A Inconstitucionalidade Da Súmula Vinculante

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma

do Estado Democrático de Direito


Márcio Berto Alexandrino de Oliveira
Bacharel em Direito pela Universidade Vale do Rio Doce – Univale. Especialista em Direito Processual pela PUC Minas. Advogado
atuante nas seguintes áreas: direito administrativo, eleitoral, tributário, civil e previdenciário. E-mails: <marcioberto121673@yahoo.
com.br>; <marcioberto2008@hotmail.com>.

Resumo: Pretende-se no presente artigo analisar a inconsti- No entanto, antes de adentrarmos no tema
tucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do
Estado Democrático de Direito, tendo em vista que sua adoção
em debate, faremos um breve relato do processo
vai de encontro com as garantias fundamentais previstas na na sistemática democrática instituída pelo texto
Constituição da República de 1988. Cabe registrar que o efei- constitucional de 1988.
to vinculante da Súmula em comento retira dos membros do
Poder Judiciário, no caso os magistrados, a competência para Nessa ótica, a Lei nº 11.417/2006, assim
interpretar e aplicar a norma ao caso concreto, bem como a como inúmeras outras leis do chamado “Pacote
ausência de paridade das partes na busca da prestação ju- Republicano”, nasce de uma tentativa eloquen-
risdicional. Assim, o magistrado torna-se um repetidor de nor-
mas, não podendo lançar mão da hermenêutica jurídica para te de garantir aos cidadãos, de forma célere, efi-
amoldar as leis aos casos concretos. Diante do exposto, a caz e eficiente, o direito fundamental previsto na
Súmula Vinculante não coaduna com os preceitos existentes Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º,
no Estado Democrático de Direito. A elaboração e a aprovação
das leis devem ser feitas pelos representantes do povo, en- inciso XXXV, que preceitua: “a Lei não excluirá da
quanto a Súmula Vinculante é aprovada pelo Judiciário, ferindo apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça
incidentalmente o princípio da tripartição dos poderes, sendo
a direito” e especialmente o inciso LXXVIII, com
esse princípio uma cláusula pétrea, não podendo ser suprimi-
do por qualquer norma ou princípio. No mais, ao longo deste redação dada pela EC nº 45/2004, “a todos, no
trabalho, demonstraremos a incompatibilidade dos efeitos da âmbito judicial e administrativo, são assegurados
Súmula Vinculante com a atual sistemática constitucional que
vivemos, até porque na atual sistemática é assegurado aos
a razoável duração do processo e os meios que
participantes da relação jurisdicional o contraditório, a ampla garantam a celeridade de sua tramitação”.
defesa e a isonomia na busca da prestação jurisdicional. A Sú- Destarte, a criação da Súmula Vinculante,
mula Vinculante foi instituída na tentativa eloquente de garantir
a celeridade processual prevista no artigo 5º, inciso XXXV da
além de visar desafogar o Judiciário brasileiro, di-
Constituição da República de 1988, entretanto, em um Estado minuindo o número de processos pendentes de jul-
Democrático de Direito, a busca da celeridade não pode aten- gamento e, por conseguinte, eliminando a lentidão
tar contra outras garantias constitucionais, como a violação à
ampla defesa e ao contraditório. da prestação jurisdicional, nasce com o escopo de
eliminar a insegurança nas relações jurídicas.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Garantias fun-
damentais. Vinculação. Inconstitucionalidade. Paradigma. Per- Segundo Victor Nunes Leal, “a Súmula fun-
suasão racional. ciona como instrumento de autodisciplina propi-
Sumário: 1 Introdução – 2 O processo no paradigma do Estado ciando tão alto grau de simplificação dos seus
Democrático de Direito – 3 A origem da Súmula no direito trabalhos que seria inviável ou prejudicial tentar
brasileiro – 4 Aspectos conceituais da Súmula Vinculante e sua
entrada no ordenamento jurídico – 5 A inconstitucionalidade da
alcançar o mesmo resultado por outro meio”.1
Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático Percebe-se, contudo, que a introdução do me-
de Direito – 6 Considerações finais – Referências canismo da Súmula Vinculante no Direito brasilei-
ro traz consigo questionamentos e críticas, tanto
favoráveis como também contrários, vez que a sua
1 Introdução utilização está intimamente ligada à discussão so-
O presente estudo tem por escopo desen- bre o efetivo papel do Poder Judiciário frente ao
volver uma análise crítica do instituto da Súmula paradigma democrático adotado pela Constituição
Vinculante, introduzida no ordenamento jurídico Republicana.
brasileiro pela Emenda Constitucional nº 45 e re- Pedimos venia para transcrever as críticas
gulamentado pela Lei nº 11.417/2006. A referi- feitas por Dierle Nunes acerca do instituto da
da inovação acarretou muita polêmica não só por Súmula Vinculante frente ao Estado Democrático
parte dos doutrinadores pátrios como também do de Direito:
próprio Poder Judiciário. Assim, no trabalho em
tela, abordaremos a inconstitucionalidade dos
efeitos da Súmula Vinculante frente ao paradigma
1
LEAL, Vitor Nunes. Passado e futuro da Súmula do STF, arquivos
do Estado Democrático de Direito, inserido pela do Ministério da justiça. Problemas de interesse público e outros
Constituição da República de 1988. problemas. Brasília: Ministério da Justiça, 1997, p. 279-300.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

Além desse aspecto, não se pode mais acreditar texto, e sendo texto merece ser interpretada não
em um Estado Democrático de Direito no qual o apenas pelo juiz ou por um Tribunal, mas sim por
Judiciário deixe de julgar casos e passe a julgar todas as partes envolvidas na construção de uma
somente teses, como a lógica da produtividade e
decisão. Assim, as partes envolvidas deverão
da eficiência a qualquer custo parece impor, que
construir, ao longo do procedimento, a interpreta-
permite aos juízes exerçam um papel “judicializan-
te” (da política e das relações sociais), que pode ção de qualquer norma para adequá-la ao caso
gerar impactos políticos, econômicos e jurídico concreto.
nefastos.2 Salienta-se também que somente existe “se-
gurança jurídica” se for garantido às partes o direi-
No mesmo sentido são as críticas feitas por to ao contraditório, à ampla defesa e à isonomia,
Lenio Luiz Streck aduzindo que, “com a obrigato- ou seja, se houver o respeito ao princípio consti-
riedade de seguir determinada orientação firma- tucional do devido processo legal. Esse é o enten-
da em Súmula e/ou repercussão geral, a doutrina dimento de Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia:
perdeu seu papel” de interpretar as normas, es-
tabelecer novos parâmetros e apresentar solução A “segurança” que podemos ter hoje, no que
justa para o caso concreto. se refere à aplicação de normas num Estado
Democrático de Direito, não significa erigirmos o
O que resta do direito? Qual é o papel da doutri- STF (e/ou os demais Tribunais Superiores) à con-
na? Os julgamentos se tornaram monocráticos...! dição de “Censor” da sociedade, de forma que a
Milhares de processos são “resolvidos” no ata- ele caiba definir o cânon oficial de interpretação
cado...! Não mais discutimos causas, pois pas- normativa, buscando-se com isso criar barreiras
samos a discutir “teses” jurídicas...! Como que a aos acessos aos Tribunais.4
repetir a lenda do “leito de Procusto”, as causas
são julgadas de acordo com conceitos previamen- Nesse diapasão prossegue o autor asseve-
te elaborados (súmulas, repercussão geral, etc.). rando:
E as ações são julgadas por “pilhas”. Por isso, a
repergunta: as duas décadas de fortalecimento do [...] entendemos que “segurança jurídica” apenas
protagonismo judicial redundaram em que? O que pode significar hoje a garantia de que a proteção
ocorreu é que voltamos a um lugar de onde nunca contra qualquer (alegação de) “lesão ou ameaça a
saímos: o velho positivismo. Isso porque aposta- direito” encontre no Judiciário a resposta adequa-
mos em uma “autônoma razão teórica” e quando da, ou seja, onde as partes possam ter a certeza
ela não é “suficiente”, delegamos tudo para a ra- de que a decisão foi formada a partir daquilo que
zão prática...! E o que é a “razão prática”? Na elas produziram no processo.5
verdade, nem precisamos buscar auxílio na her-
menêutica para falar sobre ela. Basta ver o que A propósito, leciona Fredie Didier Jr. que o
diz Habermas, na abertura de seu Fakticitat und contraditório substancial consistente na garantia
Geltung: substituo a razão prática (eivada de solip- de a parte ser ouvida, de participar do processo,
sismo) pela razão comunicativa...! Claro que não de ser comunicado, poder falar no processo e que
concordo com a solução dada por Habermas, por seus argumentos sejam levados em consideração
razões já explicitadas em Verdade e Consenso.
no momento da construção da decisão:
Mas é inegável que ele tem razão quando ataca
de forma contundente o solipsismo.3
A garantia do contraditório pode ser decomposto
em duas garantias: participação (audiência, comu-
Assim, é de suma importância para o de- nicação, ciência) e possibilidade de influência na
senrolar dessa discussão que se estabeleça o decisão. A garantia da participação é a dimensão
verdadeiro significado de processo nesse novo formal do princípio do contraditório. Trata-se da
paradigma constitucional, vez que este só se con- garantia de ser ouvido, de participar do processo,
cretiza a partir dos princípios do contraditório, da de ser comunicado, poder falar no processo. Esse
ampla defesa e da isonomia, sendo assim, a uti- é o conteúdo mínimo do princípio do contraditó-
lização das Súmulas Vinculantes só será legítima rio e concretiza a visão tradicional a respeito do
tema. De acordo com esse pensamento, o órgão
no Estado Democrático de Direito se respeitar as
jurisdicional dá cumprimento à garantia do contra-
garantias fundamentais previstas na Lei Maior.
ditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da
Dessa forma, é importante salientar que parte.
a Súmula Vinculante ou qualquer outra norma é

2 4
NUNES, Dierle José Coelho. Teoria do processo contemporâ- BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Reforma do Judiciário:
neo. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Edição o que uma súmula vinculante pode vincular?. Revista Forense
Especial, 2008, p. 14. Eletrônica – Suplemento, v. 378, mar./abr. 2005, seção de
3
STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme a minha Doutrina, p. 670.
5
consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 106. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Idem, p. 671.

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

Há, porém, ainda, a dimensão substancial do 2 O processo no paradigma do Estado


princípio do contraditório. Trata-se do “poder de
Democrático de Direito
influência”. Não adianta permitir que a parte sim-
plesmente participe do processo. Apenas isso não A história do direito pode ser dividida em dois
é suficiente para que se efetive o princípio do con- grandes paradigmas: o paradigma pré-moderno e
traditório. É necessário que se permita que ela seja o paradigma da modernidade. Vejamos as carac-
ouvida, é claro, mas em condições de influenciar a
terísticas do primeiro paradigma:
decisão jurisdicional.
Se não for conferida a possibilidade de a parte O “chamado paradigma da modernidade pode ser
influenciar a decisão do órgão jurisdicional – e dividido em paradigma do Estado Democrático de
isso é o poder de influência, de interferir com ar- Direito, paradigma do Estado Social e paradigma
gumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do do Estado Liberal”.8
contraditório está ferida. É fundamental perceber
isso: o contraditório não se efetiva apenas com Com a expansão marítima, as guerras reli-
a ouvida da parte; exige-se a participação com a
giosas, o desenvolvimento econômico das nações
possibilidade, conferida à parte, de influenciar no
desse período, a descoberta de novas técnicas,
conteúdo da decisão.6 (grifou-se)
a ideia de individualidade, e de privacidade, etc.
No mesmo sentido advoga Zanete Júnior: aumentaram a complexidade das sociedades da
época, fazendo com que a estrutura normativa en-
É justamente no contraditório, ampliado pela tão vigente não fosse suficiente para solucionar
Carta do Estado Democrático brasileiro, que se os conflitos.
irá apoiar a noção de processo democrático, o Nesse contexto aconteceram as revoluções
processo como procedimento em contraditório, liberais, americana e francesa, culminando no
que tem na sua matriz substancial a ‘máxima da surgimento do paradigma do Estado de Direito,
cooperação’ (Kooperationsmaxima) [...] O con-
e, com este, “a idéia de Constituição rígida e for-
traditório surge então renovado, não mais unica-
mente como garantia do direito de resposta, mas
mal como garantia dos cidadãos contra o Estado”
sim como direito de influência e dever de debate.7 (OMMATI, 2003, p. 23).
(grifou-se) Em 1789 a história narra a eclosão da
Revolução Francesa, movimento da burguesia
Portanto, caso não seja garantido ao desti- pretendendo certa discriminação do rei a partir
natário da decisão o contraditório substancial nas de sua não intervenção. Assim, a finalidade era
relações jurídicas, ocorrerá violação ao princípio afastar a atuação do Estado. É por isso que todos
constitucional do devido processo legal, o que dizem que o paradigma do Estado Liberal é um
atentará contra as disposições contidas no arti- paradigma privado, que se preocupa com a indivi-
go 5º, inciso LV, da Constituição da República de dualidade do cidadão. Assim, surge a constitucio-
1988. nalização dos direitos de liberdade, igualdade e
Como visto, o presente trabalho pretende propriedade. Nesse sentido corrobora José Emílio
analisar a legitimidade e constitucionalidade da Medauar Ommati:
Súmula Vinculante no Estado Democrático de
Direito, a fim de se questionar o seu efeito vincu- Os primeiros direitos, liberdade, igualdade e pro-
priedade, são vistos apenas em seu aspecto for-
lante frente aos direitos fundamentais e a pers-
mal. Significa dizer que a liberdade era entendida
pectiva hermenêutica que se baseia na ideia de
como o mínimo de leis que incidissem sobre o
que o Direito não é uma ciência exata, pura e neu- cidadão, pois a esfera privada, vista como esfera
tra como defendia Kelsen, mas, pelo contrário, é dos egoísmos, não poderia ser tolhida pelo Estado.
fruto de uma construção, ou seja, as normas ju- A igualdade era apenas na lei, não importando se
rídicas são normas abertas e abstratas que não havia desigualdades fáticas que impedissem o li-
são autoaplicáveis e, como quaisquer textos, ne- vre desenvolvimento das habilidades das pessoas.
cessitam de interpretação para serem aplicadas, Por fim, a propriedade também era vista em seu
sendo esta interpretação fruto de uma construção aspecto formal, ou seja, todos eram proprietários,
pelo menos, de seu próprio corpo, que poderia ser
feita pelas partes ao longo do procedimento.
vendido em troca de um salário. Em outras pala-
vras, nesse primeiro paradigma, todos eram livres,
iguais e proprietários. [...]. Contudo, ao invés de
propiciar riqueza e felicidade para muitos, esse
6
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: intro-
dução do direito processual civil, parte geral e processo de co-
8
nhecimento. v. 1. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 81-82. OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e
7
ZANETI JÚNIOR, Hermes. O modelo constitucional do processo a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: Sérgio Antônio
civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2007, p. 196. Fabris Editor, 2003, p. 19.

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paradigma foi marcado pela maior exploração do de Bem-Estar Social entrasse em crise. Outro fa-
homem pelo homem que se tem notícia na histó- tor determinante para a crise do Estado Social foi
ria da humanidade.9 decorrente da insustentabilidade financeira que in-
viabilizava o projeto social, pois a máquina estatal
Com o crescimento do socialismo, as críticas necessitava de vultosos valores para sustentá-la,
ao paradigma do Estado Liberal aumentaram, uma o que exigia tributações exorbitantes, gerando, as-
vez que a pobreza e a criminalidade estavam em sim, um descontentamento popular.
ascensão. Diante desses fatos, o Estado Liberal Dessa forma, começaram a teorizar o Estado
entra em colapso, sendo substituído pelo para- Democrático de Direito a partir do argumento de
digma do Estado Social ou Estado do Bem-Estar que precisamos assegurar o direito de as pes-
Social. Agora o Estado precisa atuar ativamente soas serem heterogêneas e, a partir daí, não te-
para garantir a segurança e a ordem pública. Saiu- rem mais o seu destino traçado pelo Estado-Juiz.
se do absolutismo sufocante, passou-se para Assim, surgiu o paradigma do Estado Democrático
o liberalismo complacente e voltou-se para um de Direito.
Estado preocupado com o público. O Estado agora Vejamos as características instituídas por
possui autorização para interferir em tudo, com a esse paradigma:
premissa de que tudo tem que passar por ele.
Sobre o paradigma do Estado Social, per- Novos direitos surgem e, com eles, os direitos an-
tinentes são as lições de José Emílio Medauar teriores são remodelados. Os novos direitos, de-
Ommati: nominados difusos ou de 3ª geração, tais como ao
meio ambiente equilibrado, direito do consumidor,
Nesse segundo paradigma da modernidade, não da criança e do adolescente, do patrimônio his-
existe, apenas, um acréscimo de direitos (deno- tórico, etc., adquirem essa denominação porque
minados direitos de 2ª geração), mas uma refor- não pertencem mais a um sujeito determinado,
sendo de difícil determinação. [...] Revelam esses
mulação dos direitos surgidos no paradigma do
direitos um caráter procedimental, pois apenas no
Estado de Direito. Assim, com o aparecimento
curso do processo será possível distinguir se se
dos direitos sociais e coletivos (de 2ª geração),
trata de direitos difusos, ou não.
tais como direito à saúde, escola, trabalho, previ-
dência e assistência, etc., os direitos individuais O caráter procedimental desses direitos remode-
sofrem uma reformulação. Destarte, igualdade, li- lam os direitos surgidos no Estado de Direito.
berdade e propriedade são vistos em seu aspecto Nesse sentido, igualdade, liberdade e proprieda-
material. [...] de devem ser vistos em seus aspectos procedi-
mentais: significa dizer que igualdade, liberdade
A hermenêutica jurídica também passa por re-
e propriedade apenas adquirem um sentido es-
formulação. Se, antes, no paradigma do Estado
pecífico em um caso concreto. São direitos que
Liberal, não era dado ao juiz interpretar a lei, pois
se viabilizam para a busca de mais direitos e de
ela era sempre clara, agora o juiz deve sempre
melhor qualidade. [...] Por outro lado os direitos
interpretar a lei, através de parâmetros constru-
de 2ª geração estão estritamente vinculados às
ídos pela ciência jurídica. A ciência jurídica teria
políticas públicas para a realização dos mesmos.
o papel de dar uma moldura com todas as pos-
Em outras palavras, no paradigma do Estado
sibilidades de interpretação, através de métodos
Democrático de Direito, deve-se aos cidadãos ca-
claros e anteriormente assentados, tais como os
nais para discussão e participação na tomada das
métodos gramatical, lógico-sistemático, histórico,
decisões, pois o público não se confunde mais
e teleológico.10
como estatal.11 (grifou-se).

Nesse paradigma, o Estado torna-se total e No paradigma do Estado Democrático de


passa a estabelecer finalidades sociais, políticas, Direito o cidadão tem o direito de participar e fis-
econômicas e jurídicas que deverão ser devida- calizar toda a tomada de decisão, cujos efeitos
mente cumpridas. No Estado Social, o processo é serão sofridos por lei (âmbito judicial, legislativo e
instrumento que cumpre finalidades, as quais são administrativo). Esse paradigma está inserido na
buscadas pelo Estado-Juiz. Constituição Federal de 1988, em que os sujeitos
A partir da década de 70, a crise do petró- são dinâmicos, participantes ativos que influen-
leo, a revolução no setor de informação, bem ciam no procedimento dos atos administrativos,
como os movimentos das mulheres, dos negros das leis e das decisões judiciais, sendo assegu-
e dos homossexuais fizeram com que o Estado rado o contraditório e a ampla defesa. Esse é o
entendimento de Rosemiro Leal. Senão vejamos:
9
OMMATI, Idem.
10 11
OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e
a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: Sérgio Antônio a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: Sérgio Antônio
Fabris Editor, 2003, p. 24-25. Fabris Editor, 2003, p. 26-27.

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

A cidadania, como direito-garantia fundamental cons- [...] essas garantias processuais constitucionais
titucionalizada, só se encaminha pelo Processo, por- são o mandado de segurança, o habeas corpus, o
que só este reúne garantias dialógicas de liberdade habeas data, o mandado de injunção, a ação po-
e igualdade do homem ante o Estado na criação e pular e o mais importante delas, o devido proces-
reconstrução permanente das instituições jurídicas, so legal, informado pelo princípio do juiz natural,
das constituições e do próprio modelo constitucio- do contraditório, da ampla defesa e da indispo-
nal do Processo.12 nibilidade da presença do advogado.15 (grifou-se)

Entretanto, esse não é o entendimento da Para aqueles que defendem a Teoria Neoinsti-
Escola Instrumentalista, segundo Rosemiro Leal, tucionalista o processo seria uma instituição cons-
vejamos: titucionalizada que se define pelos princípios do
contraditório, da ampla defesa e da isonomia, de-
Os teóricos da escola da relação jurídica (hoje vendo reger todos os procedimentos, sejam eles
instrumentalista) conectaram o processo à ju- constitucionais ou infraconstitucionais. Assim,
risdição, em escopos metajurídicos, definindo o
seria permitida a participação e a fiscalização de
processo como se fosse uma corda a serviço da
atividade jurisdicional nas mãos do juiz para puxar
todos no âmbito dos procedimentos. Essa teo-
pela coleira mágica a justiça redentora para todos ria conseguiu, enfim, aproximar o processo da
os homens, trazendo-lhes paz e felicidade.13 Constituição em perfis democráticos. Para essa
teoria o juiz não pode decidir sozinho, se colocar
O conceito de processo da Escola Instrumen- numa condição de superioridade em relação às
talista vai de encontro ao paradigma do Estado partes ou impedir a atuação delas em juízo. Esse
Democrático de Direito, inserido na Constituição seria um conceito adequado de processo no pa-
da República de 1988, pois nesse paradigma os radigma do Estado Democrático de Direito, senão
cidadãos não ficam à margem do processo. Eles vejamos:
participam em todas as etapas do procedimento
“em simétrica paridade”, ou seja, o juiz e as par- A institucionalização do processo efetivada pela
Constituição Federal de 1988 determina que o
tes estão em pé de igualdade para a construção
ato judicante não mais pode ser abordado como
da decisão, sendo esse um dos objetivos prin-
instrumento posta à disposição do Estado para
cipais do Estado Democrático de Direito. Nesse atingir objetivos metajurídicos por via da atividade
paradigma são asseguradas algumas garantias, solitária do julgador. A justiça não mais é a do
quais sejam: a isonomia, o contraditório e a ampla julgador, mas a do povo, que a fez inserir em leis
defesa. Portanto, no transcorrer do procedimen- democraticamente elaboradas.16
to, serão asseguradas as garantias fundamentais
previstas na Constituição da República de 1988, Nesse sentido, corrobora Dhenis Cruz
necessárias para construção do ato jurisdicional. Madeira:
Esse é o entendimento de André Leal:
No modelo jurídico-democrático, não se pode con-
É exatamente o contraditório que vai proporcio- ceber um espaço do soberano em que esse, sem
nar, quanto às oportunidades de pronunciamen- oportunizar ao destinatário os fundamentos de
to, uma atuação equitativa dos participantes nos suas decisões, veda a fiscalidade popular, olvi-
procedimentos judiciais. Vai também garantir, em dando-se, por conseguinte, que a teoria da sobe-
conexão com o princípio da fundamentação das rania popular absoluta se afirmou na titularidade
decisões jurisdicionais, que a decisão se funda- indelegável do povo de construir, modificar ou até
mente no Direito debatido pelas partes e nos fa- mesmo destruir o Estado e a ordem jurídica, por-
tos por elas reconstruídos.14 que é o povo que decide suas estruturas.17

Quando ocorre a inobservância das garantias Com o advento da Constituição Federal de


constitucionais por parte do magistrado, sua sen- 1988, foi inserida a sistemática Constitucional
tença não encontra amparo no Estado Democrático Democrática, sendo assegurado o contraditório,
de Direito. Quanto às garantias constitucionais, a isonomia e a ampla defesa a todos os desti-
entende Ronaldo Bretas Carvalho Dias que: natários das decisões, seja ela administrativa ou

15
DIAS, Ronaldo Brêtas Carvalho. Responsabilidade do Estado
pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 111.
12 16
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das
IOB Thomson, 2004, p. 50. decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 102.
13 17
LEAL, Idem, p. 88. MADEIRA, Dhenis Cruz. Processo de conhecimento e cognição:
14
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das uma inserção no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá,
decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 108. 2009, p. 23.

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judicial. Vejamos o posicionamento do mestre Segundo Dinamarco,20 a doutrina da relação


José Afonso da Silva, acerca da caracterização do jurídica processual nasceu na Alemanha há cer-
Estado Democrático de Direito: ca de um século e tem hoje ampla aceitação em
toda a literatura do mundo romano-germânico. A
A democracia que o Estado Democrático de referida doutrina teve ampla aceitação na sua ex-
Direito realiza há de ser um processo de convivên- posição. É uma formulação clara e convincente,
cia social numa sociedade livre, justa e solidária
quase elementar no estágio atual da ciência do
(art.3º, I), em que o poder emana do povo, e deve
ser exercido em proveito do povo, diretamente ou
processo.
por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo úni- No entanto, os seguidores da doutrina
co); participativa, porque envolve a participação Neoinstitucionalista do Processo o conceituam
crescente do povo no processo decisório e na de outra forma. Vejamos o posicionamento de
formação dos atos de governo; pluralista, porque Gonçalves:
respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias
e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pen- [...] processo é um procedimento, mas não qual-
samentos divergentes e a possibilidade de con- quer procedimento, é o procedimento de que parti-
vivência de formas de organização e interesses cipam aqueles que são interessados no ato final,
diferentes da sociedade; há de ser um processo de caráter imperativo, por ele preparado, mas não
de libertação da pessoa humana das formas de apenas participam; participam de uma forma es-
opressão que não depende apenas do recebimen- pecial, em contraditório entre eles, porque seus
to formal de certos direitos individuais, políticos e interesses são opostos.21
sociais, mas especialmente da vigência de condi-
ções econômicas suscetíveis de favorecer o seu No mesmo sentido, corrobora Fazzalari, adu-
pleno exercício. [...] zindo que o processo “é procedimento do qual par-
O princípio da legalidade e também um princí- ticipam (são habilitados a participar) aqueles em
pio basilar do Estado Democrático de Direito. cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desen-
É da essência do seu conceito subordinar-se à
volver efeitos: em contraditório, e de modo que o
Constituição e fundar-se na legalidade democrá-
autor não possa obliterar as suas atividades”.22
tica. Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao
império da lei, mas da lei, que realize o princípio Portanto, a legitimação para agir no processo
da igualdade e da justiça não pela sua generalida- democrático baseia-se em um provimento jurisdi-
de, mas pela busca da igualização das condições cional respeitando as partes que estão envolvidas
das socialmente desiguais.18 na relação processual, pois são elas as responsá-
veis pela realização dos atos, tendo como garan-
2.1 Procedimento e processo tias o contraditório, a ampla defesa e a isonomia
aos destinatários da decisão. Assim, para se
O procedimento na linha dos códigos brasi- definir quem serão as partes envolvidas em um
leiros é a explicitação do processo. Para eles o processo, em concreto, deve-se analisar o provi-
processo é uma relação jurídica entre juiz, autor mento jurisdicional requerido e os sujeitos que se-
e réu que cumpre finalidades. Numa linha lógica, rão afetados pelo respectivo provimento. Dessa
é instituição constitucionalizada do contraditório, forma, as partes (partes envolvidas e juiz) deverão
ampla defesa e isonomia que irriga todos os pro- estar em pé de igualdade, ou seja, em simétrica
cedimentos. paridade na busca do provimento jurisdicional.
Segundo ensina Fazzalari, citado por Gonçalves O procedimento é uma atividade preparatória
(1992, p. 73), o desenvolvimento dos contornos de algum ato estatal, regulado por uma estrutura
dos dois institutos e o próprio “emprego apropriado normatizada, e seus atos estão descritos na legis-
dos dois termos tardaram muito”.19 O conceito de lação que se desenvolve em uma dinâmica bas-
procedimento mudou, acompanhando o desenvolvi- tante específica na preparação de um provimento.
mento da realidade normativa. O provimento é um ato estritamente do Estado,
Para a doutrina civilista, o processo é uma de caráter imperativo, produzido por seus órgãos
relação jurídica que se constituirá como um dog- no âmbito de sua competência, incluindo os atos
ma da relação jurídica para explicar direitos e de- administrativo, legislativo e judiciário.
veres, faculdades e obrigações e alcançará todos O provimento difere de todos os atos em ra-
os ramos do direito. zão de seu caráter imperativo, pois no Estado de

20
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 2. ed. SP: Revista
18
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. dos Tribunais, 1987. v. 1, p. 95.
21
25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 119-121. GONÇALVES, Idem, p. 68.
19 22
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do pro- FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Tradução de
cesso. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 73. Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 118/119.

26 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 206, p. 21-41, abr. 2018

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

Direito o poder deve ser exercido nos limites da lei Nesse sentido corrobora Cármen Antunes
que disciplina suas atividades. Rocha, vejamos:
Na perspectiva do Estado Democrático de
Direito, não há procedimento na ausência do Os antecedentes portugueses do Direito brasilei-
contraditório e da ampla defesa entre os interes- ro é que por primeiro dão notícia dos assentos,
que eram firmados pela Casa de Suplicação, nos
sados, e a essência deste está em garantir igual-
termos das Ordenações Manuelinas, com a fina-
dade na participação no procedimento para as lidade precípua de extinguir dúvidas jurídicas sus-
partes interessadas, pois, como destinatários, so- citadas em causas submetidas a julgamento. As
frerão seus efeitos. soluções dadas aos casos que se constituíssem
O conceito de contraditório na atualidade não objeto de dúvida por aquela Casa e definida nos
assegura apenas a participação das partes, tendo assentos convertiam-se em normas, tendo sido
em vista que, na atual conjuntura, é assegurada adotada essa figura pelas Ordenações Filipinas.
a participação em plena igualdade daqueles que Se entre os juízes da Casa de Suplicação não se
participam da relação jurídica, pois esses supor- chegasse a uma deliberação quanto à dúvida, em
razão de sua extensão a todos eles, a matéria
tarão os efeitos da medida jurisdicional que vier a
seria encaminhada pra uma solução do Rei, que a
ser imposta. sanaria mediante lei, alvará ou decreto.24
Nesse sentido advoga Aroldo Plínio
Gonçalves: Com a promulgação da Constituição da
República de 1891, o referido instituto foi extin-
O contraditório como direito de participação em
to do ordenamento jurídico brasileiro, apesar de
simétrica paridade, como oportunidade de par-
ticipação, como direito, revestido de proteção uma posterior previsão de um instituto parecido
constitucional [...] uma garantia não é uma impo- no Código de Processo Civil de 1939, os chama-
sição, é uma liberdade protegida, não pode ser dos “prejulgados”, que também tinham função
coativamente oferecida e não se identifica como de orientar os magistrados na aplicação da Lei.
instrumento de sujeição. Garantia é uma liberda- A Consolidação das Leis do Trabalho, art. 902 in-
de assegurada.23 feria que, uma vez estabelecido o prejulgado pela
Câmara de Justiça do Trabalho, os órgãos inferio-
O processo jurisdicional, como procedimen- res (Conselho Regionais do Trabalho, Juntas de
to que se realiza em contraditório entre as partes Conciliação e Julgamento e os Juízes investidos
para a formação do processo jurisdicional, tem da Jurisdição do Trabalho) estavam obrigados a
como objetivo principal as atividades preparató- respeitá-los. Assim, esses dois institutos foram
rias da sentença. Assim, quando o contraditório os primeiros, após a independência do Brasil, que
está presente, o processo não pode ser conside- previam matéria semelhante à das Súmulas que
rado uma estrutura vazia. “Na sentença é discuti- temos atualmente.
do que o jogo dos interesses divergentes torna-se Na década de 60, por influência do então
real, que as partes expõem os direitos materiais Ministro do STF Vitor Nunes Leal, instituiu-se no direi-
que afirmam ter, e que se contrapõem nas afirma- to pátrio a Súmula de Jurisprudência Predominante
ções dos direitos materiais que mutuamente são do Supremo Tribunal Federal, regulamentada pela
negados”. Emenda Regimental de 28.03.1963, sendo aprova-
dos em 13.12.1963 os primeiros enunciados.
3 A origem da Súmula no direito brasileiro Segundo Vitor Nunes Leal, a Súmula de
A primeira notícia da aplicação de institu- Jurisprudência surgiu com base em:
to com efeito semelhante ao da “Súmula” no
Razões práticas, inspiradas no princípio da igual-
direito brasileiro foi na fase colonial, em 1521, dade, (que) aconselham que a jurisprudência te-
com as Ordenações Manuelinas (Liv. V, Tít., 58, nha relativa estabilidade. Os pleitos iguais, dentro
§1º), chamadas naquela época de “assentos”. do mesmo contexto social e histórico, não devem
Posteriormente, com as Ordenações Filipinas, ter soluções diferentes. A opinião leiga não com-
aperfeiçoando os “assentos”, criaram o instituto preende a contrariedade dos julgados, nem o co-
dos “Assentos da Casa de Suplicação”, com força mércio jurídico a tolera, pelo seu normal anseio
vinculativa (Liv. I, Tít. 5, §5º). de segurança [...] a sua finalidade não é somente
proporcionar maior estabilidade à jurisprudência,

24
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante.
Belo Horizonte, 09 set. 1996, p. 53. Disponível em: <http://
23
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do pro- www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06.
cesso. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 132. pdf>. Acesso em: 08.03.2010.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

mas também facilitar o trabalho dos advogados e regulamentada pela Lei nº 11.417/2006.
do tribunal, simplificando o julgamento das ques- A referida norma prevê competência ex-
tões frequentes.25 clusiva do STF para aprovar a Súmula
Vinculante. A Súmula em comento, uma
Por fim, com a promulgação da Constituição vez editada e publicada na imprensa ofi-
Federal de 1988, foi criado o Superior Tribunal cial, produz efeitos de vinculação aos de-
de Justiça e instalado em 07.04.1989 (Lei nº mais órgãos do Poder Judiciário e para a
7.746/1989) nos mesmos termos do Supremo Administração Pública direta e indireta.
Tribunal Federal, com a possibilidade de criar
Súmula orientando o posicionamento do Tribunal 4 Aspectos conceituais da Súmula
em relação a determinado assunto. No entanto,
Vinculante e sua entrada no
tais Súmulas não tinham caráter vinculante, ou
ordenamento jurídico
seja, serviam apenas para orientá-los.
Finalmente, com a instituição da Emenda A Reforma do Poder Judiciário, introduzida
Constitucional nº 45/2004, foi introduzida no direi- através da Emenda Constitucional nº 45/2004
to brasileiro a possibilidade do Supremo Tribunal pretendeu atacar a chamada “crise do Poder
Federal, de ofício ou por provocação, mediante de- Judiciário Brasileiro”, consistente na inadequação
cisão de dois terços dos seus membros, depois de burocrática, técnica e funcional do Judiciário em
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, resolver os conflitos sociais de forma mais ágil,
aprovar Súmula com caráter vinculante. De acor- célere e de modo legítimo.
do com essa nova previsibilidade, o referido efeito Dentre os institutos criados pela Emenda
recairia sobre todos os órgãos do Poder Judiciário destaca-se a Súmula Vinculante que, desde sua
e sobre a Administração Pública direta e indireta, criação, vem causando grandes discussões na
seara jurídica brasileira, pois se apresenta como
nas esferas federal, estadual e municipal.
uma possível solução à crise do Poder Judiciário
Segundo Pedro Lenza,26 atualmente o direito
brasileiro, haja vista que a adoção da Súmula
brasileiro consagra três modalidades de Súmulas.
Vinculante visa garantir a razoável duração do pro-
Vejamos a divisão:
cesso, ou seja, a celeridade processual.
a) Súmula Persuasiva. Nessa todos os tri-
Assim, a Emenda Constitucional nº 45/2004
bunais têm o poder de criá-la, servindo
inseriu a possibilidade de criação de Súmula
apenas para orientar o posicionamento
Vinculante no Direito brasileiro, na qual o “Supremo
de cada tribunal, não tendo, portanto, Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provoca-
efeito vinculativo. ção, mediante decisão de dois terços dos seus
b) Súmula Impeditiva de Recursos. Introdu- membros, depois de reiteradas decisões sobre
zida no ordenamento jurídico brasileiro a matéria constitucional, aprovar Súmula que, a
pela Lei nº 11.276/2006, nos termos partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
do art. 518, §1º, do Código de Processo efeito vinculante em relação aos demais órgãos
Civil. A norma aduz que, para o destinatá- do Poder Judiciário e à Administração Pública dire-
rio valer-se do recurso de apelação, deve- ta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
rá cumprir o requisito de admissibilidade, como proceder à revisão ou cancelamento, na for-
qual seja, a sentença de primeira ins- ma estabelecida em lei”. Dessa forma, a adoção
tância deverá estar em desacordo com do efeito vinculante à Súmula, após a publicação
Súmula do STJ ou do STF. Assim, se a na imprensa oficial, passou a ter verdadeiro efeito
sentença não contrariar Súmulas desses de norma constitucional, ou seja, equipara-se a
Tribunais, o recurso não será conheci- qualquer lei, sendo obrigatória para todos.
do. Outro exemplo de Súmula impeditiva Segundo Cynara Silde Mesquita Veloso de
de recurso é a repercussão geral, pre- Aguiar:
vista no art. 102, §3º, da Constituição
Os doutrinadores que defendem a atribuição de
Federal, tendo sido regulamentada pela
efeito vinculante às súmulas argumentam que a
Lei nº 11.418/2006, acrescentado o art. sua adoção proporcionará a agilização da presta-
543-A ao Código de Processo Civil. ção jurisdicional, a concretização do ideal de cer-
c) Súmula Vinculante. Introduzida pela teza do direito de segurança jurídica, o tratamento
Emenda Constitucional nº 45/2004 e isonômico das partes e a redução do número de
recursos meramente protelatórios.27
25
LEAL, Vitor Nunes. Atualidade do Supremo Tribunal Federal. v.
27
208. São Paulo: Forense, 1964, p. 15. AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. Súmulas vinculantes:
26
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. sua ilegitimidade no Estado Democrático de Direito. Revista da
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 583. OAB do Brasil, ano XXXV, n. 80, jan./jun. 2005, p. 58.

28 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 206, p. 21-41, abr. 2018

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

Nesse contexto, destacamos as lições de tem-se a figura da Súmula vinculante, objeto deste
Medauar Ommati, que afirma: trabalho.
De acordo com as lições de Cynara Silde
De acordo com o Poder Judiciário brasileiro, a Mesquita Veloso de Aguiar:
súmula vinculante seria o remédio que acabaria
de uma vez por todas com a morosidade dos [...] A palavra súmula vem do latim “summula”,
processos, pois os juízes não poderiam decidir significa sumário ou restrito. No direito brasileiro,
contrariamente a uma súmula, além de a mesma a palavra súmula pode ser empregada em dois
inviabilizar recursos. [...]28 sentidos :a) como o resumo de um julgado ou b)
como uma tendência jurisprudencial adotada por
Sobre o conceito de Súmula Vinculante, inte- um tribunal, sendo enunciada de forma legalmen-
ressantes as palavras de Alexandre Gustavo Melo te definida e publicada em número de ordem. A
Franco Bahia: súmula pode ser persuasiva ou vinculante. A sú-
mula persuasiva é aquela desconstituída de força
O conceito de Súmula Vinculante é importante obrigatória. Já a súmula vinculante, possui força
dada a polêmica em torno do tema, polêmica obrigatória e eficácia “erga omnes”.30
esta que não é nova. Ela está no centro da cita-
da Reforma e possui um potencial impacto muito Insta destacar que as Súmulas Vinculantes
maior que as demais medidas – mesmo quando são gerais, abstratas e coercitivas, e visam acima
comparada ao chamado “controle externo”, princi- de tudo defender a existência de um precedente
palmente nos moldes como foi aprovado.29 jurídico, ou seja, consistem em um precedente
formado a partir de decisões reiteradas de casos
Dessa forma, faz-se imprescindível con-
idênticos que visam, acima de tudo, explicar o teor
ceituar de forma clara e objetiva o que é uma
da jurisprudência dominante em cada Tribunal.
Súmula Vinculante e quais os seus efeitos no or-
Como bem salienta Cynara Silde Mesquita
denamento jurídico brasileiro.
Veloso de Aguiar, os defensores da Súmula
O vocábulo súmula vem do latim summula e
Vinculante fazem parte do rol de doutrinadores
significa o resumo que revela a orientação juris-
que veem o processo sob a ótica dos princípios
prudencial de um determinado Tribunal para ca-
informativos da celeridade processual, da igualda-
sos análogos, ou seja, pode-se dizer que súmula
de perante a lei e da segurança jurídica. Assim,
significa o resultado final de uma construção juris-
para estes, a possibilidade de o STF elaborar uma
prudencial.
decisão única para casos semelhantes é uma for-
Frise-se que Súmula, conceitualmente, pode
ma de se resolver a “crise do Poder Judiciário”,
ser entendida como o resultado de vários julga-
evitando-se, assim, a morosidade processual na
mentos semelhantes que vieram a formar um en-
prestação jurisdicional.
tendimento pacífico sobre determinada atuação
Porém, ressalta a mesma doutrinadora que
em um caso concreto. Assim, a Súmula pode ser
o provimento jurisdicional não é um ato solitário
definida como um caminho a ser seguido pelo
de um juiz ou de um Tribunal e sim decorre de
magistrado em sua decisão, pois informa previa-
uma construção em regime de igualdade entre as
mente um entendimento que é adotado em casos
partes.
semelhantes.
Assim, há de se estabelecer que, mesmo
Cabe registrar que as Súmulas Vinculantes
tendo efeito vinculante, as Súmulas do STF de-
possuem poder coercitivo, pois vinculam os ma-
vem passar pelo crivo do contraditório, para que
gistrados, os Tribunais e os demais órgãos da
se resguardem os direitos e garantias constitucio-
Administração Pública a percorrerem um deter-
nais das partes, a fim de que o procedimento de
minado caminho e a decidir os casos concretos
interpretação e aplicação destas seja legítimo.
conforme o entendimento definido pelas Súmulas
Cumpre também ressaltar que essas
Vinculantes, ou seja, a vinculação consiste na liga-
Súmulas proferidas pelo STF, como acontece com
ção obrigatória de uma decisão à outra, anterior,
as Leis advindas do Poder Legislativo, não são
que a submete. Daí, juntando os dois conceitos,
imutáveis e eternas, vez que a sociedade não é
estática, pois seus valores e conceitos estão a
todo tempo em construção.
28
OMMATI, José Emílio Medauar. Paradigmas constitucionais e
De acordo com as lições de Edílson Pereira
a inconstitucionalidade das leis. Porto Alegre: Sérgio Antônio Nobre Júnior, o modelo da Súmula Vinculante “[...]
Fabris Editor, 2003, p. 86.
29
BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Reforma do Judiciário:
30
o que uma Súmula Vinculante pode vincular?. Revista Forense AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. Súmulas Vinculantes:
Eletrônica – Suplemento, v. 378, mar./abr. 2005, Seção de sua ilegitimidade no Estado Democrático de Direito. Revista da
Doutrina, p. 666. OAB do Brasil, ano XXXV, n. 80, jan./jun. 2005, p. 42.

Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 206, p. 21-41, abr. 2018 ARTIGOS 29

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

haverá de tomar cautelas para que, em caso de in- Nesse passo, são de suma importância as
justiça, ou de sensível mutação nas exigências da lições do Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia,
vida coletiva, possam os Tribunais perfilhar orien- que assevera:
tação mais consentânea com a atualidade”.31
Significa dizer que, assim como as Leis, as [...] mesmo que a Súmula funcione como meio
Súmulas também são mutáveis, e para serem obstativo do conhecimento de vários recursos,
sempre há a possibilidade de questionamento
legítimas devem obrigatoriamente ser coerentes
da mesma. E não poderia ser de outra forma,
com todo o ordenamento jurídico e, em espe- se qualquer parte (em qualquer litígio) pode ar-
cial, com os princípios constitucionais do Estado guir incidentalmente e qualquer juiz pode declarar
Democrático de Direito. (até de ofício) a inconstitucionalidade de lei ou
Com referência à “crise” do Poder Judiciário, ato normativo, como não se poderia questionar a
aduzida pela Cármen Lúcia Antunes Rocha,32 é in- legalidade (ou inconstitucionalidade) ou, de toda
discutível que todo processo judicial deva ser re- sorte, a inaplicabilidade de certa Súmula ao caso
alizado com eficácia, presteza e dentro de uma particular? [...]34
duração razoável, de forma que progrida e termine
no menor espaço de tempo possível. Em síntese, Conclui-se, portanto, que a criação da
é importante que o cidadão obtenha a decisão jus- Súmula Vinculante não é o remédio capaz de do-
ta o quanto antes, evitando descréditos e a im- tar de celeridade e eficácia a máquina judiciária,
pressão de impunidade, que hoje é uma realidade pois, assim como qualquer texto normativo, as
constante quando se fala do Poder Judiciário. Súmulas Vinculantes, para serem aplicadas aos
Todavia, é simplista pensar que a Súmula casos concretos, devem acima de tudo ser discuti-
Vinculante seja a solução para os todos os males das e interpretadas não só pelo magistrado como
que inviabilizam a eficiência do Poder Judiciário. também pelas partes processuais.
Mesmo porque a Súmula Vinculante é um
modelo de inspiração norte-americano, o stare 4.1 As inovações trazidas pela Lei
decisis ou precedente judicial vinculativo, próprio nº 11.417/2006
do sistema common law, aplicável notadamente
A Súmula Vinculante foi inserida no ordena-
nos Estados Unidos da América. De acordo com
mento jurídico pela Emenda Constitucional nº 45,
as lições de Barbosa Moreira, “ao contrário do
denominada de Reforma do Poder Judiciário, e re-
que supõem pessoas mal informadas, nenhum
gulamentada pela Lei nº 11.417/06, que entrou
dos países que consagram o sistema dos prece-
em vigor em nosso ordenamento jurídico em 19
dentes vinculantes se distingue por uma notável
de março de 2007, com a inserção do art. 103-A
rapidez (ou por um número menor de processos,
ao Texto Constitucional.
acresceríamos) na solução judicial das lides”.33
Vejamos o teor do novo dispositivo:
Em síntese, podemos concluir, segundo as li-
ções do doutrinador supracitado, que as Súmulas Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de
Vinculantes espelhadas no sistema jurídico norte- ofício ou por provocação, mediante decisão de dois
americano não passam de um “mito da celeridade terços dos seus membros, após reiteradas deci-
processual”, ou seja, não são instrumentos capa- sões sobre matéria constitucional, aprovar súmula
zes de resolver o problema da lentidão da pres- que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,
tação jurisdicional brasileira, mesmo porque esse terá efeito vinculante em relação aos demais ór-
gãos do Poder Judiciário e à Administração Pública
problema é muito mais complicado do que parece
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
ser, já que advém da falta de estrutura do Poder municipal, bem como proceder à sua revisão ou
Judiciário brasileiro e não se resolve por meio da cancelamento, na forma estabelecida em lei.
vinculação dos magistrados aos precedentes dos §1º A súmula terá por objetivo a validade, a inter-
Tribunais Superiores, mesmo porque cada proces- pretação e a eficácia de normas determinadas,
so possui suas peculiaridades e sempre haverá acerca das quais haja controvérsia atual entre ór-
a possibilidade de se questionar o cabimento ou gãos judiciários ou entre esses e a Administração
não das Súmulas ao caso concreto. Pública que acarrete grave insegurança jurídica e
relevante multiplicação de processos sobre ques-
tão idêntica.
31
AGUIAR, Idem, p. 59.
32
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante.
Belo Horizonte, 09 set. 1996, p. 52. Disponível em: <http://
www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06.
34
pdf>. Acesso em: 08.03.2010. BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Reforma do Judiciário:
33
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, jurisprudência, prece- o que uma Súmula Vinculante pode vincular?. Revista Forense
dente: uma escalada e seus riscos. In: Temas de Direito Pro- Eletrônica – Suplemento, v. 378, mar./abr. 2005, Seção de
cessual (nona série). São Paulo: Saraiva, 2007. Doutrina, 668/669.

30 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 206, p. 21-41, abr. 2018

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

§2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido No entanto, desde o giro hermenêutico-
em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de pragmático produzido pela filosofia, representado
súmula poderá ser provocada por aqueles que por autores como Martin Heidegger, Hans-Georg
podem propor a ação direta de inconstitucionali-
Gadamer, Ludwig Wittgenstein e tantos outros,
dade.
que acabou por repercutir no Direito, a partir dos
§3º Do ato administrativo ou decisão judicial que
trabalhos semanais de Ronald Dworkin, Klaus
contrariar a súmula aplicável ou que indevida-
mente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Günther e Friedrich Müller, por exemplo, sabe-se
Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anu- que a interpretação jurídica não é apenas um pro-
lará o ato administrativo ou cassará a decisão cesso de revelação de um sentido preexistente
judicial reclamada, e determinará que outra seja dos textos. Interpretar é sempre um processo que
proferida com ou sem a aplicação da súmula, con- envolve compreender e aplicar. Interpretação é
forme o caso. (BRASIL, 1988). sempre construção de sentido, envolvendo a sub-
jetividade dos intérpretes. Segundo Gadamer, o
A reforma em comento, em seu artigo 8º, in- processo hermenêutico (interpretar, compreender,
fere que “as atuais Súmulas do Supremo Tribunal aplicar) deve contar com o diálogo dos intérpretes
Federal somente produzirão efeito vinculante após entre si e deles com o texto para a busca da ver-
sua confirmação por dois terços de seus integran- dade que o texto pretende revelar.36
tes e publicação na imprensa oficial”. A partir, portanto, dessa perspectiva que pre-
Segundo Alexandre Gustavo Melo Franco tende “levar o Direito a sério”,37 vendo-o à sua me-
Bahia, alguns requisitos para o cabimento da Súmula lhor luz, percebe-se que o caráter vinculante das
Vinculante estabelecidos pela Lei nº 11.417/2006 Súmulas não exclui a discussão processual, inclu-
merecem uma análise mais profunda e crítica, pois sive para se saber se, naquele caso, seria ou não
acabam por gerar certa discricionariedade por parte aplicável a referida Súmula. Tanto é assim que
do Supremo Tribunal Federal. o próprio §3º do artigo 103-A da Constituição da
Continua corroborando o autor: República 1988 abre tal possibilidade, pois cabe-
rá Reclamação ao STF quando for caso de aplicar
[...] o que são (ou, a partir de quando se pode
dizer que há) “reiteradas decisões”? Um parâ-
a Súmula e o juiz deixar de aplicar ou, não sendo
metro parece ter sido dado no parágrafo 1º, que caso de aplicar a Súmula, o juiz indevidamente a
preceitua que o pressuposto para a edição deste aplica.
tipo de Súmula seria a existência de “controvérsia Portanto, percebe-se que sempre se abre
atual” entre os órgãos judiciários ou destes com a possibilidade de Reclamação para o Supremo
a Administração Pública, de forma que essa con- Tribunal Federal, até porque, normalmente, a par-
trovérsia esteja gerando “grave insegurança jurídi- te perdedora alegará uma dessas situações para
ca e relevante multiplicação de processos sobre que seja analisada a Reclamação pelo Supremo
questão idêntica”. A discricionariedade quanto ao
Tribunal Federal. É dizer: “o tiro saiu pela culatra”.
preenchimento de tais requisitos já é, por si, um
dado que merece ser levado em conta. Quantas
Pretendendo maior celeridade e uma diminuição
decisões bastam para que o Supremo Tribunal de processos no STF, tal medida pode levar a
Federal entenda ser o caso de caber a edição de um acúmulo de reclamações perante a Suprema
um enunciado que – pretensamente – vinculará to- Corte, aumentando, inclusive, o próprio tempo de
dos os demais órgãos da Administração Pública? tramitação dos procedimentos.
Quando temos um estado de grave insegurança Ademais, é imprescindível para a legitimida-
jurídica? Seria o número de processos ou a “qua- de das Súmulas Vinculantes que estas passem
lidade” dos afetados que determinariam quando pelo crivo do contraditório, ou seja, ao longo do
certa quaestio juris “transcenderia” à importância
procedimento sejam discutidas e interpretadas
de merecer o adequado “enquadramento” pelo
STF?35
pelos envolvidos. Nesse sentido, Cynara Silde
Mesquita Veloso de Aguiar assevera, a partir de
De acordo com as lições do autor acima men- Habermas, que:
cionado, percebe-se que a Lei nº 11.147/2006
A legitimidade do Direito não se concretiza apenas
traz consigo bastante “liberdade” para que o STF
pela legalidade, devendo ser justificada mediante
decida quais são os requisitos necessários para razões. Dessa maneira, não é suficiente que as
se criar uma Súmula Vinculante.

36
FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O
35
BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Reforma do Judiciário: Poder Judiciário e(m) crise. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008,
o que uma Súmula Vinculante pode vincular?. Revista Forense p. 177-279.
37
Eletrônica – Suplemento, v. 378, mar./abr. 2005, seção de DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins
Doutrina, p. 666. Fontes, 1999, p. 55.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

decisões sejam fundamentadas através de discur- sobre as possíveis consequências de sua adoção
sos jurídicos, mas elas também devem se funda- no Estado Democrático de Direito. Veremos que
mentar em regras jurídicas abertas aos discursos a Súmula de efeito vinculante não é um mecanis-
morais.38
mo eficaz para resolver os males que afligem o
Judiciário. Ao contrário disso, pode-se transformar
Nesses termos conclui a autora:
em um instrumento capaz de limitar as garantias
Por conseguinte, as decisões, nessa mesma dos indivíduos e dos magistrados, bem como
concepção, resultam da discursividade e não de ferir a tripartição dos poderes, instituído pela
uma atividade solitária do juiz. Ao contrário dis- Constituição da República de 1988.
so, as súmulas vinculantes não se submetem a Para Cármen Lúcia Antunes Rocha, o abar-
uma fiscalização participativa, uma vez que de- rotamento de ações no Judiciário não se dá espe-
correm de imposição dos Tribunais Superiores. cificamente por culpa do cidadão comum, e sim
A aplicabilidade da teoria do discurso, no Estado pelo próprio Estado que abusa do direito em acio-
Democrático de Direito, só é possível através do
nar o Judiciário. Assim, entende não ser a Súmula
processo visto como instituição constitucionaliza-
da e metodologia garantidora dos direitos funda-
Vinculante um meio hábil para solucionar a mo-
mentais, pautado nos seus princípios institutivos rosidade do Judiciário na prestação jurisdicional,
do contraditório, isonomia e ampla defesa.39 vejamos:

Os defensores da Súmula Vinculante argu- Isso não é solução de crise. Isso é extermínio de
direitos.
mentam que a partir de sua edição os processos
O cidadão brasileiro vai muito pouco a juízo.
no Judiciário se tornariam mais céleres, trazen-
Quem busca os meios de indagação judicial e de
do para as relações jurídicas mais segurança e
pleitos repetidos não é o cidadão, mas o próprio
igualdade. Esse é o entendimento de Alexandre
Estado. É a ele que se deve dirigir a solução, é
de Moraes: contra os excessos não de demanda do Poder
Judiciário, mas de pedidos e recursos do Poder
As súmulas vinculantes surgem a partir da neces-
Executivo especialmente que se tem que orientar.
sidade de reforço à idéia de uma única interpre-
A “Súmula vinculante” constrange mais o cidadão
tação jurídica para o mesmo texto constitucional
que a própria entidade pública, pois este, mesmo
ou legal, de maneira a assegurar-se a segurança
que se veja impedido de questionar a decisão ju-
jurídica e o princípio da igualdade, pois os órgãos
dicial, pode praticar novos atos com outra roupa-
do Poder Judiciário não devem aplicar as leis e
gem que venham a ter que ser objeto de demanda
atos normativos aos casos concretos de forma a
judicial.
criar ou aumentar desigualdades arbitrárias, de-
vendo, pois, utilizar-se de todos os mecanismos Daí porque, à primeira indagação, é de se respon-
constitucionais no sentido de conceder às normas der negativamente. Não é a “Súmula Vinculante”
jurídicas uma interpretação única e igualitária.40 uma resposta eficaz socialmente para denomi-
(grifou-se) nada “crise (do excesso de serviço) do Poder
Judiciário” para os brasileiros, mas uma ampu-
tação de possibilidades judiciais, que se deve
Entretanto, não adianta ter celeridade se as
voltar, direta e objetivamente ao próprio Poder do
outras garantias constitucionais estão sendo viola-
Estado.41
das (contraditório e ampla defesa). Não podemos
analisar os processos apenas com a ideia de cus- De acordo com Alexandre Gustavo Melo
to, de quantos processos foram julgados. Além da Franco Bahia, várias são as críticas aponta-
celeridade, é imprescindível propiciar meios que das à criação e eficácia do instituto da Súmula
asseguram o direito das partes envolvidas. Vinculante:

5 A inconstitucionalidade da Súmula [...] pode uma Súmula pretender, ou efetivamen-


Vinculante frente ao paradigma do te, vincular aos demais juízes e Tribunais do país?
Haverá mesmo “casos idênticos”, isto é, que se
Estado Democrático de Direito amoldam tão perfeitamente à hipótese pressu-
Passaremos agora a abordar a inconstitu- posta no enunciado da Súmula que obriguem um
cionalidade da Súmula Vinculante e a discussão juiz a simplesmente aplicar, sem mais, a Súmula?
Se uma Súmula é um “texto”, como são as leis,
e, portanto, geral e abstrata, isso não faria com
38
AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. Súmulas Vinculantes:
sua ilegitimidade no Estado Democrático de Direito. Revista da
41
OAB do Brasil, ano XXXV, n. 80, jan./jun. 2005, p. 61. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante.
39
AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. Idem, p. 61. Belo Horizonte, 09 set. 1996, p.62. Disponível em: <http://
40
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. São www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06.
Paulo: Atlas, 2008, p. 566. pdf>. Acesso em: 08.03.2010.

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

que a mesma padecesse dos mesmos problemas Com o passar dos anos, transitou em julgado a
que esta? Problemas no seguinte sentido: diver- tese de que a solução para os problemas da jus-
sidade de interpretação que gera diversidade de tiça brasileira passa, necessariamente, pela ado-
aplicação; ou será que uma Súmula Vinculante é ção do efeito vinculante das súmulas do Supremo
mais “vinculante” do que uma lei aprovada pelo Tribunal Federal. Esquece-se com isto, que o pro-
Poder Legislativo? Enfim, em que medida algo blema da efetividade das decisões judiciais e da
como uma Súmula Vinculante pode resolver (ou assim denominada morosidade da justiça não se-
“atenuar”) a chamada “Crise do Judiciário”?42 rão resolvidos mediante um ataque à funcionali-
dade do ordenamento ou do sistema, mas, sim, a
Continua corroborando o autor no mesmo partir de uma profunda mudança na estrutura do
Poder Judiciário e das demais instituições encar-
sentido:
regadas de aplicar a justiça, além da superação
do paradigma epistemológico da filosofia da cons-
Ocorre que a Súmula é um texto e, como tal, sujei-
ciência, que predomina o imaginário dos juristas.44
to às mesmas imperfeições das normas. Assim é
que (tomando-se os instrumentos de Kelsen ago-
É indiscutível que todo processo judicial deva
ra quanto às Súmulas), percebeu-se que a dou-
ser realizado com eficácia, presteza e dentro de
trina (e também os juízes) conferiam diferentes
interpretações, de forma que, não raro, viam-se uma duração razoável, de forma que progrida e
os Tribunais (os mesmos que editaram o texto) termine no menor espaço de tempo possível. É
às voltas com divergências e discussões inter- importante que o cidadão obtenha a decisão justa
nas sobre o real sentido daquelas. [...] Por tudo o quanto antes, evitando descréditos e a impres-
o que vimos, terá a Súmula Vinculante melhor são de impunidade, que hoje vige na concepção
sorte que a lei ou as Súmulas comuns? Parece- da grande parte da sociedade.
nos que não. A tentativa de “vinculação” parece Todavia, é simplista pensar que a Súmula
debitária da crença oitocentista de proibir o juiz de Vinculante seja a solução para os males que as-
interpretar a lei (e, havendo dúvidas, recorrer ao solam a eficácia do Poder Judiciário.
legislador). Como vimos, tal suposto se mostrou Insta destacar que a Emenda Constitucional
errôneo, tanto pela profusão de métodos de inter-
nº 45/2004, em seu artigo 8º, diz que “as atuais
pretação, quanto pelo legado da teoria kelseniana
Súmulas do Supremo Tribunal Federal somente
(isso para não falar da hermenêutica gadameria-
produzirão efeito vinculante após sua confirmação
na e outras escolas de interpretação). A Súmula,
mesmo vinculante, é um texto e, como tal, estará,
por dois terços de seus integrantes e publicação
como sempre, sujeita a diferentes interpretações. na imprensa oficial”.
Mesmo com a Reclamação, o interessado poderá Para que seja conferida eficácia vinculante
demonstrar ou que seu caso não se encaixa na à Súmula, o Texto Constitucional de 1988 exige
hipótese da Súmula ou que os supostos fáticos que sejam preenchidos pressupostos formais,
em que esta se fundou foram alterados ou ainda, por exemplo, a decisão deve ser tomada por, pelo
que a “atual” interpretação da norma, base da menos, dois terços dos membros daquela corte,
Súmula, está alterada.43 e pressupostos materiais, estes consubstancia-
dos na exigência de preexistência de reiteradas
Nesse diapasão, a Emenda Constitucional decisões no sentido da Súmula proposta. Tais
nº 45 foi introduzida no ordenamento jurídico com pressupostos são, a teor do texto Constitucional
o objetivo de garantir aos destinatários da decisão positivo, indispensáveis à conferência do efeito
jurisdicional uma duração razoável do processo e vinculante à Súmula.
os meios que garantam a celeridade. Entretanto, Exige a Constituição, outrossim, que a
a Súmula em comento enfrenta profundas discus- Súmula tenha por objeto a validade, a interpre-
sões doutrinárias quanto à sua eficácia na solu- tação ou a eficácia de normas determinadas e
ção célere dos processos e quanto à violação das que sobre estas haja controvérsia atual entre ór-
garantias fundamentais do cidadão. Vejamos o po- gãos judiciários ou entre estes e a Administração
sicionamento de Lenio Luiz Streck: Pública. Além disso, a controvérsia deverá ser tal
que acarrete grande insegurança jurídica e rele-
vante multiplicação de processos sobre questão
idêntica.
42
BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco. Reforma do Judiciário:
o que uma Súmula Vinculante pode vincular?. Revista Forense
Eletrônica – Suplemento, v. 378, mar./abr. 2005, seção de
Doutrina, p. 665/671.
43 44
BAHIA, Idem. Súmulas estão sujeitas a diversas interpretações. STRECK. Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2009-ago-24/sumula- da efetividade: uma crítica hermenêutica. Revista do Instituto
mesmo-vinculante-sujeita-diversas-interpretacoes>. Acesso em: de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, p. 102-103,
07.09.2016. 2005.

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Com isso, uma Súmula, simplesmente con- (STF) ou infraconstitucional, seja em direito fede-
sultiva, passa a ter verdadeiro efeito vinculante, e ral comum (STJ) ou especial (TST, STM, TSE). De
não mais facultativo, não podendo ser contraria- resto, no plano prático, considerando-se que os
Tribunais Superiores operam como instância final,
da. Busca-se assegurar o princípio da igualdade,
revisora ou de cassação, seria inútil à parte su-
evitando que uma mesma norma seja interpretada
cumbente sustentar junto a eles tese dissonante
de formas distintas para casos idênticos, criando dos enunciados assentados, assim como, inutil-
distorções inaceitáveis. mente, os Tribunais locais/regionais prolatariam
Conforme entendimento dos que têm po- acórdãos divergentes de tal jurisprudência sumu-
sicionamento favorável à adoção da Súmula lada nos órgãos de cúpula, já que tais recursos e
Vinculante, a pretensão desse efeito seria o de tais decisões seriam, respectivamente rejeitados
resolver o problema do volume de processos ju- e reformadas. O que, aliás, bem se compreende,
diciais, esvaziando, assim, as estantes dos ma- porque a instância judiciária ad quem é a maior
gistrados. interessada em prestigiar o seu próprio direito su-
A Súmula surge como um remédio capaz de mular. Todo esse contexto ficou exacerbado com
a criação (rectius: ampliação), pela EC 45/2004,
dotar de celeridade e eficácia a máquina judiciá-
da Súmula vinculante, porque a decisão que não
ria, evitando repetição inútil de causas, bem como
a aplicar, ou aplicá-la indevidamente, ficará sujei-
dissenso de vários órgãos julgadores em instân- ta à reclamação dirigida ao STF que, acolhendo-a,
cias inferiores, quando já houver uma decisão pa- cassará a decisão rebelde, e determinará que outra
cificadora em Corte Superior no mesmo sentido. seja proferida com ou sem a aplicação da Súmula,
Entre os defensores da adoção da Súmula conforme o caso (§3º do art. 103-A).46
Vinculante encontram-se José Paulo Sepúlveda
Pertence, Nelson Jobim, Carlos Mário da Silva Nesse contexto, importa dizer que os que
Velloso, José Carlos Moreira Alves, José Nery da são favoráveis à adoção da Súmula de efeito vin-
Silveira, Sidney Sanches, Ilmar Galvão, Gilmar culante a veem como um remédio necessário,
Ferreira Mendes, Octavio Gallotti e Rodolfo de no sentido de aperfeiçoar e agilizar o Judiciário.
Camargo Mancuso. Entretanto, desconhecem os efeitos colaterais e a
Vejamos o posicionamento de Carlos Mário resistência que possa trazer, principalmente, para
da Silva Velloso quanto à eficácia da Súmula os juízes de instâncias inferiores. Ocasiona um
Vinculante: comprometimento a uma série de garantias e prer-
rogativas constitucionais no que concerne à pro-
[...] a eficácia erga omnes e o efeito vinculante teção dos indivíduos em um Estado Democrático
são considerados modos de aperfeiçoamento do
de Direito e, ainda, ao poder concedido à própria
sistema judicial, porque eliminam a massa inútil
de recursos repetidos e impedem a eternização jurisprudência.
das demandas judiciais. O Supremo Tribunal No entanto, o entendimento de que a Súmula
Federal tem recebido grande número de recursos Vinculante não retira garantias fundamentais não
que repetem questões já decididas mais de uma merece prosperar, até porque em um Estado
centena de vezes. Isso não é racional e não ocor- Democrático de Direito o cidadão tem o direito de
reria se existisse a súmula vinculante.45 participar e fiscalizar toda a tomada de decisão,
cujos efeitos serão sofridos por lei (âmbito judicial,
No mesmo sentido advoga Rodolfo de
legislativo e administrativo). Esse paradigma está
Camargo Mancuso:
inserido na Constituição da República de 1988,
A jurisprudência assentada no Tribunal ad quem em que os sujeitos são dinâmicos, participantes
perderia sentido se não exercesse natural ascen- ativos que influenciam no procedimento dos atos
dência sobre a instância a quo, nada havendo, aí administrativos, das leis e das decisões judiciais,
que deslustre a atuação desta última. [...] Pois sendo garantido o contraditório substancial.
justamente, o fato de os graus de jurisdição esta- Esse é o entendimento de Cármen Lúcia
rem organizados numa estrutura piramidal, tendo Antunes Rocha. Senão vejamos:
à base os órgão singulares, na faixa intermediária
os colegiados locais e regionais e na cumeeira O cidadão não terá como participar, direta ou in-
os Tribunais Superiores ou da Federação, é que diretamente, da elaboração da norma contida na
torna viável a pré-fixação de enunciados obriga- súmula, vedando-se marginal do processo de sua
tórios por estes últimos, porque lhes compete formação e positivação e sendo-lhe retirado, as-
dar a última palavra: Sobre matéria constitucional sim, um dos direitos fundamentais, qual seja, o

45
VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Poder Judiciário: controle
46
externo e súmula vinculante. Interesse Público, São Paulo, v. 5, MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e
n. 26. p. 13-18, jul./ago. 2004, p. 13. súmula vinculante. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 125/126.

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

poder vir a participar diretamente, inclusive, pela formação das decisões, por conseguinte, as deci-
iniciativa popular, do processo de sua elabora- sões serão mais legítimas.
ção.47

Assim, não pretendemos abordar os entendi-


5.1 A Súmula Vinculante e as garantias
mentos diversos acerca do tema, mas apresentar dos direitos fundamentais
argumentos em defesa da cidadania e da busca Os efeitos da Súmula Vinculante ferem os
pela Justiça, sendo indispensável garantir às par- princípios da ampla defesa, do contraditório, da
tes envolvidas as garantias constitucionais. isonomia, bem como a “Tripartição dos Poderes”,
Assim, a ideia de que a Súmula Vinculante inseridos no ordenamento jurídico pátrio com o ad-
tem o condão de evitar a repetição inútil de cau- vento da Constituição da República de 1988.
sas, bem como o dissenso de vários órgãos julga- Em um Estado Democrático, os cidadãos não
dores em instâncias inferiores, posto haver uma ficam à margem do processo, tendo em vista que
decisão pacificadora em Corte Superior no mesmo participam em todas as etapas do procedimento.
sentido, não tira das partes processuais o direito O juiz e as partes estão em pé de igualdade para a
de discutir a aplicabilidade ou não desse enten- construção da sentença, sendo esse um dos obje-
dimento e, ao mesmo tempo, por ser a Súmula tivos principais do Estado Democrático de Direito.
um texto, sempre haverá múltiplas interpretações, Nesse passo, corrobora o mestre Aroldo
haja vista que todo texto é aberto e possibilita-nos Plínio Gonçalves:
variadas interpretações.
Ademais, até mesmo as leis aprovadas pelo O contraditório não é apenas a participação dos
Poder Legislativo, que detém competência para sujeitos do processo. Sujeitos do processo são o
inovar no sistema jurídico pátrio, são passíveis de juiz, seus auxiliares, o Ministério Público, quando
a lei o exige e as partes. O contraditório é a ga-
interpretação. Portanto, não faz nenhum sentido a
rantia de participação, em simétrica paridade, das
Súmula Vinculante editada por um Poder que não
partes, daqueles a quem se destinam os efeitos
tem legitimidade para legislar não poder ser inter- da sentença.49
pretada.
Além de as leis serem passíveis de inter- O processo constitucional tem como objeti-
pretação, o Julgador, ao exercer o controle difu- vo a proteção dos princípios inseridos no Texto
so de constitucionalidade, pode declarar a norma Constitucional, especialmente os princípios do
inconstitucional e não aplicá-la no caso concreto, contraditório e da ampla defesa, conferidos aos li-
enquanto a Súmula Vinculante editada pelo Poder tigantes, para recorrer das decisões legítimas das
Judiciário, que não tem competência para legislar, autoridades públicas, cuja finalidade é estruturar
não pode ser interpretada ou declarada inconstitu- o ordenamento jurídico.
cional, ou seja, atualmente a Súmula Vinculante Nesse sentido leciona José Alfredo de
possui mais força imperativa do que as leis edita- Oliveira Baracho.
das pelo Poder Legislativo, que tem como função
típica legislar. Segundo Lenio Luiz Streck, com o A exigência do Processo Constitucional surge
poder de editar Súmulas os Tribunais passaram a como elemento da estrutura de um ordenamento
ter mais força que o Legislativo.48 jurídico complexo, no qual é indispensável o cons-
Na atual sistemática constitucional não pode tante controle da conformidade da norma ordiná-
ria com a Carta Constitucional. É preciso que o
ser admitido que o Supremo Tribunal Federal esta-
remédio possa ser concebido e delineado em um
beleça uma interpretação oficial vinculante, crian- enquadramento instrumental que o aceite como
do barreiras de acesso aos Tribunais, até porque princípio geral.50
o Texto Constitucional assegura várias garantias
ao destinatário da decisão, como o contraditório O processo jurisdicional, como procedimen-
e a ampla defesa. Assim sendo, deve-se valorizar to que se realiza em contraditório entre as partes
o contraditório, visando propiciar maior discussão para a formação do processo jurisdicional, tem
e participação dos destinatários da decisão na como objetivo principal as atividades preparatórias
da sentença. Assim, quando o contraditório está
presente, o processo não pode ser considerado
47
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. uma estrutura vazia. Na sentença é discutido que
Belo Horizonte, 09 set. 1996. Disponível em: <http://www.
senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06.pdf>.
49
Acesso em: 08.03.2010. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do pro-
48
STRECK, Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito cesso. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 120.
50
da efetividade: uma crítica hermenêutica. Revista do Instituto de BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional.
Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, n. 3, 2005, p. 113. Rio de Janeiro: Forense, 1984, 347.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

o jogo dos interesses divergentes torna-se real, Ante o exposto, a adoção da Súmula
que as partes expõem os direitos materiais que Vinculante fere claramente o princípio da separa-
afirmam ter, e que se contrapõem nas afirmações ção das funções e a legitimidade democrática, até
dos direitos materiais que mutuamente são negados. porque somente o Poder Legislativo tem legitimi-
A celeridade processual prevista no art. 5º, dade para inovar o sistema jurídico. Os três “pode-
inciso LXXVII, da Constituição da República de res” têm prerrogativas e faculdades, e o respeito
1988 não pode prevalecer sobre outros direitos mútuo e a colaboração de serem independentes
fundamentais, quais sejam, o contraditório, a am- e harmônicos entre si. Vejamos o posicionamento
pla defesa e a isonomia, haja vista que esses re- de Carlos Mário Velloso, acerca do princípio da
quisitos são indispensáveis aos destinatários da separação das funções e do sistema de freios e
prestação jurisdicional. Esse é o entendimento de contrapesos:
Ronaldo Bretas Carvalho Dias.
No presidencialismo, as funções estatais – legis-
[...] é importante ressaltar que a exigência cons- lativa, administrativa e jurisdicional – são exerci-
titucional de se obter a prestação da atividade das por órgãos distintos e independentes, mas
jurisdicional em tempo útil ou prazo razoável, o harmônicos entre si. Essa harmonia é consegui-
que significa adequação temporal da jurisdição, da na medida em que se pratica a doutrina que
mediante processo sem dilações indevidas, não os norte-americanos denominam de checks and
permite impingir o estado ao povo a aceleração balances, freios e contrapesos, doutrina que ins-
dos procedimentos pela diminuição das demais titui colaboração entre poderes e da qual resul-
garantias processuais constitucionais, por exem- ta uma fiscalização mútua, para o fim de realizar
plo, suprimir o contraditório, proibir a presença justamente aquilo que Montesquieu propugnava:
do advogado no processo, eliminar o duplo grau a limitação do poder pelo poder. A doutrina dos
de jurisdição, abolir a instrumentalidade das for- freios e contrapesos, que a Constituição brasileira
mas, restringir o direito das partes à produção de consagra, realiza o controle do Poder Judiciário,
provas lícitas ou dispensar o órgão jurisdicional sem, entretanto, violar as garantias concedidas a
de fundamentar racionalmente suas decisões. A esse Poder.52
restrição de qualquer dessas garantias proces-
suais constitucionais [...] revela-se inconstitucio- No mesmo sentido corrobora Luiz Flávio
nal e antidemocrática, [...] deslavada e grosseira Gomes:
agressão ao princípio constitucional do Estado
Democrático de Direito.51 (grifou-se) As súmulas vinculantes conflitam com o princípio
da separação dos Poderes (art. 2º e art. 60, §4º,
inc. III), visto que o Judiciário não pode ditar re-
5.2 A adoção da Súmula Vinculante e o gras gerais e abstratas, com validade universal
princípio da legitimidade democrática (non exemplis sed legibus judicatum est), falta-lhe
Convém ressalvar que a Constituição de legitimação democrática para isso.53
1988 estabelece de forma decisiva a independên-
Nas palavras de Ferreira Filho,54 a divisão
cia entre as funções do Legislativo, do Executivo e
das funções consiste em dividir o exercício do po-
do Judiciário, conforme se depreende do art. 2º da
der político entre vários órgãos diferentes e inde-
CF. Assim, o Judiciário faz lei individual para um
pendentes, através de um critério variável, seja
caso específico, quando julga e decide prolatan-
funcional ou geográfico, de modo que órgão algum
do uma sentença. Já a função constitucional do
isolado possa agir sem ser freado pelos demais.
Poder Legislativo é editar normas de caráter geral
É, pois, essa divisão que impede o arbítrio ou ao
e abstrato, com alcance para toda a coletividade e
menos o dificulta, sendo esses poderes indepen-
não individual, pois, se assim fizer, estará invadin-
dentes e harmônicos.
do a esfera do Poder Judiciário.
Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha, a in-
O Judiciário, o Executivo e o Legislativo são
trodução da Súmula Vinculante no ordenamento
independentes, uma vez que no exercício de suas
jurídico com o objetivo de dar celeridade à pres-
funções típicas não necessitam de consentimen-
tação jurisdicional vai de encontro às garantias
to ou mesmo autorização, sendo livres para orga-
nizarem a prestação de seus serviços, devendo
52
apenas submeter-se às normas constitucionais e VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Poder Judiciário: controle
externo e súmula vinculante. Interesse Público, São Paulo, v. 5,
à legislação infraconstitucional. n. 26. p. 13-18, jul./ago. 2004, p. 15.
53
GOMES, Luiz Flávio. Súmulas vinculantes e independência judi-
cial. Revista Justitia, v. 59, jan./mar. 1997, p. 127. Disponível
51
DIAS, Ronaldo Brêtas Carvalho. Direito à jurisdição eficiente e ga- em: <http://www.justitia.com.br/revistas/97w70w.pdf>. Aces-
rantia da razoável duração do processo na reforma do judiciário. so em: 07.09.2016.
54
Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 8, n. FERRREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Consti-
15, p. 230-240, 2005, p. 233. tucional. 30. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 132.

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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

fundamentais, bem ao princípio da legitimidade (Judiciário, Legislativo e Executivo), sendo suas


democrática, vejamos: funções típicas e atípicas. Segundo José Afonso
da Silva58 (2005, p. 113), as divisões das funções
A adoção da “súmula vinculante” rompe tradição fundamentam-se em dois elementos: especializa-
constitucional republicana brasileira, princípios ção funcional e independência orgânica, significan-
constitucionais atuais brasileiros, tolhe direitos
do que cada órgão é independente dos demais.59
dos cidadãos, compromete o princípio da legiti-
midade democrática e o princípio da separação
Nessa divisão de competências, foi con-
dos poderes, segundo o modelo adotado na Lei ferido ao STF o poder de atuar na prevenção de
Fundamental da República, afronta o princípio da atentados e fraudes contra as normas constitu-
independência do juiz, sem o qual o direito funda- cionais, ou seja, a de exercício do controle de
mental à jurisdição vê-se restringido e não é dado constitucionalidade e inconstitucionalidade das
como certo para correção de rumos na eficiente leis. Entretanto, entre as suas funções típicas e
e tempestiva prestação jurisdicional que é busca- atípicas não foi conferida à Suprema Corte a com-
da.55 (grifou-se) petência para editar leis de caráter geral e abs-
trato, logo lhe falta a legitimidade constitucional
Nesse diapasão prossegue a autora asseve-
para criação de normas jurídicas. Como sabemos,
rando:
a função de legislar cabe ao Poder Legislativo, e
Tanto quanto ao cidadão, a “súmula vinculante” ainda assim deverá seguir um processo específico
compromete, enrijece e tolhe o próprio Poder e rígido, qual seja: o processo legislativo previsto
Judiciário, tomado na inteireza de sua composi- no art. 59 do Texto Constitucional de 1988.
ção. O momento é de crescimento responsável Assim, verificamos que a Súmula Vinculante
do Poder Judiciário, não de seu tolhimento. O mo- colide com o princípio da separação das funções,
mento é de cidadania, não de mordaça. A justiça, cláusula pétrea constitucional, na medida em que
tenho dito, fala pelo juiz. Calar o magistrado é si- os tribunais não podem editar regras de caráter
lenciar o homem. O bom juiz, disse antes, mal
geral e abstrato, com validade universal, uma vez
abre a voz, a Justiça fala. A “súmula vinculante”
que lhes cabe, simplesmente, o papel de decidir
é, no Direito, o “silêncio obsequioso” imposto
nas religiões sem democracia. E o momento não a lei aplicável ao caso concreto. Ao interpretarem
é dos mudos. A palavra é a senha do Direito. O a lei com caráter geral e vinculativo, os tribunais
silêncio, a sua morte.56 (grifou-se) estariam se adentrando na área de competência
constitucional da função típica do Legislativo, con-
Segundo Lenio Luiz Streck, a adoção da vertendo-se em legisladores. Nesse sentido corro-
Súmula Vinculante fere claramente o princípio da bora Paula Bhering Jacques Gonçalves.
separação dos poderes.
O Judiciário, mais precisamente o STF, ao editar
Com o poder de editar súmulas, os tribunais pas- súmulas e investi-las de caráter vinculante, estaria
sam a ter um poder maior do que o Legislativo. Se criando regra normativa cuja observância é obriga-
se impedir que – das decisões exaradas em con- tória. Dessa forma, a competência do legislador,
formidade com as súmulas – sejam interpostos antes exclusiva, seria invadida pelo Judiciário, que
recursos, o Poder Judiciário estará acumulando não tem legitimidade para criar o direito, mas ape-
as duas funções (legislativa e judiciária), petrifi- nas para aplicá-lo.60
cando o sentido do texto (e da norma exsurgente
desse texto). Daí que, examinando o sistema jurí- Assim sendo, o princípio dos freios e contra-
dico brasileiro como um paradoxo, é possível dizer pesos, inerente à estrutura tripartite das funções,
que, do ponto de vista autopoiético, a vinculação adotada pelo nosso ordenamento jurídico, restaria
sumular reforça o poder da auto reprodução do comprometido.
sistema. Com a vinculação, o STF “fecha” o siste-
Destarte, com a instituição da Súmula
ma.57 (grifou-se)
Vinculante no ordenamento pátrio, o princípio da
separação das funções e da legitimidade demo-
A Constituição da República de 1988 es-
crática passou a ser mitigado, pois a titularidade
tabelece competência a cada um dos poderes
do poder, prevista na Constituição da República

55
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante.
58
Belo Horizonte, 09 set. 1996. Disponível em: <http://www. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo.
senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06.pdf>. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 113.
59
Acesso em: 08.03.2010., p. 63. SILVA, Idem, p. 113.
56 60
ROCHA, Idem. GONÇALVES, Paula Bhering Jacques. In: CASTRO, João Antônio
57
STRECK. Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito Lima. (Coord.). Direito processual: fundamentos constitucio-
da efetividade: uma crítica hermenêutica. Revista do Instituto de nais, p. 281 a 290. Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de
Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, 2005, p. 113. Educação Continuada, 2009, p. 287.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

de 1988, é do povo. Conforme infere o art. 1º da Portanto, ao estarem vinculados aos ditames
Constituição, “todo poder emana do povo, que o das Súmulas, os magistrados tornam-se realizado-
exerce por meio de representantes eleitos ou di- res de sentenças mecânicas, retirando dos desti-
retamente”, e o art. 14 estabelece que “a sobe- natários da sentença a plena participação em sua
rania popular será exercida pelo sufrágio universal construção.
e pelo voto direto e secreto, com valor igual para Assim, o magistrado torna-se submisso, não
todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito, podendo valer-se da hermenêutica para solucionar
referendo e iniciativa popular”. Assim, o povo é os casos concretos. Esse é o entendimento de
o verdadeiro titular do poder, podendo sempre Gabriela Soares Balestero:
exercê-lo. No entanto, com a uniformização da ju-
risprudência, com efeito vinculante, o povo deixa As Súmulas Vinculantes são retrato da tentativa
de exercer o poder em comento, uma vez que o do Poder Judiciário em criar o direito, legislar e
congelar a interpretação, adentrando, assim, no
Supremo Tribunal Federal passa a ter legitimida-
papel do legislativo, na tentativa de propiciar uma
de para editar Súmula Vinculante. Dessa forma, prestação jurisdicional mais célere. Contudo, tal
a participação popular restaria comprometida. celeridade trazida pela reforma do Judiciário pode
Nesse sentido corrobora Cármen Lúcia Antunes ocasionar consequências graves como a insegu-
Rocha: rança jurídica e a imposição vinculante de funda-
mentação das decisões judiciais pelos tribunais
[...] a instituição da “súmula vinculante” não tem: superiores, inibindo a possibilidade do magistra-
a) a fonte legítima da representação popular; b) do e dos interessados em construir uma decisão
o respeito à possibilidade constitucionalmente judicial pautada na participação democrática de
prevista como direito fundamental do cidadão de todos os interessados e mais adequada constitu-
participar da formação do Direito (art. 14); c) a ga- cionalmente e justa para o caso.62 (grifou-se)
rantia do processo legislativo democrático, discu-
tido, aberto e participativo (arts. 59 e seguintes) Dessa forma, o efeito vinculante acarreta a
para a criação de norma jurídica.61 diminuição ou retração da independência dada
aos juízes, que não mais julgarão levando em con-
Ante o exposto, a Súmula fere incidental-
ta a persuasão racional. A Súmula estará invadin-
mente o princípio das funções previsto no art. 2º
do a própria esfera de motivação da sentença,
da Constituição Federal, bem como as garantias
tornando os juízes meros aplicadores de normas
fundamentais e legitimidade democrática. Assim,
jurídicas.
não resta dúvida de sua inconstitucionalidade, por
A adoção da Súmula Vinculante inviabilizaria,
não encontrar amparo no Estado Democrático de
ainda, o direito de reapreciação, pela instância su-
Direito.
perior, de sentença de primeiro grau que contra-
riasse dispositivo constitucional, vez que a própria
5.3 A Súmula Vinculante e o princípio da Constituição Federal expõe em seu artigo 5º, inci-
persuasão racional dos magistrados so XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do
Insta destacar que a Súmula em comento Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”.
vai de encontro ao princípio da persuasão racional Segundo José Anchieta Silva, o que se ob-
dos magistrados e a simétrica paridade para cons- servará em adotando a Súmula Vinculante é que:
trução da decisão que é assegurada aos destina-
[...] de suas entranhas o que brotará haverá de
tários da decisão, sendo que, com a adoção da ser um espantoso engessamento de todo o Poder
Súmula Vinculante, os magistrados tornam-se me- Judiciário, o que se vitimaria, a partir de então, de
ros repetidores de decisões. Portanto, o efeito vin- magistrados togados e despojados de liberdade
culante prejudicaria incidentalmente o poder que a criativa, de consciência crítica e de sua vontade
hermenêutica jurídica tem em amoldar as leis aos própria para decidir um razoável número de pro-
casos concretos. Também com os efeitos em co- cessos e de questões que lhes serão submeti-
mento o Judiciário está subestimando o poder que das. (grifou-se)
a sociedade tem em evoluir, considerando-se que
As produções legislativas muitas vezes são
é indispensável amoldar as leis de acordo com os
confusas, dúbias e complexas, e, por conta disso,
valores sociais no momento de sua aplicação.
necessitam sempre de interpretação, com exceção
daquelas cujo sentido se encerra em si mesma.

61
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante.
62
Belo Horizonte, 09 set. 1996, p. 57. Disponível em: <http:// BALESTERO, Gabriela Soares. Crítica ao direito sumular: a ne-
www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/pdf/pdf_133/r133-06. cessidade de democratização processual. Revista Espaço Aca-
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A inconstitucionalidade da Súmula Vinculante frente ao paradigma do Estado Democrático de Direito

Assim, o juiz tem a missão importantíssima de seres complexos, históricos, datados e precários.
adequar, dentro das possibilidades interpreta- Portanto, “rejeitar a temporalidade e historicidade
tivas, a lei em análise aos ditames maiores do do ser, reproduzindo um sentido de um texto é se-
Direito, como os princípios da razoabilidade e da questrar a ação do tempo e da história”.66
proporcionalidade. A lei seria esse primeiro discur- Nessa corrente contrária a adoção da Súmula
so, que consiste, segundo Foucault, em: de efeito vinculante, asseverando as suas inúme-
ras disparidades e incompatibilidades frente à
[...] discursos que estão na origem de certo nú- sistemática do Estado Democrático de Direito, con-
mero de atos novos de fala que os retomam, os forme descrito acima, encontram Dalmo Dallari,
transformam ou falam deles, ou seja, discursos
Fabio Konder Comparato, Cármen Lúcia Rocha e
que, indefinidamente, para além de sua formula-
ção, são ditos, permanecem ditos e estão ainda
Lenio Luiz Streck, Luiz Flávio Gomes, Alexandre
por dizer. (FOUCAULT, 1996, p. 22) Gustavo Melo Franco Bahia, entre outros.
Diante do exposto, o juiz goza de garantias
Com a adoção da Súmula Vinculante, o juiz constitucionais como a liberdade de exercício de
tornar-se-á um mero repetidor de questões já su- suas funções, não podendo vincular suas deci-
muladas em decisões. Uma situação inaceitável sões a um efeito vinculante. Assim, o efeito em
se considerarmos que toda lei, por mais clara que comento retira a capacidade das partes destina-
pareça ser, é passível de interpretação. Segundo tárias da decisão em discutir os fatos objeto do
Lenio Luiz Streck,63 a Súmula não soluciona um litígio. No mais, os casos podem ser semelhan-
litígio, mas, sim, o juiz, o intérprete, que faz uma tes, análogos, entretanto, distintos. Portanto, o
fusão de horizontes para dirimir o conflito. O efeito poder da hermenêutica restaria comprometido,
vinculante não permite ao juiz que faça uma adap- pois os tribunais superiores, além de se torna-
tação do Direito à evolução natural da vida social, rem legisladores ordinários, estão massacrando
com todas as nuanças dela decorrentes, uma vez os princípios da independência dos magistrados,
que lhe impõe a orientação sobre a qual deve ser a o contraditório, a ampla defesa e a isonomia das
interpretação mais correta, desprezando as outras partes envolvidas. Portanto, em observância aos
formas, muitas vezes mais justas e adequadas ao referidos princípios, o juiz deve decidir em regime
conflito. Diante do exposto, a Súmula Vinculante de liberdade, caso contrário perderia o poder de
não encontra respaldo no Estado Democrático de persuasão racional previsto no sistema constitu-
Direito, instituído pela Constituição da República cional.
de 1988. Por fim, é importante enfatizar, desde já, que
Nesse sentido o que reatualiza o texto, con- a Súmula Vinculante assim, como outros mecanis-
siderado como sendo a lei, é justamente algo de mos trazidos pela Emenda Constitucional nº 45,
novo que ele traz consigo. O Direito e a sua mani- não é a solução eficaz para resolver a “crise do
festação através da lei se renovam e se reciclam Poder Judiciário”, segundo o ex-presidente do STF,
permanentemente. “O novo não está no que é Carlos Mário da Silva Velloso:
dito, mas no acontecimento de sua volta”.64
A Emenda Constitucional nº 45, entretanto, muito
O efeito vinculante retiraria dos juízes o pa-
pouco contribuirá para afastar o verdadeiro pro-
pel que lhe foi atribuído pelo próprio constituinte
blema da Justiça brasileira, que é a lentidão, a
de 1988: o papel de autor, não no sentido daque- demora na prestação jurisdicional, o que foi reco-
le que cria o Direito, mas aquele que, segundo mendado por ela própria [...].67
Foucault, “dá à inquietante linguagem da ficção
suas unidades, seus nós de coerência, sua inser- Dessa forma, pode-se afirmar que está sen-
ção no real”.65 Até porque a lei é abstração que se do tolhida a liberdade hermenêutica do julgador,
materializa na sua aplicação a cada caso concre- desrespeitando assim o devido processo legal,
to. E mais, a Súmula tornar-se-ia um entrave para indo de encontro à sistemática processual, qual
a jurisprudência, que não se renovaria, cristalizan- seja, estão cerceando o julgador de lançar mão
do o Direito, o que é inconcebível para uma ciência de todos os métodos hermenêuticos necessários
dinâmica, que deve estar sempre em consonância a aplicação do Direito quando das soluções das
com as transformações sociais, visto que somos

66
STRECK. Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito
63
STRECK. Lenio Luiz. O efeito vinculante das súmulas e o mito da efetividade: uma crítica hermenêutica. Revista do Instituto
da efetividade: uma crítica hermenêutica. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, 2005, p. 94.
67
de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 3, 2005, p. 23. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Poder Judiciário: reforma.
64
FOUCALT, Michel. A ordem e o discurso. Tradução de Laura A Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004. Revista da
Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 1996, p. 26, Ordem dos Advogados do Brasil, ano XXXV, n. 80, p. 17-39,
65
FOUCALT, Idem, p. 26. jan./jun. 2005, p. 17.

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Márcio Berto Alexandrino de Oliveira

lides. Portanto, a jurisprudência deve avaliar o tra- Por fim, a adoção da Súmula Vinculante
balho de interpretação do magistrado, não vinculá-lo produz um engessamento do Poder Judiciário, reti-
a um entendimento de determinado Tribunal. rando dos juízes e partes destinatárias da decisão
Assim, ao adotarem os efeitos da Súmula o direito de valer-se da hermenêutica para ade-
Vinculante, os magistrados de instâncias inferio- quar as leis aos casos concretos. Nosso posicio-
res ficam impedidos de interpretar os casos obje- namento contrário à adoção da Súmula Vinculante
to das lides, ou seja, haverá um engessamento do não reside apenas no serem “corretas” ou “in-
Poder Judiciário e a consequente obstaculização corretas”, e, sim na função que esse mecanismo
da evolução do Direito, uma vez que esta se dá exerce no sistema jurídico e suas consequências
com a discussão e a revisão de artigos, sendo ne- no acesso à justiça e na qualidade das decisões a
cessário adequá-los de acordo com a evolução do serem proferidas pelos magistrados. Assim, “com
Direito e da sociedade. a institucionalização da Súmula Vinculante, não
se queimarão os livros ou revistas jurídicas”. O
6 Considerações finais problema reside na queima das ideias que bus-
cam aprimorar a interpretação das leis aos ca-
Diante dos fatos relatados, percebemos cla- sos concretos, ou seja, a hermenêutica perderá
ramente que a adoção da Súmula Vinculante não sua função tão magnífica, que é amoldar as leis
coaduna com a atual sistemática constitucional, a cada caso concreto, levando-se em conta os va-
pois está massacrando os princípios da isonomia, lores sociais da sociedade no momento da aplica-
do contraditório, da ampla defesa, da separação ção da lei.
das funções e da legitimidade democrática, inseri-
dos na Constituição da República de 1988. Governador Valadares,
Assim, quanto à edição da Súmula Vinculante 13 de setembro de 2016.
pelo STF, não resta qualquer dúvida da sua in-
constitucionalidade, pois os ditames da referida
Súmula ferem claramente princípios sensíveis pre- The Unconstitutionality of Binding Precedent against the
sentes no Texto Constitucional de 1988. Democratic Constitutional Stare
A própria constituição aduz que a função pre- Abstract: It is intended in this article to analyze the
cípua do Poder Judiciário é de julgar e não de criar unconstitutionality of binding precedent against the democratic
constitutional stare of law, with a view to its adoption goes
normas, muito menos sem a participação do cida- against the fundamental guarantees provided in the Constitution
dão. Portanto, a adoção da Súmula em comento of the Republic of 1988. It should be noted that the binding
fere claramente a separação das funções, não po- effect of the scoresheet in comment removes the members
of the Judiciary, in the case judges the power to interpret and
dendo este ser abolido ou suprimido, por tratar-se apply the standard as well as the lack of parity of the parties in
de uma Cláusula Pétrea, conforme se infere do the pursuit of judicial services. Thus, the magistrate becomes
a repeater rules, can not resort to the legal interpretation to
art. 60, parágrafo 4º, inciso III da Constituição da shape the law to specific cases. Given the above, the binding
República de 1988. precedent not consistent with the principles set out in the
Diante dos debates acerca do assunto, po- democratic rule of law. The preparation and adoption of laws
should be made by the representatives of the people, while
demos concluir que na verdade não alcançamos the binding decision is approved by the Judiciary, injuring
a plenitude de um Estado Democrático de Direito. incidentally the principle of tripartism of powers, this principle
Dessa forma, isso requer profundas mudanças being one eternity clause can not be suppressed by any rule
or principle. In all, throughout this work, we demonstrate
no sistema jurídico, para efetivar a democracia, the incompatibility of the effects of binding precedent to the
os direitos fundamentais e a participação popular current constitutional scheme that we live, because the current
system is assured the participants of the court regarding the
na elaboração e aplicação das normas jurídicas,
contradictory, the wide defense and equality in the pursuit of
pois toda norma que nasce do anseio da socieda- judicial services. The binding precedent was established in
de terá maior efetividade, sem necessitar de uma eloquent attempt to ensure speedy trial provided for in Article
5, XXXV of the Constitution of the Republic of 1988, however,
imposição unilateral. in a democratic state of law, the pursuit of speed can not
Vivemos em uma inegável crise de identidade infringe other constitutional guarantees, such as violation of
do Estado que ora está abdicando suas funções, legal defense and contradictory.
ora está por extrapolá-las, como é o caso da edi- Keywords: Democratic rule of law. Fundamental guarantees.
ção da Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal Binding. Unconstitutionality. Paradigm. Rational persuasion.

Federal. Portanto, faz-se necessário encontrarmos


o caminho da independência e harmonia que deve
reinar entre os “poderes” Judiciário, Executivo e Referências
Legislativo, conforme estabelece a Constituição, AGUIAR, Cynara Silde Mesquita Veloso de. Súmulas Vincu-
que são poderes independentes e harmônicos en- lantes: sua ilegitimidade no Estado Democrático de Direito.
Revista da Ordem dos Advogados do Brasil, ano XXXV, n. 80,
tre si. jan./jun. 2005.

40 ARTIGOS Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte, ano 18, n. 206, p. 21-41, abr. 2018

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