Da Tontura À Vertigem
Da Tontura À Vertigem
Da Tontura À Vertigem
ATENÇÃO PRIMÁRIA
From dizziness to vertigo: a proposal for the management of the vertiginous patient in Primary Care
RESUMO ABSTRACT
A vertigem é a ilusão de girar em torno do ambiente ou Vertigo is the illusion of the environment spinning around
vice-versa. É comum e geralmente avaliada pelo médico da oneself or vice versa. It is common and generally evaluated
atenção primária (MAP). Alguns MAP a subestimam, daí by the primary care physician (PCP). Some PCPs underrate
esta proposta. Realizou-se um levantamento bibliográfico it; therefore this offering. A bibliographical survey was per-
no PubMed, LILACS, SciELO, Cochrane, e bibliotecas da formed in PubMed, LILACS, SciELO, Cochrane, and the
Universidade Federal do Paraná e Pontifícia Universidade libraries of Federal University of Paraná and the Pontifical
Católica do Paraná. É fundamental o conhecimento do Catholic University. One must understand the vestibular
aparelho vestibular, dividido em periférico (aparelho e apparatus, divided into a peripheral segment (vestibular
nervo vestibular) e central (núcleos, vias e centros corticais apparatus and nerve) and a central segment (vestibular
vestibulares). A propedêutica permite diferenciar a vertigem nuclei, paths and cortical centers). Propedeutics allows the
da síncope, desequilíbrio e sensações cefálicas variadas, além differentiation of vertigo from syncope, disequilibrium and
da vertigem periférica (VP) e central (VC). A VP pode estar various cephalic sensations in addition to peripheral vertigo
associada à tinnitus, hipoacusia, vertigem intensa, prostra- (PV) and central vertigo (CV). PV can be associated with
ção, sudorese e palidez. O nistagmo é esgotável, horizontal, tinnitus, hypoacusis, intense vertigo, prostration, profuse
rotatório ou misto e desaparece ao fixar o olhar. A VC carac- sweating and pallor. Nystagmus is exhaustible, horizontal,
teriza-se pela latência e tolerabilidade da vertigem e não está rotatory or mixed and disappears when fixing the gaze. CV
acompanhada de hipoacusia ou tinnitus. Pode associar-se à is characterized by latency and tolerability of vertigo and is
ataxia, disartria, diplopia, alterações sensitivas, motoras ou not accompanied of hypoacusis or tinnitus. It may be as-
de pares cranianos. O nistagmo é inesgotável, de direção sociated with ataxia, dysarthria, diplopia or sensory, motor
diferente em cada olho e abalos em qualquer direção que or cranial nerves alterations. Nystagmus is inexhaustible,
não a horizontal. Os exames complementares são desne- with a different direction in each eye and beating in any
cessários, exceto nos casos de VC e doença de Ménière. O direction less than horizontal. Complementary evaluation is
tratamento é direcionado à causa, devendo-se tranqüilizar unnecessary except in cases of CV and Ménière´s disease.
o paciente sobre o caráter, na maioria das vezes, benigno Treatment is directed to the cause, reassuring the patient
e limitado. Os fármacos sintomáticos devem ser usados about its character which, most of the time, is benign and
racionalmente e pelo menor tempo possível. Destaca-se limited. Drugs for symptoms must be used rationally and
a necessidade de pesquisas de campo na atenção primária for the least time possible. Emphasized is the need for
que nos permitiria estabelecer estratégias e protocolos no fieldwork in primary care that should permit us to devise
manejo da vertigem. strategies and protocols for the management of vertigo..
Palavras-chave: Vertigem; Tontura; Atenção Pri- Key-words: Vertigo; Dizziness; Primary Health
mária à Saúde. Care.
1
Especialista em Medicina de Família e Comunidade pela Pontifica Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) Rua Moysés Marcondes, 81, apto. 402-B, Juvevê,
CEP 80030-410, Curitiba-PR. E-mail: edbertol@yahoo.com.br. Tel.: 041-3019-6802
2
Especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Especialista em Neurologia pela Associação Médica Brasileira e Academia Brasi-
leira de Neurologia. Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Preceptor de
Clínica Médica da Residência de Medicina de Família e Comunidade da PUC-PR.
chega a comprometer a marcha, mas com vertigem intensa, do provocado pela manobra de Nylen-Bárány, apresenta-se
podendo ser acompanhada de prostração, sudorese, palidez, sem período de latência, acompanhado de vertigem leve e
até perda breve da consciência. Na vertigem central, não há costuma durar mais do que 1 minuto; além disso, tende a
presença de hipoacusia ou tinnitus, porém pode estar asso- se repetir com a mesma intensidade a cada vez que o teste
ciada a outros sintomas neurológicos, como ataxia, disartria, é repetido, e não apresenta diminuição após executada a
diplopia, perda de consciência, déficits focais sensitivos ou manobra (nistagmo inesgotável) (FERNANDES, 2004;
motores ou dos nervos cranianos, entre outros. A marcha SWARTZ; LONGWELL, 2005). O nistagmo sem vertigem
está comprometida, sendo mais comum ocorrer retropul- pode ser considerado central (FERNANDES, 2004).
são, apesar de a vertigem ser mais branda (FERNANDES, As alterações de equilíbrio estático e dinâmico consti-
2004; SWARTZ; LONGWELL, 2005). tuem o terceiro sintoma integrante da síndrome vestibular
Com relação ao nistagmo, nas lesões periféricas, costu- e se manifesta pela alteração da marcha e outros sinais
ma ser horizontal, rotatório ou misto, é fatigável, ou seja, que descreveremos. Durante a exploração da marcha, o
costuma diminuir com o tempo, desaparece ao se fixar o paciente pode experimentar oscilações em zigue-zague
olhar, não há mudança na direção do movimento durante que aumentam ao fechar os olhos. Além disto, na mano-
a observação e o componente lento aponta o lado em que bra índex-índex, pode-se encontrar desvio do dedo índex
se encontra a lesão. Se ausente no momento da consulta, do paciente no sentido oposto ao componente rápido do
ele pode ser provocado pela manobra de Nylen-Bárány nistagmo. Por último, o sinal de Romberg será positivo
(Figura 3), que consiste em primeiro manter o paciente nas lesões das vias vestibulares, e consiste no desvio do
sentado na maca, com a cabeça voltada para o lado a ser corpo e queda do paciente quando na posição ereta, na
pesquisado e, em seguida, fazê-lo adotar a posição de de- qual lhe solicitamos que feche os olhos (PEDRO-PONS,
cúbito com a cabeça ligeiramente inclinada para baixo. O 1952). Deve-se lembrar que o Romberg positivo não ocorre
nistagmo provocado nesta situação, além das características apenas nas vestibulopatias, mas também nas lesões dos
mencionadas anteriormente, possui um período de latência cordões posteriores da medula como na tabes dorsalis e na
de alguns segundos antes do surgimento dos movimentos degeneração combinada subaguda, além da polineuropatia
oculares, é menos intenso ao se repetir o teste (habituação) periférica (FERNANDES, 2004; MELO-SOUZA, 1997).
e dura menos do que 1 minuto (nistagmo esgotável). É De forma paradoxal, nas lesões cerebelares, o Romberg é
importante sempre alertar ao paciente que a manobra de negativo.
Nylen-Bárány pode desencadear vertigem (FERNANDES, Devem-se avaliar também os pares cranianos e a função
2004; SWARTZ; LONGWELL, 2005). cerebelar (disdiadococinesia, dismetria e tremor intencio-
nal), cujas alterações sugerem uma vertigem central e repre-
sentam sinais de alerta. No manejo da vertigem, procura-se
na otoscopia comprometimento local do conduto auditivo
e membrana timpânica, como a presença de cerúmen
impactado, corpos estranhos, colesteatoma, abaulamento
ou perfuração da membrana timpânica, entre outras, e a
presença ou não de hipoacusia através da prova de Weber e
de Rinne (BALOH, 2005; FERNANDES, 2004; SWARTZ;
LONGWELL, 2005).
CAUSAS DE VERTIGEM
Causas Periféricas
Vertigem Posicional Paroxística Benigna Crises breves, com menos de 1 minuto de duração, não associadas
a sintomas auditivos, resolve espontaneamente em semanas ou meses.
Doença de Ménière Ataques recorrentes de vertigem intensa, hipoacusia flutuante e tinnitus, podendo
durar várias horas, associada à deterioração progressiva da audição.
Vertigem Medicamentosa Provocada por exposição a agentes químicos e fármacos específicos,
costuma resolver com a retirada do agente.
Labirintite Bacteriana Infecção prévia em ouvido médio, meninges ou mastóide, levando a vertigem,
náuseas, vômitos, hipoacusia e sinais toxêmicos.
Falência Vestibular Súbita Vertigem súbita e persistente, prostração intensa, náuseas e vômitos,
mais comum como episódio único. Não costuma estar associada a sintomas auditivos,
melhora em dias ou semanas.
Vertigem por Trauma Craniano Vertigem secundária a concussão labiríntica, melhora espontânea
em semanas ou meses.
Neurinoma do Acústico/ Início com hipoacusia e/ou tinnitus unilateral, progredindo com vertigem e
Tumor de Ângulo Pontocerebelar nistagmo, hipoestesia da hemiface, diminuição do reflexo corneano, paralisia facial
homolaterais e ataxia ipsilateral dos membros.
tes de equilíbrio; 2) A vertigem postural é descrita como devido a um desequilíbrio entre síntese e reabsorção (SA-
instabilidade ou flutuação, freqüentemente em forma de ENZ, 2000; SWARTZ; LONGWELL, 2005). Sua origem
ataques com duração de segundos a minutos ou, às vezes, é idiopática, porém pode haver hidropisia secundária à
como impressão momentânea e ilusória de perturbação doença de Paget, sífilis ou trauma. É mais comum entre
do próprio corpo; 3) Os ataques de vertigem podem ser os 30 e 60 anos, sendo na maioria das vezes unilateral. A
espontâneos ou estar associados a alguns estímulos como bilateralidade ocorre em 20% a 30% dos casos (FERNAN-
andar em pontes, escadas, locais amplos, ruas ou dirigindo DES, 2004; SAENZ, 2000).
um veículo. Ainda podem ser desencadeados por situações
específicas como estar em lojas, restaurantes, cinema, Vertigem medicamentosa
concertos, reuniões e recepções, das quais o paciente
pode sentir dificuldade em se retirar, com tendência para Dentre os fármacos que podem ser responsáveis por
desenvolver condicionamento, generalização e compor- quadros vertiginosos estão os aminoglicosídeos, anti-
tamento de esquiva; 4) Ansiedade e sintomas vegetativos convulsivantes (fenobarbital, fenitoína, carbamazepina),
freqüentemente acompanham os ataques de vertigem; 5) furosemida, antidepressivos, anti-hipertensivos, quimio-
Tipicamente o paciente apresenta traços de personalidade terápicos e metais pesados (CAMPOS, 1998; FERNAN-
obsessivo-compulsiva, labilidade afetiva e depressão leve; DES, 2004).
6) Freqüentemente, a vertigem fóbica se inicia após evento O diagnóstico é sugerido quando os episódios ocor-
emocional estressante, doença grave ou distúrbio vestibular rem logo após ou durante a exposição ao agente. Nestes
orgânico. casos, a retirada da droga costuma resolver o problema,
Resulta de interesse destacar que a VPF, apesar de entretanto a lesão pode ser irreversível em alguns casos
sua alta prevalência, é subdiagnosticada, no entanto seu (CAMPOS, 1998).
reconhecimento seja importante, pois os pacientes, em
geral, respondem muito bem a tratamento adequado com Labirintite bacteriana
antidepressivos, benzodiazepínicos e psicoterapia, que deve
incluir explicações ao paciente acerca da natureza de sua Deve-se a uma extensão de um processo infeccioso
vertigem, o qual evita recorrência e incapacidade (BEL- prévio no ouvido médio, meninges ou mastóide, e o quadro
TRÁN-MATEOS et. al., 2007; CIRÍACO et al., 2004). clínico consiste em vertigem intensa, náuseas, vômitos e
hipoacusia importante, além de cefaléia, dor local, hiperter-
Doença de Ménière mia, secreção purulenta e quadro tóxico-infeccioso grave
(MELO-SOUZA, 1997).
A história da DM se caracteriza por episódios recorren-
tes e intensos de vertigem, acompanhados de hipoacusia, Falência vestibular súbita
tinnitus, prostração, náuseas e vômitos, com duração va-
riando de 10 minutos a várias horas. A descrição da tríade Também denominada neuronite vestibular, ocorre
hipoacusia flutuante, tinnitus e vertigem recorrente é clássi- supostamente por uma infecção viral do nervo vestibular.
ca e integra a síndrome de Ménière que, quando idiopática, Trata-se da perda abrupta da função de um dos labirintos,
reconhece-se como DM (BALOH, 2005; LABUGUEN, levando a um quadro de vertigem súbita e persistente,
2006; SAENZ, 2000; SWARTZ; LONGWELL, 2005). Fre- prostração intensa, náuseas e vômitos, sendo mais co-
qüentemente os sintomas são precedidos por uma sensação mum ocorrer como um episódio único. Não costuma
de pressão no ouvido, zumbido progressivo ou piora na estar associada a zumbidos ou surdez. Costuma piorar
audição, que é do tipo neurossensorial. A hipoacusia me- com os movimentos da cabeça, levando o paciente a
lhora nas remissões, porém há uma deterioração progressiva ficar imóvel e, em geral, existe uma história prévia de
da audição com o passar do tempo. Este déficit auditivo infecção respiratória alta aguda e a melhora ocorre em
progressivo somado às crises repetidas de vertigem tem dias ou semanas. Outras causas de falência vestibular
um grande impacto na vida dos pacientes, mesmo naqueles súbita são o trauma craniano, a neuropatia diabética, a
tratados, e não é incomum o aparecimento concomitante obstrução da artéria terminal labiríntica e a encefalite
de sintomas ansiosos (SAENZ, 2000). do tronco cerebral (BALOH, 2005; CAMPOS, 1998;
É provocada por um aumento no volume circulante de LABUGUEN, 2006; MELO-SOUZA, 1997; SWARTZ;
endolinfa (hidropisia) dentro do labirinto membranoso, LONGWELL, 2005).
Vertigem por trauma craniano perda flutuante da audição, diplopia, paresias ou parestesias
bilaterais, às vezes podendo ser acompanhada de diminui-
Decorre da concussão do labirinto, com desapare- ção do nível de consciência. A vertigem isolada não deve ser
cimento dos sintomas dentro de dias ou semanas. Pode considerada como isquemia cerebral. Na aura enxaquecosa,
cronificar, manifestando-se então como uma vertigem a vertigem costuma ser seguida de cefaléia.
posicional episódica (FERNANDES, 2004). Nestes ca- Os ataques isquêmicos transitórios do território
sos, deve-se afastar lesão do SNC com exame clínico e de vertebrobasilar podem, por vezes, ter a vertigem como
imagem adequados. único sintoma, porém episódios repetidos de vertigem
não associada a outros sintomas sugerem outro diagnós-
Neurinoma do acústico e tumor de ângulo pontoce- tico (BALOH, 2005). A vertigem também pode aparecer
rebelar em acidentes vasculares isquêmicos ou hemorrágicos
de cerebelo ou tronco, mas, nestes casos, costuma estar
O neurinoma do acústico surge, na maioria das vezes, associada a outros sintomas de déficit neurológico. En-
na porção vestibular do VIII par e, de início, manifesta- tretanto, no infarto cerebelar, a vertigem e a perda severa
se como hipoacusia e/ou tinnitus unilateral. Conforme do equilíbrio podem ser as únicas manifestações iniciais
há progressão do quadro, começam a surgir vertigem e (BALOH, 1998).
nistagmo; pode também comprometer o V e o VII pares, Nos pacientes com espondilose cervical, os osteófitos
levando a hipoestesia da hemiface, diminuição do reflexo podem levar a uma compressão dos forames transversos
corneano e paralisia facial homolaterais. Quando ocorre durante a extensão ou rotação forçada do pescoço, levando
também ataxia ipsilateral dos membros como consequência a uma compressão da artéria vertebral que produz episódios
do acometimento cerebelar, recebe o nome de tumor de transitórios de vertigem e nistagmo, podendo se associar a
ângulo pontocerebelar (FERNANDES, 2004). estes sintomas outros sinais de comprometimento isquêmi-
Pacientes com hipoacusia neurossensorial unilateral co do tronco cerebral, tais como diplopia, disartria, disfagia,
devem ser encaminhados a um especialista para a exclusão parestesia ou déficits motores, estes últimos geralmente
de um neurinoma do acústico (CAMPOS, 1998). Assina- bilaterais (FERNANDES, 2004).
la-se que o neurinoma do acústico pode ser considerado Outras causas centrais são as neoplasias, esclerose múl-
como causa de vertigem central, pela sua sintomatologia tipla (EM) e epilepsia vestibular (FERNANDES, 2004).
e possível compressão do tronco cerebral com sinais de Nas neoplasias irão predominar os sintomas deficitários
hipertensão intracraniana. e irritativos, além de hipertensão intracraniana expressada
como cefaléia, diminuição da acuidade visual e vômitos
CAUSAS CENTRAIS que podem ser em jato. Já na EM, além dos sintomas
vestibulares, existirão manifestações multifocais, como
Dentre as causas centrais, as mais comuns são a isquemia debilidade ou paralisia motora, alterações sensitivas, visu-
vertebrobasilar e a aura da enxaqueca basilar. Nestes casos, ais e cerebelares. A vertigem por causa epiléptica é rara,
a vertigem costuma vir acompanhada de outros sintomas sendo considerada quando se apresenta por crises breves
de disfunção do tronco cerebral, como disartria, zumbido, e recorrentes, não associada a outros sintomas. Quando
Causas Centrais
Enxaqueca Basilar Aura caracterizada por vertigem, disartria, zumbido, perda flutuante da audição,
diplopia, fraqueza bilateral e parestesias bilaterais.
Isquemia Vertebrobasilar Episódios transitórios de vertigem e nistagmo, diplopia, disartria, disfagia,
parestesia e déficits motores.
Acidente Vascular de Cerebelo ou Tronco Vertigem associada a outros sintomas de déficit neurológico.
Neoplasias Vertigem associada a sintomas como cefaléia, diminuição da acuidade visual e
vômitos em jato.
Esclerose Múltipla Associação com manifestações multifocais, como debilidade ou paralisia motora,
alterações sensitivas, visuais e cerebelares.
Crises Epilépticas Vestibulares Crises breves e recorrentes de vertigem isolada, seguidas por vezes de convulsões
tônico-clônicas generalizadas.
seguidas de generalização secundária (crises tônico-clôni- agudo limitante, o paciente pode ser encaminhado a um
cas generalizadas), não há dúvida de que estamos diante pronto atendimento. Os quadros de DM e hidróps endo-
da vertigem epiléptica. linfático devem ser encaminhados à otorrinolaringologia,
os de vertigem central, ao neurologista e os casos em que
CAUSAS FISIOLÓGICAS o diagnóstico seja incerto ao otorrinolaringologista ou
ao neurologista, de acordo com as características do caso
A cinetose é a vertigem que ocorre em meios de (LABUGUEN, 2006).
transporte como carro, trem, navio ou avião, apresen- Pacientes com sinais de comprometimento agudo do
tando-se com náusea e mal-estar. Caracteriza-se por uma SNC devem ser levados a um serviço de emergência e
discrepância na sensação de aceleração corporal que não pacientes com quadros de labirintite bacteriana devem ser
é confirmada pelos demais sistemas de equilíbrio e é mais encaminhados para avaliação otorrinolaringológica imediata
comum em crianças. A vertigem das alturas é uma sensa- devido à possibilidade de surgirem seqüelas auditivas per-
ção subjetiva de instabilidade postural que afeta algumas manentes ou progressão do processo infeccioso.
pessoas em lugares altos, associada a medo de uma queda
e alterações vegetativas. A vertigem fisiológica também TRATAMENTO
pode ser provocada por posições da cabeça não habituais
como, por exemplo, um indivíduo que estende exagerada- O tratamento está embasado no tratamento etiológi-
mente o pescoço ao trocar uma lâmpada, (BALOH, 2005; co, reabilitação vestibular e tratamento sintomático com
FERNANDES, 2004; GANANÇA; GANANÇA, 1998; antivertiginosos.
SWARTZ; LONGWELL, 2005). Para se ter êxito no tratamento, é fundamental o diag-
nóstico correto da vertigem e, em particular, do reconheci-
EXAMES COMPLEMENTARES E ENCAMI- mento da causa subjacente. Deve-se frisar ao paciente que
NHAMENTO AO ESPECIALISTA a vertigem é, na maioria das vezes, um problema benigno
e auto limitado, uma vez que este sintoma pode ser assus-
Sabemos que um dos motivos de se encaminhar o pa- tador e limitante. Nada melhor para este início da terapia
ciente da atenção primária ao especialista é, freqüentemente, que uma boa escuta e exame físico, assim como mostrar
a impossibilidade de solicitar alguns exames. Daí a necessi- respeito e interesse diante do paciente. O tratamento, para
dade destas recomendações, para evitar encaminhamentos fins didáticos, será abordado como não-farmacológico e
desnecessários e inconvenientes ao paciente. farmacológico.
Os exames complementares são geralmente de pouca
valia, podendo o diagnóstico ser feito, na maioria das Tratamento não-farmacológico
vezes, clinicamente (HANLEY; O´DOWD, 2002; LO-
PEZ-ESCAMEZ et al., 2000; SWARTZ; LONGWELL, Em pacientes com quadros agudos, pode-se orientar
2005). Entretanto, é mandatório que se solicitem exames repouso, especialmente nos idosos, a fim de evitar quedas.
de imagem em pacientes com sinais de comprometimento Nos quadros acompanhados de vômitos, é salutar orientar
neurológico ou vertigem do tipo central. Nestes casos, e se uma alimentação leve, conforme a tolerância do paciente.
houver disponibilidade, é preferível a avaliação através de Na DM, é importante orientar uma dieta hipossódica (1 a
ressonância nuclear magnética (RMN) à tomografia com- 2 g de sal por dia) (SWARTZ; LONGWELL, 2005).
putadorizada, pela melhor visualização da fossa posterior A reabilitação vestibular é uma importante ferramenta
pela RMN (LABUGUEN, 2006). terapêutica em pacientes com vertigem, podendo ser indi-
Nos pacientes com sinais de otosclerose ou com quei- cada em diversos casos como vertigem postural, cinetose,
xas de hipoacusia, deve-se solicitar uma audiometria, que vertigens crônicas e no déficit sensorial múltiplo em idosos.
também pode ajudar no diagnóstico da DM (LABUGUEN, Estes exercícios costumam ser individualizados para cada
2006). Nos casos suspeitos de hidróps endolinfático, é paciente e o uso concomitante de medicamentos sintomá-
conveniente solicitar o VDRL e uma dosagem de fosfatase ticos pode diminuir sua eficácia, atrasando o processo de
alcalina para afastar possíveis causas secundárias de DM. compensação (SWARTZ; LONGWELL, 2005).
A maioria dos quadros de vertigem periférica pode ser A VPPB pode ser tratada no consultório através da ma-
manejada nos ambulatórios de atenção primária (SWARTZ; nobra de Epley (Figura 4), cujo objetivo é reposicionar os
LONGWELL, 2005), entretanto, na vigência de um quadro otólitos que se encontram no canal semicircular posterior
novamente no utrículo. Executa-se a manobra com o pacien- especialmente em quadros vertiginosos durando mais do
te , inicialmente, sentado, com a cabeça voltada para a direita que alguns dias, e deve ser retirado gradualmente dentro
em um ângulo de 45°. Em seguida, deve-se fazê-lo adotar a de poucos dias. Quadros vertiginosos que duram mais do
posição de decúbito, ainda com a cabeça voltada para a direita que alguns dias são sugestivos de dano vestibular perma-
em 45°, depois com a cabeça para a esquerda com o mesmo nente, sendo necessário interromper as medicações a fim
ângulo de inclinação. A seguir, adota-se o decúbito lateral de favorecer a compensação por parte do SNC (HANLEY
esquerdo, com a cabeça ainda voltada 45° para a esquerda et al., 2001; SWARTZ; LONGWELL, 2005).
e, a seguir, o paciente é colocado sentado. Cada uma destas Entre os bloqueadores de canal de cálcio, pode-se utilizar
posições deve ser mantida por 30 segundos. a flunarizina na dose de 5 a 10 mg à noite, a cinarizina na
dose de 12,5 mg a 25 mg três vezes ao dia (GANANÇA et
al., 2005) ou comprimidos de cinarizina de 75 mg como dose
única à noite. Em um artigo recente, Ganança et al. (2007)
concluem que o uso dos bloqueadores de canal de cálcio na
doença de Ménière e algumas vestibulopatias periféricas é
mais eficaz do que o não uso da medicação. Ainda assim,
recomendamos evitar o uso indiscriminado e, quando indi-
cado, usá-lo pelo menor período possível, especialmente em
pacientes idosos, pelo risco de indução de parkinsonismo
(DI ROSA et al., 1987; FABIANI et al., 2004; NEGROTTI;
CALZETTI, 1999). Nestes casos, prefere-se o dimenidrato
na dose de 50 mg, duas a quatro vezes ao dia (GANANÇA
Figura 4 - Manobra de Epley. et al., 2005; SWARTZ; LONGWELL, 2005).
Os benzodiazepínicos como o alprazolam (0,25 a 0,5
Há vários estudos que demonstram sua eficácia e segu- mg, duas a três vezes ao dia), o clonazepam (0,5 mg à noite
rança e é executada apenas uma vez no consultório, com ou duas vezes ao dia), o cloxazolam (1 a 2 mg à noite ou
taxas de cura descritas de 87% a 100% (PEREIRA; SCAFF, duas vezes ao dia) e o diazepam (2 a 10 mg por dia) podem
2001; PROKOPAKIS et al., 2005; WHITE et al., 2005). ser empregados. Seu uso deve ser cauteloso, evitado nos
Porém, em uma metanálise publicada recentemente, Hilton idosos pelo maior risco de depressão do SNC, e por curtos
e Pinder (2004) concluíram que, apesar de ter sua eficácia períodos, pois podem alterar o processo de compensação
suportada por três estudos de amostragem pequena, não central do quadro vertiginoso de forma mais acentuada,
há evidências sobre os resultados a longo prazo, nem há além da conhecida dependência farmacológica (GANAN-
comparação consistente com outras modalidades terapêu- ÇA et al., 2005; SWARTZ; LONGWELL, 2005).
ticas (HILTON; PINDER, 2004). Estes autores terminam Também pode-se optar pelo uso da betaistina, uma
por concluir que se fazem necessários novos estudos para droga vasoativa, na dose de 16 mg. Se não houver controle
avaliar a eficácia da manobra de Epley. dos sintomas, devem-se associar medicações de classes dife-
Na cinetose, deve-se orientar o paciente a tentar ampliar rentes, jamais da mesma classe, evitando-se a polifarmácia.
o campo de visão, olhando para o horizonte (SWARTZ; É importante lembrar que o uso abusivo de antivertiginosos
LONGWELL, 2005). Na vertigem das alturas, o paciente pode, por si só, levar ao agravamento do sintoma (GA-
deve ser orientado a evitar situações desencadeantes. NANÇA et al., 2005; SWARTZ; LONGWELL, 2005).
Em alguns pacientes com quadros vertiginosos crôni- Para o controle de náuseas e vômitos, existem, como
cos ou recorrentes, apresentando insegurança e sintomas opções, a domperidona (10 mg 3 a 4 vezes ao dia), o dife-
ansiosos, a psicoterapia pode ser indicada. nidol (25 mg a cada 4 a 6 horas), a ondansetrona (4 e 8 mg
a cada 8 horas) e o dimenidrato (100 mg a cada 6 horas),
Tratamento farmacológico (GANANÇA et al., 2005; SWARTZ; LONGWELL, 2005).
Na cinetose, é recomendado o uso de 50 mg de dimeni-
O tratamento farmacológico com sintomáticos é des- drato, 30 minutos antes da viagem.
necessário na VPPB devido ao curto tempo que duram Na DM, o uso de hidroclorotiazida na dose de 50-100
as crises. Ele deve ser usado com parcimônia e por um mg por dia, em dose única, costuma melhorar a vertigem,
breve período de tempo devido à sua interferência com a mas não tem efeito sobre o tinnitus e a perda auditiva
compensação que ocorre naturalmente por parte do SNC, (SWARTZ; LONGWELL, 2005).
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