p. 286)

Capítulo 18
1. Um paciente de 21 anos recentemente diagnosticado com esquizofrenia e
tratado com risperidona se queixava de inquietude motora, agitação interna
e incapacidade de ficar parado.
A. Acatisia (p. 308)
2. Um paciente de 17 anos é levado ao seu clínico geral porque ele
recentemente havia reconhecido um problema com jogos, excessivo
consumo de álcool e abuso de cannabis. Somado a isso, ele é avaliado
como suscetível a perder a calma e sujeito a dizer coisas das quais irá se
arrepender depois.
E. Impulsividade (p. 300)
3. Um paciente de 21 anos se apresentou com um histórico de episódios de
excesso de sono (chegando a 15 horas por dia), comida em excesso, libido
sexual aumentada, tristeza e crenças transitórias de perseguição.
G. Síndrome de Kleine–Levin (p. 296)
4. Uma paciente de 28 anos se apresentou pela primeira vez com movimento
acentuadamente desacelerado, ocasionalmente resultando em imobilidade,
posturas estranhas e mutismo. Durante o exame ela permite que seus
membros superiores sejam colocados em posições desconfortáveis que ela
consegue manter por longos períodos.
C. Catatonia (p. 305)
Índice
Os números de páginas seguidos por “f” indicam figuras, “t” indicam tabelas e
“q” indicam quadros.

A
Abstrações, 142
Abuso de álcool, delírios de ciúme e, 123–124
Abuso sexual, infância, lembranças recuperadas, 69
Acatafasia, 166
Acatisia, 308, 357, 366
associação à discinesia, 309
componentes subjetivos, 308q
Achatamento de sentimento, 266
Acidente cerebral vascular
identificação incorreta delirante, 126
no fenômeno de lapso de tempo, 80
Ácido lisérgico dietilamida (LSD)
aumento da sensação de dor, 247
despersonalização, 211
Acinesia, 304
Acinetopsia, 92
Acromatopsia, 92
Adesão ao tratamento e insight, 181
Adolescentes
obesidade, 230
transtorno de personalidade antissocial, 322
transtorno obsessivo-compulsivo, 290
Adrenalina (epinefrina), 258–259
Advertência, 305–306
Afasia, 162
motora, 164–165
visual subcortical, 162–163
Afeto
alteração no, delírios, 120
de desesperança, 67
definição de, 257–258
dificuldades na capacidade de verbalizar, 268
embotamento, 266
esquecimento seletivo associado, 66
percepção associada, 92
“Afirmação normalizadora”, 25
“Afirmações de resumo”, na avaliação do estado mental, 25
Afonia, 161
dissociativa, 161
Aggernaes, A
alucinações vs déficits de percepção, 96–97
consciência, estado perturbado da, 37
déficit no teste da realidade na esquizofrenia, 149
subjetividade e objetividade, 16
Agitação, 144, 303
na depressão, 303
na doença física, 303
Agnosia, 162
objeto visual, 87–88
prosopoafetiva, 269
Agnosia a objetos visuais, 87–88
Agnosia prosopoafetiva, 269
Agorafobia, 212, 284
Agrafia
com alexia, 164
pura, 164
Agramatismo, 168–169
Agressão, 300–301
diminuída, 302
excessiva, 302
impulso inato e resposta adquirida, 301
Agressividade
definição, 300–301
diminuída, 302
Akinesia, 307–308
Álcool
diminuição da sensação da dor, 248
estados de retirada, reflexo de susto exagerado, 265
fissura, 288–289
intoxicação patológica, 40–41
mania, 298–299
Alegria, estados elevados de, 263–264
Alerta, 45
aumentado, despersonalização, 211
Alestesia, 92–93, 218t
Alexia, 100, 162–163
com agrafia, 164
sem disgrafia, 162–163
Alexia agnósica sem disgrafia Agnósica, 162–163
Alexitimia, 351, 356, 361, 366
Alogia, 168
Alteração peniana, delírios hipocondríacos, 129
Alteração, teorias da despersonalização, 211
Alucinação, 91, 95–104
abordagem cognitiva para a investigação de, 96
autoscópica, 194
características, 95
cinestésicas, 102
como uma experiência sensorial normal, 95–96
conceitos de Rasmussen, 96–97
elementares, 97–98
extracampina, 105
fatores culturais, 97
funcional, 14, 106
ilusão pareidólica vs., 95
gustativa, 103
hápticas, 103
hídricas, 102
hipnagógicas, 51–52, 106
hipnopômpicas, 51, 106
liliputianas, 97
musical, 97–98
olfativas, 103
reflexas, 106
relação com percepções normais, 95–96
térmicas, 102
viscerais, 103
visuais, ver Alucinações visuais
Alucinações auditivas, 15, 97–99
atmosfera delirante se manifestando como, 118
condições associadas a, 98
elementar, 97–98
esquizofrenia, 341
no estado de avaliação mental, 26
persecutória, 98
Alucinações gustativas, 103
Alucinações táteis, 102
Alucinações visuais, 14–15, 100–101
alucinações auditivas e, 101
associada a estados orgânicos, 100
elementar, 100–101
Alucinose alcoólica crônica, 98
Ambiguidade, tolerância à, 99
Ambitendência, 305
Amnésia
anterógrada, 61
fuga dissociativa (histérica), 68
orgânica verdadeira, 61
psicogênica, 67
retrógrada, 61
unilateral, 197
Amnésia anterógrada, 354, 363
Amnésia retrógrada, 353, 363
Amnésia retrógrada, 61
Amok, 239t
Amor
delírios de, 124–125
estar “apaixonado”, 189
Ampliação nos limites da categoria Limite da categoria, ampliação do, 149
Amputado/amputação
imagem corporal, 234
membro fantasma, 237, 250
sofrimento, 274
Analgesia psicológica, 246
Análise da proposição, 171
Análise sintática, 171
Análise subjetiva, 16
Anástrofe, 120
Anedonia, 261–262, 270, 296, 356, 365
na depressão, 298
Angst, 280–281
Anorexia, 297
Anorexia nervosa, 230–233
Anorexia reversa, 234
Anormalidade, 9–10
tipológica, 10
Anormalidades psicogênicas, no transtorno da linguagem esquizofrênica, 169–
170
Anosognosia, 178–179, 236
Anosognosia super valorização, 237
Anseio, não direcional, 294
Ansiedade, 280–286
aguda, 282
associada ao estresse, 280
autodescrição, 283
características da, 280–281
despersonalização, 212
em outros transtornos, 286
flutuação livre, 280–281
geral, 283
hipocondria, 222–223
normal, 280
patológica, 280
sintomas, 280–281, 281q
modelo tridimensional, 282f
situacional, 283
Antidepressivos tricíclicos, despersonalização causada por, 211
Aparência do paciente, observação da, 26, 345, 359
Apatia, da depressão, 274
Aperto de mão, 311
Apetite, anormalidades do, 297q
‘centro do apetite’, 296–297
excessivo, 297
na esquizofrenia, 297–298
perda (anorexia), 297
Apneia do sono obstrutiva, 52
Apofania, 119
Apreensão (perda da compreensão intelectual), 49
Área de Broca, 164
Área de Wernicke, 164
déficit da, 163
Argyle, M., comunicação não verbal, 190–191
Aspectos situacionais, despersonalização, 209–210
Aspectos sociais, despersonalização, 209–210
Asquemazia, 235–236
Assimbolia à dor (Pain asymbolia), 248, 350, 361
adquirida, 248
Assindesia, 149, 166
Associações
constelação, 167–168
modelos baseados em Jaspers, 142–143, 142f
perda da continuidade dos pensamentos, 166
psicose, 130
reverberantes, 168
Astasia-abasia, 225, 225f
Astenopia, 223–224
Ataques de pânico, 283–284
Atenção, 47–49, 346, 359
alteração do grau da, 47–48
alternante, 46, 46t
capacidade, 46, 46t
déficit, 48
dividida, 46, 46t
focada/seletiva, 46, 46t
involuntária, 45
mantida (vigilância), 46, 46t
na percepção da dor, 248
psicose, 48–49
redução da, 46
voluntária, 45
Atenção, transtorno de déficit/hiperatividade, 303–304
Atento, 26
Atividade
fisiológica, anormalidade, 268–269
na avaliação da personalidade, 24
transtorno da, 192–193
Atividade excessiva, na mania, 298
Atividade pessoal, transtornos de, 154–155
Atmosfera
delirante, 117–118
ideias que surgem da, 114
Ato de vontade, 294
Atos agressivos, 300–302
Atos impulsivos, 294, 299–302
exemplos, 301
inibições voluntárias, 300
violentos, 300
Atrabilioso, 220
Atribuição
delírio, 122
hipocondria, 221
Aura epilética, 41
Aura epilética, 41
Autenticidade no transtorno de personalidade histriônica, falta de, 323–324
Autoagressão, 248
Autoconceito, 188–189
Autóctones, delírios, 115–116
Autóctones, ideias, 114
Autoengano, 141
Autoestima, sentimento de perda da, 207–208
Autoginefilia, 230
Auto-hipnose, 55
Autoimagem
e comunicação não verbal, 189–191
núcleo central, 190
Automatismo, 41–42, 346, 359
epilético, 41, 52–53
são, 53
Automonitoramento, falha no, 150
Autopercepção, despersonalização, relação, 207
“Autorreferente”, 133
Autoscopia (heautoscopia), 105, 193–195, 349, 361
Autoscopia propriamente dita, 194
Avaliação do estado cognitivo Estado cognitivo, avaliação do, 28
Avaliações objetivas, 16
Aversão, 306

B
Belle indifference, 226
Bem-estar, perda, 266
Berner, P., atmosfera delirante, 117–118
Berrios, G.E
delírios, 112
pseudoalucinações, 104
Bicefalia perceptiva delirante, 195–196
“Bile negra”, 266
Bloco de notas visuoespacial, memória de curto-prazo, 60
Bulimia, 297
Bulimia nervosa, 233–234
Busca ansiosa, no luto, 274
Busca, estágio, após luto, 94–95

C
Cabeça fantasma, 195–196
Cannabis, despersonalização, 211
Cannon-Bard, teoria da emoção, 258–259
Capacidade de resposta, 45
Capacidade, para insight, 176
Caretas faciais, 305
Cataplexia, 52
Catatonia, 304–305, 310, 351, 357, 362, 366
letal (perniciosa), 305
Catatonia periódica, 305
Catego, classificação dos sintomas, 337–338
Catexia corporal, 189
Cegueira
cortical, 100, 178–179
imagem corporal, 234
palavra, 162–163
Cegueira para as palavras, 162–163
Cenestestesia, 267
Cenestopáticos, estados, 267
Censura social, 191
chavões, ver Palavras/expressões chavão
Chomsky, teoria da linguagem, 160–161
Cibercondria, 222
Ciclo de sono e vigília, avanço de fase, 82–83
Ciclo menstrual, 83
Ciclos mensais, 83
Ciclotimia, 326–327
Ciclotímica, personalidade, 258
CID-10
delirium, 39
personalidade, 319–320
transtornos delirantes, 128–129
transtornos persistentes de humor, 326
CID-9, transtornos persistentes de humor, 326
Circunstancialidade, 348, 360
Ciúme mórbido, 123–124, 320–321
Cocaína, vício, 130
Codificação verbal, 190
Cognição
emoções, relação, 259, 269
nos delírios, 121–122
relação com a linguagem, 160
Coid, J., mania à potu, componentes, 41
Colecionismo, esquizofrenia, 311
Colostomia, imagem corporal após, 238
Coma, 39
“Como se”, sentimento de, 205
Compaixão, 5
Complexos carregados de afeto, 120
Comportamento
Agressivo, 322 ver comportamentos agressivos antissociais
característica, personalidade revelada pela, 23
desviante, devido a delírios, 113
distúrbios, 310–312
esquizofrenia, 310–311
durante automatismo, 41
exploratórias, anormalidades, 296, 297q
mal-adaptativo, 299–300
na psicopatologia descritiva, 4, 4f
observação, 5–6, 26, 345, 359
relacionamento entre necessidade e instinto, 294f
violento, ver Comportamentos violentos (violência)
Comportamento antissocial, 322
Comportamento de auto flagelação, 248, 249q
Comportamento de doença, 222, 352, 362
Comportamento de ensaio e época da vida, 84f
Comportamento exploratório, anormalidades, 296, 297q
Comportamento histriônico na depressão, 271
estado de êxtase, 263–264
Comportamento impulsivo, 300
na esquizofrenia, 310
psicopatologia, 302
transtorno de personalidade emocionalmente instável, 322–323
Comportamento na consulta, hipocondria (Comportamento de consulta,
hipocondria, 221
Comportamento referente à mão, 311
Comportamentos agressivos
em transtorno de personalidade emocionalmente instável, 322–323
na esquizofrenia, 302
psicopatologia, 302
transtorno psiquiátrico, 302
Comportamentos violentos (violência)
associados a delírios, 132
ciúme mórbido, 124
depois de despersonalização, 210
durante automatismo, 42
estado crepuscular e, 42
irritabilidade levando a, 287
transtorno de personalidade emocionalmente instável, 322–323
Compreensão
da saúde e doença do indivíduo, 352, 362
dos sintomas do paciente, 10–12
estática e genética, 11q
explicação vs., 11t
na psicopatologia, 359
na psicopatologia descritiva, 3–4, 345
Compreensão da fala, distúrbios da, 163t
Compulsões, avaliação das, 28
Compulsões/compulsivos
comportamentos, 287–290
sem falta de insight, 288
Comunicação
aplicação, 340
das emoções, 260
envolvendo fenomenologia, 10
habilidades e técnicas, 345, 359
exame do estado mental, 25q
para a compreensão dos sintomas do paciente, 10
psicopatologia descritiva
Comunicação não verbal, 260
autoimagem e, 189–191
avaliação, 26–27
Conceito corporal, 189
Concentração, 46–49
Conclusões precipitadas, estilo, 121–122
Condensação do pensamento, 147
Conectores (ligações), 169
Conexões significativas, 15
delírios e, 114
Confabulação, 62–64, 346, 354, 359, 363
características, 63b
de constrangimento, 62–63
esquizofrenia, 63–64
fantástica, 63
conteúdo persecutório, 63–64
momentâneo, 63
social, 63
Conflito de interesses, 20–21
Confusão, 40
Confusão psicótica, 143
Conhecimento, lembrança, vs., 61–62
Consciência, 34
alterações qualitativas da, 39–40
aumentada, 37
definição/significado, 34
dimensões, 36
diminuição quantitativa da, 38–39
distúrbio, 33–43
do self, 36
flutuação da, 40
intencional, 34
limite no número de itens na, 35
níveis (estágios) diminuídos da, 38f
patologia da, 37–42
sistema de excitação, 37f
turvação da, 36, 38
Consciência, 46–49
aumentada, 37
da experiência, 36
da personalidade, labilidade, 197
delirante, 119
interna, 191–192
variações no nível, 47f
Consciência corporal, 191
transtorno do, 217–244
classificação do, 218, 218t
sensorial, 234–238
Consolidação, origem do delírio, 120
Constantes de forma, 90
Constelação
associações, 143
sintomas, 336
Constrição na ansiedade, 280–281
Conteúdo
da experiência, 14–15
dos delírios, 131
hipocondríaco, 15
transtorno, no ciúme mórbido, 122
Contexto social, de emoções, anormalidades, 260b
Continuidade, sensação de, 197
Conversão, 67–68, 224–226, 361
conceito, 350
Conversão histérica, 140
Coprolalia, 309
Coreia de Huntington, 309
Cor, perda da visão de, 100
Corpo
experiência, 234
fisicalidade do, 217–218
insatisfação, bulimia nervosa, 233
tamanho, distúrbios do, 230–234
transtornos das características físicas/valor emocional do, 226–234
Corpo percebido, 189
Cortisol, nível de, alterações na depressão, 83
Crenças, 111–113
avaliação, 27–28
cultura, 129
delirante, 112
falsa, 111
como delírios, 131
não delirante, 113
religioso, 120, ver também Crenças simbólicas religiosas
sobre o corpo, distúrbio, 219–223, 219f
Crenças delirantes expansivas (grandiosas), 126
Crenças religiosas, delírios religiosos vs., 126–127
Crianças
ferimentos não acidentais, 322
transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, 303–304
transtorno de personalidade dissocial, 322
Criativa, inadequada e agressiva, psicopatia, 322
Criminosa, psicopatia, 319
Criptamnésia, 67
Criptografia, 162
Criptolalia, 162
Cronologia, transtorno da, 78
Culpa
delírios de, 127
sentimentos de
na depressão, 271
transtorno alimentar, 234
Cutting, J
alucinações, 95
patologia das emoções, 260

D
Dano cerebral adquirido, de identificação incorreta delirante, 126
Déficit de aprendizagem, ansiedade em, 289–290
Déjà vu, 62, 81, 209, 347, 360
estimulação cerebral, 81
lobo temporal, transtorno, 65
na epilepsia do lobo temporal, 81
Delirante, atmosfera, 117–118
Delirante, ciúme, 123–124
Delirante, consciência, 119
Delirante, erro de interpretação, 117
Delirante, evidência, 128
Delirante, falsificação retrospectiva, 66–67
Delirante, humor, 118
Delirante, ideia, 116
Delirante, identificação incorreta, 125–126, 354, 364
Delirante, intuição, 354, 364
Delirante, memória, 66–67, 118–119
falsificação retrospectiva delirante vs., 66–67
Delirante, percepção, 120, 153
Delirante, percepção, 14–15, 116–117
exemplos, 153
Delirante, significação, 119
Delirante, transtorno, 128–129
Delírios, 111–137, 348, 360
ação reativa, 132
a realidade dos, 131
atribuição, 122
autóctone, 115–116
avaliação do, 27–28
a visão do paciente do, 27–28
características, 112
cognição e raciocínio, 121–122
como falsa crença, 131
como falso julgamento, 111
comportamento desviante, devido ao, 113
comportamento violento em resposta ao, 132
conteúdo, 122–131
de amor, 124–125, 354, 364
de conteúdo sexual, 124
de controle, 28, 103, 150–152, 154–155, 338–339
do pensamento, 348, 360
envolvimento na internet, 123
de culpa, 127
de desorientação, 50
déficit, tema, 121
definição, 112–113
de forças alienígenas controladoras, 338–339
de infestação, 129–130
de infidelidade, 123–124
de integração, 336–337
de menos valia, 127
de pobreza, 127–128
de referência, 133
dismórfico, 129
envolvimento em limpeza, 130
fatores envolvidos no, 120q
grandiosos, 126
ideias deliroides vs., 115
ideia supervalorizada vs., 132
insanidade comunicada, 130–131
mimetizam desorientação, 50
na hipocondria, 223
niilista, 127–128, 349, 361
origens do, 119–122
fatores envolvidos, 119
modelo de Garety, 121–122
teorias alemãs, 119–120
paranoide, 133
persecutórios, 123
perturbação, 148
primário, 113–115, 338–339, 347, 360
tipos, 115–119
religioso, 126–127
resposta afetiva, 113
retrospectivo, 118
secundário, ver Ideias deliroides (delírios secundários)
significado, 112–113
significado na vida, 122
tema motivacional, 121
Delírios dismórficos, 129
Delírios grandiosos, 126
Delírios hipocondríacos, 128–130
Delírios niilistas, 127–128, 192, 349
Delírios primários, 148, 152, 347
Delírios religiosos, 126–127
Delirium, 39, 346, 359
definição, 39
ocupacional, 42
Delirium tremens, alucinação visual, 100, 102f
Deliroides, ideias (delírios secundários), 133, 140, 148, 222–223, 348, 355, 360,
364
Demência
desorientação, 49–50
identificação incorreta delirante, 126
Dependência passiva, 324
Depressão, 144, 257–258, 270, 274
agitação, 303
alterações no ritmo circadiano, 83
anedonia, 298
atípica, 250
avaliação clínica, 13
das emoções, 265
delírios de culpa e menos valia, 127
de pobreza, 127–128
hipocondríaco, 128
persecutório, 123
religioso, 126–127
despersonalização, 212
distúrbio do ritmo biológico na, 82–83
experiência central (psicológica/física), 270–271
gráfico do humor, 261f
pensamentos suicidas, 272–273
perda, 273–275
postura, 312
prejuízo da memória, 65
prejuízo na motivação, 298
preocupação com pensamentos deprimidos, 48
reativa, transtorno de personalidade histriônica, 323–324
retardo, 298, 304
sentimentos vitais, 247
sintomas, frequência, 272t
sorridente, 271
transtornos da passagem do tempo, 78
Depressio sine depressione, 270
Desafetização, 209, 261
Desatenção, crianças, 46–47
Desatenção esquizofrênica, 150–151
Descarrilamento, pensamento, 145, 146f, 167
Desempenho intelectual e insight, 180
Desinibição, 300
Desorientação, 49–50, 353, 363
delírios que mimetizam, 49–50
dissociação, 50
histérica, 50
identidade, 49
no tempo, 49, 77
para pessoas, 49
quanto à idade, 77–78
situacional, 49
Despersonalização, 192, 205–215, 350, 361
alteração da consciência, 211
alteração de humor na, 208
ansiedade, 212
aspectos sociais e situacionais, 209–210
associada à dissociação, 210
avaliação, 28
características definitivas de, 349, 361
componentes, 206q, 350, 361
considerações, 212–213
definições/descrições, 205–210
desrealização com, 207
devido a drogas, 211
diminuição da intensidade, 261
episódios auto-induzidos, 210
experiência subjetiva, 208–210
fadiga, 207
início, 210
maníaco-depressivo, 212
na depressão, 212
personalidade, 209
relação da auto percepção, 207
resposta funcional pré-formada, 210–211
sensação do tempo distorcido, 209
sintoma, 207
teoria psicanalítica, 212
teorias orgânicas e psicológicas, 210–211
tontura, 212
Despersonalização, síndrome, 129, 208, 212
ligado à cultura, koro, 209
sintomas, 208
Desrealização, 92, 208
com despersonalização, 207
perda da sensação de tempo, 81
Dessomatização, 209
Desvantagem biológica, 8–9
Devaneio maternal, 141
Devaneios, 63
avaliação de personalidade, 24
ilusão pareidólicas vs., 95
Diabete insípido, nefrogênico, 297
Diagnóstico psiquiátrico, 21
aplicação da psicopatologia descritiva, 340
definição, 333
hierárquico, 336–337
importância da, 333
pós-escrito, 339–342
Dicas para evocação de memória, 61
Diferença de fuso horário, 82
Disartria, 161
Discinesia Faciobucolinguomastigatória, 309
Discinesia, tardia, associação à acatisia, 309
Discromatopsia, 92
Disfasia, 162
condução, 163
jargão, 164
motora, 162
primária, 164
transcortical, 164
nominal, 164
receptiva, 163
sensorial, 162–164
primária, 163
transcortical, 164
sintática, 163
subcortical auditiva, 162
tipos, 163t
Disfasia receptiva, 355, 365
Disfasia sensorial primária, 348, 360
Disfonia, 161
Disforia, emocional, 261
Disfunção moral, 322
Dislexia, 100
Dismorfia muscular, 234, 356, 365
Dismorfofobia, 133, 218, 218t, 219f, 226–228, 356, 365
anormalidades, 229
queixa, 228
Disprosódia
emocional expressiva, 269–270
emocional receptiva, 269–270, 356, 366
Disprosódia emocional expressiva, 269–270
Disprosódia emocional receptiva, 269–270, 356, 366
Dissociação, 67–68, 140, 223–226, 361
conceito, 350
desorientação, 50
despersonalização, associação, 210
na ansiedade, 281
Distanciamento emocional, no transtorno de personalidade esquizoide, 321
Distimia, 327
Distonia, 308–309
Distonia aguda, reações, 308–309
Distorções sensoriais, 91–94
Distração, redução da alucinação auditiva, 99
Distraibilidade, 47
Distúrbio psicogênico em massa, 225–226, 350, 361
Doença psiquiátrica, 221
Doenças cerebrais orgânicas, agudas em fenômeno de lapso de tempo, 80
Doenças, definição, 8–9
Doença sociogênica em massa, 225–226
Doppelgänger, 194
Dor
anseio, 248
aspectos fenomenológicos da, 245
associada à psicopatologia, 361
atenção e, 245–246
central (síndrome talâmica), 247–248, 350, 361
definição, 245
depressão e, 249
e sensação aumentada, 247–248
e sofrimento, 252
experiência subjetiva, 252
facial atípica, 250
limiar de, 245–246
não orgânica, classificação da, 249
no transtorno psiquiátrico, 247
orgânica ou psicogênica, 245–247
percepção, 245
perda e, 250
psicopatologia, 245–254, 350
reincidentes, 248–249
sem causa orgânica, 248–252
sensação diminuída, 248
sistema nervoso central, modulação da, 246
teoria do controle do portão, 245–246
transmissão da, 245–246
Dor atípica no rosto, 250
Dor facial atípica, 250
Dor facial psicogênica, 250
dor orgânica vs., 245–247
Dor orgânica, dor psicogênica vs., 245–247
Dosulepina (dotiepina), 250–251
Drogas
antipsicóticas, efeitos colaterais extrapiramidais, 307–309, 308q
devido a alucinações visuais, 101
devido à despersonalização, 211
Drogas antipsicóticas, efeitos colaterais extrapiramidais, 308–309, 308b
Drogas psicomiméticas, alucinações visuais provocadas por, 101
DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quarta
edição)
delirium, 39
transtornos de personalidade, 319, 320t
Dualidade mente-cérebro, 17
Dualismo cartesiano, 17

E
Ecolalia, 161
Ecopraxia, 305–306
Ego, 187–188
conceito de Freud, 188
distúrbios, esquizofrenia, 212
pluralidade de conceitos, 187–188
Ego, atividade, 192–193
Ego, consistência, 193–197
Ego, demarcação, 197–201
Ego, limites
alteração no, êxtase, 264
perda, 200
Ego, mecanismos de defesa, 4, 141
Ego, vitalidade, 192, 349, 361
Eletroconvulsoterapia (ECT), perturbação da memória, 64–65
Embotamento, do afeto, 266
Emoções
alterações na intensidade, 261–265
alterações no timing, duração e adequação à situação, 265–266
anormalidades da adequação, 266–268
anormalidades da avaliação, 269–270
anormalidades da expressão, 266–268
cognição, relacionamento, 269
comunicação não verbal, 260
definição, 257
exacerbação, 262–264
expressão superficial, 265
influências culturais, 259
definição, 257–258
labilidade, transtorno de personalidade histriônica, 323–323–324
livremente flutuante, 268
na psiquiatria, 258
patológica
alterações, 261–268
classificação, 260
sensações corporais associadas a, 266–267
teorias, 258–259
tipos básicos, 259
alterações patológicas, 260
transtornos das, 257–278
Emoções básicas de Ekman, 351, 362
Emoções livremente flutuantes, 268
Empatia, 12–14, 359
avaliação da experiência subjetiva, 5
compreensão de significado, 11–12
falta de, transtorno de personalidade esquizoide, 321
ferramenta terapêutica, 14
genética, 114
método, 13, 26
na psicopatologia descritiva, 3–5, 345
Empreendedorismo, 299–300
Encaminhamento
psiquiátrico, impulsivo e agressivo, comportamento, 302
psiquiátrico, natureza e tipo de, 22
Endorfinas, 246
Enfermidade, 8–9
comportamento, 335
física, na ansiedade, 286
medo, 285
perda do bem-estar, 266
pessoal, 336–337
Entrevistas
avaliação da fala e do pensamento, 27
curta, 21
Epifenômenos, 5
Epilepsia
flutuação da consciência, 39–40
gelástica, 265
identificação incorreta delirante, 126
no êxtase, 263–264
riso/choro patológico na, 265
Epilepsia de lobo temporal
alucinação visual, 100–101
déjà vu, 62, 81
estado crepuscular e, 40
Erotomania, 124–125
Erro na nominação de objetos, 67
Escala de Ansiedade e Depressão no Hospital, 283, 283f
Escala para Avaliação de Sintomas Negativos, 298
Escala Wechsler de Inteligência Adulta, 68
Escrita, déficit de, 163t
Espaço, sentido de, 75
Espontânea, fala fluente, transtornos de, 163t
Esquecimento, 60
do desagradável, 67
influência do afeto, 66
seletivo, 66
taxas, 66
Esquema corporal, 189, 235
Esquizofrenia
abordagens linguísticas para, 170–171
achatamento do afeto, 266
alucinações auditivas, 98, 341
anedonia, 262
anormalidades da linguagem na, 348, 360
anormalidades dos ritmos circadianos, 83
ansiedade, 286
Bleuler, 118
confabulação na, 63–64
crônico, em desorientação quanto a idade, 77
déficit de memória, 65
embotamento do afeto, 266
fala, 170
falta de previsibilidade, 170
transtorno de pensamento na, 170
fases prodrômicas, 118
insight e, 180–182, 349, 361
limites do self, 200, 201f
paranoide, 133
paratimia e paramimia na, 265
pensamento concreto, 166–167
percepção delirante, 116
de amor, 124
de infestação, 129–130
delírios hipocondríacos, 128
perturbações do ego, 212
raciocínio dedutivo, deficiência, 167
risco no transtorno de personalidade esquizoide, 321
sensação diminuída de dor, 248
sintomas, 7
sintomas de primeira ordem, 116, 151–153, 152t, 200
Exame do Estado Atual, 339t
exemplos, 153–157
sintomas primários, 115
teorias psicológicas sobre o pensamento na, 150–151
traços negativos, 298
transtorno da qualidade do tempo, 82
transtorno de linguagem, 165–171
modelos de investigação, 165t
transtorno do movimento, 304
transtorno motor, 306–307
categorias, 307t
transtornos comportamentais, 310–311
transtornos da vontade, 297–298
transtornos de pensamento na
destruição de palavras/gramática, 168–169
e descrição clínica, 166–169
mau uso de palavras/frases, 167–168
na fala, 166t
tipos de, 167
turvação da consciência, 38
variação sazonal e, 83–84
Esquizofrenia catatônica, 304–305, 310
Estado, 318–319
vs. traço, 280–281, 325
Estado crepuscular, 40
Estado de Ganser, 40, 68–69, 353, 363
Estado inconsciente, 33
Estado mental, 22
exame, 25–26
Estados afetivos mistos, 144, 303
Estados de ansiedade, 280–281
Estados de ansiedade vital, 267
Estados de possessão, 198–200
e transe, 198
Estados fóbicos, 284–286
Estados oniroides, alucinação visual, 101
Estado tipo sonho (oniroide), 42–43
Estereotipia, 304–305
Estresse
e ansiedade, 280
reação anormal, mutismo histérico, 169
Estupor, 42–43, 165, 353, 363
causas psicogênicas vs. neurológicas, 42
Eu, 191–192
Euforia, 263
Eus (selves) fenomenológicos, 189
Evocação panorâmica, 65
Exame de Estado Atual (EEA), 156, 283, 337–339
“pontuação total do insight” e, 180
sintomas de primeira ordem da esquizofrenia e, 339t
Exame do Estado Atual, 283
psicopatologia, 333–343
sintomas para a formação de categorias diagnósticas, 336–339
Exame do estado mental, 28
Exame psiquiátrico, esquema para, 20b
Excitação fisiológica, anormalidades da, 260q
Excitação mental, excessiva, na insônia, 51–52
Excitação, na esquizofrenia, 310
Execução, transtornos de, 293–314
Executivo central, memória de curto prazo, 60
Exosomestesia, 93, 218t
Experiência
anormalidade da, 268–269
forma e conteúdo, 14–15
subjetividade e objetividade na, 15–16
Experiência chave, origem dos delírios, 120
Experiência compreensível, delírios primários, 114
Experiência incompreensível, 6
Experiência inconsciente, fenomenologia e, 16
Experiência sensorial normal, 95–96
Experiências extáticas, experiências religiosas vs, 264
Experiências feitas, 154–155
Experiências fora do corpo, 194
Experiências religiosas
indicadores para, 264
vs. experiências de êxtase, 264
Experiência subjetiva
consciência aumentada, 37
estudo da, 7–8
Experiência Subjetiva de Sintomas Negativos, escala, 298
Explicação, 11
Compreensão vs., 11t
estática e genética, 12q
Expressão facial, imutável (embotamento do afeto), 266
Êxtase, 200–201, 262–264
antropologia, 264
característica, 264
na mania, 212

F
Fácies depressivas, 312
Fadiga, associada a despersonalização, 207
Fala
área isolada da, 164–165
associada ao hemisfério, 162
automatismo, 42
avaliação da, 27
fluência, transtornos de, 163t
fuga de ideias, 169
hesitante, 164
indistinta, 164
ininteligível, 162
interna, 90–91
mudanças na entonação, 161–162
na mania, 162
pobreza de conteúdo da, 167
pressão, 169
privada, 90–91
repetição, 163t
transtorno da, 159–173
volume da, mudanças no, 161–162
Fala confusa, 146
Falsificação
memória, ver Memória, falsificação
retrospectiva delirante, 66–67
Familiaridade
conhecimento baseado em, 61–62
sentimento de, 208
despersonalização, perda de, 208
Fantasia, 111
capacidade de, 55
explicação do duplo, 193
na hipnose, 55
sonho, 53
Fatores culturais
alucinações, 97
emoções, 259
insight, 182
transtornos de imagem corporal, 238–239, 239t
Fatores sociais, insight, 182
Fenômeno de Zeitraffer, 80
Fenômeno de lapso de tempo, 80
Fenômeno de telescopagem, 237
Fenomenologia, 340–341
definição, 6
confusão a respeito, 7
e psicopatologia, 6–8
facilita a comunicação, 10
método, 7
objetivo, 14
uso diagnóstico, 14
Fenômeno obsessivo-compulsivo, elementos do, 351, 362
Fenômenos psicóticos, época da vida e, 84f
Fenwick, P., definição de automatismo, 41
Ferimentos não acidentais, crianças, 322
Flexibilidade cérea, 304–305, 310
Fluência da associação, 149
Fluxo de pensamento, interrupção no, 145–147
Fobia a peso, 231
Fobias, 284
a animal, 284
a doenças, 285
espécies de, 284q
na depressão, 286
simples, 284–285
social, 284–285
Fobias a animais, 284
Fobia social, 357, 366
Folie à deux, 131
Folie communiquée, 130
Folie imposée, 130
Folie induite, 130
Folie simultanée, 130
Fome, 296
Fonemas, 98, 160
Forma, 14–15
definição, 14
Formigamento, 103
Fotofobia, 223–224
Frégoli, síndrome de, 125
Freud, S
insight, 178
instinto, 294–295
sonhos, 54
Frigofobia, 239t
Fuga de ideias, 143, 143f, 169
mania, 298–299
Fuga dissociativa (histérica), 68
Função corporal, transtornos da, 224–227
Função intelectual e época da vida, 84f
Funções parciais, 335–336
Fusão dos pensamentos, 145, 146f

G
Gagueira, 161
Gesticulação, reduzida no retardo, 304
Gestos, 164
comunicação não verbal, 189–190, 260
Global Insight Scale, 179
Gráfico do humor, 261f
Gramática, 160
destruição da, na esquizofrenia, 168–169
mental, 160–161
Grasping, 305–306

H
Halo semântico, de palavras, 167–168
Heautoscopia interna, 194
Heautoscopia negativa, 194
Hemianopia homônima, 100
Hemianopia, homônima, 162–163
Hemidespersonalização, 236
Hemimicropsia, 91
Hemiplegia, lado esquerdo, 178–179
Hemisomatognosia, 236
Heterofenomenologia, método de, 33–34
Hiperacusia, 92–93, 247
Hiperatividade, 303–304
inquietação, 303
Hipercinesia, 303
Hiperecplexia, 265, 356, 365
Hiperesquemazia, 235
Hiperestesia visual, 91–92
Hipersonia, 52, 296, 353, 363
Hipnose, 54–56
fantasia, 55
indução, 55
Hipnose em massa, 198
Hipocondria, 128, 219–223, 219f, 361
conteúdo, 222–223
determinantes, 350
psicopatologia, 222–223, 222b
Hipocôndrios, 220, 220f, 266
Hipoesquemazia, 235–236
Hipomania, 275
Histeria, 224, 249
campos visuais do paciente com, 226f
conversão, 219
em massa, 263–264
epidêmica, 263–264
sintomas, 67–68
Histeria de conversão, 218
Histeria epidêmica, 263–264
Histórico, anamnese, 22
família, 22
histórico pessoal, 22–23
passado, 22
Histórico factual, 22–23
Histórico familiar, 22
Histórico pessoal, 22–23
Histórico psiquiátrico, 22–23
Homicídio, delírios de culpa, 127
Humor, 351, 362
anormalidades do, classificação do, 257
caráter diurno do, 83
comunicação do, 259–260
definição, 257
delirante, 118
descrições subjetivas e objetivas do, 27
despersonalização, 208
distúrbios, 257
e época da vida, 84f
elevação do, 263
labilidade do, 265
na avaliação da personalidade, 24
na depressão, 270–275
na psiquiatria, 258
normal, 258
no transtorno bipolar, anormalidade do, 270
oscilações
extremos, pensamentos suicidas, 273
na síndrome pré-menstrual, 83
transtorno de personalidade histriônica, 323–324
transtornos persistentes, 326–327

I
Idade
desorientação, 77–78
gravidade da irritabilidade, 287
Ideação, 16
errônea, 132–134
“Ideal”, normal, 23
Idée fixe, 321
Ideia fixa, 321
Ideias, 111–113
autorreferentes, 320
avaliação das, 27–28
delirantes, 116
deliroides, 115
de perseguição, 320
fixas, 321
Ideias compulsivas, explicação do duplo, 189
Ideias de autorreferência, 320
Ideias equivocadas, delírios e, 111–137
Ideias obsessivas, 289
Ideias paranoides, 133
Ideias supervalorizadas, 132–133, 148, 223, 228, 234
como ciúme mórbido, 133
no transtorno de personalidade paranoide, 133, 321
transtornos de conteúdo associado, 133t
Identidade
perda temporária, 198
perturbação da, 197–200
Identidade falsa, 67–68
Identificação incorreta, delirante, 125–126
Ilogismo, 167
Ilusão, 94–95, 94f
afeto, 94–95
completude, 94
pareidólica, 95
Ilusões de afeto, 94–95
Imagem, 88–89
anormal, 106–107
características, 88–89, 89t
visual, 89
vívida, 91
Imagem compulsiva, 289
Imagem corporal, 188–189, 234
acentuação patológica, 235
alterações orgânicas, 234–238
aspectos sociais, 189
desenvolvimento, 189, 190f
diminuído/ausente, 235–236
distorção, 233, 236–238
distúrbio, 238
sensório, 247
transtornos ligados à cultura de, 238–239, 239t
Imagem funcional, imagem visual, 89
Imagem mental, 89, 141
alucinações auditivas, 99
Imagem obsessiva, 289
Imagem perturbadora, 289
Imagem perturbadora, 289
Imagens
características da, 360
características formais, 347
vívida interna, pseudoalucina ções, 104
Imagens estruturais, 230
Imagens mentais, como alucinações, 96
Imaginação, 141
Impulsividade, 300, 352, 357, 362, 366
características, 300
empreendedorismo versus, 299–300
Impulso
insano, 301–302
resistência, 300
Impulso, 294–295
agressão inata, 301
anormalidades, 296, 297b
causas orgânicas, 297
biológica, 296–297
definição, 294
diminuição, 296
exacerbação, 296
Impulso instintivo, 294
Impulso violento, 300
Inconsciência, 34–36
definição, 34
três dimensões, 35f
Indagação sistemática, 26–28
Indução baseada em categoria, 141
Infestações, delírios de, 129–130
Infidelidade, delírio de, 123–124
Informação, anormalidade de processamento, delírios, 121–122
Insanidade comunicada, 130–131
Insanidade comunicada, 130–131
“Insanidade de tensão”, 304–305
Insanidade impulsiva, 301–302
Insanidade moral, 322
Insatisfação atitudinal com o corpo, 232
Insight, 175–184, 349, 361
adesão ao tratamento, 179, 181
avaliação, 28, 176–177, 345
base neurológica, 180
capacidade, 176
conceito, 177–180
críticas, 182
desenvolvimento, 178–179
fatores sociais e culturais, 182
Psicologia da Gestalt, 178
falta de, 178–179
medição, 179–180
medições válidas, 349, 361
na esquizofrenia, 180
na prática clínica, 176–177
no transtorno bipolar, 181–182
para enfermidade, 176
performance intelectual e, 180
prejudicado, etiologia, 182
prejuízo cognitivo e, 180–182
solução repentina, inesperada, para um problema, 178
tratamento afetado pelo resultado, 181
Insight and Treatment Attitudes Questionnaire (ITAQ), 179
Insight e prejuízo cognitivo, 180–182
Insight Scale for Psychosis, 179
Insônia, 51–52
inicial, 51
terminal, 51
Instinto
anormalidades, 296–299
definição, 294
relações entre necessidade e comportamento, 294f
Insulina, 296–297
Intelectual, perda da compreensão (apreensão), 49
Interesse
na avaliação da personalidade, 24
perda, na depressão, 298
Interpretações fantásticas, ilusões pareidólicas vs., 95
Intervalo de dígitos, 180
Intoxicação com água, esquizofrenia, 311
Ioga, 210
Irritabilidade, 286–287, 357, 366
e ansiedade, 286
expressa externamente, 286
gravidade e sensível à idade, 287

J
Jamais vu, 62, 81, 209
distúrbio do lobo temporal, 65
James-Lange, teoria da emoção, 258
Jaspers, K
alucinação, 95
anseio, impulso instintivo e ato de volição, 294
autoconsciência, 191–192
compreensão vs. explicação, 11
delírios, 132
distúrbios do tempo, 75
fenomenologia, 7
imagens e representação, 88–89
inconsciência, 34
insight, 176
pseudoalucinações, 104
transtorno de identidade, 197
Jee, 266
Julgamento, 147
falsos, delírios, 111
perturbação do, 147–151

K
Kleine-Levin, síndrome, 52, 296–297, 346, 357, 359, 366
Koro, 129, 209, 238–239, 239t
Korsakoff, síndrome, 61
confabulação, 62–63
transtornos da passagem do tempo, 80
Kraepelin, Emil
ciúme sexual, 123
delírios religiosos, 126–127

L
Latah, 239t, 265
Lavar as mãos, 286
Lei, aplicação da psicopatologia descritiva, 340
Leitura, déficits de, 163t
Lembrar, 61–62
Lesões cerebrais
comportamento obsessivo, 289–290
hiperatividade depois de, 303
Lesões diencefálicas, em transtornos de cronologia, 78
Lesões do lobo central, cronologia (ordem temporal), transtorno do, 78
Lesões do tronco cerebral, disartria, 161
Licantropia, 199–200
Ligações de referência, 169
Limpeza, obsessiva, 288
Linguagem
anormalidades psicogênicas, 169–170
distúrbios da, 159–173
orgânica, 162–165
modelo estatístico da, 170
pragmática, 160
teoria de Chomsky, 160–161
Lobo parietal, 235
lesões, na hipoesquemazia, 235
Logoclonia, 161, 355, 365
Loop fenomenológico, memória de curto prazo, 60
“loucura das solteironas”, 124–125
Lucidez-turvação, 36
Luto, 274–275
mórbido, padrões, 274
patológico, 265
postergado, 265
Luto, forçado/guiado, 274
Luto, sensação de perda, 274–275

M
Macropsia, 91
Macrosomatognosia, 235
Maher, BA, em transtornos da linguagem, 168
Mal de Alzheimer, alucinação visual, 100
Mal de Parkinson, 307
exacerbação do impulso, 296
Maneirismos, 305, 311
Mania
alegria e prazer, sentimentos de, 263
anormalidade da motivação, 296
exacerbação das emoções, 262–264
fala, 162
falsificação da memória, 67
fuga de ideias, 298–299
ideias deliroides de grandiosidade (delírios secundários), 126
insight, 181–182
roupas, 312
transtorno da vontade, 298–299
transtorno do afeto e emoção na, 275
transtornos da passagem do tempo, 80
Mania à Potu (Intoxicação Patológica), 41, 346, 359
Manipulação, transtorno de personalidade histriônica, 323–324
Mastectomia, 238
Masturbação, 335
Mecanismos de Defesa
defeito na memória de evocação, 67
ego, 4
Meditação transcendental, 193, 210
Medo
da morte, 222
de doença, 285
desempenho, 285
intensificação, 265
obsessivo, 286
Megafagia, 52
Melancolia, 220, 262–264, 266, 270, 303
delírios de perseguição vs., 123
Membro fantasma, 237–238, 250
dor, 238
imagem corporal, 234
Memória
armazenamento, 60
congruente com humor, 65
curto-prazo, 60, 346
declarativa (explícita), 60
delirante, 66–67, 118–119
de longo-prazo, 60, 347
funções, 60
dependente do estado, 65
de trabalho, 60
distúrbios da, 59–71
ECT e, 64–65
psicogênica, 67–69
duplo processo de sistema, 61–62
ecóica, 59–60
episódica (incidentes autobiográficos), 60–62
erros acústicos, 67
evocação, 60
inexatidão, 67
panorâmica, 65
prejuízo, 61
falsa, memória delirante, 119
falsificação, 66–67, ver também Confabulação
icônica, 59–60
afetivo, 65–69
déficit/transtorno
distúrbio do lobo, 65, ver também Amnésia
na esquizofrenia, 65
orgânico, 61–62
implantada, síndrome da falsa memória, 69
mecanismos, 59–60
não declarativa (implícita), 60
perda de palavras, 67
reconhecimento, 60
prejuízo, 61–62
recuperação, 60
direta, 61
indireta (estratégica), 61
prejuízo, 61
recuperada, 69
registro/codificação, 60
prejuízo, 61
retenção, 60
déficit induzido por ECT, 64
prejuízo, 61
semântica (memória factual), 60
erros, 67
sensorial, 59–60
sinal de recuperação, 61
viés, em transtorno afetivo, 65
Memória de curto-prazo, 346, 360
Memória de longo prazo, 347, 360
Memória de trabalho, anormalidade da, 150–151
Menos valia
delírios de, 127
sentimentos de, na depressão, 271
Mensagens verbais, 191
Mente, filosofia da, 17
Mentira patológica, 140
Mentir, fluente plausível (pseudologia fantástica), 66
Mescalina
alucinações visuais devido à, 100–101
despersonalização, 211
Metamorfopsia, 91
Método de vinheta de caso, 181–182
Métodos neuropsiquiátricos, 341
Metonímias, 166, 355, 365
Micropsia, 91, 354, 364
Microsomatognosia, 235
Misoplegia, 218t, 237, 356, 365
Mistura, 146
Mitgehen, 305–306
Modelo configural, 88
Modelo de associação de modelos, 88
Modelo de combinação de características, 88
Modelo de reconhecimento pelos componentes, 88
Modelo dos cinco fatores de personalidade, 318–319
Morfemas, 160
Motivação, 351, 362
anormalidades, 296–299, 297q
na esquizofrenia, 298
definição, 294
fatores intrínsecos e extrínsecos, 295
Movimentos involuntários espontâneos, na esquizofrenia, 304–305
Movimentos mioclônicos, 265
Movimentos voluntários, idiossincrásicos, na esquizofrenia, 304–305
Movimento, transtornos, 303–310
agitação, ver Agitação
hiperatividade, 303–304
na catatonia, 304–305
na esquizofrenia, 304–307, ver também Transtornos motores
na execução do movimento, 305
obstrução do fluxo de ação, 305
transtornos isolados do movimento, 304–306
Múltiplas personalidades (transtorno dissociativo de identidade), 195–197
Mutismo, 165
acinético, 42
estupor, 42–43
histérico, 169
Mutismo acinético, 42

N
Narcisismo, 105
Narcolepsia, 52
Necessidade
anormalidades, 296–299, 297q
na esquizofrenia, 298
definições, 294
primária/inata, 294
relação entre instinto e comportamento, 294f
secundária, 294
Necessidade sexual, exacerbação, 296
Negativismo, 306
na esquizofrenia, 304–305
Negligência hemiespacial, 236
Neologismo, 162, 167–168, 355, 365
Neuroanatomia, 340–341
Neuromas, coto, 250
Neurônios espelho, 259–260
Neurose
e estresse, 336
vs. psicose, 336
Neurose fóbica, subdivisões da, 285b
Ninfomania, 124
Nomeação, déficit da função linguagem, 163t
Norma, 9–10
de valor, 9
estatística, 9
individual, 10
social, 10
Normal, definição de, 9, 23
Núcleo supraquiasmático, controle do ritmo biológico no, 82

O
Obediência automática, 305–306
Obesidade, 230, 297
esquizofrenia, 297–298
Objetividade, 15–16
definição de, 16
na sensação normal, 97
Objeto(s), identificação incorreta, delirante, 126
Observação
da aparência e do comportamento, 5, 26
para a compreensão dos sintomas do paciente, 12–13
Observador, 6
Obsessão, 287–290, 357, 366
avaliação da, 28
definição de, 287
e crenças religiosas, 288
na esquizofrenia, 289–290
Obstrução, no fluxo de ação, 305
Olho gordo, 239t
Oposição, ao movimento, 306
Ordem temporal, transtorno da, 78
Orientação, 49–50
definição, 49
para o espaço, 49
para o tempo, 49
O self transtornado, ver Self, transtornos do,
“O tempo parou”, observação de, 78
Ouvir, para compreender os sintomas do paciente, 12–13

P
Pacientes hebefrênicos, esquizofrenia, 150–151
Palavras
cegueira, 162–163
destruição das, na esquizofrenia, 168–169
escolha, na avaliação do estado mental, 26
halo semântico, 167–168
intrusão de, 168
mudez, 164
perda de memória para, 67
previsibilidade, 170
surdez, 162
uso errôneo das, na esquizofrenia, 167–168
Palavras/expressões chavão, 167–170
exemplo, 167
Palinacusia, 92–93
Palinaptia, 93, 218t
Palinopsia, 91, 354, 363
Pânico, 357, 366
Papel de doente, 334–335
Paradigma lembrar-saber, 61–62
Paraesquemazia, 236–238
Parafasia, 168
literal, 168
verbal, 168
Paragramatismo, 162, 168–169
Paralogia, 168
Paramimia, 265
Paramnésia, 67
Paranoia, 128–129
Paranoide, 133, 320
paraprosopia, 356, 365
Paraprosopia, 91, 354, 364
Parassonias, 52–53, 353, 363
Paratimia, 265
Pareidolia, 95
Paresia geral, 40, 263–264
falsificação da memória, 66
Parestesia, 102
Passividade, 28
da emoção, 155
da vontade, 156
do impulso, 156
do pensamento, 151
na atmosfera delirante, 117–118
experiências, 197
como anormalidade da vontade, 296
sintomas de primeira ordem da esquizofrenia, 154–155
somática, 156
transtornos de, 154–155
Passividade somática, 156
Pelopsia, 92, 354, 364
Penoescrotodínia, 251
Pensamento
aceleração do, 143
alterações no fluxo do, 147
autista, 140
circunstancial, 144–145, 145f
concreto, 166–167
confusão do, 40
desempenho do, 140
e linguagem, relacionamento entre, 160
funções, 140
imaginativo, 141
processo, transtornos do, 139–158
superinclusivo, 166
tipos de, 140–142
transtorno do controle do, 151–157
Pensamento conceitual, 141–142
Pensamento concreto, 148–149, 355, 365
Pensamento contrafactual, 141
Pensamento fantasioso, 140–141, 355, 364
e agressão sexual, 140
Pensamento racional, 141–142
Pensamentos
alienação dos, 157
audíveis, 152–153
avaliação dos, 27
bloqueio, 147, 147f, 151–152, 167
coerente, 40
difusão, 151–152, 155
influência do, 157
inserção, 151–152, 155, 157, 338–339
perda da direcionalidade, 167
roubo, 147, 151–152, 154–155, 355, 364
transtornos, 27
Pensamentos suicidas, depressão, 272–273
Pensamento superinclusivo, 149, 166, 355, 364
Percepção, 14
anormalidades da, 87, 91–95
avaliação, 27–28
distorções sensoriais, 91–94
falsa percepção, 94–95
auditiva, 14
aspectos elementares da, 92–93
características da, 89t
clivagem da, 94
de objetos, sentimentos vinculados à, 267–268
erros de interpretação, ilusões pareidólicas vs., 95
falsa, 94–95
patologia da, 87–110
qualidade da, 92
sensação e, 87–91
significado no delírio, 117
tátil, aspectos elementares da, 93
visual, 89
Percepção auditiva, 14
Percepção da cor, 91–92
Percepção visual
aspectos elementares da, 91–92
anormalidades, 347, 360
cor, 91–92
do movimento, 92
localização espacial, 92
tamanho, anormalidades, 91
Perda e depressão, 273–275
externa, experiência subjetiva, 274
Perfeccionismo, 324–325
Perguntas
capciosas, 12–13
empáticas, 13
no exame do estado mental
“abertas”, 25
“fechadas”, 25
Períodos de vida, 84–85
perturbação psiquiátrica e, 84f
Perseguição, ideias, 320
Perseveração, 26, 64, 147
Personalidade anormal, 23
avaliação da, 23
definição de, 23
despersonalização, 209
duplo, 194
labilidade na consciência da, 197
múltipla, 196–197
normal vs. anormal, 23
pré-morbida (prévia/usual), 23–24
sensível pré-mórbida, 120
Personalidade anormal, 23, 318–319
Personalidade normal, 23
Personalidade obsessiva (anancástica), 289–290
Pesadelos, 53–54
Pesquisa, psiquiátrica, 341
Pinta, 10
Plagiando, criptamnésia e, 67
Pobreza, delírios de, 127–128
Polidipsia, 297
Posição intencional, 33–34
e consciência, 34
Pós-imagem, 96
Positive and Negative Syndrome Scale (PANSS), 180
Postura, 26–27
comunicação não verbal, 189–190
faraônica, 26–27
na catatonia, 304–305
na esquizofrenia catatônica, 304–305
transtornos isolados da, 304–306
Prejuízo do processamento cognitivo na alucinação auditiva, 99
Presença, sensação de, 194
Princípio de fechamento e ilusão de completude, 94
Privação sensorial, 107–108
Privação social, 322
Procedimento Cloze, 170
modificado, 170
reverso, 170
Processamento de faces, déficit no, 229
Processamentos ascendentes, reconhecimento visual, 88
Processos cognitivos automáticos, 46
Processos descendentes, reconhecimento visual, 88
Processos pré-conscientes, 35
Prognóstico, insight e, 181
Prosódia, 160
Prosódia emocional expressiva, 269–270
Prosódia emocional expressiva, 269–270
Prurido
psicogênico, 251–252
puritrogênico, 251–252
Pseudoalucinações, 51, 91, 94, 104–105
Pseudoalucinações visuais, 101
Pseudologia fantástica, 66, 140
Psicanálise, insight, 178
Psicodinâmica, 339
Psicologia Gestalt, conceito de insight, 178
Psicopatia
criativa, inadequada e agressiva, 322
definição, 323
Psicopatologia, 4–6, 4f
aplicações práticas da, 352, 362
aumentada, no período pré-menstrual, 83
conceitos, 334–336
definição, 4
descritiva, ver Psicopatologia descritiva
dualidade mente-cérebro e, 17
e diagnóstico, 333–343
explicativa, 4
fenomenologia e, 6–8
substratos neural e orgânico, 17
usos da, 340
Psicopatologia (analítica) dinâmica, 4–5
Psicopatologia analítica (dinâmica), 4–5
Psicopatologia descritiva, 336, 345, 359
aplicações, 340
compreensão na, 345
conceitos fundamentais, 3–18
definição, 3–4
descrição do comportamento, 4, 4f
dualidade mente-cérebro, 17
empatia, 3–4, 6, 345
experiência inconsciente, 16
fenomenologia, 6–8
perturbações do ego e perturbações do self, 191–192
pesquisa, 341
substratos neural e orgânico, 16–17
visões de continuidade e descontinuidade, 5
vs. psicanalítica, 5t
Psicopatologia explicativa, 4
Psicopatologia psicanalítica
vs. descritiva, 5t
Psicose
atenção e, 47–48
de indução, 130
insight do paciente, 178
simulada, 118
Psicose cicloide, 143
Psicose maníaco-depressiva, 143
Psicose monossintomática hipocondríaca, 129
Psicoses afetivas, alucinações auditivas, 98
Psicose simulada, 153
Psicossíndromes orgânicas, na ansiedade, 286
Psiquiatria
definição de, 3
escola biológica de, 339
escopo da, 3
Psiquiatria orgânica, psiquiatria sintomática vs., 17
Psiquiatria sintomática, psiquiatria orgânica vs., 17
Publicidade, percepção normal de um objeto e alucinação, 97
Q
Qualia, 34
Quebra súbita, 147
Questionário de Avaliação do Seasonal Pattern Assessment Questionnaire, 83–
84

R
Raciocínio, 141
dedutivo, 141
na esquizofrenia, 167
indutivo, 141
Raciocínio analógico, 141
Raiva, intensificação da, 265
Rapport, 16, 27
avaliação, 27
Rasmussen, conceitos de, 96–97
Razão tipo-número, 170
Reabilitação psicossocial, melhoria do insight, 181
Reabilitação vocacional, melhora no insight, 181
Real: auto discrepância ideal, 232
Real: discrepância do deveria ser, 232
Realidade
dos delírios, 131
senso de, alucinações e, 96–97
Recompensas, motivação e, 295
Referência
delírios de, 120
ideias deliroide de, 133
ideias sensíveis de, 120
Reflexo de susto, aumentado, 265
Registro de partidas dobradas, 177
Regressão, transtorno de pensamento como, 166
Relacionamentos indivíduo/mundo exterior, perturbados, 212
Relógio corporal, interno primário, 82
Repetição da fala, distúrbios da, 163t
Representação simbólica, 141
Repulsa, 222, 290
Resíduo, 120
Resolução, 274
Resposta afetiva, a delírios, 113
Resposta à intervenção, 221
Respostas aproximadas, 68, 169
Ressaca, 92–93
Retardo, 144, 144f, 149
mental, ver Retardo mental
motor, 304
na depressão, 270, 298, 304
psíquico, 270
Retardo mental, 304
sensação diminuída de dor, 248
Ritmos biológicos, 77
e psiquiatria, 82–85
Ritmos circadianos, 82–83
Rituais, compulsivos, 288
Roer unhas, 161
Rosto, acariciar, 312
Rotulagem, de transtornos, 21
Roupas
escolha e imagem corporal, 191
mania, 312
Ruminação obsessiva, 223
Ruminações, 289
obsessiva, 223

S
Sachs, O., percepção visual, 88
Salada de palavras, 165
Sapir-Whorf, hipótese, na linguagem, 160
Satiríase, 124
Saúde
conceitos, 334–336
normal, 9–10
Saúde, crenças, 181
Scale to Assess Unawareness of Mental Disorder (SUMD), 179
Schachter-Singer, teoria dos dois fatores da emoção, 259
Schedule for Assessment of Insight in Psychosis (SAI), 179
Schnauzkrampf, 305
Schneider, Kurt
ideia deliroide, 116
sintomas de primeira ordem, 115
Schneider, Sintomas de Primeira Ordem, 348, 360
Sede, anormalidades, 296, 297q
Self, 187
anulação, no êxtase, 264
consciência dos, 37
continuidade, perda de, 198
e “outro”, 298, 299f
identificação incorreta, 126
limites
na esquizofrenia, 200, 201f
transtornos do, 200–201
transtornos do, 187–203
Self vital, 266–267
Semântica, 160
Sensação
e percepção, 87–91
experienciando, esquema corporal, 191
Sensação corporal, alucinação da, 102–103
Sensação de ansiedade, 283
Sensações corporais, associadas a emoção, 266–267
Sensibilidade emocional, falta de, 266
Senso de tempo, 75
alteração, despersonalização e desrealização, 81–82
distorção, despersonalização, 209
perda, nos sonhos, 54
Sensório, 36
da imagem corporal, 247
Sentenças, uso errôneo, na esquizofrenia, 167–168
Sentimentos
achatamento, 266
ansioso, tenso, 283
definição, 257–258
dirigido a pessoas, 268
embotamento, 266
perda de, 261
vinculados à percepção de objetos, 267–268
Sentimentos vitais, 266–267
na depressão, 247
partes/regiões do corpo, 266–267
“Ser meu”, 191–192
Ser, transtorno de, 192
Sexsônia, 53
Significado, testes alternativos, 99
Síndrome amnésica, 178–179
Síndrome da boca ardente, 251
Síndrome da falsa memória, 69
Síndrome de amnésia orgânica, 63
Síndrome de Capgras, 125
Síndrome de Charles Bonnet, 101
Síndrome de Cotard, 127–128
Síndrome de desorganização, 150–151
Síndrome de despersonalização de ansiedade fóbica, 212
Síndrome de Ekbom, 129
Síndrome de Ganser, características, 68–69
Síndrome de Gerstmann, 236
Síndrome de Pickwick, 52
“síndrome de referência olfativa”, 129
Síndrome do aprisionamento, 42
Síndrome Geral de Adaptação de Selye, 351, 362
Síndrome Gilles de la Tourette, 309–310
Síndrome neuroléptica maligna, 304–305
Síndrome nuclear, 338–339
Síndrome pré-menstrual, 83
Síndromes, 336
Síndromes disminésicas, 60
Síndromes paranoides olfativas, 129
Síndromes Parkinsonianas, 305
Síndrome talâmica, 247–248
Sinestesia, 37, 89–90, 347, 360
Sintaxe, 160
incoerência da, 162
Sintoma psicogênico, hipersonia, 52
Sintomas
categorias diagnósticas formadas, 336–339
classificação, 337–338
compreensão, 10–12
constelações, 336
elicitando, 19–29
presentes, 22
primário vs. secundário, 15
Sintomas neurológicos funcionais, transtorno, 225
Sistemas de excitação, da consciência, 37f
Sistema visual
reconhecimento no, 88
sensação e percepção, 87–91
Sofrimento, 252
dor e, 252
Sofrimento emocional, sintomas e sinais de, elicitação, 19–20
“Solitários”, 321
Solução de problemas, 141
Somatização, 221, 268–269
Sonambulismo, 52–53
Sonhos, 24, 53–54, 193, 346, 359
desagradável, 53–54
em sono REM, 53–54
Sono, 45–57
anormalidades da necessidade do, 296, 297q
avaliação objetiva do, 50
embriaguez, 51
estágios, 50
necessidade, 51
paralisia, 52
privação, 82–83
REM, 50
Sono convencional, 53–54
Sono de movimentos oculares rápidos (REM), 50
Sonolência, 36, 38
na turvação da consciência, 38
Sono paradoxal (sono REM), 53–54
Sósias subjetivos, síndrome dos, 125
Spitzer, M., delírios vs. crenças, 112
Subjetividade, 15–16
definição, 16
Sugestionabilidade, 63
Suicídio
delírios de culpa e menos valia, 127
de pobreza, 127–128
hipocondríaco, 128
persecutório, 123
religioso, 126–127
taxas de, variação sazonal e, 83–84
Surdez para as palavras, 162
Surpresa
intensificação da, 265
mórbida, 265

T
Tagarelice, 146
Tálamo medial, estágios do sono e, 50
Tangencialidade, 167
Tartamudez, 161
Técnica Cloze, 348, 360
Técnicas de corpo inteiro, 232
Técnicas psicológicas, aplicação de, 341
Telegramês, 168–169
Teleopsia, 92
Temperatura corporal, mudanças na depressão, 83
Tempo
características do, 360
características formais, 347
cronologia, transtornos da, 78
desorientação, 49–50
direção do, transtorno da, 80–81
duplicação do, 81
duração do, transtorno do, 78
fluxo do, transtorno do, 78–80
objetivo (relógio), 76
transtorno do, 77–78
qualidade do, transtorno do, 81–82
ritmos biológicos e, 77, 82–85
singularidade de, transtorno de, 81
subjetivo (pessoal), 76
transtorno do, 78–82
transtornos do, 75–86
classificação do, 76q
tempo objetivo (relógio), 77–78
tempo subjetivo (pessoal), 78–82
Tempo objetivo (relógio), 76
transtorno do, 76q, 77–78
Tempo subjetivo (pessoal), 76
transtorno do, 76b
Tendência determinante, 47, 143
Teoria da aprendizagem, 301
Teoria de descrição, de imagem mental, 89
Teoria dos dois fatores da emoção, 259
Teoria pictorial, imagem mental, 89
Teoria psicanalítica, despersonalização, 212
Terapia, aplicação da psicopatologia descritiva, 340
Termo técnico, implicações diagnósticas, 26
Terrores noturnos, 53
Teste de Hunt, 171
Teste de realidade, pobre, alucinações auditivas, 99
Teste de séries, 46
Tipificação, 333–334
Tipo borderline, transtorno de personalidade, 323–324
Tipos de personalidade, 24
Tipos de personalidades mistas, 320
Tiques, 309–310
Tomada de decisões, mania, 298–299
Tontura e despersonalização, 212
Torpor, 211
Torpor emocional, 208, 274
Traços, 318–319
ansiedade, 280–281
estado vs., 325
negativo, da esquizofrenia, 298
personalidade, 324
vs. estado, 280–281
Traços de personalidade, 324
Traços de personalidade anancástica, 324
Traços negativos da esquizofrenia, 298
Transe, auto induzido, 193
Transexualismo, 229–230
imagem corporal, 191
Transferência, 4
Transtorno afetivo sazonal, 83–84, 347, 360
Transtorno bipolar
humor, anormalidade do, 270
insight, 181–182
Transtorno da alimentação, 230–234
Transtorno da construção gramatical (paragramatismo), 162
Transtorno de ansiedade generalizada, 281–282
transtorno de pânico vs., 283–284
Transtorno de estresse pós-traumático
irritabilidade no, 287
reflexo de susto, exagerado em, 265
sonhos desagradáveis, 54
Transtorno de identidade da integridade corporal, 228–229
Transtorno de pânico, 283–284
do subtipo respiratório, 351, 362
transtorno de ansiedade geral vs., 283–284
Transtorno de personalidade anancástica, 324–325, 352, 362
Transtorno de personalidade ansiosa, 327
Transtorno de personalidade antissocial, 321–323
Transtorno de personalidade antissocial (dissocial), 322
Transtorno de personalidade associal (dissocial), 321–322
Transtorno de personalidade dependente, 326, 352, 362
Transtorno de personalidade de Tyrer e Alexander, 319–320
Transtorno de personalidade emocionalmente instável, 322–324
tipo borderline, 323–324
tipo impulsivo, 322–323
Transtorno de personalidade esquiva, 325–327
Transtorno de personalidade esquizoide, 321
Transtorno de personalidade histriônica, 104–105, 323–324
Transtorno de personalidade narcisista, 327
Transtorno de personalidade paranoide, 320–321, 352, 362
ativa, 320–321
passiva, 321
Transtorno de personalidade psicopática, 321–322
Transtorno de personalidade sociopática, 323
Transtorno dismórfico corporal, ver Dismorfofobia
Transtorno do lobo temporal
déficit de memória, 65
déjà vu, 65
jamais vu, 65
Transtorno formal do pensamento, 139–140
Transtorno maníaco-depressivo, despersonalização, 212
Transtorno mental, 8–9
classificação, 337q
categórica vs. dimensional, 337
elicitando os sintomas da, 19–29
início depois de saúde normal, 336
síndromes, 336
Transtorno obsessivo-compulsivo, 287
Transtornos afetivos, 257–278
associado a ritmos circadianos, 82–83
exacerbação de emoções, 262–264
falsificação da memória, 66
transtornos da vontade, 298
Transtornos da emoção, sinais comportamentais, 311–312
classificação, 260q
Transtornos de ansiedade, 286
componentes ideacionais, 282
despersonalização, 210
Transtornos de pensamento na fala, categorização de, 166t
Transtornos de personalidade, 317–329
anancástica, 324–325
ansiosa (esquiva), 325–326
classificações, 318–319
definição, 319
dependente, 326
diferenciação do, 24–25
dissocial, 321–323
esquiva, 327
esquizoide, 321
falsificação da memória, 66
histriônica, 324
mista, 320
sociopática, 323
teoria, 317
Transtornos de personalidade esquizotípicas, 327
Transtornos dissociativos, despersonalização, 210
Transtornos do controle de impulso, 300
controle excessivo, 300
Transtornos do humor
Transtornos do sono, 50–53
hipersonia, 52
insônia, 51–52
parassonias, 52–53
Transtornos hipercinéticos da infância, 46–47
Transtornos motores, 306–307, ver também Movimento, transtornos
na doença cerebral, 307–309
no mal de Parkinson, ver mal de Parkinson
Transtornos persistentes de humor, 326–327
Trato espinotalâmico, interrupção no, 247–248
Trauma cerebral, 40
Travesseiro psicológico, 304–305
Travestismo, 229
Trema, 119
Tristeza, transtornos afetivos, 262
Trocadilhos não intencionais da esquizofrenia, 168
Tumores do lobo occipital, alucinações visuais em, 100
Turno de trabalho, 82

U
Unidade
consciência de (consistência e coerência do ego), 193
falta de, na expressão das emoções, 265
perda da, na esquizofrenia, 197
Unidade, transtorno de, 193–197, 193q

V
Variação sazonal, 83–84
Verbigeração, 165
Vergonha-humilhação, 121
Verificar o corpo, 234
Vertigem, hipoesquemazia com, 235
Viagem, com objetivo, fuga dissociativa (histérica), 68
Vida fantasiosa, estudo da avaliação da personalidade, 24
Viés, informante, 22
Vigilância (alerta), 36
Vigilância-sonolência, eixo, 36
Vigorexia, 234
‘Vindo do nada,’ delírios, 116
Vinhetas, psicopatologia, 180
Visão de continuidade, 5
Visão de descontinuidade, 5
Vodu, 239t
Vômito, autoinduzido, 234
Vômitos autoinduzidos, 234
Vontade
distúrbios afetivos da, 298
perda, 296–298
perturbação
em transtornos de humor, 298–299
na esquizofrenia, 297–298
transtornos, 293–314
Vontade, 294–295
anormalidades, 296–299, 297q
na esquizofrenia, 298
conceito, 295
definição, 294
Vorbeigehen, 68
Vozes, ouvir, 338–339
discutindo, 154
esquizofrenia, 98
que fazem um comentário, 154
Vulvodinia, 251
W
Wahneinfall (intuição delirante), 115–116
Windigo, 239t
Wisconsin Card Sorting Test (WCST), 180

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