Filosofia Oriental

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 6

Filosofia Oriental

Se considerarmos a filosofia em um sentido amplo, a partir do significado da palavra amor à


sabedoria, dificilmente poderemos dizer que existe apenas uma filosofia: a filosofia que se origina na Grécia
Antiga. A busca pela sabedoria não é algo exclusivo dos gregos e nem tampouco da civilização Ocidental.
Por outro lado, se considerarmos a filosofia em um sentido restrito, há uma tendência em não reconhecer a
filosofia oriental vendo a filosofia apenas como uma manifestação da razão ocidental que não encontra
correlato no oriente. O filósofo alemão Hegel é um destes pensadores que, em suas Preleções sobre a
História da Filosofia, considera a filosofia oriental apenas como uma religião.
Em primeiro lugar está a assim chamada filosofia oriental. Mas, ela não entra no
corpo e no âmbito de nossa apresentação, ela é apenas algo provisório de que temos
de falar, para dar uma justificativa, porque dela não nos ocupamos mais
extensamente e quais as relações em que está com o pensamento, com a verdadeira
filosofia (apud SPROVIERO, p. 2).
Pode-se ressaltar, como Hegel, que o pensamento oriental está invariavelmente vinculado à religião,
aos costumes e tradições e, por isso, não seria propriamente uma filosofia. Mas e o que dizer dos três
grandes mestres da filosofia grega: Sócrates, Platão e Aristóteles? Cujo pensamento aparece diretamente
ligado com questões metafísicas, embora despida de dogmas e rituais religiosos? Sócrates e o
seu daimon; Platão e o mundo das ideias; Aristóteles e o primeiro motor imóvel. Talvez se possa dizer que
o pensamento oriental seja muito mais religião do que uma filosofia, mas daí a negar um caráter filosófico
ao pensamento oriental vai uma distância profunda pois no oriente não encontramos apenas questões de
caráter religioso (ainda que vinculado a este).
Assim como a filosofia grega antiga dizia respeito ao homem e à sua relação com a
sociedade, a filosofia indiana antiga também diz respeito ao homem e à sua relação
com a sociedade; e assim como os insights gregos são úteis até os dias atuais, a
filosofia indiana também pode contribuir muito com nossa compreensão do universo
interior e exterior do indivíduo (BELUZZI, 2015, p. 101).
Para aqueles que defendem uma forma ortodoxa de pensar a filosofia (de que só há filosofia no
ocidente), não é demais lembrar como o pensamento oriental influenciou, de alguma forma, o pensamento
ocidental, e isto desde as origens da filosofia. A partir de algumas fontes antigas, como Diógenes Láercio e
Plutarco, Silva (2018) faz uma análise de alguns filósofos que tiveram contato com o oriente.
Filósofos como Pitágoras, que viajou para a Babilônia, o Egito e teve uma relação muito próxima com
o oriente, sobretudo a Índia. Demócrito, cuja doutrina atomista se assemelha a dos sábios indianos.
Nas viagens em que Pirro (360 a.C. – 270 a.C.) de Élida fez, acompanhado de Alexandre, o Grande,
ele entrou em contato com os “sábios nus” da Índia, os chamados Gimnosofistas (γυμνοσοφισταί). Plutarco
(Πλούταρχος: 46 d.C. – 120 d.C.) faz referências aos Gimnosofistas em sua Vida de Alexandre (CVIII), além
disso, “Entre as primeiras referências aos Gimnosofistas na Filosofia antiga, temos a denominação de
‘filósofos bárbaros’, que remonta ao historiador grego Diógenes Laércio (séc.III), em sua obra ‘Vidas e
doutrinas dos filósofos ilustres’” (SILVA, 2018, p. 104).
Os sábios nus (Gimnosofistas) eram originários do pensamento jainista, tinham uma doutrina ascética
e procuravam viver conforme a natureza, além de terem rompido com o sistema social de castas hindu
(eram, portanto, ex-brâmanes) e com a tradição religiosa.
Foi a partir do contato com os sábios nus que Pirro inaugurou seu ceticismo: sua negação de qualquer
afirmação dogmática a respeito da divindade em razão da dificuldade de se definir o que seja a verdade de
onde resulta o seu agnosticismo e a suspensão de juízo (ἐποχή: epoché).
Plotino é outro filósofo, agora já do período do neoplatonismo, que também sofreu a influência dos
“sábios nus”.
E como não ver no famoso conhece-te a ti mesmo que tanto influenciou Sócrates uma forma similar
de pensar a realidade que está diretamente relacionada com a visão budista? Conhece-te a ti mesmo era o
caminho que o filósofo grego indicava como necessário na busca do bem e da verdade. Esta frase, no
entanto, não é de Sócrates, era uma inscrição gravada em Delfos no templo do Deus Apolo. Da mesma
forma temos no budismo uma doutrina de crescimento espiritual que inclui a prática da concentração e da
meditação. Ao desenvolver uma prática meditativa de observar nossos comportamentos, pensamentos e
sentimentos realizamos um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, tão necessário ao caminho de
autotranscedência e iluminação.
Considerando Leibniz como o primeiro filósofo alemão que teria escrito sobre a filosofia chinesa,
Florentino Neto (2012) destaca a publicação da coletânea Novissima Sinica e o Discours sur la théologie
naturelle des chinois – este escrito em forma de carta –, como os principais escritos de Leibniz sobre a
China. Esta carta foi escrita “em resposta à carta de Rémond (Leibniz, 2002, p. 5), que lhe enviara, na
mesma correspondência, três outros tratados, pedindo-lhe que se posicione sobre suas diferentes posições”
(id., ibidem, p. 107). A posição a que Rémond se refere é sobre a querela dos rituais que, ao se referir sobre
a possibilidade de catequização e conversão dos chineses ao cristianismo, debatia a tese da compatibilidade
ou incompatibilidade dos rituais chineses com os princípios do cristianismo.
A contemporaneidade por sua vez foi palco de um avanço e abertura entre as duas culturas, orientais
e ocidentais, o que ampliou a possibilidade de diálogo de pensadores de ambas as tradições, como é o caso
de filósofos da envergadura de um Schopenhauer (FARIA, 2010) ou Nietzsche (MEROLA, 2013).
A partir de tais considerações passemos então a conhecer um pouco mais esta Filosofia Oriental.
Budismo
O Budismo se tornou dominante na Índia por quase toda a totalidade do primeiro milênio da nossa
era. Hoje, no entanto, se encontra muito mais disseminado em outros países como Sri Lanka, Tibet, Butão,
Mianmar, Tailândia, Laos e Camboja. O Budismo tem origem com Sidarta Gautama, o Buda, que viveu entre
os séculos VII e VI a. C.. Esta expressão “Buda” significa em sânscrito “o desperto” ou “o iluminado”.
Os sutras (discursos de Buda), “escritos a partir de seus discursos orais [de Buda] pelos seus alunos”
(BELUZZI, 2015, p. 97), são considerados os textos base de toda a filosofia budista. Temos também
os shastras (que na verdade constituem de comentários dos sutras). “Compõem o Tripitaka [cânon budista]
textos sobre a doutrina (Sutra Pitaka), a disciplina monástica (Vinaya Pitaka), bem como aqueles de caráter
filosófico e psicológico (Abhidharma Pitaka)” (DINIZ, 2010, p. 95).
Sobre a ideia de se temos ou não uma filosofia budista, Paine (2007, p. 86) pondera que “[...] a
mensagem original do Buda é tão filosófica que alguns comentaristas acham que nem se qualifica como
uma religião, sendo melhor chamada de uma filosofia”. Diniz (2010, p. 89), por sua vez, considera que os
ensinamentos budistas possuem não apenas um caráter psicológico, filosófico e moral, como “representa,
ainda, uma tradição metafísica da qual emana uma sabedoria aplicável a vários instantes da existência”.
Ao ressaltar a possibilidade de se pensar o Budismo como uma filosofia nos moldes ocidentais,
Gouveia (2016, p. 192) destaca como o Budismo pode ser visto “enquanto uma tentativa de responder
questões fundamentais sobre a existência, o conhecimento, a mente, os valores, a linguagem etc, de uma
forma crítica e sistemática utilizando-se da argumentação racional”. “O que aproxima a filosofia e o budismo
são a sabedoria e o questionamento crítico” (GOUVEIA, 2016b, p. 39).
Temos também no Budismo uma análise do que seja a verdade, tão cara ao pensamento filosófico
ocidental.
Quando, por exemplo, a filosofia budista divide a análise da verdade em dois níveis
(s. dvasatya / t. bden pa gnyis), o da verdade absoluta/suprema (s. paramārtha-satya
/ t. don dam bden pa) e o da verdade relativa/ordinária (s. saṃvṛti-satya / t. kun rdzob
bden pa) – assunto crucial dentro deste contexto filosófico (GOUVEIA, 2016, p. 193).
Podemos também pensar na relação com a filosofia ocidental pela posição crítica do Budismo de
não aceitar de forma dogmática qualquer ideia. Diz uma famosa citação atribuída ao Buda: “deve você
examinar minhas palavras. Não as aceite apenas baseado em sua fé em mim” (BATCHELOR, 2011, p. 33).
Esta ideia tem um aspecto racional, cuja “verdade” deve resistir aos testes da razão. E ainda segundo o
próprio Buda:
Não acredites numa coisa simplesmente por ouvir dizer; não acredites sob a fé das
tradições, pois elas são veneradas há numerosas gerações... Não acredites em nada
através unicamente da autoridade de teus mestres ou sacerdotes. Crê no que tu
mesmo experimentares, provares e reconhereces como verdadeiro, que esteja de
acordo com teu bem e o dos outros, e conforma tua conduta a isso (CHALLAYE,
1998, p. 84 apud DINIZ, 2010, p. 90).
Por tudo o que vimos até aqui, não há como negar que o Budismo seja uma proposta de pensamento
filosófico, supondo que “a filosofia ainda tenha alguma relação com o seu sentido original de questionamento
profundo sobre a natureza dos fenômenos, de amor à sabedoria, que é feito de forma sistemática e crítica,
baseada também na argumentação lógica” (GOUVEIA, 2016b, p. 85).
Embora algumas vezes seja dito que o Budismo prega uma religião sem Deus dando, por isso, a
impressão de um certo ateísmo, há aqueles que preferem classificá-lo como agnóstico, ou seja, não de
negação do Absoluto e sim, da nossa incapacidade de dizer algo sobre Ele. Mas, de modo geral, rejeita-se
“a ideia de um ser supremo criador e gestor deste mundo, bem como renunciam a toda e qualquer forma de
dogma” (DINIZ, 2010, p. 94).
O Budismo se baseia em quatro grandes verdades ou quatro verdades nobres. Estas verdades se
referem de modo direto a questão do sofrimento, suas causas, objetivos e de como se libertar do sofrimento.
Paine (2007, p. 84) ressalta como estas quatro verdades se fundamentam: 1) na impermanência (constante
e total mutabilidade das condições de um fenômeno) do sofrimento; 2) no desejo como causa do sofrimento
que se relaciona com o karma; 3) na finalidade do sofrimento que constitui o apagamento dos desejos; 4)
na via de retificação dos pensamentos e ações. Ferreira (2015, p. 13-14) destaca que o conhecimento destas
verdades formam o caminho para iniciar uma jornada de transformação interior. Ao compreender a dor como
um estágio necessário da existência (toda vida inclui sofrimento) e que nada ocorre por acaso (o sofrimento
tem, portanto, uma origem), passamos a aceitar melhor sua finalidade (todo sofrimento tem um fim), o que
nos leva a quarta e última nobre verdade: a de que existe um caminho para se libertar da dor. Esse caminho,
também chamado de O Caminho Óctuplo, é descrito como um caminho de crescimento espiritual que inclui
a prática da concentração e da meditação. Ao desenvolver nossa capacidade de observar nossos
comportamentos, pensamentos e sentimentos passamos a entender porque agimos, pensamos e sentimos
de tal forma em um verdadeiro trabalho de autoconhecimento, autotranscedência e iluminação.
Dalai Lama (2008) fala de dois tipos de meditação, a meditação analítica que reflete
sobre as grandes questões, ou verdades da compreensão budista e a meditação
concentradora que mantém o foco e concentração para o treinamento da mente.
Para esta visão, uma mente dispersa não é capaz de possibilitar o desenvolvimento
espiritual. Dalai Lama (2006, p.79) ressalta que: “Em todas as áreas do
desenvolvimento espiritual, não importa qual seja seu nível, você precisa tanto de
análise quanto de foco para alcançar os estados que busca.” (FERREIRA, 2015, p.
14).
O Budismo tem também um aspecto ético fundamental ao ressaltar a prática da compaixão como
caminho para o desenvolvimento espiritual. Compaixão que faz surgir o afeto e a solidariedade entre as
pessoas, que transcende o mundo do individualismo em uma perspectiva do eu que é relacional: o eu existe
em comunhão com os outros. Uma compaixão que tem a ver com “senso de responsabilidade. Ela é gerada
quando nos damos conta de que as pessoas que sofrem ou não são felizes ou prósperas, querem a
felicidade tanto quanto nós. Compaixão significa desenvolver uma preocupação genuína com elas” (DALAI
LAMA, 1999, p. 51 apud FERREIRA, 2015, p. 16).
Por fim cabe dizer algumas breves palavras sobre Nagarjuna (que viveu por volta do século II d. C.),
considerado o maior filósofo da história do Budismo, que escreveu profundos comentários sobre o Budismo,
sendo fundador da escola Madhyamaka de interpretação.
A natureza da existência é, segundo ele, rigorosamente relacional - não existem
almas, coisas, nem conceitos que independem dessa rede; em si, coisas são vazias.
Nagarjuna desenvolveu um tipo de dialética (chamado de prasanga, ocasião) que
usa argumentos como ocasiões para destruir a ilusão de um absoluto (PAINE, 2007,
p. 86).

Hinduísmo
O Hinduísmo não tem uma autoridade suprema como um papa ou aiatolá. “Quem é hindu é assim
porque nasceu hindu, já situado numa classe social, estritamente hierarquizada, que tem uma séria de
deveres e direitos correspondentes” (PAINE, 2007, p 78).
A tradição hindu se baseia, entre outras obras, no livro dos Vedas que, em sânscrito, deriva da
raiz vid (विद् ), que significa conhecer, escreve-se veda (िेद) no alfabeto devanágari e significa conhecimento.
Veda é o nome dado a certas obras antigas as quais formaram a base da fé religiosa primitiva dos hindus.
Os textos dos Vedas, atribuídos aos Ṛṣis (videntes ou poetas sagrados que os receberam por meio
de visão diretamente do Criador Supremo), servem de fundamento do universo cultural, ético e religioso
hindu. Os Vedas é composto de quatro obras ou livros do conhecimento (PAINE, 2007, p. 78-79; O ṚG-
VEDA, 1866).
1) o Rg Veda (ऋग्वेद) ou veda dos hinos (rc ou rg = hino ou louvor), assim chamado porque sua Saṁhitā ou
coleção de mantras ou hinos consiste em Ṛcas ou versos destinados à recitação em voz alta; é uma
antologia de hinos sagrados, preces métricas, consiste de mais de mil hinos e contém a mais antiga parte
dos textos; “também chamados Sūktas, – endereçados a diferentes divindades, – cada um dos quais é
atribuído a um Ṛṣi, um autor santo ou inspirado” (WILSON, H. H. apud ṚG-VEDA SAṀHITĀ, 1866, p. 19).
2) o Sama Veda (सामिेद) ou veda dos cantos rituais (sāman = canto ritual), contém arranjos musicais dos
hinos do Rg Veda e outras fontes; “O Sāma Veda é pouco mais do que uma remodelação do Ṛc, sendo
composto, com muito poucas exceções, dos mesmos hinos, divididos em partes, e organizados de nova
maneira, com a finalidade de serem cantados em diferentes ocasiões cerimoniais” (WILSON, H. H. apud ṚG-
VEDA SAṀHITĀ, 1866, p. 19).
3) o Yajur Veda (यजुिेद) ou veda do sacrifício (yajush = sacrifício), reúne as orações e fórmulas sacrificiais
utilizadas pelos sacerdotes e difere do Rg Veda por ser uma coleção de fórmulas litúrgicas; “As preces, ou
invocações, quando não emprestadas do Ṛc, são, a maioria, breves, e em prosa, e são aplicáveis à
consagração dos utensílios e materiais da adoração cerimonial, assim como ao louvor e culto dos deuses”
(WILSON, H. H. apud ṚG-VEDA SAṀHITĀ, 1866, p. 19).
4) o Atharva Veda (अथिविेद) é um conjunto de fórmulas mágicas e encantamento (atharvān = um tipo de
sacerdote); o Atharva Veda, no entanto, pode ser “considerado antes como um complemento aos três, do
que como um dos quatro Vedas” (WILSON, H. H. apud ṚG-VEDA SAṀHITĀ, 1866, p. 19), pois
Muitas passagens podem ser encontradas em escritos sânscritos, algumas nos
próprios Vedas, que limitam o número [dos Vedas] a três; e não há dúvida que o
quarto, ou Atharva Veda, embora ele se aproprie livremente do Ṛc, tem pouco em
comum com os outros, em seu caráter geral, ou em seu estilo: a linguagem indica
claramente uma época diferente e posterior (WILSON, H. H. apud ṚG-VEDA
SAṀHITĀ, 1866, p. 19).
Cantados durante rituais sagrados e recitados quotidianamente em comunidade védicas, o canto
védico é considerado patrimônio cultural imaterial da humanidade pela UNESCO, desde 2003 (UNESCO,
La tradition du chant védique). Os Vedas pertencem “à história do mundo e à história da Índia” (MÜLLER, F.
Max apud O ṚG-VEDA, 1866, p. 43) e onde houver uma biblioteca ou museu que trate das relíquias das
eras antigas ele terá sempre um lugar “naquela longa lista de livros que contêm os registros do ramo ariano
da humanidade” (id., ibidem, p. 43).
Além dos Vedas, temos também outro conjunto considerável de escritos (alguns que não tem origem
com os rishis).
(“Manava-Dharmashastra”), regras rituais (“Vedangas”), textos éticos (“Niti-
Shastras”), contos e lendas populares para os não letrados (as “Puranas”), poemas
(“Itihasas”, “Kavyas”), e as duas grandes epopéias indianas (que lembram um pouco
a “Odisséia” e a “Ilíada” homéricas): o “Ramayana” e o “Mahabharata” (PAINE, 2007,
p. 79).
Merece destaque também os Upanixades que apresenta um conjunto de preceitos que podemos
considerar ao mesmo tempo religiosos e filosóficos como: atman (realidade fundamental do
homem), brahman (realidade fundamental do mundo).
A partir da tradição hindu é possível traçar paralelos entre a filosofia ocidental e oriental a partir das
ideias de:
uma lógica e uma epistemologia (Nyaya), uma filosofia da natureza (Vaisheshika),
uma hermenêutica e uma teoria de linguagem (Purvamimamsa), uma visão polar do
cosmos em princípios que lembram ato/potência, ou matéria/espírito, na
dualidade purusha/prakriti (Sankhya), uma psicologia de forças físicas e sutis no
corpo humano e sua harmonização (Yoga), e uma metafísica (Vedanta) (PAINE,
2007, p. 81).
Sobre os Vedanta podemos considerar Shankara (séc. VIII), Ramanuja (séc. XII) e Mahdva (séc.
XIII) como autênticos filósofos. Shankara desenvolveu uma interpretação não dualista Vedanta.
Propondo um monismo rigoroso, ele negou tanto o conteúdo real de maya (o jogo
das aparências), que foi acusado pelos outros dois grandes vedantins de ser um
cripto-budista, pois para eles o absoluto, brahman, na interpretação de Shankara,
não se diferenciava claramente do budista shunya (o vazio). Elementos aparentados
com a filosofia plotiniana, o apofatismo de Pseudo-Dionísio, o minimalismo quanto à
cognoscibilidade filosófica de Deus em Tomás de Aquino, abordagens de Espinosa
e até de Kant e Hegel podem ser identificados (PAINE, 2007, p. 81-82).
Ramanuja por sua vez é autor de comentários aos Brahma-Sutras e também adepto de um monismo
cujo caminho da devoção pessoal (bhakti) seria o mais eficaz para obter a libertação (moksha).
Madhva divergindo dos dois autores anteriores, é adepto do dualismo, que considera Brahman, o
mundo e a alma como substâncias distintas (sendo que o mundo e a alma dependem da primeira).

Taoísmo

O Taoísmo consiste, junto com o Confucionismo, nos dois grandes sistemas da tradição chinesa. A
China é considerada como “A Terra do Três Ensinamentos”, por causa da influência do Budismo,
incorporado à tradição taoísta e confucionista chinesa.
O Taoísmo é um sistema filosófico que tem como base as ideias de Lao-Tsé ou Lao-Tzy (604-531
a.C.). Pouco se sabe acerca da sua história de vida, porém sua historicidade está presente através do seu
livro Da Razão Suprema e da Virtude, o Tao-te King.

O tao jaz no fundo da religiosidade e da filosofia chinesas, como talvez o logos no


pensamento europeu e dharma na filosofia indiana. Se a filosofia no mundo hindu
tem, em suas raízes, uma tendência fortemente metafísica, e a filosofia budista um
acento psicológico direcionada à experiência imediata, eu diria que a filosofia chinesa
possui um coração não apenas profundamente ético, mas também estético (PAINE,
2007, p 90).
Em 666 d. C. Lao Zi foi canonizado pelo imperador da dinastia Tang com o título de Sublime
Imperador de Mística Origem. Quase 400 anos depois, mais precisamente em 1013 foi-lhe acrescentado
novo título, o de Sublime Senhor Lao, pelo imperador da dinastia Song.

Confucionismo
O Confucionismo é derivado dos ensinamentos de Kong fu zi (551-479 a.C.) que quer dizer Mestre
Kong. A forma latina derivada de Kong fu zi é Confúcio.
São considerados como escritos confucianos os Seis Jing (seis livros sagrados ou seis clássicos):
“o Shijing, o Shujing, o I Ching, o Lijing, o Chunqiu e o Yojing (livro da música, atualmente perdido)”
(OLIVEIRA, 2007, p. 134); e os quatro livros da Escola de Confúcio. Temos ainda Os Analectos, uma obra
escrita em forma de diálogo (entre Confúcio e seus discípulo), reunidos e compilados pelos alunos de
Confúcio.
O Confucionismo é uma filosofia que tem um caráter eminentemente ético e moral e isto
independente de questões religiosas. Temos também uma questão pragmática do conhecimento, pois para
Confúcio, o conhecimento teórico de nada vale se não for colocado em prática. “Preocupado com a crise
que se instalava nas instituições da dinastia Zhou, sua resposta filosófica centrou-se na discussão dos mais
diversos tópicos relativos à política, aos costumes e à construção do conhecimento, difundido por meio de
ampla proposta educativa” (OLIVEIRA, 2007, p. 134).
A doutrina de Confúcio se baseia ainda na ideia de que a essência do ser humano é a boa vontade
e que todos os homens nascem com as mesmas aptidões. Há uma forte valoração do papel da família e do
amor filial. O bem é o princípio e fim da ação moral, além de que a política é considerada como o campo de
efetivação da moral.
No campo da ética Confúcio deu ênfase a conceitos como benevolência, simpatia e autocontrole: “o
adepto confucionista exalta o autocontrole e a atitude de reserva que se expressa no ‘observa-te a ti mesmo’”
(OLIVEIRA, 2007, p. 140). Além disso, “para o confucionista, a fonte de todo bem-estar está na harmonia
da alma que, em contrapartida, sugere uma repressão das diferentes formas de paixões para que não
chegue a se romper o equilíbrio existente e desejado entre o ser e o Cosmos” (OLIVEIRA, 2007, p. 140).
O Confucionismo visa entre outras coisas a organização da sociedade baseada no princípio da
simpatia universal. Esta simpatia deve ser alcançada através da educação, e estender-se do ser humano à
família e da família ao Estado (considerado como a grande família). Sobre a educação confucionista, Oliberia
(2007, p. 140) pondera ainda que ela
busca formar homens com uma cultura universal, mas oposta às demandas racionais
e especializadas das tarefas administrativas, nos moldes ocidentais. O cavalheiro
confucionista concebe sua educação como o Tao (“o caminho”) que o leva para a
virtude e autoperfeição, e não para algo instrumental a serviço de um propósito
utilitário específico (OLIVEIRA, 2007, p. 140)

Referências Bibliográficas
BATCHELOR, Stephen. Confession of a Buddhist Atheist. New York: Spiegel & Grau, 2011.
BELUZZI, Ethel Panitsa. Tradução de textos da filosofia oriental: Peculiaridades e Requisitos no Caso da
Filosofia Budista. RÓNAI – Revista de Estudos Clássicos e Tradutórios, v. 3, n. 2, p. 95-107, 2015.
Acesso em: 13 abr. 2020.
DALAI- LAMA. Amor, Verdade, Felicidade. Rio de Janeiro: Nova Era, 1999.
DINIZ, Alexandre M. A. Surgimento e dispersão do Budismo no mundo. Espaço e Cultura, RJ, n. 27, p. 89-
105, jan./jun., 2010. Acesso em: 16 abr. 2020.
FARIA, Daniele da Silva. Sobre a influência do pensamento oriental na metafísica da vontade de Arthur
Schopenhauer – um estudo introdutório. Cadernos da Graduação, Campinas, n. 08, v. 71, 2010. Acesso
em: 13 abr. 2020.
FLORENTINO NETO, Antonio. Leibniz e a teologia natural dos chineses. Natureza Humana, v. 14, n. 1, p.
101-115, 2012. Acesso em: 13 abr. 2020.
FERREIRA, Marilane Pereira L. Os olhares filosóficos orientais e ocidentais sobre a inteligência espiritual e
suas possíveis convergências. Revista Pontifex: ciência, filosofia, arte e tradições sapiências, v. 1, n.
1, p. 1-19, 2015.
GOUVEIA, Ana Paula M. O filosofar budista: breves reflexões sobre o fazer filosófico e as suas
motivações. Kriterion, Belo Horizonte, nº 133, p. 189-205, abr., 2016. Acesso em: 13 abr. 2020.
GOUVEIA, Ana Paula Martins. Introdução à Filosofia Budista. São Paulo: Paulus, 2016b.
MEROLA, Camila Rodrigues C. Sofrimento, a transvaloração da dor: o diálogo dos mundos ocidente e
oriente a partir do conceito de Niilismo em Nietzsche. Dissertação (Mestrado em Filosofia), Programa de
Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia-MG, 2013.
ṚG-VEDA SAṀHITĀ. Uma Coleção de Hinos Hindus Antigos, constituindo o primeiro Astaka, ou livro do
ṚG-VEDA. Traduzido para o inglês por H. H. Wilson. Versões traduzidas para o português por Eleonora
Meier. 2. ed. Londres, 1866.
OLIVEIRA, Arilson Silva. Os mentores intelectuais do confucionismo, do taoísmo e do hinduísmo na
perspectiva weberiana. Horizonte, Belo Horizonte, v. 5, n. 10, p. 132-150, jun. 2007. Acesso em: 14 abr.
2020.
PAINE, Scott Randall. Filosofia e o Fato Obstinado da Religião: O Oriente Reorienta o Ocidente. REVER –
Revista de Estudos da Religião, p. 68-93, set. 2007. Acesso em: 12 abr. 2020.

SILVA, Francisco José da. Os Gregos e a Índia: os Gimnosofistas e sua influência sobre Filosofia
Grega. Revista Instante, Campina Grande-PB-Brasil, v. 1, n. 1, p.132-148, jul.-dez/2018. Acesso em: 12
abr. 2020.

SPROVIERO, Mário Bruno. Aspectos da Filosofia Chinesa [on line]. Acesso em: 15 abr. 2020.

Você também pode gostar