Anais X Seminario Povos Indigena 2023...

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REALIZAÇÃO

Universidade Católica Dom Bosco – UCDB


Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado – PPGE/UCDB
Programa Rede de Saberes (UFMS/UCDB/UEMS/UFGD)
COORDENAÇÃO GERAL
Dra Adir Casaro Nascimento (UCDB)
Dr. Heitor Queiroz de Medeiros (UCDB)
Dr. José Licínio Backes (UCDB

PARCEIROS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Mestrado e Doutorado –
PPGDL/UCDB
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Centro Estadual de Formação de Professores Indígenas de Mato Grosso do Sul (CEFPI)
Rede Interuniversitária de Educação Superior e Povos Indígenas da América Latina - Rede
ESIAL

COMISSÃO TÉCNICA
Anne Patricia Amarilha Bevilacqua Souza
Luciana de Azevedo
Dra. Daniele Colman (UCDB)
Dra. Marines Soratto (UCDB)
Me. Gustavo dos Santos Souza (UCDB)
Me. Rodrigo da Silva Bezerra Pinheiro de Almeida Reis (UCDB)

COMITÊ CIENTÍFICO
Dra. Adir Casaro Nascimento (UCDB)
Dr. Antônio Carlos Seizer da Silva (CEFPI-MS)
Dr. Antônio Hilário Aguilera Urquiza (UFMS)
Dra. Beatriz dos Santos Landa (UEMS)
Dr. Carlos Magno Naglis Vieira (UCDB)
Dra. Celeida Maria C. de Souza e Silva (UCDB)
Dra. Daniele Colman (UFGD)
Dra. Flavinês Rebollo (UCDB)
Dr. Genivaldo Fróis Scaramuzza (UNIR)
Dr. Heitor Queiroz de Medeiros (UCDB)
Dr. José Francisco Sarmento Nogueira (UCDB)
Dr. José Licínio Backes (UCDB)
Dr. Leandro Skowronski (NEPPI/UCDB)
Dra. Lenir Gomes Ximenes (UCDB)
Dra. Maria Cristina Lima Paniago (UCDB)
Dra. Maria Isabel Alonso Alves (UFAM)
Dra. Marinês Soratto (UDCB)
Dra. Marta Regina Brostolin (UCDB)
Dra. Nádia Bigarella (UCDB)
Dra. Regina Tereza Cestari de Oliveira (UCDB)
Dra. Rozane Alonso Alves (UFAM)
Dra. Ruth Pavan (UCDB)
Dra. Suzete Wiziack (UFMS)
Dr. Wagner Roberto do Amaral (UEL)
APRESENTAÇÃO

O X Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade busca dar continuidade aos trabalhos


desenvolvidos nos nove primeiros que aconteceram em 2005, com o tema: Políticas de
sustentabilidade nas terras indígenas de MS; em 2007, com o tema: Saberes e práticas
interculturais na Universidade; em 2009, com o tema: Saberes locais, educação e autonomia,
em 2011, com o tema: saberes locais e formação acadêmica, em 2013, com o tema: Do campo
ao campus e do campus ao campo: trajetória de saberes, em 2015, com o tema: Os saberes
indígenas e a contemporaneidade, em 2017, com o tema: Formação Superior e os
Saberes/Conhecimentos Tradicionais e, em 2019, com o tema: Produção do conhecimento e
interculturalidade, em 2021, o IX Seminário Povos Indígenas e Sustentabilidade com o tema:
Etnocídio e as estratégias de resistência e, em 2023, o X Seminário Povos Indígenas e
Sustentabilidade: Visibilidade e Protagonismo: Resistências e lutas dos povos indígenas na
construção da autonomia, a exemplo dos demais, pretende constituir-se em uma oportunidade
para a discussão e socialização de posturas teóricas e metodológicas utilizadas em pesquisas
sobre saberes locais, educação, formação superior, gênero, gestão territorial, tecnologias/mídias
e autonomia dos povos indígenas, e continuar constituindo-se em um espaço privilegiado de
interlocução entre povos indígenas, pesquisadores indígenas e não- indígenas e formadores de
diferentes instituições, regiões e países.

Coordenação Geral
SUMÁRIO – COMUNICAÇÃO ORAL

GT 1 - EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

1. A ARTE DA CERÂMICA NA ALDEIA CACHOEIRINHA, MUNICÍPIO DE


MIRANDA-MS/BRASIL........................................................................................................14
Silvia Lipu Pedro, Fátima Cristina D. Ferreira Cunha

2. A HISTÓRIA DA TERRA INDÍGENA PANAMBIZINHO: OS PROCESSOS DE


ESCOLARIZAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INDÍGENA...............23
Abrisio Silva Pedro

3. ABORDAGENS DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA NOS ANOS


INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PELOS PROFESSORES TERENA DA
ESCOLA MUNICIPAL INDÍGENA MARCOLINO LILI, TERRA INDÍGENA
TAUNAY/IPEGUE, ALDEIA LAGOINHA, MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA, MS......32
Aparecida de Sousa dos Santos; Heitor Queiroz de Medeiros

4. ARTE NAS ESCOLAS TERENA, A BUSCA PELA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA


ARTÍSTICA............................................................................................................................47
Aparecida de Sousa dos Santos; Fátima Cristina D. Ferreira Cunha

5. ATITUDES LINGUÍSTICAS DE FALANTES GUARANI BILÍNGUES, DA REGIÃO


OESTE DO PARANÁ, EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS QUE A ESCOLA DEVE
ENSINAR.................................................................................................................................57
Sônia Cristina Poltronieri Mendonça

6. CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GUILHERMINA DA


SILVA, DA ALDEIA ALDEINHA, PARA O FORTALECIMENTO DA COMUNIDADE
TERENA SEGUNDO OS GESTORES, DOCENTES, EGRESSOS INDÍGENAS DA
ESCOLA, ANCIÕES E LIDERANÇAS DA ALDEIA ........................................................69
Edemilson Dias; Heitor Queiroz de Medeiros

7. CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA: DIFERENTES OLHARES E


EXPERIÊNCIAS....................................................................................................................81
Isabella Cabral Siqueira; José Licínio Backes

8. EDUCAÇÃO DECOLONIAL COMO PROJETO PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR


INDÍGENA..............................................................................................................................92
Rafaela Bayerl de Lima; Marta Coelho Castro Troquez

9. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA DIFERENCIADA NA REGIÃO OESTE DO


PARÁ......................................................................................................................................105
Francineide Lima Abreu; Iara Tatiana Bonin
10. ENTRE INCERTEZAS, TENSÕES E NEGOCIAÇÕES, OU… DOS PROCESSOS
DE (DES) CONSTRUÇÃO DE UMA PESQUISA EM EDUCAÇÃO..............................117
Gustavo dos Santos Souza

11. IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC EM ESCOLAS INDÍGENAS- UM ESTUDO NA


PERSPECTIVA DA DECOLONIALIDADE E DA INTERCULTURALIDADE.........130
Daftali Jefferson Sobral Carneiro; Marta Coelho Castro Troquez

12. POR UMA PEDAGOGIA DA DIFERENÇA E DA INTERCULTURALIDADE....143


Estela Mara de Andrade

13. RELATO DOS JOGOS TRADICIONAIS DESENVOLVIDOS NA COMUNIDADE


INDÍGENA ÁGUA BRANCA: LAZER, ENTRETENIMENTO, APRENDIZAGEM,
CULTURA E ARTE.............................................................................................................155
Léo Samuel Gonçalves; Fátima Cristina D. Ferreira Cunha

14. SABERES QUE CRUZAM FRONTEIRAS: A PEDAGOGIA GUARANI NA


PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES GUARANI E KAIOWÁ.......................................163
Marinês Soratto; Adir Casaro Nascimento

GT 2 - EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

15. A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS DE


EDUCAÇÃO FÍSICA: ATRAVESSAMENTOS DOS SABERES INDÍGENAS NA
LEGISLAÇÃO DO CURRÍCULO......................................................................................177
Rafael Presotto Vicente Cruz

16. O CURSO DE LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA TEKO ARANDU


DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS: UMA PERSPECTIVA
DECOLONIAL.....................................................................................................................190
Ailton Salgado Rosendo

17. OS ACADÊMICOS INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE


RONDÔNIA-UNIR: REFLEXÕES INICIAIS SOBRE AS MATRÍCULAS NOS
CURSOS DE GRADUAÇÃO .............................................................................................202
Mádson Ribeiro da Silva; Ediane Parintintin Leite; Carlos Magno Naglis Vieira

GT 3 - CRIANÇA/INFÂNCIA INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

18. CRIANÇA GUARANÍ-KAIOWÁ TEKO PORÃ-: MODO DE SER/ESTAR E OS


PROCESSOS PRÓPRIOS DE APRENDIZAGEM......................................................................213
Daniele Gonçalves Colman; Adir Casaro Nascimento
19. O IMPACTO DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS SOBRE
A QUESTÃO DO ABUSO E A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NA COMUNIDADE INDÍGENA URBANA DA ALDEIA
ALDEINHA DE ANASTÁCIO-MS.....................................................................................226
Débora Carmo dos Santos; Janete Rosa da Fonseca

GT 4 - LÍNGUAS INDÍGENAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

20. AGUAPÉ E A FLOR : O ENCONTRO DE UMA NOVA IDENTIDADE...............237


Janine Barthimann

21. FRONTEIRAS ENTRE A DIÁSPORA DAS MULHERES INDÍGENAS EM


CONTEXTO URBANO EM CAMPO GRANDE-MS E A QUESTÃO DA IDENTIDADE
CULTURAL..........................................................................................................................249
Janine Barthimann

22. RESISTENCIA E VISIBILIDADE: CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE UM


INDÍGENA NAS REDES SOCIAIS...................................................................................259
Ronaldo Carvalho; Adir Casaro Nascimento

GT 5 - GÊNERO, IDENTIDADE, DIFERENÇA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

23. A IMPORTÂNCIA DE PROFESSORES NEGROS NO PROCESSO DE ENSINO E


APRENDIZAGEM COM A TEMÁTICA ÉTNICO-RACIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO
MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE-MS E A APLICABILIDADE DA LEI 10.639-3.............269
Luana Melsa Cavalcante

24. ARTE, CORPO E GÊNERO: A PRODUÇÃO DE CERÂMICA ENTRE AS


MULHERES KADIWÉU.....................................................................................................277
Gabriela Barbosa Lima e Santos

25. CURRÍCULO E RELAÇÕES DE GÊNERO: DIFERENTES PERSPECTIVAS E


EXPERIÊNCIAS..................................................................................................................287
Samara Vitória Pinto da Silva; Ruth Pavan

26. DE MULHER INDÍGENA À SELVAGEM : AS IMAGENS E AS


REPRESENTAÇÕES DA MULHER INDÍGENA NAS OBRAS INDIANISTAS DE
JOSÉ DE ALENCAR............................................................................................................299
Stephanie Miranda dos Santos; Adir Casaro Nascimento

27. ESTADO DO CONHECIMENTO: O QUE DIZEM AS PESQUISAS SOBRE AS


CONSTITUIÇÕES DAS RELAÇÕES DE GENERO.......................................................308
Cristiane Pereira Lima; José Licinio Backes
28. IDENTIDADES E DIFERENÇAS: AS CRIANÇAS E SUAS EXPERIÊNCIAS
BRINCANTES......................................................................................................................321
Graciela Mendes Nogueira Targino; José Licinio Backes

29. INDÍGENAS WARAO EM PORTO VELHO: EXPERIÊNCIAS


INTERCULTURAIS DE UM PROJETO DE EXTENSÃO EM ANDAMENTO.........334
Tharyck Dryely Nunes Rodrigues Fontineles; Ana Clara Dantas Ramos; Carlos Magno Naglis
Vieira

30. MULHERES NEGRAS- IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO..................................345


Luzia Aparecida do Nascimento

31. TERRA BRASILIS: EUROCENTRISMO E PATRIARCALISMO NO BRASIL


COLONIAL...........................................................................................................................358
Eldes Ferreira de Lima

GT 6 - TERRITÓRIO/TERRITORIALIDADE: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

32. A BIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NA RESERVA DE SASSORÓ,


TACURU/MS........................................................................................................................371
Edilaine Castelão Duarte; Rosa Sebastiana Colman

33. A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO KAIOWÁ E A AÇÃO INDIGENISTA NO SUL


DE MATO GROSSO............................................................................................................379
Fernando Luís Oliveira Athayde Paes

34. AS RELAÇÕES COM O AMBIENTE E A SUSTENTABILIDADE DOS TERENAS


DA ALDEIA BANANAL NA TERRA INDIGENA TAUNAY-YPEGUE - MATO
GROSSO DO SUL................................................................................................................389
Rodrigo da Silva Bezerra Pinheiro de Almeida Reis; Heitor Queiroz de Medeiros

35. COMO O CONHECIMENTO LOCAL DOS HABITANTES DA SERRA DO


AMOLAR CONTRIBUIU PARA A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS DA REGIÃO EM
MEIO AO FOGO DO PANTANAL SUL............................................................................403
Laura Karoliny Alves Urquiza dos Santos; Maria Augusta de Castilho

36. CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS POVOS INDÍGENAS NO


PANTANAL E SEU POTENCIAL NO PROTAGONISMO DE PROJETOS DE
CONSERVAÇÃO FLORESTAL........................................................................................411
Sofia Marzolo; Cleonice Alexandre Le Bourlegat

37. JUVYY HA TESÃI RENDA: ESPAÇO DE SAÚDE NA COSMOLOGIA KAIOWÁ


DE PANAMBIZINHO YVY AKÃNDIRE...........................................................................423
Luciana Aquino Concianza; Rosa Sebastiana Colman
38. O DIREITO DE SER E MANTER-SE INDÍGENA: AS DISPUTAS TERRITORIAIS
IMPOSTAS AOS GUARANI E KAIOWÁ NO CAMPO, NA POLÍTICA E NOS
TRIBUNAIS..........................................................................................................................436
Daniele de Souza Osório; Antonio Hilario Aguilera Urquiza

GT7 - PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

39. A CULTURA SIMBÓLICA DA INFÂNCIA: REFLETINDO SOBRE AS CRENÇAS,


PREOCUPAÇÕES E VALORES INFANTIS NAS INTERAÇÕES ENTRE AS
CRIANÇAS BEM PEQUENAS...........................................................................................449
Andréia Paz Leonarski de Souza Lima.

40. A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CEAM/AHS DE MATO


GROSSO DO SUL: UMA REALIDADE DE FORMAÇÃO PANDÊMICA...................457
Eliane de Fátima Alves de Morais Fraulob; Marta Regina Brostolin

41. A INCLUSÃO/EXCLUSÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO


INFANTIL NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEIs) DO MUNICÍPIO DE
BONITO, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (MS) EM TEMPOS DA PANDEMIA
DO COVID19.........................................................................................................................470
Marcia Pires dos Santos; Heitor Queiroz de Medeiros

42. A UFMS VAI À ESCOLA PÚBLICA: INTRODUÇÃO À ENGENHARIA CIVIL


COM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO.....................................................................480
Thiago Feliciano Alves; Enio Lorran Reis Santos

43. AS LÍNGUAS DE SINAIS DOS INDÍGENAS SURDOS DAS ALDEIAS OLHO


D’ÁGUA, BARREIRINHO E ÁGUA AZUL DO TERRITÓRIO INDÍGENA BURITI NO
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL............................................................................487
Bruno Roberto Nantes Araujo

44. ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE): UMA REVISÃO DE


LITERATURA......................................................................................................................500
Luciane de Jesus Velasquez; Flavinês Rebolo

45. CENÁRIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM CAMPO GRANDE/MS: DO


PASSADO AO PRESENTE.................................................................................................511
Ricardo Henrique de Souza; Marta Regina Brostolin

46. CRIANÇA E INFÂNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA


INFÂNCIA.............................................................................................................................524
Gisele Aparecida Ferreira Martins
47. CURRÍCULO DECOLONIAL: PENSAR OS MODELOS CURRICULARES QUE
ABRANGEM E AGREGAM TODAS AS CULTURAS, VALORES E DIFERENÇAS,
ALÉM DOS MOLDES COLONIAIS.................................................................................534
Luís Felipe Cristaldo Gonçalo

48. CURRÍCULO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: DIFERENTES OLHARES E


EXPERIÊNCIAS ANTIRRACISTAS................................................................................543
Anna Eliza Khoury Pinheiro; José Licínio Backes

49. CURRÍCULO INTERCULTURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO


INTERCULTURAL: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA..................................................552
Henrique Rezende Untem

50. DIVERSIDADE/DIFERENÇA INDÍGENA EM ESCOLAS NÃO INDÍGENAS...560


Daiane Nascimento Roberto Dias; Marta Coelho Castro Troquez

51. EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A


FORMAÇÃO DE PROFESSORES.....................................................................................572
Luciane Toledo Monteiro

52. EDUCAÇÃO E CULTURA INDÍGENA: A POSSIBILIDADE DE UM PROCESSO


DECOLONIAL.....................................................................................................................580
Marcela dos Santos Ortiz

53. EDUCAÇÃO INFANTIL, SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E PAULO FREIRE.....591


Rosalina de Carvalho Pantoja Nascimento

54. ENSINAMENTOS DE PENSAR ESTAR NO MUNDO: COMO A ETNIA TERENA


REPASSA SEUS CONHECIMENTOS NO DECORRER DAS GERAÇÕES E COMO
ESTES CONTRIBUEM COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL.......................................603
Elisangela Castedo Maria Do Nascimento

55. ESTADO DO CONHECIMENTO: A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E AS


FORMAÇÕES CONTINUADAS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
INFANTIL.............................................................................................................................615
Gislaine Andrade Silva; Marta Regina Brostolin

56. FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO BÁSICA..............................623


Sintia Fabiana Alves de Mello Câmara

57. FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA E INTERCULTURALIDADE: DESAFIOS


FORMATIVOS NA CONTEMPORANEIDADE.............................................................634
Fábio da Penha Coelho; Antonio Hilário Aguilera Urquiza

58. FORMAR-SE PARA FORMAR: O LUGAR DO ESTUDO E DA FORMAÇÃO


CONTINUADA DO FORMADOR DE PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA
UFMS/CPAN.........................................................................................................................644
Caroline Paula Cellini
59. O ENSINO DA MATEMÁTICA ADAPTADO POR MEIO DA LIBRAS: UM
ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE
PROFESSORES SURDOS BILÍNGUES DE MUNICIPIO DE RONDONÓPOLIS
/MT.........................................................................................................................................657
Gleison Fabian Rocha; Heitor Queiroz de Medeiros

60. O (NÃO) PROTAGONISMO E A INVISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA


EDUCAÇÃO INFANTIL.....................................................................................................665
Claudia Aparecida do Nascimento e Silva; José Licínio Backes

61. O TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: DAS DIMENSÕES DE


ATUAÇÃO AO BEM-ESTAR/MAL-ESTAR...................................................................676
Michele Serafim dos Santos

62. O TRABALHO DOCENTE DOS PROFESSORES DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: O QUE DIZ A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA ÁREA DE
EDUCAÇÃO MUSICAL......................................................................................................689
Jaqueline Cavalcanti Borges de Mello; Flavinês Rebolo

63. OS DESAFIOS DOS ALUNOS INDÍGENAS DO IFMA CAMPUS BARRA DO


CORDA DURANTE O ENSINO REMOTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA.........699
Luciana Helena da Silva

64. PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DA SOLIDARIEDADE: A CONSTRUÇÃO DA


HUMANIZAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO...........................................................709
Fernando Campos Peixoto

65. PROJETO DE APLICATIVO CAMINHANDO PELO MUNDO - MITOLOGIA


TERENA: A GAMEFICAÇÃO COMO PRÁTICA
DECOLONIAL.....................................................................................................................719
Alexandre Sogabe

66. PROTAGONISMO DOS GUARARNI E KAIOWÁ NO ESTÁGIO DOCÊNCIA NO


ENSINO DE CIÊNCIAS SOCIAIS.....................................................................................725
Kátia Karine Duarte da Silva

67. REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE GESTORES E


PROFESSORES...................................................................................................................738
Karolina da Silva Riquelme; Flavinês Rebolo

68. RELATO DA MINHA EXPERIÊNCIA, ENQUANTO MORADOR DA FURNA DOS


BAIANOS, E PARTICIPANTE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
QUILOMBOLA: A UTILIZAÇÃO DO LÚDICO ANCESTRAL..................................747
Anderson Lopes Silva; Fátima Cristina D. F. Cunha

69. REVISÃO INTEGRATIVA A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS


NAS PESQUISAS.................................................................................................................758
Tuany Inoue Pontalti Ramos; Marta Regina Brostolin
70. A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PROPOSIÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA........................................723
Elisângela Rodrigues Furtado

71. TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO:


RELAÇÕES ENTRE AS DIMENSÕES DO PRESENCIAL E O VIRTUAL À LUZ DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS...............................................................783
Renata Benedetti Mello Nagy Ramos; Maria Cristina Lima Paniago

72. UMA VISÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES AVANÇOS


RETROCESSOS E PERSPECTIVAS................................................................................792
Aryadne Maluf Ribeiro Arnez Lima

GT 8 - POLÍTICA EDUCACIONAIS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

73. ACESSIBILIDADE E EDUCAÇÃO ESPECIAL: VISIBILIDADE E INCLUSÃO.......... 804


Maira Cristiane Benites; Cidnei Amaral de Mello

74. ANÁLISE DOS RELATÓRIOS DE ACOMPNHAMENTO-META 2: PLANO


MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LADÁRIO-MS.........................................................816
Raimundo Pinheiro Santos Neto; Celeida Maria Costa de Souza e Silva

75. CONSELHO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE PROTAGONISMO: ALGUNS


APONTAMENTOS..............................................................................................................828
Viviane Gregório Barbosa de Campos; Fabiana Gheysa do Nascimento Sanches; Carmen Ligia
Caldas Haiduck

76. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PROJETO CONECTANDO SABERES II


AOS PRIVADOS DE LIBERDADE NO ESTABELECIMENTO PENAL FEMININO
IRMÃ IRMA ZORZI (2016-2022).......................................................................................837
Geverson Cavalcante da Silva; Celeida Maria Costa de Souza e Silva

77. EDUCAÇÃO E MIGRAÇÃO: O CONTEXTO DA INFLUÊNCIA NO DISCURSO


MIDIÁTICO NA IMPRENSA CAMPO-GRANDENSE (2020-2022)..............................849
Edgar da Silva Queiros; Walace José de Lima; Celeida Maria Costa de Souza e Silva

78. EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE MATO GROSSO


DO SUL: NORMATIVAS SOBRE A CRIAÇÃO E AS ATRIBUIÇÕES DE CENTROS
DE ATENDIMENTO............................................................................................................863
Karolinne Santos de Aguiar Paz; Regina Tereza Cestari de Oliveira

79. ESTADO DO CONHECIMENTO: ATENDIMENTO EDUCACIONAL


ESPECIALIZADO AO SUPERDOTADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR DE MATO
GROSSO DO SUL.................................................................................................................875
Célia Miriam da Silva Nogueira; Nádia Bigarella
80. ESTADO DO CONHECIMENTO: LEVANTAMENTO DOS ARTIGOS
APRESENTADOS NO GT -9 TRABALHO E EDUCAÇÃO DA ANPED (2017-
2021).......................................................................................................................................887
Luis Eduardo Celaia de Matos; Nádia Bigarella

81. O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO (A) CRÍTICO DO ALUNO A


PARTIR DA BNCC .............................................................................................................894
Vanessa Janaína Viana de Oliveira; Arão Davi Oliveira

82. O ENSINO REMOTO NA EDUCAÇÃO BÁSICA NA CAPITAL DE MS:


ASPECTOS INTRODUTÓRIOS DE UMA PESQUISA DOCUMENTAL.....................906
Lucimar Lima da Silva Costa

83. OS GOVERNADORES E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE


MATO GROSSO DO SUL (1990-2022)..............................................................................919
Maria Elisa Ennes Bartholomei; Andrew Vinícius Cristaldo Da Silva; Nádia Bigarella

84. PROCESSO HISTÓRICO FRENTE AO ACESSO Á EDUCAÇÃO INCLUSIVA ÀS


PESSOAS PÚBLICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL (1996 a 2019)..................................931
Paola Gianotto Braga; Graziela Cristina Jara

85. PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO E DO MATERIAL DIDÁTICO (PNLD):


PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA.................................................................942
Francisco Eduardo da Silva do Carmo

86. REFLEXÕES SOBRE OS AVANÇOS E DESAVANÇOS NA EDUCAÇÃO


PÚBLICA...............................................................................................................................953
Juliana Campos Francelino

87. RESENHA SOBRE O LIVRO “DIREITA E ESQUERDA: RAZÕES E


SIGNIFICADOS DE UMA DISTINÇÃO POLÍTICA”....................................................962
Priscilla Basmage Lemos Drulis; Francisco Eduardo da Silva do Carmo

88. REUNIÕES NACIONAIS DA ANPEd: ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO DA


COMUNIDADE ACADÊMICA..........................................................................................970
Karla Franciellen Ortiz Espindola; Regina Tereza Cestari de Oliveira

89. TRAJETÓRIA DA PESQUISA NA ESCOLA FRANCISCANA IMACULADA


CONCEIÇÃO: PRINCÍPIOS E VALORES FRANCISCANOS DIANTE DA
“SOCIEDADE LÍQUIDA”...................................................................................................979
Adriana Renata Santos; Adir Casaro Nascimento
GT 1 - EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

A ARTE DA CERÂMICA NA ALDEIA CACHOEIRINHA, MUNICÍPIO DE


MIRANDA-MS/BRASIL

Silvia Lipu Pedro (UFMS)


silvia.lipu.pedro@ufms.br

Fátima Cristina D. Ferreira Cunha (UFMS)


fatima.cunha@ufms.br

Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa na Aldeia Cachoeirinha, município de Miranda/MS.
O objetivo foi analisar, problematizar e estudar a origem, as propriedades e o processo de
fabricação de cada tipo de cerâmica na região. Ao analisar o processo produtivo da cerâmica,
percebemos que pouco, ou quase nada mudou por um período estimado de 200 anos.
Entendemos todo o sistema de planejamento, confecção e controle da produção de uma
cerâmica, os diversos tipos, utilizando os antigos métodos artesanais que pode produzir artigos
de excelente qualidade. Concluímos que essas fontes de informação pesquisadas são muito
relevantes, ao se estudar esse tema, podemos preservar a nossa memória, pois com o processo
de globalização e homogeneização cultural que tem marcado o mundo contemporâneo, no qual
acontecem várias mudanças de valores e reorganizações sociais de toda ordem, com o projeto
de reviver a cerâmica na Aldeia Cachoeirinha, ela poderá ser preservada., com este estudo, será
possível contribuir, incentivando pesquisas futuras.

Palavras-chave: Cerâmica Indígena, cerâmica Terena, povo Terena.

Introdução
Este artigo propõe buscar diálogo e discussões entre ceramista e educação, verificar a
produção da cerâmica e observar se ela pode ser inserida na Educação Escolar. A cerâmica é
muito importante na escola, pois desperta a atenção, é decorativa, é utilitária, e trabalha o
sentimento de pertencimento dos nossos estudantes. Onde eles vivem, nas aldeias, a cerâmica
faz parte do nosso cotidiano e sua preservação, implica na preservação da identidade cultural
de um povo. A pesquisa é o resultado do trabalho de conclusão de curso de Licenciatura

14
Intercultural Indígena, Povos do Pantanal na área de Linguagens. A mesma foi desenvolvida na
escola da Aldeia Cachoeirinha a 12 quilômetros do município de Miranda/MS.
Vamos verificar o que acontecia em anos remotos para entender o nosso presente. Em
expedição nas aldeias no ano de 1883, Rohde percebeu várias louças de barro, de todos os
tamanhos e formas, depositadas no chão ou penduradas. Observou o processo de fabricação da
cerâmica e relatou que

Os Terenos são também muito habilidosos e desenvolveram para isso um


gosto todo especial. A fabricação é muito simples e sem qualquer instrumental.
O ceramista se ajoelha no chão duro, pisado e liso; a seu lado está um monte
de barro duro, do qual ele pega um pedaço que amassa em forma de bola,
depois estica formando um rolo comprido e faz dele um anel. Tais anéis ele
coloca um encima do outro, apertando e alisando com as mãos o vasilhame
que vai se construindo dessa forma, até que tenha a forma certa. Quando a
peça está pronta, faz-se incisões no barro ainda mole, com uma corda,
formando o motivo, é deixado depois secar ao sol por uns dias e depois cozido
de maneira muito simples. Cobrem-se as peças com madeira seca, que depois
é acesa. Depois de algumas horas a louça é retirada, e se pinta o modelo com
a resina de pau-santo, com a peça ainda em brasa. Mais tarde, quando a louça
já estiver esfriada, o desenho é terminado com as cores vermelha e branca.
(Rohde, 1990, p.14)

O autor ainda descreveu que todas as casas possuíam peças de barro de todas as formas
e tamanhos, com finalidades imagináveis e que homens e mulheres as confeccionavam, mas o
modelo e a pintura ficavam a cargo da mulher.
Quando Altenfelder esteve nas aldeias no ano de 1946, verificou que os Terena
conheciam e empregavam o processo de espirais de argila para fabricação dos potes, recipientes
utilitários, como pratos e panelas de cor vermelha; esses objetos eram devidamente
ornamentados com desenhos brancos e pretos. Os vasos e os potes eram cozidos após serem
pintados com resina de jatobá. (Altenfelder, 1949, p. 295)
Ladeira (2000) relata que, nas casas dos antigos Terena, havia muitos objetos de
cerâmica e que a fabricação era feita por homens e mulheres. A técnica permaneceu a mesma
até os dias atuais.
A produção cerâmica Terena é encontrada na Aldeia Cachoeirinha e, nos dias atuais, o
processo artesanal utilizado é o mesmo de 1946, quando Altenfelder pesquisou aldeias da

15
região. Algumas aldeias continuam com o fabrico das cerâmicas para vender nas cidades
próximas e utilizar em suas vidas e afazeres diários.
A cerâmica Terena continua como em 1883. É identificada pela coloração avermelhada
e com bordados desenhados em tons brancos.

Cerâmica Terena. Fonte: google, 2023

Ficou para a mulher a arte de confecção, desde a busca do barro até a sua
comercialização. Após a coleta do barro, que pode ter o auxílio da família, em função do peso
a carregar, o barro é limpo, isto é, são retiradas as “pedrinhas”, os gravetos e outros resíduos.

Cerâmica Terena. Fonte: google, 2023


16
A essa massa é misturado um pó de cerâmica já queimada, em quantidade menor, para
garantir a qualidade das peças. No processo, as peças que se quebrarem serão reaproveitadas
para futura mistura com a argila e nova produção de peças.
As mãos devem estar limpas, sem vestígios de suor ou gordura, pois podem prejudicar
e trincar as peças. Ainda úmidas, são alisadas e polidas com pedras lisas ou pedaços de madeira.
Após o polimento, são pintados os desenhos com pigmentos de argila e água.
Os motivos dependem das mãos dos artistas, podendo ser flores, animais, etc. e são
pintados com pincéis improvisados de pena. As peças seguem, então, para o sol, para secar,
processo que pode durar até uma semana.
Após a secagem, vem o processo de queima: as peças são arrumadas delicadamente
sobre um suporte de vergalhões, em buracos nos quintais das casas. A lenha deve ser seca, e o
fogo permanecer aceso pelo menos por uma hora.
Pouca ou muita lenha dependerá do tamanho das peças. Folhas e fumaça podem
comprometer a qualidade, devendo a atenção ser redobrada nesse momento. Da forma descrita,
peças utilitárias para o dia a dia e peças para comercialização são elaboradas, queimadas,
pintadas e, posteriormente, utilizadas e vendidas.
De acordo com Willey (1987), após o advento dos europeus, o declínio das culturas
nativas foi acompanhado pelo declínio da arte cerâmica, principalmente com as peças de
cerimônias, mais ornadas, havendo a substituição das religiões indígenas pelo Cristianismo.
Após a desagregação cultural, a cerâmica deixou de ser uma importante expressão
artística, religiosa ou mitológica. Para o autor, houve uma reversão nos produtos feitos para
troca com os europeus. Vendidos como curiosidades, os produtos se constituíram em um
renascimento turístico marcado por uma qualidade superficial, de imitações, longe dos padrões
antigos.
O Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, pelo Decreto Nº 12.847, de 16 de
novembro de 2009 (Mato Grosso do Sul, 2009), reconheceu a cerâmica Terena como patrimônio
imaterial histórico, artístico e cultural, sendo o primeiro bem imaterial registrado pela Lei
Estadual Nº 3.522, de 30 de maio de 2008.
Para Arashiro e Santos (2011, p.37), a cerâmica Terena é testemunho cultural e
representa o discurso de resistência passado de geração a geração; é “exemplo vivo da força
identitária construída pelas mãos sábias de mulheres que perpetuam modos e saberes”.
17
Ao fazer uma pesquisa na escola e na Aldeia Cachoeirinha, para verificar se a cerâmica
é utilizada, quem faz, quem ensina, etc., nos deparamos com professores e ceramista. Foi feito
entrevista sobre a produção da cerâmica na escola seguinte pergunta: O que se faz cerâmica na
escola? A qual obtivemos a resposta de que seria para oportunizar aos alunos o pertencimento
de utensílios cerâmicos de uso cotidiano produzidos por eles próprios.

Cerâmica, arquivo pessoal, Pedro, 2023

Quem faz? Os alunos. Quem ensina os alunos? Uma ceramista que repassa os seus
conhecimentos, alarga as experiências em sala de aula dos nossos estudantes e possibilita a
descoberta de novos talentos e habilidades. Desenvolvendo assim competências que vão
acompanhá-los em outras disciplinas também, obedecendo as determinações da BNCC (Base
Nacional Comum Curricular).

18
Cerâmica, arquivo pessoal, Pedro, 2023

Na escola temos uma modalidade de aula com cerâmica manual, que é a técnica mais
antiga utilizada para fazer objetos com barro. Ela é indicada para pessoas que preferem criações
mais livres, assimétricas, tortinhas com aquela carinha mais ancestral. É também possível
chegar a uma estética mais polida na cerâmica manual, tudo depende da prática e da descoberta
de pessoas habilidosas.

19
Antes de iniciar esse processo, a escola foi atrás das seguintes perguntas: Quem faz
cerâmica? Descobriu-se que uma moradora da Aldeia Cachoeirinha, município de Miranda que
chama-se Dina Sebastião Mendes, estaria a disposição de repassar os seus conhecimentos.

Ceramista Dona Dina, arquivo pessoal, Pedro, 2023

Surgiu então uma outra questão: Como ela faz? Para começar a produção, as oleiras1
vão coletar a argila em buraco que cavam no meio do mato ou na beira de córregos e açudes,
de onde saem com sacos ou bacia carregados na cabeça até as casas. Em seguida feito isso, a

1
Oleiro é o artesão responsável por fabricar e comercializar objetos feitos de cerâmica. O oleiro trabalha na
olaria, que consiste na fábrica que produz os objetos feitos de barro. Entre os objetos produzidos pelos oleiros
destacam-se os vasos, as telhas, as louças, os tijolos e etc. (Dicionário on line, 2023).
20
argila é então bem amassada para ser misturada ao “tempero”ou catipé, que é a denominação
de restos de cerâmica que quebram foram socados no pilão para serem reutilizados.
Segundo a ceramista Dina , esse complemento evita as deformações e quebra das peças
que estão sendo confeccionadas. Em seguida , com a mistura pronta, a artesã começa a dar
forma de barro. Sentada em banquinhos ou tocos de árvore, com um pote de água e a bacia com
mistura ao lado, ela primeiro amassa o material, achatando-o sobre uma tábua.
Esse primeiro trabalho será o suporte do artefato, para em seguida, num movimento de
vai e vem com as mãos começar a fazer os espirais. Assim juntam –se as cordas sobre a base
de barro durante esse processo, feito com as pontas dos dedos nas partes externas é interna do
objeto, a ceramista molha as mãos para umedecer o barro, facilitando, com isso, a modelagem,
ele é alisado com colheres e facas sem serras. O próximo passo cobrir o objeto com barro
vermelho por diversas vezes, até atingir a coloração ideal.
Para terminar, é feita a decoração com barro branco; assim os artefatos estão pronto para
irem ao fogo. Para tanto, a ceramista faz um buraco no chão, coloca barras de ferro de base para
segurar lenha.
Assim as mulheres Terena utilizam uma taquara para retirar os objetos da fogueira, que
ficam com aspecto puxado para o marrom escuro logo após a queima, mas vai clareando e
adquirindo a tonalidade vermelha conforme se esfria.
Portanto, a cerâmica Terena é conhecida pela sua tonalidade vermelha (que para as
oleiras é a cor da tradição Terena) e desenhos na cor branca assemelhados a uma renda.

Conclusão
O artigo revela a importância de se fazer um trabalho pedagógico na escola, que traga
para o âmbito da sala de aula, a produção de cerâmica. Um resgate a nossa cultura, a nossa
memória, nesse trabalho na escola os alunos tiveram a oportunidade de conhecer sobre
cerâmica, reconhecê-la como arte, e pôr a mão na massa, fazendo as próprias obras,
acompanhando até mesmo o processo de queima da cerâmica.

Bibliografia
ALTENFELDER, Fernando Silva. Mudança cultural dos Terêna. In: Revista do Museu
Paulista. [s.n]. São Paulo: vol. III, 1949.
21
ARASHIRO, Neusa N. e SANTOS, Maria C.L.F, Vozes do Artesanato, Fabio Pellegrini
(organizador), [s.n.].Campo Grande, FCMS, 2011.
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A História do povo Terena. São
Paulo: MEC-SEF-SUP: Centro de Trabalho Indigenista, 2000.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia a e Estatística (IBGE), 2010.
BRASIL. REFERENCIAL CURRICULAR PARA AS ESCOLAS INDÍGENAS. Temas
Transversais, MEC, Secretaria da Educação Fundamental, Brasília: A Secretaria, 1998.
LADEIRA, M. E. & BITTENCOURT, C. M. A História do povo Terena. São Paulo: Mec-Sef-
Sup: Centro de Trabalho Indigenista. 2000.
LADEIRA, Maria Elisa. Língua e história: análise sociolingüística em um grupo Terena.
São Paulo, 2001. 166 fls. (Tese de Doutoramento em Semiótica e Lingüística Geral) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo:
USP, 2001.
ROHDE, Ricard. Algumas notícias sobre a tribo indígena dos Terenos. Terra Indígena,
UNESP-Araraquara, São Paulo: nº 55, 1990.
SALAZAR, Abel, O que é arte? Coimbra, Porto, Portugal. Arménio Amado Editor,
TOLSTÓI, Lev. O que é arte? 1ª Edição. Lisboa, Portugal Ed. Gradiva Publicações, S. A. 2013.
WILLEY, Gordon R. SUMA Etnológica Brasileira, Cerâmica. Edição atualizada do
Handbook of South American Indians, Volume 2, Tecnologia Indígena, Editor Darcy Ribeiro et
aliii. Editora Vozes, Finep, 1987.

Sites consultados:
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA CERÂMICA – ABC www.abceram.org.br/..ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE INDÚSTRIA
BRASIL. LDBEN. Disponível em http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm.
Acesso em 24/11/2017, às 20 h.
DICIONÁRIO PORTUGUÊS ON LINE.Disponível em: https://www.dicio.com.br/herdade.
Acesso em 07/04/2017, às 19 h.
MATO GROSSO, Disponível em http://riosvivos.org.br. Acesso em 26/11/2017, às 17h.
REDE DE SABERES. Disponível em https://ensinosuperiorindigena.wordpress.com. Acesso
em 28/11/2017, às 12h28.
REFERENCIAL curricular nacional para as escolas indígenas/ministério da educação e do
desporto. Disponível em: Referencial Curricular para as Escolas Indígenas. Acesso em
06/02/2023, às 22 h.
22
A HISTÓRIA DA TERRA INDÍGENA PANAMBIZINHO: OS PROCESSOS DE
ESCOLARIZAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INDÍGENA

Abrisio Silva Pedro - UFGD


tembolosilva@gmail.com

Resumo: O texto aqui apresentado, discute o processo histórico da Terra Indígena


Panambizinho, relatando a trajetória de Pa’i Chiquito e a luta para o processo de construção do
que atualmente chamamos de educação escolar indígena. Neste percurso, pretendo apresentar
uma síntese da minha pesquisa no mestrado em História. O desafio aqui, portanto, é demonstrar
que ao longo do processo de demarcação da Terra Indígena, a luta por uma escola que respeita
a língua e identidade étnica do Kaiowá esteve ao lado da própria luta pela demarcação do
território, contudo mesmo após 2004 a busca pela universalização do ensino em Panambizinho
se mantem.
Palavras-chave: Kaiowá, Terra Indígena Panambizinho; Educação Escolar Indígena

Introdução
A Terra Indígena Panambizinho, localizada no distrito de Panambi município de
Dourados MS, é uma Terra Indígena demarcada com predominância da população Kaiowá que
teve sua área homologada e registrada pela União no ano de 2004, pelo Decreto s/n -
28/10/2004, com uma área de 1.289,57 hectares e uma população de 414 pessoas1.
Os Kaiowá desta Terra Indígena tiveram um maior contato com a população não
indígena através das frentes de expansão agropastoril do início do século XX, principalmente
com o estabelecimento da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND, que foi um projeto
de colonização que no início da década de 1940, que delimitou pequenas áreas para o projeto
de colonização que ficou também conhecido como “marcha para o Oeste”.
Na CAND, cada colono teria direito a 30 hectares, contudo o que impactou a população
indígena da região, foi que este processo aconteceu sobre as terras de presença dos indígenas
Kaiowá. Este fato fez com que essas famílias permanecessem em um local de 60 hectares até o
processo de demarcação da Terra Indígena em 2004.

1
Dados do SIASI/SESAI de 2014. Fonte retirada de https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3959#direitos acesso em 30 de agosto de 2023
23
Compreendo que parte do processo de mobilização da comunidade indígena para
demarcação deste Tekohá2 foi a construção de um modelo de escolarização alinhado com a
defesa de sua identidade étnica e valorização de suas memorias ancestrais. Neste sentido, esta
pesquisa tem por objetivo compreender e narrar este processo de escolarização, desde a
presença do ensino escolarizado na área de retomada, a “aldeia velha”, como a construção e
manutenção da Escola Pa’i Chiquito Pedro, construída a partir da demarcação da Terra
Indígena.

Metodologia:
Neste momento, texto aqui está construído a partir de uma entrevista realizada com Dona
Dorice Pedro, filha do Pa’i Chiquito no ano de 2015 durante a produção do Trabalho de
Conclusão de Curso do Curso de Magistério Ara Vera, além de referencial bibliográfico. Para
a produção da dissertação, elaboraremos outras entrevistas, sobretudo com os primeiros
professores indígenas de Panambizinho, além da documentação sobre os processos de
escolarização em Panambizinho.

Resultados: A história de Panambizinho


O Yvy Akandire (terra sagrada), é o nome de batismo que o rezador Pa´i Chiquito deu
para o espaço, que essa terra sagrada pertencia o seu povo Kaiowá (ka´aguy rusu ygua). Com a
instalação da CAND, foi encurralado pelos fazendeiros, sertanistas e capangas, eles foram
expulsos da região do Guasu (hoje é reconhecido como Rio Dourados), que fica ao redor da
vila Macaúba, segundo informação dona Dorice Pedro filha do Pa´i Chiquito.

Um branco alto com bigode com chapéu preto montado no cavalo chegou e falou para
ñamoi (avô) Chiquito aqui vocês não podem mais morar porque aqui já foi comprado
do governo e vocês tem que sair. Se eu voltar aqui e encontrar vocês, nós vamos
queimar tudo sua casa e atirar em vocês. (PEDRO, 2015).

Como o Pa´i Chiquito era hexakáry (xamã, que tem uma visão que enxerga para além
de nós e faz conexão com o sobrenatural), então ele dialoga com as coisas sobrenaturais e
conversa com o criador do mundo e seu guardião celestial. Pa’i Chiquito teria sido então

2
Tekoha é a forma tradicional em que vivem os indígenas Guarani e Kaiowá, em uma tradução adaptada,
poderíamos dizer que é o “lugar onde se vive com os seus costumes”.
24
orientado a procurar um lugar adequado para levar suas famílias e pessoas ligadas a elas. Pa’i
Chiquito os guiaria para um outro lugar como o céu, para que fossem viver em paz com alegria.
E a rezadora Doríce, trelata também que:

Com essa razão ele rezou a noite toda para partir e procurar a terra sem-males. No
amanhecer do dia eles partiram rumo que se pôs ao entardecer no trouxeram junto a
galinha e outros animais domésticos que pertenciam a eles. A caravana do Pa´i
chiquito caminhou por três dias, eles chegaram em um lugar para descansar, pois só
iriam continuar no outro dia. Na vinda o pessoal do Chiquito caçava e quando achava
córrego ou lago pescava e compartilhava com a caravana a comida (PEDRO, 2015).

E ela foi contando no dedo assim “Na quinta caminhada chegamos no Lago bem grande
e ficamos um tempo. Por motivo de Pa´i Chiquito procurar o lugar definitivamente que ia se
instalar para rezar. Na época não tinha branco nesta região” (PEDRO, 2015).
Nas conversas com a dona Dorice, pergunto onde fica este lago, e ela responde:

Ela fica ali subindo a vila Panambi que chama Ypaparim (região que o povo do local
chamava para localização antigamente que dava na língua). Esse lago era grande, tinha
mata envolta tinha bichos de todas espécie porque era única que os bichos bebiam era
ali no lago. Mas a gente ficou ali só de passagem e a água daquele lago era muito suja
para beber. E todos os Homens que vinham junto começaram a procurar uma mina de
água, mas como o xe ru ãgue (seu finado) era Rexa kary o yvyraija Yvate gua (o bom
espirito celestial) falou para ele que tinha que seguir e mostrar minas de água para o
Chiquito. Segundo informações quem estava com o Pa´i Chiquito disse que ele limpou
o mato na mão e cavou a terra com a mão e já saiu a água bem gelada direto da mina.
E a pessoa que estava testemunhando falou que Chiquito estava falando sozinho. Mas
segundo informação do Chiquito ele viu o espírito celestial falando para ele que ali
perto era para ele levantar casa de reza e começar a rezar para todo mundo ir com
corpo e alma para subir no céu onde existe paraíso. (PEDRO, 2015).

Na fala de dona Dorica, percebemos como a comunidade respeitava o Pa1i Chiquito e


de que forma ela aponta que este foi o espaço revelado para ele, para que as pessoas se
instalassem. Ela continua ao ser questionada quantas pessoas estavam neste momento:

Quatros ou cinco pessoas com o Chiquito. O Chiquito e as pessoas que estavam com
eles voltaram para o acampamento, para buscar as mulheres e crianças, mas no mesmo
dia não veio, dormiu a noite e só de manhã foi para o perto do local onde foi furado a
minas de água. E o local foi chamado pelo Yvy akandire. Mas com a chegada de
branco perto do local que foi mudando o nome. (PEDRO, 2015).

Atualmente chamamos esse córrego de água, do qual Dorice relata a nascente do rio de
Yju Miri que em uma tradução poderia ser pequeno córrego novo.

25
Para o nome do local que a Dorice nos conta de Yvy Akandire, eu me recordo de sempre
escutar das pessoas, como a irmã da Dorice, dona Luzia Pedro que naquele tempo, quando as
pessoas iam pegar a água na mina a borboleta pousava e levantava da cabeça de um bicho
grande, e que a pele dele parece papel e cabeça parece jacaré que chamavam de Mba`e kuatia
(bicho que morava dentro da água) com esse mito começou a ser chamado este lugar de tanambi
(borboleta) em Kaiowá e o branco copiou e chamou a vila de Panambi que antigamente era
chamada de Vilas Cruz por ter vindo morar primeiro morador era chamado José Francisco da
Cruz. Curiosamente o Distrito de Panambi mantem até hoje a rua principal com o nome José
Francisco da Cruz.
E nesse sentido, a antropóloga Katia Vietta, responsável pelo estudo antropológico que
subsidiou a demarcação, aponta que:

Em todo caso, Panambizinho foi fundada na década de 1920. Com esse nome ele
aparece só na segunda metade do século XX, constando nos documentos mais antigos
somente o nome Panambi, tanto para a atual comunidade situada no município de
Douradina como para a comunidade de Panambizinho, pertencente ao município de
Dourados. Assim, um dos “pioneiros” de Dourados, o Senhor Albino Torraca, afirmou
em 18 de junho de 1949, que ele habitava na região desde o ano de 1900 e que então
já existia a aldeia de Panambi e que “isto” [a região] era habitada “por puro índios”.
(Catya Vietta, 1998, p. 65).

Como em Dourados existia a Reserva Indígena de Dourados, criada em 1917 para reunir
os indígenas da região, e também desta forma liberar o espaço para a colonização, Dona Dorice
também aponta que a família de Pa’i Chiquito recebia constantes aliciamentos para que
aceitassem serem removidos para a Reserva de Dourados

Com medo de serem removidos da sua residência para a Reserva de Dourados muitas
autoridade ou se faz de autoridade vem procura Pa´i Chiquito para que ele e seu povo
vão para a reserva de Dourados para deixar a terra para os colonos em troca os brancos
ia dar arma de fogo para o Chiquito em troca de dois lotes de roça (PEDRO, 2015).

Outra referência nos aponta a mesma informação, inclusive que procuravam Pa’i
Chiquito para comprar a área de 60 hectares.

Opyta mokõi kokwemi. Ndoikoveima ka`agwy, ha Yvyra tee ndoikoi. Ha upéare


haimete nhamoi Chuiquito nhomnbohasa reiete mbokare. Ombotuixa ha ojoko ixupe
va´e missionária karai kunha héry va´e Loide missão pygwa, pea´ae raka´e ndoheja
ukai, ha´e raka`e he´i nhamoi Chiquito oiko jevy hagwã yvy nheme´ê rapykweri,
upépy akweopyta Panambizinho. (CONCIANZA; GAMARRA; ARAUJO Et. Al.
2011).

26
A dona Dorice conta ainda que Chiquito fez a viagem a pé até em Campo Grande para
denunciar o branco que queria tirar eles da sua terra à força, na viagem levaram a comida e xixa
(milho fermentado), mbaipy (milho queimado ralado) e Arco e flecha para se defender da onça
e caçar o animal para comer na viagem. Com muita resistência o Serviço de Proteção ao Índio
SPI permitiu para eles permanecerem 60 hectares que ninguém ia mais retirar deste local.Toda
essa história é narrada com muita luta do Pa´i Chiquito, as autoridades ligadas a CAND
conseguiram deixar a comunidade indígenas da aldeia Panambizinho em paz.
No ano de 1970 a Missão Caiuá construiu uma igreja de alvenaria na aldeia
Panambizinho no começo da evangelização, mas ao mesmo tempo usava o templo da igreja
para alfabetização das crianças indígenas que é alfabetizado pela missionária. Muitas crianças
e adultos vão à igreja para a doação de roupa e comida, no mesmo tempo a missionária da
missão Caiuá alfabetizam os adultos e crianças.
No ano de 1980 a missão tentou levar crianças para o internato para estudar, mas não
deu certo por motivo de as crianças não aceitarem a religião Presbiteriana e só poderia visitar a
família nas férias. Com a dificuldade a FUNAI construiu o posto e a escola com uma sala que
funcionava como multisseriada mais uma sala para cozinha separada da cantina da escola.
Naquele momento muitas crianças iam para escola vizinha que tinha no distrito não completava
o estudo por motivo de a língua não ser permitida na vila e preconceito dos filhos de colonos.
A professora da escola da aldeia Panambizinho na época da escola do posto da FUNAI
era filha dos colonos que ensinava os indígenas a falar em português, os alunos desde a entrada
para sala de aula tinham que se comunicar em português com todos colegas e quem desobedecia
era colocada de castigo em cima de milho debulhada ou apanhava de vara das árvores amoras.
Com isso muita evasão escolar acontecia, devido as crianças não quererem apanhar mais, e
alguns fugiam para trabalhar na fazenda da região, como catar algodão ou catação de mato no
meio da soja. Na época a “aldeia velha”, muita pessoa se conhecia e não tinha como ir ao outro
lugar. Porque quando faltava os alunos a professora ia na casa buscar e até convencer a mãe a
mandar de volta à escola.
Na época a aldeia Panambizinho não tinha o atual ensino fundamental II e nem ensino
médio, só tinha até na antiga 4ª série. E no distrito de Panambi o indígena tinha medo de estudar,
pois tinham que comprar material escolar, e as crianças também sofriam muito preconceito e
discriminação, pois a escola não aceitavam os indígenas se expressar e comunicar com a sua
27
língua materna. Muito alunos indígenas desistem de estudar na escola, devido a essa situação,
e muitas vezes os pais também não tiveram condição financeira para manter os filhos na escola.
Como muitos jovens meninos iam trabalhar na usina de álcool para cortar cana, as
meninas que concluíam seus estudos na 4ª série, já casavam bem cedo e também não
continuavam seus estudos.
Segundo a Professora Veronice Rossato no ano de 1985, uma moça filha do capitão
Nelson Concianza chamada Fineida Concianza foi participar da formação de professores
indígenas na aldeia Tey´i kue município de Caarapó. Essa formação ministrada pela professora
Veronice aconteceu a partir do Conselho Indígena Missionario CIMI.
Veronice informa que essa formação, era para a Fineida voltar no Panambizinho para
dar a aula em Guarani, mas isso não teria acontecido, pois por motivo de que estes cursos não
eram reconhecidos pela Prefeitura responsável pela contratação dos professores naquele
momento.
Assim somente, no ano de 1990 que começou a vir professores indígenas de outras
aldeias como missionário da missão para dar a aulas, isso ocorreu também porque aumentaram
o número de alunos na escola. E foi no ano de 2000 que indígenas nascidos na aldeia
Panambizinho tiveram oportunidade de fazer curso médio de Ara verá, naquela época dois
estudantes Misael Concianza e Anardo Concianza e, em 2001, outros três indígenas jovens
foram estudar na missão Caiuá, Eu, Fabio Concianza e Voninho da Silva Concianza.
O estudo na missão caiuá era em regime de internato, os alunos que foram estudar lá,
só vieram nas férias de julho para visitar a suas famílias. No ano 2004 concluí a antiga 8ª série,
mas como na missão não tinha o ensino médio, voltei na minha aldeia. Um dos meus colegas
foi estudar o ensino médio na cidade, e outro foi fazer magistério de nível médio Ára Verá na
Capela Batista, que esse curso de formação de professores Guarani e Kaiowá, é para formar
professores indígenas, e a duração desse curso é de quatro anos, e o outro meu colega foi fazer
ensino médio na escola Agrotécnica.
Em 2002 a aldeia Panambizinho entrou na retomada e começou a atrapalhar a aula na
escola. Porque os colonos não deixavam que passasse a professora que morava na vila para dar
a aula, e por essa razão o cursista do Ára Verá teve oportunidade de dar a aula.
Como tinha muitos alunos concluídos a 4ª série muitos alunos começaram a ficar parado
sem estudar, com essa razão a comunidade conversou com prefeitura, na época do prefeito
28
Laerte Tetila, para conseguir o transporte escolar levar as meninas da retomada para a Escola
Rosa Câmara de Dourados e os meninos são levado para Escola agrícola padre André Capelli
que fica localizada na rodovia Gumercindo Pimenta dos Reis (MS-379), km 1, no acesso ao
distrito de Panambi.
As comunidades indígenas ficaram nos anos 2002 a 2004 na retomada. Na retomada o
povo Guarani Kaiowá sofreu muito pressão dos colonos, inclusive com alguns querendo invadir
a retomada para os indígenas voltarem aos 60 hectares, mas com muita luta permaneceram no
local. As famílias que não aquentaram a pressão dos colonos e não acreditou na demarcação da
terra indígenas da aldeia Panambizinho voltaram para 60 hectares uma delas é a família da
minha tia Iraci da Silva.
No decorrer do tempo da retomada aconteceu muitas situações tristes, como: suicídio,
mulher brigando com vizinha, mulher casada traindo marido, homem desentendo com vizinho,
queima de casa por motivo de crianças brincar com fogo e etc. Com todos esses problemas o
foco era sempre a recuperação da sua terra que foi retomada do seu ancestral pelos colonos.
Por outro lado, as coisas boas que acontecia na retomada eram crianças todas de manhã
indo para a escola da aldeia, outras indo para cidade estudar e demais país indo trabalhar na
roça da retomada que tinha arroz, mandioca, feijão, batata, melancia, banana e etc. Além disso,
todo final de semana tinha reunião com a comunidade indígenas para discutir o problema da
escola e dar solução para o problema da retomada e quem tinha que resolver o problema familiar
era a família. Tudo se resolvia na base do diálogo embaixo de árvores grandes que ficavam na
divisa da retomada.
Em 2004 a escola foi construída e tinha aumentado mais salas e juntos conseguiram pôr
5ª a 8ª série, assim a comunidade decidiu colocar o nome em homenagem a o fundador da aldeia
Panambizinho Pa´i Chiquito o nome da escola. Como os alunos que estudaram na escola
Agrícola e na escola Rosa Câmara tinha muito evasão escolar por motivo de discriminação
língua ou por ter morado na área de retomada até motorista do transporte falavam para eles que
eles estavam invadindo a terra dos outros e que deveriam voltar para 60 hectares.
Apenas alguns poucos alunos conseguiram concluir a 5ª série na Escola Rosa Câmara
devido a dificuldades em se adaptar e compreender a disciplina. Isso ocorreu porque havia mais
de 40 alunos na sala de aula. A mesma situação ocorreu na Escola Agrícola, onde alguns
conseguiram concluir a 5ª série, enquanto outros avançaram para a 6ª série. No entanto, muitos
29
desistiram devido à necessidade de dormir no alojamento de segunda a sexta-feira. A
preocupação dos alunos era com a segurança no alojamento e com a possibilidade de invasões
e conflitos no barraco da retomada, o que também contribuiu para a desistência.
Nas escolas da Rosa Câmara, as alunas indígenas enfrentavam zombarias por parte dos
alunos brancos devido ao corte de cabelo tradicional. Isso ocorria porque as moças indígenas
Guarani e Kaiowá da Aldeia Panambizinho costumavam ficar em casa por uma semana quando
passavam da infância para a adolescência e cortavam o cabelo depois desse período. Também
era proibido para elas consumir certos alimentos, exceto aqueles que eram oferecidos a Ñanderu
para rituais de oração antes de poderem comê-los ou consumir carne. A Escola Rosa Câmara
não estava preparada para lidar com essa realidade e proporcionar um ensino diferenciado aos
alunos indígenas da Aldeia Panambizinho.
Quando a 5ª e a 6ª séries foram abertas dentro da Aldeia Panambizinho, muitos alunos
que haviam abandonado a Escola Agrícola e a Escola Rosa Câmara se matricularam na nova
escola. Todos os professores da 5ª à 8ª série eram brancos, com exceção da disciplina de língua
materna, que era ministrada pelos indígenas. Isso aconteceu após um pedido das comunidades,
que foi aceito pelo Secretário da Educação do prefeito Laerte Tetila na época.
Em 2009, a primeira turma concluiu a 8ª série na Aldeia Panambizinho. No entanto,
surgiu outro problema: não havia ensino médio na aldeia, apenas na vila vizinha de Panambi.
Os alunos da aldeia começaram a reivindicar a criação de um ensino médio na própria aldeia,
já que a vila vizinha estava relutante em estender sua oferta educacional. A Escola Estadual
Getúlio Vargas, localizada em Vila Vargas, foi a escola que finalmente concordou em estender
sua oferta educacional para a aldeia. Em 2012, a primeira turma concluiu o ensino médio e
aqueles que se formaram conseguiram ingressar na Faculdade Intercultural Indígena Teko
Arandu - FAIND. Em 2019, os estudantes desta primeira turma entraram no mestrado, com dois
alunos que passaram por todo esse processo de educação escolar indígena na aldeia
Panambizinho.

Considerações finais
Ao longo desse processo de construção da escola indígena na aldeia Panambizinho, a
Secretaria da Educação de Dourados tentou fechar a Escola Pa'i Chiquito devido ao baixo
número de alunos. No entanto, graças à persistência das comunidades locais, a escola continua
30
funcionando, embora com um número reduzido de alunos. Isso ocorre porque a população da
aldeia Panambizinho tem crescido lentamente, e muitas famílias optam por enviar seus filhos
para a escola no distrito de Panambi devido à preferência por professores não indígenas, que se
formam no Ára Verá e no Teko Arandu.
Alguns pais alegam que a educação oferecida pelo Ára Verá e pela Faculdade
Intercultural é desqualificada e inferior, preferindo que seus filhos frequentem escolas na
cidade, acreditando que isso oferece uma educação de melhor qualidade. Atualmente, observa-
se que muitos alunos que estudaram na escola indígena estão na faculdade, enquanto a maioria
daqueles que estudaram na Vila Panambi tendem a abandonar seus estudos e se envolver com
o alcoolismo.
Aqueles que passaram pelo processo de educação indígena específica e diferenciada na
escola indígena Pa'i Chiquito sentem um grande orgulho, pois a escola os acolheu e
proporcionou um ensino de qualidade. Hoje, eles se consideram resultado dessa escola.
Ainda encontramos algumas dificuldades para continuar a pesquisa como: transpor e
repassar a língua local para perguntar o objetivo da pesquisa nas conversas com os moradores
de Panambizinho ou reunir uma documentação para além dos relatos orais sobre o processo de
escolarização que ocorreram em Panambizinho.

Referências Orais

PEDRO, Dorice, [2015]. [Entrevista cedida a] Abrisio Silva Pedro. Dourados, 2015. Arquivo
caderno de campo. Entrevista concedida no âmbito da pesquisa para o trabalho de conclusão de
curso do curso de magistério indígena Ará Vera, junto a Secretaria Estadual de Educação de
Mato Grosso do Sul.

Referências bibliográficas

CONCIANZA, Fabio; GAMARRA, Abelina, ARAUJO; Adelcio (Et. Al.) Tekoha Ra’anga
Kuria Ñe’eme. NASCIMENTO, Shirley José do; ROSSATO, Veronice. (Org) Dourados, Árá
Vera/SED/MS, MEC, 2011.

VIETTA, Katya. História sobre Terras e xamãs Kaiowá: territorialidade e organização social
na perspectiva dos Kaiowá de Panambizinho (Dourados, MS) após 170 anos de exploração e
povoamento não indígena da faixa de fronteira entre Brasil e o Paraguai. Tese de doutorados
Universidade de São Paulo USP, 1998

31
ABORDAGENS DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PELOS PROFESSORES TERENA DA
ESCOLA MUNICIPAL INDÍGENA MARCOLINO LILI, TERRA INDÍGENA
TAUNAY/IPEGUE, ALDEIA LAGOINHA, MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA, MS

Aparecida de Sousa dos Santos (Bolsista CAPES/UCDB)


aparecidapolini@hotmail.com

Heitor Queiroz de Medeiros (PPGE/UCDB)


heitor.medeiros@ucdb.br

Resumo: Os indígenas possuem em sua relação com a terra um significado que transformam essa em
território com significados voltados para a resistência cultural, onde apresentam um sentimento de
pertencimento à natureza, assim como sua organização social é baseada na coletividade e solidariedade.
Baseado nisso essa pesquisa tem como objetivo geral compreender como os professores Terena dos anos
iniciais do Ensino Fundamental na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili – Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue no Município de Aquidauana – MS, percebem a natureza dentro de sua cultura e quais
suas práticas pedagógicas, bem como esses conhecimentos podem servir de exemplos de
sustentabilidade para a sociedade ocidental. Para isso, optamos por realizar uma pesquisa do tipo
qualitativa tendo como método de pesquisa a História Oral, pois possibilita investigar a experiência
histórica que não foi registrada, como é o caso da vida cotidiana e as relações interpessoais. A análise
de dados será embasada pelo Campo da Teoria Pós-Crítica e do Grupo Modernidade/Colonialidade.
Essa proposta de pesquisa de doutoramento ainda está em construção com previsão de inicio da
produção dos dados na aldeia a partir do segundo semestre 2024. Ainda não há resultados, estando na
fase de apropriação do referencial teórico e construção do estado do conhecimento.

Palavras-chave: Professores Terena. Conhecimentos sobre a natureza. Aldeia Lagoinha

1. INTRODUÇÃO

Existe nos povos indígenas um sentimento de pertencimento à natureza, sendo que sua
organização social é baseada na coletividade e solidariedade. (Guimarães e Granier, 2017).
Silva e Sato (2010) apontam que os indígenas ao construir uma relação com a terra
transformam–na em território com significados voltados para a resistência cultural.
Para (Nascimento, 2021) as comunidades indígenas no decorrer do tempo observaram
e compreenderam a natureza desenvolvendo práticas e técnicas sobre sua biodiversidade, ou
seja, desenvolveram saberes a partir da convivência com o meio em que viviam influenciando

32
sua cultura. A autora ainda afirma que os indígenas possuem uma lógica diferente onde sua
visão de vida e mundo promove sustentabilidade em seus espaços de convivência.
A autora aponta também em sua tese que na atualidade as escolas nas aldeias Terena,
embora sejam instituições ocidentais, os Terena sa utilizam para valorizar sua identidade e as
especificidades de sua cultura, pois os professores estão hibridizando o currículo ao incluir seus
saberes no ensino escolar.
Como afirma a autora as comunidades Terena se relacionam com o meio ambiente de
forma sustentável, então os apontamentos feitos mais especificamente sobre a escola, nos
chamaram a atenção fazendo desenvolver a vontade de aprofundar os conhecimentos sobre as
práticas pedagógicas docentes aí realizadas.
Também vários autores do campo da Educação Ambiental que pesquisam etnias
indígenas, como Martha Tristão (PPGE/UFES), Michele Sato (PPGE/UFMT), Heitor Queiroz
de Medeiros, (PPGE/UCDB), Mauro Guimarães (PPGE/UFRRJ), Celso Sánchez, Marcelo
Aranda Stortti e Giuliana Franco Leal (NUPEM/UFRJ), Elisangela Castedo Maria do
Nascimento (SEDMS), dentre outros, reconhecem a existência de uma diversidade de saberes
tracionais dos povos indígenas sobre a natureza que contribuem de forma única e original para
o enfrentamento da crise socioambiental que o planeta Terra vive na atualidade, sabendo que
estamos vivendo uma crise climática sem precedentes na história da humanidade.
Os autores e autoras fazem reflexões sobre como os saberes tradicionais indígenas
podem contribuir com reflexões sobre como nossas ações culturais ocidentais estão impactando
o ambiente em que vivemos, ou seja, sobre a forma como nossa sociedade compreende, vê e
usa a natureza, que numa visão capitalista é transformada em recursos naturais.Dessa maneira
a pesquisa busca compreender como os professores Terena dos anos iniciais do Ensino
Fundamental na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili, Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue,
no Município de Aquidauana, no estado de Mato Grosso do Sul (MS) trabalham a questão dos
cuidados com a Natureza a partir da cultura tradicional do seu povo e também como esses
conhecimentos podem contribuir com o campo da Educação Ambiental.

2. OBEJETIVOS DA PESQUISA
2.1. OBJETIVO GERAL

33
Compreender como os professores Terena dos anos iniciais do Ensino Fundamental
na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili – Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue no
Município de Aquidauana – MS, trabalham a questão dos cuidados com a Natureza a partir da
cultura tradicional dos terenas e como esses conhecimentos podem contribuir com o campo da
Educação Ambiental.

2.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

2.2.1. Caracterizar Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue no município de Aquidauana MS;

2.2.2. Analisar o processo formativo dos professores e professoras da Escola Municipal


Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue no município de Aquidauana
MS;
2.2.3. Compreender a maneira como a natureza é entendida na cultura Terena, a partir
das especificidades dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue no município de
Aquidauana MS;
2.2.4. Verificar as práticas pedagógicas utilizadas pelos professores dos anos iniciais
do Ensino Fundamental, ensino sobre os cuidados com a natureza a partir de sua cultura
tradicional da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue no município de Aquidauana MS;
2.2.5. Entender como os conhecimentos dos professores e professoras das series
iniciais da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue
no município de Aquidauana MS podem contribuir com o campo da Educação Ambiental;

3. METODOLOGIA

No tocante a produção e análise dos dados será realizada uma pesquisa do tipo
qualitativa para compreender como trabalham na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili
pertencente a Terra indígena Taunay/Ipegue, localizada no município de Aquidauana/MS a
questão dos cuidados com a Natureza a partir da cultura tradicional e também como esses
conhecimentos podem contribuir com o campo da Educação Ambiental.
34
A pesquisa qualitativa propicia a compreensão dos fenômenos das relações sociais
ocorridos nos ambientes, pois considera o contexto onde o fenômeno ocorre para que este seja
melhor compreendido (Godoy, 1995). Esse tipo de pesquisa envolve a produção de dados
obtidos direto com o meio e a situação estudada, em contato direto com os participantes
permitindo a reconstrução de novos caminhos (Ludke e André, 1986).

Ao conhecer e interagimos com os participantes da pesquisa, desenvolvemos uma


proximidade por meio de suas histórias podendo perceber melhor o que sentiram em suas lutas
(Gonzaga, 2011), assim a atenção em relação a elas e seus contextos históricos é importante,
no sentido de não perder informações.

Pretendemos também articular a pesquisa por meio das teorias pós-críticas, visto que
ao criar o conhecimento:

[...] a posicionalidade do/a pesquisador/a é a ferramenta primordial para a


interpretação do que ocorre no campo e para a criação de uma narrativa que,
longe de ser neutra, é rigorosa e engajada, permitindo propor maneiras
alternativas de ver e pensar fenômenos. [Assim], a centralidade do/a
pesquisador/a como ferramenta de pesquisa qualitativa resgata a subjetividade
humana, para que a ela seja utilizada para produzir saberes mais refinados e
agudos sobre fenômenos sociais, sejam eles educacionais ou de outra ordem”
(Meyer e Paraíso, 2014, p. 14).

Como método de pesquisa optamos pela História Oral, pois possibilita investigar a
experiência histórica que não foi registrada, como é o caso da vida cotidiana e as relações
interpessoais. Essas histórias nos ajudam a compreender os significados subjetivos de eventos
do passado (Thomson, 2000).

Brand (2000) explica a História Oral como sendo “técnicas de registro e interpretação
das evidências orais ou da memória individuais ou coletivas, transmitidas oralmente” (Brand,
2000, p. 196).

Esse método possibilita a democratização da história por diferentes narradores,


oportunizando a recriação da pluralidade original, desde que o entrevistador interfira o menos
possível deixando os entrevistados à vontade para falar, pois é a recuperação do que o
entrevistado viveu que interessa para a pesquisa.

35
O autor ainda destaca a importância da História Oral em pesquisas realizadas com os
povos indígenas que tem em sua origem a sua cultura mantida pela prática da oralidade, passada
de gerações a gerações, visto que é uma forma de integrá-los a história já que foram excluídos
das fontes escritas e documentais (Brand, 2000, p. 197).

Nessa caminhada optamos também pelos seguintes instrumentos de produção de


dados: observação participante, entrevista, caderno de campo, e análise de documentos como
planos de aula e diretriz curricular municipal.

Segundo (Thompson, 1992) as entrevistas não estruturadas possibilitarão a produção


de dados desde que feita com respeito e tranquilidade, deixando o entrevistado a vontade para
falar fluidamente sem muitas interrupçõe).

As entrevistas serão utilizadas para “[...] recolher dados descritivos na linguagem do


próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (Bogdan e Biklen,1994, p. 134).

A entrevista também é definida por Silveira (2007) como sendo:

[...] eventos discursivos complexos, forjados não só pela dupla


entrevistador/entrevistado, mas também pelas imagens, representações,
expectativas que circulam – de parte a parte – no momento e situação de
realização das mesmas e, posteriormente, de sua escuta e análise (Silveira
2007, p. 118).

As entrevistas serão gravadas e filmadas por meio de aplicativos do celular, depois


arquivadas no computador, para serem transcritas. As entrevistas serão analisadas e
interpretadas a luz das teorias Pós-coloniais e do Grupo Modernidade/Colonialidade.

Para efetivar toda essa compreensão serão realizadas também conversas informais com
os sujeitos da pesquisa membros da comunidade escolar, focando a direção, coordenação
pedagógica e professores da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue, localizada na zona rural do município de Aquidauana – MS, sabendo que para
o registro dessas conversas será utilizado o caderno de campo.

36
A análise dos documentos escolares poderá nos dar uma ideia do que é requisito
estabelecido pela diretriz curricular municipal e o que está sendo elaborado pelos professores
em seus planos de aulas.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

O grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) estuda as bases do colonialismo para fazer


a crítica sobre a estrutura de poder instaurada por modelos de conhecimento impostos pela
modernidade como superiores e melhores que os demais, ou seja, apontam como a modernidade
estruturou a colonialidade até hoje presente em nossa sociedade assim como apresentam a
decolonialidade como uma forma de lutar e resistir contra a colonialidade do poder, ser e saber.

Para essa análise será realizado um diálogo com os seguintes autores: Dussel (1993),
Coronil (2005), Castro-Gomez (2005), Lander (2005), Quijano (2000, 2014), Mignolo (2003,
2017), Porto-Gonçalves (2005), Walsh (2009).

Nosso imaginário coletivo é marcado historicamente pelas metanarrativas coloniais da


modernidade, que disseminou ideias homogenias que mantiveram a:

[...] invisibilidade de formas de conhecimento que não se encaixam. Refiro-


me aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses ou indígenas
do outro lado da linha, que desaparecem como conhecimentos relevantes ou
comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do
falso (Santos, 2007, p. 72).

Essas metanarrativas ignoraram as diferenças sociais, culturais, étnicas e linguísticas,


consolidando políticas excludentes e discriminatórias.

Para Mignolo (2017), a história precisa ser estudada de forma a analisar as relações de
poder nos tempos coloniais, pois assim, pode-se reconhecer e apontar se a colonialidade
eurocêntrica está tendo continuidade em tempos atuais e ainda se reproduzem subalternidade
às alteridades subjetivas. Isso foi possível por meio da reprodução do discurso da ciência
moderna e da cultura europeia.

Mignolo (2003), pondera que a colonialidade é constituída nas extensões do poder,


saber e ser, pois a matriz colonial do poder se alastrou para vários campos controlando a

37
economia, a autoridade, o gênero e sexualidade, a natureza e recursos naturais, a subjetividade
e conhecimento. O autor ainda pondera que a modernidade se estabeleceu por conta da
colonialidade, sendo uma necessária à sobrevivência da outra.

Assim, para a modernidade o conhecimento que não está dentro da regra, é julgado
como magia, crença, opinião, desta forma, não deve ser respeitado. Para Santos (2007, p. 72) o
conhecimento que é gerado fora das regras da modernidade “desaparecem como conhecimentos
relevantes ou comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do
falso”.

O processo de colonização e posteriormente de colonialidade, assinalou a vida dos


indígenas por meio de formas de inferiorização e subalternização. Mas além disso, por serem
sujeitos que percorrem as fronteiras, também foram assinalados por descolamentos e
ressignificações em seu contexto.

E nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a
se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação
ambulante, ambivalente, do além que venho traçando: "Sempre, e sempre de
modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos
homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens...
A ponte reúne enquanto passagem que atravessa." (Bhabha, 1998, p. 24).

Ou seja, para o autor na fronteira há um movimento de reflexão de querer compreender


as situações postas, a fronteira é como uma ponte reunindo informações que atravessam os
sujeitos que se deslocam e ressignificam conceitos.

Estar na fronteira, é estar em vários lugares, é ser e ter uma cultura que reúne esses
lugares que não possuem padrões ou regras. Segundo Hall (2003) ser gerado na fronteira
propicia a hibridização de sujeitos que podem se posicionar em diferentes contextos. O
hibridismo é uma forma de tradução cultural, agonistica que “nunca se completa, mas que
permanece em sua indecidibilidade” (Hall, 2003, p. 74). O conhecimento não desaparece no
processo de hibridização, na tentativa de sobreviver ele se adapta, se transforma e se ressignifica
de forma resistente suas práticas, pois:

38
[...] elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de
premissas e temas. [...] Tais mudanças de perspectivas refletem não só os
resultados do próprio trabalho intelectual, mas também a maneira como os
desenvolvimentos e suas verdadeiras transformações históricas são
apropriados no pensamento e fornecem ao Pensamento, não sua garantia de
correção, mas suas origens fundamentais, suas condições de existência (Hall,
2003, p. 133).

Há uma reorganização entre conhecimentos velhos e recentes readequando-os e


transformando-os em um conhecimento adaptado, mesclado (Hall, 2003). Para Hall (2003)
novos e velhos conhecimentos se reagrupam, o que é condizente com o processo de hibridização
que gera um conhecimento novo e intermediário entre o velho e o recente como uma conexão
para negociações (Bhabha, 1998).

Segundo Santos (2007), esse processo ajudou as culturas a continuarem diversas e


mistas, contrariando o projeto moderno, que pretendia homogeneizar as culturas.

Entendemos que é preciso compreender as relações que se estabelecem entre as


culturas e que Walsh (2009) aponta haver dois tipos: a interculturalidade funcional e a crítica.
A primeira “não questiona as regras do jogo e é perfeitamente compatível com a lógica do
modelo neoliberal existente” (Walsh, 2009. p. 20). A interculturalidade funcional é um
instrumento da colonialidade que impõe comportamentos e conhecimentos homogeneizantes
da cultura dominante, inferiorizando e subalternizando o que está fora dos padrões impostos.
“Ao posicionar a razão neoliberal [...] como racionalidade única, faz pensar que seu projeto e
interesse apontam para o conjunto da sociedade e a um viver melhor. Por isso, permanece sem
maior questionamento” (Walsh, 2009. p. 20).

Já a segunda, questiona, analisa e discute a lógica do modelo neoliberal. Walsh (2009,


p. 22), pondera que a interculturalidade crítica é “uma construção de e a partir das pessoas que
sofreram uma histórica submissão e subalternização”. A autora ainda explica que:

[...] a interculturalidade crítica tem suas raízes e antecedentes não no Estado


(nem na academia), mas nas discussões políticas postas em cena pelos
movimentos sociais, faz ressaltar seu sentido contra-hegemônico, sua
orientação com relação ao problema estrutural-colonial-capitalista e sua ação
de transformação e criação (Walsh, 2009, p. 22).

39
Como podemos perceber a interculturalidade crítica é resultado de discussões e
reflexões dos movimentos sociais sobre políticas contra hegemônicas, que analisam a estrutura-
colonial-racial e buscam alternativas para mudar as relações sociais utilizando a
decolonialidade para derrubar os padrões de poder (Walsh, 2009).

Essas reflexões contribuem para um diálogo crítico e intercultural com conhecimentos,


visões e interpretações outras, como a dos povos indígenas que resistiram ao processo de
processo de colonização, sobreviveram e hoje lutam para consolidar um espaço na vida
multicultural brasileira.

Por meio de movimentos sociais, os indígenas ganharam na Constituição de 1988, o


direito de uma educação indígena específica e diferenciada e mais tarde, o dever da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), foi retirado e repassado para o Ministério da Educação (MEC),
que responsabilizou Estados e Municípios a execução da educação escolar indígena.

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em seu artigo


78, estabeleceu que a educação escolar indígena deveria ser intercultural e bilíngue com intuito
de reafirmar suas identidades étnicas, valorizar sua língua, história, memória, sua ciência e
também ter acesso aos conhecimentos da sociedade nacional (Brasil, 1996).

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências


federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá
programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar
bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:
I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas
memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização
de suas línguas e ciências (Brasil, 1996, s/p).

As Leis demonstram que a função da escola indígena é a valorização da cultura e a


promoção do ensino intercultural e bilíngue com objetivo de firmar e manter a diversidade
étnica. Para a educação escolar indígena, essas conquistas representam a promoção do respeito
às suas crenças, saberes e práticas culturais, assim como propicia o diálogo com os saberes da
sociedade ocidental, pois a interculturalidade admite uma convivência e coexistência entre
diferentes culturas e identidades. Se inserir na sociedade nacional, não significa abandonar suas
origens, tradições ou modo de viver, e sim interagir, a partir de sua referência identitária, com

40
outras culturas de forma cuidadosa, declinando a homogeneização imposta pelo mundo
globalizado (Baniwa, 2006).

A cultura indígena em nada se refere ao grau de interação com a sociedade


nacional, mas com a maneira de ver e de se situar no mundo; com a forma de
organizar a vida social, política, econômica e espiritual de cada povo. Neste
sentido, cada povo tem uma cultura distinta da outra, porque se situa no mundo
e se relaciona com ele de maneira própria (Baniwa, 2006, p. 46).

Quanto a isso, assomamos a reflexão de Hall (2003) sobre a articulação entre práticas
outras, visto que, não significa que possam se dissolver uma na outra, e sim que cada uma
mantenha suas características distintas assim como suas condições de existência. “Contudo,
uma vez feita a articulação, as duas práticas podem funcionar em conjunto, não como uma
“identidade imediata” (na linguagem utilizada por Marx na ‘Introdução de 1857’), mas como
“distinções dentro de uma unidade” (Hall, 2003, p. 196).
O diálogo com os saberes indígenas não é simples, existe uma complexidade visto que
seu conhecimento não é fragmentado como o conhecimento ocidental, como apontado por
Nascimento (2021, p. 192): “arriscamos dizer que se trata de um diálogo complexo, visto que
os saberes indígenas não são fragmentados e são recheados de conhecimentos de diversas áreas
formando um saber único e conciso”.

Para Backes (2018, p. 52), “é possível dizer que eles transformam o encontro com
conhecimentos diferentes em uma possiblidade de fortalecer a sua própria cultura e identidade”.
O que o autor quer dizer é que os indígenas utilizam conhecimentos diferentes para fortalecer
sua cultura e identidade.
Em nuestra América mais que hibridismos há que se reconhecer que há pensamentos
que aprenderam a viver entre lógicas distintas, a se mover entre diferentes códigos e, por isso,
mais que multiculturalismo sinaliza para interculturalidades.

O professor Terena Antônio Carlos Seizer da Silva explica como sua etnia pensa sobre
conviver em lógicas distintas:

[...] nós Terena, temos um lema desde a saída do Êxiva: Terena vai sempre
para frente, não volta! E para isso carregamos tudo àquilo que garanta a nossa
diferença como a língua, a cosmologia e a cosmovisão. Terena reelabora,
ressignifica, apropria e incorpora, nos dando o entendimento que a etnia em si
é única, mas as características produzidas e atravessadas por outras relações,

41
produz os povos Terena, ou seja, há um fio centralizador ancestre que fortalece
a teia étnica que nos liga, mais como no tecer das artesãs, cada qual coloca as
cores e as formas que se deseja e/ou são necessárias, assim se produz
atualmente os povos Terena, sendo necessário demarcamos em nossa fala os
lugares de onde somos e/ou fomos produzidos [...] (Seizer da Silva, 2016. p.
15)

Dessa maneira, o diálogo intercultural é como uma ponte que reúne diferentes lugares,
permitindo a decolonização do poder e do saber para que diferentes epistemologias possam ser
hibridizadas e visibilizadas, pois:

Em nuestra América mais que hibridismos há que se reconhecer que há


pensamentos que aprenderam a viver entre lógicas distintas, a se mover entre
diferentes códigos e, por isso, mais que multiculturalismo sinaliza para
interculturalidades (Porto-Gonçalves, 2005, p. 4).

A partir dessas reflexões, podemos entender que as escolas indígenas interculturais e


bilíngues possuem uma proposta pedagógica e curricular própria, construída a partir de lutas e
conflitos com os currículos hegemônicos da sociedade não indígena assimilada às atuais
políticas educacionais voltadas à população indígena (Medeiros e Sato, 2013). Segundo os
autores Alves e Medeiros (2020), as sociedades indígenas:

Esses professores reivindicam a construção de novas propostas curriculares


para suas escolas, em substituição àqueles modelos de educação que ao longo
da história lhes vêm sendo impostos, já que tais modelos nunca
corresponderam aos seus interesses políticos e às pedagogias de suas culturas
(Alves e Medeiros, 2020, p. 615)

Entendemos que os saberes indígenas são resultantes de traduções que determinaram


sua sobrevivência e influenciaram sua cultura e ambiente (Nascimento, 2021) e que dialogar
com esses saberes indígenas é importante, visto que, temos muito a aprender com essa
sociedade que que possui uma diversidade de conhecimentos sobre a natureza, que entendem
os lugares como ambientes produtores de ensinamentos, como mostra a pesquisadora Terena
(Sebastião, 2018):

O acervo de saberes é conservado pelas mulheres, que cuidam não só de seus


corpos, mas dos corpos sociais que compõem a aldeia. O cuidado atinge a
natureza: matas, campos ou florestas e tudo que neles ha como parte de nossa
sobrevivência. As mulheres, ao adentrarem o meio ambiente natural em busca
das ervas medicinais, jamais o fazem sem antes pedir licença à mãe natureza.
Há uma conexão entre a sábia mulher, os saberes e a natureza (Sebastião,
2018, p. 141).

42
Como vimos a vida diária do indígena é atravessada pelo meio ambiente e as coisas da
natureza ocorrendo uma valorização dos recursos de forma intrínseca e natural, assim “a
Educação Ambiental, como a enxergamos, é inerente à vida diária do indígena” (Nascimento,
2021, p. 48).

Dessa maneira, é baseada nessas constatações que entendemos que aprender com a
cultura indígena é inverter a lógica da colonialidade que impõe modelos que visam a
homogeneização (Sato e Medeiros, 2013).

Pretendemos discutir sobre a crise ecológica, cultura e ambiente, os problemas


climáticos e também a descolonização da Educação Ambiental (EA), sendo que a base teórica
da EA será focada nos seguintes autores: Sato (2012, 2018, 2020), Sato e Medeiros (2013),
Carvalho (2008), Tristão (2004, 2014, 2016), Guimarães e Medeiros (2016), Kassiadou, Anne.
[et al.]. (2018), entre outros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa proposta de pesquisa de doutoramento ainda está em construção com previsão de


ser iniciado a produção dos dados na aldeia no segundo semestre de 2024. Dessa maneira ainda
não há resultados, pois se encontra na fase de apropriação do referencial teórico e construção
do estado do conhecimento.
Ainda há muito que estudar para haver entendimento a respeito dos saberes e da
relação dos professores indígenas com a natureza e de que forma os conhecimentos dos
professores dessa etnia Terena, especificamente na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili
pertencente a Terra indígena Taunay/Ipegue, localizada no município de Aquidauana em Mato
Grosso do Sul (MS) poderão contribuir com a Educação Ambiental ocidental.

Os estudos realizados até o momento, tem ajudado na reflexão sobre como o processo
de colonização influenciou a cultura indígena obrigando-os a ressignificar seus saberes e
hibridizar seus costumes, transformando o ambiente em que vivem.

Nessa perspectiva, destacamos a importância do Grupo


Modernidade/Colonialidade que critica o projeto da modernidade e prioriza o entendimento da
decolonialidade como uma ferramenta de resistência e desarticulação das estruturas de poder
43
que subalternizam e desmerecem as culturas que não se enquadram na cultura moderna
ocidental.

6. REFERÊNCIAS

ALVES, G. P.; MEDEIROS, H. O protagonismo de uma escola indígena da etnia Terena em


Mato Grosso do Sul no processo de retomada de território tradicional da terra indígena Buriti.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 22, n. 2, p. 609-628, maio/ago. 2020.

BACKES, José Licínio. A construção de pedagogias decoloniais nos currículos das escolas
indígenas. EccoS – Revista Científica, São Paulo, n. 45, p. 41-58, jan./abr. 2018.

BANIWA, G. S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad; Museu Nacional/UFRJ, 2006.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis e Gláucia Renate Gonçalves. 1. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1998.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente, Diretoria de Educação Ambiental. Ministério da


Educação. Coordenação Geral de Educação Ambiental. Programa Nacional de Educação
Ambiental (PRONEA). 3. ed. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui
a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, DF, 1999.
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46
ARTE NAS ESCOLAS TERENA, A BUSCA PELA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA
ARTÍSTICA

Aparecida de Sousa dos Santos (Bolsista CAPES/UCDB)


aparecidapolini46@gmail.com

Fátima Cristina D. Ferreira Cunha (UFMS)


fatima.cunha@ufms.br

Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa com aldeias de origem Terena: Aldeia Tico Lipú,
Aldeia Aldeinha de Anastácio, Aldeia do Bananal e Aldeia do Limão Verde, todas no estado
de Mato Grosso do Sul, Brasil. As aldeias são da mesma etnia, de hábitos originais Terena, mas
com situações de vida diferentes. O objetivo foi verificar a Arte nas escolas terena, as
manifestações artísticas nas aldeias e escolas. Realizamos uma incursão bibliográfica, no
sentido de mapear os conceitos de arte e memória na literatura contemporânea e confrontar com
os conceitos assinalados pelo povo Terena. Para a coleta de dados, utilizamos entrevistas
informais, com jovens, adultos e anciões das aldeias, de forma natural e sem questões pré-
formuladas em todas as aldeias. Concluímos que a arte e a educação artística nas escolas
aparecem de modo pontual. Todas as aldeias têm a sua arte representada no cotidiano da vida
comunitária. Nas escolas das aldeias não urbanas, ela aparece por meio de materiais que
compõem a natureza, como folhas, grãos, sementes e gravetos. Nas aldeias urbanas, cursos de
artesanato foram programados para os residentes, com a intenção de melhorar a autoestima e a
renda familiar.

Palavras Chave: Arte; Arte Terena; Terena

Introdução

No âmbito da educação indígena diferenciada, a arte está implícita em seu cotidiano,


onde a identidade se manifesta através dos projetos realizados nas escolas, em suas diferentes
linguagens e manifestações artísticas. Há a unidade entre a natureza, a arte e a cultura.

A Constituição de 1988 passou a valorizar a diversidade cultural, respeitando o modo


de vida tradicional das comunidades indígenas. Em seu Art. 231, Capítulo VIII, reconhece os
índios, sua organização social, seus costumes, suas línguas, suas crenças e tradições e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcar, proteger
e fazer respeitar os seus bens. A educação indígena se encontra nos artigos 210, 215 e 242 da
mesma Constituição de 1988. (BRASIL, 1988)
47
No art. 210, a Constituição de 1988 assegura aos indígenas a utilização de suas línguas
maternas e o processo próprio de aprendizagem, sendo, porém, o Ensino Fundamental
ministrado em língua portuguesa. Do Art. 215, consta que o Estado protegerá suas
manifestações da cultura indígena e, do Art. 242, que o ensino da história do Brasil levará em
conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.
(BRASIL, 1988)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei Nº 9.394/96, em seu
Art. 78, preceitua que o “Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais
de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrantes de ensino
e pesquisa, para a oferta de educação bilíngue intercultural aos povos indígenas”, visando:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas


memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização
de suas línguas e ciências; e II - garantir aos índios, suas comunidades e povos,
o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade
nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. (BRASIL, 1996)

Ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu Art. 79, determina que
a “União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação
intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e
pesquisa.” Igualmente estabelece

§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades


indígenas.
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais
de Educação, terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas sócio-culturais (sic) e a língua materna de cada
comunidade indígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à
educação escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e
diferenciado.

48
§ 3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o
atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e
privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como
de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais. (BRASIL,
2011)

O Art. 79 foi incluído pela Lei Nº 12.416, de 9 de junho de 2011, que altera a LDBN Nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, para dispor sobre a oferta de educação superior para os
povos indígenas.
É fundamental destacar a obrigatoriedade do ensino de artes no currículo da educação
básica brasileira. Este deve abordar diferentes linguagens como as artes visuais, dança, música
e teatro e podem interscecionar com as contribuições das diferentes culturas e etnias,
constitutivas da identidade do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana
(BRASIL/LDB, 1996, Artigo 26º. § 2o, § 4º).
Como é possível observar, os direitos indígenas estão bem amparados, mas na prática,
ainda não existe um legítimo respeito à diversidade cultural e os direitos indígenas não são
respeitados em sua totalidade.
Apesar das inúmeras leis que reconhecem os indígenas, sua organização social, seus
costumes, suas línguas, crenças e tradições, bem como os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcar, proteger e fazer respeitar os seus
bens; de a educação indígena assegurar a utilização de suas línguas maternas e o processo
próprio de aprendizagem, mas sendo o Ensino Fundamental ministrado em língua portuguesa.

Trabalho de Artes. Fonte: Cunha 2016

49
A arte na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Domingos Veríssimo Marcos, da
Aldeia Bananal

A escola segue as normas vigentes da educação, seguindo as indicações enviadas, mas


utiliza elementos do imaginário local e também muitos elementos da natureza na construção de
desenhos, pinturas, maquetes, etc.

Trabalhos de artes 1. Fonte: Cunha, 2016

Nas pinturas em exposição na escola, observamos traços de desenhos geométricos da


etnia Terena nas cores branco, preto e vermelho. Pinturas e desenhos de animais que compõem
a natureza da aldeia também estão retratados. Em particular, ficamos admiradas com a
criatividade da professora que utilizou, em sua aula de arte, elementos da natureza, tais como
folhas e gravetos, com os quais retratou um minúsculo inseto que povoa a aldeia e é capturado
com bacias de água, colocadas abaixo dos postes de luzes.

A arte na Escola Municipal Indígena Lutuma Dias, da Aldeia Limão Verde

A escola segue o seu Projeto Político-Pedagógico. Mas, de acordo com o Referencial


Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (BRASIL, 1998), o professor poderá utilizar ou
não as sugestões apresentadas e trabalhar dependendo das necessidades dos alunos e do local.

50
Parede da escola. Fonte: Cunha, 2016

A escola, em toda sua extensão, possui desenhos nas paredes de traços indígenas Terena.

Parede da escola 1. Fonte: Cunha, 2016

A arte na Aldeia Tico Lipú

Atividades de artesanato e pintura são realizadas na Aldeia Tico Lipú por algumas
famílias em suas residências. Nas imagens, apresentamos fotos das mulheres da aldeia, em uma
de suas aulas, publicadas pelo cacique, em seu facebook, com os seguintes dizeres: “Sexta feira

51
(sic) dia do encontro das mulheres na sede da associação para confeccionar artesanato. Brincos
Colares e Polseras (sic).”

Reunião de artesanato. Fonte: Tico Lipú, 2016

Nos cursos, são utilizados materiais com elementos da natureza, madeiras, sementes e
fios de algodão ou couro, para os produtos ficarem autênticos, originais, segundo o cacique, e
também para servirem de fonte de renda aos moradores da comunidade indígena urbana.

Reunião de artesanato 1. Fonte: Tico Lipú, 2016

A preocupação do cacique da aldeia é que haja uma fonte de renda alternativa pela
escassez de empregos. Para tanto, providenciou alguns cursos de bijuterias com professoras
conhecidas.

52
Reunião de artesanato 2. Fonte: Tico Lipú, 2016

A arte na Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva, da Aldeia Aldeinha de


Anastácio

A exemplo das demais escolas, a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva utiliza,
como referência, as normas vigentes na educação e, segundo entrevista com o cacique, alguns
cursos de artesanato estavam programados para o mês de agosto, para os residentes e moradores
da aldeia para melhorar a autoestima e a renda familiar.
Com o apoio da Prefeitura Municipal de Anastácio, incentivando as festividades ao dia
do Índio, a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva promoveu a 3ª Feira Cultural
Indígena, organizada por professores e alunos da Escola Estadual Indígena Guilhermina da
Silva. (Barbiéri, 2016)

Arte EEI Guilhermina da Silva Fonte: anastácio.ms.gov. 2016

53
Considerações Finais
Ao conduzir a investigação nas aldeias, no local em que vivem os indígenas Terena,
tanto urbanos como não urbanos, reconhecemos que a maior preocupação existente nas
comunidades – e que representa um reconhecimento pelo passado cultural – é o respeito aos
mais velhos, aos seus saberes e de valorização de seus conselhos, do contar da história de vida
de antepassados, com a preocupação de que esses repasses de informações cheguem também
aos mais novos e não se percam no tempo.
O território assume um aspeto particular por se entrelaçar com a luta pela terra e pelo
direito de ocupação, estando presente, entre outros dados obtidos, relacionados, em sua maioria,
a relatos dos mais antigos e das lideranças. Registramos esses dados em relação à cultura
presente na aldeia e a tudo que fortalece sua identidade. Contamos também com bibliografia
escassa, mas disponível para levantar os dados principais.
Foi uma amostra de dados, dados primários recolhidos para levantar questões a respeito
dos valores da arte e da identidade Terena. Os testemunhos, por meio das entrevistas e conversas
informais, foram essenciais, assim como a observação direta e presencial nas aldeias que
permitiu uma recolha fotográfica.
As aldeias pesquisadas foram escolhidas pelo fato das duas (Aldeia Aldeinha de
Anastácio e Aldeia Tico Lipú) estarem inseridas dentro do contexto das cidades (Aquidauana e
Anastácio) e, mesmo assim, manterem alguns hábitos tradicionais, e duas aldeias mais distantes
dos municípios (Aldeia Bananal e Aldeia Limão Verde), por manterem hábitos tradicionais
Terena, como língua, dança, etc. A partir dessa escolha e após recolhas fotográficas e trabalho
de campo, realizamos um estudo para clarificar os conceitos necessários para poder
compreender a arte e a identidade Terena.
As tensões existentes fora da aldeia acontecem quando, ao terminar o Ensino Médio, os
estudantes indígenas disputarão espaço com os “brancos” nas vagas das faculdades, assim como
na procura por emprego na cidade, pois dizem que são desvalorizados, e que, algumas vezes,
têm que esconder o local onde moram, nunca revelando que moram na aldeia indígena. Ao
procurar emprego, se deparam com a desconfiança da comunidade quanto à lisura do trabalho
ou à eficiência na profissão, desconfiança também com a etnia indígena.
Concluímos que a arte e a educação artística nas escolas aparecem de modo pontual nos
dados coletados, embora esteja estampada na identidade Terena, expressa em diferentes
linguagens e manifestações. Todas as aldeias têm a sua arte representada no cotidiano da vida
54
comunitária. Nas escolas das aldeias não urbanas, ela aparece por meio de materiais que
compõem a natureza, como folhas, grãos, sementes e gravetos. Nas aldeias urbanas, cursos de
artesanato foram programados para os residentes, com a intenção de melhorar a autoestima e a
renda familiar. Neste estudo não percebemos a dualidade entre a arte e o ensino de artes nas
escolas.

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55
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Acesso em 24/11/2017, às 20 h.

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https://barbararodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/148892570/os-direitos-dos-povos-indigenas-
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em https://www.todamateria.com.br/. Acesso em 26/02/2017, às 21 h.

56
ATITUDES LINGUÍSTICAS DE FALANTES GUARANI BILÍNGUES,
DA REGIÃO OESTE DO PARANÁ, EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS QUE
A ESCOLA DEVE ENSINAR

Sônia Cristina Poltronieri Mendonça (UNIOESTE)


soniapoltronieri@yahoo.com

Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentar reflexões sobre resultados da
investigação de Mendonça (2020) sobre crenças e atitudes linguísticas presente em
depoimentos de doze informantes indígenas Guarani bilíngues moradores da aldeia Tekoha
Añetete, na região Oeste do Paraná. A língua mãe desses informantes é o guarani e a segunda
língua é o português brasileiro (PB), e as variáveis consideradas foram sexo e faixa etária. Para
tanto, este trabalho, pautado basicamente nos princípios teóricos e metodológicos da
Sociolinguística Variacionista e nos estudos de Crenças e Atitudes linguísticas, bem como os
encaminhamentos dados ao Projeto Crenças e Atitudes Linguísticas, desenvolvido por Aguilera
(2009), apresenta a análise das respostas em relação à pergunta “Quais línguas a escola deve
ensinar?”. Evidenciaram-se, nos depoimentos, indícios de atitudes linguísticas na escolha pelo
guarani, o que revela uma atitude positiva em relação à língua guarani e de identidade étnica, o
que permite inferir o prestígio e valorização da língua materna.

Palavras-chave: atitudes linguísticas, indígenas Guarani, ensino de línguas.

Considerações iniciais

A população indígena residente no Brasil soma 1.693.535, segundo dados apresentados


em agosto de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Os indígenas representam 0,83% da população residente no país. Em comparação com
o levantamento de 2010, a população indígena quase dobrou, pois eram 896.917 indígenas, mas
a metodologia foi modificada e ampliada na versão 2022 do Censo.
Em relação às línguas indígenas faladas no Brasil, o IBGE registrou no Censo 2010 a
existência de 274 línguas indígenas no país, de 305 diferentes etnias. Esses dados serão
atualizados com a realização do Censo 2022, o primeiro desde 2010, apresentando um novo
retrato dos indígenas no Brasil e contribuindo para a formulação de políticas públicas em prol
dessas populações.
Em termos linguísticos a língua guarani faz parte do tronco linguístico Tupi, da Família
Linguística Tupi-Guarani, apresentando no Brasil os três dialetos ou sub-grupos linguísticos:

57
Kaiowá, Nhandeva e Mbyá. De acordo com Angelis (2015) trata-se de uma língua que é escrita
desde o século XVI, mas circulam diferentes ortografias, conforme os dialetos e,
eventualmente, conforme o país, uma vez que não há mecanismos de pressão unificadora.
No Brasil, a população Guarani é de aproximadamente 52 mil pessoas (IBGE, 2010)
que vive em centenas de aldeias espalhadas por mais de 100 municípios brasileiros, localizados
em sete estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo e Mato Grosso do Sul. Toda a faixa de fronteira do estado do Paraná, na região oeste do
Paraná, é ocupada por aldeias indígenas predominantemente Guarani. Para Carvalho (2013, p.
115) essa região “se constitui o berço da cultura Guarani, a partir das subdivisões que
conhecemos como Kaiowá, Ñandeva e Mbyá”.
A aldeia Tekoha Añetete, cujo nome significa “Aldeia Verdadeiramente Guarani”, é
uma reserva indígena legal homologada (Decreto s/n 28/7/2000) conquistada pelas famílias que
ali se estabeleceram desde 19 de abril do ano de 1997. Ocupa uma área de 1.744 hectares
(IBGE, 2010) e está localizada na comunidade rural de Ponte Nova, a cerca de vinte quilômetros
do centro urbano de Diamante d’Oeste. As famílias que vivem nesse Tekoha fazem parte do
grupo de indígenas atingidos com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional. A
formação do Lago de Itaipu, a partir de 1982, resultou no alagamento de grandes porções do
território tradicional dos Guarani no extremo Oeste do Paraná, atingindo o Tekoha Guassu(çu)
Jacutinga com a dispersão de muitos grupos para outras regiões. Segundo Bortoloni (2014), o
Tekoha Guassu(çu) Jacutinga compreendia uma área de 1.500 hectares, sendo o último lugar
entendido como área indígena no Brasil em que esses Guarani habitaram antes da
desterritorialização das famílias atingidas.

Estudos de atitudes linguísticas e sua relação com crenças

Moreno Fernández (1998), com base nos estudos de Lambert e Lambert (1966) e Labov
(1972), concebe que a atitude linguística é constituída por três elementos que se situam no
mesmo nível: o saber ou crença (componente cognoscitivo), a valoração (componente afetivo)
e a conduta (componente conativo). A partir desse conceito, considera-se que a manifestação
do falante pode revelar juízos de valor, crenças, intenção de conduta, reação de prestígio ou
desprestígio e consciência linguística sobre determinados contextos e circunstâncias.

58
Segundo Aguilera (2009, p. 106), pesquisas desenvolvidas no Projeto CAL1 revelam
que é possível inferir que o componente afetivo “está alicerçado em juízos de valor (estima-
ódio) acerca das características da fala: variedade dialetal, acento; da associação com traços de
identidade; etnicidade, lealdade, valor simbólico, orgulho; e do sentimento de solidariedade
com o grupo a que pertence”. Aguilera (2009, p. 106) explica, ainda, que o “componente
conativo, por sua vez, reflete a intenção de conduta, o plano de ação sob determinados contextos
e circunstâncias”. Ou seja, mostra a tendência a atuar e a reagir com seus interlocutores em
diferentes espaços sociais: rua, casa, escola, loja, trabalho e outros.
Segundo Corbari (2019, p. 70), a manifestação dos componentes cognoscitivo, afetivo
e conativo na fala dos informantes do Projeto CAL serve de índice para a verificação das
atitudes linguísticas em estudos de comunidade de fala observada, uma vez que coexistem
relações de identidade que constituem os sujeitos como distintos uns dos outros.

Caracterização da aldeia Tekoha Añetete

Estudos de Mendonça (2020) revelam que aproximadamente 420 pessoas – adultas e


crianças – da etnia Guarani vivem na aldeia e as famílias se dedicam às atividades de artesanato,
agricultura e pecuária em áreas de produção comunitária e/ou familiar. Essa população pertence
aos subgrupos dos Mbyá e Nhandeva, duas das três divisões dos povos Tupi-Guarani. O guarani
é a língua materna aprendida pela criança junto à família e a aquisição da segunda língua (PB)
ocorre no contexto escolar. A presença da escola na aldeia tem contribuído no letramento da
população residente e, segundo as informações do IBGE, 286 indígenas são alfabetizados
(IBGE, 2010).
O Colégio Estadual Indígena Kuaa Mbo’e, situado na própria aldeia, é o ponto de
referência das famílias que residem no Tekoha Añetete e, por consequência, acaba se tornando
ponto de encontro de toda a comunidade. A aquisição da segunda língua (PB) ocorre a partir de
4 e 5 anos de idade na escola e também por influência da televisão, internet e amigos. A aldeia
possui, ainda, posto de saúde, que oferece serviço básico, com um médico, uma enfermeira e

1
Aguilera coordenou, no período de 2008 a 2012, o Projeto Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação
do português com línguas em contato, com o objetivo de fomentar a integração de grupos de pesquisa voltados
para as questões de descrição e análise linguísticas do Português falado no Paraná. O Projeto CAL teve como
objetivo produzir um corpus sobre crenças e atitudes linguísticas em oito cidades paranaenses, com uma proposta
desenvolvida em conjunto com docentes da UNIOESTE, UEL, UEPG e UEM (Mendonça, 2020).
59
um dentista, e dois agentes de saúde Guarani; três casas de reza; campo de futebol; e um espaço
comunitário para atividades de lazer, cultura e artesanato (Mendonça, 2020).

Ensino de línguas na escola indígena

O decorrer dos anos, sobretudo nas três últimas décadas, as legislações e as políticas
públicas têm demarcado avanços na consideração das demandas das comunidades indígenas. A
Constituição de 1988 no Brasil assegurou o direito das sociedades indígenas a uma educação
escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, o que vem sendo regulamentado
através de vários textos legais. Na questão das escolas indígenas, o Artigo 210 desta
Constituição garante aos povos indígenas, “o uso de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem”.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena (2012) apresentam
a fundamentação da educação indígena, determinam a estrutura e funcionamento da escola
indígena e propõem ações concretas em prol da educação escolar indígena. A Lei de Diretrizes
e bases da educação nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), fixa as diretrizes e bases
para a educação nacional e estabelece regras especiais para a educação escolar indígena.
As pressões socioeconômicas, políticas e culturais fazem com que muitos povos
indígenas optem pelo aprendizado em PB, a língua da sociedade não-indígena, que indica uma
fragilidade da língua de identidade étnica frente ao enorme poder da língua dominante. O
amparo legal favoreceu o surgimento de escolas indígenas que privilegiam as línguas
originárias no cotidiano escolar.
No Colégio Estadual Indígena Kuaa Mbo’e, na aldeia Tekoha Añetete, em Diamante
d’Oeste (PR), a língua guarani está presente no currículo de todos os anos do ensino
fundamental. De acordo com Mendonça (2020), o Projeto Político Pedagógico do colégio
descreve que, além da disciplina de língua guarani, todas as disciplinas específicas apresentam
conteúdos que valorizam a cultura, os costumes, a identidade, a história e o modo de vida
Guarani.
Sobre a função social da escola, dentro da terra indígena, um dos professores de língua
guarani, no colégio da aldeia Tekoha Añetete, destaca que:
A escola indígena serve para preparar o pessoal para enfrentar, para
competir por igual como qualquer outro cidadão brasileiro do jeito que
nós somos também e pra saber preservar e ter orgulho da nossa
60
identidade, ter orgulho de ser índio porque muitas vezes pessoas até
negavam sua própria identidade porque sabia que ia sofrer muito
preconceito (SEED-PR, 2019, p.10).

Nesta perspectiva, a proposta pedagógica, ao mesmo tempo em que exige dos


educadores, funcionários, alunos e pais a definição clara do tipo de escola indígena, quer a
formação de uma sociedade com conhecimento dentro do mundo atual.

Um olhar para as línguas na escola de Tekoha Añetete

Dos três componentes estudados, Mendonça (2020) observa que indícios linguísticos
dos componentes afetivo e cognoscitivo são praticamente pautados em modalizadores e itens
lexicais que representam o conhecimento e o sentimento da família e da aldeia.

Constata-se que o componente cognitivo nasce de percepções


individuais, de acordo com o perfil etnolinguístico e das práticas
comunicativas vivenciadas dentro e fora da aldeia. Já o componente
afetivo revela o sentimento de valoração da língua materna em contato
com o PB. O componente conativo mostra comportamento social do
falante em relação à língua guarani e a outras línguas de contato
(Mendonça, 2020, p. 193-194).

Outra observação importante refere-se à grade curricular do Projeto Político Pedagógico


do Colégio Estadual Indígena Kuaa Mbo’e (SEED-PR, 2019), que segue a Base Nacional
Curricular Comum (doravante BNCC) (BRASIL, 2017) e as Diretrizes Nacionais para a
Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2012). Do 1º ao 5º ano, há professor regente de turma,
sendo que no 1º ano é um professor indígena, e, do 2º ao 5º ano, o professor regente é não-
indígena. Nestas turmas, há 4 aulas semanais de língua guarani com um professor indígena,
com formação no Curso de Magistério Indígena. Para os anos finais, trabalha-se a BNCC com
professores não-indígenas nas diferentes disciplinas e três aulas semanais de língua guarani com
professor indígena. O ensino médio é trabalhado em turmas de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), no período noturno, conforme indicação da BNCC.
Mendonça (2020) utilizou instrumento para geração de dados elaborado com base na
concepção mentalista de atitudes linguísticas. Os informantes bilíngues foram entrevistados de
acordo com o perfil e a variável de faixa etária, de diferentes famílias da localidade Tekoha
Añetete, a partir de uma lista de nomes fornecida pela equipe pedagógica da escola e lideranças
da aldeia. O anonimato dos participantes foi mantido tanto na pesquisa documental quanto nos
61
dados gerados pelos questionários e entrevistas, por isso, são referendados pelas seguintes
siglas e convenções de identificação apresentadas no quadro a seguir:
Quadro 1: Siglas e convenções de identificação
M: para mulheres.
H: para homens.
Faixa etária 1: para faixa etária de 21 a 35 anos.
Faixa etária 2: para faixa etária de 36 a 55 anos.
Faixa etária 3: para faixa etária com mais de 56 anos.
Sequência de 1 a 6, antes de M ou H, para identificar o informante.
Sequência de 1 a 3, depois de M ou H, para identificar a faixa etária do informante.
Fonte: Mendonça (2020)
Para responder à pergunta “Quais línguas a escola deve ensinar?”, as seis informantes
do sexo feminino manifestaram o componente cognoscitivo, ou seja, para expressar, de forma
direta ou indireta, uma apreciação positiva com relação ao guarani e ao PB. A informante 1M1,
da faixa etária 1, demonstra mais apreciação do guarani em comparação com o português:

(1) INF: Na escola que tem hoje no colégio eu não posso reclamar ou falar que tem que ser
ensinado só guarani ou só português porque tem ... hoje tem aula guarani então, os
professor que vem de fora ensina em português ... então tem professores indígenas que são
responsáveis pra dar aula em guarani ou até mesmo às vezes é a palavra que hoje eu não
escuto mais ... que eu tô esquecendo ... eu posso lembrar nessa aula o professor conta como
que falava essa palavra ... então as criança têm também a oportunidade de aprender mais
de novo que eles tão esquecendo algumas palavras, alguns nomes, em guarani .... então a
escola tem sim responsabilidade de ensinar guarani também ... não é porque somos guarani
que vamo falar ah porque que vai ter aula guarani se eles falam guarani? ... então sempre
tem que ter aula com os professores indígenas2 (Inf. 1M1)

A informante 1M1 manifesta essencialmente o componente cognoscitivo para revelar a


consciência da relação entre a língua e a identidade étnica.
Depreende-se, portanto, que a informante demonstra consciência linguística em relação
ao guarani em comparação com o PB e emite juízo de maior valoração com relação ao guarani.
A informante 2M1 afirma que aprender guarani seria “o mais importante” e que
“Português, ciências, essas coisas seria importante”. A princípio, compreende-se que isso

2
As transcrições respeitam a fidelidade à fala do informante, incluindo aspectos fonológicos, isto é, a forma de
pronunciar as palavras (omissão do /r/ no final dos verbos do infinitivo, monotongação, pronúncia do dígrafo LH
como /i/ etc.).
62
denota que é atribuído mais prestígio ao guarani como língua materna. Entretanto, a informante
aciona o componente cognoscitivo para demonstrar a crença de que aprender o PB é importante
para “ter futuro na vida”, ou seja, para explicar a valoração do uso do PB por necessidade de
comunicação:

(2) INF: O mais importante seria o guarani né? Português, ciências, essas coisas, seria
importante
INQ: Por quê?
INF: Porque... pra te futuro na vida né? Seria isso
INQ: E o que que você imagina para ter o futuro, o que seria para ter o futuro?
INF: Futuro ... no meu futuro?
INQ: É da importância do português pra esse futuro
INF: Trabalhos fora, pra fazê faculdade ... é isso
INQ: E o que que isso ajudaria? Trabalhar fora, fazer faculdade, por quê?
INF: É pra se alguém na vida né? Pra não ter que dependé dos outros (Inf. 2M1)

Já a informante 5M3 manifesta o componente cognoscitivo para afirmar, inicialmente,


que a escola deveria ensinar “só Guarani, tudo igual” e que essa língua é ensinada por três
professores Guarani da aldeia.
(3) INF: Só Guarani, tudo igual
INQ: Tudo igual, qual língua que a escola devia ensinar?
INF: Aqui dá guarani ele professô ... dá Sipriano e Joãzinho... e Vicente
INQ: Dá o guarani. Então a escola na sua opinião deveria ensinar só o guarani?
INF: Só o guarani
INQ: E o português?
INF: Portuguei que ele depois que ele passá
INQ: Quando que ele vai aprender o português então?
INF: Quinto grau e sétimo grau que ele aprendé (Inf. 5M3)

Na sequência, quando perguntado que línguas a escola deveria ensinar e por que,
obtiveram-se as seguintes respostas de três informantes, sendo duas da faixa etária 2 e uma da
faixa etária 1, que escolheram o guarani e o PB:
(4) INF: Eu acho que tem que ensiná dois línguas guarani e português
INQ: Por quê?
INF: Porque vai precisá no adiante ... que usa mais portugueis agora pra saí...
antigamente não saía ... os índio não saía assim pra cidade ... então morava só no mato,
não saía pra cidade, então não precisava falá brasileiro, e agora adiante tem que saí
... tem muitos que trabaiá assim pra fora tem que aprendé falá portugueis tamém
INQ: Por que precisa sair da aldeia?
INF: Trabaiá pra fora tamém ...tem muitos que trabaiam na Lar daí precisa aprendé
(Inf. 3M2)

63
(5) INF: O professor guarani ensina a falá guarani e o professor branco já ensina falá portuguei
(Inf. 4M2)

(6) INQ: E a escola deveria ensinar em que línguas na escola?


INF: Tem pessoa que ensina Guarani ... tem professor que ensina Guarani... e tem
professora que ensina brasileiro... e tem mais outro ensina espanhol ... mais não fui
ainda no espanhol
INQ: A senhora acha que essas línguas deveriam continuar sendo ensinadas na escola?
INF: Nem vô sabé tamem porque já sô véia (Inf. 6M3)

Nessas respostas, merece destaque o fato de que todas as informantes manifestaram o


componente cognoscitivo em coocorrência com o contativo para inferir que a escola deve
ensinar as línguas guarani e PB.
Observa-se que as três informantes mais jovens demonstram ter mais segurança
linguística do PB em relação às três informantes mais velhas, ou seja, conseguem se expressar
no uso do PB com orações mais completas.
As respostas dos seis informantes do sexo masculino à pergunta “Quais línguas a escola
deve ensinar?”, dois informantes da faixa etária 1, e um informante da faixa etária 2,
apresentaram, de forma direta ou indireta, maior apreciação do guarani em comparação ao PB.
Vejam-se as respostas dos informantes:

(7) INF: Acho que só no guarani


INQ: Por quê?
INF: Porque o guarani é mais importante pra nossa aldeia pras crianças ...
principalmente as crianças ... senão eles vão se perdendo aos poucos ... só depois que
vai aprendendo os português (Inf. 1H1)

(8) INQ: A escola deveria ensinar quais línguas?


INF: Deveria ensinar em guarani
INQ: E por quê?
INF: Porque se tá na escola ... está dentro da aldeia (Inf. 2H1)

(9) INQ: E a escola deveria ensinar que línguas?


INF: Deve ensiná o guarani né ... até pra continuá guarani mais do que é feito
INQ: E o que mais você acha que deveria ser feito pela escola?
INF: deveria se fazê algum ... mesma coisa com professor ... mais guarani mais aula em
guarani sexto em diante (Inf. 5H3)

Nesses recortes, pode-se observar o componente cognoscitivo na demonstração de


apreciação do guarani para o ensino na escola da aldeia. O informante 1H1 demonstrou
prestígio com relação à língua guarani, principalmente para as crianças.
64
Por meio do pronome possessivo “nossa”, expressa o sentimento de pertencimento à
aldeia Tekoha Añetete e de valorização de seu grupo social.
Já 2H1 destaca que a escola deveria ensinar o guarani porque está dentro da aldeia; 5H3
manifesta que deveria ser intensificado o ensino do guarani na escola da aldeia, o que demonstra
a percepção de que nos primeiros cinco anos do currículo do ensino fundamental tem mais aula
em guarani em comparação com o ciclo a partir do sexto ano.
Nos recortes a seguir, apresentam-se as respostas de dois informantes do sexo
masculino, da faixa etária 2 e um informante do sexo masculino, da faixa etária 3, que
escolheram o guarani e o PB como línguas que devem ser ensinadas na escola:

(10) INF: A escola que nem aqui na aldeia ... tem que ser ensinado dois ou três línguas ...
guarani principalmente ... depois o português e inglês
INQ: Por que você acha?
INF: Pra saber mais pra falar os três línguas ou quatro línguas ... se eu pudesse eu
falava uns 10 ... 20 línguas ... aí já tava melhor ... mas dois línguas já tá bom né?
INQ: E você gostaria de falar mais línguas por quê?
INF: Pra aproximar mais da pessoa de fora né? (Inf. 3H2)

(11) INF: A escola por exemplo pensamos assim ... nóis sempre fala na escola deveria ser ensinado
a língua própria a língua própria ... mas a gente também chega de pensá assim por exemplo ...
se na escola ensiná só a língua própria também ele não vai aprendé outra língua né? ... então
como as línguas são nós colocamos escola diferenciado ... escola diferenciado só que nós temos
professores guarani professores não-indígena também tá junto ... então quer dizer que aprende
dois língua mesmo momento ... mesmo momento assim quando criança estuda ... porque não
dá pra aprendé só uma língua só ... porque o governo coloca a escola pra nosso filho estudá e
aprendé ... então na verdade língua portuguesa guarani ... pode ser espanhol pode ser outro
língua a gente aprende na escola ... então é ... eu acho que a escola também tá pra isso tá
preparado pra isso ... porque mais tarde daqui 20 ... 30 ano a gente não sabe né como é que o
jovem vai pensa ... que que o jovem vai pensá pelo futuro ... futuro estudo assim ... muitas vezes
a gente discute assim ... a nossa língua e nossa cultura a gente não sabe dar até aonde vamo
segurá isso ... até aonde nós vamo defendé isso porque o jovem que nasce agora cresce e estuda
... mais daqui 30 ... 40 ano a gente não vai sabé como vai ser (Inf. 4H2)

(12) INF: A professora branca só ensina em o portugueis ... professor indígena ... é ... ensina tamém
um poco de portugueis i guarani ... guarani ensina direto tamém ... o professor guarani né
INQ: tá. E o senhor acha que a escola deveria continuar ensinando essas línguas?
INF: É lógico que tem que ensiná assim ... porque aqui num vai fartá ... ahhh esse aluno nóis
cada vez mais vai aumentá né ... tem que ter tem que ter direta ... professora branca e o
professor é guarani ... tem que ter direto (Inf. 6H3)

O informante 3H2 manifesta o componente cognoscitivo para demonstrar a crença de


que a escola deve ensinar duas ou três línguas, principalmente o guarani, depois o PB e o inglês;

65
e destaca que, se pudesse, falaria dez, vinte línguas, com o objetivo de interação social e
aproximação com as pessoas de fora da aldeia.
Já o informante 4H2 aciona o componente cognoscitivo para demonstrar consciência
linguística de que o aprendizado das línguas guarani e PB na escola é essencial, e o componente
afetivo ao demonstrar preocupação em relação ao futuro da língua e da cultura guarani.
E o informante 6H3 aciona o componente afetivo ao expor que a escola deve ensinar as
duas línguas (guarani e PB).
Nos depoimentos, verificou-se a convivência dos indígenas com falantes do PB e a
necessidade de aprender o PB, mas também a valorização do guarani na escola para preservação
da língua e da cultura Guarani.

Considerações finais

Constatou-se que o componente cognoscitivo favorece que os informantes do sexo


masculino e do sexo feminino manifestem as percepções individuais de acordo com o perfil
etnolinguístico e das práticas comunicativas que vivenciam dentro e fora da aldeia Tekoha
Añetete. Já o componente afetivo revela o sentimento de valoração da língua materna guarani
em contato com o PB e o componente conativo mostra comportamento social do falante em
relação à língua guarani e outras línguas de contato.
Nas respostas à pergunta “Quais línguas a escola deve ensinar?”, de acordo com
Mendonça (2020), os 12 informantes apresentaram, de forma direta ou indireta, apreciação
positiva do guarani e do PB, e demonstraram consciência linguística de que o aprendizado das
línguas guarani e PB é importante para os falantes do guarani na aldeia. Embora na escola sejam
faladas as línguas guarani e PB, nota-se que o guarani é a língua mais prestigiada entre os 12
informantes e indica a possibilidade de os informantes manifestarem com mais relevância o
componente afetivo, o que denota a relação entre língua e identidade étnica.
Constata-se que as informantes mais jovens continuam estudando porque tornaram-se
mães precocemente e julgam que o PB é importante para o acesso a um curso superior e a
oportunidade de trabalho fora da aldeia e no posto de saúde da aldeia.
Mendonça (2020) ressalta que as informantes mulheres (principalmente 1M1 e 2M1)
demonstram ter consciência da utilidade do PB na modalidade oral, não só para a vida prática,
dentro e fora da aldeia, uma vez que há uma escola e um posto de saúde dentro da própria aldeia,
e uma vez que há mobilidade para a cidade, o que requer conhecimento de língua, mas também
66
com relação ao acesso à modalidade escrita. Neste último caso, embora não se perceba, na fala
dessas informantes em particular, uma verbalização direta, sob forma de asserção linguística, é
visível constituição de uma fala mais cuidada, possivelmente monitorada pelo contato com o
material escrito e pelas situações de formalidade que a escola, em sua base curricular, oferece.
Curiosamente, a informante 1M1, além de emitir uma avaliação prolixa, em comparação
com as demais informantes, elabora estruturas argumentativas em que entram em cena
operadores argumentativos, como na sequência “não é porque, porque que vai ter ... se, então
sempre tem que ter aula com os professores indígenas”, que serve de exemplo para um
aprendizado de língua mais requintado, no sentido da formação de uma consciência de uso da
língua como uma instância argumentativa, dotada de intencionalidade.
Ou seja, os conteúdos escolares e a metodologia estão efetivamente atuando para a
formação de cidadãos indígenas capazes de lidar com as relações sociais externas à aldeia.
Embora nos depoimentos haja um enfoque bem claro para a importância do aprendizado do
guarani, o PB é a utilizado para a mediação dos conhecimentos na escola entre os professores
não-indígenas e os estudantes indígenas, bem como na conexão com o mundo global que
circunda na sociedade não-indígena.

Referências

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línguas de contato. 2009. [Projeto desenvolvido pela autora. Digitado].

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5 out. 1988.

BRASIL. Decreto nº 7.387, de 9 de dezembro de 2010. Inventário Nacional da Diversidade


Linguística. Brasília: Diário Oficial da União, 5 dez 2010.

BRASIL. Parecer CNE/CEB Nº 13, de 10 de maio de 2012a. Conselho Nacional de Educação


– Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar
Indígena.

BRASIL. Parecer CNE/CEB Nº 5, de 22 de junho de 2012b. Conselho Nacional de Educação


– Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena
na Educação Básica.

67
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Conselho Nacional de
Educação – Câmara de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.

CARVALHO, M. L. B. Das Terras dos Índios a Índios Sem Terras. O Estado e os Guarani
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CORBARI, C. C. Atitudes linguísticas: um estudo nas localidades paranaenses de Irati e


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https://censo2010.ibge.gov.br/terrasindigenas/. Acesso em: 26 jul. 2016.

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LAMBERT, W. W.; LAMBERT, W. E. Psicologia social. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.

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Añetete em Diamante d’Oeste/PR. 2020. 207 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2020.

MORENO FERNÁNDEZ, F. Principios de sociolingüística y sociología del lenguaje.


Barcelona: Ariel, 1998.

SEED-PR, Secretaria Estadual de Educação do Paraná. Projeto Político Pedagógico do


Colégio Estadual Indígena Kuaa Mbo’e. Diamante d’Oeste/PR, 2019.

68
CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GUILHERMINA DA
SILVA, DA ALDEIA ALDEINHA, PARA O FORTALECIMENTO DA
COMUNIDADE TERENA SEGUNDO OS GESTORES, DOCENTES, EGRESSOS
INDÍGENAS DA ESCOLA, ANCIÕES E LIDERANÇAS DA ALDEIA

Edemilson Dias1
Heitor Queiroz de Medeiros 2

Resumo: Este artigo é uma das partes que compõem a dissertação ligada ao Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB) vinculado a linha de pesquisa “Diversidade Cultural e Educação Indígena” teve como
objetivo: analisar junto à comunidade Terena da Aldeia Aldeinha em Anastácio, no estado de
Mato Grosso do Sul, bem como junto aos gestores, docentes e egressos indígenas da Escola
Estadual Indígena Guilhermina da Silva, se a escola tem contribuído com o fortalecimento da
comunidade da aldeia. A pesquisa foi baseada no método autoetnográfico, sabendo que para
RAMIRES (2016), a autoetnografia, através de concepções do sujeito, traz uma descrição da
cosmovisão de seu povo/comunidade de dentro para fora, onde ele transita praticando e
constituindo os saberes conforme os fundamentos cosmológicos. Também se realizou
conversas informais com lideranças da comunidade e registradas em caderno de campo. Para
além, observou-se como os Terenas da aldeinha tem se identificado em seu dia-a-dia junto à
sociedade envolvente, pois a escola ali presente, os Terenas se posicionam em toda a sua forma
de ser, “Terena mesmo da Aldeia Aldeinha”, e afirmando isso com toda propriedade, em todos
os espaços culturais e sociais.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena, Comunidade Terena, Aldeia Aldeinha-Anastácio


(MS).

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo é uma das partes que compõem a dissertação desenvolvida no


Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco

1
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) - Mestrado e Doutorado da
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Indígena da etnia Terena, residente na Aldeia Aldeinha em Anastácio,
MS. Professor efetivo da Rede Municipal de Educação do município de Anastácio, Mato Grosso do Sul.
E-mail: edemilsoncorreadias44@gmail.com
2
Docente no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) - Mestrado e Doutorado, da Universidade Católica
Dom Bosco (UCDB). E-mail: heitor.medeiros@ucdb.br

69
(UCDB), vinculada ao Grupo de Pesquisa ‘Diversidade Cultural Educação Ambiental e Arte’
e a Linha de Pesquisa ‘Diversidade Cultural e Educação Indígena’ teve como objetivo analisar
junto à comunidade Terena da Aldeia Aldeinha em Anastácio, no estado de Mato Grosso do
Sul, bem como junto aos gestores, docentes e egressos indígenas da Escola Estadual Indígena
Guilhermina da Silva, se a escola tem contribuído com o fortalecimento da comunidade da
aldeia.
A Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva recebeu este nome em homenagem a
uma das primeiras famílias a se instalar na aldeinha, oriunda Aldeia Buriti, mãe de nove filhos
que posteriormente, tanto seus filhos quanto seus netos, vieram a se tornar lideranças na
comunidade da aldeinha.
Observando a foto na fachada da Escola, notamos que na entrada do portão há um
modelo de cocar, algo de afirmação cultural indígena Terena, como frente de destaque o
“cocar”, para ser notado que é uma Escola Indígena Terena na Aldeia Aldeinha.
Foto: A Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva (fachada modelo cocar)

Fonte: Foto do autor (setembro/2022)

O Projeto Político Pedagógico da Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva de


2018, apresenta informações que tem norteado as ações da unidade escolar contribuindo para o

70
fortalecimento da Aldeia Aldeinha, tendo como missão garantir a continuidade do
conhecimento da etnia Terena dentro da formação cidadã indígena e não indígena,
comprometidos e conscientes de seu papel. Preparando-os com ações inovadoras para o acesso
e a permanência na sociedade, como cidadãos críticos e formadores de opiniões em sua
comunidade e na sociedade envolvente.
O objetivo é que os alunos formados pela Escola Estadual Indígena Guilhermina da
Silva, sejam incentivados a dar continuidade aos seus estudos e a decidirem conscientemente o
seu futuro. Que sejam cidadãos atuantes em sua comunidade e na sociedade, comprometidos
com a preservação da identidade étnica e cultural do povo Terena.
A comunidade Terena da Aldeia Aldeinha obtém seu sustento familiar através de
serviços informais, como: pedreiro, servente de pedreiro, serviços em fazendas, changas,
trabalhos artesanais. Há uma falta de assistência às famílias que ficam na aldeia enquanto os
homens estão ausentes. E devido à questão econômica, em que os moradores vivem, e à
necessidade de sobreviver, a escola apresenta um índice significativo na distorção ano/idade,
pois os alunos interrompem os estudos durante o ano letivo, principalmente no 2º semestre,
período no qual surgem os chamados trabalhos temporários de fim de ano (como a colheita de
maçã em fazendas da região), retornando no ano letivo seguinte. Dessa forma alguns
adolescentes acabam aceitando regimes de trabalho que prejudicam sua frequência na escola.
Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, o trabalho está sendo executado
por meio de projetos e ações escolares que visam incentivar, envolver os estudantes e docentes.
Ao interagirem no processo de ensino e aprendizagem, pautados numa metodologia ativa,
conforme seu período de funcionamento.
Todavia as ações e/ou projetos garantidos no PPP, são passíveis de acréscimos,
adequações ou inserções de temas conforme a necessidade escolar como: educação no trânsito
e semana dos povos indígenas. Outros temas e projetos que envolvem a unidade escolar são:
bullying, respeito à pessoa idosa, sexualidade, consciência negra, dia nacional de luta das
pessoas com deficiência (21 de setembro), valorização do surdo, projeto de leitura, produção
textual, teatro na escola, temas transversais (prevenção da saúde, violência, drogas,
suicídio/depressão, auto estima, gravidez precoce e entre outros), oficinas aos professores
(prática com contexto indígena e não indígena), formações continuadas, formações específicas
voltadas para cultura indígena, formações específicas para funcionários da escola, reuniões
bimestrais, família e escola, concretizando sonhos, parcerias com órgãos públicos e ONGs.
71
Também tem foco nas avaliações internas e externas, diagnóstico da aprendizagem do
estudante e/ou da turma, aulas de campo, recuperação paralela, atividades cívicas e culturais,
projeto dia das mães, ação saberes indígenas na escola, projeto esportivo intercultural, combate
à evasão escolar, sala de recurso multifuncional, Tradutor-Intérprete da Língua Brasileira de
Sinais (TILS/LIBRAS), professor de apoio escolar ao estudante da educação especial.
Entretanto o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Indígena Guilhermina, é um
processo contínuo, o qual vai reformulando-se conforme as necessidades da comunidade
escolar, respeitadas as especificidades locais, e pelo que temos observado, a escola tem se
reunido neste ano de 2022, para reformular o PPP, fato que deveria ser feito em 2020, porém
devido a COVID 19 não ocorreu.

2. AS ENTREVISTAS: CONVERSANDO COM MEU POVO


2.1. Ivanir Cardoso Nimbú - Dona Nega

A entrevista aconteceu dia 17 de agosto de 2022, na residência da Dona Ivanir Cardoso


Nimbú, a mesma é anciã e uma das lideranças da Aldeia Aldeinha, esposa do ex- cacique da
aldeinha Sr. Elias Nimbú (in memorian), ela é indígena da etnia Terena, cristã, moradora na
aldeia desde 1982, mãe de duas filhas, uma de 46 anos, chamada Cristiane e a mais nova de 36
anos de idade chama-se, Ana Ruth.
Em relação à língua Terena, a mesma me relata que fala pouco, mas entende um pouco
mais, isso aconteceu devido aos afazeres do dia a dia, comentou ela. Me disse que, na sua
família, atualmente, o professor Jessé, o qual atua na Escola Guilhermina como professor de
língua Terena, o Eli Nimbú, seu cunhado, e a dona Enir, é que são falantes da língua Terena.
A dona Ivanir teve a oportunidade em 2020 de concluir o Ensino Fundamental, 9º ano,
na Escola Guilhermina da Silva, nesse período contou com o apoio do seu genro, o Sampaio, o
mesmo a ajudava no deslocamento para escola, devido suas condições de não poder andar longe
por conta de seu estado físico e com o aparecimento da pandemia, o mesmo ficou responsável
em trazer as atividades e acompanhá-la em seu dia a dia como estudante.
Suas filhas não estudaram na Escola Guilhermina, porque na época a escola ainda não
existia na aldeia, estudando assim, nas Escolas Roberto Scaff e Carlos Medeiros, onde
concluíram o Ensino Médio. Conversamos sobre várias situações que a mesma teve como
experiência, disse muito sobre o seu companheirismo com seu esposo, sobre suas lutas
72
incansáveis em poder ajudar os Terena da aldeinha, principalmente quando o mesmo era cacique
na aldeia, falou ainda sobre os momentos que teve que reivindicar recursos e direitos para a
comunidade em alguns momentos da sua vida buscando auxílio em Brasília e em Campo
Grande.
Ela ainda pontua sobre a sua inquietação em poder ajudar a comunidade, em relação a
aposentadoria dos mais idosos, pois muitos Terena da aldeia não tinham nenhum tipo de
documento, o qual somente passou a ser gerado com a implantação do posto da Funai,
reivindicação essa conseguida com muita luta do falecido companheiro de dona Ivanir.
Ela ainda expressa durante a nossa conversa sobre o início de sua luta em prol a
aposentadoria de muitos patrícios Terena, tendo que fundar uma associação de mulheres para
poderem confeccionar artesanatos, a qual comprovaria um vínculo empregatício para as
mulheres, que conseguiriam, por meio do trabalho na Associação de Mulheres Artesãs da Aldeia
Aldeinha, solicitar a aposentadoria, situação está que a deixou extremamente feliz, uma vez que
pode ajudar a comunidade e vários Terena a se aposentarem, segundo a mesma.
A luta pela comunidade e, consequentemente pelo estabelecimento da escola na aldeia
continuou com várias lideranças como o ex cacique Flávio, o Eli Nimbú, o Toninho Nimbú, o
ex-cacique Félix, todos ajudaram para construção da escola na comunidade, pois sempre que
eram convidados ou convocados iam a Campo Grande lutar pela implantação da unidade de
ensino indígena da aldeinha e em outras aldeias do estado de Mato Grosso do Sul. Isso
aconteceu através das nossas liderança e caciques que correram atrás para construção das
escolas e várias outras situações atendidas.
Com a implantação da Escola Guilhermina ela tem convidado os anciões e lideranças da
comunidade da Aldeia Aldeinha para conversar sobre a escola, o Elias sempre era convidado
para falar na aldeia principalmente no dia dos povos indígenas, a mesma também em alguns
momentos apresentava o artesanato que fazia na Associação de Mulheres Artesãs da Aldeia
Aldeinha.
Na escola hoje temos muitos parentes dando aula, os diretores que passaram por lá e a
coordenação pedagógica nem sempre eram indígenas, mas, sob o meu ponto de vista, a escola,
por ser indígena, deveria ser toda comandada por nós indígenas, entre os alunos sempre houve
uma mistura entre não indígenas conosco da aldeia. Ainda na minha concepção, a escola deveria
atender somente nós da aldeinha, e que em nenhum momento deveria deixar de ser uma escola
indígena, mesmo estando na cidade.
73
Hoje o professor Jessé dá aula de língua Terena na escola, e através das apresentações
da nossa cultura no dia dos povos indígenas, através do artesanato, das danças, das pinturas e
outras coisas que acontecem na escola, reforçamos a nossa cultura Terena e o jeito Terena de
ser presente em nossa comunidade, que deve ser cada dia mais fortalecido, sempre tendo o
auxílio da Escola Guilhermina.
A escola é importante para a comunidade da Aldeia Aldeinha, ela tem contribuído muito
para o fortalecimento da comunidade, no passado tinha pouco professor indígena na escola,
atualmente existem mais docentes indígenas lecionando por lá, assim como a cobertura da
quadra de esportes, quadro negros reformado, sala de tecnologia adequada pois antes era tudo
misturado, a escola foi reformada esse ano. Tudo isso, é fruto da luta diária das lideranças e da
comunidade que não deixam de perseverar pelo desenvolvimento da Aldeia Aldeinha.
Os benefícios são muitos, se uma família da aldeia precisa da escola para fazer uma
reunião com sua família, a escola cede o espaço da quadra coberta, se precisamos de tirar cópia
de algum documento, a escola também tem nos ajudado, e muitas outras coisas que tem
beneficiado a nossa aldeia, como as reuniões da liderança que são realizadas na escola, tudo em
prol de nossa comunidade.
A Escola Guilhermina é o resultado das incansáveis reivindicações das lideranças da
Aldeia Aldeinha, que lutaram no passado, para que tivéssemos um local onde os alunos
indígenas e a comunidade tivessem como referência, o espaço hoje é a “Escola”, sendo
conquistada ao longo do tempo, construída em 2005, dentro das 3 (três) quadras que restaram
para a Aldeia Aldeinha, já que a cidade invadiu quase todo o espaço que os Terenas possuíam.
Hoje a escola, é reconhecida pela sociedade envolvente, um espaço conquistado pela
comunidade da aldeinha, e bem colocado na fala da dona Ivanir “dona neguinha”, uma liderança
anciã na aldeia.

2.2. Evelin Tatiane (professora (Terena)

Entrevistada no dia 09/07/2022 a egressa dessa escola a indígena Terena Evelin Tatiane
que atualmente é professora na referida escola, sendo a mesmo mestre em Educação pelo
PPGE/UCDB, e hoje doutoranda nesse mesmo programa. A cultura Terena está presenta no
cotidiano da escola? De que forma? A questão cultural dentro da escola em parceria junto com
a comunidade, cada vez ela tem se revitalizado, ela está mais frequente não somente na questão
74
do nome da escola, mais também nas ações nas atividades culturais e na reafirmação de cultura,
principalmente porque nós temos o aluno indígena na escola indígena que não assume essa
identidade de ser indígena, então a gente tem feito esse trabalho principalmente com os jovens
da questão de se apropriar da nossa etnia.
A escola desenvolve atividades voltadas para o ensino da língua Terena? Atualmente
temos o professor de língua materna, o professor Jessé, ele trabalha oficinas com os alunos
incentivando a fala, o cumprimento, que seja a rotina principalmente no fundamental I, pois as
crianças do fundamental I, ela está naquela perspicácia de aprender corretamente a fala
cotidiana, os cantos.
Qual a importância da escola para a comunidade da Aldeia Aldeinha? Desde o projeto
para a implantação da escola a comunidade toda ela esteve envolvida, foi um processo de
discussão muito intensa entre comunidade, liderança e pessoas não indígenas, que a gente
precisa ter esse diálogo essa negociação, a implantação da escola ela foi um passo muito
importante para a comunidade em si, antes o não indígena falava porque o índio, ainda usa o
termo o índio, para que o índio na escola, então a partir desses avanços, desses diálogos, a
persistência, a insistência das lideranças, das pessoas que acompanhavam o processo de
fundação e implementação da Escola Guilhermina hoje a comunidade ela é consolidada, ela é
perpetuada, legitimidade através da escola, porque tudo o que ocorre dentro da comunidade,
seja uma reunião, seja uma pastelada, seja uma confraternização, jogos, tudo começa e acaba
dentro da escola, então a escola em si ela vem sendo o ponto de fortalecimento da nossa
comunidade hoje, desde a implantação de seu prédio.
A escola tem fortalecido a comunidade da Aldeia Aldeinha? A escola ela tem sido a
referência para as pessoas dentro da comunidade, não só de agregar os alunos, os alunos da
comunidade, mas as vezes assim tem situações que a escola consegue atender a comunidade,
as vezes precisa fazer uma entrevista de emprego, precisa tirar xérox, a escola está ali para
ajudar, os professores estão ali para orientar, fazer documentos, através do usufruto da internet
da escola, então essa parceria entre escola e liderança e comunidade ele só tem a fortalecer.
Quais os benefícios que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva traz para a
comunidade da Aldeia Aldeinha? Hoje a comunidade ela agrega os nossos alunos desde o
fundamental I, o fundamental II, o ensino médio regular e o EJA que é o ensino de jovens e
adultos que hoje atualmente é denominado conectando saberes, a principal contribuição hoje
para a comunidade é que a gente consegue atender todas as faixa etárias de idade das famílias,
75
as vezes nós temos mães de família que trabalham durante o dia, nós temos alunos que só
conseguiram o trabalhos mediante o retorno a sala de aula, então o número de evasão caiu
bastante porque as mães estão saindo pra procurar emprego, os rapazes estão procurando
emprego, deixam um pouco de lado a questão de sair para usina, para o corte de cana, para a
colheita de maçã, ou até os chapeiros que a gente fala que são os serviços esporádicos, para
retornar a escola, porque eles já estão visando o crescimento profissional e a melhor qualidade
de vida para suas famílias, então a Guilhermina tem todo esse olhar atento especial,
principalmente aos nossos alunos do noturno, que são adultos e precisam realmente aperfeiçoar
seu estudo, a contribuição principal da escola para a comunidade em relação a essa situação e
estar fazendo esse acompanhamento e entender a especificidade de cada aluno.
Você acha que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva por estar dentro do
espaço urbano de Anastácio deveria deixar de ser uma escola indígena? A escola indígena
Guilhermina da Silva ela não tem como deixar de ser uma escola indígena, primeiro que antes
da emancipação do nosso município ser Anastácio, Aldeinha já era emancipada, desde a década
de 30 existem escritos antropológicos, Cardoso relata que passou aqui na década de 30 e já
estávamos nós aqui, então em hipótese alguma agente pode deixar de ser aldeinha, de ser
comunidade indígena e que a Escola Indígena Guilhermina sempre vai ser sempre a Escola
Indígena Guilhermina da Silva, conforme as liderança e os cacique da época e a comunidade
também votaram para implantação dessa Escola, então tem que permanecer isso, até por
questão do nosso processo de revitalização, permanência e continuidade de nosso povo, das
nossas crianças e da nossa Educação Escolar Indígena aqui no município de Anastácio.

2.3. Flávio Pereira Martins (ex-cacique) da Aldeia Aldeinha

Conversando com ex-cacique e liderança da Aldeia Aldeinha ancião Flávio Pereira


Martins. Quais foram as principais reivindicações das lideranças da Aldeia Aldeinha para a
estruturação da Educação Escolar Indígena em Mato Grosso do Sul? A questão quando eu
assumi o cargo de cacique no ano de 2000, é porque eu fiz uma reunião com a liderança da
aldeia, com o presidente do conselho tribal, e eu perguntei coloquei na mesa o qual que eles
queriam que a gente corresse atrás, porque quando a gente ganha a eleição a gente tem que fazer
alguma coisa pra comunidade, então é o seguinte, como eles não puderam responder o que
queria, que nós não temos área de terra, nós não temos pra questão de plantação, eu falei bom,
76
a minha cobrança hoje é pedir, correr atrás do projeto pra que a gente construísse uma escola
indígena dentro da aldeia.
O senhor considera que os pais dos estudantes indígenas querem que a Escola Estadual
Indígena Guilhermina da Silva trabalhe para o fortalecimento da cultura Terena com seus filhos
e filhas ou gostariam que eles fossem mais integrados aos costumes e cultura dos não indígena?
“Sim, eu acredito que a nossa cultura ela tem que trabalhar juntamente com a educação, não
sair, porque a nossa educação ela é muito rica, é bonita dentro do nosso estado, dentro do nosso
município, a cultura indígena tem que permanecer, e os pais têm que aceitar a nossa cultura”.
Existe conflito entre as crianças e jovens indígenas e não indígenas no cotidiano da
Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva? “Não, eu não vejo isso, porque a nossa escola
é dentro da área urbana, nós temos que aceitar tanto o índio e o não índio, porque nós não
podemos discriminar é ninguém, se vir a procurar nós temos que apoiar e estudar não temos
discriminação nenhuma”.
O senhor acha que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva, por estar dentro do
espaço urbano de Anastácio, deveria deixar de ser uma escola indígena? “Não, ela tem que
permanecer, tem que permanecer como escola indígena, o povo indígena é diferenciado dentro
da sala de aula”.
A Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva em suas atividades cotidianas tem
fortalecido a identidade cultural dos alunos e alunas indígenas Terena? “Tem, é por obrigação
ela manter isso juntamente com os alunos, pais, mães, as crianças na cultura”.
Qual a importância da Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva para a
comunidade da Aldeia Aldeinha? A coisa mais importante que a gente trouxe essa escola, pra
nossa aldeia foi o seguinte, como eu disse no começo que nós não tinha área de terra pra
trabalhar, a gente correu para adquirir esse projeto foi aprovado, o que eu vejo a educação é o
principal aonde nós aprendemos, e os nossos alunos aprendem também, o que que é a educação,
ali aprendemos, é entender nossos direitos, tudo política dentro da Escola Guilhermina, isso é
muito importante a gente estar inserido na escola indígena.
Quais os benefícios que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva traz para a
comunidade da Aldeia Aldeinha? O benefício que a gente vê hoje, a educação é nos ter essa
escola que os alunos não precisa ir longe para estudar né, esse foi um benefício positivo que os
alunos hoje tá estudando dentro da Escola Guilhermina, eu deixo pra vocês que é positivo é o

77
seguinte, que vários professores que dá aula dentro da comunidade na escola já foi formado
começando daí.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo parte da dissertação buscou entender a contribuição da Escola Estadual


Indígena Guilhermina da Silva, da Aldeia Aldeinha para o fortalecimento da comunidade
Terena segundo os gestores, docentes, egressos indígenas da escola, anciões e lideranças da
aldeia.
Para isto, consultei documentos oficiais, observei o contexto na unidade escolar (alunos,
professores, gestores, funcionários em geral, pais, espaço físico, estrutura física). Estive em
contato com a liderança, anciãos e comunidade em geral, isto me proporcionou em ver de que
forma a comunidade da Aldeinha se fortalece a partir da inserção da escola na aldeia, observo
como os Terenas da Aldeinha tem se identificado em seu dia a dia junto à sociedade envolvente,
pois a escola presente na aldeia, os Terenas se posicionam em toda a sua forma de ser, “Terena
mesmo da Aldeia Aldeinha”, e afirmando isso com toda propriedade, em todos os espaços
culturais e sociais.
A comunidade Terena da Aldeia Aldeinha é legitimada através da Escola Guilhermina,
portanto a escola vem sendo o ponto de fortalecimento da comunidade, desde a
implantação/construção de seu prédio, contribuindo para o fortalecimento da comunidade
Terena através de ações como: inserindo os alunos que desenvolvem suas aptidões para o
mercado de trabalho; incentivando a entrada de egressos indígenas em cursos superiores;
gerando variedades de área de trabalho e alguns retornando para a escola como docentes;
inserção da cultura no cotidiano da escola; presença e participação dos familiares, dos anciões
e liderança na escola em atividades diária; edificação de projetos que valorizam e afirmam a
língua e a cultura da comunidade indígena Terena; a escola sendo o polo irradiador da cultura
Terena na escola, e se espalhando para aos arredores da comunidade, no município de Anastácio
e outras regiões; o atendimento da demanda, seja no direcionamento e resoluções dos problemas
sociais; e na edificação do projeto de vida.
Ou seja, não é ainda a escola ideal, mas, mesmo assim, faz diferença na comunidade
local e contribui para a educação escolar indígena regional, na medida em que os professores

78
participam das discussões e da produção dos documentos estaduais. Outro fator importante a
evidenciar é a produção acadêmica de professores ligados a esta escola.
Enfim, a comunidade da Aldeia Terena Aldeinha está passando por um processo
contínuo de mudanças, e a escola tem dado sentido a essas mudanças, isso se faz necessário.
Porém, espera-se que os demais parceiros envolvidos com o cotidiano da aldeia
desenvolvam trabalhos que respeitem as diferenças dos Terena em toda a sua forma de ser, e
que a autonomia educacional seja respeitada pela sociedade envolvente para o fortalecimento
da identidade e cultura dos indígenas Terenas da Aldeia Aldeinha.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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território da terra Indígena Buriti. Campo Grande. 2016. Dissertação (Mestrado) -
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BRASIL. MEC. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da
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Tereré - Terra Buriti -Sidrolândia (MS): na construção do bem viver comunitário.
Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande,
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79
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na Escola Municipal Indígena Ñandejara Pólo da Reserva Indígena Te’ýikue: saberes
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SOUZA, Teodora. Educação escolar indígena e as políticas públicas no município de


Dourados/MS. Campo Grande: UCDB, 2013.

80
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA: DIFERENTES OLHARES E
EXPERIÊNCIAS

Isabella Cabral Siqueira (UCDB)


isacabralsiqueira@hotmail.com

José Licínio Backes (PPGE/ UCDB)


backes@ucdb.br
Apoio: PIBIC/CNPq

Resumo: O artigo é fruto do plano de trabalho, “Currículo e educação indígena: diferentes


olhares e experiências”, vinculado ao projeto de pesquisa, “Currículo e (de)colonialidade:
relações étnico-raciais, gênero e desigualdade social”, com apoio do CNPq (Bolsa
Produtividade). Objetivo foi analisar os artigos publicados na Revista Tellus (UCDB), do
período 2012-2022, identificando diferentes perspectivas e experiências de educação indígena
e seus currículos. Na primeira fase foram identificados os artigos publicados nesse periódico
no período 2012-2022 para selecionar os que versavam sobre a temática. Os artigos
selecionados foram analisados minuciosamente em conformidade com os objetivos da pesquisa.
Os resultados indicaram que: a) os efeitos da colonização estão presentes até os dias de hoje na
vida dos povos indígenas, fazendo com que esses muitas vezes continuem desrespeitados em
sua autonomia para construir escolas e currículos indígenas; b) Apesar dos efeitos da
colonização, os indígenas têm produzido várias experiências de currículos interculturais que
favorecem sua cultura e identidade; c) Por meio de currículos interculturais, os indígenas
colocam em diálogo conhecimentos tradicionais e ocidentais. Conclui-se que os indígenas ao
construírem escolas em suas comunidades não abrem mão de sua identidade e cultura, pelo
contrário, encontram formas de fortalecê-las.

Palavras-chave: currículo; indígenas; diversidade de experiências.

Introdução

O presente artigo é resultado do plano de trabalho que faz parte do projeto de pesquisa
intitulado “Currículo e (de)colonialidade: relações étnico-raciais, gênero e desigualdade
social”, com apoio do CNPq. Particularmente nesse texto, trazemos diferentes perspectivas e
experiências de educação indígena e seus currículos.
Isso será possível, a partir da análise das produções científicas publicadas em um
periódico que tem como foco a publicação relacionada à temática indígena (TELLUS), no
período de 2012-2022.

81
No artigo, destacaremos que há diversas etnias indígenas no Brasil e na América Latina,
que desde o período colonial se relacionam com a escola. Nas últimas décadas a luta tem sido
pela construção de um currículo e uma escola indígena intercultural, diferenciada, bilíngue.

A Diversidade cultural dos povos indígenas

A heterogenia cultural é uma característica central tanto dos povos indígenas, quanto da
educação indígena no Brasil e na América Latina. Há uma riqueza cultural única, com línguas,
tradições, costumes e conhecimentos tradicionais que circulam por gerações. A valorização
dessa diversidade cultural tem sido o foco dos povos indígenas ao pensaram nos currículos das
escolas, promovendo a educação indígena, intercultural, bilíngue e diferenciada.
Apenas no Brasil há cerca de 305 diferentes povos indígenas com 274 línguas faladas.
Em Mato Grosso do Sul encontra-se a segunda maior população indígena do país, com cerca
de 70 mil povos pertencentes a diferentes etnias, onde cada uma dessas possui sua própria
língua, cosmovisão, formas de organização social e conhecimentos específicos. A educação
indígena vem buscando valorizar a heterogeneidade cultural, incorporando-a nos currículos das
escolas e promovendo a preservação de suas línguas, além de promover o diálogo intercultural
entre as comunidades indígenas e não-indígenas. Mas esse diálogo não tem sido fácil: “Índios
e não índios estão territorialmente ligados, mas culturalmente distantes” (Couto, 2016, p.98).
Para a compreensão da Educação Escolar Indígena é necessário compreender o contexto
histórico no qual está inserida, lembrando que a educação é muito maior do que a educação
escolar:
A educação, para os indígenas, tem um papel bem mais amplo, e a escola seria
só mais um local para se adquirir instrução. Quando de seu surgimento, a escola
ocidental tem esse papel de instruir, ela é responsável por aqueles conjuntos de
saberes específicos. Hoje em dia, com a omissão dos grupos familiares e
sociais na tarefa educativa, a escola acaba sendo responsável por toda a
educação. (Couto, 2016, p. 117)

Mas apesar desse contexto, os indígenas têm experiências positivas de escolarização.


Os indígenas da etnia Ikolen (Gavião), apesar de terem vivenciado na pele a formação colonial,
sonham e estão construindo uma escola indígena, na qual a interculturalidade é possível.

A questão da escola Ikolen (Gavião) como espaço permanente onde se ensaiam


a interculturalidade, assim, a escola vista como um lugar de formação de
sujeitos políticos, espaço para reflexão e produção das historicidades Ikolen
82
(Gavião), vista sob o signo da tradição e, também, espaço no qual as discussões
em torno do direito indígena estão presentes e potencializam "preservação" da
identidade Ikolen (Gavião), sobretudo da língua e da territorialidade indígena.
(Scaramuzza; Nascimento; Gavião, 2015, p. 6).

Dessa forma as escolas indígenas se descolam da lógica colonial e enfatizam


principalmente a possibilidade de reconhecerem, produzirem e reivindicarem direitos junto a
sociedade brasileira, que historicamente os têm desrespeitado, negando sua pluralidade.
Assim como no Brasil, a pluralidade cultural dos indígenas existe na América Latina.
Países como Bolívia, Guatemala, México, Chile, Peru, abrigam uma multiplicidade de etnias
originárias (Mato, 2013), cada uma com sua própria história, tradições e conhecimentos
ancestrais. A educação indígena nesses países tem buscado valorizar essa diversidade cultural,
os currículos escolares têm sido desenvolvidos com a inclusão de conteúdos próprios dessas
comunidades, desenvolvendo pedagogias indígenas que descolonizam a escola ocidental.
Portanto, a diversidade é um elemento central e vivo na educação indígena em diversos
países. Reconhecer e valorizá-la dentro dos currículos escolares é fundamental para garantir
uma educação que respeite e fortaleça a identidade, saberes e tradições desses povos e os povos
indígenas tem conseguido isso por meio de muita luta e resistência.

Educação para a afirmação da cultura e identidade: o papel das escolas indígenas

Os conhecimentos tradicionais são vitais nas escolas indígenas. A escola indígena é


um estabelecimento de ensino localizado no interior das aldeias indígenas, com seus olhares
voltados as necessidades trazidas pelas comunidades. Por exemplo, o povo Kambeba preocupa-
se “[...] em construir um espaço de aprendizagem que interage com a comunidade, buscando
unir conhecimentos, relacionando o tradicional com o científico, pois eles compreendem que é
necessário viver os processos de interculturalidade dentro da escola diferenciada” (Fonseca;
Neto; Weigel, 2020, p. 143).
Os Guarani e Kaiowá também valorizam o conhecimento tradicional e sua
aprendizagem é baseada na observação e imitação. Assim, desde muito cedo as crianças
indígenas são incentivadas a serem observadoras da natureza, pois reconhecem que fazem parte
dela e encontram inspiração para suas aprendizagens na vida e na educação (Saramago; Bruno,
2021).

83
Saramago e Bruno (2021), citam a importância da oralidade dentro da educação, pois
entre o falar e ouvir, os conhecimentos são transmitidos e mantidos. Dessa forma, ao contar
suas histórias, seus modos de organização, crenças e elementos culturais que compõem sua
história, os mais velhos ensinam aos mais novos os chamados conhecimentos tradicionais.
Ghanem e Abbonizio (2012) ao desenvolverem suas pesquisas em escolas indígenas do
Alto Rio Negro ponderam que a questão a ser garantida é que cada povo possas decidir sobre o
que muda ou o que permanece em sua própria cultura. Com essa preocupação, são designados
a essas escolas os chamados “projetos futuros”. Eles recebem um destaque por permitir a
comunidade um grande envolvimento dentro das definições dos projetos educacionais, como
escolha de professores e elaboração dos materiais didáticos, para que assim possam voltá-los a
realidade das necessidades comunitárias. Dessa forma, a escola assume um papel frente ao
desenvolvimento das comunidades e na realização desses chamados “projetos futuros”.
Ao integrar os conhecimentos tradicionais nos currículos escolares, é importante
garantir que eles sejam ensinados de forma respeitosa e autêntica. Isso implica envolver os
anciões e líderes comunitários na elaboração deles, permitindo que eles compartilhem seus
conhecimentos e orientações. Além disso, é essencial promover um diálogo intercultural entre
os professores indígenas e não indígenas, para que haja uma compreensão mútua e uma
abordagem colaborativa na construção do currículo.
Diante das falas históricas e enraizadas de que os povos indígenas teriam seus futuros
caracterizados como destrutíveis ou como invulneráveis frente as mudanças impostas ao seu
modo de vida na situação pós-contato, o importante é garantir que possam desenvolver-se de
forma autônoma e a escola tem sido vista como um espaço no qual essa autonomia de constrói.
A inclusão dos conhecimentos tradicionais não apenas fortalece suas origens, mas
também contribui para uma educação mais abrangente e enriquecedora para todos os alunos,
vindo desde a infância. Ao aprender sobre os saberes de seus povos, os estudantes têm a
oportunidade de desenvolver uma perspectiva intercultural, ampliar sua compreensão de mundo
e valorizar a diversidade cultural. Além disso, torna-se uma grande força no combate à
discriminação cultural e ajuda a promover a igualdade de oportunidades educacionais para os
povos indígenas (Ghanemm; Abbonizio (2012).
Todavia, as escolas indígenas muitas vezes possuem grandes dificuldades para a
formação do próprio currículo, uma vez que o apoio e a inclusão dos povos indígenas para a
produção do mesmo encontram-se em um meio precário, englobando desde a dificuldade da
84
produção de materiais didáticos a preparação correta dos alfabetizadores indígenas, entre muitas
outras. Além disso, como lembra Vera (2014), para a escola ser considerada indígena e de
qualidade, não basta ter infraestrutura e não ter problemas financeiras, é necessário a garantia e
utilização de materiais de todos os tipos nas línguas nativas.

Desafios contemporâneos para a interculturalidade nas escolas indígenas


Mesmo com os avanços na valorização da educação indígena, ainda há desafios
significativos a serem enfrentados. A necessidade da superação das desigualdades que afetam
diretamente povos indígenas torna-se indiscutível ao ser colocado o quanto eles contribuíram e
contribuem para a sociedade por meio seus conhecimentos e demais recursos e saberes trazidos
da diversidade cultural que cada um proporciona.
A educação indígena enfrenta atualmente uma série de problemáticas que refletem as
complexidades e demandas da sociedade contemporânea. Um desses desafios é a busca pela
interculturalidade, que consiste no reconhecimento e valorização das diferentes culturas
presentes no contexto educacional indígena, que implica promover o diálogo entre elas,
respeitando e valorizando a diversidade.
O descaso com os povos indígenas desde a colonização gerou um grande problema na
sociedade, produzindo visões preconceituosas e de superioridade europeia. Essas visões são
reproduzidas pelas crianças não indígenas e crescem tomando essas como verdades, gerando
uma visão completamente distorcida e falha a respeito dos indígenas. Elas geram discursos
espelhados em uma visão errônea a respeito do viver e ser indígena.
Essas visões equivocadas afetam os indígenas, e via de regra, a primeira experiência de
escola para os indígenas foi uma experiência negativa, uma escola colonizadora. Foi assim com
os Karajá, suas primeiras relações com os processos educacionais foram a partir da colonização
do Brasil, onde suas crianças eram forçadas a frequentar escolas de brancos, que tinham como
objetivo o ensinamento da língua e cultura ocidental. O que acabou produzindo nesses povos
uma visão negativa da escola por durante muitos séculos. Mas, atualmente:

Homens e mulheres Karajá, dentro ou fora de casa, aperfeiçoam uma


negociação com a sociedade brasileira e também estrangeira que está além dos
limites da aldeia, onde encontramos um saber que percorra a aldeia, expresso
na língua materna e no diálogo com a língua portuguesa, o que demonstra ser
um dos mecanismos satisfatórios para resolver desafios internos e externos
(Araújo, 2015, p. 75).

85
Da mesma forma que para os Karajá, para a população Xerente, sociedade que se
organiza por meio de um dualismo estrutural, que tem como base a divisão sociocosmológica
sol e lua (Melo; Giraldin, 2012), o contato com a sociedade não indígena surgiu com uma
intensificação dos bandeirantes em busca de ouro na região de Tocantins, um período marcado
por muita violência e dor. Essa população viu-se diante da imposição de novos costumes,
passando a aprender ofícios, deixando de lado suas crenças e frequentando escolas não
indígenas, para assim tentarem construir uma relação de paz com aqueles que chegavam em
seus territórios.
O histórico de luta desse povo traz como consequência a necessidade do equilíbrio na
convivência com o outro. Melo e Giraldin (2012), citam que a escola passa a ser vista pelos
indígenas como uma balança que traz tanto riscos quanto benefícios, pois torna-se fundamental
relacionar-se com o “mundo dos brancos”. Dessa forma, ainda há um olhar de desconfiança sob
as escolas, o que faz com que em muitos casos sejam espaços afastados das aldeias.
Muitas vezes as escolas indígenas são vistas como “escolas rurais”. Elas não são
completamente indígenas, não há o envolvimento total das comunidades no espaço escolar de
forma efetiva. Vera (2014) ainda afirma que, isso ocorre por conta de o Projeto Pedagógico não
incluir mestres indígenas na participação de assuntos referentes a seus próprios povos na
construção das diretrizes de suas escolas no Mato Grosso do Sul.
Portanto, há toda uma história e várias histórias. Uma longa experiência pode ser
fornecida através da relação existente entre as escolas e os grupos indígenas. Passando desde a
doutrinação imposta pelos colonizadores até os dias atuais, em que cada vez mais buscam
entender a necessidade da descolonização das escolas e dos currículos, que mesmo não sendo
totalmente ainda efetivada, mostra a possiblidade desse povos serem os responsáveis pelas
suas próprias vidas, histórias e ensinamentos.
Os enfrentamentos com o poder dos brancos para a realização de uma escola
diferenciada ainda são comuns, uma vez que essa escola, mesmo tendo sua essência nas
estruturas indígenas, ainda assim se encontrará sob a tutela do Estado e da legislação estadual.
[...] a escola para os povos indígenas ainda está em processo de consolidação,
necessitando de políticas efetivas não apenas no nível nacional, pois as escolas
indígenas em que as Secretarias Estaduais de Educação estão como principais
responsáveis apresentam, majoritariamente, uma estrutura diferente, sendo
mais bem assistidas em comparação com aquelas escolas cuja manutenção está
a cargo das Secretarias Municipais de Educação. Por isso as reinvindicações
seriam para políticas efetivas para toda a rede de escolas dos indígenas do
contexto nacional (Fonseca; Neto; Weigel, 2020, p. 148).

86
Dessa forma, a autonomia indígena mais uma vez é deixada de lado em uma situação
que deveria estar garantida. Couto (2016) nos traz a reflexão que essa realidade deve-se à
sociedade branca:

A comunidade escolar indígena almeja uma educação diferenciada, mas em momento


algum nega a necessidade dos conhecimentos ocidentais, pois se considera
“integrada” à sociedade brasileira. Se os indígenas sentem-se integrados à sociedade
brasileira, e, efetivamente, não possuem grande visibilidade enquanto grupo, pode-se
perguntar se, muitas vezes, não somos nós, os não índios, que os tornamos invisíveis?
(COUTO, 2016, p. 120).

Ainda vivemos em uma sociedade marcada pela herança de nosso passado colonial, isto
é, estamos vivendo na colonialidade. A ideia de que o colonialismo foi superado com o fim
desse período não é correta, os efeitos dessa época continuam sendo produzidos de forma
sistemática pelas dimensões da colonialidade, mantendo na invisibilidade os conhecimentos e
saberes advindos de comunidades historicamente subalternizadas. (Mignolo, 2017).
Entretanto, análises que apontam os principais elementos para o processo de
descolonização estão ganhando cada vez mais espaço, assim como, as críticas à colonialidade.
Isso é fundamental para tensionar as estruturas que causam a perpetuação das injustiças, do
racismo e da discriminação presentes no currículo, buscando construir um outro currículo,
capaz de viabilizar as histórias e culturas silenciadas, um currículo decolonial (Mignolo, 2017).
Nessas análises destacam-se os intelectuais indígenas. Os intelectuais indígenas, para
Bergamaschi (2014), são em primeiro lugar formados pela e na oralidade, e que mantem a
cultura oral como seu esteio de produção e transmissão, embora muitos deles frequentem à
academia.
Os intelectuais indígenas circulam entre dois mundos de saberes, o indígena e o não
indígena. Eles buscam uma relação simétrica com a sociedade na qual o conhecimento e a
ciência indígena são valorizados e reconhecidos tanto quanto as aprendizagens trazidas pelo
corpo social não indígena. Ao tentar participar desses processos de trocas, os povos originários
muitas vezes são tachados de “aculturados”, como se sua identidade devesse ser a sempre a
mesma (Bergamaschi, 2014). Eles “[...] se revelam na luta pelo reconhecimento, pela
autodeterminação, pelo direito a relações simétricas com outras sociedades, pela afirmação de
seus valores, seus conhecimentos, seus direitos políticos e sociais” (Bergamaschi, 2014, p. 12).

87
Ainda que muitos deles se formem nas universidades, eles não perdem essas
características, pelo contrário, elas se fortalecem. Nesse sentido podemos dizer que a educação
tem de alguma forma mudado, ainda que não de forma suficiente, para atender esses povos:

El educativo es uno de los campos en los cuales pueden observarse algunos


avances signifi cativos, incluso aunque aún sean insufi cientes. Estos se registran
especialmente respecto de acceso de dichos pueblos a educación básica y en ocasiones
media y superior, aunque frecuentemente resultan más signifi cativos en el nivel
normativo que en el de las realizaciones prácticas. (Mato, 2013, p. 12)

Apesar dos avanços, ainda se observa a desatenção às necessidades, problemáticas e


observações trazidas por essa população heterogênea. Para compreender a relação dos povos
indígenas com a universidade deve-se ir além das vivências do dia a dia. Trata-se de
compreender que suas crenças, territórios, idiomas foram violados e negligenciados durante
todo o decorrer da história, na qual o Estado tornou-se responsável pela propagação de políticas
educacionais e culturais desenvolvidas de forma homogênea, negando as diferenças.
Entretanto: “Recentemente, a educação intercultural reporta também à reflexão crítica da
contribuição da noção “decolonial”, que interpela o caráter eurocêntrico e ocidental
reformulando o foco da reflexão nos discursos de poder sobre a construção de conhecimentos
considerados científicos e universais” (Repetto; Silva, 2016, p. 42).
Assim, o grande desafio é continuar a luta para que a educação indígena possa efetivamente
dar-se segundo a lógica dos indígenas, sem a intervenção indevida do poder do Estado, que infelizmente,
continua desrespeitando a autonomia dos povos indígenas.

Autonomia curricular nas escolas indígenas


O currículo não é apenas um espaço/tempo de transmissão de conhecimentos, mas
também há o encontro e a troca de saberes entre diferentes culturas, incluindo a visão dos povos
indígenas. Para que seja intercultural, é necessária sua construção de forma autônoma, com a
devida participação dos povos orginários, desde o processo de elaboração até a implementação
nas salas de aula.
A construção de um currículo intercultural requer materiais adequados, pois os livros
didáticos são instrumentos essenciais no cotidiano escolar, tanto para alunos como professores
e fazem-se urgentes novas leituras sobre a história indígena no Brasil (Silva; Borges, 2019).

88
Além disso, a formação de professores precisa levar em conta as questões culturais, a língua e
o modo próprio de educar.
Portanto, a escola indígena não deve ser vista como algo único que irá englobar toda a
população indígena, ela deve variar de acordo com a especificidade de cada povo, de suas
experiências históricas, seus modos de lidar com o entorno.
Isso não significa ignorar as novas tecnologias de comunicação e informação, mas essas
devem ser apropriadas e utilizadas com autonomia, de modo a atender as demandas de cada
comunidade, sempre refletindo sobre as possíveis consequências que podem causar. Ela é usada
muitas vezes dentro da aldeia como meio de mostrar a realidade da vida cotidiana, além de
outras possibilidades, como por exemplo, gerar um intercâmbio com parentes de outras aldeias
(Sarmento, 2016). O uso dessas tecnologias não significa que a cultura indígena esteja
ameaçada. Como argumenta Sarmento (2016), os Kaiowá e Guarani utilizam as novas
tecnologias, mas não se desconectam de sua etnia:
[...] no caso dos Kaiowá e Guarani, existe também o questionamento, a reflexão a
respeito de tudo, e essa reflexão passa pela questão da espiritualidade, do jeito de ser
Kaiowá e Guarani. Sempre me impressionou que eles nunca se desconectam do tema
da espiritualidade e da língua; a impressão que tem é que a essência espiritual Kaiowá
e Guarani é que os mantem com o pé no chão, garantindo-lhes algumas certezas
identitárias nas relações com o outro (Sarmento, 2016, p. 134).

Portanto, os indígenas, seja no contexto da formação, no contexto da escola e da


comunidade, sabem lidar com as novas tecnologias, respeitando a dinâmica sociocultural e o
jeito de aprender indígena (Melo; Giraldin, 2012). Eles não abrem mão de sua autonomia para
construírem escolas e currículos indígenas e quando recorrem às novas tecnologias elas são
utilizadas para fortalecer sua luta, cultura e identidade.
Assim, cabe destacar novamente que a dificuldade em estabelecer relações interculturais
e de considerar a autonomia dos povos indígenas deve-se à sociedade brasileira e não em função
da diferença indígena. É a sociedade brasileira que tem dificuldade de aceitar a autonomias dos
povos indígenas. Para superar essa dificuldade, o espaço da universidade pode ser visto como
muito importante:
A universidade, enquanto formadora de professores, no contexto de alta diversidade
étnica e cultural no Estado de Mato Grosso, precisa considerar essa situação como
parte essencial de sua missão. Precisa intensificar seu compromisso social
desenvolvendo a formação de professores não indígenas que ensinem o conhecimento
e respeito à diversidade cultural indígena do país, do Estado e do entorno, assim como
de outro modo o fez com o desenvolvimento da formação de professores indígenas.
(Bampi; Diel, 2017, p. 26).

89
Felizmente algumas universidades estão atentas para essa realidade e estão contribuindo
para que a diversidade e a autonomia dos indígenas seja respeitada, seja no campo da educação,
seja em relação a sua cultura, identidade e modo de ser e viver.

Considerações finais

As questões abordadas no artigo nos trazem a percepção do quanto os efeitos da


colonização estão presentes até os dias de hoje na vida dos povos indígenas, fazendo com que
esses muitas vezes continuem desrespeitados em sua autonomia para construir escolas e
currículos indígenas. Mesmo assim os indígenas têm produzido várias experiências de
currículos interculturais que favorecem sua cultura e identidade.
São currículos contextualizados, relacionados com a etnia, que valorizam as tradições,
línguas e conhecimentos tradicionais de cada comunidade, pois esses são a base de suas
identidades, que se mantém vivas e resistentes, apesar do descaso e desrespeito da sociedade.
Por meio de currículos interculturais, os indígenas colocam em diálogo conhecimentos
tradicionais e ocidentais. E ao fazê-lo não abrem mão de sua identidade e cultura, pelo contrário,
encontram forma de fortalecê-la, como mostram as diferentes escolas indígenas existentes no
Brasil.

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90
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91
EDUCAÇÃO DECOLONIAL COMO PROJETO PARA A EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA

Rafaela Bayerl de Lima (UFGD Bolsista CAPES)


rafa.bl98@hotmail.com

Marta Coelho Castro Troquez (UFGD)


martatroquez@ufgd.edu.br

Resumo: O presente artigo tem como objetivo geral realizar uma discussão teórica-
epistemológica sobre a perspectiva da decolonialidade como um projeto vivo político e
educativo para a Educação Escolar Indígena no Brasil. Para isso, utiliza-se como base teórica
os autores do Grupo Modernidade/Colonialidade e Intelectuais Indígenas. Compreendemos
que a expansão da europa causou consequências crueis aos continentes colonizados, e que, na
América Latina, a colonialidade ainda se perpetua de forma simbólica na sociedade. Nesse
contexto, os Povos Indígenas do Brasil resistiram durante o período colonial e continuam
resistindo até os dias atuais. A Educação Escolar dos povos indígenas foi aderida como um
instrumento de resistência, contudo, esta ainda é pautada por moldes coloniais, atuando a partir
da perspectiva da recolonização. Portanto, entendemos a educação decolonial na educação
escolar indígena como um projeto social, político, cultural e epistêmico que busca superar as
práticas e perspectivas coloniais ainda presentes no âmbito educacional indígena.

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena. Educação decolonial. Colonialidade.

Introdução

Para compreender a trajetória da Educação Escolar Indígena (EEI), é necessário ampliar


a visão para antes das práticas coloniais, pois antes de os europeus imporem o seu modelo
educacional aos povos indígenas, esses exerciam a sua própria pedagogia e já tinham
desenvolvido as suas próprias metodologias de ensino (Machado; Beltrão, 2018).
A educação dos povos indígenas era voltada à preparação para a independência de cada
indivíduo, à continuidade de seus modos de ser e ao fortalecimento coletivo (Machado; Beltrão,
2018). Porém, a partir dos anos de 1500 no Brasil, todas as formas de vida, saberes, métodos
de educação, crenças e culturas que não faziam parte do modelo ideal determinado pelos
colonizadores foram desprezadas. É nesse momento que se inicia a Educação Escolar Indígena
no Brasil construída a partir dos moldes coloniais.
Nesse sentido, ao compreender a EEI como uma educação pautada na perspectiva
92
colonial, defendemos aqui a necessidade de repensarmos sua estrutura organizacional, política,
educativa e social a partir de uma perspectiva decolonial.
Portanto, iniciamos essa pesquisa apresentando uma perspectiva global sobre a
colonização, passando pela América Latina até sua chegada ao Brasil. Em seguida, partimos
para a discussão da Educação Escolar Indígena atual, em seguida apresentamos a noção de
decolonialidade e, por fim, realizamos uma discussão teórica em relação à importância e
necessidade de uma educação decolonial para os povos indígenas no Brasil.

A Colonialidade e a América Latina

A colonização no Brasil é um período histórico bastante estudado e deve ser destacado


nessa pesquisa uma vez que ela implica fortemente na história dos Povos Indígenas do Brasil e
na contemporaneidade, pois suas consequências ainda se perpetuam na sociedade brasileira. No
entanto, é preciso entender a origem do processo de colonização e seus meios de dominação,
desde seu surgimento até a luta atual para a sua superação.
Assim, tomamos como partida de discussão os estudos realizados pelos autores do
Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C). O grupo foi constituído por volta de 1990 e é
formado, em sua maioria, por intelectuais latino-americanos. Na perspectiva de Bellestrin
(2013) os estudos pós-coloniais foram precursores do Grupo M/C, pois tal corrente surgiu a
partir da identificação da relação antagônica entre o colonizador e o colonizado.
Apesar disso, Mignolo (1998) criticou a visão imperialista dos estudos culturais, pós-
coloniais e subalternos, denunciando o seu vínculo com autores eurocêntricos. Para ele, os
estudos sobre a colonialidade não deveriam chegar à América Latina a partir de traduções de
obras escritas por autores que escreviam do ponto de vista europeu, pois a América Latina não
estava inserida nos debates.
Tais divergências teóricas levaram Grupos a se desagruparem, formando, mais tarde, o
Grupo Modernidade/Colonialidade, composta por autores Latino-Americanos. Esse grupo
realiza diferentes discussões aliadas às suas próprias realidades e buscam possibilitar a
visibilidade de perspectivas epistemológicas que foram e continuam sendo negadas e
invisibilizadas. Essa noção de pensamento pode ser compreendida como decolonialidade, ou
seja, a busca pela superação da colonialidade a partir de epistemologias não eurocêntricas ou
decoloniais,compreendendo novas formas de pensamentos.
Dessa forma, os teóricos do grupo M/C desenvolveram obras relevantes para a
93
explicação da Modernidade e Colonialidade na América Latina. Dussel (2005) afirma que foia
partir de 1492, século XV, que a Europa Moderna, tida como o centro da História Mundial,
constituiu pela primeira vez as outras culturas como sua periferia, e, em sequência, utilizou a
conquista da América Latina como um trampolim para o seu ego e superioridade.
Escobar (2003) aponta que, em relação aos aspectos sociológicos, filosóficos e culturais
da modernidade, ela é atrelada às ideias de racionalização, universalização, individualização,
antropocentrismo e desenvolvimento. Dessa forma, o entendimento de globalização é atrelado
ao da universalização da modernidade. Assim, a questão principal, é que, a modernidade não
se limitou ao ocidente, espalhando-se globalmente. “Não apenas a alteridade radical é expulsa
para sempre do reino das possibilidades, mas todas as culturas e sociedades do mundo são
reduzidas a serem a manifestação da história e da cultura europeias. (ESCOBAR, 2003, p.57,
tradução nossa). Ou seja, a Europa, em seu processo de expansão, tomou sua experiência
particular e instituiua sua universalidade radicalmente excludente (LANDER, 2005).
A partir desse ponto, os teóricos do M/C desenvolveram diversas discussões sobre os
diferentes aspectos e concepções da modernidade, tendo como conclusão, conforme explica
Escobar (2003), que não há modernidade sem colonialidade, e que, a colonialidade é constituída
pela modernidade. Pois, para “modernizar” uma cultura, povo e/ou país, era preciso dominá-lo.
Por isso, Mignolo (2007) nos traz a perspectiva da colonização como consequência da expansão
europeia.
Quijano (1992) compreende o colonialismo como a dominação direta política, social e
cultural dos europeus sobre os conquistados de todos os continentes. Assim, o colonialismo, no
sentido do sistema de dominação formal, é muitas vezes associado ao passado. No entanto,
quando nos referimos sobre a colonialidade, estamos falando sobre o modo de dominação que
prevalece até os dias atuais de forma generalizada, uma vez que o colonialismo no sentido de
uma ordem política explícita já foi destruída (Quijano, 1992).
Nesse sentido, é preciso compreender efetivamente que a estrutura do poder colonial
criou diversas discriminações, principalmente raciais e étnicas, que são entendidas como o
produto da dominação colonial europeia. Tais produtos foram e são até os dias atuais utilizados
na estrutura de poder entre as diversas relações sociais, sendo possível perceber tal estrutura ao
observar os recursos e trabalhos distribuídos globalmente, pois em escala mundial, a grande
maioria dos indivíduos dominados são membros das raças e etnias negadas e inferiorizadas
durante o colonialismo, conforme aponta e exemplifica Quijano (1992).
94
No entanto, segundo Quijano (1992), esses produtos foram apenas o marco do início de
uma repressão sistemática. Além da repressão sob as crenças, ideias, imagens e conhecimentos
específicos dos povos dominados, pois não eram considerados úteis aos colonizadores, a
repressão recaiu, principalmente, sobre os modos de conhecer, modos de produzir, sistemas,
símbolos e instrumentos de expressão.
Nessa lógica tomamos como exemplo os povos indígenas do Brasil, que durante o
período colonial no Brasil (1500 - 1822) foram explorados, violentados e abatidos, e,atualmente
ainda sofrem ainda diversos tipos de discriminações, tendo que resistir de forma social, política
e cultural para a sua sobrevivência.
Com isso, os padrões dos colonizadores eram impostos aos “dominantes”, com a
finalidade de impedir a produção cultural dos “dominados” e controlá-los socialmente e
culturalmente, definindo sua própria imagem mistificada, como detentora do poder, podendo
selecionar quem poderia ter ou não poder. Dessa forma, o padrão europeu universal começou a
tornar-se desejado, e tudo o que era diferente, era tido como inferior (Quijano, 1992). Assim,
compreendemos que tais produtos de dominação utilizados no colonialismo,se perpetuam de
forma simbólica nos dias atuais.
Foi então, a partir dessa perspectiva, que Quijano (1992) desenvolveu o conceito de
Colonialidade do Poder (econômico e político), o qual mais tarde, foi estendido à Colonialidade
do Saber e à Colonialidade do Ser.
Walsh (2012) explica e diferencia de forma clara e objetiva os três tipos de
Colonialidade. Para ela, a Colonialidade do poder estabelece um sistema de classificação social
baseado prioritariamente na categoria “Raça” como critério de dominação, exploração e
distribuição de poder, formando uma hierarquia racionalizada identitária onde os brancos
(europeus e europeizados) se fixam no topo, seguido pelos mestiços, e, por fim, estão os
indígenas e os negros, vistos como identidades negativas, onde suas diferenças devem ser
eliminadas.
Na Colonialidade do Saber, o eurocentrismo detém a ração do conhecimento, do
pensamento, e, portanto, exclui e desqualifica as outras racionalidades epistêmicas e demais
saberes que não sejam dos que ocupam o topo da hierarquia. Com isso, Walsh (2012) afirma
que essa colonialidade, ao ser dominante, penetra na academia, nas disciplinas escolares, e
visões epistemológicas.
Por fim, a Colonialidade do Ser exerce através da inferiorização, subalternização e
95
desumanização, colocando valores nos seres humanos a partir dos produtos ou categorias de
critérios, como suas raças, cores e ancestralidades. Nessa lógica, sendo o sujeito um campo de
luta, espaço, cultura, conhecimento, etc. a lógica da colonialidade é dominar e controlar todas
as suas dimensões para servir à uma certa ordem e visão de mundo, mantendo-o em seus lugar
“inferior”.
No Brasil, o processo de colonização foi marcada pelas violências, abusos e genocídio
dos povos indígenas, segundo Dalmolin (2004). O autor explica que ao impor a sua cultura
“civilizada” os colonizadoresnegavam qualquer outra forma de conhecimento, considerando,
assim, os povos indígenascomo inferiores, menosprezando suas crenças, costumes, valores,
identidades e modos de ser.
Assim, compreendemos e defendemos a perspectiva de Quijano (1992) que aponta sobre
a urgência de explicitar à sociedade o mecanismo da colonialidade e abater a matriz colonial
do poder. Nesse sentido, partimos para a importância e necessidade de adotar a teoriadecolonial
na educação como meio para a superação da colonialidade presente nos processos, práticas e
currículos pedagógicos.

Educação Decolonial

Compreendemos nas discussões anteriores que a Colonialidade está presente no modo


de vida da sociedade em suas diversas dimensões, e, para superá-la, é necessário compreender
e vivenciar a decolonialdade. A teoria decolonial vai muito além de uma perspectiva
teórica, mas deve ser entendida como uma práxis. “Mais do que uma opção teórica, o paradigma
da decolonialidade parece impor-se como uma necessidade ética e política das ciências sociais
latino-americanas.”(Castro-Gómez; Grosfoguel, 2007, p. 21, tradução nossa)
Segundo Maldonado-Torres (2018) a decolonialidade está enraizada em um giro
decolonial, ou seja, em tomar um afastamento da modernidade/colonialidade, utilizando meios
em que os indivíduos antes silenciados, possam ser falados e ouvidos, atuando, mais
especificamente no giro epistemológico decolonial, como teóricos, intelectuais, pensadores,
produtores de conhecimento. No entanto, o autor chama a atenção para a decolonialidade como
luta coletiva, e não individual. A decolonialidade não é possível em um mundo
ocidental/colonial, e, portanto, os colonizados não conseguem avançar sozinhos. Por isso, a
atitude decolonial, conforme explica Maldonado-Torres (2018), só é realizada quando
estendemos as mãos aos outros colonizados.
96
Dessa forma, tomando como base o entendimento da decolonialidade como um projeto
vivo, utilizamos como posicionamento teórico, político e ideológico, a interculturalidade
crítica, a qual, segundo Catherine Walsh (2007), está diretamente relacionada à uma pedagogia
decolonial. De acordo com Walsh (2007), a interculturalidade vem sendo utilizada desde 1990
como um princípio-chave pelos movimentos indígenas do Equador, na reconstrução de seu
projeto político, uma vez que é intrinsecamente voltada a perturbar o poder da colonialidade e
imperialismo.
Nessa lógica, a interculturalidade, para eles, não é apenas um termo ou conceito, mas
é utilizada como uma “configuração conceitual que, ao mesmo tempo em que constrói uma
resposta social, política, ética e epistêmica para essas realidades que ocorreram e ocorrem, o
faz a partir de um lugar de enunciação indígena” (Walsh, 2007, p. 50, tradução nossa).
Nesse diálogo que Walsh (2007) desenvolve com o movimento indígena da Bolívia, ela
compreende que a interculturalidade representa uma lógica construída a partir da
particularidade da diferença, uma ez que essa diferença é consequência da subordinação dos
povos colonizados, e deve ser trabalhada a partir dela no sentido de transgredir as fronteiras
entre o que é hegemônico e subalternizado.
Walsh (2012) estabelece os três diferentes tipos de interculturalidade e pontua o
problema da noção da interculturalidade. A primeira perspectiva da interculturalidade é a
racional, que se refere de forma básica e geral, ao contato e troca entre pessoas, práticas, saberes
de diferentes culturas. Essas podem ocorrer tanto em condições de igualdade como de
desigualdade. Nesse sentido, a interculturalidade racional sempre existiu na América Latina, e
principalmente no Brasil, por ser um país miscigenado. O problema dessa interculturalidade é
que normalmente ela esconde e/ou minimiza os conflitos, relações de poder, dominação e
estruturas políticas sociais e econômicas, permitindo as situações de inferioridade e
superioridade.
Já, na segunda perspectiva, a interculturalidade funcional, há o reconhecimento da
diversidade e da diferença cultural e seu objetivo é incluir essas diferenças na estrutura social
vigente. Ou seja, para Walsh (2012), essa perspectiva se preocupa no diálogo, convivência e
tolerância, mas não evidencia as causas da desigualdade social e cultural e não questiona as
situações problemáticas da realidade atual.
Nesse sentido, o reconhecimento e tolerância dessa diversidade cultural se torna mais
um instrumento de dominação que busca o controle dos conflitos étnicos para preservar a
97
estabilidade social a fim de possibilitar a continuação do modelo de acúmulo de capital
“incluindo” nele os grupos excluídos historicamente.
Um exemplo de execução da interculturalidade funcional está presente nas legislações
educacionais, as quais simplesmente adicionam a diferença ao sistema e modelos curriculares
já existentes (Walsh, 2012).
Da mesma forma, Mignolo (2012, p. 8, tradução nossa), explica: “Por isso, quando a
palavra "interculturalidade" é utilizada pelo Estado, no discurso oficial o significado é
equivalente a "multiculturalismo". O estado quer ser inclusivo, reformador, para manter a
ideologia neoliberal e a primazia do mercado.”
Segundo Machado e Beltrão (2018, p. 516) “A interculturalidade aparece nas políticas
educacionais para povos indígenas, mas a prática não pode corresponder a uma simples
tolerância com o que é culturalmente diferente, sem umverdadeiro intercâmbio enriquecedor
entre perspectivas diferenciadas".
Nesse contexto, ao analisar trajetória da EEI no Brasil e os documentos legais, é possível
compreender que ela é marcada por diversos avanços e retrocessos. Tais avanços que só foram
alcançados a partir da luta e resistência do Movimento Indígena. Foi a partir de 1988, com a
Promulgação da Constituição Federal, que os indígenas conquistaram seus direitos
fundamentais.
Souza (2021) reafirma a importância da conquista do movimento indígena, uma vez que
antes cabia à União incorporar, por meio das instituições escolares, o indígena à sociedade,
usando a escola como como instrumento de negação cultural indígena e de colonização. Com
a RCNEI (BRASIL, 1998) a escola indígena passou a ser caracterizada como comunitária,
intercultural, bilíngue/multilíngue e específica e diferenciada.
Contudo, é preciso questionar qual é o entendimento de interculturalidade na visão do
Estado, já sabendo que, conforme Walsh (2012), o Estado prevê a interculturalidade funcional.
Também devemos nos questionar se o ensino bilíngue se refere ao bilinguismo de
transição/substituição ou o de fortificação e valorização da língua, uma vez que, segundo Knapp
(2016), o primeiro tem a finalidade de facilitar e estimular a integração do indígena à sociedade
nacional, atuando, assim, nos moldes coloniais.
Já em contraponto, defendemos aqui os programas de bilinguismo de valorização e
fortalecimento, que operam com a finalidade de fortalecer a cultura e a língua dos povos

98
originários, recuperando e valorizando a funcionalidade das suas línguas indígenas aos seus
povos.
Portanto, há a necessidade de tomarmos um certo cuidado em relação aos princípios que
norteiam a escola indígena e suas diferentes conceituações e compreensões. Para a nova visão
decolonial da escola, que parte do entendimento de a escola servir aos próprios indígenas,
juntamente com as normas constitucionais que garantem os próprios processos de
aprendizagem, Machado e Beltrão (2018) afirmam que o indígena deve permancecer com seus
costumes e cosmovisões particulares, refletindo, assim, na nova forma de conceber a escola.
Assim, o primeiro passo para uma educação indígena eficaz, entendida como princípio
base das comunidades indígenas, é que a escola deve ser contemplada da maneira que eles a
compreendem, se reinventando e se redescobrindo a partir dos valores da própria comunidade
indígena (Machado; Beltrão, 2018).
Benites (2014) aponta que a ideia é utilizar os mesmos espaços que utilizam com a
finalidade integracionista, para a quebra desses paradigmas tradicionais. Assim, os currículos
construídos pelos próprios indígenas nas escolas indígenas se preocupam em modificar as
pessoas, os conceitos e suas visões a fim de possibilitar a emergência dos sistemas e valores
dos povos tradicionais.
Luciano (2011) descreve o espaço escolar indígena idealizado constituído pelo diálogo
entre os conhecimentos de cada povo indígena e os conhecimentos ocidentais que eles acharem
necessário entrar em suas escolas. Nesse contexto, essa perspectiva decolonial no espaço
escolar não desconsidera os saberes da sociedade não indígena, mas seleciona os saberes
importantes para inserir em seu currículo a fim de estabelecer um diálogo intercultural crítico.
No entanto, apesar de o movimento indígena ter conquistado direitos políticos e
educacionais essenciais, Souza (2021) denuncia que muitos desses direitos ainda não estão
garantidos para toda a população indígena e que é necessário avançar as análises da situação
escolar indígena. Segundo o autor, “a demanda de uma educação diferenciada para os grupos
indígenas brasileiros ainda não tem sido suprida de maneira efetiva, e a superação da
discriminação étnica vivenciada no país, desde o início da colonização, ainda não foi alcançada”
(Souza, 2021, p. 28,).
Machado e Beltrão (2018) problematizam essa questão, pois, segundo os autores,
atualmente há inúmeras leis referentes às diversas questões dos direitos humanos, no entanto, a
implementação delas não avança “Parece-nos que ainda falta o toque magistral de uma caneta
99
no papel, no despacho dos prefeitos e governadores, reconhecendo e implementando a escola
como indígena, e também, para não ter o olhar distorcido, no momento de empenhar os recursos
recebidos para a educação indígena. (2018, p. 515)
Um dos fatores de ausência e/ou dificuldades de implementação é a falta de práticas
interculturais nas escolas indígenas, conforme apontam Machado e Beltrão (2018). Segundo
eles, a interculturalidade aparece nas políticas educacionais, mas sua execução não pode se
restringir a um discurso de tolerância ao que é diferente.
Dessa forma, observamos que a falta de posicionamento crítico no viés da
interculturalidade não é clara nos documentos oficiais em que constam esse objetivo, sendo
então executada a interculturalidade funcional, como explicada por Walsh (2012). Ainda, os
autores Machado e Beltrão (2018) também afirmam que no cotidiano escolar ainda há
imposições coloniais, como o uso e planejamento dos materiais didáticos, os quais ainda são
precursores dos estereótipos sobre os povos indígenas (Mancini; Troquez, 2009). E ainda há
as avaliações em larga escala, a instituição da Base Nacional Comum Curricular, entre outros
fatores que evidenciam a hegemonia da centralização curricular (Troquez; Nascimento, 2020).
Dito isso, defendemos e nos baseamos na interculturalidade crítica, o terceiro viés.
Walsh (2012) aponta que o ponto central destacado na interculturalidade crítica é o problema
estrutural-colonial-racial e sua ligação com o mercado capital.
Nesse contexto, a interculturalidade crítica, sendo um processo e um projeto, questiona
o modelo social vigente, e, lutando para e junto com os povos subalternizados, excluídos,
oprimidos e silenciados historicamente, busca a decolonialidade e a construção de outros
mundos, mas não apenas para os povos e nacionalidades indígenas, mas da transformação da
sociedade como um todo.
Dessa forma, compreendemos que a estrutura social e política ainda é constituída a partir
dos moldes coloniais, por isso, a autora enfatiza que a interculturalidade crítica, assim como a
decolonialidade, é um projeto em construção.
A partir desse entendimento, tomamos como ponto fundamental nessa pesquisa a
interculturalidade na educação. Para Candau (2020) a interculturalidade crítica vem ganhando
espaço no âmbito educacional. Segundo a autora, “para a educação intercultural crítica, um
aspecto básico é desvelar as formas de colonialidade presentes no cotidiano de nossas
sociedades e escolas.” (Candau, 2020, p. 681)
Da mesma forma, de acordo com Walsh (2009, p. 26) com “a interculturalidade crítica
100
expressa e exige uma pedagogia e uma aposta e prática pedagógicas que retomam a diferença
em termos relacionais, com seu vínculo histórico-político-social e de poder, para construir e
afirmar processos, práticas e condições diferentes.”
Assim, para uma educação intercultural atrelada à perspectiva decolonial, Candau
(2020) apresenta algumas questões atuais que se fazem necessárias no contexto educacional. A
primeira diz respeito a interseccionalidade, entendida como uma lente que possibilita enxergar
os diferentes tipos de opressões presentes na sociedade e questionar as visõesessencialistas que
consideram essas problemáticas como meras coincidências.
Nesse aspecto, para a autora, a interseccionalidade deve ser utilizada para analisar as
dinâmicas dos processos educativos para que a estrutura colonial e suas raízes sejam
desmascaradas e, a partir disso, sejam construídas novas práticas educativas equitativas e
democráticas.
Outra questão necessária diz respeito ao empoderamento. Candau (2020) assume sua
perspectiva de que ninguém empodera ninguém. No entanto, no contexto educativo é necessário
que sejam promovidos processos que fazem com que os grupos e indivíduos inferiorizados e
oprimidos descubram seus potenciais e comecem a se enxergar como sujeitos e atores sociais.
Nesse sentido, a autora enfatiza a necessidade de utilizar as próprias epistemologias a
fim de recuperar os danos causados pela negação e silenciamento dos povos indígenas, devendo
repensar a função, currículo e organização das escolas indígenas.
Dessa forma, é indispensável à educação intercultural crítica e decolonial o seu
posicionamento e práticas antirracistas, buscando realizar nos processos educativos
problematizações sobre essas questões, a fim de desnaturalizar e desmascarar a branquitude
como padronização social, cultural e política e os privilégios vindos dessa configuração.
Para tanto, devemos pensar na incorporação de um currículo decolonial, particularmente
no currículo da Educação Escolar Indígena, que se desenvolve até o momento a partir de uma
interculturalidade funcional. Diante dessas considerações, compreendemos a Educação
Intercultural Decolonial como um instrumento de transformação cultural, social e política.

Conclusão

As problematizações sobre a educação e a colonialidade vieram ao encontro das nossas


inquietações sobre uma educação escolar indígena pautada ainda na matriz colonial de poder.
101
Assim, buscamos refletir sobre as possibilidades de a educação ser vista como um instrumento
transformador ao assumir o posicionamento decolonial e tomar essa perspectiva não apenas
como uma teoria, mas como um projeto; uma práxis.
Essa discussão se faz também necessária pelos ataques e silenciamentos que passamos
atualmente, pois, segundo Ramos (2020) estamos passando por um processo mundial de
recolonização dos moldes coloniais com o engraquecimento das políticas públicas de inclusão
social.
Portanto, tendo em vista as discussões realizadas nesse estudo, nos comprometemos a
repensar a pedagogia e a educação escolar indígena como uma práxis libertadora que se volta
para novas perspectivas de humanidades, ciências e pensamentos baseadas na construção do
projeto decolonial, a fim de denunciar e resistir ao momento atual de recolonização, tanto em
esfera mundial quanto no âmbito educacional brasileiro.

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104
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA DIFERENCIADA NA REGIÃO OESTE DO
PARÁ

Francineide Lima Abreu


Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS
francineide.abreu48@gmail.com

Iara Tatiana Bonin


Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS
Iara.bonin@ulbra.br

Resumo: Trata-se de uma pesquisa etnográfica ancorada nos Estudos Culturais em Educação,
cujo objetivo foi obter uma percepção do entendimento que as escolas indígenas da região Oeste
do Pará têm a respeito do que é fazer uma educação escolar diferenciada, avaliando em que
medida tal modelo de educação se efetiva nessas escolas. Para tanto, realizamos um estudo da
legislação que versa sobre essa temática e buscamos, in loco, acompanhar o processo de
consolidação desse modelo de educação na região. Até onde pudemos perceber, os desafios
para a implantação e efetivação de uma EEI diferenciada são visíveis para a maioria das
comunidades indígenas na região Oeste do Pará, seja por entraves relativos a políticas públicas
não efetivadas na prática, seja pela falta de clareza, dos atores envolvidos nesse processo, sobre
o que de fato é uma educação diferenciada.

Palavras-chave: educação escolar indígena; escola diferenciada; região Oeste do Pará.

INTRODUÇÃO

O presente artigo resulta de uma pesquisa etnográfica que buscou obter uma percepção
do entendimento que as escolas, cadastradas na categoria escola indígena junto à Secretaria
Municipal de Educação e Desporto (SEMED) de Santarém, têm a respeito do que é fazer uma
educação escolar diferenciada, avaliando em que medida tal modelo de educação se efetiva
nessas escolas.
Cabe inicialmente ressaltar que, segundo dados da SEMED, há no município de
Santarém 53 (cinquenta e três) escolas na categoria Escola Indígena, situadas nas regiões do
Planalto e Rios, em comunidades que se autodeclaram populações indígenas. Na região do
Baixo-Tapajós, há 55 aldeias, nas quais os moradores reivindicam o reconhecimento dos seus
territórios - terras tradicionalmente ocupadas por 13 etnias: Arara Vermelha; Tupaiú;
105
Munduruku; Apiaká; Borari; Arapium; Jaraqui; Tapajó; Tapuia; Tupinambá; Munduruku Cara-
Preta; Maytapu e Kumaruara. Tais etnias povoam os Territórios Indígenas (TI): Cobra Grande,
Terra Preta, Encantados, Maró, Tupinambá, Borari, Bragança-Marituba, Munduruku-Taquara,
Munduruku e Apiaká, às margens dos Rios Arapiuns, Tapajós e Solimões e também na região
do Planalto santareno.
Esses territórios estão situados em áreas auto demarcadas, porém, não oficialmente
homologadas pelo estado brasileiro. No processo de reivindicação das terras indígenas nessa
região, estes se encontram em diferentes fases: alguns em avaliação por equipe multidisciplinar
de especialistas (antropólogos, arqueólogos, historiadores etc.); e outros, em fase de contestação
por parte de fazendeiros, grandes latifundiários e pelo município. Os territórios que estão em
etapa mais adiantada são: Maró, Bragança-Marituba e Munduruku-Taquara que já tiveram o
Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado. No entanto, estão
em processo de contestação pelo município de Santarém e pessoas físicas ou jurídicas que
também reivindicam essas terras.
O movimento indígena na região Oeste do Pará vem crescendo a cada ano e ganhando
visibilidade pelo envolvimento de lideranças e professores que lutam pelo resgate da cultura e
pelo reconhecimento de direitos negados durante muitos anos aos povos indígenas do Baixo
Tapajós. Dentre as entidades envolvidas nesse processo de fortalecimento da causa indígena,
temos o Grupo Consciência Indígena (GCI), criado no ano de 1998 por jovens militantes de
diversas aldeias do Oeste do Pará. Além deste, temos o Conselho Indígena Tapajós
Arapium/CITA, fundado no ano 2000, que representa 13 (treze) etnias da região. O objetivo do
CITA é promover encontros, oficinas e seminários, reunindo as populações indígenas do Baixo
Tapajós para discussões e avanços nas lutas e reivindicações do coletivo indígena.
Há também o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Igreja
Católica, cuja missão é assessorar comunidades tradicionais nas lutas pelas suas demandas,
reforçando o seu protagonismo junto à sociedade nacional. Além dessas entidades externas,
cada um dos T.I. do Baixo Tapajós têm o seu próprio Conselho interno, devidamente registrado,
com CNPJ e representante legal que mobiliza a comunidade local e lideranças em prol das
demandas e projetos importantes para o seu território.
Recentemente, o CITA realizou nos dias 03, 04 e 05 de julho de 2023 o III Encontro de
Educação Escolar Indígena do Baixo Tapajós, para o qual mobilizou lideranças indígenas, o
poder público e segmentos da educação (universidades públicas, escolas técnicas e Institutos
106
Federais de educação, a Secretaria Municipal de Educação de Santarém (SEMED) e a Secretaria
de Estado de Educação – SEDUC/PA) para discutir sobre: o panorama da Educação Escolar
Indígena (EEI) no Baixo Tapajós, a oferta do Ensino Médio pelo Sistema Modular de
Ensino/SOME, a Matriz Curricular das escolas indígenas, as diretrizes educacionais, o Ensino
Técnico e Superior, bem como para ouvir as principais demandas das escolas indígenas da
região do Baixo Tapajós, no estado do Pará.
Em eventos como este, as aldeias têm a oportunidade de expressar suas reivindicações
baseadas na realidade de cada comunidade. São diversas as demandas para o funcionamento
das escolas nas aldeias, dentre as quais foram mencionadas pelos participantes do referido
Encontro, com base na realidade de cada comunidade: infraestrutura precária das escolas,
saneamento básico inexistente, necessidade de transporte escolar, merenda insuficiente,
necessidade de motor de luz, combustível, mobiliário insuficiente, falta de acessibilidade nos
ramais que levam até as escolas, dentre outras situações que se apresentam à realidade de
escolas indígenas em comunidades distantes da cidade.

1. A CONQUISTA DE DIREITOS NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A Constituição Federal Brasileira de 1988 reconhece os conhecimentos tradicionais e a


língua dos povos indígenas como patrimônio cultural da nação, devendo ser preservados e
valorizados. Esse reconhecimento deu novos rumos às questões indígenas, principalmente, no
que concerne à educação básica, mudando a relação entre o Estado Brasileiro e as populações
indígenas.
O texto constitucional, no seu Artigo 231 reconhece aos índios “sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições (...)”. Isso torna legítima a luta dos indígenas pela
reafirmação identitária que se distingue da sociedade nacional quanto aos aspectos culturais
(crenças, costumes, língua, valores, processos próprios de aprendizagens, formas de ver e viver
no mundo). Em consonância com esse texto, o Artigo 210, § 2º ressalta que é “(...) assegurada
às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem.”
A partir de então, outros dispositivos legais foram criados alinhados ao texto
Constitucional. A legislação educacional brasileira, especificamente no que tange à educação
escolar indígena, prevê que

107
Os sistemas de ensino, em parceria com as organizações indígenas, Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), instituições de Educação Superior, bem como outras
organizações governamentais e não governamentais, devem criar e implementar
programas de assessoria especializada em Educação Escolar Indígena objetivando dar
suporte para o funcionamento das escolas indígenas na execução do seu projeto
político-pedagógico. (Resolução CNE/CEB nº 05, 2012, p.7-8)

A EEI diferenciada é uma aspiração dos povos indígenas que desejam ter mais
autonomia em relação a determinados aspectos que regem o funcionamento de suas escolas e a
garantia de uso de sua língua materna e de seus processos próprios de ensino-aprendizagem.
Tais anseios estão previstos na LDB (Lei 9.394, Artigos 78 e 79), na Lei 10.172/2001 (Plano
Nacional de Educação) e Decreto n° 26, de 4 de fevereiro de 1991, que dispõem sobre a
Educação Indígena no Brasil.
Além desses dispositivos legais, a EEI encontra amparo legal também na Portaria
Interministerial (dos Ministérios da Justiça e da Educação) nº 559, de 16 de abril de 1991, que
dispõe sobre a Educação Escolar para as populações indígenas:

Art. 1.º. Garantir às comunidades indígenas uma educação escolar básica de


qualidade, laica e diferenciada, que respeite e fortaleça seus costumes, tradições,
língua, processos próprios de aprendizagem e reconheça suas organizações sociais.

Art. 2.º. Garantir ao índio o acesso ao conhecimento e o domínio dos códigos da


sociedade nacional, assegurando-se às populações indígenas a possibilidade de defesa
de seus interesses e a participação plena na vida nacional em igualdade de condições,
enquanto etnias culturalmente diferenciadas.

O Artigo 2º desta portaria evidencia que a oferta da educação escolar para povos
indígenas deverá favorecer a capacitação dos grupos étnicos para a defesa de seus interesses e
sua plena participação na vida nacional em igualdade de condições com os demais cidadãos
brasileiros, ratificando o princípio constitucional da igualdade de direitos. Para tanto, precisa
considerar suas especificidades por meio da oferta de uma educação diferenciada que respeite
as características culturais de cada povo.

2. DESAFIOS PARA A EFETIVAÇÃO DA EEI DIFERENCIADA NAS ALDEIAS


DA REGIÃO OESTE DO PARÁ

108
Dentre as vantagens garantidas por lei que se observa concretamente nas escolas
indígenas da região Oeste do Pará, temos: a formação de turmas a partir do quantitativo mínimo
de sete alunos matriculados; a prerrogativa de formação de classes multisseriadas e a não
exigência de titulação acadêmica para os professores que atuam em tais escolas. Essas
prerrogativas visam atender à demanda de educação de grupos minoritários, possibilitando-lhes
o acesso à educação como direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988,
visando garantir a dignidade de todo cidadão brasileiro, o que significa dizer que: “(...) o não-
oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.” (Brasil, CF, Art. 208, § 2º)
Embora, desde a promulgação do texto constitucional de 1988 até os dias atuais, já se
tenha um número significativo de normativas legais que versam sobre a temática da Educação
Escolar Indígena (EEI), além da vasta produção bibliográfica de pesquisadores em todo o país,
os desafios de sua implantação e efetivação são visíveis para a maioria das comunidades
indígenas na região Oeste do Pará, seja por entraves relativos a políticas públicas não efetivadas
na prática, seja pela falta de clareza, dos atores envolvidos nesse processo, sobre o que de fato
é uma educação diferenciada. Nessa perspectiva, cabem as seguintes problematizações: Como
é que se faz a EEI diferenciada na prática? A EEI diferenciada é uma questão de método ou de
conteúdo? Qual a compreensão de educação diferenciada na perspectiva das escolas indígenas
da região do Baixo Tapajós?
Antes de apresentarmos as considerações a respeito dos questionamentos levantados
acima, é oportuno lembrar que, apesar dos desafios e entraves que se impõem à efetivação da
EEI na região do Baixo Tapajós, no estado do Pará, muitos avanços em prol da causa indígena,
especialmente quanto a Educação Escolar, são notórios. Com o protagonismo dos povos
indígenas e a ampliação dos dispositivos legais sobre EEI, houve um aumento considerável, na
região, das políticas públicas, dos programas e ações do Ministério da Educação (MEC) que
envolvem: formação de professores; ampliação de vagas nas escolas e universidades; ações
afirmativas para o acesso e permanência de estudantes indígenas nas universidades públicas;
criação de licenciatura intercultural indígena em universidades e Institutos Federais; Programa
Saberes Indígenas na Escola; construção, ampliação e reforma de escolas indígenas, dentre
outros avanços que gradativamente são consolidados, ampliando-se as oportunidades de acesso
e permanência de crianças e adolescentes à escola no estado do Pará.

109
Outra questão importante a ser mencionada é que esses T.I. na região Oeste do Pará
saíram da invisibilidade na qual viviam outrora e passaram a lutar pelos seus projetos,
possibilitando aos aldeados melhorias na qualidade de vida e no exercício da cidadania. Antes
disso, os moradores dessas comunidades eram socialmente conhecidos na região como
caboclos. A esse processo de ressurgimento da identidade indígena, os estudiosos denominam
de etnogênese. O termo é usado pelos antropólogos para se referir ao fenômeno social
correspondente ao processo histórico de configuração de coletividades étnicas resultantes de
migrações, invasões, conquistas ou fusões. Gersem dos Santos Luciano, do povo Baniwa,
explica que:

A “etnogênese” é um fenômeno em que, diante de determinadas circunstâncias


históricas, um povo étnico, que havia deixado de assumir sua identidade étnica por
razões também históricas, consegue reassumi-la e reafirmá-la, recuperando aspectos
relevantes de sua cultura tradicional. Em grande medida, o processo de etnogênese
ocorreu e ocorre em todas as regiões do Brasil. O que acontece é que em algumas
regiões, como a Nordeste, este fenômeno está tendo caráter mais impactante na
dinâmica sociocultural e política da região. (LUCIANO, 2006, p. 121).

Segundo estudos realizados pelo pesquisador Florêncio Almeida Vaz Filho 1, a maioria
das aldeias indígenas do estado do Pará passou pelo processo da etnogênese, de resgate
identitário ou de saída da invisibilidade, visto que, embora muitas comunidades não sejam mais
falantes de suas línguas maternas, conservam modos de vida e de organização social próprios,
orientados por um sentido de ancestralidade, utilizando conhecimentos tradicionais de seus
antepassados para o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis no território, tais como:
cultivo da mandioca para produção de farinha; sistema de troca de produtos entre as famílias;
criação de galinhas e porcos para o consumo diário; pesca e caça; extração de frutas nativas
para o consumo, dentre outros traços culturais que mostram a estreita vinculação dos aldeados
à Mãe-Terra, como estes costumam se referir à sua relação com o território.
O movimento indígena, na região, a cada dia vem se fortalecendo e ampliando as suas
possibilidades de participação social, buscando parcerias e abrindo-se ao diálogo com os
governos municipal e estadual na luta pela consolidação de políticas públicas do governo
federal que demoram a chegar efetivamente para os municípios da região Oeste do Pará. Além

1
Pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), cuja tese tem como título “A Emergência
étnica dos povos indígenas do baixo Rio Tapajós, Amazônia”, Florêncio é professor, antropólogo, ativista e frei
franciscano nascido em 16 de maio de 1964, no município de Aveiro; idealizador do Grupo Consciência Indígena,
que milita em prol da causa indígena na região Oeste do Pará.
110
disso, as Escolas Indígenas, nessa região, são referência para o fortalecimento da identidade
étnica dos territórios, não só por serem espaços de disseminação da cultura e da língua
originária, mas também por serem palco das lutas pelas principais demandas dos territórios.
Sobre as problematizações que levantamos anteriormente, percebe-se que muito se ouve
falar de EEI diferenciada, fundamentada na Resolução nº 5/2012, do CNE e em outros
dispositivos legais que amparam a educação escolar para povos indígenas. No entanto, esse
modelo diferenciado de educação não parece estar bem claro para a maioria das aldeias, não só
na região Oeste do Pará, mas também para escolas indígenas de outros estados brasileiros; com
exceção da região Sul, onde a implantação dessa proposta parece estar mais consolidada, tanto
pela compreensão dos próprios indígenas sobre escola diferenciada, quanto pelas políticas
públicas que de fato são implementadas, dando mais autonomia e favorecendo a gestão
democrática nessas escolas.
Na região Oeste do Pará, para a maioria das escolas indígenas, não está bem claro como
realmente o modelo de educação diferenciada deve acontecer na prática. Até então, as escolas
indígenas buscam valorizar a cultura e resgatar o pertencimento étnico a partir de medidas
simples, introduzindo no seu cotidiano escolar elementos que remetem à cultura de seus
antepassados, por meio de ações, tais como: ornamentação do educandário com adereços da
cultura indígena, frases de boas vindas na língua indígena originária; inclusão, no calendário
escolar, de festas e rituais (Semana dos Povos Indígenas; Semana da Mãe-terra; Noite Cultural
e Jogos Escolares Indígenas); no planejamento de algumas aulas, são previstas atividades de
exploração do entorno da escola, como igarapés, áreas de vegetação nativa e de exploração do
solo. Além disso, nas escolas indígenas, as turmas têm uma aula semanal das oficinas Notório
Saber e Língua Indígena.
Com relação às disciplinas e aos conteúdos, as escolas indígenas da região Oeste do
Pará adotam a mesma matriz curricular utilizada nas demais escolas não indígenas, com o
adicional dos componentes línguas indígenas (LI) - Nheengatu ou Munduruku - e Notório
Saber. Com relação ao componente LI, há na matriz curricular da SEMED uma sistematização
completa, com os seguintes elementos: eixo, subeixo, objetivos de aprendizagem e habilidades,
para cada uma das séries do ensino fundamental II, subentendendo-se que este componente é
proposto como uma disciplina da matriz curricular. Porém, efetivamente, nas escolas indígenas,
até o momento, esses componentes são ofertados como oficinas. Ou seja, os professores são

111
contratados como monitores que ensinam noções básicas da língua e da cultura indígena para
os alunos em apenas uma aula por semana em cada turma.
Sobre o Notório Saber, não há uma proposta sistematizada pela Secretaria de Educação
para esse componente curricular que oriente o ministrante na preparação de suas aulas. Neste
caso, o monitor/professor constrói seu plano de curso a partir dos processos próprios de sua
vida cotidiana, provenientes de uma formação consuetudinária de transmissão de valores e
comportamentos construídos pela interação social e profissional com seus pares. As aulas dessa
oficina têm como objetivo geral a transmissão de saberes da cultura indígena como resgate do
pertencimento étnico indígena dos estudantes. Assim como na oficina línguas indígenas
Nheengatu e/ou Munduruku, a oficina Notório Saber também é ministrada em uma aula por
semana em cada turma.
Quanto ao questionamento sobre a efetivação da EEI diferenciada ser uma questão de
conteúdos ministrados ou de métodos utilizados pelos professores, há os que defendem a tese
de que a metodologia de ensino é que faz a educação se tornar diferenciada. Ou seja, o
planejamento do professor, a sua metodologia de ensino deverá estar alinhada à realidade local
das aldeias, onde podem ser explorados elementos do meio ambiente para a construção dos
conhecimentos e desenvolvimento de habilidades nos educandos. Em outras palavras, cabe ao
professor da escola indígena ensinar os conteúdos das disciplinas buscando associar os
conceitos aos elementos concretos do mundo real para que a aprendizagem dos alunos seja
significativa.
No III Encontro de EEI do Baixo Tapajós, que ocorreu no mês de julho de 2023, na sede
do CITA, foi aprovada pela assembleia a proposta de inclusão das disciplinas Língua Indígena
e Notório Saber para a Matriz Curricular das Escolas Indígenas da região do Baixo Tapajós.
Segundo essa proposta, tanto para Notório Saber quanto para Língua Materna Indígena, deverão
ocorrer quatro aulas semanais nas séries do Ensino Fundamental I e II. A ideia é, com a
ampliação do número de aulas ministradas em cada turma, fortalecer a cultura e resgatar a
língua materna dos aldeados.
No entanto, como a mudança na matriz curricular das escolas implica na ampliação da
carga horária de contratação de professores, envolvendo recursos financeiros para o município,
essa proposta será submetida à apreciação do Conselho Municipal de Educação/CME.
Juntamente com essa proposta, será solicitado do poder público a realização de concurso para
os servidores das escolas indígenas que, na sua maioria, são temporários.
112
Na pauta da educação, o movimento indígena do Oeste do Pará reivindica também a
criação de uma Secretaria de Educação para as escolas indígenas, a construção das escolas no
padrão indígena, ou seja, na arquitetura de malocas e ainda a mudança do nome de algumas
escolas que receberam nomes de santos ou de colonizadores portugueses, por influência da
atuação dos jesuítas no século XVI. Com relação a estas duas últimas, o T.I. Munduruku do
Planalto já conseguiu a aprovação da mudança do nome da Escola D. Pedro II, na Aldeia
Açaizal, que passou a se chamar “Wapurun-tip”, que significa, na língua Munduruku,
“Açaizal”. Outra conquista desse território foi o início das obras de ampliação da Escola Polo
Wapurun-tip, onde estão sendo construídas salas na arquitetura de malocas, como reivindicado
pelos moradores.
Dentre as ações que podem viabilizar a efetivação de uma educação diferenciada em
conformidade com a realidade das aldeias do Baixo Tapajós, há a alternativa de construção de
materiais didáticos e projetos de ensino interdisciplinares que contemplem as especificidades
das comunidades, considerando que uma das queixas dos professores é sobre os livros didáticos
fornecidos pela SEMED, cujos conteúdos e propostas de atividades são totalmente distantes da
realidade local e não contemplam ou valorizam a cultura indígena.
No município de Aveiro, no estado do Pará, já se pode notar avanços mais significativos
na EEI ofertada. Foi aprovada, nesse município, a nova Matriz Curricular na qual as disciplinas
da Base Nacional Comum Curricular/BNCC aparecem correlacionadas aos conhecimentos
indígenas: Língua Portuguesa e Conhecimentos Tradicionais; Matemática e Conhecimentos
Tradicionais; Ciências e Saberes Tradicionais; Práticas corporais indígenas e esportivas (Ed.
Física); Geografia e Contextos Locais; História e Historiografia Indígena; Estudos Amazônicos
e Territorialidade Indígena; Ensino Religioso e Cosmologias Indígenas; Ensino da Arte e
Mitologia e Cultura.
Em Santarém, a nova proposta de matriz curricular mantém as disciplinas da BNCC,
sem alteração da nomenclatura, porém, com o adicional dos componentes Notório Saber e
Língua Indígena (LI) - Nheengatu e Munduruku -, com a carga horária de quatro aulas semanais
em cada turma, tanto para séries iniciais quanto para as séries finais do ensino fundamental.
No entanto, com a aprovação das LI para o currículo, surge a demanda de capacitação
dos professores para ministrar essas línguas. Assim como os docentes de Língua Portuguesa/LP
são qualificados para ensinar o aluno a ser proficiente em LP, do mesmo modo os professores
de línguas indígenas precisarão de capacitação para ministrar essas disciplinas para que de fato
113
os alunos sejam proficientes na LI. Logo, a proposta de quatro aulas semanais de LI vai exigir
capacitação dos professores para o exercício da docência na área de conhecimento em que este
profissional atua. Até então, como oficina, esse ensino ocorre em apenas uma aula semanal, o
que não é suficiente para alfabetizar os alunos indígenas para que se tornem falantes de
Nheengatu ou Munduruku como segunda língua.
Em visita in loco a algumas aldeias da região, foi possível perceber pouca autonomia
das escolas em relação à gestão da educação e métodos de avaliação da aprendizagem.
Prevalecem as orientações da SEMED de Santarém como nas demais escolas não indígenas,
sendo mínima a autonomia das escolas indígenas. Dentre as propostas previstas nas Diretrizes
de EEI construídas pelos povos Munduruku e Apiaká do Planalto santareno, tem-se a indicação
de maior autonomia das escolas indígenas nas tomadas de decisões, metodologias de ensino e
processos próprios de avaliação da aprendizagem dos alunos.
Outro importante avanço rumo à consolidação de uma educação escolar que atenda aos
anseios dos povos indígenas do Pará é o despertar para a construção do Projeto Político
Pedagógico Indígena (PPPI). A maioria das escolas segue um PPP sugerido pela SEMED que
em nada se diferencia das escolas não indígenas. Algumas escolas já conseguiram construir o
seu próprio PPPI e outras estão em fase de discussão e elaboração coletiva desse instrumento
norteador para a efetivação de uma educação escolar específica e diferenciada.
Quanto à falta de clareza sobre como operacionalizar esse modelo diferenciado de
educação nas aldeias em substituição aos modelos de educação nacional impostos ao longo da
história, já que tais modelos não correspondem aos interesses políticos das populações
indígenas e aos modos de ensinar próprios da sua cultura, o próprio RCNEI reconhece os
desafios para a efetivação dessa proposta, fazendo a seguinte consideração: “o maior entrave
para a proposta de uma educação diferenciada é o desconhecimento de como operacionalizar,
nas práticas cotidianas da sala de aula, os objetivos que se quer alcançar…” (RCNEI, p.12,
1998)
Segundo Teixeira & Lana (2012), uma educação diferenciada para populações indígenas
é aquela que respeita a condição de diferença cultural e linguística e ainda valoriza as formas
tradicionais de conhecimento da comunidade onde a escola está inserida. Em suas palavras,

No processo de afirmação do direito dos povos indígenas à educação, consagrou-se a


ideia de que essa educação não deve ser a mesma oferecida pelo Estado aos demais
nacionais, mas deve respeitar a condição de diferença cultural e linguística e as formas
tradicionais de conhecimento, além de procurar oferecer igualdade de condições de
114
acesso e qualidade do serviço público com relação aos demais nacionais do Estado. A
isso se chamou educação diferenciada (...) (TEIXEIRA & LANA, p. 122, 2012)

Parece-nos que, gradativamente, a partir das discussões sobre EEI e sobre as


especificidades de cada uma das aldeias, o entendimento sobre como a educação diferenciada
pode se efetivar vai sendo construído pelos sujeitos envolvidos nesse processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, a EEI diferenciada passa pela questão do fortalecimento étnico e do resgate da


cultura e da identidade dos povos indígenas, cujo pertencimento a uma população reconhecida
pela legislação brasileira como diferenciada por seus valores, tradições e saberes ancestrais,
deve ser motivo de orgulho.
Além disso, a identidade indígena, refletida na educação escolar diferenciada, perpassa
pela posse do território, pela preservação e uso coletivo dos recursos naturais que garantem a
subsistência dessas populações e pela formação de sujeitos políticos com autonomia para
decidir sobre seus projetos de futuro, não deixando morrer a sua memória histórica, ao mesmo
tempo em que deve possibilitar o acesso aos conhecimentos ocidentais para o pleno exercício
da cidadania.
Contudo, observa-se que a EEI diferenciada na região Oeste do Pará é recente e os atores
envolvidos nesse processo estão gradativamente se apropriando desse modelo que está sendo
pensado coletivamente e, aos poucos, incorporado às práticas escolares. Nota-se que essa
proposta de escola diferenciada encontra arrimo nos componentes curriculares Notório Saber e
Línguas Indígenas (Nheengatu e Munduruku) que acabam por assumir a função de resgatar a
cultura e os saberes tradicionais das etnias. Nas demais disciplinas curriculares, as atividades
didático-pedagógicas são semelhantes à proposta educacional das escolas não indígenas.
Esporadicamente, alguns conteúdos são ministrados em atividades de campo, a partir das quais
os alunos são levados a refletir sobre seu pertencimento étnico e sobre os saberes ancestrais que
orientam os modos de vida nas aldeias.
Em linhas gerais, as escolas indígenas do Baixo Tapajós parecem compreender que a
escola diferenciada passa pela valorização da cultura e do pertencimento étnico dos alunos, sem
deixar de lado os conhecimentos ocidentais, em consonância com o Artigo 78, da LDB, onde
se preconiza que “a educação escolar para os povos indígenas serve para a reafirmação étnica,

115
recuperação de suas memórias históricas, valorização de sua língua e ciências, além de
possibilitar o acesso a informações e conhecimentos valorizados pela sociedade nacional”,
visando à preparação dos estudantes para o exercício de uma atividade remunerada, em busca
de igualdade de condições em relação à população não-indígena.

REFERÊNCIAS

BANIWA, Gersem. Territórios Etnoeducacionais: Um novo paradigma na política


nacional brasileira. Conferência Nacional da Educação/Conae; Brasília-DF; 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 05/07/2022

BRASIL. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção 169 da Organização


Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.httm. Acesso em
05/07/2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Documento final da I Conferência Nacional de Educação


Indígena. Luziânia-Go, de 06 a 20 de novembro de 2009. Disponível em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/deliberacoes_coneei.pdf

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB n. 5, de 22 de junho de 2012. Define


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil: seção 1, p. 7, 25 jun. 2012. Brasília-DF: Poder
Executivo, 2012.

BRASIL. Plano Nacional de Educação PNE 2014-2024. Instituto Nacional de Estudos e


Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília, DF: INEP, 2015. Disponível em:
https://download.inep.gov.br/publicacoes/institucionais/plano_nacional_de_educacao/plano_n
acional_de_educacao_pne_2014_2024_linha_de_base.pdf

LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos
indígenas no Brasil de hoje. Coleção: Educação para todos. Edições: MEC – Unesco - Brasília,
2006. Disponível em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/indio_brasileiro.pdf

TEIXEIRA, Vanessa Corsetti Gonçalves & LANA, Eliana dos Santos Costa.
Interculturalidade e direito indígena à Educação - A política pública de formação
intercultural de professores indígenas no Brasil. In: Educação em foco, Juiz de Fora, v. 17,
p. 119 -150, março - junho de 2012.

VAZ FILHO, Florêncio Almeida. A Emergência étnica dos povos indígenas do baixo Rio
Tapajós, Amazônia. Tese, 446 f, doutorado em Ciências Sociais – Programa de Pós-graduação
em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
116
ENTRE INCERTEZAS, TENSÕES E NEGOCIAÇÕES, OU… DOS PROCESSOS DE
(DES) CONSTRUÇÃO DE UMA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Gustavo dos Santos Souza (Bolsista CAPES/UCDB)


gustaucdb@gmail.com

Resumo: O escrito em tela objetiva apresentar as inquietações emergidas no contexto do


desenvolvimento de uma pesquisa de doutorado em Educação, situada no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco - PPGE/UCDB. As reflexões
do artigo foram realizadas em articulação com as produções de Cortesão (2011), Candau (2011;
2014), Gallo (2006), Mignolo (2017), Fleuri (2014), Bhabha (1998) e Hall (2014; 2020). Pode-
se finalizar este trabalho, provisoriamente, com a concepção de que a construção da pesquisa,
mais especificamente na educação e com a perspectiva teórica supracitada, não se mostra
enquanto um processo linear, sendo constantemente atravessada por descaminhos e
desconstruções teóricas, epistemológicas e também afetadas pelas experiências vivenciadas
pelo protagonista nesse processo.

Palavras-chave: Pesquisa em educação. Negociações. Tensões.

Inicio apresentando-me enquanto um indivíduo que vêm se desconstruindo e


reconstruindo constantemente, e que reconhece as oscilações que acontecem nesses processos
conforme os caminhos que são trilhados, mais especificamente no meio acadêmico. Minha
trajetória iniciou-se na graduação, que foi realizada na Universidade Católica Dom Bosco onde
cursei Licenciatura plena em História. A partir desse ingresso, pude experimentar de
possibilidades interculturais - ainda que não identificadas por mim, na época - por meio de
minha entrada no Núcleo de Estudos e Pesquisas dos Povos Indígenas - NEPPI/UCDB, no qual
fui extensionista e pesquisador de iniciação científica.
Estive pesquisando durante dois anos sobre os Guarani Kaiowá na documentação
histórica do Serviço de Proteção aos Índios - SPI e mais um ano no projeto intitulado “O
PROTAGONISMO INDÍGENA NO MATO GROSSO DO SUL EM ESTUDOS DE
AUTORIA ETNOGRÁFICA: reflexões sobre pedagogias, escolas, crianças/infâncias e
historiografia”. Dessa maneira, tanto a extensão, quanto a iniciação científica, estiveram, físico
e simbolicamente - no campo da pesquisa -, marcadas pela presença da diversidade étnico-
cultural indígena, sendo eu afetado por esses ambientes e sujeitos.

117
Segui com as pesquisas no âmbito das questões indígenas, ingressando no mestrado em
Educação da UCDB, porém dessa vez direcionando o foco ao Programa Rede de Saberes, cujo
é uma iniciativa da UCDB em articulação com outras universidades, na expectativa de
contribuir para o acesso e a permanência de acadêmicos indígenas no ensino superior.
Recentemente finalizei o curso de Mestrado em Educação pela Universidade Católica
Dom Bosco, tendo defendido a dissertação intitulada “O Programa Rede de Saberes da
Universidade Católica Dom Bosco: potencialidades decoloniais”, onde discuti a respeito da
iniciativa supracitada a partir dos olhares de egressos indígenas que se formaram por meio do
Programa.
Teoricamente, entrelacei aos desenrolares da pesquisa de mestrado algumas reflexões
construídas a partir da aproximação com o campo dos Estudos Culturais, abrangendo as
investigações sobre as produções e negociações de identidades e diferenças, e também dos
estudos Decoloniais, dos quais apresentam análises e propostas pedagógicas-sociais que visam
o rompimento com as concepções modernas produzidas a partir de um paradigma branco,
hétero, cristão, europeu e, até os dias atuais, ainda masculinizado.
Friso que, durante a vivência do mestrado, reconheci que anteriormente - durante a
graduação - estive distante de uma perspectiva conjunta de construção de pesquisa, visto a
solidão e frieza de uma análise documental conduzida sob os moldes do “ofício do historiador”
e o arraigado cartesianismo que me acompanhava. Mesmo que não conscientemente, fazia
investigação sob uma cientificidade carregada de arrogância, com a ideia de que tinha a
autonomia, o conhecimento e a legitimidade para pesquisar sobre alguém.
Ao me dar conta disso, dei início a uma incômoda e teórica peleja. Desmantelar
subjetivamente concepções produzidas pelo e no discurso moderno/colonial, foi e segue sendo
um embate constante. Apesar disso, consigo hoje enxergar e valorizar os processos de
construção colaborativa, no sentido de que vejo agora as pessoas como interlocutoras da
pesquisa e não mais objetos; tenho agora, a expectativa de uma produção conjunta, colaborativa,
participativa, coletiva, ou seja, pesquisar tendo em vista

[...] a construção de um conhecimento empírico que colabora para o


desenvolvimento da pesquisa acadêmica, onde a academia passa a ser um
meio de expressar, lutar e reivindicar, pautas que surgiram a partir da
convivência dentro do campo pesquisado e assim, passamos a escrever com
mais propriedade, porque essas vivências permitem-nos escrever de dentro da
realidade dos indígenas, pensar com eles e não mais sobre eles (Colman;
Souza, 2021, p. 175).
118
Por meio das leituras e vivências citadas anteriormente, têm sido possível a realização
de auto reflexões, em que tenho tido a oportunidade de desconstruir muitos conceitos que até
então eram vistos por mim, como uma verdade absoluta. Revisitando minha trajetória
acadêmica e pessoal, percebi, com amparo teórico, que sou fruto de uma sociedade marcada
por condições impostas por um processo de colonização que não se findou com a suposta
dissociação do colonialismo.
Ainda hoje se mantêm estruturas de poder e dominação que produzem indivíduos e
subjetividades permeados por um ideal organizacional colonial, onde determinam-se
hierarquicamente as posições e os espaços que são ocupadas na sociedade e quais sujeitos
podem e/ou “devem” ocupá-los (Quijano, 2005). Dentro desta lógica, classificam-se
identidades étnico-culturais, sociais ou de gênero, de forma que aqueles que fogem à
mesmidade hegemônica, são negativamente marcados e estereotipados - pelo discurso colonial
- em sua diferença (Bhabha, 1998).

o estereótipo pode ser visto como forma particular fixada no sujeito,


que facilita as relações coloniais e estabelece uma forma discursiva de
oposição racial e cultural em termos do qual é exercido o poder colonial
(Bhabha, 1998, p.121)
À essa retrógrada relação/organização dá-se o nome de colonialidade, cujo termo refere-
se “a lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização ocidental desde o
Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma dimensão constituinte”
(Mignolo, 2016, p.2).
Nesse sentido, a organização das sociedades colonizadas fundam-se sob uma hegemonia
discursiva global/ocidental que subalterniza a vida humana, tendo como critério para a
validação dessa ação a questão racial e patriarcal (Mignolo, 2016). Dessa forma, fica explicita
a retórica do discurso moderno que legitimava a escravização dos povos africanos e indígenas
por meio de uma pseudo-superioridade cultural e epistemológica vinculada à religião de matriz
cristã, cuja base era masculina, branca, europeia e heteronormativa, demonizando a diferença
religiosa, étnico-racial, de gênero e sexualidade.
Ao investigar e compreender o processo histórico de constituição das sociedades
colonizadas, torna-se um pouco mais inteligível a infeliz contemporaneidade de alguns
discursos como o racismo, o machismo, a lgbtfobia e outros proferimentos de matriz colonial.
Estar ciente de que fomos produzidos e ainda somos afetados por esse processo não justifica a

119
propagação e perpetuação de tais discursos, mas nos possibilita o questionamento deles.
Questionar, tensionar, desconstruir, são posicionamentos que visam e podem contribuir para o
rompimento das condições que nos foram impostas. Posturar-se dessa forma é esforçar-se
analiticamente “para entender, com o intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da
retórica da modernidade, a estrutura de administração e controle” (Mignolo, 2016, p. 6) advinda
da colonização.
O caminho não se finda ao reconhecer tal necessidade de rompimento, na verdade, é aí
que ele começa. Entretanto, visto a amplitude da modernidade em suas múltiplas dimensões,
atendo-nos ao campo acadêmico, o que foi, e permanece sendo, o discurso moderno? A
tentativa de universalização da produção do conhecimento manifesta-se enquanto pilar
constituinte do discurso moderno, onde dele emerge uma disciplinarização que estabelece os
parâmetros para a produção dos saberes, visando a objetividade e a “universalidade do
conhecimento, para que o mesmo possa ser reconhecido como válido e verdadeiro”(Gallo,
2006, p. 556). Estamos vivenciando uma pós-modernidade, porém não em um sentido de que a
superamos, mas sob uma lógica de intensificação do discurso moderno, ou melhor dizendo,
uma hipermodernidade (Gallo, 2006).

[...] o projeto moderno constituiu-se em torno da construção de um método


‘universal’ para a produção do conhecimento. Em termos filosóficos, essa
busca se inicia com Descartes e com a defesa da universalização do método
matemático e termina (se é que terminou...) com Husserl e a proposta do
método fenomenológico, manifestamente querendo superar os problemas do
cartesianismo, que o impediram de lograr êxito em seu intento, buscando fazer
da filosofia uma ciência de rigor. (Gallo, 2006, p. 556, grifo meu)

Diante dessa modernidade tardia, esse discurso (moderno/colonial) tem se perpetuado


com outras roupagens, metamorfoseando-se conforme o tempo, os espaços e as condições.

Retomo essa ideia que Deleuze e Guattari desenvolveram em O anti-Édipo


(1976), quando mostram que o capitalismo é capaz de se metamorfosear.
Quanto mais nos aproximamos de seus limites históricos, o que poderia
significar uma crise e sua superação, mais os limites são alargados,
elasticamente sendo colocados mais além. O capitalismo escapa e nos escapa;
e assim permanece, embora não seja sempre o mesmo. Não será algo análogo
o que temos assistido nos debates em relação à modernidade e sua superação?
As novas feições, talvez apressadamente demais denominadas de pós-
modernidade, não serão nada mais do que as metamorfoses do projeto
moderno, que assume novas feições, na medida em que suas realizações não
nos satisfazem? (Gallo, 2006, p. 556)

120
Historicamente o cenário acadêmico foi construído sob a retórica da moderna
rigorosidade científica e grande parte das produções continuam sendo confeccionadas ante os
moldes ocidentais. “Novas” produções surgem, com discussões contemporâneas, porém ainda
fundamentadas sob os critérios modernos de validação. Metodologia, objetos de pesquisa,
objetivos, introdução, desenvolvimento e conclusão, todos estes determinam sistematicamente
o delineamento de um trabalho “legitimamente” científico. Produções e saberes que fogem ao
arquétipo, não apresentam a dita rigorosidade necessária para serem reconhecidos.
Dessa maneira, sabendo da dimensão epistemológica enquanto um pilar do projeto
moderno (Gallo, 2006), percebe-se a colonialidade do saber (Quijano, 2005), manifestando-se
de forma a afirmar e perpetuar o pressuposto eurocêntrico de produção do conhecimento que
“descarta a viabilidade de outras racionalidades epistêmicas e de outros conhecimentos que não
sejam os dos homens brancos europeus ou europeizados, induzindo a subalternizar as lógicas
desenvolvidas historicamente por comunidades ancestrais”(Fleuri, 2014, p. 93). Nesse
contexto, visto a multiplicidade de possibilidades metodológicas e epistemológicas que
abrangem, a educação e a pesquisa nesse campo não estão alheias à modernidade.
Na educação contemporânea, e ainda com um caráter moderno, estrategicamente são
estabelecidos os paradigmas que organizam a educação, sendo perceptível que estes não
contemplam as nuances que a esfera educacional apresenta. Somado a isso, ainda manifesta-se
a compreensão de currículo enquanto um conjunto de disciplinas que serão ministradas em
cronogramas e espaços específicos, epistemologicamente reproduzindo a lógica da dominação
colonial (colonialidade do saber).

O currículo historicamente tem expressado aspectos ou dimensões da cultura


valorizada em determinada época e sociedade. Se o entendimento que se tem
de currículo é o que se refere ao conjunto de matérias de um curso, a relação
ensinar-aprender dá-se a partir de um corpo organizado de conhecimentos que
se transmite sistematicamente na instituição escolar, nos limites da sala de
aula, numa mesma estrutura gradeada e hierarquizada que distribui as
disciplinas de acordo com a “relevância” de cada uma delas (Passos, 1999,
p.62, grifo meu).

Apesar do foco da autora estar na relação didática que os(as) professores(as)


estabelecem quanto ao que será ministrado, ela exibe ligeiramente como a colonialidade do
saber opera. Os conteúdos postos nos currículos escolares, organizados de modo que,
enfaticamente, se tenha a prioridade voltada à forma(ta)ção de sujeitos funcionais, manifestam
121
o discurso tecnocrático e empresarial que o capitalismo perpetua. Além disso, analisando a
organização curricular, é possível perceber que há uma vontade de poder/dominação por meio
do e nos processos educacionais, uma vez que visualiza-se um parâmetro cultural de
intencionalidade hegemônica, cujos “ensinamentos” direcionam os indivíduos a uma
incorporação societal e epistemológica através de “uma única educação para todos”.
Tal expressão curricular manifesta um caráter assimilacionista. Este projeto, herança
colonial e perpetuado pela colonialidade, é instaurado de forma que reconhece a existência da
diversidade, de uma multiculturalidade, entretanto somente em seu sentido descritivo, pois esta
proposta visa

[...] que todos se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura


hegemônica. No entanto, não se coloca em questão a matriz estrutural da
sociedade. Procura-se assimilar os grupos marginalizados e discriminados aos
valores e conhecimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica.
No caso da educação, promove-se uma política de universalização da
escolarização. Todos são chamados a participar do sistema escolar, mas sem
que se problematize o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no
que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes
atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados, etc.
(Candau, 2014, p. 37, grifo meu)

O campo da educação é constituído por complexidades, não somente pelo seu caráter
multi, mas também pelos desafios que a colonialidade impõe ao acentuar perspectivas como
acima descrita por Candau (2014). Por isso, é compreensível que haja certas dificuldades ao
investigar esse contexto. No cenário acadêmico, o processo histórico de constituição das
pesquisas sobre a educação foi e continua sendo fortemente marcado pelo discurso
moderno/colonial.

[...] sabe-se bem que o estatuto de ciência foi sendo construído, desde há
muito, num contexto epistemológico que foi dando forma, solidez e
respeitabilidade, ao conceito Galileano do que deverá ser uma verdadeira
ciência. Assim sendo, ao afastar-se dos cânones estabelecidos cujo estatuto é,
frequentemente, considerado inquestionável, ao recorrer a práticas que
transgridem normas tradicionalmente consideradas como sendo as únicas
válidas, as Ciências da Educação tornaram-se de facto vulneráveis (Cortesão,
2012, p. 720).

Apesar de certa fragilidade, o campo da Educação, em suas dimensões práticas e


teóricas, apresenta uma ampla e diversificada complexidade a ser compreendida. É justamente
tal complexidade diversa, presente no âmbito da educação, que têm o constituído enquanto um
importante meio de intervenção e tensionamento das concepções coloniais que o fundaram, e
122
por isso “podemos defender que, a natureza mestiça e poliglota das ciências da educação é,
simultaneamente, um factor de vulnerabilidade (sobretudo no mundo acadêmico) mas, sem
dúvida, também uma fonte de riqueza (Cortesão, 2012, p. 722).
Dito isso, a educação pode ter sido considerada frágil, do ponto de vista da cientificidade
moderna, devido ao fato de que sua complexidade (e nenhuma outra) não pode ser
compreendida de maneira “total”. Entretanto, a mesma crítica moderna sobre a dita
“fragilidade” do contexto multifacetado da educação exibe a insuficiência da epistemologia
moderna/colonial enquanto única possibilidade cognitiva, o que enfatiza ainda mais a
necessidade de produzirmos novas abordagens teórico-metodológicas suficientemente flexíveis
para caminharmos rumo à compreensão das complexidades dos contextos educacionais.
Enquanto resposta contra-hegemônica à moderna constituição do campo da educação,
emerge a Educação Intercultural ou mesmo uma perspectiva da Interculturalidade. Tal
interculturalidade não pode ser interpretada de maneira funcional ou confundida com um
multiculturalismo assimilacionista, em se reconhece a existência de múltiplas culturas, porém
manifesta-se uma política de homogeneização, de modo que expõe uma concepção binária de
cultura (alta e baixa cultura) e revela a cultura hegemônica da sociedade, no qual pretende-se
que as diferenças sejam integradas à normalidade hegemônica.

A abordagem assimilacionista parte da afirmação de que vivemos numa


sociedade multicultural, no sentido descritivo. Uma política assimilacionista -
perspectiva prescritiva - vai favorecer que todos se integrem na sociedade e
sejam incorporados à cultura hegemônica. No caso da educação, promove-se
uma política de universalização da escolarização. Todos e todas são chamados
a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter
monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos
do currículo, quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias
utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. (Candau, 2011, p.
246)

Dessa forma, quando se pensa em interculturalidade na educação, esta reflexão deve


estar articulada à uma criticidade, cuja concepção política e epistêmica entende culturas
diferentes enquanto contextos complexos e que
[...] a relação entre elas produz confrontos entre visões de mundo diferentes.
Essa educação favorece a construção de um projeto comum, mediante o qual
é possível integrar dialeticamente as diferenças. Sua orientação está focada na
construção de uma sociedade plural, democrática e eminentemente humana,
capaz de articular políticas de igualdade com políticas de identidade (Fleuri,
2014, p. 91).

123
Assim sendo, assumir a interculturalidade enquanto perspectiva crítica de
tensionamento - e com a expectativa de rompimento - do discurso moderno/colonial, abre
espaço para que, teórico-metodologicamente, sejam trilhados outros caminhos no campo da
pesquisa em educação. Dessa forma, na atual condição em que me encontro, enquanto
doutorando em Educação, estou iniciando a construção de trajetos metodológicos que me
auxiliem na investigação que desejo realizar. E, na expectativa de fabricar caminhos divergentes
à lógica epistemológica moderna/colonial na pesquisa em educação, trago comigo uma
concepção mais flexível e sensível no que se refere ao processo de produção acadêmica, pois
considero que, enquanto pessoas pesquisadoras,

[...] necessitamos ser abertas e flexíveis; não podemos ser rígidas em nenhum
instante desse pesquisar, porque precisamos estar sempre abertas a modificar,
(re)fazer, (re)organizar, (re)ver, (re)escrever tudo aquilo que vamos
significando ao longo da nossa investigação. A inquietação constante, a
experimentação, os (re)arranjos, o refazer, o retomar inúmeras vezes é parte
do nosso modo de fazer pesquisa. (Meyer; Paraíso, 2014, p. 43)

Destarte, enquanto pesquisador no campo da Educação, estou imerso nesse processo de


produção acadêmica com o intuito de investigar a forma como as identidades e diferenças de
professores Guarani Kaiowá da aldeia Taquaperi (Coronel Sapucaia-MS) desconstroem,
traduzem ou mesmo negociam com a epistemologia ocidental.
Dito isso, converso também, teórico-metodologicamente, com Bergamaschi e Souza
(2016) quando opto por construir minha investigação não só com a observação, mas também
no diálogo com os professores Guarani Kaiowá, pois acredito que, dessa forma, tenciono um
positivismo/cartesianismo fortemente presente na formação do historiador, escolhendo
aproximar-me do campo para pesquisar junto dos professores indígenas de Taquaperi (Coronel
Sapucaia - MS).

[...] para falar a partir do que pensam os grupos e as pessoas com as quais
pesquisamos e convivemos, há a necessidade de sair da lógica da razão e
seguir o caminho do aprofundamento teórico-afetivo, sinalizado por um
pensamento flexível e intuitivo. (Bergamaschi, Souza, 2016, p. 216)

Isso pode soar como um distanciamento da sistematização da pesquisa à maneira


estreitamente cartesiana, atribuída pela modernidade como única forma possível de se fazer
“ciência” (Meyer; Paraíso, 2014). Poderia então dizer que esse posicionamento teórico-
metodológico é um processo de flexibilização metodológica que não prejudica o rigor da
pesquisa, pelo contrário, viabiliza a vivência e os afetamentos do campo empírico a partir da
124
observação minuciosa junto de uma escuta sensível e atenta das vozes dos professores Guarani
da aldeia Taquaperi.
E nesse sentido, para a realização da pesquisa supracitada, aproximo-me da perspectiva
pós-crítica das pesquisas em educação, visto que nela enxergo a possibilidade de, se necessário,
articular teórico-metodologicamente com outras perspectivas tensionadoras do paradigma
científico moderno, tendo a convicção de que

[...] articular implica reconhecer que é preciso pensar sem querer suprimir as
diferenças. Implica também não poder contar com a hipótese alentadora de,
no resultado final, haver uma unidade. Ao invés de unidade, haverá
proliferação de diferenças (Backes, 2005, p.1)

Sendo assim, para desenvolver o estudo anteriormente mencionado e na expectativa de


construir uma pesquisa intercultural, busco a articulação entre os campos dos Estudos Culturais
e Decoloniais, pois do diálogo entre estas emergem possibilidades de análises que podem,
contribuir interculturalmente na construção de

[...] uma produção efetivamente plural de sentidos e lugares sociais, a partir


da compreensão de que os significados podem ser reelaborados no processo
de interação social, pelo estabelecimento de contextos relacionais que
inventem outras políticas de verdade [...] onde se torna possível, como propõe
Bhabha, a dissolução de preconceitos e estereótipos, a substituição de
verdades absolutas e dogmáticas, a percepção de que existem outras
modulações para os significados enrijecidos e cristalizados. (Azibeiro; Fleuri,
2012, p. 280)

Desse modo, além das leituras, para pesquisar sobre as identidades e diferenças dos
professores Guarani e Kaiowá da aldeia Taquaperi, têm sido necessário aprofundar-me sobre a
perspectiva tradicional Guarani Kaiowá e sua relação com a sociedade ocidental.
À vista disso, para pensar sobre as identidades no contexto da educação, sob a
perspectiva dos professores Guarani Kaiowá, é preciso compreender os processos de
negociação, as traduções e os espaços de fronteira que emergem do contexto educacional em
que os professores(as) são indígenas, sejam em escolas indígenas ou não. Antes disso, é
necessário frisar que não falo de identidade enquanto um conceito moderno, mas a partir da
ressignificação em que o sujeito deixa de ser visto como “unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela
primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia” (Hall, 2020, p.10). Isso porque,
segundo Hall (2014), temos identidades plurais e elas manifestam-se de acordo com os espaços

125
que transitamos, sendo construídas nestes e por estes espaços e das relações com os sujeitos que
ali estão.
as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso
implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio
da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente
aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamado de exterior constitutivo,
que o significado ‘positivo’ de qualquer termo - e, assim, sua ‘identidade’-
pode ser construído (Hall, 2014, p. 110).

Portanto, para compreender o processo de construção da identidade do professor


Guarani Kaiowá, torna-se extremamente significativo analisar os atravessamentos que
emergem dos entre-lugares (Bhabha, 1998) vivenciados por eles. Esses espaços possibilitam o
diálogo entre diferentes culturas e, destas relações, as traduções (Hall, 2020) que passarão a
constituir as subjetividades dos sujeitos que transitam por esses lugares.

O povo Kaiowá precisa fortalecer a sua identidade tradicional, mas também


refletir sobre as outras culturas, que já não estão mais na periferia da cultura
tradicional, mas presentes no cotidiano, complementando o modo de ser
tradicional. O que era de “fora” se tornou parte do “dentro”, transitando sem
obstáculos. Entretanto, os conhecimentos tradicionais precisam também estar
na vida atual e em diversos campos acadêmicos e de pensadores. (Lescano,
2016, p.49)

Isto posto, no diálogo teórico com o intelectual indígena Claudemiro Lescano (2016),
percebo que para os Guarani Kaiowá, estar inserido em um contexto em que se relacionam as
culturas presentes na sociedade contemporânea, além das possibilidades de hibridização
(Bhabha, 1998), aflora também o sentido de preservação da tradição cultural do povo Kaiowá.
Por sua vez, a tradição cultural perpassa a produção da identidade do indígena que, enquanto
docente, terá sempre, em maior ou menor grau, influência dos saberes tradicionais que
atravessaram sua formação enquanto sujeito Guarani Kaiowá.

Efêmeras considerações

Impossível de concluir neste momento, visto não somente o caráter transitório do


conhecimento mas também o fato de que a pesquisa aqui citada ainda está se desenvolvendo,
trago provisórias considerações acerca do escrito em tela.
Esta foi uma tentativa de apresentar o esboço de uma pesquisa em educação,
considerando os seus constantes processos de desconstrução e reconstrução, englobando

126
empiria e teoria, e apresentando-a de modo a também criticar os moldes cartesianos de
legitimação da produção acadêmica. Não totalmente dessalinizada da ciência moderna, mas
avessa a algumas divisões tradicionais de um artigo (introdução, metodologia, desenvolvimento
e conclusão), manifesto-me através de uma escrita fluída e carregada de inconclusões,
incertezas, tensões e negociações.
Inconclusões, pois seria extremamente audacioso, além de arrogante, em julgar-me
suficientemente detentor de um conhecimento completo, sobre qualquer que seja o assunto.
Incertezas, pois estou trilhando um novo caminho que até então não tinha proximidade. O ofício
do historiador me chamava a atenção; lidar com documentos e materiais antigos me era atrativo,
entretanto, ao vivenciar os processos reflexivos e questionadores que a interculturalidade
viabiliza, agora, afeiçoo-me mais com a possibilidade de poder estar junto com grupos, povos,
pessoas e saberes outros, que desestabilizem ainda mais as minhas, até então, certezas.
Tensões, pois os atravessamentos que têm oportunizado a emergência das reflexões aqui
postas, foram, e continuam sendo, angustiosos, no sentido de que vivenciar relações
interculturais onde identidades e epistemologias diferentes se encontram, causam conflitos
simbólicos que tensionam convicções e verdades até então absolutas.
Por fim, negociações teóricas e metodológicas-empíricas. Múltiplas teorias apresentam
múltiplas possibilidades de análise e, nesse sentido, aproximar-me mais de uma ou outra, torna-
se um processo de negociamento, pois afloram-se necessidades de aceitação, afrouxamento,
afirmação, sendo todos estes aspectos constitutivos desse processo. Metodologicamente, muitas
são as ferramentas e concepções da ciência moderna que acreditam ser suficientemente eficazes
para “coletar” as informações do campo de pesquisa e, quase todas elas definem suas
aplicabilidades à priori. Entretanto, poucas perspectivas apresentam a versatilidade de se deixar
afetar pelo campo de pesquisa, de modo que ele apresente a necessidade de ferramentas que
possam compreendê-lo. Dessa forma, coloco-me enquanto um investigador que não têm uma
caixa de ferramentas para atender ao campo, mas sim um pesquisador que intenta bricolar com
o campo, com a compreensão de que “a pesquisa é um processo interativo influenciado pela
história pessoal, biografia, gênero, classe social e etnia, dele e daquelas pessoas que fazem parte
do cenário investigado (Neira, Lippi, 2014, p. 611).

REFERÊNCIAS

127
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emergentes na educação popular. In: GARCIA, Regina Leite (Org.). Diálogos Cotidianos. DP,
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128
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129
IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC EM ESCOLAS INDÍGENAS- UM ESTUDO NA
PERSPECTIVA DA DECOLONIALIDADE E DA INTERCULTURALIDADE1

Daftali Jefferson Sobral Carneiro (PPGEDU/FAED/UFGD)


daftalisobral@hotmail.com

Marta Coelho Castro Troquez (PPGEDU/FAED/UFGD)


martatroquez@ufgd.edu.br

Resumo. Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa de mestrado em andamento, a


qual atenta para a Educação Escolar Indígena (EEI) e suas singularidades. Desde a Constituição
Federal de 1988, os indígenas possuem o direito a uma educação diferenciada com a garantia
da utilização de suas línguas próprias no ensino, porém a imposição da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) trouxe grandes desafios às escolas indígenas. Pretendeu-se, portanto,
responder à questão: Como as orientações da BNCC podem impactar na reformulação
curricular das Escolas Indígenas e qual o lugar dado às línguas e culturas indígenas no contexto
da BNCC? Utilizamos, para tal, a pesquisa qualitativa com análises documentais e entrevistas
semiestruturadas, buscando relacionar teorias e posicionamentos sobre quais benefícios e/ou
retrocessos o contexto da BNCC pode trazer à EEI. Os resultados encontrados até o momento,
indicam que a imposição da Base na reformulação curricular das escolas indígenas municipais
da Reserva Indígena de Dourados/MS (RID), provocou mudanças na prática educacional dessas
escolas. A influência do documento na reformulação dos currículos, levantou questões
contraditórias ao que pretende a EEI. Esta pesquisa, portanto, adota a perspectiva da
“Decolonização curricular” e da “Interculturalidade” na defesa do ensino diferenciado. Dialoga
com conceitos que caminham na mesma direção, o “Pensamento pós-abissal” e a “Ecologia de
saberes”, de Boaventura Souza Santos (2010).

Palavras-chave: Educação Escolar Indígena; BNCC; Decolonização curricular;


Interculturalidade; Ecologia de saberes.

INTRODUÇÃO

A Educação Escolar Indígena possui um contexto especial enquanto uma modalidade


da Educação Básica Nacional suscitando embates quanto a sua construção curricular após a
promulgação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A partir da Constituição Federal

1
Este trabalho está inserido no âmbito de uma pesquisa maior: “Projeto de Línguas e Culturas Kaiowá e Guarani
no contexto escolar: produção de livros diferenciados para as escolas indígenas”, realizada com apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
130
de 1988, os indígenas garantiram o direito a uma educação diferenciada com o uso de processos
próprios de aprendizagem e a utilização de suas línguas maternas, porém a imposição da BNCC
tem trazido muitos desafios às escolas indígenas (Troquez; Nascimento, 2020).
Esta pesquisa, portanto, olha para as singularidades da Educação Escolar Indígena no
Brasil, observando seu histórico na luta pelo direito à uma educação diferenciada em escolas
específicas, com currículos próprios, que respeitem as identidades culturais e linguísticas dos
povos indígenas. A pesquisa atenta para as propostas curriculares, no sentido de compreender
como as escolas indígenas estão reestruturando seus currículos frente a implementação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC – Brasil, 2018).
A BNCC foi constituída para ser o documento nacional que normatiza e define a
construção das aprendizagens essenciais que os alunos brasileiros precisam desenvolver no
decurso das etapas e modalidades da Educação Básica, garantindo-lhes os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE,
2014-2024).
Os povos indígenas conquistaram o direito de usufruir de suas línguas e culturas, sem
deixar para trás suas histórias na aquisição de novos conhecimentos. Com a instituição da
BNCC, é possível notar um impasse entre o currículo nacional proposto e o que foi pleiteado
pelas comunidades indígenas; sobre o que é ideal para um ensino indígena decolonizado e
diferenciado (Troquez; Nascimento, 2020).
No início da colonização no Brasil, a educação escolar foi vista como uma oportunidade
de transpor o indígena de sua cultura para viver nos moldes sociais da população vista como
civilizada. E, desde 2017, nos deparamos com a imposição de um currículo comum a toda a
Educação Básica, simbolizando um retrocesso no que diz respeito às conquistas da educação
diferenciada e implicando em mudanças que as escolas indígenas precisarão fazer para cumprir
com uma base comum orientada pela ideia do desenvolvimento de aprendizagens essenciais e
competências, relacionadas aos interesses da sociedade capitalista e a princípios
mercadológicos (Saul; Garcia, 2016, p. 1189). Como as escolas indígenas encontram-se
atreladas aos sistemas municipais e estaduais de ensino, ficam, de certa forma, sujeitas às
imposições das políticas centralizadas o que inclui a BNCC.

Revisão sistemática

131
Através de uma revisão de caráter sistemático, afim de investigar possíveis estudos
relacionados com a EEI e a implementação da BNCC foi possível encontrar três artigos. A busca
foi baseada em quatro etapas: questionamento norteador de busca; pesquisa em base de dados;
critérios de inclusão e exclusão definidos e análise das similaridades com tema.
As buscas foram feitas em duas bases de dados e um motor de busca. São elas,
respectivamente: Scielo Brasil, Portal de periódicos CAPES e Google Acadêmico. Toda busca
foi feita entre os meses de maio e junho de 2022, utilizando este recorte temporal e analisado
apenas artigos de 2017 até 2022, que foram os anos que da aprovação e implementação da
BNCC.
Quanto aos critérios de inclusão, apenas selecionamos artigos com análises feitas
especificamente na BNCC e que contemplassem as especificidades da EEI. Foram excluídos
artigos duplicados, os que não comtemplavam o recorte temporal e os que não abordavam a
relação BNCC e EEI.
Em um dos artigos encontrados, de Guerola (2018), vemos uma denúncia das
consequências que acarretaram a “perpétua dessimetria das relações de poder” entre os povos
indígenas e o Estado brasileiro (Guerola, 2018, p. 2). Para o autor, essa relação imersa na
desigualdade pode criar obstáculos para a efetivação de uma educação diferenciada nas escolas
indígenas. O autor conclui que a abordagem de cunho “político-linguística” em sua relação com
políticas de identidade, encontradas na BNCC, somadas às questões que afligem as populações
indígenas na contemporaneidade, requerem estudos de cunho interdisciplinar que corroborem
ou refutem construções de sentido “político e ideológico na perpetuação ou transformação de
relações de poder dissimétricas” (Guerola, 2018, p. 21).
Seguindo com os artigos encontrados, Nazareno e Araújo (2018), ressaltam e levantam
a questão, se a intensão do ensino pautado em “bases eurocêntricas” encontrados na BNCC,
correspondem aos princípios do ensino diferenciado das comunidades indígenas. Os autores
utilizaram como exemplo a contribuição dos estudantes indígenas do curso de Educação
Intercultura Indígena (CEII) da Universidade Federal de Goiás, feita em forma de debate. O
debate foi promovido para discutir sobre como as cosmologias e histórias indígenas estavam
apresentadas nos documentos preliminares da BNCC, levando sempre a aplicabilidade da Base
nas escolas brasileiras, como instrumento para o reconhecimento da pluralidade étnica,
linguística e cultural brasileira. Assim, chegaram a ponderações como as dos estudantes de
Guajajara da Aldeia de Juçaral - MA: “a maioria das escolas dos não índios não tem o
132
conhecimento verdadeiro da nossa realidade e até mesmo que nós existimos” (Nazareno;
Araújo, 2018, p. 55).
O último artigo encontrado, foi o de Troquez e Nascimento (2020) que analisam a escola
indígena na contemporaneidade a partir de uma ideia de colonialidade. Segundo as autoras, o
Estado brasileiro instaurou políticas de diferença a partir da Constituição Federal de 1988 e dos
diversos documentos que se seguiram para dar forma à escola indígena específica, diferenciada,
comunitária, intercultural e bilíngue/multilíngue. Contudo, as políticas curriculares como a
BNCC vinculam a educação escolar indígena a um currículo nacional e causa tensões a serem
enfrentadas pelas escolas indígenas.
Os resultados da revisão feita evidenciam uma lacuna sobre estudos que relacionam a
EEI à BNCC, sobretudo, no que diz respeito às línguas e culturas indígenas. A BNCC é uma
temática que vem ganhando corpo nas políticas e/ou agendas governamentais, porém, segundo
os autores analisados, tanto no que diz respeito aos conteúdos/conhecimentos veiculados e às
relações estabelecidas, a BNCC traz desafios novos, pois não corresponde às demandas da
educação específica e diferenciada e à verdadeira realidade das comunidades ou povo
indígenas.

Problematização e Metodologia

Conforme discutem Troquez e Nascimento (2020, p. 03), as políticas indigenistas no


país foram orientadas por uma lógica de colonialidade e estiveram submissas a uma estrutura
“global de controle do trabalho” (Quijano, 2005, p. 228). [...] “sob esta estrutura, os modos
próprios de viver, as diferentes histórias, cosmologias e/ou epistemologias, assim como os
processos próprios de ensinar e aprender foram ignorados” (Troquez; Nascimento, 2020, p. 03).
Neste contexto, toda a rica representação das culturas brasileiras, não só as indígenas, foram
classificadas como componentes diversificados na BNCC, associando as “histórias,
cosmologias e/ou epistemologias” de diversos povos brasileiros, aos conhecimentos regionais
e locais dos educandos e não como conteúdo específico para nortear o currículo.
Esta pesquisa, tem por objetivo compreender como as novas orientações da BNCC
podem impactar na reformulação curricular das Escolas Indígenas, bem como investigar as
possibilidades para o ensino e fortalecimento das línguas e culturas indígenas neste mesmo
contexto.
133
Para tal, realizamos pesquisa qualitativa, com análises documentais e entrevistas
semiestruturadas. As análises empreendidas se deram nos currículos e nas propostas de práticas
pedagógicas dos professores indígenas das escolas municipais indígenas de Dourados/MS, com
a intensão de observar, analisar, confrontar/diferenciar as experiências dessa nova exigência
curricular nacional. Averiguamos como fica a questão da reformulação curricular das escolas
indígenas à luz da implementação da BNCC e em que implicaram suas determinações para que
a Educação Escolar Indígena siga com seu direito a uma efetiva educação intercultural,
específica para cada povo indígena, autodeterminada e bilíngue/multilíngue.
O trabalho realizado por esta pesquisa2, situou-se no contexto da rede municipal de
ensino da cidade de Dourados/MS, pois no estado do Mato Grosso do Sul. A Reserva Indígena
de Dourados, possui uma população em torno de 16.000 pessoas de três povo diferentes:
Kaiowá, Guarani (Ñandeva) e Terena e juntamente com os não-indígenas e os habitantes do
entorno da reserva desenvolvem uma “complexa rede de relações sociais, materiais e
simbólicas, configurando um sistema multiétnico de relações” (Troquez; Nascimento 2020, p.
07). A seguir, apresentamos conceitos e aportes teóricos da pesquisa.

Decolonialidade e Interculturalidade: Caminhos para a educação diferenciada

A decolonialidade é um termo que nasceu da necessidade de aprofundar a ideia de


colonização e compreender que esse processo não ocorreu apenas no passado, mas que
infelizmente permeia os nossos dias. Infelizmente, pois com o processo de colonização “os
projetos de educação escolar para os povos indígenas foram marcados por práticas etnocêntricas
e civilizatórias”, conforme Troquez e Nascimento (2020, p. 02).
O pensar decolonial visa soltar-se das amarras da colonização, que seria, conforme
Walsh e Mignolo (2006), se desligar da atitude colonial, da modernidade e seu grande mal, a
colonialidade. Conscientizar-se da colonização como parte da modernidade é o primeiro passo
para mudança, e o “espanto” com os desdobramentos da colonização, como a pobreza e a
opressão que sofreram os colonizados formam a atitude decolonial. Portanto, sem a atitude

2
A pesquisa atende aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos e foi cadastrada na Plataforma Brasil e
submetida ao Comitê de Ética em pesquisa.

134
decolonial, afirmam os autores, não há mudança no mundo por meio da decolonização, pois a
primeira mudança é a do próprio sujeito e o anúncio do seu “espanto”.
Vemos ainda contribuições de Wallerstein (1992), acerca da colonialidade, que ele
afirma ser parte do colonialismo e que vai adiante dele. Ainda enfatiza como a colonialidade
estabelece hierarquias políticas e socioculturais, e que, mesmo após a independência dos países
colonizados é possível identificar a presença da colonialidade, uma afirmação que justifica a
decolonialidade.
Outra contribuição de forte impacto no conceito de colonialidade é de Fanon (1961),
que afirma ser o mundo divido em duas características, uma sendo a “saciedade e a outra a
fome”. Para ele, faz parte da lógica do processo da colonização fazer com que o colonizado
queira ser como o colonizador. Sob esta lógica, o colono trouxe a “destruição das formas sociais
indígenas, demoliu sem restrições os sistemas de referências da economia, os modos de
aparência, a roupa [...]” (Fanon, 1961, p. 36)

A violência com que se afirmou a supremacia dos valores brancos, a agressividade


que impregnou o confronto vitorioso desses valores com os modos de vida ou de
pensamento dos colonizados, fazem com que, por uma justa inversão das coisas, o
colonizado os escarneça quando se evocam na sua presença esses valores (Fanon,
1961, p. 39).

Através de processos de subalternização, que inclui a pobreza e a opressão, a


modernidade produz os “subalternos” e controla pela colonialidade e por meio da narração
eurocêntrica o saber e o ser dos colonizados. Esse controle vem do padrão de poder colonial e
mantem uma lógica capitalista que funciona pela/através da dominação do ser, do saber, e da
natureza, conforme Mignolo (2017).
Conforme Mignolo (2017, p. 02) “não há modernidade sem colonialidade”. A vida
humana tornou-se descartável em prol da modernidade, a qual transformou o cenário mundial
de 1500 a 2000. Para Mignolo (2017, p. 04) “A modernidade veio junto com a colonialidade: a
América não era uma entidade existente para ser descoberta. Foi inventada, mapeada,
apropriada e explorada sob a bandeira da missão cristã”.
Outro ponto de suma importância para essa pesquisa foi compreender o conceito de
interculturalidade, pois essa apresenta possibilidades, como aponta Walsh, de um
[...] conhecimento outro, de uma prática política outra, de um poder social (e estatal)
outro e de uma sociedade outra; uma outra forma de pensamento relacionada com e
contra a modernidade/colonialidade, e um paradigma outro, que é pensado por meio
da práxis política (Walsh, 2019, p. 09).
135
Idealizado como um tema de grande relevância, a interculturalidade pretende ideais de
liberdade, universalidade de direitos, independência, entre outros fatores fundamentais para o
exercício da democracia na era da modernidade. Grupos étnicos têm requerido, através de
movimentos sociais, que a interculturalidade continue ultrapassando os estudos científicos e
pesquisas e se torne cada vez mais uma realidade para ser vivida, e não apenas propostas
governamentais, ou políticas de Estado.

Na última década, a agência dos movimentos indígenas andinos (no Equador e na


Bolívia) – mudando a noção e a prática do Estado-nação e construindo uma política
diferente – vem alterando a hegemonia branca-mestiça e, ao mesmo tempo, vem
posicionando os povos indígenas local, regional e transnacionalmente como atores
sociais e políticos. Essa formulação vem sendo mais significativa no Equador do que
em todas as outras nações latino-americanas, porque ali a interculturalidade – como
princípio-chave do projeto político do movimento indígena – está diretamente
orientada a sacudir o poder da colonialidade e do imperialismo (Walsh, 2019, p. 11).

Segundo a autora, essa estratégia que amplia os esforços para se construir um próprio
modelo de educação é a resposta à prática de atitudes neocoloniais que intencionalmente tentam
eliminar o conhecimento; pode ser vista também como uma arma de desenvolvimento e
resolução dos problemas socioculturais e econômicos que permeiam nossa sociedade. Portanto,
a interculturalidade não se configura como simples discurso, mas uma lógica que reconhece
epistemologias e pensamentos que não se encontram isolado nos paradigmas das estruturas
dominantes.
As “tendências hegemônicas e neoliberais”, apontadas na BNCC por Aguiar (2019) e
Santos (2022), corroboram com a perspectiva intercultural crítica apontada por Walsh (2019),
pois essas tendências “trabalham para diluir esse outro caráter e essa outra lógica com a qual se
disfarça nada menos que o multiculturalismo neoliberal” (Walsh, 2019, p. 22). A
interculturalidade se constrói a partir “do particular lugar político de enunciação do movimento
indígena” e “de outros grupos subalternos”; pratica a diversidade e mantém a união na
diversidade (Walsh, 2019, p. 20).

Pensamento pós abissal e Ecologia dos saberes

Nesse contexto, podemos dialogar, também, com as riquíssimas contribuições de


Boaventura Souza Santos (2010), a partir de suas considerações sobre o “Pensamento Abissal”
136
e a “Ecologia dos Saberes”, onde o autor critica a epistemologia dominante e o pensamento
eurocêntrico e apresenta formas de como é possível pensar de forma a romper com os ideais do
pensamento colonial. O processo é extenso e profundo e requer reflexões sobre a atualidade e
as formas existentes de domínio.

O pensamento abissal discutido por Boaventura (2010), traz à tona um cenário


constituído pela colonialidade que se divide em dois, “os visíveis e os invisíveis”. As linhas
divisórias desses territórios, que o autor compara com o “Tratado de Tordesilhas” (Santos,
2010, p. 27), faz com que o lado visível considere o lado invisível como inexistente na produção
de conhecimento, ou seja, não há espaço para mais de uma forma de conhecimento. “Do outro
lado da linha, não há conhecimento real; existem crenças, opiniões, magia, idolatria,
entendimentos intuitivos ou subjetivos, que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objetos
ou matéria-prima para a inquirição científica” (Santos, 2010, p. 25).
As condições e modos de vida que a colonialidade enraizou na sociedade tornaram as
diferenças culturais e políticas tão profundas que a própria luta contra elas se torna quase
impossível. O capitalismo mundial, que vai além de um sistema de produção de bens e
consumo, se firma como “um regime cultural e civilizacional”, afirma Santos (2010, p.11),
estendendo assim suas vertentes para além do capital, chegando a dominar da “família à
religião, da gestão do tempo à capacidade de concentração, da concepção de tempo livre às
relações com os que estão mais próximos, da avaliação do mérito científico à avaliação moral
dos comportamentos que nos afetam”.
É fato que o fim da dominação do colonialismo enquanto política, que tanto negou a
independência política dos povos subalternos, não caracteriza o fim das desigualdades criadas
por sua extensa passagem.
Santos (2010) usa o conceito “Epistemologias do Sul” para referir-se à diversidade
epistemológica, sendo o Sul, metaforicamente a representação de um campo de desafios
epistêmicos, em busca de retratação dos históricos efeitos e danos causados pelo capitalismo.

As epistemologias do Sul são o conjunto de intervenções epistemológicas que


denunciam essa supressão, valorizam os saberes que resistiram com êxito e
investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos. A esse
diálogo entre saberes chamamos ecologias de saberes (Santos, 2010, p. 13).

Santos afirma a ideia de que o paradigma cultural e epistemológico imposto pelo


colonialismo e disseminado pelo mundo como paradigma moderno ocidental condenou a
137
diversidade cultural e epistemológica existente nas regiões da expansão colonial, e perdura em
dimensões preocupantes. Diante desse pensamento abissal, o autor traz o “pensamento pós-
abissal”, que só pode ser possível com o reconhecimento da sua existência abissal, semelhante
ao conceito de “atitude decolonial” pensado por Walsh e Mignolo (2006), onde é preciso tomar
conhecimento dos atos da colonialidade para enfim tomar a atitude decolonial, dando
possibilidades de se pensar além do que está imposto, ou seja, indo contra o pensamento abissal.
E uma das características fundamentais do pensamento abissal é tornar frágil a luta por
visibilidade das demais culturas existentes, que na perspectiva de Santos (2010, p. 24), “é a
impossibilidade da co-presença dos dois lados da linha”, onde somente um pensamento é aceito
e imposto como verdade.
Conforme Santos (2010, p. 32), “A luta pela justiça social global deve, por isso, ser
também uma luta pela justiça cognitiva global. Para ser bem sucedida, esta luta exige um novo
pensamento, um pensamento pós-abissal”. Diante disso é proposto uma “resistência
epistemológica”, um novo pensamento, um “pensamento pós-abissal”.

O pensamento pós-abissal pode ser sumariado como um aprender com o Sul usando
uma epistemologia do Sul. Confronta a monocultura da ciência moderna com uma
ecologia de saberes. É uma ecologia, porque se baseia no reconhecimento da
pluralidade de conhecimentos heterogéneos (sendo um deles a ciência moderna) e em
interações sustentáveis e dinânmicas entre eles sem comprometer sua autonomia. A
ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento
(Santos, 2010, p. 44).

Santos (2010, p. 45), aponta que a ecologia dos saberes, assim como o pensamento pós-
abissal, para conter o avanço do poder colonial, possuem em sua base a diversidade
epistemológica e reconhecem a “pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento
científico”.

Na ecologia de saberes, enquanto epistemologia pós-abissal, a busca de credibilidade


para os conhecimento não-científicos não implica o descrédito do conhecimento
científico. Implica, simplesmente, a sua utilização contra-hegemónica. Trata-se, por
um lado, de explorar a pluralidade interna da ciência, isto é, as práticas científicas
alternativas que se têm tornado visíveis através das epistemologias feministas e pós-
coloniais e, por outro lado, de promover a interação e a interdependência entre os
saberes científicos e outros saberes, não-científicos. A ecologia de saberes expande o
caráter testemunhal dos conhecimentos de forma a abarcar igualmente as relações
entre conhecimento científico e não-científico, alargando deste modo o alcance da
inter-subjetividade como interconhecimento e vice-versa (Santos, 2010, p. 48).

Santos (2010, p. 52) segue afirmando, que nos últimos cinco séculos ocorre um
138
“epistemicído maciço” com perdas irreparáveis de “experiências cognitivas”. A fim de reaver
algumas dessas experiências “a ecologia de saberes recorre ao seu atributo pós-abissal mais
característico, a tradução intercultural”. Essas experiências acontecem em meio a uma
riquíssima diversidade cultural “ocidentais e não-ocidentais, não só usam linguagens diferentes,
mas também distintas categorias, diferentes universos simbólicos e aspirações a uma vida
melhor”.
A ecologia de saberes nos faz capazes de ter “uma visão mais abrangente daquilo que
conhecemos, bem como do que desconhecemos, e também nos previne para que aquilo que não
sabemos é ignorância nossa, não ignorância geral”. A proposta é de uma “vigilância
epistemológica” como meio de transformar o pensamento pós-abissal em uma atividade de
“auto-reflexividade”.

CONSIDERAÇÕES

Os resultados da pesquisa até o momento, identificam que a imposição da Base na


reformulação curricular das escolas indígenas municipais da Reserva Indígena de Dourados/MS
(RID), provocou mudanças na prática educacional dessas escolas. A influência do documento
na reformulação dos currículos, levantou questões contrárias ao que pretende a EEI.
Consideramos que um currículo decolonizado, considerado ideal para uma escola
Intercultural, precisa ter seus conteúdos e práticas ligados ao movimento das atividades e
relações estabelecidas dentro da sua comunidade e a construção de conhecimentos pautada nas
relações culturais e sociopolíticas, visando a construção de uma identidade de acordo com
princípios e conceitos já estabelecidos pela comunidade no início da constituição do currículo
dessas escolas.
As escolas indígenas da RID, em sua totalidade, utilizam a construção do seu currículo
baseadas nas decisões tomadas em conjunto com a comunidade, conforme PPP das escolas,
porém a equipe escolar precisa conciliar conteúdos considerados pela BNCC como superiores
aos demais, aos seus currículos, sob pena desse aluno não conseguir ser inserido na sociedade
ocidental. A inserção é almejada para fins de luta pela subsistência: estudos, empregos,
negócios.

139
Portanto, após analisar as teorias que sustentam esta pesquisa, identificamos a
decolonização dos currículos como caminho para interculturalidade, e a interculturalidade
crítica como proposta de ação educativa e prática política da/para a educação diferenciada. Tais
conceitos em ação podem contribuir para a autonomia das escolas indígenas e fortalecimento
de suas línguas e culturas. Conforme Walsh (2019, p.22), a interculturalidade deve ser
construída dentro do “particular lugar político e enunciação do movimento indígena”. Sendo o
currículo, conforme Silva (1996), formador de subjetividade social, partir dele para exercício
da interculturalidade, pode ser um caminho exitoso.
As “bases eurocêntricas”, da BNCC, apontadas por Nazareno e Araújo (2018), não
conseguem caminhar com tendências e conceitos que vão na contra mão de seus princípios e
intensões capitalista de massa. É preciso conter o avanço desse tipo de tendência que carregam
em suas raízes a colonialidade.
Há caminhos como a “Ecologia de saberes” que sustentam princípios essenciais na luta
pela “justiça cognitiva global” e conforme Santos (2010), para que a mesma seja bem sucedida
é preciso um novo pensamento, uma resistência epistemológica, uma resistência “pós-abissal”,
entendendo que o pensamento abissal deve passar e que a colonialidade precisa ser vencida
pelos movimentos decolonizadores, e estes, podem e devem, começar na escola, partir de
currículos decolonizados e práticas bem elaboradas de interculturalidade, que inclusive, deve
mover o fazer pedagógico de uma escola que se pretende diferenciada.
A pesquisa buscou intensificar os estudos do uso da BNCC no ensino diferenciado das
escolas da RID, por meio de interlocuções a agentes responsáveis pelas escolas municipais
indígenas. Pode verificar que as determinações hegemônicas contidas no documento são
inviáveis e que devem ser repensadas pelos órgãos responsáveis, juntamente com as escolas
envolvidas, para que o currículo esteja de acordo com os modos de cada povo/comunidade e
escola, sendo assim reformulados, decolonizados, transformados em um currículo intercultural,
“construídos a partir dos valores e interesses etnopolíticos das comunidades indígenas em
relação aos seus projetos de sociedade e de escola [...]” (Brasil, 2012, p.12)

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142
POR UMA PEDAGOGIA DA DIFERENÇA E DA INTERCULTURALIDADE

Estela Mara de Andrade (Bolsista CAPES/UCDB)


estelamarased@gmail.com

Resumo: O artigo tem como proposta compreendermos questões que envolvem as identidades,
as diferenças, o reconhecimento dos saberes da escola e a importância de promover uma
educação intercultural, decolonial dialogada com as culturas e articulada às práticas educativas.
A discussão deste artigo, perpassa pelas questões da hegemonia dos saberes e das ações
discriminatórias das diferenças na escola, causadas pela centralidade do poder, do
conhecimento, seguidas pelos modelos educacionais ocidentais adotados pelo resto do mundo
no campo da educação. Decolonizar o currículo, assim, como as práticas educativas, significa
também considerar a geografia dos sujeitos, seus lugares, suas especificidades. Trata-se de um
trabalho de revisão bibliográfica, tendo como referencial teórico autores como Duschatzky e Skliar
(2000), Ballestrin (2013), Candau (2016), Bhabha (1998), Arroyo (2020), Fleuri (2012), Rezende
(2013), Quijano (2009, 2010) entre outros. As análises mostram que práticas interculturais educativas
precisam estar inseridas no campo das proposições da educação, isso implica em diversas ações
dialógicas, não só para os sujeitos dos “entrelugares”, mas para todos que desejam a promoção
de uma educação mais justa, democrática e humana.
Palavras-chave: Identidades, diferenças e educação intercultural.

Introdução

Discutir sobre educação e diferença, como ela vem sendo proposta nas escolas
historicamente, resulta em admitir que, além das questões pedagógicas já vivenciada nas
práticas educativas, precisamos refletir sobre questões que nos levam a compreender que o
conhecimento passa por teses que vão além do que é proposto nos currículos tradicionais e em
algumas práticas homogêneas na sala de aula. A escola se tornou, lugar de reprodução de
conteúdo, de ideais e elementos que foram incorporados, didatizados, seguindo referências
modeladas nas propostas de educação ocidentais.

Reconhecer a cultura e as identidades na escola, como elementos indispensáveis, são


ações necessárias para compreendermos o quanto a educação precisa alinhar-se à realidade dos
diferentes grupos culturais e dialogar com eles. Sobre outros conhecimentos, Sacavino (2016),
diz: “É importante reconhecer e validar outros conhecimentos que surgem e são produzidos nas

143
lutas sociais dos grupos e povos que sofreram especialmente a colonização e foram
subalternizados” (Sacavino, 2016, p.193).

A interculturalidade nesse contexto, mostra que os sujeitos produzem e são produtores


de cultura, indicam que outros conhecimentos frutos de diferentes culturas podem ser inseridos
no currículo e nas práticas educativas. Assim, o diálogo entre as culturas e as práticas educativas
interculturais significa desnaturalizar a ideia homogênea do conhecimento único e promover
educação a partir de visões diferenciadas. Decolonizar o saber, e apostar nessa pedagogia como
proposta para as práticas educativas e nos referenciais curriculares, é necessário, uma vez que
para falar de educação emancipatória, democrática e para todos, é imprescindível que outras
formas de saber sejam reconhecidas na escola. Nesse sentido, promover um currículo e uma
pedagogia onde as diferenças, outros saberes, ocupem espaços e se tornem mais humanos, é
importante.

1.1 - Diferenças e Saberes


Entender como os saberes na escola são compreendidos, quais as práticas pedagógicas
que consideram as diferenças, exigem novas leituras e práticas de outras pedagogias. Isso se dá,
pela necessidade não só de reconhecimento das diferenças, mas de não as negar e sim, dialogar
com elas. Nesse sentido, Marques (2012) afirma que as diferenças na escola, sempre existiram,
em todos os espaços, porém, de alguma forma, foram toleradas e mantidas como um “fantasma”
que aterroriza, causam estranhamentos e representa um complicador para a cultura homogênea
escolar. Assim a autora afirma que:

A escola, apesar de ser um espaço onde as diferenças sempre coexistiram, nem


sempre reconheceu sua existência ou a considerou na sua complexidade.
Durante muito tempo, negou-se a existência das diferenças no processo
pedagógico. As diferenças eram percebidas como “desvio”, tendo como
referencial a dicotomia normalidade versus anormalidade, demarcando a
existência de fronteiras entre aqueles que se encontravam dentro da média e
os que estavam fora desta (Marques, 2012, p.103).

As diferenças, nesse sentido, propõem o desacordo, causa imprevisibilidade e sair da


normalidade da pedagogia eurocentrada, monocultural, sempre representou desconfiança e
desconforto para a escola. As práticas educativas, em geral, combinam atividades escolares que
partem do princípio dos moldes eurocêntricos e nessa lógica, os ordenamentos do sistema
escolar (Arroyo, 2020). As ações pedagógicas, nesse caso, que não se enquadram na cultura da

144
igualdade na escola, se tornam não só um complicador, mas um atrapalho para as dinâmicas
que regulam as reproduções pedagógicas.

A coerência da modernidade se traduz na lógica da normalidade, do igual e do


universalmente aceito e reconhecido por todos na escola como único e importante aparelho
pedagógico. Ballestrin (2013) afirma ser essa uma forma de legitimar a colonialidade, ou seja,
“sem que haja colonizados, não há modernidade” Ballestrin, (2013, p.101) sobre isso, reafirma:
“[...] não existe modernidade sem colonialidade”. Marcado pelas práticas colonizadoras, os
referenciais curriculares, a escola, os professores e os alunos, não conseguem sair das suas
posições passivas de aprendentes, de onde sempre estiveram, para pensar num caminho
diferente, ver novas possibilidades de saber, de ser e de viver. Apostar numa pedagogia que
envolva maior número de narrativas, culturas envolvidas, que viabilize a interculturalidade e
admita que quanto mais diversas forem as fontes e formas de conhecimentos, maior será nossa
compreensão sobre variados e faz mais sentido para todos. Nesse sentido, rejeitar, a história
única, admitindo que nunca há uma só fala, um só saber e um só lugar, desmistifica a aposta
principal do colonialismo do saber e mostra a verdadeira expressão e intenção da modernidade.

Sobre a modernidade, Duschatzky e Skliar (2000, p.166) afirmam que ela: “estabeleceu
uma lógica binária a partir da qual denominou e inventou de distintos modos o componente
negativo: marginal, indigente, louco, deficiente, drogado, homossexual, estrangeiro, etc.” As
diferenças nesse sentido, marginalizam os diferentes e os colocam na recusa, na negação,
processos construídos ao longo da história e desde a colonização, logo, manter a diferença no
seu lugar, à margem da sociedade, é um feito que proíbe lugares para que estes possam se
expressar. Assim, Marques (2012) afirma que:

Os nomeados como diferentes foram, assim, historicamente discriminados.


Vítimas da rejeição e/ou da compaixão social estiveram sempre à margem do
convívio com os cidadãos considerados normais, sendo, inclusive,
segregados, em muitos dos casos, em ambientes (instituições) restritivos,
como são os casos dos asilos, escolas especiais, hospitais psiquiátricos etc.
Cabia, também, à escola classificar e selecionar os sujeitos, isolando os que
fugiam ao padrão construído socialmente (Marques, 2012, p.103).

Entre os espaços sociais citados pela autora que mantêm as diferenças na exclusão,
está a escola, que segrega a partir das singularidades, porém tem a possibilidade de fazer o
caminho inverso e reconhecer as diferenças potenciais para promover educação intercultural,
145
diálogo das culturas e valorização dos saberes diversos. A discussão sobre a importância de
considerar a interculturalidade no campo da educação, representa a busca de uma educação
democrática e emancipatória. Candau (2016, p. 07), nesse sentido, diz que: “A problemática
das diferenças culturais vem adquirindo cada vez maior visibilidade social e suscitando
acirradas polêmicas em diversos espaços, da grande mídia às redes sociais, dos movimentos
sociais às salas de aula”. A educação intercultural propõe diálogos horizontais, saberes
compartilhados, e mudanças comportamentais de todos que compõem a comunidade escolar.
Marques (2013) diz que: “O reconhecimento do outro como protagonista do teatro da vida
constitui o vetor da mudança de paradigma”. Nessa lógica, a mudança dessas referências
pedagógicas significa, pensar numa pedagogia que considere todos os saberes e desloca a
superioridade do seu único saber ocidental.

Compreender como a modernidade homogeneíza e tenta apagar as diferenças, nos leva


a compreender também que elas podem marcar e/ou segregar, assim como, desconsiderar os
sujeitos, suas identidades, os modos de ser e viver, sinais esses que evidenciam as
subjetividades. Nesse sentido, a fluidez das identidades baliza a pluralidade delas e as relações
com o outro, as transformações sociais, corroboram com a construção e reconstrução dessas
identidades. Silva (2014, p. 25) diz que as identidades, “em conflito estão localizadas no interior
de mudanças sociais, políticas e econômicas, mudanças para as quais elas contribuem”. Desse
modo, o reconhecimento das identidades faz parte de uma discussão presente e urgente a ser
feita na escola. Para tanto, é também preciso entender os conceitos da pós-colonialidade1 como
eles funcionam na realidade social, para compreender a exclusão e as desigualdades. Hall (2009,
p.101), nos indica um possível caminho para aplicarmos os conceitos pós-coloniais no campo
da educação. O autor afirma que podemos usá-lo para: “descrever ou caracterizar a mudança
nas relações globais que marca a transição (necessariamente irregular) da era dos Impérios para
o momento da pós-independência ou da pós-descolonização...”

Logo é importante, não só o fomento de políticas educacionais que considerem as


culturas, mas, mudança de postura, novos olhares e a desconstrução das padronizações
pedagógicas. Candau (2014, p.31) diz que: “É necessário outro olhar, reconhecer a dignidade

1
Pós- Colonial em Bhabha (1998) é “[...] toda uma gama de teorias críticas contemporâneas sugere que é com
aqueles que sofreram o sentenciamento da história – subjugação, dominação, diáspora, deslocamento – que
aprendemos nossas lições mais duradouras de vida e de pensamento”.
146
de todos os atores presentes nos processos educativos e conceber a diferença como riqueza e
vantagem pedagógica”.

O conhecimento, compreendido pela teoria pós crítica, que contesta a natureza


socialmente construída do conhecimento, questionando suas bases e buscando uma abordagem
mais inclusiva e crítica na produção e avaliação do conhecimento, traduz a certeza de que a
igualdade, não supera o esperado, então, tornar as fronteiras dessas relações cambiantes
possíveis, estabelecendo diálogos interculturais na escola, e o reconhecimento dos diversos
saberes, se faz necessário para que haja discussões, reflexões e compreensões sobre o papel da
escola. Rezende (2013, p.202), sobre os saberes tradicionais diz que: “Para tratar dos saberes
de um povo eu parto do princípio de que as pessoas são inteligentes, são capazes de enxergar o
mundo, de enxergar as pessoas, perceber os desafios históricos, sabem dar respostas para os
desafios de cada momento histórico”

O autor acima, afirma que os saberes são ativos, vivos e são de propriedade de todos os
sujeitos, logo, reconhecer as diferenças significa não admitir sempre o mesmo, sair do que
Skliar (2003) denomina de “mesmidade”. Dialogar com os diversos saberes no campo da
escola, traduz a busca pela democratização dos espaços, do conhecimento e a promoção do
diálogo intercultural. Ademais, segundo Bhabha (1998), ultrapassar as fronteiras do que é
teoricamente e politicamente postulado pela modernidade, significa encontrar nos “entre
lugares”, enredo para compor novas pedagogias, sob novos olhares, metodologias outras, que
são pensadas a partir da articulação de diferentes culturas.

1.2 - Diferenças e Colonialidade dos Saberes


A representação do que é conhecimento, como posto na escola, não só inviabiliza o
reconhecimento das diferenças, como as coloca no campo da tolerância do outro, nega as
identidades, oculta as diferenças culturais. Santiago, Akkari, Marques (2013, p. 40) sobre as
identidades e a presença do outro diz que é: “negada e invisível no espaço escolar, é aquele que,
submetido aos critérios de classificação, torna-se diferente, indisciplinado e, portanto,
discriminado pela cultura escolar”. Romper com a legitimidade do saber unilateral, requer
novas posturas de todos os envolvidos no processo da educação. Marques (2012, p.109) aponta
para a questão da normalidade como desejo para manter a ordem e a regulação dos saberes da
escola e que: “Não devemos falar das diferenças como algo externo a nós, como se a sociedade

147
fosse composta apenas pelos ditos diferentes”. Portanto, a educação intercultural, pode
viabilizar o diálogo entre os saberes e traduzir o desejo de pertencimento da escola, favorecer
posicionamento social, político e cultural e dar voz e escuta sensível para que essa voz possa
fazer parte das narrativas da escola. Práticas educativas interculturais, significa nesse contexto,
romper com as demarcações impostas nos currículos que indicam desarticulações entre o
conhecimento construído a partir dos significados próprios de cada cultura e a reprodução de
referenciais curriculares moldados no sistema de educação ocidental. Santiago, Akkari,
Marques (2015, p.39) explicam que: “as ênfases e omissões nos currículos adquirem diferentes
significados no que se refere às identidades produzidas”. O autor ainda acrescenta que “a
adoção de propostas curriculares que busquem articular educação e cultura em uma perspectiva
antropológica se torna uma possibilidade no sentido de favorecer a construção de
conhecimentos”. É importante problematizar as questões curriculares, analisar como foram
propostas, em que contextos históricos estão sendo construídas e a quem essas proposições
estão a servir, senão aos alunos, a comunidade. Um currículo que dialogue com a cultura, com
as diferenças permite desmascarar, desconstruir o discurso da educação para todos quando
seleciona, desconsidera os sujeitos e seus saberes.

2
Decolonizar , o currículo nos moldes eurocêntricos, assim como as práticas
educacionais é uma importante estratégia para promover o diálogo, dar voz e escuta sensível
aos saberes diversos. Uma reflexão sobre os discursos de exclusão daqueles que foram
colocados para o que Bhabha (1998) indica como “fora do lugar”, reitera a necessidade de
entender como o processo de colonização, deixou marcas na sociedade que ainda hoje encontra
terreno fértil em práticas sociais e educacionais que desconsideram as diferenças e os diversos
saberes. Os sinais da colonialidade e das práticas excludentes dos currículos, estão asseguradas
no discurso da modernidade e dos seus supostos “benefícios”. Ballestrin (2013, p.100) diz que:
“A colonialidade se reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, do saber e do ser. E mais do
que isso: “a colonialidade é o lado obscuro e necessário da modernidade; é a sua parte
indissociavelmente constitutiva”. Assim, fica evidente que a modernidade tem propósitos

2
Segundo (Walsh 2009), decolonial ou decoloniadade utilizado neste artigo diz respeito à necessidade de
decolonizar os conhecimentos latino-americanos produzidos sob a ótica dos saberes ocidentais.

148
ntrincados e por trás das ações sociais, políticas e educacionais, estão os fins postos pela
modernidade e são “consagrados” nos currículos escolares.

A colonização do saber perpassa pelas relações de poder, que por questões históricas,
sempre estiveram a serviço do ocidente, lugar que Ballestrin, citando (Mignolo,2013) denomina
como a “Geopolítica do conhecimento”, termo usado para indicar a Europa como o centro do
poder e do saber, tendo o eurocentrismo como lógica para a reprodução da colonialidade. Por
esse ângulo, é importante compreender que o eurocentrismo valida, regula não somente as
questões econômicas, mas as propostas curriculares nas escolas, as ações pedagógicas. Quijano
(2009, p.75-76) afirma que o eurocentrismo: “Trata-se da perspectiva cognitiva durante o longo
tempo do conjunto do mundo eurocentrado do capitalismo colonial/moderno e que naturaliza
a experiência dos indivíduos neste padrão de poder”. Romper com a ideia de ter a Europa como
referência a ser seguida na economia, na organização social e na pedagogia, requer o que
segundo Ballestrin (2013) citando Nelson Maldonado-Torres (2005) chama de “Giro
decolonial”, que significa a descentralização do eurocentrismo, que é: “o movimento de
resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade”
(Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007, p.37).

A colonialidade do conhecimento, traduz práticas historicamente repetidas em todos os


campos da sociedade, principalmente a escola, com o objetivo de manter o ideal e a normalidade
das organizações institucionais fora do ocidente. O objetivo de “centrar” e tornar a Europa um
centro, colonizou o resto do mundo. Nesse contexto, a viabilidade de outras pedagogias e outros
modos de conhecimento tornaram impossíveis e fortaleceu a ideia ocidental, que segundo
Arroyo (2013, p.46) condicionou “O ordenamento curricular se rodeou da condição de um rito
sagrado”, tornando quase nula a possibilidade de outros arranjos curriculares.

Tais crises apontaram a necessidade de discussões sobre a centralidade da produção do


conhecimento, tais posicionamentos surgiram de início na América Latina, que questionou o
sistema mundial, que sempre classificou como saberes do “centro” e da “periferia” os
conhecimentos do Sul e do Norte. Quijano (2009, p. 77) diz que: “A revolta intelectual contra
essa perspectiva, e, contra esse modo eurocentrista de produzir conhecimento nunca esteve
exatamente ausente, particularmente na América Latina”. As desigualdades e as injustiças
sociais, revelam em suas raízes, forte herança do colonialismo e do imperialismo, também nas

149
ações educativas, que ainda marcadas, pela teoria da dependência, desconsideram a necessidade
de propostas educativas que partam da compreensão do mundo a partir do seu próprio lugar e
das epistemes que lhes é própria.

1.3 - Pedagogia decolonial e suas Implicações

Mesmo que não seja o objetivo desse texto, aprofundar sobre as temáticas do processo
de colonização do saber, essa questão, contribui para compreensão do presente, especificamente
sobre a história que a colonização do Brasil faz ressoar nas ações educativas. A colonialidade,
ainda presente em todos os campos da sociedade, apontou as pretensões ocidentais em relação
à educação. Sobre a colonialidade Ballestrin (2017, p. 518-519) diz que: “é a continuação do
colonialismo por outros meios”, ela também “reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, a
do saber e a do ser”.

É sobre a formalidade da modernidade que as práticas educacionais coloniais se


firmaram no mundo, a educação ao longo da história teve como finalidade primeira, centrar-se
nos princípios na conversão dos povos nativos da América. Esse modelo de educação, ao longo
dos anos representou o padrão a ser reproduzido pela Europa e aplicada aos nativos. Assim, o
método de educação a ser seguido, já colocava as regras e o tipo de conhecimento a serem
privilegiados, devendo a oferta, manter na subalternidade os nativos, dando a eles a
oportunidade “vigiada” ao conhecimento escolarizado. Candau e Russo (2010), abordam a
questão das primeiras etapas do processo de escolarização no Brasil, que desde a época da
colonização teve a intenção de inviabilizar o reconhecimento das diferenças, dos diversos
saberes, impondo um modelo de educação a ser seguido. Sobre isso, os autores dizem que, no
período da colonização “Eliminar o “outro” foi a tônica do período colonial e a partir das
primeiras décadas do século XX essa eliminação se configura de outra forma: a “assimilação”
(Candau, Russo, 2010, p.155).

Nesse sentido, entender as condições que determinaram a organização social, política e


educacional do Brasil, é compreender como categorizou-se os países como centrais e
periféricos, dentro da estrutura do sistema, assim como, compreender a globalização como um
fenômeno cruel e avassalador que marcou a exclusão dos marginalizados, dos diferentes e
determinou o que a minoria tinha de saber e ter.

150
A partir dessa dinâmica de construção da sociedade, no campo da educação, o debate
intercultural é uma possibilidade de repensar o papel da escola, sua função social e posicionar-
se de forma crítica, para assegurar, promover e desenvolver ações educativas voltadas ao
reconhecimento das culturas da escola. O pressuposto para se realizar uma educação
intercultural, perpassa pelas práticas educacionais que conciliam o direito dos sujeitos e aceita
sua individualidade. Nessa perspectiva e sobre a interculturalidade crítica, Fleuri (2012) afirma:

A interculturalidade crítica aponta, pois, para um projeto necessariamente decolonial.


Pretende entender e enfrentar a matriz colonial do poder, que articulou historicamente
a ideia de “raça” como instrumento de classificação e controle social com o
desenvolvimento do capitalismo mundial (moderno, colonial, eurocêntrico), que se
iniciou como parte da constituição histórica da América (Fleuri, 2012, p.10).

A centralidade do poder e do saber, baseadas em seleções, sempre esteve a serviço de


interesses maiores, sempre privilegiou os privilegiados e na pedagogia, nunca se ocupou em
considerar outras formas de conhecimentos. As práticas educativas interculturais, nesse
contexto, implicam em compreender a importância do diálogo entre os diversos grupos e as
diferenças. Uma proposta de decolonização do currículo não significa apagar o conhecimento
europeu ou substituí-lo, mas possibilitar que outros conhecimentos estejam no currículo escolar.
Descolonizar os currículos é uma tarefa fundamental para criar ambientes democráticos nas
escolas, uma vez que a educação, o currículo escolar precisa compreender a importância das
contribuições das culturas hegemônicas para elaborar políticas de educação, para não reforçar
o chamado “racismo epistêmico”. Nesse sentido, apostar numa educação intercultural resultaria
em romper com a ideia da marginalização dos saberes tradicionais e promoveria a
interculturalidade. Sacavino (2016, p. 197), aposta na interculturalidade crítica, que segundo:
“só poderá ser realizada e vivida quando as culturas se encontrem fortalecidas e os grupos
tiverem realizado e vivenciado processos de construção de autoestima, autoconfiança [...]”. As
práticas educativas interculturais, significam, nesse sentido, reconhecer que o conhecimento é
produto da relação entre os sujeitos e implicam, necessariamente, em transformações sociais.
Nesse sentido, o conhecimento é compreendido, a partir, da busca de respostas para questões,
problemas, sejam eles sociais, políticos ou educacionais.

Considerações finais
Colocar em debate a necessidade de proposição de políticas e práticas educativas
interculturais, diz respeito não só em acolher as diferenças, mas discutir sobre a necessidade de
151
políticas educacionais que reconheçam outras pedagogias, outros conhecimentos. Não
reconhecer a necessidade de deslocamentos epistemológicos, metodológicos nas práticas
educativas, fatalmente leva a escola a promover currículos colonizadores, que firmam cada vez
mais suas ideias e práticas colonizadoras nas salas de aula, e que segundo Memmi (2016, p.133)
servem para colocar os alunos “para fora da história” e da realidade em que vivem.

Ultrapassar os limites do que historicamente está imposto como regular, normalmente


nas ações da escola, e promover pedagogias interculturais, sem dúvida é desafiador, uma vez
que, para colocar em prática uma proposta educativa intercultural é necessário ultrapassar
barreiras históricas de preconceito e aversão. Práticas educativas diferentes, requerem posturas
dessemelhantes, outras políticas educacionais e para que isso seja possível, é necessário superar
a complexidade de compreender que a escola não pode ser monocultural. A ideia da escola
intercultural, que considera diversas culturas e diversos saberes, rompe com as fronteiras, com
os muros da normalidade e do que ela oferta ao longo da história.

Por fim, a promoção de uma educação intercultural, afirma o diálogo com os diversos
saberes e considera suas contribuições nos campos políticos e epistemológicos. Dessa forma,
refletir sobre a necessidade ações educativas na perspectiva de práticas educacionais
interculturais, que diferem das práticas educacionais homogeneizadora etnocêntricas, é uma
proposta de educação que consolida a ideia da escola como um espaço de convivência entre as
diferenças.

Referências

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e pensamento liminar, tradução de Solange Ribeiro de Oliveira.1.ed.rev. -Belo Horizonte.
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153
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Petrópolis: Vozes, 2000. p. 7-72.

154
RELATO DOS JOGOS TRADICIONAIS DESENVOLVIDOS NA COMUNIDADE
INDÍGENA ÁGUA BRANCA- LAZER, ENTRETENIMENTO, APRENDIZAGEM,
CULTURA E ARTE

Léo Samuel Gonçalves (UFMS)


leosamuel435@gmail.com

Fátima Cristina D. Ferreira Cunha (UFMS)


fatima.cunha@ufms.br

Resumo: Neste artigo faço um relato sobre os jogos tradicionais desenvolvidos na comunidade
indígena Água Branca: lazer, entretenimento, aprendizagem, cultura e arte. Com o objetivo de
reforçar através do esporte, a cultura Terena com os jogos tradicionais, para que a mesma não
se perca com o passar dos anos, a Aldeia Água Branca foi uma das pioneiras ao estar
incentivando e realizando jogos indígenas. Para relatar a experiência da Aldeia, realizamos na
comunidade várias entrevistas, pois assim, com os relatos ficamos mais informados a respeito
da organização desportiva e também dos seus fundadores. As várias modalidades de jogos
realizados foram os jogos tradicionais, tais como a lança, o arco e flecha, o cabo da paz, o
atletismo e para encerrar uma noite cultural. Percebemos a importância do resgate dessas
tradições, que pode produzir e despertar o espírito guerreiro nos moradores da aldeia.
Concluímos que toda fonte de informação pesquisada é muito relevante. Esperamos que essa
pesquisa desperte o interesse em outras pessoas a escrever sobre o tema, embora referências
bibliográficas sejam muito escassas.

Palavras chave: Jogos tradicionais, Terena, povo Terena.

Introdução
No dia 31 de agosto de 2023, através de questionários no Google Forms e pesquisa in
loco, com um dos fundadores do evento Jogos Internos da Aldeia Água Branca (JOIAB), Gilson
Tiago, obtivemos a resposta de como surgiu a ideia de fundar um grande evento desportivo para
a comunidade, espelhando-se no evento da cidade de Aquidauana nos Jogos dos Povos
Indígenas (JOPOIN).
Gilson Tiago juntamente com a liderança local pensou na possibilidade de juntar a
comunidade da Aldeia Água Branca e realizar entre eles “jogos tradicionais” a serem disputadas
por vilas da aldeia, todos acharam que era uma ideia brilhante, a sugestão foi revisada com as
lideranças e comunidade, em uma breve reunião, resultou na aprovação da I edição dos Jogos

155
Internos da Aldeia Água Branca no ano de 2012, desde então o Senhor. Gilson Tiago é tido
como o fundador dos jogos. O JOIAB (Jogos Internos da Aldeia Água Branca) foi então
criado no ano de 2012, com o Cacique Isaías Francisco e sua liderança Tribal e Professor
Gilson Tiago. Foi criado sendo espelhado do JOPOIN (Jogos dos Povos Indígenas) mais de
forma interna, apenas morador da Aldeia Água Branca pôde participar.

Gilson Tiago, Aldeia Água Branca, 31 de agosto de 2023.

Fonte: Arquivo pessoal, 2023

De acordo com o Sr. Gilson, assim surgiu o JOIAB - Jogos Internos Aldeia Água
Branca Terra Indígena Taunay/Ipegue, Aquidauana MS, com saber de tradição nativas e
inclusão dos jogos modernos como futebol, voleibol e atletismo.
Vale ressaltar que os jogos tiveram início como Jogos dos Povos Indígenas, o critério
para a participação nesses jogos é a força cultural das etnias, considerando tradições, como a
língua, a dança, os rituais, os cantos, as pinturas corporais, o artesanato e os esportes
tradicionais. A primeira edição ocorreu em Goiânia, em outubro de 1996, com a presença de 25
etnias e mais de 400 atletas, e contou com a presença de Pelé, que incluiu o evento no calendário
da Secretaria Nacional do Esporte. Os II Jogos foram realizados na cidade de Guairá, no Paraná,
em outubro de 1999, e teve a participação de 31 etnias e mais de 600 atletas.
Já o JOIAB tem perspectiva de revelar novos talentos Indígenas e serve também para
um campo de coleta de dados. No âmbito universitário, iniciou-se em 2012, com quatro

156
pessoas responsáveis, Gilson Tiago, Isaias (cacique) e liderança tribal, foi montado esta
equipe com o intuito de elaboração e criação de jogos interno da aldeia.

Essa ideia de se ter os jogos na aldeia, surgiu a partir da necessidade de lazer da


juventude, crianças, adultos, anciãos indígenas, que residem na comunidade, e também com
o objetivo de revelar novos talentos na aldeia para que os mesmos possam estar
representando a comunidade fora da comunidade.
Realizado todos os anos, sempre no mês de outubro. Com as modalidades das
tradições nativas: arco e flecha, lança, cabo da paz. Jogos coletivos: Futsal e Voleibol.
Corrida na modalidade individual: 100m, 4x4, 400m, 800m e 1500m.
Na abertura, o ritual se repete, apresentações das vilas, canto do Hino Nacional
Brasileiro, Hino do Mato Grosso do Sul e Hino da cidade de Aquidauana. Para encerrar, a
noite cultural, com o desfile do garoto e da garota JOIAB, por fim, a noite se encerra com
show tradicional.
Na atualidade, ano de 2023, o presidente do esporte da comunidade Água Branca, é
o Sr. Vagner Samuel Gonçalves, que nos falou sobre o quadro de regulamentos. O que
permanece hoje em dia e o que mudou, como está sendo tratado esse jogo interno na
comunidade e um pouco de seus conhecimentos, desde o inicio do evento esportivo dentro
da aldeia.
Sr. Vagner destacou o ano de início e quem foram os primeiros participantes ou
fundadores dos jogos, falou também da importância de ter iniciado as modalidades. Relatou
que hoje em dia o Jogo Interno da Aldeia Água Branca (JOIAB) é formado por uma equipe
esportiva e liderança da comunidade.
No ano de 2018 foi criada a Organização Desportiva da Aldeia Água Branca,
composto pelos seguintes membros: Presidente de Esporte: Valdinei Marques Miranda. Vice
Presidente: Vagner Samuel Gonçalves. Membro da organização: Professor Neemias Tiago,
Antenor da Silva Augusto, Cacique Julison Farias

157
Vagner Samuel Gonçalves, Aldeia Água Branca, 06/09/ 2023, arquivo pessoal.

O JOIAB não foi realizado no ano de 2020 devido a pandemia, no ano de 2022
também não foi realizado devido a eleição presidencial e governamental. Retornando no ano
de 2023 com a organização reestruturada tendo como: Presidente de Esporte: Vagner Samuel
Gonçalves. Vice-presidente: Altair Albuquerque, Membros da organização: Professor
Nemias Tiago, Cacique Julison Farias, Antenor da Silva Augusto, Antenivaldo Augusto,
Janilson Paulo Francisco, Mikael Tancredo, Mateus Luiz e Abimael Julio Sebastião.
Do ano de 2012 a 2017 apenas as modalidades arco e flecha, lança, futsal, cabo da
paz, atletismo e vôlei faziam parte do quadro de modalidades. A partir do ano de 2018 foi
acrescentado as seguintes modalidades: Salto a distância e futebol Society, já com a nova
organização desportiva que foi montada no mesmo ano.
Os jogos que permanecem até hoje junto à nova regulamentação da organização são:
Arco e flecha, Lança, Cabo da Paz, Atletismo, Futsal, Futebol Society, Voleibol e Salto a
Distância.
Hoje o JOPOIN envolve todas as aldeias do município de Aquidauana, MS, que são
antecipadamente convidadas a participarem. No início não teve um número específico de
pessoas, mas foi desenvolvida pela liderança e acabou envolvendo toda a comunidade.
Com intuito de incentivar jovens e adultos a praticar do esporte, como um meio de
interação entre as vilas participantes, resgatando e mantendo vivo a cultura do povo Terena
e principalmente da Aldeia Água Branca. Abaixo o convite dos jogos para o ano de 2023.

158
O evento sempre é realizado no mês de outubro, uma data em que a comunidade se
encontra toda presente, devido a semana de vários feriados próximos, dia da divisão do
estado, dia de Nossa Senhora Aparecida e, normalmente se une um ou mais dias a esses
feriados, assim as crianças, adultos e anciões podem participar representando sua vila.
A abertura sempre ocorre de forma tradicional, obedecendo aos ritos de composição
de autoridades, cantos de hinos, etc. com início dos jogos em seguida. Depois do inicio dos
jogos, eles se estendem ao longo dos três dias de puro esporte, e o encerramento ocorre com
entregas de medalhas aos atletas destaque, e troféu a vila campeã, logo após noite cultural
com apresentações de trajes típicos e comidas típicas, e por fim um show tradicional com
membros da comunidade.
Um dos entrevistados foi também o atleta Silas Sebastião Mendes, residente na
comunidade da aldeia água branca, ele conta sobre a importância que os jogos vêm trazendo
dentro da comunidade principalmente aos jovens, Silas Mendes pertence a vila central, um
dos responsáveis por reunir sua vila, incentivando, treinando sua equipe e esperando
resultado dentro dos jogos.
Segundo o Sr, Silas, os jogos internos da Aldeia Água Branca, foi um dos meios de
manter nossa tradição e cultura, fundado pelo cacique anterior como forma de manter nossa
juventude, crianças e moradores da comunidade em conjunto e união, trazendo a valorização
dos nossos costumes como arco e flecha, lança e outros.
159
Vale ressaltar que esportes do nosso dia a dia como futebol, vôlei, corrida, cabo da
paz, também foram inseridos, além de revelar novos talentos, também trás a saúde,
companheirismo, união e afasta a bebida e a droga da nossa juventude. O Sr. Silas revela
ainda que começou a participação no ano de 2021 na modalidade arco e flecha e cita que
pertence a vila central.

Grupo de futebol, arquivo pessoal, 2023

Iremos a seguir dar alguns dados técnicos das modalides existentes nos jogos indígenas

Arco e Flecha

Os povos indígenas usavam muito esse instrumento como arma de


guerra. Atualmente, é usado para a caça, pesca e rituais, e tornou-
se também uma prática esportiva, sendo disputada entre aldeias e
até com não indígenas. Na maioria das tribos indígenas brasileiras,
o arco é feito do caule de uma palmeira chamada tucum, de cor
escura, muito encontrada próxima aos rios. O povo Gavião, do Pará, o confecciona com a
madeira de cor vermelha, chamada aruerinha. Os povos do Xingu utilizam o pau-ferro, o
aratazeiro, o pau d'arco e o ipê amarelo. Os índios do alto Amazonas usam muito a pupunha, e
as tribos da língua tupi são as únicas que, às vezes, utilizam a madeira das palmeiras. O padrão
do tamanho do arco obedece à necessidade de seu uso, de acordo com a cultura de cada povo.
(http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218)

160
Cabo de Guerra
Modalidade praticada para medir a força física, o cabo de guerra
é muito aceito entre as etnias participantes de todas as edições
dos Jogos, como atrativo emocionante, que arranca
manifestação da torcida indígena e do público em geral. Permite
a demonstração do conjunto de força física e técnica que cada
equipe possui. É uma das provas mais esperadas pelos atletas,
pois muitas equipes treinam intensamente em suas aldeias, puxando grandes troncos de árvores.
Isso porque, para os indígenas, a força física é de suma importância, dando o caráter de destaque
e reconhecimento entre todos. Na preparação de seus guerreiros, os índios sempre procuraram
meios de desenvolver e medir a coragem e os limites de sua capacidade na força física. Na nossa
região utilizamos o termo Cabo da Paz.
(http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218)

Atletismo

A realização dessa modalidade passou por várias experiências


de adaptação para a definição de seu formato. Chegou-se a
conclusão da prova de 100 m rasos (masculino e feminino),
como ideal para o modelo dos Jogos dos Povos Indígenas.
Como experiência, no I Jogos foi também disputada a prova de
4x100 m e o Salto em Distância. Já no II Jogos, em Guairá-
PR, em 1999, também como experiência foi realizada a corrida
de resistência de média distância em revezamento. Cada
equipe indígena participou com dez atletas, revezando-se a
cada 1.000 m. Além da competição de 100 m, a prova de resistência de 5.000 m, disputada
por atletas masculinos, já está inserida nos Jogos.
(http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218)

161
Arremesso de Lança

O Arremesso de Lança é uma prova individual realizada apenas pelos


homens. Nos Jogos, a contagem dos pontos é feita de acordo com a
distância alcançada, ou seja, vence aquele que atingir maior distância.
As lanças são cedidas pela Comissão Técnica de Esporte, e fabricadas
de maneira tradicional, usando madeira rústica. A adaptação desse
armamento, desde o I Jogos, objetiva a distância, e não o alvo.

Histórico: Várias etnias indígenas conhecem esse armamento,


possuindo técnicas diferentes de confecção das lanças. O fabrico de
cada lança depende da finalidade a que se destina. Comprimento,
ponteiras de ossos, pedras ou mesmo madeiras mais duras, como a arueira ou pau de ferro são
avaliados. Na tradição indígena, é usada para caça, pesca (arpão) ou para defesa em um ataque
de animal feroz.
(http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218)

Considerações finais

Acreditamos que esse resgate de jogos tradicionais é de suma importância a nossa


cultura, a preservação de nossas memórias, seja ela cultural, afetiva, ou através dos jogos
tradicionais, nos faz mais fortes, mais saudáveis e felizes.
Esperamos que ao apresentar esse relato, outras pessoas se interessem pelo tema e
também resolvam relatar as suas experiências as suas vivências.

Referências:
http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218

162
SABERES QUE CRUZAM FRONTEIRAS:A PEDAGOGIA GUARANI NA
PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES GUARANI E KAIOWÁ1

Marinês Soratto (Egressa/UCDB)


Marines.soratto@gmail.com

Adir Casaro Nascimento (UCDB)


adir@ucdb.br

Resumo: Este estudo teve como intenção compreender como os saberes e os fazeres Guarani e
Kaiowá se evidenciam no espaço escolar, nas ambivalências e contradições entre o modo de ser
tradicional e o modo de ser ocidental. Para isso, foram analisados os enunciados produzidos
pelos professores indígenas da Aldeia Taquaperi, por meio das entrevistas realizadas pelo
aplicativo WhatsApp, os quais foram articulados com outros enunciados produzidos nos
encontros de professores por meio da Ação Saberes Indígenas na Escola. Assim, sendo a escola
uma instituição que vem de fora da comunidade indígena, com outros valores e princípios
epistêmicos e metodológicos, abrindo uma fronteira com os saberes tradicionais em que se
cruzam, negociam, ressignificam e tensionam nas suas visões de mundo, observou-se que os
saberes indígenas se evidenciam no contexto escolar por meio da língua (oralidade), de forma
à tornar-se presente os valores e os conhecimentos do modo de ser e fazer Guarani e Kaiowá,
ou seja, trata-se de existir dentro de um universo linguístico, no qual a língua se mostra como
um dos elementos que conecta o mundo físico e espiritual e explica o modo de ser e fazer
Guarani e Kaiowá.

Palavras-chave: Saberes indígenas; Educação escolar indígena; Interculturalidade

Este estudo teve como intenção compreender como os saberes e os fazeres Guarani e
Kaiowá se evidenciam no espaço escolar, nas ambivalências e contradições entre o modo de ser
tradicional e o modo de ser ocidental, tendo em vista que a escola é um espaço de fronteira onde
os saberes indígenas, aprendidos dentro da pedagogia Guarani, encontram-se e desencontram
na relação com outros saberes estabelecidos a partir de uma educação universal, a qual pretende
ser plural, mas que ainda mantém suas estratégias nas relações de poder, saber e ser.

1
Este estudo faz parte das discussões e ações que se fizeram presentes na Pesquisa “Nas fronteiras das negociações:
outros fazeres e outros saberes Guarani e Kaiowá” e no Grupo de Pesquisa Educação e Interculturalidade/CNPq
no período de 2018-2021, tendo continuidade nas discussões realizadas para pesquisa “Diálogo de saberes: um
encontro entre distintos sistemas de conhecimentos com o Povo Guarani e Kaiowá - produção de novas tecnologias
sociais” com apoio do FUNDECT/CNPq.
163
Para isso, foram analisados os enunciados produzidos pelos professores Guarani e
Kaiowá da Aldeia Taquaperi, por meio das entrevistas realizadas pelo aplicativo WhatsApp, os
quais foram articulados com outros enunciados produzidos nos encontros de professores por
meio da Ação Saberes Indígenas na Escola, no ano de 2021. As discussões e os estudos se
voltaram para a realidade das escolas indígenas, nas suas formas de organização, de
enfrentamento e resistência frente às relações de poder, saber e ser que cruzam fronteiras
epistemológicas e cosmológicas, de forma a organizar cada grupo humano dentro dos seus
próprios processos de aprendizagem, ao envolver metodologias, técnicas e significados que
conferem aos povos a razão de ser.

1. Cruzando as fronteiras dos saberes

Os saberes envolvem diferentes formas de conhecer, de experienciar, de viver, de sentir,


de ser e de estar que atravessam fronteiras, sejam elas geográficas, epistemológicas ou culturais.
Eles vão sendo construídos ao longo da vida, por meio de conhecimentos que, de algum modo,
foram herdados, adquiridos ou impostos nas relações em grupo e em comunidade; eles nos
permitem ser quem somos dentro de um contexto histórico e social no qual estamos enredados.
Ao seguir por esse ponto de vista, precisamos compreender que os saberes são
construídos dentro de espaços e tempos diferentes, como pontua Anchinte (2012, p. 24): “[...]
Aprendimos a concebir el tempo en linalidade cuando hay grupos culturales y/o sociedades que
viven, se piensan y actúan en otras vivencias del tempo”.
Nas comunidades indígenas, como expõe Melià (2013), a educação indígena acontece
em todo o ciclo de vida. Desse modo, EK23 explica que:

[...] os saberes estão no pilar de cada conhecimento, só os indígenas que sabe, por
exemplo [...] Então os saberes indígenas, por exemplo, é que... muitas vezes ele
contraria a... o sabedoria do científico né, do cientista. Então os saberes né,
indígena, por exemplo, tem o seu jeito de saber né, e... esses saberes indígenas ele
tem... ele tem um processo... assim, de aprender no contexto Guarani e Kaiowá
né [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

2
Os nomes dos professores que colaboraram para a realização desta pesquisa serão preservados; para tanto, a fim
de identificá-los no decorrer das análises, utilizamos a inicial seguida da inicial da etnia Guarani (G) e Kaiowá
(K).
3
Professor EK é efetivo na Rede Municipal de ensino de Coronel Sapucaia. Foi aluno da 2ª turma do Curso Normal
de Nível Médio – Ará Verá – no período de 2002 a 2006. É formado em Matemática pelo Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena Teko Arandú, oferecido pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Iniciou
sua carreira como professor leigo na Escola Municipal Nande Reko Arandú, atuando nos anos iniciais do ensino
fundamental; hoje, atua nos anos finais do ensino fundamental.
164
De acordo com os estudos de Lescano (2016, p. 36), os pilares são os valores que estão
no centro da cultura Guarani e Kaiowá, conhecidos como teko rokyta, e que fundamentam a
educação Kaiowá:
O conhecimento sobre as passagens das fases da vida ou o processo de
desenvolvimento humano, para os Kaiowá, é um entendimento primordial, okakua’a
jave – processos do crescimento.
Esse entendimento é um dos elementos que compõe a educação dos Kaiowá e faz com
que o povo se diferencie dos outros, e está muito direcionado ao conhecimento
mitológico do Kaiowá. Os saberes mitológicos do Kaiowá são diversos e, quando
contados na oralidade, no decorrer da sua explicação, a mitologia sai enriquecida.

Para a professora LK: Os saberes indígenas abrangem todo o nosso ser


Guarani/Kaiowa” (WhatsApp, 2021, grifos nossos), ou seja, os saberes indígenas estão
conectados entre o mundo físico e espiritual, em que, no mundo Guarani e Kaiowá, o ser é parte
do todo.
À vista disso, o processo de ensino e aprendizagem Guarani e Kaiowá está no seio
familiar. É a família que confere a base para o “Ser” Guarani e Kaiowá a viver em comunidade,
como explica EK:

[...] para nós, esses saberes são muitas vezes... os saberes são familiares né. Essa
palavra familiar, que isso significa? Isso significa é... começa... inicia pela casa,
principalmente com quem eu aprendo... Eu aprendo muito com a minha mãe né, assim
né, no contexto próprio, na cosmologia Guarani e Kaiowá... [...] Cada um tem o seu
jeito de ensinar né. Primeiro ensinamento, saber assim, você tem que saber como
viver homem indígena e também mulher indígena. [...] essa aprendizagem não
está assim... como... não é como aprendizagem na escola né... ele aprende um
pedaço, outro dia você vai aprender outro pedaço e assim sucessivamente [...]
(WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Na mesma perspectiva, o professor WK4 afirma que os saberes indígenas são


transmitidos pela família, porém ressalva sobre os saberes indígenas na escola, de como os
professores fazem para levar isso à prática pedagógica:

Se aprende no cotidiano, com as famílias. Pelo menos em Taquaperi a maioria dos


professores se engaja para repassar o mínimo dos conhecimentos próprios, mesmo
que exista um padrão de ensino que geralmente é coordenada pela secretaria da
educação (WhatsApp, 2021).

4
Professor WK é um docente contratado pelo município de Coronel Sapucaia. É formado em História pelo Curso
de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandú, oferecido pela Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). Mestre em História na Universidade da Grande Dourados (UFGD). Atua no ensino de história no ensino
fundamental nas escolas da Aldeia Taquaperi.
165
Ao ser a escola uma instituição que ainda está ancorada em uma abordagem universal e
eurocêntrica, herdeira do século XIX, na qual os saberes foram fragmentados, sistematizados e
organizados em áreas de conhecimentos, o fazer pedagógico nas escolas indígenas tende a
seguir essa padronização, já que esses fazeres precisam ser organizados e classificados por áreas
de conhecimentos, distanciando-se dos saberes e fazeres Guarani e Kaiowá; o sistema de
aprendizagem se efetiva na oralidade, pois é por meio da língua que os signos e significados
são repassados e transitam entre diferentes lugares. Como relata o professor EK:

[...] a palavra o mestre tradicional fala Ara né, Arandú, Ara kuapã, essa palavra, então
saberes indígenas também segundo som está na linguagem né? Se as pessoas não
soubé linguagem própria e tradição do Kaiowá, então ele não tem como entender todas
as... contextos do Saber indígena, então a primeira coisa para aprender os saberes
indígenas é precisa expressa bem no Guarani tradicional né. É que sempre o
mestre tradicional fala né, que a linguagem é o principal... o primeiro ponto é a
linguagem... então os saberes estão na linguagem, na palavra Ara. Ara significa um
contexto assim que você dentro é... dentro dos conhecimentos indígenas você vai
aprendendo cada parte, que são um processo de aprender né (WhatsApp, 2021, grifos
nossos).

Sob esse ponto de vista, o professor nos mostra que a língua é responsável pela
transmissão dos saberes, pois são nos signos que os saberes vão sendo expressos e veiculados.
As palavras na língua explicam o modo de ser e fazer Guarani e Kaiowá. No que se refere à
língua, Melià (1999, p. 13) observa:

A ação pedagógica tradicional integra sobretudo três círculos relacionados entre si: a
língua, a economia e o parentesco. São os círculos de toda cultura integrada. De todos
eles, porém, a língua é o mais amplo e complexo. O modo como se vive esse sistema
de relações caracteriza cada um dos povos indígenas.

Ao tentar compreender a amplitude da língua Guarani e Kaiowá, verificamos que ela


abarca todo o ser Guarani e Kaiowá e que a sua complexidade está no significado que carrega
e como é transmitida dentro de um espaço cosmológico, o qual precisa ser vivido e sentido
cotidianamente. Como expõe EK:

[...] o saber tá linguagem, na linguagem Kaiowá, por exemplo, as crianças tem que
acordar bem cedo pra ouvir o tempo né, o fenômeno da natureza, os canto do pássaro,
o vento né, o movimento do vento, isso pra aprendê no contexto Guarani [...] esses
saberes indígenas ele tem um processo de aprender no contexto Guarani e
Kaiowá [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Quando se afirma que o saber está na linguagem, observamos que a natureza está
conectada ao modo de vida, desdobrando-se na rotina da comunidade, e as palavras na língua

166
nomeiam tudo o que está à sua volta, como a natureza, os pássaros, os fenômenos naturais.
Todos esses aspectos vão sendo “aprendidos” para serem “lidos” na vivência cotidiana. Dentro
de suas metodologias próprias, WK explana que:

Os saberes são repassados pela oralidade, pelos Avó e Avô e os pais. No período
mais recuado, os saberes religiosos eram repassados pelos ñanderú (mestres
tradicionais), portanto existia um lugar próprio (oga pysy). Já hoje em dia, em uma
parte, as escolas estão repassando também através dos professores ou se traz os
mestres tradicionais nas escolas para isso (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Nesse caso, verifica-se, na fala do professor, que, nos dias atuais, há uma ressignificação
nos lugares dos saberes Guarani e Kaiowá, em que a escola se torna um lugar onde os saberes
indígenas circulam entre o tradicional e ocidental, mesmo que fragmentados ou
descontextualizados de seus lugares específicos de ensinamento. Segundo Hall (2003, p. 61),
esses espaços são chamados de “localismos”, ou seja, aprendem a viver com o “outro” nos
“entre-lugares”, porém o autor salienta que “[...]. O ‘local’ não possui um caráter estável ou
trans-histórico. Ele resiste ao fluxo homogeneizante do universalismo como temporalidades
distintas e conjunturais”.
Um lugar onde se transmite a educação tradicional é ao redor do fogo que, segundo
Pereira (2016, p. 38), “[...] o fogo doméstico kaiowá desempenha um papel estruturante na vida
social. Em certo sentido é a partir de seu fogo que o Kaiowá vê e pensa sua parentela - te’ýi -,
sua comunidade – tekoha –, seu próprio sistema social e as outras formações sociais com as
quais entra em contato”.
De acordo com o professor EK, ao se referir ao fogo como um elemento que integra a
educação tradicional, mostra-se a divergência entre saberes, cujo saber não indígena se
sobrepõe e desqualifica o saber indígena:

A relação do fogo né... questão do fogo é o principal nosso né. [...]. É muito importante
para nós esse fogo né. O fogo também tem os seus... é a lenha principalmente, não é
qualquer madeira que pode... que serve para ser ...fazer fogo né, então isso também ...
nós por exemplo, homem tem que saber a madeira que que serve para lenha, então ele
tem tudo nome assim para colocar. Então teve um tempo né, assim não sei se eu vou
lembrar né, no ano de 2008 ou 2007 por aí, que questionou a pessoa de saúde né...
porque teve uma doença muito grande nas aldeias, não sei qual doença né, por isso
que a saúde... a equipe de saúde questionou isso né, que os indígenas se adoeceu muito
por causa do... da fumaça né, por causa desse calor né. Mas é... aí..., mas não é questão
dessa parte né, com fogo é muito importante porque ele reúne muitas pessoas né. Ao
redor do fogo que nós fomos educadas né, fomos aconselhado para viver né, então
o fogo ele chama as pessoas né. Então os parentescos, família, reúne a redor do fogo,
muito importante isso para nós né. [...] ao redor do fogo que a gente compreende as
coisas para viver. Então... hoje em dia por exemplo mãe... não é que todos né... mas
já tem as pessoas que não faz mais fogo, não reúne mais família, as crianças levanta
167
já tarde... então não tem mais esse... esse... acomodô né, de estar bem com a família
né, por isso que destruturou, muito na família, a educação familiar dentro da sociedade
indígena né, porque por causa de fogo mesmo, entrou fogão de gás né, agora entrou
fogão de elétrico é outra coisa né, então mudou mudaram muito né, a questão de reunir
a família né, então isso também faz falta né para nós, entender como usar esse... esse
fogo né (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Sobre os lugares dos saberes indígenas, o fogo que, ao mesmo tempo em que aquece,
alimenta, reúne pessoas, produz e transforma sujeitos em Guarani e Kaiowá (WIIKI, 2010;
PEREIRA, 2016), é interpretado de outro modo pelo “outro” não indígena.
Ao refletir sobre essa situação, buscamos apoio nas indagações de Melià (2013, p. 239),
ao questionar: “[...] ? Qué educación he tenido como indígena antes de ir a la escuela? [...] ? en
qué lengua he sido educado? Y ahí hay que distinguir hay uma lengua antes dela escuela y outra
lengua ena la escuela [...]”.
No contexto escolar, essa colisão ocorre entre a língua materna e a língua portuguesa,
cada uma constituída em universos diferentes, como podemos observar na fala do professor
EK:

[...] o diálogo entre português com saberes indígenas... ó ... eu vejo assim que... eu
vou falar ... que não dá certo né. Porque primeira coisa, português você já sabe o que
é português né, essas palavras são estranha para nós né [...] o português ele traz
muito outro pensamento para comunidade e principalmente para as crianças né.
E... a ideia é essa mesmo né, esse sistema que está entrando no meio do nosso
comunidades, nas escola né, ele leva né, esse pensamentos... que esse pensamento
indígena não deveria ser mais valorizado, a questão é essa né, como é que esse de
português né, ele trata a comunidade escolar né? Como é que ele diálogo, como é que
ele tem diálogo esse conhecimento né? Então o português sempre... ele vai trazendo
outra realidade para nós né, e com outro pensamento. Posso falar assim que é...
o indígena pensa que quando você tem esse conhecimento, que não é indígena
ele... ele se afasta né, devagarzinho assim, afastar do saberes indígenas e aí esse
afastamento né, traz muito é.... vamos supor... uma coisa assim, um problema né, na
aprendizagem dos alunos e também na comunidade escolar né, porque... porque por
si só a palavra já fala né, português. Então, eu vejo assim que essa parte de indígena,
ele não vai se entender muito com português, então eu acho que cada vez mais a
escola se direciona com esse português e os saberes indígenas cada vez mais se afasta
das pessoas né [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Nas escolas indígenas – os primeiros anos de escolarização –, o ensino é ministrado na


língua indígena; depois, no segundo ou terceiro ano, quando a criança já está adaptada ao
processo escolar, inicia-se o ensino na língua portuguesa. Esse seria o momento em que “outro
pensamento” – pensamento ocidental – se sobrepõe aos saberes indígenas e, de forma
estratégica, o conhecimento hegemônico afasta o conhecimento tradicional.

168
Contudo, a questão é: como acontece a tradução dos conteúdos, já que o ensino acontece
por meio de conteúdos curriculares normatizados pelos sistemas de ensino? Sobre essa questão,
WK explica: “Geralmente são traduzidos para se trabalhar apenas para as perspectiva linguística
e gramaticais, mas, levando em consideração as informações, existem muitas lacunas”.
São nas lacunas, nos “entre-lugares”, como profere Bhabha (2014), que as matrizes
coloniais do ser, saber e do poder atuam em diferentes maneiras, utilizando-se de meios
estratégicos, como as igrejas e a lógica de mercado capitalista, que trazem modelos de
individualidade para os membros da comunidade; com isso, afastam os indígenas do seu modo
de ser, pois o currículo das escolas indígenas ainda pertence a uma educação eurocêntrica. Mais
precisamente, encontra-se engessado nos moldes de uma educação moderna/colonial, apesar
dos direitos conquistados por uma escola diferenciada, bi/multilíngue, específica, intercultural
e comunitária.
Desse modo, entendemos que as atividades curriculares, organizadas enquanto práticas
pedagógicas, fazem parte de um processo contínuo e histórico; são rasuradas pela modernidade,
cujo desafio ainda consiste em adotar estratégias para uma pedagogia diferenciada, que atenda
aos anseios e às necessidades da comunidade de acordo com suas práticas educativas.
Um exemplo em que a modernidade tem mostrado o seu outro lado, a colonialidade,
como postula Mignolo (2007), corresponde ao período de pandemia: em um momento instável
e de fragilidade, os mecanismos pedagógicos continuaram atuando de forma a sistematizar a
educação dentro dos padrões hegemônicos. Como relata o professor EK:

[...] com esse tempo de pandemia eu achei muito estranho né, aqui no nosso município
é... nós sempre registravam no sistema em Guarani né, porque no Regimento consta
que... pré e primeiro ano, os alunos ensino na língua materna, então com esse tempo
de pandemia e veio muito forte nessa questão de BNCC né, então trocou todo mundo
esse entendimentos indígenas e parece que esse BNCC entrou e descartou esse... esse
movimentos indígenas que está dentro da escola e aí vem outra questão né, o sistema.
E aí os professores... se não tem maturidade né, na questão de saberes indígena,
acaba... também caiu na linha desse sistema, mas os professores que por exemplo que
tem maturidade assim na questão de saberes indígenas continuando né, se
preocupando e lutando para que possam a escola gerenciar com esses saberes... a partir
desses saberes, mas eu vejo assim que é muita coisa, né, para nós colocar na ações nas
escolas (WhatsApp, 2021).

Vivemos em um momento político delicado; a questão é tentar garantir o mínimo dos


direitos já conquistados, para que não sejam perdidos nas questões homogêneas. Em uma das

169
reuniões de Formação da Ação Saberes Indígenas na Escola (26/03/2021), a professora TG5
expôs: “Nem chegamos a viver um momento de diversidade e já estamos vivendo um
retrocesso”.
Nesse processo de organização, ou digamos, de reorganização curricular, os efeitos do
poder entram em ação silenciando os saberes indígenas, ao legitimar, cada vez mais, os saberes
não indígenas na prática escolar. Segundo Moreira e Candau (2007, p. 23): “[...]. Para se
tornarem conhecimentos escolares, os conhecimentos de referência sofrem uma
descontextualização e, a seguir, um processo de recontextualização. A atividade escolar,
portanto, supõe uma certa ruptura com as atividades próprias dos campos de referência”.
Consequentemente, ao trazer os saberes indígenas ou a língua como disciplinas,
consolidadas padronizadas a partir do sistema ocidental, esvazia-se todo um aparato de
conhecimentos e fazeres culturais próprios de cada grupo.
Além dos fatores externos exercidos pelo modelo capitalista, as religiões presentes nas
aldeias influenciam no modo de ser Guarani e Kaiowá, com regras e práticas que se afastam da
Pedagogia Guarani. Essas ainda são interferências coloniais que atravessam o modo de ser e
saber Guarani e Kaiowá e que, segundo Walsh (2009), é preciso questionar os tipos de
imposições modernas que se fazem presentes por meio de programas dentro das comunidades,
em que não há um diálogo intercultural, uma troca mútua e recíproca entre diferentes, mas, sim,
um diálogo na tentativa de sobrepor os conhecimentos tradicionais à medida que ainda
continuam sendo subjugados pelo pensamento não indígena.
Outro ponto a ser destacado sobre a pandemia equivale aos relatos feitos nos encontros
da Ação Saberes Indígenas na Escola; os professores falaram que a escola não deu conta de
resolver, não trouxe explicação sobre o fato que estava acontecendo e que, de um modo geral,
recorreram à comunidade para buscar explicações. Segundo OG6:

[...]. Nesse momento, algumas em prática foram deixadas em pausa, mas que não
impediu que buscasse outras formas para sobreviver como indígena, como professor.
A escola foi o lugar que mais teve impacto. A chegada do vírus nas Aldeias foi algo
que nos fez a se readequar com nossos meios de convivência. Algumas práticas
tradicionais [...]. Nesse período nos mostrou como os conhecimentos tradicionais
são importantes. A circulação de informação entre o encontro dos científicos e
tradicional ficou desequilibrado nesse período intempestivo. O que nos levou ao
todo buscar uma explicação para tudo que estava havendo (AÇÃO SABERES
INDÍGENAS NA ESCOLA, 19/02/2021, grifos nossos).

5
Professora da Aldeia Jaguapirú – Reserva Indígena de Dourados/MS.
6
Professor da Aldeia Rancho Jacaré, localizada no município de Laguna Carapã.
170
Nesse período, as comunidades indígenas ficaram isoladas e isso contribui para o
fortalecimento dos saberes indígenas que estavam silenciados. Enquanto a ciência não dava
respostas, a comunidade se voltou para buscar conhecimento dentro da sua visão de mundo,
como relatou EG7:

[...]. Na ausência da escola, o conhecimento tradicional foi muito forte, recorreram


aos conhecimentos tradicionais. O conhecimento tradicional estava ali, a comunidade
não se preocupou muito com isso, mas quando se deparou com a pandemia ela
recorreu aos conhecimentos tradicionais (AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA
ESCOLA, 19/02/2021).

Podemos entender que, no momento de crise, os conhecimentos tradicionais emergiram


para refletir, e a comunidade buscou nos mais velhos o que eles sabiam e o que usam para
explicar a situação. Conforme LK (WhatsApp, 2021) os saberes indígenas “[...] nesse tempo de
pandemia que vivemos ele se tornou a nossa riqueza na parte dos remédios tradicionais”;
segundo EG: “[...]. As plantas medicinais voltaram com força. [...] o indígena tem tudo em volta
da casa, as plantas medicinais [...] o espaço das crianças, o tekoha, as crianças se sentem seguras
no espaço deles” (AÇÃO SABERES INDÍGENAS NA ESCOLA, 19/02/2021, grifo nosso).
Para Bhabha (2014, p. 25, grifos do autor):

[...]. É nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a se
fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante,
ambivalente, do além que venho traçando: ‘Sempre, e sempre de modo diferente, a
ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos homens para lá e para cá,
de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto
passagem que atravessa’.

Percebemos que os saberes indígenas transitam para ‘lá’ e para ‘cá’, atravessando as
fronteiras tradicionais, ao experienciar os saberes e fazeres ocidentais, ressignificando-se de
acordo com as necessidades que o mundo moderno colonial impõe. São mediados pela pressão
capitalista e mercadológica que adentra nas comunidades indígenas, porém, nos momentos de
tensão e de conflitos, é o tradicional que se sustenta.
Embora haja um esforço para inserir os saberes indígenas enquanto conteúdos
curriculares nas escolas, observa-se que essa não é uma tarefa fácil, a qual exige uma
compreensão sobre como cada saber se desenvolve no meio a que pertence, porque “[...] não se

7
Professor da Aldeia Rancho Jacaré, localizada no município de Laguna Carapã.
171
trata de traduzir de uma língua com tradição escrita para outra de igual tradição” (FREIRE,
2009, p. 329).
Podemos observar isso em relação à língua portuguesa na escola, quando EK profere
que o que fazem é adotar o português com o intuito de transportar os conhecimentos indígenas
para a língua portuguesa:

[...] eu vou usa essa palavra adotar né, adotar essa palavra linguagem no nosso
contexto, como essa adotação ele vai trazendo esse conhecimento para nós. Adotar
um português para nós né, tem muitas coisas que para você entender como é que se
adotar uma português para um contexto indígenas né, então eu vejo assim que a
linguagem português né, e se adotar realmente vai ter esse diálogo, dialogo com outro
ciência. Mas é, os indígenas se esforçam, se esforçou muito né, para colocar esse
conhecimento dentro desse contexto português, nesse contexto né, os indígenas
para entender o que que realmente, trazer esse conhecimento no contexto indígena de
adotação né, adotar essa palavra, não sei se estou usando essa palavra correta né,
porque eu falo isso porque uma palavra adoção é quando você adota alguma criança
você não sabe é como é que aquele que comportá, como é que ele vai crescer, como é
que ele vai é... como é que ele vai se comportar com a família, com eles se adotou né,
então muita dúvida né, e muitas vezes também você adota as crianças você se
preocupa também né, como é que como é que você vai cuidar deles e assim também
é os saberes não indígena, eu acho né, porque eu saber se tem medo de colocar no
contexto não indígena né, porque o medo é que muitas vezes traz esse é... não
para ficar mais né, diante da sociedade [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).

Em uma negociação no contexto escolar, verifica-se um deslocamento de saber


produzido em língua para outra língua que se desenvolve a partir de um conhecimento
hegemônico; logo, surge um saber de fronteira, um saber produzido na fissura de duas
cosmovisões.
A tradução é um processo de ressignificação do significado, ou seja, é a criação de novos
significados para símbolos culturais que são vivenciados nos “entre-lugares” da cultura, ou
melhor dizendo, das culturas que se relacionam mutuamente, conforme postula Bhabha (2014,
p. 305): “O processo de reinscrição e negociação – a inserção ou intervenção de algo que assume
um significado novo – acontece no intervalo temporal situado no entremeio do signo, destituído
de subjetividade, no domínio do intersubjetivo”.
Uma reflexão importante a se considerar é que os procedimentos metodológicos Guarani
e Kaiowá, constituídos dentro de sua visão de mundo, dão conta de passar por gerações por
meio da oralidade, resistindo às tensões exercidas pelas pressões externas que subalternizaram
e inferiorizam os saberes indígenas, as quais impõem outras lógicas de viver e de estar no
mundo.

172
Enquanto a sociedade ocidental faz uso da escrita para deixar às futuras gerações a sua
história e os conhecimentos produzidos ao longo do tempo, as sociedades indígenas fazem uso
da língua (oralidade) para deixar aos descendentes a sua história e os seus conhecimentos que
também vão sendo produzidos e ressignificados no espaço e no tempo em que se encontram,
dispondo de sistemas próprios.
Conforme vamos analisando nossos registros e percebendo que os saberes são
transmitidos pela oralidade, novas indagações são despertadas: como são/foram transmitidos os
saberes indígenas por meio da escrita? Como mensurar o aprendizado pelas normas
institucionais avaliativas impostas pelas diretrizes curriculares? Quais são os saberes indígenas
que compõem o currículo escrito da escola? Ou seja, quais saberes foram elaborados junto à
comunidade? E quanto aos materiais didáticos sobre os saberes indígenas, produzidos com os
professores indígenas, na língua materna: que saberes são esses?
O que ocorre, nesse caso, é que a pedagogia Guarani e Kaiowá acontece em tempos e
espaços diferentes da educação escolarizada, a qual é regulamentada por normas e legislações
próprias – e que, ainda, seguem engessadas em uma visão eurocêntrica. De um modo ou de
outro, tentam apreender ou enquadrar os saberes indígenas dentro dos padrões estabelecidos
pela lógica moderna ocidental, bem como o ensino da língua materna enquanto disciplina.
Embora também tenhamos de reconhecer que as escolas indígenas, mesmo caminhando
por outra lógica de pensamento, ainda garantem visibilidade aos conhecimentos tradicionais
indígenas, diante das ambivalências vivenciadas, a escola desempenha um papel de
conscientização e revitalização da cultura em uma comunidade que já experienciou todas as
formas de negação e exclusão da sociedade,
Os saberes indígenas enquanto conteúdos na prática pedagógica precisam ser
fragmentados de acordo com áreas de aprendizagens, porém fazem parte de outra ordem
cosmológica, em que a sua essência, o seu fazer, não se ensina na escola, como explica WK:
“[...]. Os conteúdos, tal como ele é, não está é, nas perspectivas dos saberes indígenas.
Depende das áreas, os conteúdos servem apenas como base, pois nas explicações que as vezes
são relacionados nos saberes e nas lógicas indígenas” (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
O que precisamos compreender é que os sujeitos que estão na escola têm outros
conhecimentos vividos em demais espaços educativos, ocultados dentro de intenções
curriculares que organizam a prática educativa no contexto escolar. Nesse caso, Moreira e
Candau (2007, p. 32, grifos dos autores) sugerem que: “[...] se procure, no currículo, reescrever
173
o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes
pontos de vista envolvidos na sua produção”.
Por intermédio dessa situação, observamos que os professores, tanto os mais velhos
quantos os mais novos, têm explicações sobre os saberes Guarani e Kaiowá, conseguem
relacionar uma lista de conteúdo enquanto currículo. Porém, quando começamos a questionar
como é o seu fazer, há um recuo nas informações, pois uma coisa é relacionar esses saberes e
outra coisa está no processo de como ensinar o fazer de uma pedagogia indígena que, diante da
visão indígena, ainda não tem “autoridade” para tal, já que isso pertence aos mais velhos, aos
anciãos com domínio dos saberes Guarani e Kaiowá. Afinal, que saberes Guarani e Kaiowá
podem ser ensinados na escola?
Verifica-se que a questão de elaborar uma lista de conteúdos curriculares não é o
problema. Todavia, a complexidade está na prática, na qual os signos e significados não podem
ser relacionados, não podem ser descritos e sistematizados pela lógica cartesiana. O ensino dos
fazeres indígenas se centra no saber que pertence aos mais velhos (sábios); estes acumularam,
ao longo da vida, experiências epistemológicas e cosmológicas que guiam o ser Guarani e
Kaiowá, processos que foram aprendidos no decorrer da vida, em diversos momentos, situações
e contextos que orientam a educação tradicional. Como mostra EK:

[...] vem a questão de processo de cada um, cada ano que vive você vai aprende uma
coisa né, por exemplo, cada passo você aprendendo é... essa aprendizagem não está
assim... é... como é aprendizagem na escola né... ele aprende um pedaço, outro dia
você vai aprender outro pedaço e assim sucessivamente... esse aprendizagem é de
acordo com a faixa etária também, então principalmente recebi muito né, também esse
orientações para viver como Guarani e Kaiowá né, uma dos objetivos dos Guarani
Kaiowá é chegar nu... chegar assim... na língua Guarani e fala que é Tudiá, é uma
forma de expressão para ver o bisneto, é outro até você envelhecer né, então é o
objetivo do Guarani Kaiowá então para você chegar... para eu chegar ficar assim na
idade de velhice eu tenho que cumprir com a regra né, a exigência da regra dentro da
comunidade, familiar, no parentesco... então esse saber você inicia sabendo dentro do
contexto familiar né, isso que eu tô falando quando pessoa é novo ainda [...]
(WhatsApp, 2021).

Enquanto uma instituição ocidental que está presente dentro das comunidades indígenas,
nota-se que ainda segue as normas e os regulamentos de uma sociedade hegemônica. Porém,
dentro dos princípios de uma educação diferenciada e específica para as comunidades
indígenas, como legitimar os saberes indígenas na prática pedagógica?
Cada vez que adentramos no assunto, percebemos que os saberes indígenas circulam e
transitam por diferentes lugares na escola – currículo, livros, documentos. Movem-se entre

174
saberes, mas não se deixam captar pela lógica ocidental, o que, para Achinte (2012, p. 28): “[...]
la produción de conhecimento de grupos silenciados y marginalizados (afro, indígenas,
campesinos empobrecidos, lesbianas y gays entres otros) puede llegarse a considerar como uma
epistemologia fronteriza que, desde la subalternidade epistémica, reorganiza la hegemonia
epistêmica”. Sobre o ensino de história e o material didático disponível para os alunos na escola,
o professor WK (WhatsApp, 2021) enfatiza o seguinte:

[...] o livro não traz os saberes dos povos indígenas com certa profundidade. As vezes
se traz apenas as histórias, muito superficial e de outros povos ainda.
[...]. Pensando no espaço que os livros dedicam para expressar a história indígena, não
é suficiente para explicar muito menos contextualizar o mínimo que pode, sobre
historicidade de alguns povos.

Todavia, o professor elucida que a história dos povos indígenas é explicada pelos mais
velhos: “[...]. As memórias de antes das demarcações ainda continuam vivas, mesmo que as
gerações sejam outra já, as histórias sempre são lembradas. Tem alguns que participaram dos
trabalhos nos ervais” (WhatsApp, 2021). Essa é uma história que não faz parte dos currículos
escolares; essas memórias estão ocultas em nossa história, assim, desconhecemos. A escola é
uma instituição que vem de fora da comunidade indígena, com outros valores e princípios
epistêmicos e metodológicos, abrindo uma fronteira com os saberes tradicionais em que se
cruzam, negociam, ressignificam e tensionam nas suas visões de mundo.
Assim, observa-se que os saberes indígenas se evidenciam no contexto escolar por meio
da língua (oralidade), de forma a carregar os valores e os conhecimentos do modo de ser e fazer
Guarani e Kaiowá, ou seja, trata-se de existir dentro de um universo linguístico, no qual a língua
se mostra como um dos elementos que conecta o mundo físico e espiritual e explica o modo de
ser e fazer Guarani e Kaiowá. Segundo Melià em entrevista a Ramos (2012), por serem
sociedades ágrafas e orais, não se pode plagiar, não se pode roubar. Os povos indígenas
transitam entre saberes, aprendem sem deixar de serem apreendidos. Está, aqui, o desafio para
as sociedades ocidentais.

Referências bibliográficas

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176
GT 2 - EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS DE


EDUCAÇÃO FÍSICA: ATRAVESSAMENTOS DOS SABERES INDÍGENAS NA
LEGISLAÇÃO DO CURRÍCULO

Rafael Presotto Vicente Cruz (UNIGRAN CAPITAL)


rafaelpresoto@gmail.com

Resumo: O texto trata sobre a educação intercultural nos cursos de formação de professores/as
de Educação Física, discutindo os atravessamentos dos saberes indígenas na legislação do
currículo, o qual é parte da reflexão do autor nos escritos da sua tese do Curso de Doutorado,
do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Católica Dom Bosco. Tem
como objetivo discutir as perspectivas da educação intercultural na formação de professores/as
de Educação Física, ao promover uma reflexão sobre possíveis afetamentos sobre os cursos e
currículos, a partir de um estudo bibliográfico sobre a temática. O texto é parte da estrutura da
fundamentação teórica da tese, dialogando com as tensões presentes nas concepções da pós-
modernidade. O estudo destaca desafios da educação intercultural no processo de formação de
professores/as de Educação Física no Brasil, ao discutir a diversidade e a diferença na legislação
do currículo, a partir de suas limitações e tensões. Aponta a necessidade de discussão da
educação intercultural na formação dos futuros professores/as que atuam no espaço da escola e
os conflitos que se fazem presentes na sociedade atual, fundamentado pelos conceitos de
cultura, diferença e a formação docente, sob o viés da decolonialidade, provocando uma
reflexão sobre as possibilidades da educação intercultural na formação de professores/as no
contexto da educação superior.

Palavras-chave: Educação Intercultural; Formação de Professores; Legislação; Currículo.

1. Introdução

A formação de professores tem se configurado uma preocupação constante no


cenário educacional brasileiro ao se tratar da oferta de uma educação de qualidade para todos.
Ao mesmo tempo, vê-se este campo tensionado por questões voltadas para a valorização da
diversidade cultural e pelo reconhecimento das identidades culturais, pela luta dos movimentos
sociais contra qualquer tipo de discriminação, preconceito e exclusão, bem como pela denúncia
constante de um modelo de educação fundamentado na matriz político-social e epistemológica
da modernidade. Não há mais como negar a diversidade cultural que compõe o espaço
educacional brasileiro, bem como a necessidade de discussão da diferença. Os olhares se voltam

177
para o encontro das culturas que se entrecruzam, exaltam-se e se silenciam nas práticas
pedagógicas e vivências curriculares trabalhadas e efetivadas nas instituições de ensino, tanto
da Educação Básica quanto da Educação Superior.
Ainda que os estudos que articulem formação de professores/as e diferença se
apresentem restritos no Brasil, têm sido objeto de discussão e pesquisa de autores que lutam
por uma educação verdadeiramente democrática.
Na tese defendida em 2016 pela Professora Vera Lícia de Souza Baruki na Linha
de Pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), a qual teve como objetivo
abordar as representações culturais que os docentes de Educação Física (re)produzem sobre o
corpo diferente, a autora destacou que a presença da diferença nas aulas de Educação Física
provocam fissuras na normalidade, reflexões aos docentes, mudança no planejamento e nas
aulas, gerando movimentos pedagógicos a partir do reconhecimento de sua presença por parte
dos professores/as (Baruki, 2016).
Para Baruki (2016), a percepção da diferença é construída no processo de
formação de professores/as de educação física, a partir dos discursos que o atravessam e
produzem diferentes significados, vivenciados na formação inicial e continuada e na prática
pedagógica que norteia o itinerário pedagógico dos/as professores/as, em sua forma e conteúdo.
Tal percepção pode provocar representações identitárias sobre sua prática docente, a partir de
movimentos políticos e culturais que guardam, em determinados períodos, linguagens que
direcionaram conhecimentos e currículos.
Assim, pressupõe-se que a formação de professores se constitui em um espaço
privilegiado para a criação e efetivação de proposições que possibilitem novos caminhos para
o trato da diversidade cultural e o debate da diferença no contexto escolar, especialmente porque
se o/a professor/a não considera os saberes das diferentes culturas como questão a ser discutida,
como poderá desenvolvê-lo no contexto educacional?

2. Pressupostos teóricos e legais sobre a diversidade, a diferença e os saberes indígenas na


formação de professores/as.
Na literatura brasileira, o termo diversidade cultural tem sido usado e
relacionado ao contexto do multiculturalismo, o qual está vinculado ao reconhecimento da

178
existência de culturas diferentes, sendo compreendido também como um campo teórico, prático
e político (Candau, 2008).
Já o termo interculturalidade tem, principalmente nos últimos anos, estado
presente em um conjunto de práticas documentais, políticas, ideológicas, conceituais e
epistemológicas que alimentam discursos em torno da diferença. A interculturalidade pode
promover uma abertura que permite a construção de estratégias capazes de identificar, perceber,
conviver e trocar experiências com sujeitos de matrizes culturais distintas na construção de um
mundo melhor (Scaramuzza; Nascimento, 2018).
Moreira (2002) apresenta a diferença, a partir da compreensão de que a
sociedade contemporânea é multicultural, e a cultura é centro das questões sociais, e diante da
diversidade cultural, a diferença torna-se intrínseca a esse contexto, especialmente vinculada a
necessidade da interculturalidade na sociedade.
[...] não há como analisar essas diferenças [culturais] sem levar em conta que
determinadas ‘minorias’, identificadas por fatores relativos à classe social, gênero,
etnia, sexualidade, religião, idade, linguagem, têm sido definidas, desvalorizadas e
discriminadas por representarem ‘o outro’, ‘o diferente’, ‘o inferior’ (Moreira, 2002,
p. 18, grifos do autor).

Diante disso, destaca-se a presença da educação intercultural em espaços


educativos para que as propostas e práticas curriculares, como um espaço oportuno para a
identificação das diferenças, o incentivo ao diálogo e a aprendizagem entre elas, e um lugar de
questionamentos, a fim de desestabilizar as relações de poder existentes nas situações em que
as diferenças coexistem.
Ferreira e Silva (2013) destacam as possibilidades para a descolonização dos
currículos e a construção da educação das relações étnico-raciais pautada na educação
intercultural, na perspectiva crítica, a qual entendo ser necessária a proposição do currículo da
formação de professores. Nesta perspectiva, a diferença e a cultura são destacadas como noções
que se expressam a partir dos “[...] currículos monoculturais [que] sustentam a herança colonial
na escola, isto é, os mesmos padrões que valorizam uma única forma de ser, de saber e de viver:
a eurocêntrica que permanece hegemônica nas práticas curriculares” (Ferreira; Silva, 2013, p.
27).
E, neste contexto, a diferença é debatida como cristalizada na escola, a partir dos
currículos prescritos, inclusive nos cursos de formação de professores:

179
Essa constituição dos currículos escolares modernos ensina a determinados grupos a
serem sujeitos de direito e, a outros grupos, a serem sujeitos de favor. [...] a diferença
que se faz presente no currículo na maioria das vezes é ainda uma forma disfarçada
de discriminação e de preconceito e sua não problematização perpetua desigualdades
raciais, visando homogeneizar e naturalizar as diferenças, sob o pretexto da não
discriminação (Ferreira; Silva, 2013, p. 28).

A partir destes elementos, cabe destacar as prerrogativas legais estabelecidas


pelo Ministério da Educação para a Educação Superior, referente as questões culturais, a
diversidade e as diferenças relacionadas aos saberes indígenas em seus cursos, entre as quais a
Resolução CNE/CP nº. 1 de 18 de fevereiro de 2002 institui as Diretrizes Curriculares para a
Formação de Professores da Educação Básica, curso de licenciatura de graduação plena:

Art. 2º A organização curricular de cada instituição observará, além do disposto nos


artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras formas de orientação
inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para:
II - o acolhimento e o trato da diversidade (Brasil, 2002, p.1).
Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes,
serão consideradas:
§ 3º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de competências
deverá, além da formação específica relacionada às diferentes etapas da educação
básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo mais amplo, envolvendo
questões culturais, sociais, econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento
humano e a própria docência, contemplando:
II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as
especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das
comunidades indígenas (Brasil, 2002, p. 2 e 3, grifo do autor).

Ao analisar o trecho supracitado, especialmente o trecho acima destacado, no


inciso II do art. 6º, percebe-se que equivocadamente a legislação da época alinhava as
diferenças indígenas às diferenças dos alunos com necessidades educacionais especiais, o que
a literatura atual trata como pessoa com deficiência.
Já a Resolução nº 2 CNE/CP, de 1º de julho de 2015 (Brasil, 2015), em suas
Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura)
e para a formação continuada, estabelece que:

Art. 1º Ficam instituídas, por meio da presente Resolução, as Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Formação Inicial e Continuada em Nível Superior de Profissionais
do Magistério para a Educação Básica, definindo princípios, fundamentos, dinâmica
180
formativa e procedimentos a serem observados nas políticas, na gestão e nos
programas e cursos de formação, bem como no planejamento, nos processos de
avaliação e de regulação das instituições de educação que as ofertam.

§ 2º As instituições de ensino superior devem conceber a formação inicial e


continuada dos profissionais do magistério da educação básica na perspectiva do
atendimento às políticas públicas de educação, às Diretrizes Curriculares Nacionais,
ao padrão de qualidade e ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
(Sinaes), manifestando organicidade entre o seu Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI) e seu Projeto
Pedagógico de Curso (PPC) como expressão de uma política articulada à educação
básica, suas políticas e diretrizes.

Constata-se que fica estabelecido no § 2º do Art. 1º da referida Resolução que


os cursos de formação de professores das instituições de ensino superior devem manifestar
organicidade entre o seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), seu Projeto Pedagógico
Institucional (PPI) e seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC), bem como estar articulado com à
educação básica, suas políticas e diretrizes (Brasil, 2015).
A resolução acima mencionada ainda estabelece em seu Art. 3º, que trata da
formação inicial e a formação continuada dos profissionais da educação básica que:

§ 5º São princípios da Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica:


II - a formação dos profissionais do magistério (formadores e estudantes) como
compromisso com projeto social, político e ético que contribua para a consolidação
de uma nação soberana, democrática, justa, inclusiva e que promova a emancipação
dos indivíduos e grupos sociais, atenta ao reconhecimento e à valorização da
diversidade e, portanto, contrária a toda forma de discriminação;
X - a compreensão da formação continuada como componente essencial da
profissionalização inspirado nos diferentes saberes e na experiência docente,
integrando-a ao cotidiano da instituição educativa, bem como ao projeto pedagógico
da instituição de educação básica;
XI - a compreensão dos profissionais do magistério como agentes formativos de
cultura e da necessidade de seu acesso permanente às informações, vivência e
atualização culturais.
§ 6º O projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação
entre a instituição de educação superior e o sistema de educação básica, envolvendo
a consolidação de fóruns estaduais e distrital permanentes de apoio à formação
docente, em regime de colaboração, e deve contemplar:
VI - as questões socioambientais, éticas, estéticas e relativas à diversidade étnico-
racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional e sociocultural como
princípios de equidade.
§ 7º Os cursos de formação inicial e continuada de profissionais do magistério da
educação básica para a educação escolar indígena, a educação escolar do campo
e a educação escolar quilombola devem reconhecer que:
I - a formação inicial e continuada de profissionais do magistério para a educação
básica da educação escolar indígena, nos termos desta Resolução, deverá
considerar as normas e o ordenamento jurídico próprios, com ensino
intercultural e bilíngue, visando à valorização plena das culturas dos povos
indígenas e à afirmação e manutenção de sua diversidade étnica (Brasil, 2015,
grifo do autor).

181
O texto acima apresenta no processo de formação dos profissionais da educação
a valorização da diversidade e aponta que o seu projeto de formação deve ser elaborado e
desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de
educação básica, inspirado nos diferentes saberes e nas questões relativas à diversidade étnico-
racial, como princípios de equidade, inclusive com ensino intercultural, visando à valorização
das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de suas diferenças culturais.
A resolução ainda estabelece para a formação dos referidos profissionais:

Art. 5º A formação de profissionais do magistério deve assegurar a base comum


nacional, pautada pela concepção de educação como processo emancipatório e
permanente, bem como pelo reconhecimento da especificidade do trabalho docente,
que conduz à práxis como expressão da articulação entre teoria e prática e à exigência
de que se leve em conta a realidade dos ambientes das instituições educativas da
educação básica e da profissão, para que se possa conduzir o(a) egresso(a):
VIII - à consolidação da educação inclusiva através do respeito às diferenças,
reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de gênero, sexual,
religiosa, de faixa geracional, entre outras;
Art. 8º O(A) egresso(a) dos cursos de formação inicial em nível superior deverá,
portanto, estar apto a:
XIII - estudar e compreender criticamente as Diretrizes Curriculares Nacionais, além
de outras determinações legais, como componentes de formação fundamentais para o
exercício do magistério.
Parágrafo único. Os professores indígenas e aqueles que venham a atuar em
escolas indígenas, professores da educação escolar do campo e da educação
escolar quilombola, dada a particularidade das populações com que trabalham
e da situação em que atuam, sem excluir o acima explicitado, deverão:
I - promover diálogo entre a comunidade junto a quem atuam e os outros grupos
sociais sobre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas,
políticas e religiosas próprios da cultura local;

II - atuar como agentes interculturais para a valorização e o estudo de temas


específicos relevantes (Brasil, 2015, grifos do autor).

Tal resolução estabelece que a formação deve conduzir o(a) egresso(a) à


consolidação da educação inclusiva, por meio do respeito às diferenças, do reconhecimento e
valorização da diversidade étnico-racial, ao promover o diálogo entre a comunidade e os outros
grupos sociais sobre conhecimentos, valores, modos de vida, orientações filosóficas, políticas
e religiosas próprios da cultura local, atuando como agentes interculturais para a valorização e
o estudo de temas específicos relevantes.
Neste sentido, cabe ainda destacar outro preceito legal, a Lei 11.645, de 10 de
março de 2008, a qual obriga a inclusão no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”:

182
Art. 1º O art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com
a seguinte redação:

Art. 26 - A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos


e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da


história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a
luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira
e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas


brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas
áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

Como desdobramento dessa legislação pressupõe-se que os cursos de


Licenciatura são responsáveis pela aplicação da referida legislação, por serem espaços efetivos
de formação de professores/as. Nesse sentido, parece pertinente nos perguntarmos sobre alguns
aspectos referentes a seus conteúdos curriculares.
Cabe considerar que a Lei nº 11.645/2008 resulta de uma demanda social dos
povos indígenas na busca pelo reconhecimento e respeito às diversidades étnicas que permeiam
as formas de saber, ser e viver das etnias indígenas, muitas vezes ignoradas pelos cursos de
formação de professores/as das instituições de Educação Superior no país.
Nesse sentido, Silva (2017) destaca o percurso histórico e os contextos políticos
nos quais está inserida a formulação e efetivação dessa legislação, somado a um significativo
aparato legal, tanto internacional quanto brasileiro, que, ao longo dos séculos XX e XXI, vem
orientando a inserção do ensino da temática indígena.
Entre os documentos oficiais internacionais sobre uma educação para as relações
étnico-raciais, encontra-se a Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais, elaborado na
Conferência Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a
Cultura, realizada em 1978, documento norteador dos marcos legais no Brasil, o qual se
comprometeu em realizar ações para o combate ao racismo e à discriminação racial na escola
para provocar mudanças na sociedade (Silva, 2017).
No reconhecimento das diferenças étnico-raciais dos povos indígenas na
sociedade brasileira, cabe destacar dentre os documentos oficiais: a Constituição Federal de
1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), sobretudo, quando foi alterada
183
pelas Leis nº 10.639/2003 e 11.645/2008; os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e a Base
Nacional Comum Curricular (2018), nas suas singularidades contextuais.
Cabe destacar que a Constituição Federal de 1988 foi o primeiro marco legal no
Brasil, ao oficializar o reconhecimento das especificidades socioculturais dos povos indígenas
mais explicitamente, nos Artigos 210, 215, 216; 231 e 232 (Brasil, 1988).
A Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96 estabelece em
seu Artigo 12 que os estabelecimentos de ensino, respeitando as normas do seu sistema de
ensino (federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal), terão a incumbência, entre outras,
de: “elaborar e executar sua proposta pedagógica; zelar pelo cumprimento do plano de trabalho
de cada docente; articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração
da sociedade com a escola”. Neste trecho, a lei responsabiliza as escolas em atender as
especificidades das comunidades locais, ao possibilitar o diálogo com suas culturas e seus
saberes. Contudo, essa proposição de “integração” da sociedade com a escola, parece estar
sustentada numa relação de poder, onde a “sociedade” vista de maneira ampla, universal vai
fazer um diálogo de mão única.
Neste sentido a Resolução CNE/CP n° 01/2004, aponta que caberá às escolas
incluírem em seus estudos e atividades cotidianas, tanto a contribuição histórico-cultural dos
povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, quanto às contribuições de raiz africana e
europeia. Esta resolução, acrescida à Lei n° 9.394/96, impõe mais do que a inclusão de novos
conteúdos, mas exige que se repense um conjunto de questões: as relações étnico-raciais, sociais
e pedagógicas; os procedimentos de ensino; as condições oferecidas para aprendizagem e os
objetivos da educação proporcionada pelas escolas.
Diante destes desafios, o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação para as Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Brasil, 2013) foi proposto para que os sistemas e
as instituições de ensino implementem as Leis n° 10.639/03 e n° 11.645/08.
Assim, as instituições devem revisar o currículo e inserir as temáticas, nos
projetos político-pedagógicos, uma vez que possuem a liberdade para ressignificar os seus
conteúdos, tendo como referência outros saberes e contribuir no necessário processo de
democratização da escola, da ampliação do direito de todos e todas à educação, e do
reconhecimento de outras matrizes de saberes da sociedade brasileira.

184
A partir destas questões, a Resolução CNE/CP n° 01/2004 prevê no Artigo 3°
que: A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem
estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos
sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as
indicações, recomendações e diretrizes explicitadas. Assim, faz-se necessário o cumprimento
do estabelecido na Lei n° 10.639/03, como indica a referida Resolução. Cabe destacar que a
legislação foi ampliada pela Lei n° 11.645, que inclui o estudo da História e Cultura Indígena.
Reconhecendo que as instituições de educação superior têm a incumbência da
formação em nível superior de caráter público ou privado e seu funcionamento está ligado aos
documentos legais que normatizam a política educacional brasileira, os quais compreendem: a
Lei n° 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); o Plano Nacional de
Educação (instituído pela Lei nº 13.005/2014) e Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (produzido pela Diretoria de Currículos e Educação Integral, vinculado à Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação, em 2013) que, a rigor, fazem parte as resoluções
do Conselho Nacional de Educação e demais organizações da educação brasileira.
A Resolução CNE/CP n° 01/2004, em seu Artigo 1°, dispõe que as Diretrizes,
tema do plano acima mencionado, devem ser “observadas pelas instituições de ensino, que
atuam nos níveis e modalidades da educação brasileira e, em especial, aquelas que mantêm
programas de formação inicial e continuada de professores”. O §1° desse artigo estabelece que
“As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades
curriculares dos cursos que ministram a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o
tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes”.
Por isso, as instituições de educação superior deveriam se pautar em: incluir
conteúdos e disciplinas curriculares relacionados à educação para as relações étnico-raciais nos
cursos de graduação do ensino superior, conforme expresso no §1° do Artigo 1°, da Resolução
CNE /CP n° 01/2004; desenvolver atividades acadêmicas, encontros e seminários de promoção
das relações étnico-raciais positivas para seus estudantes; dedicar especial atenção aos cursos
de licenciatura e formação de professores/as, garantindo formação adequada aos professores/as
sobre o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e os conteúdos propostos nas
Leis n° 10.639/03 e n° 11.645/08; desenvolver nos estudantes de seus cursos de licenciatura e
formação de professores/as habilidades e atitudes que permitam contribuir para a Educação das
185
Relações Étnico-Raciais, destacando a capacitação dos mesmos na produção e análise crítica
de livros, materiais didáticos, paradidáticos e literários, que estejam em consonância com as
Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e com a temática das Leis n° 10.639/03 e n°
11.645/08; fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas na temática das
relações étnico-raciais, contribuindo com a construção de uma escola plural e republicana;
estimular e contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de iniciação científica na temática
da educação para as relações étnico-raciais; divulgar junto às Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação a existência de programas institucionais que possam contribuir com a
disseminação e pesquisa da temática em associação com a educação básica.
Cabe reconhecer como conquista a implementação da lei n. 11.645/08, contudo
nos cabe também apontar limites desta legislação nos cursos de formação de professores.
Embora, aparentemente reconhecida a relevância da temática indígena no currículo das escolas
brasileiras, tal inclusão não deve ser entendida como uma concessão ou abertura resultante da
democratização do país. Precisa antes ser compreendida como resultado de uma longa luta dos
movimentos sociais negros e indígenas por visibilidade e reconhecimento, questão também
relevante de ser lembrada e problematizada na formação dos/as professores/as e que muitas não
são explicitadas nas resoluções e diretrizes que tratam destas temáticas.
Outro aspecto a ser destacado, envolve a ausência de políticas ou instâncias de
acompanhamento e supervisão da aplicação da lei, bem como uma regulamentação específica
para a lei no contexto da Educação Superior, sendo ainda incentivado o fomento na produção
de materiais e formações continuadas que auxiliem professores/as a discutirem, desde a
abordagem sobre as diferenças culturais, até o modo como estereótipos e equívocos sobre os
povos indígenas são reproduzidos no âmbito escolar.
Nesse sentido, Luciano (2006) aponta saberes relevantes a serem conhecidos
sobre os povos indígenas, os quais perpassam pelos conhecimentos e valores do mundo global,
ao mesmo tempo em que lhes é garantido o direito de continuarem vivendo segundo tradições,
culturas, valores e conhecimentos que lhes são próprios. Tais saberes podem contribuir para a
formação de professores/as acerca dos saberes indígenas, e que podemos considerar de suma
importância para o avanço na efetivação da referida lei, especialmente na formação inicial e
continuada de professores/as, para que esses/as profissionais sintam-se mais preparados/as para
buscar desenvolver práticas pedagógicas outras, a partir de uma perspectiva intercultural.
186
3. Considerações finais
As atividades realizadas em uma aula de Educação Física não podem ser
fragmentadas no sentido de perder seu significado social e cultural, mas se estruturarem em
função de uma intencionalidade como forma de expressão. Ao incluir o estudo da etnia, da
classe social e de gênero na produção de conhecimento da Educação Física, ocorre a valorização
de identidades culturais em detrimento de interesses particulares de determinado grupo. Os/As
professores/as que atuam dentro de uma perspectiva pós-crítica, devem expressar sua
discordância com a visão da modernidade eurocêntrica e atuar no sentido de proporcionar aos/às
alunos/as o potencial de romper paradigmas e estereótipos que possam tornar as relações
desiguais e, sobretudo excludentes.
A valorização dos saberes dos diversos grupos culturais proporciona ao currículo
escolar uma diversidade de tradições, particularidades históricas e práticas sociais e culturais
até então subjugadas pela escola, especialmente dos povos originários.
Sobre os saberes indígenas, a legislação do currículo na formação de
professores/as apresenta fragilidades, inclusive para a sua legitimação no espaço da escola e
das instituições de educação superior, bem como a necessidade de proposições que promovam
a educação intercultural para o debate da diferença nestes espaços.
É preciso encontrar brechas para os saberes indígenas circularem, inclusive a
partir de perspectivas trazidas por indígenas, apresentando rupturas, talvez até transgressoras,
que oportunizem a construção de conhecimentos junto aos/às futuros/as professores/as que
valoriza o diálogo entre saberes, bem como aponta para a desconstrução da epistemologia
colonial, como caminho para uma educação intercultural
Assim, a discussão acerca da diferença na escola e na formação dos/as futuros/as
professores/as de Educação Física deve caminhar para a efetivação do diálogo entre os
diferentes grupos sociais e suas diferenças culturais, não permitindo a formação de novos
reducionismos e binarismos, percebendo a necessidade de ir além da apresentação da
diversidade cultural. Nesse sentido, a educação intercultural nos aponta caminhos para a
ressignificação das práticas escolares da Educação Física, propondo um debate acerca das
diferenças culturais na formação docente, sinalizando possíveis desdobramentos para a sua
atuação na escola, considerando a participação dos/as estudantes no processo, pois eles/as
também têm algo a ensinar, a partir de sua cultura.

187
Nesta perspectiva, a proposta de uma educação intercultural na formação
docente, parte da concepção da existência da diferença e da sua presença em diferentes espaços
da sociedade, do circular dos saberes, dos sentidos de mundo e da cultura da diferença e,
sobretudo, da necessidade de aprender e ensinar com e a partir da diferença.

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curso de Licenciatura em História do Paraná. Tese (Doutorado em Educação). Universidade
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189
O CURSO DE LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA TEKO
ARANDU DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS: UMA
PERSPECTIVA DECOLONIAL

Ailton Salgado Rosendo (UFMS)


profailtonsr@gmail.com

Resumo: Este texto versa sobre a formação de professores indígenas no estado de MatoGrosso
do Sul, sendo este fruto da nossa tese de Doutorado do Programa de Pós Graduação da
Universidade Católica Dom Bosco. Para a produção e análise dos dados, a metodologia foi
estruturada a partir da concepção das pesquisas pós-críticasem educação. Fez-se a produção de
dados por meio da revisão bibliográfica, de análises documentais. As análises pertinentes a
educação escolar indígena e as mudanças que se processam a partir da relação com uma
educação formulada por não indígenas, foram abordadas, a partir de diferentes campos do saber,
numa perspectiva decolonial, onde autores dos Estudos Culturais, em articulação com os
Estudos Pós-Coloniais e Estudos da Modernidade/Colonialidade, deram sustentaçãoteórica, a
construção do referido texto. O objetivo foi buscar o entendimento quanto àimplantação do
Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu, ofertado pela Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD). Os resultados apontam que,o Curso de Licenciatura Intercultural
Indígena Teko Arandu da UFGD atendeu às exigências de uma formação específica e
diferenciada dos professores indígenas das etnias Guarani e Kaiowá da Aldeia Amambai
obedecendoà interculturalidade frente ao PPC (2006), porém com lacunas após a reformulação
desse PPC.

Palavras-chave: Formação de professores indígenas. Colonialidade. Decolinialidade.

1. INTRODUÇÃO

Esse texto apresenta resultados da pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de


Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de
Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O objetivo foi buscar o entendimento quanto à
implantação do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu, ofertado pela
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), ondebuscou-se por meio das análises das
entrevistas, entender as percepções das lideranças indígenas Guarani e Kaiowá e dos egressos
dessas etnias sobre a formação no curso de licenciatura intercultural indígena Teko Arandu da
UniversidadeFederal da Grande Dourados (UFGD) com foco na Aldeia Amambai onde vivem
exclusivamente indígenas dessas etnias. Devido ao momento do COVID-19 que estávamos
190
inseridos, não houve a necessidade do mesmo ser aprovado pelo Comitêde Ética da Instituição
de Educação Superior em questão, devendo apenas ter a autorização do capitão da Aldeia
Amambai e dos egressos e lideranças indígenas entrevistados.
Para abranger esse processo fez-se necessário entender a historicidade da educação
escolar indígena no Brasil onde a partir da década de 1980 temos a presença de projetos
alternativos de educação escolar indígena que posteriormente se desencadearam em cursos de
formação de professores indígenas.
No estado de Mato Grosso do Sul estes projetos foram movidos por ideias que se
tornaram parâmetros de trabalho para consolidar políticas públicas nessa área, iniciando assim
com a formação de professores indígenas, em um primeiro momento,a partir de uma formação
de professores indígenas na etapa do Ensino Médio, quando no ano de 1999 a Secretaria de
Estado de Educação de Mato Grosso do Sul implantou o Curso Normal em Nível Médio –
Formação de Professores Guarani/Kaiowá – Projeto Ara Verá (Espaço-Tempo Iluminado),
dirigindo à habilitação de professores para atuarem na educação infantil e nas séries iniciais
do ensino fundamental em suas comunidades.
No ano de 2001 esta formação passa a ser efetivada também em nível superiorquando a
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), implantou o Projetodo Curso Normal
Superior Indígena, sendo primeiramente coordenado pela professora Onilda Sanches Nincão
para atender os professores indígenas das etniasTerena e Kadiwéu e em 2003, sob a coordenação
da professora Maria Bezerra Quast de Oliveira, atendeu os professores indígenas das etnias
Guarani e Kaiowá.
Estas conquistas devem-se principalmente a persistência do Movimento dos Professores
Indígenas Guarani e Kaiowá, que por anos encabeçavam no estado a luta pela formação
específica para professores indígenas, pois entendia que era necessário um projeto específico e
diferenciado, que os capacitasse para a elaboração de currículos e programas, bem como a
organização de materiais didático-pedagógicos bilíngues, para utilização nas escolas indígenas,
visando à sistematização e inclusão dos conhecimentos e saberes tradicionais das sociedades
indígenas e não indígenas.
Os estudos relacionados ao pensamento decolonial, apresentam que a Europa,durante o
processo de colonização, estabeleceu um sistema-mundo fundamentado em hierarquias que
depositam no homem não indígena, heterossexual, cristão,capitalista e militar nos arranjos de
poder e comando. Estas hierarquias – racistas, machistas, etc. – se sustenta apesar do fim
191
político e jurídico do período colonial no que se designa colonialidade, sendo o racismo o
princípio organizador das demais estruturas deste sistema-mundo arquitetado sobre o genocídio
e exploração dos povos indígenas e colonizados.
Tais apontamentos se dão, uma vez que a produção de conhecimento e as universidades
em particular estimulam a reprodução de tais valores, uma vez que seguem a tradição
eurocêntrica que traz em si uma visão de sociedade, humanidadee fato que corrobora apenas o
que foi produzido pela Europa ou dentro de seus cânones, numa perspectiva epistemológica da
geopolítica racista; de dominação de formas de pensar, sentir e agir e de tentativa de extermínio
e o silenciar de outras expressões e conhecimentos que acabam diminuídos ao status de
crendices.

Entretanto, no estado de Mato Grosso do Sul, o Movimento dos Professores Indígenas


das etnias Guarani e Kaiowá, estimularam reuniões e debates com as instituições responsáveis
pela formação de professores indígenas e assim mesmo quepaulatinamente, obtiveram a atenção
destas Instituições que mediante parcerias com outras instituições, como a Universidade
Católica Dom Bosco, Conselho Indigenista Missionário, Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, Fundação Nacional do Índio e com o apoio do Movimento dos Professores Indígenas,
criaram e implantaram cursos de formação de professores indígenas com novas formas de
pensar, sentir e agir, novas temática, diferentes epistemologias e cosmovisão objetivando
promover oque alguns autores tem denominado de pensamento decolonial.
Neste texto, temos como objetivo compreender à implantação do Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena Teko Arandu, ofertado pela Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) e entender como a perspectiva decolonial está presentenesse Curso nos dias atuais, por
meio de estudos bibliográficos sobre o tema, bem como entrevistas realizadas com as lideranças
indígenas das etnias Guarani e Kaiowá e com os egressos, a fim de compreender a formação
no Curso de Licenciatura intercultural Indígena Teko Arandu da UFGD, com foco na Aldeia
Amambai onde vivem exclusivamente indígenas dessas etnias.

2. METODOLOGIA

As pesquisas pós-críticas em educação, como afirmam Meyer e Paraíso(2012), são


pesquisas que usam ou se inspiram em uma ou mais abordagens teóricasque conhecemos sob o
título de “pós” – pós-estruturalismo, pós-modernismo e pós- colonialismo. Quando se referem

192
às outras abordagens, mesmo não usando em seusnomes o prefixo pós, as autoras pontuam que
ocorreram deslocamentos importantesem relação às teorias críticas, como: Multiculturalismo,
Pensamento da Diferença, Estudos de Gênero, Estudos Étnicos e Raciais e Estudos Culturais,
conforme já mencionado. Apesar da significativa diferença entre as problemáticas estudadas
e entre as referências teóricas às quais estão filiadas, são os efeitos combinados dessascorrentes
que chamamos teorias, abordagens ou pesquisas pós-críticas.
A opção por essas referências possibilita entender: a) um olhar que combina aspectos
de dominação e resistência nas diversas práticas sociais e culturais; b) o reconhecimento do
saber como uma relação de força; c) a identificação do poder comouma rede produtiva; e d) o
acolhimento do discurso enquanto prática que obedece a regras – e, tal como um testemunho
histórico, descreve-se a si próprio e as articulações, de modo a construir e posicionar os sujeitos.
Logo, para a construção deste texto, utilizo a revisão bibliográfica, as análises das entrevistas e
documentais.
A escolha do caminho científico empregado na pesquisa foi estabelecida, previamente,
a partir da definição do tipo de dados qualitativos que seriam produzidos. A classificação da
pesquisa, levando em consideração os objetivos, tem caráter exploratório, já que os objetivos
se concentram em conhecer melhor o objeto a ser investigado, ou seja, analisar a formação de
professores indígenas numa perspectivadecolonial no estado de Mato Grosso do Sul.
Já a pesquisa bibliográfica foi escolhida visando ao embasamento teórico sobreo assunto, ao
buscar analisar da melhor maneira possível e conhecer os trabalhos publicados na área, no
Brasil. Para Vergara (2009), a pesquisa bibliográfica objetiva prover o levantamento e seleção
de toda a bibliografia publicada sobre o assunto a ser pesquisado em livros, revistas, jornais,
monografias, teses e dissertações, colocando o pesquisador em contato direto com todo o
material já escrito sobre o assunto. A fim de fundamentar os procedimentos da pesquisa,
utilizamos a pesquisabibliográfica.

2.1 REFERENCIAL TEÓRICO

O conceito de decolonialidade aparece como uma proposta para enfrentar a colonialidade


e o pensamento moderno, principalmente através dos estudos do grupo Modernidade,
Colonialidade e Decolonialidade compostos por estudiosos como Aníbal Quijano (2003),
Catherine Walsh (2009a), Edgard Lander (2005), Enrique Dussel (2000) e Walter Mignolo
(2007). A decolonialidade é considerada como caminho para resistir e desconstruir padrões,
193
conceitos e perspectivas impostos aos povos subalternizados durante todos esses anos, sendo
também uma crítica direta àmodernidade e ao capitalismo. O pensamento decolonial se assenta
como uma alternativa para dar voz e visibilidade aos povos oprimidos e subalternizados que
durante muitos anos foram silenciados. É considerado um projeto de libertação política, social,
cultural e econômica que visa dar respeito e autonomia a grupos e movimentos sociais.
Com o decolonial aventam-se “lugares de exterioridade e construções alternativas”.
(WALSH, 2009b, p. 31). (MIGNOLO, 2007, p. 451) complementa que é uma maneira de
distinguir entre a proposta decolonial do projeto modernidade/colonialidade,por um lado, do
conceito de “descolonização” no uso quedeu durante a Guerra Fria, e, por outro, da variedade
de uso do conceito de “pós- colonialidade”.
O pensamento decolonial, segundo o autor, é crítico de si, mas crítico em um sentido
distinto ao que deu Kant à palavra e, nessa tradição, retomou Horkheimer através do legado
marxista. Incorpora as dicotomias e polarizações, a própria luta pela emancipação política
colonial, sincronizada com a intelectualidade de influência socialista pós-segunda guerra
mundial presente na independência das colônias africanas e asiáticas, do panafricanismo ou dos
movimentos de libertação política e social na América Latina.
O pensamento decolonial é um pensamento que se desprende de uma lógica de um único
mundo possível (lógica da modernidade capitalista) e se abre para uma pluralidade de vozes e
caminhos. Trata-se de uma busca pelo direito à diferença e auma abertura para um pensamento-
outro. Ele se constitui em uma das variadas oposições planetárias do pensamento único
(MIGNOLO, 2007). Trata-se também de questionar outras bases científicas, sobretudo a
difundida neutralidade:
A busca de alternativas à conformação profundamente excludente e desigual do mundo
moderno exige um esforço de desconstrução do caráter universal e natural da sociedade
capitalista-liberal. “Isso requer o questionamento das pretensões de objetividade e neutralidade
dos principais instrumentos de naturalização e legitimaçãodessa ordem social: o conjunto de
saberes que conhecemos globalmente como ciências sociais” (LANDER, 2005, p. 8).
Assim, o que o movimento decolonial procura é outra modernidade, chamada por Dussel
(1995) de transmodernidade. De acordo com essa proposta a constituição do ego individual
diferenciado é a novidade que ocorre com a América e é a marca damodernidade, mas tem lugar
não só na Europa, mas em todo o mundo que se configura a partir da América. Reconhece-se
que ela concebe a mudança do mundo como tal, e que o elemento básico da nova subjetividade
194
se estabelece em uma novapercepção do espaço e do tempo que tolere a percepção da mudança
histórica, isto é, a história como algo que pode ser determinada pelas ações das pessoas.
Além disso, há a ideia do pensamento fronteiriço (MIGNOLO, 2003) que resistea cinco
ideologias da modernidade: o cristianismo, o liberalismo, o marxismo, o conservadorismo e o
colonialismo. Não se trata de desconhecer todo avanço teórico, especialmente o das
contribuições históricas e sociológicas do marxismo, mas de umaconcretização de um campo do
saber que vai além de Marx. O anseio é que as ideiasdo marxismo sejam o mínimo para a
reconstrução do saber científico e que ao lado dela outras se conectem.
Arrolando as questões abordadas com a formação de professores indígenas através do
Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD), cabe conjeturarmos sobre as seguintes questões: os conteúdos das diversas
disciplinas, consideraram a pluralidade de vozes e caminhosem sua produção? Em sala de aula,
os professores do curso, recorreram a diversidade de vozes para o processo de construção do
conhecimento escolar? Quando seguimos a ideia de neutralidade científica no ensino e
aprendizagem, estamos nos comprometendo com qual projeto de educação e de sociedade? Em
nossas falas habituamos direcionar os avanços da sociedade apenas aos países do Norte? Qual é
o espaço que acendemos em nossas aulas para destacar a produção de outros povos na
constituição da modernidade? Procuramos apreciar outras perspectivas filosóficas que
possibilitam uma nova leitura do espaço geográfico, considerando a pluralidade ecomplexidade
atual?
Para Meliá (1979, p. 17), “tentar identificar os aspectos relevantes da educação escolar
indígena não é tarefa fácil, dada a inter-relação entre a educação e todos os demais aspectos da
cultura”. Tassinari (2001) entende a escola em áreas indígenas como um espaço de “fronteira”.
Nela se dão procedimentos de tradução e mediação de conhecimentos, onde diferentes regimes
de conhecimento se deparam e são ressignificados.
O conhecimento de fronteira, apresentado pela autora, funda-se em lugares não muito
delimitados, pois promovem interações entre populações, que se alcançam sempre em
movimento. Dessa forma, “trata-se de entender a escola indígena como um espaço de índios e
não-índios e, assim, um espaço de angústias, incertezas, mastambém de oportunidades e de
criatividade” (Tassinari, 2001, p. 68). Nesta fronteira, entre educação indígena e a educação
escolar indígena, brotam a discussão sobre opapel do ensino e aprendizagem na formação de
professores e nas escolas dessas aldeias.
195
Já Mignolo (2013) expõe duas ideias que nos auxiliam quando tentamos entender o que
seria uma oposição à colonialidade: o paradigma outro e o pensamento fronteiriço. O paradigma
outro, esclarecimento que, para Mignolo (2013),deve aglutinar diferentes saberes fronteiriços,
não tem um lugar de origem ou autor/a de referência. Trata-se de uma diversidade de
proposições que, em última instância, se apresenta como um pensamento imaginário e crítico
que se profere em todos os espaços nos quais a colonialidade negou a probabilidade de pensar,
de ter razão, depensar o futuro (Mignolo, 2013).
Desse modo, Escobar (2003, p.63) enfatiza que:

En este sentido son importantes las nociones de pensamiento de frontera,


espistemologia de frontera y hermenêutica pluritópica de Mignolo. Estas nociones
aputam a la necessidad de «uma espécie de pensamento que se mueva a lo largo
de la diversidade de los processos históricos» (Mignolo, 2001: 9). No hay, com
seguridad, tradiciones de pensamento original a las cuales se pueda regressar.
Antes que reproducir los universales abstractos occidentaes, sin embargo, la
alternativa es una suerte de pensamento de frontera que «enfrente el colonialismo
de la espistemoliga occidental (de la izquierda y de la derecha) desde la
perspectiva de las fuerzas espistemica que han sido convertidas en subalternas
formas de conocimiento (tradicional, folclórico, religioso, emocional, etc.) (2001,
p.11).

É num cenárioque abrolha resistência e uma busca


constante do estabelecimento de um diálogo intercultural, como ressalta Walsh (2009a, p.14):
“[...] la interculturalidad crítica se entende como processo, proyecto y estratégia que intenta
construir relaciones -de saber, ser, poder y de la vida misma- radicalmente distintas”.É nesse
processo onde se busca saídas aos problemas enfrentados pela comunidade de professores
indígenas e não-indígenas, que surgem os conflitos nocampo do conhecimento. Assim como
em todo o Brasil, em Mato Grosso do Sul, oMovimento dos Professores Indígenas das etnias
Guarani e Kaiowá levou para asInstituições Governamentais a necessidade da implantação
de cursos para a formação de professores indígenas em nível médio e superior, dando dessa
forma cumprimento as políticas educacionais contemporâneas relacionadas a formação de
professores indígenas.
A condição sociocultural da Educação Escolar Indígena carece que sua proposta
educativa seja dirigida por professores indígenas, como docentes e como gestores, pertencentes
às suas respectivas comunidades.
Os professores indígenas, no panorama pedagógico e político, são respeitáveis
interlocutores nos processos de edificação do diálogo intercultural, intercedendo e articulando

196
as instâncias de suas comunidades com os da sociedade em geral e comos de outros grupos
particulares, gerando a sistematização e organização de novos saberes e práticas.
É neste sentido que Walsh (2009, p.15) observa que:

[...] la interculturalidad crítica debe ser entendida como una herramienta


pedagógica, la que pone en cuestionamiento continuo la racialización,
subalternización e inferiorización y sus patrones de poder, visibiliza
manerasdistintas de ser, vivir y saber, y busca el desarollo y creación de
comprensiones y condiciones que no sólo articulan y hacen dialogar las
diferenciasen marco de legitimidade, dignidade, igualdad, equidade y
respeto, sino que también -y a la vez alientam la creación de modos “otros”
de pensar, ser, estar, aprender, ensenar, sonar, y vivir que cruzan fronteras.

Cabe aos professores indígenas a tarefa de ajuizar criticamente sobre as práticas políticas
pedagógicas da Educação Escolar Indígena, buscando criar táticas/eou estratégias para gerar a
interação dos diversos tipos de conhecimentos que se exibem e se entrelaçam no processo
escolar: de um lado, os conhecimentos ditos universais, a que todo estudante, indígena ou não,
deve ter acesso, e, de outro, os conhecimentos étnicos, próprios ao seu grupo social de origem
que hoje admitem importância crescente nos assuntos escolares indígenas.

3. A PRESENÇA DA DECOLONIALIDADE NO CURSO DE LICENCIATURA


INTERCULTURAL INDÍGENA TEKO ARANDU DA UFGD

No ano de 2006 a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) implantou o


Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu.
Diante da pesquisa documental, por meio de dissertações e teses relacionadas ao Curso
de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu e ao Projeto Pedagógico do Curso (PPC
2006), foi por nós observado que a proposta inicial da UFGD foi uma ação específica, tendo
como objetivo habilitar os professores Guarani e Kaiowá, em nível superior de licenciatura, até
que fosse suprida a demanda imediata desse povo. O curso fez uma abordagem curricular
alternativa e flexível que visou atender ao conjunto de necessidades específicas de formação
desses professores, considerando os pressupostos legais em relação à formação de profissionais
indígenas em educação escolar, bem como o atendimento às problemáticas locais de suas
comunidades.
O curso garantiu sua especificidade a partir de um corpo discente específico de
professores indígenas, selecionados por meio de vestibular específico e diferenciado;

197
aproveitando para completar o quadro docente, recorriam-se a estudiosos que desenvolvessem
pesquisas com temas relacionadas às comunidades indígenas, além de docentes com
sensibilidade para trabalharem a especificidade indígena. É nesse contexto histórico que a
UFGD está inserida quando assume a responsabilidade de oferecer um curso de formação para
professores que iriam atuar nas comunidades indígenas Guarani e Kaiowá do estado de Mato
Grosso do Sul, possibilitando, assim, uma educação específica e diferenciada de acordo com
seus processos próprios de aprendizagens.
Dialogando diretamente com o pensamento decolonial, o Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena Teko Arandu da UFGD, teve como proposta central, promover a
formação de professores indígenas, buscando ampliar e democratizar o acesso à educação
superior brasileira, bem como fortalecer as comunidades indígenas, majoritariamente
invisibilizadas, e profissionalizar indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, potencializando- os
a se juntarem à luta dos movimentos sociais pela reivindicação do direito à educação
escolar indígena específica e diferenciada.
Quando nos reportamos a invisibilidade, nos referimos a invisibilidade dada aos povos
inígenas pela classe dominante, que se demonstrou como mais um mecanismo de
inferiorização destes povos, desvalorizando seus saberes, suas culturas e ancestralidade, e os
obrigando a adentrar em um sistema que não os suportam e que reforçam as estruturas fundiárias
coloniais, nitidamente excludentes.
Diante desta realidade, o Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu da
UFGD se demonstrou como uma ferramenta possibilitadora da construção e troca de
conhecimentos para os povos indígenas, possibilitando e assegurando o protagonismo e a
participação dos mesmos em todo o processo educacional dos estudantes oriundos das aldeias
das etnias Guarani e Kaiowá.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos debruçar sobre o pensamento decolonial, compreendemos melhor como a Europa,


durante o processo de colonização, estabeleceu um sistema-mundo fundamentado em
hierarquias que depositam no homem não indígena, heterossexual,cristão, capitalista e militar
nos arranjos de poder e comando. Estas hierarquias – racistas, machistas, etc. – se sustenta
apesar do fim político e jurídico do período colonial no que se designa colonialidade, sendo o
racismo o princípio organizador dasdemais estruturas deste sistema-mundo arquitetado sobre o
198
genocídio e exploração dos povos indígenas e colonizados.
Fazemos tais apontamentos, uma vez que a produção de conhecimento e as universidades em
particular estimulam a reprodução de tais valores, uma vez que seguem a tradição
eurocêntrica que traz em si uma visão de sociedade, humanidadee fato que corrobora apenas o
que foi produzido pela Europa ou dentro de seus cânones, numa perspectiva epistemológica da
geopolítica racista ; de dominação de formas de pensar, sentir e agir e de tentativa de extermínio
e o silenciar de outras expressões e conhecimentos que acabam diminuídos ao status de
crendices.
Entretanto, no estado de Mato Grosso do Sul, o Movimento dos Professores Indígenas
das etnias Guarani e Kaiowá, estimularam reuniões e debates com as instituições responsáveis
pela formação de professores indígenas e assim mesmo quepaulatinamente, obtiveram a atenção
destas Instituições que mediante parcerias com outras instituições, como a Universidade
Católica Dom Bosco, Conselho Indigenista Missionário, Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, Fundação Nacional do Índio e com o apoio do Movimento dos Professores Indígenas,
criaram e implantaram cursos de formação de professores indígenas com novas formas de
pensar, sentir e agir, novas temática, diferentes epistemologias e cosmovisão podendo então
promover o que alguns autores tem denominado de pensamento decolonial.
Por fim, concluímos através das análises das entrevistas com as lideranças indígenas e
egressos do Curso, que o primeiro Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura Teko Arandu
(2006), pensado e elaborado pelo Movimento dos Professores Indígenas das etnias Guarani e
Kaiowá, juntamente com as Instituições Parceiras, tais como: UCDB, FUNAI, UFMS, entre
outros teve uma preocupação significativa com a perspectiva decolonial no Curso em questão,
porém após sua implementação no ano de 2012, a perspectiva decolonial, obteve um
distanciamento frente a estrutura curricular e disciplinas do referido Curso, onde o Movimento
dos Professores Indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, bem como as instituiçõesparceiras
foram excluídas para a implementação. Assim, com o distanciamento da perspectiva decolonial
no Projeto do Curso, quando da sua implementação, passa a ser objeto de nossa investigação
no Programa de Pós-Doutoramento que fazemos parte.
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201
OS ACADÊMICOS INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA-
UNIR: REFLEXÕES INICIAIS SOBRE AS MATRÍCULAS NOS CURSOS DE
GRADUAÇÃO

Mádson Ribeiro da Silva – PPGE/UNIR


madsonribeiro16@gmail.com

Ediane Parintintin Leite – Pedagogia/UNIR


edianeleiyte@gmail.com

Carlos Magno Naglis Vieira - PPGE/UNIR


carlos.vieira@unir.br

Resumo: O artigo compreende as ações realizadas junto ao Projeto de Pesquisa


“ACADÊMICOS INDÍGENAS NO ENSINO SUPERIOR: trajetórias, formações e
contribuições para uma pedagogia intercultural” (edital PIBIC/UNIR) e as reflexões
promovidas no Grupo de Pesquisa Educação intercultural e povos tradicionais/CNPq. Com
objetivo de apresentar a presença de acadêmicos indígenas na Universidade Federal de
Rondônia, a partir de um mapeamento realizado pelo número de matrículas nos cursos de
graduação, o texto está amparado em estudos que estão marcados pelo pensamento de
intelectuais que se orientam pela cosmovisão de populações tradicionais e que transitam pelos
diferentes espaços escolares/acadêmicos. Estudos iniciais mostram que o protagonismo
indígena em ambientes acadêmicos representa uma oportunidade de reconhecer e respeitar a
diversidade cultural do Brasil, desconstruir preconceitos e estereótipos, reconstruir a história do
país a partir de uma perspectiva mais inclusiva, além de potencializar a produção de
conhecimento e a valorização da interculturalidade.

Palavras-chave: Acadêmicos indígenas. Curso de Graduação. Universidade Federal de


Rondônia. Matrículas universitárias.

Palavras iniciais

Com a Constituição Federal de 1988 que rompe com a política de integração e garante
o status de cidadania e de identidade étnica, concomitantemente, o direito à diferença e à
autonomia aos povos indígenas, temos presenciado, nos últimos 20 anos, um crescimento
significativo dessas populações circulando e ocupando os espaços acadêmicos nas
universidades brasileiras do norte ao sul do país.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira /INEP, registrou no ano de 2021, um total de 46.552 matrículas de acadêmicos
202
indígenas no ensino superior. Desse número apresentado pelo INEP (2021), é possível
identificar que a maior taxa de matrícula está nas universidades federais com 11.028
acadêmicos matriculados. Porém, o maior quantitativo de registro de presença de acadêmicos
indígenas estão nas instituições privadas de ensino superior (universidades, centros
universitários e faculdades), aproximadamente 30 mil acadêmicos (INEP/2021), matriculados
em cursos na modalidade presencial e a distância.
Com 44,5% da população indígena do país, a região Norte, cenário dessa pesquisa,
apresenta um pouco mais que 753 mil indígenas em seu território (IBGE/2023). Desse
quantitativo, 21 mil residem no estado de Rondônia (IBGE/2023). A presença significativa de
indígenas no estado de Rondônia reflete no número de matrículas nos espaços das universidades
e faculdades, cursando graduação e pós-graduação. Com base nos dados do Censo da Educação
Superior de 2019, a região Norte do país possui aproximadamente 14 mil indígenas
matriculados nos cursos de graduação (INEP/2019), em instituições públicas e privadas, nas
modalidades presencial e à distância. Desse número, 4.400 acadêmicos correspondem às
instituições localizadas nos estados de Rondônia e Amazonas (INEP/2019). Nos cursos de pós-
graduação registramos a presença de mestrandos e doutorandos indígenas dos dois estados, em
alguns programas, tanto nas respectivas instituições, quanto em outros estados.
O texto, em construção, compreende as primeiras ações realizadas junto ao plano de
trabalho intitulado “TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ACADÊMICOS INDÍGENAS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA: um estudo a partir das produções de
conhecimento de autoria indígena”, edital PIBIC/UNIR/CNPq. Em consonância com a reflexão
do conteúdo, o artigo vinculado ao Grupo de Pesquisa Educação intercultural e povos
tradicionais/CNPq, tem como objetivo apresentar a presença de acadêmicos indígenas na
Universidade Federal de Rondônia/UNIR, campus de Porto Velho, a partir de um mapeamento
realizado pelo número de matrículas nos cursos de graduação.
Amparado em estudos que estão marcados pelo pensamento de intelectuais que se
orientam pela cosmovisão de populações tradicionais e que transitam pelos diferentes espaços
escolares/acadêmicos, o texto representa a oportunidade de reconhecer e respeitar a diversidade
cultural do Brasil, desconstruir preconceitos e estereótipos, reconstruir a história do país a partir
de uma perspectiva mais inclusiva, além de potencializar a produção de conhecimento e a
valorização da interculturalidade.
Nesse cenário, a educação brasileira adquire um caráter intercultural (decorrente do
203
próprio texto da Constituição Federal de 1988) e torna-se o local das culturas (uma verdadeira
instituição sociocultural). Entretanto, é preciso ressaltar à qual ideia de interculturalidade este
texto se refere, porque ela pode ser entendida a partir de duas perspectivas. A primeira é no
sentido de: “[...] abrir caminhos para o reconhecimento e reposição dos sujeitos colonizados,
subalternizados, subjugados, silenciados, dominados e alijados de suas autonomias societárias
e cosmológicas a uma posição de diálogo, de interação, de coexistência e convivência dialética”
(Baniwa, 2019, p. 60). A segunda perspectiva é:

[...] a de interculturalidade como promessa de diálogo discursivo, ideológico e ainda


colonizador (Candau, 2000). Aqui o discurso de interculturalidade é usado para
encobrir, esconder, mascarar e, no máximo, amenizar os efeitos da colonialidade,
materializada por meio de práticas de exclusão, injustiça, desigualdade, violência e
racismo contra os sujeitos coletivos que se negam e resistem a sucumbir e aderir de
forma subalterna aos modos de vida da sociedade capitalista profundamente
predatória, anti-humana e anti-espécies. Esta segunda perspectiva significa
praticamente e, de modo ainda pior, a continuidade do colonialismo racista, na medida
em que confunde, manipula, desarma e desempodera os sujeitos colonizados para se
acomodarem diante do processo colonizador, muitas vezes culpando o próprio
colonizado de seus fracassos e justificando a necessidade de sua colonização como
generosidade do colonizador (Baniwa, 2019, p. 61).

O presente estudo se orienta pela primeira perspectiva de interculturalidade, “buscando


empoderar os sujeitos indígenas para um diálogo menos desigual, menos assimétrico e menos
hierarquizado” (Baniwa, 2019, p. 61), que também pode ser denominada de interculturalidade
crítica, na proposta de Catherine Walsh, compreendida como:

uma ferramenta pedagógica que questiona continuamente a racialização,


subalternização, inferiorização e seus padrões de poder, visibiliza maneiras diferentes
de ser, viver e saber e busca o desenvolvimento e criação de compreensões e
condições que não só articulam e fazem dialogar, as diferenças num marco de
legitimidade, dignidade, igualdade, equidade e respeito [...] (Walsh, 2009, p.25).

Em outras palavras, a interculturalidade é um lugar onde pode pensar em outros tempos


e espaços, construir narrativas outras, se abrir para outros conhecimentos, que não os
legitimados pela modernidade como únicos e absolutos e desconstruir a “cultura do silêncio”
(Sacavino, 2016).

Os acadêmicos indígenas na Universidade Federal de Rondônia/UNIR


A presença indígena nas instituições de ensino superior é registrada desde os anos de
1990, momento em que as discussões envolvendo a diferença, o multiculturalismo e a
204
interculturalidade ganham espaço de reflexão nas políticas educacionais (Lima, 2018), e, no
âmbito federal, notadamente, com promulgação da Lei nº 12.711 de 29 de agosto de 2012,
conhecida como Lei de Cotas. Na Universidade Federal de Rondônia/UNIR, os registros de
matrículas mostram que o(a) primeiro(a) acadêmico(a) indígena aprovado(a) no vestibular, em
um curso de graduação, via cota, ocorreu no ano de 2013.
A partir dos dados levantados junto à Pró-reitoria de Extensão e Assuntos
Educacionais/PROCEA da Universidade Federal de Rondônia/UNIR, o(a) mencionado(a)
indígena aprovado(a), via cota, cursou a graduação em Letras/Português no município de Porto
Velho. Porém, há evidências de acadêmicos indígenas matriculados na instituição antes do
apontado período, mais precisamente no campus de Ji-Paraná, no Curso de Licenciatura em
Educação Básica Intercultural.
Tomando como referência o contexto inicial, recordamos os estudos de Baniwa (2019)
quando reflete que a formação de acadêmicos indígenas nas instituições de ensino superior é
uma conquista história para os povos indígenas. Ainda, com base no autor, a presença deles na
universidade colabora para avanços significativos, principalmente no que se refere a autonomia,
empoderamento e o protagonismo.
Analisando os números de acadêmicos indígenas aprovados no vestibular da UNIR,
no período de 2013 a 2022, por cota, nos cursos de graduação, temos o seguinte cenário nos
diferentes campus.

205
CAMPUS DA UNIR (2013 - 2022)

6% 0%
14%
8%
0%

12%

3%

57%

ARIQUEMES CACOAL GUAJARÁ-MIRIM JI-PARANÁ


PORTO VELHO PRESIDENTE MÉDICI ROLIM DE MOURA VILHENA

Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)

Com relação aos números apresentados, verifica-se que a maior concentração de


matrículas de acadêmicos indígenas, aprovados por cota específica, está no município de Porto
Velho. Uma possível justificativa para esse quantitativo é que o campus, localizado na capital
do estado de Rondônia, apresenta o maior número de cursos de graduação e oferta de cota. O
segundo campus com maior proporção de acadêmicos indígenas matriculados é de Cacoal.
Além de concentrar um curso de graduação em Direito, esse município fica próximo a algumas
Terras Indígenas de Rondônia.
Ainda com relação aos números levantados, observamos que o campus de Ariquemes,
um pouco mais que 200 km de distância da capital, não possui acadêmicos indígenas aprovados
por cota no período de 2013 a 2022. Esse dado tem despertado atenção dos pesquisadores e será
ponto de reflexão, em estudos próximos.
De acordo com os dados levantados e disponibilizados pela Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA, o período de 2018 e 2022, mostrou que quantidade de
matrículas de alunos autodeclarados indígenas na Universidade Federal de Rondônia/UNIR,
aprovados por cota, aumentou de forma significativa. O ano de 2020 e 2021 foi o período que
mais ingressou indígenas na instituição, como é possível verificar o gráfico abaixo.

206
Matrículas (2013-2022)
30 27 27 27
25 25
25 23

19
20 18 18 18
15
14
15
10
9
10 7

5 2 2
1
0 0
0
C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022

Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)

A partir do número de matrículas é possível sinalizar um grande avanço no ingresso


de indígenas na UNIR, em meio às dificuldades de acesso ao ensino superior, preconceito e
permanência. Os dados apresentam um número 5 (cinco) vezes maior que o registrado nos anos
anteriores, com um total de 102 alunos indígenas matriculados no ensino superior de 2018-
2022. Apesar do aumento significativo, os indígenas universitários na UNIR representam 3,3%,
segundo dados levantados.
Com base nas informações assinaladas acima e os dados apresentados, segue o gráfico
destacando os cursos da UNIR, campus Porto Velho, com o maior número de matrículas
indígenas.

207
CAMPUS DE PORTO VELHO (2013-2022)
10

24
10

12

16
12

DIREITO MEDICINA EDUCAÇÃO FÍSICA ENFERMAGEM ADMINISTRAÇÃO PSICOLOGIA

Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)

O quadro acima, mostra os 6 (seis) cursos de graduação que mais ingressou estudante
indígena na Universidade Federal de Rondônia/UNIR, no período de 2013-2022, no campus de
Porto Velho/Rondônia. Foram 84 acadêmicos indígenas que se matricularam em cursos como:
Direito (24 alunos), Medicina (16 alunos), Educação Física e Enfermagem (cada curso com 12
alunos), Administração e Psicologia (cada curso com 10 alunos).
As matrículas vai ao encontro dos escritos de Paladino (2012) quando escreve que a
busca das populações indígenas pelo ensino superior inicia diante da

necessidade de adquirir melhores ferramentas para a interlocução com os diferentes


órgãos governamentais responsáveis pela implementação de políticas indigenistas e
de qualificar a participação de indígenas em projetos e ações de interesse de suas
comunidades. Neste contexto, a educação superior é percebida por muitos como um
meio de prepará-los para tais expectativas e necessidades (Paladino, 2012, p. 176).

Em outras palavras, o ensino superior é uma conquista, não somente para os indígenas
mais para a comunidade em si, para muitos a graduação já é um “privilégio”, não se trata só de
um diploma, mas sim de luta, reconhecimento e conquista para a comunidade. Posso, ainda,
mencionar que o ensino superior vem se tornado um nível de conhecimento para a estudante

208
indígena, a importância da inclusão, do reconhecimento para etnia, a permanência e a conclusão
nos cursos de graduação.
Os dados levantados permitem realizar uma análise dos números de matrícula de
estudantes indígenas que ingressaram no Departamento Acadêmico de Ciências da
Educação/DACED, do Núcleo de Ciências Humanas da Universidade Federal de
Rondônia/UNIR, campus Porto Velho, via cota específica. Porém, a partir do curso de
Pedagogia, verificamos que a presença desses acadêmicos indígenas na UNIR, acabam
acontecendo de diversas formas: acesso universal via vestibular, cotas específicas e projetos
diferenciados.
Esse cenário de matrícula, apresentado acima, pode ser visualizado na instituição.
Neste contexto, verificamos o seguinte cenário com relação ao número de indígenas
matriculados na UNIR, mais especificamente, no Departamento Acadêmico de Ciências da
Educação/DACED, curso de Pedagogia.

INDÍGENAS MATRICULADOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE


RONDÔNIA/UNIR – CURSO DE PEDAGOGIA

Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)

209
Em análise aos dados apresentados no gráfico, nota-se que o crescimento de indígenas
vem aumentando no decorrer dos últimos anos. Nos dados que foram pesquisados, comparando
com a cota C4 (cota de ação afirmativa específica para indígena com renda bruta mensal
familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo), podemos notar que a cota C8 (cota de ação
afirmativa específica para indígena independentemente da renda bruta mensal familiar per
capita) é a que mais ingressa estudante indígena na UNIR, cerca de 25% dos estudantes
indígenas.
O quantitativo chama a atenção para o alto número de inscritos no ano de 2018,
principalmente para à quantidade de aprovados no processo seletivo. Ao longo dos anos, o
processo de seleção foi sofrendo modificações. Assim sendo, é bastante expressiva a quantidade
de indígenas que já estudaram, e/ou que ainda estudam, ou vão estudar. Ressaltamos que o
número pode ser ainda maior se levarmos em consideração as demais formas de acesso ao
ensino superior as quais eles também podem concorrer, tais como Vestibular, Nota do Ensino
Médio e ENEM.

Considerações finais

Além do objetivo principal do texto, o artigo tem um caráter político de apresentar um


novo espaço de conquista dos indígenas. Um ambiente onde ocorre a desconstrução de
paradigma, o rompimento de preconceitos e a construção de diferentes possibilidades. Nesse
espaço, os indígenas, a partir de sua presença no ensino superior, conseguem problematizar que
seu lugar não é restrito a terra indígena, o contexto local rural, mas de uma reescrita da história
e do protagonismo nos mais diferentes contextos social, políticos, econômicos e culturais.
Somos protagonistas da nossa própria história.
Apesar da população indígena ter assegurado o direito à educação pública, não
significa que o acesso seja sem entraves, pelo contrário, não disponibilizam meios que garantam
de maneira satisfatória a permanência nessa instituição do ensino superior. São inevitáveis as
evasões, pois os entraves não são apenas de ordem econômica, uma vez que envolvem
preconceitos, estigmas, discriminações, estereótipos, isto é, diversas formas de exclusão desses
discentes no interior dos cursos, das metodologias e didáticas de ensino e no relacionamento
com alunos não indígenas e professores.

210
A permanência dos indígenas na universidade, ainda é um ponto de interrogação, que
merece inúmeras reflexões. Tivemos avanços com relação ao acesso, porém a permanecer no
ensino superior, diante das dificuldades, preconceitos, discriminações linguísticas e fazendo
uso dos seus elementos culturais tradicionais e conhecimentos é algo que carece de
significativas e pontuais problematizações. Além desses contextos, às vezes não aparente,
muitos vezes velado e silenciados, muitos acadêmicos convivem com problemas estruturais
para a sua permanência no ensino superior, como: a moradia, a alimentação, o transporte
público e o recurso financeiro para gastos pessoais e escolares. Diante disso, compreendemos
que não é uma tarefa fácil para os parente em permanecer no ensino superior, por isso que
muitos desistem.

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viver. In: CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América Latina: entre
concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009.

212
GT 3 - CRIANÇA/INFÂNCIA INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

CRIANÇA GUARANÍ-KAIOWÁ TEKO PORÃ-: MODO DE SER/ESTAR E OS


PROCESSOS PRÓPRIOS DE APRENDIZAGEM

Daniele Gonçalves Colman/UCDB-UFGD1


danielecolman@ufgd.edu.br

Adir Casaro Nascimento/UCDB2


adir@ucdb.br

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo geral; analisar a produção de identidades das
crianças Guarani e Kaiowá das aldeias do cone-sul do MS no contexto educativo e o Teko Porã
enquanto modo de ser/estar/viver e ver o mundo, objetivos específicos; a) identificar os
elementos da cultura indígena Guarani e Kaiowá e seus modos próprios de aprendizagem; b)
observar o Teko Porã enquanto modo de ser/estar das crianças Guarani e Kaiowá na escola e
na aldeia; c) descrever o currículo escolar a partir das concepções das crianças Guarani e
Kaiowá. Adoto como procedimento metodológico a etnografia do tipo sensível (Bergamasch;
Souza, 2016) por possibilitar o estar com/com-viver com crianças Guarani e Kaiowá das aldeias
do cone-sul do MS, na escuta, no brincar, desenhar, conversar e circular entre aldeias e escolas
indígenas. A partir de pesquisas é possível afirmar que existe uma grande deficiência tanto nos
currículos, falta de materiais didáticos apropriados e diferenciados como, a necessária e urgente
formação inicial e continuada de professores para compreender e saber lidar com o modo de ser
Guarani e Kaiowá para além das escolas indígenas. (Souza, 2018), (Vieira, 2015), (Colman,
2018-2023), entre outros. Isso é pensar a educação como forma de educar para viver, sobreviver
e cuidar do mundo a partir da perspectiva e da lógica do Teko Porã, pois são indissociáveis e
compõe as filosofias de vida dos povos indígenas da América Latina.

Palavras-chave: Criança indígena; Guarani e Kaiowá; Teko Porã; Identidade.

SITUANDO A PESQUISA

Ao pensar em produzir uma pesquisa com crianças indígenas, é preciso refletir sobre
postura epistemológica e dialógica. Dessa forma, uma autorreflexão metodológica e pedagógica

1
Pós-Doutoranda em Educação-PPGE/UCDB. Docente no curso em Licenciatura em Educação do
Campo/LEDUC- da Faculdade Intercultural Indígena/FAIND-UFGD.
2
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco.
213
se fez extremamente necessária, uma vez que toda pesquisa necessita de um como fazer, onde
trilhar para se alcançar os objetivos estabelecidos (Meyer; Paraíso, 2014).
Nesse sentido, enquanto pesquisadora consciente de que, fala e olha de um espaço-
tempo-político e, que se preocupa com o bem-estar dos sujeitos da pesquisa, busco
coletivamente a melhor forma de construir conhecimento. Colman e Souza (2021, p. 2)
ressaltam que é necessário deixar para trás o estigma da pesquisa moderna e passar para a
pesquisa com povos indígenas.
Para uma pesquisa com crianças indígenas, é necessário um constante rearticular
metodológico que exige flexibilidade e muita sensibilidade por parte do pesquisador,
(Bergamaschi, Souza, 2016, p. 216). As especificidades que marcam as pesquisas com crianças
indígenas estão na imprevisibilidade e coletividade, características que transgridem a lógica da
pesquisa moderna por não permitir o delimitar espaço, tempo e ação. Um modo de ser e estar
no mundo que marcam a diferença e a identidade das crianças.
A partir dos estudos de Sobrinho (2009), Bessa Freire (2006), Both (2006), Brumatti
(2007), Calderoni (2011) e Bittar (2011) fica evidente que a escola e os docentes não estão
sabendo lidar com as diferenças étnicas das crianças indígenas. Stoer (2001, p. 203) afirma que
“o grande desafio para a educação inter/multicultural é tornar a escola num lugar privilegiado
de comunicações interculturais”.
O modelo escolar predominantemente hegemônica marca ações pedagógicas que
continuam fomentando preconceito, discriminação, exclusão e hierarquização por parte de
estudantes e corpo escolar. Essas situações vividas pelas crianças indígenas acabam provocando
um silenciamento, opressão e subalternização de sua identidade étnica e dos saberes
tradicionais, elementos que compõe seus modos de ser/estar/viver/ver e cuidar do mundo.

Em meio à aldeia Laranjeira Ñanderu, há muitos elementos simbólicos envolvidos no


processo de aprendizagem de seus respectivos membros: a alimentação, os rituais, as
brincadeiras, as relações de parentesco, a relação com a natureza, entre outros. Vale
lembrar que o teko envolve toda a organização política, religiosa e territorial dos
Guarani e Kaiowá. (Souza, 2018, p. 60).

As pesquisas científicas sobre/com/da criança indígena em contexto urbano e de


aldeia, pouco têm avançado no sentido de compreender como essas crianças indígenas Guarani
e Kaiowá constroem suas identidades e seus saberes a partir de seus modos próprios de
aprendizagem. Souza (2018) em pesquisa tece que,

214
[...] as crianças indígenas costumam estudar em escolas convencionais que não
atendem as especificidades de suas respectivas comunidades. Em muitos casos, o
Estado alega que não pode atender adequadamente a demanda dessas crianças porque
esses serviços não são disponibilizados em áreas que encontram-se em processo
judicial, ou seja, em espaços que não são oficialmente considerados como territórios
indígenas. (p. 34).

Nesse sentido, considerando que o campo de pesquisa está situado nas aldeias do cone-
sul/MS, busco analisar a produção de identidades das crianças Guarani e Kaiowá no contexto
educativo no intuito de expor possibilidades de currículos outros e pedagogias outras por uma
educação intermulticultural em prol de uma sociedade radicalmente democrática, de Teko Porã-
o bom modo de se viver, Turino (2019) explica que,

O Bem Viver é uma filosofia em construção, e universal, que parte da cosmologia e


do modo de vida ameríndio, mas que está presente nas mais diversas culturas. Está
entre nós, no Brasil, com o teko porã dos guaranis [...]. Seu significado é viver em
aprendizado e convivência com a natureza, fazendo-nos reconhecer que somos “parte”
dela e que não podemos continuar vivendo “à parte” dos demais seres do planeta.
(Turino, 2019, p. 21).

Após encerrar o doutoramento, com a tese intitulada “O brincar com crianças Terena
em Campo Grande/MS: identidades e diferenças”, defendida em 2023, algumas questões
continuaram alimentando minha curiosidade, algumas delas são: como esses modos de ser/estar
da criança indígena se dá em sala de aula? Dado ao movimento crescente de migração indígena
para contexto urbano, como é essa escola da aldeia rural tão admirada pelas crianças Terena?
Essas perguntas orientam o pensar a pesquisa de pós-doutorado para perseguir a compreensão
dos modos de ser/estar/viver e cuidar do mundo das crianças Guarani e Kaiowá em contexto
escolar e das aldeias do cone-sul/MS. É fato que existe uma diferença enorme entre Terena e
Guarani e Kaiowá, mas sendo descendente de Guarani e Kaiowá e por conviver com os mesmos
vejo que as experiências escolares são semelhantes, desde a dificuldade com a língua não
indígena e desvalorização da língua materna, os professores não indígena (Karai/Purutuye), o
preconceito e racismo, exclusão e desvalorização cultural. Todas essas experiências negativas
da escola não indígena são apontadas em pesquisas como a de Colman (2023) com crianças
Terena e Souza (2018) com crianças Guarani e Kaiowá.
O intuito é desenhar as pedagogias outras e os processos outros de aprendizagem, até
porque as escolas não indígenas, mas que recebem um número cada vez maior de crianças de
diferentes etnias indígenas tem crescido muito no estado de Mato Grosso do Sul devido a

215
migração entre aldeia rural e urbana (Colman, 2023). Ao pensar o campo de pesquisa lembro o
Professor Doutor Eliel Benites que em tese relata sua infância escolar,
Na vida escolar, parecia que o mundo se ampliava, conversávamos com os colegas de
diferentes lugares, e tentava, a todo momento, “decifrar” a fala da professora karai
(não indígena), para entender os conteúdos da aula. Era um esforço muito grande e,
neste processo, nos sentíamos inferiores diante da sabedoria “inalcançável” da
professora. Frequentar a escola Ñandejára, naqueles tempos, era o início da
obrigatoriedade, mesmo com algumas resistências iniciais, pelo fato de não falar a
língua portuguesa e da vergonha de outras crianças diferentes de mim. (Benites, 2021,
p. 17-18).

A partir de pesquisas é possível afirmar que existe uma grande deficiência tanto nos
currículos, falta de materiais didáticos apropriados e diferenciados como, a necessária e urgente
formação inicial e continuada de professores para compreender e valorizar as diferenças étnicas
nas escolas. (Souza, 2018), (Vieira, 2015), (Colman, 2018), entre outros. Sobre essa questão
Bergamaschi (2005) tece que,

[...] a intensidade com que os Guarani vivem o processo que introduz a escola nas
aldeias torna essa vivência, da qual compartilho, privilegiada, pois expõe um
movimento dinâmico e criativo do “ir se fazendo”. Aparece, à flor da pele, a
turbulência e o incômodo de viver essa processualidade, marcada pela incerteza e pela
criação, pois são poucos os parâmetros já estabelecidos para a educação escolar dos
Guarani e que possam apoiá-los na constituição de uma escola diferenciada. (p. 190).

Propor analisar os processos de produção de identidade das crianças Guarani e Kaiowá


pode contribuir na construção de currículos escolares interculturais, ou seja, intercultural e
bilíngue, com isso promover processos formativos que permitam trabalhar as diferenças
enquanto potência das epistemologias outras.

[...] há nos preceitos educacionais da cosmologia Guarani um admirável mundo a ser


desvendado, em que os significados de cada gesto, de cada ação mostram a integridade
de um povo que sobrevive e se recria e a escola na aldeia poderá se inserir nesse
universo e dialogar com os princípios que compõem a educação tradicional e a
cosmologia Guarani. (Bergamaschi, 2005, p. 9)

Compreender “os mundos outros” (Macuxi, 2020), os modos próprios de


aprendizagem das crianças Guarani e Kaiowá podem dar mais pistas de um como fazer
pedagógico e didático, um pensar e fazer mais assertivo para com as diferenças culturais. É
verificável que ainda são poucas as pesquisas científicas que abordem e problematizem as

216
identidades e diferenças dos povos indígenas na perspectiva de pesquisar com e sem ser
comparativa. (Colman, 2023).
Em Souza (2018) podemos desenhar o cenário escolar das crianças da aldeia Laranjeira
Ñanderu localizada no município de Rio Brilhante/MS, para pensar a necessidade do currículo
intercultural, pois

A escola (convencional) é um local onde as crianças indígenas são frequentemente


expostas a situações traumáticas e constrangedoras. Cotidianamente, os estudantes
advindos da aldeia sofrem preconceito de colegas e professores que os veem como
pessoas intelectualmente limitadas, anti-higiênicas e dignas de piedade. Dificilmente
os Kaiowá encontram na escola alguém que entenda não apenas o seu idioma, mas
sobretudo a sua cultura e suas particularidades, inclusive no processo de
aprendizagem. Por tudo isso, compreendo que o estudo sobre o cotidiano das crianças
indígenas no ambiente escolar pode ser explorado futuramente, em uma pesquisa de
fôlego. (Souza, 2018, p. 56).

Além da discriminação étnico-cultural a escola dita convencional por ser uma escola
não indígena é descrita por estar limitada por um currículo monocultural e monolíngue, uma
construção moderna/colonialista que exclui, silencia e universaliza as diferenças. Essas
violências epistemológicas ferem o Teko Porã Guarani e Kaiowá, é compreensível que a partir
disso eles reivindiquem direitos já adquiridos em lei, assim como aponta Souza (2018) quando
tece,

Cerca de quatorze crianças estudam no período matutino e nove adolescentes cursam


o período noturno de uma escola pública de Rio Brilhante. No entanto, a comunidade
Kaiowá vem reivindicando a instalação de uma escola na aldeia, pois a instituição que
atualmente recebe as suas crianças não conta com profissionais qualificados para lidar
com as especificidades culturais dos povos indígenas. (Souza, 2018, p. 57)

Essa realidade escolar não é só dos povos Guarani e Kaiowá, muitas etnias sofrem
cotidianamente a castração cultural e falta de respeito aos modos próprios de ser e de
aprendizagem, por exemplo, os Terena da aldeia Darcy Ribeiro em Campo Grande/MS como
constatado em minha pesquisa de doutorado (Colman, 2023), é por esses motivos que vale
tensionar o pensar outros currículos, currículo para Teko Porã/Bem viver dos povos indígenas
e das diferenças, isso tanto para escolas indígenas quanto para as não indígena, até porque “O
Bem Viver será para todos e todas. Ou não será” (Acosta, 2019, p. 248). Há muito que se
aprender e compreender sobre as identidades muitas e outras dos povos indígenas no Mato
Grosso de Sul, terceiro estado do Brasil com maior população indígena, de acordo com o

217
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Brasil, 20223), a população
autodeclarada indígena é de 116 346 pessoas.
A perspectiva do Teko Porã Guarani e Kaiowá exige mudança de mentalidade, pois,
ela está na contra mão da lógica da modernidade/colonialidade, parafraseando Fanon (2008),
não basta apenas mudar a forma como vemos o mundo, mas mudar o mundo, ou seja, traduzir,
desconstruir, construir, transgredir, ressignificar o presente-passado, é o “além” de Bhabha
(2019) para “bem viver” de Acosta (2010). A mudança de mentalidade depende da
desconstrução do discurso, na linguagem, e não se dá de forma imediata e nem de forma branda;
ela é tensa e conflituosa, o que exige sensibilidade, subversão, flexibilidade e resistência, dado
que “em toda fronteira há arames rígidos e arames caídos. As ações exemplares, os subterfúgios
culturais, os ritos são maneiras de transpor os limites por onde é possível” (Canclini, 1997, p.
350).
A perspectiva de desenvolvimento alternativo de bons viveres é uma lógica outra para
atuar, pensar e lutar, pois “[...] pensar a interculturalidade na perspectiva da descolonialidade é
tarefa complexa e desafiadora, porém possível e necessária no contexto atual” (Munsberg;
Silva, 2018, p. 142), até porque, para que haja interculturalidade, é preciso descolonizar. É
preciso enfrentar e desconstruir a colonialidade na esfera do poder, do saber e do ser. É
descolonizar para um olhar e escuta sensível na pesquisa com crianças indígenas. “A
descolonização do poder, do saber e do ser somente é viável, segundo o referido autor, mediante
uma atitude descolonial, isto é, uma postura crítica ante a colonialidade e suas implicações”
(Munsberg; Silva, 2018, p. 144). Nesse sentido, é observável a viabilidade de bons viveres
dentro das culturas étnicas que sobrevivem de maneiras outras mesmo sob o afeto, a opressão,
a pressão do neoliberalismo e o seu sistema de desigualdade política, econômica, social, cultural
e do saber. Sob essa perspectiva, Acosta (2019, p. 65) aponta que a colonização “impôs-se o
progresso tecnológico, assumindo como elemento a serviço da Humanidade”, silenciando as
contradições como “desigualdade social, degradação ambiental, desemprego e subemprego,
além de outras injustiças que colocam em perigo a continuidade da vida no planeta” (Acosta,

3
Duas Unidades da Federação concentram 42,51% da população indígena residente no País, são elas o Amazonas,
com 490 854 pessoas indígenas, correspondendo a 28,98% da população indígena, e a Bahia, com 229 103 pessoas
indígenas, 13,53% do total de pessoas indígenas residindo no País. Mato Grosso do Sul apresenta o terceiro
maior quantitativo de população indígena, com 116 346 pessoas indígenas, seguido de Pernambuco, com 106
634, e Roraima, com 97 320 pessoas indígenas. Estas cinco Unidades da Federação concentram 61,43% da
população indígena. (Brasil, 2022, grifos da autora)

218
2019, p. 65) e o próprio planeta. É uma humanidade onde quem dança outros ritmos não se
encaixa e por isso são excluídos, bem como as crianças Guarani e Kaiowá e, as suas identidades.
Sendo assim, um estar lá “conviver com os ‘nativos’, dialogar com eles, acompanhar
seu cotidiano” (Oliveira, 2013, p. 278), concomitante com estar com, pois; “o método
etnográfico se constituiu não só com o ‘outro’, mas a partir do ‘outro’, apresentando, como uma
problemática profunda, a questão de que o objeto e investigador se confundem na ciência
antropológica” (Oliveira, 2013, p. 273), e com isso, me permitirei transitar com as crianças
Guarani e Kaiowá os marcos fronteiriços entre aldeia e escola, ouvi-los, enxergar no conviver
junto os entre-lugares e, por meio da sensibilidade, me permitir sentir, afetar e ser afetado,
consciente de que meu eu estará presente como corpo estranho que encontra corpos estranhos,
com sentidos meus que, por mais desconstruída por uma formação teórica, ainda carrega marcas
de uma formação essencializada de cultura que, me exigirá vigilância epistemológica no campo
e na escrita, isto pois, “Todos nós nos localizamos em vocabulários culturais e sem eles não
conseguimos produzir enunciações enquanto sujeitos culturais. Todos nós nos originamos e
falamos a partir de ‘algum lugar’: somos localizados” (Hall, 2018, p. 93).
E por me permitir a escuta sensível (Bergamaschi, 2005) porque não me permitir
sulear4 na escrita, “Em se tratando de pesquisas pós-críticas em educação, isso se traduz em um
estilo de escrita no qual é inevitável ocupar um lugar de fala particular” (Maknamara, 2014, p.
168), ou seja, buscar um estilo próprio de escrita, “desenhar as palavras em peles de papel”
(Kopenawa; Albert, 2015), fotografar as “escolhas teórico-políticas de quem escreve”
(Maknamara, 2014, p. 170).
A etnografia sensível a partir da perspectiva teórica pós-crítica enquanto metodologia
pode parecer nada ou pouco científico por “[...] falar em sentimentos, pensamentos, reflexões
e recordações quando nos referimos a uma metodologia de pesquisa. [...] ao trabalhar com
narrativas – entrevistando jovens e com isso retomando suas histórias de vida escolar -, de
algum modo, recobrei emoções vividas”. (Oliveira, 2014, p. 177). Nessa perspectiva
metodológica “Utilizar as palavras para nomear o que sentimos, não é mero palavrório”
(Oliveira, 2014, p. 177). Pesquisa com crianças Guarani e Kaiowá exige considerar que,

Os movimentos de aproximação com a cosmologia Guarani e com o universo


das aldeias, constituído através de um estar-junto sensível, e o com-viver com
a totalidade cosmológica de cada lugar pesquisado possibilitou a elaboração

4
Conceito inspirado na obra de Boaventura Souza Santos intitulado, “O fim do império cognitivo: a afirmação das
epistemologias do Sul” (Santos, 2019).
219
de um contorno antropológico etnográfico que busca dizer dos Guarani desde
si. (Bergamaschi, 2005, p. 9)

Nesse sentido, enquanto pesquisadora, professora, descendente de Guarani e Kaiowá


e falante da língua Guarani precisarei fazer um esforço para deixar dizer desde si como aponta
a autora supracitada, para assim conceber as narrativas desde entrevistas e conversas formais e
informais sejam ouvidas a partir de uma escuta sensível e interpretadas com o coração, pois,
“[...] tomo o conjunto das narrativas que constituem o corpus da pesquisa como práticas
discursivas que agregam um conjunto amplo de expressões e elementos ligados a instituições
ou situações sociais específicas [...]”. (Oliveira, 2014, p. 179). Até porque, para as etnias em
questão, “a escuta sensível dos mitos não requer apenas uma compreensão lógica, mas um
entendimento amoroso e uma disposição do coração”. (Bergamaschi, 2005, p. 146).
O encontro com o outro e com a outra cultura é um campo de possibilidades de
desconstruções e afetamentos sem volta. E por se tratar de pesquisa com crianças Guarani e
Kaiowá em contexto de aldeias do cone-sul/MS, vale considerar que,

As crianças indígenas começam a frequentar a escola ocidental a partir dos cinco anos
de idade. Aos quatro anos, algumas delas aprendem o alfabeto, os números e algumas
palavras em Português, com as suas mães. Dessa forma, as crianças são inicialmente
inseridas em um ambiente familiar bilíngue. Em meio a este contexto cultural, o
Guarani é a língua materna e o Português é o segundo idioma da comunidade. (Souza,
2018, p. 62).

A partir desse cenário será preciso bricolar metodologicamente. Esta técnica “exige
rigorosidade, vigilância, experimentação, articulação, interrogações, problematizações,
desnaturalização e desconstrução de procedimentos arraigados naquilo que pensamos saber
sobre o que pesquisamos” (Alves, 2018, p. 97). Nesse sentido, a bricolagem na pesquisa com
criança indígena demanda que “o pesquisador se coloque no ponto de vista da criança como se
estivesse vendo tudo pela primeira vez [...]. Isso vai exigir do pesquisador descentrar seu olhar
adulto para poder entender, através das falas das crianças, os mundos sociais da infância”.
(Silva; Barbosa; Kramer, 2005, p. 52). Nesse sentido, trata-se de um deslocamento que rasura5
o olhar/sentir/ouvir adultocêntrico põe em crise o fazer pesquisa. Portanto, além da escuta
sensível, vou precisar me utilizar de tantas outras ferramentas metodológicas para tentar ouvir

5
Para Hall (2000, p. 104), “a identidade é um desses conceitos que operam sob rasura, no intervalo
entre a inversão e emergência: uma ideia que não pode ser pensada de forma antiga, mas sem a qual
certas questões-chave não podem ser sequer pensadas”.
220
os ecos, sussurros e silêncios (Colman, 2023), bem como, as manifestações e movimentos dos
corpos, aprender, “a lidar também com os esquecimentos, com as ausências como estratégias
do outro para poder narrar-se”, (Oliveira, 2014, p. 188), no fazer pesquisa com crianças Guarani
e Kaiowá. Até porque, “Desde o período gestacional, o corpo da criança relaciona-se com o
mundo exterior, construindo-se em si e para o outro, integrando-se a um coletivo composto por
outros ‘eus’”. (Souza, 2018, p. 59).
Nos encontros dos coletivos entre eu/eus, eles eu/eus caminharmos juntos, no com-
viver, brincares, conversas, nos ecos, fotografar e deixar fotografar, desenhar e deixar desenhar
as formas de se ver e ver o mundo. Considerando que os sujeitos são Guarani e Kaiowá fica
inviável fazer um recorte que limite a participação de sujeitos outros, como adultos, familiares
e lideranças, pois se trata de uma cultura coletiva e de “constelações” como nos ensina Krenak
(2019); Kopenawá (2015); Makuxi (2020); Maknamara (2014); Souza (2018); Benites (2014 e
2021) quanto outros intelectuais/sábios indígenas.

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Com a pretensão de produzir outras possibilidades de currículos e práticas


pedagógicas, pensando na formação e na ressignificação dos currículos das escolas urbanas, em
especial, àquelas que recebem as crianças indígenas. E por considerar que a partir de pesquisas
é possível afirmar que existe uma grande deficiência tanto nos currículos, falta de materiais
didáticos apropriados e diferenciados como, a necessária e urgente formação inicial e
continuada de professores para compreender e saber lidar com o modo de ser Guarani e Kaiowá
para além das escolas indígenas. (Souza, 2018), (Vieira, 2015), (Colman, 2018-2023), entre
outros. Isso é pensar a educação como forma de educar para viver, sobreviver e cuidar do mundo
a partir da perspectiva e da lógica do Teko Porã- o bom modo de se viver, pois são
indissociáveis e compõe as filosofias de vida dos povos indígenas da América Latina para nos
ensinar que “A educação indígena não é a mão estendida à espera de uma esmola. É a mão
cheia que oferece às nossas sociedades [...] uma diferença, que nós já perdemos. O ava haicha6
é uma fonte de inspiração, não uma simples condescendência para povos minoritários”. (Meliá,
1999, p. 16). Sem querer generalizar as especificidades étnicas dos povos indígenas, mas

6
Segundo Meliá e Guasch (2005, p. 31), ava significa “indio, hombre, individuo, persona [decirle ava a uno
puede ser un insulto y uma albanza]” e haicha significa “como [com verbos]; ejapose háicha: hozlo como
quieras (hacerlo)”. (Idem, ibidem, p. 31). Portanto, ava haicha, significa, como indígena e/ou modo indígena.
221
entendendo que estamos falando do modo de ser das crianças Guarani e Kaiowá como
possibilidade inspirar as escolas urbanas a “lidar” com as crianças indígenas em escolas
urbanas, pois precisam achar uma saída epistemológica e pedagógica, tendo em vista que as
escolas recebem diferentes etnias, com diferentes culturas e trajetórias históricas.
Compreendendo assim que, os povos originários se relacionam com o mundo de formas outras
e o currículo monocultural não dá conta.

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225
O IMPACTO DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS SOBRE A
QUESTÃO DO ABUSO E A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NA COMUNIDADE INDÍGENA URBANA DA ALDEIA
ALDEINHA DE ANASTÁCIO-MS.

Débora Carmo dos Santos (UFMS)


deboracarmo.antonio@gmail.com

Janete Rosa da Fonseca (UFMS)


janete.fonseca@ufms.br

Resumo: Este estudo tem o objetivo de analisar o contexto do abuso e exploração sexual na
comunidade urbana indígena Terena da Aldeia Aldeinha de Anastácio/MS. Diante de alguns
estudos realizados a respeito do tema abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e
das legislações que tratam das garantias dos direitos dessa população, vimos à urgência de trazer
ao âmbito acadêmico questões sobre essa realidade, bem como emergir situações para que de
alguma forma, essas venham a contribuir para melhorias para esta comunidade e para garantia
dos direitos e proteção da infância da comunidade aldeada. O estudo parte de uma abordagem
de análise crítica e qualitativa do atendimento das políticas públicas para essa população.
Assim, pretende-se levantar a realidade vivida pela comunidade da Aldeia Aldeinha que, por
vezes, é marginalizada, discriminada e desrespeitada em relação aos seus direitos, levando-os
a um agravo que tem como consequência a exclusão social.

Palavras-chave: Violência sexual, desigualdade social, assistência social, questão social.

INTRODUÇÃO

Diante das muitas dificuldades enfrentadas pela população da comunidade urbana


Aldeia Aldeinha de Anastácio/MS, cujos direitos, acessos e possibilidades vêm ao longo da
história sendo negado ou impossibilitado, considerando a geração de trabalho, emprego e renda
um dos maiores percalços, dessa forma, faz-se necessário analisar a oferta de subsídios e
serviços públicos prestados a essas pessoas, que proporcione garantias de direitos, que
possibilite a transformação do contexto social, como também as relações sociais, econômicas e
culturais.
Esta pesquisa visa analisar o impacto do abuso e exploração sexual contra crianças e
adolescentes da comunidade urbana Aldeia Aldeinha, uma população indígena Terena,
226
localizada no centro da cidade de Anastácio/MS. Tendo como foco a materialização dos direitos
civis na efetivação das politicas públicas, bem como o resgate da cidadania e qualidade de vida
dessa população.

A autodenominação - Terena - aplica-se hoje a todos que se reconhecem e são


reconhecidos como tal. Este reconhecimento é feito bilateralmente, isto é, para ser
reconhecido como Terena é preciso que o pai ou a mãe de uma pessoa o seja. Além
da filiação, os Terena possuem um outro critério para marcar o reconhecimento da
identidade Terena: o compartilhar da solidariedade étnica - isto quer dizer que, mesmo
que uma pessoa filha de Terena resida há anos em um ambiente extra-aldeia (nas
fazendas da região ou nas cidades) ele deve ser solidário com seu povo se quiser ser
reconhecido como Terena; daí se deduz que o haver nascido em uma aldeia Terena
não é condição necessária para o reconhecimento da identidade étnica Terena.
(Azanha, 2005, p. 73)

A escolha do tema não surgiu espontaneamente e nem tampouco foi por acaso, foi
motivada quando esta pesquisadora nascida e criada nessa comunidade passou a perceber o
processo histórico da questão social violência sexual infanto-juvenil. Ao vivenciar o
crescimento da exploração sexual e que a sociedade, as autoridades e o sistema ignoram a forma
como a violência sexual é referenciada e tratada na comunidade, surgiu a necessidade de
pesquisa científica, uma vez que o ciclo da violência nesse contexto, não são rompidos ao longo
dos anos.
Cabe a aqui também a justificativa pessoal e profissional para a escolha do tema
apresentado para esta proposta, ao levantar essa realidade surgiu a necessidade de trabalhar os
casos que foram registrados nos sistemas de garantias de direitos (CREAS, Poder Judiciário,
Conselho Tutelar, Policia Civil) no período em que atuamos como assistente social do Centro
de Referência Especializado em Assistência Social – CREAS e que foram registrados para
apuração.
De acordo com a Politica Nacional de Assistência Social –PNAS o CREAS é o serviço
de proteção social especial que tem por objetivo tirar indivíduos e/ou grupos da situação de
risco pessoal, sem que haja contudo, o rompimento dos vínculos familiares e comunitários
A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a
famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por
ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de
substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua,
situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem
acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Da mesma
forma, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem
qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. (Brasil, 2009, p.
36)

227
As equipes que compõem o CREAS são multidisciplinares, compostas por psicólogos,
pedagogos, assistentes sociais e advogados. Os atendimentos são de segunda a sexta-feira em
horário comercial. Alguns serviços especializados de proteção social especializado do SUAS
devem ser oferecidos necessariamente no espaço físico do CREAS.
A pesquisa irá propor uma análise sobre a realidade das crianças e adolescentes e os
fatores motivacionais que permitem no decorrer de seus processos históricos, tornar esses
infantes vítimas enraizadas de um ciclo vicioso de prostituição, abuso e exploração sexual.
Além de investigar a falha no sistema da legislação brasileira que permite que a infância nessa
comunidade seja marginalizada e ao mesmo tempo ignorada por nossas autoridades.
A violência, o abuso e a exploração sexual contra criança e ao adolescente se apresenta,
na sociedade contemporânea, como uma das piores formas de desrespeito de seres humanos em
condições peculiares de crescimento e desenvolvimento. O grau de complexidade da violência
em suas formas de manifestação atinge os mais altos índices dentro do contexto histórico social
e cultural. Em se tratando da população vulnerabilizada, as análises devem ser consideradas em
suas profundas raízes culturais e contextualizadas, de acordo, com o convívio social.
Este fenômeno, abuso e exploração sexual, pode gerar seqüelas físicas, emocionais,
morais e sociais, comprometedoras para o desenvolvimento da infância e da juventude, muitas
vezes permanentes e irreversíveis. Desse modo, os problemas relacionados ao abuso da
violência infanto-juvenil podem acometer indivíduos de todas as idades, porém a família, a
sociedade e autoridades terão que estar diretamente envolvidas nessa problemática, tanto para
combater quanto para punir os agressores e para tratar os vitimizados.
A esse respeito Iamamoto (2008) explana que os profissionais inseridos no contexto
das políticas sociais e do sistema de garantia de direitos, dentre os quais se insere o Assistente
Social, são profissionais capacitados para o fortalecimento, resgate e motivações
biopsicossoiciais.
Os assistentes sociais dispõem de um manancial de denuncias sobre violação dos
direitos humanos e sociais e, desde que não firam as prescrições éticas do sigilo
profissional, podem ser difundidas e repassadas aos órgãos de representação em meios
de comunicação, atribuindo-lhes visibilidade pública na defesa dos direitos [...]
(Iamamoto, 2008, p: 427)

O assistente social atua, através de pesquisas e análises de realidade social, na


formulação, execução, gerenciamento e avaliação de serviços que buscam a preservação, defesa
e ampliação dos direitos humanos e a justiça social.

228
A violência e o abuso contra crianças e adolescentes ainda são vistos como tabu pela
sociedade em geral e como tema distante do cotidiano. Um dos passos decisivos é a denúncia,
crimes principalmente os sexuais precisam ser coibidos, contudo, o fortalecimento do vínculo
familiar dar-se-á na medida em que o diálogo prevalecer no âmbito familiar, e assim, a o diálogo
pode ser mecanismo de defesa para as vítimas.
Comumente nos deparamos com crianças e adolescentes sendo vítimas de abusos,
explorações, violências domésticas, físicas e psicológicas, e, no entanto, o enfrentamento em
rede não está articulado, permanecendo a vítima em situação de desamparo.

Justificativa

Anastácio/MS está localizado a 132 km da capital sul-mato-grossense, Campo Grande.


O município faz divisa com Aquidauana, cidades coirmãs divididas e unidas pelo Rio
Aquidauana. Com uma população, de acordo com IBGE (2021) estimada em 25.336 habitantes,
sua geração de renda está voltada para agropecuária.
De acordo com a história do município, Anastácio está localizada à margem esquerda
do Rio Aquidauana, ganha naquela época notoriedade em virtude do porto, dessa forma, o
vilarejo começa a se movimentar para conquista de sua emancipação, ocorrida de fato em
08/05/1965, um movimento sem finalidade política partidária, mas que almejava independência
de seu povoado. (Brasil, 2021)
Subdividindo espaços conjuntos, conforme Basques (2018) por volta de 1937 há
registros em cartório da aquisição de 41 hectares para que os primeiros habitantes indígenas,
que no processo de migração das aldeias da região, resolveram estabelecer moradias a margem
esquerda do rio Aquidauana, e assim registram-se oficialmente os primeiros moradores
indígenas Terena em Anastácio-MS.
A esse respeito o autor discorre:

Após a conformação da área em que se assentaram os Terena, algumas transações de


compra e venda passaram a ocorrer também entre os indígenas proprietários e aqueles
que chegavam a margem esquerda de Aquidauana. O comércio de terras intensificou-
se na década de 1970, quando foram iniciados a construção da “Ponte Nova”, que
permitiu o trânsito de pedrestes e veículos de uma margem à outra do rio Aquidauana,
e o processo de regularização fundiária por parte do município de Anastácio [...].
(Basques, 2018, p:14).

229
Souza (2009) também enfatiza que o indígena, o primeiros que chegaram na Aldeia
Aldeinha, eram flutuantes nesse processo migratório e levavam consigo seus modos de ser e de
adaptação, às famílias foram formando “troncos”, essas raízes hereditárias foram bases para o
processo de ocupação territorial na margem esquerda, onde está localizada então a Aldeia
Aldeinha.
Dessa forma podemos inferir que o conceito de território flutuante esteve presente nos
processos de desterritorialização e reteriolização Terena, permitindo a reprodução de
seu modo de ser em diversas situações e até condições mais adversas como: no
momento do êxito/transposição do Rio Paraguai e entrada no território brasileiro, no
convívio com a dominação dos Kadwéu, na ocupação de seu território durante a guerra
do Paraguai e durante o processo de confinamento nas reservas definidas pelo governo
e formação de outras, como é o caso da Aldeinha (Souza, 2009, p: 21).

Dentro desse contexto, a população urbana de Anastácio-MS desde seu movimento


emancipatório, divide seu território com a comunidade indígena da Aldeia Aldeinha, um grupo
subdividido por uma aérea hoje de 03 quadras (da composição original de 41 hectares) e é
composto atualmente por 390 pessoas de etnia TERENA (Brasil, 2021).
Essa comunidade sobrevive do trabalho informal e da transferência de renda dos
programas sociais. Dentre o trabalho informal, está à saída dos homens para colheitas de maçãs
e cana-de-açúcar em outros Estados, esses homens são em grande parte provedores de suas
famílias.
Culturalmente, os homens da comunidade da Aldeia Aldeinha são doutrinados a saírem
ainda jovens para colheitas da agricultura, contudo, quando estes saem, as mulheres passam a
ser o arrimo familiar, ela que passa a prover a subsistência até que seu provedor oficial retorne
da lavoura.
Sendo assim, as famílias em sua maioria, ficam desassistidas por longos períodos, e as
crianças e adolescentes ficam a mercê das mazelas sociais, conforme enfatiza Alencar (2010,
p: 63):
A família põe em evidência a multiplicidade de possibilidades e experiências de vida,
organizadas pelos indivíduos com vistas à reprodução biológica e social. Se o
desemprego, o trabalho desqualificado e as remunerações insuficientes estruturam o
cenário potencial de precariedade de vida, é na família que essas condições adquirem
materialidade e são transformadas delineando o modo como as situações adversas,
relacionadas à pobreza, se inscrevem no cotidiano familiar.

Empiricamente, as meninas indígenas tornam-se mais vulneráveis a questão social de


violência sexual, uma vez que culturalmente, após o início do ciclo menstrual, elas deixam de
pertencer ao grupo de crianças e adolescentes e já estão prontas para vida adulta.
230
Com a consolidação do Estatuto da Criança e Adolescente, Lei 8069/90, estabelece que
crianças e adolescentes sejam aquelas de zero a dezoito anos ( artigo 2º ECA), essa Lei “afirmou
em seu texto um conjunto de inovações na perspectiva da cidadania da população infanto-
juvenil” (Mendes e Matos, 2010, p: 245).
Sobre o contexto da proteção à infância os autores afirmam ainda:

O Estatuto atentou para a igualdade de direitos entre todas as crianças e adolescentes,


independentemente de suas diferenças de classe social, gênero, etnia ou quaisquer
outras, e tornou-se sujeitos de direitos a serem garantidos com absoluta prioridade,
através de políticas sociais (Mendes e Matos, 2010, p: 245).

No entanto, por vivenciar a realidade da infância das crianças e adolescentes que


sobrevivem na comunidade urbana da Aldeia Aldeinha, é perceptível a violência social a que
um elevado número está exposta. A violência, o abuso e a exploração sexual é uma rotina e a
pesquisa visa analisar quais são as condições sociais de sobrevivência dessas crianças e
adolescentes. As jovens dessa comunidade, comumente saem para se prostituir em sua grande
maioria, com consentimento familiar.
Para Lima (2005, p: 137)

Conhecer e se reconhecer numa perspectiva de gênero para prevenir o abuso e


violência sexual é, antes de tudo, estudar a forma como fomos socializados, como
agimos e nos comportamos diante dos papéis de homens e mulheres. As culturas de
cada região, de cada sociedade e de cada família criam, muitas vezes, modelos
estereotipados que fazem com homens sejam agressivos e competitivos entre si, que
desrespeitem das mais diversas formas, mulheres adultas, adolescentes ou meninas,
inclusive sexualmente.

A questão social violência sexual está em todas as cidades do Brasil, e quanto maior a
vulnerabilidade, mais crianças e adolescentes ficam expostos às agressões. Os arranjos
familiares em que a pobreza condiciona as famílias colocam nossa infância em constante
situação de perigo, as relações intrafamiliares e interpessoais é determinada pela dinâmica da
relação de poder e o seu efeito, principalmente quando envolve a questão de gênero e, dessa
forma, pode determinar fatores de violências físicas, psicológicas e sexuais.
Na comunidade indígena Aldeia Aldeinha o número de habitantes do sexo feminino se
sobressai ao masculino, e a pesquisa pretende levantar dados sobre essas mulheres e meninas,
que consequentemente sobrevivem em condições de pobreza e miserabilidade, provocadas pelo

231
falta de acesso a educação, trabalho e renda, fomentando na prática a prostituição, seja adulto,
e ou infantil, fato que passa a ser mecanismo de sobrevivência.
Spivak (2010, p: 87) discorre que a questão de gênero está imposta a mulher subalterna,
apesar de estar dentro dessa comunidade em maior número, o homem consegue explorá-la e
tirar lucro de todas as formas da sua força de trabalho, a sociedade emudece e veda os olhos
para o problema social elencado.
Em um campo tão carregado, não é fácil fazer a pergunta sobre a consciência da
mulher subalterna. É, portanto, ainda mais necessário lembrar os radicais pragmáticos
de que essa questão não é uma digressão idealista. Embora nem todos os projetos
feministas ou antissexista possam se reduzidos a esse, ignorá-los é um gesto político.

Junta-se o homem (esposo, irmão, pai) e a sociedade civil organizada (instituições


públicas e privadas) e passam a ignorar o gênero feminino que está sendo explorado
sexualmente, financeiramente e emocionalmente, essa mulher indígena passa a ser apenas mais
um número nos órgãos de defesa e proteção dos direitos humanos.
A comunidade indígena urbana da Aldeinha possui uma escola de ensino fundamental
e EJA, também uma unidade básica de saúde. Há um critério de contratação de professores e
equipe de apoio para trabalhar na escola, sendo estes, indígenas, residentes na comunidade.
Contudo, a essa geração de trabalho, emprego e renda mostra-se ineficaz no desenvolvimento
local.
A falta de renda gera, quase que automaticamente, a violência estrutural, enquanto a
sociedade que cerca a comunidade urbana da Aldeia se desenvolve, se capacita e saem em busca
de qualificação e inserção social, esse grupo está exposto as diversas formas de fragilidades tais
como: desemprego, drogas, alcoolismos e violências.
Minayo (2002) discorre a esse respeito da seguinte forma:

O sistema econômico que desemprega o pai e a mãe da criança, que não pode atender
suas necessidades de alimentação e saúde, envolve o sistema de ensino que não
consegue manter a criança na escola ou atende-la em suas necessidades culturais e a
fragiliza em sua educação informativa, formativa e inclusive sexual.(2002, p: 167)

Essa fragilidade econômica, provoca, estimula e seduz as crianças e adolescentes às


condições de violência, e receber agrados e mimos em troca de favores sexuais que passam a
ser uma forma de acessar bens e produtos, sejam materiais ou financeiros. Nas comunidades
cuja pobreza predominam nos lares, os abusos são estimulados como moedas de troca.

232
Partindo do pressuposto que na comunidade existam os casos de violência sexual contra
crianças e adolescentes, investigaremos qual o papel de órgão e entidades que recebem as
denuncias, quais os casos existem registrados e como estão sendo conduzidos.
Pretende-se ainda analisar as politicas de inclusão e acesso que existem no âmbito do
município e que por vezes às famílias aldeadas não acessam. Permitir conhecer e se fazer
reconhecer sobre essa questão social e buscar reflexões a cerca da proteção da infância.

Objetivos

Geral: analisar os impactos causados pelo abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes
dentro da comunidade indígena urbana Aldeia Aldeinha.

Específico:
a) Realizar pesquisa qualitativa a cerca dos casos de abuso e exploração sexual dentro da
comunidade indígena urbana Aldeia Aldeinha;
b) Entrevistar e traçar perfil das vítimas de abuso e exploração sexual da Aldeia Aldeinha;
c) Analisar a oferta de serviços públicos que recebam as denúncias de abuso e exploração
sexual;
d) Traçar o perfil dos abusadores sexuais dentro da comunidade indígena;
e) Propor trabalhos e acessos que visem coibir a exploração sexual dentro da comunidade
indígena da Aldeia Aldeinha;
f) Garantir direitos através da legislação vigente, visando acessos às políticas públicas e
bem estar social.

METODOLOGIA

É sabido que as indagações sobre a cultura de uma comunidade indígena, de etnia com
características próprias e definidas, faz com que essa população seja estigmatizadas e que
sofram de paradigmas que no decorrer do tempo foram impostas e aceitas como verdadeiras.
Sobreviver a esses padrões impostos por uma sociedade que os cercam, uma vez que a
comunidade indígena urbana está no centro da cidade, esse povo é marginalizado desde que o
primeiro morador, senhor Vicente Anastácio aqui chegou, pois essa comunidade ali já estava

233
instalada, conforme relatos dos anciões e referencias bibliográficas pesquisadas, dessa forma,
em decorrência das condições de vida, do desemprego e despreparo, uma comunidade inteira
são vítimas e vitimizam seus dependentes.
Para entender as motivações, as denúncias, como é o modo de sobrevivência das dentro
da Aldeia Aldeinha e suas prováveis vítimas, realizar-se-á a pesquisa bibliográfica para que
possamos compreender o processo de formação da comunidade da Aldeia Aldeinha e ainda o
levantamento referencial sobre o abuso e exploração sexual infanto-juvenil, bem como as
legislações vigentes.
Pretende-se realizar a pesquisa qualitativa que nos possibilitará uma abordagem não
estatística, pois trataremos de fatores comportamentais.
Segundo Mazzotti (1999 p: 147)

[...] as investigações qualitativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem


regras precisas, aplicáveis a uma gama de casos. Além disso, as pesquisas
qualitativas diferem bastante quanto ao grau de estruturação previa, isto é, quanto
aos aspectos que podem ser definidos já no projeto [...]

Assim, para o projeto a ser executado a pesquisa qualitativa possibilitará uma maior
abrangência do que pretende-se investigar. A pesquisa qualitativa não objetiva mensurar dados,
mas compreender as informações coletadas de uma forma específica para contextualizar o todo.
A pesquisa qualitativa pode ser definida como uma abordagem que busca entender
determinado fenômeno de forma aprofundada, descrevendo-o, analisando-o e interpretando-o.
muito mais do que descrições estatísticas que visam à generalização dos resultados, a pesquisa
qualitativa trabalha com outro nível de realidade que nem sempre pode ser mensurado ou
transformado em dados quantitativos.
O que particulariza os trabalhos qualitativos é que eles possibilitam descrever as
qualidades de determinados fenômenos ou objetos de estudos. Por meio da análise do material
é possível elaborar e construir dados que subsidiarão a pesquisa.
Segundo Minayo (2001: p: 23) nas ciências sociais a pesquisa qualitativa se ocupa com
um nível de realidade que não pode ser quantificado, pois a preocupação do pesquisador permite
identificar o significado que as pessoas dão as coisas e às suas vida como preocupação do
investigador. Outro fator é o ambiente natural como fonte direta dos dados.

Assim a autora define a pesquisa qualitativa e sua relevância:


234
A pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidas à
operacionalização de variáveis. (Minayo: 2001, p: 25).

Para visualizarmos o método qualitativo, utilizar-se-á a técnica da entrevista no caso


especificamente da entrevista focalizada, que de acordo com (Marconi e Lakatos, 1990) está
assim definida: “Há um roteiro de tópicos relativos ao problema que se vai estudar e o
entrevistador tem liberdade de fazer as perguntas que quiser: sonda razões e motivos, da
esclarecimento, não obedecendo, a rigor a uma estrutura formal”.
A entrevista caracteriza-se como um importante instrumento de pesquisa. É através
desta técnica que se coleta dados para o reconhecimento de uma dada realidade, e conhecemos
os aspectos mais profundos e preciosos sobre o entrevistado.
Serão necessários levantamentos de dados através de órgãos e entidades públicas e não
governamentais que trabalham a questão social violência sexual para que possamos identificar
os números de vitimizados no contexto nacional e assim visualizarmos um comparativo com a
realidade da comunidade da Aldeia Aldeinha.

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SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora da UFMG,
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236
GT 4 - LÍNGUAS INDÍGENAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

AGUAPÉ E A FLOR : O ENCONTRO DE UMA NOVA IDENTIDADE

Janine Barthimann (PPGH/UFPEL)


janinebarthimann@gmail.com

Resumo: O presente estudo é parte da pesquisa de doutoramento, tem como escopo


investigativo o retrato da ansiã indígena da etnia Guató Dona Catarina Ramos da Silva a partir
de uma nova identidade encontrada por meio do artesanato produzido com a fibra de Aguapé,
vegetação do Pantanal Sul-matogressense. O título usado neste trabalho “Aguapé e a Flor: o
encontro de uma nova identidade”, refere-se a história de superação da mulher indígena
Catarina representada como uma “Flor”, por sua beleza, força e doçura e teve um novo
recomeço na vegetação de Aguapé. Na tentativa de se fazer compreender das particularidades
no âmbito do conceito de identidades, imagem e narrativas a partir de Barth (1998), um estudo
acerca de memória com Le Goff (1990) e Thompson (1992), a investigação na identidade
cultural com Star Hall (2006).

Palavras-Chave: Flor de Aguapé. Dona Catarina. Povo Guató.

Introdução

No tempo presente, há tentativas de apagamento histórico dos povos originários, de sua


lutas e conquistas acerca da territorialidade e seus direiros. Mais do que nunca, o debate
sobre as questões indígenas merece destaque em estudos e pesquisas frente à uma sociedade
capitalista. Nesse sentido, este texto pretende compartilhar a história de vida da indígena
Catarina Guató, uma mulher inspiradora que fez/faz de sua trajetória de vida uma expressão do
significado de lutas e conquistas, em uma constante descoberta acerca da beleza do aprender e
do ensinar. E assim, construiu uma nova identidade com a recuperação de sua memória cultural.
O tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória,
que atravessa a história e a alimenta. A oposição passado/presente é essencial na aquisição da
consciência do tempo (LE GOFF, p.9, 1990). A identidade indígena representa um elo entre o
passado e presente, como um fio de Ariadne, que a conduzia ao encontro de sua identidade no
tempo presente.

237
O retrata das mulheres indígenas em contexto urbana, parte da perspectiva de Marc
Bloch (1941, pp 32 e 33), na definição de história como "[...] a ciência dos homens no tempo".
Nas palavras de Jacques Le Goff (1990, p.)

Toda história é bem contemporânea, na medida em que o passado é


apreendido no presente e responde, portanto, aos seus interesses, o que
não é só inevitável, como legítimo. Pois que a história é duração, o passado é
ao mesmo tempo passado e presente (Le Goff, 1993, p. 51).

Outrossim, a memória da indígena, faz parte de uma memória coletiva, pertencente ao


povo da etnia Guató. Para Barth (1998), “uma etnia ou um grupo étnico é uma comunidade
humana definida por afinidades linguísticas e culturais. Estas comunidades geralmente
reivindicam para si uma estrutura social, política e um território e reconhecimentos mútuos de
identidade e alteridade”.
Desse modo, o conjunto de valores mantém-se nos indivíduos mesmo em que estes
estejam em interação a outros conjuntos sociais. Haja vista que, sistemas sociais atuam movidos
pelo contexto social. Apesar de, os grupos sociais apresentarem características
complementares, também expressam um fator de interdependência. E assim, os grupos étnicos
mantém padrões culturais preservados por seus grupos (BARTH, 1998). Na seçção seguinte,
veremos a relação social e culturas dos Guató.

Memórias do povo Guató

No início dos primeiros contatos entre índios e europeus no Pantanal, que ocorreram
na primeira metade do século XVI, os Guató já estavam estabelecidos na região. Eremites de
Oliveira (2002), ao trazer informações sobre grupos pescadores-caçadores-coletores
acerâmistas, localizado na margem direita do Rio Paraguai, na cidade de Ladário (MS),
tratando-se assim da estrutura monticular mais antiga da bacia platina. Além de artefatos
líticos, ósseos e conchíferos, também foram identificados sepultamentos humanos nesse sítio
arqueológico, quefoi ocupado por algumas gerações.
Os grupos indígenas pré-coloniais que habitaram o Pantanal também deixaram marcas
desua presença a partir de registros rupestres, também conhecidos como petróglifos, nessa
regiãodenominados como Estilo Alto Paraguai. Em Girelli (1994), a autora traz a análise de
registros rupestres em quatro lajeados horizontais na região de Corumbá, no sopé da morraria
do Maciçodo Urucum.
238
Somente a partir da segunda metade daquele século, quando ocorreu um certo
desânimo por parte dos conquistadores em relação à procura de metais preciosos na região, os
contatos com os indígenas tornaram-se mais intensos e os índios passaram a ser alvos
das encomiendas, ou seja, da captura de índios para mão-de-obra escrava na América
Espanhola.
Para o século seguinte, visto que no início dos oitocentos os bandeirantes atingiram a
porção setentrional da bacia do alto Paraguai, onde o Pantanal está inserido, e ali descobriram
ouro no vale dos rios Coxipó e Cuiabá, os Guató passaram a ser citados em um número maior
de documentos, desta vez não mais hispano-americanos, mas luso-brasileiros.
Juntamente com os conquistadores de São Paulo, os contatos interétnicos se tornaram
mais intensos. Com eles, vieram doenças como varíola, catapora e sarampo, entre outras. Essas
doenças foram responsáveis pela diminuição da população guató e de outros grupos que
habitavam a região. A partir desses novos contatos teve início não apenas um processo de
depopulação causado pela ação de agentes patogênicos de além-mar, mas também um gradual
processo de desterritorialização do grupo. Mas o fato é que os Guató conseguiram resistir a
diversas epidemias e também aos ataques dos bandeirantes e até mesmo de alguns grupos
inimigos.
Uma das formas de resistência consistiu na manutenção de sua própria organização
social, baseada em famílias nucleares e poligâmicas que entre si mantinham relações de
parentesco, aliança e reciprocidade. Muitas dessas famílias constituíram parentelas que se
deslocaram para locais menos acessíveis de seu imenso território, evitando assim os contatos
mais duradouros com os não-índios, sobretudo evitando os conflitos bélicos com os paulistas.
Os Guató se organizam em famílias autônomas, nas palavras de Eremites de Oliveira
(2002): “ligadas por laços de consanguinidade, descendência e afinidade”. Embora autônomas,
as famílias mantem frequente contato, especialmente no período de cheia do Pantanal (de
dezembro a maio), quando se torna possível maior mobilidade espacial via rede hidrográfica.
Relatos etnográficos, também mostram a união desse grupo em situações de guerra ou
em casosde injustiças realizadas aos Guató por grupos ou indivíduos de fora da etnia. Eremites
de Oliveira também destaca, na organização domestica desse grupo em sistemas de
patrilinearidade (descendência) e patrilocalidade (residência).
Conforme Max Schmidt (1942) e Eremites de Oliveira (1995) relam que os povos
Guató, utilizavam fazem uso canoas, remos e varas chamadas de zingas para navegaçãonas
239
águas pantaneiras. Além de instrumentos de caça e pesca, como arcos e flechas, bodoques,
zagaias, artefatos líticos e armadilhas. Instrumentos domésticos em materiais em cerâmica e em
madeira. Também trançados, como mosquiteiros, esteiras, abanadores e também a tecelagem.
Apesar da expressiva participação dos Guató nas terras panteiras, esses povos foram
considerados extintos pelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) até que no início dos anos
1970. Nos registro de Ribeiro (2005), o autor relato três acontecimentos históricos que
influênciaram no processo de desterritorialização desses povos, sendo o primeiro deles; o
Tratado de Madrid em 1750, influenciando a chegada da Coroa Portuguesa, e especificamente
fazendeiros, ocupando as terras da região do Pantanal.
Outro evento, foram as incursões bandeirantes com a captura de nativos, impulsionadas
pela descoberta de ouro na região dos rios Cuiabá e Coxipó. E o terceiro acontecimento
histórico sendo a Guerra da Tríplice Aliança (1864 – 1870), onde o Brasil, Argentina e Uruguai
uniram-se em guerra contrao Paraguai, trazendo consequências aos Guató.
Nas décadas de 1940 e 1950, a população guató, especialmente a do núcleo da Terra
Indígena Guató, passou por mais um processo de dispersão, em consequência da criação de
gado que os expulsou da Ilha de Ínsua – o território sagrado guató, para eles o local da criação
do homem – e das áreas periféricas. Como alternativa de sobrevivência, dirigiram-se para as
cidades pantaneiras de Corumbá, Ladário, Aquidauana, Poconé e Cáceres.
Também houve a contribuição do técnico indigenista Ramiro Batista Arantes, do
antropólogo Noraldino Vieira Cruvinel (1985 [1977]), que deram a continuidade de ocupação
indígena da região da Ilha Ínsua e Caracará, ao longo do rio Paraguai até o Porto Conceição
e, ainda, pelos rios Cuiabá e São Lourenço (Ilust. 88). Assim, em 1977, a FUNAI iniciou os
procedimentos administrativos que culminaram na comprovação da existência dos Guató
dispersos no Pantanal.
Outro fato que proporcionou que contribuiu em encontradas mais povos Gató, foi a
expedição na Bacio do Alto Paraguai, sancionado por meio do Plano de Conservação da Bacia
do Alto Paraguai em 1997, que informa uma parcela da população guató à ilha. O Decreto de
10 de fevereiro de 2003, assinado pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva,
demarca da regiçao das terrras indígenas Guató, possui uma área total de 10.984 hectares,
divididos em duas glebas de terra. É importante registrar que parte da chamada população
tradicional do Pantanal é composta de descendentes diretos dos Guató (EREMITES DE
OLIVEIRA).
240
Há casos em que as pessoas já perceberam que ser descendente de Guató não é algo
pejorativo e passaram a se identificar como seus descendentes. Isto significa, dentre outras
coisas, que o modo de vida da população tradicional do Pantanal também apresenta uma série
de antecedentes indígenas, sobretudo do ponto de vista da adaptabilidade humana: subsistem
basicamente da pesca (inclusive construindo canoas ao estilo Guató) e de uma agricultura
sazonal (mandioca, milho, abóboras etc.).
Nos dias de hoje, os aterros, lugares de perpetuação da memória indígena, fazem parte
dos relatos dos Guató, “atravessam e organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num
só conjunto; deles fazem frases e itinerários. São percursos de espaços” (CERTEAU, 2002, p.
199).
No dias de hoje, retrocessos têm sido registrados sobre o assunto, a exemplo da
Resolução da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sob n. 4, de 22 de janeiro de 2021, que
define “novos critérios específicos de heteroidentificação que serão observados pela FUNAI,
visando aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas
públicas” (EREMITES DE OLIVEIRA, 2021).
Nos aterros, constroem suas habitações e abrigos provisórios e praticam uma economia
de subsistência, pela qual se torna possível a obtenção de alimentos cultiváveis em roças, e
enterram seus mortos.
Conforme Eremitas de Oliveira (2021):

Os aterros são estruturas monticulares, construídas de terra e outros materiais,


erguidos desde, ao menos, 8.400 anos atrás pelos índios canoeiros do
Pantanal. Próximo ao centro da cidade de Ladário, em Mato Grosso do Sul,
há um grande aterro já estudado por arqueólogos. Outrossim, o povo Guató,
que se identifica com o passado da população indígena canoeira do Pantanal,
segue a manter a tradição milenar de construir pontos elevados na planície de
inundação, os quais chamam no idioma nativo de “marabohó”.

Os Guató, considerados o povo do Pantanal por excelência, ocupavam praticamente toda


a região sudoeste do Mato Grosso, abarcando terras que hoje pertencem àquele estado, ao estado
de Mato Grosso do Sul e à Bolívia.
Podiam ser encontrados nas ilhas e ao longo das margens do rio Paraguai, desde as
proximidades de Cáceres até a região do Caracará, passando pelas lagoas Gaíba e Uberaba e,
na direção leste, às margens do rio São Lourenço. A área de ocupação Guató situa-se
inteiramente na região pantaneira, a maior parte em território brasileiro, em Mato Grosso e
241
Mato Grosso do Sul, havendo ainda uma porção inclusa em terras bolivianas. Destacam-se
dessa área as seguintes extensões ocupadas por esse povo: curso principal do rio Paraguai, rio
Paraguai-Mirim, rio Alegre, região do Caracará, rio São Lourenço, parte do rio Cuiabá, Canal
D. Pedro II, lagoas Uberaba e Gaíba, Morraria dos Dourados, Serra do Amolar e Ilha Ínsua.
Outras grandes lagoas, como a Mandioré, Vermelha e Cáceres, também devem ter sido
ocupadas pelo grupo. Trata-se de extensões que ainda não foram investigadas pelos
pesquisadores (EREMTIES DE OLIVEIRA, 1996).
Atualmente, existem três núcleos guató, um deles em Mato Grosso do Sul (aldeia
Uberaba, Ilha Ínsua) e dois em Mato Grosso, nos municípios de Barão de Melgaço e Poconé.
Nestes, encontra-se a Terra Indígena Baía dos Guató (aldeias Aterradinho do Bananal e Aterro
São Benedito), juntos aos rios Perigara e Cuiabá. O terceiro núcleo, em Mato Grosso, fica
próximo à Cáceres, no entanto ainda são necessários estudos antropológicos para identificar a
população guató que ali reside e delimitar o território por eles ocupado (EREMITES DE
OLIVEIRA, 2002).
A indígena Catarina, representa os Guató também exerceu a prática da caça, pesca,
coleta e plantei. Além de hoje ser uma exímias artesã configurando o valor do Pantanal e da sua
cultura por meio da arte.

“A Flor” - Catarina Guató

Imagem 1. Fonte: Foto: Augusto Dauster Pontual. Disponível em: https://ecoa.org.br

242
De acordo com os dados biográficas, a mulher indígena Catarina Ramos da Silva, de 74
anos, mais conhecida como Catarina Guató, é uma mulher artesã, com habilidades canoeira,
transformou dificuldade em compartilhamento de saberes. Catarina nasceu na ilha de Ínsua,
território do município de Corumbá, a distância da aldeia até a área urbana corresponde ao
trajeto de 36 horas de barco.
É uma das moradoras mais antigas da comunidade do Barra do São Lourenço, localizada
no município de Corumbá. Filha de mãe cuiabana e pai indígena, na juventude, quando morava
em uma aldeia guató, aprendeu a produzir artesanato com uma anciã. É a responsável por
transmitir o conhecimento das técnicas para elaboração de artesanatos feito com a fibra de
aguapé (Elchornia crassipes), também conhecido por camalote (CAMARA MUNICIPAL DE
CAMPO GRANDE).
Catarina casou jovem e teve sete filhos, viveu em um cenário com muita violência e se
viu obrigada a mudar de vida após constantes agressões pelo seu marido.

Imagem 2 – Fonte: https://www.gov.br/iphan/pt-br/assuntos/noticias/artesa-guato-compartilha-sabedoria-ancestral-em-


corumba-ms

Sua história é marcada por diversos momentos, violência, superação e com uma trajetória
repleta de sabedorias e em transmitir conhecimento e a identidade dos ancestrais com o artesanato
feito com fibras de aguapé, uma das habilidades da indígena, compartilhada através de eventos,
fóruns, feiras, encontros e oficinas. Catarina conseguiu dar a volta por cima e alcançou a sua

243
independência. A indígena explicou que por meio dos artesanatos com fibra de aguapé, produz
tapetes, chapéus, bolsas, enfeites, pulseiras, brincos entre outros belíssimas peças.
Por meio de sua produção artesanal, ganhou em 1º lugar na categoria “Pessoas Físicas”, com
o projeto “Sabedorias Compartilhadas/Corumbá (MS)”. Catarina leva o conhecimento não apenas
como um fonte de renda, mas, principalmente como mantér vivos os costumes de seus antepassados.

Aguapé e a “Flor da Aguapé”

Imagem 3 – Fonte: https://www.floresefolhagens.com.br/aguape-eichhornia-crassipes/

Aguapé é uma vegetação, eichhornia crassipes, é uma herbácea, pertence à família


Pontederiaceae, nativa da América do Sul, perene, aquática flutuante, o caule é ereto e de até
50 cm de altura. O Aguapé se espalhou rapidamente por todos os trópicos e subtrópicos em
todo o mundo e tornou-se uma erva daninha grave, invade lagos, lagoas, rios, pântanos e outros
tipos de habitats de zonas úmidas.
A planta pode formar rapidamente tapetes flutuantes de vegetação densa. Em perfeitas
condições uma colônia de aguapé pode dobrar de tamanho a cada 8 a 12 dias. Esta planta pode
bloquear a luz solar, o que reduz a quantidade de algas nativas e plâncton na água. Isso, por sua
vez, diminui o suprimento de alimentos para peixes e outros animais selvagens, o que altera e
ameaça a vegetação nativa e as comunidades de peixes. É uma vegetação aquática, encontrada
em abundância no Pantanal de Mato Grosso do Sul.
O aguapé se transformou em artesanato nas mãos da indígena Catarina, representado o
inicio de um novo ciclo em sua vida, mudando sua perspectiva de vida, podemos gerar renda,

244
reconstruir sua família e influenciar outras mulheres com cursos e ensinamento acerca da
cultura e artesanato trançado.
O processo de produação atualmente acontece com a compra do aguapé, pelo fato de a
indígena não ter mais condições de saúde para remar, Porém, anteriormente, a dona Catarina,
remava até o Pantanal, e buscava a planta. Segundo ela existe uma técnica para a colheita do
aguapé, não podemos ser retira com faca para não causar a morte do broto. Após a retirada, a
planta fica cerca de quatro dias secando, para que se transforme com uma espécie de palha e
seja feito o artesanato trançado.
Em 2015, foi inaugurado localizada na Barra de São Lourenço ensinando crianças,
mulheres e muitas família. Dona Catarina, representa uma flor de aguapé, pois transcede beleza,
força e resistência.

Considerações Finais

Com base apresentar parte da história povo Guató, inspirada na trajetória da ansiã
Catarina, é possível percurso a uma narrativa acerca de sua história vida, e, em especialmente,
expressão de sua cultura Guató, que se proporcionou autonomia financeira, visibilidade a sua
etnia no contexto muncidal e o compartilhamente familiar da cultura.
A intensão de deste estudo assegura Le Goff (1996 [1990], p. 553), “trata-se de pôr à
luz as condições de produção [...] e de mostrar em que medida o documento é instrumento de
um poder”.
Com base na análise da tipologia documental consultada para a elaboração do presente
texto e da problemática aportada na preocupação em “descobrir ou indicar, dentro dos conceitos
de cultura, de que forma o ser humano se organiza”.
Partir dos levantamento bibliográfico e documental acerca dos registro históricos sobreo
o existência dos povos Guató, fazer-se-á, os registros das histórias orais e memórias do processo
de reivindicação das terras desses povos, este registro será feito pela pesquisadora.
Utilizar-se-á o levantamento etnográfico, com o objetivo dar voz aos Guató, para isso a
história oral será “um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e
documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e
interpretações” (DELGADO, 2006, p. 15).
Por meio desta metodologia, é possível registrar a memória viva, as emoções, as paixões, o
olhar, a perspectiva peculiar e os sentimentos de indivíduos das mais diversas origens socioculturais
245
(THOMPSON, 1992). Desse modo, não há ninguém melhor do que os povos étnicos, para retratar
este história, Fonseca (2017) enfatiza a importância do diálogo com os detentores dos bens
culturais.
Para Halbwachs, “de que todos os grupos sociais desenvolvem uma memória
do seu próprio passado coletivo e que essa memória é indissociável da manutenção de um
sentimento de identidade que permite identificar o grupo e distingui-lo dos demais”
(PERALTA, 2007).
Em alguns momentos de diálogos, escuta e observações com Dona Catarina, foi
possível se deslumbrar o quanto sua arte proporcionou a valorização da cultural e
identidade de sua etnia. Além de hoje promover renda, autonomia e uma nova identidade.

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248
FRONTEIRAS ENTRE A DIÁSPORA DAS MULHERES INDÍGENAS EM
CONTEXTO URBANO EM CAMPO GRANDE-MS E A QUESTÃO DA
IDENTIDADE CULTURAL

Janine Barthimann (PPGH/UFPEL)


janinebarthimann@gmail.com

Resumo: Este texto é parte da pesquisa de doutoramento, tem como escopo investigativo pensar
nas fronteiras para além das questões territoriais, mas na fronteira identitária que interferem no
intercâmbio cultural, político e social que colabora para o processo de identificação entre o “eu”
e o “outro”. Partindo a problemática acerca da diáspora das mulheres indígenas em contexto
urbano em Campo Grande-MS. Na tentativa de se fazer compreender as particularidades no
âmbito do conceito de identidades, imagem e narrativas a partir de Barth (1998), um estudo
acerca de memória com Le Goff (1990) e Thompson (1992), a investigação na identidade
cultural com Star Hall (2006), entre outros autores.
Palavras-chave: Fronteiras. Identidade Cultural. Alteridade. Diáspora das mulheres indígenas.

Introdução

No tempo presente, há tentativas de apagamento histórico dos povos originários, de sua


lutas e conquistas acerca da territorialidade e seus direiros. Mais do que nunca, o debate
sobre as questões indígenas merece destaque em estudos e pesquisas frente à uma sociedade
capitalista.
Nesse sentido, este texto pretende refletir acerca da diáspora das mulheres indígenas em
contexto urbano em Campo Grande-MS que representam e inspiradoram por meio de suas
histórias e trajetórias de vidas uma expressão do significado de lutas e conquistas, em uma
constante (re) descoberta acerca da beleza do aprender e do ensinar. E assim, construindo uma
nova identidade com a recuperação de sua memória cultural.
O tempo histórico encontra, num nível muito sofisticado, o velho tempo da memória,
que atravessa a história e a alimenta. A oposição passado/presente é essencial na aquisição da
consciência do tempo (LE GOFF, p.9, 1990). A identidade indígena representa um elo entre o

249
passado e presente, como um fio de Ariadne1, que a conduzia ao encontro de sua identidade no
tempo presente.
O retrata das mulheres indígenas em contexto urbana, parte da perspectiva de Marc
Bloch (1941, pp 32 e 33), na definição de história como "[...] a ciência dos homens no tempo".
Nas palavras de Jacques Le Goff (1990, p.)

Toda história é bem contemporânea, na medida em que o passado é


apreendido no presente e responde, portanto, aos seus interesses, o que
não é só inevitável, como legítimo. Pois que a história é duração, o passado é
ao mesmo tempo passado e presente (Le Goff, 1993, p. 51).

Outrossim, a memória das mulheres indígenas, faz parte de uma memória coletiva,
pertencente ao povo e a etnia. Para Barth (1998), “uma etnia ou um grupo étnico é uma
comunidade humana definida por afinidades linguísticas e culturais. Estas comunidades
geralmente reivindicam para si uma estrutura social, política e um território e reconhecimentos
mútuos de identidade e alteridade”.
Essas transformações na identidade cultural indígena é decorrente doêxodo da aldeia
para a cidade. Conforme o antropólogo Stephen Baines:

A migração indígena para os centros urbanos ocorre de diversas


maneiras, desde o translado de grupos familiares para bairros onde já
há um contingente grande de índios organizados politicamente até casos
de migração de indivíduos para a cidade em busca de empregos,
tratamento de saúde, educação ou um novo estilo de vida. Se o índio
migra para a cidade abandonando sua aldeia, algum motivo há e o mais
conhecido é o da falta de apoio que o governo, por meio da FUNAI,
tem deixado de dar-lhes (BAINES, 2001, p. 08).

Para Silva e Bernardelli (2016), os principais motivos desse êxodo se decorre


principalmente por problemas sócio territoriais, de alimentação, salubridade e renda, além de
conflitos polítics com ruralistas e as dificuldades no desenvolvimento econômico em suas
reservas.
Apesar disso, a comunidade indígena luta pela preservação de sua cultura. Desse modo,
o conjunto de valores mantém-se nos indivíduos mesmo em que estes estejam em interação a
outros conjuntos sociais. Haja vista que, sistemas sociais atuam movidos pelo contexto social.

1
A expressão a fio de Ariadne, é o termo filosófico usado para descrever a resolução de um problema em que se
podem usar diversas maneiras óbvias, segundo a mitologia grega Minotauro.
250
Apesar de, os grupos sociais apresentarem características complementares, também expressam
um fator de interdependência.
E assim, os grupos étnicos mantém padrões culturais preservados por seus grupos
(BARTH, 1998). Na seçção seguinte, veremos a partir de um levantamento bibliográfica acerca
da a relação social e culturas das mulheres indígenas em contexto urbana em Campo Grande-
MS.

Identidade Cultural Indígena em (transi) a Diáspora

Segundo Stuart Hall (2011), as “[...] transformações estão mudando nossas identidades
pessoais abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (HALL, 2011,
p. 9). Isto é, estamos em uma busca constante acerca do “eu”, do “outro” e o “mundo”, no tempo
presente, rodeados de preocupados em sermos aceitos. Quando se refere a identidade cultural
indígenas, não é diferente, porém, nos deparemos com um muro de preconceitos em aceitar as
manifestaçoes culturais.
Essa abordagem acerca da identidade, se trata de comportamentos composto por
histórias, crencas, costumes, valores e visão de mundo. A identidade cultural se constroi como
algo vivo, no qual cada ser humano desenvolve práticas cotidianos trazidas consigo, em um
convívio mútuo. Há um relação do todo para as partes, ou seja, ao mesmo tempo em que a
identidade é algo particular, também, está inserido na sociedado como um “todo”. Desse modo,
os povos originários, estão em transformações diárias, com construção e (re) construção,
especialmente os povos indígenas em contexto urbano, pois, estão inseridos em uma sociedade
com costumes alheios aos meus.
Para Oliveira (2003, p.117), essas transformações representam “[...] fenômenos [cada
vez] mais comum do mundo moderno, talvez seja o contato interétnico, entendendo-se como
tal as relações que têm lugar entre indivíduos e grupos de diferentes procedências nacionais,
raciais ou culturais”. Tais mudanças interferem na herança cultural e na memória indígenas,
sendo interrompidas dos hábitos contemporâneas, gerando uma ruptura nos ensinamentos
passados de uma geração para outra.
No município de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, de acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem 897.938 habitantes, sendo que
cerca da 18.439 representam a população indígena, com pouco mais de 2% da sociedade.
251
(IBGE, 2022). Está localizada as comunidades indígenas em área urbana, aldeia Marçal de
Souza, Aldeia Tarsila do Amaral, Aldeia Água Bonita e Aldeia Darcy Ribeiro, configurada nas
etnias Atikum, Guarani, Guató, Kadiwéu, Kaiowá, Kiniquinau, Ofaié e Terena (SETESCC).
As mulheres representam nem 1% da populaçõe indígenas, porém, é possível considerar
que é por meio delas que ainda há uma memoria cultural acerca dos costumes e crencas e valores
morais. As mulheres indígenas em contexto urbano no município de Campo Grande-MS,
representam o que Barth (1998, p.188) cita “as diferenças culturais podem permanecer apesar
do contato interétnico e da interdependência dos grupos”. Isto é, apesar desses fenomenos de
alteridade, as mulheres por meio de práticas artesanais e artísticas tentam manter a identidade
cultura presente. Além de por meio dessas práticas culturais, valorizam o Pantanal Sul-
matogrossense, como expressa as imagens abaixo.

Fonte: Imagem do artesanato indígena no Memorial da Cultura Indígena. Disponível em:


http://www.campogrande.net/turismo/o-que-visitar/memorial-da-cultura-indigena-92.html#!

A questão da diáspora indígenas, vem na etimologia da palavra ligada à ideia de


dispersão. Originaria do grego diaspeirein, ou seja, “espalhar”. Com relação ao prefixo (dia)
mantem a ideia de “movimento através”; “passagem” ou “afastamento”. Já sulfixo speirein
significa “semear ou dispersar” (BRAGA, 2019).
Diante da dispersão ou do êxodo dos povos originários de seu “habit natural”, tendo
como decorrencias do afastamento dos seus costumes, as mulheres é uma representatidade forte
e de resistência quanto a permanência de sua cultura e arte. Mesmo em contexto urbana, as
práticas artísitca estão presente no cotidianos da população campograndense, em lojas, feiras,
museos, eventos, e em todos os locais públicos.

252
A imagem a seguir é um exemplo artístico da força da mulher indígena, a pintura de
uma indígena Kadiwéu retratado pelos artistas grafiteiros mineiros Hyper e Gramaloka,
estampado em um prédio na esquina entre as ruas 14 de Julho e 15 de Novembro, no centro
de Campo Grande. Segundo os artistas, “Grávida, a indígena grafitada segura uma espada de
São Jorge e carrega uma arara-canindé em seu ombro” (JORNAL ON-LINE MIDIAMAX).

Fonte: Imagem da pintura artistas grafiteiros


mineiros Hyper e Gramaloka. Disponível em: <
https://midiamax.uol.com.br/midiamais/2021/ente
nda-o-significado-da-arte-de-indigena-kadiweu-
que-esta-dando-o-que-falar-em-campo-grande/>

A representatividade das mulheres indígenas tem um fomento tão relevante que a


Câmara Municipal de Campo Grande -MS, realizou no dia 02 de março de 2023, a a Exposição
“Mulheres Indígenas na Cidade”, uma iniciativa Procuradoria Especial da Mulher da Casa de
Leis. Tiveram a presença das mulheres das etnias Kadiweu, Terena e Guató, com amostras seus
trabalhos e também suas culturas para a comunidade.
A artesã Catarina Ramos da Silva, mais conhecida como Catarina Guató, de 74 anos,
expondo seu artesanato como: bolsas, mochilas, acessórios, descanso de panela, entre outros
objetos feitos com o aguapé, planta aquática bastante encontrada no Pantanal. Também esteve
a indígena terena Azenati Souza, de 23 anos, da Aldeia Urbana Marçal de Souza, com brincos
e colares, sementes ou penas, transformando elementos da natureza em artesanato e cultura.
Além, da indígena Kadiweu, a artesã Luana Aquino, que reside em Porto Murtinho, com peças
em cerâmica. Habilidade desenvolvida desde criança, com sua avó. Trabalha há 9 anos, segundo
ela “Na nossa cultura, aprendemos as cerâmicas desde criança. É o sustento das nossas famílias,
mas também a oportunidade de levar nossa cultura”. Também estiveram as indígenas Edilene
Marques e Benilda Vergilio, da etnia Kadiweu, expondo camisetas, colares e cerâmicas
(CAMARA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE-MS).
253
Essas mulheres são a força, tradição e continuidade ancestral de sua cultura e
protagonismo feminino. Haja vista que é necessário estarem presentes para serem ouvidas,
vistas, e acolhidas e terem seus momento de fala para a construção de políticas públicas a partir
de suas realidades.

O contemporâneo diante da identidade cultural indígena

Para o filósofo Agamben (2009), na apresentação do seu texto “O que é o


contemporâneo? faz a seguinte citação “A autêntica revolução não visa apenas a mudar o
mundo, mas, antes, a mudar a experiência do tempo”. O autor desafia o tempo, no sentido de
nos colocarmos enquanto leitores e estudiosos na lógica do tempo. Entender a lógica é tempo,
é tão profundo quanto no contexto entender o que é ser contemporâneo.
De maneira poética Agamben cita o verso “Não apenas a época-fera tem as vértebras
fraturas, mas vem, o século recém-nascido, com um gesto impossível para quem tem o dorso
quebrado quer virar-se para trás, contemplar as próprias pegadas e, desse modo, mostra o seu
rosto demente” (AGAMBEN, 2009, p. 17).
Neste trecho, a poesia se encaixa como uma reflexão no tempo. Para o filósofo, o tempo,
pode ser passado, presente e futuro e, isto faz com que cada tempo transitado tenha suas marcas.
Em um movimento do olhar para trás e não, o não vivido e voltar para os próximos passos.
Seria, talvez, óbvio dizer que o contemporâneo está no tempo presente. Mas, é
importante olhar as marcas do passado e os impactos do futuro. Argumenta que este presente é
intempestivo, partindo da hipótese de que para ser contemporâneo é preciso ter coragem
(AGAMBEN, 2009, pág. 58).
Mas, em qual desses tempos o contemporâneo se encaixa? O autor define a
contemporaneidade como uma “[...] singular relação com o próprio tempo, que adere a este e,
ao mesmo tempo, dele toma distância, mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a
este adere através de uma dissociação e um anacronismo (AGAMBEN, 2009, pág. 59).
A cientificidade com o decorrer do tempo, foi seguindo uma segmentação acerca da
ciência, ao mesmo tempo em que a sociedade científica, alcançando novos avanços no que
concerne ao desenvolvimento dos métodos. Agamben (2009, p.64) afirma que o contemporâneo
“percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpelá-lo, algo
que, mais do que toda luz, dirige-se direta e singularmente para ele”. Sendo aquele que se
254
aproxima e ao mesmo tempo se mantém distante do seu próprio tempo, [...] “dividindo e
interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo” (AGAMBEN, 2009, p. 72).
O contemporâneo, diante da luz na escuridão, percebe as limitações presa ao tempo, nem
explora a consciência do pensamento e das transformações no ser, na sociedade e na cultura.
Mas quem é este contemporâneo? Somos nós, ao olhar para “eu” e para o “outro” e buscar
compreender sua alteridade, em intercâmbio cultural, político e social que colabora para o
processo de identificação entre o “eu” e o “outro”.
O contemporâneo diante da identidade cultural indígena, necessita compreender os
valores presentes na cultura e sua influencia quanto sociedade. Mesmo que esses sujeitos não
sejam indígenas, porém, é preciso se vê dentro e fora ao mesmo tempo, fadado à condição
humana e a sua existência, como uma relação luz e escuridão. Isto é, a “luz” como expressão
de clareza e “escuridão” quanto representação do desconhecido.
Hall (2006) explica:

[...] o sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,


identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de
nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal
modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas [...]. A
identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia.
Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação
cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais
poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente (HALL, 2006, p.13).

A concepção do sujeito pós-moderno de Hall (2006) está relacionado ao Ser


contemporâneo de Agamben (2009), ambos estão atrelados à nossa realidade, por entenderem
que estamos em uma sociedade em transformações constante. A questão da identidade cultural
indígenas, requem atenção, pois esses povos estão inseridos nessa sociedade em transformação,
porém, possuem heranças culturais riquissímas, quanto a historicidade social e especialmente,
a preservação de sua cultura como preservação da história da humanidade. Neste interím, as
mulheres indígenas em contexto urbano em Campo Grande-MS, representam a força cultural e
necessitam ser reconhecidas nos seus espaços de direito neste sociedade em transformação.

Considerações Finais

A identidade cultural indígenas das mulheres em contexto urbano nos inspira em


255
compreender o movimento de resistência e alteridade quanto a expressão da cultura indígena.
E também a busca por autonomia financeira, visibilidade de suas etnias e o compartilhamente
familiar da cultura. A intensão deste estudo assegura em Le Goff (1996 [1990], p. 553), “trata-
se de pôr à luz as condições de produção [...] e de mostrar em que medida o documento é
instrumento de um poder”.
Com base na análise da tipologia documental e bibliográfica consultada para a
elaboração do presente texto e da problemática aportada na preocupação em “descobrir ou
indicar, dentro dos conceitos de cultura, de que forma o ser humano se organiza”. A partir dos
levantamento bibliográfico e documental acerca dos registro históricos, histórias orais e
memórias em um levantamento etnográfico, na tentativa dar voz as mulheres indígenas em
contexto urbano, por meio de suas história como “um procedimento metodológico que busca,
pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas,
testemunhos, versões e interpretações” (DELGADO, 2006, p. 15).
Por meio desta metodologia, é possível registrar a memória viva, as emoções, as
paixões, o olhar, a perspectiva peculiar e os sentimentos de indivíduos das mais diversas origens
socioculturais (THOMPSON, 1992). Desse modo, não há ninguém melhor do que os povos
étnicos, para retratar esta história, Fonseca (2017) enfatiza a importância do diálogo com os
detentores dos bens culturais. Para Halbwachs, “de que todos os grupos sociais desenvolvem
uma memória do seu próprio passado coletivo e que essa memória é indissociável da
manutenção de um sentimento de identidade que permite identificar o grupo e distingui-lo dos
demais” (PERALTA, 2007).
As mulheres indígenas buscam seus espaços de direito e empoderamento ao se inserirem
nos espaços de poder, como símbolo de resistência. Pois, dois grandes desafios, o espaço da
mulher e da indígena. Todas as formas de preconceitos e discriminação são enfrentadas
cotidianamente, não só em busca de políticas para as mulheres indígenas, mas, a todos os povos
indígenas.
Ainda hoje, as mulheres estão em busca dos seus lugares de direitos, seja a mulher
“branca”, negra ou indígena. Em todos esses grupos étnicos, o preconceito é iminente, em
decorrência do fato de serem mulheres. A sociedade patriarcal, tem em sua cultura, hábito e
falas, caras e bocas, expressões que incômodo as mulheres, especialmente se exercem um lugar
de liderança. As mulheres indígenas, são lideranças, seja de maneira intencional ou não. Pois o

256
fato de estarem em constante busca por direitos, estão à frente da sociedade, em defesa da
cultural e à igualdade entre homens e mulheres.
Essas mulheres e seus familiares estão nos espaços urbanos buscando os mesmos
direitos “O migrante buscava encontrar na cidade boa escola para seus filhos, empregos com
boas remunerações, melhores postos de saúde e lazer”. Porém, ainda é possível nos deparemos
com um cenário desfavoráveis, os indígenas instalados em bairros de periferia e os empregos
encontrados estavam longe das expectativas, além das dificuldades linguísticas a acerca do
idioma tradicional (SANT’ANNA, 2004, p.07)
Mulheres indígenas representam poder e tradição, além de serem representado da
cultura por meio da arte, com pinturas, esculturas, cerâmicas, artesanato e dança, também estão
ocupando cada vez mais o espaço de poder político e participação social em todas as áreas da
sociedade em busco pela luta pelos direitos de seus povos originários, e tornado importantes
interlocutoras na sociedade não indígena e em seus grupos étnicos, sendo guerreiras basilares
de sua cultura.

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258
RESISTENCIA E VISIBILIDADE- CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE UM
INDÍGENA NAS REDES SOCIAIS

Ronaldo Carvalho ( PPGE/UCDB)


ronaldo-prc@hotmail.com

Adir Casaro Nascimento (PPGE/UCDB)


adir@ucdb.br

Resumo: Esse artigo foi produzido durante o curso de doutorado(2023B) em educação na


Universidade Católica Dom Bosco, a partir da linha de pesquisa Diversidade Cultural e
Educação Indígena, para o evento desta entidade nomeado “X SEMINÁRIO DOS POVOS
INDÍGENAS E SUSTENTABILIDADE” que este ano trás o tema: Visibilidade e
Protagonismo. Este artigo tem como proposta principal examinar como um jovem indígena
chamado Nory kayapó, residente no sul do Pará, utiliza a internet, e suas redes socias como
Instagram, Facebook, Tik Tok, e o que gera em sua vida e da sua comunidade indígena, esta
interação digital. Através de entrevista feita via WhatsApp, investigamos como esse jovem
navega entre os elementos tradicionais de sua cultura e as influências do mundo digital,
Percebeu-se que as redes sociais podem ser uma ferramenta poderosa para criar pontes com
outras culturas e perspectivas, e que mesmo assim essa hibridização não destrói a identidade
cultural do entrevistado, pelo contrário, a imersão no meio digital tem possibilitado uma maior
resistência a colonialidade cultural, visto que a possibilidade de visibilizar sua cultura tende a
fortalece-la.
Palavras chave: Nory Kayapó, Redes sociais, Interculturalidade digital. Resistencia,
Visibilidade.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

No cenário global atual, a interação entre culturas ancestrais e o mundo contemporâneo


tem sido objeto de análise e reflexão em diversas áreas do conhecimento. Os povos indígenas,
guardiões de tradições enraizadas e conhecimentos ancestrais transmitidos ao longo de
gerações, encontram-se diante de um desafio crucial: como preservar suas identidades culturais
únicas em um contexto de rápidas mudanças sociais, tecnológicas e ambientais? O evento
“Povos Indígenas e Sustentabilidade- Visibilidade e Protagonismo: Resistências e lutas dos
povos indígenas” emerge como um espaço de encontro e discussão e neste sentido trazemos
este artigo afim de analisar a presença e percepções de um jovem indígena da etnia Kayapo

259
chamado Nory Kayapó, residente no município de Novo Progresso no Pará, que se utiliza das
redes sociais como ferramenta de empoderamento visibilidade e divulgação da sua cultura.

Imagem 01- Foto de perfil de Facebook em 02/09/2023, fornecida pelo entrevistado.

Utilizamos uma abordagem qualitativa e entrevista semi estruturada através do


WhatsApp que abrangeu tópicos relacionados à sua experiência online, motivações, desafios e
como ele percebe o impacto dessa interação entre sua cultura tradicional e o mundo digital.
Nos diálogos com Nory, foi possível notar que ele compartilha aspectos da sua vida,
cuja realidade e experiencias nos oferecem uma perspectiva profunda sobre a relação entre
identidade indígena, modernidade e as plataformas digitais, dessa forma ele navega entre meio
a tradição e a contemporaneidade, entre o local e o global.
As analises deste artigo explora como Nory Kayapó tem aproveitado as redes sociais,
como Twitter, Facebook, Instagram e TiK ToK, como meios convencionais de expressão
cultural e conexão com o mundo exterior. A esta articulação cultural e tecnológica chamamos
de interculturalidade digital que se refere à utilização crítica das redes sociais no intuito de
possibilitar diálogos e interações nos meios digitais. Além disso vincula-se a esta
interculturalidade digital noções de poder, colonialidade, marginalização, resistência,
protagonismo e visibilidade, reconhecendo a fluidez das identidades culturais que estão
presentes nestes ambientes virtuais, e que propositalmente ou não, podem viabilizar um diálogo
crítico sobre as formas pelas quais as tecnologias digitais impactam a construção, representação
e disseminação da cultura no mundo.

260
Entendemos ainda que a interculturalidade digital vai muito além da mera presença de
diferentes culturas na internet, ela se concentra na análise das complexas negociações de
significado, identidades e desafios éticos que surgem quando as culturas se encontram e se
comunicam por meio de dispositivos e plataformas digitais1.
Assim, longe de ser uma mera imposição de valores estranhos à sua cultura, a adoção
dessas ferramentas digitais se revela como um ato consciente de hibridização, onde a oralidade
e os rituais se misturam com os pixels e as hashtags.
A centralidade desta análise, reside na demonstração de que o engajamento de Nory
Kayapó nas redes sociais não é uma via de mão única, onde a identidade indígena é diluída em
prol de uma assimilação total da cultura do “outro”. Pelo contrário, ele se posiciona como um
agente seletivo e ativo, utilizando essas plataformas para compartilhar narrativas que
transcendem os estereótipos e, assim, tencionam visões preconcebidas. Essa abordagem se
revela uma forma contemporânea de reafirmar o orgulho de ser indígena e da sua cultura e
reforça sua presença no panorama global, pois como ele mesmo diz: “nós temos orgulho demais
da nossa cultura, com nosso idioma e isso não vamos deixar” (Nory, 2023).
A discussão em torno das concepções de cultura e hibridismo cultural emergem como
um eixo fundamental deste estudo por isso aprofundaremos estes termos adiante, pois ao adotar
as redes sociais como veículo de expressão, Nory não apenas comunica sua cultura, mas
também convida a uma troca de ideias, experiências e perspectivas outras.
Neste contexto o X Seminário dos Povos Indígenas e Sustentabilidade se estabelece
como um espaço fundamental para aprofundar essa discussão e explorar casos como o de Nory
Kayapó que contribui para a compreensão desse fenômeno complexo e dinâmico, oferecendo
percepções valiosas para a interrelação entre cultura indígena, visibilidade e resistência, como
veremos.

“ENTRE LUGARES”: FLUINDO ENTRE O TRADICIONAL E O GLOBAL

Nory Kayapó é um jovem indígena de 23 anos que nasceu em uma aldeia chamada
Kabeká (KBK) e hoje reside no município de Novo Progresso. Sua família, devido a maior
facilidade em acessar o município de Novo Progresso reside na aldeia Kamaú. Nory estudou as
séries iniciais na própria aldeia Kamaú, mas em 2012 mudou-se para a cidade onde continuou

1
Conceitualização baseada em: Catherine Whalsh, Reinaldo Fleuri, Vera Maria Candau
261
os estudos desde o primeiro ano. Sua maior dificuldade? Falar a língua portuguesa. Sua paixão?
Jogar futebol, e devido a viagens com seu time de futebol na categoria de base, foi apresentado
às redes sociais as quais buscou aprender pensando... “vou divulgar a cultura indígena[...]a
gente pode usar nossa rede social para a gente mostrar também a nossa cultura, nossa realidade”
(Nory, 2023).
Este Kayapó ao usar as redes sociais, está aproveitando um meio globalmente visível
para apresentar sua cultura indígena ao mundo além de ampliar a visibilidade da cultura kayapó
para além do seu contexto local, desafiando assim as percepções estereotipadas e contribuindo
para uma visão mais autêntica e rica das culturas indígenas. A utilização das redes sociais por
Nory para divulgar sua cultura está intimamente ligado ao fenômeno da globalização pois as
plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e outras, permitem que ele tenha um alcance
global e atinja um público diversificado em todo o mundo, partilhando e recebendo, afetando e
sendo afetado em uma interdependência global.
É importante saber que a globalização, é um fenômeno multifacetado que ultrapassa
fronteiras geográficas e culturais, tem como uma de suas marcas o acesso quase onipresente às
novas tecnologias. Sobre isso nos diz Quijano, (2002) que:

Originalmente, a “globalidade” foi referida a uma mudança drástica nas


relações entre o espaço e o tempo na subjetividade, como consequência da
velocidade da circulação de informações produzida pelos novos recursos
científico-tecnológicos, de tal maneira que se podia perceber simultaneamente
o que ocorria em qualquer lugar do mundo (Quijano, 2002, p. 06).

Esta ideia de “globalidade” aborda a percepção de mudança nas relações entre o espaço
e o tempo devido a rápida circulação de informações pelo advento dos avanços científicos. Isso
permite que as pessoas percebam simultaneamente eventos em qualquer parte do mundo
afetando as pessoas e suas interações, causando implicações sociais e culturais.
O advento da internet e das redes sociais no Brasil e no mundo, tem oferecido
oportunidades inéditas para as comunidades indígenas se conectarem como uma audiência
global, compartilham suas histórias e desafios, e trazem suas próprias narrativas em uma escala
nunca antes possível, narrada por suas vozes. É perceptível que estes processos não são
homogêneos e frequentemente esbarram em desigualdades socioeconômicas, de infraestrutura
e consequentemente de acessibilidade.

262
Muito se tem abordado e aliado ao fenômeno da globalização a percepção de uma
cultura global que se refere à interconexão e intercâmbio de valores, produtos culturais, saberes,
ideias e informações em escala mundial. Embora a cultura global envolva a disseminação de
elementos culturais em diferentes partes do mundo, ela não é um fenômeno uniforme ou
homogêneo, mas é carregada de tensões entre o local e o global entre as culturas dominantes
(em geral eurocêntricas) e culturas locais ou periféricas.
Bhabha (2013) nos lembra em “O Local da Cultura” que ela, a cultura, é central em
nossas vidas, porém assim como a identidade, não são fixas em vez disso “fluidas” e no contexto
global, as culturas não são simplesmente absorvidas ou assimiladas umas pelas outras, mas
frequentemente se fundem, portanto, a cultura global não anula a diversidade cultural, mas pode
criar espaços para o surgimento de novas formas de identidade e de expressão cultural. Assim,
enquanto a cultura representa as expressões e significados compartilhados por grupos
específicos a cultura global se refere a multiconexões de diferentes perspectivas e práticas
culturais que se fazem presentes e interagem no meio digital.
Retomando o hibridismo cultural, ele nos aparece como um processo no qual elementos
culturais de diferentes origens se misturam e se combinam para criar novas formas culturais
como dissemos, e está intrinsecamente relacionado a este fenômeno de globalização e conexão
digital. Hall (2003) contesta a noção de culturas puras e estáticas, enfatizando que as culturas
estão em constante transformação devido às interações entre diferentes grupos culturais.
Mesmo ao verificar como a trajetória e o crescente acesso à internet e as redes sociais
tem transformado a maneira como as pessoas se relacionam e expressam suas identidades, para
o jovem indígena, este contexto digital oferece uma oportunidade única de equilibrar suas raízes
culturais com o mundo moderno.
Embora ecoe de maneira contundente a ideia de que os indígenas tenham perdido a sua
cultura, ideia esta que reside numa forma fixa de cultura, Stuart Hall (2003) nos lembra que
existe uma busca por um certo tipo de identidades nacionais e que sempre houve uma tentativa
de uma colonial homogeneização da cultura, através da imposição de estruturas de poder. Desta
foram, ao mesmo tempo em que a globalização se apresentou enquanto uma tentativa
hegemônica, acabou por reforçar as identidades locais e particulares que, em defesa de suas
particularidades sociais e culturais fizeram resistência frente a este fenômeno. Apesar de
algumas nítidas resistências à globalização é possível observar que, desse contexto de interação

263
mundial estão emergindo identidades hibridizadas. Esta preocupação com a preservação dos
traços peculiares da cultura está presente no discurso de Nory (2023) ao falar que:

isso é uma preocupação dos velhos que falam isso sempre falam isso: Você
não pode perder a nossa cultura, principalmente o nosso idioma a nossa
identidade a nossa pintura o nosso cântico isso é o mais importante (Nory
Kayapó, 2023).

Quanto a isso, destacamos como o uso das redes sociais permite que o jovem indígena
mantenha e celebre sua cultura tradicional. Investigamos como ele compartilha praticas,
histórias e valores da sua comunidade, afetando não apenas os membros indígenas, mas também
o público conectado e ele nos revelou que:

na época eu postava direto, assim sem noção, ai já fui banido do TiK ToK com
200 mil seguidores, eu já perdi minha conta com 400mil no Twitter onde fazia
“live” mostrando a cultura indígena[...]por que na nossa cultura a gente pode
andar nu assim pra ... pra dançar, pra festa[...]eu tô mostrando a cultura, mais
algumas plataformas não deixaram eu divulgar esta cultura (Nory Kayapó,
2023).

Este caso narrado por Nory, que enfrentou restrições e censuras ao tentar divulgar sua
cultura indígena, levanta questões importantes sobre a liberdade de expressão, o papel das
plataformas de mídias sociais e o equilíbrio entre promoção cultural e as políticas de conteúdo
dessas plataformas. As redes sociais geralmente têm políticas de conteúdo que visam proibir ou
restringir certos tipos de conteúdo, incluindo nudez, por razões de sensibilidade ou para criar
um ambiente seguro para todos os usuários. No entanto, essas políticas não podem ser aplicadas
de maneira indiscriminada e insensível, prejudicando a divulgação de culturas que tem práticas
diferentes em relação a exposição do corpo, sem contar que restringir a divulgação de práticas
culturais diferentes pode ser visto como uma forma de homogeneização cultural e falta de
respeito pela diversidade.

CONEXÃO DIGITAL: RESISTÊNCIA ETNICA E VISIBILIDADE

Ao percebermos como a presença online deste indígena, o conecta com pessoas de


diferentes origens e perspectivas, analisamos que essa interação pode ampliar sua compreensão
de mundo e fortalecer seu senso de pertencimento tanto à sua comunidade indígena quanto à
comunidade global pois o mesmo, utiliza dessas ferramentas como estruturas de resistência

264
enquanto faz uso do seu conhecimento digital para empoderar outros indígenas nas redes sociais
como observamos nesta fala:

eu criei muito Facebook para indígenas sabe, para eles começarem a divulgar
a nossa cultura para as pessoas conhecer a gente indígena por que se a gente
não divulgar, ninguém vai conhecer, então a gente começa a se defender
também (Nory Kayapó, 2023).

Esta necessidade de “defesa” é perceptível tendo em vista a colonialidade que tende a


qualificar culturas como alta e baixa e a possibilidade dele construir suas próprias narrativas
em vez de ser representado, e isso nos lembra a questão da representação e voz dos
subalternizados, conforme discutido por Spivak (2010) em “Pode o Subalterno Falar?”, e isto é
muito relevante no caso de Nory, pois muitas vezes as vozes das pessoas subalternizadas, e que
são marginalizadas, oprimidas, são silenciadas ou distorcidas pelo discurso dominante.
Esta tentativa de silenciamento presente nas redes sociais é explicita quando o
entrevistado relata que:

a gente entra na rede social e a gente recebe muitas críticas sabe, muito
preconceito, mais a gente continua divulgando a nossa cultura o nosso dia
dia[...]tem as pessoas que não quer que a gente mostre nossa cultura [...]e quer
que a gente viva igual indígena na época de viver no mato (Nory Kayapó,
2023).

Frente a isso recorremos novamente a Bhabha (2013) tendo em vista seu conceito sobre
o “terceiro espaço” que se refere a um espaço de encontro choques e negociações entre culturas
coloniais e culturas colonizadas, onde novas formas de identidade e subjetividade podem surgir.
Ele explora como as pessoas em situação pós coloniais desenvolvem identidades híbridas e
ambivalentes, influenciadas tanto pela cultura dominante quanto pela cultura colonizada e esta
ambivalência é uma fonte de criatividade e resistência cultural, que permite que as comunidades
e por consequência Nory Kayapó, subvertam narrativas hegemônicas e sigam em frente.
Outra marca da resistência emerge na entrevista com Nory, referente a preocupação com
a memória cultural por parte das lideranças tendo em vista que perguntei o que as lideranças
achavam sobre o trabalho dele e da divulgação da cultura nas redes sociais e ele assim
respondeu que...
Eles concordam, por que hoje em dia eu tenho um HD, tenho alguns vídeos
gravados para deixar para a histórico sabe, por que a gente não pode só gravar
na cabeça, a gente tem que gravar agora na rede social para ficar lá para daqui
cinco ou dez anos os nossos netos os nossos parentes podem ver, por que na
época quando não tinha assim tecnologia a gente perdeu alguma coisa sabe.
265
Então hoje a gente anota tudo, então os velhos sempre falam assim: Vocês têm
que gravar para registrar pro resto da vida (Nory Kayapó, 2023).

A fala das lideranças indígenas presentes na citação, demonstra a preocupação com a


preservação da memória cultural de várias maneiras:
A primeira é no reconhecimento da importância das tecnologias como no uso do HD
(Hard Disk)2contendo os vídeos gravados que se apresentam como ferramentas valiosas para
registrar e preservar sua cultura representando a adaptação a era digital.
Segundo, ao mencionar a preocupação em deixar esses registros para “os nossos netos
e nossos parentes”, as lideranças indígenas demonstram uma forte ênfase na transmissão da
cultura entre as gerações, pois desejam garantir que as gerações futuras experimentem as
riquezas culturais e as histórias de seu povo.
Terceiro, pelo lamento da perda no passado, pois a referência de que “na época quando
não tinha assim tecnologia a gente perdeu muita coisa” indica uma sensação de lamento por
elementos culturais no passado, antes da disponibilidade da tecnologia moderna.
A importância da preservação da memória cultural é presente em na obra do indígena
Airton Krenak (2019) uma vez que o mesmo critica a “amnésia” coletiva da sociedade moderna
em relação a história dos povos indígenas e a destruição ambiental. Ele enfatiza a necessidade
de lembrar e valorizar as culturas indígenas como uma forma de resgatar a memória cultural e
reconectar-se com uma sabedoria perdida.
Algo que é importante expor aqui também é o respeito pela ancestralidade e pelos mais
velhos, descrito por Nory ao falar que “Na nossa cultura a gente tem muito respeito ao nosso
cacique, o pajé, os mais velhos” este respeito desempenha um papel de suma importância na
preservação da cultura indígena, na construção da identidade e na resistência contra ameaças à
visibilidade e a sobrevivência das comunidades indígenas, pois estes princípios ajudam a
fortalecer as bases culturais e sociais que sustentam as lutas das comunidades indígenas por
conhecimento, justiça e dignidade.
Em contra posição aos processos de invisibilidade que a colonialidade produz
percebemos que a utilização das redes sociais vem aumentando por parte de indígenas de
diversas etnias dentro e fora do Brasil. Quanto a isso, Nory nos disse que:

2
Sigla do inglês referente a disco de armazenamento de dados, utilizado de forma interna nos primeiros
computadores, hoje pode ser usado de forma externa e portátil.
266
não só os kayapó mas tem outros indígenas que estão começando a produzir
vídeos agora e outras etnias também que a gente influenciou[...] estão
crescendo muito[...]através do nosso nicho ‘ta bombando” também, não é só
os kayapó[...]a gente motiva as outras etnias (Nory Kayapó, 2023).

Esta fala nos lembra o que disse Fanon (2002, p.69) em “Os Condenados da Terra” sobre
os processos de colonização onde “O indígena é um ser confinado”, muitas vezes culturalmente
sendo forçados a adotar a cultura do colonizador resultando em uma perda da identidade e
autonomia cultural. Entretanto através desta entrevista, percebendo a atuação das novas
gerações indígenas nas redes sociais, vislumbramos uma quebra neste confinamento cultural,
visto que eles estão aproveitando destas ferramentas digitas para propagar sua perspectiva de
vida, além disso, o fato de outras etnias indígenas também estarem seguindo este caminho,
demonstra como essa tendencia está crescendo e se espalhando, criando uma rede de conexões
e solidariedade entre os povos indígenas e visibilizando sua cultura para o mundo.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Este artigo examinou como Nory Kayapó, um jovem indígena da etnia Kayapó,
residente no sul do Para, no Brasil, utiliza as redes sociais como Instagram, Facebook, Tik Tok
e outras para divulgar sua cultura indígena e expressar sua identidade cultural e conectar-se com
o mundo exterior a sua aldeia. A pesquisa demonstrou que o uso das redes sociais por Nory não
apenas comunica sua cultura, mas também desafia estereótipos, promove a visibilidade e
fortalece a identidade cultural, não só da sua etnia, mas por sua influência, outras etnias também
tem utilizado a rede mundial contribuindo para a resistência cultural indígena.
Através deste breve estudo para o “X SEMINÁRIO POVOS INDÍGENAS E
SUSTENTABILIDADE- Protagonismo e Visibilidade” muitas questões importantes foram
levantadas como: A preservação da identidade cultural indígena , o hibridismo cultural, o uso
das redes sociais como ferramenta de empoderamento cultural, a interculturalidade digital, a
preservação da memória cultural, o respeito à ancestralidade, a ideia de cultura global e cultura
local, a quebra do confinamento cultural e também a influência positiva no uso das redes sociais
ao criarem conexões entre as etnias.
Tudo isso serviu para construirmos com base forte a afirmativa de que a utilização das
redes socias pelo indígena Nory representa uma ferramenta de resistência e visibilidade para os
povos indígenas a fim de desafiar estereótipos, fortalecer identidades e estabelecer lugares de
267
fala de forma que as comunidades indígenas possam prosperar e serem reconhecidas em toda
sua diversidade e diferença.

REFERÊNCIAS

BHABHA K.Homi. O local da Cultura;Tradução de Myriam Avila, Eliane Livia reis, Glauce
Gonçalves. -2. Ed.- Belo Horizonte, Editora UFMG, 2013.441p.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7.ed. Rio de Janeiro: Editora


DP&A, 2003. 102 p.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Editora: Companhia das
Letras, 2019.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, Poder, Globalização e Democracia. Revista Novos


Rumos. V.17, n.37, 2012, pp.04-28

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Editora UFMG: Belo Horizonte,
2010. 135 p.

268
GT 5 - GÊNERO, IDENTIDADE, DIFERENÇA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

A IMPORTÂNCIA DE PROFESSORES NEGROS NO PROCESSO DE ENSINO E


APRENDIZAGEM COM A TEMÁTICA ÉTNICO-RACIAL NA EDUCAÇÃO
BÁSICA NO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE-MS E A APLICABILIDADE DA
LEI 10.639-3

Luana Melsa Cavalcante (Bolsista CAPES/UCDB)


luanamelsa@hotmail.com

Resumo: O artigo tem como objetivo principal, ressaltar a importância de adotar práticas
pedagógicas antirracistas em ambientes escolares, onde é colocado em evidencia o papel
fundamental de professores negros e conscientes, exercendo a sua função como professor
educador e mediador no combate de práticas racistas. Existe a lei 10.639/2003 que alterou a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino
a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" Essa lei visa valorizar a
contribuição dos africanos e seus descendentes na formação da sociedade brasileira, bem como
combater o racismo e o preconceito. Acredita-se que a Lei quando implementada nas escolas,
deve-se muito mais ao protagonismo e o direcionamento, principalmente de professores negros
do que a uma política planejada, engessada e imposta, por determinadas secretarias de
educação. Isso deve-se também ao histórico de descaso da população brasileira com as questões
raciais, o conhecido racismo estrutural, estruturado no decorrer de anos e anos, trazendo junto
consigo alguns estereótipos como verdade absoluta, implantado em nossa sociedade e motivado
tanto pelo mito da democracia racial quanto pelo ideal de branqueamento. Mas, felizmente, os
professores negros estão mudando essa realidade.
Palavras chaves: Educação. Racismo em ambiente escolar. Professores Negros.

Introdução

Observando o atual cenário educacional e as práticas pedagógicas adotadas e


desenvolvidas nesse ambiente, percebemos a grande importância de saber lidar com situações
racistas dentro do ambiente escolar e sem contar a necessidade de trazer os conhecimentos dos
povos africanos para o currículo das escolas.

269
Nesse sentido algumas indagações tornam-se importantes: como professores negros que
estão no exercício da docência, lidam com a questão do racismo em ambiente escolar? Como
estão sendo trabalhados assuntos que demonstram e valorizam a história e a cultura africana?
Como está sendo implementada no cotidiano escolar a Lei 10.639/2003? Os professores negros
estão sendo protagonistas nesse processo?

Sabemos que em março de 2003 foi sancionada a Lei 10.639/2003 que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Essa lei visa valorizar a
contribuição dos africanos e seus descendentes na formação da sociedade brasileira, bem como
combater o racismo e o preconceito.

Sou professora, mulher e Negra, são quase 12 anos trabalhando na educação básica
pública no município de Campo Grande MS, lecionando em diversas escolas e em variadas
regiões do município, principalmente em regiões periféricas, com a grande parte da população
negra e parda, pois sabemos que as regiões periféricas tem maior nível de ocupação de pessoas
negras e pardas. Estudei em diversas escolas públicas de Campo Grande, lembro de ter alguns
professores negros nessa trajetória, alguns demonstravam orgulho de serem negros e quando
entravamos em assuntos que traziam a questão racial, era notável que algo era tocado no íntimo
do professor naquele momento, era perceptível o desejo de falar, de explicar e trazer todo
sentimento e verdades incumbidas. Já outros professores preferiam não entrar no assunto e
assim não me afetavam tanto.

Nessa trajetória, é possível observar algumas melhorias nos últimos anos, desde a
aplicabilidade da lei 10.639/03 no ano de 2003, até os dias de hoje, porém ainda existe muito a
ser feito para erradicar o racismo e termos finalmente a história e a cultura negra valorizada no
Brasil. Podemos começar com a formação do professor e o conhecimento da lei e a sua
aplicabilidade e dessa forma iremos garantir que nossos alunos tenham acesso ao real
conhecimento da história dos povos africanos, impactando na sociedade brasileira. Os nossos
currículos precisam trazer a cultura e a valorização da diversidade brasileira.

Desenvolvimento

270
O racismo é estrutural em nossa sociedade e por esse motivo tratamos com tamanha
normalidade as situações de discriminação em nosso cotidiano, que não conseguimos nos
incomodar ou preocupar, um exemplo típico é quando negros e indígenas acabam ocupando
cargos inferiores em instituições públicas ou privadas, e diante dessa situação muitos não se
incomodam. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD
Contínua) de 2021, 43,0% dos brasileiros se declararam como brancos, 47,0% como pardos e
9,1% como pretos.

O racismo se alimenta de um imaginário historicamente construído de que


negros e indígenas são racialmente inferiores, caso contrário, não haveria
explicação para o modo distinto com que imigrantes brancos são bem
recebidos. Assim, ainda que haja um horror de certa parcela da sociedade com
os horrores e a ilegalidade do tratamento recebido por haitianos e bolivianos,
essa indignação não é capaz de se traduzir numa ação política efetiva contra
essa violência e nem impedir o uso da força de trabalho destes imigrantes pela
indústria capitalista (Almeida, 2019, p. 187).

É nítido o quadro do racismo estrutural dentro das instituições de ensino, e é notável


que há grande dificuldade na aplicabilidade da lei nos ambientes escolares. Há um grande
desconhecimento da Lei e falta interesse também, por grande parte de secretarias, gestores e
professores. Tudo isso dificulta ainda mais a questão, sendo enfatizado somente no mês de
novembro, considerado o mês da consciência negra. Esse é um grande problema que precisa
ser superado, haja vista, o racismo afetar negativamente a vida dos negros no Brasil. Precisamos
apostar na educação como uma possibilidade de transformação social e de superação do
racismo. Como afirma Apple:

Há muito para fazer e muitos lugares onde precisa ser feito. Há o


reconhecimento crescente de que mudanças verdadeiramente radicais às
nossas estruturas, nossas políticas e nosso senso comum são essenciais. A
tarefa parece tão grande. Isto pode ser desanimador e até paralisante. Mas
devemos começar em algum lugar. Precisamos resistir ativamente ao
pressuposto muito difundido de que a educação não é poderosa como agente
de transformação, que só pode ser transformada depois que a “sociedade” for
transformada (APPLE, 2017, p. 920).

A escola é um espaço nos quais opressões estão hegemonicamente presentes, mas


também há espaços não hegemônicos de luta e resistência. Em nossa pesquisa, pretendemos dar
visibilidade a espaços não hegemônicos ocupados por professores negros. São eles que mais
estão descolonizando os currículos:

271
Numa perspectiva de descolonização dos currículos e na compreensão das
rupturas epistemológicas e culturais trazidas pela questão racial na educação
brasileira, concordo com o fato de que esse olhar é um alerta importante. A
compreensão das formas por meio das quais a cultura negra, as questões de
gênero, a juventude, as lutas dos movimentos sociais e dos grupos populares
são marginalizadas, tratadas de maneira desconectada com a vida social mais
ampla e até mesmo discriminadas no cotidiano da escola e nos currículos pode
ser considerado um avanço e uma ruptura epistemológica no campo
educacional. (Gomes, 2012, p. 104).

Esse avanço e ruptura é, em grande parte, protagonizado pelos professores negros. A


escola e o currículo estão vinculados à sociedade. A grande maioria dos sujeitos frequentam ou
já frequentaram uma escola. Ela tem papel fundamental na formação dos sujeitos, ela pode tanto
desenvolver práticas que contribuam para a erradicação do racismo, como silenciar e não
provocar mudanças.

Infelizmente alguns movimentos tentam manter os privilégios sociais dos grupos


hegemônicos, como a “escola sem partido”. É um movimento que tenta calar a voz dos
educadores, não permitindo que os mesmos eduquem para uma sociedade antirracista. Esse
movimento tenta inclusive interferir na formação de professores, que é central para a
aplicabilidade da lei 10.639/2003, pois ele é o principal mediador na educação.

É importante que o professor tenha uma formação adequada tanto no período de


graduação, quanto nas formações continuadas oferecidas pela secretaria de educação, para que
possa conseguir êxito na educação antirracista. Para Gomes (2021), as mudanças é necessária
uma tomada de posição em relação à formação de professoras e professores sobre a questão
racial para que a descolonização das práticas seja possível, continua necessária e urgente:

Indago se hoje, principalmente, após a sanção da Lei nº 10.639/03, que alterou


a Lei de Diretrizes e Bases Da Educação (LDB) e introduziu a obrigatoriedade
do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas da
educação básica, a formação inicial e continuada de professoras e professores
tem proporcionado aos docentes maior consistência pedagógica, didática e
teórica no trato com a questão racial e as situações de racismo na escola
(Gomes, 2021, p.438).

Através da citação acima de Gomes, destaca-se o a importância de uma formação


consciente que enfatiza pontos importantes na luta contra o racismo no ambiente escolar, tendo
como protagonista o professor(a) negro(a). A sua presença nas escolas, demonstra força,

272
diversidade cultural, empoderamento e luta por uma sociedade igualitária, que sabe valorizar e
respeitar todos os tipos de cultura.

Como já apontado, é de extrema importância, que o professor tenha formação prévia


para que possa trabalhar e introduzir conteúdos, ações, planos e projetos, voltados para assuntos
raciais (cultura africana e afro-brasileira) dentro do currículo. Para que determinadas ações
obtenham êxito é necessário que ocorra um conjunto de atitudes e práticas no decorrer do ano
letivo. É fundamental a capacitação e a formação de docentes para desenvolverem práticas
antirracistas nas escolas. Todos precisam entender que existe uma lei, a Lei nº. 10.639/2003
que torna obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira em toda a
escola de Ensino Fundamental e Médio e que deve ser cumprida. Dessa forma os currículos
poderão ser descolonizados:

Descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação escolar. Muito


já denunciamos sobre a rigidez das grades curriculares, o empobrecimento do
caráter conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo entre escola,
currículo e realidade social, a necessidade de formar professores e professoras
reflexivos e sobre as culturas negadas e silenciadas nos currículos (Gomes,
2012, p.102).

Existe uma relutância no processo de aceitação e aplicabilidade da lei por parte de


muitos professores. Por isso é tão importante que professores negros abracem a causa e
consigam desenvolver metodologias e práticas diferenciadas no cotidiano escolar,
principalmente em meio a casos de racismo no ambiente escolar. O papel de descolonizar o
currículo não é uma tarefa fácil na educação básica, alguns pequenos avanços foram
perceptíveis nos últimos anos desde a criação da lei 10.639/03 e outras inúmeras politicas
voltadas para essa temática, porém está longe de ser um estado satisfatório no ambiente escolar.
Desde o período da colonização, foram criados inúmeros tipos de estereótipos que massacram
as culturas e os povos de origem africana e infelizmente eles muitas vezes circulam nos
currículos das escolas:
Isto porque é a força da ambivalência, central para estereótipo colonial sua
validade: ela garante sua repetibilidade em conjunturas históricas e discursivas
mutantes; embasas suas estratégias de individuação e marginalização; produz
aquele efeito de verdade probabilísticas e predictabilidade que, para o
estereótipo, deve sempre estar em excesso do que poder ser provado
empiricamente ou explicado logicamente. (Bhabha, 1998, p.106).

273
O pedido de socorro ainda é ouvido de longe, daqueles que sofrem com falas, olhares
e situações preconceituosas (na escola, em ambiente de trabalho, em família, em momentos de
interação social). Já se passaram tantos anos, após a abolição da escravidão no Brasil em 1888.
Com base em Bhabha (1988), podemos afirmar que inúmeras situações de injustiça, massacre
e violência foram impostos durante o período colonial, e se perpetuam até os dias atuais.
Através de muitas lutas, através do movimento negro, estamos conseguindo quebrar paradigmas
e superar inúmeros estereótipos impostos e tidos como verdades absolutas, sem nem mesmo
que conseguíssemos ter a chance e a oportunidade de colocar em dúvida, ou contestar
determinadas falas e situações racistas, que menosprezam que ferem o outro.

É extremamente necessário conhecer o período Brasil Colonial de forma detalhada,


não somente selecionando conteúdos que distorcem a realidade dos fatos, pois através desse
conhecimento adquirido, iremos entender a atual conjuntura brasileira e todo o seu processo
estrutural, voltado principalmente para questões raciais e dessa forma conseguir libertar-nos de
padrões, paradigmas e estereótipos impostos de forma abusiva, marginalizando um povo, uma
cultura. Nós como professores, educadores, temos o papel primordial, de conhecer a história na
a partir da visão do povo negro. Infelizmente nossos currículos ainda são colonizados e essa
tarefa de descolonizar os currículos pertence a nós e principalmente ao professor negro, que
tem sim, o dever e a obrigação de trazer o conhecimento da história e da cultura africana e afro-
brasileira para nossos alunos. De alguma forma isso está acontecendo no campo do currículo:

O campo do currículo, tais demandas também têm encontrado lugar na medida


em que esse já se indaga sobre os limites e as possibilidades de construção de
um currículo intercultural, o lugar da diversidade nos discursos e práticas
curriculares, o peso das diferenças na relação entre currículo e poder, entre
outros (Gomes, 2012, p. 106).

Não podemos negar que as mudanças estão acontecendo, claro que não é ainda na
proporção esperada, mas algo está acontecendo, estamos forjando a escuta. A voz daqueles que
lutam e que foram silenciadas por tantos anos hoje grita pela igualdade e pelo respeito e vêm
ganhando espaço mesmo que ainda não seja de acordo com o espaço que nos é de direito. As
instituições públicas de ensino são palcos desse movimento, por isso trago nesse artigo a
importância da aplicabilidade da lei, a importância da conscientização dos educadores e
principalmente dos professores negros, quando se trata dessa temática.

274
Considerações finais

O olhar consciente e descolonizador com relação às práticas pedagógicas raciais é


essencial para um bom desenvolvimento da consciência antirracista no ambiente escolar e em
seus currículos. Sendo assim é necessário que sejam abordados de forma intensiva, assuntos,
conteúdos e debates, em nossas escolas pelo Brasil, voltados para essa temática de imensa
importância social. Trabalhando dessa forma, iremos aos poucos construindo uma sociedade
consciente, que não tolera casos de racismo.

Quando trazemos e inserimos no dia a dia escolar, questões raciais, estamos facilitando
a ruptura com o racismo que caracteriza nossa sociedade. É preciso ressaltar a cultura e a beleza
de nossos povos africanos, que contribuíram e contribuem de forma assídua na construção do
nosso país.

O Brasil tem uma dívida histórica, que necessita ser sanada e umas das formas de quitá-
la, é o investimento no combate de práticas racistas no ambiente escolar. Através do
conhecimento, podemos mudar nossa sociedade. Sabemos que a educação tem a capacidade de
formar sujeitos antirracistas, seres humanos providos de inteligência, e que lutam contra e
qualquer forma de desigualdade e preconceito, por esse motivo é necessário investir na
formação de professores, é necessário entender o papel fundamental do professor negro na
educação.

Os professores negros são uma grande referência para nossos alunos negros, e quando
assumimos o papel de professor negro e empoderado conseguimos ter uma posição de destaque
no processo de ensino e aprendizagem e dessa forma iremos rompendo aos poucos paradigmas
e estereótipos que desvalorizam e empobrecem a história e a cultura dos povos africanos e seus
descendentes.

Referências
ALMEIDA, Silvio Luiz. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2019.
APPLE, Michael W. A luta pela democracia na educação crítica. Revista e-Curriculum, São
Paulo, v.15, n.4, p. 894-926 out./dez. 2017.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1988.

275
GOMES, Nilma Lino. Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos Currículos.
Currículo sem Fronteiras, v. 12, p. 98-109, 2012.

GOMES, Nilma Lino. O combate ao racismo e a descolonização das práticas educativas e


acadêmicas. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v. 33, n. 59, p. 435-454, mai./ago. 2021.

276
ARTE, CORPO E GÊNERO: A PRODUÇÃO DE CERÂMICA ENTRE AS
MULHERES KADIWÉU

Gabriela Barbosa Lima e Santos


(UFMS/Pós-doc/Bolsista CAPES).
gabilimaesantos@gmail.com

Resumo: O que pode a arte Kadiwéu? Tomando por base a virada epistêmica na etnologia dos
povos ameríndios, onde os corpos e a construção da pessoa passaram a ser vislumbrados como
a centralidade da vida social dos povos indígenas, o presente trabalho trata-se de uma pesquisa
em fase inicial sobre a produção de cerâmica por mulheres Kadiwéu. Remanescentes dos
antigos Mbayá-Guaikurú e residentes no Mato Grosso do Sul, os Kadiwéu foram tipificados
como uma “sociedade de predação”, pela sua característica englobante e desbravadora.
Verificamos que, por outro lado, as mulheres, que mantém alto controle sobre a natalidade,
produzem e valorizam a produção da arte e a conservação do conhecimento tradicional das
técnicas inventadas. Procuramos, com esta pesquisa, extrapolar a noção do corpo sobre a arte e
o objeto, no caso, a cerâmica, estando ela no centro da socialidade Kadiwéu. Com isso,
perguntamo-nos, o que pode este corpo e qual a sua potência? Para tanto, a metodologia centrará
esforços no trabalho de campo além de levantamento e interpretação bibliográfica.

Palavras-chave: Arte, Cerâmica, Corporalidade, Gênero, Kadiwéu.

1. Introdução
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa em fase inicial de pós-doutoramento
pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFMS, e está atrelada ao
Projeto “Cerâmicaindígena em Mato Grosso do Sul: arte, autonomia e inovação entre as
mulheres Kinikinau, Terena e Kadiwéu”, de autoria do Professor Dr. Antônio Hilário Aguilera
Urquiza. Pretendemos, mais especificamente, nesta pesquisa, contribuir com a discussão
relacionada ao trabalho de cerâmica das mulheres Kadiwéu. Nesta proposta, acreditamos ser
possível o aprofundamento do estudo de Gênero entre os povos indígenas a partir da produção
de arte das mulheres Kadiwéu, extrapolando o conceito de “corpo” para o objeto em questão:
a cerâmica.
Para tanto, compreendemos o conceito de gênero pela abordagem de Marilyn
Strathern, que afirma que o que define e o que faz uma mulher e um homem não é seu sexo
nem seus papeis sociais, mas como em cada socialidade se apreende a diferença e o que fazem
com e do seu corpo. Ainda em referência a Strathern, que acredita que nas sociedades
277
melanésias o “poder” é a capacidade do corpo em (re)produzir alguma coisa (tal como se
produz um ser humano), buscamos compreender a arte kadiwéu como extensão de seus
corpos, produzidos e reproduzidos pelas mulheres.
Para este trabalho, apresentaremos as aproximações iniciais, através da revisão de
literatura, e a metodologia que será aplicada ao longo da pesquisa. O trabalho de Campo será
realizado na aldeia Alves de Barros, na Terra Indígena Kadiwéu, no município de
Bodoquena, em Mato Grosso do Sul.

2. Apontamentos iniciais
Remanescentes da etnia Mbayá-Guaikurú, os Kadiwéu são falantes do tronco
linguístico Guaikurú, localizam-se no estado de Mato Grosso do Sul, e tem uma população
deaproximadamente 1413 pessoas, segundo os dados da Siasi/Sesai, de 2014. No passado, os
Mbayá-Guaikurú eram conhecidos pela montaria, pelo nomadismo e por serem povos
guerreiros. Na Guerra do Paraguai, os Kadiwéu lutaram ao lado dos brasileiros, e assim
conquistaram suas terras onde finalmente permaneceram. Além da arte da destreza, sua arte
estética, como a pintura corporal, facial, no couro e na cerâmica logo foi destacada por
etnólogos como Darcy Ribeiro (1980) e Guido Bogginai (1945).
No célebre artigo de SEEGER, MATTA, e CASTRO, “A construção da pessoa nas
sociedades indígenas brasileiras” (1979), os autores argumentam a necessidade de criar-se
modelos próprios de conceitualização dos povos sul-americanos. Ao se aprofundarem neste
universo epistêmico, os autores averiguaram que o corpo ameríndio toma o lugar central da
organização social destes povos e ainda, como escrevem:

Este privilégio da corporalidade se dá dentro de uma preocupação mais


ampla: a definição e a construção da pessoa pela sociedade. A produção física
de indivíduos se insere em um contexto voltado para a produção social de
pessoas, i. e., membros de uma sociedade específica (1979, p. 3 e 4).

O corpo, na América Indígena, como afirmam os estudiosos,ocupa espaço central de


suas organizações sociais. Longe de representar apenas um suporte deidentidades e papéis
sociais, o corpo configura-se como um “instrumento, atividade, que articula significações
sociais e cosmológicas, o corpo é uma matriz de símbolos e um objeto de pensamento” (Idem,
p.11). Assim, desde este artigo inaugural até os dias atuais, a etnologia dos povos sul-
278
americanos tem se preocupado com temas como a consubstancialidade da pessoa e
agenciamento dos corpos, sob o prisma de dois vieses: a predação e a produção.
De modo muito geral, de um lado, visualiza-se sociedades em que a guerra, a caça, a
dominação e ideias como antropofagia (ainda que simbólica), como entre os Araweté (1986),
são características indissociáveis de sua cultura e estão associadas à ideia de predação; de outro,
há sociedades voltadas a uma filosofia mais igualitária, à agricultura e a pacificação, em que
se predomina a ideia de formação de pessoas e produção de alimentos.
Entretanto, longe de sugerir tais tipificações unilateralmente para cada sociedade,
acreditamos que ambas ascaracterísticas, isto é, as predatórias e as de produção, estão presentes
nas sociedades indígenas, em menor ou maior grau. Entre os Kadiwéu, “senhores da guerra e
das artes” (SILVA, 2011), como averigua-se em seu histórico, só foi possível o
desenvolvimento da produção de técnicasdas artes devido a sua prática de adoção de cativos
de outras etnias, por meio de guerras (RIBEIRO, 1980).

Os Kadiwéu, único povo remanescente dos Mbayá-Guaicuru, têm como elemento


estrutural de sua organização social uma sociedade estratificada e hierárquica. Durante o
período colonial, portugueses e espanhóis disputaram sua aliança, sendo sua participação na
Guerra do Paraguai crucial para a vitória dos “novos brasileiros”, o que resultou na doação
daReserva Kadiwéu por Dom Pedro II (RIBEIRO, 1980; LECZNIESKI, 2005).

Com o domínio da arte da cavalaria, seu domínio sobre demais povos foi ainda maior,
como aponta Darcy Ribeiro:

Como cavaleiros, revolucionariam sua vida econômica, social e política,


levando a redefinição da cultura em torno desse novo elemento muito mais
longe que as tribos equestre da América do Norte, pois, enquanto aquelas usavam
o cavalo, apenas como arma defensiva, os Cavaleiros do Chaco impuseram,
com ele, seu domínio sobre inúmeras outras tribos, reduzindo-as a
vassalagem, e mantiveram sob constante ameaça, por mais de três séculos, os
estabelecimentos europeus, chegando a representar o maior obstáculo a
colonização do Grande Chaco e um papel do maior destaque nas disputas entre
espanhóis e portugueses, jesuítas e bandeirantes, pelo domínio da bacia do Rio
Paraguai (RIBEIRO, 1980, p.18).

É na Guerra do Paraguai, portanto, que o ideal do “índio guerreiro” alcançou maior


prestígio social entre os Kadiwéu, e conforme Ribeiro (Idem, p. 20), atingindo a máxima do
herói com a maior fonte de servos, através da prática de adoção de crianças externas, além
279
daspráticas do aborto e do infanticídio, advindas de sua cultura da guerra. Na atualidade, os
Kadiwéu ainda chamam atenção pelo alto controle de natalidade por “vias naturais”. Segundo
Lecznieski (2005), os casais continuam preferindo ter apenas um filho ou filha, um costume
que pode ser compreendido pelo passado guerreiro dos Kadiwéu, antes de sua fixação na aldeia:

As referências ao fato de, no passado, os casais terem optado por ter apenas um
único filho ou filha, assim como as práticas guerreiras que visavam, em
especial, capturar crianças estrangeiras para serem criadas como suas, são
constantes nas descrições e análises destes e outros autores que estudaram os
Kadiwéu, e serão especificadas ao longo este trabalho (LECZNIESKI, 2005,
p.2).

Para a autora, a lógica de cativação de crianças estrangeiras se daria tanto pelo fato
da suposta endogamia nas famílias nobres Kadiwéu, e a própria busca por reprodução social
no exterior justificaria a baixa natalidade por meio “natural”. De um modo como no
outro, Lecznieski salienta a formulação de Viveiros de Castro, ao explicar que as alianças por
afinidade pertencem mais ao mundo ameríndio que as alianças por consanguinidade. Deste
modo, pode-se compreender, a princípio, que os Kadiwéu socializam e reproduzem-se
socialmente por meio da predação (adoção de cativos).
Conquanto, este projeto busca compreender formas outras de produção de corpos,
estendendo a concepção de corpos além do humano, neste caso, atribuindo valor às artes, como
a cerâmica, sobretudo ao conhecimento de técnicas aplicadas para o desenvolvimento de suas
produções estéticas:

Conhecimento é como uma dádiva. A partir de sua característica como um


recurso (objetivado), ele pode operar como um signo no mundo externo, mas
precisamente porque ele é também parte da pessoa (personalizado), sua
apresentação é um veículo imediato para afirmações a respeito do poder ou do
estatuto daquela pessoa (STRATHERN, 2006, 173).

Expliquemos nossa intenção: se o conhecimento é como uma dádiva, pois veicula-se,


a partir dele, parte da pessoa que o agencia, a arte é um veículo pelo qual não somente
transportao conhecimento de uma pessoa, como também parte dela; acreditamos, por
isso, que oresultado, como no caso da arte na cerâmica, é a produção de corpos outros (a
própria cerâmica)aos quais são atribuídos os valores da persona que os produziu: as artistas

280
de mais alto grau (asque dominam melhor a técnica). Passamos a justificar a produção de
corpos por meio da cerâmica:
Adentrando na prática da cativação de crianças no lugar da produção das mesmas, ou
seja, da adoção ou do “roubo” de pessoas no lugar da produção gestacional delas, chama-nos
aatenção dois pontos: 1) as mulheres Mbayá-Guaikurú, ao abrirem mão de gerar crianças, ou
seja, produzir pessoas, abriam mão, também, de tarefas cotidianas, que eram destinadas aos
servos, tais como os cuidados com alimentos e lidas de casa, diferenciando-se de mulheres
deoutras etnias, como as Piaroa (Overing, 1991) e as mulheres Guarani (2022), que dedicam
seutempo à cozinha, por exemplo, um costume crucial para o desenvolvimento da pessoa, e
ao desenvolvimento do corpo de sua prole (seja por prescrições ou por restrições alimentares,
sejapor atender o desejo palatar de uma criança). Aqui, esta relação, de cooptação de cativos
e a relação social hierárquica apresenta-nos, como vimos, uma sociedade voltada à predação
de pessoas. Contudo, 2) há de se perceber que, no passado, ao “terceirizar” os afazeres
domésticos e a produção de pessoas por meio da gestação e do manuseio e de
compartilhamento de substâncias vitais (como o leite materno, o sêmen e o sangue vertido)
vistas em outros povos ameríndios, as mulheres Kadiwéu dedicam-se à produção da arte, nas
pinturas e na cerâmica,que as elevam a um status superior, de artistas, como considera Darcy
Ribeiro:

Descarregando nas “cativas” as tarefas mais árduas, diretamente ligadas a


subsistência, é que as “donas” puderam dedicar-se a decoração, criando sua
pintura. Ouvimos muitas velhas Kadiwéu lamentarem-se de que hoje, sem
“cativas”, tendo que apanhar lenha e água, ajudar na roça, preparar alimentos
e fazer artefatos para o comércio, não podiam mais pintar. Urna das melhores
artistas nos disse certa vez: “eu nunca precisei rachar lenha, acender fogo e
apanhar água, antigamente tinha cativa prá fazer tudo; eu só ficava era
pintando o corpo, penteando o cabelo o dia todo até de noite, agora tenho que
fazer tudo” (RIBEIRO, 1980, p. 262).

Chegamos, portanto, à motivação desta pesquisa, considerando que o lugar da


corporalidade entre os Kadiwéu está tanto na guerra como na arte, centralizamos o foco desta
pesquisa mais na produção que na predação da socialidade Kadiwéu, dado o interesse maior
das mulheres pelas artes que pelas atividades domésticas, que, supostamente, produz “corpos”
outros. Interessa-nos investigar os cuidados rituais na arte e na cerâmica, como se dá (ou não)
a separação do cotidiano e da arte, e compreender o que pode este “corpo”.

281
Compreendemos o conceito de Gênero pela abordagem de Marilyn Strathern (2006),
que afirma que o que define e o que faz uma mulher e um homem não é seu sexo nem seus
papeis sociais, mas como em cada socialidade se apreende a diferença e o que fazem com e
do seu corpo, ou melhor, “o que diferencia homens e mulheres, então, não é a masculinidade
ou feminilidade de seus órgãos sexuais, mas o que eles fazem com eles” (Idem, p.200). Ainda
em referência a Strathern, que acredita que nas sociedades melanésias o “poder” é a
capacidade do corpo em (re)produzir alguma coisa (tal como se produz um ser humano),
buscamos compreender a arte kadiwéu como extensão de seus corpos, produzidos e
reproduzidos pelas mulheres. Em se tratando do “controle” da natalidade e a produção de
cerâmicas, podemos compreender que:

Imagens de nutrição e de concepção distribuem poderes diferentes entre os


sexos: cada sexo pode reivindicar capacidade reprodutiva de algum tipo.
Descartar o paradigma controle-social-sobre-a-natureza libera-nos para
pensar sobre esse interesse nos processos fisiológicos de outro modo – como
uma questão de que o que as pessoas percebem devem estar em seus corpos,
incluindo, claro, o que se passa em suas cabeças (STRATHERN, 2006, p.
171).

Estamos convencidos que, ao que consta sobre os povos da América Indígena, como
nas Terras Altas da Papua- Nova Guiné, as pessoas são por elas mesmas divíduas e
destacáveis, o que quer dizer que uma pessoa afeta substancialmente outras pessoas, e por
elas são afetadas – é a noção da pessoa compósita – isto é, composta por todas as relações
que as formaram e continuam formando-a enquanto pessoa. Levando a sério a ideia de que
as mulheres kadiwéu estão produzindo corpos de outros tipos, diferentemente que entre os
Gimi das Terras Altas da Papua Nova Guiné, as mulheres kadiwéu não estão “apenas
nutrindo” o que os homens criaram por sua reivindicação de algum meio reprodutivo, mas
estão mesmo criando uma categoria outra de corpos que são destacados de si.
Levando em consideração o momento atual em que vivemos no Brasil e no mundo,
emque a cultura indígena tem ganhado espaço na política e nas mídias, acreditamos que esta
pesquisa pode contribuir com a potencialização da visibilidade das mulheres, das artistas, das
artes e da cultura Kadiwéu em um espaço de grande notoriedade, além de somar esforços aos
projetos e às produções acadêmicas, especialmente publicações de artigos científicos,
desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFMS.

282
3. Metodologia de pesquisa
Para alcançar os resultados esperados desta pesquisa, dois métodos serão empregados: o
primeiro, de natureza bibliográfica, em que serão explorados documentos históricos sobre os
Mbayá-Guaicuru, do qual os Kadiwéu são remanescentes, como também, e principalmente, a
análise mítica dos Kadiwéu, levando em conta o método estrutural, comparativo e sistemático.
Com este, esperamos encontrar respostas sobre a centralidade da arte na socialidade Kadiwéu,
dentro da ordem Cosmológica e cotidiana da vida na aldeia. Para este momento,
disponibilizaremos nossa atenção às Mitológicas de Lévi-Strauss, tanto como exercício, como
inspiração para análise dos mitos que sustentam o pensamento epistemológico Kadiwéu.
Faz-se imprescindível, ainda, a realização concomitante do trabalho de campo,
realizando observação direta das técnicas e do manuseio da cerâmica, entrevistas abertas às
artistas Kadiwéu, o uso do caderno de campo, e a sistematização dos dados recolhidos em
campo. Para tanto, consideramos as três faculdades do modo de fazer pesquisa de campo na
Antropologia, fundamentados por Roberto Cardoso de Oliveira, em 1996: o Olhar, o Ouvir e o
Escrever.
Ambas as faculdades particularizam a atividade antropológica das demais descrições,
tanto em método como em compreensão epistêmica. Em um caso como no outro, o olhar do
antropólogo em campo é condicionado pelas teorias disponíveis ou escolhidas pelo autor sobre
o objeto de estudo, “espécie de prisma por meio do qual a realidade observada sofre um
processo de refração” (Oliveira, 1996, p.15), visto que o objeto a ser observado já foi
previamente alterado pelo esquema conceitual do qual o pesquisador fora construído.

Intrinsecamente relacionado ao olhar sensibilizado pela teoria, o ouvir torna possível


apreender e compreender o significado do que foi observado, o que torna possível conceber o
que os antropólogos chamam de “modelos nativos” – “matéria-prima para o entendimento
antropológico” (Idem, p. 19). Aqui, Oliveira atenta o leitor que, não obstante a dificuldade dos
idiomas culturais, entre pesquisador e pesquisado, o maior desafio concentra-se em tornar um
“informante” em interlocutor, transformando o que seria uma entrevista de caráter de
neutralidade axiológica em horizontes semânticos em confronto, onde tal “confronto” trata-se,
na verdade, de um encontro etnográfico, um espaço semântico entre os interlocutores, “sem
receio de estar contaminando, assim, o discurso do nativo elementos de seu próprio discurso”
(Idem, p. 21).

283
É no ato de escrever, contudo, que se configura a mais alta função cognitiva do
pesquisador, seja por trazer tudo o que foi observado (visto e ouvido) no campo para o discurso
antropológico, seja por lhe dar uma forma definitiva no plano da textualização, seja por
comunicar o conhecimento à comunidade acadêmica, mesmo porque, segundo o autor, “há uma
relação dialética entre o comunicar e o conhecer, uma vez que ambos partilham de uma mesma
condição: a que é dada pela linguagem” (Oliveira, 1996, p. 24). Deste modo, todos estes
elementos (ou “faculdades”) se farão presentes no decorrer desta pesquisa, salientando que é
no ato, sobretudo, de inscrever com certa autonomia epistêmica, ainda que com certo controle
dos dados obtidos em campo, que abordaremos os 4 artigos científicos, considerando, como
lembra Oliveira, que o ato de escrever e o ato de pensar são praticamente simultâneos.

Já mencionamos, acima, que o método comparativo será usufruído nas análises míticas
que impliquem os Kadiwéu. Mesmo na Antropologia Estrutural lévi-straussiana, o corpo e todo
feixe de afecções nele inscrito tornou-se objeto de conhecimento, e a partir da abrangência das
relações sociais teorizada por Marilyn Strathern (2006), tornou-se possível conceber uma
Antropologia do Corpo entre os povos ameríndios, tal como proposto por Seeger, Da Matta e
Viveiros de Castro (1979) no célebre artigo supra mencionado. Aqui, de fato, extrapolamos o
conceito de corpo e de objeto, ao aproximarmos a produção de arte à produção de “gente”.
Consideramos, desse modo, necessário o desenvolvimento de um estudo da Antropologia da
Arte ou da Estética para a execução desta pesquisa (GELL, 1999).
Como exposto o método empregado para a realização deste trabalho, isto é, a pesquisa
de campo unida à pesquisa bibliográfica, temos, por fim, as aldeias Alves de Barros e São João,
na Terra Indígena Kadiwéu, no município de Porto Murtinho (MS), como local da pesquisa.

4. Referências

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286
CURRÍCULO E RELAÇÕES DE GÊNERO: DIFERENTES
PERSPECTIVAS E EXPERIÊNCIAS

Samara Vitória Pinto da Silva (UCDB)


samaravps1@hotmail.com

Ruth Pavan (PPGE/UCDB)


ruth@ucdb.br
Apoio: PIBIC/CNPq

Resumo: Este artigo é resultado do plano de trabalho intitulado “Currículo e relações de


gênero: diferentes perspectivas e experiências”, e faz parte do projeto de pesquisa, “Currículo
e (de)colonialidade: relações étnico-raciais, gênero e desigualdade social”. O objetivo deste
artigo foi analisar os artigos publicados na Revista Estudos Feministas (UFSC), do período
2012- 2022, identificando diferentes perspectivas e experiências de educação relacionadas às
relações de gênero e suas implicações no currículo. Os artigos analisados mostraram que o
currículo tanto pode ser importante instrumento de reprodução de relação desiguais de gênero,
como tem servido também como forma de problematização das relações de gênero,
contribuindo para desconstruir os estereótipos de gênero e promovendo uma educação
comprometida com as relações igualitárias de gênero. Outra questão importante é que a
desconstrução das relações de gênero também está intrinsecamente ligada a desconstrução de
outras formas de opressão, como a homofobia e a transfobia. Por fim, destaca-se também a
importância do debate sobre as relações de gênero em todos os âmbitos da sociedade.

Palavras-chave: Currículo; Relações de gênero; Educação.

Introdução

Este artigo é resultado da pesquisa efetuada pelo Programa Institucional de Bolsas de


Iniciação Cientifica (PIBIC), cujo o plano de trabalho intitula-se “Currículo e relações de
gênero: diferentes perspectivas e experiências”. O plano faz parte do projeto de pesquisa,
“Currículo e (de)colonialidade: relações étnico-raciais, gênero e desigualdade social”.
O objetivo deste artigo é analisar os artigos publicados na Revista Estudos Feministas
(UFSC), do período 2012-2022, identificando diferentes perspectivas e experiências de
educação relacionadas às relações de gênero e suas implicações no currículo.
Trata-se de um estudo de cunho bibliográfico, “[...] a pesquisa bibliográfica implica em
um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo, e
que, por isso, não pode ser aleatório” (Lima; Mioto, 2007, p.38). Neste sentido, explicitamos o
percurso da pesquisa efetuada, destacando que escolhemos um periódico especializado nas
287
relações de gênero e que também aborda questões relacionadas ao currículo escolar e/ou
universitário (Periódico Estudos Feministas), delimitando o período 2012-2022.
Na primeira fase, foram lidos os resumos de todos os artigos publicados no período
2012- 2022, para identificar os artigos que tratavam de gênero e currículo. Os artigos que
versavam sobre gênero e currículo foram analisados minuciosamente em conformidade com o
objetivo desta pesquisa.
Iniciaremos o artigo com uma abordagem acerca do significado do currículo escolar e
em seguida faremos a análise dos artigos selecionados. Finalizaremos com algumas
considerações que se mostraram relevantes ao longo do processo de pesquisa.

Currículo escolar: situando o significado para a pesquisa

O currículo escolar compreendido somente como um grupo de disciplinas e/ou conteúdo


que devem ser desenvolvidos na prática escolar, está em consonância com as teorizações
tradicionais e tecnicistas de currículo. As teorizações tradicionais e tecnicistas defendiam e
ainda defendem que o currículo se reduz aos denominados conteúdos escolares, ou seja, não
discutem e não admitem a presença dos múltiplos atravessamentos de diferentes dimensões da
sociedade no currículo escolar.
Estas compreensões, embora ainda presentes nas escolas, foram predominantes no
Brasil até o final da década de 1970, conforme Moreira e Silva (2011). Segundo os autores, no
final da década de 1970 e início da década de 1980, inicia um movimento dos teóricos do
currículo em relação a esta hegemonia. Estas mudanças foram denominadas de teorizações
críticas do currículo. Estas teorizações objetivavam e ainda objetivam romper com as
abordagens tradicionais e tecnicistas de currículo por considerá-las conservadoras e
contribuírem com a manutenção das relações capitalistas de produção.
Portanto, a compreensão crítica do currículo questiona a condição de subserviência da
escola em relação as regras da sociedade de mercado. Embora as teorizações críticas
compreendam que a escola e seu currículo estão inseridos na sociedade, estes não devem ter
como objetivo a reprodução desta sociedade, mas a superação das desigualdades e, portanto,
isto implica em uma mudança curricular em relação as teorizações tradicionais e tecnicistas.
Sobretudo, porque as teorizações críticas afirmam que o currículo não ensina só os

288
denominados conteúdos escolares, mas também produz, legitima ou deslegitima, identidades e
diferenças.
Além de almejar uma sociedade com justiça social e econômica, os teóricos críticos
ampliam suas teorizações, sobretudo a partir da década de 1990 e incluem a necessidade de
discussão das diferenças, com destaque para as diferenças étnico-raciais e de gênero, entre
outras. Portanto, as teorizações críticas de currículo compreendem o currículo escolar, para
além de uma lista de conteúdos e/ou disciplinas, incluindo as diferentes ações, acontecimentos,
conhecimentos que organizam a vida na escola. Em uma concepção crítica tudo o que acontece
na escola faz parte do currículo.
Assim, podemos afirmar com base em Silva (1999), que as discussões críticas de
currículo e seus desdobramentos, sobretudo, a partir da década de 1990, passam a incorporar
discussões sobre raça, gênero, classe social, religiosidade, geração, entre outros. Assim,
podemos observar que a discussão sobre o currículo escolar e/ou universitário vem sendo
ampliada.
Nesta pesquisa nossa ênfase é sobre as discussões de gênero no currículo, seja na
educação básica, seja na universitária. Por isso, a partir de agora, passamos a apresentar as
análises que efetuamos, com base nos artigos selecionados, conforme o objetivo desta pesquisa,
já mencionado anteriormente.

Relações de gênero: o que dizem as publicações?

Iniciamos este item destacando que o conceito de gênero e a compreensão das


relações de gênero rompe com a ideia naturalizada em nossa sociedade de que o gênero
está colado a “[...] um sexo anatômico que lhe seria ‘naturalmente’ correspondente”
(Meyer, 2003, p.15). Ou seja, rompemos com a ideia de que as “diferenças [são] inatas e
essenciais, para argumentar que diferenças e desigualdades entre mulheres e homens
foram [são] social e culturalmente construídas e não biologicamente determinadas”
(Meyer, 2003, p.15).
Com base nas leituras dos artigos sobre gênero, é notório que há uma ruptura com
uma concepção consagrada e naturalizada de gênero, ou seja, os artigos apresentam uma
concepção de gênero social e culturalmente construída e rompem com o binarismo
masculino e feminino e a heterossexualidade como única forma de viver a sexualidade.
289
O movimento feminista marcou o início da luta pelos direitos da mulher ocidental,
conforme Coutinho e Laponte (2015), em consequência disso, surgiram questionamentos
em torno das artes visuais femininas e na década de 1960 e 1970, artistas mulheres
passaram a criar suas obras com enfoque feminista. Inicialmente, as obras tinham uma
abordagem essencialista, em que atribuíam características do feminino para distinguir
mulheres e homens.
Entretanto, nos anos de 1980, predominou a ideia de construção social, que
apresentou as variabilidades das noções culturais e a interpretação multicultural do
gênero. No período atual, as artistas estão cientes de sua atribuição e participação como
sujeitos na arte e na historicidade. Contudo, ainda há pouco destaque da arte feminina nas
instituições escolares. Esse absentismo possui um caráter tendencioso e revela a suposta
superioridade do discurso masculino. Diante disso, é imprescindível pensar o currículo
de modo geral e o de arte em particular, correlacionado com as questões de gênero, que
possa promover comunicações diversificadas e pouco vistas e que se comprometam com
o diferente.
Na perspectiva de gênero e currículo escolar Auad e Corsino (2018),
problematizam a forma secundária como são representadas as meninas e mulheres na
Educação Física Escolar. Por outro lado, também mostram as transgressões que ocorrem
neste mesmo espaço escolar.

A partir dos conflitos e resistências na sala de aula, na quadra e no campo da


Educação Física Escolar, importa que se possa assumir, na escola, um cotidiano
quer e elabore repetidamente diferentes estratégias, considerando as formas de
organização dos/as alunos/as e propondo novos arranjos. Ainda que não se queira
assumir a prescrição, é emergente e urgente motivar e lidar com conflitos que
possibilitam o questionamento das dissimetrias baseadas em gênero, raça, orientação
sexual e classe. No âmbito das pesquisas educacionais e no interior da escola,
quebrar a resistência ao que parece ser radical, não temer o que pode parecer pecado
e não se espantar com o que foge à lógica binária pode colaborar para que meninas e
meninos, homens e mulheres, assim como toda gente não binária acessem seus corpos
de modos mais livres e não mediados pelo que pode ser denominado como “esporte
como negócio” e, portanto, os corpos como produtos. A ruptura com a lógica citada
colabora para que sejam evitadas mortes, espancamentos, xingamentos e
constrangimentos, sobretudo quando tais violências se voltam contra pessoas que não
são – ou não parecem ser –suficientemente abastadas, suficientemente brancas,
suficientemente heterossexuais e/ou suficientemente cristãs (Auad; Corsino, 2018,
p.10).

290
Também no âmbito da educação escolar, Oliveira (2019), analisa “as representações de
violência contra mulheres em cinco livros didáticos de História, aprovados no PNLD de 2018
para o Ensino Médio” (p.1). A autora vai perceber, por meio da sua análise dos livros didáticos
de História, que

podemos compreender as enormes dificuldades, limitações e desafios que envolvem


a transformação das representações de violência contra mulheres nos saberes
escolares, pois permanecem assentadas não só em valores, crenças e imaginários
dominantes em nossa sociedade, mas também em uma tradição epistêmica sexista e
racista, comum aos discursos e práticas estruturantes da sociedade brasileira (Oliveira,
2019, p.11).

A autora ao falar das limitações do livro didático, destaca a importância que o professor
e a professora têm neste processo. Pois, segundo a autora, faz-se necessário:

Apontar o caráter histórico-cultural, interseccional e sistêmico da violência de


sexo/gênero na história constitui uma estratégia didática fundamental de combate e
desconstrução dos esforços do patriarcado em invisibilizar, privatizar ou naturalizar
todas as formas de violência contra mulheres. A história é uma poderosa ferramenta
para mudar a cultura e criar mudanças sociais. As abordagens e reflexões sobre o tema
da violência contra mulheres no ensino de história podem assim se constituir em um
apelo à ação, a não aceitação passiva dos atentados à dignidade física, mental ou moral
das mulheres no tempo presente (Oliveira, 2019, p.11).

No âmbito da educação superior, Sussekind, Carmo, Nascimento (2020), apresentam


uma análise com base em uma reclamação de uma pessoa, estudante do curso de Pedagogia,
que se sentia “alfinetada”, pelas posições que tinha em sala de aula. O estudante reivindicava
“liberdade total e ampla” (p.5). As autoras defendem que:

Seja estudante, seja professor, nas salas de aula, nos parece, portanto, que os currículos
serão de grande valia se ‘alfinetarem’ as injustiças e incomodarem os preconceituosos.
Logo, falar de gênero, de ódio e solidariedade em meio aos conhecimentos
curriculares é parte do ‘alfinetar’ que a liberdade de ensinar prevê e valoriza embora
isso não garanta conforto nem consenso a todas as pessoas. Logo, ‘alfinetamos’
quando usamos da liberdade de expressão para lembrar que, embora ela exista, não
pode ser absoluta. A liberdade de expressão, ao contrário do que trouxe a prova, não
é máxima, não é total e sua amplitude faz limite no direito de existir de cada um de
nós (Sussekind; Carmo; Nascimento, 2020, p.6).

As autoras mostram, por meio de sua análise, que alguns temas quando debatidos em
sala de aula, ainda produzem algum tipo de mal-estar, pois conforme afirmou o estudante, se
sentiu “alfinetado”, por entender como inadequadas as discussões de gênero em sala de aula,
entre outras discussões sobre diferenças e desigualdades.
291
Também em uma análise acerca do currículo universitário, especificamente no curso de
medicina, Leite e Oliveira (2015), analisam que há discursos genéricos, que colocam os
indivíduos em uma posição de idealizar a medicalização da moralidade sexual e de uma
moralização sexual da medicina. Além de estabelecer saberes médicos, o currículo também é
composto por enunciados de teor religioso, moral e atributos de cunho sexista.
Os autores apontam que é predominante no ensino da Medicina o modelo biomédico,
no qual o ser humano é visualizado como uma máquina com partes interdependentes, a doença
como um defeito da máquina e o médico é o mecânico que intervém fisicamente para consertar.
Desse modo, ocorre o pensamento de que o corpo é um objeto para ser manipulado,
referenciado em um corpo perfeito. Notar os defeitos presentes no corpo e marcar a distinção
entre homem e mulher, referir-se apenas ao sistema reprodutor, é comum na formação médica.
Com isso, o currículo médico menciona como os corpos femininos devem ser
constituídos, e dessa forma, empenha-se para ascender a figura corporal masculina como sujeito
universal do estudo e da execução médica.
Oltramari e Gesser (2019), que apresentam um trabalho que analisa as contribuições de
um “curso de Formação de Professores em Gênero e Diversidade na Escola (GDE) para os
profissionais da educação básica” (p.1), ressaltam que no curso foi possível observar que
“moral/religiosa e a heteronormatividade estão muito presentes” (p.1) nas falas das professoras
e que as mesmas secundarizam as análises científicas disponíveis que tratam do tema em
questão.

Sobre as contribuições que o curso Gênero e Diversidade na Escola trouxe às pessoas


participantes do estudo, as informações obtidas evidenciaram que o curso auxiliou
para que elas desmistificassem diversos conceitos previamente aprendidos ao longo
de suas histórias, os quais eram predominantemente associados à biologia. E isto não
aconteceu somente com as discussões sobre gênero e sexualidade, mas com relações
étnico-raciais e deficiência (Oltramari; Gesser, 2019, p.11).

Ou seja, segundo os autores o curso contribui para que outras práticas pedagógicas
ocorram nas escolas das participantes, pois houve a problematização de concepções
naturalizadas, desmistificando-as.
As autoras Jaeger e Jacques (2017), trazem uma análise relacionada as “relações de
gênero e a construção da docência masculina na Educação Infantil (EI), compreendendo como
se dá a escolha e a inserção desses professores homens nessa etapa da educação escolar” (p.1).
Foram entrevistados três professores homens, que atuavam nesta fase da educação.

292
Segundo as autoras a pesquisa mostrou que a docência dos homens na Educação Infantil
é marcada “por acolhimentos, suspeições, interdições, incertezas e resistências” (Jaeger;
Jacques, 2017, p.565). A docência na Educação Infantil é histórica, social e culturalmente
atribuída as mulheres, pois se considera uma profissão “[...] com atributos que constituem a
feminilidade referente, os quais agenciam o afeto, o cuidado, o carinho, a sensibilidade e o amor
maternal como requisitos naturalizados e colados à docência na Educação Infantil” (Jaeger;
Jacques, 2017, p.565). Com base nestas naturalizações, evidentemente, a figura masculina não
é bem aceita, pois “[...] a masculinidade referente aciona qualidades como força, virilidade,
agressividade e insensibilidade, as quais emergem em oposição àquilo que a EI privilegia”
(Jaeger; Jacques, 2017, p.565). Mas, apesar da escola e das famílias suspeitarem das condições
que os homens têm para a docência na Educação Infantil, muitos tencionam esta situação e vão
resistindo e negociando, permanecendo na profissão escolhida. Estas disputas dos homens em
construírem seus espaços profissionais na Educação Infantil “[...] produzem rupturas e abrem
brechas para que outras representações de masculinidade sejam acionadas e desacomodem as
percepções da comunidade escolar acerca do tema. [...] a presença desses professores na EI
afirma e reafirma que as masculinidades são plurais” (Jaeger; Jacques, 2017, p.565). Portanto,
traz uma contribuição importante, no sentido de ampliarmos e desnaturalizarmos a feminização
na educação, com destaque para a Educação Infantil.
Albuquerque (2020), traz uma discussão e análise acerca da violência doméstica e o
currículo. A autora mostra que a violência doméstica é um fenômeno social enredado em
inúmeros fatores, entre os quais se destaca o patriarcalismo que entre outros, naturaliza a
desigualdade de gênero. A autora discute a urgência em erradicar esta forma de violência. Para
tanto, demonstrou e analisou “o projeto Lei Maria da Penha vai às escolas [...]. Levar tal tema
ao âmbito escolar justifica-se por este ser um dos espaços primários de socialização,
responsável por uma formação crítica e cidadã” (Albuquerque, 2020, p.1).
A autora destaca que a implementação do projeto “Lei Maria da Penha vai às escolas”,
trouxe resultados importantes, embora nem todas as professoras participaram. Ela ressalta que
o projeto precisa abranger mais escolas e que é importante ampliar o tempo do projeto dentro
da escola para que seja possível verificar os avanços provocados pelo mesmo a médio e longo
prazo. Ela conclui que:
A realização das intervenções no formato de oficinas tem se revelado uma ferramenta
importante para o enfrentamento e a prevenção à violência contra a mulher no âmbito
escolar, pois possibilita uma abertura reflexiva frente aos padrões de gênero

293
demarcados socialmente a homens e mulheres, criando assim um ambiente favorável
ao processo de desnaturalização desses e das desigualdades daí decorrentes, dentre
elas, as justificativas culturais que fundamentam as crenças e percepções acerca da
violência contra a mulher (Albuquerque, 2020, p.9).

Neste sentido, reiteramos a importância da discussão de gênero em diferentes


perspectivas, sejam elas legais, culturais, históricas, entre outras. No âmbito escolar é de
extrema necessidade, no sentido de eliminarmos as diversas formas de violência que
historicamente as mulheres sofrem.
Almeida e Soares (2021) fazem uma discussão acerca da LGBTfobia e dos preconceitos
existentes nas escolas e nos seus currículos em relação aos gêneros. A pesquisa foi feita por
meio de entrevistas com sete mulheres lésbicas vindas da rede púbica e privada de educação
sobre as percepções que as mesmas tiveram na escola acerca dos gêneros.

A partir da análise das entrevistas, o trabalho teve como objetivos traçar as


especificidades e as sutilezas da construção das identidades no espaço escolar, bem
como mostrar a representatividade sexual nos conteúdos escolares. O reconhecimento
da identidade homoafetiva foi atravessado por violências de gênero que vão ao
encontro de questões ligadas à lesbofobia. O currículo escolar, evidenciando a
heteronormatividade pelo viés da reprodução de Infecções Sexualmente
Transmissíveis (IST), posiciona a escola como reprodutora de normas com relação a
questões de gênero e sexualidade (Almeida; Soares, 2021, p.1) .

A pesquisa ainda mostra que para as mulheres entrevistadas, “a escola não foi um local
de acolhimento, representando, muitas vezes, um espaço onde a violência e a discriminação
estiveram presentes, por questões relacionadas a estereótipos de gênero ou diretamente à
sexualidade” (Ameida; Soares, 2021, p.11). As mulheres ainda destacam que a
homoafetividade em nenhum momento foi abordada no currículo escolar, ou seja, desta forma
o currículo vai “[...] contribuindo para a sua invisibilidade e dificultando a construção das
identidades, dando espaço para situações bastante problemáticas como a autorrepressão e a
heterossexualidade compulsória” (Ameida; Soares, 2021, p.11). As autoras destacam o
retrocesso a partir do ano de 2018 em relação ao impedimento de discussões mais efetivas
acerca da questão homoafetiva e de como um governo conservador comprometeu os avanços
em direção a eliminação do preconceito e da violência.
Ferreira e Chaves (2023), apresentam uma reflexão “sobre as mulheres e sua entrada na
Educação a Distância que pode (ou não) se apresentar como uma possibilidade de acesso ao

294
ensino superior” (Ferreira; Chaves, 2023, p.1). A análise é efetuada tendo em vista o cenário
pandêmico e a superintensificação do trabalho doméstico desenvolvido pelas mulheres.
As autoras destacam a importância da educação para o processo de emancipação das
mulheres, mas questionam se o processo educativo promovido pela EAD, possibilita a
emancipação ou se trata de mais uma forma de opressão das mulheres.

[...] numa configuração de parco conteúdo, sem a mediação devida por parte de
professores, sob dificuldades de comunicação, com tempo reduzido de formação, e
num discurso que prime pelo individualismo ou práticas do “aprender a aprender”, ela
tem pouco a contribuir no desmonte da ideologia neoliberal e muito a reproduzir na
lógica do capital que se sobrepõe às pessoas. Nesse sentido, o lema “aprender a
aprender” é uma das expressões mais vigorosas da educação brasileira nas últimas
décadas, e tenta creditar unicamente à autonomia individual dos educandos a sua
formação intelectual que vise à inserção e à sobrevivência no mercado de trabalho
(Ferreira; Chaves, 2023, p.7).

As autoras ressaltam que uma educação voltada exclusivamente para o mercado não é
privilégio da EAD, a educação presencial também pode servir a este propósito. O que as autoras
defendem é que para a EAD ser, de fato, um caminho para a democratização da educação, isto
é, “[...] para adquirir o status de uma educação emancipadora, é necessária uma nova
configuração econômica e social, na qual mulheres que ficam em casa para os cuidados das
novas gerações ou nas tarefas domésticas sejam remuneradas” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
As autoras também discutem como alternativa a diminuição da carga horária de todos
os trabalhadores, para que além de ampliar seu tempo de lazer e convivência familiar, também
ampliem as vagas de trabalho, já que com menos horas de trabalho, mais trabalhadores teriam
emprego. Isto, segundo as autoras também possibilitaria a “[...] equalização das tarefas
domésticas e de cuidado com as crianças e com os idosos” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
Precisamos, conforme as autoras, uma sociedade que construa “[...] novos homens e novas
mulheres dentro da ‘velha’ estrutura, para romper com ela, [...]” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
Ou seja, precisamos de uma “[...] mudança que seja coletiva e subjetiva, nos libertando em
comunhão de todo e qualquer tipo de opressão, seja ela classista, patriarcal ou racista” (Ferreira;
Chaves, 2023, p.7).
Também acerca do trabalho doméstico das mulheres, Bruschini e Ricoldi (2012, p. 250),
apresentam “[...] os resultados de uma pesquisa sobre a participação masculina no trabalho
doméstico, no cotidiano familiar e no cuidado com os filhos pequenos”. As pesquisadoras

295
apontam que o trabalho masculino no ambiente doméstico, é mencionado como uma ajuda.
Estes dados resultaram de uma pesquisa anterior a esta, efetuada pelas autoras. Elas afirmam:

[...], a menção frequente da fala das mulheres era de que “ele(s)me ajuda(m)” (no caso
do marido, mas também dos filhos do sexo masculino), o que indicava pelo menos
duas características desse trabalho doméstico: 1) é uma atribuição feminina (portanto,
os homens não o encabeçam, mas tão somente “ajudam” a realizá-lo); e 2) essa forma
“periférica” que a “ajuda” masculina assume significa que essas tarefas estão entre o
que sobra para ser feito (quando as mulheres não dão conta) ou o que os homens
gostam ou preferem fazer. Assim, a participação dos homens no trabalho
doméstico, quando há mulheres na família disponíveis para executá-lo, consubstancia-
se nesse auxílio periférico e não obrigatório (Bruschini; Ricoldi, 2012, p.263).

Na pesquisa ora apresentada pelas autoras, apresentam resultados reveladores e


desveladores:

No primeiro caso, [reveladores] merece ser assinalado o espanto demonstrado pelos


participantes dos grupos como tema a ser debatido – trabalho doméstico e cuidado
com filhos –, prova irrefutável do quanto, a princípio, se sentem distantes das questões
que dizem respeito à esfera privada da família e da reprodução. Contudo, passada a
surpresa e iniciado o debate, os homens revelaram preocupação e envolvimento
considerável com a limpeza e a higiene da casa e com o cuidado dos filhos. Muitos
deles afirmam que dividem tarefas, “vão fazendo” sempre que é necessário e até
chamam os filhos para eles aprenderem. Os depoimentos revelam um envolvimento
inesperado, como “passar o pano na cozinha”, “levar os filhos na creche”, “conversar
com a diretora da creche”. Além disso, vários participantes dos grupos afirmam
gastar 2 a 3 horas diárias nas tarefas domésticas, além de pelo menos um dia no
final de semana para fazer ou ajudar a companheira a fazer uma faxina no domicílio,
reservando o outro dia para o lazer com os amigos ou com a família (Bruschini;
Ricoldi, 2012, p.284).

Ou seja, podemos observar que apesar de tímido, já há avanços em relação ao


trabalho doméstico dividido entre homens e mulheres, pelo menos, no grupo pesquisado.
Também podemos observar que por mais que se queira impedir a discussão de gênero nas
escolas e nos currículos, as questões de gênero estão sempre presentes.

Considerações finais

A análise dos artigos mostra que há um inevitável enredamento entre o currículo e as


questões de gênero. Principalmente, a análise traz a urgência de que as relações de gênero sejam
mais discutidas nos currículos, tanto de educação básica como superior.

296
Além disso, a análise nos mostra que o currículo pode ser um importante instrumento
que acarreta a reprodução e perpetuação das desigualdades de gênero, principalmente através
dos conteúdos, das abordagens e das práticas pedagógicas presentes no currículo. Muitas vezes
são reforçados estereótipos de gênero, limitando as possibilidades e oportunidades.
Em contrapartida, também fica evidente que o currículo pode ser um espaço de
resistência e de transformação ao adotar uma abordagem crítica, sendo possível desconstruir os
estereótipos de gênero e promover uma educação comprometida com as relações igualitárias de
gênero.
Outra questão importante é que a desconstrução das relações de gênero também está
intrinsecamente ligada à desconstrução de outras formas de opressão, como a homofobia e a
transfobia.
Por fim, destaca-se também a importância do debate sobre as relações de gênero em
todos os âmbitos da sociedade. Com base na análise dos artigos observamos a ênfase dos autores
de que o questionamento e a problematização das relações de gênero ocorra constantemente e
em todos os lugares, sob pena de continuarmos a reproduzir processos de opressão, de
discriminação, preconceitos, que têm contribuído para reforçar a cultura patriarcal que traz,
historicamente, prejuízos para toda a sociedade.

Referências:

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projeto Lei Maria da Penha vai às escolas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28,
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Florianópolis, v. 29, n. 1. e57625, 2021.

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pedagógicas. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 23(1): 181-190, janeiro-abril, 2015.
297
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JAEGER, Angelita Alice; JACQUES, Karine. Masculinidades e docência na educação infantil.


Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 25 (2): 562, maio-agosto, 2017.

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298
DE MULHER INDÍGENA À SELVAGEM: AS IMAGENS E AS REPRESENTAÇÕES
DA MULHER INDÍGENA NAS OBRAS INDIANISTAS DE JOSÉ DE ALENCAR

Stephanie Miranda dos Santos (Bolsista CAPES PPGE/UCDB)


stemisantos@gmail.com

Adir Casaro Nascimento (PPGE/UCDB)


adir@ucdb.br

Resumo: O presente artigo é proveniente de uma pesquisa em andamento que visa realizar
análises referentes às imagens e às representações de mulheres indígenas nas obras indianistas
de José de Alencar. Desse modo, os objetivos específicos da investigação em questão
pretendem 1. apresentar a maneira como a mulher indígena é retratada através da perspectiva
das obras indianistas de José de Alencar; e 2. identificar como as imagens e as representações
firmadas na literatura brasileira a respeito mulher indígena marcaram negativamente a sua
trajetória social, cultural e histórica na condição de mulher. Para tal finalidade, pretendemos
realizar uma pesquisa documental que perpassará por três obras de José de Alencar (O Guarani
(1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874)) e pelos estudos teóricos de Stuart Hall, Homi K.
Bhabha, Catherine Walsh, Walter Mignolo, Galatry Chakravorty Spivak, Aníbal Quijano,
Frantz Fanon, entre outros(as). Além disso, também será acrescentado ao referencial teórico
autores(as) que dialoguem diretamente com a temática em questão.

Palavras-chave: Mulher Indígena. Literatura. Estudos Culturais. Estudos Pós-coloniais.

Introdução

No ano de 2020, concluí o curso de licenciatura plena em Letras - Português e Inglês


pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e, como tema para o meu Trabalho de
Conclusão de Curso, optei por realizar uma análise sobre a condição subalterna da mulher na
obra Correio Para Mulheres (2006), de Clarice Lispector, devido à minha paixão descomedida
por literatura e ao meu incômodo em relação à configuração subordinada da mulher em muitos
escritos do cânone literário brasileiro. Anteriormente, a partir do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), tive a oportunidade de iniciar na pesquisa acadêmica
sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Regina Tereza Cestari de Oliveira e desenvolver pesquisas no
âmbito do projeto "Planos de Educação: direito à qualidade da educação básica e gestão
democrática", no ciclo de 2018-2019, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), o que me encorajou a pesquisar, a descobrir e a disseminar o

299
conhecimento científico ainda na graduação. Mais à frente, após os meus quatro anos de
graduação, realizei pesquisas nas áreas de história das mulheres e do feminismo, produções
literárias de autoria feminina e relações de gênero na literatura e na cultura. Embora o meu
contato com a pesquisa acadêmica tenha acontecido somente durante os meus últimos anos de
graduação, a minha relação com temáticas que dizem respeito às mulheres e às relações de
gênero ocorreu antes mesmo de eu ingressar na universidade, em especial por meio das obras
literárias.
Nos campos literário e acadêmico, existem inúmeras produções de autoria feminina que
comunicam a respeito da presença da figura feminina na sociedade e, em alguns desses escritos,
protagonizam mulheres indígenas. Em variadas produções acadêmicas e literárias realizadas
por pesquisadoras e escritoras indígenas e não-indígenas, é visível o compromisso e a influência
que a sociedade possui no processo de reafirmação da identidade e da cultura dos povos
indígenas e na desconstrução de estereótipos que se relacionam com a feminilidade indígena
(Kauss; Peruzzo, 2012). A historicidade apresentada pelas narrativas em questão destaca a
bravura, a resiliência e a liderança de mulheres que tentam superar os haveres do colonialismo
e seguem compartilhando histórias e vivências que se tornaram cruciais para a fixação dos
discursos acadêmicos e literários como contranarrativas aos escritos idealizados,
racionalizados, sexualizados e coloniais.
Sob o prisma da Linha de Pesquisa 3 - Diversidade Cultural e Educação Indígena, do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco
(PPGE/UCDB), o propósito dessa pesquisa é produzir análises referentes às imagens e às
representações das mulheres indígenas em obras escritas por homens não-indígenas na literatura
brasileira. De acordo com Alves (2019), quando as mulheres indígenas não eram posicionadas
às margens das histórias literárias e determinadas como personagens secundárias, eram
descritas de modo estereotipado por escritores não-indígenas. A respeito desse assunto, me
ocorreram questionamentos a respeito dos obstáculos e dos desafios identificados pelas
mulheres indígenas em razão da objetificação e da idealização de sua feminilidade. Afinal de
contas, qual lugar a mulher indígena ocupa nas narrativas literárias? De que forma a mulher
indígena é apresentada através da perspectiva de autores não-indígenas em obras clássicas da
literatura brasileira? Quais são as imagens e as representações da mulher indígena firmadas na
literatura que marcam negativamente a sua trajetória social, cultural e histórica na condição de
mulher?
300
Para buscar respostas para as perguntas em questão, pretendemos realizar uma pesquisa
documental que perpassará pelas três obras indianistas de José de Alencar (O Guarani (1857),
Iracema (1865) e Ubirajara (1874)) e pelos estudos teóricos de Homi K. Bhabha, Stuart Hall,
Catherine Walsh, Walter Mignolo, Galatry Chakravorty Spivak, Aníbal Quijano, Frantz Fanon,
entre outros(as), com o intuito de dialogar a pesquisa com os Estudos Culturais e os Estudos
Decoloniais, uma vez que são dois campos de estudo que não se constituem somente de uma
coisa. Tanto os Estudos Culturais (Hall, 1990) quanto os Estudos Decoloniais são diversificados
e controversos, podendo se modificar ou se ressignificar de acordo com os novos contextos.
Além disso, também será acrescentado ao referencial teórico autores(as) que dialoguem
diretamente com a temática em questão (Lynn Mário de Souza, Klaus Eggensperger, entre
outros(as)), pois as suas produções tratam, especialmente, a respeito da literatura sob uma
perspectiva pós-colonial e para um olhar sobre os Estudos Culturais.

Desenvolvimento

Cronologicamente, o início e o fim do período de colonização no Brasil ocorreu entre


1500 e 1822; entretanto, sob a perspectiva dos povos indígenas que habitavam o território
brasileiro antes da chegada dos portugueses ao país, o processo histórico de colonização e de
constituição de novas nações foi marcado por passagens bárbaras que deixaram marcas vividas
nos povos indígenas que perduram até os dias atuais. Em vista disso, a chegada dos portugueses
ao Brasil foi marcada não somente pela invasão e pela dominação do território geográfico dos
povos indígenas, mas também pela interferência no modo como eles se portavam, se
comunicavam, se vestiam, determinavam os costumes e as tradições dentro de suas
comunidades e produziam conhecimentos.
Os colonizadores tinham a intenção de eliminar a cultura e a identidade indígena e fazer
com que eles vivessem de acordo com a dita sociedade “civilizada e desenvolvida” (Alves,
2019). Esse foi um momento de bastantes lutas e resistências para a população nativa brasileira
— ainda que, em muitas dessas ocasiões, defender as suas origens significasse ter de lidar com
extinção de comunidades indígenas inteiras, com a grilagem de terras, com a dizimação
demográfica, com a destruição de meios tradicionais de sobrevivência física e cultural e com a
condenação de suas identidades étnicas.

301
Devido à predominância do poder europeu no momento de colonização do território
brasileiro, os povos indígenas eram forçados a seguirem a cultura do colonizador, a se afastarem
de sua identidade e a viverem de acordo com as regras e as imposições que eram constantemente
aplicadas pelos invasores. Sob essa perspectiva, a “colonialidade do poder” (Quijano, 2005),
que pretende pormenorizar as relações de poder, de controle e de hegemonia que surgiram ao
longo do período do colonialismo, “estabeleceu e fixou uma hierarquia racializada: brancos
(europeus), mestiços e, ocultando as suas diferenças históricas, culturais e linguísticas, “índios”
e “negros” como identidades comuns e negativas” (Candau, 2009, p. 14).
Para os colonizadores, a cosmovisão dos povos indígenas, a sua maneira de ser, de viver
e de sobreviver, era algo que deveria ser suprimido e extinto. Para mais, os povos indígenas
também deveriam prestar serviços escravos e se converterem plenamente ao catolicismo, tudo
sob a condição de serem mantidos vivos, embora a doença dos invasores tenha dizimado a
maioria da população nativa brasileira. Da mesma maneira que ocorreu em outros países que
foram submetidos ao processo de colonização europeia, desde o primeiro contato com os
colonizadores, grande parte da população indígena brasileira morreu devido às doenças
estrangeiras — as quais, muitas das vezes, eram propagadas propositalmente (Alves, 2019).
Durante esse período, o eurocentrismo foi instaurado no Brasil e os europeus foram
situados enquanto uma raça superior. Por esse motivo, os povos indígenas, ainda nos dias atuais,
são assimilados a estereótipos que desonram a sua cultura e a sua identidade, sendo chamados
de preguiçosos, selvagens, primitivos, sem cultura, sem alma, sem fé e carentes de quaisquer
tipos de civilidade, de modo a posicionar a população nativa brasileira enquanto seres
inferiores, uma vez que as únicas civilizações capazes de possuir dadas qualidades intelectuais,
culturais e identitárias eram os “brancos eleitos de Deus”. Conforme Raminelli (2009, p. 11)
descreve no texto Eva Tupinambá:

Nas terras do além-mar, os costumes heterodoxos eram vistos como


indícios de barbarismo e da presença do diabo; em compensação, bons hábitos
faziam parte das leis criadas por Deus. O que os conquistadores fizeram,
então, foi uma comparação das verdades próprias do mundo cristão com
a realidade americana. A cultura indígena foi descrita a partir do
paradigma teológico e do princípio de que os brancos eram os eleitos de
Deus, e por isso superiores aos povos do novo continente.

Desse modo, os povos indígenas foram vítimas de olhares eurocêntricos devido à


divergência étnico-cultural da dita “sociedade” em que eles estavam inseridos. Isso ocorre

302
porque os olhares, as ações, os discursos e os silêncios direcionados aos povos do novo
continente reforçam a discriminação que, por sua parte, desfigura a percepção de cultura e
posiciona como “errados” aqueles que não se encaixam nos padrões propostos pela visão
dominante.
Foram muitos os séculos marcados pela violência contra os povos indígenas, em
especial contra a população indígena feminina, que sofria duplamente pelo fato de serem
mulheres e de serem indígenas:

Um tempo que guarda a história de terror a que mulheres foram submetidas


quando feitas prisioneiras, escravizadas, violadas sob todas as formas e viram
seus filhos, crianças, ser entregues como alimento aos cachorros que
acompanhavam os exploradores das novas terras. Uma história com muitas
páginas em branco manipulando lembranças para manter esquecimentos.
(VIEIRA, 2017, p. 31)

Em alguns registros literários, as passagens que tratam sobre a realidade do processo de


colonização, sobre a perda, sobre o sofrimento e sobre a dor que as mulheres indígenas tiveram
que suportar como forma de resistência para dar continuidade à sua luta e pelo seu povo, são
breves e escassas. Essas passagens violentas, tristes, que machucam e que refletem até o
momento presente em seu povo, muitas das vezes, são mascaradas e reinventadas, sendo
escritas de maneira idealizada e estereotipada, silenciando as suas vozes a marginalizando a sua
cultura, a sua identidade, o seu modo de ser, de viver, de sobreviver e de olhar para a vida e
para o mundo.
Em algumas obras do cânone literário brasileiro, as quais são consideradas as maiores
referências do indianismo no país, as mais lidas e as mais estudadas nas escolas, nas
universidades e fora desses espaços também, é possível traçar algumas reflexões. Obras como
Iracema (1865), de José de Alencar, que é costumeiramente descrita como um romance que
evidencia a identidade cultural dos povos indígenas e representa a origem da nacionalidade
brasileira, merecem certa atenção nesse quesito. Nesse livro, apesar do autor fazer referências
que posicionem Iracema, uma indígena pertencente à etnia Tabajara, como possuidora de uma
beleza natural e incomparável, há passagens especialmente estereotipadas que descrevem a
mulher indígena de modo idealizado e a posiciona em situação de objeto, de seres destinados a
proporcionar prazer, para o aproveitamento de seus corpos e de sua beleza. Muitas das vezes, a
mulher indígena é colocada enquanto esposa e mãe ideal, que aceita a rejeição do marido e se
dedica à família, mas se esquece de si mesma:
303
— Iracema não pode mais separar-se do estrangeiro.
— Assim é preciso, filha de Araquém. Torna à cabana de teu velho pai, que te
espera.
[...] — Tua escrava te acompanhará, guerreiro branco; porque ela já é tua
esposa. (Alencar, 2018, p. 43, grifo nosso)

O caráter servil aparente nas ações de Iracema em relação ao seu marido, Martin, o
“branco eleito de Deus” da narrativa, posiciona ele enquanto guerreiro e ela enquanto sua
escrava, ou seja, uma“expressão negativa” que existia somente dentro da relação com uma
figura masculina Skliar (2003). Em outro fragmento do livro, Iracema complementa dizendo
que Martin, além de um guerreiro, também é o seu senhor: “Iracema tudo sofre por seu guerreiro
e senhor. A ata é doce e saborosa; mas quando a machucam, azeda. Tua esposa quer que seu
amor encha teu coração das doçuras do mel” (Alencar, 2018, p. 37). Nesse fragmento, Martin
é o senhor dela, de maneira a situar Iracema na posição de objeto, pois ele é capaz de deter
posse sobre ela e de possuir Iracema não somente como sua esposa, mas também como alguém
que pertence única e exclusivamente a ele, demonstrando a situação de submissão da mulher
indígena em relação ao estrangeiro.
No decorrer da narrativa, Iracema é influenciada a abandonar o seu povo, mas as suas
ilusões de convivência pacífica são destruídas quando ela é abandonada por Martin, ficando
apenas com o filho deles, Moacir1. Mesmo após o abandono e antes de morrer, Iracema ainda
se dirige à Martin como seu guerreiro e senhor: "quer erguer-se para ir ao encontro de seu
guerreiro senhor” (Alencar, 2018, p. 57).
Existem variadas obras da literatura brasileira que retratam as mulheres indígenas sob a
perspectiva do colonizador e discorrem a respeito de sua imagem e sua representação de modo
estereotipado, tornando a sua feminilidade uma característica objetificada, idealizada e
sexualizada:

A serenidade volta ao seio do guerreiro branco, mas todas as vezes que seu
olhar pousa sobre a virgem tabajara, ele sente correr-lhe pelas veias uma onda
ardente de chama.
[...] — Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme
na cabana de Araquém, onde nunca viera para teu bem e seu. Faze que seu
sono seja alegre e feliz.
— Manda; Iracema te obedece. Que pode ela para tua alegria? (Alencar, 2018,
p. 38)

1
Moacir significa “filho da dor” e, no livro em questão, simboliza o representante da nova etnia que estava se
formando no Brasil: os brasileiros.
304
No fragmento acima, Iracema pretende atender aos desejos de Martin porque está
apaixonada por ele, evidenciando ainda mais a perspectiva romantizada presente no livro. Para
mais, é possível visualizar o ocultamento de uma realidade que é dificilmente explicitada em
obras clássicas da literatura brasileira, em especial se tratando de mulheres indígenas.
Sendo assim, esta pesquisa, ao providenciar uma análise sobre as imagens e as
representações das mulheres indígenas em obras de autores não-indígenas na literatura
brasileira, pretende se desvencilhar dos estereótipos perpetuados por produções do cânone
literário brasileiro e evidenciar a realidade da mulher indígena durante os períodos
determinados pelas obras, de maneira a explicitar a sua representação, a sua identidade, a sua
cultura e o significado do que é ser mulher e indígena, subtraindo discriminações,
prejulgamentos, padronizações, hostilidades e preconceitos em relação ao seu povo, à sua
cosmovisão e à elas mesmas.

Considerações finais

Como foi apresentado anteriormente, a propagação de estereótipos associados aos povos


indígenas, à medida que são generalizados e tomam proporções sobressalentes, são capazes de
causar efeitos de difícil reversão em determinadas dimensões. No caso dos sujeitos
apresentados pela literatura em questão, o prolongamento de uma interpretação nociva em
relação à sua feminilidade pode afetar diretamente a perspectiva da sociedade em relação a
esses povos. Embora essa questão possa não parecer necessária para quem não reconhece as
suas consequências, há passagens ofensivas que continuam apoiando e propagando estereótipos
relacionados às mulheres indígenas, em especial nas obras literárias que constituem o objeto
desta pesquisa em andamento (O Guarani (1857), Iracema(1865) e Ubirajara (1874)).
Até o presente momento, há inúmeros estereótipos relacionados às mulheres indígenas;
no entanto, o que perdura nas produções literárias coloniais é o padrão da mulher indígena
romantizada, normalmente filha do "chefe” de sua comunidade, a qual, em sua grande maioria,
é retratada como uma mulher bonita e desejável, porém intocável, em especial pelos homens
brancos (europeus).Desse mesmo modo, ela geralmente é submissa e se apaixona por um
colono, sendo colocada, da maneira como Iracema foi, como "escrava" e em posições inferiores
em relação ao seu "guerreiro e senhor", demonstrando o seu prazer em ser posicionada em
circunstâncias subalternas e a sua adoração pelo seu companheiro europeu. Skliar (2003), sobre
a situação de inferiorização da mulher em relação ao homem, argumenta que, a figura feminina,
305
ao ser estabelecida dentro do discurso de poder colonial, não existe senão a partir da sua relação
com uma figura masculina. Normalmente, ela é assimilada a uma "existência ruim", uma
"expressão negativa" do homem, o que exterioriza a ideia de demonização desses sujeitos em
uma sociedade marcada pelos padrões coloniais.
Dado esse pensamento, é compreensível que certos padrões coloniais se comprimem
ainda mais quando dizem respeito às mulheres indígenas, pois elas são duplamente afetadas por
essas ideias. Desse modo, a interpretação da diferença, mesmo que à princípio, não deve ser
considerada de modo presumido, onde as características culturais, étnicas e de gênero são as
únicas particularidades consideráveis dos sujeitos. Ao contrário disso, a questão da diferença
deve considerar o seu deslocamento constante e ser visualizada de modo complexo, pois essa é
uma discussão que envolve áreas diversificadas que se congregam e se compõem através de
outras composições (Bhabha, 1998). Compreender a maneira como os estereótipos associados
às mulheres indígenas são prejudiciais e inapropriados para os sujeitos em questão é um modo
de estabelecer fissuras decoloniais (Walsh, 2019) e romper com a lógica de dominação colonial
que perdura até os dias atuais.

Referências bibliográficas

ALENCAR, José de. Iracema. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018.

ALVES, Cledeir Pinto. As Professoras Terena no Processo de Retomada do Território


Tradicional da Aldeia Buriti/Dois Irmãos do Buriti - MS. Campo Grande, 2019, 147 p.
Dissertação (Mestrado). Universidade Católica Dom Bosco.

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de Direito da Universidade Federal de Pelotas. v. 5, n. 1, p. 47-62, 2019.

307
ESTADO DO CONHECIMENTO: O QUE DIZEM AS PESQUISAS SOBRE AS
CONSTITUIÇÕES DAS RELAÇÕES DE GENERO

Cristiane Pereira Lima (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


professoracristianeperlima@gmail.com

José Licínio Backes (PPGE/UCDB)


backes@ucdb.br

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar estudos realizados sobre as relações de gênero,
sexualidade e representações no período de 2010 a 2020. Dissertações e teses sobre a temática
foram selecionadas e, posteriormente, analisadas. Assim, realizamos um mapeamento de fontes
das dissertações e teses produzidas sobre a temática, usando as palavras-chave: “Sexualidade,
Representações, Relações de Gênero e Professores/as”. Após essa busca, foram refinados os
resultados, a partir das opções: Bibliotecas Digitais de Dissertações e Teses (BDTD), tipo de
acesso: “Open Acess”; idioma: Português, ano da publicação: 2010 a 2020. Como resultados
foram encontrados 145 trabalhos. Entretanto, só foram selecionadas 4 dissertações e 3 teses que
possuíam como foco de investigação, e contemplassem no título e/ou no resumo, os seguintes
descritores: Sexualidade, Representações, Relações de Gênero e Professores/as. Com base nas
leituras das teses e dissertações mapeadas foi possível compreender que os sujeitos desde o
nascimento agem segundo os valores e costumes predominantes, pois são necessários que se
estabeleça um domínio sobre os indivíduos. Normalmente este domínio é estabelecido pelas
relações de poder e por instituições sociais e/ou grupos que detém poder em uma determinada
cultura designados pela sociedade. Qualquer desvio de conduta representa risco de sofrer
críticas e discriminação de gênero.

Palavras-chave: Sexualidade. Representações. Relações de Gênero.

Introdução

Neste artigo optamos pela terminologia “estado do conhecimento”, pois partimos do


pressuposto de que o conhecimento é construído em um determinado tempo e espaço histórico,
cultural, social e político, como acontece com as relações de gênero que buscamos analisar
neste trabalho. Assim, o estado conhecimento,

[...] seria a identificação, registro, categorização que levem à reflexão e síntese


sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado
espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre
uma temática específica. (MOROSINI, KOHLS-SANTOS e
BITTENCOURT, 2021, p.23)

308
Desta maneira, este tópico da pesquisa consistiu na caracterização e análise de
dissertações e teses sobre sexualidade, representações, relações de gênero e professores/as no
Brasil encontrados no portal da Capes. Esses relatórios foram selecionados a partir da
ferramenta de busca: “Portal brasileiro de publicações científicas em acesso aberto”, acessada
por meio do endereço eletrônico <http://oasisbr.ibict.br/vufind/>.
Assim, realizamos um mapeamento de fontes das dissertações e teses produzidas sobre
a temática, usando as palavras-chave: “Sexualidade, Representações, Relações de Gênero e
Professores/as”. Após essa busca, foram refinados os resultados, a partir das opções: Bibliotecas
Digitais de Dissertações e Teses (BDTD), tipo de acesso: “Open Acess”; idioma: Português,
ano da publicação: 2010 a 2020. Como resultados foram encontrados 145 trabalhos. Entretanto,
só foram selecionadas 4 dissertações e 3 teses que possuíam como foco de investigação, e
contemplassem no título e/ou no resumo, os seguintes descritores: Sexualidade,
Representações, Relações de Gênero e Professores/as.
Após o levantamento das produções acadêmicas, foram selecionadas, para leitura na
íntegra e posterior análise, conforme Tabela 1. Para chegar a esse número, estabelecemos alguns
critérios de exclusão, a saber:
a) não constar nos títulos, resumos ou palavras-chave alguns dos termos “sexualidade,
representações, anos iniciais do fundamental, relações de gênero e professores/as”;
b) terem sido realizadas ou publicadas fora do Brasil;
c) Pesquisas fora do período estabelecido;
d) Relatórios que contemplassem apenas a temática “professores/as” ou apenas a temática “anos
iniciais do ensino fundamental”.
Dos resultados das produções acadêmicas disponíveis no banco de teses e dissertações
do Instituto Brasileiro de Informação de Ciências e Tecnologia (IBICT), julgamos relevante
utilizarmos como critério de análise para o estado do conhecimento que pretendemos realizar,
o período histórico de 2010 a 2020.

TABELA 1 – Mapeamento das produções acadêmicas

ANO AUTOR TÍTULO INSTITUIÇÃO NÍVEL


2013 HAMPEL, “A gente não pensava nisso...”: UFGRS Doutorado
Alissandra educação para a sexualidade em educação
gênero e formação docente na
região da Campanha/RS
309
2019 SANTOS, Representações sociais de UFPE Doutorado
Ana Célia de relações de gênero de em educação
Souza professoras/es da educação
infantil
2014 TEIXEIRA, Gênero e diversidade na escola Doutorado
Fabiane - GDE: investigando narrativas UFPel em educação
Lopes de profissionais da educação
sobre diversidade sexual e de
gênero no espaço escolar
2016 FIORINI, Educação sexual nos anos Unesp – Campus Mestrado em
Jessica iniciais do de Marília Educação
Sampaio. Ensino Fundamental: currículo
e práticas de uma escola
pública da cidade de Marília-
SP
2011 FONSECA, Quem é o professor homem dos UFJF Mestrado em
Thomaz anos iniciais? Discursos, Educação
Spartacus representações e relações de
Martins gênero
2015 MOREIRA, Compreendendo a sexualidade Unesp - Campus Mestrado
Daniela infantil nas relações de gênero: Araraquara Profissional
Arroyo o lúdico como estratégia em Educação
Fávero educativa Sexual
2015 RUIS, Ser menino e menina, professor Unesp - Campus Mestrado
Fernanda e professora na Educação Araraquara Profissional
Ferrari Infantil: um entrelaçamento de em Educação
vozes Sexual
Fonte: tabela elaborada pela pesquisadora, com base nos dados encontrados no IBICT (2023)

Pela tabela, é possível identificar que, ao realizar as combinações com as palavras


“sexualidade, representações, relações de gênero e professores/as”, a quantidade de trabalhos
encontrados é reduzida significativamente, tendo em vista que na análise dos dados, buscou-se
identificar por meio de descritores como a temática de Sexualidade, Representações, Relações
de Gênero e Professores/as se articulam nas teses e dissertações desenvolvidas por
pesquisadores/as em Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu do país vinculadas às áreas
da educação, psicologia e linguagem.
Para isso, foi realizado uma análise das perspectivas teóricas predominantes nas
dissertações e teses, assim, evidenciou-se que os/as pesquisadores/as, de modo geral, têm
dedicado atenção ao aprofundamento do conceito de representação social, adotado pelo
Psicólogo Social Serge Moscovici, que sofre influências marxistas em sua fundamentação

310
teórica e outras pesquisas se utilizam do conceito de representação conceito concebido por
Stuart Hall, adotado por Tomaz Tadeu da Silva nas investigações sobre currículo, vinculadas
aos estudos culturais.

O que dizem as pesquisas?


Com base nas leituras das teses e dissertações mapeadas foi possível compreender que
os sujeitos desde o nascimento agem segundo os valores e costumes predominantes, pois são
necessários que se estabeleça um domínio sobre os indivíduos. Normalmente este domínio é
estabelecido pelas relações de poder e por instituições sociais e/ou grupos que detém poder em
uma determinada cultura designados pela sociedade ou quando agem demonstrando qualquer
desvio de conduta correm o risco de sofrer críticas e discriminação de gênero.
As pesquisas evidenciadas apresentam abordagem qualitativa com aporte teórico nos
estudos histórico-críticos, culturais, de gênero, sexualidade e aproximações com a perspectiva
Pós-estruturalista de análise. Nos estudos teóricos referente a sexualidade e gênero foram
utilizados/as autores/as de referência como: Guacira Lopes Louro, Jeffrey Weeks, Judith Butler,
Mary Neide Damico Figueiró, Richard Parker, Jimena Furlani, Paula Ribeiro, Eliane Maio,
Jane Felipe, Dagmar Meyer, Rogério Junqueira, Jane Felipe, Helena Altmann, Débora
Britzman e Constantina Xavier Filha.
Nestes estudos foram explorados conceitos e categorias apropriadas para a
compreensão da sexualidade, representações e relações de gênero. Apesar das discussões e
debates nessas áreas, essas discussões e estudos vem sofrendo ataques e fake news, devido a
onda conservadora que permeia a atual conjuntura política brasileira, justificando ainda mais a
importância dessa investigação para os dias atuais, já que tem sido também um tema bastante
complexo, tanto na esfera social, quanto política, religiosa, familiar, midiática e educativa.
Para que haja uma melhor compreensão das produções, apresentaremos abaixo de
maneira detalhada as contribuições de cada pesquisa selecionada para compor este estado do
conhecimento, seu objetivo, perspectiva teórica, problemática e algumas discussões.
A tese de doutorado intitulada “A gente não pensava nisso...” Educação para a
sexualidade, gênero e formação docente na região da Campanha/RS/2013, escrita por
Alissandra Hampel, possui uma abordagem qualitativa, com aporte nos Estudos Culturais e de
gênero, a partir de uma perspectiva Pós-estruturalista orientada pela Profa. Dra. Jane Felipe.

311
Para a produção dos dados foram utilizados vários instrumentos metodológicos, entre
eles a constituição de um grupo focal, composto por onze alunas/os do curso de Pedagogia da
URCAMP de Bagé em 2009, que teve seis encontros, tendo duração de uma hora e meia, na
sala da brinquedoteca da referida instituição com discussões que tinham como intuito abordar
conceitos relacionados a Educação para a sexualidade e as representações por meio dos
artefatos culturais como músicas e obras literárias.
Para ampliar a discussão a autora realizou um estudo minucioso dos currículos dos
cursos de Pedagogia da região da Campanha/RS, com o intuito de evidenciar a existência de
disciplinas que estivessem voltadas para as questões de gênero, sexualidade e diversidade. A
pesquisa teve como problemática investigar de que modo as temáticas de gênero e sexualidade
são pensadas e discutidas e de que forma poderíamos pensar em um currículo de formação
docente que atendesse as demandas existentes nas escolas da Região da Campanha/RS.
Esta pesquisa contribuiu no estado do conhecimento no que diz respeito a discussão da
formação docente e os currículos dos cursos de Pedagogia do local estudado. Auxiliou na
compreensão da utilização dos grupos focais em pesquisa com a perspectiva Pós-estruturalista
de análise. Ampliou a possibilidade de evidenciar as representações veiculadas sobre
sexualidade e gênero no espaço de formação de professores/as, bem como os silêncios e as
rupturas. A autora utilizou os seguintes autores para discutir os temas da educação para a
sexualidade como: Guacira Louro, Jeffrey Weeks, Judith Butler, Richard Parker, Jimena
Furlani, Jane Felipe, Helena Alltmann, Débora Britzman e Constantina Xavier Filha. Além das
pesquisas produzidas no PPGEdu/UFGRS - Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mais especificamente no GEERGE/Grupo de
Estudos de Educação e Relações de Gênero.
Além dos pressupostos teóricos a pesquisa apresenta a influência de algumas
instituições sociais como a mídia e a escola na constituição dessas representações sobre
sexualidade e gênero. [...] faz-se necessário repensar o papel da escola em relação a esses temas
que permeiam a vida não só de jovens e crianças, mas de todos nós, que estamos inseridos nessa
cultura. (Hampell, 2013, p.20). É importante ressaltar que a escola ou os cursos de formação
continuada não são e serão os salvadores das discussões, tendo em vista que as constituições
das relações de gênero é um processo histórico, social e cultural. Portanto, se trata de discussões
complexas e que advém de uma norma estabelecida socialmente. A pesquisa é finalizada

312
apontando a necessidade de que seja revista o currículo dos cursos de formação de
professores/as.
A segunda pesquisa “Representações sociais de relações de gênero professores/as da
educação infantil” escrita por Ana Célia de Sousa Santos em 2019, tem como objetivo
identificar as representações sociais de relações de gênero, analisando as possíveis relações
entre as RS e as práticas docentes das/os professoras/es de modo a compreender como são
construídas as relações de gênero na Educação Infantil. Como pressupostos teóricos foram
utilizados os seguintes campos teóricos: os estudos pós-coloniais e descoloniais e a teoria das
representações sociais. Assim, fundamentaram a pesquisa em Haraway (1995), Rago (1998),
Sardenberg (2002), e Santos (1989, 2002, 2009, 2010) para tratar da Ciência como um campo
de conhecimento que produz modos de ver o mundo e as pessoas; Sarti (2004) e Pinto (2003)
para abordar os movimentos de mulheres e feministas e sua importância para a transformação
das relações; Louro (1997, 2000, 2008), Oyěwùmí (2000, 2004), Cunha (2011, 2014, 2017);
Saffioti (2004), Piscitelli (2009) para discorrer sobre a construção do conceito de gênero,
destacando as contribuições para as epistemologias feministas e para a educação; Moscovici
(1978, 2003, 2013), Jodelet (2001), Gilly (2002), Arruda (2002a) para aprofundar sobre as
representações sociais e a aplicação dessa teoria no processo investigativo e na educação; Finco
(2017), Kramer (2006), Souza (2012) para discutir a prática docente na Educação Infantil e seus
preceitos legais.
Para a produção dos dados foi utilizado a Teoria das Representações Sociais,
especificamente a abordagem processual e/ou cultural de Denise Jodelet, que enfoca os aspectos
histórico e cultural como importantes para a compreensão da dimensão simbólica da RS. A
análise dos dados foi baseada na técnica de Análise de Conteúdo. (BARDIN, 1977). A pesquisa
de campo foi dividida em duas etapas. Na Etapa I foi aplicado um questionário e uma entrevista
com 13 professoras/es em sete Centros Municipais de Educação Infantil - CMEIs vinculados à
SEMEC, em Teresina/Piauí para identificação das representações sociais de relações de gênero.
Na etapa II, foi realizado a observação sistemática da prática docente de quatro professoras/es
de quatro Centros Municipais de Educação Infantil para identificar as possíveis relações entre
as representações sociais de relações de gênero e a prática docente.
A pesquisa teve como problemática entender como as relações de gênero são instituídas
na Educação Infantil, a partir do que pensam e ensinam as/os professoras/es, de modo a
contribuir ou não para a construção de um novo olhar sobre as relações de gênero. Para
313
responder a esse questionamento a mesma teve como objetivo geral identificar as
representações sociais de relações de gênero, analisando as possíveis relações entre as RS e as
práticas docentes das/os professoras/es de modo a compreender como são construídas as
relações de gênero na Educação Infantil. E, como objetivos específicos, identificar as
representações sociais de relações de gênero das/os professoras/es da Educação Infantil e
identificar as possíveis relações entre as representações sociais e as práticas docentes.
Esta pesquisa contribui para este estado do conhecimento no que diz respeito à utilização
do conceito de representações sociais em parte, tendo em vista que a pesquisadora utiliza apenas
a visão da psicologia social e foca no entendimento da exterioridade e interioridade, e para
Stuart Hall esta separação está se desfazendo. Como produto ou conteúdo concreto do ato de
pensar, as representações trazem as marcas do sujeito e de sua atividade, remetendo ao caráter
construtivo, criativo, autônomo da representação.
O terceiro trabalho “Gênero e diversidade na escola - GDE: investigando narrativas de
profissionais da educação sobre diversidade sexual e de gênero no espaço escolar” de autoria
de Fabiana Lopes Teixeira, produzida em 2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Pelotas, teve como objetivo investigar as narrativas de profissionais
da educação sobre diversidade de gênero e sexual no espaço da escola, a partir de um curso de
aperfeiçoamento a distância intitulado Gênero e Diversidade na Escola - GDE.
Esta pesquisa teve como conexões teóricas as contribuições dos Estudos Culturais, nas
suas vertentes pós-estruturalistas e com algumas proposições de Michel Foucault. A Tese
ancora-se no Método da Investigação Narrativa, que considera a narrativa como uma forma de
produção dos dados e, também, como uma possibilidade metodológica, com base nos autores
Jorge Larrosa, Michel Connelly e Jean Clandinin.
Para a produção dos dados, foram consideradas as narrativas produzidas por um grupo
de cursistas do curso GDE, promovido pela FURG/UAB, nos anos de 2009 e 2010, do Polo de
São Lourenço do Sul, no qual a pesquisadora atuava como tutora. Foram consideradas
narrativas tanto as falas dos sujeitos nos encontros presenciais e suas interações na Plataforma
Moodle, quanto a produção de seus projetos de intervenção. Para a análise dos dados, foram
utilizados duas categorias de análise: diversidade de gênero e diversidade sexual.
Ao analisar as narrativas sobre diversidade de gênero na escola, a pesquisadora analisou
a questão das masculinidades e feminilidades na escola, trazendo a categoria de gênero para se
pensar as práticas escolares e para refletir como são educados/as os/as alunos/as, tendo como
314
base as relações de gênero que foram sendo construídas em nossa sociedade. Nas produções
narrativas sobre diversidade sexual na escola, a mesma analisa a fabricação do sujeito normal
da escola, trazendo o conceito de currículos praticados para se pensar que as experiências
vivenciadas pelos sujeitos são construções culturais que regulam e produzem as identidades a
partir de uma lógica heteronormativa.
A pesquisa contribui neste estado do conhecimento na compreensão sobre a utilização
das narrativas, pois conforme a autora,

[...] A narrativa, além de ser entendida como uma modalidade discursiva, na


qual se pode ouvir e narrar histórias, produzidas e mediadas a partir das
práticas sociais, representa, também, uma experiência vivida que nos permite
entender quem somos nós e quem são os outros. (Teixeira, 2014, p. 29)

Dessa forma, a narrativa apresentada por Teixeira (2014) foi construída num processo
de contar e de ouvir histórias, em que os sujeitos que dela participaram puderam construir os
sentidos de si, dos outros, de suas experiências e do contexto no qual estavam inseridos.
A pesquisa de mestrado intitulada “Educação sexual nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: currículo e práticas de uma escola pública da cidade de Marília-SP” foi elaborada
por Jessica Sampaio Fiorini em 2016 na Universidade Estadual Paulista/UNESP, campus de
Marília – SP. Teve como objetivo identificar como a questão da sexualidade é abordada pelos/as
professores/as no espaço escolar, especificamente com relação à etapa dos anos iniciais do
Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Marília – SP. Para a produção dos
dados foi desenvolvida uma pesquisa com abordagem qualitativa, sendo realizada a revisão
bibliográfica sobre o tema, além de entrevistas semiestruturadas destinadas a docentes da escola
envolvida no estudo.
A problemática que orientou todo o desenvolvimento da pesquisa consistiu em
compreender como a sexualidade é abordada pelos/as professores/as nas escolas de educação
básica da cidade de Marília, especificamente referente à etapa dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Para a produção dos dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas,
mantendo-se certa flexibilização, que permitiu algumas adaptações necessárias, tendo um
roteiro orientativo. Participaram da pesquisa dezoito professores/as da escola envolvida.
A autora utilizou para a produção dos dados a revisão bibliográfica, onde foram
analisados mediante os apontamentos feitos por Marconi e Lakatos (2003), os dados coletados

315
foram criticados e interpretados para posterior redação da dissertação. Para a análise dos dados
e resultados da pesquisa referentes às entrevistas realizadas, a autora optou pela técnica de
análise de conteúdo, baseando-se em Ludke e André (1986), Franco (2008) e em Bardin (2002).
Os resultados da pesquisa indicaram que, muito embora se reconheçam manifestações
da sexualidade na etapa dos anos iniciais do Ensino Fundamental, há diversos conflitos vividos
pelos/as educadores/as que acabam impedindo a concretização de práticas em educação sexual
coerentes com uma perspectiva emancipadora, sendo, muitas vezes, reproduzidas condutas que
encerram o tema da sexualidade na reprodução da espécie e/ou em Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ISTs).
O trabalho “Quem é o professor homem dos anos iniciais? Discursos, representações e
relações de gênero foi elaborado por Thomaz Spartacus Martins Fonseca, na Universidade
Federal de Juiz de Fora (2011). No estudo em questão buscou-se conhecer quais os discursos e
representações de gênero e masculinidade surgem na escola a partir da presença do professor
homem dos anos iniciais, e de que forma estes discursos contribuem para sua subjetivação. Para
a produção dos dados foram apreendidas narrativas de dois professores homens dos anos
iniciais, bem como de gestoras e professoras que atuam diretamente com estes professores. A
pesquisa centrou-se nos discursos, representações e relações de gênero.
Esta pesquisa contribui no estado do conhecimento no entendimento de subjetivação
apontado por Foucault (apud Veiga-Neto, 2007, p.111), segundo o qual “[...] há três modos de
subjetivação que transformam os seres humanos em sujeitos”.
A objetivação de um sujeito nos campos dos saberes – que ele trabalhou no
registro da arqueologia – a objetivação de um sujeito nas práticas do poder
que divide e classifica – que ele trabalhou no registro da genealogia – e a
subjetivação de um individuo que trabalha e pensa sobre si mesmo – que ele
trabalhou no registro da ética. Em outras palavras, nos tornamos sujeitos pelos
modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de
transformação que os outros aplicam e que nós mesmos aplicamos sobre nós
mesmos. (Veiga-Neto, 2007, p.111).

Foucault encontra na linguagem a relação constitutiva entre pensamento e o sentido que


damos às coisas, em outras palavras, para o filósofo, damos ao mundo a interpretação de nossa
relação, de nossa experiência com ele; e isto acontece através da linguagem. Esta pesquisa
contribui pelo fato de nos apresentar a importância de conhecermos as histórias de vida e de
formação dos sujeitos participantes da pesquisa. Por meio dessas histórias é possível

316
compreender como foram constituídos os entendimentos e representações sobre as relações de
gênero.
A pesquisa “Compreendendo a sexualidade infantil nas relações de gênero: o lúdico
como estratégia educativa”, foi escrita por Daniela Arroyo Fávero (2015), na Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Campus de Araraquara – SP.
O trabalho teve como objetivo compreender a sexualidade infantil nas relações de
gênero por meio das representações dos educadores, familiares e professora, e do exercício de
situações lúdicas por crianças de uma sala do 1º ano do Ensino Fundamental, em uma escola
pública estadual, localizada no interior do estado de São Paulo. Participaram deste estudo
também 01(uma) professora e 22 (vinte e dois) familiares sendo 02(dois) pais e 20(vinte) mães.
Os instrumentos empregados para a pesquisa empírica foram: entrevista, questionário, diário
de campo e atividades lúdicas.
Para a realização deste estudo foram seguidos os pressupostos da teoria Histórico-
Cultural. Os dados obtidos foram analisados qualitativamente. A análise dos dados junto aos
familiares evidenciou que os mesmos apontaram diferenças significativas no comportamento e
na personalidade de meninos e meninas a partir da diferenciação de gênero.
A problemática da pesquisa versou em como é possível discorrer a pesquisa nas
atividades para o exercício de práticas pedagógicas lúdicas justamente na formação dos alunos
na área de Educação Sexual. Esta pesquisa veio ao encontro do entendimento que temos sobre
a sexualidade, pois compreendemos que a mesma tem um caráter dinâmico e mutável, não
apenas pelas particularidades de cada cultura, mas também pelo modo singular com que cada
pessoa assimila a dinâmica social por meio dos seus rituais, suas linguagens, suas fantasias,
suas representações, seus símbolos e suas convenções.
A pesquisa de mestrado “Ser menino e menina, professor e professora na Educação
Infantil: um entrelaçamento de vozes” (2015), elaborada por Fernanda Ferrari Ruis teve como
objetivo investigar como as relações e representações de gênero são expressas por meninas e
meninos, professor e professora no cotidiano de uma escola municipal de Educação Infantil.
Para a produção dos dados a autora adotou estratégias de investigação de abordagem
qualitativa. Participaram da pesquisa duas turmas de crianças com idade entre quatro e seis
anos, bem como os professores responsáveis pelas turmas. Foram realizados três etapas durante
a realização da pesquisa: observação, as práticas pedagógicas dos docentes e as interações entre
crianças e professores. Como estratégia para a coleta dos dados a pesquisadora se utilizou da
317
ludicidade. Como instrumentos metodológicos foram realizadas entrevistas semiestruturadas
para compreender os conhecimentos dos professores acerca da temática de gênero e
sexualidade. Para analisar os dados a autora fez uso da análise de conteúdo.
A pesquisa apresentou a necessidade de rever a formação docente no tocante as
discussões de gênero, diversidade sexual, sexualidade e educação sexual, mais uma vez vindo
ao encontro do que Hampel (2013) pontua em sua pesquisa, apresentado anteriormente.
Mesmo sendo uma pesquisa com crianças, traz contribuições significativas da
Psicologia Histórico-cultural que vê os sujeitos como construtores e suas potencialidades
mediadas pelas questões sociais, políticas, econômicas, religiosas e culturais.
Em síntese, pode-se constatar que ao examinar teses e dissertações nacionais publicadas
no período compreendido entre 2010 e 2020, a produção acadêmica acerca das relações de
gênero e educação ainda possui um longo caminho de estudos e pesquisas pela frente, tendo em
vista que a grande maioria dos trabalhos encontrados teve seus foco voltado mais para as
práticas pedagógicas, Educação infantil e a formação docente do que para a subjetivação dos/as
professores/as. A busca também evidenciou que as regiões Sul e Sudeste até o momento são as
que mais produzem conhecimento acerca desta temática.
Contudo a pesquisa evidencia e justifica a importância de se estudar como se constituem
as representações acerca das relações de gênero de professsores/as dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, pois entendemos que são várias interfaces articuladas nas relações de gênero que
irão construir/desconstruir alguns entendimentos.
Outro ponto a ressaltar diz respeito ao forte discurso de se acreditar que alterar os
currículos dos cursos de formação de professores resolveria o problema da dificuldade que se
faz presente nas discussões de gênero nos espaços escolares. Porém, é necessário compreender
que os sujeitos participam e coparticipam de diversos espaços sociais, e quando chegam na
universidade para realizar um curso de nível superior já afetaram e foram afetados por múltiplos
discursos, percepções, entendimentos, estereótipos e preconceitos diante da temática de gênero.
Portanto, esta mudança de pensamento é coletiva e deve permear todos os espaços e instituições
sociais na qual os sujeitos circulam.

Considerações finais
Neste contexto, esses dados nos impulsionam a ampliarmos nossos olhares e escutas
diante dessa problemática, a fim de construir novas pesquisas, por meio de arranjos e
318
perspectivas que promovam a familiaridade para captar aspectos não analisados nos estudos
anteriores. Cabe também a nós, pesquisadores em formação, contribuir para aproximar
universidade e escola, pois é necessário fazer essa ponte a fim de conhecer o contexto da
educação básica, auxiliando de certa maneira todos/as que constituem a comunidade, tornando-
a mais democrática e voltada para o reconhecimento das diferenças, garantindo o respeito entre
os sujeitos na escola.
Sob essa perspectiva, Candau (2016, p.807) considera que “é tempo de inovar, atrever-
se a realizar experiências pedagógicas a partir de paradigmas educacionais ‘outros’, mobilizar
as comunidades educativas na construção de projetos políticos- pedagógicos relevantes para
cada contexto”. A autora destaca a importância dos/as professores/as se reinventarem com um
olhar e escuta mais abertos às diferenças culturais, pois poderão renovar as práticas do cotidiano
escolar.
Para que essa mudança ocorra nas práticas educativas, é necessário repensar a estrutura
curricular, a fim de não reduzirmos os conteúdos de maneira superficial ou implementá-los em
eventos pontuais de caráter comemorativo, sem que se tenha preocupação em contextualizar,
problematizar e desnaturalizar e sobretudo descolonizar as práticas pedagógicas.
Uma educação para as relações de gênero requer mudança de olhares/escutas diante das
diferenças culturais, valorizando as riquezas e potencialidades para a construção de um mundo
menos desigual. A busca por conhecimento e reconhecimento das diferenças pode garantir
práticas pedagógicas que se fortaleçam no enfrentamento do sexismo no cotidiano escolar,
garantindo maneiras outras de sermos homens e mulheres ou de ser e viver as identidades de
gênero.
Assim, articulamos a discussão sobre as relações de gênero vinculadas às relações de
poder, tendo em vista que a construção e a desconstrução de gênero são, organizadas pelas
representações vividas nas relações sociais e as identidades são “[...] moldadas pelas redes de
poder de uma sociedade”. (Louro,1999, p. 11).

Referências
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FIORINI, Jessica Sampaio. Educação sexual nos anos iniciais do ensino fundamental:
currículo e práticas de uma escola pública da cidade de Marília-SP / Jessica Sampaio Fiorini. –

319
Marília, 2016. 159 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de Marilia), 2016.

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Discursos, representações e relações de gênero. Dissertação (Mestrado em Educação).
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VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. 2. Ed. Belo Horizonte, Autentica 2007.

320
IDENTIDADES E DIFERENÇAS: AS CRIANÇAS E SUAS EXPERIÊNCIAS
BRINCANTES

Graciela Mendes Nogueira Targino (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


gracielatargino@gmail.com

José Licínio Backes (PPGE/UCDB)


backes@ucdb.br

Resumo: O artigo tem como objetivo mostrar a legislação que se refere a educação infantil, o
processo de construção das identidades e diferenças e como as brincadeiras são centrais nesse
processo. A ideia de identidade e diferença tem permeado alguns documentos que regem a
educação brasileira como a Constituição Federal, as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros. Ao longo da vida
acontecem vários processos de subjetivação que vão nos constituindo de maneira diferenciada.
Vamos nos tornando aquilo que somos. O que falamos e fazemos depende do que nos constitui
e esse processo é constante na vida dos sujeitos. As identidades são sempre incompletas que se
encontram no outro e enriquece nosso eu. Em contato com o outro saímos de nós mesmos e
aprendemos com este o que complementa nossa subjetividade. Percebemos assim, que a
produção da identidade é um processo social, simbólico, portanto, mutável e está em constante
construção e mesmo que haja características comuns entre as pessoas e grupos, a constituição
das identidades varia de acordo com suas vivências e representações. Para as crianças, as
brincadeiras são centrais no processo de construção de suas identidades.

Palavras-chave: Identidades, diferenças, crianças, brincadeiras.

A criança no contexto da legislação educacional

A ideia de identidade e diferença tem permeado alguns documentos que regem a


educação brasileira. Com o intuito de aprofundar nossas discussões vamos nos ater à primeira
etapa da Educação Básica, a Educação Infantil. A Constituição Federal em seu artigo 215,
declara os direitos dos cidadãos brasileiros à valorização das manifestações culturais e da
diversidade étnica e regional. Também as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Infantil, ressaltam que a criança é

[...] sujeito histórico e de direitos, que, nas interações, relações e práticas


cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,
imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e
constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (Brasil,
2010, p. 12).
321
Assim, a criança como sujeito histórico produz história e por ela é produzida, deste
modo, produz também cultura. O mesmo documento quando trata dos princípios que devem
pautar as Propostas pedagógicas das escolas, explicita os princípios éticos, políticos e estéticos.
E nos princípios éticos destaca: “Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e
do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e
singularidades.” (Brasil, 2010, p. 16). O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) em seu
artigo 17 faz menção à identidade das crianças e mesmo que não parta de um princípio de
transitoriedade/flexibilidade, a ideia de identidade está presente. O ECA em seu artigo 4º
quando trata das políticas públicas, defende que estas devem ser elaboradas com o intuito de:
“[...] respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a
diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos
sociais e culturais”. (Brasil, 1990, p. 199).
Desta maneira, percebemos que em se tratando de educação e criança pequena,
precisamos possibilitar a construção de suas identidades, sempre respeitando e valorizando as
diferenças entre as pessoas. Neste sentido, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz
alguns elementos para se pensar sobre a valorização das diferenças na escola, mesmo que eu
tenha ressalvas em relação a esse documento, devo admitir que ideias sobre identidades e
diferenças permeiam alguns princípios estabelecidos nele. Quando a BNCC trata das
competências gerais da Educação Básica, uma dessas competências é:
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação,
fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos,
com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos
sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem
preconceitos de qualquer natureza. (Brasil, 2018, p. 10)

Esse termo “competência” muito me incomoda, pois remete aos princípios de educação
fordista e taylorista, de adaptação dos educandos ao mercado de trabalho, preparando os filhos
dos trabalhadores para o trabalho precarizado. Como já mencionei anteriormente essa é uma
das críticas que tenho em relação a esse documento. Contudo, a BNCC traz a ideia de
identidades como construção. Quando expõe os direitos de aprendizagem e desenvolvimento
das crianças na Educação Infantil, um desses direitos é:

Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo


uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas
experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas

322
na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário. (Brasil, 2018,
p. 38).

Ainda outro direito de aprendizagem e desenvolvimento das crianças na Educação


Infantil, é: “Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando
diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à
cultura e às diferenças entre as pessoas”. (Brasil, 2018, p. 38).
Destarte, mesmo ainda que de forma um tanto tímida, o reconhecimento e o respeito às
diferenças e o entendimento das identidades plurais estão presentes no documento e mais do
que o respeito, a BNCC ainda defende que;

[...]a afirmação de sua identidade em relação ao coletivo no qual se inserem


resulta em formas mais ativas de se relacionarem com esse coletivo e com as
normas que regem as relações entre as pessoas dentro e fora da escola, pelo
reconhecimento de suas potencialidades e pelo acolhimento e pela valorização
das diferenças. (Brasil, 2018, p. 58).

Assim, para além do reconhecimento das identidades e do respeito às diferenças, o


documento fala sobre afirmação da identidade e de valorização das diferenças. No entanto, o
que é identidade e como se dá o processo de construção/produção desta? E quando se trata da
diferença podemos nos questionar: O que é diferença? Quem é o diferente? Quem determina o
que é ser diferente? Como a identidade e diferença se relacionam? Quais as implicações
políticas, curriculares e sociais da diferença?

A construção das identidades e diferenças

Repetir discursos de tolerância, ou falas superficiais sobre a diversidade sem


problematizar as questões acima descritas apenas cria/reproduz um sistema que se diz
“tolerante” em que há uma identidade hegemônica tolerante e outra menos importante que deve
ser tolerada. Acerca desse processo de reflexão sobre a identidade e diferença, Tomaz Tadeu
da Silva (2000, p. 99) tomado por inspiração pós-estruturalista defende que: “É crucial a adoção
de uma teoria que descreva e explique o processo de produção da identidade e da diferença. [...]
uma teoria que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas
questioná-las”. (Silva, 2000, p. 99).
Assim, a teoria que nos acompanhará em nossas problematizações sobre identidade e
diferença perpassa pelos Estudos Culturais em especial no que defendem Hall (1997; 2000;
2006), Walsh (2016), Woodward (2000) e Santos (2004; 2008). Neste sentido, a identidade não
323
é apenas um fato e a diferença não é apenas o que o outro é e sim ambas são produções sociais
e culturais que se inter-relacionam e também são “atos de criação linguística” (Silva, 2000, p.
76).
Como a linguagem é um sistema mutável e inconstante, assim também é a identidade e
a diferença. Percebemos que a produção das identidade e diferenças, é portanto, uma construção
simbólica, discursiva e está articulada com as relações de poder (Silva, 2000, p. 81). Isso fica
evidente em vários aspectos da sociedade, percebemos, em especial, observando que quem tem
o poder de representar determina as identidades e diferenças em termos binários. Há que se
pensar, defender e organizar a problematização desses binarismos onde delimita fronteiras e
enaltece determinadas identidades ditas “normais”, questionando também a representação
desses elementos, levando em consideração que a linguagem que usamos faz parte de um
sistema de representação maior que pode reforçar negativamente alguém ou algum grupo ou
pode expor a multiplicidade de ser, estar, viver e sentir.
A respeito das concepções de identidades, Hall (2006, p. 10) aborda três tipos, o
primeiro deles é o “sujeito do iluminismo” centrado em sua essência/núcleo interior; o segundo
é o “sujeito sociológico”, fruto das relações do mundo interior e exterior e o terceiro: “sujeito
pós-moderno” desprovido de uma identidade fixa, que não possui essência e é produzido
historicamente e não biologicamente. É a partir dessa ideia de sujeito pós-moderno que nos
debruçaremos neste artigo.
Ao longo da vida acontecem vários processos de subjetivação que vão nos constituindo
de maneira diferenciada. Vamos nos tornando aquilo que somos. O que falamos e fazemos
depende do que nos constitui e esse processo é constante na vida dos sujeitos. As identidades
são sempre incompletas que se encontram no outro e enriquece nosso eu. Em contato com o
outro saímos de nós mesmos e aprendemos com este o que complementa nossa subjetividade.
De acordo com Hall (2006, p. 38): “a identidade é realmente algo formado ao longo do tempo,
através de processos inconscientes”. Percebemos assim, que a produção da identidade é um
processo social, simbólico, portanto, mutável e está em constante construção e mesmo que haja
características comuns entre as pessoas e grupos, a constituição das identidades variam de
acordo com suas vivências e representações.
Hall (2006) escreve sobre a construção dessas identidades e diferenças e enfatiza a
influência da globalização. O autor aponta três possíveis consequências neste contexto: as
identidades poderiam se desintegrar, as identidades seriam reforçadas em processo de
324
resistência ou novas identidades poderiam surgir em um processo de hibridização. Há, neste
contexto de globalização, uma tendência de homogeneização, mas ocorre também um processo
de diferenciação por conta dos processos subjetivos que se dão de maneira muito individual.
Assim, o autor reflete que a globalização:

[...] tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma


variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as
identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas, menos
fixas, unificadas ou trans-históricas. Entretanto, seu efeito geral permanece
contraditório. (Hall, 2006, p. 87).

Reforçando assim, o caráter transitório, mutável, subjetivo e constante da produção das


identidades. Neste mesmo sentido, para Woodward (2000, p. 9), a identidade é marcada pela
diferença. As diferenças deslocam nossas identidades. Percebemo-nos diferentes em contato
com o outro. Assim, a diferença é fator fulcral no processo de produção da identidade. Precisa
assim, ser valorizada e respeitada e não tolerada. Para além da tolerância há que se pensar:
Como a diferença me enriquece? Como sou afetado pela diferença? Como me vejo na presença
do outro? Em que sentido minha identidade negocia com as diferenças? Como as diferenças
constituem minha subjetividade? Problematizar e refletir sobre a produção das diferenças torna-
se importante para entendermos como se dá a produção das identidades e a importância das
vivências neste processo.
Bauman (2007), quando teoriza sobre os tempos líquidos, no bojo de suas reflexões traz
elementos importantes para pensarmos as diferenças na sociedade. Muitos sujeitos se
identificam com outros sujeitos, por partilharem traços “comuns” e estranham qualquer pessoa
que possa ser ou pensar diferente. Esse estranhamento gera sensações e ações que inferiorizam
os considerados diferentes. Essas ações podem gerar ódio, medo e ansiedade em relação ao
outro. Neste contexto o diferente não é necessário, precisa estar escondido nos guetos ou até
mesmo extinguido, consequentemente esses pensamentos levam à ações machistas, misóginas,
xenofóbicas, gordofóbicas e LGBTfóbicas e aversão à qualquer pessoa que possa demonstrar
traços diferentes dos seus, seja nos modos de vestir, falar, andar, sentar, comer, ou pela sua cor
ou tom de pele, seu cabelo, sua altura, entre outros. Para Bauman:
[...] não é de estranhar que os indivíduos que buscam e praticam a terapia da
fuga, encarem com horror cada vez maior a perspectiva de se confrontarem
cara a cara com estranhos. Estes tendem parecer mais e mais assustadores à
medida que se tornam cada vez mais exóticos, desconhecidos e
incompreensíveis, e conforme, o diálogo e a interação que poderiam acabar
assimilando sua “alteridade” ao mundo de alguém se desvanecem, ou sequer
325
conseguem ter início. A tendência a um ambiente homogêneo, territorialmente
isolado, pode ser deflagrada pela mixofobia. (Bauman, 2007, p.94).

Neste sentido, há uma alucinação de que os diferentes não participam do processo de


subjetivação do outro. Há também um empobrecimento nas relações humanas, pois como
aponta o autor: “A partir do momento em que o Outro me olha, sou responsável por ele [...]”.
(Baumna, 2009, p.159). Assim, todas as pessoas aprendem e ensinam das mais variadas
maneiras. No encontro com o outro nos constituímos, nesta conexão os seres se tocam e as
vivências que realizamos de escuta e aprendizado nos produzem. A partir daí nos percebemos
instáveis, contraditórios, inacabados, inconsistentes. Entendemos que nossa identidade é
múltipla, assim, não falamos mais de identidade, no singular, mas em identidades, no plural,
que são diversas e que não são essenciais, homogêneas, estáveis e constantes, mas que
negociam com as diferenças (Bhabha, 2001) e se manifestam de maneiras diferentes em
contextos diferentes.
Não há cultura que se baste, não há identidade que seja fixa e não há diferença cultural
subalterna. As culturas são sempre incompletas, as identidades adquirem sentido por meio da
linguagem e dos símbolos, nas relações sociais e de poder e as diferenças não podem ser apenas
reconhecidas, pois, isso os colonizadores também fizeram, elas precisam ser valorizadas, pois
constituem os sujeitos. Sendo assim, destacamos o papel da dimensão cultural na produção das
identidades e diferenças.
Quando Hall (1997) escreve sobre a centralidade da cultura, ele defende a virada cultural
como fundamental para entendermos a dimensão cultural na análise da sociedade. Assim,
podemos entender que as identidades e diferenças são frutos dessa dimensão que pode ser vista
ocupando lugar central. Não no sentido de que é mais importante do que outras dimensões como
a política e econômica e também não se refere à supervalorização do que está no centro em
detrimentos ao que está na periferia, mas, no sentido de defender a cultura como dimensão que
permeia todos os aspectos da vida social.
Para pensarmos sobre a dimensão cultural, precisamos refletir sobre a constituição dos
sujeitos. Paulo Freire em seu livro Pedagogia da Autonomia diz que somos “seres inacabados”
(Freire, 1996, p. 28). Somos seres incompletos que encontramos no outro marcas que nos
constituem e deixamos no outro marcas que os constituem. No fluxo da vida nos construímos,
desconstruímos e reconstruímos na relação com o outro, com as experiências e com o meio. Se
somos seres inacabados, tudo aquilo que produz sentidos para nós também é incompleto,

326
inacabado, inconcluso. Nossas culturas, nossos saberes e tudo aquilo produzido pela
humanidade inacabada é também inacabado.
Partindo deste pressuposto entendemos a cultura como “a soma de diferentes sistemas
de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar
significado às coisas”. (Hall, 1997, p. 10). Assim, a cultura como categoria inacabada encontra
na outra uma riqueza de sentidos que se relacionam de maneira horizontal e que se
complementam a outras criando novos sentidos, outras expressões, outras culturas. Destarte,
Santos (2007, p 85), aponta sobre a ecologia dos saberes:

Como ecologia de saberes, o pensamento pós-abissal tem por premissa a ideia


da inesgotável diversidade epistemológica do mundo, o reconhecimento da
existência de uma pluralidade de formas de conhecimento além do
conhecimento científico. Isso implica renunciar a qualquer epistemologia
geral. Existem em todo o mundo não só diversas formas de conhecimento da
matéria, da sociedade, da vida e do espírito, mas também muitos e diversos
conceitos e critérios sobre o que conta como conhecimento.

Para o autor, há uma infinidade de maneiras de produzir conhecimento e nenhuma é


mais importante que outra, assim ninguém está completo e nenhuma cultura é considerada
superior. O humano, como ser inacabado, está em constante metamorfose. Suas culturas
também. Deste modo, a multiplicidade de produção de conhecimento é imensa. Portanto,
“temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser
diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza” (Santos, 2004, p. 56).
Nossas identidades se produzem, fluem e se apresentam de maneiras diferentes, em
diferentes tempos e espaços. Pensar as identidades e diferenças é também pensar em diálogos,
respeito, comunhão e não apenas na tolerância ao outro. Valorizar a diferença não é apenas
conviver com ela, é entendê-la como riqueza e possibilidade de aprender com os outros. Apenas
dizer que respeita a diversidade não é suficiente. Há que se entender a multiplicidade como
enriquecedora, as diferenças como ingrediente chave para nossa constituição e a identidade
como produção fluida.
Somos, nos expressamos e nos identificamos de maneiras diversas, porque nós não nos
bastamos e nas diferenças nossas identidades se enriquecem. Para Hall: “[...] o sujeito assume
identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de
um ‘eu’ coerente” (Hall, 2006, p. 10). Assim, as identidades são construídas e se apresentam de
diversas maneiras em diferentes contextos. Neste sentido, desde a mais tenra idade a dimensão

327
cultural permeia as vivências dos sujeitos. Como já vimos anteriormente, o processo de
construção das identidades e diferenças são permanentes na vida dos sujeitos e contribuem na
construção de suas subjetividades que envolvem seus pensamentos e sentimentos particulares.
Para Silva (2000), há a necessidade da pedagogia da diferença, em que “educar significa
introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se limitaria a reproduzir o mesmo e
o idêntico, um mundo parado, um mundo morto”. (Silva, 2000, p. 101). Portanto, há uma
urgência na educação para as diferenças. A seguir, refletiremos acerca desta educação com
crianças pequenas.

A construção das identidades diferenças nas crianças pequenas

As crianças, como sujeitos sociais, possuem suas experiências culturais, e quando


refletimos sobre cultura e infância, logo nos remetemos às suas experiências brincantes. As
crianças assim, além de constituírem seu repertório lúdico, também participam no processo de
construção de suas identidades. Neste contexto, os brinquedos e brincadeiras são elementos
importantes que representam/discursam sobre gênero, etnia, classe social, entre outros. Acerca
da construção da identidade de gênero, Louro aponta:

Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes discursos, símbolos,


representações e práticas, os sujeitos vão se construindo como masculinos ou
femininos, arranjando e desarranjando seus lugares sociais, suas disposições,
suas formas de ser e de estar no mundo. Essas construções e esses arranjos são
sempre transitórios, transformando-se não apenas ao longo do tempo,
historicamente, como também transformando-se na articulação com as
histórias pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de classe ... (Louro,
1997, p. 28).

Embora em casa, na mídia e até mesmo na escola haja brinquedos e posturas que
reforçam a normatização que há no mundo dos adultos, estabelecendo o que seriam brincadeiras
de meninos e o que seriam brincadeiras de meninas, a possibilidade de brincar livremente, o
acesso das crianças a diferentes brinquedos e brincadeiras e principalmente a interação entre as
crianças são elementos chave para a construção das identidades.
Neste processo de interação as crianças ressignificam brinquedos e brincadeiras e
subvertem ou reproduzem padrões. Como a interação se dá ativamente, a criança ao longo de
sua vida assimila os padrões performativos da sociedade, mas atua com base em suas vivências

328
e representam suas concepções por meio da brincadeira e por ela também se constituí como ser
social/cultural.
Para Konrath e Schemes (2019, p. 54):

As brincadeiras e os brinquedos traduzem uma visão de mundo, ao mesmo


tempo em que também requerem de uma cultura (um conjunto de
significações) para existirem. E ao fazerem parte do mundo infantil, por meio
de diferentes significações e modos de entretenimento, vêm carregados de
manifestações sociais e culturais, ou seja, de conteúdos, diferentes modelos e
interesses sociais, num processo de construção da identidade infantil.

Assim, nos momentos de brinquedos e brincadeiras o professor precisa estar por inteiro
observando e organizando espaços e tempos para que possa acompanhar os processos de
construção das crianças e ressignificar suas práticas pedagógicas, proporcionando experiências
lúdicas ricas para o processo de construção das identidades e diferenças.
A pesquisadora Grubits (2013) ao analisar as brincadeiras das crianças Guarani/Kaiowá,
Kadiwéu e Terena de Mato Grosso do Sul, observou que o processo de construção das
identidades das crianças em alguns momentos volta-se para os costumes locais em outros volta-
se para os sujeitos da cidade. As crianças Guarani/Kaiowá brincavam livremente na natureza
assim como em qualquer comunidade rural e as ações lúdicas estavam presentes na rotina, não
havendo necessariamente um momento específico para tal. As crianças Kadiwéu demonstravam
em suas expressões brincantes fortes influências da cultura local: a cerâmica, a flora e a fauna
estavam frequentemente presentes em seus desenhos e brincadeiras. Além disso, os meninos
Kadiwéu se interessavam por meios de transportes que os visitantes usavam para acessar a
comunidade. As crianças Terena também brincavam muito ao ar livre, brincavam no rio,
pescavam, nadavam e escalavam nas árvores. Mas também assistiam televisão, jogavam
Fliperama na cidade de Sidrolândia, jogavam bola, brincavam de bonecas e carrinhos.
Embora cada etnia tenha maneiras diversas de expressão, percebe-se na pesquisa de
Sonia Grubits que as diferenças no brincar de cada grupo constituem o processo de construção
das identidades destes. E que mesmo possuindo características comuns entre os grupos, como:
brincadeiras ao ar livre e utilização de elementos da natureza como brinquedos, existem
diferenças entre os grupos e em um processo de negociação as identidades são reconstruídas
continuamente.
Ao se falar sobre construção de identidades também abordamos as questões étnico-
raciais que existem na sociedade. Falando no contexto escolar, se na escola há apenas bonecas
329
brancas, com cabelos lisos, fantoches com cor de pele branca, filmes e livros com heróis,
heroínas, guerreiras, guerreiros e princesas e príncipes brancos, cartazes e painéis que rodeiam
as crianças com seus recursos imagéticos e demais recursos pedagógicos cuja representação dos
personagens principais seja sempre pessoas brancas, este possivelmente será o modelo que
impactará na constituição das identidades das crianças.
No entanto, mais do que recursos pedagógicos diversos há que se pensar em outros
elementos. Nesta perspectiva, trago um excerto da tese de doutorado de Amaral (2013), que
pesquisou sobre a Infância e a construção da identidade étnico-racial na Educação Infantil em
um Centro Municipal de Educação Infantil, na cidade de Curitiba no ano de 2013. De acordo
com a pesquisadora:
Ao me aproximar das meninas no canto das bonecas, pedi à Glória (preta):
- Você pega uma boneca bem bonita para eu brincar?
Com a anuência da menina, complementei:
- A mais bonita, está bem?
Tendo a opção de bonecas do sexo masculino e feminino, brancas e pretas, ao
selecionar a mais bonita, conforme enfatizei, Glória (preta) escolheu um
exemplar do sexo masculino, branco e de olhos azuis. Após brincar um pouco
com o boneco, resolvi trocá-lo por uma boneca preta, e passado algum tempo,
questionei
em tom de dúvida:
- É esse o bebê que você escolheu pra mim?
- Não, é o de cor de pele.
- E esse não é cor de pele? Perguntei.
- Não, esse é preto. Falou Glória (preta) (Amaral, 2013, p. 8)

Essa fala de Glória nos faz perceber o quanto desde muito cedo as crianças inferem
significados ao que é representado. E nos faz questionar sobre nosso papel na escola para que
as crianças percebam a riqueza do diverso. Defendemos assim, que as escolas tenham recursos
diversificados que representem a realidade brasileira, mas também há a necessidade de que os
profissionais da educação tenham uma postura de valorização das diferenças no processo de
construção das identidades. Por exemplo, na Educação Infantil é muito comum os professores
pentearem os cabelos das crianças após o momento do banho. Contudo, alguns educadores
dizem que preferem não “mexer” nos cabelos afro, pois afirmam não saber arrumar cabelo
crespo ou não querer desfazer o penteado que a família fez. No entanto, estes educadores estão
negando à criança aquele momento que significa muito mais do que um penteado e sim significa
aconchego, colo e afeto tão importantes nesta etapa da Educação Básica. Este é um exemplo de
que a postura do educador é fundamental para uma educação que valorize as diferenças.

330
Assim, os educadores precisam evidenciar as diferenças e não negá-las e no cotidiano
das escolas, elas estão latentes e vibrantes. Não se trata apenas de identificar as diferenças e sim
de evidenciá-las como potência na construção de cada ser que ali na escola se faz presente.
Entretanto, além dos recursos diversos e posturas de valorização das diferenças há que
se pensar nas ações de combate ao racismo estrutural, em especial no que diz respeito à políticas
para correção das desigualdade sociais e econômicas envolvendo ações afirmativas que
garantam acesso à escola, ensino superior, a empregos em grandes empresas, saneamento
básico, saúde, segurança e moradia à todas as pessoas. Essas políticas são importantes, pois
podem contribuir para que as mais diversas pessoas estejam presentes nos mais diversos setores
da sociedade, representando, de fato o povo brasileiro. Sendo assim:

É importante pensar que a exclusão social é também racial em nosso país e se


manifesta pelo não acesso de crianças e jovens negros, por exemplo, a seus
direitos básicos, bem como pela sua falsa inclusão em instituições, entre elas
as escolares. Diante disso, ao observarmos a escola e seus diversos
mecanismos, como materiais didáticos, instrumentos, construção curricular e
práticas pedagógicas, notamos que o sujeito negro é sub-representado,
apagado e estereotipado ainda nos dias atuais. E assim uma educação para a
morte, ou seja, uma necroeducação se estabelece. Ao nos dispormos a
construir uma sociedade que promova concretamente o acesso de todos e de
todas à educação, é preciso atuar considerando as possibilidades de
intervenções pedagógicas e políticas educacionais que promovam uma
equidade de oportunidades e de justiça sociorracial por meio da educação.
(Costa; Martins; Silva, 2020, p. 18).

Percebemos, que há a necessidade de diversos recursos, posturas de valorização e


políticas que contribuam para que haja uma superação dessa necroeducação vigente nas
pedagogias atuais que querem apagar as diferenças e que em seu lugar possa emergir uma
educação/pedagogia que se entrelace “com a militância intelectual e o ativismo” (WALSH,
2016, p. 66) contribuindo significativamente para a construção de identidades diversas e
consequentemente para a visibilidade das diferenças como riqueza.

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333
INDÍGENAS WARAO EM PORTO VELHO: EXPERIÊNCIAS INTERCULTURAIS
DE UM PROJETO DE EXTENSÃO EM ANDAMENTO

Tharyck Dryely Nunes Rodrigues Fontineles (PPGEEProf/UNIR)


tharycknunes@gmail.com

Ana Clara Dantas Ramos (Pedagogia/UNIR)


anaclara.dantasramos@gmail.com

Carlos Magno Naglis Vieira (PPGEEProf/UNIR)


carlos.vieira@unir.br

Resumo: O texto é resultado de reflexões preliminares a partir das experiências de um projeto


de extensão, em andamento, realizado com o povo Warao no município de Porto Velho, capital
do estado de Rondônia/RO. Vinculado ao Grupo de Pesquisa Educação Intercultural e Povos
Tradicionais/CNPq, o artigo busca apresentar o contexto social/familiar destes indígenas e as
estratégias de permanência em Porto Velho, principalmente no que corresponde a sua afirmação
étnica e cultural no contexto local. Amparado em uma metodologia qualitativa, o estudo,
utilizou-se de registros do diário de campo levantados a partir de conversas realizadas nos
encontros com os indígenas atendidos pelo projeto “Bem Viver Warao” desenvolvido pela
Cáritas Arquidiocesana de Porto Velho, em parceria com a SEMASF. Para compreender a
história dos Waraos, recorremos a pesquisas recentes produzidas em outros estados, bem como
autores na perspectiva da interculturalidade e nas discussões sobre a diferença. A partir dos
estudos e reflexões iniciais, compreendemos que este povo são diáspora e sua cultura está
sempre em processo de negociação. As aproximações preliminares realizadas sinalizam a
necessidade de maior aproximação teórica e epistemológica com a temática e o aprofundamento
para pensar novos elementos para os estudos com os Warao em contexto urbano.

Palavras-chave: Indígenas Venezuelanos. Povo Warao. Contexto urbano. Porto Velho/RO.

Já não é, então, a relação entre nós e eles, entre a mesmice e a alteridade, o que
define a potência existencial do outro, mas a presença — antes ignorada, silenciada,
aprisionada etc. — de diferentes espacialidades e temporalidades do outro; já não se
trata de identificar uma relação do outro como sendo dependente ou como estando
em relação empática ou de poder com a mesmice; não é uma questão que se resolve
enunciando a diversidade e ocultando, ao mesmo tempo, a mesmice que a produz,
define, administra, governa e contém; não se trata de uma equivalência culturalmente
natural; não é uma ausência que retorna malferida; trata-se, por assim dizer, da
irrupção (inesperada) do outro, do ser outro que é irredutível em sua alteridade.

(Carlos Skliar, 2003, p.43)

334
Introdução
Os movimentos migratórios tem ocupado um lugar significativo de reflexão no mundo
acadêmico. As produção referentes a temática, perpassam as várias áreas do conhecimento e
apontam para questões fundamentais baseada nas mais diversas epistemologias. Apesar de
ainda tímido, o crescimento do número de trabalhos relacionados ao assunto é resultado dos
diferentes idiomas, culturas, sotaques, cores e línguas que tem circulado no país, nos últimos
anos, em virtude de variadas razões de deslocamento.
Os conflitos armados, as catástrofes naturais e as crises econômicas são os fatores que
tem provocado a dinâmica migratória de grupos populacionais no mundo e no Brasil. Em
concordância ao assunto, Bauman (2017), escreve que essa população de migrantes são
“refugiados da bestialidade das guerras, dos despotismos e da brutalidade de uma existência
fazia e sem perspectiva têm batido à porta de outras pessoas desde o início dos tempos
moderno” (p. 13).
O cenário apresentado pelo autor e trabalhado por outros estudiosos, mostram que os
deslocamentos e os movimentos migratórios não são tão recentes como parecem. Se olharmos
historicamente para a formação dos primeiros grupos humanos, podemos verificar que essa
ação era considerada uma prática entre os sujeitos. Algum tempo depois, essa dinâmica, agora
tendo uma outra finalidade, acaba acontecendo a partir da colonização de países que foram
denominados de “colônias” e sofreram/sofrem com intensas imposições de regras, implantação
de valores ditos “civilizatórios”, além de uma cultura hegemônica que impõe o silenciamento,
a inferiorização e a subalternização a conhecimentos e saberes tracionais (Quijano, 2005).
No Brasil, a presença de imigrantes haitianos, senegaleses, congoleses, cubanos e
venezuelanos tem crescido de forma significativa e com isso, podemos presenciar que essa
migração tem contribuído para diferentes contornos sociais, políticos, econômicos,
educacionais, além da produção de identidades diaspóricas (Hall, 2003). Com base no autor,
compreendemos que os sujeitos diaspóricos são aqueles que por diferentes razões necessitaram
viver longe de seu espaço tradicional, real, mas continuam marcando, construindo e produzindo
nesses “novos” espaços sua cultura, língua e religião.
Enquanto objetivo para a produção do texto, tomamos como referência de estudo a
população venezuelana, mais precisamente os indígenas da etnia Warao, que tem transitado no
contexto urbano do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Nesse contexto,
o artigo busca apresentar o contexto social/familiar destes indígenas, e as estratégias de
335
permanência em Porto Velho, principalmente no que corresponde a sua afirmação étnica e
cultural.
O estudo que possui a diferença como centralidade de análise, “nos leva a criar outros
modos de pesquisar” (Lazzarotto, 2012, p.99), o que nos oportuniza, enquanto pesquisadores,
diferentes maneiras de olhar, utilizando novos ângulos e afinando nossas lentes. Ainda, nessa
discussão, aprendemos a ver e escutar “outras imagens, outras letras, outras línguas, outros
acordes, outros batuques e transes, outros colares e penas” (Arantes, 2012, p. 91).
Nesse sentido, o trabalho que é fruto de reflexões preliminares desenvolvidas no
contexto do Grupo de pesquisa Educação Intercultural e Povos Tradicionais/CNPq, utilizou-se
de registros do diário de campo levantados a partir de conversas realizadas nos encontros com
o grupo de indígenas atendidos pelo projeto “Bem Viver Warao” desenvolvido pela Cáritas
Arquidiocesana de Porto Velho, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social
e da Família - SEMASF.
Além disso, para compreensão da história do povo Warao, recorremos a trabalhos de
pesquisas recentes produzidos em outros estados, bem como autores na perspectiva da
interculturalidade e nas discussões sobre a diferença, que é sempre um desafio, pois requer uma
postura e um compromisso dos pesquisadores. Para não distanciar desse proposito, em outras
palavras, dessa luta constante que nos move, o artigo busca amparo em produções que nos
ajudam não somente criar outros olhares, mas desenvolver um cuidado, uma vigilância com a
nossa forma de ver e interagir com o outro (Bedin, 2016).
Os autores como Stuart Hall (2000; 2003), Homi Bhabha (1998), Catherine Walsh
(2009; 2016) e Carlos Skliar (2003), além de nos auxiliar nessa construção de pensamento,
colaboram para refletir questões relacionadas a cultura, identidade e diferença, em especial nos
assuntos que discutem o espaço escolar e as identidades que são produzidas nas relações
estabelecidas.
Na intenção de levantar o número de venezuelanos no município de Porto Velho, e
posteriormente, a quantidade de matriculas desse público nas escola da cidade, o artigo utilizou
como base de dados informações relativas às emissões dos registros migratórios que integram
o Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA). As emissões podem ser acessadas no
portal de imigração do Ministério da Justiça do Brasil
(https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/microdados). Outra base de dados que nos serviu
de apoio para a produção do texto é a do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).
336
Para manter o anonimato e proteger as identidades das instituições e dos sujeitos,
informamos que o trabalho respeita as orientações sobre as especificidades ética das pesquisas
nas Ciências Humanas e Sociais, mais precisamente da Resolução 510 de abril de 2016, da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Situando o povo Warao: breve contextualização


A água é a mãe que sustenta
A vida que nasce como flor
Alimenta a planta e o ser vivente
É estrada onde anda o pescador.
(Márcia Kambeba)

Warao, na língua nativa, significa povo das águas, além de “povo da canoa” e “povo
que mora perto da água” (Bento; Silva, 2022). Originário do Delta do Orinoco, localizado no
estado do Delta do Amacuro, no norte da Venezuela, o povo Warao é o grupo humano mais
antigo da Venezuela, é a segunda etnia indígena mais numerosa do país (Miranda, 2021).
Considerando a localização do seu território original, os Warao, constituíram-se como
navegadores e pescadores. Além das práticas de subsistência, o território também influenciou
na organização das moradias, construídas nas margens do Rio Orinoco e seu entorno. De acordo
com os estudos de Miranda (2021), são casas conhecidas como palafitas, estruturas erguidas
com troncos de Buritis nas áreas alagadas pelos rios.
A tensão política vivida na Venezuela, nos últimos anos, provocou uma grave crise
econômica e atingiu de forma significativa e profunda a população indígena, contribuindo para
o processo de saída de seus territórios. A migração dos indígenas é conhecida como a diáspora
Warao, que segundo, Bento; Silva (2022, p. 5) é um elemento que esse povo “vêm enfrentando,
desde 1970, um processo de saída de seus territórios por motivos diversos, tais como tragédias
ambientais causadas por represamentos dos rios em suas terras, por invasões de agricultores e
pecuaristas, fazendo com que esta população viesse a passar por diversas situações de violação
de direitos humanos.” Buscando melhores condições de vida, muitos indígenas moveram-se
para os centros urbanos da Venezuela, e posteriormente, seguindo para o Brasil.
Rosa (2020, p. 91) descreve que entre as causas de imigração do povo Warao da
Venezuela para as cidades brasileira estão a deterioração das condições naturais de subsistência

337
- sobretudo após a inserção do cultivo do “ocumo chino1” e da construção do dique-estrada no
rio Manamo; a invasão de suas terras por agricultores e pecuaristas crioulos; as possibilidades
de trabalho e outros recursos disponíveis nas cidades; e, por fim, a pressão ideológica para a
inserção na sociedade ocidental moderna.
Segundo o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados -
ACNUR (2020), o Brasil registrou um aumento expressivo de indígenas Warao em seu
território. Em julho de 2014, as Nações Unidas, mostravam a presença de 30 indígenas
circulando em nosso país. No documento apresentado no ano de 2020, o número subiu
significativamente para 3.300 indígenas (ACNUR, 2020).
A significativa presença Warao no Brasil iniciou em 2014 no processo migratório
iniciado com o cruzamento da fronteira a partir da cidade de Santa Elena de Uairén.
Primeiramente, instalaram-se na cidade de Pacaraima e, em seguida, Boa Vista, em Roraima
(Miranda, 2021). A migração foi tão intensa que muitos grupos se deslocaram para a cidade de
Manaus e outros chegaram até o estado do Pará.
De acordo com o relatório de atividades para populações indígenas feito pela agência
da ONU para refugiados (ACNUR), no ano de 2020, o quantitativo da população
Warao, que está na região norte do Brasil, está assim dividido: 1,3 mil Roraima, 970
indivíduos no Pará e 600 pessoas no Amazonas. O restante desta população está em
outras regiões do país, com uma parcela relevante na região Nordeste. (Bento; Silva,
2022, p. 2)

No relatório da ACNUR (2020) não há registro da população Warao no estado de


Rondônia, no entanto, nos últimos anos é crescente o fluxo de indígenas desta etnia, observado
principalmente nas ruas mais movimentadas da cidade de Porto Velho, onde mulheres, crianças
e idosos realizam a “coleta” nos sinais de trânsito.
Bento; Silva (2022), afirmam que a coleta é uma adaptação dos papéis sociais
desempenhados nos territórios originários, onde é responsabilidade das mulheres e crianças a
busca por recursos naturais (frutas, hortaliças, pequenos animais, etc) para auxiliar na
alimentação da família. Deslocado para o contexto urbano, a coleta passou a ser desenvolvida
ao pedir dinheiro, com objetivo de comprar alimentos e remédios, além de enviar ajuda
financeira para os parentes que ficaram na Venezuela.

1
A agricultura foi introduzida tardiamente por missionários oriundos da Guiana, no fim da década de 1920,
particularmente com o cultivo do ocumo chino, um tubérculo rico em amido e que passou a se constituir a base da
alimentação, juntamente com o pescado. Em algumas comunidades localizadas nos caños, existem trechos de terra
agricultável, nos quais os Warao costumam plantar ocumo chino, banana e mandioca. (Miranda, 2021. p. 50)
338
O povo Warao no município de Porto Velho: primeiras aproximações

Você não sabe o quanto eu caminhei


Pra chegar até aqui
Percorri milhas e milhas antes de dormir
(Cidade Negra)

Em Porto Velho, os indígenas Warao vêm sendo acompanhados por organizações


ligadas à Igreja Católica, como a Cáritas Arquidiocesana de Porto Velho, que em parceria com
a Secretaria Municipal de Assistência Social e da Família - SEMASF desenvolve o projeto
“Bem Viver Warao”, auxiliando na alimentação, moradia, escolarização e produção de renda.
A equipe da Cáritas Arquidiocesana estima a presença de 122 indígenas migrantes
venezuelanos da etnia Warao (31 homens adultos, 28 mulheres adultas, 20 crianças menores de
6 anos, 26 crianças, 13 jovens e 4 idosos) com residência fixa atualmente, organizados em 3
“vilas”, espaços alugados onde moram várias famílias, normalmente parentes consanguíneos.
No contexto do projeto de extensão intitulado: “O povo Warao e a Economia Solidária:
incubação e formação”, foram realizadas as primeiras aproximações com os indígenas, através
de encontros que aconteceram no primeiro semestre de 2023, na cidade de Porto Velho-RO.
Inicialmente, foram realizadas visita às “vilas”, com objetivo de conhecer as pessoas e seus
contextos sociais.
As vilas estão localizadas em áreas movimentas da cidade de Porto Velho, sendo: uma
na região central e as outras duas na Zona Norte. São espaços com estruturas simples, divididos
em “apartamentos” horizontais e organizados entre os grupos familiares. Em uma das vilas
(com espaço maior), observamos na área externa a prática do cozimento dos alimentos realizado
em fogareiros improvisados no chão. Tal prática faz parte da cultura dos Warao, que se mantem
quando possível de ser realizada, porém, gera tensões com a vizinhança, considerando a fumaça
que invade as casas próximas.
Nos primeiros contatos, percebemos que em todas as vilas há uma liderança, mesmo
quando não indicado, há um representante que fala pelo grupo. No que diz respeito a dinâmica
familiar dos grupos acompanhados, percebemos que inicialmente parece ser o homem quem
conduz a família, porém, identificamos um forte protagonismo das mulheres, que mesmo com
a fala baixa e carregada de timidez, manifestam com propriedade as demandas do grupo e atuam
fortemente na subsistência das famílias.

339
Outro aspecto da cultura mantido mesmo longe do território de origem, é o artesanato.
Toda família é envolvida na produção que é passada de geração em geração. As peças
produzidas são colares, pulseiras e brincos confeccionados com miçangas e linhas, além de
cestarias feitas com cipós naturais. A venda dos produtos é realizada pelas mulheres e crianças
maiores nas ruas da cidade, enquanto os homens cuidam das crianças menores.
O artesanato para o povo Warao vai além de uma atividade com fins lucrativos. De
acordo com os estudos de Miranda (2021) é uma prática cultural. Ainda, refletindo sobre a
importância do artesanato, a autora, escreve que
a confecção do artesanato é uma importante prática que, juntamente com a língua
Warao e a colheita, caracteriza a territorialidade movente do povo Warao. Artesania
é uma prática milenar dos Warao. Por meio do artesanato, este povo expressa sua
cultura ancestral e sua intensa ligação com a natureza.” (Miranda, 2021, p. 149)

Considerando a baixa venda dos artesanatos, as ações do projeto de extensão foram


iniciadas com a realização de encontros com os indígenas, buscando conhecer os aspectos da
produção e demandas para auxiliar no processo de organização da venda das peças produzidas
pelas famílias, na perspectiva de garantir a subsistência.
Para além da questão de produção de renda, buscamos conhecer as experiências de
escolarização das crianças e jovens Warao. A partir das conversas com as mães indígenas
participantes do projeto de extensão, soubemos que na Venezuela, mesmo que em contexto
urbano a maioria das crianças ainda não frequentavam a escola, sendo a escola brasileira o
primeiro contato com a Educação formal e o processo de alfabetização.
Conforme informações da equipe da Cáritas Arquidiocesana, as crianças e jovens
Warao estão matriculados em duas escolas municipais de Porto Velho, além de acompanhados
em reforço escolar oferecido pelas socio-educadoras do projeto. Diante do cenário, fez-se
necessária uma aproximação em uma das instituições escolares, tendo em vista a necessidade
de conhecer a perspectiva da escola frente às diferenças culturais e identitárias.
No encontro, muitas questões surgiram, tais como as evidentes diferenças de idioma
que influencia no processo de alfabetização fora da língua materna; A idade avançada de muitas
crianças em processo de alfabetização, no que requer um processo de reclassificação com
objetivo de nivelar as faixa etárias; Diferenças culturais relacionadas ao sentido e significado
da escola; Frequência escolar. Ou seja, uma forte tensão nas relações que estão em processo de
construção entre escola, estudante, família e sociedade.

340
Observamos que nas escolas em que os estudantes Warao estão matriculados não
ocorre uma abertura e nem mesmo uma reflexão para pensar as diferenças presentes no espaço
escolar. Nossas experiências preliminares evidenciam que essa situação tende a tornar o
processo desconfortável para todas as partes, considerando que os indígenas são os
“estrangeiros na escola”. É como se existisse um acordo tácito que precisam se adequar às
“regras” deste novo contexto, em um processo de manutenção de práticas coloniais.
Vivemos em uma sociedade construída a partir da colonialidade e de padrões
eurocêntricos que desvalidam e/ou inferiorizam a cultura e as práticas indígenas. Candau
(2010), conceitua que

A colonialidade do poder refere-se aos padrões de poder baseados em uma hierarquia


(racial, sexual) e na formação e distribuição de identidades (brancos, mestiços, índios,
negros). Quanto à colonialidade do saber, refere-se ao caráter eurocêntrico e ocidental
como única possibilidade de se construir um conhecimento considerado científico e
universal, negando-se outras lógicas de compreensão do mundo e produção de
conhecimento, consideradas ingênuas ou pouco consistentes. A colonialidade do ser
supõe a inferiorização e subalternização de determinados grupos sociais,
particularmente os indígenas e negros. (Candau, 2010, p. 165)

Observamos a necessidade de desconstruir pré-conceitos sobre o outro. Ressignificar


entendimentos construídos a partir de padrões sociais ditados por culturas dominantes.
Compreender a importância de valorização das culturas e as potencialidades a partir das
diferenças. Skliar (2003, p. 44) discutindo sobre a presença do outro ressalta que

O outro não irrompe para ser somente hospedado ou bem-vindo, nem para ser honrado
ou insultado. Irrompe, em cada um dos sentidos, nos quais a homogeneidade foi
construída. Não volta para ser incluído, nem para narrarmos suas histórias alternativas
de exclusão. Irrompe, simplesmente, e nessa irrupção sucede o plural, o múltiplo, a
disseminação, a perda de fronteiras, a desorientação temporal, o desvanecimento da
própria identidade. O outro irrompe, e nessa irrupção, nossa mesmice vê-se
desamparada, destituída de sua corporalidade homogênea, de seu egoísmo; e, ainda
que busque desesperadamente as máscaras com as quais inventou a si mesma e com
as quais inventou o outro, o acontecimento da irrupção deixa esse corpo em carne
viva, torna-o humano.

A presença dos Warao nas escolas é uma realidade e está em movimento. Tal cenário é
desafiador, e necessita de um repensar de práticas e perspectivas. Nesse sentido, entendemos
que a educação na perspectiva intercultural oportuniza a valorização das diferenças, dentre elas,
a cultural, conforme salienta Candau (2009, p. 52) “Uma educação para a negociação cultural,
que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos

341
socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum,
pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas.”

Algumas considerações

Encontrar o outro, conhecer sua cultura e suas singularidades é sempre um acréscimo à


alma humana e uma esparramar do olhar de pesquisador. Durante os encontros realizados com
as famílias Warao, passamos a conhecer suas histórias e o processo de imigração iniciado ainda
na Venezuela, no território de origem (região do Delta do Orinoco). Os diversos desafios e lutas
no processo de mover-se em busca de uma vida melhor nas questões básicas de subsistência.
Nos diálogos e trocas de experiências compreendemos o sentido da “coleta” (pedir ajuda
na rua) a partir dos elementos culturais e seus papéis sociais, para além dos estudos
bibliográficos, conhecendo nas vozes dos atores o significado de tais mobilizações.
Compartilhando a produção dos artesanatos, percebemos o valor atribuído ao trabalho
desenvolvido e a riqueza dos ensinamentos compartilhados entre as gerações.
Em relação ao processo de escolarização, ainda há muito para pensar desde estratégias
para permanência dos estudantes Warao e a manutenção/afirmação de suas identidades e
cultura, bem como a necessidade de não enxergar as diferenças como um problema,
mobilizando assim a construção de uma prática pedagógica que viabilize a desconstrução de
preconceitos e valorização das diferentes culturas.
Para o grupo Warao, a escola apresenta um valor significativo para possibilidade de
emprego no futuro, em um processo de busca pela adequação ao novo contexto social que estão
inseridos, no entanto, salientam as dificuldades em relação ao idioma e também de ordem
financeira, como transporte, materiais escolares, roupas e alimentos.
Na perspectiva da escola visitada, há um movimento de “acolhimento” e busca pela
compreensão no que se refere as diferenças culturais, no entanto, observamos uma tensão frente
à recorrente ausência nas aulas e desistência. Tais situações podem ser oriundas de diversos
fatores que não problematizaremos neste estudo, mas que deixa inquietações para estudos
futuros, a partir da atuação dos pesquisadores, que seguem em atividade do projeto de extensão.

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344
MULHERES NEGRAS: IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO

Luzia Aparecida do Nascimento (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


Luzia_iuri@hotmail.com

Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida com 8 Mulheres
Negras egressas do Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares no Município de
Rondonópolis-MT, considerando a importância do cursinho para construção da identidade
dessas mulheres. Partindo das narrativas das entrevistadas, nota-se que racismo, preconceito
racial e discriminação continuam pautando fortemente as ações na sociedade. Apesar do
combate incessante assumido principalmente por ativistas negros e negras, os resultados
apontam para um contexto em que as mulheres negras ainda são as mais marginalizadas e
excluídas socialmente, neste sentido, as ações do Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares
foram fundamentais para a inclusão de mulheres negras e tem contribuído significativamente
para construção e consolidação da identidade dessas mulheres.

Palavras-chave: mulheres negras, cursinho, identidade

Apresentação
Estabelecer um conceito de identidade que possibilite o entendimento da importância
deste para construção de quem somos e de quem vamos nos tornando enquanto mulher negra
durante nossa jornada de militantes, de ser social em permanente mudança e evolução faz-se
necessário para que também possamos compreender o trajeto de mulheres negras pré-
selecionadas, na pesquisa que venho desenvolvendo sobre o Cursinho Pré-vestibular Zumbi dos
Palmares1, entendendo a influência do mesmo para construção da identidade destas mulheres.
Considero valioso estabelecer um conceito prévio sobre identidade, de forma especial, a
identidade de mulheres negras, tão violentadas historicamente, que em muitos momentos nem
mesmo sabíamos qual era nossa identidade ou mesmo se tínhamos identidade.
Concordando com (Gomes, 2002. p.39) se a identidade é uma construção social,
histórica e cultural, trazendo em si diálogos e conflitos, não posso deixar de pensar o Cursinho
Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares como uma rica fonte de diálogo, conflito, influencia e
consolidação no processo de construção das identidades de mulheres negras que por ele

1
O Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares é um cursinho criado pelo Movimento Negro de Rondonópolis
(MNR) para que estudantes negros e pobres possam concorrer nas provas do Exame Nacional do Ensino médio
(ENEM), em melhores condições de aprendizagem e disputa. Contemplando prioritariamente estudantes negros,
negras e pobres oriundos de escolas públicas, que não poderiam custear um cursinho privado
345
passaram. Mas, pensar não é suficiente. É preciso ir além, investigar, pesquisar, concluir, e é
por isso que através desse artigo, que é parte da minha dissertação, busco apresentar a luta do
professor Flávio Nascimento para implementar o Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares
no Município de Rondonópolis. Mais do que isso, apresento a força, a coragem, a ousadia e o
potencial de mulheres negras que também fortaleceram essa luta, para implantar um projeto
importante no esforço de combate ao racismo e fortalecimento de políticas públicas de inclusão
de negras e negros.

Desafios do cursinho pré-vestibular Zumbi dos Palmares e o apoio das Mulheres negras
As inquietações do professor Flávio Nascimento com a realidade presente na
universidade se iniciam quando ele percebe, com certa angustia a ausências de negros e negras
naquele espaço, imperceptíveis para grande a maioria das pessoas, principalmente a ausência
de mulheres negras, que estão na base da pirâmide social e econômica do país. Elas quase
sempre estão ausentes dos espaços de poder e quando estão presentes é como se não estivessem,
pois são invisibilizadas e se de alguma forma conseguem visibilidade são desqualificadas de
diferentes formas.
Não é difícil perceber o racismo e o patriarcado agindo, tornando a figura da mulher
negra, ausente dos lugares de poder, e pior ainda, a mulher negra é estigmatizada pelo trabalho
doméstico, por funções de submissão, pela herança colonial de cuidar do trabalho braçal. Essa
perversa visão dominadora atravessa séculos e até hoje somos privadas de oportunidades.
E quando falamos em racismo, machismo, ausências, invisibilidade, desrespeito, sempre
vem a memória fatos, acontecimentos que desqualificam mulheres negras. Não faltam escritos,
relatos de fatos dessa natureza, um relato que me chamou atenção recentemente quando lia uma
entrevista concedida a Maurício Pestana (2014), em Racismo-Cotas e Ações Afirmativas, foi o
relato de uma prefeita da cidade de São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, mulher
negra de estatura pequena, Rilza Valentin é guerreira até no sobrenome e é a personificação das
mulheres fortes, resilientes que permanecem altivas, mesmo quando oprimidas e excluídas.
Conta ela que ao ser eleita prefeita de uma pequena cidade do Recôncavo Baiano, uma das
principais barreiras que teve que enfrentar foi o descrédito de sua potencialidade, segundo ela;
as pessoas achavam que por ser mulher, negra e de estatura baixa, seria facilmente dominada
por qualquer um que tentasse. Ela ouviu algumas vezes os coronéis da região em que era gestora
dizendo em alto e bom som que: mulher, negra e frágil, seria facilmente dominada por todos:

346
“Eu vou mandar no lugar dela”. No início todos achavam isso. Ela diz com orgulho que hoje
tem certeza que aqueles que acreditavam, que apostavam que alguém poderia mandar em seu
lugar, falharam.
Esse relato de Rilza ilustra bem a realidade da mulher negra invisibilizada e
desqualificada, porém forte, capaz, forjada na resistência, superando as mazelas sociais a elas
imposta. Talvez por isso, as mulheres negras estão sempre prontas para aproveitar cada brecha
como possibilidade de construção de oportunidade e assim, são elas as mulheres negras que
conseguem enxergar na proposta do professor Flávio Nascimento uma oportunidade de incluir
os jovens negros e negras que não conseguiam entrar na Universidade e são elas que o apoiam
e o ajudam concretizar o Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares em Rondonópolis.
Olhando para a coragem e ousadia dessas mulheres negras recordo uma entrevista de
Djamila Ribeiro, concedida a Revista Cult em 2017. Ela dizia que as Mulheres negras são
vanguarda do movimento feminista no Brasil e que os povos negros são a vanguarda dos
movimentos sociais, porque somos as que ficaram para trás, aquelas para os quais nunca houve
um projeto real e efetivo de integração social.
Fomos lançadas na vanguarda do movimento social, do movimento feminista, na luta
antirracista porquê de fato nunca houve um projeto de integração social que incluísse a mulher
negra, cada ação, cada política pública existente foi fruto de muitas tensões e desafios do
Movimentos Negro. Gomes (2017) afirma, isso com muita propriedade quando diz que:

Muito do que sabemos e do que tem sido desvelado sobre o papel da negra e
dos negros no Brasil, as estratégias de conhecimento desenvolvidas pela
população negra, os conhecimentos sobre relações raciais e a questão da
diáspora africana, que hoje fazem parte das preocupações teóricas das diversas
disciplinas das ciências humanas e sociais, só passaram a receber o devido
valor epistemológico e político devido a forte atuação do Movimento Negro.
(Gomes, 2017, p. 17)

O cursinho Pré Vestibular Zumbi dos Palmares, luta do Movimento Negro de


Rondonópolis (MNR) vai se consolidando e agregando outras pessoas e instituições, incluindo
Universidades privadas que estavam de olho em um novo público que poderia vir, utilizando o
financiamento do Governo Federal.
Durante 16 anos o cursinho foi se consolidando e mais de 25.000 pessoas já passaram por
ele com um índice de aprovação de 60,82%, em universidades públicas de Mato Grosso,
segundo dados da prefeitura de Rondonópolis. Como podemos perceber muitas pessoas
347
especialmente negras, e brancos pobres tiveram a oportunidade de entrar não só no ensino
superior, mas também no mundo do trabalho a partir dessa ação pedagógica iniciada pelo
professor Dr. Flávio Nascimento em 2006.

Formação da identidade de mulheres negras - importância do Cursinho

Pensando em como o cursinho foi capaz de promover um movimento e atrair olhares de


Universidades privadas, da Prefeitura Municipal, da Câmara de Vereadores de Rondonópolis,
que aprova o projeto da Prefeitura e assume o cursinho, inclusive destinando verba para
pagamento de professores, antes voluntários, para aquisição de uniformes, para merenda escolar
e ainda para confecção de materiais específicos, é possível se pensar a influência do mesmo na
construção da identidade das mulheres pretas que por ele passaram, de forma especial aquelas
que conseguiram entrar na Universidade, se formar e hoje estão no mundo do trabalho
contribuindo com a sociedade.
Dialogando com Bauman (2005) tenho a expectativa de entender o processo de
construção das identidades de mulheres negras como algo não estático, mas em permanente
construção.
Bauman nos afirma que “As identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria
escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nós, e é preciso estar em alerta
constantes para defender as primeiras em relação as últimas” (Bauman, 2005, p. 16).
Bauman nos fala de identidades que escolhemos e de identidades que são escolhidas para
nós por outros, identidade que nem sempre nos identificamos, identidades outras que são
lançadas sobre nós e que quase sempre nos colocam em lugares de representações
estigmatizadas e de subalternidade.
Ao falar em “identidades que flutuam” Bauman (2005) nos fala de identidade em
construção, em mudanças, por isso Hall (2015) chama atenção para a compreensão da
identidade como algo móvel formada e transformada continua e historicamente.
Estar em consonância com o pensamento de Hall (2005) é considerar que a identidade
está em permanente construção, como um processo em andamento e que, portanto, vai se
construindo a partir de nossa ausência de completude, a partir de nosso autoconhecimento e nas
relações sociais, culturais, do meio, pois se a identidade não é biológica, então não está pronta
e acabada, está sendo permanentemente construída a partir de nossas relações com o outro, por
influências, pelo que o outro pensa ou vê em nós, e vai sendo aprimorada com novos
348
conhecimentos, novas experiencias, novas convivências. Ainda refletindo o pensamento de Hall
(2005) sobre a identidades chama atenção a afirmação dele de que:

Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes


direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas [...]. A identidade é, pois, vista num constante processo de
mudança e é na comunidade que essa identidade será preservada, cultivada,
perpetuada, enfim, construída. (HALL, 2006, p.23).

Essas identidades contraditórias que existem em nós e nos empurram em diferentes


direções mostram que a construção da identidade é um processo nem sempre consolidado,
muitas vezes frágeis, passa a ser negada ou mesmo assimilada por identidades outras que
posteriormente podemos perceber não nos identificam mais, daí a afirmação de que a identidade
está em permanente construção e deslocamento, uma vez que ela é uma construção histórica e
em diferentes momentos assumimos diferentes identidades.
O que se pensa hoje, como se age, as coisas com as quais nos identificamos hoje, poderão
ser bem diferentes daqui algum tempo porque as identidades não são fixas, somos capazes de
reconstruir, transformar identidades herdadas, por isso é importante considerar o contexto
cultural, histórico e social em que se alicerça o discurso, o momento presente tem sido propício
para observar como são construídas nossas identidades em diferentes momentos.
Levando em consideração essa construção permanente da identidade de Mulheres Negras
pensando na formação experimentada por elas, especialmente, as egressas do Cursinho Pré-
estibular Zumbi dos Palmares é que estou a buscar maior compreensão de como se dá essa
construção, uma vez que somos atravessadas por tantas identidades e pressionadas a assumir
identidades outras, que algumas vezes nos perdemos, nos equivocamos e negamos a identidade
que pensávamos ter , pois é muito difícil construir e consolidar identidades positivas de
mulheres negras em um país racista, excludente que nos faz sentir inferior pela cor da pele.
Noutro dia fiquei muito espantada quando ouvi de uma mulher negra que se dizia “bem-
sucedida”, dizendo com certa vaidade que chegou onde chegou por méritos próprios, nunca
ficou de mimi pelos cantos, nunca se vitimizou, não ficou dependendo de políticas públicas
para se prosperar. Ouvindo esse discurso fiquei refletindo a fala de Souza, (1983, p.77) quando
diz que: “Ser negro não é uma condição dada, a priori é um vir a ser. Ser negro é tornar-se “
Não basta ser negra para nos identificarmos com as lutas das negras e é possível perceber
que de fato nossas identidades vão sendo construídas e também influenciadas pelo momento
presente, pelo lugar social em que circulamos, pela ideologia, pela religião, enfim por tudo que
349
nos cerca. Qualquer homem ou mulher negra que hoje adentra o espaço de poder, seja na
Universidade ou no mundo do trabalho tem uma dívida com a luta do Movimento Negro, sem
o qual dificilmente teríamos conquistas importantes como o Estatuto da Igualdade Racial que
garante Direitos que nem se pensaria ter alguns anos atrás, A lei de Cotas, Lei 11.639/2003 e
tantas outras que garantem direitos e foram a partir da lutas dos movimentos que nos
antecederam.
Nossas conquistas não foram automáticas, exigiram de nossos ancestrais e exigem de nós
hoje literalmente sangue, suor e muitas lágrimas, por isso é difícil acreditar na meritocracia
como querem nos fazer acreditar.
É preciso olhar para trás, estudar nossa história contada por nós a partir de nossas
descobertas, nossos estudos, nossas pesquisas e entender que desde a luta dos negros contra a
escravização de pessoas até nossos dias negras e negras tem travado uma luta incansável para
que hoje muitos de nós pudéssemos frequentar uma Universidade, um parlamento ou a direção
de uma empresa e ainda hoje temos um longo caminho a percorrer, precisamos ainda lutar por
direitos básicos, lutar pelo direito de uma escola inclusiva onde nossas meninas e meninos se
sintam representados, acolhidos, sem as marcas perversas dos estereótipos, pois a escola
moldada pelo colonialidade tem sido historicamente muito hostil com negras e negros.
Para Gomes:
Quando pensamos a escola como um espaço específico de formação inserida
num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do que
currículos, disciplinas escolares, regimentos, provas, testes e conteúdo.
Deparamo-nos com diferentes olhares que se cruzam, que se chocam e que se
encontram. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que
interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro
e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferença
quanto pode estigmatiza-las, discrimina-las, segrega-las e até mesmo nega-las
(Gomes, 2002, p.39).

Gomes (2002) nos lembra ainda que na escola não compartilhamos só saberes escolares
e conteúdo, compartilhamos também nossas crenças, valores, hábitos e compartilhamos ainda
preconceitos sejam eles de classe, gênero de raça ou de idade e é nesse espaço de interação que
nossa identidade vai sendo construída, moldada, em meio a diálogos, à tensões, conflitos,
negociações, pois nossa identidade não é construída no isolamento, mas na interação com o
outro e a ideia que fazemos de nós mesmos, do nosso eu, é intermediada pelo reconhecimento
obtido dos outros em decorrência de sua ação.

350
E como é difícil para uma mulher negra desde a infância lidar com sua identidade a partir
do olhar do outro e das identidades lançadas sobre nós, essa construção da identidade na
interação é sem dúvida muito conflituosa e marcada muitas vezes pela negação, e as vezes é
difícil entender e aceitar quem somos.
Recentemente assisti uma defesa de dissertação na UFR- Universidade Federal de
Rondonópolis em que a banca externa foi composta pela professora Nancy Helena Rebouças
Franco da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ela dizia com serenidade que sofreu racismo
durante sua infância, mas e isso, não foi para ela uma experiencia tão dolorosa como ela sabe
que foi para maioria das crianças negras, porque ela vem de uma linhagem de intelectuais
negras, cresceu vendo e ouvindo relatos positivos da negritude, para ela entrar na Universidade
era algo muito natural, ela sabia que estaria naquele espaço.
Segundo ela, passou pelo ensino básico colocando-se numa posição de onde nunca saiu,
a de uma menina negra da classe média de uma linhagem de intelectuais que sofreu racismo
mas nunca permitiu que aquilo de alguma forma a impedisse de seguir em frente, mas ela
entende que o que permitiu que ela passasse e continue passando pela crueldade do racismo
com segurança e autonomia foi a estrutura familiar que a cercava, do lugar social em que ela
foi criada e de como ela foi criada para lidar com o racismo, vendo-se como uma mulher negra
que contrariava o que está posto pelo colonizador.
Mas ela sabe que essa não é a realidade da grande maioria das meninas negras e que por
isso quando trabalha com a formação de professores deixa muito claro o papel da escola no
fortalecimento da autoestima e do aprendizado e da construção de uma identidade positiva para
as meninas negras
A escola interfere na construção da identidade do ser, especialmente do ser negro porque
é a partir do olhar lançado sobre o negro e sua cultura que se pode construir uma identidade
positiva ou negativa.
A história tem nos mostrado que essa construção tem sido negativa e tem afetado
significativamente a população negra, especialmente as mulheres negras porque elas além de
sofrerem o racismo sofrem também com o machismo e o sexismo, não por acaso elas estão na
base da pirâmide social ocupando os piores indicadores econômicos e sociais são expostas aos
trabalhos degradantes, precários e com os menores salários, e consequentemente experimentam
as piores condições de vida.

351
Quando pensamos a trajetória escolar da população negra, vemos que nos currículos
escolares que retratam a história do negro este aparece quase sempre como pessoa escravizada,
passiva, sem passado, sem história e consequentemente sem futuro.
Não se vê nem se ouve histórias dos reis e rainhas africanos, altivos, guerreiros, não se
fala nas contribuições desses povos para a história, medicina, gastronomia, esporte, música,
religião.
Gesser e Costa (2018) retratam os dramas vividos pela menina e mulher negra
especialmente na transição entre adolescência e a fase adulta, no processo de construção de sua
identidade e, como a escola tem sido o palco dessas tensões e dos conflitos que afetam essas
meninas-mulheres. Para elas:
A escola, como uma instituição fundamental para transformação social, deve
estar em condições de combater os mais diversos tipos de preconceitos e
discriminações, mas, infelizmente e na maioria das vezes, não é assim que
acontece. A construção distorcida da identidade das meninas negras pode ser
fator marcante de como ela adulta, no futuro, se organizará em um espaço
intensamente ameaçador que não a acolhe como sujeito e não oferece
igualdade de oportunidades, impedindo, assim, a plenitude de suas
potencialidades. (Gesser e Costa 2018, p. 29).

E em meio a todos esses conflitos que a escola passa a ser o primeiro grupo em que ela
começa a tomar consciência de si e de todos os conflitos que a cercam e também nesse momento
que vem de forma mais intensa a exclusão, os preconceitos, os apelidos, as comparações, as
ofensas.
Esse modelo construído no espaço escolar trará consequências e desdobramentos em
outros contextos sociais,
As meninas negras vivem os conflitos próprios de sua idade em busca de si
mesma. Incorporados a esses conflitos ela vive a não representatividade social
de sua negritude. Ela enfrenta a pressão social e sua inserção nos vários grupos
sociais aos quais passa a transitar. (Gesser e Costa, 2018, p. 19)

Aliados a isso elas precisam pensar, comparar e pesar os conhecimentos e orientações


vivenciados, experimentados e solidificados na família. Tudo isso vai demarcando a difícil
passagem da adolescência para a vida adulta.
Quando afirmamos o importante papel da escola na construção da identidade negra é
porque temos convicção de que grande parte da vida e do aprendizado da jovem mulher negra
é feito e consolidado no espaço escolar e esse aprendizado, essa construção pode ser positiva

352
ou negativa. Mas, a escola sempre foi e continua sendo um espaço de submissão para a menina
negra, por intermédio das práticas e dos próprios livros, a menina afrodescendente é submetida
à influência de figuras estranhas à sua identidade, estereotipada, onde o negro aparece com uma
imagem distorcida, fora do real, há uma valorização do eurocentrismo em detrimento do
afrodescendente uma distorção e um apagamento da história da população negra. Conforme
Gomes (2002);
Pensar a relação entre Educação e identidade negra nos desafia a construir,
juntos, uma pedagogia da diversidade. Além de nos aproximarmos do
universo simbólico e material que é a cultura, somos desafiados a encarar as
questões políticas. Torna-se imprescindível afirmar que, durante anos, a
sociedade brasileira e a escola distorceram e ocultaram a real participação do
negro na produção histórica, econômica e cultural do Brasil, e, sobretudo,
questionar os motivos de tal distorção e de tal ocultamento (Gomes, 2002,
p.43)

Conhecemos bem a trajetória das mulheres negras fora e dentro do espaço escolar,
sabemos também que este não é o único espaço de conhecimento, de busca de saber. Os
Movimentos Negros têm sido protagonistas de muitas conquistas e inclusão destas mulheres,
seja no mundo do trabalho, seja na sua entrada na Universidade.
Parte das mulheres que venho entrevistando são mulheres negras que, para conseguir
financiar seus estudos vivenciaram a experiência do trabalho doméstico e algumas delas até
mesmo durante o tempo que cursavam o ensino superior, pois essa era a única fonte de renda
para as despesas pessoais e estudantis enquanto se dedicavam a formação.
É sabido por qualquer mulher negra, que essa vaga nunca virá mesmo com as
qualificações que se possui porque para o mundo do trabalho o lugar da mulher negra é na
subalternidade não importa suas qualificações, e quando esta consegue furar a bolha é difícil
para a sociedade conviver com uma mulher negra vencedora então permanecem as tentativas
de sufocamento dessa mulher a partir da desqualificação de suas habilidades, seu
profissionalismo está constantemente em cheque, sempre em questão.
Não há dúvidas de que o julgamento relativo à mulher negra é muito mais rigoroso e
perverso. Estava lendo recentemente uma entrevista com Matilde, da Secretária de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial do governo Fernando Henrique e pude perceber em suas
palavras, a dor do severo julgamento e tratamento dispensado a ela por causa do uso do cartão
corporativo, que na época provocou o pedido de demissão dela.

353
É possível observar constantemente na mídia o uso desse cartão por outros personagens
com despesas estratos férica e no máximo o que se vê é uma notinha na mídia e vida que segue,
página virada, mas quando é uma mulher negra no epicentro da questão, isso toma uma
proporção que destrói a vida da pessoa, não estou aqui defendendo erros ou exageros de
ninguém no uso de ferramentas públicas, o que estou tentando demonstrar é o tratamento
diferente dispensado a pessoas negras no Brasil.
Uma de minhas entrevistadas contou-me uma experiência que viveu, é difícil não se
emocionar com o relato dela, porque ficamos a nos perguntar o que leva pessoas brancas
entender que são a régua do mundo e que podem julgar e até condenar uma pessoa negra mesmo
que não seja servidor da segurança, assim ao bel prazer, é difícil lidar com isso.
Quanto mais conhecimento se tem, mais sensibilidade para perceber o racismo seja ele
pessoal, estrutural ou institucional e mais revoltadas e ao mesmo tempo impotente diante da
barbárie que se observa no tratamento dispensado a população negra.
Mas também é fato que apesar de tudo isso, jamais deixamos de lutar, prova disso são as
diversas conquistas obtidas nos últimos anos que tem sido importante para os avanços de
políticas de inclusão da população negra no Brasil dentre elas o ministério da Igualdade Racial,
o Estatuto da Igualdade Racial, a lei de Cotas Racial, Cotas nos Concursos Públicos e mais
recentemente a reserva de 30% de cargos em comissão para pretos e pardos.
Além disso o atual governo Lula vem fazendo uma política mais arrojada de inclusão da
população negra e indígena. Há vários projetos em curso que vão beneficiar significativamente
a população negra. Uma das grandes conquistas do Movimento negro foi a lei nº 10.639/2003
de março de 2003 que já completou 20 anos e ainda assim não se tornou uma realidade nas
escolas, mas mesmo assim é muito importante e aos poucos a partir de um grande esforço do
Movimento Negro e dos Conselhos de Direitos que vem cobrando das secretarias de educação
a implementação da lei e avanços vem acontecendo.
Observa-se nos relatos tanto do prof. Dr Flavio Nascimento e das mulheres negras
entrevistadas a afirmação de que as contribuições históricas da população negra eram
trabalhadas durante o cursinho e a valorização da cultura negra eram ressaltadas, além da
inclusão do debate sobre o respeito a religião de Matriz africana, que tem sido o alvo mais
frequente de quem não respeita a liberdade de crença, num grande desprezo a legislação
vigente que prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra
qualquer manifestação ou prática religiosa.
354
Vejamos uma resposta de uma pergunta que fiz ao professor Flávio Nascimento: - O
senhor acredita que o cursinho contribuiu de forma significativa para a afirmação da
identidade das mulheres negras que passaram por ele?

Sim, seguramente, agora o que você trabalha numa sociedade você não
controla todas as variáveis né, teve muita gente que se afastou um pouco dos
ideais né? Nós temos um caso sério de uma menina que ficou com um
complexo de burguesa, mas, impressionante a solidariedade [...]você pode
contribuir com tal coisa, tal coisa, tal coisa, você pode participar de tal evento,
tal evento? Posso, posso, posso. Sabe, se prontifica, mas se você disser, vamos
num ato público assim, aí não, eu já não vou, né? Aí já tem uma resistência
pra isso. Eu não gosto. Então, de fato, a gente não controla essas variáveis.

A resposta do professor Flávio Nascimento vem ao encontro da fala de Ferreira e


Camargo quando asseverem:

Na experiência coletiva, em sociedade, as identidades são construídas através


de intercâmbio entre o individual e o coletivo, desde sempre mediado por um
conjunto de crenças, códigos e valores instaurados historicamente" [...]"é
condição importante para a saúde psicológica ter um senso positivo de si
mesmo como membro de um grupo do qual se é participante, sem nenhuma
ideia de superioridade ou inferioridade. (FERREIRA e CAMARGO, 2011,
p.384)

Neste sentido as crenças e valores construídos pelos europeus em relação ao negro


sempre ditaram o tratamento dispensado a estes e, sempre foi um tratamento de inferioridade e
de subalternidade.
O cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares faz parte dessas iniciativas que tem
origem no movimento negro para afirmação de nossa identidade. Hoje pesquisadoras negras e
pesquisadores negros estão reescrevendo a história dessas iniciativas político pedagógicas
através de suas escritas e pesquisas. É interessante observar como os movimentos de mulheres
negras tem sido importante na construção da autonomia e da construção de identidades positivas
de outras mulheres.
Ver a potência destes movimentos nos faz crer que é possível reescrever a
história de mulheres negras. Penso que em algum momento essa potência adentrará os
currículos escolares sem espaços para retorno e assim será possível construir uma proposta
curricular democrática e mais acolhedora para todas, de forma especial para as que sempre
foram excluídas, os considerados “alienígenas da sala de aula.” Para Silva, 2018)
São as vozes ausentes, as culturas não hegemônicas, as culturas dos grupos
sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõe de estruturas

355
importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e
deformadas, para anular suas possibilidades de reação. (Silva, 2018, p. 161)

É necessário implementar projetos curriculares emancipatórios para que todos e todas


sejam inclusos de forma democrática, participativa e crítica e isso puxado pela luta dos
Movimentos Sociais será uma realidade espero não muito distante.

Considerações finais

O Cursinho Pré-vestibular Zumbi dos Palmares em Rondonópolis é um importante


facilitador do acesso dos jovens periféricos ao ensino superior, está consolidado e se mostra
como um canal de combate às desigualdades sociais que afetam jovens negros e negras no
Brasil, e, neste caso, em Rondonópolis.
Este artigo trouxe em si o desejo de compreender mais a importância da construção da
identidade de Mulheres Negras a partir da intervenção do Cursinho Pré-vestibular Zumbi dos
Palmares, dialogando com vários autores e autoras e entrevistando os principais atores desta
política pública, no caso as Mulheres Negras egressas do mesmo e o idealizador professor
Flávio Nascimento.

Referências bibliográficas

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Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
FERREIRA, Ricardo Franklin & CAMARGO, Amilton Carlos. As Relações cotidianas e a
construção da identidade negra, São Luís - MA, 201
GESSER, Roselita e COSTA, Cleber Lázaro Julião. Menina Mulher Negra: construção de
identidade e o conflito diante de uma sociedade que não a representa. Rev. bras.
psicodrama [online]. 2018, vol.26, n.1, pp. 18-30. ISSN 2318-
0498. http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180010.
GOMES, Nilma Lino. Educação e identidade Negra, Alegria, Belo Horizonte MG, 2002.
Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/poslit
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emancipação. Petrópolis. Rio de Janeiro. Vozes, 2017.
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PESTANA, Maurício, Racismo: Cotas e ações afirmativas,46 personalidades em entrevista
sobre o tema, editora Anita Garibaldi, São Paulo, 2014

356
Revista Brasileira de Psicodrama. Vol.26 no.1 São Paulo jan./jun. 2018.versão On-line
http://dx.doi.org/10.15329/2318-0498.20180010
SILVA, Tomaz Tadeu. Alienígenas da sala de aula, 8º ed. Petrópolis-RJ, Vozes, 2009, coleção
estudos culturais em educação.
SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se Negro- As vicissitudes da identidade do negro brasileiro
em ascensão social, 2ª ed. Edições Graal, Rio de Janeiro, 1983.

357
TERRA BRASILIS: EUROCENTRISMO E PATRIARCALISMO NO BRASIL
COLONIAL

Eldes Ferreira de Lima (Bolsista CAPES/ PPGE/UCDB)


eldes75@yahoo.com

Resumo: Em 1549, os primeiros religiosos da Companhia de Jesus aportaram no Brasil colonial


e iniciaram a catequização dos indígenas e também estabelecerem os primórdios da nossa
instrução formal. A cosmovisão e o modo de vida dos povos originários foram desconsiderados
– quando não, demonizados – no processo de educá-los na fé cristã e na concepção europeia de
civilidade. A humanidade do Novo Mundo foi idealizada como sendo a do homem antes da
expulsão do jardim do Éden e também animalizada, demonizada e pecadora. Este artigo se
propõe a analisar as concepções eurocêntricas e patriarcais impostas aos ameríndios sob o longo
domínio lusitano e o legado jesuítico na educação brasileira. A laicização do nosso ensino não
ocorreu com a expulsão pontual dos jesuítas em 1759 ou com a instituição das aulas régias no
mesmo ano pela Coroa portuguesa. Estas reflexões compõem parte da tese Contracorrente: a
trajetória de um do professor-homem nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em andamento.

Palavras-chaves: Brasil colonial, povos indígenas, Companhia de Jesus, educação.

1. INTRODUÇÃO

No romance O guarani, o fidalgo lusitano Dom Antônio de Mariz chega à terra


selvagem que lhe fora concedida no Brasil colônia e proclama: “Aqui sou português! Aqui pode
respirar à vontade um coração leal, que nunca desmentiu a fé do juramento” (Alencar, 1996, p.
6), reafirmando sua lealdade à Coroa portuguesa e a sua sesmaria inóspita, “Nesta terra que me
foi dada pelo meu rei, e conquistada pelo meu braço, nesta terra livre, tu reinarás, Portugal,
como viverás n’alma de teus filhos. Eu o juro!” (Alencar, 1996, p. 6).
Em O Romantismo no Brasil, o teórico brasileiro Antonio Candido destaca que este
romance de José de Alencar “teve grande êxito e se tornou dos mais lidos pelo público
brasileiro” (2022, p. 49). No mesmo ano de 1857, O guarani fora publicado tanto em folhetim
no Diário do Rio de Janeiro quanto em livro (Alencar, 1893). Para Candido, a narrativa de
Alencar “atraiu a maioria dos leitores pelo que tinha de romanesco no sentido estrito, tanto sob
o aspecto de sentimentalismo quanto de heroísmo rutilante” (2002, p. 65).

358
O sentimentalismo é expresso pelo “próprio enredo e a escrita poética e empolada que
marcou o Romantismo” (Candido, 2002, p. 65), em que, segundo o autor, “amor, bravura,
perfídia se combinam nele para dar ao leitor o espetáculo de um Brasil plasticamente belo,
enobrecido pelas qualidades ideais do epônimo indígena” (Candido, 2002, p. 65-6). O heroísmo
apontado por Candido como também responsável pela popularidade imediata de O Guarani é
expressamente viril e eurocêntrico.
Viril pela valorização de atributos postulados como próprios do homem como coragem
e retidão moral e eurocêntrico pela ancestralidade direta da família Mariz e a cultura e
religiosidade que trazem de Portugal para os rincões tidos como bárbaros da futura cidade do
Rio de Janeiro. Nas palavras de Dom Antônio de Mariz, o valoroso guarani Peri é “um
cavalheiro português no corpo de um selvagem!” (Alencar, 1996, p. 30). O termo selvagem
perpassa o romance sinalizando a etnia do personagem-título e como contraponto ao ideal
europeu de civilidade.
O sociólogo alemão Norbert Elias observa que o “conceito de ‘civilização’ refere-se a
uma grande variedade de fatos” (1994, p. 23, grifo do autor), tais como o “tipo de habitações
ou a maneira como homens e mulheres vivem juntos, a forma de punição determinada pelo
sistema judiciário ou ao modo como são preparados os a1imentos” (Elias, 1994, p. 23).
Contudo, a função geral do conceito de civilização “expressa a consciência que o Ocidente tem
de si mesmo. Poderíamos até dizer: a consciência nacional” (Elias, 1994, p. 23). Conforme
Elias, o termo civilização – guardada as peculiaridades semânticas que cada idioma lhe confere
– descreve o que o Ocidente considera seu “caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível
de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, a desenvolvimento de sua cultura científica ou
visão do mundo” (1994, p. 23, grifos do autor), rebaixando ao selvagem e primitivo o lhe é
destoante. E o Brasil colonial o era completamente a Portugal.
Contemporâneo de Alencar e autor de História geral do Brasil, o historiador brasileiro
oitocentista Francisco Adolfo de Varnhagen refere-se aos povos originários do Brasil
quinhentista como bárbaros e que seus “laços da família, primeiro elemento da nossa
sociedade, eram mui frouxos” (1877, p. 46), ocasionando, conforme suas palavras, que “as
delícias da verdadeira felicidade domestica quase não podem ser apreciadas e saboreadas pelo
homem no estado selvagem” (Varnhagen, 1877, p. 46).
Em História da literatura brasileira, escritor José Veríssimo adverte que “Varnhagen
não é de fato romântico, senão pela época literária em que viveu e colaborou; de todos os
359
brasileiros seus contemporâneos no período inicial do Romantismo, é talvez o único que além
de não ser indianista” (1916, p. 104), expressando, em seus escritos, “não ter nenhuma simpatia
pelo índio como fator da nossa gente, ao contrário o menospreza, o deprime e até lhe aplaude a
destruição" (Veríssimo, 1916, p. 104).
De acordo com crítico literário brasileiro Alfredo Bosi, para elevar Peri à categoria de
herói romanesco, “Alencar não via meio mais eficaz do que amalgamá-lo à vida da natureza. É
a conaturalidade que o encanta” (2015, p. 151), realçando em sua narrativa “desde as linhas do
perfil até os gestos que definem um caráter, tudo emerge do mesmo fundo incônscio e selvagem,
que é a própria matriz dos valores românticos” (Bosi, 2015, p. 151). Corroborando, a
pesquisadora brasileira Angela Arruda destaca que “Alencar naturalizou, assim, as temáticas
fundacionais: a pujança da natureza e o encontro das raças, desconhecendo a raça negra e
valorizando a índia, sempre que convertida” (2008, p. 177).
Ao longo de O guarani, Peri galga exemplarmente a condição de herói. Convertido ao
catolicismo, europeizado e tendo demonstrando sua fidelidade aos Mariz, ele salva Cecília da
fúria dos aimorés. Enfraquecida, ela “embebeu os olhos nos olhos de seu amigo, e lânguida
reclinou a loura fronte. O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face” (Alencar, 1996, p. 253).
Apropriadamente a uma mocinha romântica, “fez-se no semblante da virgem um ninho de
castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo
soltando o vôo” (Alencar, 1996, p. 253).
Para o teórico brasileiro Silvano Santiago, Alencar recai no “eurocentrismo romântico,
pois o fim óbvio do texto (O guarani) é de comprovar, pela analogia, o valor nobre do
selvagem” (1982, p. 102, grifos do autor). A idealização dos povos nativos feita por Alencar e
por outros autores românticos de sua época – e rejeitada veemente por Varnhagen – remonta à
descoberta da América. Ao longo do século XVI, os relatos de viajantes e marinheiros que
aportaram no novo continente fascinaram as populações europeias com a exaltação de um
paraíso mágico, um verdadeiro Jardim do Éden em abundância de beleza e de recursos naturais
(Holanda, 2010).
Como bem observa a filósofa brasileira Marilena Chauí, o Novo Mundo era considerado
como tal à Europa seiscentista por apresentar um “retorno à perfeição da origem, à primavera
do mundo, ou à ‘novação do mundo’, (2001, p. 63, grifos da autora), em oposição “à velhice
outonal ou à decadência do velho mundo. E é outro porque é originário, anterior à queda do
homem” (Chauí, 2001, p. 63, grifos da autora).
360
Segundo o sociólogo brasileiro Sergio Buarque de Holanda, os teólogos da Idade Média
não representavam “o Paraíso Terreal apenas um mundo intangível, incorpóreo, perdido no
começo dos tempos, nem simplesmente alguma fantasia piedosa (2010, p. 12). Pelo contrário,
era “sim uma realidade ainda presente em sítio recôndito, mas porventura acessível” (Holanda,
2010, p. 12) e que “debuxado por numerosos cartógrafos, afincadamente buscado pelos
viajantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, aos primeiros contatos dos brancos com
o novo continente (Holanda, 2010, p. 12).
Em Chronica da Companhia de Jesu do estado do Brasil, o padre jesuíta Simão de
Vasconcelos relata que os primeiros colonizadores da chamada Nova Hespanha consideravam
que “os Indios da America não erão verdadeiramente homens racionaes nem individuos da
verdadeira especie humana” (1865, p. XCIV). Assim, “erão incapazes dos sacramentos da Santa
Igreja: podia tomal-os pera si, qualquer que os houvesse, e servir-se d’elles” (Vasconcelos,
1865, p. XCIV), da mesma maneira que se serve “de hum cavalo, ou de hum boi, feril-os,
maltratal-os, matal-os, sem injuria alguma, restituição ou peccado” (Vasconcelos, 1865, p.
XCIV).
Em 1537, Papa Paulo III promulga a bula papal Sublimis Deus e reconhece os indígenas,
conforme a tradução de Vasconcelos, “como verdadeiros homens, não sómente são capazes da
Fé de Christo, senão que acodem a ella, correndo com grandissima promtidão” (1865, p. XCV).
Assim, “os ditos Indios, e toda as mais gentes que d'aqui em diante vierem á noticia dos
Christãos, ainda que estejão fóra da Fé de Christo” (Vasconcelos, 1865, p. XCV), não devendo
ser mais “privados, nem devem sel-o, de sua liberdade, nem do dominio de seus bens, e que
não devem ser reduzidos a servidão” (Vasconcelos, 1865, p. XCV).
A antropóloga luso-brasileira Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha atenta que o
reconhecimento da humanidade dos povos nativos da América impôs à cristandade da época o
“problema crucial de inseri-la na economia divina, o que implica inseri-la na genealogia dos
povos” (1990, p. 102). A solução teológica encontrada foi “senão a da continuidade, senão
abrir-lhe um espaço na cosmologia européia” (Cunha, 1990, p. 102).
Nessa perspectiva, “os habitantes do Novo Mundo descendem necessariamente de Adão
e Eva, e portanto de um dos filhos de Noé” (Cunha, 1990, p. 102). No entanto, não de qualquer
um dos filhos dele, mas “provavelmente do maldito, Cam, aquele que desnudou seu pai – razão,
especula Nóbrega, da nudez dos índios” (Cunha, 1990, p. 102), que menciona que estes "sabem
do dilúvio de Noé, bem que não conforme a verdadeira história" (NÓBREGA 1886, p. 84), uma
361
vez que “dizem que todos morreram, excepto uma velha que escapou em uma árvore”
(Nóbrega,1886, p. 84).
Os antropólogos brasileiros João Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire
observam que os relatos do século XVI “identificaram os indígenas como ‘gentios’ (pagãos),
‘brasis’, ‘negros da terra’ (índios escravizados) e ‘índios’ (índios aldeados)” (2006, p. 25, grifos
dos autores). Em suas cartas, o sacerdote jesuíta português Manuel da Nóbrega os chama
predominantemente de gentios e exalta “é de grande maravilha haver Deus entregue terra tão
boa, tamanho tempo, a gente tão inculta que pouco o conhece” (1886, p. 83), pois estes “nenhum
Deus têm certo, e qualquer que lhes digam ser Deus o acreditam” (Nóbrega,1886, p. 83).
Ao classificar os povos originários do Brasil de gente inculta por desconhecer o deus
cristão e seus evangelhos, Nóbrega e os demais jesuítas se dispõem a ensiná-los e a torná-los
cultos. Em Dialética da colonização, Bosi observa que “as palavras cultura, culto e colonização
derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é
culturus” (1992, p. 11, grifos do autor). Etimologicamente, “colo significou, na língua de Roma,
eumorp, eu ocupo a terra± e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo” (Bosi, 1992, p.
11, grifos do autor). Por sua vez, prossegue Bosi, “colo é a matriz de colônia enquanto espaço
que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar” (1992, p. 11, grifos do
autor).
Em Páginas de história do Brasil, o historiador e padre jesuíta português Serafim Leite
afirma que “os índios, como tôdas as civilizações primitivas, possuíam espírito demasiado
ingénuo para se defenderem eficazmente contra a astúcia dos civilizados” (1937, p. 18). Mais
adiante, o autor insiste que “a vida dos índios, quando chegaram os Portugueses ao Brasil,
estava na escala inferior da civilização” (Leite, 1937, p. 21) e que não era “possível subir a um
grau superior sem necessidades correspondentes. Os índios não as tinham. O rio ou o mar dava-
lhes o peixe; a floresta, a caça. Vestuário não era preciso” (Leite, 1937, p. 21).
A benevolência da natureza tropical brasileira, sugere Leite, proporcionou aos indígenas
uma “vida quási só vegetativa” (1937, p. 21) e que para estes pudessem “ascender aos estádios
superiores da civilização, era preciso criar o hábito do trabalho e a necessidade dele” (Leite,
1937, p. 21), evidenciando o estigma colonialista que os povos originários das Américas
prezavam o ócio ao invés do trabalho árduo e sistematizado. De acordo com o historiador
brasileiro Boris Fausto, “os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e
regular e mais ainda compulsório, como pretendido pelos europeus” (1994, p. 49).
362
Fausto destaca ainda que os jesuítas se esmeraram “no esforço em transformar os índios
através do ensino, em ‘bons cristãos’” (1994, p. 49, grifos do autor) e “ser um ‘bom cristão’
significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus” (Fausto, 1994, p. 49, grifos
do autor). Corroborando, a pesquisadora brasileira Lizia Helena Nagel atenta também que os
jesuítas estimularam “exaustivamente o trabalho para a produção de bens, ao defenderem
abertamente a necessidade do escravo para a produção de excedente (em larga escala)” (1996,
p. 37), exercendo “um sistemático disciplinamento contra o ócio, ao estimularem o
desenvolvimento econômico de modo intencional” (Nagel, 1996, p. 37).
Ao revistarmos o romance O guarani e os discursos históricos do Brasil colonial,
buscamos evidenciar os estigmas – pejorativos e românticos – que marcaram nossos povos
nativos, o apagamento ou a idealização folhetinesca de sua cultura e a imposição da europeia
em nosso cotidiano e também no escolar. Tais discursos estabelecem uma persistente dicotomia
entre o que é atribuído como civilizado e primitivo, hostilizando e menosprezando o segundo
ou fazendo sua folclorização. Igualmente, demarcam uma única crença como salvadora e
demonizam as demais. Também trazem consigo a virilidade que coloniza, civiliza e traz a fé
verdadeira aos estigmatizados como selvagens e gentios, pois, “há um acréscimo de forças que
se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe às vezes um tônus épico de risco e
aventura” (Bosi, 1992, p. 12).

2. EDUCAÇÃO CRISTÃ

A evangelização católica e a educação no Brasil tiveram início com a vinda dos


religiosos da Companhia de Jesus, em 1549. O historiador brasileiro José Antonio Tobias
observa que, “em síntese, o jesuíta foi o educador da primeira educação brasileira, a educação
cristã; durante muito tempo, até 1759, foi quase o único educador do povo brasileiro” (Tobias,
1972, p. 48). Contudo, o historiador brasileiro Rafael Ivan Chambouleyron ressalva que “a
Companhia de Jesus não teve a exclusividade desse ensino. Ordens tão importantes como a dos
Frades Menores se ocuparam da conversão no século XVI, e também do ensino dos filhos dos
portugueses” (2004. p. 53).
O teórico espanhol Lorenzo Luzuriaga lembra que “a Companhia de Jesus foi criada
por Inácio de Loyola e reconhecia pelo Papa em 1540” (1976, p. 118, grifos do autor) e que se
constitui como “o dique mais importante para a contenção do movimento protestantes nos
363
países latinos” (Luzuriaga, 1976, p. 118). Chambouleyron ressalva que, apesar da ordem dos
jesuítas ter nascido, “essencialmente missionária, aos poucos também se transformou em
“ordem docente’ (2004. p. 53, grifos do autor). Tal redirecionamento pouco alterou sua atuação
no Brasil, pois, como a teórica brasileira Maria Luisa Santos Ribeiro destaca, “a educação do
jesuíta era naturalmente a formação do homem cristão dentro das doutrinas da Igreja católica”
(1992, p. 47).
O estudioso brasileiro Luiz Narcizo Alves de Mattos observa que o início da atuação
jesuítica no Brasil foi marcado pela “disparidade entre a rudimentar cultura dos aborígenes e a
cultura ocidental e cristã mais evoluída dos colonizadores lusos do século XVI” (1958, p. 301),
o que desencadeava “inúmeros problemas de difícil solução e criava situações complexas de
não menos difícil superação” (Mattos, 1958, p. 301). Em L'instruction publique au Brésil, o
historiador brasileiro oitocentista José Ricardo Pires de Almeida classifica a catequização
jesuítica dos povos originários do Brasil como um “trabalho muito árduo, ingrato, cercado de
dificuldades e de forte oposição” (1889, p. 2, tradução nossa). Igualmente, difícil de “manter
dentro da fé, dos limites da moral, da justiça e da humanidade nos colonos e em seus
descendentes” (1889, p. 2, tradução nossa).
Tobias observa que a catequização católica era uma prática coletiva nas aldeias,
“contudo, somente os indiozinhos, os ‘curumins’ recebiam educação escolarizada” (1972, p.
51, grifos do autor). Segundo Leite, “os alunos que realmente merecem tal nome não foram os
índios adultos, mas os seus filhos e os dos Portugueses que iam nascendo na terra” (1937, p.
23). Cabe ressaltar ainda que a educação que os jesuítas ofereciam aos filhos dos colonos era
distinta da dada aos povos indígenas (Aranha, 1996). No entanto, ambas convergiam em seu
aspecto androcêntrico: restrita ao ensino masculino.
Como os indígenas não tinham a estrutura patriarcal1 europeia, observa a pesquisadora
brasileira Arilda Inês Miranda Ribeiro, a primeira “reivindicação pela instrução feminina no
Brasil partiu dos indígenas brasileiros que foram ao Pe. Manoel de Nóbrega pedir que ensinasse
suas mulheres a ler e escrever” (2000, p. 80). Conforme a autora, o jesuíta “sensibilizado,
mandou uma carta à Rainha de Portugal, Dona Catarina, ainda no início da colonização,

1
Stearns observa que, “embora as civilizações indígenas tenham sido patriarcais – os homens mantendo o papel
de destaque –, as mulheres com frequência tinham papéis importantes artísticos e rituais nas cerimônias religiosas”
(2007, p. 113), o que não ocorria no cotidiano europeu ou de seus colonos na América.

364
solicitando educação para as indígenas” (Ribeiro, 2000, p. 80), argumentado “que, se a presença
e assiduidade feminina era maior nos cursos de catecismos, porque também elas não podiam
aprender a ler e escrever?” (Ribeiro, 2000, p. 80). O pedido dele não foi atendido, pois, ao fazer
tal solicitação à rainha, “aparentemente, o Brasil estava pedindo mais do que as próprias filhas
da alta nobreza do reino, com raras exceções, podiam ter” (Mattos, 1958, p. 90).
Ao rejeitar a proposta jesuítica de uma instrução formal feminina, a rainha portuguesa
a classificou de “ousada devido às ‘conseqüências nefastas’ que o acesso das mulheres
indígenas à cultura dos livros da época pudesse representar” (Ribeiro, 2000, p.81). Entretanto,
para os padres jesuítas, “a educação feminina na colônia não era apenas um requinte de erudição
feminina” (Ribeiro, 2000, p.81), significava “uma questão mais grave: tratava-se de lançar a
base para a obra de moralização e também uma forma eficiente na formação de famílias
brasileiras” (Ribeiro, 2000, p.81).
Segundo Leite, “os colonos, vindos de Portugal, ou nascidos já na terra, preferiam
muitas vezes, ter em casa uma índia, que lhes servissem ao mesmo tempo de criada” (1937, p.
18). Ou seja, eles “queriam tôdas as vantagens do homem casado sem nenhum dos encargos
matrimoniais. Porque, depois de terem em casa as índias o tempo que lhes parecia, não raro as
abandonavam” (Leite, 1937, p. 18). Ribeiro atenta também que a “busca do lucro fácil e a
ausência da família incitava à dominação sexual masculina na colônia” (2000, p.81). Conforme
Arruda, a mulher indígena se torna “a encarnação das fantasias sexuais do colonizador e em
seguida o ventre esplêndido que gestará a população deste lado do oceano, doce demônio que
seduz e produz” (2008, p. 166)
Para coibir a libidinosidade dos colonos, “Nóbrega acha que o acesso à instrução pelas
indígenas poderia colaborar de forma positiva. Os padres jesuítas tinham o desejo de fundar
recolhimentos para as mulheres no Brasil” (Ribeiro, 2000, p.81). Também solicitavam “de
Portugal orfãs pobres, que se casariam tôdas; até as ‘erradas’ achariam marido” (Leite, 1937,
p. 17, grifos do autor). Em Mulheres e educação no Brasil-Colônia: Histórias entrecruzadas,
Ribeiro analisa que o pedido desesperado dos jesuítas por mulheres brancas não importando
“sua condição social, sua inteligência, beleza, ou outros qualificativos” (1987, p. 14), evidencia
apenas a urgência de “que viessem ‘muitas e quaisquer delas’ para reproduzirem os filhos dos
colonizadores, os verdadeiros mandatários da Colônia” (Ribeiro, 1987, p. 14, grifos da autora).
No empenho de moralizar o Brasil colônia, os educadores jesuítas “não perderam tempo
com adultos. Sabiam perfeitamente que as mentalidades se formam na juventude” (Leite, 1937,
365
p. 15) e se concentraram nas crianças de sexo masculino. Em Sobrados e mucambos, o estudioso
brasileiro Gilberto de Mello Freyre observa que a mesma tática que os jesuítas empregavam
para “conseguirem dos índios que lhes dessem seus corumins” (Freyre, 1936, p. 93), aplicavam
aos colonos para que estes também “lhes confiassem seus filhos, para educarem a todos nos
seus internatos, no temor do Senhor e da Madre Igreja” (Freyre, 1936, p. 93). Em ambos os
casos, tornavam os meninos “filhos mais delles, padres, e della, Igreja, do que dos caciques e
das mães caboclas, dos senhores e das senhoras de engenho” (Freyre, 1936, p. 93), disputando
com o patriarcalismo doméstico dos primeiros colonos “na sua auctoridade sobre o menino, a
mulher, o escravo” (1936, p. 92).
Ribeiro também destaca o imperativo do patriarcalismo colonial, pois o homem – e
apenas ele – era “quem dominava, por meio da família patriarcal. Aliás, a palavra família vem
de famulus, uma expressão latina que quer dizer: escravos domésticos de um mesmo senhor”
(2000, p.82, grifos da autora). Portanto, todos sob o mesmo teto “deviam obediência ao senhor
patriarcal. Sua esposa e filhas também. Elas o chamavam de “senhor, meu marido; senhor meu
pai” (Ribeiro, 2000, p.83, grifos da autora).
Freyre afirma que “é caracteristico do regimen patriarcal, o homem fazer da mulher uma
creatura tão differente delle quanto possivel. Elle, o sexo forte, ella o fraco; elle o sexo nobre,
ella o bello” (1936, p. 117). No caso da instrução formal, esta dicotomia entre os sexos
estabelecia que, se o homem estudava e também lecionava, não cabia a mulher fazer o mesmo.
Restava-lhe, os afazeres domésticos e cuidar do marido e dos filhos (Freyre, 1936). Fausto
observa que o patriarcalismo brasileiro apontado por Freyre podia ser ostensivo na classe
dominante nordestina, mas “entre a gente de condição social inferior, a família extensiva não
existiu, e as mulheres tenderam a ter maior independência” (1994, p. 74).
Fausto também pondera que, “mesmo em relação às famílias de elite, o quadro de
submissão das mulheres tinha exceções” (1994, p. 74), citando que isso ocorreu na região de
São Paulo, “onde as mulheres, descritas por um governador da capitania por volta de 1692 como
‘formosas e varonis’, assumiram a administração da casa e dos bens” (Fausto, 1994, p. 74,
grifos do autor). No entanto, o autor ressalva que o comando que essas mulheres exerceram foi
“quando os homens se lançaram por vários anos às expedições no sertão” (Fausto, 1994, p. 74).
Consideração semelhante é feita quanto à independência das mulheres das classes populares,
que ocorriam quando essas “não tinham marido ou companheiro” (Fausto, 1994, p. 74).

366
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisadora brasileira Maria Lúcia de Arruda Aranha destaca que, no século XVII,
“o ensino no Brasil não apresentou grandes diferenças com relação ao do século anterior”
(2006, p. 164). Conforme a autora, o ensino jesuítico “manteve a escola conservadora, alheia à
revolução intelectual representada pelo racionalismo cartesiano e pelo renascimento científico”
(Aranha, 2006, p. 164). O descompasso entre o que os jesuítas ensinavam e o contexto histórico
europeu da época – e que Portugal ambicionava se inserir – é a justificava alegada por Dom
José I para expulsá-los “como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Dominios, onde
tem causado tão enormes lesoens, e tão graves escândalos” (Portugal, 1759). A Companhia de
Jesus estava tão desgastada que a Igreja não apenas aceitou sua expulsão como o Papa Clemente
a extinguiu em 1773, “convencido de que ela trazia mais problemas do que vantagens” (Fausto,
1994, p. 113).
Almeida afirma que a expulsão dos jesuítas “veio quebrar o mais forte, o mais poderoso
instrumento de educação” (1889, p. 19, tradução nossa). Contudo, tal iniciativa “não conseguiu
vencer o obstáculo que lhe foi oferecido pela ausência de um elemento indispensável à
realização dos seus vastos desígnios” (Almeida, 1889, p. 19, tradução nossa), que era não ter
“um número suficientemente grande de laicos aptos para o ensino primário e muitas vezes nem
sequer para o ensino elementar” (Almeida, 1889, p. 19, tradução nossa).
Para a pesquisadora brasileira Guacira Louro, o ensino jesuítico no Brasil também nos
legou uma escola marcadamente masculina e que “esse modelo de ensino permanece no País
por um largo tempo, mesmo depois de oficialmente afastado, ao final do século XVIII” (1997,
p. 94). A instrução formal feminina viria a ser implantada apenas com a Lei de 15 de outubro
de 1827, que determinava “crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos do Imperio” (Brasil, 1827) e também possibilitava a abertura de “escolas de
meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem
necessario este estabelecimento” (Brasil, 1827). Apesar das dificuldades da implantação e da
permanência feminina nos bancos escolares, a pesquisadora brasileira Andréa Tereza Brito
Ferreira destaca que “o ingresso das mulheres nas escolas de primeiras letras, no século passado,
marca o despontar do feminino para vida pública” (1998, p. 43).
Ao concluirmos este artigo, destacamos como a educação brasileira se constituiu
histórica e maciçamente masculina (Louro, 1997; Ribeiro, 1992; 2000), eurocêntrica
(Nagel,1996) e vinculada ao cristianismo e aos seus dogmas religiosos e morais
367
(Chambouleyron, 2004; Leite, 1937). A laicização do ensino não ocorreu com a expulsão
pontual dos jesuítas em 1759 ou com a instituição das aulas régias no mesmo ano pela Coroa
portuguesa (Almeida, 1889; Fausto, 1994). Tampouco, não nos parece ter ocorrido
efetivamente na escola contemporânea, que permanece – se não católica – cristã e refratária às
manifestações culturais e religiosas de matrizes indígenas e africanas.

REFERÊNCIAS
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Filhos, 1893. Acesso em 25/02/2023:
https://digital.bbm.usp.br/view/?45000018504&bbm/4647#page/1/mode/2up Acesso em: 15
dez. 2022.

ALENCAR, José de. O guarani. São Paulo: Ática, 1996.


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de Janeiro Editor: Imp. G. Leuzinger, 1889. Disponível em:
https://archive.org/details/linstructionpub00almegoog/page/18/mode/2up?view=theater
Acesso em: 05 dez. 2022.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 2006.
ARRUDA, Angela. Reprodução e sexualidade no imaginário brasileiro: da colonização ao
surgimento da nação. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 4, n. 6, 2008. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/estudos/article/view/760 Acesso em: 17 fev. 2023.

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.
CANDIDO, Antonio. O romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas/FFLCH/SP, 2002.
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370
GT 6 - TERRITÓRIO/TERRITORIALIDADE: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

A BIODIVERSIDADE E SUSTENTABILIDADE NA RESERVA DE SASSORÓ,


TACURU MS

Edilaine Castelão Duarte (PPGET/FAIND/UFGD)


edilainecastelaoduarte@gmail.com

Rosa Sebastiana Colman (PPGET/FAIND/UFGD)


rosacolman@ufgd.edu.br

Resumo: Os indígenas têm o papel muito importante na preservação de meio ambiente, e não
é possível desconectar território do meio ambiente mantendo a sua tradição através de
preservação e manejo sustentável, e eles tem uma ligação muito forte com a natureza, os
conhecimentos tradicionais são ligados a sua organização social, seus valores e seu modo de
vida. Eles respeitam a natureza, e desenvolvendo forma de manejo que preservam os recursos
naturais sem colocar em risco os ecossistemas. A biodiversidade para os povos indígenas é
muito importante e eles são guardiões de Fauna e flora. E hoje o clima está mudando devido as
ações humanas. E com esse intuito a comunidade e os professores da Escola indígena Estadual
Jasy Rendy criaram um projeto juntamente com os alunos para sensibilizar os estudantes da
necessidade de recomposição florestal na área através de atividades práticas como visitar as
nascentes, plantar mudas e diálogos com os mestres tradicionais.
Palavras - chave: Sustentabilidade, cultura indígena, meio ambiente

Introdução

Essa pesquisa é uma pesquisa etnográfica sobre sustentabilidade e biodiversidade na


reserva indígena Sassoró no município de Tacuru em Mato Grosso do Sul. A aldeia Sassoró é
uma reserva indígena Guarani kaiowá criada em 1928, com 2.000 hectares. E é uma das 8 áreas
indígenas demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) entre 1915 e 1928.
Antigamente as famílias viviam com o seu modo de ser Kaiowá, se organizavam de forma
independente, mas esse modo foi modificado depois que as famílias foram levadas para as
Reservas, onde tinha que conviver com outras famílias que não era das redes de relações. Esse
confinamento (BRAND, 1993) comprometeu a organização social como também aumentou a
degradação ambiental (COLMAN e PEREIRA, 2020). Com o tempo muitas famílias voltaram
para seu tekoha tradicional, como por exemplo os parentes que entraram novamente no

371
Jaguapire e conseguiram demarcar como terra indígena e os de Pueblitokue que continuam
aguardando a regularização do seu tekoha.

Atualmente, de acordo com informações da SESAI (Secretaria Especial de Saúde


Indígena) a população é de 3.500 pessoas da Etnia kaiowá, predominantemente. Esta Aldeia
Sassoró é subdividida em 5 microrregiões: Kaiowá, Posto kue, Galino Kue, Ramada e Ita
Syryry.

A figura do mapa a seguir indica a localização da Reserva:

Fonte: Mapa Guarani Digital (https://guarani.map.as/)

A Reserva de Sassoró está localizada a 30 km da cidade de Tacuru (MS) na Rodovia


Guaíra – Porã 295 que liga Tacuru as maiores cidade do estado como Dourados e a capital
Campo Grande. A aldeia Sassoro situa-se ao Norte com o rio Yhovy, a Leste com a Fazenda
Progresso, ao Oeste com fazenda Esperança; e ao Sul com a Fazenda Agro 100. (TOALDO et
al. 2018). Próximo do Rio Yhovy está a retomada de Pueblitokue. No município de Tacuru
também tem a Terra Indígena Jaguapire.

Segundo Colman, (2007, p. 33) “muitas famílias permaneciam em suas áreas, nas
atuais fazendas, onde inclusive trabalhavam. Ali sofriam todas as formas de pressão por parte
dos fazendeiros para deixarem suas terras”. Para esta autora a situação de pressão territorial
pode ser observada no relato de João Montiel, registrado por F. Grünberg (2002, p.3 apud
COLMAN, 2007, p.33):

372
Pueblito, meu tekoha, minha aldeia, era uma floresta muito grande e era bom;
tinha muitas espécies diferentes de animais selvagens. O fazendeiro dizia:
“esta casa não te pertence, aqui não é de vocês, vão trabalhar na reserva
indígena! E se não saírem daqui, vou matá-los a todos!”. Meus pais estavam
passando por uma situação muito ruim, o que podíamos fazer? Matamos e
comemos todas as galinhas e porcos; não foi gostoso comer estes animais e
nos preparamos para irmos embora.

A biodiversidade e sustentabilidade sempre fizeram parte da vida dos povos


originários. Pois os indígenas acreditam que tudo envolve a questão da Espiritualidade, que
cada lugar é sagrado e tem seus jára (guardiões). Mas, com o tipo de ocupação do espaço e o
consequente desmatamento de grandes áreas e em curto período de tempo, ocorrido
especialmente na segunda metade do século XX, trouxe mudanças profundas na paisagem dos
tekoha.

O impacto dos deslocamentos e das doenças sobre a organização social dos Kaiowá e
Guarani, bem como o tratamento a eles dispensado, nesse período, embora já se tenha
importantes relatos, é tema ainda pouco pesquisado. Há diversos relatos dos kaiowá e guarani
sobre o tema: “Teve muita morte ali [...], tinha bastante cemitério de criança inocente” (Roberto
Gonçalves de Samakuã). “Muito índio morria de tuberculose, maleita, gripe”, como na
expressão de Ubaldo “pouco recurso, morreu muito” (Ubaldo Castelan, de Sassoró, BRAND,
1997, p.101 e 102).

As crianças indígenas desde pequenos aprendem a ter um olhar sustentável, de


proteger as florestas, de rios, e proteger os animais. A Educação Indígena e de acordo com a
realidade da criança, e as crianças crescem com olhar de ser guardiões, contribuindo para
autonomia e sustentabilidade, grande parte da biodiversidade do planeta é preservada pelos
povos indígenas. Os indígenas são os responsáveis por manter o território indígena sadio.

A educação para nós guarani e kaiowá é a incessante busca da perfeição


humana através da vivência na religiosidade tradicional ñande reko marangatu
(nosso jeito de ser sagrado), esta prática envolve em todos os momentos da
vida das crianças, dos jovens, das mulheres e dos homens a partir da
orientação dos mestres tradicionais, o tekoharuvicha (o condutor do nosso
jeito de ser) (PPP, 2015 p.11).

Assim também nas compreensões e estudo de Caleiro (2021, p.37) os Guarani do início
da conquista se mostravam como “exímios agricultores, que utilizavam uma avançada e
tradicional técnica de manejo da agrobiodiversidade na floresta”.
373
Essa é uma pesquisa etnográfica, cada tekohá (Território indígena) são as terras mais
preservadas em sua biodiversidade. O objetivo dessa pesquisa é identificar as práticas de
sustentabilidade e biodiversidade que estão presente na Reserva de Sassoró e as ressignificações
culturais do meio ambiente, principalmente a partir da iniciativa da escola Jasy Rendy.

A Escola Estadual Jasy Rendy promove uma Educação Ambiental para que haja
diferença no futuro, de um território mais sustentável. a Educação Ambiental é muito
importante e traz para reflexão temas relacionados com poluição, a questão do lixo,
desmatamento, queimada, assoreamento dos leitos dos rios e córregos e como ter roça
tradicional, de onde vem a alimentação saudável, puro e natural, sem contaminação de
herbicidas.

Foi com essas preocupações que os professores e a comunidade tiveram a ideia de


estudantes terem uma Educação Ambiental, a Escola Indígena Jasy Rendy tem projetos para
reflorestar e recuperar todas as nascentes, plantar as plantas nativas, frutíferas e medicinais e a
Escola Indígena Estadual Jasy Rendy tem projeto de hortaliças que os próprios estudantes
produzam o que será utilizado na merenda escolar, os professores contribuem para conscientizar
os alunos a necessidade de fazer a diferença, observar formas de enfrentamento dos impactos
que temos sentido com as mudanças climáticas, e como manter e preservar a fauna e flora de
onde vem as plantas medicinais.

Para ampliar as reflexões e conseguirmos atingir nossos objetivos sempre há


momentos de rodas de conversas com os estudantes sobre essas pautas e as práticas no campo
onde há mais necessidades de recuperação dos problemas ambientais. Os mestres tradicionais
também tem um papel muito importante na vida dos estudantes pois expressam seus saberes e
conhecimentos sobre a importância de biodiversidade e sustentabilidade nas aulas de campo.

Apresentamos a seguir algumas imagens que ilustram o dia de plantio para recuperação
da mata ciliar, junto a nascente como exemplo de uma dessas atividades com os estudantes da
escola.

374
Os resultados obtidos indicam que há uma ligação muito forte entre os povos indígenas
e a natureza, pois eles preservam bioma e mantêm a biodiversidade dos ecossistemas e na
concepção indígena tudo está ligado a questão de espiritualidade, as crenças e conhecimentos
estão interligados. De acordo com Carneiros (2004): Sob a perspectiva do direito, questões da
375
importância do papel fundamental da terra para continuidade e conservação dos povos
indígenas. Nesse sentido o autor fala da importância de autosustentabilidade, no capítulo VIII
da Constituição Federal do Brasil/1988, que assegura aos indígenas os direitos de proprietários
originários das terras que tradicionalmente ocupam.

É preciso mudanças de atitudes e melhorar nosso comportamento para termos um


mundo mais sustentável, mudar nossa visão para um olhar mais sustentável, dessa forma, os
indígenas desenvolvem formas de manejo da natureza, e assim, preservam a natureza.

Os artesãos quando vão retirar algo da floresta pedem autorização a Jarás (Deuses)
demostrando o respeito mútuo pela natureza. “Por meio de matéria prima diretamente
dependente da floresta, como fibras, troncos ou sementes, se cria uma relação estreita com a
natureza, seu ambiente local e as múltiplas possibilidades de uso sustentável” (ABREU,
NUNES, 2012)

Nesse sentido, Colman e Pereira (2020, p. 69) traz uma reflexão que é fundamental:

Para pensar o conceito de sustentabilidade em comunidades indígenas é


primordial compreender o conceito de natureza. Tal como nós ocidentais o
concebemos, este conceito não encontra, no pensamento indígena, um
correspondente. Pelo contrário, animais, plantas e outros fenômenos, por nós
considerados naturais, normalmente estão imersos em um complexo campo
relacional, cujo acesso exige o domínio de códigos especializados. E para isso
se faz necessário desarmar-se do conceito ortodoxo, ocidental e capitalista,
que percebe a natureza de forma hierarquizada, de dominação e de forma
separada e compartimentada. Para entendermos o modo como as sociedades
indígenas se relacionam como a “natureza”, é necessário observar com
sensibilidade, para dar-nos conta de que é possível a existência de outras
formas de nos relacionarmos com a natureza, sem estar orientado pelo
princípio da dominação e da transformação.

Os indígenas desenvolvem forma ecológica de manejo da natureza, pois tem uma visão
de valores, defender a biodiversidade e proteger os próprios territórios e aos povos indígenas.

A natureza constitui culturalmente interferência em seu modo específico de vida,


diretamente permeada por relações complexas que variam de condutas coletivas advindas de
seus ancestrais, mesmo em diferentes grupos étnicos. Na natureza encontram-se a afirmação de
sua identidade étnica e seus etnoconhecimentos, conforme Razera, Boccardo e Pereira (2006).

De acordo com Colman e Pereira (2020, p. 85 e 86) tanto as reservas como:

376
As áreas retomadas encontram-se degradadas e desmatadas e,
consequentemente, com solos desgastados, dificultando a prática da roça,
elemento primordial para a produção de alimentos e para a reprodução da
cultura tradicional. As roças são importantes para os Kaiowá e Guarani, tanto
para a sua sobrevivência física como cultural, devido ao seu significado
cosmológico. Já não é mais possível realizá-las da mesma forma, como no
passado, principalmente, porque não há mais espaço que possibilite a
itinerância, devido ao confinamento em pequenas áreas e porque não há mais
matas. Os rios e nascentes de água encontram-se poluídos em consequência
da destruição de suas matas ciliares, problema que se acentuou a partir do
confinamento imposto a esse povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar e propor projetos relacionados a questão ambiental e a Sustentabilidade tem um


papel muito importante nas nossas vidas, e a partir da realidade apresentada, a biodiversidade
e sustentabilidade precisa ser priorizada em cada território, para que haja conservação das
tradições, culturas e costumes e vida dos povos indígenas, pois só assim as florestas, os rios,
fauna e flora serão preservadas, os indígenas sempre foram guardiões da biodiversidade, e
dedicam as suas vidas para proteger a biodiversidade porque isso faz parte da identidade e do
território indígena.

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difíceis caminhos da Palavra. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.

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v. 23, n. 52, pp. 63-89. (Dossiê), 2020.
RAZERA, Júlio César C.C.; BOCCARDO, Lilian; PEREIRA, Jussara Paula R. Percepções
sobre a fauna e flora em estudantes indígenas de uma tribo Tupinambá no Brasil: um caso de
etnozoologia. Revista Eletrônica de Ensênanza de las Ciências, v.5, n.3, 2006, p. 466 – 480.

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TOALDO, Ciro José; MAGRI, Geovana; MARTINS, Elizeu. Aculturação indígena na Aldeia
Sassóro Guarani-Kaiowá – Tacuru – MS, 2018.

378
A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO KAIOWÁ E A AÇÃO INDIGENISTA
NO SUL DE MATO GROSSO

Fernando Luís Oliveira Athayde Paes1 (UEMS)


fernandofortiori@gmail.com

Resumo: Este texto tem como objetivo ponderar eventos historiográficos de ocupação do
território Kaiowá, na região sul do então estado de Mato Grosso. Para desenvolver os estudos
utilizamos de pesquisa bibliográfica e fontes documentais que referenciam a política de
ocupação do território Kaiowá e a atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) nas suas
comunidades. Para tanto, contamos com as contribuições de estudiosos do tema, tais como:
Brand (1997), Carli (2008), Ribeiro (1996) e outros. As formas de intervenção do SPI, nos
conflitos entre índios e fazendeiros na região sul de Mato Grosso, resultaram em demarcação
de reservas e tentativa de integração dos Kaiowá à nacionalização e, consequentemente, na
fragilização de suas culturas tradicionais.

Palavras-chave: Indígenas. Território. Serviço de Proteção ao Índios.

Por meio de uma política formulada durante o Estado Novo (1937–1945), o Governo
Federal passou a incentivar a ocupação dos vazios demográficos no interior do país. Pode-se
considerar que o primeiro programa de ocupação foi denominado de Marcha para o Oeste, com
a criação da Fundação Brasil Central, cujos objetivos eram mapear, propiciar a criação de
núcleos populacionais em diversas áreas do Centro-Oeste, estabelecer e promover a integração
dos Estados, sobretudo das regiões do Norte e do Centro-Oeste.
No antigo estado de Mato Grosso2, integrar o indígena à ordem nacional significava
também evitar o conflito pela posse da terra e estimular o desenvolvimento da economia nessa

1
Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), docente da Universidade do Estado de
Mato Grosso do Sul (UEMS), graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), vice-líder no Grupo de Estudos, Pesquisa em História da Educação Brasileira (GEPHEB) e vice-líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Diversidade (GEPHIS).
2
Tendo em vista o recorte temático do texto usarei o nome antigo sul de Mato Grosso por considerar os eventos
que ocorreram na década de 1970, os fatores socioeconômicos e políticos distintos aliados à força política e
econômica dos fazendeiros do sul de Mato Grosso. Essas inciativas contribuíram com o surgimento de ideias
divisionistas que colaboraram para a posterior separação das regiões norte e sul do Estado. E, no dia 11 de outubro
de 1977, concretizou-se o desmembramento de Mato Grosso do Sul, elevado pelo presidente Ernesto Geisel à
categoria de estado em 1º de janeiro de 1979.

379
região. A inserção de noções relativas ao valor do trabalho na cultura indígena era uma maneira
de garantir a exploração de enormes riquezas econômicas e naturais existentes por aqui. Para
garantir essa exploração das riquezas naturais, foi necessário o encurralamento do indígena e,
consequentemente, a expropriação de seu território.
Quando os recrutava, a empresa fornecia-lhes alimentação e ferramentas para o trabalho.
Esses produtos custavam caro; assim, provocavam o endividamento dos trabalhadores, que
eram obrigados a prestarem serviços para a empresa até quitarem uma dívida infindável. Com
o direito de extrair a erva-mate da região, a Cia Matte Larangeira buscava manter os
trabalhadores em seus domínios com o auxílio de pistoleiros que usavam da violência para
manter o controle. No primeiro momento, a população local teve permissão da empresa para
retirar a erva-mate como forma de sustentabilidade, mas essa cláusula nunca foi cumprida, pois
os ervateiros ameaçavam, espancavam e expulsavam os extrativistas que ousassem realizar essa
atividade.
O “Decreto nº 520, de 23/06/1890 ampliava os limites da posse da Cia Matte Larangeira
e dava-lhe o monopólio na exploração da erva-mate nativa na região abrangida pelo
arrendamento” (BRAND, 1997, p. 61). Mas foi por meio da Resolução nº 103, de 15 de julho
de 1897, que a Companhia teve seu maior território arrendado, com aproximadamente 5.000.00
hectares, mas ultrapassava seus limites fixados nos decretos e resolução. Essas concessões
extinguiram quase todas as possibilidades de sobrevivência dos Kaiowá.

Embora a mão-de-obra amplamente predominante nos ervais tenha sido paraguaia,


ocorreu, em várias regiões, o engajamento de índios Kaiowá/Guarani na exploração
da erva-mate. Isto em regiões densamente povoadas por aldeias kaiowá, tais como
Caarapó, Juti, Campanário e Sassocó (Porto Sassocó) e outras. Inclusive a localização
de várias Reservas indígenas demarcadas até 1928 se deve ao fato de serem
acampamentos, ou locais de trabalho, da Cia Matte Laranjeiras. (BRAND, 1997, p.
62).

A concessão de terras à Cia Matte Larangeira foi sucessivamente ampliada e acabou por
incidir diretamente sobre o território dos Kaiowá e Guarani, o que gerou luta pela posse da terra.
Diante dessa situação de conflito, o governo criou as reservas. Essas reservas foram
fundamentais para assegurar a liberação das terras para ocupação e colonização, uma vez que
os índios eram vistos como obstáculos pela ideologia dominante. O domínio da Companhia
Matte Larangeira começou a encontrar oposição em 1912, quando tratava de renovar os
arrendamentos.

380
Mesmo assim, a Companhia chegou ao seu auge em 1920. Lograram renovar o
arrendamento sobre um total de 1.440.000 hectares, por meio da Lein° 725, de 24 de setembro
de 1915. Mas a mesma lei, que liberou a venda de até dois lotes de 3.600 ha a terceiros, atingiu
completamente seu monopólio. Com a criação no território de Ponta Porã, pelo então presidente
Getúlio Vargas, anulam-se os direitos da Companhia Matte Larangeira que penduram até 1943
(Brand, 1997).
As concessões feitas à Companhia atingiram significativamente o território dos Kaiowá
- a primeira frente de expansão econômica em seu território. Observamos que a força de
trabalhos amplamente predominante nos ervais tinha sido a paraguaia, ocorreu, em várias
regiões, o engajamento dos índios kaiowás e guaranis nos trabalhos relacionados à colheita e
ao preparo da erva-mate, como têm sido abundantemente descritos por diversos grupos
indígenas (Brand, 1997).
O sistema de aldeamento era um recurso estratégico do Estado, pois garantia o
desenvolvimento econômico da região e a função de “proteger e zelar” os povos indígenas. A
estes cabia a aceitação da expropriação de suas terras, a adesão da cultura do branco e a
conformidade em ter que viver em pequenos espaços de terras. Os indígenas manifestantes
contrários ao sistema de aldeamento eram reprimidos pelo Estado e pela iniciativa privada. Para
serem úteis aos interesses do Estado, era necessário que os indígenas incorporassem práticas
culturais do homem branco e ratificassem a sua relação de inferioridade e “ajustamento” à
formação da nova sociedade.
Em Mato Grosso, a Fundação Brasil Central atuou ativamente na região leste do Estado,
especificamente no Vale do Araguaia e no município de Barra do Garças. Como resultado da
atuação da autarquia, surgiram diversos núcleos urbanos, com destaque à cidade de Nova
Xavantina.
O governo do Estado de Mato Grosso, nas décadas de 1950 e 1960, promoveu uma
grande venda de terras nas regiões norte e noroeste do atual Estado, no intuito de que as
referidas áreas fossem colonizadas por latifúndios. Entretanto, tal tentativa não deu certo, e, em
vez de surgirem novos núcleos urbanos e rurais, houve uma concentração de grandes extensões
de terras nas mãos dos particulares.
Os estudos de Maria Aparecida Carli, sobre o povoamento da Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, afirmam que, ao incentivar o povoamento das regiões no interior do
país, Vargas legitimava alguns territórios com o incentivo às atividades agropastoris, principal
381
atrativo para aqueles que tinham a intenção de se estabelecerem nesses territórios. Os propósitos
do governo Vargas sensibilizaram os trabalhadores rurais e a população do país para colonizar
e ocupar os espaços vazios, atraindo pessoas de diversos lugares em busca da realização de seus
sonhos: um pedaço de terra, pois representava um meio de subsistência (Carli, 2008).
Para validar suas propostas de povoamento e colonização das distantes terras, no caso,
no sul do Estado de Mato Grosso, o governo estabeleceu o Decreto-lei nº 5.941, de 28 de
outubro de 1943 (Brasil, 1943), instituído em 1º de janeiro de 1944, e criou a Colônia Agrícola
Nacional de Dourados (CAND) e apresentou a região para as pessoas de outros Estados
brasileiros.
A partir de 1910, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) passou a intervir nos permanentes
conflitos entre índios e fazendeiros na região sul do então estado de Mato Grosso, o que
culminou com a demarcação de várias reservas. Coube ao SPI agrupar os indígenas dispersos e
confiná-los nas áreas oficialmente delimitadas. Muitos foram compelidos a deixar seus
territórios originais para viverem em um espaço criado artificialmente pelo Governo. A função
do SPI não se limitava à questão de deslocamento territorial, mas se estendia à nacionalização
e homogeneização cultural.
O início do século XX trouxe importantes questões que procuravam estabelecer relação
entre a nação brasileira e os indígenas. Pode-se considerar como primeira, o princípio religioso,
representado por meio da tradicional catequese cristã, que buscava na instrução escolar e nos
aldeamentos incutir, controlar e despojar os índios de suas próprias culturas. Foi idealizada
pelos princípios científicos, eugenistas, e pelos interesses coloniais nas frentes de expansão
nacional. A segunda questão baseou-se em argumentos de incapacidade de os índios
acompanharem o processo civilizatório que anunciavam sobre os princípios de ordem e
progresso do país; já o terceiro argumento, fundamentado nos ideais positivistas e pela
representação romântica que a população urbana possuía sobre o índio, foi a assistência, a
pacificação e a incorporação dos indígenas à população nacional.
Completa Darcy Ribeiro, no livro Os índios e a civilização: integração das populações
indígenas no Brasil moderno, que, no período Imperial, foram realizados alguns apontamentos,
os quais efetivavam o extermínio das populações indígenas; contudo, não foram aplicados pelo
Império. No dia 20 de julho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, a Presidência da República cria o
Serviço de Proteção ao Índio e Trabalhadores Nacionais (SPILTN), com o objetivo maior de

382
prestar assistência às populações indígenas no território brasileiro e prever intenso trabalho que
consistia em

[...] uma organização que, partindo de núcleos de atração de índios hostis e arredios,
passava a povoações destinadas a índios já em caminho de hábitos mais sedentários
e, daí, a centros agrícolas onde, já feitos a trabalhos nos moldes rurais brasileiros,
receberiam uma gleba de terras para se instalarem, juntamente com sertanejos. Esta
perspectiva otimista fizera atribuir, à nova instituição, tanto as funções de amparo aos
índios quanto a incumbência de promover a colonização com trabalhadores rurais. Os
índios, quando para isto amadurecidos, seriam localizados em núcleos agrícolas, ao
lado dos sertanejos. (Ribeiro, 1996, p. 158).

Observa-se que a passagem da categoria índio para a de trabalhador rural, nas concepções
do SPI, se daria pela oferta da mão de obra ou como trabalhador nacional. A política indigenista,
ao compreender os povos indígenas como transitórios - não como povos de culturas
diferenciadas, com territórios e de direitos - demarcaram as suas terras na concepção de reservas
e, no decorrer dessa transitoriedade, passava a ser exercida com a proteção do Estado. Lilian
Moritz Schwarcz, em seus estudos sobre a raça, afirma que a

Civilização e progresso, termos privilegiados da época, eram entendidos não enquanto


conceitos específicos de uma determinada sociedade, mas como modelos universais.
Segundo os evolucionistas sociais, em todas as partes do mundo a cultura teria se
desenvolvido em estados sucessivos, caracterizados por organizações econômicas e
sociais específicas. Esses estágios, entendidos como únicos e obrigatórios – já que
toda a humanidade deveria passar por eles -, seguiam determinada direção, que ia
sempre do mais simples ao mais complexo e diferenciado. Tratava-se de entender toda
e qualquer diferença como contingente, como se o conjunto da humanidade estivesse
sujeito a passar pelos mesmos estágios de progresso evolutivo. (Schwarcz, 1993, p.
57-58).

O evolucionismo adquiria a perspectiva comparativa, ou seja, partia da relação de


desigualdade que obedecia a uma escala hierárquica social e cultural para impor uma norma.
Lima (1995), afirma que o SPI criava os espaços de terra para as ocupações dos colonos e para
destruir os territórios históricos e culturais dos índios. Essa pode ser a explicação para liberar
os territórios de ocupação tradicional indígena à colonização, como no caso dos índios Kaiowá.
O governo brasileiro, após o período de 1930, procurou dar outra feição ao indigenismo.
Leandro Mendes Rocha, na obra A política indigenista no Brasil (1930-1967), elucida que,
inicialmente, reorientou o evolucionismo, que norteava a existência do SPI, adaptou o projeto
nacional de desenvolvimento, ofereceu uma face econômica mais definida à política indigenista
e propôs não apenas a transformação do índio em trabalhador nacional, mas principalmente a

383
transformação do Posto Indígena3. Assim, os objetivos dos funcionários poderiam ser
facilmente comparados aos do empregador de fazenda e, os índios, a um assalariado ou mesmo
outra forma de relação social do mundo rural brasileiro da época (Rocha, 2003).
Os grupos indígenas pertenciam a diferentes etnias. Na época do programa de
aproximação, foram classificados como se estivessem em diferentes estágios de evolução.
Algumas etnias mantinham-se em constantes conflitos com os colonos, o que fez estes a adotar
um processo de aproximação denominado pacificação, adotada pelas províncias e adequada a
cada região e seus problemas.
As Instruções Internas do Serviço de Proteção aos Índios, emitidas pela Diretoria Geral
(SPI, 1910, p. 20), consistiam, essencialmente, em determinar alguns critérios para pacificar
grupos indígenas hostis. Justificavam que exerciam suas funções:

a)-impedindo os ataques e espoliação por parte dos civilizados.


b)-[...] tambem quanto possivel, as represalias dos indios.
c)- atraindo esses indios e os convencendo as sinceridades da nova constituição creada
para protege-los [...].
d)- garantindo às tribus as terras que ocupavam errada injustamente consideradas
devolutas e pertencente aos Estados.

As Instruções Internas do Serviço de Proteção aos Índios (SPI, 1910) possuíam um


programa que consistia na assistência, no ensino e na providência, sem nenhuma coação. De
acordo com a Instrução, procuravam a emancipação dos índios e sua digna incorporação na
sociedade brasileira, com corpos saudáveis e capazes de trabalhar para a civilização.
Concretizaram suas ações por meio do regulamento do Decreto nº 9.214, de 15 de dezembro de
1911 (Brasil, 1911), esforços em conjunto com as normas, colaboração e atividades do
programa do SPI.
Para a pacificação, procuram compreender os principais conflitos entre os índios e a nova
população que se formava e almejava viver nos territórios indígenas. Perceberam que era
preciso contratar um índio ou um sertanejo falante da mesma língua que a etnia conflitante.
Erguia-se um Posto de atração em uma área do último local de moradia nacional da região e, se
possível, mais próximo da aldeia, com o cuidado de não se aproximar demais. Os integrantes
do Posto plantavam roças para alimentá-los e atrair os índios, e permitiam a estes, colher os

3
O SPI possuía uma organização de trabalho vinculada a uma diretoria com instalação no Rio de Janeiro, capaz de
coordenar e administrar o serviço em todo o Brasil. As inspetorias estavam ligadas aos Estados em que havia a
presença de índios, atuavam na administração desses territórios. As localizações dos postos tinham como principal
objetivo povoar as terras indígenas e, por meio deles, ocupar esses espaços e atuar sistematicamente sobre eles.
384
alimentos sem serem repreendidos. Em alguns locais, tinham o cuidado de observar por onde
passavam para depositar os brindes para serem recolhidos pelos índios.
Atrair e pacificar, conquistar terras sem destruir os ocupantes indígenas, obtendo-se,
assim, a mão de obra necessária à execução de explorar e preparar as terras não povoadas para
as futuras ocupações brancas. Pensou-se em um rigoroso conhecimento e formas de apossar os
territórios desconhecidos nos registros geográficos e fazer do índio um trabalhador nacional.

Art. 219. Nenhum trabalho, nenhum perigo, nenhum sacrifício necessario, a ninguem
é licito evitar no Serviço de Proteção aos Indios; de sorte, que ainda quando sangue
generoso de muitas victmas haja de ser indevidamente derramado pelo selvicola, a
dolorosa lembrança dos seus quatro seculos de martyrios seja capaz de inspirar aos
verdadeiros servidores da grande causa, nova energia e novo devotamento. (SPI,
1910).

O documento expressava a preocupação de proteger o índio e foram determinantes na


empreitada de abertura de estradas, edificação de postos e outros benefícios para o povoamento
do sul de Mato Grosso. Depois de um longo processo de pacificação, os índios eram
considerados trabalhadores nacionais e incorporados aos serviços telegráficos.
Em 1911, na tentativa de garantir atenção diferenciada para os povos indígenas, houve
novas reformulações, o que ocasionou, em 1918, transferência para outra competência. As
diretorias foram divididas e espalhadas pelas regiões do País, cada uma delas abrigava uma
inspetoria responsável pelas atividades desenvolvidas entre os índios e os trabalhadores rurais.
As inspetorias recebiam algumas atribuições e número de funcionários de acordo com as
localidades dos postos indígenas, pois quase sempre essas eram instaladas em função da
violência imposta contra os índios, principalmente durante a expansão nacional. Em 1913, a
região sul do Estado de Mato Grosso esteve sob a responsabilidade e jurisdição da Inspetoria
de São Paulo, permaneceu até janeiro de 1915, quando foi transferida para a Inspetoria de Mato
Grosso.
Em 1909, os assuntos referentes ao setor agrícola voltam a ter destaque, com a criação
do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) e, em 1930, passa a compor a
estrutura governamental da República. Após a Primeira Guerra, ficou impossibilitada a criação
de novos postos indígenas; assim, passaram a exigir novas frentes de trabalho e organização
social com vínculos em torno do MAIC.
As principais ações da agência, presentes no Título III do SPILTN, foram programadas
para instaurar mudanças nas comunidades indígenas, principalmente quebrar a referência de

385
“tempo”, “lugar”, “saber” e de “religião” indígena, estratégias capazes de causar efeitos
drásticos naquela população. O primeiro objetivo do órgão governamental foi criar uma ação
sobre o tempo.
Michel de Certeau (1994), na obra A invenção da escrita, afirma que muitos colonizadores
tiveram importantes conquistas, organizaram expansões e independência em relação à
variabilidade das circunstâncias, principalmente no domínio do tempo e da fundação de um
lugar autônomo. Com essas considerações, observamos nas Instruções Internas do SPILTN
exigências de realizar projetos e orçamentos para a edificação de habitações fixas e a criação
de escolas nas áreas localizadas e demarcadas. A política adotada, apesar de considerar a
“brandura” para com qualquer alteração dos costumes indígenas, estava voltada para a fixação
do índio em espaço, integração e incorporação dele à sociedade nacional.

[...] Paragrafo único - As Populações Indígenas formarão por assim dizer a estação
intermediaria destinada a passagem do índio nomade aos habitos comuns de
estabilidade, e em seguida, à incorparação aos trabalhadores nacionais installados nos
‘Centros Agricolas’. (SPI, 1910, art. 37 DAS POVOAÇÕES INDÍGENAS).

A marcha migratória teve significativa importância para os índios. Muitas etnias, por
serem consideradas nômades, dificultavam os primeiros contatos com os civilizados. Dentro
dos aspectos evolucionistas, as ocupações de terras são vistas como importantes, pois os grupos
indígenas nômades são considerados pouco avançados no aspecto civilizatório. Importante
ressaltar não ser necessária a existência de uma horda, mas a fixação em um território.
A sedentarização foi vista como um passo adiante para o progresso da humanidade, algo
mais próximo dos bons costumes da sociedade nacional, ou seja, isso implica a
descaracterização do ser indígena “original”. Não se deve esquecer que a proteção oficial é
pensada em articulação com a visão do índio como um ser em transição. A ocupação dos
espaços implicava a fixação dos povos, a fim de deixar uma marcha civilizatória para que a
humanidade pudesse alcançar alto grau de superioridade e evoluir com a nação.

Art. 3. O Governo Federal, por intermedio do Ministerio da Agricultura, Industria e


Commercio, e sempre que fôr rnecessario, entrará em accôrdo com os governos dos
Estados ou dos municipios:
a) para que se legalizem convenientemente as posses terras actualmenteoccupadas
pelos indios;
b) para que sejam confirmadas as concessões de terras, feitas de accôrdo com a lei de
18 de setembro de 1860;
c) para que sejam cedidas ao Ministerio da Agricultura as terras devolutas que forem
julgadas necessarias ás povoações nas ou á installação de centros agricolas

386
Art. 4º. Realizado o accôrdo, o Governo Federal mandará, proceder á medição e
demarcação dos terrenos, levantar a respectiva planta com todas as indicações
necessarias, assignalando as divisas com marcos ou padrões de pedra.

Art. 11 (Parágrafo único). [...] O governo sempre que julgar necessário, fará construir
estradas de rodagem para ligação dos aldeamentos aos centros de consumo ou ás
‘Povoações Indígenas’.(Brasil, 1911).

Por meio da fragmentação dos espaços, os terrenos foram divididos e constituíram uma
estranha força capaz de transformar o lugar concreto, valendo-se de práticas com as quais se
podem transformar os objetos; medir, controlar e incluir uma nova visão, ou seja, o espaço
vivido foi desconstruído para ser edificado outro diferente (Certeau, 2011).
Um aspecto importante no Artigo 3º – “Das terras e sua habitação para o serviço” diz
respeito à concessão e à regularização das terras indígenas, as quais não diferem muito da
demarcação de terras realizadas nos Estados Centrais. Assim, observamos que a atitude do
Estado era de marcar e medir os terrenos, representados pelos “padrões de pedra” para delimitar
os espaços, depois a organização de uma planta de um memorial e, em seguida, a concessão de
títulos.
A ênfase estava na demarcação e não se preocupava com os levantamentos de dados
sociais e culturais das populações indígenas como condição para povoar esses espaços, ou seja,
a demarcação era mais importante que qualquer outra questão jurídica ou mesmo antropológica.
Notamos que os artigos foram redigidos em ordem lógica, representativa do indício de
ausência do necessário levantamento de identificação para se apoiarem durante a demarcação.
Certamente, a escolha da terra para ser repassada aos índios não tinha como critério o território
da etnia beneficiada; afinal, a ênfase estava na demarcação de um lugar para “ocupação” e não
nos procedimentos jurídicos que determinam a terra como natural aos índios.

Considerações finais
Foi observado que a década de 10 pode ser compreendida como um marco importante na
atuação do SPI, diante dos conflitos criados entre fazendeiros e índios, na região sul do estado
de Mato Grosso. Nesse período, a ação indigenista estabelecida na região culminou em
demarcação de reservas e, principalmente em agrupamentos de indígenas nas áreas oficialmente
delimitadas para recebê-los.
Vários indígenas foram compelidos a deixar seus territórios originais e, sem alternativas
de sobrevivência ou escolhas de espaços territoriais, foram viver com suas famílias em um lugar

387
precário. O ambiente artificial criado pelo Governo não permitia aos Kaiowá a subsistência de
suas famílias e, principalmente, sem as condições de manterem as formas tradicionais de estar
no mundo.
Essa lógica de demarcação de terra indígena tenha relação com o substrato evolucionista da
época, segundo o qual a ocupação era considerada um estágio evolutivo, portanto, a posse da terra é
sempre adquirida pelo indígena, uma extensão da ocupação pensada como uma forma de concessão,
definição utilizada para a titulação de seu espaço territorial.

Referências
BRAND, Antonio Jacó. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os
difíceis caminhos da palavra. 1997. 382 f. Tese (Doutorado em História)– Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.

BRASIL. Decreto nº 9.214, de 15 de dezembro de 1911. Regulamento do Serviço de


Protecção aos Indios e Localização de Trabalhadores Nacionaes. Rio de Janeiro, 1911.

CARLI, Maria Aparecida Ferreira. Dourados e a democratização da terra. Dourados, MS:


UFGD, 2008.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução Maria de Lourdes Menezes. 3. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 2011.

LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integraçãodas populações indígenas no Brasil


moderno. São Paulo, SP: Companhia das Letras,1996.

ROCHA, Leandro. A política indigenista no Brasil (1930-1967). Goiânia, GO: Ed. UFG,
2003.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições equestão racial no
Brasil - 1870-1930. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1993.

SPI-Serviço de Proteção ao Índio. Diretoria Geral. Instruções internas. [S.l.]: SPI, 1910.

388
AS RELAÇÕES COM O AMBIENTE E A SUSTENTABILIDADE DOS TERENAS DA
ALDEIA BANANAL NA TERRA INDIGENA TAUNAY-YPEGUE / MATO GROSSO
DO SUL

Rodrigo da Silva Bezerra Pinheiro de Almeida Reis (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


rsb.silves@gmail.com

Heitor Queiroz de Medeiros (PPGE/UCDB)


heitor.medeiros@ucdb.br

Resumo: Introdução: O presente estudo faz parte da pesquisa de Doutorado em andamento


do Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Educação (PPGE) da Universidade
Católica Dom Bosco – UCDB situada na cidade de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do
Sul, Brasil. Objetivo: Analisar os saberes tradicionais do povo Terena da Aldeia Bananal,
pertencentes a TI Taunay Ipegue, Município de Aquidauana – Mato Grosso do Sul, quanto aos
cuidados com a natureza e sua possível articulação com a Justiça e Mudanças Climáticas.
Metodologia: Para o estudo pretende-se utilizar a pesquisa de natureza qualitativa e documental
com perspectiva decolonial. Resultados: O estudo ainda não possui resultados, trata-se de
reflexões iniciais contidas no projeto de investigação, espera-se que a investigação no decorrer
de sua descoberta venha a contribuir quanto ao saber ancestral aqui pensando como “saber
sagrado” para com o cuidado da natureza e suas possíveis articulações para a justiça climática
e o retardamento das mudanças climáticas para as presentes e futuras gerações

Palavras-chave: Saber Tradicional, Educação, Justiça Climática, Terenas, Territórios.

INTRODUÇÃO

Atualmente vivenciamos uma crise socioambiental caracterizada pela globalização e


utilização exacerbada de recursos naturais. Como solução desta crise, muito se fala em práticas
pedagógicas que visem à transmissão de conhecimento sobre educação ambiental. Entretanto,
pouco se discute a respeito do elo existente entre o meio ambiente e a valorização da cultura, o
que pode contribuir, e muito para a formação de cidadãos capazes de refletir e participar das
discussões e decisões sobre as questões socioambientais.
Nesse ínterim, podemos citar locais que existem e que são consideradas como
comunidades tradicionais, como por exemplo, as dos povos indígenas. Diversos estudos
mostram a relação existente entre as comunidades indígenas e a delimitação, preservação e
manutenção de áreas de proteção ambiental. Essas comunidades possuem grande relação com
389
o meio ambiente, visto que, seus ancestrais cultuavam da espiritualidade dos seres da terra e/ou
aquelas oriundas de matriz africana, religiões/crenças, essas, que são baseadas nos elementos
da natureza. Podemos citar, por exemplo, os orixás do Candomblé, que remetem ao
antropomorfismo de recursos naturais, como Iemanjá, os mares e Oxum, os rios.
Se tratando de comunidades indígenas e na relevância para os objetivos da pesquisa,
aproveitamos para considerar aspectos quanto às mudanças climáticas e a atenção para com o
planeta. Buscamos inserir nesta pauta a vivência, as relações e a existência de povos indígenas
como elemento base de compreensão à possibilidade de cuidar da natureza pela humanidade
como todo.
Essa intensa participação no cotidiano sul-mato-grossense favorece a atribuição aos
Terenas de estereótipos tais como “aculturados” e “índios urbanos”. Tais declarações servem
para mascarar a resistência de um povo que, através dos séculos, luta para manter viva sua
cultura, sabendo positivar situações adversas ligadas ao antigo contato, além de mudanças
bruscas na paisagem, ecológica, ambiental e social, que o poder colonial e, em seguida, o Estado
brasileiro os reservou. O Poder colonial feito pelo Estado e que é vivenciado pelos Terenas
podem ser refletidos a partir do conceito introduzido pelo sociólogo peruano Anibal Quijano
(1990) como um “patrón colonial de poder” e descrito por Mignolo (2017, p. 2) a que expõe
que a colonialidade “nomeia a lógica subjacente da fundação e do desdobramento da civilização
ocidental desde o Renascimento até hoje, da qual colonialismos históricos têm sido uma
dimensão constituinte, embora minimizada”.
Sabe-se que o colonialismo discutido por Quijano (1990) e Mignolo (2017) são fissuras
existentes no Mato Grosso do Sul e que em grande do território evidenciam a reprodução pelo
Estado e pelos grandes proprietários agropecuários seus atos colonizadores e de coronelismo,
em especial nas áreas próximas as comunidades e territórios indígenas como os dos Terenas em
diversas cidades sul-mato-grossenses.
O povo Terena tem seu território predominante localizado no oeste de Mato Grosso do
Sul, coincidindo com parte do ecossistema do Pantanal, nos municípios de Miranda,
Aquidauana, Anastácio, Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti, Nioaque e Rochedo. Segundo o
Censo Demográfico de 2010, a população Terena é composta de aproximadamente 28 mil
habitantes, distribuída por 10 Terras Indígenas, com mais de 40 aldeias. Fazem parte do
Território Etnoeducacional Povos do Pantanal contando com 26 escolas, das quais 15
municipais e 11 estaduais, somando 6.364 alunos matriculados na Educação Básica (Pré-escola:
390
479; Ensino Fundamental – anos iniciais e finais: 4.197; Ensino Médio: 938; EJA Ensino
Fundamental e Médio: 820) e aproximadamente 250 professores1.
O povo Terena faz parte do tronco linguística Aruak, e por isso, apresenta várias
características socioculturais resultantes dessa tradição, como a cerâmica e a prática da
agricultura. Conforme a região de cada aldeia e a história de contato resulta realidades
sociolinguísticas distintas. Da família Aruak, a língua terena é falada pela maioria das pessoas
que se reconhecem, hoje, como Terena. Mas o seu uso - e frequência - é desigual nas várias
aldeias e Terras Indígenas. Por exemplo, em Dois Irmãos do Buriti – MS e Nioaque – MS, são
pouquíssimas pessoas que a utilizam. Em outras, como Cachoeirinha, tem casos de jovens que
ainda não dominam a Língua Portuguesa.
De um modo geral, podemos compreender o que definiu Ladeira (2001), entendendo
que os Terena são um povo estritamente bilíngue, por isso uma realidade social em que a
distinção entre uma língua "mãe" (por suposto, indígena) e uma língua "de contato" ou "de
adoção" (o português, no caso) não tem sentido sociológico em si.
A autora define que:
A língua 'materna' para os terena não tem importância socializadora, no sentido de
integrar o indivíduo em um mundo próprio, conceitualmente diferente do 'mundo dos
brancos'. Podemos afirmar que seu uso está ligado a uma socialidade apenas afetiva.
Em outras palavras, a língua terena não é usada nestas sociedades enquanto sinal
diacrítico para afirmar sua diferença frente aos "brancos". Na verdade (...) os Terena
têm orgulho de dominarem, inclusive por meio do uso da língua do purutuya, a
situação de contato com a sociedade nacional, e é este domínio que lhes permite
continuar existindo enquanto um povo política e administrativamente autônomo
(Ladeira, 2001:130-2).

Segundo os escritos antropológicos, a etnia Terena é um subgrupo Guaná ou Chané,


pertencente assim à família linguística Aruak. “Os antigos Guaná falavam, até o período
anterior à guerra entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (1864-1870), diversos dialetos Aruak.
Estavam divididos nos subgrupos Terena (Etelenoé), Echoaladi2, Quiniquinau (Equiniquinau)
e Laiana (Layana)” (Eremites de Oliveira & Pereira, 2003, p. 242).

1
Conforme informação disponível em https://www.saberesindigenasnaescola.org/copia-biblioteca-1, acessado em
25/11/2019.
2
“No livro Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terena, o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira
(1976), a partir de escritos de cronistas dos séculos XVIII e XIX,como Sanches Labrador, Félix Azara, Juan
Francisco Aguirre, Francis de Castelnau, AlfredoD’ Escragnolle Taunay, considera que o subgrupo Echoaladi foi
designado como Guaná em algumas obras. Devido a imprecisões como essas, é necessário ter cautela na
interpretação dos dados. A designação dos diversos grupos indígenas não era uniforme e, não se pode inferir
exatamente os mesmos etnônimos para a atualidade” (XIMENES, 2017, p. 31).
391
Tradicionalmente, aponta Eloy Amado (2020, p. 394) que os Terena ficaram conhecidos
no âmbito da etnologia brasileira como “um caso limite de ser ou não índio no Brasil” (Cardoso
de Oliveira, 1976, p. 07). E é nesta perpectiva histórica, que se abre um debate no campo
antropologico envolvendo questões relevantes como o fatores de “identidade, etnicidade,
resistência, apropriação e uso político da identidade, urbanização e fronteiras étnicas,
entre outras variantes das relações interétnicas” (Eloy Amado, 2020, p. 394).
Contudo, os textos que abordam a história do povo Terena adotam a divisão da linha do
tempo terena, sistematizada por Circe Maria Bittencourt e Maria Elisa Ladeira (2000), no livro
A História do Povo Terena, seguindo: 1) os Tempos Antigos se estendiam até o final da Guerra
contra o Paraguai; 2) os Tempos de Servidão correspondiam ao período entre o final da Guerra
contra o Paraguai e a formação das Reservas no início do século XX; 3) os Tempos Atuais
estariam situados após a formação das Reservas.
O pesquisador terena Claudionor do Carmo Miranda (2006), em sua dissertação
intitulada Territorialidades e práticas agrícolas: premissas para o desenvolvimento local em
comunidades terena de MS, acrescentou a essa linha um quarto período: Tempo do Despertar,
a fase da busca pela autonomia. Seria do ponto de vista de Miranda (2006) que o terena fosse
caracterizado pela “inserção dos ‘patrícios’ Terena nos espaços que antes não eram ocupados
por eles, na economia regional, por exercerem cargos públicos ou serem profissionais liberais
e pela presença dos jovens Terena nas universidades” (Miranda, 2006, p. 22)3.
Entretanto, em recente artigo, o pesquisador Terena Eloy Amado (2018), a partir da
leitura do material disposto, dos documentos pesquisados e de relatos colhidos, reformulou
esses tempos históricos do povo Terena, inclusive no que tange ao Tempo do Despertar
formulado por Miranda (2006). O atual Secretário – Executivo Nacional do Ministério dos
Povos Indígenas, o Terena Luiz Henrique Eloy Amado pontuou outras situações históricas
vivenciadas pelo povo Terena e defendeu que o tempo do despertar caracteriza-se pela efetiva
luta pelo território, ou seja, pelas revindicações de terras levadas a cabo pelas lideranças a partir
da década de 2000.
Fato é que os Terena há muito tempo transitam em espaços institucionais e mantêm
desde dos tempos do Brasil Colônia, uma assídua relação com agentes estatais, se apropriando,
inclusive de outros símbolos, mas que nem por isso, deixaram de ser culturalmente diferentes

3
Neste mesmo sentido Ximenes (2017).
392
e de se reafirmarem enquanto povo indígena. E ainda, aliado a esta constatação, nos últimos
anos de suas lideranças tem levado a cabo uma intensa mobilização de luta pela terra, conforme
consignado nos trabalhos de Ximenes (2017) e Eloy Amado (2013 - 2019).
Os pesquisadores Zoia, Pasuch e Peripolli (2015, p. 87) descrevem que historicamente,
“o povo Terena contribuiu muito para a formação da região sul-mato-grossense; no entanto, é
pouco lembrado pelos seus feitos”. Neste sentido, o reconhecimento jurídico dos direitos
culturalmente diferentes esculpidos na Carta Constitucional de 1988, aos povos indígenas,
ganha relevância de igual modo, tendo em vista o contexto da realidade dos Terenas, que além
de participarem ativamente do processo de elaboração dos Artigos 231 e 232 da CF/88, tem a
cada dia mais, demandados políticas públicas especificas para suas comunidades como a
preservação do ensino indígena e a relação de “educação ambiental” para com o seu povo.
Neste ínterim, percebemos que muito se fala da importância cultural, educacional e
socioambiental de populações indígenas, entretanto, sua influência na preservação do meio
ambiente, normalmente é esquecida. Resgatar os saberes ancestrais e ambientais dos terenas
para o cuidado do meio ambiente é essencial, visto que esses saberes atrelados a de outros povos
indígenas são cruciais principalmente para uma formação que valorize as raízes culturais locais
e que permita um aprendizado zeloso que corrobora com a construção de caminhos e
alternativas mais humanas, sociais e ambientalmente sustentáveis.
E é no trilhar de caminhos e alternativas que trazemos reflexões quanto à alteração do
clima e a sobrevivência da humanidade, com atenção aos olhares e tensões para a justiça e
mudanças climáticas. Essas Reflexões surgem a partir das experiências de lutas que muitos
povos indígenas diariamente engajam como possibilidades e formas de resistências dentro de
seus territórios.
Nemonte Nenquimo, Líder do povo indígena Waoroni do Equador, relata à UN
Enviromment Programme (2021), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como
se deu o processo de luta contra os mineradores, madeireiros e empresas de petróleo que
pretendiam se estabelecer na floresta amazônica. Nenquimo liderou um processo em 2019 que
proibiu a extração de recursos em 500 mil Hectares de suas terras ancestrais - uma vitória
judicial que deu esperança às comunidades indígenas em todo o mundo.
A expressão que traduz a relevância de se discutir os cuidados da natureza a partir dos
povos indigenas se extrai da afirmativa de Nenquimo ao UN Enviromment Programme (2021)
considerando que "A luta que fazemos é por toda a humanidade."
393
No último dia Internancional dos Povos Indígenas ocorrido em 2021, especialistas
afirmaram que governos devem aprender com os exemplos ambientais dados pelas
comunidades indígenas, algumas das quais viveram em harmonia com a natureza por milhares
de anos. Caso contrário, corremos o risco de acelerar a tripla crise planetária que o mundo
enfrenta devido às mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição.
Neste foco, a ciência é absolutamente clara de que estamos colocando pressões extremas
no planeta. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2020
estimaram que o aquecimento global provavelmente atingirá 1,5°C entre 2030 e 2052. A
Organização Meteorológica Mundial e o Met Office do Reino Unido trouxeram esta linha do
tempo ainda mais perto de casa, com novas mudanças climáticas previsões que apontam para
uma probabilidade de 20% de que um dos próximos cinco anos será 1,5°C mais quente do que
os níveis pré-industriais.
Não obstante, não precisamos olhar além da pandemia global causada pelo COVID-19
nos últimos anos, uma doença zoonótica, ou seja, transmitida de animal para humano, para
saber que o sistema afinado do mundo natural foi interrompido. E, finalmente, a “trilha tóxica”
do crescimento econômico – poluição e desperdício que resultam “todos os anos na morte
prematura de milhões de pessoas em todo o mundo” (ONU-UNESP, 2020, online).
O fio condutor, em certo sentido, que perpassa essa tríplice crise planetária é a produção
e o consumo insustentáveis. O Painel Internacional de Recursos sempre nos lembrou que nossa
extração implacável e ilimitada de recursos da Terra está tendo um impacto devastador no
mundo natural, impulsionando a mudança climática, destruindo a natureza e aumentando os
níveis de poluição.
Nesses contextos, acreditamos que os saberes ancestrais do povo Terena possam
contribuir para novos olhares e tensões, visto que neste campo de discussão buscamos trazer
reflexões, olhares e tensões a partir da resistências e vivências a partir do território do povo
terena, além disso, identificando exemplos da importância cultural e espiritual/cosmológica dos
terenas na manutenção de espaços – ambientes de preservação ambiental possam auxiliar no
fortalecimento da identidade do povo e alternativas mais justas e sustentáveis na sociedade.
Quando buscamos compreender as questões ambientais a partir da percepção dos povos
tradicionais indígenas em seus saberes, diversidades e cultura, isso implica reconhecer sua
essência e seus meios de sobrevivência e o impacto social.

394
[…] A importância e a valorização dos saberes tradicionais, seja dos povos indígenas
ou de outros, como o propósito de preservar a história ambiental e tradicional sobre
usos, costumes, tradições […] são conhecimentos (que) podem contribuir nas
estratégias e ações para a consecução do ambiente sustentável. (Souza; Lima; Mello;
Oliveira. Pag. 7. 2015).

Entretanto, se observa que a extinção dos povos indígenas em alguns territórios


nacionais e a perca dos costumes, linguagens e saberes destes povos podem impactar logo mais
as atuais e futuras gerações, tendo como norte o descuido e a desvalorização deste para a
manutenção da vida e o uso da terra como sagrado pelos demais da sociedade brasileira. Denota-
se ainda que as políticas sociais fragmentadas ao acesso e reconhecimento dos saberes
tradicionais desvelados do conhecimento produzidos através do ensinar, cuidar, viver e
representar sua essência vive em constantes conflitos acerca dos modos de vidas do ocidente.
Scaramuzza (2014) ao descrever o uso da etnografia pós-moderna para a investigação
de políticas de inclusão social na percepção dos autores Carin Klein e José Damico traz consigo
que esta lógica impacta em:

[...] múltiplas vozes que compõem a “ópera” social, suas entoações, desentoações,
graves e agudos que “marcam as relações de poder”, possibilitando, deste modo,
compreender as políticas públicas e os sujeitos não enquanto “entidade prévia do
discurso”, mas como “o próprio efeito da discursividade” (p. 324).

Em caminhos pujantes do que busca compreender os saberes acerca do meio ambiente,


do sagrado e da do cuidado com estes, percebe-se que em si a Educação Ambiental (a dos seres
humanos brancos ocidentais) ao longo de sua trajetória recebeu várias definições, até mesmo
nas percepções enquanto política educacional ambiental, entretanto, atualmente com as
mudanças climáticas, novas preocupações pairaram sobre a humanidade. Um desafio será a de
compreender a justiça e mudanças climáticas. Aponta a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 1987) que a:

Educação Ambiental é um processo permanente, no qual os indivíduos e a


comunidade tomam consciência do seu ambiente e adquirem conhecimentos, valores,
habilidades, experiências e determinação que os tornem aptos a agir e resolver
problemas ambientais presentes e futuros.

A Constituição Federal Brasileira, em seu art. 225 expressa que:

“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
(Brasil, 1988).

395
Ou seja, entende o ambiente não apenas como a natureza externa, da qual o homem
supostamente não faz parte, mas sim como o local em que vivemos; sobre o qual temos
responsabilidades e com o qual mantemos uma relação de interdependência, tanto pelo que é
produzido e consumido (água, alimentos e outros recursos para produção de objetos e
equipamentos diversos) quanto pelos resíduos que são descartados.
Para Gohn (2010) os indígenas detêm saberes sobre a floresta, tanto da arquitetura de
seu território, como de suas matas e animais, e possuem com a terra uma relação que não passa
pela ideia de propriedade, é algo do mundo simbólico, do sagrado.
Os povos tradicionais possuem um acordo ético em relação ao meio ambiente, conforme
defende Carneiro da Cunha (2008) a importância em se preservar as culturas desses povos que
se tornaram figuraschave na conservação do planeta. Segundo a autora, os direitos que se
reconhecem hoje a povos tradicionais em geral se fundamentam nos serviços ambientais que
eles prestam, assim, ser povo tradicional é, no fundo, um contrato, um pacto de não agressão
ao meio ambiente.
A Declaração RIO–92, estabelece no Princípio 22 que os povos indígenas e suas
comunidades, assim como outras comunidades locais, desempenham um papel fundamental na
ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento devido a seus conhecimentos e práticas
tradicionais.
Também, a Lei 9.985/00 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC trata das comunidades tradicionais como sendo fatores de preservação do meio ambiente
nas Unidades de Conservação - UCs.
Guimarães e Medeiros (2016) descrevem que “vivemos nos dias atuais uma crise sem
precedentes”, o capital (modo econômico) detentor da alavanca e norte da sociedade, onde
consumir é a necessidade e sobrevivência, os custos desta ainda apontam que se trata claramente
de:
“uma crise que pela primeira vez na história planetária, uma espécie ameaça as
condições ambientais da biosfera; ambiente onde se encontram as condições que
mantém a possibilidade da continuidade da vida”. (Guimarães; Medeiros, 2016, p.50).

Assim sendo, a visão socioambiental apontada pelos estudos de Carvalho (2008) a que
nos orienta, contudo de:

Uma racionalidade complexa e interdisciplinar (que) pensa o meio ambiente não como
sinônimo de natureza intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a

396
sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos
dessa relação se modificam dinâmica e mutuamente. (Carvalho, 2008, p. 37).

Nesta lógica interpretativa, considera-se ao autor:

[…] o meio ambiente como um espaço relacional, em que a presença humana, longe
de ser percebida como extemporânea, intrusa ou desagregadora, aparece como um
agente que pertence à teia de relações da vida social, natural e cultural e interage com
ela (Carvalho, 2008, p. 37).

A inter-relação entre pessoas e meio ambiente sempre tem um contexto que influenciará
sua percepção. Fazendo-se necessário conhecer o meio, os valores sociais, a forma de produção
e sobrevivência, as relações, as histórias de vida, ou seja, a cultura.
Essa interação entre cultura, sociedade e ambiente apontada por Carvalho também é
apontada por Stuart Hall (2003) ao definir cultura,

como "o estudo das relações entre elementos em um modo de vida global". A cultura
não é uma prática; nem apenas a soma descritiva dos costumes e "culturas populares
[folkways]" das sociedades, como ela tende a se tornar em certos tipos de
antropologia. Está perpassada por todas as práticas sociais e constitui a soma do inter-
relacionamento das mesmas. (Hall, 2003, p. 136).

Parte-se então da lógica das vivências e conhecimentos. Os modos de vidas e analise do


seu cenário de vida por parte das crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos da cidade e do
campo, o rural. As possibilidades que esses dois significativos universos remetem aos seus
meios.
É preciso, contudo descolonizar as relações de poder e saberes que se emprega no
ocidente a luz dos saberes tradicionais indígenas para as questões de diversidade, meio ambiente
e sociedade. É prudente perceber a interculturalidade como “um paradigma "outro", que
questiona e modifica a colonialidade do poder, enquanto, ao mesmo tempo, torna visível a
diferença colonial” (Walsh, 2019) entre as realidades e vivencias dos espaços das pessoas/seres.

São necessárias novas formas de pensamento que, transcendendo a diferença colonial,


possam se construir sobre as fronteiras das cosmologias em conflito, cuja a articulação
atual se deve, consideravelmente, à colonialidade do poder sobre cujos pilares se
ergueu o mundo moderno/ colonial. (Mignolo, 2003, p. 19)

A compreensão a respeito da maneira como cada sujeito percebe, vê, lê e interpreta o


meio em que vive e luta é fundamental para a interpretação e observação das mudanças e
transformações ocorridas no meio. A ação da espécie humana sobre o mundo é também uma
relação cultural. Não é possível pensar, determinar e/ou descrever a natureza humana
397
independente da cultura, pois cultura segundo Stuart Hall (2003, p. 141-142) é “algo que
entrelaça todas as práticas sociais”, e essas práticas, por sua vez, como uma forma comum de
atividade humana: como práxis sensual humana, como a atividade através das quais homens e
mulheres fazem a historia.

A interculturalidade oferece um caminho para se pensar a partir da diferença e através


da descolonização e da construção e constituição de uma sociedade radicalmente
distinta. O fato de que esse pensamento não transcenda simplesmente a diferença
colonial, mas que a visibilize e rearticule em novas políticas da subjetividade e de uma
diferença lógica, torna-o crítico, pois modifica o presente da colonialidade do poder e
do sistema-mundo moderno/colonial. (Walsh, 2019, p. 27)

As re-significações da diversidade, da educação e dos saberes indígenas “é uma


reformulação do conhecimento, em diálogo com outros conhecimentos, a que abre uma nova
perspectiva de uma ordem geopolítica de produção do conhecimento” (Mignolo, 2000, p. 69) e
que, portanto permite observamos e descrevemos tão bem na perspectiva do cuidado com o
meio ambiente, o sagrado e o futuro nos processos formativos de aprendizagem e educação
indígena Terena as relevantes contribuições da Aldeia Bananal do Município de Aquidauana –
MS para com o ocidente, e em si como esses saberes tradicionais podem contribuir a partir de
olhares e tensões sobre a justiça e Mudanças Climática4 da presente e das futuras Gerações.
Segundo Leff (2009, p. 18) o “saber ambiental reafirma o ser no tempo e o conhecer na
história; estabelece-se em novas identidades e territórios de vida”; reconhecendo o poder do
saber e da vontade de poder como um querer saber.
Assim, a racionalidade ambiental abre caminho para uma reerotização do mundo,
transgredindo a ordem estabelecida, a qual impõe a proibição de ser. O saber ambiental “é uma
inquietude do nunca sabido, que falta saber sobre o real, conhecimento que emerge do que ainda
não é. Assim, o saber ambiental constrói novas realidades” (Leff, 2009, p. 18).
Há reflexões do saber ambiental e ancestral a partir de Ailton Krenak, considerando que
a “Terra seguir seu caminho é uma possibilidade de desafiar a centralidade que o ser humano
se pretende” (Krenak, 2020, online). Faz com o que essa centralidade seja posta em questão. É

4
Justiça climática é um termo usado para enquadrar o aquecimento global como uma questão ética e política, em
vez de uma questão de natureza puramente ambiental ou física. Trata-se de um movimento para tentar garantir
justiça global para a população vulnerável aos impactos das mudanças climáticas que geralmente é esquecida:
pobres, mulheres, crianças, negros, indígenas, imigrantes, pessoas com deficiência e outras minorias
marginalizadas em todo o mundo.
398
a ideia do Antropoceno [teoria de que as ações humanas mudaram profundamente o
funcionamento do planeta e que isso constituiria uma nova era geológica].
Então, se o pensamento dos seres humanos acerca da vida aqui no planeta ficou tão
atomizado ao ponto de nós ameaçarmos as outras existências, a Terra pode nos deixar para trás
e seguir o seu caminho. Gaia é esse organismo vivo, inteligente, e que não vai ficar subordinado
a uma lógica antropocêntrica. Ele dispensa a gente.
Essa compreensão parece uma ideia mágica, romântica, mas muitos cientistas
consideram a Teoria de Gaia [a ideia de que a Terra é um organismo vivo] ser real. Inclusive,
“os eventos que estamos passando agora são indicativos de que esse organismo está reagindo.
Estamos experienciando a febre do planeta”. (Krenak, 2020, online).
O organismo de Gaia está com febre porque nós, os humanos, somos os únicos que
temos a capacidade de incidir sobre esse organismo de maneira desordenada. E
estamos ameaçando outras vidas, outras existências, causando uma febre neste
organismo. É muito didático, não é uma teoria complicada. Nós estamos
desorganizando a vida aqui no planeta, e as consequências disso podem afetar a ideia
de um futuro comum – no sentido de a gente não ter futuro aqui junto aos outros seres.
Os humanos serem finalmente incluídos na lista de espécies em extinção. (Krenak,
2020, online).

Sendo compreensivo com a entrevista afirmada por Krenak (2020) partirmos da


compreensão que a visão sistêmica e a interdependência entre todos os elementos e seres são
foco da hipótese Gaia, de Lovelock (1987; 1990; 1991), utilizada em algumas perspectivas da
educação ambiental contemporânea, com a proposta de compreensão do planeta como uma
entidade fisiológica, um ser vivo sustentado e regulado ativamente e continuamente pela vida,
de modo que a evolução das espécies e do seu ambiente estão estreitamente associadas, em um
processo único e indivisível.
Compreender a relação dos indígenas Terena, com a natureza e como seus saberes
tradicionais podem contribuir para o cuidado ambiental brasileiro, principalmente com a região
sul-matogrossense, tanto em seu processo de definição de políticas como na implantação de
suas práticas pedagógicas transformações e que podem impactar socialmente as mudanças
climáticas, o permitir do ambiente se vestir de sagrado, trás consigo a ancestralidade das
vivências do presente e do futuro.

CONCLUSÃO
O presente estudo ainda não possui resultados visto estar em fase de reformulação e
alinhamento de pesquisa, trata-se de reflexões iniciais contidas no pré-projeto de investigação
399
em nível de Doutoramento do Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Educação
da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande – Mato Grosso do Sul no Brasil.
Espera-se que a investigação no decorrer de sua descoberta venha a contribuir quanto
ao saber ancestral aqui pensando como saber sagrado para com o cuidado da natureza e suas
possíveis articulações para a justiça climática e o retardamento das mudanças climáticas para
as presentes e futuras gerações.

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direitos: movimento indígena e confronto político. Tese de doutorado. Programa de Pós-
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402
COMO O CONHECIMENTO LOCAL DOS HABITANTES DA SERRA DO
AMOLAR CONTRIBUIU PARA A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS DA REGIÃO EM
MEIO AO FOGO DO PANTANAL SUL

Laura Karoliny Alves Urquiza dos Santos (UCDB – Bolsista CAPES)


laurakurquiza@gmail.com

Maria Augusta de Castilho (UCDB)


rf5296@ucdb.br

Resumo:Através do olhar daqueles que estiveram em contato com a população da Serra do


Amolar e com as consequências causadas pelo desastre do fogo para aquele lugar, como o
conhecimento empírico pôde contribuir com o conhecimento científico e facilitar o auxílio
técnico. O olhar individual sobre o saber local e o que foi aprendido por cada um foi o foco da
coleta de dados, sendo analisados e extraídas as palavras e/ou termos mais utilizados e a partir
deles viabilizar a discussão acerca do conhecimento empírico. A metodologia aplicada para a
obtenção de resultados foi por meio de entrevista semiestruturada e a partir dos resultados
obtidos a pesquisa bibliográfica para corroborar com a interpretação dos dados. O saber local é
uma alavanca para o conhecimento científico e o presente artigo aborda este entendimento, o
conhecimento da população da Comunidade Amolar e a atuação do Grupo de Resgate Técnico
de Animais do Pantanal-Cerrado do Estado de Mato Grosso do Sul – GRETAP-MS durante o
desastre do fogo no ano de 2020 e de que maneira este conhecimento contribuiu para a proteção
dos animais.

Palavras-chave: Saber Local. Comunidade. GRETAP-MS.

INTRODUÇÃO

No ano de 2021 foi realizada uma pesquisa no intuito de entender como foi a relação
entre a equipe do Grupo de Resgate Técnico de Animais do Pantanal-Cerrado do Estado de
Mato Grosso do Sul (GRETAP-MS) e os ribeirinhos da região da Serra do Amolar, localizada
no Pantanal Sul, durante a atuação no desastre das queimadas que ocorreram no ano de 2020.
Ao longo das entrevistas ficou claro a importância do saber local para o conhecimento científico
e como o saber da Comunidade Amolar contribuiu para que a atuação do GRETAP-MS pudesse
ser efetivamente aplicada para ajudar a minimizar o problema que estavam enfrentando naquele
período.

403
Foram mais de 22.000 focos de incêndio, o que resultou em prejuízos sem precedentes
para o Bioma Pantanal, e em meio à tragédia muitos animais morreram e outros ficaram feridos,
por este motivo é que houve a necessidade de formação de um grupo de profissionais que
pudesse atuar com seu conhecimento técnico na tentativa de minimizar consequências do
desastre ambiental.
Em meio ao caos a população ribeirinha já estava atuando na tentativa de salvaguardar
o seu território e garantir o seu modo de viver, para isso eles se utilizaram da sabedoria popular,
ou seja, do seu conjunto de crenças, valores e normas que foram aprendidos com seus
antepassados e que orientaram o seu comportamento diante da situação de desastre e que
orientam o seu pensamento em diferentes outras situações.
O conhecimento empírico, ou o saber local, é um tipo de conhecimento/saber baseado
na experiência cotidiana e nas observações do dia a dia. Não segue um método científico ou
formal, mas é baseado na intuição, na tradição e no significado. Esse conhecimento pode dar
uma grande contribuição para a proteção dos animais e do planeta, porque estabelece a relação
direta e íntima que certas comunidades humanas têm com a natureza.
A intenção com o presente artigo é apresentar a relação entre o conhecimento empírico
e o conhecimento científico que resultou da interação entre o GRETAP-MS e a Comunidade
Amolar frente ao combate às consequências causadas pelo fogo no ano de 2020 no Pantanal do
Mato Grosso do Sul.

2 DESENVOLVIMENTO

Antes de abordarmos o tema principal deste artigo, produziremos uma breve


apresentação acerca do território ao qual a Comunidade Amolar está inserida.
Para começar a falar da Serra do Amolar, precisamos dizer algumas palavras sobre o
Pantanal, a maior área úmida continental de água doce do mundo, segundo o Observatório do
Pantanal (c2019). O Bioma Pantanal inclui três países Brasil, Bolívia e Paraguai, e conecta a
Amazônia e a Bacia do Prata, é influenciado por quatro ecossistemas diferentes Amazônia,
Cerrado, Chaco e Mata Atlântica (Embrapa Pantanal, [s.d.]). A região do Pantanal possui uma
área classificada como muito importante para a conservação da natureza pelo Ministério do
Meio Ambiente, devido à abundância de água em seu território, além de receber o título de

404
Reserva Mundial da Biosfera e patrimônio natural da humanidade pela UNESCO (Urquiza e
Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
A Serra do Amolar está localizada no Pantanal Sul, à aproximadamente 100 km do
município de Corumbá, próximos às divisas entre os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, é também bem próximo à divisa do Brasil com a Bolívia (Pisa Trekking, 2022). O
Maciço do Amolar como também é conhecido, é uma formação rochosa, com cerca de 80 km
de montanhas, que conferem ao local um cenário incrível e bastante diferente das paisagens
planas e alagadas que se conhece da região (Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022). O
nome “Amolar” vem da prática de utilizar a pedra de arenito para amolar ferramentas, como foi
apresentado no programa Terra da Gente, exibido pela TV Globo em 18 de abril de 2020.
O papel natural da Serra do Amolar é represar as águas dos Rios Paraguai e São
Lourenço e assim contribui para a formação de lagoas, essa função é vital para o Bioma
Pantanal, por isso a Serra do Amolar é uma área prioritária para a conservação (aquelemato.org,
2018).
Em termos populacionais, os habitantes da Serra do Amolar são constituídos por
comunidades tradicionais nascidas de uma mistura de povos indígenas e imigrantes. Ao longo
dos anos a população vem diminuindo devido à falta de alternativas econômicas e à migração
para cidades próximas, como Corumbá. Não existem dados oficiais sobre o número exato de
pessoas que moram na região, mas estima-se que seja cerca de 200 aglomerados familiares, de
acordo com a organização não governamental Ecologia e Ação – ECOA (c2021).
O incêndio na Serra do Amolar foi um dos maiores incêndios já registrados no Pantanal,
foram 3 meses de queimada, entre agosto e novembro do ano de 2020, causando grandes danos
à flora, à fauna e à população local. De acordo com o jornal Correio do Estado (2023) “cerca
de 97% da área da Serra do Amolar foi queimada em 2020, o que corresponde a 1,408 milhão
de hectares”.
Durante este período houveram vários resgates de animais vitimados pelo fogo, entre
eles duas onças pintadas, ambas foram nomeadas com nomes de moradores locais pelos
próprios ribeirinhos que auxiliaram no trabalho de resgate. Uma delas batizada com o nome
Tiago, em homenagem a um jovem da região que havia falecido um ano antes, não resistiu aos
ferimentos e veio a óbito no Centro de Reabilitação de Animais Silvestres – CRAS em Campo
Grande. O outro animal, batizado de JouJou em homenagem à Dona Jouana também moradora
local, se recuperou, hoje está saudável e de volta ao território da Serra do Amolar.
405
Os resgates foram executados pelo grupo de resgate que se mobilizou a partir da
necessidade de solucionar a problemática que se formava doravante o desastre do fogo, os
animais silvestres estavam feridos e sem condições de se alimentar ou se abrigar, devido a
proporção dos incêndios.
O grupo de resgate, intitulado de Grupo de Resgate Técnico Animal do Pantanal-
Cerrado do Estado de Mato Grosso do Sul (GRETAP-MS) é composto por especialistas ligados
à proteção ambiental, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Mato Grosso do Sul
(CRMV/MS), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Instituto Tamanduá (IT), Instituto
Homem Pantaneiro (IHP), Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL),
Secretaria do Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar
(SEMAGRO), Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Fundação Municipal do Meio Ambiente de Corumbá (FMAP),
Polícia Militar Ambiental (PMA), Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul
(CBMMS) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) (Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
Mais tarde, no ano de 2021, o grupo foi homologado pelo Governo do Estado de Mato
Grosso do Sul através do Decreto nº 15.651 de abril de 2021, após os incêndios florestais de
2020 que assolaram o estado, o grupo se consolidou e tem como missão: Fornecer profissionais
qualificados e treinados para resposta emergencial a qualquer desastre que possa ocorrer
(Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
A partir das operações realizadas em 2020, os integrantes que atuaram na linha de frente
do combate ao fogo e resgate dos animais, puderam estar em contato direto com a população
local o que resultou em uma soma de conhecimento e uma força tarefa na missão de auxiliar o
território da Serra do Amolar durante o crítico período do desastre do fogo.
O Saber local é um saber que vem do cotidiano, passa de pai para filho, nasce da
interação com o meio ambiente, é o conhecimento baseado na experiência vivida e na
observação do mundo sem evidências científicas. Na concepção de Milton Santos (1999), “o
conhecimento local é um produtor de discurso e de política”. Isto quer dizer que ele é formado
a partir de entendimentos que se baseiam em experiências, sem considerar métodos científicos.
O fato de se tratar de uma construção de dentro para fora, aponta para que é a sabedoria
local que contribui para que o conhecimento científico se forme e não o contrário (Urquiza e

406
Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022). Geertz (2009), corrobora com este pensamento e
classifica o saber local como “precursor do saber científico”.
Para o território que o presente artigo apresenta, este conhecimento regional é vital para
qualquer ação que se faz necessária, já que se trata de um ecossistema cheio de especificidades.
O povo pantaneiro que vive às margens do rio Paraguai, herdou conhecimentos dos povos
indígenas e entende os ciclos do Pantanal, caracterizados por cheias, secas e incêndios (Urquiza
e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
O conhecimento científico é uma fonte de saber que fornece explicações e soluções que
melhoram a compreensão prática ou cotidiana. É uma forma de conhecer que busca
compreender a realidade por meio de métodos rigorosos e sistemáticos. Ele se diferencia de
outros tipos de conhecimento, como o senso comum, por exigir provas empíricas e lógicas para
sustentar suas afirmações (Menezes, c2017-2022).
Aplicar uma técnica é usar um conhecimento adquirido por meio de estudo, experiência
e observação para resolver problemas ou tomar decisões. Para possibilitar uma aplicabilidade é
preciso primeiro identificar o objetivo que necessita alcançar, posteriormente é preciso
pesquisar informações relevantes e confiáveis sobre o assunto. O que possibilita a capacidade
de aplicação técnica é o conhecimento científico (de Souza, 2013).
Os eventos que ocorreram no ano de 2020 na Serra do Amolar, possibilitaram aplicação
de práticas oriundas de ambos os conhecimentos abordados acima, por um lado a população
local empregando o seu conhecimento experenciado e por outro o grupo de profissionais
atuando de maneira técnica, todos em prol de um mesmo objetivo. Inicia-se aqui a discussão
imprescindível deste artigo, ou seja, como o conhecimento local dos habitantes da Serra do
Amolar contribuiu para a proteção dos animais da região em meio ao fogo do Pantanal Sul.
A pesquisa realizada no ano de 2021, a qual levantou dados da percepção dos integrantes
do GRETAP-MS acerca do saber local dos moradores da Comunidade Amolar, entrevistou 8
(oito) componentes e obteve respostas que corroboraram para a hipótese de que o conhecimento
da população local auxiliou nos trabalhos com os animais durante o período em que estiveram
atuando no combate ao fogo na região. Abaixo apresenta-se no quadro 1 os trechos mais
emblemáticos das falas dos entrevistados:

407
Quadro 1 – Falas emblemáticas dos entrevistados acerca da experiencia vivida na Serra do Amolar durante as
operações realizadas no combate ao fogo no ano de 2020.

“a maior e melhor experiência da vida”


“[...]algo único, a Serra do Amolar impõe a sua presença é uma energia muito forte, que faz você sentir que está
na Serra do Amolar. Esta mesma energia está impregnada nos moradores, que fazem questão de se identificarem
como descendentes de famílias originárias da Serra do Amolar”

“[...] o amor pelo Pantanal”


Fonte: Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022. Adaptado por Laura Urquiza, 2023.

O quadro 2, apresenta as falas ipsis litteris (sic) dos entrevistados na pesquisa realizada
no ano de 2021 e evidencia de maneira bastante genuína a associação com o saber local e como
esse conhecimento pôde contribuir para a prática técnico/científica.

Quadro 2 – Opinião com relação à participação e o conhecimento da população local, e o que o grupo
aprendeu com eles.

Sem os moradores locais, muitas coisas não poderiam ter sido feitas, porque eles conheciam o local como a palma
da mão deles. Nos guiavam para chegarmos onde tínhamos que chegar. Nos direcionavam para onde os animais
estavam. Sem contar o conhecimento da flora local e o comportamento dos animais, que somaram com as ações
do GRETAP e permitiu que muita coisa fosse feita (sic).
Acredito que foi crucial para que as coisas pudessem acontecer, foi a participação da população. A população nos
indicava onde havia animais machucados ou locais onde viram os animais forrageando a procura de alimento, o
fato de podermos contar com o apoio deles com a distribuição dos alimentos para estes animais. Foi uma
participação importante para o sucesso da operação (sic).
O aprendizado com a população local foi o ponto mais alto de toda a ação. A possibilidade de aplicar todo o
conhecimento técnico adquirido para tentar minimizar os impactos causados pelo fogo. A população local nos
mostravam onde os animais estavam, eles tinham uma preocupação de nos manter sempre informados e também
tinham a preocupação em saber como nós estávamos. Dividiam o pouco que tinham conosco. Os conhecimentos
pantaneiros, para entender o local e principalmente, como SER HUMANO (sic).
Os moradores ribeirinhos sempre se mostravam dispostos a ajudar nas ações aplicadas na Serra do Amolar,
pareciam preocupados com a situação e relatavam que era a primeira vez que presenciaram o Pantanal naquela
condição. Sempre que possível nos acompanhavam e relatavam a mudança que cada área havia sofrido. Foi visível
o conhecimento local por parte deles e isso nos auxiliou nas escolhas dos pontos de assistencialismo (sic).

Os Ribeirinhos foram muito maravilhosos, eles são muito receptivos e acolhedores. No começo ficaram com pé
atrás por sermos muito jovens, mas depois fomos criando um vínculo com todos e eles sempre foram muito
prestativos e gostavam de contar histórias sobre a vida deles no lugar e sobre os animais o que nos ajudou muito
a identificar espécies (sic).

Bom, eles são muito carentes de atenção são pessoas que estão longe da cidade, então quando temos uma ação
dessas eles ficam impactados, vi que a participação deles foi fundamental para diversas tarefas tais como:
localização e conhecimento sobre os animais, as plantas sempre indicando da melhor maneira possível, sempre
avisando de algum avistamento de animal que pudesse estar precisando de ajuda ou comida. Aprendi que eles
vivem em situação precária e são felizes assim, levam a vida com muita leveza (sic).

408
Eles foram fundamentais na ação. Como a área é muito extensa, eles ajudavam a colocar frutas para os animais,
avisavam quando viam algum bicho ferido e davam suporte para a equipe. Aprendi demais com eles sobre o local,
sobre comportamento de alguns animais e a história da Serra do Amolar. Pra mim essa parte foi das que tornou
toda a experiência mais enriquecedora ainda (sic).

Sem dúvida alguma, e ouso dizer que a população teve o papel mais importante do nosso trabalho. Eles detêm
informações sobre os melhores percursos, conhecem as características do local, dos animais e das plantas. Então
a presença deles foi fundamental (sic).
Fonte: Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fica claro que o conhecimento local da Comunidade Amolar foi um elemento muito
importante nas atividades do GRETAP-MS na região. Não estamos falando de um único
conhecimento, mas de um conjunto de conhecimentos adquiridos com seus ancestrais e
experiências vividas.
Entretanto é necessário evidenciar que a postura da equipe que foi a campo em não
adentrar no território com uma postura altiva, sem levar em consideração o que aquela
população já estava fazendo para salvar o seu lugar, nem tão pouco deixou de ouvir a opinião
dos habitantes locais, foi determinante para que a colaboração popular ocorresse. Os moradores
locais dificilmente compartilhariam os seus saberes se não houvesse o respeito e o sentimento
de confiabilidade para com aqueles desconhecidos que estavam chegando na sua região.
Os ribeirinhos compartilharam seus conhecimentos sobre os caminhos, os animais e as
plantas da Serra do Amolar, facilitando o trabalho dos profissionais que atuaram na linha de
frente do combate ao fogo. Além disso, a população demonstrou uma grande resiliência e
solidariedade, acolhendo e ajudando não apenas os profissionais do GRETAP-MS, os
brigadistas, bombeiros e voluntários que trabalharam no desastre do fogo, mas acima de tudo à
fauna e à flora pantaneira. O saber local e o conhecimento científico se complementaram e se
fortaleceram na luta pela preservação do Pantanal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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serra-do-amolar/>. Acesso em: 5 de set. de 2023.
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Disponível em: <https://correiodoestado.com.br/cidades/segundo-semestre-e-a-epoca-do-ano-
com-maior-risco-de-incendios-na/417417/>. Acesso em: 5 de set. de 2023.
409
DE SOUZA, Girlene Santos; DOS SANTOS, Anacleto Ranulfo; DIAS, Viviane
Borges. Metodologia da pesquisa científica: a construção do conhecimento e do pensamento
científico no processo de aprendizagem. Animal, 2013.

ECOA. Comunidades do Pantanal. Disponível em:


<http//www.ecoa.org.br/pantanal/desenvolvimento-integral-de-comunidades-2/comunidades-
do-pantanal/barra-do-sao-lourenco/>. Acesso em: 15 de mar. de 2022.

EMBRAPA PANTANAL. Bioma Pantanal. Disponível em: <http//embrapa.br>. Acesso em:


14 de mar. de 2022.

G1 – TERRA DA GENTE. Serra do Amolar tesouro escondido do Pantanal. Disponível em:


< https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/terra-da-gente/noticia/2020/04/17/serra-do-
amolar-e-tesouro-escondido-do-pantanal.ghtml>. Acesso em: 5 de set. de 2023.

GEERTZ, Clifford. O saber local. Petrópolis: vozes, 1997.

MATO GROSSO DO SUL. Decreto Nº 15.651, de 15 de abril de 2021. Disponível em:


<https://www.tjms.jus.br/legislacao/public/pdf-legislacoes/decreto_n._15.651.pdf>. Acesso
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MENEZES, Pedro. Conhecimento empírico, científico, filosófico e teológico. c2017-2022.


Disponível em: <http//diferenca.com/conhecimento-empirico-cientifico-filosofico-e-
teologico/>. Acesso em: 5 de abr. de 2022.

OBSERVATÓRIO DO PANTANAL. Povos Tradicionais. Disponível em:


<http//observatoriopantanal.org/povos-tradicionais>. Acesso em: 10 de mar. de 2022.

SANTOS, M. O território e o saber local: algumas categorias de análise. Cadernos Ippur, v.


2, p. 15-25, 1999. Disponível em: <https://revistas.ufrj.br>. Acesso em: 11 de mar. de 2022.

PISA TREKKING. Serra do Amolar, um Pantanal ainda desconhecido. Disponível em: <
https://pisa.tur.br/blog/2022/02/24/serra-do-amolar-um-pantanal-ainda-desconhecido/>.
Acesso em: 5 de set. de 2023.

URQUIZA, L. K. A. S.; WENCESLAU, M. E. A Importância do Saber Local dos Moradores


da Serra do Amolar na Conservação da Fauna Local: Um olhar do Grupo de Resgate Técnico
de Animais do Estado de Mato Grosso do Sul - GRETAP-MS. In: CASTILHO, Maria Augusta
(Org.). Cultura, Religiosidade e Saberes Locais Vol. 3. Campo Grande, MS: Life Editora
2022. p.295-305.

410
CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS POVOS INDÍGENAS NO
PANTANAL E SEU POTENCIAL NO PROTAGONISMO DE PROJETOS DE
CONSERVAÇÃO FLORESTAL

Sofia Marzolo (UCDB (bolsista UNIPD/Itália)


sofiamarzolo1997@gmail.com

Cleonice Alexandre Le Bourlegat (PPGDL/UCDB)


clebourlegat@ucdb.br

Resumo: O objetivo foi investigar as características do Conhecimento Ecológico Tradicional (CET)


dos Povos Indígenas (PI) adotado em suas práticas de reflorestamento agroecológico, no Pantanal de
Mato Grosso do Sul. O estudo de caso foi a organização agroecológica Caianas do povo Terena, da
aldeia Cachoeirinha em Miranda/MS, Brasil. Buscou-se verificar como este povo têm se utilizado de
seu CET para reflorestar a terra indígena que teve sua vegetação devastada, antes da reintegração de sua
posse. A pesquisa de natureza exploratória foi qualitativa e contextualizada, mediante suporte de
literatura e fontes documentais consideradas relevantes, envolvendo participação em seus ensinamentos,
práticas e rodas de conversa com os integrantes. Recorreu-se à memória ecológica histórica e
experiência em estratégias tradicionais de conservação florestal. A pesquisa permitiu verificar a
relevância deste conhecimento na recomposição da vegetação após a reapropriação, por meio do
protagonismo e das práticas de conservação baseadas em estratégias tradicionais utilizadas. O fraco
envolvimento do CET dos Povos Indígenas na conservação de florestas pela sociedade em geral, ao
considerá-lo inferior ao conhecimento científico tem raízes históricas, com consequências negativas na
credibilidade, aceitação e relevância dos projetos.

Palavras-chave: Povos indígenas, conhecimento ecológico tradicional, conservação florestal,


protagonismo indígena.

Introdução
A conservação florestal tem ganhado destaque no cenário mundial, diante do
aprofundamento de iniciativas no enfrentamento das mudanças climáticas. No entanto, a
literatura científica é unânime em denunciar a fraca inclusão em projetos de conservação
florestal das pessoas que vivem nessas áreas (Parrotta & Agnoletti, 2007; Da Silva et al., 2014;
Parrotta et al, 2021; FAO, 2022). O Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) dos Povos
Indígenas (PI) pode representar uma contribuição essencial para a recomposição e conservação
florestal. Diversos estudos no mundo já vêm demonstrando que a proximidade, conexão
histórica, dependência e conhecimento dos Povos Indígenas em relação a seus ambientes de
vida têm um impacto positivo na conservação da biodiversidade, ecossistemas e conservação

411
florestal (Da Silva et al., 2014; Evans & Guariguata, 2016; Parrotta et al, 2021; Robinson et al.,
2021; CBD, 2020; FAO, 2022). Afinal, conforme informam os estudiosos, 24% das florestas
tropicais globais são manejadas por povos indígenas. No entanto, o CET ainda tem sido
frequentemente considerado um sub conhecimento, secundário ao científico (Ban et al., 2013;
Da Silva et al., 2014; FAO, 2016; Bourscheit, 2021; Robinson et al., 2021; Fachin, 2022 ; FAO,
2022).

Na literatura científica, ainda pouco se conhece a respeito das práticas de conservação


ambiental indígena no Pantanal fora do país, apesar de ser um dos biomas mais exclusivos e
biodiversos da América Latina (Reis de Sant'Ana, 2014; Alho et al, 2019; Schulz et al., 2019;
Hugueney & Braun, 2019). A presença indígena na área é menor do que em outras partes do
Brasil, assim como o protagonismo indígena em iniciativas relacionadas à conservação florestal
(Schulz et al., 2019).

A preocupação desta pesquisa foi verificar a possível manifestação do protagonismo


indígena em práticas de conservação florestal no Pantanal, com base no Conhecimento
Ecológico Tradicional (CET) de seu povo, no contexto vivenciado por ele. Partiu-se aqui do
pressuposto de Schulz et al (2019), de que a pesquisa ambiental do futuro vai se basear
fortemente nos estudos de caso em que o conhecimento técnico e científico manteve diálogo
com o conhecimento tradicional.

O objetivo foi investigar as características do Conhecimento Ecológico Tradicional


(CET) dos Povos Indígenas (PI) adotado em suas práticas de reflorestamento agroecológico, no
Pantanal de Mato Grosso do Sul. Para isto, optou-se pela Organização agroecológica Caianas
do povo Terena, da aldeia Cachoeirinha em Miranda/MS, Brasil, como estudo de caso. Buscou-
se verificar como esta comunidade indígena têm se utilizado de seu CET para reflorestar a terra
que teve sua vegetação devastada, antes da reintegração de sua posse. Esta pesquisa fez parte
da dissertação do Programa Internacional de Mestrado de Diploma Conjunto em
Desenvolvimento Territorial Sustentável (STeDe)1 com estágio realizado na ETIFOR,
organização italiana especializada em consultoria a projetos de desenvolvimento e conservação
da natureza, que atua em mais de 40 países.

1
O mestrado STeDe envolveu a parceria da UCDB no Brasil, com a Universidade de Pádua (UNIPD)/Itália,
Universidade Paris 1:Pantheon-Sorbonne/França, KuLeuven/ Bélgica, Universidade de Joanesburgo/ África do
Sul e Universidade Joseph Ki-Zerbo/ Burkina Fasso.
412
O artigo foi estruturado, além desta Introdução e Considerações Finais, em três partes:
referencial teórico e documental, metodologia e resultados e discussão.

1 Referencial Teórico e Documental

O conhecimento ecológico tradicional (CET) apresenta múltiplas definições na literatura


científica, entendida nesta pesquisa como sendo conhecimentos, práticas (sociais, econômicas
e culturais), valores e crenças espirituais sobre o relacionamento dos seres vivos entre si
(incluídos os seres humanos) e com seu ambiente, construídos por meio de processos
adaptativos e transmitido às novas gerações como cultura (Berkes 2012; Elias, 2018, Parrotta
& Agnoletti, 2007; Moreira, 2007; Da Silva et al., 2014; CBD, 2020; Robinson et al., 2021).
Apesar de o CET ser a forma de produção científica mais antiga (Moreira, 2007) e de ter
sido reconhecido pela ONU desde o final do século XX como tendo a mesma confiabilidade e
status do conhecimento científico (Mauro & Hardison, 2000), historicamente, tem sido muitas
vezes subestimado pelos cientistas, que o associam ao tribalismo. Em princípio, deveria ser
uma questão de direitos respeitados daqueles que há tanto tempo têm vivido em florestas e áreas
naturais (Mauro & Hardison, 2000; USAID, 2021), mas este conhecimento ainda tem sido
frequentemente subestimado (Parrotta & Agnoletti, 2007; Ban et al, 2013; CBD, 2020). No
entanto, tem sido demonstrado por evidências científicas que em áreas de floresta manejadas
por Povos Indígenas o uso da terra tem sido menor (Mauro & Hardison, 2000; Evans &
Guariguata, 2016; Souza & Garcia, 2021, Parrotta et al, 2021). Por outro lado, projetos em que
os Povos Indígenas apareçam não apenas como beneficiários e sim nas tomadas de decisão,
concepção do projeto e fase de implementação podem conquistar maior aceitação interna e
externa. Também podem facilitar sua implementação e torna-los mais realistas, além de ajudar
a fortalecer sua sustentabilidade (Moreira, 2007; Ban et al, 2013; Evans & Guariguata, 2016;
FAO, 2016; Reyes-García & Benyei, 2019; Fachin, 2022; FAO, 2022).
A participação dos Povos Indígenas no desenvolvimento de projetos de conservação
florestal já vem sendo reconhecida em vários quadros internacionais, desenvolvidos pelos mais
importantes programas da ONU, agências especializadas, organizações e órgãos relacionados.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2019), por exemplo, desenvolveu a Convenção
sobre Povos Indígenas e Tribais (Convenção 169). Inclui no Art 7, que os Povos Indígenas [...]
deverão participar da formulação, implementação e avaliação de planos e programas para
desenvolvimento que possam afetá-los diretamente. Ao mesmo tempo atribui aos governos esta
413
tomada de medidas de cooperação com os povos interessados, de modo a proteger e preservar
o ambiente que habitam (ILO ITPC, 1989). A Cúpula do Rio, de 1992, foi a primeira
convenção global da ONU a envolver os Povos Indígenas na conservação florestal (Zanirato &
Ribeira, 2007; Popova, 2014). A Agenda 21 também reconhece e reforça os métodos
tradicionais e o conhecimento dos povos indígenas para este fim e ainda inclui algumas
recomendações para implementar estes princípios na legislação e na prática. A Convenção
sobre Diversidade Biológica, por seu turno, refere-se especificamente ao respeito e preservação
dos saberes tradicionais, com o protagonismo e aprovação dos Povos Indígenas na conservação
e uso sustentável da diversidade biológica (Moreira, 2007; Zanirato & Ribeira, 2007; Popova,
2014; Hanna & Vanclay, 2013; CDB, 2020). As políticas e ações relevantes em adaptação às
mudanças climáticas, segundo a convenção UNFCCC no Acordo de Paris, precisam se basear
e serem guiadas pela ciência disponível, conhecimento tradicional, local e de Povos Indígenas.
Segundo a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007), os Povos Indígenas têm
direito a “manter, controlar, proteger e desenvolver” suas ciências e conhecimentos sobre
sementes, fauna e flora e suas propriedades (Art.31) e “determinar e desenvolver prioridades e
estratégias para o desenvolvimento ou uso de suas terras ou territórios e outros recursos” (Art.
32).
Em nível nacional, a Constituição brasileira garante aos Povos Indígenas a posse
permanente das terras indígenas, no entanto, não faz referência à contribuição que seus
conhecimentos tradicionais podem trazer (Wily, 2018). Na Estratégia Nacional de
Biodiversidade e Plano de Ação, elaborada pelo Ministério do Meio Ambiente, o conhecimento
tradicional é valorizado por sua contribuição na conservação da biodiversidade, mas não ainda
sob forma de um protagonista ativo destes povos e sim como um patrimônio a ser “preservado”,
“respeitado”, numa visão mais paternalista (de Mattos et al, 2017).
No entanto, a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas
(PNGATI) praticada entre 2011 a 2016, destacou-se por incluir os Povos Indígenas no
conservação, defesa, gestão, uso sustentável e governo de suas terras e dos recursos naturais,
incluindo consultas a 150 grupos indígenas (Reis de Sant’Ana, 2014). Desta Política nasceu o
Projeto Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI). O conhecimento científico e técnico
dos Povos Indígenas fez parte desta metodologia (Bavaresco et al, 2016). E o projeto envolveu
indígenas além da Amazônia, abrangendo 110 Planos de Gestão Territorial e Ambiental em
todo o Brasil (APIB, 2021; Souza & Garcia, 2021).
414
Em nível local, as políticas ambientais e de conservação florestal para o Pantanal são
muito recentes. As iniciativas políticas ligadas a questões de conservação afetam
principalmente grandes propriedades privadas, nas praticamente nenhuma menção é feita ao
papel que os Povos Indígenas e seus conhecimentos podem desempenhar. Mesmo quando as
comunidades tradicionais ou indígenas são incluídas, elas têm uma participação muito fraca nos
processos de governança, ou nenhuma (ISA, 2022).

2 Metodologia

A pesquisa foi de natureza exploratória, envolvendo participação do pesquisador na área


objeto de pesquisa, com abordagem qualitativa, na valorização da visão subjetiva apreciado no
contexto de vida dos sujeitos pesquisados (Creswell, 2009; Da Silva et al., 2014).

O estudo de caso selecionado foi a Organização Caianás, protagonizada por Povos Terena
da Aldeia Cachoeirinha, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. A finalidade deste procedimento
foi a maior compreensão do objetivo da pesquisa no contexto do ambiente vivido pelo grupo
envolvido (Yin, 2001). A organização Caianas é um exemplo bastante singular de disseminação
indígena do Conhecimento Ecológico Tradicional numa forma de protagonismo na
reapropriação de terras, no Pantanal de Mato Grosso do Sul.

Inicialmente, foi realizada consulta a fontes secundárias, para o acesso a literatura e


documentos internacionais, nacionais e regionais relativos ao tema tratado. Para a coleta de
campo, por um lado, buscou-se entrevistar de forma semiestruturada 10 (dez) atores
considerados relevantes na conservação do Pantanal. As entrevistas ocorreram forma
deliberada, mediante autorização prévia dos entrevistados, após esclarecimentos a respeito do
projeto, preservando-se os seus nomes.

A coleta de informações junto aos integrantes da Organização Caianas e na aldeia


Cachoeirinha. A coleta foi antecedida por contatos e diálogos via videochamadas com o
coordenador e integrantes da Organização Caianas, que aceitaram livremente serem objeto e
sujeitos deste estudo. Houve ainda a participação voluntária num minicurso sobre restauração
ambiental com técnicas de manejo agroflorestal, ministrada pelos integrantes da Organização
Caianas, visando a recuperação de um córrego na aldeia indígena vizinha, numa valorização do
conhecimento ancestral e dos produtos locais. Por fim, na aldeia Cachoeirinha, conforme visita
programada aceita com apoio da Organização Caianas, houve uma permanência de três dias,

415
para um contato mais próximo e realização de Rodas de Conversa. O primeiro passo foi
informar e consultar o líder local (cacique), sobre o projeto e objetivo da pesquisa, processo
este repetido para cada entrevistado e, quando necessário, com tradução para a língua Terena
propiciada por um dos anciãos Caianas.

Os dados primários das entrevistas foram codificados e devidamente organizados para


serem analisados e interpretados, mediante suporte teórico anteriormente selecionado.

3 Resultados e Discussão dos Dados Coletados

A comunidade Terena que vive na aldeia Cachoeirinha, região do Pantanal em que emergiu
a organização Caianas, já vinha trabalhando ativamente na recuperação do conhecimento
tradicional, identidade e língua (Azanha, 2005; Chamorro & Combès, 2015).

As entrevistas deixaram clara a ausência até o momento da pesquisa, de outras


organizações que atuam com CET de Povos Indígenas no Pantanal de Mato Grosso do Sul. De
fato, conforme constata a literatura, com o deslocamento e a perda de terras no processo
histórico da colonização, estavam perdendo parte dos traços culturais e identitários (Azanha,
2005; Chamorro & Combès, 2015). Passaram a serem vistos mais como alvos ou beneficiários
dos projetos do que como atores capazes protagonizar seu próprio desenvolvimento (Mauro &
Hardison, 2000; Moreira, 2007; Da Silva et al., 2014). De todo modo, a propriedade da terra
continua sendo um desafio para a implementação de projetos desta natureza em terras indígenas.
Por outro lado, as pequenas terras ocupadas por indígenas estão imersas numa área de grande
quantidade de fazendas, representam menos de 5%. Os fazendeiros, embora apresentem maior
poder de atração de recursos para projetos de recomposição e conservação florestal, não
parecem interessados em fazer parceria com Povos Indígenas para este fim. Este envolvimento
eventualmente tem ocorrido em áreas com alguma iniciativa de conservação em que os Povos
Indígenas apareçam como vizinhos.

No entanto, pode-se atribuir entre as condições determinantes para o desenvolvimento da


Organização Caianas o contexto em que esta emergiu. O povo Terena da aldeia Cachoeirinha,
segundo os entrevistados, nunca perdeu completamente seu CET, uma vez que parte da
comunidade sempre esteve trabalhando com atividades agrícolas tradicionais. Não só o
Conhecimento Ecológico e Tradicional não foi totalmente perdido, como existe maior abertura
para as pessoas aprenderem agroecologia e implementarem projetos no próprio território da
416
aldeia. Este não é o caso, por exemplo, das comunidades vizinhas que foram deslocadas ou
incorporadas por áreas urbanizadas em crescimento que segundo os entrevistados, é até mesmo
difícil envolvê-las.

Por outro lado, de acordo com o relato de um dos anciãos entrevistados, o povo Terena
sempre foi ambientalista e a Organização Caianas surgiu em 2013 para dar continuidade a este
processo, tendo emergido do Projeto de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI). A
iniciativa partiu daqueles que participaram deste projeto e sua missão tem sido a defesa da
qualidade de vida plena e do meio ambiente, não só do Pantanal como do Cerrado, por meio do
fortalecimento e autonomia das famílias indígenas e de seus territórios. A Organização Caianas
atua em múltiplas atividades agroecológicas, incluindo recuperação de solos em áreas
degradadas, revitalização e preservação de nascentes, manutenção e revitalização de espécies
vegetais nativas, coleta e armazenamento de sementes, plantio de jardins em sistemas
agroflorestais, produção e distribuição de mudas, conhecimento, coleta e uso de plantas
medicinais, programas de ensino de Agroecologia Terena nas escolas das aldeias, produção de
biofertilizante, cultivo em sistemas agroecológicos.

Este caminho de reapropriação e valorização de saberes tradicionais tem sido fundamental


para o desenvolvimento do povo Terena. Por outro lado, seus integrantes têm consciência de
que este conhecimento esteja fortemente interligado com todos os aspectos da cultura indígena,
que por isso também precisa ser preservada (Parrotta & Agnoletti, 2007; Moreira, 2007; Da
Silva et al., 2014; CBD, 2020).

A Organização Caianas também vem dialogando com conhecimentos de parceiros da


academia (universidades regionais e órgãos de pesquisa agrícola particulares e governamentais)
e organizações não-governamentais, sendo neste sentido apontada como exemplo de sucesso
pelos documentos da PNGATI (Bavaresco et al., 2016). O coordenador desta organização já
contava com competências científicas da universidade, que colocou a serviço da organização
recém-nascida. Por outro lado, a presença de alunos do povo Terena nas universidades do estado
(principalmente em Campo Grande e Dourados), também tem contribuído para este diálogo
entre conhecimento acadêmico e tradicional. Deste modo, o Conhecimento Ecológico
Tradicional conjuga-se a competências e conhecimentos académicos e profissionais (Mauro &
Hardison, 2000).

417
Mesmo diante de diversas dificuldades enfrentadas, segundo os relatos, a Organização
Caianas tem conseguido desenvolver atividades de extensão (cursos, oficinas) em diversas
outras comunidades indígenas da região e do Brasil. Nesta oportunidade, eles também
distribuem sementes de espécies nativas e costumam retornar para conhecer o andamento e
resultado das ações. Geralmente, conforme informaram, o trabalho realizado diretamente por
eles na Aldeia Cachoeirinha tem servido de vitrine.

A retomada das terras na Aldeia Cachoeirinha foi iniciada em 2005, fenômeno este que
tem sido peculiar ao povo Terena no Município de Miranda (Reis de Sant’Ana, 2014). Neste
caso, a ocupação foi iniciada num pasto de uma fazenda vizinha, totalmente desmatado, que
levou o nome de “Mãe Terra”. Esta experiência tem sido considerada relevante, uma vez que,
após 17 anos de ocupação, a terra ocupada foi amplamente restaurada, por meio de um processo
de reflorestamento ativo da comunidade, no qual a Organização Caianas teve papel
fundamental. As transformações podem ser visualizadas, no período entre 2010 e 2022, por
meio das duas imagens satélites da mesma área (Figura 1)

Figura 1 Imagem da Mãe Terra em 2010 e 2022

Fonte: Google, 2010 e 2022

As imagens satélites, portanto, contribuem para evidenciar os resultados relevantes


obtidos, por meio do protagonismo do Povo Terena, mediante suporte do Conhecimento
Ecológico Tradicional e num diálogo com conhecimentos técnicos e científicos da academia,
na recomposição e conservação das florestas com produtos locais, de uma terra em que a mata
tinha sido devastada pela prática de fazendeiro pecuarista.

418
Considerações Finais
Foi demonstrado, por meio desta pesquisa que o Conhecimento Ecológico Tradicional
(CET) de Povos Indígenas no Pantanal precisa ser considerado elemento essencial para garantir
o desenvolvimento de projetos sustentáveis de recomposição e conservação florestal, em
especial, no bioma do Pantanal. O caso da organização Caianas foi exemplar, na demonstração
de que o CET constitui importante potencial no protagonismo indígena para recomposição e
conservação florestas no contexto local. Verificou-se também de que os mesmos princípios
podem aplicados fora da aldeia, quando a comunidade que aprende consegue resgatar esta
natureza de conhecimento tradicional em seu próprio contexto de vida, especialmente quando
consegue dialogar com o conhecimento de natureza científica e tecnológica. Não é de excluir,
portanto, que outras comunidades possam, num futuro próximo, tentar seguir os mesmos
princípios e criar suas próprias iniciativas. Algumas possibilidades já vêm ocorrendo, enquanto
a Organização Caianas busca disseminar o sucesso de suas experiências em outras aldeias
regionais e do Brasil.

No entanto, o impacto prático do uso do Conhecimento Ecológico Tradicional dos Povos


Indígenas em programas e projetos de conservação florestal, ainda que já valorizado por
determinadas organizações em nível internacional, não tem sido devidamente conhecido por
elas, conforme apresentado na primeira parte desta pesquisa. Isso é particularmente relevante
em relação ao bioma Pantanal, quando comparado a outros biomas brasileiros. Este
desconhecimento e a consequente menor atenção internacional e nacional dificultam ainda mais
a ação de conservação florestal neste bioma, o que torna o Pantanal de Mato Grosso do Sul
ainda dependente do protagonismo isolado de alguns atores.

O avanço neste sentido, depende, em grande parte, de um maior conhecimento e


sensibilização dos organismos regionais, nacionais e internacionais deste processo no Pantanal
de Mato Grosso do Sul, que possam influenciar a constituição de ações coletivas de conservação
ambiental, com a inclusão protagonista dos Povos Indígenas com seu Conhecimento Ecológico
Tradicional.

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422
JUVYY HA TESÃI RENDA: ESPAÇO DE SAÚDE NA COSMOLOGIAKAIOWÁ DE
PANAMBIZINHO YVY AKÃNDIRE

Luciana Aquino Concianza (PPGET/FAIND/UFGD)


lucianakaiowa@gmail.com

Rosa Sebastiana Colman (PPGET/FAIND/UFGD)


rosacolman@ufgd.edu.br

Resumo: Esta pesquisa em andamento, é realizada na Terra indígena de Panambizinho Yvy


Akãndire, a 17 km do município de Dourados, Mato Grosso do Sul. Com uma área demarcada
de 1.272 hectares, foi reconhecida pelo governo federal em 2004. O Tekoha Panambizinho é
um território de ka´aguyrusu yvy akãndire, ocupada predominantemente por população da etnia
kaiowá. É uma das populações indígenas kaiowá que já vem sofrendo desde o inicío da
colonização as explorações do meio ambiente, mas é um território de muitas famílias
tradicionais e vivência através de tradição e histórias. O Tekoha busca a resistência dos espaços
do Juvyy, brejos, que são lugares de saúde, através de muitas histórias e porque é um território
sagrado que se mantém vivo todos os seres (járy). É nesse local que as famílias kaiowá vivem,
é um espaço onde a comunidade resiste fortalecendo a sua língua materna e seu modo de ser
tradicional, dentro de suas histórias e saberes de realidades, é uma cultura rica de convivência
entre os seres e o bem viver dos Kaiowá. Sua população é de aproximadamente 500 pessoas
que permanece ainda em seu modo de ser de origem, e, valorizando as práticas religiosas como
o batismo de milho branco, canto, dança guaxiré, reza nhembo’e, batismo de crianças e rezas
para as fases da menina moça e do menino, o kunumi pepy.

Palavras - chave: Territorialidade, Sustentabilidade, Plantas medicinais, Cuidados

Introdução:
O povo Kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire sofre um grande desafio e dificuldades,
mas vem fortalecendo e mantendo as suas próprias plantações roça (kokwe) o bem viver da
comunidade kaiowá, que são alimentos naturais e alimentos típico de cada famílias, milho
branco (avati morotĩ), milho amarelo (avati sayju), batata branco e batata roxa (jetyasaî, jety
pytã), feijão catador (xa’î), mandioca, abóbora, banana, cara e entre outros alimento razoáveis,
esses são alimentos naturais de cada famílias e é colhido a todos os anospelos kaiowá, nesse
sentido Brand, Colman e Costa (2008, p.172) afirmam que: “Todos necessitam, certamente, de
proteção, segurança alimentar, saúde, afeto entre outras demandas”.
E também vem sempre respeitando e valorizando a caça e pesca (mariká pirapói) junto
com essa realidade e saberes porque esses são os costumes de cada família e é, no máximo, para

423
sustentar as suas próprias famílias e assim vem motivando a desenvolver as práticas culturais e
sócioculturais no âmbito do Tekoha Panambizinho Yvy Akandiré.
O Tekoha kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire veio sofrer com várias dificuldade
antes e pós demarcação principalmente pela comunidade que ainda vem fortalecendo e
acreditando e respeitando as suas origem de uso dos remédios tradicionais das plantas
medicinais através dos saberes da comunidade kaiowá, esta é a maior grande preocupação pela
população kaiowá dentro do Tekoha na área da saúde indígenas, devido a grande exploração do
meio ambiente as comunidade kaiowá já não consegue resgatar novamente diante dessa
monocultura de soja e milho dentro do Tekoha onde vivem, essa é a maior problemas dentro da
aldeia, pois muitas pessoas ainda respeita esse saberes do seu conhecimento do uso do remédios
naturais, devido essa exploração as comunidade já não se preocupam mais com a saúde do
kaiowá e as plantas medicinais já está desaparecendoquase já não consegue mais encontrar, pois
as pessoas que ainda utilizam ainda vai em busca do remédio tradicionais no Juvyy (brejo), a
comunidade que ainda acreditam fortalece eles ainda procuram para se curar, buscam ainda para
suas famílias que seja paramulheres, homens e crianças.
Algumas pessoas da comunidade que acreditam e que utilizam ainda eles faz suas
plantas dentro da suas casas, remédio que ainda é existente dentro da comunidade, algumas
famílias planta na suas casas para proteger e cuidar quando precisareles só pegam o remédio da
suas próprias casa para utilizar para crianças, mulheres gestante que mais utilizam ante e pós
parto as plantas medicinais conhecidas como kunhã pohã (remédio da mulher), muitos remédios
naturais que ainda é presente na comunidade kaiowá, mesmo com muita exploração do
meio ambiente, a comunidade buscam no juvyy (brejo), as plantas medicinais para qualquer
problema da sua saúde. Nesse sentido, segundo Brand, Colman, Costa:

Refiro me á profunda interdependência entre o mundo da natureza, dos vegetais e dos


animais, e o mundo dos humanos e a concepção da natureza como algo vivo com
quem se interage a se estabelece uma comunicação constante, apoiada numa visão
cosmológica integradora (BRAND, COLMAN, COSTA, 2008, p.173).
.
O povo kaiowá tem várias dificuldades e problemas através com essa exploração da
monocultura de soja e milho, ninguém sabe resgatar como fazer uma área de preservaçãoou uma
área de criar um espaço para proteger os seus remédios caseiro que seja plantas medicinais ou
ervas medicinais para resgatar, essa é a maior grande preocupação e realidade na comunidade,
com esse conhecimentos tradicionais o Juvyy é o lugar muito sagrado onde tem todos os seres

424
(járy) dono da mata e onde devemos proteger, valorizar,respeitar e garantir a preservação da
natureza juntos com escola e saúde indígenas para compreender a importâncias do valor dentro
do território da biologia e biodiversidade indígena no brasil e no Tekoha de todos os povos
indígenas.
A ciência indígena no Tekoha Panambizinho Yvy Akãndire é um conhecimento de
muitas origens e conservação da natureza, atualmente na comunidade muitas pessoas deixaram
de acreditar e utilizar os remédios caseiros, mas muitas pessoas também hoje atualmente ainda
vão em busca das plantas medicinais no Xiru Karai, na nascente (yvu), yhũ (córrego preto),
narankã hái(Laranja doce),e algumas pessoas que sabe cuidar e proteger elas planta na sua casa,
mas há muitas queimadas antes e pós Demarcação até hoje o Tekoha vem sofrendo essa
consequências da queimada e de exploração na área da aldeia.
A comunidade também faz a busca do remédio em outra aldeia atualmente isso está
acontecendo muito devido a exploração por falta de plantas medicinais, e de outra aldeia a
pessoa faz essa busca por dinheiro, ela traz a encomenda mas pelo dinheiro, e isso é um problema
cada vez maior também dentro da terra indígena. Devido a isso, os problemas de saúde do
kaiowá está crescendo por não acreditar e por deixar de utilizar ou por falta das plantas medicinais
e a exploração continua, devidoessa situação muitas utilizam os remédios da farmácias e acaba
não valorizando os seus remédios naturais, as plantas medicinais é de suma importância para a
comunidade kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire.
As rezadoras e anciãos são as que ainda garantem o respeito e valorização pelos
conhecimento kaiowá através do saberes, eles tem observado muito a exploração dentro da
aldeia e com essa preocupação eles acreditam que a saúde do kaiowá prejudicam muito a todos
principalmente as mulheres e crianças futuramente se ninguém valorizar essa preservação e
deixar de utilizar cabe a colocar a vida do povo kaiowá em risco, porque as plantas medicinais
vão mesmo desaparecer tudo porque eles são járy - dono da mata, o juvyy é um lugar da vida
tesãi renda onde os antepassado viveram com isso acreditando e respeitando e valorizando na
vida dos kaiowá e de outros povos.
comunidade kaiowá de Panambizinho ka’aguy rusu yvy akãndiré é um território que
vemde muita luta mas tem e existe muitas história e conhecimento, onde a área todos tem o
seres espirituais, água (y), Itapóry (pedra), ysyry (córrego), juvyy pohã nhana (plantas
medicinais), tatu guasu (dono da água), yju mirĩ (água amarelo), todos essas natureza que é
existente ainda no tekoha onde a população kaiowá devem preservar e fazer essa área de
425
recuperação para proteger e cuidar do meio ambiente na etnociência indígena do kaiowá de
Panambizinho Yvy Akãndire, segundo Brand, Colman e Costa:

O confinamento dos kaiowá e Guarani não significou apenas perda de terra de


ocupação tradicional e consequentemente problemas para satisfação de suas
necessidades e demandas por proteção, segurança alimentar, saúde, entre outros, mas
impôs-lhes profundas transformações em relação a sua organização social e essas
refletem-se na sua relação com o sobrenatural. Gerou um desequilíbrio nas relações
entre o mundo dos homens e a natureza, desequilíbrio esse atribuído pelos índios não
tanto aos problemas decorrentes da excessiva exploração dos mesmos recursos nas
poucas terras que ocupam, mas às dificuldades na relação com o sobrenatural
(BRAND, COLMAN, COSTA, 2008, p. 173).

Assim, a exploração é a grande preocupação, para que essa área seja como uma área
protegida através da preservação da natureza das plantas medicinais onde a população dos
kaiowá ainda buscam para o uso dos remédios caseiro para suas famílias, dessa forma venho
aqui para introduzir e desenvolver o fortalecimentodas plantas medicinais existente no juvyy
através da preservação e recuperação para o bem viver e o ser do povo kaiowá de Panambizinho
Yvy Akãndire.

Conhecimentos e Epistemologia da Aldeia Panambizinho Yvy Akãndire:


A aldeia Panambizinho Yvy Akãndire tem o conceito de conhecimento a partir da
cosmologia e saberes tradicional kaiowá, o território onde a população vivem é cercada de
exploração da monocultura de soja, mas a comunidade kaiowá através dos conhecimentos vem
permanecendo e valorizando a língua materna e suas tradição, existe vários conhecimento e
realidade que hoje a comunidade kaiowá tem passado a situação de não conhecer maisa suas
próprias etnociência kaiowá hoje essa é a maior problemas que existem dentro dessa realidade
onde os kaiowá vivem. Mas, muitas pessoas também ainda respeitam essa culturalidade de sua
crença dos seus antepassados. Os recursos naturais da Aldeia tem que ser valorizada e
respeitada, segundo a entrevista da Anciã Rosalina Aquino de 73 anos:
A vida e a cultura agora hoje são difíceis para comunidade, devido a essa plantação
de soja e milho, nós que acreditamos ainda do nosso saber ainda utilizamos o uso das
plantas medicinais e plantamos, buscamos, e fazemos um pedido se não achar os
remédios aqui manda trazer é assim nos vamos saber a valorizar o nosso conhecimento
e não acabar e não deixar de o uso do remédio caseiro (AQUINO, 2022).

Portanto as comunidades algumas que ainda buscam uma solução para o bem ser e o bem
viver dentro da comunidade, de plantar a roça os alimentos naturais e típica e juntos algumas
plantas medicinais para proteger e algumas planta medicinais para ser o uso. segundo Benites
et al (2017, p. 56):
426
O reconhecimento de plantas medicinais representa, às vezes, o único recurso de
tratamento de muitos grupos étnicos e algumas comunidades, pois o uso de plantas no
tratamento e cura de doenças é uma prática muito antiga utilizada pela humanidade
desde muito tempo.

A realidade da aldeia Panambizinho Yvy Akãndire é que hoje algumas pessoas ainda
consegue plantar poucas coisas e buscam ainda no laranja doce, no juvyy, as plantas medicinais
e muda de árvores para plantar na sua casas, as mulheres que não deixaram de utilizar o uso do
remédio caseiro buscam a procurar porque a vida das mulheres é de suma importância
principalmente na adolescente que estão na fase de meninas para se tornar mulher tem que saber
esse conhecimento para saúde e quando se for se tornar mãe e outras doença comuns e doença
metal e física, através desse problemas a Aldeia tem vários problemas também como falta de
água e estradas sem manutenção adequada, e por falta de água muitas famílias buscam do
córrego, da nascente do Xiru Karaí e ou em outros córregos da área da aldeia onde fica o Juvyy
e laranja doce, essa também é problema preocupante para comunidade, mas o conhecimento e
saberes do povo kaiowá mantem ainda época de plantar e colher tem que saber o calendário
indígena kaiowá, os kaiowá não planta qualquer época se não as plantas não desenvolvem bem,
devido das geadas, chuva e muito sol, esses saberes também é de suma importância para
comunidade kaiowá, as comunidade acreditam que dentro dessa cosmologia de conhecimento
tem todos os seres (járy). Segundo Benites, et al (2017, p. 57):

As plantas são muito importantes para a sobrevivência da espécie humana, sendoela


tradicional ou não, embora o seu valor possa variar de espécie para espécie nos
diferentes momentos de sua história, atualmente tem se procurado determinaro valor
do uso de plantas nas diferentes populações indígenas existente no Brasil e nos outros
países para obter-se informações sobre suas práticas na tribo e também no meio
ambiente onde as plantas são encontradas.

No conhecimento kaiowá as sementes naturais, com o tempo época, as plantas


medicinais, de água, todos tem dono é um elemento da natureza dentro do sistema
tradicional kaiowá de Panambizinho. A cultura kaiowá de Panambizinho dentro dessa vivência
religiosa, há muitas pessoas que tem sua origem das Xiru Rysy essa é grande importância de
povo kaiowá de Panambizinho, O Xiru Rysy (mitã kueravy)é o centro da terra da vida
tradicional do mundo onde vive do ka´aguy rusu Yvy akãndiré, é o centro do batismo religioso
para todos, dentro dessa cultura hoje a igreja religioso já existe na comunidade, algumas pessoas
já participa e outras pessoas não, mas por respeito a comunidade valoriza a sua língua materna,
respeitando religiosos de cada um, a cultura tradicional é o que mais o povo valoriza garantindo
427
os saberes para viver o ser o bem viver do Tekoha Panambizinho.

A exploração do meio ambiente do Yvy Akãndiré, nascente, Xiru Karai e demais áreas
do tekoha Panambizinho é uma preocupação bem maior. E, também os autores destacam que
diante da exploração do meio ambiente: “[...]a importância que os povos tradicionais
desempenham no fornecimento de informações sobre as diferentes formas de utilização e
manejo na exploração dos ambientes naturais enquanto forma de sustentação desses povos”
(BENITES et al, 2017, p. 57).
Mas os problemas tem se agravado, tanto na área da saúde quanto na educação, e a
dificuldade da preservação e recuperação é bem maior para o povo kaiowá de Panambizinho Yvy
Akãndire, pois são um povo que respeita e valoriza ainda, resiste na comunidadefortalecendo
tradições juntos com essea conhecimento dos seres naturais dentro doTekoha, como a roça o
(kokue) é a sustentabilidade dos kaiowá.
[...]Precisa se fortalecer os saberes desses povos no que se refere ao uso desses
recursos naturais, e ainda nesse aspecto, muitos autores tem proposto a valorização do
uso de plantas com a finalidade de apontar espécies e famílias mais utilizadas pela
população humana no universo vegetal. Outro aspecto que demonstra uma grande
capacidade para a apropriação de elementos envolvendo práticas culturais utilizando
plantas com fins curativos acontece através do xamanismo indígenas têm e que
utilizam dentro de sua sociedade envolvente (BENITES, et al, 2017, p. 57).

A pesca e a caça são os costumes de cada família dos kaiowá, o povo kaiowáé um povo
de origem e rica dentro de tradição poucas número de pessoas, mas é falante da sua língua
materna que hoje é fortalecido pela comunidade na cultura tradicional. O desenvolvimento na
comunidade é um conceito construído no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire, a partir do bem
estar e o ser do bem viver, os projetos de desenvolvimentos deverão ser para o bem viver e o ser
do bem viver do povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire, que se desenvolvam a partir de
melhoria das pessoas numa condição de saúde quanto na educação escolar, esse conceito de
desenvolvimento vem de a partir dessa importância de melhora da vida e saúde e entre outros
comorecursos naturais da cosmologia e conceito para o povo da população indígena kaiowá.
Tradições culturais é um especifico da natureza nos conhecimentos kaiowá, dentro do bem estar
e o bem viver da população indígenas e da tradicionais. Diante da exploração, o Tekoha de
Panambizinho, necessitam certamente uma proteção de respeito na preservação da biologia
dentro da cosmologia e conhecimento na saúde dos kaiowá, historicamente as populações
têm sido construindo a vida do bem viver na dificuldade de recursos naturais, em espaço onde
vivem de valores próprios nas visões de conhecimentos na cosmologia fortalecendo a
428
importância da saúde indígenas com a utilização e do uso das plantas medicinais.
As concepções de natureza dos conhecimento o povo kaiowá compreendem a biologia
orgânica dentro da cosmologia indígena, o batismo de milho branco (avati morotĩ) ou (avati
kyry), é um batismo cerimônia sagrados e respeitados pelacomunidade kaiowá, é um principal
sementes típico naturais que é o primeiro a plantar e colher, porque ele é único de todas dos
alimentos naturais, e juntos comele todas os alimentos naturais são plantados e colhidos pela
comunidade kaiowá, é uma organização social dentro da religiosas sagradas da realidade
tradicional.
A partir da natureza, as plantas medicinais, vegetais, animais silvestres, água, pedra e
árvores no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire são todos os seres járy, o juvyy é o centro da
nascente onde tem seres da vida para a comunidade kaiowá que está presente dentro da visão
cosmológica da natureza onde existe todos espirituais dono da mata, assim como água a
nascente também tem dono o járy, e assim todos os seres járy faz parte dessa natureza do
espirito sagrados, que os kaiowá compreendem essa importância da cosmologia através da
exploração e mesmo com esses problemas, a vida do bem viver das população tradicionais é
um desenvolvimento a partir de problemas da exploração do Meio Ambiente no território
kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire. A necessidade na saúde quanto na educação com
exploração da natureza na área em que vivem buscando a sobrevivência.
O kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire acredita que dentro da cultura os os seres qu
foram desmatados é uma semente que nasce tudo de novo, mesmo que a exploração é maior a
terra é ka´aguy renõi ela se produzirá novamente, porque é um ser elemento da natureza Para
Brand, Colman e Costa (2008, p. 177) os Kaiowá em todos os sentidos “constroem-se e
reconstroem-se ao longo do tempo”. Assim é no juvyy, pois ele tem os seres járy, mesmo com
queimada ela se produz novamente a partir de ser o seres dentro da água, a natureza tem seu
próprioprotetor é um sobre natural, o Xiru Karai por exemplo ela é um centro do Yvy Akãndire
onde existe lá todos os seres da mata, o dono, os kaiowá segundo na cosmologia lá existe o
dono mal e o bem, eles não quer ver gente lá, se chegar muita gente lá, alguém já passa mal fica
doente, aquele lugar é muito respeitado pela comunidade kaiowá, porque ali existe muitas
animais aquáticas, da mata e dapedra, mas na visão espirituais ninguém vê, o dono mesmo que
se chama Xiru karai onde o lugar que tem todos os seres járy, donos da mata”, donos dos
animais, diante de todos esses járy”, a comunidade sempre tem uma solução de sobrevivência,
na saúde e dos alimentos naturais, a exploração da natureza vem destruindo e reconstruindo a
429
partir de muitas queimada dentro do território, o elemento da natureza a partir de todos os
conhecimentos da cosmologia o povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire respeitam e
valorizam a língua materna, a dificuldade dos recursos naturais é bemmaior, muitas pessoas
buscam ainda uma solução para plantar, e também como muitas pessoas ainda buscam as plantas
medicinais existente para utilizar na saúdepróprias, mesmo que os problemas é decorrente na
situação críticas quanto na saúde, dentro da natureza e da cosmologia do bem ser e do bem
viver.
O povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire mesmo com essa necessidade de
reproduzir e preservar a natureza o espaço de exploração dominam, e com essa dificuldade
certamente os kaiowá construa as plantas na área recuperada para no mínimo buscar a sua
sobrevivência, dos problemas dos desmatamento é grande preocupação, mas dentro das
cosmologia e conhecimento a importância da preservação e da recuperação de fortalecimento e
de desenvolvimento no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire.
As necessidades da comunidade busca através desse problemas como preservar a área e
recuperar desse problemas de exploração, mas a valorização e respeito e fortalecimento do povo
kaiowá dentro dos conhecimentos, ás práticas culturais e práticas sociais no âmbito do Tekoha
onde os kaiowá vivem a necessidade é grande problemas, mas a população tradicional indígena
kaiowá tem seu própriosvalores da natureza dentro da cosmologia é onde compreendem ainda
as produçãode alimento a Roça (Kokue), e as plantas medicinais que são de suma importância
para a comunidade kaiowá, além de todas as dificuldade de problemas da exploração, buscando
o bem viver o ser do bem viver kaiowá, a natureza de todas as espécies nativas e das plantas
medicinais seriam uma forma de recuperar nas áreas da suas casas juntos com os alimentos
naturais é uma solução de proteção e a voltados fenômenos naturais que a natureza volta para
sua vida.
Na visão dos kaiowá esses fenômenos os seres járy todos voltam, como os pássaros e
animais silvestres,as plantas medicinais se plantar na sua casa o járy tem que te escolher, se não
te escolher para cuidar as plantas medicinais morrem assim também as outras espécies se não
saber cuidar morrem tudo, essa é o conhecimento da cosmologia kaiowá de Panambizinho. Yvy
Akãndire “Então o dono do mato vai ser a mesma coisa, ele vai ficar alegre porque está
reflorestando, o pedaço que foi perdido, tá crescendo, ou está consertando algo que foi
estragado” (BRAND, COLMAN,COSTA, 2008, p.176).
Os conhecimentos dos fenômenos da natureza os kaiowá os seres járy é tudo járy, todos
430
são dono, nesse sentido os kaiowá muitas pessoas reflorestam nas casas através com o kokue
(roça), mesmo a situação é que tem ainda grande problemas, superando as explorações, mesmo
com dificuldade buscando e fortalecendo. A comunidade kaiowá através de sua valorização e
seus conhecimentos procuram a buscar e recuperar diversidade do Tekoha de Panambizinho Yvy
Akãndire, que o povo kaiowá reconhece a sua cosmologia dentro do ambiente emque vivem,
para todos e para o futuro geração das populações kaiowá, a visão dos kaiowáno mundo e da
cosmologia de conhecimento tradicional, é de suma importância da vida e na saúde indígena,
mesmo com as exploração os kaiowá do Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire seguem
valorizando para garantir a recuperação e preservação do meio ambiente no âmbito do Tekoha
Panambizinho Yvy Akãndire.
Saberes e conhecimento tradicionais
O Juvyy, o brejo, é conhecido como Tesãi Renda (espaço da saúde) porque é um lugar
todos que tem o seres járy, no conhecimento tradicional kaiowá, as plantas medicinais são
sagrados e respeitado, porque é elemento da natureza dentro da cosmologia, o juvyy pohã nãna
foi criada pela nhandesy, há muitos anos atrás, dentro da cosmologia, nhempyru ramo guare, a
nhandesy (Nossa mãe) criou plantou esse lugar e colocou o nome de juvyy, que é a palavras dos
kaiowá. Ali, nesse lugar, ela plantou os remédios caseiros para toda a população indígena, que
hoje até servem para sociedade não indígena, as plantas medicinais é considerada muito
importante, principalmente, para as mulheres, Kuña Pohã, é de suma importâncias, porque há
muito tempo as mulheres que mais sofriam da saúde, muitas perderam suas vidas ante e pós
parto, mulheres jovem, somente quem acreditavam nos remédios caseiros Kuña pohã tomavam
e dava a luz normal, e muitas pessoas também perderam vidas de doenças normal que afetavam
na época e ninguém sabiam o que era, mas aquele que utilizavam e buscavam no Juvyy se
curavam e acreditavam nas fala dos rezadores xamã dos ancião. Nesse sentido a antropóloga
Lúcia Pereira, Kaiowá de Amambai traz em sua pesquisa o seguinte relato:
Naquela época, as práticas eram rígidas, o resguardo da mulher após o parto era muito
importante. As parteiras utilizavam as plantas para massagear a barriga, todos os dias
de manhã e à tarde faziam isso também, assim “os bichos” não cheiravam a criança e
a mãe. As mulheres se banhavam com um remédio chamado mba’etihã, (plantas que
cheiram mal). Apesar do odor, as gestantes encontravam facilidade para seus bebês
nascerem. Também utilizavam o yvychĩ e yvychĩ guasu, ela falou que essas plantas
são encontradas no brejo, e também podem ser encontradas no cerrado. A planta do
brejo é para a mulher beber, e do cerrado é para ela se banhar, e assim a criança pode
nascer rápido e sem dor. (PEREIRA, 2020, p. 322)

Desta forma as plantas medicinais fazem parte da vida e histórias que hoje não podemos
431
deixar morrer, ela existe naquele lugar, que agora muitas pessoas não conseguem valorizar está
sendo difícil, mas algumas pessoas que buscam os cuidados para suas famílias, buscam utilizar
e plantar na área da casa, porque acreditam e respeitam. Benites et al falam da diminuição
etnoconhecimento: “Mas este etnoconhecimento de plantas medicinais tem diminuído entre os
povos indígenas. Isso acontece em virtude da degradação ambiental e a intrusão de novos
elementos culturais”(BENITES et al, 2017, p. 57). Para estes autores:
Esse conhecimento sobre plantas medicinais vem diminuindo devido ao grande uso
de remédios farmacêuticos nas aldeias indígenas; o uso exagerado de medicamento
industrializados compete e leva ao abandono de práticas tradicionais. Os
medicamentos são fornecidos gratuitamente pela farmácia do polo da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) que é responsável pela saúde indígena no Brasil
atualmente, alguns são comprados em farmácias, mercado e vendas dos municípios.
(BENITES, et al, 2017, p. 58).

As mulheres kaiowá que sabem os saberes através dos conhecimentos cuidam das plantas
medicinais para a saúde dos seus netos para a vida, hoje vejo e observamos que na comunidade
as pessoas que ainda utilizam o uso dos remédios caseiro eles tomam até ficar bem se não
melhorar eles já procuram o atendimento dos profissionais da saúde e assim juntos acreditam
que a saúde é de importâncias. O pohã nãna tem o seres Járy, parabuscar no juvyy primeiro fazer
jehovasa para pedir autorização que você vai pegar as plantas medicinais seja de qualquer
situação da saúde, se você entrar ali sem pedir e nãofazer jehovasa qualquer animais de perigo
aparece, cobra ou aranha preta grande ou outros que seja de perigo, por isso algumas pessoas
vão lá e buscam já as plantas raízes para poder plantar na casa, os kaiowá de Panambizinho Yvy
Akãndire sabem esse saberes de conhecimentos, hoje vejo que na minha observação muitas
pessoas estão voltandoreconhecer as plantas medicinais, estão buscando mas algumas pessoas
buscam de outras aldeia devido falta de remédios caseiro, que estão ainda se produzindo se
recuperando daqueimada. O desenvolvimento após a exploração o juvyy e demais área estão
voltando a se recuperar, a queimada parou e as pessoas estão voltando reconhecer e valorizar, e
estão voltando a utilizar novamente o uso dos remédios caseiro mesmo que os problemas da
exploração continuam no Tekoha De Panambizinho Yvy Akãndire.
Algumas pessoas da comunidade que tem sua terra no local da área do brejo estão
começando a fazer aquela área de preservação das plantas medicinais que estão voltando a brotar
e florescer novamente, muitas plantas medicinais estão voltando a recuperar devido a queimada
e exploração. A comunidade tem sofrido muitas consequências de problemas da saúde mental
e físicas, e outras são de doenças comuns como diarreia, gripes, dores musculares e outras que
432
seja doenças graves. A partir das plantas medicinais os mestres tradicionais tem se observados
os problemas da saúde indígenas que muitas já não consegue utilizar mais, os jovens de hoje
por exemplo não têm interesse de conhecer os saberes tradicionais.
Iracy Benites também observou que “Atualmente está diminuindo o interesse dos jovens em
conhecer os saberes de sua cultura no que se refere ao uso de plantas medicinais” (BENITES et
al, 2017, p. 58)
Esses problemas e preocupações existe em todos os locais da aldeia no Tekoha, esse é o
maior o número de casos que está acontecendo, mas a preocupação é grande diante da
exploração, que a comunidade kaiowá diante dessa situação deve-se considerar os
conhecimentos tradicional valorizando e que venha construir o saber do bem viver das plantas
medicinais e buscar garantir a preservação para as futuras gerações, de acordo com Chamorro
(1995, p.18 apud BRAND, COLMAN e COSTA, 2008, p.178), afirma que a partir das
sementes: “as crianças são como as plantas, são como as sementes [...]. Enquanto as crianças
crescem, no mundo há esperança. Quando isso acontecer, os homens podem plantar milho, mas
este não dará fruto”.
A comunidade kaiowá buscam com as observações de compreender a cura da saúde que
é a fonte da saúde e de conhecimentos a importância do povo tradicionais e do meio ambiente
das plantas medicinais Juvyy que são encontradas naturalmente dentro da biodiversidade. Os
saberes tradicionais indígena kaiowá mantêm o recursos naturais no conhecimento culturais
envolvendo práticas de etnoconhecimento de plantas medicinais, o Juvyy do Tekoha
Panambizinho Yvy Akãndire são os conhecimentos popular sobre o uso dos remédios caseiro,
mas com o tempo de hoje muitas pessoas deixaram de utilizar devido a exploração e queimada
ninguém se preocupam mais na área da saúde indígena, essas sãoa realidade e conhecimentos
dentro da biologia do uso das plantas medicinais do TekohaPanambizinho Yvy Akãndire.

Considerações finais
Durante o desenvolvimento desse trabalho observamos que da preservação da natureza
do Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire dos saberes tradicionais do bem estar na saúde
indígena kaiowá, tanto na educação e saúde do povo kaiowá que seja destacado através dos
conhecimento e o saberes tradicionais sobre plantas medicinais Juvyy (tesaĩ Renda) da Aldeia
Panambizinho Yvy Akãndire, observamos que há muitas exploração e dificuldade da
comunidade onde é possível ver a preocupação, que as plantas medicinais existente seja
433
investigada e resgatada mesmo através com exploração, possível fazer aquela área de
reconhecimento e garantir a biodiversidade do Meio Ambiente para priorizar o valor dos
remédios caseiros, o Juvyy é o saberes tradicional que faz parte todos os seres Járy, e garantir
pela comunidade kaiowá valorização do território sagrados na comunidade kaiowá de
Panambizinho Yvy Akãndire, porque esse local onde o povo kaiowá vivem fortalecendo, mas
com a exploração muitos indígenas kaiowá já não valorizam mais, e por isso esse local devem
ser preservado das plantas medicinais que o Juvyy sejarespeitado, valorizado e garantir a
importância dentro da comunidade para que juntos coma educação e saúde seja priorizado e
utilizados novamente para o povo na saúde das mulheres (Kuña pohã), e para a comunidade
trazer uma boa solução juntos com os conhecimentos e a importâncias.
Vimos e observamos que a saúde afetam o povo kaiowá, e, por isso que esse projeto
garante o fortalecimento da preservação do Juvyy do bem estarda natureza e do bem viver da
saúde indígena kaiowá, e que as plantas existente seja fortalecido e que o povo kaiowá
compreenda autonomia dos remédios caseiro dentro da preservação e os meios ambientes de
todos os seres elemento no Tekoha, e junto com a educação acredito que dialogam e respeitam
a biodiversidade das plantas medicinais existente ainda no local da Aldeia, na perspectivas na
visão indígena kaiowá e do fortalecimento garante o respeito, e recuperação da preservação da
natureza dentro da área existentes como as plantas medicinais do Juvyy.
E juntos com autonomia dos remédios caseiro os recursos naturais, da agroecologia
garante a sobrevivências da comunidade kaiowá fortalecendo o bem viver e o ser da
comunidade, privilegiando valorização da preservação da natureza, que onde a exploração
desmatamento vem causando a terra e a nascente e todas áreas, prejudicando as áreas do local
Tekoha ante e pós demarcação, masmesmo com esses problemas a comunidade priorizam o bem
viver buscando a estratégias de como voltar resgatar a preservação do meio ambiente, esta
dificuldade é grande, através com essa preservação e recuperação, que a comunidade venha
reconhecer a área das plantas medicinais que é importância para o povo kaiowá, através de uma
área preservada ou seja criar um espaço de formação das plantas medicinais do juvyy juntos com
o saberes apresentar para o povo kaiowá os seus próprios remédios caseiro para compreender
o respeito da Etnociência e da cosmologia, e trazer uma boa solução para opovo sabendo que o
Tekoha Panambizinho Yvy Akãndire está cercada de monocultura, e por isso é importante
registrar o conhecimento sobre as plantas medicinais, fortalecere priorizar o levantamento da
preservação da natureza, e fazer a recuperação do juvyy onde tem todos os seres járy, e juntos
434
com essa preservação garantir o reflorestamento das matas ciliares das nascentes, do córrego
Yju mirĩ, e com isso tudo que serve para utilizar na saúde da comunidade indígena do Yvy
Akãndiré Panambizinho.

Referências

AQUINO, Rosalina. Anciã, 73 anos, 2022 (em conversa pessoal). TI Panambizinho, Dourados,
MS.

BENITES, Iracy L. SANGALLI, Andréia, Rodrigues, Tatiana R, MARTINS, Igor R.As plantas
medicinais e o ensino da da botânica na aldeia Amambai. In: SANGALLI, Andréia, LADEIA,
Elâine, Da Silva, BENITES, Eliel, PEREIRA, Zefa, Valdivina (orgs). Tekoha
ka’aguy:Diálogos entre saberes Guarani e Kaiowá e o ensino de Ciências da Natureza -Jundiaí:
Paco editorial, 2017.

BRAND, Antonio J.; COLMAN, Rosa S. e COSTA, Reginaldo B.. Populações indígenas e
lógicas tradicionais de Desenvolvimento Local. Interações(Campo Grande) [online]. 2008,
vol.9, n.2, pp. 171-179.

PEREIRA, Lúcia. Aprendizados com as ñandesy e parteiras Kaiowá e Guarani. Basta, Paulo.
Pohã Ñana; nãnombarete, tekoha, guarani ha kaiowá arandu rehegua = Plantas medicinais:
fortalecimento, território e memória guarani e kaiowá. Recife: Fiocruz-PE, 2020. 350 p.

435
O DIREITO DE SER E MANTER-SE INDÍGENA: AS DISPUTAS TERRITORIAIS
IMPOSTAS AOS GUARANI E KAIOWÁ NO CAMPO, NA POLÍTICA E NOS
TRIBUNAIS.

Daniele de Souza Osório (PPGAS/UFMS)


daniele.osorio1976@gmail.com

Antonio H. Aguilera Urquiza (PPGAS/UFMS)


hilarioaguilera@gmail.com

Resumo: O presente texto é resultado parcial de pesquisa sobre a relação do Estado brasileiro
com os povos originários, o direito constitucional à existência, os direitos territoriais dos
indígenas e as recentes iniciativas legislativas que ameaçam esses direitos. A partir de pesquisa
bibliográfica e da análise antropológica, realizada mediante trabalho de campo (com observação
participante e entrevistas com coautores indígenas) o texto analisa as disputas territoriais
impostas aos Guarani e Kaiowá em diferentes esferas. Aponta que os conflitos pela terra
reproduzem relações antagônicas históricas e assimétricas que prejudicam a reprodução física
e social das minorias étnicas. Conclui de forma provisória que a usurpação dos territórios revela
as contradições das políticas públicas do Estado brasileiro que tem a obrigação constitucional
de realizar a demarcação de terras indígenas e, contraditoriamente, promove propostas de lei e
permite decisões judiciais que autorizam a exploração de recursos naturais, incentiva o
agronegócio predatório e reduzem as terras tradicionais.

Palavras-chave: povos indígenas; território; direito à existência; guarani e kaiowá;

INTRODUÇÃO
O Mato Grosso do Sul é um estado indígena pela quantidade de povos diferentes que
nele habitaram e cultivaram formas de vida próprias, como lembra Melià (2015, p. 15). No
entanto, de maneira perversa, tenta-se apagar a presença histórica das populações originárias
nesse espaço territorial. Nas escolas e nos jornais, repetem-se versões pouco aprofundadas sobre
os colonizadores brancos, seus feitos heroicos e os seus pioneirismos na fundação das cidades
sul-mato-grossenses.
Por trás da ocultação da origem milenar dos indígenas e da supressão de suas existências
há a disputa pela terra, motivo dos conflitos e das muitas violências praticadas contra as
minorias étnicas. Nosso passado colonial, abarrotado das tentativas portuguesas de integração
forçada dos povos originários, deixou marcas profundas no pensamento da sociedade e no
436
ordenamento jurídico do país, sobretudo a noção de que ser indígena é uma situação transitória,
até alcançar a chamada “civilização”.
A atual situação fundiária das terras indígenas e o cotidiano desrespeito à diversidade
cultural por parte do Estado são fruto da insistência dessa integração dos indígenas à sociedade
nacional, mesmo que ao arrepio da vigente legislação brasileira e dos tratados e convenções
internacionais.
Embora a ocupação indígena seja preexistente a própria configuração do país, as
políticas adotadas pelo Brasil nos últimos séculos, aliadas à expansão econômica e às atividades
agropastoris incentivadas pelo Poder Público, afetaram esses povos, a ponto de causarem
deslocamentos forçados dos Guarani e Kaiowá, o confinamento em reservas demarcadas a sua
revelia e provocarem a expulsão de suas terras por pessoas interessadas na exploração da mão-
de-obra ou nas riquezas advindas da transformação de territórios tradicionais em propriedades
rurais.
Ao largo de todas as dificuldades impostas para a sobrevivência, os Guarani e Kaiowá
mantêm-se nos locais anteriormente habitados por seus ancestrais e, se expulsos, promovem as
retomadas das áreas ou permanecem nas redondezas, em acampamentos improvisados às
margens de rodovias. Enquanto se organizam para reivindicar terras e direitos, acabam
criminalizados, marginalizados e vulnerabilizados, dificultando sua inserção nos espaços
públicos de debates e na democracia representativa.
A impressionante resiliência desses povos, extremamente ligados aos seus espaços
tradicionais, aponta para a necessária investigação etnográfica sobre o significado de território
para a manutenção de sua cultura e de seu modo de vida, bem como sobre as estratégias
adotadas para sobreviver às disputas que lhes são impostas no campo, nos tribunais e no
Legislativo.

O Direito à existência: ser e manter-se indígena


A relação do Brasil com os povos nativos começou de forma trágica, sendo impossível
dissociar a atual situação dos indígenas, da própria história brasileira. O mercantilismo baseado
nas grandes navegações dos portugueses concebia relações extremamente desiguais, sendo
permitida e justificada – pela ciência, política e religião – a dominação do outro em todos os
sentidos possíveis, desde a exploração econômica, com a escravidão e a expropriação de seus

437
territórios, até a imposição cultural e religiosa, sob pressuposto de uma imaginária
superioridade europeia.
Como elucida Aníbal Quijano (2005), o sentido moderno de raça surgiu
simultaneamente à conquista da América, fundado em uma fictícia diferença de estruturas
biológicas equivocadamente justificada pela diversidade fenotípica, o que serviu para atribuir a
determinados grupos novas identidades sociais (negros, indígenas, mestiços, europeus) que
justificaram e legitimaram as relações de dominação.
Desde então, as centenas de povos originários que habitam o Brasil passaram a ser
classificadas sob uma única identidade social, a do “indígena”, pouco importando suas próprias
histórias, idiomas, formas de organização e saberes. Esses diversos grupamentos foram e
continuam a ser resumidos nessa única denominação massificante e, ao mesmo tempo,
justificadora das limitações dos seus direitos feitas pelo Estado.
O eurocentrismo e as necessidades de dominação do colonizador não foram
abandonados com a configuração do Brasil como Estado independente. Para as leis e, portanto,
para a sociedade brasileira, o papel do indígena continuou sendo aquele outrora atribuído pelo
colonizador, o de mão de obra descartável, indigno de patrimônio e de pagamento pelo trabalho.
A perspectiva assimilacionista vigorou por quase cinco séculos em nosso país e o fato
de os indígenas não terem desaparecido comprovou o completo equívoco dessa pretensão de
eliminar as diferenças culturais, pressupondo os indígenas como um estágio humano a ser
superado, além de evidenciar a exitosa persistência deles.
As estratégias de resistência e a organização coletiva dos indígenas refletiram a
renovação das leis e tratados firmados pelo Brasil no século XX que avançaram até o atual
estágio de reconhecimento do direito coletivo de existirem conforme e de acordo com suas
diferenças culturais.
O ativismo dos indígenas e de seus apoiadores durante os debates da Assembleia
Constituinte resultou no capítulo específico da Constituição Federal de 1988 sobre seus direitos,
no qual se rechaçou a concepção de transitoriedade, assegurou-lhes direitos permanentes,
coletivos e a capacidade para, sem qualquer intermediação ou tutela, exercerem direitos e
defenderem suas pretensões judicialmente. Instituiu-se, portanto, verdadeiro direito de
existência, o direito de ser e de manter-se indígena.
A diuturna campanha, vigília e presença dos indígenas no Congresso Nacional derrotou
diferentes setores com interesses econômicos na exploração das terras ocupadas pelos povos
438
originários. Embora vencidos, tais setores mantêm constante articulação para limitar direitos
conferidos constitucionalmente aos povos indígenas, como se verá adiante.
A despeito de não ter descrito as cosmovisões dos povos indígenas, tal como fizeram as
Constituições da Colômbia (1991), Equador (2008) e da Bolívia (2009), a Constituição Federal1
brasileira reconheceu que nossa sociedade é multiétnica e aceitou a diversidade cultural,
pressupondo a igualdade das culturas pertencentes aos vários grupos, conferindo a liberdade de
os indivíduos escolherem suas próprias expressões culturais.
Dessa maneira, no plano constitucional não há conceitos de evolução ou involução dos
indivíduos, superioridade ou inferioridade entre os grupos étnicos. As diferentes culturas
ocupam o mesmo lugar de cuidado e proteção por parte do Estado.
Na esfera internacional, o direito coletivo à existência dos indígenas também é
amplamente garantido e caminhou da abordagem integracionista do primeiro instrumento
internacional2 para o rol de princípios concebidos pela Convenção n.º 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), de 07/06/1989 que consagrou o respeito à cultura e à
autodeterminação dos povos originários.
Em junho de 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Sobre
os Direitos dos Povos Indígenas com normas mínimas para garantir a sobrevivência, dignidade,
bem-estar e os direitos desses povos. Nove anos depois, foi a vez da Organização do Estados
Americanos (OEA) aprovar a sua Declaração sobre o tema, reconhecendo o direito à identidade
e integridade culturais, e protegendo a cosmovisão dos povos ameríndios e comunidades tribais,
seus usos e costumes, culturas, crenças espirituais, línguas e idiomas e a propriedade sobre suas
terras e territórios.
Diferentemente da sociedade envolvente, os indígenas não consideram apenas o
conteúdo patrimonial das terras que ocupam e muito menos exercem sua posse exclusivamente
sob as lentes da exploração econômica dos recursos naturais.
A territorialidade para as comunidades indígenas tem significados outros que
extrapolam os meros aspectos físicos do espaço geográfico. Há um conteúdo metafísico
relacionado à visão sagrada da natureza e aos aspectos espirituais da cosmologia indígena. Os
elementos naturais estão ligados aos espíritos e deuses das crenças tradicionais, guardam os

1
Embora não reconheça expressamente o pluralismo jurídico, a CF88 acompanha parcialmente o novo
constitucionalismo latino-americano e permite uma interpretação pluricultural.
2
Convenção n.º 107, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 05/06/1957.
439
ancestrais mortos e não devem ser controlados pelos seres humanos (Baniwa, 2006, p. 102-
103).
A terra é parte essencial da existência dos povos indígenas que sem ela não conseguem
manter as relações sociais, políticas, familiares e de etnodesenvolvimento necessárias à sua
própria sobrevivência. É o elo que une, de modo mais firme, os componentes da comunidade,
possibilitando a preservação e a transmissão do modo próprio de viver.
Notadamente para os povos Guarani e Kaiowá a terra é componente do próprio corpo,
lugar de pensar, viver e sentir o mundo, onde crescem os alimentos, tal como pessoas, crianças,
jovens, velhos e ancestrais. As vidas e a sociabilidade estão intrínseca e cosmologicamente
relacionadas ao território tradicional, e que, portanto, este não poderia ser em outro lugar.
Quando foram expulsos dos locais que habitavam pelas frentes colonialistas, permaneceram
próximos do seu local de origem, seja trabalhando em fazendas, em áreas que os mantivessem
ao alcance de seu tekoha.
Desse modo, não há como se afastar o paradigma do direito à diferença, estabelecido no
art. 231, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988, na apreciação do sentido de território
para a construção da identidade étnica indígena. Somente há preservação do direito à diferença
cultural, em toda a sua extensão, quando garantidos os direitos territoriais aos indígenas.
Assegurar a posse de suas terras é afirmar o direito à própria existência.

As disputas territoriais travadas no campo, na política e nos tribunais


A terra tem sido a matriz dos conflitos e das muitas violências praticadas contra os povos
indígenas. É contínuo o processo de expropriação resultante dos modelos estatais
desenvolvimentistas que pressupõem aproveitamento de recursos (minerais, hídricos e
vegetais), desconsideram os modos de vida dos povos indígenas e estão sustentados numa
suposta modernidade ligada à racionalidade, ciência e tecnologia, frutos do etnocentrismo
europeu, revelando aquilo que Quijano (2005) estabeleceu como elementos centrais dos
problemas que atingem a América Latina: a colonialidade do poder, o capitalismo e o
eurocentrismo.
A expropriação dos territórios tradicionais é constante e resultante desses modelos
estatais desenvolvimentistas que pressupõem aproveitamento de todos os recursos, desprezando
os modos de vida dos povos indígenas. Manuela Carneiro da Cunha (1987, p. 14) resume bem
a questão apontando que “as terras indígenas são tratadas, na realidade, como terras de
440
ninguém”, o que as torna como “primeira opção para mineração, hidrelétricas, reforma agrária
e projetos de desenvolvimento em geral”.
Grande parte dos conflitos resulta do fato de os governos terem no curso da história
indevidamente concedido títulos de propriedade privada sobre as terras de ocupação tradicional
indígena, sob a justificativa de colonização e destinação econômica da exploração agrária,
situação que traz repercussões até hoje com centenas de ações judiciais que discutem a posse
dessas áreas.
O pensamento integracionista – ainda que superado na legislação – na prática, reverbera
na atual situação fundiária brasileira que pode ser compreendida a partir dos motivos e objetivos
que culminaram na Lei nº. 601, de 18/09/1850, denominada Lei de Terras. Tal diploma
legislativo modificou o regime jurídico das terras no Brasil, regulamentou a propriedade
privada, estabeleceu a compra como única modalidade possível de aquisição, impôs obrigações
tributárias aos proprietários e criou o registro cartorial para a configuração da propriedade.
A lógica de oferecimento das terras devolutas para latifúndios destinados à monocultura
de exportação manteve-se com a proclamação da República, passando a Constituição Federal
de 1891 para os Estados membros a atribuição de distribuição, o que atendeu interesses das
oligarquias rurais e agravou a “concentração de terras e o caráter político da instituição dos
latifúndios” (Liberato, 2003, p. 35). As legislações estaduais repetiram os princípios da Lei de
Terras, impedindo o acesso à propriedade aos pobres e aos grupos com lógicas de ocupação
tradicional.
Essa distribuição estatal de títulos de propriedade privada sobre terras de ocupação
tradicional, repercute e fundamenta, até hoje, as centenas de ações judiciais que discutem a
posse das áreas tradicionalmente ocupadas pelos Guarani e Kaiowá.
Os maiores impactos nos tekoha3 Guarani e Kaiowá, causados pelo contato com a
sociedade majoritária, aconteceram após a Guerra da Tríplice Aliança, entre 1864 e 1870,
quando o governo brasileiro começou o povoamento do sul do então Mato Grosso, no espaço
geográfico próximo a nova fronteira entre Brasil e Paraguai.

3
Teko é o modo de ser, o sistema de valores éticos e morais que orientam a conduta social, ou seja, tudo o que se
refere à natureza de ser Kaiowá. Tekoha pode ser entendido como o lugar (território) onde uma comunidade
Kaiowá (grupo social composto por diversas parentelas) vive de acordo com sua organização social e seu sistema
cultural, isto é, segundo seus usos, costumes e tradições (Eremites Oliveira; Pereira, 2009, p. 34). O tekoha
normalmente possui limites em rios e outros acidentes geográficos e é uma delegação divina, já que criado por
Ñande Ru (Melià, Grünberg, 1976, p. 208). Os tekoha possuíam tamanhos variáveis, conforme o número de
parentelas que compunham, já que cada uma delas possuía uma porção exclusiva (Pereira, 2006, p.70).
441
Divulgava-se que a fronteira com o Paraguai era desocupada e desconsiderava-se a
presença dos povos que ali habitavam. As frentes de exploração eram incentivadas pela política
estatal e se intensificaram na região, o que facilitava e promovia o esbulho dos indígenas de
seus territórios tradicionais.
O processo de negação da existência desses povos nas terras ocupadas foi importante
para a expulsão deles de seus territórios tradicionais, aliás, isto perdura até hoje, sendo comum
os proprietários rurais afirmarem que não havia indígena quando seus antepassados chegaram.
Criou-se a ideia (ainda muito difundida) de que “lugar de índio é na reserva”, logo, os
que estão fora dela não estariam numa posição “legal”, sendo passíveis de serem expulsos.
A combinação desses entendimentos de que “nas fazendas não havia aldeias” e de que
“lugar de índio é na reserva” sustenta até hoje as narrativas apresentadas nos processos judiciais
interpostos para negar os direitos específicos das comunidades indígenas, e, ao mesmo tempo,
defender o direito à propriedade privada. Com esses argumentos, o agronegócio criminaliza os
indígenas e defende a prerrogativa de expulsá-los com fundamento no direito de propriedade.
A resistência dos Guarani e Kaiowá fez surgir nos anos 80 o movimento pela retomada
de seus territórios, capitaneado pelas Aty Guasu, e que resultou na recuperação da posse de
diversas áreas, algumas das quais posteriormente demarcadas (que totalizam 22.450 hectares)
e outras tantas em processo de regularização (Benites, 2014, p.182)
Nesse cenário marcado pelas disputas assimétricas entre produtores rurais e populações
tradicionais, questionamentos judiciais dos processos administrativos de identificação e
demarcação tem sido a estratégia corriqueira do agronegócio, já que – enquanto tentam
invalidar o trabalho realizado pela FUNAI – os fazendeiros continuam a explorar
economicamente a terra, aproveitando-se da demora dos diversos recursos possíveis nos
tribunais.
Na esfera jurídica também buscam “sensibilizar a opinião pública local e nacional, bem
como os juízes, sobre as razões do progresso, representado pelo desenvolvimento da agricultura
moderna, em contraste com o estilo de vida e as razões pelas quais as famílias indígenas
reivindicavam seus espaços territoriais” (Mura, 2015, p. 112)
No bojo das ações judiciais, a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul tem determinado
a realização de perícias antropológicas, arqueológicas e históricas nas áreas reivindicadas pelos
indígenas como forma de esclarecer a ocupação tradicional e delimitar o território. Aliás, a
utilização dos laudos antropológicos pelo Judiciário brasileiro é recente, iniciou na década de
442
1990, no período pós Constituição de 1988, quando os processos judiciais surgiram em resposta
à intensificação da identificação de áreas indígenas, além do avanço da fronteira agrícola.
Necessário repetir que a tutela que vigorou até a Constituição de 1988 impediu durante
décadas qualquer ação formal diretamente levada a efeito pelos próprios indígenas. Eles sempre
tiveram de expor suas pretensões ao crivo do Órgão Indigenista que, evidentemente, atuava (e
atua) conforme a conveniência e oportunidade de ocasião.
Evidencia-se o verdadeiro desamparo dos indígenas na defesa de seus territórios que,
por vezes, apresentavam o seu inconformismo, sem que providência efetiva para resguardar os
seus direitos originários à terra fosse realizada.
Nessa realidade de violências e expropriações, os Guarani e Kaiowá passaram, a partir
da década de 70, a realizar os seus processos próprios de retomada de seus espaços tradicionais.
Num complexo e coletivo movimento político, em que participam crianças, jovens, adultos,
idosos, mulheres e homens, há uma decisão coletiva de reocupar o tekoharã (partes do tekoha),
ou seja, os seus territórios tradicionais. Todos respondem pela retomada, não ocorre uma
centralização de poder ou de liderança.
Enquanto toma seus territórios, a comunidade aproveita a mobilização – inclusive dos
órgãos públicos em torno da repercussão dessa ocupação – para reivindicar direitos e obter
respostas do Estado sobre as demarcações.
Conforme explica o antropólogo e pesquisador Benites (2014), “o processo de
reocupação e retomada (jeike jey) dos territórios tradicionais (tekoha guasu),” é um movimento
organizado pelas lideranças religiosas e políticas Guarani e Kaiowá, “articulado em rede
(ñemoiru ha pytyvõ)” a partir das primeiras articulações realizadas na “grande assembleia
(Jeroky ha Aty Guasu) em meados de 1970 no sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul”, até
os dias de hoje, como modo de pressionar a identificação e delimitação dos territórios.
Aliado ao movimento das retomadas, verifica-se um panorama de vulnerabilização dos
Guarani e Kaiowá. Além da falta de acesso a serviços públicos básicos nesses espaços
retomados, percebe-se a reação violenta daqueles setores econômicos que se acreditam
prejudicados pela ocupação.
Incêndios, tiroteios e despejos forçados por milícias privadas e por forças policiais tem
sido comum às comunidades Guarani e Kaiowá que reocupam espaços. Vale consignar que
Mato Grosso do Sul registra altos números de mortes de lideranças indígenas em conflito
fundiário.
443
O atraso na demarcação dos tekoha Guarani e Kaiowá4, não apenas frustra as
expectativas das comunidades, como também aumenta as pressões demográficas. Os conflitos
fundiários em vários municípios de Mato Grosso do Sul acabam intensificando as violências e
a falta de espaço dentro das reservas, pois o movimento comum é acampar nas margens das
rodovias ou buscar abrigos com parentelas extensas que estão nas áreas demarcadas.

As iniciativas legislativas que ameaçam as conquistas históricas


O transcurso de mais de três décadas a partir da mudança constitucional não refletiu em
ações governamentais efetivas de maior proteção jurídica aos indígenas. O atraso na
demarcação das terras indígenas permitiu toda sorte de ataques aos mesmos, tanto em processos
judiciais que questionam a posse de áreas tradicionalmente ocupadas, quanto em iniciativas
legislativas que visam unicamente reduzir garantias e retirar direitos conquistados.
A desinformação – ou a informação intencionalmente falseada – continua causando
danos e servindo de fundamento para equivocadas interpretações jurídicas dos dispositivos
constitucionais, quase sempre de forma a cercear os direitos das populações originárias.
Apesar da ampla legislação protetiva, discursos discriminatórios e de ódio contra os
povos indígenas tem sido frequente e cada vez mais disseminados. Os Poderes Executivo e
Judiciário insistem em interpretar os direitos indígenas com os superados modelos de integração
e de defesa da propriedade privada civil. Quando não são os próprios responsáveis, permitem
iniciativas de lei que ressuscitam dispositivos debatidos e repelidos pelo constituinte originário.
Os últimos dois anos foram palco de uma série de proposições legislativas com conteúdo
inconstitucional em relação aos povos originários, algumas inertes há anos no Congresso
Nacional, tiveram acelerados seus trâmites entre 2021 e 2023. É o caso do projeto de lei (PL)
n.º 3.729/2004, aprovado pela Câmara dos Deputados, que retirou a obrigatoriedade do
licenciamento ambiental para os empreendimentos em terras tradicionalmente ocupadas que
ainda não tenham tido demarcação homologada.

4
Em 2007, o MPF e a Presidência da FUNAI firmaram TAC com o objetivo de promover a identificação e a
delimitação de 39 terras de ocupação tradicional Guarani e Kaiowá, localizadas na região centro-sul de Mato
Grosso do Sul. O acordo não foi cumprido, o que ensejou o ajuizamento de ação por parte do MPF.
Recentemente, o STJ confirmou a incidência de multa diária pelo descumprimento (autos 0005153-
79.2010.4.03.6002).
444
Nascido no governo de Jair Bolsonaro, o PL n.º 191/2020 ambiciona permitir pesquisas
e lavras de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para
geração de energia elétrica dentro das terras indígenas.
Já o PL n.º 2633/2020 visa regularizar terras invadidas que são objeto de grilagem,
transferindo-as para pessoas que praticaram diversos crimes, incluindo o homicídio de
indígenas em disputas territoriais.
O PL n.º 490/2007 originalmente pretendia modificações no Estatuto do Índio (Lei n.º
6.001/1973), quanto à competência para demarcação de terras indígenas. Ao projeto foram
apensados vários outros, com objetivos diversos relacionados às terras indígenas. Na verdade,
o projeto tenta emplacar pela via legislativa a tese do marco temporal, rechaçada pelo texto
constitucional e que está em vias de ser definitivamente julgada e sepultada pelo STF. Em 24
de maio de 2023, foi aprovado o requerimento de urgência n. 1.526/2023, dispensando-se a
tramitação do PL n.º 490 pelas comissões da Câmara dos Deputados, muito embora já houvesse
audiência pública aprovada na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais.
E assim, apenas uma semana após a aprovação de urgência, o citado projeto restou aprovado
em um folgado placar de 283 votos favoráveis e 155 contrários. Atualmente a proposta tramita
no Senado, local em que recebeu a denominação de PL 2903/2023, já tendo sido aprovado na
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária daquela Casa legislativa e estando a espera de
parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Os argumentos jurídicos para a declaração de inconstitucionalidade de todos esses
projetos são extensos. A íntima e profunda ligação entre o princípio da dignidade da pessoa
humana e o direito dos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, confere a eles a
qualificação de cláusula pétrea, sendo imutáveis pelo legislador ou por emendas à Constituição.
A nítida tentativa de desconstituir as conquistas anteriormente concretizadas fere o princípio da
proibição do retrocesso.
Todas as tentativas mencionadas de alterações legislativas afrontam os artigos 19, da
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e 6º, da Convenção 169,
da OIT, no sentido de que os povos interessados deveriam ser consultados cada vez que fossem
previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, para que
tenham o direito de dizer o que compreendem do projeto/intervenção e possam influenciar no
processo decisório sobre as medidas. Trata-se corolário da autodeterminação dos povos,

445
princípio do direito internacional sedimentado no art.4º, III, da Constituição da República, e
que deve ser reconhecido aos povos indígenas.
Sobre as propostas legislativas que ameaçam os direitos humanos dos povos indígenas
no Brasil, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) da
Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação ao governo brasileiro com a
ausência de previsão de veto, por parte dos indígenas, da mineração em seus territórios,
alertando sobre o risco de degradação social e ambiental de 863.000Km2 de florestas tropicais,
agravamento dos conflitos de terra e a exposição dos indígenas à violência, contaminação por
poluentes e doenças contagiosas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
apontou o risco de retrocesso de direitos, de desmatamento e de atos de agressão, perseguição
e assassinatos de pessoas indígenas em retaliação ao seu trabalho em defesa de seus territórios.

Considerações finais

A avaliação sobre os direitos territoriais dos povos indígenas não pode estar alijada da
história desses povos, em especial nas áreas de retomadas recentes. A composição histórica,
geográfica e econômica do Estado brasileiro revela o sistemático esbulho imposto às
comunidades indígenas, resultado das violências a que foram e são submetidas e que resultaram
em deslocamentos e nos despejos forçados de diversos grupamentos de suas terras tradicionais.
Diferentemente da sociedade envolvente, os indígenas não consideram apenas o
conteúdo patrimonial das terras que ocupam e muito menos exercem sua posse exclusivamente
sob as lentes da exploração econômica dos recursos naturais. A territorialidade para as
comunidades indígenas tem significados outros que extrapolam os meros aspectos físicos do
espaço geográfico. Há um conteúdo metafísico relacionado à visão sagrada da natureza e aos
aspectos espirituais da cosmologia indígena.
A usurpação dos territórios acarreta consequências no presente, pois impede o
etnodesenvolvimento e promove intensos conflitos fundiários entre indígenas, setores do
agronegócio e com os detentores de interesses econômicos na exploração dos recursos naturais
existentes em terras de ocupação tradicional.
O governo brasileiro e suas instituições não conseguiram assegurar os direitos
constitucionais que são fruto da intensa mobilização política dos indígenas. Ao tempo em que
continuam se organizando para reivindicar direitos, os povos indígenas são criminalizados,

446
marginalizados e vulnerabilizados, dificultando sua inserção nos espaços públicos de debates e
na democracia representativa.
Até hoje não se estabeleceu entre as comunidades indígenas e a sociedade majoritária
relação amistosa apta a promover de verdade a interculturalidade prevista no texto
constitucional e na Convenção 169, da OIT. A disputa de visões de mundo e das formas de
explorar e sentir a terra, dentro de relações de poder assimétricas, continua permitindo a
violação de direitos e a prática sistemática de violências contra a coletividade indígena.
Nas disputas territoriais podem ser compreendidas as tensões e contradições das
políticas públicas do Estado brasileiro que tem a obrigação constitucional de realizar a
demarcação de terras indígenas e, contraditoriamente, promove propostas de lei que visam
autorizar a exploração de recursos naturais e incentivar o agronegócio nas terras tradicionais.
No grave cenário de violações, constata-se a necessidade de instar o governo brasileiro
a cumprir o seu papel na preservação da vida e na manutenção da cultura dos povos originários,
respeitando a sua existência e os seus diferentes modos de habitar a terra, promovendo a
autonomia e as iniciativas sociais e econômicas em vista de garantir a sociobiodiversidade e
bem-estar comum.

REFERÊNCIAS
BANIWA, Gersem. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

BENITES, Tonico. Rojeroky hina ha roike jevy tekohape (Rezando e lutando): o


movimento histórico dos Aty Guasu dos Ava Kaiowa e dos Ava Guarani pela recuperação
de seus tekoha. Tese de doutorado, PPGAS/UFRJ, Rio de Janeiro: 2014.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo:
Brasiliense, 1987.

EREMITES DE OLIVEIRA, Jorge; PEREIRA, Levi. Ñande Ru Marangatu. Laudo


antropológico e histórico sobre uma terra kaiowa na fronteira do Brasil com o Paraguai,
município de Antônio João, Mato Grosso do Sul. Dourados: UFGD, 2009.

LIBERATO, Ana Paula Gularte. O direito humano fundamental: a reforma agrária.


Dissertação de mestrado, Programa de Mestrado em Direito Econômico e Social, PUC, Paraná,
Curitiba, 2003, p. 35.

447
MELIÀ Bartolomeu. Memória, história e futuro dos povos indígenas. In: CHAMORRO,
Graciela; COMBÈS, Isabelle; FREITAS, André (ORG). Povos Indígenas em Mato Grosso do
Sul: história, cultura e transformações sociais. Dourados: UFGD, 2015, p. 569.

MURA, Fabio. Conflitos fundiários, conflitos de saberes e produção de conhecimento: uma


reflexão a partir do caso dos Guarani Kaiowá. In: Oliveira, João Pacheco et al. Laudos
Antropológicos em Perspectiva. Brasília: ABA, 2015.

PEREIRA, Levi M. Assentamentos e formas organizacionais dos Kaiowá atuais: o caso dos
“índios de corredor”. Tellus, ano 6, n. 10, 2006. p. 69-81.

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. En libro: A


colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas.
Edgardo Lander (org). Colección Sur Sur, CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires,
Argentina. Setembro 2005. pp.227-278.

448
GT7 - PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

A CULTURA SIMBÓLICA DA INFÂNCIA: REFLETINDO SOBRE AS CRENÇAS,


PREOCUPAÇÕES E VALORES INFANTIS NAS INTERAÇÕES ENTRE AS
CRIANÇAS BEM PEQUENAS

Andréia Paz Leonarski de Souza Lima (PPGE/UCDB)


leonaski@hotmail.com

Resumo: Este artigo é um recorte de dissertação de mestrado e apresenta reflexões em relação


a presença da cultura simbólica no cotidiano das crianças em uma instituição de Educação
Infantil, na cidade de Campo Grande (MS). Aportada na Sociologia da Infância, a pesquisa com
abordagem qualitativa, de cunho etnográfico, tem por objetivo analisar as culturas infantis
dando ênfase à presença na cultura simbólica na infância, apresentando reflexões sobre as
crenças, preocupações e valores infantis nas interações entre 14 crianças de 2 a 3 anos de idade,
que frequentaram a creche num momento em que o mundo estava vivenciando uma pandemia
pela Covid – 19. Não será apresentada aqui discussões sobre a pandemia, pois não é o foco
desse artigo, porém essa discussão está presente na dissertação. Como instrumentos para coleta
de dados utilizou-se de imagens fotográficas, vídeo gravações e caderno de campo. A análise
dos dados teve embasamento na Análise de Conteúdo. As experiências vivenciadas pelas
crianças são proeminentes porque possibilitam o conhecimento de suas culturas infantis,
apontam como a cultura simbólica está presente no cotidiano dos pequenos e como eles fazem
uso e transformam essa cultura à medida em que interagem com o mundo adulto e com seus
pares.

Palavras-chave: Cultura simbólica. Criança. Sociologia da Infância

Introdução

O termo cultura está associado aos tipos de comportamentos, tradições e conhecimentos


de uma sociedade. Dentro da Sociologia compreende-se como cultura tudo o que é aprendido e
partilhado pelos sujeitos de um grupo. Como agentes ativos da sociedade, as crianças passaram
a ser vistas como produtoras de culturas e não apenas determinadas por ela, nesse processo elas
constroem seu mundo social e seu lugar nesse mundo. "As crianças fundam suas culturas a
partir dos modos como participam dos mundos naturais e simbólicos com os quais interagem”
(Barbosa, 2014, p. 651).

449
Em suas pesquisas com as crianças no mundo social onde estão inseridas, Corsaro
registrou a forma como elas constroem seus mundos de vida, ou seja, como, a partir das
brincadeiras, elas vão construindo esse ambiente social. A essa interação e socialização na
infância, o autor denominou de reprodução interpretativa.

O termo interpretativa captura os aspectos inovadores da participação das


crianças na sociedade, indicando o fato de que as crianças criam e participam de
suas culturas de pares singulares por meio de informações do mundo adulto de
forma a atender seus interesses próprios enquanto criança. O termo reprodução
significa que as crianças não apenas internalizam a cultura, mas contribuem
ativamente para a produção e a mudança cultural (Corsaro, 2009. p.31).

O autor aborda o termo “pares” como a interação ou relação entre as crianças. A partir
da sua participação na sociedade interpretando e reproduzindo as informações do mundo adulto,
as crianças produzem suas culturas de pares, o que de acordo com o autor, não é uma simples
imitação. O termo cultura de pares está relacionado “ao conjunto de atividades ou rotinas,
artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus
pares” (Corsaro, 2009, p.32). Dessa forma, as crianças sofrem influência do mundo adulto e o
influenciam.

As instituições de educação infantil se tornam lugares importantes nesse processo, pois


nesses locais as crianças irão partilhar suas culturais infantis e produzir outras. “[...] é por meio
da produção e participação coletiva nas rotinas que as crianças se tornam membros tanto de
suas culturas de pares quando do mundo adulto onde estão situadas” (Corsaro, 2011, p.128).
No entanto, para ele, as crianças pequenas não experimentam sozinhas as informações do
mundo adulto, mas participam das rotinas culturais nas quais a informação primeiramente é
mediada pelo adulto.

Ao mesmo tempo em que as crianças são consideradas cidadãs de direitos e com


capacidade de participação social, produtoras e reprodutoras culturais, elas também sofrem com
a exposição das mudanças que a modernidade traz, seja por meio da influência da mídia ou
outras situações as quais estão inseridas.

São várias as representações ou símbolos de crenças, preocupações e valores infantis ao


qual Corsaro (2011), denomina de culturas simbólicas da infância, a mídia dirigida a infância;
a literatura e histórias infantis, e os valores míticos e lendas que envolve o Papai Noel, a Fada

450
do Dente e outros. Griswold (1994) apud Corsaro (2011) conceitua por cultura simbólica as
crenças, as preocupações e os valores infantis.

A maioria dos estudos sobre o conteúdo da programação de televisão envolve a crítica


à violência, à ausência de valor educativo, ao sexismo e a apelação ao hedonismo.
Sabemos pouco, no entanto, sobre como as crianças negociam com seus pais o acesso
à televisão e a outros meios de comunicação; como se comunicam com os pais e com
os seus pares sobre o que veem; e como usam e entendem as informações da mídia
(Corsaro, 2011, p. 134).

A mídia dirigida à infância vem ganhando espaço ao longo dos anos no mundo infantil,
porém, com a pandemia, momento em que as crianças ficaram isoladas do convívio social, essa
cultura ganhou mais força entre o público infantil por meio de jogos interativos, histórias
contadas por meio de vídeos, brincadeiras, lançamentos de novos brinquedos entre outros
produtos que o mercado lançou para chamar atenção das crianças enquanto ficavam em suas
casas.

Além da cultura simbólica, a criança também sofre influência da cultura material da


infância. Entende-se por cultura material, os vestuários, livros, ferramentas artísticas; de
alfabetização e principalmente os brinquedos. “As crianças podem usar, e muitas vezes o fazem,
alguns desses objetos para produzir outros artefatos materiais das culturas infantis (por
exemplo, desenhos, pinturas, estruturas em blocos, brincadeiras improvisadas e rotinas e assim
por diante” (Corsaro, 2011, p. 145). Portanto, a produção de cultura pelas crianças acontece
através da interação que elas têm com a cultura simbólica e material.

Metodologia

A pesquisa de caráter etnográfico, acompanhou 14 crianças de 2 a 3 anos em uma


instituição de educação infantil durante suas brincadeiras e outras atividades nos meses de
fevereiro a maio de 2022. Por meio da observação participante foi possível acompanhar a rotina
das crianças na intenção de adentrar em seus mundos sociais e culturais. Através de anotações
em caderno de campo, registros fotográficos e gravações de vídeo foi possível capturar
informações muito ricas sobre suas culturas infantis. Para análise dos dados, recorremos às
contribuições de Franco (2008) e Bardin (2011), com base na Análise de Conteúdo.

Resultados e discussões: a cultura simbólica no contexto das crianças

451
Como um dos aspectos da cultura simbólica, a mídia está presente no cotidiano das
crianças; elas se apropriam de diferentes informações sobre mundo por meio de programas de
televisão e outros meios de comunicação e tecnologias. Com a presença da mídia digital na
sociedade contemporânea, as crianças tendem a se apropriar dessa tecnologia (Ferreira, 2018,
p. 18).

Durante minha permanência no campo as crianças se mostravam muito interessadas nas


imagens que estavam sendo feitas sobre elas. Num determinado momento uma se aproximou
de mim e perguntou o que estava fazendo; falei que estava tirando foto dela. Então clicou na
câmera do celular para inversão de imagem e a tela virou para ela, que sorriu e chamou seus
amigos para ver também. Os outros se aproximaram e clicaram algumas vezes na tela do celular,
tirando fotos deles. Ficaram clicando várias vezes para tirar mais fotos, e com o dedinho iam
passando as imagens deixando claro a prática com essa tecnologia (Diário de campo,
03/03/2022).

É possível perceber como o domínio da tecnologia digital, que mesmo as crianças bem
pequenas vem adquirindo, é um fator que surge modificando a própria concepção de infância
na sociedade. De acordo com Ferreira (2018, p. 62), “Para além da história da infância que se
apresenta na sociedade contemporânea, é necessário se atentar à articulação com o futuro e às
reconfigurações que perpassam a infância em meio às mídias como agentes de socialização”.

As crianças utilizam-se de diferentes atitudes para dar sentido à mídia e relacioná-la às


suas experiências. Corsaro (2011, p. 135), afirma que “Para a maioria das pessoas, a simples
menção de crianças traz imediatamente à mente a Disney e seu vasto império de parques
temáticos, filmes, DVDs e livros. Essa cultura vai passando de geração para geração entre as
crianças, que buscam identificação com personagens de filmes e histórias contadas tanto no
ambiente familiar como nas instituições de educação infantil. Esses personagens estão presentes
nas roupas, mochilas, em brinquedos e outros acessórios infantis.

Os livros infantis também estão presentes no cotidiano das crianças onde a pesquisa foi
realizada. Além das histórias contidas nos planejamentos para trabalhar as temáticas do plano
de atividades, as crianças tinham momentos de roda de leitura em que a professora colocava
algumas almofadas no chão e cada uma escolhida seus livros. Foi possível observar que elas
interpretavam aquele momento como uma brincadeira em que faziam jogos de linguagens com

452
diferentes entonações de voz, imitavam o lobo mau, a bruxa, os porquinhos e outros
personagens comum nas histórias infantis, mitos e lendas.

A história Os três porquinhos era uma das preferidas das crianças e sempre que a
professora a recontava, elas conduziam as falas dos personagens com todos os detalhes contidos
na história, desempenhando um papel ativo na leitura. Utilizam-se dessa cultura simbólica para
lidar com situações do dia a dia. “Na perspectiva da reprodução interpretativa, o foco está no
lugar e na participação das crianças na produção e reprodução cultural” (Corsaro, 2011, p. 128).
O Lobo Mau merecia ser castigado, pois estava derrubando as casas dos porquinhos. As
crianças se divertiam com a parte da história em que ele cai dentro da chaminé e queima seu
rabo, nesse sentido, foi possível perceber que, para elas , se fizer maldade para alguém precisa
ser castigado. Essa situação nos faz refletir sobre a forma como as crianças lidam com as regras
estabelecidas no seu ambiente familiar e instituições de ensino e o que deve ou pode acontecer
com quem não cumpre essas regras.

As figuras míticas e lendas estão entrelaçadas a essas culturas. Quem nunca ouviu a
história do “Bicho Papão”? Um bicho terrível que vinha buscar as crianças, caso elas não se
comportassem. Outro aspecto da cultura simbólica presente no cotidiano das crianças são as
figuras míticas, personagens utilizados pelos adultos para, em alguns momentos, convencer as
crianças a realizar o que lhes é solicitado. Após se apropriarem desse comportamento, as
crianças também passam a utilizar esses personagens para conseguir vantagens sobre os outros
colegas por meio das frases como “se for lá fora a bruxa vai te pegar”, “cuidado com o lobo”,
“esconde, aqui o lobo não vem”, entre outras tão presentes na relação adulto-criança. De acordo
com Corsaro (2011, p. 138), “Uma boa parte da cultura simbólica que as crianças trazem com
elas quando entram na vida comum com pares é retirada de mitos e lendas culturais”.

Às vezes as crianças ouviam a lenda de uma bruxa que, embora contada de forma muito
divertida, trazia medo para algumas delas. Observei que algumas elas utilizam a personagem
para ter domínio de algumas situações em relação aos colegas com frases do tipo “me dá, poque
a buxa vai te pega” – utilizando-se do temor do colega em relação a bruxa para conseguir um
determinado brinquedo (Diário de campo, 09/05/2022).

As crianças mais velhas da turma não tinham medo da bruxa porque pareciam ter
compreendido que ela é apenas uma personagem, mas para outras crianças ela era muito real e
podia aparecer a qualquer momento, principalmente, se fizessem algo contrário ao que o colega
453
pediu. Nesse sentido, Furlan, et. al. (2019) nos traz que o potencial particular da criança em
compreender o mundo amplia a apropriação e reprodução da cultura, a compreensão de
diferentes fenômenos e relações sociais. As crianças também criam estratégias utilizando-se de
elementos da cultura. Estratégias que, observei durante os momentos em que estive no campo,
serviram como amparo e acolhimento de quem estava iniciando na creche no contexto de
pandemia.

Na turma tinha uma criança que chorava bastante, era a primeira vez que estava tendo
contato com o mundo externo à sua família após a pandemia. Uma colega percebe que o seu
parceiro de turma chora, então se aproxima e lhe dá um abraço, o pequeno retribui o carinho
abraçando-a, também. Ela fala para ele “o colona não vai te pega, tá”! – O corona não vai te
pegar, tá!, referindo-se ao Coronavírus. Após o abraço a criança parou de chorar (Diário de
campo, 27/04/2022).

O “bichinho colona vílus” como era pronunciado pelas crianças se tornou um assunto
popular, algo assustador que “deixava dodói”. Entendemos, com base nas ações das crianças,
que elas tiveram acesso a muitas informações sobre o momento que estavam vivendo, e a partir
dessas informações recebidas da cultura adulta criavam estratégias de autoproteção e proteção
com o outro. Sarmento (2004) nos traz que, por meio da fantasia-do-real, as crianças dão
sentido às coisas e às ações do mundo real e as utilizam como uma maneira de resistir as
circunstâncias difíceis que costumam vivenciar, recriando e transformando as situações
vivenciadas.

Considerações finais

As culturas infantis são apreendidas, reelaboradas e compartilhadas pelas crianças


geralmente, culturas que fizeram parte da infância dos seus familiares, professores e outros
adultos, e agora são reproduzidas, ganhando novos significados de acordo com os espaços
sociais e culturais em que as crianças estão inseridas.

A cultura simbólica da infância é algo presente nas rotinas culturais das crianças sendo
constituída por símbolos de diferentes crenças, preocupações e valores que elas adquirem
primeiramente no ambiente familiar, e mais tarde num contexto social mais amplo, sendo as
instituições de educação infantil espaços mais comuns para a disseminação dessas culturas.

454
As crianças fazem uso desses aspectos simbólicos para lidar com suas frustrações,
medos, ansiedade, compreender modelos de comportamentos sociais e ampliar seu
conhecimento sobre o mundo que as cerca.

A mídia tem grande influência sobre as culturas infantis. As crianças acabam expostas
desde muito pequenas a conteúdos inadequados sem que, muitas vezes os pais tenham controle
do que seus filhos estão assistindo, Para Corsaro (2011), sabe-se muito pouco sobre a forma
com que os familiares tratam o uso da televisão e outros meios de comunicação com seus filhos.

No espaço onde foi desenvolvida a pesquisa foi possível observar que as crianças fazem
uso de diferentes artefatos da cultura simbólica. Os desenhos e filmes infantis refletem
comportamentos que no cotidiano as crianças buscam reproduzir e dar novos significados com
seus grupos de pares e adultos. Através das histórias elas lidam com perdas, medos e
frustrações. Os contos de fada se fazem presente nas brincadeiras e interações entre os grupos
pares, momentos em que as crianças incorporam seus personagens preferidos e os utilizam para
demostrar força e coragem ao enfrentar medos e desafios.

Os aparelhos eletrônicos como notebook e celulares ganharam mais espaço nos


planejamentos das professoras onde a pesquisa foi realizada, principalmente após a pandemia,
e foram aderidos pelas crianças. Foi possível perceber a facilidade que elas possuem para lidar
com esses instrumentos eletrônicos, bem como os conhecimentos sobre suas funcionalidades.

Referências

BARBOSA, M.C. S. A ética na pesquisa etnográfica com crianças: primeiras problematizações.


Práxis Educativa. Ponta Grossa. n. 1. v. 9. p. 235-245. jan./jun. 2014.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: edição 70, 2011.

CORSARO, W.A. Reprodução interpretativa e culturas de pares. In: MÜLLER, CARVALHO


(Org.). Teoria e prática na pesquisa com crianças: diálogos com William Corsaro. São Paulo:
Cortez, 2009, p. 31-50.

CORSARO, W.A. Sociologia da Infância. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.

455
FERREIRA, M. F. Infância (n) ativa: potencialidades de participação e cidadania às crianças
na mídia digital. 2018. 258f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Estadual
Paulista. Bauru.

FRANCO, M. L.P.B. Análise de Conteúdo. 3. ed. Brasília: Liber Livro Editora, 2008.

FURLAN. S.A. et. al. Culturas infantis: a reinteração e as concepções de tempo na Educação
Infantil. Revista Zero-a-seis. s.l. n. 39. v. 21. p. 81-98. Jan/jun. 2019.

SARMENTO, M.J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. s.l, 2004.


Disponível em:
http://peadrecuperacao.pbworks.com/w/file/fetch/104617678/Texto%20Aula%2011%20-
%20Sarmento.pdf. Acesso em: 10 de agost. de 2023.

456
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CEAM/AHS DE MATO
GROSSO DO SUL: UMA REALIDADE DE FORMAÇÃO PANDÊMICA

Eliane de Fátima Alves de Morais Fraulob (Bolsista Capes/PPGE/ UCDB)


efraulob@gmail.com

Marta Regina Brostolin (PPGE/UCDB)


brosto@ucdb.br

Resumo: O presente artigo é resultado dos estudos realizados durante a disciplina de Formação
de professores, Prática Docente e Profissionalização do Programa de Pós-Graduação em
Educação - Mestrado e Doutorado (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). A
disciplina teve como objetivo refletir sobre o processo histórico da formação e
profissionalização docente, discutir a formação inicial e continuada e o trabalho docente na
contemporaneidade, problematizando questões relacionadas às tecnologias nos diferentes
espaços educativos. O artigo terá como base os textos referentes a formação inicial e continuada
e o trabalho do professor na contemporaneidade. Dentro de uma abordagem qualitativa o
estudo é bibliográfico e como empiria utilizamos uma experiência de trabalho de formação
continuada de professores realizada pelo Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para
Altas Habilidades/Superdotação do Mato Grosso do Sul. Conclui-se que a formação
proporcionou aos professores um espaço para discutir suas concepções teóricas e práticas,
revisar seus conceitos sobre o tema e sobre a constituição do estudante com altas habilidades
ou superdotação, bem como alinhar o trabalho corroborativo com o CEAM/AHS.

Palavras-chave: Formação de Professores; Altas Habilidades ou Superdotação; Educação


Especial.

INTRODUÇÃO

A formação é um caminho de múltiplas possibilidades que permite aos indivíduos que


o transitam desenvolver-se e criar relações que as levam a compreender seus próprios
conhecimentos e os dos outros, além de relacionar tudo isso com suas trajetórias de experiências
pessoais. Assim, a formação docente acompanha profissionais da educação que atuam em todas
as suas dimensões individuais e coletivas em caráter histórico, biopsicossocial, político e
cultural, próprios de seres integrais e autores de sua própria formação. De acordo com Amador
(2019, p.157):

457
Se constituir como professor é um processo permanente que envolve um conjunto de
experiências do qual esse profissional passa durante sua vida. Os saberes construídos
nestas experiências vividas ao longo do tempo vão se reformulando e se reinventando
como uma atividade natural, o que faz com que os professores desejem qualificar-se
para melhorar suas práticas. Com vistas a essa perspectiva, os docentes vão em busca
de formação continuada, pois muitos não querem parar no tempo, precisam manter-
se em eternas aprendizagens para transformar e inovar seu trabalho. Esse processo de
busca, para alguns professores, se manifesta mais rapidamente do que em outros.

Foi ministrado um curso com o objetivo de oferecer formação continuada aos


professores da educação especial da Rede Estadual de Ensino das salas de recursos
multifuncionais para atuarem no reconhecimento, identificação e atendimento educacional
especializado (AEE) dos estudantes com altas habilidades ou superdotação, considerando que
estes professores receberam um aumento expressivo em matrículas para o AEE em suas salas
de recursos multifuncionais. O que trouxe uma inquietação sobre qual seria o seu papel e seu
trabalho a ser desenvolvido com esses estudantes dentro das salas de recursos.
Os estudos sobre a superdotação, mostram que há muitas crenças e conceitos
equivocados sobre o tema e a constituição do estudante com altas habilidades ou superdotação
(AH/SD). Muitos desses conceitos partem do pressuposto de que o estudante é autossuficiente
e capaz de se desenvolver e desenvolver seus estudos, talentos e habilidades sozinho, sem o
apoio educacional especializado, o qual tem direito assegurado por lei.
Com a disseminação de informações em mídias sociais e sites oficiais a respeito do
trabalho desenvolvido pela Secretaria de Estado de Educação (SED) por intermédio do Centro
Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS),
houve uma crescente demanda de solicitações para avaliação e acompanhamento pedagógico
pelo Centro às unidades escolares e formações continuadas aos professores. Assim, a formação
continuada contribui para a desmistificação das crenças e conceitos historicamente
solidificados que embargam os princípios filosóficos da educação inclusiva de garantia do
desenvolvimento das habilidades, interesses e potencialidades dos estudantes, no respeito de
suas necessidades específicas.
A opção pelo curso em formato de Educação à Distância (EAD) ocorreu mediante às
condições pandêmicas da COVID-19. Essa modalidade facilita o acesso e participação do
corpo docente em tempos em que a gestão escolar foi subsidiada pelos decretos e normativas
legais de estados e municípios que estabeleceram a suspensão das atividades escolares
presenciais como medida de urgência e, por conseguinte, adoção dos meios digitais para fins

458
educativos. A formação foi ministrada aos treze (13) professores das salas de recursos
multifuncionais das cidades do interior do estado de Mato Grosso do Sul que atendem
estudantes com AH/SD no AEE.

O Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas


Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS) e a Formação Continuada

O percurso histórico do CEAM/AHS teve início com a implantação do programa dos


Núcleos de Atividades para Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) no Brasil no ano de
2005. Com esse marco, inicia-se no Brasil um novo direcionamento para a educação dos
estudantes com AH/SD, com a tentativa de superar a história de descontinuidade dos
atendimentos e projetos para atender esse público alvo da educação especial. O estado de Mato
Grosso do Sul aderiu ao programa e implantou o NAAH/S em 2006. A partir desta data buscou-
se a melhoria em atender de forma qualitativa e quantitativa esses estudantes até meados de
2017. Em 24 de julho de 2017 foi criado por meio do Decreto n. 14.786, o CEAM/AHS, que
reorganiza o Núcleo de Atividades de Altas Habilidades /Superdotação.

Em julho de 2017, através do Decreto n. 14.786, foi criado o Centro Estadual de


Atendimento Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS), o
NAAH/S deixa de ser um Núcleo e passa a ser um Centro, vinculado pedagógico e
administrativamente à Coordenadoria de Políticas para a Educação especial
(COPESP). Esta forma de estrutura administrativa proporciona a gestão de Núcleos
em municípios no interior do estado de Mato Grosso do Sul (Mato Grosso do Sul,
2017).

Esta nova nomenclatura potencializou a demanda de atendimentos e avaliações de


estudantes com indicadores de AH/SD direcionados ao Centro. Desse período até a presente
data houve um crescimento expressivo de estudantes identificados com AH/SD, como também
no AEE, com impacto direto na formação de professores da educação especial com
conhecimentos específicos para atender essa demanda. Nesse cenário, a criação do Centro
promoveu a melhoria no espaço físico ampliado, maximizou a demanda de estudantes atendidos
com a contratação de profissionais especializados e a oferta de atendimento em áreas
específicas do conhecimento, cumprindo com a busca de melhoria na qualidade de atendimento
prestados a esses estudantes e suas famílias.
O Centro oferece o AEE com a função de suplementar o currículo com a
disponibilização de atividades de enriquecimento curricular com o intuito de ampliar as
459
oportunidades de desenvolvimento das potencialidades dos estudantes com AH/SD em
contraturno ao ensino comum. Assim, surgiu a necessidade de ofertar um curso de formação
continuada aos professores que emergiram com a crescente demanda de estudantes com AH/SD
para atendimento em salas de recursos multifuncionais.
Em 2005, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação (SEESP/MEC),
com o objetivo de apoiar os sistemas de ensino lançou o programa da sala de recursos com o
objetivo de ofertar o AEE de forma complementar ou suplementar à escolarização do estudante
público-alvo da educação especial com serviços de apoio à inclusão definidos:

Sala de recursos: serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor


especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os
demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns [...]. Esse
serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equipamentos e recursos
pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos, podendo
estender-se a alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento.
Pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que
apresentem necessidades educacionais especiais semelhantes, em horário diferente
daquele em que frequentam a classe comum [...] (Brasil, 2001, p.50).

O principal objetivo da sala de recursos é a inclusão do estudante com AH/SD no ensino


comum. A oferta desse serviço depende principalmente de como será implantado e
implementado na unidade escolar, considerando suas condições de funcionamento e
atendimento realizado pela escola quanto pelo professor da educação especial.
Sendo assim, os docentes das salas de recursos multifuncionais do interior do estado
evidenciaram inquietação em receber os estudantes que foram inseridos em suas salas de
recursos, considerando que eles alegam que não possuem formação específica para o
atendimento desses estudantes.
A deliberação CEE/MS n. 11.883/2019, Art. 73, para o Atendimento Educacional
Especializado AEE – preconiza que:

O professor especializado em educação especial deverá ter sua formação mínima


em curso de graduação, licenciatura, com pós-graduação em educação especial de
caráter generalista ou em uma de suas áreas e ou cursos de licenciatura em educação
especial (Mato Grosso do Sul, 2019, p.14).

A deliberação prevê em seu artigo que, para atuar nas salas de recursos, o professor
poderá ter formação generalista, sendo assim, sem uma formação específica, o que gera um
hiato na formação desses professores entre a formação inicial e a oferta de formação continuada.

460
Nesta direção, Ilha e Hypólito (2014, p.107) nos apontam que “[...] os professores
podem vivenciar uma regulação sobre o seu trabalho ou uma falta de clareza e fundamentação
metodológica, geralmente ambas, durante o processo de trabalho docente”. O que torna mais
evidente que a discussão sobre o tema é pouco debatida nas nossas universidades, mas também
a falta de oferta de cursos na área faz com que o trabalho com estudantes com AH/SD torne-se
um verdadeiro desafio para os docentes.
Como nos afirma Alencar (2007, p. 15):

No Brasil, superdotação é ainda vista como um fenômeno raro e prova disso é o


espanto e curiosidade diante de uma criança ou adolescente que tenha sido
diagnosticado como superdotado. Observa-se que muitas são as ideias errôneas a seu
respeito presentes no pensamento popular. Ignorância, preconceito e tradição mantêm
viva uma série de ideias que interferem e dificultam uma educação que promova um
melhor desenvolvimento do aluno com altas habilidades.

Consoante à maciça demanda de estudantes a serem atendidos e professores da educação


especial que não possuem formação específica na área, é nítido que ainda persiste a
desinformação sobre o tema e sobre a constituição do estudante com AH/SD. Que segundo
Pérez e Freitas (2011, p. 111):

A invisibilidade dos alunos com AH/SD está estreitamente vinculada à


desinformação sobre o tema e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta
de formação acadêmica e docente e à representação cultural das Pessoas com Altas
Habilidades/Superdotação (PAH/SD).

No ano de 2020, quando ocorreu a formação continuada aos professores da educação


especial, o CEAM/AHS atendia aproximadamente duzentos e dezessete (217) estudantes
conforme dados de matrículas registradas no Centro, sendo que desses, cinquenta e seis (56)
estudantes eram atendidos pelos professores da sala de recursos multifuncionais do interior do
estado em vinte e dois (22) municípios, o que demonstra a consistente demanda de estudantes
com AH/SD identificados pela equipe pedagógica do Centro.
Dessa forma, a formação compactua com as metas elencadas pelo Plano Estadual de
Educação de Mato Grosso do Sul (2014-2024):

4.4 assegurar a formação continuada de professores (as), por meio de projetos de


extensão e de pós-graduação, do AEE e do ensino comum, e de funcionários (as)
administrativos (as) e gestores (as), nas escolas urbanas, do campo, bilíngues, povos
das águas, populações fronteiriças, comunidades indígenas e quilombolas, a partir da
vigência deste PEE (Mato Grosso do Sul, 2014, p. 37).

461
Destarte, também o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei
n.13.005/2014, prevê em sua meta 4 a formação continuada de professores e a implementar as
salas de recursos multifuncionais propondo:

Garantir atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais,


classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados, nas formas
complementar e suplementar, a todos (as) alunos (as) com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, matriculados na rede
pública de educação básica [...] (Brasil, 2014).

Com vistas a atender a meta prevista no Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do
Sul, no Plano Nacional de Educação e a demanda de formação na área das altas habilidades ou
superdotação para os profissionais que atuam na Rede Estadual de Ensino, foi oferecida uma
formação de oitenta (80) horas em formato da Educação à Distância (EAD), frente a pandemia
COVID-19. Sobre a EAD, concorda-se com Barreto, Guimarães, Magalhães e Leher (2006, p.
36):

Educação a distância, a mais recorrente das expressões, refere-se à EAD para a


formação continuada de professores para os mais diversos níveis, da educação básica
ao ensino superior, sendo defendida como: alternativa metodológica; garantia de
formação com qualidade; formação em serviço que visa à articulação teoria-prática; e
formação cooperativa.

Assim, a proposta pauta-se em oferecer subsídios teóricos e práticos para o atendimento


das necessidades educacionais dos estudantes com AH/SD garantindo sua inclusão no contexto
escolar, bem como na qualificação dos professores da educação especial para a identificação de
novos estudantes, atendimento, conseguinte esclarecendo dúvidas e desmistificando ideias
preconcebidas. A equipe pedagógica do CEAM/AHS tem como objetivo subsidiar a
comunidade escolar acerca do processo de ensino aprendizagem do estudante com AH/SD, bem
como realizar o acompanhamento da escolarização do AH/SD, ações essas que permeiam o
trabalho pedagógico do professor da educação especial junto ao estudante.
O conceito de altas habilidades ou superdotação adotado pelo Centro tem como
referencial teórico metodológico a Teoria dos Três Anéis de Joseph Renzulli (1988) e a Teoria
das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (1994). As políticas públicas estaduais para o
atendimento do estudante com AH/SD estão assentadas, além da referência teórica, na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9394/96, no Decreto Federal n.
7611/2011 e na Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) n. 04/2009, e essas

462
normas definem que o estudante com altas habilidades ou superdotação é aquele que apresenta
“[…] um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,
isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (Brasil, 2009).
O acompanhamento realizado pela Equipe Pedagógica constatou a eminente demanda
de formação com essa temática para os professores que atuam diretamente nas salas de recursos
multifuncionais. Concordante a isso, a formação continuada foi constituída para que ocorresse
nesse momento emergencial da COVID-19, mas que tivesse um perfil de continuidade para o
acompanhamento e assessoria permanente junto aos professores, não caracterizando-se
conforme nos adverte Araújo, Brzezinski e Sá (2020, p.3) “formação aligeirada dos professores,
voltada para atender os interesses do mercado de trabalho e da reprodução do capital”.
A inclusão desse estudante depende, em primeiro lugar, do conhecimento básico do
professor em reconhecer e identificá-lo e desenvolver metodologias e estratégias educacionais
que garantam a suplementação curricular nas áreas de interesse ou habilidade dentro do AEE
que conforme Alencar e Fleith (2006, p.09): “[...] o reconhecimento de que as necessidades do
superdotado, a serem levadas em conta nas propostas educacionais, passam pelas áreas
cognitiva, acadêmica, afetiva e social [...]”.
Assim, faz-se necessária uma formação que contemple as ações pedagógicas do
professor com vistas ao atendimento específico do estudante, de forma a garantir a integração
do ensino comum com o especializado. Consequentemente, ao não colidir nas crenças de que o
estudante apresenta comportamentos de AH/SD quando está no atendimento educacional
especializado e no ensino comum ele perca esta condição o que nos retrata Virgolim, (2007, p.
18) "[...] “ser superdotada” apenas no atendimento especializado”.
O estudante superdotado convive com as mazelas impostas pelas ideias e mitos
constituídos sobre si, que refletem diretamente em seu sucesso escolar no AEE e no ensino
comum. Esse é um dos maiores desafios dos professores do AEE, fazer com que a escola
reconheça e identifique o potencial do estudante AH/SD. Que a escola seja um espaço
democrático, que promova a inclusão, oportunidade de permanência e acesso do estudante
AH/SD aos níveis mais elevados do ensino. A escola, também, deve reconhecer que o estudante
com AH/SD é público-alvo da educação especial, e que a ele são concedidas as mesmas
oportunidades de direito ao atendimento do estudante AH/SD contrastado com os demais
públicos da educação especial que segundo Cabral (2014, p.29):

463
[...] o direito e a igualdade na educação, em relação às Altas Habilidades, caminham
no Brasil fora de um contexto ideal, uma vez que ainda se observa que muitos deles
se encontram na invisibilidade demonstradas pelos CENSOS de Pesquisas
Educacionais, que apontam para uma baixa quantidade numérica de pessoas dispostas
nesta categoria, contrariando assim o que dispões a OMS, onde está afirma que 3% a
5 % da população mundial possuem Altas Habilidades/Superdotação.

Desta forma, o professor da sala de recursos multifuncionais desempenha um papel


indispensável como nos afirma Moretti e Corrêa (2009, p. 487) “pois visa oferecer o apoio
educacional complementar necessário para que o aluno se desempenhe e permaneça na classe
comum, com sucesso escolar”.
Para ocorrer a inclusão efetiva com o sucesso escolar é primordial que o professor da
educação especial esteja preparado para receber o estudante e ter ciência sobre seu trabalho
pedagógico dentro e fora da sala de recursos, compreendendo que a inclusão escolar perpassa
primeiramente no seu atendimento, como afirmam Lima e Moreira (2018, p.275) “para que esta
relevância ocorra, é preciso que, em sua formação, o professor seja preparado para identificar
as características de superdotação e, desta forma, elaborar estratégias pedagógicas que atendam
às necessidades de aprendizagem desses alunos”.

A formação continuada teve como basilar oferecer conhecimentos pedagógicos com


estratégias específicas de identificação, atendimento, intervenção, conhecimento na área
específica a fim de assegurar a inserção do estudante no âmbito escolar e contribuir com o
trabalho colaborativo entre o professor da educação especial, do ensino comum e dos
profissionais do CEAM/AHS.

Formação Continuada em Altas Habilidades ou Superdotação Para Professores da Rede


Estadual de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul

A formação continuada ocorreu em formato da Educação à Distância (EAD) devido às


condições pandêmicas da COVID-19. A medida foi tomada pelo Governo do Estado de Mato
Grosso do Sul para prevenção de contágio em meio à pandemia do Novo Coronavírus –
COVID-19, tendo como parâmetro a construção de uma ponte entre teoria e prática docente
que segundo Felicio e Silva (2017, p.151) aponta como necessária:

[...] modelo de formação profissional, caracterizado pelas articulações que se


estabelecem, no seu interior entre os saberes teóricos e os saberes práticos, necessários
à atividade docente e ao desenvolvimento profissional, cuja construção deve ser o
objetivo de qualquer programa de formação.
464
Nesta direção, a formação em EAD proporcionou maior adesão dos professores no curso
que conforme Barreto, Guimarães, Magalhães e Leher (2006, p 36): “[...] tendem a sugerir uma
espécie de facilitação dos processos formativos”.
A formação foi ministrada para treze (13) professores das salas de recursos
multifuncionais das cidades do interior do estado do AEE aos estudantes com AH/SD. Os
professores foram orientados e acompanhados por tutores durante os quatro módulos da
formação para realização das atividades e fóruns. O curso teve como objetivo formar
professores para atuarem na Educação Especial da Rede Estadual de Ensino nas salas de
recursos multifuncionais para o reconhecimento, identificação e atendimento educacional
especializado dos estudantes com AH/SD. Dessa forma, possibilitou a garantia do direito dos
estudantes com AH/SD de serem reconhecidos, identificados e atendidos em suas necessidades
educacionais, oportunizando sua inclusão no contexto escolar e corroborando com o
desenvolvimento de suas potencialidades. A formação tinha por objetivos:
a) contribuir para o aprimoramento dos professores que atuam na Educação Especial na
Rede Estadual de Ensino para AEE de estudantes com AH/SD;
b) reconhecer e identificar o estudante com AH/SD e compreender o processo de
construção do seu conhecimento;
c) promover a inclusão do estudante em todo processo educativo por meio do trabalho
colaborativo entre professor do AEE e do ensino comum.
A estratégia de desenvolvimento (metodologia) foi:
O curso foi oferecido na modalidade Educação à Distância, dividida em quatro (04)
módulos com carga horária de vinte (20) horas cada módulo, no total de oitenta (80) horas a
seguir: Módulo I: Políticas públicas para Educação Especial Inclusiva e Histórico de
Atendimento a Altas Habilidades ou Superdotação; Módulo II: Altas Habilidades ou
Superdotação: Conceitos, Características e Mitos; Módulo III: Processos de identificação; e
Módulo IV: Atendimento Educacional Especializado.
Os módulos foram organizados tendo como base as dúvidas e inquietações elencadas
pelos professores, durante as orientações realizadas pela Equipe Pedagógica do CEAM/AHS.
Em cada módulo foram utilizados como recursos tecnológicos e pedagógicos: videoaulas,
textos teóricos, fóruns, palestras, painel, filmes, diário de bordo, plantão de dúvidas e atividades
avaliativas.

465
A formação contou com tutores do ambiente virtual que atuaram para: dar suporte para
o professor em questões de acesso, ambientação e uso do ambiente virtual; avaliar
criteriosamente a produção e participação do professor em ambiente virtual; dirimir dúvidas,
sugerir textos, vídeos e outros materiais capazes de promover o melhor aproveitamento do
cursista em relação aos temas abordados ao longo da formação; e estimular os cursistas a
participar das atividades propostas em ambiente virtual.
Optou-se como ferramenta avaliativa das atividades propostas por módulo um relatório
final ou relato de experiência para obtenção do certificado do curso. A avaliação das atividades
realizadas pelos professores teve como critérios: domínio dos assuntos abordados nos módulos
com base no material disponível; demonstrar entendimento sobre o tema, articulando os
conhecimentos adquiridos na formação, contextualizando com a realidade; a utilização de
informações e argumentos, e domínio dos mecanismos linguísticos envolvidos na escrita,
principalmente os que envolvem a coesão e a coerência textual.
Nos fóruns os critérios de avaliação de participação em cada módulo com a realização
de no mínimo duas postagens que agreguem e contribuam com os temas propostos. A atividade
final do curso compôs um relatório final ou relato de experiência, em que o cursista deveria
relatar um fato de sua prática que tenha como pauta a questão das altas habilidades ou
superdotação direta ou indiretamente. Para receber a certificação referente ao curso,
estabeleceu-se que o professor deveria participar de, no mínimo, 75% das atividades propostas
nos fóruns e no ambiente virtual de forma a cumprir 100% das atividades propostas no ambiente
virtual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação continuada aos docentes das salas de recursos multifuncionais pautou-se na


qualificação do trabalho pedagógico em discutir o processo de ensino aprendizagem, bem como
a organização do trabalho pedagógico em sala de aula, com o objetivo de sistematizar a
construção de uma prática pedagógica que ofereça oportunidades de aprendizagem conforme
as habilidades, interesses, estilos e ritmos de aprendizagem e potencialidades de cada estudante.
Nesse devir é fundamental que se tenha uma política de formação continuada aos professores
da educação especial, na qual possibilite discutir suas concepções teóricas e práticas, evitando
ideias equivocadas sobre o tema e sobre a constituição do estudante com AH/SD.
466
Os professores participaram efetivamente da formação com conclusão exitosa na
entrega total de atividades previstas em cada módulo e com a certificação de todos participantes.
Os relatórios finais e os relatos de experiências propiciaram uma visão ampla sobre o trabalho
do professor no AEE e na identificação do perfil acadêmico e artístico dos estudantes com
AH/SD, o que contribuiu para implementação de novas ações nas unidades escolares do interior
do estado de Mato Grosso do Sul.
A formação foi o prelúdio do assessoramento prestado pelo Centro às unidades escolares
que atendem estudantes com AH/SD. A partir desse evento foi construído um cronograma de
formações periódicas para acompanhamento do trabalho do professor.
Durante a formação continuada os professores apresentaram suas inquietações sobre o
tema e a ânsia em adquirir conhecimentos necessários para o seu trabalho. O curso
proporcionou momentos de discussões, debates e até de uma escuta afetiva por parte do grupo,
o que gerou um clima de solidariedade e respeito.
Foi perceptível a melhoria na qualidade do AEE do estudante nas salas de recursos
multifuncionais pelos professores, e também, a participação efetiva desse estudante no
atendimento. A formação proporcionou ao professor sentimento de pertencimento ao
CEAM/AHS e ao grupo de profissionais que atendem estudantes com AH/SD, ocasionando na
participação efetiva dos professores da educação especial e estudantes nos eventos realizados
pelo Centro, com a consolidação em exposições, espetáculos, sarau, olimpíadas, feiras técnicas,
tecnológicas e científicas, resultando em várias premiações dos estudantes do interior do estado
de Mato Grosso do Sul. As trocas de experiências, os estudos entre os professores das salas de
recursos e os do CEAM/AHS, a busca de orientação, articulação e alinhamento do trabalho com
a equipe do Centro contribuíram sobremaneira não só para o AEE, assim como para o
crescimento profissional dos envolvidos. Essa sinergia criou laços de respeito mútuo e
reconhecimento da importância do trabalho corroborativo.

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INFANTIL NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEIs) DO MUNICÍPIO DE
BONITO, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (MS) EM TEMPOS DA
PANDEMIA DO COVID19

Marcia Pires dos Santos (PPGE/UCDB)


profmarciapires@hotmail.com

Heitor Queiroz de Medeiros (PPGE/UCDB)


heitor.medeiros@ucdb.br

Resumo: O presente artigo trata-se da proposta de pesquisa ligada ao curso de doutorado em


educação que se encontra em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE)
da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) vinculado a linha de pesquisa ‘Diversidade
Cultural e Educação Indígena’ e tem como objetivo geral analisar o processo de
inclusão/exclusão da criança com deficiência na educação infantil em tempos da pandemia do
COVID 19 no Centro de educação infantil Laura Vicunã e Centro de Educação Infantil
Hermínia Teixeira Siqueira no município de Bonito, Mato Grosso do Sul. Foi realizado um
levantamento bibliográfico do tema estudado, dos fundamentos legais da inclusão na educação
infantil, artigos publicados no período de 2020 a 2021, além de uma pesquisa documental dos
CEIs e da Secretaria de Educação e Cultura para análise do seu Regimento Escolar, Proposta
Pedagógica, Currículo e práticas pedagógicas no período da pandemia. Também vem sendo
realizado gravação de entrevistas a partir de um roteiro semiestruturado. Essas entrevistas estão
sendo realizadas com gestores, docentes e famílias das crianças com deficiências, além de um
registro das atividades encaminhadas e conversas nos grupos via whatsApp com a finalidade
de contribuir com o entendimento da pesquisa realizada.

Palavras-chave: Inclusão/exclusão. Educação infantil. Pandemia do COVID 19.

INTRODUÇÃO

Esse artigo faz parte da pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós Graduação


em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), vinculada ao Grupo de
Pesquisa ‘Diversidade Cultural Educação Ambiental e Arte’ e a Linha de Pesquisa ‘Diversidade
Cultural e Educação Indígena’ e que tem como objetivo Analisar o processo de
inclusão/exclusão da criança com deficiência na educação infantil em tempos de pandemia no
Centro de educação infantil Laura Vicunã e Centro de Educação Infantil Hermínia Teixeira
Siqueira no município de Bonito, estado de Mato Grosso do Sul (MS)” , bem como junto aos

470
gestores, docentes e famílias, como aconteceu o processo de inclusão/exclusão das crianças
com deficiência no período de 2020 a 2021.
Especificamente propõe: a) Contextualizar as políticas públicas de inclusão para as
crianças com deficiências nas esferas Federal, Estadual e do Município de Bonito (MS);b)
Investigar as experiências na formação acadêmica e prática de trabalho de gestores,
professores(as), inclusive professores(as) de apoio dos (CEIs) de Bonito (MS), enfocando as
contradições, desafios e perspectivas da inclusão pelo fato das crianças não terem frequentando
presencialmente os CEIs no momento de pandemia; c) Entender o que a pandemia do COVID
19 trouxe de novo na educação infantil nos CEIs de Bonito (MS) bem como os impactos das
atividades online encaminhadas pelos professores(as) por meio do grupo no WhatsApp para
contemplar o atendimento emergencial; d) Analisar como as famílias das crianças com
deficiências lidaram com o fato de seus filhos(as) não terem frequentado presencialmente os
CEIs no momento da pandemia, inclusive sendo obrigados a assumir a responsabilidade de
orientar as crianças a realizarem as atividades pedagógicas que foram encaminhadas pelos
professores(as) através do grupo no WhatsApp
Dessa forma, foi necessário buscar caminhos e percorrer diversos trajetos. Percursos e
trajetos “que têm como base um conteúdo, uma perspectiva ou uma teoria” (Meyer; Paraíso,
2012, p. 15).
Na busca pela inclusão/ exclusão da criança com deficiência em tempos de pandemia, a
metodologia dessa pesquisa apresenta abordagem qualitativa, o que possibilita favorecer uma
maior diversidade de informações para análise (MINAYO, 2012). Caracteriza-se como pós-
crítica e se mostra mais adequada, pois nas pesquisas pós-críticas, “[...] o sujeito é um efeito
das linguagens [...]” (Paraíso, 2014, p. 31) por possibilitar a escuta dos sujeitos, perceber seus
anseios e angústias. Em nosso caso, nos permitiu discutir o outro diferente que são as crianças
com deficiência e as relações de poder que permeiam seus direitos de inclusão e uma educação
que trabalhe todas suas potencialidades para seu desenvolvimento cognitivo
A pesquisa em andamento foi caracterizada como qualitativa e bibliográfica em busca
de compreender os fenômenos, o contexto onde ocorrem e a partir do ponto de vista dos
interlocutores, pois é produzida de impressões e subjetividade interpretativa a partir da memória
afetiva (Godoy, 1995). O estudo foi ancorado no método da entrevista, pois é utilizada para
“[...] recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador

471
desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos
do mundo” (Bogdan e Biklen,1994, p.134).
Portanto, no processo de realização da pesquisa foi realizado um levantamento
bibliográfico do tema estudado, dos fundamentos legais da inclusão, além de uma pesquisa
documental dos dois Centros de Educação Infantil, para análise do seu Regimento Escolar,
Proposta Pedagógica, Currículo e práticas pedagógicas realizadas no período da pandemia. A
pesquisa bibliográfica se faz necessária uma vez que sentimos que existe uma necessidade
premente de aproximação com os teóricos da decolonialidade.

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado,


constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase
todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há
pesquisas desenvolvidas exclusivamente de fontes bibliográficas. Boa parte
dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As
pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõe a análise das
diversas posições acerca de um problema, também costumam ser
desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas. (GIL
2009, p. 44)

Também para produção dos dados estamos realizando conversas informais com a
diretora do departamento de inclusão da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC)
do município de Bonito -MS, além das gravações de entrevistas a partir de um roteiro
semiestruturado. Essas entrevistas estão sendo realizadas com gestores e docentes e famílias
das crianças com deficiências matriculadas nos CEIs pesquisados. Realizamos também um
registro das atividades encaminhadas e conversas nos grupos via whattsApple com a finalidade
de contribuir com o entendimento da pesquisa realizada.

A PROBLEMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA


A pesquisa busca responder uma pergunta de estrema relevância para a comunidade
dos CEIs no município de Bonito no estado de Mato Grosso do Sul, ou seja: Como aconteceu
o processo de inclusão/ exclusão da criança com deficiência em tempos de pandemia no Centro
de educação infantil Laura Vicunã e Centro de Educação Infantil Hermínia Teixeira Siqueira
no município de Bonito, estado de Mato Grosso do Sul (MS) ?
A pesquisa se deu em dois Centros de Educação Infantil do Município de Bonito/MS
que apresenta uma área de 5,373,016 Km2, localizada na região da Serra da Bodoquena, região

472
Sul do Centro-Oeste e dista 297 quilômetros da capital Campo Grande/MS. Estes CEIs
oferecem atendimento integral as crianças de 0 a 3 anos em creches (Berçário e Maternal) e
atendimento parcial na pré-escola de 4 a 5 anos, além de atender crianças inclusas.
Os locais da pesquisa estão localizados na vila Donaria e bairro Marambáia, sendo a
primeira, região central do município de Bonito/MS e a segunda, um bairro popular periférico
da cidade. As famílias que vivem na vila Donária região central são consideradas de classe
média, são pessoas que atuam no turismo ou como proprietários de agências, ou como guias,
além de professores e funcionários públicos. Nesse bairro as pessoas com menos poder
aquisitivo trabalham como recepcionistas de hotéis ou atendentes de mercados. Essa
caracterização da população que vive no entorno dos CEIs onde a pesquisa foi desenvolvida é
necessária a fim de mostrar que os pais são pessoas esclarecidas, em sua maioria tendo nível
superior, portanto conhecem os direitos de seus filhos inclusos.
As famílias que vivem no bairro Marambáia são consideradas de classe pobre população
de baixa renda e status social que necessitam de programas do governo federal como bolsa
família, cestas básicas, entre outros. Os pais são trabalhadores (as) domésticas (os), garis,
trabalhador rural, vendedores, e camareiras de hotéis. Ao contrário, os pais são menos
esclarecidos, em sua maioria não finalizaram o ensino médio, portanto, desconhecem os direitos
de seus filhos.
Os sujeitos definidos para a entrevista foram os pais de crianças com deficiência
matriculadas nos CEIs ,dois gestores, professores(as) regentes e professores(as) de apoio que
atuavam em sala de inclusão na educação infantil dos CEIs. A troca de experiência com os
professores (as) e as famílias foi algo bastante produtivo e permitiram produzir dados por meio
da entrevista corroborando para responder às muitas interrogações surgidas sobre a inclusão no
contexto pandêmico nas conversas informais com pais e familiares das crianças com
deficiência.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) estabelece que em atendimento a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Infantil, é garantido o direito a criança de frequentar os Centros de
Educação Infantil, e receber o atendimento na promoção do desenvolvimento integral, “em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, sobrepondo a visão assistencialista,
complementando a ação da família e da comunidade” priorizando o Educar e o cuidar, o Ensinar
e o Brincar, tendo como concepção de educação infantil o atendimento às crianças até 5 anos;
em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 5 anos).
473
Os Centros de Educação Infantil são mantidos pela Prefeitura Municipal de Bonito e
administrado pela (Secretaria Municipal de Educação e Cultura- SEMEC), com o CNPJ nº03.
073.673./0001-60. O CEI Laura Vicunã atende 112 crianças e o CEI Hermínia Teixeira atende
256 crianças.
As propostas do Projeto Político dos CEIs Laura Vicuña e Hermínia Teixeira
contemplam práticas pedagógicas interdisciplinares que promovam o desenvolvimento integral
das crianças que participarão ativamente de seu aprendizado e formação. A partir do dia 17 de
março de 2020, obedecendo a Portaria nº 343, o Ministério da Educação (MEC) se manifestou
sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, durante o período da
pandemia da COVID-19.
Dessa forma, diante de um contexto pandêmico surgiu a necessidade de pesquisar
professores, gestores e familías, a fim de “escutar” seus silenciamentos, sistematizar suas falas,
e dialogar com teóricos dos Estudos Culturais, teóricos do Grupo Modernidade e Colonialidade
e outros autores que se aproximam desse campo teórico, para dialogarmos sobre as práticas
pedagógicas das crianças com deficiências no período de pandemia com o recorte temporal a
partir do mês de Março de 2020 até setembro de 2021.

INCLUSÃO E PANDEMIA:
Para a realização dessa temática, utilizou-se a pesquisa bibliográfica em documentos,
parecer, artigos e livros de autores que se referem a estudos sobre criança com deficiência na
educação infantil em tempos de pandemia e darão embasamento teórico para esta pesquisa,
Diante das produções encontradas, procuramos realizar as leituras no sentido de “ler
para aprender, para fazer conexões inesperadas, para despertar nossos afetos felizes”
(PARAÍSO, 2012, p.36), provocar inquietação, mover e mobilizar um pensamento. A busca por
trabalhos foi a partir dos descritores: Educação Infantil e Estudos Culturais, Educação Infantil
e inclusão e Educação Infantil e Pandemia. Estudos como a pesquisa de Castro 2021, mostraram
a insuficiência na eficácia com que as políticas educacionais foram veladas no momento de
pandemia e apontou para problemas já existentes na educação e que com o momento com o
qual vivenciamos somente se intensificaram.
No livro Educação infantil em tempos de pandemia, ( Uzêda, Barbosa,Queiroz,2021)
em seus estudos intitulado: Inclusão na Educação Infantil: direitos assegurados ou violados no
contexto da pandemia? Constataram que durante o período de isolamento social, as professoras
474
tiveram grande dificuldade de manter o contato com as crianças e seus familiares e de obter
retorno sobre as atividades sugeridas, apontando a condição socioeconômica das famílias e a
falta de recursos de tecnologia. Em seguida, faremos uma breve discussão no sentido de
entender a contribuição da educação inclusiva nos CEIs a partir de práticas pedagógicas
inclusivas para o fortalecimento da inclusão de todas as crianças com deficiências e sem
deficiências em detrimento a exclusão.

EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A Educação infantil é o processo educativo das crianças de zero a cinco anos, primeiro
etapa da educação básica, “que ocorre em instituições que não devem se confundir com a
família, a escola ou os hospitais” ( Noal, 2006,p. 37). Nos debates atuais sobre a inclusão, a
educação infantil tem diante de si o desafio de encontrar soluções que respondam a questão do
acesso e da permanência das crianças nas suas instituições educacionais. Nas palavras de
Meyer; Paraiso,2012:

Precisamos ser pesquisadores (as) com os desafios educacionais, culturais,


sociais e políticos do nosso tempo. Um tempo que demanda de nós não apenas
a compreensão do mundo que vivemos, mas, sobretudo, a criação de instantes
de suspensão de sentidos já criados e a abertura de possibilidades de sua
ressignificação (Meyer; Paraiso,2012, p.26).

Falar de educação inclusiva em tempos de incertezas em que estamos vivendo no


mundo, tanto no âmbito educacional, como econômico e político, nos tira da zona de conforto,
para pensar no direito da criança em outros contextos que vai além de simplesmente estar
matriculada em uma instituição de educação infantil. O direito à educação e a equidade de
condições são princípios reafirmados no documento intitulado Protocolos sobre educação
inclusiva durante a pandemia da COVID-19: um sobrevoo por 23 países e organismos
internacionais:
[...] políticas públicas voltadas à educação de pessoas com deficiência durante
o período da pandemia da covid-19 precisam considerar que,
independentemente da complexidade do momento em que vivemos, a
preservação do direito à educação deve ser a premissa prioritária para a criação
de quaisquer medidas e procedimentos. Gestores públicos, diretores de escolas
e educadores têm o papel de cuidar para que os estudantes com deficiência
não sejam excluídos, desmotivados ou deixem de estudar. (INSTITUTO
RODRIGO MENDES, 2020, p. 49)

475
Enquanto docentes percebemos o centro de Educação Infantil como um lócus que
merece cada vez mais atenção, haja vista a multiplicidade de fatores que o circundam e a
heterogeneidade que o compõe a partir de variáveis sociais, regionais, linguísticas, étnicas, entre
outros, que precisam ser contempladas nas práticas educativas e sociais tecidas neste espaço,
as quais precisam ser delineadas, realizadas e efetivas de modo a garantir a defesa de seu público
na igualdade e na diferença, ou seja, em sua pluralidade.
Nesse argumento, a educação inclusiva acaba sendo banalizada, ou seja, passa a atuar
muito mais como um recurso metodológico, um suporte, do que reconhecida como um direito.
No entanto, entender que a diferença é a produção de um coletivo, que é o fruto de composições
das forças que constituem um determinado contexto sociocultural, compreender ainda que se
abrir para a diferença implica se deixar afetar pelas forças de seu tempo.
Trata - se de uma política que não consiste simplesmente em reconhecer o outro,
respeitá-lo, preocupar-se com os efeitos que nossa conduta possa ter sobre ele; ela vai mais
além, assumindo as consequências de sermos permanentemente atravessados pelo outro.
Ressalta-se que a pesquisa do doutorado em andamento é um processo que vem
buscando analisar o processo de implementação do ensino remoto com vistas à garantia do
atendimento as crianças público alvo da educação especial em tempos de pandemia. No que
tange a pessoa com deficiência no âmbito educacional, Skliar (2001) entende que a instituição
educacional inclusiva fala dos “deficientes” como sujeitos da escola regular, mas se esta escola
coloca como exigência a escolarização, o sujeito deixa de ser “deficiente” para ser como os
outros. Nesta direção, a educação inclusiva propõe uma mudança cultural, nos convida a
compreender e acolher as múltiplas formas de ser um estudante. Torna-se uma revolução de
costumes, uma revolução de compreender que as pessoas são diferentes, e a diferença não
implica em algo negativo, mas ao contrário nos ensina todos os dias a ter respeito, tolerância,
delicadeza e amor ao próximo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A pesquisa se encontra em fase de análise de dados e embasadas na Pedagogia da
Diferença bem como nos teóricos do Grupo Modernidade/Colonialidade, que criticam os
modelos hegemônicos de conhecimento da modernidade impondo regras a fim de
homogeneizar as pessoas e subalternizar identidades como inferiores. Diante desse cenário, os

476
desafios da educação infantil se tornaram ainda maiores, principalmente quando falamos da
inclusão de crianças com deficiências em tempos da pandemia do COVID 19.

REFERÊNCIAS

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introdução à teoria e aos métodos. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e
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BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio
às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público,
define crimes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 out. 1989.
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479
A UFMS VAI À ESCOLA PÚBLICA: INTRODUÇÃO À ENGENHARIA CIVIL
COM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO

Thiago Feliciano Alves (Bolsista PROAES UFMS)


thiago.feliciano@ufms.br

Enio Lorran Reis Santos (UFMS)


Enio.lorran@ufms.br

Resumo: Este texto tem como objetivo trazer um relato de experiência, em forma de artigo, de
um curso de extensão, idealizado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e realizado
numa escola estadual pública, no município de Campo Grande, MS. Tal projeto proporciona
aos estudantes de escolas públicas uma introdução ao campo da Engenharia Civil. O projeto
visa despertar o interesse dos estudantes pela engenharia, promovendo uma compreensão básica
dos princípios e práticas utilizados na construção de estruturas. Conclui-se que esses projetos
de extensão são significativos para a aprendizagem do estudante do ensino médio, uma vez que
podem entendem a importância de ingressar no ensino superior.

Palavras-chaves: Engenharia Civil. Escola Pública. UFMS

INTRODUÇÃO

A Engenharia Civil é uma das áreas mais abrangentes e influentes no desenvolvimento


das sociedades, responsável pela concepção, planejamento, projeto, construção e manutenção
de infraestruturas essenciais, como edifícios, estradas, pontes, sistemas de abastecimento de
água e saneamento, entre outros (Carter, 2006).

Ao oferecer uma introdução a engenharia civil torna um acesso igualitário a uma


formação de qualidade nessa área para estudantes de diferentes origens socioeconômicas. Isso

480
contribui para reduzir as desigualdades e promover a inclusão social, permitindo que jovens
talentosos e motivados tenham a oportunidade de desenvolver seu potencial e contribuir para o
progresso do país (Hertzberg, 1996).

Além disso, levar uma introdução à engenharia civil na escola pública, pode despertar o
interesse dos estudantes por essa profissão e incentivá-los a seguir carreiras na área científicae
tecnológica. Isso é especialmente relevante em um mundo cada vez mais dependente de avanços
tecnológicos e soluções inovadoras para os desafios do desenvolvimento sustentável (Fazenda,
2008).

Para Paulo Freire (1985):

Quanto mais, em tal forma de conceber e praticar a pesquisa, os grupos


populares vão aprofundando como sujeitos, o ato de conhecimento de si em
suas relações com a sua realidade, tanto mais vão podendo superar ou vão
superando o conhecimento anterior em seus aspectos mais ingênuos. Deste
modo, fazendo pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares.
Voltando à área para pôr em prática os resultados da pesquisa não estou
somente educando ou sendo educado: estou pesquisando outra vez. No sentido
aqui descrito pesquisar e educar se identifica em um permanente e dinâmico
movimento (Freire, 1985, p. 23).

É fato dizer que está cada vez mais difícil fazer com que o estudante entenda conteúdos
escolares, pelo fato de ser uma clientela cada vez mais diversificado em contextos econômicos,
culturais, sociais, dentre outros. Com isso, Masseto (2003) considera que o ensino através de
parcerias com universidades, por meio de projetos de extensão, é uma estratégia fundamental
para a melhoria da qualidade do ensino, entretanto alerta que ainda não é o suficiente para o
aluno, uma vez que seria necessário uma orientação e acompanhamento do professor no decorrer
da construção do conhecimento do aluno.

A aproximação de conhecimentos de Engenharia Civil aos processos de ensino e


aprendizagem do Ensino Básico exigiu com que se analisassem esses conhecimentos por uma
perspectiva pedagógica. O Ensino Básico pedia uma adaptação desta linguagem e foi necessário
construir um contexto mais amplo, relacionado à realidade dos alunos, e que abrigasse tais
conhecimentos técnicos e conceituais (Ackermann, 2018).

481
A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) é uma instituição de ensino


superior localizada no estado de Mato Grosso do Sul, Brasil. Fundada em 1962, a UFMS é uma
das principais universidades públicas da região Centro-Oeste do país (Brasil, 2018).

A universidade oferece uma ampla gama de cursos de graduação, pós-


graduação e extensão nas áreas de ciências humanas, ciências exatas,
ciências biológicas, engenharias, saúde, entre outras. Seu objetivo é
promover o ensino, a pesquisa e a extensão, contribuindo para o
desenvolvimento acadêmico, científico, cultural e social da região e do
país.
A UFMS possui diversos campi distribuídos em cidades do estado de
Mato Grosso do Sul, incluindo Campo Grande, a capital, e outras
cidades como Dourados, Três Lagoas, Aquidauana, Corumbá, Naviraí
e Paranaíba. Cada campus oferece uma variedade de cursos e
programas, abrangendo diversas áreas do conhecimento (Brasil, 2018).

Além das atividades acadêmicas regulares, a UFMS também realiza pesquisas em


diferentes campos do conhecimento, contribuindo para a produção científica e tecnológica da
região. A universidade também busca se envolver com a comunidade por meio de projetos de
extensão, levando conhecimento e serviços à população local.

A UFMS desempenha um papel importante no cenário educacional e de pesquisa em


Mato Grosso do Sul, promovendo a formação de profissionais qualificados e contribuindo para
o desenvolvimento socioeconômico da região e do Brasil como um todo.

Objetivos:

● Introduzir os estudantes ao campo da Engenharia Civil, explicando suas diversas áreas


de atuação e o papel do engenheiro civil na sociedade.
● Explorar os desafios atuais enfrentados pela engenharia civil, com ênfase na
sustentabilidade e no uso eficiente dos recursos naturais.
● Promover atividades práticas que envolvam a concepção e construção de estruturas
simples, utilizando materiais recicláveis e ecologicamente corretos.

482
● Estimular o trabalho em equipe, o pensamento crítico e a criatividade dos estudantes
por meio de desafios e projetos práticos.

METODOLOGIA:

O projeto foi desenvolvido na Escola Estadual Manoel Bonifácio Nunes da Cunha,


município de Campo Grande, MS. Participaram desse projeto todos os estudantes do ensino
médio, totalizando 150 estudantes. Abaixo, seguem as atividades propostas:
Palestras introdutórias: Apresentações sobre a Engenharia Civil, suas áreas de atuação e sua
importância para a sociedade. Discussões sobre projetos de destaque e exemplos de construções
sustentáveis.

Visitas técnicas: Os estudantes dessa escola, foram fazer uma visita técnica na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Na ocasião, participaram do
espaço ciência e visita ao curso de Engenharia Civil, nos laboratórios de Construção Civil.

Figura 1: Acadêmicos do Curso de Eng. Civil apresentando o laboratório para os estudantes da escola.

483
Figura 2: Apresentando uma palestra sobre a UFMS na Escola Pública

Figura 3:Estudantes da escola pública visitando o espaço ciência da UFMS

484
Figura 4: Estudantes no paliteiro da UFMS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao ensinar sobre a Engenharia Civil nas escolas públicas, é possível conscientizar os


estudantes sobre a importância da sustentabilidade na concepção e construção de infraestruturas,
preparando-os para enfrentar os desafios futuros de forma responsável e eficiente.

Em resumo, o estudo da Engenharia Civil na escola pública é essencial para promover a


igualdade de oportunidades, estimular o interesse por ciência e tecnologia, impulsionar o
desenvolvimento econômico e formar profissionais capacitados para enfrentar os desafios do
presente e do futuro. É uma área fundamental para o progresso de uma nação e o bem-estar da
sociedade como um todo.

Este trabalho buscou promover um contato entre duas realidades que não foram muito
estimuladas a conviverem: de um lado a ciência exata da Engenharia e de outro o processo de
ensino e aprendizagem do Ensino Básico. Este trabalho carregou primeiramente o cunho da
Extensão Universitária, buscando articular o conhecimento científico advindo do Ensino
Superior com as necessidades da comunidade na qual a Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul se insere. O grande desafio do atual cenário das Engenharias e Exatas é despertar,no
ensino médio, o interesse dos jovens sobre as referidas áreas. A dinâmica utilizada
485
para o desenvolvimento do projeto permitiu uma interação muito grande entre os participantes
durante a realização das atividades. Apesar de que a maioria das jovens participantes não
apresentarem interesse em ingressar nas áreas exatas, engenharia o projeto auxiliou na
reflexão da escolha profissional, bem como na sua formação cidadã.

REFERÊNCIAS

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Bioconstrução como Temática Interdisciplinar de Ensino / Gustavo Kath Ackermann ;
orientador, Ricardo Socas Wiese, 2018. 96p. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação)
– Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico, Graduação em Engenharia
Civil, Florianópolis, 2018.

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CARTER, Giles F. e Donald E. Paul. Ciência dos Materiais e Engenharia. ASM


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Wesley, 2006. Capítulos 15-18: Calor. Pág. 289-360.

HSU, Tom. Fundamentos da Física. Primeira edição. Sistemas de Ensino e


Aprendizagem, Especialidade Escolar, Ciências, Ciências CPO. 2009, pp. 521-538.

MASSETO, M. T. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo.


Summus, 2003.

486
AS LÍNGUAS DE SINAIS DOS INDÍGENAS SURDOS DAS ALDEIAS OLHO
D’ÁGUA, BARREIRINHO E ÁGUA AZUL DO TERRITÓRIO INDÍGENA BURITI
NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

Bruno Roberto Nantes Araujo (UFMS)


nantejonantes@gmail.com

Resumo: Este artigo é um recorte da tese de doutorado intitulada “A colonização pela Libras
da língua de sinais dos indígenas surdos das aldeias Olho D’Água, Barreirinho e Água Azul,
da Terra Indígena Buriti em Mato Grosso do Sul”, (ARAUJO, 2023) pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco – PPGE/UCDB. Do capítulo 4
“A língua de sinais dos indígenas” que discorre sobre o conhecimento do território indígena
pesquisado, sobre a historicidade da etnia local, cultura, identificação dos indígenas surdos
locais e o registro dos sinais emergentes. A metodologia foi no campo nas pesquisas Pós-
Críticas, através da pesquisa etnográfica, as ferramentas utilizadas para pesquisa: revisão
bibliográfica, observação a campo, roteiros de entrevistas. O artigo foi articulado no campo
teórico pelos Estudos Surdos, dialogando com teóricos do campo dos Estudos Culturais e dos
estudos do Grupo Modernidade e Colonialidade. Esta pesquisa contribuiu com conhecimento,
valorização e registro das línguas indígenas de sinais.

Palavras-chave: indígena surdo; língua de sinais indígenas; escolarização; interculturalidade.

Introdução

O presente artigo se trata de um recorte da tese de doutorado recém defendida, intitulada


“A colonização pela Libras da língua de sinais dos indígenas surdos das aldeias Olho D’Água,
Barreirinho e Água Azul, da Terra Indígena Buriti em Mato Grosso do Sul” pelo mesmo autor
deste artigo, realizado pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Católica
Dom Bosco (PPGE/UCDB) em Campo Grande no estado de Mato Grosso do Sul, na Linha de
Pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena, e vinculado ao grupo de pesquisa
Diversidade Cultural, Educação Ambiental e Arte, sob orientação do professor doutor Heitor
Queiroz de Medeiros.
No quarto capítulo da tese intitulado “A língua de sinais dos indígenas”, dedicou-se
para a apresentação e discussão de uma das partes empíricas da pesquisa. A observação do local
da pesquisa e a identificação da Terra Indígena Buriti em Mato Grosso do Sul, descrevendo a
região, a etnia estudada, as aldeias envolvidas na pesquisa, estas, sendo: a Aldeia Barreirinho,
a Aldeia Olho D’Água e a Aldeia Água Azul. A metodologia utilizada foi observação de campo
487
no Território Indígena Buriti, no município de Dois Irmãos do Buriti em Mato Grosso do Sul,
criado um roteiro para entrevistas com as lideranças indígenas (caciques), para os familiares
(mães, pais, irmãos), para os professores (diretor e tradutor e intérprete de língua de sinais) e
para os indígenas surdos encontrados em Território Indígena Buriti. Foram visitadas três
aldeias: a Aldeia Barreirinho, a Aldeia Olho D’Água e a Aldeia Água Azul. (ARAUJO, 2023)
Neste quatro capítulo foi dividido em quatro subitens que seguem: 1) “Reconhecendo o
território da terra indígena Buriti”; 2) Reconhecendo a identidade e cultura dos indígenas
surdos”; 3) “Registros das línguas de sinais dos indígenas surdos das aldeias Olho D’Água,
Barreirinho e Água Azul da Terra Indígena Buriti” e 4) “O processo de colonização da Libras
sobre a LSI”. Para tanto, o caminho que se discorre este artigo será sobre os três primeiros
subitens.
Como a metodologia utilizada para a pesquisa empírica foi a partir do campo dos
estudos Pós-críticos entendemos que pela etnografia a produção de dados seria a mais adequada,
devido ao conhecimento de uma cultura outra, de um território outro, de um povo outro, de uma
língua outra. (MEYER; PARAÍSO, 2012)
Segundo Araujo (2023) para a pesquisa de campo foi organizado antecipadamente os
roteiros para as entrevistas com perguntas das quais se referiam sobre a identificação dos
sujeitos, a formação, a sua etnia, as práticas culturais, a presença no surdo na comunidade, as
dificuldades encontradas dentro das aldeias em relação à educação do indígena surdo, sobre
atitudes de preconceito na comunidade, as diferenças linguísticas, as línguas de sinais em terra
indígena (LSTI) e sobre sonhos e desejos.
No entanto focaremos neste artigo o recorte no subitem 4.3 da tese, intitulada “Registros
das línguas de sinais dos indígenas surdos das aldeias Olho D’água”, que foi identificar registrar
os sinais dos indígenas surdos dessa aldeia.
Desenvolvimento da pesquisa de campo
Foram realizados três encontros (visitas) no Território Indígena Buriti 1nas aldeias
agendadas antecipadamente com o Cacique Jaiderson da Aldeia Barreirinho e com o Agnaldo,

1
[...] segundo informações da Fundação Nacional do Índio – Funai/Campo Grande (2010), é de 2.543 habitantes.
Ela é situada no cerrado sul-mato-grossense, no espaço que abrange dois municípios do interior do estado de Mato
Grosso do Sul: Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. Segundo dados do site Terras Indígenas no Brasil, as
dimensões das áreas em hectare, unidade de medida para superfície agrária de cada município, correspondem,
respectivamente, a 528.640,50 e 234.164,90, sendo a área ocupada pela Terra Indígena de 11.299,68 do município
de Sidrolândia e 5.818,98 do município de Dois Irmãos do Buriti. Esse território foi reconhecido oficialmente pela
Portaria n. 3.079, de 28 de setembro de 2010 [...] (ARAUJO, 2023, p. 99)
488
indígena morador da Aldeia Olho D’Água, ambos foram meus alunos da Licenciatura
Intercultural Indígena, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. A primeiras
visitas aconteceram em 2022 e a última no início de 2023. Por ser uma pesquisa etnográfica,
pude observar o local, conversar com os interlocutores da pesquisa, conhecer e interagir com a
comunidade em geral. (AGUIAR, 2019)
Durante as visitas e as indicações dos participantes da pesquisa, foi identificado cinco
indígenas surdos, quatro de uma família só da etnia Terena e uma da etnia Guarani Kaiowá
vinda de outra aldeia do município de Bela Vista - MS. Quatro homens e uma mulher, da faixa
etária entre dos 10 a 75 anos de idade. Sendo: Davi (10), Ronald (16), Mara (20), Edilson (23)
e Luíz (75) anos de idade.
Todos se comunicavam através de língua de sinais emergentes no contexto familiar,
convencionados e compreendidos entre eles. Os sinais utilizados por eles têm muito da
iconicidade, também foi observado que existe o uso de apontamentos e da oralidade em certos
casos na língua portuguesa, e, por alguns o uso da escrita. Para quatro dos cinco indígenas
surdos encontrados somente um teve bem pouco o acesso e a intervenção da língua brasileira
de sinais, mesmo assim sem muita compreensão das coisas. Os outros estão tendo o
conhecimento da Libras recentemente na escola. Tive a oportunidade de interagir com os
indígenas surdos e produzir/observar com eles alguns sinais emergentes que eles compartilham
entre seus contextos familiares.
Feita a produção desses dados, foi organizado quadros que dispunham uma análise
dentro da gramática da língua de sinais, baseada nas pesquisas da linguística Brito (1990;1995),
Ferreira (2010) destacando os parâmetros da língua de sinais (CM - configuração de mãos; PA-
ponto de articulação; O - orientação da palma das mãos ou direcionalidade; M - movimento e
os SNM - sinais não manuais - expressão corporal e facial). Fazendo assim uma comparação da
estrutura gramatical da Língua Brasileira de Sinais (Libras) com a Língua Indígena de Sinais
(LIS) produzidas por eles naquele território indígena. Baseado no trabalho de Ferreira (2021)
realizado com as línguas de sinais Munduruku.
Identificando por meio de uma análise linguística da língua de sinais da mesma forma
que Soares (2018) realizou em sua pesquisa de tese de doutorado que aqueles sinais realizados
entre os indígenas surdos daquele território indígena são de fato uma outra língua de sinal

489
independentes da Libras. Além de servir como um acervo bilíngue que envolve as línguas de
modalidade gestual-visual (Libras e LIS), e as línguas (Língua Portuguesa e Língua Terena) na
modalidade escrita.
Para que os leitores pudessem observar a construção do movimento do sinal (LIS),
realizei uma gravação em vídeo e está disponibilizado para acesso através de QR Code, um
leitor de código logo embaixo de cada quadro. Dos sinais-termos produzidos entre os indígenas
surdos destaco alguns exemplos através das palavras na Língua Portuguesa: TARDE, BATOM,
ENXADA, CARRO, GOIABA, VARAL, CAMA.

490
Quadro 1 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP TARDE
ESCRITA LT KEYAKÁXE
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de
mãos mãos

Direcionalidade / Diagonalmente Direcionalidade / Sentido vertical trazendo


orientação da palma sentido apontando orientação da palma para o sentido horizontal,
das mãos para o sol, com a das mãos palma das mãos
palma voltada para contralateral e para baixo
baixo
Ponto de articulação Na lateral do corpo Ponto de articulação Em frente ao corpo
Movimento Deslocamento para Movimento Deslocando o braço de
cima, retilíneo cima para baixo,
realizando uma semi
parábola, semicircular
Expressão facial e/ou Rosto e olhos Expressão facial e/ou Sem expressão
corporal/ sinais não direcionados ao sol corporal/sinais não
manuais manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.115). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
491
Quadro 2 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP BATOM
ESCRITA LT NÃO TEM
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de
mãos mãos

Direcionalidade / Palma da mão Direcionalidade / Palma da mão voltada


orientação da palma voltada para o rosto orientação da palma para o rosto
das mãos das mãos
Ponto de articulação Em frente da boca Ponto de articulação Em frente da boca
Movimento Circular, ao redor da Movimento Circular, ao redor da
boca boca
Expressão facial e/ou Não tem Expressão facial e/ou Não tem
corporal/ sinais não corporal/sinais não
manuais manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.116). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1

492
Quadro 3 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP ENXADA
ESCRITA LT
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de
mãos mãos

Direcionalidade / Palma das mãos Direcionalidade / Palma das mãos


orientação da palma paralelas e verticais orientação da palma paralelas e no sentido
das mãos em relação ao corpo das mãos vertical ao corpo.
Ponto de articulação No espaço neutro em Ponto de articulação No espaço neutro em
frente ao corpo frente ao corpo
Movimento Em parábola adiante Movimento Em parábola adiante do
do corpo, corpo, semicircular
semicircular
Expressão facial e/ou Sem expressão Expressão facial e/ou Sem expressão
corporal/ sinais não corporal/sinais não
manuais manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.117). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1

493
Quadro 4 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP CARRO
ESCRITA LT NÃO TEM
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de
mãos mãos

Direcionalidade / Palma da mão Direcionalidade / A mão dominante


orientação da palma voltada para fora, orientação da estará com a palma da
das mãos sentido horizontal palma das mãos mão voltada para fora,
frente ao corpo, e a
outra mão com a palma
voltada para baixo.
Ponto de No espaço neutro Ponto de Em frente ao corpo
articulação em frente ao corpo articulação
Movimento Deslocamento de Movimento Deslocando o braço de
um lado para o cima para baixo,
outro na horizontal, realizando uma
semicircular semiparábola,
semicircular
Expressão facial Não tem Expressão facial Não tem
e/ou corporal/ sinais e/ou corporal/sinais
não manuais não manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022)

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.118). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1

494
Quadro 5 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP CAMA
ESCRITA LT ÍPE
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de mãos Configuração de


mãos

Direcionalidade / Palma das mãos Direcionalidade / Palmas das mãos


orientação da palma das voltadas para baixo orientação da palma paralelas, voltadas
mãos das mãos uma de frente para a
outra
Ponto de articulação No espaço neutro em Ponto de articulação Na parte lateral da
frente ao corpo cabeça
Movimento Desenhando no Movimento Leve deslocamento
espaço neutro a para um lado
forma de um
quadrado
Expressão facial e/ou Expressão de sono, Expressão facial Sem expressão de
corporal/ sinais não fechando os olhos e/ou corporal/sinais sono, fechando os
manuais não manuais olhos
Fonte: elaborado pelo autor (2022).

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.119). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
495
Quadro 6 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP GOIABA
ESCRITA LT ARÂHA
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de
mãos mãos

Direcionalidade / Palma da mão Direcionalidade / Palmas das mãos


orientação da palma voltada para o corpo, orientação da palma voltadas para o corpo e
das mãos sentido vindo reto até das mãos com os punhos cerrados
a boca
Ponto de articulação Na boca Ponto de articulação Espaço neutro frente ao
corpo
Movimento Deslocamento reto Movimento Ziguezague, angular
em direção a boca,
retilínio
Expressão facial e/ou Sem expressão Expressão facial e/ou Sem expressão
corporal/ sinais não corporal/sinais não
manuais manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022)

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.120). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1

496
Quadro 7 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água

PALAVRA LP VARAL
ESCRITA LT
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS

Configuração de Configuração de mãos


mãos

Direcionalidade / Voltadas para baixo


Direcionalidade / Voltadas para baixo
orientação da palma orientação da palma
das mãos das mãos
Ponto de articulação Espaço neutro em Ponto de articulação No espaço neutro frente
frente ao corpo ao corpo
Movimento Um semicírculo Movimento Pinça, retilíneo
para frente
Expressão facial e/ou Sem expressão Expressão facial e/ou Sem expressão
corporal/ sinais não corporal/sinais não
manuais manuais
Fonte: elaborado pelo autor (2022)

Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.122). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1

497
Considerações finais:
Esses momentos etnográficos com os indígenas surdos podemos perceber que a língua
de sinais falada por deles flui naturalmente conforme as necessidades comunicacionais
primeiramente no contexto familiar e consequentemente se estimulados, com os demais
parentes das aldeias.
Analisando pelo viés da linguística, observamos que grande maioria se utiliza de sinais
emergentes no contexto familiar, devido ao período de convívio com a família. E seus sinais na
grande maioria são sinais conhecidos como icônicos, ou seja, sinais que reproduzem a imagem
do referente, que fazem alusão à imagem do seu significado conforme diz Ferreira (2010).
Os indígenas surdos participantes desta pesquisa estão tendo atendimento educacional
com apoio de um tradutor e intérprete de língua de sinais recentemente na escola, portanto,
estão conhecendo agora a Língua Brasileira de sinais (Libras).
Com isso, também havendo novos registros de línguas de sinais e outras comunidades
indígenas, respeitando suas culturas e tradições. Pensando também reestruturação nas grades
curriculares nas escolas indígenas, buscando uma escolarização de indígenas surdos,
respeitando suas identidades culturais e linguísticas.

Referências bibliográficas
AGUIAR, Jaqueline Gomes de. A pesquisa Etnográfica On Line em tempos de cultura de
convergência. Revista Observatório, Vol. 5, n. 6, Outubro-Dezembro. 2019. ISSN nº 2447-
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ARAUJO, Bruno Roberto Nantes. A colonização pela Libras da língua de sinais dos
indígenas surdos das aldeias Olho D’Água, Barreirinho e Água Azul, da Terra Indígena
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Bosco (UCDB), Campo Grande, 2023.

BRASIL, Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). Dispõe sobre a Língua
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10346.htm. Acesso: 11 set. 2022.

BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Dispõe sobre a Língua Brasileira de


Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília: Presidência
da República, [2005]. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=9961-
decreto-5626-2005-secadi&Itemid=30192 Acesso em: 10 jan. 2023.

FERREIRA BRITO, L. Abordagem fonológica dos sinais na LSCB. Espaço: Informativo


Técnico Científico, Rio de Janeiro, INES, n.1, 1990.
498
BRITO, Lucinda Ferreira. Por uma gramática de língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo
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FERREIRA, Lucinda. Por uma gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro: Edições
Tempo Brasileiro, 2010.

FERREIRA, Ivanilton (2021). Minidicionário digital da língua de sinais Munduruku


(Mestrado profissional em ensino): Universidade Federal do Pará. Belém, Pará, 2021.
Disponível em: .http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/13594. Acesso: 11 set. 2022.

MEYER, Dogmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (Org.). Metodologias de pesquisas


pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.

MUSSATO, Michelle Sousa. O que é ser índio sendo surdo?: um olhar transdisciplinar.
Dissertação de Mestrado em Letras, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas,
2017.

SOARES, P. A. S. Língua Terena de Sinais de Sinais: análise descritiva inicial da língua de


sinais usada pelos terena da Terra Indígena Cachoeirinha. Tese de doutorado, Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, UNESP–Campus de Araraquara,
2018. Disponível em:
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/155878/soares_pas_dr_arafcl.pdf?sequenc
e3&isAllowed=y. Acesso em 28 mar. 2022.

SUMAIO, Priscilla Alyne. Sinalizando com os terena: um estudo do uso da LIBRAS e de


sinais nativos por indígenas surdos. Dissertação de Mestrado em Letras, Faculdade de Ciências
e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Araraquara, 2014.

VILHALVA, Shirley; ARAUJO, Bruno Roberto Nantes. Educação de indígenas surdos e as


línguas indígenas de sinais. Revista digital Linguatec, 2022. Disponível em:
https://periodicos.ifrs.edu.br/index.php/LinguaTec/article/view/5989/3122. Acesso: 11 set.
2022.

499
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE): UMA REVISÃO DE
LITERATURA

Luciane de Jesus Velasquez (Bolsista CAPES/UCDB)


velasquez.lu@hotmail.com

Flavinês Rebolo (PPGE/UCDB)


flavines.rebolo@uol.com.br

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o estado do conhecimento sobre o trabalho
do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e os desafios que enfrenta. O
AEE, de acordo com o Decreto nº. 7.611, de 17 de novembro de 2011, tem como objetivo
prover condições de acesso aos serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes. A pesquisa foi realizada por meio de revisão de literatura de artigos,
dissertações e teses já publicadas sobre a temática. Foram consultados quatro repositórios, com
as palavras-chave “atendimento educacional especializado”, “professor” e “sala de recursos
multifuncionais”. Dos 124 trabalhos localizados com esses termos foram selecionados 18
estudos (9 dissertações e 9 artigos). As análises apontam que os principais desafios enfrentados
pelos professores do AEE estão relacionados às questões de infraestrutura inadequada, falta de
materiais didáticos e falta de interação com os professores das classes regulares. Foi apontado,
também, a importância de se ter formações continuadas para subsidiar os professores a
realizarem seu trabalho no AEE de forma mais eficiente.

Palavras-chave: Atendimento Educacional Especializado (AEE); Professor de AEE; Estado


do Conhecimento.

INTRODUÇÃO
O objetivo da pesquisa é em responder às minhas inquietações sobre o trabalho dos
professores que atuam na Educação Especial, especificamente no AEE e analisar o trabalho
desses professores.
O Atendimento Educacional Especializado vem ao longo de duas décadas se
reformulando e para Tardif e Lessard (2012, p.23) “[...] a escolarização supõe, historicamente,
a edificação e a institucionalização de um novo campo de trabalho, a docência escolar no seio
da qual os modos de socialização e de educação anteriores serão ou remodelados, abolidos,
adaptados ou transformados”. Isso se dá, segundo os autores, devido a “[...] função dos
dispositivos próprios do trabalho dos professores na escola”.

500
Dentre as Normativas para garantir o direito de todos a escolarização, está o
Atendimento Educacional Especializado (AEE). O Decreto nº. 7.611, de 17 de novembro de
2011, estabelece que a proposta pedagógica da escola envolva a participação da família e dos
estudantes para atender as necessidades dos alunos especiais e propõe como objetivo do AEE,
prover condições de acesso aos serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes. (BRASIL, 2011b).
Deste modo, perante a legislação, o aluno especial deve frequentar a escola e o AEE,
esse atendimento no contraturno é o que garante um suporte necessário para a efetivação da
inclusão. Segundo a Resolução n. 04/2009 do CNE que define as diretrizes do AEE, e em seu
art. 1º regulamenta que:
Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas
classes comuns do ensino regular e no atendimento educacional especializado
(AEE), complementar ou suplementar à escolarização ofertado em sala de
recurso multifuncional ou em centros de AEE da rede pública ou de
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
(BRASIL, 2009, p. 1).

O cotidiano do professor do Atendimento Educacional Especializado, como de todo


professor, é repleto de atribuições, como aponta José Freire (2011):
O professor deverá assumir e prestar contas de suas tarefas didáticas à escola,
aos pais e à sociedade e ainda, participar da “gestão escolar” junto à
“comunidade”. Nesta perspectiva, O professor é em geral, visto como agente
responsável pela mudança educativa, o que o leva a manifestar reações
contraditórias diante das exigências que estão além da sua formação. A
ampliação de suas funções docentes, no contexto da reforma educativa, tem
contribuído para um sentimento de insegurança, desencanto. (Freire, 2011, p.
48-49).

Neste contexto, com este artigo, pretende-se mapear e analisar os estudos já realizados
sobre o trabalho do professor no AEE por meio de uma pesquisa do tipo estado do
conhecimento.
Segundo Romanowski e Ens o estado do conhecimento tem uma grande contribuição
no campo teórico pois,
Os objetivos favorecem compreender como se dá a produção do conhecimento
em uma determinada área de conhecimento em teses de doutorado,
dissertações de mestrado, artigos de periódicos e publicações. Essas análises
possibilitam examinar as ênfases e temas abordados nas pesquisas; os
referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a relação entre o
pesquisador e a prática pedagógica. (Romanowski; Ens, 2006, p. 39).

501
A pesquisa foi iniciada com o mapeamento dos estudos sobre a Educação Especial e
os professores do AEE. Foram realizadas buscas nos seguintes repositórios: 1) Teses e
Dissertações do PPGE/UCDB; 2) Scientific Electronic Library Online (SciELO); 3) Portal de
Periódicos (CAPES/MEC) e 4) Catálogo de Teses e Dissertações (CAPES). No Quadro 1 são
apresentados os números de trabalhos localizados e selecionados de cada base de dados.

Quadro 1 – Número de trabalhos encontrados e selecionados em cada base de dados.


REPOSITÓRIO DE DESCRITORES TRABALHOS TRABALHOS
BUSCA UTILIZADOS PARA BUSCA ENCONTRADOS SELECIONADOS
Banco de teses e “ATENDIMENTO
Dissertações do EDUCACIONAL 5 3 (dissertações)
PPGE/UCDB ESPECIALIZADO”
“SALA DE RECURSOS
SCIELO 9 3 (artigos)
MULTIFUNCIONAIS”
“ATENDIMENTO
EDUCACIONAL
Portal de Periódicos ESPECIALIZADO AND
46 6 (artigos)
(CAPES/MEC), PROFESSOR DO AEE AND
SALA DE RECURSOS
MULTIFUNCIONAIS”
“ATENDIMENTO
EDUCACIONAL
Catálogo de Teses e ESPECIALIZADO AND 6 (dissertações)
64
Dissertações – (CAPES) PROFESSOR DO AEE AND
SALA DE RECURSOS
MULTIFUNCIONAIS”
TOTAL DE TRABALHOS ENCONTRADOS /
124 18
SELECIONADOS
Fonte: Elaborado pela autora

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os estudos foram selecionados com o critério de que tivessem proximidade com os
objetivos da minha pesquisa que visa analisar o trabalho do professor da AEE.
Apresenta-se, no Quadro 2, os trabalhos selecionados:

Quadro 2: Trabalhos selecionados para análise


N. TÍTULO / ANO AUTOR/INSTITUIÇÃO(PERIÓDICO)
1. Informática educativa e a concepção dos professores CARBONARI, Vera L. G.
das salas de recursos de deficiência auditiva da Rede Universidade Católica Com Bosco,
Municipal de Ensino de Campo Grande/MS. Campo Grande, MS
2008 - Dissertação.
2. Reflexões da política nacional de inclusão escolar no LAGO, Danúsia C.
município de Vitória da Conquista/Bahia. Universidade Federal de São Carlos. São
2010 – Dissertação Carlos-SP.
3. Atendimento Educacional Especializado: um estudo FONTES, Diana C.
de caso. Fundação Universidade Federal de
2012 - Dissertação Rondônia. Porto Velho.
502
4. Formação continuada dos professores do AEE - MATOS, Izabeli Sales
saberes e práticas pedagógicas para a inclusão e Universidade Federal do Ceará- Fortaleza,
permanência de alunos com surdocegueira na escola. CE
2012 - Dissertação
5. Formação do professor do Atendimento Educacional ROSSETTO, Elisabeth.
Especializado: a educação especial em questão. Revista Educação Especial | v. 28 | n. 51 |
2015 - Artigo p. 103-116 | jan./abr. 2015, Santa Maria
6. O bem-estar no trabalho dos professores das salas de ROSA, Ana P. T. M. da.
recursos multifuncionais – surdez. Universidade Católica Dom Bosco,
2015 - Dissertação Campo Grande, MS.
7. O bem-estar docente no contexto de escolas inclusivas: SCARAMUZZA, Simone Alves.
um estudo com professores da Rede Municipal de Universidade Católica Dom Bosco,
Ensino de Ji-Paraná – RO. Campo Grande, MS.
2015 - Dissertação
8. Trabalho e formação docente para o Atendimento PERTILE, Eliane B.; ROSSETTO,
Educacional Especializado. Elisabeth.
2015 - Artigo Revista Ibero-Americana de Estudos em
Educação, Araraquara, v. 10, n. 4, p. 1186–
1198, 2015.
9. Professor especializado da sala de recursos FERREIRA, Paula R. B.
multifuncionais: um estudo sobre a formação e Universidade de Taubaté, Taubaté – SP.
práticas pedagógicas.
2016 - Dissertação
10. Atendimento Educacional Especializado: a vez e a voz SILVA, Riviane S. de L.
de alunos e do professor. Universidade Federal do Rio Grande do
2017 - Dissertação. Norte. Natal/RN, Natal/RN.
11. O Atendimento Educacional Especializado nas salas MILANESI, Josiane B.; CIA, Fabiana.
de recursos multifuncionais da educação infantil. Revista Educação Especial | v. 30 | n. 57 |
2017 - Artigo p. 69-82 | jan./abr. 2017 Santa Maria.
12. Atendimento Educacional Especializado: Reflexões SANTOS, João O. L. dos; MATOS, Maria
sobre a Demanda de Alunos Matriculados e a Oferta A. de S.; SADIM, Geyse P. T.; SILVA,
de Salas de Recursos Multifuncionais na Rede João R. A. da; FAIANCA, Marta P.
Municipal de Manaus-AM. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, v.23, n.3,
2017 - Artigo p.409-422, Jul.-Set., 2017.
13. Aspectos da organização e funcionamento do PASIAN, Mara S.; MENDES Enicéia
Atendimento Educacional Especializado: um estudo Gonçalves; CIA Fabiana.
em larga escala. Educação em Revista | Belo Horizonte |
2017 - Artigo n.33 | e155866 | 2017.
14. A configuração do trabalho docente no processo de SOUSA, Gercineide M.
inclusão escolar: colaboração entre o/a professor/a do Universidade Federal do Acre, Rio
Atendimento Educacional Especializado - (AEE) e Branco, AC.
os/as professores/as da sala de aula comum.
2018 - Dissertação.
15. Aspectos da avaliação dos alunos no Atendimento PASIAN Mara S.; MENDES, Enicéia G.;
Educacional Especializado das salas de recursos CIA, Fabiana.
multifuncionais. Revista Educação Especial | v. 32 | 2019 –
2019 - Artigo Santa Maria.
16. Atendimento Educacional Especializado e o ensino ARAÚJO, Ilani M. S.; ALVES, Liliane
regular: interlocuções docentes com vistas à inclusão. L.; PINTO, Francisco R. M.;
2019 - Artigo BEZERRA, Ilaneide M. S.
RPGE– Revista on line de Política e
Gestão Educacional, Araraquara, v. 23, n.
2, p. 441-452, maio/ago., 2019.
17. Caracterização física de salas de recursos SPURIO, Mara S,; BIANCHINI, Luciane
multifuncionais e percepções de professores em G. B.

503
relação à presença de jogos e tecnologia no Revista Educação Artes e Inclusão.
Atendimento Educacional Especializado. Volume 16, nº3, jul./Set.2020. ISSN 1984-
2020 - Artigo 3178.
18. Desafios de fazer docente nas salas de recursos FIGUEIREDO, Séfora L.; SILVA, Edil F.
multifuncionais (SRM). Psicologia: Ciência e Profissão 2022 v.
2022 - Artigo 42, e230191, 1-14.
Fonte: Elaborado pela autora

Com as palavras-chave dos estudos foi elaborada uma nuvem de palavras na qual se
pode perceber os termos recorrentes ao se estudar a temática em questão, como apresentado no
Quadro 3:

Quadro 3 – Nuvem de palavras com as palavras-chave dos estudos analisados

Fonte: Elaborado pela autora

Nas análises buscou-se evidenciar, a partir das discussões realizadas pelos autores, o
trabalho do professor no cotidiano escolar do AEE, os desafios que enfrenta e os avanços das
Normativas e Políticas atuais relacionadas à Educação Especial e ao AEE.

504
Os estudos de Silva, (2017); Fontes, (2012); Ferreira, (2016); Milanesi e Cia; (2017);
Pasian, Mendes e Cia, (2019); Figueiredo e Silva, (2022), revelaram que, ao ouvir os
professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE), diversos problemas foram
narrados como a infraestrutura das Salas de Recursos, as dificuldades dos professores em
desenvolver seu trabalho devido a não haver uma relação com os demais professores do ensino
regular e, para o desenvolvimento de atividades e avaliações, outra dificuldade encontrada foi
a falta de materiais didático-pedagógicos.
Em relação à infraestrutura, Albuquerque (2014) afirma que “a infraestrutura da escola
é um elemento que facilita o acolhimento das diferenças” e, nesse sentido, a estrutura física
colabora com uma sala de aula na qual “alunos e professores desfrutam de um clima salutar e
favorável, [...] aumenta as possibilidades de autonomia e garante um melhor rendimento das
práticas pedagógicas” (Albuquerque, 2014, p. 238).
Na pesquisa de Araújo, Alves, Pinto e Bezerra (2019), dos dez participantes (professores
do AEE) quatro relataram dificuldades relacionadas não só à infraestrutura mas, também, em
relação à falta de recursos didáticos específicos.
Os mesmos autores apontam, ainda, que além da infraestrutura é importante, também, a
questão das relações interpessoais. Deve haver uma sintonia e um trabalho interdisciplinar e
colaborativo entre os professores da sala comum e da sala de recurso, para que os objetivos
sejam alcançados.
A sintonia e o trabalho colaborativo, segundo Mousinho et al. (2010), é necessário que
todos estejam envolvidos para que se possa chegar aos objetivos alinhados em conjunto, na
comunidade escolar (escola, família, professores, terapeutas e mediadores).
O trabalho em conjunto para Tardif e Lessard (2013);

[...] o trabalho docente não consiste apenas em cumprir ou executar, mas é


também atividade de pessoas que não podem trabalhar sem dar um sentido ao
que fazem, é uma interação com outras pessoas: os alunos, os colegas, os pais,
os dirigentes da escola, etc (Tardif; Lessard, 2013, p. 38).

A importância da interação e da interlocução dos professores se evidencia nas pesquisas


de (Araújo, et al., 2019; Souza, 2018). Segundo os autores, para que se atinja os objetivos
propostos deve haver um trabalho colaborativo e investimentos em formações dos professores
do ensino regular e dos professores da Sala de Recurso que oferece o AEE.

505
Ainda sobre o trabalho colaborativo, a pesquisa de Silva (2017), que teve como objetivo
ouvir o relato do professor do Atendimento Educacional Especializado e de alunos atendidos,
ressalta as dificuldades do professor, destacando que uma dessas dificuldades é a inexistência
de interação entre a professora do AEE e os professores da sala regular a respeito das adaptações
nas atividades e avaliações. Percebemos que não há uma interação entre os docentes para que
de fato haja a inclusão.
Sant’Ana (2005) corrobora que é necessário buscar e elaborar estratégias para que se
promova a inclusão e, um aspecto fundamental para que isso ocorra é a interação entre todos
no ambiente escolar. Segundo a autora, para que a inclusão educacional ocorra de forma
satisfatória
torna-se necessário o envolvimento de todos os membros da equipe escolar no
planejamento de ações e programas voltados à temática. Docentes, diretores e
funcionários apresentam papéis específicos, mas precisam agir coletivamente
para que a inclusão escolar seja efetivada nas escolas. (Sant’Ana, 2005, p.
228).

Outras dificuldades apontadas na pesquisa de Pasian, Mendes e Cia (2017) são:


dificuldades do atendimento no contraturno, número insuficiente de SRMs para atender o
alunado e, ainda, a necessidade de apoio de outros profissionais. A pesquisa buscou mostrar a
realidade vivenciada pelos professores e os resultados mostraram que há muito que se investir
para que haja um Atendimento Educacional Especializado de qualidade, principalmente no que
se refere à formação continuada e específica para os professores do AEE.
Nesse sentido, Pagnez e Gonzales (2014) ressaltam a “necessidade de formação
continuada” no ambiente escolar, em todos os aspectos, enfatizando a importância dessas
formações para auxiliar o professor em suas atividades e, também, para a melhoria do AEE.
Outro trabalho relevante que evidencia que as formações são de suma importância para
o professor, é o de Matos (2012, p. 191), que afirma que “a formação continuada exerce grande
influência na prática do professor” no contexto atual onde estamos em constantes
transformações.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa apontou que os professores enfrentam diversas dificuldades tais como: na
infraestrutura, na interação entre os professores do ensino regular, na falta de materiais didático

506
pedagógicos, na avaliação dos alunos especiais e na falta de uma formação continuada para
que, o professor possa desenvolver melhor seu trabalho.
No contexto geral, verificamos que os autores apontam uma Educação Especial na qual
ainda há diversas lacunas e problemas que precisam ser superados.
As dificuldades encontradas mostram a realidade escolar em que estão inseridos os
professores e os alunos especiais. Os estudos analisados nos fazem refletir e debater sobre a
importância de novas pesquisas para que possam colaborar com o ensino e a aprendizagem dos
alunos especiais nas escolas regulares, bem como com o bem-estar no trabalho dos professores.

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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O Trabalho Docente: elementos para uma teoria da
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TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. 6ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

510
CENÁRIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM CAMPO GRANDE/MS: DO PASSADO
AO PRESENTE

Ricardo Henrique de Souza (Bolsista FUNDECT/ PPGE/UCDB


riqenri@gmail.com

Marta Regina Brostolin (PPGE/UCDB)


brosto@ucdb.br

Resumo: O presente trabalho, recorte de pesquisa de Mestrado em andamento, visa evidenciar


passagens do percurso histórico da Educação Infantil pública na cidade de Campo Grande/MS.
A partir de pesquisa bibliográfica e documental tentamos traçar uma linha temporal com vistas
a elucidar os cenários dessa etapa de educação no município até o ano de 2022 a partir das
formas de atendimento as crianças e as organizações curriculares. Usamos como aporte teórico
Rosa (2005), Motti (2007), Fernandes (2012) entre outros autores, assim como decretos e
documentos municipais como as Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (2003),
Referencial Curricular da Rede Municipal de Ensino para a Educação Infantil (2008), as
Orientações Curriculares para a Educação Infantil: jeitos de cuidar e educar (2017) e outros.
Como resultados percebemos uma carência de fontes sobre a temática, além da percepção que
o município acompanha a trajetória da Educação Infantil vivenciada pelo país, ainda que sendo
a última capital brasileira a vincular essa etapa exclusivamente com a Educação.

Palavras-chave: Educação Infantil; Campo Grande; Histórico.

Introdução

Este texto, recorte de uma pesquisa de Mestrado1 apresenta o percurso vivenciado pela
Educação Infantil pública na cidade de Campo Grande/MS até o ano de 2022 a partir de uma
pesquisa bibliográfica e documental.
Ao iniciarmos o levantamento de dados sobre a temática percebemos que há uma
carência de fontes. Encontramos alguns trabalhos que trazem informações relativas ao Estado
de Mato Grosso do Sul, e esporadicamente de Campo Grande. Entre eles, citamos a dissertação
“Políticas de atendimento a criança pequena em MS- 1983/1990” de Anamaria Santana da

1
A Pesquisa de Mestrado está em andamento. Teve início no ano de 2022, intitulada, a princípio, “Crianças bem
pequenas e as interações com leitura e escrita: concepções e práticas pedagógicas nas vozes dos professores da
primeira infância” sob orientação da Prof.ª Drª Marta Regina Brostolin do PPGE/UCDB.
511
Silva, pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP no ano de 1997, a tese “ O direito
da criança a ter direito: a Educação Infantil em Mato Grosso do Sul (1991 – 2002) de Mariéte
Félix Rosa, defendida em 2005 pela Universidade de São Paulo- USP, a dissertação de Kátia
Regina Ribeiro Motti, intitulada de “A Municipalização da Educação Infantil em Campo
Grande PÓS-LDB/1996”, defendida em 2007 pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – UFMS, a dissertação de Denise Tomiko Arakaki Takemoto com o título “Educação
Infantil e tecnologia: um olhar para as concepções e práticas pedagógicas dos professores”
defendida em 2014 pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, e o artigo “Gestão da
Educação Infantil: entre a herança assistencial e o atendimento educacional tardio” de Maria
Dilnéia Espíndola Fernandes em 2012. Por conta disso, traçar uma linha temporal exclusiva do
município não é tão simples.

Contextualizando o estado de Mato Grosso do Sul e o município de Campo Grande

O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado em 1977 a partir da divisão do Estado de
Mato Grosso através da Lei complementar n. 31, de 11 de outubro daquele ano e sua estrutura
político administrativa implantada em 1979. Na criação de Mato Grosso do Sul, a mesma Lei
em seu artigo 3º decreta Campo Grande como capital do Estado, embora já existisse como
município de Mato Grosso.
Relatos históricos apontam que Campo Grande nasce na confluência dos córregos Prosa
e Segredo em agosto de 1875 com a chegada de José Antônio Pereira e sua comitiva.
Informações no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE (2022) vão nos
dizer que,
A história oral admite que José Antônio Pereira não é o primeiro desbravador a instalar
moradia na confluência dos córregos Prosa e Segredo, ela aponta, também, a
existência de uma comunidade negra, no Cascudo, hoje Bairro São Francisco,
contemporânea a chegada dos primeiros desbravadores descendentes dos portugueses.
Entretanto, esta mesma história oral reconhece que José Antônio Pereira, falecido em
1900, influenciou nos primeiros tempos a sistematização da ocupação do povoado.
Ele dirigiu e orientou as demarcações das posses, procurando harmonizar os interesses
daqueles que pretendiam se fixar no vilarejo.

Por conta de sua localização, Campo Grande passa a se tornar ponto estratégico para a
rede ferroviária, tal fato com o passar do tempo vai trazendo mais benefícios para a vila e
ganhando destaque entre as regiões do sul de Mato Grosso. Em 1918, é elevada à condição de

512
cidade com a denominação de Campo Grande, pela Lei Estadual n. 772, de 16 de julho e,
posteriormente, de capital (IBGE, 2022).
Assim, a Educação Infantil em Campo Grande traz inicialmente as marcas de um
município do interior, permeada pelas marcas de uma restruturação política, e por fim, marcas
de uma capital.

Educação Infantil em Campo Grande/MS

De acordo com Motti (2007, p,77):

O histórico do atendimento em Campo Grande tem sua constituição vinculada à ação


da assistência social. A primeira creche de Campo Grande surge no final da década
de 1960, vinculada ao Centro Espírita Discípulo de Jesus, que é denominada
Fraternidade Educacional Casa da Criança, localizada na Rua Dom Aquino, 392, com
capacidade para 105 crianças, conveniada com a Prefeitura de Campo Grande.

Ainda segundo a autora, na década de 1970, são criadas mais três instituições para o
atendimento as crianças, todas filantrópicas, não tinham fins lucrativos, e estavam ligadas direta
ou indiretamente a igrejas e/ou grupos religiosos. Já na década de 1980, “entre 1986 e 1989,
registra-se que neste município houve uma expansão de número de creches, começando a surgir
aquelas acopladas às ações comunitárias nas associações de moradores, clube de mães, além de
outras ligadas às instituições religiosas” (Motti, 2007, p.77).
As Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil publicada no ano de 2003 traz
brevemente o histórico da Educação Infantil na cidade, e resume-se em apontar que “o
atendimento infantil em Campo Grande iniciou-se de forma assistencialista, com crianças
pobres, por intermédio do Projeto Casulo do PRONAV/LBA.” (Campo Grande, 2003, p.12). E
ainda que no ano de 1982 foi implantada oficialmente a pré-escola no município.
A partir dessas poucas informações e com base na leitura dos trabalhos acima citados,
percebemos que na década de 1980 e início da década de 1990, a cidade de Campo Grande
segue o mesmo movimento do estado de Mato Grosso do Sul em relação a educação pré-escolar,
que segundo Silva (1997, p. 54) “era a não-formal, ministrada através de programas de baixo
custo operacional para crianças carentes das periferias urbanas e atingiam cerca de 6 mil
crianças em 54 municípios”.
Fernandes, (2012, apud Rocha, 1992) complementa apontando que umas das formas de
atendimento oferecida pelo estado as crianças a nível de pré-escola eram em classes com uma
513
professora que não tinha a formação necessária e com mães também sem formação que
revezavam entre si, ficando responsáveis pelo trabalho doméstico daquele espaço.
Em relação as creches, Fernandes (2012, p.5) nos diz que neste período “o espaço físico
para o atendimento das crianças de 0 a 5 anos, eram as creches vinculadas à Secretaria de Estado
de Assistência Social que, materialmente, eram mantidas por meio de convênios [...]”,
convênios esses oriundos da Legião Brasileira da Assistência (LBA).
Rosa (2005, p.212) pontua que,

[...] em 1980, o atendimento às crianças em idade pré-escolar (quatro a seis anos), via
rede oficial do ensino público, em Campo Grande, ocorria somente em 09 escolas da
rede pública estadual, pois a rede pública municipal só veio a oferecer oficialmente a
pré-escola em 1983. Nesse ano, as escolas privadas absorviam a maior parte da
demanda, ofertando educação pré-escolar em 31 estabelecimentos.

Na década de 1990, o cenário da Educação Infantil em Campo Grande começa a alterar-


se. No primeiro momento, com a extinção da LBA, o estado assume, ainda que de caráter
assistencial, as creches e pré-escolas. Em 1996, temos a promulgação da LDB estabelecendo
que compete aos municípios a etapa da Educação Infantil. Em 1997, o prefeito André Puccinelli
sanciona a Lei n. 3404 de 01 de dezembro que dispõe sobre a criação do Sistema Municipal de
Educação, e no seu artigo 3º aponta que as Instituições de Educação Infantil compõem esse
sistema.
Motti (2007) nos diz que antes do ano 2000 já havia sido acordado entre município e
estado, que caberia ao município a Educação Infantil e Ensino Fundamental, e ao estado o
Ensino Médio. Porém, foi somente em 2007 que tal fato consolidou-se na prática a partir da
assinatura do Protocolo de Municipalização dos Centros de Educação Infantil em 9 de fevereiro,
o qual passava 29 instituições para a gestão do município.
Haja visto a necessidade de regulamentar essa etapa de educação no município, o
Decreto n. 9.891 de 30 de março de 2007 dispôs sobre a inclusão dos CEI’s -Centros de
Educação Infantil a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS); a gestão compartilhada
entre Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e SAS, assim como a nomenclatura dessas
Instituições de Educação Infantil, passando a constar CEINF.
No mesmo ano, o Decreto n. 10.000 de 27 de junho de 2007 revoga o Decreto n.9.891
e dispõe no seu artigo 1º que os CEINF’s ficam incluídos no Sistema Municipal de Ensino da
Prefeitura Municipal de Campo Grande. O artigo 2º estabelece regras para a gestão e

514
gerenciamento dessa Unidades, ainda de modo compartilhado entre SAS e SEMED.
Destacamos:
Art. 2º [...]
I- á Secretaria Municipal de Educação- SEMED, caberá:
[...] d) designar recursos humanos ocupantes de cargos do Grupo Magistério para atuar
nas atividades docentes e pedagógicas; [...]
II -à Secretaria Municipal de Assistência Social - SAS,
1-pela solicitação do pessoal docente à SEMED
2- pela disponibilidade do pessoal para as atividades técnico-administrativas e os
serviços auxiliares,
3- pelo controle de freqüência e concessão de afastamento dos servidores em exercício
na unidade, Inclusive os cedidos pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul [...]
III-da SEMED e da SAS, em conjunto, caberá
a) elaborar a proposta de regimento interno dos CEINFS a ser submetida à Secretaria
Municipal de Administração;
b) implementar e estabelecer diretrizes, normas e procedimentos para
operacionalização das atividades didático pedagógicas e administrativas: e;
c) definir o calendário escolar e zelar pelo seu cumprimento.
§ 1º As atribuições conferidas à SEMED e a SAS serão exercidas de forma harmónica
e coordenada entre as pastas, visando proporcionar a formação integral da criança até
cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social o como
complementação à ação da família (Campo Grande, 2007, p.2).

Nesse modelo de gestão compartilhada os diretores dos CEINFs respondiam a SAS,


desse modo eram cargos de indicação dessa pasta. Os professores, como visto, eram de
responsabilidade da SEMED, sendo orientados pedagogicamente pelos técnicos da Divisão de
Educação Infantil- DEI/SEMED. Os funcionários administrativos que incluía os profissionais
que auxiliavam os docentes e eram responsáveis pelas crianças no contraturno destes, em sua
maioria, eram terceirizados por meio da Sociedade Caritativa e Humanitária (Seleta) e pela
Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (OMEP) e poucos eram do quadro efetivo
da prefeitura. Compunham esse quadro também os funcionários cedidos pelo estado que outrora
atendiam nos CEI. A gestão compartilhada durou mais sete anos, até que em 20 de janeiro de
2014 é assinado o Decreto n. 12.261, que dispôs definitivamente a gestão plena dos CEINFs
para a SEMED.
Cabe ressaltar que a inserção de professores nos CEINFs foi de maneira gradual. As
primeiras turmas a receber os docentes eram as crianças com mais idade, e posteriormente as
outras turmas. A partir de 2010, também algumas Unidades começaram a receber coordenação
pedagógica, sob a responsabilidade da SEMED, cujo objetivo era auxiliar o trabalho dos
profissionais que atuavam diretamente com as crianças.
Fernandes (2012) apresenta uma tabela sobre o atendimento da Educação Infantil no
munícipio entre 1996 e 2010. A partir dela percebemos que no ano de 1996 a rede particular
515
em Campo Grande concentrava a maior parte das matrículas da Educação Infantil, seguido do
estado e por fim o município. Já em 2010 o número de crianças atendidas na Educação Infantil
quase dobra em relação a 1996, passando de 14.216 para 27.834 crianças. Outro ponto que
merece destaque é o fato da rede municipal passar a concentrar mais da metade desse
atendimento, seguido da rede particular e pôr fim a rede estadual.
Em outro momento do seu trabalho, Fernandes (2012) apresenta que das 18.344 crianças
atendidas pela Educação Infantil pela Rede Municipal de Ensino (REME) em 2010, 11.111
estavam na etapa de creche e 7.233 na etapa da pré-escola.
Em 2019, o Decreto n. 13.755, de 08 de janeiro de 2019 dispõe sobre a alteração da
denominação de CEINF para Escola Municipal de Educação Infantil- EMEI. Desse modo,
desde 2019 as Unidades que atendem exclusivamente a Educação Infantil em Campo Grande
são chamadas de EMEI’s.
De acordo com dados do IBGE, o censo escolar aponta que em 2021 havia 38.022
crianças matriculadas na Educação Infantil, 28.483 na rede pública (28.212 crianças na rede
municipal e 271 na rede estadual) e 9.539 na rede particular. Ainda, na rede municipal 16.630
matriculadas na etapa de creche e 21.392 na pré-escola.
No ano de 2022, segundo a chefe da Divisão da Central de Matrículas da REME, com
base no SISTEMA SIGER – acesso em 09/11/2022, Campo Grande atende 29.620 crianças na
Educação Infantil. Destes, 12.141 são da etapa de Creche e 17.479 da pré-escola.
A rede pública de Campo Grande tem 99 escolas municipais de Ensino Fundamental, e
algumas destas atendem a pré-escola. Tem 106 escolas de Educação Infantil, algumas atendem
somente creche e outras atendem a creche e pré-escola. Ainda tem uma Unidade de Educação
Infantil estadual, o CEI ZEDU. De acordo com a coordenadora da Coordenadoria de Políticas
para Educação Infantil – COPEI, o estado de Mato Grosso do Sul tem sob sua responsabilidade
apenas essa Unidade de Educação Infantil e no ano de 2022 atendeu 303 crianças do berçário
ao pré II, em tempo integral.
Ainda sobre os dados de atendimento na Rede Municipal, são: 551 turmas para a etapa
da creche, todas em EMEI’s e 428 turmas para a etapa da pré-escola, divididas entre EMEI’s e
Escolas de Ensino Fundamental.
Sobre a organização da Educação Infantil em Campo Grande, a Deliberação CME/MS
n. 1.203, de 7 de abril de 2011 vai apontar no seu Artigo 6º que o atendimento deve ser em
período diurno, podendo ser parcial, de no mínimo 4 horas e integral de no mínimo sete horas
516
e no máximo dez horas. O Artigo 5º dispõe sobre a relação entre o número de crianças por
agrupamento e o número de professores, sendo: “I - um professor para até 8 crianças, com idade
até 2 anos; II - um professor para até 15 crianças de 3 anos; III - um professor para até 20
crianças de 4 anos; IV - um professor para até 25 crianças de 5 anos. ” (p.11).
Atualmente as turmas de Educação Infantil estão organizadas do seguinte modo:

Quadro 1- Organização do atendimento da Educação Infantil nas Escolas Municipais em


Campo Grande/MS no ano de 2022.
Turma Faixa etária Turno Unidades de Professores e carga
atendimento horária
Grupo 1 4 meses a 2 Integral EMEI Atividade: 13h/a
anos
Grupo 1.I 4 a 18 meses Integral EMEI Atividade: 13h/a
Grupo 1.II 18 meses a 2 Integral EMEI Atividade: 13h/a
anos
Grupo 2 2 a 3 anos Integral EMEI Atividade: 13h/a
Ed. Física: 1h/a
Grupo 3 3 a 4 anos Integral EMEI Atividade: 26h/a
Ed. Física: 2h/a
Grupo 4 4 a 5 anos Parcial EMEI e Escola de Atividade: 13h/a
Ensino Arte: 3h/a
Fundamental Ed. Física: 4/a
Grupo 5 5 a 6 anos Parcial EMEI e Escola de Atividade: 13h/a
Ensino Arte: 3h/a
Fundamental Ed. Física: 4/a
Fonte: Elaboração do próprio autor com dados da SEMED Campo Grande/MS

As turmas com crianças de 0 a 24 meses aparecem em 3 configurações diferentes a


depender do tamanho da EMEI. Essas turmas têm o atendimento do professor em um período,
no matutino ou vespertino. As turmas de Grupo 2 além do professor de atividade contam com
mais 1h/a de Educação Física, também no matutino ou vespertino. As turmas de Grupo 3 têm
atendimento com professor de 28h/a semanais entre atividade e Educação Física, deste modo
na etapa de creche essa turma é a única com atendimento do professor em período integral.
Importante ressaltar que os professores de atividade têm 13h aula e 7h e planejamento,
totalizando as 20h por período e que a REME denomina por atividade os horários ministrados
pelos pedagogos.

517
Nas turmas de creche, juntamente com os professores e nos horários que os mesmos não
estão, o atendimento é realizado pelas assistentes de Educação Infantil. Estas são contratadas
por meio de processo seletivo, exigindo-se o Ensino Médio. Esse contrato pode ter duração de
até dois anos.
Nos grupos 4 e 5 o atendimento é realizado com os professores de atividade, Educação
Física e Arte, em 4 horas diárias.
Quanto ao atendimento pedagógico, até o ano de 2022 a REME contava com a Gerencia
de Educação Infantil – GEINF, que outrora já teve outras nomenclaturas como Divisão de
Políticas e Programas da Educação Infantil, Divisão de Educação Infantil-DEI e Coordenadoria
de Educação Infantil-COEI, porém, sempre com o mesmo objetivo: subsidiar o trabalho
pedagógico dos professores que atuam nesta etapa de ensino.
Recentemente, temos a criação da Divisão de Coordenação Pedagógica – COOPED,
que visa subsidiar o trabalho dos coordenadores pedagógicos cujo objetivo é acompanhar as
práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas.
Em termos de documentos orientadores, no ano de 2003 a equipe da Divisão de Políticas
e Programas da Educação Infantil elaborou o documento Diretrizes Curriculares para
Educação Infantil do município. O documento orientava o trabalho com as crianças da pré-
escola e creche sendo organizado a partir dos objetivos gerais da Educação Infantil, dos
pressupostos teóricos e metodológicos, dos desafios de vencer uma rotina estável e por fim da
avaliação.
Quanto aos pressupostos teóricos e metodológicos apontava a necessidade de superar a
dicotomia entre cuidar e educar com uma proposta de trabalho a partir de Temas Geradores e
conteúdo. De acordo com o documento, o trabalho pedagógico devia acontecer entendendo que,

[...] embora as áreas (Linguagem, Matemática, Música, Artes, Movimento, Natureza


e Sociedade) tenham sua especificidade, elas se articulam e se organizam no todo,
dando à ação pedagógica caráter de totalidade. Componentes curriculares como
Matemática, Língua Portuguesa, Movimento, Artes e Ciências encontram-se
interligados pelos Temas Transversais, privilegiando sempre a leitura, a escrita e a
produção do aluno (Campo Grande, 2003, p.19).

No ano de 2008 é lançado um novo documento intitulado de Referencial Curricular da


Rede Municipal de Ensino para a Educação Infantil. O documento é fruto dos estudos da equipe
da DEI e outros parceiros durante os anos de 2007-2008 e também traz textos da dissertação de
Mestrado da Profa. Leusa de Melo Secchi (Campo Grande, 2008).

518
Este documento apresenta os princípios teóricos da Educação Infantil na Reme, o
sentido e significado de cuidar e educar e a concepção de infância. Foca no trabalho pedagógico
com as crianças de 4 a 6 anos, evidenciando suas características e conquistas e apresenta os três
eixos principais do trabalho na Educação Infantil, apontando: identidade e autonomia,
comunicação e representação e o conhecimento do mundo físico e social. Por fim, trata sobre
avaliação.
Em relação ao cuidar e educar, o documento entende que

[...] não é concebível uma divisão entre os pressupostos enunciados, pois no "cuidado"
existem possibilidades de educação, assim como nas ações educativas é possível,
também, oferecer, simultaneamente, "cuidados". Fica, assim, claro o papel das
instituições de Educação Infantil, que, independentemente da faixa etária que
assumam, devem cumprir o duplo papel de educar e cuidar, de forma articulada e
qualitativa (Campo Grande, 2008, p.23).

Em 2009 foi elaborada para as turmas de crianças de 4 a 6 anos uma coletânea intitulada
de Coletânea para Crianças. Junto com o material das crianças, os professores receberam o
caderno Coletânea para Crianças, Orientações para os Professores. Na apresentação do
material é apontado que as atividades apresentadas nas coletâneas por mais que sejam divididas
por bimestres, trata-se apenas de sugestões e podem ser modificadas ou substituídas de acordo
com a necessidade da instituição e/ou turma. Também indica que as atividades foram
organizadas para subsidiar o trabalho dos professores e ampliar as possibilidades com as
crianças (Campo Grande, 2009). A coletânea apresentava atividades de linguagem oral e
escrita, linguagem matemática e propostas de desenhos.
Em 2011, a COEI disponibiliza aos professores o material Orientações para o trabalho
pedagógico. Composto por cinco volumes destinados a faixas etárias específicas: bebês e
crianças pequenas (4 a 24 meses), nível I (2 a 3 anos), nível 2 (3 a 4 anos), Pré I (4 a 5 anos) e
Pré II (5 a 6 anos). Importante ressaltar que no ano de 2011 era essa nomenclatura que a REME
utilizava para as turmas de Educação Infantil.
Para a faixa etária de 0 a 3 anos, esse material apresentava quem era a criança daquela
faixa etária, como elas aprendem e o que poderiam aprender nas turmas de Educação Infantil
do munícipio. Também apresentava os diferentes momentos previstos na organização da rotina
das turmas, assim como o que considerar ao planejar e organizar as atividades. Para as turmas
de 4 a 24 meses propunha um trabalho com âmbitos de experiências e para as turmas de 2 a 3

519
anos trazia alguns conhecimentos e objetivos, e para ambos apresentava algumas situações
didáticas.
Para a faixa etária de 4 a 6 anos o material propunha o trabalho com conhecimentos,
objetivos e também apresentava situações didáticas. Semelhante ao Referencial do ano de 2008.
Em 2017, a GEINF publica o documento Orientações Curriculares para a Educação
Infantil: jeitos de cuidar e educar. O mesmo já se apresentava em consonância com a BNCC
Educação Infantil, apresentando reflexões a partir dos direitos de aprendizagem e campos de
experiências.
De acordo com a equipe responsável pelo documento, o mesmo foi fruto de ampla
discussão coletiva iniciada em agosto de 2013, inicialmente pela equipe técnica do setor e,
posteriormente, com convidados das escolas, CEINF’s e Conselho Municipal de Educação
tendo o intuito de contribuir na construção de propostas pedagógicas que respeitem as
necessidades e direitos fundamentais das crianças (Campo Grande, 2017).
O documento no primeiro momento contextualiza a Educação Infantil na Rede
Municipal de Ensino, traz a discussão sobre cuidar e educar - entendendo-os como
indissociáveis -, a concepção de infância, o currículo, os eixos norteadores do currículo e os
objetivos da Educação Infantil. Logo discute os direitos de aprendizagem, os campos de
experiências e conhecimentos e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento tanto da
creche, como da pré-escola trazendo nova nomenclatura para as turmas: grupo. Por fim, discute
a organização do tempo, do espaço e a avaliação nesta etapa.
Em 2020, foi publicado o Referencial Curricular - REME Educação Infantil que segue
como o documento orientador mais atual do município, até o ano de 2022. De acordo com a
equipe da GEINF apesar da REME ter um documento orientador publicado recentemente,

[...] as discussões sobre o currículo continuaram nos âmbitos nacional, estadual e


municipal e, após a homologação da BNCC, em dezembro de 2017, fez-se necessária
a elaboração deste Referencial Curricular em conformidade com os campos de
experiências apresentados pela política recém-implantada, visando a uma melhor
aprendizagem por parte da criança, concebida como sujeito de direitos que precisa ser
entendida em suas especificidades e atendidas em seus modos próprios de aprender e
de agir no mundo (Campo Grande, 2020, p.19).

Deste modo, pretendemos trazer algumas reflexões sobre esses breves históricos
apresentados.

Considerações finais
520
Não temos a intenção neste trabalho de findar as pesquisas sobre o histórico da Educação
Infantil no município de Campo Grande, ao contrário, o trabalho mostra que há muito a ser
explorado ainda. Como vimos existem poucas referências.
A trajetória da Educação Infantil no município assemelha-se com a trajetória da
Educação Infantil no país, ambas nascem no bojo assistencialista e lutam fortemente para
firmarem-se no campo educacional.
Podemos apontar que desde os documentos orientadores do município de Campo
Grande sempre acompanharam ideologicamente os documentos federais, ampliando suas
discussões e buscando um melhor entendimento dos profissionais que estão nos espaços
educacionais.
Podemos constatar que as turmas de pré-escola sempre tiveram destaque em relação as
turmas de creche, verificamos isso nas próprias organizações dos primeiros documentos
orientadores da Educação Infantil em que a ênfase eram as crianças de 4 a 6 anos. Ainda,
somente a partir de 2010 começa-se a ter professores para a faixa etária de 0 a 3 anos, e em
2011, a REME sistematiza num documento orientações sobre o trabalho pedagógico para a
creche.
Em Campo Grande, apesar da legislação federal apontar desde de 1988 que o
atendimento das crianças de 0 a 6 anos compete a educação, e os documentos orientadores
municipais reafirmarem isso, somente em 2014 as Unidades de Educação Infantil passam
definitivamente para a pasta da educação, ou seja, tardiamente.
Outro ponto que merece nosso destaque é o constante uso dos termos cuidar e educar,
tanto nos documentos federais quanto municipais. Percebemos que desde 1998 já é apresentado
como algo indissociável, mas até hoje é necessário reforçar, o que nos faz pensar que ainda há
o entendimento pela maioria dos profissionais da Educação Infantil de que cuidar seja apenas
assistencialismo e não educacional.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.


Referencial curricular nacional para a educação infantil. v. 1. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CAMPO GRANDE. Decreto n. 10.000 de 27 de junho de 2007. Dispõe sobre a ampliação do


Sistema Municipal de Ensino e o funcionamento dos Centros de Educacão Infantil – CEINFs,

521
e dá outras providencias. Diário Oficial de Campo Grande-MS. Campo Grande, MS, s/v,
n.2.328, p.20. 28º jun 2007. s/s, pt.1.

CAMPO GRANDE. Secretaria Municipal de Educação. Divisão de políticas e programas da


Educação Infantil. Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. Campo Grande, MS:
SEMED, 2003.

CAMPO GRANDE. Secretaria Municipal de Educação. Divisão de Educação Infantil.


Referencial Curricular da Rede Municipal de Ensino para a Educação Infantil. Campo
Grande, MS: SEMED/DEI, 2008.

CAMPO GRANDE. Coletânea para crianças, orientações para professores. Maciel, G. D.


(Org.). Campo Grande, MS: Gráfica Editora Alvorada, 2009.

CAMPO GRANDE. Secretaria Municipal de Educação. Gerência de Educação Infantil.


Orientações Curriculares para a Educação Infantil: Jeitos de cuidar e educar. Campo
Grande, MS: SEMED/GEINF, 2017.

CAMPO GRANDE. Secretaria Municipal de Educação. Gerência de Educação Infantil.


Referencial Curricular - REME Educação Infantil. Campo Grande, MS: SEMED/GEINF,
2020.

CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO (Campo Grande). Dispõe sobre a organização, o


credenciamento e a autorização de funcionamento da Educação Infantil do Sistema Municipal
de Ensino de Campo Grande-MS e dá outras providências. Deliberação CME/MS N. 1.203,
de 07 de abril de 2011. DIOGRANDE: parte 1: Poder Executivo, Campo Grande, ano 14, n.
3.262, p. 11-14, 25 abr. 2011.

FERNANDES, M. D. E. Gestão da educação infantil: entre a herança assistencial e o


atendimento educacional tardio. In: Congresso Ibero-Americano de Política e
Administração da Educação, 3., Zaragoza/ES. Trabalhos. Disponível em: <
http://www.anpae.org.br/iberoamericano2012/Trabalhos/MariaDilneiaFernandes_res_int
_GT7.pdf >. Acesso em: 14 set. 2022.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Biblioteca,


catálogo, município de Campo Grande/MS. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=32803&view=detalhes. Acesso em: 11
out. 2022.

MOTTI, K. R. N. R. A municipalização da educação infantil em Campo Grande Pós-


LDB/1996. Campo Grande, MS. 119 p. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação: Campo Grande, 2007.

ROSA, M. F. O direito da criança a ter direito: A educação infantil em Mato Grosso do Sul
(1991 – 2002).São Paulo, SP. 286 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
de São Paulo: São Paulo, 2005.

522
SILVA, A. S. da. Políticas de atendimento à criança pequena em MS (1983-1990). 1997.
Campinas, SP. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas: Campinas, 1997.

523
CRIANÇA E INFÂNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA

Gisele Aparecida Ferreira Martins (PPGE/UCDB)


giseleaparecida.ef@hotmail.com

Resumo: Este trabalho é um recorte da tese, ainda em construção, intitulada “Protagonismo


infantil e direito de participação da criança na aula de dança em uma escola municipal de tempo
integral de Campo Grande/MS”, integra a linha de pesquisa “Práticas Pedagógicas e suas
Relações com a Formação Docente”, do Programa de Pós-graduação em Educação – Mestrado
e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco. Trata-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa cuja coleta de dados foi realizada junto a um grupo de crianças, por meio dos
seguintes instrumentos: observação participante, roda de conversa e metodologias visuais
(fotografias e vídeos). As crianças, sujeitos da pesquisa, participam dessas aulas na forma de
atividade curricular complementar, e estão regularmente matriculadas no Grupo 5 (4 e 5 anos)
de uma escola municipal de tempo integral, escolhida pelo fato de ser a que atende o maior
número de alunos no município. O referencial teórico percorreu dois eixos temáticos principais,
a Sociologia da Infância e a Dança na Educação Infantil por meio de autores representativos
dos dois campos científicos. Este artigo apresenta uma abordagem sobre a criança, a infância e
o direito de participação a partir das contribuições do campo teórico da Sociologia da Infância.

Palavras-chave: Criança; Infância; Sociologia da infância.

Introdução
Os conceitos de infância e de criança foram tratados, durante muitos anos, na educação,
como semelhantes; contudo, existem diferenças entre eles, apontadas, especialmente, pelos
estudos no campo da história da infância, que evidenciam que os dois conceitos foram
formulados em momentos distintos. Nos últimos anos, a criança tem sido considerada como ser
humano concreto com direitos assegurados pela legislação vigente. Infância consiste no modo
como se concebem, produzem e se legitimam as experiências das crianças. De acordo com
Martins:

[...] a Sociologia da Infância propõe um novo olhar perante a infância ao considerá-la


uma estrutura social permanente, ou seja, uma estrutura histórica que, independente
dos sujeitos que lhe atravessam, permanece com características próprias. Assim como,
ressignificar o olhar perante a criança ao considerá-la um ator social, produtora de
cultura e atuante em sua própria trajetória e na sociedade (Martins, 2019, p.15).

524
Fala-se em “infâncias”, no plural, considerando-se os modos diversos como são
vivenciadas. Veja-se, nesse sentido, o que o Projeto de Cooperação Técnica MEC e UFRGS
para construção de orientações curriculares para a Educação Infantil, do Ministério de Educação
e Cultura, a Secretaria de Educação Básica e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
elaboraram, em 2009:

Ser criança não implica em ter que vivenciar um único tipo de infância. As crianças,
por serem crianças, não estão condicionadas as mesmas experiências. Os
estabelecimentos de Educação Infantil ocupam atualmente, na sociedade, importante
lugar como produtores e divulgadores de uma cultura de defesa da infância, ou seja,
possuem o compromisso político e social de garantir as especificidades das infâncias
na sociedade contemporânea (Brasil, 2009, p. 22).

A ausência da infância e criança nos estudos sociológicos explica-se, conforme


apontado por Brostolin (2020, p. 317):

[...] devido à subalternidade das crianças ao mundo adultocêntrico, em que eram vistas
como “homúnculos”, isto é, homens em miniatura, alguém a vir a ser, incompleto e
imperfeito, estudado por campos científicos como a Psicologia, a Medicina que
raramente dialogavam com a Sociologia, a Antropologia e a História.

A teorização da Sociologia da Infância veio apoiar o pensamento inovador sobre


crianças e infâncias. Na pesquisa social de crianças e da infância, a influência desse estudo
despertou o interesse mundial pelos direitos das crianças. Ao defender tais direitos e ampliar as
discussões das novas teorizações sociais, o lugar de destaque das crianças na sociedade passou
a ser considerado, conforme argumenta Dornelles e Fernandes (2015). Borba e Lopes (2013,
p. 31) salientam que

[...] as crianças são e devem ser estudadas como atores na construção de sua vida
social e da vida daqueles que as rodeiam –, as crianças são atores sociais competentes,
seres presentes, que agem de forma própria e intencional nos tempos e espaços em
que se encontram, através das interações que estabelecem com seus pares, com os
adultos e com a sociedade na qual estão inseridas. As crianças são sujeitos que
contribuem para a reprodução, mas também para a produção da cultura e da sociedade
em que estão inseridas.

Na abordagem sobre criança e infância oferecida pela Sociologia da Infância, dois


aspectos importantes podem ser destacados em relação aos direitos das crianças na educação.
Primeiro, a infância não existe de forma finita e universal e não pode ser descrita como tal. Em
vez disso, percepções da criança e infância estão sempre situadas dentro de um contexto social,
político e cultural. O segundo aspecto importante da sociologia em relação à reformulação da
525
infância é que as crianças devem ser consideradas ativas, agentes sociais criativos, participantes
nas relações sociais, cujos conhecimentos e pontos de vista são derivados de experiências de
relacionamentos, ambientes e eventos (Nascimento, 2015).

A infância
A noção de invenção ou construção social da infância está ligada à visão de que
atitudes e comportamentos têm origem em períodos de tempo, sociedades e culturas específicas.
A experiência de uma criança britânica, por exemplo, será, certamente, muito diferente da
experiência de uma criança brasileira, ou de uma criança chinesa, porque essas culturas
concebem diferentes modos de educar as crianças.
Segundo Marchi (2017), a infância não pode ser entendida separadamente da
sociedade e da política, porque estar fora da sociedade significa estar fora da sociologia, fazendo
com que poucas perguntas sejam feitas sobre esse grupo, que, para muitos, é considerado
excluído. Inserir a infância e as crianças no contexto político e social propicia melhor base para
que questões sobre os direitos humanos das crianças sejam levantadas e abordadas. Assim, a
questão sobre a negação dos direitos das crianças poderá, então, ser tratada como derivada da
sociedade humana, e não da natureza humana.
De acordo com Corsaro (2005), a partir do momento em que as crianças entram no
mundo, elas agem sobre ele, e suas ações afetam o cotidiano de todos - crianças e adultos. A
Sociologia da Infância defende que as crianças têm competência moral e política e devem ser
consideradas como participantes e contribuintes para a sociedade, reconhecidas como pessoas,
essencialmente indistinguíveis de outras, como sujeitos ativos.
Os estudos de James e Prout (1997), assim como os de Ariès (1973) e Corsaro (2005),
foram fundamentais para a construção desse novo paradigma sobre a infância, trazendo
significativo impacto no cenário científico. As cinco principais características do novo
paradigma da Sociologia da Infância, segundo James e Prout (1997), citados por Delgado e
Müller (2005), são: 1. A infância socialmente construída é diferente da imaturidade biológica.
É uma interpretação contextualizada no início da vida do ser humano com base nas crenças e
culturas da sociedade. 2. A infância está entrelaçada com outras variáveis sociais, como gênero,
etnia, classe, etc. 3. As perspectivas independentes das próprias crianças devem ser
consideradas durante o estudo das crianças e da infância. 4. As crianças devem ser vistas como
participantes ativos, não apenas na construção de conhecimento sobre elas, mas também
526
construção da sociedade como um todo. 5. O novo paradigma da Sociologia da Infância é
responder ao processo de reconstrução da infância.
Com respeito à concepção da infância, Delgado (2013, p. 19) explicita que

[...] a modernidade configurou a norma social da infância, que podemos compreender


como uma administração simbólica da infância expressa pela criação de regras, pela
fundação de instituições e formulação de princípios e orientações. Essa norma é
definida pelo princípio da negatividade da infância, ou seja, por um conjunto de
interdições e prescrições que negam ações, capacidades ou poderes às crianças: elas
não votam, não podem ser eleitas, não sabem e, por isso, têm de estudar; elas não se
casam, não pagam impostos, não trabalham, não tomam decisões relevantes e não são
puníveis por crimes.

Normas sociais, em sua gênese, e de forma prática, são boas práticas de comportamento
que regulam a forma como nós, seres humanos, interagimos com os outros.
Com relação à infância, norma social, de acordo com Brostolin (2021, p.2), em
referência a Marchi e Sarmento (2017), seria, então, “um conjunto de regras e disposições
jurídicas e simbólicas que regulam a posição da criança na sociedade e orientam as relações
entre elas e os adultos”. Contudo, a autora chama a atenção para o fato de constituir uma
normatividade que “desconsidera as crianças que fogem do padrão considerado normal e as
excluem, não colocando ao seu alcance os meios mínimos que as constituem crianças,
deixando-as nas margens, ou seja, fora da norma” (BROSTOLIN, 2021, p. 2). Nesse sentido, a
autora ressalta que são milhões de crianças, no mundo afora, que se enquadram nesse contexto,
em condições de subalternidade, e expõe o seguinte:

As últimas décadas têm mostrado a profunda contradição entre a normatividade


infantil produzida pela modernidade e as condições de vida das crianças vítimas do
capitalismo financeiro, reforçando o abandono das crianças como sujeitos de direitos.
Práticas e concepções de criança que se afastam da normatividade levam à exclusão
de seu próprio estatuto social (Brostolin, 2021, p. 2).

Desse modo, o que se observa, de acordo com a autora, é a violação universal dos
direitos da criança, na medida em que interesses econômicos e políticos hegemônicos têm se
sobreposto ao verdadeiro compromisso de proteger e permitir o desenvolvimento das crianças.
Esta pesquisa, tem aporte teórico no campo da Sociologia da Infância, que constitui uma
das áreas científicas que têm ampliado o debate e abordagens sobre a infância, com ênfase na
participação e voz da criança. Esse ramo das ciências sociais contrapõe-se à invisibilidade
atribuída a ela, e a concebe como um ator social inserido na sociedade, um ser humano com

527
vida, vivências, ativo, participativo, juntamente com outras crianças e com adultos (Brostolin,
2021).
A abordagem e discussão sobre a normatividade da infância está muito ligada aos
direitos da criança, e se alicerça, de forma bastante expressiva, no documento que emergiu da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança-CDC, de 1989, cuja aplicação e
articulação com a pesquisa que aqui se descreve será discutida no próximo item.
O conceito moderno de infância, para Nascimento (2015), resulta do projeto de
educação e institucionalização que a burguesia construiu para garantir que as crianças
crescessem como adultos úteis e bem regulados. O destaque é dado à elaboração e
implementação de lei cuja ênfase é de que as crianças devem permanecer nas escolas por um
certo período de tempo para aprender as habilidades necessárias. A lei foi construída com
interação dos pais e professores com a ideia de que a escolaridade é um investimento
significativo para o futuro da nação.
A ideia de que a infância é socialmente construída está relacionada à compreensão de
que não é um processo que se desenvolve naturalmente, ao contrário, é a sociedade que decide
quando uma criança é e quando ela deixa de ser criança. A noção de infância não pode ser vista
isoladamente, pois se encontra profundamente entrelaçada com outros fatores da sociedade, é
socialmente construída e deve ser entendida contextualmente. Isso faz com que a concepção
que se tem de infância dependa não apenas do contexto, da cultura, do tempo, mas também das
circunstâncias.
Considere-se, nesse sentido, a abordagem de Dornelles e Fernandes (2015), quando
mencionam que crianças da mesma faixa etária, em uma mesma sociedade, podem ser vistas
diferentemente, em termos da situação em que vivem. Preconcebe-se, por exemplo, que uma
criança com histórico socioeconômico baixo seja menos comprometida com os estudos, e uma
criança de classe média, da mesma idade, seja mais responsável, em termos de cumprimento de
tarefas da escola e outros aspectos de desenvolvimento, em uma mesma sociedade.
A infância não é universal, nem natural; ao contrário, está ligada às circunstâncias
sociais e ao processo cultural. Embora a criança e a infância sejam consideradas de forma
diferente de tempos em tempos e de contexto para contexto, uma coisa é comum em toda a sua
diversidade: as crianças são vistas diferentemente dos adultos. Isso significa que os adultos
precisam entender a práxis infantil.
Nascimento, Brancher e Oliveira (2008, p. 60) explicitam que:
528
[...] a partir da década de 1990 os estudos sobre as crianças, passam a considerar o
fenômeno social da infância, ultrapassando os métodos reducionistas. Destas novas
pesquisas surgem diferentes infâncias, porque não existe uma única, e sim, em
mesmos espaços têm-se diferentes infâncias, resultado de realidades que estão em
confronto.

A composição de uma Sociologia da Infância ocorreu especialmente em oposição à


ideia de infância como elemento passivo de uma socialização conduzida por instituições e por
adultos. Esse movimento geral é constatado pela Sociologia tanto de origem francesa como
inglesa, que estão centradas na infância e nos processos de socialização/ participação. Essa nova
visão da infância como construção social teve início com os estudos desenvolvidos por Ariès
(1973), e foi ampliado por uma gama de novos estudiosos sobre o tema, que passaram a ver as
crianças como atores de sua própria existência. Delgado e Müller (2005) acreditam que é
preciso possibilitar o acesso a voz das crianças, pois trata-se de seres completos,
biopsicossociais.
Além da noção de que a infância alterou significativamente, de tempo em tempo, em
uma mesma sociedade, é significativo observar que ela não pode ser considerada isolada de
outras variáveis sociais, pois está entrelaçada com outros fatores, como, por exemplo, gênero e
raça, etc.

[...] A Sociologia, até então, não tinha reservado às crianças uma atenção específica,
pois estas sempre eram estudadas como um fenômeno interligado à escola e à família
e atreladas à discussão sobre a socialização da criança como uma forma de inculcação
dos valores da sociedade adulta. Mas é a partir da década de 1980 que um campo
teórico se constitui para “disputar” este saber, que de alguma maneira pertencia à
Psicologia e à Medicina que centrava o foco no adulto. A criança e sua infância saíram
do interregno que estavam colocadas. A Sociologia da Infância faz algumas inflexões
na tentativa de falar da criança e da infância a partir de outros referenciais e, também,
prescreve novas e outras modalidades para entender o que é ser criança e ter uma
infância (Abramowicz; Oliveira, 2010, p. 41).

Muitos estudos têm contribuído para a interação de áreas e tópicos temáticos diferentes
em pesquisas com as crianças. Tem se constituído em um vasto campo, além de heterogêneo,
tanto em áreas científicas de referência quanto em metodologias e, também, em relação as
imagens de infância que são estabelecidas. Existe, sim, uma preocupação com os modos de se
fazer pesquisa com crianças. Observe-se o que Dornelles e Fernandes (2015, p. 69) comentam:
As discussões que emergem dessas investigações se dão em torno de questões que
versam sobre gênero, brincadeira, racialidades, culturas, o lugar da criança na
pesquisa, família, ética na pesquisa, mídias, violência, infâncias ribeirinhas, cyber
infância, docência e crianças, infância na rua e nas cidades, racismo e preconceito,
corporalidade, abrigo e acolhimento, saúde, artes, políticas, consumo, escolarização
de bebês, temporalidade, currículo, visualidades, literatura.

529
As autoras consideram, ainda, que
A interlocução que a Sociologia da Infância tem vindo a mobilizar com outras áreas
de estudo, tem sido fundamental para ouvir as vozes das crianças e realizar estudos
com as crianças a fim de compreender a infância vivida pelas crianças a partir de seu
ponto de vista (Dornelle; Fernandes, 2015, p.66).

Ao abordar sobre a participação de crianças em pesquisas, há que se retomar estudos


que as envolvem. Prout (2005) considera que foi em 1880 que eles tiveram início, com os
estudos biologicistas de Darwin. Esse autor menciona outros dois marcos, quais sejam, a criação
da pediatria relacionada com a psicologia do desenvolvimento e o construtivismo social da
infância (Coutinho, 2016).
Desse modo, os estudos sociais da infância vêm do século XIX, contudo, com caráter
diferente do movimento contemporâneo, haja vista que estes consideram a interdisciplinaridade
e a ênfase de áreas das ciências sociais e humanas. Coutinho (2016) ressalta a expressão “novos
estudos sociais da infância”, atribuído, segundo a autora, por Gunilla Halldén (2005), cujo
marco são “os anos 1990 e contam com a grande contribuição da Sociologia da Infância, quando
autores como Prout e James (1990) apresentam os princípios dos childhood studies” (Coutinho,
2016, p. 763).
As teses defendidas por esses dois autores demarcaram um lugar diferenciado para as
crianças, no campo da produção do conhecimento, tendo em vista que propõe a ideia de criança-
ator, em substituição à de criança-objeto. Essa perspectiva tem levantado um importante debate
no campo dos estudos sociais da infância, considerando-se que superar uma concepção
normativa de criança fortemente implantada implica o desafio de se repensar o conceito de
infância e reestruturar a relação adulto-criança nos processos de pesquisa.
Coutinho (2016, p. 765) faz referência ao que considera alguns paradoxos no processo
de pesquisa com as crianças:

O primeiro deles é a coerência conceitual, teórica e metodológica. Muitos estudos


anunciam um alinhamento conceitual com a ideia da criança-ator, por vezes até
fundamentando teoricamente tal perspectiva, mas de modo geral não a sustentam
metodologicamente e mesmo nas análises dos dados gerados.

Outro elemento considerado paradoxal, pela autora, diz respeito à ética da relação com
as crianças na pesquisa.

[...] se partimos do pressuposto que as crianças são as melhores informantes das


questões que lhes dizem respeito e que seu ponto de vista deve ser considerado,
530
inclusive sobre a sua disponibilidade de ser ouvida, como procedemos quando se trata
de crianças bem pequenas, que não utilizam a fala como principal forma de
comunicação? [...] Muitas vezes, os estudos referem à importância de considerar a
opinião das crianças, mas ao apresentar o percurso metodológico fica evidente que o
que predomina é o interesse do pesquisador em fazer descobertas (Coutinho, 2016, p.
765).

Essa preocupação tem sido observada no Brasil, na verdade desde 1970, quando Fúlvia
Rosemberg empregou o termo “adultocentrismo” para questionar o fato de, no desenvolvimento
de pesquisas com as crianças, a centralidade ser dada ao adulto.

Considerações Finais

A partir do momento em que se mudam as concepções sobre a infância, cria-se a


possibilidade de transformar a maneira de se trabalhar com as crianças nos mais distintos
espaços institucionais, oferecendo-se maior atenção para seus interesses, considerando-as,
ouvindo seus anseios e ideias, de forma que a prática deixe de estar centralizada tão somente
no adulto e abra espaços para o protagonismo infantil.
O processo de pesquisa com as crianças deve ter uma consonância entre os conceitos, a
teoria, a metodologia e a ética. Ninguém melhor que as próprias crianças para informar as
questões que lhes dizem respeito. Deste modo o seu ponto de vista deve ser considerado bem
como a ideia da criança-ator, e essa perspectiva deve ser sustentada desde a metodologia até as
análises dos dados gerados.
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532
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Routledge Falmer, 2005.

533
CURRÍCULO DECOLONIAL: PENSAR OS MODELOS CURRICULARES QUE
ABRANGEM E AGREGAM TODAS AS CULTURAS, VALORES E DIFERENÇAS,
ALÉM DOS MOLDES COLONIAIS

Luís Felipe Cristaldo Gonçalo (Bolsista Excelência UCDB)


lipecristaldo@gmail.com

Resumo: Este trabalho objetiva discorrer sobre os modelos curriculares impostos pelos moldes
coloniais, e refletir a necessidade da decolonização dos currículos nas escolas, uma vez que
estas estão cheias de culturas diversas, e precisamos de um currículo que vai além dos trabalhos
culturais realizados na educação multicultural de por meio do calendário escolar, posto que o
trabalho cultural realizado na educação é realizado de forma datada e defasada, sistematizadas
por dinâmicas que caracterizaram o poder colonial hegemônico nas escolas de fronteira, onde
as diversidades culturais aqui presentes são subalternizadas e silenciadas, afim de estabelecer e
fortalecer a cultura hegemônica que a colonialidade impõe, a partir da constatação de que a
natureza dos processos educacionais se assemelha àquela que se verifica no colonialismo
europeu, constituindo saberes impostos por uma matriz colonial de poder. A partir do aporte
conceitual proposto pela abordagem decolonial, entende-se que tal matriz foi articulada a partir
de relações de subordinação política, econômica e cultural, sempre amparadas pelo discurso do
progresso e da modernidade, e negando as demais culturas existentes.
Palavras-chave: decolonização; culturas; diversidades culturais.

Ao pensarmos sobre uma proposta curricular que envolva os aspectos decoloniais,


precisamos refletir a colonialidade, como um conceito central dos estudos sobre a pós-
coloniais/decoloniais latino-americanos, sendo uma colonialidade do saber a qual, onde se
justificava toda a soberania imperial que apartava as relações com os povos que consideravam
subalternos e impondo suas sapiências sobre os demais.
Assim, surge a emergência de novos saberes e práticas que exige a configuração de
modalidades de atuação por parte daqueles que tradicionalmente se ocupam do conhecimento
e da política. É preciso pensar nos potenciais atuações da educação como um tema central para
os estudos decoloniais/pós-coloniais organizados a partir da América Latina; sendo a
decolonialidade curricular um caminho para envolver e incluir todas as realidades.

Uma das finalidades principais de toda intervenção curricular é preparar os/as


alunos/as, membros solidários e democráticos de uma sociedade solidária e
democrática. Uma meta desse tipo exige, por conseguinte, que a seleção dos
conteúdos do currículo, os recursos e as experiências cotidianas de ensino e
534
aprendizagem que caracterizam a vida da sala nas aulas, as formas de avaliações
e os modelos organizativos promovam a construção dos conhecimentos,
destrezas, atitudes, normas e valores necessários para ser bom/boa cidadão/ã.
(SANTOMÉ, p. 159, 1995)

Refletindo a condição daqueles que habitam em regiões fronteiriças, onde se inserem


um contexto multicultural, cabe as seguintes indagações perante o currículo, onde estão as
culturas fronteiriças? Como elas são abordadas na grade curricular das escolas? Quais nossos
aspectos de valorização cultural no âmbito educacional? A resposta para essas indagações é
simplesmente inexistente; uma vez que as culturas fronteiriças existem, entretanto, não são
devidamente salientadas em nosso âmbito regional e educacional.
Muitas propostas de escolarização mantêm ainda uma forte estrutura
Fordista, no sentido que seu modo de funcionamento se assemelha ao da cadeia de
montagem de uma fábrica. Assim os alunos se posicionam de forma fixa em sua
carteira e diante deles/as vão passando diferentes matérias e professores/as, a um
determinado ritmo. (SANTOMÉ, p. 160, 1995).

Por conseguinte, de nada vale romper com esse paradigma da razão moderna, tomar
conhecimento e consciência que temos um vasto campo cultural nas salas de aula, cada um com
culturas própria, mas não pensar e agir a partir dela, ficando estagnados com nossas próprias
relações culturais, a constituição desse novo sujeito epistemológico que defende e pensa além
das fronteiras.
O modelo colonializado de currículo, traz uma visão de saberes impostos, a serem
ensinados e nunca questionados, sem abrir espaço para novos olhares, nesse sentido “[...] a
única coisa que os estudantes aspiram é acabar o quanto antes os seus deveres e desse modo
conseguir uma recompensa extrínseca” (SANTOMÉ, 1995, p. 160); a aprendizagem girando
em torno de se obter uma nota, porém onde está o espaço dos saberes culturais, da formação
crítica? “[...] o que tem menos importância nessa situação é o sentido, a utilidade e o domínio
do que devem aprender (SANTOMÉ, 1995, 160).
Nessa ótica percebemos a necessidade de uma reformulação curricular, da
necessidade de implementar uma visão descolonizada;
Um projeto curricular emancipador, destinado aos membros de uma sociedade
democrática e progressista, além de especificar os princípios de procedimentos que
permitem compreender e sugerir processos de ensino e aprendizagem de acordo com
isso, também deve-se necessariamente propor certas metas educativas e aquele
bloco de conteúdos culturais que melhor contribuam para uma socialização crítica
dos indivíduos. (SANTOMÉ, 1995, p. 160).

535
Ou seja, as vozes subalternas, aquelas que foram silenciadas pela colonialidade
moderna, aquela que o colonizador fez calar, precisam ocupar seu espaço e fazer serem ouvidas,
precisam expressarem o que é viver na subalternidade, falar de seu próprio lócus de enunciação
o que é viver na fronteira epistemológica.
É preciso que se pense o currículo sob esse olhar da decolonialidade, das diferenças,
não significando necessariamente o término da colonialidade, das metodologias já impostas,
mas referindo-se a um pensamento além do eurocentrismo que impera esses conceitos colonial
e moderno. É discorrer sobre promover a diversidade nas histórias locais em vez de
universalizá-las; em relação a seu lócus de enunciação, enaltecendo as diversas culturas
existente, não somente no meio social, mas começando pelo campo educacional.
Promover essas culturas trabalhando as diversidades culturais na educação, onde
encontramos um público com características multiculturais, então por que negar trabalhar as
pluriculuralidade existente e trabalhar uma única centrada em uma realidade eurocentrista
distante da nossa realidade? Trabalhar a cultura indígena e Afro apenas um dia do ano, e a
cultura branca prolongamos para o resto do ano, nosso lócus de enunciação não é ao menos
mencionado. Por que ser excludente com nossa própria história cultural fronteiriça?
Quando se analisa de maneira atenta os conteúdos que são desenvolvidos de forma
explicita nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção a arrasadora
presença das culturas que podemos chamar de hegemônicas. (SANTOMÉ, 1995, p.
161)

Portanto, não se pode ter um olhar voltado somente para o campo ocidental, é
necessário rever toda história local existente e tomá-los.
As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não
dispõe de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não
estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação.
(SANTOMÉ, 1995, p. 161)

Essa mudança na produção teórica intelectual contribui para essa ótica geohistórica
do pensamento subalterno, é exatamente esse pensamento que é construído na relação entre os
diferentes universos do mundo colonial. A diferença colonial pode-se dizer que é uma fonte de
conhecimento crítico porque seu conteúdo está em conflito com conhecimentos dominantes, ou
seja, os conhecimentos imperiais.
Assim, a diferença é constituída apenas em parte pelo colonialismo, seu valor e
significado é interpretativamente constituído pelo colonialismo. Então é necessário que se tenha
essa mudança de produção teórica, uma redefinição epistemológica, onde a geohistória pode

536
manter as dimensões críticas e normativas que trazem um caminho para se trabalhar e incluir a
interculturalidade no currículo o tornando mais significativo as realidades existentes.
O enfoque que se desprende da interculturalidade crítica não é funcional para o
modelo de sociedade vigente, mas um sério questionador dele. [...] O
interculturalismo funcional responde e é parte dos interesses e necessidades das
instituições sociais; a interculturalidade crítica, pelo contrário, é uma construção de e
a partir das pessoas que sofreram uma história de submissão e subalternização.
(WALSH, 2009, p. 21-22).

Essa visão que Whalsh (2009), apresenta é essa reformulação que integra a
interculturalidade a ser trabalhada e amparada, onde é possível pensar para além, isto é, deixar
o centrismo cultural que temos da cultura imperialista e pensar a partir do nosso lugar de fala
(nosso lócus), pensar em nossas condições enquanto subalternos e buscar ir para além deles.
Uma vez que, “[...] privilegiar certo tipo de conhecimento é uma forma de operação
de poder (SILVA, 1999, p. 15-16), e acabamos por promover uma educação excludente no
ponto de vista cultural, unificando e validando apenas sobre o olhar colonial, portanto, é preciso,
“[...] destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo
a ideal é uma operação de poder (SILVA, 1999, p. 15-16)
Diante desses argumentos apresentados por Silva (1999), se pode perceber que o
quanto somos “apartados” de nossa realidade fronteiriça, somos moldados, separados e
colocadas em um lugar que não nos pertence, aprendemos desde cedo que índio é índio, negro
é negro, e homossexual é homossexual e mulher é mulher, todos podemos ter um lócus de
enunciação fronteiriço, mas de dentro desses lugares mau são vistos, e o que impera é o domínio
do colonizador, nesse caso as culturas homogenias impostas pelo eurocentrismo.
Walsh (2009), fomenta sobre pensar na razão subalterna onde diz é um caminho para
rever as contextualizações das histórias contadas para dividir o mundo; nesse sentido começa a
se pensar em uma.
Partir do problema estrutural-colonial-racial e dirigir-se para a transformação das
estruturas, instituições e relações sociais e a construção de condições radicalmente
distintas, a interculturalidade crítica – como prática política – desenha outro caminho
muito distinto do que traça a interculturalidade funcional. Mas tal caminho não se
limita às esferas políticas, sociais e culturais; também se cruza com as do saber e do
ser. Ou seja, se preocupa também com a exclusão, negação e subalternização
ontológica e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos racionalizados; (WALSH,
2009, p. 23)

Pensar a partir da decolonialidade pensar em nossas raízes e o que as agrega, uma vez
que não existe apenas um modo de pensar, apenas um lugar e cultura específica, a teria

537
eurocêntrica gira em torno da homogeneização e monoculturalização, porém podemos teorizar
além, nos descobrir e assumir como pluriculturais.
No âmbito educacional a teorizamos fortemente a cultura homogênea eurocêntrica,
não há uma um pensamento centrado em nosso lugar de fala, o que transmitimos para os
educandos é esse mesmo conhecimento teorizado pelo colonizador, dando pequenos espaços
de se relembrar o outro que existe dentro dos moldes além do modelo colonial em apenas um
dia do ano letivo. A teorização da episteme partindo da razão subalterna tem que partir do
âmbito educacional, desde a educação infantil, apresentar aos pequenos nosso biolócus, e está
certamente irá espalhar essa pluriculturalidade existente para a sociedade a qual pertencemos.
Não se trata de negar as culturas advindas da Europa Imperial, mas de saber que temos nossas
próprias correntes culturais, que somos parte de uma diversidade de saberes geoistóricos e que
precisamos resgatá-los e valoriza-los.
[...] a alienação intelectual é uma criação da sociedade burguesa. E chamo de
sociedade burguesa todas as que se esclerosam em formas determinadas, proibindo
qualquer evolução, qualquer marcha adiante, qualquer progresso, qualquer
descoberta. Chamo de sociedade burguesa uma sociedade fechada, onde não é bom
viver, onde o ar é pútrido, as ideias e as pessoas em putrefação. E creio que um
homem que toma posição contra esta morte, é, em certo sentido, um revolucionário.
(FANON, 2008, p.186)

As culturas locais e subalternas sofre com essa alienação cultural que Fanon (2008)
nos apresenta pela colonialidade moderna, onde o choque de culturas entre colonizador e
colonizado se chocam, quem chega primeiro leva vantagem sobre o outro, nesse viagem
colonização imperialista, cosmopolita que chega primeiro homogeneíza a língua, as tradições e
cria outra versão cultural estruturada em suas próprias teorias.
Portanto, precisamos pensar além da colônia da modernidade, aproximarmos no
aspecto cultural que nos diferencia, assumirmos um papel de razão subalterna em nosso lócus
fronteiriço, desfazer então a imagem do “outro”, que criaram sobre nós, com a finalidade de
nos diminuir perante a colonialidade do poder.
Essa diferença cultural e subalternização na América Latina começa desde muito
tempo atrás, onde o colonizador chegou impondo suas sapiências sobre os povos que aqui
residia e os silenciaram, sobressaindo a cultura europeia sobre as “outras” que foram
inferiorizadas. Na realidade curricular vemos um exemplo as datas comemorativas que são
colocadas de forma insignificante no currículo e trabalhada sem nenhuma relação com a

538
realidade, como os povos indígenas que foram silenciados e são apenas lembrados de modo
arcaico com cocares e arco e flecha.
O outro criado na figura colonial moderna pensa ou tem representatividade, sendo
isolados e apartados em suas diferenças, é preciso portanto aproximarmos no que nos
diferencia, tomar nossa razão subalterna. Pensar em nós enquanto povos culturalmente
diversificados, em nossa condição e existência, nossas tradições e diversidades e agir conforme
elas no campo da disseminação do conhecimento dentro da sociedade e no âmbito escolar.
De modo algum devo me empenhar em ressuscitar uma civilização negra
injustamente ignorada. Não sou homem de passados. Não quero cantar o passado às
custas do meu presente e do meu devir. O indochinês não se revoltou porque
descobriu uma cultura própria, mas “simplesmente” porque, sob diversos aspectos,
não lhe era mais possível respirar. (FANON, 2008, p. 187)

Desta forma, busca-se não a negação dos conhecimentos dos eurocentrista, mas um
diálogo conflituoso, no qual diferentes projetos sociais dialoguem em paridade epistêmica
fronteiriça, considerando a pluralidade interna e externa da ciência e todos seus aspectos
culturais.
A pluralidade interna da ciência se refere às diferentes teorias e paradigmas que se
constroem na tentativa de explicação/transformação do mundo, considerando a necessidade de
nos interrogarmos sobre a relevância epistemológica, metodológica e política desta visão
imperialista considerada científica e monocultural.
Neste contexto, as Epistemologias do Sul, a desobediência epistêmica, o pensamento
decolonial, reivindicam o direito de se construírem sob termos outros de legitimidade
acadêmica e social das diferentes culturas sejam locais ou fronteiriças que foram de alguma
forma silenciadas.
Incluir essa interculturalidade no currículo se trata de ir além das formulações
coloniais que nos são impostas; ou seja, pensar além do conhecimento prévio e cronológico que
temos.
As instituições de ensino, necessita rever os paradigmas sobre os quais seus currículos
foram construídos, quais os aspectos que levaram a criação do calendário escolar e como foram
selecionadas as formas de se trabalhar as culturas aplicadas nesse calendário, assim então
tomasse por decisão repensar todos esses processos e se desprender das epistemologias
ocidentais e ir para além de suas origens, focalizar no contexto das culturas subalternizadas,
pensar e lecionar seu próprio contexto cultural local e fronteiriços. “Há uma zona de não-ser,

539
uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um
autêntico ressurgimento pode acontecer.” (FANON, p. 26.)
A epistemologia fronteiriça é a episteme do homem que não quer se submeter as
condutas universalizadas pelo ocidente, que anseia se desprender-se dela e pensar por si mesma
em suas histórias e composições culturais seja de raízes regionais ou por imigrantes, ou seja, a
partir do momento em que se cria uma consciência de sua história e busca visibilizá-las, tirá-
las do canto escuro em que foram postas pelo pensamento ocidental imperialista.
O currículo, como campo cultural, como campo de construção e produção de
significações e sentido, torna-se, assim um terreno central dessas lutas de
transformação das relações de poder. (MOREIRA, SILVA, 2002, p. 30).

A epistemologia decolonial toma consciência de sua história, suas crenças, tradições


e suas origens silenciadas pela colonização, pelas religiões e culturas eurocentrista. Então qual
o motivo das instituições de educação, enquanto situadas em região fronteiriça ainda pregar o
discurso colonial moderno e abafar suas raízes?
Os educandos precisam aprender sobre suas origens, seu lugar de pertencimento, suas
crenças e costumes na qual nasceram; trabalhar a consciência negra apenas no dia 20 de
novembro, não faz com que crianças negras se sintam valorizadas e livres de racismo durante
o resto do ano, se reconheçam e tenha orgulho de sua cultura, apresentar a cultura indígena para
as crianças de forma antepassada, não faz com que a criança indígena conheça, valorize ou sinta
orgulho de suas raízes, e as demais crianças que ali estão por mais que não sejam vistas e
ouvidas, trazem uma variedade de culturas fronteiriças ricas, mas que são, silenciadas, deixada
de lado, subalternizadas.
Querer pensar e praticar a descolonização num marco intercultural implica
necessariamente assumir complexidade e a diversidade de vozes, sujeitos,
projetos e lugares culturais, sociais, políticos e econômico produzidos nas
sociedades atuais frente aos núcleos de desigualdade existente. (CANDAU;
SACAVINO, 2013, p. 190)

Temos em nosso lócus um rico e vasto território cultural diversificado, mas não são
mencionadas nas instituições de ensino. São apresentadas aos alunos durante todo ano letivo
conhecimentos advindos do eurocentrismo, onde ainda se cria uma ideia de homogeneidade de
poder e cultura, e mesmo que imperceptivelmente é repassado as crianças, as características do
belo esteticamente como uma criança branca, olhos claros e cabelos lisos, vestes apropriadas
de característica europeia, etc; fazendo assim umas distinção entre crianças e suas culturas
mesmo sem perceber desde a educação infantil, abafamos as características geohistórica das

540
crianças e adaptamos a uma realidade que nos foi (im)postas sem ao menos nos darmos conta,
e assim seguimos estamos renegando as nossas próprias origens.
A prática curricular que se observa, ainda na universidade, constitui-se de um
paradigma epistemológico positivista, o qual se configura por aspectos de um saber
pronto e acabado em si mesmo, disciplinarmente organizado, sequencialmente
linearmente transmitido, na maioria das vezes verbalmente pelo professor.
(GESSER; RANGHETTI, 2011, p. 8)

As lutas sociais dos povos historicamente silenciados pela modernidade/colonialidade


tencionam por um Pensamento de Fronteira, de onde possam emergir diálogos interculturais.
Desprender-se, significa pensar além da fronteira. No âmbito escolar é preciso criar práticas
relacionadas a esse desprendimento decolonial que ganham os diferentes saberes nas diferentes
lutas sociais em relação a objetivos de ação e formas de organização. Mediante a construção de
inteligibilidade recíproca entre diferentes práticas sociais torna-se possível elevar as práticas
não hegemônicas à condição de práticas propositivas, de práticas interculturais para a afirmação
das culturas que foram colonizadas e homogeneizadas.
A importância de se refletir sobre esse modelo curricular, está no fato de estarmos
vivendo em tempos pós-modernos, o que significa dizer que necessitamos de
modelos e práticas que tenham por base outro paradigma, ou seja, que concebam os
conhecimentos e processos de formação como espaço conceitual no qual se
constroem novos saberes como resultados sempre contraditórios de vários processos
históricos, sociais, culturais, etc. (GESSER; RANGHETTI, 2011, p. 8)

Os autores fomentam sobre essa necessidade de reflexão dos modelos curriculares


com olhar para além dos moldes coloniais. Estamos nesse caminho de desprendimento do
sistema moderno/colonial, mas para isso precisamos tomar consciência da nossa condição de
fronteira, precisamos da desobediência epistêmica, visando uma reformulação dessa episteme
que incremente nossas trajetórias, e a educação é uma das ferramentas por onde se pode abrir
essa janela de desprendimento colonial e pensar em uma proposta fronteiriça decolonial.
Para o contexto atual, urge um currículo que desenvolva a capacidade do
desenvolvimento crítico, da reflexão e da reconstrução da própria gênese histórica
do currículo, das teorias e da prática da profissão reconhecendo que as escolhas
(pessoais e profissionais) são sempre carregadas de valores. (GESSER;
RANGHETTI, 2011, p.4)

Trata-se de desprender e superar a lógica do universalismo abstrato e a escala global


eurocêntrica que mede as demais localidades do mundo. Toda globalização vem com projetos
de universalização, desvalorizando gradualmente as localidades que julgam inferiores, a
epistemologia colonial dominante ultrapassa a ideia de fronteira e suas localidades, o
pensamento fronteiriço é o desdobramento epistêmico dessa diferença colonial, na medida em

541
que surge da necessidade de questionar a subalternidade colonial imposta pela colonialidade do
saber.
Para fortalecer esse pensamento outro em direção ao currículo decolonial podemos
nos teorizar do conceito de sociogênese, introduzida por Fanon, este conceito é uma junção da
desobediência epistêmica, desprendimento da separação do pensamento de território colonial
moderno. Sendo uma esfera da Corpo-política, onde se começa a ter discernimento de sua
condição de fronteira.
Gesser e Ranchetti (2011), discorrem que não é fácil trilhar um caminho outro, mas é
importante se colocar a caminho;
Propor ousadia, desafios na construção de outras racionalidades para o design de um
currículo significa acreditar que o ser humano é a história, faz história e a refaz,
conforme o tempo no qual vive. Hoje a literatura que apresenta pesquisas sobre o
currículo e os processos de ensinar e aprender, sobre o desenvolvimento do ser
humano e sua constituição, destacam a relevância do ser humano como autor da
história. ( GESSER; RANGHETTI, 2011, p.16)

Pensar na educação hoje em seu contexto epistemológico, podemos perceber ainda


essa grande influência colonial da modernidade, a educação vem carregada de saberes centrados
na práxis ocidental, onde o colonizador ainda tem grande poder sobre o colonizado diminuindo
sua importância e favorecendo a deles de forma silenciosa.

Referencias:
CANDAU, Vera; SACAVINO, Susana (Orgs). Educação: Tema em debate. I ed Rio de janeiro
7 Letras, 2013, v. 1 p. 16-22

FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas / Frantz Fanon ; tradução de Renato da
Silveira . - Salvador : EDUFBA, 2008. p. 1

GESSER, V.; RANCHETTI, D. S. Currículo Escolar: Das concepções histórico-


epistemológicas e sua materialização na prática dos contextos escolares. Curitiba. CRV, 2011

SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In. SILVA, Tomaz
Tadeu da. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação.
Petrópolis RJ. Vozes, 1995 (p. 159-177).

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as teorias do currículo.
Belo Horizonte. Autentica, 1999. (p. 11-27)

WALSH, Catherine. Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir


e re-viver. In CANDAU, Vera Maria. (Org). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2009. P. 12 – 42.
542
CURRÍCULO E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: DIFERENTES OLHARES E
EXPERIÊNCIAS ANTIRRACISTAS

Anna Eliza Khoury Pinheiro (UCDB)


elizakhoury@gmail.com

José Licínio Backes (PPGE/UCDB)


backes@ucdb.br
Apoio: PIBIC/UCDB

Resumo: O artigo é fruto do plano de trabalho, “Currículo e relações étnico-raciais: diferentes


olhares e experiências antirracistas”, vinculado ao projeto de pesquisa, “Currículo e
(de)colonialidade: relações étnico-raciais, gênero e desigualdade social”, com apoio do CNPq.
O objetivo foi analisar os artigos publicados na Revista da ABPN (Associação Brasileira de
Pesquisadores(as) Negros(as) do período 2012-2022, identificando diferentes perspectivas e
experiências de educação das relações étnico-raciais na perspectiva antirracista. Na primeira
fase foram identificados os artigos publicados nesse periódico no período 2012-2022 para
selecionar os que versavam sobre a temática. Os artigos selecionados foram analisados em
conformidade com os objetivos da pesquisa. Os resultados indicaram que: a) a história do Brasil
é marcada por uma forte influência do período colonial e pelo período da escravidão. Nesse
contexto produziu-se um conjunto de conhecimentos equivocados sobre a África e a população
negra, que infelizmente, ainda estão presentes na sociedade e nos currículos das escolas; b) o
movimento negro sempre lutou e conseguiu aprovar a Lei 10.639/2003, que representa um
marco para a inclusão das relações étnico-raciais no currículo, tornando obrigatório o ensino da
História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. Conclui-se que várias experiências antirracistas
estão sendo desenvolvidas em diferentes disciplinas do currículo.

Palavras-chave: currículo; relações étnico-raciais; experiências antirracistas.

Introdução

O artigo é resultado do projeto de pesquisa, “Currículo e (de)colonialidade: relações


étnico-raciais, gênero e desigualdade social”, apoiado pelo CNPq (Bolsa Produtividade). No
texto, analisa-se artigos publicados na Revista da ABPN (Associação Brasileira de
Pesquisadores (as) Negros (as)) do período 2012-2022, identificando diferentes perspectivas e
experiências de educação das relações étnico-raciais na perspectiva antirracista.
Acredita-se que com a produção do artigo, teremos uma melhor compreensão do que
vem sendo discutido em termos de currículo e educação antirracista. Salienta-se que o currículo
é entendido na perspectiva crítica, segundo a qual, mais do que colocar em circulação
conhecimentos, também produz sujeitos, identidade e diferenças.
543
Além disso, o currículo é sempre uma parte selecionada de conhecimentos, que ao
excluir uns e privilegiar outros, produz um determinado tipo de sujeito. Assim para produzir
um sujeito antirracista é fundamental incluir conhecimentos da história e cultura africana nos
currículos.
Diferentes olhares e experiências antirracistas

Iniciamos o artigo com a pergunta: afinal, por que são necessárias experiências
antirracistas nas escolas? Elas são necessárias, como historicamente tem destacado o
movimento negro, porque existe um racismo estrutural no Brasil, existe o mito da democracia
racial, existe o ideal de branqueamento. Todas essas realidades impactam negativamente a
trajetória dos estudantes negros no Brasil, bem como toda a sua trajetória nos demais espaços
sociais:
A imobilidade educacional é um obstáculo tanto quanto a social, política e
econômica dos que fazem parte do grupo de cor. Esses indivíduos são
estagnados e estigmatizados a partir da categoria cor/raça. Assim, ser negro
é carregar caracteres inferiores resultando em discriminações e racismo
por conta da cor de sua pele. A raça torna-se um dos requisitos nas avalições
dos indivíduos para preencher os diferentes espaços da sociedade (Silva, 2013,
p. 184).

Diante dessa realidade, muitas experiências antirracistas estão sendo desenvolvidas nos
currículos das escolas do Brasil. Estas experiências sempre existiram, sobretudo,
protagonizadas pelos militantes do movimento negro, mas elas ganharam um novo ímpeto e
foram ampliadas com o advento da Lei 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino
da História e Cultura Africana e Afro-brasileira em todos os níveis da educação.
Com isso, muitos professores foram levados a pensar em novas práticas antirracistas,
cursos de formação foram se readequando e algumas secretarias de educação incluíram a
temática nas formações continuadas. Ainda que não seja na intensidade necessária,
considerando o racismo estrutural no Brasil e a histórica negligencia em trabalhar a temática
étnico-racial de forma efetiva, não se pode deixar de reconhecer que efetivamente houve
ampliação das experiências antirracistas nas escolas.
Essas experiências ocorrem em diferentes disciplinas. Neste sentido, destacamos a
possibilidade de trabalhar no contexto do ensino de Matemática conteúdos afro-
etnomatemáticos que contribuem para mostrar o processo de silenciamento que houve e que
continua havendo em relação a produção de conhecimentos dos povos Africanos.
544
André, Costa e Santos (2017), em seu artigo mostram que os povos africanos, mesmo
antes de terem sido trazidos a força para o Brasil e brutalmente escravizados, tinham muitos
conhecimentos relacionados a mineração, siderurgia, arquitetura e cerâmica. O domínio do
ferro era amplamente conhecido pelos povos africanos. Porém estes conhecimentos foram
apropriados pelos brancos, colocando-os a serviço do projeto colonizador:

A depreciação dos saberes provenientes da África construiu uma forma de ver


a o continente como um lugar de pobre, de pessoas com baixo domínio
tecnológico e constituição civilizatória, para além de outros tipos de
pensamentos racistas criados ao longo do tempo para subjugar os povos
africanos, destruir traços indenitários e minar as organizações dos povos
quando se criavam em regime de Estados (André; Costa; Santos, 2017, p. 17).

Conforme argumentam os autores, ao ensinar Matemática nos currículos não se coloca


os africanos como produtores de conhecimentos matemáticos. Tanto na disciplina de História
aprendida nas escolas e nas outras estudadas, os africanos são vistos apenas como escravos,
excluindo toda e qualquer forma de participação de conhecimento e participação na história,
principalmente na matemática. Desta forma, os alunos vão reforçando a ideia de que os povos
negros não tiveram e não produzem conhecimentos. Para mudar esta realidade, é fundamental
que nos currículos se inclua estes conhecimentos e se mostre sistematicamente que eles foram
produzidos pelo povo negro. Assim, alunos negros vão se sentir valorizados e estimulados a
continuarem seus estudos, inclusive, tornando-se grandes cientistas nas ciências exatas.
Andrade (2018) mostra que apesar da Lei 10639/2003 garantir a presença de
conhecimentos africanos e afro-brasileiros nos currículos, sobretudo, na disciplina de História,
muitas vezes, ela continua sendo trabalhada na perspectiva da branquitude e da colonialidade.
Esta colonialidade se mostra, por exemplo, quando se observa o grande espaço que é
dado ao conteúdo sobre a imigração dos europeus ao mesmo tempo em que se acentua a história
dos negros enquanto estiveram escravizados no Brasil. O autor destaca esta realidade, mas
também vai mostrando possibilidades de romper com ela. Mas, para isso é necessário superar
os obstáculos que ainda estão presentes nos processos formativos de professores. Uma das
formas de superar é desenvolver pesquisas dentro dos cursos de formação de professores sobre
a questão negra:

Em suma, evidenciei que a história das Áfricas, quando não está ausente, surge
a partir do seu significado para a escravidão. No que diz respeito à valorização
dos afrodescendentes e do seu papel como agentes históricos na construção do
545
Brasil, demanda reivindicada ao longo do tempo pelos movimentos sociais, os
relatórios exprimem a branquitude presente em nossas relações, ao
colocarem a atuação dos afrodescendentes em menor escala em relação aos
brancos (Andrade, 2018, p. 259).

A superação dessa forma de ensinar a História é fundmanetal, pois o que é ensinado nas
escolas influencia a forma de pensar e olhar de quem aprende o conteúdo. Então é necessário
saber que o currículo escolar brasileiro gira em torno apenas da cultura do colonizador, que é
branca, masculina, heterossexual e cristã. Para mudar isso, é necessário incluir a história
africana de outro modo, potencializando as práticas antirracistas.
Cunha Junior (2017), lembra que para o ocidente a história da humanidade inicia com a
escrita. Entretanto, este mesmo ocidente apagou durante séculos que a escrita foi inventada
pelos africanos. Ao omitir esta informação colocou os povos africanos como primitivos. Da
mesma forma pode-se falar em silenciamento da filosofia africana e de tantos outros
conhecimentos:

Durante mais de 5000 anos na história da humanidade as nações e povos


africanos estiveram entre os mais desenvolvidos e produtores de
conhecimento. As matemáticas aplicadas à solução de problemas diversos
como a hidrologia, náutica, engenharia civil, arquitetura e astronomia tiveram
grande desenvolvimento na antiguidade africana, principalmente no Egito,
Núbia e Etiópia (Cunha Junior, 2017, p. 109).

É importante lembrar que todo povo se desenvolve e resolve problemas para a melhoria
da vida. Com o povo africano não foi diferente. Eles tinham conhecimentos matemáticos que
estavam muito presentes na sua arte e no desenvolvimento de sua população. Existe uma forte
ligação da matemática com a arte africana e a religiosidade, constituindo-se como filosofia.
Essa realidade precisa estar presente nos currículos para superar a ideia de que os africanos não
são produtores de conhecimentos.
Alves e Boakari (2015), lembram que a Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes
curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Por exemplo, os
professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e
formadora da sociedade brasileira, os negros devem ser considerados como sujeitos históricos,
valorizando-se, portanto, o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros
brasileiros, na literatura, na ciência, na música. Entretanto, ao questionarem se efetivamente a
Lei 10.639/2003 está sendo cumprida, destacam que há ainda muito silêncio em relação a
546
temática étnico-racial que precisa ser superado. Para tanto, é necessário um compromisso social
e pedagógico de todos os professores:

Assim, os profissionais da educação precisam estar capacitados para


promover nas escolas um ensino que influencie seus alunos a buscarem a
transformação da sociedade, isso só será possível, se forem levadas em
consideração a diversidade étnico-racial, de renda, cultural e social do país
(Alves; Boakari, 2015, p. 436).

Melo (2015), chama a atenção de que geralmente nas aulas de Língua Inglesa a temática
étnico-racial está ausente. No ensino da língua, geralmente se prioriza apenas os códigos,
gerando um raso aprendizado. Mas isso deve mudar. O ensino das línguas deve estar ligado à
cultura, deve englobar todas as raças e formas de pensamento e de se comportar. Os alunos
precisam ter um olhar crítico. É preciso incluir práticas antirracistas. Precisa-se reconhecer que
a linguagem é performativa, portanto, quando se ensina inglês, age-se sobre a vida social,
construindo pessoas. Nas aulas de língua inglesa, pode-se tanto naturalizar falas racistas, quanto
questionar e desenvolver falas antirracistas. Cabe ainda destacar que nos livros didáticos de
Língua Inglesa há pouca presença de negros, o que reforça o ideal de embranquecimento e o
padrão de beleza branco:

Neste sentido, ao ensinarmos inglês, estamos também fazendo coisas com e


para a língua inglesa, mas ela é a coisa que fazemos dela. Refletir, então, sobre
a perspectiva performativa da linguagem possibilita-nos repensar,
desconstruir e reinventar nossas tarefas de trabalho docente, teorias e o próprio
ensino do inglês. (Melo, 2015, p. 73)

Agindo dessa forma, segundo Melo (2015), possibilita-se que a voz daqueles que foram
calados por séculos esteja cada vez mais ao alcance de mais pessoas, sobretudo, a voz dos
alunos africanos será incluída, produzindo outros modos de ver essa cultura.
Costa (2022), mostra que os estigmas raciais continuam presentes na educação básica.
A autora analisou a experiência de uma escola que a princípio organizou as turmas em A e B,
usando como critério o nível de aprendizagem. Entretanto, a análise mostrou que o que mais
servia para distinguir as turmas eram as diferenças fenotípicas (raça) e questões econômicas.
Ainda segundo as informações fornecidas pela escola, o objetivo da divisão das turmas era
adequar as práticas pedagógicas e didáticas às necessidades dos alunos, mas o que se observou
foi um processo de discriminação em função da raça e classe:

547
Os sujeitos que demandam um dos polos das desigualdades sociais, no recorte
que proponho, são lidos na sociedade como sujeitos atravessados pelas
consequências opressivas das condições de raça e classe econômica. Os
sujeitos da turma B, que faziam uso da mochila e tênis ofertados pela escola,
eram estigmatizados por uso contínuo destes, não variando os objetos. Em
sua grande maioria, são crianças negras, com país ausentes, devido à rotina de
trabalho (Costa, 2022, p. 181).

Como mostra a autora essa classificação vai produzindo sentimentos de inferioridade e


superioridade e a escola tem dificuldade de reconhecer esta realidade de discriminação racial,
porque tanto a sociedade como a escola estão imersos no mito da democracia racial. Por isso, é
tão fundamental, segundo Costa (2022), pautar a prática pedagógica na Lei 10.639/2003,
desenvolvendo a valorização da identidade negra por meio de práticas antirracistas.
Além disso, segundo a autora, é fundamental que os educadores estejam conscientes
dos estigmas sociais e culturais que afetam o desempenho dos alunos. Ao compreenderem os
estigmas racistas, eles podem adotar abordagens antirracistas, valorizando a diversidade e
criando oportunidades para que todos os estudantes se sintam engajados e motivados a
aprenderem e efetivamente tenham sucesso nas escolas.
Oliveira e Silva (2020), destacam que para mudar a educação no Brasil e incluir práticas
antirracistas é fundamental que na formação haja a inclusão de práticas relacionadas a herança
africana, tais como, oralidade, religiosidade, corporeidade e tantas outras práticas afro-
centradas. Por exemplo, se na formação dos professores houver a inclusão de brincadeiras e
canções em Língua Africana, estas ao serem trabalhadas na educação, contribuirão para o
sentimento de liberdade, afirmação e emancipação de estudantes negros:

A ludicidade, é importante ressaltar, trata-se de um valor civilizatório


tradicional africano, bem como a oralidade, musicalidade, corporeidade,
circularidade, religiosidade, memória, ancestralidade, cooperativismo e a
energia vital, presentes nas brincadeiras e canções africanas, bem como nas
habilidades e competências escolares as quais as práticas pedagógicas se
debruçam em potencializar e desenvolver nos estudantes (Oliveira; Silva,
2020, p. 77).

O desenvolvimento de práticas lúdicas africanas faz parte de uma pedagogia antirracista


potente que contribui para a superação do racismo e da discriminação no contexto da escola e
em decorrência de toda a sociedade. Além disso, cria laços de solidariedade entre os alunos,
possibilita o conhecimento de outras realidades, incentivando a cultura de abertura e diálogo
com o outro, ao mesmo tempo em que fortalece as diferentes identidades. Os autores, na
548
perspectiva de valorizar a cultura e história africana, recorrem a termos como “pedagoginga”,
uma forma de crítica a burocracia e ao tecnicismo presentes na escola. Outro termo, utilizado
pelos autores, é a “pretagogia”, que como o próprio termo sugere, envolve a inclusão da
perspectiva africana, por meio da tradição oral, dos valores da cultura de matriz africana, bem
como da religiosidade e do corpo como produtor de conhecimentos. Os autores, ainda destacam
a pedagogia “Grio”, como uma forma de colocar em diálogo a cultura tradicional africana e a
cultura acadêmica.
Ao adotar práticas afro-perspectivadas e griotagens na educação, as escolas e os
educadores contribuem para a construção de uma sociedade antirracista, portanto, justa e
democrática. Além disso, essas abordagens promovem uma educação mais plural e integral,
que não apenas ensina conteúdos acadêmicos ocidentais, mas também valoriza as experiências
e vivências culturais dos estudantes, permitindo que eles se vejam representados e reconhecidos
nos currículos.
Vieira (2019), ao destacar a importância da Lei 10.639/2003, observa que a escola ainda
não está dando conta de combater o racismo e a discriminação, principalmente em relação a
religiosidade africana. O autor em sua pesquisa observou que as religiões de matriz africana,
são invisibilizadas na escola e quando há a identificação de praticantes estes são discriminados,
mas a escola entende que se trata de brincadeiras:

Essas situações vexatórias, dissimuladamente disfarçadas de brincadeiras, são


na verdade formas de linchamento que estão presente na escola e que deveriam
ser tratadas como uma oportunidade de promover o diálogo sobre as
diferenças religiosas e instruir para uma sociedade mais tolerante às diversas
formas de religião. Fatos deste tipo geram uma série de desconfortos aos
alunos que foram inferiorizados pela sua religião e que são obrigados a ocultar
sua crença (Vieira, 2019, p. 61).

Para superar esses desafios, segundo Vieira (2019), é necessário um esforço conjunto
de gestores, educadores, comunidade escolar e órgãos governamentais. É preciso investir na
formação continuada de professores, disponibilizar materiais adequados, promover discussões
sobre racismo, incluir os conhecimentos africanos nos currículos de diferentes disciplinas.
Além disso, como Martins (2012) argumenta, é necessário construir uma nova forma de
olhar para o continente africano nas escolas. Geralmente, o continente africano continua sendo
visto como um continente atrasado, caracterizado pela miséria como se não fosse um espaço de

549
produção de conhecimento. Além disso, costuma ser visto como um espaço homogêneo,
evidenciando uma visão rasa, simplificada e reduzida da África:

Diante de tal indagação acreditamos que sim, é possível escrever uma outra
história do Continente Africano na escola, sobretudo, se houver um
comprometimento coletivo de pessoas que atuam na instituição escolar para
com o tema, se houver o objetivo real de construir uma sociedade mais
igualitária e que respeite a diversidade (Martins, 2012, p. 189).

Portanto, temos várias experiências antirracistas sendo desenvolvidas nos currículos e


temos tantas outras que podem ser desenvolvidas. Reitera-se que elas são fundamentais para
termos uma educação de qualidade e uma sociedade mais justa e democrática.

Considerações Finais
No artigo discutimos a importância da inclusão das relações étnico-raciais no currículo
escolar, destacando diferentes olhares e experiências antirracistas na educação. Valorizar a
diversidade étnica e cultural, combater o racismo e promover a igualdade nas escolas é
fundamental no contexto atual.
Como vimos pelos artigos analisados, a história do Brasil é marcada por uma forte
influência do período colonial e pelo período da escravidão. Nesse contexto produziu-se um
conjunto de conhecimentos equivocados sobre a África e a população negra que, infelizmente,
ainda estão presentes na sociedade e nos currículos das escolas.
Diante dessa realidade, o movimento negro sempre lutou e conseguiu aprovar a Lei
10.639/2003, que representa um marco para a inclusão das relações étnico-raciais no currículo,
tornando obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. Ela possibilitou
que mais experiências antirracistas fossem desenvolvidas nas escolas. Ela também fez com que
a formação de professores incluísse a temática étnico-racial.
Vimos que várias experiências antirracistas estão sendo desenvolvidas em diferentes
disciplinas do currículo, mas elas precisam ganhar ainda mais espaço. Os conhecimentos da
história e da cultura africana são fundamentais para a criação de currículos antirracistas e de
uma sociedade antirracista.

Referências

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lei 10.639/03 no espaço escolar? Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as
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551
CURRÍCULO INTERCULTURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO
INTERCULTURAL: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA

Henrique Rezende Untem (Bolsista CAPES UCDB)


henrique.untem@gmail.com

Resumo:O trabalho é fruto de uma pesquisa que tem como objetivo analisar a formação dos
professores em relação às diferenças presentes na educação básica. Argumenta com base na
educação intercultural que para que essa ganhe cada vez mais espaço na educação básica é
necessário que a formação docente se dê na perspectiva da interculturalidade. A pesquisa foi
de abordagem qualitativa e utilizou-se para a produção dos dados, entrevistas semiestruturadas
junto aos professores que atuam em uma escola pública que possui baixo IDEB (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica). Os resultados indicaram que para um trabalho
intercultural mais efetivo na educação básica há a necessidade de momentos formativos em que
os professores possam dialogar, refletir e estudar sobre as possibilidades de atuação
intercultural no espaço tempo da sala de aula, posto que como apontou a pesquisa a formação
inicial e continuada não tem contemplado de modo satisfatório a temática das diferenças.

Palavras chave: Currículo escolar; Professores; Interculturalidade.

Introdução
Temos aprendido com diferentes autores que o espaço da sala de aula é heterogêneo.
Esta aprendizagem vem acompanhada das nossas vivências com os currículos escolares nos
quais a diferença está presente. Isto tem exigido de nós professores e pesquisadores uma
reflexão sobre as possibilidades que rompam com uma história de opressão e inferiorização dos
diferentes grupos culturais. Para que essa ruptura seja possível, é necessário que a formação
docente (inicial e continuada) esteja voltada para as diferenças.
Explicitamos a compreensão de currículo que utilizamos nesta pesquisa e que, portanto,
atravessa nossas reflexões. Estamos compreendendo o currículo como um campo de disputas.
Conforme Pavan (2022, p. 03), devido às “[...] relações de poder, alguns conhecimentos são
vistos como necessários e mais importantes; outros, como complementares; e outros, ainda,
como prejudiciais, não devendo ser incluídos no currículo, em função desse suposto prejuízo”.
Além disso, lembramos que: “os conhecimentos presentes em um determinado currículo, longe
de serem neutros, trazem as marcas históricas, sociais e culturais dos grupos que o produziram”
(Pavan, 2022, p. 3). Estas marcas a que se refere a autora, historicamente são as marcas do

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conhecimento hegemônico, isto é, do grupo branco, eurocêntrico, masculino, heterossexual,
cristão, classe média/alta, entre outros, subalternizando e inferiorizando os conhecimentos que
não estão dentro deste padrão hegemônico. Pode-se dizer, que tanto os currículos da educação
básica, quanto os currículos de formação docente carregam essas marcas.
Contrapondo-se a esse currículo hegemônico, o currículo intercultural tem nos mostrado
caminhos que nos ajudam a construir “[...] novas práticas pedagógicas para dialogar com essa
realidade e trabalhar esse leque de questões que estão presentes no chão da escola e é necessário
enfrentar e abordar, não para punir e excluir, e sim para dialogar tentando construir uma
educação intercultural” (Sacavino, 2020, p. 02-03). Para que o currículo intercultural possa
ganhar força nas escolas, é fundamental que a formação docente inicial e continuada contemple
a perspectiva intercultural, dialogando com as diferenças.
Neste sentido, enfatizamos que o “[...] diálogo é um dos meios mais simples com que
nós, como professores, acadêmicos e pensadores críticos, podemos começar a cruzar fronteiras,
as barreiras que podem ser ou não erguidas pela raça, pelo gênero, pela classe social, [...] e
outras diferenças” (Hooks, 2017, p. 174).
Com base nesta concepção de currículo é que efetuamos uma pesquisa em uma escola
de baixo IDEB, buscando compreender se os professores estão sendo formados para
trabalharem na perspectiva de um currículo intercultural. A escolha por uma escola com baixo
IDEB é porque esta pesquisa está inserida dentro de um projeto maior que problematiza o
desenvolvimento de uma educação que busca construir a homogeneidade, recorrendo entre
outras estratégias, a avaliações em larga escala, como é o caso do IDEB.
Apesar de reconhecermos com Candau (2020), que:
A interculturalidade vem adquirindo cada vez maior presença no campo educacional.
Na América Latina, possui um processo intenso de desenvolvimento, especialmente
a partir dos anos 70, quando a expressão surge referida à educação indígena (Candau,
2010). Caracterizo este processo como uma ‘construção plural, original e complexa’.
Muitos têm sido os programas, projetos e experiências desenvolvidas ao longo do
continente que assumem este enfoque. Políticas públicas da área de educação têm
incorporado a interculturalidade em reformas curriculares e processos de formação de
professores e professoras. Uma relevante produção acadêmica tem sido
produzida [...]” (p. 679).

Ainda assim, a pesquisa mostra que os professores consideram frágil o seu processo
formativo no que se refere as questões das diferenças.

Caminhos metodológicos
553
Esta pesquisa é parte da dissertação intitulada “Currículo escolar: possibilidades
interculturais” do programa de pós-graduação em educação da Universidade Católica Dom
Bosco – UCDB, defendida no ano de 2021. Teve abordagem qualitativa, ou seja, enfatizou
aspectos relacionados às concepções, percepções, sentimentos, entre outros, dos sujeitos que
fizeram parte dela. Minayo (2008), enfatiza que a pesquisa qualitativa é adequada “[...] aos
estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou
seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como
constroem seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam.” (Minayo, 2008, p. 57).
Para a coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, um instrumento
metodológico que nos permitiu fazer, nas palavras de Duarte (2004, p. 125), um “mergulho em
profundidade”, para entender o processo formativo dos professores em relação às diferenças.
Esse mergulho em profundidade foi possível em função da escolha teórica, pois como destaca
Duarte (2004, p. 215), é possível afirmar que o que caracteriza a pesquisa qualitativa “[...] não
é necessariamente o recurso de que se faz uso, mas o referencial teórico/metodológico eleito
para a construção do objeto de pesquisa e para a análise do material coletado no trabalho de
campo”. Trata-se de um referencial teórico metodológico, conforme Candau (2012, p. 44), que:
“[...] constitui outra maneira de analisar a diversidade cultural, não concebe as culturas como
estados, como entidades independentes e homogêneas, mas a partir de processos, de interações,
de acordo com uma lógica de complexidade”.

Análise e discussão dos dados: o diálogo com os professores

Reiteramos que defendemos “[...] a construção de uma perspectiva intercultural capaz


de mobilizar práticas educativas que visem uma educação critica tendo como horizonte a
reinvenção da escola.” (Sacavino, 2020, p. 02-03). Nossa preocupação neste item é analisar se
a formação dos professores de contemplou a perspectiva da interculturalidade. Para isso,
passamos a trazer as falas dos professores entrevistados. Para manter o anonimato dos
professores optamos por usar nomes de pedras preciosas brasileiras. Todos os participantes
pertencem a mesma escola pública de baixo IDEB, localizada em uma cidade do estado de Mato
Grosso do Sul.

554
Os professores entrevistados criticaram a formação docente inicial e continuada por essa
não contemplar as diferenças culturais ou quando é contemplada, ocorre de forma frágil e
insuficiente. Conforme a professora Ametista: “Não, na época que eu estudei não, não!” Ou
ainda, que isso era feito de forma pontual, como podemos observar na fala do professor
Topázio: “Já foi debatido, inclusive eu até me lembro que... foi em um seminário? Eu lembro
que a gente fez uma paródia, alguma coisa assim, então na faculdade mesmo já é ensinado isso,
não digo que tem a disciplina, mas que teve esse conteúdo contemplado, sim.”
Com essas falas podemos notar que, mesmo quando trabalhada, a diferença ainda
aparece muito pontualmente. Isto nos lembra o que Canen e Oliveira (2002, p. 74) já
enfatizaram há mais de duas décadas: “Em tempos de choques culturais e intolerância crescente
quanto àqueles percebidos como ‘diferentes’, a educação e a formação de professores não
podem mais se omitir quanto à questão multicultural”.
É importante reconhecermos que as diferentes formas de lidar com as diferenças
apresentadas e discutidas com os professores em algum momento formativo, que pode ser o da
própria experiência em sala de aula, produz efeitos na sua forma de trabalhar o currículo escolar.
A professora Cianita, expressou sua aprendizagem com o trabalho que desenvolveu em uma
escola que reconhecia a singularidade das histórias dos seus estudantes. Somente quando
ampliou sua experiência docente é que passou ter mais “um pouquinho mais desse olhar”, ser
mais sensível, não apenas reconhecer as diferenças, mas a entender que cada aluno tem uma
trajetória diferente, que precisamos compreendê-la. Segundo ela, os professores e a comunidade
escolar, “[...] enxergavam o aluno não só como aquela pessoa que estava ali em sala de aula,
mas sim como todo aquele que tem uma bagagem, que tem uma história, [...]” (Professora
Cianita). De certa forma, pode-se dizer que o que a professora contou, aproxima-se de Arroyo
(2014, p. 232) quando aponta que “[...] os professores são os primeiros a experimentar que em
cada sala de aula têm de aprender a lidar com coletivos de alunos menos genéricos”.
Candau (2014, p. 36) nos chama atenção que “hoje esta consciência do caráter
monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a da necessidade de romper com ele
e construir práticas educativas em que a questão das diferenças se faça cada vez mais presente”.
Conforme apontamos anteriormente, com base em Candau (2020), a autora reconhece
que já há alguns avanços no sentido de políticas públicas, nos países latino americanos, em
relação a presença da interculturalidade na formação de professores. São frutos dos
movimentos/lutas dos grupos discriminados.
555
A professora Barita foi a única que indicou que a diferença fez parte do seu processo
formativo de forma mais efetiva. Segundo ela: “eu levo isso [os estudos sobre as diferenças]
muito para dentro da sala de aula, e eu acho que levo para o tipo de aula que eu dou, para o tipo
de educação que eu dou, acho que eu levo muito isso, é forte!” (Professora Barita).
Em relação às formações continuadas, os professores também apontaram que o tema
das diferenças não é recorrente, mas que seria bem-vindo se fosse trabalhado. A professora
Aventurina nos disse: “Que eu lembre, não! Especificamente, não sei, que eu lembre, não!
Principalmente para saber como lidar com elas, [com as diferenças]. Sim! Eu gostaria, [...].”
(Professora Aventurina).
As escolas ainda retratam a diversidade em momentos definidos, em datas
comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, o Dia do Índio, o dia disso ou daquilo; e os
outros 364 dias do ano? Não existe negro, índígena, LGBT+, entre outros? O trabalho, além de
ser pontual e escasso, é ainda, por vezes, folclorizado, como no dia 19 de abril, em que se pinta
o rosto das crianças e elas são vestidas com cocares e adornos que lembram alguns traços das
culturas indígenas anteriormnte, mas para quê? Os indígenas, sobretudo, são os que mais são
folclorizados, e é uma fantasia se vestir como eles. Conforme já apontamos anteriormente, trata-
se do “currículo turístico” (Santomé, 2012, p. 167). Além de Santomé (2012), Silva (2013)
também afirma:
[...] no que diz respeito à folclorização do tema não apenas na mídia, mas
também na literatura, no cinema e nos livros didáticos, tal perspectiva é
reforçada nas escolas pelo trabalho desenvolvido quase exclusivamente em
relação ao Dia do Índio de forma descontextualizada, sem explorar o
significado verdadeiro da data, que foi uma conquista do movimento
ameríndio ocorrida já há meio século, nem mencionar o Dia Internacional do
Índio, estabelecido em 9 de agosto de 1995 pela Organização das Nações
Unidas (Silva, 2013, p. 24).

Ainda sobre a formação continuada, a professora Cianita aponta que já participou, em


outra escola em que atua, de uma formação com a temática da diversidade oferecida por essa
escola, mas ela ocorreu há três anos.

Já, em 2017. Foi a forma como eles mostraram para a gente, por ser integral
[referindo-se à outra escola] justamente a grade, ela contemplava todas as
atividades que poderiam ser feitas para promover a interculturalidade e essa
diversidade, incentivar isso. E isso me chamou muita atenção, porque eu fiquei
pensando que nas outras [escolas] que não tem essa grade curricular.
(Professora Cianita).

556
Devemos entender que:

A formação continuada de professores necessariamente implica a atitude do


profissional frente à expansão de sua formação inicial, ligando suas
experiências, integrando e interagindo com diferentes culturas presentes na
escola, [...] produzindo uma educação multicultural feita para a melhoria das
relações e o respeito para com as diferenças. (Siss, 2016, p. 156; tradução
minha).

Mesmo que a formação, inicial e continuada, seja limitada, como aponta o professor
Topázio, “[...] a gente não tem nenhum suporte como curso ou alguma coisa do tipo específico,
até hoje eu mesmo nunca participei.” Os professores reconhecem a necessidade de um
tempo/espaço para aprofundarem seus estudos, como ressalta a professora Barita: “Acho que
precisamos, sim, até porque nossa escola é bem diversa, temos alunos de todos os tipos”.
Uma das razões que explica a pouca presença da discussão das diferenças na formação
dos professores é a sua histórica vinculação com o projeto da modernidade que se construiu
com base na negação da diferença e do seu contínuo esforço para homogeneizar e uniformizar:
“A Formação Inicial e Continuada de professores(as) foi e, em larga medida, ainda é
influenciada pelo paradigma mecanicista, determinístico e disciplinar, fundante da
modernidade [...]” (Wanzeler; Estácio; Menezes, 2021, p. 1077). Os autores ainda ressaltam
que esta formação é “[...] orientada pelos princípios da racionalidade técnica, cujas teorias,
epistemologias e metodologias são notadamente eurocêntricas” (Wanzeler; Estácio; Menezes,
2021, p. 1077).
Sendo assim, a perspectiva intercultural acaba não tendo espaço no currículo dos cursos
de formação e dessa forma, continua-se com dificuldade de lidar com as diferenças dos alunos
nas salas de aula. Recorrendo-se a Candau (2011), que com base em Emília Ferreiro sugere que
é preciso transformar a diferença em vantagem pedagógica, pode-se concluir que ainda temos
um longo caminho a percorrer para que isso vire uma realidade nas escolas.

Considerações finais

Ao longo da pesquisa que aqui trouxemos apenas um recorte, podemos observar que
ainda que a formação inicial e continuada dos professores não contemple de forma sistemática

557
as diferenças, há uma preocupação por parte dos professores em articular as diferenças
presentes no currículo, mostrando que é possível caminharmos para um currículo intercultural.
Os professores não são alheios às diferenças dos alunos, e de alguma forma buscam
pluralizar suas práticas pedagógicas, para acolher todos os estudantes. Os professores
apontaram a necessidade de um espaço/tempo maior para se dedicarem aos estudos e discussões
sobre a diferença, pois reconhecem a heterogeneidade na escola e, sobretudo, a dificuldade em
lidar com ela. A preocupação recorrente, conforme mostram as falas apresentadas
anteriormente, dos professores refere-se à fragilidade de seus processos formativos iniciais e
continuados, e enfatizam que sentem falta de ampliar as discussões relacionadas as diferenças
presentes na escola.

Referências

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2012.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas.
Currículo sem Fronteiras, Pelotas, v. 11, n. 2, p. 240-255, jul./dez. 2011. Disponível
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<https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/15003>. Acesso em: 25
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CANDAU, Vera Maria. Diferenças, educação intercultural e decolonialidade: temas


insurgentes. Revista Espaço do Currículo, [S. l.], v. 13, n. Especial, p. 678–686,
2020. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rec/article/view/54949. Acesso em:
28 ago. 2023.

CANEN, Ana; OLIVEIRA, Angela M. A. de. Multiculturalismo e currículo em ação: um estudo


de caso. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 21, p. 61-74, dez. 2002. Disponível
em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/QF4wH5r85zzy9hkYKjFDNNB/?lang=pt#. Acesso em:
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DUARTE, Rosalia Maria. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar em Revista, Curitiba,


v. 24, p. 213-226, 2004. Disponível em:
<https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/2216/1859>. Acesso em: 05 abr. 2023.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática de liberdade. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2017.
558
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. 11. ed. São Paulo: Hucitec,
2008.

PAVAN, Ruth. Currículo e (de)colonialidade: indícios decoloniais nos cursos de


licenciaturas. Revista Espaço do Currículo, João Pessoa, v. 15, n. 1, p. 1–11, jan./abr. 2022.
Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rec/article/view/62761>. Acesso
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SACAVINO, Suzana Beatriz. Interculturalidade e práticas pedagógicas: construindo caminhos.


Revista Educação, Santa Maria, v. 45, n. 1, p. 1–18, jan./dez. 2020. Disponível em:
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SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: Silva, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 155-172.

SILVA, Beatriz Carretta Corrêa da. Projeto CNE/UNESCO 914BRA1136.3:


desenvolvimento, aprimoramento e consolidação de uma educação nacional de qualidade –
História e cultura dos povos indígenas, mar. 2013. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13941-
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SISS, Ahyas. Historical inequalities and challenges of the Brazilian education policy. In:
BACKES, José Licínio; PAVAN, Ruth (Orgs.). Relações étnico-raciais, gênero e
desigualdade social na educação básica. Mercado de Letras, 2016. p. 147-159.

WANZELER, Eglê Betânia Portela; ESTÁCIO, Marcos André Ferreira; MENEZES, Maria
Quitéria Afonso. Universidade escola e a descolonização do currículo de formação de
professores e professoras: complexidade, transdisciplinaridade e decolonialidade. Currículo
sem Fronteiras, Pelotas, v. 21, n. 3, p. 1071-1090, set./dez. 2021. Disponível em:
<https://www.curriculosemfronteiras.org/vol21iss3articles/wanzeler-estacio-menezes.pdf>.
Acesso em: 05 abr. 2023.

559
DIVERSIDADE/DIFERENÇA INDÍGENA EM ESCOLAS NÃO INDÍGENAS

Daiane Nascimento Roberto Dias (Bolsista CAPES/UFGD)


daianenroberto@gmail.com 1

Marta Coelho Castro Troquez (UFGD)


martatroquez@gmail.com 2

Resumo. O artigo apresenta uma revisão de literatura em busca de textos que comtemplem as
especificidades da educação de indígenas em escolas não indígenas e a temática da diversidade
indígena na Educação Básica nacional. O levantamento de teses, dissertações e artigos foi
realizado em duas bases de dados e um motor de busca (SciELO Brasil e BDTD-IBICT) e
buscou trabalhos com a temática da diversidade indígena nas escolas não indígenas, indagando
como os estudantes indígenas vêm sendo atendidos nessas instituições e quais práticas
pedagógicas são adotas pelos professores em busca de uma educação intercultural. As buscas
foram feitas a partir do recorte temporal de 2008 a 2022, período pós a implementação da Lei
nº 11.645/2008 que tornou obrigatório o ensino do estudo da história e cultura indígena e afro-
brasileira em todas as instituições educacionais brasileiras de ensino sejam públicas ou
privadas. No total, treze trabalhos foram analisados e que possuem um referencial teórico
metodológico, com relevância nas produções e fontes de pesquisa que englobam a temática. Os
trabalhos selecionados foram divididos em categorias e os critérios adotados foram os
seguintes: ano, título, resumo e palavras-chave.

Palavras-chave: Interculturalidade; Lei nº 11.645; Estudantes Indígenas; Educação.

Introdução

A educação escolar de indígenas apresenta especificidades e requer uma atenção


criteriosa frente aos embates que perpassam sua construção e desenvolvimento. Há um avanço
indiscutível na legislação brasileira, no sentido da garantia de diretos para que as línguas,
culturas e epistemologias dos povos originários prevaleçam na educação de gerações futuras.
É, portanto, necessário discutir e analisar o que essas conquistas representam para cada
comunidade/povo. Até onde têm sido asseguradas, na prática, seguindo as normativas

1
Discente do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados/PPGEDU/FAED/UFGD. Bolsista CAPES.
2
Docente orientadora do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados/PPGEDU/FAED/UFGD.
560
educacionais no/do país.
As pautas voltadas para a educação intercultural ocupam cada vez mais um espaço
necessário e trazem consigo significativos questionamentos acerca da temática indígena e das
necessidades de adequação das unidades escolares. Torna-se importante a promoção de
diálogos envolvendo instituições formadoras, escola e comunidade por meio de conhecimentos
ancorados na legislação vigente que visem o amplo desenvolvimento de uma educação pautada
na diversidade e no respeito às diferenças.
Este trabalho defende a perspectiva da realização do direito a um currículo pautado por
uma educação intercultural, sob uma perspectiva emancipatória e descolonizada. Sob este olhar,
a proposta da pesquisa que nos move é observar como as instituições escolares vêm se
adequando, e estruturando suas propostas pedagógicas simultaneamente às práticas
pedagógicas dos professores em relação às orientações e normativos vigentes após a
implementação da Lei 11.645/2008, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir a “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Esse documento nacional
normatiza e torna obrigatório, em todas as instituições escolares de ensino públicas ou privadas
de Educação Básica que a temática indígena seja incluída em suas atividades, passando a ser
um importante instrumento de orientação pedagógica, visando direcionar a elaboração do
currículo das escolas brasileiras de nível básico. A criação deste instrumento legal se torna um
marco histórico da caminhada educacional do Brasil, pois, historicamente, o que vemos é uma
educação colonial e excludente. A política indigenista notadamente voltada à assimilação e à
integração dos indígenas atravessou o período do império e perdurou até o período republicano
(Ferreira, 2001; Troquez, 2006; 2015).
Apesar da existência de legislações que colaborem para o acesso e a permanência de
estudantes indígenas em espaços escolares como a Constituição Federal (Brasil,1988), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional-(LDB), Lei nº9.394/96; Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica – DCNEB,(Brasil,2009); o Plano Nacional de
Educação–PNE, (Brasil, 2014 - 2024), estas tratam a diversidade de uma maneira geral, não a
abordando de modo particular como seria adequado. Neste contexto, a Lei nº11.645/2008
surgiu como um anseio de grupos sociais, onde vários indivíduos colaboraram para sua
construção, os quais faziam parte de diferentes setores educacionais, como comissões
ordenadas pelo Ministério da Educação (MEC), grupos que discutem identidade e diversidade,
grupos que debatem questões étnicas e direitos dos povos originários. Por meio de debates,
561
consultas públicas, comissões, participação das secretarias de educação no âmbito estadual e
municipal, a comunidade escolar (gestores, professores, pais ou responsáveis por estudantes),
comunidade indígena e a sociedade como um todo, participaram na elaboração coletiva da Lei
nº11.645/2008.
Esta lei abre caminho para o tratamento mais adequado da temática indígena nas escolas
não indígenas do país. Por conta disso, o período após a Lei 11.645/2008, foi escolhido como
recorte para a pesquisa. Ainda, 2008, são 20 anos após a Constituição Federal de 1988 e 12
anos após a Nova LDBEN de 1996, legislações que garantem uma educação diferenciada às
populações indígenas, com respeito a seus processos próprios de aprendizagem, às suas línguas
e culturas nos currículos e nas práticas escolares. Cabe investigarmos como as escolas não
indígenas trabalham a temática indígena em escolas urbanas que atendem indígenas.
A Educação Escolar Indígena (EEI) ocorre em unidades escolares indígenas próprias,
possui normas e ordenamentos jurídicos próprios (Brasil, 2012), utiliza o ensino intercultural e
bilíngue, com vistas ao reconhecimento e valorização plena das culturas dos povos indígenas,
mantendo e afirmando sua diversidade étnica (Renan, 2019).
Este estudo busca compreender como a diversidade indígena é tratada nas escolas não
indígenas e como os educadores estão desenvolvendo suas práticas baseando-se na
implementação efetiva da Lei nº11654/2008.

Metodologia
Realizamos uma revisão sistemática de literatura baseada em duas etapas; indagação
inicial por busca; investigação de dados afim de atentar à temática norteadora; estabelecimento
de parâmetros de inclusão e exclusão. A pesquisa foi desenvolvida em duas bases de dados e
um motor de busca, sendo elas, respectivamente: SciELO e BDTD-IBICT. Em ambas as bases
de dados foram utilizadas nas buscas os seguintes descritores (D) D1-Educação “E” Indígena,
D2-Educação indígena, D3-Escola indígena. Foram analisados estudos que contemplassem o
histórico de conquistas e os possíveis retrocessos frente as mudanças dos reguladores da
Educação Básica no Brasil, com recorte temporal de 2008 a 2022, nas buscas foi utilizado filtro
nos três Descritores D1-“ Educação Indígena ”, D2-“Educação Escolar de indígena AND
Escolas não indígenas ” e D3-“Práticas pedagógicas AND indígenas”. Ao final, foram
selecionados treze trabalhos.
Os metadados utilizados foram tipo de trabalho, ano, título, resumo e palavras-chave. As
562
buscas foram realizadas entre os meses de maio a junho de 2023. Chegamos aos seguintes
resultados que foram apresentados por meio de gráficos do mapeamento das produções
conforme observado na Figura 1.

Figura 1 - Fluxograma dos trabalhos localizados e selecionados.


IDENTIFICADOS
Estudos identificados por meio da busca nas bases de dados e motor de busca. N: 918

TRIAGEM
Estudos selecionados por meio da leitura do título ou resumo. N:55

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Estudos excluídos por serem duplicados. N: 17

Estudos selecionados para verificação de critérios de inclusão. N: 53

CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Estudos excluídos por não respeitarem os critérios de inclusão e recorte temporal. N: 40

INCLUÍDOS
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
Estudos incluídos para presente revisão. N: 13

De início, foram encontrados 918 trabalhos e diante dos critérios estabelecidos como
exclusão, foram selecionados para verificação 53 na revisão da literatura em artigos dos anos
de 2011 até 2022, escritos em Português, com disponibilidade de texto completo em suporte
eletrônico, publicados em periódicos nacionais. Diante disso foi feita coleta de dados em
formato de tabela para a análise dos dados composta das variáveis: objetivo; tipo de participação
social; abordagem metodológica; cenário; sujeitos; resultados; categoria de análise
(referencial).
Um ponto a ser pautado em relação as caracterizações das produções são: três Teses
Doutorado, sete Dissertações de Mestrado na BDTD e três Artigos na Plataforma Scielo. A
figura a seguir apresenta os trabalhos localizados por descritor:

Figura 2: Trabalhos por descritor, localizados e selecionados

563
Fonte: Elaborado pela autora (2023).

A seleção dos trabalhos foi feita a partir da leitura dos títulos, dos resumos e das
palavras-chave daqueles que descrevam práticas que contemplem a temática indígena. E suas
particularidades. E, para exclusão, foram adotados os seguintes critérios: trabalhos duplicados,
aqueles que estavam fora do padrão estipulado pelo recorte temporal, trabalhos que
contemplavam a educação de indígenas em escolas somente indígenas e aqueles que não
tratavam os documentos norteadores da Educação.

Resultados e discussões

As palavras-chave destacadas após os resumos dos trabalhos selecionados foram um


marco em relação a este mapeamento, pois expõem com certa abrangência o assunto e os seus
conceitos relevantes. Os verbetes ou palavras-chaves que aparecem após os resumos são:
● criança indígena, aparece em 5 trabalhos;
● interculturalidade, aparece em 3 destes resumos selecionados;
● identidade, história indígena, escolas não indígenas, mito, aparecem 2 vezes cada;
● as palavras quilombolas, poder, educação básica, movimento indígena, descoloniais,
Lei 10.639/2003, ensino da literatura, malunginho, discurso, escolas indígenas,
ancestralidade, imagem, são citadas uma única vez em cada trabalho.

Figura 3: Palavras-Chaves mais encontradas nas produções selecionadas.

564
Fonte: Elaborado pela autora (2023).

A palavra que mais foi mencionada foi criança indígena que aparece em cinco trabalhos.
Fica claro que o nicho das pesquisas se dá em torno da criança sendo o sujeito principal das
publicações. Já o conceito de interculturalidade, que aparece três, vezes traz em seu significado
a ideia de ser um meio de experimentar as culturas de outros indivíduos ou grupos, de ter
interesse em conhecer mais sobre elas e sobre as outras pessoas também e de prezar por valores
como respeito, cidadania, igualdade, tolerância, democracia na educação, e direitos humanos.
Para organização das treze publicações selecionadas, foi elaborado o Quadro abaixo
como vitrine, destas produções retirando as seguintes informações: título e base de dados ou
motor de busca onde foram recuperados, autor, ano de publicação e objetivo central da pesquisa,
os objetivos que fazem parte do quadro abaixo foram retirados dos resumos dos trabalhos.
Quadro1: Dados das publicações selecionadas.
Nº Título Autor Ano Objetivo (Resumo)
1 Presença de crianças Silva, Marcela 2013 Estudar as relações e identificar
indígenas em escolas Guarizo da as barreiras encontradas em
municipais não indígenas de escolas públicas municipais não
Dourados-MS: a educação indígenas que atendem alunos
na perspectiva intercultural. indígenas da cidade de
(Dissertação). Dourados–MS.
2 Imagem-identidade Grassi, Leila 2009 Compreender como operam os
indígena: construção e Gasperazzo professores no cotidiano, como
transmissão em escolas não- Ignatius constroem e/ou divulgam a
indígenas. (Tese). imagem dos indígenas foi o
objetivo de pesquisa.
3 Legitimando saberes Gomes,Luana 2011 O objetivo do trabalho foi
indígenas na escola. Barth verificar o que muda na
(Dissertação). concepção que se tem em relação
à temática indígena dos alunos,
professores e coordenadores em
uma e coordenadores em uma
565
escola que tem presença
constante de ameríndios.
4 A temática indígena nos SILVA, Maria 2015 Compreender as práticas
anos iniciais do ensino da Penha da curriculares docentes a respeito
fundamental: um estudo das da referida temática nos anos
práticas curriculares iniciais do Ensino Fundamental
docentes em Pesqueira – PE. nas escolas municipais de
(Dissertação). Pesqueira (PE).
5 Ninho de saberes: Leite, Angela 2021 Compreender, a partir da escuta
sensibilidades (in) Maria Araújo sensível, do dar ouvidos aos
visibilidades em práticas diversos saberes, de que forma as
educacionais indígenas em práticas educacionais dos povos
Alagoas. indígenas, em Alagoas, estão
(Tese). (in)visibilizadas e qual sua
relação com o ninho de saberes
ancestrais e sua inserção no
cotidiano escolar.
6 Lei 11645/08: uma análise MELO, 2017 Sugerir princípios geradores de
das práticas curriculares em Emeline práticas curriculares que
uma escola municipal do Apolonia de ampliem os horizontes de
Recife desde o mito de aplicabilidade da lei 11.645/08.
Malunguinho.
(Dissertação).
7 A descolonização da Sá, Ana Paula 2019 Investigar os significados sociais
educação literária no Brasil: dos Santos de e os impactos curriculares das
das leis 10.639/2003 e leis federais brasileiras nº
11.645/2008 ao PNLD 10.639/2003 e nº 11.645/2008.
2015. (Tese).
8 Educação indígena x Mendes, 2019 Compreender como a escola
educação escolar indígena; Sâmara Leíla formal se utiliza da relação entre
um aprendizado Cunha educação indígena e educação
diferenciado.(Dissertação). escolar indígena e como ambas
se interpenetram.
9 Formação de professores, Preto, 2017 Analisar a contribuição da
interculturalidade e Fernanda formação inicial/continuada de
educação indígena: Fontes docentes que atuam com a
contribuições descoloniais diversidade em espaço escolar
no espaço da escola regular. com estudantes indígenas e não
(Dissertação). indígenas.

10 Luta de papel e caneta: a lei Bertagna, 2016 Investigar os conteúdos que estão
11.645/2008 e seus reflexos Camila sendo trabalhados e como estão
através das equipes sendo trabalhados pelas Equipes
multidisciplinares de duas Multidisciplinares do Colégio
escolas do NRE de Estadual Vercindes Gerotto dos
Maringá.(Dissertação). Reis.
11 A lei n. 11.645 e a visão dos Kelly 2016 Investigar a implementação da lei
professores do Rio de Russo/Mariana n. 11.645 no estado do Rio de
Janeiro sobre a temática Paladino Janeiro.
indígena na escola.
(Artigo).

566
12 Cultura vc. Estado: Carlos Maroto 2018 Analisar estratégias de
Relações de poder na Guerola construção de sentido que
educação escolar indígena. comunidades indígenas
(Artigo). (particularmente a comunidade
LaklãnõXokleng da TI Ibirama
Laklãnõ), por meio da análise de
uma interação ocorrida, no
âmbito de um programa de
formação continuada, entre
professores.
13 Os Movimentos Sociais e a Miguel G. 2015 O artigo destaca saberes, culturas
construção de outros Arroyo e valores relacionados à
currículos. (Artigo). diversidade nos movimentos
sociais; como incorporá-los na
elaboração de currículos de
formação de docentes-
educadores/as e na elaboração de
currículos de educação básica nas
escolas das populações do
campo, indígenas, quilombolas,
das florestas.
Fonte: Elaborado pela autora. (2023)

Observando o quadro, destacamos que os trabalhos transitam entre processos de


escolarização de povos originários e sua relação com os não indígenas; o campo de Formação
do Professores em torno da temática indígena, perante as legislações instauradas e os
documentos norteadores da Educação Básica, Lei 11.645, BNCC, respostas com vistas à ênfase
dada para a cultura indígena e o ensino desta no referido documento preliminar “Interesse
justificado pela vigência da Lei 11.645/08 que alterou o Artigo 26-A da LDBEN tornando
obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena ao longo do processo de
escolarização de nível básico. ” (Nazareno; Araújo, 2017, p. 2).
O trabalho de Silva, M.G.(2013) intitulado “Presença de crianças indígenas em escolas
municipais não indígenas de Dourados-MS: a educação na perspectiva intercultural”, vai ao
encontro da pesquisa de Grassi (2009) “Imagem-identidade indígena: construção e transmissão
em escolas não-indígenas”, ambas produções identificaram barreiras enfrentadas por estudantes
indígenas em escolas não indígenas. Os procedimentos metodológicos das pesquisas ocorreram
através de coleta de dados obtida por meio de entrevistas, observações, conversas informais,
depoimentos e a análise documental. Como resultados apurou-se que as escolas ainda
apresentam conteúdos e imagens estereotipadas dos indígenas brasileiros.
Os textos “Legitimando saberes indígenas na escola” de Gomes (2011) e “A temática

567
indígena nos anos iniciais do ensino fundamental: um estudo das práticas curriculares docentes
em Pesqueira – PE ” (Silva,2015), ambos os textos têm o objetivo compreender as práticas
curriculares docentes a respeito da referida temática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
nas escolas e a relação entre alunos, professores, coordenadores destas instituições que tem a
presença constante de estudantes indígenas.
Identificamos pelo menos três textos que transitam pelo campo de formação dos
professores: Preto (2017) “Formação de professores, interculturalidade e educação indígena:
contribuições descoloniais no espaço da escola regular”; (Leite, 2021) “Ninho de saberes:
sensibilidades e (in) visibilidades em práticas educacionais indígenas em Alagoas. ”; “Cunha.
Educação indígena x educação escolar indígena; um aprendizado diferenciado
(Mendes,2019).”. Na ótica destes autores, existem fragilidades ao que se alude à formação
docente sobre a educação escolar de estudantes indígenas.

A falta desse conhecimento, por parte do corpo docente, de que esses


estudantes indígenas tem sua própria língua acarreta vários desencontros.
Um deles é a rotulação de que eles não escrevem e nem falam bem a
língua Portuguesa. (Dickel, 2013, p. 71)

O despreparo docente para esta especificidade acarreta aos estudantes indígenas vários
desencontros frente ao processo de escolarização, resultando na impossibilidade de diálogos e
troca de saberes. A precária formação dos docentes dificulta a prática efetiva da
interculturalidade e muitas vezes a conclusão da escolarização e a permanência de estudantes
indígenas nas unidades escolares.
Nos textos relacionados sobre a legislação temos Kelly (2016) com o trabalho intitulado
“A lei n. 11.645 e a visão dos professores do Rio de Janeiro sobre a temática indígena na
escola”; Bertagna (2016) com “Luta de papel e caneta: a lei 11.645/2008 e seus reflexos através
das equipes multidisciplinares de duas escolas do NRE de Maringá, e Sá (2019) com “A
descolonização da educação literária no Brasil: das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 ao PNLD
2015”. Essas pesquisas indicam os avanços alcançados pela legislação educacional no país em
contraponto ao violento e doloroso processo de conquista desenvolvido pelo sistema capitalista
em detrimento dos povos indígenas. A corrida pelo progresso que, feito a qualquer custo, por
quaisquer meios, incluindo “a extinção física e cultural de povos cuja existência seja um entrave
para este avanço” (Bento, Theis, Oliveira, 2017, p. 2).

568
.Considerações

A temática indígena está ganhando espaço nas pesquisas e produções e,


simultaneamente, ganhando espaço na sociedade civil e também em ações de agendas
governamentais, contudo, o tratamento da temática, no campo das práticas, ocorre, ainda, de
forma incipiente. Embora tenham ocorrido avanços, os mesmos acontecem de maneira
vagarosa, o que reforça ainda mais os processos de inferiorização e discriminação relativos aos
povos originários desde o processo de colonização. Os normativos legais que evidenciam e
reconhecem a rica contribuição e diversas culturas, são, por vezes, apresentados com rótulos de
estereótipos e homogeneização dos saberes. Ao debater políticas que abarcam e validam o
papel dos povos originários, reafirmamos a luta por um ensino diferenciado que leve em
consideração todas as especificidades e direitos que eles possuem.
O Brasil é um país amplo em diversidades, sobretudo na diversidade de povos indígenas
(étnicas, religiosas, culturais, linguísticas, epistemológicas) esta riqueza deve refletir na prática
docente. Há um trabalho a ser desenvolvido na perspectiva intercultural a partir das ações dos
docentes. Para que isso ocorra, a formação docente deve ser baseada no respeito às diferenças,
no respeito à pluralidade de sujeitos, culturas, histórias, línguas, saberes, epistemologias. Diante
desses elementos, no que diz respeito à educação escolar de indígenas em escolas não indígenas,
há muito a se fazer por parte de todos os envolvidos (governo, sociedade, indígenas e não
indígenas), não somente na implementação legal, para que estes povos obtenham seus direitos,
além de assegurados, colocados em prática. É preciso comprometimento de toda uma
sociedade. Que se respeitem e questionem as legislações e as ações, como estas vem sendo
ocorridas e/ou aplicadas.

REFERÊNCIAS

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escolas não-indígenas. 2009. Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS. Dissertação (Mestrado
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equipes multidisciplinares de duas escolas do NRE de Maringá. 2016. Maringá: UEM.
Dissertação (Mestrado EM Educação) - Pós-Graduação de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Estadual de Maringá,2016.
569
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para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-
DF, 2008b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 6 jun. 2018.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-DF, 1996.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/gov.br/ccivil/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 16 abr.
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2016.Documento completo:http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v21n67/1413-2478-rbedu-21-67-
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570
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Portela de Siqueira; FILHO, Miguel Gomes. Educação, diversidades e inclusão: os desafios
para a docência. São Paulo: Life, 2016. p. 65-78.

571
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES

Luciane Toledo Monteiro (Bolsista CAPES/UCDB)


Lucianetoledo12@gmail.com

Resumo: Este artigo é fruto das reflexões iniciais da tese de doutorado, em andamento, que
conta com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
CAPES. Tem como objetivo, refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais e Ensino
da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, contidos na Lei 10.639/2003. Desde os estudos
que venho desenvolvendo no mestrado, acerca da Lei 10.639/2003, defendida em 2021, tenho
refletido sobre os desafios da implementação da Lei em relação à formação docente. Essa Lei
foi e continua sendo uma grande conquista com participação efetiva do movimento negro, por
meio, de lutas contra diversos entraves no combate ao racismo e desigualdades. Apresentamos
alguns desafios, ainda presente no processo educativo para implementação da referida Lei, com
destaque para a formação de professores. Apesar disso, é possível reconhecer que a aprovação
da Lei trouxe avanços importantes no combate ao racismo e implicações para a formação de
professores, no sentido de incorporar as discussões antirracistas.

Palavras-chave: Formação de professores, Relações étnico-Raciais, Lei 10.639/2003.

INTRODUÇÃO

A Lei 10.639 foi sancionada em 09 de janeiro de 2003, que inclui no currículo brasileiro
a temática do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, alterando a Lei 9.394 de 1996, Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A implementação da resolução do Parecer CNE/CP
n. º 03/2004, que estabeleceu as Diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-
raciais e para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana, foi responsável por
mudanças.

Dentre as mudanças provocadas, destacamos que essas diretrizes nos permitiram


implementar a lei por meio de sua resolução, a fim de que a Educação para as Relações Étnico-
Raciais e o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira pudesse ser inserida às diversas
modalidades de ensino no Brasil e contribuir na elaboração dos currículos dos sistemas e
instituições educacionais.

572
Esses currículos, propiciaram promover uma educação de valorização da identidade
negra e “compreender os trabalhos e criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil,
e de situar tais produções, assim, poder mostrar a participação da população negra de caráter
benéfico na sociedade brasileira “ (Silva, 2005, p. 156).

O discurso que justifica a implementação da lei aponta para a necessidade de organizar


políticas no combate às desigualdades entre brancos e negros na educação, incluindo ações
educativas, reconhecendo as contribuições históricas no âmbito da política, cultura, filosofia,
entre outros dos povos africanos e afrodescendente.

Compreender as características históricas africanas são necessárias para discussão dos


elementos que compõem a cultura afro na formação da nação e da diversidade brasileira (Brasil,
2004).

As ações afirmativas dirigidas à educação, que foram regulamentadas pelo Parecer


CNE/CP 03/2004 e pela Resolução CNE/CP 01/2004, asseguraram a formação continuada de
professores para promover práticas educativas que contemplem a discussão sobre o tema da
africanidade.

A discussão com a implementação nos currículos escolares do ensino sobre os


afrodescendentes nos permite fomentar debates acerca do povo negro.

Os movimentos negros tiveram papel importante, na conquista da lei, haja vista, que as
pautas de lutas sempre foram a de retratar as conquistas do povo negro e suas contribuições
para o nosso país, trazendo debates sobre a História e Cultura afro-brasileiras, na tentativa de
desconstruir ideias como de e subalternização dos negros ao longa da história.

É fundamental a reflexão sobre a relevância de desmistificar essas diferenças na história


brasileira, desenvolvendo uma educação de inclusão e visibilidade com ações afirmativas de
reconhecimento da população negra na escola, na qual “parte-se de uma valorização positiva
destas diferenças e são mobilizadas várias estratégias: aprofundamento da reflexão sobre
diferenças específicas, desconstrução de visões estereotipadas de certas identidades” (Candau,
2011, p. 252).

573
É crucial o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e africana na educação
brasileira, para nortear o currículo nas instituições escolares e promover, preservar e resgatar a
história dos negros no Brasil, porque a história contada desde que esses povos chegaram em
nosso país é de inferioridade. As discrepâncias são perceptíveis, com destaque para as
interações sociais, uma vez que elas determinam a posição social em que cada indivíduo ocupa
na sociedade brasileira

As diferenças são então concebidas como realidades sociohistóricas, em


processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se
configuram nas relações sociais e estão atravessadas por questões de poder.
São constitutivas dos indivíduos e dos grupos sociais (Candau, 2011, p. 246).

Mesmo assim, ainda nos deparamos com instituições brasileiras, que ainda
conservam práticas de violações, discriminações baseados em gênero, cor/raça, etnia,
orientação sexual, entre outros, e identidades vistas como fora dos padrões que essa sociedade
exige. Portanto, “São essas identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a
identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educação-cidadã, etc.”
(Munanga, 2002, s/p).

Os esteriótipos, sobretudo os eurocêntricos, ainda são predominantes no Brasil


desde sua colonização, e estão presentes no sistema educacional, como racismo, diferenças,
discriminações e preconceitos. As discussões são essenciais para que povos como negros,
indígenas, mulheres e LGBTQI sejam ouvidos, expressando suas demandas.

Segundo Candau (2011), os movimentos sociais apresentam diversas demandas,


que mostram as diferenças culturais, étnicas, de gênero, religião, dentre outras. A política de
valorização, reconhecimento e reparação fortalece as lutas dos movimentos destacando o
movimento negro “os quais redefinem e redimensionam a questão social e racial na sociedade
brasileira, dando-lhe uma dimensão e interpretação políticas (Gomes, 2012, p.39).

Sendo assim, é relevante para a população negra-brasileira reivindicar políticas


educacionais que promovam direitos reparatórios, injustiças, direitos sociais, econômicos e
culturais, bem como a valorização da diversidade da população negra, o que resulta em
mudanças de atitudes, posturas e discursos no tratamento da população negra.

574
A lei 10.639/2003 contribuiu significativamente para o debate de práticas
pedagógicas, que combatam o racismo, a discriminação, entre outros, favorecendo o saber sobre
a história e cultura africana e afro-brasileira, com ações afirmativas implementadas na escola,
contribuindo, com a lei, rompendo e superando o racismo e desigualdades.

A EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: A IMPORTÂNCIA DA


FORMAÇÃO DO PROFESSOR

O espaço escolar é o local no qual, nos deparamos com histórias, culturas e contextos
diferentes, ou seja, o âmbito escolar é um dos lugares da nossa sociedade onde o poder, os
gestos e as práticas reproduzem as desigualdades sociais, exclusões, injustiças, e obstáculos
ao pleno exercício dos direitos formais.

Desse modo, “As diferenças são então concebidas como realidades socio históricas, em
processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se configuram nas
relações sociais e estão atravessadas por questões de poder” (Candau, 2011, P. 241).

Nesse contexto, para haver trocas de experiências, é necessário, além do diálogo, que a
escola priorize em seu currículo conteúdo e procedimentos metodológicos que incluam a
diversidade étnico-racial, proporcionando práticas pedagógicas com ações afirmativas,
contemplando a história e cultura dos povos tidos como excluídos, subalternizados, portanto,
“Trata-se, em última análise, da tensão entre o foco no conhecimento escolar e o foco na cultura
que, ao se expressar no currículo, pode ajudar a conferir à educação e à escola as tão desejáveis
marcas de qualidade e de relevância” (Moreira, 2008, p. 04).

Oferecer formação para os professores é primordial para que o docente na interação com
os seus alunos esteja preparado para superar os desafios que surgem durante o ensino e
aprendizagem no cotidiano escolar. Isso, é fundamental para aquisição do conhecimento e
entendimento da história e cultura em diferentes contextos históricos em que a diversidade se
encontra na sociedade. Contribui para a superação dos preconceitos sociais, promove o
aprendizado, conjunto de ideias, expressões e compartilhamento de experiências, possibilitando
que diferentes etnias/raça se sintam estimulados e acolhidos, dessa forma, receber uma
educação de qualidade.

575
A formação de professores é imprescindível para dar suporte e contribuir para a
reflexão, com base em diferentes dimensões históricas e contextuais, como cultural, aspectos
sociais, econômicos, entre outros, para pensar práticas antirracistas.

Dada a crescente diversidade de alunos que frequenta a escola e a


complexidade de problemas que, vindos do contexto social, invadem,
impregnam e influenciam o funcionamento da escola, defende-se ainda
que a proposta de aprendizagens adequadas aos alunos (e da qual
usufruem também os professores) terá de ser pertinente e significativa
para os que estão envolvidos no processo. Esta postura terá então de ser
reconhecida como preocupação crucial (Cortesão, 2012, P. 731).

Dessa maneira, as aprendizagens precisam ser trabalhadas de forma contextualizadas e


significativas para educadores e educandos. Formações são necessárias para subsidiar e
fortalecer práticas pedagógicas antirracistas, trabalhando com metodologias, conteúdos e
compreensão de conhecimentos essenciais sobre a história e cultura afro-brasileira e suas
contribuições histórica na sociedade.

Nessa perspectiva, é benéfico trabalhar práticas pedagógicas que ajudem os alunos a


entenderem sua história e cultura, dando oportunidades de convívio e interação cultural e social,
dentro e fora do ambiente escolar, para que possa reconhecer a diversidade como ligítima e
enriquecedora das convivencias sociais.

pois a educação implica a existência de um trabalho em comum num espaço


público, implica uma relação humana marcada pelo imprevisto, pelas
vivências e pelas emoções, implica um encontro entre professores e alunos
mediado pelo conhecimento e pela cultura. Perder esta presença seria diminuir
o alcance e as possibilidades da educação. (Nóvoa e Alvim, 2022, p.06).

Essa instituição pública deve proporcionar possibilidades de trabalhar as diversidades


de relações com os diferentes grupos culturais. Para que professores e alunos construa e
produzam juntos conhecimentos.

Sob esse ponto de vista, a educação não se dá apenas pelos espaços formativos, mas
também além dos muros da escola, na família, comunidades entre outros, nesse sentido, é
imprescindível que os professores promovam para o ensino e aprendizagem diferentes,
abordagens e estratégias, que fomentem o diálogo nos vários espaços sociais e políticos,
valorizando as diversidades de cultura, que envolvem grupos diversos.

576
O processo educativo discutido por Shor e Freire (1986), ressaltam a necessidade de que
se dialogue com a diversidade existente na sociedade, que possibilita condições de conhecer a
história e cultura afro-brasileira e africana, além do espaço escolar, para que haja um
compartilhamento de ideias.
Dessa forma, juntos educadores e educandos, articularem conhecimentos para que as
pautas de lutas avancem, superando as dificuldades encontradas no cotidiano escolar, visto que,
“Uma das características de uma posição séria, na educação libertadora, é, para mim, o estímulo
à crítica que ultrapassa os muros da escola. ” (Shor, Freire, 1986, p. 24). Concordamos com os
autores, inclusive para reiterar que as lutas antirracistas devem ser incansáveis tanto no
ambiente escolar, como fora dos “muros da escola”, conforme propõe uma educação
libertadora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais
e a relevância do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana impactando nos
currículos escolares, na prática docente e na formação de professores, no sentido de produzir
uma educação antirracista, respaldando-se pela Lei 10.639/2003.

Os movimentos negros, tem participação fundamental no combate ao racismo,


discriminação e preconceito, pois seu papel foi e é de estimular a consciência negra, destacar
a vital importância do negro no processo histórico e na sociedade.

A lei 10.629/2003 proporcionou inclusão nos currículos escolares do ensino da história


e cultura afro-brasileira foi e continua sendo um grande avanço para a educação das relações
étnicas e negras, pois oportuniza práticas pedagógicas transformadoras, com ações
afirmativas de valorização e reconhecimento. Nesse sentido, a efetivação desta lei, é uma
conquista importante para a população negra, de forma específica e para a sociedade de forma
geral.

REFERÊNCIAS

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Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília, DF, 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 03 abril 2020.
577
BRASIL. Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá
outras providências Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos.
Brasília, DF, 2003b. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 15 maio 2021.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução Nº 1, de 17 de junho de 2004. Institui Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Conselho Nacional de Educação, 2004a. Disponível:
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BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP n. 3, de 10 de março de 2004 - Institui


Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. 2004b. Disponível:
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/cnecp_003.pdf. Acesso em: 28 junho. 2021.

BRASIL. Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Ministério da


Educação. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: SECAD,
2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/orientacoes_etnicoraciais.pdf.
Acesso 13 maio 2021.

BRASIL. Ministério da Educação; Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,


Diversidade e Inclusão. Plano nacional de implementação das diretrizes curriculares
nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana. Brasília – DF. 2013. Disponível em:
http://etnicoracial.mec.gov.br/images/pdf/diretrizes_curric_educ_etnicoraciais.pdf. Acesso em
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n. 3, p. 719-735, set. /dez. 2012.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. O que é “método dialógico” de ensino? O que é uma “pedagogia
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GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no. Brasil, uma breve discussão. Acãoeducativa.org.br, 2012.

579
EDUCAÇÃO E CULTURA INDÍGENA: A POSSIBILIDADE DE UM PROCESSO
DECOLONIAL

Marcela dos Santos Ortiz (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


marcelasortiz1@gmail.com

Resumo: A proposta descrita neste artigo ancora-se em uma pesquisa bibliográfica na


perspectiva da decolonilidade, com destaque para os autores Melià (1979), Paulo Freire
(1987;1996;),Berta Ribeiro (2000); Vera Maria Candau (2011), Walter Mignolo (2010) dentre
outros. Também aborda relatos da autora e seu fazer pedagógico enquanto professora da
Educação Básica. O artigo objetiva apresentar modos de pensar em possibilidades outras para
o processo de ensino e aprendizagem sejam estes conhecimentos disciplinares e partícipes do
currículo formal ou que estejam ocultos, marginalizados, excluídos como o que acontece com
os indígenas e grupos sociais e culturais historicamente subalternizados. Pensar em uma
educação outra, é perceber e compreender a necessidade de pensarmos em processos
educativos comprometidos com a inclusão dos diferentes grupos étnicos, culturais, religiosos,
de gênero, entre outros. Portanto é primordial reconhecer a legitimidade das diferenças, e
combater as desigualdades. Assim uma educação decolonial é aquela em que ocorre a
legitimação e mediação de saberes e conhecimento entrelaçados e produzidos na diversidade
cultural, sem hierarquização, sem “uniformidade”, (re)construída a partir de vivências e do
olhar decolonial dos/as educandos/as e comunidade escolar, sobre seu cotidiano, fazeres
pedagógicos e seus artefatos, com destaque para o livro didático.

Palavra chave: Indígenas; Decolonialidade; Educação Básica.

Educação e decolonialidade: reflexões iniciais


A escola é um lugar plural e que portanto não deve ser reduzida a mera transmissão de
conhecimento validados pela modernidade como se fosse o único válido, universal, natural,
dentre outros adjetivo. Isto coloca a margem vários grupos socio-culturais de sujeitos
educacionais, pois ignora sua percepção e formas de interação com o mundo. Ou seja, seus
modos de ver, pensar, elaborar seus saberes, conhecimentos, tanto históricamente como em seus
cotidianos.

É importante o elucidar que não há processos decoloniais de modo individual, portanto


uma educação que intenta ser decolonial, democrática e justa pressupõe a articulação de
igualdade e diferença, pois apenas desse modo, diferentes grupos socioculturais poderão ser
reconhecidos em suas matrizes culturais.Como apresenta Vera Maria Candau (2011), a
educação tem herança da modernidade que permeia o ato de ensinar:
580
A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas construídas
fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da modernidade,
prioriza o comum o uniforme, ou homogêneo, considerando como elementos
constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas
um “problema” a resolver (Candau, 2011, p.241).

Vivenciar de forma intencional a pluralidade das culturas presentes nas é não limitá-la a
um sistema errôneo no qual a educação, se constitua em “formar” alunos/as, utilizamos o termo
“formar” como ilustração de tentativas que a modernidade/colonialidade fez e faz para que
exista uma forma a ser utilizada para moldar a todos/as, de modo que esses sujeitos sejam
reduzidos a um ‘banco” para armazenamento de conhecimentos, através da repetição,
reprodução, sem questionamentos, sem diálogos, sem respeito a sua individualidade e
subjetividade, consolidando uma educação bancária que se pretende um “ato de depositar, em

que os educandos são os depositários e o educador, o depositante” (Freire, 2017, p. 80).

Não podemos ingenuamente acreditar que educar é ato isolado de política e ideologia, é
antes, escolha, que intencionalmente reforça a imagem tida como como universal, que como
tem sinalizado os estudos decoloniais, consiste na figura do homem, branco, heterossexual,
dominante de idioma europeu, cristão. Este homem legitimado pela modernidade e a partir dele
todos/as que se diferem, são denominado outros, “[...] homogeneização cultural em que a
educação escolar exerceu um papel fundamental, tendo por função difundir e consolidar uma
cultura comum de base eurocêntrica, silenciando ou inviabilizando vozes, saberes, cores,
crenças e sensibilidades” (Candau,2011, p.242).

Quando a figura válida deste sujeito produtor de saberes/conhecimentos passa a ser


questionada, problematizada por outros sujeitos educacionais, a uniformidade se configura em
tensões, e esse movimento, possibilita apresentar um caminho educacional outro.Exige esforço
da comunidade para reconhecer a legitimidade das diferenças, portanto, ser uma professora
coerente com a perspetiva decolonial deve estar atenta, como aponta Paulo Freire na obra
Pedagogia da autonomia:

[...]ateste sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor
que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua
presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um
momento importante que precisa de ser autenticamente vivido (Freire, 1996, p.58).

Pensar em uma educação não estática e heterogênea, é considerar que seus agentes

581
também não o são e os percebem como autores de suas histórias. Mas será que os indígenas
que frequentam escolas têm o direito a serem protagonistas de sua história? Será que a escola
tem considerado os seus saberes e suas relações com a cultura? Como são representados em
livros didáticos ou em datas comemorativas?

1.1 O lugar dos indígenas na educação escolar

Durante as minhas práticas pedagógicas enquanto professora tem sido necessário


perceber os sujeitos alunos/as indígenas ou não, e como estes diferentes grupos socio-culturais
carregam consigo marcas de suas culturas, na suas compreensões do que é ser humano, seus
modos de expressão, exposição de suas ideias, a visão do que é natureza, as relações que
estabeleceram com centros urbanos entre outros aspectos.

Quando refletimos acerca das diferenças entre a cultura indígena e ocidental no ato de
educar, nos deparamos com a educação comunitária na qual “A educação de cada índio é
interesse da comunidade toda” (Melià, 1979, p.10), essa compreensão é fundamental para um/a
educador/a que que atua numa perspectiva decolonial, e luta para romper com as amarras do
colonialismo, patriarcado como apresenta o autor Walter Mignolo (2010, p.16) “ [...] o
pensamento descolonial se propõe a desvelar os silêncios epistêmicos baseado no pensamento
ocidental (eurocêntrico) afirmando o direito de pensar de maneira outra pelo viés de saberes
socialmente desvalorizada”. (grifo nosso).

Esse ato de desvelar silêncios epistêmico percorre o caminho da escuta, perceber os


sujeitos e elucidar vozes de todos/as aqueles/as que o eurocentrismo sufocou, portanto, valorizar
característica singulares, subjetividades e de comunidade que são e devem ser bases para o fazer
pedagógico decolonial. Salientamos que apesar do termo decolonial ter sido grafado pós-escrita
do autor Bartolomeu Melià, os seus escritos sempre foram ao encontro da perspectiva teórica
da decolonialidade, sobretudo, pela ênfase que o autor atribui a importância e legitimidade dos
saberes, conhecimentos e produção científica dos indígenas. Em se tratando de cultura
indígena, o processo de educar e o ciclo da vida são indissociáveis:

A criança da primeira infância· com muita frequência não é objeto e especificação


sexual [...] um só termo para indicar o infante menino ou menina, do nascimento até
a idade de andar [...] A educação de hábitos motores, o estreito relacionamento com a
mãe [...]segunda infância apresenta duas etapas: a imitação da vida do adulto pelo
jogo e a imitação pelo trabalho participado. A criança indígena faz em miniatura o
que o adulto faz. Vive no jogo a vida dos adultos. Aprende as atividades sociais
rotineiras, participa da divisão social do trabalho e [...]de acordo com a divisão de
sexo (Melià, 1979, p.14).
582
Falando em específico sobre o período de infância e crianças, o olhar indígena se difere
da lógica ocidental quanto a não especificação sexual na primeira infância e aprendizagem pelo
exemplo de um adulto, adquirindo habilidades relacionadas ao cotidiano de forma não
generificada. E essa lógica atravessa outras etapas da vida, somente na “[...] puberdade surge
geralmente algum tipo de iniciação [...] na mulher a iniciação sempre que estiver relacionada
com a primeira menstruação, terá um desenvolvimento individual. A iniciação dos rapazes,
porém, pode acontecer mais facilmente por grupo”(Melià, 1979, p.14). Deste modo percebemos
que o educar de corpos dos sujeitos passa a ter percepção distinta de acordo com sexo
(feminino/masculino) sendo uma individualizada para mulheres marcado pela menarca, ou seja
um evento biológico, enquanto os homens se constitui de forma coletiva e social.

Já na adolescência a participação dos sujeitos sejam homens ou mulheres, está


diretamente ligado a necessidade da comunidade como “[...] em serviços para rituais, em ofícios
pesados, como ser canoeiro ou carregador [...] o adolescente mostra a capacidade de viver por
si e assumir a responsabilidade da futura família” (Melià, 1979, p.15).

Essa responsabilidade para com a comunidade e suas práticas culturais segundo Meilà,
(1979) são intensificadas na maturidade, o adulto indígena, também continuam o aprendizado
sobre a linguagem simbólica, conhecer e contar mitos e também a direção de rituais, é neste
período também que recebem orientação para a chefia religiosa ou política. Nesta perspectiva
a valorização de idosos é uma diferença bastante significativa, pois enquanto na cultura
eurocêntrica/colonial existe uma contínua busca pelo rejuvenescimento, dentro da cultura
indígena:

[...] A velhice intensifica a personalidade específica adquirida. Os velhos são


escutados como portadores de tradição e consultados como orientadores na inovação.
Mesmo a morte tem um grande valor educativo dentro de uma sociedade indígena,
onde toda a comunidade participa solidariamente da passagem. Na sociedade
indígena, o indivíduo "sabe morrer (Melià, 1979, p.15).

Por particularidades como essas é que cabe aos/as professores/as o ato de mediar diálogos
e descobertas para construção dos saberes a partir dos olhares e percepções dos diferentes
sujeitos no contexto escolar, como sintetiza Freire (1987, p.29) “ninguém educa ninguém,
ninguém se educa sozinho: os homens se educam em comunhão”.

É fato que em meio urbano existem escolas que ocupam esse lugar fronteiriço entre os
sujeitos indígenas e não indígenas, exigindo consciência de que precisa considerar que a
583
correlação entre a vida e aprendizagem, não torna a educação em um processo mais ‘fácil’, pelo
contrário “ Tem-se aspectos e fases da educação indígena que requerem mais tempo do que
outros, mais esforço, mais dedicação, tanto no ensino, como na aprendizagem.” (Melià, 1979,
p.10)

Ainda conforme Bartolomeu Meilà (1979, p.12) diz: “[...] Os educadores do índio tem
rosto e voz; têm dias e momentos; têm materiais e instrumentos; têm toda uma série de recursos
bem definidos para educar a quem vai ser um indivíduo de uma comunidade com sua
personalidade própria e não elemento de uma multidão.”

Pensando em uma educação que tenha como pilar a cultura, nos embasamos no conceito
de Roque de Barros Laraia (1986, p.45), que menciona que a humanidade é resultado do meio
cultural, “[...] ele [o ser humano] é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete
o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A
manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as
invenções.” O autor ratifica a importância das culturas no processo educativo.

Quando atentamos o olhar sobre sujeitos indígeneas notamos que o que ocorreu foi uma
transferência/imposição dos padrões culturais europeus para as Américas, que intentou
aniquilar a cultura indígena, mas quando a colonização não consegue eliminá-los, os
marginaliza e hierarquiza seus saberes e seus corpos, como subalternos. Como resultado da
cultura única temos estereótipos, e sendo assim “[...] o problema com estereótipos não é que
sejam mentira, mas são incompletos” (Adiche, 2019, p.26) .

Neste sentido, chamamos a atenção para as imagens de indígenas que aparecem nos livros
didáticos. É possível perceber demarcações próprias de moradias em ambientes naturais, o que
não é falso quando pensamos em algumas etnias, no entanto, não é igual em todas as etnias. E
não há, em nenhum livro analisado, a preocupação em explicitar a pluralidade de etnias
indígenas e seus diferentes modos de ser e estar no mundo. Portanto, ao utilizar imagens dos
livros didáticos, pretendemos problematizar onde estão as mulheres indígenas de aldeias
urbanizadas? Onde estão as mulheres indígenas que não estão representadas? Onde estão
idosos indígenas valorizados pela cultura, mas silenciados pelas imagens?

O autor Paulo Freire (1987) em sua obra pedagogia do oprimido diz que “não há saber
mais ou menos. Há saberes diferentes, ”, logo torna-se necessário (re)pensar sobre o ambiente

584
educacional: Porque insistimos tanto em engessar conceitos, ignorar diálogos da educação e
cultura em ambiente escolar? Por que algumas culturas são tidas como
insignificantes/irrelevantes?

Questionar a construção moderna/colonial é reconhecer que a diversidade cultural seja


componente fundamental da educação.: Portanto, é questionar profundamente, “[...]uma
construção eurocêntrica, que pensa e organiza a totalidade do tempo e do espaço para toda a
humanidade do ponto de vista de sua própria experiência, colocando sua especificidade
histórico-cultural como padrão de referência superior e universal” (Lander, 2005 p.13).

É preciso reconhecer esses dispositivos da modernidade e então conceber perspectivas


outras para a educação embasada em diálogo de conhecimentos e saberes imersos e vinculados
às questões culturais dos diferentes grupos que compõe a sociedade, de maneira que a escola se
constitua em um espaço de cruzamento de culturas e como tal atravessada por conflitos e
tensões:

[...] nos coloca de modo privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram
massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e
lutando por seus direitos de cidadania plena na nossa sociedade, enfrentando relações
de poder assimétricas, de subordinação e exclusão (Candau, 2013, p. 17).

Logo, se a escola é um lugar de tensões que enfrenta relações de poder, subordinação e


exclusão através das diferentes cultura, podemos percebe-la como lugar privilegiado, pois é
nela que nos é permitido ouvir sobre a pluralidade de sujeitos históricos que tiveram a
identidade marcada como o outro, o exótico, o diferente, e algumas vezes o inadequado. É
preciso questionar o que é educação para os indígenas, pois algumas vezes o que se conclui
equivocadamente que não existe educação indígena.

O autor Melià, (1979, p.9) apresenta em sua obra que “pressupõe-se que os índios não
têm educação, porque não tem a ‘nossa educação’ [...] índio está nu, mesmo com todos os seus
enfeites rituais [...] consideramos que o índio não tem religião, porque não tem templos, nem
imagens sagradas”. Com base nessas preconceituosas interpretações sobre cultura indígena é
que se materializou, por parte dos colonizadores e que tem desdobramentos até hoje, sobre a
necessidade de fazer, produzir uma educação ‘boa’ para eles/as.

Precisamos, então (re) significar o conceito de “boa”, pois quando nos referimos a
educação enviesada pela compreensão colonial demarcamos os indígena como povo sem

585
educação, reforçando o ato de ensinar como modo único e exclusivo “formatado” para atender
a ‘todos’, que não tem como pilar uma educação capaz de estimular e fomentar o pensamento
crítico, filosófico atravessado pela singularidade, construído a partir das influências plurais de
diferentes culturas e sobre os efeitos que essas exercem sobre gerações e indivíduos.

Desestabilizar preconceitos e discriminação é entender que a cultura e seus aspectos que


nos diferenciam juntamente com o conhecimento que nos impulsionam a (des) construção de
nossas subjetividades, e é por intermédio da cultura que o conhecimento aprendido/ensinado
na escola adquire significado. Neste sentido, destacamos novamente a necessidade de
articulação entre os denominados conteúdos escolares e as diferentes culturas presentes na
escola.: Por que para o cotidiano escolar parece mais fácil padronizar entendimentos, leituras e
conhecimentos ao invés de desmitificar os estereótipos?

A partir desses questionamentos é possível desmitificar estereótipos e preconceitos em


relação aos indígenas, para Berta Ribeiro (2000) o processo é atravessado pela resistência,
valorização e reconhecimento da contribuição cultural indígena para a sociedade brasileira. A
autora problematiza como esses sujeitos foram marginalizados e invisibilizados ao longo da
história e oferece uma perspectiva inclusiva que repense a narrativa histórica que se estabeleceu,
validou apenas saberes e conhecimentos eurocêntricos e somente estes foram/são considerados
civilizados.

Citamos, como forma de explicitar o eurocentrismo que a língua falada pelo europeu é
idioma, como o inglês, português, francês e a sua universalização é entendida como avanço
social e cultural. Já o a língua falada pelos povos indígenas são dialetos e é necessário a
alfabetização, pois essa é a garantia de acesso ao conhecimento. Por isso como aponta o autor
Melià, (1979, p.9) reconhecemos a existência e valor inquestionável da educação indígena que
continua tendo um dinamismo próprio para vida dos sujeitos “[...] um trabalho de educação
junto aos povos indígenas, o conhecimento da língua e a aceitação da sua identidade são
condições fundamentais.”

A decolonialidade explicita a necessidade da ruptura da padronização colonial de


conhecimentos a neutralidade baseada em falsa segurança e garantia de de saberes universais.

A narrativa, amplamente divulgada pela modernidade, de que há um conhecimento


universal, limitou/limita a compreensão de que existem saberes outros marcados e vivenciados

586
por nossos/as alunos/as e que seus corpos possuem a capacidade de estabelecer diálogos
múltiplos.

É preciso, então que o/a professor/a esteja comprometido com um processo educativo
como aponta Paulo Freire (1987, p. 15), que “[...] não se deixa prender em ‘círculos de
segurança’, nos quais aprisione também a realidade. Quanto mais radical, mais se inscreve nesta
realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la”. Logo, ser radical permite
compreender como os fatos estão postos, mas não se conformar com isso, assumindo uma
postura de transformação.

Salientamos que uma educação decolonial implica em uma ruptura com os saberes
“naturalizados”, ouvindo as vozes dos sujeitos enquanto produtores de saberes, de modo que
lutem por uma identidade que não estejam restritos ao que ponderam para eles, mas sim na
revisão sobre si mesmos, criticando em um processo de (re) existência e resistência a conceitos
que pertencem à concepção de mundo que segrega conhecimentos e corpos diferentes, que só
os valoriza se passam pelo crivo eurocêntrico para então ser válido e verdadeiro.

Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se
reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente
se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber
que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma
prática em tudo coerente com este saber (Freire, 1996, p.32-33).

O desprezo pelos indígenas, a incompreensão de suas motivações, valores e costumes


fizeram parte da história brasileira como bem sintetiza a autora Berta Ribeiro (2000) em seu
livro intitulado “O Índio na História do Brasil" onde analisa e aborda a questão indígena desde
o período pré-colonial destacando a importância dessa população para a formação e
transformação do nosso país. A autora explora a diversidade linguística e cultural antes dos
colonizadores europeus, bem como os impactos da catequização, exploração territorial, a
escravidão e também das doenças trazidas.

A dimensão cultural é intrínseca aos processos pedagógicos “está no chão da escola”


e potência processos de aprendizagem mais significativos e produtivos, na medida em
que reconhece e valoriza cada um dos sujeitos neles implicados, combate toda a forma
de silenciamento, inviabilização e/ou inferiorização de determinados sujeitos
socioculturais favorecendo a cultura de identidades culturais abertas [...] (Candau,
2011,p.253).

É preciso nos atentarmos e construir enquanto educadores/as uma educação


587
humanizadora, autônoma, emancipatória e crítica que permita problematizar a
homogeneização, conformismo e exclusão. Reconhecer características próprias da educação
indígenea como explicita o autor Melià (1979) reconhecimento da oralidade, feita face a face,
no decorrer da vida cotidiana, enquanto componente de aprendizado sobre sua cultura, como
acontece com a etnia Tupinambá:
Todos aprendiam de todos. Aprendia-se até sem ser ensinado. Na transmissão de
conhecimentos se dava também um grande valor à tradição, que não somente era
sagrada, mas tinha um valor vivo e exemplar [...] não era um armazém de coisas
passadas, mas um modelo para situações futuras. Um homem com tradição pode se
adaptar melhor frente às inovações que um homem sem tradição (Meilá, 1979, p. 24).

Questões relevantes como meio ambiente e natureza, podem ser exploradas pela
sapiência e conhecimento dos povos indígenas em seu caráter social e ecológico como
apresentado por Ribeiro (2000, p.113) em suas considerações finais da obra “O índio na história
do Brasil”, onde em primeiro lugar o respeito e integridade da natureza, como fonte de todas as
benesses da terra. Em segundo lugar, relações humanas e concepção de propriedades
atravessadas pela espírito comunitário, de modo que o cuidado em âmbito estreito das micro
etnias, possa ser ampliada a todos/as brasileiros/as.

Observem a imagem a seguir que foi retirada da Coleção Buriti Mais Ciências (2017) -
2º ao 5° ano que foi utilizado até o ano de 2021 pela rede de ensino púbico municipal de Campo
Grande/MS.

Figura 1 - Brincadeiras de Criança.

Fonte: Livro Didático, coleção Buriti Mais Ciências 2º ano, 2017, p. 24 .

588
Ainda que as imagens de indígenas em livros didáticos sejam raras, as que aparecem
permite que a partir delas, discussões outras sejam feitas pois, o “[...]combate à discriminação
em toda a dinâmica escolar [...]” (Candau, 2011, p.252).

Como é possível observar na figura 1 o propósito da mesma é questionar as crianças


acerca de suas brincadeiras preferidas, mas através da fotografia estas crianças também recebem
como resposta a diversidade de cor, etnia, de gênero e locais físicos em áreas distintas de um
mesmo município. Avançando em diálogos, é necessário ressaltarmos que em toda a coleção
“Buriti mais Ciências” não aparece uma imagem sequer de um corpo feminino indígena. E para
não incorrer no ocultamente desses sujeitos outros uma vez mais, registramos que em toda a
coleção é possível encontrar, somente, três imagens indígeneas nos livros destinado ao 2° e 5°
ano.
Quando refletimos sobre sujeitos indígenas percebemos que o que ocorreu foi uma
transferência dos padrões culturais europeus para as Américas em especial a América Latina,
que intentou aniquilar a cultura indígena, mas que o sujeito branco colonizador por não
conseguir, optou em marginalizar e hierarquizar os sujeitos e seus corpos. Assim, forjando a
história a partir da colonização, sentenciando a invisibilidade, nos discursos, nas imagens e
também nos livros didáticos. Sendo assim, entendemos que para a lógica moderna eurocêntrica
“[...] as outras formas de ser e de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento,
são transformados não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais,
pré-modernas” (Lander, 2005, p. 13).

Considerações finais

Uma prática pedagógica decolonial requer que o/a educador/a valorize e trabalhe
positivamente as diferenças combata atentamente todas as formas de preconceitos e
discriminações que emergem no cotidiano escolar. Além disso, uma perspectiva decolonial
combate toda a tentativa de folclorização das diferentes culturas, portanto problematizamos que
as denominadas data comemorativas que reduzem uma cultura a alguns dias do anos,
geralmente apresentada de forma estereotipada.

A educação descolonial pretende desenvolver conceitos outros que se diferem da razão


eurocêntrica/moderna que afirma existir sujeitos legítimos produtores de
saberes/conhecimentos. Conforme pontua João Colares de Mota Neto (2016, p. 51): “A razão
589
eurocêntrica, porque saqueou conhecimentos dos povos que dominou, jamais poderá
reconhecer neles a autoria e a capacidade de pensar”

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590
EDUCAÇÃO INFANTIL, SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E PAULO FREIRE

Rosalina de Carvalho Pantoja Nascimento (Bolsista CAPES/UCDB)


Saronr97@gmail.com

Resumo: O presente artigo busca fazer considerações entre a Educação Infantil, a Sociologia
da Infância e Paulo Freire. Mediante o entendimento de que a Educação Infantil como a
primeira etapa da Educação Básica tem o compromisso com a qualidade, garantindo o direito
de todas as crianças, independente de classe social, etnia ou gênero, ter acesso ao conhecimento
socialmente acumulado e ao exercício de uma cidadania que seja reflexiva, capaz de criar,
interferir e mudar os rumos da sua história. A pesquisa foi de abordagem
qualitativa/bibliográfica, buscando recortes da legislação para a Educação Infantil, conceitos a
partir da Sociologia da Infância e dos escritos de Paulo Freire, numa abordagem de princípios
de uma criança ator social. Como resultado, evidenciou -se um alinhamento entre essas três
temáticas. No que se espera avançar na qualidade da Educação Infantil, as conquistas quanto as
políticas públicas, contribuições da Sociologia da Infância pela consolidação de uma criança
social de direito e obras de Paulo Freire que em suas dimensões, a partir do diálogo, têm
importantes contribuições para o contexto infantil, com aplicabilidade através do processo de
integração de culturas, como produtoras de suas histórias, dando a visibilidade em estar no
mundo com direito de participação e sua singularidade.

Palavras-chave: Educação Infantil. Sociologia da Infância. Paulo Freire.

Introdução

A exclusão social e ausência de qualidade no sistema educacional não é um privilégio


que se inicia a partir do Ensino Fundamental e termina no mais alto grau de escolaridade dos
alunos. Desde a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, incluída como
seção autônoma na Lei de Diretrizes e Bases n. 9.394/96 – LDB e também inserida no capítulo
II (Brasil, 1996), a criança precisa ter garantido o acesso ao saber científico, ao domínio das
diferentes linguagens, a tecnologia, a escala de valores culturais e aos padrões estéticos e éticos,
se constituindo sujeito de direito único.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, dizem que a Educação
Infantil deve propiciar experiências que: “incentivem a curiosidade, a exploração, o
encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao
mundo físico e social, ao tempo e a natureza”. (Brasil, 2010, p. 26). Com isso, o protagonismo

591
infantil por meio da ludicidade vem ganhando notoriedade por ser um universo social farto de
interações e um novo arranjo para a etapa da Educação Infantil, permitindo que a criança amplie
o conhecimento de si mesma, por meio dos conhecimentos e experiências essenciais ao seu
desenvolvimento.
É necessário dar autonomia à criança desde a Educação Infantil, não a tratando como
uma tábula rasa que precisa ser preenchida passivamente. Ressalte-se aqui que a concepção de
protagonismo infantil também está respaldada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
[...] “É na interação com os pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo
próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas
diferentes, com outros pontos de vista” [...] (Brasil, 2017, p.38). Nesse sentido, a BNCC
determina que a criança pode ser beneficiada ao desenvolver o seu autoconhecimento, ao
adquirir o senso de cidadania e a ideia de que pertence à sociedade, sendo uma criança proativa
na resolução de seus problemas.
Este artigo propõe fazer considerações entre a Educação Infantil, Sociologia da Infância
e Paulo Freire, mediante o entendimento de que a Educação Infantil como a primeira etapa da
Educação Básica tem o compromisso com a qualidade, garantindo o direito de todas as crianças,
independente de classe social, etnia ou gênero ter acesso ao conhecimento socialmente
acumulado e ao exercício de uma cidadania que seja reflexiva, capaz de criar, interferir e mudar
os rumos da sua história.
A interlocução com a Sociologia da Infância dar-se-á por ter um olhar voltado para uma
criança que é sujeito social, com protagonismo infantil e a necessidade de escuta de sua voz.
Esse campo de estudo propõe uma visão mais ampla das questões do universo infantil, vê a
criança como um sujeito histórico, social e envolvido em dramas sociais que influenciam a sua
identidade, influenciando a construção das culturas. Desta maneira pensa a criança em sua
multiplicidade e considera a infância como o primeiro tempo da vida humana em qualquer
sociedade com suas variáveis sociais como gênero, etnia, geográficas e socioeconômica
(Sarmento; Gouveia, 2009).
O entrelaçamento de Paulo Freire com a Educação Infantil e a Sociologia da Infância,
dar-se-á por acreditar que ele é referência em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino
na área educacional, nos movimentos sociais e em qualquer campo em que a perspectiva estiver
alicerçada na humanização do humano e da humanidade, por existir uma relação entre os

592
princípios da Educação Infantil e a sua proposta, quando consideramos que em sua distinta obra
ele realizou algumas reflexões sobre as crianças e as infâncias.
Em suas análises sobre as práticas pedagógicas, Paulo Freire (1996) afirma que devem
ser permeadas, entre outras, pelo diálogo, a construção do conhecimento, amorosidade, escuta,
criticidade e a curiosidade. Na compreensão de que a educação é permanente, não se tratando
de um preparo para viver a partir de uma dada faixa etária, mas uma constante postura crítica
diante do mundo que é atemporal e a essência de sua concepção popular de educação
libertadora.
Este texto está organizado a partir da abordagem vinda da Educação Infantil, Sociologia
da Infância e Paulo Freire, apresentando as dimensões do diálogo, construção do conhecimento,
amorosidade, escuta e criticidade como princípios democráticos e pertinente a atual demanda
social com foco na promoção de uma visão de criança e infância não oprimida.

O diálogo e a criança

Nas relações estabelecidas pela criança na Educação Infantil ocorrem as interações por
meio das brincadeiras, da aproximação com o outro, o diálogo que permite várias possibilidades
de compreensão e leitura de mundo. Através do diálogo é possível compreender o que as
crianças estão pensando, o que elas sabem e o que desejam saber, elas perguntam o tempo todo
sobre o ambiente em que estão inseridas. No caminho que conduz a sua aprendizagem é
importante ajudá-las em busca das respostas de suas indagações (Brasil, 1998).
Na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) está estabelecido os seis direitos de
aprendizagem para as crianças de 0 a 5 anos, dentre eles encontra-se o direito de se “Expressar”,
o qual apresenta a criança como um sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades,
emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de
diferentes linguagens.
Para a Sociologia da Infância a ampliação das experiências das crianças por meio do
diálogo entre as culturas infantis e a cultura com maior abrangência, consiste nas práticas
pedagógicas constituídas pela lógica de participação, dando atenção especial aos tempos, aos
espaços e para as interações (Martins; Prado, 2020).
Para Paulo Freire (1997) o simples contato não pode ser um diálogo, nele precisa haver
relações onde acontecem as trocas dos saberes, confiança, humildade, acreditar e abrir-se com
o outro. No diálogo acontece a construção e reconstrução do conhecimento, e esse
593
conhecimento não poderá vir da dominação de uma pessoa sobre a outra, mas na comunicação
entre elas. Para o autor, a educação dos sentidos é um esforço na busca do estimulo para que as
crianças desenvolvam a abordagem crítica e reflexiva. “Quando uma criança fala e dialoga com
os seus pares, crianças e adultos, com liberdade de se expressar, está utilizando uma das
principais ferramentas política na conquista de sua inclusão social” (Freire, 1997, p. 56).

A construção do conhecimento e a criança

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução CNE/CEB


número 5, de 17 de dezembro de 2009) regem que a Educação Infantil é a primeira etapa da
Educação Básica e que nos ambientes públicos ou privados as crianças de 0 a 5 anos precisam
ser cuidadas e educadas. Afirmam ainda que elas devem ser o centro do planejamento
curricular, como um sujeito histórico que por meio de suas características peculiares constrói
conhecimentos.
A escola é a primeira experiência da criança fora do âmbito familiar, em que irá
desempenhar papeis distintos do ambiente familiar, pela vivencia que reúne a tarefa de
organizar as informações nas diferentes linguagens, as quais farão parte de seu desenvolvimento
integral por meio das atividades que facilitam a sua aprendizagem.
As diferentes linguagens terão significado e sentido por meio do brincar que se apresenta
como a principal atividade social inserida no universo infantil, sendo capaz de favorecer a
reelaboração de saberes e conhecimentos, organizando e ampliando suas experiências de vida.

É direito da criança aprender e se desenvolver, De acordo com as DCNEIs (2009b), a


educação infantil tem como objetivos: 1) garantir todas as crianças o acesso a
processos de apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens
de diferentes linguagens e 2) o direito à proteção, à saúde; à liberdade, à confiança, ao
respeito, à dignidade, à brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças
(Brasil,2009b, p. 18).

Essa garantia que as crianças têm ao acesso à construção do conhecimento estabelece


uma íntima relação com a Sociologia da Infância, mediante os aportes teóricos de Corsaro
(1997) e Sarmento (2004, 2005, 2007), quando defendem o direito da criança a uma infância
que respeite e garanta o seu valor social, cultural, sujeito produtor de culturas e conhecimentos
ativo em suas escolhas.
Assim nos fala Brostolin (2018):

594
Pensando a educação infantil nesse contexto, é ali que a criança iniciará a sua vivência
em comunidade, aprenderá a respeitar, a acolher, a celebrar a diversidade, e a ver o
mundo a partir do olhar do outro e terá a compreensão de outros espaços sociais que
não os de convivência familiar. Ali ela terá a oportunidade de práticas sociais que se
aprendem através do conhecimento de outras culturas por meio da literatura, da
música, da pintura, da dança e de tantas linguagens que ali são exploradas (Brostolin,
2018, p.151-152).

Paulo Freire, também esclarece: “quando se tira da criança a possibilidade de conhecer


este ou aquele aspecto da realidade, na verdade se está alienando-a da sua capacidade de
construir conhecimento” (Freire, 1983, p.15).
Paulo Freire (2001) compreende a escola como um rico espaço em que a criança poderá
discutir e deliberar decisões problematizando o mundo; que esse ambiente seja atravessado
permanentemente pela conquista da humanização entre as pessoas; uma instrumentalização da
não conformação com o que é posto de forma vertical; que o espirito de luta por atos
democráticos, pela conquista dos direitos e da liberdade para criar e recriar seja o chão dessa
busca em ler, entender e contestar com a realidade que está posta; que poderá ser bom no
presente e muito melhor no futuro a começar com a criança que inicia a sua caminhada no hoje;
que a produção do conhecimento seja pautada pela solidariedade e tolerância com as diferentes
ideias e pessoas

A amorosidade e a criança

As crianças necessitam de uma infantaria de condições que favoreçam o binômio cuidar


e educar, que mesmo sendo interdependentes se complementam quando se trata do seu
desenvolvimento e bem-estar. As Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (2009) trazem
os princípios da amorosidade, implica estudo, dedicação, cumplicidade e principalmente, amor
por meio da sensibilidade e delicadeza de todos os responsáveis que reconhecem que o processo
de desenvolvimento da criança é dinâmico e necessita de aparatos específicos a sua natureza
infantil.
Natália Fernandes Soares (2002) defende a amorosidade traduzida nos princípios da
proteção, provisão e participação que considera a criança um sujeito de direitos, para além da
proteção, que necessita de intervenção no seu quotidiano, que requer a defesa e o respeito pela
sua vulnerabilidade e competências.

595
A amorosidade traduzida pela Sociologia da Infância refere-se ao reconhecimento da
importância do afeto, do cuidado, amor e condições favoráveis ao bem-estar das crianças,
promovendo a saída da sua invisibilidade e vulnerabilidade social.
Sobre a amorosidade, Paulo Freire (2003) diz que a transformação da realidade perpassa
pelo amor. Quanto a esse ponto o autor declara: “Não há diálogo [...] se não há um profundo
amor ao mundo e aos homens. [...]. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo
(Freire, 1985, p. 79-80).
É na convivência permeada pelo amor que promove nas práticas pedagógicas da
Educação Infantil a consolidação de uma cidadania essencialmente democrática, evidenciada
nas vivências e experiências entre crianças e crianças e crianças e adultos. De acordo com Freire
(1996, p.43) “o encontro amoroso entre os homens que, mediatizados pelo mundo, o
“pronunciam”, isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam para a humanização de
todos”.
Nas reflexões de Paulo Freire, a amorosidade é o próprio processo de ensinar, que
fundamenta que a infância e a criança, podem e devem ser desafiadas a agir com afetividade,
tomando posse do seu direito em estar no mundo.

A escuta e a criança

A escuta sensível vai muito além de um diálogo em que uma pessoa fala e a outra ouve.
Quando se escuta, se reconhece e estabelece a conexão direta com a realidade da criança, com
seus conhecimentos, saberes, sua criatividade, imaginação, desejos e necessidades.
Possibilitando que ela se manifeste por meio das múltiplas formas de brincar, desenhar, cantar,
dançar, e dar a sua opinião sobre algo que concorda ou discorda, favorecendo um ambiente
seguro e confiante, efetiva-se assim o respeito a sua subjetividade que a faz ser um ator social
de fato, que tem o direito de narrar a sua própria história (Nunes, 2009).
Nos documentos que regulamentam a Educação Infantil como as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (Brasil, 2009) e na Base Nacional Comum
Curricular - BNCC (Brasil, 2017) ainda que o termo “escuta da criança" não venha de maneira
explicita, há vários trechos em que é notório a concepção de criança com o direito à
participação. Nessa direção, a Sociologia da Infância dá ênfase que ao interagirem enquanto
sujeitos desta sociedade moderna, as crianças apresentam suas perspectivas peculiares sobre o

596
mundo. Que merece ser ouvida e podem apresentar seus pontos de vista diante dos diferentes
contextos sociais.

Ouvi-las diz respeito à qualidade de vida dela, é fazer ecoar suas vozes e seu pedido
de ajuda em suas diferentes infâncias, ouvi-las “[...] assume-se como um contributo
fundamental para compreender e interpretar fenômenos sociais que, de outro modo,
ficariam parcialmente ocultos nas tramas que estabelecem entre as determinantes
estruturais [...]” (Sarmento, 2015, p.41).

Brostolin e Azevedo (2021), apontam que por muito tempo a educação das crianças foi
vista de forma vertical, os professores detinham o poder do conhecimento e da fala, e as crianças
apenas ouviam.
Paulo Freire (1995) afirma que o ato de escutar as crianças, as reconhecem como
sujeitos dialógicos, autônomos e protagonistas, nas instituições de Educação Infantil:

É preciso e até urgente que a escola vá se tornando em espaço escolar acolhedor e


multiplicador de certos gostos democráticos como o de ouvir os outros, não por puro
favor, mas por dever, o de respeitá-los, o da tolerância, o do acatamento às decisões
tomadas pela maioria a que não falte, contudo, o direito de quem diverge de exprimir
sua contrariedade (Freire, 1995, p,91).

Nos princípios de liberdade e autonomia defendido por Paulo Freire, há escuta sensível
e reciproca. Há o direito de se fazer a leitura de mundo e intervir nele, contrariando uma
educação em que se assemelha ao depósito bancário, em que um deposita e o outro recebe, este,
totalmente na condição de passividade, sem a voz e a vez de apresentar as suas expectativas
paradoxais diante dos fatos sociais.

A criticidade e a criança

As DCNEI (Brasil,2009) apontam imbricados em seus princípios políticos o exercício


da criticidade como à capacidade das crianças de desenvolverem o pensamento crítico
necessário para sua inferência de analisar, questionar, refletir e avaliar ideias, situações
problemas e desafios do mundo complexo em que vivemos.
Para a Sociologia da Infância a participação das crianças tem sido uma conquista
paulatina, que depende da quebra de paradigma de uma criança que não tinha voz por uma nova
abordagem conceitual, intencional e política, vinda de uma sociedade que lhe concede o direito
de voz.

597
Segundo Brostolin (2021, p.4) compreender a criança como vulnerável, desprotegida e
dependente do adulto, “compromete a realização dos seus direitos diante da tradicional
distinção entre os direitos de proteção, provisão e participação, que são assegurados pela
Convenção dos Direitos da Criança, a CDC, de 1989”.
A abordagem da autora sobre a participação como um direito com menor progresso,
sugere que é necessária uma mudança na relação assimétrica entre adultos e crianças, passando
a ser mais igualitária, em que haja o compartilhamento de poder e negociação, reconhecendo
que as crianças podem e têm a capacidade de expressar as suas opiniões e assim possam
contribuir mais significativamente com as transformações sociais, políticas e econômicas que
afetam diretamente as suas vidas.
Nesse viés, Paulo Freire (1996) faz crítica por meio da "educação bancária" por ser um
produto da elite. Diz que hoje a criança precisa ser reconhecida como um sujeito que participa
ativamente de todo o processo educativo, que saia da condição de passividade, de apenas
consumidora dos conhecimentos prontos e acabados oferecidos pelos adultos e que isso
aconteça pela prática de uma educação dialógica.
É preciso que as crianças tenham liberdade, criatividade e criticidade. Freire (2003)
afirma que, assim como os (as) educadores (as) têm muito a dizer sobre o conteúdo e dizem-
no, as crianças também o têm e devem dizê-lo em diálogo com os (as) educadores (as) e com
seus os pares.

A curiosidade e a criança

A curiosidade nas crianças é um processo natural e deve ser um aliado favorável à sua
aprendizagem e desenvolvimento. A partir do momento que ela começa a falar e fazer perguntas
aumenta o desejo em conhecer tudo que está a sua volta.
As DCNEIS- Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009),
trouxeram em seu bojo os três princípios básicos e necessários que devem estar contidos nas
práticas das instituições da Educação Infantil, firmando todos os objetivos e orientando toda
ação de aprendizagem com as crianças. Os princípios são: os éticos, políticos e estéticos.
De acordo com Schmith (2021), inserido nos princípios éticos está o dever de assegurar
às crianças a manifestação de seus interesses, desejos e curiosidades ao participar das práticas
educativas. Os estudos e pesquisas realizadas pela Sociologia da Infância avançam no sentido

598
de que a criança tenha visibilidade consigo, com os adultos e outras crianças, bem como, com
a sua própria infância.
A criança deseja descobrir: O quê? Por quê? Como? Para quê? Dando oportunidade para
que seja estimulada a continuar perguntando, problematizando e pesquisando para então ter o
que contar como respostas de suas dúvidas e descobertas. Para Paulo Freire (2000) o processo
de aprendizagem é criativo e criador. Cito:

As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de indagar-se


e de indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, programar e de não
apenas seguir os programas a elas, mais do que proposto, impostos. As crianças
precisam ter assegurado o direito de aprender a decidir, o que se faz decidindo. Se as
habilidades não se constituem entregues a si mesmas, mas na assunção ética de
necessários limites, não se faz sem riscos a serem corridos por elas e pela autoridade
ou autoridades com que dialeticamente se relacionam (Freire, 2000, p. 25).

Desse modo, o autor apresenta e reforça a ideia de que é necessário investir na


problematização, no uso de questionamentos, de perguntas que sejam investigativas e
desafiadoras com as crianças, indo além dando a oportunidade para que elas façam as escolhas
em busca de suas respostas, correndo os riscos necessários quando se tem o direito e o espaço
de protagonizar.

Considerações finais

A proposta deste texto em tecer considerações entre a Educação Infantil, a Sociologia


da Infância e Paulo Freire, ousou estabelecer relações de princípios comuns entre eles. Diante
do reconhecimento da importância da participação da criança nas práticas sociais em que
simultaneamente elas precisam transformar e ser transformadas pelo processo histórico que ao
longo da história baniu esse direito, por acreditar que suas características consistiam na
imaturidade, passividade e vulnerabilidade, sem ter a vez de falar e ser escutada, sendo cuidada,
educada e mantida numa disciplina a partir de valores e crenças do mundo dos adultos.
De acordo com o alinhamento dos que dizem os dispositivos legais, dos fundamentos
da Sociologia da Infância e das dimensões trazidas por Paulo Freire como o diálogo, a
construção do conhecimento, amorosidade, escuta, criticidade e a curiosidade, há consonância
entre eles, quando concebem as crianças como sujeitos de direitos, das experiências de
participação numa relação de igualdade e ao mesmo tempo em sua alteridade. Requerendo a
continuidade de um compromisso em problematizar e desconstruir os princípios de uma

599
sociedade que historicamente ainda se constituiu preponderantemente nos moldes do
adultocentrismo.

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602
ENSINAMENTOS DE PENSAR ESTAR NO MUNDO: COMO A ETNIA
TERENA REPASSA SEUS CONHECIMENTOS NO DECORRER DAS GERAÇÕES
E COMO ESTES CONTRIBUEM COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Elisangela Castedo Maria do Nascimento (SED/MS)


ecmcursino@yahoo.com.br

Resumo:No mundo existem muitos povos, muitas culturas e formas de pensar e interpretar o
mundo, diferentes e singulares. Os Terena, como toda sociedade da natureza, percebem os
lugares como ambientes produtores de ensinamentos de pensar e estar no mundo. Tais
conhecimentos foram adquiridos em sua prática cotidiana e não em bancos escolares com
ensinamentos teorizados, esvaziados de significado e sentido. Nosso objetivo foi: compreender
como se dá a passagem dos conhecimentos tradicionais nas gerações pelos Terena e como esses
conhecimentos podem contribuir com Educação Ambiental. Optamos por realizar uma pesquisa
qualitativa, embasada nas Teorias Pós-Críticas, visto que, têm como premissa o
comprometimento de estudar e intervir no mundo a fim de modificar o “status quo”. A pesquisa
foi ancorada no método da História Oral que privilegia as histórias contadas pelo grupo
pesquisado e devido ao fato da oralidade ser uma característica forte dos indígenas. Para
explorar a história oral optamos pela entrevista não estruturada como ferramenta de pesquisa,
pois permite ao pesquisador produzir muitos dados. Observamos uma diversidade de
conhecimentos, saberes, de epistemologias nas relações entre os indígenas, e entre eles e a
natureza. Esses saberes são o resultado de traduções para sobrevivência que influenciaram sua
cultura e seu ambiente.

Palavras-chave: Ensinamentos. Conhecimentos tradicionais. Educação Ambiental.

Introdução

A pesquisa aqui apresentada, foi desenvolvida no programa de Pós-Graduação em


Educação da Universidade Católica Dom Bosco e financiada pelo Programa de Suporte à Pós-
Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior (PROSUC) da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). É parte do resultado da pesquisa de
doutoramento desenvolvida com a etnia Terena, especificamente na aldeia Lagoinha, que
pertence à Terra Indígena Taunay/Ipegue, localizada no distrito de Taunay, pertencente ao
município de Aquidauana - MS.
No mundo existem muitos povos, muitas culturas e formas de pensar e interpretar o
mundo, diferentes e singulares. Em meio aos Terena observamos a diversidade de
conhecimentos, saberes e epistemologias usados em sua relação com a natureza. Os Terena,

603
como toda sociedade da natureza, percebem os lugares como ambientes produtores de
ensinamentos de pensar e estar no mundo.
Os indígenas possuem uma relação intrínseca com a natureza e o meio onde vivem. O
conhecimento tradicional é sensível, se embasa na percepção das coisas, nos cheiros, nos
sabores, nas cores, nas imagens, no som. A relação do Terena com a terra, com a água, com o
seu lugar, mostra sua compreensão da natureza e de como ela funciona. Tais conhecimentos
foram adquiridos em sua prática cotidiana e não em bancos escolares com ensinamentos
teorizados, esvaziados de significado e sentido. Compreender essa lógica de pensamento é
descolonizar nossa mente do saber científico e acadêmico, descentralizando-os.
Dessa forma, nosso objetivo foi: compreender como se dá a passagem dos
conhecimentos tradicionais nas gerações pelos Terena e como esses conhecimentos podem
contribuir com Educação Ambiental.

Metodologia / Material e Métodos

Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa na busca da compreensão de como se dá


a passagem dos conhecimentos tradicionais nas gerações pelos Terena e como esses
conhecimentos podem contribuir com Educação Ambiental. A pesquisa qualitativa nos dá a
possibilidade de investigar os fenômenos das relações sociais ocorridos em vários ambientes,
pois o contexto em que o fenômeno ocorre deve ser analisado para ser melhor compreendido,
mas para isso o pesquisador precisa perceber o fenômeno a partir do ponto de vista das pessoas
envolvidas (GODOY, 1995).
As Teorias Pós-Críticas embasaram o estudo, visto que, têm como premissa o
comprometimento de estudar e intervir no mundo a fim de modificar o “status quo”. É um
comprometimento político aliado às concepções da democracia cultural, “explorando modos
alternativos de pensar, falar e fazer práticas sociais, remodelar as metodologias de pesquisa para
que não sejam ferramentas de reprodução social” (MEYER e PARAÍSO, 2012, p. 9-10).
Buscamos compreender como se dá a passagem dos conhecimentos tradicionais nas
gerações pelos Terena da aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul,
e como esses conhecimentos podem contribuir com Educação Ambiental.
A pesquisa foi ancorada no método da História Oral que privilegia as histórias contadas
pelo grupo pesquisado e devido ao fato da oralidade ser uma característica forte dos indígenas.

604
Para explorar a história oral optamos pela entrevista não estruturada como ferramenta de
pesquisa, pois permite ao pesquisador produzir muitos dados.
As atividades a campo e produção de dados ocorreram em 2019 e 2020. Em 2019, nos
meses: janeiro, abril, maio e novembro; em 2020, nos meses: janeiro e fevereiro.
Os sujeitos da pesquisa foram os membros da comunidade indígena Terena da aldeia
Lagoinha no Município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul (MS), focando mais os anciões,
mestres tradicionais e lideranças, por estarem mais próximos dos conhecimentos originários de
sua gênese. Dois protagonistas iniciais foram escolhidos e os demais foram indicados pelos dois
iniciais, seguindo o conselho de Brand (2000, p. 203): “por vezes basta a escolha de alguns
informantes iniciais que sucessivamente indicarão outros”.
Foram entrevistados o total de vinte e duas pessoas, entre estes temos dez mulheres e
doze homens, embora neste artigo apareça apenas nove, por ser um recorte da pesquisa.
O diário de campo foi utilizado durante o período de produção de dados. A maioria das
entrevistas foi gravada em áudio, já as entrevistas com os anciões mais idosos foram gravadas
em vídeo utilizando o aparelho de celular. Outra ferramenta utilizada foi a câmera fotográfica
para registrar os eventos festivos, educativos e políticos que ocorreram na aldeia durante a
pesquisa. As conversas de aproximação realizadas para agendar uma entrevista ocorreram em
eventos organizados na escola e na igreja.
O projeto de pesquisa e o termo livre esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (CEP/UCDB), sob o parecer número
3.246.751. O delineamento desse estudo atendeu os aspectos éticos da pesquisa com seres
humanos definidos pela Resolução n.º 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de
Saúde. Destacamos que o termo livre esclarecido foi assinado por todos os participantes da
pesquisa, nos autorizando a divulgação do material produzido, como, filmagens, entrevistas e
imagens, tanto dos adultos como das crianças, na produção da tese e de artigos frutos da tese.

Resultados e discussão

Os Terena de Mato Grosso do Sul não vivem mais em florestas, vivem confinados1
espremidos em aldeamentos cercados por fazendas. Suas aldeias já não possuem muitas áreas
de mata fechada devido ao aumento da população. O Censo demográfico nos mostra que a

1
Termo expressado e usado por Brand em sua tese de doutorado em 1997.
605
população indígena teve um crescimento além das expectativas. No ano de 2000 havia 350. 829
indígenas na área rural e em 2010 esse número subiu para 502.783 (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2020). As retomadas aumentaram seu território,
mas são áreas de fazendas de gado que possuem apenas a reserva mínima de floresta
determinada por lei, e que atualmente supre parcialmente as necessidades de recursos naturais
dos indígenas Terena. São dessas reservas que são retiradas madeira, remédios, e material de
artesanato e também são nesses momentos de extração, que muitos conhecimentos são
transmitidos para os mais jovens, vejamos como isso acontece.

Existem momentos durante o dia para os ensinamentos acontecerem. Observamos que


os Terena continuam a constituir famílias extensas, em suas casas vivem marido, mulher, filhos,
filhas, noras, genros e netos. Quando não vivem debaixo do mesmo teto, vivem todos no mesmo
terreno, ou seja, os filhos se casam e constroem suas casas no terreno dos pais, ficando todos
juntos. Nesse caso, os avós são responsáveis por contar as histórias e mitos aos netos. Aos pais
cabem os ensinamentos do cotidiano para a vida.

Perguntamos em que momento e hora aconteciam os ensinamentos.

Mamãe, dava muito conselhos né, na hora que reunia era a hora de falar
conosco, na janta, antes de escurecer, eles falavam muito, mais a noite. Cedo
ia pra roça. Hoje o povo vai para roça oito horas. Cinco horas nós já estava na
roça já. Três horas da manhã quem toma mate já tava acordando e acordando
os filhos também. Conversava enquanto a mãe prepara alguma coisa para eles
comer (Entrevista realizada com anciã professora Nilza Miguel, em novembro
de 2019).

Os Terena têm muito respeito pela sabedoria dos idosos, e sempre são consultados antes
de tomarem decisões que visam interesses da comunidade em geral. Os pais eram responsáveis
pelos ensinamentos para a vida. O serviço era separado por gênero. O pai levava os filhos
homens para a roça, além de aprender a mexer com o solo aprendiam a observar os sinais da
natureza, para chuva, frio, colheita farta ou não, o ciclo lunar e comportamento dos animais. As
meninas ficavam em casa com a mãe fazendo e aprendendo os serviços domésticos, lavar,
cozinhar, tirar e preparar o barro para fazer cerâmica. As meninas e meninos aprendiam a fazer
artesanato.

606
Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo e é
por meio da construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia
os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir
significados (WOODWARD, 2000, p. 41).

Nesse caso, o mundo social dos Terena está diretamente ligado à família e por isso
tem um significado forte em suas vidas. Os filhos se casam e continuam morando na mesma
casa que os pais, ou em outra casa, mas no mesmo quintal. As famílias ficam agrupadas e
todas as crianças provenientes dos casamentos, crescem juntas. Todos os adultos são
responsáveis pela educação das crianças, os irmãos e cunhados e cunhadas cuidam das
crianças de forma coletiva.

Na aldeia Lagoinha os adultos acordam cedo, por volta de cinco horas da manhã, para
tomar mate na casa dos pais. Geralmente reúnem-se filhos, noras, genros e conversam de
assuntos variados durante a roda do mate. Por volta de seis e meia os homens e mulheres já vão
se levantando para organizar as traias2 que irão utilizar na lida do dia. Uns vão para a roça,
outros voltam para a casa para organizar e outros vão para a escola ou outros serviços formais.
Os avós, geralmente ficam com as crianças que estudam no período vespertino e aproveitam
para dormir até mais tarde.

As crianças que estudam pela manhã, geralmente não chegam às sete horas na escola,
elas aguardam o sino tocar. O sino é entendido como a hora de ir para a escola. O sino é escutado
por toda a aldeia. A partir do momento que se ouve o sino, as crianças começam a chegar na
escola e as aulas começam por volta de sete e dez ou sete e quarenta e cinco min. No período
vespertino, o procedimento é o mesmo, e as aulas iniciam após as treze horas. Tudo ocorre no
tempo deles, não há formalidades com o horário.

Os avós olham as crianças que ficaram em casa, entre os serviços domésticos. As


crianças (primos e vizinhos) se reúnem e brincam com a imaginação. Conversam, correm,
pulam, sobem em árvores, costuram roupas para as filhas (bonecas). Brincam de roda,
constroem fogões à lenha para fazer as comidas, usam panelas velhas, folhas, frutas, tudo que
está à disposição no grande quintal de suas casas.

2
Ferramentas para os homens que vão para a roça, materiais escolares para os professores.
607
Os idosos que já não trabalham, aproveitam o dia para visitar outros idosos e conversar
sobre diversos assuntos como: roça, plantação, construção das casas pela Caixa Econômica
Federal, política interna e externa à aldeia entre outros assuntos. As idosas cuidam da casa e
fazem almoço. A família das filhas e noras que trabalham fora de casa, almoçam com a mãe
ou sogra. As mulheres que não trabalham fora, fazem serviços domésticos e cuidam dos
filhos.

Durante a tarde, as mulheres lavam e passam as roupas, varrem o terreiro. Com o serviço
de casa pronto, sentam para tomar tereré com as cunhadas e aproveitam o tempo para cuidar a
beleza feminina se ajudando mutuamente, tiram o excesso de pelos das sobrancelhas, pintam
as unhas, fazem tranças nos cabelos longos e conversam bastante enquanto olham as crianças
brincar ao seu redor.

Os quintais das casas não são delimitados por muros ou cercas. Geralmente, um passa
pelo quintal do outro para cortar caminho. Quando os quintais são delimitados, são feitos com
cercas de arame liso, e as pessoas passam pelas cercas para cortar caminho entre os quintais
vizinhos. Toda casa tem porta e janelas, mas geralmente não são trancadas, só encostadas para
que os animais não entrem. Encontramos uma casa sem porta, a do professor Délio (60 anos,
professor da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili). Sua casa no lugar da porta tem uma
cortina. Resolvemos relatar isso, para demonstrar a segurança na aldeia. As pessoas se
respeitam, não há roubos ou invasões, ninguém mexe no que não lhe pertence a não ser com
autorização. A sensação de segurança é ótima.

Como observamos no cotidiano e nos depoimentos, os Terena no decorrer da vida


constroem valor e significado aos anciões e a família. O ancião representa a sabedoria e estão
presentes e são ouvidos em reuniões de tomadas de decisões na comunidade e a família
representa o porto seguro, o estar com amor, o aprender. Para Woodward (2000) a representação
é construída com práticas de significação e sistemas simbólicos e é por meio disso que os
significados são construídos, nos posicionando como sujeitos. “É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos”
(WOODWARD, 2000, p. 17). Ou seja, se os anciões e a família têm grande representatividade
para o Terena, é por conta dos significados que foram construídos ao longo do tempo.

608
Ainda sobre a família, Ailton Gonçalves Joaquim (42 anos, artesão), nos contou que os
pais conversavam com os filhos à noite, ensinando e aconselhando, mas também pela manhã
antes de começar a lida.

A família se reunia mais, e conversava mais, ainda mais à noite, uma hora que
eu lembro, assim quando morava com a minha avó era todo mundo reunido,
primos, avô. Era a noite os netos chegavam, para poder escutar a história dele,
ou contar aonde ele passou, o que ele sofreu, tudo, meu avô teve muita história.
Isso já não tem hoje, é muito difícil. A gente não para mais, hoje eu tô
trabalhando e amanhã eu já tô pensando no que eu vou fazer. Eu trabalho 24
horas, eu entrei hoje ontem, vou entregar amanhã, e vou ter essa noite de folga
e amanhã de tarde eu trabalho (Entrevista realizada com Ailton Gonçalves em
novembro de 2019).

Em função do ritmo de vida, ele não conversa com seus filhos como o pai e o avô
conversavam. A irmã de Ailton, Berenice (artesã, 26 anos), nos contou que o pai levava os
filhos homens para a roça e ela ficava com a mãe em casa aprendendo o serviço de casa, costura,
considerado serviço feminino. O mesmo relato de Berenice, que tem 26 anos, foi contado pela
senhora Odete Marques (anciã, 72 anos). “De manhã, a noite, quando a gente vai dormir, ela
fica falando, tudo que ela faz, ela me ensinou, cozinhar, lavar roupa, passar roupa, eu faço rede,
faço faixa no tear” (Entrevista realizada com Odete Marques em novembro de 2019). Dona
Odete mora com a mãe, pois é ela quem a cuida e aos 102 anos de idade, sua mãe ainda tem o
costume de ensiná-la até hoje. Dona Odete contou que tentou ensinar o uso do tear para os filhos
e netos, mas nenhum deles quis aprender, porque o ritmo de vida é outro.

Seu Lourenço (79 anos, ancião, fez parte da liderança da comunidade) também
confirmou que os pais costumavam conversar pela manhã durante a roda de chimarrão, antes
de ir para a roça.

Tinha de costume os antigos fazer uma roda de manhã enquanto está


tomando chimarrão, aí um vai falando, falando, falando, aconselhando os
filhos, faz isso, não faz isso, assim que aconselhava, né porque não sabia ler,
não sabia nada, conselho eu dou, vai deixar para os filhos, assim os antigos
né. Naquela época não tinha escola, tinha alguns que falava pouco o
português para conversar, tem pessoa que não consegue conversar porque
não fala o português (Entrevista realizada com Lourenço Moreira em abril
de 2019).

A hora de ensinar os filhos é a hora em que a família se reúne, nesse caso, antes de
dormir e pela manhã, na roda do chimarrão, quando os filhos ouviam os conselhos dos pais.

609
Seu Lourenço contou que seu pai não tinha estudo, não sabia ler e escrever, não sabia falar
em português, mas aconselhava os filhos na língua materna. Ler, escrever e falar a língua
portuguesa não faz de ninguém uma pessoa melhor ou mais inteligente, ou sábio. A
sabedoria está nas experiências vividas e nesse sentido, as pessoas mais idosas estão à frente
dos mais jovens. A imposição da língua portuguesa pela educação escolar, fez com que aos
poucos a língua materna fosse sendo abandonada. A professora Cristiane Vertelino Marques
(46 anos, diretora da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili) nos relatou que se preocupa
com a perda da língua porque os jovens não querem falar Terena. Geralmente os avós são
falantes, os filhos entendem e falam, mas não falam com seus filhos, então a terceira
geração, os netos nem entendem e nem falam. Por isso, como diretora na Escola Municipal
Marcolino Lili, ela incentiva os professores a falar com as crianças mais em Terena para
que acostumem e comecem a conversar em casa, incentivando os pais a falarem também.

Hoje a educação escolar está sendo administrada por indígenas e tomando o caminho
inverso do início. A língua está sendo valorizada e retomada na escola, sendo ensinada a
partir dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Mas para que as crianças voltem a ser
falantes há a necessidade das famílias se comunicarem em Terena em casa. A diretora e a
coordenadora da escola estão trabalhando com os professores no desenvolvimento de
projetos de revitalização da língua materna dentro das famílias com a ajuda dos avós.
Anciões, líderes e pastores dão palestras, contam histórias, mitos e ensinam a língua Terena
para as crianças.

As diferenças nascidas da diversidade das línguas, dos mitos, das culturas


etnocêntricas ocultaram a uns e a outros a identidade bioantropológica
comum. O estranho aparece aos arcaicos como deus ou demónio. O inimigo
dos tempos históricos é morto ou, transformado em escravo, converte-se em
instrumento animado. As barreiras protetoras de cada cultura fechada em si
mesma durante a diáspora da humanidade têm doravante efeitos perversos em
nossa era planetária: a maior parte dos fragmentos de humanidade, hoje em
comunicação, tomaram-se inquietantes e hostis uns aos outros exatamente por
causa dessa comunicação: diferenças até então ignoradas adquiriram forma de
extravagâncias, insanidades ou impiedades, fontes de incompreensão e de
conflitos. As sociedades se veem como espécies rivais e se entredevoram
(MORIN; KERN, 2003, p. 60).

Para Morin e Kern (2003) as diferenças culturais ocultaram a identidade


bioantropológica comum, gerando demonização ao estranho, diferente.

610
As barreiras protetoras de cada cultura fechada em si mesma durante a
diáspora da humanidade têm doravante efeitos perversos em nossa era
planetária: a maior parte dos fragmentos de humanidade, hoje em
comunicação, tomaram-se inquietantes e hostis uns aos outros exatamente por
causa dessa comunicação: diferenças até então ignoradas adquiriram forma de
extravagâncias, insanidades ou impiedades, fontes de incompreensão e de
conflitos (MORIN; KERN, 2003, p. 60).

As diferenças que antes eram ignoradas hoje são incompreendidas, e, portanto, alvo de
ataques impiedosos.

Os ensinamentos sobre a natureza e a relação com o ambiente, Cristiane Vertelino


Marques (46 anos), e Délio Delfino (60 anos), contam um pouco sobre sua infância quando
ainda havia uma maior quantidade de matas na aldeia.
A gente ia mais na mata com minha avó pra catar lenha pra acender fogo,
porque o fogão aqui é a lenha, a maioria agora tem o gás, mas tem gente que
ainda prefere usar o fogão de lenha, mais pra isso. Íamos direto nos finais de
semana pegar lenha e a guavira. Lembro que sempre ia com minha mãe
também catar guavira na mata. Tinha a roça era do meu avó, mas não era
aquela roça grande, mas era bonitinha, plantava uma mandioca..., um feijão...
(Entrevista realizada com Cristiane Vertelino Marques3, em janeiro de 2019).

[...] não tinha maquinários como tem hoje, pra auxiliar no mecanismo de
lavoura, a gente ia trabalhar mesmo, ele marcava uma área, 1 hectare, a gente
pegava roçava primeiro. Tirava o mato mais baixo, aí depois ele ensinava
roçar e ele (o pai) deixava sempre aquelas árvores, um monte de árvores.
Plantação de mandioca, banana, feijão, milho, essa coisa de lavoura e a própria
família que consumia (Entrevista realizada com Délio Delfino4, em janeiro de
2019).

Os relatos mostram a diferença no modo de vida, a agricultura era do tipo familiar e no


estilo tradicional, sem uso de maquinário conforme feito hoje. Como na aldeia não tem mais
essas áreas de matas fechadas, a lenha necessária tanto para alimentar os fogões como para
fazer uma casa, uma varanda ou mesmo um galpão, é retirada da área de retomada.

Perguntamos a Délio o que ele entende por natureza:

A natureza pra mim, ou seja, para o povo terena é muito forte, a natureza para
nós é a vida do próprio povo terena, porque a natureza são as matas, os rios, a
própria pessoa como ser, e esse ser antigamente precisava da natureza,
principalmente para curar doenças, antigamente não tinha médico como temos
hoje, então íamos para a natureza, pois os antepassados ensinavam e eles

3
Pedagoga.
4
Pedagogo.
611
sabiam sobre os remédios dentro da própria natureza. Por isso que falamos
que a natureza é muito forte para nós, então dentro da natureza há muitas
espécies de plantas que serve para curar a enfermidade, mas hoje em dia não
procuramos saber, pesquisar, estudar, não procuramos (se referindo aos
jovens) os anciões que ainda está sobre as nossas aldeias, se continuar assim
a tendência é acabar e não ter mais história sobre o que é a natureza (Entrevista
realizada com Délio Delfino, março de 2019, grifo nosso).

Mesmo vivendo em outras condições, Délio ainda carrega consigo os saberes ancestrais
repassados para ele, pois estão gravados em sua memória, “codificado na bagagem tradicional
transmitida e refinada de geração em geração” (DIEGUES, 2000, p. 239). Outro ponto a ser
destacado na fala dele, é a inclusão do ser humano como pertencente à Natureza, e que no
passado dependia apenas dos recursos in natura para sobreviver, enquanto que a cultura
ocidental separou o ser humano da Natureza.
Mesmo morando muito próximos à cidade e atravessados pela cultura ocidental, essa
conexão com a natureza é forte, pois ainda utilizam os recursos naturais em vários momentos
da vida na aldeia.
A casa antiga, olha, era bom, era mais fresco, era de capim, tem dois tipos de
capim que a gente fazia casa, algumas pessoas já colocaram o capim formado,
em cima desse capim colocava barro pra segurar o capim. Eu faço ainda assim
(casa), porque eu gosto de fazer (Entrevista realizada com cacique Orlando
Moreira, em novembro de 2019).

Os Terena ainda hoje, fazem uso das ervas medicinais no chimarrão e utilizam vários
recursos naturais em seus artesanatos. As casas, varandas e galpões são construídas com
madeira do cerrado e coberta de palha, amenizando o calor comparado a um telhado de
alvenaria. Medeiros e Sato (2013) afirmam que isso, além de refletir a íntima ligação deles com
a Natureza, as varandas e galpões são ecológicos e símbolos de adaptação ao ambiente.

Como vimos, os conhecimentos, as histórias, possuem uma finalidade educativa, de


proteção da natureza e proteção da vida, portanto em nossa visão, é Educação Ambiental.
Embora os Terena originalmente não tenham esse conceito, a relação com a natureza é tão
intrínseca que eles já cuidam o que sobrou dela naturalmente.

A Educação Ambiental só se fez presente na cultura indígena após a introdução da


educação escolar, pois foi reproduzida para os indígenas nas escolas de educação básica por
meio dos professores não indígenas, e nos cursos de formação das universidades que recebem

612
alunos indígenas. A maioria dos cursos das universidades não possuem professores que
entendam a cultura indígena e acabam ensinando conceitos da cultura hegemônica sem fazer o
diálogo com esses outros conhecimentos, colonizando os saberes. “Os movimentos e lutas de
resistências dos povos tradicionais, apontam para outras lógicas de desenvolvimento e de
valoração da natureza e da vida” (KASSIADOU et al., 2018, p. 44), por isso devemos assumir
a perspectiva de uma EA decolonial valorizando e aprendendo com a diversidade de
conhecimentos e saberes.

Considerações finais

Observamos uma diversidade de conhecimentos, saberes, de epistemologias nas


relações entre os indígenas e natureza. Eles percebem os lugares como ambientes produtores de
ensinamentos de pensar e estar no mundo. As comunidades tradicionais observaram e
compreenderam a biodiversidade com a qual conviviam, e por meio dessa compreensão
desenvolveram práticas e técnicas sobre os recursos. Esses saberes são o resultado de traduções
para sobrevivência que influenciaram sua cultura e seu ambiente.
Ponderamos que as comunidades Terena se relacionam com o meio ambiente de forma
sustentável, pois em seu modo de vida ainda praticam técnicas sustentáveis aprendidas no
decorrer das gerações em observação aos ciclos da natureza. Fazem uso comum da terra e dos
recursos naturais que lhes restou em seu território. Suas histórias e mito estão todos
relacionados a elementos da natureza, água, fogo, terra, ar, animais e plantas, assim como
possuem seus guardiões para proteger na natureza. Se referem à natureza como mãe provedora
da vida, reconhecem que a vida está associada à mata estar em pé, e percebem e explicam a
conexão existente entre solo, vegetais animais, insetos e seres humanos.
Baseada nessa percepção, nossa pesquisa produziu uma compreensão da relação de
conexão e respeito dos indígenas Terena da aldeia Lagoinha, com a natureza, implícitas no seu
estilo de vida.
Apesar de ter um relacionamento, inicialmente de professora e depois de amizade, com
a comunidade há mais de 20 anos, a pesquisa de doutoramento proporcionou a oportunidade de
estar e aprender junto, na convivência do cotidiano, morando por pequenos períodos com os
Terena. Isso foi essencial para compreender como o Terena vive, como é a relação familiar,
como eles compreendem o sentido das coisas e da vida em comunidade e a sua relação com a
natureza. É diante a experiência de conviver com outras culturas que compreendemos o como
613
a nossa cultura é extremamente egoísta. Ali entre os Terena eu aprendi o bem-estar comunitário
e o respeito pela vida.
Não desejamos finalizar, apenas colocar uma vírgula na história ambiental dos Terena,
pois ainda há muito a ser escrito, ou por mim ou por outros pesquisadores que se engajarem
nessa linha de pesquisa. Aproveito as palavras finais, para agradecer a todos que participaram
da pesquisa, à comunidade da aldeia Lagoinha, por me acolherem com carinho nos
proporcionando uma grande experiência de aprendizagem.
Referências

BRAND, Antônio. História oral: perspectivas, questionamentos e sua aplicabilidade em


culturas orais. História Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 4, n. 2, p. 195-227, 2000.

DIEGUES, Antônio Carlos S. Etnoconservação da natureza: enfoques alternativos. In:


DIEGUES, Antônio Carlos S. Etnoconservação: novos rumos para a proteção da natureza nos
trópicos. São Paulo: USP, 2000. p. 1-46.

GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração


de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 20-9, maio/jun. 1995.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Indígenas. Estudo


especiais. O Brasil Indígena. 2020. Disponível em: https://indigenas.ibge.gov.br/estudos-
especiais-3/o-brasil-indigena.html. Acesso em: 5 mar. 2020.

KASSIADOU, Anne; SÁNCHEZ, Celso; CAMARGO, Daniel R.; STORTTI, Marcelo A.;
COSTA, Rafael N. (org.). Educação Ambiental desde El Sur. 1. ed. atual. Macaé, RJ: Editora
NUPEM, 2018.

MEDEIROS, Heitor Queiroz; SATO, Michèle Tomoko. Educação ambiental intercultural no


Estado do Acre, Amazônia Brasileira. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences,
Maringá, v. 35, n. 2, p. 211-9, July/Dec. 2013.

MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (org.). Metodologias de pesquisa


pós-crítica em educação. 2. ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.

MORIN, Edgar; KERN, Anne-Brigitte. Terra-pátria. Tradução Paulo Azevedo Neves da


Silva. Porto Alegre, RS: Sulina, 2003.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:


SILVA, Tomaz Tadeu (org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 7-72. Disponível em:
http://diversidade.pr5.ufrj.br/images/banco/textos/SILVA_-
_Identidade_e_Diferen%C3%A7a.pdf. Acesso em: 1º fev. 2020.

614
ESTADO DO CONHECIMENTO: A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E AS
FORMAÇÕES CONTINUADAS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Gislaine Andrade Silva (Bolsista Capes/PPGE/UCDB)


Prof.gislaineandrade@gmail.com

Marta Regina Brostolin (PPGE/UCDB)


brostolin@ucdb.br

Resumo: Este artigo apresenta o Estado do Conhecimento com o objetivo de analisar as


produções científicas que abordam a coordenação pedagógica na formação continuada com
professores da Educação Infantil, identificando os avanços e desafios presentes em diferentes
instituições pelo Brasil. Foram selecionadas teses e dissertações no período de 2012 a 2022 em
duas bases de dados, Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenadoria de Aperfeiçoamento
de Professores do Ensino Superior (CTD/CAPES) e Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB). Os resultados evidenciam a importância da função do CP na Educação Infantil, a
necessidade de um olhar atento as questões da formação continuada, principalmente em serviço,
além da necessidade de conhecimento teórico sobre a Sociologia da Infância por parte de
Coordenadores e Professores que atuam na Educação Infantil, na intenção de promover práticas
pedagógicas de qualidade nas instituições com a etapa da Educação Infantil pelo Brasil.

Palavras-chave: Estado do conhecimento; Coordenação Pedagógica; Formação continuada,


Educação Infantil.

Introdução
Quando realizamos o Estado do Conhecimento procuramos:

[...] apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as


suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras
investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da
prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de
propostas na área focalizada (Romanowski; Ens, 2006, p. 39).

A partir da ideia das autoras, a pesquisa do tipo Estado do Conhecimento, foi


estruturada com o objetivo de mapear os trabalhos na base de dados Catálogo de Teses e
Dissertações da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Superior
(CTD/CAPES) e Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) entre Teses e Dissertações no
período de 2012 a 2022. Destes, procuramos selecionar trabalhos que se aproximam do
objeto de estudo, utilizando o descritor “coordenação pedagógica na educação infantil” e os

615
operadores booleanos AND, OR, NOT e ASPAS, no intuito de facilitar a busca. Foi possível
constatar que existem diversos artigos que se aproximam da temática, “coordenação
pedagógica na educação infantil”. No entanto, há apenas um registro de tese que aborda a
temática Coordenação Pedagógica na Educação Infantil nos repositórios pesquisados.
Pretende-se por meio da pesquisa contribuir com a reflexão sobre as práticas dos
Coordenadores Pedagógicos nas Escolas Municipais com a etapa da Educação Infantil, por
meio da formação continuada em serviço oferecida aos professores que lecionam na
Educação Infantil.

A Pesquisa: o que dizem as produções científicas


Quadro 1 - Produções no portal de periódicos da CAPES período de 2012 a 2022

Produções
Descritores
Resultados Teses e dissertações selecionadas
Coordenação pedagógica 822 3 -
2T
Educação infantil 10.343 50
1D
"Coordenação pedagógica" AND
23 - -
infantil
"Coordenação pedagógica"
AND formação AND "educação 11 - -
infantil"
"Coordenação pedagógica"
55 - -
AND "formação continuada"
Coordenação AND formação
64 - -
AND infantil
Coordenação AND "formação
continuada" AND "educação 14 - -
infantil"
"Coordenação pedagógica"
AND "formação continuada" 4 - -
AND "educação infantil"
Coordenação OR coordenador
79.021 50 1D
AND "formação continuada"
Fonte: elaborado pela autora.

616
Na busca realizada no banco de dados da CAPES, utilizando os descritores:
EDUCACAO INFANTIL foram encontradas três pesquisas, sendo duas teses de doutorado com
os títulos “Formação continuada numa perspectiva da educação para a inteireza: uma
necessidade do professor de creche” realizada por Dinorá Meinicke, 2017, PUCRS, 2017;
“Saberes e fazeres docentes na educação infantil: tempos formativos e a constituição da
docência” realizada por Carla Tatiana Moreira do Amaral Silveira, 2021, PUCRS e uma
dissertação de mestrado com o título “Desenvolvimento profissional docente no contexto da
aprendizagem ubíqua: um modelo para o ciclo de formação continuada” Débora Valletta, 2015,
PUCRS.
Numa segunda pesquisa, utilizando os descritores: COORDENACAO OR
COORDENADOR AND "FORMACAO CONTINUADA", foi encontrada uma dissertação de
mestrado, intitulada “Reunião pedagógica: a formação continuada no espaço escolar”, realizada
por Grasiela Zimmer Vogt, 2012, PUCRS, 2012.
O estudo de Meinicke (2017) aborda a formação continuada de professores de creche
com foco na educação para a inteireza, por meio de uma investigação das ações de formação
ofertadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de Florianópolis/SC no período de
2013 a 2015. A autora busca compreender como essas ações estimulam uma formação
vivenciada para uma educação que promove o desenvolvimento do autoconhecimento e
autoformação numa perspectiva de educação integral.
A pesquisa foi qualitativa e hermenêutica, envolvendo seis servidores responsáveis pelo
planejamento e implementação das ações de formação. Os dados foram coletados por meio de
pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas, e a análise seguiu os princípios da Análise
Documental e da Textual Discursiva. Três concepções de formação contínua foram
identificadas como sustentáculos das ações oferecidas pela SME de Florianópolis/SC na
formação de professores de Educação Infantil. Essas concepções foram aprimoradas ao longo
do período de estudo. As ações de formação ocorreram através de encontros, conferências e um
simpósio.
A pesquisa de Silveira (2021) tem como objetivo analisar e compreender quais as
experiências formativas são constituidoras dos saberes e fazeres da docência na Educação
Infantil. O estudo parte da perspectiva qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada para
a coleta de dados. Os sujeitos da pesquisa foram professoras que atuam com a Educação
Infantil, cujo cenário foi uma escola de Educação Infantil pública, localizada na Serra Gaúcha.
617
A análise do material apoiou-se nos estudos de Bardin (2009) sobre análise de Conteúdo.
A análise dos dados foi dividida em cinco categorias para melhor compreender os tempos
formativos vividos pelas professoras na constituição dos seus saberes e fazeres. A partir da
análise ficou evidente a importância de mudanças na estrutura curricular dos cursos de
formação inicial, enfatizando estudos teóricos específicos para a docência na/para a Educação
Infantil. Quanto a formação continuada, as práticas coletivas observadas mostraram-se como
importantes ferramentas para a ampliação de novos caminhos na docência. A autora cita a Base
Nacional Comum curricular (BNCC), como documento de referência para reflexões necessárias
sobre a infância.
Em sua pesquisa, Valletta (2015) investiga a contribuição de um modelo proposto para
o ciclo de formação continuada para docentes considerando o contexto da aprendizagem
ubíqua. A partir de mudanças que ocorreram nas práticas pedagógicas dos docentes, por meio
do uso dos tablets e seus aplicativos (Apps) como elementos apoiadores da aprendizagem
ubíqua, tendo por cenário a partir da formação continuada em serviço.
A pesquisa parte de um estudo de caso, realizado em uma escola de ensino privado
localizada em Porto Alegre, com o intuito de incentivar a inovação e enfatizar o uso de
tecnologias digitais e móveis (tablets) no trabalho de professores e alunos. Os sujeitos de
pesquisa foram os professores titulares da educação infantil e anos iniciais que participaram da
formação continuada em serviço da escola utilizando o modelo proposto. Os instrumentos
utilizados para coleta de dados foram: questionário semiestruturado, entrevista e observação
direta. A análise dos dados foi construída a partir da análise textual discursiva, proposta por
Moraes e Galiazzi (2011).
Vogt (2012) em sua pesquisa analisou as ações de formação continuada de professores
no espaço escolar, a partir das reuniões pedagógicas em uma escola do município de Bom
Princípio/RS. Foram observadas as reuniões pedagógicas previstas na carga horária dos
professores analisando as pautas, o conteúdo, a organização do tempo e o trabalho do
coordenador pedagógico.
O estudo parte de uma abordagem qualitativa, do tipo exploratória, com procedimento
de estudo de caso, cujos instrumentos de coleta de dados foram a observação, o questionário
semiaberto e a análise documental. Os sujeitos da pesquisa entrevistados foram professoras que
atuam no Ensino Fundamental e que possuem graduação ou pós-graduação e mais de três anos
de experiência docente.
618
Quadro 2 - Produções no portal de periódicos da UCDB (2012 a 2022)
Teses e Produções
Descritores Resultados
dissertações selecionadas

Coordenação pedagógica 13 1D -

Coordenação pedagógica E
1 1T 1T
educação infantil

Coordenação pedagógica E
2 2T -
formação continuada

Coordenador pedagógico 13 3D 1D
Fonte: elaborado pela autora.

No acervo online da UCDB, partindo da busca pelos descritores: COORDENACAO


PEDAGOGICA E EDUCACAO INFANTIL/COORDENACAO PEDAGOGICA E
FORMACAO CONTINUADA foi encontrada uma tese de doutorado “Formação e atuação da
coordenação pedagógica na educação infantil no município de Ji-Paraná – RO”, realizada pela
pesquisadora Ednéia Maria Azevedo Machado, 2021, UCDB.
Utilizando os descritores COORDENADOR PEDAGOGICO foi encontrada a
dissertação de mestrado “A ação do coordenador pedagógico no centro de educação infantil de
Campo Grande/MS” realizada pela pesquisadora Ana Cristina Cantero Dorsa Lima, 2014,
UCDB.
A pesquisa conduzida por Machado (2021) está inserida na Linha de Pesquisa "Práticas
Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente", que faz parte do Programa de
Doutorado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), sendo também
vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas da Docência na Infância (GEPDI). O objetivo geral
desse estudo foi analisar o processo de formação continuada do Coordenador Pedagógico e sua
atuação nas instituições de Educação Infantil (pré-escola) da Secretaria Municipal de Educação
de Ji-Paraná, localizada em Rondônia.
Com uma abordagem qualitativa, a pesquisa empregou a entrevista semiestruturada,
análise documental e questionário como instrumentos de coleta de dados. O grupo de
participantes incluiu cinco Coordenadoras Pedagógicas e seis professoras envolvidas na
Educação Infantil de Ji-Paraná. A coleta de dados ocorreu em duas etapas: inicialmente, com a

619
aplicação do questionário às coordenadoras, seguido pela realização de entrevistas com
coordenadoras e professoras.
Para a análise dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo, categorizando e
subcategorizando os resultados. Foi possível concluir que a formação continuada desempenha
um papel muito importante no desenvolvimento profissional das Coordenadoras atuantes na
Educação Infantil, possibilitando a articulação entre teoria e prática, permitindo o
aprimoramento e reflexão sobre a função dentro da instituição. Além de apontar a necessidade
de investimentos na formação.
Além disso, o estudo ressaltou a importância das Coordenadoras da Educação Infantil
aprofundarem seus conhecimentos em Sociologia da Infância, a fim de enriquecer suas
abordagens na formação continuada que oferecem às docentes. Em síntese, os achados dessa
pesquisa enfatizam a contribuição da formação continuada para o crescimento profissional das
Coordenadoras Pedagógicas e a necessidade de um embasamento sólido em áreas como a
Sociologia da Infância para informar suas práticas.
O estudo de Lima (2014) teve como objetivo analisar a ação do coordenador pedagógico
em um Centro de Educação Infantil (CEINF) em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a partir de
reflexões ancoradas na Sociologia da Infância e do campo teórico da formação docente com base
em processos escolares. A pesquisa utiliza-se da abordagem qualitativa para compreender como
o coordenador pedagógico atua no centro investigado, partindo de estudos sobre à infância sob o
olhar da Sociologia da Infância, além de leituras sobre a formação de professores centrada na
escola.
Os sujeitos da pesquisa foram onze participantes, entre professores, equipe pedagógica e
recreadores. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista semiestruturada.
A autora acrescenta como ponto positivo para a atuação dos Coordenadores
Pedagógicos nos CEINFS, a formação continuada na própria instituição, além de horários
reservados para planejamentos e reuniões. No entanto, enfatiza que entre os fatores que
atrapalham o interesse pelo cargo nas instituições está a ausência de coordenadores nos
CEINFS, como a própria autora informou ao assumir a gestão de uma instituição, e falta de
incentivo financeiro para o desenvolvimento da função.

Considerações Finais

620
Os trabalhos encontrados nos bancos de dados da CAPES e UCDB contribuíram com a
pesquisa por apresentarem critérios metodológicos que se aproximam da temática escolhida,
tais como: todos os trabalhos analisados apresentam uma abordagem qualitativa, além das
autoras Lima (2014), Valletta (2015), Meinicke (2017), Silveira (2021), Machado (2021)
utilizarem a entrevista semiestruturada em seus trabalhos para a coleta de dados,
proporcionando a compreensão do processo de construção desse tipo de pesquisa.
Além de apresentarem temáticas semelhantes às que desejo abordar durante a pesquisa,
como: a história da educação no Brasil, as legislações educacionais vigentes, história do
surgimento da função de supervisor/coordenador pedagógico no Brasil, formação continuada
no espaço escolar, além de abordar a educação infantil com a sutileza que a etapa exige.
O contato com os trabalhos reforçou meu pensamento sobre a importância da função do
CP na Educação Infantil, a necessidade de um olhar atento as questões da formação continuada,
principalmente em serviço, além da necessidade de conhecimento teórico sobre a Sociologia da
Infância por parte de Coordenadores e Professores que atuam na Educação Infantil, na intenção
de promover práticas pedagógicas de qualidade nas instituições com a etapa da Educação
Infantil pelo Brasil.

Referências

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR


(CAPES). Portal de periódicos da CAPES. Disponível em:
https://www.periodicos.capes.gov.br . Acesso em: 13 jun. 2023.

LIMA, Ana Cristina Cantero Dorsa. A ação do coordenador pedagógico no centro de


educação infantil de Campo Grande/MS. 2014. Mestrado (Programa de Pós-graduação em
Educação) - Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, 2014.
Disponível em: https://site.ucdb.br/public/md-dissertacoes/15319-ana-cristina-canteiro-
dorsa.pdf . Acesso: jul. 2023.

MACHADO. Ednéia Maria Azevedo. Formação e atuação da coordenação pedagógica na


educação infantil no município de Ji-Paraná – RO. 2021. Doutorado (Programa de Pós-
graduação em Educação) - Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Campo Grande, MS,
2021. Disponível em: https://site.ucdb.br//public/md-dissertacoes/1037193-tese-edneia-maria-
azevedo-machado.pdf . Acesso: 13 jun. 2023.

621
MEINICKE, Dinorá. Formação continuada numa perspectiva da educação para a
inteireza: uma necessidade do professor de creche. 2017. Doutorado (Programa de Pós-
graduação em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
Porto Alegre, RS, 2017. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7374 . Acesso:
jul. 2023.

ROMANOWSKI, Joana Paulin.; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo


“Estado da Arte”. Diálogos Educacionais. v.6, n. 6, p. 37–50, 2006. Disponível em
https://docente.ifrn.edu.br/albinonunes/disciplinas/pesquisa-em-ensino-pos.0242-
posensino/romanowski-j.-p.-ens-r.-t.-as-pesquisas-denominadas-do-tipo-201cestado-da-
arte201d.-dialogos-educacionais-v.-6-n.-6-p.-37201350-2006/view . Acesso em: 13 jun. 2023.

SILVEIRA, Carla Tatiana Moreira do Amaral. Saberes e fazeres docentes na educação


infantil: tempos formativos e a Constituição da docência. 2021. Doutorado (Programa de Pós-
graduação em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
Porto Alegre, RS, 2021. Disponível em:
https://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/17527 . Acesso: jul. 2023.

Universidade Católica Dom Bosco. Acervo online. Disponível em: https://bib.ucdb.br . Acesso
em: 13 jun. 2023.

VALLETTA, Débora Vaga. Desenvolvimento Profissional Docente no Contexto da


Aprendizagem Ubíqua: um modelo para o ciclo de formação continuada. 2015. Mestrado
(Programa de Pós-graduação em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, 2015. Disponível em:
https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/6405 . Acesso em: ago. 2023.

VOGT, Grasiela Zimmer. Reunião pedagógica: a formação continuada no espaço escolar.


2012. Mestrado (Programa de Pós-graduação em Educação) - Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, RS, 2012. Disponível em:
https://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/2699 . Acesso: jul. 2023.

622
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO BÁSICA

Sintia Fabiana Alves de Mello Câmara (Egressa PPGE/UCDB)


sintiacamara@hotmail.com

Resumo:Com o objetivo de fazer reflexões sobre a Formação de Professores na Educação


Básica – que contempla a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Médio, em especial a
formação àqueles professores que atendem a Educação de Jovens e Adultos, este trabalho
dialoga com as proposições de Lelis (2001), Saviani (2009) e Pereira e Minasi (2014), entre
outros, a partir da revisão histórica dos marcos legais que norteiam, no cenário brasileiro, a
formação de educadores para o Ensino Básico, em especial a modalidade EJA. Entende-se que
o profissional deve ter ciência do processo de valorização da vivência e da identidade dos
sujeitos, respeitando os saberes para além da ação pedagógica. A discussão nos leva a
compreender que, reforçando os estudos do tema, à EJA figura um papel secundário ou
marginal no diálogo da formulação política e reflexão pedagógica e que, portanto, deve-se
desenvolver tanto uma postura crítica quanto o interesse político e social que vise uma prática
pedagógica que respeito as especificidades da modalidade a partir de uma visão inclusiva.

Palavras-chave: Formação de Professora; Educação de Jovens e Adultos; Educação Básica.

Introdução

Este texto tem como objetivo fazer algumas reflexões sobre a Formação de Professores
na Educação Básica – que contempla a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Médio –,
a qual diz respeito sobre a trajetória dos profissionais que se dedicam às séries iniciais e finais
do ensino fundamental, cujo processo pressupõe ser dinâmico, interativo e de formação
continuada, em especial a formação àqueles professores que atendem a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
Considerando que a necessidade da formação de professores é uma prática influenciada
pelas burocracias educacionais, pelo discurso de desqualificação de saberes e de práticas, pelo
controle político sobre a prática profissional e outras problemáticas como a separação entre a
teoria e a prática, diversidade social e cultural dos professores (Lelis, 2001), nossas reflexões
se pautam em problematizar sobre a qualidade dos cursos de formação inicial para os
professores da EJA, tendo em vista que o curso de pedagogia tem como ênfase a preparação do
professor para a educação infantil e os anos iniciais. Também se articulam nessa discussão

623
questões como as da precarização da profissão na rede pública de ensino, bem como o papel do
Estado em todo o processo de formação-ação do professor (Pereira; Minasi, 2014).
Essa etapa da educação brasileira, em especial, além da necessidade de levar em conta
a diversidade cultural e experiência de vida e profissional dos sujeitos envolvidos, também deve
levar em consideração a necessidade de uma formação específica nesta modalidade de ensino.
Uma vez que, como aponta Dantas (2019), essa modalidade ainda é tratada com pouca atenção,
bem como carece de pesquisas e discussões.
Di Pietro, Joia e Ribeiro (2001) apontam que a EJA tem um papel secundário ou
marginal no diálogo da formulação política e reflexão pedagógica, em uma prática que vai além
do campo da escolarização, pois abarca processos formativos de qualificação profissional,
desenvolvimento da comunidade, formação política e questões culturais. Numa visão freireana,
a educação de jovens e adultos perpassa diversas experiências, em especial quando se propõe
uma educação alfabetizadora que conscientiza o educando, em prol de uma proposta reflexiva
contextual.
Para isso, este estudo, num primeiro momento busca compreender a formação de
professores no Brasil, a partir dos marcos legais instituídos a partir de 1930 e posteriormente
discutir algumas das propostas de formação de professor de educação básica no Brasil, em
específico a formação continuada destinada para os professores da EJA, por meio de autores
Lelis (2001), Saviani (2009) e Pereira e Minasi (2014), que buscam entender o desenvolvimento
da formação do profissional de Educação Básica, afim de para compreender quais pontos de
valorização profissional devem ser entendidos nesse processo de formação profissional.

1. Formação de professores da Educação Básica - Histórico e bases legais

Historicamente, o profissional das séries iniciais era massivamente feminino, visto


como atendendo à um dom ou à uma aptidão natural, ou também, de outro modo, tornando a
profissão uma estratégia de sobrevivência, o que perpassa pela história da função no país, como
um espaço doméstico e feminino, paralelo ao sistema de ensino; posteriormente a formação de
magistério, tornou-se paralela a uma profissão inicial, como forma de ampliar ou mudar o
campo profissional (Lelis, 2001).
Desse modo, o professor, ao longo dos anos, passou a ter uma representação social
profissional, embora, pouco qualificada, cuja profissão tem mais relação com uma missão
624
sacerdotal ou dom do que relação com uma prática profissional que exige preparação e
continuidade de estudos (Lelis, 2001).
As leis que norteiam a Educação remetem a Constituição Imperial de 1824, que indica
o direito à educação e, em 1882, a Lei Geral da Educação, também abordando questões como
currículo. Bem como, também legaliza a questão o texto das Constituições que delimitaram o
Brasil e leis específicas de educação durante o decorrer dos anos (Curry, 2016).
Como apontam Pereira e Minasi (2014), no século XIX, mais especificamente em 1835,
as primeiras escolas normais foram criadas no Brasil, com a função principal de formação de
professores para o ensino primário, tendo o caráter aristocrático e conservador, no entanto essa
política foi falha, tendo problemas desde investimento até ensino pedagógico nulo.
É somente no século XX que o país investe na formação de professores para o Ensino
Secundário, sendo nos anos de 1930 que ocorreu a inclusão de um ano de estudos em curso de
formação dos bacharéis para que, com disciplinas de educação, os mesmos pudessem obter o
grau de licenciatura (Pereira; Minasi, 2014).
De acordo com estudos realizados por Saviani (2009), foi a partir dos anos de 1930,
culminando em 1971, que se organiza e implementa os cursos de Pedagogia e Licenciatura e
consolidação das Escolas Normais. E, a partir dos anos de 1970, ocorre a substituição da Escola
Normal pela Habilitação Específica de Magistério, sendo que, somente a partir de 1996, que se
desenvolve os perfis modernos dos cursos de pedagogia.
Estudos de Pereira e Minasi (2014) apontam para a configuração da política pública,
que além de precarizar e objetivar a produtividade em detrimento da crítica e da formação do
sujeito, está mais voltada ao aumento de capital do que a preocupação social de formação
profissional e desenvolvimento social.
Para Lelis (2001) há a necessidade de uma discussão da temática que aborde a
pluralidade de significados, o contexto social diverso, os desafios da escola e a valorização dos
professores; assim, essa profissão deve ser pensada a partir de um caráter polissêmico, como
base para construção de políticas públicas efetivas.
Barreto (2011, p. 40) relembra que foi em 1971, na lei da reforma do primeiro e segundo
graus que possibilitou aos professores das séries iniciais a formação de nível superior ao juntos
o curso primário ao ginásio, “mas manteve, para o exercício da docência nos anos iniciais do
ensino obrigatório, a exigência de formação mínima nos cursos de magistério de nível médio”.

625
A regulamentação de formação de professores para 1ª a 4ª séries, era feita com
autorização do Ministério da Educação e Cultura (MEC), mas somente em 1986, que é
reformulado o curso de pedagogia pelo Conselho Federal de Educação, estabelecendo a
formação de professores para essas séries, estabelecendo e mantendo currículos mínimos
obrigatórios para a formação em licenciatura (Pereira; Minasi, 2014).
Pereira e Minasi (2014) destacam que, apesar do histórico, a lei que se destaca na
organização social e política do Brasil neoliberal quando o tema a ser discutido é a formação
de professor na educação básica, é, inicialmente, a Lei nº 9.394 de 1996, a chamada Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Ainda de acordo com Pereira e Minasi
(2014) a instituição da Lei também surge em um cenário de pressão internacional, como Banco
Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

À medida que a reforma na educação básica se consolidava, percebia-se que a tarefa


de coordenar processos de desenvolvimento e aprendizagem era extremamente
complexa e exigia, já a partir da própria educação infantil, profissionais com formação
superior. Esse, aliás, parece ter sido o entendimento dos legisladores quando
escreveram o art. 62 da LDBEN, apesar de este continuar admitindo a formação em
nível médio, na modalidade Normal, como a exigência mínima para exercício do
magistério na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental (Diniz-
Pereira, 2016, p. 143).

A LDBEN 9394/1996 norteia as bases para a educação nacional, considerando como


educação aquela obtida em meio a família, no trabalho, instituições de ensino, movimentações
sociais e culturais, e estabelecendo diretrizes para a educação escolar (Brasil, 1996). Desse
modo (Pereira; Minasi, 2014, p. 10) mostram que:

A LDBEN introduz nova estrutura formativa para professores da educação básica, de


modo integrado e sob a responsabilidade dos Institutos Superiores de Educação,
realizadas no âmbito do espaço e estrutura das instituições de ensino superior .

Outras leis são importantes historicamente para o debate da educação básica, como a
Lei nº 10.172, de 2001, ou Plano Nacional de Educação (PNE), que propõe diretrizes para os
diferentes níveis de ensino, desde Educação Básica, dividida em Ensino Básico e Ensino
Fundamental, até Educação Superior e outras modalidades de ensino (Brasil, 2001).
A Resolução CNE/CP nº 1, de 2002, do Conselho Nacional de Educação (CNE)
estabelece em seu texto a base comum curricular para a formação de professores de educação

626
básica (Brasil, 2002), nos anos seguintes foram promulgadas diretrizes curriculares para os
cursos de licenciatura aprovadas pelo Conselho (Pereira; Minasi, 2014).
As disposições legais até então, de acordo com Pereira e Minasi (2014), não obtiveram
sucesso pois houve disputa política com base em ênfase de mercado, para que houvesse uma
inviabilização de integração curricular de licenciaturas. De acordo ainda com os autores, a
disputa que iniciou em instituições de educação superior privadas, alcançou o âmbito público,
ancorando-se em “embates políticos ideológicos entre grupos partidários” (Pereira; Minasi,
2014, p. 11).
É com a Resolução CNE/CP nº 1, de 2006, que as diretrizes curriculares nacionais para
os cursos de pedagogia foram estabelecidas, alterando-os de bacharelado para licenciatura,
formando professores de educação infantil e anos iniciais, bem como ensino fundamental e
médio na modalidade normal (Brasil, 2006). Como apontam Pereira e Minasi (2014, p. 12):

Esta amplitude de atribuições se constitui em um problema para o curso, uma vez que,
a formatação do currículo é complexa, acarretando na dispersão disciplinar em razão
do tempo de duração do curso e sua carga horária, associado à formação de
habilidades de planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação
de atividades inerentes ao processo educativo, projetos e experiências educacionais
não escolares, produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, no âmbito da escola e fora dela, torna o curso de pedagogia genérico,
fragmentado e frágil.

Assim como a Lei nº 11.494 de 2007, também denominada Fundo de Manutenção e


Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Professores da Educação (FUNDEB),
que a princípio alterou as leis 10.195/2001, 9.494/1996 e outras (Brasil, 2001).
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), através da
Lei nº 11.502/2007 e do Decreto nº 6.316/2007, torna-se estratégica para a formação de
professores, agindo através do Conselho Técnico Científico da Educação Básica (CTC/EB), da
Diretoria da Educação Presencial (DEP) e da Diretoria da Educação à Distância (DED), atua
em parceria os estados, municípios e instituições de ensino superior (IES); e é responsável por
propor, fomentar e instituir a formação inicial e continuada dos profissionais que atendem o
nível básico (Pereira; Minasi, 2014).
Dentre as atividades principais encontram-se:

organizar ações estratégicas a longo prazo para a sua formação em serviço;


desenvolver programas de desempenho setorial ou regional com a finalidade de
atender a demanda social desses profissionais; monitorar o desempenho dos cursos de
licenciaturas nas avaliações realizadas pelo Inep; incentivar e apoiar estudos e
averiguações sobre o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos conteúdos e das
627
orientações curriculares dos cursos de formação inicial e continuada (Gatti; Barreto;
André apud Pereira; Minasi, 2014, p. 19).

Destaca-se ainda, nesse histórico de revisão de marcos legais, o Decreto nº 8.752, de


2016, que dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica,
apresenta as diretrizes nacionais e bases curriculares de formação em educação básica, bem
como estabelece programas, ações e incentivos a programas de formação (Brasil, 2016). A
política se articula com o Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 13.005, de 2014,
em especial. Surgida inicialmente em 2009, sob coordenação da CAPES, apresenta formação
em serviço como diretriz (Pereira; Minasi, 2014).
Dentre os objetivos desta Política inclui-se: instituição do Programa Nacional de
Formação de Profissionais da Educação Básica, vinculadas aos sistemas federal, estaduais e
distrital de educação; avançar na qualidade da educação básica; ampliar oportunidades de
formação profissional; garantir a apropriação da cultura, de valores e do conhecimento; suprir
as necessidades das redes e sistemas de ensino de formação inicial e formação continuada;
promover integração da educação básica considerando características culturais, sociais e
regionais, dentre outras (Brasil, 2016).

2. Formação profissional

É necessário pensar que, no contexto dos anos de 1970 e 1980 a desvalorização e


descaracterização da profissão, perda salarial e situação precária estrutural, além de uma perda
de autonomia na execução de suas atividades, eclodindo nos 80 as primeiras greves e
paralisações de professores; nesse cenário, também se apresentaram denúncias de descaso com
questões de formação de ensino em comparação ao tratamento oferecido ao campo de pesquisas
(Diniz-Pereira, 2016). Historicamente,

a separação entre “teoria” e “prática” foi um dos problemas que mais fortemente
emergiu na discussão sobre a formação de professores, [...]. A falta de articulação
entre “disciplinas de conteúdo” e “disciplinas pedagógicas” foi considerada um
dilema que somado a outros dois, a dicotomia existente entre bacharelado e
licenciatura e a desarticulação entre formação acadêmica e realidade prática,
contribuíram para o surgimento de críticas sobre a fragmentação dos cursos de
formação de professores. Estas foram questões recorrentes no debate sobre a
preparação dos profissionais da educação e, ainda hoje, não saíram de pauta (Diniz-
Pereira, 2016, p. 143).

628
Saviani (2009) aponta dois modelos de formação profissional, o chamado modelo dos
conteúdos culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático: o primeiro aponta que a
formação do professor se esgota na cultura geral e deve-se ter o domínio da área de
conhecimento à disciplina que o professor seleciona; o segundo, contrapõe-se ao primeiro
modelo e aponta para a efetividade do preparo pedagógico-didático como objeto da formação.

Em verdade, quando se afirma que a universidade não tem interesse pelo problema da
formação de professores, o que se está querendo dizer é que ela nunca se preocupou
com a formação específica, isto é, com o preparo pedagógico-didático dos
professores. De fato, o que está em causa aí não é propriamente uma omissão da
universidade em relação ao problema da formação dos professores, mas a luta entre
dois modelos diferentes de formação (Saviani, 2009, p. 149).

Diniz-Pereira (2016) debate que ao longo dos anos parece que as discussões sobre a
formação do professor de educação básica dão a impressão de debater os mesmos pontos, sem
solucioná-los e aponta para o objetivo de formação de um grande número de profissionais para
atender a demanda sem o investimento correspondente que leva a repetição de erros, pois
continua, de certa forma, uma visão improvisada e desregulamentada da formação do professor.
Quando se trata de valorização o profissional da educação básica, deve-se entende-lo a
partir de sua formação social plural, se por um lado o professor é simbolicamente uma imagem
prestigiada, Lelis (2001) afirma que o processo de profissionalização deve ser pensando para
além do espaço acadêmico e políticas do Estado, levar em consideração o contexto social,
questionando desigualdade social e seletividade escolar.
O processo de valorização da profissão, segundo Lelis (2001) parece perpassar um
processo de valorização da vivência e da identidade do sujeito, uma vez que, além dos
conhecimentos curriculares, os professores também apresentam saberes para além da ação
pedagógica, experiências essas heterogêneas e contextuais.
Isso significa repensar, em certa medida, a profissão em si, como o status
socioeconômico da profissão, a jornada dupla ou tripla dos profissionais, o acúmulo de funções
dentro do ambiente escolar, o baixo acesso à cultura (shows, museus, viagens) – também
chamado de capital cultural1 -, nesse cenário também se inclui a atualização do conhecimento
do docente, principalmente quando na rede pública. Tardif (2000 apud Lelis, 2001), vai dizer

1
Lelis (2001) faz referência a Bordieu (1079) sobre o capital cultural, indicando-o como capital no estado
incorporado em disposições duráveis, no estado objetivado, como bens culturais e mesmo teorias, críticas e
levantamento de problemáticas e no estado institucionalizado, como certificação escolar. O capital cultural é um
investimento educativo.
629
que, uma vez que o professor tem como objeto de trabalho seres humanos, deve-se legitimar e
valorizar outras dimensões de conhecimentos, como a experiência pessoal, pois esta é, também,
uma parte importante da prática.
Também a construção de uma prática profissional reflexiva, crítica e qualificada é um
importante ponto de valorização, nesse sentido, entende-se “a importância das dimensões
teóricas, técnicas e pessoais do trabalho docente, tendo em vista o resgate da autonomia
profissional dos professores, ameaçada no contexto da racionalização e privatização do ensino”
(Lelis, 2001, p. 47).

3. A formação do profissional no contexto da EJA

Dantas (2019) vai apontar a necessidade de reconhecer que o profissional que se dedica
às aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) precisa ter ciência das especificidades da
modalidade para compreender que essa modalidade de ensino requer o desenvolvimento de
práticas inclusivas que respeite as características singulares dos sujeitos, bem como sua
experiência de vida e profissional, a cultura do entorno. Essa inclusão dialoga com a luta contra
a segregação daqueles que, por quaisquer razões, não puderam frequentar e concluir o ensino
regular. Assim, Dantas (2019, p. 32) entende que:

Em nosso país, os excluídos são todos os pobres, analfabetos, desempregados, sem


uma profissão definida, com baixo nível de escolarização, os “sem terra”, sem teto,
sem acesso aos bens culturais produzidos por todos. Sabe-se, contudo, que esse
processo de exclusão também envolve questões de gênero, de raça, de classe, de credo
ou religião

Em outras palavras, é necessário que o profissional esteja preparado para lidar e entender
com educandos que sofrem e sofrerão diversas formas de exclusão social, econômica e
financeira. Em sua maioria, esses educandos são aqueles que

vivenciam situações reais de exclusão, de segregação social, sem moradia ou vivem


em habitações inadequadas, sem saneamento básico, sem emprego, sem assistência
médica, com baixo nível de escolarização, até mesmo analfabetos, fora do mercado
formal de trabalho, com baixa estima e alguns se consideram incapazes para o
aprendizado (Dantas, 2019, p. 32).

Moreira, Gomes e Alvarenga (2023, p. 4) defendem que entender a perspectiva da


formação especializada em EJA é contribuir para a conscientização da realidade dos educandos,
visando “desmistificar muitas ideias assistencialistas e preconceituosas, além de propostas
630
aligeiradas, que alguns discentes traziam dos sujeitos educandos trabalhadores jovens, adultos
e idosos”. Para tanto defendem a inserção de disciplina de Educação de Jovens e Adultos, tanto
na formação inicial quanto na formação continuada, desde de que os ministrantes tenham a
experiência de atuação, aliando o conhecimento teórico e prático para um melhor envolvimento
e preparação profissional. Assim, oferecendo uma formação que incentive o compromisso
político, social e pedagógico dos profissionais.
Os autores ainda apontam que a formação profissional nessa modalidade carece de
investimentos, tanto na formação de caráter inicial quanto continuada. Em outras palavras,
deve-se ter investimento na melhoria da educação pública, básica e superior, mas também
discussões e desenvolvimento de estratégias afim de pensar que tipo de profissional se está e se
deseja formas, buscando uma educação qualificada – diferente da prática observada pelos
diversos autores que discutem o tema (Moreira; Gomes; Alvarenga, 2023).

Considerações finais

Alguns pesquisadores da formação de professores da educação, como Lelis (2001),


Pereira e Minasi (2014) e Curry (2016) não apenas criticam o percurso histórico da formação
profissional como também critica a aplicação das políticas públicas nos dias atuais. Parece, e
aponta-se aqui, que a proposta legal de políticas como a LDBNE e a PNE, ainda que apresentam
democracia, cidadania e diálogo coma sociedade, ainda não são suficientes para uma
efetividade na formação profissional, esbarrando em disputa política, burocratização e
desvalorização da profissional e sua formação. Tendo também como pontos problemáticos a
proposta que embasa a teoria e a prática profissional, que não levam em conta o caráter
heterógeno dos sujeitos, seus contextos culturais e sociais.
Entende-se que o profissional deve ter ciência do processo de valorização da vivência e
da identidade dos sujeitos, respeitando os saberes para além da ação pedagógica. A discussão
nos leva a compreender que, reforçando os estudos do tema, à EJA figura um papel secundário
ou marginal no diálogo da formulação política e reflexão pedagógica e que, portanto, deve-se
desenvolver tanto uma postura crítica quanto o interesse político e social que vise uma prática
pedagógica que respeito as especificidades da modalidade a partir de uma visão inclusiva.

631
REFERÊNCIAS

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básica no Brasil: um panorama nacional. In. RBPAE, v. 27, n. 1, 2011. Disponível em:
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http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=159261-
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Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Conselho Nacional de
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https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_rcp0106.pdf?query=LICENCI
ATURA. Acesso em 18 de junho de 2022.

BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e


Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação -
FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a
Lei n o 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis n os 9.424, de 24 de
dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras
providências. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 1996. Disponível em:
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junho de 2022.

BRASIL. Lei nº 8.752, de 9 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Formação
dos Profissionais da Educação Básica. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília:
1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
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CURRY, Carlos Roberto Jamil. Vinte anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN). In. Jornal de Políticas Educacionais, v. 10, n. 20, 2016. Disponível em:
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632
DANTAS, Tânia Regina. A formação de professores em educação de jovens e adultos (EJA)
na perspectiva da inclusão social. In. Revista de Educação, Ciência e Cultura, v. 24, n. 1,
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DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Formação de professores da Educação Básica no Brasil no


limiar dos 20 anos da LDBEN. In. Notandum, v. 42, 2016. Disponível em:
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Pereira/publication/286393575_Formacao_de_professores_da_Educacao_Basica_no_Brasil_n
o_limiar_dos_20_anos_da_LDBEN/links/575a9e0c08ae9a9c95517b0f/Formacao-de-
professores-da-Educacao-Basica-no-Brasil-no-limiar-dos-20-anos-da-LDBEN.pdf. Acesso em
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LELIS, Isabel. Profissão Docente: uma rede de histórias. In. Revista Brasileira de Educação,
n. 17, 2001. Disponível em:
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MOREIRA, Ana Santana; GOMES, Andreia Cristina Brito; ALVARENGA, Karly Barbosa.
Importância da formação de professores para atuarem na EJA. In. Anais - XIII Seminário
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PEREIRA, Alexandre Macedo; MINASI, Luis Fernando. Um panorama histórico da política


de formação de professores no Brasil. In. Revista de Ciências Humanas, v. 15, n. 24, 2014.
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SAVIANI, Demerval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no


contexto brasileiro. In. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, 2009. Disponível em:
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Acesso em 14 de junho de 2022.

633
FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA E INTERCULTURALIDADE :DESAFIOS
FORMATIVOS NA CONTEMPORANEIDADE

Fábio da Penha Coelho (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


fabiocoelho@unemat.br

Antonio Hilário Aguilera Urquiza (UFMS)


hilarioaguilera@gmail.com

Resumo: Neste artigo objetivamos evidenciar resultados preliminares da pesquisa de


doutoramento em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Educação da
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO - UCDB. A Pesquisa tem como objetivo geral:
Como os egressos/professores do Curso de Graduação em Educação Física da Universidade do
Estado de Mato Grosso/UNEMAT, Campus Universitário Jane Vanini, de Cáceres/MT
descrevem, traduzem, ressiginificam, tensionam e vivenciam a Interculturalidade na sua prática
pedagógica? Buscamos dialogar com alguns autores que contribuam com o assunto pesquisado:
Arroyo (2007), Gomez (1992), Borges (2005), Shigunov (1994), Contreras (2002) Giroux
(1997), Quijano (2010), Silva e Pavan (2020), Meyer e Paraíso (2012), Paraíso (2014), Candau
(2012, 2016). Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com abordagem nas narrativas
(documentação narrativas, entrevistas narrativas e situações problemas).

Palavras-chave: Currículo, Identidade, Interculturalidade, Narrativas.

A Formação de Professores em Educação Física por meio dos seus Projetos Político
Pedagógico Curricular é um campo acadêmico-profissional que se fundamenta em
conhecimentos em várias áreas (ciências humanas, sociais, exatas, da arte, das linguagens e
códigos).
Durante muito tempo a formação de professores foi entendida a partir de um modelo
apoiado no acúmulo de conhecimentos teóricos para em seguida serem colocados em prática
de cunho da racionalidade técnica/prática.
Esse modelo é entendido por Gómez (1992, p.108) como “[…] um processo de
preparação técnica, que permite compreender o funcionamento das regras e das técnicas do
cotidiano da sala de aula e desenvolver as competências profissionais exigidas pela aplicação
eficaz”.
Gómez (1992), destaca que o pensamento do professor nesta perspectiva do
teórcio/prático, é como um profissional que se coloca em distintas formas de abordar o
problema de intervenção educativa, tendo como a atividade docente o profissional técnico
634
especialista, que aplica o rigor das regras e as técnicas dos conhecimentos científicos e do
professor como prático.
Portanto este modelo de formação sempre teve a perspectiva predominante tecnicista,
pois, estava voltado exclusivamente, para treinar, instruir, mandar, cobrar e não dialogar os
questionamentos e diferenças dos agentes envolvidos nos processos da prática pedagógica. Este
modelo técnico é o mais tradicionalmente utilizado nesta etapa, no exercício da docência e na
relação entre formação e intervenções pedagógicas, trata-se de uma concepção epistemológica
da prática, herdada do positivismo, sendo muito defendida ao longo do século XX e tida como
referência dos docentes (GÓMEZ, 1992, p.96).
Nesta perspectiva a prática profissional consiste na solução instrumental de
determinados problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico/técnico,
previamente disponível, sendo instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e
procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados
desejados.
Neste sentido, Giroux (1997. p.158), ao explicitar esta concepção, destaca que, a função
do professor nessa perspectiva, torna-se administrador e implementador dos programas
curriculares exteriores ao seu contexto social, negando de apropriar-se criticamente de
currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos emancipatórios.
Portanto, supõe-se que o desenvolvimento de estratégias e procedimentos para solução
de problemas tem afetado o desempenho profissional pelos seguintes motivos, a relação que se
estabelece entre a prática e o conhecimento é hierarquizada, as habilidades práticas são
necessárias para a realização de técnicas, que por sua vez, se fundamenta nas contribuições que
a ciência básica realiza (Contreras, 2002, p. 91-94).
Nesses termos, “[...] o currículo profissional é um reflexo da hierarquia de subordinação
do aprendizado prático ao teórico” (Contreras, 2002, p.92), em que o aprendiz recebe os saberes
da formação e aplica-os sem uma prévia construção e reorganização na construção do
conhecimento.
Conforme Quijano (2010) pontua que esse modelo e modo de construir o conhecimento
são de origem eurocêntrica que consagra e privilegia a experiência europeia.
Para o autor este tipo de currículo colonial/eurocêntrico se expandiu pelo mundo para
difundir a concepção de ciência colonial.
Contudo, é necessário e urgente desenvolver críticas sobre o paradigma europeu na
635
perspectiva da racionalidade na prática da formação, sendo necessário buscar a descolonização
epistemológica e a liberação das relações e práticas interculturais.
Segundo Quijano (2010) a percepção da mudança histórica para romper com essa lógica
colonial necessita:
[...] que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o
tempo e sobre a história. A percepção da mudança leva à ideia do futuro, já que é o
único território do tempo no qual podem ocorrer as mudanças. O futuro é um território
temporal aberto. O tempo pode ser novo, pois não é somente a extensão do passado.
E, dessa maneira, a história pode ser percebida já não só como algo que ocorre, seja
como algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o destino,
mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas, por seus cálculos, suas
intenções, suas decisões, portanto como algo que pode ser projetado e,
consequentemente, ter sentido (Quijano, 2010, p.124).

Conforme Quijano (2010) deve-se buscar a interpretação da modernidade a partir da


experiência histórica e cultural latino-americana e revelar a matriz colonial de poder. Contudo
este pensamento crítico se configura, no tempo e no espaço, pela mediação do sujeito envolvido
com um conjunto de elementos. Acreditando numa formação de professores reflexivos e
críticos das suas práticas.
Portanto, deve-se considerar toda a diversidade cultural e bem como as diferentes
histórias que se reflete na formação dos professores, o que exige neste momento uma postura
epistemológica [...] de compreensão da realidade como dinâmica e diversa, ou seja, nada está
posto de antemão, os conceitos e práticas precisam estar profundamente ancoradas no diálogo
entre culturas – diálogo intercultural (NASCIMENTO e AGUILERA URQUIZA, 2010 p. 49 e
51).

Formação Inicial e Interculturalidade – Evidências Necessárias.

O processo de formação como proposta de aprender a ensinar não deve ser um processo
homogêneo para todos, contudo deve sim, reconhecer as características pessoais, contextuais,
sociais e históricas das pessoas envolvidas nesta etapa.
Garcia (1998) concebe como um processo que ainda é constituído por fases claramente
definidas pelo conteúdo curricular que, implica também na existência de uma interligação entre
a formação inicial dos professores e sua formação permanente.
Para o autor, deve ser analisada com relação ao desenvolvimento curricular, concebida
como uma interação da teoria/prática dos professores, tanto inicial como permanente, pautada
636
numa reflexão epistemológica, de modo que o aprender e o ensinar sejam realizados mediante
um processo no qual os conhecimentos práticos e teóricos se integrem numa perspectiva
curricular voltada para a ação.

[...] o currículo existente é a própria encarnação das características modernas. Ele é


linear, sequencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele é disciplinar
e segmentado [...] o problema não é apenas o currículo existente, é a própria teoria
crítica do currículo que é colocada sob suspeita (SILVA, 2007, p. 115).

Portanto o currículo é sempre resultado de uma seleção de conhecimentos, saberes e


relações sociais que constitui precisamente o campo/contexto de construção do currículo.
Conforme Arroyo (2007, p. 06), “a formação de professores/educadores [...] deve-se instigar os
sujeitos envolvidos a conhecer o território, a construção do contexto social, a diversidade, as
culturas, as identidades, a tradição e bem como os conhecimentos envolvidos”.
Uma proposta política pedagógica e curricular deve estar vinculada aos processos de
produção da vida, da cultura, dos conhecimentos e de saberes para uma formação emancipatória
e crítica (ARROYO, 2007).
Neste sentido, a formação docente requer constantes análises, reflexões e avaliações
que busquem desenvolver práticas que possam pensar e repensar as contribuições dos saberes
docentes necessários à emancipação e humanização do sujeito neste tempo e espaço de desafios,
instigando esta reflexão na formação inicial desse ser profissional e humano.
Para Arroyo (2000, p. 46) educar para educadores é mais que dominar técnicas,
métodos, teorias, é manter-se numa escuta sempre renovada porque essa leitura nunca está
acabada [...] Um saber pedagógico para ser vivido mais do que transmitido. Aprendido num
diálogo atento, em primeiro lugar, com os diversos aprendizados, com o próprio percurso de
nossa formação [...].
O autor destaca que, toda formação de professores deve estimular a capacidade
crítico/reflexiva em relação às propostas de cunho oficial (documentos governamentais),
apontando para um desenvolvimento social, cultural e histórico dos professores, buscando uma
autonomia profissional.
Compreendo o currículo como uma prática social complexa, de natureza político-
pedagógica referendada em macro e micropolítica educacional as quais referenciam as
práticas/ações pedagógicas interagindo aos saberes e conhecimentos das ações docentes. O
currículo é a expressão central do projeto político pedagógico.

637
O currículo se configura como um referencial teórico que busca evidenciar, ativar e
propor informações que possam desenvolver reflexões e avaliações a partir de seus respectivos
contextos socioculturais. [...] O currículo está permeado por questões culturais que não são
neutras, e cada grupo deve dialogar para que suas práticas culturais sejam nele significadas e
empoderadas (Silva, 2018. P. 98).
Pavan (2022, p.03), destaca que os conhecimentos presentes em um determinado
currículo, longe de serem neutros, trazem as marcas históricas, sociais e culturais dos grupos
que o produziram, que historicamente resistem e se constituíram.
A educação necessita desenvolver processos institucionais que tornem capazes de [...]
respeitar as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que ativem o
potencial criativo e vitalda conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos
(FLEURI, 2003).
O desafio neste momento consiste em desenvolver processos institucionais capazes de
“respeitar as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que ativem o
potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos”
(FLEURI, 2003).
Portanto a interculturalidade nesta perspectiva educacional busca problematizar as
diferenças, as desigualdades construídas entre diversos/diferentes grupos socioculturais (étnico-
raciais, de gênero, orientação sexual, entre outros).
Entretanto, compreender este pensamento complexo nesta perspectiva, pode ser uma
possibilidade de pensar os diferentes saberes existentes em nossa sociedade, como também as
identidades socioculturais múltiplas, diversas, diferentes, conforme afirmam Aguilera Urquiza
e Calderoni (2017).
Nesta linha de raciocínio, Sacavino (2016, p. 191) destaca que “[...] a interculturalidade
crítica não é um processo ou projeto étnico, nem um projeto da diferença em si mesma, é um
projeto de existência, de vida plena para todos e todas”.
Conforme Sacavino (2020, p. 6) esta perspectiva de interculturalidade implica dois
movimentos entrelaçados, questionar e promover, que devem ser levados em conta em toda
prática pedagógica.
Destaca a autora que, precisamos compreender a interculturalidade como um processo
constante e também como um projeto epistêmico e político, como uma configuração conceitual
que propõe um giro epistêmico capaz de produzir novos conhecimentos e um novo espaço
638
epistemológico que inclua os conhecimentos subalternizados em uma relação tensa, crítica e
mais igualitária.

Caminhos Metodológicos

A investigação científica qualitativa é definida por seus procedimentos metodológicos,


buscando objetivar uma interpretação da realidade do objeto pesquisado, o objeto de estudo
nesta perspectiva é compreendido, e percebido a partir da subjetividade que se constitui. As
informações buscam promover, descrever e principalmente compreender os significados de
crenças, valores e dilemas
A pesquisa qualitativa, busca se integrar ao objeto de estudo para compreendê-lo
melhor, reinterpretar e ressignificar conforme a análise, “[...] isso serve-se preferencialmente
de informações descritivas capazes de alavancar interpretações que conduzam à delimitação”
(TOLEDO & GONZAGA, 2011, p.188).
A metodologia envolve um conhecimento, um certo modo de perguntar, de interrogar,
de formular questões e de construir problemas de pesquisa “[...] articulado a um conjunto de
procedimentos de coleta de informações que, em congruência com a própria teorização,
preferimos chamar de produção de informação e de estratégias de descrição e análise” (MEYER
e PARAÍSO, 2012, p.16).
Contudo, para Paraíso (2001), a pesquisa em educação, deve buscar a superação da
dualidade entre distanciamento e observação participativa, sendo este um grande desafio nesta
abordagem de pesquisa.
Portanto, é imprescindível conhecer as trajetórias, o conhecimento que está sendo
construído, desenvolvido e ressignificado na relação de poder. Nesta perspectiva, portanto,
precisamos reconhecer os saberes que já foram construídos “[...] para analisar, interrogar,
problematizar e encontrar outros caminhos. Necessitamos interrogar o legado deixado por
outros que nos antecederam e nos deixaram seus ditos e escritos” (PARAÍSO, 2014, p.37).
No desenvolvimento desta pesquisa a primeira ação na investigação corresponde a
análise documental dos documentos oficiais. Compreendemos neste momento que a análise
documental deve extrair/evidenciar uma reflexão, um objetivo na fonte original de análise,
permitindo a identificação, organização/reorganização, construção e avaliação das
informações/dados encontrados no documento.
639
Para contribuir na investigação sobre a Formação de Professores em Educação Física e
Interculturalidade, busco referenciar em trabalhos, artigos, dissertações e teses disponibilizados
em vários espaços científicos.
A realização deste processo investigativo procedeu-se de cunho exploratório, ao qual
desenvolveu-se uma análise qualitativa dos artigos, dissertações e teses, com a leitura completa
dos resumos, referencial teórico e considerações finais, buscando e identificando elementos
ou categoria de aproximação aos elementos da temática desta pesquisa.
Portanto, a primeira etapa procedeu-se a uma análise criteriosa de artigos científicos
publicados no maior evento científico da América Latina na área da Educação Física/Educação
– Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (CONBRACE) e Congresso Internacional de
Ciências do Esporte (CONICE) evento este realizado pelo Colégio Brasileiro de Ciencias do
Esporte (CBCE)1. O evento consta com 14 GTT – Grupos de Trabalhos Temáticos (Atividade
Física e Saúde, Comunicação e Mídia, Corpo e Cultura, Epistemologia, Escola, Formação
Profissional e Mundo Trabalho, Gênero, Inclusão e Diferença, Lazer e Sociedade, Memórias
da Educação Física e Esporte, Movimentos Sociais, Políticas Públicas, Relações Étnicos –
Raciais, Treinamento Esportivo).
Utilizo nesta pesquisa como abrangência temporal os estudos/artigos estabelecidos entre
período de 2014 a 2022, os descritores utilizados na busca investigativa foram: “Educação
Física e Interculturalidade, Formação de Professores e Interculturalidade”. Analisamos
os seguintes GTT – Grupos de Trabalhos Temáticos que compõem o evento, no total de 04
(quatro) GTT sendo os: GTT 03 - Corpo e Cultura, GTT 06 - Formação Profissional e Mundo
do Trabalho, GTT - 08 Inclusão e Diferença e GTT - 11 Movimentos Sociais.
Destacamos os trabalhos/pesquisas que encontramos no evento que ocorreu na
Universidade Federal de Goiás – Goiânia - GO parceira na realização do XX CONBRACE &
VII CONICE (2017) como tema central: Democracia e Emancipação: desafios para a
Educação Física e Ciências do Esporte na América Latina.
Os trabalhos/artigos (pôster e comunicações orais) encontrados foram analisados como
uma produção científica, compreendida como uma documentação narrativa. Destaco neste
momento os 02 trabalhos encontrados.

1
Uma entidade científica que congrega pesquisadores/as ligados/as à área de Educação Física/Ciências do Esporte.
Organizada em Secretarias Estaduais e Grupos de Trabalhos Temáticos. Afiliada à Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC)
640
O primeiro trabalho destaca como tema: “Pibid - educação física no ensino
fundamental: trabalhando a diversidade na escola para a promoção do bem-estar”. O trabalho
foi desenvolvido pelas autoras ARAÚJO, SILVA e ELICKER (2017), conforme o documento
analisado destaca como objeto de investigação a questão da diversidade como fruto de ações
nos relatos de experiências das práticas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID- CAPES) Educação Física, desenvolvido na Universidade Federal do Acre
(UFAC), evidencia-se no presente documento analisado que as ações foram realizadas em
parceria com a Secretaria de Estado de Educação do estado do Acre.
Nesta perspectiva Borges (2005) destaca que, os saberes/conhecimentos profissionais
dos estudantes nesta etapa inicial não devem ser ignorados ou negligenciados, porque eles
constituem a base fundamental dentro das perspectivas de formação. Esta formação
universitária em educação física deve contribuir com os futuros professores para que adquiram
um conjunto de conhecimentos, de competências, que poderão ser usadas mais tarde na sua
prática de intervenção pedagógica.
O segundo trabalho encontrado nos anais do evento teve como temática: “Ressonâncias
da modernidade no pensamento de estudantes de educação física sobre a inclusão e diferença”.
Esta pesquisa foi desenvolvida por Mandarino (2017), que destacou como objetivo
central da pesquisa o entendimento das palavras inclusão e diferença, utilizadas por estudantes
nas aulas de Educação Física.
Para Fleuri (2000, p.53), a educação intercultural pode contribuir para não reduzir as
relações a um simples conhecimento: trata-se da interação entre os sujeitos envolvidos. Isto
significa uma relação de troca e de reciprocidade entre pessoas vivas, com rostos e nomes
próprios, reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua dignidade. Portanto uma relação que
vai além da dimensão individual dos sujeitos e envolve suas respectivas identidades culturais
diferentes.
Considerações

A Formação na perspectiva da Interculturalidade Crítica deve propor ao futuro professor


enfrentamentos e situações que evidenciem as diferenças entre os sujeitos envolvidos nestes e
entre outros contextos (histórico, cultural) desta formação.
Portanto, questionar, refletir a interculturalidade na formação é complexa,
contraditória e principalmente desafiadora, ao qual, busca significar e ressignificar
641
conhecimentos e bem como propor o rompimento e a exclusão de práticas pedagógicas que
padronizam e reproduzem a desigualdade.
Nesta perspectiva, a interculturalidade só terá significado quando construída de maneira
crítica conforme Fleuri (2017), significa desconstruir os processos e princípios coloniais na
formação inicial, promovendo a construção de modos não-coloniais de ser e viver, bem como
de poder e saber
Referenciais Bibliográficas

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643
FORMAR-SE PARA FORMAR-O LUGAR DO ESTUDO E DA FORMAÇÃO
CONTINUADA DO FORMADOR DE PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UFMS-
CPAN

Caroline Paula Cellini (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


carolinecellini2883@gmail.com

Resumo: As pesquisas na área de formação de professores já vêm de longa data, porém,


investigações que tenham como objeto a formação dos formadores de professores são menos
exploradas. Neste artigo pretende-se abordar a formação para a docência no Ensino Superior
no Brasil e discutir a necessidade de uma preparação específica para a atuação profissional
nesse nível de ensino, em especial, o formador de professores de Matemática. Foi utilizada
como proposta metodológica entrevistas semiestruturadas com nove formadores do curso de
Licenciatura em Matemática da UFMS/CPAN e análise de Conteúdo segundo Bardin (2009).
A discussão teórica foi construída a partir de estudos sobre o formação inicial e formação
continuada do formador de professores de Matemática fundamentando-se especialmente em
Fiorentini (2004), Marcelo Garcia (1999;2009), André et al. (2012), Pimenta e Anastasiou
(2005;2010). Como análise preliminar é compreensível nos relatos dos participantes que o
saber do conteúdo específico a ser ministrado foi mencionado como significativo pelos
formadores e o conhecimento que se descortina por intermédio do PIBID é transformador.
Pôde-se observar a continuidade pela formação profissional, no exercício da prática
profissional, a busca pelo aperfeiçoamento, aprendizagem, no sentido da prática, incluindo a
tecnologia, são molas propulsoras para o Desenvolvimento Profissional Docente.

Palavras-chave: Formação em Matemática. Formador. Formação continuada.

Introdução

No Brasil, institucionalmente, a formação inicial dos professores se dá no Ensino


Superior nas licenciaturas. Todos os docentes desse nível de ensino que atuam nesses cursos –
“os professores das disciplinas de práticas de ensino e estágio supervisionado, os das disciplinas
pedagógicas em geral, os das disciplinas específicas de diferentes áreas de conhecimento”
(Mizukami, 2005, p.69-70) – podem ser designados pelo termo “formador”. Essa é uma
premissa que assumimos neste estudo. O formador de professores é uma figura importante na
formação docente, pois, durante suas aulas, realiza um trabalho muito parecido com o que o
licenciando presenciou quando aluno da Educação Básica e com o que pode realizar, se for
lecionar (André et al., 2012; Marcelo Garcia, 1999; Vaillant, 2003).

644
Este artigo decorre dos resultados da pesquisa de doutorado da autora que procura
compreender as experiências de formação dos formadores de professores de Matemática da
UFMS/CPAN. Tais experiências foram vivenciadas por nove docentes do Ensino Superior que
atuam na formação de professores de Matemática e que se comprometem com ela e com sua
profissão, a partir das quais realizam suas investigações e produzem conhecimentos da prática
(Cochran-Smith, 2005) que ofereçam suporte a sua atuação profissional e à de outros.
Partindo do princípio que não há uma formação prévia para o professor universitário, as
fontes de aprendizagem docente, ou seja, de aquisição de conhecimentos, saberes e habilidades
profissionais, são múltiplas e oriundas tanto da formação profissional e do exercício do
magistério, quanto das experiências vivenciadas ao longo da vida, não apenas dentro, mas
também fora do ambiente escolar, articulando as dimensões pessoal e profissional, fortemente
influenciadas pelos valores, ideais, afetos, crenças, interesses e práticas sociais, profissionais e
políticas do professor universitário. Bolívar (2006, p.59) alerta: "a formação universitária é a
que, propriamente, configura uma 'identidade profissional de base', dependendo de como se
aprendam os conhecimentos teóricos, os modelos de ensino e se adquira uma primeira visão da
prática profissional" (Grifos do autor).
Portanto, foi utilizada como proposta metodológica entrevistas semiestruturadas com os
formadores e análise de Conteúdo segundo Bardin (2009), para estabelecer uma compreensão
sobre o lugar do estudo e a formação inicial e continuada dos formadores de professores de
Matemática. Além disso, fizemos uma discussão conceitual que se refere a formação inicial e
continuada quando o docente em questão é o formador e a relação dicotômica entre Bacharelado
e Licenciatura em Matemática.

A FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO FORMADOR

Considere que somente com a edição da Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, é que se
definiu que a preparação de professores para atuar nesse nível deveria ocorrer principalmente
em cursos de pós-graduação. O enunciado da LDB 9394/96 explicita à docência enquanto uma
atividade especializada e que requer, consequentemente, uma formação especializada.
Entretanto, a referida lei define que a formação inicial do professor universitário, ou aquela que
antecede o ingresso do profissional no magistério do Ensino Superior, deve ocorrer em nível de
pós-graduação, preferencialmente em programas de mestrado e doutorado, sendo entendida,
nesse contexto, como “preparação” para o exercício da docência nesse nível de ensino. Nesse

645
sentido, ainda, o título de notório saber supre a exigência do título acadêmico. Embora
importante, a existência desse dispositivo que assegura uma “preparação” mínima para o
exercício da docência superior não tem garantido, em termos práticos, a formação necessária
para tal tarefa. Este artigo não menciona a formação didático-pedagógica como um pré-
requisito para a formação ou para o ingresso em uma carreira docente de nível superior.
Em relação à formação inicial específica para a docência universitária, Soares e Cunha
(2010) informam não existir nas sociedades ocidentais uma tradição nesse sentido. Segundo as
autoras, a não ser por experiências isoladas, a formação do professor universitário costuma se
constituir “como um conjunto de atividades caracterizadas por sua brevidade e concreção,
destinada a professores já contratados” (Soares; Cunha, 2010, p.34). Pimenta e Anastasiou
(2010) afirmam que os pesquisadores de diversos campos do conhecimento e os profissionais
de várias áreas iniciam-se nesse campo da docência como decorrência natural de suas
atividades, assim sendo, sem uma formação específica que os identifique como professores.
No Brasil, Pachane (2009) mostra que pouca ênfase foi dada à formação pedagógica dos
professores universitários ao longo da história.
Observa-se que, ao longo de [...] quase dois séculos, a formação esperada do professor
universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da disciplina a ser
ensinada, conhecimento este prático – decorrente do exercício profissional – ou
teórico/epistemológico – decorrente do exercício acadêmico. Pouco, ou nada, tem sido
exigido em termos pedagógicos (Pachane, 2009, p. 33).

Vale ressaltar que os mestrados e doutorados na área de Ensino conseguem alcançar


propostas que valorizam o ensino-aprendizagem. Salvo o caso dos bolsistas da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) onde é exigido dos contemplados um
estágio de docência que deverá ser realizado nos cursos de graduação da instituição. Caso a
unidade que está ofertando a pós-graduação não possua cursos de graduação, o bolsista poderá
realizar o estágio em outra instituição de nível superior.
Segundo Prada, Freitas e Freitas (2010), a formação continuada de professores, em toda
a história educacional e de sua própria trajetória, é entendida como uma forma de preencher a
lacuna existente na formação inicial docente e reduzir as dificuldades escolares no cotidiano
escolar, implementação de políticas, planos, projetos, esportes e principalmente governamental,
sendo também uma forma de ascensão social, salarial e profissional. De acordo com as
recomendações do Conselho Nacional de Educação, uma das estratégias atualmente utilizadas
para melhorar o ensino e a formação de professores do Ensino Superior é a introdução de

646
disciplinas como a "Metodologia do Ensino Superior", que vem sendo inserida nos cursos de
pós-graduação Lato sensu (profissional) e Stricto sensu (mestrado e doutorado) em todo o país.

Essa iniciativa tem sido, para muitos docentes universitários, a única oportunidade de
uma reflexão sistemática sobre a sala de aula, o papel docente, o ensinar e o aprender,
o planejamento, a organização dos conteúdos curriculares, a metodologia, as técnicas
de ensino, o processo avaliatório, o curso e a realidade social onde atuam (Pimenta;
Anastasiou, 2005, p.108).

Profissionais das mais diversas áreas tem se disposto a frequentar essa disciplina.
Normalmente, são professores que já tiveram algum tipo de formação pedagógica, mas também
frequentam aqueles que não a tiveram. Uma razão pelo qual resolveram fazer um curso de pós-
graduação, seria a ânsia de seguir com a carreira acadêmica, de se tornarem professores do
Ensino Superior. Em contrapartida, aqueles que já atuam no Ensino Superior, muitas vezes,
relutam em participar de processos formativos, alegando falta de tempo ou desejo interno de
repensar suas ações.
Segundo Behrens (1998, p.65) uma outra alternativa seria “oferecimento de projetos de
ensino que envolvam os docentes em grupos de estudos, num trabalho individual e coletivo na
busca da reflexão sobre a ação docente”. Essas propostas necessitam de participação ativa do
docente, que ele se sinta parte nessa construção do processo de reflexão de sua prática. De outro
modo, verificamos que a formação continuada que é oferecida para os docentes do Ensino
Superior são relacionadas a oferecimento de cursos de curta duração, como minicursos, sem
que haja um levantamento, entre o grupo de professores, sobre suas necessidades formativas.
Tal fato, consideramos, um fator de impedimento em se tratando da motivação para realizar
discussões sobre as questões pedagógicas.
Resulta desse fato a visão de formação fundamentada na construção de um programa
contínuo que deve ser defendido pelo coletivo da Instituição que possa elucidar “seu conceito
de qualidade, a formação da pessoa e do profissional, levando os docentes a falar da vida, da
realidade, de seu repertório e dos alunos, de seus desejos, de sua capacidade de criar” (Castanho,
2007, p.66-67). Passos (2018) ressalta que:
[...] a esses profissionais é deixada a responsabilidade da formação dos futuros
professores numa lógica de integração da teoria e da prática, bem como a dos
componentes científicos e pedagógicos. Compreender e realizar essa integração se
constitui num desafio para a instituição e deve ser incorporado em seu projeto
institucional. [...] o atendimento a esse desafio tem se restringido às iniciativas
individuais dos formadores evidenciando que as instituições não têm oferecido
condições para a construção de espaços coletivos de trabalho para um processo de

647
formação de formadores e para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à prática
desses professores (Passos, 2018, p. 104).

De fato, o processo formativo dos docentes das licenciaturas parece requerer uma
percepção institucional de formação mais coletiva e colaborativa devido à diversidade
contextual desses cursos e à compreensão de que tais professores passam tanto pela
aprendizagem da docência como pelo aprender a ensinar sobre ser professor. Bolzan, Powaczuk
e Isaia (2018), em pesquisa sobre ser formador nas licenciaturas, evidenciam esses aspectos a
partir de narrativas de professores formadores que manifestam o compartilhamento de saberes
e fazeres em suas experiências de formação como potência das construções do ser docente nas
licenciaturas. As autoras ainda apontam que:
[...] os diferentes contextos e as oportunidades nos quais os professores/formadores
têm possibilidades de se envolver, como ensino, orientação de estágios, PIBID, cargos
de gestão, pesquisa, extensão, participação em diversas instâncias institucionais,
implicam a aprendizagem da docência e possibilitam a [re]contextualização constante
dos fazeres docentes, produzindo “novos” sentidos sobre a própria profissão (Bolzan;
Powaczuk; Isaia, 2018, p. 379).

Nessa perspectiva, as autoras advertem sobre a necessidade de a dinâmica institucional


de cada universidade reconhecer o que contribui e dificulta as ações de ensino e os processos
de formação. Para isso, salientam a importância de romper com culturas instituídas que
setorializam as tomadas de decisão e a necessidade de potencializar a participação docente na
gestão e nas diversas estruturas de organização institucional, possibilitando, assim, um
alinhamento entre a dinâmica institucional e a pedagógica que tende a fortalecer os processos
de tornar-se formador de futuros professores.

O FORMADOR DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA


O trabalho dos professores do Ensino Superior em Licenciaturas em Matemática
também ensina uma forma de ser professor, porque constitui um tipo de modelo para os alunos.
Cabe ressaltar que o corpo docente da Licenciatura em Matemática é composto por
profissionais com diferentes perfis de formação, principalmente quanto às áreas de
conhecimento nas quais realizaram seus estudos, e, dessa forma, trazem consigo saberes
distintos, dos quais se apropriaram em processos de formação peculiares às suas áreas de estudo.
[…] em qualquer formação matemática que aconteça nos cursos de Cálculo, Análise
ou Álgebra, o futuro professor não apenas aprende uma certa matemática, como é
esperado pelo formador, mas aprende, também, um modo de estabelecer relação com
o conhecimento; internaliza, igualmente, um modo de concebê-lo, de tratá-lo e de
avaliá-lo no processo de ensino e aprendizagem (Fiorentini; Oliveira, 2013, p. 926).

648
Embora já existam formadores pós-graduados nas áreas de Educação ou de Ensino, que
se debruçam sobre os campos de conhecimento da Educação Matemática e suas relações com
o ensino e a aprendizagem da matemática, eles ainda são minoria. O formador de professores
de Matemática típico fez o mestrado e o doutorado em Matemática, passando à docência
universitária sem qualquer interlocução com o ofício do professor, mesmo no Ensino Superior
(Fiorentini, 2004).
Esta formação acadêmica centrada no campo científico da Matemática tem tido impacto
no pensamento e na prática dos professores que atuam na Licenciatura em Matemática.
Conforme destacam Coura e Passos (2017), devido a lacuna em sua formação pedagógica e o
distanciamento entre as pesquisas que desenvolveu e sua prática docente, sua trajetória como
pesquisador matemático conduziu à prática de formador. No caso do formador dos cursos de
licenciatura em Matemática, devido à preocupação com o domínio dos conteúdos matemáticos,
sem o trabalho com seu componente pedagógico, os professores universitários, com pouca ou
nenhuma formação pedagógica, aprendem a ministrar aulas por tentativa e erro, ou seja,
desenvolvem-se profissionalmente por situações que estão vivenciando e por metodologias que
deram certo, baseadas nas suas tentativas ou na sua própria experiência escolar (Vasconcelos,
2009), dificultando a formação de um profissional reflexivo, crítico e transformador.
Fiorentini (2004), no caso da licenciatura em matemática no Brasil, dividiu os
professores em três categorias: o pesquisador-formador, o formador-pesquisador e o formador-
prático. O pesquisador-formador reflete aquele profissional que enfatiza a pesquisa de sua área
de conhecimento, contrariamente ao interesse da docência, tratando-a como atividade
secundária, ou apenas uma alternativa de sociabilizar os fundamentos que produziu. Essa
categoria de profissional, normalmente, é formada por bacharéis e os docentes que nela se
encontram presentes identificam-se como matemáticos O formador-pesquisador tem na
docência sua principal atribuição na universidade, colocando a pesquisa como suporte para sua
realização. É caracterizado como educador matemático ou formador de professores. Por fim,
temos o formador-prático. Nessa categoria, estão os professores contratados provisoriamente e
com tempo parcial, colaborando esporadicamente em cursos de licenciatura, sendo tutores de
estágio nas escolas.
Em consequência, da classificação que foi analisada, Fiorentini (2004) apontou que
embora esses três tipos de formadores seriam importantes para a formação de professores,
formadores pesquisadores deveriam constituir a base do curso de licenciatura, uma vez que
649
dominam conhecimentos conceituais/procedimentais, didático-pedagógicos e curriculares da
disciplina de ensino. No entanto, esse profissional ainda constitui minoria nas licenciaturas
brasileiras em Matemática.

ANÁLISE DOS DADOS


A dinâmica estabelecida entre os achados nas entrevistas viabilizou as interpretações
necessárias para a tessitura dos resultados. Nesse sentido, o processo de análise levou em
consideração o conjunto de respostas apresentadas nos diversos temas propostos. Para isso,
utilizamos alguns excertos das entrevistas, a fim de ilustrar as afirmações que fizemos e de
manter suas vozes no texto de pesquisa. Recorremos também ao diálogo com a literatura para
ajudar a contar as transformações e os movimentos que aconteceram na vida das participantes
e para referenciar os sentidos produzidos a respeito de seu desenvolvimento profissional.
A questão de todos buscarem a pós-graduação vem de encontro com a valorização
salarial, pois na carreira de Professor do Ensino Básico Técnico e Tecnológico, a qual
pertencem estes docentes, são valorizados os cursos de Especialização, Mestrados e
Doutorados. Como relatam (P2) e (P7):

Eu tenho noção que eu voltei do Mestrado outra pessoa, com outra visão de mundo,
eu vejo nas minhas aulas, nos meus discursos. O Doutorado está vindo para fixar
algumas coisas que eu já pensava e hoje estou tendo outra visão de pesquisadora.
Enquanto o mestrado mudou a minha visão como professora, o doutorado está
mudando a minha visão enquanto pesquisadora (P2).

O retorno pela paixão à docência surgiu na pós-graduação. A intenção de cursar uma


pós-graduação, no meu caso a especialização e mestrado, foi apenas para progressões
na carreira. Entretanto, no doutorado que me encontrei e me realizei como pesquisador
(P7).

A vontade de aprender mais sobre um determinado assunto também foi um ponto


importante, para que eles possam cada vez mais estarem qualificados para atuarem na docência.
Em síntese, os formadores ressaltaram a importância que o conhecimento, que o conteúdo fez
na sua jornada docente. A docente (P2) utiliza o seguinte relato para ilustrar isto:

Para eu conseguir fazer abordagens diferenciadas da Matemática e conseguir fazer


aquele monte de coisa que eu fazia diferente com os alunos, eu preciso ter
conhecimento matemático, porque se eu não tiver conhecimento matemático, eu não
vou saber aplicar matemática.

650
O docente (P7) observa: “Você não deve saber somente o conteúdo, tem que saber como
ensinar esse conteúdo, tem que ter traquejo em termos pedagógicos com seus alunos”. Há que
se considerar, ainda, outro ponto que se evidencia nas entrevistas dos professores: a escassez
de disciplinas voltadas à formação do professor universitário em diversos cursos de pós-
graduação stricto sensu. Partindo-se do pressuposto que os programas de mestrado habilitam o
concluinte à docência no ensino superior, seria de se esperar que tais cursos, independentemente
das áreas a que pertençam, se preocupassem com a formação completa do professor, o que
perpassa não só a exigência de abordagens teóricas com este objetivo, mas também pela prática
da sala de aula, como acontece nos estágios das licenciaturas.
Corroborando com os resultados do estudo de Costa (2009), a docente (P4) acredita-se
que o professor se forma ao longo de sua vida, desde a infância: "a gente vai se espelhando na
mãe, na babá, na professora da escolinha, acho que tudo isso contribui" e que carregamos um
pouco de cada um de nossos antigos professores. Segundo (P4): “[...]Estamos em constante
formação e isso a gente traz, não só para um contexto social mas para o contexto profissional
também, traz para todos os contextos da nossa vida”. O docente (P7) corrobora:
“Transformar” em professor universitário, não seria uma palavra adequada a meu ver,
pois sugere algo pontual e que seja transformador, como se fosse um episódio único
que me fez “transformar” milagrosamente num professor universitário. Entendo que
a formação é fruto de um longo processo, tanto em termos formativos, em termos de
vontade de ser, em termos de passar num concurso concorrido.

A docente (P4) cursou o Mestrado em uma instituição de pesquisa, não de ensino; nesses
programas não havia qualquer disciplina da ciência da Educação, nem tampouco oportunidade
de estágio.
Eu não tive a oportunidade deste tipo de formação pois minha Graduação foi
Bacharelado e o meu Mestrado foi em Matemática Pura, com um tema de dissertação
totalmente analisado em caráter científico[...] senti uma necessidade especial dos
conhecimentos de Metodologia de Ensino e Didática ao me deparar ministrando aulas
em cursos da área de Licenciatura.

Da mesma forma, (P9) que acabou de concluir o Doutorado em Matemática, relata a


ausência dessa formação e experiência. Segundo o docente: “Desconheço esse tipo de formação
voltado para o ensino superior”. A docente (P5) complementa: “Eu não fiz essas disciplinas,
deve ser interessante estudar isso, mas cursinhos que são rápidos, de um semestre, a gente não
aprende. É interessante, mas [...]”. Por outro lado, (P2) e (P8) possuem pós-graduação stricto

651
sensu nas áreas de Educação Matemática e externam as oportunidades que tiveram de
(re)construir seus saberes bem como suas crenças sobre a Educação e o ensino da Matemática.
Quando eu fui fazer o TCC, eu fui buscar coisas que me trouxessem a prática e o que
eu estava tendo de dificuldade naquele momento?[...]Quando apareceu a
Etnomatemática relacionada ao saber indígena, ali foi uma luz para o que estava me
inquietando naquele momento […]Eu aprendi a dar aula no estágio. Essa inquietação
de como dar aula me levou para o mestrado. E agora no Doutorado, o que estava me
incomodando? A gente na era digital e a gente não usa a tecnologia para dar aula (P2).
Outro momento motivacional foi minha preocupação com a metodologia de ensino da
matemática o que me motivou a fazer o mestrado em Educação Matemática (P8).

Uma das perguntas que foram feitas aos participantes, se trata justamente da necessidade
de formação para a docência: você acha que existe necessidade formativa de vocês enquanto
formador? Já que algumas disciplinas como Metodologias no Ensino Superior, Didática do
Ensino Superior são oferecidas em cursos de pós-graduação, na área de Educação, muitas vezes
em caráter optativo. Alguns professores relutam em participar desses processos formativos
porque alegam que já sabem ensinar. Veja alguns relatos dos formadores sobre essa questão:
“Acho essas disciplinas fundamentais para o DPD. Infelizmente, nos cursos da área de exatas,
existe maior ênfase às disciplinas ditas de conteúdo específico” (P8). Os docentes (P4) e (P6)
complementam:
Claramente se faz necessário uma formação contínua para professores formadores de
uma forma geral e principalmente para nós que trabalhamos com a formação de
Licenciados em Matemática e Pedagogos (os quais se utilizarão dos saberes
matemáticos), pois nós formadores estamos inseridos numa sociedade em que as
mudanças econômicas, sociais, tecnológicas, dentre outras, estão exigindo dos
educadores maior eficiência e produtividade para que se adaptem às exigências do
mercado.

Eu acho que seria interessante se houvesse, não sei se existe essa complementação,
talvez fosse interessante ser oferecido um curso desse tipo. Eu sei que o projeto
pedagógico exige isso, talvez a experiência de outros professores nos ajudasse a
atingir esses objetivos
Já (P5) observa:

Se a gente é fruto da especialização do saber, como que a gente pode fazer isso? Eu
não consigo e acho que poucas pessoas conseguiriam. O que se exige da gente é algo
que poderia ser exigido em outros contextos, em uma formação mais abrangente e não
temos. Não acho que exista uma necessidade formativa de precisar fazer cursos e sim,
ter mais reuniões, grupos de estudos, isso que eu acho mais proveitoso.

(P7) acrescenta: “Eu acho importante, eu acho que todo mundo deveria fazer. Muito
embora quando a gente chega na Universidade, acaba recebendo bastante carga horária, mas

652
sempre acrescentar que você precisa dessa formação e sim ela é importante para sua atuação”.
Já o docente (P9) tem uma outra visão sobre a questão abordada:

Existe sim uma necessidade formativa, mas não uma formação em educação, e sim
formação com mais ênfase em matemática. Eu me vejo meio isolado pelo fato de olhar
para o lado e ver que a tendência dominante é tornar um professor de matemática em
um pedagogo ou um libertador social em que a matemática é apenas a cereja do bolo.

Em relação a UFMS, em 2017, foi oferecido o Curso de Formação Continuada dos


Docentes da UFMS: Práticas Pedagógicas Inovadoras no Ensino Superior. Estruturados e
realizados pela Sedfor, em parceria com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e a Pró-Reitoria
de Gestão de Pessoas (Progep). Foram dois os cursos disponibilizados: Curso de Formação
Inicial à Docência no Ensino Superior, já em sua terceira edição, e Curso de Formação
Continuada dos Docentes da UFMS. Sobre essas capacitações, os docentes (P1), (P6) e (P7)
relatam: “a universidade procura dar um incentivo, a gente sabe que não é tão fácil,
principalmente dependendo da lotação do Campus, tem uns fatores que limitam, não deveria
ter, mas tem”(P1) “Hoje em dia eu percebi, não em tudo, em algumas coisas, a UFMS está
oferecendo suporte. Por exemplo, para o coordenador agora tem cursos sobre a gestão, cursos
para professores, cursos de como trabalhar com o SEI, antes a gente não tinha”(P6). “Formação
continuada na própria UFMS tem, temos formação para o Ensino Superior, uso de TIC’s,
formação em EAD, entre outras” (P7). O que se observa é falta de regularidade em se propor
tais cursos de formação na Universidade.
Todos os formadores entrevistados foram em algum momento de sua carreira
coordenadores de área do PIBID ou Residência Pedagógica. No contexto atual, os programas
de formação inicial (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID;
Programa Residência Pedagógica – PRP) têm aparecido como oportunidades que permitem
diálogos sobre a docência e contextos de desenvolvimento da profissão, o que pode ajudar na
formação de professores e no seu desenvolvimento profissional. Veja os relatos a seguir:
O PIBID na minha formação, ele ajudou muito. O PIBID ele me deu algumas
ferramentas, quando eu entrei no mestrado no Profmat[...]quando eu fui fazer a
dissertação, eu já tinha experiência com sequência didática[...]. Eu usei o
conhecimento que eu tinha na época do PIBID, usando Geogebra para trabalhar com
funções, mais para aplicar e desenvolver. Então o PIBID me ajudou, na parte de
formação de professores (P1).

Foi quando eu comecei a trabalhar com o PIBID, eu comecei a estudar não somente
as normas, não somente as políticas que eram necessárias aprender também, aprender
sobre os PCN’s, aí eu comecei a dar vários passos e subir vários degraus. Foquei
653
bastante na formação docente então a formação de professor para mim era crucial.
Então foi extremamente importante mesmo (P4).

Foi uma experiência sui generis com muito aprendizado tanto da minha parte,
enquanto coordenador de área, quanto dos pibidianos (bolsistas do curso de
matemática, alunos das escolas e professores supervisores das escolas) (P8).
Para os futuros professores - e até mesmo para formadores de professores -, conversar e
“(com)partilhar suas memórias e suas experiências, com um outro alguém, seja um professor
ou um amigo de classe, também em formação, favorece a reflexão tanto do próprio aluno quanto
daqueles que o escutam” (Ramos et al., 2016, p.53).

Considerações Finais
Ao atribuir valor à formação inicial, os participantes salientam que é no curso de
licenciatura que se aprende a docência. Nesse contexto, é importante que professores
formadores de professores trabalhem na perspectiva de preparar futuros docentes para o
mercado de trabalho, oferecendo-lhes oportunidades teórico-práticas para abordar conteúdos
que ministrarão futuramente. Alguns formadores que possuem pós-graduação stricto sensu nas
áreas de Educação Matemática e externam as oportunidades que tiveram de (re)construir seus
saberes bem como suas crenças sobre a Educação e o ensino da Matemática.
A vontade de aprender mais sobre um determinado assunto também foi um ponto
importante para que eles possam cada vez mais estarem qualificados para atuarem na docência.
Em síntese, os formadores ressaltaram a importância que o conhecimento, que o conteúdo fez
na sua jornada docente. Saber o conteúdo específico a ser ministrado foi mencionado como
significativo pelos formadores, que valorizam muito o saber do conteúdo de seus professores
e, além disso, a facilidade que tinham com este objeto de saber.
Ao aproximar a universidade da escola básica, o PIBID é capaz de proporcionar aos
coordenadores um acercamento à realidade escolar muito intenso e contínuo, que talvez nem
os formadores dedicados aos estágios supervisionados tenham acesso. O conhecimento que se
descortina por intermédio do PIBID é transformador.

Referências
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G. B. ; HOBOLD, M. O papel do professor formador e das práticas de licenciatura sob o olhar
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656
O ENSINO DA MATEMÁTICA ADAPTADO POR MEIO DA LIBRAS: UM ESTUDO
SOBRE A FORMAÇÃO E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES
SURDOS BILÍNGUES DE MUNICIPIO DE RONDONÓPOLIS /MT

Gleison Fabian Rocha (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


gleisonfab@gamil.com

Heitor Queiroz de Medeiros (PPGE/UCDB)


heitor.medeiros@ucdb.br

Resumo: A pesquisa tem como objetivo investigar como se constitui o processo formativo
desenvolvido por professores surdos bilíngues que atuam em escolas públicas do ensino
fundamental em Rondonópolis – MT, em relação ao ensino da matemática adaptado pela
LIBRAS para estudantes surdos matriculados em escolas da rede pública do município. No
tocante à metodologia serão realizadas entrevistas semiestruturadas gravadas em vídeo em
LIBRAS com os dois professores surdos que trabalham na docência na rede pública municipal
de ensino de Rondonópolis (MT), lecionando matemática em sua primeira língua, por meio da
LIBRAS. Resultados: Ainda em fase de consolidação do projeto de pesquisa onde estamos
avançando na fundamentação teórica da pesquisa que se articula a partir do entendimento de
que a educação inclusiva é um tema relevante e desafiador nos dias atuais, buscando garantir
oportunidades iguais de aprendizagem para todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência
auditiva. Essa abordagem valoriza a cultura e identidade surda, permitindo uma melhor
compreensão das necessidades específicas desses alunos no ensino, inclusive no ensino da
matemática. Nesse sentido o ensino da matemática adaptado por meio da Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) visa atender às necessidades específicas dos estudantes surdos, permitindo-
lhes adquirir habilidades matemáticas de forma efetiva.

Palavras-chave: Ensino de Matemática; LIBRAS; Formação bilíngue

1. Introdução

Ao analisar a história da educação no Brasil, podemos observar que sua base estrutural
consiste em modelos europeus, nos quais, mesmo no ensino público, o acesso à educação se dá
de modo desigual. Segundo Boff (2002, p. 62), embora tenham havido uma série de esforços
para reestruturar o currículo ao longo da história, ocorriam privilégios a uma "população branca
e masculina".
Deste modo, como sujeito surdo, acredito ser fundamental pensarmos no processo de
formação de professores e na manutenção de suas práticas, a fim de tornar esse processo mais
humanizado, democrático, igualitário e eficaz.
657
O processo educacional do qual sou fruto teve como protagonismo uma professora
muito especial, minha mãe. Foi ela quem me ensinou a ler, escrever e a associar os signos e
significados na Língua Portuguesa. Foi ela quem me ensinou a valorizar cada etapa, agregando
múltiplos sentidos a cada aprendizagem, principalmente na construção de minha formação com
a língua Portuguesa.
Não se trata apenas da relação de afetividade entre mãe e filho, o sucesso de meu
processo de aprendizagem se deve às práticas pedagógicas adotadas por minha mãe, uma vez
que sua percepção aguçada a fez desenvolver uma linguagem alternativa baseada em gestos,
por meio dos quais se constituíram os sentidos das palavras, pois, para que a criança surda
compreenda o conteúdo do que lhe é dito em português, necessita de vários anos de estimulação
sistemática e dialógica (GOLDFELD, 2002, p. 95).
Sou graduado em Pedagogia pelo Instituto de Educação Bom Jesus de Cuiabá –
Faculdade Afirmativo (2011) e também tenho graduação em Letras – LIBRAS pelo Centro
Universitário Leonardo da Vinci, UNIASSELVI, com conclusão no ano de 2022, tendo pós-
graduado latu-sensu (Especialização) em Tradução e Interpretação Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) pelo Centro Universitário Cândido Rondon (2012) e em LIBRAS e Educação
Inclusiva pelo Instituto Federal de Mato Grosso (2021).
Também sou professor concursado desde o ano de 2012 na Secretaria Municipal de
Educação (SEMED) do município de Rondonópolis, no estado de Mato Grosso, como
pedagogo no Ensino Fundamental para o Ensino de LIBRAS, lotado na Escola Municipal de
Educação Básica ‘Padre João Paulo Nolli’,sendo que atualmente sou também assessor
pedagógico no Departamento de Gestão de Educação Inclusiva - SEMED – Rondonópolis
(MT).
Atuo principalmente no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de inclusão
social/escolar, formação continuada de professores de LIBRAS e atendimento educacional
especializado para pessoas com surdez.
Sou também membro do Conselho Municipal e Estadual dos Direitos da Pessoa com
deficiência em Mato Grosso, além de militante no movimento da pessoa com surdez.
Portanto trabalho com a educação de pessoas surdas, especificamente com a temática
"herança surdez", na qual apresento a história dos surdos e a herança linguística obtida por meio
da LIBRAS. Ao adotar o discurso pedagógico, é possível reavaliar minhas próprias práticas,
organizando estratégias para que o ensino seja fomentado da melhor forma possível.
658
A possibilidade de pesquisar sobre o uso da LIBRAS no ensino de conceitos
matemáticos simboliza a necessidade de agregar técnicas, fruto da cultura visual, ao processo
educacional de futuros professores que atuarão no ensino da matemática.
É importante fomentar em seus processos formativos a necessidade de reavaliação
constante de suas práticas pedagógicas, constituindo-as a partir da alteridade, de base conceitual
consistente e, principalmente, por meio de vivências adquiridas em contato com pessoas com
surdez.
Além disso, a justificativa para este estudo sobre o ensino da matemática adaptado por
meio da LIBRAS, com foco na formação e as práticas pedagógicas de professores surdos
bilíngues em Rondonópolis - MT, é fundamentada na necessidade de promover uma educação
inclusiva e de qualidade para os estudantes surdos.
A matemática é uma disciplina fundamental para o desenvolvimento cognitivo e
acadêmico dos estudantes, mas muitas vezes os estudantes surdos enfrentam dificuldades no
aprendizado dessa matéria devido à barreira linguística existente entre a língua portuguesa,
predominantemente utilizada nas escolas, e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), que é a
língua natural dos surdos.
Nesse contexto, os professores surdos bilíngues desempenham um papel crucial na
promoção de uma educação inclusiva, uma vez que possuem fluência tanto na LIBRAS quanto
na língua portuguesa. No entanto, esses profissionais enfrentam desafios específicos ao adaptar
o ensino da matemática para os estudantes surdos, buscando formas efetivas de superar as
barreiras linguísticas e garantir a compreensão dos conceitos matemáticos.
No entanto, a escolha de Rondonópolis - MT, como local de estudo se justifica pelo fato
de ser uma região com uma comunidade surda significativa, o que possibilita uma investigação
mais aprofundada das questões específicas enfrentadas pelos professores surdos bilíngues nesse
contexto.
Para além da articulação de um processo educacional mais significativo, esta pesquisa
visa incentivar outros surdez a ousarem e proporcionarem, por meio de suas potencialidades,
novas formas e meios de ensinar.
Assim, o presente projeto busca preencher uma lacuna na literatura acadêmica,
contribuindo para a melhoria da educação inclusiva de estudantes surdos na área da matemática,
ao investigar os desafios e estratégias do ensino adaptado pela LIBRAS de professores surdos
bilíngues em Rondonópolis - MT.
659
O objetivo geral dessa pesquisa é investigar e compreender como se constitui o processo
formativo desenvolvido por professores surdos bilíngues que atuam em escolas públicas do
ensino fundamental em Rondonópolis – MT, em relação ao ensino da matemática adaptado pela
LIBRAS para estudantes surdos matriculados em escolas da rede pública do município,
revelando por meio de suas práticas pedagógicas mais eficientes e inclusivas, a inserção de
aspectos viso-culturais.
Já os objetivos específicos são: a) Analisar as propostas para educação inclusiva através
da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) do
Estado de Mato Grosso e da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) do município de
Rondonópolis (MT); b) Investigar por meio das narrativas dos professores surdos das escolas
de ensino fundamental públicas do município de Rondonópolis (MT) como se deu o processo
formativo desses professores; c) Identificar as estratégias utilizadas pelos professores surdos
bilíngues para superar os desafios no ensino da matemática em sala de aula com alunos surdos,
verificando inclusive se os professores utilizam ferramentas tecnológicas digitais para
condução do ensino da matemática para estudantes surdos.

2. A metodologia para produção e análise dos dados

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e utiliza os pressupostos teóricos da


LIBRAS, bem como do campo da educação dentro das ciências humanas, para compreender o
processo formativo desenvolvido por professores surdos bilíngues que atuam em escolas
públicas do ensino fundamental em Rondonópolis – MT, em relação ao ensino da matemática
adaptado pela LIBRAS aos seus estudantes surdos.
Para tanto será feito uso da pesquisa bibliográfica com análise de materiais
bibliográficos relevantes para embasar o estudo proposto. Esses materiais incluirão livros,
artigos científicos, teses, dissertações, relatórios técnicos, entre outros como documentos
institucionais do estado e do município.
Serão realizadas entrevistas semiestruturadas gravadas em vídeo em LIBRAS com os
dois professores surdos que trabalham na docência há mais de um ano na rede pública municipal
de ensino de Rondonópolis (MT), lecionando matemática em sua primeira língua, ou seja, por
meio da LIBRAS. A partir de seus depoimentos, exploraremos suas experiências e desafios

660
enfrentados enquanto docentes e as estratégias utilizadas no ensino adaptado da matemática
para surdos.
Também faremos observação das aulas dos professores surdos, com o objetivo de
identificar as dificuldades dos estudantes surdos que ainda não reconhecem a LIBRAS coma a
sua primeira língua e aos que a reconhecem em relação ao ensino da matemática. Com base
nessas observações, poderemos pensar em estratégias e recursos adaptados para tornar os
conceitos matemáticos mais acessíveis aos estudantes surdos.

3. A fundamentação teórica da pesquisa em construção


A educação inclusiva é um tema relevante e desafiador nos dias atuais, buscando
garantir oportunidades iguais de aprendizagem para todos os alunos, incluindo aqueles com
deficiência auditiva.
A perspectiva bilíngue considera a Libras como a primeira língua dos surdos e a Língua
Portuguesa como a segunda língua, proporcionando uma base sólida para o desenvolvimento
acadêmico e linguístico dos estudantes surdos.
Essa abordagem valoriza a cultura e identidade surda, permitindo uma melhor
compreensão das necessidades específicas desses alunos no ensino, inclusive no ensino da
matemática.
O ensino da matemática adaptado por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é
uma abordagem que visa atender às necessidades específicas dos estudantes surdos, permitindo-
lhes adquirir habilidades matemáticas de forma efetiva (QUADROS, 2007).
A matemática desempenha um papel fundamental na vida cotidiana dos seres humanos.
Ela é uma disciplina que está presente em diversas áreas e possui uma ampla aplicabilidade,
seja na resolução de problemas práticos, na compreensão do mundo ao nosso redor, ou no
desenvolvimento de habilidades cognitivas.
Na esfera social, a Matemática desempenha um papel importante na educação. Ela é
ensinada nas escolas como uma disciplina básica, fornecendo aos estudantes habilidades
matemáticas essenciais, como cálculo, resolução de problemas, raciocínio lógico e habilidades
de pensamento crítico. Essas habilidades são cruciais para a compreensão e o funcionamento
do mundo moderno, permitindo que as pessoas interpretem informações quantitativas, tomem
decisões informadas e participem ativamente da sociedade.
De acordo com D’Ambrósio (1998), a Matemática é ainda:
661
[...] uma das grandes áreas essenciais do conhecimento humano no grande processo
de interpretação de todo o sistema da realidade humana. Ela constitui uma das
ferramentas aprendidas pelo homem que o possibilitam para a intervenção social
consciente junto à realidade. Nesse sentido, o saber matemático representa um
conhecimento relevante para toda a humanidade, pois está presente na vida social e
cultural do homem em qualquer tipo de sociedade e cultura (D’AMBRÓSIO, 1998,
p.8).

As ideias de D’Ambrósio nos autorizam a pensar que a relevância da matemática na


vida dos seres humanos é indiscutível. Ela desempenha um papel crucial no desenvolvimento
intelectual, na resolução de problemas práticos, na compreensão do mundo e nas interações
sociais e culturais.
Estudos mostram que a aquisição de conceitos matemáticos por estudantes surdos pode
ser influenciada pela língua utilizada. A LIBRAS possui uma estrutura gramatical diferente do
Português, o que pode exigir a adaptação e a criação de sinais específicos para representar
conceitos matemáticos.
Segundo Silva (2015), o ensino de matemática, especialmente no que diz respeito aos
números decimais, pode ser desafiador, mas é crucial estabelecer ações que promovam uma
contextualização adequada da teoria matemática. Isso envolve associar os conceitos e
definições dos números decimais à prática dos usuários, principalmente em situações do
cotidiano que envolvam valores monetários, negócios e transações comerciais.
A autora enfatiza que no contexto da educação dos surdos, é fundamental que o
conhecimento teórico seja construído a partir de interações sociais vivenciadas pelas pessoas.
A aprendizagem dos números decimais deve ser abordada de maneira significativa e aplicada a
situações reais para que os alunos surdos possam compreender e utilizar esses conceitos no seu
dia a dia.
Nesse sentido, para atingir esse objetivo, é importante utilizar estratégias que envolvam
a prática dos números decimais em atividades relacionadas a empreendimentos familiares,
como planejamento de orçamento, controle de gastos e receitas, e decisões financeiras. Por
exemplo, os alunos podem ser convidados a simular a abertura de um negócio fictício, onde
terão que lidar com valores monetários, calcular lucros, despesas e entender a importância dos
números decimais nesse contexto.
Em consonância, para o autor Paixão (2010), o ensino da matemática adaptado por meio
da LIBRAS deve reconhecer e valorizar a cultura surda, promovendo um ambiente de respeito,
662
inclusão e identificação dos estudantes surdos com sua comunidade linguística. Isso contribui
para uma melhor compreensão dos conceitos matemáticos e para o desenvolvimento da
autonomia e confiança dos estudantes surdos em suas habilidades matemáticas.
A teoria socioconstrutivista, desenvolvida por Vygotsky (1988), enfatiza o papel das
interações sociais e da cultura no processo de aprendizagem. Na perspectiva inclusiva,
reconhece-se a importância da interação entre os estudantes, promovendo a colaboração, o
respeito mútuo e a valorização das diferenças.
Compreende-se que essa abordagem incentiva a construção do conhecimento por meio
de trocas e diálogos entre os estudantes. É importante destacar que a educação inclusiva é um
processo contínuo e complexo, que requer políticas públicas, formação de professores,
adaptação de currículos e estruturas escolares, além do engajamento.
Neste projeto de pesquisa abordaremos algumas referências teóricas importantes para
este estudo, tais como as que se debruçam sobre os temas: LIBRAS? Que língua é essa?
(GESSER, 2009) vida e formação (JOSSO, 2004), a educação dos surdos (QUADROS, 1997),
educação em ciências e matemáticas (SOUZA,2015), em especial a contribuição da literatura
sobre saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 2015).

4. Referências

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Grosso 1991/2001: Internalidade e diálogos com mundo da vida dos Jovens e Adultos. 2002.
254f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
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D’AMBROSIO, Da realidade à ação: Da realidade à ação reflexões sobre educação (e)


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GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de
sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

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sociointeracionista. 7.ed. São Paulo: Plexus editora, 2002.

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SOUZA, F. L; MACÊDO, F. S; GONÇALVES, T. O. Educação em ciências e matemáticas:


debates contemporâneos sobre ensino e formação de professores. Porto Alegre: Penso, 2015.

SILVA, H. C. M; SÁ, P.M.; SILVA, M. P. S. C. A opinião de professores sobre o ensino de


matemática para alunos surdos. Revista Cocar. Belém/Pará, Edição Especial, N.1, p. 147-174,
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VYGOTSKY, L. S., Luria, A. R. & Leontiev, A. N. (1988). Linguagem, desenvolvimento e


aprendizagem. São Paulo: Ícone Edusp.

664
O (NÃO) PROTAGONISMO E A INVISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL

Claudia Aparecida do Nascimento e Silva (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


claudia-elucas@hotmail.com

José Licínio Backes (PPGE/UCDB)


backes@ucdb.br

Resumo: A questão étnico-racial na educação infantil na perspectiva da construção da


identidade das crianças negras tem sido problematizada nos últimos anos de acordo com
pesquisas recentes. Nesse sentido, o artigo apresenta o estado do conhecimento sobre educação
étnico-racial na educação infantil. Trata-se de um estudo exploratório que busca promover a
ampliação de conhecimentos específicos da área e familiaridade com o objeto de estudo. É parte
de uma pesquisa de doutorado que tem como título: “A construção das identidades/diferenças
das crianças negras na creche. Construir proximidades com o objeto de estudo possibilita maior
compreensão do universo pesquisado. Os resultados indicam que o racismo que as pessoas
negras vivenciam na sociedade brasileira reverbera também na educação infantil. Ora de forma
velada, como é próprio do racismo a brasileira, ora de forma escancarada, como acontece
reiteradamente em espaços públicos ou privados. Assim, o racismo, o preconceito, o tratamento
diferenciado e a falta de representatividade ainda são uma realidade em creches brasileiras.

Palavras-chave: Educação Infantil; Criança Negra; Invisibilidade

Introdução
Neste artigo apresentamos os resultados de pesquisas sobre educação étnico-racial na
educação infantil. O objetivo é compreender melhor este tema de pesquisa e utilizar
conhecimentos já produzidos para reforçar e ampliar o debate existente. “Um levantamento e
uma revisão do conhecimento produzido sobre o tema é um passo indispensável para
desencadear um processo de análise qualitativa dos estudos produzidos nas diferentes áreas do
conhecimento” (Romanowski; Ens, 2006, p. 43).
A questão étnico-racial na educação infantil na perspectiva da construção da identidade
das crianças negras tem sido problematizada nos últimos anos, de acordo com pesquisas
recentes (Mendes, 2016; Souza, 2016; Santiago, 2019). Esta construção identitária da criança
negra, na maioria das vezes, está permeada de significações e sentimentos negativos. É
importante compreender esta situação, para adentrar em uma pesquisa de campo mais assertiva
no cotidiano escolar, observando em que circunstâncias são produzidas tais subjetivações.
665
Considerando a necessidade de acrescentar elementos ao debate, e reconhecendo a
importância do que já foi evidenciado, recorremos à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD1) e também ao Catálogo de Teses e Dissertações da Capes.
No Brasil, apesar de todo o movimento encabeçado pelos movimentos negros
constituídos, apesar da legislação, que pode ser considerada progressista, a situação para negros
e negras ficou mais complicada com a postura mesquinha do governo Jair Messias Bolsonaro2,
que durante seus quatro anos de mandato tolerou e estimulou toda forma de violência contra os
direitos humanos, por meio de seus discursos e declarações racistas, sexistas e homofóbicas.
[...] vivemos, e não apenas no Brasil, um momento em que posições conservadoras e
retrógradas têm ganhado destaque em declarações e medidas administrativas de
representantes do poder público na direção de coibir, notadamente, políticas de
gênero, de sexualidade, étnico-raciais, entre outras. (Bonin; Ripoll; Wortmann;
Santos, 2020, p. 3)

Com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula3 da Silva, as coisas começaram a mudar
rumo a novas propostas de políticas públicas para negros e negras, mas, ainda levará um tempo
para a superação desta fase de retrocesso a que sobrevivemos no período de 2019 a 2022.
Os mecanismos utilizados para opressões racistas na sociedade são reproduzidos no
espaço escolar. Assim sendo, pesquisas sobre a temática étnico-racial são cada vez mais
importantes para evidenciar os danos causados por práticas equivocadas na escola. De acordo
com Candau,

A rede de opressões presente na sociedade tem suas raízes nos processos de


colonialidade4 configuradores histórica e estruturalmente da realidade presente.
Desvelar estas teias nos contextos educacionais é fundamental para que possam ser
construídas novas práticas educativas equitativas e democráticas. (Candau, 2020,
p.682-683)

1
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) - integra os sistemas de informação de teses e
dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil, e também estimula o registro e a publicação
em meio eletrônico em parceria com as instituições brasileiras de ensino e pesquisa, possibilita que a comunidade
brasileira de C&T publique e difunda trabalhos produzidos no País e no exterior, dando maior visibilidade à
produção científica nacional. Disponível em: https://bdtd.ibict.br/vufind/.
2
É um militar reformado e político brasileiro. Foi presidente do Brasil de 2019 a 2022, tendo sido eleito pelo
Partido Social Liberal (PSL).
3
Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, é um ex-metalúrgico, ex-sindicalista e político brasileiro.
Filiado ao Partido dos Trabalhadores, é presidente do Brasil pela 3ª vez, desde 1.º de janeiro de 2023. Foi também
presidente da República, de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010 com a reeleição.
4
De acordo com Grosfoguel (2008, p. 9) a designação ‘colonialidade’ se refere a ‘situações coloniais’ da
atualidade: opressão/exploração cultural, política, sexual e económica de grupos étnicos/racializados subordinados
por parte de grupos étnico-raciais dominantes, com ou sem a existência de administrações coloniais.

666
Pensando nesta possibilidade de construção de novas práticas educativas, realizamos
este levantamento de dados, que foi importante para orientar nosso estudo de natureza empírica,
com crianças de 3 anos de idade em uma creche no município de Rondonópolis, Mato Grosso.
Nos últimos vinte anos temos registrado um aumento significativo na produção de
conteúdos a respeito das questões étnico-raciais no Brasil, especialmente a partir da Lei
10.639/2003. Contudo, estudos sobre as questões étnico-raciais, questões de gênero e sobre
identidade e diferença com crianças pequenas, podem ser considerados recentes no Brasil. E
até mesmo a Educação Infantil como é concebida hoje, é muito recente do ponto de vista
histórico.
Embora tenhamos, desde o final do século XIX, experiências de educação escolar das
crianças entre zero e seis anos de idade, a expressão “Educação Infantil” somente será
criada para designar essa etapa da educação a partir de 1996. Primeiramente, tivemos
o reconhecimento pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) de que as crianças dessa
faixa etária têm direito à educação em creches e pré-escolas. Em seguida, esse direito
é reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Finalmente,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) define que
a educação das crianças entre zero e cinco anos denomina-se Educação Infantil. Essa
faixa etária de abrangência da Educação Infantil foi modificada e o início do Ensino
Fundamental passou a ser aos seis anos (Brasil, 2016, p.61).

A região sudeste despontou com 70% das pesquisas e publicações sobre as questões
étnico-raciais envolvendo crianças pequenas e 2018 foi um ano profícuo nesta área, essas
produções versam sobre diferentes temáticas relacionadas ao assunto, num movimento de
expansão que se acentua a cada ano. E, paradoxalmente temos assistido um aumento dos crimes
de racismo e injúria racial no Brasil e no mundo. Neste contexto de avanços e retrocessos, é
preciso buscar compreender como se processa a manutenção e atualização do racismo no Brasil
desde a primeiríssima infância, na creche.
Os achados de cada investigação são fundamentais para estabelecermos pontos de
convergência entre o que já foi levantado e o que está sendo proposto com a nossa pesquisa. A
maioria das pesquisas catalogadas é de inspiração etnográfica, possivelmente pela natureza do
trabalho, pois a etnografia tem se mostrado bastante produtiva nas pesquisas envolvendo
crianças pequenas. Para melhor conhecer este universo infantil é interessante estar com as
crianças, participar de suas brincadeiras e envolver-se em seus cotidianos, pois a pesquisa
envolvendo crianças tem suas especificidades e estar com elas por um determinado período,
pode ser importante para apreender os sentidos que dão às suas ações. Já com relação às técnicas
utilizadas, nota-se uma tendência à observação participante e a utilização do diário de campo

667
para os registros diretos. Também é comum a entrevista semiestruturada com profissionais
docentes, equipes diretivas e comunidade escolar.
As diversas pesquisas que encontramos sobre a questão étnico-racial no espaço escolar:
ensino fundamental, educação infantil e na creche, de forma particular, apontam para a
existência de racismo (muitas vezes velado) tratamento diferenciado e preterimento para com a
criança negra.
O racismo se infiltra em todos os espaços, ecoando ideias que mutilam as
possibilidades de existência e construindo vidas encarceradas dentro de uma
sobrevivência subalterna. Para a efetivação desse processo, inúmeras ações cotidianas
adensam estereótipos, fixando destinos preestabelecidos para as crianças negras
pequenininhas, as mulheres negras e os homens negros. (Santiago, 2019, p. 87)

Na próxima seção vamos discorrer sobre a legislação para o combate ao racismo e promoção da
igualdade racial no Brasil e mostrar alguns resultados de pesquisas que confirmam a existência de
racismo e tratamento diferenciado para com as crianças negras na creche.

As pesquisas, a legislação e a mesmidade na educação infantil

Uma das primeiras pesquisas sobre a temática étnico-racial com crianças foi a de
Gonçalves (1985), orientado pelo professor Carlos Roberto Jamil Cury.

Os resultados indicaram as diversas formas pelas quais a discriminação racial se


manifesta na escola: no material pedagógico, nas informações repassadas pelas
professoras e, ainda, nos rituais pedagógicos. Dentre estes, ressalta-se o silêncio dos
educadores ante ações discriminatórias contra as crianças negra. (Gonçalves, 1985, p.
4)

O trabalho de Gonçalves (1985) chama a atenção pela relação que tem com resultados
de pesquisas recentes, mesmo tendo sido realizado há quase quarenta anos, estes elementos
discriminatórios continuam presentes na escola. Ou seja, a situação é muito grave e precisa ser
tratada com seriedade. Especialmente se considerarmos que neste ínterim de trinta e oito anos
tivemos a promulgação da constituição Federal de 1988, a instituição da Lei 10.639/2003, que
é específica para a escola e ainda a publicação da Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto5 da
Igualdade Racial, dentre tantas outras destinadas a garantir à população negra a efetivação da

5
O Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de
1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003
668
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos, o combate à discriminação e às
demais formas de intolerância étnica.
De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, artigo segundo:

É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo


a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia ou da cor da pele, o direito à
participação na comunidade, especialmente nas atividades políticas, econômicas,
empresariais, educacionais, culturais e esportivas, defendendo sua dignidade e seus
valores religiosos e culturais. (Brasil, 2010, p.1, grifo nosso)

Art. 4o IV - promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à


discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações
individuais, institucionais e estruturais; . (Brasil, 2010, p.2, grifo nosso)

V - eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que


impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;
(Brasil, 2010, p.2, grifo nosso)

A Lei é incisiva, mas os resultados das pesquisas continuam a mostrar práticas


equivocados no ambiente escolar e na educação infantil.

Existe a crença de que a discriminação e o preconceito não fazem parte do cotidiano


da Educação Infantil, de que não há conflitos entre as crianças por conta de seus
pertencimentos raciais, de que os professores nessa etapa não fazem escolhas com
base no fenótipo das crianças. Em suma, nesse território sempre houve a ideia de
felicidade, de cordialidade e, na verdade, não é isso o que ocorre. (Brasil, 2012, p.9)

Sobre racismo e preconceito entre as crianças, Cavalleiro (2011) mostra uma


experiência que merece ser considerada. Certa feita, em uma turma de pré-escola onde
desenvolvia sua pesquisa, deparou-se com um fato, no mínimo intrigante, relatado pela
professora titular da turma: uma criança negra havia levado um brinquedo da escola,
incentivado por um colega, da mesma turma (4 ou 5 anos) com uma orientação escabrosa:
“Leva, preto tem que roubar mesmo!” A situação de evidente racismo foi banalizada pela escola
e até mesmo pela família. E o caso foi tratado como “coisa de criança” (p. 91).

O silêncio da criança diante dos outros demonstra a sua fragilidade em situação tão
humilhante, imposta pelo amigo. Sinaliza o quanto ela não domina seu direito de
defesa. E expressa, também, a sua falta de confiança nos adultos a sua volta para
resolverem o problema, visto que não foram procurados para defendê-lo (Cavalleiro,
2011, p. 59).

Neste caso, a criança acabou endossando a orientação discriminatória, e assumindo o


papel degradante (de ladra) que lhe foi imposto. Sem questionar, sem denunciar, a criança,
669
vítima de racismo, levou o tal brinquedo para casa passivamente, confirmando a situação
subalterna que ocupava no espaço escolar. Infelizmente este episódio não é um caso isolado.
A educação infantil deve proporcionar à criança experiências positivas para a construção
da autoimagem e para a crescente valorização de seus fenótipos, especialmente a cor da pele e
a constituição do cabelo. Questões como estas, em que a criança é submetida a um tratamento
tão prejudicial, quando silenciadas reiteradamente ou simplesmente tratadas de forma
superficial por parte de professores/as e equipes pedagógicas, podem resultar na construção de
identidades frágeis e indefesas.
Outra questão apontada em vários estudos diz respeito ao contato físico entre
professoras da educação infantil e as crianças, particularmente nos horários de entrada e de
saída da escola:
A familiaridade com a dinâmica da escola permite perceber a existência de um
tratamento diferenciado e mais afetivo dirigido ás crianças brancas. Isso é bastante
perceptível quando analisado o comportamento não verbal que ocorre nas interações
professor/aluno branco. Nelas é natural o contato físico, acompanhado de beijos, de
abraços e de toques (Cavalleiro, 2011, p. 72).

Mais do que em qualquer outra etapa da escolarização, na educação infantil o contanto


físico com as crianças é uma necessidade. Quanto menor a criança, maiores são as necessidades
de contato físico. No caso dos bebês, por exemplo, pode-se considerar a dimensão dos cuidados6
necessários ao bem-estar físico: o banho, a troca e a alimentação. Somente as professoras e os
professores podem determinar a qualidade dessas interações: “Desse modo, na relação com o
aluno branco as professoras aceitam o contato físico por meio de abraço, beijo ou olhar,
evidenciando um maior grau de afeto” (Cavalleiro, 2011, p.72). Neste sentido, Cavalleiro
(2011, p. 74) segue afirmando: “Faz-se necessário mostrar que a atenção, o carinho e o afeto
são distribuídos de maneira desigual, e a categoria etnia regula o critério de distribuição”.
Mesmo que não seja de forma planejada ou consciente, e nós até acreditamos nessa
possibilidade, a escola reproduz a sociedade, operando de forma hostil em relação às crianças
negras já tão hostilizadas.

6
Esses cuidados não podem ser compreendidos como algo dissociado do ato de educar. Educar cuidando inclui
acolher, garantir a segurança, mas também alimentar a curiosidade, a ludicidade e a expressividade infantis. Educar
de modo indissociado do cuidar é dar condições para as crianças explorarem o ambiente de diferentes maneiras
[...] e construírem sentidos pessoais e significados coletivos, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se
apropriando de um modo singular das formas culturais de agir, sentir e pensar. (Brasil, 2013, p. 89).
670
Essas sutilezas de tratamentos diferenciados não passam despercebidas. Crianças
brancas são elogiadas pelo que são, e crianças negras, via de regra, não recebem elogios para
elas mesmas, quando muito, suas atividades são ressaltadas como bonitas, caprichosas, ou bem
elaboradas. Essa situação é sutil, mas não deixa de ser prejudicial para crianças negras, em fase
de desenvolvimento. Neste contexto é improvável que construa uma identidade positiva, que
consiga se sentir segura e amada. Ao passo que a criança branca é autorizada, reiteradamente a
cristalizar um sentimento de poder, de superioridade.

A discriminação vivenciada cotidianamente compromete a socialização e interação


tanto das crianças negras quanto das brancas, mas produz desigualdades para as
crianças negras, à medida que interfere nos seus processos de constituição de
identidade, de socialização e de aprendizagem (Brasil, 2006, p. 38).

Neste contexto, as crianças brancas também são prejudicadas por crescerem acreditando
numa falsa superioridade com relação às pessoas negras.

Crianças negras e percepções das características físicas

Com relação às percepções das características físicas, Amaral (2013) que pesquisou os
processos de construção da identidade étnico-racial de crianças negras e brancas de 3 a 5 anos
em um Centro Municipal de Educação Infantil em Curitiba, afirma que:

[...] existe uma predileção, por parte de adultos e crianças, pelo padrão que interpreto
com o conceito de "estética ariana", ou seja, padrão nórdico com, além de pele clara,
cabelos loiros e olhos azuis; as crianças negras expressam desconforto em relação ao
seu pertencimento étnico-racial, principalmente quanto ao tom da pele e a estrutura
dos cabelos (Amaral, 2013, p.10).

Na nossa concepção, essa evidente preferência das crianças pelos fenótipos que mais se
aproximam do branco europeu e que se afastam dos negros, pode não está relacionada
diretamente ao aspecto físico de negros e brancos. Mas, à representação do que é ser negro em
um país que deprecia a aparência e a cultura afrodescendente há séculos. Neste sentido, Rocha
(2015, p. 7) ratifica:
Conclui-se que os posicionamentos das crianças variaram entre a identificação
positiva com a cultura indígena e européia em detrimento da cultura negra/africana,
reproduzindo interpretativamente os paradoxos percebidos no modo como a cultura
africana é transmitida na escola e na sociedade brasileira.

671
A falta de representatividade, de imagens positivas de crianças negras, é uma realidade
nas escolas brasileiras. Essa invisibilização da cultura negra/africana é percebida na decoração,
nos apelos imagéticos e nos vários discursos que privilegiam as crianças brancas, com raras
exceções.
Como assinala Mendes (2016, p.9), “[...] a identificação racial negra apresentada pelas
crianças, em algumas situações, estava carregada de uma significação negativa e permeada por
sentimentos negativos, como angústia, agressividade e constrangimento”. Esta questão do
significado conferido ao “ser branco” pela sociedade mexe com as estruturas da pessoa negra e
atinge até mesmo a criança de pouca idade, tocando profundamente sua subjetividade.

As concepções e os discursos racistas começam muito cedo e são mais eficientes entre
as crianças. Este enredo cultural e as representações dominantes que desvalorizam
características negras e supervalorizam as brancas possibilitam construir
posicionamento de interiorização e insegurança entre as crianças negras (Souza, 2016,
p. 219).

Estes resultados estão em consonância com os de outras pesquisas: Trinidad (2011),


Amaral (2013), Rocha, (2015). Além disso, ao que parece, crianças pequenas não selecionam
suas amizades com base nas características físicas, contudo, a maioria das crianças negras,
expressa profundo desejo em mudar a própria aparência. Assim,

Os resultados mostram que crianças de pouca idade conhecem e empregam as


categorias étnico-raciais; em suas brincadeiras e intervenções, não selecionam seus
pares tendo como base a cor da pele; verbalizam, no entanto, o desejo de ter as
características associadas ao grupo de pessoas brancas, sendo o cabelo e a tonalidade
da pele as mais mencionadas [...] (Trinidad, 2011, p. 9).

Se as crianças demonstram entusiasmo pelas características físicas das pessoas


consideradas brancas, é porque desenvolveram esse entusiasmo ao longo dos seus poucos anos
de vida. Ou seja, em pouco tempo compreendem quem é considerado bonito e quem é tomado
por feio numa sociedade que continua a desprezar tudo que está relacionado às pessoas negras,
não apenas fisicamente, mas também cultural e simbolicamente. Essas construções sociais que
precisam ser problematizadas e desmistificadas na sociedade e na escola.

Considerações finais

672
O racismo que as pessoas negras vivenciam na sociedade brasileira reverbera também
na educação infantil. Ora de forma velada, como é próprio do racismo a brasileira, ora de forma
escancarada, como acontece reiteradamente em espaços públicos ou privados.
Desenvolver um estudo exploratório sobre a educação étnico-racial com crianças
pequenas foi importante para ventilar temas produzidos nesta área, e para verificar quais são as
demandas destes estudos, quais são as possibilidades de novas pesquisas, em que frentes serão
necessários novos olhares e investimentos.
Os resultados da pesquisa mostram que racismo, preconceito, tratamento diferenciado e
falta de representatividade ainda é uma realidade em creches brasileiras. Assim, deram pistas
importantes para a elaboração e realização de uma nova proposta fundamentada nas análises
das relações estabelecidas entre/com as crianças.

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675
O TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: DAS DIMENSÕES DE
ATUAÇÃO AO BEM-ESTAR/MAL-ESTAR

Michele Serafim dos Santos (SED/SEMED/MS)


micheleserasantos@hotmail.com

Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco, sobre o bem-estar/mal-estar do
coordenador pedagógico, com o objetivo de relacionar as dimensões de atuação do coordenador
pedagógico com os elementos do trabalho felicitário que possibilitam o bem-estar/mal-estar.
Utilizamos a pesquisa bibliográfica, pautada na teoria de Placco, Almeida e Souza (2015), que
segundo as dimensões articuladora, formadora e transformadora se dão quando promovem
mediações pedagógicas; e na teoria de Rebolo (2012) sobre a possiblidade de bem-estar/mal-
estar nas práticas diárias desenvolvidas. O artigo divide-se em duas sessões: a primeira
apresenta conceitos sobre o trabalho e os desafios do coordenador pedagógico como articulador,
formador e transformador; e a segunda sessão relaciona essas dimensões de atuação com os
componentes do trabalho felicitário que possibilitam bem-estar/mal-estar docente. O
coordenador pedagógico é um profissional que exerce múltiplas tarefas e enfrenta desafios
diversos ao exercer suas funções, pois suas ações perpassam toda a comunidade escolar, tendo
que coordenar as demandas de professores, alunos, gestão, famílias e sistema de ensino. A
relevância dessa proposta em relacionar as dimensões do trabalho do coordenador com as
dimensões do bem-estar/mal-estar deve-se a importância de seu papel e ao fato de que lhe são
exigidas inúmeras funções no cotidiano escolar.

Palavras-chave: Coordenador pedagógico. Trabalho Docente. Bem-estar/mal-estar

INTRODUÇÃO
O coordenador pedagógico exerce/pode exercer a função articuladora dos processos
educativos, além de ser chamado a realizar uma função formadora de professores e
transformadora do universo escolar, assim como, crescimento da comunidade escolar como um
todo (Placco; Almeida & Souza, 2015).
No entanto, acrescentamos que essas dimensões se complementam e inter-relacionam,
visto que ele é o profissional que dialoga com toda a comunidade escolar, articula com os
professores, a gestão, o administrativo, alunos e famílias, e deve ter uma visão ampla na
observação das relações pedagógicas e interpessoais que se desenvolvem na sala de aula e na
instituição, pois lhe cabe, dentre outras tarefas, a organização do trabalho pedagógico, além das
funções administrativas de assessoramento da direção com demandas burocráticas e sociais.

676
Ao articular, o coordenador desenvolve a ação educativa de planejar e organizar o
funcionamento da instituição com todos os participantes, buscando obter como resultado um
ensino e uma aprendizagem satisfatórias; ao formar, ele orienta, planeja, estuda e organiza com
os professores, pois sua responsabilidade está centrada na formação continuada, por meio da
mudança de atitudes, promovendo a reflexão e a vivência nas relações escolares; ao
transformar, ele depende das articulações e formações realizadas e deve estar atento,
promovendo reflexões e mudanças nas práticas pedagógicas, com o objetivo de transformar o
ambiente escolar. Dessa forma, acontece a intersecção e entrelaçamento das dimensões.
Visando atender ao objetivo de relacionar as dimensões de atuação do coordenador
pedagógico com os elementos do trabalho felicitário que possibilitam o bem-estar/mal-estar,
este artigo foi dividido em duas sessões: a primeira apresenta conceitos sobre o trabalho e os
desafios do coordenador pedagógico como articulador, como formador e como transformador;
e a segunda relaciona o trabalho do coordenador pedagógico com as dimensões do bem-
estar/mal-estar docente.

1.O trabalho do coordenador pedagógico como articulador, formador e transformador


O coordenador pedagógico desempenha muitas atividades em sua rotina, assumindo
inúmeras funções, enfrentando diversos desafios para conseguir atender aos segmentos que
fazem parte do ambiente escolar e com quem interage (pais, alunos, professores, direção,
funcionários administrativos etc.).
A função exige muitas responsabilidades, porque é preciso fazer a escola funcionar,
organizar planejamento, acompanhamento, auxiliar às aulas de colegas, além de realizar
conselhos de classe, formações gerais e específicas de cada área, o que demanda tempo de
estudo – tempo esse que nem sempre há. Também é necessário conhecer os indicadores, traçar
metas para melhorias dos índices, acompanhar os estudantes, planejar melhorias para seus
desempenhos, além de identificar e planejar estratégias para diminuir os índices de evasão e de
repetência, entre tantas outras funções exigidas.
Diante do exposto, observamos que ele coordena, analisa, organiza, cumpre, faz
cumprir, participa, elabora e propõe, entre outras ações, portanto, há de se concordar que são
muitas as atribuições e, dentre elas, está a assessoria permanente e contínua do trabalho docente.
O coordenador pedagógico, ainda exerce algumas atividades no dia a dia, como servir merenda,
monitorar/cuidar do horário de intervalo, verificar uniformes e cuidar do portão no momento
677
de chegada e de saída dos estudantes, pois são atribuições realizadas para que o funcionamento
da escola transcorra de forma eficiente e segura.
Dessa forma, o coordenador realiza funções extras, supervisionando não só o trabalho
pedagógico como também serviços rotineiros, pois segundo Pereira (2016, p.53) “a
intensificação do trabalho dos docentes, além de comprometer sua saúde, pode colocar em risco
a qualidade da educação e os fins últimos da escola, na medida que tais profissionais se
encontram num contexto de sobrecarga e hipersolicitação”.
O coordenador pedagógico tem como objetivo principal garantir o processo de
ensino/aprendizagem saudável e bem-sucedido para os estudantes, mas a carga de trabalho
burocrático que o coordenador recebe, muitas vezes ocupa quase todo seu tempo, deixando-lhe
poucas possibilidades para desempenhar as funções pedagógicas e formadoras. A seguir,
apresentaremos as três dimensões de atuação deste profissional: articulador, formador e
transformador.

1.1 – O coordenador pedagógico como articulador


O coordenador desempenha diversas funções dentro da unidade escolar, tornando-se um
articulador do processo de seu funcionamento, exercendo inúmeras e complexas atividades,
interagindo, formal e informalmente, com membros da comunidade interna e externa, com o
objetivo final de promover a aprendizagem dos estudantes. Como articulador, “seu papel
principal é oferecer condições para que os professores trabalhem coletivamente, o que não é
fácil, mas possível” (Almeida; Placco, 2011, p. 3).
Conforme Almeida e Placco (2011) articular é promover o trabalho coletivo. Nesse
sentido, significa unir ou juntar, ou seja, promover a articulação para que esse coletivo funcione.
Por meio da articulação, o coordenador precisa saber ouvir, falar no momento certo, coordenar,
organizar, interferir, informar, direcionar as ideias para a prática, ter iniciativa e criatividade,
paciência, resiliência, amabilidade, saber interagir, lutar por melhorias, valorizar seu ambiente
de trabalho, resolver conflitos e apagar incêndios.
Segundo Placco, Almeida e Souza (2015, p. 15), “é frequente que o próprio coordenador
pedagógico, ao exercer suas múltiplas atividades, tenha dificuldade para estabelecer prioridades
e realizar ações que atendam às reais necessidades da escola”. É preciso ter coragem para fazer
escolhas, definir metas, criar espaços, fazer parcerias, pois “tomar decisões diante de tantas
solicitações, tantas emergências, tantos conflitos que representam o cotidiano escolar
678
contemporâneo, não é fácil”, pois esse profissional está sempre num “labirinto de escolhas”
(Almeida, 2004, p. 45), precisa ter autonomia para articular as resoluções de suas demandas,
elaborar sua proposta de trabalho, estipular e planejar metas e ações em sua rotina, e não ficar
à mercê das emergências e dos conflitos.
Além disso, em desvio de sua função, ele ainda desempenha atividades que não são de
sua competência devido à demanda dos pares ou por não ter quem as execute. Para exercer o
papel de articulador dos processos educativos, precisa ser capaz de despertar nos membros da
instituição a capacidade de serem proativos, responsáveis, dinâmicos, com habilidades para
resolver problemas e tomar decisões. Deve ainda criar um ambiente de relacionamento mais
estreito com os professores, as famílias, a comunidade, o sistema e outros elementos que
possam se integrar à escola, contribuindo para que todos caminhem juntos na mesma direção.
O coordenador pedagógico deve instaurar na escola o significado do trabalho coletivo,
pois a ele cabe o papel de articulador, fazendo com que a instituição trabalhe de modo coeso.
A importância da articulação se deve ao papel que desempenha, organizando o funcionamento
pedagógico, articulando as formações, atuando nas mediações, evitando desgastes, sempre com
o compromisso de realizar ações capazes de proporcionar transformações que promovam o
aprendizado dos estudantes e satisfação nas interações.
A atuação do coordenador pedagógico se dá em um trabalho de formação contínua em
serviço e acontece quando articula o planejamento, as reuniões e conselhos de classe com os
professores para refletirem sobre as dificuldades que encontram para desenvolver seu trabalho,
as reflexões sobre o processo avaliativo e recuperação, entre outras ações para o fortalecimento
do processo ensino/aprendizagem.
O coordenador, ao articular as ações para o bom funcionamento da escola, está
favorecendo a tomada de consciência de sua equipe sobre o contexto escolar em que estão
inseridos e, ao estimular esse processo e a busca de resoluções para superar problemas,
promover medidas e implementar mudanças, está articulando e propiciando condições para o
desenvolvimento profissional de todos de forma reflexiva e colaborativa.
Essa tarefa não é fácil, é complexa e essencial, uma vez que busca compreender a
realidade e construir, de forma cooperativa e colaborativa, alternativas para os desafios e a
resolução de conflitos, propondo ações pedagógicas que fortaleçam a comunidade escolar com
vistas a promover o sucesso no processo ensino/aprendizagem dos estudantes, já que é preciso
se adequar à realidade de cada escola.
679
1.2 - O coordenador pedagógico como formador
A principal função do coordenador pedagógico é a de formador (Placco, 2017), pois
“compete-lhe oferecer condições ao professor para que se aprofunde em sua área específica e
trabalhe bem com ela” (Almeida; Placco, 2011, p. 3). Cabe a ele oferecer formação ao professor
para melhorias em sua atuação. Mas não é só isso, porque, além de formar o professor, é
necessário que o próprio coordenador receba formação continuada para desempenhar seu
trabalho.
Para Lima, Santos e Silva (2012, p. 4), “a formação do coordenador é de extrema
importância, pois cabe a ele o ofício de coordenar para educar, de possibilitar trocas e dinâmicas
da própria essência da aprendizagem”. Destacamos que, apesar do discurso da importância da
formação continuada, as políticas educacionais não têm promovido ações que possibilitem o
desenvolvimento profissional dos docentes (Ilha; Hypólito, 2014, p. 109).
Segundo Oliveira e Guimarães (2013, p. 95) o “coordenador precisa ter uma formação
inicial e continuada para que possa desenvolver com afinco suas atribuições dentro da escola,
sendo a principal delas a formação em serviço dos professores”. Nesse sentido, Vieira (2004,
p. 84) enfatiza que “formar um profissional em serviço implica em dialogar com ele
continuamente no cotidiano da escola e refletir sobre o seu papel, problematizando sua situação,
identificando os erros e as falhas para direcionar a busca de uma nova prática, consciente e
atuante”.
De acordo com o pensamento de Imbernón (2011, p. 120), “a formação do professor
deve adotar uma metodologia que fomente os processos reflexivos sobre a educação e a
realidade social através das diferentes experiências”, pois a interação e a discussão dos cursistas
durante a formação proporcionam reflexões sobre o “contexto educativo concreto”. Para o
estudioso, essa prática é rica porque não discute contextos simulados, e sim conhecimentos
experimentados por meio de práticas que deveriam ocorrer no interior das instituições
educativas.
Nesse movimento, destacamos que “o conhecimento do professor não pode ser
desvinculado da relação entre teoria e prática, nem de sua função de analista de problemas
morais, éticos, sociais e políticos da educação, nem tampouco de um contexto concreto”
(Imbernón, 2011, p. 119). Segundo o autor, o coordenador convive com muitas adversidades,
por isso “precisa aprender também a conviver com as próprias limitações e com as frustrações

680
e condicionantes produzidos pelo entorno, já que se move em contextos sociais” (Imbernón,
2011, p. 63).
No entanto, entendemos que a formação deve ser acompanhada de outros componentes,
como infraestrutura adequada, valorização social do trabalho do professor, incentivo financeiro
etc. Sabemos que “o coordenador tem muita dificuldade em enfrentar o desafio da formação
continuada” (Placco; Almeida; Souza, 2015, p. 17), seja por dificuldades pessoais, seja por
falhas de sua formação ou por suas limitações como líder do coletivo dos professores.
Além disso, a maior parte das formações é planejada, organizada e aplicada pela
Secretaria de Educação e a participação do coordenador pedagógico se resume ao repasse e a
discussões relacionadas a temas e questões da docência e da prática dos professores, para que
depois sejam repassados aos professores na escola, agindo como multiplicador, pois “faz-se
necessária a implantação de políticas públicas relativas a uma formação específica para o
coordenador, na qual, ao lado de estudos teóricos que alicercem suas concepções educacionais
e fundamentem suas práticas e as dos professores (Placco; Almeida; Souza, 2015, p. 23-24).
Segundo Jesus (2007, p. 40) “a formação deve ir ao encontro das necessidades dos
professores, no sentido de tornar a formação mais participativa e de contribuir para a sua
aprendizagem e desenvolvimento”. Segundo essa perspectiva, ela precisa contemplar realidades
específicas de suas vivências para promover o enfrentamento dos desafios que surgem em sua
rotina com mais segurança. O fortalecimento de sua formação será o alicerce para sucesso no
desempenho de suas funções que são direcionadas para os estudantes, pais, professores ou
gestores.
Para Rebolo (2012, p. 47/48), a formação continuada é um fator que deve ser
considerado como elemento essencial para obtenção de bem-estar, pois proporciona aquisição
de novos conhecimentos, possibilita mudanças nas práticas, gerando sensação de segurança e
controle sobre o trabalho e “ainda se revela imprescindível se for concebida segundo uma
perspectiva relacional, colocando os professores em situação de trabalho de equipe num clima
de autenticidade e cooperação” (Jesus, 2007, p. 52).

1.3 – O coordenador pedagógico como transformador


O coordenador transformador é chamado a dimensionar as mudanças necessárias para
obter o sucesso de seu grupo, portanto, cabe a ele ajudar o professor a ser reflexivo e crítico em
sua prática (Almeida; Placco, 2011, p. 3). Para tanto, deve manter claros seus objetivos,
681
repensar seu caminho e avaliar seu trabalho. Porém, ressaltamos que para atender às exigências
e necessidades de suas demandas, ele necessita ser formado e formar para as novas
responsabilidades educativas.
Retomamos o pensamento de Vieira (2004, p. 84), ao afirmar que formar “implica
dialogar continuamente no cotidiano da escola e refletir sobre o seu papel, problematizando sua
atuação, identificando os erros e as falhas para redirecionar a busca de uma nova prática
consciente e atuante”.
Assim, para propor e realizar a transformação no ambiente escolar, o coordenador
pedagógico necessita, ainda, manter o equilíbrio emocional aliado à capacidade de
discernimento e reflexão, utilizando um dos instrumentos mais eficazes para transformar, que
é a comunicação, pois o falar e o ouvir são formas de expressar os sentimentos considerando a
afetividade no trabalho. “O falar autêntico, ouvir ativo e o olhar atento são habilidades que
transformam o relacionamento interpessoal” (Almeida, 2001) dentro da escola.
Portanto, entendemos a característica de transformador como consequência do empenho
e sucesso da articulação de suas práticas e das formações que desenvolve e participa no seu
cotidiano. A próxima sessão apresenta a teoria que contribuirá para identificar a possibilidade
de bem-estar/mal-estar dos coordenadores.

2. O bem-estar/mal-estar do coordenador pedagógico


Jesus (2007, p. 26) informa que o conceito de bem-estar docente “pode ser traduzido
pela motivação e realização do professor, em virtude do conjunto de competências (resiliência)
e de estratégias (coping) desenvolvidos para conseguir fazer frente às exigências e dificuldades
profissionais, superando-as e otimizando o seu próprio funcionamento”. Corroborando essa
ideia, Rebolo afirma que

O bem-estar no trabalho é um estado que permite ao professor vivenciar sua atividade


de modo positivo e que contribui para a fruição plena da vida. É um processo
dinâmico, construído durante a vida profissional, para o qual concorrem múltiplos
fatores que impulsionam e mantem as atitudes positivas em relação a si mesmo e ao
trabalho que realiza (Rebolo, 2012, p. 51 ).

Rebolo (2012, p. 24) defende a ideia de que o bem-estar docente “é uma possibilidade
existente na relação do professor com o seu trabalho, que pode ou não se concretizar”,
dependendo de muitas variáveis. É um processo dinâmico em duas dimensões: a objetiva, que

682
corresponde às características do trabalho em si e às condições oferecidas para a sua realização,
e a subjetiva, relacionada às características pessoais do professor e que diz respeito tanto às
competências e habilidades quanto a desejos, crenças, valores, formação e projeto de vida.
Na intersecção dessas duas dimensões, com resultados positivos teremos o bem-estar;
se forem negativos, teremos “o mal-estar, que é um estado de desconforto, resultante de
insatisfação e conflitos, que desencadeia estratégias de enfrentamento que visam eliminar ou
minimizar e caminhar para o bem-estar” (Rebolo, 2012, p. 24).
Os quatro componentes interdependentes e inter-relacionados que constituem a
totalidade do trabalho, apontados em muitos estudos sobre o bem-estar, são: a) a atividade
laboral em si; b) as relações interpessoais; c) as condições sociais e econômicas; e d) as
condições físicas e de infraestrutura do ambiente escolar.
No entanto, a estudiosa ressalta que apenas a presença ou ausência desses elementos não
são determinantes, pois o bem-estar só ocorre quando esses elementos forem avaliados em
conjunto de forma satisfatória, positiva e não geradora de conflitos, considerando também as
avaliações cognitivas e afetivas que cada trabalhador faz de si e do trabalho que realiza, pois

Deve-se considerar não apenas a existência ou ausência dos elementos relacionados


aos quatro componentes de um trabalho felicitário, mas também o grau de satisfação
e insatisfação dos professores com esses elementos e, ainda, a relação destes com a
autopercepção de bem-estar e felicidade do professor (Rebolo, 2012, p. 34).

Com a explanação de Rebolo, abordaremos seus componentes separadamente,


associando as características descritas para o bem-estar do professor como referência também
ao trabalho do coordenador:
a) A atividade laboral - o trabalho e suas tarefas é identificado a partir de elementos
essenciais para que se obtenha satisfação a partir de sua realização, ou seja, que tornam o
trabalho docente felicitário, de acordo com os seguintes itens: 1) a diversidade de tarefas, que
proporciona um trabalho rotineiro, mas não monótono; 2) a identidade dessas tarefas entre si,
que exigem diferentes habilidades, mas não dissonantes entre si; 3) a possibilidade de uso da
criatividade e autonomia; 4) os desafios colocados tanto pela diversidade de tarefas quanto pela
necessidade de adequação nas situações de aula – no caso do coordenador pedagógico, em
situações de atuação em seu trabalho; 5) a exigência de um grau de concentração; 6) a interação
na percepção do tempo, decorrente da concentração e do envolvimento exigido; e 7) o controle
da situação e segurança para o desenvolvimento das atividades.
683
O trabalho analisado a partir do seu componente laboral será satisfatório e capaz de
gerar bem-estar quando for composto por um conjunto de tarefas que sejam
diversificadas, que tenham identidade entre si, que propiciem a autonomia e o uso de
criatividade, que ofereçam desafios, que exijam concentração, que permitam o
controle das situações imprevistas durante a sua realização e não provoquem a
ansiedade durante o seu término (Rebolo, 2012, p. 35).

Exercer uma atividade composta por diferentes ações e que exige muitas habilidades,
que não permite a sensação de rotina e repetição, tem potencialidades para proporcionar bem-
estar. Segundo Rebolo (2012), quanto maior o desafio e quanto mais habilidades forem exigidas
para realização das tarefas, maior é a satisfação. Porém, deve haver um equilíbrio entre as
exigências e o enfrentamento dos desafios, sendo avaliado no final da ação como compensador,
visto que a sensação ou a possibilidade de controlar a situação é aspecto importante do bem-
estar. Rebolo (2012) relata que a sensação de controle da situação é proporcionada também pela
autonomia.
No caso dos coordenadores pedagógicos, isso corresponde a administrar as situações,
atingindo seus objetivos, tendo o controle do comportamento e domínio do que fazem, cm
coerência entre o planejamento e a execução, sendo capazes de resolver situações inesperadas,
possibilitando a sensação de bem-estar. Quando o trabalho é realizado com alto grau de
concentração, em que esquecemos dos problemas não relacionados ao trabalho, numa
suspensão temporária dos pensamentos, ocorre o envolvimento profundo, elemento que pode
possibilitar a sensação de satisfação, já que o tempo parecerá mais rápido e diminuirá a sensação
de ansiedade pelo término da tarefa (Rebolo, 2012, p. 37).
b) As relações interpessoais - o trabalho e suas relações é “modo como as relações
interpessoais acontecem na instituição escolar e os elementos que intervêm para torná-las
satisfatórias ou não” (Rebolo, 2012, p. 40) são essenciais para o trabalho do coordenador
pedagógico, pois são elementos relacionados “à liberdade de expressão, à repercussão e
aceitação das ideias dadas, ao trabalho coletivo”, ao reconhecimento/feedback do trabalho
concretizado, ao apoio socioemocional e à participação nas decisões sobre
metas/objetivos/estratégias a serem desenvolvidos (REBOLO, 2012, p. 40).
Elas são responsáveis pela satisfação das necessidades, desejos e expectativas, por
proporcionarem apoio social e emocional na realização das tarefas diárias e alcance de metas,
além de promover um sentimento de aceitação e pertencimento ao grupo, já que as interações
no ambiente escolar acontecem no coletivo e se concretizam por meio dele. A autora esclarece

684
que quando são positivas, são determinantes fundamentais do sucesso do ensino e do bem-estar
do professor, porém, quando são negativas geram conflitos, frustrações e prejudicam o trabalho.

Para que as relações gerem bem-estar é preciso que priorizem a sinceridade, que
permitam a expressão de pontos de vistas divergentes, que estimulem a solidariedade
e o apoio mútuo, que valorizem o trabalho realizado e que estejam pautadas em
dinâmicas que as tornem positivas e não conflituosas (Rebolo, 2012, p. 41).

Destacamos a complexidade de relações que caracteriza o trabalho do coordenador


pedagógico, pois suas responsabilidades e seus contatos diários envolvem grupos com
características heterogêneas, desde a diretoria até os pais e a comunidade, passando por
professores, alunos, pessoal de apoio, da merenda, da portaria, dos laboratórios e bibliotecas,
da educação especial etc. Para que o trabalho de equipe dê resultado, é necessário que sejam
apresentadas atitudes de autenticidade, empatia, cooperação e valorização das experiências e
sugestões apresentadas pelos colegas (Jesus, 2007), visto que “relacionar-se positivamente com
alunos, colegas, diretores e demais pessoas com quem convive na escola é uma fonte de bem-
estar” (Rebolo, 2012).
Nesse cenário escolar, em que temos muitos atores e as relações interpessoais tornam-
se fundamentais para o processo de funcionamento, evidencia-se a figura do coordenador,
fundamental para estabelecer as relações com as famílias, pois para os alunos e seus
responsáveis, ele é uma figura importante, que acompanha a turma de forma mais próxima, é
uma autoridade que representa a escola e os representa perante ela, sendo reconhecida pelos
alunos como uma pessoa competente na intermediação nos dilemas que se apresentam no dia a
dia escolar, conseguindo vínculos que propiciam uma relação harmoniosa e democrática
(Franco, 2005, p. 87).
c) As condições sociais e econômicas - são os salários fixos e variáveis, benefícios,
direitos, estabilidade, horários, momentos de estudo/formação, tempo para lazer e para a
família, imagem interna (entre os membros da comunidade interna) e externa (entre a
comunidade e a sociedade em geral) da escola, do sistema educacional e do desenvolvimento
profissional. Esses componentes afetam direta e indiretamente o professor em seu trabalho,
porém, quando avaliados como satisfatórios, estão associados ao bem-estar por proporcionarem
o crescimento profissional, a satisfação das necessidades básicas e a percepção de trabalho útil
que contribui para satisfação do docente e para o bem da comunidade (Rebolo, 2012).

685
Segundo pesquisas, o salário é considerado um fator altamente insatisfatório (Rebolo,
2012), mas é minimizado quando o docente considera resultados satisfatórios em elementos
como sucesso, prazer em suas práticas e estabilidade, sendo esta última um elemento positivo,
em contraponto.
Contudo, a estabilidade não se torna elemento de grande relevância, pois Rebolo (2012)
relata que docentes exoneraram ou abandonaram a profissão, mesmo com estabilidade no
trabalho, por não conseguirem diminuir o mal-estar causado pela função que exercem. Os
cursos, especializações e formações proporcionam novos conhecimentos, percepção de
mudanças bem-sucedidas, como aquisição de conhecimentos e autorrealização, sendo
consideradas importantes fontes de bem-estar.
Porém, Jesus (2007, p. 9) destaca que “embora a formação possa prestar uma
contribuição para o bem-estar docente, é necessário que o contexto social e as condições de
trabalho dos professores também se alterem, para que possam concretizar a sua motivação e
competência profissional”. Assim, os professores devem assumir a responsabilidade pelo seu
próprio bem-estar e realização profissional. A carga horária excessiva e a falta de tempo para
lazer e para a família causada pelas grandes demandas, novas atribuições, menor valorização
social do trabalho, poucos prazos e cobranças, são consideradas consequências negativas. Sobre
isso, Jesus (2007, p. 12) alerta que algumas situações têm a ver com o estilo de vida atual, como
“o ritmo de vida acelerado, quase alucinante, em que se tem que responder rapidamente a
constantes novas solicitações; ambientes altamente competitivos; a instabilidade profissional;
e o sentimento de falta de controle ou incerteza face aos resultados pretendidos”. Portanto, a
seguir apresentamos a teoria de mais um componente do trabalho docente que será analisado
como elemento de satisfação e/ou insatisfação para verificar o bem-estar/mal-estar dos
coordenadores pedagógicos.
d) As condições físicas e de infraestrutura do ambiente escolar dizem respeito às
condições materiais e ambientais em que se realiza o trabalho, considerando as adequações das
instalações, condições gerais, como limpeza e o conforto do ambiente, a segurança, os
equipamentos, instrumentos e materiais disponíveis. A escola deve oferecer materiais básicos
para desenvolvimento do ensino, conforto, ambiente bem conservado, com iluminação, higiene,
sem interferências sonoras, diminuindo o desgaste físico e mental para a realização de um
ensino satisfatório. Assim, possibilitará o bem-estar. Ambientes com escassez, ausência ou
insuficiência de recursos materiais e ambientais dificultam e limitam o desenvolvimento do
686
trabalho de maneira satisfatória, tornando o trabalho difícil e improdutivo, caracterizando a
insatisfação e a desvalorização do trabalho docente. Rebolo (2012) destaca que

[...] as condições precárias afetam tanto a saúde física quanto mental dos trabalhadores
em geral (...). Quanto aos professores, alguns pesquisadores constataram que essas
condições precárias têm alguma influência sobre o mal-estar docente. O sofrimento
psíquico, abandono da profissão, a falta de comprometimento com o trabalho e o
absenteísmo dos professores (Rebolo, 2012, p. 50).

Vale ressaltar que essa autora descreve que a insatisfação com esses elementos é
minimizada quando ocorre a satisfação com os componentes das relações interpessoais e os
componentes da atividade laboral, pois “mesmo quando as condições de infraestrutura e os
recursos materiais são deficitários, mas se tem o reconhecimento do trabalho realizado, o
sentimento de aceitação e pertencimento ao grupo, de que está realizando um trabalho útil, há
a possibilidade de ser feliz no trabalho” (Rebolo, 2012, p. 54).
Portanto, apresentamos os elementos do trabalho docente que podem contribuir de
forma positiva e/ou negativa promovendo o bem-estar e/ou o mal-estar no trabalho docente do
coordenador pedagógico. No entanto, o profissional que exerce a função vive um sentimento
de frustração, de impotência e indignação em seu trabalho diário, além das múltiplas exigências
e da sobreposição de ações, em que atende a demandas burocráticas e sociais que fogem às
expectativas de suas metas e ações. Ser coordenador pedagógico transformador é característica
desenvolvida a partir de sua posição de elemento articulador e formador do processo
ensino/aprendizagem e dos resultados obtidos com essa articulação.

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p. 83-92.

688
O TRABALHO DOCENTE DOS PROFESSORES DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: O QUE DIZ A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA ÁREA DE
EDUCAÇÃO MUSICAL

Jaqueline Cavalcanti Borges de Mello (PPGE/UCDB)


jaqueline.mello@ifms.edu.br

Flavinês Rebolo (PPGE/UCDB)


flavines.rebolo@uol.com.br

Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa do tipo “estado do conhecimento” sobre o tema
condições de trabalho docente nas escolas de educação básica, na produção da Revista da Abem,
Revista Anpom e banco de teses da Capes no período de 2010 a 2020. Foram encontrados 536
trabalhos e utilizou-se como critério de seleção a leitura dos descritores/análise dos títulos e
resumos, a partir daí, foram selecionados 15 trabalhos, sendo sete teses e oito artigos. Não foi
encontrado nenhum trabalho abordando o tema Bem-estar e mal-estar docente relacionado ao
professor de música que atua na educação básica. Pela pesquisa realizada, pode-se inferir que
o tema da tese ainda precisa ser mais explorado pela área para que possa contribuir com o
trabalho do professor de música e seu bem-estar.
Palavras chave: Estado do conhecimento; Pesquisa em música; Música na Educação Básica.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é relacionado a pesquisa do tipo estado de conhecimento e que


tem como base, a tese em andamento com o título O TRABALHO DOS PROFESSORES DE
MÚSICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: BEM-ESTAR OU MAL-ESTAR DOCENTE?
Esta pesquisa visa entender e conhecer como esse tema vem sido pesquisado dentro
da produção científica da área de educação musical, considerando as duas principais revistas da
área e a produção da capes no período de 2010 a 2020.
As pesquisas do tipo “estado do conhecimento” permitem mapear e discutir as
produções acadêmicas, dentro de um determinado período, a partir de determinado (s) descritor
(es) ou assunto. Segundo Gil (2021, p. 74) “Possibilita, portanto, identificar lacunas no
conhecimento existente e, consequentemente, orientar a pesquisa com o propósito de preenchê-
las.” Fernandes (2021, p.166) aponta que é importante “conhecer o que já existe, para dar

689
chance a outros investigadores de verificar o que ainda não foi feito ou fazer algo que tenha
sido pouco estudado.”
Segundo Morosini, Santos e Bittencourt (2021, p. 21),

Estado do conhecimento é identificação, registro, categorização que levem à reflexão


e síntese sobre a produção científica de uma determinada área, em um determinado
espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma
temática específica.

Ao se realizar o estado do conhecimento há um rompimento com o senso comum, e


com as próprias expectativas e pré-conceitos do pesquisador. Este movimento é chamado de
ruptura e segundo Quivy e Campenhoudt (2005) é o primeiro ato constitutivo do procedimento
científico.

Metodologia utilizada

Com os descritores: Bem-estar docente, Mal-estar docente, professor de Música,


música na educação básica e trabalho docente, foram encontrados ao todo 536 trabalhos, tendo
como fontes de pesquisa, o Catálogo de teses da Capes, Revista Opus - ANPPOM (Associação
Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música) e Revista ABEM (Associação Brasileira de
Educadores Musicais) no período de 2010 a 2020.
Optamos por fazer a busca somente em teses e incluir duas revistas da área de música,
para ampliarmos as possibilidades de encontrarmos trabalhos que tragam a temática estudada.
A primeira revista, Opus (ANPPOM), trata-se de um periódico voltado para pesquisas na pós-
graduação e a segunda (ABEM), para pesquisas relacionadas ao ensino de música, tanto na
educação básica como em outros espaços. Assim, são duas revistas muito reconhecidas na área
de educação musical.
Em razão do número de trabalhos encontrados foram considerados os trabalhos que
trazem no título, no resumo ou nas palavras-chave, as expressões: Bem-estar docente, Mal-estar
docente, professor de Música, música na educação básica e trabalho docente. Utilizou-se como
critério de seleção a leitura dos descritores/análise dos títulos e resumos, a partir daí, foram
selecionados 15 trabalhos, sendo sete teses e oito artigos (três na Revista Opus da ANPPOM e
cinco na Revista da ABEM).
Entre as teses selecionadas há uma que se refere à análise de textos publicados na
revista da Abem entre 1992 e 2013 e entre os artigos há dois que também se referem a pesquisas

690
do tipo estado do conhecimento. Trouxemos estes trabalhos pele relevância que têm, em já ter
apontado o mapeamento, mostrando lacunas na pesquisa em Música.
Vale destacar que nenhum dos trabalhos selecionados está relacionado ao bem-estar
ou mal-estar docente e, ao trabalho docente a partir do referencial teórico desta pesquisa, e que
não foi encontrado nenhum que trata do trabalho docente (bem-estar ou mal-estar) relacionado
ao professor de música na educação básica.
Sabe-se que há uma diversidade de temas de pesquisa, foco de análise, opções teóricas
e metodológicas, por esta razão, optou-se por descartar os trabalhos que não atendiam pelo
menos dois dos descritores mencionados acima. O que todos os trabalhos selecionados têm em
comum é o professor de música na educação básica.
Abaixo, segue relação de trabalhos selecionados, onde nota-se pelo título, as temáticas
desenvolvidas, as quais têm como objeto de estudo, o professor de música que está na educação
básica. São trabalhos que mesmo a partir de recortes e opções teóricas e metodológicas
diferentes, contribuem para que se compreenda a docência de música como profissão.

O QUE DIZEM AS PESQUISAS

691
No banco de teses da capes, foram selecionadas sete teses, que traziam temáticas
relacionadas ao Desenvolvimento profissional de professores de música, relação professor e
escola, ensino de música e educação básica, narrativas autobiográficas, identidade profissional,
formação inicial e continuada. Nenhuma tese está relacionada ao bem-estar ou mal-estar
docente do professor de música na perspectiva teórica desta pesquisa. Ainda assim
selecionamos duas que pela temática mais se aproximam deste trabalho.
Cereser (2011) e Neves (2017) abordam em suas pesquisas a “autoeficácia”, teoria
elaborada por Albert Bandura (1997).

Inicialmente, o autor define autoeficácia como expectativas de eficácia, que se


referem às convicções da pessoa de realizar com êxito um comportamento para
produzir determinado resultado. Essas expectativas servem como base para a
realização humana e suas realizações (Cereser, 2011, p.34).

A Autoeficácia refere-se à percepção da pessoa sobre sua capacidade para aprender ou


desempenhar uma determinada tarefa (Neves, 2017). Os dois trabalhos têm como base teórica
a Teoria Social Cognitiva e o ponto de aproximação com esta pesquisa é o fato de terem como
objeto de estudo a “pessoa do professor”, suas crenças e motivações para o trabalho na educação
básica.
Abreu (2011), fez uma pesquisa com professores licenciados em outras áreas e que se
tornaram professores de música na educação básica. Em sua pesquisa usou como referência
teórica o que se refere à profissionalização dos educadores, e como estratégia de pesquisa, as
entrevistas narrativas. Para a autora, os professores constroem sua profissionalização por meio
de narrativas e na relação com o contexto escolar.
O estudo de Wille (2013) teve como objetivo explorar como se estruturaram as
identidades profissionais dos educadores musicais nas escolas municipais de Pelotas / RS. A
base teórica para a análise incluiu a visão de Dubar (2005) sobre identidades profissionais e
autores como Nóvoa (1995, 1999) e Marcelo (2009). Em primeiro lugar, foram trazidas as
trajetórias dos professores, intercaladas com as identidades profissionais, sociais e pessoais,
com destaque para a formação e inserção profissional dos professores. Além disso, esclarece-
se a identidade profissional do professor bem como as atividades dos professores da educação
básica, suas práticas, concepções e relações.
A questão de pesquisa que norteou o trabalho de Joly (2017), foi: como se constrói a
identidade do professor de Música que atua na escola de Educação Básica? A autora conclui

692
que ser músico e ser professor são dois aspectos que se somam na identidade profissional do
professor de Música; que o contexto tanto específico da sala de aula quanto mais amplo – da
cidade ou do país em que os profissionais atuam – tem forte influência na formação,
consolidação ou crise da identidade do professor de Música; e que o reconhecimento e valor
atribuídos pela sociedade abrirão ou fecharão as possibilidades e potencialidades do trabalho
musical na escola de Educação Básica.
Para Gaulke (2017), a pesquisa teve como objetivo geral compreender como ocorre o
processo de desenvolvimento profissional do professor de música a partir da sua relação com a
escola de educação básica
Todas as pesquisas acima têm no centro do debate a figura do professor enquanto
trabalhador, mas nenhuma está relacionada ao tema bem-estar e mal-estar docente.
Na revista da ABEM foram encontrados 233 artigos publicados entre 2010 e 2020.
Aplicando os mesmos critérios usados na revista Opus da ANPPOM, chegou-se a um número
de cinco artigos selecionados. Pela busca inicial e já sabendo que não iríamos encontrar
trabalhos relacionados ao bem-estar e mal-estar docente, selecionamos os que tratavam do
professor de música na educação básica, e que focavam o trabalho, a figura do professor
enquanto profissional. Não nos interessava pesquisas sobre a prática pedagógica, questões de
ensino/aprendizagem em música, performances (questões técnicas) e outros.
Importante destacar que alguns artigos publicados na revista da ABEM e ANPPOM
são frutos de teses encontradas no banco de teses da capes, o que é comum, uma vez que são
periódicos da área de educação musical e voltados para a área.
Alguns já foram citados anteriormente na relação de teses encontradas, destacamos
aqui o trabalho de Costa e Ribeiro (2020) que investigaram os percursos de inserção profissional
dos egressos do curso de licenciatura em Música da UERN. Os pesquisadores constataram que
três percursos de inserção foram os mais comuns entre os egressos da licenciatura em Música
da UERN: o percurso de inserção precoce em um emprego instável (44%); o percurso de
inserção concomitante em um emprego instável (50,8%); e o percurso de inserção demorada de
licenciados em um emprego estável (25,8%).
O estudo de Cernev e Hentschke (2012) relata as percepções psicológicas dos
professores de música no contexto da educação básica à luz da teoria da autodeterminação.
Uma das mais importantes proposições dos criadores e pesquisadores desse referencial teórico

693
incide sobre como os fatores ambientais podem facilitar ou prejudicar o sentimento de
autodeterminação, além de contribuir para qualidade do desempenho.
Os demais trabalhos como Gaulke (2019) e Abreu (2015) abordam o desenvolvimento
profissional, narrativas de profissionalização e atuação na Educação Básica.
Na revista Opus da ANPPOM foram encontrados 290 artigos publicados entre 2010 e
2020. Como critério de seleção num primeiro momento, analisou-se apenas o título,
selecionando todos que fizessem menção ao professor de música na educação básica e, num
segundo momento, foram analisados os resumos dos trabalhos selecionados e as palavras-
chave. Após esta filtragem foram selecionados três artigos.
No artigo “Sobre a docência de música na educação básica: um estudo sobre as
condições de trabalho e a realização profissional de professores(as) de música”, as autoras Del-
Ben, Kandler et al. apresentam os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo examinar
as condições de trabalho enfrentadas por professores(as) de música da educação básica e como
essas condições podem afetar sua realização com o trabalho, a pesquisa foi realizada com vinte
professores (as) de música de escolas de educação básica de Porto Alegre (RS).
As autoras apontam que as condições de trabalho dos docentes de música na educação
básica é uma temática que tem recebido pouca atenção dos pesquisadores, mesmo por aqueles
que estudam a profissão docente e que esta temática tem relação inclusive com a atratividade
pela carreira docente.
Elas concluíram que,

o que pode incentivar ou dificultar a construção do sentimento de realização


profissional, assim como tornar a profissão mais ou menos atrativa, não é o trabalho
docente ou a docência de música em si – ensinar música, lidar com muitas turmas e
muitos(as) alunos(as), participar das muitas atividades que acontecem na escola – nem
a formação para o exercício desse trabalho, mas condições objetivas oferecidas para
a sua realização (Del-Ben et al., 2019, p. 167).

Ou seja, todas as dimensões objetivas para a realização do trabalho docente, como:


salário, plano de carreira, relações interpessoais, as condições físicas e de infraestrutura e
outros, são fatores que impactam na realização do profissional.
De todos os artigos e teses pesquisadas, este é o que mais se aproxima da temática
desta tese, mesmo não abordando a questão do bem-estar/mal-estar docente.
Os outros dois artigos referem-se à temática da “profissionalização” e o “ensino de
música na educação básica”.

694
Pelo levantamento realizado pode-se inferir que a temática do bem-estar e mal-estar
docente relacionada ao professor de música em atuação na educação básica não se encontra na
produção acadêmica pesquisada. Percebeu-se que o professor de música enquanto trabalhador
na escola de educação básica é pouco pesquisado e quando o é a pesquisa é restrita à um número
pequeno de docentes. Portanto realizar esta pesquisa em âmbito nacional levantará questões
relevantes sobre o trabalho do professor de música.
Macedo (2015) constatou através de sua tese esta carência por pesquisas que envolvam
os professores e seu trabalho; para ela “Isso sugere que a literatura trata da docência sem o
docente, principalmente, ao considerar a quantidade de fundamentos e princípios orientadores
que atravessa a produção analisada”.
Em artigo publicado na Revista da ABEM, (Associação Brasileira de Educadores
Musicais), resultado de tese de doutorado, Pereira (2019) faz uma meta-análise de 300 teses
que abordam temas diretamente relacionados à educação musical, de 1989 até 2017. Como
resultados, ele apresentou um mapeamento descritivo de categorias, como gênero, evolução do
índice de produção, áreas de produção, universidades, contexto educativo, subtemáticas,
didáticas da música, e ainda as linhas investigativas da área que configuram os temas de
interesse da pesquisa em educação musical no Brasil.
Segundo o pesquisador, a Linha Investigativa mais pesquisada no contexto da
Educação Musical no Brasil foi a linha ‘09 – Formação de professores e Associações de Classe’.

Contamos 48 teses que abordam diretamente a temática sobre formação e/ou prática
de professores, cujo tema central é o professor. Das quais, 30 abordam a prática
pedagógica, 18 a formação de professores e 8 abordam a temática da
profissionalização (Pereira, 2019, p.277).

A maioria das pesquisas nesta temática trata formação e prática com base em uma
discussão que envolve a estrutura e o funcionamento das instituições escolares, denotando
assim uma certa preocupação com o contexto social/institucional no qual atua o professor. A
segunda categoria mais identificada foi a de classe social, ou seja, são teses que tem como foco
a classe de professor, suas peculiaridades, características ou ainda uma busca por valorização e
defesa da classe de professores de música. Um terceiro grupo é mais biográfico, tratando de
personagens históricos que atuam com ensino de música em determinados contextos histórico-
culturais.
Após estas análises ele verificou que:

695
[...] o foco da maioria dos estudos de doutoramento em educação musical no Brasil
está sobre a estrutura e o funcionamento de organizações escolares e ainda sobre
processos educativos, projetos e programas de ações educativo-musicais em vários
contextos, mas principalmente no contexto do ensino específico de música (ensino de
instrumento ou canto), cuja temática é de maior interesse do que a temática do ensino
de música no contexto da educação básica. Vale ressaltar que, entre as didáticas da
área, as abordagens contextualistas e multiculturalistas compareceram na maioria das
teses, além das abordagens sobre diferentes metodologias de ensino de música, e
ainda, em menor número, sobre cognição (Pereira, 2019, p. 126).

Pereira (2019, p. 365) ainda aponta que “[...] a pesquisa sobre ensino de música na
escola de educação básica se apresenta tímida, com poucas pesquisas [...]” e ainda propõe a
“Ampliação da investigação sobre Educação Musical Escolar envolvendo os professores que
atuam neste contexto”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do estado conhecimento realizado, podemos afirmar que pesquisar sobre o


trabalho do professor de música e seu bem-estar ou mal-estar docente trará uma importante
contribuição para a área de Educação Musical, considerando que é uma temática pouco
explorada nas pesquisas da área de educação musical, e que, raramente abordam a relação entre
bem-estar ou mal-estar docente com o trabalho do professor de música, como constatamos nas
buscas realizadas.
Colocar a saúde mental, o bem-estar do professor e suas condições de trabalho no foco
das pesquisas, poderá contribuir para que políticas públicas se voltem para a importância deste
tema e para evidenciar como essas questões podem impactar na melhoria da qualidade da
educação e na melhoria da qualidade de vida dos professores.

REFERÊNCIAS

ABREU, Delmary Vasconcelos de. Tornar-se professor de música na educação básica: um


estudo a partir de narrativas de professores. 2011. 196 f. Tese. Doutorado em Música.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Biblioteca Depositária: Biblioteca
do Instituto de Artes da UFRGS.

696
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epistemologia política na perspectiva da Teoria Ator-Rede. Revista da Abem, v.2, n.34, 125-
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Tese (Doutorado em Música), Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Porto Alegre, 2011.

CERNEV, Francine Kemmer; HENTSCHKE, Liane. A teoria da autodeterminação e as


influências das necessidades psicológicas básicas na motivação dos professores de música.
Revista da Abem, v.20, n.29, p.88-102, jul.dez 2012
COSTA, Anne Valeska Lopes da; RIBEIRO, Giann Mendes. Percursos de inserção
profissional: um estudo com egressos de licenciatura em Música da UERN. Revista da Abem,
v. 28, p. 230-248, 2020

DEL-BEN, Luciana et al. Sobre a docência de música na educação básica: um estudo sobre as
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contexto, métodos, técnicas, ética, escrita e desafios. 1ª ed. Rio de janeiro, ed. do autor, 2021.

JOLY, Maria Carolina Leme. A construção da identidade profissional do professor de


Música para a escola de Educação Básica. Tese de doutorado. Educação. São Carlos/SP,
Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Carlos, 2017.

GAULKE, Tamar Genz. O desenvolvimento profissional de professores de música da


educação básica: um estudo a partir de narrativas autobiográficas. 2017. Tese (Doutorado
em Música) — Programa de Pós-Graduação em Música, Instituto de Artes, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. 228f.

GAULKE, Tamar Genz. O desenvolvimento profissional de professores de música da educação


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148, jan./jun. 2019.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2021.

MACEDO, Vanilda Ferreira leite de. Imagens da docência de música na educação básica:
uma análise de textos da Revista da Abem (1992-2013). 2015, 180f.

697
MOROSINI, Marília; KOHLS-SANTOS, Pricila; BITTENCOURT, Zoraia. Estado do
Conhecimento: teoria e prática. Curitiba: Editora CRV, 2021

NEVES, Gina Samoa. O perfil e as crenças de autoeficácia de professores de música dos


anos finais do ensino fundamental. 2017. 112 f. Dissertação (Mestrado em Música),
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Porto Alegre, 2017.

PEREIRA, Eliton Perpétuo Rosa; GILLANDERS, Carol. A investigação doutoral em educação


musical no Brasil: meta-análise e tendências temáticas de 300 teses. Revista da Abem, v. 27,
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WILLE, Regiana Blank. Docentes de música na educação básica: um estudo sobre


identidades profissionais. 2013. 227f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em
Educação. Faculdade de Educação. Universidade Federal de Pelotas.

698
OS DESAFIOS DOS ALUNOS INDÍGENAS DO IFMA CAMPUS BARRA DO
CORDA DURANTE O ENSINO REMOTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Luciana Helena da Silva (IFMA)
helena@ifma.edu.br

Resumo: A intenção deste artigo é fazer uma abordagem sobre as dificuldades enfrentadas
pelos estudantes indígenas da etnia Canela do IFMA Campus Barra do Corda durante o período
da pandemia de Covid-19, quando o ensino remoto se tornou a modalidade escolhida pela
instituição. O objetivo do estudo é analisar o impacto dessa transição no desempenho e na
permanência desses estudantes. Para tanto, foram utilizados relatórios institucionais de
acompanhamento dos estudantes indígenas referentes ao ano de 2021. A metodologia envolveu
a coleta de dados por meio de documentos oficiais disponíveis na instituição. As análises
revelaram que os estudantes Canelas enfrentaram múltiplas dificuldades, incluindo a
instabilidade com a conexão à internet, as barreiras linguísticas e da formação básica em
componentes curriculares como português e matemática. Mesmo com auxílios educacionais, a
evasão no ensino remoto foi significativa influenciando no desempenho acadêmico
insatisfatório. Tais discussões evidenciam que há a necessidade de consideram as
particularidades dos estudantes indígenas, visto que a inclusão vai além da conectividade
digital. A falta de estratégias específicas para grupos como os Canelas ressalta a importância
de abordagens que estejam atreladas às questões interculturais para promover a permanência e
o sucesso acadêmico desses estudantes, tanto no ensino remoto quanto no ensino presencial.

Da Aldeia Escalvado ao IFMA Campus Barra do Corda

No mais recente censo demográfico apresentado pelo IBGE (2022), o Estado do


Maranhão possui a terceira maior população indígena do Nordeste, com um total de 57.214. A
cidade de Barra do Corda está entre as cidades compostas por reservas indígenas, com presença
de quatro etnias: os Canelas Ramkokamekrá, Canelas Apanyekrá, os Canelas Kenkateye e os
Guajajaras Tenetehára.
Historicamente, o IFMA Campus Barra do Corda sempre recebeu um maior quantitativo
de povos Guajajaras Tenetehára. Em 2020, em razão da pandemia de Covid-19, a instituição
realizou um processo seletivo baseado em sorteio, em substituição às provas objetivas de
múltipla escolha. Esse processo resultou no até então inédito ingresso de dezoito alunos
Canelas, da Aldeia Escalvado. Em 2021, através do processo seletivo com garantias de cotas
raciais, chegamos ao quantitativo de quarenta e dois alunos indígenas Canelas da Aldeia
Escalvado.

699
O ingresso dos povos Canelas no IFMA Campus Barra do Corda em meio à pandemia
evidenciou os desafios no processo de inclusão e promoção de uma educação integrada
intercultural para esses povos. Mesmo o IFMA tendo como um de seus preceitos a educação
universal e inclusiva, a prática mostrou-se bem mais distante desse ideal.
O presente artigo abordará as dificuldades com o ensino remoto enfrentadas pelos
estudantes Canelas durante a pandemia de Covid-19. As discussões terão por base a pesquisa
documental cuja análise aconteceu utilizando relatórios institucionais de acompanhamento dos
estudantes indígenas no ano de 2021, ano em que a pandemia se agravou no Brasil.
Entre as Etnias Guajajaras e Canelas há significativas diferenças quanto ao processo de
inclusão social, se refletindo inclusive no acesso à educação formal e de qualidade.
Regionalmente, os povos Guajajaras estão mais próximos geograficamente das áreas urbanas.
Também, pela característica da sua matriz linguística, têm maior domínio do idioma oficial, o
Português Brasileiro. Diferentes dos Canelas, que vivem de maneira mais isolada, com menor
acesso às estruturas urbanas, com pouco domínio do idioma oficial. Até a década de 1940, os
povos Canelas quase não mantinham contato com os não índios. Atualmente, as suas relações
se ampliaram, mas não ao ponto de promover uma verdadeira inclusão social, com respeito à
diversidade cultural e histórica desses povos.

As terras dos povos Canelas estão demarcadas, homologadas e registradas, constituindo


uma reserva indígena. Elas estão localizadas no município de Fernando Falcão, distante
aproximadamente 100 km de Barra do Corda. Os estudantes indígenas Canelas, portanto,
precisaram se transferir durante o período letivo para a Cidade de Barra do Corda, onde se
localiza o IFMA Campus Barra do Corda, visto que o deslocamento diário não é possível.

O IFMA é uma Instituição Federal de Ensino técnico, tecnológico, com


desenvolvimento de Ensino, Pesquisa e Extensão. O Campus Barra do Corda oferta os cursos
técnicos Integrado de Informática, Administração, Edificações, Química, além de Ensino
Subsequente de Meio Ambiente, Tradutor e Intérprete de Libras, Informática, Edificações e
Proeja Comércio. Também possui o Curso Superior de Bacharelado em Administração,
Licenciatura em Matemática e três cursos Latu Sensu de Ensino das Ciências, Educação Escolar
Indígena Intercultural e Desenvolvimento Regional Sustentável.

700
Enquanto Instituição Federal, possui como parte do programa de permanência e êxito
um conjunto de auxílios destinados aos estudantes, com foco naqueles em condições de
vulnerabilidade, conforme define a Resolução Nº 147/2022, que estabelece em seu Cap. I,

Art.1º A Política de Assistência Estudantil (PAE) do Instituto Federal de Educação,


Ciência e Tecnologia do Maranhão é um conjunto de princípios e diretrizes que
norteia a implantação de programas que visam contribuir no acesso, na permanência
e na conclusão dos cursos, na perspectiva de inclusão social, formação integral,
produção do conhecimento e melhoria do desempenho acadêmico.

Durante a pandemia da Covid-19, mais especificamente no ano de 2021, os auxílios


passaram a incluir o subsídio aos meios digitais, contudo, em razão do ensino remoto e
quarentena, alguns auxílios, como o auxílio transporte, estiveram suspensos. Os estudantes
Canelas, em situação de prioridade em razão das condições de vulnerabilidade, foram
contemplados com todos os auxílios disponíveis naquele momento. Mas, mesmo com tais
apoios, a evasão e baixo desempenho acadêmico desses estudantes (dentro da perspectiva
institucional) foi significativa. Com isso, a partir das informações institucionais, quais foram os
condicionantes para a referida situação? Conforme Almeida et al (2005, p. 59)

A exclusão sócio-econômica desencadeia a exclusão digital, ao mesmo tempo que a


exclusão digital aprofunda a exclusão sócio-econômica. A inclusão digital deveria ser
fruto de uma política pública com destinação orçamentária a fim de que ações
promovam a inclusão e equiparação de oportunidades a todos os cidadãos. Neste
contexto, é preciso levar em conta indivíduos com baixa escolaridade, baixa renda,
limitações físicas e etárias.

Num primeiro momento acreditou-se ser o ensino remoto a melhor solução, visto que
as questões de conectividades estavam “garantidas” pelos auxílios inclusão digital. Mas a
prática mostrou-se contrária a tais convicções. O ensino remoto, na verdade, inclui e exclui.
Inclui quem tem os meios para a vivência digital e exclui os desprovidos dos meios para ampla
“navegação” em rede. E os estudantes Canelas, numa quase hierarquia da exclusão, esteve na
base desse processo. No momento em que houve a migração para o ensino remoto, as
desigualdades se ampliaram entre quem tinha dados móveis suficientes e quem não tinha. Entre
quem tinha habilidades digitais e quem não.

Ensino Remoto Para Quem?

As análises e discussão são resultados de uma pesquisa qualitativa do tipo documental.


A coleta de dados aconteceu utilizando documentos institucionais do IFMA Campus Barra do
Corda gerados durante o acompanhamento para permanência e êxito e combate à evasão. Os
701
procedimentos para a pesquisa seguiram as seguintes etapas: Levantamento bibliográfico,
leitura e reflexão para embasamento teórico acerca do tema, seleção de documentação,
organização da base de dados, a análise de dados e sistematização de resultados. Apesar de no
ano de 2021 o Campus apresentar 42 alunos indígenas da etnia Canela, pertencentes à Aldeia
Escalvado, povoado da comunidade Canela Ramkokamekrá, matriculados no IFMA Campus
Barra do Corda, as análises ocorreram com base em 14 estudantes que mantiveram seu vínculo
institucional. Os demais, por razões diversas não completaram os primeiros meses dos seus
cursos.
As bases documentais acerca desse período são incipientes e muitas vezes
desarticuladas. Como a presença dos alunos Canelas era uma realidade recente, foram gerados
poucos dados envolvendo outras questões que não aquelas diretamente relacionadas à presença
dos alunos nas aulas. A investigação se debruçou para geração de dados inéditos da presença
dos povos Canelas nas aulas remotas no IFMA Campus Barra do Corda, a partir das
informações desses documentos, afim de discutirmos os desafios da inclusão tecnológica e
digital dos alunos indígenas no contesto da pandemia.
Os setores internos institucionais que trataram direta ou indiretamente com o
acompanhamento desses estudantes, na qual nos debruçamos para seleção documental são o
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas – Neabi, as Coordenações de Curso, o
Departamento de registro e controle acadêmico, o Departamento de Ensino, a Coordenadoria
de Assuntos Estudantis (CAE) e o Núcleo de Assistência à Pessoa com Necessidades
Específicas (NAPNE).
A comissão de combate à evasão estava composta de representantes desses setores, além
de docentes e Técnicos em Assuntos Educacionais voluntariados. À Comissão cabia a
realização de reuniões periódicas para discussão sobre os desafios para a permanência e êxito
dos estudantes, incluindo os estudantes indígenas e proposição de soluções. Assim, a comissão
analisava o quadro geral de evasão, não se detendo especificamente sobre as condições dos
estudantes indígenas.
Apesar da natureza do trabalho da Comissão, muitos levantamentos estavam restritos
aos setores, além de que partes dos desafios encontrados pelos estudantes, em especial os
indígenas eram feitos oralmente, sem registros documentais no momento ou mesmo
posteriormente aos fatos apresentados.

702
Dessa forma, os dados aqui apresentados são derivados das fichas acadêmicas de
acompanhamento discente, disponíveis no Sistema Unificado da Administração Pública –
SUAP, também do questionário de acompanhamento dos estudantes indígenas aplicado pelo
Departamento de Ensino, as fichas de acompanhamento dos auxílios estudantis geradas pela
CAE e dos relatórios feitos pela Comissão de Combate à Evasão.
Em razão da situação de vulnerabilidade, todos os estudantes indígenas foram
contemplado com auxílios, sendo eles o Auxílio Inclusão Digital: ajuda de custo para aquisição
de dados móveis. Auxílio Inclusão Digital – tablet: ajuda de custo pago em uma única parcela
para compra de tablet. Auxílio Moradia: valor do aluguel do imóvel pago durante a vigência do
contrato. Bolsa estudo: auxílio mensal para custeio dos estudos. Apesar dos auxílios, os
estudantes, em alguns momentos, no decorrer da Pandemia, precisaram de doações para
permanência na cidade. É importante destacar que alguns estudantes optaram em permanecer
durante a quarentena na cidade, pela possibilidade de fazer uso das estruturas do Campus, como
computadores e biblioteca. Eles também receberam um auxílio extra para instalação de banda
larga na aldeia e nas residências alugadas.
Mesmo com a possibilidade de uso das estruturas do Campus, em razão da intensificação
dos casos de Covid-19, tivemos o seu isolamento que perdurou até a flexibilização da
quarentena. Com isso, o uso dos espaços estava restrito a um aluno por vez, como forma de
evitar contatos e contágios. Inevitavelmente, essa restrição foi mais um obstáculo aos alunos
indígenas.
Não é difícil concluir que em meio a uma pandemia, com altos índices de contágios e
necessidade de quarentena, queda nas oportunidades de trabalho e redução de renda, esses
auxílios tiveram pouco impacto. As dificuldades socioeconômicas desses estudantes foram
ampliadas, principalmente quando se considera o elemento geográfico pois a aldeia fica a
aproximadamente 100 km de distância da cidade de Barra do Corda. De acordo com Mattos
(2003, p. 112)

É preciso levar em conta que questões como inclusão social, redução da pobreza e da
desigualdade de renda e de riqueza entre pessoas e entre países não são resolvidas
apenas pela evolução tecnológica. Se o fossem, não estariam se arrastando e tornando-
se cada mais vez mais complexas com o passar dos séculos (uma vez que a evolução
tecnológica não é prerrogativa apenas desses tempos das chamadas “novas
tecnologias”, evidentemente)

Como se já não bastassem essas dificuldades, somaram-se estar totalmente em ensino


remoto, com má qualidade de conexão, dificuldades no acompanhamento das aulas síncronas,
703
dificuldades com a qualidade da transmissão das aulas e, ainda, dificuldades com os conteúdos
ministrados remotamente, acontecendo simultaneamente, foram condições preponderantes para
o baixo desempenho desses estudantes. Conforme afirma com Mattos (2003, p. 71),

No caso específico brasileiro, há dificuldades que precisam ser mencionadas. Em


primeiro lugar, a crise econômica dos últimos anos, além de ter impedido a ascensão
social de uma parte significativa da população, deixou dificuldades adicionais para
que o Estado pudesse investir efetivamente na melhoria da Educação Básica do país.
Tal situação tem consolidado e ampliando as já enormes diferenças existentes entre
as pessoas em termos de educação formal, fazendo do fator cognitivo outro elemento
que limita as possibilidades de se construir no país um projeto de efetiva ampliação
da inclusão digital. Ou seja, a capacidade de compreensão e a possibilidade de se
utilizar efetivamente todas as potencialidades oferecidas pelas Tecnologias de
Informação e Comunicação são bastante diferenciadas na população brasileira, dado
o alto grau de desigualdade na educação formal das pessoas.

Na tabela abaixo temos o resultado de um questionário aplicado aos estudantes pelo


Departamento de Ensino. As respostas refletem as recorrentes falas desses estudantes frente aos
seus desafios. Era recorrente ficarem mais de uma semana sem acesso às aulas em razão da
falta de energia. Por estarem numa região mais isolada, o sinal de internet era instável. Além
dessas dificuldades estruturais, também havia aquelas ligadas ao processo de ensino e
aprendizagem. Isso porque esses estudantes dominam com dificuldade a língua portuguesa,
além de terem uma formação básica deficitária, gerando barreiras para o desempenho dos
estudantes indígenas que estavam num novo processo de ensino, imposto abruptamente pela
necessidade do distanciamento social.
Tabela 1. Questionário para Acompanhamento dos Estudantes Indígenas
QUESTÕES RESPOSTAS
Dificuldades com ensino  Todos alunos indicaram ter sido muito difícil a
remoto migração para o ensino remoto.
 Não houve indicação positiva.
Frequência nas aulas  Todos os estudantes frequentaram com
remotas dificuldades e deixaram de entregar algumas
atividades.
 1 estudante não acompanhou.
Meios de acesso às aulas  11 estudantes utilizaram o tablet.
remotas  4 estudantes utilizaram o próprio celular.

704
Acesso à internet  Todos os alunos indicaram ter acesso.
 Não houve indicação negativa.
Qualidade do acesso à  10 alunos indicaram ter muitas dificuldades com a
internet qualidade do sinal e acesso.
 Não houve indicação positiva.
Problemas relacionados à  10 alunos indicaram que as constantes faltas de
internet energia era o maior problema.
 Não houve indicação de outras questões.
Utilização das plataformas  10 alunos indicaram ter se adaptado ao uso das
(meet e google classroom) plataformas.
 4 alunos tiveram dificuldades para utilizar tais
plataformas.
Compreensão dos  12 alunos disseram ter muitas dificuldades em
conteúdos durante as aulas acompanhar e compreender os conteúdos durante
as aulas.
 3 alunos disseram conseguir acompanhar e
compreender.
Dificuldades com os  12 estudantes indicaram ter muitas dificuldades
Componentes curriculares com a matemática (e os componentes curriculares
associadas).
 3 estudantes indicaram, além da matemática, a
língua espanhola.
Fonte: autoria própria, 2023.

A tabela 1 desenha um retrato que explicita o que foi identificado pelos relatórios de
acompanhamento da Comissão de Combate à Evasão. Esses estudantes tiveram altos índices de
evasão, também deixavam de entregar as atividades e, durante as aulas, demonstravam muitas
dificuldades com alguns conteúdos, principalmente aqueles envolvendo cálculos. Na verdade,
os indígenas utilizam a conhecimentos matemáticos próprios, compreendida dentro da
perspectiva da etnomatemática e, por isso, quando falamos nas dificuldades, elas são em
referência à ciência convencional do ocidente. Sobre isso, Mantoan (2003, p. 13) diz:

705
A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase
sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões de cientificidade
do saber escolar. Ocorre que a escola se democratizou abrindo-se a novos grupos
sociais, mas não aos novos conhecimentos. Exclui, então, os que ignoram o
conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que a democratização é massificação
de ensino e não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares
epistemológicos, não se abre a novos conhecimentos que não couberam, até então,
dentro dela.

Essas constantes ausências, a não entrega das atividades e o baixo desempenho em


algumas avaliações resultaram num alto índice de reprovação. As reprovações aconteceram por
evasão ou por terem retenção nos componentes curriculares acima do quantitativo máximo para
progredir ao ano subsequente que é o de retenção em até três. Burci apud Burci e Costa (2021,
p.148) afirma que:

A inclusão acontece quando as barreiras são eliminadas e as tecnologias colaboram


com esse processo, pois em muitos casos essas limitações são impostas pela própria
sociedade. A tecnologia, ao proporcionar mais autonomia, diminui também as
barreiras de comunicação, leitura e escrita contribuindo para o desenvolvimento
intelectual, pessoal e profissional da pessoa que a utiliza.

Tabela 2 – Situação Acadêmica dos Alunos Indígenas em 2021

Fonte: autoria própria, 2023.

O quadro traz o coeficiente de rendimento, uma média global do aluno em curso. Ele é
baseado nas médias por componente curricular. Em alguns casos, como o do aluno 1, que
frequentou acima de 75% (percentual de frequência exigido para aprovação), mesmo tendo
significativa presença nas aulas, isso não foi condição para que ele obtivesse um bom
desempenho. Estar presente não significa que o aluno estivesse aprendendo ou que a avaliação
quanto a sua aprendizagem tenha sido adequada para a percepção das particularidades desse
706
público. O aluno 5, com 98,58% de presença e média global de 3,71, conseguiu a aprovação
com dependência, quando possui retenção em até três disciplinas. Apesar do baixo rendimento,
o estudante teve aproveitamento por outros méritos, além de ter conseguido atingir a média
exigida para aprovação nas avaliações finais. Diferente do aluno 4, com média global de 3,77,
condição que poderia levar a resultado semelhante ao do aluno 5, devido a sua baixa frequência,
teve a sua reprovação por falta e do aluno 12, que também obteve uma boa média, mas teve a
sua reprovação em razão da evasão.

As dificuldades enfrentadas pelos estudantes durante o ensino remoto evidencia que a


inclusão vai além da disponibilização de conectividade. Nesse sentido, Mattos (2003, p. 94),
afirma:

Trata-se, portanto, não somente de discutir a ampliação do acesso às tecnologias da


informação, mas também – o que é muito importante – de dotar todos os estratos
sociais8 de condições cognitivas adequadas para também poderem processar as
informações, transformando-as em conhecimento, o que amplia as possibilidades de
inserção nos mercados de trabalho e, também, permite o acesso a atributos
fundamentais da construção da cidadania nos tempos atuais.

É fato que durante o período pandêmico, a necessidade de quarentena reduziu as


alternativas de manutenção das aulas às atividades distanciadas síncronas e assíncronas,
predominando a migração ao ensino remoto. No entanto, homogeneizar as estratégias adotadas
desconsiderando as particularidades dos grupos atendidos criou uma escala de “meritocracia”,
onde quem mais acessou ou entregou atividades teve o privilégio da aprovação.

Faltaram alternativas àqueles que estavam à margem desse “mérito”, como foi o caso
dos estudantes Canelas. Soluções que considerassem as questões étnico-culturais,
socioeconômicas, grau de alfabetização digital, déficit na compreensão dos conceitos basilares
dos componentes curriculares da educação formal não índia, como português e matemática.
Considerações essas essenciais para a promoção da permanência e êxito, tanto em situações em
que se aplique o ensino remoto, quanto no ensino presencial.

Conclusões

A análise das dificuldades enfrentadas pelos estudantes indígenas Canelas durante o


ensino remoto no IFMA Campus Barra do Corda, no contexto da pandemia de Covid-19, revela
uma série de desafios significativos. Fica clara a complexidade para o processo de inclusão
educacional, que vai além da simples disponibilidade de tecnologia e acesso à internet.

707
Os resultados apontaram para uma lacuna nas estratégias educacionais assumidas pelo
Campus Barra do Corda, quando não consideraram as especificidades étnicas, culturais e
socioeconômicas dos estudantes indígenas. A falta de estratégias adaptadas adequadamente
para apoiar esses alunos resultou em altas taxas de evasão e desempenho acadêmico
insatisfatório. Isso indica a necessidade de repensar as abordagens educacionais, especialmente
em tempos de crises como a pandemia.

Além disso, é importante considerar não apenas o acesso à tecnologia, mas também os
conhecimentos adquiridos e de alfabetização digital dos estudantes. A mera disponibilidade dos
auxílios estudantis e da conectividade não garantem o sucesso educacional se os alunos não
estiverem devidamente preparados para utilizá-los de forma eficaz.

Portanto, apenas transpor das aulas para a forma remota, principalmente quando se
credita aos auxílios estudantis a suficiência para o êxito do ensino remoto, sem se considerar os
diversos contextos educacionais, não só reforça estigmas, como amplia a exclusão educacional.
É preciso garantir que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades de aprendizado,
independentemente de sua origem étnica ou socioeconômica. Somente assim poderemos
verdadeiramente promover a inclusão e a equidade na educação.

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MATTOS, Fernando Augusto Mansor. Exclusão digital e exclusão social: elementos para
uma discussão. Transinformação, v. 15, n. spe, p. 91-115, 2003.

708
PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DA SOLIDARIEDADE: A CONSTRUÇÃO DA
HUMANIZAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO

Fernando Campos Peixoto (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


fernandocampos@salesiano.br

Resumo: Este artigo é fruto da dissertação, ainda em andamento, com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, intitulada “A docência e o processo
de humanização na Educação Superior”. O artigo procura compreender, apoiado em Paulo
Freire, a necessidade de uma pedagogia voltada para a solidariedade e o processo de
humanização. Para tanto, optamos por uma pesquisa bibliográfica. Inicialmente apresentamos
um cenário educativo profundamente marcado por (des) valores, com destaque para uma
educação que é capturada pela lógica do mercado, apostando na competição e
empreendendorismo e segundarizando processos humanizadores. Neste sentido, destacamos a
presença de uma pedagogia neotecnicista, que reduz o processo formativo a instrução. Em
seguida apresentamos a necessidade de uma Pedagogia da Solidariedade ancorada em Paulo
Freire. E finalizamos a artigo destacando que apesar dos (des)valores incutidos pela pedagogia
neotecnicista e pelo neoliberalismo, o processo educacional pode ser um grande cenário de
práticas humanizantes conduzidas pela solidariedade.

Palavras-chave: Pedagogia da Solidariedade; Humanização; Paulo Freire.

Introdução

Na lógica do sistema econômico neoliberal, o lucro econômico vale muito mais do que
as pessoas. Isso significa que não importa quantas pessoas padeçam ou percam suas vidas, desde
que o mercado esteja bem atendido e consolidado. E a principal consequência desse modelo
econômico é a desumanização das pessoas, que viram apenas números e mão de obra barata,
(Freitas, 2018). Portanto, trata-se de um modelo socioeconômico altamente excludente,
desumano e desumanizador, isto é, faz de cada pessoa um simples objeto mercantil e mero
instrumento para o alcance desenfreado do lucro (Freitas, 2018).
Todavia, esta exclusão, acontece por muitas e repetidas vezes na escola e na
universidade quando os distintos modelos pedagógicos insistem numa educação neotecnicista
voltada para o atendimento das empresas e dos seus ideais de produtividade e lucros;
desumanizando, desse modo, os atores do processo educacional (Arroyo, 2013; Diniz-Pereira,
2015). Ao insistir na dinâmica da competição, da meritocracia, das avaliações em larga escala,

709
entre outros, estamos gerando processos de desumanização, tendo como consequência mais
desigualdades, segregação e morte (Arroyo, 2023).
Nesse sentido, falamos da necessidade de uma educação solidária que não permita a
diminuição da pessoa humana e de sua dignidade (Freire, 2021a). Por isso, a educação solidária
deve educar para a prática de contato com a/o outra/o e com suas diversas realidades,
reconhecendo que todos e cada um de nós é ser humano, por isso, repleto também de direitos,
e sobretudo, do direito à vida (Freire, 2021a).
Para dar conta desta reflexão, utilizaremos a pesquisa bibliográfica que segundo Tozoni-
Reis (2009, p. 35) “[...] tem como característica principal o fato de que o campo onde será feita
a coleta de dados é a própria bibliografia sobre o tema ou objeto que se pretende investigar”. E
ainda “[...] buscar, nos autores e obras selecionados, os dados para a produção do conhecimento
pretendido” (Tozoni-Reis, 2009, p. 36).

(Re)Conhecendo os (des)valores do Neoliberalismo/Neotecnicismo

O sistema neoliberal caracteriza-se “como uma ordem mundial com extrema influência
nos setores políticos, econômicos, sociais e educacionais” (Azambuja; Pereira, 2021 p. 107).
Influência que tem como cerne o valor da competitividade, da individualidade, do Estado
mínimo, com pouca intervenção no contexto e da livre atuação do mercado. Portanto, incentiva
a produção eficiente a baixos custos. Dito nas palavras de Azambuja e Pereira (2021, p. 108)

[...] essa nova ordem mundial, têm influenciado e direcionado mudanças nos âmbitos
econômicos, político, social e cultural em diversos países. Traz como fundamento a
concorrência em todos os setores de forma totalizadora e abrange do Estado às
diferentes esferas da existência humana. Para tanto, fundamenta-se na lógica de que a
competição deve ser a mediadora de todas as relações sociais, pois aumenta a
eficiência e a produtividade, melhorando a qualidade dos serviços e reduzindo custos.
[...] Nesse contexto, [...], a definição de Estado como provedor do desenvolvimento
econômico e social deu lugar a uma nova concepção de Estado mínimo, com o
propósito de regular a economia sob as regras das leis de mercado. Dessa forma, novas
possibilidades de interferência internacional foram criadas, no sentido de colaborar
com a implementação de políticas públicas que garantam a atuação de mercados
privados em áreas que até então eram de responsabilidade do Estado, tais como saúde,
educação, infraestrutura entre outros.

Esta nova ordem mundial, denominada de neoliberalismo começou a ditar as regras


também na educação fomentando atitudes e comportamentos próprios do neoliberalismo para
servi-lo. Surge um novo modelo pedagógico, que procura incutir na sociedade e nas/os
710
estudantes a ideia de que o processo educacional tem como finalidade, exclusivamente, preparar
pessoas para o mercado de trabalho. Este modelo passou a ser denominado por Pedagogia
Neotecnicista. Nas palavras de Libâneo (2014), a Pedagogia neotecnicista

[...] funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas


específicas. [...] [A ela] compete organizar o processo de aquisição de habilidades,
atitudes e conhecimentos específicos, úteis e necessários para que os indivíduos se
integrem na máquina do sistema social global. [...]. [...] atua, assim, no
aperfeiçoamento da ordem social vigente [...], articulando-se diretamente com o
sistema produtivo; para tanto, emprega a ciência da mudança de comportamento, ou
seja, a tecnologia comportamental. Seu interesse imediato é o de produzir indivíduos
‘competentes’ para o mercado de trabalho, transmitindo, eficientemente, informações
precisas, objetivas e rápidas. (p. 29-30)

Dentre todas as habilidades exigidas, podemos dizer que a competição é a maior, neste
modelo educativo, pois é preciso “[...] competir para [...] ganhar” (Lima, 2019, p. 12). Costa e
Pinto (2022) afirmam que o neoliberalismo e podemos dizer a educação neotecnicista, “É um
modelo social que promove a competição generalizada entre sujeitos na busca pela realização
dos desejos pessoais, enquanto a figura do próximo torna-se turva e periférica” (p. 415). O
grande problema é que a competição é desumana e não considera o ponto de partida das pessoas
que a compõem. Então, “A competitividade exacerbada, enquanto princípio ético-político,
moral e gerencial, tende a degenerar no individualismo, na instrumentalização própria da
racionalidade meramente formal, na alienação” (Lima, 2019, 12-13). Competir torna-se um
grande jogo; jogo em que as regras são claras: vencer o/a adversário/a a qualquer custo.

Nesse sentido, encontramos uma das questões mais cruéis do neoliberalismo e do


neotecnicismo: a competição entre os seres humanos para o mercado de trabalho e para a
própria subsistência (Mira, Romanowisky, 2009). Competição que torna cada pessoa apenas
um instrumento para o alcance de riquezas e do ajuntamento de posses (Arroyo, 2013).

Logo, a educação neotecnicista tende a seguir e reproduzir esta tendência, incentivando


que haja uma constante e desumana competição em tempo real e permanente entre os atores do
cenário educativo. É o que Lima (2019) denomina como uma “Pedagogia contra o outro”.
Explicada por ele (Lima, 2019), a Pedagogia contra o outro consiste numa prática que
Incide, forçosamente, sobre os alunos, os professores e as famílias, sobre as
concepções de educação e de cultura escolar [e universitária], sobre a gestão do
currículo, as práticas pedagógicas, os sistemas de regras dentro e fora da sala de aula,
as modalidades de avaliação pedagógica, as relações de poder, os processos de
socialização e de convivialidade. E [com] a competitividade degenerada, sobretudo

711
entre desiguais, cedo tende para a lei do mais forte, para a alienação dos sujeitos, para
a perpetuação e legitimação das desigualdades, para as práticas de segregação
interescolar e intraescolar dos alunos, para a rivalidade entre professores, podendo
transformar-se numa pedagogia contra o outro.

Neste sentido, a meritocrácia é outro elemento muito importante para este tipo de
modelo educacional e para o sistema neoliberal. Ela impulsiona a pessoa a acreditar que para
conseguir melhores condições de vida o caminho é se esforçar até o limite e, que, portanto, tudo
depende do seu esforço pessoal (Backes, Baquero, Pavan, 2006). Quer dizer que todos são
postos à prova para competirem entre si em busca de um mérito, sem considerar que nem
todas/os partem do mesmo ponto.

Assim, na falácia dos méritos, as condições de cada um e cada uma não são
consideradas, não são visibilizadas, e em grande parte, as desigualdades e as diferenças são até
mesmo ocultadas e menosprezadas. Então, nota-se que o fator estrutural, isto é, as condições
econômicas/sociais das pessoas são ignoradas ou são tratadas como falta de esforço, e não como
causa e consequência deste problema estrutural. É uma falácia triste e desumaizadora para com
aqueles que “[...] embora acreditem que suas vidas são o resultado do seu esforço e mérito
pessoal, não dispõem das condições efetivas para que possam fazer as escolhas ‘certas’ ou para
que possam adquirir novos hábitos, para que, de alguma forma, possam disponibilizar sua força
de trabalho” (Backes, Baquero, Pavan, 2006, p. 537).

É pregar, por exemplo, que as/os estudantes da educação pública, da periferia, que todos
os dias precisam passar pelo caos de uma comunidade muitas vezes violenta para chegarem à
escola, ao colégio ou a universidade, têm as mesmas oportunidades das/os estudantes de uma
escola elitizada. Ou seja, como se ambas as classes da sociedade tivessem as mesmas condições
de tempo e financeiras para comprar materiais de estudos necessários para o bom andamento
do curso. Nas palavras de Pinto e Costa (2022, p. 410):

A lógica neoliberalista [e podemos dizer neotecnicista] incute no indivíduo a ideia


falaciosa que só depende dele a garantia de sucesso financeiro e realização pessoal-
profissional, não levando em consideração as desigualdades estruturais e os diferentes
contextos de acessos às oportunidades que afetam cada pessoa.

Ainda neste processo pedagógico, a pessoa vale a partir daquilo que consegue
(re)produzir, sendo visibilizada a partir do momento que consegue notas “eficazes”, realizadas,
por exemplo, por meio das avaliações em larga escala. Contudo, entendemos que as avaliações

712
em larga escala não consideram a singularidade dos diversos grupos sócio-culturais. Elas
obrigam a/o estudante a se adaptarem a um conteúdo, na maioria das vezes, distantes das
vivências e convivências dos estudantes, pois enfatizam o conhecimento hegemônico. Segundo
Tedeschi e Pavan (2021, p. 9) “[...] as avaliações em larga escala reforçam [...] ensinar somente
os conhecimentos da cultura hegemônica a todos/as, da mesma forma e ao mesmo tempo,
visando à homogeneização”.

Assim, as/os estudantes introjetam pouco a pouco os (des)valores deste modelo


econômico/pedagógico. E o ambiente educativo, as escolas, as universidades, entre outros,
passam a ser para eles/elas um cenário de práticas desumanizadoras que comprometem toda a
sociedade. Isso porque “O espaço escolar [e universitário] constitui como um espaço
privilegiado de relações que contribuem para, na maior parte das vezes, conservar a sociedade
em seus aspectos estruturais” (Backes; Baquero, Pavan, 2006, p. 533), isto é, nos aspectos do
neoliberalismo. Então, as/os estudantes passam a ser vistos como indivíduos úteis e necessários
apenas para a manutenção do sistema estrutural econômico/social.

E a crueldade do sistema neoliberal e da pedagogia neotecnicista vão adiante; além de


excluir os ditos “piores” na competição, à própria sorte, defendem a ideia de desfavorecimento
a qualquer tipo de política pública, defendendo a intervenção mínima do Estado (FREITAS,
2002). Fato que contribui ainda mais para o fracasso na humanização das relações, pois atribui
às pessoas o fato delas não conseguirem se posicionar no mercado de trabalho, não levando em
consideração, as diversas realidades delas neste imenso Brasil, e assim, suas diferentes vidas
intelectuais e condições que tiveram para concorrerem a algo, ou seja, desconsiderando as suas
experiências (Freire, 2021c). Dessa forma, toda a frustração do não alcance dos objetivos, é
atribuída como fracasso do próprio sujeito, minimizando ou ocultando os demais fatores, como
a falta de investimentos na educação, a fome e a pobreza, por exemplo. (Freire, 2021c).

Contrário a estes modelos econômico/pedagógico, procuramos apresentar a necessidade


de uma pedagogia voltada para a visibilização e reconhecimento dos diferentes grupos sócio-
culturais, que considere todos e todas como pessoas importantes. É a pedagogia que Freire
(2021a) denomina de Pedagogia da Solidariedade.

Necessidade de uma Pedagogia da Solidariedade: a humanização como possibilidade


713
Começamos este item, baseados em Paulo Freire, explicitando o que entendemos por
solidariedade. Oliveira (2021, p. 123) explica que para Paulo Freire, a solidariedade é

[...] a ajuda que se proporciona àquele que necessita, para que ele não mais venha a
necessitar. Solidariedade, neste sentido, é partilhar da luta dos que tentam escapar de
suas variadas formas de opressão. É uma manifestação de apoio e uma postura
existencial e política. Partilha da luta do outro contra a opressão é unir-se a estes outros
na conquista da justiça social, é ir além dos limites da caridade, que fornece uma ajuda
pontual, mesmo que continua; é assumir uma ação libertadora.

Assim, uma Pedagogia baseada na solidariedade procura compreender os fatores que


oprimem e desumanizam o sujeito como o racismo, a indiferença, a discriminação, para oferecer
um caminho que possibilite condições para que um processo de libertação aconteça,
favorecendo a humanização do sujeito, por meio, sobretudo da solidariedade fundada no sonho
da transformação e da esperança num mundo melhor (Freire, 2021c). Logo, nesta concepção, o
processo educacional acontece, nos mais diversos ambientes, levando em consideração a
singularidade, a pessoalidade e a cultura de cada estudante, assim como também os seus sonhos
e as suas esperanças. Freire (2021d) sobre a prática da solidariedade, destaca:

O meu sonho é de uma sociedade menos feia, uma sociedade na qual nós possamos
rir sem falsidades. Na qual saber não é um problema de visão, na qual não haja
discriminação de língua, raça ou sexo. [...] [E] Nós temos que ter solidariedade entre
os que têm os mesmos sonhos. Esta solidariedade implica em esperança e sem
solidariedade é impossível lutar (p. 108).

O/A professor/a procura criticizar e conscientizar acerca das múltiplas formas de


existência, seja cultural, de gênero, religiosa, entre outros, sob pena de inviabilizar a
convivência solidária. Nesta perspectiva, Candau (2013, p. 13) salienta que “[...] não há
educação que não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa”, de tal
forma que o processo educativo não pode acontecer distante da realidade.
Nesse sentido, pensamos também com Arroyo (2013), que no processo educativo, é
importante reconhecer a singularidade dos sujeitos e das suas realidades, compreendendo suas
posições, com base nas suas experiências de vida, valorizando-os, reconhecendo-os como seres
humanos e não reduzidos a futura mão de obra.
Justamente, por isso, apoiamos a teoria de que o processo educativo é muito mais do
que a transmissão dos “denominados conteúdos” escolares e/ou universitários; do que a simples

714
memorização de conteúdos para uma boa prova, mas é a formação do sujeito, que envolve
conhecimentos, mas também formação para a vivência coletiva (Pinto e Costa, 2022) e para a
prática da solidariedade (Freire, 2021d). Ou seja, é a criticidade ao invés do ato de memorizar,
é a relação que se constrói no dia a dia com a/o outra/o ao invés da competição desmedida, é a
aceitação do/a outro/a e de suas culturas e diferenças (Candau, 2013). Um processo pedagógico
da solidariedade promove o encontro da partilha, de diferentes formas de viver a vida ao invés
da indiferença (Arroyo, 2013).
Para isso, temos a tarefa de construir com as escolas e universidades, com os
professores, com os familiares e todos os atores do processo educativo, a ideia de que as
instituições de educação não formam e educam apenas para o mundo do trabalho, mas para a
vida em suas diversas dimensões, gerando um processo de humanização e libertação, sobretudo
do ser humano oprimido (Freire, 2021a, Arroyo, 2013). Assim, afirmamos com Veiga (2006, p.
82) que “A educação é concebida como uma prática social e um processo lógico de
emancipação”.
E nessa perspectiva, a pedagogia da solidariedade busca desenvolver, construir e
solidificar o pensamento de que a/o outra/o, que passa pelo processo de desumanização, pode
ser um/a grande companheiro/a na resistência e superação da opressão, e não um opositor, que
precisamos desbancar e aniquilar a todo momento. Nas palavras de Freire (2021c) não se pode
aceitar que os oprimidos, ou as ditas minorias, lutem de modo não solidário, mas é preciso
solidarizar-se unindo as minorias, preservando as diversidades.
Logo, pensar e defender uma pedagogia da solidariedade, é basear a educação também
no ato do encontro com /ao outra/o, num gesto de companheirismos e fraternidade; é sustentar
a ideia de que a educação, além de ser construção de conhecimentos e diálogos entre saberes e
experiências, é espaço privilegiado para partilha de vida, para a humanização, para tornar-se
gente (Freire; Freire; Oliveira, 2021). Gente que compreende, que ouve, que dialoga, que se
importa, que ajuda; gente que é amorosa e solidária porque se vê no outro e, desse modo,
defende os direitos do outro porque também se reconhece digna e com direitos.
Por isso, uma educação para a solidariedade exige elementos contrários ao que pedem
os processos educativos tecnicistas e mercantis, isso porque exige, segundo Freire (2021b), uma
prática educacional que valoriza a criticidade, a ética, a autonomia, o bom-senso, a tolerância e
as lutas em defesa dos direitos, o (re) conhecimento das diversas realidades, a esperança, a
crença no não fatalismo, disponibilidade e diálogo e, sobretudo, solidariedade.
715
Solidariedade entre os estudantes e os professores e destes para e com o mundo.
Solidariedade que, conforme Freire (2021b) é contra o capitalismo. Solidariedade que não
aceita “[...] esta aberração: a miséria na fartura” (p. 100); e que nos faz entender que
absolutamente “[...] nada justifica a minimização dos seres humanos” (Freire, 2021b, p. 98).
Por isso, a solidariedade nos ajuda no ato de humanizar, pois nos faz enxergar o outro, ir até
ele/ela num gesto de companheirismo.
Diante disso, pensamos na solidariedade como uma proposta potente e pertinente para
uma educação humanizadora, porque pensamos com Paulo Freire (2021b, p. 95) que “[...]
quanto mais solidariedade existe entre educador e educandos no ‘trato’ desse espaço, mais
possibilidades de aprendizagem democrática se abrem [...]” no processo e no contexto
educativo.

Concluindo

Finalizamos este artigo reiterando com os autores Freire (2021a, 2021b. 2021c, 2021 d),
Arroyo (2013) entre outros, que a tarefa principal da educação não pode ser a de treinar
trabalhadores para o mercado, mas a de formar cidadãos conscientes, dignos, respeitados,
respeitosos e humanizados. Portanto, acreditamos e apoiamos a pedagogia da solidariedade
(Freire; Freire; Oliveira, 2021), que defende um processo de humanização dos/as estudantes.
Concluímos, ancorados em Freire (2021,a,b,c,d), que os atos de solidariedade,
especialmente, no cenário educativo, entre os atores da educação, podem gerar um potente e
valorizado espaço do saber, da troca de experiências, da dialogicidade, do respeito, das relações,
e do encontro com as diferenças, enfim, pode gerar pessoas humanizadas que valorizam e
caminham com os companheiros na construção do bem comum, na certeza de que que todas as
pessoas são importantes e devem viver com dignidade (Freire, 2021b).

Referências

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718
PROJETO DE APLICATIVO CAMINHANDO PELO MUNDO - MITOLOGIA
TERENA: A GAMEFICAÇÃO COMO PRÁTICA DECOLONIAL

Alexandre Sogabe (FCMS)


alexandresogabe@gmail.com

Resumo: Tendo em vista os processos de dominação colonial que continuam a agir no mundo,
recentemente, por meio do que podemos denominar provisoriamente de “infocracia”, um
desdobramento do domínio hegemônico colonial sobre as culturas e povos periféricos. É
preciso encontrar estratégias para romper com esse domínio tecnológico, um dos recursos que
pode ser usado é a gamificação. Esta apresenta estratégias e ferramentas que podem contribuir
com a criação não necessariamente de jogos, mas de dinâmicas e aplicativos que incorporam
os recursos de engajamento tão desenvolvidos em dinâmicas interativas de vídeo games. O
Artigo apresenta ainda a retomada da proposta do Aplicativo – Caminhando pelo Mundo –
Mitologia Terena baseada na obra da Professora Fátima Cristina Duarte Ferreira Cunha.

Palavras-chave: Tecnologia; Recursos Educativos; Decolonidade; Gamificação.

INTRODUÇÃO

Tendo em vista que o projeto de colonidade está em ainda em curso, é possível que dizer
que, no curso dos processos de colonidade apresenta uma de suas novas facetas pode ser a
Infocracia. Dessa forma, é preciso manter-se vigilante as formas de dominação do projeto
colonial e buscar formas de transgredir, resistir e superar a condição colonial.

O conceito de Infocracia é apresentado por Byung-Chul Han (2022) em seu livro


"Infocracia - digitalização e a crise da democracia".

No livro o autor expõe os perigos da digitalização do mundo para a democracia, a esse


fenômeno ela chama de infocracia.

We were stunned by the intoxication of communication and


information. The information tsunami unleashes destructive forces.
Meanwhile, it also encompasses political spheres and leadsbto
fractures and massive disruptions in the democratic process.
Democracy degenerates into infocracy. (HAN, 2019, p.19)

Dessa forma, os algoritmos das redes sociais que manipulam a navegação dos usuários,
criando bolhas comunicacionais acabam por ensejar o que parece ser um desdobramento do
projeto de colonidade: a dominação por meio da informação, por meio das redes sociais.

719
Porém, essa dominação pode ter apresentar um sério risco a nossa democracia
por alguns motivos. 1. A ubiquidade da tecnologia, ou seja, o não conhecimento de como aquela
tecnologia funciona, pode levar ao uso não consciente da tecnologia, onde o usuário é
facilmente manipulado a consumir produtos serviços e, até mesmo, adotar posturas políticas de
um ou outro espectro político. 2. As empresas passam a manter uma vigilância constante sobre
os usuários, analisando vários aspectos de suas preferências, hábitos e até mesmo os lugares
onde essa pessoa costuma ir, ou seja, a liberdade e a privacidade do indivíduo, e possivelmente,
de toda a sociedade está comprometida.

Tendo em vista, que as grandes empresas de tecnologia, as principais responsáveis por


manter essa vigilância e manipulação de usuários ocupam importante posições nas bolsas de
valores (Alphabet Google, Amazon e Apple) entre as mais valiosas do mundo, elas
reproduzem as formas de colonização.

Tendo em vista, o pensamento decolonial, é preciso estar atentos as formas de formas


coloniais e manter a postura de um pensamento contínuo que possa reagir:

“O pensamento decolonial reflete sobre a colonização como um


grande evento prolongado e de muitas rupturas e não como uma etapa
histórica já superada. [...] Deste modo quer salientar que a intenção
não é desfazer o colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento
colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um
posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial
implica, portanto, uma luta contínua” (COLAÇO, 2012, p. 08).

Dessa forma, entender a tecnologia e passar a desenvolver aplicativos, redes sociais,


filtros de fotografias e outros recursos são formas de uma luta decolonial, pois implica na
“tradução” de traços culturais para a cultura informacional dos dispositivos móveis.

ELEMENTOS DA GAMEFICAÇÃO

A gameficação pode nos dar pistas de como podemos elaborar dinâmicas que possam
nos auxiliar. A gamificação é justamente a utilização de elementos de jogos fora do contexto
de jogos (GRIFFIN, 2014), ou seja, é o uso dos elementos e jogos sendo aplicados em produtos,
serviços, dinâmicas, aplicativos. Não implicando em jogos propriamente dito. É a busca da
criação de dinâmicas usando os elementos dos jogos como estética, mecânicas, regras,
buscando o "engajamento" e atenção que são observados em jogadores.

720
Dessa forma, a ideia de gamificação não está relacionada diretamente a jogar, mas a
atingir um objetivo usando os elementos de jogos, não é uma solução absoluta, que pode
resolver todos os problemas, mas um campo de experimentação que pode apontar alguns
caminhos.

Sendo assim, é importante conhecer algumas características que podem nos ajudar a
entender o contexto do que seriam boas práticas de gamificação. Zichermann e Cunningham
(2011) em seu livro Seu livro “Gamification by Design” (Gameficação por Design, tradução
livre) nos ajuda a entender a dinâmica dos processos de gamificação seguindo os seguintes
tópicos: a) motivação dos jogadores, b) o comportamentos dos jogadores e, por fim, c) as
ferramentas usadas em processos de gamificação.

A motivação dos jogadores passa quatro arquétipos básicos: seriam eles os 1)


socializadores, exploradores, os empreendedores e os predadores. Os socializadores buscam
por criar conexões sociais. Eles veem as dinâmicas como um pretexto ou pano de fundo para
interações sociais, Eles buscam a interação social em vários ambientes e se sentem motivados
para isso. Tem preferência por dinâmicas cooperativas, no qual seja possível trabalhar em
equipe. Para esse perfil, a oportunidade de interagir é mais importante que o jogo em si.

Um outro arquétipo são os exploradores. Estes têm o desejo de criar e explorar as


possibilidades oferecidas pelo jogo. Tem o interesse de descobrir as possibilidades do jogo e as
"histórias" por trás dos ambientes. Ele tem o desejo de atingir o limite das dinâmicas do jogo.

Os empreendedores procuram apreender novas formas de interagir com as regras


propostas e buscam melhorar a si mesmo. Ele tem por motivação superar desafio e esperam
recompensas pelos desafios realizados. Buscam estar em constantes "quests", buscas que
possam proporcionar vitórias constantes e são motivados pela realização completa de todas as
atividades propostas pelo jogo. Por fim, os predadores buscam a disrrupção do sistema, de
forma direta ou com a ajuda de outros jogadores. O seu comportamento pode forçar mudanças
na própria dinâmica das atividades, sendo essas mudanças positivas ou negativas. Este
arquétipo tem por características ser extremamente competitivo, por isso cria relacionamentos
intensos com outros jogadores, mesmo que sua imposição suplante a cooperação.

721
Entender e identificar os perfis no público a qual se destina a proposta de gamificação
ajuda a melhorar as dinâmicas propostas e aumenta a chance de sucesso., essa tarefa tem
importância vital no desenvolvimento dos recursos.

Em seguida, o comportamento dos jogadores, segundo os autores mencionados tem por


base as relações: mecânicas, dinâmicas e estéticas. As relações mecânicas estabelecem os
elementos funcionais do jogo, permitindo orientar as ações do jogador, as relações dinâmicas
são as interações entre o jogador, as regras do jogo e os outros jogadores, estabelecendo a forma
de como o jogo flui. As relações estéticas envolvem as emoções do jogador durante a interação
com o jogo, em consonância com os outros elementos pode criar a emoção.

Por fim, trataremos das ferramentas usadas no processo de gamificação. Entre elas se
destacam os pontos, níveis, medalhas, placar, divisas, integração, desafios e missões, loops de
engajamento, personalização, reforço e feedback, item e escassez.

Os pontos são um recurso arbitrário que pode ter vários objetivos. Pode ser
usando de maneira despretensiosa e tem valor em relação a si mesmo, pode ser útil para placares
e níveis. Pode ainda, indicar o progresso do jogador e representar um parâmetro para o
desenvolver para a manutenção e rebalanceamento das dinâmicas a partir da visualização do
avanço dos usuários.

Os níveis são os indicadores básicos de progresso do jogador, também pode ser usado
como medidor de experiência. Pode indicar ainda o nível de habilidade e conhecimento do
usuário das regras que compõem as dinâmicas, quanto mais o nível do jogador, melhor é o
jogador e é preciso balancear o sistema para tornar as dinâmicas mais desafiadoras.

As medalhas ou “badges” são uma representação estética de conquistas que os jogadores


ganham por realizar determinadas tarefas. É uma maneira bastante acertadas de expressar as
conquistas dos jogadores. O Placar é utilizado para fazer comparações, geralmente pode indicar
as conquistas dos jogadores, ou as pontuações gerais em determinadas tarefas, pode ser usado
para estimular a competição e aumentar os níveis de engajamento e produtividade das equipes.
As divisas são bem parecidas com as medalhas, e podem demarcar os objetivos e progressos
dos jogadores, estimulando a competição e o engajamento por meio da promoção social. A
ferramenta da integração permite a adoção de jogadores inexperientes no sistema, pode indicar
o engajamento do jogador ao experimentar o jogo pela primeira vez. Essa é uma ferramenta que
722
cria uma maneira de inserção em degradê, evitando expor o jogador iniciante a toda
complexidade do sistema, pode criar um ambiente positivo com baixa possibilidade de rejeição
às dinâmicas propostas. Essa ferramenta é muito importante, pois, constitui a porta de entradas
para os jogos. Os desafios e missões são dinâmicas que dão propósito ao jogo e possuem vários
objetivos: engajar os jogadores nas dinâmicas, renovar o conteúdo do jogo adicionando sempre
novas dinâmicas, procurando sempre atender às diferentes motivações dos jogadores. Loops de
engajamento são maneiras de criar e manter emoções motivadores de forma sucessiva, auxiliam
o processo de engajamento dentro do jogo. A ferramenta da personalização permite a
transformação e customização dos itens do jogo de acordo com jogador, pode representar as
escolhas do jogador no sistema, essas escolhas podem ser feitas de maneira inicial e gradativa.
e, por fim, reforço e feedback, são as informações fornecidas pelo sistema ao jogador,
procurando engajar o jogador por meio dos resultados de suas ações.

Outros recursos citados por Griffin (2014) podem ser adicionados a lista mencionada.
Itens e Escassez. Os itens são recursos dentro do jogo podem melhorar a experiência dos
participantes. Eles podem ser adquiridos como recompensa ou comprados com pontos do
próprio jogo. A Escassez é um recurso usado dentro das dinâmicas do jogo, limitando de alguma
forma a reprodutibilidade dos itens, fazendo com que determinados itens sejam mais
procurados.

PROPOSTA DE APLICATIVO – CAMINHANDO PELO MUNDO: MITOLOGIA


TERENA

Tendo em vista os processos decoloniais e os elementos de gameficação pretende-se


traduzir o livro Caminhando pelo mundo – Mitologia Terena da Professora Fátima Cristina
Duarte Ferreira Cunha (2010). A proposta seria criar um aplicativo que pudesse traduzir o livro
para um formato mais atrativa para as novas gerações.

Em conversa informais com lideranças indígenas constatou-se uma mudança na


contação de história entre as diferenças gerações que compõem a comunidade indígena. Dessa
forma, a proposta do aplicativo é uma forma de conversar com as gerações mais jovens,
contribuindo com a disseminação e preservação dos saberes indpigenas.

723
A ideia é executar as imagens e texto do livro em animações, além da narração em dois
idiomas: o português e o Terena, essa proposta teve início em 2020, porém, por conta da
pandemia ela foi adiada e pretende-se retomar a atividade. Dessa vez, com mais profundidade.

CONCLUSÃO

Por fim, tendo em vista os processos coloniais que continuam a acontecer, dessa vez,
representados pelas grandes empresas de tecnologia podemos dizer que criar aplicativos que
reproduzam a cultura das comunidades locais é uma forma da subversão da tecnologia em prol
da cultura dos povos originários, tendo em vistas as ferramentas e recursos que a gameficação
pode oferecer é possível criar novos caminhos para a sobrevivência dos saberes das
comunidades locais, usando a tecnologia como forma de afirmação cultural dessas tecnologias.

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Infocracy: Digitization and the Crisis of Democracy. Petrópolis, RJ:
Voices, 2022.

COLAÇO, Thais Luzia. Novas perspectivas para a antropologia jurídica na América


Latina: o direito e o pensamento decolonial. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.

CUNHA, Fátima Cristina Duarte Ferreira. Caminhando pelo mundo – Mitologia Terena.
Campo Grande - MS, 2010.

GRIFFIN, Daniel. Gamification in E-Learning. Ashridge Business School, 2014.


Disponível ]em:
<http://www.ashridge.org.uk/Website/Content.nsf/wELNVLR/Resources:+Gamification+in+
e-Learning?opendocument>. Acesso em: 18 jun. 2020.

ZICHERMANN, G.; CUNNINGHAM, C. Gamification by Design: Implementing Game


Mechanics in Web and Mobile Apps. 1 edition ed. Sebastopol, Calif: O’Reilly Media, 2011.

724
PROTAGONISMO DOS GUARARNI E KAIOWÁ NO ESTÁGIO DOCÊNCIA NO
ENSINO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

Kátia Karine Duarte da Silva (UEMS)


katiakds@uems.br

Resumo: O objetivo desse texto é apresentar o protagonismo dos acadêmicos Guarani e Kaiowá
na realização do estágio docência em Sociologia. Trata-se de um relato de experiência coo
professora supervisora do Ensino de Ciências Sociais na UEMS. Para isso, recorri aos dos
relatórios de estágio produzidos pelos estudantes indígenas e as anotações e registros que
realizei sobre o desempenho dos estagiários. Os resultados apontam novas possibilidades para
o ensino de Sociologia na escola indígena.

Palavras-chave: guarani e kaiowá; estágio docência; ciências sociais.

A presenta proposta em como objetivo apresentar o protagonismo dos acadêmicos


Guarani e Kaiowá na realização do estágio docência em Sociologia. Trata-se de um relato de
experiência coo professora supervisora do Ensino de Ciências Sociais do curso de Licenciatura
em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) no ano de 2017.
Para a realização do texto, recorri as minhas anotações e registros referentes ao estágio e aos
relatórios produzidos pelos acadêmicos. O estágio foi realizado na “Escola Estadual M’Bo Eroy
Guarani Kaiowá”, localizada na aldeia Amambai/MS. Esse artigo foi elaborado em diálogo com
pesquisadores indígenas e pesquisadores da temática indígena, com base nas reflexões na área
da Antropologia, Educação e Sociologia.
A minha1 primeira experiência como professora universitária e com estudantes
indígenas deu início no ano de 2012, a primeira turma que ministrei aula foi o primeiro ano na
disciplina Sociologia I, estava concluindo o Mestrado em Educação e, apesar de ter cursado
Ciências Sociais, tive apenas uma disciplina que tratava dos povos indígenas na grade
curricular, mas sem a possibilidade de uma inserção maior em seus territórios.
No momento que cheguei no Hotel da cidade, a rádio local noticiava fatos que
ocorreram dentro das aldeias. Lembro-me de ficar incomodada, com a fala pejorativa
expressada pelo meio de comunicação e, entendi, aquele momento, como um prelúdio do que

1
Peço licença para falar em primeira pessoa.
725
seria a minha trajetória no contexto de fronteira2. É importante, destacar que minha chegada em
Amambai, coincidiu com pós- assassinato de liderança Nízio Gomes em 18 de novembro de
2011 na retomada Tekoha Guaiviry, seus parentes ainda buscavam por seu corpo, que nunca foi
encontrado.
O conceito de fronteira, nesse texto, é entendido como uma categoria histórica e tem,
nas palavras do Sociólogo José de Souza Martins (1997, p.13): “[...] um caráter litúrgico e
sacrificial, porque nela o outro é degradado para, desse modo, viabilizar a existência de quem
domina, subjuga e explora [...] é na fronteira que encontramos o ser humano no seu limite
histórico”. Se outrora, os Guaranis e Kaiowás ocupavam grandes extensões de terras,
circulavam livremente conforme suas necessidades e vontade, agora vivem em aldeias
superlotadas, escassas em recursos naturais e artificialmente criados pelo Estado, no processo
conhecido como confinamento (Brand, 1997).
O antropólogo Kaiowá Tonico Benites (2009) entende que foi a partir de 1910 que se
deu início a um processo de mudança da ocupação do território dos Guarani e Kaiowá, que
encontravam dificuldades para “se assentarem e viver de forma autônoma”. Contexto em que o
Estado criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais
(SPILT), de caráter tutelar, sob o comanda do governo federal. O órgão passou a entender a
condição dos povos indígenas como “transitória”, a ideia consistia em considerar que essa
condição, em breve, se transformaria na categoria trabalhadores rurais. Iniciou-se o processo
de aldeamento sem nenhuma preocupação com localização das terras originárias. Nesse
contexto surge a aldeia Amambai. Com Benites (2009),

Situadas entre três das principais bacias hidrográficas do Cone Sul do Mato Grosso
do Sul (ou seja, as dos rios Dourados, Amambai e Iguatemi), a partir do final dos anos
de 1970, estas reservas ficaram superlotadas, com as famílias extensas passando a
sofrer diversos tipos de pressão, ameaças e persuasão para se assentarem nesses
espaços (Benites, 2009, p.27)

A política de reservas serviu ao o processo de esbulho territorial durante o século XX,


liberando áreas para a colonização (Cavalcante, 2014). O antropólogo Antônio Brand entende
a chegada dos colonizadores em dois momentos distintos. O primeiro com o ciclo de
exploração da erva- mate a partir de 1890 para exploração dos ervais, que atingiu as regiões de
Caarapó, Juti e Amambai, por exemplo. Como destaca Brand (s/d; p.29): “[...] convém lembrar,

2
Amambai fica distante 44 quilômetros do Paraguai.
726
que a Cia Matte Larangeiras, nesta fase, não busca a propriedade da terra, apenas a exploração
da erva”. Dessa forma, as destruições das aldeias se intensificam na segunda fase, durante a
década de 1950, após o fim do monopólio da companhia.
A formação da cidade de Amambai se deu a partir do ciclo da erva-mate, porém, com o
seu encerramento, outras formas de exploração dos recursos naturais foram usadas, dentre as
quais, a instalação de madeireiras, pecuária e no momento histórico mais recente, o predomínio
da monocultura da soja (Albanez, 2013). Acirrando, as lutas pelas retomadas de terra, pois a
cada investida da monocultura em grande escala, ocorrem o desmatamento, a contaminação dos
rios e do ar em decorrência do agrotóxico. A aldeia Amambai, por exemplo, fica “encurralada”
entre as grandes fazendas de produção soja. Os aviões particulares com veneno, sobrevoam as
terras indígenas e deixam rastros com o vento. Essa situação vivenciei quando morei na região,
era recorrente os acadêmicos indígenas chegarem na universidade com dor de cabeça devido a
inalação do agrotóxico.
Feitas as explicitações iniciais, do contexto em que se localiza essa experiência, a seguir
abordarei aspectos pertentes à escola e a Universidade, as experiências de estágio a partir de
dois relatórios produzidos em 2017 e as considerações finais.

Considerações sobre o ensino de Sociologia, o estágio e a universidade.

A Sociologia como conhecimento científico nasceu no contexto europeu no século XIX


com o desenvolvimento do Mundo Moderno (Ianni, 1989). Os pensadores clássicos da
Sociologia são Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, os dois primeiros nasceram na
Alemanha e o terceiro é Francês. No Brasil a Sociologia foi, de início, influenciada por ideias
positivistas, aparece como possibilidade curricular nos pareceres aparece nos Pareceres de Rui
Barbosa em 1879.
O gradual retorno da disciplina Sociologia ao currículo do ensino médio brasileiro foi
possível com as finalidades previstas na Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que expressa, em seu art. 36, que o educando
do ensino médio deve desenvolver “[...] domínio dos conhecimentos de Filosofia e Sociologia
necessários ao exercício da cidadania” (BRASIL, 1996, grifo nosso). Mas, foi com a Lei 11.684
de 2008 que a Sociologia se torna obrigatória no currículo da educação básica. Isso foi possível,
a partir das lutas realizadas por professores, Sindicato dos Sociólogos e sociedade civil.
727
Esse contexto, demandou a criação de cursos de Licenciatura em Ciências Sociais no
Brasil, na UEMS o curso foi implantado no ano de 2008, na cidade de Amambai, com a oferta
de 40 vagas anuais, as aulas ocorrem no período noturno. A instituição também atende a
estudantes das regiões vizinhas, como Coronel Sapucaia e Tacuru. Conforme o Projeto
Curricular do Curso (2017), o objetivo é,

[...] de contribuir para o avanço social, para a socialização e democratização do saber,


principalmente, de saberes que envolvem conhecimentos e habilidades voltados para
a área educacional, social, antropológica e política do Estado e do país [...] (Mato
Grosso do Sul, 2017, s/p)

Com relação ao estágio supervisionado o mesmo se desenvolve no terceiro e quarto ano


do curso. O Estágio Supervisionado I consiste em uma aproximação do acadêmico, a partir das
observações: do contexto da sala de aula; das relações sociais, presente da escola e de seu
entorno, bem como, das condições materiais; o Projeto Político Pedagógico e a apreensão das
políticas públicas em educação. Dessa maneira os estagiários e as estagiárias exercem o papel
de pesquisadores-aprendizes dentro da escola (Hernandes; Hernandes, 2007). É importante
destacar que grande parte dos acadêmicos indígenas tinham vínculos com a escola em que o
estágio seria realizado, pois a maioria havia estudado na instituição ou estava atuando como
bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID).
O segundo momento de entrada na escola, é o Estágio Supervisionado II, que consiste
na regência de aulas, que deve ser realizada, preferencialmente, na instituição em que as
observações foram realizadas. Na regência ocorre o planejamento de aulas e sua aplicação em
sala, sob a orientação da professora que acompanha a disciplina estágio e do regente de turma.
A orientação para o planejamento é que este fosse realizada em colaboração com o docente da
escola a partir da sua realidade. O professor regente do ensino de Sociologia é indígena e
egresso da UEMS, formado na primeira turma da Licenciatura em Ciências Sociais no ano de
2012, questão que favorecia o diálogo coletivo, muitos já haviam sido seus alunos.
Os conhecimentos ministrados nas aulas de Sociologia no ensino médio, não abarcam
apenas o referido campo, mas, também, a Antropologia, a Ciência Política, a Filosofia e a
História. No ano de 2016, momento do estágio, a disciplina ocupava apenas uma hora/ aula na
grade curricular do ensino médio distribuída no primeiro, segundo e terceiro ano. O tempo
reduzido da disciplina colocava limites a atuação docente e dos estagiários. Primeiro, porque
os temas das Ciências Sociais, estimulam, a participação e o debate e, portanto, precisam de um
728
tempo maior para que isso ocorra de forma efetiva. Segundo, porque a escola é organizada a
partir de um padrão comum bimestral, o professor precisa cumprir com as exigências
burocráticas como: aplicar provas, trabalhos e fazer chamadas, questão que toma um bom
tempo da aula.
É importante ponderar que até aquele momento, o curso de Ciências Sociais não era de
caráter intercultural, essa mudança vem sendo discutida no atual momento. Quando iniciei o
meu trabalho na Universidade, em 2012, havia poucos estudantes indígenas, contudo, esse
quadro foi mudando. Conforme Célia Foster Silvestre e Marta Soares Ferreira (2021),

Na Unidade da UEMS de Amambai se matricularam, em 2015, um total de trinta e


dois estudantes Guarani e Kaiowá, ingressantes pelo sistema de cotas: no curso de
Ciências Sociais quinze e, no curso de História, dezessete estudantes, dando sequência
a uma expansão do acesso que já se evidenciava em 2014 e, ano a ano, só foi
aumentando (Silvestre; Ferreira, 2021, p. 20-21)

Destaco a importância das políticas públicas de acesso e permanência nesse processo e,


também, a atuação do PIBID interdisciplinar na escola da aldeia Amambai. Como ressalta as
referidas autoras,

Naquele contexto, as bolsas eram bastante divulgadas através dos membros do


movimento estudantil, por docentes, secretarias, coordenação dos cursos, nas redes
sociais e com a distribuição de cartazes que os próprios estudantes indígenas
elaboravam. Eram cartazes bilíngues, com grafismos artísticos que os estudantes
tinham o cuidado em distribuir em lugares frequentados pela juventude como, nas
escolas, posto de saúde, os barracões de reuniões onde tinham danças ou centralizava
os jogos esportivos. A partir da divulgação das bolsas surgiu uma reflexão sobre a
importância dos programas institucionais de bolsa e auxílio à permanência na
universidade. Enquanto políticas afirmativas eram divulgadas pelo movimento
estudantil, corpo docente e diversas instituições ligadas aos Guarani e Kaiowá,
refletiam a respeito da temática do direito ao acesso e permanência no ensino superior.
(Silvestre; Ferreira, 2021, p. 21)

As autoras destacam o protagonismo dos estudantes Guarani e Kaiowá no que se refere


ao fortalecimento dessas politicas públicas via divulgação de seus direitos, bem como de lutas
pelas melhorias dentro da universidade para melhor atender aos anseios dos acadêmicos
indígenas. O movimento de estudantes indígenas e as Rede Saberes, foram essenciais para a
conquista do território universitário.
Contudo, é preciso reconhecer que não bastam políticas afirmativas ou de acesso ao
ensino superior, são necessárias aplicações de novos paradigmas educativos que possibilitem

729
a articulação entre a ciência ocidental e os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas e
grupos étnicos (Grümberg, 2005).

Relatos de estágio no ensino de Sociologia, experiência Guarani e Kaiowá.

Segundo dados do IBGE (2023) no município vivem 9.988 indígenas. As etnias


predominantes são Guarani e Kaiowá, mas nas aldeias é possível ter a presença dos povos
Terenas, em menor proporção. A aldeia indígena Amambai, foi criada em 1915 pelo Sistema de
Proteção ao Índio (SPI), posteriormente, o Estado criou as reservas Limão Verde (1928) e
Jaguari (1993), todas localizadas no município de Amambai/MS. Além da escola estadual, na
aldeia Amambai é ofertada a pré-escola e o ensino fundamental pelo município, mas, também
a escola da “Missão” Mita Rory que, também, atende o ensino fundamental.
A Escola Estadual Mbo’eroy Guarani kaiowá localizada na Aldeia de Amambai foi
criada a partir do decreto n˚.11.801 de 24 de maio de 2005. É a única instituição de ensino
médio que atende a educação escolar indígena na região. Dessa forma, estudantes de outras
localidades, como, por exemplo, a aldeia Limão Verde, precisam se deslocar para a aldeia
Amambai para frequentar a escola. Conforme está expresso em seu Projeto Político Pedagógico
(2017, s/p): “[o] trabalho educativo é norteado dentro dos princípios de educação tradicional
dos Guarani Kaiowá.”
Concorda-se com Eliel Benites (2014, p. 22) que a escola para os povos: “[é] um lugar
que se encontra na fronteira entre o mundo kaiowá e guarani e o mundo da sociedade não
indígena. A escola indígena é o espaço do encontro desses mundos e de suas concepções
antagônicas.” Esse antagonismo pode, por exemplo, ser expresso no currículo, sobretudo, nas
disciplinas da grade comum e nos materiais didáticos distribuídos na escola, frutos de uma
produção não indígena3. Assim, um dos grandes desafios no processo de estágio foi
contextualizar os conhecimentos da ciência ocidental com a realidade da escola indígena.
O primeiro relato de estágio que apresento foi produzido por Celuniel Aquino Valiente
da etnia Kaiowá. O estágio, em seu processo de análise sobre a Sociologia no contexto da escola
indígena, levantou os seguintes questionamentos,

3 NO MOMENTO DO ESTÁGIO O LIVRO DIDÁTICO UTILIZADO EM SALA FOI: ARAÚJO, SILVIA MARIA DE. SOCIOLOGIA.
VOLUME ÚNICO ENSINO MÉDIO, 2013.

730
As questões que surgiram durante as observações, são: como funciona o ensino na
escola? De que modo devemos produzir leitura e escrita da língua indígena ao estudar
os conteúdos da sociologia? É possível produzir material didático da sociologia na
língua indígena? De que modo podemos produzir na língua indígena o material
didático para estudar os clássicos da Sociologia, como: Karl Marx; Émille Durkheim
e Max Weber? (Valiente, 2017, p.10)

Na sua regência, o referido acadêmico ministrou aula com sobre tema: “Movimentos
Sociais”, presente no Referencial Curricular no segundo ano do ensino médio. Para essa
abordagem, usou como exemplo os movimentos indígenas, sobretudo, o de retomadas. Segue
um registro4 da aula,

Imagem 1: aula Movimentos Sociais

Fonte: arquivo pessoal, 2017

A turma ficou entusiasmada com a aula, o estagiário, usou lousa e giz e, estimulou
debates sobre o tema, também, relacionados a saúde e educação. Nas palavras de Valiente
(2017),

O tema da aula foi “Movimentos sociais” e, para entender esse pensamento, partimos
do movimento Guarani e Kaiowá de MS. Fiz um contexto histórico, ou seja,
analisando o processo histórico de quando, como e porque surgiu esse movimento. A
discussão e a atividade foram muito produtivas abordando diversas questões na esfera
de conceito movimento social. As atividades que trabalhamos é exatamente para
fazermos uma reflexão e compreender diversos movimentos, são as questões como:
“o que é movimento social? De que modo é apresentado a luta por reconhecimento,
conforme o sociólogo Axel Honeth? E uma reflexão em torno da realidade e situação

4
Celuniel Valiente autorizou a publicação da foto nesse artigo.
731
dos Guarani e kaiowá do Sul de MS. O que é movimento indígena? Por que e como é
esse movimento social?”. (Valiente. 2017, p. 23)
A experiência no terceiro ano do ensino médio, se deu com o desenvolvimento do tema:
“Indústria Cultural”, também presente no Referencial Curricular. Para o estagiário a discussão
sobre o tema foi produtiva e possibilitou aos jovens indígenas refletirem sobre sua realidade e
os efeitos da Indústria Cultual em suas vidas. Para o desenvolvimento da aula recorreu aos
pensadores da Escola de Frankfurt, como: Max Horkheimer e Walter Benjamin. Valiente (2017)
levantou os seguintes questionamentos em sala,
o que é consumismo? O que é indústria cultural? De que forma a indústria cultural
afetam os jovens? A partir da reflexão sobre a indústria cultural na vida cotidiana dos
jovens indígenas. Desse modo, conforme essas questões tentamos entender a realidade
dos jovens indígenas por via destas teorias críticas da sociologia. (Valiente, 2017,
p.23)

O referido discente, foi protagonista ao questionar o ensino de teorias sociológicas que


não levavam a uma reflexão sobre a realidade dos povos indígenas, como, por exemplo, o
pensamento de Augusto Comte, previsto no Referencial Curricular, como apontou em relatório,

[o] professor passou-me a palavra, ou seja, para dar a minha aula. O plano de aula ou
o planejamento que realizei é exatamente sobre “O Positivismo de Auguste Comte”.
No momento que fiz o plano de aula, pensei de várias formas de como vou apresentar
o pensamento de (Comte) do século XIX, uma teoria que visa para refletirmos sobre
desenvolvimento capitalista e a questão indígena desde 1500. Apareceram várias
questões no momento de preparação da aula, como, por exemplo: “como relacionar
ou fazer o diálogo entre o pensamento de Comte e com a realidade guarani e kaiowá?”.
Conforme o estudo e leitura sobre a Educação Escolar Indígena, entendo que se deve
priorizar o saber ou epistemologia guarani e kaiowà. (Valiente, 2017, p.22)

Percebe-se que o acadêmico articulou a teoria da luta pelo reconhecimento em Axel


Honeth com as lutas dos povos Guarani e Kaiowá no estado de Mato Grosso do Sul, bem como
relacionou o conceito de Indústria Cultural com a realidade dos jovens indígenas. O estímulo a
reflexão e ao debate foram as diretrizes de sua aula, bem como questionou teorias que não
possibilitaram maior diálogo com a realidade do seu coletivo. Celuniel Valiente é Doutorando
em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da escola pública da
aldeia Amambai, no atual momento.
Outro relato de estágio que apresento é o da acadêmica Lúcia Pereira, da etnia Guarani,
realizado, também, no ensino médio. Em sua contextualização sobre a escola e a aldeia, Pereira
(2017, s/p.) entende que: “[a] aldeia está muito pequena para o grande número de habitantes”.
Acerca das famílias Guarani e Kaiowá e de suas condições econômicas, entende que a bolsa
732
família, é um benefício importante condicionado a frequência escolar, pois: “[...] Muitas
mulheres são mães solteiras e precisam do benefício para sustentar suas famílias”. A estagiária
compreendeu que o mercado de trabalho para as mulheres indígenas é difícil, sobretudo, por
falta de estudos e qualificação profissional, se tornam mão-de-obra barata.
Outro ponto que Lúcia Pereira destaca é a influência que o capitão exerce na escola e
na escolha de quem deve ser convocado para lecionar ou trabalhar, ultrapassando, nas palavras
da estagiária, a direção escolar. É importante pontuar que no momento em foi realizado o
estágio, a direção escolar era não indígena. A diretora foi bem receptiva com Lúcia havia
cursado seu ensino médio na escola, bem como o PIBID interdisciplinar. Para Lúcia Pereira
(2017),
A escola vem sendo importante para os jovens Guarani Kaiowá, [...] para que eles
busquem sempre ajudar a sua comunidade. Os jovens que fazem faculdades nas outras
regiões, sempre voltam para atuar na sua aldeia [...] (Pereira, 2017, s/p.)

O primeiro tema de regência da acadêmica foi “Senso comum e conhecimento


científico”, nesse tema a acadêmica apresentou discussões pautadas na alegoria de Platão, tal
qual aparecia no Referencial do estado. Porém, apresentou, como exemplo, em sua aula, a
produção do saber indígena ao se refere ao uso das ervas medicinais. Segue um registro de
imagem5,
Imagem 2: Aula “Senso Comum e Conhecimento Científico ”.

Fonte: arquivo pessoal, 2017.

5
Lúcia Pereira autorizou a publicação da foto nesse artigo.
733
Os estudantes participaram do debate, a acadêmica mostrou imagens das ervas
medicinais e conversaram sobre suas experiências familiares com relação ao uso das ervas,
alguns estudantes relataram conhecer através dos ensinamentos dos anciões e anciãs de sua
família. Naquele contexto, a Lúcia Pereira fazia parte de uma pesquisa da Fiocruz sobre os
conhecimentos tradicionais sobre as ervas medicinais, experiência que levou para sua regência
no ensino médio. Outro tema abordado pela estudante, foi “Desigualdade Social” o qual o
objetivo foi de,

Compreender como acontecem a desigualdades na sociedade indígena, como também


nas favelas, e nas grandes cidades, os preconceitos que acontecem para encontrar
trabalhos, destacar também o que a mídia apresenta na sociedade. Por outro enfatizar
que a desigualdade de gênero também está presente nesse meio de sociabilidade
(Pereira, ano, s/p)

No decorrer das aulas os estudantes do ensino médio, prestaram a atenção na e


contribuíram. A acadêmica relacionou o conceito de Desigualdade Social, com a realidade
dos povos indígenas, sobretudo, dos que vivem na aldeia de forma precária, bem como o
preconceito que estes encontram para conseguir uma colocação no mercado de trabalho e,
também, a desigualdade de gênero. A referida acadêmica, hoje é Mestra em Antropologia pela
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e atua na mesma escola em que realizou
o estágio, hoje como coordenadora pedagógica.

Outras considerações
O protagonismo dos estudantes Guarani e Kaiowá, se deu dentro e fora da universidade,
seja por posicionamentos marcantes em sala de aula, quando enfrentavam os preconceitos e
falta de informações sobre seu modo de vida nas aldeias, ou seja, fora da sala de aula. Como,
por exemplo, no processo de resistência em retomadas ou de resistir aos ataques e atitudes
racistas dentro da cidade de Amambai/MS. Concorda-se com Bergamaschi, (2014) que de
forma geral os intelectuais indígenas se revelam na luta pelo
Em geral, os intelectuais indígenas se revelam na luta pelo reconhecimento, pela
autodeterminação, pelo direito a relações simétricas com outras sociedades, pela
afirmação de seus valores, seus conhecimentos, seus direitos políticos e sociais, se
aproximando da concepção de intelectual orgânico cunhada por Gramsci: um
intelectual compromissado com seu grupo social e aqui, no caso do intelectual
indígena, compromissado com seu povo ou com as lutas dos povos ameríndios.
(Bergamaschi, 2014, p.11-12)

734
Em sua dissertação de Mestrado a antropóloga Lúcia Pereira defende que,
Cabe a nós indígenas abordarmos o nosso modo de ser, ser protagonistas da nossa
própria história. Atualmente muitos jovens acessam o campo acadêmico, estão
ocupando o lugar e se tornando visíveis, temos acadêmicos, mestres e doutores
indígenas, falando dos lugares que vivem, do seu reko, e compartilham forças para
lutar sobre a visibilidade. É importante notar que iremos ocupar o nosso lugar de fala
(Pereira,; 2021, p.20)

Nesse mesmo caminho Celuniel Valiente ao refletir sobre os a importância dos


conhecimentos em Ciências Sociais, diz,
Em minha opinião, esses conhecimentos científicos sobre a humanidade e mundo são
profundamente interessantes e importantes para nós indígenas conhecer, porque, em
conjunto com essa ciência do branco, é que vamos produzir diálogos e trazer um olhar
extremamente inovador não só para a antropologia, como também em outras áreas de
ciências humanas e sociais, como pesquisador e cientistas intelectuais indígenas.
(Valiente; 2018, p.201-202)

A partir dessa experiência com professora de estágio supervisionado em que tive a


oportunidade de acompanhar os acadêmicos nas escolas das aldeias, compreendi que o currículo
de Sociologia deve ser constantemente revisitado, considerando a dinâmica da sociedade e os
diferentes contextos em que a disciplina é implementada. É oportuno lembrar que a Sociologia
como conhecimento escolar, foi reconhecida pela 11.684/2008, se comparada a outras
disciplinas, como, por exemplo, matemática ou português, é recente a sua inserção, portanto,
ainda há o que se debate e construir. Acredito, que os relatos de estágio produzidos por discentes
indígenas podem contribuir para um ensino de Sociologia que atenda aos interesses desse
coletivo.

REFERÊNCIAS

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Mato Grosso (1940-1970). Dourados- MS: Ed. UFGD, 2013.

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processo de confinamento dos Kaiowá/Guarani. Disponível em:
https://www.multitemas.ucdb.br/multitemas/article/view/1235/1151. Acesso:
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(PPGAS) do Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2009.

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construção da Educação Escolar Indígena da Reserva Indígena Te’ýikue. Dissertação
apresentada ao curso de Mestrado, do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco. Campo Grande, 2014.

BERGAMASCHI ,Maria Aparecida. Intelectuais indígenas, interculturalidade e educação.


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CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Demarcação de terras indígenas kaiowá e guarani


em Mato Grosso do Sul: histórico, desafios e perspectivas. Disponível em:
http://www.29rba.abant.org.br/resources/anais/1/1401848531_ARQUIVO_29RBA-
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MOURA, Noêmia; REIS, Claudio [Orgs.] A pesquisa em Ciências Sociais em Mato Grosso do
Sul: Diálogos Cruzados. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. [P.13-41].

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HERNANDES, Maria Lúcia Queiroz Guimarães Hernandes; HERNANDES, Paulo


Romualdo.Ih Lá vem o Estagiário...Revista de Educação (Itatiba), v. Xp. 107-112, 2007.

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________________. As políticas públicas para a saúde indígena e a política de saúde das
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736
Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Sociocultural. Universidade
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ensino médio em Mato Grosso do Sul (1999-2010). Dissertação apresentada como requisito
final para obtenção do título de Mestre em Educação à Comissão Julgadora da Universidade
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de Ciências Sociais II. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Amambai, 2017.
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Tellus, Campo Grande, MS, ano 18, n. 36, p. 193-205, maio/ago. 2018.

737
REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE GESTORES E
PROFESSORES

Karolina da Silva Riquelme (Bolsista CAPES/PPGE-UCDB)


karolinarique.02@gmail.com

Flavinês Rebolo (PPGE/UCDB)


flavines.rebolo@uol.com.br

Resumo: Este artigo possui como objetivo compreender as relações interpessoais que
acontecem no ambiente escolar, analisando o que dizem os estudos sobre as implicações das
relações entre gestores e professores. De abordagem qualitativa, este artigo nasce da adaptação
e aprofundamento de um capítulo de uma dissertação de mestrado, sendo essa uma pesquisa do
tipo Estado do Conhecimento, que investigou as implicações das relações interpessoais como
potencial fonte propiciadora de bem-estar docente. A partir das análises realizadas nesse Estado
do Conhecimentos, organiza-se aqui um aprofundamento sobre a conceituação de relações
interpessoais e uma reflexão sobre a complexidade das resoluções de conflitos no ambiente
escolar. Discute-se, também, como as mediações de conflitos implicam nas relações
interpessoais dos profissionais da educação, gestores e professores, visto que os gestores
escolares possuem uma significativa influência na organização do clima e da cultura escolar.
Considera-se que a mediação de conflitos promove um ambiente escolar saudável, melhora as
relações interpessoais e contribui para o sucesso acadêmico, profissional e social na escola.

Palavras-chave: relações interpessoais; gestores escolares, trabalho docente; clima e cultura


escolar.

INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta uma síntese de um capítulo da dissertação de mestrado
intitulada Construindo um tecido de significados e sentidos: relações interpessoais entre
professores e gestores e o bem-estar docente, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em
Educação – Mestrado e Doutorado – da Universidade Católica Dom Bosco, linha de pesquisa
II Práticas Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente. A pesquisa tem como
objetivo principal compreender as implicações das relações interpessoais entre gestores e
docentes como potencial fonte propiciadora de bem-estar docente.
A dissertação é uma pesquisa de abordagem qualitativa e do tipo Estado do
conhecimento. A abordagem qualitativa, segundo Gatti e André (2010, p. 30), constitui-se “[...]
em uma modalidade investigativa que se consolidou para responder ao desafio da compreensão

738
dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e construções culturais, em
suas dimensões grupais, comunitárias ou pessoais”.
As pesquisas do tipo Estado do Conhecimento, segundo Morosini e Fernandes (2014,
p. 161) são imprescindíveis para que se tenha uma “visão do que já foi/está sendo produzido
em relação ao objeto de estudo” e para que se possa compreender e avançar no conhecimento
sobre determinada temática. Este tipo de pesquisa visa à “identificação, registro e categorização
que levem à reflexão e síntese sobre a produção cientifica de uma determinada área, em um
determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma
temática específica” (Morosini; Fernandes, 2014, p. 155).
A pesquisa realizada para a dissertação foi desenvolvida a partir de buscas por teses
de doutorado, dissertações de mestrado e artigos científicos indexados em Repositórios Digitais
(RDs)1 de produções científicas.
Da revisão de literatura realizada para o estado do conhecimento, chama-se a atenção,
neste artigo, para a temática das relações interpessoais e como essas ocorrem no meio social,
neste caso o ambiente escolar, a partir da historicidade dos sujeitos. Assim, objetiva-se no
presente artigo apresentar as análises, realizadas nos estudos selecionados no estado do
conhecimento referido acima, sobre as relações interpessoais que acontecem no ambiente
escolar, analisando o que dizem esses estudos sobre as implicações das relações entre gestores
e professores.

CONCEITUANDO AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS


Ao longo da vida, as pessoas desenvolvem diversos tipos de relações em pares com
outros sujeitos, segundo Minicutti (2001, p. 22), as relações interpessoais, ou relações humanas,
podem ocorrer “entre uma pessoa e outra [...], entre membros de um grupo [e] entre grupos
numa organização”. O processo de relacionar-se é complexo e ocorre permanentemente; dessa
forma, existem muitas possibilidades de interações e relacionamentos interpessoais no ambiente
escolar, que são influenciadas por uma série de circunstâncias que podem comprometer os
níveis de satisfação nas mesmas. Essas relações englobam a interação entre todos os membros
da comunidade escolar, incluindo alunos, professores, funcionários, pais e gestores,

1
Os Repositórios Digitais (RDs) são bases de dados online que reúnem de maneira organizada a produção
científica de uma instituição ou área temática. Os RDs armazenam arquivos de diversos formatos.
739
desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento emocional, social e acadêmico e
na construção de um ambiente educacional saudável e produtivo.
Estabelecer relações interpessoais é mais do que simplesmente conviver ou interagir
com outros sujeitos. Cada sujeito compõe a sociedade, e a sociedade como um todo, constitui
o sujeito. Estando um presente no outro dialeticamente, pois “a dialética é o pensamento crítico
que se propõe a compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta como é possível
chegar à compreensão da realidade” (Kosik, 1976, p. 15), enfatizando a importância do contexto
histórico e social, reconhecendo que os fenômenos estão em constante movimento e
transformação. Portanto, as relações interpessoais são compostas por diversos elementos
internos e externos aos sujeitos, compreendendo que o sujeito e a sociedade constituem um ao
outro, e o sujeito passa a tecer uma síntese de ideias e a construção de um conhecimento mais
amplo e complexo sobre a realidade.
Por relações interpessoais, a partir do pensamento de Antunes (2012), entende-se como
“o conjunto de procedimentos que, facilitando a comunicação e as linguagens, estabelece laços
sólidos nas relações humanas”. E ainda “é uma linha de ação que visa, sobre bases emocionais
e psicopedagógicas, criar um clima favorável à empresa (escola) e garantir, através de uma
visão sistêmica, a integração de todo pessoal envolvido, por meio de uma colaboração confiante
e pertinente” (Antunes, 2012, p. 9). Tendo em vista as bases emocionais e psicopedagógicas
enfatizadas por Antunes (2012), considera-se que os relacionamentos interpessoais
desempenham um papel fundamental no desenvolvimento humano, influenciando o bem-estar
emocional, o comportamento social, o aprendizado e a saúde mental dos sujeitos que se
relacionam entre si.
Brenner e Ferreira (2020b, p. 47) também buscam definir o que são as relações
interpessoais, abordando-as como “o conjunto de interações cotidianas, em todas as dimensões
da vida, objetivando a convivência. Esse conjunto inclui estar em conexão com outras pessoas
ou mesmo em desconexão ocasionando conflitos, que também são espécies de relações
interpessoais”. Pensa-se o conjunto de interações cotidianas como uma condição para mais do
que apenas conviver ou estar fisicamente presente na mesma localidade que outras pessoas,
envolvendo uma série de aspectos e habilidades que influenciaram a qualidade dos vínculos
pertencentes entre os indivíduos, como: compartilhamento de interesses, comunicação eficaz,
empatia, altruísmo, resolução de conflitos, entre outros.

740
Segundo Minicucci (2001), grande parte do tempo em que se realiza um trabalho é feito
por meio do convívio com os outros, quer como indivíduo, quer como grupo (relação
interpessoal). À vista disso, “[...] como pessoa, pode relacionar-se consigo mesmo. São as
chamadas comunicações interiores (diálogo interior)” (MINICUCCI, 2001, p. 23) ou relação
intrapessoal. Oliveira e Soares (2019), observam para além do conviver com pessoas externas,
mas o olhar voltado para si. Apresentando a percepção que o sujeito deve ter de si para/com os
outros, como este se autoconhece e regula seus sentimentos e emoções ao estabelecer relações
externas. Presumindo que, a partir do momento em que se busca conhecer sobre si, o processo
de se comunicar interpessoalmente se fortalece, surgindo a possibilidade de amizade e a
habilidade de resolução de conflitos.

O relacionamento interpessoal pode ser compreendido como o conhecimento das


relações internas entre si próprio ou com o seu interior. Podemos destacar nessa
perspectiva o autoconhecimento, a autorreflexão, com o intuito de se compreender os
sentimentos e emoções que nos cercam no relacionamento com o próximo (Oliveira;
Soares, 2019, p. 9).

A partir da compreensão do que se entende por relações interpessoais, pensa-se que a


educação, sendo um processo que acontece coletivamente, e não de forma individual, no
ambiente escolar também ocorrem relacionamentos que transiram dialeticamente entre o
intrapessoal e interpessoal. Essas relações compõem uma totalidade social que possui
historicidade, isto é, são influenciadas e moldadas pelo contexto histórico e cultural em que
ocorrem. As relações entre os sujeitos são construídas e transformadas ao longo do tempo,
refletindo as mudanças sociais, políticas e culturais que ocorrem na sociedade, podendo gerar
conflitos independente da intenção dos sujeitos que ali atuam.

As relações interpessoais tornam-se ainda mais delicadas, pois envolvem dois


sujeitos, ou mais, intrinsecamente diferentes, com atitudes diversas, pensamentos,
opiniões e vivências distintas e que em determinados momentos precisarão conviver,
estabelecendo um ambiente harmonioso, ou não, em prol de objetivos em comum,
sejam eles de ordem pessoal ou profissional, respeitando diferenças e valorizando a
historicidade de cada um (Brenner; Ferreira, 2020a, p. 14).

Os sujeitos sempre agirão como seres sociais, compartilhando de diversidades culturais,


pensamentos, opiniões e formas de agir. E essa socialização de diferentes perspectivas podem
geram conflitos, os quais, dependendo de como forem gerenciados, poderão conduzir
negativamente as relações estabelecidas, causando efeitos como danos emocionais, rompimento
de laços e ressentimentos.

741
Nos ambientes de trabalho, locais em que, na maioria das vezes, as pessoas convivem
em grupos, essas relações assumem papel preponderante e, sob a forma de conflitos,
podem interferir no trabalho produzido. Na escola, a situação não é diferente pois se
trata também de um ambiente de trabalho com pessoas que ficam juntas por horas a
fio, convivendo, trabalhando e em dependência umas em relação às outras (Brenner;
Ferreira, 2020b, p. 47).

O trabalho pedagógico e a gestão escolar são permeados por diversos fatores de


satisfações e insatisfações, entre estes, estão os conflitos que ocorrem nas relações interpessoais
entre esses profissionais, podendo ser gerados a partir de percepções equivocadas sobre o que
o outro pensa, comunicação inadequada ou deficiente que gera bloqueios, e mesmo por
emoções fortes que são geradas cotidianamente no ambiente de trabalho. Por conflito, entende-
se:

Toda opinião divergente ou maneira diferente de ver ou interpretar algum


acontecimento. A partir disso, todos os que vivemos em sociedade temos a
experiência do conflito. Desde os conflitos próprios da infância, passamos pelos
conflitos pessoais da adolescência e, hoje, visitados pela maturidade, continuamos a
conviver com o conflito intrapessoal [...] ou interpessoal (Chrispino, 2007, p. 15).

O ambiente escolar, constituído pelas diversidades de interesses e pelas situações


cotidianas, sendo elas desafiantes ou não, geram conflitos por toda historicidade social, em
diferentes contextos e momentos históricos. Os sujeitos, enquanto seres individuais, pensam e
agem de maneiras diferentes, e que nem sempre corresponde ao que é esperado pelo outro.
Chrispino (2007) continua o conceito de conflito a partir do pensamento de que:

O conflito, pois, é parte integrante da vida e da atividade social, quer contemporânea,


quer antiga. Ainda no esforço de entendimento do conceito, podemos dizer que o
conflito se origina da diferença de interesses, de desejos e de aspirações. Percebe-se
que não existe aqui a noção estrita de erro e de acerto, são defendidas frente a outras,
diferentes (Chrispino, 2007, p. 16).

Essa diversidade de pensamentos e comportamentos é um aspecto intrínseco da


condição humana e é fundamental para a riqueza da sociedade e das relações interpessoais.
Quando os conflitos são pensados de maneira construtiva e respeitosa, eles podem desempenhar
um papel positivo no fortalecimento das relações entre os sujeitos. Para relacionar-se com
outros sujeitos, Minicucci (2001) ressalta que é necessário desenvolver uma sensibilidade social
(empatia) como aptidão para compreender o que os outros pensam e sentem, e desenvolver uma
flexibilidade de comportamento que resulta em um repertório de condutas para agir de acordo
com cada relacionamento e suas exigências.

742
Num grupo há interação sempre que cada um dos elementos reage ante o
comportamento de cada um dos outros. Os elementos do grupo não só atuam uns sobre
os outros reciprocamente como também atuam juntos de uma forma mais ou menos
uniforme. Pessoas juntas por si sós não formam um grupo. [...] Há operários que
trabalham juntos numa mesma seção, mas não formam grupo (Minicucci, 2001, p.
194).

É necessário que os sujeitos ao se relacionarem no ambiente de trabalho, neste caso a


escola, possuam um interesse comum em interação, a fim de formar uma estrutura
organizacional que possua uma identidade empática e saudável.
Refletindo o ambiente escolar como um local de troca de diferentes saberes e de
estabelecimento de relações interpessoais, pensa-se os professores e os gestores como
profissionais que se relacionam com múltiplos sujeitos no trabalho. Dessa forma, existe uma
complexidade na condução dos sentimentos e emoções gerados nesse ambiente e diversas
situações a serem mediadas. Apresenta-se na próxima seção, reflexões sobre essa complexidade
nas resoluções de conflitos no ambiente escolar e como as mediações desses implicam as
relações interpessoais dos profissionais da educação abordados nessa pesquisa.

2.1 IMPLICAÇÕES DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO AMBIENTE ESCOLAR


As implicações dos modos de resolução de conflitos que podem surgir cotidianamente
nos ambientes de trabalho resultam diretamente na qualidade do trabalho a ser desenvolvido.
Sendo o ambiente de trabalho a escola, a capacidade dos professores e gestores de administrá-
lo de maneira construtiva é fundamental para manter um ambiente harmonioso, isso inclui ouvir
todas as partes envolvidas, buscar soluções equitativas e promover a reconciliação. Assim, a
maneira como o ambiente do trabalho é organizado pela gestão escolar será de grande influência
sobre como se desenvolverá o trabalho pedagógico, e por fim, a dialogicidade entre estes
profissionais.

Na escola, além das infinitas relações existentes e contradições, os conflitos também


são presentes. Por isso, prezar pelo respeito e pela democracia faz toda a diferença
nesse espaço. Ambientes onde as relações interpessoais não são valorizadas resultam
em trabalhadores desmotivados, principalmente em se tratando de professores, que a
dialogicidade precisa ser uma das propulsoras do trabalho. Trabalhar com a educação
não é uma tarefa fácil, mas pode se tornar algo mais leve quando coletivo (Brenner;
Ferreira, 2020a, p. 15).

Os gestores escolares desempenham um papel importante na resolução de conflitos no


ambiente escolar. Lidar efetivamente com conflitos pode ajudar a manter um clima escolar
743
saudável, fortalecer as relações interpessoais entre os membros da comunidade escolar e
promover um ambiente de trabalho construtivo. Lück entende que

a escola é uma organização social e, como tal, desenvolve uma personalidade própria,
sobretudo de acordo com a liderança nela exercida e com a orientação de seu modo
de ser e de fazer; [...] com os estilos assumidos no enfrentamento aos desafios, as
relações interpessoais, a comunicação, os objetivos reais expressos em suas ações,
dentre outros aspectos, isto é, a partir da atuação de seu elemento humano
coletivamente organizado (Lück, 2011, p. 23-24).

Enquanto área de atuação responsável por estabelecer a organização e o direcionamento


para dinamizar os modos de ser e de fazer na escola, a gestão escolar interfere sobre diversos
pontos de atenção no clima escolar. Alguns exemplos como a resolução de conflitos a partir de
estratégias de escuta ativa e empática do que apresentam os professores e outros sujeitos,
disponibilidade para mediação e apoio contínuo, objetivando resolver o conflito de forma eficaz
e duradoura, e promover uma cultura de respeito, comunicação aberta e colaboração na escola.
A qualidade das relações interpessoais influencia diretamente o clima escolar, portanto,
um conjunto de aspectos da forma de ser e de fazer na escola que influenciam a sua organização
e as características do ambiente geral de convivência no trabalho de gestores e professores.

O clima institucional e a cultura organizacional da escola expressam a personalidade


institucional e determinam a real identidade do estabelecimento de ensino, aquilo que
de fato representa, uma vez que se constitui em elemento condutor de suas expressões,
de seus passos, de suas decisões, da maneira como enfrenta seus problemas e os
encara, além de como promove seu currículo e torna efetiva sua proposta político-
pedagógica (Lück, 2011, p. 30).

Um clima escolar positivo e acolhedor contribui para promover uma sensação de


pertencimento à comunidade escolar. Em suma, ao reconhecer a importância das relações
interpessoais no ambiente escolar, os gestores podem criar um ambiente que incentive seus
sujeitos a lidarem com questões relacionadas a conflitos e diversidade, bem como criar espaços
para o diálogo aberto e escuta ativa.
As relações interpessoais positivas entre gestores escolares e professores são
fundamentais para a criação de um ambiente de trabalho produtivo e colaborativo. Quando há
confiança, apoio mútuo e comunicação aberta, todos os membros da comunidade escolar podem
vivenciar uma melhor qualidade de vida no trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

744
As relações interpessoais entre gestores e professores se referem às interações, conexões
e vínculos estabelecidos entre esses, as interações envolvem a troca de conhecimentos,
emoções, ideias e expectativas entre os indivíduos, indo além do simples conviver no ambiente
de trabalho. Considera-se como elementos fundamentais para o estabelecimento dessas
relações: boa comunicação entre os sujeitos; confiança, respeito e dignidade de aceitação no
ambiente de trabalho; colaboração e compartilhamento de experiências a partir de suas
historicidades; apoio e subsídio nas dificuldades enfrentadas, seja emocional ou no
desenvolvimento do trabalho. Entre outros aspectos que podem variar de intensidade e natureza.
Em resumo, relações interpessoais positivas entre professores e gestores são essenciais
para criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo. A escola como um lócus de
socialização emocionalmente complexo pode afetar diretamente o bem-estar físico, mental e
emocional dos profissionais que ali atuam. Acredita-se que ao manter um ambiente de trabalho
que vise o apoio, respeito e colaboração se possibilita uma contribuição para o cultivo de
sentimentos de satisfação em relação à profissão.
A capacidade dos gestores escolares em mediar conflitos de forma eficaz pode ter uma
influência significativa no clima escolar, no bem-estar, na qualidade de vida no trabalho e no
sucesso acadêmico. Conclui-se que os gestores escolares possuem uma fundamental influência
nas relações interpessoais no ambiente escolar, conduzindo a cultura, a comunicação, a
participação e a maneira como os conflitos são tratados. Um modelo de gestão que prioriza a
colaboração, a comunicação aberta, a inclusão e o desenvolvimento pessoal pode contribuir
para um ambiente escolar mais saudável e produtivo, beneficiando todos os membros da
comunidade escolar.

REFERÊNCIAS

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crescimento integral. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012.

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https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/33376/1/TCC%20CLAUDIA%20RENATA.pdf>.
Acesso em 15 ago. 2023.

746
RELATO DA MINHA EXPERIÊNCIA, ENQUANTO MORADOR DA FURNA DOS
BAIANOS, E PARTICIPANTE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
QUILOMBOLA- A UTILIZAÇÃO DO LÚDICO ANCESTRAL.

Anderson Lopes Silva (UFMS)


anderson_ribeiro1998@hotmail.com
Fátima Cristina D. F. Cunha, Orientadora (UFMS)
fatima.cunha@ufms.br

Resumo: Ao relatar a minha experiência, enquanto morador da Furna dos Baianos, senti que
poderia contribuir, encorajando algumas pessoas a também relatarem as suas experiências e
vivências, observei e participei da prática pedagógica na educação quilombola: a utilização do
lúdico ancestral. O objetivo dessa pesquisa, além de coletar dados da família, resgatar as nossas
memórias, para que os demais membros da família saibam o difícil início na região, foi
investigar como foi organizada a prática pedagógica na nossa escola, sem materiais, sem
estrutura, mas com foco no lúdico ancestral. Buscamos compreender a história dos quilombos
e descrevemos as principais características da educação quilombola. Igualdade e diferença
dialogaram na construção cultural local, laços de pertencimento a comunidade desse estudo me
possibilitou compreender a diversidade dos meus parentes e a pratica pedagógica utilizada pelas
professoras, elas atuaram na educação quilombola, pude observar que a aproximação da cultura
da comunidade com os elementos didáticos foi relevante aos estudantes do local.

Palavras-chave: Quilombo, educação quilombola, prática pedagógica

Introdução

A história dos quilombos remonta à era da escravidão no Brasil, quando indivíduos


afrodescendentes foram trazidos ao país como escravos. O termo "quilombo" faz referência a
agrupamentos de escravos fugitivos que enfrentavam circunstâncias extremamente
desafiadoras de trabalho e vida nas plantações e fazendas, buscando refúgio em áreas isoladas,
como florestas, montanhas e regiões de difícil acesso.

747
Sou a 5ª geração descendente de um grupo de negros, que formou um Quilombo, esse
grupo fundou a Furna1 dos Baianos, resolvi relatar um pouco da história dos meus antepassados,
para que ela não se perca no tempo.
O objetivo dessa pesquisa, além de coletar dados da família, para que os demais
membros da família saibam o difícil início na região, foi investigar como foi organizada a
prática pedagógica, com foco no lúdico ancestral. Buscamos compreender a história dos
quilombos e descrevemos as principais características da educação quilombola.
No ano de 1956 meu bisavô Vitor Gomes da Silva veio da Bahia para o Estado, na época
Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, mais precisamente Aquidauana/MS. Chegou com a
família, na companhia de nove irmãos. Observaram a região e foram se fixar em um pequeno
lote de terra, próximo as Furnas, que logo passou a se chamar Furna dos Baianos, localizado
em Piraputanga, Distrito de Aquidauana.
Na época, o trem passava pela localidade de Piraputanga2 e era um local bem
movimentado, devido a passagem e paragem do trem no local. O trem saia da cidade de Bauru
no estado de São Paulo e seguia até a cidade de Corumbá/MS.
Acompanhado de mais nove irmãos adquiriam uma pequena porção de terra, nessa
localidade se instalou com sua esposa e alguns filhos que na época eram crianças. Foi um
período difícil, de recomeço, em um local com gente hospitaleira, mas distante da terra natal.
Começaram o plantio e a renda familiar se dava com a produção da agricultura local
que era milho, mandioca, feijão catador, feijão de andu e abóbora, todos os derivados desses
alimentos serviam como mantimento para os irmãos que trabalhavam juntos e dividiam a
colheita, sendo que esses alimentos servia aos familiares, seus filhos e também alguns vizinhos.
Ali também instalaram uma pequena fábrica de farinha de mandioca, que funciona na
atualidade. É um momento dedicado a reunião da família, pois aqueles que já não moram no
local, voltam e ajudam no preparo da farinha, seja arrancando a mandioca, ralando, secando e

1
O termo “furna” significa caverna, cova, lapa, sendo utilizado em outras regiões brasileiras para designar
qualquer escorregamento de encosta ou cavidade no terreno. (Dicionário on-line, 2023).

2
Piraputanga é um distrito do município brasileiro de Aquidauana, no estado de Mato Grosso do Sul. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), sua população no ano de 2010 era de 673 habitantes,
sendo 356 homens e 317 mulheres, possuindo um total de 515 domicílios particulares. Foi criado pela Lei Estadual
nº 1.164, de 20 de novembro de 1958. (Wikipédia.org, 2023).

748
torrando. Após o processo de preparo e finalização, a produção é dividida entre os membros
participantes.
No início da instalação do grupo de irmãos no local, a comunidade no entorno, era
carente e eles ajudavam da forma que podiam, pois as famílias eram muito numerosas e fazendo
dessa forma supriam-se as necessidades básicas de um lar.
Com o passar dos anos, com muita dificuldade, foi construída uma escola para atender
toda a demanda de negros que ali viviam, pois precisavam aprender a ler e escrever. Uma das
irmãs, minha tia, Valdomira Da Silva Ferreira foi uma das primeiras professoras que lecionaram
ali, isso muitos anos após se estabelecerem no local, depois de cursar o Normal Médio e retornar
já formada, aproximadamente no ano de 1988.
As práticas pedagógicas utilizadas naquela época eram bem rudimentares, recorrendo a
ancestralidade quilombola, materiais concretos do cotidiano dos alunos, por exemplo:
quantidades estudadas com o coquinho da bocaiuva, que os alunos catavam a caminho da
escola, na geografia, as pedrinhas e suas formas, algumas paisagens e formas de árvores e
plantas rasteiras e medicinais.
O local é muito aprazível, as paisagens chamam a atenção das pessoas que por ali
passam ou que ouviram falar do local.

Imagem de Piraputanga. Fonte: Google, 2023.

A professora Valdomira relatou que quando iniciou suas atividades na escola, percebeu
que alguns alunos tinham déficit de atenção e os mesmos não conseguiam acompanhar a turma,
pois devido a distância ( 25 km de Aquidauana, 2 km de Piraputanga) as salas eram
multisseriados, esse foi o motivo que recorreu as práticas pedagógicas ancestrais, ou seja,
trabalhar com os materiais do cotidiano das crianças.

749
Trabalhado com as crianças e pré-adolescentes, com objetos do interesse e cotidiano, a
professora facilitou a alfabetização desses alunos, foi trazido para o local alguns livros de
quadrinhos, que também ajudaram no desenvolvimento da escrita e da leitura daquelas crianças
e jovens que ali estudavam.
A forma de punição para aqueles que não obedeciam era ler e reler a tabuada ou ficar
sem a saída para o recreio que na época era mais demorado que nos dias atuais, em torno de
trinta minutos.
Na parte da Cultura todas as famílias que ali residiam tinham sua devoção, (São
Sebastião – 20 de janeiro, São João em 23 de junho, São João é o padroeiro da Vila de
Piraputanga, São Cosme e Damião – setembro, Santa Luzia) toda festa de devoção tinha uma
sequência: começava cedo com uma reza, que incluía um terço, almoço e baile a noite, todas as
famílias participavam.
Na festa de São Cosme e São Damião, era erguida uma, mesa dos anjos, com 7 crianças
com a idade de 7 anos. A noite Samba de Roda com todas as famílias que moravam no local e
ainda os convidados, ou visitantes. o samba de roda era composto por todos os membros da
família e os que visitavam a festa.

Samba de Roda. Fonte: Arquivo da família, 1990

750
Já Santa Luzia, tinha a sua celebração em dia 13 de dezembro, promessa por parte de
uma tia que tinha um filho doente. Já a folia de Santo Reis, toda a comunidade, comemora na
Associação da Comunidade. Era uma das festas mais esperadas, pois todos iam para o Distrito
de Piraputanga comemorar na Associação local, era procedida de reza, almoço, janta e um baile
no fim da noite.
Quase que em forma de rodizio, durante ao longo dos anos, os festejos de repetiam, cada
ano com uma família. A religião predominante até os dias presentes, é o catolicismo e apenas
uma família evangélica, embora sejam diferentes ambas exerciam o respeito pelo outro, pela fé
e pela cultura dos demais.
Devido a dificuldade de se locomover, nas idas e vindas até a cidade de Aquidauana, ou
até mesmo no distrito de Piraputanga, houve muitos casamentos entre primos, um exemplo:
meus pais: Wilson de Oliveira e Vera Lúcia da Silva nasceram ali pelas mãos de uma parteira
chamada Josefa (Mãe Sefa) como era conhecida, era sobrinha do meu avô e ali, na necessidade,
aprendeu a arte de trazer as crianças ao mundo, pois não havia médicos e nem enfermeiras, fez
mais de 243 partos, todos nas casas, das senhoras locais, dentre eles os do meu pai e mãe, que
por sua vez são primos de segundo grau, pois uma das irmãs do meu bisavô Vitor, chamada
Aguinelia se casou e teve dez filhos, dentre eles o Joel Gomes da Silva meu avô paterno que
consequentemente teve seis filhos, dentre eles meu pai Wilson de Oliveira que por sua vez tem
dois filhos, eu, Anderson e Andressa minha irmã mais nova.
Hoje já quase formado em Pedagogia exerço o papel que aprendi, vendo desde pequeno,
a luta dos meus familiares com a terra, com a cultura, e principalmente com minhas tias que ao
longo dos anos foram se tornando professoras e passando o gosto e a disposição de ensinar a
seus filhos, minha mãe também é professora, sigo os passos dos meus antepassados, o gosto
pela arte de educar. Elas são referência, não só em minha vida, mas na vida de todos que
moravam e moram ainda hoje na Furna dos Baianos.
Todas essas pessoas fizeram e fazem história por onde passaram e deixaram o seu legado
de respeito e amor ao próximo, pelas suas raízes, fé e cultura. De acreditar que é possível uma
vida melhor, dividindo conquistas e saberes.
O estudo da educação quilombola é de extrema importância para o meio acadêmico para
promover a valorização da diversidade, uma vez que a população quilombola representa uma
parte significativa da população brasileira. Estudar sobre essa forma de educação proporciona

751
a compreensão dos direitos humanos e da igualdade de direitos para todos os cidadãos,
independentemente de sua origem étnica.
Também é uma forma de combater o racismo e o preconceito racial, pois busca valorizar
a identidade, a cultura e a história das comunidades quilombolas. Portanto, estudar sobre esse
tema contribui para a sensibilização e a conscientização sobre a importância de respeitar e
valorizar a diversidade étnica, baseando-se no conhecimento ancestral e nas práticas culturais
dessas comunidades.

História do Quilombo
Os quilombos foram fundamentais para a resistência negra no Brasil, mantendo viva a
cultura africana, promovendo a união entre os negros e buscando uma vida mais digna, além de
ser um exemplo de luta contra a opressão e a exploração. O reconhecimento dessa importância
levou à criação de políticas públicas e leis para a proteção e a preservação dos remanescentes
de quilombos,” como a Constituição de 1988 e o Decreto nº 4.887/2003, que reconhecem o
direito à terra e à preservação da cultura quilombola”.
Ter contado com a história dos quilombos traz uma perspectiva da potência, da luta, da
resistência e não somente da violência e da tragédia, sem desconsiderar os horrores da
escravidão (Moura, 2021, p. 13).
O quilombo é uma fase típica da história do Brasil colonial (1530-1822), quando os
negros escravizados fugiam das fazendas e se refugiavam em áreas afastadas, como matas,
montanhas e áreas de difícil acesso. Mesmo após a proclamação da independência do Brasil
(1822), a escravidão era uma prática comum e legitimada pela sociedade da época.
No período escravista (1535-1889), os africanos e seus descendentes eram submetidos
às mais terríveis condições de trabalho e opressão (Treccani, 2006). Os quilombos surgiram a
partir do século XVI e se intensificaram durante os séculos XVII e XVIII, quando o sistema
escravocrata estava consolidado no Brasil colonial. Eles representaram uma resistência ao
regime de escravidão, pois os quilombolas buscavam se auto sustentar, estabelecendo sistemas
de produção agrícola, caça, pesca e artesanato, além de desenvolverem estratégias de defesa
contra as investidas dos capitães-do-mato (caçadores de escravos fugitivos) e das autoridades
coloniais (Treccani, 2006)..
O mais conhecido e importante quilombo da história do Brasil foi o Quilombo dos
Palmares, localizado na região que hoje corresponde ao estado de Alagoas. Liderado por Zumbi
752
dos Palmares, o quilombo resistiu por mais de 80 anos, sendo considerado um grande desafio
para as autoridades coloniais portuguesas. Tornou-se um símbolo de luta e resistência contra a
escravidão, pois durante esse período de resistência, o quilombo de Palmares chegou a abrigar
cerca de vinte mil pessoas, entre negros, indígenas e brancos que se uniram à luta contra a
escravidão.
Zumbi dos Palmares, considerado um dos maiores líderes quilombolas, lutou
incansavelmente pela liberdade do seu povo, mas foi capturado e morto em 1695 pelas forças
coloniais (Moura, 2021).
Com a promulgação da Lei Áurea em 1888, que aboliu formalmente a escravidão no
Brasil, muitos quilombos foram desfeitos, mas algumas comunidades quilombolas conseguiram
preservar suas terras e tradições ao longo do tempo. Atualmente, a Constituição Brasileira
reconhece o direito à propriedade das terras ocupadas por remanescentes de quilombos,
garantindo sua proteção e preservação (Moura, 2021).
Entretanto, no período em que se aboliu a escravidão, africano em liberdade prestando
serviços para particulares ou instituições públicas, continuava sendo tratado como escravo.
Aqueles que se beneficiavam dos seus serviços, não tinha intenção de facilitar sua emancipação.
Como resultado, o africano não conseguia juntar dinheiro para contratar advogados ou
procuradores a fim de buscar sua liberdade. Sendo assim continuavam sem proteção legal,
jogados à sorte de que alguém bondoso tivesse disposição para acompanhá-los em todas as
provações morais impostas a eles (Moura, 2004).
Segundo Moura (2004), é valioso lembrar que os africanos que conquistavam sua
liberdade, através da alforria, não eram reconhecidos como cidadãos brasileiros, sendo
categorizados como estrangeiros. Além disso, diversas medidas repressoras ainda eram
aplicadas a esses indivíduos. Por possuírem uma língua, religião e costumes distintos, eram
considerados uma ameaça social e, dessa forma, não podiam desfrutar das garantias
constitucionais destinadas aos cidadãos brasileiros.

Ancestralidade

No Brasil, os afrodescendentes e seus herdeiros igualmente criavam uma ligação com a


religiosidade que era influenciada por diferentes concepções da existência, da natureza e da
linhagem ancestral, que se diferenciavam consideravelmente das percepções da religião cristã,

753
originando assim rituais únicos. Essa fusão de rituais constitui um traço essencial da identidade
religiosa e racial do povo brasileiro, evidenciando a nossa vasta diversidade (Bissoli, 2017).

Educação Quilombola

É importante destacar inicialmente que nas práticas de leitura dos escravos do século
XIX, a comunicação oral, possuía uma forte dependência da memória para a repetição de
histórias antigas. Ao redor do fogo, após um dia exaustivo de trabalho, homens e mulheres
tinham o costume de se reunir para compartilhar narrativas e, por meio delas, recordar uma terra
que representava, principalmente para os mais velhos, um paraíso perdido. No entanto, eles
também se engajavam em simples conversas em voz alta (Barbosa, 2017).
Quando a escrita assume papel de destaque, os escravos do século XIX também eram
leitores de várias formas, inseridos em sistemas de leitura e escrita; escutavam os textos que
eram lidos diretamente para eles, como aqueles que se disseminavam nos lares de seus
proprietários. Muitos compreendiam o significado das palavras impressas e acompanhavam as
imagens de seus próprios rostos e corpos que frequentemente apareciam nos periódicos que
circulavam nas áreas rurais e urbanas. Mesmo sem saberem decifrar as letras escritas, eram
alfabetizados, sabiam contar, podiam exercer profissões como carpinteiros, pedreiros, e
vendedores. E mesmo aqueles que não tinham conhecimento das palavras escritas, sabiam a
importância da comunicação escrita e buscavam formas alternativas para participar dessa
prática (Barbosa, 2017).
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola
(Brasil, 2013), a educação quilombola segue orientações das Diretrizes Nacionais da Educação
Básica, a qual determina que a Educação Escolar Quilombola, seja promovida em instituições
educacionais localizadas nas terras e cultura quilombolas, necessitando de uma abordagem
pedagógica adaptada para respeitar a especificidade étnico-cultural de cada comunidade e
exigindo uma formação específica para seus professores, de acordo com os princípios
constitucionais, a base nacional comum curricular e os princípios que orientam a Educação
Básica no Brasil. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, é fundamental
reconhecer e valorizar a diversidade cultural presente nessas comunidades.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola (Brasil,
2013), a educação diferenciada para as comunidades quilombolas, são garantidas pela
754
Constituição Federal de1988, que leva em consideração a cultura em que o aluno está inserido,
estabelecendo que deve ser garantido a todos em idade escolar o direito ao "Ensino
Fundamental, obrigatório e gratuito", assegurada oferta gratuita do ensino para aqueles que não
tiveram acesso na idade apropriada (art.. 208, I, g). Estabelece como competência do poder
público o recenseamento dos alunos no Ensino Fundamental, a realização de chamadas e a
garantia da frequência escolar em colaboração com os pais ou responsáveis (art. 208, VII, § 3º).
Determina que sejam estabelecidos conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, respeito
aos valores culturais e artísticos, tanto nacionais quanto regionais (art. 210).
Na Educação Infantil, as atividades e metodologias oferecidas contemplam os saberes e
fazeres locais, a oralidade e a ancestralidade. O respeito ao passado é uma forma de reconhecer
e honrar o conhecimento adquirido por nossos antepassados ao desbravarem terras
desconhecidas e construírem grandes civilizações desde que chegaram aqui. Através do
diálogo, apesar de todos os obstáculos enfrentados, a educação quilombola impulsiona avanços,
mas sem jamais perder de vista o valor e dos ancestrais (Brasil, 2013).
Também é importante que as crianças sejam incentivadas a brincar de forma livre e
espontânea, resgatando as brincadeiras tradicionais como pular amarelinha, brincar de roda,
cantar músicas folclóricas, entre outras. Além das brincadeiras, é importante que a prática
pedagógica contemple atividades que valorizem a cultura quilombola, como contar histórias e
lendas, organizar oficinas de artesanato com materiais recicláveis, realizar atividades de
culinária utilizando alimentos da região, entre outras (Brasil, 2013).
Dessa forma, a questões da ancestralidade, está contemplada na educação quilombola,
contempladas na regulamentação, voltada para a educação no campo. A educação baseada no
lúdico ancestral, contribui para o fortalecimento da identidade cultural das crianças,
promovendo o resgate e a valorização das tradições quilombolas, pois

A terra, para os quilombolas, tem valor diferente daquele dado pelos grandes
proprietários. Ela representa o sustento e é, ao mesmo tempo, um resgate da memória
dos antepassados, onde realizam tradições, criam e recriam valores, lutam para
garantir o direito de ser diferente sem ser desigual. Portanto, a terra [...]está
relacionada com a dignidade, a ancestralidade e a uma dimensão coletiva (Brasil,
2013, p. 439).

Lúdico ancestral

O lúdico ancestral se refere a atividades de lazer e entretenimento que têm origem em


tempos remotos, nas primeiras sociedades humanas. São práticas que costumam estar
755
relacionadas a jogos, brincadeiras, danças e festividades que foram tradicionalmente
transmitidas ao longo das gerações. Essas atividades podem ter diferentes propósitos, como
estimular a cooperação, o desenvolvimento físico e mental, além de promover o convívio social
(Bissoli, 2017).
O lúdico ancestral é fundamental para o desenvolvimento integral da criança, pois
permite que ela se conecte com suas raízes, história e identidade cultural. Dessa forma, a prática
pedagógica na educação infantil quilombola, baseada no lúdico ancestral, contribui para o
fortalecimento da identidade cultural das crianças, promove o resgate e valorização das
tradições quilombolas e possibilita um aprendizado significativo de forma lúdica e prazerosa
(Bissoli, 2027).
Exemplos de jogos e atividades lúdicas ancestrais incluem jogos de tabuleiro antigos,
como o Senet no Egito Antigo, a peteca, a queimada, a cabo de guerra, a dança da roda, entre
muitos outros. São práticas que preservam tradições e valores comunitários, permitindo que os
participantes se conectem com suas raízes culturais.

Território lúdico ancestral na Educação Infantil quilombola


Na educação infantil quilombola, é importante que as crianças sejam incentivadas a
brincar de forma livre e espontânea, resgatando as brincadeiras tradicionais como pular
amarelinha, brincar de roda, cantar músicas folclóricas, entre outras. Além das brincadeiras, é
importante que a prática pedagógica contemple atividades que valorizem a cultura quilombola,
como contar histórias e lendas, organizar oficinas de artesanato com materiais recicláveis,
realizar atividades de culinária utilizando alimentos da região, entre outras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reviver as memórias da família, relembrar os ensinamentos das professoras na Furnas
dos Baianos e comparar os ensinamentos ancestrais e a prática pedagógica desenvolvida na
comunidade remanescente, permitiu visualizar a atuação das professoras daquela comunidade,
permitiu verificar que suas ações desenvolvidas na prática pedagógica permitiu um maior
aprendizado, atendendo a diversidade do local.
Com relação a pesquisa sobre os quilombos, permitiu verificar que a família se fechou
em proteção ao grupo, haja vista a quantidade de casamentos entre primos, ali se formou um
grupo social diferenciado, com ações positivas e afirmativas promovendo a sobrevivência, a
cultura e a educação. No campo da didática, mesmo sem saber, as professoras utilizaram os
756
saberes ancestrais em seus ensinamentos e conseguiram alfabetizar e incentivar os jovens a
prosseguirem seus estudos.
Igualdade e diferença dialogaram na construção cultural local, laços de pertencimento a
comunidade desse estudo me possibilitou compreender a diversidade dos meus parentes e a
pratica pedagógica utilizada pelas professoras, elas atuaram na educação quilombola, pude
observar que a aproximação da cultura da comunidade com os elementos didáticos foram
relevantes aos estudantes do local.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Marialva Carlos. Modos de comunicação e práticas de leitura dos escravos do


século XIX. Comunicação Mídia Consumo, São Paulo, v. 14, n. 39, p. 152-171, jan/abr. 2017.
Disponível em: https://shre.ink/9TxX Acesso em: 11 maio 2023

BISSOLI, Bruno; DIB, Caio; VILELLA, Mariana; FERRAZ, Renat; PINHEIRO, Vanessa.
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Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília:
MEC/SEV/DCEI, 2013, 565p.

MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: Editora da


Universidade de São Paulo, 2004, 218p [versão PDF]. Disponível em: https://shre.ink/9T0W
acc 20 jun. 2023

MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. 5ª ed. - Teresina : EdUESPI, 2021.


[E-book. ISBN: 978-65-88108-22-2]. Disponível em: https://shre.ink/9Tgs Acesso em: 27 jun.
2023

TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de


titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça. Programa Raízes, 2006, 300p.

WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Letramento e escolas. In: SACHWARCZ, Lilia


Moritz; GOMES, Flávio dos Santo [orgs.]. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos.
Lilia. São Paulo: companhia das Letras, 2018.

757
REVISÃO INTEGRATIVA A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NAS
PESQUISAS

Tuany Inoue Pontalti Ramos (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


Tuany.pontalti.prof@gmail.com

Marta Regina Brostolin (PPGE/ UCDB)


Brosto@ucdb.br

Resumo: O presente artigo é um recorte da tese de Doutorado em Educação do Programa de


Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco e tem o objetivo de
descrever de maneira sucinta a revisão integrativa a partir da discussão dos teóricos,
evidenciando a participação das crianças nas pesquisas e detalhando as etapas que foram
desenvolvidas até o momento. Se trata de uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico.
Para o levantamento utilizamos o banco de dados da Scielo, IBICT e Reuniões Nacionais da
ANPEd entre os anos de 2015 a 2022 utilizando o descritor Participação das crianças nas
pesquisas e Educação Infantil. Consideramos que a presente revisão integrativa relacionada a
participação das crianças nas pesquisas da Educação Infantil possibilita a compreensão sobre
como estão sendo desenvolvidas tais pesquisas, como descrevem as informações obtidas com
a participação das crianças e acreditamos que podem abrir espaços para novos estudos que
considerem as crianças como participantes.

Palavras-chave: Revisão integrativa. Participação das crianças. Educação infantil.

1. DESCREVENDO A REVISÃO INTEGRATIVA

Inicialmente apresentamos um recorte das escritas da tese de Doutorado em Educação e tem


o objetivo de descrever de maneira sucinta a revisão integrativa a partir da discussão dos
teóricos, evidenciando a participação das crianças nas pesquisas e detalhando as etapas que
foram desenvolvidas até o momento.
Optamos por utilizar na revisão de literatura a revisão integrativa e para Mendes, Silveira e
Galvão (2008, p.759): “[...] esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de
pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada,
contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado[...]”.
Neste sentido, a revisão integrativa exige o aprofundamento da análise sobre os trabalhos
que foram levantados, bem como a escolha detalhada da forma como expor os critério e dados,

758
quanto mais informações, melhor será a compreensão dos leitores para se aproximar do
caminho percorrido pelo autor.
A título de organização, os dados coletados seguem uma rigorosa sistematização que alguns
autores assim como (Botelho; Cunha; Macedo, 2011) chamam de etapas e de fato precisam ser
respeitadas para que a revisão seja considerada integrativa. Vejamos a seguir quais são essas
etapas.
1ª etapa – Identificação do tema e elaboração da pergunta norteadora. O pesquisador deve
elaborar uma pergunta/problema que a revisão dos dados trará a resposta ou apontará o
caminho. Cabe também a definição dos descritores e a base dos dados utilizada.
2ª etapa - Critérios de inclusão e exclusão. Os bancos de dados são utilizados e os trabalhos
são levantados e selecionados com base nos critérios previamente definidos.
3ª etapa - Estudos pré-selecionados e selecionados. Para a identificação e organização dos
trabalhos se iniciam as leituras dos títulos, resumos e palavras-chave.
4ª etapa - Categorização dos estudos selecionados. Forma de sistematização dos trabalhos
encontrados, bem como a elaboração de um método próprio de organização dos dados e
exposição da análise crítica.
5ª etapa - Análise e interpretação dos resultados. Se insere como a discussão sobre os dados,
expondo as singularidades e regularidades encontradas nas pesquisas.
6ª etapa - Apresentação da revisão. O autor elabora diferentes formas detalhadas para
apresentar os dados analisados aos leitores, de modo que segue o aprofundamento das
informações.
De acordo com Botelho; Cunha; Macedo (2011, p. 133):
A revisão integrativa pode ser considerada, portanto, um método para o
desenvolvimento da revisão da literatura no campo organizacional. Este procedimento
foi escolhido por possibilitar a síntese e análise do conhecimento científico já
produzido sobre o tema investigado, além de permitir a obtenção de informações que
possibilitem aos leitores avaliarem a pertinência dos procedimentos empregados na
elaboração da revisão.

Neste sentido, objetivamos sistematizar os estudos presentes nos trabalhos encontrados


nos bancos de dados. Nas páginas que seguem apresentamos o nosso trabalho de revisão
integrativa a partir do entendimento que as leituras nos mostraram. Buscamos separar cada fase
conforme descrita anteriormente para melhor compreensão.
1.1 PRIMEIRA FASE DA REVISÃO INTEGRATIVA: IDENTIFICAÇÃO DO TEMA E
ELABORAÇÃO DA PERGUNTA NORTEADORA
759
O levantamento foi realizado nos meses de junho e julho de 2023. Inicialmente na Scielo
encontramos o total de 515 trabalhos, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
– IBICT 716 e nas Reuniões Nacionais da Anped no GT 07 encontramos 98 trabalhos. Destes,
com base nos filtros área Educação, de 2015 a 2022 e trabalhos em português, selecionamos os
seguintes resultados, como está exposto no quadro abaixo.

Quadro 1 – Critérios de busca

Tema de Questão Descritores Banco de Dados


estudo norteadora Scielo Anped IBICT
Participação O que as Participação 20 98 428
das crianças pesquisas das crianças
no cotidiano dizem sobre a nas pesquisas e
das participação Educação
instituições de das crianças? Infantil
educação
infantil
Fonte: elaboração própria.

1.2 SEGUNDA FASE DA REVISÃO INTEGRATIVA: CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E


EXCLUSÃO
A partir da leitura dos títulos como critérios inclusão, consideramos os trabalhos que
mais se aproximavam da temática. Também selecionamos para a leitura dos resumos aqueles
em que não era possível identificar a relação com o tema da pesquisa. Com a leitura dos resumos
separamos aqueles em que mencionavam as crianças como participantes da pesquisa na
educação infantil e os trabalhos que não especificavam se tinham ou não as crianças como
participantes, mas que mencionavam o uso das metodologias ou mesma abordagem teórica,
também separamos para a leitura completa. Logo abaixo montamos um quadro explicando a
exclusão dos trabalhos.
Os critérios de exclusão adotados no momento das leituras dos trabalhos foram: não
estar relacionado aos programas de educação e sim outras áreas, pesquisa apenas documental,
pesquisa sobre as crianças no qual os autores falavam das suas observações em relação as
crianças, fora do contexto da educação infantil, foco nas falas e ações das professoras ou
abordagem clínica. Todos os trabalhos encontrados com esses segmentos foram excluídos dos
bancos de dados.

760
Quadro 2 – Descrição quantitativa dos trabalhos excluídos

Excluídos/Títulos
12
Excluídos/Resumos •Scielo
6
Excluídos/Leitura completa
5 Excluídos/Títulos
354
Excluídos/Resumos
•IBICT
30
Excluídos/Leitura completa
Excluídos/Títulos
12
77
Excluídos/Resumos
64 •ANPEd
Excluídos/Leitura completa
4

Fonte: elaboração própria com base nos bancos de dados.

1.3 TERCEIRA FASE DA REVISÃO INTEGRATIVA: ESTUDOS PRÉ-SELECIONADOS


E SELECIONADOS
No banco da Scielo por meio da leitura dos títulos, selecionamos 8 trabalhos e a partir
da leitura dos resumos selecionamos 6 para a leitura completa. Após a leitura completa dos
trabalhos selecionamos 1 para compor a discussão dos dados. No banco do IBICT por meio da
leitura dos títulos selecionamos 74 e a partir da leitura dos resumos selecionamos 44 para a
leitura completa. Após a leitura completa dos trabalhos selecionamos 32 para compor a
discussão dos dados.
No banco de dados das reuniões nacionais da ANPEd, a 37ª reunião referente ao ano de
2015, os trabalhos não foram localizados, pois foi encontrado um erro ao estabelecer a conexão
com a base de dados. Tentamos por um navegador diferente, mas não tivemos sucesso e não
conseguimos localizar os trabalhos.
Começamos então a partir da 38ª reunião e por meio da leitura dos títulos selecionamos
4 trabalhos para realizar a leitura dos resumos e a partir desses selecionamos 3 para a leitura
completa. Na 39ª reunião a partir da leitura dos títulos selecionamos 7 trabalhos para realizar a
leitura dos resumos e a partir desses selecionamos 4 para a leitura completa. Na 40ª reunião a

761
partir da leitura dos títulos selecionamos 10 trabalhos para realizar a leitura dos resumos e a
partir desses selecionamos 6 para a leitura completa.
O total de trabalhos das reuniões nacionais da ANPEd selecionados a partir da leitura
dos títulos foram 21. Os trabalhos selecionados a partir da leitura dos resumos foram 13. Após
a leitura completa dos trabalhos selecionamos 9 para compor a discussão dos dados. O quadro
a seguir apresenta a natureza dos trabalhos selecionados a partir da leitura completa.

Quadro 3 – Separação dos trabalhos em artigos, teses e dissertações por banco de dados

Banco de dados/Resumo expandido Quantidade


ANPEd 4
Banco de dados/Artigos
Scielo 1
ANPEd 5
Sub-total 6
Banco de dados/ Dissertações
IBICT 24
Banco de dados/Teses
IBICT 8
Total de trabalhos 42
Fonte: elaboração própria com base nos bancos de dados.

Com base na visualização do quadro percebemos que o maior número levantado foi de
dissertações e o menor número foi de artigos. Deste total de trabalhos separamos para a próxima
fase da revisão integrativa.

1.4 QUARTA FASE DA REVISÃO INTEGRATIVA: CATEGORIZAÇÃO DOS ESTUDOS


SELECIONADOS
Apresentamos a seguir a categorização dos estudos selecionados e a partir da leitura
completa dos trabalhos elaboramos o quadro abaixo para expor partes das pesquisas e logo em
seguida abordamos alguns aspectos em destaque na discussão teórica.

Quadro 4 - Scielo

Título Autor Natureza Ano Metodologia Participação


Transições na vida Luciane - 2020 Pesquisa com Ocupação das
de bebês e de Frosi Piva crianças de base crianças nos
crianças bem etnográfica, com espaços da
pequenas no Rodrigo observação, diário de instituição
cotidiano da Saballa de campo, registro
creche. Carvalho fotográfico e fílmico.

Fonte: elaboração própria com base no banco de dados.

762
Quadro 5 – Anped
Título Autor Natureza Ano Metodologia Participação
A percepção de crianças de Pedro Neto - 2019 Observação Crianças negras bem
uma turma de creche acerca Oliveira de participante e a pequenas
do pertencimento étnico- Aquino entrevista coletiva, remanescentes de
racial, numa Silvia Helena fotografias e quilombolas
Comunidade de Vieira Cruz histórias, diário de
remanescentes de campo.
quilombolas

A tomada de consciência na Vanessa Ferraz Tese 2021 Etnografia com Bebês em contextos
pesquisa etnográfica com Almeida Neves filmagens, coletivos de cuidado
bebês Elenice de Brito fotografias e e educação.
Teixeira Silva anotações
Alice de Paiva
Macário
Docência com bebês em Thamisa Sejanny Dissertação 2019 Vídeo e registros ações interativas de
ocasiões de cuidados de Andrade das observações cuidado/educação de
pessoais: interações e banho Rodrigues bebês e sua
em foco Tacyana Karla professora
Gomes Ramos
Formas regulatórias na Aline Helena Dissertação 2017 Roda de conversa, Perspectiva das
educação infantil: retratos Mafra-Rebelo registros crianças sobre as
a partir da perspectiva das Márcia Buss- fílmicos, formas regulatórias
crianças Simão fotográficos e da instituição
escritos
organizados,
Institucionalização da Regiani Francez Dissertação 2021 Etnografia e Narrativas das
infância: uma análise de Novak - recursos crianças, sobre o
narrativas de Roseli Nazario tecnológicos processo de
Crianças a partir de institucionalização
experiências na educação
infantil e na
Família
O brincar e a constituição Andréa Simões - 2017 Etnografia e Espaços-tempos do
social das crianças em um Rivero investigação brincar a partir da
Contexto de educação Eloísa Acires participativa, notas constituição social
infantil Candal Rocha de campo e das crianças
gravação em áudio
ou vídeo.
Os movimentos de Daliana Loffler - 2021 Etnografia e Os bebês nos
participação dos bebês em Ana Cristina Coll cadernos para movimentos de
uma turma de Delgado anotações e participação
Berçário: entre as culturas máquina
infantis e uma cultura fotográfica
adulta
Sensível na educação
infantil
Que cor é a minha cor? A Tarcia Regina da - 2017 Autorretrato, Identificação racial
autoidentificação racial das Silva entrevista semi das crianças
crianças na educação estruturada.
infantil

763
Vivências do espaço-tempo, Elenice de Brito - 2021 Pesquisa dialético- Os bebês e a
rotinas culturais coletivas e Teixeira Silva abdutiva. constituição cultural
rotinas de cuidado nas Vanessa Ferraz Observações da
brincadeiras dos bebês Almeida Neves Videogravação, brincadeira
fotografias e diário
de
Campo.
Fonte: elaboração própria com base no banco de dados.

Quadro 6 – IBICT

Título Autor Natureza Ano Metodologia Participação


“A escola é da diretora” a Lorenzza Bucci Dissertação 2016 Etnografia com Perspectivas das
gestão de uma pré-escola observações, registros em crianças sobre a
municipal sob o olhar das cadernos, áudios. gestão escolar
crianças

A imaginação na Débora Cristina Dissertação 2015 Observação participante, Processos


produção narrativa de Sales da Cruz dinâmicas imaginativos na
crianças: contando, Vieira conversacionais, oficinas narrativa das
recontando e imaginando de histórias e crianças
histórias. dramatização, registros
pictóricos e atividades
lúdicas.
Agora é minha vez: um Juliana Fornech Dissertação 2018 Pesquisa Com Participação das
estudo sobre participação Minella Intervenção, Observação, crianças na gestão
de crianças na gestão dos Fotografias, Rodas De dos espaços de
espaços da educação Conversa E Desenhos educação infantil
infantil Com As Crianças E
Entrevistas.

Tese 2017 Etnografia Com Participação das


A Participação Infantil Giselle Silva Observação Participante crianças no espaço
Nas Ações Pedagógicas: Machado de Observação E Descrição da educação
Um Estudo Das Relações Vasconcelos Densa, Com Auxílio Da infantil e as
Educativas Em Um Filmagem, Gravação Em possibilidades das
Contexto De Educação Áudio, Fotografias E ações pedagógicas
Infantil Pública. Diário De Campo
A participação das Claudia Dantas de Dissertação 2017 Investigação-ação com Modos de
crianças no Medeiros Lira observação participação das
desenvolvimento do semiparticipativo, crianças no
currículo na educação registros e fotografias. desenvolvimento
infantil do currículo

A participação das Rafael Araújo da Dissertação 2022 Investigação descritiva,


crianças no retorno das Silva observação, diário de
aulas presenciais da campo
educação infantil:
elementos para se pensar a
democracia
As vozes da infância Maria Das Graças Tese 2017 Análise de documentos, Experiências
ribeirinha na Ferreira Soares observação, entrevista socioculturais,
transformação da semiestruturada e saberes e
educação infantil diálogos. curiosidades das
crianças

764
Com as linguagens, as Paula Amaral Faria Tese 2020 Etnografia com Linguagens das
crianças: observações, escritos crianças no
Brincadeiras na educação diários, fotografias e cotidiano escolar
infantil filmagens.
Contribuições de Vanessa Lidiane Dissertação 2016 Narrativas, Rodas De Impactos das
narrativas de crianças Domiciano Bezerra Conversa, Desenhos E narrativas das
para a formação de Brincadeira De Faz-De- crianças sobre
professores de educação Conta, Observações, infância e escola
infantil Grupo Dialogal E Diário em seus
De Campo. professores
Corpo e cabelo negro: (re) Elândia dos Santos Dissertação 2020 Observações, Conversas Ressignificações
significações e interações Informais, Registro Em das crianças sobre
com e de crianças em uma Diário De Campo, o corpo e o cabelo
escola de Educação Filmagens, Fotografias E negro nas relações
infantil de belo horizonte Análise Documental. cotidianas
Crianças bem pequenas no Queila Almeida Dissertação 2015 Observação, registros Interesses e
cotidiano da escola: Vasconcelos fotográficos e diário de participação das
tecendo relações entre campo. crianças no
participação e interesses cotidiano escolar
de aprendizagem
Crianças migrantes: Karina Strohhecker Dissertação 2017 Questionário, entrevista, A migração a parti
sentidos e memórias da Lisa Alcubierre diário de campo, do do contexto de
objetividade vivida gravador e do desenho. vida das crianças
Culturas infantis e a Maria Carolina Dissertação 2020 Etnografia Com Saberes culturais
documentação Henrique Marques Observações, Registros, regionais das
pedagógica: saberes Fotografias E Painéis. crianças
culturais regionais das
crianças da amazônia
amapaense
Currículo para bebês no Dissertação 2017 Estudo De Caso Com O currículo em
contexto da creche: Maria Crélia Observação Participante, desenvolvimento
concepções, práticas e Mendes Carneiro Gravações, Entrevista com os bebês
participação das crianças Semiestruturada,
Autoscopia, Questionário
E Análise Documental.
Descortinando as Alice de Paiva Tese 2021 Perspectiva Etnográfica A Relação Dos
vivências dos bebês na Macário Com Observação, Vídeo- Bebês Com As
creche: a relação com os Gravação, Fotografia E Professoras E
artefatos culturais Diário De Campo. Artefatos
Culturais
Direitos da criança: Vanessa Helena Dissertação 2019 Etnografia Com Concepções Das
dizeres e sentires infantis e Seribelli Questionário, A Crianças E
docentes sobre o que é ser Observação E A Professoras Sobre
criança no contexto Entrevista O Que É Ser
educativo Semiestruturada. Com As Criança,
Crianças, Lancei Mão Da
Observação, Produção De
Desenhos Comentados,
Rodas De Conversa E
Histórias Para Completar.
Educação infantil no Eliana Maria Tese 2019 Pesquisa investigativa Poder que as
cotidiano: diálogos entre Ferreira com observação crianças têm na
adultos e crianças participante, anotações, relação com a
fotografias, entrevista não constituição
estruturada e gravação de profissional do
áudio. adulto

765
Entre cartas, fóruns e Luciana dos Santos Tese 2020 Observações Relação social da
brincadeiras: vivências de Gonçalves participativas, produção criança ao sair da
crianças na travessia da de correspondência por educação infantil
educação infantil para o meio de cartas,
ensino fundamental construção de maquete e
fóruns de discussão.
“Hoje meu coração bateu Miriam Nogueira Dissertação 2020 Observação participante Protagonismo das
na porta da minha casa”: o Duque Villar de 13 rodas de conversa, crianças nas rodas
protagonismo das crianças notas de campo, registros de conversas
nas rodas de conversa na fotográficos,
creche videogravações e
entrevista
semiestruturada.
Inspirações em cenas e Priscila Barbosa Dissertação 2018 Etnografia com A influência na
atos: pesquisa com Arantes observação participante, formação do
crianças para a formação diário de campo, coordenador por
de coordenadores fotografia, filmagens, meio da
participação ativa
e direta das
crianças
“Mas eu acabei de Susana Angelin Dissertação 2018 Etnografia com Compreensão do
começar?!” A reiteração e Furlan observação e entrevistas tempo para as
as nuances do tempo no crianças
contexto escolar
“Minha mãe não pode Jéssica Tairâne De Dissertação 2019 Pesquisa com crianças Pensamento das
falar nada que meu pai fica Moraes com literatura infantil e crianças sobre as
brabo”: de rodas de conversa. situações de
Violências de gênero a violência no seu
partir do olhar das cotidiano
crianças
“Minha tia mandou Rafaely Karolynne Tese 2020 Etnografia com Participação das
pintar mais”: a do Nascimento observação participante, crianças na prática
participação de crianças Campos anotações em diário de pedagógica
pequenas na educação campo, fotografias e
infantil e suas influências gravações em vídeo.
na prática pedagógica
Narrativas orais infantis: o Silvana de Dissertação 2022 Etnografia virtual com Narrativas das
processo de historicizar-se Medeiros da Silva observação participante, crianças a partir
na Educação Infantil em diário de campo e das vivências na
ambiente virtual gravações em áudio. educação infantil
O brincar revolucionário Lisaura Maria Tese 2021 Etnografia com Modos de brincar
de faz de conta na Beltrame observação participativa, de faz de conta das
perspectiva histórico- filmagens, fotografias. crianças.
cultural: vozes, imagens,
manifestações, expressões
das infâncias e crianças de
4 e 5 anos
O cotidiano na Educação Andreia Aparecida Dissertação 2018 Observações, diário de Espaços de
Infantil: espaços, tempos, Liberali Schorn campo e narrativas. participação dos
ações e o lugar dos bebês bebês.
O espaço físico de uma Aline Constância Dissertação 2020 Perspectivas etnográficas Percepção das
instituição de educação de Figueiredo e com observação, registros crianças sobre o
infantil: como as crianças Souza fotográficos, registros espaço físico da
significam esse lugar? escritos em diário de instituição.
campo, entrevista
semiestruturada com a
realização de desenhos.
766
O que pensam as crianças Eliane Ceri Assis Dissertação 2022 Pesquisa exploratória Pensamento das
assentadas sobre o papel Santana com conversas gravadas crianças sobre o
do professor de educação com as crianças, papel do professor
infantil do campo — ou: associadas à produção de
sobre o direito da desenhos e a brincadeiras.
participação política dos
pequenos
Participação de crianças Synara do Espírito Dissertação 2015 Fotografias, caderno para Modos de
nas rotinas da educação Santo Almeida as anotações de campo, participação das
infantil gravador de áudio, crianças na rotina
computador com
gravador de áudio, roteiro
de observação e de
entrevista
semiestruturada.
“Se você estiver aqui, você Elaine Conceição Dissertação 2016 observação participante, a Interação das
é nossa amiga, senão não Silva De Almeida análise de documentos e crianças em
é”: entrevista grupos.
As interações entre um semiestruturada, diário de
grupo de crianças no campo, vídeogravações e
ambiente da educação fotografias.
infantil.

“Tem 900 lobos escondidos Bruna Cadenas Dissertação 2018 Etnografia com Estratégias das
na floresta” ou as Cardoso observação participante, crianças nas
narrativas sobre o que as diário de campo, brincadeiras.
crianças dizem brincando fotografias, roda de
a respeito do mundo e das conversa, história e
culturas das quais fazem desenhos.
parte
Transições cotidianas nos Luciane Frosi Piva Dissertação 2019 Observação, registro em Modos de lidar
modos de ser e de viver dos diário de campo e registro das crianças com
bebês e crianças bem fotográfico e fílmico. os tempos e
pequenas na creche espaços.
Fonte: elaboração própria com base no banco de dados.

Com base na análise do quadro acima percebemos que 13 trabalhos optaram por
desenvolver pesquisas etnográficas, 1 Pesquisa exploratória, 1 Pesquisa investigativa, 1
Investigação descritiva, 1 Estudo De Caso, 1 pesquisa com intervenção, e 1 Investigação-ação
e outros 13 trabalhos não mencionaram o tipo de pesquisa. Na última coluna mencionamos a
participação das crianças e como foi investigada nas pesquisas, pois um dos objetivos da tese
em andamento é detalhar o conceito de participação das crianças nas pesquisas da educação
infantil.
Consideramos que o número de trabalhos que foram selecionados para compor o quadro
ainda é um número alto, mas após as leituras completas optamos por mantê-los como referência
aos estudos por estar diretamente relacionado ao tema de pesquisa e dentro dos critérios de
inclusão.
767
2. ENTRELAÇANDO IDEIAS PARA CONCLUIR
Como mencionamos inicialmente, o presente trabalho é um recorte das escritas da tese que
está em desenvolvimento e por isso apresentamos apenas uma parte da revisão integrativa.
Destacamos que a revisão integrativa por seguir diversas etapas para a busca dos dados
relacionados ao tema de estudo, exige do pesquisador um rigor metodológico e ético ao detalhar
as informações obtidas com o levantamento dos trabalhos, bem como evidenciar o passo a passo
que foi desenvolvido para que o leitor possa acompanhar de forma sistemática a organização
utilizada pelo autor.
Concluímos com base na análise desse recorte que há muitas pesquisas que estão sendo
desenvolvidas com as crianças, mas nos leva a pensar se estão seguindo de fato as exigências
éticas e metodológicas que fazem parte das pesquisas com as crianças.
Consideramos que a presente revisão integrativa relacionada a participação das crianças nas
pesquisas da educação infantil possibilita a compreensão sobre como estão sendo desenvolvidas
tais pesquisas, como descrevem as informações obtidas com a participação das crianças e pode
abrir portas para novos estudos que considerem as crianças como participantes.

REFERÊNCIAS

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participação de crianças pequenas na educação infantil e suas influências na prática pedagógica.
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CARDOSO, Bruna Cadenas. “Tem 900 lobos escondidos na floresta” ou as narrativas sobre
o que as crianças dizem brincando a respeito do mundo e das culturas das quais fazem
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772
A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PROPOSIÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Elisângela Rodrigues Furtado1 (Bolsista FUNDECT- PPGE/UCDB).


elisfurtado@hotmail.com

Resumo: Este estudo tem por objetivo discutir a formação de professores de Educação Física
que atuam na Educação Infantil. Para tanto optou-se por utilizar como metodologia uma
pesquisa bibliográfica. A formação de professores a partir de 1980 vem sendo ampliada,
principalmente após a abertura politica a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei de
Diretrizes e Bases de 1996. Neste mesmo interim, ocorre a introdução da Educação Infantil na
Educação Básica e a obrigatoriedade da Educação Física em todas as Etapas da Educação
Básica. Tudo isso gera o aumento de Fóruns, Congressos, Estudos, Pesquisas sobre a inserção
e permanência da Educação Física na Educação Infantil. Tais estudos tem demonstrado faz-se
necessários formação inicial e continuada, que contribuam para a prática pedagógica do
professor de Educação Física, que suas ações tenham sentido e significado para a criança, e que
o docente possa estar refletindo e ampliando seus conhecimentos sobre criança, infância,
direitos, experiências, cultura infantil, ludicidade, interações e brincadeiras, entre outros. No
entanto, são necessárias formações que proporcione condições dos docentes ampliar seus
conhecimentos e que possam refletir sobre sua própria prática.
Palavras-chave: Educação Física; Educação Infantil; Formação de Professores.

INTRODUÇÃO
Discutir a Educação Física na Educação Infantil, coincide com dois movimentos que
estavam acontecendo no Brasil, o primeiro as discussões em relação a Educação Infantil como
primeira Etapa da Educação Básica, promulgada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) de 1996, e a inserção do professor de Educação Física na Educação Infantil, determinado
pelo art. 26, inciso 3º, que “os currículos deveriam valorizar a Educação Física”, sem indicá-
la como disciplina obrigatória. Somente em 2003, a redação do artigo é alterada e a Educação
Física é colocada como componente obrigatório em toda Educação Básica.

1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)em
Campo Grande - MS.
Bolsista Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do
Sul (FUNDECT-MS).

773
Neste interim, são fomentadas discussões sobre a formação de professores que atuam
na Educação Infantil, para Ostetto (2012) a formação de professores envolve muito mais que
aprendizagens conceituais e procedimentais, formar um professor implica estar atento as
histórias de vida, crenças, valores, afetividade, enfim a subjetividade que envolve o trabalho
docente.

Para Cunha (2015) “a expressão formação tem um caráter pragmático e utilitário.” Isto
ocorre principalmente após a Revolução Industrial, no qual exigia saberes específicos para as
demandas do labor. Desta forma devido a organização do trabalho a formação se deu nos
espaços escolarizados, acontecendo principalmente nas escolas e universidades. Em relação a
formação de professores a autora afirma que nas últimas décadas vem ocorrendo movimentos
no qual percebe a docência como um movimento social, a formação cada vez mais é
multifacetada, incluindo saberes, contextos temporais, políticos e culturais. Sendo assim, cada
vez mais vem reconhecendo nas formações tanto os saberes da prática como da teoria.

Em relação a formação do professor de Educação Física, foi sendo ampliada a partir da


década de 1990, na qual discutiu os currículos que predominantemente utilizavam disciplinas
de caráter tecnicistas, biologicista e esportivista. Darido (2003), corrobora afirmando que
devido ao retorno dos muitos profissionais de Educação Física que fizeram suas pós-graduações
na área das ciências humanas, iniciou-se uma discussão sobre a formação de professores de
Educação Física, que tinham currículos que predominavam as disciplinas esportivas, além de
uma formação aligeirada e acrítica. Neste mesmo interim inicia-se um movimento a favor de
um currículo cientifico, no qual pudesse contribuir com elementos que ajudasse o acadêmico a
compreender o processo de ensino e aprendizagem.

No que concerne a formação do professor de Educação Física para atuar na Educação


Infantil Sayão (2001) descreve que as discussões sobre este tema eram poucas, e que os
currículos de formação inicial pouco incluíram temas acerca da infância e das crianças além do
Desenvolvimento Motor, Recreação e Psicomotricidade. Destacando uma formação
eminentemente técnica voltadas principalmente para adolescentes e adultos.

Neste sentido este estudo tem por objetivo discutir a formação de professores de
Educação Física que atuam na Educação Infantil. Para tanto optou-se por utilizar como
metodologia uma pesquisa bibliográfica.

774
FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O trabalho docente assim como a formação deste profissional vem sendo alvo de muitas
discussões. De acordo com Nóvoa (1999), o trabalho docente tem passado por muitas
mudanças, sendo um campo repleto de lutas e de conflitos, pois cada vez mais os professores
vêm buscando reconhecimento e consolidação da sua profissão. Para tanto, faz-se necessário
compreender que o inicio da profissão docente se deu em meio as congregações religiosas, as
quais eram responsáveis em firmar um corpo de saberes, de técnicas, de normas e valores
específicos da profissão docente. Somente no final do século XVII começo do século XVIII,
inicia a entrada de professores leigos. Já no final do século XIX e início do século XX, o
professor ganhou o status de detentor do conhecimento e passou ser reconhecido pela sociedade
como um profissional responsável por formar pessoas aptas a exercerem com conhecimento e
qualidade diferentes profissões.

A partir da década de 1980, com os avanços tecnológicos e massificação do ensino


ocorre a desvalorização na educação, Esteves, (1999) descreve que isso tem afetado a
identidade desse profissional, que permite sentimentos contraditórios sobre si mesmo e sobre o
seu trabalho.

Para Tardif e Lessard (2005, p.8.) ser professor atualmente mostra-se algo cada vez
mais complexo e cheio de desafios, pois é uma profissão de interação, “uma forma particular
de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu
“objeto” de trabalho que é justamente um outro ser humano, no modo fundamental de interação
humana”. (grifo dos autores).

Diante deste contexto cada vez mais tem-se discutido a formação de professores tanto
inicial como continuada, no qual vários temas foram e vem sendo elencados e discutidos como
afirma Pimenta:

[...] sobre a formação de professores em nosso país, pode-se perceber as preocupações


temáticas que configuraram o solo que acolheu as colaborações dos pesquisadores
estrangeiros. Numa tentativa de síntese, pode-se apontar os seguintes: a valorização
da escola e de seus profissionais nos processos de democratização da sociedade
brasileira; contribuição do saber escolar na formação da cidadania; sua apropriação
como processo de maior igualdade social e inserção crítica no mundo (e daí: que
saberes: que escola); a organização da escola, os currículos, os espaços e os tempos
de ensinar e aprender; o projeto político e pedagógico; a democratização interna da
escola; o trabalho coletivo; as condições de tralho e de estudo (de reflexão) de
planejamento; a jornada remunerada, os salários, a importância dos professores nesse

775
processo, as responsabilidades da universidade, dos sindicados, dos governos nesse
processo; a escola como espaço de formação contínua, os alunos: quem são? De onde
vêm? O que querem na escola? (de suas representações); da profissão: profissão? E
as transformações sociais, políticas, econômicas, do mundo do trabalho e da sociedade
da informação; como ficam a escola e os professores? (Pimenta, 2012, p.41.).

Como podemos observar a formação de professores é um campo fértil de debates, para


Canário (2001) deve ocorrer uma formação que articule o trabalho docente, inserindo o
profissional o mais cedo possível na experiência com a docência, para que ocorra a articulação
entre a teoria e a prática.

Para Imbernon (2011) a formação de professores muitas vezes se encontra fragmentada,


contudo, deve primar por uma formação que priorize conhecimentos científicos, culturais,
contextuais, psicopedagógicos e pessoais, que sejam capaz do formar docentes preparados
para trabalhar vinculando constantemente teoria e prática.

Libaneo (2011) afirma que existe uma crítica sobre a rigidez curricular e metodológica
nos cursos de formação de professores, no qual existe um desligamento da prática docente, para
o autor estudos tem demonstrado a necessidade de reformas educativas, a favor de formar
professores reflexivos, que articulem a formação inicial com as demandas práticas da escola,
que a formação tenha como referência o local de trabalho, que seja centrada nas dimensões:
pessoais, profissionais e organizacionais, levando o professor a uma reflexão sobre sua própria
prática.

Em relação a formação de professores para atuar na Educação Infantil Kishimoto (2005)


ao pesquisar 12 cursos de Pedagogia verificou que os cursos oferecem um bloco de disciplinas
comuns, e divide o restante em conhecimentos sobre a Educação Infantil e series iniciais do
Ensino Fundamente, o que gera muitas vezes a falta e especificidade na formação docente.

‘Segundo Formosinho (2009), os professores da Educação Infantil, são profissionais que


trabalham com pessoas em contato interpessoal direto, o que o pesquisador descreve como
sendo uma profissão que atua ao desenvolvimento humano, para tanto, assim como nas demais
etapas da educação, esses professores enfrentam dilemas e tensões na sua formação.

Para Fernandes e Kuhlmann Jr. (2019) a formação de professores da educação infantil


tem como característica ainda no Brasil como a falta de escolaridade mínima dos docentes, que
atuam nessa etapa de ensino, outro fator elencado pelos autores, é que as instituições que
776
formam esses professores são mais precárias e sua formação inicial não atende
as necessidades de atuação, o que impacta diretamente na qualidade do atendimento
oferecido para as crianças de 0 a 3 anos.

Como podemos observar há muito o que se discutir sobre a formação de professores que
atuam na Educação Infantil, mas no que se refere ao professor de Educação Física, este
profissional está preparado para atuar nesta etapa da Educação Básica? Tentaremos a seguir
trazer algumas proposições sobre este tema.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA PARA ATUAR NA


EDUCAÇÃO INFANTIL
A atuação do professor de Educação Física na Educação Infantil é algo muito recente,
tal fato tem fomentado várias discussões tais como: sua prática docente, seus saberes, identidade
profissional para atuar nessa etapa da Educação Básica, formação inicial e continuada, entre
outros.

Em relação a formação inicial do professor de Educação Física segundo Soares (2001),


Darido (2003) e Bracht (2003) durante muito tempo esteve pautada no tecnicismo, biologicista
e esportivista, tendo o professor uma formação com um currículo eminentemente prático.

Para Costa e Malina (2017) quando um currículo de formação de professores de


Educação Física predomina disciplinas tradicionais-esportivista, o mesmo fica distanciado da
perspectiva sociocultural, assim empobrecendo a intervenção da Educação Física ao limites
da eficiência técnica de movimentos padronizados, sendo que está prática pedagógica traz
carências profundas para realizar contribuições humanas aos discentes, porém quando prioriza
uma formação de professores de Educação Física proporcionada ao conhecimentos
socioculturais, há uma contribuição qualitativamente superior na formação docente.

Sayão (1999) afirma que os cursos de formação de professores de Educação Física,


pouco tem se preocupado em formar docentes para atuar com crianças de zero a seis anos.
Rocha (2018) complementa que mesmo após duas décadas da obrigatoriedade da Educação
Física na Educação Infantil, ainda ocorre contradições na formação, como veremos a seguir:

[...] o espaço ocupado pela Educação Física na Educação Infantil a partir das
orientações dos documentos da área, onde a disciplina não aparece como componente
curricular, visto que para este nível de ensino não existe a organização de conteúdos
777
para disciplinas, predominado ainda o binômio cuida/educar. Neste sentido,
consideramos que a permanência da disciplina neste nível ensino se traduz ainda, na
obrigatoriedade legal da disciplina para a Educação Infantil – LDB n. 9.394/96 e não
na especificidade de atuação do profissional, o que consideramos como uma
contradição. (Rocha, 2018, p199)

Apesar dos documentos legais dar legitimidade da Educação Física atuar na Educação
Infantil, Gomes (2015) afirma que só será possível legitimar o trabalho deste profissional nesta
etapa da Educação Básica a partir de uma mudança radical no paradigma de professor que
vigora atualmente; investimento na formação do professor que comtemple o rol de
conhecimento que compõem os estudos relativos a criança de zero a cinco anos; uma
aproximação entre a Educação Física e a Pedagogia e vice versa; assim como ampliar o debates
em torno a inserção do professor de Educação Física na Educação Infantil.

Gomes (2015) afirma que a despreparo na formação de professores de Educação Física


para atuar na Educação Infantil, como pode-se averiguar a seguir:

Um tema recorrente na produção, fóruns, e debates da área da Educação Física diz


respeito a generalidade com que se afirma existir um despreparo profissional fruto de
uma formação inicial deficiente, que não consegue fornecer instrumental teórico-
metodológico adequado para a intervenção nos espaços que lhe são consignados, isto
é, professores apresentam alto grau de dificuldades quanto tem que materializar suas
práticas pedagógicas de forma geral e, especificamente, no primeiro nível da educação
básica, a Educação Infantil.(Gomes, 2015, p. 22)

No entanto, apesar das críticas em torno a formação de professores de Educação Física


na Educação Infantil, existe uma corrente na qual defende sua entrada e permanência, porém
descreve a importância de uma formação mais consistente, que compreenda a necessidade das
crianças, como afirma Mello et al. (2020) defende a presença da Educação Física na Educação
Infantil, desde que se considere o corpo e o movimento como dimensões constituintes das
crianças, nas quais elas constroem suas experiências no e com o mundo, para tanto faz-se
necessário formação específica e consistentes para consolidar as práticas destes docentes
centradas nas experiências das crianças.

É importante ressaltar, que muitos estudos e pesquisas tem evidenciado a importância


de formações que priorizem conhecimento sobre cultura, sociologia, a criança como sujeito de
direitos, Farias et al (2021) afirmam que os estudos sobre Educação Física na Educação Infantil
“tem-se debruçado em elementos como a cultura, a sociologia os tempos e espaços pedagógicos
não ficando presos a análises motoras.”

778
Para Quaranta, Franco e Betti (2016) descreveram em sua pesquisa que os cursos de
graduação em Educação Física não em priorizado as atividades de formação de docentes para
crianças pequenas. Afirmam que os docentes pesquisados sentiram falta de uma formação
inicial mais consistente e formação continuada que contribuíssem para atuar na Educação
Infantil, para os autores para melhorar estas questões os currículos de formação deveriam
abordar questões das concepções e prática dos futuros docentes e as escolas, além de ampliar
o diálogo entre os professores polivalentes e os professores especialista neste caso o professores
de Educação Física.

Para Felipe, Pires e Abreu (2022) quando ocorre uma formação consiste na formação
do professor de Educação Física, no qual de subsídios para trabalhar na Educação Infantil, terá
impacto na sua atuação pedagógica, contribuindo significativamente para o desenvolvimento
das crianças, com práticas corporais constituídas para o imaginário infantil e numa ação
integrada entre as áreas do conhecimento, fazendo com que o significado do que é trabalhado
seja explicitado em todas as vivências da criança neste tempo e espaço escolar da Educação
Infantil.

Como podemos observar a formação inicial de professores de Educação Física, tem


sido algo de discussões em relação ao currículo, a uma formação que compreenda essa etapa
da Educação Básica, da criança como ser de direitos, de disciplinas que envolvam as ciências
sociais. Para tanto, faz-se necessário mais pesquisas e estudos para contribuir tanto da formação
inicial como continuada dos professores de Educação Física que irão atuar ou atuam nesta na
Educação Infantil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao discutir a Formação de Professores para atuar na Educação Infantil ainda é algo


muito recente, pois foi a partir de 1996, quando promulgada a nova LDB que está etapa foi
inserida na Educação Básica. Esta discussão permeia toda uma história de assistencialismo, no
qual visava o cuidado das necessidades básica de uma criança.

No entanto, estudiosos vêm se posicionando sobre a importância de formações mais


consistente, na qual priorizem a teoria e prática, além da reflexão sobre as práticas pedagógicas,
no sentido de compreender essa criança como um sujeito sociocultural, de direitos, que
necessita de diferentes experiencias, no qual esteja vinculado o educar e o cuidar,
779
proporcionando um ambiente em que a criança possa ampliar suas experiencias, conhecimento
e adquirindo novas aprendizagens.

A Educação Física não fica a parte desta discussão, pois é um componente curricular
obrigatório em toda Educação Básica, neste sentido deve estar presente na Educação Infantil,
contudo, estudos tem demonstrado a necessidade de ampliar as discussões sobre a inserção
deste profissional nesta etapa.

Isto tem levado a discussões sobre a formação de professores de Educação Física, no


qual, não devem priorizar currículos que visem apenas aspectos relacionados ao
desenvolvimento biológico e psicológico, mas que contemple disciplinas das ciências socias,
que perceba essa criança como um sujeito de direitos, cultural, que traga diferentes experiencias
que envolva o movimento, a ludicidade, as interações e as brincadeiras.

Para tanto, faz-se necessários formação inicial e continuada, que contribuam para a
prática pedagógica do professor de Educação Física, que suas ações tenham sentido e
significado para a criança, e que o docente possa estar refletindo e ampliando seus
conhecimentos sobre criança, infância, direitos, experiências, cultura infantil, ludicidade,
interações e brincadeiras, entre outros. No entanto, são necessárias formações consistentes, que
lhe proporcione condições de ampliar seus conhecimentos e lhe de suporte para refletir sobre
sua própria prática.

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782
TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO-
RELAÇÕES ENTRE AS DIMENSÕES DO PRESENCIAL E O VIRTUAL À LUZ DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

Renata Benedetti Mello Nagy Ramos (Bolsista CAPES/PPGE-UCDB)


renatanagyy@gmail.com

Maria Cristina Lima Paniago (PPGE/UCDB)


cristina@ucdb.br

Resumo: Este estudo analisa a teoria e prática no ensino de Arquitetura e Urbanismo, com foco
na relação entre o ensino presencial e virtual, à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais e
explora as implicações pedagógicas dessas diretrizes. Investiga como teoria e prática estão
interligadas e se manifestam em diferentes modalidades de ensino. A metodologia adotada é
composta por três etapas. A primeira compreende uma revisão bibliográfica, na qual são
analisados estudos e pesquisas anteriores que tratam da teoria e prática no ensino de Arquitetura
e Urbanismo, particularmente com base no virtual. A segunda etapa, envolve uma análise
documental das Diretrizes Curriculares Nacionais que estabelecem as bases para a formação
em Arquitetura e Urbanismo no contexto educacional brasileiro. A terceira e última etapa, faz
uma análise comparativa entre as dimensões do presencial e do virtual no ensino da graduação
de Arquitetura e Urbanismo. Como resultado, o estudo destaca a importância de equilibrar
teoria e prática no ensino de Arquitetura e Urbanismo, independentemente da modalidade, para
formar profissionais competentes e preparados para os desafios da área.

Palavras-chave: Arquitetura e Urbanismo; Diretrizes Curriculares Nacionais; Teoria e Prática

A formação em Arquitetura e Urbanismo exige uma base teórica e prática, com o


objetivo de formar profissionais capazes de conceber e executar projetos que atendam às
necessidades dos usuários e do meio ambiente. Nesse sentido, as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) para o curso de Arquitetura e Urbanismo estabelecem as competências e
habilidades que devem ser desenvolvidas pelos estudantes durante a graduação, incluindo o
conhecimento da história, das artes e da estética, a compreensão dos sistemas de infraestrutura,
o domínio de técnicas e metodologias de pesquisa em planejamento urbano e regional, entre
outros aspectos.
Com o avanço da tecnologia, a popularização do ensino a distância e o ensino híbrido,
surge a questão de como a teoria e prática pode ser afetada pelo ensino presencial e virtual.

783
Nesse contexto, este artigo tem como objetivo realizar um estudo comparativo entre o ensino
presencial e virtual de Arquitetura e Urbanismo, à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais.
Fruto de pesquisa de doutoramento, o artigo se desenvolve a partir de um recorte sobre
a temática. Espera-se que este estudo possa contribuir para a reflexão sobre o ensino em
Arquitetura e Urbanismo, tendo em mente as particularidades intrínsecas dessa área e as
demandas que tanto a esfera acadêmica quanto a profissional impõem. Além disso, enfatizamos
a interconexão existente entre o ambiente presencial e o virtual, explorando como essas duas
dimensões se entrelaçam e influenciam mutuamente no contexto do ensino em Arquitetura e
Urbanismo.
A metodologia adotada no artigo é composta por três etapas. A primeira delas
compreende uma revisão bibliográfica, na qual são analisadas as concepções do virtual no
ensino de Arquitetura e Urbanismo. Essa revisão busca embasar teoricamente o estudo e
fornecer um contexto para a análise comparativa realizada. Como objetivo de compreender as
orientações oficiais que regem o ensino nessa área, a segunda etapa envolve uma análise
documental das Diretrizes Curriculares Nacionais que estabelecem as bases para a formação
em Arquitetura e Urbanismo no contexto educacional brasileiro.
A terceira e última etapa compreende na comparação das dimensões do presencial e do
virtual no ensino de Arquitetura e Urbanismo. Nessa fase, são apresentadas informações
relevantes sobre as características, abordagens pedagógicas e práticas educacionais de ambas
as modalidades. A comparação tem como objetivo identificar semelhanças, diferenças e
desafios específicos relacionados à relação entre teoria e prática em cada contexto de ensino.
A virtualidade no ensino de Arquitetura e Urbanismo
Neste tópico, aprofundamos nosso entendimento sobre o conceito de "virtual", indo
além da simples execução de programas em sistemas informáticos. Consideramos a
"virtualização" como uma dinâmica que abarca diversas concepções, como proposto por Lévy
(2011).
O recorte que interessa à essa pesquisa enfoca a área do conhecimento e do ensino,
especialmente em relação às observações de Lévy sobre a relação com o virtual. Ele destaca a
rápida evolução e a abundância de informações na sociedade contemporânea, resultando na
obsolescência das competências adquiridas durante a formação profissional.
No contexto do ensino de Arquitetura e Urbanismo, isso implica que as instituições de
ensino precisam estar atentas às mudanças constantes e preparar os estudantes não apenas com
784
habilidades técnicas específicas, mas também com a capacidade de aprendizado contínuo às
transformações em sua área.
A relação com o virtual também engloba o uso de tecnologias digitais e ambientes
virtuais de aprendizado para aprimorar a educação e a formação profissional. Estas ferramentas
desempenham um papel fundamental ao proporcionar acesso a informações atualizadas,
fomentar a colaboração entre estudantes e facilitar a produção de conhecimento. Ao utilizar
esses recursos online, os estudantes podem acompanhar de perto as mudanças constantes em
sua área de atuação.
Na perspectiva do ensino de Arquitetura e Urbanismo, a virtualidade vai além,
representando a integração estratégica de tecnologias digitais, ambientes virtuais e recursos
online como componentes essenciais na formação de arquitetos e urbanistas. Essa abordagem
enriquece significativamente o processo de aprendizado, preparando os alunos para enfrentar
os desafios inerentes à prática profissional na área.
Por um lado, há um aumento na oferta de disciplinas que se concentram no ensino de
softwares usados para criar representações gráficas digitais, como modelos 3D e renderizações.
Por outro lado, mesmo disciplinas que historicamente eram exclusivamente teóricas estão
explorando maneiras criativas de incorporar as Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) em seu conteúdo, tornando o ensino mais dinâmico e interativo. Essas mudanças
refletem a crescente importância da tecnologia no campo da Arquitetura e Urbanismo.
Neste contexto de novas oportunidades, Leal (2018) ressalta que mesmo o ensino da
História da Arquitetura pode ser aprimorado. Um exemplo disso é a aplicação da realidade
aumentada durante visitas guiadas. Através de dispositivos como tablets ou smartphones, os
alunos têm a chance de comparar estruturas em ruínas com construções de outras épocas. Além
disso, eles podem acessar informações complementares, incluindo áudios, vídeos e textos
explicativos, criando uma experiência de aprendizado enriquecedora e interativa.
No entanto, é importante destacar, com base nas observações de Baltazar (2005), que a
relação entre arquitetura e tecnologias digitais não é simples, e os termos "digital" e "virtual"
muitas vezes se entrelaçam, com o digital frequentemente desempenhando um papel facilitador
no contexto do virtual.
Por fim, consideramos a definição de mundo virtual apresentada por Shön (2000), que
destaca a importância da manipulação criativa e da reflexão crítica na formação de Arquitetos
e Urbanistas. Essa perspectiva mostra que a virtualidade não está restrita ao ambiente digital,
785
mas pode ser uma parte intrínseca das experiências no mundo físico. Ele argumenta que é viável
explorar os limites do experimento inerentes à prática. Shön destaca que “a habilidade de criar
e manipular mundos virtuais se torna crucial não apenas para a expressão artística, mas também
para uma experimentação rigorosa” (SHÖN, 2000, p. 67).
O autor estabelece uma conexão intrigante entre o mundo gráfico do desenho e a
capacidade de revelar qualidades e relações previamente não imaginadas. Nesse sentido, o ato
de desenhar em uma folha de papel se transforma em um processo de aprendizado no qual é
possível corrigir erros e identificar resultados inesperados das ações. Isso ilustra como a prática
do desenho não é apenas um meio de representação, mas também um veículo para a descoberta
e aprofundamento do conhecimento.
A visão de mundo virtual, conforme proposta por Shön, ilustra que a virtualidade
transcende o mero ambiente digital, podendo influenciar as experiências no mundo físico. Nesse
contexto, a capacidade de manipulação criativa e a reflexão crítica desempenham papéis
indispensável no processo de aprendizado e na formação de arquitetos e urbanistas. Isso
significa que a virtualidade não se resume a uma simples ferramenta, mas representa uma
mentalidade que deve permear todos os aspectos do ensino e da aprendizagem nessa área.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino de Arquitetura e Urbanismo
Nesta seção, buscamos primeiramente conceituar as Diretrizes Curriculares Nacionais
de maneira geral e, em seguida, nos aproximamos das especificidades das DCNs do curso de
graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Segundo a Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU)
do Ministério da Educação, toda a legislação que regulamenta a profissão tem alcance nacional.
Isso significa que, desde que cumpram as diretrizes e requisitos curriculares gerais
estabelecidos e observem as leis que regem a profissão, os Arquitetos e Urbanistas podem
exercer sua atividade profissional em qualquer região do país, independentemente do local onde
tenham concluído sua formação.
As DCNs representam um conjunto de orientações para as instituições de ensino
superior desenvolverem seus programas acadêmicos e desempenham um papel regulador e
estabelecem padrões mínimos necessários para garantir a qualidade e a coerência dos cursos.
Essas diretrizes englobam tanto o conteúdo ministrado quanto os objetivos educacionais
propostos.

786
A primeira menção a um currículo mínimo nacional de Arquitetura data de 1962,
quando o Parecer nº 336 do Conselho Federal de Educação foi aprovado em 17 de novembro
(Conselho Federal de Educação, 1962). Este currículo tinha como objetivo principal evitar a
"fragmentação" da formação profissional em áreas especializadas e preconizava o
aprimoramento e a preparação do arquiteto em setores específicos por meio de atividades
complementares (CONFEA, 2010, p.65).
A implementação das novas DCNs de Arquitetura e Urbanismo, oficializada em 1994
por meio da Portaria MEC 1770/94, foi um importante marco coletivo na busca contínua pela
melhoria do ensino nesta área. Esse momento histórico marcou o fim de um longo período de
aplicação do Currículo Mínimo, que teve início em 1945 (Brasil, 1994).
A partir desse ponto, o processo de formação passou a ser pensado de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, que se tornaram um padrão uniforme em todo o país.
As tecnologias e a informática são incorporadas ao Núcleo de Conhecimentos
Profissionais, de acordo com o Artigo 6º das DCNs (Brasil, 2010). Essas disciplinas são
explicitamente mencionadas no documento, contudo conforme observado por Natumi (2013),
mesmo após a determinação do MEC de incluir a disciplina "Informática Aplicada a Arquitetura
e Urbanismo" nos currículos das faculdades de Arquitetura no Brasil, uma década depois ainda
não havia uma abordagem metodológica e uma compreensão de como conectar essa com as
demais disciplinas do programa acadêmico, particularmente aquelas relacionadas ao Projeto.
A DCN em vigor para os cursos de Arquitetura e Urbanismo é datada de 2010 e
apresenta em seu texto as competências e habilidades que os cursos de graduação no Brasil
devem oferecer aos alunos por meio de sua estrutura pedagógica. Dentre essas competências e
habilidades, destacamos pontos importantes para a nossa análise:

Habilidades necessárias para a realização de construções, considerando fatores


como custo, durabilidade, manutenção e conformidade com os regulamentos legais;
Conhecimento necessário para a organização de obras e canteiros de construção;
Habilidades em meios de expressão e representação, incluindo modelagem;
Conhecimento dos instrumentos de informática para o processamento de
informações e representação; Habilidade na elaboração e utilização de
levantamentos topográficos, com o emprego de técnicas como aerofotogrametria,
fotointerpretação e sensoriamento remoto. (Brasil, 2010, p. 2).

As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) desempenham um papel significativo ao


considerar sua implementação em ambientes virtuais no contexto da área em discussão. O

787
Quadro 1 realça as partes pertinentes nas DCNs atuais que revelam a relação direta das
competências e habilidades com a tecnologia e os procedimentos de ambientes virtuais.

Quadro 8. Classificação das competências e habilidades citadas nas DCNs e a relevância do virtual no
ensino de Arquitetura e Urbanismo

COMPETÊNCIA/ HABILIDADE DO RELEVÂNCIA DO VIRTUAL NO ENSINO


ESTUDANTE DE ARQUITETURA E URBANISMO
HABILIDADES PARA A REALIZAÇÃO DE SIMULAÇÃO DE PROJETOS DE
CONSTRUÇÃO, ANÁLISE DE CUSTOS,
CONSTRUÇÕES
REGULAMENTOS EM MEIOS VIRTUAIS.
CONHECIMENTO PARA A EXPLORAÇÃO DE PLANEJAMENTO DE
ORGANIZAÇÃO DE OBRAS E CANTEIROS OBRAS E GESTÃO CANTEIROS DE
CONSTRUÇÃO.
HABILIDADES EM MEIOS DE EXPRESSÃO USO DE SOFTWARE DE MODELAGEM E
E REPRESENTAÇÃO RENDERIZAÇÃO, DESENHO TÉCNICO
VIRTUAL.
CONHECIMENTO DOS INSTRUMENTAIS FAMILIARIZAÇÃO COM SOFTWARES E
DE INFORMÁTICA OUTRAS FERRAMENTAS VIRTUAIS.
HABILIDADE NA ELABORAÇÃO E REALIZAÇÃO DE LEITURA E
UTILIZAÇÃO DE LEVANTAMENTOS INTERPRETAÇÃO DE DADOS COM A
UTILIZAÇÃO DE
AEROFOTOGRAMETRIA,
FOTOINTERPRETAÇÃO E
SENSORIAMENTO REMOTO.
Fonte: elaborado pelas autoras (2023) com base em Skubs et al (2021)

Relações entre o Presencial e o Virtual em Arquitetura e Urbanismo


A avaliação relacional entre os métodos de ensinar, em Arquitetura e Urbanismo leva à
reflexão sobre o impacto do presencial e do virtual na formação dos estudantes nesse campo.
No entanto, é fundamental ressaltar que essa análise abarca uma série de complexidades e
obstáculos que requerem uma investigação crítica mais aprofundada.
Embora o ensino virtual proporcione flexibilidade e acesso a recursos digitais, ele
também acarreta desafios consideráveis. Um exemplo disso é a carência de interação pessoal
direta, o que pode prejudicar o desenvolvimento de habilidades práticas e a troca de
experiências entre estudantes e professores. Isso é especialmente crítico em disciplinas nas
quais a execução de projetos práticos e a colaboração desempenham um papel central.
Neste contexto, é relevante levar em conta não somente a análise comparativa dos
resultados acadêmicos, mas também a avaliação da experiência integral do estudante, sua
preparação para a inserção no campo profissional e sua habilidade de se atentar às constantes

788
transformações tecnológicas, sobretudo no campo de Arquitetura e Urbanismo, no qual a
tecnologia desempenha um papel crescentemente importante.
O quando 2 destaca e relaciona diversos aspectos do ensino presencial e virtual.

Quadro 9. Aspectos do presencial e virtual de Arquitetura e Urbanismo

ASPECTO ENSINO PRESENCIAL ENSINO VIRTUAL


BASE TEÓRICA E OFERECE FOCO NA TEORIA COM
PRÁTICA EXPERIÊNCIAS ACESSO A RECURSOS
PRÁTICAS EM ESTÚDIOS GLOBAIS.
E OBRAS.
COMPETÊNCIAS OPORTUNIDADES ÊNFASE EM SIMULAÇÃO
TÉCNICAS PRÁTICAS E E VISUALIZAÇÃO
EXPERIENCIAIS. VIRTUAL.
USO DE TECNOLOGIAS, AULAS ONLINE
TECNOLOGIA E MAS COM CONTATO DEDICADAS AO USO DE
INFORMÁTICA FÍSICO. TECNOLOGIA.
SIMULAÇÕES E LIMITADO EM EXPLORA SIMULAÇÕES
VISUALIZAÇÕES SIMULAÇÕES VIRTUAIS E REALIDADE
COMPLEXAS. VIRTUAL/AUMENTADA.
FLEXIBILIDADE E HORÁRIOS E LOCAIS FLEXIBILIDADE DE
ACESSIBILIDADE FIXOS DE ESTUDO. HORÁRIOS E LOCAIS DE
ESTUDO.
CONEXÃO ENTRE VISITAS DE CAMPO E VISITAS VIRTUAIS
AMBIENTES PRÁTICAS PRESENCIAIS. COMPLEMENTANDO
EXPERIÊNCIAS.
DESAFIOS E INTERAÇÃO DIRETA FLEXIBILIDADE, MAS
OPORTUNIDADES NECESSITA DE
DISCIPLINA
CONTRIBUIÇÃO PARA O TRADIÇÃO EM ENRIQUECE O
ENSINO PRÁTICAS DE ATELIÊ E APRENDIZADO COM
OBRA TECNOLOGIA E
RECURSOS.
Fonte: elaborado pelas autoras (2023)

A relação entre as dimensões do ensino presencial e virtual em Arquitetura e Urbanismo


revela uma série de aspectos que se entrelaçam, mas também destacam diferenças significativas
em relação à interação, recursos, experiência sensorial e abordagens práticas.

Dentro dos elementos que se assemelham, incluem-se os conteúdos das disciplinas. Isso
significa que o conteúdo do curso seja pertinente e mantido atualizado para corresponder às
necessidades dessa área independente se está sendo ensinado presencialmente ou de forma
virtual. Além disso, em ambos os cenários, é importante promover a participação ativa dos
alunos por meio de atividades práticas, projetos, discussões e colaboração. Entre os aspectos de

789
Distanciamento está a interação pessoal, habilidades práticas, recursos físicos e a colaboração
face a face.
Considerações finais

Este estudo teve como foco central a compreensão das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o curso de Arquitetura e Urbanismo, assim como a análise da abordagem pedagógica
adotada e a dinâmica entre o ensino presencial e o ensino virtual.

É importante ressaltar que a riqueza do campo da educação em Arquitetura e Urbanismo


se encontra na notável diversidade de abordagens pedagógicas disponíveis e na impressionante
capacidade das instituições de ensino em dialogar com às crescentes demandas dos estudantes.
E com isso, reforçar os aspectos da flexibilidade e da adaptabilidade como elementos que
atendam às necessidades em constante evolução dos alunos.

Ao longo do texto, destacamos a importância de equilibrar teoria e prática,


independentemente da modalidade. No entanto, é importante levar em conta as complexidades
e obstáculos que o ensino virtual pode apresentar, como a carência de interação pessoal direta,
e buscar soluções para superá-los.

Concordando com a observação de Reis de Goes Monteiro (2021), é necessário enfatizar


que o potencial das ferramentas digitais no aprimoramento do ensino só será realizado se todos
os envolvidos no processo educacional tiverem a oportunidade de usá-las de maneira
significativa. Isso ressalta a necessidade de igualdade de acesso e de tornar a tecnologia
educacional acessível a todos os participantes. Isso envolve o fornecimento de acesso adequado
a dispositivos e recursos tecnológicos, bem como a oferta de suporte e a formação para que
estudantes e educadores possam aproveitar ao máximo essas ferramentas.

Referências Bibliográficas

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AU, Arquitetura e Urbanismo, v. 131, p. 57-60, 2005.

BRASI. Portaria n. 1770 de 23 de dezembro de 1994. Fixa as diretrizes curriculares e o


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https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/pdf/CNE_PAR_CNECESN3862002.pdf
Acesso em: 03 set. 2003.

790
CEAU – Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Ensino de
Arquitetura e Urbanismo: condições e diretrizes: Brasília: SESu/ MEC, 1994. Disponível
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CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Currículo mínimo do curso de arquitetura e


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agronomia: Volume X –Arquitetura e Urbanismo. Brasília, DF: CONFEA, INEP, 2010.

LEAL, Bianca Marques Figueiredo. Propostas para o ensino dos conteúdos de Arquitetura
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LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 2011.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Resolução n. 2 de 17 de junho de 2010: institui as


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Brasília, 2010. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5651-
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NATUMI, Yone. O ensino de informática aplicada nos cursos de graduação em


arquitetura e urbanismo no Brasil. Dissertação (Mestrado em Tecnologia da Arquitetura) -
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REIS DE GOES MONTEIRO, A. M. Ensino de Arquitetura e Urbanismo à Distância, Remoto,


Híbrido: Para Onde Queremos Ir?. Revista Projetar - Projeto e Percepção do Ambiente, [S.
l.], v. 6, n. 1, p. 157–162, 2021. DOI: 10.21680/2448-296X.2021v6n1ID23865. Disponível em:
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SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a


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SKUBS, Danielle; NUNES, Caio Muniz; FERNANDES, Giulia Piazza; RUSCHEL, Regina
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2021, Uberlândia. Anais [...]. Porto Alegre: ANTAC, 2021. p. 1-10. Disponível em:
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791
UMA VISÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES AVANÇOS
RETROCESSOS E PERSPECTIVAS

Aryadne Maluf Ribeiro Arnez Lima (UEMS)


aryadnemalufdelima@gmail.com

Resumo: Este artigo objetiva observar a trajetória histórica da formação de professores


incorporando uma abordagem mais crítica e reflexiva, que reconheça as desigualdades históricas,
sociais e culturais existentes, para promoção e valorização da diversidade e das vozes
marginalizadas. Para tanto, por meio de uma pesquisa qualitativa de cunho documental apresenta-
se uma linha do tempo a respeito da construção da formação de professors, por meio de
fundamentos históricos, filosóficos e sociológicos que permearam as licenciaturas do passado
até os dias de hoje. Após a análise documental, observou-se o quanto tem- se intencionalmente
minado os saberes na docência e para a docência, tanto quantos aos saberes, recursos e espaços.
Relata-se acerca das emergências, desafios e incertezas que estão propostas no âmbito da
educação básica ao nível superior. Conclui-se que Profissionais que estão a postos com o
resultado de uma formação deficitária, sem embasamento teórico e sem criticidade, somatizam
a negligência na construção de novos saberes e de uma nova sociedade. Observa-se articulações
do Estado e dos movimentos associativos, bem como seus efeitos e resultados no estabelecimento
do currículo. Portanto, os processos de formação, profissionalização e associativismo docente
não fugiram à regra.

Palavras-chave: Formação docente. Tempo. Saberes.

INTRODUÇÃO

Formação de professores é um tema importante e relevante na história da educação.


Ao longo do tempo, diferentes abordagens e estratégias foram utilizadas para preparar os
profissionais que atuam na área da educação. No início da história da educação, a formação
de professores era realizada por meio da transmissão oral do conhecimento, o papel do
professor era ensinar aos alunos as habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo, além de
transmitir valores e conhecimentos culturais.

Hoje em dia, a formação de professores é vista como um processo contínuo, que deve
ser atualizado constantemente para acompanhar as mudanças e inovações na área da
educação. Por fim, compreende-se que a história da formação de professores é marcada por
transformações e evoluções ao longo do tempo. Desde transmissão oral do conhecimento
até a valorização da formação continuada, os professores têm sido preparados de diferentes
792
formas para enfrentar os desafios da educação e contribuir para o desenvolvimento dos seus
alunos.
Assim, o presente artigo objetiva observar a trajetória histórica da formação de
professores incorporando uma abordagem mais crítica e reflexiva, que reconheça as
desigualdades históricas, sociais e culturais existentes, para promoção e valorização da
diversidade e das vozes marginalizadas.

1. FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Conhecer os principais momentos de constituição e mudança no estatuto, na carreira


do início do século XIX ao início da década de 1980, conduz-nos a analisar o passado para
elucidar os desafios e lutas propostos pela docência, da formação à prática, da academia ao
chão da escola.
A partir da lei 1827, em que consagra em 15 de outubro data da publicação do dia do
professor, o estado se apresenta como instância de controle da instrução pública e define
condições de recrutamento, formação e contratação de docentes, iniciando assim o processo
de profissionalização, antes o ofício aprendia-se artesanalmente, somente a partir de 1835
abrem-se escolas normais (masculinas) nas províncias.
Estas funcionavam precariamente e não eram muito procuradas já que não exigiam
diploma para contratação, obtinham suas licenças junto às bancas examinadoras do saber e
da moralidade, as nomeações acompanhavam os critérios vigentes nas instituições imperiais
em que, pesavam recomendações de confiança e relações familiares e de amizade.
A remuneração dos professores do ensino primário era e fatalmente continua sendo
baixa e desigual. Não havia boa formação, espaços e instalações ou materiais adequados; o
ensino mútuo não foi tão largamente aplicado nem teve a eficácia pretendida.
Mesmo sobre a inspeção das câmaras municipais as escolas funcionavam ao sabor das
possibilidades das experiências e das decisões dos educadores e misturava-se o caráter
público às intromissões da vida privada. Apenas no final do século organizaram-se as
primeiras associações docentes de caráter beneficente e de auxílio mútuo.
A instituição da escola primária graduada conduz os gestores a reformar as escolas
normais visando à formação especializada por meio de um currículo amplo e um
treinamento teórico e prático no método oficial.
O diploma de normalista passou a ser exigido para o magistério e grupos escolares.
793
Os concursos públicos nesse momento tornam-se as formas de recrutamento mais comuns.
Diante da insuficiência de escolas normais, a maior parte dos professores formavam-
se nas escolas complementares em que se aprofundaram no conteúdo do ensino elementar
com mais um ano de prática de ensino em escolas modelos.
Nesse momento surgem entidades associativas de caráter profissional visando a
defesa da categoria e a melhoria do sistema público, inicia-se também nesse período a
estratégia de editar e publicar revistas periódicas para comunicação, e arregimentação,
opinião e formação.
A lei orgânica do ensino normal (1946), por meio do decreto nº 8.530/1946 conferiu
validade nacional aos diplomas de professores primários, estabelece gratuidade do ensino
normal e subsídios do Estado a escolas particulares e deu organização nacional a formação
docente em dois ciclos.
A dualidade entre “normalistas” e “complementaristas” se acentuou a partir da
década de 1930 quando as universidades passaram a oferecer formação superior para
profissionais dos ensinos secundários e normal e os cursos de pedagogia que formavam os
"técnicos em educação" multiplicam-se nas instituições públicas e particulares.
A profissão docente se "feminiza" notadamente nos ensinos primários e pré-primário,
já que as escolas normais se tornam a única opção de continuidade de estudo para moças cujo
salário seria suficiente para complementar a renda da futura família.
Ao longo do século XX a seleção de professores e professoras passou a ser mais bem
regulada por dispositivos legais e impessoais e baseado em critérios técnicos. A profissão
tornou-se tendencialmente estável e surgiram movimentos docentes pela realização
periódica de concursos, a fim de evitar substituição e interinidade.
Com o aumento da demanda por educação formal as escolas expandiram para a área
suburbanas e rurais com menos recursos e nas áreas urbanas duplicaram ou triplicaram
turnos engrossando o contingente de interinos. A expansão colapsou os órgãos públicos
que optaram por soluções emergenciais para a contratação de docentes nas quais a
exigência dos requisitos oficiais de formação era relativizada ou descumprida.
A partir dos anos de 1930 surgem os sindicatos de professores de escolas particulares
enquanto os professores públicos não tinham legalidade para fazê- lo, cuja condição de
funcionários do estado não permitia a vinculação sindical, agrupavam-se associações

794
representativas. Além da ajuda mútua, essas associações buscavam criar oportunidade de
lazer e cultura.
Da queda do estado novo aos anos 1960 multiplicaram as associações tendo como
pauta questões salariais de regulamentação de concursos, carreiras, condições de trabalho
ou seja, pela melhoria de seu estatuto socioprofissional, entretanto nem sempre as pautas
congregavam ou representavam igualmente professores primários e secundários cujas
propostas e interesses divergindo em razão de diferenças de formação qualificação estatuto
e nível de atuação por exemplo.
Nos anos 1970 os governos estaduais promoveram remanejamento de docentes
estudantes escolas de modo a criar as "escolas de primeiro grau" de 8 anos previstas na Lei
5692/71 docentes perderam aulas (portanto tiveram redução salarial) passaram a se deslocar
entre escolas com o objetivo de complementar a carga horária, dispersaram-se as equipes
docentes e gestores prejudicando o trabalho pedagógico.
A reorganização profissionalizante do colegial transformou a escola normal em um
curso de nível médio e eliminou o curso complementar foram adicionadas "habilitações"
segundo as séries de atuação o que impediu a formação abrangente para o primeiro grau.
Também foi instituída a "licenciatura curta" para agilizar e simplificar o preparo de
professores polivalentes.
Em 1968 com a reforma do ensino superior todas as universidades passaram a ter
faculdade de educação oferecendo a formação pedagógica em curso de licenciatura e
pedagogia com habilitações para as destinações funcionais.
Nos anos 1980 foram criados os centros específicos de formação dos magistérios os
CEFAMs para o reforço de formação docente em nível médio a fim de suprir o ensino pré-
escolar e séries iniciais. O curso durava quatro anos em período integral, tinha o currículo
mais equilibrado entre as partes comuns e diversificadas: bolsa de estudo, formação
permanente etc. Apesar de seus bons resultados, a experiência foi descontinuada pelo
ministério da educação ainda na mesma década.
A diversidade de medidas modelos de formação e recrutamento com que os estados
lidaram com a expansão da demanda produziu um quadro variado e desordenado em que
se misturaram e confundiram requisitos de qualificação estatutos legais, graus de
estabilidade, níveis de carreira salários e identidade profissional tendo como resultado a
precariedade da formação e exercício profissional docente assim como a dificuldade de
795
mobilização e consolidação de pautas comuns.
A partir da história do ensino da Pedagogia permite-se determinar as metas que a
educação deve buscar a todo o momento. Segundo Durkheim (1990, p.84) “a pedagogia é
uma teoria-prática que dita as normas para se fazer a educação, e deve ser fundamentada
em duas ciências”, a sociologia e a psicologia.
Sendo assim é importante ressaltar que a pedagogia não se limita apenas ao ensino
escolar, mas abrange todas as formas de educação, seja ela formal, não formal ou informal.
Ela está presente em diferentes espaços e contextos, como escolas, universidades,
instituições de ensino técnico e profissionalizante, organizações sociais, famílias e
comunidades, onde ocorrem processos de ensino e aprendizagem.
A constituição de 1988 passou a permitir a criação de sindicatos do
funcionalismo público o que veio a fortalecer sua organização e poder de pressão ainda que
houvesse rupturas com os modos de ser e as representações docentes das entidades nas
décadas anteriores especialmente contra o assistencialismo mantiveram-se os elementos
históricos que assentaram a união da categoria: reivindicações de maior prestígio social;
estabilidade, progressão e remuneração; e participação em processos decisórios a respeito
da educação.
Com relação às raízes históricas da formação do professor que transpõe essa singela
linha tempo e em relação a esses questionamentos, Pimenta (2002) constata que a temática
sobre a formação inicial do pedagogo é muito vasta e não pode ser reduzida somente à
dimensão formação docente, como define o documento concluído pela Comissão de
Especialistas de ensino de Pedagogia:

pedagogo [...] profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de


sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do
conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo à docência como base
obrigatória de sua formação e identidade profissional (PIMENTA, 2002, p. 24).

De acordo com a citação de Pimenta (2002), a formação inicial do pedagogo é uma


temática ampla e que não pode ser reduzida apenas à dimensão da formação docente. Não
se limitando apenas ao ensino, mas também na organização e gestão de sistemas, unidades
e projetos educacionais, além da produção e difusão do conhecimento.
Essa ampliação do campo de atuação do professor, com a docência sendo apenas uma
base obrigatória de sua formação e identidade profissional, evidencia a importância da

796
formação em diferentes áreas do conhecimento para o exercício da profissão. Dessa forma,
é necessário que a formação inicial contemple não apenas os aspectos relacionados à prática
docente, mas também à gestão, pesquisa e produção de conhecimento.
Portanto, a formação do Professor deve ser compreendida como um processo
complexo e multidimensional, que envolve diversas dimensões, tais como:
conhecimentos teóricos e práticos, habilidades técnicas, competências socioemocionais e
valores éticos e políticos, visando uma atuação comprometida e transformadora na área
educacional.
Desenvolver a formação de professores é um processo complexo que envolve várias
etapas e estratégias. Uma formação de professores deficitária pode levar a uma série de
consequências negativas para os estudantes, a sociedade e até mesmo para os próprios
professores. Sem um embasamento teórico sólido, os professores podem não ter o
conhecimento necessário para ensinar de forma efetiva, o que pode resultar em baixo
desempenho acadêmico dos alunos.

Além disso, sem a oportunidade de desenvolver a criticidade, os professores podem


reproduzir práticas e ideias antiquadas e limitadas, perpetuando preconceitos.
Negligenciar a construção de novos saberes e de uma nova sociedade pode resultar
em uma falta de inovação e de adaptação às mudanças sociais e tecnológicas. Os
professores podem não estar preparados para lidar com novos desafios e com as
necessidades de uma sociedade em constante transformação.

A precariedade na formação de professores tem seus efeitos, relendo e analisando


podemos concluir que se faz necessário devolver a formação de professores para os
professores assim como diz Nóvoa (2012, p.12) que:

Devolver a formação de professores aos professores implica novas obrigações e


novas responsabilidades, internas e externas à profissão docente, implica rever
grande parte das crenças e das pedagogias do século XX e entrar, de vez, no
século em que vivemos, ressignificando saberes e ações.

Autor ainda ressalta que, a formação de professores tem sido frequentemente


concebida e administrada por especialistas e teóricos distantes da realidade da sala de aula,
o que pode resultar em uma desconexão entre as necessidades práticas dos professores e as
abordagens teóricas propostas. Ele defende que os professores devem ser vistos como

797
especialistas em sua própria prática e que sua voz deve ser valorizada no desenvolvimento
de estratégias de formação (NÓVOA, 2012).
Por fim, é importante que os programas de formação de professores ofereçam uma
base teórica sólida, incentivem a criticidade e a reflexão constante, e incentivem a
construção de novos saberes que estejam em sintonia com as mudanças na sociedade e na
educação (NÓVOA, 2012).

1.1 Formação de professores no Brasil: Contexto atual e perspectivas.

A formação inicial dos professores como responsáveis na formação de novas


gerações, não pode portanto ser aligeirada, deve antes ser constituída por um corpo de
conhecimentos que lhes proporcione uma educação sólida, multifacetada e multidisciplinar,
nela se incluindo uma vertente educacional geral e específica, formação cultural, pessoal,
social e ética. (CUNHA, 2009, p.1052).
Problematizar esses aspectos na formação docente é uma possibilidade de
compreendermos de que forma as diferenças como as de raça, classe, gênero foram
inventadas e interpretadas binariamente, com o intuito de privilegiar um grupo por meio do
apagamento de outros. É uma possibilidade de reconhecermos as diferentes formas de
sofrimento que isso nos impõe e que acabamos por reproduzir por meio das colonialidades.
Conforme afirma Silva (1996, p.11):

A demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e


afirmação de direitos, no que diz respeito à educação, passou a ser
particularmente apoiada com a promulgação da Lei 10.639/2003, que alterou a
Lei 9.394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura
afro-brasileiras e africanas. Reconhecimento implica justiça e iguais direitos
sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade
daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem a população
brasileira. E isto requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos,
posturas, modo de tratar as pessoas negras.

É uma forma de nos reconhecermos imersos nessa lógica e de iniciarmos nossas


reflexões em um processo contínuo de tomada de consciência. Além disso, é uma abertura
de possibilidades para que essas práticas cheguem até nossos/as alunos/as (BORELLI,
2018, p.13-14).
De acordo com Silva (2010), as desigualdades raciais no Brasil vêm sendo denunciadas
desde há muito tempo, todavia, esse tema tem causado alguns desconfortos entre os

798
educadores. Existem, ainda, reservas ao tratar da temática étnico racial, questionar as
diversas formas que ele se manifesta nas relações sociais, de modo particular, no âmbito
educacional. De fato, a temática racial é um caminho a se debater e enfrentá-lo
frequentemente em todos os âmbitos da sociedade. Ao negarmos as ações silenciosas da
sociedade e do sistema, reforçamos determinadas práticas arraigadas de preconceitos
raciais, historicamente construídos.
Diante disso, não se pode deixar de relatar que a população negra teve o acesso aos
bancos escolares negado no início do século XIX, porque a sua presença na escola era
motivo de incômodo para o restante da população. De maneira implícita esses sujeitos eram
associados a doenças contagiosas. Nesse período os brancos enxergavam os negros como
instrumentos de trabalho e por isso não necessitavam de estudos (CRUZ, 2008, p.09).
É eminente a necessidade de se reconhecer e superar as desigualdades e injustiças
históricas enfrentadas pela população negra, enfatizando a importância de promover a
inclusão e a igualdade racial em todas as esferas da sociedade.
Devemos então desafiar os estereótipos e preconceitos arraigados, visando
desconstruir a visão eurocêntrica e valorizar a diversidade étnico-racial brasileira. Valorizar
as contribuições dos intelectuais, artistas e ativistas negros que têm sido fundamentais na
construção e disseminação dos estudos afro- brasileiros. Eles são responsáveis por trazer à
tona perspectivas e conhecimentos que estavam marginalizados e invisibilizados na
academia e na sociedade em geral.
Segundo Bessa-Oliveira (2021, p.1970) neste caso, portanto, ser, sentir e saber do/a
partir e com o pensamento descolonizado como episteme é condição fundamental desta
articulação porque esta é uma produção de conhecimento e subjetividades outros. Pois, de
modo análogo, contempla exatamente àqueles que não foram reconhecidos como culturas
produtoras de arte e de conhecimentos, por meios de seus corpos e almas que habitam
(empurrados) as fronteiras da modernidade, da pós-modernidade e do capitalismo
contemporâneo. Logo, são corpos que articularam e articulam filosofias que emergiram das
condições ameríndias e africanas, por exemplo, mas também de gêneros, raças, classes, fés
e línguas outros que o pensar cartesiano, ontológico, da fenomenologia e marxista modernos
e a lógica capitalista pós-moderna e ainda neoliberal e de extrema-direita ultraconservadora
contemporâneos sequer reconhecem e reconhecerão.
Sendo assim, analisar os conceitos de raça e etnia significa ressignificar
799
representações étnico-raciais dominantes, problematizá-las e desnaturaliza-las. Pois essa é
a única maneira de abrirmos espaço para a construção de representações culturais
alternativas e plurais dos diferentes sujeitos que interagem na escola e, nos demais espaços
educativos, onde aprendemos sobre nós mesmos e sobre os outros.
As discussões sobre as formações contínuas de professores emergem com certa força,
ainda nas décadas finais do século XX. Vários estudos voltados para essa temática passam
a ser disseminados, principalmente no meio acadêmico. É perceptível que a vida moderna
implicou em mudanças em todos os aspectos, destarte, o alunado demanda outras
necessidades de aprendizagens e, ao mesmo tempo, novas maneiras de como aprendem.
[...] O século XXI é marcado por mudanças em todos os setores da vida. O social, o
econômico e o político passam a ser concebidos dentro do movimento da economia, de um
sistema que impõe cada vez mais o lucro, o capitalista (PEIXOTO, 2020, p.192 -193).
Nos dias atuais, necessita-se conceber o professor pesquisador, ou seja, aquele
profissional reflexivo, questionador, investigador, que alia o ensino à pesquisa, articula
teoria e prática pedagógica, pois este fato estimula a reflexão na ação, tornando o professor
um pesquisador na prática. No Brasil, a separação entre ensino e pesquisa nas universidades
e a valorização da pesquisa, em detrimento do ensino, tem trazido alguns prejuízos à
formação de professores (PEIXOTO, 2020, p.91).
Segundo Cunha (2009, p.1052), conhecimentos fundamentais para que nas suas
interações com situações reais, quando acompanhadas de reflexão, questionamento e
experimentação, adquiram um conjunto alargado de competências, capacidades e atitudes
de análise crítica, inovação e investigação pedagógica. Estas competências irão, por certo,
reforçar a bagagem dos que possuem já um conjunto de dons inatos, mas tornará todos mais
aptos à construção de respostas às mutações decorrentes de uma sociedade assente no
conhecimento.
Dada a necessidade de formação continuada de professores, as atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) expressam que:

[...] a formação continuada compreende dimensões coletivas, organizacionais e


profissionais, bem como o repensar do processo pedagógico, dos saberes e
valores, e envolve atividades de extensão, grupos de estudos, reuniões
pedagógicas, cursos, programas e ações para além da formação mínima exigida ao
exercício do magistério na educação básica, tendo como principal finalidade a
reflexão sobre a prática educacional e a busca de aperfeiçoamento técnico,
pedagógico, ético e político do profissional docente (BRASIL, 2016, p. 13)

800
Neste sentido, face à dimensão dos problemas e aos desafios atuais da educação,
precisamos, mais do que nunca, reforçar as dimensões coletivas do professorado. A imagem
de um professor de pé junto ao quadro negro, dando a sua aula para uma turma de alunos
sentados, talvez a imagem mais marcante do modelo escolar, está a ser substituída pela

imagem de vários professores trabalhando em espaços abertos com alunos e grupos de


alunos NÓVOA, 2019, p.10).
O professor deve sempre estar participando das formações continuadas para atender
às necessidades no seu cotidiano, ela não pode ser entendida como um receituário, ou seja,
um conjunto de modelos metodológicos e/ou lista de conteúdos que, se seguidos, serão a
solução para os problemas.

2- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a transformação na formação de professores a partir dos movimentos


descoloniais tem sido um tema relevante no campo da educação nos últimos anos. Os
movimentos descoloniais buscam desafiar as estruturas e os padrões dominantes do
conhecimento e da educação, que são fundamentados em uma perspectiva colonialista e
eurocêntrica.
Esses movimentos argumentam que a formação de professores deve incorporar uma
abordagem mais crítica e reflexiva, que reconheça as desigualdades históricas, sociais e
culturais existentes e promova a valorização da diversidade e das vozes marginalizadas.
Essa transformação na formação de professores implica repensar os currículos e as
metodologias de ensino, integrando perspectivas não ocidentais e indígenas, bem como a
história e as experiências das comunidades marginalizadas. Isso inclui uma reavaliação
crítica dos padrões estabelecidos de conhecimento, questionando a hierarquia de saberes e
incentivando a pluralidade de perspectivas.
Além disso, os movimentos descoloniais também enfatizam a importância da
reflexão sobre a própria identidade e posicionamento do professor, reconhecendo que todos
trazemos conosco uma carga cultural e histórica que pode influenciar nossas práticas
educacionais. Isso envolve a conscientização sobre privilégios e a necessidade de

801
desaprender concepções e práticas que reforcem a opressão e a exclusão.
Em resumo, a transformação na formação de professores a partir destes movimentos
busca desafiar a hegemonia do conhecimento eurocêntrico e colonial, promovendo uma
educação mais inclusiva, justa e equitativa. Empoderar os professores para que se tornem
agentes de mudança e contribuam para a construção de uma sociedade mais igualitária e
respeitosa com a diversidade.

REFERÊNCIAS

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Pensamento Descolonial Crítico Biogeográfico Fronteiriço: por uma Pedagogia/Filosofia
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BORELLI, Julma Dalva Vilarinho Pereira. O ESTÁGIO E O DESAFIO DECOLONIAL:


(des)construindo sentidos sobre a formação de professores/as de inglês. 2018.
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superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e
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http://portal.mec.gov.br/docman/agosto- 2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-
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CUNHA, Maria José dos Santos. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: um desafio para o


século XXI. Actas do X Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia.
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DECRETO-LEI Nº 8.530, DE 2 DE JANEIRO DE 1946. Lei Orgânica do Ensino


802
Normal. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-
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PROFESSORES/AS: tensões e dilemas de estudantes negros/as. POIÉSIS – REVISTA DO
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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA. UNISUL,
Tubarão, v. 3, n. 6, p.154 –163, jul./dez. 2010. Disponível em:
https://portaldeperiodicos.animaeducacao.com.br/index.php/Poiesis/article/dow nload/520/528/637.
Acesso em: 10 mai. 2023.

803
GT 8 - POLÍTICA EDUCACIONAIS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE

ACESSIBILIDADE E EDUCAÇÃO ESPECIAL: VISIBILIDADE E INCLUSÃO

Maira Cristiane Benites (SEMED/MS)


mairacris76@gmail.com

Cidnei Amaral de Mello (SEMED/MS)


cidneiamaralmello@gmail.com

Resumo: O artigo tem como objetivo descrever as políticas educacionais para a acessibilidade
escolar no âmbito da educação especial como igualdade de direito para o processo da
aprendizagem desse alunado. Busca entender como foram desenvolvidas as ações para a efetiva
inclusão deste sujeito, partindo do conceito que a acessibilidade faz parte do campo
educacional, nos processos de escolarização de alunos com deficiências, sendo que o seu uso é
fundamental para a inserção e a sua permanência na escola regular, contribuindo para o acesso
ao ambiente escolar, ao conteúdo pedagógico e a facilitação para a comunicação entre os atores
da escola. Para efetivar o direito a educação, as políticas educacionais são fundamentais para a
estruturação de um sistema educacional acessível, sendo que é por meio delas que são definidas
e implantadas diretrizes, programas e ações com vistas ao direcionamento da demanda para a
qual foram criadas. Este estudo resulta de pesquisa documental e bibliográfica, e se materializa
com caráter descritivo, dos documentos oficiais referentes ao objeto de estudo. Portanto, foram
analisados leis, decretos e resoluções que garantem o direito a acessibilidade para a educação
de alunos público alvo da educação especial. Conclui-se que por meio da acessibilidade e dada
a visibilidade e facilitada a inclusão de alunos público alvo da educação especial na escola
regular, promovendo o protagonismo desses alunos na sociedade.

Palavras-chave: Políticas Educacionais. Acessibilidade. Educação Especial.

Desenvolvimento
A participação de estudantes com deficiência trouxe mudanças na escola regular, como
a adequação de estruturas arquitetônicas, banheiros, mobiliários escolares, recursos
pedagógicos específicos e a maneira de ensinar também necessitam passar por transformações,
pois os métodos tradicionais funcionam para alguns, mas outros precisam de recursos
tecnológicos e outros, ainda, de material adequado para garantir a equidade. As ações
governamentais, mediadas pelas lutas da sociedade civil, atravessaram um longo período e
continuam a mostrar a importância de ser participante do processo de inclusão; assim, as
804
políticas educacionais para a educação especial constituem o principal meio de proclamar que
todos têm em sua diversidade a igualdade como fundamento primário para o ato educativo.
A Constituição de 1988 (CF/1988), no Art. 205, preconiza: “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
O Art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/1996)
destaca que:
O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer
cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade
de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o
poder público para exigi-lo (BRASIL, 1996, p.5).

Segundo os dados divulgados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e


Estatística, no Censo Demográfico de 2010, mais de 45,6 milhões de brasileiros declararam ter
alguma deficiência, o que representa 23,9% da população. Dos entrevistados, 13,3 milhões
(7,0%) declararam ter deficiência motora; 4,4 milhões (2,3%) possuem deficiência severa, mais
de 734,4 mil disseram que não conseguem caminhar ou subir escadas e 3,6 milhões informaram
ter grande dificuldade de locomoção. Esses dados expressam o grande número de pessoas que
precisam de recursos específicos para ter autonomia e acesso a todos os espaços sociais.
O direito social à educação é garantido pela Constituição Federal de 1988, que legisla
o acesso à escola. De acordo com essa carta constitucional, os direitos sociais são os seguintes:

Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,
1988, p. 6).

Tendo em vista que a educação é um direito social, ela vai além do simples acesso à
escola, pois envolve a permanência nela e a providência de recursos pedagógicos que garantam
a. Trata-se, portanto, de um direito civil, cultural e político estabelecido por um Estado
Democrático de Direito. Nesse sentido, Chaui (1989, p. 20) considera que
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio
para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa
que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A
declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem
social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos,
exigindo o consentimento social e político.

805
A educação cria oportunidades para que os cidadãos acessem o conhecimento
histórico, compreendam sobre seus direitos e responsabilidades, e participem ativamente da
sociedade. Veja-se o que preconiza o Art. 208 da Constituição Federal de 1988, com relação à
garantia do direito à educação:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiencia, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde (BRASIL, 1988, p. 122).

Cury (2008, p. 302) explicita que a educação é um direito de todos e um dever, uma
obrigação do Estado, no sentido de “interferir no campo das desigualdades sociais e, com maior
razão, no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, como fator de redução das primeiras
e eliminação das segundas, sem o que o exercício da cidadania ficaria prejudicado a priori”.
A LDBEN/1996 descreve as Diretrizes e Bases da Educação que esse documento
orienta que a educação escolar deve estar conectada ao mundo do trabalho e da prática social;
que a educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais
da solidariedade humana, e tem como objetivo o desenvolvimento integral do estudante a sua
preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Confira-se:

Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias
e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V -
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação
escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X -
valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996, p. 1 e 2)

É importante mencionar que a LDBEN 9394/1996, no Art. 58, conceitua a educação


especial como uma “[...] modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996).

806
Kassar (2011, p. 62), com base em fundamentos históricos sobre a Educação Especial
no Brasil explica que a educação especial se construiu:
[...] como um campo de atuação específico, muitas vezes sem interlocução com a
educação comum. Esta separação materializou-se na existência de um sistema
paralelo de ensino, de modo que o atendimento de alunos com deficiência ocorreu de
modo incisivo em locais separados dos outros alunos.

Em 1990, foi realizada a Conferência Mundial de Educação para Todos, em Jomtien,


na Tailândia, onde o Brasil participou e assinou a declaração Mundial sobre Educação para
Todos, com a tarefa de garantir a universalização do direito à educação. Esse compromisso
levou à elaboração do Plano Decenal de Educação para Todos, assinado em 1993, que visava
garantir a todos os brasileiros o conteúdo mínimo de aprendizagem que atenda às necessidades
básicas da vida até o final de seu mandato (BRASIL, 1993, pág. 13).
A Conferência que buscou a Educação para Todos provocou um impacto muito grande
para as pessoas com deficiência. Kassar (2011) relata que a Declaração de Salamanca é o
resultado da "Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e
qualidade", realizada na Espanha, em 1994. A experiência, especialmente em países em
desenvolvimento, tem mostrado que o alto custo das escolas especiais significa, na prática, que
apenas uma pequena minoria de alunos se beneficia dessas instituições.
As instituições educacionais especializadas eram onerosas, para serem mantidas, e as
escolas passaram a acolher crianças de diferentes condições físicas, intelectuais, sociais,
emocionais e outras. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 apresentou
a proposta de se atenderem as crianças especiais de acordo com as suas “necessidades”, daí
surgindo o termo de inclusão escolar.

[...] a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996 - LDB 9694/96 - é


promulgada, propondo a adequação das escolas brasileiras para atender
satisfatoriamente todas as crianças. Diferenças étnicas, sociais, culturais ou de
qualquer ordem passam a ser foco do discurso de inclusão escolar (KASSAR, 2011,
p. 71).

Esse documento também orienta que esses estudantes poderão frequentar a classe
comum no ensino regular, assegurando-lhes a aprendizagem durante o processo de educação
inclusiva, conforme descrito no seguinte parágrafo:

§2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços


especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. §3º A oferta da
educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero

807
a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão
aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específica, para atender às suas necessidades (BRASIL,
1996, p. 1).

Em 20 de Dezembro de 1999, o Decreto nº 3.298 regulamentou a Lei nº 7.853/89, que


delibera sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e
define, no Art.24 com a finalidade de direcionar o atendimento às necessidades educacionais
especiais nas etapas de ensino, no seguinte parágrafo que “[...] VI - o acesso de aluno portador
de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar,
transporte, merenda escolar e bolsas de estudo“ (BRASIL ,1999, p.7). Conquanto, no Art.58
preconiza:
A CORDE desenvolverá, em articulação com órgãos e entidades da Administração
Pública Federal, programas de facilitação da acessibilidade em sítios de interesse
histórico, turístico, cultural e desportivo, mediante a remoção de barreiras físicas ou
arquitetônicas que impeçam ou dificultem a locomoção de pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 1999, p.14)

Em 2001, o Conselho Nacional de Educação (CNE/CBE) instituiu as diretrizes para a


Educação Especial, por meio da Resolução CNE/CEB 2/2001, com a finalidade de direcionar
o atendimento às necessidades educacionais especiais nas etapas e modalidades da Educação
Básica e em seu Art. 12 orienta sobre a acessibilidade que devem ser asseguradas aos educandos
que abrange essa modalidade estatui:

Art. 12. Os sistemas de ensino, nos termos da Lei 10.098/2000 e da Lei 10.172/2001,
devem assegurar a acessibilidade aos alunos que apresentem necessidades
educacionais especiais, mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas
urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliário – e nos
transportes escolares, bem como de barreiras nas comunicações, provendo as escolas
dos recursos humanos e materiais necessários (BRASIL, 2001, p. 3).

O Ministério da Educação, em 2003, através da Secretaria de Educação Continuada,


Alfabetização e Diversidade-SECAD, criou o Programa Educação Inclusiva: Direito à
Diversidade, visando transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos,
que promove um amplo processo de formação de educadores, nos municípios brasileiros, para
a garantia do acesso de todos à educação escolar, da disponibilização de materiais didáticos e
pedagógicos e a promoção da acessibilidade nos ambientes escolares.
Em 2004, o Decreto nº 5.296 que regulamentou as Leis nos 10.048, de 8 de novembro
de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de
dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da

808
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
especificadamente no capítulo III, no Art. 8 considera sobre a acessibilidade

I - acessibilidade: condição para utilização, com segurança e autonomia, total


ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos
serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e
informação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida;
II - barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a
liberdade de movimento, a circulação com segurança e a possibilidade de as pessoas
se comunicarem ou terem acesso à informação, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias públicas e nos espaços de uso
público;
b) barreiras nas edificações: as existentes no entorno e interior das edificações
de uso público e coletivo e no entorno e nas áreas internas de uso comum nas
edificações de uso privado multifamiliar;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos serviços de transportes; e
d) barreiras nas comunicações e informações: qualquer entrave ou obstáculo que
dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio
dos dispositivos, meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa, bem
como aqueles que dificultem ou impossibilitem o acesso à informação necessários
(BRASIL, 2004, p. 3).

Assim, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação recebeu de um


Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada pela Portaria nº 948/2007,
o documento denominado “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva”, que destaca:
[...] o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de
uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana. Ao estabelecer
objetivos e metas para que os sistemas de ensino favoreçam o atendimento às
necessidades educacionais especiais dos alunos, aponta um déficit referente à oferta
de matrículas para alunos com deficiência nas classes comuns do ensino regular, à
formação docente, à acessibilidade física e ao atendimento educacional especializado
(BRASIL, 2008, p. 8).

O Decreto nº 6.094/2007 estabeleceu entre as diretrizes do Compromisso Todos pela


Educação, a garantia do acesso e permanência no ensino regular, o atendimento as necessidades
educacionais especiais dos alunos e a acessibilidade arquitetônica para a facilitação de
participarem das aulas fortalecendo a inclusão educacional nas escolas públicas.
Esse documento foi entregue ao Ministro da Educação e esclarece sobre a “Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, que visa

[...] assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do


desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino
para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e
continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de
educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do
809
atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento
educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão;
participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes,
nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na
implementação das políticas públicas (BRASIL, 2008a, p. 13).

Com relação ao quantitativo de matrículas em escolas regulares/classe comuns,


observou-se o progressivo aumento, no que diz respeito à inclusão dos estudantes da educação
especial. Verifica-se que com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva o estudante da educação especial passou a pertencer ao contexto da escola.
Na página referente à Política de educação inclusiva, no portal do MEC, consta a
seguinte informação sobre o Censo Escolar da Educação Básica de 2008:

Os resultados do Censo Escolar da Educação Básica de 2008 apontam um crescimento


significativo nas matrículas da educação especial nas classes comuns do ensino
regular. O índice de matriculados passou de 46,8% do total de alunos com deficiência,
em 2007, para 54% no ano passado. Estão em classes comuns 375.772 estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou
superdotação.1

A Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com


Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) em seu no Art.28 define que a acessibilidade
é um direito e que incumbência é do poder público em assegurar, criar, desenvolver,
implementar, incentivar, acompanhar e avaliar, como descrito

I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o


aprendizado ao longo de toda a vida; II – aprimoramento dos sistemas educacionais,
visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem,
por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as
barreiras e promovam a inclusão plena; III – projeto pedagógico que institucionalize
o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e
adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e
garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a
conquista e o exercício de sua autonomia (BRASIL, 2015, p. 12).

A igualdade de direito descrita neste artigo evidencia em seu inciso XVI que a
acessibilidade abrange alunos, profissionais da educação em vários contextos e destaca:

XVI – acessibilidade para todos os estudantes, trabalhadores da educação e demais


integrantes da comunidade escolar às edificações, aos ambientes e às atividades
concernentes a todas as modalidades, etapas e níveis de ensino (BRASIL, 2015a, p.
13).

1
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/politica-de-educacao-inclusiva.
810
Orienta o Art.30 que em processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos
oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica,
públicas e privadas (Brasil, 2015). Adiante tal redação estabelece que devam ser adotadas
medidas de disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados,
previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência (Brasil, 2015).
Os aportes legais preconizam sobre o consentimento dos recursos pertinentes para a
participação do aluno com deficiência mediante a qualquer impedimento físico, arquitetônico,
sensorial, tecnológico e pedagógico, mas as estatísticas divulgadas pelo órgão competente
revelam as diferenças entre o aluno dito “normal” e o que tem laudo.
Observa-se conforme os dados divulgados pelo INEP-Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira com o Censo Escolar 2019, que a proporção de escolas
dos anos iniciais do ensino fundamental que tem a infraestrutura adaptada para os alunos com
deficiência atingiu 55%, já as escolas dos anos finais do ensino fundamental chegou a 63,8%,
e, nas escolas do ensino médio 67,4%.
Portanto, mesmo com a autorização em forma de lei para a acessibilidade necessária
nas escolas, que vão desde banheiros adequados, rampas, pisos táteis, mobiliário escolar,
notebooks, utensílios para alimentação adaptados, cadernos com pauta ampliadas, audiobooks,
entre outros ainda não são totalmente disponibilizados para o aluno da educação especial.
Somente entrar na escola não é estar incluso, é muito mais: é poder participar de todas as
atividades propostas pela escola, respeitando os seus limites biológicos, físicos, emocionais.
Ainda, foi divulgado pelo mesmo órgão que alunos que apresentavam alguma
deficiência tinham as menores taxas de frequência escolar líquida de 86,6%, em contrapartida
as sem deficiência com 96,1%, ressaltou que entre as pessoas com deficiência física está entre
66% e 68% e com as que apresentam mais de uma deficiência é de 59,3%. E, em relação a
escolas adaptadas, o índice é de 55% para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, e de
67,4% para os dos anos finais.
Fica evidente que o acesso para os alunos com deficiência ainda está em construção, já
houve avanços, mas, ainda existem entraves para se ter uma igualdade no direito à educação
para todos.
Enfim o Censo Demográfico de 2022, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), foram identificados indivíduos quem têm muita dificuldade ou não
conseguem de modo algum fazer uma atividade serão identificados como pessoas com
811
deficiência nesta pesquisa. O instituto também confirmou que, seguindo o previsto na Lei Nº
13.861/2019, houve a inclusão de questão específica sobre o Transtorno do Espectro Autista
(TEA).
Para o IBGE, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem muita dificuldade ou
não consegue de modo algum enxergar, ouvir, se locomover, movimentar membros superiores
ou fazer tarefas habituais como se comunicar, ter cuidados pessoais, trabalhar, estudar, etc, em
decorrência de limitações nas funções mentais ou intelectuais, mesmo que faça uso de aparelhos
de auxílio. O instituto divulgou que 18,6 milhões de pessoas apresentam alguma deficiência, e
que as principais entre a população brasileira com idade igual ou superior a dois anos são as
motoras, visuais e de cognição e apresentou a seguinte divisão:

 3,4% da população têm dificuldade para andar ou subir degraus;


 3,1% da população têm dificuldade para enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de
contato;
 2,6% da população têm dificuldade para aprender, lembrar-se das coisas ou se
concentrar;
 2,3% da população têm dificuldade para levantar uma garrafa com dois litros de água
da cintura até a altura dos olhos;
 1,4% da população tem dificuldade para pegar objetos pequenos ou abrir e fechar
recipientes;
 1,2% da população tem dificuldade para ouvir, mesmo usando aparelhos auditivos;
 1,2% da população tem dificuldade para realizar cuidados pessoais;
 1,1% da população tem dificuldade de se comunicar, para compreender e ser
compreendido. 2

O referido Instituto disponibilizou a porcentagem de alunos com deficiência que


estão “inseridos” nas escolas regulares sendo 89,3% de 6 a 14 anos frequentam o ensino
fundamental para 93,9% de alunos sem deficiência na mesma faixa etária. Entre 11 e 14 anos
86,1 sem deficiência para 71,3% com deficiência. E no ensino médio, a taxa é de 54,4% de 15
a 17 anos com deficiência e 70,3% sem deficiência. Já no ensino superior 14,3% e 25,5%
respectivamente, entre 18 a 24 anos.
Portanto, a escola inclusiva deve fornecer acessibilidade desde as ferramentas e
métodos educacionais para cada aluno com deficiência, pois cada um tem suas características
físicas, intelectuais, sensoriais, motoras, bem como o seu próprio ritmo e características para
apreender. As escolas devem estar preparadas para uma mudança estrutural e organizacional,
devido a uma lógica educacional gerenciada por princípios sociais, democráticos, de justiça, de

2
Disponível em: Censo Demográfico 2022 (ibge.gov.br)
812
igualdade, a fim de minimizar àquela que é sustentada por valores econômicos e empresariais
de produtividade, competitividade, eficiência, que tantas exclusões têm incentivado.

Considerações Finais
A forma como nossa sociedade tratou e retratou as pessoas com deficiência, ao longo
da história, propicia uma discussão sobre as práticas escolares para esses estudantes e o impasse
da educação inclusiva com a educação comum para romper com as barreiras escolares. A
inclusão escolar é uma realidade quando não apenas o ingresso e permanência do estudante na
escola acontecem, mas quando há aproveitamento acadêmico, e isso só ocorrerá a partir da
atenção às suas peculiaridades para a aprendizagem e desenvolvimento. O século XXI trouxe
avanços tecnológicos e conquistas de direitos, mas até hoje há uma luta diária para que a
educação inclusiva seja reconhecida como parte integrante da educação para todos.
Educação Inclusiva significa pensar uma escola em que é possível o acesso e a
permanência de todos os estudantes, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até
então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras
para a aprendizagem (PLETSCH; FONTES, 2006; GLAT; BLANCO, 2007). Assim, a inclusão
de estudantes com necessidades educacionais especiais deve ser entendida como uma forma de
respeito ao outro, independentemente de sua condição física, cognitiva ou de suas limitações.
Estar incluído é ter acesso ao material pedagógico adequado para a sua especificidade,
ter acesso aos recursos de tecnologia assistiva para minimizar as barreiras em relação à
aprendizagem, é participar das atividades em sala de aula com os pares, conseguir lanchar no
espaço escolar, é ter desenvolvimento acadêmico, social, emocional.
Os aportes legais preconizam a inclusão dos estudantes com necessidades especiais,
mas o desinteresse pela implantação e o respeito a esses estatutos prevalecem; falta muito,
ainda, para se atingir o que é necessário e desejado, inclusive a reforma estrutural para o
cumprimento dos requisitos legais.
Portanto, caso não se tem a acessibilidade onde se disponibilizem as ações e os recursos
já referidos, com a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, planejamento e execução
da política educacional, o desenvolvimento e a aprendizagem desses alunos ficarão
comprometidos, poderão até mesmo não se concretizar devido à não inclusão deles nas
atividades escolares e a não participação com seus pares.

813
Conclui-se que por meio da acessibilidade e dada a visibilidade e facilitada a inclusão
de alunos público alvo da educação especial na escola regular, promovendo o protagonismo
desses alunos na sociedade.

Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF: Senado, 5 out. 1988.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as


diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: MEC, 1996. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 25 julho 2022.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de


2001. Institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 14 set. 2001. Seção 1E. p. 39-40.

BRASIL. Decreto Nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta a Lei no10.048, de 8 de


novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº 10.098, de
19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida e dá outras
providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/civil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm>. Acesso em:
7 maio 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva


da Educação Inclusiva. 2008a. Disponível em: <docman&view=download& alias=16690-
politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-
05122014&Itemid=30192>. Acesso em: 15 nov. 2020.

BRASIL. Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o Atendimento


Educacional Especializado, regulamenta o Parágrafo único do Art. 60, da Lei nº 9.394, de 20
de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto nº 6.253, de 13 de novembro de 2007.

BRASIL. Decreto n° 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional


sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo facultativo. Organização das
Nações Unidas – ONU.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 25
maio 2022.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Glossário


da educação especial: Censo Escolar 2020 [recurso eletrônico]. Brasília: Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2020. 21 p. il.
814
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação Básica como Direito. Cadernos de Pesquisa, v.
38, n. 134, mai./ago. 2008.

KASSAR, Monica de Carvalho Magalhães. Educação especial na perspectiva da educação


inclusiva: desafios na implantação de uma política nacional. Educar em Revista, Curitiba, n.
41, p. 61-79, jul./set. 2011. Editora UFPR.

KASSAR, Mônica de Carvalho Magalhães; Andressa Santos Rebelo. O “Especial” na


Educação, o Atendimento Especializado e a Educação Especial. VI Seminário Nacional de
Pesquisa em Educação Especial. Nova Almeida-Serra/ES. Abril/2011

PLETSCH, Marcia Denise; FONTES, Rejane de Souza. La inclusión escolar de alumnos con
necesidades especiales: directrices, prácticas y resultados de la experiencia brasileña. Revista
Educar: revista de Educación, nº 37. Jalisco, México, p. 87-97, 2006.

815
ANÁLISE DOS RELATÓRIOS DE ACOMPNHAMENTO-META 2- PLANO
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LADÁRIO-MS.

Raimundo Pinheiro Santos Neto (Egresso PPGE/UCDB)


rpsantosneto@hotmail.com

Celeida Celeida Maria Costa de Souza e Silva (PPGE/UCDB


celeidams@uol.com.br

Resumo: O presente Artigo faz parte da pesquisa intitulada Plano Municipal de Educação de
Ladário- MS (PME 2015-2025): Estratégia 2.5 da meta 2- Ações intersetoriais de
Monitoramento e Acompanhamento do Acesso, da Permanência e do Aproveitamento Escolar
dos Estudantes do Ensino Fundamental(2015-2020). O objetivo geral deste artigo é apresentar
os resultados obtidos nas análises documentais com foco nas ações do Conselho Municipal de
Educação de Ladário. Elege-se como recorte temporal o período de 2015 a 2020, que
corresponde à aprovação e à vigência do Plano Municipal de Educação de Ladário-MS (PME
2015-2025), e ao período em que foi publicado um Relatório de Acompanhamento do
PME/Ladário-MS, dividido em monitoramento e avaliação, elementos para o desenvolvimento
da pesquisa. Como objetivos específicos destaca-se: (a) descrever o processo de elaboração do
PME/Ladário-MS (2015-2025); (b) apresentar as informações descritas nos Relatórios de
Acompanhamento do Plano, referente à estratégia anunciada. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e documental.

Palavras-chave: Plano Municipal De Educação; Meta 2, Estratégia 2.5; Relatório De


Acompanhamento.

INTRODUÇÃO

Este Artigo faz parte da pesquisa de mestrado intitulado Plano Municipal de Educação
de Ladário-MS (PME 2015-2025): Estratégia 2.5 da meta 2- Ações intersetoriais de
Monitoramento e Acompanhamento do Acesso, da Permanência e do Aproveitamento Escolar
dos Estudantes do Ensino Fundamental(2015-2020).
O objetivo geral deste artigo é apresentar os resultados obtidos nas análises documentais
com foco nas ações do Conselho Municipal de Educação Ladário-MS, para o monitoramento e
acompanhamento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos estudantes do
ensino fundamental, prescrito na Meta 2, estratégia 2.5 do Plano Municipal de Educação (PME
2015-2025) de Ladário-MS, aprovado pela Lei nº 943/2015, em 9 de junho de 2015. Elegeu-se
como recorte temporal o período de 2015 a 2020, o qual corresponde à aprovação, à vigência

816
do Plano Municipal de Educação (PME 2015-2025) de Ladário-MS e, ao período em que foi
publicado um Relatório de Acompanhamento do Plano, dividido em monitoramento e
avaliação, elementos essenciais para o desenvolvimento da pesquisa.
O presente artigo, descreve a elaboração e implementação do Plano Municipal de
Educação (PME 2015-2025) de Ladário-MS relatando os acordos que aconteceram para o
monitoramento do plano durante a sua vigência. Apresenta as informações do Relatório de
Acompanhamento do PME/Ladário 2015-2025 divulgado no ano de 2017, referente aos anos
2016-2017 e traz as ações do Conselho Municipal de Educação de Ladário em relação ao
monitoramento e acompanhamento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos
estudantes do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Ladário-MS, órgão citado
na estratégia 2.5 da Meta 2 do PME/Ladário-MS (2015-2025).
A Meta 2 do PME/Ladário 2015-2025 conta com 15 estratégias e foi aprovada pela Lei
Municipal nº 943/2015, na cidade de Ladário-MS, em 9 de junho de 2015, e apresenta como
objetivo “Universalizar o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6
(seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que, pelo menos, 95% (noventa e cinco por cento) dos
alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até 2024)” (PME/Ladário-MS, 2015, p. 6).
Convém destacar que o artigo foca na estratégia 2.5, que tem o intuito de “promover,
em parceria com as áreas de saúde, Assistência Social, Conselho Tutelar e Ministério Público,
o acompanhamento e monitoramento de acesso e permanência na escola, identificando motivos
de ausência, baixa frequência e abandono dos estudantes, até o final da vigência do PME”
(PME/Ladário, 2015, p.6)
O Conselho Municipal de Educação é definido pelo Ministério da Educação (MEC)
como um lugar onde os conselheiros “exercem papel de articuladores e mediadores das
demandas educacionais junto aos gestores municipais e desempenham funções normativa,
consultiva, mobilizadora e fiscalizadora”
A escolha do município de Ladário como campo empírico para essa pesquisa justifica-
se por se tratar de uma das cidades mais antigas do Estado de Mato Grosso do Sul, emancipada
politicamente em 17 de março de 1954, e faz parte dos 79 municípios, que a partir de 1977
começam a compor o Estado de Mato Grosso do Sul.
No intuito de entender a questão da educação básica recorreu-se às contribuições de
Cury (2002).

817
[...] um nível da educação nacional que congrega e abrange, articulada e
sequencialmente, as suas três etapas: art. 21. A educação escolar compõe-se de: I -
educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.” e no art. 22 “[...] tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (CURY,
2010, p.29).

O Art. 205 da Constituição Federal de 1988 destaca que:

Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988).

Com base nos conceitos adquiridos, inicia-se a pesquisa de documentos com foco no
levantamento histórico da elaboração e implementação do PME/Ladário 2015-2025 e
posteriormente a busca pelos documentos de Monitoração do PME/Ladário 2015-2025
focalizando as ações do Conselho Municipal de Educação da cidade pesquisada.
Ladário é um dos municípios mais antigos do estado de Mato Grosso do Sul, o
município foi emancipado durante o Governo de Fernando Correa da Costa, e sua instalação
como município autônomo deu-se em 17 de março de 1954 (SANTOS NETO, 2022, p.28). É
conhecido como “Pérola do Pantanal”, está localizada na região oeste do Estado de Mato
Grosso do Sul, no coração do Pantanal.
A partir da aprovação do Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (PEE/MS),
os municípios sul-mato-grossenses começam a se articular para elaborar seus planos
educacionais alinhados ao PNE e ao PEE/MS, com a participação da sociedade civil organizada,
com as metas e estratégias observadas em suas peculiaridades locais.
Segundo o PME/Ladário 2015-2025 (LADÁRIO/PME, 2015-2025, p.07), o Plano
Municipal de Educação de Ladário foi elaborado diante de um processo de construção coletiva,
que envolveu a comunidade, entidades civis, movimentos sindicais, a Secretaria de Educação e
seus membros, respaldados pela legislação federal e acompanhada por comissões de
monitoramento em defesa dos interesses e direitos da sociedade.
O plano deve-se caracterizar como uma Política de Estado e não de governo. Bordignom
(2014) observa que:

Na essência, no regime republicano democrático, toda ação de governo deve ter a


perspectiva de ação de Estado, na medida em que deve estar voltada para e estar a
serviço dos cidadãos, da nacionalidade. A distinção se dá em razão da concepção
patrimonialista do exercício do poder, que, em boa medida, ainda guarda traços

818
imperiais. [...] “a quem serve o governo, que é de natureza transitória? Aos próprios
interesses de poder ou à sociedade, à institucionalidade nacional, de caráter
permanente? (BORDIGNOM, 2014, p.37).

Com base nas determinações e orientações do PNE Lei nº 13.005/2014, e o que dispõe
a LDBEN 9.394/96, alinhado ao PEE/MS, Lei nº 4.621/2014, para a formulação do documento,
a Secretaria Municipal de Educação juntamente com o Conselho Municipal de Educação
convidaram representantes de diversas instituições para a primeira reunião visando a
participação de todos na criação do Plano Municipal de Educação.
Foram convidados: Secretarias Municipais, a Comissão de Educação da Câmara
Municipal, Sindicato de Profissionais de Educação, Conselho Tutelar, Instituições de Ensino
Superior, comunidade educacional (diretores de escolas, técnicos, funcionários, pais e
estudantes), igrejas, meios de comunicação, dentre outros, num processo de construção
coletiva, e cumprindo segundo o documento, as exigências legais (LADÁRIO/RELATÓRIO
DE MONITORAMENTO DO PME, 2015-2025, p.08).
Na primeira reunião aconteceu a apresentação das ações para a criação do Plano
Municipal de Educação da cidade, em seguida foi constituída uma Comissão Provisória,
composta por pessoas ou instituições interessadas em participar da criação do Plano
(LADÁRIO/ DE MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 8).
Por meio do Decreto Municipal nº 2.602/2014, foi criada a Comissão Permanente para
elaboração do PME/Ladário-MS. Essa Comissão Permanente ficou com a responsabilidade de
elaborar o Plano de Trabalho; discutir e elaborar o Regimento Interno; enviar ofícios e convites
para as reuniões da comissão; organizar a relação das instituições que aderiram a formulação
do plano, com seus respectivos representantes (titulares /suplentes); reunião para oficialização
do PME/Ladário; criação oficial do PME/Ladário; homologação dos nomes dos respectivos
indicados pelas instituições; escolha dos nomes dos responsáveis pela coordenação do
PME/Ladário (por eleição ou aclamação) (LADÁRIO/RELATÒRIO DE
MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 9).
A Comissão Permanente formada por representantes do Governo Municipal (Secretaria
de Educação), membros do Conselho Municipal de Educação, membros do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação de Ladário-MS (Sitel/Ladário) e demais representantes da
sociedade civil organizada, deu início a elaboração do Plano, o que ocorreu após sucessivas
reuniões e participações em debates, em fóruns municipais, estaduais e de Seminários Livres

819
ocorridos a partir de agosto de 2014, e que se estendeu até abril de 2015
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 9).
O Seminário Final que ocorreu nos dias 17 e 18 de abril de 2015 marcou a apresentação
do documento final do Plano. Nos dias 20 a 24 do mês de abril, o documento foi submetido à
revisão e adequação da base nas interferências do Seminário (LADÁRIO/RELATÓRIO DE
MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 8), encaminhado ao executivo no dia 27 de abril
de 2015, para à apreciação da plenária da Câmara Municipal de Vereadores, onde foi revisado
pela comissão de educação, e após a apreciação e debate, transformado em Projeto de Lei, sendo
aprovado em 09 de junho de 2015 e sancionado em 11 de junho de 2015 pelo Prefeito José
Antônio Assad e Faria por meio da Lei municipal nº 943/2015, que deu como aprovado o
PME/Ladário 2015-2025 (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DO PME
2015-2025, p. 8).
O documento é composto de 20 metas, seguidas de 309 estratégias, formuladas e
norteadas com base no Plano Nacional de Educação (2014-2024) e no Plano Estadual de
Educação (2014-2024).
Após elaborar e começar a implementar o PME/Ladário 2015-2025, o município
assinou em 28 de março de 2016, por meio da Secretaria Municipal de Educação, o documento
denominado “Termo de Adesão à Assistência Técnica para o Monitoramento Avaliação dos
Planos de Educação /SASE/MEC)”, oferecido pelo Ministério da Educação, por intermédio da
Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE/MEC).
O documento assinado tinha como objetivo: assistência técnica e formação; orientação
e acompanhamento da comissão instituída, para alcance de resultados positivos relacionados ao
PME/Ladário 2015-2025, responsabilizando o município por: a) mobilizar as instituições
responsáveis pelo processo de monitoramento e avaliação do PME conforme legislação ou
assistência, instituir instância para cada finalidade; b) viabilizar a participação dos
representantes da comissão coordenadora nas formações oferecidas pela Rede de Assistência
Técnica/SASE/MEC; c) disponibilizar informações referentes ao processo de monitoramento e
avaliação do PME para divulgação no portal “PNE em Movimento”; d) indicar um técnico desta
Secretaria como responsável pela interlocução com o avaliador educacional da SASE/MEC.
Destaca-se que a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE/MEC),
foi extinta em 2019, pelo então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PSL), e suas
funções foram alocadas para a Secretaria de Educação Básica (SEB), ficando, portanto, a cargo
820
da SEB a responsabilidade de monitorar o Plano Nacional de Educação (PNE) e articular o
Sistema Nacional de Educação (SNE).

Conselho Municipal de Educação de Ladário-MS e Suas Ações Diante da Meta 2,


Estratégia 2.5 do PME/Ladário 2015/2025

O Ministério da Educação (2004) coloca que “Os conselhos como forma de


organização representativa do poder político na cidade Estado, os mesmos viriam a ganhar
sua máxima expressão na Comuna Italiana, instituída a partir do século X” (BRASIL, 2004).
A Prefeitura de Ladário, sancionou em 02 de maio de 2015, a Lei Municipal nº
883/2012, que prevê em seu Art. primeiro, a organização do Sistema Municipal de Ensino na
cidade de Ladário (LADÁRIO-MS, LEI MUNICIPAL nº 883/2012).

Art. 1º - Esta lei institui e organiza, no âmbito do Município de Ladário/MS o Sistema


Municipal de Ensino, que visa sistematizar as ações de seus integrantes, observando
os princípios e finalidades da educação nacional e as demais normas vigentes, oferecer
uma educação escolar de qualidade em conformidade com as políticas e ação de
governo embasando o pleno desenvolvimento do educando e o seu preparo para o
exercício da cidadania (LADÁRIO-MS, LEI MUNICIPAL nº 883/2012).

Em seu Art. 2º discrimina quais são os órgãos que compõem o Sistema de Educação
do município:

Art.2 –Compõem o Sistema Municipal de Ensino:


I-Órgão Central:
a-Secretaria Municipal de Educação;
II- Órgão Colegiado:
b-Conselho Municipal de Educação;
c-Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de
Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do
Magistério; [...] (LADÁRIO-MS, LEI MUNICIPAL nº 883/2012).

O Prefeito de Ladário, Iranil de Lima Soares, filiado ao Democratas (DEM)baseando-


se na Lei Municipal nº 883/2012 que dispõe sobre o Sistema Municipal de Ensino, na Lei
nº1.460/1993 do Conselho Estadual de Educação (CEE) e também na Lei Federal LDBEN
9.394/96, sancionou em 16/04/2020, a Lei Complementar Municipal nº 124/2020, que “Dispõe
sobre a composição e funcionamento do Conselho Municipal de Educação”, alterando a Lei
Complementar Municipal nº 060/2012 de 20/04/2012.
Foram encontrados alguns documentos que solicitavam ações da Secretaria Municipal
de Educação, dentre eles, o Relatório Referente a Proposta Arquitetônica da Obra de Reforma,
Readequação e Ampliação, solicitado pelo Conselho Municipal de Educação à Secretaria

821
Municipal de Educação por conta da demora da reforma da maior escola da Rede Municipal de
Ensino de Ladário.

Relatório de Monitoramento do PME/Ladário 2017

O Relatório de Acompanhamento do PME/Ladário está dividido em: Relatório de


Monitoramento e Relatório de Avaliação do Plano Municipal de Educação (PME 2015-2025)
de Ladário-MS (2016-2017). Estes foram elaborados pela Comissão de Monitoramento e
Avaliação do PME (CMMA-PME), instituída por meio do Decreto nº 3.351/2017 em 19 de
abril de 2017, com o apoio técnico e supervisão da Rede de Assistência Técnica/SASE/MEC.
A Comissão de Monitoramento, responsável pela elaboração do relatório de
monitoramento do Plano Municipal de Educação de Ladário foi composta por representantes:
da Secretaria Municipal de Educação de Ladário, da Secretaria de Estado de Educação de Mato
Grosso do Sul, da Associação de Pais e Mestres das Escolas Municipais e Centros Municipais
de Educação Infantil de Ladário, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Ladário, da
Comissão Permanente de Educação da Câmara Municipal de Ladário, do Conselho Tutelar de
Ladário, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Fórum Municipal
de Educação (FME) e da Promotoria de Justiça de Proteção à Infância, ao Idoso e à Pessoa com
Deficiência (LADÁRIO/ RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.2-3). .
Para acompanhar e orientar os trabalhos realizados pela equipe de Elaboração do
Relatório de Acompanhamento do PME/Ladário, a prefeitura nomeou a Equipe Técnica
Municipal do PME, instituída pelo Decreto nº 3.323/2017 de 19 de abril do ano de 2017,
constituída por representantes da: Secretaria Municipal de Educação de Ladário (dela fazendo
parte, o setor pedagógico, setor de departamento pessoal, setor de sistema educacional),
Unidade de Gerenciamento Administrativo e Financeiro, Secretaria Municipal de Finanças e
Planejamento, Secretaria Municipal de Administração (setor de recursos humanos), e Secretaria
Municipal de Assistência Social (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO,
2017,p.3).
Na apresentação do Relatório de Monitoramento do Plano Municipal de Educação
(PME 2015-2025) de Ladário-MS, os integrantes justificam que não foi efetivada a Busca Ativa
Escolar, uma ferramenta que possibilita a disponibilização de dados para que possam ser feitos
os acompanhamentos das crianças e adolescentes fora da escola, o que poderia facilitar a

822
efetivação da Meta 2, a falta da ferramenta dificultou o detalhamento dos dados
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
Registra-se também que a Equipe Técnica de Ladário, ficou com a responsabilidade de
coleta de dados, organização, elaboração do texto final de avaliação, buscando o
desenvolvimento de um relatório pautado em princípios democráticos, de forma transparente
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
A CMMA-PME/Ladário, por meio desse documento (Relatórios de Monitoramento e o
de Avaliação do Plano Municipal de Educação de Ladário-MS), buscou registrar, apresentar e
informar aos munícipios a situação educacional em Ladário-MS, na Rede Municipal, Estadual
e Privada, o que foi realizado e o que não foi (LADÁRIO/RELATÓRIO DE
MONITORAMENTO, 2017, p.5).
O documento elaborado destaca os percalços enfrentados pela CMMA-PME/Ladário e
pela Equipe Técnica Municipal para a elaboração do Relatório de Monitoramento, como a troca
da gestão municipal, mudança de seus membros, fato que dificultou o acesso às informações
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6). A CMMA e a Equipe
Técnica Municipal, foram constituídas em 2017 e reconstituída em 2018 e novos membros
passaram a compor a Comissão, conforme consta no Relatório em análise, datado de 2017
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6).
A CMMA-PME/Ladário registra como fragilidades no processo de elaboração desse
Relatório a falta de compartilhamento de informações devido incompatibilidade de agendas das
Redes (estadual, municipal e privada), impossibilitando a elaboração de um relatório mais
consistente (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6).
A CMMA/PME/Ladário justifica que pelo fato de que o último Censo ter sido realizado
em 2010, não há informações atualizadas, e, por isso, não foi possível “a aferição de todos os
indicadores sugeridos no PME”, devido à ausência dos mesmo nas fontes oficiais municipais,
assim, “seguindo orientações das Técnicas Orientadoras dos Planos Municipais do Estado de
Mato Grosso do Sul, além das informações contidas no Censo do IBGE”, foram utilizadas
informações do INEP (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.7).
O relatório de monitoramento do PME/Ladário 2017 referentes aos anos de 2016 e 2017,
não aponta quais são os indicadores a serem seguidos conforme a direcionamento das Técnicas
Orientadoras dos Planos Municipais do Estado de Mato Grosso do Sul
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.7), o que dificulta também o
823
entendimento e análise dos dados produzidos pela própria equipe disponibilizados pela Equipe
Técnica.
Ainda sobre o Relatórios a dificuldade de acesso as fontes oficiais, os elaboradores
justificam que o documento contém poucos dados e não apresentam as fontes consultadas,
dificultando a maneira de acompanhar o andamento e o cumprimento das metas e estratégias
do PME/Ladário 2015-2025. Não há menção a estratégia 2.5, da Meta 2, e as parcerias
sugeridas.
O referido relatório se apresenta com “um documento que retrata determinado
momento e registra aspectos essenciais necessários para a continuidade dos trabalhos e
atividades oferecidas pelo município nesse espaço de tempo”, e tem por objetivo “permitir
ao gestor identificar, conhecer, verificar e acompanhar as atividades etc., e ter a sua
perspectiva de resultados, melhorias, mudanças ou avaliação” (LADÁRIO/RELATÓRIO
DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
Porém, o documento não traz dados atualizados para que o gestor consiga identificar
os alunos em situação de abandono ou evasão escolar. Portanto, não há de se negar que, o
documento traz informações equivocadas em relação ao atendimento de alunos do ensino
fundamental II, anos finais.

Relatório de Avaliação do PME/Ladário 2016-2017

A Comissão de Avaliação do PME/2015-2025 foi composta também por uma Equipe


Técnica, empossada pelo Decreto Municipal nº 3.323/2017.
A CMMA-PME/Ladário aponta várias justificativas para a falta de consistência no
Relatório de avaliação e para a ausência de dados educacionais do município de Ladário, como
as informações defasadas nas fontes oficiais para consulta, a falta de divulgação dos dados
oficiais, a troca na gestão municipal e consequente mudança na Comissão e na equipe técnica
e a não realização da busca ativa escolar. Segundo a Comissão, dificultaram o detalhamento de
dados importantes durante o monitoramento, comprometendo a elaboração do Relatório de
Avaliação (LADÁRIO/RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO, 2017, p. 7).
Ao mesmo tempo que se torna um avanço a elaboração e implementação de um Plano
Municipal, se torna também um desafio o seu acompanhamento, os entraves políticos e as trocas
sucessivas no que diz respeito aos dirigentes do executivo e seus secretários, que deveriam

824
observar com maior atenção a execução dos planos, dá ao Plano dúvidas quanto à sua efetivação
ou não.
A cidade de Ladário, por meio de sua Equipe Técnica, divulgou informações
relacionadas ao percentual da população de 6 a 14 anos que frequentam as escolas da Rede de
Ensino de Ladário, tomando como fonte de informações o Censo demográfico do IBGE 2010.
Os dados apresentados tratam do número populacional de crianças e adolescentes de 6
a 14 anos que frequentam a escola na Rede Municipal de Ensino de Ladário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo analisou as ações desenvolvidas pelo Conselho Municipal de Educação, com


base nos relatórios de acompanhamento do Plano Municipal de Educação, para monitoramento
e acompanhamento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos estudantes do
Ensino Fundamental, prescritos na Meta 2, estratégia 2.5 do Plano Municipal de Ladário
(PME/Ladário 2015-2025), aprovado pela Lei nº 943/2015, em 9 de junho de 2015.
O documento de analisado foi o Relatório de Acompanhamento do PME/Ladário 2015-
2025, elaborado pela Equipe Técnica Municipal, composta por mais de 15 membros
representantes do poder público e da sociedade civil dentre eles membros do Conselho de
Educação Municipal e também do Conselho Tutelar Municipal, divulgada no ano de 2017
referente aos anos de 2016 a 2017e também os documentos encontrados nas sedes dos órgãos
pesquisados
Após a sua implantação do PME/Ladário 2015-2025, foi assinado pelo município o
termo de adesão ao acompanhamento e monitoramento do Plano. O termo contou com a
participação da Secretaria de Articulação entre os Sistemas de Ensino- SASE/MEC para
conduzir a elaboração do PME/Ladário 2015/2025 e, posteriormente, o Relatório de
Monitoramento e Acompanhamento do PME/Ladário 2015-2025. O Relatório de
Acompanhamento do PME/Ladário 2015-2025, foi produzido pela Comissão de
Monitoramento e Avaliação do PME com dados fornecidos pela Equipe Técnica Municipal e
publicados pela Secretaria Municipal de Educação do município, pesquisado.
Ao fazer as análises dos relatórios publicados pela Secretaria Municipal de Educação,
visando em particular, a Meta 2 e a estratégia 2.5 do PME/Ladário 2015-2025, mesmo o
Conselho de Educação Municipal, possuindo membros de representação na Elaboração do
Relatório de Acompanhamento dos anos de 2016-2017, nos relatórios não constam as
825
descrições das atividades desempenhadas pelos órgãos, a falta de documentação e também a
falta de interesse em descrever as ações dos órgãos, tornou o relatório de Acompanhamento um
documento com poucas informações referentes a Universalização do Ensino na Rede Municipal
de Ensino.
É perceptível, além da falta da descrição das ações desempenhadas, poucas informações
dos dados educacionais da cidade de Ladário, e em alguns casos informações de dados
referentes ao último censo oficial do IBGE 2010. O fato de a cidade não possuir mecanismos
de acompanhamento do crescimento populacional da cidade, afeta negativamente a aplicação
de políticas de proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes e também políticas
educacionais concretas para o bem da comunidade ladarense.
Muitos documentos não foram encontrados pela falta de organização no arquivamento
dos mesmos, ou não foram cedidos para pesquisa, mesmo se tratando de documentos públicos,
emitidos sem a proteção sigilosa.
A questão da universalização do ensino no município de Ladário está bem distante da
realidade, haja vista que o município ainda não possuí mecanismos para identificar os alunos
fora da escola em idade escolar. No art. 6º da Lei Municipal nº 883/2012, que institui o Sistema
Educacional de Ladário, diz que “Art. 6º-) município, em colaboração com o Estado e a União
deverão: I- recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental [...]; II- fazer-
lhes a chamada pública; III-zelar junto aos pais ou responsáveis pela frequência à escola” (LEI
MUNICIPAL 883/2012).
Em relação ao recenseamento dos alunos, nos relatórios de Monitoramento e Avaliação
encontrados só fazem menção ao IBGE 2010. A Secretaria Municipal de Educação não possui
até o momento uma forma de recensear a população em idade escolar e esta falta de informação
prejudica nas análises de dados e a aplicação eficaz de recursos no combate ao abandono e a
evasão escolar.

REFERÊNCIAS

BORDIGNON, Genuíno. Conselhos Municipais. LIMA, Antônio Bosco de. (Org.) In: CMEs
no Brasil: Qualidade social e política de educação. Campinas, SP: Editora Línea, 2017. p.17-
34.

826
BORDIGNON, Genuíno. Caminhar da educação brasileira: muitos planos, pouco
planejamento. p. 29-53 In SOUZA D. B.; MARTINS, A.M. (orgs) PLANOS DE
EDUCAÇÂO. São Paulo: edições Loyola, 2014. P. 99-123.

CONSTITUIÇÃO [de 1988] da Republica dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da
União [da] República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, 5 out. 1988.

CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n.80,
set. 2002.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação básica no Brasil como desafio, por Carlos Roberto
Jamil Cury, Propuesta Educativa Número 34 – Año 19 – nov. 2010 – Vol. 2. - Págs. 25 a 36

LADÁRIO (município). Lei Orgânica, 1990. Disponível em


https://www.ladario.ms.gov.br/portal/contas_publicas/1/73/0/0/0/0/. Acessado em: 25 jun.
2021.

Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996.

Mato Grosso do Sul. Comissão de Monitoramento e Avaliação do Plano Estadual de Educação


do Mato Grosso do Sul [CMAPEE]. (2017b). 1o Relatório de monitoramento e avaliação do
plano estadual de educação: sistematização das metas e estratégias. Campo
Grande/MS.Recuperadodehttp://www.cee.ms.gov.br/wpcontent/uploads/2018/08/I%C2%BA-
RELAT%C3%93RIO-DE-MONITORAMENTO-AVALIA%C3%87%C3%83O-DO-PEE-
MS-vers%C3%A3o-final-1.pd

Plano Municipal de Educação (PME/2015-2025), Lei no 943/2015, em 9 de junho de


2015.Disponível em: https://www.ladario.ms.gov.br/portal/sicem: Acesso em 07 fev., 2022.

827
CONSELHO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE PROTAGONISMO: ALGUNS
APONTAMENTOS

Viviane Gregório Barbosa de Campos (UFMS)


vivigbcampos@gmail.com

Fabiana Gheysa do Nascimento Sanches (UFMS)


fabianagheysa@gmail.com

Carmen Ligia Caldas Haiduck (UFMS)


c-ligia@uol.com.br

Resumo: Este texto versa sobre pesquisa inicial que tem como objeto o Conselho Escolar
enquanto instância de participação e de gestão democrática em uma escola da Rede Municipal
de Ensino de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, tem como recorte temporal o
período 2018-2022. O objetivo é analisar como ocorre o protagonismo dos participantes que
compõem o Conselho Escolar de uma unidade de ensino. Discorremos sobre a gestão
democrática nos marcos legais como fundamento constitucional para a discussão do Conselho
Escolar e seu papel no interior da escola e o aprendizado para a democracia. Os dados coletados,
até o momento, apontam que, no período em análise no Conselho Escolar em estudo, as reuniões
e encontros entre os segmentos representativos foram pautados pelos seguintes assuntos:
Formação dos Conselheiros, pedagógico escolar, financeiro da escola, Festa Julina/ Agostina,
Eleição do grupo de Conselheiros/Posse, Calendário Escolar, Greve dos Professores, Projeto
Político Pedagógico, desafios da organização da escola com a Pandemia do Covid-19,
segurança escolar, questões administrativas e outros. Como resultado, as pautas mostram que
as funções consultiva, fiscalizadora e mobilizadora estão contempladas em algum nível. Porém,
o protagonismo dos participantes dos diversos segmentos representativos nas deliberações
ainda não ficou evidente.

Palavras-chave: Conselho Escolar; Gestão Democrática; Participação.

Introdução

O movimento de participação, ocorrido no Brasil nos anos 1980, edificou a formulação


de documentos que embasaram as políticas públicas seguindo as “demandas da sociedade civil
inscritas na Carta Magna” (Arretche, 2015, p. 52) e avançou no sentido de democratizar as
ações do Estado e suas instituições oportunizando a construção de elementos para redução das
desigualdades sociais. Desta forma, num Estado democrático de direito, existe a possibilidade

828
para a escola pública ser potencialmente espaço de exercício da democracia para a sociedade
civil.
Nos anos 1990, as reformas no Estado brasileiro foram aceleradas e introduziram trocas
de contrato de trabalho pela prestação de serviço, parceria público e privado, descentralização
com ações do terceiro setor e focalizaram na direção de eliminar “qualquer universalidade de
direitos e qualquer planejamento” (Vieira, 2015, p. 815). Na contramão das conquistas, a
organização de sociedade proposta nessas reformas, no plano político, não favoreceu a
participação democrática, visto que “sociedade democrática é aquela na qual ocorre real
participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões” (Vieira, 2004,
p. 134).
Assim, participar, nas organizações públicas, envolve mais do que mecanismos de
colaboração ou parceria, envolve a efetiva coletivização nas diversas formas de tomada de
decisões e como assegura Vieira (2004, p. 134) “fora disso, a participação não é formal, ou até
mesmo passiva ou imaginária, o que é mais desastroso”.
Na gestão das organizações públicas, como as instituições escolares, um espaço propício
para a construção da democracia participativa e legalmente constituído, são os conselhos de
escola ou conselhos escolares, órgãos compostos de representantes dos segmentos da escola.
O presente texto tem a intenção de discorrer sobre a preconização da gestão democrática
nos principais marcos legais da educação nacional e apresentar dados iniciais de pesquisa que
está em andamento no âmbito dos estudos do Grupo Nage1. O objeto de pesquisa é o Conselho
Escolar enquanto instância de participação e de gestão democrática em uma escola da Rede
Municipal de Ensino de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, o objetivo é analisar
como ocorre o protagonismo dos participantes que compõe o Conselho Escolar nesta unidade
de ensino, delimitamos como recorte temporal o período 2018-2022.

Gestão democrática escolar: marcos legais


A Constituição Federal (CF) de 1988, em seu artigo 206 estabelece os princípios que o
ensino deverá ser ministrado, o termo princípio é empregado para “[...] designar, na norma

1
O Grupo de Pesquisa intitulado Núcleo de Aprofundamento em Gestão Escolar – NAGE, foi criado no ano de
2017 é coordenado pela Profa. Solange Jarcem Fernandes e vinculado à Linha de Pesquisa História, Política e
Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Fundação Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul/ PPGEdu/ UFMS.

829
jurídica escrita os postulados básicos e fundamentais presentes em todo o Estado de direito, ou
seja, são afirmações gerais no campo da legislação que das quais devem decorrer as demais
orientações legais” (Adrião; Camargo, 2002, p. 72), entre os princípios destacamos o inciso “VI
- gestão democrática no ensino público, na forma da lei” (Brasil, 1988).
Ao at en d er o estabelecido pela CF/1988 a Lei de Diretrizes e Bases d a E du c a çã o
Na ci on al - LDBEN (Lei n. 9394/1996), em seu Título I - Da Educação, nos artigos 3º, 10º,
11º, 12º e 14º contemplam diretamente a gestão democrática em pelo menos um de seus incisos.
Em avanço, no que tange a gestão democrática na legislação educacional, recentemente
no ano de 2023 a LDBEN/1996 foi alterada pela Lei n. 14.644 para prever a instituição de
Conselhos Escolares e Fóruns de Conselhos Escolares (Brasil, 2023). Desta forma, no artigo
3º, que trata dos princípios do ensino, o inciso VIII preconiza embasamento na “gestão
democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos respectivos Estados e
Municípios e do Distrito Federal” (Brasil, 2023). Nos artigos 10º que trata da incumbência dos
estados e no 11º que trata da incumbência dos municípios foram acrescidos incisos que
estabelecem “instituir, na forma da lei de que trata o art. 14, Conselhos Escolares e Fóruns dos
Conselhos Escolares” (Brasil, 2023). O artigo 12º estabeleceu em seu inciso XII que é de
incumbência do estabelecimento de ensino “instituir, na forma da lei de que trata o art. 14, os
Conselhos Escolares” (Brasil, 2023).
No artigo 14, a referida Lei, estabelece que a Lei de Estados, Municípios e do Distrito
Federal definirá as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de
acordo com peculiaridades locais e conforme os princípios:

I - Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da


escola;
II - Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares e em Fóruns
dos Conselhos Escolares ou equivalentes (Brasil, 2023).

No citado artigo foram acrescidos, também, três parágrafos no inciso II, o primeiro trata
da composição dos Conselhos nas unidades escolares estabelecendo o Diretor Escolar como
membro nato e respectivos representantes da comunidade escolar e local a serem eleitos pelos
pares: professores, orientadores educacionais, supervisores e administradores escolares;
servidores públicos que exerçam atividades administrativas na escola; estudantes; pais ou
responsáveis; membros da comunidade local (Brasil, 2023).

830
Com relação ao Fórum de Conselhos Escolares estabelecido, a Lei 14.644/2023 definiu
que este é:
Um colegiado de caráter deliberativo que tem como finalidades o fortalecimento dos
Conselhos Escolares de sua circunscrição e a efetivação do processo democrático nas
unidades educacionais e nas diferentes instâncias decisórias, com vistas a melhorar a
qualidade da educação, norteado pelos seguintes princípios: democratização da
gestão; II – democratização do acesso e permanência; III – qualidade social da
educação (Brasil, 2023).

O Fórum dos Conselhos Escolares estabelecido na Lei 14.644/2023 deverá ser


composto de representantes das secretarias de educação (órgão responsável pelo sistema de
ensino) e representantes dos Conselhos Escolares da localidade. Pode-se inferir que essas
alterações recentes na LDBEN/1996 asseguram o princípio constitucional da gestão
educacional democrática primando pelo Estado democrático de direito, sobretudo o direito à
educação. Em decorrência desse aporte legal, ações poderão ser traduzidas de forma mais
abrangente e articuladas com os movimentos de uma sociedade mais democrática, que atenda
aos anseios e necessidades de uma escola democrática.
Convém salientar que com aporte nas leis brasileiras, a Lei n.13.005/2014, que aprovou
o Plano Nacional de Educação (PNE) contempla na Meta 19 a gestão democrática e procura
assegurar condições para efetivar a gestão democrática da educação (Brasil, 2014), inclusive
espaço e condições de funcionamento dos Conselhos Escolares.
No município de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, o Conselho Escolar foi
implantado nas escolas da rede municipal de ensino por meio do Decreto n. 10.900, de 13 de
junho de 2009 (Campo Grande, 2009).
Faz-se importante situar que estamos imersos a um processo histórico e neste contexto,
as políticas públicas regidas pela Constituição Federal (1988), construíram um caminho de
implementação de processos no sentido de contribuir e ou constituir uma gestão democrática
para a escola. Tal processo envolve um esforço coletivo que abrange desde as orientações
políticas do sistema até a condição de participação real de todos os sujeitos nas escolas públicas.

A Escola e o Conselho escolar

O Conselho Escolar pode contribuir com a escola pública de qualidade, que visa a
formação do sujeito, assim um Conselho constitui uma “[...] instância de discussão,

831
acompanhamento e deliberações, na qual se busca incentivar uma cultura democrática,
substituindo a cultura patrimonialista pela cultura participativa e cidadã” (Brasil, 2004, p. 35).
Werle (2003, p. 12) salienta que no interior da escola pública a presença do Conselho
Escolar representa a construção de “um espaço não de aprendizagem em nível conceitual e
teórico da democracia, mas um local de fazer democracia”, neste sentido consideramos que sua
simples presença indica possibilidades de participação.
Mesmo em diferentes organizações e composições, um Conselho Escolar significa a
união dos diferentes sujeitos que envolvem a comunidade escolar na implementação de um
projeto de escola em que a participação de todos justifica-se, pois “[...] o Projeto Político-
Pedagógico elaborado apenas por especialistas não consegue representar os anseios da
comunidade escolar” (Brasil, 2004, p. 35). Nesta perspectiva a abertura ao diálogo e a
participação da comunidade são pressupostos essenciais a serem considerados na construção e
implementação do projeto de escola democrática (Drabach; Souza, 2014), esses pressupostos
contribuem para o papel de protagonista do Conselho Escolar na gestão democrática.
Compete ao Conselho Escolar, segundo o Programa Nacional de Fortalecimento dos
Conselhos Escolares2 debater e tornar claros os objetivos e os valores a serem coletivamente
assumidos pela comunidade, definir as prioridades no âmbito escolar, contribuir para a
organização do currículo escolar e para a criação de um cotidiano de reuniões de estudo e
reflexão contínuas, que inclua, principalmente, a avaliação do trabalho escolar (Brasil, 2004, p.
38).
Na pesquisa nos documentos do Conselho da escola em estudo, entre os dados coletados
evidenciamos as pautas propostas nas reuniões realizadas no período do recorte temporal a
quais apresentamos na seção seguinte.

Algumas evidências: o que registra a pauta das reuniões de um Conselho Escolar


Nas escolas da rede municipal de ensino de Campo Grande, MS os Conselhos Escolares
possuem caráter deliberativo, consultivo, fiscalizador e mobilizador nas questões referentes a
organização pedagógica, administrativa e financeira conforme as normas legais em vigência
(Campo Grande, 2010).

2
Programa instituído pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação no ano de 2004 com o
objetivo de fomentar a implantação e o fortalecimento de Conselhos Escolares nas escolas públicas de Educação
Básica.
832
Nesta rede de ensino o Conselho Escolar tem a seguinte representação, conforme consta
no Regimento Interno dos Conselhos Escolares no Artigo 5º: o diretor escolar como membro
nato; dois representantes da equipe técnico-pedagógica, sendo um da supervisão escolar e um
da orientação educacional; dois representantes do corpo docente; dois representantes do corpo
administrativo; três representantes de pais ou responsáveis legais de alunos; três alunos
regularmente matriculados, maiores de 11 anos3. Havendo suplentes para cada representação, e
em exigência de que os pais não podem ser servidores lotados na unidade escolar (Campo
Grande, 2010).
O Conselho Escolar funciona com a estrutura de Assembleia Geral, Presidência e
Secretaria Executiva. A presidência e vice-presidência é eleita pelos membros, sendo um dos
integrantes, maior de 18 anos, exceto a direção. A Assembleia Geral é composta pelos membros
titulares e presidida e convocada (por escrito, com 3 dias de antecedência) uma vez por bimestre
ou extraordinariamente pelo presidente, sendo esta última podendo ser convocada por membros
do Conselho com antecedência de setenta e duas horas e a pauta claramente definida (Campo
Grande, 2010).
O Regimento Interno registra ainda a exigência de um livro Ata específico para registros
dos trabalhos do grupo. Para deliberações, o quórum mínimo é de metade mais um dos
membros.
Em consulta as atas das reuniões no período de 2018 a 2022, identificamos as pautas
definidas para as reuniões e sua descrição nos registros. Importante considerar, que o período
analisado, contempla dois anos de restrições impostas pela Pandemia de Covid-19. Porém, o
grupo analisado apresentou uma linha de trabalho contínua e regular a ser considerada nestes
últimos 5 anos, nos anos de 2020 e 2021 ocorreram reuniões virtualmente.
No quadro 1 apresentamos as pautas das reuniões e encontros do Conselho Escolar
evidenciando a frequência que um assunto apareceu no ano.

Quadro 1 – Pautas de Reuniões do Conselho Escolar período 2018-2022


Pauta em Reunião do grupo do Conselho 2018 2019 2020 2021 2022 Total de
Escolar cada
assunto:
Formação dos Conselheiros 6 3 1 2 12
Pedagógico Escolar 2 3 1 1 7

3
Idade alterada para 10 anos conforme a Resolução SEMED n. 247, de 14 de agosto de 2023 (Campo Grande,
2023).
833
Financeiro da Escola 1 2 3
Festa Julina/Agostina 3 3 1 7
Eleição do grupo de Conselheiros/Posse 1 7 5 1 14
Calendário Escolar/ cronograma grupo 1 1 1 2 3 8
Greve dos Professores 1 1
Projeto Político Pedagógico 2 2
Desafios e organização com a Pandemia Covid- 2 2 1 5
19*
Segurança Escolar 1 1 2
Questões Administrativas (funcionários, espaços 1 1 2 1 5
físicos, trânsito)
Eleição do Presidente do Conselho 1 1 2
Eleição de Direção Escolar 2 2
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2023)

Identificamos que as pautas registram treze assuntos diferentes no período analisado:


Formação dos Conselheiros, Pedagógico escolar, Financeiro da escola, Festa Julina/ Agostina,
Eleição do grupo de Conselheiros/Posse, Calendário Escolar, Greve dos Professores, Projeto
Político Pedagógico, desafios da organização da escola com a Pandemia do Covid-19,
segurança escolar, segurança escolar, questões administrativas (funcionários, espaços físicos,
trânsito), Eleição do Presidente do Conselho, Eleição de Direção Escolar.
Destes, dois assuntos destacam-se na frequência que foram tratados: quatorze vezes a
Eleição e Posse dos integrantes do Conselho e doze vezes a formação para este grupo. O
Calendário Escolar e cronograma de organização do grupo destacam-se por 8 reuniões neste
período. Essa preocupação recorrente, e a abordagem do assunto em várias reuniões, podem
apontar a preocupação do grupo e a necessidade de auto-organização.
Neste mesmo assunto, de competência do grupo, a eleição do Presidente é assunto nas
periodicidades que foram necessárias nestes anos, conforme o Decreto n. 10.900, de 13 de junho
de 2009 (Campo Grande, 2009) que exige eleição do grupo para biênio de atuação.
Ainda sobre sua competência, o grupo aborda os assuntos do Pedagógico, Financeiro,
Projeto Político Pedagógico, Festa Julina/ Agostina (evento de tradição cultural e de
arrecadação financeira com a participação da comunidade) e acompanhamento de questões
administrativas.
Alguns assuntos destacaram-se em pauta devido relevância para a estrutura escolar e
foram debate em uma ou duas reuniões, que foram os assuntos de uma greve de professores
durante o ano de 2022, a segurança no ambiente escolar devido a roubos e atitudes violentas
nos anos de 2021 e 2022, e a instituição da eleição para direção escolar nas escolas da rede
municipal de ensino no ano de 2018.
834
Os desafios e organização com a Pandemia Covid-19 é assunto que inicia em 2020, com
o ano que decreta as restrições de reuniões e aulas presenciais, e segue com os impactos que
foram causados pela reorganização escolar exigida no período. Observamos que o grupo, para
manter o acompanhamento as ações escolares, adaptou-se fazendo reunião via plataforma
digital da internet (Google Meet) durante o período de restrição para encontros presenciais nos
anos de 2020 e 2021.
O Decreto que instituiu o Conselho Escolar, bem como o Regimento Interno,
fundamenta a realização das Assembleias e reuniões, visto que por estarem registradas no
Calendário Escolar letivo da instituição é acompanhado pelo órgão administrativo da Secretaria
Municipal de Educação (SEMED).
Destacamos ainda, o registro de presença de todos os segmentos representativos da
comunidade nas reuniões registradas e analisadas, contemplando a presença de pelo menos um
membro que represente os diferentes segmentos participantes: pais, alunos(as), professores,
funcionários(as) do administrativo, equipe técnica e direção. Porém, o registro da periodicidade
das reuniões, com assuntos pertinentes à sua competência, não garante que a atuação dos
sujeitos representares dos diferentes segmentos da comunidade escolar estejam de forma
participativa constituindo uma gestão democrática na escola.

Algumas considerações

Esses são apontamentos iniciais do objeto da pesquisa em desenvolvimento. O Conselho


Escolar é um órgão representativo de todos os segmentos da comunidade escolar com a função
deliberativa, consultiva, fiscalizadora e mobilizadora, enfim “uma estratégia para a efetivação
do princípio constitucional da gestão democrática da educação pública.” (BRASIL, 2004, p.
14).
Conforme mostram os dados iniciais do presente estudo, o grupo do Conselho Escolar
da escola pesquisada procura estabelecer um espaço de instância de acompanhamento na gestão
escolar por contemplar em suas pautas assuntos pertinentes a gestão administrativa e
pedagógica da escola. O que pode indicar, que o grupo caminhe na direção do cumprimento das
funções consultiva e fiscalizadora. A função mobilizadora pode ser evidenciada pela busca de
organização, formação, presenças e periodicidade das reuniões do grupo.
Consideramos este estudo relevante na medida em que pode contribuir com estudos
835
sobre a gestão democrática da escola pública, bem como, a necessidade de avançar a pesquisa
sobre a atuação do Conselho Escolar e o nível de participação de todos os sujeitos
representantes dos diferentes segmentos e respectivo protagonismo na gestão da escola.

Referências:

ARRETCHE, Marta. Trajetórias das Desigualdades: Como o Brasil Mudou nos últimos
cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp, 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília-DF, 1988.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Brasília-DF, 1996.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Programa Nacional de


Fortalecimento dos Conselhos Escolares, caderno 2. Brasília: MEC, SEB, 2004.

BRASIL. Lei n. 14.644, de 02 de agosto de 2023- Altera a Lei n. 9394/1996. Brasilia-DF,


2023.

CAMPO GRANDE, MS. Prefeitura Municipal. Decreto n. 10.900, de 13 de julho de 2009.


Campo Grande, MS, 2009.

CAMPO GRANDE, MS. Prefeitura Municipal. Regimento Interno do Conselho Escolar


Escola Municipal Padre José Valentim. Campo Grande, MS, 2010.

CAMPO GRANDE, MS. Prefeitura Municipal. Resolução SEMED n. 247, de 14 de agosto de


2023. Campo Grande, MS, 2023.

DRABACH, Nadia Pedrotti; SOUZA, Ângelo Ricardo. Leituras sobre a gestão democrática e
o “gerencialismo” na/da educação no Brasil. Revista Pedagógica, Chapecó, v.16, n.33, p. 221-
248, jul/dez. 2014.

VIEIRA. Evaldo. Os Direitos e a Política Social. São Paulo: Editora Cortez, 2009.

VIEIRA. Evaldo. A República Brasileira: 1951-2010: de Getúlio a Lula. São Paulo. Editora
Cortez, 2015.

WERLE, Flávia Obino Corrêa. Conselhos Escolares – Implicações na gestão da Escola


Básica. Rio de Janeiro. DP&A Editora. 2003. 184p.

836
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PROJETO CONECTANDO SABERES II
AOS PRIVADOS DE LIBERDADE NO ESTABELECIMENTO PENAL FEMININO
IRMÃ IRMA ZORZI (2016-2022)

Geverson Cavalcante da Silva (Bolsista CAPES-PPGE/UCDB)


geversoncavalcante@gmail.com

Celeida Maria Costa de Souza e Silva (PPGE/UCDB)


celeidams@gmail.com

Resumo: O projeto em questão analisará a educação de jovens e adultos no Estabelecimento


Penal Feminino Irmã Irma Zorzi - EPFIIZ, com o objetivo de compreender como a educação é
garantida para as internas. Ele se baseia em instrumentos internacionais que defendem os
direitos humanos dos presos, especialmente das mulheres. Destaca-se a Convenção
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que exige igualdade de condições para
homens e mulheres privados de liberdade. Além disso, o projeto ressalta a importância das
visitas para o bem-estar e reintegração social das mulheres presas. A pesquisa também aborda
a implementação da Educação de Jovens e Adultos no sistema prisional, garantindo acesso ao
ensino fundamental e médio. O ciclo de políticas educacionais e a importância da interpretação
na prática educacional são discutidos como parte do quadro teórico. O projeto visa analisar de
forma aprofundada o funcionamento e os impactos da educação para as mulheres privadas de
liberdade no contexto do EPFIIZ. A metodologia adotada inclui revisão bibliográfica e análise
documental, com foco nas políticas educacionais implementadas no estabelecimento penal.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos – EJA; Privados de Liberdade;

JUSTIFICATIVA
Este projeto tem por objetivo analisar o projeto Educação de Jovens e Adultos: Projeto
conectando saberes II – privados de liberdade no estabelecimento penal feminino Irmã Irma
Zorzi (2016 - 2022) - EPFIIZ, com o intuito de compreender as faces da educação enquanto
garantia de direito das internas. Não se pretende discutir as relações com o contexto da mulher,
nem tampouco tratar do papel da mulher em meio a situação de privada de liberdade. Esse
projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas Política de Formação e Trabalho
Docente na Educação Básica – Gefort.
Encontramos vários instrumentos internacionais que discursam sobre direitos humanos
e o sistema carcerário mundial, no qual o Brasil é signatário, tornando o país legalmente
comprometido a respeitar os direitos neles previstos, sob pena de ser responsabilizado perante

837
a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nesse sentindo, entre os instrumentos
internacionais orientadores dos sistemas carcerários destaca-se a discussão dos direitos
humanos dos presos, especialmente, os femininos, nos quais podemos citar: a Convenção
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (1984), Regras das Nações Unidas Para o
Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade Para Mulheres
Infratoras (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).
A Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), em seu art. 3º, dispõe
que os Estados nacionais signatários (Estados Partes) do pacto se comprometem em assegurar
a igualdade entre homens e mulheres no gozo de direitos civis e políticos. Na mesma
convenção, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)
adicionou ao Comentário Geral 28:
No que respeita aos artigos 7.º e 10.º, os Estados Partes têm de apresentar todas as
informações relevantes para assegurar que os direitos das pessoas privadas da sua
liberdade sejam protegidos em igualdade de condições para os homens e para as
mulheres. Em particular, os Estados Partes devem indicar se as mulheres e os homens
estão separados nas prisões e se as mulheres são vigiadas apenas por guardas do sexo
feminino. Os Estados Partes devem também informar sobre o cumprimento da norma
que obriga a separar as menores das mulheres adultas e sobre qualquer diferença de
tratamento entre homens e mulheres privados da sua liberdade, como acesso a
programas de reabilitação e educação e a visitas conjugais e de família. As mulheres
grávidas que estejam privadas da sua liberdade devem ser objeto de um tratamento
humano e deve respeitar-se sempre a sua dignidade e em particular durante o parto e
enquanto cuidarem dos seus filhos recém-nascidos (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 2000, p. 15).

Destaca-se do referido documento a preocupação em garantir a igualdade de condições


para os homens e mulheres, o direito das mulheres gestantes, bem como, o acesso à programa
de reabilitação, educação e visitas conjugais e de família, marco inédito para alguns países que
ora não possuíam orientações sobre a questão, como o Brasil. Mas somente na Convenção sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1984) é que o Brasil
vincula a obrigatoriedade de instituir medidas para reduzir a discriminação contra a mulher,
seja no âmbito sociocultural, como na educação, política e na saúde. Vários tratados de direitos
humanos tratam de maneira geral dos direitos dos presos ou da mulher em sociedade, sendo a
elaboração das Regras das Nações Unidas Para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas
Não Privativas de Liberdade Para Mulheres Infratoras conhecida como Regras de Bangkok
difundido em 2010, que consiste em um marco normativo internacional, pois trata

838
especialmente acerca da mulher no cárcere e suas especificidades (CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, 2010).
O referido tratado teve participação ativa do Brasil em sua elaboração, sendo aprovado
pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2010. As Regras de Bangkok abordam os
direitos das mulheres presas desde seu ingresso no presídio, como o direito à saúde no cárcere,
tanto física, como mental, à segurança, às revistas pessoais, às sanções aplicadas e às visitas.
Um dos direitos humanos assegurados às mulheres presas nas Regras de Bangkok é o direito
ao exame médico, incluindo uma ampla avaliação, física e psicológica, detectando a presença
de doenças sexualmente transmissíveis, a possível necessidade de cuidados com a saúde mental,
a existência ou não de abuso sexual ou outras formas de violência na vida pregressa da mulher,
a dependência química e o histórico de saúde reprodutiva. É garantido também o direito da
mulher a manter contato com seus familiares, sendo assegurado um local apropriado para que
as visitas com crianças ocorram de forma positiva, de modo a afastar o clima hostil da prisão.
São as determinações acerca das visitas nos presídios (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2010):
Regra 21: funcionários/as da prisão deverão demonstrar competência,
profissionalismo e sensibilidade e deverão preservar o respeito e a dignidade ao
revistarem crianças na prisão com a mãe ou crianças visitando presas; Regra 27 - Onde
visitas íntimas forem permitidas, mulheres presas terão acesso a este direito do mesmo
modo que os homens; Regra 43 - Autoridades prisionais deverão incentivar e, onde
possível, também facilitar visitas às mulheres presas como um importante pré-
requisito para assegurar seu bem-estar mental e sua reintegração social; Regra 28 -
Visitas que envolvam crianças devem ser realizadas em um ambiente propício a uma
experiência positiva, incluindo no que se refere ao comportamento dos
funcionários/as, e deverá permitir o contato direto entre mães e filhos/as. Onde
possível, serão incentivadas visitas que permitem uma permanência prolongada dos/as
filhos/as;

Tendo em vista a probabilidade desproporcional de mulheres presas terem sofrido


violência doméstica, elas deverão ser devidamente consultadas a respeito de quem, incluindo
seus familiares, pode visitá-las. As Regras de Bangkok deram a devida importância às visitas
para as presidiárias, como forma de manter seu bem-estar e reintegração social. Observa-se que
menciona direitos básicos acerca do direito da mulher de manter contato com sua família, tanto
o direito às visitas íntimas com seu companheiro, quanto à sensibilidade de preservar a
dignidade ao revistarem crianças que visitam sua mãe (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2010).
A escolha pela temática se dá pela aproximação profissional com o Estabelecimento
Penal, o que nos traz certos anseios para elucidar como a educação se constituiu e se forma. A
839
relevância que se instala no desejo de pesquisar essa temática nasce há mais de 8 anos
trabalhando com privados de liberdade.
O sistema prisional, em 1984, insere a Educação de Jovens e Adultos, com a Lei de
execução Penal (Lei 13.163), em sua Seção V – Da Assistência Educacional, no ano de 1984.
O projeto inicial contemplava apenas o ensino fundamental, em seguida se instituiu o ensino
médio e também o profissionalizante, nas prisões. Dessa maneira, o decreto que autoriza o
funcionamento da EJA no sistema prisional determina:
Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação
profissional do preso e do internado.
Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da
Unidade Federativa.
Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação
profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao
preceito constitucional de sua universalização.
§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e
municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio
da União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual
de justiça ou administração penitenciária.
§ 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de
educação de jovens e adultos.
§ 3o A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus
programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino,
o atendimento aos presos e às presas.
Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de
aperfeiçoamento técnico. Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino
profissional adequado à sua condição.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades
públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de
uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros
instrutivos, recreativos e didáticos.
Art. 21-A. O censo penitenciário deverá apurar: I - o nível de escolaridade dos
presos e das presas; II - a existência de cursos nos níveis fundamental e médio e o
número de presos e presas atendidos; III - a implementação de cursos profissionais
em nível de iniciação ou aperfeiçoamento técnico e o número de presos e presas
atendidos; IV - a existência de bibliotecas e as condições de seu acervo; V - outros
dados relevantes parao aprimoramento educacional de presos e presas. (BRASIL,
2005)

A proposta de ensino para os(as) privado(as) de liberdade é composta por


responsabilidades lineares para enquadrar os(as) “presos(as)”. Dentro da perspectiva da
oferta de atendimento às pessoas “presas”, estrutura-se então a reestruturação da Educação
de Jovens e Adultos (EJA), na Rede Estadual de Ensino do Mato Grosso do Sul, levando em
conta que essamodalidade se configura pela diversidade das pessoas atendidas. De acordo
com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9 394, de 20 de dezembro de 1996

840
– o a EJA é destinada àqueles que não tiveram acesso aos estudos ou continuidade na idade
regular:

§ 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que


não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho, mediante cursos [...].
§ 2º O poder público viabilizará e estimulará o acesso e a permanência do
trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
(Brasil, 2014, p. 51).

A EJA traz para a sociedade enquanto educação formal, os seus conceitos perpassam
diversos pesquisadores e autores:
A política de Educação de Jovens e Adultos, fruto das reivindicações de grupos e
movimentos sociais de educação popular, diante do desafio de resgatar um compromisso
histórico da sociedade brasileira e contribuir para a igualdade de oportunidades, inclusão e
justiça social, fundamenta sua construção nas exigências legais definidas pela Constituição
Federal de 1988.
Essa Constituição incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (Art. 205). Retomado pelo Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, nº 9.394/96), esse princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um
universo de referência sem limitações. Assim, a EJA (modalidade que visa, além da
escolarização, à inclusão e ao resgate da cidadania e à reparação de anos de segregação
educacional) esforça-se em prol da igualdade de acesso à educação como bem social.
O Art. 37 da LDB prevê que “a educação de jovens e adultos deverá articular-se,
preferencialmente, com a educação profissional, na forma da Lei. Dessa forma, e se realmente
acontecesse o que está previsto em lei, teríamos muito mais jovens dentro das escolas. O jovem
quer trabalhar, mas faltam qualificação e oportunidades, principalmente a de concluir a
Educação Básica e ter parcial domínio das novas tecnologias.
Para compreender a função da educação como garantia de direito. As discussões de Paro
(2000), mostra que após a metade do século XX, constituem-se, no contexto escolar, resoluções
exógenas à instituição escolar, advindas de práticas industriais, administrativas e da escola
comportamental, que se alinha com a valorização da economia e com a eficiência institucional.
Reduz-se os valores éticos, às aspirações políticas e à dimensão humana. Ao contrário dessa

841
concepção, buscamos analisar a gestão escolar adotada de não neutralidade, antes que
desempenha um papel político, cultural e situado no tempo e no espaço. Nessa concepção
Lombardi (2010), a escola, a gestão escolar, são compreendidas como produtos da ação
concreta, material e objetiva dos homens, inseridas numa relação dinâmica contraditória e
histórica.

1. OBJETIVO GERAL

2. Analisar a educação de jovens e adultos no projeto de curso Conectando Saberes II como


pressuposto da garantia de direito à educação básica no Estabelecimento Penal Feminino Irmã
Irma Zorzi - EPFIIZ
2.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
2.1.1. Contextualizar o projeto de curso Conectando Saberes II como uma política de
inclusão/exclusão;
2.1.2. Discutir o direito à educação para as privadas de liberdade;
2.1.3. Examinar no contexto da prática a efetivação da Educação de Jovens e Adultos por meio
do projeto de curso Conectando Saberes II no estabelecimento penal feminino Irmã Irma Zorzi.
Para o alcance dos objetivos, o estudo será norteado pelos seguintes questionamentos:
a. O projeto Conectando Saberes II atua como uma política que inclui/exclui?;

b. O direito à educação está pautado na garantia do direto para todos(as)?

c. As práticas pedagógicas estão sendo reinterpretadas de maneira a garantir as propostas


no projeto?

2. QUADRO TEÓRICO

Esse projeto traça um percurso com aspectos do ciclo de política de Ball (2001);
Mainardes (2006) e outros colaboradores para esta temática em políticas educacionais:

A abordagem do “ciclo de políticas”, que adota uma orientação pós-moderna, baseia-


se nos trabalhos de Stephen Ball e Richard Bowe, pesquisadores ingleses da área de
políticas educacionais. Essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da
política educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais
que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se articularem os
processos macro e micro na análise de políticas educacionais. É importante destacar
desde o princípio que este referencial teóricoanalítico não é estático, mas dinâmico e
flexível, como será brevemente apresentado a seguir. (MAINARDES, 2006. p. 49).
842
A proposição dos autores é que fosse criado uma maneira que pudesse analisar desde a
elaboração da política até sua implementação na prática.
Os autores propuseram um ciclo contínuo constituído por três contextos principais: o
contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Esses
contextos estão inter-relacionados, não têm uma dimensão temporal ou sequencial e
não são etapas lineares. Cada um desses contextos apresenta arenas, lugares e grupos
de interesse e cada um deles envolve disputas e embates [...](MAINARDES, 2006.p.
51).

Os contextos são amplamente definidos com suas ideias principais:


Contexto da influência:
O primeiro contexto é o contexto de influência onde normalmente as políticas públicas
são iniciadas e os discursos políticos são construídos. É nesse contexto que grupos de
interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e
do que significa ser educado. Atuam nesse contexto as redes sociais dentro e em torno
de partidos políticos, do governo e do processo legislativo. É também nesse contexto
que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso de base para a política.
O discurso em formação algumas vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado por
princípios e argumentos mais amplos que estão exercendo influência nas arenas
públicas de ação, particularmente pelos meios de comunicação social.
(MAINARDES, 2006. p.51)

É no contexto da influência que são postas as caracterizações de todas políticas


governamentais e seus interesses, pois os discursos são elaborados nesse contexto afim de
aprimorar os conceitos que definirão a política no contexto da educação.
Contexto da elaboração de texto;
O contexto de influência tem uma relação simbiótica, porém não evidente ou simples,
com o segundo contexto, o contexto da produção de texto. Ao passo que o contexto
de influência está freqüentemente relacionado com interesses mais estreitos e
ideologias dogmáticas, os textos políticos normalmente estão articulados com a
linguagem do interesse público mais geral. Os textos políticos, portanto, representam
a política. Essas representações podem tomar várias formas: textos legais oficiais e
textos políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais,
pronunciamentos oficiais, vídeos etc. Tais textos não são, necessariamente,
internamente coerentes e claros, e podem também ser contraditórios. (MAINARDES,
2006. p.52).

A relação simbólica nesse contexto, demonstra que os interesses políticos e paradigmas,


até mesmo de partidos políticos são posicionados nesse contexto com mais aplicabilidade e
execução ideológica.
Contexto da prática:
De acordo com Ball e Bowe (Bowe et al., 1992), o contexto da prática é onde a política
está sujeita à interpretação e recriação e onde a política produz efeitos e conseqüências
que podem representar mudanças e transformações significativas na política original.
Para estes autores, o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente
“implementadas” dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas à
interpretação e, então, a serem “recriadas. (MAINARDES, 2006. p.54).

843
Na prática os autores mencionam e afirmam que a interpretação é uma ferramenta que
possibilita, por exemplo, que os professores, façam a sua interpretação a partir de suas
experiências e vão desenvolvendo o seu trabalho dentro da perspectiva de sua interpretação,
podendo ser superficial e até mesmo mal compreendida. O professor é um sujeito inteiramente
ativo no ciclo de políticas.
Ao analisarmos as políticas educacionais com intuito de visualizar mais de perto suas
interações com os demais fenômenos sociais, sugere que levemos em consideração a história e
a dialética, onde a contradição se apresenta por meio da organização produtiva da
sociedade/homem. Quando discutimos as políticas educacionais e suas proposições no contexto
de uma sociedade regulada pelo modo de produção capitalista, sociedade dividida em classe e
propriedade baseada nos meios de produção material, onde uma classe trabalha para outra
acumular bens, entende-se que a classe que detém os meios de produção material, detém-se os
meios de produção espiritual (MARX; ENGELS, 2005).
Paulo Freire diz que a educação minimamente teria que dar a tenção a formação plena
do ser humano, denominada por ele de preparação para a vida, com formação de valores,
atrelados a uma proposta política de uma pedagogia libertadora, fundamental para a construção
de uma sociedade mais justa e igualitária:
Não é possível atuar em favor da igualdade, do respeito ao direito à voz, à
participação, à reinvenção do mundo, num regime que negue a liberdade de trabalhar
de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser.
(FREIRE, 1987, p.193)

3. ESTADO DO CONHECIMENTO

Os primeiros levantamentos da pesquisa se deu por meio da pesquisa do tipo estado do


conhecimento que se buscou nos bancos de dados da Catálogo de Teses e Dissertações
(CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações trabalhos que abordassem
os descritores: EJA e PRIVADOS DE LIBERDADE:
Banco de dados Título do Trabalho Autor Ano
/Universidade
Catálogo de Teses e Políticas públicas e direito à AZEVEDO, FLAVIA 2019
Dissertações (CAPES)/ educação: a educação de jovens e REGINA PORTO DE.
Universidade Federal Do
adultos - EJA para privados de
Amazonas liberdade nos estabelecimentos
penais em Manaus
Catálogo de Teses e A educação das pessoas privadas de FERRO, MARIA 2019
Dissertações (CAPES)/ liberdade em Goiás GOMES LEONARDO.
844
Pontifícia Universidade
Católica De Goiás
Catálogo de Teses e Educação de Surdos e Deficientes SANTANA, LILIANE 2020
Dissertações (CAPES)/ Auditivos no Contexto da EJA BATISTA COUTINHO
Universidade Do Estado Prisional: Possibilidades de DUQUES
Da Bahia Formação no Colégio Professor
George Fragoso Modesto
Catálogo de Teses e Educação matemática crítica em SANTOS, ANDREIA 2021
Dissertações (CAPES)/ espaços de privação de liberdade e os RAMOS.
Universidade Do Estado saberes da prática educativa crítica na
Da Bahia educação de jovens e adultos
Catálogo de Teses e Prática docente entre as grades: a CORDEIRO, ANDRIA 2022
Dissertações (CAPES)/ dimensão experiencial da MAGALHAES.
Universidade Estadual aprendizagem da profissão professor
Do Ceará em espaços de privação de liberdade
Catálogo de Teses e As contribuições das pesquisas sobre VIGGANIGO, CAMILA 2019
Dissertações (CAPES)/ alfabetização e letramento na eja em ROSILDA.
Universidade Federal De espaços de privação e restrição de
Santa Catarina liberdade
Catálogo de Teses e Currículo e socioeducação: prática ANTOS, MARIA 2021
Dissertações (CAPES)/ pedagógica gamificada com privados MARGARETE
Universidade Do Estado de liberdade na escola regular CERQUEIRA DOS.
Da Bahia
Catálogo de Teses e O projeto avanço do jovem na NASCIMENTO, 2019
Dissertações (CAPES)/ aprendizagem em mato grosso do sul PATRICIA LUCIA DO
Universidade Estadual De (AJA-MS): análise do instrumento
Mato Grosso Do Sul didático do ensino de história (2016-
2017)
Catálogo de Teses e A configuração do direito à educação SANTOS, DAMARIS 2021
Dissertações (CAPES)/ aos privados de liberdade: a PEREIRA DOS.
Universidade Federal Da legislação brasileira e italiana em
Grande Dourados questão
Biblioteca Digital Modelagem matemática na educação GOMES, 2021
Brasileira de Teses e de jovens e adultos privados de MARICLEUSA INGLES
Dissertações/ liberdade DA SILVA.
Universidade Estadual do
Centro-Oeste
Biblioteca Digital A leitura literária e a mulher privada GUIMARÃES, 2020
Brasileira de Teses e de liberdade: um estudo realizado na LUCIANA RIBEIRO.
Dissertações/ APAC feminina de Governador
Universidade Federal dos Valadares
Vales do Jequitinhonha e
Mucuri
Biblioteca Digital A implementação da educação em COTRIM, TAINÁ 2022
Brasileira de Teses e prisões no Rio Grande do Norte (RN) PORTO.
Dissertações/

845
Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
Biblioteca Digital Os sentidos da Educação em uma SILVA, ALINE DOS 2019
Brasileira de Teses e Cadeia Pública feminina no Estado do SANTOS.
Dissertações/ Rio de Janeiro: perspectivas docentes
Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro
Biblioteca Digital A reforma gerencial do Estado na SILVA, SERGIO VIEIRA 2018
Brasileira de Teses e educação de jovens e adultos na rede DA.
Dissertações/ estadual de ensino do Rio de Janeiro
Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Essa pesquisa será bibliográfica e documental bem como qualitativa/quantitativa. Analisaremos


os documentos que está implementado no ensino básica no EPFIIZ, como o Projeto de Curso
Conectando Saberes II – Privados de liberdade.

Espera-se por meio desse projeto analisar um formato de educação que essa
modalidade oferta para o público específico que é a pessoa privada de liberdade e tratar das
especificidades do espaço onde a educação se constiui:
Estudos dão conta da dificuldade de se construir na área categorias teóricas mais
consistentes, que não sejam a aplicação ingênua de categorias usadas em outras
áreas deestudo, e que abarquem a complexidade das questões educacionais em seu
instituído contexto social. Preocupa a compreensão das condições determinantes
dos fatos educacionais, como também os mecanismos internos às escolas (GATTI,
p. 21, 2002).

André; Lüdke (1986) afirmam que o pesquisador é de fato “veículo inteligente e ativo
entre esse conhecimento acumulado na área e as novas evidências que serão estabelecidas a
partir da pesquisa” para tanto fica evidente que uma pesquisa “ganha forma” a partir do olhar
do pesquisador e para realizar uma pesquisa de uma pesquisa pronta exige, sem dúvida,
critérios ou partes das pesquisas analisadas. Sem descaracterizar nem criar juízo de certo ou
errado, mas estabelecer o que ainda precisa ser pesquisado.
Alves-Mazzotti; Gewandsznajder (1994) discutem pontos importantes para que a
revisão bibliográfica seja de fato pertinente à pesquisa com relação ao problema, diz:

Dois aspectos são tradicionalmente associados à revisão da bibliografia pertinente a


um problema de pesquisa: (a) a análise de pesquisas anteriores sobre o mesmo tema
e/ou sobre temas correlatos e (b) a discussão do referencial teórico. Quando se trata

846
de pesquisas qualitativas, porém, o uso, tanto da literatura teórica, quanto do
referente a pesquisas, varia bastante dependendo do paradigma que orienta o
pesquisador.
Acreditando na importância da revisão de literatura para a elaboração de um projeto de
pesquisa proposto, será realizada uma pesquisa bibliográfica, na busca do conhecimento
produzido relacionado à temática apresentada.

5. CRONOGRAMA

Período: agosto de 2023 a dezembro de 2024

2023 2024

ETAPAS
Mês de execução J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D

Leitura e estudos X X X X X X X X X X X X
sobre o tema

Levantamento e X X X X X X X X X X X X
sistematização de
das teses e
dissertações

Levantamento dos X X X X X X X X X
temas e teóricos
mais utilizados
nas pesquisas
Sistematização e X X
interpretação dos
dados levantados
Elaboração de X X X
relatório parcial

Elaboração de X X X X X X X X X X
relatório final

Elaboração da X X X X
dissertação para
publicação
Defesa da X
dissertação

6. REFERÊNCIAS
847
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNNAJDER, Fernando. O método nas
ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo-SP: Pioneira, 1994.
ANDRÉ, Marli E. D. A.; LÜDKE, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São
Paulo-SP: EPU, 1986.

BALL, S. J. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em educação. Currículo


sem Fronteiras, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 99-116, 2001b. Disponível em:
http://www.curriculosemfronteiras.org/vol1iss2articles/ball.pdf. Acesso em: 21 maio. 2023

BRASIL. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional Brasília, 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 21 maio. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.163, de 9 de setembro de 2015. Modifica a Lei nº 7.210, de 11 de julho de


1984 - Lei de Execução Penal, para instituir o ensino médio nas penitenciárias. Disponível
em: 21 de maio. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Regras de Bangkok - Regras das Nações


Unidas Para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade
Para Mulheres Infratoras. 2016. Disponível em: Acesso em: 29 de jul. de 2023.

GATTI, Bernadete Angelina. A construção da pesquisa em Educação no Brasil. Brasília-


DF: Plano Editora, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro, Civilização


Brasileira, 1989.

LOMBARDI, José Claudinei. A impostância da abordagem histórica da gestão escolar. In:


ANDREOTTI, Azilde, LOMBARDI, J.C e MINTO, Lalo. História da Administração
escolar no Brasil. Campinas, SP, Editora Alínea, 2010.

MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de


políticas educacionais. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 94, p. 47-69, jan./abr.
2006.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Feuerbach - a oposição entre as cosmovisões
materialista e idealista.1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2005. 148 p.

PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. 5. ed. São Paulo: Ed. Xamã,

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Compilação de Instrumentos Internacionais


de Direitos Humanos. 1 ed. Disponível em: Acesso em: 29 de jul. de 202.

848
EDUCAÇÃO E MIGRAÇÃO: O CONTEXTO DA INFLUÊNCIA NO DISCURSO
MIDIÁTICO NA IMPRENSA CAMPO-GRANDENSE (2020-2022)1

Edgar da Silva Queiros (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


edgar190799@gmail.com

Walace José de Lima (UCDB


walacetico88@gmail.com

Celeida Maria da Costa Souza e Silva (PPGE/UCDB)


celeidams@uol.com.br

Resumo: Este artigo analisa o discurso midiático sobre educação e migração em Campo
Grande/MS no período de 2020 a 2022. Justifica-se o recorte temporal por conta da instituição
da Resolução CNE/CEB nº1, que assegura a matrícula na educação básica para migrantes
internacionais, independentemente da situação/condição. Em 2022 foi instituído o Decreto nº
427, de 1º de março de 2022, que designou membros para compor o Comitê Interinstitucional
Municipal de Promoção, Proteção e Apoio aos Migrantes Internacionais e Refugiados em
Campo Grande/MS. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental, que utiliza documentos
oficiais, matérias jornalísticas, artigos e livros. A pesquisa é fundamentada pela
epistemetodologia do ciclo de políticas, proposta por Stephen Ball e traduzida por Mainardes,
com enfoque para o contexto da influência. Foram encontradas no geral matérias que tratam do
acolhimento e também integração dos migrantes internacionais na cidade, principalmente na
educação superior. No entanto, a análise apontou lacunas na discussão sobre a educação básica.
O discurso midiático influencia os atores políticos e também a percepção da sociedade,
moldando a forma como os migrantes são vistos. Observou-se a necessidade de aprofundar o
debate sobre o acesso à educação básica, considerando não apenas a linguagem inclusiva, mas
também a efetivação desses direitos na prática.

Palavras-chave: Políticas Educacionais; Migrantes Internacionais; Imprensa; Discurso


Midiático.
_________________________
1. Introdução
A pesquisa tem como objetivo analisar o discurso midiático sobre educação e migração
em Campo Grande/MS, no período de 2020 à 2022. O período de 2020 corresponde a instituição
da Resolução CNE/CEB nº 1, de 13 de novembro de 2020, que “Dispõe sobre o direito de
matrícula de crianças e adolescentes migrantes, refugiados, apátridas e solicitantes de refúgio
no sistema público de ensino brasileiro.” (Brasil, 2020). Esta normativa garante o acesso à

1
Esta pesquisa é financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
849
educação básica aos migrantes internacionais deverá acontecer mesmo sem documentação e
sem quaisquer formas de discriminações, a ser realizado por meio de processo de
avaliação/classificação pela instituição de ensino. Ressalta-se que essa normativa incumbe às
escolas um processo sem estabelecer critérios e diretrizes para essa forma de ingresso.
No mesmo período do recorte temporal inicial foi declarado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), em março de 2020, período pandemia da covid-19. Foi determinado o
isolamento social como forma de conter o vírus até que fosse possível a vacinação e controle
da doença. A vacinação no Brasil começou a ser realizada em janeiro de 2021. No dia 05 de
março de 2023 foi decretado o fim da pandemia pela OMS.2
O período de 2022 corresponde a publicação do Decreto “PE” nº 427, de 1º de março
de 2022, que designou membros para:
[...] comporem o Comitê Interinstitucional Municipal de Promoção, Proteção
e Apoio aos Migrantes Internacionais e Refugiados, suas famílias, crianças e
adolescentes, no Município de Campo Grande - MS, conforme estabelece o
§1o do art. 4, do Decreto n. 14.881, de 1º de setembro de 2021, publicado do
DIOGRANDE n. 6.403, de 2 de setembro de 2021 [...]. (CAMPO GRANDE,
2022).

O estado de Mato Grosso do Sul é um caminho de rota aos migrantes internacionais para
os demais estados, visto que faz divisa com Bolívia e Paraguai. “Devido a essa situação que
situamos o estado de Mato Grosso do Sul como rota de passagem, todavia percebe-se
atualmente que essa situação está diminuindo em detrimento à permanência no Estado [...]”.
(Almeida, 2017, p. 35).
Elege-se Campo Grande por ser a capital do estado, por apresentar maior
desenvolvimento econômico e pelo alto índice de migrantes internacionais. O censo de 2022
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022) revela que a população de Mato
Grosso do Sul é de 2.756.700, e Campo Grande, capital do estado, tem 897.938 habitantes.
Conforme Cavalcanti, Oliveira e Silva (2022) houve um aumento no número de
matriculados na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio) no Brasil,
com 138.588 matrículas de imigrantes entre 2010 e 2020. Neste recorte temporal houve um
aumento exponencial de matriculados principalmente no ensino fundamental e, mesmo diante
da pandemia de covid-19, os índices não diminuíram no país. (Cavalcanti; Oliveira; Silva, 2022,
p. 28).

2
Informações disponível em: https://www.paho.org/pt. Acesso em: 10 de ago. de 2023.
850
Entendemos por migração internacional como “movimento de pessoas que deixam os
seus países de origem ou residência habitual para se fixarem, permanente ou temporariamente,
noutro país. Consequentemente, implica a transposição de fronteiras internacionais.” (OIM,
2010, p. 42).
Corrobora-se com pensamento de Anunciação e Barbosa (2021, p. 18) que a migração
é tema recorrente na atualidade e que a mobilidade humana decorre de múltiplas causas -
“exploração, guerra, conflitos étnicos e religiosos, mudanças climáticas, falta de recursos
materiais, desejo de viver uma vida melhor e ter experiências culturais.” (Anunciação; Barbosa,
2021, p. 18-19). Assim, há nessas relações fatores que originam a mobilidade. No processo de
chegada dos migrantes decorrem contextos sócio-político-culturais que refletem no processo de
trânsito e/ou residência.
Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental. Utiliza-se como fontes: documentos
oficiais, matérias jornalísticas de jornais digitais de demais produções bibliográficas que
ajudaram na análise dos dados apresentados.
Ao utilizar documentos oficiais na investigação, necessita-se de análise consistente, do
tratamento teórico-metodológico e da interlocução com a realidade em que está inserido, pois
“[...] o discurso de políticas específicas precisa ser analisado em relação a um contexto
econômico, social e cultural mais amplo.” (Mainardes, 2007, p. 17).
Para organizar epistemetodológicamente a pesquisa, utilizou-se o ciclo de políticas3,
referencial teórico organizado em – contexto da influência, da produção de texto e da prática;
elaborado por Stephen Ball e colabores em 1992. Destaca-se que as análises nesta pesquisa se
atem apenas ao contexto influência, pois é possível analisar os discursos presente na mídia
jornalística e perceber suas implicações nas políticas educacionais.
As matérias jornalísticas foram levantadas, agrupadas, organizadas e analisadas
conforme o referencial teórico escolhido.
2. A imprensa como fonte de análise no contexto da influência
De antemão destaca-se que em relação à imprensa como fonte há um quantitativo
considerável no campo da história da educação, enquanto ainda se encontram poucas discussões
sobre a relação entre imprensa e o campo da política educacional.

3
“[...] constitui-se num referencial analítico útil para a análise de programas e políticas educacionais e que essa
abordagem permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua formulação
inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos.” (MAINARDES, 2006, p. 48).
851
A imprensa como fonte deve ser considerada como histórica e não deve prender-se nos
seus aspectos aparentes, na sua imediaticidade, e sim, questionar e analisar de onde e como este
objeto se compõe. (Zanlorenzi; Nascimento, 2020, p. 1187).
A imprensa, de forma ampla, possui a função social de informar e ser agente para
formação da opinião pública. Ao escolher o contexto da influência, com intento de investigar a
relação com a imprensa, observa-se que “há uma variedade de intenções e de disputas que
influenciam o processo político”. (Mainardes, 2018, p. 3).
O ciclo de políticas é uma abordagem que constitui-se:

[...] num referencial analítico útil para a análise de programas e políticas


educacionais e que essa abordagem permite a análise crítica da trajetória de
programas e políticas educacionais desde sua formulação inicial até a sua
implementação no contexto da prática e seus e efeitos. (MAINARDES, 2006,
p. 48).

O ciclo de políticas é um referencial dinâmico e que oferece densidade teórico-


epistemetodológica para organização e discussão sobre políticas educacionais. Elegeu-se o
contexto da influência, tendo em vista que é “onde normalmente as políticas públicas são
iniciadas e os discursos políticos são construídos.” (Mainardes, 2006, p. 51).

O discurso em formação algumas vezes recebe apoio e outras vezes é


desafiado por princípios e argumentos mais amplos que estão exercendo
influência nas arenas públicas de ação, particularmente pelos meios de
comunicação social. Além disso, há um conjunto de arenas públicas mais
formais, tais como comissões e grupos representativos, que podem ser lugares
de articulação de influência. (MAINARDES, 2006, p. 51).

Logo, o autor aponta os “veículos de comunicação” como influência nas disputas


sobre/para educação nas arenas públicas. Destaca-se que a imprensa é somada junto com outros
fatores, meios e atores no processo de influência das políticas educacionais e do construto sobre
educação na localidade inserida.
Essa abordagem destaca a natureza complexa e controversa da política
educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais
que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se
articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais.
(MAINARDES, 2006, p. 49).

Nesta pesquisa faz-se uma breve aproximação do uso da imprensa nas discussões sobre
ciclo de políticas e seu uso no campo da política educacional. Fica de subsídio para
aprofundamentos teórico-analíticos acerca da temática.
852
4. Educação e migração nos jornais digitais campo-grandenses (2020-2022)
Foram escolhidos três jornais digitais de Campo Grande/MS – o jornal Campo Grande
News, Jornal Midiamax e Jornal Correio dos Estados. A escolha desses jornais decorre da sua
antiguidade no cenário sul-mato-grossense.
O jornal Campo Grande News foi criado em 4 de março de 1999, com o início e
expansão da era digital na cidade.4 Esse veículo de comunicação é um dos mais lidos na região
Centro-Oeste, conforme o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), com mais de 29
milhões de visualizações num mês.5
O Jornal Midiamax, também conhecido como Midiamax, é um jornal brasileiro editado
na cidade de Campo Grande com a maior circulação no estado brasileiro de Mato Grosso do
Sul, com mais de 41,2 milhões de pageviews mensais, segundo auditado pelo Instituto
Verificador de Comunicação (IVC), em novembro de 2020. Fundado em 16 de maio de 2002
para gerar conteúdo jornalístico que seria exibido na rede de painéis televisivos instalados nas
principais vias de Campo Grande, logo o jornal ganhou uma versão eletrônica, veiculada até
hoje pelo endereço www.midiamax.com.br. Com a cobertura noticiosa diária, adotou a
atualização do website com notícias em intervalos de 10 minutos como marca, gerando um dos
maiores volumes de conteúdo jornalístico produzido regionalmente no Brasil, conforme
indicado em 'Capitais Brasileiras: dados históricos, demográficos, culturais e midiáticos’.6
Com sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul e distribuído em quase todos os 78
municípios do estado a história do jornal Correio do Estado começou em 1954, ano em que as
primeiras edições chegaram às bancas. A equipe de jornalistas que trabalha diariamente na
elaboração dos exemplares mantém compromisso com a verdade e faz uma apuração minuciosa
dos fatos antes de transformá-los em notícias. O Correio do Estado faz sucesso de vendas tanto
na capital Campo Grande como nas cidades do interior. Além de incluir notícias e reportagens
especiais em suas páginas, o jornal também investe nos classificados. Essa área é destinada para
anúncios, onde são publicadas vagas de emprego em aberto ou carros, motos, casas e terrenos
a venda no estado do Mato Grosso do Sul. A cada novo exemplar do jornal, novidades aparecem
também nos classificados.7

4
Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/reportagens-especiais/nascidos-com-o-campo-grande-
news-leitores-viveram-a-saga-da-internet. Acesso em: 24 de jul. de 2023.
5
Disponível em: https://www.gocache.com.br/case-campo-grande-0news/. Acesso em: 24 de jul. de 2023.
6
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Midiamax. Acesso em: 25 de ago. de 2023.
7
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Correio_do_Estado. Acesso em: 25 de ago. de 2023.
853
Em consulta ao banco de dados desses veículos de comunicação, utilizou-se como
descritores: imigrantes, migração internacional, migração e estrangeiro. Os achados
jornalísticos foram separados, agrupados, organizados e analisados de acordo com os
descritores escolhidos e a proximidade com a área da educação.
Ao investigar o discurso presente na imprensa, o pesquisador precisa “ampliar sua
apreciação para além dos aspectos formais, pois não há uma disputa entre o certo e o errado,
mas a busca do desvelamento das ideologias presentes e a forma de persuasão utilizada, para
influir socialmente.” (Zanlorenzi; Nascimento, 2020, p. 1189).
Primeiramente analisou-se as bibliografias e em seguida foram categorizadas8 na
temática migração e educação. As produções jornalísticas foram divididas em 3 grupos,
explicitadas no quadro 1, 2 e 3, correspondendo, respectivamente, à 2020, 2021 e 2022. Confira
o excerto nos quadros:

Quadro 1 – Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2020
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
UEMS oferta curso de português online 06/08/2020 Correio do Estado Tavares (2020)
gratuito para migrantes internacionais
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.

O conteúdo escrito por Tavares (2020) - uma nota jornalística - trata do programa
“UEMS Acolhe”, organizado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) no
acolhimento linguístico aos migrantes internacionais. Para Silva e Pires (2021, p. 707) “As aulas
de português superam o mero aprendizado de regras sintáticas e gramaticais, passando a
abranger a efetividade do que se estuda, trazendo reflexões de como trazer soluções às
especificidades da região, focando nos aspectos sociolinguísticos.” Assim, ao ter contato com
ensino linguístico, os migrantes internacionais passam a ter contato com a cultura,
experimentam o processo de integração/inclusão à uma realidade outra e dão o primeiro passo
para romper a barreira sociocultural.

8
Para Ianni (2011, p. 397), a categoria é “[...] a construção da categoria é por assim dizer, o núcleo, o desfecho
da reflexão dialética; explicar dialeticamente e construir a categoria ou as categorias que resultam da reflexão
sobre o acontecimento que está sendo pesquisado.”
854
O período que o Brasil e o mundo passavam era da pandemia da covid-19, e a inscrição
era o por meio de envio dos documentos que os migrantes internacionais tivessem e do telefone.
O curso foi realizado de forma online. (Tavares, 2020).
Diante dessa informação divulgada, fica a seguinte questão: os migrantes internacionais,
principalmente os refugiados, tiveram acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC)? Mesmo com acesso, eles souberam utilizar as TICs para acompanharem as aulas? A
universidade disponibilizou meios de acesso no campus para os migrantes internacionais?
São questões que se apresentam para reflexão acerca do acolhimento linguístico
proposto pela universidade durante esse período. Quanto às influências nas políticas
educacionais, o acolhimento linguístico é fundamental para o processo de integração/inclusão
aos migrantes internacionais, mas deve ser cerceado de meios no atendimento a esses
indivíduos.

Quadro 2 - Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2021
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
Rede de acolhimento capacita imigrantes 21/09/2021 Campo Grande News Rodrigues
até com aulas de português (2021)
Com mais de 3 mil imigrantes em 5 03/09/2021 Campo Grande News Maldonado
meses, Capital cria comitê de apoio (2021)
Governo do MS lança sistema de 01/11/2021 Correio do Estado Libini (2021)
cadastro para migrantes
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.

A produção jornalística de Rodrigues (2021) trata sobre a parceria da prefeitura com


instituições não governamentais no acolhimento aos migrantes internacionais, encaminhando-
os para abrigos e oferecendo auxilio no processo de documentação. A “Associação dos
Venezuelanos” fez parceria com a UEMS para oferecer curso de língua portuguesa aos que
precisavam de apoio. Rodrigues (2021) aborda também a parceria entre a Polícia Federal e a
Guarda Municipal no processo de documentação dos migrantes internacionais.
Na notícia, Rodrigues (2021) aponta o discurso da vice-prefeita na época, Adriana
Lopes, do Partido Liberal (PL), descrevendo que os haitianos “já possuem uma estrutura de
imigração maior, chegando já regularizados na cidade e geralmente com maior qualificação
profissional, o que garante empregabilidade maior e mais rápida.” (Rodrigues, 2021). Será que
todos os “haitianos”, como apontado na matéria jornalística, possuem essa estrutura de
imigração, regularização e empregabilidade? Essa matéria apresenta apenas a visão da vice-
855
prefeita, carecendo de outro ponto de vista, principalmente dos indivíduos tratados na
discussão.
A matéria de Maldonado (2021) discorre que houve, nos primeiros cinco meses de 2021,
a passagem de 3.227 imigrantes e migrantes pelas Unidades de Acolhimento Institucional,
conforme a Secretaria Municipal de Assistência Social (SAS). “O Comitê Interinstitucional
Municipal de Promoção, Proteção e Apoio aos Estrangeiros e Refugiados, suas Famílias,
Crianças e Adolescentes terá representantes de 16 órgãos do município.” (Maldonado, 2021).
O autor aponta sobre o acesso à educação e outras garantias.

A maioria desses imigrantes é da América Latina, muitos entram ilegalmente


no país e não têm direito a saúde, educação e trabalho. Eles ficam pelas ruas
e nossa intenção é ajudá-los a regularizar sua estadia aqui para que possam ser
assistidos pelo poder público municipal”, comenta o secretário.
(MALDONADO, 2021).

Rodrigues (2021) aponta que houve “926 encaminhamentos para o mercado de trabalho
e fornecidas 1.447 passagens às pessoas em situação de rua e estrangeiros, que puderam retornar
às suas cidades de origem, restabelecendo os vínculos familiares.”
No conteúdo jornalístico, escrito por Libini (2021), trata sobre a criação do órgão
estadual de Mato Grosso do Sul do Sistema de Cadastro de Atendimento dos Migrantes em
Mato Grosso do Sul (CADMI/MS), na visa “oferecer atendimento de mais qualidade e políticas
públicas a estes grupos de diferentes países, tendo informações mais precisas sobre sua
nacionalidade, escolaridade, regularização, de onde estão vindo e suas atividades no Estado.”
(Libini, 2021). “Os deslocamentos não são operacionalizados apenas nos espaços físicos, mas,
sobretudo, num campo das relações sociais, que refundam lugares e geografias através da
constituição de novos espaços e inserções de vida.” (Spigolon, 2016, p. 123).
Libini (2021) destaca que de janeiro a setembro de 2021 foram realizados mais de 735
atendimentos pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho
(Sedhast), com maior número de venezuelanos, haitianos e oriundos da África e Oriente Médio.
Libini (2021) descreve a entrevista com coordenador do programa na UEMS na qual diz
“Os cursos tem como foco o público adulto, pois as crianças já são inseridas na rede escolar. O
objetivo é que eles tenham mais conhecimento e tornem-se mais independentes para
desenvolver suas atividades”. Queiros (2023, p. 121-122), em análise aos anos finais do ensino
fundamental na Rede Municipal de Ensino (REME) de Campo Grande/MS, revela que há uma
diferença entre o número de crianças em idade escolar registradas no órgão federal e o de
856
matriculados na REME/CG, revelando que esse discurso de que “já estão inseridos na rede
escolar” não se finda em Campo Grande/MS.

Quadro 3 - Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2022
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
UEMS abre 500 vagas na graduação para 06/07/2022 Campo Grande Chuva (2022)
refugiados, migrantes e apátridas News
Projeto de Lei sobre políticas municipal para 14/07/2022 Correio do Estado Macário (2022)
imigrantes é aprovado na Capital
Três universidades de MS integram programa 03/10/2022 MidiaMax Chianezi (2022)
para formação de refugiados no país
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.

Chuva (2022), na matéria jornalística, trata da abertura de 500 vagas na UEMS, porém
são vagas remanescentes em 49 cursos, distribuídas em 13 cidades universitárias. Não pode
participar cidadãos brasileiros, as inscrições devem ser realizadas pela internet por meio do
preenchimento de formulário com dados pessoais, curso de interesse e as notas de Linguagens
e Matemática que constam no Histórico Escolar do Ensino Médio. (Chuva, 2022).
Diante dessa informação, que tem como fonte o edital da UEMS, há alguns pontos para
reflexão – esses estudantes possuem acesso à internet para realizar a inscrição? Há auxílio nesse
processo? E quanto aos refugiados e migrantes que perderam seus históricos escolares, como
procede o ingresso? Está descrito no art. 4º da Lei de Migração (nº 13.445/2017) que:

Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com


os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, bem como são assegurados: X - direito à educação
pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição
migratória; (BRASIL, 2017).

Portanto, não deve ser vedada, impedida o ingresso aos migrantes internacionais -
independente da etapa de ensino – à educação pública brasileira. “Especialmente no caso dos
que estão sem documentos, a burocracia e a falta de informações sobre os direitos educativos
são os muros que parecem mais evidentes.” (Magalhães, 2013, p. 59).
Macário (2022) discorre sobre a Lei Municipal 10.519/22, que institui diretrizes sobre
a política aos migrantes internacionais com foco na garantia do acesso à direitos e garantias
sociais. “De acordo com o PL, ainda prevê a garantia de todas as crianças, adolescentes e jovens
o acesso à educação na rede de ensino público municipal.” (Macário, 2022). Ressalta-se que

857
isso já é determinado na Lei de Migração (nº 13.445/2017) e outras normativas nacionais. “O
acesso a essa educação é um primeiro fator que põe em xeque seu princípio de universalidade,
na medida em que obstáculos emergem em diversos momentos da trajetória dos imigrantes.”
(Magalhães, 2013, p. 59).

Na dimensão do acesso, pilares centrais do direito humano à educação, são


consideradas as condições proporcionadas pelo Estado para que esse direito
seja efetivado, tais como o financiamento adequado, condições de trabalho
para os docentes, bem como uma legislação local que assegure o acesso
gratuito e a permanência de todos, sem discriminações, nos sistemas escolares.
(MAGALHÃES, 2013, p. 51-52).

Chianezi (2022) trata das ações da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), por meio
da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), no ingresso aos refugiados em 35
universidades brasileiras. Chianezi aponta que Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), a Universidade da Grande Dourados (UFGD) e a UEMS receberam refugiados nesse
programa e ofereceram cursos de língua portuguesa.
A UFMS realizou 36 revalidações de diplomas, e a UFGD e UEMS não foram
detalhadas na reportagem. A matéria jornalística também trata Processo Seletivo de Ingresso
aos Cursos de Graduação para Refugiados, Migrantes em Situação de Vulnerabilidade e
Apátridas, que teve 172 inscritos para vagas em 49 cursos. Uma responsável técnica da UEMS
apontou que a maioria são migrantes em situação de vulnerabilidade (65%) e são oriundos da
Venezuela (60%). (Chianezi, 2022). Destaca-se que a revalidação não deve perder de vista o
direito ao acesso à educação. Importante que haja processo de avaliação/classificação de acordo
com critérios para garantir o acesso aos estudantes migrantes internacionais nas universidades.
O discurso midiático escrito por Chianezi (2022) revela uma atuação mais concisa das
universidades em Mato Grosso do Sul e em Campo Grande, porém não revela o ponto de vista
dos migrantes internacionais em relação à essas ações, assim como suscitam questões acerca
do processo de ingresso oferecidos pelas instituições e outras questões em torno do direito à
educação.
Diante da análise dos conteúdos jornalísticos, encontrou-se uma quantitativo razoável
de produções que tratam a relação dos migrantes internacionais e educação, principalmente no
jornal Correio dos Estados.
5. Educação e Migração: influências das produções jornalísticas nas políticas
educacionais em Campo Grande/MS
858
Ao analisar as sete (7) matérias jornalísticas produzidas de 2020 à 2022, constatou-se a
atuação dos órgãos não governamentais no acolhimento e auxilio aos migrantes internacionais
em Campo Grande/MS,
Ao olhar o discurso midiático, num primeiro instante parece haver uma
integração/inclusão social, e de fato há alguns passos dados, porém ainda há questões que
carecem de análise mais detalhadas e serem refletidas se de fato o direito à educação está sendo
garantido em Campo Grande/MS. Anunciação e Barbosa (2021, p. 24) asseveram que “Há que
se planejar políticas públicas, considerando a transição demográfica e a globalização econômica
que inclui o país na rota das migrações internacionais, também pelas questões de interesse do
próprio sistema econômico.”
Nas produções jornalísticas vê-se o uso alternado da terminologia para referir-se aos
migrantes internacionais, ora há o uso do termo “estrangeiro”, ora “imigrante”. Ressalta-se que
a definição de imigrante e do uso adequado do termo conta na Lei de Migração, nº 13.445, de
2017, que revogou o Estatuto do Estrangeiro, lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. “As
diferenças são visíveis e alocadas para além das fronteiras físicas, mas na forma de pensar e
conceber o Outro que tem seus direitos negados injustamente, marcado como objeto e apartado
dos direitos humanos.” (Anunciação; Barbosa, 2021, p. 36).
Há uma maior publicação tratando sobre a relação da educação superior e o acolhimento
linguístico aos migrantes internacionais, ficando a par os discursos na mídia em relação à
educação básica.
Ressalta-se que a cidade investigada é marcada por alguns grupos migrantes
internacionais, além de ser local de trânsito, residência e fronteiriço à esses indivíduos, com
destaque aos venezuelanos, pois no período eleito houve um maior fluxo em Campo
Grande/MS.
Mesmo diante de publicações jornalísticas sobre os migrantes internacionais, é
necessário apontar o desconhecimento da maioria desses sujeitos ao entrarem em contato com
Campo Grande sobre as produções jornalísticas.
O discurso presente nos veículos investigados influência os atores políticos, tornando-
se processo substancial de embasamento e discussões acerca dos direitos e sua atuação no
cotidiano educacional dos migrantes internacionais.
Considerações Finais

859
Constata-se que os efeitos da imprensa podem reverberar até no contexto da prática, e
indo além, no contexto dos resultados e da estratégia política. Mesmo diante de ações de
instituições públicas, os migrantes internacionais ainda encontram estigmas na sociedade no
rompimento de barreiras que ainda os colocam como estranhos, intrusos e ameaçadores.
Ressalta-se que as ações do município de Campo Grande/MS devem intensificar-se, no sentido
de auxiliar de forma mais efetiva o acesso à educação básica em seu aspecto inicial ou continuo,
pois esses indivíduos carregam uma formação e devem ter seus direitos garantidos.
Destaca-se que há poucas discussões na imprensa campo-grandense sobre à educação
aos migrantes internacionais, carecendo de outros desdobramentos acerca dessa efetividade.

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CAMPO GRANDE. Decreto nº 427, de 01 de março de 2022. DESIGNAR os membros abaixo


relacionados, para comporem o Comitê Interinstitucional Municipal de Promoção, Proteção e
Apoio aos Migrantes Internacionais e Refugiados, suas famílias, crianças e adolescentes no
Município de Campo Grande – MS. Diário Oficial de Campo Grande/MS nº 6.567, de 02 de
março de 2022. Disponível em:
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862
EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE MATO GROSSO
DO SUL: NORMATIVAS SOBRE A CRIAÇÃO E AS ATRIBUIÇÕES DE CENTROS
DE ATENDIMENTO

Karolinne Santos de Aguiar Paz (Bolsista FUNDEC / PPGE/UCEDB)


karolinne.ss@hotmail.com

Regina Tereza Cestari de Oliveira (PPGE/UCDB)


reginacestari@ucdb.br

Resumo: Este trabalho é um recorte da pesquisa, em andamento, nível de Mestrado, vinculada


à Linha de Pesquisa Política, Gestão e História da Educação, do Programa de Pós-Graduação
em Educação – Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e ao
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE/UCDB).
Insere-se no projeto “Movimentos e Caraterísticas da Gestão da Educação Básica e o Direito à
Educação”. Tem como objetivo apresentar as normativas sobre a criação e as atribuições do
Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI) e do Centro Estadual de Apoio
Multidisciplinar e Educacional ao Estudante com Transtorno do Espectro Autista
(CEAME/TEA), integrantes da Coordenadoria de Políticas para a Educação Especial
(COPESP), da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul. A metodologia
fundamenta-se na pesquisa bibliográfica e na pesquisa documental, por meio de consulta às
fontes oficiais do governo do Estado de MS. Os resultados parciais mostraram as principais
alterações das normativas que definem as atribuições dos Centros, o que indica uma proposição
política de inclusão escolar.

INTRODUÇÃO

A Coordenadoria de Políticas para Educação Especial (COPESP), da Superintendência


de Políticas de Educação (SUPED), tem o propósito de coordenar a política de educação
especial da Rede Estadual de Ensino, tendo pautado as ações para o fortalecimento do Sistema
Educacional Inclusivo (Mato Grosso do Sul, 2019).
Nesse sentido, a COPESP:

[...] é responsável pela implantação, implementação e acompanhamento dos


serviços como: sala de recursos multifuncionais, convênios e parcerias para
oferecer serviços específicos, elaboração e execução de projetos para
capacitação e/ou aquisição de mobiliário adaptado e recursos de tecnologia
assistiva, ações intersetoriais com a assistência social, saúde e trabalho,
acompanhamento e orientações referente ao Programa Escolas Acessíveis,
campanhas de divulgação dos direitos das pessoas com deficiência, formação

863
de professores do ensino comum e de professores que atuam nos serviços da
educação especial (Mato Grosso do Sul, 2019, p. 199).

Buytendorp e Santos (2017, p. 35) afirmam que,

Para a implantação, implementação e acompanhamento dos serviços da


educação especial a COPESP conta com Centros e Núcleos específicos, que
operacionalizam ações de intervenção pedagógica especializada, atendendo as
especificidades educativas dos estudantes com deficiência transtornos globais
do desenvolvimento, altas habilidades\ superdotação.

A Resolução/SED n. 3.330, de 21 de novembro de 2017, portanto, dispõe sobre o


funcionamento dos Centros Estaduais de atendimento ao público da Educação Especial, os
quais são operacionalizados pela COPESP. Os Centros têm como objetivo,

a) desenvolver a Política de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva nas unidades escolares da Rede Estadual de Ensino;
b) promover, junto às unidades escolares da Rede Estadual de Ensino, a
articulação necessária para o desenvolvimento das práticas educacionais
inclusivas dos estudantes, relacionadas às deficiências, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (Mato Grosso do Sul,
2017a, p. 4)

Para sua implementação esses centros contam os seguintes funcionamentos e


competências,

I – desenvolver a Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva, em articulação com a Coordenadoria de Políticas para a Educação
Especial/SUPED/SED;
II - coordenar os atendimentos prestados aos estudantes, público da educação
especial, por seus núcleos específicos;
III - acompanhar a formação continuada em educação especial dos
profissionais da educação;
IV - promover estudos, debates e palestras sobre a Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva para a sociedade;
V - emitir parecer sobre a necessidade dos serviços de apoio e recursos de
acessibilidade nas unidades escolares da Rede Estadual de Ensino;
VI - orientar as famílias e/ou responsáveis quanto:
a) ao conhecimento sobre as necessidades específicas dos estudantes;
b) à responsabilidade em cumprir os encaminhamentos aos atendimentos
educacionais especializados;
c) à necessidade da frequência nas aulas e nos atendimentos.

864
VII - cumprir e fazer cumprir as Diretrizes Educacionais da Educação
Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, emanadas da Secretaria de
Estado de Educação;
VIII – oferecer atendimento educacional especializado. Art. 7º Cada Centro
contará com organização de núcleos específicos por área de conhecimento e
atuação, com objetivo de avaliação, assessoramento e acompanhamento do
processo de inclusão do estudante público da Educação Especial (Mato Grosso
do Sul, 2017a, p. 4)

A Deliberação CEE/MS n.º 11.883, de 5 de dezembro de 2019, dispõe sobre a educação


escolar de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
ou superdotação no Sistema Estadual de Ensino de MS (Mato Grosso do Sul, 2019). O
documento entende, conforme o Art. 2º, a Educação Especial como modalidade de ensino,

ofertada preferencialmente na rede regular de ensino, que perpassa todos os


níveis, etapas e modalidades, um processo educacional definido pelas
instituições, em suas propostas pedagógicas e ou projetos de curso e em seus
regimentos, que assegure recursos e serviços educacionais com vistas a apoiar
a educação do aluno com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades ou superdotação, garantindo acesso, permanência,
progressão escolar e terminalidade (Mato Grosso do Sul, 2019).

Tal definição corrobora o previsto no Inciso II do Art. 28 da Lei Brasileira de Inclusão


(LBI) que visa garantir o “acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da
oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a
inclusão plena” (Brasil, 2015).
No ano de 2016 foi publicado no Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul, nº
9.278, em 1º de novembro, o Decreto nº 14.572, de 30 de setembro que dá nova redação ao Art.
2º e aos Anexos I e II do Decreto nº 10.652, de 7 de fevereiro de 2002, dispondo sobre as
Coordenadorias Regionais de Educação (CRE’s), unidades integrantes da estrutura da
Secretaria de Estado de Educação, e dá outras providências (Mato Grosso do Sul, 2016a).
Conforme o Decreto,

Art. 1º O art. 2º do Decreto nº 10.652, de 07 de fevereiro de 2002, passa a


vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º Compete às Coordenadorias Regionais de Educação o
acompanhamento, o monitoramento e a coordenação das atividades
educacionais que lhes são jurisdicionadas, e das ações da Secretaria de Estado
de Educação que vierem a ser executadas nos respectivos municípios (Mato
Grosso do Sul, 2016a).

865
De acordo com Mello (2022) a nova redação teve como objetivo seguir a reorganização
da estrutura básica da SED/MS, estabelecendo então o funcionamento dessas CRE’s. Nesse
contexto, as coordenadorias são mencionadas pelo Decreto nº 15.279/2019 como uma unidade
de gerência e execução operacional que subordinada à SED via SUPED tem a competência de
“II - coordenar, acompanhar e monitorar as atividades do processo ensino-aprendizagem, nas
diversas modalidades desenvolvidas nas escolas da Rede Estadual de Ensino” (Mato Grosso do
Sul, 2019a).
Esse trabalho é realizado por meio de onze CRE’s que se localizam em municípios sede,
conforme o quadro a seguir.

Quadro 1- Coordenadorias Regionais de Educação e respectivos municípios sede


Coordenadoria Regional Município Sede Municípios Jurisdicionados
de Educação- CRE
Anastácio, Aquidauana, Bodoquena, Dois Irmãos do
CRE 01 Aquidauana
Buriti e Miranda.
Bandeirantes, Camapuã, Corguinho, Jaraguari, Nova
Campo Grande/
CRE 02 Alvorada do Sul, Rochedo, Sidrolândia, Terenos e
Metropolitana
Ribas do Rio Pardo.
CRE 03 Corumbá Ladário e Corumbá.
Alcinópolis, Costa Rica, Coxim, Figueirão, Paraíso
CRE 04 Coxim das Águas, Pedro Gomes, Rio Negro, Rio Verde de
Mato Grosso, São Gabriel do Oeste e Sonora.
Caarapó, Deodápolis, Douradina, Dourados, Fátima
CRE 05 Dourados do Sul, Glória de Dourados, Itaporã, Jateí, Laguna
Carapã, Rio Brilhante e Vicentina.
CRE 06 Campo Grande Campo Grande
Bela Vista, Bonito, Caracol, Guia Lopes da Laguna,
CRE 07 Jardim
Jardim, Maracaju, Nioaque e Porto Murtinho.
Eldorado, Iguatemi, Itaquiraí, Japorã, Juti,
CRE 08 Naviraí Mundo Novo, Naviraí, Paranhos, Sete Quedas e
Tacuru.
Anaurilândia, Angélica, Batayporã, Bataguassu,
CRE 09 Nova Andradina Ivinhema, Nova Andradina, Novo Horizonte do Sul e
Taquarussu.
Aparecida do Taboado, Cassilândia, Chapadão do Sul,
CRE 10 Paranaíba
Inocência e Paranaíba
Amambai, Antônio João, Aral Moreira,
CRE 11 Ponta Porã
Coronel Sapucaia e Ponta Porã
Água Clara, Brasilândia, Santa Rita do Pardo, Selvíria
CRE 12 Três Lagoas
e Três Lagoas.
Fonte: Decreto nº 14.572, de 30 de setembro de 2016. Organizado pela autora (2023)

Glat e Pletsch (2013, p. 19), analisam que:

A política de Educação Inclusiva, demanda a reorganização do cotidiano e a


ressignificação da cultura escolar. Portanto defendê-la sem mencionar a
organização, a estrutura e o funcionamento de nosso sistema escolar – ainda
866
de natureza meritocrática e classificatória – não garantirá a aprendizagem e o
desenvolvimento do alunado supostamente contemplado com essa política.

Diante do exposto, este texto tem como objetivo apresentar as normativas sobre a criação
e as atribuições do Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI) e do Centro
Estadual de Apoio Multidisciplinar e Educacional ao Estudante com Transtorno do Espectro
Autista (CEAME/TEA), integrantes da Coordenadoria de Políticas para a Educação Especial
(COPESP), da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, tendo em vista
analisar, no decorrer da pesquisa, as condições de oferta educativa aos estudantes da Rede
Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (REE/MS).
Cabe esclarecer que a oferta educativa é compreendida como “formas de provisão e
atendimento às diferentes etapas da educação básica” (Adrião, 2014, p. 264).

2.2 Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI): Atribuições,


Intervenções e Orientações

Até a criação dos centros especializados, a educação especial acontecia por meio dos
Núcleos de Educação Especial (NUESPs) em todos os municípios do estado, seguindo as
orientações do Decreto nº 12.170, de 24 de outubro de 2006. Conforme a Resolução/SED nº
2.506, de 28 de dezembro de 2011 esses núcleos são subordinados à COPESP e à SUPED,
órgãos vinculados à SED/MS na capital, e nos demais municípios o vínculo ocorre por meio de
uma unidade escolar própria (Belato, 2019).
O CEESPI foi criado por meio do Decreto Estadual nº 12.737, de 3 de abril de 2009 e
seu funcionamento regulamentado pela Resolução nº 2.505, de 28 de dezembro de 2011. Sua
finalidade é prestar atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência e
possibilitar formação continuada aos profissionais da educação nas diferentes áreas da educação
especial e inclusiva (Belato, 2019).
O objetivo do CEESPI é “desenvolver a Política de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva nas unidades escolares da Rede Estadual de Ensino” e,

[...] promover, junto às unidades escolares da Rede Estadual de Ensino,


articulação necessária para o desenvolvimento das práticas educacionais
inclusivas dos alunos com necessidades educacionais específicas,
relacionadas às deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação (Mato Grosso do Sul, 2011, p. 16).
867
O Centro teve sua primeira estrutura básica contando com diretoria; secretaria; Núcleo
de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) e Núcleo de Educação Especial de Campo
Grande (NUESP) (Mato Grosso do Sul, 2011, p. 16). De acordo com o Art. 4o da Resolução nº
2.505/11, o CEESPI passaria a oferecer atendimentos e serviços educacionais como
Brinquedoteca, Psicopedagogia, Psicologia Educacional, Fonoaudiologia Educacional, Sala de
Recursos Multifuncionais, Assistência Social, Educação Profissional e a Classe Hospitalar
(Mato Grosso do Sul, 2011).
Como analisa Belato (2019) as demandas da educação especial mudaram e o CEESPI
passou por uma reorganização em decorrência da ampliação do trabalho desenvolvido e as
proporções que se tomaram. Desse modo, por meio do Decreto Estadual nº 14.787, de 24 de
julho de 2017, o Centro passou a ter outras competências:

I - implantar e implementar programas e projetos voltados ao desenvolvimento


da educação especial e inclusiva;
II - desenvolver ações voltadas à formação continuada dos profissionais da
educação na área da educação especial e inclusiva, em articulação com a
Coordenadoria de Formação (CFOR) da Superintendência de Políticas
Educacionais da SED;
III - oferecer suporte técnico-pedagógico às unidades escolares;
IV - propiciar serviços de apoio da educação especial aos estudantes, público
da educação especial, da Rede Estadual de Ensino (Mato Grosso do Sul,
2017b, p. 1)

Nota-se que se manteve a perspectiva inclusiva como proposta de ação na educação


especial das escolas da REE/MS e os serviços de apoio passam a ser uma finalidade do CEESPI
e os atendimentos educacionais também se reorganizaram.
O Art. 4º do Decreto Estadual nº 14.787/2017 define que o Centro passará a oferecer, “I
- atendimento educacional especializado para público da educação especial; II - sala de apoio
pedagógico para transtornos funcionais específicos” (Mato Grosso do Sul, 2017b, p. 1).
Como o CEESPI tem uma demanda alta em relação ao atendimento dos estudantes da
educação especial no estado, a complexidade se torna um desafio para o trabalho desse Centro,
como descreve Belato (2019, p. 18). Segundo a autora, “o CEESPI tem uma estrutura tão ampla
na perspectiva de atender diversas demandas escolares, por meio de seus núcleos, favorecendo
o processo de inclusão dos estudantes ao longo do seu percurso escolar”.
Para atender a demanda ocorreu a reestruturação dos Núcleos, que se organizam em:
Núcleo de Apoio à Família; Núcleo da Classe Hospitalar; Núcleo da Sala de Apoio Pedagógico;
868
Núcleo de Inserção e Acompanhamento da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho e;
Núcleo de Acompanhamento Especializado, bem como o NUESP que não passou por
reestruturação (Belato, 2019).
Os serviços são oferecidos tanto aos estudantes, como aos professores, equipe escolar e
familiares, tendo em vista a educação inclusiva.

2.3 Centro Estadual de Apoio Multidisciplinar Educacional ao Estudante com Transtorno


do Espectro Autista – CEAME/TEA: Atribuições, Intervenções e Orientações

O Centro Estadual de Apoio Multidisciplinar Educacional ao Estudante com Transtorno


do Espectro Autista (CEMAE/TEA) foi criado diante das pautas da Lei nº 12.764 de 27 de
dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista e da nota técnica nº 24 / 2013 / MEC / SECADI / DPEE de 21
de março de 2013 que orienta os Sistemas de Ensino para a implementação da Lei nº
12.764/2012 (Meneses; Braga, 2018).
A Lei no 4.770 de 2 de dezembro de 2015, conforme o Art. 1º, autoriza o Poder
Executivo a criar e a implantar Centros Avançados de Estudos para Capacitação de Educadores
das Redes Pública e Privada de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul, com o objetivo de
inserção escolar de estudantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista. O estado
deverá definir critérios para a escolha das cidades onde os Centros serão implantados, como
consta no Art. 2º (Mato Grosso do Sul, 2015b).
Buytendorp e Meneses (2017), afirmam que a referida Lei para a criação de centros foi
um divisor de águas nas práticas voltadas à inclusão no ensino comum, o que possibilitou a
implementação do CEAME/TEA que vem, gradativamente, preenchendo lacunas na articulação
entre o ensino especializado e o regular.
Acompanhando o exercício da competência do art. 89, inciso VII da Constituição
Estadual e o disposto da Lei 4.470/2015, foi criado o CEAME/TEA, com sede no Município
de Campo Grande, sob o Decreto nº 14.480, de 24 de maio de 2016.
Até a data de criação e a implementação do CEAME/TEA, no ano de 2016, “Os
estudantes com Transtorno Global do Desenvolvimento eram atendidos pelo NUESP, sendo
acompanhados pela equipe de técnicos que estavam subdivididos, no município de Campo
Grande, por escolas em regiões” (Benites, 2023, p. 79-80).

869
Considerando os dispositivos do Decreto nº 14.480/2016, a SED implementou por meio
da Resolução nº 3.120, de 31 de outubro de 2016 as disposições sobre o funcionamento do
CEAME/TEA, em que resolve estabelecer os procedimentos para o funcionamento do Centro
que passa a ter caráter educacional e técnico-pedagógico. O Centro passa a dar suporte para
estudantes da Educação Especial com TEA, apoiando e subsidiando a formação, priorizando
processos de ensino-aprendizagem de qualidade, e esse acompanhamento passa a ser realizado
nas escolas da rede estadual de ensino (Mato Grosso do Sul, 2016b).
Para a implementação das articulações da Política Educacional, a estrutura básica do
Centro é formada pelo Coordenador, a Secretária e três Núcleos, sendo eles Núcleo de Apoio
Educacional, Núcleo de Assessoramento Educacional e o Núcleo de Pesquisa Educacional
(Mato Grosso do Sul, 2016b).
Dias et al (2017) menciona que a função do Núcleo de Apoio Educacional é de
acompanhar os processos de escolarização e ensino-aprendizagem de discentes com TEA, por
meio de observação e identificação das especificidades individuais, prestando orientações à
escola e a toda equipe pedagógica. Os autores descrevem que o Núcleo de Assessoramento
Educacional tem o objetivo de atuar na formação e capacitação de toda a equipe pedagógica
dos estudantes em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino, atuando na elaboração de
programas para disponibilização de materiais e recursos próprios Já o Núcleo de Pesquisa
educacional busca organizar os trabalhos desenvolvidos pelo centro por meio de pesquisas para
o desenvolvimento metodológico, de materiais didáticos, publicações, equipamentos e recursos
pedagógicos (Dias et al., 2017).
Outra função do CEAME/TEA que visa uma proposta inclusiva é a garantia do professor
de apoio em ambiente escolar e, de acordo com a Resolução SED/MS nº 3.120/2016, deverá
obedecer a alguns critérios descritos no Art. 19:

Para atuar como professor de apoio de estudantes com transtorno do espectro


autista será admitido profissional com licenciatura em nível superior com
habilitação para a docência, preferencialmente com licenciatura em nível
superior com habilitação para a docência nos anos iniciais, e com
especialização em educação especial (Mato Grosso do Sul, 2016b)

A garantia desse profissional especializado se dará mediante a verificação da


necessidade individual após o levantamento do perfil educacional, após essa verificação o
professor poderá permanecer com o mesmo educando por até dois anos, com o intuito de
870
garantir a efetivação do processo pedagógico e garantir maior estimulação da autonomia por
meio do apoio pedagógico de forma eficaz (Mato Grosso do Sul, 2016b),
Até o ano de 2019 a seleção de professores de apoio era feita por meio de análise de
currículos, seguindo os critérios da Resolução do Centro averiguando “perfil e nível de
conhecimento do professor candidato à vaga” (Mello (2022, p. 60). No ano de 2020, teve início
a lotação por meio do Processo Seletivo Simplificado e classificatório, publicado no Diário
Oficial nº 10.060, de 30 de dezembro de 2019, em que observados itens relativos ao componente
curricular, a especialização em Educação Especial e as etapas do processo, tendo em vista uma
prova escrita objetiva, avaliação curricular de caráter classificatórios e eliminatórios (Mato
Grosso do Sul, 2019).
Entre os objetivos do CEAME/TEA destaca-se o Inciso IV do art. 5º da Resolução nº
3.120/2016 que busca “garantir a oferta de educação escolar inclusiva, vedada a exclusão do
ensino regular sob a alegação de transtorno do espectro autista, e promover a articulação
pedagógica entre o ensino regular e o atendimento educacional especializado” (Mato Grosso
do Sul, 2016b). Tal disposição relaciona-se ao Inciso II do Art. 28 da LBI que propõe o
aprimoramento dos Sistemas de Ensino com relação às condições de oferta, por meio de
serviços que promovam a inclusão plena (Brasil, 2015),
Porém, como assinala Bueno (2008, p. 49), é preciso considerar a distinção entre os
conceitos de inclusão escolar - que se refere a uma “proposição política em ação, de
incorporação de alunos que tradicionalmente têm sido excluídos da escola” - e de educação
inclusiva - que se refere a “um objetivo político a ser alcançado”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As normativas apresentadas mostram a criação de centros e núcleos vinculados à


SED/MS para atendimento de estudantes com deficiência e transtornos globais de
desenvolvimento nas escolas da REE/MS, sobretudo do CEESPI e do CEAMS, que têm direito
à educação, ou seja, direito social assegurado pela Constituição Federal de 1998, (Brasil, 1988).
A criação e funcionamento do CEESPI para acompanhamento dos estudantes com
deficiência mostrou a grande demanda no estado de MS. O Centro se organiza com a
possibilidade de suporte em ambiente escolar de profissional de apoio e o atendimento
educacional especializado nas saldas de recursos multifuncionais.
871
O CEAME/TEA, por sua vez, foi criado para atendimento aos estudantes da Educação
Especial com transtorno específico, de modo a acompanhar as necessidades individuais desses
estudantes.
As condições de oferta educativa, por meio desses Centros, tendo em vista o alcance do
objetivo de educação inclusiva, serão analisadas no desenvolvimento da pesquisa de dissertação
de Mestrado em Educação.

Referências

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Brasil e suas implicações para a oferta da educação pública. Revista Educação e Filosofia.
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Secretaria de Estado de Educação, o Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva
(CEESPI), seus núcleos vinculados e os Núcleos de Educação Especial nos Municípios. Campo
Grande, MS, 2009.

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e Inclusiva – CEESPI, e dá outras providências. Diário Oficial de MS, nº 8.099 de 29 de
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Executivo a criar e a implantar Centros Avançados de Estudos para Capacitação de Educadores
das Redes Pública e Privada de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul, com objetivo de
inserção escolar de alunos portadores de autismo ou diagnosticados com Transtorno do
Espectro Autista. Campo Grande, MS. 2015b.

MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 14.572, de 30 de setembro de 2016. Dá nova redação


ao art. 2º e aos Anexos I e II do Decreto nº 10.652, de 7 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre as
Coordenadorias Regionais de Educação, unidades integrantes da estrutura da Secretaria de
Estado de Educação, e dá outras providências. Campo Grande, MS. 2016a.

MATO GROSSO DO SUL. Resolução SED nº 3.120, de 31 de outubro de 2016. Dispõe sobre
o funcionamento do Centro Estadual de Apoio Multidisciplinar Educacional ao Estudante com
Transtorno do Espectro Autista – CEAME/TEA, e dá outras providências. Diário Oficial de
Mato Grosso do Sul nº 9.281, de 7 de novembro de 2016b.

873
MATO GROSSO DO SUL. Resolução/SED nº 3.330, de 21 de novembro de 2017. Dispõe
sobre o funcionamento dos Centros Estaduais de atendimento ao público da Educação Especial
e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de MS n. 9.537, 22 de novembro de 2017.
Campo Grande, MS, 2017a.

MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 14.787 de 24 de julho de 2017. Reorganiza o Centro


Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI), e dá outras providências. Capo Grande,
2017b.

MATO GROSSO DO SUL. Deliberação CEE/MS Nº11.883, de 05 de dezembro de 2019.


Dispõe sobre a educação escolar de pessoas com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação no Sistema Estadual de Ensino de Mato
Grosso do Sul. Campo Grande, MS, 2019b.

MELLO, Cidnei Amaral de. Aplicação de Políticas Norteadoras de Educação Inclusiva em


Mato Grosso do Sul: CEAME/TEA (2016-2020). Dissertação (Mestrado em Educação),
Universidade Católica Dom Bosco, 2022.

MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto. A Inclusão do Estudante com
Autismo na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul. Seminários Regionais da Anpae,
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https://www.seminariosregionaisanpae.net.br/numero3/1comunicacao/Capitulo05/StefaniQue
vedodeMeneses_E5Com.pdf Acesso em: 20 julho 2023.

MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto. Os Desafios do Trabalho com o
Estudante TEA no Contexto da Escola Inclusiva. In: In: BUYTENDORP; Adriana Aparecida
Marques Burato; MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto (Org.). Educação
Especial em Mato Grosso do Sul – caminhos e práticas. Campo Grande: Ed. Perse, 2019.
p.141-155.

874
ESTADO DO CONHECIMENTO: ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO AO SUPERDOTADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR DE MATO
GROSSO DO SUL

Célia Miriam da Silva Nogueira (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


nogueiraceliamiriam@gmail.com

Nádia Bigarella (PPGE/UCDB)


nadiabiga@hotmail.com

Resumo: O artigo tem por objetivo analisar trabalhos com objetivos semelhantes de
mapeamento do público identificado com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) na
Educação Superior de Mato Grosso do Sul. Com base na pesquisa bibliográfica e documental,
foram discutidos os objetos das pesquisas relacionadas ao público com AH/SD, assim como os
objetivos das pesquisas identificadas. As considerações finais dos trabalhos aqui estudados
indicam o avanço de pesquisas relacionadas a este público, todavia, ainda não há pesquisas
suficientes que tem como objeto as políticas públicas específicas para este público AH/SD.
Considerando que os preceitos constitucionais garantem o direito à educação para todos e a
obrigatoriedade do Atendimento Educacional Especializado em todas as etapas e modalidades,
as pesquisas exigem mais estudos a este respeito, especialmente, a respeito da Educação
Superior do Estado de Mato Grosso do Sul.

Palavras-chave: Altas Habilidades, Mapeamento, Enriquecimento.

DEFINIÇÕES E CONTEXTO DOS AVANÇOS ASSEGURADOS LEGALMENTE


Atualmente muitos pesquisadores apresentam definições diferentes para pessoas com
Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD). A legislação brasileira define “Alunos com altas
habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas,
isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também
apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas
em áreas de seu interesse” (Brasil, 2008, p. 15).
O pesquisador norte americano Joseph Renzulli (1976), um dos pesquisadores mais
renomados atualmente em se tratando de estudo sobre Altas Habilidades/Superdotação, ele
define AH/SD, amparado por sua teoria dos Três Anéis, o que caracteriza um comportamento
superdotado são a interseção de três componentes: habilidade acima da média,
comprometimento com a tarefa e criatividade.
Renzulli (2016) argumenta que outros fatores externos também devem ser considerados,
875
tais como: familiar e ambientais, visto que o comportamento de superdotação pode ser
apresentado em circunstâncias por meio de estímulos recebidos desde a infância ou fatores
genéticos. O pesquisador defende que o ambiente educacional formal em que a criança foi
inserida é determinante para a manifestação e o desenvolvimento da AH/SD.
Para compreender melhor a perspectiva de inclusão é necessária entender que tem
diferença de educação especial e educação inclusiva.
Bueno (2008) apud Mattos (2017) conceitua educação inclusiva (EI) como um projeto
em construção; há um processo de inclusão escolar, com o objetivo de incluir o público-alvo da
Educação Especial no ensino comum: “...é um objetivo político a ser alcançado. Nesse sentido,
a EI deve ser entendida como uma política orientada para o respeito e a valorização das
diferenças, que preveja ações em curto, médio e longo prazo” (BUENO, 2008, p. 40). E a
inclusão educacional “refere-se a uma proposição política de inserção educacional de alunos
que tradicionalmente têm sido excluídos da escola” (Bueno, 2008, p. 40).
Considera-se para este estudo a definição de “educação especial” instituído na
Resolução n. 02 do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Câmara de Educação Básica
(CEB) dia 11 de setembro de 2001. Entende-se por Educação Especial:

Art. 3º Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um


processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e
serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar,
complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais
comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das
potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais,
em todas as etapas e modalidades da educação básica (Brasil, 2001, p.1).

A Educação Especial ganha destaque e força depois da década de 1990 e a partir de


1994 com a Declaração de Salamanca que foi redigida com os compromissos afirmados para
avanços educacionais para o público com necessidades educacionais especiais, em Salamanca
na Espanha, ocorreu uma das Conferências Mundiais mais significativas para a luta da educação
para todos, a qual inclinou-se para o debate sobre “Necessidades Educativas Especiais”
(Nogueira, 2020).
A Declaração de Salamanca preconizou que a escola teria que se adaptar aos estudantes
e não o contrário, ou seja, os profissionais deveriam se especializar para atender o público da
Educação Especial, pois a Educação Especial na perspectiva da Educação inclusiva é voltada
para atender à necessidade individual de cada estudante.

876
Com esses avanços surgiu a necessidade de atualizar a Lei de Diretrizes e Bases que
ocorreu no ano de 1996. A nova LDBEN Lei n. 9394 foi redigida com o seguinte artigo 58 que
define a Educação Especial.

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação (Brasil, 1996, s.p.).

A invisibilidade dos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação foi marcada por


uma significativa mudança no ano de 2015 com a Lei nº 13.234, que dispõe sobre a
identificação e o cadastramento na educação básica e na educação superior de alunos com altas
habilidades/Superdotação (BRASIL, 2015). Esse avanço possibilitou as iniciativas para
políticas públicas a fim de desenvolver o potencial desse público da Educação Especial, visto
que com este cadastro fica mais evidente com números e estatística a necessidade de políticas
de inclusão para melhorias do atendimento educacional especializado para os estudantes acima
da média.
A Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (SED/MS), por meio do
Decreto n.14.786, de 24 de julho de 2017, criou o Centro Estadual de Atendimento
Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS) com sede na capital do
estado. O Centro é dirigido pedagógica e administrativamente pela Coordenadoria de Educação
Especial, composto pela Coordenadoria de Políticas para Educação Especial (COPESP) e
Superintendência de Políticas Educacionais (SUPED), integrante da estrutura organizacional
da Secretaria de Estado de Educação (SED). O Centro tem o objetivo de atender aos estudantes,
público da Educação Especial com Altas Habilidades/Superdotação (Mato Grosso do Sul,
2017).
O CEAM/AHS terá abrangência em todo o Estado de Mato Grosso do Sul, com
orientação e acompanhamento da equipe técnico-pedagógica. Fica a cargo da SED
prover os recursos necessários ao funcionamento do Centro, e estabelecer critérios
para efeitos de lotação de pessoal (Mato Grosso do Sul, 2017, s.p.).

Apesar desses avanços ainda existem lacunas para serem preenchidas referente à
identificação e mapeamento do perfil do estudante com Altas Habilidades/Superdotação na
educação superior do Mato Grosso do Sul, pois a legislação das últimas décadas ampara
baseado nos níveis de ensino da Educação Básica (Educação infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio) e já o amparo do atendimento para este público na educação superior foi

877
marcado com a alteração da LDB nº 9394 pela Lei nº 13.234 de dezembro de 2015.
Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas
habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior,
a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento
pleno das potencialidades desse alunado (Brasil, 2015).

O objetivo dessa análise do estado do conhecimento do público identificado com


AH/SD na Educação Superior de MS, foi identificar trabalhos com objetivos semelhantes de
mapeamento do mesmo público na Educação Superior para afirmar a relevância do estudo da
proposta de pesquisa e evitar redundância de resultados. Visto que até o momento as políticas
voltadas para este público na Educação Superior ainda são escassas. O intuito do levantamento
é afirmar a hipótese que são insuficientes as produções de pesquisas sobre o público com
AH/SD na Educação Superior de Mato Grosso do Sul e como consequência este público segue
invisível nesta etapa da formação educacional e carece de políticas públicas para o atendimento
educacional especial ser de fato concretizado.

METODOLOGIA E JUSTIFICATIVA PARA O ESTADO DO CONHECIMENTO

O texto para este capítulo se desenvolveu por meio de uma pesquisa qualitativa de cunho
bibliográfico com levantamento de produções de dissertações e teses com consulta no banco de
dados da CAPES, para pesquisa foram utilizadas as palavras-chave combinadas: altas
habilidades, superdotação, Mato Grosso do Sul, enriquecimento, mapeamento, adultos,
educação superior, altas habilidades, superdotação.
Para critério de inclusão e exclusão se deu de pesquisas e artigos a partir do ano de 2007,
que iniciou o movimento das Altas Habilidades no Estado, com a criação do Núcleo de
Atividades de Altas Habilidades/Superdotação.
Para análise e discussão foi desenvolvido um quadro com categorias e organizado por
ano crescente, e foram enfatizados os objetos das pesquisas, objetivos e resultados obtidos nas
mesmas.
O público com Altas Habilidades/Superdotação vem aumentando nos últimos anos na
Educação Superior, conforme tabela nº 1 que foi construída por meio de consulta nos dados
públicos do censo, que foi pesquisado a partir de 2015 até o último censo divulgado, pois é o
ano que entrou em vigor a alteração no artigo 59 da LDB nº 9.394.
O último censo da Educação Superior divulgado foi do ano de 2019, pois para o ano de

878
referência 2020 foram organizadas ações diferenciadas de coletas de informações, devido ao
cenário atípico pandêmico mundial. Os procedimentos iniciaram em março/2021 e com a
divulgação prevista para fevereiro/2022, conforme cronograma disponível no site do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Tabela 1 – Total de matrículas na Educação Superior declaradas com Altas


Habilidades/Superdotação entre os anos de 2015 a 2019

Censo Educação Superior


Ano Quantificação de matrículas
2015 4.808
2016 1.202
2017 1.067
2018 1.486
2019 1.551
Fonte: INEP (2015 a 2019) e autora (2022).

ANÁLISE DOS RESULTADOS DO ESTADO DO CONHECIMENTO

Os resultados obtidos dos trabalhos localizados no levantamento realizado de acordo


com as regras de inclusão de pesquisa, serão discutidos e apresentados a partir do quadro nº 01
que foi organizado por ordem cronológica crescente de ano de publicação.

Quadro 1 – Resultados obtidos no levantamento de estudos sobre Altas


Habilidades/Superdotação em Mato Grosso do Sul.

Ano Título Autor Categoria Instituição


2007 Altas Habilidades na perspectiva da Cynthia Garcia Dissertação UFMS
subjetividade Olveira
2015 Os sentidos subjetivos da avaliação Naila de Mattos Iorio Dissertação UFMS
psicológica em Altas
Habilidades/Superdotação
2017 Uma escalada sinuosa pelo terreno das Fernando Fidelis Dissertação UEMS
narrativas (auto)biográficas em busca da Ribeiro
(re)constituição docente frente a alunos
com altas habilidades/superdotação.
2018 Proposta didática: modelo didático Brenda Cavalcante Dissertação UFMS
concreto no ensino de Ciências e biologia Matos Vieira
para alunos com Altas
Habilidades/Superdotação
2019 Núcleo de atividades de Altas Graziela Cristina Jara Dissertação UCDB
Habilidades/Superdotação (NAAH/S): Pegolo dos Santos

879
política educacional para o estado de
Mato Grosso do Sul.
2019 Educação escolar de estudantes com Altas Rosemary Nantes Dissertação UEMS
Habilidades/Superdotação na perspectiva Ferreira Martins
dos professores.
2020 Avaliação e identificação de Altas Marcela Luzio Dissertação UEMS
Habilidades/Superdotação no contexto Ferreira Moquiuti
escolar.
2020 A contribuição da demonstração em Célia Miriam da Silva Dissertação UEMS
geometria para o enriquecimento do Nogueira
currículo do estudante com superdotação
em matemática.
Fonte: A autora (2022).

O primeiro estudo levantado foi da autora Oliveira (2007), que teve como objeto de
pesquisa o processo-diagnóstico de identificação e encaminhamento dos alunos com altas
habilidades / superdotação, realizado pela Rede Estadual de Ensino na cidade de Campo Grande
- MS. Ela (2007) utilizou um estudo exploratório sobre as propostas de identificação e
encaminhamento dos alunos que participavam do Núcleo de Inclusão na época (NAAH/S),
também usou pesquisa documental. No caráter exploratório realizou entrevistas com dois
profissionais responsáveis pelo programa, dois estudantes e seus respectivos responsáveis.
Amparou-se no referencial sócio-histórico e concluiu que havia dificuldades para eleger
critérios de identificação da pessoa superdotada, e que também percebeu que a abordagem
psicométrica ainda na época do estudo era uma forte base teórica para o diagnóstico dos
estudantes público da pesquisa.
O segundo estudo levantando foi da autora Iorio (2015), que teve como objeto de
pesquisa a subjetividade social individual – enquanto unidade dialética – se expressa e
configura na constituição subjetiva de alunos identificados como superdotados. A autora propôs
os seguintes: objetivos identificar os sentidos subjetivos da avaliação psicológica em Altas
Habilidades/Superdotação e também compreender como é ser superdotado. A pesquisa foi de
campo com entrevistas com 4 estudantes que na época frequentavam o Núcleo de Atividades
em AH/SD do estado de MS. A construção do instrumento usado na entrevista e a análise dos
dados obtidos nelas, foram amparadas pela perspectiva da psicologia Histórico-cultural, ou seja,
baseou-se no Materialismo Histórico-dialético e também se amparou na Teoria da
Subjetividade de González Rey. Como resultado do estudo, a pesquisadora (2015) conclui que
as avaliações psicológicas em se tratando de processo dialógico de construção do conhecimento
que possa viabilizar a aprendizagem sobre si mesmo e do que nos cerca, dando possibilidade

880
de abertura de novas ações e de ressignificações de sentidos subjetivos para os participantes da
pesquisa.
A terceira pesquisa do autor Ribeiro (2017), teve como objeto de pesquisa a
autoformação de docentes. O objetivo do pesquisador (2017) foi buscar nas narrativas
desenvolvidas por alunos com altas habilidades/superdotação que frequentavam na época o
Núcleo de Altas Habilidades/Superdotação do município de Campo Grande/MS -NAAH/S-CG
uma melhor compreensão das ações docentes que eles legitimam como aquelas que contemplam
a diversidade em que vivem. O autor (2017) pode concluir que as atividades desenvolvidas no
formato de grupos de estudos e pesquisa se constitui como um recurso intelectual significativo
e frutífero ao estímulo e ao exercício do pensamento e da atividade científica e que a
autoformação docente exigiu um redimensionamento de saberes da experiência, mostrou ser
um processo em constante movimento.
A quarta pesquisa levantada da autora Vieira (2018), se preocupou com instrumentos
que pudessem ser de enriquecimento curricular suplementar para os estudantes com AH/SD,
visto que muito se pesquisa sobre a identificação e pouco se discuti sobre a práxis do
Atendimento Educacional Especializado. A pesquisadora (2018) teve como objetivo analisar o
processo de construção do conhecimento em Biologia por meio da criação e desenvolvimento
de modelos didáticos representativos, por alunos com AH/SD, dentro de suas áreas de interesse.
Ela (2018) desenvolveu pesquisa-ação participativa qualitativa, com coleta de dados por meio
de entrevistas semiestruturadas, e para análise dos dados coletados se amparou nos métodos de
Análise do Discurso e de Conteúdo de Bardin e de Análise Microgenética de Vygotsky. Como
resultado a autora (2018) verificou que a construção de modelos didáticos se mostrou uma
metodologia de ensino capaz de despertar o interesse de estudantes com AH/SD para os
assuntos de Ciências e Biologia.
A quinta pesquisa da autora Santos (2019), teve como objeto de investigação o Núcleo
de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação do estado de Mato Grosso do Sul (NAAH/S
- MS), no período de 2006-2018. O objetivo da pesquisadora (2019) foi analisar o NAAH/S
como órgão impulsionador de políticas públicas para alunos com altas
habilidades/superdotação no Estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2006 a 2018. Ela
usou a pesquisa documental e teve como resultado a evidência que a política de criação do
NAAH/S, no estado de Mato Grosso do Sul, vem, ao logo do tempo, mantendo ações com
pouco recursos, pequenas conquistas em relação ao atendimento educacional, o que deixa um
881
significativo contingente de alunos sem seus direitos garantidos conforme prescreve a
legislação.
A sexta pesquisa da autora Martins (2019), teve como objeto de pesquisa o histórico das
estratégias pedagógicas no espaço escolar para os estudantes com AH/SD. A pesquisa teve
como objetivo analisar a educação escolar dos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação
nas escolas da rede estadual de ensino de Campo Grande - MS. A pesquisadora (2019) fez
pesquisa qualitativa-descritiva e utilizou para coleta de dados, a entrevista semiestruturada, que
foi aplicada na época aos professores de sala de aula e aos técnicos do Núcleo de Atividade
para Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S) que acompanhavam os estudantes com
AH/SD e também fez análise dos planejamentos dos professores. Sua pesquisa concluiu que o
atendimento para o público com AH/SD está centrado no processo de identificação e, quando
positivo, tem uma preocupação de encaminhar para o Atendimento Educacional Especializado.
Em se tratando de estratégias pedagógicas de Atendimento Educacional Especializado, não
foram encontradas uma rotina, uma sistematização para realizar as orientações sobre estratégias
didáticas em sala de aula.
A sétima pesquisa da autora Moquiuti (2020) teve como objetivo analisar o processo de
avaliação e identificação dos estudantes com indicadores de Altas habilidades/Superdotação
(AH/SD), desenvolvido pelo Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas
Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS). Sua pesquisa foi qualitativa do tipo pesquisa
descritiva baseada na pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas com 15 sujeitos
(pais, estudantes e professores) e pesquisa documental.
A pesquisadora (2020) concluiu que existe uma escassez de pesquisas acadêmicas da
área de educação especial que se voltam às AH/SD e a pouca visibilidade da temática nas
políticas educacionais e documentos oficiais ao longo da história da educação. Também que a
criação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) contribuiu
para minimizar essa invisibilidade, mas que a falta de conhecimento sobre as AH/SD entre os
professores e a comunidade geral, em conjunto com os mitos ainda não superados sobre o
significado das altas habilidades/superdotação e sobre o comportamento desse público no
contexto escolar, tem oferecido desafios à ampliação do número de estudantes identificados e,
consequentemente, dos encaminhamentos ao AEE.
Os dados coletados nas entrevistas também trouxeram à tona a necessidade de
atualização dos instrumentos de identificação e avaliação, principalmente em relação à
882
linguagem utilizada, à extensão dos formulários e à orientação aos sujeitos que os respondem.
Apontaram ainda a insuficiência do tempo destinado à formação docente, falta de espaços
apropriados para realizar as entrevistas com os estudantes nas escolas, resistência dos
professores em preencherem os instrumentos de avaliação e dificuldades dos técnicos em
avaliar áreas específicas, como criatividade, área corporal cinestésica e artística.
A oitava e última pesquisa levantada da autora Nogueira (2020) teve como objeto de
pesquisa o Enriquecimento curricular de matemática para estudantes com Altas Habilidades do
Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação. O
objetivo da pesquisadora (2020) foi analisar como o currículo de matemática para esses
estudantes pode ser enriquecido com a inclusão da prática das demonstrações geométricas. A
pesquisa foi do tipo qualitativa dividida em revisão de literatura e estudo de caso que usou como
coleta de dados atividades realizadas com estudantes (participantes da pesquisa) matriculados
no atendimento Especializado de Matemática no Centro na época. Os materiais coletados como:
manuscritos (atividades de demonstrações) desenvolvidas pelos participantes durante os
encontros foram analisadas pela perspectiva da Teoria Antropológica do Didático e cartas
relatando a experiência vivida durante a participação na pesquisa foram apresentadas como
validação do resultado obtido na pesquisa. A autora (2020) concluiu que existe escassez de
pesquisas preocupadas com as estratégias para o enriquecimento do currículo suplementar para
este público e que atividade com demonstração geométrica é um enriquecimento curricular
suplementar para estudantes com altas habilidades matemáticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O levantamento mostrou que atualmente não existem evidências de estudos com


estudantes com AH/SD na educação superior em Mato Grosso do Sul. Essa constatação torna
relevantes e inéditos projetos de pesquisas futuros sobre o tema.
Das pesquisas foram identificadas apenas dissertações e foram focadas no processo de
identificação do aluno com Altas Habilidades, nas questões subjetivas que implicam essa
identificação. Foram direcionadas também para a política públicas do NAAH/S, assim como as
políticas públicas na Educação Básica. E apenas duas que se debruçaram sobre o Atendimento
Educacional Especializado para o público das AH/SD, mas ambas se limitaram na Educação
Básica.
883
Contudo, como a partir de 2015 por meio do censo foi possível identificar os alunos
habilidosos no Educação Superior, porém mesmo a partir dessa conquista do público que faz
parte da Educação Especial, as pesquisas não surgiram no estado e com isso os alunos relataram
que as políticas públicas estagnaram e que os mesmos deixavam de ser atendidos quando
ingressavam em cursos de nível superior no estado, inclusive universidades públicas.
O estudo também mostra que o mapeamento desse público na educação superior é um
tema a ser discutido e torna-se importante para justificativas para desenvolvimentos de políticas
públicas específicas para este público AH/SD, para assim, dar visibilidades para estes
estudantes, possibilitando o atendimento educacional especializado ao superdotado nas
Instituições de Educação Superior do Estado de Mato Grosso Do Sul.

REFERÊNCIAS

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oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=7374459. Acesso em: 8 de jan. de 2022.

886
ESTADO DO CONHECIMENTO: LEVANTAMENTO DOS
ARTIGOSAPRESENTADOS NO GT -9 TRABALHO E EDUCAÇÃO DA ANPED
(2017-2021)

Luis Eduardo Celaia de Matos (Bolsista CAPES/ PPGE/UCDB)


luis14matos@gmail.com

Nádia Bigarella (PPGE/UCDB)


nadiabiga@hotmail.com

Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar o estado do conhecimento do GT 09 (Trabalho
e Educação) das três últimas reuniões da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação), dos anos de 2017 em São Luís/ MA, 2019 em Niterói/ RJ e 2021 em
Belém/ PA. O trabalho ampara-se em um levantamento e análise descritiva de dados, utilizamos
como descritores a localização das universidades nas regiões politicas-administrativas do
Brasil, o gênero do autor, a participação de coautores, o tipo de pesquisa e métodos utilizados,
principais autores citados, principais referenciais teóricos, além de trabalhos financiados ou
não, e suas agências de fomento. Os resultados obtidos foram a maior participação da região
Sudeste no GT, a participação mais ativa de universidades próximas à sede da reunião, bem
como o compromisso reafirmado desta Associação por uma educação justa e de qualidade,
refletindo em cada reunião seu manifesto e revolta contra os desgovernos do Brasil nos últimos
anos.

Palavras-chave: Trabalho; Educação; Políticas Públicas; ANPEd

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa foi desenvolvida como parte do processo avaliativo da disciplina Pesquisa
em Educação, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), visando fazer um levantamento
dos trabalhos apresentados no âmbito do Grupo de Trabalho número nove (GT-9), denominado
Trabalho e Educação, envolvendo as últimas três reuniões da Associação de Pós-graduação em
Educação (ANPED), ocorridas nos anos de 2017, em São Luís no estado do Maranhão, em
2019 na cidade de Niterói no Rio de Janeiro, e excepcionalmente, devido à pandemia no ano de
2021, a reunião ocorreu em Belém no Estado do Pará, em formato remoto.
Definimos estado do conhecimento com estudo que aborda apenas um setor das
publicações sobre o tema estudado. (Romanowski; Ens) Apresentamos dados qualitativos e
quantitativos dos trabalhos apresentados, não necessariamente aprofundados, mas com um
887
olhar empírico sobre o objeto. Trazendo para o diálogo Martins (2016) apresentando que toda
pesquisa, especialmente as da área da Educação, tem impactos sociais e implica em
transformações na vida, ou seja, nenhuma pesquisa é neutra. Evidenciado, assim, a que toma a
educação como objeto de investigação, ao responderem a determinações econômicas, sociais,
políticas e culturais e nelas interferem, e com elas interagem, intercomunicam-se em uma
relação de tipo dialética.
A ANPED tem por finalidade fortalecer e promover o desenvolvimento do ensino de
pós-graduação e da pesquisa em educação, procurando contribuir para sua consolidação e
aperfeiçoamento, além do estímulo a experiências novas na área; incentivar a pesquisa
educacional e os temas a ela relacionados; promover a participação das comunidades acadêmica
e científica na formulação e desenvolvimento da política educacional do País, especialmente no
tocante à pós-graduação.
Considerando a relevância do GT-9 para a minha pesquisa de mestrado (2023 –
2024). Para além da coleta de dados dos trabalhos apresentados nas reuniões da ANPED, já
citadas, a pesquisa visou observar o cenário político que se encontrava no Brasil em cada
reunião, especialmente, o encontro de número 38º focado na temática: Democracia em risco: a
pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência, reafirmando seu compromisso com a
defesa do direito a educação, como elemento necessário para uma sociedade democrática e justa
para todos, bem como, focado na crítica ao cenário político que o país enfrentava em 2016, o
afastamento da Presidenta da República Dilma Rousseff (2014 – 2016), “[…] sem a devida
comprovação de crime de responsabilidade, tal como prevê a Constituição Federal […]”,
abrindo caminho para um governo da direita assumir o poder, em agosto de 2016 (ANPED,
2016)
Em 2019, a 39ª reunião da ANPED teve como tema do debate acadêmico: Educação
Pública e Pesquisa, ataques, lutas e resistências. Tal temática foi inspirada no compromisso
histórico dessa associação com o direito à educação, à escola pública, à pesquisa crítica,
rigorosa, comprometida com a justiça social, com a democracia, com o reconhecimento e a
solidariedade humana.
A esse respeito, a ANPED faz uma análise crítica dos ataques de múltiplas dimensões
ao sistema democrático brasileiro. Mas, também traz esperanças quando chama atenção para a
necessidade de mais lutas e resistências pela educação e pela defesa da inclusão de todos os
sujeitos em diferentes e diversos espaços educativos, tais como: escolas, centros de educação
888
infantil, comunidades, movimentos sociais, universidades e tantos outros pelos quais tecemos
nossas pesquisas coletivamente.
O texto da ANPED (2019,n.p), chama a atenção “[…] à injustiça, à exclusão, à
homofobia, aos racismos, ao autoritarismo […]” e solicita entendimento do conceito do que é
“[…] ser humano pleno e quais as possibilidades dos processos educacionais contribuírem para
uma sociedade em que o reconhecimento e a solidariedade sejam possíveis”.
A 40ª reunião geral da ANPED ocorrida em Belém, no ano de 2021, traz como tema A
Educação como prática de liberdade: Cartas da Amazônia para o mundo, com a intenção de
debater a respeito dos “[…] ataques à educação em múltiplas dimensões […]”, ocorridas no
governo federal (2018 – 2022), assumindo o compromisso depensar, repensar e reconhecer lutas
intensas e plurais (ANPED, 2021)
Tais Lutas defendidas pela ANPED sempre visam os direitos às diferentes, aos espaços
democráticos, à aprendizagem nos espaços educativos, ao diálogo entre todos, os movimentos
sociais, a diversidades de comunidades, às universitárias, campos de pesquisa, todos afetados
pela pandemia e por uma gestão contraditória das políticas públicas nacionais.

GT- 9 TRABALHO E EDUCAÇÃO


O GT-9 Trabalho e Educação caracteriza-se como um fórum de discussão sobre as
relações entre o mundo trabalho e a educação, enfocando temáticas como: trabalho na sua
dimensão ontológica e nas suas formas históricas de trabalho escravo e trabalho alienado sob o
capitalismo, formação profissional, formação sindical, reestruturação produtiva organização e
gestão do trabalho, trabalho e escolaridade, trabalho e educação básica, trabalho e educação nos
movimentos sociais, trabalho docente, trabalho associado, dentre outras que tomam a relação
entre o trabalho e a educação como eixo de análise.
Os trabalhos do GT 09 foram organizados e separados utilizando os seguintes
descritores: gênero do autor, se possui coautoria, regiões dos trabalhos, teóricos metodológicos,
metodologia e financiamento

A 38ª REUNIÃO DA ANPED


A 38ª reunião nacional da ANPED, aconteceu de 1 a 5 de outubro de 2017 no campus
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís (MA), tendo com Tema:
Democracia em risco: a pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência.
889
Observou-se foram apresentados vinte trabalhos nesta reunião, tendo como autoras
quinze trabalhos e com autores doze, com uma quantidade de nove trabalho que apresentaram
coautoria.
Os trabalhos foram divididos pelas cinco regiões do Brasil, com uma quantidade de
cinco trabalhos da Universidade Federal do Pará representando a região norte. Três trabalhos
da região nordeste, respectivamente da Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade
do estado da Bahia e do Instituto Federal de Pernambuco. A região sudeste apresentou um
número expressivo de trabalhos, dois da Universidade de São Paulo, já as Universidades
Federal Fluminense, Estadual do Rio de Janeiro, Federal do Rio de Janeiro, Federal do Espírito
Santo e a Universidade Católica de Santos apresentaram apenas um trabalho. A região centro-
oeste teve dois trabalhos neste GT, respectivamente da Universidade Federal e Estadual de
Goiás. Da região sul, foi-se apresentado quatro trabalhos, dois da Universidade Federal de Santa
Catarina, um da Universidade do Estado de Santa Catarina e um da Universidade Luterana do
Brasil.
Observou-se que foram utilizados vários tipos e métodos de pesquisa, entre os principais
destacamos: cinco trabalhos como pesquisa qualitativa de análise bibliográfica e documental,
cinco de pesquisa quali/ quantitativa com levantamento de dados e análise descritiva, três de
pesquisa qualitativa-interpretativa com geração de dados, com dois trabalho cada, tiveram a
pesquisa qualitativa de cunho descritivo analítico, a qualitativa-revisão de literatura, a
qualitativa/ pesquisa- formação/ pesquisa ação e a qualitativa estudo de caso.
Destacam-se os principais teóricos e autores como Hobsbawn, Harvey, Gramsci,
Mészáros, Sánches Vásquez, Marx, Engels, Feuerbach, Goldmann, Arroyo, Ciavatta, Freire,
Alves, Frigotto, Rodrigues, Lukács, Arfuch, Hall, Sposito, Carrano, Barros, Cohn, Chauí,
Titwin, Belloni, Mill, Smith, Bardin, Hypolito, Hirata, Saviani, Azevedo e entre outros.
A quantidade de trabalhos que não tiveram, ou seus autores não apresentaram a agência
foram dez. Dois trabalhos cada foram financiados pela CAPES e CNPQ. Um trabalho cada foi
financiado pela UFRRJ, FAPESP, FAPEG, PROSUC/ CAPES e OBEDUC CNPQ/ CAPES.

A 39ª REUNIÃO DA ANPED


Aconteceu de 20 a 24 de outubro de 2019 no campus da universidade federal fluminense,
Niterói/ RJ, tendo como Tema: Educação pública e pesquisa: ataques, lutas e resistências.

890
Foram apresentados no GT 09 — Trabalho e Educação vinte e oito trabalhos, com dezenove
autoras e quinze autores, sendo oito trabalhos com coautoria. Três trabalhos provenientes da
região Norte, dois da Universidade Federal do Pará e um da Universidade Federal do Amazonas.
A região Nordeste fez a exposição de dois trabalhos, um da Universidade Federal da Bahia e
outro do Instituto Federal Baiano. A região Sudeste sobressalente com dois trabalhos cada, as
universidades de São Paulo, Estadual do Rio de Janeiro, Federal do Rio de Janeiro e Federal do
Espírito Santo. Com um trabalho cada temos as universidades Federais de São Carlos/SP, Minas
Gerais, Fluminense, Rural do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado de São Paulo, o Instituto
Oswaldo Cruz, a Universidade Católica de Santos/SP e o Instituto Universitário São Camilo.
A frente Centro-Oeste possui três trabalhos da Universidade Federal de Goiás e um cada as
Universidades Estadual de Mato Grosso e estadual de Goiás. Na região Sul tivemos dois
trabalhos da Universidade de Santa Catarina, um cada da Universidade de Pelotas, Fundação
Universitária do Rio Grande, Instituto Federal do Paraná e Santa Catarina.
Todos os textos foram de cunho qualitativas, destacando-se treze trabalhos de análise
bibliográfica e documental, cinco de levantamento de dados/ análise descritiva, três de cunho
descritivo e analítico. Destes. Apenas dois escolheram como metodologia o estudo de caso e
geração de dados. Um artigo apenas se baseou em pesquisa formação-pesquisa, ação e método
de análise comparada.
Os trabalhos apresentados como embasamento teórico Hobsbawn, Frigotto, Harvey,
Ciavatta, Ferreti, Marx, Haddad, Nóvoa, Adorno, Horkheimer, Postman, Pistrak, Cury, Cardart,
Delors, Lukács, Gramsci, Luck, Mészáros, Apple, Shiroma, Poulantzas. Os autores mais citados
foram Fernandes, Militão, Hypolito, Cháves, Perreira, Santos, Silva, Melgaço, Dourado.
Ao total, dezesseis trabalhos, não receberam financiamento ou não foi informado a agência.
Seis trabalhos foram financiados pelas CAPES, quatro pelo CNPQ e um pelo IFSC e outro pela
FAPERJ.

A 40ª REUNIÃO DA ANPED


A 40ª reunião da ANPEd ocorreu entre os dias 17 a 22 de outubro de 2021, no campus
da Universidade Federal do Pará, Belém /PA, tendo como Tema: Educação como prática de
Liberdade: cartas da Amazônia para o mundo!
No momento que impôs grandes desafios em prol da vida e da ciência, foi necessário a
adaptação para o modo virtual da reunião, mantendo vivo o compromisso da ANPEd com a
891
Educação durante os quarenta anos da associação que foi comemorado nesta reunião.
Apresentando ao centro das discussões os ataques à educação em múltiplas dimensões nos
últimos anos e no atual governo, mas também a resistência e o compromisso da ANPEd com
pensar e reconhecer lutas intensas e plurais abertas ao diálogo.
Na ocasião foram apresentados trinta e seis trabalhos, sendo quarenta e uma autoras e onze
autores com um quantitativo de quinze coautores.
Com a região Norte houve a participação de sete trabalhos da Universidade Federal do
Pará, dois da Universidade Federal do Tocantins e um da Universidade Federal do Amapá. Na
representatividade da região Nordeste, duas instituições baianas se destacam, cada uma com
um trabalho apresentado, um da Universidade Federal e outro da Universidade Estadual. Na
região sudeste temos com dois trabalhos cada, a Universidade de São Paulo, a Federal do
Espírito Santo e o Instituto Federal Fluminense com uma apresentação apenas, destacamos a
Universidades, Estadual do Rio de Janeiro, Federal do Rio de Janeiro, Católica de Petrópolis, a
Universidade de Taubaté e o Instituto Federal de Minas Gerais.
No Centro-Oeste temos dois trabalhos da Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
dois trabalhos da Universidade de Brasília e um da Universidade Federal do Mato Grosso do
Sul. Na região Sul apresentaram três trabalhos da Universidade Federal de Pelotas, dois da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e com um trabalho apenas, as Universidades,
Federal, Estadual e do Oeste de Santa Catarina, a Federal de Santa Maria, a Estadual de Ponta
Grossa, a Universidade de Santa Cruz do Sul, e dos Institutos Federais de Santa Catarina e do
Rio Grande do Sul cada um com uma representação.
Tiveram como metodologia os tipos de pesquisas qualitativas/ quantitativa, com
quatorze trabalhos de análise bibliográfica e documental, sete pesquisas com levantamento de
dados/ análise descritiva, seis de cunho descritivo-analítico, dois de estudo de caso, e com
apenas uma apresentação as pesquisas, interpretativa com geração de dados, pesquisa-
formação/ pesquisa ação e revisão de literatura.
O estofo teórico destaca-se Vásquez, Adams, Peón, Kuenzer, Tardif, Gatti, Lessard,
Bardin, Lowy, Gramsci, Mészáros, Frigotto, Godinho, Marx, Saviani, Galvão, Dowbor,
Makarenko, Creswell, Ferreira, Kosik, Lukács, Hobsbawn, Bessil, Caldart, Fischer, Paim,
Pistrak, Shulgin, Belloni, Chesnais, Brabach, Shiroma, Os autores mais citados foram Antunes,
Alves e Faria, Souza, Lombardi, Sanfelice, Freire, Barata-Moura, Ramos, Evangelista, Gil.

892
Trabalhos que não apresentaram suas agências financiadoras ou que não receberam
incentivo foram vinte e dois trabalhos, com financiamento do CNPQ foram quatro, da CAPES
três. O PROSUC/ CAPES, juntamente com a FAPERGS, FAPESP, IFMG e IFSC tiveram
apenas um trabalho financiado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este levantamento de dados mostra uma maior participação de pesquisadores de regiões
com mais Universidade, programas de pós-graduação e com mais capacidades de obterem
financiamentos para projetos de pesquisas. Em primeiro lugar, o Sudeste do Brasil, por motivos
sociais e econômicos, o número de universidade s, seguidas regiões Sul, Centro-Oeste,
Nordeste e Norte do Brasil.
Nota-se a participação mais ativa das Universidade Federais, Estaduais e particulares,
dos Institutos Federais e centros universitários das regiões próximas à cidade que sediará a
reunião da ANPEd.
Além disso, constata-se um número decrescente de trabalhos financiados pelas agências
de fomento do país, especialmente durante o mandato do presidente Jair Messias Bolsonaro. A
participação e luta viva, ativa e resistente da ANPEd por uma educação justa, igualitária e
democrática e por seus membros nos vinte e três grupos de trabalhos, discutindo e refletindo as
diversas facetas da educação brasileira.
REFERÊNCIAS

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893
O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO (A) CRÍTICO DO ALUNO A PARTIR
DA BNCC

Vanessa Janaína Viana de Oliveira (SEMED/MS)


nessa3502@gmail.com

Arão Davi Oliveira (Egresso UCDB)


adodavi@gmail.com

Resumo: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que organiza o currículo
da Educação Básica em habilidades e competências o qual deve ser seguido pelas redes de ensino no
Brasil como tronco curricular comum. Esta pesquisa visa responder como a BNCC pode
contribuir para instrumentalizar o pensar na educação básica? Assim, traçamos como objetivo:
discutir possíveis limitações impostas pela BNCC para uma formação escolar que possibilite o
desenvolvimento do pensamento crítico. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental com
abordagem qualitativa. Os resultados indicam que a BNCC está baseada na teoria das
competências, oferece pouca margem para a escola e os professores elaborem atividades
voltadas ao desenvolvimento cultural de modo a tornar os educandos críticos e emancipados.
Com base nos dados apresentados, percebemos aproximações da proposta da BNCC com o
conceito de semiformação de Adorno, o qual foi utilizado como base teórica para o
desenvolvimento do trabalho. Assim, pode-se afirmar que a formação na educação básica a
partir da BNCC se torna, em alguma medida, mais pobre, devido a priorização de uma formação
mais técnica em detrimento a outra que possibilite discussões que problematizem a diversidade
cultural e produção social, em contextos nacional e local.

Palavras-chave: Currículo. Educação básica. Teoria crítica. Semiformação.

Introdução
Este estudo foi desenvolvido no interesse de abordar o conceito de formação escolar presente
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir dos estudos da teoria crítica.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Brasileira começa a ser
formulada no primeiro semestre de 2015 com a participação de membros de associações
científicas representativas das diversas áreas do conhecimento de Universidades públicas,
Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes
Municipais da Educação (Undime) e representantes dos aparelhos privados da classe
empresarial que compõem a ONG Movimento pela Base Nacional Comum.
A BNCC organiza o currículo da educação básica em Competências e Habilidades ficando as
redes de ensino obrigadas a cumprir esse documento. Assim, essa pesquisa visa responder como a

894
BNCC pode contribuir para instrumentalizar o pensar na educação escolar? Partimos do
pressuposto que a BNCC da forma como foi ofertada contribui para o que Adorno chama de
semiformação, ou seja, uma crise na formação, uma formação mais pobre na qual o tecnicismo
é priorizado em detrimento a uma formação que problematize as diversidades da produção
social em contextos macro e micro, o que contribui para formação de uma sociedade
performática.
Por isso, traçamos como objetivo analisar possíveis limitações impostas pela BNCC para
uma formação escolar que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico. Inicialmente,
apresentaremos o conceito de semiformação a partir da teoria crítica e, na sequência, discutiremos
possibilidades de formação escolar e desenvolvimento do pensamento crítico do aluno presentes na
BNCC a partir do conceito de semiformação.
Assim, essa pesquisa busca contribuir com o meio acadêmico trazendo à discussão o
entendimento de formação proposto a partir da Base Nacional Comum Curricular, pois por ser
um documento de referência obrigatória para se organizar e se ofertar o currículo da educação
brasileira carece ser analisado e discutido por diferentes embasamentos teóricos.
A pesquisa é do tipo bibliográfica e documental com abordagem qualitativa, utilizando
publicações de artigos científicos e livros que abordam essa temática. Os dados coletados foram
analisados a luz da Teoria Crítica, sobretudo o conceito de semiformação de Adorno (2005). Na
pesquisa documental utilizamos: a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, o texto final da BNCC, a Constituição Federal de 1988 e o Plano Nacional de
Educação (2014-2024). De acordo com Gil (2002), pesquisas qualitativas são aquelas que procuram
tomar posse de dados descritivos que apresentam o resultado do contato empreendido entre o
pesquisador e a situação identificada, com especial atenção aos resultados e perspectiva de seus
integrantes.
Este trabalho está dividido em duas seções principais além da introdução e considerações
finais. Na Primeira seção apresenta-se a elementos da teoria crítica e do conceito de semiformação
de Adorno os quais fundamentam as análises do objeto estudado; na segunda seção, apresenta-
se elementos que denotam o entendimento de formação escolar presentes na BNCC a partir do
qual o conceito de semiformação de Adorno é utilizado como fio condutor para análise desse
objeto estudado.

895
A teoria crítica e o conceito de semiformação
A Teoria Crítica surge em 1924, na esfera da sociologia alemã, com a formação da
Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, instalados na Universidade de Frankfurt
na Alemanha.

Na década de 1920, um grupo de intelectuais criaram o Instituto de Pesquisa Social,


que passaria a ilustre diretoria, no ano de 1930, ao então filósofo Max Horkheimer
(1895-1973). Com Horkheimer, o então Instituto, segundo Reale e Antiseri (2006, p.
469), acabou "assumindo a fisionomia de uma Escola, que elaborou o programa que
passou para a história das ideias com o nome de "teoria crítica da sociedade" A teoria
crítica da sociedade busca efetuar uma análise de todos os elementos possíveis da
sociedade, não hierarquizando ou descartando nem uma das partes que compõem o
corpo social (Monteiro; Neto, 2016, p. 653).

A primeira geração de cientistas sociais que integrou a Escola de Frankfurt foi composta
por intelectuais alemães de esquerda, entre os quais, Walter Benjamin, Theodor Adorno, Max
Horkheimer e Herbert Marcuse.

A primeira gestão ficou a cargo de Horkheimer, que se torna reitor em 1931, época
que é lançada a Revista para Pesquisa Social- na qual os autores elaboram uma
releitura os filósofos clássicos que recebeu o nome de Teoria Crítica da Sociedade.
Uma doutrina cética e cheia de pessimismo que procura estudar os insucessos do
movimento operário na Alemanha (Costa, 2005, p. 270).

O filósofo e sociólogo alemão Theodor Adorno (1903-1969), fez parte da corrente de


pensamento do início da década de 1920 fundamentada na ideologia marxista. Um dos
fundadores da Escola de Frankfurt que dedicou a vida ao entendimento dos processos de
construção do homem na sociedade. Adorno estudava a lógica da burguesia industrial com o
intuito de defender as transformações na sociedade. Acreditava que a sociedade capitalista
fixava uma estrutura dominante, no qual o indivíduo perdia a capacidade de pensar e agir de
acordo com a sua individualidade, atendendo sempre a necessidade de terceiros, a burguesia.

Pouco depois da entrada de Horkheimer no Instituto, Adorno incorporou-se ao


mesmo, efetuando pesquisas e trabalhos tanto individuais, quanto em conjunto com
seus companheiros de Instituto, em especial Horkheimer, ao qual publicariam em
conjunto a obra Dialética do esclarecimento em 1947. Com o ingresso de Adorno ao
quadro de membros do Instituto, as análises e estudos efetuados no interior da
pesquisa crítica tiveram um acréscimo capital em seu desenvolvimento (Monteiro;
Neto, 2016, p. 654).

Em 1932, os membros da Escola de Frankfurt viram-se obrigados a emigrarem da


Alemanha, pois, com a promoção de Hitler ao poder, os estudos e pesquisas tornaram-se
difíceis. Porém, mesmo com todos os limites e dificuldades continuavam seus estudos e análises
896
das problemáticas que a sociedade vivia durante a Segunda Guerra e no pós-guerra. Com o final
da Segunda Guerra, Adorno e Horkheimer retornam à Alemanha, em especial, à Frankfurt.
Depararam-se com uma realidade do pós-guerra e suas profundas consequências que
inquietariam ainda mais os filósofos até seus últimos dias de vida.

Nos primeiros anos, o Instituto foi financiado por recursos doados pelos seus
fundadores judeus, mas a ascensão do nazismo coloca em risco a continuidade de seus
trabalhos. Durante a ditadura nazista e a Segunda Guerra Mundial, os pesquisadores
do Instituto passam a trabalhar em anexos instalados fora da Alemanha- Londres,
Paris, Zurique- e até mesmo em Columbia, nos Estados Unidos, onde se instalam o
próprio Horkheimer, Léo Löwenthal e Theodor Adorno. Com o fim do nazismo,
alguns professores voltam à Alemanha e retomam seus trabalhos e aulas,
restabelecendo o que restava do Instituto dezessete anos depois de sua “extradição”
(Costa, 2005, p. 269 ).

O pensamento desenvolvido por Adorno gira em torno da crítica à indústria cultural,


que na sua visão, foi responsável por comprometer a capacidade humana de agir com
emancipação e autonomia (Adorno, 1996). Por essa ótica, os indivíduos têm suas consciências
influenciadas fortemente pela comercialização e banalização de bens culturais, o que foi
chamado por Adorno e Horkheimer (1985) de semiformação.
Cabe destacar que o conceito de “indústria cultural” estabelece relação com o conceito
de “cultura de massas”. A indústria cultural, ‘caracteriza a novidade da formação social
instalada em sua plenitude até meados do século XX no âmbito das relações sociais capitalistas,
contexto em que a questão do sujeito exige perspectivas de apreensão próprias” (Maar, 2003,
461). Já a semiformação se liga a uma razão instrumental com a função social da tecnologia
(Marcuse, 1998, p. 71).
Para entendermos a semiformação é necessário destacar que a formação para Adorno
(1996, p. 389) “é cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva”. Já a semiformação
seria uma crise na formação, uma formação mais pobre na qual a tecnificação dos gestos e
sentidos produzidos a partir da produção técnica acelerada, complexificação da vida de uma
sociedade performática (Manfré, 2020, 21). Ou seja, “a semiformação é uma fraqueza em
relação ao tempo [...], à memória, única mediação capaz de fazer na consciência aquela síntese
da experiência que caracterizou a formação cultural em outros tempos” (Adorno, 1996, p. 3).
Na visão de Adorno e Horkheimer (1985) quando o homem é semiformado,

as palavras se convertem num sistema alucinatório, na tentativa de tomar posse pelo


espírito de tudo aquilo que sua experiência não alcança, de dar arbitrariamente um
sentido ao mundo que torna o homem sem sentido, mas ao mesmo tempo se
897
transformam também na tentativa de difamar o espírito e a experiência de que está
excluído, e de imputar-lhes a culpa, que, na verdade, é da sociedade que o excluí do
espírito e da experiência. Uma semicultura [ou semiformação] que por oposição à
simples incultura [ou ausência de formação] hipostasia o saber limitado como
verdade, não pode mais suportar a ruptura entre o interior e o exterior, o destino
individual e a lei social, a manifestação e a essência. Essa dor encerra, é claro, um
elemento de verdade em comparação com a simples aceitação da realidade dada (...).
Contudo a semicultura, em seu modo, recorre estereotipadamente à fórmula que lhe
convém melhor em cada caso, ora para justificar a desgraça, ora para profetizar a
catástrofe disfarçada, às vezes, de regeneração (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 204).

Destacamos nesse trecho “que na apreensão do espírito na formação social o ponto de


partida é o próprio processo de reprodução presente, apreendido pelos sujeitos nele
(semi)formados como resultado a ser beneficiado” (Maar, 2003, p. 464). Podemos observar que
“os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no
estrato das pessoas cultas, não se esgotam nas insuficiências do sistema e dos métodos da
educação, sob a crítica de sucessivas gerações (Adorno, 2010, p. 8).
Significa dizer que partindo da Teoria da Semiformação, é necessário decodificar a
cultura e a formação na pós-modernidade em tempos e espaços onde acontecem, e não apenas
interpretá-los com base no idealismo, nos termos da própria semiformação (Adorno, 2010).
Para Zuin e Soares Zuin (2017), o indivíduo semiformado considera que se demanda
tempo para desenvolver seus conhecimentos acerca de qualquer conteúdo e, por isso, “orgulha-
se de si próprio quando obtém o reconhecimento de outros indivíduos semiformados que agem
da mesma forma e se identificam como partícipes do mesmo team (Zuin; Soares Zuin, 2017, p.
425). Esse tipo de narcisismo coletivo faz com que esses indivíduos compensem “a consciência
de sua impotência social – consciência que penetra até em suas constelações instintivas
individuais – e, ao mesmo tempo, atenuam a sensação de culpa por não serem nem fazerem o
que, em seu próprio conceito, deveriam ser e fazer (Adorno, 2010, p. 32).
Cabe destacar que a semiformação não se explica em si, pois é necessário entender os
processos de dominação existentes nas relações sociais políticas e econômicas, “a ideia de
cultura não pode ser sagrada, [...] pois a formação cultural nada mais é que a cultura tomada
pelo lado de sua apropriação subjetiva” (Adorno, 2010).
Por essa ótica, percebe-se a sujeição “objetiva no “plano” do já “objetivado” pelo
verdadeiro “sujeito”, revelado “para além” da sociedade já constituída, como aquele “sujeito
limite da reificação”, porque ele “produz reificação” e “se subordina voluntariamente a ela”
(Maar, 2003, p. 467).

898
Assim, a semiformação vai se constituindo como uma forma de dominação da
coerência. Nas palavras de Adorno (1979, p. 94),

Que a semiformação, apesar do esclarecimento da ilustração e da difusão de


informações e mesmo por seu intermédio se tornou a forma dominante da consciência
contemporânea – é justamente isto que exige uma teoria mais ampla. A ideia de
cultura não deve ser sacrossanta para ela, conforme é hábito da própria semiformação.
A formação cultural (Bildung) nada mais é do que a cultura pelo lado de sua
apropriação subjetiva. A cultura, porém, tem um caráter duplo. Ela remete de volta à
sociedade e mediatiza entre a mesma e a semiformação (Adorno, 1979, p. 94).

Assim, a formação cultural cujo elementos envolvem a formação escolar e por isso, o
currículo é pensado para ser desenvolvido nesse espaço e por relações que envolvam os atores
escolares passou a ser fragmentado, massificante, técnica e acriticamente, tornando-se uma
semiformação, revelando-se também como semicultura (Adorno, 2005, p. 5). Na próxima
seção, apresentaremos alguns elementos da BNCC para entendermos como essa está
estruturada e como influencia o currículo e a formação do cidadão que passa pela escola.

A BNCC e o entendimento de formação e semiformação


A Base Nacional Comum Curricular foi uma reivindicação dos organismos
internacionais, e tem como marcos legais, a Constituição Federal de 1988, no artigo 210; a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no inciso IV de seu artigo 9º, e 26 (BRASIL,
1996); no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 13.005/2014, que reitera a necessidade de
estabelecer diretrizes para a educação básica e uma Base Nacional Comum Curricular para o
Brasil em todas as etapas da Educação Básica e modalidades (Brasil, 2014).
No primeiro semestre de 2015, ainda durante o governo Dilma Rousseff, a proposta de
BNCC começou a ser formulada de forma democrática, pois envolveu a participação de
entidades públicas e de representantes da sociedade civil. Destacaram-se as associações
científicas de universidades públicas, além “do Conselho Nacional dos Secretários de Educação
(Consed), da União Nacional do Dirigentes Municipais de Educação (Undime), bem como de
representantes da classe empresarial, organizados no Movimento Pela Base Nacional Comum”
(Albino; Silva, 2019).
Entretanto, com o Golpe parlamentar que impichou a presidenta Dilma Rousseff, os
caminhos que esse documento tomou certamente passou a atender interesses mais
mercadológicos que propriamente para formação de sujeitos críticos e emancipados. No texto
da BNCC consta que “com a homologação da BNCC, as redes de ensino e escolas particulares
899
terão diante de si, a tarefa de construir currículo, com base nas aprendizagens estabelecidas”
(Brasil, 2018, p. 20). “No entanto, essa tarefa conta com um texto previamente determinado nos
detalhes a ser considerado de forma obrigatória, o que revela os limites das participações dos
sujeitos escolares na construção do currículo” (Albino; Silva, 2019).
Setores privatistas da educação, como ONGs, grupos prestadores de serviços e
assessoria, empresas que produzem materiais didáticos participaram ativamente do processo de
construção da BNCC.

Pelo menos desde 2001 vem sendo articulado um movimento global denominado
Germ – Global Education Reform Moviment (Movimento Global de Reforma da
Educação), que visa a fortalecer as reformas educacionais por meio do que chama de
eficácia dos sistemas educacionais. Está articulado em torno de três princípios da
política educacional: padrões, prestação de contas e descentralização (Hypolito, 2019,
p. 189).

Em 15 de setembro de 2015 é apresentada a primeira versão da BNCC, com a publicação do


site www.bncc.gov.br no qual os cidadãos brasileiros podiam acessar, se cadastrar e realizar
comentários e sugestões em dois aspectos: o primeiro, opinar sobre os documentos introdutórios e o
segundo, realizar sugestões, complementações, alterações, nos objetivos de aprendizagem. Após as
análises e tabulação desses comentários enviados pela população em geral e das críticas da sociedade
científica, elas foram incorporadas a segunda versão.
A segunda versão foi submetida a seminários estaduais nos quais foram incorporadas novas
contribuições. O texto foi enviado e organizado pelo Conselho Nacional de Educação, formando- se
assim a terceira versão da BNCC educação infantil e ensino fundamental, que tornou- se pública, em
dezembro de 2017. “Foi nessa conjuntura nacional e internacional que a reforma curricular
ocorreu, pleiteando interesses alinhavados ao mercado educacional empresarial” (Mafré, 2020,
p. 12).
A BNCC define objetivos de aprendizagem elencados como essenciais através de
competências e habilidades que as escolas deverão compor em seus currículos, enfatizando a
formação integral. No texto da BNCC, competência é definida como “a mobilização de
conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do
pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (Brasil, 2017, p. 8).
Assim, foi adotada a pedagogia das competências, uma discussão que esteve no Brasil no
final dos anos 1990, e que desaparece nas questões curriculares, volta neste documento, de acordo

900
com alguns analistas, com um viés para o mundo empresarial. Apresentando valores como
competitividade, empreendedorismo, o “saber fazer”.

A BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o


desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos
devem “saber” e, sobretudo, do que devem “saber fazer”, a explicitação das
competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as
aprendizagens essenciais definidas na BNCC (Brasil, 2017, p. 13).

Em outro ponto, apresenta “habilidades” essenciais para todos os alunos da educação infantil
e ensino fundamental no Brasil. Questionamos, como saber as necessidades essenciais para todos os
alunos do ensino fundamental em todo o Brasil e suas diferenças regionais?
O entendimento de ensino presente na BNCC reforça o criticado “aprender a fazer” do
relatório de Delors para Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) publicado no Brasil com o título “Educação: um tesouro a descobrir” no ano de
1998, centrando o ensino no desenvolvimento de competências e habilidades, o qual vem sendo
questionados desde sua publicação.
Silva (2007), interpretando o relatório de Jacques Delors afirma:

A finalidade de uma educação que se volta para o “aprender a fazer” possui como
referência a noção de competências e vincula a educação diretamente às razões do
mercado de trabalho. Assim, toda a educação básica deveria ter como um de seus
pilares o aprender a fazer, que, mesmo sendo indissociável do aprender a conhecer,
“está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o
aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação
ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução” (Delors, 1998,
p. 93) (Silva, 2007, p. 114).

Uma das consequências de se priorizar o de envolvimento de competências como


modelo de formação estimula-se a necessidade do sujeito adaptar-se, “[...] nas escolas, procura-
se passar do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento, para o ensino por competências
referidas a situações determinadas”. Nota-se a crítica do autor em relação a essa visão sobre a
finalidade do ensino (Saviani, 2013, p. 438).
A necessidade do mercado internacional de produção de tencionar os sistemas
educacionais de países em desenvolvimento como o Brasil para adaptar a educação escolar em
formação flexível para o trabalho. Isso, cria consensos para que sugestões vindas de organismos
internacionais como A UNESCO por meio do Relatório de Delors (1998) se materialize
enquanto política pública (Melo, 2010, p. 243).

901
Por essa ótica, o consenso criado por meio da BNCC, propõe e impõe, mais uma vez,
que a educação escolar atenda ao princípio das competências que por não atender a uma
formação ampla que permita desenvolvimento do pensamento crítico e emancipado do
educando se enquadra em grande medida na “semiformação” teorizada por Adorno (2005).

A qualificação tem sido tensionada pela noção de competência: Em razão do


enfraquecimento de suas dimensões conceitual e social, em benefício da dimensão
experimental. A primeira porque os saberes tácitos e sociais adquirem relevância
diante dos saberes formais, cuja posse era normalmente atestada pelos diplomas. A
segunda porque, em face da crise do emprego e da valorização de potencialidades
individuais, as negociações coletivas antes realizadas por categorias de trabalhadores
passam a se basear em normas e regras que, mesmo pactuadas coletivamente, aplicam-
se individualmente. A dimensão que se sobressai nesse contexto é a experimental. A
competência expressaria coerentemente essa dimensão, pois, sendo uma noção
originária da psicologia, ela chamaria a atenção para os atributos subjetivos
mobilizados no trabalho, sob a forma de capacidades cognitivas, socioafetivas e
psicomotoras (Ramos, 2002, p. 402).

Assim, “a nova forma de ser do trabalhador para adaptar-se às novas demandas da


produção flexível tem como centralidade a formação de habilidades, atitudes, competências,
disponibilidades, que se encontram legitimadas nos pilares da educação para o século XXI
(Oliveira, 2017, p. 39). “constata-se a forma como as políticas educacionais estão sendo
articuladas diretamente às regras do mercado de competitividade internacionais (Manfré, 2020,
18).
O que estamos colocando em questão é esse modelo das competências, de uma
abordagem por competências que implica, de certo modo, em avaliar
sistematicamente as “competências” adquiridas pelos alunos com critérios pré-
estabelecidos. Trata-se de um método utilitarista que serve a determinadas teorias e
projetos político-econômicos em que a razão neoliberal é determinante (Dias;
Nogueira, 2017, p. 4)

O processo de precarização da educação é marcado pela tentativa de se enfraquecer as


discussões sobre cultura, notadamente submetida a uma valorização do tecnicismo e da
padronização, esse entendimento de formação é contrário “ao exercício da liberdade e da
autonomia, seja das escolas, seja dos educadores, seja dos estudantes em definirem juntos o
projeto formativo que alicerça a proposta curricular da escola” (Silva, 2015, p. 375). Sobre isso,
Manfré (2020, p. 23) afirma que “no campo do debate sobre a Base Nacional Comum Curricular
notamos o quanto essa proposta está vinculada ao aprender a aprender constantemente, processo
esse desvinculado do aprender a pensar e a inconformar-se.

902
Maar (2003) apresenta reflexões que podem ser estendidas as possíveis consequências
que BNCC pode trazer aos educandos no Brasil, quando esses são ceifados da possibilidade de
desenvolverem-se críticos e emancipados, diz autor:

A teoria emancipadora da consciência de classe proletária, construção ideal-típica a


orientar a intervenção social rumo à libertação do modo de reprodução vigente, seria
substituída pela teoria crítica da semiformação da classe burguesa vigente, decifrada
em sua forma social determinada, entre outras, como ordenamento de adequação, de
sujeição aos termos existentes da reprodução social. A realidade aparente (“o todo é
o falso” em sua determinação social), mas produzida: é por este prisma, em que se
decifram seus momentos constituintes, que se estabelece o único acesso à essência
(reflexão que distingue o “verdadeiro”) (Maar, 2003, 462).

No próprio texto da BNCC está presente a recomendação de que a organização


pedagógica do ensino deve ser pautada para o desenvolvimento de competências. Ou seja, “Por
meio da indicação clara do que os alunos devem ‘saber’ e, sobretudo, do que devem ‘saber
fazer’, a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que
assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC” (Brasil, 2017, p. 13). O
entendimento de formação presente na BNCC, com base em Competências e Habilidades
apresenta forte relação com o conceito de semiformação de Adorno (2005).
Pode-se afirmar que assim como a formação na BNCC foi idealizada em competências
e habilidades destaca que “no clima da semiformação, os conteúdos verdadeiramente
coisificados da formação cultural perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de suas
relações vivas. Isso, de certo modo, corresponde à sua definição [semiformação]” (Adorno,
2010, p. 18).

Considerações finais
Este trabalho buscou discutir possíveis limitações impostas pela BNCC para uma
formação escolar que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico, no qual o
pressuposto inicial se confirma. Cabe destacar que a BNCC é resultado de uma disputa por campos
distintos da educação. Ou seja, entre entidades públicas e da sociedade civil, que defendem a
valorização de um projeto educacional que valorize o desenvolvimento cultural do educando
garantido emancipação e criticidade do pensamento; do outro lado, organismos internacionais e
representantes da sociedade civil organizadas, sobretudo em ONGs, que visam tornar a educação
brasileira uma ferramenta para formação flexível de força de trabalho para o mercado capitalista de

903
produção e também ao empreendedorismo, consequentemente, não propõe como premissa o
desenvolvimento cultural do educando.
O trabalho teve como suporte a teoria crítica, sobretudo o Conceito de semiformação, o qual
com base nos resultados presentes no corpo desse trabalho, foi percebido no entendimento proposto
de formação da BNCC, por exigir que o desenvolvimento do processo de ensino esteja atrelado ao
desenvolvimento de competências e habilidades tornando a formação escolar mais técnica o que
empobrece as discussões sobre o sujeito e suas diferenças enquanto agente social e cultural ou seja o
que se manifesta como crise da formação cultural.

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904
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905
O ENSINO REMOTO NA EDUCAÇÃO BÁSICA NA CAPITAL DE MS: ASPECTOS
INTRODUTÓRIOS DE UMA PESQUISA DOCUMENTAL

Lucimar Lima da Silva Costa (PPGE/UCDB)


lucimar-lima07@hotmail.com

Resumo: O objetivo desse estudo documental é elencar as ações governamentais que foram
adotadas a partir do desenvolvimento de políticas educacionais no período pandêmico. Tais
políticas foram construídas para atender a proposta do ensino remoto na Rede Estadual de Mato
do Grosso do Sul, assim como a Rede Municipal de Campo Grande. O foco dessa construção
era o enfrentamento da pandemia ocasionada pelo CORONA-VÌRUS, que impôs o
distanciamento social. Sendo assim, o presente artigo adotou como critério metodológico para
a sua investigação, a pesquisa documental. Nessa pesquisa, foram elencados vinte documentos
que nesse trabalho serão estudados de forma breve, mas que posteriormente, na tese, serão
analisados de forma mais criteriosa e serão confrontados a luz da materialidade dos fatos. Visto
que o método adotado na realização desse levantamento documental é o método dialético
histórico crítico, sendo assim, torna-se relevante perceber o movimento que foi empregado
nesse período, e para tanto, as fontes documentais se tornam importantes.

Palavras-chave: Políticas Educacionais. Covid. Legislação.

Aspectos Introdutórios

O presente estudo tem por objetivo analisar o processo de desenvolvimento do Ensino


remoto na educação básica do estado de Mato Grosso do Sul, instituído pelo Decreto n. 15.391,
de 16 de março de 2020 e do município de campo grande intuído pelo Decreto 14.195, de 15
de março de 2020, que suspenderam as aulas partir do dia 18/03/2020, impondo o
distanciamento social.

O ano escolar de 2020 teve início com uma situação inusitada, já no mês de fevereiro
desse ano falava-se muito sobre uma epidemia que estava atingindo parte do globo terrestre e
que inspirava cuidados devido ao seu rápido contágio. Instituições de ensino ao redor do mundo
passaram a olhar essa situação com preocupação. Naquele momento, se sabia pouco sobre a
repercussão que essa nova situação traria ao Brasil.
As doenças causadas por vírus, as denominadas Corona viruses (CoVs), pertencem a
um grupo familiar de 4 tipos de vírus, seriam eles: Coronaviridae, Arterivirida, Mesoniviridae

906
e Roniviridae. No tocante a família do vírus Coronaviridae, de acordo Junior (2020), essa
família desses vírus é do tipo RNA causadores de doenças respiratórias em animais. Sendo
assim, segundo Carvalho (2020) até ao término de 2019 nesse grupo existiam 7 vírus capazes
de causar doenças em humanos. Ocorre que, ao término do ano de 2019 eis que surge um novo
vírus nessa família, trata-se do SARS-CoV-2.
Sendo assim, o SARS-CoV-2 se tornou o mais novo membro da família dos
Coronaviridae, dando origem ao “Coronavirus Disease-2019” (COVID-19). Segundo ZHOU
et al., 2020a), no dia 31 de dezembro de 2019, a China se dirigiu a Organização Mundial da
Saúde (OMS), fazendo a notificação do surgimento desse novo vírus em Wuhan, na província
de Hubei. Segundo relatos dos cientistas chineses, com oito dias após o achado desse vírus eles
já o teriam isolado, classificando-o como: SARS-CoV-2 (também chamado de 2019-nCoV).
No dia 11 de março de 2020, depois de aproximadamente dois meses e meio de intenso
acompanhamento, a OMS veio a decretar um estado de pandemia relacionado ao contágio pelo
vírus SARS-CoV-2. Uma semana após as declarações da OMS, o mundo já contabilizava
209.839, sendo que desses havia um total de mortes de 8.778 (WHO, 2020a).
Sobre a origem desse vírus devastador, de acordo com pesquisadores, existe uma
hipótese de que os primeiros contágios tenham ocorrido aos humanos chineses, depois que esses
teriam ingerido carne de morcego, uma iguaria comercializada na China. Cabe ressaltar que,
seguindo essa linha de raciocínio, embora o primeiro contágio tenha acontecido da transmissão
de animais silvestres aos humanos, é sabido que a propagação desse contágio de forma
vertiginosa acontece entre os humanos (PHELAN; KATZ; GOSTIN, 2020).
No tocante a sua encubação, de acordo com estudiosos desse vírus, já se sabe que ele
pode se encubar de 5 a 14 dias no organismo dos seres humanos. Nesse contexto, muitas das
pessoas infectadas não terão sintoma algum, essas pertencem ao grupo dos pacientes
assintomáticos. Por conseguinte, essa situação acaba contribuindo com o aumento dessa
contaminação viral, sem que a sua presença seja identificada. Sendo assim, o contágio por
pessoas assintomáticas expressaria 86% do total dos infectados pelo SARS-CoV-2. (GUO,
2020).
Sobre a mortalidade gerada por esse vírus, de acordo com Lana (2020), em estudos
preliminares, até aquele momento poder-se-ia afirmar que a taxa de mortalidade girava em torno
de 2,2% dos contaminados, embora 16% venham a desenvolver a forma grave da doença,
precisando inclusive, de internação para o seu restabelecimento. Se comparado com a H1N1, a
907
taxa de mortalidade do SARS-CoV-2, entretanto, devido a 16% evoluírem para a forma mais
grave da doença, e devido ao alto grau de contágio, rapidamente ocorre uma saturação do
sistema de saúde, tanto no Brasil como ao redor do mundo.
Diante daquele cenário preocupante, em 6 de fevereiro de 2020, o governo Federal por
meio da Lei nº 13.979, adota medidas de enfrentamento em regime de emergência concernente
a saúde pública do Brasil. Tais medidas apresentavam de importância internacional decorrente
do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Nesse interim, a menos de um mês desde a
publicação dessa primeira lei, o governo estadual de Mato Grosso do Sul publicou em 16 de
março de 2020 o Decreto Nº 15.391 que versava sobre as medidas temporárias a serem
adotadas, no âmbito da Administração Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, para a
prevenção do contágio da doença COVID-19 e enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (SARS-CoV-2), no
território sul-matogrossense.
Um dia depois desse decreto, o governo do estado de Mato Grosso do Sul publica um
outro decreto, que de acordo com o próprio governo seria um complemento da publicação do
dia anterior. Nesse Documento por Nº 15.393, de 17 de março de 2020, o governo estabeleceria
medidas concernentes ao ensino em Mato Grosso do Sul, no qual previa a suspensão das aulas
em todo o território estadual, e nas três redes de ensino básico, qual seja, a rede Estadual,
Municipal e Particular do referido Estado deveriam suspender por 15 dias as aulas presenciais.
No dia 15 de março desse mesmo ano a prefeitura Municipal de Campo Grande também teria
publicado o decreto nº 14.195, no qual previa a suspensão das aulas na rede municipal de
Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul pelo período de 20 dias, a contar a partir do dia
18 de abril desse mesmo ano.
No dia 17 de março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) por meio da Portaria nº
343 publicou a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durasse
a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Pode-se afirmar que a partir daí
estava estabelecido o “ensino remoto” no Brasil. Notem que, nesse primeiro momento ocorre
um desencontro entre a prefeitura de Campo Grande e o Estado sobre a quantidade de dias que
deveriam suspender as aulas. De um lado o Estado do MS estabelece a suspensão durante 15
dias, de outro, a prefeitura suspende durante 20 dias.

Feita essas considerações iniciais, as quais sinalizam pequenos desencontros no tocante


ao consenso sobre o número de dias que as aulas deveriam ser suspensas, torna-se relevante
908
compreender a conceituação do que viria ser o ensino remoto e as nuances que essa proposta
engloba. Para tanto, parte-se de conceitos importantes que se referem a análise do objeto, tais
como:
Distanciamento social que de acordo com o Ministério da Saúde (2020) deve
ser compreendido como sendo a redução de interação entre as pessoas de uma
comunidade de modo a diminuir a velocidade de transmissão do vírus. O ministério
explica ainda que tais estratégias são adotadas quando, em cenário pandêmicos
existem indivíduos já infectados, mas ainda assintomáticos ou oligossintomáticos,
ou seja, aquelas pessoas que apresentam sintomas leves que são confundidos com
outras doenças e não estão em isolamento.
Avançando, entende-se de acordo com Beher (2020), o ensino deve ser
considerado remoto quando existe um distanciamento no tocante ao espaço, ou
seja, um distanciamento geográfico entre professores e alunos., necessitando a
utilização de notebooks ou smartphones.
Nessa situação especifica da pandemia do corona vírus existem decretos
conforme apresentados anteriormente nesse estudo que impedem professores e
alunos de frequentem o mesmo ambiente devido as imposições do distanciamento
social. No entanto, Beher (2020) conclui dizendo que nos moldes do ensino remoto
esse deve ocorrer de tal forma que as aulas aconteçam num tempo síncrono
(seguindo os princípios do ensino presencial).
Nesse contexto, Saviani (2020) pondera que devem existir o que ele denomina de
condições primárias para que o ensino remoto se estabeleça de forma prática, nesse sentido ele
pontua que deve haver acesso ao ambiente virtual assegurado pela existência de recursos
materiais adequados. Pondera ainda que, deve haver uma internet de qualidade tanto para
professores quanto para os alunos, de modo que possa haver interação entre os professores e
alunos em tempo real. E por fim, mas não menos importante, Saviani (2020) pondera que deve
haver familiarização com as tecnologias principalmente no que diz respeito a prática docente.
E esperado também que os estudantes tenham acesso e familiaridade com as ferramentas
digitais.

909
Avançando um pouco mais nessa reflexão, existe ainda a modalidade de ensino a
distância, e que na atual conjuntura tem sido associada ao ensino remoto. Nesse contexto, Behar
(2020) explica que, no ensino a distância ocorre a execução da mediação didático-pedagógica
também acontece com a mediação de recursos tecnológicos, mas a grande diferença reside no
fato de que a materialização da aprendizagem acontece em lugares e/ou tempos diversos. Existe
a mediação de professores e tutores, mas o aluno se apropria dos conteúdos em locais e horários
escolhidos por ele.
Existe ainda algumas habilidades que Behar (2020) considera prioritárias aos discentes
da EAD, a referida autora destaca a habilidade de se comunicar de forma escrita, além de ser
automotivado e autodisciplinado. Ainda sobre o ensino a distância, existe a regulamentação do
MEC, por meio do Decreto 9.057/2017, preleciona em seu Art. 1º contextualiza que a EAD
deve ser compreendida:
considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação
didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização
de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com
políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e
desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que
estejam em lugares e tempos diversos.

Assim, da conceituação de ensino a distância apresentado pelo MEC observa-se que


existe uma principal diferença nessa proposta, e, reside no fato de que o estudante pode
desenvolver as atividades educativas em lugares e tempos diversos. O que não necessariamente
precisa acontecer no mesmo tempo em que o professor esteja disponibilizando os materiais
produzidos por ele.
E na conjuntura atual, existe ainda outra modalidade que tem se configurado no
ambiente escolar nos tempos de pandemia, refere-se ao ensino híbrido, também conhecido
como Blended Learning. Sobre essa modalidade Behar (2020) explica que, trata-se de uma nova
proposta de ensino aprendizagem que se propõe a ressignificar o ensino. E para tanto, deve se
valer de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) para personalizar as
metodologias de ensino que deve ser ofertada de forma presencial e remota ao mesmo tempo.

Parindo desses pressupostos, o problema situa-se nas ações dos governos sobre o ensino
remoto desenvolvidas na educação básica da capital do MS, tanto na rede estadual, quanto na
municipal? Novamente aqui, precisamos incialmente apresentar conceitos que podem colaborar

910
para posteriores análises documentais. Na concepção de Sánchez (1998, 75), o conceito
associado a educação pode ser compreendido como:

[...] adaptação do homem a seu meio social; produto social que pertence a uma forma
específica de sociedade, é determinada por ela. Na sociedade capitalista dividida em
classes sociais, a educação está permeada pela ideologia dominante e determinada
pelos valores econômicos que enfatizam o preparo ou treinamento do trabalhador,
visando à ampliação da produtividade e, muitas vezes, a educação, é reduzida
institucionalmente a desempenhar o "papel ideológico" de justificar e diferenciar as
classes sociais através da cultura livresca e do saber escolarizado.

Assim, para Sánchez (1998), a educação deve ser compreendida como sendo um
produto que está inserida no cenário social, e que perspectiva da sociedade capitalista se
estrutura permeada por ideologias que dominam esse contexto. Cabe destacar que, existe
diferença entre o conceito de educação e ensino. Esse último na concepção de Saviani (1981,
p. 86), deve ser concebido como: “[...] produzir o saber, fazer com que aqueles que fazem parte
do processo consigam absorver os conteúdos e transformar o meio onde vivem em um local
com igualdade de oportunidades”. Sendo assim, pode afirmar que a educação seria uma parte
complementar ao ensino, uma vez que o ensino englobaria a educação.
Outro conceito relevante que precisamos apresentar nessa reflexão é o conceito de
sociedade. Para Saviani (1981, p. 86), a sociedade deve ser concebida como sendo “[...] um
espaço onde as relações sociais acontecem, e onde repousam as condições materiais de
existência desta mesma sociedade. Compõe-se de um sistema complexo de relações sociais”.
Nesse sistema complexo denominado sociedade, precisa haver uma organização, que
por vezes busca atender aos interesses da classe dominante. Seria nesse contexto, que Saviani
(1981, p. 85) apresenta o conceito de Estado, ele assevera que:

[...] o Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos interesses de uma classe
social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe
dominante. Ele “não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um
pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época
e de uma sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o
todo social.

Ainda nesse contexto que busca formalizar os interesses, de modo a apresentar


formalmente, juridicamente e porque não dizer policialmente os interesses das classes
dominantes, temos ainda o conceito de governo que na concepção de Marx e Engels (1982,
p.23), pode ser conceituado como sendo “[...] senão um comitê para gerir os negócios
comuns de toda a classe burguesa”.
911
Partindo desses pressupostos, qual seja do contexto pandêmico vivenciado no globo
terrestre, a adotando como método balizador de análise o método histórico-crítico,
apresentaremos a seguir um levantamento documental das principais medidas adotadas no
campo da educação relacionadas ao ensino remoto.

Lei nº 9394, de 20 de dezembroEstabelece as diretrizes e bases da educação


de 1996 nacional.
Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro
Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da
de 2020 emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável
pelo surto de 2019.
Decreto nº 14.195 de 15 de Declara situação de emergência no Município de
março de 2020, publicado no Campo Grande e define medidas de prevenção e
Diário Oficial de Campo enfrentamento à Covid-2019.
Grande – MS, n. 5.85/2020, de
16 de março de 2020.
DECRETO Nº 15.391, DE 16 Dispõe sobre as medidas temporárias a serem
DE MARÇO DE 2020 adotadas,
no âmbito da Administração Pública do Estado de
Mato Grosso do Sul, para a prevenção do contágio
da
doença COVID-19 e enfrentamento da emergência
de
saúde pública de importância internacional
decorrente
do coronavírus (SARS-CoV-2), no território sul-
matogrossense.
DECRETO Nº 15.393, DE 17 Acrescenta o art. 2º-A ao Decreto nº 15.391, de 16
DE MARÇO DE 2020. de março de 2020, que dispõe sobre as medidas
temporárias a serem adotadas, no âmbito da
Administração Pública do Estado de Mato Grosso do
Sul, para a prevenção do contágio da doença
COVID-19 e enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do
coronavírus (SARSCoV-2), no território sul-mato-
grossense.
“Art. 2º-A. Ficam suspensas as aulas presenciais nas
unidades escolares e nos centros da Rede Estadual de
Ensino de Mato Grosso do Sul, no período de 23 de
março a 6 de abril de 2020, sendo que o período de
18 a 20 de março de 2020 será de adaptação para a
comunidade escolar. § 1º Ato da titular da Secretaria
de Estado de Educação regulamentará o disposto no
caput deste artigo. § 2º Orienta-se às redes públicas
municipais de ensino e às instituições privadas de
912
Educação Básica no território sul-mato-grossense a
observância do disposto no caput deste artigo.” (NR)

Portaria nº 343, de 17 DE Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por


Março de 2020 aulas em meios digitais enquanto durar a situação de
pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19.
Portaria nº 345, de 19 de Altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de
Março de 2020. 2020.
CI 989 Orientações para o período de suspensão das aulas
presenciais da REE.
Nota Técnica Conjunta Tem por objeto a defesa da saúde dos trabalhadores,
Ministério Público do empregados, aprendizes e estagiários adolescentes.
Trabalho/ Procuradoria Geral
do Trabalho nº 05, de 18 de
março de 2020.
Portaria MEC nº 376, de 3 de Dispõe sobre as aulas nos cursos de educação
abril de 2020. profissional técnica de nível médio, enquanto durar
a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-
19.
Lei nº 13.987, de 7 de abril de Altera a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, para
2020 autorizar, em caráter excepcional, durante o período
de suspensão das aulas em razão de situação de
emergência ou calamidade pública, a distribuição de
gêneros alimentícios adquiridos com recursos do
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)
aos pais ou responsáveis dos estudantes das escolas
públicas de educação básica.
Publicado no Diário Oficial do - as instituições de ensino, no exercício da autonomia
Estado n.º 10.145, de e responsabilidade da condução
14/04/2020 Parecer Orientativo dos seus respectivos projetos pedagógicos, poderão
para o Sistema de Ensino do adotar estratégias que melhor se adequem à
Estado de Mato Grosso do Sul, sua realidade, considerando as normas vigentes.
relativo ao período de - as instituições de ensino ficam dispensadas da
distanciamento social, obrigatoriedade de observância ao
necessário para a mitigação do mínimo de dias letivos de efetivo trabalho
contágio pelo vírus escolar/acadêmico, nos termos do disposto na Lei n.º
SARS-CoV-2, causador da 9.394, de 20 de dezembro de 1996, inciso I do caput
COVID-19. e no §1° do art. 24 e no inciso II do caput do
art. 31, desde que cumprida a carga horária mínima
anual estabelecida nos referidos dispositivos,
no caso da educação básica, e nos termos do disposto
no caput e no §3° do art. 47 da Lei n.º 9.394,
no caso da educação superior;
- as instituições de ensino públicas e privadas
poderão, se for o caso, optar por
suspender as aulas, reorganizando seus Calendários
Escolares, estabelecendo formas de reposição
913
de dias letivos ou antecipação de férias e ou fazendo
uso de regime especial de aulas não
presenciais, mantendo o calendário já estabelecido,
desde que assegurem o mínimo da carga
horária obrigatória, estabelecida em Lei, e em
normas próprias, podendo, inclusive, extrapolar o
calendário civil de 2020. Esses procedimentos
deverão ser formalizados em documentos próprios
e disponibilizados ao Serviço de Inspeção Escolar,
quando solicitados;
- as atividades não presenciais ofertadas aos alunos
possam ser consideradas na
composição da carga horária obrigatória, desde que
asseguradas formas de organização e de
registros de acompanhamento do desempenho do
aluno;
- devem ser respeitadas as especificidades da
educação infantil e dos anos iniciais do
ensino fundamental, nos processos de aprendizagem
e desenvolvimento, bem como nas práticas
pedagógicas em seus diferentes contextos sociais;
- devem ser respeitadas as especificidades das
modalidades da educação básica,
disponibilizando diferentes procedimentos
metodológicos, recursos e avaliação, considerando
as
condições individuais, quanto aos aspectos
cognitivos, afetivos, sociais e culturais dos alunos;
Decreto nº 10.329, de 28 de Altera o Decreto nº 10.282, de 20 de março de
abril de 2020 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos
e as atividades essenciais.
Parecer CNE/CP nº: 5/2020 Reorganização do calendário escolar e da
possibilidade de cômputo de atividades não
presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da pandemia da
COVID-19.
Despacho MEC de 29 de maio Homologa parcialmente o Parecer CNE/CP nº
de 2020 5/2020.
Portaria MEC nº 510, de 03 de Prorroga o prazo previsto no art. 1º da Portaria MEC
junho de 2020 nº 376, de 3 de abril de 2020.
Portaria MEC nº 544, de 16 de Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por
junho de 2020 aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de
pandemia do novo coronavírus - Covid- 19, e revoga
as Portarias MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº
345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio
de 2020.

914
Diário Oficial do Estado n.º ESTABELECE, para o Sistema Estadual de Ensino
10.223, de 14/07/2020, págs. 10 de Mato Grosso do Sul, em caráter
a 11. Altera o Parecer excepcional, para o ano letivo afetado pelas medidas
Orientativo CP/CEE/MS n.º de mitigação das dificuldades decorrentes
017/2020. da situação de emergência de saúde pública,
especificamente no que diz respeito às atividades
práticas laboratoriais e aos estágios profissionais
supervisionados de cursos superiores e de
técnico de nível médio, que: as atividades nominadas
estão permitidas, na forma de ensino remoto, desde
que
possíveis de realização em conformidade com a
respectiva proposta pedagógica. Nos casos de
atividades regulamentadas por órgão de profissão,
devem ainda ser atendidas suas determinações
específicas.
Portaria MEC nº 617, de 3 de Dispõe sobre as aulas nos cursos de educação
Agosto de 2020 profissional técnica de nível médio nas instituições
do sistema federal de ensino, enquanto durar a
situação da pandemia do novo coronavírus - Covid-
19.
Lei nº 14.040, de 18 de agosto Estabelece normas educacionais excepcionais a
de 2020 serem adotadas durante o estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6,
de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de
16 de junho de 2009.
Diário Oficial Eletrônico n. Institui, em caráter excepcional e temporário,
10.452 - Edição Extra 24 de medidas restritivas no Estado de Mato Grosso do
março de 2021. Sul para evitar a proliferação do coronavírus
(SARSCoV-2) e dá outras providências.
Fonte: A pesquisadora (2021)

Quando refletimos sobre as contribuições que a metodologia da pesquisa documental


pode dispensar a uma investigação, nos deparamos com a percepção de Cellard (2008, p. 295)
que ressalta:
[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para todo
pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível em qualquer
reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele
represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas
épocas. Além disso, muito frequentemente, ele permanece como único testemunho de
atividades particulares ocorridas num passado recente.

Sendo assim, considerando que a pandemia da Covid-19 faz parte de um passado


recente, uma análise documental servirá de testemunho para compreendermos o presente e as
lacunas encontradas no ensino básico em pleno ano de 2023.
915
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Associados, 2004.

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Oficial da União, publicado em: 18/03/2020. Disponível em:
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020- 248564376.
Acesso em: 04/05/2021.

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nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 21/05/2020.

CAMPO GRANDE (Município). Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande.


Decreto nº 14.195 de 15 de março de 2020, publicado no Diário Oficial de Campo Grande –
MS, n. 5.85/2020, de 16 de março de 2020f.

CAMPO GRANDE (Município). Resolução SEMADUR n. 40, de 06 de abril de 2020. Diário


Oficial de Campo Grande – MS n. 5.891 - segunda-feira, 6 de abril de 2020g. CAMPO
GRANDE (Município). Decreto n. 14.272, de 30 de abril de 2020, publicado no Diário Oficial
de Campo Grande – MS, ANO XXIII n. 5.918 - quinta-feira, 30 de abril de 2020h.

CAMPO GRANDE (Município). Decreto n. 14.273, de 30 de abril de 2020, publicado no


Diário Oficial de Campo Grande – MS, ANO XXIII n. 5.918 - quinta-feira, 30 de abril de
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918
OS GOVERNADORES E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL (1990-2022)

Maria Elisa Ennes Bartholomei (Bolsista CAPES/ PPGE/UCDB)


mariaelisatutora@gmail.com

Andrew Vinícius Cristaldo Da Silva (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


andrew.biologia@yahoo.com.br

Nádia Bigarella (PPGE/UCDB)


4561@ucdb.br

Resumo: O presente trabalho mostra como ficou organizada a Gestão Educacional do Estado
de Mato Grosso do Sul, pelos governadores, entre os anos de 1990 até 2022. Delineando os
programas educacionais de maior visibilidade, na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do
Sul, com seus representantes eleitos: José Orcírio Miranda dos Santos (PT 1999-2002), André
Puccinelli (PMDB 2007/2015) e Reinaldo Azambuja (PSDB 2015/2022). A metodologia de
pesquisa utilizada é de caráter bibliográfico, com a literatura pertinente ao tema. Diante do
exposto, a qualidade da educação em um estado depende da visão, compromisso e ação dos
governadores. A qualidade da educação é um compromisso dos governadores, e suas ações são
refletidas em seus programas, cujas ações revelam a ideologia partidária e dos interesses do
mercado. A educação de qualidade deve ser prioridade dos entes federados, visando o
desenvolvimento social e econômico, do estado, para alcançar esse fim, é necessário
implementar políticas eficazes; que resultem em melhores oportunidades para os estudantes e
no fortalecimento do sistema educacional.

Palavras-chave: Educação. Políticas Públicas. Programas

1. INTRODUÇÃO
A década dos anos de 1990, marcaram muitas mudanças nos sistemas de ensino, a
começar pela promulgação da Constituição Federal de 1988, e da edição da Lei nº 9394/1996
que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, outorgando e regulamentando a
gestão democrática no ensino público, porém, deixando uma brecha na lei, pois o ensino
privado, não necessariamente seguirá uma gestão democrática. Outra importante mudança na
área da educação, abrange a manutenção e financiamento do ensino público, privilegiado com
instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), (Fernandes, 2008).

919
As mudanças ocorreram no âmbito jurídico, mas também são consequências de uma
dinâmica política social e econômica, advinda de um processo e fenômenos da globalização
econômica, as inovações tecnológicas, as novas maneiras da organização do trabalho, as novas
funções do Estado, marcando um novo reordenamento cultural, político e social da acumulação
do capital. (Fernandes; Senna, 2006).
E um dos reflexos dessas alterações jurídicas, se expressam nas mudanças da dinâmica
do capital e da própria sociedade, como por exemplo, antes a normalização pleiteava-se que a
educação favorecesse ao individuo, o desenvolvimento de competências e habilidades, para o
exercício da cidadania e para o mercado de trabalho. O Estado, contemporaneamente tem se
preocupado em “[...] formar o trabalhador do futuro, que tem como uma das condições de
existência a ausência do trabalho, mas não o seu fim” (Fernandes, 2008, p. 530).
Nessa lógica, o mais importante na relação entre estado central e unidades
subnacionais, é a relação federativa, “[...] a especificidade do Estado federal, em termos de
distribuição territorial do poder, é o compartilhamento da soberania entre o governo central e
os governos subnacionais” (Abrucio, 2006, p.96).
No caso das relações entre o governo federal e o estado de Mato Grosso do Sul,
certamente estiveram tanto pela soberania compartilhada, quanto pela autonomia relativa, no
âmbito do jurídico e democrático (Fernandes, 2008). Seguindo o recorte temporal dessa
pesquisa, iremos relacionar os governos remanescentes, e citaremos apenas os programas de
educação de maior visibilidade nos aspectos da política pública, no estado de Mato Grosso do
Sul.

2. DESENVOLVIMENTO

Na retrospectiva do recorte temporal de 1999-2002, o primeiro governo eleito foi o de


José Orcírio Miranda dos Santos, conhecido como Zeca do PT1, empossando como seu vice-
governador no primeiro mandato Moacir Kohl e para o segundo mandato foi Egon Krakheche.
Concomitante ao seu mandato, foi eleito como Presidente da República, Fernando Henrique
Cardoso - FHC. Nesse período a Secretária de Estado de Educação SED/MS, teve em sua

1
O PT coligou-se com cinco partidos: O Partido Popular Socialista (PPS); o Partido Democrático Trabalhista
(PDT); o Partido Comunista do Brasil (PC do B); o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Aposentados
Nacional (PAN), rompendo-se, assim, a alternância binária do poder por intermédio do PTB ou PMDB.
(BIGARELLA; OLIVEIRA, 2011)
920
liderança três secretários: Pedro César Kemp (1999-2001), Antônio Carlos Biffi (2001-2002) e
Elza Aparecida Jorge (2002), (Bigarella; Oliveira, 2011).
Durante o primeiro mandato do governo estadual, apresentou-se o projeto Escola
Guaicuru, um programa específico para área educacional do estado/MS. Os objetivos principais
consistiam na democratização escolar, o acesso e a permanência do aluno na escola, a
progressão e a inclusão escolar do maior número de alunos na educação básica (Bigarella;
Oliveira, 2011).
O objetivo era a formulação de políticas de contraposição ao ideário neoliberal
expressa pelo governo federal. Mas a Secretária de Educação SED/MS, não rompeu com os
outros programas com diretrizes gerenciais, como o Fundescola2 e o Plano de Desenvolvimento
da Escola (PDE)3 (Bigarella; Oliveira, 2011).
A crítica radical compreende as “[...] orientações elaboradas perlo Banco Mundial e
ao sucateamento da educação e dos programas implementados pelo Governo Federal, no quadro
de desmonte e abandono das políticas sociais” (Mato Grosso do Sul, 2000, p.4).
O segundo Secretário de Educação, desse governo estadual, interrompeu o projeto
Guaicuru e implantou o mesmo programa renomeado de: Escola do Governo Popular, além da
implantação do Curso Popular Pré-Vestibular. A terceira Secretária de Educação, manteve as
ações do seu antecessor e implantou o Programa de Melhorias e Expansão do Ensino Médio –
1. Fase – Projeto Escola Jovem (Bigarella; Oliveira, 2011).
No segundo mandato do governador Zeca do PT (2003-2006), empossou como
Secretário de Estado de Educação Hélio de Lima, que permaneceu os quatro anos de governo.
Durante esse mandato, o Presidente eleito era o Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2005), do
Partido dos Trabalhadores. Nesse período para a área educacional foi apresentado o Programa
Escola Inclusiva: Construindo Cidadania na Escola (Bigarella; Oliveira, 2011).
O objetivo desse programa era promover o acesso e a qualidade dos direitos básicos
dos alunos para a cidadania. E principalmente o ensino de “[...] qualidade social, alicerçado na
valorização dos trabalhadores em educação e na política de formação continuada; Inserção dos

2
O acordo durou em média seis anos. O “Acordo de Participação” do Fundescola 1 iniciou em 1997.
3
A cúpula administrativa da SED, promoveu acirrados embates internos, com os técnicos pedagógicos,
representantes de todos os setores internos da SED e com a presença do Sr. Wilson Alves Pereira, técnico
Supervisor do PDE pelo Banco Mundial, sobre a expansão ou não do PDE, na Rede Estadual, optou-se por
expandi-lo. (Cf. Ferro, UFMS, 2001)
921
referenciais curriculares para o ensino médio de Mato Grosso do Sul” (Mato Grosso do Sul,
2005, p. 3-12).
Nessa gestão foi elaborado o Plano Estadual de Educação, na qual instituiu as diretrizes
e metas para a rede estadual de ensino, efetivado por meio do Decreto nº 11.737, de 22 de
dezembro de 2004 (Mato Grosso do Sul, 2004 a). E a partir desse plano, foi implantado nas
escolas por meio de projetos, planos e ações a gestão democrática do ensino público. Destaca-
se a Lei nº 3.244 de 06 de junho de 2006, que regulamentou a eleição de diretores, diretores-
adjuntos e colegiados escolares (Bigarella; Oliveira, 2011).
No segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT 2007-2010), foi
eleito para governador do Estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), empossando a Secretaria de Educação Maria
Nilene Badeca da Costa que permaneceu os quatro anos do mandato, ela, deu continuidade as
ações e diretrizes, metas e estratégias da educação do Estado, planejadas para o período de 2003
até 2010, para maior eficácia, utilizou-se uma ferramenta de gestão gerencial (Bigarella;
Oliveira, 2011).
Em 2007, o governo estadual privilegiou a proposta de gestão de “Educação para o
Sucesso”. Esse programa apresentou uma concepção de geral de educação, que abrange o
sistema de gestão “[...] de ensino com viés na cultura gerencial da Pedagogia do Sucesso”
(Alves, 2015, p.8).
A Educação para o Sucesso, consiste em projetos formulados pelos técnicos da
Secretária de Educação SED/MS, com a finalidade de implantar a busca pela qualidade e “[...]
implementar novas políticas para a educação que envolvam uma profunda mudança cultural
das Secretarias de Educação e das Escolas” (Oliveira, 2004, p.65).
As significativas mudanças que ocorrem na formulação na política educacional
estadual, oportunizou a inserção da privatização da educação, pois não ocorrem as parcerias,
mas a efetiva “[...] participação de entidades na formulação da política de gestão de ensino,
inserindo a lógica gerencial nos sistemas públicos da educação” (Alves, 2015, p.9).
Simultaneamente o governo federal buscou consolidar um plano executivo,
denominado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com a apresentação de um
instrumento articulador das ações, o Plano de Ações Articuladas (PAR), planejamento
plurianual, voltado para a educação básica e seu financiamento articulado entre a União e os
entes federados. Para tanto definiu-se quatro eixos norteadores: educação básica, educação
922
superior, educação profissional e alfabetização (Bartholomei, 2013), estabelecendo as seguintes
prioridades:
a) Educação Básica, prioridades: - Financiamento (Salário Educação e o FUNDEB);
- Avaliação e responsabilização – IDEB; - o Plano de Metas; - Planejamento e Gestão
Educacional.
b) Educação Superior, prioridades: - Reestruturação e expansão das Universidades
Federais; - REUNI, PNAES; - Democratização do Acesso; - FIES; - Avaliação com
Base na Regulação – SINAES.
c) Educação Profissional e Tecnológica, prioridades: Educação Profissional e
Educação Científica (IFET); - Normatização; - EJA Profissionalizante.
d) Alfabetização, Educação Continuada e Diversidade (BRASIL, 2007d, p. 17–41).

Souza (2010) argumenta que as ações referentes a formação de professores e


profissionais da educação, piso salarial, infraestrutura, avaliações periódicas, transporte escolar,
acesso às tecnologias, investimentos em creches e pré-escolas, bibliotecas, livros didáticos,
entre outros programas de apoio não “[...] caracterizam, portanto, objetivos novos, mas
seguramente se constituem em tarefa árdua, especialmente frente aos péssimos resultados
aferidos pelas avaliações em larga escala”. (Souza, 2010, p. 38)
A avaliação em larga escala refere-se a um programa de avaliação de longo alcance no
Brasil, com abrangência nacional, desde a implementação do Sistema Nacional de Avaliação
da Educação Básica (SAEB) (Bartholomei, 2013), que é composto por duas avaliações, a
primeira “[...] Avaliação Nacional da Educação Básica, segunda a que recebe o nome de Prova
Brasil” (Antunes, 2012, p. 47), os resultados são utilizados no cálculo do índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) (Bartholomei, 2013). De acordo com o governo,
o (IDEB) foi criado para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador
é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas da Educação (INEP) e em taxas de aprovação (Brasil, 2007d).
O Plano de Metas, conforme o governo federal, substitui os convênios anteriores, com
a implantação do Plano de Ações Articuladas (PAR)4. Esse plano de ações foi estrategicamente
formulado pelo MEC como instrumento de apoio técnico à gestão municipal e estadual do
ensino para todo o país (Brasil, 2007d).
O (PAR) foi apresentado como solução para o maior impeditivo do desenvolvimento
do regime de colaboração: a descontinuidade das ações (Brasil, 2007d). O (PAR) é um

4
A Resolução nº 029 de 20 de junho de 2007, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) estabeleceu os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da
assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso. Após essa resolução, mais
duas foram instituídas alterando-a, p
923
instrumento estratégico de planejamento tanto das ações como a vinculação dos recursos
financeiros da União, no atendimento da educação para os entes federados, portanto, é uma
ferramenta de gestão gerencial (Bartholomei, 2013).
A elaboração e implantação do Plano de Ações Articuladas na Rede Estadual de
Ensino no Estado de Mato Grosso do Sul ocorreu a partir do ano de 2007, exatamente no
primeiro mandato do governador André Puccinelli. Com base na Resolução FNDE/MEC nº
029/2007, “[...] a assistência financeira foi implementada por meio dos programas e ações
educacionais a cargo das Secretarias – fim e/ou do FNDE” (Camini, 2009, p. 175).
O Estado de Mato Grosso do Sul, aderiu ao “Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação”, elaborou via equipe local o (PAR), definindo ações e subações, com base nas
dimensões indicadas, para recebimento de assistência técnica e, principalmente, de recursos
financeiros do governo central (Bartholomei, 2013).
Na durante a sua gestão, nos dois mandatos de governado, André Puccinelli (2007-
2015), manteve praticamente a equipe de técnicos da educação na Rede Estadual de Ensino de
MS, correspondente aos seus mandatos na Prefeitura de Campo Grande/MS, sendo André
Puccinelli, prefeito eleito (Bartholomei, 2013).
O que se percebe é o perfil dos eleitores do Estado/MS, que elegeram e revelam a
preferência dos partidos políticos no estado de Mato Grosso do Sul. Esse processo se dá em
forma contínua, tanto na governança da Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS, assim
como no Governo do estado/MS. Gramsci afirma que a [...] “capacidade de trabalhar a
superestrutura cuja realidade aponta para a infraestrutura, implica no exercício da hegemonia”
(Cury, 1986, p. 45), e Sartori entende como desempenho eleitoral dos partidos, como [...]
“qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que apresente em eleições, e seja
capaz de colocar através das eleições (livres ou não), candidatos a cargos públicos” (Sartori,
1982, p.85).
O Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) manteve prefeitos eleitos
Juvêncio da Fonseca (1993 -1996), André Puccinelli (1997 – 2004), Nelson Trad Filho (2005
– 2012), portanto foram dezenove anos hegemônico do partido (PMDB). Essa trajetória foi
interrompida na Prefeitura de Campo Grande/MS, com a ascensão política do Partido
Progressista (PP), com a eleição de Alcides Bernal (2013 – 2014), Gilmar Olarte (2014 – 2015),
sendo Alcides Bernal reeleito (2015 – 2016). O Governo do Estado/MS, elegeu e manteve a
hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) José Orcírio dos Santos (1999 – 2007), por oito
924
anos consecutivos no comando do governo do estado. Em seguida assume por eleição o Partido
do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) com André Puccinelli (2007 – 2015),
novamente oito anos no poder político do estado/MS. (Barbosa, Silva, 2012, p.82).
Nas eleições consecutivas, percebeu-se a mudança da preferência partidária no estado
de Mato Grosso do Sul, pois, Reinaldo Azambuja da Silva foi eleito governador de Mato Grosso
do Sul em 2015, sendo este filiado ao Partido da Social-Democracia — (PSDB) foi
acompanhado pela sua vice Rose Modesto. Empossou Maria Cecilia Amendola da Motta na
função de Secretária de Estado de Educação — SED/MS (Mato Grosso do Sul, 2015)
As promessas de campanha eleitoral do governador estadual, para o primeiro mandato,
abarcaram a implantação do sistema de promoção por mérito para servidores estaduais
(administração), criação de autarquia para cuidar das comunidades indígenas (direitos humanos
e sociais), acabar com o ICMS antecipado (economia), criação de política regionalizada de
incentivos fiscais (economia), ampliar a educação em tempo integral (educação e cultura),
melhorar o índice do IDEB (educação e cultura), pagar o piso nacional a professores (educação
e cultura), fazer mutirões da saúde nos polos regionais (saúde) e implantar auditorias
independentes em órgãos públicos (transparência), dentre outras ações prometidas (Mato
Grosso do Sul, 2018).
Não interrompendo a tradição eleitoral da população do estado de Mato Grosso do sul,
Reinaldo Azambuja da Silva foi reeleito, para seu segundo mandato ao Governado do Estado
/MS (2019-2022). Ao assumir foi acompanhado por Murilo Zauith (Vice-governador) e
empossaram Maria Cecilia Amendola da Motta, para continuar na função de Secretária de
Estado de Educação — SED/MS (Mato Grosso do Sul, 2019). Durante o mandato do governo
estadual, a população brasileira elegeu, Jair Messias Bolsonaro, para Presidente da República
(2019 – 2022), com seu vice-presidente, Antônio Hamilton Martins Mourão, general de exército
da reserva do Exército Brasileiro, filiado ao partido Republicano (Silva, Rodrigues, 2021).
A rede estadual de ensino em do Estado/MS, no ano de 2020, objetivou Diretriz
Estratégica, para: […] “Elevar a qualidade da aprendizagem na rede pública de ensino, com
foco na formação integral do cidadão, promovendo o desenvolvimento social” (Mato Grosso
do Sul, 2020, 22). Para esse fim, utilizaram os indicadores estratégicos, como o Índice de

925
Desenvolvimento da Educação Básica5 (IDEB-INEP). Avaliação Institucional Externa da Rede
Estadual de Ensino (AIMS-SED), (Mato Grosso do Sul, 2020).
Durante os anos de 2020/2021, o mundo estava sofrendo os efeitos da pandemia do
(Covid-19), a população mundial entrou em “lockdown”, o que provocou um novo desafio para
a educação escolar, quanto […] “à permanência dos estudantes e à aprendizagem de qualidade”
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, 2022, p.6).
A forma de se lecionar mudou do ensino presencial para o ensino remoto, em todas as
faixas etárias que englobam a educação escolar. Outra ação da Secretaria Estadual de
Educação/SED/MS, no ano de 2020, em pleno período da pandemia, foi ampliar o acesso aos
conteúdos disciplinares dos alunos. Para esse fim, contratou os serviços de transmissão
televisiva. Esse contrato foi realizado sem licitação, […] “amparado pelo estado de calamidade
pública, no valor de R$ 663.955,65 (Seiscentos e sessenta e três mil, novecentos e cinquenta e
cinco reais e sessenta e cinco centavos), pagos com recursos próprios da Secretaria” (Mato
Grosso do Sul, 2020, p.40).
A escola pública prosperou com a concepção de gerar ciência e tecnologia, voltadas
para a educação e o trabalho. Com o ideário positivista, a escola assumiu uma concepção
democrática-liberal para atender a sociedade industrializada e urbanizada, criou através da
educação, o capital humano. Nos tempos atuais, na visão neoliberal, modificou novamente a
escola pública, pois caracteriza a separação do público — privado, e o modelo de gestão é
voltado para os resultados, e não se discute as diferenças de resultados entre o público-privado
(Kujawa, et.al., 2020).
Em 2019, Governo Federal, instituiu, o Programa Nacional das Escolas Cívico-
Militares (PECIM), Decreto Presidencial n.º 10.004/2019, desenvolvido pelo Ministério da
Educação com o apoio do Ministério da Defesa, com a colaboração dos estados, municípios e
o Distrito Federal. As Escolas públicas. Cívico-Militares — (ECIM), segundo os documentos,
compõem uma parceria entre os policiais militares, bombeiros militares e docentes civis,
partilhando a administração “(Proposta Eleitoral/Plano de Governo, Bolsonaro 2018, p.44).

5
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB-INEP), foi criado em 2007, para reunir em um só
indicador os resultados das médias de desempenhos das avaliações, mensurando a qualidade da educação. Para
esse fim, utiliza-se os dados de aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar com os resultados (médias), do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que privilegia as disciplinas de Língua Portuguesa
(Escrita/leitura) e matemática (BRASIL/INEP, 2022).
926
As políticas sociais respondem às demandas da sociedade organizada, então em 2019,
o governo federal implantou o Programa-PECIM e o estado de Mato Grosso do Sul,
pioneiramente, assinou o termo de adesão para implantação de duas unidades escolares cívico-
militares na Rede Estadual de Ensino, no município de Campo Grande/MS. Essa parceria por
adesão, dos estados e municípios, é realizada pelo interesse aos [...] “benefícios materiais e/ou
financeiros disponibilizados, pois, em sua maioria, apresentam dificuldades em manter suas
redes, assim, compactuam com o processo estando de acordo ou não” (Martins, 2019, p.693).
Embora este governo seja marcado pelo corte do salário dos docentes contratados, a
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul (SED) reorganizou mudanças ao
Ensino Médio, oferecendo: cursos técnicos, a Escola de Tempo Integral e a Escola da Autoria
(Mato Grosso do Sul, 2020).
Um outro fator que merece destaque é o currículo do ensino médio. Em MS, disciplinas
como “Empreendedorismo Social”, “Projeto de Vida”, e “Intervenção Comunitária” se
configuraram como novos componentes curriculares obrigatórios. Tais Componentes
Curriculares, são importantes para a construção do conhecimento do estudante, bem como,
também, prepara-os para a vida e o mundo do trabalho (Mato Grosso do Sul, 2020, p.40).
As escolas estaduais de Mato Grosso do Sul, criaram o projeto de extensão denominado
“Família na escola”, onde pais e responsáveis, vão até a escola, para acompanhar de perto o
andamento dos estudos, através de reuniões com a gestão da escola. Essa ação vai ao encontro
de uma das estratégias da Meta 7 do PNE: “mobilizar as famílias e setores da sociedade civil,
articulando a educação formal com experiências de educação popular e cidadã, com os
propósitos de que a educação seja assumida como responsabilidade de todos e de ampliar o
controle social sobre o cumprimento das políticas públicas educacionais” (Brasil, 2014a, p. 66).
Outro aspecto evidenciado, além da economia, política – social, é o perfil dos eleitores
do Estado/MS, que nas eleições revelaram a preferência dos partidos políticos no estado de
Mato Grosso do Sul. Esse processo se dá em forma contínua, tanto na governança da Prefeitura
Municipal de Campo Grande/MS, assim como no Governo do estado/MS. Gramsci afirma que
a [...] “capacidade de trabalhar a superestrutura cuja realidade aponta para a infraestrutura,
implica no exercício da hegemonia” (Cury, 1986, p. 45), e Sartori entende como desempenho
eleitoral dos partidos, como [...] “qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que
apresente em eleições, e seja capaz de colocar através das eleições (livres ou não), candidatos
a cargos públicos” (Sartori, 1982, p.85).
927
O Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) manteve na Prefeitura
Municipal da Capital de Campo Grande/MS, os prefeitos eleitos, Juvêncio da Fonseca (1993 -
1996), André Puccinelli (1997 – 2004), Nelson Trad Filho (2005 – 2012). Foram dezenove
anos que o partido (PMDB), manteve-se hegemônico no comando tanto da prefeitura assim
como no governo de estado/MS. Isso caracteriza que todos os presidentes e governadores
influenciam as eleições municipais e estaduais (Barbosa, Silva, 2012). Segundo Barbosa, Silva
(2012), do ponto de vista do espectro ideológico observa-se:
[...] a predominância dos partidos de centro (PMDB e PSDB), e centro-direita (PTB,
PFL e PL). Ao longo das três décadas, o estado teve mais governadores de centro,
com o PMDB, um de centro-direita, PTB, e dois governos de centro-esquerda, PT. A
rigor, os partidos de centro-esquerda só ganharam destaque a partir da década de 2000,
o que é influência da conquista do governo do estado com Zeca do PT, em 1998, e da
eleição de Lula, em 2002 (Barbosa, Silva, 2012, p. 100).

O Governo do Estado/MS, elegeu e manteve a hegemonia do Partido dos


Trabalhadores (PT) José Orcírio dos Santos (1999 – 2007), por oito anos consecutivos. Em
seguida assume por eleição o Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) com
André Puccinelli (2007 – 2015), novamente oito anos no poder político do estado/MS.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho mostra como ficou organizada a Gestão Educacional do Estado de


Mato Grosso do Sul, pelos governadores, entre os anos de 1990 até 2022. A educação é uma
das áreas mais cruciais para o desenvolvimento de um país, e os governadores desempenham
um papel fundamental na formulação e implementação de políticas educacionais em seus
respectivos estados. No entanto, as abordagens adotadas por diferentes governadores podem
variar consideravelmente em termos de prioridades, investimentos e resultados.
Devido à descentralização das políticas educacionais no Brasil, os governadores têm
um papel significativo na definição de políticas e programas educacionais em seus estados. Isso
pode levar a uma ampla diversidade de abordagens, com alguns governadores priorizando
investimentos em infraestrutura escolar, enquanto outros enfatizam a formação de professores,
a melhoria do currículo ou a promoção da inclusão. A educação no Brasil enfrenta desafios
estruturais profundos, como desigualdades socioeconômicas, falta de acesso a recursos
adequados e baixa qualidade do ensino em muitas regiões. Os seus representantes precisam
lidar com esses problemas de maneira eficaz, buscando soluções inovadoras e sustentáveis para
melhorar a qualidade da educação em seus estados. Eles também têm a responsabilidade de
928
garantir que o financiamento adequado seja direcionado para a educação, incluindo
investimentos em salários de professores, aquisição de materiais didáticos e melhoria das
instalações escolares. Os representantes que buscam o diálogo e a colaboração podem criar um
ambiente propício para a implementação de reformas educacionais sustentáveis.
A qualidade da educação é um compromisso dos governadores, e suas ações são
refletidas em seus programas, cujas ações revelam a ideologia partidária e dos interesses do
mercado. A educação de qualidade deve ser prioridade dos entes federados, visando o
desenvolvimento social e econômico, do estado, para alcançar esse fim, é necessário
implementar políticas eficazes; que resultem em melhores oportunidades para os estudantes e
no fortalecimento do sistema educacional.
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ano de mandato, Reinaldo Azambuja cumpre 39,13% dos compromissos de campanha | Mato
Grosso do Sul | G1 (globo.com)

930
PROCESSO HISTÓRICO FRENTE AO ACESSO Á EDUCAÇÃO INCLUSIVA ÀS
PESSOAS PÚBLICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL (1996 a 2019)

Paola Gianotto Braga (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


pgpsico@hotmail.com

Graziela Cristina Jara (Bolsista CAPES/PPGE/UCDB)


grazielajaraetaee@gmail.com

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o processo histórico da educação especial
frente ao acesso à educação inclusiva entre os anos de 1996 e 2019, tendo base a compreensão
do conceito de acesso e o número de matrículas ocorridas neste entretempo em âmbito nacional.
De cunho documental e bibliográfico a pesquisa foi realizada a partir de textos oficiais, tais
como: a Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases Nacional (1996), o Anuário
Brasileiro da Educação Básica, decretos e resoluções. O referencial teórico consiste na revisão
de textos, artigos, livros dos autores Marcos José da Silveira Mazzotta, Carlos Roberto Jamil
Cury e Evaldo Vieira. Foi possível inferir que o direito ao acesso é o instrumento necessário
para se chegar ao objetivo principal que é o aprendizado, mas não pode ser um fim em si mesmo;
não basta apenas viabilizar a entrada na escola, se faz necessário proporcionar ao aluno uma
trajetória escolar de maneira equânime e com qualidade social.

Palavras-chave: Acesso à educação. Educação especial. Educação inclusiva.

INTRODUÇÃO

O público alvo da educação especial, segundo a Política Nacional de Educação Especial


na Perspectiva Inclusiva (2008), é caracterizada pelas pessoas com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento1 e altas habilidades/superdotação, tem direito à educação,
preferencialmente na rede regular de ensino, conforme a Constituição Federal de 1988
(CF/1988).
Os princípios do direito à educação incluem acesso e permanência nas escolas comuns
de educação básica, sem preconceitos ou privilégios de qualquer natureza. Essa é uma ação

1
O termo “transtornos globais do desenvolvimento” foi atualizado, no ano de 2013, pelo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª edição (DSM-5) por “transtorno do espectro autista”, porém as duas
nomenclaturas são utilizadas pelo Ministério da Educação se referenciando as pessoas com autismo. Nesta
dissertação se fará uso do termo transtornos globais do desenvolvimento, tendo como base a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (1996).
931
norteadora para todas as políticas públicas educacionais, compreendida como “estratégias
governamentais que podem intervir nas relações de produção (no caso da política econômica)
ou intervir no campo dos serviços sociais (no caso da política social)” (VIEIRA, 2001, p. 18).
Logo, a garantia da educação diz respeito ao acesso e permanência de todos os cidadãos
sem distinções. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal de Justiça, Celso de Mello (1986,
p. 326), “[...] acesso à educação é uma das formas de realização do ideal democrático”.
Democratizar o acesso de todos à educação não se trata apenas de discutir o acesso físico
às dependências da escola comum, mas o acesso e a permanência, bem como a articulação entre
o direito à educação e a democratização das relações nos espaços escolares. É a democracia
socialmente referenciada acontecendo na escola.
Nesse sentido, entende-se que o acesso se dá frente ao direito à educação garantido pela
CF/1988, assegurado, em um primeiro momento, com a efetivação da matrícula. Depois, com
o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que precisa disponibilizar todos os recursos,
serviços e com orientações necessárias para que ocorra a permanência e o processo de ensino e
aprendizagem nas classes comuns da escola comum, a fim de que todos, apesar de suas
especificidades, tenham o direito de concluírem a educação básica, na idade própria, com uma
aprendizagem significativa. Ou seja, esse deve ser entendido para além da entrada no espaço
escolar em igualdade de condições a todos os níveis e modalidades do ensino.
O espaço escolar é entendido neste artigo, como

[...] lugar outorgado de sentidos cultural, social, político, econômico e


sentimentos: expectativas, desejos, saudades, esperanças, medos, tristezas e
possibilidades; de construção de relacionamentos pessoais e sociais,
experiências políticas, coletivas, institucionais, de formação educacional e
espaço-lugar de cidadania (BRAGA; BIGARELLA, 2020, p. 17).

Segundo Vieira (2001), a cidadania

[...] está relacionada com o reconhecimento legal do sentido de pertença da


pessoa individual como um membro de uma sociedade estatal. Esta se
fundamenta no princípio de que as ‘pessoas são iguais perante a lei e,
unicamente, perante a lei, porque a cidadania consiste em instrumento criado
pelo capitalismo para compensar a desigualdade social’, a situação em que
alguns acumulam riquezas, acumulam propriedades, enquanto outros não
conseguem sobreviver (VIEIRA, 2001, p. 11).

932
Com base no conceito de Vieira (2001), que reconhece o sentido de pertença de um
cidadão como parte integrante de uma sociedade. Percebe-se que a inclusão também está
relacionada ao sentimento de pertença, uma vez que esta ação vai para além de inserir uma
pessoa com deficiência no espaço público e/ou escolar, mas é compreendida como a
participação ativa dos sujeitos nos diversos grupos de convivência social, de forma que a
deficiência se caracteriza como uma perda de qualquer natureza, déficit ou anormalidade
estrutural ou de função corporal, incluindo a função psicológica (MAZZOTTA; D’ANTINO,
2011).

DESENVOLVIMENTO

O acesso à educação básica em uma sociedade civil, manifesta as conexões entre o


direito à educação e o desenvolvimento pleno do cidadão. “O termo civil aqui significa que a
sociedade se forma de cidadão, entendido como aquele que tem direitos e deveres” (VIEIRA,
2001, p. 12).
A educação como um dos direitos humanos com valor diretamente relacionado ao
Estado Democrático de Direito, fundamenta-se nos conceitos de soberania, de cidadania, e nos
valores humanos e sociais. Esses fundamentos estão relacionados com o Art. 205, da
Constituição Federal de 1988 (CF/1988), que prescreve a “[...] educação, direito de todos e
dever do Estado e da família” (BRASIL, 1988, p. 107). Para tal direito ser efetivado, precisa-
se de políticas que favoreçam o acesso, permanência e aprendizagem em idade escolar adequada
dentro do sistema educacional.
A instigação da educação brasileira em matricular todos os alunos na escola é histórica.
Em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek, salientou em seu discurso de posse que o maior
desafio da educação no Brasil era que

[..] 40% das crianças em idade escolar não estavam matriculadas na escola. O
grande problema a resolver era abrir vagas para todos que completassem sete
anos de idade, isto é, dar acesso a todas as crianças em idade escolar a uma
vaga na escola. Marcava-se aí o conceito de acesso como ‘porta de entrada’
no sistema de ensino (BRASIL, 2014, p. 03).

Preocupação esta que perdurou até o ano de 1996, com a publicação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), que se destina às pessoas de quatro a dezessete
933
anos de idade, de maneira obrigatória e gratuita, caraterizada pela pré-escola, ensino
fundamental e ensino médio. A referida lei tem como finalidade o “[...] pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1996, p. 01).
A importância desta etapa de ensino como um direito indispensável do cidadão, para
Cury (2002), vai além do dever do Estado em proporcionar de forma gratuita, tornando-o
acessível à população. Sendo assim, “[...] o direito à educação escolar primária inscreve-se
dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis dos cidadãos” (CURY, 2002, p. 248).
O Art. 26, da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo


menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar
será obrigatória. [...]
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. [...] (UNESCO, 1998, p. 05).

Embora o direito à educação ao público da educação especial tenha se assegurado


por meio da CF/1988, foi a partir da Declaração de Salamanca (1994) que as políticas
públicas educacionais nacionais iniciaram a ampliação do atendimento a esses
estudantes, inicialmente por intermédio das classes especiais.

Elogiadas em sua essência especialmente pela característica de


funcionamento em um ambiente escolar menos restritivo do que as
instituições especializadas, as classes especiais foram marcadas por um
trabalho didático-pedagógico diferenciado (DENARI, 2014, p. 45).

A partir do ano de 1996, o Ministério da Educação (MEC), por meio do Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), levantou o quantitativo
de 6.313 estabelecimentos que oportunizaram a educação especial no Brasil, havendo um
aumento de 6,47% no início do século 21 (BRASIL, 2003).
Conforme o Decreto Federal nº 3.298/1999, Art. 24, parágrafo 2º, “A educação especial
caracteriza-se por constituir processo flexível, dinâmico e individualizado, oferecido
principalmente nos níveis de ensino considerados obrigatórios” (BRASIL, 1999, p. 07).
Levando em consideração as regiões demográficas, o Norte do país apresentou um
aumento de 13,58% na oferta desta modalidade de ensino entre os anos de 1996 e 1999,
entretanto, houve uma queda de 3,79% entre os anos de 1999 e 2000 (BRASIL, 2003).
934
A região Nordeste iniciou em 1996 com 884 estabelecimentos, computando no ano de
2000 um total de 1.028, caracterizando um crescimento de 14% em sua oferta.
O Sudeste e o Sul do país apresentaram o maior quantitativo de promoção da educação
especial, onde 2.229 e 1.896 locais, respectivamente, obtiveram um crescimento de 10,55% e
7%, de 1996 a 2000 (BRASIL, 2003).
Finalizando, o Centro-Oeste começou a sua oferta com 757 estabelecimentos e fechou
em 2000 com uma queda significativa de 23,11%, mostrando falhas no processo de ascensão
na região (BRASIL, 2003).
Dentre o número total de estabelecimentos no Brasil com a modalidade de ensino em
educação especial, temos em sua maioria os que ofertaram o ensino regular com classes
especiais, totalizando em 1998, 4.570 e no ano de 2000, 4.539. Ou seja, até 2000 o percentil no
ensino regular era de 67,24%, apesar da queda de 1,41% entre 1999 e 2000 (BRASIL, 2003).
Entre as três regiões que mais promoveram a educação especial no ano de 2000, temos
o Sudeste com 1.585 estabelecimentos, o Sul com 1.313 e o Nordeste com 732. Em seguida, o
Norte com 514 locais, e novamente com a menor oferta o Centro-Oeste com 395 (BRASIL,
2003).
Essa atividade é respaldada pela LDBEN/1996, ao dizer que os serviços de apoio
especializados serão disponibilizados na escola regular, quando necessário, para um melhor
atendimento das especificidades dos alunos da educação especial (BRASIL, 1996).

O quantitativo de locais cuja oferta dessa modalidade foi em estabelecimentos


exclusivamente da educação especial, em todo o Brasil, se mostrou inferior as promovidas no
ensino regular, mantendo em destaque as regiões Sudeste, Sul e Nordeste com mais promoção
desse serviço.
Quando realizado o levantamento do percentil de escolas exclusivas em relação as
escolas comuns, temos no ano de 2000, o Norte com 15,59%, Nordeste com 28,79%, Sudeste
com 35,22%, Sul com 34,68% e o Centro-Oeste com 32,13%. Mostrando assim, que o processo
de oferta no ensino regular foi, neste período, maior na Região Norte (BRASIL, 2003).
Frente as matrículas desses sujeitos, apesar do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) não apresentar o quantitativo da população nacional com deficiência,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, no período de 1996 a
2000, é possível visualizar por meio dos dados do INEP, que houve um crescimento de 33,06%

935
desse público nas escolas, apesar de uma queda de 3,47% de matrículas, entre os anos de 1999
e 2000 (BRASIL, 2003).
Essa oscilação pode ser visualizada em todas as regiões, sendo o maior número de
matrículas no ano de 1999, em quatro das cinco, seguidas de quedas no ano seguinte, levantando
a possibilidade de este movimento estar estabelecido no Art. 24, inciso III, do Decreto Federal
nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que conforme exposto, viabiliza a “[...] inserção, no
sistema educacional, das escolas ou instituições especializadas públicas e privadas” (BRASIL,
1999, p. 07), ampliando assim, os locais de atendimento.
Se levarmos em consideração que em 2000, existiam no país 4.539 estabelecimentos de
ensino regular com classes especiais e um total de 81.400 alunos matriculados, podemos dizer
que cada escola contava com aproximadamente 17 alunos (BRASIL, 2003). O maior número
de matrículas se deu no ano de 1999, com exceção da região Nordeste, se destacando em 2000.
Nesse contexto, podemos falar em um processo de integração dos estudantes em
questão, que “[...] refere-se a intervenções necessárias para as crianças com necessidades
especiais acompanharem a escola; o trabalho é feito individualmente com as crianças e a escola
fica fora do debate” (MASINI, 1999, p. 53).
Sassaki (1997) define integração como:

[...] o mérito de inserir o portador de deficiência na sociedade, sim, mas desde


que ele esteja de alguma forma capacitado a superar barreiras físicas,
programáticas e atitudinais nela existentes. [...] a integração constitui um
esforço unilateral tão somente da pessoa com deficiência e seus aliados
(SASSAKI, 1997, p. 34).

Apesar do autor pontuar sobre a pessoa com deficiência, esta ação contempla todo o
público alvo da educação especial, pois essas barreiras também estão presentes na vida dos
alunos com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Isto é,
esse foi um período onde o aluno fazia parte de uma prática seletiva, sendo necessário que ele
se adaptasse a escola e não o contrário.
Seguindo o raciocínio anterior, as escolas exclusivamente de educação especial
contavam com a maioria dos estudantes, visto que cada estabelecimento computava uma média
de 47 matriculados (BRASIL, 2003). Essa realidade mostrou que o processo de inclusão escolar
ainda estava distante, uma vez que

936
[…] postula uma reestruturação do sistema educacional, ou seja, uma
mudança estrutural no ensino regular, cujo objetivo é fazer com que a escola
se torne inclusiva, um espaço democrático e competente para trabalhar com
todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero ou características
pessoais, baseando-se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita
como desejada (BRASIL, 2001, p. 40).

Entre os anos de 2000 e 2010 diversas leis, decretos e resoluções foram publicadas como
forma de assegurar e orientar o processo de inclusão dos estudantes da educação especial no
sistema regular de ensino, tanto que em 2010 o número de matrículas aumentou
significativamente. Essa mudança proporcionou uma outra divisão para análise do MEC/INEP,
sendo possível identificar as matrículas nas classes comuns, diferenciando das classes especiais
e escolas exclusivas na educação básica.
A matrícula do público da educação especial em classes comuns no ensino regular foi
definida em tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, sendo este um desafio, uma
vez que se faz necessário não apenas disponibilizar espaços escolares, mas realizar o
atendimento educacional especializado, assegurando recursos e serviços, além de orientar
quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, respeitando as
suas especificidades.
Este processo está sendo ampliado, como pode ser observado nos dados coletados. De
2007 a 2010 houve um crescimento de 37,2% frente a busca pela educação escolar no ensino
regular em classes comuns, paralelo ao decréscimo de matrículas nas escolas especiais,
deixando claro o início do acesso inclusivo no país (ANUÁRIO BRASILEIRO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2012).

Podemos entender o movimento de inclusão escolar como ruptura do ideal


totalitário presente na sociedade de classes, o que permitirá a experiência do
convívio das diferenças no mesmo espaço escolar, por intermédio da educação
inclusiva, contrapondo-se à manutenção da segregação que sistematizou
escolas diferentes para pessoas diferentes [...] (DAMASCENO, 2012, p. 160).

Segundo Rodrigues (2006),


O conceito de inclusão no âmbito específico da Educação implica, antes de
mais, rejeitar por princípio a exclusão (presencial ou acadêmica) de qualquer
aluno da comunidade escolar. Para isso, a escola que pretende seguir uma
política de Educação Inclusiva (EI), deve desenvolver políticas, culturas e
práticas que valorizam o contributo ativo de cada aluno para a construção de
um conhecimento construído e partilhado e, dessa forma, atingir a qualidade
acadêmica e sociocultural sem discriminação (RODRIGUES, 2006, p. 02).
937
O aumento das matrículas em classes comuns continuou ao longo dos anos, assim como
a queda delas nas escolas especiais. Entre os anos de 2011 e 2018 houve um crescimento de
45,65%, sem período de perdas, frente as matrículas na escola regular em classes comuns. No
mesmo período, as escolas especiais declinaram 31,12% (ANUÁRIO BRASILEIRO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2019).
O Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento e Avaliação das Metas do Plano Nacional de
Educação (2020) acrescenta que houve uma variação de 7,4% entre os anos de 2013 e 2019
frente ao percentil de matrículas desses alunos na educação básica, em escolas comuns, em
classes comuns, do país. Assim como, na região Centro-Oeste de 6,1% e no estado de MS de
5,6% (BRASIL, 2020).
Confirmando assim, a manutenção da oferta de vagas nas escolas para as pessoas com
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Para Lewin (2007), o acesso à escola apresenta um significado irrelevante se o resultado
não estiver relacionado para além da matrícula, isto é, a frequência regular do estudante, o
avanço nos anos escolares nas idades correspondentes, e a aprendizagem significativa com
utilidade. A ausência desses aspectos comprometeria o próprio conceito em questão.

Acesso, portanto, implica em que todas as crianças e jovens tenham não só o


direito assegurado à matrícula na idade própria, mas também o direito de
concluírem a escola básica na idade própria, com níveis de aprendizagem
adequados (BRASIL, 2014, p. 06).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Logo, o conceito de acesso não pode se caracterizar simplesmente pelo ingresso na


escola, sendo relacionado unicamente as taxas de matrículas, e sim a um conjunto de fatores
que definem a permanência dos estudantes ou que podem aumentar a evasão escolar, tais como:
o não respeito as especificidades frente ao processo de aprendizagem, os recursos educacionais,
a infraestrutura da escola, as metodologias empregadas, a formação e experiência dos docentes,
as formas de avaliação e até mesmo as condições econômicas e sociais do referido aluno.
O direito ao acesso é o instrumento necessário para se chegar ao objetivo principal que
é o aprendizado, mas não pode ser um fim em si mesmo. Sendo assim, não basta apenas

938
viabilizar a entrada na escola, se faz necessário proporcionar ao aluno uma trajetória escolar de
maneira equânime e com qualidade social.
Um desenvolvimento democrático da educação demanda sim políticas para a
universalização do acesso e a consolidação do ensino público, em todos os seus níveis, porém,
se faz necessário, também, políticas focadas na permanência dos alunos no sistema educacional.

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941
PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO E DO MATERIAL DIDÁTICO (PNLD):
PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA

Francisco Eduardo da Silva do Carmo (PPGE/UCDB)


fesc171180@gmail.com

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar parte das teses sobre o Programa Nacional
do Livro e do Material Didático (PNLD), de modo a apreender os objetos de estudo priorizados
pelos pesquisadores sobre o tema. Trata-se de recorte de pesquisa de doutorado, em andamento,
que objetiva analisar o processo de materialização do PNLD na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A metodologia baseia-se na pesquisa bibliográfica, por
meio de consulta aos sites do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD), no período de 2010 a 2019 e pesquisa documental referente ao
PNLD. As teses analisadas possibilitaram compreender o processo histórico de constituição do
PNLD e a dinâmica do Programa.

Palavras-chave: Programa Nacional do Livro e do Material Didático; produção acadêmica;


teses de doutorado.

INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta resultados parciais de pesquisa de doutorado vinculada à Linha
de Pesquisa Políticas, Gestão e História da Educação e ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE) do Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE) - Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo
Grande, Mato Grosso do Sul, que tem por objetivo analisar o processo de materialização do
Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande - MS (2016-2022).
Seu objetivo é apresentar parte das teses sobre o Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD), de modo a apreender os objetos de estudo priorizados pelos
pesquisadores sobre o tema, no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD), entre 2010 e 2019, considerando-se mudanças normativas a
partir de 2010 e os dados mais atualizados.

942
Os descritores utilizados para o levantamento das produções acadêmicas foram:
“Programa Nacional do Livro Didático”, “livro e material didático”, “políticas de livro
didático” e “direito a educação”, como forma de selecionar as teses sobre o tema. Conforme
Morosini e Fernandes (2014), a construção do estado do conhecimento fornece um mapeamento
das ideias já existentes, dando-nos segurança sobre fontes de estudo, apontando subtemas
passíveis de maior exploração ou, até mesmo, fazendo-nos compreender silêncios significativos
a respeito do tema de estudo.

AS PESQUISAS SOBRE O PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO E MATERIAL


DIDÁTICO

A Constituição Federal (CF) de 1988 declara que a educação é direito social. Define
que o dever do Estado deverá ser efetivado, conforme o Art. 208, entre outros, mediante “[...]
VII – atendimento ao educando no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (Brasil,1988).
O PNLD é um programa suplementar e que compreende um conjunto de ações
voltadas para a distribuição de obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais
de apoio à prática educativa, destinados aos alunos e professores das escolas públicas de
educação básica do País (Brasil, 2021).
A Resolução CD FNDE n. 60, de 20/11/2009, estabeleceu novas regras para
participação no PNLD, ou seja, a partir de 2010, as redes públicas de ensino e as escolas federais
devem aderir ao programa para receber os livros didáticos. A Resolução inclui, ainda, as escolas
de ensino médio no âmbito de atendimento do PNLD, além de adicionar a língua estrangeira
(com livros de inglês ou de espanhol) aos componentes curriculares distribuídos aos alunos do
6º ao 9º ano. Para o ensino médio, também foi adicionado o componente curricular língua
estrangeira (com livros de inglês e de espanhol), além dos livros de filosofia e sociologia (em
volume único e consumível) (Brasil, 2010).
Além disso, a mesma resolução, em seu Art. 2º define que para participar do PNLD,
as escolas federais e as redes de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal deverão
firmar um termo de adesão específico, a ser disponibilizado pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) (Brasil, 2010).

943
Como resultado do levantamento foram selecionadas na área da Educação,
relacionadas ao objeto de pesquisa seis teses, apresentadas, a seguir, em ordem cronológica da
data de defesa, que constam no quadro 1.
Quadro 1
Teses selecionadas sobre o PNLD - 2013 a 2019
Título Ano Autor(a) Orientador(a) Instituição
defesa
Análise do Processo de
2013 Maristela Gallo Eloísa de Universidade
Implementação de Política: O Romanini Mattos HÖfling Estadual de
Programa Nacional do Livro Campinas
Didático – PNLD
O Programa Nacional do Livro 2013 Iara Augusta da Silvia Helena Universidade
Didático para o Ensino Médio Silva Andrade de Federal de Mato
(PNLD/EM) e o Mercado Brito Grosso do Sul
Editorial: 2003-2011
Livros Didáticos de geografia 2015 Giséle Neves Raquel Maria Universidade
(PNLD 1999-2014): editoras, Maciel Fontes do Federal de Santa
avaliações e erros nos conteúdos Amaral Pereira Catarina
sobre Santa Catarina
Políticas públicas de livro 2017 Paulo Celso Marcelo Soares Universidade
didático: elementos para Costa Gonçalves Pereira da Silva Federal de
compreensão da agenda de Uberlândia
políticas públicas em educação no
Brasil
Livros Didáticos Digitais, o 2019 Danilo Vizibeli Luzmara Universidade
Governo Brasileiro e a Mídia: Curcino Federal de São
uma análise discursiva Carlos
Relações saber-poder: discursos, 2019 José Wilson dos Marcio Antonio Universidade
tensões e estratégias que Santos da Silva Federal de Mato
(re)orientam a constituição do Grosso do Sul
livro didático de matemática
Fonte: BTD da CAPES e BDTD do IBCT

A primeira tese é de Maristela Gallo Romanini, com o título “Análise do Processo de


Implementação de Política: O Programa Nacional do Livro Didático – PNLD”, defendida na
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, em 2013, com o objetivo de
analisar o PNLD em seus diferentes contextos de implementação e utilização – desde o MEC,
passando pela esfera intermediária, a Secretaria Estadual de Educação e a Diretoria de Ensino
até as unidades escolares e à sala de aula, respectivamente esferas federal (central), estadual
(intermediária) e (regional), unidades escolares e salas de aulas (local) - investigando os que
nelas atuam: assessores, professores, coordenadores da Oficina Pedagógica, diretores, para
compreender se os diferentes contextos de implementação com os vários sujeitos que

944
interpretam, reinterpretam e implementam os programas, por meio de suas ações, podem
modificar ou não as políticas ou os programas.
Para subsidiar a tese, a autora fez uso do levantamento bibliográfico que se orientou
pela revisão da literatura utilizando fontes bibliográficas (artigos, livros, teses e dissertações),
nas Bibliotecas da Universidade Estadual de Campinas, da Universidade de São Paulo e da
Universidade Estadual Paulista, buscou também na Internet as publicações mais atualizadas, ou
seja, referenciais das Ciências Políticas e da Administração Pública, além da Educação.
Analisou o Sistema Gerencial e Decisório, regido pela Resolução FNDE Nº 60/2009,
que traz as competências e o papel a ser desempenhado pelos sujeitos em cada esfera – central,
intermediária, regional e local durante o processo de implementação.
Romanini (2013), discute os embates em relação ao PNLD 2010,

No que se refere aos processos políticos, fica constatado que os elaboradores


de política por mais que acreditem poder controlá-los, no caso do nosso objeto
de estudo, o PNLD 2010, na segunda esfera, a intermediária, SEESP,
apresenta o primeiro entrave que escapa ao controle dos que a elaboraram: o
entrecruzamento de programas e a não confluência dos mesmos, considerando
o multipartidarismo, o federalismo imperante no país e as relações de
cooperação não claramente estabelecidas para cada um dos entes federados.
Fator preponderante no processo de implementação do PNLD 2010, chegando
a uma confluência quase perversa (Romanini, 2013, p. 302).

Sobre o material de apoio, os Guias, Romanini (2013), explica que chegam em número
e tempo insuficientes nas unidades escolares, bem depois que o mercado editorial já impôs sua
presença por toda parte. Quanto aos LD, expõe que chegam ao local de destino, porém com
base em dados desatualizados de censos escolares anteriores. Ainda que cheguem em tempo e
nos prazos adequados, tendem a não ser em número suficiente, ou pior, em excesso, causando
desperdício.
Romanini (2013) afirma na conclusão da tese que a implementação modifica as
políticas, e consequentemente os programas, ou o inverso, os programas se bem avaliados
podem induzir à necessidade de novas políticas.
Outra tese é a de Iara Augusta da Silva, com o título “O Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLD/EM) e o Mercado Editorial: 2003-2011”, defendida na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2013, teve como objetivo geral estudar as
razões históricas que levaram o Ministério da Educação a criar e implementar o Programa

945
Nacional de Livros Didáticos para o Ensino Médio (PNLD/EM), no Brasil durante o período
de 2003 a 2011.
Para desenvolver o estudo, Silva (2013) em uma perspectiva histórica, busca entender
a necessidade do Estado em operacionalizar programas como o PNLD/EM à luz da organização
da sociedade capitalista no seu estágio monopolista. Para tanto, procedeu à revisão da literatura,
com o objetivo de mapear a produção acadêmica no Brasil, para a coleta de dados empíricos, a
análise de documentos e da legislação que normatizaram a criação e a implementação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) no seu formato de 1985 até 2011.
Com a finalidade de compreender o movimento da indústria editorial no mundo e no
Brasil, bem como da economia no país, Silva (2013) consultou relatórios elaborados e
disponibilizados em sítios oficiais de instituições e empresas como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Grupo Abril e o Grupo Saraiva.
A autora explica que a estrutura educacional construída pelo Estado para promover a
formação do cidadão, acolhe um contingente de crianças, jovens e adultos, movimentando os
mais variados segmentos de produção da sociedade, que abrange a indústria de construção de
prédios escolares, de fornecimento de transporte e merenda escolar, de construção de mobiliário
e equipamentos tecnológicos, de uniformes escolares, de materiais didático-pedagógicos (como
é o caso dos livros didáticos), dentre outros (Silva, 2013).
Silva (2013) conclui que a educação se tornou uma área lucrativa de acumulação do
capital para muitos ramos da indústria que têm a possibilidade concreta de vender seus
produtos, para uma multidão crescente de consumidores que constituem o universo das
instituições educacionais.
A tese de Giséle Neves Maciel, com o título “Livros Didáticos de geografia (PNLD
1999-2014): editoras, avaliações e erros nos conteúdos sobre Santa Catarina”, defendida na
Universidade Federal de Santa Catarina, em 2015, teve como objetivo geral discutir aspectos
referentes às editoras de livros didáticos e às mudanças nos processos de avaliação do PNLD
(1999-2014), comprovando a permanência de erros em livros didáticos de Geografia nos
conteúdos sobre Santa Catarina.
Trata nesta tese de algo que é compreendido como uma tríade: livros didáticos de
Geografia–editoras–avaliações do PNLD. A autora compreende o risco de um objeto de estudo

946
tão amplo, porém considera que a imbricação desses elementos é o grande objeto a ser
investigado.
Para a elaboração da tese foi utilizada a pesquisa documental e bibliográfica, com a
análise de 12 exemplares e foram detectadas algumas inconsistências em livros didáticos que
“continuarem apresentando municípios e regiões fora de suas áreas corretas, quando o PNLD
de 2014 permite a correção das chamadas falhas pontuais, (Maciel, 2015, p. 241).
De acordo com a autora,

[...] frente as questões que foram analisadas, conclui-se que não houve o
fundamental – o empenho do MEC em destacar a diferenciação qualitativa
entre as coleções, nas grandes ações: quando determinou que os livros seriam
avaliados como coleção, e não por livros isolados, e quando retirou as
categorias recomendado com distinção, recomendado e recomendado com
ressalva; e nas pequenas ações: quando não estimulou ou permitiu que
houvesse referências mais claras nos guias quanto à qualidade das obras,
(Maciel, 2015, p. 239-240).

A autora complementa que a tríade livros didáticos–editoras–avaliações parece dar


mostras dos limites alcançados pela avaliação e demonstra o poder de ação e a influência das
editoras em relação a tomada de decisão por parte do MEC.
A tese de Paulo Celso Costa Gonçalves, cujo título é “Políticas públicas de livro
didático: elementos para compreensão da agenda de políticas públicas em educação no Brasil”,
defendida na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, em 2017,
apresenta como objetivo geral verificar como se construiu, no Brasil, a política do livro didático
e, principalmente, quais foram os fatores que fizeram com que esse processo de implementação
fosse desencadeado.
Para o alcance do objetivo, o autor utiliza o ciclo de políticas públicas com base nas
seguintes etapas: formulação da agenda; tomada de decisões – elaboração de plano, previsão e
programação das ações; implementação da política – a própria realização das ações previstas;
avaliação da política pública.
Direcionado à construção da agenda da política pública do livro didático, o foco da
pesquisa foi o trabalho de localização e identificação de elementos que se constituíram e
compuseram narrativas que evidenciaram a necessidade de um tratamento por parte do Estado
do tema do livro didático.

947
A tese foi elaborada utilizando como fontes os conteúdos publicados na imprensa. O
ambiente de consulta das coleções disponíveis foi na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional em que foram destacadas a do Jornal do Brasil, o jornal O Estado de S. Paulo, no
recorte temporal de 1930 até 2017, também foram consultadas, de forma pontual, as coleções
dos jornais Correio Paulistano, O Paiz, Jornal de Notícias, Diário Carioca, entre outros.
Gonçalves (2017) considera que as políticas do livro didático poderiam ser como que
um testemunho representativo das diversas políticas públicas no campo da educação no país e
que a sucessão de políticas do livro didático constitui-se num testemunho de ciclos de
formulações de agenda, planejamentos e movimentos de implementação de políticas públicas.
Conclui que há no Brasil dificuldade de se formular e implementar uma política
pública adequada ao quadro que se observa e, principalmente, que tenha um alcance e produza
efeitos significativos na realidade social. Sendo um ir e vir a construção de uma política pública
e que soluções para problemas nem sempre estão disponíveis ou ao alcance, do mesmo modo,
nem sempre a agenda é clara.
A tese de Danilo Vizibeli, com o título “Livros Didáticos Digitais, o Governo
Brasileiro e a Mídia: uma análise discursiva”, defendida na Universidade Federal de São Carlos,
em 2019, teve como objetivo geral analisar o que foi enunciado na mídia a respeito da
implantação de livros didáticos digitais nas escolas públicas brasileiras de modo a depreender
os discursos a que se filiam, o que foi dito e os efeitos de sentido visados ou efetivamente
produzidos.
Informa que o corpus é constituído por meio de notícias veiculadas na mídia online e
de comentários dos leitores das notícias referentes ao Edital do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), lançado em 2013 e do Guia do Livro Didático, que pela primeira vez
apresentavam parâmetros de orientação, fomento e aquisição governamental de Livros
Didáticos digitais (LDd).
A pesquisa fundamenta-se na teoria da Análise de Discurso Francesa (AD) numa
perspectiva de Michel Pêcheux, valendo-se de conceitos basilares como o de formação
discursiva, efeitos de sentido, discurso, sujeito, memória discursiva e acontecimento discursivo.
As análises empreendidas na tese, acerca do que foi enunciado tanto por
instâncias governamentais, quanto pela mídia nacional sobre a adoção de
livros didáticos digitais nas escolas públicas brasileiras, mostram que há
sentidos em contradição sobre o tema, ainda que haja o predomínio dos
discursos publicitários, e eufóricos, sobre essa medida (Vizibeli, 2019, p.
126).
948
O autor conclui que a implantação de um sistema nacional de livros didáticos digitais,
perpassa a simples ação de equipamentos a serem utilizados, é necessário investimentos na área
de tecnologia, rede de internet, sites a serem utilizados de domínio público com a orientação
dos professores, entre outras ações.
O trabalho de tese do José Wilson dos Santos com o título “Relações saber-poder:
discursos, tensões e estratégias que (re)orientam a constituição do livro didático de
matemática”, defendido na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2019, tem a
seguinte questão de pesquisa: “Quais efeitos emergem das relações de poder que atravessam a
produção e resultam na/da constituição do livro didático de Matemática?” A partir da questão
proposta, definiu como objetivo geral, analisar e descrever o modo como o livro didático de
Matemática situa-se em um terreno árido de disputas constantes, onde as relações de poder que
atravessam o campo da produção didática produzem normatizações e instituem práticas que o
constituem.
Na metodologia utilizou a pesquisa bibliográfica, documental e entrevistas
semiestruturadas em que buscou descrever a contingência do momento histórico, as relações
saber-poder mobilizadas na produção de livros didáticos de Matemática, bem como as
resistências (como forma de poder) que tensionam e reajustam as linhas de força, que
(re)configuram ações, normalizam sujeitos, instituições e modos de produção do livro didático
de Matemática.
Santos (2019) enfatiza que os dados produzidos apontam que à medida que o livro
didático se torna um produto lucrativo, sua produção passa a ser regida não por aspectos
educacionais, mas por fatores econômicos. Ele explica que nesse contexto, visando o sucesso
comercial da obra, busca-se realizar uma leitura dos discursos pedagógicos e econômicos,
alinhavam-se conhecimentos oficiais e marginais, formando um amálgama que tem como
objetivo final produzir um livro que, uma vez aprovado, “caia no gosto” do professorado. Desta
forma,
[...] busca-se, por um lado, em documentos oficiais, diretrizes e,
particularmente, nos editais do PNLD os conhecimentos colocados no jogo do
‘verdadeiro’ e do ‘falso’, do ‘proibido’ e do ‘permitido’, ditando o que deve
ou não estar contido nos livros de Matemática. Em suma, trata-se, por um lado,
de produzir os conhecimentos necessários para aprovação do livro no PNLD.
Por outro, grupos editoriais buscam, por meio de diferentes estratégias – como
a contratação de freelancers que atuam/atuaram em sala de aula, de
profissionais da Educação Matemática, dos relatos dos divulgadores de livros,
da realização de pesquisas focus group, entre outras –realizar uma seleção e

949
apropriação de enunciados e enunciações de professores que evidenciem o
tipo preferido de livros, visando o sucesso comercial da obra (Santos, 2019, p.
253).

Conforme Santos (2019), ao considerar o universo da produção de livros didáticos de


Matemática, depara-se com uma dinâmica de inversões constantes na ordem de um poder que
não possui forma determinada nem direção única, mas que flui de um campo a outro. Afirma
que não há um poder único e determinável, mas relações de poder que atravessam empresas,
autores, editores, avaliadores do PNLD e professores, entre outros sujeitos e instituições.
Santos (2019), conclui que nesse ambiente corporativo, tentativas de centralização de
poder levam editoras a investirem esforços na contratação de autores e editores de outras
empresas com o propósito de fragilizar a concorrência, controlando, assim, o espaço da
produção didática. Mas, diante de um poder que furtivamente parece centrar-se naqueles que
investem dinheiro ou ideias para a produção do livro didático, tem um professor de Matemática
que se recusa às tentativas de controle de sua conduta a partir do livro didático.
As produções acadêmicas levantadas nesse artigo têm o PNLD como objeto de
pesquisa. As teses analisaram o Programa em seus diferentes contextos de implementação e
utilização, discutem a necessidade de ampliação do programa para as demais etapas de ensino,
e as mudanças nos processos de sua avaliação.
Compreende-se que esta pesquisa se diferencia das apresentadas, na medida em
prioriza o processo de materialização do PNLD na Rede Municipal de Ensino de Campo
Grande-MS, entendendo conforme Dourado (2017), que o cenário de formulação de políticas
públicas, não é o mesmo da materialização, que implica compreender os nexos
interinstitucionais “que se efetiva na intersecção entre regulamentação, regulação e ação
política, marcados por disputas que traduzem os embates históricos entre as classes sociais e,
ao mesmo tempo, os limites estruturais que demarcam as relações sociais capitalistas”
(Dourado, 2010, p. 679).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo buscou apresentar um mapeamento de parte das teses publicadas entre 2010
e 2019. As teses analisadas aproximam-se do objeto desta pesquisa, permitem compreender o
processo histórico do PNLD, sua dinâmica e contribuem para a análise do processo de

950
materialização do programa, como política pública educacional, em uma rede municipal de
ensino do País.

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discursiva. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Federal de São Carlos, São Paulo,
2019.

952
REFLEXÕES SOBRE OS AVANÇOS E DESAVANÇOS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA

Juliana Campos Francelino (Bolsista FUNDECT/MS - PPGE/UCDB)


julyana_campos@hotmail.com

Resumo: Este texto corresponde ao encerramento da Disciplina Educação Brasileira


Contemporânea, do Doutorado em Educação. Trata-se de uma revisão bibliográfica baseada
nas escritas de diversos autores, como: FERNANDES et al. (2013), OLIVEIRA (1999), ZAN;
KRAWCZYK (2019), SAVIANI (2013), CURY (2002, 2010). Pretende-se descrever o
crescimento na educação a partir da Constituição Federal de 1988, demonstrando seus avanços
no que se refere a obrigatoriedade e à gratuidade da educação básica. Duas questões são cruciais
para nossa reflexão, a primeira está relacionada a força de trabalho docente, a atratividade da
carreira docente, a valorização da categoria, e a segunda está relacionada aos critérios para a
formação do professor, sua reprodução, e as atratividades da profissão. Se faz necessário refletir
sobre os avanços na educação desde a CF 1988, com a descentralização para os estados e
municípios a responsabilidade da gestão e da educação. Observou-se desde então o crescimento
das parcerias público-privadas, onde muitas vezes privatizou-se o público, e com isso deixou
de se observar a qualidade no ensino na formação de professores, na formação continuada,
principalmente nos cursos na modalidade EAD.

Palavras-chave: Educação Básica. Formação de Professores. Parceria público-privada.

INTRODUÇÃO

“A educação é o mais grave dilema educacional brasileiro. A sua falta prejudica da mesma forma que
a fome e a miséria, ou até mais, pois priva os famintos e miseráveis dos meios que os possibilitam a
tomar consciência de sua condição, dos meios de aprender a resistir a essa situação”.
Florestan Fernandes (1989, p. 26).

Este texto corresponde ao encerramento da Disciplina Educação Brasileira


Contemporânea, do Doutorado em Educação. Trata-se de uma revisão bibliográfica baseada
nas escritas de diversos autores, como: FERNANDES et al. (2013), OLIVEIRA (1999), ZAN;
KRAWCZYK (2019), SAVIANI (2013), CURY (2002, 2010), dentre outros.
Nesse artigo pretende-se descrever o crescimento na educação a partir da Constituição
Federal de 1988, demonstrando seus avanços no que se refere a obrigatoriedade e à gratuidade
da educação básica. Cury (2002, p. 7) nos provoca quando diz “para que a gestão seja eficiente
há que se promover o autêntico federalismo em matéria educacional, a partir da divisão de
953
responsabilidades previstas na Carta Magna... portanto uma diretriz importante é o
aprimoramento contínuo do regime de colaboração”.
A partir da Constituição Federal de 1988, ocorreram avanços quanto ao direito à
educação, esses avanços ocorreram no âmbito legal. Desses avanços, destaca-se a garantia e
obrigatoriedade do Ensino Fundamental, inclusive aos que não tiveram acesso na idade
considerada ideal, impulsionando a oferta do ensino noturno (OLIVEIRA, 1999). Fernandes et
al. (2013) apresenta outro aspecto de relevância “é a concepção da etapa obrigatória e gratuita
da educação como direito público subjetivo1”.
Ainda na CF de 1988 registrou-se a extensão da gratuidade para o ensino médio e a
possibilidade de inclusão do ensino fundamental no âmbito da educação básica (OLIVEIRA,
1999, p. 61-64) e após a Emenda Constitucional nº. 59/2009, que torna obrigatória e gratuita a
educação básica, compreendido o período dos quatro aos dezessete anos de idade, mantendo a
oferta gratuita para todos que a ela não tiveram acesso na idade própria.
Em relação aos avanços presentes na esfera federal, Saviani (2013), aponta que:

Como expressão deste conjunto de posições, torna-se significativo apontar a


diferença desta Constituição em relação as que se lhe precederam. Nas anteriores a
1988, a Constituição, após o Preâmbulo, se abria com a organização do Estado e só
depois vinham os direitos da cidadania. Na atual Constituição, após o Preâmbulo, a
assinalação dos direitos precede a organização do Estado. É como se o Estado
devesse se organizar em função do preenchimento da prioridade posta nos direitos da
cidadania (Saviani, 2013, p. 3).

Para Cury (2010), a Constituição Federal de 1988:

[...] representou um avanço significativo em matéria educacional estabelecendo, desde


logo, a educação como um direito social “fundante da cidadania e o primeiro na ordem
das citações”, ou seja, sem educação, não há como contemplar uma cidadania ativa e
participativa. A partir daí, estabelece o capítulo próprio da educação onde retoma a
questão da obrigatoriedade do ensino e a coloca como direito público subjetivo (Cury,
2010, p. 8).

Reconhece-se que a garantia do direito à educação, após a Constituição Federal, começa


a se concretizar a partir da década de 1990, no âmbito do processo de reforma do Estado

1
O direito público subjetivo configura-se como um mecanismo de defesa contra abusos do poder estatal contra a
esfera individual e constitui um meio de proteção da liberdade individual. O direito público subjetivo tem por
escopo a proteção de interesses individuais quando os mesmos coincidirem com o interesse público. Quando o
‘poder de acionar’ se dá entre o particular em face do próprio Estado e há coincidência entre o interesse individual
e o interesse público, estamos diante do que a doutrina tem qualificado como ‘direito público subjetivo’. (DIAS,
2014)
954
brasileiro, cujo impulso foi dado em 1995, pelo “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado” (FERNANDES, et al., 2013, p. 2). A partir de alguns princípios básicos:

Os princípios básicos desta nova forma de “Administração Gerencial” são: a


descentralização, por meio da qual são repassadas para estados e municípios as
funções de execução de serviços sociais e de infraestrutura; a participação da
população, entendida como cliente, na gestão e controle dos serviços públicos; a
privatização, que pode ser executada tanto com o deslocamento da produção de bens
e serviços públicos para o setor privado lucrativo, quanto com o deslocamento destes
serviços para o setor privado não lucrativo, a publicização, que se refere à
transferência, para o setor público não-estatal, dos serviços sociais e científicos, antes
prestados pelo Estado e a terceirização, por meio de transferência, para o setor
privado, de serviços auxiliares ou de apoio (Scaff, 2011, p. 17).

Fica evidente a redução do papel do Estado frente ao crescimento da iniciativa privada.


Verger & Bonal (2011), reforçam quanto a ameaça em torno da privatização da educação, que
pode ocorrer de duas formas: a privatização da educação, caracterizada pelo fomento ao
aumento da oferta privada, principalmente via subvenção pública às instituições de ensino
privadas, e a privatização na educação, que consiste na incorporação de valores privados às
escolas públicas, de forma a torná-las mais competitivas e, assim, aumentarem os padrões de
qualidade educacional (VERGER & BONAL, 2011, p. 921).
O processo de privatização da educação superior pública ocorre no Brasil, desde os anos
1990 (DIAS SOBRINHO, 2002). Na educação básica, têm sido mais comuns as políticas de
privatização na educação, por meio do incentivo à competição entre as escolas, tal como a
efetivada, por exemplo, pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
Com a aprovação da Lei nº. 9.394/1996 (BRASIL, 1997), que disciplinou matérias ou
redefiniram e/ou delegaram princípios aprovados inicialmente na Constituição Federal de 1988:
instituíram dois princípios pela legislação infraconstitucional no contexto do Estado gerencial
e que promoveram importantes redefinições na política educacional, essas redefinições
ocorreram tanto em esfera nacional como em contextos locais, e que construíram processos de
administrar o setor público com a lógica do setor privado, porque, supostamente, este seria mais
eficiente e eficaz (FERNANDES, et al., 2013). O primeiro princípio deles refere-se ao § VIII
do Artigo 3º da Lei 9.394/1996 (BRASIL, 1997), que instituiu o princípio de gestão democrática
do ensino, mas que o delegou aos sistemas de ensino. O segundo princípio em seu artigo 3º, §
VII, referente à “valorização do profissional da educação escolar”.
Frente aos princípios apresentados, duas questões são cruciais para nossa reflexão, a
primeira está relacionada a força de trabalho docente, a atratividade da carreira docente, a

955
valorização da categoria, e a segunda está relacionada aos critérios para a formação do
professor, sua reprodução, e as atratividades da profissão.
Algumas reflexões acerca da profissão do professor se fazem necessária, principalmente
se relacionamos a questões históricas firmadas em crenças religiosas e filantrópicas, onde
relaciona o trabalho do professor a vocação para tal e não a profissionalização da categoria.
Questões quanto ao piso salarial justo a categoria (o salário médio corresponde ao terceiro
menor dos países desenvolvidos), a ausência de concurso público, e do trabalho do professor
convocado/contratado. Essas questões tendem a apontar os profissionais da educação como
‘culpados’ pelo fracasso nos índices educacionais.
Ainda sobre a questão da formação de professores no país, Saviani (2013), em recente
entrevista, lembra que “no Brasil, discutem-se e formulam-se documentos, mas não se atacam
as raízes do problema, que são as péssimas condições de funcionamento das escolas, os baixos
salários e a formação precária dos professores”. (MARIANO, 2013).
FERNANDES, et al. (2013), apresentam os amplos desafios para o setor educacional,
onde a lógica empresarial se expressa por meio de parcerias entre o público e o privado,
disputando e alterando a forma de gestão de sistemas de ensino e de escolas. Isto traz
importantes implicações para a força de trabalho docente, tanto no que se refere à valorização
socialmente necessária quanto para a sua formação.

As novas regulações introduzidas pelas reformas educativas no país, desde a década


de 1990, a relação público/privado ganha novos contornos (PERONI, 2008),
evidenciando o crescente interesse das organizações privadas em relação à educação
e o decorrente crescimento das parcerias realizadas entre os sistemas públicos de
ensino e estas organizações, principalmente as do Terceiro Setor. “Estes organismos,
criados com o objetivo de prover serviços sociais na área de saúde, educação, proteção
contra o crime, transporte público, enfim, de alívio à pobreza, têm em comum o fato
de serem não-lucrativos e fazerem parte da sociedade civil” (Peroni; Oliveira;
Fernandes, 2009, p. 768).

Com o crescimento das parcerias público-privada no Brasil, transmite-se a ideia de que


o ensino privado é mais eficaz frente ao ensino público, pois acredita-se num ensino de maior
qualidade e com mais eficiência, quesitos indispensáveis para atender o mercado de trabalho
que demanda dessa mão-de-obra especializada. Esses quesitos buscam apresentar ao jovem o
pensar de um empresário de si mesmo, com visão autônoma, empreendedora e sobretudo
criativa, com capacidade de construir e/ou criar seu próprio negócio. “O empreendedorismo é
uma forma mistificadora que imagina poder eliminar o desemprego, em uma sociedade que é
incapaz de preservar o trabalho digno com direitos”. Mistifica-se o processo de mutação do
956
mundo do trabalho e a “expansão trágica de um mosaico de trabalhos: os intermitentes, os
flexíveis, os temporários, os informais” (ANTUNES, 2019).

A falácia do empreendedorismo – ancorada na possibilidade de atingir o sucesso


através de um conjunto de estratégias comportamentais - sem dúvida facilita a
responsabilização única no individuo sobre seu futuro, legitimando um conjunto
pequeno de jovens ganhadores e justifica a grande massa de perdedores, sem
considerar o mercado altamente competitivo, desregulado e cada vez com menores
oportunidades laborais (Zan; Krawczyk, 2019, p. 12).

O empreendedorismo nas escolas é uma resposta ao mercado de trabalho, a fim de


atribuir ao jovem a responsabilidade por sua colocação no processo produtivo. López-Ruiz
(2007), acredita que o empreendedorismo nos dias atuais é estimulado não apenas pela falta de
emprego, mas sim pela possibilidade de mudança que gere novos segmentos no mercado.
Novos sujeitos empreendedores-inovadores que a seu tempo ofereçam oportunidades de
investimento do mercado e de novas oportunidades de geração de lucros, tentando diminuir os
riscos do excesso de liquidez produzido pela financeirização da economia e a destruição da
produção industrial e para que o capitalismo continue se desenvolvendo. Apresentando-se
assim como um novo modelo de desenvolvimento. (CAMPOS; SOEIRO, 2016; SEESP, 2017).
A apologia do termo “empresariamento” dentro das escolas públicas, dos estudantes, de
toda a sociedade e do Estado, faz a figura do empresário ser o modelo a ser seguido pelos
estudantes, e reforça a ideologia que o empresário é o responsável, de certa forma, pela salvação
da vida empresarial, atrelando o sucesso a sua capacidade de planejar e realizar sonhos
anteriormente idealizados. Zan; Krawczyk (2019) complementam:

A formação de uma cultura empreendedora faz parte de um projeto empresarial de


educação pública e de formação, que sublima o esforço individual e o investimento
no futuro em detrimento da satisfação do presente, num mundo “dado como dado”,
no qual não entra a compreensão crítica capaz de transformá-lo. O “empreendedor”
aparece cada vez mais como substituto do “cidadão” enquanto figura de referência da
ordem social. Onde o cidadão se construía a partir de uma vontade comum, de
escolhas coletivas e do “bem público”, o empreendedor edifica-se segundo o princípio
único da competição individual (Zan; Krawczyk, 2019, p. 11).

Outra questão que deve ser observada, é o como a definição de um currículo pode
interferir na melhoria da qualidade da educação. Silva (2007), aponta que a definição de
currículo perpassa por alguns questionamentos, tais quais: o currículo é o resultado de uma
seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes, daí seleciona-se a parte que
vai compor efetivamente o currículo. Após a definição busca se responder o porquê desse e não
aquele conhecimento. Nessa teoria usa-se sempre a pergunta “o quê”? Sendo sempre
957
acompanhada de outra pergunta importante, tais quais: o que eles ou elas devem ser?, ou o que
eles e elas devem se tornar? Qual o tipo de ser humano desejável para uma determinada
sociedade? A cada um desses “modelos” de ser humano corresponderá um tipo de
conhecimento, ou seja, um tipo de currículo.
Na Educação da comunidade indígena por exemplo, o professor formado, pertencente a
comunidade, que conhece naturalmente a cultura e saberes local, possui saber indiscutível, ou
seja é o mais indicado para formação dos indígenas, tendo em vista o fazer pedagógico ser com
as características do índio. Lescano e Medeiros (2019) afirmam:

A diferença é enorme quando o professor faz um plano sobre determinados conteúdos,


trazendo o entendimento e o debate do tema para a realidade, mesmo que,
operacionalmente, seja trabalhado com o objetivo de tornar os alunos bons leitores e
escritores e conhecer o numeramento. Isso significa que os saberes não passam na
escola indígena do jeito que ela vem conceituada pelo currículo comum (Lescano;
Medeiros, 2019, p. 18).

No capítulo IX. Intitulado DEPOIS DAS TEORIAS CRÍTICAS E PÓS-CRÍTICAS,


Silva (2007) vem falando das relações de poder baseadas em recursos econômicos e culturais.
O poder econômico voltado para as grandes corporações industriais que ditam ou buscam ditar
a definição dos currículos, que visam o ensino de conteúdos que atendam às exigências do
mercado. O autor cita ainda a dominação de classes, baseadas na exploração econômica,
evidenciada no processo de globalização e exploração econômica impostas pela economia
política marxista. Ainda nesse pensamento Bobbio (1986), reporta-se à educação para a
cidadania como sendo o único modo de fazer com que um súdito transforme-se em cidadão.
As teorias pós-críticas reconhecem que o poder está em toda a parte, porém, de forma
desigual, e que através das relações de poder e controle nos tornamos aquilo que somos, desse
modo nos demonstram que o currículo é questão de saber, identidade e poder, assim não
devemos pensar o currículo visando conceitos de ensino, eficiência e aprendizagem.
Para Silva (2007), o currículo dividido em matérias/disciplinas, com tempo
determinado, organizado de forma hierárquica está relacionado a questões sociais e históricas,
para ele o currículo é capitalista e visa um espaço de poder, o currículo é reprodutor das culturas
sociais e transmite a ideologia política, o currículo é um território político. Dentro da visão
social a pergunta importante não deve ser: quais conhecimentos são válidos? Mas sim quais
conhecimento são considerados válidos? Para as teorias pós-críticas o poder se transforma, mas
não desaparece. Percebe-se que o currículo tem significados muito além do que as teorias

958
tradicionais ensinam. O currículo é lugar, espaço, território, relação de poder, trajetória, viagem,
percurso, autobiografia, nossa vida, curriculum vitae. Ou seja o currículo é documento de
identidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se faz necessário refletir sobre os avanços na educação desde a CF 1988, com a


descentralização para os estados e municípios a responsabilidade da gestão e da educação.
Observou-se desde então o crescimento das parcerias público-privadas, onde muitas vezes
privatizou-se o público, e com isso deixou de se observar a qualidade no ensino na formação
de professores, na formação continuada, principalmente nos cursos na modalidade EAD.
Diante desse cenário fica cômodo atribuir aos docentes novas e múltiplas funções, e
consequentemente atribuir também o insucesso no avanço da educação, principalmente quando
os índices almejados não são alcançados.
É necessário envolver todos os responsáveis para que as mudanças de fato ocorram, os
estudantes, os professores, a família, os governos, todos têm um papel indispensável na luta
para que consigamos reverter esse cenário, que hoje é de desvalorização tanto da escola pública
como dos profissionais da educação.
É na discussão dos problemas atuais que será possível fortalecer e realinhar a escola
pública. Reorganizar a escola pública para que consiga superar a exclusão social, que consiga
reduzir as desigualdades, e tornar a sociedade brasileira mais democrática e justa a todos os
cidadãos.

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961
RESENHA SOBRE O LIVRO “DIREITA E ESQUERDA:RAZÕES E
SIGNIFICADOS DE UMA DISTINÇÃO POLÍTICA”

Priscilla Basmage Lemos Drulis (Bolsista CAPES/ PPGE/UCDB))


pribasmage@gmail.com

Francisco Eduardo da Silva do Carmo (PPGE/ UCDB)


fesc171180@gmail.com

Resumo: O presente texto, refere-se a uma resenha sobre o livro “Direita e esquerda razões e
significados de uma distinção política”, do autor Norberto Bobbio, publicada pela editora
UNESP, em 1995. Tem como objetivo explanar e discutir sobre a obra, que veio à luz em 1994,
e teve um grande êxito com dezenove traduções, não só em países europeus, como também na
América do Sul. Como metodologia foi utilizado a pesquisa qualitativa, de cunho documental.
O livro ganhou força com a ideia de que a direita e esquerda tornaram “recipientes” que se
depositou um conteúdo, com palavras suscetíveis a assumir vários significados conforme o
caso. Assim a distinção entre direita igualitária e esquerda inigualitária combina-se com a
distinção entre extremismo e moderantismo, com base não na diferença entre os fins, porém na
diferença entre os meios usados para alcançar o resultado prefixado. Portanto, com a obra o
autor visa sair dos contrastes absolutistas, que se levam a discussão para filosofia da história,
ao invés de um debate político, partindo-se da convicção que a diferença clássica entre direita
e esquerda ainda tem motivos de existir, e faz sentido tornar a propô-la.
Palavras-chaves: Direita; Esquerda; Liberalismo; Nacionalismo; Socialismo.

RESENHA
O texto abaixo refere-se ao livro Direita e esquerda: razões e significados de uma
distinção política do autor Norberto Bobbio.

Norberto Bobbio, nasceu em Turim na Itália em 18 de outubro de 1909 e faleceu em 9


de janeiro de 2004 com 94 anos. Foi um filósofo político, historiador do pensamento político,
escritor e senador vitalício italiano. Tem a maioria dos seus livros publicados no Brasil,
destacando-se A teoria das formas de governo (UnB, 1980), O futuro da democracia (Paz e
Terra, 1986), Estudos sobre Hegel (Editora UNESP - Brasiliense, 1989) e A era dos direitos
(Campus, 1992). Era um defensor da democracia social-liberal e do positivismo jurídico e

962
crítico de Marx, do fascismo italiano, do Bolchevismo e do primeiro-ministro Silvio
Berlusconi. Pode se considerar um dos mais respeitados pensadores políticos contemporâneos.

O livro teve sua venda expressiva devido seu título sugestivo e a aproximação das
eleições na Itália, a perspectiva das pessoas ao comprar o livro era que poderia encontrar nele
uma orientação, respostas, sugestão sobre a opção eleitoral que deveria tomar, porém, mesmo
depois das eleições a busca pelo livro ainda existia. Bobbio (1995) classifica em 3 seguimentos
as criticidades em seu livro,

1. Os que continuam a sustentar que direita e esquerda são hoje nomes sem sujeito e
que não vale a pena persistir na tentativa de mantê-los vivos, atribuindo-lhes um
significado que não podem mais ter (donde, em decorrência, meu livro poder ser visto
como uma obra de arqueologia política); 2. Os que consideram a díade ainda válida,
mas não aceitam o critério sobre o qual eu a apoiei e sugerem outro; 3. Os que aceitam
a díade, aceitam também os critérios, mas o consideram insuficiente. (BOBBIO, 1995,
p. 9)

Não há dúvida de que o livro foi favorecido pelo fato de ter sido lançado com um
título sugestivo durante uma campanha eleitoral em que duas forças estavam se
contrapondo de modo muito mais nítido do que nas eleições precedentes.
Essas críticas impulsionaram a venda do livro sem dúvida, já que muitos criticaram
seus argumentos e a disposição ao escrever sobre a temática, onde seus leitores buscavam
explicar e realizar colocações sobre o tema. Apesar das argumentações a díade, esquerda e
direita, está sempre em debate.

Não houve apenas a esquerda comunista, houve também, e há ainda, uma no


interior do horizonte. A distinção entre as palavras direita e esquerda vai além do
capitalismo e o comunismo. As palavras direita e esquerda são utilizadas
abundantemente não apenas no discurso político, mas, diversas vezes de modo até
mesmo caricatural, nos mais diversos campos da ação humana.

A exposição da díade direita ou esquerda traspôs a política, são setores como a


televisão, uma praça pública, um ambiente qualquer pode ser denominado de direita ou
esquerda dependendo de que frequente.

Até mesmo em conversas Bobbio (1995), expõe que, é verdade ou não é verdade que
a primeira pergunta que nos fazemos quando trocamos opiniões a respeito de um político é se

963
ele é de direita ou de esquerda? A ideia da bipolaridade, a pessoa tem que ser de um lado ou de
outro e seguir as opiniões, regras sem causar transtorno de indagações.

Bobbio (1995), propõe que para delimitar se algo ou alguém é de direita ou de


esquerda, inicialmente é necessário delimitar, definir o que é caracterizado de direita e o que é
caracterizado de esquerda, valores, crenças, posicionamento político, sem perder seu sentido de
ser.

As duas palavras continuam a ser empregadas a desígnio de políticos, de partidos,


de movimentos, de alinhamentos, de jornais, de programas políticos, de disposições
legislativas.

Refutar a díade direita e esquerda em situações que sua abrangência está além da
caracterização da simples ideologia de ações políticas, porque,

“Independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida
autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originalmente desenvolvas.
Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da política. Fazem parte
das noções de base que informam genericamente o funcionamento das sociedades
contemporâneas”. (BOBBIO, 1995, p. 15).

O autor utilizou o método analítico para tentar definir a díade entre as duas palavras,
tentando explicar singelamente as origens desta distinção. Bobbio diz que:

objetiva mostrar não só a validade dela, mas também sua recorrência, não obstante a
modificação das situações históricas pelas quais, com base no inconstante juízo a
respeito do que é relevante e do que é irrelevante, se modificam os critérios para
estabelecer quais pessoas devem ser consideradas iguais e quais devem ser
consideradas desiguais. Além do mais, são os que refutam o critério por mim adotado
que se põem fora da tradição sem apresentar argumentos para justificar sua preferência
ou para combater os argumentos dos adversários (BOBBIO, 1995, p.16)

Os métodos de análise utilizado por Bobbio (1995), não são convencionais para muitas
pessoas que leram, com a aparência de árido, mas o autor não segue um método histórico
aceitável para a época, mas, buscar realizar reflexões práticas sobre as situações ao seu redor,
olhando o problema por todos os lados.

Ao refutarem seus critérios, o autor informa,

Há quem tenha sustentado que o traço característico da esquerda é a não-violência.


Mas a renúncia ao uso da violência para conquistar e exercer o poder é a característica
do método democrático, cujas regras constitutivas prescrevem vários procedimentos
para a tomada de decisões coletivas por meio do livre debate, que pode dar origem ou
964
a uma decisão acordada ou a uma decisão tomada pela maioria. Prova disso é que,
num sistema democrático, a alternância entre governos de direita e esquerda é possível
e legítima. (BOBBIO, 1995, p. 17).

Afirmar que um lado realiza uma ação significa informar que o outro lado não faz, já
que se trabalha com a díade das ações, mantendo um certo equilíbrio sobra as atitudes de quem
se encontra em um dos lados da obra.

Para caracterizar seus critérios Bobbio (1995),

Todavia, creio poder dizer que o que faz de um movimento de libertação um


movimento de esquerda é o fim ou o resultado a que se propõe: a derrubada de um
regime despótico fundado na desigualdade entre quem está em cima e quem está
embaixo na escala social, percebido como uma ordem injusta, e injusta precisamente
porque igualitária, porque hierarquicamente constituída; e a luta contra uma sociedade
na qual existem classes privilegiadas e, portanto, em defesa e pela instauração de uma
sociedade de iguais juridicamente, politicamente, socialmente, contra as mais comuns
formas de discriminação. (BOBBIO, 1995, p. 19).

Ao buscar caracterizar um lado consequentemente expõe o outro, pois o que não é


absorvido por um é legitimamente do outro, na ideia da díade, sendo que diminuir um setor é
aumentar o outro.

Ao denominar de direita ou de esquerda é admitir ações positivas como a liberdade em


seu sentido amplo, informando que uma obra pode ser entendida como de direita ou como de
esquerda diante da preposição assumida, pondo a díade em xeque.

Para Bobbio (1995), existe uma “crise de ideologia”, que

É incontestável que, hoje, uma das razões da desorientação da esquerda vem do fato
de que no mundo contemporâneo emergiram problemas que os movimentos
tradicionais da esquerda jamais se tinham posto, ao mesmo tempo em que perderam
validade alguns dos pressupostos sobre os quais haviam se apoiado não só o próprio
projeto de transformação da sociedade, mas também a sua força. Eu mesmo já insisti
várias vezes sobre isso. Nenhuma pessoa de esquerda pode deixar de admitir que a
esquerda de hoje não é a mesma a de ontem. (BOBBIO, 1995, p. 23).

Entender que a sociedade não pode ser caracterizada como algo imutável, ela sempre
estar em constante transformação para atender uma certa parcela dela, logo os atores que
compõem a direita ou a esquerda necessitam evoluir em suas ações e atitudes para não deixar
ambiguidades em seus atos.

965
Na concepção de Bobbio (1995), não me pergunto quem tem razão e quem não tem,
pois não creio que seja de alguma utilidade confundir o juízo histórico com minhas opiniões
pessoais.

O livro possui 121 páginas, divididos em 8 capítulos. Inicialmente faz uma introdução
como resposta aos críticos, em seguida faz um prefácio à primeira edição italiana. E prossegue
com oito subtítulos sendo eles: 1- A distinção contestada; 2- Extremistas e moderados; 3-A
díade sobrevive; 4- Em busca de 1 critério de distinção; 5- Outros critérios; 6- Igualdade e
desigualdade; 7-Liberdade e autoridade; 8- A estrela polar.

A díade direita e esquerda são expressões empregadas nas mais variadas situações
cabíveis, sendo :

Também da dupla de termos antitéticos direita e esquerda pode-se fazer um uso


descritivo, um uso axiológico, um uso histórico: descritivo, para dar uma
representação sintética de duas partes em conflito; axiológico, para exprimir um juízo
de valor positivo ou negativo sobre uma ou outra das partes; histórico, para assinalar
a passagem de uma fase a outra da vida política de uma nação. O uso histórico, por
sua vez, pode ser descritivo ou avaliativo. (BOBBIO, 1995, p. 31).

A busca do certo ou errado dentro da filosofia, argumentação de Bobbio (1995), retrata


a condição de sempre ocorrer uma dualidade entre as partes conflitantes, mas buscando um
ponto de equilíbrio para melhor argumenta sobre o assunto em pauta, pois a uma dificuldade de
representatividade de ações que caracterizem direita ou esquerda.

Em relação as ideologias Bobbio (1995), afirma que elas estão em crise, pois é
ideológico, mas direita e esquerda não são pura expressão de pensamento ideológico, não há
dicotomia neste sentido, porque em sociedades complexas a visão dicotômica da política fica
menos evidente.

No campo político democrático existe uma Terceira Incluído que faz a direita não se
aproxime mais do centro, assim como a esquerda também, tornando possível uma compreensão
mais articulada do sistema, em uma sociedade que aspira ações mais eficaz, fazendo que
diversas posições se distribuem de um extremo a outro, Bobbio (1995).

Já a política do Terceira via, inclusivo é uma ação de centro um compromisso entre os


dois extremos que busca obras além dos que estão nos extremos direita e esquerda, nesta
conjuntura existe uma esquerda rigorista e uma direita laxista, e vice-versa, Bobbio (1995),

966
padrões de uma sociedade mais ativa na política, onde o predomínio não significa a exclusão
do outro.

No entendimento de Bobbio (1995), não existe uma única esquerda, mas muitas
esquerdas, assim como, de resto, muitas direitas, portanto não se pode negar a díade, porém é
necessário entendê-la em seus diversos contextos.

Nesta seção Bobbio (1995), explica que os estudiosos de direita ou de esquerda buscam
fomentar seus conhecimentos em autores que podem ser interpretados como díade dependendo
de quem vai utilizar seus argumentos, ele exemplifica essa tomada de decisão que, alguns
teóricos da direita neofacista tentaram apropriar-se do pensamento de Antonio Gramsci
“gramscismo de direita”, evidenciando que a interpretações dos textos que direcionam para a
direita ou esquerda a díade da análise.

Na verdade Bobbio (1995), entende que,

o que autores revolucionários e contrarrevolucionários e os respectivos movimentos


têm em comum é o fato de pertencerem, no âmbito dos respectivos alinhamentos, à
ala extremista contraposta à ala moderada. A díade extremismo-moderantismo não
coincide com a díade direita-esquerda e obedece, como veremos, a um critério de
contraposição no universo político diverso do que conota a distinção entre direita e
esquerda. (BOBBIO, 1995, p. 51).

Portanto, algumas alas não são passíveis de entendimento para um bem comum, porém
no sentido dual os extremistas poderiam realizar algum entendimento com os moderados para
obter equilíbrio nas ações, um ponto extremo é a antidemocracia em que os dois movimentos
se entendem.

Existe também,

A tese dos opostos extremismos, que, do ponto de vista dos moderados, não são
opostos, mas sob muitos aspectos análogos, acabou por ter uma confirmação, embora
em uma história menor, nos assim chamados “anos de chumbo”, durante os quais a
sociedade italiana foi continuamente alarmada por atos terroristas provenientes de
ambos as partes extremas do universo político. (BOBBIO, 1995, p. 55).

O extremismo cerca os dois lados, pois o predomínio da ideologia é que fará a


exposição de seus atos é evidente que neste exemplo o convívio social em harmonia não
ocorreu, nem a ideia de construir uma sociedade igualitária, com valores de cooperatividade,
colocando a democracia em questão.

967
A conjuntura da direita e esquerda não foi superada pois, ela é muito forte nos partidos
políticos principalmente, porque evidência muito quais suas ações sobre determinados assuntos,
mesmo mudando a nomenclatura do partido político, mas sua estrutura essencial e
originalmente dicotômica permanece em suas raízes.

Na política algumas metáforas são utilizadas com maior ênfase, como a metáfora
temporal, que permite distinguir os invocadores dos conservadores, os progressistas dos
tradicionalistas, Bobbio (1995), a ação temporal explica como o partido político organizou-se
no seu percurso.

A neutralidade não existe, para Bobbio (1995), e mesmo que tenham o cuidado de usar
os dois termos com todas as devidas cautelas, as sondagens confirmam a presença
continuamente operante e discriminadora da díade.

A distinção dos termos “direita” e “esquerda” perpassa os ideais políticos do tempo e


do espaço, em seus apoiadores ou não, a sociedade passou a ser mais crítica em relação aos
posicionamentos políticos.

Na compreensão de Bobbio (1995), ininterruptamente,

sempre será preciso distinguir, o que Laponce não parece estar disposto a fazer, uma
dualidade como amigo-inimigo, e outras a ela semelhante, nas quais um dos dois
termos é sempre positivo e o outro é sempre negativo, da dupla direita-esquerda, na
qual ambos os termos podem ter uma conotação positiva ou negativa segundo as
ideologias e os movimentos que representam, e, portanto, segundo as pessoas ou os
grupos que deles se apropriam. (BOBBIO, 1995, p. 75).

Distinguir posicionamentos, quanto sua origem, vai ser sempre necessário para ter um
certo equilíbrio, mas refutar um deles não é a metodologia mais apropriada em uma sociedade
crítica e participativa, onde sempre existe positivo e negativo de acordo como os idealizadores
de cada lado.

Bobbio (1995), afirma que na linguagem política os bons e, respectivamente, os maus


podem ser encontrados tanto à direita quanto à esquerda, pois depende das ações que estão
sendo executado e o grau de veemência está sendo aplicada. Além disso, o autor é sempre
enfático no que diz respeito a religião sua autoridade nos movimentos revolucionários.

Por mais que haja a discursão da negatividade de um lado ou do outro (direita e


esquerda), Bobbio (1995), observa que esquerda e direita são termos que a linguagem política
968
passou a adotar no decorrer do século XIX, e preserva até hoje, para representar o universo
conflituoso da política, a ideia da dualidade em que um se posiciona como verdade e o outro
lado como não-verdade de maneira a excluir um.

Portanto, com a obra o autor visa sair dos contrastes absolutistas, que se levam a
discussão para filosofia da história, ao invés de um debate político, partindo-se da convicção
que a diferença clássica entre direita e esquerda ainda tem motivos de existir, e faz sentido
tornar a propô-la.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: Razões e significados de uma distinção política.


Tradução Marco Aurélio Nogueira. - São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista,
1995. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/course/view.php?id=63020&section=12
Acesso em: 20/01/2023

969
REUNIÕES NACIONAIS DA ANPEd: ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO
DA COMUNIDADE ACADÊMICA

Karla Franciellen Ortiz Espindola (Bolsista Excelência UCDB)


Karla.ortiz@ufms.br

Regina Tereza Cestari de Oliveira (PPGE/UCDB)


reginacestari@ucdb.br

Resumo: Este artigo objetiva mapear os trabalhos apresentados nas 38ª, 39ª e 40ª reuniões
nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),
realizadas nos anos de 2017, 2019 e 2021, respectivamente, no Grupo de Trabalho 5 (GT 5) -
Estado e Política Educacional, identificando os principais temas de pesquisa no campo das
políticas educacionais, o número de trabalhos que declararam agência financiadora, o número
de pesquisas apresentadas por região do país, e o número de trabalhos de pesquisadores
vinculados a instituições do Estado de Mato Grosso do Sul. A metodologia utilizada foi a
pesquisa bibliográfica, por meio de consulta ao site da ANPEd. Os resultados indicaram que:
poucas pesquisas declararam agência de fomento; a 40ª reunião nacional, no formato on-line,
registrou maior participação de pesquisadores de diversas regiões do país; o aumento de
trabalhos de pesquisadores vinculados a instituições do Estado de Mato Grosso do Sul na
reunião on-line realizada em 2021.
Palavras-chave: reuniões nacionais; Grupo de Trabalho 5; produção científica.

Introdução
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) reúne
programas de Pós-graduação stricto sensu em educação e tem como finalidade o
desenvolvimento constante da ciência, da educação e da cultura, com fundamento nos
princípios da participação democrática, da liberdade e da justiça social, visando o
fortalecimento da pós-graduação e pesquisas em educação e a participação da comunidade
acadêmica e científica no desenvolvimento de políticas educacionais do País (ANPEd, 2017).
Atualmente o Grupo de Trabalho 5 (GT 5) conta com mais de duzentos pesquisadores,
organizados nas suas Universidades e em Associações diversas, apresentando estudos e
pesquisas, de âmbito nacional e internacional, sobre políticas públicas em educação, discutindo
processos de formulação e materialização de políticas em educação (ANPEd, 2017).

970
A relação entre Estado, educação e políticas educacionais “é marcada por processos e
dinâmicas complexas, que traduzem a historicidade das relações sociais mais amplas, suas
prioridades e formas ideológicas”, como afirma Dourado (2010, p. 678).
Em uma concepção ampla, conforme o autor, o Estado, abrange a sociedade política e a
sociedade civil, seus embates e percursos históricos em que se constroem, marcadas pelas
condições objetivas em que se efetivam “a relação educação e sociedade, os processos
sistemáticos ou não de gestão, bem como o papel das instituições educativas e dos diferentes
atores que constroem o seu cotidiano” (Dourado, 2010, p. 679).
A correlação de forças sociais está presente na construção das políticas públicas
educacionais, compreendendo-se, conforme Shiroma e Evangelista (2019, p. 83),

[...] que as contradições do sistema do capital derivam as demandas e ações concretas


para formulação de políticas públicas para Educação e que os interesses das classes
fundamentais, em determinada correlação de forças, expressam-se no processo de
produção de políticas educacionais.

Nesse sentido, entende-se que os trabalhos apresentados no GT 5 da ANPEd refletem


essas relações, que se manifestam nesse espaço histórico-social e produzem ciência. Segundo
Dourado (2010, p. 678), “a ciência é entendida como a expressão das relações sociais, de seus
nexos, desenvolvimentos e complexidade, apresentando-se como campo, cuja construção é
mediatizada pela ideologia”.
Diante do exposto, o objetivo deste texto é mapear os trabalhos apresentados nas 38ª,
39ª e 40ª reuniões nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd), realizadas nos anos de 2017, 2019 e 2021, respectivamente, no Grupo de
Trabalho 5 (GT 5) – “Estado e Política Educacional”. Para tanto, foram definidos os seguintes
critérios de seleção: principais temas de pesquisa no campo das políticas educacionais, número
de trabalhos que declararam agência financiadora, número de produções científicas
apresentadas por região; e número de trabalhos pesquisadores vinculados a instituições do
Estado de Mato Grosso do Sul.

Trabalhos apresentados nas Reuniões Nacionais da ANPEd

No GT 5 “Estado e Política Educacional” das Reuniões Nacionais da ANPED, foram


apresentados um total de 103 trabalhos, sendo 23 durante a 38ª reunião nacional realizada em
971
São Luís do Maranhão em 2017, 23 durante a 39ª reunião nacional realizada em Niterói em
2019 e 57 trabalhos na 40ª Reunião nacional realizada de forma on-line em 2021.
O quadro 1, a seguir, indica os temas recorrentes nos trabalhos expostos nas reuniões,
mediante levantamento das produções, considerando o título, o resumo e as palavras-chave. A
intenção não é esgotar as temáticas discutidas nas reuniões, porém, relacionar as principais
temáticas que refletem as questões atuais e necessárias para reflexão e debate no campo das
políticas educacionais.

Quadro 1- Temáticas recorrentes em Reuniões Nacionais da ANPEd, 2017, 2019, 2021


38ª Reunião Nacional da ANPEd- 39ª Reunião Nacional da ANPEd- 40ª Reunião Nacional da
2017 realizada em São Luís do 2019 realizada em Niterói. ANPED - realizada em
Maranhão. formato não presencial.

Judicialização da Educação Ensino Domiciliar Ensino Remoto/


Infantil homeschooler

Planos Municipais da Educação e a Reformas Educacionais e BNCC Empresariado e currículo


expansão da Educação Infantil

Qualidade da educação como Neoliberalismo e conservadorismo Regulação Educacional


prioridade na Educação por resultados

Gestão democrática e gestão Controles democráticos Democratização e


escolar gerencialismo

Avaliação: Ensino sob a lógica do Escola cívico militar Banco Mundial e educação
capital básica
Instituto Natura nas políticas de Formação por competências e
Política de competências e colaboração federativa habilidades
habilidades

Fonte: Disponível em: https://www.anped.org.br/reunioes-cientificas/nacional.Acesso em: 15


maio 2023.

É preciso assinalar que no ano de 2016 um golpe parlamentar culminou no afastamento


da presidente da República Dilma Vana Rousseff (2011-2016),

O golpe de 2016 – que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff, resultando


na ascensão do governo Temer e, posteriormente, na eleição do governo ultra
neoliberal e conservador Jair Bolsonaro – vem sendo pautado pela adoção de
políticas de ajustes fiscais, na contramão das políticas sociais e educacionais.
972
No campo educacional, os retrocessos foram inúmeros nas políticas, na
gestão, na organização e no financiamento da educação no país, envolvendo
ataques unilaterais do MEC à composição do Fórum Nacional de Educação
(FNE); revogação de Decreto de nomeação de conselheiros/as e efetiva
recomposição do CNE, que assumiu feição predominantemente privatista;
cortes e contingenciamentos de recursos; e ofensivas à autonomia
universitária, dentre outros fatores (Dourado; Siqueira, 2022, p. 61).

Nesse contexto, houve crescimento do fundamentalismo religioso, dos estigmas como


homofobia, machismo e preconceito de classe, e, em decorrência, foram inúmeros os
retrocessos no campo educacional, comprometendo o direito à educação como elemento
constituinte de uma sociedade democrática (ANPEd, 2017).
Com o tema “Democracia em risco: a pesquisa e a pós-graduação em contexto de
resistência” foi realizada a 38ª Reunião Nacional da ANPEd, na Universidade Federal do
Maranhão (UFMA), em São Luís, de 1o a 5 de outubro de 2017. A temática pretendeu analisar
o cenário da época problematizando os riscos à democracia em seu sentido amplo considerando
a justiça social, os direitos humanos, o respeito, a alteridade e a diversidade. Neste período
destacava-se a preocupação com o futuro dos profissionais, estudantes e pesquisadores da
educação, a luta nesse momento era pela defesa do direito a educação (ANPEd, 2017).

Tabela 1- Trabalhos apresentados no GT 5 da 38ª Reunião Nacional da ANPEd


Total de Não declararam Declararam Agência de Trabalhos do
trabalhos financiamento Financiamento fomento Estado de Mato
Apresentados Grosso do Sul
23 17 6 3 CNPq 1 UFMS
1CNPq/FAPEMA 2 UFGD
1 CNPq /FAPERJ
1 CAPES/CNPq
Fonte: Disponível em: https://www.anped.org.br/reunioes-cientificas/nacional. Acesso em: 15
maio 2023.

Com relação aos vinte e três trabalhos apresentados, apenas seis pesquisadores
declararam receber financiamento, sendo que o CNPq aparece como principal agência
financiadora das pesquisas que declararam apoio das agências de fomento.

973
O Estado de Mato Grosso do Sul foi representado por três pesquisadores, sendo uma
pesquisa vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e duas pesquisas
da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
No ano de 2019 foi realizada em Niterói (RJ), a 39ª Reunião Nacional da ANPEd com
o tema “Educação Pública e Pesquisa: ataques, lutas e resistências”. Ao afirmar os tempos
desafiadores, a discussão do tema propôs analisar criticamente os ataques sofridos em múltiplas
dimensões e inspirar as lutas em diferentes espaços educativos e resistência às injustiças,
autoritarismo, exclusão racismo e homofobia (ANPEd, 2019).
Nesse período, confirmavam-se as preocupações elencadas na 38ª Reunião Nacional da
ANPEd para o campo educacional, diretamente relacionadas às políticas educacionais, um
momento necessário para dar visibilidade às pesquisas, com a intenção de demostrar a sua força
(ANPEd, 2019).

Tabela 2 - Trabalhos apresentados no GT 5 da 39ª Reunião Nacional da ANPEd


Total de Não declararam Declararam Agência de Trabalhos do
trabalhos financiamento Financiamento fomento Estado de Mato
Apresentados Grosso do Sul
23 14 9 3 CAPES 0
3 CNPq
1 FAPEMA
1 FAPESP
1 FAPESP/CNPq
Fonte: Disponível em: https://www.anped.org.br/reunioes-cientificas/nacional. Acesso em: 15
maio 2023.

Conforme os dados apresentados na tabela 2, a 39ª reunião da ANPEd, teve a mesma


quantidade de pesquisas apresentadas na edição anterior, ou seja, 23 trabalhos. Observa-se que
aumentou o número de trabalhos com declaração de financiamento em 50%, de seis trabalhos
financiados na 38ª para nove na 39ª reunião. O CNPq, mais uma vez, é a agência de fomento
com maior número de pesquisas, seguido pela CAPES. Nenhuma pesquisa do Estado de Mato
Grosso do Sul foi apresentada nessa reunião.
A 40º Reunião Nacional da ANPEd realizada em 2021 foi de forma remota, devido a
pandemia da Covid 19, com transmissão direta de Belém do Pará. A temática “Educação como
práticas de Liberdade”: cartas da Amazônia para o mundo, levou em conta a resiliência e o
compromisso da ANPEd em considerar e reconhecer uma luta intensa e pluralista, assim como
o debate sobre os ataques à educação pelo governo da época. Lutas construídas em torno da

974
defesa dos direitos de diferentes pessoas de existir, aprender e se formar em espaços educativos,
em diálogo com movimentos sociais, com comunidades acadêmicas e campos de pesquisa.
Nesse período, a população brasileira foi afetada não apenas pela pandemia, mas também por
uma gestão inconsequente de políticas públicas nacionais (ANPEd, 2021).

Tabela 3 -Trabalhos apresentados no GT 5 da 40ª Reunião Nacional da ANPEd


Total de Não declararam Declararam Agência Trabalhos do
trabalhos financiamento Financiamento financiadora Estado de Mato
Apresentados Grosso do Sul
57 44 13 10 CAPES 3 UFMS
4 CNPq 1 UFGD
1 FAPESB 1 UCDB
1 FAPESC
2 FAPERJ
1 FAPESB
Fonte: Disponível em: https://www.anped.org.br/reunioes-cientificas/nacional. Acesso em: 15
maio 2023.

Na 40ª Reunião Nacional da ANPEd, como mostra a tabela 3, houve um aumento de


mais de 100% na apresentação de trabalhos, de 23 nas duas reuniões anteriores para 57
trabalhos. Apenas 13 trabalhos declararam financiamento de pesquisa nessa reunião, sendo que
a CAPES aparece como a maior agência financiadora, com 10 pesquisas, seguida pelo CNPq
com quatro pesquisas financiadas.
O Estado de Mato Grosso do Sul foi representado com cinco trabalhos, sendo três da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, um da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD) e um trabalho da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
O gráfico 1 expõe o número de trabalhos apresentados por cada região1 do Brasil

1
De acordo com o IBGE (2023) as cinco grandes regiões compreendem: região Norte composta pelo Estado do
Acre, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Amapá e Tocantins; região Nordeste composta pelos Estados do
Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe Alagoas e Bahia; região Centro -
Oeste composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal; região Sudeste
composta pelos Estados de São Paulo. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e Região Sul composta pelos
Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
975
Trabalhos apresentados por região do Brasil
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Região Região Região
Região Norte Região Sul
Nordeste Centro-oeste Sudeste
38ª Reunião Nacional da ANPEd 4 1 5 9 4
39ª Reunião Nacional da ANPEd 2 2 2 8 9
40ª Reunião Nacional da ANPEd 4 12 10 19 12

38ª Reunião Nacional da ANPEd 39ª Reunião Nacional da ANPEd 40ª Reunião Nacional da ANPEd

Gráfico 1 - Trabalhos apresentados por região do Brasil.


Fonte: Disponível em: https://www.anped.org.br/reunioes-cientificas/nacional.Acesso
em: 15 maio 2023.

Na 38ª Reunião Nacional da ANPEd, das 23 pesquisas apresentadas no GT 5, por região,


observa-se que a região Sudeste se destaca com o maior número de trabalhos de pesquisadores
dessa região, sendo nove no total, seguida pela região Centro-Oeste com cinco trabalhos.
Constata-se o mesmo número de trabalhos apresentados provenientes de pesquisadores das
regiões Norte e Sul, ou seja, quatro, e somente um pesquisador da região Nordeste apresentou
trabalho no evento.
Durante a 39ª Reunião Nacional da ANPEd, os números indicam que das 23 pesquisas
apresentadas no GT 5, a Região Sul se destaca com nove trabalhos, seguida pela região Sudeste
com oito trabalhos, já das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste foram apresentados dois
trabalhos de cada uma delas.
A 40ª Reunião da ANPEd apresentou um total de 57 trabalhos, sendo destaque a região
Sudeste com 19 pesquisas, seguida pelas regiões Sul e Nordeste que apresentaram a mesma
quantidade de trabalhos, doze, enquanto pesquisadores da região Centro-Oeste apresentaram
10 trabalhos e da região Norte quatro trabalhos.

976
Considerações Finais
O levantamento demonstrou que as temáticas apresentadas correspondem aos objetivos
elencados pela ANPEd no período de cada reunião. Os dados demonstram que poucos
pesquisadores declararam financiamento a sua pesquisa. A falta de recursos financeiros podem
ser um impeditivo para a participação de pesquisadores nessas reuniões nacionais. Um dado
apresentado no trabalho que respalda essa afirmação é o aumento de mais de 100% de trabalhos
apresentados no evento realizado no ano de 2021, durante a 40ª Reunião Nacional da ANPEd,
realizada em formato on-line.
Observa-se, também, que o maior número de pesquisas, por região, inclui pesquisadores
com financiamento das agências de fomento.
Esse levantamento mostra a necessidade da ampliação do financiamento para a pesquisa
e do número de bolsas de estudos que possam viabilizar a participação de maior número de
pessoas nas reuniões nacionais da ANPEd, um espaço permanente de formação.

O processo formativo é mediado pelo contexto sociopolítico e cultural mais amplo,


pelas condições em que se organiza a sociedade e pelos processos de regulamentação
e regulação em que se realizam a institucionalização do direito social à educação, as
dinâmicas organizacionais e, consequentemente, as políticas de acesso, permanência
e gestão, que não se dissociam dos marcos estruturais da sociedade brasileira,
fortemente marcados por uma tradição histórica, cujo ethos patrimonial não foi
totalmente superado, onde a desigualdade social se faz presente num modelo
societário desigual e combinado (Dourado, 2010, p. 679 -780).

Apesar de a reunião on-line ter tido maior número de participantes em relação às


reuniões anteriores, enfatiza-se a importância do encontro presencial para apresentação dos
resultados das pesquisas e aprofundamento do debate das políticas educacionais em curso, no
contexto da sociedade brasileira marcada pela desigualdade social e educacional.

Referências

ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Grupos de


Trabalho. Disponível em: https://www.anped.org.br/grupos-de-trabalho. Acesso em: 15 maio
2023.

ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 38ª Reunião


Nacional da Anped. São Luís do Maranhão, outubro de 2017.
Disponível em: http://anais.anped.org.br/p/38reuniao/trabalhos. Acesso em: 14 maio 2023.

977
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação 38ª Reunião
Nacional da Anped. Niterói, outubro de 2019. Disponível em:
http://anais.anped.org.br/p/39reuniao/trabalhos Acesso em: 15 maio 2023.

ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 40ª Reunião


Nacional da Anped, Belém do Pará, outubro de 2021.Disponível em:
http://anais.anped.org.br/40reuniao. Acesso em: 1º jun. 2023.

DOURADO, Luiz Fernandes. Avaliação do Plano Nacional de Educação 2001-2009: questões


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978
TRAJETÓRIA DA PESQUISA NA ESCOLA FRANCISCANA IMACULADA
CONCEIÇÃO: PRINCÍPIOS E VALORES FRANCISCANOS DIANTE DA “SOCIEDADE
LÍQUIDA”

Adriana Renata Santos (PPGE UCDB)


adriana@escolaimaculada.com.br

Adir Casaro Nascimento (PPGE/UCDB)


adir@ucdb.br

Resumo: Este artigo apresenta a trajetória da dissertação: Princípios e Valores Franciscanos em


tempos de Sociedade líquida: o planejamento estratégico da Escola Franciscana Imaculada Conceição
– Dourados-MS. O objetivo desta pesquisa foi identificar como os gestores e professores
desenvolvem planejamento estratégico, em vias de garantir os princípios e valores Franciscanos,
diante da sociedade líquida. Para o desenvolvimento da pesquisa, buscou-se inspiração nos autores
que sustentassem a discussão da temática em questão, entre eles, o destaque está em Bauman, que
trata da questão da modernidade líquida. Utilizamos também os escritos Franciscanos e documentos
produzidos pela mantenedora da Escola, a Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis –
Zona Norte (SCALIFRA-ZN), os quais fundamentam a proposta educativa de sua rede de Escolas. A
pesquisa, de natureza qualitativa, conciliou observação no campo empírico e técnica do grupo de
discussão. A análise feita, a partir destas duas práticas metodológicas, observou-se que a Escola
Franciscana Imaculada Conceição possui grandes desafios em manter os princípios e valores, então,
traça planejamento estratégico, para manutenção dos seus princípios em tempos líquidos, por meio
da formação continuada para todos os colaboradores.

Palavras-chave: Modernidade líquida, Princípios e Valores, Educação Franciscana.

Introdução

Apresento uma reflexão realizada na dissertação, ao olhar para a realidade dos tempos líquidos,
ancorada em Bauman, um dos teóricos com quem dialogo na discussão da pesquisa. Ele conceitua a
pós-modernidade como “vida líquida”, “Líquido-moderna”, “sociedade em que as condições sob as
quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a
consolidação” (Bauman, 2007, p. 7). Sobre a metáfora do sólido e do líquido, o autor explica que os
sólidos, diferentemente dos líquidos, se caracterizam por apresentarem forma definida, por serem
estáveis e duradouros. Já os líquidos, não têm forma definida, ou seja, sua forma está em contínua
transformação. O líquido é instável por definição, tem forma efêmera, passageira, e apresenta grande
mobilidade. Nesse contexto de sociedade líquida (Bauman, 2007), as Irmãs Franciscanas da
979
Penitência e Caridade Cristã1, pertencentes à rede de educação franciscana Sociedade Caritativa e
Literária São Francisco de Assis – Zona Norte (SCALIFRA-ZN)2, mantém Escolas, em quatro
estados do Brasil, com uma proposta educacional pautada em princípios e valores franciscanos
extraídos das fontes Franciscanas.
O legado humanitário de Francisco de Assis existe há quase dois séculos, assim, parece até
um tanto contraditório oferecer essa proposta educacional para a sociedade do nosso tempo
denominada “líquida”. E o tempo neste estado seria o fator principal da mudança, pois é a urgência
de atender as demandas deste tempo, que tornam as vidas líquidas. Quando tomei contato com a obra
de Bauman, Modernidade Líquida (2001), que trata desta liquefação social, várias inquietações
fizeram parte do meu cotidiano profissional, sobretudo na gestão da Escola em que hoje estou na
direção, e é meu campo de pesquisa. E me veio a indagação “como viver, praticar os princípios e
valores Franciscano nessa realidade social, na qual tudo é passageiro e é feito para se diluir, no que
tange diretamente às relações? ”. Afinal, Bauman apresenta que os objetivos desta sociedade líquida
é justamente transformar tudo em mercadoria, porque é o que mais se consome, se descarta, e para
viver neste estado social de liquefação, é necessária essa diluição para responder às expectativas de
mercados e status social. Tudo isso me fez retomar a proposta educacional da Rede de Educação
Franciscana SCALIFRA-ZN, que “fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano, nos
valores espirituais e éticos, inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação
pedagógica, em igual intensidade, [...] objetiva a formação integral da pessoa. ” (Referencial
Educativo Scalifra-zn, 2021, p.18).
Ao desenvolver a metodologia da pesquisa, muitas vezes me questionei se estava no caminho
certo, ou seja, precisei fazer também um processo de desconstrução para poder acolher novas leituras,
ver outras possibilidades e caminhos possíveis trilhar, em vias de dar direção ao objetivo da pesquisa.
Na busca da definição metodológica, encontrei resposta nos estudos de Meyer e Paraíso (2012, p. 7),
que afirmam: “[...] uma metodologia de pesquisa é pedagógica, [...], porque se trata de uma

1
As Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, congregação fundada na Holanda, no dia 10 de maio de 1835,
por uma simples camponesa chamada Catarina Damen, que mais tarde recebeu o nome religioso de Irmã Madalena
Damen. A fundadora, Madre Madalena, viveu intensamente a confiança em Deus e propagou por sua vida e atividade
apostólica, por intermédio da congregação, seu lema: Deus Proverá. Sua opção religiosa cristã, seguindo o modo de vida
de São Francisco de Assis, inspirou um projeto educativo, atualmente propagado em vários países e realizado mediante a
atividade educacional.
2
A Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis - Zona Norte, SCALIFRA-ZN é pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, mantenedora de instituições que abrange a educação básica e superior. A educação básica
contempla Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio e Ensino Profissionalizante. A Educação Superior
compreende cursos de graduação, tecnológicos e de pós-graduação.
980
condução”. A pesquisa é de natureza qualitativa, pois ela dá suporte para acessar significados de
vivências e valores das pessoas, dimensões que não são percebidas por meio de números.
Documental, devido à análise das fontes Franciscanas e documentos da SCALIFRA-ZN. Desse modo,
busquei conciliar procedimento de produção de dados, por meio da observação no campo empírico,
com a técnica do grupo de discussão, ou entrevista aberta.
O grupo de discussão é “uma prática nascida nos estudos sociológicos e trabalhada de uma
maneira específica na tradição da sociologia espanhola” (Meinerz, 2011, p. 486). E, se tratando de
uma pesquisa qualitativa, Meinerz também nos diz que o grupo de discussão é uma metodologia que:

[…] consiste em uma importante prática qualitativa de análise social, na medida em


que favorece uma profundidade e permite descobrir mecanismos sociais ocultos ou
latentes. A entrevista aberta e o grupo de discussão apontam para algo muito precioso
oferecido por esse tipo de prática investigativa, que é a possibilidade da escuta.
(Meinerz, 2011, p. 486)

Poder estar diante desta possibilidade de “escuta”, é que me encantou e tornou-se decisivo
como escolha na construção da produção de dados, pois ao olhar para a questão que estava propondo-
me a investigar, ou seja, como os gestores e professores desenvolvem práticas focadas em princípios
e valores franciscanos, diante da sociedade líquida, senti o quanto era uma questão que exigiria muita
maturidade e profundidade nas reflexões.
Os participantes do estudo foram constituídos através de uma pré-seleção e com pré-
requisitos quanto ao perfil de pessoas (colaboradores), que pudessem imprimir uma leitura mais
atenta à pesquisa. Tratando-se da metodologia do grupo de discussão, ela nos passa uma segurança
quanto à flexibilização conforme nos diz Silvestre; Martins; Lopes (2018, p. 35):

[...] ao pesquisar pelas suas formas de condução não se encontra uma metodologia
única, fixa, levando-nos a concluir que várias são as possibilidades de se conduzir
um GD - respeitando, claro, alguns princípios [...].

O grupo foi constituído pela supervisora educacional, coordenadora pedagógica,


coordenadora pedagógica do ensino religioso, orientadora educacional, assessora de comunicação,
professores, ex-profissional da escola, que tinha cargo na área de gestão e uma ex-aluna, hoje
profissional atuante no mercado de trabalho. Foram realizadas três sessões, sendo que, na primeira,
ocorreu a acolhida dos participantes e a apresentação do projeto, contextualização da pesquisa,
entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE), e o documento

981
Referencial Educativo da SCALIFRA-ZN, que contém os Princípios e Valores Franciscanos da rede.
São os princípios: Cultura de paz, Busca da Verdade, Justiça, Ética, Solidariedade e a Visão Sistêmica
da Vida, e os valores: Confiança em Deus, Espiritualidade Franciscana, Diálogo, Respeito e
Conhecimento, cuja temática é o foco das reflexões do grupo ocorridas nas outras duas reuniões
subsequentes.
Após a realização da pesquisa de campo, foi ouvida a gravação das discussões do grupo,
tendo início a primeira fase de interpretação: organização dos tópicos discutidos em temas e subtemas,
identificação e seleção das passagens centrais e mais relevantes para a pesquisa, no que tange os
princípios e valores franciscanos. As passagens foram posteriormente transcritas, conforme sugerido
por Meinerz:

O resultado do grupo de discussão fica registrado numa gravação, que é transcrita e


deve ser acompanhada dos comportamentos relevantes observados no grupo (risos,
burburinhos, expressões de aprovação ou reprovação etc.). A análise, assim, está
presente em todo o processo de investigação, desde a seleção dos componentes até a
forma como se desenrola a discussão. (Meinerz, 2011, p. 496).

As falas foram analisadas à luz dos escritos Franciscanos e de autores que fundamentam a
temática da contemporaneidade, ou melhor, da sociedade líquida como é denominada pelo renomado
sociólogo Zygmunt Bauman.

Campo empírico: a Escola Franciscana Imaculada Conceição

A Escola Franciscana Imaculada Conceição está situada na Rua Firmino Vieira de Matos,
1509 - Vila Progresso na cidade de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul, é uma das oito escolas
de educação básica mantida pela SCALIFRA-ZN. Foi fundada em 1º de março de 1955. Sua trajetória
teve início com o compromisso firmado entre Dom Orlando Chaves e Madre Antoninha Werlang, em
julho de 1954, para que as Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã viessem para o então
Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul) trabalhar com a catequese, posto de puericultura e escola
primária. Foram designadas para a missão inicial cinco Irmãs: Ir. Liuba Heck, Ir. M. Rosita Meyer,
Ir. Alfredina Sturp, Ir. M. Iracema Grings e Ir. Miraci Admans. A Escola Franciscana Imaculada
Conceição é o primeiro colégio confessional católico no município a trabalhar com a formação de
professores na região, ao instituir o curso normal nos anos seguintes a sua fundação. Hoje, oferece
todos os níveis da educação básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Além das
aulas regulares, oferece atendimento integral, em horário estendido, de forma opcional, da educação
982
infantil ao 9º ano do ensino fundamental. Práticas esportivas, em variadas modalidades, são
proporcionadas para todas as faixas etárias. A instalação das irmãs em Dourados confirma o perfil
missionário educativo e o compromisso de espalhar o legado deixado por Madre Madalena.

Tempos de “Sociedade Líquida”

Como aprofundamento teórico da temática “Sociedade Líquida”, buscamos as contribuições


do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), uma vez que a nossa indagação é saber se existe
a continuidade dos valores e princípios franciscanos, em meio a uma sociedade que é e está marcada
pela sociedade líquida na qual tudo é escorregadio. E, ao falar sobre sociedade, Bauman (2001) utiliza
o termo “sociedade líquida” para fazer uma analogia ao estado da matéria que se transforma. Para
Bauman, ‘Líquido-moderna’ é uma sociedade em que as condições, sob as quais agem seus membros,
mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas,
das formas de agir” (Bauman, 2007, p.7).
Modernidade Líquida é um conceito cunhado pelo autor e se trata do diagnóstico da
contemporaneidade, que é impactada pela globalização. Na obra Modernidade Líquida, Bauman traz
a ideia de liquidez das relações sociais, do mundo globalizado e individualizado. A metáfora de usar
o termo modernidade líquida é para fazer um contraponto com a modernidade sólida. Na modernidade
líquida, as mudanças ocorrem de forma rápida, sem um embasamento firme ou algo que dê forma. A
ideia é adaptar-se às situações como a água faz, de acordo com o recipiente em que é inserida.
“A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante” (Bauman,
2005, p. 8). Desta forma, a sociedade líquida é flexível, maleável, fluida e, frente a isso, tem a
capacidade de moldar-se de acordo com as infinitas estruturas já existentes ou que poderão vir a
existir.

[...]os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade [...].
Enquanto os sólidos têm dimensões especiais claras, mas neutralizam o impacto e,
portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o
tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão
constantemente prontos (e propensos) a mudá-la (Bauman, 2001a, p. 8).

Em termos de sociedade, esta foi transformada pelo mercado, ou seja, na sociedade líquida
tudo foi reduzido à mercadoria e tem valor de mercado. Inclusive valores da vida, tidos como
importantes, passam a ter valor na esfera econômica. Diante desta realidade contemporânea volátil que
envolve parâmetros culturais, comportamentais e intelectuais, temos a proposta de educação
983
Franciscana fundamentada em princípios do humanismo franciscano, nos valores espirituais e éticos,
inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação pedagógica, que objetiva a
formação integral da pessoa. Como nos afirma (Lourenço, 2023, P. 14).

O papel da Escola Franciscana na formação integral do cidadão está no


desenvolvimento do estudante como sujeito e protagonista da sua autoformação para
além da dimensão intelectual, ou seja, uma formação que considera e aperfeiçoa
aprendizagens nos aspectos físicos, cognitivos, sociais, éticos, morais, emocionais,
espirituais e culturais. Tem o propósito social de inserir a juventude na sociedade de
maneira dinâmica e crítica, para transforma-la num espaço democrático de acesso à
educação e da promoção da construção ética e moral do ser humano em todas as etapas
do seu desenvolvimento.

E, se tratando de princípios e valores franciscanos, eles possuem a sua originalidade em suas


raízes e, neste sentido, podem ser considerados perenes; então, como eles se perpetuam em tempo
líquidos? E a resposta a esse questionamento pode vir a partir da vida do próprio Francisco, que
revolucionou o seu tempo - isso no século XIII, pois questionou a sociedade, a igreja e tudo que estava
fixado, dito como norma, mas não estava em prol da vida, ou melhor, de toda a criação que pudesse
viver com dignidade e liberdade. Então, entende-se que a continuidade da filosofia franciscana, em
qualquer tempo, exige, também, uma revolução em manter o essencial, que é a garantia da vida com
toda a dignidade, que lhe é garantida por Deus como criador de todas as coisas.

Desafios para a educação Franciscana Pautada em princípios e valores

Existe uma preocupação com a continuidade da proposta de educação franciscana, devido aos
movimentos complexos e ambivalente deste mundo líquido, volátil e diluído, que torna ainda mais
desafiador assegurar uma educação embasada em princípios e valores franciscanos, cuja tradução é
viver o evangelho. E, no diálogo com Bauman, encontro também preocupações convergentes com o
pensamento Franciscano, sobretudo, nas reflexões realizadas no livro Bauman & Educação (2014 p.
74) ao trazer o duplo desafio da educação na modernidade líquida: as reflexões, além de promoverem
a socialização, preparam as pessoas para o mundo mutável em que vivemos.
A leitura dos autores Almeida, Bracht e Gomes, (2014) aponta que não existe uma ruptura da
sociedade, que passa do estado sólido para estágio líquido, ou seja, uma relação ambivalente. Os
autores não propõem uma ruptura, mas uma possibilidade de conciliar uma sociedade em rápidas
mudanças com um mundo mais acolhedor. Desta forma, compreende-se que para eles, “o imperativo

984
mais importante da atual configuração do discurso da educação para toda a vida é [...] tornar esse
mundo em rápida mudança mais hospitaleiro para a humanidade” (Almeida; Bracht; Gomes, 2014, p. 72).
Desta forma, entende-se que, na visão educacional dos autores, o caminho pedagógico para este tempo
deve ser dialógico e reflexivo, ou seja, a escola precisa primar pelo aspecto de autonomia própria, capaz
de dialogar com a sociedade, deve dar contribuição à formação de maneira responsável e justa. E, para
Lourenço (2023, p. 13), a formação integral da SCALIFRA-ZN “se preocupa com a formação de
sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo mesmos e com o mundo”.
Com base nesta reflexão, percebemos o quanto Francisco de Assis e Catarina Damen foram
perspicazes ao iniciarem uma proposta de vida, olharam primeiramente para o cenário social e
ampliaram para todas as dimensões, ou seja, sentiram a necessidade da atualidade e realizaram as
transformações sempre à luz do evangelho, este que é o condutor da missão das Irmãs Franciscanas da
Penitência e Caridade Cristã, responsáveis pela Escola Imaculada.
Conforme descrito anteriormente, a concepção de educação do sociólogo Bauman, no contexto
social de liquefação, é constituída pelos seguintes pontos: a busca do diálogo, reflexão e a formação de
pessoas que tenham condições de questionar e possuir pensamentos críticos. E por sua vez, observa-
se- que a proposta educacional da Escola Imaculada Conceição possui convergências com o
pensamento de Bauman (2014) quanto ao direcionamento educativo, que deve existir para atender às
necessidades da atualidade, pois ela fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano e que
possui características próprias para o educador franciscano conforme nos diz ALVES, 2015.

O educador, na visão franciscana, não é um mero reprodutor de informações recebidas,


se não aquele que se esforça para possuir e praticar as virtudes. Portanto, ser um
educador, na perspectiva franciscana, implica não só o domínio e a atribuição da
primazia ao conteúdo, mas envolve também o espírito, maneira de ver as coisas, de
vivê-las, de assumi-las e de equacionar os grandes conflitos. (Alves, 2015, p. 121).

E nesse complexo contexto, busca-se formar cidadãos reflexivos, críticos e criativos, com
habilidades necessárias à vida em sociedade. O papel do professor é ser protagonista e mediador ativo
da aprendizagem. Ainda, no Plano de Médio Prazo (2018-2021), sobre a educação consta:
A Educação se constitui em uma das áreas que mais se evidencia a transformação
social desejada. Acredita-se na aprendizagem como processo construtivo infindável
na arquitetura da autonomia criativa e pensante, na qual e pela qual o ser humano
desenvolve suas potencialidades e capacidades vitais. Pelo processo educativo
apreendem-se novos modos de lidar com o conhecimento e dinâmica disjuntiva e
reconstrutiva num contexto de aprendizado contínuo e permanente. (Plano de Médio
Prazo, 2018-2021, p. 21).

985
As escolas mantidas pela Rede SCALIFRA-ZN planejam estratégias para cumprir a missão
educativa, como escola que possui princípios e valores balizadores e também a finalidade da educação,
que é atingir a sociedade e não somente o interior da escola, ou seja, o que é ensinado precisa ser
propagado vivenciado nas atitudes de todos que estão envolvidos com este processo de ensino e
aprendizagem, além dos muros da escola. Conforme escreve Bauman (2009), em referência à educação
permanente, não se deve investir somente numa educação voltada para o trabalho, não são só as
capacidades técnicas que precisam ser mobilizadas na formação; trata-se de uma educação para a
cidadania, para a atualização e vivência em relação aos desenvolvimentos políticos e às aceleradas
mudanças das regras do jogo da política (Bauman, 2009a, 2009b). Ou seja, tal referência se aproxima
da forma como a proposta franciscana para a educação também pensa a missão escolar da Rede
SCALIFRA-ZN. A mantenedora das escolas Franciscanas investe na formação pedagógica dos
professores, atenta às metodologias que objetivam a excelência do processo ensino aprendizagem, com
foco na formação integral do estudante, processos de gestão escolar e da sustentabilidade da instituição.
Para a realização da pesquisa, também precisei revisitar os escritos Franciscanos e fazer um
aprofundamento sobre os princípios da rede SCALIFRA-ZN. Eles são: a cultura da paz, busca da
verdade, justiça, solidariedade, visão sistêmica da vida. De acordo com o referencial educativo, “os
princípios constituem fundamentos, dão aporte à ação e orientam os integrantes das comunidades
educativas das instituições de ensino da Rede de educação franciscana” (Referencial Educativo Scalifra-
zn 2021, p. 10). São valores: a confiança em Deus, fraternidade, espiritualidade franciscana, diálogo,
respeito e o conhecimento. “Estão expressos como ideário. Sua conquista, ainda que parcial, vai
compondo as características que identificam o projeto educativo em cada escola/ instituição”
(Referencial Educativo Scalifra-zn, 2021, p. 13).
Em todos os documentos norteadores da SCALIFRA-ZN encontramos os princípios e valores,
que são as nossas diretrizes para a educação Franciscana. Isso é confirmado no referencial educativo
que, segundo a proposta educacional, “fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano, nos
valores espirituais e éticos, inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação
pedagógica, em igual intensidade, objetiva a formação integral da pessoa” (Referencial Educativo
Scalifra-zn, 2021, p. 18). A educação franciscana permite ao estudante a formação do Ser e do
conhecimento intelectual, para que ele tenha condições de fazer as escolhas mais assertivas na vida
pessoal e profissional, bem como de adquirir boa estrutura emocional para gerenciar as surpresas
adversas que possa encontrar no convívio social e, sobretudo, diante do capitalismo no qual sujeito é
objetificado, pois na lógica da modernidade líquida, o sujeito é aquilo que ele consome e não mais o
986
que ele é. E isto passa a ser um padrão para aqueles que valorizam o status e não querem ficar fora
deste modelo de sociedade. Num mundo marcado pelo descartável, o que foi adquirido ontem já não
tem mais utilidade hoje e, assim, vamos descartando objetos e as pessoas, automaticamente, na lógica
do consumo.
Neste sentido, uma das questões tópico que o grupo de discussão refletiu foi: Qual o sentido
que esses princípios franciscanos têm hoje na sociedade marcada pela liquidez, em que o que é sólido
não tem valor, é considerado como desatualizados? E partir desta questão refletimos: Os princípios são
referência para educação franciscana, porque é uma educação baseada na sustentação da vida. E, como
estamos possibilitando fazer sentido na nossa comunidade educativa? A partir destas questões vieram
muitos relatos.
No que se refere à pergunta em questão, foram identificados, na fala dos diversos
participantes, ações estratégicas para prática dos princípios e valores no fazer pedagógico e também na
sua vida pessoal, familiar e profissional. Faço uma contextualização da sociedade líquida ao pensar
educação nesses tempos atuais no olhar de Bauman. Na visão do autor, não existe uma ruptura da
sociedade, que passa do estado sólido para estágio líquido, mas sim uma relação ambivalente. Então,
quais desafios são suscitados neste novo tempo para atuação da educação? O livro Bauman & a
educação (2014, p. 74) resume bem o duplo desafio da educação, apresentado por Bauman, na obra
Modernidade líquida (2007): “além de promover a socialização, [...] preparar as pessoas para o mundo
cambiável em que vivemos”. Assim, entende-se que a proposta de educação, para Bauman, na vida
pós-moderna, vai muito além de codificar e decodificar letras. Educar é agir no sentido de superar
conflitos sociais e culturais, é dar sentido à consciência, de modo a lhe desalienar.
Expostas essas reflexões de Bauman, pode-se se dizer que a proposta de educação da
SCALIFRA-ZN está atenta às necessidades da atualidade e que convergem com o pensamento do
sociólogo de uma educação comprometida com a formação de cidadão que tenha capacidade realizar
críticas e de cuidado para com uma formação para vida. Vejamos nos relatos:

[...] São Francisco de Assis e eu conheci este livro [...] achei ele muito interessante no livro
indica como o franciscanismo é uma proposta para este mundo que a gente vive em questão de
humanização da pessoa[...] Francisco nunca obrigou ninguém a ser franciscano, [...] nunca
usou a metodologia do medo, olha se você não seguir você vai para o fogo do inferno
simplesmente ele viveu é a atitude[...]. (Supervisora Pedagógica, 2022)

[...] Olhar na individualidade de cada um, olhar com carinho, e aqui dentro aprendi muito [...]
amo acordar 5 da manhã, porque às 6h15 a gente está saindo, eu gosto de chegar, eu acolho um
a um, eu vou na sala eu organizo as mesas eu penso em cada um no tamanho, se vai se sentir
bem se não vai, então é amor[...]. (Professora, 2022)

987
Qual o sentido desses princípios e valores fazerem parte da formação dos estudantes e
colaboradores? A resposta foi unânime dos participantes do grupo de discussão, em dizer que ainda faz
muito sentido, viver princípios Franciscanos, mesmo nesse tempo marcado por uma sociedade
liqueficada. E, na fala dos interlocutores, identifica-se a vivência dos princípios e valores conforme
descrito abaixo:

[...] digo isso como aluna, que entrei aqui na oitava série na época, e bem do interior,
eu venho do sítio...quando foi anunciado que eu vinha.... Cê não quer ir lá na loja e
comprar umas roupinhas melhor para a Celina não? Colocar um aparelhozinho nela,
se não ela vai ficar com vergonha dos dentizinhos dela...” Mas quando eu cheguei aqui
que eu voltei para casa e foi me questionado: “E aí como foi? Você ficou com
vergonha? Você ficou com medo?” Não, eu fui acolhida [...] (Coordenadora
Pedagógica, 2022).

E a gente sente isso nos atendimentos desafiantes que a gente tem que, sim, as
respostas vêm, e isso não significa que a gente não deva continuar. Mas para mim o
que vai mostrar se é princípio e valor é na acolhida, é no respeito à diversidade, em
tudo aquilo que a gente vive aqui e fora daqui, e que alguns pais trazem para nós essa
resposta, né. (Supervisora Pedagógica, 2022).

Eu vejo o quanto a espiritualidade Franciscana está na minha vida, na minha família e


eu trabalho com famílias, eu e meu esposo há 8 anos nós trabalhamos acompanhando
noivos de forma personalizada para constituir novas famílias, e aonde está a
fraternidade primeiro gente, é na família. (Ex Profissional, 2022).

Considerações Finais

Inicio dizendo que o processo de escrita e investigação me marcou - e muito -, pois o tempo
inteiro fui desafiada a enxerga-me como parte do processo, o que me levou a experimentar e conhecer
novos desafios, dialogar com autores que não faziam parte do meu cotidiano e enxergar, através deles,
as realidades que estavam em discussão. Com isto, quero dizer que os resultados da pesquisa apareceram
desde os primeiros passos, quando a pesquisadora se dispôs a dialogar sobre tal questionamento e a olhar
com lentes novas.
Na análise das falas do grupo de discussão, percebi que ficou subentendido para todos que a
prática dos princípios e valores franciscanos precisa acontecer de forma interligada e consciente, ou seja,
eu só consigo obter a paz se praticar o diálogo, a justiça a solidariedade, a verdade e assim são todos,
conforme citado no decorrer do texto, um depende do outro.

988
Percebi, também, que o planejamento estratégico da escola Franciscana Imaculada Conceição
possui o teor da filosofia Franciscana e que todos os profissionais fazem esse percurso dos princípios e
valores franciscanos. Eles precisam experimentá-los na construção do projeto político pedagógico, no
regimento da escola, na elaboração dos planos de ensino, plano de aula e, depois, nas vivências de sala
de aula. Isto significa a intenção da rede educacional de manter a fidelidade na prática cotidiana das
escolas, dos princípios e valores franciscanos, pois todos os documentos possuem como aporte teórico
a filosofia Franciscana e desafiam constantemente seus colaboradores, por meio da formação continuada
e construção de documentos que ressoem na prática diária, a trazer a filosofia para a vivência da
realidade hoje, sem descaracterizar a essência que, para Francisco de Assis, sempre foi viver a
originalidade do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e, automaticamente, o zelo e cuidado com a
vida.
Aqui se encontra o grande desafio para manter os princípios e valores franciscanos: ter
profissionais que se comprometam com a formação continuada. Para finalizar, entende-se que esse
trabalho não se esgota aqui, mas permite um caminho com novas reflexões, pois a filosofia franciscana
é sempre viva e presente em qualquer época e precisa ser adequada às as necessidades atuais.

Referências

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