Anais X Seminario Povos Indigena 2023...
Anais X Seminario Povos Indigena 2023...
Anais X Seminario Povos Indigena 2023...
PARCEIROS
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Mestrado e Doutorado –
PPGDL/UCDB
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Centro Estadual de Formação de Professores Indígenas de Mato Grosso do Sul (CEFPI)
Rede Interuniversitária de Educação Superior e Povos Indígenas da América Latina - Rede
ESIAL
COMISSÃO TÉCNICA
Anne Patricia Amarilha Bevilacqua Souza
Luciana de Azevedo
Dra. Daniele Colman (UCDB)
Dra. Marines Soratto (UCDB)
Me. Gustavo dos Santos Souza (UCDB)
Me. Rodrigo da Silva Bezerra Pinheiro de Almeida Reis (UCDB)
COMITÊ CIENTÍFICO
Dra. Adir Casaro Nascimento (UCDB)
Dr. Antônio Carlos Seizer da Silva (CEFPI-MS)
Dr. Antônio Hilário Aguilera Urquiza (UFMS)
Dra. Beatriz dos Santos Landa (UEMS)
Dr. Carlos Magno Naglis Vieira (UCDB)
Dra. Celeida Maria C. de Souza e Silva (UCDB)
Dra. Daniele Colman (UFGD)
Dra. Flavinês Rebollo (UCDB)
Dr. Genivaldo Fróis Scaramuzza (UNIR)
Dr. Heitor Queiroz de Medeiros (UCDB)
Dr. José Francisco Sarmento Nogueira (UCDB)
Dr. José Licínio Backes (UCDB)
Dr. Leandro Skowronski (NEPPI/UCDB)
Dra. Lenir Gomes Ximenes (UCDB)
Dra. Maria Cristina Lima Paniago (UCDB)
Dra. Maria Isabel Alonso Alves (UFAM)
Dra. Marinês Soratto (UDCB)
Dra. Marta Regina Brostolin (UCDB)
Dra. Nádia Bigarella (UCDB)
Dra. Regina Tereza Cestari de Oliveira (UCDB)
Dra. Rozane Alonso Alves (UFAM)
Dra. Ruth Pavan (UCDB)
Dra. Suzete Wiziack (UFMS)
Dr. Wagner Roberto do Amaral (UEL)
APRESENTAÇÃO
Coordenação Geral
SUMÁRIO – COMUNICAÇÃO ORAL
Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa na Aldeia Cachoeirinha, município de Miranda/MS.
O objetivo foi analisar, problematizar e estudar a origem, as propriedades e o processo de
fabricação de cada tipo de cerâmica na região. Ao analisar o processo produtivo da cerâmica,
percebemos que pouco, ou quase nada mudou por um período estimado de 200 anos.
Entendemos todo o sistema de planejamento, confecção e controle da produção de uma
cerâmica, os diversos tipos, utilizando os antigos métodos artesanais que pode produzir artigos
de excelente qualidade. Concluímos que essas fontes de informação pesquisadas são muito
relevantes, ao se estudar esse tema, podemos preservar a nossa memória, pois com o processo
de globalização e homogeneização cultural que tem marcado o mundo contemporâneo, no qual
acontecem várias mudanças de valores e reorganizações sociais de toda ordem, com o projeto
de reviver a cerâmica na Aldeia Cachoeirinha, ela poderá ser preservada., com este estudo, será
possível contribuir, incentivando pesquisas futuras.
Introdução
Este artigo propõe buscar diálogo e discussões entre ceramista e educação, verificar a
produção da cerâmica e observar se ela pode ser inserida na Educação Escolar. A cerâmica é
muito importante na escola, pois desperta a atenção, é decorativa, é utilitária, e trabalha o
sentimento de pertencimento dos nossos estudantes. Onde eles vivem, nas aldeias, a cerâmica
faz parte do nosso cotidiano e sua preservação, implica na preservação da identidade cultural
de um povo. A pesquisa é o resultado do trabalho de conclusão de curso de Licenciatura
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Intercultural Indígena, Povos do Pantanal na área de Linguagens. A mesma foi desenvolvida na
escola da Aldeia Cachoeirinha a 12 quilômetros do município de Miranda/MS.
Vamos verificar o que acontecia em anos remotos para entender o nosso presente. Em
expedição nas aldeias no ano de 1883, Rohde percebeu várias louças de barro, de todos os
tamanhos e formas, depositadas no chão ou penduradas. Observou o processo de fabricação da
cerâmica e relatou que
O autor ainda descreveu que todas as casas possuíam peças de barro de todas as formas
e tamanhos, com finalidades imagináveis e que homens e mulheres as confeccionavam, mas o
modelo e a pintura ficavam a cargo da mulher.
Quando Altenfelder esteve nas aldeias no ano de 1946, verificou que os Terena
conheciam e empregavam o processo de espirais de argila para fabricação dos potes, recipientes
utilitários, como pratos e panelas de cor vermelha; esses objetos eram devidamente
ornamentados com desenhos brancos e pretos. Os vasos e os potes eram cozidos após serem
pintados com resina de jatobá. (Altenfelder, 1949, p. 295)
Ladeira (2000) relata que, nas casas dos antigos Terena, havia muitos objetos de
cerâmica e que a fabricação era feita por homens e mulheres. A técnica permaneceu a mesma
até os dias atuais.
A produção cerâmica Terena é encontrada na Aldeia Cachoeirinha e, nos dias atuais, o
processo artesanal utilizado é o mesmo de 1946, quando Altenfelder pesquisou aldeias da
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região. Algumas aldeias continuam com o fabrico das cerâmicas para vender nas cidades
próximas e utilizar em suas vidas e afazeres diários.
A cerâmica Terena continua como em 1883. É identificada pela coloração avermelhada
e com bordados desenhados em tons brancos.
Ficou para a mulher a arte de confecção, desde a busca do barro até a sua
comercialização. Após a coleta do barro, que pode ter o auxílio da família, em função do peso
a carregar, o barro é limpo, isto é, são retiradas as “pedrinhas”, os gravetos e outros resíduos.
Quem faz? Os alunos. Quem ensina os alunos? Uma ceramista que repassa os seus
conhecimentos, alarga as experiências em sala de aula dos nossos estudantes e possibilita a
descoberta de novos talentos e habilidades. Desenvolvendo assim competências que vão
acompanhá-los em outras disciplinas também, obedecendo as determinações da BNCC (Base
Nacional Comum Curricular).
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Cerâmica, arquivo pessoal, Pedro, 2023
Na escola temos uma modalidade de aula com cerâmica manual, que é a técnica mais
antiga utilizada para fazer objetos com barro. Ela é indicada para pessoas que preferem criações
mais livres, assimétricas, tortinhas com aquela carinha mais ancestral. É também possível
chegar a uma estética mais polida na cerâmica manual, tudo depende da prática e da descoberta
de pessoas habilidosas.
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Antes de iniciar esse processo, a escola foi atrás das seguintes perguntas: Quem faz
cerâmica? Descobriu-se que uma moradora da Aldeia Cachoeirinha, município de Miranda que
chama-se Dina Sebastião Mendes, estaria a disposição de repassar os seus conhecimentos.
Surgiu então uma outra questão: Como ela faz? Para começar a produção, as oleiras1
vão coletar a argila em buraco que cavam no meio do mato ou na beira de córregos e açudes,
de onde saem com sacos ou bacia carregados na cabeça até as casas. Em seguida feito isso, a
1
Oleiro é o artesão responsável por fabricar e comercializar objetos feitos de cerâmica. O oleiro trabalha na
olaria, que consiste na fábrica que produz os objetos feitos de barro. Entre os objetos produzidos pelos oleiros
destacam-se os vasos, as telhas, as louças, os tijolos e etc. (Dicionário on line, 2023).
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argila é então bem amassada para ser misturada ao “tempero”ou catipé, que é a denominação
de restos de cerâmica que quebram foram socados no pilão para serem reutilizados.
Segundo a ceramista Dina , esse complemento evita as deformações e quebra das peças
que estão sendo confeccionadas. Em seguida , com a mistura pronta, a artesã começa a dar
forma de barro. Sentada em banquinhos ou tocos de árvore, com um pote de água e a bacia com
mistura ao lado, ela primeiro amassa o material, achatando-o sobre uma tábua.
Esse primeiro trabalho será o suporte do artefato, para em seguida, num movimento de
vai e vem com as mãos começar a fazer os espirais. Assim juntam –se as cordas sobre a base
de barro durante esse processo, feito com as pontas dos dedos nas partes externas é interna do
objeto, a ceramista molha as mãos para umedecer o barro, facilitando, com isso, a modelagem,
ele é alisado com colheres e facas sem serras. O próximo passo cobrir o objeto com barro
vermelho por diversas vezes, até atingir a coloração ideal.
Para terminar, é feita a decoração com barro branco; assim os artefatos estão pronto para
irem ao fogo. Para tanto, a ceramista faz um buraco no chão, coloca barras de ferro de base para
segurar lenha.
Assim as mulheres Terena utilizam uma taquara para retirar os objetos da fogueira, que
ficam com aspecto puxado para o marrom escuro logo após a queima, mas vai clareando e
adquirindo a tonalidade vermelha conforme se esfria.
Portanto, a cerâmica Terena é conhecida pela sua tonalidade vermelha (que para as
oleiras é a cor da tradição Terena) e desenhos na cor branca assemelhados a uma renda.
Conclusão
O artigo revela a importância de se fazer um trabalho pedagógico na escola, que traga
para o âmbito da sala de aula, a produção de cerâmica. Um resgate a nossa cultura, a nossa
memória, nesse trabalho na escola os alunos tiveram a oportunidade de conhecer sobre
cerâmica, reconhecê-la como arte, e pôr a mão na massa, fazendo as próprias obras,
acompanhando até mesmo o processo de queima da cerâmica.
Bibliografia
ALTENFELDER, Fernando Silva. Mudança cultural dos Terêna. In: Revista do Museu
Paulista. [s.n]. São Paulo: vol. III, 1949.
21
ARASHIRO, Neusa N. e SANTOS, Maria C.L.F, Vozes do Artesanato, Fabio Pellegrini
(organizador), [s.n.].Campo Grande, FCMS, 2011.
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A História do povo Terena. São
Paulo: MEC-SEF-SUP: Centro de Trabalho Indigenista, 2000.
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia a e Estatística (IBGE), 2010.
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Transversais, MEC, Secretaria da Educação Fundamental, Brasília: A Secretaria, 1998.
LADEIRA, M. E. & BITTENCOURT, C. M. A História do povo Terena. São Paulo: Mec-Sef-
Sup: Centro de Trabalho Indigenista. 2000.
LADEIRA, Maria Elisa. Língua e história: análise sociolingüística em um grupo Terena.
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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo:
USP, 2001.
ROHDE, Ricard. Algumas notícias sobre a tribo indígena dos Terenos. Terra Indígena,
UNESP-Araraquara, São Paulo: nº 55, 1990.
SALAZAR, Abel, O que é arte? Coimbra, Porto, Portugal. Arménio Amado Editor,
TOLSTÓI, Lev. O que é arte? 1ª Edição. Lisboa, Portugal Ed. Gradiva Publicações, S. A. 2013.
WILLEY, Gordon R. SUMA Etnológica Brasileira, Cerâmica. Edição atualizada do
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Acesso em 24/11/2017, às 20 h.
DICIONÁRIO PORTUGUÊS ON LINE.Disponível em: https://www.dicio.com.br/herdade.
Acesso em 07/04/2017, às 19 h.
MATO GROSSO, Disponível em http://riosvivos.org.br. Acesso em 26/11/2017, às 17h.
REDE DE SABERES. Disponível em https://ensinosuperiorindigena.wordpress.com. Acesso
em 28/11/2017, às 12h28.
REFERENCIAL curricular nacional para as escolas indígenas/ministério da educação e do
desporto. Disponível em: Referencial Curricular para as Escolas Indígenas. Acesso em
06/02/2023, às 22 h.
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A HISTÓRIA DA TERRA INDÍGENA PANAMBIZINHO: OS PROCESSOS DE
ESCOLARIZAÇÃO PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA INDÍGENA
Introdução
A Terra Indígena Panambizinho, localizada no distrito de Panambi município de
Dourados MS, é uma Terra Indígena demarcada com predominância da população Kaiowá que
teve sua área homologada e registrada pela União no ano de 2004, pelo Decreto s/n -
28/10/2004, com uma área de 1.289,57 hectares e uma população de 414 pessoas1.
Os Kaiowá desta Terra Indígena tiveram um maior contato com a população não
indígena através das frentes de expansão agropastoril do início do século XX, principalmente
com o estabelecimento da Colônia Agrícola Nacional de Dourados – CAND, que foi um projeto
de colonização que no início da década de 1940, que delimitou pequenas áreas para o projeto
de colonização que ficou também conhecido como “marcha para o Oeste”.
Na CAND, cada colono teria direito a 30 hectares, contudo o que impactou a população
indígena da região, foi que este processo aconteceu sobre as terras de presença dos indígenas
Kaiowá. Este fato fez com que essas famílias permanecessem em um local de 60 hectares até o
processo de demarcação da Terra Indígena em 2004.
1
Dados do SIASI/SESAI de 2014. Fonte retirada de https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-
indigenas/3959#direitos acesso em 30 de agosto de 2023
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Compreendo que parte do processo de mobilização da comunidade indígena para
demarcação deste Tekohá2 foi a construção de um modelo de escolarização alinhado com a
defesa de sua identidade étnica e valorização de suas memorias ancestrais. Neste sentido, esta
pesquisa tem por objetivo compreender e narrar este processo de escolarização, desde a
presença do ensino escolarizado na área de retomada, a “aldeia velha”, como a construção e
manutenção da Escola Pa’i Chiquito Pedro, construída a partir da demarcação da Terra
Indígena.
Metodologia:
Neste momento, texto aqui está construído a partir de uma entrevista realizada com Dona
Dorice Pedro, filha do Pa’i Chiquito no ano de 2015 durante a produção do Trabalho de
Conclusão de Curso do Curso de Magistério Ara Vera, além de referencial bibliográfico. Para
a produção da dissertação, elaboraremos outras entrevistas, sobretudo com os primeiros
professores indígenas de Panambizinho, além da documentação sobre os processos de
escolarização em Panambizinho.
Um branco alto com bigode com chapéu preto montado no cavalo chegou e falou para
ñamoi (avô) Chiquito aqui vocês não podem mais morar porque aqui já foi comprado
do governo e vocês tem que sair. Se eu voltar aqui e encontrar vocês, nós vamos
queimar tudo sua casa e atirar em vocês. (PEDRO, 2015).
Como o Pa´i Chiquito era hexakáry (xamã, que tem uma visão que enxerga para além
de nós e faz conexão com o sobrenatural), então ele dialoga com as coisas sobrenaturais e
conversa com o criador do mundo e seu guardião celestial. Pa’i Chiquito teria sido então
2
Tekoha é a forma tradicional em que vivem os indígenas Guarani e Kaiowá, em uma tradução adaptada,
poderíamos dizer que é o “lugar onde se vive com os seus costumes”.
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orientado a procurar um lugar adequado para levar suas famílias e pessoas ligadas a elas. Pa’i
Chiquito os guiaria para um outro lugar como o céu, para que fossem viver em paz com alegria.
E a rezadora Doríce, trelata também que:
Com essa razão ele rezou a noite toda para partir e procurar a terra sem-males. No
amanhecer do dia eles partiram rumo que se pôs ao entardecer no trouxeram junto a
galinha e outros animais domésticos que pertenciam a eles. A caravana do Pa´i
chiquito caminhou por três dias, eles chegaram em um lugar para descansar, pois só
iriam continuar no outro dia. Na vinda o pessoal do Chiquito caçava e quando achava
córrego ou lago pescava e compartilhava com a caravana a comida (PEDRO, 2015).
E ela foi contando no dedo assim “Na quinta caminhada chegamos no Lago bem grande
e ficamos um tempo. Por motivo de Pa´i Chiquito procurar o lugar definitivamente que ia se
instalar para rezar. Na época não tinha branco nesta região” (PEDRO, 2015).
Nas conversas com a dona Dorice, pergunto onde fica este lago, e ela responde:
Ela fica ali subindo a vila Panambi que chama Ypaparim (região que o povo do local
chamava para localização antigamente que dava na língua). Esse lago era grande, tinha
mata envolta tinha bichos de todas espécie porque era única que os bichos bebiam era
ali no lago. Mas a gente ficou ali só de passagem e a água daquele lago era muito suja
para beber. E todos os Homens que vinham junto começaram a procurar uma mina de
água, mas como o xe ru ãgue (seu finado) era Rexa kary o yvyraija Yvate gua (o bom
espirito celestial) falou para ele que tinha que seguir e mostrar minas de água para o
Chiquito. Segundo informações quem estava com o Pa´i Chiquito disse que ele limpou
o mato na mão e cavou a terra com a mão e já saiu a água bem gelada direto da mina.
E a pessoa que estava testemunhando falou que Chiquito estava falando sozinho. Mas
segundo informação do Chiquito ele viu o espírito celestial falando para ele que ali
perto era para ele levantar casa de reza e começar a rezar para todo mundo ir com
corpo e alma para subir no céu onde existe paraíso. (PEDRO, 2015).
Quatros ou cinco pessoas com o Chiquito. O Chiquito e as pessoas que estavam com
eles voltaram para o acampamento, para buscar as mulheres e crianças, mas no mesmo
dia não veio, dormiu a noite e só de manhã foi para o perto do local onde foi furado a
minas de água. E o local foi chamado pelo Yvy akandire. Mas com a chegada de
branco perto do local que foi mudando o nome. (PEDRO, 2015).
Atualmente chamamos esse córrego de água, do qual Dorice relata a nascente do rio de
Yju Miri que em uma tradução poderia ser pequeno córrego novo.
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Para o nome do local que a Dorice nos conta de Yvy Akandire, eu me recordo de sempre
escutar das pessoas, como a irmã da Dorice, dona Luzia Pedro que naquele tempo, quando as
pessoas iam pegar a água na mina a borboleta pousava e levantava da cabeça de um bicho
grande, e que a pele dele parece papel e cabeça parece jacaré que chamavam de Mba`e kuatia
(bicho que morava dentro da água) com esse mito começou a ser chamado este lugar de tanambi
(borboleta) em Kaiowá e o branco copiou e chamou a vila de Panambi que antigamente era
chamada de Vilas Cruz por ter vindo morar primeiro morador era chamado José Francisco da
Cruz. Curiosamente o Distrito de Panambi mantem até hoje a rua principal com o nome José
Francisco da Cruz.
E nesse sentido, a antropóloga Katia Vietta, responsável pelo estudo antropológico que
subsidiou a demarcação, aponta que:
Em todo caso, Panambizinho foi fundada na década de 1920. Com esse nome ele
aparece só na segunda metade do século XX, constando nos documentos mais antigos
somente o nome Panambi, tanto para a atual comunidade situada no município de
Douradina como para a comunidade de Panambizinho, pertencente ao município de
Dourados. Assim, um dos “pioneiros” de Dourados, o Senhor Albino Torraca, afirmou
em 18 de junho de 1949, que ele habitava na região desde o ano de 1900 e que então
já existia a aldeia de Panambi e que “isto” [a região] era habitada “por puro índios”.
(Catya Vietta, 1998, p. 65).
Como em Dourados existia a Reserva Indígena de Dourados, criada em 1917 para reunir
os indígenas da região, e também desta forma liberar o espaço para a colonização, Dona Dorice
também aponta que a família de Pa’i Chiquito recebia constantes aliciamentos para que
aceitassem serem removidos para a Reserva de Dourados
Com medo de serem removidos da sua residência para a Reserva de Dourados muitas
autoridade ou se faz de autoridade vem procura Pa´i Chiquito para que ele e seu povo
vão para a reserva de Dourados para deixar a terra para os colonos em troca os brancos
ia dar arma de fogo para o Chiquito em troca de dois lotes de roça (PEDRO, 2015).
Outra referência nos aponta a mesma informação, inclusive que procuravam Pa’i
Chiquito para comprar a área de 60 hectares.
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A dona Dorice conta ainda que Chiquito fez a viagem a pé até em Campo Grande para
denunciar o branco que queria tirar eles da sua terra à força, na viagem levaram a comida e xixa
(milho fermentado), mbaipy (milho queimado ralado) e Arco e flecha para se defender da onça
e caçar o animal para comer na viagem. Com muita resistência o Serviço de Proteção ao Índio
SPI permitiu para eles permanecerem 60 hectares que ninguém ia mais retirar deste local.Toda
essa história é narrada com muita luta do Pa´i Chiquito, as autoridades ligadas a CAND
conseguiram deixar a comunidade indígenas da aldeia Panambizinho em paz.
No ano de 1970 a Missão Caiuá construiu uma igreja de alvenaria na aldeia
Panambizinho no começo da evangelização, mas ao mesmo tempo usava o templo da igreja
para alfabetização das crianças indígenas que é alfabetizado pela missionária. Muitas crianças
e adultos vão à igreja para a doação de roupa e comida, no mesmo tempo a missionária da
missão Caiuá alfabetizam os adultos e crianças.
No ano de 1980 a missão tentou levar crianças para o internato para estudar, mas não
deu certo por motivo de as crianças não aceitarem a religião Presbiteriana e só poderia visitar a
família nas férias. Com a dificuldade a FUNAI construiu o posto e a escola com uma sala que
funcionava como multisseriada mais uma sala para cozinha separada da cantina da escola.
Naquele momento muitas crianças iam para escola vizinha que tinha no distrito não completava
o estudo por motivo de a língua não ser permitida na vila e preconceito dos filhos de colonos.
A professora da escola da aldeia Panambizinho na época da escola do posto da FUNAI
era filha dos colonos que ensinava os indígenas a falar em português, os alunos desde a entrada
para sala de aula tinham que se comunicar em português com todos colegas e quem desobedecia
era colocada de castigo em cima de milho debulhada ou apanhava de vara das árvores amoras.
Com isso muita evasão escolar acontecia, devido as crianças não quererem apanhar mais, e
alguns fugiam para trabalhar na fazenda da região, como catar algodão ou catação de mato no
meio da soja. Na época a “aldeia velha”, muita pessoa se conhecia e não tinha como ir ao outro
lugar. Porque quando faltava os alunos a professora ia na casa buscar e até convencer a mãe a
mandar de volta à escola.
Na época a aldeia Panambizinho não tinha o atual ensino fundamental II e nem ensino
médio, só tinha até na antiga 4ª série. E no distrito de Panambi o indígena tinha medo de estudar,
pois tinham que comprar material escolar, e as crianças também sofriam muito preconceito e
discriminação, pois a escola não aceitavam os indígenas se expressar e comunicar com a sua
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língua materna. Muito alunos indígenas desistem de estudar na escola, devido a essa situação,
e muitas vezes os pais também não tiveram condição financeira para manter os filhos na escola.
Como muitos jovens meninos iam trabalhar na usina de álcool para cortar cana, as
meninas que concluíam seus estudos na 4ª série, já casavam bem cedo e também não
continuavam seus estudos.
Segundo a Professora Veronice Rossato no ano de 1985, uma moça filha do capitão
Nelson Concianza chamada Fineida Concianza foi participar da formação de professores
indígenas na aldeia Tey´i kue município de Caarapó. Essa formação ministrada pela professora
Veronice aconteceu a partir do Conselho Indígena Missionario CIMI.
Veronice informa que essa formação, era para a Fineida voltar no Panambizinho para
dar a aula em Guarani, mas isso não teria acontecido, pois por motivo de que estes cursos não
eram reconhecidos pela Prefeitura responsável pela contratação dos professores naquele
momento.
Assim somente, no ano de 1990 que começou a vir professores indígenas de outras
aldeias como missionário da missão para dar a aulas, isso ocorreu também porque aumentaram
o número de alunos na escola. E foi no ano de 2000 que indígenas nascidos na aldeia
Panambizinho tiveram oportunidade de fazer curso médio de Ara verá, naquela época dois
estudantes Misael Concianza e Anardo Concianza e, em 2001, outros três indígenas jovens
foram estudar na missão Caiuá, Eu, Fabio Concianza e Voninho da Silva Concianza.
O estudo na missão caiuá era em regime de internato, os alunos que foram estudar lá,
só vieram nas férias de julho para visitar a suas famílias. No ano 2004 concluí a antiga 8ª série,
mas como na missão não tinha o ensino médio, voltei na minha aldeia. Um dos meus colegas
foi estudar o ensino médio na cidade, e outro foi fazer magistério de nível médio Ára Verá na
Capela Batista, que esse curso de formação de professores Guarani e Kaiowá, é para formar
professores indígenas, e a duração desse curso é de quatro anos, e o outro meu colega foi fazer
ensino médio na escola Agrotécnica.
Em 2002 a aldeia Panambizinho entrou na retomada e começou a atrapalhar a aula na
escola. Porque os colonos não deixavam que passasse a professora que morava na vila para dar
a aula, e por essa razão o cursista do Ára Verá teve oportunidade de dar a aula.
Como tinha muitos alunos concluídos a 4ª série muitos alunos começaram a ficar parado
sem estudar, com essa razão a comunidade conversou com prefeitura, na época do prefeito
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Laerte Tetila, para conseguir o transporte escolar levar as meninas da retomada para a Escola
Rosa Câmara de Dourados e os meninos são levado para Escola agrícola padre André Capelli
que fica localizada na rodovia Gumercindo Pimenta dos Reis (MS-379), km 1, no acesso ao
distrito de Panambi.
As comunidades indígenas ficaram nos anos 2002 a 2004 na retomada. Na retomada o
povo Guarani Kaiowá sofreu muito pressão dos colonos, inclusive com alguns querendo invadir
a retomada para os indígenas voltarem aos 60 hectares, mas com muita luta permaneceram no
local. As famílias que não aquentaram a pressão dos colonos e não acreditou na demarcação da
terra indígenas da aldeia Panambizinho voltaram para 60 hectares uma delas é a família da
minha tia Iraci da Silva.
No decorrer do tempo da retomada aconteceu muitas situações tristes, como: suicídio,
mulher brigando com vizinha, mulher casada traindo marido, homem desentendo com vizinho,
queima de casa por motivo de crianças brincar com fogo e etc. Com todos esses problemas o
foco era sempre a recuperação da sua terra que foi retomada do seu ancestral pelos colonos.
Por outro lado, as coisas boas que acontecia na retomada eram crianças todas de manhã
indo para a escola da aldeia, outras indo para cidade estudar e demais país indo trabalhar na
roça da retomada que tinha arroz, mandioca, feijão, batata, melancia, banana e etc. Além disso,
todo final de semana tinha reunião com a comunidade indígenas para discutir o problema da
escola e dar solução para o problema da retomada e quem tinha que resolver o problema familiar
era a família. Tudo se resolvia na base do diálogo embaixo de árvores grandes que ficavam na
divisa da retomada.
Em 2004 a escola foi construída e tinha aumentado mais salas e juntos conseguiram pôr
5ª a 8ª série, assim a comunidade decidiu colocar o nome em homenagem a o fundador da aldeia
Panambizinho Pa´i Chiquito o nome da escola. Como os alunos que estudaram na escola
Agrícola e na escola Rosa Câmara tinha muito evasão escolar por motivo de discriminação
língua ou por ter morado na área de retomada até motorista do transporte falavam para eles que
eles estavam invadindo a terra dos outros e que deveriam voltar para 60 hectares.
Apenas alguns poucos alunos conseguiram concluir a 5ª série na Escola Rosa Câmara
devido a dificuldades em se adaptar e compreender a disciplina. Isso ocorreu porque havia mais
de 40 alunos na sala de aula. A mesma situação ocorreu na Escola Agrícola, onde alguns
conseguiram concluir a 5ª série, enquanto outros avançaram para a 6ª série. No entanto, muitos
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desistiram devido à necessidade de dormir no alojamento de segunda a sexta-feira. A
preocupação dos alunos era com a segurança no alojamento e com a possibilidade de invasões
e conflitos no barraco da retomada, o que também contribuiu para a desistência.
Nas escolas da Rosa Câmara, as alunas indígenas enfrentavam zombarias por parte dos
alunos brancos devido ao corte de cabelo tradicional. Isso ocorria porque as moças indígenas
Guarani e Kaiowá da Aldeia Panambizinho costumavam ficar em casa por uma semana quando
passavam da infância para a adolescência e cortavam o cabelo depois desse período. Também
era proibido para elas consumir certos alimentos, exceto aqueles que eram oferecidos a Ñanderu
para rituais de oração antes de poderem comê-los ou consumir carne. A Escola Rosa Câmara
não estava preparada para lidar com essa realidade e proporcionar um ensino diferenciado aos
alunos indígenas da Aldeia Panambizinho.
Quando a 5ª e a 6ª séries foram abertas dentro da Aldeia Panambizinho, muitos alunos
que haviam abandonado a Escola Agrícola e a Escola Rosa Câmara se matricularam na nova
escola. Todos os professores da 5ª à 8ª série eram brancos, com exceção da disciplina de língua
materna, que era ministrada pelos indígenas. Isso aconteceu após um pedido das comunidades,
que foi aceito pelo Secretário da Educação do prefeito Laerte Tetila na época.
Em 2009, a primeira turma concluiu a 8ª série na Aldeia Panambizinho. No entanto,
surgiu outro problema: não havia ensino médio na aldeia, apenas na vila vizinha de Panambi.
Os alunos da aldeia começaram a reivindicar a criação de um ensino médio na própria aldeia,
já que a vila vizinha estava relutante em estender sua oferta educacional. A Escola Estadual
Getúlio Vargas, localizada em Vila Vargas, foi a escola que finalmente concordou em estender
sua oferta educacional para a aldeia. Em 2012, a primeira turma concluiu o ensino médio e
aqueles que se formaram conseguiram ingressar na Faculdade Intercultural Indígena Teko
Arandu - FAIND. Em 2019, os estudantes desta primeira turma entraram no mestrado, com dois
alunos que passaram por todo esse processo de educação escolar indígena na aldeia
Panambizinho.
Considerações finais
Ao longo desse processo de construção da escola indígena na aldeia Panambizinho, a
Secretaria da Educação de Dourados tentou fechar a Escola Pa'i Chiquito devido ao baixo
número de alunos. No entanto, graças à persistência das comunidades locais, a escola continua
30
funcionando, embora com um número reduzido de alunos. Isso ocorre porque a população da
aldeia Panambizinho tem crescido lentamente, e muitas famílias optam por enviar seus filhos
para a escola no distrito de Panambi devido à preferência por professores não indígenas, que se
formam no Ára Verá e no Teko Arandu.
Alguns pais alegam que a educação oferecida pelo Ára Verá e pela Faculdade
Intercultural é desqualificada e inferior, preferindo que seus filhos frequentem escolas na
cidade, acreditando que isso oferece uma educação de melhor qualidade. Atualmente, observa-
se que muitos alunos que estudaram na escola indígena estão na faculdade, enquanto a maioria
daqueles que estudaram na Vila Panambi tendem a abandonar seus estudos e se envolver com
o alcoolismo.
Aqueles que passaram pelo processo de educação indígena específica e diferenciada na
escola indígena Pa'i Chiquito sentem um grande orgulho, pois a escola os acolheu e
proporcionou um ensino de qualidade. Hoje, eles se consideram resultado dessa escola.
Ainda encontramos algumas dificuldades para continuar a pesquisa como: transpor e
repassar a língua local para perguntar o objetivo da pesquisa nas conversas com os moradores
de Panambizinho ou reunir uma documentação para além dos relatos orais sobre o processo de
escolarização que ocorreram em Panambizinho.
Referências Orais
PEDRO, Dorice, [2015]. [Entrevista cedida a] Abrisio Silva Pedro. Dourados, 2015. Arquivo
caderno de campo. Entrevista concedida no âmbito da pesquisa para o trabalho de conclusão de
curso do curso de magistério indígena Ará Vera, junto a Secretaria Estadual de Educação de
Mato Grosso do Sul.
Referências bibliográficas
CONCIANZA, Fabio; GAMARRA, Abelina, ARAUJO; Adelcio (Et. Al.) Tekoha Ra’anga
Kuria Ñe’eme. NASCIMENTO, Shirley José do; ROSSATO, Veronice. (Org) Dourados, Árá
Vera/SED/MS, MEC, 2011.
VIETTA, Katya. História sobre Terras e xamãs Kaiowá: territorialidade e organização social
na perspectiva dos Kaiowá de Panambizinho (Dourados, MS) após 170 anos de exploração e
povoamento não indígena da faixa de fronteira entre Brasil e o Paraguai. Tese de doutorados
Universidade de São Paulo USP, 1998
31
ABORDAGENS DOS CONHECIMENTOS SOBRE A NATUREZA NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PELOS PROFESSORES TERENA DA
ESCOLA MUNICIPAL INDÍGENA MARCOLINO LILI, TERRA INDÍGENA
TAUNAY/IPEGUE, ALDEIA LAGOINHA, MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA, MS
Resumo: Os indígenas possuem em sua relação com a terra um significado que transformam essa em
território com significados voltados para a resistência cultural, onde apresentam um sentimento de
pertencimento à natureza, assim como sua organização social é baseada na coletividade e solidariedade.
Baseado nisso essa pesquisa tem como objetivo geral compreender como os professores Terena dos anos
iniciais do Ensino Fundamental na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili – Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue no Município de Aquidauana – MS, percebem a natureza dentro de sua cultura e quais
suas práticas pedagógicas, bem como esses conhecimentos podem servir de exemplos de
sustentabilidade para a sociedade ocidental. Para isso, optamos por realizar uma pesquisa do tipo
qualitativa tendo como método de pesquisa a História Oral, pois possibilita investigar a experiência
histórica que não foi registrada, como é o caso da vida cotidiana e as relações interpessoais. A análise
de dados será embasada pelo Campo da Teoria Pós-Crítica e do Grupo Modernidade/Colonialidade.
Essa proposta de pesquisa de doutoramento ainda está em construção com previsão de inicio da
produção dos dados na aldeia a partir do segundo semestre 2024. Ainda não há resultados, estando na
fase de apropriação do referencial teórico e construção do estado do conhecimento.
1. INTRODUÇÃO
Existe nos povos indígenas um sentimento de pertencimento à natureza, sendo que sua
organização social é baseada na coletividade e solidariedade. (Guimarães e Granier, 2017).
Silva e Sato (2010) apontam que os indígenas ao construir uma relação com a terra
transformam–na em território com significados voltados para a resistência cultural.
Para (Nascimento, 2021) as comunidades indígenas no decorrer do tempo observaram
e compreenderam a natureza desenvolvendo práticas e técnicas sobre sua biodiversidade, ou
seja, desenvolveram saberes a partir da convivência com o meio em que viviam influenciando
32
sua cultura. A autora ainda afirma que os indígenas possuem uma lógica diferente onde sua
visão de vida e mundo promove sustentabilidade em seus espaços de convivência.
A autora aponta também em sua tese que na atualidade as escolas nas aldeias Terena,
embora sejam instituições ocidentais, os Terena sa utilizam para valorizar sua identidade e as
especificidades de sua cultura, pois os professores estão hibridizando o currículo ao incluir seus
saberes no ensino escolar.
Como afirma a autora as comunidades Terena se relacionam com o meio ambiente de
forma sustentável, então os apontamentos feitos mais especificamente sobre a escola, nos
chamaram a atenção fazendo desenvolver a vontade de aprofundar os conhecimentos sobre as
práticas pedagógicas docentes aí realizadas.
Também vários autores do campo da Educação Ambiental que pesquisam etnias
indígenas, como Martha Tristão (PPGE/UFES), Michele Sato (PPGE/UFMT), Heitor Queiroz
de Medeiros, (PPGE/UCDB), Mauro Guimarães (PPGE/UFRRJ), Celso Sánchez, Marcelo
Aranda Stortti e Giuliana Franco Leal (NUPEM/UFRJ), Elisangela Castedo Maria do
Nascimento (SEDMS), dentre outros, reconhecem a existência de uma diversidade de saberes
tracionais dos povos indígenas sobre a natureza que contribuem de forma única e original para
o enfrentamento da crise socioambiental que o planeta Terra vive na atualidade, sabendo que
estamos vivendo uma crise climática sem precedentes na história da humanidade.
Os autores e autoras fazem reflexões sobre como os saberes tradicionais indígenas
podem contribuir com reflexões sobre como nossas ações culturais ocidentais estão impactando
o ambiente em que vivemos, ou seja, sobre a forma como nossa sociedade compreende, vê e
usa a natureza, que numa visão capitalista é transformada em recursos naturais.Dessa maneira
a pesquisa busca compreender como os professores Terena dos anos iniciais do Ensino
Fundamental na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili, Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue,
no Município de Aquidauana, no estado de Mato Grosso do Sul (MS) trabalham a questão dos
cuidados com a Natureza a partir da cultura tradicional do seu povo e também como esses
conhecimentos podem contribuir com o campo da Educação Ambiental.
2. OBEJETIVOS DA PESQUISA
2.1. OBJETIVO GERAL
33
Compreender como os professores Terena dos anos iniciais do Ensino Fundamental
na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili – Terra Indígena (TI) Taunay/Ipegue no
Município de Aquidauana – MS, trabalham a questão dos cuidados com a Natureza a partir da
cultura tradicional dos terenas e como esses conhecimentos podem contribuir com o campo da
Educação Ambiental.
2.2.1. Caracterizar Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue no município de Aquidauana MS;
3. METODOLOGIA
No tocante a produção e análise dos dados será realizada uma pesquisa do tipo
qualitativa para compreender como trabalham na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili
pertencente a Terra indígena Taunay/Ipegue, localizada no município de Aquidauana/MS a
questão dos cuidados com a Natureza a partir da cultura tradicional e também como esses
conhecimentos podem contribuir com o campo da Educação Ambiental.
34
A pesquisa qualitativa propicia a compreensão dos fenômenos das relações sociais
ocorridos nos ambientes, pois considera o contexto onde o fenômeno ocorre para que este seja
melhor compreendido (Godoy, 1995). Esse tipo de pesquisa envolve a produção de dados
obtidos direto com o meio e a situação estudada, em contato direto com os participantes
permitindo a reconstrução de novos caminhos (Ludke e André, 1986).
Pretendemos também articular a pesquisa por meio das teorias pós-críticas, visto que
ao criar o conhecimento:
Como método de pesquisa optamos pela História Oral, pois possibilita investigar a
experiência histórica que não foi registrada, como é o caso da vida cotidiana e as relações
interpessoais. Essas histórias nos ajudam a compreender os significados subjetivos de eventos
do passado (Thomson, 2000).
Brand (2000) explica a História Oral como sendo “técnicas de registro e interpretação
das evidências orais ou da memória individuais ou coletivas, transmitidas oralmente” (Brand,
2000, p. 196).
35
O autor ainda destaca a importância da História Oral em pesquisas realizadas com os
povos indígenas que tem em sua origem a sua cultura mantida pela prática da oralidade, passada
de gerações a gerações, visto que é uma forma de integrá-los a história já que foram excluídos
das fontes escritas e documentais (Brand, 2000, p. 197).
Para efetivar toda essa compreensão serão realizadas também conversas informais com
os sujeitos da pesquisa membros da comunidade escolar, focando a direção, coordenação
pedagógica e professores da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili da Terra Indígena (TI)
Taunay/Ipegue, localizada na zona rural do município de Aquidauana – MS, sabendo que para
o registro dessas conversas será utilizado o caderno de campo.
36
A análise dos documentos escolares poderá nos dar uma ideia do que é requisito
estabelecido pela diretriz curricular municipal e o que está sendo elaborado pelos professores
em seus planos de aulas.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
Para essa análise será realizado um diálogo com os seguintes autores: Dussel (1993),
Coronil (2005), Castro-Gomez (2005), Lander (2005), Quijano (2000, 2014), Mignolo (2003,
2017), Porto-Gonçalves (2005), Walsh (2009).
Para Mignolo (2017), a história precisa ser estudada de forma a analisar as relações de
poder nos tempos coloniais, pois assim, pode-se reconhecer e apontar se a colonialidade
eurocêntrica está tendo continuidade em tempos atuais e ainda se reproduzem subalternidade
às alteridades subjetivas. Isso foi possível por meio da reprodução do discurso da ciência
moderna e da cultura europeia.
37
economia, a autoridade, o gênero e sexualidade, a natureza e recursos naturais, a subjetividade
e conhecimento. O autor ainda pondera que a modernidade se estabeleceu por conta da
colonialidade, sendo uma necessária à sobrevivência da outra.
Assim, para a modernidade o conhecimento que não está dentro da regra, é julgado
como magia, crença, opinião, desta forma, não deve ser respeitado. Para Santos (2007, p. 72) o
conhecimento que é gerado fora das regras da modernidade “desaparecem como conhecimentos
relevantes ou comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do
falso”.
E nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a
se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação
ambulante, ambivalente, do além que venho traçando: "Sempre, e sempre de
modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos
homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens...
A ponte reúne enquanto passagem que atravessa." (Bhabha, 1998, p. 24).
Estar na fronteira, é estar em vários lugares, é ser e ter uma cultura que reúne esses
lugares que não possuem padrões ou regras. Segundo Hall (2003) ser gerado na fronteira
propicia a hibridização de sujeitos que podem se posicionar em diferentes contextos. O
hibridismo é uma forma de tradução cultural, agonistica que “nunca se completa, mas que
permanece em sua indecidibilidade” (Hall, 2003, p. 74). O conhecimento não desaparece no
processo de hibridização, na tentativa de sobreviver ele se adapta, se transforma e se ressignifica
de forma resistente suas práticas, pois:
38
[...] elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de
premissas e temas. [...] Tais mudanças de perspectivas refletem não só os
resultados do próprio trabalho intelectual, mas também a maneira como os
desenvolvimentos e suas verdadeiras transformações históricas são
apropriados no pensamento e fornecem ao Pensamento, não sua garantia de
correção, mas suas origens fundamentais, suas condições de existência (Hall,
2003, p. 133).
39
Como podemos perceber a interculturalidade crítica é resultado de discussões e
reflexões dos movimentos sociais sobre políticas contra hegemônicas, que analisam a estrutura-
colonial-racial e buscam alternativas para mudar as relações sociais utilizando a
decolonialidade para derrubar os padrões de poder (Walsh, 2009).
40
outras culturas de forma cuidadosa, declinando a homogeneização imposta pelo mundo
globalizado (Baniwa, 2006).
Quanto a isso, assomamos a reflexão de Hall (2003) sobre a articulação entre práticas
outras, visto que, não significa que possam se dissolver uma na outra, e sim que cada uma
mantenha suas características distintas assim como suas condições de existência. “Contudo,
uma vez feita a articulação, as duas práticas podem funcionar em conjunto, não como uma
“identidade imediata” (na linguagem utilizada por Marx na ‘Introdução de 1857’), mas como
“distinções dentro de uma unidade” (Hall, 2003, p. 196).
O diálogo com os saberes indígenas não é simples, existe uma complexidade visto que
seu conhecimento não é fragmentado como o conhecimento ocidental, como apontado por
Nascimento (2021, p. 192): “arriscamos dizer que se trata de um diálogo complexo, visto que
os saberes indígenas não são fragmentados e são recheados de conhecimentos de diversas áreas
formando um saber único e conciso”.
Para Backes (2018, p. 52), “é possível dizer que eles transformam o encontro com
conhecimentos diferentes em uma possiblidade de fortalecer a sua própria cultura e identidade”.
O que o autor quer dizer é que os indígenas utilizam conhecimentos diferentes para fortalecer
sua cultura e identidade.
Em nuestra América mais que hibridismos há que se reconhecer que há pensamentos
que aprenderam a viver entre lógicas distintas, a se mover entre diferentes códigos e, por isso,
mais que multiculturalismo sinaliza para interculturalidades.
O professor Terena Antônio Carlos Seizer da Silva explica como sua etnia pensa sobre
conviver em lógicas distintas:
[...] nós Terena, temos um lema desde a saída do Êxiva: Terena vai sempre
para frente, não volta! E para isso carregamos tudo àquilo que garanta a nossa
diferença como a língua, a cosmologia e a cosmovisão. Terena reelabora,
ressignifica, apropria e incorpora, nos dando o entendimento que a etnia em si
é única, mas as características produzidas e atravessadas por outras relações,
41
produz os povos Terena, ou seja, há um fio centralizador ancestre que fortalece
a teia étnica que nos liga, mais como no tecer das artesãs, cada qual coloca as
cores e as formas que se deseja e/ou são necessárias, assim se produz
atualmente os povos Terena, sendo necessário demarcamos em nossa fala os
lugares de onde somos e/ou fomos produzidos [...] (Seizer da Silva, 2016. p.
15)
Dessa maneira, o diálogo intercultural é como uma ponte que reúne diferentes lugares,
permitindo a decolonização do poder e do saber para que diferentes epistemologias possam ser
hibridizadas e visibilizadas, pois:
42
Como vimos a vida diária do indígena é atravessada pelo meio ambiente e as coisas da
natureza ocorrendo uma valorização dos recursos de forma intrínseca e natural, assim “a
Educação Ambiental, como a enxergamos, é inerente à vida diária do indígena” (Nascimento,
2021, p. 48).
Dessa maneira, é baseada nessas constatações que entendemos que aprender com a
cultura indígena é inverter a lógica da colonialidade que impõe modelos que visam a
homogeneização (Sato e Medeiros, 2013).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos realizados até o momento, tem ajudado na reflexão sobre como o processo
de colonização influenciou a cultura indígena obrigando-os a ressignificar seus saberes e
hibridizar seus costumes, transformando o ambiente em que vivem.
6. REFERÊNCIAS
BACKES, José Licínio. A construção de pedagogias decoloniais nos currículos das escolas
indígenas. EccoS – Revista Científica, São Paulo, n. 45, p. 41-58, jan./abr. 2018.
BANIWA, G. S. L. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no
Brasil de hoje. Brasília: MEC/Secad; Museu Nacional/UFRJ, 2006.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis e Gláucia Renate Gonçalves. 1. ed. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BRASIL. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei Nº. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial República
Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 dez. 1996.
44
GUIMARÃES, Mauro; GRANIER, Noeli Borek. Educação ambiental e os processos
formativos em tempos de crise. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 17, n. 55, p. 1574-1597,
out./dez. 2017. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/pdf/de/v17n55/1981-416X-rde-17-55-
1574.pdf. Acesso em: 20 mai 2023.
Kassiadou, Anne. [et al.]. Educação Ambiental desde El Sur. Macaé: Editora NUPEM, 2018.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia de saberes. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n. 79, p. 71-94, nov. 2007.
SEBASTIÃO. Lindomar Lili. O protagonismo das seno têrenoe – mulheres terena. 2018. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2018.
SEIZER DA SILVA, Antonio Carlos. Kalivôno Hikó Terenôe: sendo criança indígena Terena
do século XXI - vivendo e aprendendo nas tramas das tradições, traduções e negociações. 2016.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS,
2016.
45
SILVA, Regina; SATO, Michèle. TERRITÓRIOS E IDENTIDADES: mapeamento dos grupos
sociais do Estado de Mato Grosso – Brasil. Ambiente & Sociedade, Campinas v. XIII, n. 2p.
261-281, jul.-dez. 2010. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/asoc/a/FVKwPLNv46sD4ykgvxYqYKp/?format=pdf&lang=pt
Acesso em: 20 mai 2023.
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira.
São Paulo: Paz e Terra, 1992.
46
ARTE NAS ESCOLAS TERENA, A BUSCA PELA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA
ARTÍSTICA
Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa com aldeias de origem Terena: Aldeia Tico Lipú,
Aldeia Aldeinha de Anastácio, Aldeia do Bananal e Aldeia do Limão Verde, todas no estado
de Mato Grosso do Sul, Brasil. As aldeias são da mesma etnia, de hábitos originais Terena, mas
com situações de vida diferentes. O objetivo foi verificar a Arte nas escolas terena, as
manifestações artísticas nas aldeias e escolas. Realizamos uma incursão bibliográfica, no
sentido de mapear os conceitos de arte e memória na literatura contemporânea e confrontar com
os conceitos assinalados pelo povo Terena. Para a coleta de dados, utilizamos entrevistas
informais, com jovens, adultos e anciões das aldeias, de forma natural e sem questões pré-
formuladas em todas as aldeias. Concluímos que a arte e a educação artística nas escolas
aparecem de modo pontual. Todas as aldeias têm a sua arte representada no cotidiano da vida
comunitária. Nas escolas das aldeias não urbanas, ela aparece por meio de materiais que
compõem a natureza, como folhas, grãos, sementes e gravetos. Nas aldeias urbanas, cursos de
artesanato foram programados para os residentes, com a intenção de melhorar a autoestima e a
renda familiar.
Introdução
Ainda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu Art. 79, determina que
a “União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação
intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e
pesquisa.” Igualmente estabelece
48
§ 3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo de outras ações, o
atendimento aos povos indígenas efetivar-se-á, nas universidades públicas e
privadas, mediante a oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como
de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais. (BRASIL,
2011)
O Art. 79 foi incluído pela Lei Nº 12.416, de 9 de junho de 2011, que altera a LDBN Nº
9.394, de 20 de dezembro de 1996, para dispor sobre a oferta de educação superior para os
povos indígenas.
É fundamental destacar a obrigatoriedade do ensino de artes no currículo da educação
básica brasileira. Este deve abordar diferentes linguagens como as artes visuais, dança, música
e teatro e podem interscecionar com as contribuições das diferentes culturas e etnias,
constitutivas da identidade do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana
(BRASIL/LDB, 1996, Artigo 26º. § 2o, § 4º).
Como é possível observar, os direitos indígenas estão bem amparados, mas na prática,
ainda não existe um legítimo respeito à diversidade cultural e os direitos indígenas não são
respeitados em sua totalidade.
Apesar das inúmeras leis que reconhecem os indígenas, sua organização social, seus
costumes, suas línguas, crenças e tradições, bem como os direitos originários sobre as terras
que tradicionalmente ocupam, cabendo à União demarcar, proteger e fazer respeitar os seus
bens; de a educação indígena assegurar a utilização de suas línguas maternas e o processo
próprio de aprendizagem, mas sendo o Ensino Fundamental ministrado em língua portuguesa.
49
A arte na Escola Estadual Indígena de Ensino Médio Domingos Veríssimo Marcos, da
Aldeia Bananal
50
Parede da escola. Fonte: Cunha, 2016
A escola, em toda sua extensão, possui desenhos nas paredes de traços indígenas Terena.
Atividades de artesanato e pintura são realizadas na Aldeia Tico Lipú por algumas
famílias em suas residências. Nas imagens, apresentamos fotos das mulheres da aldeia, em uma
de suas aulas, publicadas pelo cacique, em seu facebook, com os seguintes dizeres: “Sexta feira
51
(sic) dia do encontro das mulheres na sede da associação para confeccionar artesanato. Brincos
Colares e Polseras (sic).”
Nos cursos, são utilizados materiais com elementos da natureza, madeiras, sementes e
fios de algodão ou couro, para os produtos ficarem autênticos, originais, segundo o cacique, e
também para servirem de fonte de renda aos moradores da comunidade indígena urbana.
A preocupação do cacique da aldeia é que haja uma fonte de renda alternativa pela
escassez de empregos. Para tanto, providenciou alguns cursos de bijuterias com professoras
conhecidas.
52
Reunião de artesanato 2. Fonte: Tico Lipú, 2016
A exemplo das demais escolas, a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva utiliza,
como referência, as normas vigentes na educação e, segundo entrevista com o cacique, alguns
cursos de artesanato estavam programados para o mês de agosto, para os residentes e moradores
da aldeia para melhorar a autoestima e a renda familiar.
Com o apoio da Prefeitura Municipal de Anastácio, incentivando as festividades ao dia
do Índio, a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva promoveu a 3ª Feira Cultural
Indígena, organizada por professores e alunos da Escola Estadual Indígena Guilhermina da
Silva. (Barbiéri, 2016)
53
Considerações Finais
Ao conduzir a investigação nas aldeias, no local em que vivem os indígenas Terena,
tanto urbanos como não urbanos, reconhecemos que a maior preocupação existente nas
comunidades – e que representa um reconhecimento pelo passado cultural – é o respeito aos
mais velhos, aos seus saberes e de valorização de seus conselhos, do contar da história de vida
de antepassados, com a preocupação de que esses repasses de informações cheguem também
aos mais novos e não se percam no tempo.
O território assume um aspeto particular por se entrelaçar com a luta pela terra e pelo
direito de ocupação, estando presente, entre outros dados obtidos, relacionados, em sua maioria,
a relatos dos mais antigos e das lideranças. Registramos esses dados em relação à cultura
presente na aldeia e a tudo que fortalece sua identidade. Contamos também com bibliografia
escassa, mas disponível para levantar os dados principais.
Foi uma amostra de dados, dados primários recolhidos para levantar questões a respeito
dos valores da arte e da identidade Terena. Os testemunhos, por meio das entrevistas e conversas
informais, foram essenciais, assim como a observação direta e presencial nas aldeias que
permitiu uma recolha fotográfica.
As aldeias pesquisadas foram escolhidas pelo fato das duas (Aldeia Aldeinha de
Anastácio e Aldeia Tico Lipú) estarem inseridas dentro do contexto das cidades (Aquidauana e
Anastácio) e, mesmo assim, manterem alguns hábitos tradicionais, e duas aldeias mais distantes
dos municípios (Aldeia Bananal e Aldeia Limão Verde), por manterem hábitos tradicionais
Terena, como língua, dança, etc. A partir dessa escolha e após recolhas fotográficas e trabalho
de campo, realizamos um estudo para clarificar os conceitos necessários para poder
compreender a arte e a identidade Terena.
As tensões existentes fora da aldeia acontecem quando, ao terminar o Ensino Médio, os
estudantes indígenas disputarão espaço com os “brancos” nas vagas das faculdades, assim como
na procura por emprego na cidade, pois dizem que são desvalorizados, e que, algumas vezes,
têm que esconder o local onde moram, nunca revelando que moram na aldeia indígena. Ao
procurar emprego, se deparam com a desconfiança da comunidade quanto à lisura do trabalho
ou à eficiência na profissão, desconfiança também com a etnia indígena.
Concluímos que a arte e a educação artística nas escolas aparecem de modo pontual nos
dados coletados, embora esteja estampada na identidade Terena, expressa em diferentes
linguagens e manifestações. Todas as aldeias têm a sua arte representada no cotidiano da vida
54
comunitária. Nas escolas das aldeias não urbanas, ela aparece por meio de materiais que
compõem a natureza, como folhas, grãos, sementes e gravetos. Nas aldeias urbanas, cursos de
artesanato foram programados para os residentes, com a intenção de melhorar a autoestima e a
renda familiar. Neste estudo não percebemos a dualidade entre a arte e o ensino de artes nas
escolas.
RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BITTENCOURT, Circe Maria; LADEIRA, Maria Elisa. A História do povo Terena. São
Paulo: MEC-SEF-SUP: Centro de Trabalho Indigenista, 2000.
SALAZAR, Abel, O que é arte? Coimbra, Porto, Portugal. Arménio Amado Editor, Colecção
Stvdivm, Imprensa Portuguesa, 1940.
TOLSTÓI, Lev. O que é arte? 1ª Edição. Lisboa, Portugal Ed. Gradiva Publicações, S. A. 2013.
SITES CONSULTADOS:
ALDEIA TERENA ALDEINHA (Kaly Ipoxuvoku). Disponível em: https://pt-
br.facebook.com/reservaindigena.aldeinha. Acesso em 20/02/2016, às 19 h.
55
BARBIÉRI, Priscila Barbiéri - Assessoria de Imprensa - 25/04/2016. Disponível em:
http://www.anastacio.ms.gov.br/noticia/2171/dia-do-indio-e-comemorado-em-grande-
estilo-em-anastacio. e http://www.anastacio.ms.gov.br/galeria/346/atividades-educacionais--
dia-do-indio. Acesso 27/02/2018, às 23 h.
56
ATITUDES LINGUÍSTICAS DE FALANTES GUARANI BILÍNGUES,
DA REGIÃO OESTE DO PARANÁ, EM RELAÇÃO ÀS LÍNGUAS QUE
A ESCOLA DEVE ENSINAR
Resumo: Esta comunicação tem como objetivo apresentar reflexões sobre resultados da
investigação de Mendonça (2020) sobre crenças e atitudes linguísticas presente em
depoimentos de doze informantes indígenas Guarani bilíngues moradores da aldeia Tekoha
Añetete, na região Oeste do Paraná. A língua mãe desses informantes é o guarani e a segunda
língua é o português brasileiro (PB), e as variáveis consideradas foram sexo e faixa etária. Para
tanto, este trabalho, pautado basicamente nos princípios teóricos e metodológicos da
Sociolinguística Variacionista e nos estudos de Crenças e Atitudes linguísticas, bem como os
encaminhamentos dados ao Projeto Crenças e Atitudes Linguísticas, desenvolvido por Aguilera
(2009), apresenta a análise das respostas em relação à pergunta “Quais línguas a escola deve
ensinar?”. Evidenciaram-se, nos depoimentos, indícios de atitudes linguísticas na escolha pelo
guarani, o que revela uma atitude positiva em relação à língua guarani e de identidade étnica, o
que permite inferir o prestígio e valorização da língua materna.
Considerações iniciais
57
Kaiowá, Nhandeva e Mbyá. De acordo com Angelis (2015) trata-se de uma língua que é escrita
desde o século XVI, mas circulam diferentes ortografias, conforme os dialetos e,
eventualmente, conforme o país, uma vez que não há mecanismos de pressão unificadora.
No Brasil, a população Guarani é de aproximadamente 52 mil pessoas (IBGE, 2010)
que vive em centenas de aldeias espalhadas por mais de 100 municípios brasileiros, localizados
em sete estados: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo e Mato Grosso do Sul. Toda a faixa de fronteira do estado do Paraná, na região oeste do
Paraná, é ocupada por aldeias indígenas predominantemente Guarani. Para Carvalho (2013, p.
115) essa região “se constitui o berço da cultura Guarani, a partir das subdivisões que
conhecemos como Kaiowá, Ñandeva e Mbyá”.
A aldeia Tekoha Añetete, cujo nome significa “Aldeia Verdadeiramente Guarani”, é
uma reserva indígena legal homologada (Decreto s/n 28/7/2000) conquistada pelas famílias que
ali se estabeleceram desde 19 de abril do ano de 1997. Ocupa uma área de 1.744 hectares
(IBGE, 2010) e está localizada na comunidade rural de Ponte Nova, a cerca de vinte quilômetros
do centro urbano de Diamante d’Oeste. As famílias que vivem nesse Tekoha fazem parte do
grupo de indígenas atingidos com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional. A
formação do Lago de Itaipu, a partir de 1982, resultou no alagamento de grandes porções do
território tradicional dos Guarani no extremo Oeste do Paraná, atingindo o Tekoha Guassu(çu)
Jacutinga com a dispersão de muitos grupos para outras regiões. Segundo Bortoloni (2014), o
Tekoha Guassu(çu) Jacutinga compreendia uma área de 1.500 hectares, sendo o último lugar
entendido como área indígena no Brasil em que esses Guarani habitaram antes da
desterritorialização das famílias atingidas.
Moreno Fernández (1998), com base nos estudos de Lambert e Lambert (1966) e Labov
(1972), concebe que a atitude linguística é constituída por três elementos que se situam no
mesmo nível: o saber ou crença (componente cognoscitivo), a valoração (componente afetivo)
e a conduta (componente conativo). A partir desse conceito, considera-se que a manifestação
do falante pode revelar juízos de valor, crenças, intenção de conduta, reação de prestígio ou
desprestígio e consciência linguística sobre determinados contextos e circunstâncias.
58
Segundo Aguilera (2009, p. 106), pesquisas desenvolvidas no Projeto CAL1 revelam
que é possível inferir que o componente afetivo “está alicerçado em juízos de valor (estima-
ódio) acerca das características da fala: variedade dialetal, acento; da associação com traços de
identidade; etnicidade, lealdade, valor simbólico, orgulho; e do sentimento de solidariedade
com o grupo a que pertence”. Aguilera (2009, p. 106) explica, ainda, que o “componente
conativo, por sua vez, reflete a intenção de conduta, o plano de ação sob determinados contextos
e circunstâncias”. Ou seja, mostra a tendência a atuar e a reagir com seus interlocutores em
diferentes espaços sociais: rua, casa, escola, loja, trabalho e outros.
Segundo Corbari (2019, p. 70), a manifestação dos componentes cognoscitivo, afetivo
e conativo na fala dos informantes do Projeto CAL serve de índice para a verificação das
atitudes linguísticas em estudos de comunidade de fala observada, uma vez que coexistem
relações de identidade que constituem os sujeitos como distintos uns dos outros.
1
Aguilera coordenou, no período de 2008 a 2012, o Projeto Crenças e atitudes linguísticas: um estudo da relação
do português com línguas em contato, com o objetivo de fomentar a integração de grupos de pesquisa voltados
para as questões de descrição e análise linguísticas do Português falado no Paraná. O Projeto CAL teve como
objetivo produzir um corpus sobre crenças e atitudes linguísticas em oito cidades paranaenses, com uma proposta
desenvolvida em conjunto com docentes da UNIOESTE, UEL, UEPG e UEM (Mendonça, 2020).
59
um dentista, e dois agentes de saúde Guarani; três casas de reza; campo de futebol; e um espaço
comunitário para atividades de lazer, cultura e artesanato (Mendonça, 2020).
O decorrer dos anos, sobretudo nas três últimas décadas, as legislações e as políticas
públicas têm demarcado avanços na consideração das demandas das comunidades indígenas. A
Constituição de 1988 no Brasil assegurou o direito das sociedades indígenas a uma educação
escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue, o que vem sendo regulamentado
através de vários textos legais. Na questão das escolas indígenas, o Artigo 210 desta
Constituição garante aos povos indígenas, “o uso de suas línguas maternas e processos próprios
de aprendizagem”.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena (2012) apresentam
a fundamentação da educação indígena, determinam a estrutura e funcionamento da escola
indígena e propõem ações concretas em prol da educação escolar indígena. A Lei de Diretrizes
e bases da educação nacional (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996), fixa as diretrizes e bases
para a educação nacional e estabelece regras especiais para a educação escolar indígena.
As pressões socioeconômicas, políticas e culturais fazem com que muitos povos
indígenas optem pelo aprendizado em PB, a língua da sociedade não-indígena, que indica uma
fragilidade da língua de identidade étnica frente ao enorme poder da língua dominante. O
amparo legal favoreceu o surgimento de escolas indígenas que privilegiam as línguas
originárias no cotidiano escolar.
No Colégio Estadual Indígena Kuaa Mbo’e, na aldeia Tekoha Añetete, em Diamante
d’Oeste (PR), a língua guarani está presente no currículo de todos os anos do ensino
fundamental. De acordo com Mendonça (2020), o Projeto Político Pedagógico do colégio
descreve que, além da disciplina de língua guarani, todas as disciplinas específicas apresentam
conteúdos que valorizam a cultura, os costumes, a identidade, a história e o modo de vida
Guarani.
Sobre a função social da escola, dentro da terra indígena, um dos professores de língua
guarani, no colégio da aldeia Tekoha Añetete, destaca que:
A escola indígena serve para preparar o pessoal para enfrentar, para
competir por igual como qualquer outro cidadão brasileiro do jeito que
nós somos também e pra saber preservar e ter orgulho da nossa
60
identidade, ter orgulho de ser índio porque muitas vezes pessoas até
negavam sua própria identidade porque sabia que ia sofrer muito
preconceito (SEED-PR, 2019, p.10).
Dos três componentes estudados, Mendonça (2020) observa que indícios linguísticos
dos componentes afetivo e cognoscitivo são praticamente pautados em modalizadores e itens
lexicais que representam o conhecimento e o sentimento da família e da aldeia.
(1) INF: Na escola que tem hoje no colégio eu não posso reclamar ou falar que tem que ser
ensinado só guarani ou só português porque tem ... hoje tem aula guarani então, os
professor que vem de fora ensina em português ... então tem professores indígenas que são
responsáveis pra dar aula em guarani ou até mesmo às vezes é a palavra que hoje eu não
escuto mais ... que eu tô esquecendo ... eu posso lembrar nessa aula o professor conta como
que falava essa palavra ... então as criança têm também a oportunidade de aprender mais
de novo que eles tão esquecendo algumas palavras, alguns nomes, em guarani .... então a
escola tem sim responsabilidade de ensinar guarani também ... não é porque somos guarani
que vamo falar ah porque que vai ter aula guarani se eles falam guarani? ... então sempre
tem que ter aula com os professores indígenas2 (Inf. 1M1)
2
As transcrições respeitam a fidelidade à fala do informante, incluindo aspectos fonológicos, isto é, a forma de
pronunciar as palavras (omissão do /r/ no final dos verbos do infinitivo, monotongação, pronúncia do dígrafo LH
como /i/ etc.).
62
denota que é atribuído mais prestígio ao guarani como língua materna. Entretanto, a informante
aciona o componente cognoscitivo para demonstrar a crença de que aprender o PB é importante
para “ter futuro na vida”, ou seja, para explicar a valoração do uso do PB por necessidade de
comunicação:
(2) INF: O mais importante seria o guarani né? Português, ciências, essas coisas, seria
importante
INQ: Por quê?
INF: Porque... pra te futuro na vida né? Seria isso
INQ: E o que que você imagina para ter o futuro, o que seria para ter o futuro?
INF: Futuro ... no meu futuro?
INQ: É da importância do português pra esse futuro
INF: Trabalhos fora, pra fazê faculdade ... é isso
INQ: E o que que isso ajudaria? Trabalhar fora, fazer faculdade, por quê?
INF: É pra se alguém na vida né? Pra não ter que dependé dos outros (Inf. 2M1)
Na sequência, quando perguntado que línguas a escola deveria ensinar e por que,
obtiveram-se as seguintes respostas de três informantes, sendo duas da faixa etária 2 e uma da
faixa etária 1, que escolheram o guarani e o PB:
(4) INF: Eu acho que tem que ensiná dois línguas guarani e português
INQ: Por quê?
INF: Porque vai precisá no adiante ... que usa mais portugueis agora pra saí...
antigamente não saía ... os índio não saía assim pra cidade ... então morava só no mato,
não saía pra cidade, então não precisava falá brasileiro, e agora adiante tem que saí
... tem muitos que trabaiá assim pra fora tem que aprendé falá portugueis tamém
INQ: Por que precisa sair da aldeia?
INF: Trabaiá pra fora tamém ...tem muitos que trabaiam na Lar daí precisa aprendé
(Inf. 3M2)
63
(5) INF: O professor guarani ensina a falá guarani e o professor branco já ensina falá portuguei
(Inf. 4M2)
(10) INF: A escola que nem aqui na aldeia ... tem que ser ensinado dois ou três línguas ...
guarani principalmente ... depois o português e inglês
INQ: Por que você acha?
INF: Pra saber mais pra falar os três línguas ou quatro línguas ... se eu pudesse eu
falava uns 10 ... 20 línguas ... aí já tava melhor ... mas dois línguas já tá bom né?
INQ: E você gostaria de falar mais línguas por quê?
INF: Pra aproximar mais da pessoa de fora né? (Inf. 3H2)
(11) INF: A escola por exemplo pensamos assim ... nóis sempre fala na escola deveria ser ensinado
a língua própria a língua própria ... mas a gente também chega de pensá assim por exemplo ...
se na escola ensiná só a língua própria também ele não vai aprendé outra língua né? ... então
como as línguas são nós colocamos escola diferenciado ... escola diferenciado só que nós temos
professores guarani professores não-indígena também tá junto ... então quer dizer que aprende
dois língua mesmo momento ... mesmo momento assim quando criança estuda ... porque não
dá pra aprendé só uma língua só ... porque o governo coloca a escola pra nosso filho estudá e
aprendé ... então na verdade língua portuguesa guarani ... pode ser espanhol pode ser outro
língua a gente aprende na escola ... então é ... eu acho que a escola também tá pra isso tá
preparado pra isso ... porque mais tarde daqui 20 ... 30 ano a gente não sabe né como é que o
jovem vai pensa ... que que o jovem vai pensá pelo futuro ... futuro estudo assim ... muitas vezes
a gente discute assim ... a nossa língua e nossa cultura a gente não sabe dar até aonde vamo
segurá isso ... até aonde nós vamo defendé isso porque o jovem que nasce agora cresce e estuda
... mais daqui 30 ... 40 ano a gente não vai sabé como vai ser (Inf. 4H2)
(12) INF: A professora branca só ensina em o portugueis ... professor indígena ... é ... ensina tamém
um poco de portugueis i guarani ... guarani ensina direto tamém ... o professor guarani né
INQ: tá. E o senhor acha que a escola deveria continuar ensinando essas línguas?
INF: É lógico que tem que ensiná assim ... porque aqui num vai fartá ... ahhh esse aluno nóis
cada vez mais vai aumentá né ... tem que ter tem que ter direta ... professora branca e o
professor é guarani ... tem que ter direto (Inf. 6H3)
65
e destaca que, se pudesse, falaria dez, vinte línguas, com o objetivo de interação social e
aproximação com as pessoas de fora da aldeia.
Já o informante 4H2 aciona o componente cognoscitivo para demonstrar consciência
linguística de que o aprendizado das línguas guarani e PB na escola é essencial, e o componente
afetivo ao demonstrar preocupação em relação ao futuro da língua e da cultura guarani.
E o informante 6H3 aciona o componente afetivo ao expor que a escola deve ensinar as
duas línguas (guarani e PB).
Nos depoimentos, verificou-se a convivência dos indígenas com falantes do PB e a
necessidade de aprender o PB, mas também a valorização do guarani na escola para preservação
da língua e da cultura Guarani.
Considerações finais
Referências
67
BRASIL. Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017. Conselho Nacional de
Educação – Câmara de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
CARVALHO, M. L. B. Das Terras dos Índios a Índios Sem Terras. O Estado e os Guarani
do Oco’y: Violência, Silêncio e Luta. 2013. 834 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana).
Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2013.
LAMBERT, W. W.; LAMBERT, W. E. Psicologia social. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
68
CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GUILHERMINA DA
SILVA, DA ALDEIA ALDEINHA, PARA O FORTALECIMENTO DA
COMUNIDADE TERENA SEGUNDO OS GESTORES, DOCENTES, EGRESSOS
INDÍGENAS DA ESCOLA, ANCIÕES E LIDERANÇAS DA ALDEIA
Edemilson Dias1
Heitor Queiroz de Medeiros 2
Resumo: Este artigo é uma das partes que compõem a dissertação ligada ao Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco
(UCDB) vinculado a linha de pesquisa “Diversidade Cultural e Educação Indígena” teve como
objetivo: analisar junto à comunidade Terena da Aldeia Aldeinha em Anastácio, no estado de
Mato Grosso do Sul, bem como junto aos gestores, docentes e egressos indígenas da Escola
Estadual Indígena Guilhermina da Silva, se a escola tem contribuído com o fortalecimento da
comunidade da aldeia. A pesquisa foi baseada no método autoetnográfico, sabendo que para
RAMIRES (2016), a autoetnografia, através de concepções do sujeito, traz uma descrição da
cosmovisão de seu povo/comunidade de dentro para fora, onde ele transita praticando e
constituindo os saberes conforme os fundamentos cosmológicos. Também se realizou
conversas informais com lideranças da comunidade e registradas em caderno de campo. Para
além, observou-se como os Terenas da aldeinha tem se identificado em seu dia-a-dia junto à
sociedade envolvente, pois a escola ali presente, os Terenas se posicionam em toda a sua forma
de ser, “Terena mesmo da Aldeia Aldeinha”, e afirmando isso com toda propriedade, em todos
os espaços culturais e sociais.
1. INTRODUÇÃO
1
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) - Mestrado e Doutorado da
Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Indígena da etnia Terena, residente na Aldeia Aldeinha em Anastácio,
MS. Professor efetivo da Rede Municipal de Educação do município de Anastácio, Mato Grosso do Sul.
E-mail: edemilsoncorreadias44@gmail.com
2
Docente no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) - Mestrado e Doutorado, da Universidade Católica
Dom Bosco (UCDB). E-mail: heitor.medeiros@ucdb.br
69
(UCDB), vinculada ao Grupo de Pesquisa ‘Diversidade Cultural Educação Ambiental e Arte’
e a Linha de Pesquisa ‘Diversidade Cultural e Educação Indígena’ teve como objetivo analisar
junto à comunidade Terena da Aldeia Aldeinha em Anastácio, no estado de Mato Grosso do
Sul, bem como junto aos gestores, docentes e egressos indígenas da Escola Estadual Indígena
Guilhermina da Silva, se a escola tem contribuído com o fortalecimento da comunidade da
aldeia.
A Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva recebeu este nome em homenagem a
uma das primeiras famílias a se instalar na aldeinha, oriunda Aldeia Buriti, mãe de nove filhos
que posteriormente, tanto seus filhos quanto seus netos, vieram a se tornar lideranças na
comunidade da aldeinha.
Observando a foto na fachada da Escola, notamos que na entrada do portão há um
modelo de cocar, algo de afirmação cultural indígena Terena, como frente de destaque o
“cocar”, para ser notado que é uma Escola Indígena Terena na Aldeia Aldeinha.
Foto: A Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva (fachada modelo cocar)
70
fortalecimento da Aldeia Aldeinha, tendo como missão garantir a continuidade do
conhecimento da etnia Terena dentro da formação cidadã indígena e não indígena,
comprometidos e conscientes de seu papel. Preparando-os com ações inovadoras para o acesso
e a permanência na sociedade, como cidadãos críticos e formadores de opiniões em sua
comunidade e na sociedade envolvente.
O objetivo é que os alunos formados pela Escola Estadual Indígena Guilhermina da
Silva, sejam incentivados a dar continuidade aos seus estudos e a decidirem conscientemente o
seu futuro. Que sejam cidadãos atuantes em sua comunidade e na sociedade, comprometidos
com a preservação da identidade étnica e cultural do povo Terena.
A comunidade Terena da Aldeia Aldeinha obtém seu sustento familiar através de
serviços informais, como: pedreiro, servente de pedreiro, serviços em fazendas, changas,
trabalhos artesanais. Há uma falta de assistência às famílias que ficam na aldeia enquanto os
homens estão ausentes. E devido à questão econômica, em que os moradores vivem, e à
necessidade de sobreviver, a escola apresenta um índice significativo na distorção ano/idade,
pois os alunos interrompem os estudos durante o ano letivo, principalmente no 2º semestre,
período no qual surgem os chamados trabalhos temporários de fim de ano (como a colheita de
maçã em fazendas da região), retornando no ano letivo seguinte. Dessa forma alguns
adolescentes acabam aceitando regimes de trabalho que prejudicam sua frequência na escola.
Segundo o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, o trabalho está sendo executado
por meio de projetos e ações escolares que visam incentivar, envolver os estudantes e docentes.
Ao interagirem no processo de ensino e aprendizagem, pautados numa metodologia ativa,
conforme seu período de funcionamento.
Todavia as ações e/ou projetos garantidos no PPP, são passíveis de acréscimos,
adequações ou inserções de temas conforme a necessidade escolar como: educação no trânsito
e semana dos povos indígenas. Outros temas e projetos que envolvem a unidade escolar são:
bullying, respeito à pessoa idosa, sexualidade, consciência negra, dia nacional de luta das
pessoas com deficiência (21 de setembro), valorização do surdo, projeto de leitura, produção
textual, teatro na escola, temas transversais (prevenção da saúde, violência, drogas,
suicídio/depressão, auto estima, gravidez precoce e entre outros), oficinas aos professores
(prática com contexto indígena e não indígena), formações continuadas, formações específicas
voltadas para cultura indígena, formações específicas para funcionários da escola, reuniões
bimestrais, família e escola, concretizando sonhos, parcerias com órgãos públicos e ONGs.
71
Também tem foco nas avaliações internas e externas, diagnóstico da aprendizagem do
estudante e/ou da turma, aulas de campo, recuperação paralela, atividades cívicas e culturais,
projeto dia das mães, ação saberes indígenas na escola, projeto esportivo intercultural, combate
à evasão escolar, sala de recurso multifuncional, Tradutor-Intérprete da Língua Brasileira de
Sinais (TILS/LIBRAS), professor de apoio escolar ao estudante da educação especial.
Entretanto o Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola Indígena Guilhermina, é um
processo contínuo, o qual vai reformulando-se conforme as necessidades da comunidade
escolar, respeitadas as especificidades locais, e pelo que temos observado, a escola tem se
reunido neste ano de 2022, para reformular o PPP, fato que deveria ser feito em 2020, porém
devido a COVID 19 não ocorreu.
Entrevistada no dia 09/07/2022 a egressa dessa escola a indígena Terena Evelin Tatiane
que atualmente é professora na referida escola, sendo a mesmo mestre em Educação pelo
PPGE/UCDB, e hoje doutoranda nesse mesmo programa. A cultura Terena está presenta no
cotidiano da escola? De que forma? A questão cultural dentro da escola em parceria junto com
a comunidade, cada vez ela tem se revitalizado, ela está mais frequente não somente na questão
74
do nome da escola, mais também nas ações nas atividades culturais e na reafirmação de cultura,
principalmente porque nós temos o aluno indígena na escola indígena que não assume essa
identidade de ser indígena, então a gente tem feito esse trabalho principalmente com os jovens
da questão de se apropriar da nossa etnia.
A escola desenvolve atividades voltadas para o ensino da língua Terena? Atualmente
temos o professor de língua materna, o professor Jessé, ele trabalha oficinas com os alunos
incentivando a fala, o cumprimento, que seja a rotina principalmente no fundamental I, pois as
crianças do fundamental I, ela está naquela perspicácia de aprender corretamente a fala
cotidiana, os cantos.
Qual a importância da escola para a comunidade da Aldeia Aldeinha? Desde o projeto
para a implantação da escola a comunidade toda ela esteve envolvida, foi um processo de
discussão muito intensa entre comunidade, liderança e pessoas não indígenas, que a gente
precisa ter esse diálogo essa negociação, a implantação da escola ela foi um passo muito
importante para a comunidade em si, antes o não indígena falava porque o índio, ainda usa o
termo o índio, para que o índio na escola, então a partir desses avanços, desses diálogos, a
persistência, a insistência das lideranças, das pessoas que acompanhavam o processo de
fundação e implementação da Escola Guilhermina hoje a comunidade ela é consolidada, ela é
perpetuada, legitimidade através da escola, porque tudo o que ocorre dentro da comunidade,
seja uma reunião, seja uma pastelada, seja uma confraternização, jogos, tudo começa e acaba
dentro da escola, então a escola em si ela vem sendo o ponto de fortalecimento da nossa
comunidade hoje, desde a implantação de seu prédio.
A escola tem fortalecido a comunidade da Aldeia Aldeinha? A escola ela tem sido a
referência para as pessoas dentro da comunidade, não só de agregar os alunos, os alunos da
comunidade, mas as vezes assim tem situações que a escola consegue atender a comunidade,
as vezes precisa fazer uma entrevista de emprego, precisa tirar xérox, a escola está ali para
ajudar, os professores estão ali para orientar, fazer documentos, através do usufruto da internet
da escola, então essa parceria entre escola e liderança e comunidade ele só tem a fortalecer.
Quais os benefícios que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva traz para a
comunidade da Aldeia Aldeinha? Hoje a comunidade ela agrega os nossos alunos desde o
fundamental I, o fundamental II, o ensino médio regular e o EJA que é o ensino de jovens e
adultos que hoje atualmente é denominado conectando saberes, a principal contribuição hoje
para a comunidade é que a gente consegue atender todas as faixa etárias de idade das famílias,
75
as vezes nós temos mães de família que trabalham durante o dia, nós temos alunos que só
conseguiram o trabalhos mediante o retorno a sala de aula, então o número de evasão caiu
bastante porque as mães estão saindo pra procurar emprego, os rapazes estão procurando
emprego, deixam um pouco de lado a questão de sair para usina, para o corte de cana, para a
colheita de maçã, ou até os chapeiros que a gente fala que são os serviços esporádicos, para
retornar a escola, porque eles já estão visando o crescimento profissional e a melhor qualidade
de vida para suas famílias, então a Guilhermina tem todo esse olhar atento especial,
principalmente aos nossos alunos do noturno, que são adultos e precisam realmente aperfeiçoar
seu estudo, a contribuição principal da escola para a comunidade em relação a essa situação e
estar fazendo esse acompanhamento e entender a especificidade de cada aluno.
Você acha que a Escola Estadual Indígena Guilhermina da Silva por estar dentro do
espaço urbano de Anastácio deveria deixar de ser uma escola indígena? A escola indígena
Guilhermina da Silva ela não tem como deixar de ser uma escola indígena, primeiro que antes
da emancipação do nosso município ser Anastácio, Aldeinha já era emancipada, desde a década
de 30 existem escritos antropológicos, Cardoso relata que passou aqui na década de 30 e já
estávamos nós aqui, então em hipótese alguma agente pode deixar de ser aldeinha, de ser
comunidade indígena e que a Escola Indígena Guilhermina sempre vai ser sempre a Escola
Indígena Guilhermina da Silva, conforme as liderança e os cacique da época e a comunidade
também votaram para implantação dessa Escola, então tem que permanecer isso, até por
questão do nosso processo de revitalização, permanência e continuidade de nosso povo, das
nossas crianças e da nossa Educação Escolar Indígena aqui no município de Anastácio.
77
seguinte, que vários professores que dá aula dentro da comunidade na escola já foi formado
começando daí.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
78
participam das discussões e da produção dos documentos estaduais. Outro fator importante a
evidenciar é a produção acadêmica de professores ligados a esta escola.
Enfim, a comunidade da Aldeia Terena Aldeinha está passando por um processo
contínuo de mudanças, e a escola tem dado sentido a essas mudanças, isso se faz necessário.
Porém, espera-se que os demais parceiros envolvidos com o cotidiano da aldeia
desenvolvam trabalhos que respeitem as diferenças dos Terena em toda a sua forma de ser, e
que a autonomia educacional seja respeitada pela sociedade envolvente para o fortalecimento
da identidade e cultura dos indígenas Terenas da Aldeia Aldeinha.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Gerson Pinto. O protagonismo da Escola Polo Indígena Terena Alexina Rosa
Figueiredo, da Aldeia Buriti, em Mato Grosso do Sul, no processo de retomada do
território da terra Indígena Buriti. Campo Grande. 2016. Dissertação (Mestrado) -
Universidade Católica Dom Bosco.
BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (uma nova caminhada) no processo de desconstrução e
construção da educação escolar indígena da Aldeia Te’ýikue. 2014. 130f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS, 2014.
BRASIL. MEC. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. MEC. PCN- Programa Parâmetros em Ação. Educação Escolar Indígena. As leis
e a Educação Escolar Indígena. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de
Educação Fundamental, Brasília, 2002.
FARIAS, Edineide Bernado. A criança indígena Terena da aldeia Buriti, em Mato Grosso
do Sul: O primeiro contato escolar. Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB), Campo Grande, MS, 2015.
MOURA, Noêmia dos Santos Pereira. Uma aldeia terena urbana: aldeinha. Aquidauana,
1994. Monografia de Especialização em História. Centro Universitário de Aquidauana
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Do índio ao bugre: processo de assimilação dos Terena. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
80
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INDÍGENA: DIFERENTES OLHARES E
EXPERIÊNCIAS
Introdução
O presente artigo é resultado do plano de trabalho que faz parte do projeto de pesquisa
intitulado “Currículo e (de)colonialidade: relações étnico-raciais, gênero e desigualdade
social”, com apoio do CNPq. Particularmente nesse texto, trazemos diferentes perspectivas e
experiências de educação indígena e seus currículos.
Isso será possível, a partir da análise das produções científicas publicadas em um
periódico que tem como foco a publicação relacionada à temática indígena (TELLUS), no
período de 2012-2022.
81
No artigo, destacaremos que há diversas etnias indígenas no Brasil e na América Latina,
que desde o período colonial se relacionam com a escola. Nas últimas décadas a luta tem sido
pela construção de um currículo e uma escola indígena intercultural, diferenciada, bilíngue.
A heterogenia cultural é uma característica central tanto dos povos indígenas, quanto da
educação indígena no Brasil e na América Latina. Há uma riqueza cultural única, com línguas,
tradições, costumes e conhecimentos tradicionais que circulam por gerações. A valorização
dessa diversidade cultural tem sido o foco dos povos indígenas ao pensaram nos currículos das
escolas, promovendo a educação indígena, intercultural, bilíngue e diferenciada.
Apenas no Brasil há cerca de 305 diferentes povos indígenas com 274 línguas faladas.
Em Mato Grosso do Sul encontra-se a segunda maior população indígena do país, com cerca
de 70 mil povos pertencentes a diferentes etnias, onde cada uma dessas possui sua própria
língua, cosmovisão, formas de organização social e conhecimentos específicos. A educação
indígena vem buscando valorizar a heterogeneidade cultural, incorporando-a nos currículos das
escolas e promovendo a preservação de suas línguas, além de promover o diálogo intercultural
entre as comunidades indígenas e não-indígenas. Mas esse diálogo não tem sido fácil: “Índios
e não índios estão territorialmente ligados, mas culturalmente distantes” (Couto, 2016, p.98).
Para a compreensão da Educação Escolar Indígena é necessário compreender o contexto
histórico no qual está inserida, lembrando que a educação é muito maior do que a educação
escolar:
A educação, para os indígenas, tem um papel bem mais amplo, e a escola seria
só mais um local para se adquirir instrução. Quando de seu surgimento, a escola
ocidental tem esse papel de instruir, ela é responsável por aqueles conjuntos de
saberes específicos. Hoje em dia, com a omissão dos grupos familiares e
sociais na tarefa educativa, a escola acaba sendo responsável por toda a
educação. (Couto, 2016, p. 117)
83
Saramago e Bruno (2021), citam a importância da oralidade dentro da educação, pois
entre o falar e ouvir, os conhecimentos são transmitidos e mantidos. Dessa forma, ao contar
suas histórias, seus modos de organização, crenças e elementos culturais que compõem sua
história, os mais velhos ensinam aos mais novos os chamados conhecimentos tradicionais.
Ghanem e Abbonizio (2012) ao desenvolverem suas pesquisas em escolas indígenas do
Alto Rio Negro ponderam que a questão a ser garantida é que cada povo possas decidir sobre o
que muda ou o que permanece em sua própria cultura. Com essa preocupação, são designados
a essas escolas os chamados “projetos futuros”. Eles recebem um destaque por permitir a
comunidade um grande envolvimento dentro das definições dos projetos educacionais, como
escolha de professores e elaboração dos materiais didáticos, para que assim possam voltá-los a
realidade das necessidades comunitárias. Dessa forma, a escola assume um papel frente ao
desenvolvimento das comunidades e na realização desses chamados “projetos futuros”.
Ao integrar os conhecimentos tradicionais nos currículos escolares, é importante
garantir que eles sejam ensinados de forma respeitosa e autêntica. Isso implica envolver os
anciões e líderes comunitários na elaboração deles, permitindo que eles compartilhem seus
conhecimentos e orientações. Além disso, é essencial promover um diálogo intercultural entre
os professores indígenas e não indígenas, para que haja uma compreensão mútua e uma
abordagem colaborativa na construção do currículo.
Diante das falas históricas e enraizadas de que os povos indígenas teriam seus futuros
caracterizados como destrutíveis ou como invulneráveis frente as mudanças impostas ao seu
modo de vida na situação pós-contato, o importante é garantir que possam desenvolver-se de
forma autônoma e a escola tem sido vista como um espaço no qual essa autonomia de constrói.
A inclusão dos conhecimentos tradicionais não apenas fortalece suas origens, mas
também contribui para uma educação mais abrangente e enriquecedora para todos os alunos,
vindo desde a infância. Ao aprender sobre os saberes de seus povos, os estudantes têm a
oportunidade de desenvolver uma perspectiva intercultural, ampliar sua compreensão de mundo
e valorizar a diversidade cultural. Além disso, torna-se uma grande força no combate à
discriminação cultural e ajuda a promover a igualdade de oportunidades educacionais para os
povos indígenas (Ghanemm; Abbonizio (2012).
Todavia, as escolas indígenas muitas vezes possuem grandes dificuldades para a
formação do próprio currículo, uma vez que o apoio e a inclusão dos povos indígenas para a
produção do mesmo encontram-se em um meio precário, englobando desde a dificuldade da
84
produção de materiais didáticos a preparação correta dos alfabetizadores indígenas, entre muitas
outras. Além disso, como lembra Vera (2014), para a escola ser considerada indígena e de
qualidade, não basta ter infraestrutura e não ter problemas financeiras, é necessário a garantia e
utilização de materiais de todos os tipos nas línguas nativas.
85
Da mesma forma que para os Karajá, para a população Xerente, sociedade que se
organiza por meio de um dualismo estrutural, que tem como base a divisão sociocosmológica
sol e lua (Melo; Giraldin, 2012), o contato com a sociedade não indígena surgiu com uma
intensificação dos bandeirantes em busca de ouro na região de Tocantins, um período marcado
por muita violência e dor. Essa população viu-se diante da imposição de novos costumes,
passando a aprender ofícios, deixando de lado suas crenças e frequentando escolas não
indígenas, para assim tentarem construir uma relação de paz com aqueles que chegavam em
seus territórios.
O histórico de luta desse povo traz como consequência a necessidade do equilíbrio na
convivência com o outro. Melo e Giraldin (2012), citam que a escola passa a ser vista pelos
indígenas como uma balança que traz tanto riscos quanto benefícios, pois torna-se fundamental
relacionar-se com o “mundo dos brancos”. Dessa forma, ainda há um olhar de desconfiança sob
as escolas, o que faz com que em muitos casos sejam espaços afastados das aldeias.
Muitas vezes as escolas indígenas são vistas como “escolas rurais”. Elas não são
completamente indígenas, não há o envolvimento total das comunidades no espaço escolar de
forma efetiva. Vera (2014) ainda afirma que, isso ocorre por conta de o Projeto Pedagógico não
incluir mestres indígenas na participação de assuntos referentes a seus próprios povos na
construção das diretrizes de suas escolas no Mato Grosso do Sul.
Portanto, há toda uma história e várias histórias. Uma longa experiência pode ser
fornecida através da relação existente entre as escolas e os grupos indígenas. Passando desde a
doutrinação imposta pelos colonizadores até os dias atuais, em que cada vez mais buscam
entender a necessidade da descolonização das escolas e dos currículos, que mesmo não sendo
totalmente ainda efetivada, mostra a possiblidade desse povos serem os responsáveis pelas
suas próprias vidas, histórias e ensinamentos.
Os enfrentamentos com o poder dos brancos para a realização de uma escola
diferenciada ainda são comuns, uma vez que essa escola, mesmo tendo sua essência nas
estruturas indígenas, ainda assim se encontrará sob a tutela do Estado e da legislação estadual.
[...] a escola para os povos indígenas ainda está em processo de consolidação,
necessitando de políticas efetivas não apenas no nível nacional, pois as escolas
indígenas em que as Secretarias Estaduais de Educação estão como principais
responsáveis apresentam, majoritariamente, uma estrutura diferente, sendo
mais bem assistidas em comparação com aquelas escolas cuja manutenção está
a cargo das Secretarias Municipais de Educação. Por isso as reinvindicações
seriam para políticas efetivas para toda a rede de escolas dos indígenas do
contexto nacional (Fonseca; Neto; Weigel, 2020, p. 148).
86
Dessa forma, a autonomia indígena mais uma vez é deixada de lado em uma situação
que deveria estar garantida. Couto (2016) nos traz a reflexão que essa realidade deve-se à
sociedade branca:
Ainda vivemos em uma sociedade marcada pela herança de nosso passado colonial, isto
é, estamos vivendo na colonialidade. A ideia de que o colonialismo foi superado com o fim
desse período não é correta, os efeitos dessa época continuam sendo produzidos de forma
sistemática pelas dimensões da colonialidade, mantendo na invisibilidade os conhecimentos e
saberes advindos de comunidades historicamente subalternizadas. (Mignolo, 2017).
Entretanto, análises que apontam os principais elementos para o processo de
descolonização estão ganhando cada vez mais espaço, assim como, as críticas à colonialidade.
Isso é fundamental para tensionar as estruturas que causam a perpetuação das injustiças, do
racismo e da discriminação presentes no currículo, buscando construir um outro currículo,
capaz de viabilizar as histórias e culturas silenciadas, um currículo decolonial (Mignolo, 2017).
Nessas análises destacam-se os intelectuais indígenas. Os intelectuais indígenas, para
Bergamaschi (2014), são em primeiro lugar formados pela e na oralidade, e que mantem a
cultura oral como seu esteio de produção e transmissão, embora muitos deles frequentem à
academia.
Os intelectuais indígenas circulam entre dois mundos de saberes, o indígena e o não
indígena. Eles buscam uma relação simétrica com a sociedade na qual o conhecimento e a
ciência indígena são valorizados e reconhecidos tanto quanto as aprendizagens trazidas pelo
corpo social não indígena. Ao tentar participar desses processos de trocas, os povos originários
muitas vezes são tachados de “aculturados”, como se sua identidade devesse ser a sempre a
mesma (Bergamaschi, 2014). Eles “[...] se revelam na luta pelo reconhecimento, pela
autodeterminação, pelo direito a relações simétricas com outras sociedades, pela afirmação de
seus valores, seus conhecimentos, seus direitos políticos e sociais” (Bergamaschi, 2014, p. 12).
87
Ainda que muitos deles se formem nas universidades, eles não perdem essas
características, pelo contrário, elas se fortalecem. Nesse sentido podemos dizer que a educação
tem de alguma forma mudado, ainda que não de forma suficiente, para atender esses povos:
88
Além disso, a formação de professores precisa levar em conta as questões culturais, a língua e
o modo próprio de educar.
Portanto, a escola indígena não deve ser vista como algo único que irá englobar toda a
população indígena, ela deve variar de acordo com a especificidade de cada povo, de suas
experiências históricas, seus modos de lidar com o entorno.
Isso não significa ignorar as novas tecnologias de comunicação e informação, mas essas
devem ser apropriadas e utilizadas com autonomia, de modo a atender as demandas de cada
comunidade, sempre refletindo sobre as possíveis consequências que podem causar. Ela é usada
muitas vezes dentro da aldeia como meio de mostrar a realidade da vida cotidiana, além de
outras possibilidades, como por exemplo, gerar um intercâmbio com parentes de outras aldeias
(Sarmento, 2016). O uso dessas tecnologias não significa que a cultura indígena esteja
ameaçada. Como argumenta Sarmento (2016), os Kaiowá e Guarani utilizam as novas
tecnologias, mas não se desconectam de sua etnia:
[...] no caso dos Kaiowá e Guarani, existe também o questionamento, a reflexão a
respeito de tudo, e essa reflexão passa pela questão da espiritualidade, do jeito de ser
Kaiowá e Guarani. Sempre me impressionou que eles nunca se desconectam do tema
da espiritualidade e da língua; a impressão que tem é que a essência espiritual Kaiowá
e Guarani é que os mantem com o pé no chão, garantindo-lhes algumas certezas
identitárias nas relações com o outro (Sarmento, 2016, p. 134).
89
Felizmente algumas universidades estão atentas para essa realidade e estão contribuindo
para que a diversidade e a autonomia dos indígenas seja respeitada, seja no campo da educação,
seja em relação a sua cultura, identidade e modo de ser e viver.
Considerações finais
Referências
FONSECA, Kácia; NETO, Jaspe; WEIGEL, Valeria. Os Kambeba, a escola e seus significados.
Tellus, Campo Grande, ano 20, n.42, p. 137-152, maio/ago 2020.
90
GHANEM, Elie; ABBONIZIO, Aline. A escola indígena e as aspirações de futuro das
comunidades. Tellus, Campo Grande, ano 12, n. 23, p. 147-161, jul/dez 2012.
MATO, Daniel. Pueblos Indígenas, Estados y Educa- ción Superior en América Latina.
Modalidades de colaboración, logros, problemas, desafios y conflictos. Tellus, [s. l.], ano 13,
n. 25, p. 11-33, jul/dez 2013.
SILVA, Simone; BORGES, Claudia. Educação escolar indígena potiguara: uma análise
estrutural e material. Tellus. Campo Grande, ano 19, n. 38, p. 341-367, Jan/abr. 2019.
VERA, Tomás. Materiais didáticos em língua guarani nas escolas Guarani e Kaiowá de Mato
Grosso do Sul*. Tellus. Campo Grande, ano 14, n.26, p. 131-146, Jan/jun. 2014
91
EDUCAÇÃO DECOLONIAL COMO PROJETO PARA A EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
Resumo: O presente artigo tem como objetivo geral realizar uma discussão teórica-
epistemológica sobre a perspectiva da decolonialidade como um projeto vivo político e
educativo para a Educação Escolar Indígena no Brasil. Para isso, utiliza-se como base teórica
os autores do Grupo Modernidade/Colonialidade e Intelectuais Indígenas. Compreendemos
que a expansão da europa causou consequências crueis aos continentes colonizados, e que, na
América Latina, a colonialidade ainda se perpetua de forma simbólica na sociedade. Nesse
contexto, os Povos Indígenas do Brasil resistiram durante o período colonial e continuam
resistindo até os dias atuais. A Educação Escolar dos povos indígenas foi aderida como um
instrumento de resistência, contudo, esta ainda é pautada por moldes coloniais, atuando a partir
da perspectiva da recolonização. Portanto, entendemos a educação decolonial na educação
escolar indígena como um projeto social, político, cultural e epistêmico que busca superar as
práticas e perspectivas coloniais ainda presentes no âmbito educacional indígena.
Introdução
Educação Decolonial
98
originários, recuperando e valorizando a funcionalidade das suas línguas indígenas aos seus
povos.
Portanto, há a necessidade de tomarmos um certo cuidado em relação aos princípios que
norteiam a escola indígena e suas diferentes conceituações e compreensões. Para a nova visão
decolonial da escola, que parte do entendimento de a escola servir aos próprios indígenas,
juntamente com as normas constitucionais que garantem os próprios processos de
aprendizagem, Machado e Beltrão (2018) afirmam que o indígena deve permancecer com seus
costumes e cosmovisões particulares, refletindo, assim, na nova forma de conceber a escola.
Assim, o primeiro passo para uma educação indígena eficaz, entendida como princípio
base das comunidades indígenas, é que a escola deve ser contemplada da maneira que eles a
compreendem, se reinventando e se redescobrindo a partir dos valores da própria comunidade
indígena (Machado; Beltrão, 2018).
Benites (2014) aponta que a ideia é utilizar os mesmos espaços que utilizam com a
finalidade integracionista, para a quebra desses paradigmas tradicionais. Assim, os currículos
construídos pelos próprios indígenas nas escolas indígenas se preocupam em modificar as
pessoas, os conceitos e suas visões a fim de possibilitar a emergência dos sistemas e valores
dos povos tradicionais.
Luciano (2011) descreve o espaço escolar indígena idealizado constituído pelo diálogo
entre os conhecimentos de cada povo indígena e os conhecimentos ocidentais que eles acharem
necessário entrar em suas escolas. Nesse contexto, essa perspectiva decolonial no espaço
escolar não desconsidera os saberes da sociedade não indígena, mas seleciona os saberes
importantes para inserir em seu currículo a fim de estabelecer um diálogo intercultural crítico.
No entanto, apesar de o movimento indígena ter conquistado direitos políticos e
educacionais essenciais, Souza (2021) denuncia que muitos desses direitos ainda não estão
garantidos para toda a população indígena e que é necessário avançar as análises da situação
escolar indígena. Segundo o autor, “a demanda de uma educação diferenciada para os grupos
indígenas brasileiros ainda não tem sido suprida de maneira efetiva, e a superação da
discriminação étnica vivenciada no país, desde o início da colonização, ainda não foi alcançada”
(Souza, 2021, p. 28,).
Machado e Beltrão (2018) problematizam essa questão, pois, segundo os autores,
atualmente há inúmeras leis referentes às diversas questões dos direitos humanos, no entanto, a
implementação delas não avança “Parece-nos que ainda falta o toque magistral de uma caneta
99
no papel, no despacho dos prefeitos e governadores, reconhecendo e implementando a escola
como indígena, e também, para não ter o olhar distorcido, no momento de empenhar os recursos
recebidos para a educação indígena. (2018, p. 515)
Um dos fatores de ausência e/ou dificuldades de implementação é a falta de práticas
interculturais nas escolas indígenas, conforme apontam Machado e Beltrão (2018). Segundo
eles, a interculturalidade aparece nas políticas educacionais, mas sua execução não pode se
restringir a um discurso de tolerância ao que é diferente.
Dessa forma, observamos que a falta de posicionamento crítico no viés da
interculturalidade não é clara nos documentos oficiais em que constam esse objetivo, sendo
então executada a interculturalidade funcional, como explicada por Walsh (2012). Ainda, os
autores Machado e Beltrão (2018) também afirmam que no cotidiano escolar ainda há
imposições coloniais, como o uso e planejamento dos materiais didáticos, os quais ainda são
precursores dos estereótipos sobre os povos indígenas (Mancini; Troquez, 2009). E ainda há
as avaliações em larga escala, a instituição da Base Nacional Comum Curricular, entre outros
fatores que evidenciam a hegemonia da centralização curricular (Troquez; Nascimento, 2020).
Dito isso, defendemos e nos baseamos na interculturalidade crítica, o terceiro viés.
Walsh (2012) aponta que o ponto central destacado na interculturalidade crítica é o problema
estrutural-colonial-racial e sua ligação com o mercado capital.
Nesse contexto, a interculturalidade crítica, sendo um processo e um projeto, questiona
o modelo social vigente, e, lutando para e junto com os povos subalternizados, excluídos,
oprimidos e silenciados historicamente, busca a decolonialidade e a construção de outros
mundos, mas não apenas para os povos e nacionalidades indígenas, mas da transformação da
sociedade como um todo.
Dessa forma, compreendemos que a estrutura social e política ainda é constituída a partir
dos moldes coloniais, por isso, a autora enfatiza que a interculturalidade crítica, assim como a
decolonialidade, é um projeto em construção.
A partir desse entendimento, tomamos como ponto fundamental nessa pesquisa a
interculturalidade na educação. Para Candau (2020) a interculturalidade crítica vem ganhando
espaço no âmbito educacional. Segundo a autora, “para a educação intercultural crítica, um
aspecto básico é desvelar as formas de colonialidade presentes no cotidiano de nossas
sociedades e escolas.” (Candau, 2020, p. 681)
Da mesma forma, de acordo com Walsh (2009, p. 26) com “a interculturalidade crítica
100
expressa e exige uma pedagogia e uma aposta e prática pedagógicas que retomam a diferença
em termos relacionais, com seu vínculo histórico-político-social e de poder, para construir e
afirmar processos, práticas e condições diferentes.”
Assim, para uma educação intercultural atrelada à perspectiva decolonial, Candau
(2020) apresenta algumas questões atuais que se fazem necessárias no contexto educacional. A
primeira diz respeito a interseccionalidade, entendida como uma lente que possibilita enxergar
os diferentes tipos de opressões presentes na sociedade e questionar as visõesessencialistas que
consideram essas problemáticas como meras coincidências.
Nesse aspecto, para a autora, a interseccionalidade deve ser utilizada para analisar as
dinâmicas dos processos educativos para que a estrutura colonial e suas raízes sejam
desmascaradas e, a partir disso, sejam construídas novas práticas educativas equitativas e
democráticas.
Outra questão necessária diz respeito ao empoderamento. Candau (2020) assume sua
perspectiva de que ninguém empodera ninguém. No entanto, no contexto educativo é necessário
que sejam promovidos processos que fazem com que os grupos e indivíduos inferiorizados e
oprimidos descubram seus potenciais e comecem a se enxergar como sujeitos e atores sociais.
Nesse sentido, a autora enfatiza a necessidade de utilizar as próprias epistemologias a
fim de recuperar os danos causados pela negação e silenciamento dos povos indígenas, devendo
repensar a função, currículo e organização das escolas indígenas.
Dessa forma, é indispensável à educação intercultural crítica e decolonial o seu
posicionamento e práticas antirracistas, buscando realizar nos processos educativos
problematizações sobre essas questões, a fim de desnaturalizar e desmascarar a branquitude
como padronização social, cultural e política e os privilégios vindos dessa configuração.
Para tanto, devemos pensar na incorporação de um currículo decolonial, particularmente
no currículo da Educação Escolar Indígena, que se desenvolve até o momento a partir de uma
interculturalidade funcional. Diante dessas considerações, compreendemos a Educação
Intercultural Decolonial como um instrumento de transformação cultural, social e política.
Conclusão
Referências
KNAPP, Cássio. O Ensino bilíngue e educação escolar indígena para os Guarani eKaiowá
de MS. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências
Humanas - FCH, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, 2016. Disponível
em:
http://repositorio.ufgd.edu.br/jspui/handle/prefix/377. Acesso em: 25 ago. 2022.
SOUZA, A. Tenondê porãrã: sabedoria indígena para a boa educação das crianças na
Reserva Indígena de Dourados (RID)-MS. / Aguilera de Souza. – Dourados, MS: UFGD,
2021.
103
TROQUEZ, Marta Coelho Castro; NASCIMENTO, Adir Casaro. (Des)colonização,
interculturalidade crítica e escola indígena na contemporaneidade. Educação Unisinos, v. 24,
2020. Disponível em:
http://revistas.unisinos.br/index.php/educacao/article/view/edu.2020.241.15/60747811.
Acesso em: 9 jul. 2021.
104
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA DIFERENCIADA NA REGIÃO OESTE DO
PARÁ
Resumo: Trata-se de uma pesquisa etnográfica ancorada nos Estudos Culturais em Educação,
cujo objetivo foi obter uma percepção do entendimento que as escolas indígenas da região Oeste
do Pará têm a respeito do que é fazer uma educação escolar diferenciada, avaliando em que
medida tal modelo de educação se efetiva nessas escolas. Para tanto, realizamos um estudo da
legislação que versa sobre essa temática e buscamos, in loco, acompanhar o processo de
consolidação desse modelo de educação na região. Até onde pudemos perceber, os desafios
para a implantação e efetivação de uma EEI diferenciada são visíveis para a maioria das
comunidades indígenas na região Oeste do Pará, seja por entraves relativos a políticas públicas
não efetivadas na prática, seja pela falta de clareza, dos atores envolvidos nesse processo, sobre
o que de fato é uma educação diferenciada.
INTRODUÇÃO
O presente artigo resulta de uma pesquisa etnográfica que buscou obter uma percepção
do entendimento que as escolas, cadastradas na categoria escola indígena junto à Secretaria
Municipal de Educação e Desporto (SEMED) de Santarém, têm a respeito do que é fazer uma
educação escolar diferenciada, avaliando em que medida tal modelo de educação se efetiva
nessas escolas.
Cabe inicialmente ressaltar que, segundo dados da SEMED, há no município de
Santarém 53 (cinquenta e três) escolas na categoria Escola Indígena, situadas nas regiões do
Planalto e Rios, em comunidades que se autodeclaram populações indígenas. Na região do
Baixo-Tapajós, há 55 aldeias, nas quais os moradores reivindicam o reconhecimento dos seus
territórios - terras tradicionalmente ocupadas por 13 etnias: Arara Vermelha; Tupaiú;
105
Munduruku; Apiaká; Borari; Arapium; Jaraqui; Tapajó; Tapuia; Tupinambá; Munduruku Cara-
Preta; Maytapu e Kumaruara. Tais etnias povoam os Territórios Indígenas (TI): Cobra Grande,
Terra Preta, Encantados, Maró, Tupinambá, Borari, Bragança-Marituba, Munduruku-Taquara,
Munduruku e Apiaká, às margens dos Rios Arapiuns, Tapajós e Solimões e também na região
do Planalto santareno.
Esses territórios estão situados em áreas auto demarcadas, porém, não oficialmente
homologadas pelo estado brasileiro. No processo de reivindicação das terras indígenas nessa
região, estes se encontram em diferentes fases: alguns em avaliação por equipe multidisciplinar
de especialistas (antropólogos, arqueólogos, historiadores etc.); e outros, em fase de contestação
por parte de fazendeiros, grandes latifundiários e pelo município. Os territórios que estão em
etapa mais adiantada são: Maró, Bragança-Marituba e Munduruku-Taquara que já tiveram o
Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado. No entanto, estão
em processo de contestação pelo município de Santarém e pessoas físicas ou jurídicas que
também reivindicam essas terras.
O movimento indígena na região Oeste do Pará vem crescendo a cada ano e ganhando
visibilidade pelo envolvimento de lideranças e professores que lutam pelo resgate da cultura e
pelo reconhecimento de direitos negados durante muitos anos aos povos indígenas do Baixo
Tapajós. Dentre as entidades envolvidas nesse processo de fortalecimento da causa indígena,
temos o Grupo Consciência Indígena (GCI), criado no ano de 1998 por jovens militantes de
diversas aldeias do Oeste do Pará. Além deste, temos o Conselho Indígena Tapajós
Arapium/CITA, fundado no ano 2000, que representa 13 (treze) etnias da região. O objetivo do
CITA é promover encontros, oficinas e seminários, reunindo as populações indígenas do Baixo
Tapajós para discussões e avanços nas lutas e reivindicações do coletivo indígena.
Há também o apoio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à Igreja
Católica, cuja missão é assessorar comunidades tradicionais nas lutas pelas suas demandas,
reforçando o seu protagonismo junto à sociedade nacional. Além dessas entidades externas,
cada um dos T.I. do Baixo Tapajós têm o seu próprio Conselho interno, devidamente registrado,
com CNPJ e representante legal que mobiliza a comunidade local e lideranças em prol das
demandas e projetos importantes para o seu território.
Recentemente, o CITA realizou nos dias 03, 04 e 05 de julho de 2023 o III Encontro de
Educação Escolar Indígena do Baixo Tapajós, para o qual mobilizou lideranças indígenas, o
poder público e segmentos da educação (universidades públicas, escolas técnicas e Institutos
106
Federais de educação, a Secretaria Municipal de Educação de Santarém (SEMED) e a Secretaria
de Estado de Educação – SEDUC/PA) para discutir sobre: o panorama da Educação Escolar
Indígena (EEI) no Baixo Tapajós, a oferta do Ensino Médio pelo Sistema Modular de
Ensino/SOME, a Matriz Curricular das escolas indígenas, as diretrizes educacionais, o Ensino
Técnico e Superior, bem como para ouvir as principais demandas das escolas indígenas da
região do Baixo Tapajós, no estado do Pará.
Em eventos como este, as aldeias têm a oportunidade de expressar suas reivindicações
baseadas na realidade de cada comunidade. São diversas as demandas para o funcionamento
das escolas nas aldeias, dentre as quais foram mencionadas pelos participantes do referido
Encontro, com base na realidade de cada comunidade: infraestrutura precária das escolas,
saneamento básico inexistente, necessidade de transporte escolar, merenda insuficiente,
necessidade de motor de luz, combustível, mobiliário insuficiente, falta de acessibilidade nos
ramais que levam até as escolas, dentre outras situações que se apresentam à realidade de
escolas indígenas em comunidades distantes da cidade.
107
Os sistemas de ensino, em parceria com as organizações indígenas, Fundação
Nacional do Índio (FUNAI), instituições de Educação Superior, bem como outras
organizações governamentais e não governamentais, devem criar e implementar
programas de assessoria especializada em Educação Escolar Indígena objetivando dar
suporte para o funcionamento das escolas indígenas na execução do seu projeto
político-pedagógico. (Resolução CNE/CEB nº 05, 2012, p.7-8)
A EEI diferenciada é uma aspiração dos povos indígenas que desejam ter mais
autonomia em relação a determinados aspectos que regem o funcionamento de suas escolas e a
garantia de uso de sua língua materna e de seus processos próprios de ensino-aprendizagem.
Tais anseios estão previstos na LDB (Lei 9.394, Artigos 78 e 79), na Lei 10.172/2001 (Plano
Nacional de Educação) e Decreto n° 26, de 4 de fevereiro de 1991, que dispõem sobre a
Educação Indígena no Brasil.
Além desses dispositivos legais, a EEI encontra amparo legal também na Portaria
Interministerial (dos Ministérios da Justiça e da Educação) nº 559, de 16 de abril de 1991, que
dispõe sobre a Educação Escolar para as populações indígenas:
O Artigo 2º desta portaria evidencia que a oferta da educação escolar para povos
indígenas deverá favorecer a capacitação dos grupos étnicos para a defesa de seus interesses e
sua plena participação na vida nacional em igualdade de condições com os demais cidadãos
brasileiros, ratificando o princípio constitucional da igualdade de direitos. Para tanto, precisa
considerar suas especificidades por meio da oferta de uma educação diferenciada que respeite
as características culturais de cada povo.
108
Dentre as vantagens garantidas por lei que se observa concretamente nas escolas
indígenas da região Oeste do Pará, temos: a formação de turmas a partir do quantitativo mínimo
de sete alunos matriculados; a prerrogativa de formação de classes multisseriadas e a não
exigência de titulação acadêmica para os professores que atuam em tais escolas. Essas
prerrogativas visam atender à demanda de educação de grupos minoritários, possibilitando-lhes
o acesso à educação como direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988,
visando garantir a dignidade de todo cidadão brasileiro, o que significa dizer que: “(...) o não-
oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.” (Brasil, CF, Art. 208, § 2º)
Embora, desde a promulgação do texto constitucional de 1988 até os dias atuais, já se
tenha um número significativo de normativas legais que versam sobre a temática da Educação
Escolar Indígena (EEI), além da vasta produção bibliográfica de pesquisadores em todo o país,
os desafios de sua implantação e efetivação são visíveis para a maioria das comunidades
indígenas na região Oeste do Pará, seja por entraves relativos a políticas públicas não efetivadas
na prática, seja pela falta de clareza, dos atores envolvidos nesse processo, sobre o que de fato
é uma educação diferenciada. Nessa perspectiva, cabem as seguintes problematizações: Como
é que se faz a EEI diferenciada na prática? A EEI diferenciada é uma questão de método ou de
conteúdo? Qual a compreensão de educação diferenciada na perspectiva das escolas indígenas
da região do Baixo Tapajós?
Antes de apresentarmos as considerações a respeito dos questionamentos levantados
acima, é oportuno lembrar que, apesar dos desafios e entraves que se impõem à efetivação da
EEI na região do Baixo Tapajós, no estado do Pará, muitos avanços em prol da causa indígena,
especialmente quanto a Educação Escolar, são notórios. Com o protagonismo dos povos
indígenas e a ampliação dos dispositivos legais sobre EEI, houve um aumento considerável, na
região, das políticas públicas, dos programas e ações do Ministério da Educação (MEC) que
envolvem: formação de professores; ampliação de vagas nas escolas e universidades; ações
afirmativas para o acesso e permanência de estudantes indígenas nas universidades públicas;
criação de licenciatura intercultural indígena em universidades e Institutos Federais; Programa
Saberes Indígenas na Escola; construção, ampliação e reforma de escolas indígenas, dentre
outros avanços que gradativamente são consolidados, ampliando-se as oportunidades de acesso
e permanência de crianças e adolescentes à escola no estado do Pará.
109
Outra questão importante a ser mencionada é que esses T.I. na região Oeste do Pará
saíram da invisibilidade na qual viviam outrora e passaram a lutar pelos seus projetos,
possibilitando aos aldeados melhorias na qualidade de vida e no exercício da cidadania. Antes
disso, os moradores dessas comunidades eram socialmente conhecidos na região como
caboclos. A esse processo de ressurgimento da identidade indígena, os estudiosos denominam
de etnogênese. O termo é usado pelos antropólogos para se referir ao fenômeno social
correspondente ao processo histórico de configuração de coletividades étnicas resultantes de
migrações, invasões, conquistas ou fusões. Gersem dos Santos Luciano, do povo Baniwa,
explica que:
Segundo estudos realizados pelo pesquisador Florêncio Almeida Vaz Filho 1, a maioria
das aldeias indígenas do estado do Pará passou pelo processo da etnogênese, de resgate
identitário ou de saída da invisibilidade, visto que, embora muitas comunidades não sejam mais
falantes de suas línguas maternas, conservam modos de vida e de organização social próprios,
orientados por um sentido de ancestralidade, utilizando conhecimentos tradicionais de seus
antepassados para o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis no território, tais como:
cultivo da mandioca para produção de farinha; sistema de troca de produtos entre as famílias;
criação de galinhas e porcos para o consumo diário; pesca e caça; extração de frutas nativas
para o consumo, dentre outros traços culturais que mostram a estreita vinculação dos aldeados
à Mãe-Terra, como estes costumam se referir à sua relação com o território.
O movimento indígena, na região, a cada dia vem se fortalecendo e ampliando as suas
possibilidades de participação social, buscando parcerias e abrindo-se ao diálogo com os
governos municipal e estadual na luta pela consolidação de políticas públicas do governo
federal que demoram a chegar efetivamente para os municípios da região Oeste do Pará. Além
1
Pesquisador da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), cuja tese tem como título “A Emergência
étnica dos povos indígenas do baixo Rio Tapajós, Amazônia”, Florêncio é professor, antropólogo, ativista e frei
franciscano nascido em 16 de maio de 1964, no município de Aveiro; idealizador do Grupo Consciência Indígena,
que milita em prol da causa indígena na região Oeste do Pará.
110
disso, as Escolas Indígenas, nessa região, são referência para o fortalecimento da identidade
étnica dos territórios, não só por serem espaços de disseminação da cultura e da língua
originária, mas também por serem palco das lutas pelas principais demandas dos territórios.
Sobre as problematizações que levantamos anteriormente, percebe-se que muito se ouve
falar de EEI diferenciada, fundamentada na Resolução nº 5/2012, do CNE e em outros
dispositivos legais que amparam a educação escolar para povos indígenas. No entanto, esse
modelo diferenciado de educação não parece estar bem claro para a maioria das aldeias, não só
na região Oeste do Pará, mas também para escolas indígenas de outros estados brasileiros; com
exceção da região Sul, onde a implantação dessa proposta parece estar mais consolidada, tanto
pela compreensão dos próprios indígenas sobre escola diferenciada, quanto pelas políticas
públicas que de fato são implementadas, dando mais autonomia e favorecendo a gestão
democrática nessas escolas.
Na região Oeste do Pará, para a maioria das escolas indígenas, não está bem claro como
realmente o modelo de educação diferenciada deve acontecer na prática. Até então, as escolas
indígenas buscam valorizar a cultura e resgatar o pertencimento étnico a partir de medidas
simples, introduzindo no seu cotidiano escolar elementos que remetem à cultura de seus
antepassados, por meio de ações, tais como: ornamentação do educandário com adereços da
cultura indígena, frases de boas vindas na língua indígena originária; inclusão, no calendário
escolar, de festas e rituais (Semana dos Povos Indígenas; Semana da Mãe-terra; Noite Cultural
e Jogos Escolares Indígenas); no planejamento de algumas aulas, são previstas atividades de
exploração do entorno da escola, como igarapés, áreas de vegetação nativa e de exploração do
solo. Além disso, nas escolas indígenas, as turmas têm uma aula semanal das oficinas Notório
Saber e Língua Indígena.
Com relação às disciplinas e aos conteúdos, as escolas indígenas da região Oeste do
Pará adotam a mesma matriz curricular utilizada nas demais escolas não indígenas, com o
adicional dos componentes línguas indígenas (LI) - Nheengatu ou Munduruku - e Notório
Saber. Com relação ao componente LI, há na matriz curricular da SEMED uma sistematização
completa, com os seguintes elementos: eixo, subeixo, objetivos de aprendizagem e habilidades,
para cada uma das séries do ensino fundamental II, subentendendo-se que este componente é
proposto como uma disciplina da matriz curricular. Porém, efetivamente, nas escolas indígenas,
até o momento, esses componentes são ofertados como oficinas. Ou seja, os professores são
111
contratados como monitores que ensinam noções básicas da língua e da cultura indígena para
os alunos em apenas uma aula por semana em cada turma.
Sobre o Notório Saber, não há uma proposta sistematizada pela Secretaria de Educação
para esse componente curricular que oriente o ministrante na preparação de suas aulas. Neste
caso, o monitor/professor constrói seu plano de curso a partir dos processos próprios de sua
vida cotidiana, provenientes de uma formação consuetudinária de transmissão de valores e
comportamentos construídos pela interação social e profissional com seus pares. As aulas dessa
oficina têm como objetivo geral a transmissão de saberes da cultura indígena como resgate do
pertencimento étnico indígena dos estudantes. Assim como na oficina línguas indígenas
Nheengatu e/ou Munduruku, a oficina Notório Saber também é ministrada em uma aula por
semana em cada turma.
Quanto ao questionamento sobre a efetivação da EEI diferenciada ser uma questão de
conteúdos ministrados ou de métodos utilizados pelos professores, há os que defendem a tese
de que a metodologia de ensino é que faz a educação se tornar diferenciada. Ou seja, o
planejamento do professor, a sua metodologia de ensino deverá estar alinhada à realidade local
das aldeias, onde podem ser explorados elementos do meio ambiente para a construção dos
conhecimentos e desenvolvimento de habilidades nos educandos. Em outras palavras, cabe ao
professor da escola indígena ensinar os conteúdos das disciplinas buscando associar os
conceitos aos elementos concretos do mundo real para que a aprendizagem dos alunos seja
significativa.
No III Encontro de EEI do Baixo Tapajós, que ocorreu no mês de julho de 2023, na sede
do CITA, foi aprovada pela assembleia a proposta de inclusão das disciplinas Língua Indígena
e Notório Saber para a Matriz Curricular das Escolas Indígenas da região do Baixo Tapajós.
Segundo essa proposta, tanto para Notório Saber quanto para Língua Materna Indígena, deverão
ocorrer quatro aulas semanais nas séries do Ensino Fundamental I e II. A ideia é, com a
ampliação do número de aulas ministradas em cada turma, fortalecer a cultura e resgatar a
língua materna dos aldeados.
No entanto, como a mudança na matriz curricular das escolas implica na ampliação da
carga horária de contratação de professores, envolvendo recursos financeiros para o município,
essa proposta será submetida à apreciação do Conselho Municipal de Educação/CME.
Juntamente com essa proposta, será solicitado do poder público a realização de concurso para
os servidores das escolas indígenas que, na sua maioria, são temporários.
112
Na pauta da educação, o movimento indígena do Oeste do Pará reivindica também a
criação de uma Secretaria de Educação para as escolas indígenas, a construção das escolas no
padrão indígena, ou seja, na arquitetura de malocas e ainda a mudança do nome de algumas
escolas que receberam nomes de santos ou de colonizadores portugueses, por influência da
atuação dos jesuítas no século XVI. Com relação a estas duas últimas, o T.I. Munduruku do
Planalto já conseguiu a aprovação da mudança do nome da Escola D. Pedro II, na Aldeia
Açaizal, que passou a se chamar “Wapurun-tip”, que significa, na língua Munduruku,
“Açaizal”. Outra conquista desse território foi o início das obras de ampliação da Escola Polo
Wapurun-tip, onde estão sendo construídas salas na arquitetura de malocas, como reivindicado
pelos moradores.
Dentre as ações que podem viabilizar a efetivação de uma educação diferenciada em
conformidade com a realidade das aldeias do Baixo Tapajós, há a alternativa de construção de
materiais didáticos e projetos de ensino interdisciplinares que contemplem as especificidades
das comunidades, considerando que uma das queixas dos professores é sobre os livros didáticos
fornecidos pela SEMED, cujos conteúdos e propostas de atividades são totalmente distantes da
realidade local e não contemplam ou valorizam a cultura indígena.
No município de Aveiro, no estado do Pará, já se pode notar avanços mais significativos
na EEI ofertada. Foi aprovada, nesse município, a nova Matriz Curricular na qual as disciplinas
da Base Nacional Comum Curricular/BNCC aparecem correlacionadas aos conhecimentos
indígenas: Língua Portuguesa e Conhecimentos Tradicionais; Matemática e Conhecimentos
Tradicionais; Ciências e Saberes Tradicionais; Práticas corporais indígenas e esportivas (Ed.
Física); Geografia e Contextos Locais; História e Historiografia Indígena; Estudos Amazônicos
e Territorialidade Indígena; Ensino Religioso e Cosmologias Indígenas; Ensino da Arte e
Mitologia e Cultura.
Em Santarém, a nova proposta de matriz curricular mantém as disciplinas da BNCC,
sem alteração da nomenclatura, porém, com o adicional dos componentes Notório Saber e
Língua Indígena (LI) - Nheengatu e Munduruku -, com a carga horária de quatro aulas semanais
em cada turma, tanto para séries iniciais quanto para as séries finais do ensino fundamental.
No entanto, com a aprovação das LI para o currículo, surge a demanda de capacitação
dos professores para ministrar essas línguas. Assim como os docentes de Língua Portuguesa/LP
são qualificados para ensinar o aluno a ser proficiente em LP, do mesmo modo os professores
de línguas indígenas precisarão de capacitação para ministrar essas disciplinas para que de fato
113
os alunos sejam proficientes na LI. Logo, a proposta de quatro aulas semanais de LI vai exigir
capacitação dos professores para o exercício da docência na área de conhecimento em que este
profissional atua. Até então, como oficina, esse ensino ocorre em apenas uma aula semanal, o
que não é suficiente para alfabetizar os alunos indígenas para que se tornem falantes de
Nheengatu ou Munduruku como segunda língua.
Em visita in loco a algumas aldeias da região, foi possível perceber pouca autonomia
das escolas em relação à gestão da educação e métodos de avaliação da aprendizagem.
Prevalecem as orientações da SEMED de Santarém como nas demais escolas não indígenas,
sendo mínima a autonomia das escolas indígenas. Dentre as propostas previstas nas Diretrizes
de EEI construídas pelos povos Munduruku e Apiaká do Planalto santareno, tem-se a indicação
de maior autonomia das escolas indígenas nas tomadas de decisões, metodologias de ensino e
processos próprios de avaliação da aprendizagem dos alunos.
Outro importante avanço rumo à consolidação de uma educação escolar que atenda aos
anseios dos povos indígenas do Pará é o despertar para a construção do Projeto Político
Pedagógico Indígena (PPPI). A maioria das escolas segue um PPP sugerido pela SEMED que
em nada se diferencia das escolas não indígenas. Algumas escolas já conseguiram construir o
seu próprio PPPI e outras estão em fase de discussão e elaboração coletiva desse instrumento
norteador para a efetivação de uma educação escolar específica e diferenciada.
Quanto à falta de clareza sobre como operacionalizar esse modelo diferenciado de
educação nas aldeias em substituição aos modelos de educação nacional impostos ao longo da
história, já que tais modelos não correspondem aos interesses políticos das populações
indígenas e aos modos de ensinar próprios da sua cultura, o próprio RCNEI reconhece os
desafios para a efetivação dessa proposta, fazendo a seguinte consideração: “o maior entrave
para a proposta de uma educação diferenciada é o desconhecimento de como operacionalizar,
nas práticas cotidianas da sala de aula, os objetivos que se quer alcançar…” (RCNEI, p.12,
1998)
Segundo Teixeira & Lana (2012), uma educação diferenciada para populações indígenas
é aquela que respeita a condição de diferença cultural e linguística e ainda valoriza as formas
tradicionais de conhecimento da comunidade onde a escola está inserida. Em suas palavras,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
115
recuperação de suas memórias históricas, valorização de sua língua e ciências, além de
possibilitar o acesso a informações e conhecimentos valorizados pela sociedade nacional”,
visando à preparação dos estudantes para o exercício de uma atividade remunerada, em busca
de igualdade de condições em relação à população não-indígena.
REFERÊNCIAS
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indígenas no Brasil de hoje. Coleção: Educação para todos. Edições: MEC – Unesco - Brasília,
2006. Disponível em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/indio_brasileiro.pdf
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Interculturalidade e direito indígena à Educação - A política pública de formação
intercultural de professores indígenas no Brasil. In: Educação em foco, Juiz de Fora, v. 17,
p. 119 -150, março - junho de 2012.
VAZ FILHO, Florêncio Almeida. A Emergência étnica dos povos indígenas do baixo Rio
Tapajós, Amazônia. Tese, 446 f, doutorado em Ciências Sociais – Programa de Pós-graduação
em Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
116
ENTRE INCERTEZAS, TENSÕES E NEGOCIAÇÕES, OU… DOS PROCESSOS DE
(DES) CONSTRUÇÃO DE UMA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
117
Segui com as pesquisas no âmbito das questões indígenas, ingressando no mestrado em
Educação da UCDB, porém dessa vez direcionando o foco ao Programa Rede de Saberes, cujo
é uma iniciativa da UCDB em articulação com outras universidades, na expectativa de
contribuir para o acesso e a permanência de acadêmicos indígenas no ensino superior.
Recentemente finalizei o curso de Mestrado em Educação pela Universidade Católica
Dom Bosco, tendo defendido a dissertação intitulada “O Programa Rede de Saberes da
Universidade Católica Dom Bosco: potencialidades decoloniais”, onde discuti a respeito da
iniciativa supracitada a partir dos olhares de egressos indígenas que se formaram por meio do
Programa.
Teoricamente, entrelacei aos desenrolares da pesquisa de mestrado algumas reflexões
construídas a partir da aproximação com o campo dos Estudos Culturais, abrangendo as
investigações sobre as produções e negociações de identidades e diferenças, e também dos
estudos Decoloniais, dos quais apresentam análises e propostas pedagógicas-sociais que visam
o rompimento com as concepções modernas produzidas a partir de um paradigma branco,
hétero, cristão, europeu e, até os dias atuais, ainda masculinizado.
Friso que, durante a vivência do mestrado, reconheci que anteriormente - durante a
graduação - estive distante de uma perspectiva conjunta de construção de pesquisa, visto a
solidão e frieza de uma análise documental conduzida sob os moldes do “ofício do historiador”
e o arraigado cartesianismo que me acompanhava. Mesmo que não conscientemente, fazia
investigação sob uma cientificidade carregada de arrogância, com a ideia de que tinha a
autonomia, o conhecimento e a legitimidade para pesquisar sobre alguém.
Ao me dar conta disso, dei início a uma incômoda e teórica peleja. Desmantelar
subjetivamente concepções produzidas pelo e no discurso moderno/colonial, foi e segue sendo
um embate constante. Apesar disso, consigo hoje enxergar e valorizar os processos de
construção colaborativa, no sentido de que vejo agora as pessoas como interlocutoras da
pesquisa e não mais objetos; tenho agora, a expectativa de uma produção conjunta, colaborativa,
participativa, coletiva, ou seja, pesquisar tendo em vista
119
propagação e perpetuação de tais discursos, mas nos possibilita o questionamento deles.
Questionar, tensionar, desconstruir, são posicionamentos que visam e podem contribuir para o
rompimento das condições que nos foram impostas. Posturar-se dessa forma é esforçar-se
analiticamente “para entender, com o intuito de superar, a lógica da colonialidade por trás da
retórica da modernidade, a estrutura de administração e controle” (Mignolo, 2016, p. 6) advinda
da colonização.
O caminho não se finda ao reconhecer tal necessidade de rompimento, na verdade, é aí
que ele começa. Entretanto, visto a amplitude da modernidade em suas múltiplas dimensões,
atendo-nos ao campo acadêmico, o que foi, e permanece sendo, o discurso moderno? A
tentativa de universalização da produção do conhecimento manifesta-se enquanto pilar
constituinte do discurso moderno, onde dele emerge uma disciplinarização que estabelece os
parâmetros para a produção dos saberes, visando a objetividade e a “universalidade do
conhecimento, para que o mesmo possa ser reconhecido como válido e verdadeiro”(Gallo,
2006, p. 556). Estamos vivenciando uma pós-modernidade, porém não em um sentido de que a
superamos, mas sob uma lógica de intensificação do discurso moderno, ou melhor dizendo,
uma hipermodernidade (Gallo, 2006).
120
Historicamente o cenário acadêmico foi construído sob a retórica da moderna
rigorosidade científica e grande parte das produções continuam sendo confeccionadas ante os
moldes ocidentais. “Novas” produções surgem, com discussões contemporâneas, porém ainda
fundamentadas sob os critérios modernos de validação. Metodologia, objetos de pesquisa,
objetivos, introdução, desenvolvimento e conclusão, todos estes determinam sistematicamente
o delineamento de um trabalho “legitimamente” científico. Produções e saberes que fogem ao
arquétipo, não apresentam a dita rigorosidade necessária para serem reconhecidos.
Dessa maneira, sabendo da dimensão epistemológica enquanto um pilar do projeto
moderno (Gallo, 2006), percebe-se a colonialidade do saber (Quijano, 2005), manifestando-se
de forma a afirmar e perpetuar o pressuposto eurocêntrico de produção do conhecimento que
“descarta a viabilidade de outras racionalidades epistêmicas e de outros conhecimentos que não
sejam os dos homens brancos europeus ou europeizados, induzindo a subalternizar as lógicas
desenvolvidas historicamente por comunidades ancestrais”(Fleuri, 2014, p. 93). Nesse
contexto, visto a multiplicidade de possibilidades metodológicas e epistemológicas que
abrangem, a educação e a pesquisa nesse campo não estão alheias à modernidade.
Na educação contemporânea, e ainda com um caráter moderno, estrategicamente são
estabelecidos os paradigmas que organizam a educação, sendo perceptível que estes não
contemplam as nuances que a esfera educacional apresenta. Somado a isso, ainda manifesta-se
a compreensão de currículo enquanto um conjunto de disciplinas que serão ministradas em
cronogramas e espaços específicos, epistemologicamente reproduzindo a lógica da dominação
colonial (colonialidade do saber).
O campo da educação é constituído por complexidades, não somente pelo seu caráter
multi, mas também pelos desafios que a colonialidade impõe ao acentuar perspectivas como
acima descrita por Candau (2014). Por isso, é compreensível que haja certas dificuldades ao
investigar esse contexto. No cenário acadêmico, o processo histórico de constituição das
pesquisas sobre a educação foi e continua sendo fortemente marcado pelo discurso
moderno/colonial.
[...] sabe-se bem que o estatuto de ciência foi sendo construído, desde há
muito, num contexto epistemológico que foi dando forma, solidez e
respeitabilidade, ao conceito Galileano do que deverá ser uma verdadeira
ciência. Assim sendo, ao afastar-se dos cânones estabelecidos cujo estatuto é,
frequentemente, considerado inquestionável, ao recorrer a práticas que
transgridem normas tradicionalmente consideradas como sendo as únicas
válidas, as Ciências da Educação tornaram-se de facto vulneráveis (Cortesão,
2012, p. 720).
123
Assim sendo, assumir a interculturalidade enquanto perspectiva crítica de
tensionamento - e com a expectativa de rompimento - do discurso moderno/colonial, abre
espaço para que, teórico-metodologicamente, sejam trilhados outros caminhos no campo da
pesquisa em educação. Dessa forma, na atual condição em que me encontro, enquanto
doutorando em Educação, estou iniciando a construção de trajetos metodológicos que me
auxiliem na investigação que desejo realizar. E, na expectativa de fabricar caminhos divergentes
à lógica epistemológica moderna/colonial na pesquisa em educação, trago comigo uma
concepção mais flexível e sensível no que se refere ao processo de produção acadêmica, pois
considero que, enquanto pessoas pesquisadoras,
[...] necessitamos ser abertas e flexíveis; não podemos ser rígidas em nenhum
instante desse pesquisar, porque precisamos estar sempre abertas a modificar,
(re)fazer, (re)organizar, (re)ver, (re)escrever tudo aquilo que vamos
significando ao longo da nossa investigação. A inquietação constante, a
experimentação, os (re)arranjos, o refazer, o retomar inúmeras vezes é parte
do nosso modo de fazer pesquisa. (Meyer; Paraíso, 2014, p. 43)
[...] para falar a partir do que pensam os grupos e as pessoas com as quais
pesquisamos e convivemos, há a necessidade de sair da lógica da razão e
seguir o caminho do aprofundamento teórico-afetivo, sinalizado por um
pensamento flexível e intuitivo. (Bergamaschi, Souza, 2016, p. 216)
[...] articular implica reconhecer que é preciso pensar sem querer suprimir as
diferenças. Implica também não poder contar com a hipótese alentadora de,
no resultado final, haver uma unidade. Ao invés de unidade, haverá
proliferação de diferenças (Backes, 2005, p.1)
Desse modo, além das leituras, para pesquisar sobre as identidades e diferenças dos
professores Guarani e Kaiowá da aldeia Taquaperi, têm sido necessário aprofundar-me sobre a
perspectiva tradicional Guarani Kaiowá e sua relação com a sociedade ocidental.
À vista disso, para pensar sobre as identidades no contexto da educação, sob a
perspectiva dos professores Guarani Kaiowá, é preciso compreender os processos de
negociação, as traduções e os espaços de fronteira que emergem do contexto educacional em
que os professores(as) são indígenas, sejam em escolas indígenas ou não. Antes disso, é
necessário frisar que não falo de identidade enquanto um conceito moderno, mas a partir da
ressignificação em que o sujeito deixa de ser visto como “unificado, dotado das capacidades de
razão, de consciência e de ação, cujo ‘centro’ consistia num núcleo interior, que emergia pela
primeira vez quando o sujeito nascia e com ele se desenvolvia” (Hall, 2020, p.10). Isso porque,
segundo Hall (2014), temos identidades plurais e elas manifestam-se de acordo com os espaços
125
que transitamos, sendo construídas nestes e por estes espaços e das relações com os sujeitos que
ali estão.
as identidades são construídas por meio da diferença e não fora dela. Isso
implica o reconhecimento radicalmente perturbador de que é apenas por meio
da relação com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente
aquilo que falta, com aquilo que tem sido chamado de exterior constitutivo,
que o significado ‘positivo’ de qualquer termo - e, assim, sua ‘identidade’-
pode ser construído (Hall, 2014, p. 110).
Isto posto, no diálogo teórico com o intelectual indígena Claudemiro Lescano (2016),
percebo que para os Guarani Kaiowá, estar inserido em um contexto em que se relacionam as
culturas presentes na sociedade contemporânea, além das possibilidades de hibridização
(Bhabha, 1998), aflora também o sentido de preservação da tradição cultural do povo Kaiowá.
Por sua vez, a tradição cultural perpassa a produção da identidade do indígena que, enquanto
docente, terá sempre, em maior ou menor grau, influência dos saberes tradicionais que
atravessaram sua formação enquanto sujeito Guarani Kaiowá.
Efêmeras considerações
126
empiria e teoria, e apresentando-a de modo a também criticar os moldes cartesianos de
legitimação da produção acadêmica. Não totalmente dessalinizada da ciência moderna, mas
avessa a algumas divisões tradicionais de um artigo (introdução, metodologia, desenvolvimento
e conclusão), manifesto-me através de uma escrita fluída e carregada de inconclusões,
incertezas, tensões e negociações.
Inconclusões, pois seria extremamente audacioso, além de arrogante, em julgar-me
suficientemente detentor de um conhecimento completo, sobre qualquer que seja o assunto.
Incertezas, pois estou trilhando um novo caminho que até então não tinha proximidade. O ofício
do historiador me chamava a atenção; lidar com documentos e materiais antigos me era atrativo,
entretanto, ao vivenciar os processos reflexivos e questionadores que a interculturalidade
viabiliza, agora, afeiçoo-me mais com a possibilidade de poder estar junto com grupos, povos,
pessoas e saberes outros, que desestabilizem ainda mais as minhas, até então, certezas.
Tensões, pois os atravessamentos que têm oportunizado a emergência das reflexões aqui
postas, foram, e continuam sendo, angustiosos, no sentido de que vivenciar relações
interculturais onde identidades e epistemologias diferentes se encontram, causam conflitos
simbólicos que tensionam convicções e verdades até então absolutas.
Por fim, negociações teóricas e metodológicas-empíricas. Múltiplas teorias apresentam
múltiplas possibilidades de análise e, nesse sentido, aproximar-me mais de uma ou outra, torna-
se um processo de negociamento, pois afloram-se necessidades de aceitação, afrouxamento,
afirmação, sendo todos estes aspectos constitutivos desse processo. Metodologicamente, muitas
são as ferramentas e concepções da ciência moderna que acreditam ser suficientemente eficazes
para “coletar” as informações do campo de pesquisa e, quase todas elas definem suas
aplicabilidades à priori. Entretanto, poucas perspectivas apresentam a versatilidade de se deixar
afetar pelo campo de pesquisa, de modo que ele apresente a necessidade de ferramentas que
possam compreendê-lo. Dessa forma, coloco-me enquanto um investigador que não têm uma
caixa de ferramentas para atender ao campo, mas sim um pesquisador que intenta bricolar com
o campo, com a compreensão de que “a pesquisa é um processo interativo influenciado pela
história pessoal, biografia, gênero, classe social e etnia, dele e daquelas pessoas que fazem parte
do cenário investigado (Neira, Lippi, 2014, p. 611).
REFERÊNCIAS
127
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emergentes na educação popular. In: GARCIA, Regina Leite (Org.). Diálogos Cotidianos. DP,
1ª ed. 2012.
BERGAMASCHI, Maria Aparecida; SOUZA, João Vicente Silva. Pesquisa etnográfica:
espaços para sensível e a sensibilidade. In: FEITOSA, Débora Alves; DORNELES, Malvina
do Amaral; BERGAMASCHI, Maria Aparecida (Orgs). O sensível e a sensibilidade na
pesquisa em educação. 2016, p. 193-220.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS. Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, pp.240-255, Jul/Dez
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INDÍGENAS: desafios, tensões e negociações. Anais do IX Seminário Povos Indígenas e
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CORTESÃO, Luiza. Professor: produtor e/ou tradutor de conhecimentos? Trabalhando no
contexto do arco-íris sociocultural da sala de aula. Educ. Real., Porto Alegre, v. 37, n. 3, p.
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FLEURI, Reinaldo Matias. Interculturalidade, identidade e decolonialidade: desafios políticos
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Kaiowá nos processos próprios de ensino e aprendizagem. Dissertação (Mestrado em
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críticas ou Sobre como fazemos nossas investigações. In: MEYER, Dagmar Estermann;
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Oliveira). Revista Brasileira de Ciências Sociais Vol. 32 n° 94 junho/2017.
128
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QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER,
Edgardo (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais:perspectivas
latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, set. 2005. p. 107-30. (Colección Sur Sur).
129
IMPLEMENTAÇÃO DA BNCC EM ESCOLAS INDÍGENAS- UM ESTUDO NA
PERSPECTIVA DA DECOLONIALIDADE E DA INTERCULTURALIDADE1
INTRODUÇÃO
1
Este trabalho está inserido no âmbito de uma pesquisa maior: “Projeto de Línguas e Culturas Kaiowá e Guarani
no contexto escolar: produção de livros diferenciados para as escolas indígenas”, realizada com apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
130
de 1988, os indígenas garantiram o direito a uma educação diferenciada com o uso de processos
próprios de aprendizagem e a utilização de suas línguas maternas, porém a imposição da BNCC
tem trazido muitos desafios às escolas indígenas (Troquez; Nascimento, 2020).
Esta pesquisa, portanto, olha para as singularidades da Educação Escolar Indígena no
Brasil, observando seu histórico na luta pelo direito à uma educação diferenciada em escolas
específicas, com currículos próprios, que respeitem as identidades culturais e linguísticas dos
povos indígenas. A pesquisa atenta para as propostas curriculares, no sentido de compreender
como as escolas indígenas estão reestruturando seus currículos frente a implementação da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC – Brasil, 2018).
A BNCC foi constituída para ser o documento nacional que normatiza e define a
construção das aprendizagens essenciais que os alunos brasileiros precisam desenvolver no
decurso das etapas e modalidades da Educação Básica, garantindo-lhes os direitos de
aprendizagem e desenvolvimento, em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE,
2014-2024).
Os povos indígenas conquistaram o direito de usufruir de suas línguas e culturas, sem
deixar para trás suas histórias na aquisição de novos conhecimentos. Com a instituição da
BNCC, é possível notar um impasse entre o currículo nacional proposto e o que foi pleiteado
pelas comunidades indígenas; sobre o que é ideal para um ensino indígena decolonizado e
diferenciado (Troquez; Nascimento, 2020).
No início da colonização no Brasil, a educação escolar foi vista como uma oportunidade
de transpor o indígena de sua cultura para viver nos moldes sociais da população vista como
civilizada. E, desde 2017, nos deparamos com a imposição de um currículo comum a toda a
Educação Básica, simbolizando um retrocesso no que diz respeito às conquistas da educação
diferenciada e implicando em mudanças que as escolas indígenas precisarão fazer para cumprir
com uma base comum orientada pela ideia do desenvolvimento de aprendizagens essenciais e
competências, relacionadas aos interesses da sociedade capitalista e a princípios
mercadológicos (Saul; Garcia, 2016, p. 1189). Como as escolas indígenas encontram-se
atreladas aos sistemas municipais e estaduais de ensino, ficam, de certa forma, sujeitas às
imposições das políticas centralizadas o que inclui a BNCC.
Revisão sistemática
131
Através de uma revisão de caráter sistemático, afim de investigar possíveis estudos
relacionados com a EEI e a implementação da BNCC foi possível encontrar três artigos. A busca
foi baseada em quatro etapas: questionamento norteador de busca; pesquisa em base de dados;
critérios de inclusão e exclusão definidos e análise das similaridades com tema.
As buscas foram feitas em duas bases de dados e um motor de busca. São elas,
respectivamente: Scielo Brasil, Portal de periódicos CAPES e Google Acadêmico. Toda busca
foi feita entre os meses de maio e junho de 2022, utilizando este recorte temporal e analisado
apenas artigos de 2017 até 2022, que foram os anos que da aprovação e implementação da
BNCC.
Quanto aos critérios de inclusão, apenas selecionamos artigos com análises feitas
especificamente na BNCC e que contemplassem as especificidades da EEI. Foram excluídos
artigos duplicados, os que não comtemplavam o recorte temporal e os que não abordavam a
relação BNCC e EEI.
Em um dos artigos encontrados, de Guerola (2018), vemos uma denúncia das
consequências que acarretaram a “perpétua dessimetria das relações de poder” entre os povos
indígenas e o Estado brasileiro (Guerola, 2018, p. 2). Para o autor, essa relação imersa na
desigualdade pode criar obstáculos para a efetivação de uma educação diferenciada nas escolas
indígenas. O autor conclui que a abordagem de cunho “político-linguística” em sua relação com
políticas de identidade, encontradas na BNCC, somadas às questões que afligem as populações
indígenas na contemporaneidade, requerem estudos de cunho interdisciplinar que corroborem
ou refutem construções de sentido “político e ideológico na perpetuação ou transformação de
relações de poder dissimétricas” (Guerola, 2018, p. 21).
Seguindo com os artigos encontrados, Nazareno e Araújo (2018), ressaltam e levantam
a questão, se a intensão do ensino pautado em “bases eurocêntricas” encontrados na BNCC,
correspondem aos princípios do ensino diferenciado das comunidades indígenas. Os autores
utilizaram como exemplo a contribuição dos estudantes indígenas do curso de Educação
Intercultura Indígena (CEII) da Universidade Federal de Goiás, feita em forma de debate. O
debate foi promovido para discutir sobre como as cosmologias e histórias indígenas estavam
apresentadas nos documentos preliminares da BNCC, levando sempre a aplicabilidade da Base
nas escolas brasileiras, como instrumento para o reconhecimento da pluralidade étnica,
linguística e cultural brasileira. Assim, chegaram a ponderações como as dos estudantes de
Guajajara da Aldeia de Juçaral - MA: “a maioria das escolas dos não índios não tem o
132
conhecimento verdadeiro da nossa realidade e até mesmo que nós existimos” (Nazareno;
Araújo, 2018, p. 55).
O último artigo encontrado, foi o de Troquez e Nascimento (2020) que analisam a escola
indígena na contemporaneidade a partir de uma ideia de colonialidade. Segundo as autoras, o
Estado brasileiro instaurou políticas de diferença a partir da Constituição Federal de 1988 e dos
diversos documentos que se seguiram para dar forma à escola indígena específica, diferenciada,
comunitária, intercultural e bilíngue/multilíngue. Contudo, as políticas curriculares como a
BNCC vinculam a educação escolar indígena a um currículo nacional e causa tensões a serem
enfrentadas pelas escolas indígenas.
Os resultados da revisão feita evidenciam uma lacuna sobre estudos que relacionam a
EEI à BNCC, sobretudo, no que diz respeito às línguas e culturas indígenas. A BNCC é uma
temática que vem ganhando corpo nas políticas e/ou agendas governamentais, porém, segundo
os autores analisados, tanto no que diz respeito aos conteúdos/conhecimentos veiculados e às
relações estabelecidas, a BNCC traz desafios novos, pois não corresponde às demandas da
educação específica e diferenciada e à verdadeira realidade das comunidades ou povo
indígenas.
Problematização e Metodologia
2
A pesquisa atende aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos e foi cadastrada na Plataforma Brasil e
submetida ao Comitê de Ética em pesquisa.
134
decolonial, afirmam os autores, não há mudança no mundo por meio da decolonização, pois a
primeira mudança é a do próprio sujeito e o anúncio do seu “espanto”.
Vemos ainda contribuições de Wallerstein (1992), acerca da colonialidade, que ele
afirma ser parte do colonialismo e que vai adiante dele. Ainda enfatiza como a colonialidade
estabelece hierarquias políticas e socioculturais, e que, mesmo após a independência dos países
colonizados é possível identificar a presença da colonialidade, uma afirmação que justifica a
decolonialidade.
Outra contribuição de forte impacto no conceito de colonialidade é de Fanon (1961),
que afirma ser o mundo divido em duas características, uma sendo a “saciedade e a outra a
fome”. Para ele, faz parte da lógica do processo da colonização fazer com que o colonizado
queira ser como o colonizador. Sob esta lógica, o colono trouxe a “destruição das formas sociais
indígenas, demoliu sem restrições os sistemas de referências da economia, os modos de
aparência, a roupa [...]” (Fanon, 1961, p. 36)
Segundo a autora, essa estratégia que amplia os esforços para se construir um próprio
modelo de educação é a resposta à prática de atitudes neocoloniais que intencionalmente tentam
eliminar o conhecimento; pode ser vista também como uma arma de desenvolvimento e
resolução dos problemas socioculturais e econômicos que permeiam nossa sociedade. Portanto,
a interculturalidade não se configura como simples discurso, mas uma lógica que reconhece
epistemologias e pensamentos que não se encontram isolado nos paradigmas das estruturas
dominantes.
As “tendências hegemônicas e neoliberais”, apontadas na BNCC por Aguiar (2019) e
Santos (2022), corroboram com a perspectiva intercultural crítica apontada por Walsh (2019),
pois essas tendências “trabalham para diluir esse outro caráter e essa outra lógica com a qual se
disfarça nada menos que o multiculturalismo neoliberal” (Walsh, 2019, p. 22). A
interculturalidade se constrói a partir “do particular lugar político de enunciação do movimento
indígena” e “de outros grupos subalternos”; pratica a diversidade e mantém a união na
diversidade (Walsh, 2019, p. 20).
O pensamento pós-abissal pode ser sumariado como um aprender com o Sul usando
uma epistemologia do Sul. Confronta a monocultura da ciência moderna com uma
ecologia de saberes. É uma ecologia, porque se baseia no reconhecimento da
pluralidade de conhecimentos heterogéneos (sendo um deles a ciência moderna) e em
interações sustentáveis e dinânmicas entre eles sem comprometer sua autonomia. A
ecologia de saberes baseia-se na ideia de que o conhecimento é interconhecimento
(Santos, 2010, p. 44).
Santos (2010, p. 45), aponta que a ecologia dos saberes, assim como o pensamento pós-
abissal, para conter o avanço do poder colonial, possuem em sua base a diversidade
epistemológica e reconhecem a “pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento
científico”.
Santos (2010, p. 52) segue afirmando, que nos últimos cinco séculos ocorre um
138
“epistemicído maciço” com perdas irreparáveis de “experiências cognitivas”. A fim de reaver
algumas dessas experiências “a ecologia de saberes recorre ao seu atributo pós-abissal mais
característico, a tradução intercultural”. Essas experiências acontecem em meio a uma
riquíssima diversidade cultural “ocidentais e não-ocidentais, não só usam linguagens diferentes,
mas também distintas categorias, diferentes universos simbólicos e aspirações a uma vida
melhor”.
A ecologia de saberes nos faz capazes de ter “uma visão mais abrangente daquilo que
conhecemos, bem como do que desconhecemos, e também nos previne para que aquilo que não
sabemos é ignorância nossa, não ignorância geral”. A proposta é de uma “vigilância
epistemológica” como meio de transformar o pensamento pós-abissal em uma atividade de
“auto-reflexividade”.
CONSIDERAÇÕES
139
Portanto, após analisar as teorias que sustentam esta pesquisa, identificamos a
decolonização dos currículos como caminho para interculturalidade, e a interculturalidade
crítica como proposta de ação educativa e prática política da/para a educação diferenciada. Tais
conceitos em ação podem contribuir para a autonomia das escolas indígenas e fortalecimento
de suas línguas e culturas. Conforme Walsh (2019, p.22), a interculturalidade deve ser
construída dentro do “particular lugar político e enunciação do movimento indígena”. Sendo o
currículo, conforme Silva (1996), formador de subjetividade social, partir dele para exercício
da interculturalidade, pode ser um caminho exitoso.
As “bases eurocêntricas”, da BNCC, apontadas por Nazareno e Araújo (2018), não
conseguem caminhar com tendências e conceitos que vão na contra mão de seus princípios e
intensões capitalista de massa. É preciso conter o avanço desse tipo de tendência que carregam
em suas raízes a colonialidade.
Há caminhos como a “Ecologia de saberes” que sustentam princípios essenciais na luta
pela “justiça cognitiva global” e conforme Santos (2010), para que a mesma seja bem sucedida
é preciso um novo pensamento, uma resistência epistemológica, uma resistência “pós-abissal”,
entendendo que o pensamento abissal deve passar e que a colonialidade precisa ser vencida
pelos movimentos decolonizadores, e estes, podem e devem, começar na escola, partir de
currículos decolonizados e práticas bem elaboradas de interculturalidade, que inclusive, deve
mover o fazer pedagógico de uma escola que se pretende diferenciada.
A pesquisa buscou intensificar os estudos do uso da BNCC no ensino diferenciado das
escolas da RID, por meio de interlocuções a agentes responsáveis pelas escolas municipais
indígenas. Pode verificar que as determinações hegemônicas contidas no documento são
inviáveis e que devem ser repensadas pelos órgãos responsáveis, juntamente com as escolas
envolvidas, para que o currículo esteja de acordo com os modos de cada povo/comunidade e
escola, sendo assim reformulados, decolonizados, transformados em um currículo intercultural,
“construídos a partir dos valores e interesses etnopolíticos das comunidades indígenas em
relação aos seus projetos de sociedade e de escola [...]” (Brasil, 2012, p.12)
REFERÊNCIAS
140
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141
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e
na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996.
142
POR UMA PEDAGOGIA DA DIFERENÇA E DA INTERCULTURALIDADE
Resumo: O artigo tem como proposta compreendermos questões que envolvem as identidades,
as diferenças, o reconhecimento dos saberes da escola e a importância de promover uma
educação intercultural, decolonial dialogada com as culturas e articulada às práticas educativas.
A discussão deste artigo, perpassa pelas questões da hegemonia dos saberes e das ações
discriminatórias das diferenças na escola, causadas pela centralidade do poder, do
conhecimento, seguidas pelos modelos educacionais ocidentais adotados pelo resto do mundo
no campo da educação. Decolonizar o currículo, assim, como as práticas educativas, significa
também considerar a geografia dos sujeitos, seus lugares, suas especificidades. Trata-se de um
trabalho de revisão bibliográfica, tendo como referencial teórico autores como Duschatzky e Skliar
(2000), Ballestrin (2013), Candau (2016), Bhabha (1998), Arroyo (2020), Fleuri (2012), Rezende
(2013), Quijano (2009, 2010) entre outros. As análises mostram que práticas interculturais educativas
precisam estar inseridas no campo das proposições da educação, isso implica em diversas ações
dialógicas, não só para os sujeitos dos “entrelugares”, mas para todos que desejam a promoção
de uma educação mais justa, democrática e humana.
Palavras-chave: Identidades, diferenças e educação intercultural.
Introdução
Discutir sobre educação e diferença, como ela vem sendo proposta nas escolas
historicamente, resulta em admitir que, além das questões pedagógicas já vivenciada nas
práticas educativas, precisamos refletir sobre questões que nos levam a compreender que o
conhecimento passa por teses que vão além do que é proposto nos currículos tradicionais e em
algumas práticas homogêneas na sala de aula. A escola se tornou, lugar de reprodução de
conteúdo, de ideais e elementos que foram incorporados, didatizados, seguindo referências
modeladas nas propostas de educação ocidentais.
143
lutas sociais dos grupos e povos que sofreram especialmente a colonização e foram
subalternizados” (Sacavino, 2016, p.193).
144
igualdade na escola, se tornam não só um complicador, mas um atrapalho para as dinâmicas
que regulam as reproduções pedagógicas.
Sobre a modernidade, Duschatzky e Skliar (2000, p.166) afirmam que ela: “estabeleceu
uma lógica binária a partir da qual denominou e inventou de distintos modos o componente
negativo: marginal, indigente, louco, deficiente, drogado, homossexual, estrangeiro, etc.” As
diferenças nesse sentido, marginalizam os diferentes e os colocam na recusa, na negação,
processos construídos ao longo da história e desde a colonização, logo, manter a diferença no
seu lugar, à margem da sociedade, é um feito que proíbe lugares para que estes possam se
expressar. Assim, Marques (2012) afirma que:
Entre os espaços sociais citados pela autora que mantêm as diferenças na exclusão,
está a escola, que segrega a partir das singularidades, porém tem a possibilidade de fazer o
caminho inverso e reconhecer as diferenças potenciais para promover educação intercultural,
145
diálogo das culturas e valorização dos saberes diversos. A discussão sobre a importância de
considerar a interculturalidade no campo da educação, representa a busca de uma educação
democrática e emancipatória. Candau (2016, p. 07), nesse sentido, diz que: “A problemática
das diferenças culturais vem adquirindo cada vez maior visibilidade social e suscitando
acirradas polêmicas em diversos espaços, da grande mídia às redes sociais, dos movimentos
sociais às salas de aula”. A educação intercultural propõe diálogos horizontais, saberes
compartilhados, e mudanças comportamentais de todos que compõem a comunidade escolar.
Marques (2013) diz que: “O reconhecimento do outro como protagonista do teatro da vida
constitui o vetor da mudança de paradigma”. Nessa lógica, a mudança dessas referências
pedagógicas significa, pensar numa pedagogia que considere todos os saberes e desloca a
superioridade do seu único saber ocidental.
1
Pós- Colonial em Bhabha (1998) é “[...] toda uma gama de teorias críticas contemporâneas sugere que é com
aqueles que sofreram o sentenciamento da história – subjugação, dominação, diáspora, deslocamento – que
aprendemos nossas lições mais duradouras de vida e de pensamento”.
146
de todos os atores presentes nos processos educativos e conceber a diferença como riqueza e
vantagem pedagógica”.
O autor acima, afirma que os saberes são ativos, vivos e são de propriedade de todos os
sujeitos, logo, reconhecer as diferenças significa não admitir sempre o mesmo, sair do que
Skliar (2003) denomina de “mesmidade”. Dialogar com os diversos saberes no campo da
escola, traduz a busca pela democratização dos espaços, do conhecimento e a promoção do
diálogo intercultural. Ademais, segundo Bhabha (1998), ultrapassar as fronteiras do que é
teoricamente e politicamente postulado pela modernidade, significa encontrar nos “entre
lugares”, enredo para compor novas pedagogias, sob novos olhares, metodologias outras, que
são pensadas a partir da articulação de diferentes culturas.
147
fosse composta apenas pelos ditos diferentes”. Portanto, a educação intercultural, pode
viabilizar o diálogo entre os saberes e traduzir o desejo de pertencimento da escola, favorecer
posicionamento social, político e cultural e dar voz e escuta sensível para que essa voz possa
fazer parte das narrativas da escola. Práticas educativas interculturais, significa nesse contexto,
romper com as demarcações impostas nos currículos que indicam desarticulações entre o
conhecimento construído a partir dos significados próprios de cada cultura e a reprodução de
referenciais curriculares moldados no sistema de educação ocidental. Santiago, Akkari,
Marques (2015, p.39) explicam que: “as ênfases e omissões nos currículos adquirem diferentes
significados no que se refere às identidades produzidas”. O autor ainda acrescenta que “a
adoção de propostas curriculares que busquem articular educação e cultura em uma perspectiva
antropológica se torna uma possibilidade no sentido de favorecer a construção de
conhecimentos”. É importante problematizar as questões curriculares, analisar como foram
propostas, em que contextos históricos estão sendo construídas e a quem essas proposições
estão a servir, senão aos alunos, a comunidade. Um currículo que dialogue com a cultura, com
as diferenças permite desmascarar, desconstruir o discurso da educação para todos quando
seleciona, desconsidera os sujeitos e seus saberes.
2
Decolonizar , o currículo nos moldes eurocêntricos, assim como as práticas
educacionais é uma importante estratégia para promover o diálogo, dar voz e escuta sensível
aos saberes diversos. Uma reflexão sobre os discursos de exclusão daqueles que foram
colocados para o que Bhabha (1998) indica como “fora do lugar”, reitera a necessidade de
entender como o processo de colonização, deixou marcas na sociedade que ainda hoje encontra
terreno fértil em práticas sociais e educacionais que desconsideram as diferenças e os diversos
saberes. Os sinais da colonialidade e das práticas excludentes dos currículos, estão asseguradas
no discurso da modernidade e dos seus supostos “benefícios”. Ballestrin (2013, p.100) diz que:
“A colonialidade se reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, do saber e do ser. E mais do
que isso: “a colonialidade é o lado obscuro e necessário da modernidade; é a sua parte
indissociavelmente constitutiva”. Assim, fica evidente que a modernidade tem propósitos
2
Segundo (Walsh 2009), decolonial ou decoloniadade utilizado neste artigo diz respeito à necessidade de
decolonizar os conhecimentos latino-americanos produzidos sob a ótica dos saberes ocidentais.
148
ntrincados e por trás das ações sociais, políticas e educacionais, estão os fins postos pela
modernidade e são “consagrados” nos currículos escolares.
A colonização do saber perpassa pelas relações de poder, que por questões históricas,
sempre estiveram a serviço do ocidente, lugar que Ballestrin, citando (Mignolo,2013) denomina
como a “Geopolítica do conhecimento”, termo usado para indicar a Europa como o centro do
poder e do saber, tendo o eurocentrismo como lógica para a reprodução da colonialidade. Por
esse ângulo, é importante compreender que o eurocentrismo valida, regula não somente as
questões econômicas, mas as propostas curriculares nas escolas, as ações pedagógicas. Quijano
(2009, p.75-76) afirma que o eurocentrismo: “Trata-se da perspectiva cognitiva durante o longo
tempo do conjunto do mundo eurocentrado do capitalismo colonial/moderno e que naturaliza
a experiência dos indivíduos neste padrão de poder”. Romper com a ideia de ter a Europa como
referência a ser seguida na economia, na organização social e na pedagogia, requer o que
segundo Ballestrin (2013) citando Nelson Maldonado-Torres (2005) chama de “Giro
decolonial”, que significa a descentralização do eurocentrismo, que é: “o movimento de
resistência teórico e prático, político e epistemológico, à lógica da modernidade/colonialidade”
(Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007, p.37).
149
ações educativas, que ainda marcadas, pela teoria da dependência, desconsideram a necessidade
de propostas educativas que partam da compreensão do mundo a partir do seu próprio lugar e
das epistemes que lhes é própria.
Mesmo que não seja o objetivo desse texto, aprofundar sobre as temáticas do processo
de colonização do saber, essa questão, contribui para compreensão do presente, especificamente
sobre a história que a colonização do Brasil faz ressoar nas ações educativas. A colonialidade,
ainda presente em todos os campos da sociedade, apontou as pretensões ocidentais em relação
à educação. Sobre a colonialidade Ballestrin (2017, p. 518-519) diz que: “é a continuação do
colonialismo por outros meios”, ela também “reproduz em uma tripla dimensão: a do poder, a
do saber e a do ser”.
150
A partir dessa dinâmica de construção da sociedade, no campo da educação, o debate
intercultural é uma possibilidade de repensar o papel da escola, sua função social e posicionar-
se de forma crítica, para assegurar, promover e desenvolver ações educativas voltadas ao
reconhecimento das culturas da escola. O pressuposto para se realizar uma educação
intercultural, perpassa pelas práticas educacionais que conciliam o direito dos sujeitos e aceita
sua individualidade. Nessa perspectiva e sobre a interculturalidade crítica, Fleuri (2012) afirma:
Considerações finais
Colocar em debate a necessidade de proposição de políticas e práticas educativas
interculturais, diz respeito não só em acolher as diferenças, mas discutir sobre a necessidade de
151
políticas educacionais que reconheçam outras pedagogias, outros conhecimentos. Não
reconhecer a necessidade de deslocamentos epistemológicos, metodológicos nas práticas
educativas, fatalmente leva a escola a promover currículos colonizadores, que firmam cada vez
mais suas ideias e práticas colonizadoras nas salas de aula, e que segundo Memmi (2016, p.133)
servem para colocar os alunos “para fora da história” e da realidade em que vivem.
Por fim, a promoção de uma educação intercultural, afirma o diálogo com os diversos
saberes e considera suas contribuições nos campos políticos e epistemológicos. Dessa forma,
refletir sobre a necessidade ações educativas na perspectiva de práticas educacionais
interculturais, que diferem das práticas educacionais homogeneizadora etnocêntricas, é uma
proposta de educação que consolida a ideia da escola como um espaço de convivência entre as
diferenças.
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154
RELATO DOS JOGOS TRADICIONAIS DESENVOLVIDOS NA COMUNIDADE
INDÍGENA ÁGUA BRANCA- LAZER, ENTRETENIMENTO, APRENDIZAGEM,
CULTURA E ARTE
Resumo: Neste artigo faço um relato sobre os jogos tradicionais desenvolvidos na comunidade
indígena Água Branca: lazer, entretenimento, aprendizagem, cultura e arte. Com o objetivo de
reforçar através do esporte, a cultura Terena com os jogos tradicionais, para que a mesma não
se perca com o passar dos anos, a Aldeia Água Branca foi uma das pioneiras ao estar
incentivando e realizando jogos indígenas. Para relatar a experiência da Aldeia, realizamos na
comunidade várias entrevistas, pois assim, com os relatos ficamos mais informados a respeito
da organização desportiva e também dos seus fundadores. As várias modalidades de jogos
realizados foram os jogos tradicionais, tais como a lança, o arco e flecha, o cabo da paz, o
atletismo e para encerrar uma noite cultural. Percebemos a importância do resgate dessas
tradições, que pode produzir e despertar o espírito guerreiro nos moradores da aldeia.
Concluímos que toda fonte de informação pesquisada é muito relevante. Esperamos que essa
pesquisa desperte o interesse em outras pessoas a escrever sobre o tema, embora referências
bibliográficas sejam muito escassas.
Introdução
No dia 31 de agosto de 2023, através de questionários no Google Forms e pesquisa in
loco, com um dos fundadores do evento Jogos Internos da Aldeia Água Branca (JOIAB), Gilson
Tiago, obtivemos a resposta de como surgiu a ideia de fundar um grande evento desportivo para
a comunidade, espelhando-se no evento da cidade de Aquidauana nos Jogos dos Povos
Indígenas (JOPOIN).
Gilson Tiago juntamente com a liderança local pensou na possibilidade de juntar a
comunidade da Aldeia Água Branca e realizar entre eles “jogos tradicionais” a serem disputadas
por vilas da aldeia, todos acharam que era uma ideia brilhante, a sugestão foi revisada com as
lideranças e comunidade, em uma breve reunião, resultou na aprovação da I edição dos Jogos
155
Internos da Aldeia Água Branca no ano de 2012, desde então o Senhor. Gilson Tiago é tido
como o fundador dos jogos. O JOIAB (Jogos Internos da Aldeia Água Branca) foi então
criado no ano de 2012, com o Cacique Isaías Francisco e sua liderança Tribal e Professor
Gilson Tiago. Foi criado sendo espelhado do JOPOIN (Jogos dos Povos Indígenas) mais de
forma interna, apenas morador da Aldeia Água Branca pôde participar.
De acordo com o Sr. Gilson, assim surgiu o JOIAB - Jogos Internos Aldeia Água
Branca Terra Indígena Taunay/Ipegue, Aquidauana MS, com saber de tradição nativas e
inclusão dos jogos modernos como futebol, voleibol e atletismo.
Vale ressaltar que os jogos tiveram início como Jogos dos Povos Indígenas, o critério
para a participação nesses jogos é a força cultural das etnias, considerando tradições, como a
língua, a dança, os rituais, os cantos, as pinturas corporais, o artesanato e os esportes
tradicionais. A primeira edição ocorreu em Goiânia, em outubro de 1996, com a presença de 25
etnias e mais de 400 atletas, e contou com a presença de Pelé, que incluiu o evento no calendário
da Secretaria Nacional do Esporte. Os II Jogos foram realizados na cidade de Guairá, no Paraná,
em outubro de 1999, e teve a participação de 31 etnias e mais de 600 atletas.
Já o JOIAB tem perspectiva de revelar novos talentos Indígenas e serve também para
um campo de coleta de dados. No âmbito universitário, iniciou-se em 2012, com quatro
156
pessoas responsáveis, Gilson Tiago, Isaias (cacique) e liderança tribal, foi montado esta
equipe com o intuito de elaboração e criação de jogos interno da aldeia.
157
Vagner Samuel Gonçalves, Aldeia Água Branca, 06/09/ 2023, arquivo pessoal.
O JOIAB não foi realizado no ano de 2020 devido a pandemia, no ano de 2022
também não foi realizado devido a eleição presidencial e governamental. Retornando no ano
de 2023 com a organização reestruturada tendo como: Presidente de Esporte: Vagner Samuel
Gonçalves. Vice-presidente: Altair Albuquerque, Membros da organização: Professor
Nemias Tiago, Cacique Julison Farias, Antenor da Silva Augusto, Antenivaldo Augusto,
Janilson Paulo Francisco, Mikael Tancredo, Mateus Luiz e Abimael Julio Sebastião.
Do ano de 2012 a 2017 apenas as modalidades arco e flecha, lança, futsal, cabo da
paz, atletismo e vôlei faziam parte do quadro de modalidades. A partir do ano de 2018 foi
acrescentado as seguintes modalidades: Salto a distância e futebol Society, já com a nova
organização desportiva que foi montada no mesmo ano.
Os jogos que permanecem até hoje junto à nova regulamentação da organização são:
Arco e flecha, Lança, Cabo da Paz, Atletismo, Futsal, Futebol Society, Voleibol e Salto a
Distância.
Hoje o JOPOIN envolve todas as aldeias do município de Aquidauana, MS, que são
antecipadamente convidadas a participarem. No início não teve um número específico de
pessoas, mas foi desenvolvida pela liderança e acabou envolvendo toda a comunidade.
Com intuito de incentivar jovens e adultos a praticar do esporte, como um meio de
interação entre as vilas participantes, resgatando e mantendo vivo a cultura do povo Terena
e principalmente da Aldeia Água Branca. Abaixo o convite dos jogos para o ano de 2023.
158
O evento sempre é realizado no mês de outubro, uma data em que a comunidade se
encontra toda presente, devido a semana de vários feriados próximos, dia da divisão do
estado, dia de Nossa Senhora Aparecida e, normalmente se une um ou mais dias a esses
feriados, assim as crianças, adultos e anciões podem participar representando sua vila.
A abertura sempre ocorre de forma tradicional, obedecendo aos ritos de composição
de autoridades, cantos de hinos, etc. com início dos jogos em seguida. Depois do inicio dos
jogos, eles se estendem ao longo dos três dias de puro esporte, e o encerramento ocorre com
entregas de medalhas aos atletas destaque, e troféu a vila campeã, logo após noite cultural
com apresentações de trajes típicos e comidas típicas, e por fim um show tradicional com
membros da comunidade.
Um dos entrevistados foi também o atleta Silas Sebastião Mendes, residente na
comunidade da aldeia água branca, ele conta sobre a importância que os jogos vêm trazendo
dentro da comunidade principalmente aos jovens, Silas Mendes pertence a vila central, um
dos responsáveis por reunir sua vila, incentivando, treinando sua equipe e esperando
resultado dentro dos jogos.
Segundo o Sr, Silas, os jogos internos da Aldeia Água Branca, foi um dos meios de
manter nossa tradição e cultura, fundado pelo cacique anterior como forma de manter nossa
juventude, crianças e moradores da comunidade em conjunto e união, trazendo a valorização
dos nossos costumes como arco e flecha, lança e outros.
159
Vale ressaltar que esportes do nosso dia a dia como futebol, vôlei, corrida, cabo da
paz, também foram inseridos, além de revelar novos talentos, também trás a saúde,
companheirismo, união e afasta a bebida e a droga da nossa juventude. O Sr. Silas revela
ainda que começou a participação no ano de 2021 na modalidade arco e flecha e cita que
pertence a vila central.
Iremos a seguir dar alguns dados técnicos das modalides existentes nos jogos indígenas
Arco e Flecha
160
Cabo de Guerra
Modalidade praticada para medir a força física, o cabo de guerra
é muito aceito entre as etnias participantes de todas as edições
dos Jogos, como atrativo emocionante, que arranca
manifestação da torcida indígena e do público em geral. Permite
a demonstração do conjunto de força física e técnica que cada
equipe possui. É uma das provas mais esperadas pelos atletas,
pois muitas equipes treinam intensamente em suas aldeias, puxando grandes troncos de árvores.
Isso porque, para os indígenas, a força física é de suma importância, dando o caráter de destaque
e reconhecimento entre todos. Na preparação de seus guerreiros, os índios sempre procuraram
meios de desenvolver e medir a coragem e os limites de sua capacidade na força física. Na nossa
região utilizamos o termo Cabo da Paz.
(http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218)
Atletismo
161
Arremesso de Lança
Considerações finais
Referências:
http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=218
162
SABERES QUE CRUZAM FRONTEIRAS:A PEDAGOGIA GUARANI NA
PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES GUARANI E KAIOWÁ1
Resumo: Este estudo teve como intenção compreender como os saberes e os fazeres Guarani e
Kaiowá se evidenciam no espaço escolar, nas ambivalências e contradições entre o modo de ser
tradicional e o modo de ser ocidental. Para isso, foram analisados os enunciados produzidos
pelos professores indígenas da Aldeia Taquaperi, por meio das entrevistas realizadas pelo
aplicativo WhatsApp, os quais foram articulados com outros enunciados produzidos nos
encontros de professores por meio da Ação Saberes Indígenas na Escola. Assim, sendo a escola
uma instituição que vem de fora da comunidade indígena, com outros valores e princípios
epistêmicos e metodológicos, abrindo uma fronteira com os saberes tradicionais em que se
cruzam, negociam, ressignificam e tensionam nas suas visões de mundo, observou-se que os
saberes indígenas se evidenciam no contexto escolar por meio da língua (oralidade), de forma
à tornar-se presente os valores e os conhecimentos do modo de ser e fazer Guarani e Kaiowá,
ou seja, trata-se de existir dentro de um universo linguístico, no qual a língua se mostra como
um dos elementos que conecta o mundo físico e espiritual e explica o modo de ser e fazer
Guarani e Kaiowá.
Este estudo teve como intenção compreender como os saberes e os fazeres Guarani e
Kaiowá se evidenciam no espaço escolar, nas ambivalências e contradições entre o modo de ser
tradicional e o modo de ser ocidental, tendo em vista que a escola é um espaço de fronteira onde
os saberes indígenas, aprendidos dentro da pedagogia Guarani, encontram-se e desencontram
na relação com outros saberes estabelecidos a partir de uma educação universal, a qual pretende
ser plural, mas que ainda mantém suas estratégias nas relações de poder, saber e ser.
1
Este estudo faz parte das discussões e ações que se fizeram presentes na Pesquisa “Nas fronteiras das negociações:
outros fazeres e outros saberes Guarani e Kaiowá” e no Grupo de Pesquisa Educação e Interculturalidade/CNPq
no período de 2018-2021, tendo continuidade nas discussões realizadas para pesquisa “Diálogo de saberes: um
encontro entre distintos sistemas de conhecimentos com o Povo Guarani e Kaiowá - produção de novas tecnologias
sociais” com apoio do FUNDECT/CNPq.
163
Para isso, foram analisados os enunciados produzidos pelos professores Guarani e
Kaiowá da Aldeia Taquaperi, por meio das entrevistas realizadas pelo aplicativo WhatsApp, os
quais foram articulados com outros enunciados produzidos nos encontros de professores por
meio da Ação Saberes Indígenas na Escola, no ano de 2021. As discussões e os estudos se
voltaram para a realidade das escolas indígenas, nas suas formas de organização, de
enfrentamento e resistência frente às relações de poder, saber e ser que cruzam fronteiras
epistemológicas e cosmológicas, de forma a organizar cada grupo humano dentro dos seus
próprios processos de aprendizagem, ao envolver metodologias, técnicas e significados que
conferem aos povos a razão de ser.
[...] os saberes estão no pilar de cada conhecimento, só os indígenas que sabe, por
exemplo [...] Então os saberes indígenas, por exemplo, é que... muitas vezes ele
contraria a... o sabedoria do científico né, do cientista. Então os saberes né,
indígena, por exemplo, tem o seu jeito de saber né, e... esses saberes indígenas ele
tem... ele tem um processo... assim, de aprender no contexto Guarani e Kaiowá
né [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
2
Os nomes dos professores que colaboraram para a realização desta pesquisa serão preservados; para tanto, a fim
de identificá-los no decorrer das análises, utilizamos a inicial seguida da inicial da etnia Guarani (G) e Kaiowá
(K).
3
Professor EK é efetivo na Rede Municipal de ensino de Coronel Sapucaia. Foi aluno da 2ª turma do Curso Normal
de Nível Médio – Ará Verá – no período de 2002 a 2006. É formado em Matemática pelo Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena Teko Arandú, oferecido pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Iniciou
sua carreira como professor leigo na Escola Municipal Nande Reko Arandú, atuando nos anos iniciais do ensino
fundamental; hoje, atua nos anos finais do ensino fundamental.
164
De acordo com os estudos de Lescano (2016, p. 36), os pilares são os valores que estão
no centro da cultura Guarani e Kaiowá, conhecidos como teko rokyta, e que fundamentam a
educação Kaiowá:
O conhecimento sobre as passagens das fases da vida ou o processo de
desenvolvimento humano, para os Kaiowá, é um entendimento primordial, okakua’a
jave – processos do crescimento.
Esse entendimento é um dos elementos que compõe a educação dos Kaiowá e faz com
que o povo se diferencie dos outros, e está muito direcionado ao conhecimento
mitológico do Kaiowá. Os saberes mitológicos do Kaiowá são diversos e, quando
contados na oralidade, no decorrer da sua explicação, a mitologia sai enriquecida.
[...] para nós, esses saberes são muitas vezes... os saberes são familiares né. Essa
palavra familiar, que isso significa? Isso significa é... começa... inicia pela casa,
principalmente com quem eu aprendo... Eu aprendo muito com a minha mãe né, assim
né, no contexto próprio, na cosmologia Guarani e Kaiowá... [...] Cada um tem o seu
jeito de ensinar né. Primeiro ensinamento, saber assim, você tem que saber como
viver homem indígena e também mulher indígena. [...] essa aprendizagem não
está assim... como... não é como aprendizagem na escola né... ele aprende um
pedaço, outro dia você vai aprender outro pedaço e assim sucessivamente [...]
(WhatsApp, 2021, grifos nossos).
4
Professor WK é um docente contratado pelo município de Coronel Sapucaia. É formado em História pelo Curso
de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandú, oferecido pela Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD). Mestre em História na Universidade da Grande Dourados (UFGD). Atua no ensino de história no ensino
fundamental nas escolas da Aldeia Taquaperi.
165
Ao ser a escola uma instituição que ainda está ancorada em uma abordagem universal e
eurocêntrica, herdeira do século XIX, na qual os saberes foram fragmentados, sistematizados e
organizados em áreas de conhecimentos, o fazer pedagógico nas escolas indígenas tende a
seguir essa padronização, já que esses fazeres precisam ser organizados e classificados por áreas
de conhecimentos, distanciando-se dos saberes e fazeres Guarani e Kaiowá; o sistema de
aprendizagem se efetiva na oralidade, pois é por meio da língua que os signos e significados
são repassados e transitam entre diferentes lugares. Como relata o professor EK:
[...] a palavra o mestre tradicional fala Ara né, Arandú, Ara kuapã, essa palavra, então
saberes indígenas também segundo som está na linguagem né? Se as pessoas não
soubé linguagem própria e tradição do Kaiowá, então ele não tem como entender todas
as... contextos do Saber indígena, então a primeira coisa para aprender os saberes
indígenas é precisa expressa bem no Guarani tradicional né. É que sempre o
mestre tradicional fala né, que a linguagem é o principal... o primeiro ponto é a
linguagem... então os saberes estão na linguagem, na palavra Ara. Ara significa um
contexto assim que você dentro é... dentro dos conhecimentos indígenas você vai
aprendendo cada parte, que são um processo de aprender né (WhatsApp, 2021, grifos
nossos).
Sob esse ponto de vista, o professor nos mostra que a língua é responsável pela
transmissão dos saberes, pois são nos signos que os saberes vão sendo expressos e veiculados.
As palavras na língua explicam o modo de ser e fazer Guarani e Kaiowá. No que se refere à
língua, Melià (1999, p. 13) observa:
A ação pedagógica tradicional integra sobretudo três círculos relacionados entre si: a
língua, a economia e o parentesco. São os círculos de toda cultura integrada. De todos
eles, porém, a língua é o mais amplo e complexo. O modo como se vive esse sistema
de relações caracteriza cada um dos povos indígenas.
[...] o saber tá linguagem, na linguagem Kaiowá, por exemplo, as crianças tem que
acordar bem cedo pra ouvir o tempo né, o fenômeno da natureza, os canto do pássaro,
o vento né, o movimento do vento, isso pra aprendê no contexto Guarani [...] esses
saberes indígenas ele tem um processo de aprender no contexto Guarani e
Kaiowá [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
Quando se afirma que o saber está na linguagem, observamos que a natureza está
conectada ao modo de vida, desdobrando-se na rotina da comunidade, e as palavras na língua
166
nomeiam tudo o que está à sua volta, como a natureza, os pássaros, os fenômenos naturais.
Todos esses aspectos vão sendo “aprendidos” para serem “lidos” na vivência cotidiana. Dentro
de suas metodologias próprias, WK explana que:
Os saberes são repassados pela oralidade, pelos Avó e Avô e os pais. No período
mais recuado, os saberes religiosos eram repassados pelos ñanderú (mestres
tradicionais), portanto existia um lugar próprio (oga pysy). Já hoje em dia, em uma
parte, as escolas estão repassando também através dos professores ou se traz os
mestres tradicionais nas escolas para isso (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
Nesse caso, verifica-se, na fala do professor, que, nos dias atuais, há uma ressignificação
nos lugares dos saberes Guarani e Kaiowá, em que a escola se torna um lugar onde os saberes
indígenas circulam entre o tradicional e ocidental, mesmo que fragmentados ou
descontextualizados de seus lugares específicos de ensinamento. Segundo Hall (2003, p. 61),
esses espaços são chamados de “localismos”, ou seja, aprendem a viver com o “outro” nos
“entre-lugares”, porém o autor salienta que “[...]. O ‘local’ não possui um caráter estável ou
trans-histórico. Ele resiste ao fluxo homogeneizante do universalismo como temporalidades
distintas e conjunturais”.
Um lugar onde se transmite a educação tradicional é ao redor do fogo que, segundo
Pereira (2016, p. 38), “[...] o fogo doméstico kaiowá desempenha um papel estruturante na vida
social. Em certo sentido é a partir de seu fogo que o Kaiowá vê e pensa sua parentela - te’ýi -,
sua comunidade – tekoha –, seu próprio sistema social e as outras formações sociais com as
quais entra em contato”.
De acordo com o professor EK, ao se referir ao fogo como um elemento que integra a
educação tradicional, mostra-se a divergência entre saberes, cujo saber não indígena se
sobrepõe e desqualifica o saber indígena:
A relação do fogo né... questão do fogo é o principal nosso né. [...]. É muito importante
para nós esse fogo né. O fogo também tem os seus... é a lenha principalmente, não é
qualquer madeira que pode... que serve para ser ...fazer fogo né, então isso também ...
nós por exemplo, homem tem que saber a madeira que que serve para lenha, então ele
tem tudo nome assim para colocar. Então teve um tempo né, assim não sei se eu vou
lembrar né, no ano de 2008 ou 2007 por aí, que questionou a pessoa de saúde né...
porque teve uma doença muito grande nas aldeias, não sei qual doença né, por isso
que a saúde... a equipe de saúde questionou isso né, que os indígenas se adoeceu muito
por causa do... da fumaça né, por causa desse calor né. Mas é... aí..., mas não é questão
dessa parte né, com fogo é muito importante porque ele reúne muitas pessoas né. Ao
redor do fogo que nós fomos educadas né, fomos aconselhado para viver né, então
o fogo ele chama as pessoas né. Então os parentescos, família, reúne a redor do fogo,
muito importante isso para nós né. [...] ao redor do fogo que a gente compreende as
coisas para viver. Então... hoje em dia por exemplo mãe... não é que todos né... mas
já tem as pessoas que não faz mais fogo, não reúne mais família, as crianças levanta
167
já tarde... então não tem mais esse... esse... acomodô né, de estar bem com a família
né, por isso que destruturou, muito na família, a educação familiar dentro da sociedade
indígena né, porque por causa de fogo mesmo, entrou fogão de gás né, agora entrou
fogão de elétrico é outra coisa né, então mudou mudaram muito né, a questão de reunir
a família né, então isso também faz falta né para nós, entender como usar esse... esse
fogo né (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
Sobre os lugares dos saberes indígenas, o fogo que, ao mesmo tempo em que aquece,
alimenta, reúne pessoas, produz e transforma sujeitos em Guarani e Kaiowá (WIIKI, 2010;
PEREIRA, 2016), é interpretado de outro modo pelo “outro” não indígena.
Ao refletir sobre essa situação, buscamos apoio nas indagações de Melià (2013, p. 239),
ao questionar: “[...] ? Qué educación he tenido como indígena antes de ir a la escuela? [...] ? en
qué lengua he sido educado? Y ahí hay que distinguir hay uma lengua antes dela escuela y outra
lengua ena la escuela [...]”.
No contexto escolar, essa colisão ocorre entre a língua materna e a língua portuguesa,
cada uma constituída em universos diferentes, como podemos observar na fala do professor
EK:
[...] o diálogo entre português com saberes indígenas... ó ... eu vejo assim que... eu
vou falar ... que não dá certo né. Porque primeira coisa, português você já sabe o que
é português né, essas palavras são estranha para nós né [...] o português ele traz
muito outro pensamento para comunidade e principalmente para as crianças né.
E... a ideia é essa mesmo né, esse sistema que está entrando no meio do nosso
comunidades, nas escola né, ele leva né, esse pensamentos... que esse pensamento
indígena não deveria ser mais valorizado, a questão é essa né, como é que esse de
português né, ele trata a comunidade escolar né? Como é que ele diálogo, como é que
ele tem diálogo esse conhecimento né? Então o português sempre... ele vai trazendo
outra realidade para nós né, e com outro pensamento. Posso falar assim que é...
o indígena pensa que quando você tem esse conhecimento, que não é indígena
ele... ele se afasta né, devagarzinho assim, afastar do saberes indígenas e aí esse
afastamento né, traz muito é.... vamos supor... uma coisa assim, um problema né, na
aprendizagem dos alunos e também na comunidade escolar né, porque... porque por
si só a palavra já fala né, português. Então, eu vejo assim que essa parte de indígena,
ele não vai se entender muito com português, então eu acho que cada vez mais a
escola se direciona com esse português e os saberes indígenas cada vez mais se afasta
das pessoas né [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
168
Contudo, a questão é: como acontece a tradução dos conteúdos, já que o ensino acontece
por meio de conteúdos curriculares normatizados pelos sistemas de ensino? Sobre essa questão,
WK explica: “Geralmente são traduzidos para se trabalhar apenas para as perspectiva linguística
e gramaticais, mas, levando em consideração as informações, existem muitas lacunas”.
São nas lacunas, nos “entre-lugares”, como profere Bhabha (2014), que as matrizes
coloniais do ser, saber e do poder atuam em diferentes maneiras, utilizando-se de meios
estratégicos, como as igrejas e a lógica de mercado capitalista, que trazem modelos de
individualidade para os membros da comunidade; com isso, afastam os indígenas do seu modo
de ser, pois o currículo das escolas indígenas ainda pertence a uma educação eurocêntrica. Mais
precisamente, encontra-se engessado nos moldes de uma educação moderna/colonial, apesar
dos direitos conquistados por uma escola diferenciada, bi/multilíngue, específica, intercultural
e comunitária.
Desse modo, entendemos que as atividades curriculares, organizadas enquanto práticas
pedagógicas, fazem parte de um processo contínuo e histórico; são rasuradas pela modernidade,
cujo desafio ainda consiste em adotar estratégias para uma pedagogia diferenciada, que atenda
aos anseios e às necessidades da comunidade de acordo com suas práticas educativas.
Um exemplo em que a modernidade tem mostrado o seu outro lado, a colonialidade,
como postula Mignolo (2007), corresponde ao período de pandemia: em um momento instável
e de fragilidade, os mecanismos pedagógicos continuaram atuando de forma a sistematizar a
educação dentro dos padrões hegemônicos. Como relata o professor EK:
[...] com esse tempo de pandemia eu achei muito estranho né, aqui no nosso município
é... nós sempre registravam no sistema em Guarani né, porque no Regimento consta
que... pré e primeiro ano, os alunos ensino na língua materna, então com esse tempo
de pandemia e veio muito forte nessa questão de BNCC né, então trocou todo mundo
esse entendimentos indígenas e parece que esse BNCC entrou e descartou esse... esse
movimentos indígenas que está dentro da escola e aí vem outra questão né, o sistema.
E aí os professores... se não tem maturidade né, na questão de saberes indígena,
acaba... também caiu na linha desse sistema, mas os professores que por exemplo que
tem maturidade assim na questão de saberes indígenas continuando né, se
preocupando e lutando para que possam a escola gerenciar com esses saberes... a partir
desses saberes, mas eu vejo assim que é muita coisa, né, para nós colocar na ações nas
escolas (WhatsApp, 2021).
169
reuniões de Formação da Ação Saberes Indígenas na Escola (26/03/2021), a professora TG5
expôs: “Nem chegamos a viver um momento de diversidade e já estamos vivendo um
retrocesso”.
Nesse processo de organização, ou digamos, de reorganização curricular, os efeitos do
poder entram em ação silenciando os saberes indígenas, ao legitimar, cada vez mais, os saberes
não indígenas na prática escolar. Segundo Moreira e Candau (2007, p. 23): “[...]. Para se
tornarem conhecimentos escolares, os conhecimentos de referência sofrem uma
descontextualização e, a seguir, um processo de recontextualização. A atividade escolar,
portanto, supõe uma certa ruptura com as atividades próprias dos campos de referência”.
Consequentemente, ao trazer os saberes indígenas ou a língua como disciplinas,
consolidadas padronizadas a partir do sistema ocidental, esvazia-se todo um aparato de
conhecimentos e fazeres culturais próprios de cada grupo.
Além dos fatores externos exercidos pelo modelo capitalista, as religiões presentes nas
aldeias influenciam no modo de ser Guarani e Kaiowá, com regras e práticas que se afastam da
Pedagogia Guarani. Essas ainda são interferências coloniais que atravessam o modo de ser e
saber Guarani e Kaiowá e que, segundo Walsh (2009), é preciso questionar os tipos de
imposições modernas que se fazem presentes por meio de programas dentro das comunidades,
em que não há um diálogo intercultural, uma troca mútua e recíproca entre diferentes, mas, sim,
um diálogo na tentativa de sobrepor os conhecimentos tradicionais à medida que ainda
continuam sendo subjugados pelo pensamento não indígena.
Outro ponto a ser destacado sobre a pandemia equivale aos relatos feitos nos encontros
da Ação Saberes Indígenas na Escola; os professores falaram que a escola não deu conta de
resolver, não trouxe explicação sobre o fato que estava acontecendo e que, de um modo geral,
recorreram à comunidade para buscar explicações. Segundo OG6:
[...]. Nesse momento, algumas em prática foram deixadas em pausa, mas que não
impediu que buscasse outras formas para sobreviver como indígena, como professor.
A escola foi o lugar que mais teve impacto. A chegada do vírus nas Aldeias foi algo
que nos fez a se readequar com nossos meios de convivência. Algumas práticas
tradicionais [...]. Nesse período nos mostrou como os conhecimentos tradicionais
são importantes. A circulação de informação entre o encontro dos científicos e
tradicional ficou desequilibrado nesse período intempestivo. O que nos levou ao
todo buscar uma explicação para tudo que estava havendo (AÇÃO SABERES
INDÍGENAS NA ESCOLA, 19/02/2021, grifos nossos).
5
Professora da Aldeia Jaguapirú – Reserva Indígena de Dourados/MS.
6
Professor da Aldeia Rancho Jacaré, localizada no município de Laguna Carapã.
170
Nesse período, as comunidades indígenas ficaram isoladas e isso contribui para o
fortalecimento dos saberes indígenas que estavam silenciados. Enquanto a ciência não dava
respostas, a comunidade se voltou para buscar conhecimento dentro da sua visão de mundo,
como relatou EG7:
[...]. É nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a se
fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante,
ambivalente, do além que venho traçando: ‘Sempre, e sempre de modo diferente, a
ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos homens para lá e para cá,
de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto
passagem que atravessa’.
Percebemos que os saberes indígenas transitam para ‘lá’ e para ‘cá’, atravessando as
fronteiras tradicionais, ao experienciar os saberes e fazeres ocidentais, ressignificando-se de
acordo com as necessidades que o mundo moderno colonial impõe. São mediados pela pressão
capitalista e mercadológica que adentra nas comunidades indígenas, porém, nos momentos de
tensão e de conflitos, é o tradicional que se sustenta.
Embora haja um esforço para inserir os saberes indígenas enquanto conteúdos
curriculares nas escolas, observa-se que essa não é uma tarefa fácil, a qual exige uma
compreensão sobre como cada saber se desenvolve no meio a que pertence, porque “[...] não se
7
Professor da Aldeia Rancho Jacaré, localizada no município de Laguna Carapã.
171
trata de traduzir de uma língua com tradição escrita para outra de igual tradição” (FREIRE,
2009, p. 329).
Podemos observar isso em relação à língua portuguesa na escola, quando EK profere
que o que fazem é adotar o português com o intuito de transportar os conhecimentos indígenas
para a língua portuguesa:
[...] eu vou usa essa palavra adotar né, adotar essa palavra linguagem no nosso
contexto, como essa adotação ele vai trazendo esse conhecimento para nós. Adotar
um português para nós né, tem muitas coisas que para você entender como é que se
adotar uma português para um contexto indígenas né, então eu vejo assim que a
linguagem português né, e se adotar realmente vai ter esse diálogo, dialogo com outro
ciência. Mas é, os indígenas se esforçam, se esforçou muito né, para colocar esse
conhecimento dentro desse contexto português, nesse contexto né, os indígenas
para entender o que que realmente, trazer esse conhecimento no contexto indígena de
adotação né, adotar essa palavra, não sei se estou usando essa palavra correta né,
porque eu falo isso porque uma palavra adoção é quando você adota alguma criança
você não sabe é como é que aquele que comportá, como é que ele vai crescer, como é
que ele vai é... como é que ele vai se comportar com a família, com eles se adotou né,
então muita dúvida né, e muitas vezes também você adota as crianças você se
preocupa também né, como é que como é que você vai cuidar deles e assim também
é os saberes não indígena, eu acho né, porque eu saber se tem medo de colocar no
contexto não indígena né, porque o medo é que muitas vezes traz esse é... não
para ficar mais né, diante da sociedade [...] (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
172
Enquanto a sociedade ocidental faz uso da escrita para deixar às futuras gerações a sua
história e os conhecimentos produzidos ao longo do tempo, as sociedades indígenas fazem uso
da língua (oralidade) para deixar aos descendentes a sua história e os seus conhecimentos que
também vão sendo produzidos e ressignificados no espaço e no tempo em que se encontram,
dispondo de sistemas próprios.
Conforme vamos analisando nossos registros e percebendo que os saberes são
transmitidos pela oralidade, novas indagações são despertadas: como são/foram transmitidos os
saberes indígenas por meio da escrita? Como mensurar o aprendizado pelas normas
institucionais avaliativas impostas pelas diretrizes curriculares? Quais são os saberes indígenas
que compõem o currículo escrito da escola? Ou seja, quais saberes foram elaborados junto à
comunidade? E quanto aos materiais didáticos sobre os saberes indígenas, produzidos com os
professores indígenas, na língua materna: que saberes são esses?
O que ocorre, nesse caso, é que a pedagogia Guarani e Kaiowá acontece em tempos e
espaços diferentes da educação escolarizada, a qual é regulamentada por normas e legislações
próprias – e que, ainda, seguem engessadas em uma visão eurocêntrica. De um modo ou de
outro, tentam apreender ou enquadrar os saberes indígenas dentro dos padrões estabelecidos
pela lógica moderna ocidental, bem como o ensino da língua materna enquanto disciplina.
Embora também tenhamos de reconhecer que as escolas indígenas, mesmo caminhando
por outra lógica de pensamento, ainda garantem visibilidade aos conhecimentos tradicionais
indígenas, diante das ambivalências vivenciadas, a escola desempenha um papel de
conscientização e revitalização da cultura em uma comunidade que já experienciou todas as
formas de negação e exclusão da sociedade,
Os saberes indígenas enquanto conteúdos na prática pedagógica precisam ser
fragmentados de acordo com áreas de aprendizagens, porém fazem parte de outra ordem
cosmológica, em que a sua essência, o seu fazer, não se ensina na escola, como explica WK:
“[...]. Os conteúdos, tal como ele é, não está é, nas perspectivas dos saberes indígenas.
Depende das áreas, os conteúdos servem apenas como base, pois nas explicações que as vezes
são relacionados nos saberes e nas lógicas indígenas” (WhatsApp, 2021, grifos nossos).
O que precisamos compreender é que os sujeitos que estão na escola têm outros
conhecimentos vividos em demais espaços educativos, ocultados dentro de intenções
curriculares que organizam a prática educativa no contexto escolar. Nesse caso, Moreira e
Candau (2007, p. 32, grifos dos autores) sugerem que: “[...] se procure, no currículo, reescrever
173
o conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as diferentes raízes étnicas e os diferentes
pontos de vista envolvidos na sua produção”.
Por intermédio dessa situação, observamos que os professores, tanto os mais velhos
quantos os mais novos, têm explicações sobre os saberes Guarani e Kaiowá, conseguem
relacionar uma lista de conteúdo enquanto currículo. Porém, quando começamos a questionar
como é o seu fazer, há um recuo nas informações, pois uma coisa é relacionar esses saberes e
outra coisa está no processo de como ensinar o fazer de uma pedagogia indígena que, diante da
visão indígena, ainda não tem “autoridade” para tal, já que isso pertence aos mais velhos, aos
anciãos com domínio dos saberes Guarani e Kaiowá. Afinal, que saberes Guarani e Kaiowá
podem ser ensinados na escola?
Verifica-se que a questão de elaborar uma lista de conteúdos curriculares não é o
problema. Todavia, a complexidade está na prática, na qual os signos e significados não podem
ser relacionados, não podem ser descritos e sistematizados pela lógica cartesiana. O ensino dos
fazeres indígenas se centra no saber que pertence aos mais velhos (sábios); estes acumularam,
ao longo da vida, experiências epistemológicas e cosmológicas que guiam o ser Guarani e
Kaiowá, processos que foram aprendidos no decorrer da vida, em diversos momentos, situações
e contextos que orientam a educação tradicional. Como mostra EK:
[...] vem a questão de processo de cada um, cada ano que vive você vai aprende uma
coisa né, por exemplo, cada passo você aprendendo é... essa aprendizagem não está
assim... é... como é aprendizagem na escola né... ele aprende um pedaço, outro dia
você vai aprender outro pedaço e assim sucessivamente... esse aprendizagem é de
acordo com a faixa etária também, então principalmente recebi muito né, também esse
orientações para viver como Guarani e Kaiowá né, uma dos objetivos dos Guarani
Kaiowá é chegar nu... chegar assim... na língua Guarani e fala que é Tudiá, é uma
forma de expressão para ver o bisneto, é outro até você envelhecer né, então é o
objetivo do Guarani Kaiowá então para você chegar... para eu chegar ficar assim na
idade de velhice eu tenho que cumprir com a regra né, a exigência da regra dentro da
comunidade, familiar, no parentesco... então esse saber você inicia sabendo dentro do
contexto familiar né, isso que eu tô falando quando pessoa é novo ainda [...]
(WhatsApp, 2021).
Enquanto uma instituição ocidental que está presente dentro das comunidades indígenas,
nota-se que ainda segue as normas e os regulamentos de uma sociedade hegemônica. Porém,
dentro dos princípios de uma educação diferenciada e específica para as comunidades
indígenas, como legitimar os saberes indígenas na prática pedagógica?
Cada vez que adentramos no assunto, percebemos que os saberes indígenas circulam e
transitam por diferentes lugares na escola – currículo, livros, documentos. Movem-se entre
174
saberes, mas não se deixam captar pela lógica ocidental, o que, para Achinte (2012, p. 28): “[...]
la produción de conhecimento de grupos silenciados y marginalizados (afro, indígenas,
campesinos empobrecidos, lesbianas y gays entres otros) puede llegarse a considerar como uma
epistemologia fronteriza que, desde la subalternidade epistémica, reorganiza la hegemonia
epistêmica”. Sobre o ensino de história e o material didático disponível para os alunos na escola,
o professor WK (WhatsApp, 2021) enfatiza o seguinte:
[...] o livro não traz os saberes dos povos indígenas com certa profundidade. As vezes
se traz apenas as histórias, muito superficial e de outros povos ainda.
[...]. Pensando no espaço que os livros dedicam para expressar a história indígena, não
é suficiente para explicar muito menos contextualizar o mínimo que pode, sobre
historicidade de alguns povos.
Todavia, o professor elucida que a história dos povos indígenas é explicada pelos mais
velhos: “[...]. As memórias de antes das demarcações ainda continuam vivas, mesmo que as
gerações sejam outra já, as histórias sempre são lembradas. Tem alguns que participaram dos
trabalhos nos ervais” (WhatsApp, 2021). Essa é uma história que não faz parte dos currículos
escolares; essas memórias estão ocultas em nossa história, assim, desconhecemos. A escola é
uma instituição que vem de fora da comunidade indígena, com outros valores e princípios
epistêmicos e metodológicos, abrindo uma fronteira com os saberes tradicionais em que se
cruzam, negociam, ressignificam e tensionam nas suas visões de mundo.
Assim, observa-se que os saberes indígenas se evidenciam no contexto escolar por meio
da língua (oralidade), de forma a carregar os valores e os conhecimentos do modo de ser e fazer
Guarani e Kaiowá, ou seja, trata-se de existir dentro de um universo linguístico, no qual a língua
se mostra como um dos elementos que conecta o mundo físico e espiritual e explica o modo de
ser e fazer Guarani e Kaiowá. Segundo Melià em entrevista a Ramos (2012), por serem
sociedades ágrafas e orais, não se pode plagiar, não se pode roubar. Os povos indígenas
transitam entre saberes, aprendem sem deixar de serem apreendidos. Está, aqui, o desafio para
as sociedades ocidentais.
Referências bibliográficas
ACHINTE, Adolfo Albán. Epistemes “otras”: ¿epistemes disruptivas? Kula, Buenos Aires, n.
6, p. 22-34, abr. 2012.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. 2. ed. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014.
175
FREIRE, José Ribamar Bessa. Tradução e interculturalidade: o passarinho, a gaiola e o cesto.
Alea: Estudos Neolatinos, v. 11, n. 2, p. 321-338, 2009.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da
UFMG, 2003.
MELIÀ, Bartomeu. Educação indígena na escola. Cadernos Cedes, v. 19, p. 11-17, 1999.
MOREIRA, Antonio Flavio Barbosa; CANDAU, Vera Maria. Indagações sobre currículo:
currículo, conhecimento e cultura. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2007.
WIIK, Flávio Braune. “Somos Índios Crentes”: dialéticas do contato, alteridade e mediação
cultural entre os Xokleng (Jê) de Santa Catarina. Tellus, ano 10, n. 19, p. 11-51, 2010.
176
GT 2 - EDUCAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Resumo: O texto trata sobre a educação intercultural nos cursos de formação de professores/as
de Educação Física, discutindo os atravessamentos dos saberes indígenas na legislação do
currículo, o qual é parte da reflexão do autor nos escritos da sua tese do Curso de Doutorado,
do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Católica Dom Bosco. Tem
como objetivo discutir as perspectivas da educação intercultural na formação de professores/as
de Educação Física, ao promover uma reflexão sobre possíveis afetamentos sobre os cursos e
currículos, a partir de um estudo bibliográfico sobre a temática. O texto é parte da estrutura da
fundamentação teórica da tese, dialogando com as tensões presentes nas concepções da pós-
modernidade. O estudo destaca desafios da educação intercultural no processo de formação de
professores/as de Educação Física no Brasil, ao discutir a diversidade e a diferença na legislação
do currículo, a partir de suas limitações e tensões. Aponta a necessidade de discussão da
educação intercultural na formação dos futuros professores/as que atuam no espaço da escola e
os conflitos que se fazem presentes na sociedade atual, fundamentado pelos conceitos de
cultura, diferença e a formação docente, sob o viés da decolonialidade, provocando uma
reflexão sobre as possibilidades da educação intercultural na formação de professores/as no
contexto da educação superior.
1. Introdução
177
para o encontro das culturas que se entrecruzam, exaltam-se e se silenciam nas práticas
pedagógicas e vivências curriculares trabalhadas e efetivadas nas instituições de ensino, tanto
da Educação Básica quanto da Educação Superior.
Ainda que os estudos que articulem formação de professores/as e diferença se
apresentem restritos no Brasil, têm sido objeto de discussão e pesquisa de autores que lutam
por uma educação verdadeiramente democrática.
Na tese defendida em 2016 pela Professora Vera Lícia de Souza Baruki na Linha
de Pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), a qual teve como objetivo
abordar as representações culturais que os docentes de Educação Física (re)produzem sobre o
corpo diferente, a autora destacou que a presença da diferença nas aulas de Educação Física
provocam fissuras na normalidade, reflexões aos docentes, mudança no planejamento e nas
aulas, gerando movimentos pedagógicos a partir do reconhecimento de sua presença por parte
dos professores/as (Baruki, 2016).
Para Baruki (2016), a percepção da diferença é construída no processo de
formação de professores/as de educação física, a partir dos discursos que o atravessam e
produzem diferentes significados, vivenciados na formação inicial e continuada e na prática
pedagógica que norteia o itinerário pedagógico dos/as professores/as, em sua forma e conteúdo.
Tal percepção pode provocar representações identitárias sobre sua prática docente, a partir de
movimentos políticos e culturais que guardam, em determinados períodos, linguagens que
direcionaram conhecimentos e currículos.
Assim, pressupõe-se que a formação de professores se constitui em um espaço
privilegiado para a criação e efetivação de proposições que possibilitem novos caminhos para
o trato da diversidade cultural e o debate da diferença no contexto escolar, especialmente porque
se o/a professor/a não considera os saberes das diferentes culturas como questão a ser discutida,
como poderá desenvolvê-lo no contexto educacional?
178
existência de culturas diferentes, sendo compreendido também como um campo teórico, prático
e político (Candau, 2008).
Já o termo interculturalidade tem, principalmente nos últimos anos, estado
presente em um conjunto de práticas documentais, políticas, ideológicas, conceituais e
epistemológicas que alimentam discursos em torno da diferença. A interculturalidade pode
promover uma abertura que permite a construção de estratégias capazes de identificar, perceber,
conviver e trocar experiências com sujeitos de matrizes culturais distintas na construção de um
mundo melhor (Scaramuzza; Nascimento, 2018).
Moreira (2002) apresenta a diferença, a partir da compreensão de que a
sociedade contemporânea é multicultural, e a cultura é centro das questões sociais, e diante da
diversidade cultural, a diferença torna-se intrínseca a esse contexto, especialmente vinculada a
necessidade da interculturalidade na sociedade.
[...] não há como analisar essas diferenças [culturais] sem levar em conta que
determinadas ‘minorias’, identificadas por fatores relativos à classe social, gênero,
etnia, sexualidade, religião, idade, linguagem, têm sido definidas, desvalorizadas e
discriminadas por representarem ‘o outro’, ‘o diferente’, ‘o inferior’ (Moreira, 2002,
p. 18, grifos do autor).
179
Essa constituição dos currículos escolares modernos ensina a determinados grupos a
serem sujeitos de direito e, a outros grupos, a serem sujeitos de favor. [...] a diferença
que se faz presente no currículo na maioria das vezes é ainda uma forma disfarçada
de discriminação e de preconceito e sua não problematização perpetua desigualdades
raciais, visando homogeneizar e naturalizar as diferenças, sob o pretexto da não
discriminação (Ferreira; Silva, 2013, p. 28).
181
O texto acima apresenta no processo de formação dos profissionais da educação
a valorização da diversidade e aponta que o seu projeto de formação deve ser elaborado e
desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de
educação básica, inspirado nos diferentes saberes e nas questões relativas à diversidade étnico-
racial, como princípios de equidade, inclusive com ensino intercultural, visando à valorização
das culturas dos povos indígenas e à afirmação e manutenção de suas diferenças culturais.
A resolução ainda estabelece para a formação dos referidos profissionais:
182
Art. 1º O art. 26-A da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com
a seguinte redação:
184
A partir destas questões, a Resolução CNE/CP n° 01/2004 prevê no Artigo 3°
que: A Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira
e Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, competências, atitudes e valores, a serem
estabelecidos pelas Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos
sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as
indicações, recomendações e diretrizes explicitadas. Assim, faz-se necessário o cumprimento
do estabelecido na Lei n° 10.639/03, como indica a referida Resolução. Cabe destacar que a
legislação foi ampliada pela Lei n° 11.645, que inclui o estudo da História e Cultura Indígena.
Reconhecendo que as instituições de educação superior têm a incumbência da
formação em nível superior de caráter público ou privado e seu funcionamento está ligado aos
documentos legais que normatizam a política educacional brasileira, os quais compreendem: a
Lei n° 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional); o Plano Nacional de
Educação (instituído pela Lei nº 13.005/2014) e Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (produzido pela Diretoria de Currículos e Educação Integral, vinculado à Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação, em 2013) que, a rigor, fazem parte as resoluções
do Conselho Nacional de Educação e demais organizações da educação brasileira.
A Resolução CNE/CP n° 01/2004, em seu Artigo 1°, dispõe que as Diretrizes,
tema do plano acima mencionado, devem ser “observadas pelas instituições de ensino, que
atuam nos níveis e modalidades da educação brasileira e, em especial, aquelas que mantêm
programas de formação inicial e continuada de professores”. O §1° desse artigo estabelece que
“As Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades
curriculares dos cursos que ministram a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o
tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes”.
Por isso, as instituições de educação superior deveriam se pautar em: incluir
conteúdos e disciplinas curriculares relacionados à educação para as relações étnico-raciais nos
cursos de graduação do ensino superior, conforme expresso no §1° do Artigo 1°, da Resolução
CNE /CP n° 01/2004; desenvolver atividades acadêmicas, encontros e seminários de promoção
das relações étnico-raciais positivas para seus estudantes; dedicar especial atenção aos cursos
de licenciatura e formação de professores/as, garantindo formação adequada aos professores/as
sobre o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e os conteúdos propostos nas
Leis n° 10.639/03 e n° 11.645/08; desenvolver nos estudantes de seus cursos de licenciatura e
formação de professores/as habilidades e atitudes que permitam contribuir para a Educação das
185
Relações Étnico-Raciais, destacando a capacitação dos mesmos na produção e análise crítica
de livros, materiais didáticos, paradidáticos e literários, que estejam em consonância com as
Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e com a temática das Leis n° 10.639/03 e n°
11.645/08; fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas na temática das
relações étnico-raciais, contribuindo com a construção de uma escola plural e republicana;
estimular e contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de iniciação científica na temática
da educação para as relações étnico-raciais; divulgar junto às Secretarias Estaduais e Municipais
de Educação a existência de programas institucionais que possam contribuir com a
disseminação e pesquisa da temática em associação com a educação básica.
Cabe reconhecer como conquista a implementação da lei n. 11.645/08, contudo
nos cabe também apontar limites desta legislação nos cursos de formação de professores.
Embora, aparentemente reconhecida a relevância da temática indígena no currículo das escolas
brasileiras, tal inclusão não deve ser entendida como uma concessão ou abertura resultante da
democratização do país. Precisa antes ser compreendida como resultado de uma longa luta dos
movimentos sociais negros e indígenas por visibilidade e reconhecimento, questão também
relevante de ser lembrada e problematizada na formação dos/as professores/as e que muitas não
são explicitadas nas resoluções e diretrizes que tratam destas temáticas.
Outro aspecto a ser destacado, envolve a ausência de políticas ou instâncias de
acompanhamento e supervisão da aplicação da lei, bem como uma regulamentação específica
para a lei no contexto da Educação Superior, sendo ainda incentivado o fomento na produção
de materiais e formações continuadas que auxiliem professores/as a discutirem, desde a
abordagem sobre as diferenças culturais, até o modo como estereótipos e equívocos sobre os
povos indígenas são reproduzidos no âmbito escolar.
Nesse sentido, Luciano (2006) aponta saberes relevantes a serem conhecidos
sobre os povos indígenas, os quais perpassam pelos conhecimentos e valores do mundo global,
ao mesmo tempo em que lhes é garantido o direito de continuarem vivendo segundo tradições,
culturas, valores e conhecimentos que lhes são próprios. Tais saberes podem contribuir para a
formação de professores/as acerca dos saberes indígenas, e que podemos considerar de suma
importância para o avanço na efetivação da referida lei, especialmente na formação inicial e
continuada de professores/as, para que esses/as profissionais sintam-se mais preparados/as para
buscar desenvolver práticas pedagógicas outras, a partir de uma perspectiva intercultural.
186
3. Considerações finais
As atividades realizadas em uma aula de Educação Física não podem ser
fragmentadas no sentido de perder seu significado social e cultural, mas se estruturarem em
função de uma intencionalidade como forma de expressão. Ao incluir o estudo da etnia, da
classe social e de gênero na produção de conhecimento da Educação Física, ocorre a valorização
de identidades culturais em detrimento de interesses particulares de determinado grupo. Os/As
professores/as que atuam dentro de uma perspectiva pós-crítica, devem expressar sua
discordância com a visão da modernidade eurocêntrica e atuar no sentido de proporcionar aos/às
alunos/as o potencial de romper paradigmas e estereótipos que possam tornar as relações
desiguais e, sobretudo excludentes.
A valorização dos saberes dos diversos grupos culturais proporciona ao currículo
escolar uma diversidade de tradições, particularidades históricas e práticas sociais e culturais
até então subjugadas pela escola, especialmente dos povos originários.
Sobre os saberes indígenas, a legislação do currículo na formação de
professores/as apresenta fragilidades, inclusive para a sua legitimação no espaço da escola e
das instituições de educação superior, bem como a necessidade de proposições que promovam
a educação intercultural para o debate da diferença nestes espaços.
É preciso encontrar brechas para os saberes indígenas circularem, inclusive a
partir de perspectivas trazidas por indígenas, apresentando rupturas, talvez até transgressoras,
que oportunizem a construção de conhecimentos junto aos/às futuros/as professores/as que
valoriza o diálogo entre saberes, bem como aponta para a desconstrução da epistemologia
colonial, como caminho para uma educação intercultural
Assim, a discussão acerca da diferença na escola e na formação dos/as futuros/as
professores/as de Educação Física deve caminhar para a efetivação do diálogo entre os
diferentes grupos sociais e suas diferenças culturais, não permitindo a formação de novos
reducionismos e binarismos, percebendo a necessidade de ir além da apresentação da
diversidade cultural. Nesse sentido, a educação intercultural nos aponta caminhos para a
ressignificação das práticas escolares da Educação Física, propondo um debate acerca das
diferenças culturais na formação docente, sinalizando possíveis desdobramentos para a sua
atuação na escola, considerando a participação dos/as estudantes no processo, pois eles/as
também têm algo a ensinar, a partir de sua cultura.
187
Nesta perspectiva, a proposta de uma educação intercultural na formação
docente, parte da concepção da existência da diferença e da sua presença em diferentes espaços
da sociedade, do circular dos saberes, dos sentidos de mundo e da cultura da diferença e,
sobretudo, da necessidade de aprender e ensinar com e a partir da diferença.
Referências
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o corpo diferente. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Católica Dom Bosco. Campo
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da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Diário Oficial da União, Poder
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(CNE) / Ministério da Educação. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados
e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Diário Oficial da União,
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SCARAMUZZA, G. F.; NASCIMENTO, A. C. Produzir a Educação Intercultural na Escola
Indígena: desafios aos educadores de um novo tempo. In: Currículo sem Fronteiras, Porto
Alegre, v. 18, 2018.
189
O CURSO DE LICENCIATURA INTERCULTURAL INDÍGENA TEKO
ARANDU DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS: UMA
PERSPECTIVA DECOLONIAL
Resumo: Este texto versa sobre a formação de professores indígenas no estado de MatoGrosso
do Sul, sendo este fruto da nossa tese de Doutorado do Programa de Pós Graduação da
Universidade Católica Dom Bosco. Para a produção e análise dos dados, a metodologia foi
estruturada a partir da concepção das pesquisas pós-críticasem educação. Fez-se a produção de
dados por meio da revisão bibliográfica, de análises documentais. As análises pertinentes a
educação escolar indígena e as mudanças que se processam a partir da relação com uma
educação formulada por não indígenas, foram abordadas, a partir de diferentes campos do saber,
numa perspectiva decolonial, onde autores dos Estudos Culturais, em articulação com os
Estudos Pós-Coloniais e Estudos da Modernidade/Colonialidade, deram sustentaçãoteórica, a
construção do referido texto. O objetivo foi buscar o entendimento quanto àimplantação do
Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu, ofertado pela Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD). Os resultados apontam que,o Curso de Licenciatura Intercultural
Indígena Teko Arandu da UFGD atendeu às exigências de uma formação específica e
diferenciada dos professores indígenas das etnias Guarani e Kaiowá da Aldeia Amambai
obedecendoà interculturalidade frente ao PPC (2006), porém com lacunas após a reformulação
desse PPC.
1. INTRODUÇÃO
2. METODOLOGIA
192
às outras abordagens, mesmo não usando em seusnomes o prefixo pós, as autoras pontuam que
ocorreram deslocamentos importantesem relação às teorias críticas, como: Multiculturalismo,
Pensamento da Diferença, Estudos de Gênero, Estudos Étnicos e Raciais e Estudos Culturais,
conforme já mencionado. Apesar da significativa diferença entre as problemáticas estudadas
e entre as referências teóricas às quais estão filiadas, são os efeitos combinados dessascorrentes
que chamamos teorias, abordagens ou pesquisas pós-críticas.
A opção por essas referências possibilita entender: a) um olhar que combina aspectos
de dominação e resistência nas diversas práticas sociais e culturais; b) o reconhecimento do
saber como uma relação de força; c) a identificação do poder comouma rede produtiva; e d) o
acolhimento do discurso enquanto prática que obedece a regras – e, tal como um testemunho
histórico, descreve-se a si próprio e as articulações, de modo a construir e posicionar os sujeitos.
Logo, para a construção deste texto, utilizo a revisão bibliográfica, as análises das entrevistas e
documentais.
A escolha do caminho científico empregado na pesquisa foi estabelecida, previamente,
a partir da definição do tipo de dados qualitativos que seriam produzidos. A classificação da
pesquisa, levando em consideração os objetivos, tem caráter exploratório, já que os objetivos
se concentram em conhecer melhor o objeto a ser investigado, ou seja, analisar a formação de
professores indígenas numa perspectivadecolonial no estado de Mato Grosso do Sul.
Já a pesquisa bibliográfica foi escolhida visando ao embasamento teórico sobreo assunto, ao
buscar analisar da melhor maneira possível e conhecer os trabalhos publicados na área, no
Brasil. Para Vergara (2009), a pesquisa bibliográfica objetiva prover o levantamento e seleção
de toda a bibliografia publicada sobre o assunto a ser pesquisado em livros, revistas, jornais,
monografias, teses e dissertações, colocando o pesquisador em contato direto com todo o
material já escrito sobre o assunto. A fim de fundamentar os procedimentos da pesquisa,
utilizamos a pesquisabibliográfica.
196
as instâncias de suas comunidades com os da sociedade em geral e comos de outros grupos
particulares, gerando a sistematização e organização de novos saberes e práticas.
É neste sentido que Walsh (2009, p.15) observa que:
Cabe aos professores indígenas a tarefa de ajuizar criticamente sobre as práticas políticas
pedagógicas da Educação Escolar Indígena, buscando criar táticas/eou estratégias para gerar a
interação dos diversos tipos de conhecimentos que se exibem e se entrelaçam no processo
escolar: de um lado, os conhecimentos ditos universais, a que todo estudante, indígena ou não,
deve ter acesso, e, de outro, os conhecimentos étnicos, próprios ao seu grupo social de origem
que hoje admitem importância crescente nos assuntos escolares indígenas.
197
aproveitando para completar o quadro docente, recorriam-se a estudiosos que desenvolvessem
pesquisas com temas relacionadas às comunidades indígenas, além de docentes com
sensibilidade para trabalharem a especificidade indígena. É nesse contexto histórico que a
UFGD está inserida quando assume a responsabilidade de oferecer um curso de formação para
professores que iriam atuar nas comunidades indígenas Guarani e Kaiowá do estado de Mato
Grosso do Sul, possibilitando, assim, uma educação específica e diferenciada de acordo com
seus processos próprios de aprendizagens.
Dialogando diretamente com o pensamento decolonial, o Curso de Licenciatura
Intercultural Indígena Teko Arandu da UFGD, teve como proposta central, promover a
formação de professores indígenas, buscando ampliar e democratizar o acesso à educação
superior brasileira, bem como fortalecer as comunidades indígenas, majoritariamente
invisibilizadas, e profissionalizar indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, potencializando- os
a se juntarem à luta dos movimentos sociais pela reivindicação do direito à educação
escolar indígena específica e diferenciada.
Quando nos reportamos a invisibilidade, nos referimos a invisibilidade dada aos povos
inígenas pela classe dominante, que se demonstrou como mais um mecanismo de
inferiorização destes povos, desvalorizando seus saberes, suas culturas e ancestralidade, e os
obrigando a adentrar em um sistema que não os suportam e que reforçam as estruturas fundiárias
coloniais, nitidamente excludentes.
Diante desta realidade, o Curso de Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu da
UFGD se demonstrou como uma ferramenta possibilitadora da construção e troca de
conhecimentos para os povos indígenas, possibilitando e assegurando o protagonismo e a
participação dos mesmos em todo o processo educacional dos estudantes oriundos das aldeias
das etnias Guarani e Kaiowá.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
199
BRASIL. Ministério da Educação, 2015. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em cursos de
Educação Superior e de Ensino Médio. Brasília.
MIGNOLO, Walter. Delinking: the rhetoric of modernity, the logic of coloniality and the
grammar of de-coloniality. Cultural Studies, v. 21, n. 2-3, 2007. p. 449-514.
200
QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder, eurocentrismo y América Latina. In: Lander,
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latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2003. p. 201-246.
TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Escola Indígena: novos horizontes teóricos, novas
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Educação, a questão indígena e a escola, 2001. p. 44-77 .São Paulo: MARI/FAPESP/Global
Editor.
201
OS ACADÊMICOS INDÍGENAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA-
UNIR: REFLEXÕES INICIAIS SOBRE AS MATRÍCULAS NOS CURSOS DE
GRADUAÇÃO
Palavras iniciais
Com a Constituição Federal de 1988 que rompe com a política de integração e garante
o status de cidadania e de identidade étnica, concomitantemente, o direito à diferença e à
autonomia aos povos indígenas, temos presenciado, nos últimos 20 anos, um crescimento
significativo dessas populações circulando e ocupando os espaços acadêmicos nas
universidades brasileiras do norte ao sul do país.
De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira /INEP, registrou no ano de 2021, um total de 46.552 matrículas de acadêmicos
202
indígenas no ensino superior. Desse número apresentado pelo INEP (2021), é possível
identificar que a maior taxa de matrícula está nas universidades federais com 11.028
acadêmicos matriculados. Porém, o maior quantitativo de registro de presença de acadêmicos
indígenas estão nas instituições privadas de ensino superior (universidades, centros
universitários e faculdades), aproximadamente 30 mil acadêmicos (INEP/2021), matriculados
em cursos na modalidade presencial e a distância.
Com 44,5% da população indígena do país, a região Norte, cenário dessa pesquisa,
apresenta um pouco mais que 753 mil indígenas em seu território (IBGE/2023). Desse
quantitativo, 21 mil residem no estado de Rondônia (IBGE/2023). A presença significativa de
indígenas no estado de Rondônia reflete no número de matrículas nos espaços das universidades
e faculdades, cursando graduação e pós-graduação. Com base nos dados do Censo da Educação
Superior de 2019, a região Norte do país possui aproximadamente 14 mil indígenas
matriculados nos cursos de graduação (INEP/2019), em instituições públicas e privadas, nas
modalidades presencial e à distância. Desse número, 4.400 acadêmicos correspondem às
instituições localizadas nos estados de Rondônia e Amazonas (INEP/2019). Nos cursos de pós-
graduação registramos a presença de mestrandos e doutorandos indígenas dos dois estados, em
alguns programas, tanto nas respectivas instituições, quanto em outros estados.
O texto, em construção, compreende as primeiras ações realizadas junto ao plano de
trabalho intitulado “TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ACADÊMICOS INDÍGENAS NA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA: um estudo a partir das produções de
conhecimento de autoria indígena”, edital PIBIC/UNIR/CNPq. Em consonância com a reflexão
do conteúdo, o artigo vinculado ao Grupo de Pesquisa Educação intercultural e povos
tradicionais/CNPq, tem como objetivo apresentar a presença de acadêmicos indígenas na
Universidade Federal de Rondônia/UNIR, campus de Porto Velho, a partir de um mapeamento
realizado pelo número de matrículas nos cursos de graduação.
Amparado em estudos que estão marcados pelo pensamento de intelectuais que se
orientam pela cosmovisão de populações tradicionais e que transitam pelos diferentes espaços
escolares/acadêmicos, o texto representa a oportunidade de reconhecer e respeitar a diversidade
cultural do Brasil, desconstruir preconceitos e estereótipos, reconstruir a história do país a partir
de uma perspectiva mais inclusiva, além de potencializar a produção de conhecimento e a
valorização da interculturalidade.
Nesse cenário, a educação brasileira adquire um caráter intercultural (decorrente do
203
próprio texto da Constituição Federal de 1988) e torna-se o local das culturas (uma verdadeira
instituição sociocultural). Entretanto, é preciso ressaltar à qual ideia de interculturalidade este
texto se refere, porque ela pode ser entendida a partir de duas perspectivas. A primeira é no
sentido de: “[...] abrir caminhos para o reconhecimento e reposição dos sujeitos colonizados,
subalternizados, subjugados, silenciados, dominados e alijados de suas autonomias societárias
e cosmológicas a uma posição de diálogo, de interação, de coexistência e convivência dialética”
(Baniwa, 2019, p. 60). A segunda perspectiva é:
205
CAMPUS DA UNIR (2013 - 2022)
6% 0%
14%
8%
0%
12%
3%
57%
Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)
206
Matrículas (2013-2022)
30 27 27 27
25 25
25 23
19
20 18 18 18
15
14
15
10
9
10 7
5 2 2
1
0 0
0
C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8 C4 C8
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022
Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)
207
CAMPUS DE PORTO VELHO (2013-2022)
10
24
10
12
16
12
Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)
O quadro acima, mostra os 6 (seis) cursos de graduação que mais ingressou estudante
indígena na Universidade Federal de Rondônia/UNIR, no período de 2013-2022, no campus de
Porto Velho/Rondônia. Foram 84 acadêmicos indígenas que se matricularam em cursos como:
Direito (24 alunos), Medicina (16 alunos), Educação Física e Enfermagem (cada curso com 12
alunos), Administração e Psicologia (cada curso com 10 alunos).
As matrículas vai ao encontro dos escritos de Paladino (2012) quando escreve que a
busca das populações indígenas pelo ensino superior inicia diante da
Em outras palavras, o ensino superior é uma conquista, não somente para os indígenas
mais para a comunidade em si, para muitos a graduação já é um “privilégio”, não se trata só de
um diploma, mas sim de luta, reconhecimento e conquista para a comunidade. Posso, ainda,
mencionar que o ensino superior vem se tornado um nível de conhecimento para a estudante
208
indígena, a importância da inclusão, do reconhecimento para etnia, a permanência e a conclusão
nos cursos de graduação.
Os dados levantados permitem realizar uma análise dos números de matrícula de
estudantes indígenas que ingressaram no Departamento Acadêmico de Ciências da
Educação/DACED, do Núcleo de Ciências Humanas da Universidade Federal de
Rondônia/UNIR, campus Porto Velho, via cota específica. Porém, a partir do curso de
Pedagogia, verificamos que a presença desses acadêmicos indígenas na UNIR, acabam
acontecendo de diversas formas: acesso universal via vestibular, cotas específicas e projetos
diferenciados.
Esse cenário de matrícula, apresentado acima, pode ser visualizado na instituição.
Neste contexto, verificamos o seguinte cenário com relação ao número de indígenas
matriculados na UNIR, mais especificamente, no Departamento Acadêmico de Ciências da
Educação/DACED, curso de Pedagogia.
Fonte: Elaboração própria dos autores a partir dos dados da Pró-reitoria de Extensão e
Assuntos Educacionais/PROCEA/UNIR (2023)
209
Em análise aos dados apresentados no gráfico, nota-se que o crescimento de indígenas
vem aumentando no decorrer dos últimos anos. Nos dados que foram pesquisados, comparando
com a cota C4 (cota de ação afirmativa específica para indígena com renda bruta mensal
familiar per capita de até 1,5 salário-mínimo), podemos notar que a cota C8 (cota de ação
afirmativa específica para indígena independentemente da renda bruta mensal familiar per
capita) é a que mais ingressa estudante indígena na UNIR, cerca de 25% dos estudantes
indígenas.
O quantitativo chama a atenção para o alto número de inscritos no ano de 2018,
principalmente para à quantidade de aprovados no processo seletivo. Ao longo dos anos, o
processo de seleção foi sofrendo modificações. Assim sendo, é bastante expressiva a quantidade
de indígenas que já estudaram, e/ou que ainda estudam, ou vão estudar. Ressaltamos que o
número pode ser ainda maior se levarmos em consideração as demais formas de acesso ao
ensino superior as quais eles também podem concorrer, tais como Vestibular, Nota do Ensino
Médio e ENEM.
Considerações finais
210
A permanência dos indígenas na universidade, ainda é um ponto de interrogação, que
merece inúmeras reflexões. Tivemos avanços com relação ao acesso, porém a permanecer no
ensino superior, diante das dificuldades, preconceitos, discriminações linguísticas e fazendo
uso dos seus elementos culturais tradicionais e conhecimentos é algo que carece de
significativas e pontuais problematizações. Além desses contextos, às vezes não aparente,
muitos vezes velado e silenciados, muitos acadêmicos convivem com problemas estruturais
para a sua permanência no ensino superior, como: a moradia, a alimentação, o transporte
público e o recurso financeiro para gastos pessoais e escolares. Diante disso, compreendemos
que não é uma tarefa fácil para os parente em permanecer no ensino superior, por isso que
muitos desistem.
Referências
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Ações afirmativas no ensino superior e povos indígenas no
Brasil: uma trajetória de trabalho. Horizontes Antropológicos (online), v. 24, p. 377-448,
2018.
LUCIANO, Gersem José dos Santos; OLIVEIRA, João Cardoso de; HOFFMANN, Maria
Barroso. Olhares Indígenas Contemporâneos. Brasília: Centro Indígena de Pesquisas, 2010.
211
PALADINO, Mariana. Algumas notas para a discussão sobre a situação de acesso e
permanência dos povos indígenas na educação superior. Práxis Educativa (UEPG. Online), v.
7, p. 175-195, 2012.
212
GT 3 - CRIANÇA/INFÂNCIA INDÍGENA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo geral; analisar a produção de identidades das
crianças Guarani e Kaiowá das aldeias do cone-sul do MS no contexto educativo e o Teko Porã
enquanto modo de ser/estar/viver e ver o mundo, objetivos específicos; a) identificar os
elementos da cultura indígena Guarani e Kaiowá e seus modos próprios de aprendizagem; b)
observar o Teko Porã enquanto modo de ser/estar das crianças Guarani e Kaiowá na escola e
na aldeia; c) descrever o currículo escolar a partir das concepções das crianças Guarani e
Kaiowá. Adoto como procedimento metodológico a etnografia do tipo sensível (Bergamasch;
Souza, 2016) por possibilitar o estar com/com-viver com crianças Guarani e Kaiowá das aldeias
do cone-sul do MS, na escuta, no brincar, desenhar, conversar e circular entre aldeias e escolas
indígenas. A partir de pesquisas é possível afirmar que existe uma grande deficiência tanto nos
currículos, falta de materiais didáticos apropriados e diferenciados como, a necessária e urgente
formação inicial e continuada de professores para compreender e saber lidar com o modo de ser
Guarani e Kaiowá para além das escolas indígenas. (Souza, 2018), (Vieira, 2015), (Colman,
2018-2023), entre outros. Isso é pensar a educação como forma de educar para viver, sobreviver
e cuidar do mundo a partir da perspectiva e da lógica do Teko Porã, pois são indissociáveis e
compõe as filosofias de vida dos povos indígenas da América Latina.
SITUANDO A PESQUISA
Ao pensar em produzir uma pesquisa com crianças indígenas, é preciso refletir sobre
postura epistemológica e dialógica. Dessa forma, uma autorreflexão metodológica e pedagógica
1
Pós-Doutoranda em Educação-PPGE/UCDB. Docente no curso em Licenciatura em Educação do
Campo/LEDUC- da Faculdade Intercultural Indígena/FAIND-UFGD.
2
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco.
213
se fez extremamente necessária, uma vez que toda pesquisa necessita de um como fazer, onde
trilhar para se alcançar os objetivos estabelecidos (Meyer; Paraíso, 2014).
Nesse sentido, enquanto pesquisadora consciente de que, fala e olha de um espaço-
tempo-político e, que se preocupa com o bem-estar dos sujeitos da pesquisa, busco
coletivamente a melhor forma de construir conhecimento. Colman e Souza (2021, p. 2)
ressaltam que é necessário deixar para trás o estigma da pesquisa moderna e passar para a
pesquisa com povos indígenas.
Para uma pesquisa com crianças indígenas, é necessário um constante rearticular
metodológico que exige flexibilidade e muita sensibilidade por parte do pesquisador,
(Bergamaschi, Souza, 2016, p. 216). As especificidades que marcam as pesquisas com crianças
indígenas estão na imprevisibilidade e coletividade, características que transgridem a lógica da
pesquisa moderna por não permitir o delimitar espaço, tempo e ação. Um modo de ser e estar
no mundo que marcam a diferença e a identidade das crianças.
A partir dos estudos de Sobrinho (2009), Bessa Freire (2006), Both (2006), Brumatti
(2007), Calderoni (2011) e Bittar (2011) fica evidente que a escola e os docentes não estão
sabendo lidar com as diferenças étnicas das crianças indígenas. Stoer (2001, p. 203) afirma que
“o grande desafio para a educação inter/multicultural é tornar a escola num lugar privilegiado
de comunicações interculturais”.
O modelo escolar predominantemente hegemônica marca ações pedagógicas que
continuam fomentando preconceito, discriminação, exclusão e hierarquização por parte de
estudantes e corpo escolar. Essas situações vividas pelas crianças indígenas acabam provocando
um silenciamento, opressão e subalternização de sua identidade étnica e dos saberes
tradicionais, elementos que compõe seus modos de ser/estar/viver/ver e cuidar do mundo.
214
[...] as crianças indígenas costumam estudar em escolas convencionais que não
atendem as especificidades de suas respectivas comunidades. Em muitos casos, o
Estado alega que não pode atender adequadamente a demanda dessas crianças porque
esses serviços não são disponibilizados em áreas que encontram-se em processo
judicial, ou seja, em espaços que não são oficialmente considerados como territórios
indígenas. (p. 34).
Nesse sentido, considerando que o campo de pesquisa está situado nas aldeias do cone-
sul/MS, busco analisar a produção de identidades das crianças Guarani e Kaiowá no contexto
educativo no intuito de expor possibilidades de currículos outros e pedagogias outras por uma
educação intermulticultural em prol de uma sociedade radicalmente democrática, de Teko Porã-
o bom modo de se viver, Turino (2019) explica que,
Após encerrar o doutoramento, com a tese intitulada “O brincar com crianças Terena
em Campo Grande/MS: identidades e diferenças”, defendida em 2023, algumas questões
continuaram alimentando minha curiosidade, algumas delas são: como esses modos de ser/estar
da criança indígena se dá em sala de aula? Dado ao movimento crescente de migração indígena
para contexto urbano, como é essa escola da aldeia rural tão admirada pelas crianças Terena?
Essas perguntas orientam o pensar a pesquisa de pós-doutorado para perseguir a compreensão
dos modos de ser/estar/viver e cuidar do mundo das crianças Guarani e Kaiowá em contexto
escolar e das aldeias do cone-sul/MS. É fato que existe uma diferença enorme entre Terena e
Guarani e Kaiowá, mas sendo descendente de Guarani e Kaiowá e por conviver com os mesmos
vejo que as experiências escolares são semelhantes, desde a dificuldade com a língua não
indígena e desvalorização da língua materna, os professores não indígena (Karai/Purutuye), o
preconceito e racismo, exclusão e desvalorização cultural. Todas essas experiências negativas
da escola não indígena são apontadas em pesquisas como a de Colman (2023) com crianças
Terena e Souza (2018) com crianças Guarani e Kaiowá.
O intuito é desenhar as pedagogias outras e os processos outros de aprendizagem, até
porque as escolas não indígenas, mas que recebem um número cada vez maior de crianças de
diferentes etnias indígenas tem crescido muito no estado de Mato Grosso do Sul devido a
215
migração entre aldeia rural e urbana (Colman, 2023). Ao pensar o campo de pesquisa lembro o
Professor Doutor Eliel Benites que em tese relata sua infância escolar,
Na vida escolar, parecia que o mundo se ampliava, conversávamos com os colegas de
diferentes lugares, e tentava, a todo momento, “decifrar” a fala da professora karai
(não indígena), para entender os conteúdos da aula. Era um esforço muito grande e,
neste processo, nos sentíamos inferiores diante da sabedoria “inalcançável” da
professora. Frequentar a escola Ñandejára, naqueles tempos, era o início da
obrigatoriedade, mesmo com algumas resistências iniciais, pelo fato de não falar a
língua portuguesa e da vergonha de outras crianças diferentes de mim. (Benites, 2021,
p. 17-18).
A partir de pesquisas é possível afirmar que existe uma grande deficiência tanto nos
currículos, falta de materiais didáticos apropriados e diferenciados como, a necessária e urgente
formação inicial e continuada de professores para compreender e valorizar as diferenças étnicas
nas escolas. (Souza, 2018), (Vieira, 2015), (Colman, 2018), entre outros. Sobre essa questão
Bergamaschi (2005) tece que,
[...] a intensidade com que os Guarani vivem o processo que introduz a escola nas
aldeias torna essa vivência, da qual compartilho, privilegiada, pois expõe um
movimento dinâmico e criativo do “ir se fazendo”. Aparece, à flor da pele, a
turbulência e o incômodo de viver essa processualidade, marcada pela incerteza e pela
criação, pois são poucos os parâmetros já estabelecidos para a educação escolar dos
Guarani e que possam apoiá-los na constituição de uma escola diferenciada. (p. 190).
216
identidades e diferenças dos povos indígenas na perspectiva de pesquisar com e sem ser
comparativa. (Colman, 2023).
Em Souza (2018) podemos desenhar o cenário escolar das crianças da aldeia Laranjeira
Ñanderu localizada no município de Rio Brilhante/MS, para pensar a necessidade do currículo
intercultural, pois
Além da discriminação étnico-cultural a escola dita convencional por ser uma escola
não indígena é descrita por estar limitada por um currículo monocultural e monolíngue, uma
construção moderna/colonialista que exclui, silencia e universaliza as diferenças. Essas
violências epistemológicas ferem o Teko Porã Guarani e Kaiowá, é compreensível que a partir
disso eles reivindiquem direitos já adquiridos em lei, assim como aponta Souza (2018) quando
tece,
Essa realidade escolar não é só dos povos Guarani e Kaiowá, muitas etnias sofrem
cotidianamente a castração cultural e falta de respeito aos modos próprios de ser e de
aprendizagem, por exemplo, os Terena da aldeia Darcy Ribeiro em Campo Grande/MS como
constatado em minha pesquisa de doutorado (Colman, 2023), é por esses motivos que vale
tensionar o pensar outros currículos, currículo para Teko Porã/Bem viver dos povos indígenas
e das diferenças, isso tanto para escolas indígenas quanto para as não indígena, até porque “O
Bem Viver será para todos e todas. Ou não será” (Acosta, 2019, p. 248). Há muito que se
aprender e compreender sobre as identidades muitas e outras dos povos indígenas no Mato
Grosso de Sul, terceiro estado do Brasil com maior população indígena, de acordo com o
217
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (Brasil, 20223), a população
autodeclarada indígena é de 116 346 pessoas.
A perspectiva do Teko Porã Guarani e Kaiowá exige mudança de mentalidade, pois,
ela está na contra mão da lógica da modernidade/colonialidade, parafraseando Fanon (2008),
não basta apenas mudar a forma como vemos o mundo, mas mudar o mundo, ou seja, traduzir,
desconstruir, construir, transgredir, ressignificar o presente-passado, é o “além” de Bhabha
(2019) para “bem viver” de Acosta (2010). A mudança de mentalidade depende da
desconstrução do discurso, na linguagem, e não se dá de forma imediata e nem de forma branda;
ela é tensa e conflituosa, o que exige sensibilidade, subversão, flexibilidade e resistência, dado
que “em toda fronteira há arames rígidos e arames caídos. As ações exemplares, os subterfúgios
culturais, os ritos são maneiras de transpor os limites por onde é possível” (Canclini, 1997, p.
350).
A perspectiva de desenvolvimento alternativo de bons viveres é uma lógica outra para
atuar, pensar e lutar, pois “[...] pensar a interculturalidade na perspectiva da descolonialidade é
tarefa complexa e desafiadora, porém possível e necessária no contexto atual” (Munsberg;
Silva, 2018, p. 142), até porque, para que haja interculturalidade, é preciso descolonizar. É
preciso enfrentar e desconstruir a colonialidade na esfera do poder, do saber e do ser. É
descolonizar para um olhar e escuta sensível na pesquisa com crianças indígenas. “A
descolonização do poder, do saber e do ser somente é viável, segundo o referido autor, mediante
uma atitude descolonial, isto é, uma postura crítica ante a colonialidade e suas implicações”
(Munsberg; Silva, 2018, p. 144). Nesse sentido, é observável a viabilidade de bons viveres
dentro das culturas étnicas que sobrevivem de maneiras outras mesmo sob o afeto, a opressão,
a pressão do neoliberalismo e o seu sistema de desigualdade política, econômica, social, cultural
e do saber. Sob essa perspectiva, Acosta (2019, p. 65) aponta que a colonização “impôs-se o
progresso tecnológico, assumindo como elemento a serviço da Humanidade”, silenciando as
contradições como “desigualdade social, degradação ambiental, desemprego e subemprego,
além de outras injustiças que colocam em perigo a continuidade da vida no planeta” (Acosta,
3
Duas Unidades da Federação concentram 42,51% da população indígena residente no País, são elas o Amazonas,
com 490 854 pessoas indígenas, correspondendo a 28,98% da população indígena, e a Bahia, com 229 103 pessoas
indígenas, 13,53% do total de pessoas indígenas residindo no País. Mato Grosso do Sul apresenta o terceiro
maior quantitativo de população indígena, com 116 346 pessoas indígenas, seguido de Pernambuco, com 106
634, e Roraima, com 97 320 pessoas indígenas. Estas cinco Unidades da Federação concentram 61,43% da
população indígena. (Brasil, 2022, grifos da autora)
218
2019, p. 65) e o próprio planeta. É uma humanidade onde quem dança outros ritmos não se
encaixa e por isso são excluídos, bem como as crianças Guarani e Kaiowá e, as suas identidades.
Sendo assim, um estar lá “conviver com os ‘nativos’, dialogar com eles, acompanhar
seu cotidiano” (Oliveira, 2013, p. 278), concomitante com estar com, pois; “o método
etnográfico se constituiu não só com o ‘outro’, mas a partir do ‘outro’, apresentando, como uma
problemática profunda, a questão de que o objeto e investigador se confundem na ciência
antropológica” (Oliveira, 2013, p. 273), e com isso, me permitirei transitar com as crianças
Guarani e Kaiowá os marcos fronteiriços entre aldeia e escola, ouvi-los, enxergar no conviver
junto os entre-lugares e, por meio da sensibilidade, me permitir sentir, afetar e ser afetado,
consciente de que meu eu estará presente como corpo estranho que encontra corpos estranhos,
com sentidos meus que, por mais desconstruída por uma formação teórica, ainda carrega marcas
de uma formação essencializada de cultura que, me exigirá vigilância epistemológica no campo
e na escrita, isto pois, “Todos nós nos localizamos em vocabulários culturais e sem eles não
conseguimos produzir enunciações enquanto sujeitos culturais. Todos nós nos originamos e
falamos a partir de ‘algum lugar’: somos localizados” (Hall, 2018, p. 93).
E por me permitir a escuta sensível (Bergamaschi, 2005) porque não me permitir
sulear4 na escrita, “Em se tratando de pesquisas pós-críticas em educação, isso se traduz em um
estilo de escrita no qual é inevitável ocupar um lugar de fala particular” (Maknamara, 2014, p.
168), ou seja, buscar um estilo próprio de escrita, “desenhar as palavras em peles de papel”
(Kopenawa; Albert, 2015), fotografar as “escolhas teórico-políticas de quem escreve”
(Maknamara, 2014, p. 170).
A etnografia sensível a partir da perspectiva teórica pós-crítica enquanto metodologia
pode parecer nada ou pouco científico por “[...] falar em sentimentos, pensamentos, reflexões
e recordações quando nos referimos a uma metodologia de pesquisa. [...] ao trabalhar com
narrativas – entrevistando jovens e com isso retomando suas histórias de vida escolar -, de
algum modo, recobrei emoções vividas”. (Oliveira, 2014, p. 177). Nessa perspectiva
metodológica “Utilizar as palavras para nomear o que sentimos, não é mero palavrório”
(Oliveira, 2014, p. 177). Pesquisa com crianças Guarani e Kaiowá exige considerar que,
4
Conceito inspirado na obra de Boaventura Souza Santos intitulado, “O fim do império cognitivo: a afirmação das
epistemologias do Sul” (Santos, 2019).
219
de um contorno antropológico etnográfico que busca dizer dos Guarani desde
si. (Bergamaschi, 2005, p. 9)
As crianças indígenas começam a frequentar a escola ocidental a partir dos cinco anos
de idade. Aos quatro anos, algumas delas aprendem o alfabeto, os números e algumas
palavras em Português, com as suas mães. Dessa forma, as crianças são inicialmente
inseridas em um ambiente familiar bilíngue. Em meio a este contexto cultural, o
Guarani é a língua materna e o Português é o segundo idioma da comunidade. (Souza,
2018, p. 62).
A partir desse cenário será preciso bricolar metodologicamente. Esta técnica “exige
rigorosidade, vigilância, experimentação, articulação, interrogações, problematizações,
desnaturalização e desconstrução de procedimentos arraigados naquilo que pensamos saber
sobre o que pesquisamos” (Alves, 2018, p. 97). Nesse sentido, a bricolagem na pesquisa com
criança indígena demanda que “o pesquisador se coloque no ponto de vista da criança como se
estivesse vendo tudo pela primeira vez [...]. Isso vai exigir do pesquisador descentrar seu olhar
adulto para poder entender, através das falas das crianças, os mundos sociais da infância”.
(Silva; Barbosa; Kramer, 2005, p. 52). Nesse sentido, trata-se de um deslocamento que rasura5
o olhar/sentir/ouvir adultocêntrico põe em crise o fazer pesquisa. Portanto, além da escuta
sensível, vou precisar me utilizar de tantas outras ferramentas metodológicas para tentar ouvir
5
Para Hall (2000, p. 104), “a identidade é um desses conceitos que operam sob rasura, no intervalo
entre a inversão e emergência: uma ideia que não pode ser pensada de forma antiga, mas sem a qual
certas questões-chave não podem ser sequer pensadas”.
220
os ecos, sussurros e silêncios (Colman, 2023), bem como, as manifestações e movimentos dos
corpos, aprender, “a lidar também com os esquecimentos, com as ausências como estratégias
do outro para poder narrar-se”, (Oliveira, 2014, p. 188), no fazer pesquisa com crianças Guarani
e Kaiowá. Até porque, “Desde o período gestacional, o corpo da criança relaciona-se com o
mundo exterior, construindo-se em si e para o outro, integrando-se a um coletivo composto por
outros ‘eus’”. (Souza, 2018, p. 59).
Nos encontros dos coletivos entre eu/eus, eles eu/eus caminharmos juntos, no com-
viver, brincares, conversas, nos ecos, fotografar e deixar fotografar, desenhar e deixar desenhar
as formas de se ver e ver o mundo. Considerando que os sujeitos são Guarani e Kaiowá fica
inviável fazer um recorte que limite a participação de sujeitos outros, como adultos, familiares
e lideranças, pois se trata de uma cultura coletiva e de “constelações” como nos ensina Krenak
(2019); Kopenawá (2015); Makuxi (2020); Maknamara (2014); Souza (2018); Benites (2014 e
2021) quanto outros intelectuais/sábios indígenas.
CONSIDERAÇÔES FINAIS
6
Segundo Meliá e Guasch (2005, p. 31), ava significa “indio, hombre, individuo, persona [decirle ava a uno
puede ser un insulto y uma albanza]” e haicha significa “como [com verbos]; ejapose háicha: hozlo como
quieras (hacerlo)”. (Idem, ibidem, p. 31). Portanto, ava haicha, significa, como indígena e/ou modo indígena.
221
entendendo que estamos falando do modo de ser das crianças Guarani e Kaiowá como
possibilidade inspirar as escolas urbanas a “lidar” com as crianças indígenas em escolas
urbanas, pois precisam achar uma saída epistemológica e pedagógica, tendo em vista que as
escolas recebem diferentes etnias, com diferentes culturas e trajetórias históricas.
Compreendendo assim que, os povos originários se relacionam com o mundo de formas outras
e o currículo monocultural não dá conta.
REFERÊNCIAS
ACOSTA, Alberto. El Buen Vivir en el camino del post-desarrollo. Una lectura desde la
Constitución de Montecristi. Policy Paper, v. 9, n. 5, p. 1-36, 2010.
ACOSTA, Alberto/Tradução de Tadeu Breda. O bem viver: uma oportunidade para imaginar
outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2019.
BENITES, Eliel. A Busca do Teko Araguyje (jeito sagrado de ser) nas retomadas
territoriais Guarani e Kaiowá. Dourados. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade
Federal da Grande Dourados, Dourados: UFGD, 2021.
BENITES, Eliel. Oguata Pyahu (Uma Nova Caminhada) no Processo de Desconstrução e
Construção da Educação Escolar Indígena da Aldeia Te’ýikue. Dissertação (Mestrado)
Universidade Católica Dom Bosco. Campo Grande: UCDB, 2014.
BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Nhembo’e: Enquanto o encanto permanece! Processos e
práticas de escolarização nas aldeias Guarani. 2005. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
222
BITTAR, Ari Fernando. Projeto Córrego Bandeira e as crianças terena. 2011. Dissertação
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225
O IMPACTO DAS CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS E CULTURAIS SOBRE A
QUESTÃO DO ABUSO E A EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NA COMUNIDADE INDÍGENA URBANA DA ALDEIA
ALDEINHA DE ANASTÁCIO-MS.
Resumo: Este estudo tem o objetivo de analisar o contexto do abuso e exploração sexual na
comunidade urbana indígena Terena da Aldeia Aldeinha de Anastácio/MS. Diante de alguns
estudos realizados a respeito do tema abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e
das legislações que tratam das garantias dos direitos dessa população, vimos à urgência de trazer
ao âmbito acadêmico questões sobre essa realidade, bem como emergir situações para que de
alguma forma, essas venham a contribuir para melhorias para esta comunidade e para garantia
dos direitos e proteção da infância da comunidade aldeada. O estudo parte de uma abordagem
de análise crítica e qualitativa do atendimento das políticas públicas para essa população.
Assim, pretende-se levantar a realidade vivida pela comunidade da Aldeia Aldeinha que, por
vezes, é marginalizada, discriminada e desrespeitada em relação aos seus direitos, levando-os
a um agravo que tem como consequência a exclusão social.
INTRODUÇÃO
A escolha do tema não surgiu espontaneamente e nem tampouco foi por acaso, foi
motivada quando esta pesquisadora nascida e criada nessa comunidade passou a perceber o
processo histórico da questão social violência sexual infanto-juvenil. Ao vivenciar o
crescimento da exploração sexual e que a sociedade, as autoridades e o sistema ignoram a forma
como a violência sexual é referenciada e tratada na comunidade, surgiu a necessidade de
pesquisa científica, uma vez que o ciclo da violência nesse contexto, não são rompidos ao longo
dos anos.
Cabe a aqui também a justificativa pessoal e profissional para a escolha do tema
apresentado para esta proposta, ao levantar essa realidade surgiu a necessidade de trabalhar os
casos que foram registrados nos sistemas de garantias de direitos (CREAS, Poder Judiciário,
Conselho Tutelar, Policia Civil) no período em que atuamos como assistente social do Centro
de Referência Especializado em Assistência Social – CREAS e que foram registrados para
apuração.
De acordo com a Politica Nacional de Assistência Social –PNAS o CREAS é o serviço
de proteção social especial que tem por objetivo tirar indivíduos e/ou grupos da situação de
risco pessoal, sem que haja contudo, o rompimento dos vínculos familiares e comunitários
A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a
famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por
ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de
substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua,
situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem
acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Da mesma
forma, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem
qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. (Brasil, 2009, p.
36)
227
As equipes que compõem o CREAS são multidisciplinares, compostas por psicólogos,
pedagogos, assistentes sociais e advogados. Os atendimentos são de segunda a sexta-feira em
horário comercial. Alguns serviços especializados de proteção social especializado do SUAS
devem ser oferecidos necessariamente no espaço físico do CREAS.
A pesquisa irá propor uma análise sobre a realidade das crianças e adolescentes e os
fatores motivacionais que permitem no decorrer de seus processos históricos, tornar esses
infantes vítimas enraizadas de um ciclo vicioso de prostituição, abuso e exploração sexual.
Além de investigar a falha no sistema da legislação brasileira que permite que a infância nessa
comunidade seja marginalizada e ao mesmo tempo ignorada por nossas autoridades.
A violência, o abuso e a exploração sexual contra criança e ao adolescente se apresenta,
na sociedade contemporânea, como uma das piores formas de desrespeito de seres humanos em
condições peculiares de crescimento e desenvolvimento. O grau de complexidade da violência
em suas formas de manifestação atinge os mais altos índices dentro do contexto histórico social
e cultural. Em se tratando da população vulnerabilizada, as análises devem ser consideradas em
suas profundas raízes culturais e contextualizadas, de acordo, com o convívio social.
Este fenômeno, abuso e exploração sexual, pode gerar seqüelas físicas, emocionais,
morais e sociais, comprometedoras para o desenvolvimento da infância e da juventude, muitas
vezes permanentes e irreversíveis. Desse modo, os problemas relacionados ao abuso da
violência infanto-juvenil podem acometer indivíduos de todas as idades, porém a família, a
sociedade e autoridades terão que estar diretamente envolvidas nessa problemática, tanto para
combater quanto para punir os agressores e para tratar os vitimizados.
A esse respeito Iamamoto (2008) explana que os profissionais inseridos no contexto
das políticas sociais e do sistema de garantia de direitos, dentre os quais se insere o Assistente
Social, são profissionais capacitados para o fortalecimento, resgate e motivações
biopsicossoiciais.
Os assistentes sociais dispõem de um manancial de denuncias sobre violação dos
direitos humanos e sociais e, desde que não firam as prescrições éticas do sigilo
profissional, podem ser difundidas e repassadas aos órgãos de representação em meios
de comunicação, atribuindo-lhes visibilidade pública na defesa dos direitos [...]
(Iamamoto, 2008, p: 427)
228
A violência e o abuso contra crianças e adolescentes ainda são vistos como tabu pela
sociedade em geral e como tema distante do cotidiano. Um dos passos decisivos é a denúncia,
crimes principalmente os sexuais precisam ser coibidos, contudo, o fortalecimento do vínculo
familiar dar-se-á na medida em que o diálogo prevalecer no âmbito familiar, e assim, a o diálogo
pode ser mecanismo de defesa para as vítimas.
Comumente nos deparamos com crianças e adolescentes sendo vítimas de abusos,
explorações, violências domésticas, físicas e psicológicas, e, no entanto, o enfrentamento em
rede não está articulado, permanecendo a vítima em situação de desamparo.
Justificativa
229
Souza (2009) também enfatiza que o indígena, o primeiros que chegaram na Aldeia
Aldeinha, eram flutuantes nesse processo migratório e levavam consigo seus modos de ser e de
adaptação, às famílias foram formando “troncos”, essas raízes hereditárias foram bases para o
processo de ocupação territorial na margem esquerda, onde está localizada então a Aldeia
Aldeinha.
Dessa forma podemos inferir que o conceito de território flutuante esteve presente nos
processos de desterritorialização e reteriolização Terena, permitindo a reprodução de
seu modo de ser em diversas situações e até condições mais adversas como: no
momento do êxito/transposição do Rio Paraguai e entrada no território brasileiro, no
convívio com a dominação dos Kadwéu, na ocupação de seu território durante a guerra
do Paraguai e durante o processo de confinamento nas reservas definidas pelo governo
e formação de outras, como é o caso da Aldeinha (Souza, 2009, p: 21).
A questão social violência sexual está em todas as cidades do Brasil, e quanto maior a
vulnerabilidade, mais crianças e adolescentes ficam expostos às agressões. Os arranjos
familiares em que a pobreza condiciona as famílias colocam nossa infância em constante
situação de perigo, as relações intrafamiliares e interpessoais é determinada pela dinâmica da
relação de poder e o seu efeito, principalmente quando envolve a questão de gênero e, dessa
forma, pode determinar fatores de violências físicas, psicológicas e sexuais.
Na comunidade indígena Aldeia Aldeinha o número de habitantes do sexo feminino se
sobressai ao masculino, e a pesquisa pretende levantar dados sobre essas mulheres e meninas,
que consequentemente sobrevivem em condições de pobreza e miserabilidade, provocadas pelo
231
falta de acesso a educação, trabalho e renda, fomentando na prática a prostituição, seja adulto,
e ou infantil, fato que passa a ser mecanismo de sobrevivência.
Spivak (2010, p: 87) discorre que a questão de gênero está imposta a mulher subalterna,
apesar de estar dentro dessa comunidade em maior número, o homem consegue explorá-la e
tirar lucro de todas as formas da sua força de trabalho, a sociedade emudece e veda os olhos
para o problema social elencado.
Em um campo tão carregado, não é fácil fazer a pergunta sobre a consciência da
mulher subalterna. É, portanto, ainda mais necessário lembrar os radicais pragmáticos
de que essa questão não é uma digressão idealista. Embora nem todos os projetos
feministas ou antissexista possam se reduzidos a esse, ignorá-los é um gesto político.
O sistema econômico que desemprega o pai e a mãe da criança, que não pode atender
suas necessidades de alimentação e saúde, envolve o sistema de ensino que não
consegue manter a criança na escola ou atende-la em suas necessidades culturais e a
fragiliza em sua educação informativa, formativa e inclusive sexual.(2002, p: 167)
232
Partindo do pressuposto que na comunidade existam os casos de violência sexual contra
crianças e adolescentes, investigaremos qual o papel de órgão e entidades que recebem as
denuncias, quais os casos existem registrados e como estão sendo conduzidos.
Pretende-se ainda analisar as politicas de inclusão e acesso que existem no âmbito do
município e que por vezes às famílias aldeadas não acessam. Permitir conhecer e se fazer
reconhecer sobre essa questão social e buscar reflexões a cerca da proteção da infância.
Objetivos
Geral: analisar os impactos causados pelo abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes
dentro da comunidade indígena urbana Aldeia Aldeinha.
Específico:
a) Realizar pesquisa qualitativa a cerca dos casos de abuso e exploração sexual dentro da
comunidade indígena urbana Aldeia Aldeinha;
b) Entrevistar e traçar perfil das vítimas de abuso e exploração sexual da Aldeia Aldeinha;
c) Analisar a oferta de serviços públicos que recebam as denúncias de abuso e exploração
sexual;
d) Traçar o perfil dos abusadores sexuais dentro da comunidade indígena;
e) Propor trabalhos e acessos que visem coibir a exploração sexual dentro da comunidade
indígena da Aldeia Aldeinha;
f) Garantir direitos através da legislação vigente, visando acessos às políticas públicas e
bem estar social.
METODOLOGIA
É sabido que as indagações sobre a cultura de uma comunidade indígena, de etnia com
características próprias e definidas, faz com que essa população seja estigmatizadas e que
sofram de paradigmas que no decorrer do tempo foram impostas e aceitas como verdadeiras.
Sobreviver a esses padrões impostos por uma sociedade que os cercam, uma vez que a
comunidade indígena urbana está no centro da cidade, esse povo é marginalizado desde que o
primeiro morador, senhor Vicente Anastácio aqui chegou, pois essa comunidade ali já estava
233
instalada, conforme relatos dos anciões e referencias bibliográficas pesquisadas, dessa forma,
em decorrência das condições de vida, do desemprego e despreparo, uma comunidade inteira
são vítimas e vitimizam seus dependentes.
Para entender as motivações, as denúncias, como é o modo de sobrevivência das dentro
da Aldeia Aldeinha e suas prováveis vítimas, realizar-se-á a pesquisa bibliográfica para que
possamos compreender o processo de formação da comunidade da Aldeia Aldeinha e ainda o
levantamento referencial sobre o abuso e exploração sexual infanto-juvenil, bem como as
legislações vigentes.
Pretende-se realizar a pesquisa qualitativa que nos possibilitará uma abordagem não
estatística, pois trataremos de fatores comportamentais.
Segundo Mazzotti (1999 p: 147)
Assim, para o projeto a ser executado a pesquisa qualitativa possibilitará uma maior
abrangência do que pretende-se investigar. A pesquisa qualitativa não objetiva mensurar dados,
mas compreender as informações coletadas de uma forma específica para contextualizar o todo.
A pesquisa qualitativa pode ser definida como uma abordagem que busca entender
determinado fenômeno de forma aprofundada, descrevendo-o, analisando-o e interpretando-o.
muito mais do que descrições estatísticas que visam à generalização dos resultados, a pesquisa
qualitativa trabalha com outro nível de realidade que nem sempre pode ser mensurado ou
transformado em dados quantitativos.
O que particulariza os trabalhos qualitativos é que eles possibilitam descrever as
qualidades de determinados fenômenos ou objetos de estudos. Por meio da análise do material
é possível elaborar e construir dados que subsidiarão a pesquisa.
Segundo Minayo (2001: p: 23) nas ciências sociais a pesquisa qualitativa se ocupa com
um nível de realidade que não pode ser quantificado, pois a preocupação do pesquisador permite
identificar o significado que as pessoas dão as coisas e às suas vida como preocupação do
investigador. Outro fator é o ambiente natural como fonte direta dos dados.
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236
GT 4 - LÍNGUAS INDÍGENAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Introdução
237
O retrata das mulheres indígenas em contexto urbana, parte da perspectiva de Marc
Bloch (1941, pp 32 e 33), na definição de história como "[...] a ciência dos homens no tempo".
Nas palavras de Jacques Le Goff (1990, p.)
No início dos primeiros contatos entre índios e europeus no Pantanal, que ocorreram
na primeira metade do século XVI, os Guató já estavam estabelecidos na região. Eremites de
Oliveira (2002), ao trazer informações sobre grupos pescadores-caçadores-coletores
acerâmistas, localizado na margem direita do Rio Paraguai, na cidade de Ladário (MS),
tratando-se assim da estrutura monticular mais antiga da bacia platina. Além de artefatos
líticos, ósseos e conchíferos, também foram identificados sepultamentos humanos nesse sítio
arqueológico, quefoi ocupado por algumas gerações.
Os grupos indígenas pré-coloniais que habitaram o Pantanal também deixaram marcas
desua presença a partir de registros rupestres, também conhecidos como petróglifos, nessa
regiãodenominados como Estilo Alto Paraguai. Em Girelli (1994), a autora traz a análise de
registros rupestres em quatro lajeados horizontais na região de Corumbá, no sopé da morraria
do Maciçodo Urucum.
238
Somente a partir da segunda metade daquele século, quando ocorreu um certo
desânimo por parte dos conquistadores em relação à procura de metais preciosos na região, os
contatos com os indígenas tornaram-se mais intensos e os índios passaram a ser alvos
das encomiendas, ou seja, da captura de índios para mão-de-obra escrava na América
Espanhola.
Para o século seguinte, visto que no início dos oitocentos os bandeirantes atingiram a
porção setentrional da bacia do alto Paraguai, onde o Pantanal está inserido, e ali descobriram
ouro no vale dos rios Coxipó e Cuiabá, os Guató passaram a ser citados em um número maior
de documentos, desta vez não mais hispano-americanos, mas luso-brasileiros.
Juntamente com os conquistadores de São Paulo, os contatos interétnicos se tornaram
mais intensos. Com eles, vieram doenças como varíola, catapora e sarampo, entre outras. Essas
doenças foram responsáveis pela diminuição da população guató e de outros grupos que
habitavam a região. A partir desses novos contatos teve início não apenas um processo de
depopulação causado pela ação de agentes patogênicos de além-mar, mas também um gradual
processo de desterritorialização do grupo. Mas o fato é que os Guató conseguiram resistir a
diversas epidemias e também aos ataques dos bandeirantes e até mesmo de alguns grupos
inimigos.
Uma das formas de resistência consistiu na manutenção de sua própria organização
social, baseada em famílias nucleares e poligâmicas que entre si mantinham relações de
parentesco, aliança e reciprocidade. Muitas dessas famílias constituíram parentelas que se
deslocaram para locais menos acessíveis de seu imenso território, evitando assim os contatos
mais duradouros com os não-índios, sobretudo evitando os conflitos bélicos com os paulistas.
Os Guató se organizam em famílias autônomas, nas palavras de Eremites de Oliveira
(2002): “ligadas por laços de consanguinidade, descendência e afinidade”. Embora autônomas,
as famílias mantem frequente contato, especialmente no período de cheia do Pantanal (de
dezembro a maio), quando se torna possível maior mobilidade espacial via rede hidrográfica.
Relatos etnográficos, também mostram a união desse grupo em situações de guerra ou
em casosde injustiças realizadas aos Guató por grupos ou indivíduos de fora da etnia. Eremites
de Oliveira também destaca, na organização domestica desse grupo em sistemas de
patrilinearidade (descendência) e patrilocalidade (residência).
Conforme Max Schmidt (1942) e Eremites de Oliveira (1995) relam que os povos
Guató, utilizavam fazem uso canoas, remos e varas chamadas de zingas para navegaçãonas
239
águas pantaneiras. Além de instrumentos de caça e pesca, como arcos e flechas, bodoques,
zagaias, artefatos líticos e armadilhas. Instrumentos domésticos em materiais em cerâmica e em
madeira. Também trançados, como mosquiteiros, esteiras, abanadores e também a tecelagem.
Apesar da expressiva participação dos Guató nas terras panteiras, esses povos foram
considerados extintos pelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) até que no início dos anos
1970. Nos registro de Ribeiro (2005), o autor relato três acontecimentos históricos que
influênciaram no processo de desterritorialização desses povos, sendo o primeiro deles; o
Tratado de Madrid em 1750, influenciando a chegada da Coroa Portuguesa, e especificamente
fazendeiros, ocupando as terras da região do Pantanal.
Outro evento, foram as incursões bandeirantes com a captura de nativos, impulsionadas
pela descoberta de ouro na região dos rios Cuiabá e Coxipó. E o terceiro acontecimento
histórico sendo a Guerra da Tríplice Aliança (1864 – 1870), onde o Brasil, Argentina e Uruguai
uniram-se em guerra contrao Paraguai, trazendo consequências aos Guató.
Nas décadas de 1940 e 1950, a população guató, especialmente a do núcleo da Terra
Indígena Guató, passou por mais um processo de dispersão, em consequência da criação de
gado que os expulsou da Ilha de Ínsua – o território sagrado guató, para eles o local da criação
do homem – e das áreas periféricas. Como alternativa de sobrevivência, dirigiram-se para as
cidades pantaneiras de Corumbá, Ladário, Aquidauana, Poconé e Cáceres.
Também houve a contribuição do técnico indigenista Ramiro Batista Arantes, do
antropólogo Noraldino Vieira Cruvinel (1985 [1977]), que deram a continuidade de ocupação
indígena da região da Ilha Ínsua e Caracará, ao longo do rio Paraguai até o Porto Conceição
e, ainda, pelos rios Cuiabá e São Lourenço (Ilust. 88). Assim, em 1977, a FUNAI iniciou os
procedimentos administrativos que culminaram na comprovação da existência dos Guató
dispersos no Pantanal.
Outro fato que proporcionou que contribuiu em encontradas mais povos Gató, foi a
expedição na Bacio do Alto Paraguai, sancionado por meio do Plano de Conservação da Bacia
do Alto Paraguai em 1997, que informa uma parcela da população guató à ilha. O Decreto de
10 de fevereiro de 2003, assinado pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva,
demarca da regiçao das terrras indígenas Guató, possui uma área total de 10.984 hectares,
divididos em duas glebas de terra. É importante registrar que parte da chamada população
tradicional do Pantanal é composta de descendentes diretos dos Guató (EREMITES DE
OLIVEIRA).
240
Há casos em que as pessoas já perceberam que ser descendente de Guató não é algo
pejorativo e passaram a se identificar como seus descendentes. Isto significa, dentre outras
coisas, que o modo de vida da população tradicional do Pantanal também apresenta uma série
de antecedentes indígenas, sobretudo do ponto de vista da adaptabilidade humana: subsistem
basicamente da pesca (inclusive construindo canoas ao estilo Guató) e de uma agricultura
sazonal (mandioca, milho, abóboras etc.).
Nos dias de hoje, os aterros, lugares de perpetuação da memória indígena, fazem parte
dos relatos dos Guató, “atravessam e organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num
só conjunto; deles fazem frases e itinerários. São percursos de espaços” (CERTEAU, 2002, p.
199).
No dias de hoje, retrocessos têm sido registrados sobre o assunto, a exemplo da
Resolução da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) sob n. 4, de 22 de janeiro de 2021, que
define “novos critérios específicos de heteroidentificação que serão observados pela FUNAI,
visando aprimorar a proteção dos povos e indivíduos indígenas, para execução de políticas
públicas” (EREMITES DE OLIVEIRA, 2021).
Nos aterros, constroem suas habitações e abrigos provisórios e praticam uma economia
de subsistência, pela qual se torna possível a obtenção de alimentos cultiváveis em roças, e
enterram seus mortos.
Conforme Eremitas de Oliveira (2021):
242
De acordo com os dados biográficas, a mulher indígena Catarina Ramos da Silva, de 74
anos, mais conhecida como Catarina Guató, é uma mulher artesã, com habilidades canoeira,
transformou dificuldade em compartilhamento de saberes. Catarina nasceu na ilha de Ínsua,
território do município de Corumbá, a distância da aldeia até a área urbana corresponde ao
trajeto de 36 horas de barco.
É uma das moradoras mais antigas da comunidade do Barra do São Lourenço, localizada
no município de Corumbá. Filha de mãe cuiabana e pai indígena, na juventude, quando morava
em uma aldeia guató, aprendeu a produzir artesanato com uma anciã. É a responsável por
transmitir o conhecimento das técnicas para elaboração de artesanatos feito com a fibra de
aguapé (Elchornia crassipes), também conhecido por camalote (CAMARA MUNICIPAL DE
CAMPO GRANDE).
Catarina casou jovem e teve sete filhos, viveu em um cenário com muita violência e se
viu obrigada a mudar de vida após constantes agressões pelo seu marido.
Sua história é marcada por diversos momentos, violência, superação e com uma trajetória
repleta de sabedorias e em transmitir conhecimento e a identidade dos ancestrais com o artesanato
feito com fibras de aguapé, uma das habilidades da indígena, compartilhada através de eventos,
fóruns, feiras, encontros e oficinas. Catarina conseguiu dar a volta por cima e alcançou a sua
243
independência. A indígena explicou que por meio dos artesanatos com fibra de aguapé, produz
tapetes, chapéus, bolsas, enfeites, pulseiras, brincos entre outros belíssimas peças.
Por meio de sua produção artesanal, ganhou em 1º lugar na categoria “Pessoas Físicas”, com
o projeto “Sabedorias Compartilhadas/Corumbá (MS)”. Catarina leva o conhecimento não apenas
como um fonte de renda, mas, principalmente como mantér vivos os costumes de seus antepassados.
244
reconstruir sua família e influenciar outras mulheres com cursos e ensinamento acerca da
cultura e artesanato trançado.
O processo de produação atualmente acontece com a compra do aguapé, pelo fato de a
indígena não ter mais condições de saúde para remar, Porém, anteriormente, a dona Catarina,
remava até o Pantanal, e buscava a planta. Segundo ela existe uma técnica para a colheita do
aguapé, não podemos ser retira com faca para não causar a morte do broto. Após a retirada, a
planta fica cerca de quatro dias secando, para que se transforme com uma espécie de palha e
seja feito o artesanato trançado.
Em 2015, foi inaugurado localizada na Barra de São Lourenço ensinando crianças,
mulheres e muitas família. Dona Catarina, representa uma flor de aguapé, pois transcede beleza,
força e resistência.
Considerações Finais
Com base apresentar parte da história povo Guató, inspirada na trajetória da ansiã
Catarina, é possível percurso a uma narrativa acerca de sua história vida, e, em especialmente,
expressão de sua cultura Guató, que se proporcionou autonomia financeira, visibilidade a sua
etnia no contexto muncidal e o compartilhamente familiar da cultura.
A intensão de deste estudo assegura Le Goff (1996 [1990], p. 553), “trata-se de pôr à
luz as condições de produção [...] e de mostrar em que medida o documento é instrumento de
um poder”.
Com base na análise da tipologia documental consultada para a elaboração do presente
texto e da problemática aportada na preocupação em “descobrir ou indicar, dentro dos conceitos
de cultura, de que forma o ser humano se organiza”.
Partir dos levantamento bibliográfico e documental acerca dos registro históricos sobreo
o existência dos povos Guató, fazer-se-á, os registros das histórias orais e memórias do processo
de reivindicação das terras desses povos, este registro será feito pela pesquisadora.
Utilizar-se-á o levantamento etnográfico, com o objetivo dar voz aos Guató, para isso a
história oral será “um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e
documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e
interpretações” (DELGADO, 2006, p. 15).
Por meio desta metodologia, é possível registrar a memória viva, as emoções, as paixões, o
olhar, a perspectiva peculiar e os sentimentos de indivíduos das mais diversas origens socioculturais
245
(THOMPSON, 1992). Desse modo, não há ninguém melhor do que os povos étnicos, para retratar
este história, Fonseca (2017) enfatiza a importância do diálogo com os detentores dos bens
culturais.
Para Halbwachs, “de que todos os grupos sociais desenvolvem uma memória
do seu próprio passado coletivo e que essa memória é indissociável da manutenção de um
sentimento de identidade que permite identificar o grupo e distingui-lo dos demais”
(PERALTA, 2007).
Em alguns momentos de diálogos, escuta e observações com Dona Catarina, foi
possível se deslumbrar o quanto sua arte proporcionou a valorização da cultural e
identidade de sua etnia. Além de hoje promover renda, autonomia e uma nova identidade.
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248
FRONTEIRAS ENTRE A DIÁSPORA DAS MULHERES INDÍGENAS EM
CONTEXTO URBANO EM CAMPO GRANDE-MS E A QUESTÃO DA
IDENTIDADE CULTURAL
Resumo: Este texto é parte da pesquisa de doutoramento, tem como escopo investigativo pensar
nas fronteiras para além das questões territoriais, mas na fronteira identitária que interferem no
intercâmbio cultural, político e social que colabora para o processo de identificação entre o “eu”
e o “outro”. Partindo a problemática acerca da diáspora das mulheres indígenas em contexto
urbano em Campo Grande-MS. Na tentativa de se fazer compreender as particularidades no
âmbito do conceito de identidades, imagem e narrativas a partir de Barth (1998), um estudo
acerca de memória com Le Goff (1990) e Thompson (1992), a investigação na identidade
cultural com Star Hall (2006), entre outros autores.
Palavras-chave: Fronteiras. Identidade Cultural. Alteridade. Diáspora das mulheres indígenas.
Introdução
249
passado e presente, como um fio de Ariadne1, que a conduzia ao encontro de sua identidade no
tempo presente.
O retrata das mulheres indígenas em contexto urbana, parte da perspectiva de Marc
Bloch (1941, pp 32 e 33), na definição de história como "[...] a ciência dos homens no tempo".
Nas palavras de Jacques Le Goff (1990, p.)
Outrossim, a memória das mulheres indígenas, faz parte de uma memória coletiva,
pertencente ao povo e a etnia. Para Barth (1998), “uma etnia ou um grupo étnico é uma
comunidade humana definida por afinidades linguísticas e culturais. Estas comunidades
geralmente reivindicam para si uma estrutura social, política e um território e reconhecimentos
mútuos de identidade e alteridade”.
Essas transformações na identidade cultural indígena é decorrente doêxodo da aldeia
para a cidade. Conforme o antropólogo Stephen Baines:
1
A expressão a fio de Ariadne, é o termo filosófico usado para descrever a resolução de um problema em que se
podem usar diversas maneiras óbvias, segundo a mitologia grega Minotauro.
250
Apesar de, os grupos sociais apresentarem características complementares, também expressam
um fator de interdependência.
E assim, os grupos étnicos mantém padrões culturais preservados por seus grupos
(BARTH, 1998). Na seçção seguinte, veremos a partir de um levantamento bibliográfica acerca
da a relação social e culturas das mulheres indígenas em contexto urbana em Campo Grande-
MS.
Segundo Stuart Hall (2011), as “[...] transformações estão mudando nossas identidades
pessoais abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (HALL, 2011,
p. 9). Isto é, estamos em uma busca constante acerca do “eu”, do “outro” e o “mundo”, no tempo
presente, rodeados de preocupados em sermos aceitos. Quando se refere a identidade cultural
indígenas, não é diferente, porém, nos deparemos com um muro de preconceitos em aceitar as
manifestaçoes culturais.
Essa abordagem acerca da identidade, se trata de comportamentos composto por
histórias, crencas, costumes, valores e visão de mundo. A identidade cultural se constroi como
algo vivo, no qual cada ser humano desenvolve práticas cotidianos trazidas consigo, em um
convívio mútuo. Há um relação do todo para as partes, ou seja, ao mesmo tempo em que a
identidade é algo particular, também, está inserido na sociedado como um “todo”. Desse modo,
os povos originários, estão em transformações diárias, com construção e (re) construção,
especialmente os povos indígenas em contexto urbano, pois, estão inseridos em uma sociedade
com costumes alheios aos meus.
Para Oliveira (2003, p.117), essas transformações representam “[...] fenômenos [cada
vez] mais comum do mundo moderno, talvez seja o contato interétnico, entendendo-se como
tal as relações que têm lugar entre indivíduos e grupos de diferentes procedências nacionais,
raciais ou culturais”. Tais mudanças interferem na herança cultural e na memória indígenas,
sendo interrompidas dos hábitos contemporâneas, gerando uma ruptura nos ensinamentos
passados de uma geração para outra.
No município de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, de acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem 897.938 habitantes, sendo que
cerca da 18.439 representam a população indígena, com pouco mais de 2% da sociedade.
251
(IBGE, 2022). Está localizada as comunidades indígenas em área urbana, aldeia Marçal de
Souza, Aldeia Tarsila do Amaral, Aldeia Água Bonita e Aldeia Darcy Ribeiro, configurada nas
etnias Atikum, Guarani, Guató, Kadiwéu, Kaiowá, Kiniquinau, Ofaié e Terena (SETESCC).
As mulheres representam nem 1% da populaçõe indígenas, porém, é possível considerar
que é por meio delas que ainda há uma memoria cultural acerca dos costumes e crencas e valores
morais. As mulheres indígenas em contexto urbano no município de Campo Grande-MS,
representam o que Barth (1998, p.188) cita “as diferenças culturais podem permanecer apesar
do contato interétnico e da interdependência dos grupos”. Isto é, apesar desses fenomenos de
alteridade, as mulheres por meio de práticas artesanais e artísticas tentam manter a identidade
cultura presente. Além de por meio dessas práticas culturais, valorizam o Pantanal Sul-
matogrossense, como expressa as imagens abaixo.
252
A imagem a seguir é um exemplo artístico da força da mulher indígena, a pintura de
uma indígena Kadiwéu retratado pelos artistas grafiteiros mineiros Hyper e Gramaloka,
estampado em um prédio na esquina entre as ruas 14 de Julho e 15 de Novembro, no centro
de Campo Grande. Segundo os artistas, “Grávida, a indígena grafitada segura uma espada de
São Jorge e carrega uma arara-canindé em seu ombro” (JORNAL ON-LINE MIDIAMAX).
Considerações Finais
256
fato de estarem em constante busca por direitos, estão à frente da sociedade, em defesa da
cultural e à igualdade entre homens e mulheres.
Essas mulheres e seus familiares estão nos espaços urbanos buscando os mesmos
direitos “O migrante buscava encontrar na cidade boa escola para seus filhos, empregos com
boas remunerações, melhores postos de saúde e lazer”. Porém, ainda é possível nos deparemos
com um cenário desfavoráveis, os indígenas instalados em bairros de periferia e os empregos
encontrados estavam longe das expectativas, além das dificuldades linguísticas a acerca do
idioma tradicional (SANT’ANNA, 2004, p.07)
Mulheres indígenas representam poder e tradição, além de serem representado da
cultura por meio da arte, com pinturas, esculturas, cerâmicas, artesanato e dança, também estão
ocupando cada vez mais o espaço de poder político e participação social em todas as áreas da
sociedade em busco pela luta pelos direitos de seus povos originários, e tornado importantes
interlocutoras na sociedade não indígena e em seus grupos étnicos, sendo guerreiras basilares
de sua cultura.
Referências Bibliográficas
ANTAS, Paulo de Tarso Zuquim et. al. Plano de Manejo da Reserva Particular do patrimônio
Natural do SESC Pantanal. Coordenação BRANDÃO, Leopoldo Garcia. 2ª Edição. Rio de
Janeiro, 2011.
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regiões hidrográficas brasileiras. Edição especial. Brasília, 2015.
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CABRAL, Paulo Eduardo. Educação escolar indígena em Mato Grosso do Sul: algumas
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THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
SCHIMITZ et al. Arqueologia do Pantanal do Mato Grosso do Sul - Projeto Corumbá. Tellus,
ano 1, n. 1, p. 11-26, Campo Grande, MS, 2001.
258
RESISTENCIA E VISIBILIDADE- CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DE UM
INDÍGENA NAS REDES SOCIAIS
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
259
chamado Nory Kayapó, residente no município de Novo Progresso no Pará, que se utiliza das
redes sociais como ferramenta de empoderamento visibilidade e divulgação da sua cultura.
260
Entendemos ainda que a interculturalidade digital vai muito além da mera presença de
diferentes culturas na internet, ela se concentra na análise das complexas negociações de
significado, identidades e desafios éticos que surgem quando as culturas se encontram e se
comunicam por meio de dispositivos e plataformas digitais1.
Assim, longe de ser uma mera imposição de valores estranhos à sua cultura, a adoção
dessas ferramentas digitais se revela como um ato consciente de hibridização, onde a oralidade
e os rituais se misturam com os pixels e as hashtags.
A centralidade desta análise, reside na demonstração de que o engajamento de Nory
Kayapó nas redes sociais não é uma via de mão única, onde a identidade indígena é diluída em
prol de uma assimilação total da cultura do “outro”. Pelo contrário, ele se posiciona como um
agente seletivo e ativo, utilizando essas plataformas para compartilhar narrativas que
transcendem os estereótipos e, assim, tencionam visões preconcebidas. Essa abordagem se
revela uma forma contemporânea de reafirmar o orgulho de ser indígena e da sua cultura e
reforça sua presença no panorama global, pois como ele mesmo diz: “nós temos orgulho demais
da nossa cultura, com nosso idioma e isso não vamos deixar” (Nory, 2023).
A discussão em torno das concepções de cultura e hibridismo cultural emergem como
um eixo fundamental deste estudo por isso aprofundaremos estes termos adiante, pois ao adotar
as redes sociais como veículo de expressão, Nory não apenas comunica sua cultura, mas
também convida a uma troca de ideias, experiências e perspectivas outras.
Neste contexto o X Seminário dos Povos Indígenas e Sustentabilidade se estabelece
como um espaço fundamental para aprofundar essa discussão e explorar casos como o de Nory
Kayapó que contribui para a compreensão desse fenômeno complexo e dinâmico, oferecendo
percepções valiosas para a interrelação entre cultura indígena, visibilidade e resistência, como
veremos.
Nory Kayapó é um jovem indígena de 23 anos que nasceu em uma aldeia chamada
Kabeká (KBK) e hoje reside no município de Novo Progresso. Sua família, devido a maior
facilidade em acessar o município de Novo Progresso reside na aldeia Kamaú. Nory estudou as
séries iniciais na própria aldeia Kamaú, mas em 2012 mudou-se para a cidade onde continuou
1
Conceitualização baseada em: Catherine Whalsh, Reinaldo Fleuri, Vera Maria Candau
261
os estudos desde o primeiro ano. Sua maior dificuldade? Falar a língua portuguesa. Sua paixão?
Jogar futebol, e devido a viagens com seu time de futebol na categoria de base, foi apresentado
às redes sociais as quais buscou aprender pensando... “vou divulgar a cultura indígena[...]a
gente pode usar nossa rede social para a gente mostrar também a nossa cultura, nossa realidade”
(Nory, 2023).
Este Kayapó ao usar as redes sociais, está aproveitando um meio globalmente visível
para apresentar sua cultura indígena ao mundo além de ampliar a visibilidade da cultura kayapó
para além do seu contexto local, desafiando assim as percepções estereotipadas e contribuindo
para uma visão mais autêntica e rica das culturas indígenas. A utilização das redes sociais por
Nory para divulgar sua cultura está intimamente ligado ao fenômeno da globalização pois as
plataformas como Twitter, Facebook, Instagram e outras, permitem que ele tenha um alcance
global e atinja um público diversificado em todo o mundo, partilhando e recebendo, afetando e
sendo afetado em uma interdependência global.
É importante saber que a globalização, é um fenômeno multifacetado que ultrapassa
fronteiras geográficas e culturais, tem como uma de suas marcas o acesso quase onipresente às
novas tecnologias. Sobre isso nos diz Quijano, (2002) que:
Esta ideia de “globalidade” aborda a percepção de mudança nas relações entre o espaço
e o tempo devido a rápida circulação de informações pelo advento dos avanços científicos. Isso
permite que as pessoas percebam simultaneamente eventos em qualquer parte do mundo
afetando as pessoas e suas interações, causando implicações sociais e culturais.
O advento da internet e das redes sociais no Brasil e no mundo, tem oferecido
oportunidades inéditas para as comunidades indígenas se conectarem como uma audiência
global, compartilham suas histórias e desafios, e trazem suas próprias narrativas em uma escala
nunca antes possível, narrada por suas vozes. É perceptível que estes processos não são
homogêneos e frequentemente esbarram em desigualdades socioeconômicas, de infraestrutura
e consequentemente de acessibilidade.
262
Muito se tem abordado e aliado ao fenômeno da globalização a percepção de uma
cultura global que se refere à interconexão e intercâmbio de valores, produtos culturais, saberes,
ideias e informações em escala mundial. Embora a cultura global envolva a disseminação de
elementos culturais em diferentes partes do mundo, ela não é um fenômeno uniforme ou
homogêneo, mas é carregada de tensões entre o local e o global entre as culturas dominantes
(em geral eurocêntricas) e culturas locais ou periféricas.
Bhabha (2013) nos lembra em “O Local da Cultura” que ela, a cultura, é central em
nossas vidas, porém assim como a identidade, não são fixas em vez disso “fluidas” e no contexto
global, as culturas não são simplesmente absorvidas ou assimiladas umas pelas outras, mas
frequentemente se fundem, portanto, a cultura global não anula a diversidade cultural, mas pode
criar espaços para o surgimento de novas formas de identidade e de expressão cultural. Assim,
enquanto a cultura representa as expressões e significados compartilhados por grupos
específicos a cultura global se refere a multiconexões de diferentes perspectivas e práticas
culturais que se fazem presentes e interagem no meio digital.
Retomando o hibridismo cultural, ele nos aparece como um processo no qual elementos
culturais de diferentes origens se misturam e se combinam para criar novas formas culturais
como dissemos, e está intrinsecamente relacionado a este fenômeno de globalização e conexão
digital. Hall (2003) contesta a noção de culturas puras e estáticas, enfatizando que as culturas
estão em constante transformação devido às interações entre diferentes grupos culturais.
Mesmo ao verificar como a trajetória e o crescente acesso à internet e as redes sociais
tem transformado a maneira como as pessoas se relacionam e expressam suas identidades, para
o jovem indígena, este contexto digital oferece uma oportunidade única de equilibrar suas raízes
culturais com o mundo moderno.
Embora ecoe de maneira contundente a ideia de que os indígenas tenham perdido a sua
cultura, ideia esta que reside numa forma fixa de cultura, Stuart Hall (2003) nos lembra que
existe uma busca por um certo tipo de identidades nacionais e que sempre houve uma tentativa
de uma colonial homogeneização da cultura, através da imposição de estruturas de poder. Desta
foram, ao mesmo tempo em que a globalização se apresentou enquanto uma tentativa
hegemônica, acabou por reforçar as identidades locais e particulares que, em defesa de suas
particularidades sociais e culturais fizeram resistência frente a este fenômeno. Apesar de
algumas nítidas resistências à globalização é possível observar que, desse contexto de interação
263
mundial estão emergindo identidades hibridizadas. Esta preocupação com a preservação dos
traços peculiares da cultura está presente no discurso de Nory (2023) ao falar que:
isso é uma preocupação dos velhos que falam isso sempre falam isso: Você
não pode perder a nossa cultura, principalmente o nosso idioma a nossa
identidade a nossa pintura o nosso cântico isso é o mais importante (Nory
Kayapó, 2023).
Quanto a isso, destacamos como o uso das redes sociais permite que o jovem indígena
mantenha e celebre sua cultura tradicional. Investigamos como ele compartilha praticas,
histórias e valores da sua comunidade, afetando não apenas os membros indígenas, mas também
o público conectado e ele nos revelou que:
na época eu postava direto, assim sem noção, ai já fui banido do TiK ToK com
200 mil seguidores, eu já perdi minha conta com 400mil no Twitter onde fazia
“live” mostrando a cultura indígena[...]por que na nossa cultura a gente pode
andar nu assim pra ... pra dançar, pra festa[...]eu tô mostrando a cultura, mais
algumas plataformas não deixaram eu divulgar esta cultura (Nory Kayapó,
2023).
Este caso narrado por Nory, que enfrentou restrições e censuras ao tentar divulgar sua
cultura indígena, levanta questões importantes sobre a liberdade de expressão, o papel das
plataformas de mídias sociais e o equilíbrio entre promoção cultural e as políticas de conteúdo
dessas plataformas. As redes sociais geralmente têm políticas de conteúdo que visam proibir ou
restringir certos tipos de conteúdo, incluindo nudez, por razões de sensibilidade ou para criar
um ambiente seguro para todos os usuários. No entanto, essas políticas não podem ser aplicadas
de maneira indiscriminada e insensível, prejudicando a divulgação de culturas que tem práticas
diferentes em relação a exposição do corpo, sem contar que restringir a divulgação de práticas
culturais diferentes pode ser visto como uma forma de homogeneização cultural e falta de
respeito pela diversidade.
264
enquanto faz uso do seu conhecimento digital para empoderar outros indígenas nas redes sociais
como observamos nesta fala:
eu criei muito Facebook para indígenas sabe, para eles começarem a divulgar
a nossa cultura para as pessoas conhecer a gente indígena por que se a gente
não divulgar, ninguém vai conhecer, então a gente começa a se defender
também (Nory Kayapó, 2023).
a gente entra na rede social e a gente recebe muitas críticas sabe, muito
preconceito, mais a gente continua divulgando a nossa cultura o nosso dia
dia[...]tem as pessoas que não quer que a gente mostre nossa cultura [...]e quer
que a gente viva igual indígena na época de viver no mato (Nory Kayapó,
2023).
Frente a isso recorremos novamente a Bhabha (2013) tendo em vista seu conceito sobre
o “terceiro espaço” que se refere a um espaço de encontro choques e negociações entre culturas
coloniais e culturas colonizadas, onde novas formas de identidade e subjetividade podem surgir.
Ele explora como as pessoas em situação pós coloniais desenvolvem identidades híbridas e
ambivalentes, influenciadas tanto pela cultura dominante quanto pela cultura colonizada e esta
ambivalência é uma fonte de criatividade e resistência cultural, que permite que as comunidades
e por consequência Nory Kayapó, subvertam narrativas hegemônicas e sigam em frente.
Outra marca da resistência emerge na entrevista com Nory, referente a preocupação com
a memória cultural por parte das lideranças tendo em vista que perguntei o que as lideranças
achavam sobre o trabalho dele e da divulgação da cultura nas redes sociais e ele assim
respondeu que...
Eles concordam, por que hoje em dia eu tenho um HD, tenho alguns vídeos
gravados para deixar para a histórico sabe, por que a gente não pode só gravar
na cabeça, a gente tem que gravar agora na rede social para ficar lá para daqui
cinco ou dez anos os nossos netos os nossos parentes podem ver, por que na
época quando não tinha assim tecnologia a gente perdeu alguma coisa sabe.
265
Então hoje a gente anota tudo, então os velhos sempre falam assim: Vocês têm
que gravar para registrar pro resto da vida (Nory Kayapó, 2023).
2
Sigla do inglês referente a disco de armazenamento de dados, utilizado de forma interna nos primeiros
computadores, hoje pode ser usado de forma externa e portátil.
266
não só os kayapó mas tem outros indígenas que estão começando a produzir
vídeos agora e outras etnias também que a gente influenciou[...] estão
crescendo muito[...]através do nosso nicho ‘ta bombando” também, não é só
os kayapó[...]a gente motiva as outras etnias (Nory Kayapó, 2023).
Esta fala nos lembra o que disse Fanon (2002, p.69) em “Os Condenados da Terra” sobre
os processos de colonização onde “O indígena é um ser confinado”, muitas vezes culturalmente
sendo forçados a adotar a cultura do colonizador resultando em uma perda da identidade e
autonomia cultural. Entretanto através desta entrevista, percebendo a atuação das novas
gerações indígenas nas redes sociais, vislumbramos uma quebra neste confinamento cultural,
visto que eles estão aproveitando destas ferramentas digitas para propagar sua perspectiva de
vida, além disso, o fato de outras etnias indígenas também estarem seguindo este caminho,
demonstra como essa tendencia está crescendo e se espalhando, criando uma rede de conexões
e solidariedade entre os povos indígenas e visibilizando sua cultura para o mundo.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Este artigo examinou como Nory Kayapó, um jovem indígena da etnia Kayapó,
residente no sul do Para, no Brasil, utiliza as redes sociais como Instagram, Facebook, Tik Tok
e outras para divulgar sua cultura indígena e expressar sua identidade cultural e conectar-se com
o mundo exterior a sua aldeia. A pesquisa demonstrou que o uso das redes sociais por Nory não
apenas comunica sua cultura, mas também desafia estereótipos, promove a visibilidade e
fortalece a identidade cultural, não só da sua etnia, mas por sua influência, outras etnias também
tem utilizado a rede mundial contribuindo para a resistência cultural indígena.
Através deste breve estudo para o “X SEMINÁRIO POVOS INDÍGENAS E
SUSTENTABILIDADE- Protagonismo e Visibilidade” muitas questões importantes foram
levantadas como: A preservação da identidade cultural indígena , o hibridismo cultural, o uso
das redes sociais como ferramenta de empoderamento cultural, a interculturalidade digital, a
preservação da memória cultural, o respeito à ancestralidade, a ideia de cultura global e cultura
local, a quebra do confinamento cultural e também a influência positiva no uso das redes sociais
ao criarem conexões entre as etnias.
Tudo isso serviu para construirmos com base forte a afirmativa de que a utilização das
redes socias pelo indígena Nory representa uma ferramenta de resistência e visibilidade para os
povos indígenas a fim de desafiar estereótipos, fortalecer identidades e estabelecer lugares de
267
fala de forma que as comunidades indígenas possam prosperar e serem reconhecidas em toda
sua diversidade e diferença.
REFERÊNCIAS
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Gonçalves. -2. Ed.- Belo Horizonte, Editora UFMG, 2013.441p.
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SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Editora UFMG: Belo Horizonte,
2010. 135 p.
268
GT 5 - GÊNERO, IDENTIDADE, DIFERENÇA: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Resumo: O artigo tem como objetivo principal, ressaltar a importância de adotar práticas
pedagógicas antirracistas em ambientes escolares, onde é colocado em evidencia o papel
fundamental de professores negros e conscientes, exercendo a sua função como professor
educador e mediador no combate de práticas racistas. Existe a lei 10.639/2003 que alterou a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino
a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" Essa lei visa valorizar a
contribuição dos africanos e seus descendentes na formação da sociedade brasileira, bem como
combater o racismo e o preconceito. Acredita-se que a Lei quando implementada nas escolas,
deve-se muito mais ao protagonismo e o direcionamento, principalmente de professores negros
do que a uma política planejada, engessada e imposta, por determinadas secretarias de
educação. Isso deve-se também ao histórico de descaso da população brasileira com as questões
raciais, o conhecido racismo estrutural, estruturado no decorrer de anos e anos, trazendo junto
consigo alguns estereótipos como verdade absoluta, implantado em nossa sociedade e motivado
tanto pelo mito da democracia racial quanto pelo ideal de branqueamento. Mas, felizmente, os
professores negros estão mudando essa realidade.
Palavras chaves: Educação. Racismo em ambiente escolar. Professores Negros.
Introdução
269
Nesse sentido algumas indagações tornam-se importantes: como professores negros que
estão no exercício da docência, lidam com a questão do racismo em ambiente escolar? Como
estão sendo trabalhados assuntos que demonstram e valorizam a história e a cultura africana?
Como está sendo implementada no cotidiano escolar a Lei 10.639/2003? Os professores negros
estão sendo protagonistas nesse processo?
Sabemos que em março de 2003 foi sancionada a Lei 10.639/2003 que altera a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a
obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". Essa lei visa valorizar a
contribuição dos africanos e seus descendentes na formação da sociedade brasileira, bem como
combater o racismo e o preconceito.
Sou professora, mulher e Negra, são quase 12 anos trabalhando na educação básica
pública no município de Campo Grande MS, lecionando em diversas escolas e em variadas
regiões do município, principalmente em regiões periféricas, com a grande parte da população
negra e parda, pois sabemos que as regiões periféricas tem maior nível de ocupação de pessoas
negras e pardas. Estudei em diversas escolas públicas de Campo Grande, lembro de ter alguns
professores negros nessa trajetória, alguns demonstravam orgulho de serem negros e quando
entravamos em assuntos que traziam a questão racial, era notável que algo era tocado no íntimo
do professor naquele momento, era perceptível o desejo de falar, de explicar e trazer todo
sentimento e verdades incumbidas. Já outros professores preferiam não entrar no assunto e
assim não me afetavam tanto.
Nessa trajetória, é possível observar algumas melhorias nos últimos anos, desde a
aplicabilidade da lei 10.639/03 no ano de 2003, até os dias de hoje, porém ainda existe muito a
ser feito para erradicar o racismo e termos finalmente a história e a cultura negra valorizada no
Brasil. Podemos começar com a formação do professor e o conhecimento da lei e a sua
aplicabilidade e dessa forma iremos garantir que nossos alunos tenham acesso ao real
conhecimento da história dos povos africanos, impactando na sociedade brasileira. Os nossos
currículos precisam trazer a cultura e a valorização da diversidade brasileira.
Desenvolvimento
270
O racismo é estrutural em nossa sociedade e por esse motivo tratamos com tamanha
normalidade as situações de discriminação em nosso cotidiano, que não conseguimos nos
incomodar ou preocupar, um exemplo típico é quando negros e indígenas acabam ocupando
cargos inferiores em instituições públicas ou privadas, e diante dessa situação muitos não se
incomodam. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD
Contínua) de 2021, 43,0% dos brasileiros se declararam como brancos, 47,0% como pardos e
9,1% como pretos.
271
Numa perspectiva de descolonização dos currículos e na compreensão das
rupturas epistemológicas e culturais trazidas pela questão racial na educação
brasileira, concordo com o fato de que esse olhar é um alerta importante. A
compreensão das formas por meio das quais a cultura negra, as questões de
gênero, a juventude, as lutas dos movimentos sociais e dos grupos populares
são marginalizadas, tratadas de maneira desconectada com a vida social mais
ampla e até mesmo discriminadas no cotidiano da escola e nos currículos pode
ser considerado um avanço e uma ruptura epistemológica no campo
educacional. (Gomes, 2012, p. 104).
272
diversidade cultural, empoderamento e luta por uma sociedade igualitária, que sabe valorizar e
respeitar todos os tipos de cultura.
273
O pedido de socorro ainda é ouvido de longe, daqueles que sofrem com falas, olhares
e situações preconceituosas (na escola, em ambiente de trabalho, em família, em momentos de
interação social). Já se passaram tantos anos, após a abolição da escravidão no Brasil em 1888.
Com base em Bhabha (1988), podemos afirmar que inúmeras situações de injustiça, massacre
e violência foram impostos durante o período colonial, e se perpetuam até os dias atuais.
Através de muitas lutas, através do movimento negro, estamos conseguindo quebrar paradigmas
e superar inúmeros estereótipos impostos e tidos como verdades absolutas, sem nem mesmo
que conseguíssemos ter a chance e a oportunidade de colocar em dúvida, ou contestar
determinadas falas e situações racistas, que menosprezam que ferem o outro.
Não podemos negar que as mudanças estão acontecendo, claro que não é ainda na
proporção esperada, mas algo está acontecendo, estamos forjando a escuta. A voz daqueles que
lutam e que foram silenciadas por tantos anos hoje grita pela igualdade e pelo respeito e vêm
ganhando espaço mesmo que ainda não seja de acordo com o espaço que nos é de direito. As
instituições públicas de ensino são palcos desse movimento, por isso trago nesse artigo a
importância da aplicabilidade da lei, a importância da conscientização dos educadores e
principalmente dos professores negros, quando se trata dessa temática.
274
Considerações finais
Quando trazemos e inserimos no dia a dia escolar, questões raciais, estamos facilitando
a ruptura com o racismo que caracteriza nossa sociedade. É preciso ressaltar a cultura e a beleza
de nossos povos africanos, que contribuíram e contribuem de forma assídua na construção do
nosso país.
O Brasil tem uma dívida histórica, que necessita ser sanada e umas das formas de quitá-
la, é o investimento no combate de práticas racistas no ambiente escolar. Através do
conhecimento, podemos mudar nossa sociedade. Sabemos que a educação tem a capacidade de
formar sujeitos antirracistas, seres humanos providos de inteligência, e que lutam contra e
qualquer forma de desigualdade e preconceito, por esse motivo é necessário investir na
formação de professores, é necessário entender o papel fundamental do professor negro na
educação.
Os professores negros são uma grande referência para nossos alunos negros, e quando
assumimos o papel de professor negro e empoderado conseguimos ter uma posição de destaque
no processo de ensino e aprendizagem e dessa forma iremos rompendo aos poucos paradigmas
e estereótipos que desvalorizam e empobrecem a história e a cultura dos povos africanos e seus
descendentes.
Referências
ALMEIDA, Silvio Luiz. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2019.
APPLE, Michael W. A luta pela democracia na educação crítica. Revista e-Curriculum, São
Paulo, v.15, n.4, p. 894-926 out./dez. 2017.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1988.
275
GOMES, Nilma Lino. Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos Currículos.
Currículo sem Fronteiras, v. 12, p. 98-109, 2012.
276
ARTE, CORPO E GÊNERO: A PRODUÇÃO DE CERÂMICA ENTRE AS
MULHERES KADIWÉU
Resumo: O que pode a arte Kadiwéu? Tomando por base a virada epistêmica na etnologia dos
povos ameríndios, onde os corpos e a construção da pessoa passaram a ser vislumbrados como
a centralidade da vida social dos povos indígenas, o presente trabalho trata-se de uma pesquisa
em fase inicial sobre a produção de cerâmica por mulheres Kadiwéu. Remanescentes dos
antigos Mbayá-Guaikurú e residentes no Mato Grosso do Sul, os Kadiwéu foram tipificados
como uma “sociedade de predação”, pela sua característica englobante e desbravadora.
Verificamos que, por outro lado, as mulheres, que mantém alto controle sobre a natalidade,
produzem e valorizam a produção da arte e a conservação do conhecimento tradicional das
técnicas inventadas. Procuramos, com esta pesquisa, extrapolar a noção do corpo sobre a arte e
o objeto, no caso, a cerâmica, estando ela no centro da socialidade Kadiwéu. Com isso,
perguntamo-nos, o que pode este corpo e qual a sua potência? Para tanto, a metodologia centrará
esforços no trabalho de campo além de levantamento e interpretação bibliográfica.
1. Introdução
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa em fase inicial de pós-doutoramento
pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social pela UFMS, e está atrelada ao
Projeto “Cerâmicaindígena em Mato Grosso do Sul: arte, autonomia e inovação entre as
mulheres Kinikinau, Terena e Kadiwéu”, de autoria do Professor Dr. Antônio Hilário Aguilera
Urquiza. Pretendemos, mais especificamente, nesta pesquisa, contribuir com a discussão
relacionada ao trabalho de cerâmica das mulheres Kadiwéu. Nesta proposta, acreditamos ser
possível o aprofundamento do estudo de Gênero entre os povos indígenas a partir da produção
de arte das mulheres Kadiwéu, extrapolando o conceito de “corpo” para o objeto em questão:
a cerâmica.
Para tanto, compreendemos o conceito de gênero pela abordagem de Marilyn
Strathern, que afirma que o que define e o que faz uma mulher e um homem não é seu sexo
nem seus papeis sociais, mas como em cada socialidade se apreende a diferença e o que fazem
com e do seu corpo. Ainda em referência a Strathern, que acredita que nas sociedades
277
melanésias o “poder” é a capacidade do corpo em (re)produzir alguma coisa (tal como se
produz um ser humano), buscamos compreender a arte kadiwéu como extensão de seus
corpos, produzidos e reproduzidos pelas mulheres.
Para este trabalho, apresentaremos as aproximações iniciais, através da revisão de
literatura, e a metodologia que será aplicada ao longo da pesquisa. O trabalho de Campo será
realizado na aldeia Alves de Barros, na Terra Indígena Kadiwéu, no município de
Bodoquena, em Mato Grosso do Sul.
2. Apontamentos iniciais
Remanescentes da etnia Mbayá-Guaikurú, os Kadiwéu são falantes do tronco
linguístico Guaikurú, localizam-se no estado de Mato Grosso do Sul, e tem uma população
deaproximadamente 1413 pessoas, segundo os dados da Siasi/Sesai, de 2014. No passado, os
Mbayá-Guaikurú eram conhecidos pela montaria, pelo nomadismo e por serem povos
guerreiros. Na Guerra do Paraguai, os Kadiwéu lutaram ao lado dos brasileiros, e assim
conquistaram suas terras onde finalmente permaneceram. Além da arte da destreza, sua arte
estética, como a pintura corporal, facial, no couro e na cerâmica logo foi destacada por
etnólogos como Darcy Ribeiro (1980) e Guido Bogginai (1945).
No célebre artigo de SEEGER, MATTA, e CASTRO, “A construção da pessoa nas
sociedades indígenas brasileiras” (1979), os autores argumentam a necessidade de criar-se
modelos próprios de conceitualização dos povos sul-americanos. Ao se aprofundarem neste
universo epistêmico, os autores averiguaram que o corpo ameríndio toma o lugar central da
organização social destes povos e ainda, como escrevem:
Com o domínio da arte da cavalaria, seu domínio sobre demais povos foi ainda maior,
como aponta Darcy Ribeiro:
As referências ao fato de, no passado, os casais terem optado por ter apenas um
único filho ou filha, assim como as práticas guerreiras que visavam, em
especial, capturar crianças estrangeiras para serem criadas como suas, são
constantes nas descrições e análises destes e outros autores que estudaram os
Kadiwéu, e serão especificadas ao longo este trabalho (LECZNIESKI, 2005,
p.2).
Para a autora, a lógica de cativação de crianças estrangeiras se daria tanto pelo fato
da suposta endogamia nas famílias nobres Kadiwéu, e a própria busca por reprodução social
no exterior justificaria a baixa natalidade por meio “natural”. De um modo como no
outro, Lecznieski salienta a formulação de Viveiros de Castro, ao explicar que as alianças por
afinidade pertencem mais ao mundo ameríndio que as alianças por consanguinidade. Deste
modo, pode-se compreender, a princípio, que os Kadiwéu socializam e reproduzem-se
socialmente por meio da predação (adoção de cativos).
Conquanto, este projeto busca compreender formas outras de produção de corpos,
estendendo a concepção de corpos além do humano, neste caso, atribuindo valor às artes, como
a cerâmica, sobretudo ao conhecimento de técnicas aplicadas para o desenvolvimento de suas
produções estéticas:
280
de mais alto grau (asque dominam melhor a técnica). Passamos a justificar a produção de
corpos por meio da cerâmica:
Adentrando na prática da cativação de crianças no lugar da produção das mesmas, ou
seja, da adoção ou do “roubo” de pessoas no lugar da produção gestacional delas, chama-nos
aatenção dois pontos: 1) as mulheres Mbayá-Guaikurú, ao abrirem mão de gerar crianças, ou
seja, produzir pessoas, abriam mão, também, de tarefas cotidianas, que eram destinadas aos
servos, tais como os cuidados com alimentos e lidas de casa, diferenciando-se de mulheres
deoutras etnias, como as Piaroa (Overing, 1991) e as mulheres Guarani (2022), que dedicam
seutempo à cozinha, por exemplo, um costume crucial para o desenvolvimento da pessoa, e
ao desenvolvimento do corpo de sua prole (seja por prescrições ou por restrições alimentares,
sejapor atender o desejo palatar de uma criança). Aqui, esta relação, de cooptação de cativos
e a relação social hierárquica apresenta-nos, como vimos, uma sociedade voltada à predação
de pessoas. Contudo, 2) há de se perceber que, no passado, ao “terceirizar” os afazeres
domésticos e a produção de pessoas por meio da gestação e do manuseio e de
compartilhamento de substâncias vitais (como o leite materno, o sêmen e o sangue vertido)
vistas em outros povos ameríndios, as mulheres Kadiwéu dedicam-se à produção da arte, nas
pinturas e na cerâmica,que as elevam a um status superior, de artistas, como considera Darcy
Ribeiro:
281
Compreendemos o conceito de Gênero pela abordagem de Marilyn Strathern (2006),
que afirma que o que define e o que faz uma mulher e um homem não é seu sexo nem seus
papeis sociais, mas como em cada socialidade se apreende a diferença e o que fazem com e
do seu corpo, ou melhor, “o que diferencia homens e mulheres, então, não é a masculinidade
ou feminilidade de seus órgãos sexuais, mas o que eles fazem com eles” (Idem, p.200). Ainda
em referência a Strathern, que acredita que nas sociedades melanésias o “poder” é a
capacidade do corpo em (re)produzir alguma coisa (tal como se produz um ser humano),
buscamos compreender a arte kadiwéu como extensão de seus corpos, produzidos e
reproduzidos pelas mulheres. Em se tratando do “controle” da natalidade e a produção de
cerâmicas, podemos compreender que:
Estamos convencidos que, ao que consta sobre os povos da América Indígena, como
nas Terras Altas da Papua- Nova Guiné, as pessoas são por elas mesmas divíduas e
destacáveis, o que quer dizer que uma pessoa afeta substancialmente outras pessoas, e por
elas são afetadas – é a noção da pessoa compósita – isto é, composta por todas as relações
que as formaram e continuam formando-a enquanto pessoa. Levando a sério a ideia de que
as mulheres kadiwéu estão produzindo corpos de outros tipos, diferentemente que entre os
Gimi das Terras Altas da Papua Nova Guiné, as mulheres kadiwéu não estão “apenas
nutrindo” o que os homens criaram por sua reivindicação de algum meio reprodutivo, mas
estão mesmo criando uma categoria outra de corpos que são destacados de si.
Levando em consideração o momento atual em que vivemos no Brasil e no mundo,
emque a cultura indígena tem ganhado espaço na política e nas mídias, acreditamos que esta
pesquisa pode contribuir com a potencialização da visibilidade das mulheres, das artistas, das
artes e da cultura Kadiwéu em um espaço de grande notoriedade, além de somar esforços aos
projetos e às produções acadêmicas, especialmente publicações de artigos científicos,
desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFMS.
282
3. Metodologia de pesquisa
Para alcançar os resultados esperados desta pesquisa, dois métodos serão empregados: o
primeiro, de natureza bibliográfica, em que serão explorados documentos históricos sobre os
Mbayá-Guaicuru, do qual os Kadiwéu são remanescentes, como também, e principalmente, a
análise mítica dos Kadiwéu, levando em conta o método estrutural, comparativo e sistemático.
Com este, esperamos encontrar respostas sobre a centralidade da arte na socialidade Kadiwéu,
dentro da ordem Cosmológica e cotidiana da vida na aldeia. Para este momento,
disponibilizaremos nossa atenção às Mitológicas de Lévi-Strauss, tanto como exercício, como
inspiração para análise dos mitos que sustentam o pensamento epistemológico Kadiwéu.
Faz-se imprescindível, ainda, a realização concomitante do trabalho de campo,
realizando observação direta das técnicas e do manuseio da cerâmica, entrevistas abertas às
artistas Kadiwéu, o uso do caderno de campo, e a sistematização dos dados recolhidos em
campo. Para tanto, consideramos as três faculdades do modo de fazer pesquisa de campo na
Antropologia, fundamentados por Roberto Cardoso de Oliveira, em 1996: o Olhar, o Ouvir e o
Escrever.
Ambas as faculdades particularizam a atividade antropológica das demais descrições,
tanto em método como em compreensão epistêmica. Em um caso como no outro, o olhar do
antropólogo em campo é condicionado pelas teorias disponíveis ou escolhidas pelo autor sobre
o objeto de estudo, “espécie de prisma por meio do qual a realidade observada sofre um
processo de refração” (Oliveira, 1996, p.15), visto que o objeto a ser observado já foi
previamente alterado pelo esquema conceitual do qual o pesquisador fora construído.
283
É no ato de escrever, contudo, que se configura a mais alta função cognitiva do
pesquisador, seja por trazer tudo o que foi observado (visto e ouvido) no campo para o discurso
antropológico, seja por lhe dar uma forma definitiva no plano da textualização, seja por
comunicar o conhecimento à comunidade acadêmica, mesmo porque, segundo o autor, “há uma
relação dialética entre o comunicar e o conhecer, uma vez que ambos partilham de uma mesma
condição: a que é dada pela linguagem” (Oliveira, 1996, p. 24). Deste modo, todos estes
elementos (ou “faculdades”) se farão presentes no decorrer desta pesquisa, salientando que é
no ato, sobretudo, de inscrever com certa autonomia epistêmica, ainda que com certo controle
dos dados obtidos em campo, que abordaremos os 4 artigos científicos, considerando, como
lembra Oliveira, que o ato de escrever e o ato de pensar são praticamente simultâneos.
Já mencionamos, acima, que o método comparativo será usufruído nas análises míticas
que impliquem os Kadiwéu. Mesmo na Antropologia Estrutural lévi-straussiana, o corpo e todo
feixe de afecções nele inscrito tornou-se objeto de conhecimento, e a partir da abrangência das
relações sociais teorizada por Marilyn Strathern (2006), tornou-se possível conceber uma
Antropologia do Corpo entre os povos ameríndios, tal como proposto por Seeger, Da Matta e
Viveiros de Castro (1979) no célebre artigo supra mencionado. Aqui, de fato, extrapolamos o
conceito de corpo e de objeto, ao aproximarmos a produção de arte à produção de “gente”.
Consideramos, desse modo, necessário o desenvolvimento de um estudo da Antropologia da
Arte ou da Estética para a execução desta pesquisa (GELL, 1999).
Como exposto o método empregado para a realização deste trabalho, isto é, a pesquisa
de campo unida à pesquisa bibliográfica, temos, por fim, as aldeias Alves de Barros e São João,
na Terra Indígena Kadiwéu, no município de Porto Murtinho (MS), como local da pesquisa.
4. Referências
ABREU, R. Tal antropologia, qual museu. Museus, coleções e patrimo^ nios: narrativas
polifo^ nicas. Rio de Janeiro: Garamond, 138-178 (2007).
BOAS, Franz. Arte Primitiva. Trad. Fábio Ribeiro. Petrópolis: Vozes, 2014.
BOGGIANI, Guido. Os Caduveo. [1.ed.: 1894] São Paulo: Livraria Martins Editora,1945.
GALLOIS, D., MACEDO, V. Nas redes guarani. Hedra, 2022.
GELL, Alfred. The art of anthropology. Londres: The Athlone Press, 1999.
284
GRAZIATO, Va^ nia Perrotti Pires. Cerâmica Kadiwéu: processos, transformações,
traduções. Uma leitura do percurso da cera^ mica kadiwéu do século XIX ao XXI. São Paulo,
Dissertação (Poéticas Visuais) – Escola de Comunicação e de Artes, Universidade de São
Paulo, 2008.
. Kadiwéu: senhoras da arte, senhores da guerra. (v. I). Curitiba: Editora CRV,
2011.
LAGROU, Els. A fluidez da forma: arte, alteridade e age^ncia em uma sociedade amazo^ nica
(Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: TopBooks, 2007. 565p.
. Mitológicas: A origem dos modos à mesa. São Paulo: Cosac Naify, 2006. de
Oliveira, R. C. O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever. Revista de antropologia,
13-37, 1996.
Seeger, A., Da Matta, R., & Viveiros de Castro, E. B. A construção da pessoa nas sociedades
indígenas brasileiras. Rio de Janeiro: Boletim do Museu Nacional, 1979.
SIQUEIRA Jr., Jaime. Arte e técnicas Kadiwéu. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura,
1992. 125 p. 1981.
285
SIQUEIRA Jr., Jaime. Esta terra custou o sangue de nossos avós: a construção do tempo e
espaço Kadiwéu. Dissertação - Faculdade de Filosofia, Letras e Cie^ncias Humanas,
Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993.
Strathern, M. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
Viveiros de Castro, E. Araweté: os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
286
CURRÍCULO E RELAÇÕES DE GÊNERO: DIFERENTES
PERSPECTIVAS E EXPERIÊNCIAS
Introdução
288
denominados conteúdos escolares, mas também produz, legitima ou deslegitima, identidades e
diferenças.
Além de almejar uma sociedade com justiça social e econômica, os teóricos críticos
ampliam suas teorizações, sobretudo a partir da década de 1990 e incluem a necessidade de
discussão das diferenças, com destaque para as diferenças étnico-raciais e de gênero, entre
outras. Portanto, as teorizações críticas de currículo compreendem o currículo escolar, para
além de uma lista de conteúdos e/ou disciplinas, incluindo as diferentes ações, acontecimentos,
conhecimentos que organizam a vida na escola. Em uma concepção crítica tudo o que acontece
na escola faz parte do currículo.
Assim, podemos afirmar com base em Silva (1999), que as discussões críticas de
currículo e seus desdobramentos, sobretudo, a partir da década de 1990, passam a incorporar
discussões sobre raça, gênero, classe social, religiosidade, geração, entre outros. Assim,
podemos observar que a discussão sobre o currículo escolar e/ou universitário vem sendo
ampliada.
Nesta pesquisa nossa ênfase é sobre as discussões de gênero no currículo, seja na
educação básica, seja na universitária. Por isso, a partir de agora, passamos a apresentar as
análises que efetuamos, com base nos artigos selecionados, conforme o objetivo desta pesquisa,
já mencionado anteriormente.
290
Também no âmbito da educação escolar, Oliveira (2019), analisa “as representações de
violência contra mulheres em cinco livros didáticos de História, aprovados no PNLD de 2018
para o Ensino Médio” (p.1). A autora vai perceber, por meio da sua análise dos livros didáticos
de História, que
A autora ao falar das limitações do livro didático, destaca a importância que o professor
e a professora têm neste processo. Pois, segundo a autora, faz-se necessário:
Seja estudante, seja professor, nas salas de aula, nos parece, portanto, que os currículos
serão de grande valia se ‘alfinetarem’ as injustiças e incomodarem os preconceituosos.
Logo, falar de gênero, de ódio e solidariedade em meio aos conhecimentos
curriculares é parte do ‘alfinetar’ que a liberdade de ensinar prevê e valoriza embora
isso não garanta conforto nem consenso a todas as pessoas. Logo, ‘alfinetamos’
quando usamos da liberdade de expressão para lembrar que, embora ela exista, não
pode ser absoluta. A liberdade de expressão, ao contrário do que trouxe a prova, não
é máxima, não é total e sua amplitude faz limite no direito de existir de cada um de
nós (Sussekind; Carmo; Nascimento, 2020, p.6).
As autoras mostram, por meio de sua análise, que alguns temas quando debatidos em
sala de aula, ainda produzem algum tipo de mal-estar, pois conforme afirmou o estudante, se
sentiu “alfinetado”, por entender como inadequadas as discussões de gênero em sala de aula,
entre outras discussões sobre diferenças e desigualdades.
291
Também em uma análise acerca do currículo universitário, especificamente no curso de
medicina, Leite e Oliveira (2015), analisam que há discursos genéricos, que colocam os
indivíduos em uma posição de idealizar a medicalização da moralidade sexual e de uma
moralização sexual da medicina. Além de estabelecer saberes médicos, o currículo também é
composto por enunciados de teor religioso, moral e atributos de cunho sexista.
Os autores apontam que é predominante no ensino da Medicina o modelo biomédico,
no qual o ser humano é visualizado como uma máquina com partes interdependentes, a doença
como um defeito da máquina e o médico é o mecânico que intervém fisicamente para consertar.
Desse modo, ocorre o pensamento de que o corpo é um objeto para ser manipulado,
referenciado em um corpo perfeito. Notar os defeitos presentes no corpo e marcar a distinção
entre homem e mulher, referir-se apenas ao sistema reprodutor, é comum na formação médica.
Com isso, o currículo médico menciona como os corpos femininos devem ser
constituídos, e dessa forma, empenha-se para ascender a figura corporal masculina como sujeito
universal do estudo e da execução médica.
Oltramari e Gesser (2019), que apresentam um trabalho que analisa as contribuições de
um “curso de Formação de Professores em Gênero e Diversidade na Escola (GDE) para os
profissionais da educação básica” (p.1), ressaltam que no curso foi possível observar que
“moral/religiosa e a heteronormatividade estão muito presentes” (p.1) nas falas das professoras
e que as mesmas secundarizam as análises científicas disponíveis que tratam do tema em
questão.
Ou seja, segundo os autores o curso contribui para que outras práticas pedagógicas
ocorram nas escolas das participantes, pois houve a problematização de concepções
naturalizadas, desmistificando-as.
As autoras Jaeger e Jacques (2017), trazem uma análise relacionada as “relações de
gênero e a construção da docência masculina na Educação Infantil (EI), compreendendo como
se dá a escolha e a inserção desses professores homens nessa etapa da educação escolar” (p.1).
Foram entrevistados três professores homens, que atuavam nesta fase da educação.
292
Segundo as autoras a pesquisa mostrou que a docência dos homens na Educação Infantil
é marcada “por acolhimentos, suspeições, interdições, incertezas e resistências” (Jaeger;
Jacques, 2017, p.565). A docência na Educação Infantil é histórica, social e culturalmente
atribuída as mulheres, pois se considera uma profissão “[...] com atributos que constituem a
feminilidade referente, os quais agenciam o afeto, o cuidado, o carinho, a sensibilidade e o amor
maternal como requisitos naturalizados e colados à docência na Educação Infantil” (Jaeger;
Jacques, 2017, p.565). Com base nestas naturalizações, evidentemente, a figura masculina não
é bem aceita, pois “[...] a masculinidade referente aciona qualidades como força, virilidade,
agressividade e insensibilidade, as quais emergem em oposição àquilo que a EI privilegia”
(Jaeger; Jacques, 2017, p.565). Mas, apesar da escola e das famílias suspeitarem das condições
que os homens têm para a docência na Educação Infantil, muitos tencionam esta situação e vão
resistindo e negociando, permanecendo na profissão escolhida. Estas disputas dos homens em
construírem seus espaços profissionais na Educação Infantil “[...] produzem rupturas e abrem
brechas para que outras representações de masculinidade sejam acionadas e desacomodem as
percepções da comunidade escolar acerca do tema. [...] a presença desses professores na EI
afirma e reafirma que as masculinidades são plurais” (Jaeger; Jacques, 2017, p.565). Portanto,
traz uma contribuição importante, no sentido de ampliarmos e desnaturalizarmos a feminização
na educação, com destaque para a Educação Infantil.
Albuquerque (2020), traz uma discussão e análise acerca da violência doméstica e o
currículo. A autora mostra que a violência doméstica é um fenômeno social enredado em
inúmeros fatores, entre os quais se destaca o patriarcalismo que entre outros, naturaliza a
desigualdade de gênero. A autora discute a urgência em erradicar esta forma de violência. Para
tanto, demonstrou e analisou “o projeto Lei Maria da Penha vai às escolas [...]. Levar tal tema
ao âmbito escolar justifica-se por este ser um dos espaços primários de socialização,
responsável por uma formação crítica e cidadã” (Albuquerque, 2020, p.1).
A autora destaca que a implementação do projeto “Lei Maria da Penha vai às escolas”,
trouxe resultados importantes, embora nem todas as professoras participaram. Ela ressalta que
o projeto precisa abranger mais escolas e que é importante ampliar o tempo do projeto dentro
da escola para que seja possível verificar os avanços provocados pelo mesmo a médio e longo
prazo. Ela conclui que:
A realização das intervenções no formato de oficinas tem se revelado uma ferramenta
importante para o enfrentamento e a prevenção à violência contra a mulher no âmbito
escolar, pois possibilita uma abertura reflexiva frente aos padrões de gênero
293
demarcados socialmente a homens e mulheres, criando assim um ambiente favorável
ao processo de desnaturalização desses e das desigualdades daí decorrentes, dentre
elas, as justificativas culturais que fundamentam as crenças e percepções acerca da
violência contra a mulher (Albuquerque, 2020, p.9).
A pesquisa ainda mostra que para as mulheres entrevistadas, “a escola não foi um local
de acolhimento, representando, muitas vezes, um espaço onde a violência e a discriminação
estiveram presentes, por questões relacionadas a estereótipos de gênero ou diretamente à
sexualidade” (Ameida; Soares, 2021, p.11). As mulheres ainda destacam que a
homoafetividade em nenhum momento foi abordada no currículo escolar, ou seja, desta forma
o currículo vai “[...] contribuindo para a sua invisibilidade e dificultando a construção das
identidades, dando espaço para situações bastante problemáticas como a autorrepressão e a
heterossexualidade compulsória” (Ameida; Soares, 2021, p.11). As autoras destacam o
retrocesso a partir do ano de 2018 em relação ao impedimento de discussões mais efetivas
acerca da questão homoafetiva e de como um governo conservador comprometeu os avanços
em direção a eliminação do preconceito e da violência.
Ferreira e Chaves (2023), apresentam uma reflexão “sobre as mulheres e sua entrada na
Educação a Distância que pode (ou não) se apresentar como uma possibilidade de acesso ao
294
ensino superior” (Ferreira; Chaves, 2023, p.1). A análise é efetuada tendo em vista o cenário
pandêmico e a superintensificação do trabalho doméstico desenvolvido pelas mulheres.
As autoras destacam a importância da educação para o processo de emancipação das
mulheres, mas questionam se o processo educativo promovido pela EAD, possibilita a
emancipação ou se trata de mais uma forma de opressão das mulheres.
[...] numa configuração de parco conteúdo, sem a mediação devida por parte de
professores, sob dificuldades de comunicação, com tempo reduzido de formação, e
num discurso que prime pelo individualismo ou práticas do “aprender a aprender”, ela
tem pouco a contribuir no desmonte da ideologia neoliberal e muito a reproduzir na
lógica do capital que se sobrepõe às pessoas. Nesse sentido, o lema “aprender a
aprender” é uma das expressões mais vigorosas da educação brasileira nas últimas
décadas, e tenta creditar unicamente à autonomia individual dos educandos a sua
formação intelectual que vise à inserção e à sobrevivência no mercado de trabalho
(Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
As autoras ressaltam que uma educação voltada exclusivamente para o mercado não é
privilégio da EAD, a educação presencial também pode servir a este propósito. O que as autoras
defendem é que para a EAD ser, de fato, um caminho para a democratização da educação, isto
é, “[...] para adquirir o status de uma educação emancipadora, é necessária uma nova
configuração econômica e social, na qual mulheres que ficam em casa para os cuidados das
novas gerações ou nas tarefas domésticas sejam remuneradas” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
As autoras também discutem como alternativa a diminuição da carga horária de todos
os trabalhadores, para que além de ampliar seu tempo de lazer e convivência familiar, também
ampliem as vagas de trabalho, já que com menos horas de trabalho, mais trabalhadores teriam
emprego. Isto, segundo as autoras também possibilitaria a “[...] equalização das tarefas
domésticas e de cuidado com as crianças e com os idosos” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
Precisamos, conforme as autoras, uma sociedade que construa “[...] novos homens e novas
mulheres dentro da ‘velha’ estrutura, para romper com ela, [...]” (Ferreira; Chaves, 2023, p.7).
Ou seja, precisamos de uma “[...] mudança que seja coletiva e subjetiva, nos libertando em
comunhão de todo e qualquer tipo de opressão, seja ela classista, patriarcal ou racista” (Ferreira;
Chaves, 2023, p.7).
Também acerca do trabalho doméstico das mulheres, Bruschini e Ricoldi (2012, p. 250),
apresentam “[...] os resultados de uma pesquisa sobre a participação masculina no trabalho
doméstico, no cotidiano familiar e no cuidado com os filhos pequenos”. As pesquisadoras
295
apontam que o trabalho masculino no ambiente doméstico, é mencionado como uma ajuda.
Estes dados resultaram de uma pesquisa anterior a esta, efetuada pelas autoras. Elas afirmam:
[...], a menção frequente da fala das mulheres era de que “ele(s)me ajuda(m)” (no caso
do marido, mas também dos filhos do sexo masculino), o que indicava pelo menos
duas características desse trabalho doméstico: 1) é uma atribuição feminina (portanto,
os homens não o encabeçam, mas tão somente “ajudam” a realizá-lo); e 2) essa forma
“periférica” que a “ajuda” masculina assume significa que essas tarefas estão entre o
que sobra para ser feito (quando as mulheres não dão conta) ou o que os homens
gostam ou preferem fazer. Assim, a participação dos homens no trabalho
doméstico, quando há mulheres na família disponíveis para executá-lo, consubstancia-
se nesse auxílio periférico e não obrigatório (Bruschini; Ricoldi, 2012, p.263).
Considerações finais
296
Além disso, a análise nos mostra que o currículo pode ser um importante instrumento
que acarreta a reprodução e perpetuação das desigualdades de gênero, principalmente através
dos conteúdos, das abordagens e das práticas pedagógicas presentes no currículo. Muitas vezes
são reforçados estereótipos de gênero, limitando as possibilidades e oportunidades.
Em contrapartida, também fica evidente que o currículo pode ser um espaço de
resistência e de transformação ao adotar uma abordagem crítica, sendo possível desconstruir os
estereótipos de gênero e promover uma educação comprometida com as relações igualitárias de
gênero.
Outra questão importante é que a desconstrução das relações de gênero também está
intrinsecamente ligada à desconstrução de outras formas de opressão, como a homofobia e a
transfobia.
Por fim, destaca-se também a importância do debate sobre as relações de gênero em
todos os âmbitos da sociedade. Com base na análise dos artigos observamos a ênfase dos autores
de que o questionamento e a problematização das relações de gênero ocorra constantemente e
em todos os lugares, sob pena de continuarmos a reproduzir processos de opressão, de
discriminação, preconceitos, que têm contribuído para reforçar a cultura patriarcal que traz,
historicamente, prejuízos para toda a sociedade.
Referências:
LEITE, André; OLIVEIRA, Thiago de. Sobre educar médicas e médicos: marcas de gênero em
um currículo de medicina. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 23(3): 779-801,
setembro-dezembro, 2015.
MEYER, Dagmar Estermann. Gênero e educação: teoria e política. In. LOURO, Guacira Lopes;
NECKEL, Jane; GOELLNER, Silvana Vilodre. (Org.). Corpo, gênero e sexualidade: Um
debate contemporâneo na educação. Petrópolis, R.J: Vozes, 2003. p.9-27.
MOREIRA, Antonio F. e SILVA, Tomaz Tadeu. Sociologia e teoria crítica do currículo: uma
introdução. In. MOREIRA, Antônio F. e SILVA, Tomaz T. (org.). Currículo, cultura e
sociedade. São Paulo: Cortez, 2011. 13-47.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
OLIVEIRA, Susane Rodrigues de. Violência contra mulheres nos livros didáticos de História
(PNLD 2018). Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.27, n.3, e58426, 2019.
SUSSEKIND, Maria Luiza; CARMO, Lorena Azevedo do; NASCIMENTO, Stephanie Duarte
Láu do. ‘Alfinetar’: currículos, ódios e gêneros. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.
28, n 3, e71684, 2020.
298
DE MULHER INDÍGENA À SELVAGEM: AS IMAGENS E AS REPRESENTAÇÕES
DA MULHER INDÍGENA NAS OBRAS INDIANISTAS DE JOSÉ DE ALENCAR
Resumo: O presente artigo é proveniente de uma pesquisa em andamento que visa realizar
análises referentes às imagens e às representações de mulheres indígenas nas obras indianistas
de José de Alencar. Desse modo, os objetivos específicos da investigação em questão
pretendem 1. apresentar a maneira como a mulher indígena é retratada através da perspectiva
das obras indianistas de José de Alencar; e 2. identificar como as imagens e as representações
firmadas na literatura brasileira a respeito mulher indígena marcaram negativamente a sua
trajetória social, cultural e histórica na condição de mulher. Para tal finalidade, pretendemos
realizar uma pesquisa documental que perpassará por três obras de José de Alencar (O Guarani
(1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874)) e pelos estudos teóricos de Stuart Hall, Homi K.
Bhabha, Catherine Walsh, Walter Mignolo, Galatry Chakravorty Spivak, Aníbal Quijano,
Frantz Fanon, entre outros(as). Além disso, também será acrescentado ao referencial teórico
autores(as) que dialoguem diretamente com a temática em questão.
Introdução
299
conhecimento científico ainda na graduação. Mais à frente, após os meus quatro anos de
graduação, realizei pesquisas nas áreas de história das mulheres e do feminismo, produções
literárias de autoria feminina e relações de gênero na literatura e na cultura. Embora o meu
contato com a pesquisa acadêmica tenha acontecido somente durante os meus últimos anos de
graduação, a minha relação com temáticas que dizem respeito às mulheres e às relações de
gênero ocorreu antes mesmo de eu ingressar na universidade, em especial por meio das obras
literárias.
Nos campos literário e acadêmico, existem inúmeras produções de autoria feminina que
comunicam a respeito da presença da figura feminina na sociedade e, em alguns desses escritos,
protagonizam mulheres indígenas. Em variadas produções acadêmicas e literárias realizadas
por pesquisadoras e escritoras indígenas e não-indígenas, é visível o compromisso e a influência
que a sociedade possui no processo de reafirmação da identidade e da cultura dos povos
indígenas e na desconstrução de estereótipos que se relacionam com a feminilidade indígena
(Kauss; Peruzzo, 2012). A historicidade apresentada pelas narrativas em questão destaca a
bravura, a resiliência e a liderança de mulheres que tentam superar os haveres do colonialismo
e seguem compartilhando histórias e vivências que se tornaram cruciais para a fixação dos
discursos acadêmicos e literários como contranarrativas aos escritos idealizados,
racionalizados, sexualizados e coloniais.
Sob o prisma da Linha de Pesquisa 3 - Diversidade Cultural e Educação Indígena, do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco
(PPGE/UCDB), o propósito dessa pesquisa é produzir análises referentes às imagens e às
representações das mulheres indígenas em obras escritas por homens não-indígenas na literatura
brasileira. De acordo com Alves (2019), quando as mulheres indígenas não eram posicionadas
às margens das histórias literárias e determinadas como personagens secundárias, eram
descritas de modo estereotipado por escritores não-indígenas. A respeito desse assunto, me
ocorreram questionamentos a respeito dos obstáculos e dos desafios identificados pelas
mulheres indígenas em razão da objetificação e da idealização de sua feminilidade. Afinal de
contas, qual lugar a mulher indígena ocupa nas narrativas literárias? De que forma a mulher
indígena é apresentada através da perspectiva de autores não-indígenas em obras clássicas da
literatura brasileira? Quais são as imagens e as representações da mulher indígena firmadas na
literatura que marcam negativamente a sua trajetória social, cultural e histórica na condição de
mulher?
300
Para buscar respostas para as perguntas em questão, pretendemos realizar uma pesquisa
documental que perpassará pelas três obras indianistas de José de Alencar (O Guarani (1857),
Iracema (1865) e Ubirajara (1874)) e pelos estudos teóricos de Homi K. Bhabha, Stuart Hall,
Catherine Walsh, Walter Mignolo, Galatry Chakravorty Spivak, Aníbal Quijano, Frantz Fanon,
entre outros(as), com o intuito de dialogar a pesquisa com os Estudos Culturais e os Estudos
Decoloniais, uma vez que são dois campos de estudo que não se constituem somente de uma
coisa. Tanto os Estudos Culturais (Hall, 1990) quanto os Estudos Decoloniais são diversificados
e controversos, podendo se modificar ou se ressignificar de acordo com os novos contextos.
Além disso, também será acrescentado ao referencial teórico autores(as) que dialoguem
diretamente com a temática em questão (Lynn Mário de Souza, Klaus Eggensperger, entre
outros(as)), pois as suas produções tratam, especialmente, a respeito da literatura sob uma
perspectiva pós-colonial e para um olhar sobre os Estudos Culturais.
Desenvolvimento
301
Devido à predominância do poder europeu no momento de colonização do território
brasileiro, os povos indígenas eram forçados a seguirem a cultura do colonizador, a se afastarem
de sua identidade e a viverem de acordo com as regras e as imposições que eram constantemente
aplicadas pelos invasores. Sob essa perspectiva, a “colonialidade do poder” (Quijano, 2005),
que pretende pormenorizar as relações de poder, de controle e de hegemonia que surgiram ao
longo do período do colonialismo, “estabeleceu e fixou uma hierarquia racializada: brancos
(europeus), mestiços e, ocultando as suas diferenças históricas, culturais e linguísticas, “índios”
e “negros” como identidades comuns e negativas” (Candau, 2009, p. 14).
Para os colonizadores, a cosmovisão dos povos indígenas, a sua maneira de ser, de viver
e de sobreviver, era algo que deveria ser suprimido e extinto. Para mais, os povos indígenas
também deveriam prestar serviços escravos e se converterem plenamente ao catolicismo, tudo
sob a condição de serem mantidos vivos, embora a doença dos invasores tenha dizimado a
maioria da população nativa brasileira. Da mesma maneira que ocorreu em outros países que
foram submetidos ao processo de colonização europeia, desde o primeiro contato com os
colonizadores, grande parte da população indígena brasileira morreu devido às doenças
estrangeiras — as quais, muitas das vezes, eram propagadas propositalmente (Alves, 2019).
Durante esse período, o eurocentrismo foi instaurado no Brasil e os europeus foram
situados enquanto uma raça superior. Por esse motivo, os povos indígenas, ainda nos dias atuais,
são assimilados a estereótipos que desonram a sua cultura e a sua identidade, sendo chamados
de preguiçosos, selvagens, primitivos, sem cultura, sem alma, sem fé e carentes de quaisquer
tipos de civilidade, de modo a posicionar a população nativa brasileira enquanto seres
inferiores, uma vez que as únicas civilizações capazes de possuir dadas qualidades intelectuais,
culturais e identitárias eram os “brancos eleitos de Deus”. Conforme Raminelli (2009, p. 11)
descreve no texto Eva Tupinambá:
302
porque os olhares, as ações, os discursos e os silêncios direcionados aos povos do novo
continente reforçam a discriminação que, por sua parte, desfigura a percepção de cultura e
posiciona como “errados” aqueles que não se encaixam nos padrões propostos pela visão
dominante.
Foram muitos os séculos marcados pela violência contra os povos indígenas, em
especial contra a população indígena feminina, que sofria duplamente pelo fato de serem
mulheres e de serem indígenas:
O caráter servil aparente nas ações de Iracema em relação ao seu marido, Martin, o
“branco eleito de Deus” da narrativa, posiciona ele enquanto guerreiro e ela enquanto sua
escrava, ou seja, uma“expressão negativa” que existia somente dentro da relação com uma
figura masculina Skliar (2003). Em outro fragmento do livro, Iracema complementa dizendo
que Martin, além de um guerreiro, também é o seu senhor: “Iracema tudo sofre por seu guerreiro
e senhor. A ata é doce e saborosa; mas quando a machucam, azeda. Tua esposa quer que seu
amor encha teu coração das doçuras do mel” (Alencar, 2018, p. 37). Nesse fragmento, Martin
é o senhor dela, de maneira a situar Iracema na posição de objeto, pois ele é capaz de deter
posse sobre ela e de possuir Iracema não somente como sua esposa, mas também como alguém
que pertence única e exclusivamente a ele, demonstrando a situação de submissão da mulher
indígena em relação ao estrangeiro.
No decorrer da narrativa, Iracema é influenciada a abandonar o seu povo, mas as suas
ilusões de convivência pacífica são destruídas quando ela é abandonada por Martin, ficando
apenas com o filho deles, Moacir1. Mesmo após o abandono e antes de morrer, Iracema ainda
se dirige à Martin como seu guerreiro e senhor: "quer erguer-se para ir ao encontro de seu
guerreiro senhor” (Alencar, 2018, p. 57).
Existem variadas obras da literatura brasileira que retratam as mulheres indígenas sob a
perspectiva do colonizador e discorrem a respeito de sua imagem e sua representação de modo
estereotipado, tornando a sua feminilidade uma característica objetificada, idealizada e
sexualizada:
A serenidade volta ao seio do guerreiro branco, mas todas as vezes que seu
olhar pousa sobre a virgem tabajara, ele sente correr-lhe pelas veias uma onda
ardente de chama.
[...] — Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme
na cabana de Araquém, onde nunca viera para teu bem e seu. Faze que seu
sono seja alegre e feliz.
— Manda; Iracema te obedece. Que pode ela para tua alegria? (Alencar, 2018,
p. 38)
1
Moacir significa “filho da dor” e, no livro em questão, simboliza o representante da nova etnia que estava se
formando no Brasil: os brasileiros.
304
No fragmento acima, Iracema pretende atender aos desejos de Martin porque está
apaixonada por ele, evidenciando ainda mais a perspectiva romantizada presente no livro. Para
mais, é possível visualizar o ocultamento de uma realidade que é dificilmente explicitada em
obras clássicas da literatura brasileira, em especial se tratando de mulheres indígenas.
Sendo assim, esta pesquisa, ao providenciar uma análise sobre as imagens e as
representações das mulheres indígenas em obras de autores não-indígenas na literatura
brasileira, pretende se desvencilhar dos estereótipos perpetuados por produções do cânone
literário brasileiro e evidenciar a realidade da mulher indígena durante os períodos
determinados pelas obras, de maneira a explicitar a sua representação, a sua identidade, a sua
cultura e o significado do que é ser mulher e indígena, subtraindo discriminações,
prejulgamentos, padronizações, hostilidades e preconceitos em relação ao seu povo, à sua
cosmovisão e à elas mesmas.
Considerações finais
Referências bibliográficas
ALENCAR, José de. Iracema. 2. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2018.
BHABHA, Homi Kharshedji. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998. (Humanitas).
CANDAU, Vera Maria. O/a educador/a como agente cultural. Araraquara: Junqueira; Marin,
2006.
RAMINELLI, Ronald. Eva Tupinambá. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). História das
Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2009. p. 11-44.
306
SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvável) da diferença: e se o outro não estivesse aí? Rio de
Janeiro, DP&A, 2003.
VIEIRA, Ivânia Maria Carneiro. Lugar de Mulher: participação nos Movimentos Feministas
e Indígenas do Estado do Amazonas.Manaus, 2017, 223 p. Tese (Doutorado). Universidade
Federal do Amazonas.
307
ESTADO DO CONHECIMENTO: O QUE DIZEM AS PESQUISAS SOBRE AS
CONSTITUIÇÕES DAS RELAÇÕES DE GENERO
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar estudos realizados sobre as relações de gênero,
sexualidade e representações no período de 2010 a 2020. Dissertações e teses sobre a temática
foram selecionadas e, posteriormente, analisadas. Assim, realizamos um mapeamento de fontes
das dissertações e teses produzidas sobre a temática, usando as palavras-chave: “Sexualidade,
Representações, Relações de Gênero e Professores/as”. Após essa busca, foram refinados os
resultados, a partir das opções: Bibliotecas Digitais de Dissertações e Teses (BDTD), tipo de
acesso: “Open Acess”; idioma: Português, ano da publicação: 2010 a 2020. Como resultados
foram encontrados 145 trabalhos. Entretanto, só foram selecionadas 4 dissertações e 3 teses que
possuíam como foco de investigação, e contemplassem no título e/ou no resumo, os seguintes
descritores: Sexualidade, Representações, Relações de Gênero e Professores/as. Com base nas
leituras das teses e dissertações mapeadas foi possível compreender que os sujeitos desde o
nascimento agem segundo os valores e costumes predominantes, pois são necessários que se
estabeleça um domínio sobre os indivíduos. Normalmente este domínio é estabelecido pelas
relações de poder e por instituições sociais e/ou grupos que detém poder em uma determinada
cultura designados pela sociedade. Qualquer desvio de conduta representa risco de sofrer
críticas e discriminação de gênero.
Introdução
308
Desta maneira, este tópico da pesquisa consistiu na caracterização e análise de
dissertações e teses sobre sexualidade, representações, relações de gênero e professores/as no
Brasil encontrados no portal da Capes. Esses relatórios foram selecionados a partir da
ferramenta de busca: “Portal brasileiro de publicações científicas em acesso aberto”, acessada
por meio do endereço eletrônico <http://oasisbr.ibict.br/vufind/>.
Assim, realizamos um mapeamento de fontes das dissertações e teses produzidas sobre
a temática, usando as palavras-chave: “Sexualidade, Representações, Relações de Gênero e
Professores/as”. Após essa busca, foram refinados os resultados, a partir das opções: Bibliotecas
Digitais de Dissertações e Teses (BDTD), tipo de acesso: “Open Acess”; idioma: Português,
ano da publicação: 2010 a 2020. Como resultados foram encontrados 145 trabalhos. Entretanto,
só foram selecionadas 4 dissertações e 3 teses que possuíam como foco de investigação, e
contemplassem no título e/ou no resumo, os seguintes descritores: Sexualidade,
Representações, Relações de Gênero e Professores/as.
Após o levantamento das produções acadêmicas, foram selecionadas, para leitura na
íntegra e posterior análise, conforme Tabela 1. Para chegar a esse número, estabelecemos alguns
critérios de exclusão, a saber:
a) não constar nos títulos, resumos ou palavras-chave alguns dos termos “sexualidade,
representações, anos iniciais do fundamental, relações de gênero e professores/as”;
b) terem sido realizadas ou publicadas fora do Brasil;
c) Pesquisas fora do período estabelecido;
d) Relatórios que contemplassem apenas a temática “professores/as” ou apenas a temática “anos
iniciais do ensino fundamental”.
Dos resultados das produções acadêmicas disponíveis no banco de teses e dissertações
do Instituto Brasileiro de Informação de Ciências e Tecnologia (IBICT), julgamos relevante
utilizarmos como critério de análise para o estado do conhecimento que pretendemos realizar,
o período histórico de 2010 a 2020.
310
teórica e outras pesquisas se utilizam do conceito de representação conceito concebido por
Stuart Hall, adotado por Tomaz Tadeu da Silva nas investigações sobre currículo, vinculadas
aos estudos culturais.
311
Para a produção dos dados foram utilizados vários instrumentos metodológicos, entre
eles a constituição de um grupo focal, composto por onze alunas/os do curso de Pedagogia da
URCAMP de Bagé em 2009, que teve seis encontros, tendo duração de uma hora e meia, na
sala da brinquedoteca da referida instituição com discussões que tinham como intuito abordar
conceitos relacionados a Educação para a sexualidade e as representações por meio dos
artefatos culturais como músicas e obras literárias.
Para ampliar a discussão a autora realizou um estudo minucioso dos currículos dos
cursos de Pedagogia da região da Campanha/RS, com o intuito de evidenciar a existência de
disciplinas que estivessem voltadas para as questões de gênero, sexualidade e diversidade. A
pesquisa teve como problemática investigar de que modo as temáticas de gênero e sexualidade
são pensadas e discutidas e de que forma poderíamos pensar em um currículo de formação
docente que atendesse as demandas existentes nas escolas da Região da Campanha/RS.
Esta pesquisa contribuiu no estado do conhecimento no que diz respeito a discussão da
formação docente e os currículos dos cursos de Pedagogia do local estudado. Auxiliou na
compreensão da utilização dos grupos focais em pesquisa com a perspectiva Pós-estruturalista
de análise. Ampliou a possibilidade de evidenciar as representações veiculadas sobre
sexualidade e gênero no espaço de formação de professores/as, bem como os silêncios e as
rupturas. A autora utilizou os seguintes autores para discutir os temas da educação para a
sexualidade como: Guacira Louro, Jeffrey Weeks, Judith Butler, Richard Parker, Jimena
Furlani, Jane Felipe, Helena Alltmann, Débora Britzman e Constantina Xavier Filha. Além das
pesquisas produzidas no PPGEdu/UFGRS - Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mais especificamente no GEERGE/Grupo de
Estudos de Educação e Relações de Gênero.
Além dos pressupostos teóricos a pesquisa apresenta a influência de algumas
instituições sociais como a mídia e a escola na constituição dessas representações sobre
sexualidade e gênero. [...] faz-se necessário repensar o papel da escola em relação a esses temas
que permeiam a vida não só de jovens e crianças, mas de todos nós, que estamos inseridos nessa
cultura. (Hampell, 2013, p.20). É importante ressaltar que a escola ou os cursos de formação
continuada não são e serão os salvadores das discussões, tendo em vista que as constituições
das relações de gênero é um processo histórico, social e cultural. Portanto, se trata de discussões
complexas e que advém de uma norma estabelecida socialmente. A pesquisa é finalizada
312
apontando a necessidade de que seja revista o currículo dos cursos de formação de
professores/as.
A segunda pesquisa “Representações sociais de relações de gênero professores/as da
educação infantil” escrita por Ana Célia de Sousa Santos em 2019, tem como objetivo
identificar as representações sociais de relações de gênero, analisando as possíveis relações
entre as RS e as práticas docentes das/os professoras/es de modo a compreender como são
construídas as relações de gênero na Educação Infantil. Como pressupostos teóricos foram
utilizados os seguintes campos teóricos: os estudos pós-coloniais e descoloniais e a teoria das
representações sociais. Assim, fundamentaram a pesquisa em Haraway (1995), Rago (1998),
Sardenberg (2002), e Santos (1989, 2002, 2009, 2010) para tratar da Ciência como um campo
de conhecimento que produz modos de ver o mundo e as pessoas; Sarti (2004) e Pinto (2003)
para abordar os movimentos de mulheres e feministas e sua importância para a transformação
das relações; Louro (1997, 2000, 2008), Oyěwùmí (2000, 2004), Cunha (2011, 2014, 2017);
Saffioti (2004), Piscitelli (2009) para discorrer sobre a construção do conceito de gênero,
destacando as contribuições para as epistemologias feministas e para a educação; Moscovici
(1978, 2003, 2013), Jodelet (2001), Gilly (2002), Arruda (2002a) para aprofundar sobre as
representações sociais e a aplicação dessa teoria no processo investigativo e na educação; Finco
(2017), Kramer (2006), Souza (2012) para discutir a prática docente na Educação Infantil e seus
preceitos legais.
Para a produção dos dados foi utilizado a Teoria das Representações Sociais,
especificamente a abordagem processual e/ou cultural de Denise Jodelet, que enfoca os aspectos
histórico e cultural como importantes para a compreensão da dimensão simbólica da RS. A
análise dos dados foi baseada na técnica de Análise de Conteúdo. (BARDIN, 1977). A pesquisa
de campo foi dividida em duas etapas. Na Etapa I foi aplicado um questionário e uma entrevista
com 13 professoras/es em sete Centros Municipais de Educação Infantil - CMEIs vinculados à
SEMEC, em Teresina/Piauí para identificação das representações sociais de relações de gênero.
Na etapa II, foi realizado a observação sistemática da prática docente de quatro professoras/es
de quatro Centros Municipais de Educação Infantil para identificar as possíveis relações entre
as representações sociais de relações de gênero e a prática docente.
A pesquisa teve como problemática entender como as relações de gênero são instituídas
na Educação Infantil, a partir do que pensam e ensinam as/os professoras/es, de modo a
contribuir ou não para a construção de um novo olhar sobre as relações de gênero. Para
313
responder a esse questionamento a mesma teve como objetivo geral identificar as
representações sociais de relações de gênero, analisando as possíveis relações entre as RS e as
práticas docentes das/os professoras/es de modo a compreender como são construídas as
relações de gênero na Educação Infantil. E, como objetivos específicos, identificar as
representações sociais de relações de gênero das/os professoras/es da Educação Infantil e
identificar as possíveis relações entre as representações sociais e as práticas docentes.
Esta pesquisa contribui para este estado do conhecimento no que diz respeito à utilização
do conceito de representações sociais em parte, tendo em vista que a pesquisadora utiliza apenas
a visão da psicologia social e foca no entendimento da exterioridade e interioridade, e para
Stuart Hall esta separação está se desfazendo. Como produto ou conteúdo concreto do ato de
pensar, as representações trazem as marcas do sujeito e de sua atividade, remetendo ao caráter
construtivo, criativo, autônomo da representação.
O terceiro trabalho “Gênero e diversidade na escola - GDE: investigando narrativas de
profissionais da educação sobre diversidade sexual e de gênero no espaço escolar” de autoria
de Fabiana Lopes Teixeira, produzida em 2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Pelotas, teve como objetivo investigar as narrativas de profissionais
da educação sobre diversidade de gênero e sexual no espaço da escola, a partir de um curso de
aperfeiçoamento a distância intitulado Gênero e Diversidade na Escola - GDE.
Esta pesquisa teve como conexões teóricas as contribuições dos Estudos Culturais, nas
suas vertentes pós-estruturalistas e com algumas proposições de Michel Foucault. A Tese
ancora-se no Método da Investigação Narrativa, que considera a narrativa como uma forma de
produção dos dados e, também, como uma possibilidade metodológica, com base nos autores
Jorge Larrosa, Michel Connelly e Jean Clandinin.
Para a produção dos dados, foram consideradas as narrativas produzidas por um grupo
de cursistas do curso GDE, promovido pela FURG/UAB, nos anos de 2009 e 2010, do Polo de
São Lourenço do Sul, no qual a pesquisadora atuava como tutora. Foram consideradas
narrativas tanto as falas dos sujeitos nos encontros presenciais e suas interações na Plataforma
Moodle, quanto a produção de seus projetos de intervenção. Para a análise dos dados, foram
utilizados duas categorias de análise: diversidade de gênero e diversidade sexual.
Ao analisar as narrativas sobre diversidade de gênero na escola, a pesquisadora analisou
a questão das masculinidades e feminilidades na escola, trazendo a categoria de gênero para se
pensar as práticas escolares e para refletir como são educados/as os/as alunos/as, tendo como
314
base as relações de gênero que foram sendo construídas em nossa sociedade. Nas produções
narrativas sobre diversidade sexual na escola, a mesma analisa a fabricação do sujeito normal
da escola, trazendo o conceito de currículos praticados para se pensar que as experiências
vivenciadas pelos sujeitos são construções culturais que regulam e produzem as identidades a
partir de uma lógica heteronormativa.
A pesquisa contribui neste estado do conhecimento na compreensão sobre a utilização
das narrativas, pois conforme a autora,
Dessa forma, a narrativa apresentada por Teixeira (2014) foi construída num processo
de contar e de ouvir histórias, em que os sujeitos que dela participaram puderam construir os
sentidos de si, dos outros, de suas experiências e do contexto no qual estavam inseridos.
A pesquisa de mestrado intitulada “Educação sexual nos anos iniciais do Ensino
Fundamental: currículo e práticas de uma escola pública da cidade de Marília-SP” foi elaborada
por Jessica Sampaio Fiorini em 2016 na Universidade Estadual Paulista/UNESP, campus de
Marília – SP. Teve como objetivo identificar como a questão da sexualidade é abordada pelos/as
professores/as no espaço escolar, especificamente com relação à etapa dos anos iniciais do
Ensino Fundamental de uma escola pública da cidade de Marília – SP. Para a produção dos
dados foi desenvolvida uma pesquisa com abordagem qualitativa, sendo realizada a revisão
bibliográfica sobre o tema, além de entrevistas semiestruturadas destinadas a docentes da escola
envolvida no estudo.
A problemática que orientou todo o desenvolvimento da pesquisa consistiu em
compreender como a sexualidade é abordada pelos/as professores/as nas escolas de educação
básica da cidade de Marília, especificamente referente à etapa dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Para a produção dos dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas,
mantendo-se certa flexibilização, que permitiu algumas adaptações necessárias, tendo um
roteiro orientativo. Participaram da pesquisa dezoito professores/as da escola envolvida.
A autora utilizou para a produção dos dados a revisão bibliográfica, onde foram
analisados mediante os apontamentos feitos por Marconi e Lakatos (2003), os dados coletados
315
foram criticados e interpretados para posterior redação da dissertação. Para a análise dos dados
e resultados da pesquisa referentes às entrevistas realizadas, a autora optou pela técnica de
análise de conteúdo, baseando-se em Ludke e André (1986), Franco (2008) e em Bardin (2002).
Os resultados da pesquisa indicaram que, muito embora se reconheçam manifestações
da sexualidade na etapa dos anos iniciais do Ensino Fundamental, há diversos conflitos vividos
pelos/as educadores/as que acabam impedindo a concretização de práticas em educação sexual
coerentes com uma perspectiva emancipadora, sendo, muitas vezes, reproduzidas condutas que
encerram o tema da sexualidade na reprodução da espécie e/ou em Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ISTs).
O trabalho “Quem é o professor homem dos anos iniciais? Discursos, representações e
relações de gênero foi elaborado por Thomaz Spartacus Martins Fonseca, na Universidade
Federal de Juiz de Fora (2011). No estudo em questão buscou-se conhecer quais os discursos e
representações de gênero e masculinidade surgem na escola a partir da presença do professor
homem dos anos iniciais, e de que forma estes discursos contribuem para sua subjetivação. Para
a produção dos dados foram apreendidas narrativas de dois professores homens dos anos
iniciais, bem como de gestoras e professoras que atuam diretamente com estes professores. A
pesquisa centrou-se nos discursos, representações e relações de gênero.
Esta pesquisa contribui no estado do conhecimento no entendimento de subjetivação
apontado por Foucault (apud Veiga-Neto, 2007, p.111), segundo o qual “[...] há três modos de
subjetivação que transformam os seres humanos em sujeitos”.
A objetivação de um sujeito nos campos dos saberes – que ele trabalhou no
registro da arqueologia – a objetivação de um sujeito nas práticas do poder
que divide e classifica – que ele trabalhou no registro da genealogia – e a
subjetivação de um individuo que trabalha e pensa sobre si mesmo – que ele
trabalhou no registro da ética. Em outras palavras, nos tornamos sujeitos pelos
modos de investigação, pelas práticas divisórias e pelos modos de
transformação que os outros aplicam e que nós mesmos aplicamos sobre nós
mesmos. (Veiga-Neto, 2007, p.111).
316
compreender como foram constituídos os entendimentos e representações sobre as relações de
gênero.
A pesquisa “Compreendendo a sexualidade infantil nas relações de gênero: o lúdico
como estratégia educativa”, foi escrita por Daniela Arroyo Fávero (2015), na Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Campus de Araraquara – SP.
O trabalho teve como objetivo compreender a sexualidade infantil nas relações de
gênero por meio das representações dos educadores, familiares e professora, e do exercício de
situações lúdicas por crianças de uma sala do 1º ano do Ensino Fundamental, em uma escola
pública estadual, localizada no interior do estado de São Paulo. Participaram deste estudo
também 01(uma) professora e 22 (vinte e dois) familiares sendo 02(dois) pais e 20(vinte) mães.
Os instrumentos empregados para a pesquisa empírica foram: entrevista, questionário, diário
de campo e atividades lúdicas.
Para a realização deste estudo foram seguidos os pressupostos da teoria Histórico-
Cultural. Os dados obtidos foram analisados qualitativamente. A análise dos dados junto aos
familiares evidenciou que os mesmos apontaram diferenças significativas no comportamento e
na personalidade de meninos e meninas a partir da diferenciação de gênero.
A problemática da pesquisa versou em como é possível discorrer a pesquisa nas
atividades para o exercício de práticas pedagógicas lúdicas justamente na formação dos alunos
na área de Educação Sexual. Esta pesquisa veio ao encontro do entendimento que temos sobre
a sexualidade, pois compreendemos que a mesma tem um caráter dinâmico e mutável, não
apenas pelas particularidades de cada cultura, mas também pelo modo singular com que cada
pessoa assimila a dinâmica social por meio dos seus rituais, suas linguagens, suas fantasias,
suas representações, seus símbolos e suas convenções.
A pesquisa de mestrado “Ser menino e menina, professor e professora na Educação
Infantil: um entrelaçamento de vozes” (2015), elaborada por Fernanda Ferrari Ruis teve como
objetivo investigar como as relações e representações de gênero são expressas por meninas e
meninos, professor e professora no cotidiano de uma escola municipal de Educação Infantil.
Para a produção dos dados a autora adotou estratégias de investigação de abordagem
qualitativa. Participaram da pesquisa duas turmas de crianças com idade entre quatro e seis
anos, bem como os professores responsáveis pelas turmas. Foram realizados três etapas durante
a realização da pesquisa: observação, as práticas pedagógicas dos docentes e as interações entre
crianças e professores. Como estratégia para a coleta dos dados a pesquisadora se utilizou da
317
ludicidade. Como instrumentos metodológicos foram realizadas entrevistas semiestruturadas
para compreender os conhecimentos dos professores acerca da temática de gênero e
sexualidade. Para analisar os dados a autora fez uso da análise de conteúdo.
A pesquisa apresentou a necessidade de rever a formação docente no tocante as
discussões de gênero, diversidade sexual, sexualidade e educação sexual, mais uma vez vindo
ao encontro do que Hampel (2013) pontua em sua pesquisa, apresentado anteriormente.
Mesmo sendo uma pesquisa com crianças, traz contribuições significativas da
Psicologia Histórico-cultural que vê os sujeitos como construtores e suas potencialidades
mediadas pelas questões sociais, políticas, econômicas, religiosas e culturais.
Em síntese, pode-se constatar que ao examinar teses e dissertações nacionais publicadas
no período compreendido entre 2010 e 2020, a produção acadêmica acerca das relações de
gênero e educação ainda possui um longo caminho de estudos e pesquisas pela frente, tendo em
vista que a grande maioria dos trabalhos encontrados teve seus foco voltado mais para as
práticas pedagógicas, Educação infantil e a formação docente do que para a subjetivação dos/as
professores/as. A busca também evidenciou que as regiões Sul e Sudeste até o momento são as
que mais produzem conhecimento acerca desta temática.
Contudo a pesquisa evidencia e justifica a importância de se estudar como se constituem
as representações acerca das relações de gênero de professsores/as dos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental, pois entendemos que são várias interfaces articuladas nas relações de gênero que
irão construir/desconstruir alguns entendimentos.
Outro ponto a ressaltar diz respeito ao forte discurso de se acreditar que alterar os
currículos dos cursos de formação de professores resolveria o problema da dificuldade que se
faz presente nas discussões de gênero nos espaços escolares. Porém, é necessário compreender
que os sujeitos participam e coparticipam de diversos espaços sociais, e quando chegam na
universidade para realizar um curso de nível superior já afetaram e foram afetados por múltiplos
discursos, percepções, entendimentos, estereótipos e preconceitos diante da temática de gênero.
Portanto, esta mudança de pensamento é coletiva e deve permear todos os espaços e instituições
sociais na qual os sujeitos circulam.
Considerações finais
Neste contexto, esses dados nos impulsionam a ampliarmos nossos olhares e escutas
diante dessa problemática, a fim de construir novas pesquisas, por meio de arranjos e
318
perspectivas que promovam a familiaridade para captar aspectos não analisados nos estudos
anteriores. Cabe também a nós, pesquisadores em formação, contribuir para aproximar
universidade e escola, pois é necessário fazer essa ponte a fim de conhecer o contexto da
educação básica, auxiliando de certa maneira todos/as que constituem a comunidade, tornando-
a mais democrática e voltada para o reconhecimento das diferenças, garantindo o respeito entre
os sujeitos na escola.
Sob essa perspectiva, Candau (2016, p.807) considera que “é tempo de inovar, atrever-
se a realizar experiências pedagógicas a partir de paradigmas educacionais ‘outros’, mobilizar
as comunidades educativas na construção de projetos políticos- pedagógicos relevantes para
cada contexto”. A autora destaca a importância dos/as professores/as se reinventarem com um
olhar e escuta mais abertos às diferenças culturais, pois poderão renovar as práticas do cotidiano
escolar.
Para que essa mudança ocorra nas práticas educativas, é necessário repensar a estrutura
curricular, a fim de não reduzirmos os conteúdos de maneira superficial ou implementá-los em
eventos pontuais de caráter comemorativo, sem que se tenha preocupação em contextualizar,
problematizar e desnaturalizar e sobretudo descolonizar as práticas pedagógicas.
Uma educação para as relações de gênero requer mudança de olhares/escutas diante das
diferenças culturais, valorizando as riquezas e potencialidades para a construção de um mundo
menos desigual. A busca por conhecimento e reconhecimento das diferenças pode garantir
práticas pedagógicas que se fortaleçam no enfrentamento do sexismo no cotidiano escolar,
garantindo maneiras outras de sermos homens e mulheres ou de ser e viver as identidades de
gênero.
Assim, articulamos a discussão sobre as relações de gênero vinculadas às relações de
poder, tendo em vista que a construção e a desconstrução de gênero são, organizadas pelas
representações vividas nas relações sociais e as identidades são “[...] moldadas pelas redes de
poder de uma sociedade”. (Louro,1999, p. 11).
Referências
CANDAU, Vera Maria Ferrão. Cotidiano escolar e práticas interculturais. Cadernos de
Pesquisa, v. 161, p. 802-820, 2016.
FIORINI, Jessica Sampaio. Educação sexual nos anos iniciais do ensino fundamental:
currículo e práticas de uma escola pública da cidade de Marília-SP / Jessica Sampaio Fiorini. –
319
Marília, 2016. 159 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho, Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de Marilia), 2016.
FONSECA, Thomaz Spartacus Martins. Quem é o professor homem dos anos iniciais?
Discursos, representações e relações de gênero. Dissertação (Mestrado em Educação).
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2011. 141f.
LOURO, Guacira Lopes. O currículo e as diferença sexuais e de gênero. In: COSTA, Marisa
Vorraber (Org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 1999,
p. 85-92.
RUIS, Fernanda Ferrari. Ser menino e menina, professor e professora na Educação Infantil:
um entrelaçamento de vozes. 2015. 224 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciencias e Letras (Campus de Araraquara),
2015. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/134114>.
320
IDENTIDADES E DIFERENÇAS: AS CRIANÇAS E SUAS EXPERIÊNCIAS
BRINCANTES
Resumo: O artigo tem como objetivo mostrar a legislação que se refere a educação infantil, o
processo de construção das identidades e diferenças e como as brincadeiras são centrais nesse
processo. A ideia de identidade e diferença tem permeado alguns documentos que regem a
educação brasileira como a Constituição Federal, as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Infantil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros. Ao longo da vida
acontecem vários processos de subjetivação que vão nos constituindo de maneira diferenciada.
Vamos nos tornando aquilo que somos. O que falamos e fazemos depende do que nos constitui
e esse processo é constante na vida dos sujeitos. As identidades são sempre incompletas que se
encontram no outro e enriquece nosso eu. Em contato com o outro saímos de nós mesmos e
aprendemos com este o que complementa nossa subjetividade. Percebemos assim, que a
produção da identidade é um processo social, simbólico, portanto, mutável e está em constante
construção e mesmo que haja características comuns entre as pessoas e grupos, a constituição
das identidades varia de acordo com suas vivências e representações. Para as crianças, as
brincadeiras são centrais no processo de construção de suas identidades.
Esse termo “competência” muito me incomoda, pois remete aos princípios de educação
fordista e taylorista, de adaptação dos educandos ao mercado de trabalho, preparando os filhos
dos trabalhadores para o trabalho precarizado. Como já mencionei anteriormente essa é uma
das críticas que tenho em relação a esse documento. Contudo, a BNCC traz a ideia de
identidades como construção. Quando expõe os direitos de aprendizagem e desenvolvimento
das crianças na Educação Infantil, um desses direitos é:
322
na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário. (Brasil, 2018,
p. 38).
326
inacabado, inconcluso. Nossas culturas, nossos saberes e tudo aquilo produzido pela
humanidade inacabada é também inacabado.
Partindo deste pressuposto entendemos a cultura como “a soma de diferentes sistemas
de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar
significado às coisas”. (Hall, 1997, p. 10). Assim, a cultura como categoria inacabada encontra
na outra uma riqueza de sentidos que se relacionam de maneira horizontal e que se
complementam a outras criando novos sentidos, outras expressões, outras culturas. Destarte,
Santos (2007, p 85), aponta sobre a ecologia dos saberes:
327
cultural permeia as vivências dos sujeitos. Como já vimos anteriormente, o processo de
construção das identidades e diferenças são permanentes na vida dos sujeitos e contribuem na
construção de suas subjetividades que envolvem seus pensamentos e sentimentos particulares.
Para Silva (2000), há a necessidade da pedagogia da diferença, em que “educar significa
introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se limitaria a reproduzir o mesmo e
o idêntico, um mundo parado, um mundo morto”. (Silva, 2000, p. 101). Portanto, há uma
urgência na educação para as diferenças. A seguir, refletiremos acerca desta educação com
crianças pequenas.
Embora em casa, na mídia e até mesmo na escola haja brinquedos e posturas que
reforçam a normatização que há no mundo dos adultos, estabelecendo o que seriam brincadeiras
de meninos e o que seriam brincadeiras de meninas, a possibilidade de brincar livremente, o
acesso das crianças a diferentes brinquedos e brincadeiras e principalmente a interação entre as
crianças são elementos chave para a construção das identidades.
Neste processo de interação as crianças ressignificam brinquedos e brincadeiras e
subvertem ou reproduzem padrões. Como a interação se dá ativamente, a criança ao longo de
sua vida assimila os padrões performativos da sociedade, mas atua com base em suas vivências
328
e representam suas concepções por meio da brincadeira e por ela também se constituí como ser
social/cultural.
Para Konrath e Schemes (2019, p. 54):
Assim, nos momentos de brinquedos e brincadeiras o professor precisa estar por inteiro
observando e organizando espaços e tempos para que possa acompanhar os processos de
construção das crianças e ressignificar suas práticas pedagógicas, proporcionando experiências
lúdicas ricas para o processo de construção das identidades e diferenças.
A pesquisadora Grubits (2013) ao analisar as brincadeiras das crianças Guarani/Kaiowá,
Kadiwéu e Terena de Mato Grosso do Sul, observou que o processo de construção das
identidades das crianças em alguns momentos volta-se para os costumes locais em outros volta-
se para os sujeitos da cidade. As crianças Guarani/Kaiowá brincavam livremente na natureza
assim como em qualquer comunidade rural e as ações lúdicas estavam presentes na rotina, não
havendo necessariamente um momento específico para tal. As crianças Kadiwéu demonstravam
em suas expressões brincantes fortes influências da cultura local: a cerâmica, a flora e a fauna
estavam frequentemente presentes em seus desenhos e brincadeiras. Além disso, os meninos
Kadiwéu se interessavam por meios de transportes que os visitantes usavam para acessar a
comunidade. As crianças Terena também brincavam muito ao ar livre, brincavam no rio,
pescavam, nadavam e escalavam nas árvores. Mas também assistiam televisão, jogavam
Fliperama na cidade de Sidrolândia, jogavam bola, brincavam de bonecas e carrinhos.
Embora cada etnia tenha maneiras diversas de expressão, percebe-se na pesquisa de
Sonia Grubits que as diferenças no brincar de cada grupo constituem o processo de construção
das identidades destes. E que mesmo possuindo características comuns entre os grupos, como:
brincadeiras ao ar livre e utilização de elementos da natureza como brinquedos, existem
diferenças entre os grupos e em um processo de negociação as identidades são reconstruídas
continuamente.
Ao se falar sobre construção de identidades também abordamos as questões étnico-
raciais que existem na sociedade. Falando no contexto escolar, se na escola há apenas bonecas
329
brancas, com cabelos lisos, fantoches com cor de pele branca, filmes e livros com heróis,
heroínas, guerreiras, guerreiros e princesas e príncipes brancos, cartazes e painéis que rodeiam
as crianças com seus recursos imagéticos e demais recursos pedagógicos cuja representação dos
personagens principais seja sempre pessoas brancas, este possivelmente será o modelo que
impactará na constituição das identidades das crianças.
No entanto, mais do que recursos pedagógicos diversos há que se pensar em outros
elementos. Nesta perspectiva, trago um excerto da tese de doutorado de Amaral (2013), que
pesquisou sobre a Infância e a construção da identidade étnico-racial na Educação Infantil em
um Centro Municipal de Educação Infantil, na cidade de Curitiba no ano de 2013. De acordo
com a pesquisadora:
Ao me aproximar das meninas no canto das bonecas, pedi à Glória (preta):
- Você pega uma boneca bem bonita para eu brincar?
Com a anuência da menina, complementei:
- A mais bonita, está bem?
Tendo a opção de bonecas do sexo masculino e feminino, brancas e pretas, ao
selecionar a mais bonita, conforme enfatizei, Glória (preta) escolheu um
exemplar do sexo masculino, branco e de olhos azuis. Após brincar um pouco
com o boneco, resolvi trocá-lo por uma boneca preta, e passado algum tempo,
questionei
em tom de dúvida:
- É esse o bebê que você escolheu pra mim?
- Não, é o de cor de pele.
- E esse não é cor de pele? Perguntei.
- Não, esse é preto. Falou Glória (preta) (Amaral, 2013, p. 8)
Essa fala de Glória nos faz perceber o quanto desde muito cedo as crianças inferem
significados ao que é representado. E nos faz questionar sobre nosso papel na escola para que
as crianças percebam a riqueza do diverso. Defendemos assim, que as escolas tenham recursos
diversificados que representem a realidade brasileira, mas também há a necessidade de que os
profissionais da educação tenham uma postura de valorização das diferenças no processo de
construção das identidades. Por exemplo, na Educação Infantil é muito comum os professores
pentearem os cabelos das crianças após o momento do banho. Contudo, alguns educadores
dizem que preferem não “mexer” nos cabelos afro, pois afirmam não saber arrumar cabelo
crespo ou não querer desfazer o penteado que a família fez. No entanto, estes educadores estão
negando à criança aquele momento que significa muito mais do que um penteado e sim significa
aconchego, colo e afeto tão importantes nesta etapa da Educação Básica. Este é um exemplo de
que a postura do educador é fundamental para uma educação que valorize as diferenças.
330
Assim, os educadores precisam evidenciar as diferenças e não negá-las e no cotidiano
das escolas, elas estão latentes e vibrantes. Não se trata apenas de identificar as diferenças e sim
de evidenciá-las como potência na construção de cada ser que ali na escola se faz presente.
Entretanto, além dos recursos diversos e posturas de valorização das diferenças há que
se pensar nas ações de combate ao racismo estrutural, em especial no que diz respeito à políticas
para correção das desigualdade sociais e econômicas envolvendo ações afirmativas que
garantam acesso à escola, ensino superior, a empregos em grandes empresas, saneamento
básico, saúde, segurança e moradia à todas as pessoas. Essas políticas são importantes, pois
podem contribuir para que as mais diversas pessoas estejam presentes nos mais diversos setores
da sociedade, representando, de fato o povo brasileiro. Sendo assim:
Referências
331
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
BAUMAN, Zygmunt. A Arte da Vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2009.
COSTA, Aline Pereira da; MARTINS, Carlos Henrique dos Santos; SILVA, Heloise da Costa.
Necroeducação: reflexões sobre a morte do negro no sistema educacional brasileiro. Revista
Brasileira de Educação v. 25, 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e terra, 1996.
HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo.
Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº 2, p. 15-46, jul./dez. 1997.
HALL, Stuart. Quem precisa de Identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 103-133.
332
SANTOS. Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia dos saberes. Novos estudos. CEBRAP, Nov. 2007 p. 71-94.
WALSH, Catherine. Notas pedagógicas a partir das brechas decoloniais. In: Candau, Vera
Maria (org.). Interculturalizar, descolonizar, democratizar: uma educação “outra”? Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2016. p. 64-75.
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis:
Vozes, 2000. p. 73-102.
333
INDÍGENAS WARAO EM PORTO VELHO: EXPERIÊNCIAS INTERCULTURAIS
DE UM PROJETO DE EXTENSÃO EM ANDAMENTO
Já não é, então, a relação entre nós e eles, entre a mesmice e a alteridade, o que
define a potência existencial do outro, mas a presença — antes ignorada, silenciada,
aprisionada etc. — de diferentes espacialidades e temporalidades do outro; já não se
trata de identificar uma relação do outro como sendo dependente ou como estando
em relação empática ou de poder com a mesmice; não é uma questão que se resolve
enunciando a diversidade e ocultando, ao mesmo tempo, a mesmice que a produz,
define, administra, governa e contém; não se trata de uma equivalência culturalmente
natural; não é uma ausência que retorna malferida; trata-se, por assim dizer, da
irrupção (inesperada) do outro, do ser outro que é irredutível em sua alteridade.
334
Introdução
Os movimentos migratórios tem ocupado um lugar significativo de reflexão no mundo
acadêmico. As produção referentes a temática, perpassam as várias áreas do conhecimento e
apontam para questões fundamentais baseada nas mais diversas epistemologias. Apesar de
ainda tímido, o crescimento do número de trabalhos relacionados ao assunto é resultado dos
diferentes idiomas, culturas, sotaques, cores e línguas que tem circulado no país, nos últimos
anos, em virtude de variadas razões de deslocamento.
Os conflitos armados, as catástrofes naturais e as crises econômicas são os fatores que
tem provocado a dinâmica migratória de grupos populacionais no mundo e no Brasil. Em
concordância ao assunto, Bauman (2017), escreve que essa população de migrantes são
“refugiados da bestialidade das guerras, dos despotismos e da brutalidade de uma existência
fazia e sem perspectiva têm batido à porta de outras pessoas desde o início dos tempos
moderno” (p. 13).
O cenário apresentado pelo autor e trabalhado por outros estudiosos, mostram que os
deslocamentos e os movimentos migratórios não são tão recentes como parecem. Se olharmos
historicamente para a formação dos primeiros grupos humanos, podemos verificar que essa
ação era considerada uma prática entre os sujeitos. Algum tempo depois, essa dinâmica, agora
tendo uma outra finalidade, acaba acontecendo a partir da colonização de países que foram
denominados de “colônias” e sofreram/sofrem com intensas imposições de regras, implantação
de valores ditos “civilizatórios”, além de uma cultura hegemônica que impõe o silenciamento,
a inferiorização e a subalternização a conhecimentos e saberes tracionais (Quijano, 2005).
No Brasil, a presença de imigrantes haitianos, senegaleses, congoleses, cubanos e
venezuelanos tem crescido de forma significativa e com isso, podemos presenciar que essa
migração tem contribuído para diferentes contornos sociais, políticos, econômicos,
educacionais, além da produção de identidades diaspóricas (Hall, 2003). Com base no autor,
compreendemos que os sujeitos diaspóricos são aqueles que por diferentes razões necessitaram
viver longe de seu espaço tradicional, real, mas continuam marcando, construindo e produzindo
nesses “novos” espaços sua cultura, língua e religião.
Enquanto objetivo para a produção do texto, tomamos como referência de estudo a
população venezuelana, mais precisamente os indígenas da etnia Warao, que tem transitado no
contexto urbano do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia. Nesse contexto,
o artigo busca apresentar o contexto social/familiar destes indígenas, e as estratégias de
335
permanência em Porto Velho, principalmente no que corresponde a sua afirmação étnica e
cultural.
O estudo que possui a diferença como centralidade de análise, “nos leva a criar outros
modos de pesquisar” (Lazzarotto, 2012, p.99), o que nos oportuniza, enquanto pesquisadores,
diferentes maneiras de olhar, utilizando novos ângulos e afinando nossas lentes. Ainda, nessa
discussão, aprendemos a ver e escutar “outras imagens, outras letras, outras línguas, outros
acordes, outros batuques e transes, outros colares e penas” (Arantes, 2012, p. 91).
Nesse sentido, o trabalho que é fruto de reflexões preliminares desenvolvidas no
contexto do Grupo de pesquisa Educação Intercultural e Povos Tradicionais/CNPq, utilizou-se
de registros do diário de campo levantados a partir de conversas realizadas nos encontros com
o grupo de indígenas atendidos pelo projeto “Bem Viver Warao” desenvolvido pela Cáritas
Arquidiocesana de Porto Velho, em parceria com a Secretaria Municipal de Assistência Social
e da Família - SEMASF.
Além disso, para compreensão da história do povo Warao, recorremos a trabalhos de
pesquisas recentes produzidos em outros estados, bem como autores na perspectiva da
interculturalidade e nas discussões sobre a diferença, que é sempre um desafio, pois requer uma
postura e um compromisso dos pesquisadores. Para não distanciar desse proposito, em outras
palavras, dessa luta constante que nos move, o artigo busca amparo em produções que nos
ajudam não somente criar outros olhares, mas desenvolver um cuidado, uma vigilância com a
nossa forma de ver e interagir com o outro (Bedin, 2016).
Os autores como Stuart Hall (2000; 2003), Homi Bhabha (1998), Catherine Walsh
(2009; 2016) e Carlos Skliar (2003), além de nos auxiliar nessa construção de pensamento,
colaboram para refletir questões relacionadas a cultura, identidade e diferença, em especial nos
assuntos que discutem o espaço escolar e as identidades que são produzidas nas relações
estabelecidas.
Na intenção de levantar o número de venezuelanos no município de Porto Velho, e
posteriormente, a quantidade de matriculas desse público nas escola da cidade, o artigo utilizou
como base de dados informações relativas às emissões dos registros migratórios que integram
o Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA). As emissões podem ser acessadas no
portal de imigração do Ministério da Justiça do Brasil
(https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/microdados). Outra base de dados que nos serviu
de apoio para a produção do texto é a do Comitê Nacional para Refugiados (CONARE).
336
Para manter o anonimato e proteger as identidades das instituições e dos sujeitos,
informamos que o trabalho respeita as orientações sobre as especificidades ética das pesquisas
nas Ciências Humanas e Sociais, mais precisamente da Resolução 510 de abril de 2016, da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.
Warao, na língua nativa, significa povo das águas, além de “povo da canoa” e “povo
que mora perto da água” (Bento; Silva, 2022). Originário do Delta do Orinoco, localizado no
estado do Delta do Amacuro, no norte da Venezuela, o povo Warao é o grupo humano mais
antigo da Venezuela, é a segunda etnia indígena mais numerosa do país (Miranda, 2021).
Considerando a localização do seu território original, os Warao, constituíram-se como
navegadores e pescadores. Além das práticas de subsistência, o território também influenciou
na organização das moradias, construídas nas margens do Rio Orinoco e seu entorno. De acordo
com os estudos de Miranda (2021), são casas conhecidas como palafitas, estruturas erguidas
com troncos de Buritis nas áreas alagadas pelos rios.
A tensão política vivida na Venezuela, nos últimos anos, provocou uma grave crise
econômica e atingiu de forma significativa e profunda a população indígena, contribuindo para
o processo de saída de seus territórios. A migração dos indígenas é conhecida como a diáspora
Warao, que segundo, Bento; Silva (2022, p. 5) é um elemento que esse povo “vêm enfrentando,
desde 1970, um processo de saída de seus territórios por motivos diversos, tais como tragédias
ambientais causadas por represamentos dos rios em suas terras, por invasões de agricultores e
pecuaristas, fazendo com que esta população viesse a passar por diversas situações de violação
de direitos humanos.” Buscando melhores condições de vida, muitos indígenas moveram-se
para os centros urbanos da Venezuela, e posteriormente, seguindo para o Brasil.
Rosa (2020, p. 91) descreve que entre as causas de imigração do povo Warao da
Venezuela para as cidades brasileira estão a deterioração das condições naturais de subsistência
337
- sobretudo após a inserção do cultivo do “ocumo chino1” e da construção do dique-estrada no
rio Manamo; a invasão de suas terras por agricultores e pecuaristas crioulos; as possibilidades
de trabalho e outros recursos disponíveis nas cidades; e, por fim, a pressão ideológica para a
inserção na sociedade ocidental moderna.
Segundo o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados -
ACNUR (2020), o Brasil registrou um aumento expressivo de indígenas Warao em seu
território. Em julho de 2014, as Nações Unidas, mostravam a presença de 30 indígenas
circulando em nosso país. No documento apresentado no ano de 2020, o número subiu
significativamente para 3.300 indígenas (ACNUR, 2020).
A significativa presença Warao no Brasil iniciou em 2014 no processo migratório
iniciado com o cruzamento da fronteira a partir da cidade de Santa Elena de Uairén.
Primeiramente, instalaram-se na cidade de Pacaraima e, em seguida, Boa Vista, em Roraima
(Miranda, 2021). A migração foi tão intensa que muitos grupos se deslocaram para a cidade de
Manaus e outros chegaram até o estado do Pará.
De acordo com o relatório de atividades para populações indígenas feito pela agência
da ONU para refugiados (ACNUR), no ano de 2020, o quantitativo da população
Warao, que está na região norte do Brasil, está assim dividido: 1,3 mil Roraima, 970
indivíduos no Pará e 600 pessoas no Amazonas. O restante desta população está em
outras regiões do país, com uma parcela relevante na região Nordeste. (Bento; Silva,
2022, p. 2)
1
A agricultura foi introduzida tardiamente por missionários oriundos da Guiana, no fim da década de 1920,
particularmente com o cultivo do ocumo chino, um tubérculo rico em amido e que passou a se constituir a base da
alimentação, juntamente com o pescado. Em algumas comunidades localizadas nos caños, existem trechos de terra
agricultável, nos quais os Warao costumam plantar ocumo chino, banana e mandioca. (Miranda, 2021. p. 50)
338
O povo Warao no município de Porto Velho: primeiras aproximações
339
Outro aspecto da cultura mantido mesmo longe do território de origem, é o artesanato.
Toda família é envolvida na produção que é passada de geração em geração. As peças
produzidas são colares, pulseiras e brincos confeccionados com miçangas e linhas, além de
cestarias feitas com cipós naturais. A venda dos produtos é realizada pelas mulheres e crianças
maiores nas ruas da cidade, enquanto os homens cuidam das crianças menores.
O artesanato para o povo Warao vai além de uma atividade com fins lucrativos. De
acordo com os estudos de Miranda (2021) é uma prática cultural. Ainda, refletindo sobre a
importância do artesanato, a autora, escreve que
a confecção do artesanato é uma importante prática que, juntamente com a língua
Warao e a colheita, caracteriza a territorialidade movente do povo Warao. Artesania
é uma prática milenar dos Warao. Por meio do artesanato, este povo expressa sua
cultura ancestral e sua intensa ligação com a natureza.” (Miranda, 2021, p. 149)
340
Observamos que nas escolas em que os estudantes Warao estão matriculados não
ocorre uma abertura e nem mesmo uma reflexão para pensar as diferenças presentes no espaço
escolar. Nossas experiências preliminares evidenciam que essa situação tende a tornar o
processo desconfortável para todas as partes, considerando que os indígenas são os
“estrangeiros na escola”. É como se existisse um acordo tácito que precisam se adequar às
“regras” deste novo contexto, em um processo de manutenção de práticas coloniais.
Vivemos em uma sociedade construída a partir da colonialidade e de padrões
eurocêntricos que desvalidam e/ou inferiorizam a cultura e as práticas indígenas. Candau
(2010), conceitua que
O outro não irrompe para ser somente hospedado ou bem-vindo, nem para ser honrado
ou insultado. Irrompe, em cada um dos sentidos, nos quais a homogeneidade foi
construída. Não volta para ser incluído, nem para narrarmos suas histórias alternativas
de exclusão. Irrompe, simplesmente, e nessa irrupção sucede o plural, o múltiplo, a
disseminação, a perda de fronteiras, a desorientação temporal, o desvanecimento da
própria identidade. O outro irrompe, e nessa irrupção, nossa mesmice vê-se
desamparada, destituída de sua corporalidade homogênea, de seu egoísmo; e, ainda
que busque desesperadamente as máscaras com as quais inventou a si mesma e com
as quais inventou o outro, o acontecimento da irrupção deixa esse corpo em carne
viva, torna-o humano.
A presença dos Warao nas escolas é uma realidade e está em movimento. Tal cenário é
desafiador, e necessita de um repensar de práticas e perspectivas. Nesse sentido, entendemos
que a educação na perspectiva intercultural oportuniza a valorização das diferenças, dentre elas,
a cultural, conforme salienta Candau (2009, p. 52) “Uma educação para a negociação cultural,
que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos
341
socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum,
pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas.”
Algumas considerações
Referências
342
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estudo sobre a diáspora Warao a partir do olhar da criança sobre o processo de migração para a
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territorialiade movente na Amazônia paraense, 2021. Tese de doutorado em Educação,
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343
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Janeiro: D&A, 2003.
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Maria (Org.). Interculturalizar, descolonizar, democratizar: uma educação “outra”? Rio
de Janeiro: 7 Letras, 2016.
344
MULHERES NEGRAS: IDENTIDADE EM CONSTRUÇÃO
Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa desenvolvida com 8 Mulheres
Negras egressas do Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares no Município de
Rondonópolis-MT, considerando a importância do cursinho para construção da identidade
dessas mulheres. Partindo das narrativas das entrevistadas, nota-se que racismo, preconceito
racial e discriminação continuam pautando fortemente as ações na sociedade. Apesar do
combate incessante assumido principalmente por ativistas negros e negras, os resultados
apontam para um contexto em que as mulheres negras ainda são as mais marginalizadas e
excluídas socialmente, neste sentido, as ações do Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares
foram fundamentais para a inclusão de mulheres negras e tem contribuído significativamente
para construção e consolidação da identidade dessas mulheres.
Apresentação
Estabelecer um conceito de identidade que possibilite o entendimento da importância
deste para construção de quem somos e de quem vamos nos tornando enquanto mulher negra
durante nossa jornada de militantes, de ser social em permanente mudança e evolução faz-se
necessário para que também possamos compreender o trajeto de mulheres negras pré-
selecionadas, na pesquisa que venho desenvolvendo sobre o Cursinho Pré-vestibular Zumbi dos
Palmares1, entendendo a influência do mesmo para construção da identidade destas mulheres.
Considero valioso estabelecer um conceito prévio sobre identidade, de forma especial, a
identidade de mulheres negras, tão violentadas historicamente, que em muitos momentos nem
mesmo sabíamos qual era nossa identidade ou mesmo se tínhamos identidade.
Concordando com (Gomes, 2002. p.39) se a identidade é uma construção social,
histórica e cultural, trazendo em si diálogos e conflitos, não posso deixar de pensar o Cursinho
Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares como uma rica fonte de diálogo, conflito, influencia e
consolidação no processo de construção das identidades de mulheres negras que por ele
1
O Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares é um cursinho criado pelo Movimento Negro de Rondonópolis
(MNR) para que estudantes negros e pobres possam concorrer nas provas do Exame Nacional do Ensino médio
(ENEM), em melhores condições de aprendizagem e disputa. Contemplando prioritariamente estudantes negros,
negras e pobres oriundos de escolas públicas, que não poderiam custear um cursinho privado
345
passaram. Mas, pensar não é suficiente. É preciso ir além, investigar, pesquisar, concluir, e é
por isso que através desse artigo, que é parte da minha dissertação, busco apresentar a luta do
professor Flávio Nascimento para implementar o Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares
no Município de Rondonópolis. Mais do que isso, apresento a força, a coragem, a ousadia e o
potencial de mulheres negras que também fortaleceram essa luta, para implantar um projeto
importante no esforço de combate ao racismo e fortalecimento de políticas públicas de inclusão
de negras e negros.
Desafios do cursinho pré-vestibular Zumbi dos Palmares e o apoio das Mulheres negras
As inquietações do professor Flávio Nascimento com a realidade presente na
universidade se iniciam quando ele percebe, com certa angustia a ausências de negros e negras
naquele espaço, imperceptíveis para grande a maioria das pessoas, principalmente a ausência
de mulheres negras, que estão na base da pirâmide social e econômica do país. Elas quase
sempre estão ausentes dos espaços de poder e quando estão presentes é como se não estivessem,
pois são invisibilizadas e se de alguma forma conseguem visibilidade são desqualificadas de
diferentes formas.
Não é difícil perceber o racismo e o patriarcado agindo, tornando a figura da mulher
negra, ausente dos lugares de poder, e pior ainda, a mulher negra é estigmatizada pelo trabalho
doméstico, por funções de submissão, pela herança colonial de cuidar do trabalho braçal. Essa
perversa visão dominadora atravessa séculos e até hoje somos privadas de oportunidades.
E quando falamos em racismo, machismo, ausências, invisibilidade, desrespeito, sempre
vem a memória fatos, acontecimentos que desqualificam mulheres negras. Não faltam escritos,
relatos de fatos dessa natureza, um relato que me chamou atenção recentemente quando lia uma
entrevista concedida a Maurício Pestana (2014), em Racismo-Cotas e Ações Afirmativas, foi o
relato de uma prefeita da cidade de São Francisco do Conde, no Recôncavo Baiano, mulher
negra de estatura pequena, Rilza Valentin é guerreira até no sobrenome e é a personificação das
mulheres fortes, resilientes que permanecem altivas, mesmo quando oprimidas e excluídas.
Conta ela que ao ser eleita prefeita de uma pequena cidade do Recôncavo Baiano, uma das
principais barreiras que teve que enfrentar foi o descrédito de sua potencialidade, segundo ela;
as pessoas achavam que por ser mulher, negra e de estatura baixa, seria facilmente dominada
por qualquer um que tentasse. Ela ouviu algumas vezes os coronéis da região em que era gestora
dizendo em alto e bom som que: mulher, negra e frágil, seria facilmente dominada por todos:
346
“Eu vou mandar no lugar dela”. No início todos achavam isso. Ela diz com orgulho que hoje
tem certeza que aqueles que acreditavam, que apostavam que alguém poderia mandar em seu
lugar, falharam.
Esse relato de Rilza ilustra bem a realidade da mulher negra invisibilizada e
desqualificada, porém forte, capaz, forjada na resistência, superando as mazelas sociais a elas
imposta. Talvez por isso, as mulheres negras estão sempre prontas para aproveitar cada brecha
como possibilidade de construção de oportunidade e assim, são elas as mulheres negras que
conseguem enxergar na proposta do professor Flávio Nascimento uma oportunidade de incluir
os jovens negros e negras que não conseguiam entrar na Universidade e são elas que o apoiam
e o ajudam concretizar o Cursinho Pré-Vestibular Zumbi dos Palmares em Rondonópolis.
Olhando para a coragem e ousadia dessas mulheres negras recordo uma entrevista de
Djamila Ribeiro, concedida a Revista Cult em 2017. Ela dizia que as Mulheres negras são
vanguarda do movimento feminista no Brasil e que os povos negros são a vanguarda dos
movimentos sociais, porque somos as que ficaram para trás, aquelas para os quais nunca houve
um projeto real e efetivo de integração social.
Fomos lançadas na vanguarda do movimento social, do movimento feminista, na luta
antirracista porquê de fato nunca houve um projeto de integração social que incluísse a mulher
negra, cada ação, cada política pública existente foi fruto de muitas tensões e desafios do
Movimentos Negro. Gomes (2017) afirma, isso com muita propriedade quando diz que:
Muito do que sabemos e do que tem sido desvelado sobre o papel da negra e
dos negros no Brasil, as estratégias de conhecimento desenvolvidas pela
população negra, os conhecimentos sobre relações raciais e a questão da
diáspora africana, que hoje fazem parte das preocupações teóricas das diversas
disciplinas das ciências humanas e sociais, só passaram a receber o devido
valor epistemológico e político devido a forte atuação do Movimento Negro.
(Gomes, 2017, p. 17)
Gomes (2002) nos lembra ainda que na escola não compartilhamos só saberes escolares
e conteúdo, compartilhamos também nossas crenças, valores, hábitos e compartilhamos ainda
preconceitos sejam eles de classe, gênero de raça ou de idade e é nesse espaço de interação que
nossa identidade vai sendo construída, moldada, em meio a diálogos, à tensões, conflitos,
negociações, pois nossa identidade não é construída no isolamento, mas na interação com o
outro e a ideia que fazemos de nós mesmos, do nosso eu, é intermediada pelo reconhecimento
obtido dos outros em decorrência de sua ação.
350
E como é difícil para uma mulher negra desde a infância lidar com sua identidade a partir
do olhar do outro e das identidades lançadas sobre nós, essa construção da identidade na
interação é sem dúvida muito conflituosa e marcada muitas vezes pela negação, e as vezes é
difícil entender e aceitar quem somos.
Recentemente assisti uma defesa de dissertação na UFR- Universidade Federal de
Rondonópolis em que a banca externa foi composta pela professora Nancy Helena Rebouças
Franco da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ela dizia com serenidade que sofreu racismo
durante sua infância, mas e isso, não foi para ela uma experiencia tão dolorosa como ela sabe
que foi para maioria das crianças negras, porque ela vem de uma linhagem de intelectuais
negras, cresceu vendo e ouvindo relatos positivos da negritude, para ela entrar na Universidade
era algo muito natural, ela sabia que estaria naquele espaço.
Segundo ela, passou pelo ensino básico colocando-se numa posição de onde nunca saiu,
a de uma menina negra da classe média de uma linhagem de intelectuais que sofreu racismo
mas nunca permitiu que aquilo de alguma forma a impedisse de seguir em frente, mas ela
entende que o que permitiu que ela passasse e continue passando pela crueldade do racismo
com segurança e autonomia foi a estrutura familiar que a cercava, do lugar social em que ela
foi criada e de como ela foi criada para lidar com o racismo, vendo-se como uma mulher negra
que contrariava o que está posto pelo colonizador.
Mas ela sabe que essa não é a realidade da grande maioria das meninas negras e que por
isso quando trabalha com a formação de professores deixa muito claro o papel da escola no
fortalecimento da autoestima e do aprendizado e da construção de uma identidade positiva para
as meninas negras
A escola interfere na construção da identidade do ser, especialmente do ser negro porque
é a partir do olhar lançado sobre o negro e sua cultura que se pode construir uma identidade
positiva ou negativa.
A história tem nos mostrado que essa construção tem sido negativa e tem afetado
significativamente a população negra, especialmente as mulheres negras porque elas além de
sofrerem o racismo sofrem também com o machismo e o sexismo, não por acaso elas estão na
base da pirâmide social ocupando os piores indicadores econômicos e sociais são expostas aos
trabalhos degradantes, precários e com os menores salários, e consequentemente experimentam
as piores condições de vida.
351
Quando pensamos a trajetória escolar da população negra, vemos que nos currículos
escolares que retratam a história do negro este aparece quase sempre como pessoa escravizada,
passiva, sem passado, sem história e consequentemente sem futuro.
Não se vê nem se ouve histórias dos reis e rainhas africanos, altivos, guerreiros, não se
fala nas contribuições desses povos para a história, medicina, gastronomia, esporte, música,
religião.
Gesser e Costa (2018) retratam os dramas vividos pela menina e mulher negra
especialmente na transição entre adolescência e a fase adulta, no processo de construção de sua
identidade e, como a escola tem sido o palco dessas tensões e dos conflitos que afetam essas
meninas-mulheres. Para elas:
A escola, como uma instituição fundamental para transformação social, deve
estar em condições de combater os mais diversos tipos de preconceitos e
discriminações, mas, infelizmente e na maioria das vezes, não é assim que
acontece. A construção distorcida da identidade das meninas negras pode ser
fator marcante de como ela adulta, no futuro, se organizará em um espaço
intensamente ameaçador que não a acolhe como sujeito e não oferece
igualdade de oportunidades, impedindo, assim, a plenitude de suas
potencialidades. (Gesser e Costa 2018, p. 29).
E em meio a todos esses conflitos que a escola passa a ser o primeiro grupo em que ela
começa a tomar consciência de si e de todos os conflitos que a cercam e também nesse momento
que vem de forma mais intensa a exclusão, os preconceitos, os apelidos, as comparações, as
ofensas.
Esse modelo construído no espaço escolar trará consequências e desdobramentos em
outros contextos sociais,
As meninas negras vivem os conflitos próprios de sua idade em busca de si
mesma. Incorporados a esses conflitos ela vive a não representatividade social
de sua negritude. Ela enfrenta a pressão social e sua inserção nos vários grupos
sociais aos quais passa a transitar. (Gesser e Costa, 2018, p. 19)
352
ou negativa. Mas, a escola sempre foi e continua sendo um espaço de submissão para a menina
negra, por intermédio das práticas e dos próprios livros, a menina afrodescendente é submetida
à influência de figuras estranhas à sua identidade, estereotipada, onde o negro aparece com uma
imagem distorcida, fora do real, há uma valorização do eurocentrismo em detrimento do
afrodescendente uma distorção e um apagamento da história da população negra. Conforme
Gomes (2002);
Pensar a relação entre Educação e identidade negra nos desafia a construir,
juntos, uma pedagogia da diversidade. Além de nos aproximarmos do
universo simbólico e material que é a cultura, somos desafiados a encarar as
questões políticas. Torna-se imprescindível afirmar que, durante anos, a
sociedade brasileira e a escola distorceram e ocultaram a real participação do
negro na produção histórica, econômica e cultural do Brasil, e, sobretudo,
questionar os motivos de tal distorção e de tal ocultamento (Gomes, 2002,
p.43)
Conhecemos bem a trajetória das mulheres negras fora e dentro do espaço escolar,
sabemos também que este não é o único espaço de conhecimento, de busca de saber. Os
Movimentos Negros têm sido protagonistas de muitas conquistas e inclusão destas mulheres,
seja no mundo do trabalho, seja na sua entrada na Universidade.
Parte das mulheres que venho entrevistando são mulheres negras que, para conseguir
financiar seus estudos vivenciaram a experiência do trabalho doméstico e algumas delas até
mesmo durante o tempo que cursavam o ensino superior, pois essa era a única fonte de renda
para as despesas pessoais e estudantis enquanto se dedicavam a formação.
É sabido por qualquer mulher negra, que essa vaga nunca virá mesmo com as
qualificações que se possui porque para o mundo do trabalho o lugar da mulher negra é na
subalternidade não importa suas qualificações, e quando esta consegue furar a bolha é difícil
para a sociedade conviver com uma mulher negra vencedora então permanecem as tentativas
de sufocamento dessa mulher a partir da desqualificação de suas habilidades, seu
profissionalismo está constantemente em cheque, sempre em questão.
Não há dúvidas de que o julgamento relativo à mulher negra é muito mais rigoroso e
perverso. Estava lendo recentemente uma entrevista com Matilde, da Secretária de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial do governo Fernando Henrique e pude perceber em suas
palavras, a dor do severo julgamento e tratamento dispensado a ela por causa do uso do cartão
corporativo, que na época provocou o pedido de demissão dela.
353
É possível observar constantemente na mídia o uso desse cartão por outros personagens
com despesas estratos férica e no máximo o que se vê é uma notinha na mídia e vida que segue,
página virada, mas quando é uma mulher negra no epicentro da questão, isso toma uma
proporção que destrói a vida da pessoa, não estou aqui defendendo erros ou exageros de
ninguém no uso de ferramentas públicas, o que estou tentando demonstrar é o tratamento
diferente dispensado a pessoas negras no Brasil.
Uma de minhas entrevistadas contou-me uma experiência que viveu, é difícil não se
emocionar com o relato dela, porque ficamos a nos perguntar o que leva pessoas brancas
entender que são a régua do mundo e que podem julgar e até condenar uma pessoa negra mesmo
que não seja servidor da segurança, assim ao bel prazer, é difícil lidar com isso.
Quanto mais conhecimento se tem, mais sensibilidade para perceber o racismo seja ele
pessoal, estrutural ou institucional e mais revoltadas e ao mesmo tempo impotente diante da
barbárie que se observa no tratamento dispensado a população negra.
Mas também é fato que apesar de tudo isso, jamais deixamos de lutar, prova disso são as
diversas conquistas obtidas nos últimos anos que tem sido importante para os avanços de
políticas de inclusão da população negra no Brasil dentre elas o ministério da Igualdade Racial,
o Estatuto da Igualdade Racial, a lei de Cotas Racial, Cotas nos Concursos Públicos e mais
recentemente a reserva de 30% de cargos em comissão para pretos e pardos.
Além disso o atual governo Lula vem fazendo uma política mais arrojada de inclusão da
população negra e indígena. Há vários projetos em curso que vão beneficiar significativamente
a população negra. Uma das grandes conquistas do Movimento negro foi a lei nº 10.639/2003
de março de 2003 que já completou 20 anos e ainda assim não se tornou uma realidade nas
escolas, mas mesmo assim é muito importante e aos poucos a partir de um grande esforço do
Movimento Negro e dos Conselhos de Direitos que vem cobrando das secretarias de educação
a implementação da lei e avanços vem acontecendo.
Observa-se nos relatos tanto do prof. Dr Flavio Nascimento e das mulheres negras
entrevistadas a afirmação de que as contribuições históricas da população negra eram
trabalhadas durante o cursinho e a valorização da cultura negra eram ressaltadas, além da
inclusão do debate sobre o respeito a religião de Matriz africana, que tem sido o alvo mais
frequente de quem não respeita a liberdade de crença, num grande desprezo a legislação
vigente que prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra
qualquer manifestação ou prática religiosa.
354
Vejamos uma resposta de uma pergunta que fiz ao professor Flávio Nascimento: - O
senhor acredita que o cursinho contribuiu de forma significativa para a afirmação da
identidade das mulheres negras que passaram por ele?
Sim, seguramente, agora o que você trabalha numa sociedade você não
controla todas as variáveis né, teve muita gente que se afastou um pouco dos
ideais né? Nós temos um caso sério de uma menina que ficou com um
complexo de burguesa, mas, impressionante a solidariedade [...]você pode
contribuir com tal coisa, tal coisa, tal coisa, você pode participar de tal evento,
tal evento? Posso, posso, posso. Sabe, se prontifica, mas se você disser, vamos
num ato público assim, aí não, eu já não vou, né? Aí já tem uma resistência
pra isso. Eu não gosto. Então, de fato, a gente não controla essas variáveis.
355
importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e
deformadas, para anular suas possibilidades de reação. (Silva, 2018, p. 161)
Considerações finais
Referências bibliográficas
356
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SOUSA, Neusa Santos. Tornar-se Negro- As vicissitudes da identidade do negro brasileiro
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357
TERRA BRASILIS: EUROCENTRISMO E PATRIARCALISMO NO BRASIL
COLONIAL
1. INTRODUÇÃO
358
O sentimentalismo é expresso pelo “próprio enredo e a escrita poética e empolada que
marcou o Romantismo” (Candido, 2002, p. 65), em que, segundo o autor, “amor, bravura,
perfídia se combinam nele para dar ao leitor o espetáculo de um Brasil plasticamente belo,
enobrecido pelas qualidades ideais do epônimo indígena” (Candido, 2002, p. 65-6). O heroísmo
apontado por Candido como também responsável pela popularidade imediata de O Guarani é
expressamente viril e eurocêntrico.
Viril pela valorização de atributos postulados como próprios do homem como coragem
e retidão moral e eurocêntrico pela ancestralidade direta da família Mariz e a cultura e
religiosidade que trazem de Portugal para os rincões tidos como bárbaros da futura cidade do
Rio de Janeiro. Nas palavras de Dom Antônio de Mariz, o valoroso guarani Peri é “um
cavalheiro português no corpo de um selvagem!” (Alencar, 1996, p. 30). O termo selvagem
perpassa o romance sinalizando a etnia do personagem-título e como contraponto ao ideal
europeu de civilidade.
O sociólogo alemão Norbert Elias observa que o “conceito de ‘civilização’ refere-se a
uma grande variedade de fatos” (1994, p. 23, grifo do autor), tais como o “tipo de habitações
ou a maneira como homens e mulheres vivem juntos, a forma de punição determinada pelo
sistema judiciário ou ao modo como são preparados os a1imentos” (Elias, 1994, p. 23).
Contudo, a função geral do conceito de civilização “expressa a consciência que o Ocidente tem
de si mesmo. Poderíamos até dizer: a consciência nacional” (Elias, 1994, p. 23). Conforme
Elias, o termo civilização – guardada as peculiaridades semânticas que cada idioma lhe confere
– descreve o que o Ocidente considera seu “caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível
de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, a desenvolvimento de sua cultura científica ou
visão do mundo” (1994, p. 23, grifos do autor), rebaixando ao selvagem e primitivo o lhe é
destoante. E o Brasil colonial o era completamente a Portugal.
Contemporâneo de Alencar e autor de História geral do Brasil, o historiador brasileiro
oitocentista Francisco Adolfo de Varnhagen refere-se aos povos originários do Brasil
quinhentista como bárbaros e que seus “laços da família, primeiro elemento da nossa
sociedade, eram mui frouxos” (1877, p. 46), ocasionando, conforme suas palavras, que “as
delícias da verdadeira felicidade domestica quase não podem ser apreciadas e saboreadas pelo
homem no estado selvagem” (Varnhagen, 1877, p. 46).
Em História da literatura brasileira, escritor José Veríssimo adverte que “Varnhagen
não é de fato romântico, senão pela época literária em que viveu e colaborou; de todos os
359
brasileiros seus contemporâneos no período inicial do Romantismo, é talvez o único que além
de não ser indianista” (1916, p. 104), expressando, em seus escritos, “não ter nenhuma simpatia
pelo índio como fator da nossa gente, ao contrário o menospreza, o deprime e até lhe aplaude a
destruição" (Veríssimo, 1916, p. 104).
De acordo com crítico literário brasileiro Alfredo Bosi, para elevar Peri à categoria de
herói romanesco, “Alencar não via meio mais eficaz do que amalgamá-lo à vida da natureza. É
a conaturalidade que o encanta” (2015, p. 151), realçando em sua narrativa “desde as linhas do
perfil até os gestos que definem um caráter, tudo emerge do mesmo fundo incônscio e selvagem,
que é a própria matriz dos valores românticos” (Bosi, 2015, p. 151). Corroborando, a
pesquisadora brasileira Angela Arruda destaca que “Alencar naturalizou, assim, as temáticas
fundacionais: a pujança da natureza e o encontro das raças, desconhecendo a raça negra e
valorizando a índia, sempre que convertida” (2008, p. 177).
Ao longo de O guarani, Peri galga exemplarmente a condição de herói. Convertido ao
catolicismo, europeizado e tendo demonstrando sua fidelidade aos Mariz, ele salva Cecília da
fúria dos aimorés. Enfraquecida, ela “embebeu os olhos nos olhos de seu amigo, e lânguida
reclinou a loura fronte. O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face” (Alencar, 1996, p. 253).
Apropriadamente a uma mocinha romântica, “fez-se no semblante da virgem um ninho de
castos rubores e límpidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo
soltando o vôo” (Alencar, 1996, p. 253).
Para o teórico brasileiro Silvano Santiago, Alencar recai no “eurocentrismo romântico,
pois o fim óbvio do texto (O guarani) é de comprovar, pela analogia, o valor nobre do
selvagem” (1982, p. 102, grifos do autor). A idealização dos povos nativos feita por Alencar e
por outros autores românticos de sua época – e rejeitada veemente por Varnhagen – remonta à
descoberta da América. Ao longo do século XVI, os relatos de viajantes e marinheiros que
aportaram no novo continente fascinaram as populações europeias com a exaltação de um
paraíso mágico, um verdadeiro Jardim do Éden em abundância de beleza e de recursos naturais
(Holanda, 2010).
Como bem observa a filósofa brasileira Marilena Chauí, o Novo Mundo era considerado
como tal à Europa seiscentista por apresentar um “retorno à perfeição da origem, à primavera
do mundo, ou à ‘novação do mundo’, (2001, p. 63, grifos da autora), em oposição “à velhice
outonal ou à decadência do velho mundo. E é outro porque é originário, anterior à queda do
homem” (Chauí, 2001, p. 63, grifos da autora).
360
Segundo o sociólogo brasileiro Sergio Buarque de Holanda, os teólogos da Idade Média
não representavam “o Paraíso Terreal apenas um mundo intangível, incorpóreo, perdido no
começo dos tempos, nem simplesmente alguma fantasia piedosa (2010, p. 12). Pelo contrário,
era “sim uma realidade ainda presente em sítio recôndito, mas porventura acessível” (Holanda,
2010, p. 12) e que “debuxado por numerosos cartógrafos, afincadamente buscado pelos
viajantes e peregrinos, pareceu descortinar-se, enfim, aos primeiros contatos dos brancos com
o novo continente (Holanda, 2010, p. 12).
Em Chronica da Companhia de Jesu do estado do Brasil, o padre jesuíta Simão de
Vasconcelos relata que os primeiros colonizadores da chamada Nova Hespanha consideravam
que “os Indios da America não erão verdadeiramente homens racionaes nem individuos da
verdadeira especie humana” (1865, p. XCIV). Assim, “erão incapazes dos sacramentos da Santa
Igreja: podia tomal-os pera si, qualquer que os houvesse, e servir-se d’elles” (Vasconcelos,
1865, p. XCIV), da mesma maneira que se serve “de hum cavalo, ou de hum boi, feril-os,
maltratal-os, matal-os, sem injuria alguma, restituição ou peccado” (Vasconcelos, 1865, p.
XCIV).
Em 1537, Papa Paulo III promulga a bula papal Sublimis Deus e reconhece os indígenas,
conforme a tradução de Vasconcelos, “como verdadeiros homens, não sómente são capazes da
Fé de Christo, senão que acodem a ella, correndo com grandissima promtidão” (1865, p. XCV).
Assim, “os ditos Indios, e toda as mais gentes que d'aqui em diante vierem á noticia dos
Christãos, ainda que estejão fóra da Fé de Christo” (Vasconcelos, 1865, p. XCV), não devendo
ser mais “privados, nem devem sel-o, de sua liberdade, nem do dominio de seus bens, e que
não devem ser reduzidos a servidão” (Vasconcelos, 1865, p. XCV).
A antropóloga luso-brasileira Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha atenta que o
reconhecimento da humanidade dos povos nativos da América impôs à cristandade da época o
“problema crucial de inseri-la na economia divina, o que implica inseri-la na genealogia dos
povos” (1990, p. 102). A solução teológica encontrada foi “senão a da continuidade, senão
abrir-lhe um espaço na cosmologia européia” (Cunha, 1990, p. 102).
Nessa perspectiva, “os habitantes do Novo Mundo descendem necessariamente de Adão
e Eva, e portanto de um dos filhos de Noé” (Cunha, 1990, p. 102). No entanto, não de qualquer
um dos filhos dele, mas “provavelmente do maldito, Cam, aquele que desnudou seu pai – razão,
especula Nóbrega, da nudez dos índios” (Cunha, 1990, p. 102), que menciona que estes "sabem
do dilúvio de Noé, bem que não conforme a verdadeira história" (NÓBREGA 1886, p. 84), uma
361
vez que “dizem que todos morreram, excepto uma velha que escapou em uma árvore”
(Nóbrega,1886, p. 84).
Os antropólogos brasileiros João Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire
observam que os relatos do século XVI “identificaram os indígenas como ‘gentios’ (pagãos),
‘brasis’, ‘negros da terra’ (índios escravizados) e ‘índios’ (índios aldeados)” (2006, p. 25, grifos
dos autores). Em suas cartas, o sacerdote jesuíta português Manuel da Nóbrega os chama
predominantemente de gentios e exalta “é de grande maravilha haver Deus entregue terra tão
boa, tamanho tempo, a gente tão inculta que pouco o conhece” (1886, p. 83), pois estes “nenhum
Deus têm certo, e qualquer que lhes digam ser Deus o acreditam” (Nóbrega,1886, p. 83).
Ao classificar os povos originários do Brasil de gente inculta por desconhecer o deus
cristão e seus evangelhos, Nóbrega e os demais jesuítas se dispõem a ensiná-los e a torná-los
cultos. Em Dialética da colonização, Bosi observa que “as palavras cultura, culto e colonização
derivam do mesmo verbo latino colo, cujo particípio passado é cultus e o particípio futuro é
culturus” (1992, p. 11, grifos do autor). Etimologicamente, “colo significou, na língua de Roma,
eumorp, eu ocupo a terra± e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo” (Bosi, 1992, p.
11, grifos do autor). Por sua vez, prossegue Bosi, “colo é a matriz de colônia enquanto espaço
que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar” (1992, p. 11, grifos do
autor).
Em Páginas de história do Brasil, o historiador e padre jesuíta português Serafim Leite
afirma que “os índios, como tôdas as civilizações primitivas, possuíam espírito demasiado
ingénuo para se defenderem eficazmente contra a astúcia dos civilizados” (1937, p. 18). Mais
adiante, o autor insiste que “a vida dos índios, quando chegaram os Portugueses ao Brasil,
estava na escala inferior da civilização” (Leite, 1937, p. 21) e que não era “possível subir a um
grau superior sem necessidades correspondentes. Os índios não as tinham. O rio ou o mar dava-
lhes o peixe; a floresta, a caça. Vestuário não era preciso” (Leite, 1937, p. 21).
A benevolência da natureza tropical brasileira, sugere Leite, proporcionou aos indígenas
uma “vida quási só vegetativa” (1937, p. 21) e que para estes pudessem “ascender aos estádios
superiores da civilização, era preciso criar o hábito do trabalho e a necessidade dele” (Leite,
1937, p. 21), evidenciando o estigma colonialista que os povos originários das Américas
prezavam o ócio ao invés do trabalho árduo e sistematizado. De acordo com o historiador
brasileiro Boris Fausto, “os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e
regular e mais ainda compulsório, como pretendido pelos europeus” (1994, p. 49).
362
Fausto destaca ainda que os jesuítas se esmeraram “no esforço em transformar os índios
através do ensino, em ‘bons cristãos’” (1994, p. 49, grifos do autor) e “ser um ‘bom cristão’
significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus” (Fausto, 1994, p. 49, grifos
do autor). Corroborando, a pesquisadora brasileira Lizia Helena Nagel atenta também que os
jesuítas estimularam “exaustivamente o trabalho para a produção de bens, ao defenderem
abertamente a necessidade do escravo para a produção de excedente (em larga escala)” (1996,
p. 37), exercendo “um sistemático disciplinamento contra o ócio, ao estimularem o
desenvolvimento econômico de modo intencional” (Nagel, 1996, p. 37).
Ao revistarmos o romance O guarani e os discursos históricos do Brasil colonial,
buscamos evidenciar os estigmas – pejorativos e românticos – que marcaram nossos povos
nativos, o apagamento ou a idealização folhetinesca de sua cultura e a imposição da europeia
em nosso cotidiano e também no escolar. Tais discursos estabelecem uma persistente dicotomia
entre o que é atribuído como civilizado e primitivo, hostilizando e menosprezando o segundo
ou fazendo sua folclorização. Igualmente, demarcam uma única crença como salvadora e
demonizam as demais. Também trazem consigo a virilidade que coloniza, civiliza e traz a fé
verdadeira aos estigmatizados como selvagens e gentios, pois, “há um acréscimo de forças que
se investem no desígnio do conquistador emprestando-lhe às vezes um tônus épico de risco e
aventura” (Bosi, 1992, p. 12).
2. EDUCAÇÃO CRISTÃ
1
Stearns observa que, “embora as civilizações indígenas tenham sido patriarcais – os homens mantendo o papel
de destaque –, as mulheres com frequência tinham papéis importantes artísticos e rituais nas cerimônias religiosas”
(2007, p. 113), o que não ocorria no cotidiano europeu ou de seus colonos na América.
364
solicitando educação para as indígenas” (Ribeiro, 2000, p. 80), argumentado “que, se a presença
e assiduidade feminina era maior nos cursos de catecismos, porque também elas não podiam
aprender a ler e escrever?” (Ribeiro, 2000, p. 80). O pedido dele não foi atendido, pois, ao fazer
tal solicitação à rainha, “aparentemente, o Brasil estava pedindo mais do que as próprias filhas
da alta nobreza do reino, com raras exceções, podiam ter” (Mattos, 1958, p. 90).
Ao rejeitar a proposta jesuítica de uma instrução formal feminina, a rainha portuguesa
a classificou de “ousada devido às ‘conseqüências nefastas’ que o acesso das mulheres
indígenas à cultura dos livros da época pudesse representar” (Ribeiro, 2000, p.81). Entretanto,
para os padres jesuítas, “a educação feminina na colônia não era apenas um requinte de erudição
feminina” (Ribeiro, 2000, p.81), significava “uma questão mais grave: tratava-se de lançar a
base para a obra de moralização e também uma forma eficiente na formação de famílias
brasileiras” (Ribeiro, 2000, p.81).
Segundo Leite, “os colonos, vindos de Portugal, ou nascidos já na terra, preferiam
muitas vezes, ter em casa uma índia, que lhes servissem ao mesmo tempo de criada” (1937, p.
18). Ou seja, eles “queriam tôdas as vantagens do homem casado sem nenhum dos encargos
matrimoniais. Porque, depois de terem em casa as índias o tempo que lhes parecia, não raro as
abandonavam” (Leite, 1937, p. 18). Ribeiro atenta também que a “busca do lucro fácil e a
ausência da família incitava à dominação sexual masculina na colônia” (2000, p.81). Conforme
Arruda, a mulher indígena se torna “a encarnação das fantasias sexuais do colonizador e em
seguida o ventre esplêndido que gestará a população deste lado do oceano, doce demônio que
seduz e produz” (2008, p. 166)
Para coibir a libidinosidade dos colonos, “Nóbrega acha que o acesso à instrução pelas
indígenas poderia colaborar de forma positiva. Os padres jesuítas tinham o desejo de fundar
recolhimentos para as mulheres no Brasil” (Ribeiro, 2000, p.81). Também solicitavam “de
Portugal orfãs pobres, que se casariam tôdas; até as ‘erradas’ achariam marido” (Leite, 1937,
p. 17, grifos do autor). Em Mulheres e educação no Brasil-Colônia: Histórias entrecruzadas,
Ribeiro analisa que o pedido desesperado dos jesuítas por mulheres brancas não importando
“sua condição social, sua inteligência, beleza, ou outros qualificativos” (1987, p. 14), evidencia
apenas a urgência de “que viessem ‘muitas e quaisquer delas’ para reproduzirem os filhos dos
colonizadores, os verdadeiros mandatários da Colônia” (Ribeiro, 1987, p. 14, grifos da autora).
No empenho de moralizar o Brasil colônia, os educadores jesuítas “não perderam tempo
com adultos. Sabiam perfeitamente que as mentalidades se formam na juventude” (Leite, 1937,
365
p. 15) e se concentraram nas crianças de sexo masculino. Em Sobrados e mucambos, o estudioso
brasileiro Gilberto de Mello Freyre observa que a mesma tática que os jesuítas empregavam
para “conseguirem dos índios que lhes dessem seus corumins” (Freyre, 1936, p. 93), aplicavam
aos colonos para que estes também “lhes confiassem seus filhos, para educarem a todos nos
seus internatos, no temor do Senhor e da Madre Igreja” (Freyre, 1936, p. 93). Em ambos os
casos, tornavam os meninos “filhos mais delles, padres, e della, Igreja, do que dos caciques e
das mães caboclas, dos senhores e das senhoras de engenho” (Freyre, 1936, p. 93), disputando
com o patriarcalismo doméstico dos primeiros colonos “na sua auctoridade sobre o menino, a
mulher, o escravo” (1936, p. 92).
Ribeiro também destaca o imperativo do patriarcalismo colonial, pois o homem – e
apenas ele – era “quem dominava, por meio da família patriarcal. Aliás, a palavra família vem
de famulus, uma expressão latina que quer dizer: escravos domésticos de um mesmo senhor”
(2000, p.82, grifos da autora). Portanto, todos sob o mesmo teto “deviam obediência ao senhor
patriarcal. Sua esposa e filhas também. Elas o chamavam de “senhor, meu marido; senhor meu
pai” (Ribeiro, 2000, p.83, grifos da autora).
Freyre afirma que “é caracteristico do regimen patriarcal, o homem fazer da mulher uma
creatura tão differente delle quanto possivel. Elle, o sexo forte, ella o fraco; elle o sexo nobre,
ella o bello” (1936, p. 117). No caso da instrução formal, esta dicotomia entre os sexos
estabelecia que, se o homem estudava e também lecionava, não cabia a mulher fazer o mesmo.
Restava-lhe, os afazeres domésticos e cuidar do marido e dos filhos (Freyre, 1936). Fausto
observa que o patriarcalismo brasileiro apontado por Freyre podia ser ostensivo na classe
dominante nordestina, mas “entre a gente de condição social inferior, a família extensiva não
existiu, e as mulheres tenderam a ter maior independência” (1994, p. 74).
Fausto também pondera que, “mesmo em relação às famílias de elite, o quadro de
submissão das mulheres tinha exceções” (1994, p. 74), citando que isso ocorreu na região de
São Paulo, “onde as mulheres, descritas por um governador da capitania por volta de 1692 como
‘formosas e varonis’, assumiram a administração da casa e dos bens” (Fausto, 1994, p. 74,
grifos do autor). No entanto, o autor ressalva que o comando que essas mulheres exerceram foi
“quando os homens se lançaram por vários anos às expedições no sertão” (Fausto, 1994, p. 74).
Consideração semelhante é feita quanto à independência das mulheres das classes populares,
que ocorriam quando essas “não tinham marido ou companheiro” (Fausto, 1994, p. 74).
366
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisadora brasileira Maria Lúcia de Arruda Aranha destaca que, no século XVII,
“o ensino no Brasil não apresentou grandes diferenças com relação ao do século anterior”
(2006, p. 164). Conforme a autora, o ensino jesuítico “manteve a escola conservadora, alheia à
revolução intelectual representada pelo racionalismo cartesiano e pelo renascimento científico”
(Aranha, 2006, p. 164). O descompasso entre o que os jesuítas ensinavam e o contexto histórico
europeu da época – e que Portugal ambicionava se inserir – é a justificava alegada por Dom
José I para expulsá-los “como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Dominios, onde
tem causado tão enormes lesoens, e tão graves escândalos” (Portugal, 1759). A Companhia de
Jesus estava tão desgastada que a Igreja não apenas aceitou sua expulsão como o Papa Clemente
a extinguiu em 1773, “convencido de que ela trazia mais problemas do que vantagens” (Fausto,
1994, p. 113).
Almeida afirma que a expulsão dos jesuítas “veio quebrar o mais forte, o mais poderoso
instrumento de educação” (1889, p. 19, tradução nossa). Contudo, tal iniciativa “não conseguiu
vencer o obstáculo que lhe foi oferecido pela ausência de um elemento indispensável à
realização dos seus vastos desígnios” (Almeida, 1889, p. 19, tradução nossa), que era não ter
“um número suficientemente grande de laicos aptos para o ensino primário e muitas vezes nem
sequer para o ensino elementar” (Almeida, 1889, p. 19, tradução nossa).
Para a pesquisadora brasileira Guacira Louro, o ensino jesuítico no Brasil também nos
legou uma escola marcadamente masculina e que “esse modelo de ensino permanece no País
por um largo tempo, mesmo depois de oficialmente afastado, ao final do século XVIII” (1997,
p. 94). A instrução formal feminina viria a ser implantada apenas com a Lei de 15 de outubro
de 1827, que determinava “crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares
mais populosos do Imperio” (Brasil, 1827) e também possibilitava a abertura de “escolas de
meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho julgarem
necessario este estabelecimento” (Brasil, 1827). Apesar das dificuldades da implantação e da
permanência feminina nos bancos escolares, a pesquisadora brasileira Andréa Tereza Brito
Ferreira destaca que “o ingresso das mulheres nas escolas de primeiras letras, no século passado,
marca o despontar do feminino para vida pública” (1998, p. 43).
Ao concluirmos este artigo, destacamos como a educação brasileira se constituiu
histórica e maciçamente masculina (Louro, 1997; Ribeiro, 1992; 2000), eurocêntrica
(Nagel,1996) e vinculada ao cristianismo e aos seus dogmas religiosos e morais
367
(Chambouleyron, 2004; Leite, 1937). A laicização do ensino não ocorreu com a expulsão
pontual dos jesuítas em 1759 ou com a instituição das aulas régias no mesmo ano pela Coroa
portuguesa (Almeida, 1889; Fausto, 1994). Tampouco, não nos parece ter ocorrido
efetivamente na escola contemporânea, que permanece – se não católica – cristã e refratária às
manifestações culturais e religiosas de matrizes indígenas e africanas.
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ELIAS, Nobert. O processo civilizador: uma história dos costumes. Trad. Ruy Jungmann. Rio
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368
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A.J. Fernandes Lopes, 1865. Disponível: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242811
Acesso em: 15 jan. 2023.
370
GT 6 - TERRITÓRIO/TERRITORIALIDADE: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Resumo: Os indígenas têm o papel muito importante na preservação de meio ambiente, e não
é possível desconectar território do meio ambiente mantendo a sua tradição através de
preservação e manejo sustentável, e eles tem uma ligação muito forte com a natureza, os
conhecimentos tradicionais são ligados a sua organização social, seus valores e seu modo de
vida. Eles respeitam a natureza, e desenvolvendo forma de manejo que preservam os recursos
naturais sem colocar em risco os ecossistemas. A biodiversidade para os povos indígenas é
muito importante e eles são guardiões de Fauna e flora. E hoje o clima está mudando devido as
ações humanas. E com esse intuito a comunidade e os professores da Escola indígena Estadual
Jasy Rendy criaram um projeto juntamente com os alunos para sensibilizar os estudantes da
necessidade de recomposição florestal na área através de atividades práticas como visitar as
nascentes, plantar mudas e diálogos com os mestres tradicionais.
Palavras - chave: Sustentabilidade, cultura indígena, meio ambiente
Introdução
371
Jaguapire e conseguiram demarcar como terra indígena e os de Pueblitokue que continuam
aguardando a regularização do seu tekoha.
Segundo Colman, (2007, p. 33) “muitas famílias permaneciam em suas áreas, nas
atuais fazendas, onde inclusive trabalhavam. Ali sofriam todas as formas de pressão por parte
dos fazendeiros para deixarem suas terras”. Para esta autora a situação de pressão territorial
pode ser observada no relato de João Montiel, registrado por F. Grünberg (2002, p.3 apud
COLMAN, 2007, p.33):
372
Pueblito, meu tekoha, minha aldeia, era uma floresta muito grande e era bom;
tinha muitas espécies diferentes de animais selvagens. O fazendeiro dizia:
“esta casa não te pertence, aqui não é de vocês, vão trabalhar na reserva
indígena! E se não saírem daqui, vou matá-los a todos!”. Meus pais estavam
passando por uma situação muito ruim, o que podíamos fazer? Matamos e
comemos todas as galinhas e porcos; não foi gostoso comer estes animais e
nos preparamos para irmos embora.
O impacto dos deslocamentos e das doenças sobre a organização social dos Kaiowá e
Guarani, bem como o tratamento a eles dispensado, nesse período, embora já se tenha
importantes relatos, é tema ainda pouco pesquisado. Há diversos relatos dos kaiowá e guarani
sobre o tema: “Teve muita morte ali [...], tinha bastante cemitério de criança inocente” (Roberto
Gonçalves de Samakuã). “Muito índio morria de tuberculose, maleita, gripe”, como na
expressão de Ubaldo “pouco recurso, morreu muito” (Ubaldo Castelan, de Sassoró, BRAND,
1997, p.101 e 102).
Assim também nas compreensões e estudo de Caleiro (2021, p.37) os Guarani do início
da conquista se mostravam como “exímios agricultores, que utilizavam uma avançada e
tradicional técnica de manejo da agrobiodiversidade na floresta”.
373
Essa é uma pesquisa etnográfica, cada tekohá (Território indígena) são as terras mais
preservadas em sua biodiversidade. O objetivo dessa pesquisa é identificar as práticas de
sustentabilidade e biodiversidade que estão presente na Reserva de Sassoró e as ressignificações
culturais do meio ambiente, principalmente a partir da iniciativa da escola Jasy Rendy.
A Escola Estadual Jasy Rendy promove uma Educação Ambiental para que haja
diferença no futuro, de um território mais sustentável. a Educação Ambiental é muito
importante e traz para reflexão temas relacionados com poluição, a questão do lixo,
desmatamento, queimada, assoreamento dos leitos dos rios e córregos e como ter roça
tradicional, de onde vem a alimentação saudável, puro e natural, sem contaminação de
herbicidas.
Apresentamos a seguir algumas imagens que ilustram o dia de plantio para recuperação
da mata ciliar, junto a nascente como exemplo de uma dessas atividades com os estudantes da
escola.
374
Os resultados obtidos indicam que há uma ligação muito forte entre os povos indígenas
e a natureza, pois eles preservam bioma e mantêm a biodiversidade dos ecossistemas e na
concepção indígena tudo está ligado a questão de espiritualidade, as crenças e conhecimentos
estão interligados. De acordo com Carneiros (2004): Sob a perspectiva do direito, questões da
375
importância do papel fundamental da terra para continuidade e conservação dos povos
indígenas. Nesse sentido o autor fala da importância de autosustentabilidade, no capítulo VIII
da Constituição Federal do Brasil/1988, que assegura aos indígenas os direitos de proprietários
originários das terras que tradicionalmente ocupam.
Os artesãos quando vão retirar algo da floresta pedem autorização a Jarás (Deuses)
demostrando o respeito mútuo pela natureza. “Por meio de matéria prima diretamente
dependente da floresta, como fibras, troncos ou sementes, se cria uma relação estreita com a
natureza, seu ambiente local e as múltiplas possibilidades de uso sustentável” (ABREU,
NUNES, 2012)
Nesse sentido, Colman e Pereira (2020, p. 69) traz uma reflexão que é fundamental:
Os indígenas desenvolvem forma ecológica de manejo da natureza, pois tem uma visão
de valores, defender a biodiversidade e proteger os próprios territórios e aos povos indígenas.
376
As áreas retomadas encontram-se degradadas e desmatadas e,
consequentemente, com solos desgastados, dificultando a prática da roça,
elemento primordial para a produção de alimentos e para a reprodução da
cultura tradicional. As roças são importantes para os Kaiowá e Guarani, tanto
para a sua sobrevivência física como cultural, devido ao seu significado
cosmológico. Já não é mais possível realizá-las da mesma forma, como no
passado, principalmente, porque não há mais espaço que possibilite a
itinerância, devido ao confinamento em pequenas áreas e porque não há mais
matas. Os rios e nascentes de água encontram-se poluídos em consequência
da destruição de suas matas ciliares, problema que se acentuou a partir do
confinamento imposto a esse povo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRAND, Antonio. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os
difíceis caminhos da Palavra. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.
CALEIRO, Manuel Munhoz. Os Guarani e o direito ao centro da terra. 2. Ed. Naviraí, MS.
Aranduká 2021.
377
COLMAN, Rosa S, PEREIRA, Levi M. Territorialidade e sustentabilidade: desafios para as
comunidades kaiowá e guarani em Mato Grosso do Sul. Revista NERA, Presidente Prudente
v. 23, n. 52, pp. 63-89. (Dossiê), 2020.
RAZERA, Júlio César C.C.; BOCCARDO, Lilian; PEREIRA, Jussara Paula R. Percepções
sobre a fauna e flora em estudantes indígenas de uma tribo Tupinambá no Brasil: um caso de
etnozoologia. Revista Eletrônica de Ensênanza de las Ciências, v.5, n.3, 2006, p. 466 – 480.
PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, PPP, Escola Indígena Ubaldo Arandu Kuê-mi, Aldeia
Sassóro, Tacuru MS, 2015.
TOALDO, Ciro José; MAGRI, Geovana; MARTINS, Elizeu. Aculturação indígena na Aldeia
Sassóro Guarani-Kaiowá – Tacuru – MS, 2018.
378
A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO KAIOWÁ E A AÇÃO INDIGENISTA
NO SUL DE MATO GROSSO
Resumo: Este texto tem como objetivo ponderar eventos historiográficos de ocupação do
território Kaiowá, na região sul do então estado de Mato Grosso. Para desenvolver os estudos
utilizamos de pesquisa bibliográfica e fontes documentais que referenciam a política de
ocupação do território Kaiowá e a atuação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) nas suas
comunidades. Para tanto, contamos com as contribuições de estudiosos do tema, tais como:
Brand (1997), Carli (2008), Ribeiro (1996) e outros. As formas de intervenção do SPI, nos
conflitos entre índios e fazendeiros na região sul de Mato Grosso, resultaram em demarcação
de reservas e tentativa de integração dos Kaiowá à nacionalização e, consequentemente, na
fragilização de suas culturas tradicionais.
Por meio de uma política formulada durante o Estado Novo (1937–1945), o Governo
Federal passou a incentivar a ocupação dos vazios demográficos no interior do país. Pode-se
considerar que o primeiro programa de ocupação foi denominado de Marcha para o Oeste, com
a criação da Fundação Brasil Central, cujos objetivos eram mapear, propiciar a criação de
núcleos populacionais em diversas áreas do Centro-Oeste, estabelecer e promover a integração
dos Estados, sobretudo das regiões do Norte e do Centro-Oeste.
No antigo estado de Mato Grosso2, integrar o indígena à ordem nacional significava
também evitar o conflito pela posse da terra e estimular o desenvolvimento da economia nessa
1
Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), docente da Universidade do Estado de
Mato Grosso do Sul (UEMS), graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), vice-líder no Grupo de Estudos, Pesquisa em História da Educação Brasileira (GEPHEB) e vice-líder do
Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Gênero e Diversidade (GEPHIS).
2
Tendo em vista o recorte temático do texto usarei o nome antigo sul de Mato Grosso por considerar os eventos
que ocorreram na década de 1970, os fatores socioeconômicos e políticos distintos aliados à força política e
econômica dos fazendeiros do sul de Mato Grosso. Essas inciativas contribuíram com o surgimento de ideias
divisionistas que colaboraram para a posterior separação das regiões norte e sul do Estado. E, no dia 11 de outubro
de 1977, concretizou-se o desmembramento de Mato Grosso do Sul, elevado pelo presidente Ernesto Geisel à
categoria de estado em 1º de janeiro de 1979.
379
região. A inserção de noções relativas ao valor do trabalho na cultura indígena era uma maneira
de garantir a exploração de enormes riquezas econômicas e naturais existentes por aqui. Para
garantir essa exploração das riquezas naturais, foi necessário o encurralamento do indígena e,
consequentemente, a expropriação de seu território.
Quando os recrutava, a empresa fornecia-lhes alimentação e ferramentas para o trabalho.
Esses produtos custavam caro; assim, provocavam o endividamento dos trabalhadores, que
eram obrigados a prestarem serviços para a empresa até quitarem uma dívida infindável. Com
o direito de extrair a erva-mate da região, a Cia Matte Larangeira buscava manter os
trabalhadores em seus domínios com o auxílio de pistoleiros que usavam da violência para
manter o controle. No primeiro momento, a população local teve permissão da empresa para
retirar a erva-mate como forma de sustentabilidade, mas essa cláusula nunca foi cumprida, pois
os ervateiros ameaçavam, espancavam e expulsavam os extrativistas que ousassem realizar essa
atividade.
O “Decreto nº 520, de 23/06/1890 ampliava os limites da posse da Cia Matte Larangeira
e dava-lhe o monopólio na exploração da erva-mate nativa na região abrangida pelo
arrendamento” (BRAND, 1997, p. 61). Mas foi por meio da Resolução nº 103, de 15 de julho
de 1897, que a Companhia teve seu maior território arrendado, com aproximadamente 5.000.00
hectares, mas ultrapassava seus limites fixados nos decretos e resolução. Essas concessões
extinguiram quase todas as possibilidades de sobrevivência dos Kaiowá.
A concessão de terras à Cia Matte Larangeira foi sucessivamente ampliada e acabou por
incidir diretamente sobre o território dos Kaiowá e Guarani, o que gerou luta pela posse da terra.
Diante dessa situação de conflito, o governo criou as reservas. Essas reservas foram
fundamentais para assegurar a liberação das terras para ocupação e colonização, uma vez que
os índios eram vistos como obstáculos pela ideologia dominante. O domínio da Companhia
Matte Larangeira começou a encontrar oposição em 1912, quando tratava de renovar os
arrendamentos.
380
Mesmo assim, a Companhia chegou ao seu auge em 1920. Lograram renovar o
arrendamento sobre um total de 1.440.000 hectares, por meio da Lein° 725, de 24 de setembro
de 1915. Mas a mesma lei, que liberou a venda de até dois lotes de 3.600 ha a terceiros, atingiu
completamente seu monopólio. Com a criação no território de Ponta Porã, pelo então presidente
Getúlio Vargas, anulam-se os direitos da Companhia Matte Larangeira que penduram até 1943
(Brand, 1997).
As concessões feitas à Companhia atingiram significativamente o território dos Kaiowá
- a primeira frente de expansão econômica em seu território. Observamos que a força de
trabalhos amplamente predominante nos ervais tinha sido a paraguaia, ocorreu, em várias
regiões, o engajamento dos índios kaiowás e guaranis nos trabalhos relacionados à colheita e
ao preparo da erva-mate, como têm sido abundantemente descritos por diversos grupos
indígenas (Brand, 1997).
O sistema de aldeamento era um recurso estratégico do Estado, pois garantia o
desenvolvimento econômico da região e a função de “proteger e zelar” os povos indígenas. A
estes cabia a aceitação da expropriação de suas terras, a adesão da cultura do branco e a
conformidade em ter que viver em pequenos espaços de terras. Os indígenas manifestantes
contrários ao sistema de aldeamento eram reprimidos pelo Estado e pela iniciativa privada. Para
serem úteis aos interesses do Estado, era necessário que os indígenas incorporassem práticas
culturais do homem branco e ratificassem a sua relação de inferioridade e “ajustamento” à
formação da nova sociedade.
Em Mato Grosso, a Fundação Brasil Central atuou ativamente na região leste do Estado,
especificamente no Vale do Araguaia e no município de Barra do Garças. Como resultado da
atuação da autarquia, surgiram diversos núcleos urbanos, com destaque à cidade de Nova
Xavantina.
O governo do Estado de Mato Grosso, nas décadas de 1950 e 1960, promoveu uma
grande venda de terras nas regiões norte e noroeste do atual Estado, no intuito de que as
referidas áreas fossem colonizadas por latifúndios. Entretanto, tal tentativa não deu certo, e, em
vez de surgirem novos núcleos urbanos e rurais, houve uma concentração de grandes extensões
de terras nas mãos dos particulares.
Os estudos de Maria Aparecida Carli, sobre o povoamento da Colônia Agrícola
Municipal de Dourados, afirmam que, ao incentivar o povoamento das regiões no interior do
país, Vargas legitimava alguns territórios com o incentivo às atividades agropastoris, principal
381
atrativo para aqueles que tinham a intenção de se estabelecerem nesses territórios. Os propósitos
do governo Vargas sensibilizaram os trabalhadores rurais e a população do país para colonizar
e ocupar os espaços vazios, atraindo pessoas de diversos lugares em busca da realização de seus
sonhos: um pedaço de terra, pois representava um meio de subsistência (Carli, 2008).
Para validar suas propostas de povoamento e colonização das distantes terras, no caso,
no sul do Estado de Mato Grosso, o governo estabeleceu o Decreto-lei nº 5.941, de 28 de
outubro de 1943 (Brasil, 1943), instituído em 1º de janeiro de 1944, e criou a Colônia Agrícola
Nacional de Dourados (CAND) e apresentou a região para as pessoas de outros Estados
brasileiros.
A partir de 1910, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) passou a intervir nos permanentes
conflitos entre índios e fazendeiros na região sul do então estado de Mato Grosso, o que
culminou com a demarcação de várias reservas. Coube ao SPI agrupar os indígenas dispersos e
confiná-los nas áreas oficialmente delimitadas. Muitos foram compelidos a deixar seus
territórios originais para viverem em um espaço criado artificialmente pelo Governo. A função
do SPI não se limitava à questão de deslocamento territorial, mas se estendia à nacionalização
e homogeneização cultural.
O início do século XX trouxe importantes questões que procuravam estabelecer relação
entre a nação brasileira e os indígenas. Pode-se considerar como primeira, o princípio religioso,
representado por meio da tradicional catequese cristã, que buscava na instrução escolar e nos
aldeamentos incutir, controlar e despojar os índios de suas próprias culturas. Foi idealizada
pelos princípios científicos, eugenistas, e pelos interesses coloniais nas frentes de expansão
nacional. A segunda questão baseou-se em argumentos de incapacidade de os índios
acompanharem o processo civilizatório que anunciavam sobre os princípios de ordem e
progresso do país; já o terceiro argumento, fundamentado nos ideais positivistas e pela
representação romântica que a população urbana possuía sobre o índio, foi a assistência, a
pacificação e a incorporação dos indígenas à população nacional.
Completa Darcy Ribeiro, no livro Os índios e a civilização: integração das populações
indígenas no Brasil moderno, que, no período Imperial, foram realizados alguns apontamentos,
os quais efetivavam o extermínio das populações indígenas; contudo, não foram aplicados pelo
Império. No dia 20 de julho de 1910, pelo Decreto nº 8.072, a Presidência da República cria o
Serviço de Proteção ao Índio e Trabalhadores Nacionais (SPILTN), com o objetivo maior de
382
prestar assistência às populações indígenas no território brasileiro e prever intenso trabalho que
consistia em
[...] uma organização que, partindo de núcleos de atração de índios hostis e arredios,
passava a povoações destinadas a índios já em caminho de hábitos mais sedentários
e, daí, a centros agrícolas onde, já feitos a trabalhos nos moldes rurais brasileiros,
receberiam uma gleba de terras para se instalarem, juntamente com sertanejos. Esta
perspectiva otimista fizera atribuir, à nova instituição, tanto as funções de amparo aos
índios quanto a incumbência de promover a colonização com trabalhadores rurais. Os
índios, quando para isto amadurecidos, seriam localizados em núcleos agrícolas, ao
lado dos sertanejos. (Ribeiro, 1996, p. 158).
Observa-se que a passagem da categoria índio para a de trabalhador rural, nas concepções
do SPI, se daria pela oferta da mão de obra ou como trabalhador nacional. A política indigenista,
ao compreender os povos indígenas como transitórios - não como povos de culturas
diferenciadas, com territórios e de direitos - demarcaram as suas terras na concepção de reservas
e, no decorrer dessa transitoriedade, passava a ser exercida com a proteção do Estado. Lilian
Moritz Schwarcz, em seus estudos sobre a raça, afirma que a
383
transformação do Posto Indígena3. Assim, os objetivos dos funcionários poderiam ser
facilmente comparados aos do empregador de fazenda e, os índios, a um assalariado ou mesmo
outra forma de relação social do mundo rural brasileiro da época (Rocha, 2003).
Os grupos indígenas pertenciam a diferentes etnias. Na época do programa de
aproximação, foram classificados como se estivessem em diferentes estágios de evolução.
Algumas etnias mantinham-se em constantes conflitos com os colonos, o que fez estes a adotar
um processo de aproximação denominado pacificação, adotada pelas províncias e adequada a
cada região e seus problemas.
As Instruções Internas do Serviço de Proteção aos Índios, emitidas pela Diretoria Geral
(SPI, 1910, p. 20), consistiam, essencialmente, em determinar alguns critérios para pacificar
grupos indígenas hostis. Justificavam que exerciam suas funções:
3
O SPI possuía uma organização de trabalho vinculada a uma diretoria com instalação no Rio de Janeiro, capaz de
coordenar e administrar o serviço em todo o Brasil. As inspetorias estavam ligadas aos Estados em que havia a
presença de índios, atuavam na administração desses territórios. As localizações dos postos tinham como principal
objetivo povoar as terras indígenas e, por meio deles, ocupar esses espaços e atuar sistematicamente sobre eles.
384
alimentos sem serem repreendidos. Em alguns locais, tinham o cuidado de observar por onde
passavam para depositar os brindes para serem recolhidos pelos índios.
Atrair e pacificar, conquistar terras sem destruir os ocupantes indígenas, obtendo-se,
assim, a mão de obra necessária à execução de explorar e preparar as terras não povoadas para
as futuras ocupações brancas. Pensou-se em um rigoroso conhecimento e formas de apossar os
territórios desconhecidos nos registros geográficos e fazer do índio um trabalhador nacional.
Art. 219. Nenhum trabalho, nenhum perigo, nenhum sacrifício necessario, a ninguem
é licito evitar no Serviço de Proteção aos Indios; de sorte, que ainda quando sangue
generoso de muitas victmas haja de ser indevidamente derramado pelo selvicola, a
dolorosa lembrança dos seus quatro seculos de martyrios seja capaz de inspirar aos
verdadeiros servidores da grande causa, nova energia e novo devotamento. (SPI,
1910).
385
“tempo”, “lugar”, “saber” e de “religião” indígena, estratégias capazes de causar efeitos
drásticos naquela população. O primeiro objetivo do órgão governamental foi criar uma ação
sobre o tempo.
Michel de Certeau (1994), na obra A invenção da escrita, afirma que muitos colonizadores
tiveram importantes conquistas, organizaram expansões e independência em relação à
variabilidade das circunstâncias, principalmente no domínio do tempo e da fundação de um
lugar autônomo. Com essas considerações, observamos nas Instruções Internas do SPILTN
exigências de realizar projetos e orçamentos para a edificação de habitações fixas e a criação
de escolas nas áreas localizadas e demarcadas. A política adotada, apesar de considerar a
“brandura” para com qualquer alteração dos costumes indígenas, estava voltada para a fixação
do índio em espaço, integração e incorporação dele à sociedade nacional.
[...] Paragrafo único - As Populações Indígenas formarão por assim dizer a estação
intermediaria destinada a passagem do índio nomade aos habitos comuns de
estabilidade, e em seguida, à incorparação aos trabalhadores nacionais installados nos
‘Centros Agricolas’. (SPI, 1910, art. 37 DAS POVOAÇÕES INDÍGENAS).
A marcha migratória teve significativa importância para os índios. Muitas etnias, por
serem consideradas nômades, dificultavam os primeiros contatos com os civilizados. Dentro
dos aspectos evolucionistas, as ocupações de terras são vistas como importantes, pois os grupos
indígenas nômades são considerados pouco avançados no aspecto civilizatório. Importante
ressaltar não ser necessária a existência de uma horda, mas a fixação em um território.
A sedentarização foi vista como um passo adiante para o progresso da humanidade, algo
mais próximo dos bons costumes da sociedade nacional, ou seja, isso implica a
descaracterização do ser indígena “original”. Não se deve esquecer que a proteção oficial é
pensada em articulação com a visão do índio como um ser em transição. A ocupação dos
espaços implicava a fixação dos povos, a fim de deixar uma marcha civilizatória para que a
humanidade pudesse alcançar alto grau de superioridade e evoluir com a nação.
386
Art. 4º. Realizado o accôrdo, o Governo Federal mandará, proceder á medição e
demarcação dos terrenos, levantar a respectiva planta com todas as indicações
necessarias, assignalando as divisas com marcos ou padrões de pedra.
Art. 11 (Parágrafo único). [...] O governo sempre que julgar necessário, fará construir
estradas de rodagem para ligação dos aldeamentos aos centros de consumo ou ás
‘Povoações Indígenas’.(Brasil, 1911).
Por meio da fragmentação dos espaços, os terrenos foram divididos e constituíram uma
estranha força capaz de transformar o lugar concreto, valendo-se de práticas com as quais se
podem transformar os objetos; medir, controlar e incluir uma nova visão, ou seja, o espaço
vivido foi desconstruído para ser edificado outro diferente (Certeau, 2011).
Um aspecto importante no Artigo 3º – “Das terras e sua habitação para o serviço” diz
respeito à concessão e à regularização das terras indígenas, as quais não diferem muito da
demarcação de terras realizadas nos Estados Centrais. Assim, observamos que a atitude do
Estado era de marcar e medir os terrenos, representados pelos “padrões de pedra” para delimitar
os espaços, depois a organização de uma planta de um memorial e, em seguida, a concessão de
títulos.
A ênfase estava na demarcação e não se preocupava com os levantamentos de dados
sociais e culturais das populações indígenas como condição para povoar esses espaços, ou seja,
a demarcação era mais importante que qualquer outra questão jurídica ou mesmo antropológica.
Notamos que os artigos foram redigidos em ordem lógica, representativa do indício de
ausência do necessário levantamento de identificação para se apoiarem durante a demarcação.
Certamente, a escolha da terra para ser repassada aos índios não tinha como critério o território
da etnia beneficiada; afinal, a ênfase estava na demarcação de um lugar para “ocupação” e não
nos procedimentos jurídicos que determinam a terra como natural aos índios.
Considerações finais
Foi observado que a década de 10 pode ser compreendida como um marco importante na
atuação do SPI, diante dos conflitos criados entre fazendeiros e índios, na região sul do estado
de Mato Grosso. Nesse período, a ação indigenista estabelecida na região culminou em
demarcação de reservas e, principalmente em agrupamentos de indígenas nas áreas oficialmente
delimitadas para recebê-los.
Vários indígenas foram compelidos a deixar seus territórios originais e, sem alternativas
de sobrevivência ou escolhas de espaços territoriais, foram viver com suas famílias em um lugar
387
precário. O ambiente artificial criado pelo Governo não permitia aos Kaiowá a subsistência de
suas famílias e, principalmente, sem as condições de manterem as formas tradicionais de estar
no mundo.
Essa lógica de demarcação de terra indígena tenha relação com o substrato evolucionista da
época, segundo o qual a ocupação era considerada um estágio evolutivo, portanto, a posse da terra é
sempre adquirida pelo indígena, uma extensão da ocupação pensada como uma forma de concessão,
definição utilizada para a titulação de seu espaço territorial.
Referências
BRAND, Antonio Jacó. O impacto da perda da terra sobre a tradição Kaiowá/Guarani: os
difíceis caminhos da palavra. 1997. 382 f. Tese (Doutorado em História)– Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1997.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução Maria de Lourdes Menezes. 3. ed. Rio
de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 2011.
LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz: poder tutelar, indianidade e
formação do Estado no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
ROCHA, Leandro. A política indigenista no Brasil (1930-1967). Goiânia, GO: Ed. UFG,
2003.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições equestão racial no
Brasil - 1870-1930. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1993.
SPI-Serviço de Proteção ao Índio. Diretoria Geral. Instruções internas. [S.l.]: SPI, 1910.
388
AS RELAÇÕES COM O AMBIENTE E A SUSTENTABILIDADE DOS TERENAS DA
ALDEIA BANANAL NA TERRA INDIGENA TAUNAY-YPEGUE / MATO GROSSO
DO SUL
INTRODUÇÃO
1
Conforme informação disponível em https://www.saberesindigenasnaescola.org/copia-biblioteca-1, acessado em
25/11/2019.
2
“No livro Do índio ao bugre: o processo de assimilação dos Terena, o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira
(1976), a partir de escritos de cronistas dos séculos XVIII e XIX,como Sanches Labrador, Félix Azara, Juan
Francisco Aguirre, Francis de Castelnau, AlfredoD’ Escragnolle Taunay, considera que o subgrupo Echoaladi foi
designado como Guaná em algumas obras. Devido a imprecisões como essas, é necessário ter cautela na
interpretação dos dados. A designação dos diversos grupos indígenas não era uniforme e, não se pode inferir
exatamente os mesmos etnônimos para a atualidade” (XIMENES, 2017, p. 31).
391
Tradicionalmente, aponta Eloy Amado (2020, p. 394) que os Terena ficaram conhecidos
no âmbito da etnologia brasileira como “um caso limite de ser ou não índio no Brasil” (Cardoso
de Oliveira, 1976, p. 07). E é nesta perpectiva histórica, que se abre um debate no campo
antropologico envolvendo questões relevantes como o fatores de “identidade, etnicidade,
resistência, apropriação e uso político da identidade, urbanização e fronteiras étnicas,
entre outras variantes das relações interétnicas” (Eloy Amado, 2020, p. 394).
Contudo, os textos que abordam a história do povo Terena adotam a divisão da linha do
tempo terena, sistematizada por Circe Maria Bittencourt e Maria Elisa Ladeira (2000), no livro
A História do Povo Terena, seguindo: 1) os Tempos Antigos se estendiam até o final da Guerra
contra o Paraguai; 2) os Tempos de Servidão correspondiam ao período entre o final da Guerra
contra o Paraguai e a formação das Reservas no início do século XX; 3) os Tempos Atuais
estariam situados após a formação das Reservas.
O pesquisador terena Claudionor do Carmo Miranda (2006), em sua dissertação
intitulada Territorialidades e práticas agrícolas: premissas para o desenvolvimento local em
comunidades terena de MS, acrescentou a essa linha um quarto período: Tempo do Despertar,
a fase da busca pela autonomia. Seria do ponto de vista de Miranda (2006) que o terena fosse
caracterizado pela “inserção dos ‘patrícios’ Terena nos espaços que antes não eram ocupados
por eles, na economia regional, por exercerem cargos públicos ou serem profissionais liberais
e pela presença dos jovens Terena nas universidades” (Miranda, 2006, p. 22)3.
Entretanto, em recente artigo, o pesquisador Terena Eloy Amado (2018), a partir da
leitura do material disposto, dos documentos pesquisados e de relatos colhidos, reformulou
esses tempos históricos do povo Terena, inclusive no que tange ao Tempo do Despertar
formulado por Miranda (2006). O atual Secretário – Executivo Nacional do Ministério dos
Povos Indígenas, o Terena Luiz Henrique Eloy Amado pontuou outras situações históricas
vivenciadas pelo povo Terena e defendeu que o tempo do despertar caracteriza-se pela efetiva
luta pelo território, ou seja, pelas revindicações de terras levadas a cabo pelas lideranças a partir
da década de 2000.
Fato é que os Terena há muito tempo transitam em espaços institucionais e mantêm
desde dos tempos do Brasil Colônia, uma assídua relação com agentes estatais, se apropriando,
inclusive de outros símbolos, mas que nem por isso, deixaram de ser culturalmente diferentes
3
Neste mesmo sentido Ximenes (2017).
392
e de se reafirmarem enquanto povo indígena. E ainda, aliado a esta constatação, nos últimos
anos de suas lideranças tem levado a cabo uma intensa mobilização de luta pela terra, conforme
consignado nos trabalhos de Ximenes (2017) e Eloy Amado (2013 - 2019).
Os pesquisadores Zoia, Pasuch e Peripolli (2015, p. 87) descrevem que historicamente,
“o povo Terena contribuiu muito para a formação da região sul-mato-grossense; no entanto, é
pouco lembrado pelos seus feitos”. Neste sentido, o reconhecimento jurídico dos direitos
culturalmente diferentes esculpidos na Carta Constitucional de 1988, aos povos indígenas,
ganha relevância de igual modo, tendo em vista o contexto da realidade dos Terenas, que além
de participarem ativamente do processo de elaboração dos Artigos 231 e 232 da CF/88, tem a
cada dia mais, demandados políticas públicas especificas para suas comunidades como a
preservação do ensino indígena e a relação de “educação ambiental” para com o seu povo.
Neste ínterim, percebemos que muito se fala da importância cultural, educacional e
socioambiental de populações indígenas, entretanto, sua influência na preservação do meio
ambiente, normalmente é esquecida. Resgatar os saberes ancestrais e ambientais dos terenas
para o cuidado do meio ambiente é essencial, visto que esses saberes atrelados a de outros povos
indígenas são cruciais principalmente para uma formação que valorize as raízes culturais locais
e que permita um aprendizado zeloso que corrobora com a construção de caminhos e
alternativas mais humanas, sociais e ambientalmente sustentáveis.
E é no trilhar de caminhos e alternativas que trazemos reflexões quanto à alteração do
clima e a sobrevivência da humanidade, com atenção aos olhares e tensões para a justiça e
mudanças climáticas. Essas Reflexões surgem a partir das experiências de lutas que muitos
povos indígenas diariamente engajam como possibilidades e formas de resistências dentro de
seus territórios.
Nemonte Nenquimo, Líder do povo indígena Waoroni do Equador, relata à UN
Enviromment Programme (2021), Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como
se deu o processo de luta contra os mineradores, madeireiros e empresas de petróleo que
pretendiam se estabelecer na floresta amazônica. Nenquimo liderou um processo em 2019 que
proibiu a extração de recursos em 500 mil Hectares de suas terras ancestrais - uma vitória
judicial que deu esperança às comunidades indígenas em todo o mundo.
A expressão que traduz a relevância de se discutir os cuidados da natureza a partir dos
povos indigenas se extrai da afirmativa de Nenquimo ao UN Enviromment Programme (2021)
considerando que "A luta que fazemos é por toda a humanidade."
393
No último dia Internancional dos Povos Indígenas ocorrido em 2021, especialistas
afirmaram que governos devem aprender com os exemplos ambientais dados pelas
comunidades indígenas, algumas das quais viveram em harmonia com a natureza por milhares
de anos. Caso contrário, corremos o risco de acelerar a tripla crise planetária que o mundo
enfrenta devido às mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição.
Neste foco, a ciência é absolutamente clara de que estamos colocando pressões extremas
no planeta. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2020
estimaram que o aquecimento global provavelmente atingirá 1,5°C entre 2030 e 2052. A
Organização Meteorológica Mundial e o Met Office do Reino Unido trouxeram esta linha do
tempo ainda mais perto de casa, com novas mudanças climáticas previsões que apontam para
uma probabilidade de 20% de que um dos próximos cinco anos será 1,5°C mais quente do que
os níveis pré-industriais.
Não obstante, não precisamos olhar além da pandemia global causada pelo COVID-19
nos últimos anos, uma doença zoonótica, ou seja, transmitida de animal para humano, para
saber que o sistema afinado do mundo natural foi interrompido. E, finalmente, a “trilha tóxica”
do crescimento econômico – poluição e desperdício que resultam “todos os anos na morte
prematura de milhões de pessoas em todo o mundo” (ONU-UNESP, 2020, online).
O fio condutor, em certo sentido, que perpassa essa tríplice crise planetária é a produção
e o consumo insustentáveis. O Painel Internacional de Recursos sempre nos lembrou que nossa
extração implacável e ilimitada de recursos da Terra está tendo um impacto devastador no
mundo natural, impulsionando a mudança climática, destruindo a natureza e aumentando os
níveis de poluição.
Nesses contextos, acreditamos que os saberes ancestrais do povo Terena possam
contribuir para novos olhares e tensões, visto que neste campo de discussão buscamos trazer
reflexões, olhares e tensões a partir da resistências e vivências a partir do território do povo
terena, além disso, identificando exemplos da importância cultural e espiritual/cosmológica dos
terenas na manutenção de espaços – ambientes de preservação ambiental possam auxiliar no
fortalecimento da identidade do povo e alternativas mais justas e sustentáveis na sociedade.
Quando buscamos compreender as questões ambientais a partir da percepção dos povos
tradicionais indígenas em seus saberes, diversidades e cultura, isso implica reconhecer sua
essência e seus meios de sobrevivência e o impacto social.
394
[…] A importância e a valorização dos saberes tradicionais, seja dos povos indígenas
ou de outros, como o propósito de preservar a história ambiental e tradicional sobre
usos, costumes, tradições […] são conhecimentos (que) podem contribuir nas
estratégias e ações para a consecução do ambiente sustentável. (Souza; Lima; Mello;
Oliveira. Pag. 7. 2015).
[...] múltiplas vozes que compõem a “ópera” social, suas entoações, desentoações,
graves e agudos que “marcam as relações de poder”, possibilitando, deste modo,
compreender as políticas públicas e os sujeitos não enquanto “entidade prévia do
discurso”, mas como “o próprio efeito da discursividade” (p. 324).
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
(Brasil, 1988).
395
Ou seja, entende o ambiente não apenas como a natureza externa, da qual o homem
supostamente não faz parte, mas sim como o local em que vivemos; sobre o qual temos
responsabilidades e com o qual mantemos uma relação de interdependência, tanto pelo que é
produzido e consumido (água, alimentos e outros recursos para produção de objetos e
equipamentos diversos) quanto pelos resíduos que são descartados.
Para Gohn (2010) os indígenas detêm saberes sobre a floresta, tanto da arquitetura de
seu território, como de suas matas e animais, e possuem com a terra uma relação que não passa
pela ideia de propriedade, é algo do mundo simbólico, do sagrado.
Os povos tradicionais possuem um acordo ético em relação ao meio ambiente, conforme
defende Carneiro da Cunha (2008) a importância em se preservar as culturas desses povos que
se tornaram figuraschave na conservação do planeta. Segundo a autora, os direitos que se
reconhecem hoje a povos tradicionais em geral se fundamentam nos serviços ambientais que
eles prestam, assim, ser povo tradicional é, no fundo, um contrato, um pacto de não agressão
ao meio ambiente.
A Declaração RIO–92, estabelece no Princípio 22 que os povos indígenas e suas
comunidades, assim como outras comunidades locais, desempenham um papel fundamental na
ordenação do meio ambiente e no desenvolvimento devido a seus conhecimentos e práticas
tradicionais.
Também, a Lei 9.985/00 – Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação –
SNUC trata das comunidades tradicionais como sendo fatores de preservação do meio ambiente
nas Unidades de Conservação - UCs.
Guimarães e Medeiros (2016) descrevem que “vivemos nos dias atuais uma crise sem
precedentes”, o capital (modo econômico) detentor da alavanca e norte da sociedade, onde
consumir é a necessidade e sobrevivência, os custos desta ainda apontam que se trata claramente
de:
“uma crise que pela primeira vez na história planetária, uma espécie ameaça as
condições ambientais da biosfera; ambiente onde se encontram as condições que
mantém a possibilidade da continuidade da vida”. (Guimarães; Medeiros, 2016, p.50).
Assim sendo, a visão socioambiental apontada pelos estudos de Carvalho (2008) a que
nos orienta, contudo de:
Uma racionalidade complexa e interdisciplinar (que) pensa o meio ambiente não como
sinônimo de natureza intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a
396
sociedade e a base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos
dessa relação se modificam dinâmica e mutuamente. (Carvalho, 2008, p. 37).
[…] o meio ambiente como um espaço relacional, em que a presença humana, longe
de ser percebida como extemporânea, intrusa ou desagregadora, aparece como um
agente que pertence à teia de relações da vida social, natural e cultural e interage com
ela (Carvalho, 2008, p. 37).
A inter-relação entre pessoas e meio ambiente sempre tem um contexto que influenciará
sua percepção. Fazendo-se necessário conhecer o meio, os valores sociais, a forma de produção
e sobrevivência, as relações, as histórias de vida, ou seja, a cultura.
Essa interação entre cultura, sociedade e ambiente apontada por Carvalho também é
apontada por Stuart Hall (2003) ao definir cultura,
como "o estudo das relações entre elementos em um modo de vida global". A cultura
não é uma prática; nem apenas a soma descritiva dos costumes e "culturas populares
[folkways]" das sociedades, como ela tende a se tornar em certos tipos de
antropologia. Está perpassada por todas as práticas sociais e constitui a soma do inter-
relacionamento das mesmas. (Hall, 2003, p. 136).
4
Justiça climática é um termo usado para enquadrar o aquecimento global como uma questão ética e política, em
vez de uma questão de natureza puramente ambiental ou física. Trata-se de um movimento para tentar garantir
justiça global para a população vulnerável aos impactos das mudanças climáticas que geralmente é esquecida:
pobres, mulheres, crianças, negros, indígenas, imigrantes, pessoas com deficiência e outras minorias
marginalizadas em todo o mundo.
398
a ideia do Antropoceno [teoria de que as ações humanas mudaram profundamente o
funcionamento do planeta e que isso constituiria uma nova era geológica].
Então, se o pensamento dos seres humanos acerca da vida aqui no planeta ficou tão
atomizado ao ponto de nós ameaçarmos as outras existências, a Terra pode nos deixar para trás
e seguir o seu caminho. Gaia é esse organismo vivo, inteligente, e que não vai ficar subordinado
a uma lógica antropocêntrica. Ele dispensa a gente.
Essa compreensão parece uma ideia mágica, romântica, mas muitos cientistas
consideram a Teoria de Gaia [a ideia de que a Terra é um organismo vivo] ser real. Inclusive,
“os eventos que estamos passando agora são indicativos de que esse organismo está reagindo.
Estamos experienciando a febre do planeta”. (Krenak, 2020, online).
O organismo de Gaia está com febre porque nós, os humanos, somos os únicos que
temos a capacidade de incidir sobre esse organismo de maneira desordenada. E
estamos ameaçando outras vidas, outras existências, causando uma febre neste
organismo. É muito didático, não é uma teoria complicada. Nós estamos
desorganizando a vida aqui no planeta, e as consequências disso podem afetar a ideia
de um futuro comum – no sentido de a gente não ter futuro aqui junto aos outros seres.
Os humanos serem finalmente incluídos na lista de espécies em extinção. (Krenak,
2020, online).
CONCLUSÃO
O presente estudo ainda não possui resultados visto estar em fase de reformulação e
alinhamento de pesquisa, trata-se de reflexões iniciais contidas no pré-projeto de investigação
399
em nível de Doutoramento do Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado em Educação
da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande – Mato Grosso do Sul no Brasil.
Espera-se que a investigação no decorrer de sua descoberta venha a contribuir quanto
ao saber ancestral aqui pensando como saber sagrado para com o cuidado da natureza e suas
possíveis articulações para a justiça climática e o retardamento das mudanças climáticas para
as presentes e futuras gerações.
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direitos: movimento indígena e confronto político. Tese de doutorado. Programa de Pós-
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Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 86-104, jan./jun. 2015.
402
COMO O CONHECIMENTO LOCAL DOS HABITANTES DA SERRA DO
AMOLAR CONTRIBUIU PARA A PROTEÇÃO DOS ANIMAIS DA REGIÃO EM
MEIO AO FOGO DO PANTANAL SUL
INTRODUÇÃO
No ano de 2021 foi realizada uma pesquisa no intuito de entender como foi a relação
entre a equipe do Grupo de Resgate Técnico de Animais do Pantanal-Cerrado do Estado de
Mato Grosso do Sul (GRETAP-MS) e os ribeirinhos da região da Serra do Amolar, localizada
no Pantanal Sul, durante a atuação no desastre das queimadas que ocorreram no ano de 2020.
Ao longo das entrevistas ficou claro a importância do saber local para o conhecimento científico
e como o saber da Comunidade Amolar contribuiu para que a atuação do GRETAP-MS pudesse
ser efetivamente aplicada para ajudar a minimizar o problema que estavam enfrentando naquele
período.
403
Foram mais de 22.000 focos de incêndio, o que resultou em prejuízos sem precedentes
para o Bioma Pantanal, e em meio à tragédia muitos animais morreram e outros ficaram feridos,
por este motivo é que houve a necessidade de formação de um grupo de profissionais que
pudesse atuar com seu conhecimento técnico na tentativa de minimizar consequências do
desastre ambiental.
Em meio ao caos a população ribeirinha já estava atuando na tentativa de salvaguardar
o seu território e garantir o seu modo de viver, para isso eles se utilizaram da sabedoria popular,
ou seja, do seu conjunto de crenças, valores e normas que foram aprendidos com seus
antepassados e que orientaram o seu comportamento diante da situação de desastre e que
orientam o seu pensamento em diferentes outras situações.
O conhecimento empírico, ou o saber local, é um tipo de conhecimento/saber baseado
na experiência cotidiana e nas observações do dia a dia. Não segue um método científico ou
formal, mas é baseado na intuição, na tradição e no significado. Esse conhecimento pode dar
uma grande contribuição para a proteção dos animais e do planeta, porque estabelece a relação
direta e íntima que certas comunidades humanas têm com a natureza.
A intenção com o presente artigo é apresentar a relação entre o conhecimento empírico
e o conhecimento científico que resultou da interação entre o GRETAP-MS e a Comunidade
Amolar frente ao combate às consequências causadas pelo fogo no ano de 2020 no Pantanal do
Mato Grosso do Sul.
2 DESENVOLVIMENTO
404
Reserva Mundial da Biosfera e patrimônio natural da humanidade pela UNESCO (Urquiza e
Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
A Serra do Amolar está localizada no Pantanal Sul, à aproximadamente 100 km do
município de Corumbá, próximos às divisas entre os Estados de Mato Grosso do Sul e Mato
Grosso, é também bem próximo à divisa do Brasil com a Bolívia (Pisa Trekking, 2022). O
Maciço do Amolar como também é conhecido, é uma formação rochosa, com cerca de 80 km
de montanhas, que conferem ao local um cenário incrível e bastante diferente das paisagens
planas e alagadas que se conhece da região (Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022). O
nome “Amolar” vem da prática de utilizar a pedra de arenito para amolar ferramentas, como foi
apresentado no programa Terra da Gente, exibido pela TV Globo em 18 de abril de 2020.
O papel natural da Serra do Amolar é represar as águas dos Rios Paraguai e São
Lourenço e assim contribui para a formação de lagoas, essa função é vital para o Bioma
Pantanal, por isso a Serra do Amolar é uma área prioritária para a conservação (aquelemato.org,
2018).
Em termos populacionais, os habitantes da Serra do Amolar são constituídos por
comunidades tradicionais nascidas de uma mistura de povos indígenas e imigrantes. Ao longo
dos anos a população vem diminuindo devido à falta de alternativas econômicas e à migração
para cidades próximas, como Corumbá. Não existem dados oficiais sobre o número exato de
pessoas que moram na região, mas estima-se que seja cerca de 200 aglomerados familiares, de
acordo com a organização não governamental Ecologia e Ação – ECOA (c2021).
O incêndio na Serra do Amolar foi um dos maiores incêndios já registrados no Pantanal,
foram 3 meses de queimada, entre agosto e novembro do ano de 2020, causando grandes danos
à flora, à fauna e à população local. De acordo com o jornal Correio do Estado (2023) “cerca
de 97% da área da Serra do Amolar foi queimada em 2020, o que corresponde a 1,408 milhão
de hectares”.
Durante este período houveram vários resgates de animais vitimados pelo fogo, entre
eles duas onças pintadas, ambas foram nomeadas com nomes de moradores locais pelos
próprios ribeirinhos que auxiliaram no trabalho de resgate. Uma delas batizada com o nome
Tiago, em homenagem a um jovem da região que havia falecido um ano antes, não resistiu aos
ferimentos e veio a óbito no Centro de Reabilitação de Animais Silvestres – CRAS em Campo
Grande. O outro animal, batizado de JouJou em homenagem à Dona Jouana também moradora
local, se recuperou, hoje está saudável e de volta ao território da Serra do Amolar.
405
Os resgates foram executados pelo grupo de resgate que se mobilizou a partir da
necessidade de solucionar a problemática que se formava doravante o desastre do fogo, os
animais silvestres estavam feridos e sem condições de se alimentar ou se abrigar, devido a
proporção dos incêndios.
O grupo de resgate, intitulado de Grupo de Resgate Técnico Animal do Pantanal-
Cerrado do Estado de Mato Grosso do Sul (GRETAP-MS) é composto por especialistas ligados
à proteção ambiental, Conselho Regional de Medicina Veterinária do Mato Grosso do Sul
(CRMV/MS), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Instituto Tamanduá (IT), Instituto
Homem Pantaneiro (IHP), Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL),
Secretaria do Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar
(SEMAGRO), Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), Fundação Municipal do Meio Ambiente de Corumbá (FMAP),
Polícia Militar Ambiental (PMA), Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso do Sul
(CBMMS) e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) (Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
Mais tarde, no ano de 2021, o grupo foi homologado pelo Governo do Estado de Mato
Grosso do Sul através do Decreto nº 15.651 de abril de 2021, após os incêndios florestais de
2020 que assolaram o estado, o grupo se consolidou e tem como missão: Fornecer profissionais
qualificados e treinados para resposta emergencial a qualquer desastre que possa ocorrer
(Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
A partir das operações realizadas em 2020, os integrantes que atuaram na linha de frente
do combate ao fogo e resgate dos animais, puderam estar em contato direto com a população
local o que resultou em uma soma de conhecimento e uma força tarefa na missão de auxiliar o
território da Serra do Amolar durante o crítico período do desastre do fogo.
O Saber local é um saber que vem do cotidiano, passa de pai para filho, nasce da
interação com o meio ambiente, é o conhecimento baseado na experiência vivida e na
observação do mundo sem evidências científicas. Na concepção de Milton Santos (1999), “o
conhecimento local é um produtor de discurso e de política”. Isto quer dizer que ele é formado
a partir de entendimentos que se baseiam em experiências, sem considerar métodos científicos.
O fato de se tratar de uma construção de dentro para fora, aponta para que é a sabedoria
local que contribui para que o conhecimento científico se forme e não o contrário (Urquiza e
406
Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022). Geertz (2009), corrobora com este pensamento e
classifica o saber local como “precursor do saber científico”.
Para o território que o presente artigo apresenta, este conhecimento regional é vital para
qualquer ação que se faz necessária, já que se trata de um ecossistema cheio de especificidades.
O povo pantaneiro que vive às margens do rio Paraguai, herdou conhecimentos dos povos
indígenas e entende os ciclos do Pantanal, caracterizados por cheias, secas e incêndios (Urquiza
e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022).
O conhecimento científico é uma fonte de saber que fornece explicações e soluções que
melhoram a compreensão prática ou cotidiana. É uma forma de conhecer que busca
compreender a realidade por meio de métodos rigorosos e sistemáticos. Ele se diferencia de
outros tipos de conhecimento, como o senso comum, por exigir provas empíricas e lógicas para
sustentar suas afirmações (Menezes, c2017-2022).
Aplicar uma técnica é usar um conhecimento adquirido por meio de estudo, experiência
e observação para resolver problemas ou tomar decisões. Para possibilitar uma aplicabilidade é
preciso primeiro identificar o objetivo que necessita alcançar, posteriormente é preciso
pesquisar informações relevantes e confiáveis sobre o assunto. O que possibilita a capacidade
de aplicação técnica é o conhecimento científico (de Souza, 2013).
Os eventos que ocorreram no ano de 2020 na Serra do Amolar, possibilitaram aplicação
de práticas oriundas de ambos os conhecimentos abordados acima, por um lado a população
local empregando o seu conhecimento experenciado e por outro o grupo de profissionais
atuando de maneira técnica, todos em prol de um mesmo objetivo. Inicia-se aqui a discussão
imprescindível deste artigo, ou seja, como o conhecimento local dos habitantes da Serra do
Amolar contribuiu para a proteção dos animais da região em meio ao fogo do Pantanal Sul.
A pesquisa realizada no ano de 2021, a qual levantou dados da percepção dos integrantes
do GRETAP-MS acerca do saber local dos moradores da Comunidade Amolar, entrevistou 8
(oito) componentes e obteve respostas que corroboraram para a hipótese de que o conhecimento
da população local auxiliou nos trabalhos com os animais durante o período em que estiveram
atuando no combate ao fogo na região. Abaixo apresenta-se no quadro 1 os trechos mais
emblemáticos das falas dos entrevistados:
407
Quadro 1 – Falas emblemáticas dos entrevistados acerca da experiencia vivida na Serra do Amolar durante as
operações realizadas no combate ao fogo no ano de 2020.
O quadro 2, apresenta as falas ipsis litteris (sic) dos entrevistados na pesquisa realizada
no ano de 2021 e evidencia de maneira bastante genuína a associação com o saber local e como
esse conhecimento pôde contribuir para a prática técnico/científica.
Quadro 2 – Opinião com relação à participação e o conhecimento da população local, e o que o grupo
aprendeu com eles.
Sem os moradores locais, muitas coisas não poderiam ter sido feitas, porque eles conheciam o local como a palma
da mão deles. Nos guiavam para chegarmos onde tínhamos que chegar. Nos direcionavam para onde os animais
estavam. Sem contar o conhecimento da flora local e o comportamento dos animais, que somaram com as ações
do GRETAP e permitiu que muita coisa fosse feita (sic).
Acredito que foi crucial para que as coisas pudessem acontecer, foi a participação da população. A população nos
indicava onde havia animais machucados ou locais onde viram os animais forrageando a procura de alimento, o
fato de podermos contar com o apoio deles com a distribuição dos alimentos para estes animais. Foi uma
participação importante para o sucesso da operação (sic).
O aprendizado com a população local foi o ponto mais alto de toda a ação. A possibilidade de aplicar todo o
conhecimento técnico adquirido para tentar minimizar os impactos causados pelo fogo. A população local nos
mostravam onde os animais estavam, eles tinham uma preocupação de nos manter sempre informados e também
tinham a preocupação em saber como nós estávamos. Dividiam o pouco que tinham conosco. Os conhecimentos
pantaneiros, para entender o local e principalmente, como SER HUMANO (sic).
Os moradores ribeirinhos sempre se mostravam dispostos a ajudar nas ações aplicadas na Serra do Amolar,
pareciam preocupados com a situação e relatavam que era a primeira vez que presenciaram o Pantanal naquela
condição. Sempre que possível nos acompanhavam e relatavam a mudança que cada área havia sofrido. Foi visível
o conhecimento local por parte deles e isso nos auxiliou nas escolhas dos pontos de assistencialismo (sic).
Os Ribeirinhos foram muito maravilhosos, eles são muito receptivos e acolhedores. No começo ficaram com pé
atrás por sermos muito jovens, mas depois fomos criando um vínculo com todos e eles sempre foram muito
prestativos e gostavam de contar histórias sobre a vida deles no lugar e sobre os animais o que nos ajudou muito
a identificar espécies (sic).
Bom, eles são muito carentes de atenção são pessoas que estão longe da cidade, então quando temos uma ação
dessas eles ficam impactados, vi que a participação deles foi fundamental para diversas tarefas tais como:
localização e conhecimento sobre os animais, as plantas sempre indicando da melhor maneira possível, sempre
avisando de algum avistamento de animal que pudesse estar precisando de ajuda ou comida. Aprendi que eles
vivem em situação precária e são felizes assim, levam a vida com muita leveza (sic).
408
Eles foram fundamentais na ação. Como a área é muito extensa, eles ajudavam a colocar frutas para os animais,
avisavam quando viam algum bicho ferido e davam suporte para a equipe. Aprendi demais com eles sobre o local,
sobre comportamento de alguns animais e a história da Serra do Amolar. Pra mim essa parte foi das que tornou
toda a experiência mais enriquecedora ainda (sic).
Sem dúvida alguma, e ouso dizer que a população teve o papel mais importante do nosso trabalho. Eles detêm
informações sobre os melhores percursos, conhecem as características do local, dos animais e das plantas. Então
a presença deles foi fundamental (sic).
Fonte: Urquiza e Wenceslau, 2022. In: Castilho, 2022.
2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica claro que o conhecimento local da Comunidade Amolar foi um elemento muito
importante nas atividades do GRETAP-MS na região. Não estamos falando de um único
conhecimento, mas de um conjunto de conhecimentos adquiridos com seus ancestrais e
experiências vividas.
Entretanto é necessário evidenciar que a postura da equipe que foi a campo em não
adentrar no território com uma postura altiva, sem levar em consideração o que aquela
população já estava fazendo para salvar o seu lugar, nem tão pouco deixou de ouvir a opinião
dos habitantes locais, foi determinante para que a colaboração popular ocorresse. Os moradores
locais dificilmente compartilhariam os seus saberes se não houvesse o respeito e o sentimento
de confiabilidade para com aqueles desconhecidos que estavam chegando na sua região.
Os ribeirinhos compartilharam seus conhecimentos sobre os caminhos, os animais e as
plantas da Serra do Amolar, facilitando o trabalho dos profissionais que atuaram na linha de
frente do combate ao fogo. Além disso, a população demonstrou uma grande resiliência e
solidariedade, acolhendo e ajudando não apenas os profissionais do GRETAP-MS, os
brigadistas, bombeiros e voluntários que trabalharam no desastre do fogo, mas acima de tudo à
fauna e à flora pantaneira. O saber local e o conhecimento científico se complementaram e se
fortaleceram na luta pela preservação do Pantanal.
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Acesso em: 5 de set. de 2023.
410
CONHECIMENTO ECOLÓGICO TRADICIONAL DOS POVOS INDÍGENAS NO
PANTANAL E SEU POTENCIAL NO PROTAGONISMO DE PROJETOS DE
CONSERVAÇÃO FLORESTAL
Introdução
A conservação florestal tem ganhado destaque no cenário mundial, diante do
aprofundamento de iniciativas no enfrentamento das mudanças climáticas. No entanto, a
literatura científica é unânime em denunciar a fraca inclusão em projetos de conservação
florestal das pessoas que vivem nessas áreas (Parrotta & Agnoletti, 2007; Da Silva et al., 2014;
Parrotta et al, 2021; FAO, 2022). O Conhecimento Ecológico Tradicional (CET) dos Povos
Indígenas (PI) pode representar uma contribuição essencial para a recomposição e conservação
florestal. Diversos estudos no mundo já vêm demonstrando que a proximidade, conexão
histórica, dependência e conhecimento dos Povos Indígenas em relação a seus ambientes de
vida têm um impacto positivo na conservação da biodiversidade, ecossistemas e conservação
411
florestal (Da Silva et al., 2014; Evans & Guariguata, 2016; Parrotta et al, 2021; Robinson et al.,
2021; CBD, 2020; FAO, 2022). Afinal, conforme informam os estudiosos, 24% das florestas
tropicais globais são manejadas por povos indígenas. No entanto, o CET ainda tem sido
frequentemente considerado um sub conhecimento, secundário ao científico (Ban et al., 2013;
Da Silva et al., 2014; FAO, 2016; Bourscheit, 2021; Robinson et al., 2021; Fachin, 2022 ; FAO,
2022).
1
O mestrado STeDe envolveu a parceria da UCDB no Brasil, com a Universidade de Pádua (UNIPD)/Itália,
Universidade Paris 1:Pantheon-Sorbonne/França, KuLeuven/ Bélgica, Universidade de Joanesburgo/ África do
Sul e Universidade Joseph Ki-Zerbo/ Burkina Fasso.
412
O artigo foi estruturado, além desta Introdução e Considerações Finais, em três partes:
referencial teórico e documental, metodologia e resultados e discussão.
2 Metodologia
O estudo de caso selecionado foi a Organização Caianás, protagonizada por Povos Terena
da Aldeia Cachoeirinha, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. A finalidade deste procedimento
foi a maior compreensão do objetivo da pesquisa no contexto do ambiente vivido pelo grupo
envolvido (Yin, 2001). A organização Caianas é um exemplo bastante singular de disseminação
indígena do Conhecimento Ecológico Tradicional numa forma de protagonismo na
reapropriação de terras, no Pantanal de Mato Grosso do Sul.
415
para um contato mais próximo e realização de Rodas de Conversa. O primeiro passo foi
informar e consultar o líder local (cacique), sobre o projeto e objetivo da pesquisa, processo
este repetido para cada entrevistado e, quando necessário, com tradução para a língua Terena
propiciada por um dos anciãos Caianas.
A comunidade Terena que vive na aldeia Cachoeirinha, região do Pantanal em que emergiu
a organização Caianas, já vinha trabalhando ativamente na recuperação do conhecimento
tradicional, identidade e língua (Azanha, 2005; Chamorro & Combès, 2015).
Por outro lado, de acordo com o relato de um dos anciãos entrevistados, o povo Terena
sempre foi ambientalista e a Organização Caianas surgiu em 2013 para dar continuidade a este
processo, tendo emergido do Projeto de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (GATI). A
iniciativa partiu daqueles que participaram deste projeto e sua missão tem sido a defesa da
qualidade de vida plena e do meio ambiente, não só do Pantanal como do Cerrado, por meio do
fortalecimento e autonomia das famílias indígenas e de seus territórios. A Organização Caianas
atua em múltiplas atividades agroecológicas, incluindo recuperação de solos em áreas
degradadas, revitalização e preservação de nascentes, manutenção e revitalização de espécies
vegetais nativas, coleta e armazenamento de sementes, plantio de jardins em sistemas
agroflorestais, produção e distribuição de mudas, conhecimento, coleta e uso de plantas
medicinais, programas de ensino de Agroecologia Terena nas escolas das aldeias, produção de
biofertilizante, cultivo em sistemas agroecológicos.
417
Mesmo diante de diversas dificuldades enfrentadas, segundo os relatos, a Organização
Caianas tem conseguido desenvolver atividades de extensão (cursos, oficinas) em diversas
outras comunidades indígenas da região e do Brasil. Nesta oportunidade, eles também
distribuem sementes de espécies nativas e costumam retornar para conhecer o andamento e
resultado das ações. Geralmente, conforme informaram, o trabalho realizado diretamente por
eles na Aldeia Cachoeirinha tem servido de vitrine.
A retomada das terras na Aldeia Cachoeirinha foi iniciada em 2005, fenômeno este que
tem sido peculiar ao povo Terena no Município de Miranda (Reis de Sant’Ana, 2014). Neste
caso, a ocupação foi iniciada num pasto de uma fazenda vizinha, totalmente desmatado, que
levou o nome de “Mãe Terra”. Esta experiência tem sido considerada relevante, uma vez que,
após 17 anos de ocupação, a terra ocupada foi amplamente restaurada, por meio de um processo
de reflorestamento ativo da comunidade, no qual a Organização Caianas teve papel
fundamental. As transformações podem ser visualizadas, no período entre 2010 e 2022, por
meio das duas imagens satélites da mesma área (Figura 1)
418
Considerações Finais
Foi demonstrado, por meio desta pesquisa que o Conhecimento Ecológico Tradicional
(CET) de Povos Indígenas no Pantanal precisa ser considerado elemento essencial para garantir
o desenvolvimento de projetos sustentáveis de recomposição e conservação florestal, em
especial, no bioma do Pantanal. O caso da organização Caianas foi exemplar, na demonstração
de que o CET constitui importante potencial no protagonismo indígena para recomposição e
conservação florestas no contexto local. Verificou-se também de que os mesmos princípios
podem aplicados fora da aldeia, quando a comunidade que aprende consegue resgatar esta
natureza de conhecimento tradicional em seu próprio contexto de vida, especialmente quando
consegue dialogar com o conhecimento de natureza científica e tecnológica. Não é de excluir,
portanto, que outras comunidades possam, num futuro próximo, tentar seguir os mesmos
princípios e criar suas próprias iniciativas. Algumas possibilidades já vêm ocorrendo, enquanto
a Organização Caianas busca disseminar o sucesso de suas experiências em outras aldeias
regionais e do Brasil.
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422
JUVYY HA TESÃI RENDA: ESPAÇO DE SAÚDE NA COSMOLOGIAKAIOWÁ DE
PANAMBIZINHO YVY AKÃNDIRE
Introdução:
O povo Kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire sofre um grande desafio e dificuldades,
mas vem fortalecendo e mantendo as suas próprias plantações roça (kokwe) o bem viver da
comunidade kaiowá, que são alimentos naturais e alimentos típico de cada famílias, milho
branco (avati morotĩ), milho amarelo (avati sayju), batata branco e batata roxa (jetyasaî, jety
pytã), feijão catador (xa’î), mandioca, abóbora, banana, cara e entre outros alimento razoáveis,
esses são alimentos naturais de cada famílias e é colhido a todos os anospelos kaiowá, nesse
sentido Brand, Colman e Costa (2008, p.172) afirmam que: “Todos necessitam, certamente, de
proteção, segurança alimentar, saúde, afeto entre outras demandas”.
E também vem sempre respeitando e valorizando a caça e pesca (mariká pirapói) junto
com essa realidade e saberes porque esses são os costumes de cada família e é, no máximo, para
423
sustentar as suas próprias famílias e assim vem motivando a desenvolver as práticas culturais e
sócioculturais no âmbito do Tekoha Panambizinho Yvy Akandiré.
O Tekoha kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire veio sofrer com várias dificuldade
antes e pós demarcação principalmente pela comunidade que ainda vem fortalecendo e
acreditando e respeitando as suas origem de uso dos remédios tradicionais das plantas
medicinais através dos saberes da comunidade kaiowá, esta é a maior grande preocupação pela
população kaiowá dentro do Tekoha na área da saúde indígenas, devido a grande exploração do
meio ambiente as comunidade kaiowá já não consegue resgatar novamente diante dessa
monocultura de soja e milho dentro do Tekoha onde vivem, essa é a maior problemas dentro da
aldeia, pois muitas pessoas ainda respeita esse saberes do seu conhecimento do uso do remédios
naturais, devido essa exploração as comunidade já não se preocupam mais com a saúde do
kaiowá e as plantas medicinais já está desaparecendoquase já não consegue mais encontrar, pois
as pessoas que ainda utilizam ainda vai em busca do remédio tradicionais no Juvyy (brejo), a
comunidade que ainda acreditam fortalece eles ainda procuram para se curar, buscam ainda para
suas famílias que seja paramulheres, homens e crianças.
Algumas pessoas da comunidade que acreditam e que utilizam ainda eles faz suas
plantas dentro da suas casas, remédio que ainda é existente dentro da comunidade, algumas
famílias planta na suas casas para proteger e cuidar quando precisareles só pegam o remédio da
suas próprias casa para utilizar para crianças, mulheres gestante que mais utilizam ante e pós
parto as plantas medicinais conhecidas como kunhã pohã (remédio da mulher), muitos remédios
naturais que ainda é presente na comunidade kaiowá, mesmo com muita exploração do
meio ambiente, a comunidade buscam no juvyy (brejo), as plantas medicinais para qualquer
problema da sua saúde. Nesse sentido, segundo Brand, Colman, Costa:
424
(járy) dono da mata e onde devemos proteger, valorizar,respeitar e garantir a preservação da
natureza juntos com escola e saúde indígenas para compreender a importâncias do valor dentro
do território da biologia e biodiversidade indígena no brasil e no Tekoha de todos os povos
indígenas.
A ciência indígena no Tekoha Panambizinho Yvy Akãndire é um conhecimento de
muitas origens e conservação da natureza, atualmente na comunidade muitas pessoas deixaram
de acreditar e utilizar os remédios caseiros, mas muitas pessoas também hoje atualmente ainda
vão em busca das plantas medicinais no Xiru Karai, na nascente (yvu), yhũ (córrego preto),
narankã hái(Laranja doce),e algumas pessoas que sabe cuidar e proteger elas planta na sua casa,
mas há muitas queimadas antes e pós Demarcação até hoje o Tekoha vem sofrendo essa
consequências da queimada e de exploração na área da aldeia.
A comunidade também faz a busca do remédio em outra aldeia atualmente isso está
acontecendo muito devido a exploração por falta de plantas medicinais, e de outra aldeia a
pessoa faz essa busca por dinheiro, ela traz a encomenda mas pelo dinheiro, e isso é um problema
cada vez maior também dentro da terra indígena. Devido a isso, os problemas de saúde do
kaiowá está crescendo por não acreditar e por deixar de utilizar ou por falta das plantas medicinais
e a exploração continua, devidoessa situação muitas utilizam os remédios da farmácias e acaba
não valorizando os seus remédios naturais, as plantas medicinais é de suma importância para a
comunidade kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire.
As rezadoras e anciãos são as que ainda garantem o respeito e valorização pelos
conhecimento kaiowá através do saberes, eles tem observado muito a exploração dentro da
aldeia e com essa preocupação eles acreditam que a saúde do kaiowá prejudicam muito a todos
principalmente as mulheres e crianças futuramente se ninguém valorizar essa preservação e
deixar de utilizar cabe a colocar a vida do povo kaiowá em risco, porque as plantas medicinais
vão mesmo desaparecer tudo porque eles são járy - dono da mata, o juvyy é um lugar da vida
tesãi renda onde os antepassado viveram com isso acreditando e respeitando e valorizando na
vida dos kaiowá e de outros povos.
comunidade kaiowá de Panambizinho ka’aguy rusu yvy akãndiré é um território que
vemde muita luta mas tem e existe muitas história e conhecimento, onde a área todos tem o
seres espirituais, água (y), Itapóry (pedra), ysyry (córrego), juvyy pohã nhana (plantas
medicinais), tatu guasu (dono da água), yju mirĩ (água amarelo), todos essas natureza que é
existente ainda no tekoha onde a população kaiowá devem preservar e fazer essa área de
425
recuperação para proteger e cuidar do meio ambiente na etnociência indígena do kaiowá de
Panambizinho Yvy Akãndire, segundo Brand, Colman e Costa:
Assim, a exploração é a grande preocupação, para que essa área seja como uma área
protegida através da preservação da natureza das plantas medicinais onde a população dos
kaiowá ainda buscam para o uso dos remédios caseiro para suas famílias, dessa forma venho
aqui para introduzir e desenvolver o fortalecimentodas plantas medicinais existente no juvyy
através da preservação e recuperação para o bem viver e o ser do povo kaiowá de Panambizinho
Yvy Akãndire.
Portanto as comunidades algumas que ainda buscam uma solução para o bem ser e o bem
viver dentro da comunidade, de plantar a roça os alimentos naturais e típica e juntos algumas
plantas medicinais para proteger e algumas planta medicinais para ser o uso. segundo Benites
et al (2017, p. 56):
426
O reconhecimento de plantas medicinais representa, às vezes, o único recurso de
tratamento de muitos grupos étnicos e algumas comunidades, pois o uso de plantas no
tratamento e cura de doenças é uma prática muito antiga utilizada pela humanidade
desde muito tempo.
A realidade da aldeia Panambizinho Yvy Akãndire é que hoje algumas pessoas ainda
consegue plantar poucas coisas e buscam ainda no laranja doce, no juvyy, as plantas medicinais
e muda de árvores para plantar na sua casas, as mulheres que não deixaram de utilizar o uso do
remédio caseiro buscam a procurar porque a vida das mulheres é de suma importância
principalmente na adolescente que estão na fase de meninas para se tornar mulher tem que saber
esse conhecimento para saúde e quando se for se tornar mãe e outras doença comuns e doença
metal e física, através desse problemas a Aldeia tem vários problemas também como falta de
água e estradas sem manutenção adequada, e por falta de água muitas famílias buscam do
córrego, da nascente do Xiru Karaí e ou em outros córregos da área da aldeia onde fica o Juvyy
e laranja doce, essa também é problema preocupante para comunidade, mas o conhecimento e
saberes do povo kaiowá mantem ainda época de plantar e colher tem que saber o calendário
indígena kaiowá, os kaiowá não planta qualquer época se não as plantas não desenvolvem bem,
devido das geadas, chuva e muito sol, esses saberes também é de suma importância para
comunidade kaiowá, as comunidade acreditam que dentro dessa cosmologia de conhecimento
tem todos os seres (járy). Segundo Benites, et al (2017, p. 57):
A exploração do meio ambiente do Yvy Akãndiré, nascente, Xiru Karai e demais áreas
do tekoha Panambizinho é uma preocupação bem maior. E, também os autores destacam que
diante da exploração do meio ambiente: “[...]a importância que os povos tradicionais
desempenham no fornecimento de informações sobre as diferentes formas de utilização e
manejo na exploração dos ambientes naturais enquanto forma de sustentação desses povos”
(BENITES et al, 2017, p. 57).
Mas os problemas tem se agravado, tanto na área da saúde quanto na educação, e a
dificuldade da preservação e recuperação é bem maior para o povo kaiowá de Panambizinho Yvy
Akãndire, pois são um povo que respeita e valoriza ainda, resiste na comunidadefortalecendo
tradições juntos com essea conhecimento dos seres naturais dentro doTekoha, como a roça o
(kokue) é a sustentabilidade dos kaiowá.
[...]Precisa se fortalecer os saberes desses povos no que se refere ao uso desses
recursos naturais, e ainda nesse aspecto, muitos autores tem proposto a valorização do
uso de plantas com a finalidade de apontar espécies e famílias mais utilizadas pela
população humana no universo vegetal. Outro aspecto que demonstra uma grande
capacidade para a apropriação de elementos envolvendo práticas culturais utilizando
plantas com fins curativos acontece através do xamanismo indígenas têm e que
utilizam dentro de sua sociedade envolvente (BENITES, et al, 2017, p. 57).
A pesca e a caça são os costumes de cada família dos kaiowá, o povo kaiowáé um povo
de origem e rica dentro de tradição poucas número de pessoas, mas é falante da sua língua
materna que hoje é fortalecido pela comunidade na cultura tradicional. O desenvolvimento na
comunidade é um conceito construído no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire, a partir do bem
estar e o ser do bem viver, os projetos de desenvolvimentos deverão ser para o bem viver e o ser
do bem viver do povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire, que se desenvolvam a partir de
melhoria das pessoas numa condição de saúde quanto na educação escolar, esse conceito de
desenvolvimento vem de a partir dessa importância de melhora da vida e saúde e entre outros
comorecursos naturais da cosmologia e conceito para o povo da população indígena kaiowá.
Tradições culturais é um especifico da natureza nos conhecimentos kaiowá, dentro do bem estar
e o bem viver da população indígenas e da tradicionais. Diante da exploração, o Tekoha de
Panambizinho, necessitam certamente uma proteção de respeito na preservação da biologia
dentro da cosmologia e conhecimento na saúde dos kaiowá, historicamente as populações
têm sido construindo a vida do bem viver na dificuldade de recursos naturais, em espaço onde
vivem de valores próprios nas visões de conhecimentos na cosmologia fortalecendo a
428
importância da saúde indígenas com a utilização e do uso das plantas medicinais.
As concepções de natureza dos conhecimento o povo kaiowá compreendem a biologia
orgânica dentro da cosmologia indígena, o batismo de milho branco (avati morotĩ) ou (avati
kyry), é um batismo cerimônia sagrados e respeitados pelacomunidade kaiowá, é um principal
sementes típico naturais que é o primeiro a plantar e colher, porque ele é único de todas dos
alimentos naturais, e juntos comele todas os alimentos naturais são plantados e colhidos pela
comunidade kaiowá, é uma organização social dentro da religiosas sagradas da realidade
tradicional.
A partir da natureza, as plantas medicinais, vegetais, animais silvestres, água, pedra e
árvores no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire são todos os seres járy, o juvyy é o centro da
nascente onde tem seres da vida para a comunidade kaiowá que está presente dentro da visão
cosmológica da natureza onde existe todos espirituais dono da mata, assim como água a
nascente também tem dono o járy, e assim todos os seres járy faz parte dessa natureza do
espirito sagrados, que os kaiowá compreendem essa importância da cosmologia através da
exploração e mesmo com esses problemas, a vida do bem viver das população tradicionais é
um desenvolvimento a partir de problemas da exploração do Meio Ambiente no território
kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire. A necessidade na saúde quanto na educação com
exploração da natureza na área em que vivem buscando a sobrevivência.
O kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire acredita que dentro da cultura os os seres qu
foram desmatados é uma semente que nasce tudo de novo, mesmo que a exploração é maior a
terra é ka´aguy renõi ela se produzirá novamente, porque é um ser elemento da natureza Para
Brand, Colman e Costa (2008, p. 177) os Kaiowá em todos os sentidos “constroem-se e
reconstroem-se ao longo do tempo”. Assim é no juvyy, pois ele tem os seres járy, mesmo com
queimada ela se produz novamente a partir de ser o seres dentro da água, a natureza tem seu
próprioprotetor é um sobre natural, o Xiru Karai por exemplo ela é um centro do Yvy Akãndire
onde existe lá todos os seres da mata, o dono, os kaiowá segundo na cosmologia lá existe o
dono mal e o bem, eles não quer ver gente lá, se chegar muita gente lá, alguém já passa mal fica
doente, aquele lugar é muito respeitado pela comunidade kaiowá, porque ali existe muitas
animais aquáticas, da mata e dapedra, mas na visão espirituais ninguém vê, o dono mesmo que
se chama Xiru karai onde o lugar que tem todos os seres járy, donos da mata”, donos dos
animais, diante de todos esses járy”, a comunidade sempre tem uma solução de sobrevivência,
na saúde e dos alimentos naturais, a exploração da natureza vem destruindo e reconstruindo a
429
partir de muitas queimada dentro do território, o elemento da natureza a partir de todos os
conhecimentos da cosmologia o povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire respeitam e
valorizam a língua materna, a dificuldade dos recursos naturais é bemmaior, muitas pessoas
buscam ainda uma solução para plantar, e também como muitas pessoas ainda buscam as plantas
medicinais existente para utilizar na saúdepróprias, mesmo que os problemas é decorrente na
situação críticas quanto na saúde, dentro da natureza e da cosmologia do bem ser e do bem
viver.
O povo kaiowá de Panambizinho Yvy Akãndire mesmo com essa necessidade de
reproduzir e preservar a natureza o espaço de exploração dominam, e com essa dificuldade
certamente os kaiowá construa as plantas na área recuperada para no mínimo buscar a sua
sobrevivência, dos problemas dos desmatamento é grande preocupação, mas dentro das
cosmologia e conhecimento a importância da preservação e da recuperação de fortalecimento e
de desenvolvimento no Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire.
As necessidades da comunidade busca através desse problemas como preservar a área e
recuperar desse problemas de exploração, mas a valorização e respeito e fortalecimento do povo
kaiowá dentro dos conhecimentos, ás práticas culturais e práticas sociais no âmbito do Tekoha
onde os kaiowá vivem a necessidade é grande problemas, mas a população tradicional indígena
kaiowá tem seu própriosvalores da natureza dentro da cosmologia é onde compreendem ainda
as produçãode alimento a Roça (Kokue), e as plantas medicinais que são de suma importância
para a comunidade kaiowá, além de todas as dificuldade de problemas da exploração, buscando
o bem viver o ser do bem viver kaiowá, a natureza de todas as espécies nativas e das plantas
medicinais seriam uma forma de recuperar nas áreas da suas casas juntos com os alimentos
naturais é uma solução de proteção e a voltados fenômenos naturais que a natureza volta para
sua vida.
Na visão dos kaiowá esses fenômenos os seres járy todos voltam, como os pássaros e
animais silvestres,as plantas medicinais se plantar na sua casa o járy tem que te escolher, se não
te escolher para cuidar as plantas medicinais morrem assim também as outras espécies se não
saber cuidar morrem tudo, essa é o conhecimento da cosmologia kaiowá de Panambizinho. Yvy
Akãndire “Então o dono do mato vai ser a mesma coisa, ele vai ficar alegre porque está
reflorestando, o pedaço que foi perdido, tá crescendo, ou está consertando algo que foi
estragado” (BRAND, COLMAN,COSTA, 2008, p.176).
Os conhecimentos dos fenômenos da natureza os kaiowá os seres járy é tudo járy, todos
430
são dono, nesse sentido os kaiowá muitas pessoas reflorestam nas casas através com o kokue
(roça), mesmo a situação é que tem ainda grande problemas, superando as explorações, mesmo
com dificuldade buscando e fortalecendo. A comunidade kaiowá através de sua valorização e
seus conhecimentos procuram a buscar e recuperar diversidade do Tekoha de Panambizinho Yvy
Akãndire, que o povo kaiowá reconhece a sua cosmologia dentro do ambiente emque vivem,
para todos e para o futuro geração das populações kaiowá, a visão dos kaiowáno mundo e da
cosmologia de conhecimento tradicional, é de suma importância da vida e na saúde indígena,
mesmo com as exploração os kaiowá do Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire seguem
valorizando para garantir a recuperação e preservação do meio ambiente no âmbito do Tekoha
Panambizinho Yvy Akãndire.
Saberes e conhecimento tradicionais
O Juvyy, o brejo, é conhecido como Tesãi Renda (espaço da saúde) porque é um lugar
todos que tem o seres járy, no conhecimento tradicional kaiowá, as plantas medicinais são
sagrados e respeitado, porque é elemento da natureza dentro da cosmologia, o juvyy pohã nãna
foi criada pela nhandesy, há muitos anos atrás, dentro da cosmologia, nhempyru ramo guare, a
nhandesy (Nossa mãe) criou plantou esse lugar e colocou o nome de juvyy, que é a palavras dos
kaiowá. Ali, nesse lugar, ela plantou os remédios caseiros para toda a população indígena, que
hoje até servem para sociedade não indígena, as plantas medicinais é considerada muito
importante, principalmente, para as mulheres, Kuña Pohã, é de suma importâncias, porque há
muito tempo as mulheres que mais sofriam da saúde, muitas perderam suas vidas ante e pós
parto, mulheres jovem, somente quem acreditavam nos remédios caseiros Kuña pohã tomavam
e dava a luz normal, e muitas pessoas também perderam vidas de doenças normal que afetavam
na época e ninguém sabiam o que era, mas aquele que utilizavam e buscavam no Juvyy se
curavam e acreditavam nas fala dos rezadores xamã dos ancião. Nesse sentido a antropóloga
Lúcia Pereira, Kaiowá de Amambai traz em sua pesquisa o seguinte relato:
Naquela época, as práticas eram rígidas, o resguardo da mulher após o parto era muito
importante. As parteiras utilizavam as plantas para massagear a barriga, todos os dias
de manhã e à tarde faziam isso também, assim “os bichos” não cheiravam a criança e
a mãe. As mulheres se banhavam com um remédio chamado mba’etihã, (plantas que
cheiram mal). Apesar do odor, as gestantes encontravam facilidade para seus bebês
nascerem. Também utilizavam o yvychĩ e yvychĩ guasu, ela falou que essas plantas
são encontradas no brejo, e também podem ser encontradas no cerrado. A planta do
brejo é para a mulher beber, e do cerrado é para ela se banhar, e assim a criança pode
nascer rápido e sem dor. (PEREIRA, 2020, p. 322)
Desta forma as plantas medicinais fazem parte da vida e histórias que hoje não podemos
431
deixar morrer, ela existe naquele lugar, que agora muitas pessoas não conseguem valorizar está
sendo difícil, mas algumas pessoas que buscam os cuidados para suas famílias, buscam utilizar
e plantar na área da casa, porque acreditam e respeitam. Benites et al falam da diminuição
etnoconhecimento: “Mas este etnoconhecimento de plantas medicinais tem diminuído entre os
povos indígenas. Isso acontece em virtude da degradação ambiental e a intrusão de novos
elementos culturais”(BENITES et al, 2017, p. 57). Para estes autores:
Esse conhecimento sobre plantas medicinais vem diminuindo devido ao grande uso
de remédios farmacêuticos nas aldeias indígenas; o uso exagerado de medicamento
industrializados compete e leva ao abandono de práticas tradicionais. Os
medicamentos são fornecidos gratuitamente pela farmácia do polo da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) que é responsável pela saúde indígena no Brasil
atualmente, alguns são comprados em farmácias, mercado e vendas dos municípios.
(BENITES, et al, 2017, p. 58).
As mulheres kaiowá que sabem os saberes através dos conhecimentos cuidam das plantas
medicinais para a saúde dos seus netos para a vida, hoje vejo e observamos que na comunidade
as pessoas que ainda utilizam o uso dos remédios caseiro eles tomam até ficar bem se não
melhorar eles já procuram o atendimento dos profissionais da saúde e assim juntos acreditam
que a saúde é de importâncias. O pohã nãna tem o seres Járy, parabuscar no juvyy primeiro fazer
jehovasa para pedir autorização que você vai pegar as plantas medicinais seja de qualquer
situação da saúde, se você entrar ali sem pedir e nãofazer jehovasa qualquer animais de perigo
aparece, cobra ou aranha preta grande ou outros que seja de perigo, por isso algumas pessoas
vão lá e buscam já as plantas raízes para poder plantar na casa, os kaiowá de Panambizinho Yvy
Akãndire sabem esse saberes de conhecimentos, hoje vejo que na minha observação muitas
pessoas estão voltandoreconhecer as plantas medicinais, estão buscando mas algumas pessoas
buscam de outras aldeia devido falta de remédios caseiro, que estão ainda se produzindo se
recuperando daqueimada. O desenvolvimento após a exploração o juvyy e demais área estão
voltando a se recuperar, a queimada parou e as pessoas estão voltando reconhecer e valorizar, e
estão voltando a utilizar novamente o uso dos remédios caseiro mesmo que os problemas da
exploração continuam no Tekoha De Panambizinho Yvy Akãndire.
Algumas pessoas da comunidade que tem sua terra no local da área do brejo estão
começando a fazer aquela área de preservação das plantas medicinais que estão voltando a brotar
e florescer novamente, muitas plantas medicinais estão voltando a recuperar devido a queimada
e exploração. A comunidade tem sofrido muitas consequências de problemas da saúde mental
e físicas, e outras são de doenças comuns como diarreia, gripes, dores musculares e outras que
432
seja doenças graves. A partir das plantas medicinais os mestres tradicionais tem se observados
os problemas da saúde indígenas que muitas já não consegue utilizar mais, os jovens de hoje
por exemplo não têm interesse de conhecer os saberes tradicionais.
Iracy Benites também observou que “Atualmente está diminuindo o interesse dos jovens em
conhecer os saberes de sua cultura no que se refere ao uso de plantas medicinais” (BENITES et
al, 2017, p. 58)
Esses problemas e preocupações existe em todos os locais da aldeia no Tekoha, esse é o
maior o número de casos que está acontecendo, mas a preocupação é grande diante da
exploração, que a comunidade kaiowá diante dessa situação deve-se considerar os
conhecimentos tradicional valorizando e que venha construir o saber do bem viver das plantas
medicinais e buscar garantir a preservação para as futuras gerações, de acordo com Chamorro
(1995, p.18 apud BRAND, COLMAN e COSTA, 2008, p.178), afirma que a partir das
sementes: “as crianças são como as plantas, são como as sementes [...]. Enquanto as crianças
crescem, no mundo há esperança. Quando isso acontecer, os homens podem plantar milho, mas
este não dará fruto”.
A comunidade kaiowá buscam com as observações de compreender a cura da saúde que
é a fonte da saúde e de conhecimentos a importância do povo tradicionais e do meio ambiente
das plantas medicinais Juvyy que são encontradas naturalmente dentro da biodiversidade. Os
saberes tradicionais indígena kaiowá mantêm o recursos naturais no conhecimento culturais
envolvendo práticas de etnoconhecimento de plantas medicinais, o Juvyy do Tekoha
Panambizinho Yvy Akãndire são os conhecimentos popular sobre o uso dos remédios caseiro,
mas com o tempo de hoje muitas pessoas deixaram de utilizar devido a exploração e queimada
ninguém se preocupam mais na área da saúde indígena, essas sãoa realidade e conhecimentos
dentro da biologia do uso das plantas medicinais do TekohaPanambizinho Yvy Akãndire.
Considerações finais
Durante o desenvolvimento desse trabalho observamos que da preservação da natureza
do Tekoha de Panambizinho Yvy Akãndire dos saberes tradicionais do bem estar na saúde
indígena kaiowá, tanto na educação e saúde do povo kaiowá que seja destacado através dos
conhecimento e o saberes tradicionais sobre plantas medicinais Juvyy (tesaĩ Renda) da Aldeia
Panambizinho Yvy Akãndire, observamos que há muitas exploração e dificuldade da
comunidade onde é possível ver a preocupação, que as plantas medicinais existente seja
433
investigada e resgatada mesmo através com exploração, possível fazer aquela área de
reconhecimento e garantir a biodiversidade do Meio Ambiente para priorizar o valor dos
remédios caseiros, o Juvyy é o saberes tradicional que faz parte todos os seres Járy, e garantir
pela comunidade kaiowá valorização do território sagrados na comunidade kaiowá de
Panambizinho Yvy Akãndire, porque esse local onde o povo kaiowá vivem fortalecendo, mas
com a exploração muitos indígenas kaiowá já não valorizam mais, e por isso esse local devem
ser preservado das plantas medicinais que o Juvyy sejarespeitado, valorizado e garantir a
importância dentro da comunidade para que juntos coma educação e saúde seja priorizado e
utilizados novamente para o povo na saúde das mulheres (Kuña pohã), e para a comunidade
trazer uma boa solução juntos com os conhecimentos e a importâncias.
Vimos e observamos que a saúde afetam o povo kaiowá, e, por isso que esse projeto
garante o fortalecimento da preservação do Juvyy do bem estarda natureza e do bem viver da
saúde indígena kaiowá, e que as plantas existente seja fortalecido e que o povo kaiowá
compreenda autonomia dos remédios caseiro dentro da preservação e os meios ambientes de
todos os seres elemento no Tekoha, e junto com a educação acredito que dialogam e respeitam
a biodiversidade das plantas medicinais existente ainda no local da Aldeia, na perspectivas na
visão indígena kaiowá e do fortalecimento garante o respeito, e recuperação da preservação da
natureza dentro da área existentes como as plantas medicinais do Juvyy.
E juntos com autonomia dos remédios caseiro os recursos naturais, da agroecologia
garante a sobrevivências da comunidade kaiowá fortalecendo o bem viver e o ser da
comunidade, privilegiando valorização da preservação da natureza, que onde a exploração
desmatamento vem causando a terra e a nascente e todas áreas, prejudicando as áreas do local
Tekoha ante e pós demarcação, masmesmo com esses problemas a comunidade priorizam o bem
viver buscando a estratégias de como voltar resgatar a preservação do meio ambiente, esta
dificuldade é grande, através com essa preservação e recuperação, que a comunidade venha
reconhecer a área das plantas medicinais que é importância para o povo kaiowá, através de uma
área preservada ou seja criar um espaço de formação das plantas medicinais do juvyy juntos com
o saberes apresentar para o povo kaiowá os seus próprios remédios caseiro para compreender
o respeito da Etnociência e da cosmologia, e trazer uma boa solução para opovo sabendo que o
Tekoha Panambizinho Yvy Akãndire está cercada de monocultura, e por isso é importante
registrar o conhecimento sobre as plantas medicinais, fortalecere priorizar o levantamento da
preservação da natureza, e fazer a recuperação do juvyy onde tem todos os seres járy, e juntos
434
com essa preservação garantir o reflorestamento das matas ciliares das nascentes, do córrego
Yju mirĩ, e com isso tudo que serve para utilizar na saúde da comunidade indígena do Yvy
Akãndiré Panambizinho.
Referências
AQUINO, Rosalina. Anciã, 73 anos, 2022 (em conversa pessoal). TI Panambizinho, Dourados,
MS.
BENITES, Iracy L. SANGALLI, Andréia, Rodrigues, Tatiana R, MARTINS, Igor R.As plantas
medicinais e o ensino da da botânica na aldeia Amambai. In: SANGALLI, Andréia, LADEIA,
Elâine, Da Silva, BENITES, Eliel, PEREIRA, Zefa, Valdivina (orgs). Tekoha
ka’aguy:Diálogos entre saberes Guarani e Kaiowá e o ensino de Ciências da Natureza -Jundiaí:
Paco editorial, 2017.
BRAND, Antonio J.; COLMAN, Rosa S. e COSTA, Reginaldo B.. Populações indígenas e
lógicas tradicionais de Desenvolvimento Local. Interações(Campo Grande) [online]. 2008,
vol.9, n.2, pp. 171-179.
PEREIRA, Lúcia. Aprendizados com as ñandesy e parteiras Kaiowá e Guarani. Basta, Paulo.
Pohã Ñana; nãnombarete, tekoha, guarani ha kaiowá arandu rehegua = Plantas medicinais:
fortalecimento, território e memória guarani e kaiowá. Recife: Fiocruz-PE, 2020. 350 p.
435
O DIREITO DE SER E MANTER-SE INDÍGENA: AS DISPUTAS TERRITORIAIS
IMPOSTAS AOS GUARANI E KAIOWÁ NO CAMPO, NA POLÍTICA E NOS
TRIBUNAIS.
Resumo: O presente texto é resultado parcial de pesquisa sobre a relação do Estado brasileiro
com os povos originários, o direito constitucional à existência, os direitos territoriais dos
indígenas e as recentes iniciativas legislativas que ameaçam esses direitos. A partir de pesquisa
bibliográfica e da análise antropológica, realizada mediante trabalho de campo (com observação
participante e entrevistas com coautores indígenas) o texto analisa as disputas territoriais
impostas aos Guarani e Kaiowá em diferentes esferas. Aponta que os conflitos pela terra
reproduzem relações antagônicas históricas e assimétricas que prejudicam a reprodução física
e social das minorias étnicas. Conclui de forma provisória que a usurpação dos territórios revela
as contradições das políticas públicas do Estado brasileiro que tem a obrigação constitucional
de realizar a demarcação de terras indígenas e, contraditoriamente, promove propostas de lei e
permite decisões judiciais que autorizam a exploração de recursos naturais, incentiva o
agronegócio predatório e reduzem as terras tradicionais.
INTRODUÇÃO
O Mato Grosso do Sul é um estado indígena pela quantidade de povos diferentes que
nele habitaram e cultivaram formas de vida próprias, como lembra Melià (2015, p. 15). No
entanto, de maneira perversa, tenta-se apagar a presença histórica das populações originárias
nesse espaço territorial. Nas escolas e nos jornais, repetem-se versões pouco aprofundadas sobre
os colonizadores brancos, seus feitos heroicos e os seus pioneirismos na fundação das cidades
sul-mato-grossenses.
Por trás da ocultação da origem milenar dos indígenas e da supressão de suas existências
há a disputa pela terra, motivo dos conflitos e das muitas violências praticadas contra as
minorias étnicas. Nosso passado colonial, abarrotado das tentativas portuguesas de integração
forçada dos povos originários, deixou marcas profundas no pensamento da sociedade e no
436
ordenamento jurídico do país, sobretudo a noção de que ser indígena é uma situação transitória,
até alcançar a chamada “civilização”.
A atual situação fundiária das terras indígenas e o cotidiano desrespeito à diversidade
cultural por parte do Estado são fruto da insistência dessa integração dos indígenas à sociedade
nacional, mesmo que ao arrepio da vigente legislação brasileira e dos tratados e convenções
internacionais.
Embora a ocupação indígena seja preexistente a própria configuração do país, as
políticas adotadas pelo Brasil nos últimos séculos, aliadas à expansão econômica e às atividades
agropastoris incentivadas pelo Poder Público, afetaram esses povos, a ponto de causarem
deslocamentos forçados dos Guarani e Kaiowá, o confinamento em reservas demarcadas a sua
revelia e provocarem a expulsão de suas terras por pessoas interessadas na exploração da mão-
de-obra ou nas riquezas advindas da transformação de territórios tradicionais em propriedades
rurais.
Ao largo de todas as dificuldades impostas para a sobrevivência, os Guarani e Kaiowá
mantêm-se nos locais anteriormente habitados por seus ancestrais e, se expulsos, promovem as
retomadas das áreas ou permanecem nas redondezas, em acampamentos improvisados às
margens de rodovias. Enquanto se organizam para reivindicar terras e direitos, acabam
criminalizados, marginalizados e vulnerabilizados, dificultando sua inserção nos espaços
públicos de debates e na democracia representativa.
A impressionante resiliência desses povos, extremamente ligados aos seus espaços
tradicionais, aponta para a necessária investigação etnográfica sobre o significado de território
para a manutenção de sua cultura e de seu modo de vida, bem como sobre as estratégias
adotadas para sobreviver às disputas que lhes são impostas no campo, nos tribunais e no
Legislativo.
437
territórios, até a imposição cultural e religiosa, sob pressuposto de uma imaginária
superioridade europeia.
Como elucida Aníbal Quijano (2005), o sentido moderno de raça surgiu
simultaneamente à conquista da América, fundado em uma fictícia diferença de estruturas
biológicas equivocadamente justificada pela diversidade fenotípica, o que serviu para atribuir a
determinados grupos novas identidades sociais (negros, indígenas, mestiços, europeus) que
justificaram e legitimaram as relações de dominação.
Desde então, as centenas de povos originários que habitam o Brasil passaram a ser
classificadas sob uma única identidade social, a do “indígena”, pouco importando suas próprias
histórias, idiomas, formas de organização e saberes. Esses diversos grupamentos foram e
continuam a ser resumidos nessa única denominação massificante e, ao mesmo tempo,
justificadora das limitações dos seus direitos feitas pelo Estado.
O eurocentrismo e as necessidades de dominação do colonizador não foram
abandonados com a configuração do Brasil como Estado independente. Para as leis e, portanto,
para a sociedade brasileira, o papel do indígena continuou sendo aquele outrora atribuído pelo
colonizador, o de mão de obra descartável, indigno de patrimônio e de pagamento pelo trabalho.
A perspectiva assimilacionista vigorou por quase cinco séculos em nosso país e o fato
de os indígenas não terem desaparecido comprovou o completo equívoco dessa pretensão de
eliminar as diferenças culturais, pressupondo os indígenas como um estágio humano a ser
superado, além de evidenciar a exitosa persistência deles.
As estratégias de resistência e a organização coletiva dos indígenas refletiram a
renovação das leis e tratados firmados pelo Brasil no século XX que avançaram até o atual
estágio de reconhecimento do direito coletivo de existirem conforme e de acordo com suas
diferenças culturais.
O ativismo dos indígenas e de seus apoiadores durante os debates da Assembleia
Constituinte resultou no capítulo específico da Constituição Federal de 1988 sobre seus direitos,
no qual se rechaçou a concepção de transitoriedade, assegurou-lhes direitos permanentes,
coletivos e a capacidade para, sem qualquer intermediação ou tutela, exercerem direitos e
defenderem suas pretensões judicialmente. Instituiu-se, portanto, verdadeiro direito de
existência, o direito de ser e de manter-se indígena.
A diuturna campanha, vigília e presença dos indígenas no Congresso Nacional derrotou
diferentes setores com interesses econômicos na exploração das terras ocupadas pelos povos
438
originários. Embora vencidos, tais setores mantêm constante articulação para limitar direitos
conferidos constitucionalmente aos povos indígenas, como se verá adiante.
A despeito de não ter descrito as cosmovisões dos povos indígenas, tal como fizeram as
Constituições da Colômbia (1991), Equador (2008) e da Bolívia (2009), a Constituição Federal1
brasileira reconheceu que nossa sociedade é multiétnica e aceitou a diversidade cultural,
pressupondo a igualdade das culturas pertencentes aos vários grupos, conferindo a liberdade de
os indivíduos escolherem suas próprias expressões culturais.
Dessa maneira, no plano constitucional não há conceitos de evolução ou involução dos
indivíduos, superioridade ou inferioridade entre os grupos étnicos. As diferentes culturas
ocupam o mesmo lugar de cuidado e proteção por parte do Estado.
Na esfera internacional, o direito coletivo à existência dos indígenas também é
amplamente garantido e caminhou da abordagem integracionista do primeiro instrumento
internacional2 para o rol de princípios concebidos pela Convenção n.º 169, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), de 07/06/1989 que consagrou o respeito à cultura e à
autodeterminação dos povos originários.
Em junho de 2007, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Sobre
os Direitos dos Povos Indígenas com normas mínimas para garantir a sobrevivência, dignidade,
bem-estar e os direitos desses povos. Nove anos depois, foi a vez da Organização do Estados
Americanos (OEA) aprovar a sua Declaração sobre o tema, reconhecendo o direito à identidade
e integridade culturais, e protegendo a cosmovisão dos povos ameríndios e comunidades tribais,
seus usos e costumes, culturas, crenças espirituais, línguas e idiomas e a propriedade sobre suas
terras e territórios.
Diferentemente da sociedade envolvente, os indígenas não consideram apenas o
conteúdo patrimonial das terras que ocupam e muito menos exercem sua posse exclusivamente
sob as lentes da exploração econômica dos recursos naturais.
A territorialidade para as comunidades indígenas tem significados outros que
extrapolam os meros aspectos físicos do espaço geográfico. Há um conteúdo metafísico
relacionado à visão sagrada da natureza e aos aspectos espirituais da cosmologia indígena. Os
elementos naturais estão ligados aos espíritos e deuses das crenças tradicionais, guardam os
1
Embora não reconheça expressamente o pluralismo jurídico, a CF88 acompanha parcialmente o novo
constitucionalismo latino-americano e permite uma interpretação pluricultural.
2
Convenção n.º 107, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 05/06/1957.
439
ancestrais mortos e não devem ser controlados pelos seres humanos (Baniwa, 2006, p. 102-
103).
A terra é parte essencial da existência dos povos indígenas que sem ela não conseguem
manter as relações sociais, políticas, familiares e de etnodesenvolvimento necessárias à sua
própria sobrevivência. É o elo que une, de modo mais firme, os componentes da comunidade,
possibilitando a preservação e a transmissão do modo próprio de viver.
Notadamente para os povos Guarani e Kaiowá a terra é componente do próprio corpo,
lugar de pensar, viver e sentir o mundo, onde crescem os alimentos, tal como pessoas, crianças,
jovens, velhos e ancestrais. As vidas e a sociabilidade estão intrínseca e cosmologicamente
relacionadas ao território tradicional, e que, portanto, este não poderia ser em outro lugar.
Quando foram expulsos dos locais que habitavam pelas frentes colonialistas, permaneceram
próximos do seu local de origem, seja trabalhando em fazendas, em áreas que os mantivessem
ao alcance de seu tekoha.
Desse modo, não há como se afastar o paradigma do direito à diferença, estabelecido no
art. 231, parágrafo 1º, da Constituição Federal de 1988, na apreciação do sentido de território
para a construção da identidade étnica indígena. Somente há preservação do direito à diferença
cultural, em toda a sua extensão, quando garantidos os direitos territoriais aos indígenas.
Assegurar a posse de suas terras é afirmar o direito à própria existência.
3
Teko é o modo de ser, o sistema de valores éticos e morais que orientam a conduta social, ou seja, tudo o que se
refere à natureza de ser Kaiowá. Tekoha pode ser entendido como o lugar (território) onde uma comunidade
Kaiowá (grupo social composto por diversas parentelas) vive de acordo com sua organização social e seu sistema
cultural, isto é, segundo seus usos, costumes e tradições (Eremites Oliveira; Pereira, 2009, p. 34). O tekoha
normalmente possui limites em rios e outros acidentes geográficos e é uma delegação divina, já que criado por
Ñande Ru (Melià, Grünberg, 1976, p. 208). Os tekoha possuíam tamanhos variáveis, conforme o número de
parentelas que compunham, já que cada uma delas possuía uma porção exclusiva (Pereira, 2006, p.70).
441
Divulgava-se que a fronteira com o Paraguai era desocupada e desconsiderava-se a
presença dos povos que ali habitavam. As frentes de exploração eram incentivadas pela política
estatal e se intensificaram na região, o que facilitava e promovia o esbulho dos indígenas de
seus territórios tradicionais.
O processo de negação da existência desses povos nas terras ocupadas foi importante
para a expulsão deles de seus territórios tradicionais, aliás, isto perdura até hoje, sendo comum
os proprietários rurais afirmarem que não havia indígena quando seus antepassados chegaram.
Criou-se a ideia (ainda muito difundida) de que “lugar de índio é na reserva”, logo, os
que estão fora dela não estariam numa posição “legal”, sendo passíveis de serem expulsos.
A combinação desses entendimentos de que “nas fazendas não havia aldeias” e de que
“lugar de índio é na reserva” sustenta até hoje as narrativas apresentadas nos processos judiciais
interpostos para negar os direitos específicos das comunidades indígenas, e, ao mesmo tempo,
defender o direito à propriedade privada. Com esses argumentos, o agronegócio criminaliza os
indígenas e defende a prerrogativa de expulsá-los com fundamento no direito de propriedade.
A resistência dos Guarani e Kaiowá fez surgir nos anos 80 o movimento pela retomada
de seus territórios, capitaneado pelas Aty Guasu, e que resultou na recuperação da posse de
diversas áreas, algumas das quais posteriormente demarcadas (que totalizam 22.450 hectares)
e outras tantas em processo de regularização (Benites, 2014, p.182)
Nesse cenário marcado pelas disputas assimétricas entre produtores rurais e populações
tradicionais, questionamentos judiciais dos processos administrativos de identificação e
demarcação tem sido a estratégia corriqueira do agronegócio, já que – enquanto tentam
invalidar o trabalho realizado pela FUNAI – os fazendeiros continuam a explorar
economicamente a terra, aproveitando-se da demora dos diversos recursos possíveis nos
tribunais.
Na esfera jurídica também buscam “sensibilizar a opinião pública local e nacional, bem
como os juízes, sobre as razões do progresso, representado pelo desenvolvimento da agricultura
moderna, em contraste com o estilo de vida e as razões pelas quais as famílias indígenas
reivindicavam seus espaços territoriais” (Mura, 2015, p. 112)
No bojo das ações judiciais, a Justiça Federal em Mato Grosso do Sul tem determinado
a realização de perícias antropológicas, arqueológicas e históricas nas áreas reivindicadas pelos
indígenas como forma de esclarecer a ocupação tradicional e delimitar o território. Aliás, a
utilização dos laudos antropológicos pelo Judiciário brasileiro é recente, iniciou na década de
442
1990, no período pós Constituição de 1988, quando os processos judiciais surgiram em resposta
à intensificação da identificação de áreas indígenas, além do avanço da fronteira agrícola.
Necessário repetir que a tutela que vigorou até a Constituição de 1988 impediu durante
décadas qualquer ação formal diretamente levada a efeito pelos próprios indígenas. Eles sempre
tiveram de expor suas pretensões ao crivo do Órgão Indigenista que, evidentemente, atuava (e
atua) conforme a conveniência e oportunidade de ocasião.
Evidencia-se o verdadeiro desamparo dos indígenas na defesa de seus territórios que,
por vezes, apresentavam o seu inconformismo, sem que providência efetiva para resguardar os
seus direitos originários à terra fosse realizada.
Nessa realidade de violências e expropriações, os Guarani e Kaiowá passaram, a partir
da década de 70, a realizar os seus processos próprios de retomada de seus espaços tradicionais.
Num complexo e coletivo movimento político, em que participam crianças, jovens, adultos,
idosos, mulheres e homens, há uma decisão coletiva de reocupar o tekoharã (partes do tekoha),
ou seja, os seus territórios tradicionais. Todos respondem pela retomada, não ocorre uma
centralização de poder ou de liderança.
Enquanto toma seus territórios, a comunidade aproveita a mobilização – inclusive dos
órgãos públicos em torno da repercussão dessa ocupação – para reivindicar direitos e obter
respostas do Estado sobre as demarcações.
Conforme explica o antropólogo e pesquisador Benites (2014), “o processo de
reocupação e retomada (jeike jey) dos territórios tradicionais (tekoha guasu),” é um movimento
organizado pelas lideranças religiosas e políticas Guarani e Kaiowá, “articulado em rede
(ñemoiru ha pytyvõ)” a partir das primeiras articulações realizadas na “grande assembleia
(Jeroky ha Aty Guasu) em meados de 1970 no sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul”, até
os dias de hoje, como modo de pressionar a identificação e delimitação dos territórios.
Aliado ao movimento das retomadas, verifica-se um panorama de vulnerabilização dos
Guarani e Kaiowá. Além da falta de acesso a serviços públicos básicos nesses espaços
retomados, percebe-se a reação violenta daqueles setores econômicos que se acreditam
prejudicados pela ocupação.
Incêndios, tiroteios e despejos forçados por milícias privadas e por forças policiais tem
sido comum às comunidades Guarani e Kaiowá que reocupam espaços. Vale consignar que
Mato Grosso do Sul registra altos números de mortes de lideranças indígenas em conflito
fundiário.
443
O atraso na demarcação dos tekoha Guarani e Kaiowá4, não apenas frustra as
expectativas das comunidades, como também aumenta as pressões demográficas. Os conflitos
fundiários em vários municípios de Mato Grosso do Sul acabam intensificando as violências e
a falta de espaço dentro das reservas, pois o movimento comum é acampar nas margens das
rodovias ou buscar abrigos com parentelas extensas que estão nas áreas demarcadas.
4
Em 2007, o MPF e a Presidência da FUNAI firmaram TAC com o objetivo de promover a identificação e a
delimitação de 39 terras de ocupação tradicional Guarani e Kaiowá, localizadas na região centro-sul de Mato
Grosso do Sul. O acordo não foi cumprido, o que ensejou o ajuizamento de ação por parte do MPF.
Recentemente, o STJ confirmou a incidência de multa diária pelo descumprimento (autos 0005153-
79.2010.4.03.6002).
444
Nascido no governo de Jair Bolsonaro, o PL n.º 191/2020 ambiciona permitir pesquisas
e lavras de recursos minerais e hidrocarbonetos e o aproveitamento de recursos hídricos para
geração de energia elétrica dentro das terras indígenas.
Já o PL n.º 2633/2020 visa regularizar terras invadidas que são objeto de grilagem,
transferindo-as para pessoas que praticaram diversos crimes, incluindo o homicídio de
indígenas em disputas territoriais.
O PL n.º 490/2007 originalmente pretendia modificações no Estatuto do Índio (Lei n.º
6.001/1973), quanto à competência para demarcação de terras indígenas. Ao projeto foram
apensados vários outros, com objetivos diversos relacionados às terras indígenas. Na verdade,
o projeto tenta emplacar pela via legislativa a tese do marco temporal, rechaçada pelo texto
constitucional e que está em vias de ser definitivamente julgada e sepultada pelo STF. Em 24
de maio de 2023, foi aprovado o requerimento de urgência n. 1.526/2023, dispensando-se a
tramitação do PL n.º 490 pelas comissões da Câmara dos Deputados, muito embora já houvesse
audiência pública aprovada na Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais.
E assim, apenas uma semana após a aprovação de urgência, o citado projeto restou aprovado
em um folgado placar de 283 votos favoráveis e 155 contrários. Atualmente a proposta tramita
no Senado, local em que recebeu a denominação de PL 2903/2023, já tendo sido aprovado na
Comissão de Agricultura e Reforma Agrária daquela Casa legislativa e estando a espera de
parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Os argumentos jurídicos para a declaração de inconstitucionalidade de todos esses
projetos são extensos. A íntima e profunda ligação entre o princípio da dignidade da pessoa
humana e o direito dos indígenas às terras tradicionalmente ocupadas, confere a eles a
qualificação de cláusula pétrea, sendo imutáveis pelo legislador ou por emendas à Constituição.
A nítida tentativa de desconstituir as conquistas anteriormente concretizadas fere o princípio da
proibição do retrocesso.
Todas as tentativas mencionadas de alterações legislativas afrontam os artigos 19, da
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e 6º, da Convenção 169,
da OIT, no sentido de que os povos interessados deveriam ser consultados cada vez que fossem
previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, para que
tenham o direito de dizer o que compreendem do projeto/intervenção e possam influenciar no
processo decisório sobre as medidas. Trata-se corolário da autodeterminação dos povos,
445
princípio do direito internacional sedimentado no art.4º, III, da Constituição da República, e
que deve ser reconhecido aos povos indígenas.
Sobre as propostas legislativas que ameaçam os direitos humanos dos povos indígenas
no Brasil, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) da
Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação ao governo brasileiro com a
ausência de previsão de veto, por parte dos indígenas, da mineração em seus territórios,
alertando sobre o risco de degradação social e ambiental de 863.000Km2 de florestas tropicais,
agravamento dos conflitos de terra e a exposição dos indígenas à violência, contaminação por
poluentes e doenças contagiosas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)
apontou o risco de retrocesso de direitos, de desmatamento e de atos de agressão, perseguição
e assassinatos de pessoas indígenas em retaliação ao seu trabalho em defesa de seus territórios.
Considerações finais
A avaliação sobre os direitos territoriais dos povos indígenas não pode estar alijada da
história desses povos, em especial nas áreas de retomadas recentes. A composição histórica,
geográfica e econômica do Estado brasileiro revela o sistemático esbulho imposto às
comunidades indígenas, resultado das violências a que foram e são submetidas e que resultaram
em deslocamentos e nos despejos forçados de diversos grupamentos de suas terras tradicionais.
Diferentemente da sociedade envolvente, os indígenas não consideram apenas o
conteúdo patrimonial das terras que ocupam e muito menos exercem sua posse exclusivamente
sob as lentes da exploração econômica dos recursos naturais. A territorialidade para as
comunidades indígenas tem significados outros que extrapolam os meros aspectos físicos do
espaço geográfico. Há um conteúdo metafísico relacionado à visão sagrada da natureza e aos
aspectos espirituais da cosmologia indígena.
A usurpação dos territórios acarreta consequências no presente, pois impede o
etnodesenvolvimento e promove intensos conflitos fundiários entre indígenas, setores do
agronegócio e com os detentores de interesses econômicos na exploração dos recursos naturais
existentes em terras de ocupação tradicional.
O governo brasileiro e suas instituições não conseguiram assegurar os direitos
constitucionais que são fruto da intensa mobilização política dos indígenas. Ao tempo em que
continuam se organizando para reivindicar direitos, os povos indígenas são criminalizados,
446
marginalizados e vulnerabilizados, dificultando sua inserção nos espaços públicos de debates e
na democracia representativa.
Até hoje não se estabeleceu entre as comunidades indígenas e a sociedade majoritária
relação amistosa apta a promover de verdade a interculturalidade prevista no texto
constitucional e na Convenção 169, da OIT. A disputa de visões de mundo e das formas de
explorar e sentir a terra, dentro de relações de poder assimétricas, continua permitindo a
violação de direitos e a prática sistemática de violências contra a coletividade indígena.
Nas disputas territoriais podem ser compreendidas as tensões e contradições das
políticas públicas do Estado brasileiro que tem a obrigação constitucional de realizar a
demarcação de terras indígenas e, contraditoriamente, promove propostas de lei que visam
autorizar a exploração de recursos naturais e incentivar o agronegócio nas terras tradicionais.
No grave cenário de violações, constata-se a necessidade de instar o governo brasileiro
a cumprir o seu papel na preservação da vida e na manutenção da cultura dos povos originários,
respeitando a sua existência e os seus diferentes modos de habitar a terra, promovendo a
autonomia e as iniciativas sociais e econômicas em vista de garantir a sociobiodiversidade e
bem-estar comum.
REFERÊNCIAS
BANIWA, Gersem. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas
no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio: ensaios e documentos. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
447
MELIÀ Bartolomeu. Memória, história e futuro dos povos indígenas. In: CHAMORRO,
Graciela; COMBÈS, Isabelle; FREITAS, André (ORG). Povos Indígenas em Mato Grosso do
Sul: história, cultura e transformações sociais. Dourados: UFGD, 2015, p. 569.
PEREIRA, Levi M. Assentamentos e formas organizacionais dos Kaiowá atuais: o caso dos
“índios de corredor”. Tellus, ano 6, n. 10, 2006. p. 69-81.
448
GT7 - PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Introdução
449
Em suas pesquisas com as crianças no mundo social onde estão inseridas, Corsaro
registrou a forma como elas constroem seus mundos de vida, ou seja, como, a partir das
brincadeiras, elas vão construindo esse ambiente social. A essa interação e socialização na
infância, o autor denominou de reprodução interpretativa.
O autor aborda o termo “pares” como a interação ou relação entre as crianças. A partir
da sua participação na sociedade interpretando e reproduzindo as informações do mundo adulto,
as crianças produzem suas culturas de pares, o que de acordo com o autor, não é uma simples
imitação. O termo cultura de pares está relacionado “ao conjunto de atividades ou rotinas,
artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus
pares” (Corsaro, 2009, p.32). Dessa forma, as crianças sofrem influência do mundo adulto e o
influenciam.
450
do Dente e outros. Griswold (1994) apud Corsaro (2011) conceitua por cultura simbólica as
crenças, as preocupações e os valores infantis.
A mídia dirigida à infância vem ganhando espaço ao longo dos anos no mundo infantil,
porém, com a pandemia, momento em que as crianças ficaram isoladas do convívio social, essa
cultura ganhou mais força entre o público infantil por meio de jogos interativos, histórias
contadas por meio de vídeos, brincadeiras, lançamentos de novos brinquedos entre outros
produtos que o mercado lançou para chamar atenção das crianças enquanto ficavam em suas
casas.
Metodologia
451
Como um dos aspectos da cultura simbólica, a mídia está presente no cotidiano das
crianças; elas se apropriam de diferentes informações sobre mundo por meio de programas de
televisão e outros meios de comunicação e tecnologias. Com a presença da mídia digital na
sociedade contemporânea, as crianças tendem a se apropriar dessa tecnologia (Ferreira, 2018,
p. 18).
É possível perceber como o domínio da tecnologia digital, que mesmo as crianças bem
pequenas vem adquirindo, é um fator que surge modificando a própria concepção de infância
na sociedade. De acordo com Ferreira (2018, p. 62), “Para além da história da infância que se
apresenta na sociedade contemporânea, é necessário se atentar à articulação com o futuro e às
reconfigurações que perpassam a infância em meio às mídias como agentes de socialização”.
Os livros infantis também estão presentes no cotidiano das crianças onde a pesquisa foi
realizada. Além das histórias contidas nos planejamentos para trabalhar as temáticas do plano
de atividades, as crianças tinham momentos de roda de leitura em que a professora colocava
algumas almofadas no chão e cada uma escolhida seus livros. Foi possível observar que elas
interpretavam aquele momento como uma brincadeira em que faziam jogos de linguagens com
452
diferentes entonações de voz, imitavam o lobo mau, a bruxa, os porquinhos e outros
personagens comum nas histórias infantis, mitos e lendas.
A história Os três porquinhos era uma das preferidas das crianças e sempre que a
professora a recontava, elas conduziam as falas dos personagens com todos os detalhes contidos
na história, desempenhando um papel ativo na leitura. Utilizam-se dessa cultura simbólica para
lidar com situações do dia a dia. “Na perspectiva da reprodução interpretativa, o foco está no
lugar e na participação das crianças na produção e reprodução cultural” (Corsaro, 2011, p. 128).
O Lobo Mau merecia ser castigado, pois estava derrubando as casas dos porquinhos. As
crianças se divertiam com a parte da história em que ele cai dentro da chaminé e queima seu
rabo, nesse sentido, foi possível perceber que, para elas , se fizer maldade para alguém precisa
ser castigado. Essa situação nos faz refletir sobre a forma como as crianças lidam com as regras
estabelecidas no seu ambiente familiar e instituições de ensino e o que deve ou pode acontecer
com quem não cumpre essas regras.
As figuras míticas e lendas estão entrelaçadas a essas culturas. Quem nunca ouviu a
história do “Bicho Papão”? Um bicho terrível que vinha buscar as crianças, caso elas não se
comportassem. Outro aspecto da cultura simbólica presente no cotidiano das crianças são as
figuras míticas, personagens utilizados pelos adultos para, em alguns momentos, convencer as
crianças a realizar o que lhes é solicitado. Após se apropriarem desse comportamento, as
crianças também passam a utilizar esses personagens para conseguir vantagens sobre os outros
colegas por meio das frases como “se for lá fora a bruxa vai te pegar”, “cuidado com o lobo”,
“esconde, aqui o lobo não vem”, entre outras tão presentes na relação adulto-criança. De acordo
com Corsaro (2011, p. 138), “Uma boa parte da cultura simbólica que as crianças trazem com
elas quando entram na vida comum com pares é retirada de mitos e lendas culturais”.
Às vezes as crianças ouviam a lenda de uma bruxa que, embora contada de forma muito
divertida, trazia medo para algumas delas. Observei que algumas elas utilizam a personagem
para ter domínio de algumas situações em relação aos colegas com frases do tipo “me dá, poque
a buxa vai te pega” – utilizando-se do temor do colega em relação a bruxa para conseguir um
determinado brinquedo (Diário de campo, 09/05/2022).
As crianças mais velhas da turma não tinham medo da bruxa porque pareciam ter
compreendido que ela é apenas uma personagem, mas para outras crianças ela era muito real e
podia aparecer a qualquer momento, principalmente, se fizessem algo contrário ao que o colega
453
pediu. Nesse sentido, Furlan, et. al. (2019) nos traz que o potencial particular da criança em
compreender o mundo amplia a apropriação e reprodução da cultura, a compreensão de
diferentes fenômenos e relações sociais. As crianças também criam estratégias utilizando-se de
elementos da cultura. Estratégias que, observei durante os momentos em que estive no campo,
serviram como amparo e acolhimento de quem estava iniciando na creche no contexto de
pandemia.
Na turma tinha uma criança que chorava bastante, era a primeira vez que estava tendo
contato com o mundo externo à sua família após a pandemia. Uma colega percebe que o seu
parceiro de turma chora, então se aproxima e lhe dá um abraço, o pequeno retribui o carinho
abraçando-a, também. Ela fala para ele “o colona não vai te pega, tá”! – O corona não vai te
pegar, tá!, referindo-se ao Coronavírus. Após o abraço a criança parou de chorar (Diário de
campo, 27/04/2022).
O “bichinho colona vílus” como era pronunciado pelas crianças se tornou um assunto
popular, algo assustador que “deixava dodói”. Entendemos, com base nas ações das crianças,
que elas tiveram acesso a muitas informações sobre o momento que estavam vivendo, e a partir
dessas informações recebidas da cultura adulta criavam estratégias de autoproteção e proteção
com o outro. Sarmento (2004) nos traz que, por meio da fantasia-do-real, as crianças dão
sentido às coisas e às ações do mundo real e as utilizam como uma maneira de resistir as
circunstâncias difíceis que costumam vivenciar, recriando e transformando as situações
vivenciadas.
Considerações finais
A cultura simbólica da infância é algo presente nas rotinas culturais das crianças sendo
constituída por símbolos de diferentes crenças, preocupações e valores que elas adquirem
primeiramente no ambiente familiar, e mais tarde num contexto social mais amplo, sendo as
instituições de educação infantil espaços mais comuns para a disseminação dessas culturas.
454
As crianças fazem uso desses aspectos simbólicos para lidar com suas frustrações,
medos, ansiedade, compreender modelos de comportamentos sociais e ampliar seu
conhecimento sobre o mundo que as cerca.
A mídia tem grande influência sobre as culturas infantis. As crianças acabam expostas
desde muito pequenas a conteúdos inadequados sem que, muitas vezes os pais tenham controle
do que seus filhos estão assistindo, Para Corsaro (2011), sabe-se muito pouco sobre a forma
com que os familiares tratam o uso da televisão e outros meios de comunicação com seus filhos.
No espaço onde foi desenvolvida a pesquisa foi possível observar que as crianças fazem
uso de diferentes artefatos da cultura simbólica. Os desenhos e filmes infantis refletem
comportamentos que no cotidiano as crianças buscam reproduzir e dar novos significados com
seus grupos de pares e adultos. Através das histórias elas lidam com perdas, medos e
frustrações. Os contos de fada se fazem presente nas brincadeiras e interações entre os grupos
pares, momentos em que as crianças incorporam seus personagens preferidos e os utilizam para
demostrar força e coragem ao enfrentar medos e desafios.
Referências
455
FERREIRA, M. F. Infância (n) ativa: potencialidades de participação e cidadania às crianças
na mídia digital. 2018. 258f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Universidade Estadual
Paulista. Bauru.
FRANCO, M. L.P.B. Análise de Conteúdo. 3. ed. Brasília: Liber Livro Editora, 2008.
FURLAN. S.A. et. al. Culturas infantis: a reinteração e as concepções de tempo na Educação
Infantil. Revista Zero-a-seis. s.l. n. 39. v. 21. p. 81-98. Jan/jun. 2019.
456
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NO CEAM/AHS DE MATO
GROSSO DO SUL: UMA REALIDADE DE FORMAÇÃO PANDÊMICA
Resumo: O presente artigo é resultado dos estudos realizados durante a disciplina de Formação
de professores, Prática Docente e Profissionalização do Programa de Pós-Graduação em
Educação - Mestrado e Doutorado (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). A
disciplina teve como objetivo refletir sobre o processo histórico da formação e
profissionalização docente, discutir a formação inicial e continuada e o trabalho docente na
contemporaneidade, problematizando questões relacionadas às tecnologias nos diferentes
espaços educativos. O artigo terá como base os textos referentes a formação inicial e continuada
e o trabalho do professor na contemporaneidade. Dentro de uma abordagem qualitativa o
estudo é bibliográfico e como empiria utilizamos uma experiência de trabalho de formação
continuada de professores realizada pelo Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para
Altas Habilidades/Superdotação do Mato Grosso do Sul. Conclui-se que a formação
proporcionou aos professores um espaço para discutir suas concepções teóricas e práticas,
revisar seus conceitos sobre o tema e sobre a constituição do estudante com altas habilidades
ou superdotação, bem como alinhar o trabalho corroborativo com o CEAM/AHS.
INTRODUÇÃO
457
Se constituir como professor é um processo permanente que envolve um conjunto de
experiências do qual esse profissional passa durante sua vida. Os saberes construídos
nestas experiências vividas ao longo do tempo vão se reformulando e se reinventando
como uma atividade natural, o que faz com que os professores desejem qualificar-se
para melhorar suas práticas. Com vistas a essa perspectiva, os docentes vão em busca
de formação continuada, pois muitos não querem parar no tempo, precisam manter-
se em eternas aprendizagens para transformar e inovar seu trabalho. Esse processo de
busca, para alguns professores, se manifesta mais rapidamente do que em outros.
458
educativos. A formação foi ministrada aos treze (13) professores das salas de recursos
multifuncionais das cidades do interior do estado de Mato Grosso do Sul que atendem
estudantes com AH/SD no AEE.
A deliberação prevê em seu artigo que, para atuar nas salas de recursos, o professor
poderá ter formação generalista, sendo assim, sem uma formação específica, o que gera um
hiato na formação desses professores entre a formação inicial e a oferta de formação continuada.
460
Nesta direção, Ilha e Hypólito (2014, p.107) nos apontam que “[...] os professores
podem vivenciar uma regulação sobre o seu trabalho ou uma falta de clareza e fundamentação
metodológica, geralmente ambas, durante o processo de trabalho docente”. O que torna mais
evidente que a discussão sobre o tema é pouco debatida nas nossas universidades, mas também
a falta de oferta de cursos na área faz com que o trabalho com estudantes com AH/SD torne-se
um verdadeiro desafio para os docentes.
Como nos afirma Alencar (2007, p. 15):
461
Destarte, também o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado pela Lei
n.13.005/2014, prevê em sua meta 4 a formação continuada de professores e a implementar as
salas de recursos multifuncionais propondo:
Com vistas a atender a meta prevista no Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do
Sul, no Plano Nacional de Educação e a demanda de formação na área das altas habilidades ou
superdotação para os profissionais que atuam na Rede Estadual de Ensino, foi oferecida uma
formação de oitenta (80) horas em formato da Educação à Distância (EAD), frente a pandemia
COVID-19. Sobre a EAD, concorda-se com Barreto, Guimarães, Magalhães e Leher (2006, p.
36):
462
normas definem que o estudante com altas habilidades ou superdotação é aquele que apresenta
“[…] um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano,
isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (Brasil, 2009).
O acompanhamento realizado pela Equipe Pedagógica constatou a eminente demanda
de formação com essa temática para os professores que atuam diretamente nas salas de recursos
multifuncionais. Concordante a isso, a formação continuada foi constituída para que ocorresse
nesse momento emergencial da COVID-19, mas que tivesse um perfil de continuidade para o
acompanhamento e assessoria permanente junto aos professores, não caracterizando-se
conforme nos adverte Araújo, Brzezinski e Sá (2020, p.3) “formação aligeirada dos professores,
voltada para atender os interesses do mercado de trabalho e da reprodução do capital”.
A inclusão desse estudante depende, em primeiro lugar, do conhecimento básico do
professor em reconhecer e identificá-lo e desenvolver metodologias e estratégias educacionais
que garantam a suplementação curricular nas áreas de interesse ou habilidade dentro do AEE
que conforme Alencar e Fleith (2006, p.09): “[...] o reconhecimento de que as necessidades do
superdotado, a serem levadas em conta nas propostas educacionais, passam pelas áreas
cognitiva, acadêmica, afetiva e social [...]”.
Assim, faz-se necessária uma formação que contemple as ações pedagógicas do
professor com vistas ao atendimento específico do estudante, de forma a garantir a integração
do ensino comum com o especializado. Consequentemente, ao não colidir nas crenças de que o
estudante apresenta comportamentos de AH/SD quando está no atendimento educacional
especializado e no ensino comum ele perca esta condição o que nos retrata Virgolim, (2007, p.
18) "[...] “ser superdotada” apenas no atendimento especializado”.
O estudante superdotado convive com as mazelas impostas pelas ideias e mitos
constituídos sobre si, que refletem diretamente em seu sucesso escolar no AEE e no ensino
comum. Esse é um dos maiores desafios dos professores do AEE, fazer com que a escola
reconheça e identifique o potencial do estudante AH/SD. Que a escola seja um espaço
democrático, que promova a inclusão, oportunidade de permanência e acesso do estudante
AH/SD aos níveis mais elevados do ensino. A escola, também, deve reconhecer que o estudante
com AH/SD é público-alvo da educação especial, e que a ele são concedidas as mesmas
oportunidades de direito ao atendimento do estudante AH/SD contrastado com os demais
públicos da educação especial que segundo Cabral (2014, p.29):
463
[...] o direito e a igualdade na educação, em relação às Altas Habilidades, caminham
no Brasil fora de um contexto ideal, uma vez que ainda se observa que muitos deles
se encontram na invisibilidade demonstradas pelos CENSOS de Pesquisas
Educacionais, que apontam para uma baixa quantidade numérica de pessoas dispostas
nesta categoria, contrariando assim o que dispões a OMS, onde está afirma que 3% a
5 % da população mundial possuem Altas Habilidades/Superdotação.
465
A formação contou com tutores do ambiente virtual que atuaram para: dar suporte para
o professor em questões de acesso, ambientação e uso do ambiente virtual; avaliar
criteriosamente a produção e participação do professor em ambiente virtual; dirimir dúvidas,
sugerir textos, vídeos e outros materiais capazes de promover o melhor aproveitamento do
cursista em relação aos temas abordados ao longo da formação; e estimular os cursistas a
participar das atividades propostas em ambiente virtual.
Optou-se como ferramenta avaliativa das atividades propostas por módulo um relatório
final ou relato de experiência para obtenção do certificado do curso. A avaliação das atividades
realizadas pelos professores teve como critérios: domínio dos assuntos abordados nos módulos
com base no material disponível; demonstrar entendimento sobre o tema, articulando os
conhecimentos adquiridos na formação, contextualizando com a realidade; a utilização de
informações e argumentos, e domínio dos mecanismos linguísticos envolvidos na escrita,
principalmente os que envolvem a coesão e a coerência textual.
Nos fóruns os critérios de avaliação de participação em cada módulo com a realização
de no mínimo duas postagens que agreguem e contribuam com os temas propostos. A atividade
final do curso compôs um relatório final ou relato de experiência, em que o cursista deveria
relatar um fato de sua prática que tenha como pauta a questão das altas habilidades ou
superdotação direta ou indiretamente. Para receber a certificação referente ao curso,
estabeleceu-se que o professor deveria participar de, no mínimo, 75% das atividades propostas
nos fóruns e no ambiente virtual de forma a cumprir 100% das atividades propostas no ambiente
virtual.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ALENCAR, E. M. L. S.; FLEITH, D. S. A atenção ao aluno que se destaca por um potencial
superior. Cadernos de Educação Especial, 27. 2006. Disponível em:
<www.ufsm.br/ce/revista/index. htm > Acesso em: 20 de fev. 2023.
CABRAL, I. A. Indicar para identificar e atender altas habilidades nas escolas. Curitiba:
Appris, 2014.
FELICIO, M.H.; SILVA, C.M. Currículo e formação de professores: uma visão integrada de
construção de conhecimento profissional. Diálogo Educacional. V.17, n.51, p.147-166,
jan/mar 2017.
468
MATO GROSSO DO SUL, Deliberação CEE/MS n. 11.883, 05 de dezembro de 2019.
MATO GROSSO DO SUL. Plano Estadual de Educação 2014-2024. Campo Grande, 2014.
Disponível em: <http://www.sed.ms.gov.br/wp-content/uploads/sites/67/2015/05/pee- > ms-
2014.pdf. Acesso em: 10 fev. 2023.
469
A INCLUSÃO/EXCLUSÃO DA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CEIs) DO MUNICÍPIO DE
BONITO, ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (MS) EM TEMPOS DA
PANDEMIA DO COVID19
INTRODUÇÃO
470
gestores, docentes e famílias, como aconteceu o processo de inclusão/exclusão das crianças
com deficiência no período de 2020 a 2021.
Especificamente propõe: a) Contextualizar as políticas públicas de inclusão para as
crianças com deficiências nas esferas Federal, Estadual e do Município de Bonito (MS);b)
Investigar as experiências na formação acadêmica e prática de trabalho de gestores,
professores(as), inclusive professores(as) de apoio dos (CEIs) de Bonito (MS), enfocando as
contradições, desafios e perspectivas da inclusão pelo fato das crianças não terem frequentando
presencialmente os CEIs no momento de pandemia; c) Entender o que a pandemia do COVID
19 trouxe de novo na educação infantil nos CEIs de Bonito (MS) bem como os impactos das
atividades online encaminhadas pelos professores(as) por meio do grupo no WhatsApp para
contemplar o atendimento emergencial; d) Analisar como as famílias das crianças com
deficiências lidaram com o fato de seus filhos(as) não terem frequentado presencialmente os
CEIs no momento da pandemia, inclusive sendo obrigados a assumir a responsabilidade de
orientar as crianças a realizarem as atividades pedagógicas que foram encaminhadas pelos
professores(as) através do grupo no WhatsApp
Dessa forma, foi necessário buscar caminhos e percorrer diversos trajetos. Percursos e
trajetos “que têm como base um conteúdo, uma perspectiva ou uma teoria” (Meyer; Paraíso,
2012, p. 15).
Na busca pela inclusão/ exclusão da criança com deficiência em tempos de pandemia, a
metodologia dessa pesquisa apresenta abordagem qualitativa, o que possibilita favorecer uma
maior diversidade de informações para análise (MINAYO, 2012). Caracteriza-se como pós-
crítica e se mostra mais adequada, pois nas pesquisas pós-críticas, “[...] o sujeito é um efeito
das linguagens [...]” (Paraíso, 2014, p. 31) por possibilitar a escuta dos sujeitos, perceber seus
anseios e angústias. Em nosso caso, nos permitiu discutir o outro diferente que são as crianças
com deficiência e as relações de poder que permeiam seus direitos de inclusão e uma educação
que trabalhe todas suas potencialidades para seu desenvolvimento cognitivo
A pesquisa em andamento foi caracterizada como qualitativa e bibliográfica em busca
de compreender os fenômenos, o contexto onde ocorrem e a partir do ponto de vista dos
interlocutores, pois é produzida de impressões e subjetividade interpretativa a partir da memória
afetiva (Godoy, 1995). O estudo foi ancorado no método da entrevista, pois é utilizada para
“[...] recolher dados descritivos na linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador
471
desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos
do mundo” (Bogdan e Biklen,1994, p.134).
Portanto, no processo de realização da pesquisa foi realizado um levantamento
bibliográfico do tema estudado, dos fundamentos legais da inclusão, além de uma pesquisa
documental dos dois Centros de Educação Infantil, para análise do seu Regimento Escolar,
Proposta Pedagógica, Currículo e práticas pedagógicas realizadas no período da pandemia. A
pesquisa bibliográfica se faz necessária uma vez que sentimos que existe uma necessidade
premente de aproximação com os teóricos da decolonialidade.
Também para produção dos dados estamos realizando conversas informais com a
diretora do departamento de inclusão da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC)
do município de Bonito -MS, além das gravações de entrevistas a partir de um roteiro
semiestruturado. Essas entrevistas estão sendo realizadas com gestores e docentes e famílias
das crianças com deficiências matriculadas nos CEIs pesquisados. Realizamos também um
registro das atividades encaminhadas e conversas nos grupos via whattsApple com a finalidade
de contribuir com o entendimento da pesquisa realizada.
472
Sul do Centro-Oeste e dista 297 quilômetros da capital Campo Grande/MS. Estes CEIs
oferecem atendimento integral as crianças de 0 a 3 anos em creches (Berçário e Maternal) e
atendimento parcial na pré-escola de 4 a 5 anos, além de atender crianças inclusas.
Os locais da pesquisa estão localizados na vila Donaria e bairro Marambáia, sendo a
primeira, região central do município de Bonito/MS e a segunda, um bairro popular periférico
da cidade. As famílias que vivem na vila Donária região central são consideradas de classe
média, são pessoas que atuam no turismo ou como proprietários de agências, ou como guias,
além de professores e funcionários públicos. Nesse bairro as pessoas com menos poder
aquisitivo trabalham como recepcionistas de hotéis ou atendentes de mercados. Essa
caracterização da população que vive no entorno dos CEIs onde a pesquisa foi desenvolvida é
necessária a fim de mostrar que os pais são pessoas esclarecidas, em sua maioria tendo nível
superior, portanto conhecem os direitos de seus filhos inclusos.
As famílias que vivem no bairro Marambáia são consideradas de classe pobre população
de baixa renda e status social que necessitam de programas do governo federal como bolsa
família, cestas básicas, entre outros. Os pais são trabalhadores (as) domésticas (os), garis,
trabalhador rural, vendedores, e camareiras de hotéis. Ao contrário, os pais são menos
esclarecidos, em sua maioria não finalizaram o ensino médio, portanto, desconhecem os direitos
de seus filhos.
Os sujeitos definidos para a entrevista foram os pais de crianças com deficiência
matriculadas nos CEIs ,dois gestores, professores(as) regentes e professores(as) de apoio que
atuavam em sala de inclusão na educação infantil dos CEIs. A troca de experiência com os
professores (as) e as famílias foi algo bastante produtivo e permitiram produzir dados por meio
da entrevista corroborando para responder às muitas interrogações surgidas sobre a inclusão no
contexto pandêmico nas conversas informais com pais e familiares das crianças com
deficiência.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) estabelece que em atendimento a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Infantil, é garantido o direito a criança de frequentar os Centros de
Educação Infantil, e receber o atendimento na promoção do desenvolvimento integral, “em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, sobrepondo a visão assistencialista,
complementando a ação da família e da comunidade” priorizando o Educar e o cuidar, o Ensinar
e o Brincar, tendo como concepção de educação infantil o atendimento às crianças até 5 anos;
em creches (0 a 3 anos) e pré-escolas (4 a 5 anos).
473
Os Centros de Educação Infantil são mantidos pela Prefeitura Municipal de Bonito e
administrado pela (Secretaria Municipal de Educação e Cultura- SEMEC), com o CNPJ nº03.
073.673./0001-60. O CEI Laura Vicunã atende 112 crianças e o CEI Hermínia Teixeira atende
256 crianças.
As propostas do Projeto Político dos CEIs Laura Vicuña e Hermínia Teixeira
contemplam práticas pedagógicas interdisciplinares que promovam o desenvolvimento integral
das crianças que participarão ativamente de seu aprendizado e formação. A partir do dia 17 de
março de 2020, obedecendo a Portaria nº 343, o Ministério da Educação (MEC) se manifestou
sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, durante o período da
pandemia da COVID-19.
Dessa forma, diante de um contexto pandêmico surgiu a necessidade de pesquisar
professores, gestores e familías, a fim de “escutar” seus silenciamentos, sistematizar suas falas,
e dialogar com teóricos dos Estudos Culturais, teóricos do Grupo Modernidade e Colonialidade
e outros autores que se aproximam desse campo teórico, para dialogarmos sobre as práticas
pedagógicas das crianças com deficiências no período de pandemia com o recorte temporal a
partir do mês de Março de 2020 até setembro de 2021.
INCLUSÃO E PANDEMIA:
Para a realização dessa temática, utilizou-se a pesquisa bibliográfica em documentos,
parecer, artigos e livros de autores que se referem a estudos sobre criança com deficiência na
educação infantil em tempos de pandemia e darão embasamento teórico para esta pesquisa,
Diante das produções encontradas, procuramos realizar as leituras no sentido de “ler
para aprender, para fazer conexões inesperadas, para despertar nossos afetos felizes”
(PARAÍSO, 2012, p.36), provocar inquietação, mover e mobilizar um pensamento. A busca por
trabalhos foi a partir dos descritores: Educação Infantil e Estudos Culturais, Educação Infantil
e inclusão e Educação Infantil e Pandemia. Estudos como a pesquisa de Castro 2021, mostraram
a insuficiência na eficácia com que as políticas educacionais foram veladas no momento de
pandemia e apontou para problemas já existentes na educação e que com o momento com o
qual vivenciamos somente se intensificaram.
No livro Educação infantil em tempos de pandemia, ( Uzêda, Barbosa,Queiroz,2021)
em seus estudos intitulado: Inclusão na Educação Infantil: direitos assegurados ou violados no
contexto da pandemia? Constataram que durante o período de isolamento social, as professoras
474
tiveram grande dificuldade de manter o contato com as crianças e seus familiares e de obter
retorno sobre as atividades sugeridas, apontando a condição socioeconômica das famílias e a
falta de recursos de tecnologia. Em seguida, faremos uma breve discussão no sentido de
entender a contribuição da educação inclusiva nos CEIs a partir de práticas pedagógicas
inclusivas para o fortalecimento da inclusão de todas as crianças com deficiências e sem
deficiências em detrimento a exclusão.
A Educação infantil é o processo educativo das crianças de zero a cinco anos, primeiro
etapa da educação básica, “que ocorre em instituições que não devem se confundir com a
família, a escola ou os hospitais” ( Noal, 2006,p. 37). Nos debates atuais sobre a inclusão, a
educação infantil tem diante de si o desafio de encontrar soluções que respondam a questão do
acesso e da permanência das crianças nas suas instituições educacionais. Nas palavras de
Meyer; Paraiso,2012:
475
Enquanto docentes percebemos o centro de Educação Infantil como um lócus que
merece cada vez mais atenção, haja vista a multiplicidade de fatores que o circundam e a
heterogeneidade que o compõe a partir de variáveis sociais, regionais, linguísticas, étnicas, entre
outros, que precisam ser contempladas nas práticas educativas e sociais tecidas neste espaço,
as quais precisam ser delineadas, realizadas e efetivas de modo a garantir a defesa de seu público
na igualdade e na diferença, ou seja, em sua pluralidade.
Nesse argumento, a educação inclusiva acaba sendo banalizada, ou seja, passa a atuar
muito mais como um recurso metodológico, um suporte, do que reconhecida como um direito.
No entanto, entender que a diferença é a produção de um coletivo, que é o fruto de composições
das forças que constituem um determinado contexto sociocultural, compreender ainda que se
abrir para a diferença implica se deixar afetar pelas forças de seu tempo.
Trata - se de uma política que não consiste simplesmente em reconhecer o outro,
respeitá-lo, preocupar-se com os efeitos que nossa conduta possa ter sobre ele; ela vai mais
além, assumindo as consequências de sermos permanentemente atravessados pelo outro.
Ressalta-se que a pesquisa do doutorado em andamento é um processo que vem
buscando analisar o processo de implementação do ensino remoto com vistas à garantia do
atendimento as crianças público alvo da educação especial em tempos de pandemia. No que
tange a pessoa com deficiência no âmbito educacional, Skliar (2001) entende que a instituição
educacional inclusiva fala dos “deficientes” como sujeitos da escola regular, mas se esta escola
coloca como exigência a escolarização, o sujeito deixa de ser “deficiente” para ser como os
outros. Nesta direção, a educação inclusiva propõe uma mudança cultural, nos convida a
compreender e acolher as múltiplas formas de ser um estudante. Torna-se uma revolução de
costumes, uma revolução de compreender que as pessoas são diferentes, e a diferença não
implica em algo negativo, mas ao contrário nos ensina todos os dias a ter respeito, tolerância,
delicadeza e amor ao próximo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
A pesquisa se encontra em fase de análise de dados e embasadas na Pedagogia da
Diferença bem como nos teóricos do Grupo Modernidade/Colonialidade, que criticam os
modelos hegemônicos de conhecimento da modernidade impondo regras a fim de
homogeneizar as pessoas e subalternizar identidades como inferiores. Diante desse cenário, os
476
desafios da educação infantil se tornaram ainda maiores, principalmente quando falamos da
inclusão de crianças com deficiências em tempos da pandemia do COVID 19.
REFERÊNCIAS
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Bonito MS. Centro deEducação Infantil. 2021.
BONITO. Regimento Escolar Interno dos Centros de Educação Infantil. Bonito MS. Centro
de Educação Infantil. 2019.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9394, de
20/12/1996..
BRASIL. Congresso Nacional. Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio
às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público,
define crimes, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 out. 1989.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm> . Acesso em: julho de
2020.
477
CASTRO, G. C. Educação inclusiva em tempos de pandemia: Desafios para a inclusão. Revista
Interdisciplinar , MARGENS - Dossiê Margens, Poder e Insurgência na América Latina Versão
Digital . VOL.15. N. 24. Jun 2021. p. 275-290.
DESLANDES, Suely F.; GOMES, Romeu; MINAYIO, Cecília de S. (org.). Pesquisa social:
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GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.
GODOY, Arilda Schmidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração
de Empresas, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 20-9, maio/jun. 1995.
SKLIAR, C. B. Seis perguntas sobre a questão da inclusão ou de como acabar de uma vez por
todas com as velhas -e novas- fronteiras em educação. Pro-Posições (Unicamp), Campinas, v.
12, n.2-3, p. 11-21, 2001.
478
PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação e currículo:
trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas. In: MEYER, Dagmar
Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves(orgs). Metodologias de pesquisas pós-críticas em
educação. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012. (23-61).
479
A UFMS VAI À ESCOLA PÚBLICA: INTRODUÇÃO À ENGENHARIA CIVIL
COM ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO
Resumo: Este texto tem como objetivo trazer um relato de experiência, em forma de artigo, de
um curso de extensão, idealizado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e realizado
numa escola estadual pública, no município de Campo Grande, MS. Tal projeto proporciona
aos estudantes de escolas públicas uma introdução ao campo da Engenharia Civil. O projeto
visa despertar o interesse dos estudantes pela engenharia, promovendo uma compreensão básica
dos princípios e práticas utilizados na construção de estruturas. Conclui-se que esses projetos
de extensão são significativos para a aprendizagem do estudante do ensino médio, uma vez que
podem entendem a importância de ingressar no ensino superior.
INTRODUÇÃO
480
contribui para reduzir as desigualdades e promover a inclusão social, permitindo que jovens
talentosos e motivados tenham a oportunidade de desenvolver seu potencial e contribuir para o
progresso do país (Hertzberg, 1996).
Além disso, levar uma introdução à engenharia civil na escola pública, pode despertar o
interesse dos estudantes por essa profissão e incentivá-los a seguir carreiras na área científicae
tecnológica. Isso é especialmente relevante em um mundo cada vez mais dependente de avanços
tecnológicos e soluções inovadoras para os desafios do desenvolvimento sustentável (Fazenda,
2008).
É fato dizer que está cada vez mais difícil fazer com que o estudante entenda conteúdos
escolares, pelo fato de ser uma clientela cada vez mais diversificado em contextos econômicos,
culturais, sociais, dentre outros. Com isso, Masseto (2003) considera que o ensino através de
parcerias com universidades, por meio de projetos de extensão, é uma estratégia fundamental
para a melhoria da qualidade do ensino, entretanto alerta que ainda não é o suficiente para o
aluno, uma vez que seria necessário uma orientação e acompanhamento do professor no decorrer
da construção do conhecimento do aluno.
481
A Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Objetivos:
482
● Estimular o trabalho em equipe, o pensamento crítico e a criatividade dos estudantes
por meio de desafios e projetos práticos.
METODOLOGIA:
Visitas técnicas: Os estudantes dessa escola, foram fazer uma visita técnica na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande. Na ocasião, participaram do
espaço ciência e visita ao curso de Engenharia Civil, nos laboratórios de Construção Civil.
Figura 1: Acadêmicos do Curso de Eng. Civil apresentando o laboratório para os estudantes da escola.
483
Figura 2: Apresentando uma palestra sobre a UFMS na Escola Pública
484
Figura 4: Estudantes no paliteiro da UFMS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou promover um contato entre duas realidades que não foram muito
estimuladas a conviverem: de um lado a ciência exata da Engenharia e de outro o processo de
ensino e aprendizagem do Ensino Básico. Este trabalho carregou primeiramente o cunho da
Extensão Universitária, buscando articular o conhecimento científico advindo do Ensino
Superior com as necessidades da comunidade na qual a Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul se insere. O grande desafio do atual cenário das Engenharias e Exatas é despertar,no
ensino médio, o interesse dos jovens sobre as referidas áreas. A dinâmica utilizada
485
para o desenvolvimento do projeto permitiu uma interação muito grande entre os participantes
durante a realização das atividades. Apesar de que a maioria das jovens participantes não
apresentarem interesse em ingressar nas áreas exatas, engenharia o projeto auxiliou na
reflexão da escolha profissional, bem como na sua formação cidadã.
REFERÊNCIAS
Brasil, 2018. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Disponível em:
https://www.ufms.br/universidade/historico/
FREIRE, P. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1985
HEWITT, Paul G. Física Conceitual, 10ª Edição. São Francisco, CA: Pearson Addison
Wesley, 2006. Capítulos 15-18: Calor. Pág. 289-360.
486
AS LÍNGUAS DE SINAIS DOS INDÍGENAS SURDOS DAS ALDEIAS OLHO
D’ÁGUA, BARREIRINHO E ÁGUA AZUL DO TERRITÓRIO INDÍGENA BURITI
NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
Resumo: Este artigo é um recorte da tese de doutorado intitulada “A colonização pela Libras
da língua de sinais dos indígenas surdos das aldeias Olho D’Água, Barreirinho e Água Azul,
da Terra Indígena Buriti em Mato Grosso do Sul”, (ARAUJO, 2023) pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco – PPGE/UCDB. Do capítulo 4
“A língua de sinais dos indígenas” que discorre sobre o conhecimento do território indígena
pesquisado, sobre a historicidade da etnia local, cultura, identificação dos indígenas surdos
locais e o registro dos sinais emergentes. A metodologia foi no campo nas pesquisas Pós-
Críticas, através da pesquisa etnográfica, as ferramentas utilizadas para pesquisa: revisão
bibliográfica, observação a campo, roteiros de entrevistas. O artigo foi articulado no campo
teórico pelos Estudos Surdos, dialogando com teóricos do campo dos Estudos Culturais e dos
estudos do Grupo Modernidade e Colonialidade. Esta pesquisa contribuiu com conhecimento,
valorização e registro das línguas indígenas de sinais.
Introdução
1
[...] segundo informações da Fundação Nacional do Índio – Funai/Campo Grande (2010), é de 2.543 habitantes.
Ela é situada no cerrado sul-mato-grossense, no espaço que abrange dois municípios do interior do estado de Mato
Grosso do Sul: Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti. Segundo dados do site Terras Indígenas no Brasil, as
dimensões das áreas em hectare, unidade de medida para superfície agrária de cada município, correspondem,
respectivamente, a 528.640,50 e 234.164,90, sendo a área ocupada pela Terra Indígena de 11.299,68 do município
de Sidrolândia e 5.818,98 do município de Dois Irmãos do Buriti. Esse território foi reconhecido oficialmente pela
Portaria n. 3.079, de 28 de setembro de 2010 [...] (ARAUJO, 2023, p. 99)
488
indígena morador da Aldeia Olho D’Água, ambos foram meus alunos da Licenciatura
Intercultural Indígena, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. A primeiras
visitas aconteceram em 2022 e a última no início de 2023. Por ser uma pesquisa etnográfica,
pude observar o local, conversar com os interlocutores da pesquisa, conhecer e interagir com a
comunidade em geral. (AGUIAR, 2019)
Durante as visitas e as indicações dos participantes da pesquisa, foi identificado cinco
indígenas surdos, quatro de uma família só da etnia Terena e uma da etnia Guarani Kaiowá
vinda de outra aldeia do município de Bela Vista - MS. Quatro homens e uma mulher, da faixa
etária entre dos 10 a 75 anos de idade. Sendo: Davi (10), Ronald (16), Mara (20), Edilson (23)
e Luíz (75) anos de idade.
Todos se comunicavam através de língua de sinais emergentes no contexto familiar,
convencionados e compreendidos entre eles. Os sinais utilizados por eles têm muito da
iconicidade, também foi observado que existe o uso de apontamentos e da oralidade em certos
casos na língua portuguesa, e, por alguns o uso da escrita. Para quatro dos cinco indígenas
surdos encontrados somente um teve bem pouco o acesso e a intervenção da língua brasileira
de sinais, mesmo assim sem muita compreensão das coisas. Os outros estão tendo o
conhecimento da Libras recentemente na escola. Tive a oportunidade de interagir com os
indígenas surdos e produzir/observar com eles alguns sinais emergentes que eles compartilham
entre seus contextos familiares.
Feita a produção desses dados, foi organizado quadros que dispunham uma análise
dentro da gramática da língua de sinais, baseada nas pesquisas da linguística Brito (1990;1995),
Ferreira (2010) destacando os parâmetros da língua de sinais (CM - configuração de mãos; PA-
ponto de articulação; O - orientação da palma das mãos ou direcionalidade; M - movimento e
os SNM - sinais não manuais - expressão corporal e facial). Fazendo assim uma comparação da
estrutura gramatical da Língua Brasileira de Sinais (Libras) com a Língua Indígena de Sinais
(LIS) produzidas por eles naquele território indígena. Baseado no trabalho de Ferreira (2021)
realizado com as línguas de sinais Munduruku.
Identificando por meio de uma análise linguística da língua de sinais da mesma forma
que Soares (2018) realizou em sua pesquisa de tese de doutorado que aqueles sinais realizados
entre os indígenas surdos daquele território indígena são de fato uma outra língua de sinal
489
independentes da Libras. Além de servir como um acervo bilíngue que envolve as línguas de
modalidade gestual-visual (Libras e LIS), e as línguas (Língua Portuguesa e Língua Terena) na
modalidade escrita.
Para que os leitores pudessem observar a construção do movimento do sinal (LIS),
realizei uma gravação em vídeo e está disponibilizado para acesso através de QR Code, um
leitor de código logo embaixo de cada quadro. Dos sinais-termos produzidos entre os indígenas
surdos destaco alguns exemplos através das palavras na Língua Portuguesa: TARDE, BATOM,
ENXADA, CARRO, GOIABA, VARAL, CAMA.
490
Quadro 1 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP TARDE
ESCRITA LT KEYAKÁXE
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Configuração de Configuração de
mãos mãos
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.115). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
491
Quadro 2 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP BATOM
ESCRITA LT NÃO TEM
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Configuração de Configuração de
mãos mãos
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.116). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
492
Quadro 3 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP ENXADA
ESCRITA LT
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Configuração de Configuração de
mãos mãos
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.117). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
493
Quadro 4 – Sinal indígena emergente produzido por Luiz – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP CARRO
ESCRITA LT NÃO TEM
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Configuração de Configuração de
mãos mãos
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.118). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
494
Quadro 5 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP CAMA
ESCRITA LT ÍPE
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.119). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
495
Quadro 6 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP GOIABA
ESCRITA LT ARÂHA
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Configuração de Configuração de
mãos mãos
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.120). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
496
Quadro 7 – Sinal indígena emergente produzido por Edilson – Aldeia Olho D’Água
PALAVRA LP VARAL
ESCRITA LT
LÍNGUA DE SINAIS
LSI LIBRAS
Fonte: quadro extraído da tese de doutorado (ARAUJO, 2023, p.122). Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1T7XuqRV0vTwV0ZGE_-LSTUfusdYXdS6k/view?pli=1
497
Considerações finais:
Esses momentos etnográficos com os indígenas surdos podemos perceber que a língua
de sinais falada por deles flui naturalmente conforme as necessidades comunicacionais
primeiramente no contexto familiar e consequentemente se estimulados, com os demais
parentes das aldeias.
Analisando pelo viés da linguística, observamos que grande maioria se utiliza de sinais
emergentes no contexto familiar, devido ao período de convívio com a família. E seus sinais na
grande maioria são sinais conhecidos como icônicos, ou seja, sinais que reproduzem a imagem
do referente, que fazem alusão à imagem do seu significado conforme diz Ferreira (2010).
Os indígenas surdos participantes desta pesquisa estão tendo atendimento educacional
com apoio de um tradutor e intérprete de língua de sinais recentemente na escola, portanto,
estão conhecendo agora a Língua Brasileira de sinais (Libras).
Com isso, também havendo novos registros de línguas de sinais e outras comunidades
indígenas, respeitando suas culturas e tradições. Pensando também reestruturação nas grades
curriculares nas escolas indígenas, buscando uma escolarização de indígenas surdos,
respeitando suas identidades culturais e linguísticas.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Jaqueline Gomes de. A pesquisa Etnográfica On Line em tempos de cultura de
convergência. Revista Observatório, Vol. 5, n. 6, Outubro-Dezembro. 2019. ISSN nº 2447-
4266.
ARAUJO, Bruno Roberto Nantes. A colonização pela Libras da língua de sinais dos
indígenas surdos das aldeias Olho D’Água, Barreirinho e Água Azul, da Terra Indígena
Buriti, em Mato Grosso do Sul. 2023. 196 f. Tese (Doutorado) – Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB), Campo Grande, 2023.
BRASIL, Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). Dispõe sobre a Língua
Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10346.htm. Acesso: 11 set. 2022.
FERREIRA, Lucinda. Por uma gramática de Língua de Sinais. Rio de Janeiro: Edições
Tempo Brasileiro, 2010.
MUSSATO, Michelle Sousa. O que é ser índio sendo surdo?: um olhar transdisciplinar.
Dissertação de Mestrado em Letras, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas,
2017.
499
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO (AEE): UMA REVISÃO DE
LITERATURA
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o estado do conhecimento sobre o trabalho
do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e os desafios que enfrenta. O
AEE, de acordo com o Decreto nº. 7.611, de 17 de novembro de 2011, tem como objetivo
prover condições de acesso aos serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes. A pesquisa foi realizada por meio de revisão de literatura de artigos,
dissertações e teses já publicadas sobre a temática. Foram consultados quatro repositórios, com
as palavras-chave “atendimento educacional especializado”, “professor” e “sala de recursos
multifuncionais”. Dos 124 trabalhos localizados com esses termos foram selecionados 18
estudos (9 dissertações e 9 artigos). As análises apontam que os principais desafios enfrentados
pelos professores do AEE estão relacionados às questões de infraestrutura inadequada, falta de
materiais didáticos e falta de interação com os professores das classes regulares. Foi apontado,
também, a importância de se ter formações continuadas para subsidiar os professores a
realizarem seu trabalho no AEE de forma mais eficiente.
INTRODUÇÃO
O objetivo da pesquisa é em responder às minhas inquietações sobre o trabalho dos
professores que atuam na Educação Especial, especificamente no AEE e analisar o trabalho
desses professores.
O Atendimento Educacional Especializado vem ao longo de duas décadas se
reformulando e para Tardif e Lessard (2012, p.23) “[...] a escolarização supõe, historicamente,
a edificação e a institucionalização de um novo campo de trabalho, a docência escolar no seio
da qual os modos de socialização e de educação anteriores serão ou remodelados, abolidos,
adaptados ou transformados”. Isso se dá, segundo os autores, devido a “[...] função dos
dispositivos próprios do trabalho dos professores na escola”.
500
Dentre as Normativas para garantir o direito de todos a escolarização, está o
Atendimento Educacional Especializado (AEE). O Decreto nº. 7.611, de 17 de novembro de
2011, estabelece que a proposta pedagógica da escola envolva a participação da família e dos
estudantes para atender as necessidades dos alunos especiais e propõe como objetivo do AEE,
prover condições de acesso aos serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes. (BRASIL, 2011b).
Deste modo, perante a legislação, o aluno especial deve frequentar a escola e o AEE,
esse atendimento no contraturno é o que garante um suporte necessário para a efetivação da
inclusão. Segundo a Resolução n. 04/2009 do CNE que define as diretrizes do AEE, e em seu
art. 1º regulamenta que:
Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas
classes comuns do ensino regular e no atendimento educacional especializado
(AEE), complementar ou suplementar à escolarização ofertado em sala de
recurso multifuncional ou em centros de AEE da rede pública ou de
instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.
(BRASIL, 2009, p. 1).
Neste contexto, com este artigo, pretende-se mapear e analisar os estudos já realizados
sobre o trabalho do professor no AEE por meio de uma pesquisa do tipo estado do
conhecimento.
Segundo Romanowski e Ens o estado do conhecimento tem uma grande contribuição
no campo teórico pois,
Os objetivos favorecem compreender como se dá a produção do conhecimento
em uma determinada área de conhecimento em teses de doutorado,
dissertações de mestrado, artigos de periódicos e publicações. Essas análises
possibilitam examinar as ênfases e temas abordados nas pesquisas; os
referenciais teóricos que subsidiaram as investigações; a relação entre o
pesquisador e a prática pedagógica. (Romanowski; Ens, 2006, p. 39).
501
A pesquisa foi iniciada com o mapeamento dos estudos sobre a Educação Especial e
os professores do AEE. Foram realizadas buscas nos seguintes repositórios: 1) Teses e
Dissertações do PPGE/UCDB; 2) Scientific Electronic Library Online (SciELO); 3) Portal de
Periódicos (CAPES/MEC) e 4) Catálogo de Teses e Dissertações (CAPES). No Quadro 1 são
apresentados os números de trabalhos localizados e selecionados de cada base de dados.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os estudos foram selecionados com o critério de que tivessem proximidade com os
objetivos da minha pesquisa que visa analisar o trabalho do professor da AEE.
Apresenta-se, no Quadro 2, os trabalhos selecionados:
503
relação à presença de jogos e tecnologia no Revista Educação Artes e Inclusão.
Atendimento Educacional Especializado. Volume 16, nº3, jul./Set.2020. ISSN 1984-
2020 - Artigo 3178.
18. Desafios de fazer docente nas salas de recursos FIGUEIREDO, Séfora L.; SILVA, Edil F.
multifuncionais (SRM). Psicologia: Ciência e Profissão 2022 v.
2022 - Artigo 42, e230191, 1-14.
Fonte: Elaborado pela autora
Com as palavras-chave dos estudos foi elaborada uma nuvem de palavras na qual se
pode perceber os termos recorrentes ao se estudar a temática em questão, como apresentado no
Quadro 3:
Nas análises buscou-se evidenciar, a partir das discussões realizadas pelos autores, o
trabalho do professor no cotidiano escolar do AEE, os desafios que enfrenta e os avanços das
Normativas e Políticas atuais relacionadas à Educação Especial e ao AEE.
504
Os estudos de Silva, (2017); Fontes, (2012); Ferreira, (2016); Milanesi e Cia; (2017);
Pasian, Mendes e Cia, (2019); Figueiredo e Silva, (2022), revelaram que, ao ouvir os
professores do Atendimento Educacional Especializado (AEE), diversos problemas foram
narrados como a infraestrutura das Salas de Recursos, as dificuldades dos professores em
desenvolver seu trabalho devido a não haver uma relação com os demais professores do ensino
regular e, para o desenvolvimento de atividades e avaliações, outra dificuldade encontrada foi
a falta de materiais didático-pedagógicos.
Em relação à infraestrutura, Albuquerque (2014) afirma que “a infraestrutura da escola
é um elemento que facilita o acolhimento das diferenças” e, nesse sentido, a estrutura física
colabora com uma sala de aula na qual “alunos e professores desfrutam de um clima salutar e
favorável, [...] aumenta as possibilidades de autonomia e garante um melhor rendimento das
práticas pedagógicas” (Albuquerque, 2014, p. 238).
Na pesquisa de Araújo, Alves, Pinto e Bezerra (2019), dos dez participantes (professores
do AEE) quatro relataram dificuldades relacionadas não só à infraestrutura mas, também, em
relação à falta de recursos didáticos específicos.
Os mesmos autores apontam, ainda, que além da infraestrutura é importante, também, a
questão das relações interpessoais. Deve haver uma sintonia e um trabalho interdisciplinar e
colaborativo entre os professores da sala comum e da sala de recurso, para que os objetivos
sejam alcançados.
A sintonia e o trabalho colaborativo, segundo Mousinho et al. (2010), é necessário que
todos estejam envolvidos para que se possa chegar aos objetivos alinhados em conjunto, na
comunidade escolar (escola, família, professores, terapeutas e mediadores).
O trabalho em conjunto para Tardif e Lessard (2013);
505
Ainda sobre o trabalho colaborativo, a pesquisa de Silva (2017), que teve como objetivo
ouvir o relato do professor do Atendimento Educacional Especializado e de alunos atendidos,
ressalta as dificuldades do professor, destacando que uma dessas dificuldades é a inexistência
de interação entre a professora do AEE e os professores da sala regular a respeito das adaptações
nas atividades e avaliações. Percebemos que não há uma interação entre os docentes para que
de fato haja a inclusão.
Sant’Ana (2005) corrobora que é necessário buscar e elaborar estratégias para que se
promova a inclusão e, um aspecto fundamental para que isso ocorra é a interação entre todos
no ambiente escolar. Segundo a autora, para que a inclusão educacional ocorra de forma
satisfatória
torna-se necessário o envolvimento de todos os membros da equipe escolar no
planejamento de ações e programas voltados à temática. Docentes, diretores e
funcionários apresentam papéis específicos, mas precisam agir coletivamente
para que a inclusão escolar seja efetivada nas escolas. (Sant’Ana, 2005, p.
228).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa apontou que os professores enfrentam diversas dificuldades tais como: na
infraestrutura, na interação entre os professores do ensino regular, na falta de materiais didático
506
pedagógicos, na avaliação dos alunos especiais e na falta de uma formação continuada para
que, o professor possa desenvolver melhor seu trabalho.
No contexto geral, verificamos que os autores apontam uma Educação Especial na qual
ainda há diversas lacunas e problemas que precisam ser superados.
As dificuldades encontradas mostram a realidade escolar em que estão inseridos os
professores e os alunos especiais. Os estudos analisados nos fazem refletir e debater sobre a
importância de novas pesquisas para que possam colaborar com o ensino e a aprendizagem dos
alunos especiais nas escolas regulares, bem como com o bem-estar no trabalho dos professores.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Ilani Marques Souto; ALVES, Liliane Luz; PINTO, Francisco Ricardo Miranda;
BEZERRA, Ilaneide Marques Souto. Atendimento educacional especializado e o ensino
regular: interlocuções docentes com vistas à inclusão. Revista on line de Política e Gestão
Educacional, Araraquara, v. 23, n. 2, p. 441-452, maio/ago., 2019. E-ISSN:1519-9029. DOI:
10.22633/rpge.v23i2.12651.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/ CEB
n.º 4, de 2 de outubro de 2009. Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional
Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, 5
de outubro de 2009.
CARBONARI, Vera Lúcia Gomes. Informática educativa e a concepção dos professores das
salas de recursos de deficiência auditiva da rede municipal de ensino de campo grande/ms.
dissertação. Universidade Católica Dom Bosco Campo Grande – MS -2008.
507
FERREIRA, Paula Regia Bomfim. Professor especializado da sala de recursos
multifuncionais: um estudo sobre a formação e práticas pedagógicas. Dissertação.
Universidade de Taubaté-São Paulo, 2016.
MATOS, Izabeli Sales. formação continuada dos professores do aee - saberes e práticas
pedagógicas para a inclusão e permanência de alunos com surdocegueira na escola.
Dissertação. Universidade Estadual do Ceará- Fortaleza – Cerá 2012-
Nota Técnica Nº 42. Orientação aos Sistemas de Ensino quanto à destinação dos materiais e
equipamentos disponibilizados por meio do Programa Implantação de Salas de Recursos
Multifuncionais. MEC / SECADI /DPEE, Brasília, 2015. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17656-
secadi-nt42- orientacoes-aos-sistemas-de-ensino-sobre-destinacao-dos-itens-
srm&Itemid=30192 Acesso em 26 de julho de 2023.
OLIVEIRA, Ana Luíza Matos. Educação Superior brasileira no início do século XXI: inclusão
interrompida? Universidade Estadual de Campinas Instituto de Economia- Campinas (SP),
2019.
OLIVEIRA, Rosa Maria Moraes Anunciato de. Et al. Narrativas de formação: o que dizem
licenciandas e professoras iniciantes. Revista Educação Pública. V. 25, N. 60, p. 631-659.
Cuiabá, set./dez. 2016. Disponível em:
https://pdfs.semanticscholar.org/3239/9d01095bd109f694abd9a93746f0621dc8b9.pdf?_ga=2.
52060265.1781118523.1589209366-2029731132.1585149476. Acesso: 29/07/2023.
508
OMOTE, Sadão. Deficiência e não-deficiência: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira
de Educação Especial. v. 1, n. 2, p. 65-73, 1994.
PASIAN, Mara Silvia; MENDES Enicéia Gonçalves; CIA Fabiana. Aspectos da organização e
funcionamento do atendimento educacional especializado: um estudo em larga escala.
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Educação em Revista|Belo
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ROSA, Ana Paula Teixeira Minari da. O bem-estar no trabalho dos professores das salas de
recursos multifuncionais – surdez. dissertação (mestrado). universidade católica dom bosco,
Campo Grande, 2015. 133 p.
SANTOS João Otacílio Libardoni dos; MATOS, Maria Almerinda de Souza; SADIM Geyse
Pattrizzia Teixeira; SILVA João Rakson Angelim da; FAIANCA Marta Patricia. Atendimento
Educacional Especializado: Reflexões sobre a Demanda de Alunos Matriculados e a Oferta de
Salas de Recursos Multifuncionais na Rede Municipal de Manaus-AM. Rev. Bras. Ed. Esp.,
Marília, v.23, n.3, p.409-422, Jul.-Set., 2017.
510
CENÁRIOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM CAMPO GRANDE/MS: DO PASSADO
AO PRESENTE
Introdução
Este texto, recorte de uma pesquisa de Mestrado1 apresenta o percurso vivenciado pela
Educação Infantil pública na cidade de Campo Grande/MS até o ano de 2022 a partir de uma
pesquisa bibliográfica e documental.
Ao iniciarmos o levantamento de dados sobre a temática percebemos que há uma
carência de fontes. Encontramos alguns trabalhos que trazem informações relativas ao Estado
de Mato Grosso do Sul, e esporadicamente de Campo Grande. Entre eles, citamos a dissertação
“Políticas de atendimento a criança pequena em MS- 1983/1990” de Anamaria Santana da
1
A Pesquisa de Mestrado está em andamento. Teve início no ano de 2022, intitulada, a princípio, “Crianças bem
pequenas e as interações com leitura e escrita: concepções e práticas pedagógicas nas vozes dos professores da
primeira infância” sob orientação da Prof.ª Drª Marta Regina Brostolin do PPGE/UCDB.
511
Silva, pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP no ano de 1997, a tese “ O direito
da criança a ter direito: a Educação Infantil em Mato Grosso do Sul (1991 – 2002) de Mariéte
Félix Rosa, defendida em 2005 pela Universidade de São Paulo- USP, a dissertação de Kátia
Regina Ribeiro Motti, intitulada de “A Municipalização da Educação Infantil em Campo
Grande PÓS-LDB/1996”, defendida em 2007 pela Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul – UFMS, a dissertação de Denise Tomiko Arakaki Takemoto com o título “Educação
Infantil e tecnologia: um olhar para as concepções e práticas pedagógicas dos professores”
defendida em 2014 pela Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, e o artigo “Gestão da
Educação Infantil: entre a herança assistencial e o atendimento educacional tardio” de Maria
Dilnéia Espíndola Fernandes em 2012. Por conta disso, traçar uma linha temporal exclusiva do
município não é tão simples.
O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado em 1977 a partir da divisão do Estado de
Mato Grosso através da Lei complementar n. 31, de 11 de outubro daquele ano e sua estrutura
político administrativa implantada em 1979. Na criação de Mato Grosso do Sul, a mesma Lei
em seu artigo 3º decreta Campo Grande como capital do Estado, embora já existisse como
município de Mato Grosso.
Relatos históricos apontam que Campo Grande nasce na confluência dos córregos Prosa
e Segredo em agosto de 1875 com a chegada de José Antônio Pereira e sua comitiva.
Informações no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE (2022) vão nos
dizer que,
A história oral admite que José Antônio Pereira não é o primeiro desbravador a instalar
moradia na confluência dos córregos Prosa e Segredo, ela aponta, também, a
existência de uma comunidade negra, no Cascudo, hoje Bairro São Francisco,
contemporânea a chegada dos primeiros desbravadores descendentes dos portugueses.
Entretanto, esta mesma história oral reconhece que José Antônio Pereira, falecido em
1900, influenciou nos primeiros tempos a sistematização da ocupação do povoado.
Ele dirigiu e orientou as demarcações das posses, procurando harmonizar os interesses
daqueles que pretendiam se fixar no vilarejo.
Por conta de sua localização, Campo Grande passa a se tornar ponto estratégico para a
rede ferroviária, tal fato com o passar do tempo vai trazendo mais benefícios para a vila e
ganhando destaque entre as regiões do sul de Mato Grosso. Em 1918, é elevada à condição de
512
cidade com a denominação de Campo Grande, pela Lei Estadual n. 772, de 16 de julho e,
posteriormente, de capital (IBGE, 2022).
Assim, a Educação Infantil em Campo Grande traz inicialmente as marcas de um
município do interior, permeada pelas marcas de uma restruturação política, e por fim, marcas
de uma capital.
Ainda segundo a autora, na década de 1970, são criadas mais três instituições para o
atendimento as crianças, todas filantrópicas, não tinham fins lucrativos, e estavam ligadas direta
ou indiretamente a igrejas e/ou grupos religiosos. Já na década de 1980, “entre 1986 e 1989,
registra-se que neste município houve uma expansão de número de creches, começando a surgir
aquelas acopladas às ações comunitárias nas associações de moradores, clube de mães, além de
outras ligadas às instituições religiosas” (Motti, 2007, p.77).
As Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil publicada no ano de 2003 traz
brevemente o histórico da Educação Infantil na cidade, e resume-se em apontar que “o
atendimento infantil em Campo Grande iniciou-se de forma assistencialista, com crianças
pobres, por intermédio do Projeto Casulo do PRONAV/LBA.” (Campo Grande, 2003, p.12). E
ainda que no ano de 1982 foi implantada oficialmente a pré-escola no município.
A partir dessas poucas informações e com base na leitura dos trabalhos acima citados,
percebemos que na década de 1980 e início da década de 1990, a cidade de Campo Grande
segue o mesmo movimento do estado de Mato Grosso do Sul em relação a educação pré-escolar,
que segundo Silva (1997, p. 54) “era a não-formal, ministrada através de programas de baixo
custo operacional para crianças carentes das periferias urbanas e atingiam cerca de 6 mil
crianças em 54 municípios”.
Fernandes, (2012, apud Rocha, 1992) complementa apontando que umas das formas de
atendimento oferecida pelo estado as crianças a nível de pré-escola eram em classes com uma
513
professora que não tinha a formação necessária e com mães também sem formação que
revezavam entre si, ficando responsáveis pelo trabalho doméstico daquele espaço.
Em relação as creches, Fernandes (2012, p.5) nos diz que neste período “o espaço físico
para o atendimento das crianças de 0 a 5 anos, eram as creches vinculadas à Secretaria de Estado
de Assistência Social que, materialmente, eram mantidas por meio de convênios [...]”,
convênios esses oriundos da Legião Brasileira da Assistência (LBA).
Rosa (2005, p.212) pontua que,
[...] em 1980, o atendimento às crianças em idade pré-escolar (quatro a seis anos), via
rede oficial do ensino público, em Campo Grande, ocorria somente em 09 escolas da
rede pública estadual, pois a rede pública municipal só veio a oferecer oficialmente a
pré-escola em 1983. Nesse ano, as escolas privadas absorviam a maior parte da
demanda, ofertando educação pré-escolar em 31 estabelecimentos.
514
gerenciamento dessa Unidades, ainda de modo compartilhado entre SAS e SEMED.
Destacamos:
Art. 2º [...]
I- á Secretaria Municipal de Educação- SEMED, caberá:
[...] d) designar recursos humanos ocupantes de cargos do Grupo Magistério para atuar
nas atividades docentes e pedagógicas; [...]
II -à Secretaria Municipal de Assistência Social - SAS,
1-pela solicitação do pessoal docente à SEMED
2- pela disponibilidade do pessoal para as atividades técnico-administrativas e os
serviços auxiliares,
3- pelo controle de freqüência e concessão de afastamento dos servidores em exercício
na unidade, Inclusive os cedidos pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul [...]
III-da SEMED e da SAS, em conjunto, caberá
a) elaborar a proposta de regimento interno dos CEINFS a ser submetida à Secretaria
Municipal de Administração;
b) implementar e estabelecer diretrizes, normas e procedimentos para
operacionalização das atividades didático pedagógicas e administrativas: e;
c) definir o calendário escolar e zelar pelo seu cumprimento.
§ 1º As atribuições conferidas à SEMED e a SAS serão exercidas de forma harmónica
e coordenada entre as pastas, visando proporcionar a formação integral da criança até
cinco anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social o como
complementação à ação da família (Campo Grande, 2007, p.2).
517
Nas turmas de creche, juntamente com os professores e nos horários que os mesmos não
estão, o atendimento é realizado pelas assistentes de Educação Infantil. Estas são contratadas
por meio de processo seletivo, exigindo-se o Ensino Médio. Esse contrato pode ter duração de
até dois anos.
Nos grupos 4 e 5 o atendimento é realizado com os professores de atividade, Educação
Física e Arte, em 4 horas diárias.
Quanto ao atendimento pedagógico, até o ano de 2022 a REME contava com a Gerencia
de Educação Infantil – GEINF, que outrora já teve outras nomenclaturas como Divisão de
Políticas e Programas da Educação Infantil, Divisão de Educação Infantil-DEI e Coordenadoria
de Educação Infantil-COEI, porém, sempre com o mesmo objetivo: subsidiar o trabalho
pedagógico dos professores que atuam nesta etapa de ensino.
Recentemente, temos a criação da Divisão de Coordenação Pedagógica – COOPED,
que visa subsidiar o trabalho dos coordenadores pedagógicos cujo objetivo é acompanhar as
práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas.
Em termos de documentos orientadores, no ano de 2003 a equipe da Divisão de Políticas
e Programas da Educação Infantil elaborou o documento Diretrizes Curriculares para
Educação Infantil do município. O documento orientava o trabalho com as crianças da pré-
escola e creche sendo organizado a partir dos objetivos gerais da Educação Infantil, dos
pressupostos teóricos e metodológicos, dos desafios de vencer uma rotina estável e por fim da
avaliação.
Quanto aos pressupostos teóricos e metodológicos apontava a necessidade de superar a
dicotomia entre cuidar e educar com uma proposta de trabalho a partir de Temas Geradores e
conteúdo. De acordo com o documento, o trabalho pedagógico devia acontecer entendendo que,
518
Este documento apresenta os princípios teóricos da Educação Infantil na Reme, o
sentido e significado de cuidar e educar e a concepção de infância. Foca no trabalho pedagógico
com as crianças de 4 a 6 anos, evidenciando suas características e conquistas e apresenta os três
eixos principais do trabalho na Educação Infantil, apontando: identidade e autonomia,
comunicação e representação e o conhecimento do mundo físico e social. Por fim, trata sobre
avaliação.
Em relação ao cuidar e educar, o documento entende que
[...] não é concebível uma divisão entre os pressupostos enunciados, pois no "cuidado"
existem possibilidades de educação, assim como nas ações educativas é possível,
também, oferecer, simultaneamente, "cuidados". Fica, assim, claro o papel das
instituições de Educação Infantil, que, independentemente da faixa etária que
assumam, devem cumprir o duplo papel de educar e cuidar, de forma articulada e
qualitativa (Campo Grande, 2008, p.23).
Em 2009 foi elaborada para as turmas de crianças de 4 a 6 anos uma coletânea intitulada
de Coletânea para Crianças. Junto com o material das crianças, os professores receberam o
caderno Coletânea para Crianças, Orientações para os Professores. Na apresentação do
material é apontado que as atividades apresentadas nas coletâneas por mais que sejam divididas
por bimestres, trata-se apenas de sugestões e podem ser modificadas ou substituídas de acordo
com a necessidade da instituição e/ou turma. Também indica que as atividades foram
organizadas para subsidiar o trabalho dos professores e ampliar as possibilidades com as
crianças (Campo Grande, 2009). A coletânea apresentava atividades de linguagem oral e
escrita, linguagem matemática e propostas de desenhos.
Em 2011, a COEI disponibiliza aos professores o material Orientações para o trabalho
pedagógico. Composto por cinco volumes destinados a faixas etárias específicas: bebês e
crianças pequenas (4 a 24 meses), nível I (2 a 3 anos), nível 2 (3 a 4 anos), Pré I (4 a 5 anos) e
Pré II (5 a 6 anos). Importante ressaltar que no ano de 2011 era essa nomenclatura que a REME
utilizava para as turmas de Educação Infantil.
Para a faixa etária de 0 a 3 anos, esse material apresentava quem era a criança daquela
faixa etária, como elas aprendem e o que poderiam aprender nas turmas de Educação Infantil
do munícipio. Também apresentava os diferentes momentos previstos na organização da rotina
das turmas, assim como o que considerar ao planejar e organizar as atividades. Para as turmas
de 4 a 24 meses propunha um trabalho com âmbitos de experiências e para as turmas de 2 a 3
519
anos trazia alguns conhecimentos e objetivos, e para ambos apresentava algumas situações
didáticas.
Para a faixa etária de 4 a 6 anos o material propunha o trabalho com conhecimentos,
objetivos e também apresentava situações didáticas. Semelhante ao Referencial do ano de 2008.
Em 2017, a GEINF publica o documento Orientações Curriculares para a Educação
Infantil: jeitos de cuidar e educar. O mesmo já se apresentava em consonância com a BNCC
Educação Infantil, apresentando reflexões a partir dos direitos de aprendizagem e campos de
experiências.
De acordo com a equipe responsável pelo documento, o mesmo foi fruto de ampla
discussão coletiva iniciada em agosto de 2013, inicialmente pela equipe técnica do setor e,
posteriormente, com convidados das escolas, CEINF’s e Conselho Municipal de Educação
tendo o intuito de contribuir na construção de propostas pedagógicas que respeitem as
necessidades e direitos fundamentais das crianças (Campo Grande, 2017).
O documento no primeiro momento contextualiza a Educação Infantil na Rede
Municipal de Ensino, traz a discussão sobre cuidar e educar - entendendo-os como
indissociáveis -, a concepção de infância, o currículo, os eixos norteadores do currículo e os
objetivos da Educação Infantil. Logo discute os direitos de aprendizagem, os campos de
experiências e conhecimentos e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento tanto da
creche, como da pré-escola trazendo nova nomenclatura para as turmas: grupo. Por fim, discute
a organização do tempo, do espaço e a avaliação nesta etapa.
Em 2020, foi publicado o Referencial Curricular - REME Educação Infantil que segue
como o documento orientador mais atual do município, até o ano de 2022. De acordo com a
equipe da GEINF apesar da REME ter um documento orientador publicado recentemente,
Deste modo, pretendemos trazer algumas reflexões sobre esses breves históricos
apresentados.
Considerações finais
520
Não temos a intenção neste trabalho de findar as pesquisas sobre o histórico da Educação
Infantil no município de Campo Grande, ao contrário, o trabalho mostra que há muito a ser
explorado ainda. Como vimos existem poucas referências.
A trajetória da Educação Infantil no município assemelha-se com a trajetória da
Educação Infantil no país, ambas nascem no bojo assistencialista e lutam fortemente para
firmarem-se no campo educacional.
Podemos apontar que desde os documentos orientadores do município de Campo
Grande sempre acompanharam ideologicamente os documentos federais, ampliando suas
discussões e buscando um melhor entendimento dos profissionais que estão nos espaços
educacionais.
Podemos constatar que as turmas de pré-escola sempre tiveram destaque em relação as
turmas de creche, verificamos isso nas próprias organizações dos primeiros documentos
orientadores da Educação Infantil em que a ênfase eram as crianças de 4 a 6 anos. Ainda,
somente a partir de 2010 começa-se a ter professores para a faixa etária de 0 a 3 anos, e em
2011, a REME sistematiza num documento orientações sobre o trabalho pedagógico para a
creche.
Em Campo Grande, apesar da legislação federal apontar desde de 1988 que o
atendimento das crianças de 0 a 6 anos compete a educação, e os documentos orientadores
municipais reafirmarem isso, somente em 2014 as Unidades de Educação Infantil passam
definitivamente para a pasta da educação, ou seja, tardiamente.
Outro ponto que merece nosso destaque é o constante uso dos termos cuidar e educar,
tanto nos documentos federais quanto municipais. Percebemos que desde 1998 já é apresentado
como algo indissociável, mas até hoje é necessário reforçar, o que nos faz pensar que ainda há
o entendimento pela maioria dos profissionais da Educação Infantil de que cuidar seja apenas
assistencialismo e não educacional.
Referências
521
e dá outras providencias. Diário Oficial de Campo Grande-MS. Campo Grande, MS, s/v,
n.2.328, p.20. 28º jun 2007. s/s, pt.1.
ROSA, M. F. O direito da criança a ter direito: A educação infantil em Mato Grosso do Sul
(1991 – 2002).São Paulo, SP. 286 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
de São Paulo: São Paulo, 2005.
522
SILVA, A. S. da. Políticas de atendimento à criança pequena em MS (1983-1990). 1997.
Campinas, SP. 154 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de
Campinas: Campinas, 1997.
523
CRIANÇA E INFÂNCIA: CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA
Introdução
Os conceitos de infância e de criança foram tratados, durante muitos anos, na educação,
como semelhantes; contudo, existem diferenças entre eles, apontadas, especialmente, pelos
estudos no campo da história da infância, que evidenciam que os dois conceitos foram
formulados em momentos distintos. Nos últimos anos, a criança tem sido considerada como ser
humano concreto com direitos assegurados pela legislação vigente. Infância consiste no modo
como se concebem, produzem e se legitimam as experiências das crianças. De acordo com
Martins:
524
Fala-se em “infâncias”, no plural, considerando-se os modos diversos como são
vivenciadas. Veja-se, nesse sentido, o que o Projeto de Cooperação Técnica MEC e UFRGS
para construção de orientações curriculares para a Educação Infantil, do Ministério de Educação
e Cultura, a Secretaria de Educação Básica e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
elaboraram, em 2009:
Ser criança não implica em ter que vivenciar um único tipo de infância. As crianças,
por serem crianças, não estão condicionadas as mesmas experiências. Os
estabelecimentos de Educação Infantil ocupam atualmente, na sociedade, importante
lugar como produtores e divulgadores de uma cultura de defesa da infância, ou seja,
possuem o compromisso político e social de garantir as especificidades das infâncias
na sociedade contemporânea (Brasil, 2009, p. 22).
[...] devido à subalternidade das crianças ao mundo adultocêntrico, em que eram vistas
como “homúnculos”, isto é, homens em miniatura, alguém a vir a ser, incompleto e
imperfeito, estudado por campos científicos como a Psicologia, a Medicina que
raramente dialogavam com a Sociologia, a Antropologia e a História.
[...] as crianças são e devem ser estudadas como atores na construção de sua vida
social e da vida daqueles que as rodeiam –, as crianças são atores sociais competentes,
seres presentes, que agem de forma própria e intencional nos tempos e espaços em
que se encontram, através das interações que estabelecem com seus pares, com os
adultos e com a sociedade na qual estão inseridas. As crianças são sujeitos que
contribuem para a reprodução, mas também para a produção da cultura e da sociedade
em que estão inseridas.
A infância
A noção de invenção ou construção social da infância está ligada à visão de que
atitudes e comportamentos têm origem em períodos de tempo, sociedades e culturas específicas.
A experiência de uma criança britânica, por exemplo, será, certamente, muito diferente da
experiência de uma criança brasileira, ou de uma criança chinesa, porque essas culturas
concebem diferentes modos de educar as crianças.
Segundo Marchi (2017), a infância não pode ser entendida separadamente da
sociedade e da política, porque estar fora da sociedade significa estar fora da sociologia, fazendo
com que poucas perguntas sejam feitas sobre esse grupo, que, para muitos, é considerado
excluído. Inserir a infância e as crianças no contexto político e social propicia melhor base para
que questões sobre os direitos humanos das crianças sejam levantadas e abordadas. Assim, a
questão sobre a negação dos direitos das crianças poderá, então, ser tratada como derivada da
sociedade humana, e não da natureza humana.
De acordo com Corsaro (2005), a partir do momento em que as crianças entram no
mundo, elas agem sobre ele, e suas ações afetam o cotidiano de todos - crianças e adultos. A
Sociologia da Infância defende que as crianças têm competência moral e política e devem ser
consideradas como participantes e contribuintes para a sociedade, reconhecidas como pessoas,
essencialmente indistinguíveis de outras, como sujeitos ativos.
Os estudos de James e Prout (1997), assim como os de Ariès (1973) e Corsaro (2005),
foram fundamentais para a construção desse novo paradigma sobre a infância, trazendo
significativo impacto no cenário científico. As cinco principais características do novo
paradigma da Sociologia da Infância, segundo James e Prout (1997), citados por Delgado e
Müller (2005), são: 1. A infância socialmente construída é diferente da imaturidade biológica.
É uma interpretação contextualizada no início da vida do ser humano com base nas crenças e
culturas da sociedade. 2. A infância está entrelaçada com outras variáveis sociais, como gênero,
etnia, classe, etc. 3. As perspectivas independentes das próprias crianças devem ser
consideradas durante o estudo das crianças e da infância. 4. As crianças devem ser vistas como
participantes ativos, não apenas na construção de conhecimento sobre elas, mas também
526
construção da sociedade como um todo. 5. O novo paradigma da Sociologia da Infância é
responder ao processo de reconstrução da infância.
Com respeito à concepção da infância, Delgado (2013, p. 19) explicita que
Normas sociais, em sua gênese, e de forma prática, são boas práticas de comportamento
que regulam a forma como nós, seres humanos, interagimos com os outros.
Com relação à infância, norma social, de acordo com Brostolin (2021, p.2), em
referência a Marchi e Sarmento (2017), seria, então, “um conjunto de regras e disposições
jurídicas e simbólicas que regulam a posição da criança na sociedade e orientam as relações
entre elas e os adultos”. Contudo, a autora chama a atenção para o fato de constituir uma
normatividade que “desconsidera as crianças que fogem do padrão considerado normal e as
excluem, não colocando ao seu alcance os meios mínimos que as constituem crianças,
deixando-as nas margens, ou seja, fora da norma” (BROSTOLIN, 2021, p. 2). Nesse sentido, a
autora ressalta que são milhões de crianças, no mundo afora, que se enquadram nesse contexto,
em condições de subalternidade, e expõe o seguinte:
Desse modo, o que se observa, de acordo com a autora, é a violação universal dos
direitos da criança, na medida em que interesses econômicos e políticos hegemônicos têm se
sobreposto ao verdadeiro compromisso de proteger e permitir o desenvolvimento das crianças.
Esta pesquisa, tem aporte teórico no campo da Sociologia da Infância, que constitui uma
das áreas científicas que têm ampliado o debate e abordagens sobre a infância, com ênfase na
participação e voz da criança. Esse ramo das ciências sociais contrapõe-se à invisibilidade
atribuída a ela, e a concebe como um ator social inserido na sociedade, um ser humano com
527
vida, vivências, ativo, participativo, juntamente com outras crianças e com adultos (Brostolin,
2021).
A abordagem e discussão sobre a normatividade da infância está muito ligada aos
direitos da criança, e se alicerça, de forma bastante expressiva, no documento que emergiu da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança-CDC, de 1989, cuja aplicação e
articulação com a pesquisa que aqui se descreve será discutida no próximo item.
O conceito moderno de infância, para Nascimento (2015), resulta do projeto de
educação e institucionalização que a burguesia construiu para garantir que as crianças
crescessem como adultos úteis e bem regulados. O destaque é dado à elaboração e
implementação de lei cuja ênfase é de que as crianças devem permanecer nas escolas por um
certo período de tempo para aprender as habilidades necessárias. A lei foi construída com
interação dos pais e professores com a ideia de que a escolaridade é um investimento
significativo para o futuro da nação.
A ideia de que a infância é socialmente construída está relacionada à compreensão de
que não é um processo que se desenvolve naturalmente, ao contrário, é a sociedade que decide
quando uma criança é e quando ela deixa de ser criança. A noção de infância não pode ser vista
isoladamente, pois se encontra profundamente entrelaçada com outros fatores da sociedade, é
socialmente construída e deve ser entendida contextualmente. Isso faz com que a concepção
que se tem de infância dependa não apenas do contexto, da cultura, do tempo, mas também das
circunstâncias.
Considere-se, nesse sentido, a abordagem de Dornelles e Fernandes (2015), quando
mencionam que crianças da mesma faixa etária, em uma mesma sociedade, podem ser vistas
diferentemente, em termos da situação em que vivem. Preconcebe-se, por exemplo, que uma
criança com histórico socioeconômico baixo seja menos comprometida com os estudos, e uma
criança de classe média, da mesma idade, seja mais responsável, em termos de cumprimento de
tarefas da escola e outros aspectos de desenvolvimento, em uma mesma sociedade.
A infância não é universal, nem natural; ao contrário, está ligada às circunstâncias
sociais e ao processo cultural. Embora a criança e a infância sejam consideradas de forma
diferente de tempos em tempos e de contexto para contexto, uma coisa é comum em toda a sua
diversidade: as crianças são vistas diferentemente dos adultos. Isso significa que os adultos
precisam entender a práxis infantil.
Nascimento, Brancher e Oliveira (2008, p. 60) explicitam que:
528
[...] a partir da década de 1990 os estudos sobre as crianças, passam a considerar o
fenômeno social da infância, ultrapassando os métodos reducionistas. Destas novas
pesquisas surgem diferentes infâncias, porque não existe uma única, e sim, em
mesmos espaços têm-se diferentes infâncias, resultado de realidades que estão em
confronto.
[...] A Sociologia, até então, não tinha reservado às crianças uma atenção específica,
pois estas sempre eram estudadas como um fenômeno interligado à escola e à família
e atreladas à discussão sobre a socialização da criança como uma forma de inculcação
dos valores da sociedade adulta. Mas é a partir da década de 1980 que um campo
teórico se constitui para “disputar” este saber, que de alguma maneira pertencia à
Psicologia e à Medicina que centrava o foco no adulto. A criança e sua infância saíram
do interregno que estavam colocadas. A Sociologia da Infância faz algumas inflexões
na tentativa de falar da criança e da infância a partir de outros referenciais e, também,
prescreve novas e outras modalidades para entender o que é ser criança e ter uma
infância (Abramowicz; Oliveira, 2010, p. 41).
Muitos estudos têm contribuído para a interação de áreas e tópicos temáticos diferentes
em pesquisas com as crianças. Tem se constituído em um vasto campo, além de heterogêneo,
tanto em áreas científicas de referência quanto em metodologias e, também, em relação as
imagens de infância que são estabelecidas. Existe, sim, uma preocupação com os modos de se
fazer pesquisa com crianças. Observe-se o que Dornelles e Fernandes (2015, p. 69) comentam:
As discussões que emergem dessas investigações se dão em torno de questões que
versam sobre gênero, brincadeira, racialidades, culturas, o lugar da criança na
pesquisa, família, ética na pesquisa, mídias, violência, infâncias ribeirinhas, cyber
infância, docência e crianças, infância na rua e nas cidades, racismo e preconceito,
corporalidade, abrigo e acolhimento, saúde, artes, políticas, consumo, escolarização
de bebês, temporalidade, currículo, visualidades, literatura.
529
As autoras consideram, ainda, que
A interlocução que a Sociologia da Infância tem vindo a mobilizar com outras áreas
de estudo, tem sido fundamental para ouvir as vozes das crianças e realizar estudos
com as crianças a fim de compreender a infância vivida pelas crianças a partir de seu
ponto de vista (Dornelle; Fernandes, 2015, p.66).
Outro elemento considerado paradoxal, pela autora, diz respeito à ética da relação com
as crianças na pesquisa.
Essa preocupação tem sido observada no Brasil, na verdade desde 1970, quando Fúlvia
Rosemberg empregou o termo “adultocentrismo” para questionar o fato de, no desenvolvimento
de pesquisas com as crianças, a centralidade ser dada ao adulto.
Considerações Finais
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Tradução Dora Kuksmao, Rio de
Janeiro: Guanabara, 1973.
BORBA, Angela Meyer. LOPES, Jader Janer Moreira. Alan Prout, Novas formas de
compreender a infância. Revista Educação. Cultura e Sociologia da Infância. Editora
Segmento. Educação (São Paulo), v. 1, p. 28-41, 2013.
531
Educação Infantil - bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Maria Carmen
Silveira Barbosa – Consultora. Brasília, 2009. p. 22-40.
DELGADO, A. C. C.; MÜLLER, F. Sociologia da infância: pesquisa com crianças. Educ. Soc.,
Campinas, v. 26, n. 91, maio/ago, 2005.
DORNELLES, L. V; FERNANDES, N. Estudos da criança e pesquisa com crianças: nuances
luso-brasileiras acerca dos desafios éticos e metodológicos. Currículo sem fronteira, v.15,
n.1, p.65-78, jan./abr. 2015.
MARCHI, R. C. A criança como ator social - críticas, réplicas e desafios teóricos e empíricos.
Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 12, n. 2, p. 617-637, maio/ago. 2017. Disponível em:
http://www.revistas2.ucpg.br/index.php/praxiseducativa. Acesso em: 13 mar. 2020.
MARCHI, R. C.; SARMENTO, M. J. Infância, normatividade e direitos das crianças. Educ.
Soc., Campinas, v. 38, n. 141, p.951-964, out.-dez., 2017. p. 951-964.
532
PROUT, A. The future of childhood. Towards the interdisciplinary Study of children. London:
Routledge Falmer, 2005.
533
CURRÍCULO DECOLONIAL: PENSAR OS MODELOS CURRICULARES QUE
ABRANGEM E AGREGAM TODAS AS CULTURAS, VALORES E DIFERENÇAS,
ALÉM DOS MOLDES COLONIAIS
Resumo: Este trabalho objetiva discorrer sobre os modelos curriculares impostos pelos moldes
coloniais, e refletir a necessidade da decolonização dos currículos nas escolas, uma vez que
estas estão cheias de culturas diversas, e precisamos de um currículo que vai além dos trabalhos
culturais realizados na educação multicultural de por meio do calendário escolar, posto que o
trabalho cultural realizado na educação é realizado de forma datada e defasada, sistematizadas
por dinâmicas que caracterizaram o poder colonial hegemônico nas escolas de fronteira, onde
as diversidades culturais aqui presentes são subalternizadas e silenciadas, afim de estabelecer e
fortalecer a cultura hegemônica que a colonialidade impõe, a partir da constatação de que a
natureza dos processos educacionais se assemelha àquela que se verifica no colonialismo
europeu, constituindo saberes impostos por uma matriz colonial de poder. A partir do aporte
conceitual proposto pela abordagem decolonial, entende-se que tal matriz foi articulada a partir
de relações de subordinação política, econômica e cultural, sempre amparadas pelo discurso do
progresso e da modernidade, e negando as demais culturas existentes.
Palavras-chave: decolonização; culturas; diversidades culturais.
Por conseguinte, de nada vale romper com esse paradigma da razão moderna, tomar
conhecimento e consciência que temos um vasto campo cultural nas salas de aula, cada um com
culturas própria, mas não pensar e agir a partir dela, ficando estagnados com nossas próprias
relações culturais, a constituição desse novo sujeito epistemológico que defende e pensa além
das fronteiras.
O modelo colonializado de currículo, traz uma visão de saberes impostos, a serem
ensinados e nunca questionados, sem abrir espaço para novos olhares, nesse sentido “[...] a
única coisa que os estudantes aspiram é acabar o quanto antes os seus deveres e desse modo
conseguir uma recompensa extrínseca” (SANTOMÉ, 1995, p. 160); a aprendizagem girando
em torno de se obter uma nota, porém onde está o espaço dos saberes culturais, da formação
crítica? “[...] o que tem menos importância nessa situação é o sentido, a utilidade e o domínio
do que devem aprender (SANTOMÉ, 1995, 160).
Nessa ótica percebemos a necessidade de uma reformulação curricular, da
necessidade de implementar uma visão descolonizada;
Um projeto curricular emancipador, destinado aos membros de uma sociedade
democrática e progressista, além de especificar os princípios de procedimentos que
permitem compreender e sugerir processos de ensino e aprendizagem de acordo com
isso, também deve-se necessariamente propor certas metas educativas e aquele
bloco de conteúdos culturais que melhor contribuam para uma socialização crítica
dos indivíduos. (SANTOMÉ, 1995, p. 160).
535
Ou seja, as vozes subalternas, aquelas que foram silenciadas pela colonialidade
moderna, aquela que o colonizador fez calar, precisam ocupar seu espaço e fazer serem ouvidas,
precisam expressarem o que é viver na subalternidade, falar de seu próprio lócus de enunciação
o que é viver na fronteira epistemológica.
É preciso que se pense o currículo sob esse olhar da decolonialidade, das diferenças,
não significando necessariamente o término da colonialidade, das metodologias já impostas,
mas referindo-se a um pensamento além do eurocentrismo que impera esses conceitos colonial
e moderno. É discorrer sobre promover a diversidade nas histórias locais em vez de
universalizá-las; em relação a seu lócus de enunciação, enaltecendo as diversas culturas
existente, não somente no meio social, mas começando pelo campo educacional.
Promover essas culturas trabalhando as diversidades culturais na educação, onde
encontramos um público com características multiculturais, então por que negar trabalhar as
pluriculuralidade existente e trabalhar uma única centrada em uma realidade eurocentrista
distante da nossa realidade? Trabalhar a cultura indígena e Afro apenas um dia do ano, e a
cultura branca prolongamos para o resto do ano, nosso lócus de enunciação não é ao menos
mencionado. Por que ser excludente com nossa própria história cultural fronteiriça?
Quando se analisa de maneira atenta os conteúdos que são desenvolvidos de forma
explicita nas propostas curriculares, chama fortemente a atenção a arrasadora
presença das culturas que podemos chamar de hegemônicas. (SANTOMÉ, 1995, p.
161)
Portanto, não se pode ter um olhar voltado somente para o campo ocidental, é
necessário rever toda história local existente e tomá-los.
As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não
dispõe de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não
estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação.
(SANTOMÉ, 1995, p. 161)
Essa mudança na produção teórica intelectual contribui para essa ótica geohistórica
do pensamento subalterno, é exatamente esse pensamento que é construído na relação entre os
diferentes universos do mundo colonial. A diferença colonial pode-se dizer que é uma fonte de
conhecimento crítico porque seu conteúdo está em conflito com conhecimentos dominantes, ou
seja, os conhecimentos imperiais.
Assim, a diferença é constituída apenas em parte pelo colonialismo, seu valor e
significado é interpretativamente constituído pelo colonialismo. Então é necessário que se tenha
essa mudança de produção teórica, uma redefinição epistemológica, onde a geohistória pode
536
manter as dimensões críticas e normativas que trazem um caminho para se trabalhar e incluir a
interculturalidade no currículo o tornando mais significativo as realidades existentes.
O enfoque que se desprende da interculturalidade crítica não é funcional para o
modelo de sociedade vigente, mas um sério questionador dele. [...] O
interculturalismo funcional responde e é parte dos interesses e necessidades das
instituições sociais; a interculturalidade crítica, pelo contrário, é uma construção de e
a partir das pessoas que sofreram uma história de submissão e subalternização.
(WALSH, 2009, p. 21-22).
Essa visão que Whalsh (2009), apresenta é essa reformulação que integra a
interculturalidade a ser trabalhada e amparada, onde é possível pensar para além, isto é, deixar
o centrismo cultural que temos da cultura imperialista e pensar a partir do nosso lugar de fala
(nosso lócus), pensar em nossas condições enquanto subalternos e buscar ir para além deles.
Uma vez que, “[...] privilegiar certo tipo de conhecimento é uma forma de operação
de poder (SILVA, 1999, p. 15-16), e acabamos por promover uma educação excludente no
ponto de vista cultural, unificando e validando apenas sobre o olhar colonial, portanto, é preciso,
“[...] destacar, entre as múltiplas possibilidades, uma identidade ou subjetividade como sendo
a ideal é uma operação de poder (SILVA, 1999, p. 15-16)
Diante desses argumentos apresentados por Silva (1999), se pode perceber que o
quanto somos “apartados” de nossa realidade fronteiriça, somos moldados, separados e
colocadas em um lugar que não nos pertence, aprendemos desde cedo que índio é índio, negro
é negro, e homossexual é homossexual e mulher é mulher, todos podemos ter um lócus de
enunciação fronteiriço, mas de dentro desses lugares mau são vistos, e o que impera é o domínio
do colonizador, nesse caso as culturas homogenias impostas pelo eurocentrismo.
Walsh (2009), fomenta sobre pensar na razão subalterna onde diz é um caminho para
rever as contextualizações das histórias contadas para dividir o mundo; nesse sentido começa a
se pensar em uma.
Partir do problema estrutural-colonial-racial e dirigir-se para a transformação das
estruturas, instituições e relações sociais e a construção de condições radicalmente
distintas, a interculturalidade crítica – como prática política – desenha outro caminho
muito distinto do que traça a interculturalidade funcional. Mas tal caminho não se
limita às esferas políticas, sociais e culturais; também se cruza com as do saber e do
ser. Ou seja, se preocupa também com a exclusão, negação e subalternização
ontológica e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos racionalizados; (WALSH,
2009, p. 23)
Pensar a partir da decolonialidade pensar em nossas raízes e o que as agrega, uma vez
que não existe apenas um modo de pensar, apenas um lugar e cultura específica, a teria
537
eurocêntrica gira em torno da homogeneização e monoculturalização, porém podemos teorizar
além, nos descobrir e assumir como pluriculturais.
No âmbito educacional a teorizamos fortemente a cultura homogênea eurocêntrica,
não há uma um pensamento centrado em nosso lugar de fala, o que transmitimos para os
educandos é esse mesmo conhecimento teorizado pelo colonizador, dando pequenos espaços
de se relembrar o outro que existe dentro dos moldes além do modelo colonial em apenas um
dia do ano letivo. A teorização da episteme partindo da razão subalterna tem que partir do
âmbito educacional, desde a educação infantil, apresentar aos pequenos nosso biolócus, e está
certamente irá espalhar essa pluriculturalidade existente para a sociedade a qual pertencemos.
Não se trata de negar as culturas advindas da Europa Imperial, mas de saber que temos nossas
próprias correntes culturais, que somos parte de uma diversidade de saberes geoistóricos e que
precisamos resgatá-los e valoriza-los.
[...] a alienação intelectual é uma criação da sociedade burguesa. E chamo de
sociedade burguesa todas as que se esclerosam em formas determinadas, proibindo
qualquer evolução, qualquer marcha adiante, qualquer progresso, qualquer
descoberta. Chamo de sociedade burguesa uma sociedade fechada, onde não é bom
viver, onde o ar é pútrido, as ideias e as pessoas em putrefação. E creio que um
homem que toma posição contra esta morte, é, em certo sentido, um revolucionário.
(FANON, 2008, p.186)
As culturas locais e subalternas sofre com essa alienação cultural que Fanon (2008)
nos apresenta pela colonialidade moderna, onde o choque de culturas entre colonizador e
colonizado se chocam, quem chega primeiro leva vantagem sobre o outro, nesse viagem
colonização imperialista, cosmopolita que chega primeiro homogeneíza a língua, as tradições e
cria outra versão cultural estruturada em suas próprias teorias.
Portanto, precisamos pensar além da colônia da modernidade, aproximarmos no
aspecto cultural que nos diferencia, assumirmos um papel de razão subalterna em nosso lócus
fronteiriço, desfazer então a imagem do “outro”, que criaram sobre nós, com a finalidade de
nos diminuir perante a colonialidade do poder.
Essa diferença cultural e subalternização na América Latina começa desde muito
tempo atrás, onde o colonizador chegou impondo suas sapiências sobre os povos que aqui
residia e os silenciaram, sobressaindo a cultura europeia sobre as “outras” que foram
inferiorizadas. Na realidade curricular vemos um exemplo as datas comemorativas que são
colocadas de forma insignificante no currículo e trabalhada sem nenhuma relação com a
538
realidade, como os povos indígenas que foram silenciados e são apenas lembrados de modo
arcaico com cocares e arco e flecha.
O outro criado na figura colonial moderna pensa ou tem representatividade, sendo
isolados e apartados em suas diferenças, é preciso portanto aproximarmos no que nos
diferencia, tomar nossa razão subalterna. Pensar em nós enquanto povos culturalmente
diversificados, em nossa condição e existência, nossas tradições e diversidades e agir conforme
elas no campo da disseminação do conhecimento dentro da sociedade e no âmbito escolar.
De modo algum devo me empenhar em ressuscitar uma civilização negra
injustamente ignorada. Não sou homem de passados. Não quero cantar o passado às
custas do meu presente e do meu devir. O indochinês não se revoltou porque
descobriu uma cultura própria, mas “simplesmente” porque, sob diversos aspectos,
não lhe era mais possível respirar. (FANON, 2008, p. 187)
Desta forma, busca-se não a negação dos conhecimentos dos eurocentrista, mas um
diálogo conflituoso, no qual diferentes projetos sociais dialoguem em paridade epistêmica
fronteiriça, considerando a pluralidade interna e externa da ciência e todos seus aspectos
culturais.
A pluralidade interna da ciência se refere às diferentes teorias e paradigmas que se
constroem na tentativa de explicação/transformação do mundo, considerando a necessidade de
nos interrogarmos sobre a relevância epistemológica, metodológica e política desta visão
imperialista considerada científica e monocultural.
Neste contexto, as Epistemologias do Sul, a desobediência epistêmica, o pensamento
decolonial, reivindicam o direito de se construírem sob termos outros de legitimidade
acadêmica e social das diferentes culturas sejam locais ou fronteiriças que foram de alguma
forma silenciadas.
Incluir essa interculturalidade no currículo se trata de ir além das formulações
coloniais que nos são impostas; ou seja, pensar além do conhecimento prévio e cronológico que
temos.
As instituições de ensino, necessita rever os paradigmas sobre os quais seus currículos
foram construídos, quais os aspectos que levaram a criação do calendário escolar e como foram
selecionadas as formas de se trabalhar as culturas aplicadas nesse calendário, assim então
tomasse por decisão repensar todos esses processos e se desprender das epistemologias
ocidentais e ir para além de suas origens, focalizar no contexto das culturas subalternizadas,
pensar e lecionar seu próprio contexto cultural local e fronteiriços. “Há uma zona de não-ser,
539
uma região extraordinariamente estéril e árida, uma rampa essencialmente despojada, onde um
autêntico ressurgimento pode acontecer.” (FANON, p. 26.)
A epistemologia fronteiriça é a episteme do homem que não quer se submeter as
condutas universalizadas pelo ocidente, que anseia se desprender-se dela e pensar por si mesma
em suas histórias e composições culturais seja de raízes regionais ou por imigrantes, ou seja, a
partir do momento em que se cria uma consciência de sua história e busca visibilizá-las, tirá-
las do canto escuro em que foram postas pelo pensamento ocidental imperialista.
O currículo, como campo cultural, como campo de construção e produção de
significações e sentido, torna-se, assim um terreno central dessas lutas de
transformação das relações de poder. (MOREIRA, SILVA, 2002, p. 30).
Temos em nosso lócus um rico e vasto território cultural diversificado, mas não são
mencionadas nas instituições de ensino. São apresentadas aos alunos durante todo ano letivo
conhecimentos advindos do eurocentrismo, onde ainda se cria uma ideia de homogeneidade de
poder e cultura, e mesmo que imperceptivelmente é repassado as crianças, as características do
belo esteticamente como uma criança branca, olhos claros e cabelos lisos, vestes apropriadas
de característica europeia, etc; fazendo assim umas distinção entre crianças e suas culturas
mesmo sem perceber desde a educação infantil, abafamos as características geohistórica das
540
crianças e adaptamos a uma realidade que nos foi (im)postas sem ao menos nos darmos conta,
e assim seguimos estamos renegando as nossas próprias origens.
A prática curricular que se observa, ainda na universidade, constitui-se de um
paradigma epistemológico positivista, o qual se configura por aspectos de um saber
pronto e acabado em si mesmo, disciplinarmente organizado, sequencialmente
linearmente transmitido, na maioria das vezes verbalmente pelo professor.
(GESSER; RANGHETTI, 2011, p. 8)
541
que surge da necessidade de questionar a subalternidade colonial imposta pela colonialidade do
saber.
Para fortalecer esse pensamento outro em direção ao currículo decolonial podemos
nos teorizar do conceito de sociogênese, introduzida por Fanon, este conceito é uma junção da
desobediência epistêmica, desprendimento da separação do pensamento de território colonial
moderno. Sendo uma esfera da Corpo-política, onde se começa a ter discernimento de sua
condição de fronteira.
Gesser e Ranchetti (2011), discorrem que não é fácil trilhar um caminho outro, mas é
importante se colocar a caminho;
Propor ousadia, desafios na construção de outras racionalidades para o design de um
currículo significa acreditar que o ser humano é a história, faz história e a refaz,
conforme o tempo no qual vive. Hoje a literatura que apresenta pesquisas sobre o
currículo e os processos de ensinar e aprender, sobre o desenvolvimento do ser
humano e sua constituição, destacam a relevância do ser humano como autor da
história. ( GESSER; RANGHETTI, 2011, p.16)
Referencias:
CANDAU, Vera; SACAVINO, Susana (Orgs). Educação: Tema em debate. I ed Rio de janeiro
7 Letras, 2013, v. 1 p. 16-22
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas / Frantz Fanon ; tradução de Renato da
Silveira . - Salvador : EDUFBA, 2008. p. 1
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In. SILVA, Tomaz
Tadeu da. Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação.
Petrópolis RJ. Vozes, 1995 (p. 159-177).
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as teorias do currículo.
Belo Horizonte. Autentica, 1999. (p. 11-27)
Introdução
Iniciamos o artigo com a pergunta: afinal, por que são necessárias experiências
antirracistas nas escolas? Elas são necessárias, como historicamente tem destacado o
movimento negro, porque existe um racismo estrutural no Brasil, existe o mito da democracia
racial, existe o ideal de branqueamento. Todas essas realidades impactam negativamente a
trajetória dos estudantes negros no Brasil, bem como toda a sua trajetória nos demais espaços
sociais:
A imobilidade educacional é um obstáculo tanto quanto a social, política e
econômica dos que fazem parte do grupo de cor. Esses indivíduos são
estagnados e estigmatizados a partir da categoria cor/raça. Assim, ser negro
é carregar caracteres inferiores resultando em discriminações e racismo
por conta da cor de sua pele. A raça torna-se um dos requisitos nas avalições
dos indivíduos para preencher os diferentes espaços da sociedade (Silva, 2013,
p. 184).
Diante dessa realidade, muitas experiências antirracistas estão sendo desenvolvidas nos
currículos das escolas do Brasil. Estas experiências sempre existiram, sobretudo,
protagonizadas pelos militantes do movimento negro, mas elas ganharam um novo ímpeto e
foram ampliadas com o advento da Lei 10.639/2003, que instituiu a obrigatoriedade do ensino
da História e Cultura Africana e Afro-brasileira em todos os níveis da educação.
Com isso, muitos professores foram levados a pensar em novas práticas antirracistas,
cursos de formação foram se readequando e algumas secretarias de educação incluíram a
temática nas formações continuadas. Ainda que não seja na intensidade necessária,
considerando o racismo estrutural no Brasil e a histórica negligencia em trabalhar a temática
étnico-racial de forma efetiva, não se pode deixar de reconhecer que efetivamente houve
ampliação das experiências antirracistas nas escolas.
Essas experiências ocorrem em diferentes disciplinas. Neste sentido, destacamos a
possibilidade de trabalhar no contexto do ensino de Matemática conteúdos afro-
etnomatemáticos que contribuem para mostrar o processo de silenciamento que houve e que
continua havendo em relação a produção de conhecimentos dos povos Africanos.
544
André, Costa e Santos (2017), em seu artigo mostram que os povos africanos, mesmo
antes de terem sido trazidos a força para o Brasil e brutalmente escravizados, tinham muitos
conhecimentos relacionados a mineração, siderurgia, arquitetura e cerâmica. O domínio do
ferro era amplamente conhecido pelos povos africanos. Porém estes conhecimentos foram
apropriados pelos brancos, colocando-os a serviço do projeto colonizador:
Em suma, evidenciei que a história das Áfricas, quando não está ausente, surge
a partir do seu significado para a escravidão. No que diz respeito à valorização
dos afrodescendentes e do seu papel como agentes históricos na construção do
545
Brasil, demanda reivindicada ao longo do tempo pelos movimentos sociais, os
relatórios exprimem a branquitude presente em nossas relações, ao
colocarem a atuação dos afrodescendentes em menor escala em relação aos
brancos (Andrade, 2018, p. 259).
A superação dessa forma de ensinar a História é fundmanetal, pois o que é ensinado nas
escolas influencia a forma de pensar e olhar de quem aprende o conteúdo. Então é necessário
saber que o currículo escolar brasileiro gira em torno apenas da cultura do colonizador, que é
branca, masculina, heterossexual e cristã. Para mudar isso, é necessário incluir a história
africana de outro modo, potencializando as práticas antirracistas.
Cunha Junior (2017), lembra que para o ocidente a história da humanidade inicia com a
escrita. Entretanto, este mesmo ocidente apagou durante séculos que a escrita foi inventada
pelos africanos. Ao omitir esta informação colocou os povos africanos como primitivos. Da
mesma forma pode-se falar em silenciamento da filosofia africana e de tantos outros
conhecimentos:
É importante lembrar que todo povo se desenvolve e resolve problemas para a melhoria
da vida. Com o povo africano não foi diferente. Eles tinham conhecimentos matemáticos que
estavam muito presentes na sua arte e no desenvolvimento de sua população. Existe uma forte
ligação da matemática com a arte africana e a religiosidade, constituindo-se como filosofia.
Essa realidade precisa estar presente nos currículos para superar a ideia de que os africanos não
são produtores de conhecimentos.
Alves e Boakari (2015), lembram que a Lei 10.639/03 propõe novas diretrizes
curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana. Por exemplo, os
professores devem ressaltar em sala de aula a cultura afro-brasileira como constituinte e
formadora da sociedade brasileira, os negros devem ser considerados como sujeitos históricos,
valorizando-se, portanto, o pensamento e as ideias de importantes intelectuais negros
brasileiros, na literatura, na ciência, na música. Entretanto, ao questionarem se efetivamente a
Lei 10.639/2003 está sendo cumprida, destacam que há ainda muito silêncio em relação a
546
temática étnico-racial que precisa ser superado. Para tanto, é necessário um compromisso social
e pedagógico de todos os professores:
Melo (2015), chama a atenção de que geralmente nas aulas de Língua Inglesa a temática
étnico-racial está ausente. No ensino da língua, geralmente se prioriza apenas os códigos,
gerando um raso aprendizado. Mas isso deve mudar. O ensino das línguas deve estar ligado à
cultura, deve englobar todas as raças e formas de pensamento e de se comportar. Os alunos
precisam ter um olhar crítico. É preciso incluir práticas antirracistas. Precisa-se reconhecer que
a linguagem é performativa, portanto, quando se ensina inglês, age-se sobre a vida social,
construindo pessoas. Nas aulas de língua inglesa, pode-se tanto naturalizar falas racistas, quanto
questionar e desenvolver falas antirracistas. Cabe ainda destacar que nos livros didáticos de
Língua Inglesa há pouca presença de negros, o que reforça o ideal de embranquecimento e o
padrão de beleza branco:
Agindo dessa forma, segundo Melo (2015), possibilita-se que a voz daqueles que foram
calados por séculos esteja cada vez mais ao alcance de mais pessoas, sobretudo, a voz dos
alunos africanos será incluída, produzindo outros modos de ver essa cultura.
Costa (2022), mostra que os estigmas raciais continuam presentes na educação básica.
A autora analisou a experiência de uma escola que a princípio organizou as turmas em A e B,
usando como critério o nível de aprendizagem. Entretanto, a análise mostrou que o que mais
servia para distinguir as turmas eram as diferenças fenotípicas (raça) e questões econômicas.
Ainda segundo as informações fornecidas pela escola, o objetivo da divisão das turmas era
adequar as práticas pedagógicas e didáticas às necessidades dos alunos, mas o que se observou
foi um processo de discriminação em função da raça e classe:
547
Os sujeitos que demandam um dos polos das desigualdades sociais, no recorte
que proponho, são lidos na sociedade como sujeitos atravessados pelas
consequências opressivas das condições de raça e classe econômica. Os
sujeitos da turma B, que faziam uso da mochila e tênis ofertados pela escola,
eram estigmatizados por uso contínuo destes, não variando os objetos. Em
sua grande maioria, são crianças negras, com país ausentes, devido à rotina de
trabalho (Costa, 2022, p. 181).
Para superar esses desafios, segundo Vieira (2019), é necessário um esforço conjunto
de gestores, educadores, comunidade escolar e órgãos governamentais. É preciso investir na
formação continuada de professores, disponibilizar materiais adequados, promover discussões
sobre racismo, incluir os conhecimentos africanos nos currículos de diferentes disciplinas.
Além disso, como Martins (2012) argumenta, é necessário construir uma nova forma de
olhar para o continente africano nas escolas. Geralmente, o continente africano continua sendo
visto como um continente atrasado, caracterizado pela miséria como se não fosse um espaço de
549
produção de conhecimento. Além disso, costuma ser visto como um espaço homogêneo,
evidenciando uma visão rasa, simplificada e reduzida da África:
Diante de tal indagação acreditamos que sim, é possível escrever uma outra
história do Continente Africano na escola, sobretudo, se houver um
comprometimento coletivo de pessoas que atuam na instituição escolar para
com o tema, se houver o objetivo real de construir uma sociedade mais
igualitária e que respeite a diversidade (Martins, 2012, p. 189).
Considerações Finais
No artigo discutimos a importância da inclusão das relações étnico-raciais no currículo
escolar, destacando diferentes olhares e experiências antirracistas na educação. Valorizar a
diversidade étnica e cultural, combater o racismo e promover a igualdade nas escolas é
fundamental no contexto atual.
Como vimos pelos artigos analisados, a história do Brasil é marcada por uma forte
influência do período colonial e pelo período da escravidão. Nesse contexto produziu-se um
conjunto de conhecimentos equivocados sobre a África e a população negra que, infelizmente,
ainda estão presentes na sociedade e nos currículos das escolas.
Diante dessa realidade, o movimento negro sempre lutou e conseguiu aprovar a Lei
10.639/2003, que representa um marco para a inclusão das relações étnico-raciais no currículo,
tornando obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. Ela possibilitou
que mais experiências antirracistas fossem desenvolvidas nas escolas. Ela também fez com que
a formação de professores incluísse a temática étnico-racial.
Vimos que várias experiências antirracistas estão sendo desenvolvidas em diferentes
disciplinas do currículo, mas elas precisam ganhar ainda mais espaço. Os conhecimentos da
história e da cultura africana são fundamentais para a criação de currículos antirracistas e de
uma sociedade antirracista.
Referências
550
ALVES, Antonia Regina dos Santos; BOAKARI, Francis Musa. Existe uma pratica efetiva da
lei 10.639/03 no espaço escolar? Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as
Negros/As (ABPN), v. 8, n. 18, p.426-439, 2016.
COSTA, Silvia Regina de Jesus. Produção de estigmas raciais no processo de classificação dos
alunos. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/As (ABPN), v. 14, n.
Ed. Especial, p. 173-190, 2022.
MELO, Glenda Cristina Valim de. O lugar da Raça na sala de aula de ingles. Revista da
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/As (ABPN), v.7, n. 17, p.65-81, 2015.
SILVA, Fabson Calixto da. As relações raciais na educação, a objetividade e subjetividade das
cotas sócio-raciais no Ensino Superior. Revista da Associação Brasileira de
Pesquisadores/as Negros/As (ABPN), v. 5, n. 10, p. 181–195, 2013.
551
CURRÍCULO INTERCULTURAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA E FORMAÇÃO
INTERCULTURAL: UMA RELAÇÃO NECESSÁRIA
Resumo:O trabalho é fruto de uma pesquisa que tem como objetivo analisar a formação dos
professores em relação às diferenças presentes na educação básica. Argumenta com base na
educação intercultural que para que essa ganhe cada vez mais espaço na educação básica é
necessário que a formação docente se dê na perspectiva da interculturalidade. A pesquisa foi
de abordagem qualitativa e utilizou-se para a produção dos dados, entrevistas semiestruturadas
junto aos professores que atuam em uma escola pública que possui baixo IDEB (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica). Os resultados indicaram que para um trabalho
intercultural mais efetivo na educação básica há a necessidade de momentos formativos em que
os professores possam dialogar, refletir e estudar sobre as possibilidades de atuação
intercultural no espaço tempo da sala de aula, posto que como apontou a pesquisa a formação
inicial e continuada não tem contemplado de modo satisfatório a temática das diferenças.
Introdução
Temos aprendido com diferentes autores que o espaço da sala de aula é heterogêneo.
Esta aprendizagem vem acompanhada das nossas vivências com os currículos escolares nos
quais a diferença está presente. Isto tem exigido de nós professores e pesquisadores uma
reflexão sobre as possibilidades que rompam com uma história de opressão e inferiorização dos
diferentes grupos culturais. Para que essa ruptura seja possível, é necessário que a formação
docente (inicial e continuada) esteja voltada para as diferenças.
Explicitamos a compreensão de currículo que utilizamos nesta pesquisa e que, portanto,
atravessa nossas reflexões. Estamos compreendendo o currículo como um campo de disputas.
Conforme Pavan (2022, p. 03), devido às “[...] relações de poder, alguns conhecimentos são
vistos como necessários e mais importantes; outros, como complementares; e outros, ainda,
como prejudiciais, não devendo ser incluídos no currículo, em função desse suposto prejuízo”.
Além disso, lembramos que: “os conhecimentos presentes em um determinado currículo, longe
de serem neutros, trazem as marcas históricas, sociais e culturais dos grupos que o produziram”
(Pavan, 2022, p. 3). Estas marcas a que se refere a autora, historicamente são as marcas do
552
conhecimento hegemônico, isto é, do grupo branco, eurocêntrico, masculino, heterossexual,
cristão, classe média/alta, entre outros, subalternizando e inferiorizando os conhecimentos que
não estão dentro deste padrão hegemônico. Pode-se dizer, que tanto os currículos da educação
básica, quanto os currículos de formação docente carregam essas marcas.
Contrapondo-se a esse currículo hegemônico, o currículo intercultural tem nos mostrado
caminhos que nos ajudam a construir “[...] novas práticas pedagógicas para dialogar com essa
realidade e trabalhar esse leque de questões que estão presentes no chão da escola e é necessário
enfrentar e abordar, não para punir e excluir, e sim para dialogar tentando construir uma
educação intercultural” (Sacavino, 2020, p. 02-03). Para que o currículo intercultural possa
ganhar força nas escolas, é fundamental que a formação docente inicial e continuada contemple
a perspectiva intercultural, dialogando com as diferenças.
Neste sentido, enfatizamos que o “[...] diálogo é um dos meios mais simples com que
nós, como professores, acadêmicos e pensadores críticos, podemos começar a cruzar fronteiras,
as barreiras que podem ser ou não erguidas pela raça, pelo gênero, pela classe social, [...] e
outras diferenças” (Hooks, 2017, p. 174).
Com base nesta concepção de currículo é que efetuamos uma pesquisa em uma escola
de baixo IDEB, buscando compreender se os professores estão sendo formados para
trabalharem na perspectiva de um currículo intercultural. A escolha por uma escola com baixo
IDEB é porque esta pesquisa está inserida dentro de um projeto maior que problematiza o
desenvolvimento de uma educação que busca construir a homogeneidade, recorrendo entre
outras estratégias, a avaliações em larga escala, como é o caso do IDEB.
Apesar de reconhecermos com Candau (2020), que:
A interculturalidade vem adquirindo cada vez maior presença no campo educacional.
Na América Latina, possui um processo intenso de desenvolvimento, especialmente
a partir dos anos 70, quando a expressão surge referida à educação indígena (Candau,
2010). Caracterizo este processo como uma ‘construção plural, original e complexa’.
Muitos têm sido os programas, projetos e experiências desenvolvidas ao longo do
continente que assumem este enfoque. Políticas públicas da área de educação têm
incorporado a interculturalidade em reformas curriculares e processos de formação de
professores e professoras. Uma relevante produção acadêmica tem sido
produzida [...]” (p. 679).
Ainda assim, a pesquisa mostra que os professores consideram frágil o seu processo
formativo no que se refere as questões das diferenças.
Caminhos metodológicos
553
Esta pesquisa é parte da dissertação intitulada “Currículo escolar: possibilidades
interculturais” do programa de pós-graduação em educação da Universidade Católica Dom
Bosco – UCDB, defendida no ano de 2021. Teve abordagem qualitativa, ou seja, enfatizou
aspectos relacionados às concepções, percepções, sentimentos, entre outros, dos sujeitos que
fizeram parte dela. Minayo (2008), enfatiza que a pesquisa qualitativa é adequada “[...] aos
estudos da história, das representações e crenças, das relações, das percepções e opiniões, ou
seja, dos produtos das interpretações que os humanos fazem durante suas vidas, da forma como
constroem seus artefatos materiais e a si mesmos, sentem e pensam.” (Minayo, 2008, p. 57).
Para a coleta de dados foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, um instrumento
metodológico que nos permitiu fazer, nas palavras de Duarte (2004, p. 125), um “mergulho em
profundidade”, para entender o processo formativo dos professores em relação às diferenças.
Esse mergulho em profundidade foi possível em função da escolha teórica, pois como destaca
Duarte (2004, p. 215), é possível afirmar que o que caracteriza a pesquisa qualitativa “[...] não
é necessariamente o recurso de que se faz uso, mas o referencial teórico/metodológico eleito
para a construção do objeto de pesquisa e para a análise do material coletado no trabalho de
campo”. Trata-se de um referencial teórico metodológico, conforme Candau (2012, p. 44), que:
“[...] constitui outra maneira de analisar a diversidade cultural, não concebe as culturas como
estados, como entidades independentes e homogêneas, mas a partir de processos, de interações,
de acordo com uma lógica de complexidade”.
554
Os professores entrevistados criticaram a formação docente inicial e continuada por essa
não contemplar as diferenças culturais ou quando é contemplada, ocorre de forma frágil e
insuficiente. Conforme a professora Ametista: “Não, na época que eu estudei não, não!” Ou
ainda, que isso era feito de forma pontual, como podemos observar na fala do professor
Topázio: “Já foi debatido, inclusive eu até me lembro que... foi em um seminário? Eu lembro
que a gente fez uma paródia, alguma coisa assim, então na faculdade mesmo já é ensinado isso,
não digo que tem a disciplina, mas que teve esse conteúdo contemplado, sim.”
Com essas falas podemos notar que, mesmo quando trabalhada, a diferença ainda
aparece muito pontualmente. Isto nos lembra o que Canen e Oliveira (2002, p. 74) já
enfatizaram há mais de duas décadas: “Em tempos de choques culturais e intolerância crescente
quanto àqueles percebidos como ‘diferentes’, a educação e a formação de professores não
podem mais se omitir quanto à questão multicultural”.
É importante reconhecermos que as diferentes formas de lidar com as diferenças
apresentadas e discutidas com os professores em algum momento formativo, que pode ser o da
própria experiência em sala de aula, produz efeitos na sua forma de trabalhar o currículo escolar.
A professora Cianita, expressou sua aprendizagem com o trabalho que desenvolveu em uma
escola que reconhecia a singularidade das histórias dos seus estudantes. Somente quando
ampliou sua experiência docente é que passou ter mais “um pouquinho mais desse olhar”, ser
mais sensível, não apenas reconhecer as diferenças, mas a entender que cada aluno tem uma
trajetória diferente, que precisamos compreendê-la. Segundo ela, os professores e a comunidade
escolar, “[...] enxergavam o aluno não só como aquela pessoa que estava ali em sala de aula,
mas sim como todo aquele que tem uma bagagem, que tem uma história, [...]” (Professora
Cianita). De certa forma, pode-se dizer que o que a professora contou, aproxima-se de Arroyo
(2014, p. 232) quando aponta que “[...] os professores são os primeiros a experimentar que em
cada sala de aula têm de aprender a lidar com coletivos de alunos menos genéricos”.
Candau (2014, p. 36) nos chama atenção que “hoje esta consciência do caráter
monocultural da escola é cada vez mais forte, assim como a da necessidade de romper com ele
e construir práticas educativas em que a questão das diferenças se faça cada vez mais presente”.
Conforme apontamos anteriormente, com base em Candau (2020), a autora reconhece
que já há alguns avanços no sentido de políticas públicas, nos países latino americanos, em
relação a presença da interculturalidade na formação de professores. São frutos dos
movimentos/lutas dos grupos discriminados.
555
A professora Barita foi a única que indicou que a diferença fez parte do seu processo
formativo de forma mais efetiva. Segundo ela: “eu levo isso [os estudos sobre as diferenças]
muito para dentro da sala de aula, e eu acho que levo para o tipo de aula que eu dou, para o tipo
de educação que eu dou, acho que eu levo muito isso, é forte!” (Professora Barita).
Em relação às formações continuadas, os professores também apontaram que o tema
das diferenças não é recorrente, mas que seria bem-vindo se fosse trabalhado. A professora
Aventurina nos disse: “Que eu lembre, não! Especificamente, não sei, que eu lembre, não!
Principalmente para saber como lidar com elas, [com as diferenças]. Sim! Eu gostaria, [...].”
(Professora Aventurina).
As escolas ainda retratam a diversidade em momentos definidos, em datas
comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, o Dia do Índio, o dia disso ou daquilo; e os
outros 364 dias do ano? Não existe negro, índígena, LGBT+, entre outros? O trabalho, além de
ser pontual e escasso, é ainda, por vezes, folclorizado, como no dia 19 de abril, em que se pinta
o rosto das crianças e elas são vestidas com cocares e adornos que lembram alguns traços das
culturas indígenas anteriormnte, mas para quê? Os indígenas, sobretudo, são os que mais são
folclorizados, e é uma fantasia se vestir como eles. Conforme já apontamos anteriormente, trata-
se do “currículo turístico” (Santomé, 2012, p. 167). Além de Santomé (2012), Silva (2013)
também afirma:
[...] no que diz respeito à folclorização do tema não apenas na mídia, mas
também na literatura, no cinema e nos livros didáticos, tal perspectiva é
reforçada nas escolas pelo trabalho desenvolvido quase exclusivamente em
relação ao Dia do Índio de forma descontextualizada, sem explorar o
significado verdadeiro da data, que foi uma conquista do movimento
ameríndio ocorrida já há meio século, nem mencionar o Dia Internacional do
Índio, estabelecido em 9 de agosto de 1995 pela Organização das Nações
Unidas (Silva, 2013, p. 24).
Já, em 2017. Foi a forma como eles mostraram para a gente, por ser integral
[referindo-se à outra escola] justamente a grade, ela contemplava todas as
atividades que poderiam ser feitas para promover a interculturalidade e essa
diversidade, incentivar isso. E isso me chamou muita atenção, porque eu fiquei
pensando que nas outras [escolas] que não tem essa grade curricular.
(Professora Cianita).
556
Devemos entender que:
Mesmo que a formação, inicial e continuada, seja limitada, como aponta o professor
Topázio, “[...] a gente não tem nenhum suporte como curso ou alguma coisa do tipo específico,
até hoje eu mesmo nunca participei.” Os professores reconhecem a necessidade de um
tempo/espaço para aprofundarem seus estudos, como ressalta a professora Barita: “Acho que
precisamos, sim, até porque nossa escola é bem diversa, temos alunos de todos os tipos”.
Uma das razões que explica a pouca presença da discussão das diferenças na formação
dos professores é a sua histórica vinculação com o projeto da modernidade que se construiu
com base na negação da diferença e do seu contínuo esforço para homogeneizar e uniformizar:
“A Formação Inicial e Continuada de professores(as) foi e, em larga medida, ainda é
influenciada pelo paradigma mecanicista, determinístico e disciplinar, fundante da
modernidade [...]” (Wanzeler; Estácio; Menezes, 2021, p. 1077). Os autores ainda ressaltam
que esta formação é “[...] orientada pelos princípios da racionalidade técnica, cujas teorias,
epistemologias e metodologias são notadamente eurocêntricas” (Wanzeler; Estácio; Menezes,
2021, p. 1077).
Sendo assim, a perspectiva intercultural acaba não tendo espaço no currículo dos cursos
de formação e dessa forma, continua-se com dificuldade de lidar com as diferenças dos alunos
nas salas de aula. Recorrendo-se a Candau (2011), que com base em Emília Ferreiro sugere que
é preciso transformar a diferença em vantagem pedagógica, pode-se concluir que ainda temos
um longo caminho a percorrer para que isso vire uma realidade nas escolas.
Considerações finais
Ao longo da pesquisa que aqui trouxemos apenas um recorte, podemos observar que
ainda que a formação inicial e continuada dos professores não contemple de forma sistemática
557
as diferenças, há uma preocupação por parte dos professores em articular as diferenças
presentes no currículo, mostrando que é possível caminharmos para um currículo intercultural.
Os professores não são alheios às diferenças dos alunos, e de alguma forma buscam
pluralizar suas práticas pedagógicas, para acolher todos os estudantes. Os professores
apontaram a necessidade de um espaço/tempo maior para se dedicarem aos estudos e discussões
sobre a diferença, pois reconhecem a heterogeneidade na escola e, sobretudo, a dificuldade em
lidar com ela. A preocupação recorrente, conforme mostram as falas apresentadas
anteriormente, dos professores refere-se à fragilidade de seus processos formativos iniciais e
continuados, e enfatizam que sentem falta de ampliar as discussões relacionadas as diferenças
presentes na escola.
Referências
CANDAU, Vera Maria. Didática crítica intercultural: aproximações. Petrópolis, RJ; Vozes,
2012.
CANDAU, Vera Maria Ferrão. Diferenças culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas.
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2023.
CANDAU, Vera Maria Ferrão. Ser professor/a hoje: novos confrontos entre saberes, culturas e
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<https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/view/15003>. Acesso em: 25
ago. 2023.
HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: A educação como prática de liberdade. São Paulo:
WMF Martins Fontes, 2017.
558
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. 11. ed. São Paulo: Hucitec,
2008.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: Silva, Tomaz
Tadeu da (Org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 155-172.
SISS, Ahyas. Historical inequalities and challenges of the Brazilian education policy. In:
BACKES, José Licínio; PAVAN, Ruth (Orgs.). Relações étnico-raciais, gênero e
desigualdade social na educação básica. Mercado de Letras, 2016. p. 147-159.
WANZELER, Eglê Betânia Portela; ESTÁCIO, Marcos André Ferreira; MENEZES, Maria
Quitéria Afonso. Universidade escola e a descolonização do currículo de formação de
professores e professoras: complexidade, transdisciplinaridade e decolonialidade. Currículo
sem Fronteiras, Pelotas, v. 21, n. 3, p. 1071-1090, set./dez. 2021. Disponível em:
<https://www.curriculosemfronteiras.org/vol21iss3articles/wanzeler-estacio-menezes.pdf>.
Acesso em: 05 abr. 2023.
559
DIVERSIDADE/DIFERENÇA INDÍGENA EM ESCOLAS NÃO INDÍGENAS
Resumo. O artigo apresenta uma revisão de literatura em busca de textos que comtemplem as
especificidades da educação de indígenas em escolas não indígenas e a temática da diversidade
indígena na Educação Básica nacional. O levantamento de teses, dissertações e artigos foi
realizado em duas bases de dados e um motor de busca (SciELO Brasil e BDTD-IBICT) e
buscou trabalhos com a temática da diversidade indígena nas escolas não indígenas, indagando
como os estudantes indígenas vêm sendo atendidos nessas instituições e quais práticas
pedagógicas são adotas pelos professores em busca de uma educação intercultural. As buscas
foram feitas a partir do recorte temporal de 2008 a 2022, período pós a implementação da Lei
nº 11.645/2008 que tornou obrigatório o ensino do estudo da história e cultura indígena e afro-
brasileira em todas as instituições educacionais brasileiras de ensino sejam públicas ou
privadas. No total, treze trabalhos foram analisados e que possuem um referencial teórico
metodológico, com relevância nas produções e fontes de pesquisa que englobam a temática. Os
trabalhos selecionados foram divididos em categorias e os critérios adotados foram os
seguintes: ano, título, resumo e palavras-chave.
Introdução
1
Discente do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados/PPGEDU/FAED/UFGD. Bolsista CAPES.
2
Docente orientadora do Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal da Grande
Dourados/PPGEDU/FAED/UFGD.
560
educacionais no/do país.
As pautas voltadas para a educação intercultural ocupam cada vez mais um espaço
necessário e trazem consigo significativos questionamentos acerca da temática indígena e das
necessidades de adequação das unidades escolares. Torna-se importante a promoção de
diálogos envolvendo instituições formadoras, escola e comunidade por meio de conhecimentos
ancorados na legislação vigente que visem o amplo desenvolvimento de uma educação pautada
na diversidade e no respeito às diferenças.
Este trabalho defende a perspectiva da realização do direito a um currículo pautado por
uma educação intercultural, sob uma perspectiva emancipatória e descolonizada. Sob este olhar,
a proposta da pesquisa que nos move é observar como as instituições escolares vêm se
adequando, e estruturando suas propostas pedagógicas simultaneamente às práticas
pedagógicas dos professores em relação às orientações e normativos vigentes após a
implementação da Lei 11.645/2008, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir a “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Esse documento nacional
normatiza e torna obrigatório, em todas as instituições escolares de ensino públicas ou privadas
de Educação Básica que a temática indígena seja incluída em suas atividades, passando a ser
um importante instrumento de orientação pedagógica, visando direcionar a elaboração do
currículo das escolas brasileiras de nível básico. A criação deste instrumento legal se torna um
marco histórico da caminhada educacional do Brasil, pois, historicamente, o que vemos é uma
educação colonial e excludente. A política indigenista notadamente voltada à assimilação e à
integração dos indígenas atravessou o período do império e perdurou até o período republicano
(Ferreira, 2001; Troquez, 2006; 2015).
Apesar da existência de legislações que colaborem para o acesso e a permanência de
estudantes indígenas em espaços escolares como a Constituição Federal (Brasil,1988), a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional-(LDB), Lei nº9.394/96; Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica – DCNEB,(Brasil,2009); o Plano Nacional de
Educação–PNE, (Brasil, 2014 - 2024), estas tratam a diversidade de uma maneira geral, não a
abordando de modo particular como seria adequado. Neste contexto, a Lei nº11.645/2008
surgiu como um anseio de grupos sociais, onde vários indivíduos colaboraram para sua
construção, os quais faziam parte de diferentes setores educacionais, como comissões
ordenadas pelo Ministério da Educação (MEC), grupos que discutem identidade e diversidade,
grupos que debatem questões étnicas e direitos dos povos originários. Por meio de debates,
561
consultas públicas, comissões, participação das secretarias de educação no âmbito estadual e
municipal, a comunidade escolar (gestores, professores, pais ou responsáveis por estudantes),
comunidade indígena e a sociedade como um todo, participaram na elaboração coletiva da Lei
nº11.645/2008.
Esta lei abre caminho para o tratamento mais adequado da temática indígena nas escolas
não indígenas do país. Por conta disso, o período após a Lei 11.645/2008, foi escolhido como
recorte para a pesquisa. Ainda, 2008, são 20 anos após a Constituição Federal de 1988 e 12
anos após a Nova LDBEN de 1996, legislações que garantem uma educação diferenciada às
populações indígenas, com respeito a seus processos próprios de aprendizagem, às suas línguas
e culturas nos currículos e nas práticas escolares. Cabe investigarmos como as escolas não
indígenas trabalham a temática indígena em escolas urbanas que atendem indígenas.
A Educação Escolar Indígena (EEI) ocorre em unidades escolares indígenas próprias,
possui normas e ordenamentos jurídicos próprios (Brasil, 2012), utiliza o ensino intercultural e
bilíngue, com vistas ao reconhecimento e valorização plena das culturas dos povos indígenas,
mantendo e afirmando sua diversidade étnica (Renan, 2019).
Este estudo busca compreender como a diversidade indígena é tratada nas escolas não
indígenas e como os educadores estão desenvolvendo suas práticas baseando-se na
implementação efetiva da Lei nº11654/2008.
Metodologia
Realizamos uma revisão sistemática de literatura baseada em duas etapas; indagação
inicial por busca; investigação de dados afim de atentar à temática norteadora; estabelecimento
de parâmetros de inclusão e exclusão. A pesquisa foi desenvolvida em duas bases de dados e
um motor de busca, sendo elas, respectivamente: SciELO e BDTD-IBICT. Em ambas as bases
de dados foram utilizadas nas buscas os seguintes descritores (D) D1-Educação “E” Indígena,
D2-Educação indígena, D3-Escola indígena. Foram analisados estudos que contemplassem o
histórico de conquistas e os possíveis retrocessos frente as mudanças dos reguladores da
Educação Básica no Brasil, com recorte temporal de 2008 a 2022, nas buscas foi utilizado filtro
nos três Descritores D1-“ Educação Indígena ”, D2-“Educação Escolar de indígena AND
Escolas não indígenas ” e D3-“Práticas pedagógicas AND indígenas”. Ao final, foram
selecionados treze trabalhos.
Os metadados utilizados foram tipo de trabalho, ano, título, resumo e palavras-chave. As
562
buscas foram realizadas entre os meses de maio a junho de 2023. Chegamos aos seguintes
resultados que foram apresentados por meio de gráficos do mapeamento das produções
conforme observado na Figura 1.
TRIAGEM
Estudos selecionados por meio da leitura do título ou resumo. N:55
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Estudos excluídos por serem duplicados. N: 17
CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Estudos excluídos por não respeitarem os critérios de inclusão e recorte temporal. N: 40
INCLUÍDOS
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
Estudos incluídos para presente revisão. N: 13
De início, foram encontrados 918 trabalhos e diante dos critérios estabelecidos como
exclusão, foram selecionados para verificação 53 na revisão da literatura em artigos dos anos
de 2011 até 2022, escritos em Português, com disponibilidade de texto completo em suporte
eletrônico, publicados em periódicos nacionais. Diante disso foi feita coleta de dados em
formato de tabela para a análise dos dados composta das variáveis: objetivo; tipo de participação
social; abordagem metodológica; cenário; sujeitos; resultados; categoria de análise
(referencial).
Um ponto a ser pautado em relação as caracterizações das produções são: três Teses
Doutorado, sete Dissertações de Mestrado na BDTD e três Artigos na Plataforma Scielo. A
figura a seguir apresenta os trabalhos localizados por descritor:
563
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
A seleção dos trabalhos foi feita a partir da leitura dos títulos, dos resumos e das
palavras-chave daqueles que descrevam práticas que contemplem a temática indígena. E suas
particularidades. E, para exclusão, foram adotados os seguintes critérios: trabalhos duplicados,
aqueles que estavam fora do padrão estipulado pelo recorte temporal, trabalhos que
contemplavam a educação de indígenas em escolas somente indígenas e aqueles que não
tratavam os documentos norteadores da Educação.
Resultados e discussões
564
Fonte: Elaborado pela autora (2023).
A palavra que mais foi mencionada foi criança indígena que aparece em cinco trabalhos.
Fica claro que o nicho das pesquisas se dá em torno da criança sendo o sujeito principal das
publicações. Já o conceito de interculturalidade, que aparece três, vezes traz em seu significado
a ideia de ser um meio de experimentar as culturas de outros indivíduos ou grupos, de ter
interesse em conhecer mais sobre elas e sobre as outras pessoas também e de prezar por valores
como respeito, cidadania, igualdade, tolerância, democracia na educação, e direitos humanos.
Para organização das treze publicações selecionadas, foi elaborado o Quadro abaixo
como vitrine, destas produções retirando as seguintes informações: título e base de dados ou
motor de busca onde foram recuperados, autor, ano de publicação e objetivo central da pesquisa,
os objetivos que fazem parte do quadro abaixo foram retirados dos resumos dos trabalhos.
Quadro1: Dados das publicações selecionadas.
Nº Título Autor Ano Objetivo (Resumo)
1 Presença de crianças Silva, Marcela 2013 Estudar as relações e identificar
indígenas em escolas Guarizo da as barreiras encontradas em
municipais não indígenas de escolas públicas municipais não
Dourados-MS: a educação indígenas que atendem alunos
na perspectiva intercultural. indígenas da cidade de
(Dissertação). Dourados–MS.
2 Imagem-identidade Grassi, Leila 2009 Compreender como operam os
indígena: construção e Gasperazzo professores no cotidiano, como
transmissão em escolas não- Ignatius constroem e/ou divulgam a
indígenas. (Tese). imagem dos indígenas foi o
objetivo de pesquisa.
3 Legitimando saberes Gomes,Luana 2011 O objetivo do trabalho foi
indígenas na escola. Barth verificar o que muda na
(Dissertação). concepção que se tem em relação
à temática indígena dos alunos,
professores e coordenadores em
uma e coordenadores em uma
565
escola que tem presença
constante de ameríndios.
4 A temática indígena nos SILVA, Maria 2015 Compreender as práticas
anos iniciais do ensino da Penha da curriculares docentes a respeito
fundamental: um estudo das da referida temática nos anos
práticas curriculares iniciais do Ensino Fundamental
docentes em Pesqueira – PE. nas escolas municipais de
(Dissertação). Pesqueira (PE).
5 Ninho de saberes: Leite, Angela 2021 Compreender, a partir da escuta
sensibilidades (in) Maria Araújo sensível, do dar ouvidos aos
visibilidades em práticas diversos saberes, de que forma as
educacionais indígenas em práticas educacionais dos povos
Alagoas. indígenas, em Alagoas, estão
(Tese). (in)visibilizadas e qual sua
relação com o ninho de saberes
ancestrais e sua inserção no
cotidiano escolar.
6 Lei 11645/08: uma análise MELO, 2017 Sugerir princípios geradores de
das práticas curriculares em Emeline práticas curriculares que
uma escola municipal do Apolonia de ampliem os horizontes de
Recife desde o mito de aplicabilidade da lei 11.645/08.
Malunguinho.
(Dissertação).
7 A descolonização da Sá, Ana Paula 2019 Investigar os significados sociais
educação literária no Brasil: dos Santos de e os impactos curriculares das
das leis 10.639/2003 e leis federais brasileiras nº
11.645/2008 ao PNLD 10.639/2003 e nº 11.645/2008.
2015. (Tese).
8 Educação indígena x Mendes, 2019 Compreender como a escola
educação escolar indígena; Sâmara Leíla formal se utiliza da relação entre
um aprendizado Cunha educação indígena e educação
diferenciado.(Dissertação). escolar indígena e como ambas
se interpenetram.
9 Formação de professores, Preto, 2017 Analisar a contribuição da
interculturalidade e Fernanda formação inicial/continuada de
educação indígena: Fontes docentes que atuam com a
contribuições descoloniais diversidade em espaço escolar
no espaço da escola regular. com estudantes indígenas e não
(Dissertação). indígenas.
10 Luta de papel e caneta: a lei Bertagna, 2016 Investigar os conteúdos que estão
11.645/2008 e seus reflexos Camila sendo trabalhados e como estão
através das equipes sendo trabalhados pelas Equipes
multidisciplinares de duas Multidisciplinares do Colégio
escolas do NRE de Estadual Vercindes Gerotto dos
Maringá.(Dissertação). Reis.
11 A lei n. 11.645 e a visão dos Kelly 2016 Investigar a implementação da lei
professores do Rio de Russo/Mariana n. 11.645 no estado do Rio de
Janeiro sobre a temática Paladino Janeiro.
indígena na escola.
(Artigo).
566
12 Cultura vc. Estado: Carlos Maroto 2018 Analisar estratégias de
Relações de poder na Guerola construção de sentido que
educação escolar indígena. comunidades indígenas
(Artigo). (particularmente a comunidade
LaklãnõXokleng da TI Ibirama
Laklãnõ), por meio da análise de
uma interação ocorrida, no
âmbito de um programa de
formação continuada, entre
professores.
13 Os Movimentos Sociais e a Miguel G. 2015 O artigo destaca saberes, culturas
construção de outros Arroyo e valores relacionados à
currículos. (Artigo). diversidade nos movimentos
sociais; como incorporá-los na
elaboração de currículos de
formação de docentes-
educadores/as e na elaboração de
currículos de educação básica nas
escolas das populações do
campo, indígenas, quilombolas,
das florestas.
Fonte: Elaborado pela autora. (2023)
567
indígena nos anos iniciais do ensino fundamental: um estudo das práticas curriculares docentes
em Pesqueira – PE ” (Silva,2015), ambos os textos têm o objetivo compreender as práticas
curriculares docentes a respeito da referida temática nos anos iniciais do Ensino Fundamental
nas escolas e a relação entre alunos, professores, coordenadores destas instituições que tem a
presença constante de estudantes indígenas.
Identificamos pelo menos três textos que transitam pelo campo de formação dos
professores: Preto (2017) “Formação de professores, interculturalidade e educação indígena:
contribuições descoloniais no espaço da escola regular”; (Leite, 2021) “Ninho de saberes:
sensibilidades e (in) visibilidades em práticas educacionais indígenas em Alagoas. ”; “Cunha.
Educação indígena x educação escolar indígena; um aprendizado diferenciado
(Mendes,2019).”. Na ótica destes autores, existem fragilidades ao que se alude à formação
docente sobre a educação escolar de estudantes indígenas.
O despreparo docente para esta especificidade acarreta aos estudantes indígenas vários
desencontros frente ao processo de escolarização, resultando na impossibilidade de diálogos e
troca de saberes. A precária formação dos docentes dificulta a prática efetiva da
interculturalidade e muitas vezes a conclusão da escolarização e a permanência de estudantes
indígenas nas unidades escolares.
Nos textos relacionados sobre a legislação temos Kelly (2016) com o trabalho intitulado
“A lei n. 11.645 e a visão dos professores do Rio de Janeiro sobre a temática indígena na
escola”; Bertagna (2016) com “Luta de papel e caneta: a lei 11.645/2008 e seus reflexos através
das equipes multidisciplinares de duas escolas do NRE de Maringá, e Sá (2019) com “A
descolonização da educação literária no Brasil: das leis 10.639/2003 e 11.645/2008 ao PNLD
2015”. Essas pesquisas indicam os avanços alcançados pela legislação educacional no país em
contraponto ao violento e doloroso processo de conquista desenvolvido pelo sistema capitalista
em detrimento dos povos indígenas. A corrida pelo progresso que, feito a qualquer custo, por
quaisquer meios, incluindo “a extinção física e cultural de povos cuja existência seja um entrave
para este avanço” (Bento, Theis, Oliveira, 2017, p. 2).
568
.Considerações
REFERÊNCIAS
BERTAGNA, Camila. Luta de papel e caneta: a lei 11.645/2008 e seus reflexos através das
equipes multidisciplinares de duas escolas do NRE de Maringá. 2016. Maringá: UEM.
Dissertação (Mestrado EM Educação) - Pós-Graduação de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Estadual de Maringá,2016.
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http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/para-que. Acesso em: 24 de maio de 2022.
BRASIL. Lei n. 11.645. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela
Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e
Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília-
DF, 2008b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2008/lei/l11645.htm. Acesso em: 6 jun. 2018.
CARLOS, Maroto Guerola. Cultura vs. Estado: Relações de poder na Educação Escolar
Indígena. Trabalhos em Linguística Aplicada 57, no. 3 (outubro 29, 2018): 1443–1466.
Acessado agosto 31, 2023.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8653616.
RUSSO, Kelly; PALADINO, Mariana. A lei 11.645 e a visão dos professores do Rio de Janeiro
sobre a temática indígena na escola. Revista Brasileira de Educação v. 21 n. 67 out/dez.
2016.Documento completo:http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v21n67/1413-2478-rbedu-21-67-
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BRASIL. Plano Nacional de Educação (PNE). Lei Federal n.º 10.172, de 9/01/2001. Brasília:
MEC, 2001c. BRASIL.
SÁ, Ana Paula dos Santos de. A descolonização da educação literária no Brasil: das leis
10.639/2003 e 11.645/2008 ao PNLD. 2015. UNICAMP. Tese (Doutorado em Educação
Estudos de Linguagem) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual
de Campinas, 2019.
571
EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES PARA A FORMAÇÃO
DE PROFESSORES
Resumo: Este artigo é fruto das reflexões iniciais da tese de doutorado, em andamento, que
conta com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
CAPES. Tem como objetivo, refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais e Ensino
da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, contidos na Lei 10.639/2003. Desde os estudos
que venho desenvolvendo no mestrado, acerca da Lei 10.639/2003, defendida em 2021, tenho
refletido sobre os desafios da implementação da Lei em relação à formação docente. Essa Lei
foi e continua sendo uma grande conquista com participação efetiva do movimento negro, por
meio, de lutas contra diversos entraves no combate ao racismo e desigualdades. Apresentamos
alguns desafios, ainda presente no processo educativo para implementação da referida Lei, com
destaque para a formação de professores. Apesar disso, é possível reconhecer que a aprovação
da Lei trouxe avanços importantes no combate ao racismo e implicações para a formação de
professores, no sentido de incorporar as discussões antirracistas.
INTRODUÇÃO
A Lei 10.639 foi sancionada em 09 de janeiro de 2003, que inclui no currículo brasileiro
a temática do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, alterando a Lei 9.394 de 1996, Lei
de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A implementação da resolução do Parecer CNE/CP
n. º 03/2004, que estabeleceu as Diretrizes curriculares para a educação das relações étnico-
raciais e para o ensino de História e Cultura afro-brasileira e africana, foi responsável por
mudanças.
572
Esses currículos, propiciaram promover uma educação de valorização da identidade
negra e “compreender os trabalhos e criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil,
e de situar tais produções, assim, poder mostrar a participação da população negra de caráter
benéfico na sociedade brasileira “ (Silva, 2005, p. 156).
Os movimentos negros tiveram papel importante, na conquista da lei, haja vista, que as
pautas de lutas sempre foram a de retratar as conquistas do povo negro e suas contribuições
para o nosso país, trazendo debates sobre a História e Cultura afro-brasileiras, na tentativa de
desconstruir ideias como de e subalternização dos negros ao longa da história.
573
É crucial o Ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e africana na educação
brasileira, para nortear o currículo nas instituições escolares e promover, preservar e resgatar a
história dos negros no Brasil, porque a história contada desde que esses povos chegaram em
nosso país é de inferioridade. As discrepâncias são perceptíveis, com destaque para as
interações sociais, uma vez que elas determinam a posição social em que cada indivíduo ocupa
na sociedade brasileira
Mesmo assim, ainda nos deparamos com instituições brasileiras, que ainda
conservam práticas de violações, discriminações baseados em gênero, cor/raça, etnia,
orientação sexual, entre outros, e identidades vistas como fora dos padrões que essa sociedade
exige. Portanto, “São essas identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a
identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educação-cidadã, etc.”
(Munanga, 2002, s/p).
574
A lei 10.639/2003 contribuiu significativamente para o debate de práticas
pedagógicas, que combatam o racismo, a discriminação, entre outros, favorecendo o saber sobre
a história e cultura africana e afro-brasileira, com ações afirmativas implementadas na escola,
contribuindo, com a lei, rompendo e superando o racismo e desigualdades.
O espaço escolar é o local no qual, nos deparamos com histórias, culturas e contextos
diferentes, ou seja, o âmbito escolar é um dos lugares da nossa sociedade onde o poder, os
gestos e as práticas reproduzem as desigualdades sociais, exclusões, injustiças, e obstáculos
ao pleno exercício dos direitos formais.
Desse modo, “As diferenças são então concebidas como realidades socio históricas, em
processo contínuo de construção-desconstrução-construção, dinâmicas, que se configuram nas
relações sociais e estão atravessadas por questões de poder” (Candau, 2011, P. 241).
Nesse contexto, para haver trocas de experiências, é necessário, além do diálogo, que a
escola priorize em seu currículo conteúdo e procedimentos metodológicos que incluam a
diversidade étnico-racial, proporcionando práticas pedagógicas com ações afirmativas,
contemplando a história e cultura dos povos tidos como excluídos, subalternizados, portanto,
“Trata-se, em última análise, da tensão entre o foco no conhecimento escolar e o foco na cultura
que, ao se expressar no currículo, pode ajudar a conferir à educação e à escola as tão desejáveis
marcas de qualidade e de relevância” (Moreira, 2008, p. 04).
Oferecer formação para os professores é primordial para que o docente na interação com
os seus alunos esteja preparado para superar os desafios que surgem durante o ensino e
aprendizagem no cotidiano escolar. Isso, é fundamental para aquisição do conhecimento e
entendimento da história e cultura em diferentes contextos históricos em que a diversidade se
encontra na sociedade. Contribui para a superação dos preconceitos sociais, promove o
aprendizado, conjunto de ideias, expressões e compartilhamento de experiências, possibilitando
que diferentes etnias/raça se sintam estimulados e acolhidos, dessa forma, receber uma
educação de qualidade.
575
A formação de professores é imprescindível para dar suporte e contribuir para a
reflexão, com base em diferentes dimensões históricas e contextuais, como cultural, aspectos
sociais, econômicos, entre outros, para pensar práticas antirracistas.
Sob esse ponto de vista, a educação não se dá apenas pelos espaços formativos, mas
também além dos muros da escola, na família, comunidades entre outros, nesse sentido, é
imprescindível que os professores promovam para o ensino e aprendizagem diferentes,
abordagens e estratégias, que fomentem o diálogo nos vários espaços sociais e políticos,
valorizando as diversidades de cultura, que envolvem grupos diversos.
576
O processo educativo discutido por Shor e Freire (1986), ressaltam a necessidade de que
se dialogue com a diversidade existente na sociedade, que possibilita condições de conhecer a
história e cultura afro-brasileira e africana, além do espaço escolar, para que haja um
compartilhamento de ideias.
Dessa forma, juntos educadores e educandos, articularem conhecimentos para que as
pautas de lutas avancem, superando as dificuldades encontradas no cotidiano escolar, visto que,
“Uma das características de uma posição séria, na educação libertadora, é, para mim, o estímulo
à crítica que ultrapassa os muros da escola. ” (Shor, Freire, 1986, p. 24). Concordamos com os
autores, inclusive para reiterar que as lutas antirracistas devem ser incansáveis tanto no
ambiente escolar, como fora dos “muros da escola”, conforme propõe uma educação
libertadora.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo refletir sobre a educação para as relações étnico-raciais
e a relevância do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana impactando nos
currículos escolares, na prática docente e na formação de professores, no sentido de produzir
uma educação antirracista, respaldando-se pela Lei 10.639/2003.
REFERÊNCIAS
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situada” e Empowerment? In. FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do
professor. 11 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. P.64-76.
578
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GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no. Brasil, uma breve discussão. Acãoeducativa.org.br, 2012.
579
EDUCAÇÃO E CULTURA INDÍGENA: A POSSIBILIDADE DE UM PROCESSO
DECOLONIAL
Vivenciar de forma intencional a pluralidade das culturas presentes nas é não limitá-la a
um sistema errôneo no qual a educação, se constitua em “formar” alunos/as, utilizamos o termo
“formar” como ilustração de tentativas que a modernidade/colonialidade fez e faz para que
exista uma forma a ser utilizada para moldar a todos/as, de modo que esses sujeitos sejam
reduzidos a um ‘banco” para armazenamento de conhecimentos, através da repetição,
reprodução, sem questionamentos, sem diálogos, sem respeito a sua individualidade e
subjetividade, consolidando uma educação bancária que se pretende um “ato de depositar, em
Não podemos ingenuamente acreditar que educar é ato isolado de política e ideologia, é
antes, escolha, que intencionalmente reforça a imagem tida como como universal, que como
tem sinalizado os estudos decoloniais, consiste na figura do homem, branco, heterossexual,
dominante de idioma europeu, cristão. Este homem legitimado pela modernidade e a partir dele
todos/as que se diferem, são denominado outros, “[...] homogeneização cultural em que a
educação escolar exerceu um papel fundamental, tendo por função difundir e consolidar uma
cultura comum de base eurocêntrica, silenciando ou inviabilizando vozes, saberes, cores,
crenças e sensibilidades” (Candau,2011, p.242).
[...]ateste sua capacidade de luta, seu respeito às diferenças, sabe cada vez mais o valor
que tem para a modificação da realidade, a maneira consistente com que vive sua
presença no mundo, de que sua experiência na escola é apenas um momento, mas um
momento importante que precisa de ser autenticamente vivido (Freire, 1996, p.58).
Pensar em uma educação não estática e heterogênea, é considerar que seus agentes
581
também não o são e os percebem como autores de suas histórias. Mas será que os indígenas
que frequentam escolas têm o direito a serem protagonistas de sua história? Será que a escola
tem considerado os seus saberes e suas relações com a cultura? Como são representados em
livros didáticos ou em datas comemorativas?
Quando refletimos acerca das diferenças entre a cultura indígena e ocidental no ato de
educar, nos deparamos com a educação comunitária na qual “A educação de cada índio é
interesse da comunidade toda” (Melià, 1979, p.10), essa compreensão é fundamental para um/a
educador/a que que atua numa perspectiva decolonial, e luta para romper com as amarras do
colonialismo, patriarcado como apresenta o autor Walter Mignolo (2010, p.16) “ [...] o
pensamento descolonial se propõe a desvelar os silêncios epistêmicos baseado no pensamento
ocidental (eurocêntrico) afirmando o direito de pensar de maneira outra pelo viés de saberes
socialmente desvalorizada”. (grifo nosso).
Essa responsabilidade para com a comunidade e suas práticas culturais segundo Meilà,
(1979) são intensificadas na maturidade, o adulto indígena, também continuam o aprendizado
sobre a linguagem simbólica, conhecer e contar mitos e também a direção de rituais, é neste
período também que recebem orientação para a chefia religiosa ou política. Nesta perspectiva
a valorização de idosos é uma diferença bastante significativa, pois enquanto na cultura
eurocêntrica/colonial existe uma contínua busca pelo rejuvenescimento, dentro da cultura
indígena:
Por particularidades como essas é que cabe aos/as professores/as o ato de mediar diálogos
e descobertas para construção dos saberes a partir dos olhares e percepções dos diferentes
sujeitos no contexto escolar, como sintetiza Freire (1987, p.29) “ninguém educa ninguém,
ninguém se educa sozinho: os homens se educam em comunhão”.
É fato que em meio urbano existem escolas que ocupam esse lugar fronteiriço entre os
sujeitos indígenas e não indígenas, exigindo consciência de que precisa considerar que a
583
correlação entre a vida e aprendizagem, não torna a educação em um processo mais ‘fácil’, pelo
contrário “ Tem-se aspectos e fases da educação indígena que requerem mais tempo do que
outros, mais esforço, mais dedicação, tanto no ensino, como na aprendizagem.” (Melià, 1979,
p.10)
Ainda conforme Bartolomeu Meilà (1979, p.12) diz: “[...] Os educadores do índio tem
rosto e voz; têm dias e momentos; têm materiais e instrumentos; têm toda uma série de recursos
bem definidos para educar a quem vai ser um indivíduo de uma comunidade com sua
personalidade própria e não elemento de uma multidão.”
Pensando em uma educação que tenha como pilar a cultura, nos embasamos no conceito
de Roque de Barros Laraia (1986, p.45), que menciona que a humanidade é resultado do meio
cultural, “[...] ele [o ser humano] é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete
o conhecimento e a experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. A
manipulação adequada e criativa desse patrimônio cultural permite as inovações e as
invenções.” O autor ratifica a importância das culturas no processo educativo.
Quando atentamos o olhar sobre sujeitos indígeneas notamos que o que ocorreu foi uma
transferência/imposição dos padrões culturais europeus para as Américas, que intentou
aniquilar a cultura indígena, mas quando a colonização não consegue eliminá-los, os
marginaliza e hierarquiza seus saberes e seus corpos, como subalternos. Como resultado da
cultura única temos estereótipos, e sendo assim “[...] o problema com estereótipos não é que
sejam mentira, mas são incompletos” (Adiche, 2019, p.26) .
Neste sentido, chamamos a atenção para as imagens de indígenas que aparecem nos livros
didáticos. É possível perceber demarcações próprias de moradias em ambientes naturais, o que
não é falso quando pensamos em algumas etnias, no entanto, não é igual em todas as etnias. E
não há, em nenhum livro analisado, a preocupação em explicitar a pluralidade de etnias
indígenas e seus diferentes modos de ser e estar no mundo. Portanto, ao utilizar imagens dos
livros didáticos, pretendemos problematizar onde estão as mulheres indígenas de aldeias
urbanizadas? Onde estão as mulheres indígenas que não estão representadas? Onde estão
idosos indígenas valorizados pela cultura, mas silenciados pelas imagens?
O autor Paulo Freire (1987) em sua obra pedagogia do oprimido diz que “não há saber
mais ou menos. Há saberes diferentes, ”, logo torna-se necessário (re)pensar sobre o ambiente
584
educacional: Porque insistimos tanto em engessar conceitos, ignorar diálogos da educação e
cultura em ambiente escolar? Por que algumas culturas são tidas como
insignificantes/irrelevantes?
[...] nos coloca de modo privilegiado diante dos sujeitos históricos que foram
massacrados, que souberam resistir e continuam hoje afirmando suas identidades e
lutando por seus direitos de cidadania plena na nossa sociedade, enfrentando relações
de poder assimétricas, de subordinação e exclusão (Candau, 2013, p. 17).
O autor Melià, (1979, p.9) apresenta em sua obra que “pressupõe-se que os índios não
têm educação, porque não tem a ‘nossa educação’ [...] índio está nu, mesmo com todos os seus
enfeites rituais [...] consideramos que o índio não tem religião, porque não tem templos, nem
imagens sagradas”. Com base nessas preconceituosas interpretações sobre cultura indígena é
que se materializou, por parte dos colonizadores e que tem desdobramentos até hoje, sobre a
necessidade de fazer, produzir uma educação ‘boa’ para eles/as.
Precisamos, então (re) significar o conceito de “boa”, pois quando nos referimos a
educação enviesada pela compreensão colonial demarcamos os indígena como povo sem
585
educação, reforçando o ato de ensinar como modo único e exclusivo “formatado” para atender
a ‘todos’, que não tem como pilar uma educação capaz de estimular e fomentar o pensamento
crítico, filosófico atravessado pela singularidade, construído a partir das influências plurais de
diferentes culturas e sobre os efeitos que essas exercem sobre gerações e indivíduos.
Citamos, como forma de explicitar o eurocentrismo que a língua falada pelo europeu é
idioma, como o inglês, português, francês e a sua universalização é entendida como avanço
social e cultural. Já o a língua falada pelos povos indígenas são dialetos e é necessário a
alfabetização, pois essa é a garantia de acesso ao conhecimento. Por isso como aponta o autor
Melià, (1979, p.9) reconhecemos a existência e valor inquestionável da educação indígena que
continua tendo um dinamismo próprio para vida dos sujeitos “[...] um trabalho de educação
junto aos povos indígenas, o conhecimento da língua e a aceitação da sua identidade são
condições fundamentais.”
586
por nossos/as alunos/as e que seus corpos possuem a capacidade de estabelecer diálogos
múltiplos.
É preciso, então que o/a professor/a esteja comprometido com um processo educativo
como aponta Paulo Freire (1987, p. 15), que “[...] não se deixa prender em ‘círculos de
segurança’, nos quais aprisione também a realidade. Quanto mais radical, mais se inscreve nesta
realidade para, conhecendo-a melhor, melhor poder transformá-la”. Logo, ser radical permite
compreender como os fatos estão postos, mas não se conformar com isso, assumindo uma
postura de transformação.
Salientamos que uma educação decolonial implica em uma ruptura com os saberes
“naturalizados”, ouvindo as vozes dos sujeitos enquanto produtores de saberes, de modo que
lutem por uma identidade que não estejam restritos ao que ponderam para eles, mas sim na
revisão sobre si mesmos, criticando em um processo de (re) existência e resistência a conceitos
que pertencem à concepção de mundo que segrega conhecimentos e corpos diferentes, que só
os valoriza se passam pelo crivo eurocêntrico para então ser válido e verdadeiro.
Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se
reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente
se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber
que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma
prática em tudo coerente com este saber (Freire, 1996, p.32-33).
Questões relevantes como meio ambiente e natureza, podem ser exploradas pela
sapiência e conhecimento dos povos indígenas em seu caráter social e ecológico como
apresentado por Ribeiro (2000, p.113) em suas considerações finais da obra “O índio na história
do Brasil”, onde em primeiro lugar o respeito e integridade da natureza, como fonte de todas as
benesses da terra. Em segundo lugar, relações humanas e concepção de propriedades
atravessadas pela espírito comunitário, de modo que o cuidado em âmbito estreito das micro
etnias, possa ser ampliada a todos/as brasileiros/as.
Observem a imagem a seguir que foi retirada da Coleção Buriti Mais Ciências (2017) -
2º ao 5° ano que foi utilizado até o ano de 2021 pela rede de ensino púbico municipal de Campo
Grande/MS.
588
Ainda que as imagens de indígenas em livros didáticos sejam raras, as que aparecem
permite que a partir delas, discussões outras sejam feitas pois, o “[...]combate à discriminação
em toda a dinâmica escolar [...]” (Candau, 2011, p.252).
Considerações finais
Uma prática pedagógica decolonial requer que o/a educador/a valorize e trabalhe
positivamente as diferenças combata atentamente todas as formas de preconceitos e
discriminações que emergem no cotidiano escolar. Além disso, uma perspectiva decolonial
combate toda a tentativa de folclorização das diferentes culturas, portanto problematizamos que
as denominadas data comemorativas que reduzem uma cultura a alguns dias do anos,
geralmente apresentada de forma estereotipada.
Referências
CANDAU, Vera Maria. Diferenças Culturais, cotidiano escolar e práticas pedagógicas.
Currículo sem Fronteiras, v.11, n.2, pp.240-255, Jul/Dez 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31ª edição.
São Paulo: Paz e terra, 2005.
LARAIA, Roque De Barros. Cultura um conceito Antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.1986.
NETO, M, João Colares da. Por uma pedagogia decolonial na América Latina: reflexões em
torno do pensamento de Paulo Freire e Orlando Fals Borda./João Colares da MotabNeto. -
Curitiba: CRV, 2016.
RIBEIRO, Berta Gleizer. O índio na história do Brasil. São Paulo: Editora Global, 2000.
590
EDUCAÇÃO INFANTIL, SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E PAULO FREIRE
Resumo: O presente artigo busca fazer considerações entre a Educação Infantil, a Sociologia
da Infância e Paulo Freire. Mediante o entendimento de que a Educação Infantil como a
primeira etapa da Educação Básica tem o compromisso com a qualidade, garantindo o direito
de todas as crianças, independente de classe social, etnia ou gênero, ter acesso ao conhecimento
socialmente acumulado e ao exercício de uma cidadania que seja reflexiva, capaz de criar,
interferir e mudar os rumos da sua história. A pesquisa foi de abordagem
qualitativa/bibliográfica, buscando recortes da legislação para a Educação Infantil, conceitos a
partir da Sociologia da Infância e dos escritos de Paulo Freire, numa abordagem de princípios
de uma criança ator social. Como resultado, evidenciou -se um alinhamento entre essas três
temáticas. No que se espera avançar na qualidade da Educação Infantil, as conquistas quanto as
políticas públicas, contribuições da Sociologia da Infância pela consolidação de uma criança
social de direito e obras de Paulo Freire que em suas dimensões, a partir do diálogo, têm
importantes contribuições para o contexto infantil, com aplicabilidade através do processo de
integração de culturas, como produtoras de suas histórias, dando a visibilidade em estar no
mundo com direito de participação e sua singularidade.
Introdução
591
infantil por meio da ludicidade vem ganhando notoriedade por ser um universo social farto de
interações e um novo arranjo para a etapa da Educação Infantil, permitindo que a criança amplie
o conhecimento de si mesma, por meio dos conhecimentos e experiências essenciais ao seu
desenvolvimento.
É necessário dar autonomia à criança desde a Educação Infantil, não a tratando como
uma tábula rasa que precisa ser preenchida passivamente. Ressalte-se aqui que a concepção de
protagonismo infantil também está respaldada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC):
[...] “É na interação com os pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo
próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas
diferentes, com outros pontos de vista” [...] (Brasil, 2017, p.38). Nesse sentido, a BNCC
determina que a criança pode ser beneficiada ao desenvolver o seu autoconhecimento, ao
adquirir o senso de cidadania e a ideia de que pertence à sociedade, sendo uma criança proativa
na resolução de seus problemas.
Este artigo propõe fazer considerações entre a Educação Infantil, Sociologia da Infância
e Paulo Freire, mediante o entendimento de que a Educação Infantil como a primeira etapa da
Educação Básica tem o compromisso com a qualidade, garantindo o direito de todas as crianças,
independente de classe social, etnia ou gênero ter acesso ao conhecimento socialmente
acumulado e ao exercício de uma cidadania que seja reflexiva, capaz de criar, interferir e mudar
os rumos da sua história.
A interlocução com a Sociologia da Infância dar-se-á por ter um olhar voltado para uma
criança que é sujeito social, com protagonismo infantil e a necessidade de escuta de sua voz.
Esse campo de estudo propõe uma visão mais ampla das questões do universo infantil, vê a
criança como um sujeito histórico, social e envolvido em dramas sociais que influenciam a sua
identidade, influenciando a construção das culturas. Desta maneira pensa a criança em sua
multiplicidade e considera a infância como o primeiro tempo da vida humana em qualquer
sociedade com suas variáveis sociais como gênero, etnia, geográficas e socioeconômica
(Sarmento; Gouveia, 2009).
O entrelaçamento de Paulo Freire com a Educação Infantil e a Sociologia da Infância,
dar-se-á por acreditar que ele é referência em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino
na área educacional, nos movimentos sociais e em qualquer campo em que a perspectiva estiver
alicerçada na humanização do humano e da humanidade, por existir uma relação entre os
592
princípios da Educação Infantil e a sua proposta, quando consideramos que em sua distinta obra
ele realizou algumas reflexões sobre as crianças e as infâncias.
Em suas análises sobre as práticas pedagógicas, Paulo Freire (1996) afirma que devem
ser permeadas, entre outras, pelo diálogo, a construção do conhecimento, amorosidade, escuta,
criticidade e a curiosidade. Na compreensão de que a educação é permanente, não se tratando
de um preparo para viver a partir de uma dada faixa etária, mas uma constante postura crítica
diante do mundo que é atemporal e a essência de sua concepção popular de educação
libertadora.
Este texto está organizado a partir da abordagem vinda da Educação Infantil, Sociologia
da Infância e Paulo Freire, apresentando as dimensões do diálogo, construção do conhecimento,
amorosidade, escuta e criticidade como princípios democráticos e pertinente a atual demanda
social com foco na promoção de uma visão de criança e infância não oprimida.
O diálogo e a criança
Nas relações estabelecidas pela criança na Educação Infantil ocorrem as interações por
meio das brincadeiras, da aproximação com o outro, o diálogo que permite várias possibilidades
de compreensão e leitura de mundo. Através do diálogo é possível compreender o que as
crianças estão pensando, o que elas sabem e o que desejam saber, elas perguntam o tempo todo
sobre o ambiente em que estão inseridas. No caminho que conduz a sua aprendizagem é
importante ajudá-las em busca das respostas de suas indagações (Brasil, 1998).
Na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) está estabelecido os seis direitos de
aprendizagem para as crianças de 0 a 5 anos, dentre eles encontra-se o direito de se “Expressar”,
o qual apresenta a criança como um sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades,
emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de
diferentes linguagens.
Para a Sociologia da Infância a ampliação das experiências das crianças por meio do
diálogo entre as culturas infantis e a cultura com maior abrangência, consiste nas práticas
pedagógicas constituídas pela lógica de participação, dando atenção especial aos tempos, aos
espaços e para as interações (Martins; Prado, 2020).
Para Paulo Freire (1997) o simples contato não pode ser um diálogo, nele precisa haver
relações onde acontecem as trocas dos saberes, confiança, humildade, acreditar e abrir-se com
o outro. No diálogo acontece a construção e reconstrução do conhecimento, e esse
593
conhecimento não poderá vir da dominação de uma pessoa sobre a outra, mas na comunicação
entre elas. Para o autor, a educação dos sentidos é um esforço na busca do estimulo para que as
crianças desenvolvam a abordagem crítica e reflexiva. “Quando uma criança fala e dialoga com
os seus pares, crianças e adultos, com liberdade de se expressar, está utilizando uma das
principais ferramentas política na conquista de sua inclusão social” (Freire, 1997, p. 56).
594
Pensando a educação infantil nesse contexto, é ali que a criança iniciará a sua vivência
em comunidade, aprenderá a respeitar, a acolher, a celebrar a diversidade, e a ver o
mundo a partir do olhar do outro e terá a compreensão de outros espaços sociais que
não os de convivência familiar. Ali ela terá a oportunidade de práticas sociais que se
aprendem através do conhecimento de outras culturas por meio da literatura, da
música, da pintura, da dança e de tantas linguagens que ali são exploradas (Brostolin,
2018, p.151-152).
A amorosidade e a criança
595
A amorosidade traduzida pela Sociologia da Infância refere-se ao reconhecimento da
importância do afeto, do cuidado, amor e condições favoráveis ao bem-estar das crianças,
promovendo a saída da sua invisibilidade e vulnerabilidade social.
Sobre a amorosidade, Paulo Freire (2003) diz que a transformação da realidade perpassa
pelo amor. Quanto a esse ponto o autor declara: “Não há diálogo [...] se não há um profundo
amor ao mundo e aos homens. [...]. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo
(Freire, 1985, p. 79-80).
É na convivência permeada pelo amor que promove nas práticas pedagógicas da
Educação Infantil a consolidação de uma cidadania essencialmente democrática, evidenciada
nas vivências e experiências entre crianças e crianças e crianças e adultos. De acordo com Freire
(1996, p.43) “o encontro amoroso entre os homens que, mediatizados pelo mundo, o
“pronunciam”, isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam para a humanização de
todos”.
Nas reflexões de Paulo Freire, a amorosidade é o próprio processo de ensinar, que
fundamenta que a infância e a criança, podem e devem ser desafiadas a agir com afetividade,
tomando posse do seu direito em estar no mundo.
A escuta e a criança
A escuta sensível vai muito além de um diálogo em que uma pessoa fala e a outra ouve.
Quando se escuta, se reconhece e estabelece a conexão direta com a realidade da criança, com
seus conhecimentos, saberes, sua criatividade, imaginação, desejos e necessidades.
Possibilitando que ela se manifeste por meio das múltiplas formas de brincar, desenhar, cantar,
dançar, e dar a sua opinião sobre algo que concorda ou discorda, favorecendo um ambiente
seguro e confiante, efetiva-se assim o respeito a sua subjetividade que a faz ser um ator social
de fato, que tem o direito de narrar a sua própria história (Nunes, 2009).
Nos documentos que regulamentam a Educação Infantil como as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (Brasil, 2009) e na Base Nacional Comum
Curricular - BNCC (Brasil, 2017) ainda que o termo “escuta da criança" não venha de maneira
explicita, há vários trechos em que é notório a concepção de criança com o direito à
participação. Nessa direção, a Sociologia da Infância dá ênfase que ao interagirem enquanto
sujeitos desta sociedade moderna, as crianças apresentam suas perspectivas peculiares sobre o
596
mundo. Que merece ser ouvida e podem apresentar seus pontos de vista diante dos diferentes
contextos sociais.
Ouvi-las diz respeito à qualidade de vida dela, é fazer ecoar suas vozes e seu pedido
de ajuda em suas diferentes infâncias, ouvi-las “[...] assume-se como um contributo
fundamental para compreender e interpretar fenômenos sociais que, de outro modo,
ficariam parcialmente ocultos nas tramas que estabelecem entre as determinantes
estruturais [...]” (Sarmento, 2015, p.41).
Brostolin e Azevedo (2021), apontam que por muito tempo a educação das crianças foi
vista de forma vertical, os professores detinham o poder do conhecimento e da fala, e as crianças
apenas ouviam.
Paulo Freire (1995) afirma que o ato de escutar as crianças, as reconhecem como
sujeitos dialógicos, autônomos e protagonistas, nas instituições de Educação Infantil:
Nos princípios de liberdade e autonomia defendido por Paulo Freire, há escuta sensível
e reciproca. Há o direito de se fazer a leitura de mundo e intervir nele, contrariando uma
educação em que se assemelha ao depósito bancário, em que um deposita e o outro recebe, este,
totalmente na condição de passividade, sem a voz e a vez de apresentar as suas expectativas
paradoxais diante dos fatos sociais.
A criticidade e a criança
597
Segundo Brostolin (2021, p.4) compreender a criança como vulnerável, desprotegida e
dependente do adulto, “compromete a realização dos seus direitos diante da tradicional
distinção entre os direitos de proteção, provisão e participação, que são assegurados pela
Convenção dos Direitos da Criança, a CDC, de 1989”.
A abordagem da autora sobre a participação como um direito com menor progresso,
sugere que é necessária uma mudança na relação assimétrica entre adultos e crianças, passando
a ser mais igualitária, em que haja o compartilhamento de poder e negociação, reconhecendo
que as crianças podem e têm a capacidade de expressar as suas opiniões e assim possam
contribuir mais significativamente com as transformações sociais, políticas e econômicas que
afetam diretamente as suas vidas.
Nesse viés, Paulo Freire (1996) faz crítica por meio da "educação bancária" por ser um
produto da elite. Diz que hoje a criança precisa ser reconhecida como um sujeito que participa
ativamente de todo o processo educativo, que saia da condição de passividade, de apenas
consumidora dos conhecimentos prontos e acabados oferecidos pelos adultos e que isso
aconteça pela prática de uma educação dialógica.
É preciso que as crianças tenham liberdade, criatividade e criticidade. Freire (2003)
afirma que, assim como os (as) educadores (as) têm muito a dizer sobre o conteúdo e dizem-
no, as crianças também o têm e devem dizê-lo em diálogo com os (as) educadores (as) e com
seus os pares.
A curiosidade e a criança
A curiosidade nas crianças é um processo natural e deve ser um aliado favorável à sua
aprendizagem e desenvolvimento. A partir do momento que ela começa a falar e fazer perguntas
aumenta o desejo em conhecer tudo que está a sua volta.
As DCNEIS- Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI, 2009),
trouxeram em seu bojo os três princípios básicos e necessários que devem estar contidos nas
práticas das instituições da Educação Infantil, firmando todos os objetivos e orientando toda
ação de aprendizagem com as crianças. Os princípios são: os éticos, políticos e estéticos.
De acordo com Schmith (2021), inserido nos princípios éticos está o dever de assegurar
às crianças a manifestação de seus interesses, desejos e curiosidades ao participar das práticas
educativas. Os estudos e pesquisas realizadas pela Sociologia da Infância avançam no sentido
598
de que a criança tenha visibilidade consigo, com os adultos e outras crianças, bem como, com
a sua própria infância.
A criança deseja descobrir: O quê? Por quê? Como? Para quê? Dando oportunidade para
que seja estimulada a continuar perguntando, problematizando e pesquisando para então ter o
que contar como respostas de suas dúvidas e descobertas. Para Paulo Freire (2000) o processo
de aprendizagem é criativo e criador. Cito:
Considerações finais
599
sociedade que historicamente ainda se constituiu preponderantemente nos moldes do
adultocentrismo.
Referências
FREIRE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d´Água,
1997.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 21. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora
Unesp, 2000.
FREIRE, P.. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minhas práxis. 2. ed. São Paulo:
Unesp, 2003.
MARTINS FILHO, Altino José; PRADO, Patrícia Dias. Das pesquisas com crianças à
complexidade da infância. Autores Associados, 2020.
SARMENTO, M. J. Uma agenda crítica para os estudos da criança. Currículo sem Fronteiras.
v. 15, n. 1, p. 31-49, jan. /abr. 2015.
601
SCHMITH, Roberta. Princípios éticos, políticos e estéticos: o que as fotografias da rede social
de uma escola de Educação Infantil revelam? 2021.
602
ENSINAMENTOS DE PENSAR ESTAR NO MUNDO: COMO A ETNIA
TERENA REPASSA SEUS CONHECIMENTOS NO DECORRER DAS GERAÇÕES
E COMO ESTES CONTRIBUEM COM A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
Resumo:No mundo existem muitos povos, muitas culturas e formas de pensar e interpretar o
mundo, diferentes e singulares. Os Terena, como toda sociedade da natureza, percebem os
lugares como ambientes produtores de ensinamentos de pensar e estar no mundo. Tais
conhecimentos foram adquiridos em sua prática cotidiana e não em bancos escolares com
ensinamentos teorizados, esvaziados de significado e sentido. Nosso objetivo foi: compreender
como se dá a passagem dos conhecimentos tradicionais nas gerações pelos Terena e como esses
conhecimentos podem contribuir com Educação Ambiental. Optamos por realizar uma pesquisa
qualitativa, embasada nas Teorias Pós-Críticas, visto que, têm como premissa o
comprometimento de estudar e intervir no mundo a fim de modificar o “status quo”. A pesquisa
foi ancorada no método da História Oral que privilegia as histórias contadas pelo grupo
pesquisado e devido ao fato da oralidade ser uma característica forte dos indígenas. Para
explorar a história oral optamos pela entrevista não estruturada como ferramenta de pesquisa,
pois permite ao pesquisador produzir muitos dados. Observamos uma diversidade de
conhecimentos, saberes, de epistemologias nas relações entre os indígenas, e entre eles e a
natureza. Esses saberes são o resultado de traduções para sobrevivência que influenciaram sua
cultura e seu ambiente.
Introdução
603
como toda sociedade da natureza, percebem os lugares como ambientes produtores de
ensinamentos de pensar e estar no mundo.
Os indígenas possuem uma relação intrínseca com a natureza e o meio onde vivem. O
conhecimento tradicional é sensível, se embasa na percepção das coisas, nos cheiros, nos
sabores, nas cores, nas imagens, no som. A relação do Terena com a terra, com a água, com o
seu lugar, mostra sua compreensão da natureza e de como ela funciona. Tais conhecimentos
foram adquiridos em sua prática cotidiana e não em bancos escolares com ensinamentos
teorizados, esvaziados de significado e sentido. Compreender essa lógica de pensamento é
descolonizar nossa mente do saber científico e acadêmico, descentralizando-os.
Dessa forma, nosso objetivo foi: compreender como se dá a passagem dos
conhecimentos tradicionais nas gerações pelos Terena e como esses conhecimentos podem
contribuir com Educação Ambiental.
604
Para explorar a história oral optamos pela entrevista não estruturada como ferramenta de
pesquisa, pois permite ao pesquisador produzir muitos dados.
As atividades a campo e produção de dados ocorreram em 2019 e 2020. Em 2019, nos
meses: janeiro, abril, maio e novembro; em 2020, nos meses: janeiro e fevereiro.
Os sujeitos da pesquisa foram os membros da comunidade indígena Terena da aldeia
Lagoinha no Município de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul (MS), focando mais os anciões,
mestres tradicionais e lideranças, por estarem mais próximos dos conhecimentos originários de
sua gênese. Dois protagonistas iniciais foram escolhidos e os demais foram indicados pelos dois
iniciais, seguindo o conselho de Brand (2000, p. 203): “por vezes basta a escolha de alguns
informantes iniciais que sucessivamente indicarão outros”.
Foram entrevistados o total de vinte e duas pessoas, entre estes temos dez mulheres e
doze homens, embora neste artigo apareça apenas nove, por ser um recorte da pesquisa.
O diário de campo foi utilizado durante o período de produção de dados. A maioria das
entrevistas foi gravada em áudio, já as entrevistas com os anciões mais idosos foram gravadas
em vídeo utilizando o aparelho de celular. Outra ferramenta utilizada foi a câmera fotográfica
para registrar os eventos festivos, educativos e políticos que ocorreram na aldeia durante a
pesquisa. As conversas de aproximação realizadas para agendar uma entrevista ocorreram em
eventos organizados na escola e na igreja.
O projeto de pesquisa e o termo livre esclarecido foram aprovados pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco (CEP/UCDB), sob o parecer número
3.246.751. O delineamento desse estudo atendeu os aspectos éticos da pesquisa com seres
humanos definidos pela Resolução n.º 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de
Saúde. Destacamos que o termo livre esclarecido foi assinado por todos os participantes da
pesquisa, nos autorizando a divulgação do material produzido, como, filmagens, entrevistas e
imagens, tanto dos adultos como das crianças, na produção da tese e de artigos frutos da tese.
Resultados e discussão
Os Terena de Mato Grosso do Sul não vivem mais em florestas, vivem confinados1
espremidos em aldeamentos cercados por fazendas. Suas aldeias já não possuem muitas áreas
de mata fechada devido ao aumento da população. O Censo demográfico nos mostra que a
1
Termo expressado e usado por Brand em sua tese de doutorado em 1997.
605
população indígena teve um crescimento além das expectativas. No ano de 2000 havia 350. 829
indígenas na área rural e em 2010 esse número subiu para 502.783 (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2020). As retomadas aumentaram seu território,
mas são áreas de fazendas de gado que possuem apenas a reserva mínima de floresta
determinada por lei, e que atualmente supre parcialmente as necessidades de recursos naturais
dos indígenas Terena. São dessas reservas que são retiradas madeira, remédios, e material de
artesanato e também são nesses momentos de extração, que muitos conhecimentos são
transmitidos para os mais jovens, vejamos como isso acontece.
Mamãe, dava muito conselhos né, na hora que reunia era a hora de falar
conosco, na janta, antes de escurecer, eles falavam muito, mais a noite. Cedo
ia pra roça. Hoje o povo vai para roça oito horas. Cinco horas nós já estava na
roça já. Três horas da manhã quem toma mate já tava acordando e acordando
os filhos também. Conversava enquanto a mãe prepara alguma coisa para eles
comer (Entrevista realizada com anciã professora Nilza Miguel, em novembro
de 2019).
Os Terena têm muito respeito pela sabedoria dos idosos, e sempre são consultados antes
de tomarem decisões que visam interesses da comunidade em geral. Os pais eram responsáveis
pelos ensinamentos para a vida. O serviço era separado por gênero. O pai levava os filhos
homens para a roça, além de aprender a mexer com o solo aprendiam a observar os sinais da
natureza, para chuva, frio, colheita farta ou não, o ciclo lunar e comportamento dos animais. As
meninas ficavam em casa com a mãe fazendo e aprendendo os serviços domésticos, lavar,
cozinhar, tirar e preparar o barro para fazer cerâmica. As meninas e meninos aprendiam a fazer
artesanato.
606
Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo e é
por meio da construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia
os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir
significados (WOODWARD, 2000, p. 41).
Nesse caso, o mundo social dos Terena está diretamente ligado à família e por isso
tem um significado forte em suas vidas. Os filhos se casam e continuam morando na mesma
casa que os pais, ou em outra casa, mas no mesmo quintal. As famílias ficam agrupadas e
todas as crianças provenientes dos casamentos, crescem juntas. Todos os adultos são
responsáveis pela educação das crianças, os irmãos e cunhados e cunhadas cuidam das
crianças de forma coletiva.
Na aldeia Lagoinha os adultos acordam cedo, por volta de cinco horas da manhã, para
tomar mate na casa dos pais. Geralmente reúnem-se filhos, noras, genros e conversam de
assuntos variados durante a roda do mate. Por volta de seis e meia os homens e mulheres já vão
se levantando para organizar as traias2 que irão utilizar na lida do dia. Uns vão para a roça,
outros voltam para a casa para organizar e outros vão para a escola ou outros serviços formais.
Os avós, geralmente ficam com as crianças que estudam no período vespertino e aproveitam
para dormir até mais tarde.
As crianças que estudam pela manhã, geralmente não chegam às sete horas na escola,
elas aguardam o sino tocar. O sino é entendido como a hora de ir para a escola. O sino é escutado
por toda a aldeia. A partir do momento que se ouve o sino, as crianças começam a chegar na
escola e as aulas começam por volta de sete e dez ou sete e quarenta e cinco min. No período
vespertino, o procedimento é o mesmo, e as aulas iniciam após as treze horas. Tudo ocorre no
tempo deles, não há formalidades com o horário.
2
Ferramentas para os homens que vão para a roça, materiais escolares para os professores.
607
Os idosos que já não trabalham, aproveitam o dia para visitar outros idosos e conversar
sobre diversos assuntos como: roça, plantação, construção das casas pela Caixa Econômica
Federal, política interna e externa à aldeia entre outros assuntos. As idosas cuidam da casa e
fazem almoço. A família das filhas e noras que trabalham fora de casa, almoçam com a mãe
ou sogra. As mulheres que não trabalham fora, fazem serviços domésticos e cuidam dos
filhos.
Durante a tarde, as mulheres lavam e passam as roupas, varrem o terreiro. Com o serviço
de casa pronto, sentam para tomar tereré com as cunhadas e aproveitam o tempo para cuidar a
beleza feminina se ajudando mutuamente, tiram o excesso de pelos das sobrancelhas, pintam
as unhas, fazem tranças nos cabelos longos e conversam bastante enquanto olham as crianças
brincar ao seu redor.
Os quintais das casas não são delimitados por muros ou cercas. Geralmente, um passa
pelo quintal do outro para cortar caminho. Quando os quintais são delimitados, são feitos com
cercas de arame liso, e as pessoas passam pelas cercas para cortar caminho entre os quintais
vizinhos. Toda casa tem porta e janelas, mas geralmente não são trancadas, só encostadas para
que os animais não entrem. Encontramos uma casa sem porta, a do professor Délio (60 anos,
professor da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili). Sua casa no lugar da porta tem uma
cortina. Resolvemos relatar isso, para demonstrar a segurança na aldeia. As pessoas se
respeitam, não há roubos ou invasões, ninguém mexe no que não lhe pertence a não ser com
autorização. A sensação de segurança é ótima.
608
Ainda sobre a família, Ailton Gonçalves Joaquim (42 anos, artesão), nos contou que os
pais conversavam com os filhos à noite, ensinando e aconselhando, mas também pela manhã
antes de começar a lida.
A família se reunia mais, e conversava mais, ainda mais à noite, uma hora que
eu lembro, assim quando morava com a minha avó era todo mundo reunido,
primos, avô. Era a noite os netos chegavam, para poder escutar a história dele,
ou contar aonde ele passou, o que ele sofreu, tudo, meu avô teve muita história.
Isso já não tem hoje, é muito difícil. A gente não para mais, hoje eu tô
trabalhando e amanhã eu já tô pensando no que eu vou fazer. Eu trabalho 24
horas, eu entrei hoje ontem, vou entregar amanhã, e vou ter essa noite de folga
e amanhã de tarde eu trabalho (Entrevista realizada com Ailton Gonçalves em
novembro de 2019).
Em função do ritmo de vida, ele não conversa com seus filhos como o pai e o avô
conversavam. A irmã de Ailton, Berenice (artesã, 26 anos), nos contou que o pai levava os
filhos homens para a roça e ela ficava com a mãe em casa aprendendo o serviço de casa, costura,
considerado serviço feminino. O mesmo relato de Berenice, que tem 26 anos, foi contado pela
senhora Odete Marques (anciã, 72 anos). “De manhã, a noite, quando a gente vai dormir, ela
fica falando, tudo que ela faz, ela me ensinou, cozinhar, lavar roupa, passar roupa, eu faço rede,
faço faixa no tear” (Entrevista realizada com Odete Marques em novembro de 2019). Dona
Odete mora com a mãe, pois é ela quem a cuida e aos 102 anos de idade, sua mãe ainda tem o
costume de ensiná-la até hoje. Dona Odete contou que tentou ensinar o uso do tear para os filhos
e netos, mas nenhum deles quis aprender, porque o ritmo de vida é outro.
Seu Lourenço (79 anos, ancião, fez parte da liderança da comunidade) também
confirmou que os pais costumavam conversar pela manhã durante a roda de chimarrão, antes
de ir para a roça.
A hora de ensinar os filhos é a hora em que a família se reúne, nesse caso, antes de
dormir e pela manhã, na roda do chimarrão, quando os filhos ouviam os conselhos dos pais.
609
Seu Lourenço contou que seu pai não tinha estudo, não sabia ler e escrever, não sabia falar
em português, mas aconselhava os filhos na língua materna. Ler, escrever e falar a língua
portuguesa não faz de ninguém uma pessoa melhor ou mais inteligente, ou sábio. A
sabedoria está nas experiências vividas e nesse sentido, as pessoas mais idosas estão à frente
dos mais jovens. A imposição da língua portuguesa pela educação escolar, fez com que aos
poucos a língua materna fosse sendo abandonada. A professora Cristiane Vertelino Marques
(46 anos, diretora da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili) nos relatou que se preocupa
com a perda da língua porque os jovens não querem falar Terena. Geralmente os avós são
falantes, os filhos entendem e falam, mas não falam com seus filhos, então a terceira
geração, os netos nem entendem e nem falam. Por isso, como diretora na Escola Municipal
Marcolino Lili, ela incentiva os professores a falar com as crianças mais em Terena para
que acostumem e comecem a conversar em casa, incentivando os pais a falarem também.
Hoje a educação escolar está sendo administrada por indígenas e tomando o caminho
inverso do início. A língua está sendo valorizada e retomada na escola, sendo ensinada a
partir dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Mas para que as crianças voltem a ser
falantes há a necessidade das famílias se comunicarem em Terena em casa. A diretora e a
coordenadora da escola estão trabalhando com os professores no desenvolvimento de
projetos de revitalização da língua materna dentro das famílias com a ajuda dos avós.
Anciões, líderes e pastores dão palestras, contam histórias, mitos e ensinam a língua Terena
para as crianças.
610
As barreiras protetoras de cada cultura fechada em si mesma durante a
diáspora da humanidade têm doravante efeitos perversos em nossa era
planetária: a maior parte dos fragmentos de humanidade, hoje em
comunicação, tomaram-se inquietantes e hostis uns aos outros exatamente por
causa dessa comunicação: diferenças até então ignoradas adquiriram forma de
extravagâncias, insanidades ou impiedades, fontes de incompreensão e de
conflitos (MORIN; KERN, 2003, p. 60).
As diferenças que antes eram ignoradas hoje são incompreendidas, e, portanto, alvo de
ataques impiedosos.
[...] não tinha maquinários como tem hoje, pra auxiliar no mecanismo de
lavoura, a gente ia trabalhar mesmo, ele marcava uma área, 1 hectare, a gente
pegava roçava primeiro. Tirava o mato mais baixo, aí depois ele ensinava
roçar e ele (o pai) deixava sempre aquelas árvores, um monte de árvores.
Plantação de mandioca, banana, feijão, milho, essa coisa de lavoura e a própria
família que consumia (Entrevista realizada com Délio Delfino4, em janeiro de
2019).
A natureza pra mim, ou seja, para o povo terena é muito forte, a natureza para
nós é a vida do próprio povo terena, porque a natureza são as matas, os rios, a
própria pessoa como ser, e esse ser antigamente precisava da natureza,
principalmente para curar doenças, antigamente não tinha médico como temos
hoje, então íamos para a natureza, pois os antepassados ensinavam e eles
3
Pedagoga.
4
Pedagogo.
611
sabiam sobre os remédios dentro da própria natureza. Por isso que falamos
que a natureza é muito forte para nós, então dentro da natureza há muitas
espécies de plantas que serve para curar a enfermidade, mas hoje em dia não
procuramos saber, pesquisar, estudar, não procuramos (se referindo aos
jovens) os anciões que ainda está sobre as nossas aldeias, se continuar assim
a tendência é acabar e não ter mais história sobre o que é a natureza (Entrevista
realizada com Délio Delfino, março de 2019, grifo nosso).
Mesmo vivendo em outras condições, Délio ainda carrega consigo os saberes ancestrais
repassados para ele, pois estão gravados em sua memória, “codificado na bagagem tradicional
transmitida e refinada de geração em geração” (DIEGUES, 2000, p. 239). Outro ponto a ser
destacado na fala dele, é a inclusão do ser humano como pertencente à Natureza, e que no
passado dependia apenas dos recursos in natura para sobreviver, enquanto que a cultura
ocidental separou o ser humano da Natureza.
Mesmo morando muito próximos à cidade e atravessados pela cultura ocidental, essa
conexão com a natureza é forte, pois ainda utilizam os recursos naturais em vários momentos
da vida na aldeia.
A casa antiga, olha, era bom, era mais fresco, era de capim, tem dois tipos de
capim que a gente fazia casa, algumas pessoas já colocaram o capim formado,
em cima desse capim colocava barro pra segurar o capim. Eu faço ainda assim
(casa), porque eu gosto de fazer (Entrevista realizada com cacique Orlando
Moreira, em novembro de 2019).
Os Terena ainda hoje, fazem uso das ervas medicinais no chimarrão e utilizam vários
recursos naturais em seus artesanatos. As casas, varandas e galpões são construídas com
madeira do cerrado e coberta de palha, amenizando o calor comparado a um telhado de
alvenaria. Medeiros e Sato (2013) afirmam que isso, além de refletir a íntima ligação deles com
a Natureza, as varandas e galpões são ecológicos e símbolos de adaptação ao ambiente.
612
alunos indígenas. A maioria dos cursos das universidades não possuem professores que
entendam a cultura indígena e acabam ensinando conceitos da cultura hegemônica sem fazer o
diálogo com esses outros conhecimentos, colonizando os saberes. “Os movimentos e lutas de
resistências dos povos tradicionais, apontam para outras lógicas de desenvolvimento e de
valoração da natureza e da vida” (KASSIADOU et al., 2018, p. 44), por isso devemos assumir
a perspectiva de uma EA decolonial valorizando e aprendendo com a diversidade de
conhecimentos e saberes.
Considerações finais
KASSIADOU, Anne; SÁNCHEZ, Celso; CAMARGO, Daniel R.; STORTTI, Marcelo A.;
COSTA, Rafael N. (org.). Educação Ambiental desde El Sur. 1. ed. atual. Macaé, RJ: Editora
NUPEM, 2018.
614
ESTADO DO CONHECIMENTO: A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA E AS
FORMAÇÕES CONTINUADAS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Introdução
Quando realizamos o Estado do Conhecimento procuramos:
615
operadores booleanos AND, OR, NOT e ASPAS, no intuito de facilitar a busca. Foi possível
constatar que existem diversos artigos que se aproximam da temática, “coordenação
pedagógica na educação infantil”. No entanto, há apenas um registro de tese que aborda a
temática Coordenação Pedagógica na Educação Infantil nos repositórios pesquisados.
Pretende-se por meio da pesquisa contribuir com a reflexão sobre as práticas dos
Coordenadores Pedagógicos nas Escolas Municipais com a etapa da Educação Infantil, por
meio da formação continuada em serviço oferecida aos professores que lecionam na
Educação Infantil.
Produções
Descritores
Resultados Teses e dissertações selecionadas
Coordenação pedagógica 822 3 -
2T
Educação infantil 10.343 50
1D
"Coordenação pedagógica" AND
23 - -
infantil
"Coordenação pedagógica"
AND formação AND "educação 11 - -
infantil"
"Coordenação pedagógica"
55 - -
AND "formação continuada"
Coordenação AND formação
64 - -
AND infantil
Coordenação AND "formação
continuada" AND "educação 14 - -
infantil"
"Coordenação pedagógica"
AND "formação continuada" 4 - -
AND "educação infantil"
Coordenação OR coordenador
79.021 50 1D
AND "formação continuada"
Fonte: elaborado pela autora.
616
Na busca realizada no banco de dados da CAPES, utilizando os descritores:
EDUCACAO INFANTIL foram encontradas três pesquisas, sendo duas teses de doutorado com
os títulos “Formação continuada numa perspectiva da educação para a inteireza: uma
necessidade do professor de creche” realizada por Dinorá Meinicke, 2017, PUCRS, 2017;
“Saberes e fazeres docentes na educação infantil: tempos formativos e a constituição da
docência” realizada por Carla Tatiana Moreira do Amaral Silveira, 2021, PUCRS e uma
dissertação de mestrado com o título “Desenvolvimento profissional docente no contexto da
aprendizagem ubíqua: um modelo para o ciclo de formação continuada” Débora Valletta, 2015,
PUCRS.
Numa segunda pesquisa, utilizando os descritores: COORDENACAO OR
COORDENADOR AND "FORMACAO CONTINUADA", foi encontrada uma dissertação de
mestrado, intitulada “Reunião pedagógica: a formação continuada no espaço escolar”, realizada
por Grasiela Zimmer Vogt, 2012, PUCRS, 2012.
O estudo de Meinicke (2017) aborda a formação continuada de professores de creche
com foco na educação para a inteireza, por meio de uma investigação das ações de formação
ofertadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de Florianópolis/SC no período de
2013 a 2015. A autora busca compreender como essas ações estimulam uma formação
vivenciada para uma educação que promove o desenvolvimento do autoconhecimento e
autoformação numa perspectiva de educação integral.
A pesquisa foi qualitativa e hermenêutica, envolvendo seis servidores responsáveis pelo
planejamento e implementação das ações de formação. Os dados foram coletados por meio de
pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas, e a análise seguiu os princípios da Análise
Documental e da Textual Discursiva. Três concepções de formação contínua foram
identificadas como sustentáculos das ações oferecidas pela SME de Florianópolis/SC na
formação de professores de Educação Infantil. Essas concepções foram aprimoradas ao longo
do período de estudo. As ações de formação ocorreram através de encontros, conferências e um
simpósio.
A pesquisa de Silveira (2021) tem como objetivo analisar e compreender quais as
experiências formativas são constituidoras dos saberes e fazeres da docência na Educação
Infantil. O estudo parte da perspectiva qualitativa, utilizando a entrevista semiestruturada para
a coleta de dados. Os sujeitos da pesquisa foram professoras que atuam com a Educação
Infantil, cujo cenário foi uma escola de Educação Infantil pública, localizada na Serra Gaúcha.
617
A análise do material apoiou-se nos estudos de Bardin (2009) sobre análise de Conteúdo.
A análise dos dados foi dividida em cinco categorias para melhor compreender os tempos
formativos vividos pelas professoras na constituição dos seus saberes e fazeres. A partir da
análise ficou evidente a importância de mudanças na estrutura curricular dos cursos de
formação inicial, enfatizando estudos teóricos específicos para a docência na/para a Educação
Infantil. Quanto a formação continuada, as práticas coletivas observadas mostraram-se como
importantes ferramentas para a ampliação de novos caminhos na docência. A autora cita a Base
Nacional Comum curricular (BNCC), como documento de referência para reflexões necessárias
sobre a infância.
Em sua pesquisa, Valletta (2015) investiga a contribuição de um modelo proposto para
o ciclo de formação continuada para docentes considerando o contexto da aprendizagem
ubíqua. A partir de mudanças que ocorreram nas práticas pedagógicas dos docentes, por meio
do uso dos tablets e seus aplicativos (Apps) como elementos apoiadores da aprendizagem
ubíqua, tendo por cenário a partir da formação continuada em serviço.
A pesquisa parte de um estudo de caso, realizado em uma escola de ensino privado
localizada em Porto Alegre, com o intuito de incentivar a inovação e enfatizar o uso de
tecnologias digitais e móveis (tablets) no trabalho de professores e alunos. Os sujeitos de
pesquisa foram os professores titulares da educação infantil e anos iniciais que participaram da
formação continuada em serviço da escola utilizando o modelo proposto. Os instrumentos
utilizados para coleta de dados foram: questionário semiestruturado, entrevista e observação
direta. A análise dos dados foi construída a partir da análise textual discursiva, proposta por
Moraes e Galiazzi (2011).
Vogt (2012) em sua pesquisa analisou as ações de formação continuada de professores
no espaço escolar, a partir das reuniões pedagógicas em uma escola do município de Bom
Princípio/RS. Foram observadas as reuniões pedagógicas previstas na carga horária dos
professores analisando as pautas, o conteúdo, a organização do tempo e o trabalho do
coordenador pedagógico.
O estudo parte de uma abordagem qualitativa, do tipo exploratória, com procedimento
de estudo de caso, cujos instrumentos de coleta de dados foram a observação, o questionário
semiaberto e a análise documental. Os sujeitos da pesquisa entrevistados foram professoras que
atuam no Ensino Fundamental e que possuem graduação ou pós-graduação e mais de três anos
de experiência docente.
618
Quadro 2 - Produções no portal de periódicos da UCDB (2012 a 2022)
Teses e Produções
Descritores Resultados
dissertações selecionadas
Coordenação pedagógica 13 1D -
Coordenação pedagógica E
1 1T 1T
educação infantil
Coordenação pedagógica E
2 2T -
formação continuada
Coordenador pedagógico 13 3D 1D
Fonte: elaborado pela autora.
619
aplicação do questionário às coordenadoras, seguido pela realização de entrevistas com
coordenadoras e professoras.
Para a análise dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo, categorizando e
subcategorizando os resultados. Foi possível concluir que a formação continuada desempenha
um papel muito importante no desenvolvimento profissional das Coordenadoras atuantes na
Educação Infantil, possibilitando a articulação entre teoria e prática, permitindo o
aprimoramento e reflexão sobre a função dentro da instituição. Além de apontar a necessidade
de investimentos na formação.
Além disso, o estudo ressaltou a importância das Coordenadoras da Educação Infantil
aprofundarem seus conhecimentos em Sociologia da Infância, a fim de enriquecer suas
abordagens na formação continuada que oferecem às docentes. Em síntese, os achados dessa
pesquisa enfatizam a contribuição da formação continuada para o crescimento profissional das
Coordenadoras Pedagógicas e a necessidade de um embasamento sólido em áreas como a
Sociologia da Infância para informar suas práticas.
O estudo de Lima (2014) teve como objetivo analisar a ação do coordenador pedagógico
em um Centro de Educação Infantil (CEINF) em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a partir de
reflexões ancoradas na Sociologia da Infância e do campo teórico da formação docente com base
em processos escolares. A pesquisa utiliza-se da abordagem qualitativa para compreender como
o coordenador pedagógico atua no centro investigado, partindo de estudos sobre à infância sob o
olhar da Sociologia da Infância, além de leituras sobre a formação de professores centrada na
escola.
Os sujeitos da pesquisa foram onze participantes, entre professores, equipe pedagógica e
recreadores. O instrumento utilizado para a coleta de dados foi a entrevista semiestruturada.
A autora acrescenta como ponto positivo para a atuação dos Coordenadores
Pedagógicos nos CEINFS, a formação continuada na própria instituição, além de horários
reservados para planejamentos e reuniões. No entanto, enfatiza que entre os fatores que
atrapalham o interesse pelo cargo nas instituições está a ausência de coordenadores nos
CEINFS, como a própria autora informou ao assumir a gestão de uma instituição, e falta de
incentivo financeiro para o desenvolvimento da função.
Considerações Finais
620
Os trabalhos encontrados nos bancos de dados da CAPES e UCDB contribuíram com a
pesquisa por apresentarem critérios metodológicos que se aproximam da temática escolhida,
tais como: todos os trabalhos analisados apresentam uma abordagem qualitativa, além das
autoras Lima (2014), Valletta (2015), Meinicke (2017), Silveira (2021), Machado (2021)
utilizarem a entrevista semiestruturada em seus trabalhos para a coleta de dados,
proporcionando a compreensão do processo de construção desse tipo de pesquisa.
Além de apresentarem temáticas semelhantes às que desejo abordar durante a pesquisa,
como: a história da educação no Brasil, as legislações educacionais vigentes, história do
surgimento da função de supervisor/coordenador pedagógico no Brasil, formação continuada
no espaço escolar, além de abordar a educação infantil com a sutileza que a etapa exige.
O contato com os trabalhos reforçou meu pensamento sobre a importância da função do
CP na Educação Infantil, a necessidade de um olhar atento as questões da formação continuada,
principalmente em serviço, além da necessidade de conhecimento teórico sobre a Sociologia da
Infância por parte de Coordenadores e Professores que atuam na Educação Infantil, na intenção
de promover práticas pedagógicas de qualidade nas instituições com a etapa da Educação
Infantil pelo Brasil.
Referências
621
MEINICKE, Dinorá. Formação continuada numa perspectiva da educação para a
inteireza: uma necessidade do professor de creche. 2017. Doutorado (Programa de Pós-
graduação em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS),
Porto Alegre, RS, 2017. Disponível em: https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/7374 . Acesso:
jul. 2023.
Universidade Católica Dom Bosco. Acervo online. Disponível em: https://bib.ucdb.br . Acesso
em: 13 jun. 2023.
622
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM EDUCAÇÃO BÁSICA
Introdução
Este texto tem como objetivo fazer algumas reflexões sobre a Formação de Professores
na Educação Básica – que contempla a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Médio –,
a qual diz respeito sobre a trajetória dos profissionais que se dedicam às séries iniciais e finais
do ensino fundamental, cujo processo pressupõe ser dinâmico, interativo e de formação
continuada, em especial a formação àqueles professores que atendem a Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
Considerando que a necessidade da formação de professores é uma prática influenciada
pelas burocracias educacionais, pelo discurso de desqualificação de saberes e de práticas, pelo
controle político sobre a prática profissional e outras problemáticas como a separação entre a
teoria e a prática, diversidade social e cultural dos professores (Lelis, 2001), nossas reflexões
se pautam em problematizar sobre a qualidade dos cursos de formação inicial para os
professores da EJA, tendo em vista que o curso de pedagogia tem como ênfase a preparação do
professor para a educação infantil e os anos iniciais. Também se articulam nessa discussão
623
questões como as da precarização da profissão na rede pública de ensino, bem como o papel do
Estado em todo o processo de formação-ação do professor (Pereira; Minasi, 2014).
Essa etapa da educação brasileira, em especial, além da necessidade de levar em conta
a diversidade cultural e experiência de vida e profissional dos sujeitos envolvidos, também deve
levar em consideração a necessidade de uma formação específica nesta modalidade de ensino.
Uma vez que, como aponta Dantas (2019), essa modalidade ainda é tratada com pouca atenção,
bem como carece de pesquisas e discussões.
Di Pietro, Joia e Ribeiro (2001) apontam que a EJA tem um papel secundário ou
marginal no diálogo da formulação política e reflexão pedagógica, em uma prática que vai além
do campo da escolarização, pois abarca processos formativos de qualificação profissional,
desenvolvimento da comunidade, formação política e questões culturais. Numa visão freireana,
a educação de jovens e adultos perpassa diversas experiências, em especial quando se propõe
uma educação alfabetizadora que conscientiza o educando, em prol de uma proposta reflexiva
contextual.
Para isso, este estudo, num primeiro momento busca compreender a formação de
professores no Brasil, a partir dos marcos legais instituídos a partir de 1930 e posteriormente
discutir algumas das propostas de formação de professor de educação básica no Brasil, em
específico a formação continuada destinada para os professores da EJA, por meio de autores
Lelis (2001), Saviani (2009) e Pereira e Minasi (2014), que buscam entender o desenvolvimento
da formação do profissional de Educação Básica, afim de para compreender quais pontos de
valorização profissional devem ser entendidos nesse processo de formação profissional.
625
A regulamentação de formação de professores para 1ª a 4ª séries, era feita com
autorização do Ministério da Educação e Cultura (MEC), mas somente em 1986, que é
reformulado o curso de pedagogia pelo Conselho Federal de Educação, estabelecendo a
formação de professores para essas séries, estabelecendo e mantendo currículos mínimos
obrigatórios para a formação em licenciatura (Pereira; Minasi, 2014).
Pereira e Minasi (2014) destacam que, apesar do histórico, a lei que se destaca na
organização social e política do Brasil neoliberal quando o tema a ser discutido é a formação
de professor na educação básica, é, inicialmente, a Lei nº 9.394 de 1996, a chamada Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Ainda de acordo com Pereira e Minasi
(2014) a instituição da Lei também surge em um cenário de pressão internacional, como Banco
Mundial, Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Outras leis são importantes historicamente para o debate da educação básica, como a
Lei nº 10.172, de 2001, ou Plano Nacional de Educação (PNE), que propõe diretrizes para os
diferentes níveis de ensino, desde Educação Básica, dividida em Ensino Básico e Ensino
Fundamental, até Educação Superior e outras modalidades de ensino (Brasil, 2001).
A Resolução CNE/CP nº 1, de 2002, do Conselho Nacional de Educação (CNE)
estabelece em seu texto a base comum curricular para a formação de professores de educação
626
básica (Brasil, 2002), nos anos seguintes foram promulgadas diretrizes curriculares para os
cursos de licenciatura aprovadas pelo Conselho (Pereira; Minasi, 2014).
As disposições legais até então, de acordo com Pereira e Minasi (2014), não obtiveram
sucesso pois houve disputa política com base em ênfase de mercado, para que houvesse uma
inviabilização de integração curricular de licenciaturas. De acordo ainda com os autores, a
disputa que iniciou em instituições de educação superior privadas, alcançou o âmbito público,
ancorando-se em “embates políticos ideológicos entre grupos partidários” (Pereira; Minasi,
2014, p. 11).
É com a Resolução CNE/CP nº 1, de 2006, que as diretrizes curriculares nacionais para
os cursos de pedagogia foram estabelecidas, alterando-os de bacharelado para licenciatura,
formando professores de educação infantil e anos iniciais, bem como ensino fundamental e
médio na modalidade normal (Brasil, 2006). Como apontam Pereira e Minasi (2014, p. 12):
Esta amplitude de atribuições se constitui em um problema para o curso, uma vez que,
a formatação do currículo é complexa, acarretando na dispersão disciplinar em razão
do tempo de duração do curso e sua carga horária, associado à formação de
habilidades de planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação
de atividades inerentes ao processo educativo, projetos e experiências educacionais
não escolares, produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo
educacional, no âmbito da escola e fora dela, torna o curso de pedagogia genérico,
fragmentado e frágil.
2. Formação profissional
a separação entre “teoria” e “prática” foi um dos problemas que mais fortemente
emergiu na discussão sobre a formação de professores, [...]. A falta de articulação
entre “disciplinas de conteúdo” e “disciplinas pedagógicas” foi considerada um
dilema que somado a outros dois, a dicotomia existente entre bacharelado e
licenciatura e a desarticulação entre formação acadêmica e realidade prática,
contribuíram para o surgimento de críticas sobre a fragmentação dos cursos de
formação de professores. Estas foram questões recorrentes no debate sobre a
preparação dos profissionais da educação e, ainda hoje, não saíram de pauta (Diniz-
Pereira, 2016, p. 143).
628
Saviani (2009) aponta dois modelos de formação profissional, o chamado modelo dos
conteúdos culturais-cognitivos e o modelo pedagógico-didático: o primeiro aponta que a
formação do professor se esgota na cultura geral e deve-se ter o domínio da área de
conhecimento à disciplina que o professor seleciona; o segundo, contrapõe-se ao primeiro
modelo e aponta para a efetividade do preparo pedagógico-didático como objeto da formação.
Em verdade, quando se afirma que a universidade não tem interesse pelo problema da
formação de professores, o que se está querendo dizer é que ela nunca se preocupou
com a formação específica, isto é, com o preparo pedagógico-didático dos
professores. De fato, o que está em causa aí não é propriamente uma omissão da
universidade em relação ao problema da formação dos professores, mas a luta entre
dois modelos diferentes de formação (Saviani, 2009, p. 149).
Diniz-Pereira (2016) debate que ao longo dos anos parece que as discussões sobre a
formação do professor de educação básica dão a impressão de debater os mesmos pontos, sem
solucioná-los e aponta para o objetivo de formação de um grande número de profissionais para
atender a demanda sem o investimento correspondente que leva a repetição de erros, pois
continua, de certa forma, uma visão improvisada e desregulamentada da formação do professor.
Quando se trata de valorização o profissional da educação básica, deve-se entende-lo a
partir de sua formação social plural, se por um lado o professor é simbolicamente uma imagem
prestigiada, Lelis (2001) afirma que o processo de profissionalização deve ser pensando para
além do espaço acadêmico e políticas do Estado, levar em consideração o contexto social,
questionando desigualdade social e seletividade escolar.
O processo de valorização da profissão, segundo Lelis (2001) parece perpassar um
processo de valorização da vivência e da identidade do sujeito, uma vez que, além dos
conhecimentos curriculares, os professores também apresentam saberes para além da ação
pedagógica, experiências essas heterogêneas e contextuais.
Isso significa repensar, em certa medida, a profissão em si, como o status
socioeconômico da profissão, a jornada dupla ou tripla dos profissionais, o acúmulo de funções
dentro do ambiente escolar, o baixo acesso à cultura (shows, museus, viagens) – também
chamado de capital cultural1 -, nesse cenário também se inclui a atualização do conhecimento
do docente, principalmente quando na rede pública. Tardif (2000 apud Lelis, 2001), vai dizer
1
Lelis (2001) faz referência a Bordieu (1079) sobre o capital cultural, indicando-o como capital no estado
incorporado em disposições duráveis, no estado objetivado, como bens culturais e mesmo teorias, críticas e
levantamento de problemáticas e no estado institucionalizado, como certificação escolar. O capital cultural é um
investimento educativo.
629
que, uma vez que o professor tem como objeto de trabalho seres humanos, deve-se legitimar e
valorizar outras dimensões de conhecimentos, como a experiência pessoal, pois esta é, também,
uma parte importante da prática.
Também a construção de uma prática profissional reflexiva, crítica e qualificada é um
importante ponto de valorização, nesse sentido, entende-se “a importância das dimensões
teóricas, técnicas e pessoais do trabalho docente, tendo em vista o resgate da autonomia
profissional dos professores, ameaçada no contexto da racionalização e privatização do ensino”
(Lelis, 2001, p. 47).
Dantas (2019) vai apontar a necessidade de reconhecer que o profissional que se dedica
às aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) precisa ter ciência das especificidades da
modalidade para compreender que essa modalidade de ensino requer o desenvolvimento de
práticas inclusivas que respeite as características singulares dos sujeitos, bem como sua
experiência de vida e profissional, a cultura do entorno. Essa inclusão dialoga com a luta contra
a segregação daqueles que, por quaisquer razões, não puderam frequentar e concluir o ensino
regular. Assim, Dantas (2019, p. 32) entende que:
Em outras palavras, é necessário que o profissional esteja preparado para lidar e entender
com educandos que sofrem e sofrerão diversas formas de exclusão social, econômica e
financeira. Em sua maioria, esses educandos são aqueles que
Considerações finais
631
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.752, de 9 de maio de 2016. Dispõe sobre a Política Nacional de Formação
dos Profissionais da Educação Básica. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília:
1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/d8752.htm. Acesso em 20 de junho de 2020.
CURRY, Carlos Roberto Jamil. Vinte anos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN). In. Jornal de Políticas Educacionais, v. 10, n. 20, 2016. Disponível em:
https://revistas.ufpr.br/jpe/article/view/49964/32545. Acesso em 10 de junho de 2022.
632
DANTAS, Tânia Regina. A formação de professores em educação de jovens e adultos (EJA)
na perspectiva da inclusão social. In. Revista de Educação, Ciência e Cultura, v. 24, n. 1,
2019.
LELIS, Isabel. Profissão Docente: uma rede de histórias. In. Revista Brasileira de Educação,
n. 17, 2001. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/gGTt6VhkG4ZyJvq7NbYsZnh/?lang=pt&format=pdf. Acesso
em 12 de junho de 2022.
MOREIRA, Ana Santana; GOMES, Andreia Cristina Brito; ALVARENGA, Karly Barbosa.
Importância da formação de professores para atuarem na EJA. In. Anais - XIII Seminário
Nacional de Formação de Professores, 2022. Disponível em:
https://anfope.org.br/anais/index.php/anais/article/view/149. Acesso em 03 de setembro de
2023.
633
FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA E INTERCULTURALIDADE :DESAFIOS
FORMATIVOS NA CONTEMPORANEIDADE
A Formação de Professores em Educação Física por meio dos seus Projetos Político
Pedagógico Curricular é um campo acadêmico-profissional que se fundamenta em
conhecimentos em várias áreas (ciências humanas, sociais, exatas, da arte, das linguagens e
códigos).
Durante muito tempo a formação de professores foi entendida a partir de um modelo
apoiado no acúmulo de conhecimentos teóricos para em seguida serem colocados em prática
de cunho da racionalidade técnica/prática.
Esse modelo é entendido por Gómez (1992, p.108) como “[…] um processo de
preparação técnica, que permite compreender o funcionamento das regras e das técnicas do
cotidiano da sala de aula e desenvolver as competências profissionais exigidas pela aplicação
eficaz”.
Gómez (1992), destaca que o pensamento do professor nesta perspectiva do
teórcio/prático, é como um profissional que se coloca em distintas formas de abordar o
problema de intervenção educativa, tendo como a atividade docente o profissional técnico
634
especialista, que aplica o rigor das regras e as técnicas dos conhecimentos científicos e do
professor como prático.
Portanto este modelo de formação sempre teve a perspectiva predominante tecnicista,
pois, estava voltado exclusivamente, para treinar, instruir, mandar, cobrar e não dialogar os
questionamentos e diferenças dos agentes envolvidos nos processos da prática pedagógica. Este
modelo técnico é o mais tradicionalmente utilizado nesta etapa, no exercício da docência e na
relação entre formação e intervenções pedagógicas, trata-se de uma concepção epistemológica
da prática, herdada do positivismo, sendo muito defendida ao longo do século XX e tida como
referência dos docentes (GÓMEZ, 1992, p.96).
Nesta perspectiva a prática profissional consiste na solução instrumental de
determinados problemas mediante a aplicação de um conhecimento teórico/técnico,
previamente disponível, sendo instrumental porque supõe a aplicação de técnicas e
procedimentos que se justificam por sua capacidade para conseguir os efeitos ou resultados
desejados.
Neste sentido, Giroux (1997. p.158), ao explicitar esta concepção, destaca que, a função
do professor nessa perspectiva, torna-se administrador e implementador dos programas
curriculares exteriores ao seu contexto social, negando de apropriar-se criticamente de
currículos que satisfaçam objetivos pedagógicos emancipatórios.
Portanto, supõe-se que o desenvolvimento de estratégias e procedimentos para solução
de problemas tem afetado o desempenho profissional pelos seguintes motivos, a relação que se
estabelece entre a prática e o conhecimento é hierarquizada, as habilidades práticas são
necessárias para a realização de técnicas, que por sua vez, se fundamenta nas contribuições que
a ciência básica realiza (Contreras, 2002, p. 91-94).
Nesses termos, “[...] o currículo profissional é um reflexo da hierarquia de subordinação
do aprendizado prático ao teórico” (Contreras, 2002, p.92), em que o aprendiz recebe os saberes
da formação e aplica-os sem uma prévia construção e reorganização na construção do
conhecimento.
Conforme Quijano (2010) pontua que esse modelo e modo de construir o conhecimento
são de origem eurocêntrica que consagra e privilegia a experiência europeia.
Para o autor este tipo de currículo colonial/eurocêntrico se expandiu pelo mundo para
difundir a concepção de ciência colonial.
Contudo, é necessário e urgente desenvolver críticas sobre o paradigma europeu na
635
perspectiva da racionalidade na prática da formação, sendo necessário buscar a descolonização
epistemológica e a liberação das relações e práticas interculturais.
Segundo Quijano (2010) a percepção da mudança histórica para romper com essa lógica
colonial necessita:
[...] que desencadeia o processo de constituição de uma nova perspectiva sobre o
tempo e sobre a história. A percepção da mudança leva à ideia do futuro, já que é o
único território do tempo no qual podem ocorrer as mudanças. O futuro é um território
temporal aberto. O tempo pode ser novo, pois não é somente a extensão do passado.
E, dessa maneira, a história pode ser percebida já não só como algo que ocorre, seja
como algo natural ou produzido por decisões divinas ou misteriosas como o destino,
mas como algo que pode ser produzido pela ação das pessoas, por seus cálculos, suas
intenções, suas decisões, portanto como algo que pode ser projetado e,
consequentemente, ter sentido (Quijano, 2010, p.124).
O processo de formação como proposta de aprender a ensinar não deve ser um processo
homogêneo para todos, contudo deve sim, reconhecer as características pessoais, contextuais,
sociais e históricas das pessoas envolvidas nesta etapa.
Garcia (1998) concebe como um processo que ainda é constituído por fases claramente
definidas pelo conteúdo curricular que, implica também na existência de uma interligação entre
a formação inicial dos professores e sua formação permanente.
Para o autor, deve ser analisada com relação ao desenvolvimento curricular, concebida
como uma interação da teoria/prática dos professores, tanto inicial como permanente, pautada
636
numa reflexão epistemológica, de modo que o aprender e o ensinar sejam realizados mediante
um processo no qual os conhecimentos práticos e teóricos se integrem numa perspectiva
curricular voltada para a ação.
637
O currículo se configura como um referencial teórico que busca evidenciar, ativar e
propor informações que possam desenvolver reflexões e avaliações a partir de seus respectivos
contextos socioculturais. [...] O currículo está permeado por questões culturais que não são
neutras, e cada grupo deve dialogar para que suas práticas culturais sejam nele significadas e
empoderadas (Silva, 2018. P. 98).
Pavan (2022, p.03), destaca que os conhecimentos presentes em um determinado
currículo, longe de serem neutros, trazem as marcas históricas, sociais e culturais dos grupos
que o produziram, que historicamente resistem e se constituíram.
A educação necessita desenvolver processos institucionais que tornem capazes de [...]
respeitar as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que ativem o
potencial criativo e vitalda conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos
(FLEURI, 2003).
O desafio neste momento consiste em desenvolver processos institucionais capazes de
“respeitar as diferenças e de integrá-las em uma unidade que não as anule, mas que ativem o
potencial criativo e vital da conexão entre diferentes agentes e entre seus respectivos contextos”
(FLEURI, 2003).
Portanto a interculturalidade nesta perspectiva educacional busca problematizar as
diferenças, as desigualdades construídas entre diversos/diferentes grupos socioculturais (étnico-
raciais, de gênero, orientação sexual, entre outros).
Entretanto, compreender este pensamento complexo nesta perspectiva, pode ser uma
possibilidade de pensar os diferentes saberes existentes em nossa sociedade, como também as
identidades socioculturais múltiplas, diversas, diferentes, conforme afirmam Aguilera Urquiza
e Calderoni (2017).
Nesta linha de raciocínio, Sacavino (2016, p. 191) destaca que “[...] a interculturalidade
crítica não é um processo ou projeto étnico, nem um projeto da diferença em si mesma, é um
projeto de existência, de vida plena para todos e todas”.
Conforme Sacavino (2020, p. 6) esta perspectiva de interculturalidade implica dois
movimentos entrelaçados, questionar e promover, que devem ser levados em conta em toda
prática pedagógica.
Destaca a autora que, precisamos compreender a interculturalidade como um processo
constante e também como um projeto epistêmico e político, como uma configuração conceitual
que propõe um giro epistêmico capaz de produzir novos conhecimentos e um novo espaço
638
epistemológico que inclua os conhecimentos subalternizados em uma relação tensa, crítica e
mais igualitária.
Caminhos Metodológicos
1
Uma entidade científica que congrega pesquisadores/as ligados/as à área de Educação Física/Ciências do Esporte.
Organizada em Secretarias Estaduais e Grupos de Trabalhos Temáticos. Afiliada à Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC)
640
O primeiro trabalho destaca como tema: “Pibid - educação física no ensino
fundamental: trabalhando a diversidade na escola para a promoção do bem-estar”. O trabalho
foi desenvolvido pelas autoras ARAÚJO, SILVA e ELICKER (2017), conforme o documento
analisado destaca como objeto de investigação a questão da diversidade como fruto de ações
nos relatos de experiências das práticas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência (PIBID- CAPES) Educação Física, desenvolvido na Universidade Federal do Acre
(UFAC), evidencia-se no presente documento analisado que as ações foram realizadas em
parceria com a Secretaria de Estado de Educação do estado do Acre.
Nesta perspectiva Borges (2005) destaca que, os saberes/conhecimentos profissionais
dos estudantes nesta etapa inicial não devem ser ignorados ou negligenciados, porque eles
constituem a base fundamental dentro das perspectivas de formação. Esta formação
universitária em educação física deve contribuir com os futuros professores para que adquiram
um conjunto de conhecimentos, de competências, que poderão ser usadas mais tarde na sua
prática de intervenção pedagógica.
O segundo trabalho encontrado nos anais do evento teve como temática: “Ressonâncias
da modernidade no pensamento de estudantes de educação física sobre a inclusão e diferença”.
Esta pesquisa foi desenvolvida por Mandarino (2017), que destacou como objetivo
central da pesquisa o entendimento das palavras inclusão e diferença, utilizadas por estudantes
nas aulas de Educação Física.
Para Fleuri (2000, p.53), a educação intercultural pode contribuir para não reduzir as
relações a um simples conhecimento: trata-se da interação entre os sujeitos envolvidos. Isto
significa uma relação de troca e de reciprocidade entre pessoas vivas, com rostos e nomes
próprios, reconhecendo reciprocamente seus direitos e sua dignidade. Portanto uma relação que
vai além da dimensão individual dos sujeitos e envolve suas respectivas identidades culturais
diferentes.
Considerações
643
FORMAR-SE PARA FORMAR-O LUGAR DO ESTUDO E DA FORMAÇÃO
CONTINUADA DO FORMADOR DE PROFESSOR DE MATEMÁTICA DA UFMS-
CPAN
Introdução
644
Este artigo decorre dos resultados da pesquisa de doutorado da autora que procura
compreender as experiências de formação dos formadores de professores de Matemática da
UFMS/CPAN. Tais experiências foram vivenciadas por nove docentes do Ensino Superior que
atuam na formação de professores de Matemática e que se comprometem com ela e com sua
profissão, a partir das quais realizam suas investigações e produzem conhecimentos da prática
(Cochran-Smith, 2005) que ofereçam suporte a sua atuação profissional e à de outros.
Partindo do princípio que não há uma formação prévia para o professor universitário, as
fontes de aprendizagem docente, ou seja, de aquisição de conhecimentos, saberes e habilidades
profissionais, são múltiplas e oriundas tanto da formação profissional e do exercício do
magistério, quanto das experiências vivenciadas ao longo da vida, não apenas dentro, mas
também fora do ambiente escolar, articulando as dimensões pessoal e profissional, fortemente
influenciadas pelos valores, ideais, afetos, crenças, interesses e práticas sociais, profissionais e
políticas do professor universitário. Bolívar (2006, p.59) alerta: "a formação universitária é a
que, propriamente, configura uma 'identidade profissional de base', dependendo de como se
aprendam os conhecimentos teóricos, os modelos de ensino e se adquira uma primeira visão da
prática profissional" (Grifos do autor).
Portanto, foi utilizada como proposta metodológica entrevistas semiestruturadas com os
formadores e análise de Conteúdo segundo Bardin (2009), para estabelecer uma compreensão
sobre o lugar do estudo e a formação inicial e continuada dos formadores de professores de
Matemática. Além disso, fizemos uma discussão conceitual que se refere a formação inicial e
continuada quando o docente em questão é o formador e a relação dicotômica entre Bacharelado
e Licenciatura em Matemática.
Considere que somente com a edição da Lei de Diretrizes e Bases, em 1996, é que se
definiu que a preparação de professores para atuar nesse nível deveria ocorrer principalmente
em cursos de pós-graduação. O enunciado da LDB 9394/96 explicita à docência enquanto uma
atividade especializada e que requer, consequentemente, uma formação especializada.
Entretanto, a referida lei define que a formação inicial do professor universitário, ou aquela que
antecede o ingresso do profissional no magistério do Ensino Superior, deve ocorrer em nível de
pós-graduação, preferencialmente em programas de mestrado e doutorado, sendo entendida,
nesse contexto, como “preparação” para o exercício da docência nesse nível de ensino. Nesse
645
sentido, ainda, o título de notório saber supre a exigência do título acadêmico. Embora
importante, a existência desse dispositivo que assegura uma “preparação” mínima para o
exercício da docência superior não tem garantido, em termos práticos, a formação necessária
para tal tarefa. Este artigo não menciona a formação didático-pedagógica como um pré-
requisito para a formação ou para o ingresso em uma carreira docente de nível superior.
Em relação à formação inicial específica para a docência universitária, Soares e Cunha
(2010) informam não existir nas sociedades ocidentais uma tradição nesse sentido. Segundo as
autoras, a não ser por experiências isoladas, a formação do professor universitário costuma se
constituir “como um conjunto de atividades caracterizadas por sua brevidade e concreção,
destinada a professores já contratados” (Soares; Cunha, 2010, p.34). Pimenta e Anastasiou
(2010) afirmam que os pesquisadores de diversos campos do conhecimento e os profissionais
de várias áreas iniciam-se nesse campo da docência como decorrência natural de suas
atividades, assim sendo, sem uma formação específica que os identifique como professores.
No Brasil, Pachane (2009) mostra que pouca ênfase foi dada à formação pedagógica dos
professores universitários ao longo da história.
Observa-se que, ao longo de [...] quase dois séculos, a formação esperada do professor
universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da disciplina a ser
ensinada, conhecimento este prático – decorrente do exercício profissional – ou
teórico/epistemológico – decorrente do exercício acadêmico. Pouco, ou nada, tem sido
exigido em termos pedagógicos (Pachane, 2009, p. 33).
646
disciplinas como a "Metodologia do Ensino Superior", que vem sendo inserida nos cursos de
pós-graduação Lato sensu (profissional) e Stricto sensu (mestrado e doutorado) em todo o país.
Essa iniciativa tem sido, para muitos docentes universitários, a única oportunidade de
uma reflexão sistemática sobre a sala de aula, o papel docente, o ensinar e o aprender,
o planejamento, a organização dos conteúdos curriculares, a metodologia, as técnicas
de ensino, o processo avaliatório, o curso e a realidade social onde atuam (Pimenta;
Anastasiou, 2005, p.108).
Profissionais das mais diversas áreas tem se disposto a frequentar essa disciplina.
Normalmente, são professores que já tiveram algum tipo de formação pedagógica, mas também
frequentam aqueles que não a tiveram. Uma razão pelo qual resolveram fazer um curso de pós-
graduação, seria a ânsia de seguir com a carreira acadêmica, de se tornarem professores do
Ensino Superior. Em contrapartida, aqueles que já atuam no Ensino Superior, muitas vezes,
relutam em participar de processos formativos, alegando falta de tempo ou desejo interno de
repensar suas ações.
Segundo Behrens (1998, p.65) uma outra alternativa seria “oferecimento de projetos de
ensino que envolvam os docentes em grupos de estudos, num trabalho individual e coletivo na
busca da reflexão sobre a ação docente”. Essas propostas necessitam de participação ativa do
docente, que ele se sinta parte nessa construção do processo de reflexão de sua prática. De outro
modo, verificamos que a formação continuada que é oferecida para os docentes do Ensino
Superior são relacionadas a oferecimento de cursos de curta duração, como minicursos, sem
que haja um levantamento, entre o grupo de professores, sobre suas necessidades formativas.
Tal fato, consideramos, um fator de impedimento em se tratando da motivação para realizar
discussões sobre as questões pedagógicas.
Resulta desse fato a visão de formação fundamentada na construção de um programa
contínuo que deve ser defendido pelo coletivo da Instituição que possa elucidar “seu conceito
de qualidade, a formação da pessoa e do profissional, levando os docentes a falar da vida, da
realidade, de seu repertório e dos alunos, de seus desejos, de sua capacidade de criar” (Castanho,
2007, p.66-67). Passos (2018) ressalta que:
[...] a esses profissionais é deixada a responsabilidade da formação dos futuros
professores numa lógica de integração da teoria e da prática, bem como a dos
componentes científicos e pedagógicos. Compreender e realizar essa integração se
constitui num desafio para a instituição e deve ser incorporado em seu projeto
institucional. [...] o atendimento a esse desafio tem se restringido às iniciativas
individuais dos formadores evidenciando que as instituições não têm oferecido
condições para a construção de espaços coletivos de trabalho para um processo de
647
formação de formadores e para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à prática
desses professores (Passos, 2018, p. 104).
De fato, o processo formativo dos docentes das licenciaturas parece requerer uma
percepção institucional de formação mais coletiva e colaborativa devido à diversidade
contextual desses cursos e à compreensão de que tais professores passam tanto pela
aprendizagem da docência como pelo aprender a ensinar sobre ser professor. Bolzan, Powaczuk
e Isaia (2018), em pesquisa sobre ser formador nas licenciaturas, evidenciam esses aspectos a
partir de narrativas de professores formadores que manifestam o compartilhamento de saberes
e fazeres em suas experiências de formação como potência das construções do ser docente nas
licenciaturas. As autoras ainda apontam que:
[...] os diferentes contextos e as oportunidades nos quais os professores/formadores
têm possibilidades de se envolver, como ensino, orientação de estágios, PIBID, cargos
de gestão, pesquisa, extensão, participação em diversas instâncias institucionais,
implicam a aprendizagem da docência e possibilitam a [re]contextualização constante
dos fazeres docentes, produzindo “novos” sentidos sobre a própria profissão (Bolzan;
Powaczuk; Isaia, 2018, p. 379).
648
Embora já existam formadores pós-graduados nas áreas de Educação ou de Ensino, que
se debruçam sobre os campos de conhecimento da Educação Matemática e suas relações com
o ensino e a aprendizagem da matemática, eles ainda são minoria. O formador de professores
de Matemática típico fez o mestrado e o doutorado em Matemática, passando à docência
universitária sem qualquer interlocução com o ofício do professor, mesmo no Ensino Superior
(Fiorentini, 2004).
Esta formação acadêmica centrada no campo científico da Matemática tem tido impacto
no pensamento e na prática dos professores que atuam na Licenciatura em Matemática.
Conforme destacam Coura e Passos (2017), devido a lacuna em sua formação pedagógica e o
distanciamento entre as pesquisas que desenvolveu e sua prática docente, sua trajetória como
pesquisador matemático conduziu à prática de formador. No caso do formador dos cursos de
licenciatura em Matemática, devido à preocupação com o domínio dos conteúdos matemáticos,
sem o trabalho com seu componente pedagógico, os professores universitários, com pouca ou
nenhuma formação pedagógica, aprendem a ministrar aulas por tentativa e erro, ou seja,
desenvolvem-se profissionalmente por situações que estão vivenciando e por metodologias que
deram certo, baseadas nas suas tentativas ou na sua própria experiência escolar (Vasconcelos,
2009), dificultando a formação de um profissional reflexivo, crítico e transformador.
Fiorentini (2004), no caso da licenciatura em matemática no Brasil, dividiu os
professores em três categorias: o pesquisador-formador, o formador-pesquisador e o formador-
prático. O pesquisador-formador reflete aquele profissional que enfatiza a pesquisa de sua área
de conhecimento, contrariamente ao interesse da docência, tratando-a como atividade
secundária, ou apenas uma alternativa de sociabilizar os fundamentos que produziu. Essa
categoria de profissional, normalmente, é formada por bacharéis e os docentes que nela se
encontram presentes identificam-se como matemáticos O formador-pesquisador tem na
docência sua principal atribuição na universidade, colocando a pesquisa como suporte para sua
realização. É caracterizado como educador matemático ou formador de professores. Por fim,
temos o formador-prático. Nessa categoria, estão os professores contratados provisoriamente e
com tempo parcial, colaborando esporadicamente em cursos de licenciatura, sendo tutores de
estágio nas escolas.
Em consequência, da classificação que foi analisada, Fiorentini (2004) apontou que
embora esses três tipos de formadores seriam importantes para a formação de professores,
formadores pesquisadores deveriam constituir a base do curso de licenciatura, uma vez que
649
dominam conhecimentos conceituais/procedimentais, didático-pedagógicos e curriculares da
disciplina de ensino. No entanto, esse profissional ainda constitui minoria nas licenciaturas
brasileiras em Matemática.
Eu tenho noção que eu voltei do Mestrado outra pessoa, com outra visão de mundo,
eu vejo nas minhas aulas, nos meus discursos. O Doutorado está vindo para fixar
algumas coisas que eu já pensava e hoje estou tendo outra visão de pesquisadora.
Enquanto o mestrado mudou a minha visão como professora, o doutorado está
mudando a minha visão enquanto pesquisadora (P2).
650
O docente (P7) observa: “Você não deve saber somente o conteúdo, tem que saber como
ensinar esse conteúdo, tem que ter traquejo em termos pedagógicos com seus alunos”. Há que
se considerar, ainda, outro ponto que se evidencia nas entrevistas dos professores: a escassez
de disciplinas voltadas à formação do professor universitário em diversos cursos de pós-
graduação stricto sensu. Partindo-se do pressuposto que os programas de mestrado habilitam o
concluinte à docência no ensino superior, seria de se esperar que tais cursos, independentemente
das áreas a que pertençam, se preocupassem com a formação completa do professor, o que
perpassa não só a exigência de abordagens teóricas com este objetivo, mas também pela prática
da sala de aula, como acontece nos estágios das licenciaturas.
Corroborando com os resultados do estudo de Costa (2009), a docente (P4) acredita-se
que o professor se forma ao longo de sua vida, desde a infância: "a gente vai se espelhando na
mãe, na babá, na professora da escolinha, acho que tudo isso contribui" e que carregamos um
pouco de cada um de nossos antigos professores. Segundo (P4): “[...]Estamos em constante
formação e isso a gente traz, não só para um contexto social mas para o contexto profissional
também, traz para todos os contextos da nossa vida”. O docente (P7) corrobora:
“Transformar” em professor universitário, não seria uma palavra adequada a meu ver,
pois sugere algo pontual e que seja transformador, como se fosse um episódio único
que me fez “transformar” milagrosamente num professor universitário. Entendo que
a formação é fruto de um longo processo, tanto em termos formativos, em termos de
vontade de ser, em termos de passar num concurso concorrido.
A docente (P4) cursou o Mestrado em uma instituição de pesquisa, não de ensino; nesses
programas não havia qualquer disciplina da ciência da Educação, nem tampouco oportunidade
de estágio.
Eu não tive a oportunidade deste tipo de formação pois minha Graduação foi
Bacharelado e o meu Mestrado foi em Matemática Pura, com um tema de dissertação
totalmente analisado em caráter científico[...] senti uma necessidade especial dos
conhecimentos de Metodologia de Ensino e Didática ao me deparar ministrando aulas
em cursos da área de Licenciatura.
651
sensu nas áreas de Educação Matemática e externam as oportunidades que tiveram de
(re)construir seus saberes bem como suas crenças sobre a Educação e o ensino da Matemática.
Quando eu fui fazer o TCC, eu fui buscar coisas que me trouxessem a prática e o que
eu estava tendo de dificuldade naquele momento?[...]Quando apareceu a
Etnomatemática relacionada ao saber indígena, ali foi uma luz para o que estava me
inquietando naquele momento […]Eu aprendi a dar aula no estágio. Essa inquietação
de como dar aula me levou para o mestrado. E agora no Doutorado, o que estava me
incomodando? A gente na era digital e a gente não usa a tecnologia para dar aula (P2).
Outro momento motivacional foi minha preocupação com a metodologia de ensino da
matemática o que me motivou a fazer o mestrado em Educação Matemática (P8).
Uma das perguntas que foram feitas aos participantes, se trata justamente da necessidade
de formação para a docência: você acha que existe necessidade formativa de vocês enquanto
formador? Já que algumas disciplinas como Metodologias no Ensino Superior, Didática do
Ensino Superior são oferecidas em cursos de pós-graduação, na área de Educação, muitas vezes
em caráter optativo. Alguns professores relutam em participar desses processos formativos
porque alegam que já sabem ensinar. Veja alguns relatos dos formadores sobre essa questão:
“Acho essas disciplinas fundamentais para o DPD. Infelizmente, nos cursos da área de exatas,
existe maior ênfase às disciplinas ditas de conteúdo específico” (P8). Os docentes (P4) e (P6)
complementam:
Claramente se faz necessário uma formação contínua para professores formadores de
uma forma geral e principalmente para nós que trabalhamos com a formação de
Licenciados em Matemática e Pedagogos (os quais se utilizarão dos saberes
matemáticos), pois nós formadores estamos inseridos numa sociedade em que as
mudanças econômicas, sociais, tecnológicas, dentre outras, estão exigindo dos
educadores maior eficiência e produtividade para que se adaptem às exigências do
mercado.
Eu acho que seria interessante se houvesse, não sei se existe essa complementação,
talvez fosse interessante ser oferecido um curso desse tipo. Eu sei que o projeto
pedagógico exige isso, talvez a experiência de outros professores nos ajudasse a
atingir esses objetivos
Já (P5) observa:
Se a gente é fruto da especialização do saber, como que a gente pode fazer isso? Eu
não consigo e acho que poucas pessoas conseguiriam. O que se exige da gente é algo
que poderia ser exigido em outros contextos, em uma formação mais abrangente e não
temos. Não acho que exista uma necessidade formativa de precisar fazer cursos e sim,
ter mais reuniões, grupos de estudos, isso que eu acho mais proveitoso.
(P7) acrescenta: “Eu acho importante, eu acho que todo mundo deveria fazer. Muito
embora quando a gente chega na Universidade, acaba recebendo bastante carga horária, mas
652
sempre acrescentar que você precisa dessa formação e sim ela é importante para sua atuação”.
Já o docente (P9) tem uma outra visão sobre a questão abordada:
Existe sim uma necessidade formativa, mas não uma formação em educação, e sim
formação com mais ênfase em matemática. Eu me vejo meio isolado pelo fato de olhar
para o lado e ver que a tendência dominante é tornar um professor de matemática em
um pedagogo ou um libertador social em que a matemática é apenas a cereja do bolo.
Foi quando eu comecei a trabalhar com o PIBID, eu comecei a estudar não somente
as normas, não somente as políticas que eram necessárias aprender também, aprender
sobre os PCN’s, aí eu comecei a dar vários passos e subir vários degraus. Foquei
653
bastante na formação docente então a formação de professor para mim era crucial.
Então foi extremamente importante mesmo (P4).
Foi uma experiência sui generis com muito aprendizado tanto da minha parte,
enquanto coordenador de área, quanto dos pibidianos (bolsistas do curso de
matemática, alunos das escolas e professores supervisores das escolas) (P8).
Para os futuros professores - e até mesmo para formadores de professores -, conversar e
“(com)partilhar suas memórias e suas experiências, com um outro alguém, seja um professor
ou um amigo de classe, também em formação, favorece a reflexão tanto do próprio aluno quanto
daqueles que o escutam” (Ramos et al., 2016, p.53).
Considerações Finais
Ao atribuir valor à formação inicial, os participantes salientam que é no curso de
licenciatura que se aprende a docência. Nesse contexto, é importante que professores
formadores de professores trabalhem na perspectiva de preparar futuros docentes para o
mercado de trabalho, oferecendo-lhes oportunidades teórico-práticas para abordar conteúdos
que ministrarão futuramente. Alguns formadores que possuem pós-graduação stricto sensu nas
áreas de Educação Matemática e externam as oportunidades que tiveram de (re)construir seus
saberes bem como suas crenças sobre a Educação e o ensino da Matemática.
A vontade de aprender mais sobre um determinado assunto também foi um ponto
importante para que eles possam cada vez mais estarem qualificados para atuarem na docência.
Em síntese, os formadores ressaltaram a importância que o conhecimento, que o conteúdo fez
na sua jornada docente. Saber o conteúdo específico a ser ministrado foi mencionado como
significativo pelos formadores, que valorizam muito o saber do conteúdo de seus professores
e, além disso, a facilidade que tinham com este objeto de saber.
Ao aproximar a universidade da escola básica, o PIBID é capaz de proporcionar aos
coordenadores um acercamento à realidade escolar muito intenso e contínuo, que talvez nem
os formadores dedicados aos estágios supervisionados tenham acesso. O conhecimento que se
descortina por intermédio do PIBID é transformador.
Referências
ANDRÉ, M. E. D. A.; ALMEIDA, P. C. A.; AMBROSETTI, N. B.; PASSOS, L. F.; CRUZ,
G. B. ; HOBOLD, M. O papel do professor formador e das práticas de licenciatura sob o olhar
avaliativo dos futuros professores. Revista Portuguesa de Investigação Educacional, Porto,
v. 12, 2012, p. 101-123.
CASTANHO, M.E. Pesquisa em Pedagogia Universitária. In: CUNHA, M.I. (Org.). Reflexões
e práticas em Pedagogia Universitária. São Paulo: Papirus, 2007.
655
MIZUKAMI, M. G. N. Aprendizagem da docência: professores formadores. In:
ROMANOWSKI, J.; MARTINS, P. L.; JUNQUEIRA, S. R. A. (Org.). Conhecimento local e
conhecimento universal: formação docente, aprendizado e ensino. Curitiba: Universitária
Champagnat, 2005. p. 69-80.
656
O ENSINO DA MATEMÁTICA ADAPTADO POR MEIO DA LIBRAS: UM ESTUDO
SOBRE A FORMAÇÃO E AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DE PROFESSORES
SURDOS BILÍNGUES DE MUNICIPIO DE RONDONÓPOLIS /MT
Resumo: A pesquisa tem como objetivo investigar como se constitui o processo formativo
desenvolvido por professores surdos bilíngues que atuam em escolas públicas do ensino
fundamental em Rondonópolis – MT, em relação ao ensino da matemática adaptado pela
LIBRAS para estudantes surdos matriculados em escolas da rede pública do município. No
tocante à metodologia serão realizadas entrevistas semiestruturadas gravadas em vídeo em
LIBRAS com os dois professores surdos que trabalham na docência na rede pública municipal
de ensino de Rondonópolis (MT), lecionando matemática em sua primeira língua, por meio da
LIBRAS. Resultados: Ainda em fase de consolidação do projeto de pesquisa onde estamos
avançando na fundamentação teórica da pesquisa que se articula a partir do entendimento de
que a educação inclusiva é um tema relevante e desafiador nos dias atuais, buscando garantir
oportunidades iguais de aprendizagem para todos os alunos, incluindo aqueles com deficiência
auditiva. Essa abordagem valoriza a cultura e identidade surda, permitindo uma melhor
compreensão das necessidades específicas desses alunos no ensino, inclusive no ensino da
matemática. Nesse sentido o ensino da matemática adaptado por meio da Língua Brasileira de
Sinais (LIBRAS) visa atender às necessidades específicas dos estudantes surdos, permitindo-
lhes adquirir habilidades matemáticas de forma efetiva.
1. Introdução
Ao analisar a história da educação no Brasil, podemos observar que sua base estrutural
consiste em modelos europeus, nos quais, mesmo no ensino público, o acesso à educação se dá
de modo desigual. Segundo Boff (2002, p. 62), embora tenham havido uma série de esforços
para reestruturar o currículo ao longo da história, ocorriam privilégios a uma "população branca
e masculina".
Deste modo, como sujeito surdo, acredito ser fundamental pensarmos no processo de
formação de professores e na manutenção de suas práticas, a fim de tornar esse processo mais
humanizado, democrático, igualitário e eficaz.
657
O processo educacional do qual sou fruto teve como protagonismo uma professora
muito especial, minha mãe. Foi ela quem me ensinou a ler, escrever e a associar os signos e
significados na Língua Portuguesa. Foi ela quem me ensinou a valorizar cada etapa, agregando
múltiplos sentidos a cada aprendizagem, principalmente na construção de minha formação com
a língua Portuguesa.
Não se trata apenas da relação de afetividade entre mãe e filho, o sucesso de meu
processo de aprendizagem se deve às práticas pedagógicas adotadas por minha mãe, uma vez
que sua percepção aguçada a fez desenvolver uma linguagem alternativa baseada em gestos,
por meio dos quais se constituíram os sentidos das palavras, pois, para que a criança surda
compreenda o conteúdo do que lhe é dito em português, necessita de vários anos de estimulação
sistemática e dialógica (GOLDFELD, 2002, p. 95).
Sou graduado em Pedagogia pelo Instituto de Educação Bom Jesus de Cuiabá –
Faculdade Afirmativo (2011) e também tenho graduação em Letras – LIBRAS pelo Centro
Universitário Leonardo da Vinci, UNIASSELVI, com conclusão no ano de 2022, tendo pós-
graduado latu-sensu (Especialização) em Tradução e Interpretação Língua Brasileira de Sinais
(LIBRAS) pelo Centro Universitário Cândido Rondon (2012) e em LIBRAS e Educação
Inclusiva pelo Instituto Federal de Mato Grosso (2021).
Também sou professor concursado desde o ano de 2012 na Secretaria Municipal de
Educação (SEMED) do município de Rondonópolis, no estado de Mato Grosso, como
pedagogo no Ensino Fundamental para o Ensino de LIBRAS, lotado na Escola Municipal de
Educação Básica ‘Padre João Paulo Nolli’,sendo que atualmente sou também assessor
pedagógico no Departamento de Gestão de Educação Inclusiva - SEMED – Rondonópolis
(MT).
Atuo principalmente no desenvolvimento de pesquisas nas áreas de inclusão
social/escolar, formação continuada de professores de LIBRAS e atendimento educacional
especializado para pessoas com surdez.
Sou também membro do Conselho Municipal e Estadual dos Direitos da Pessoa com
deficiência em Mato Grosso, além de militante no movimento da pessoa com surdez.
Portanto trabalho com a educação de pessoas surdas, especificamente com a temática
"herança surdez", na qual apresento a história dos surdos e a herança linguística obtida por meio
da LIBRAS. Ao adotar o discurso pedagógico, é possível reavaliar minhas próprias práticas,
organizando estratégias para que o ensino seja fomentado da melhor forma possível.
658
A possibilidade de pesquisar sobre o uso da LIBRAS no ensino de conceitos
matemáticos simboliza a necessidade de agregar técnicas, fruto da cultura visual, ao processo
educacional de futuros professores que atuarão no ensino da matemática.
É importante fomentar em seus processos formativos a necessidade de reavaliação
constante de suas práticas pedagógicas, constituindo-as a partir da alteridade, de base conceitual
consistente e, principalmente, por meio de vivências adquiridas em contato com pessoas com
surdez.
Além disso, a justificativa para este estudo sobre o ensino da matemática adaptado por
meio da LIBRAS, com foco na formação e as práticas pedagógicas de professores surdos
bilíngues em Rondonópolis - MT, é fundamentada na necessidade de promover uma educação
inclusiva e de qualidade para os estudantes surdos.
A matemática é uma disciplina fundamental para o desenvolvimento cognitivo e
acadêmico dos estudantes, mas muitas vezes os estudantes surdos enfrentam dificuldades no
aprendizado dessa matéria devido à barreira linguística existente entre a língua portuguesa,
predominantemente utilizada nas escolas, e a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), que é a
língua natural dos surdos.
Nesse contexto, os professores surdos bilíngues desempenham um papel crucial na
promoção de uma educação inclusiva, uma vez que possuem fluência tanto na LIBRAS quanto
na língua portuguesa. No entanto, esses profissionais enfrentam desafios específicos ao adaptar
o ensino da matemática para os estudantes surdos, buscando formas efetivas de superar as
barreiras linguísticas e garantir a compreensão dos conceitos matemáticos.
No entanto, a escolha de Rondonópolis - MT, como local de estudo se justifica pelo fato
de ser uma região com uma comunidade surda significativa, o que possibilita uma investigação
mais aprofundada das questões específicas enfrentadas pelos professores surdos bilíngues nesse
contexto.
Para além da articulação de um processo educacional mais significativo, esta pesquisa
visa incentivar outros surdez a ousarem e proporcionarem, por meio de suas potencialidades,
novas formas e meios de ensinar.
Assim, o presente projeto busca preencher uma lacuna na literatura acadêmica,
contribuindo para a melhoria da educação inclusiva de estudantes surdos na área da matemática,
ao investigar os desafios e estratégias do ensino adaptado pela LIBRAS de professores surdos
bilíngues em Rondonópolis - MT.
659
O objetivo geral dessa pesquisa é investigar e compreender como se constitui o processo
formativo desenvolvido por professores surdos bilíngues que atuam em escolas públicas do
ensino fundamental em Rondonópolis – MT, em relação ao ensino da matemática adaptado pela
LIBRAS para estudantes surdos matriculados em escolas da rede pública do município,
revelando por meio de suas práticas pedagógicas mais eficientes e inclusivas, a inserção de
aspectos viso-culturais.
Já os objetivos específicos são: a) Analisar as propostas para educação inclusiva através
da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) do
Estado de Mato Grosso e da Secretaria Municipal de Educação (SEMED) do município de
Rondonópolis (MT); b) Investigar por meio das narrativas dos professores surdos das escolas
de ensino fundamental públicas do município de Rondonópolis (MT) como se deu o processo
formativo desses professores; c) Identificar as estratégias utilizadas pelos professores surdos
bilíngues para superar os desafios no ensino da matemática em sala de aula com alunos surdos,
verificando inclusive se os professores utilizam ferramentas tecnológicas digitais para
condução do ensino da matemática para estudantes surdos.
660
enfrentados enquanto docentes e as estratégias utilizadas no ensino adaptado da matemática
para surdos.
Também faremos observação das aulas dos professores surdos, com o objetivo de
identificar as dificuldades dos estudantes surdos que ainda não reconhecem a LIBRAS coma a
sua primeira língua e aos que a reconhecem em relação ao ensino da matemática. Com base
nessas observações, poderemos pensar em estratégias e recursos adaptados para tornar os
conceitos matemáticos mais acessíveis aos estudantes surdos.
4. Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 51. Ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa?: crenças e preconceitos em torno da língua de
sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
663
PAIXÃO, N. do S. S. Saberes de professores que ensinam matemática para alunos surdos
incluídos numa escola de ouvintes. 2010. 200f. Dissertação (Mestrado em Educação em
Ciências e Matemáticas). Universidade Federal do Pará, Belém, 2010.
QUADROS, R. M.; PERLIN, G.T. T. (Org.). Estudos surdos II. Petrópolis: Arara Azul. 2007.
664
O (NÃO) PROTAGONISMO E A INVISIBILIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Introdução
Neste artigo apresentamos os resultados de pesquisas sobre educação étnico-racial na
educação infantil. O objetivo é compreender melhor este tema de pesquisa e utilizar
conhecimentos já produzidos para reforçar e ampliar o debate existente. “Um levantamento e
uma revisão do conhecimento produzido sobre o tema é um passo indispensável para
desencadear um processo de análise qualitativa dos estudos produzidos nas diferentes áreas do
conhecimento” (Romanowski; Ens, 2006, p. 43).
A questão étnico-racial na educação infantil na perspectiva da construção da identidade
das crianças negras tem sido problematizada nos últimos anos, de acordo com pesquisas
recentes (Mendes, 2016; Souza, 2016; Santiago, 2019). Esta construção identitária da criança
negra, na maioria das vezes, está permeada de significações e sentimentos negativos. É
importante compreender esta situação, para adentrar em uma pesquisa de campo mais assertiva
no cotidiano escolar, observando em que circunstâncias são produzidas tais subjetivações.
665
Considerando a necessidade de acrescentar elementos ao debate, e reconhecendo a
importância do que já foi evidenciado, recorremos à Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD1) e também ao Catálogo de Teses e Dissertações da Capes.
No Brasil, apesar de todo o movimento encabeçado pelos movimentos negros
constituídos, apesar da legislação, que pode ser considerada progressista, a situação para negros
e negras ficou mais complicada com a postura mesquinha do governo Jair Messias Bolsonaro2,
que durante seus quatro anos de mandato tolerou e estimulou toda forma de violência contra os
direitos humanos, por meio de seus discursos e declarações racistas, sexistas e homofóbicas.
[...] vivemos, e não apenas no Brasil, um momento em que posições conservadoras e
retrógradas têm ganhado destaque em declarações e medidas administrativas de
representantes do poder público na direção de coibir, notadamente, políticas de
gênero, de sexualidade, étnico-raciais, entre outras. (Bonin; Ripoll; Wortmann;
Santos, 2020, p. 3)
Com a vitória do presidente Luiz Inácio Lula3 da Silva, as coisas começaram a mudar
rumo a novas propostas de políticas públicas para negros e negras, mas, ainda levará um tempo
para a superação desta fase de retrocesso a que sobrevivemos no período de 2019 a 2022.
Os mecanismos utilizados para opressões racistas na sociedade são reproduzidos no
espaço escolar. Assim sendo, pesquisas sobre a temática étnico-racial são cada vez mais
importantes para evidenciar os danos causados por práticas equivocadas na escola. De acordo
com Candau,
1
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) - integra os sistemas de informação de teses e
dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil, e também estimula o registro e a publicação
em meio eletrônico em parceria com as instituições brasileiras de ensino e pesquisa, possibilita que a comunidade
brasileira de C&T publique e difunda trabalhos produzidos no País e no exterior, dando maior visibilidade à
produção científica nacional. Disponível em: https://bdtd.ibict.br/vufind/.
2
É um militar reformado e político brasileiro. Foi presidente do Brasil de 2019 a 2022, tendo sido eleito pelo
Partido Social Liberal (PSL).
3
Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, é um ex-metalúrgico, ex-sindicalista e político brasileiro.
Filiado ao Partido dos Trabalhadores, é presidente do Brasil pela 3ª vez, desde 1.º de janeiro de 2023. Foi também
presidente da República, de 2003 a 2006 e de 2007 a 2010 com a reeleição.
4
De acordo com Grosfoguel (2008, p. 9) a designação ‘colonialidade’ se refere a ‘situações coloniais’ da
atualidade: opressão/exploração cultural, política, sexual e económica de grupos étnicos/racializados subordinados
por parte de grupos étnico-raciais dominantes, com ou sem a existência de administrações coloniais.
666
Pensando nesta possibilidade de construção de novas práticas educativas, realizamos
este levantamento de dados, que foi importante para orientar nosso estudo de natureza empírica,
com crianças de 3 anos de idade em uma creche no município de Rondonópolis, Mato Grosso.
Nos últimos vinte anos temos registrado um aumento significativo na produção de
conteúdos a respeito das questões étnico-raciais no Brasil, especialmente a partir da Lei
10.639/2003. Contudo, estudos sobre as questões étnico-raciais, questões de gênero e sobre
identidade e diferença com crianças pequenas, podem ser considerados recentes no Brasil. E
até mesmo a Educação Infantil como é concebida hoje, é muito recente do ponto de vista
histórico.
Embora tenhamos, desde o final do século XIX, experiências de educação escolar das
crianças entre zero e seis anos de idade, a expressão “Educação Infantil” somente será
criada para designar essa etapa da educação a partir de 1996. Primeiramente, tivemos
o reconhecimento pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) de que as crianças dessa
faixa etária têm direito à educação em creches e pré-escolas. Em seguida, esse direito
é reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Finalmente,
a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) define que
a educação das crianças entre zero e cinco anos denomina-se Educação Infantil. Essa
faixa etária de abrangência da Educação Infantil foi modificada e o início do Ensino
Fundamental passou a ser aos seis anos (Brasil, 2016, p.61).
A região sudeste despontou com 70% das pesquisas e publicações sobre as questões
étnico-raciais envolvendo crianças pequenas e 2018 foi um ano profícuo nesta área, essas
produções versam sobre diferentes temáticas relacionadas ao assunto, num movimento de
expansão que se acentua a cada ano. E, paradoxalmente temos assistido um aumento dos crimes
de racismo e injúria racial no Brasil e no mundo. Neste contexto de avanços e retrocessos, é
preciso buscar compreender como se processa a manutenção e atualização do racismo no Brasil
desde a primeiríssima infância, na creche.
Os achados de cada investigação são fundamentais para estabelecermos pontos de
convergência entre o que já foi levantado e o que está sendo proposto com a nossa pesquisa. A
maioria das pesquisas catalogadas é de inspiração etnográfica, possivelmente pela natureza do
trabalho, pois a etnografia tem se mostrado bastante produtiva nas pesquisas envolvendo
crianças pequenas. Para melhor conhecer este universo infantil é interessante estar com as
crianças, participar de suas brincadeiras e envolver-se em seus cotidianos, pois a pesquisa
envolvendo crianças tem suas especificidades e estar com elas por um determinado período,
pode ser importante para apreender os sentidos que dão às suas ações. Já com relação às técnicas
utilizadas, nota-se uma tendência à observação participante e a utilização do diário de campo
667
para os registros diretos. Também é comum a entrevista semiestruturada com profissionais
docentes, equipes diretivas e comunidade escolar.
As diversas pesquisas que encontramos sobre a questão étnico-racial no espaço escolar:
ensino fundamental, educação infantil e na creche, de forma particular, apontam para a
existência de racismo (muitas vezes velado) tratamento diferenciado e preterimento para com a
criança negra.
O racismo se infiltra em todos os espaços, ecoando ideias que mutilam as
possibilidades de existência e construindo vidas encarceradas dentro de uma
sobrevivência subalterna. Para a efetivação desse processo, inúmeras ações cotidianas
adensam estereótipos, fixando destinos preestabelecidos para as crianças negras
pequenininhas, as mulheres negras e os homens negros. (Santiago, 2019, p. 87)
Na próxima seção vamos discorrer sobre a legislação para o combate ao racismo e promoção da
igualdade racial no Brasil e mostrar alguns resultados de pesquisas que confirmam a existência de
racismo e tratamento diferenciado para com as crianças negras na creche.
Uma das primeiras pesquisas sobre a temática étnico-racial com crianças foi a de
Gonçalves (1985), orientado pelo professor Carlos Roberto Jamil Cury.
O trabalho de Gonçalves (1985) chama a atenção pela relação que tem com resultados
de pesquisas recentes, mesmo tendo sido realizado há quase quarenta anos, estes elementos
discriminatórios continuam presentes na escola. Ou seja, a situação é muito grave e precisa ser
tratada com seriedade. Especialmente se considerarmos que neste ínterim de trinta e oito anos
tivemos a promulgação da constituição Federal de 1988, a instituição da Lei 10.639/2003, que
é específica para a escola e ainda a publicação da Lei 12.288/2010, que institui o Estatuto5 da
Igualdade Racial, dentre tantas outras destinadas a garantir à população negra a efetivação da
5
O Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de
1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003
668
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos, o combate à discriminação e às
demais formas de intolerância étnica.
De acordo com o Estatuto da Igualdade Racial, artigo segundo:
O silêncio da criança diante dos outros demonstra a sua fragilidade em situação tão
humilhante, imposta pelo amigo. Sinaliza o quanto ela não domina seu direito de
defesa. E expressa, também, a sua falta de confiança nos adultos a sua volta para
resolverem o problema, visto que não foram procurados para defendê-lo (Cavalleiro,
2011, p. 59).
6
Esses cuidados não podem ser compreendidos como algo dissociado do ato de educar. Educar cuidando inclui
acolher, garantir a segurança, mas também alimentar a curiosidade, a ludicidade e a expressividade infantis. Educar
de modo indissociado do cuidar é dar condições para as crianças explorarem o ambiente de diferentes maneiras
[...] e construírem sentidos pessoais e significados coletivos, à medida que vão se constituindo como sujeitos e se
apropriando de um modo singular das formas culturais de agir, sentir e pensar. (Brasil, 2013, p. 89).
670
Essas sutilezas de tratamentos diferenciados não passam despercebidas. Crianças
brancas são elogiadas pelo que são, e crianças negras, via de regra, não recebem elogios para
elas mesmas, quando muito, suas atividades são ressaltadas como bonitas, caprichosas, ou bem
elaboradas. Essa situação é sutil, mas não deixa de ser prejudicial para crianças negras, em fase
de desenvolvimento. Neste contexto é improvável que construa uma identidade positiva, que
consiga se sentir segura e amada. Ao passo que a criança branca é autorizada, reiteradamente a
cristalizar um sentimento de poder, de superioridade.
Neste contexto, as crianças brancas também são prejudicadas por crescerem acreditando
numa falsa superioridade com relação às pessoas negras.
Com relação às percepções das características físicas, Amaral (2013) que pesquisou os
processos de construção da identidade étnico-racial de crianças negras e brancas de 3 a 5 anos
em um Centro Municipal de Educação Infantil em Curitiba, afirma que:
[...] existe uma predileção, por parte de adultos e crianças, pelo padrão que interpreto
com o conceito de "estética ariana", ou seja, padrão nórdico com, além de pele clara,
cabelos loiros e olhos azuis; as crianças negras expressam desconforto em relação ao
seu pertencimento étnico-racial, principalmente quanto ao tom da pele e a estrutura
dos cabelos (Amaral, 2013, p.10).
Na nossa concepção, essa evidente preferência das crianças pelos fenótipos que mais se
aproximam do branco europeu e que se afastam dos negros, pode não está relacionada
diretamente ao aspecto físico de negros e brancos. Mas, à representação do que é ser negro em
um país que deprecia a aparência e a cultura afrodescendente há séculos. Neste sentido, Rocha
(2015, p. 7) ratifica:
Conclui-se que os posicionamentos das crianças variaram entre a identificação
positiva com a cultura indígena e européia em detrimento da cultura negra/africana,
reproduzindo interpretativamente os paradoxos percebidos no modo como a cultura
africana é transmitida na escola e na sociedade brasileira.
671
A falta de representatividade, de imagens positivas de crianças negras, é uma realidade
nas escolas brasileiras. Essa invisibilização da cultura negra/africana é percebida na decoração,
nos apelos imagéticos e nos vários discursos que privilegiam as crianças brancas, com raras
exceções.
Como assinala Mendes (2016, p.9), “[...] a identificação racial negra apresentada pelas
crianças, em algumas situações, estava carregada de uma significação negativa e permeada por
sentimentos negativos, como angústia, agressividade e constrangimento”. Esta questão do
significado conferido ao “ser branco” pela sociedade mexe com as estruturas da pessoa negra e
atinge até mesmo a criança de pouca idade, tocando profundamente sua subjetividade.
As concepções e os discursos racistas começam muito cedo e são mais eficientes entre
as crianças. Este enredo cultural e as representações dominantes que desvalorizam
características negras e supervalorizam as brancas possibilitam construir
posicionamento de interiorização e insegurança entre as crianças negras (Souza, 2016,
p. 219).
Considerações finais
672
O racismo que as pessoas negras vivenciam na sociedade brasileira reverbera também
na educação infantil. Ora de forma velada, como é próprio do racismo a brasileira, ora de forma
escancarada, como acontece reiteradamente em espaços públicos ou privados.
Desenvolver um estudo exploratório sobre a educação étnico-racial com crianças
pequenas foi importante para ventilar temas produzidos nesta área, e para verificar quais são as
demandas destes estudos, quais são as possibilidades de novas pesquisas, em que frentes serão
necessários novos olhares e investimentos.
Os resultados da pesquisa mostram que racismo, preconceito, tratamento diferenciado e
falta de representatividade ainda é uma realidade em creches brasileiras. Assim, deram pistas
importantes para a elaboração e realização de uma nova proposta fundamentada nas análises
das relações estabelecidas entre/com as crianças.
Referências
BASTOS, Luciete de Cassia Souza Lima. EDUCAÇÃO: culturas das infâncias e identidades
em construção no quilombo Sambaíba, Caetité-BA/Brasil. Tese (Doutorado) Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Educação. Belo
Horizonte, MG, 2018.
BONIN, Iara Tatiana; RIPOLL, Daniela; WORTMANN, Maria Lúcia Castagna e SANTOS,
Luis Henrique Sacchi dos. Por Que Estudos Culturais? Educação e Realidade, v. 45, n. 2, p.
1-22, 2020.
BRASIL, Estatuto da Igualdade Racial. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, 2010.
BRASIL, Educação infantil e práticas promotoras de igualdade racial, São Paulo: Centro
de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT: Instituto Avisa lá, 2012.
673
BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica,
Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. 542p.
BRASIL. Ser docente na educação infantil: entre o ensinar e o aprender, Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica. - 1.ed. - Brasília: MEC, 2016.
ROCHA, Nara Maria Forte Diogo. Relações étnico-raciais e educação infantil: dizeres de
crianças sobre cultura e história africana e afro-brasileira na escola. 2015. 324f. Tese
(Doutorado) Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-graduação em Educação
Brasileira, Fortaleza (CE), 2015.
SOUZA, Edmacy Quirina de. Crianças negras em escolas de “alma branca”: um estudo
sobre a diferença étnico-racial na educação infantil. 2016. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2016. Disponível em:
https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/7873. Acesso: 13/08/2022.
675
O TRABALHO DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: DAS DIMENSÕES DE
ATUAÇÃO AO BEM-ESTAR/MAL-ESTAR
Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco, sobre o bem-estar/mal-estar do
coordenador pedagógico, com o objetivo de relacionar as dimensões de atuação do coordenador
pedagógico com os elementos do trabalho felicitário que possibilitam o bem-estar/mal-estar.
Utilizamos a pesquisa bibliográfica, pautada na teoria de Placco, Almeida e Souza (2015), que
segundo as dimensões articuladora, formadora e transformadora se dão quando promovem
mediações pedagógicas; e na teoria de Rebolo (2012) sobre a possiblidade de bem-estar/mal-
estar nas práticas diárias desenvolvidas. O artigo divide-se em duas sessões: a primeira
apresenta conceitos sobre o trabalho e os desafios do coordenador pedagógico como articulador,
formador e transformador; e a segunda sessão relaciona essas dimensões de atuação com os
componentes do trabalho felicitário que possibilitam bem-estar/mal-estar docente. O
coordenador pedagógico é um profissional que exerce múltiplas tarefas e enfrenta desafios
diversos ao exercer suas funções, pois suas ações perpassam toda a comunidade escolar, tendo
que coordenar as demandas de professores, alunos, gestão, famílias e sistema de ensino. A
relevância dessa proposta em relacionar as dimensões do trabalho do coordenador com as
dimensões do bem-estar/mal-estar deve-se a importância de seu papel e ao fato de que lhe são
exigidas inúmeras funções no cotidiano escolar.
INTRODUÇÃO
O coordenador pedagógico exerce/pode exercer a função articuladora dos processos
educativos, além de ser chamado a realizar uma função formadora de professores e
transformadora do universo escolar, assim como, crescimento da comunidade escolar como um
todo (Placco; Almeida & Souza, 2015).
No entanto, acrescentamos que essas dimensões se complementam e inter-relacionam,
visto que ele é o profissional que dialoga com toda a comunidade escolar, articula com os
professores, a gestão, o administrativo, alunos e famílias, e deve ter uma visão ampla na
observação das relações pedagógicas e interpessoais que se desenvolvem na sala de aula e na
instituição, pois lhe cabe, dentre outras tarefas, a organização do trabalho pedagógico, além das
funções administrativas de assessoramento da direção com demandas burocráticas e sociais.
676
Ao articular, o coordenador desenvolve a ação educativa de planejar e organizar o
funcionamento da instituição com todos os participantes, buscando obter como resultado um
ensino e uma aprendizagem satisfatórias; ao formar, ele orienta, planeja, estuda e organiza com
os professores, pois sua responsabilidade está centrada na formação continuada, por meio da
mudança de atitudes, promovendo a reflexão e a vivência nas relações escolares; ao
transformar, ele depende das articulações e formações realizadas e deve estar atento,
promovendo reflexões e mudanças nas práticas pedagógicas, com o objetivo de transformar o
ambiente escolar. Dessa forma, acontece a intersecção e entrelaçamento das dimensões.
Visando atender ao objetivo de relacionar as dimensões de atuação do coordenador
pedagógico com os elementos do trabalho felicitário que possibilitam o bem-estar/mal-estar,
este artigo foi dividido em duas sessões: a primeira apresenta conceitos sobre o trabalho e os
desafios do coordenador pedagógico como articulador, como formador e como transformador;
e a segunda relaciona o trabalho do coordenador pedagógico com as dimensões do bem-
estar/mal-estar docente.
680
e condicionantes produzidos pelo entorno, já que se move em contextos sociais” (Imbernón,
2011, p. 63).
No entanto, entendemos que a formação deve ser acompanhada de outros componentes,
como infraestrutura adequada, valorização social do trabalho do professor, incentivo financeiro
etc. Sabemos que “o coordenador tem muita dificuldade em enfrentar o desafio da formação
continuada” (Placco; Almeida; Souza, 2015, p. 17), seja por dificuldades pessoais, seja por
falhas de sua formação ou por suas limitações como líder do coletivo dos professores.
Além disso, a maior parte das formações é planejada, organizada e aplicada pela
Secretaria de Educação e a participação do coordenador pedagógico se resume ao repasse e a
discussões relacionadas a temas e questões da docência e da prática dos professores, para que
depois sejam repassados aos professores na escola, agindo como multiplicador, pois “faz-se
necessária a implantação de políticas públicas relativas a uma formação específica para o
coordenador, na qual, ao lado de estudos teóricos que alicercem suas concepções educacionais
e fundamentem suas práticas e as dos professores (Placco; Almeida; Souza, 2015, p. 23-24).
Segundo Jesus (2007, p. 40) “a formação deve ir ao encontro das necessidades dos
professores, no sentido de tornar a formação mais participativa e de contribuir para a sua
aprendizagem e desenvolvimento”. Segundo essa perspectiva, ela precisa contemplar realidades
específicas de suas vivências para promover o enfrentamento dos desafios que surgem em sua
rotina com mais segurança. O fortalecimento de sua formação será o alicerce para sucesso no
desempenho de suas funções que são direcionadas para os estudantes, pais, professores ou
gestores.
Para Rebolo (2012, p. 47/48), a formação continuada é um fator que deve ser
considerado como elemento essencial para obtenção de bem-estar, pois proporciona aquisição
de novos conhecimentos, possibilita mudanças nas práticas, gerando sensação de segurança e
controle sobre o trabalho e “ainda se revela imprescindível se for concebida segundo uma
perspectiva relacional, colocando os professores em situação de trabalho de equipe num clima
de autenticidade e cooperação” (Jesus, 2007, p. 52).
Rebolo (2012, p. 24) defende a ideia de que o bem-estar docente “é uma possibilidade
existente na relação do professor com o seu trabalho, que pode ou não se concretizar”,
dependendo de muitas variáveis. É um processo dinâmico em duas dimensões: a objetiva, que
682
corresponde às características do trabalho em si e às condições oferecidas para a sua realização,
e a subjetiva, relacionada às características pessoais do professor e que diz respeito tanto às
competências e habilidades quanto a desejos, crenças, valores, formação e projeto de vida.
Na intersecção dessas duas dimensões, com resultados positivos teremos o bem-estar;
se forem negativos, teremos “o mal-estar, que é um estado de desconforto, resultante de
insatisfação e conflitos, que desencadeia estratégias de enfrentamento que visam eliminar ou
minimizar e caminhar para o bem-estar” (Rebolo, 2012, p. 24).
Os quatro componentes interdependentes e inter-relacionados que constituem a
totalidade do trabalho, apontados em muitos estudos sobre o bem-estar, são: a) a atividade
laboral em si; b) as relações interpessoais; c) as condições sociais e econômicas; e d) as
condições físicas e de infraestrutura do ambiente escolar.
No entanto, a estudiosa ressalta que apenas a presença ou ausência desses elementos não
são determinantes, pois o bem-estar só ocorre quando esses elementos forem avaliados em
conjunto de forma satisfatória, positiva e não geradora de conflitos, considerando também as
avaliações cognitivas e afetivas que cada trabalhador faz de si e do trabalho que realiza, pois
Exercer uma atividade composta por diferentes ações e que exige muitas habilidades,
que não permite a sensação de rotina e repetição, tem potencialidades para proporcionar bem-
estar. Segundo Rebolo (2012), quanto maior o desafio e quanto mais habilidades forem exigidas
para realização das tarefas, maior é a satisfação. Porém, deve haver um equilíbrio entre as
exigências e o enfrentamento dos desafios, sendo avaliado no final da ação como compensador,
visto que a sensação ou a possibilidade de controlar a situação é aspecto importante do bem-
estar. Rebolo (2012) relata que a sensação de controle da situação é proporcionada também pela
autonomia.
No caso dos coordenadores pedagógicos, isso corresponde a administrar as situações,
atingindo seus objetivos, tendo o controle do comportamento e domínio do que fazem, cm
coerência entre o planejamento e a execução, sendo capazes de resolver situações inesperadas,
possibilitando a sensação de bem-estar. Quando o trabalho é realizado com alto grau de
concentração, em que esquecemos dos problemas não relacionados ao trabalho, numa
suspensão temporária dos pensamentos, ocorre o envolvimento profundo, elemento que pode
possibilitar a sensação de satisfação, já que o tempo parecerá mais rápido e diminuirá a sensação
de ansiedade pelo término da tarefa (Rebolo, 2012, p. 37).
b) As relações interpessoais - o trabalho e suas relações é “modo como as relações
interpessoais acontecem na instituição escolar e os elementos que intervêm para torná-las
satisfatórias ou não” (Rebolo, 2012, p. 40) são essenciais para o trabalho do coordenador
pedagógico, pois são elementos relacionados “à liberdade de expressão, à repercussão e
aceitação das ideias dadas, ao trabalho coletivo”, ao reconhecimento/feedback do trabalho
concretizado, ao apoio socioemocional e à participação nas decisões sobre
metas/objetivos/estratégias a serem desenvolvidos (REBOLO, 2012, p. 40).
Elas são responsáveis pela satisfação das necessidades, desejos e expectativas, por
proporcionarem apoio social e emocional na realização das tarefas diárias e alcance de metas,
além de promover um sentimento de aceitação e pertencimento ao grupo, já que as interações
no ambiente escolar acontecem no coletivo e se concretizam por meio dele. A autora esclarece
684
que quando são positivas, são determinantes fundamentais do sucesso do ensino e do bem-estar
do professor, porém, quando são negativas geram conflitos, frustrações e prejudicam o trabalho.
Para que as relações gerem bem-estar é preciso que priorizem a sinceridade, que
permitam a expressão de pontos de vistas divergentes, que estimulem a solidariedade
e o apoio mútuo, que valorizem o trabalho realizado e que estejam pautadas em
dinâmicas que as tornem positivas e não conflituosas (Rebolo, 2012, p. 41).
685
Segundo pesquisas, o salário é considerado um fator altamente insatisfatório (Rebolo,
2012), mas é minimizado quando o docente considera resultados satisfatórios em elementos
como sucesso, prazer em suas práticas e estabilidade, sendo esta última um elemento positivo,
em contraponto.
Contudo, a estabilidade não se torna elemento de grande relevância, pois Rebolo (2012)
relata que docentes exoneraram ou abandonaram a profissão, mesmo com estabilidade no
trabalho, por não conseguirem diminuir o mal-estar causado pela função que exercem. Os
cursos, especializações e formações proporcionam novos conhecimentos, percepção de
mudanças bem-sucedidas, como aquisição de conhecimentos e autorrealização, sendo
consideradas importantes fontes de bem-estar.
Porém, Jesus (2007, p. 9) destaca que “embora a formação possa prestar uma
contribuição para o bem-estar docente, é necessário que o contexto social e as condições de
trabalho dos professores também se alterem, para que possam concretizar a sua motivação e
competência profissional”. Assim, os professores devem assumir a responsabilidade pelo seu
próprio bem-estar e realização profissional. A carga horária excessiva e a falta de tempo para
lazer e para a família causada pelas grandes demandas, novas atribuições, menor valorização
social do trabalho, poucos prazos e cobranças, são consideradas consequências negativas. Sobre
isso, Jesus (2007, p. 12) alerta que algumas situações têm a ver com o estilo de vida atual, como
“o ritmo de vida acelerado, quase alucinante, em que se tem que responder rapidamente a
constantes novas solicitações; ambientes altamente competitivos; a instabilidade profissional;
e o sentimento de falta de controle ou incerteza face aos resultados pretendidos”. Portanto, a
seguir apresentamos a teoria de mais um componente do trabalho docente que será analisado
como elemento de satisfação e/ou insatisfação para verificar o bem-estar/mal-estar dos
coordenadores pedagógicos.
d) As condições físicas e de infraestrutura do ambiente escolar dizem respeito às
condições materiais e ambientais em que se realiza o trabalho, considerando as adequações das
instalações, condições gerais, como limpeza e o conforto do ambiente, a segurança, os
equipamentos, instrumentos e materiais disponíveis. A escola deve oferecer materiais básicos
para desenvolvimento do ensino, conforto, ambiente bem conservado, com iluminação, higiene,
sem interferências sonoras, diminuindo o desgaste físico e mental para a realização de um
ensino satisfatório. Assim, possibilitará o bem-estar. Ambientes com escassez, ausência ou
insuficiência de recursos materiais e ambientais dificultam e limitam o desenvolvimento do
686
trabalho de maneira satisfatória, tornando o trabalho difícil e improdutivo, caracterizando a
insatisfação e a desvalorização do trabalho docente. Rebolo (2012) destaca que
[...] as condições precárias afetam tanto a saúde física quanto mental dos trabalhadores
em geral (...). Quanto aos professores, alguns pesquisadores constataram que essas
condições precárias têm alguma influência sobre o mal-estar docente. O sofrimento
psíquico, abandono da profissão, a falta de comprometimento com o trabalho e o
absenteísmo dos professores (Rebolo, 2012, p. 50).
Vale ressaltar que essa autora descreve que a insatisfação com esses elementos é
minimizada quando ocorre a satisfação com os componentes das relações interpessoais e os
componentes da atividade laboral, pois “mesmo quando as condições de infraestrutura e os
recursos materiais são deficitários, mas se tem o reconhecimento do trabalho realizado, o
sentimento de aceitação e pertencimento ao grupo, de que está realizando um trabalho útil, há
a possibilidade de ser feliz no trabalho” (Rebolo, 2012, p. 54).
Portanto, apresentamos os elementos do trabalho docente que podem contribuir de
forma positiva e/ou negativa promovendo o bem-estar e/ou o mal-estar no trabalho docente do
coordenador pedagógico. No entanto, o profissional que exerce a função vive um sentimento
de frustração, de impotência e indignação em seu trabalho diário, além das múltiplas exigências
e da sobreposição de ações, em que atende a demandas burocráticas e sociais que fogem às
expectativas de suas metas e ações. Ser coordenador pedagógico transformador é característica
desenvolvida a partir de sua posição de elemento articulador e formador do processo
ensino/aprendizagem e dos resultados obtidos com essa articulação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA
JESUS, Saul Neves de. Professores sem stress: realização profissional e bem-estar docente.
Porto Alegre: Mediação, 2007.
LIMA, Maria Angélica Pedrosa de; SANTOS, Diego Gomes do; SILVA, Thamine Araújo. O
coordenador pedagógico e a construção de sua identidade: desafios e realidades. IV EPEPE,
Caruaru, setembro de 2012.
687
OLIVEIRA, Juscilene da Silva; GUIMARÃES, Márcia Campos Moraes. O papel do
coordenador pedagógico no cotidiano escolar. Revista Científica do Centro de Ensino
Superior Almeida Rodrigues, ano I, edição I, p. 95-103, jan. 2013.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. O coordenador
pedagógico: função é estratégica para mediação entre diversas instâncias educacionais. Revista
Educação, set. 2011.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; SOUZA, Vera
Lúcia Trevisan de. Retrato do coordenador pedagógico brasileiro: nuanças das funções
articuladoras e transformadoras. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA,
Laurinda Ramalho de. (Orgs.). O coordenador pedagógico no espaço escolar: articulador,
formador e transformador. 1. ed. São Paulo: Loyola, 2015, v. 1, p. 9-24.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza; ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; SOUZA, Vera
Lúcia Trevisan. Relatório O coordenador pedagógico e a formação de professores:
intenções, tensões e contradições. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 2011
688
O TRABALHO DOCENTE DOS PROFESSORES DE MÚSICA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: O QUE DIZ A PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA ÁREA DE
EDUCAÇÃO MUSICAL
Resumo: Este artigo trata de uma pesquisa do tipo “estado do conhecimento” sobre o tema
condições de trabalho docente nas escolas de educação básica, na produção da Revista da Abem,
Revista Anpom e banco de teses da Capes no período de 2010 a 2020. Foram encontrados 536
trabalhos e utilizou-se como critério de seleção a leitura dos descritores/análise dos títulos e
resumos, a partir daí, foram selecionados 15 trabalhos, sendo sete teses e oito artigos. Não foi
encontrado nenhum trabalho abordando o tema Bem-estar e mal-estar docente relacionado ao
professor de música que atua na educação básica. Pela pesquisa realizada, pode-se inferir que
o tema da tese ainda precisa ser mais explorado pela área para que possa contribuir com o
trabalho do professor de música e seu bem-estar.
Palavras chave: Estado do conhecimento; Pesquisa em música; Música na Educação Básica.
INTRODUÇÃO
689
chance a outros investigadores de verificar o que ainda não foi feito ou fazer algo que tenha
sido pouco estudado.”
Segundo Morosini, Santos e Bittencourt (2021, p. 21),
Metodologia utilizada
690
do tipo estado do conhecimento. Trouxemos estes trabalhos pele relevância que têm, em já ter
apontado o mapeamento, mostrando lacunas na pesquisa em Música.
Vale destacar que nenhum dos trabalhos selecionados está relacionado ao bem-estar
ou mal-estar docente e, ao trabalho docente a partir do referencial teórico desta pesquisa, e que
não foi encontrado nenhum que trata do trabalho docente (bem-estar ou mal-estar) relacionado
ao professor de música na educação básica.
Sabe-se que há uma diversidade de temas de pesquisa, foco de análise, opções teóricas
e metodológicas, por esta razão, optou-se por descartar os trabalhos que não atendiam pelo
menos dois dos descritores mencionados acima. O que todos os trabalhos selecionados têm em
comum é o professor de música na educação básica.
Abaixo, segue relação de trabalhos selecionados, onde nota-se pelo título, as temáticas
desenvolvidas, as quais têm como objeto de estudo, o professor de música que está na educação
básica. São trabalhos que mesmo a partir de recortes e opções teóricas e metodológicas
diferentes, contribuem para que se compreenda a docência de música como profissão.
691
No banco de teses da capes, foram selecionadas sete teses, que traziam temáticas
relacionadas ao Desenvolvimento profissional de professores de música, relação professor e
escola, ensino de música e educação básica, narrativas autobiográficas, identidade profissional,
formação inicial e continuada. Nenhuma tese está relacionada ao bem-estar ou mal-estar
docente do professor de música na perspectiva teórica desta pesquisa. Ainda assim
selecionamos duas que pela temática mais se aproximam deste trabalho.
Cereser (2011) e Neves (2017) abordam em suas pesquisas a “autoeficácia”, teoria
elaborada por Albert Bandura (1997).
692
que ser músico e ser professor são dois aspectos que se somam na identidade profissional do
professor de Música; que o contexto tanto específico da sala de aula quanto mais amplo – da
cidade ou do país em que os profissionais atuam – tem forte influência na formação,
consolidação ou crise da identidade do professor de Música; e que o reconhecimento e valor
atribuídos pela sociedade abrirão ou fecharão as possibilidades e potencialidades do trabalho
musical na escola de Educação Básica.
Para Gaulke (2017), a pesquisa teve como objetivo geral compreender como ocorre o
processo de desenvolvimento profissional do professor de música a partir da sua relação com a
escola de educação básica
Todas as pesquisas acima têm no centro do debate a figura do professor enquanto
trabalhador, mas nenhuma está relacionada ao tema bem-estar e mal-estar docente.
Na revista da ABEM foram encontrados 233 artigos publicados entre 2010 e 2020.
Aplicando os mesmos critérios usados na revista Opus da ANPPOM, chegou-se a um número
de cinco artigos selecionados. Pela busca inicial e já sabendo que não iríamos encontrar
trabalhos relacionados ao bem-estar e mal-estar docente, selecionamos os que tratavam do
professor de música na educação básica, e que focavam o trabalho, a figura do professor
enquanto profissional. Não nos interessava pesquisas sobre a prática pedagógica, questões de
ensino/aprendizagem em música, performances (questões técnicas) e outros.
Importante destacar que alguns artigos publicados na revista da ABEM e ANPPOM
são frutos de teses encontradas no banco de teses da capes, o que é comum, uma vez que são
periódicos da área de educação musical e voltados para a área.
Alguns já foram citados anteriormente na relação de teses encontradas, destacamos
aqui o trabalho de Costa e Ribeiro (2020) que investigaram os percursos de inserção profissional
dos egressos do curso de licenciatura em Música da UERN. Os pesquisadores constataram que
três percursos de inserção foram os mais comuns entre os egressos da licenciatura em Música
da UERN: o percurso de inserção precoce em um emprego instável (44%); o percurso de
inserção concomitante em um emprego instável (50,8%); e o percurso de inserção demorada de
licenciados em um emprego estável (25,8%).
O estudo de Cernev e Hentschke (2012) relata as percepções psicológicas dos
professores de música no contexto da educação básica à luz da teoria da autodeterminação.
Uma das mais importantes proposições dos criadores e pesquisadores desse referencial teórico
693
incide sobre como os fatores ambientais podem facilitar ou prejudicar o sentimento de
autodeterminação, além de contribuir para qualidade do desempenho.
Os demais trabalhos como Gaulke (2019) e Abreu (2015) abordam o desenvolvimento
profissional, narrativas de profissionalização e atuação na Educação Básica.
Na revista Opus da ANPPOM foram encontrados 290 artigos publicados entre 2010 e
2020. Como critério de seleção num primeiro momento, analisou-se apenas o título,
selecionando todos que fizessem menção ao professor de música na educação básica e, num
segundo momento, foram analisados os resumos dos trabalhos selecionados e as palavras-
chave. Após esta filtragem foram selecionados três artigos.
No artigo “Sobre a docência de música na educação básica: um estudo sobre as
condições de trabalho e a realização profissional de professores(as) de música”, as autoras Del-
Ben, Kandler et al. apresentam os resultados de uma pesquisa que teve como objetivo examinar
as condições de trabalho enfrentadas por professores(as) de música da educação básica e como
essas condições podem afetar sua realização com o trabalho, a pesquisa foi realizada com vinte
professores (as) de música de escolas de educação básica de Porto Alegre (RS).
As autoras apontam que as condições de trabalho dos docentes de música na educação
básica é uma temática que tem recebido pouca atenção dos pesquisadores, mesmo por aqueles
que estudam a profissão docente e que esta temática tem relação inclusive com a atratividade
pela carreira docente.
Elas concluíram que,
694
Pelo levantamento realizado pode-se inferir que a temática do bem-estar e mal-estar
docente relacionada ao professor de música em atuação na educação básica não se encontra na
produção acadêmica pesquisada. Percebeu-se que o professor de música enquanto trabalhador
na escola de educação básica é pouco pesquisado e quando o é a pesquisa é restrita à um número
pequeno de docentes. Portanto realizar esta pesquisa em âmbito nacional levantará questões
relevantes sobre o trabalho do professor de música.
Macedo (2015) constatou através de sua tese esta carência por pesquisas que envolvam
os professores e seu trabalho; para ela “Isso sugere que a literatura trata da docência sem o
docente, principalmente, ao considerar a quantidade de fundamentos e princípios orientadores
que atravessa a produção analisada”.
Em artigo publicado na Revista da ABEM, (Associação Brasileira de Educadores
Musicais), resultado de tese de doutorado, Pereira (2019) faz uma meta-análise de 300 teses
que abordam temas diretamente relacionados à educação musical, de 1989 até 2017. Como
resultados, ele apresentou um mapeamento descritivo de categorias, como gênero, evolução do
índice de produção, áreas de produção, universidades, contexto educativo, subtemáticas,
didáticas da música, e ainda as linhas investigativas da área que configuram os temas de
interesse da pesquisa em educação musical no Brasil.
Segundo o pesquisador, a Linha Investigativa mais pesquisada no contexto da
Educação Musical no Brasil foi a linha ‘09 – Formação de professores e Associações de Classe’.
Contamos 48 teses que abordam diretamente a temática sobre formação e/ou prática
de professores, cujo tema central é o professor. Das quais, 30 abordam a prática
pedagógica, 18 a formação de professores e 8 abordam a temática da
profissionalização (Pereira, 2019, p.277).
A maioria das pesquisas nesta temática trata formação e prática com base em uma
discussão que envolve a estrutura e o funcionamento das instituições escolares, denotando
assim uma certa preocupação com o contexto social/institucional no qual atua o professor. A
segunda categoria mais identificada foi a de classe social, ou seja, são teses que tem como foco
a classe de professor, suas peculiaridades, características ou ainda uma busca por valorização e
defesa da classe de professores de música. Um terceiro grupo é mais biográfico, tratando de
personagens históricos que atuam com ensino de música em determinados contextos histórico-
culturais.
Após estas análises ele verificou que:
695
[...] o foco da maioria dos estudos de doutoramento em educação musical no Brasil
está sobre a estrutura e o funcionamento de organizações escolares e ainda sobre
processos educativos, projetos e programas de ações educativo-musicais em vários
contextos, mas principalmente no contexto do ensino específico de música (ensino de
instrumento ou canto), cuja temática é de maior interesse do que a temática do ensino
de música no contexto da educação básica. Vale ressaltar que, entre as didáticas da
área, as abordagens contextualistas e multiculturalistas compareceram na maioria das
teses, além das abordagens sobre diferentes metodologias de ensino de música, e
ainda, em menor número, sobre cognição (Pereira, 2019, p. 126).
Pereira (2019, p. 365) ainda aponta que “[...] a pesquisa sobre ensino de música na
escola de educação básica se apresenta tímida, com poucas pesquisas [...]” e ainda propõe a
“Ampliação da investigação sobre Educação Musical Escolar envolvendo os professores que
atuam neste contexto”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
696
ABREU, Delmary Vasconcelos. Narrativas de profissionalização docente em música: uma
epistemologia política na perspectiva da Teoria Ator-Rede. Revista da Abem, v.2, n.34, 125-
137, jan.jun 2015
CERESER, Cristina Mie Ito. As crenças de autoeficácia dos professores de música. 2011.
Tese (Doutorado em Música), Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Instituto de Artes, Porto Alegre, 2011.
DEL-BEN, Luciana et al. Sobre a docência de música na educação básica: um estudo sobre as
condições de trabalho e a realização profissional de professores(as) de música. Opus, v. 25, n.
2, p. 144-173, maio/ago. 2019.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MACEDO, Vanilda Ferreira leite de. Imagens da docência de música na educação básica:
uma análise de textos da Revista da Abem (1992-2013). 2015, 180f.
697
MOROSINI, Marília; KOHLS-SANTOS, Pricila; BITTENCOURT, Zoraia. Estado do
Conhecimento: teoria e prática. Curitiba: Editora CRV, 2021
698
OS DESAFIOS DOS ALUNOS INDÍGENAS DO IFMA CAMPUS BARRA DO
CORDA DURANTE O ENSINO REMOTO NO CONTEXTO DA PANDEMIA
Luciana Helena da Silva (IFMA)
helena@ifma.edu.br
Resumo: A intenção deste artigo é fazer uma abordagem sobre as dificuldades enfrentadas
pelos estudantes indígenas da etnia Canela do IFMA Campus Barra do Corda durante o período
da pandemia de Covid-19, quando o ensino remoto se tornou a modalidade escolhida pela
instituição. O objetivo do estudo é analisar o impacto dessa transição no desempenho e na
permanência desses estudantes. Para tanto, foram utilizados relatórios institucionais de
acompanhamento dos estudantes indígenas referentes ao ano de 2021. A metodologia envolveu
a coleta de dados por meio de documentos oficiais disponíveis na instituição. As análises
revelaram que os estudantes Canelas enfrentaram múltiplas dificuldades, incluindo a
instabilidade com a conexão à internet, as barreiras linguísticas e da formação básica em
componentes curriculares como português e matemática. Mesmo com auxílios educacionais, a
evasão no ensino remoto foi significativa influenciando no desempenho acadêmico
insatisfatório. Tais discussões evidenciam que há a necessidade de consideram as
particularidades dos estudantes indígenas, visto que a inclusão vai além da conectividade
digital. A falta de estratégias específicas para grupos como os Canelas ressalta a importância
de abordagens que estejam atreladas às questões interculturais para promover a permanência e
o sucesso acadêmico desses estudantes, tanto no ensino remoto quanto no ensino presencial.
699
O ingresso dos povos Canelas no IFMA Campus Barra do Corda em meio à pandemia
evidenciou os desafios no processo de inclusão e promoção de uma educação integrada
intercultural para esses povos. Mesmo o IFMA tendo como um de seus preceitos a educação
universal e inclusiva, a prática mostrou-se bem mais distante desse ideal.
O presente artigo abordará as dificuldades com o ensino remoto enfrentadas pelos
estudantes Canelas durante a pandemia de Covid-19. As discussões terão por base a pesquisa
documental cuja análise aconteceu utilizando relatórios institucionais de acompanhamento dos
estudantes indígenas no ano de 2021, ano em que a pandemia se agravou no Brasil.
Entre as Etnias Guajajaras e Canelas há significativas diferenças quanto ao processo de
inclusão social, se refletindo inclusive no acesso à educação formal e de qualidade.
Regionalmente, os povos Guajajaras estão mais próximos geograficamente das áreas urbanas.
Também, pela característica da sua matriz linguística, têm maior domínio do idioma oficial, o
Português Brasileiro. Diferentes dos Canelas, que vivem de maneira mais isolada, com menor
acesso às estruturas urbanas, com pouco domínio do idioma oficial. Até a década de 1940, os
povos Canelas quase não mantinham contato com os não índios. Atualmente, as suas relações
se ampliaram, mas não ao ponto de promover uma verdadeira inclusão social, com respeito à
diversidade cultural e histórica desses povos.
700
Enquanto Instituição Federal, possui como parte do programa de permanência e êxito
um conjunto de auxílios destinados aos estudantes, com foco naqueles em condições de
vulnerabilidade, conforme define a Resolução Nº 147/2022, que estabelece em seu Cap. I,
Num primeiro momento acreditou-se ser o ensino remoto a melhor solução, visto que
as questões de conectividades estavam “garantidas” pelos auxílios inclusão digital. Mas a
prática mostrou-se contrária a tais convicções. O ensino remoto, na verdade, inclui e exclui.
Inclui quem tem os meios para a vivência digital e exclui os desprovidos dos meios para ampla
“navegação” em rede. E os estudantes Canelas, numa quase hierarquia da exclusão, esteve na
base desse processo. No momento em que houve a migração para o ensino remoto, as
desigualdades se ampliaram entre quem tinha dados móveis suficientes e quem não tinha. Entre
quem tinha habilidades digitais e quem não.
702
Dessa forma, os dados aqui apresentados são derivados das fichas acadêmicas de
acompanhamento discente, disponíveis no Sistema Unificado da Administração Pública –
SUAP, também do questionário de acompanhamento dos estudantes indígenas aplicado pelo
Departamento de Ensino, as fichas de acompanhamento dos auxílios estudantis geradas pela
CAE e dos relatórios feitos pela Comissão de Combate à Evasão.
Em razão da situação de vulnerabilidade, todos os estudantes indígenas foram
contemplado com auxílios, sendo eles o Auxílio Inclusão Digital: ajuda de custo para aquisição
de dados móveis. Auxílio Inclusão Digital – tablet: ajuda de custo pago em uma única parcela
para compra de tablet. Auxílio Moradia: valor do aluguel do imóvel pago durante a vigência do
contrato. Bolsa estudo: auxílio mensal para custeio dos estudos. Apesar dos auxílios, os
estudantes, em alguns momentos, no decorrer da Pandemia, precisaram de doações para
permanência na cidade. É importante destacar que alguns estudantes optaram em permanecer
durante a quarentena na cidade, pela possibilidade de fazer uso das estruturas do Campus, como
computadores e biblioteca. Eles também receberam um auxílio extra para instalação de banda
larga na aldeia e nas residências alugadas.
Mesmo com a possibilidade de uso das estruturas do Campus, em razão da intensificação
dos casos de Covid-19, tivemos o seu isolamento que perdurou até a flexibilização da
quarentena. Com isso, o uso dos espaços estava restrito a um aluno por vez, como forma de
evitar contatos e contágios. Inevitavelmente, essa restrição foi mais um obstáculo aos alunos
indígenas.
Não é difícil concluir que em meio a uma pandemia, com altos índices de contágios e
necessidade de quarentena, queda nas oportunidades de trabalho e redução de renda, esses
auxílios tiveram pouco impacto. As dificuldades socioeconômicas desses estudantes foram
ampliadas, principalmente quando se considera o elemento geográfico pois a aldeia fica a
aproximadamente 100 km de distância da cidade de Barra do Corda. De acordo com Mattos
(2003, p. 112)
É preciso levar em conta que questões como inclusão social, redução da pobreza e da
desigualdade de renda e de riqueza entre pessoas e entre países não são resolvidas
apenas pela evolução tecnológica. Se o fossem, não estariam se arrastando e tornando-
se cada mais vez mais complexas com o passar dos séculos (uma vez que a evolução
tecnológica não é prerrogativa apenas desses tempos das chamadas “novas
tecnologias”, evidentemente)
704
Acesso à internet Todos os alunos indicaram ter acesso.
Não houve indicação negativa.
Qualidade do acesso à 10 alunos indicaram ter muitas dificuldades com a
internet qualidade do sinal e acesso.
Não houve indicação positiva.
Problemas relacionados à 10 alunos indicaram que as constantes faltas de
internet energia era o maior problema.
Não houve indicação de outras questões.
Utilização das plataformas 10 alunos indicaram ter se adaptado ao uso das
(meet e google classroom) plataformas.
4 alunos tiveram dificuldades para utilizar tais
plataformas.
Compreensão dos 12 alunos disseram ter muitas dificuldades em
conteúdos durante as aulas acompanhar e compreender os conteúdos durante
as aulas.
3 alunos disseram conseguir acompanhar e
compreender.
Dificuldades com os 12 estudantes indicaram ter muitas dificuldades
Componentes curriculares com a matemática (e os componentes curriculares
associadas).
3 estudantes indicaram, além da matemática, a
língua espanhola.
Fonte: autoria própria, 2023.
A tabela 1 desenha um retrato que explicita o que foi identificado pelos relatórios de
acompanhamento da Comissão de Combate à Evasão. Esses estudantes tiveram altos índices de
evasão, também deixavam de entregar as atividades e, durante as aulas, demonstravam muitas
dificuldades com alguns conteúdos, principalmente aqueles envolvendo cálculos. Na verdade,
os indígenas utilizam a conhecimentos matemáticos próprios, compreendida dentro da
perspectiva da etnomatemática e, por isso, quando falamos nas dificuldades, elas são em
referência à ciência convencional do ocidente. Sobre isso, Mantoan (2003, p. 13) diz:
705
A exclusão escolar manifesta-se das mais diversas e perversas maneiras, e quase
sempre o que está em jogo é a ignorância do aluno diante dos padrões de cientificidade
do saber escolar. Ocorre que a escola se democratizou abrindo-se a novos grupos
sociais, mas não aos novos conhecimentos. Exclui, então, os que ignoram o
conhecimento que ela valoriza e, assim, entende que a democratização é massificação
de ensino e não cria a possibilidade de diálogo entre diferentes lugares
epistemológicos, não se abre a novos conhecimentos que não couberam, até então,
dentro dela.
O quadro traz o coeficiente de rendimento, uma média global do aluno em curso. Ele é
baseado nas médias por componente curricular. Em alguns casos, como o do aluno 1, que
frequentou acima de 75% (percentual de frequência exigido para aprovação), mesmo tendo
significativa presença nas aulas, isso não foi condição para que ele obtivesse um bom
desempenho. Estar presente não significa que o aluno estivesse aprendendo ou que a avaliação
quanto a sua aprendizagem tenha sido adequada para a percepção das particularidades desse
706
público. O aluno 5, com 98,58% de presença e média global de 3,71, conseguiu a aprovação
com dependência, quando possui retenção em até três disciplinas. Apesar do baixo rendimento,
o estudante teve aproveitamento por outros méritos, além de ter conseguido atingir a média
exigida para aprovação nas avaliações finais. Diferente do aluno 4, com média global de 3,77,
condição que poderia levar a resultado semelhante ao do aluno 5, devido a sua baixa frequência,
teve a sua reprovação por falta e do aluno 12, que também obteve uma boa média, mas teve a
sua reprovação em razão da evasão.
Faltaram alternativas àqueles que estavam à margem desse “mérito”, como foi o caso
dos estudantes Canelas. Soluções que considerassem as questões étnico-culturais,
socioeconômicas, grau de alfabetização digital, déficit na compreensão dos conceitos basilares
dos componentes curriculares da educação formal não índia, como português e matemática.
Considerações essas essenciais para a promoção da permanência e êxito, tanto em situações em
que se aplique o ensino remoto, quanto no ensino presencial.
Conclusões
707
Os resultados apontaram para uma lacuna nas estratégias educacionais assumidas pelo
Campus Barra do Corda, quando não consideraram as especificidades étnicas, culturais e
socioeconômicas dos estudantes indígenas. A falta de estratégias adaptadas adequadamente
para apoiar esses alunos resultou em altas taxas de evasão e desempenho acadêmico
insatisfatório. Isso indica a necessidade de repensar as abordagens educacionais, especialmente
em tempos de crises como a pandemia.
Além disso, é importante considerar não apenas o acesso à tecnologia, mas também os
conhecimentos adquiridos e de alfabetização digital dos estudantes. A mera disponibilidade dos
auxílios estudantis e da conectividade não garantem o sucesso educacional se os alunos não
estiverem devidamente preparados para utilizá-los de forma eficaz.
Portanto, apenas transpor das aulas para a forma remota, principalmente quando se
credita aos auxílios estudantis a suficiência para o êxito do ensino remoto, sem se considerar os
diversos contextos educacionais, não só reforça estigmas, como amplia a exclusão educacional.
É preciso garantir que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades de aprendizado,
independentemente de sua origem étnica ou socioeconômica. Somente assim poderemos
verdadeiramente promover a inclusão e a equidade na educação.
Referências
BURCI, T. V. L.; COSTA, M. L. F. A Inclusão Educacional dos povos indígenas pelo Ensino
Superior a Distância: a contribuição da tecnologia para a democratização da Educação.
Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade, v. 30, n. 64, p. 141-157, 2021.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. São
Paulo: Moderna, 2003. (Coleção cotidiano escolar).
MATTOS, Fernando Augusto Mansor. Exclusão digital e exclusão social: elementos para
uma discussão. Transinformação, v. 15, n. spe, p. 91-115, 2003.
708
PAULO FREIRE E A PEDAGOGIA DA SOLIDARIEDADE: A CONSTRUÇÃO DA
HUMANIZAÇÃO NO PROCESSO EDUCATIVO
Resumo: Este artigo é fruto da dissertação, ainda em andamento, com apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, intitulada “A docência e o processo
de humanização na Educação Superior”. O artigo procura compreender, apoiado em Paulo
Freire, a necessidade de uma pedagogia voltada para a solidariedade e o processo de
humanização. Para tanto, optamos por uma pesquisa bibliográfica. Inicialmente apresentamos
um cenário educativo profundamente marcado por (des) valores, com destaque para uma
educação que é capturada pela lógica do mercado, apostando na competição e
empreendendorismo e segundarizando processos humanizadores. Neste sentido, destacamos a
presença de uma pedagogia neotecnicista, que reduz o processo formativo a instrução. Em
seguida apresentamos a necessidade de uma Pedagogia da Solidariedade ancorada em Paulo
Freire. E finalizamos a artigo destacando que apesar dos (des)valores incutidos pela pedagogia
neotecnicista e pelo neoliberalismo, o processo educacional pode ser um grande cenário de
práticas humanizantes conduzidas pela solidariedade.
Introdução
Na lógica do sistema econômico neoliberal, o lucro econômico vale muito mais do que
as pessoas. Isso significa que não importa quantas pessoas padeçam ou percam suas vidas, desde
que o mercado esteja bem atendido e consolidado. E a principal consequência desse modelo
econômico é a desumanização das pessoas, que viram apenas números e mão de obra barata,
(Freitas, 2018). Portanto, trata-se de um modelo socioeconômico altamente excludente,
desumano e desumanizador, isto é, faz de cada pessoa um simples objeto mercantil e mero
instrumento para o alcance desenfreado do lucro (Freitas, 2018).
Todavia, esta exclusão, acontece por muitas e repetidas vezes na escola e na
universidade quando os distintos modelos pedagógicos insistem numa educação neotecnicista
voltada para o atendimento das empresas e dos seus ideais de produtividade e lucros;
desumanizando, desse modo, os atores do processo educacional (Arroyo, 2013; Diniz-Pereira,
2015). Ao insistir na dinâmica da competição, da meritocracia, das avaliações em larga escala,
709
entre outros, estamos gerando processos de desumanização, tendo como consequência mais
desigualdades, segregação e morte (Arroyo, 2023).
Nesse sentido, falamos da necessidade de uma educação solidária que não permita a
diminuição da pessoa humana e de sua dignidade (Freire, 2021a). Por isso, a educação solidária
deve educar para a prática de contato com a/o outra/o e com suas diversas realidades,
reconhecendo que todos e cada um de nós é ser humano, por isso, repleto também de direitos,
e sobretudo, do direito à vida (Freire, 2021a).
Para dar conta desta reflexão, utilizaremos a pesquisa bibliográfica que segundo Tozoni-
Reis (2009, p. 35) “[...] tem como característica principal o fato de que o campo onde será feita
a coleta de dados é a própria bibliografia sobre o tema ou objeto que se pretende investigar”. E
ainda “[...] buscar, nos autores e obras selecionados, os dados para a produção do conhecimento
pretendido” (Tozoni-Reis, 2009, p. 36).
O sistema neoliberal caracteriza-se “como uma ordem mundial com extrema influência
nos setores políticos, econômicos, sociais e educacionais” (Azambuja; Pereira, 2021 p. 107).
Influência que tem como cerne o valor da competitividade, da individualidade, do Estado
mínimo, com pouca intervenção no contexto e da livre atuação do mercado. Portanto, incentiva
a produção eficiente a baixos custos. Dito nas palavras de Azambuja e Pereira (2021, p. 108)
[...] essa nova ordem mundial, têm influenciado e direcionado mudanças nos âmbitos
econômicos, político, social e cultural em diversos países. Traz como fundamento a
concorrência em todos os setores de forma totalizadora e abrange do Estado às
diferentes esferas da existência humana. Para tanto, fundamenta-se na lógica de que a
competição deve ser a mediadora de todas as relações sociais, pois aumenta a
eficiência e a produtividade, melhorando a qualidade dos serviços e reduzindo custos.
[...] Nesse contexto, [...], a definição de Estado como provedor do desenvolvimento
econômico e social deu lugar a uma nova concepção de Estado mínimo, com o
propósito de regular a economia sob as regras das leis de mercado. Dessa forma, novas
possibilidades de interferência internacional foram criadas, no sentido de colaborar
com a implementação de políticas públicas que garantam a atuação de mercados
privados em áreas que até então eram de responsabilidade do Estado, tais como saúde,
educação, infraestrutura entre outros.
Dentre todas as habilidades exigidas, podemos dizer que a competição é a maior, neste
modelo educativo, pois é preciso “[...] competir para [...] ganhar” (Lima, 2019, p. 12). Costa e
Pinto (2022) afirmam que o neoliberalismo e podemos dizer a educação neotecnicista, “É um
modelo social que promove a competição generalizada entre sujeitos na busca pela realização
dos desejos pessoais, enquanto a figura do próximo torna-se turva e periférica” (p. 415). O
grande problema é que a competição é desumana e não considera o ponto de partida das pessoas
que a compõem. Então, “A competitividade exacerbada, enquanto princípio ético-político,
moral e gerencial, tende a degenerar no individualismo, na instrumentalização própria da
racionalidade meramente formal, na alienação” (Lima, 2019, 12-13). Competir torna-se um
grande jogo; jogo em que as regras são claras: vencer o/a adversário/a a qualquer custo.
711
entre desiguais, cedo tende para a lei do mais forte, para a alienação dos sujeitos, para
a perpetuação e legitimação das desigualdades, para as práticas de segregação
interescolar e intraescolar dos alunos, para a rivalidade entre professores, podendo
transformar-se numa pedagogia contra o outro.
Neste sentido, a meritocrácia é outro elemento muito importante para este tipo de
modelo educacional e para o sistema neoliberal. Ela impulsiona a pessoa a acreditar que para
conseguir melhores condições de vida o caminho é se esforçar até o limite e, que, portanto, tudo
depende do seu esforço pessoal (Backes, Baquero, Pavan, 2006). Quer dizer que todos são
postos à prova para competirem entre si em busca de um mérito, sem considerar que nem
todas/os partem do mesmo ponto.
Assim, na falácia dos méritos, as condições de cada um e cada uma não são
consideradas, não são visibilizadas, e em grande parte, as desigualdades e as diferenças são até
mesmo ocultadas e menosprezadas. Então, nota-se que o fator estrutural, isto é, as condições
econômicas/sociais das pessoas são ignoradas ou são tratadas como falta de esforço, e não como
causa e consequência deste problema estrutural. É uma falácia triste e desumaizadora para com
aqueles que “[...] embora acreditem que suas vidas são o resultado do seu esforço e mérito
pessoal, não dispõem das condições efetivas para que possam fazer as escolhas ‘certas’ ou para
que possam adquirir novos hábitos, para que, de alguma forma, possam disponibilizar sua força
de trabalho” (Backes, Baquero, Pavan, 2006, p. 537).
É pregar, por exemplo, que as/os estudantes da educação pública, da periferia, que todos
os dias precisam passar pelo caos de uma comunidade muitas vezes violenta para chegarem à
escola, ao colégio ou a universidade, têm as mesmas oportunidades das/os estudantes de uma
escola elitizada. Ou seja, como se ambas as classes da sociedade tivessem as mesmas condições
de tempo e financeiras para comprar materiais de estudos necessários para o bom andamento
do curso. Nas palavras de Pinto e Costa (2022, p. 410):
Ainda neste processo pedagógico, a pessoa vale a partir daquilo que consegue
(re)produzir, sendo visibilizada a partir do momento que consegue notas “eficazes”, realizadas,
por exemplo, por meio das avaliações em larga escala. Contudo, entendemos que as avaliações
712
em larga escala não consideram a singularidade dos diversos grupos sócio-culturais. Elas
obrigam a/o estudante a se adaptarem a um conteúdo, na maioria das vezes, distantes das
vivências e convivências dos estudantes, pois enfatizam o conhecimento hegemônico. Segundo
Tedeschi e Pavan (2021, p. 9) “[...] as avaliações em larga escala reforçam [...] ensinar somente
os conhecimentos da cultura hegemônica a todos/as, da mesma forma e ao mesmo tempo,
visando à homogeneização”.
[...] a ajuda que se proporciona àquele que necessita, para que ele não mais venha a
necessitar. Solidariedade, neste sentido, é partilhar da luta dos que tentam escapar de
suas variadas formas de opressão. É uma manifestação de apoio e uma postura
existencial e política. Partilha da luta do outro contra a opressão é unir-se a estes outros
na conquista da justiça social, é ir além dos limites da caridade, que fornece uma ajuda
pontual, mesmo que continua; é assumir uma ação libertadora.
O meu sonho é de uma sociedade menos feia, uma sociedade na qual nós possamos
rir sem falsidades. Na qual saber não é um problema de visão, na qual não haja
discriminação de língua, raça ou sexo. [...] [E] Nós temos que ter solidariedade entre
os que têm os mesmos sonhos. Esta solidariedade implica em esperança e sem
solidariedade é impossível lutar (p. 108).
714
memorização de conteúdos para uma boa prova, mas é a formação do sujeito, que envolve
conhecimentos, mas também formação para a vivência coletiva (Pinto e Costa, 2022) e para a
prática da solidariedade (Freire, 2021d). Ou seja, é a criticidade ao invés do ato de memorizar,
é a relação que se constrói no dia a dia com a/o outra/o ao invés da competição desmedida, é a
aceitação do/a outro/a e de suas culturas e diferenças (Candau, 2013). Um processo pedagógico
da solidariedade promove o encontro da partilha, de diferentes formas de viver a vida ao invés
da indiferença (Arroyo, 2013).
Para isso, temos a tarefa de construir com as escolas e universidades, com os
professores, com os familiares e todos os atores do processo educativo, a ideia de que as
instituições de educação não formam e educam apenas para o mundo do trabalho, mas para a
vida em suas diversas dimensões, gerando um processo de humanização e libertação, sobretudo
do ser humano oprimido (Freire, 2021a, Arroyo, 2013). Assim, afirmamos com Veiga (2006, p.
82) que “A educação é concebida como uma prática social e um processo lógico de
emancipação”.
E nessa perspectiva, a pedagogia da solidariedade busca desenvolver, construir e
solidificar o pensamento de que a/o outra/o, que passa pelo processo de desumanização, pode
ser um/a grande companheiro/a na resistência e superação da opressão, e não um opositor, que
precisamos desbancar e aniquilar a todo momento. Nas palavras de Freire (2021c) não se pode
aceitar que os oprimidos, ou as ditas minorias, lutem de modo não solidário, mas é preciso
solidarizar-se unindo as minorias, preservando as diversidades.
Logo, pensar e defender uma pedagogia da solidariedade, é basear a educação também
no ato do encontro com /ao outra/o, num gesto de companheirismos e fraternidade; é sustentar
a ideia de que a educação, além de ser construção de conhecimentos e diálogos entre saberes e
experiências, é espaço privilegiado para partilha de vida, para a humanização, para tornar-se
gente (Freire; Freire; Oliveira, 2021). Gente que compreende, que ouve, que dialoga, que se
importa, que ajuda; gente que é amorosa e solidária porque se vê no outro e, desse modo,
defende os direitos do outro porque também se reconhece digna e com direitos.
Por isso, uma educação para a solidariedade exige elementos contrários ao que pedem
os processos educativos tecnicistas e mercantis, isso porque exige, segundo Freire (2021b), uma
prática educacional que valoriza a criticidade, a ética, a autonomia, o bom-senso, a tolerância e
as lutas em defesa dos direitos, o (re) conhecimento das diversas realidades, a esperança, a
crença no não fatalismo, disponibilidade e diálogo e, sobretudo, solidariedade.
715
Solidariedade entre os estudantes e os professores e destes para e com o mundo.
Solidariedade que, conforme Freire (2021b) é contra o capitalismo. Solidariedade que não
aceita “[...] esta aberração: a miséria na fartura” (p. 100); e que nos faz entender que
absolutamente “[...] nada justifica a minimização dos seres humanos” (Freire, 2021b, p. 98).
Por isso, a solidariedade nos ajuda no ato de humanizar, pois nos faz enxergar o outro, ir até
ele/ela num gesto de companheirismo.
Diante disso, pensamos na solidariedade como uma proposta potente e pertinente para
uma educação humanizadora, porque pensamos com Paulo Freire (2021b, p. 95) que “[...]
quanto mais solidariedade existe entre educador e educandos no ‘trato’ desse espaço, mais
possibilidades de aprendizagem democrática se abrem [...]” no processo e no contexto
educativo.
Concluindo
Finalizamos este artigo reiterando com os autores Freire (2021a, 2021b. 2021c, 2021 d),
Arroyo (2013) entre outros, que a tarefa principal da educação não pode ser a de treinar
trabalhadores para o mercado, mas a de formar cidadãos conscientes, dignos, respeitados,
respeitosos e humanizados. Portanto, acreditamos e apoiamos a pedagogia da solidariedade
(Freire; Freire; Oliveira, 2021), que defende um processo de humanização dos/as estudantes.
Concluímos, ancorados em Freire (2021,a,b,c,d), que os atos de solidariedade,
especialmente, no cenário educativo, entre os atores da educação, podem gerar um potente e
valorizado espaço do saber, da troca de experiências, da dialogicidade, do respeito, das relações,
e do encontro com as diferenças, enfim, pode gerar pessoas humanizadas que valorizam e
caminham com os companheiros na construção do bem comum, na certeza de que que todas as
pessoas são importantes e devem viver com dignidade (Freire, 2021b).
Referências
AZAMBUJA, Nathália Ribeiro de Faria; PEREIRA, Maria Simone Ferras. Avaliação externa
e qualidade da educação: uma análise de trabalhos produzidos sobre a influência dos
organismos internacionais na proposição de políticas educacionais In: Mara Regina Lemes De
Sordi, Maria Regina Lemes de; Jürgensen, Bruno Daminen da Costa Paes; Santos, Marcos
716
Henrique Almeida dos. (Orgs). Qualidade da escola pública: perspectivas e desafios. São
Carlos: Pedro & João Editores, 2021.
BACKES, José Licinio; BAQUERO, Rute Vivian Angêlo, PAVAN, Rute. A presença da
cultura meritocrática na educação de jovens e adultos. Contrapontos [online]. Vol.06, n.03,
pp.525-539, 2006.
CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In:
MOREIRA, Antonio Flávio; CANDAU, Vera Maria (Org.). Multiculturalismo: diferenças
culturais e práticas pedagógicas. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
DINIZ-PEREIRA, J.E. A situação atual dos cursos de licenciatura no Brasil frente à hegemonia
da educação mercantil e empresarial. Revista Eletrônica de Educação, v.9,n.3, p.273-280,
2015.
FREIRE, Paulo. Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In: FREIRE, Paulo;
FREIRE, Ana Maria Araújo; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da solidariedade. Rio
de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2021d.
FREIRE, Paulo. Testemunho da diferença e o direito de discutir a diferença. In: FREIRE, Paulo;
Freire, Ana Maria Araújo; OLIVEIRA, Walter Ferreira de. Pedagogia da solidariedade. Rio
de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2021c.
FREITAS, Luiz Carlos de. A internalização da exclusão. Educação & Sociedade, Campinas,
v. 23, n. 80, p.299-325, 2002.
FREITAS, Luiz Carlos de. A reforma empresarial da educação: Nova direita, velhas ideias.
São Paulo: Expressão Popular, 2018.
LIMA, Licínio Carlos Viana da Silva. Uma pedagogia contra o outro? Competitividade e
emulação. Revista de Educação e Sociedade, v. 40, 18 de abril de 2019.
PINTO, Vinicius Soares; COSTA, Daianny Madalena. Educação para o bem comum: uma
contraposição à globalização neoliberal. Revista Educação e Cultura contemporânea, Rio de
Janeiro, v. 19, n.58, 2022.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Professor: tecnólogo do ensino ou agente social? In: VEIGA,
Ilma Passos Alencastro e AMARAL, Ana Lúcia (orgs.). Formação de Professores: políticas e
debates. 3ª edição. Campinas, SP: Papirus, 2006.
718
PROJETO DE APLICATIVO CAMINHANDO PELO MUNDO - MITOLOGIA
TERENA: A GAMEFICAÇÃO COMO PRÁTICA DECOLONIAL
Resumo: Tendo em vista os processos de dominação colonial que continuam a agir no mundo,
recentemente, por meio do que podemos denominar provisoriamente de “infocracia”, um
desdobramento do domínio hegemônico colonial sobre as culturas e povos periféricos. É
preciso encontrar estratégias para romper com esse domínio tecnológico, um dos recursos que
pode ser usado é a gamificação. Esta apresenta estratégias e ferramentas que podem contribuir
com a criação não necessariamente de jogos, mas de dinâmicas e aplicativos que incorporam
os recursos de engajamento tão desenvolvidos em dinâmicas interativas de vídeo games. O
Artigo apresenta ainda a retomada da proposta do Aplicativo – Caminhando pelo Mundo –
Mitologia Terena baseada na obra da Professora Fátima Cristina Duarte Ferreira Cunha.
INTRODUÇÃO
Tendo em vista que o projeto de colonidade está em ainda em curso, é possível que dizer
que, no curso dos processos de colonidade apresenta uma de suas novas facetas pode ser a
Infocracia. Dessa forma, é preciso manter-se vigilante as formas de dominação do projeto
colonial e buscar formas de transgredir, resistir e superar a condição colonial.
Dessa forma, os algoritmos das redes sociais que manipulam a navegação dos usuários,
criando bolhas comunicacionais acabam por ensejar o que parece ser um desdobramento do
projeto de colonidade: a dominação por meio da informação, por meio das redes sociais.
719
Porém, essa dominação pode ter apresentar um sério risco a nossa democracia
por alguns motivos. 1. A ubiquidade da tecnologia, ou seja, o não conhecimento de como aquela
tecnologia funciona, pode levar ao uso não consciente da tecnologia, onde o usuário é
facilmente manipulado a consumir produtos serviços e, até mesmo, adotar posturas políticas de
um ou outro espectro político. 2. As empresas passam a manter uma vigilância constante sobre
os usuários, analisando vários aspectos de suas preferências, hábitos e até mesmo os lugares
onde essa pessoa costuma ir, ou seja, a liberdade e a privacidade do indivíduo, e possivelmente,
de toda a sociedade está comprometida.
ELEMENTOS DA GAMEFICAÇÃO
A gameficação pode nos dar pistas de como podemos elaborar dinâmicas que possam
nos auxiliar. A gamificação é justamente a utilização de elementos de jogos fora do contexto
de jogos (GRIFFIN, 2014), ou seja, é o uso dos elementos e jogos sendo aplicados em produtos,
serviços, dinâmicas, aplicativos. Não implicando em jogos propriamente dito. É a busca da
criação de dinâmicas usando os elementos dos jogos como estética, mecânicas, regras,
buscando o "engajamento" e atenção que são observados em jogadores.
720
Dessa forma, a ideia de gamificação não está relacionada diretamente a jogar, mas a
atingir um objetivo usando os elementos de jogos, não é uma solução absoluta, que pode
resolver todos os problemas, mas um campo de experimentação que pode apontar alguns
caminhos.
Sendo assim, é importante conhecer algumas características que podem nos ajudar a
entender o contexto do que seriam boas práticas de gamificação. Zichermann e Cunningham
(2011) em seu livro Seu livro “Gamification by Design” (Gameficação por Design, tradução
livre) nos ajuda a entender a dinâmica dos processos de gamificação seguindo os seguintes
tópicos: a) motivação dos jogadores, b) o comportamentos dos jogadores e, por fim, c) as
ferramentas usadas em processos de gamificação.
721
Entender e identificar os perfis no público a qual se destina a proposta de gamificação
ajuda a melhorar as dinâmicas propostas e aumenta a chance de sucesso., essa tarefa tem
importância vital no desenvolvimento dos recursos.
Por fim, trataremos das ferramentas usadas no processo de gamificação. Entre elas se
destacam os pontos, níveis, medalhas, placar, divisas, integração, desafios e missões, loops de
engajamento, personalização, reforço e feedback, item e escassez.
Os pontos são um recurso arbitrário que pode ter vários objetivos. Pode ser
usando de maneira despretensiosa e tem valor em relação a si mesmo, pode ser útil para placares
e níveis. Pode ainda, indicar o progresso do jogador e representar um parâmetro para o
desenvolver para a manutenção e rebalanceamento das dinâmicas a partir da visualização do
avanço dos usuários.
Os níveis são os indicadores básicos de progresso do jogador, também pode ser usado
como medidor de experiência. Pode indicar ainda o nível de habilidade e conhecimento do
usuário das regras que compõem as dinâmicas, quanto mais o nível do jogador, melhor é o
jogador e é preciso balancear o sistema para tornar as dinâmicas mais desafiadoras.
Outros recursos citados por Griffin (2014) podem ser adicionados a lista mencionada.
Itens e Escassez. Os itens são recursos dentro do jogo podem melhorar a experiência dos
participantes. Eles podem ser adquiridos como recompensa ou comprados com pontos do
próprio jogo. A Escassez é um recurso usado dentro das dinâmicas do jogo, limitando de alguma
forma a reprodutibilidade dos itens, fazendo com que determinados itens sejam mais
procurados.
723
A ideia é executar as imagens e texto do livro em animações, além da narração em dois
idiomas: o português e o Terena, essa proposta teve início em 2020, porém, por conta da
pandemia ela foi adiada e pretende-se retomar a atividade. Dessa vez, com mais profundidade.
CONCLUSÃO
Por fim, tendo em vista os processos coloniais que continuam a acontecer, dessa vez,
representados pelas grandes empresas de tecnologia podemos dizer que criar aplicativos que
reproduzam a cultura das comunidades locais é uma forma da subversão da tecnologia em prol
da cultura dos povos originários, tendo em vistas as ferramentas e recursos que a gameficação
pode oferecer é possível criar novos caminhos para a sobrevivência dos saberes das
comunidades locais, usando a tecnologia como forma de afirmação cultural dessas tecnologias.
REFERÊNCIAS
HAN, Byung-Chul. Infocracy: Digitization and the Crisis of Democracy. Petrópolis, RJ:
Voices, 2022.
CUNHA, Fátima Cristina Duarte Ferreira. Caminhando pelo mundo – Mitologia Terena.
Campo Grande - MS, 2010.
724
PROTAGONISMO DOS GUARARNI E KAIOWÁ NO ESTÁGIO DOCÊNCIA NO
ENSINO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
Resumo: O objetivo desse texto é apresentar o protagonismo dos acadêmicos Guarani e Kaiowá
na realização do estágio docência em Sociologia. Trata-se de um relato de experiência coo
professora supervisora do Ensino de Ciências Sociais na UEMS. Para isso, recorri aos dos
relatórios de estágio produzidos pelos estudantes indígenas e as anotações e registros que
realizei sobre o desempenho dos estagiários. Os resultados apontam novas possibilidades para
o ensino de Sociologia na escola indígena.
1
Peço licença para falar em primeira pessoa.
725
seria a minha trajetória no contexto de fronteira2. É importante, destacar que minha chegada em
Amambai, coincidiu com pós- assassinato de liderança Nízio Gomes em 18 de novembro de
2011 na retomada Tekoha Guaiviry, seus parentes ainda buscavam por seu corpo, que nunca foi
encontrado.
O conceito de fronteira, nesse texto, é entendido como uma categoria histórica e tem,
nas palavras do Sociólogo José de Souza Martins (1997, p.13): “[...] um caráter litúrgico e
sacrificial, porque nela o outro é degradado para, desse modo, viabilizar a existência de quem
domina, subjuga e explora [...] é na fronteira que encontramos o ser humano no seu limite
histórico”. Se outrora, os Guaranis e Kaiowás ocupavam grandes extensões de terras,
circulavam livremente conforme suas necessidades e vontade, agora vivem em aldeias
superlotadas, escassas em recursos naturais e artificialmente criados pelo Estado, no processo
conhecido como confinamento (Brand, 1997).
O antropólogo Kaiowá Tonico Benites (2009) entende que foi a partir de 1910 que se
deu início a um processo de mudança da ocupação do território dos Guarani e Kaiowá, que
encontravam dificuldades para “se assentarem e viver de forma autônoma”. Contexto em que o
Estado criou o Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais
(SPILT), de caráter tutelar, sob o comanda do governo federal. O órgão passou a entender a
condição dos povos indígenas como “transitória”, a ideia consistia em considerar que essa
condição, em breve, se transformaria na categoria trabalhadores rurais. Iniciou-se o processo
de aldeamento sem nenhuma preocupação com localização das terras originárias. Nesse
contexto surge a aldeia Amambai. Com Benites (2009),
Situadas entre três das principais bacias hidrográficas do Cone Sul do Mato Grosso
do Sul (ou seja, as dos rios Dourados, Amambai e Iguatemi), a partir do final dos anos
de 1970, estas reservas ficaram superlotadas, com as famílias extensas passando a
sofrer diversos tipos de pressão, ameaças e persuasão para se assentarem nesses
espaços (Benites, 2009, p.27)
2
Amambai fica distante 44 quilômetros do Paraguai.
726
que a Cia Matte Larangeiras, nesta fase, não busca a propriedade da terra, apenas a exploração
da erva”. Dessa forma, as destruições das aldeias se intensificam na segunda fase, durante a
década de 1950, após o fim do monopólio da companhia.
A formação da cidade de Amambai se deu a partir do ciclo da erva-mate, porém, com o
seu encerramento, outras formas de exploração dos recursos naturais foram usadas, dentre as
quais, a instalação de madeireiras, pecuária e no momento histórico mais recente, o predomínio
da monocultura da soja (Albanez, 2013). Acirrando, as lutas pelas retomadas de terra, pois a
cada investida da monocultura em grande escala, ocorrem o desmatamento, a contaminação dos
rios e do ar em decorrência do agrotóxico. A aldeia Amambai, por exemplo, fica “encurralada”
entre as grandes fazendas de produção soja. Os aviões particulares com veneno, sobrevoam as
terras indígenas e deixam rastros com o vento. Essa situação vivenciei quando morei na região,
era recorrente os acadêmicos indígenas chegarem na universidade com dor de cabeça devido a
inalação do agrotóxico.
Feitas as explicitações iniciais, do contexto em que se localiza essa experiência, a seguir
abordarei aspectos pertentes à escola e a Universidade, as experiências de estágio a partir de
dois relatórios produzidos em 2017 e as considerações finais.
729
a articulação entre a ciência ocidental e os conhecimentos ancestrais dos povos indígenas e
grupos étnicos (Grümberg, 2005).
3 NO MOMENTO DO ESTÁGIO O LIVRO DIDÁTICO UTILIZADO EM SALA FOI: ARAÚJO, SILVIA MARIA DE. SOCIOLOGIA.
VOLUME ÚNICO ENSINO MÉDIO, 2013.
730
As questões que surgiram durante as observações, são: como funciona o ensino na
escola? De que modo devemos produzir leitura e escrita da língua indígena ao estudar
os conteúdos da sociologia? É possível produzir material didático da sociologia na
língua indígena? De que modo podemos produzir na língua indígena o material
didático para estudar os clássicos da Sociologia, como: Karl Marx; Émille Durkheim
e Max Weber? (Valiente, 2017, p.10)
Na sua regência, o referido acadêmico ministrou aula com sobre tema: “Movimentos
Sociais”, presente no Referencial Curricular no segundo ano do ensino médio. Para essa
abordagem, usou como exemplo os movimentos indígenas, sobretudo, o de retomadas. Segue
um registro4 da aula,
A turma ficou entusiasmada com a aula, o estagiário, usou lousa e giz e, estimulou
debates sobre o tema, também, relacionados a saúde e educação. Nas palavras de Valiente
(2017),
O tema da aula foi “Movimentos sociais” e, para entender esse pensamento, partimos
do movimento Guarani e Kaiowá de MS. Fiz um contexto histórico, ou seja,
analisando o processo histórico de quando, como e porque surgiu esse movimento. A
discussão e a atividade foram muito produtivas abordando diversas questões na esfera
de conceito movimento social. As atividades que trabalhamos é exatamente para
fazermos uma reflexão e compreender diversos movimentos, são as questões como:
“o que é movimento social? De que modo é apresentado a luta por reconhecimento,
conforme o sociólogo Axel Honeth? E uma reflexão em torno da realidade e situação
4
Celuniel Valiente autorizou a publicação da foto nesse artigo.
731
dos Guarani e kaiowá do Sul de MS. O que é movimento indígena? Por que e como é
esse movimento social?”. (Valiente. 2017, p. 23)
A experiência no terceiro ano do ensino médio, se deu com o desenvolvimento do tema:
“Indústria Cultural”, também presente no Referencial Curricular. Para o estagiário a discussão
sobre o tema foi produtiva e possibilitou aos jovens indígenas refletirem sobre sua realidade e
os efeitos da Indústria Cultual em suas vidas. Para o desenvolvimento da aula recorreu aos
pensadores da Escola de Frankfurt, como: Max Horkheimer e Walter Benjamin. Valiente (2017)
levantou os seguintes questionamentos em sala,
o que é consumismo? O que é indústria cultural? De que forma a indústria cultural
afetam os jovens? A partir da reflexão sobre a indústria cultural na vida cotidiana dos
jovens indígenas. Desse modo, conforme essas questões tentamos entender a realidade
dos jovens indígenas por via destas teorias críticas da sociologia. (Valiente, 2017,
p.23)
[o] professor passou-me a palavra, ou seja, para dar a minha aula. O plano de aula ou
o planejamento que realizei é exatamente sobre “O Positivismo de Auguste Comte”.
No momento que fiz o plano de aula, pensei de várias formas de como vou apresentar
o pensamento de (Comte) do século XIX, uma teoria que visa para refletirmos sobre
desenvolvimento capitalista e a questão indígena desde 1500. Apareceram várias
questões no momento de preparação da aula, como, por exemplo: “como relacionar
ou fazer o diálogo entre o pensamento de Comte e com a realidade guarani e kaiowá?”.
Conforme o estudo e leitura sobre a Educação Escolar Indígena, entendo que se deve
priorizar o saber ou epistemologia guarani e kaiowà. (Valiente, 2017, p.22)
5
Lúcia Pereira autorizou a publicação da foto nesse artigo.
733
Os estudantes participaram do debate, a acadêmica mostrou imagens das ervas
medicinais e conversaram sobre suas experiências familiares com relação ao uso das ervas,
alguns estudantes relataram conhecer através dos ensinamentos dos anciões e anciãs de sua
família. Naquele contexto, a Lúcia Pereira fazia parte de uma pesquisa da Fiocruz sobre os
conhecimentos tradicionais sobre as ervas medicinais, experiência que levou para sua regência
no ensino médio. Outro tema abordado pela estudante, foi “Desigualdade Social” o qual o
objetivo foi de,
Outras considerações
O protagonismo dos estudantes Guarani e Kaiowá, se deu dentro e fora da universidade,
seja por posicionamentos marcantes em sala de aula, quando enfrentavam os preconceitos e
falta de informações sobre seu modo de vida nas aldeias, ou seja, fora da sala de aula. Como,
por exemplo, no processo de resistência em retomadas ou de resistir aos ataques e atitudes
racistas dentro da cidade de Amambai/MS. Concorda-se com Bergamaschi, (2014) que de
forma geral os intelectuais indígenas se revelam na luta pelo
Em geral, os intelectuais indígenas se revelam na luta pelo reconhecimento, pela
autodeterminação, pelo direito a relações simétricas com outras sociedades, pela
afirmação de seus valores, seus conhecimentos, seus direitos políticos e sociais, se
aproximando da concepção de intelectual orgânico cunhada por Gramsci: um
intelectual compromissado com seu grupo social e aqui, no caso do intelectual
indígena, compromissado com seu povo ou com as lutas dos povos ameríndios.
(Bergamaschi, 2014, p.11-12)
734
Em sua dissertação de Mestrado a antropóloga Lúcia Pereira defende que,
Cabe a nós indígenas abordarmos o nosso modo de ser, ser protagonistas da nossa
própria história. Atualmente muitos jovens acessam o campo acadêmico, estão
ocupando o lugar e se tornando visíveis, temos acadêmicos, mestres e doutores
indígenas, falando dos lugares que vivem, do seu reko, e compartilham forças para
lutar sobre a visibilidade. É importante notar que iremos ocupar o nosso lugar de fala
(Pereira,; 2021, p.20)
REFERÊNCIAS
__________. “Quando chegou esses que são nossos contrários” – A ocupação espacial e o
processo de confinamento dos Kaiowá/Guarani. Disponível em:
https://www.multitemas.ucdb.br/multitemas/article/view/1235/1151. Acesso:
30/08/2023.
735
BENITES, Tonico. A Escola na ótica dos Ava Kaiowá: impactos e interpretações indígenas.
Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
(PPGAS) do Museu Nacional – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2009.
FOSTER, Célia Maria; FERREIRA, Marta Soares. Os Kaiowá e Guarani na Uems de Amambai
(MS): Uma perspectiva rizomática de descrever. In: OLEIVEIRA, Esmael Alves de;
MOURA, Noêmia; REIS, Claudio [Orgs.] A pesquisa em Ciências Sociais em Mato Grosso do
Sul: Diálogos Cruzados. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. [P.13-41].
IANNI, Octavio. A Sociologia e o mundo moderno. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo,
1(1): 7-27, 1.sem. 1989
MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São
Paulo: HUCITEC, 1997
736
Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Sociocultural. Universidade
Federal da Grande Dourados, 2021.
SILVA, Kátia Karine Duarte da. Políticas Educacionais para a inserção da Sociologia no
ensino médio em Mato Grosso do Sul (1999-2010). Dissertação apresentada como requisito
final para obtenção do título de Mestre em Educação à Comissão Julgadora da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 2013
737
REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE GESTORES E
PROFESSORES
Resumo: Este artigo possui como objetivo compreender as relações interpessoais que
acontecem no ambiente escolar, analisando o que dizem os estudos sobre as implicações das
relações entre gestores e professores. De abordagem qualitativa, este artigo nasce da adaptação
e aprofundamento de um capítulo de uma dissertação de mestrado, sendo essa uma pesquisa do
tipo Estado do Conhecimento, que investigou as implicações das relações interpessoais como
potencial fonte propiciadora de bem-estar docente. A partir das análises realizadas nesse Estado
do Conhecimentos, organiza-se aqui um aprofundamento sobre a conceituação de relações
interpessoais e uma reflexão sobre a complexidade das resoluções de conflitos no ambiente
escolar. Discute-se, também, como as mediações de conflitos implicam nas relações
interpessoais dos profissionais da educação, gestores e professores, visto que os gestores
escolares possuem uma significativa influência na organização do clima e da cultura escolar.
Considera-se que a mediação de conflitos promove um ambiente escolar saudável, melhora as
relações interpessoais e contribui para o sucesso acadêmico, profissional e social na escola.
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta uma síntese de um capítulo da dissertação de mestrado
intitulada Construindo um tecido de significados e sentidos: relações interpessoais entre
professores e gestores e o bem-estar docente, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em
Educação – Mestrado e Doutorado – da Universidade Católica Dom Bosco, linha de pesquisa
II Práticas Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente. A pesquisa tem como
objetivo principal compreender as implicações das relações interpessoais entre gestores e
docentes como potencial fonte propiciadora de bem-estar docente.
A dissertação é uma pesquisa de abordagem qualitativa e do tipo Estado do
conhecimento. A abordagem qualitativa, segundo Gatti e André (2010, p. 30), constitui-se “[...]
em uma modalidade investigativa que se consolidou para responder ao desafio da compreensão
738
dos aspectos formadores/formantes do humano, de suas relações e construções culturais, em
suas dimensões grupais, comunitárias ou pessoais”.
As pesquisas do tipo Estado do Conhecimento, segundo Morosini e Fernandes (2014,
p. 161) são imprescindíveis para que se tenha uma “visão do que já foi/está sendo produzido
em relação ao objeto de estudo” e para que se possa compreender e avançar no conhecimento
sobre determinada temática. Este tipo de pesquisa visa à “identificação, registro e categorização
que levem à reflexão e síntese sobre a produção cientifica de uma determinada área, em um
determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma
temática específica” (Morosini; Fernandes, 2014, p. 155).
A pesquisa realizada para a dissertação foi desenvolvida a partir de buscas por teses
de doutorado, dissertações de mestrado e artigos científicos indexados em Repositórios Digitais
(RDs)1 de produções científicas.
Da revisão de literatura realizada para o estado do conhecimento, chama-se a atenção,
neste artigo, para a temática das relações interpessoais e como essas ocorrem no meio social,
neste caso o ambiente escolar, a partir da historicidade dos sujeitos. Assim, objetiva-se no
presente artigo apresentar as análises, realizadas nos estudos selecionados no estado do
conhecimento referido acima, sobre as relações interpessoais que acontecem no ambiente
escolar, analisando o que dizem esses estudos sobre as implicações das relações entre gestores
e professores.
1
Os Repositórios Digitais (RDs) são bases de dados online que reúnem de maneira organizada a produção
científica de uma instituição ou área temática. Os RDs armazenam arquivos de diversos formatos.
739
desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento emocional, social e acadêmico e
na construção de um ambiente educacional saudável e produtivo.
Estabelecer relações interpessoais é mais do que simplesmente conviver ou interagir
com outros sujeitos. Cada sujeito compõe a sociedade, e a sociedade como um todo, constitui
o sujeito. Estando um presente no outro dialeticamente, pois “a dialética é o pensamento crítico
que se propõe a compreender a ‘coisa em si’ e sistematicamente se pergunta como é possível
chegar à compreensão da realidade” (Kosik, 1976, p. 15), enfatizando a importância do contexto
histórico e social, reconhecendo que os fenômenos estão em constante movimento e
transformação. Portanto, as relações interpessoais são compostas por diversos elementos
internos e externos aos sujeitos, compreendendo que o sujeito e a sociedade constituem um ao
outro, e o sujeito passa a tecer uma síntese de ideias e a construção de um conhecimento mais
amplo e complexo sobre a realidade.
Por relações interpessoais, a partir do pensamento de Antunes (2012), entende-se como
“o conjunto de procedimentos que, facilitando a comunicação e as linguagens, estabelece laços
sólidos nas relações humanas”. E ainda “é uma linha de ação que visa, sobre bases emocionais
e psicopedagógicas, criar um clima favorável à empresa (escola) e garantir, através de uma
visão sistêmica, a integração de todo pessoal envolvido, por meio de uma colaboração confiante
e pertinente” (Antunes, 2012, p. 9). Tendo em vista as bases emocionais e psicopedagógicas
enfatizadas por Antunes (2012), considera-se que os relacionamentos interpessoais
desempenham um papel fundamental no desenvolvimento humano, influenciando o bem-estar
emocional, o comportamento social, o aprendizado e a saúde mental dos sujeitos que se
relacionam entre si.
Brenner e Ferreira (2020b, p. 47) também buscam definir o que são as relações
interpessoais, abordando-as como “o conjunto de interações cotidianas, em todas as dimensões
da vida, objetivando a convivência. Esse conjunto inclui estar em conexão com outras pessoas
ou mesmo em desconexão ocasionando conflitos, que também são espécies de relações
interpessoais”. Pensa-se o conjunto de interações cotidianas como uma condição para mais do
que apenas conviver ou estar fisicamente presente na mesma localidade que outras pessoas,
envolvendo uma série de aspectos e habilidades que influenciaram a qualidade dos vínculos
pertencentes entre os indivíduos, como: compartilhamento de interesses, comunicação eficaz,
empatia, altruísmo, resolução de conflitos, entre outros.
740
Segundo Minicucci (2001), grande parte do tempo em que se realiza um trabalho é feito
por meio do convívio com os outros, quer como indivíduo, quer como grupo (relação
interpessoal). À vista disso, “[...] como pessoa, pode relacionar-se consigo mesmo. São as
chamadas comunicações interiores (diálogo interior)” (MINICUCCI, 2001, p. 23) ou relação
intrapessoal. Oliveira e Soares (2019), observam para além do conviver com pessoas externas,
mas o olhar voltado para si. Apresentando a percepção que o sujeito deve ter de si para/com os
outros, como este se autoconhece e regula seus sentimentos e emoções ao estabelecer relações
externas. Presumindo que, a partir do momento em que se busca conhecer sobre si, o processo
de se comunicar interpessoalmente se fortalece, surgindo a possibilidade de amizade e a
habilidade de resolução de conflitos.
741
Nos ambientes de trabalho, locais em que, na maioria das vezes, as pessoas convivem
em grupos, essas relações assumem papel preponderante e, sob a forma de conflitos,
podem interferir no trabalho produzido. Na escola, a situação não é diferente pois se
trata também de um ambiente de trabalho com pessoas que ficam juntas por horas a
fio, convivendo, trabalhando e em dependência umas em relação às outras (Brenner;
Ferreira, 2020b, p. 47).
742
Num grupo há interação sempre que cada um dos elementos reage ante o
comportamento de cada um dos outros. Os elementos do grupo não só atuam uns sobre
os outros reciprocamente como também atuam juntos de uma forma mais ou menos
uniforme. Pessoas juntas por si sós não formam um grupo. [...] Há operários que
trabalham juntos numa mesma seção, mas não formam grupo (Minicucci, 2001, p.
194).
a escola é uma organização social e, como tal, desenvolve uma personalidade própria,
sobretudo de acordo com a liderança nela exercida e com a orientação de seu modo
de ser e de fazer; [...] com os estilos assumidos no enfrentamento aos desafios, as
relações interpessoais, a comunicação, os objetivos reais expressos em suas ações,
dentre outros aspectos, isto é, a partir da atuação de seu elemento humano
coletivamente organizado (Lück, 2011, p. 23-24).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
744
As relações interpessoais entre gestores e professores se referem às interações, conexões
e vínculos estabelecidos entre esses, as interações envolvem a troca de conhecimentos,
emoções, ideias e expectativas entre os indivíduos, indo além do simples conviver no ambiente
de trabalho. Considera-se como elementos fundamentais para o estabelecimento dessas
relações: boa comunicação entre os sujeitos; confiança, respeito e dignidade de aceitação no
ambiente de trabalho; colaboração e compartilhamento de experiências a partir de suas
historicidades; apoio e subsídio nas dificuldades enfrentadas, seja emocional ou no
desenvolvimento do trabalho. Entre outros aspectos que podem variar de intensidade e natureza.
Em resumo, relações interpessoais positivas entre professores e gestores são essenciais
para criar um ambiente de trabalho saudável e produtivo. A escola como um lócus de
socialização emocionalmente complexo pode afetar diretamente o bem-estar físico, mental e
emocional dos profissionais que ali atuam. Acredita-se que ao manter um ambiente de trabalho
que vise o apoio, respeito e colaboração se possibilita uma contribuição para o cultivo de
sentimentos de satisfação em relação à profissão.
A capacidade dos gestores escolares em mediar conflitos de forma eficaz pode ter uma
influência significativa no clima escolar, no bem-estar, na qualidade de vida no trabalho e no
sucesso acadêmico. Conclui-se que os gestores escolares possuem uma fundamental influência
nas relações interpessoais no ambiente escolar, conduzindo a cultura, a comunicação, a
participação e a maneira como os conflitos são tratados. Um modelo de gestão que prioriza a
colaboração, a comunicação aberta, a inclusão e o desenvolvimento pessoal pode contribuir
para um ambiente escolar mais saudável e produtivo, beneficiando todos os membros da
comunidade escolar.
REFERÊNCIAS
745
CHRISPINO, A. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos modelos de
mediação. Ensaio: avaliação de políticas públicas em educação, Rio de Janeiro, v.15, n.54,
p. 11-28, jan./mar., 2007.
LÜCK, Heloísa. Gestão da cultura e do clima organizacional da escola. 2 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
MINICUCCI, A. Relações humanas: Psicologia das relações interpessoais. 6 ed. São Paulo:
Atlas, 2001.
746
RELATO DA MINHA EXPERIÊNCIA, ENQUANTO MORADOR DA FURNA DOS
BAIANOS, E PARTICIPANTE DA PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
QUILOMBOLA- A UTILIZAÇÃO DO LÚDICO ANCESTRAL.
Resumo: Ao relatar a minha experiência, enquanto morador da Furna dos Baianos, senti que
poderia contribuir, encorajando algumas pessoas a também relatarem as suas experiências e
vivências, observei e participei da prática pedagógica na educação quilombola: a utilização do
lúdico ancestral. O objetivo dessa pesquisa, além de coletar dados da família, resgatar as nossas
memórias, para que os demais membros da família saibam o difícil início na região, foi
investigar como foi organizada a prática pedagógica na nossa escola, sem materiais, sem
estrutura, mas com foco no lúdico ancestral. Buscamos compreender a história dos quilombos
e descrevemos as principais características da educação quilombola. Igualdade e diferença
dialogaram na construção cultural local, laços de pertencimento a comunidade desse estudo me
possibilitou compreender a diversidade dos meus parentes e a pratica pedagógica utilizada pelas
professoras, elas atuaram na educação quilombola, pude observar que a aproximação da cultura
da comunidade com os elementos didáticos foi relevante aos estudantes do local.
Introdução
747
Sou a 5ª geração descendente de um grupo de negros, que formou um Quilombo, esse
grupo fundou a Furna1 dos Baianos, resolvi relatar um pouco da história dos meus antepassados,
para que ela não se perca no tempo.
O objetivo dessa pesquisa, além de coletar dados da família, para que os demais
membros da família saibam o difícil início na região, foi investigar como foi organizada a
prática pedagógica, com foco no lúdico ancestral. Buscamos compreender a história dos
quilombos e descrevemos as principais características da educação quilombola.
No ano de 1956 meu bisavô Vitor Gomes da Silva veio da Bahia para o Estado, na época
Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, mais precisamente Aquidauana/MS. Chegou com a
família, na companhia de nove irmãos. Observaram a região e foram se fixar em um pequeno
lote de terra, próximo as Furnas, que logo passou a se chamar Furna dos Baianos, localizado
em Piraputanga, Distrito de Aquidauana.
Na época, o trem passava pela localidade de Piraputanga2 e era um local bem
movimentado, devido a passagem e paragem do trem no local. O trem saia da cidade de Bauru
no estado de São Paulo e seguia até a cidade de Corumbá/MS.
Acompanhado de mais nove irmãos adquiriam uma pequena porção de terra, nessa
localidade se instalou com sua esposa e alguns filhos que na época eram crianças. Foi um
período difícil, de recomeço, em um local com gente hospitaleira, mas distante da terra natal.
Começaram o plantio e a renda familiar se dava com a produção da agricultura local
que era milho, mandioca, feijão catador, feijão de andu e abóbora, todos os derivados desses
alimentos serviam como mantimento para os irmãos que trabalhavam juntos e dividiam a
colheita, sendo que esses alimentos servia aos familiares, seus filhos e também alguns vizinhos.
Ali também instalaram uma pequena fábrica de farinha de mandioca, que funciona na
atualidade. É um momento dedicado a reunião da família, pois aqueles que já não moram no
local, voltam e ajudam no preparo da farinha, seja arrancando a mandioca, ralando, secando e
1
O termo “furna” significa caverna, cova, lapa, sendo utilizado em outras regiões brasileiras para designar
qualquer escorregamento de encosta ou cavidade no terreno. (Dicionário on-line, 2023).
2
Piraputanga é um distrito do município brasileiro de Aquidauana, no estado de Mato Grosso do Sul. De acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), sua população no ano de 2010 era de 673 habitantes,
sendo 356 homens e 317 mulheres, possuindo um total de 515 domicílios particulares. Foi criado pela Lei Estadual
nº 1.164, de 20 de novembro de 1958. (Wikipédia.org, 2023).
748
torrando. Após o processo de preparo e finalização, a produção é dividida entre os membros
participantes.
No início da instalação do grupo de irmãos no local, a comunidade no entorno, era
carente e eles ajudavam da forma que podiam, pois as famílias eram muito numerosas e fazendo
dessa forma supriam-se as necessidades básicas de um lar.
Com o passar dos anos, com muita dificuldade, foi construída uma escola para atender
toda a demanda de negros que ali viviam, pois precisavam aprender a ler e escrever. Uma das
irmãs, minha tia, Valdomira Da Silva Ferreira foi uma das primeiras professoras que lecionaram
ali, isso muitos anos após se estabelecerem no local, depois de cursar o Normal Médio e retornar
já formada, aproximadamente no ano de 1988.
As práticas pedagógicas utilizadas naquela época eram bem rudimentares, recorrendo a
ancestralidade quilombola, materiais concretos do cotidiano dos alunos, por exemplo:
quantidades estudadas com o coquinho da bocaiuva, que os alunos catavam a caminho da
escola, na geografia, as pedrinhas e suas formas, algumas paisagens e formas de árvores e
plantas rasteiras e medicinais.
O local é muito aprazível, as paisagens chamam a atenção das pessoas que por ali
passam ou que ouviram falar do local.
A professora Valdomira relatou que quando iniciou suas atividades na escola, percebeu
que alguns alunos tinham déficit de atenção e os mesmos não conseguiam acompanhar a turma,
pois devido a distância ( 25 km de Aquidauana, 2 km de Piraputanga) as salas eram
multisseriados, esse foi o motivo que recorreu as práticas pedagógicas ancestrais, ou seja,
trabalhar com os materiais do cotidiano das crianças.
749
Trabalhado com as crianças e pré-adolescentes, com objetos do interesse e cotidiano, a
professora facilitou a alfabetização desses alunos, foi trazido para o local alguns livros de
quadrinhos, que também ajudaram no desenvolvimento da escrita e da leitura daquelas crianças
e jovens que ali estudavam.
A forma de punição para aqueles que não obedeciam era ler e reler a tabuada ou ficar
sem a saída para o recreio que na época era mais demorado que nos dias atuais, em torno de
trinta minutos.
Na parte da Cultura todas as famílias que ali residiam tinham sua devoção, (São
Sebastião – 20 de janeiro, São João em 23 de junho, São João é o padroeiro da Vila de
Piraputanga, São Cosme e Damião – setembro, Santa Luzia) toda festa de devoção tinha uma
sequência: começava cedo com uma reza, que incluía um terço, almoço e baile a noite, todas as
famílias participavam.
Na festa de São Cosme e São Damião, era erguida uma, mesa dos anjos, com 7 crianças
com a idade de 7 anos. A noite Samba de Roda com todas as famílias que moravam no local e
ainda os convidados, ou visitantes. o samba de roda era composto por todos os membros da
família e os que visitavam a festa.
750
Já Santa Luzia, tinha a sua celebração em dia 13 de dezembro, promessa por parte de
uma tia que tinha um filho doente. Já a folia de Santo Reis, toda a comunidade, comemora na
Associação da Comunidade. Era uma das festas mais esperadas, pois todos iam para o Distrito
de Piraputanga comemorar na Associação local, era procedida de reza, almoço, janta e um baile
no fim da noite.
Quase que em forma de rodizio, durante ao longo dos anos, os festejos de repetiam, cada
ano com uma família. A religião predominante até os dias presentes, é o catolicismo e apenas
uma família evangélica, embora sejam diferentes ambas exerciam o respeito pelo outro, pela fé
e pela cultura dos demais.
Devido a dificuldade de se locomover, nas idas e vindas até a cidade de Aquidauana, ou
até mesmo no distrito de Piraputanga, houve muitos casamentos entre primos, um exemplo:
meus pais: Wilson de Oliveira e Vera Lúcia da Silva nasceram ali pelas mãos de uma parteira
chamada Josefa (Mãe Sefa) como era conhecida, era sobrinha do meu avô e ali, na necessidade,
aprendeu a arte de trazer as crianças ao mundo, pois não havia médicos e nem enfermeiras, fez
mais de 243 partos, todos nas casas, das senhoras locais, dentre eles os do meu pai e mãe, que
por sua vez são primos de segundo grau, pois uma das irmãs do meu bisavô Vitor, chamada
Aguinelia se casou e teve dez filhos, dentre eles o Joel Gomes da Silva meu avô paterno que
consequentemente teve seis filhos, dentre eles meu pai Wilson de Oliveira que por sua vez tem
dois filhos, eu, Anderson e Andressa minha irmã mais nova.
Hoje já quase formado em Pedagogia exerço o papel que aprendi, vendo desde pequeno,
a luta dos meus familiares com a terra, com a cultura, e principalmente com minhas tias que ao
longo dos anos foram se tornando professoras e passando o gosto e a disposição de ensinar a
seus filhos, minha mãe também é professora, sigo os passos dos meus antepassados, o gosto
pela arte de educar. Elas são referência, não só em minha vida, mas na vida de todos que
moravam e moram ainda hoje na Furna dos Baianos.
Todas essas pessoas fizeram e fazem história por onde passaram e deixaram o seu legado
de respeito e amor ao próximo, pelas suas raízes, fé e cultura. De acreditar que é possível uma
vida melhor, dividindo conquistas e saberes.
O estudo da educação quilombola é de extrema importância para o meio acadêmico para
promover a valorização da diversidade, uma vez que a população quilombola representa uma
parte significativa da população brasileira. Estudar sobre essa forma de educação proporciona
751
a compreensão dos direitos humanos e da igualdade de direitos para todos os cidadãos,
independentemente de sua origem étnica.
Também é uma forma de combater o racismo e o preconceito racial, pois busca valorizar
a identidade, a cultura e a história das comunidades quilombolas. Portanto, estudar sobre esse
tema contribui para a sensibilização e a conscientização sobre a importância de respeitar e
valorizar a diversidade étnica, baseando-se no conhecimento ancestral e nas práticas culturais
dessas comunidades.
História do Quilombo
Os quilombos foram fundamentais para a resistência negra no Brasil, mantendo viva a
cultura africana, promovendo a união entre os negros e buscando uma vida mais digna, além de
ser um exemplo de luta contra a opressão e a exploração. O reconhecimento dessa importância
levou à criação de políticas públicas e leis para a proteção e a preservação dos remanescentes
de quilombos,” como a Constituição de 1988 e o Decreto nº 4.887/2003, que reconhecem o
direito à terra e à preservação da cultura quilombola”.
Ter contado com a história dos quilombos traz uma perspectiva da potência, da luta, da
resistência e não somente da violência e da tragédia, sem desconsiderar os horrores da
escravidão (Moura, 2021, p. 13).
O quilombo é uma fase típica da história do Brasil colonial (1530-1822), quando os
negros escravizados fugiam das fazendas e se refugiavam em áreas afastadas, como matas,
montanhas e áreas de difícil acesso. Mesmo após a proclamação da independência do Brasil
(1822), a escravidão era uma prática comum e legitimada pela sociedade da época.
No período escravista (1535-1889), os africanos e seus descendentes eram submetidos
às mais terríveis condições de trabalho e opressão (Treccani, 2006). Os quilombos surgiram a
partir do século XVI e se intensificaram durante os séculos XVII e XVIII, quando o sistema
escravocrata estava consolidado no Brasil colonial. Eles representaram uma resistência ao
regime de escravidão, pois os quilombolas buscavam se auto sustentar, estabelecendo sistemas
de produção agrícola, caça, pesca e artesanato, além de desenvolverem estratégias de defesa
contra as investidas dos capitães-do-mato (caçadores de escravos fugitivos) e das autoridades
coloniais (Treccani, 2006)..
O mais conhecido e importante quilombo da história do Brasil foi o Quilombo dos
Palmares, localizado na região que hoje corresponde ao estado de Alagoas. Liderado por Zumbi
752
dos Palmares, o quilombo resistiu por mais de 80 anos, sendo considerado um grande desafio
para as autoridades coloniais portuguesas. Tornou-se um símbolo de luta e resistência contra a
escravidão, pois durante esse período de resistência, o quilombo de Palmares chegou a abrigar
cerca de vinte mil pessoas, entre negros, indígenas e brancos que se uniram à luta contra a
escravidão.
Zumbi dos Palmares, considerado um dos maiores líderes quilombolas, lutou
incansavelmente pela liberdade do seu povo, mas foi capturado e morto em 1695 pelas forças
coloniais (Moura, 2021).
Com a promulgação da Lei Áurea em 1888, que aboliu formalmente a escravidão no
Brasil, muitos quilombos foram desfeitos, mas algumas comunidades quilombolas conseguiram
preservar suas terras e tradições ao longo do tempo. Atualmente, a Constituição Brasileira
reconhece o direito à propriedade das terras ocupadas por remanescentes de quilombos,
garantindo sua proteção e preservação (Moura, 2021).
Entretanto, no período em que se aboliu a escravidão, africano em liberdade prestando
serviços para particulares ou instituições públicas, continuava sendo tratado como escravo.
Aqueles que se beneficiavam dos seus serviços, não tinha intenção de facilitar sua emancipação.
Como resultado, o africano não conseguia juntar dinheiro para contratar advogados ou
procuradores a fim de buscar sua liberdade. Sendo assim continuavam sem proteção legal,
jogados à sorte de que alguém bondoso tivesse disposição para acompanhá-los em todas as
provações morais impostas a eles (Moura, 2004).
Segundo Moura (2004), é valioso lembrar que os africanos que conquistavam sua
liberdade, através da alforria, não eram reconhecidos como cidadãos brasileiros, sendo
categorizados como estrangeiros. Além disso, diversas medidas repressoras ainda eram
aplicadas a esses indivíduos. Por possuírem uma língua, religião e costumes distintos, eram
considerados uma ameaça social e, dessa forma, não podiam desfrutar das garantias
constitucionais destinadas aos cidadãos brasileiros.
Ancestralidade
753
originando assim rituais únicos. Essa fusão de rituais constitui um traço essencial da identidade
religiosa e racial do povo brasileiro, evidenciando a nossa vasta diversidade (Bissoli, 2017).
Educação Quilombola
É importante destacar inicialmente que nas práticas de leitura dos escravos do século
XIX, a comunicação oral, possuía uma forte dependência da memória para a repetição de
histórias antigas. Ao redor do fogo, após um dia exaustivo de trabalho, homens e mulheres
tinham o costume de se reunir para compartilhar narrativas e, por meio delas, recordar uma terra
que representava, principalmente para os mais velhos, um paraíso perdido. No entanto, eles
também se engajavam em simples conversas em voz alta (Barbosa, 2017).
Quando a escrita assume papel de destaque, os escravos do século XIX também eram
leitores de várias formas, inseridos em sistemas de leitura e escrita; escutavam os textos que
eram lidos diretamente para eles, como aqueles que se disseminavam nos lares de seus
proprietários. Muitos compreendiam o significado das palavras impressas e acompanhavam as
imagens de seus próprios rostos e corpos que frequentemente apareciam nos periódicos que
circulavam nas áreas rurais e urbanas. Mesmo sem saberem decifrar as letras escritas, eram
alfabetizados, sabiam contar, podiam exercer profissões como carpinteiros, pedreiros, e
vendedores. E mesmo aqueles que não tinham conhecimento das palavras escritas, sabiam a
importância da comunicação escrita e buscavam formas alternativas para participar dessa
prática (Barbosa, 2017).
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola
(Brasil, 2013), a educação quilombola segue orientações das Diretrizes Nacionais da Educação
Básica, a qual determina que a Educação Escolar Quilombola, seja promovida em instituições
educacionais localizadas nas terras e cultura quilombolas, necessitando de uma abordagem
pedagógica adaptada para respeitar a especificidade étnico-cultural de cada comunidade e
exigindo uma formação específica para seus professores, de acordo com os princípios
constitucionais, a base nacional comum curricular e os princípios que orientam a Educação
Básica no Brasil. Na estruturação e no funcionamento das escolas quilombolas, é fundamental
reconhecer e valorizar a diversidade cultural presente nessas comunidades.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Quilombola (Brasil,
2013), a educação diferenciada para as comunidades quilombolas, são garantidas pela
754
Constituição Federal de1988, que leva em consideração a cultura em que o aluno está inserido,
estabelecendo que deve ser garantido a todos em idade escolar o direito ao "Ensino
Fundamental, obrigatório e gratuito", assegurada oferta gratuita do ensino para aqueles que não
tiveram acesso na idade apropriada (art.. 208, I, g). Estabelece como competência do poder
público o recenseamento dos alunos no Ensino Fundamental, a realização de chamadas e a
garantia da frequência escolar em colaboração com os pais ou responsáveis (art. 208, VII, § 3º).
Determina que sejam estabelecidos conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, respeito
aos valores culturais e artísticos, tanto nacionais quanto regionais (art. 210).
Na Educação Infantil, as atividades e metodologias oferecidas contemplam os saberes e
fazeres locais, a oralidade e a ancestralidade. O respeito ao passado é uma forma de reconhecer
e honrar o conhecimento adquirido por nossos antepassados ao desbravarem terras
desconhecidas e construírem grandes civilizações desde que chegaram aqui. Através do
diálogo, apesar de todos os obstáculos enfrentados, a educação quilombola impulsiona avanços,
mas sem jamais perder de vista o valor e dos ancestrais (Brasil, 2013).
Também é importante que as crianças sejam incentivadas a brincar de forma livre e
espontânea, resgatando as brincadeiras tradicionais como pular amarelinha, brincar de roda,
cantar músicas folclóricas, entre outras. Além das brincadeiras, é importante que a prática
pedagógica contemple atividades que valorizem a cultura quilombola, como contar histórias e
lendas, organizar oficinas de artesanato com materiais recicláveis, realizar atividades de
culinária utilizando alimentos da região, entre outras (Brasil, 2013).
Dessa forma, a questões da ancestralidade, está contemplada na educação quilombola,
contempladas na regulamentação, voltada para a educação no campo. A educação baseada no
lúdico ancestral, contribui para o fortalecimento da identidade cultural das crianças,
promovendo o resgate e a valorização das tradições quilombolas, pois
A terra, para os quilombolas, tem valor diferente daquele dado pelos grandes
proprietários. Ela representa o sustento e é, ao mesmo tempo, um resgate da memória
dos antepassados, onde realizam tradições, criam e recriam valores, lutam para
garantir o direito de ser diferente sem ser desigual. Portanto, a terra [...]está
relacionada com a dignidade, a ancestralidade e a uma dimensão coletiva (Brasil,
2013, p. 439).
Lúdico ancestral
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reviver as memórias da família, relembrar os ensinamentos das professoras na Furnas
dos Baianos e comparar os ensinamentos ancestrais e a prática pedagógica desenvolvida na
comunidade remanescente, permitiu visualizar a atuação das professoras daquela comunidade,
permitiu verificar que suas ações desenvolvidas na prática pedagógica permitiu um maior
aprendizado, atendendo a diversidade do local.
Com relação a pesquisa sobre os quilombos, permitiu verificar que a família se fechou
em proteção ao grupo, haja vista a quantidade de casamentos entre primos, ali se formou um
grupo social diferenciado, com ações positivas e afirmativas promovendo a sobrevivência, a
cultura e a educação. No campo da didática, mesmo sem saber, as professoras utilizaram os
756
saberes ancestrais em seus ensinamentos e conseguiram alfabetizar e incentivar os jovens a
prosseguirem seus estudos.
Igualdade e diferença dialogaram na construção cultural local, laços de pertencimento a
comunidade desse estudo me possibilitou compreender a diversidade dos meus parentes e a
pratica pedagógica utilizada pelas professoras, elas atuaram na educação quilombola, pude
observar que a aproximação da cultura da comunidade com os elementos didáticos foram
relevantes aos estudantes do local.
REFERÊNCIAS
BISSOLI, Bruno; DIB, Caio; VILELLA, Mariana; FERRAZ, Renat; PINHEIRO, Vanessa.
Educação de alma brasileira. Vekante Educação e Cultura, 2017, 192 p.
757
REVISÃO INTEGRATIVA A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO DAS CRIANÇAS NAS
PESQUISAS
758
quanto mais informações, melhor será a compreensão dos leitores para se aproximar do
caminho percorrido pelo autor.
A título de organização, os dados coletados seguem uma rigorosa sistematização que alguns
autores assim como (Botelho; Cunha; Macedo, 2011) chamam de etapas e de fato precisam ser
respeitadas para que a revisão seja considerada integrativa. Vejamos a seguir quais são essas
etapas.
1ª etapa – Identificação do tema e elaboração da pergunta norteadora. O pesquisador deve
elaborar uma pergunta/problema que a revisão dos dados trará a resposta ou apontará o
caminho. Cabe também a definição dos descritores e a base dos dados utilizada.
2ª etapa - Critérios de inclusão e exclusão. Os bancos de dados são utilizados e os trabalhos
são levantados e selecionados com base nos critérios previamente definidos.
3ª etapa - Estudos pré-selecionados e selecionados. Para a identificação e organização dos
trabalhos se iniciam as leituras dos títulos, resumos e palavras-chave.
4ª etapa - Categorização dos estudos selecionados. Forma de sistematização dos trabalhos
encontrados, bem como a elaboração de um método próprio de organização dos dados e
exposição da análise crítica.
5ª etapa - Análise e interpretação dos resultados. Se insere como a discussão sobre os dados,
expondo as singularidades e regularidades encontradas nas pesquisas.
6ª etapa - Apresentação da revisão. O autor elabora diferentes formas detalhadas para
apresentar os dados analisados aos leitores, de modo que segue o aprofundamento das
informações.
De acordo com Botelho; Cunha; Macedo (2011, p. 133):
A revisão integrativa pode ser considerada, portanto, um método para o
desenvolvimento da revisão da literatura no campo organizacional. Este procedimento
foi escolhido por possibilitar a síntese e análise do conhecimento científico já
produzido sobre o tema investigado, além de permitir a obtenção de informações que
possibilitem aos leitores avaliarem a pertinência dos procedimentos empregados na
elaboração da revisão.
760
Quadro 2 – Descrição quantitativa dos trabalhos excluídos
Excluídos/Títulos
12
Excluídos/Resumos •Scielo
6
Excluídos/Leitura completa
5 Excluídos/Títulos
354
Excluídos/Resumos
•IBICT
30
Excluídos/Leitura completa
Excluídos/Títulos
12
77
Excluídos/Resumos
64 •ANPEd
Excluídos/Leitura completa
4
761
partir da leitura dos títulos selecionamos 10 trabalhos para realizar a leitura dos resumos e a
partir desses selecionamos 6 para a leitura completa.
O total de trabalhos das reuniões nacionais da ANPEd selecionados a partir da leitura
dos títulos foram 21. Os trabalhos selecionados a partir da leitura dos resumos foram 13. Após
a leitura completa dos trabalhos selecionamos 9 para compor a discussão dos dados. O quadro
a seguir apresenta a natureza dos trabalhos selecionados a partir da leitura completa.
Quadro 3 – Separação dos trabalhos em artigos, teses e dissertações por banco de dados
Com base na visualização do quadro percebemos que o maior número levantado foi de
dissertações e o menor número foi de artigos. Deste total de trabalhos separamos para a próxima
fase da revisão integrativa.
Quadro 4 - Scielo
762
Quadro 5 – Anped
Título Autor Natureza Ano Metodologia Participação
A percepção de crianças de Pedro Neto - 2019 Observação Crianças negras bem
uma turma de creche acerca Oliveira de participante e a pequenas
do pertencimento étnico- Aquino entrevista coletiva, remanescentes de
racial, numa Silvia Helena fotografias e quilombolas
Comunidade de Vieira Cruz histórias, diário de
remanescentes de campo.
quilombolas
A tomada de consciência na Vanessa Ferraz Tese 2021 Etnografia com Bebês em contextos
pesquisa etnográfica com Almeida Neves filmagens, coletivos de cuidado
bebês Elenice de Brito fotografias e e educação.
Teixeira Silva anotações
Alice de Paiva
Macário
Docência com bebês em Thamisa Sejanny Dissertação 2019 Vídeo e registros ações interativas de
ocasiões de cuidados de Andrade das observações cuidado/educação de
pessoais: interações e banho Rodrigues bebês e sua
em foco Tacyana Karla professora
Gomes Ramos
Formas regulatórias na Aline Helena Dissertação 2017 Roda de conversa, Perspectiva das
educação infantil: retratos Mafra-Rebelo registros crianças sobre as
a partir da perspectiva das Márcia Buss- fílmicos, formas regulatórias
crianças Simão fotográficos e da instituição
escritos
organizados,
Institucionalização da Regiani Francez Dissertação 2021 Etnografia e Narrativas das
infância: uma análise de Novak - recursos crianças, sobre o
narrativas de Roseli Nazario tecnológicos processo de
Crianças a partir de institucionalização
experiências na educação
infantil e na
Família
O brincar e a constituição Andréa Simões - 2017 Etnografia e Espaços-tempos do
social das crianças em um Rivero investigação brincar a partir da
Contexto de educação Eloísa Acires participativa, notas constituição social
infantil Candal Rocha de campo e das crianças
gravação em áudio
ou vídeo.
Os movimentos de Daliana Loffler - 2021 Etnografia e Os bebês nos
participação dos bebês em Ana Cristina Coll cadernos para movimentos de
uma turma de Delgado anotações e participação
Berçário: entre as culturas máquina
infantis e uma cultura fotográfica
adulta
Sensível na educação
infantil
Que cor é a minha cor? A Tarcia Regina da - 2017 Autorretrato, Identificação racial
autoidentificação racial das Silva entrevista semi das crianças
crianças na educação estruturada.
infantil
763
Vivências do espaço-tempo, Elenice de Brito - 2021 Pesquisa dialético- Os bebês e a
rotinas culturais coletivas e Teixeira Silva abdutiva. constituição cultural
rotinas de cuidado nas Vanessa Ferraz Observações da
brincadeiras dos bebês Almeida Neves Videogravação, brincadeira
fotografias e diário
de
Campo.
Fonte: elaboração própria com base no banco de dados.
Quadro 6 – IBICT
764
Com as linguagens, as Paula Amaral Faria Tese 2020 Etnografia com Linguagens das
crianças: observações, escritos crianças no
Brincadeiras na educação diários, fotografias e cotidiano escolar
infantil filmagens.
Contribuições de Vanessa Lidiane Dissertação 2016 Narrativas, Rodas De Impactos das
narrativas de crianças Domiciano Bezerra Conversa, Desenhos E narrativas das
para a formação de Brincadeira De Faz-De- crianças sobre
professores de educação Conta, Observações, infância e escola
infantil Grupo Dialogal E Diário em seus
De Campo. professores
Corpo e cabelo negro: (re) Elândia dos Santos Dissertação 2020 Observações, Conversas Ressignificações
significações e interações Informais, Registro Em das crianças sobre
com e de crianças em uma Diário De Campo, o corpo e o cabelo
escola de Educação Filmagens, Fotografias E negro nas relações
infantil de belo horizonte Análise Documental. cotidianas
Crianças bem pequenas no Queila Almeida Dissertação 2015 Observação, registros Interesses e
cotidiano da escola: Vasconcelos fotográficos e diário de participação das
tecendo relações entre campo. crianças no
participação e interesses cotidiano escolar
de aprendizagem
Crianças migrantes: Karina Strohhecker Dissertação 2017 Questionário, entrevista, A migração a parti
sentidos e memórias da Lisa Alcubierre diário de campo, do do contexto de
objetividade vivida gravador e do desenho. vida das crianças
Culturas infantis e a Maria Carolina Dissertação 2020 Etnografia Com Saberes culturais
documentação Henrique Marques Observações, Registros, regionais das
pedagógica: saberes Fotografias E Painéis. crianças
culturais regionais das
crianças da amazônia
amapaense
Currículo para bebês no Dissertação 2017 Estudo De Caso Com O currículo em
contexto da creche: Maria Crélia Observação Participante, desenvolvimento
concepções, práticas e Mendes Carneiro Gravações, Entrevista com os bebês
participação das crianças Semiestruturada,
Autoscopia, Questionário
E Análise Documental.
Descortinando as Alice de Paiva Tese 2021 Perspectiva Etnográfica A Relação Dos
vivências dos bebês na Macário Com Observação, Vídeo- Bebês Com As
creche: a relação com os Gravação, Fotografia E Professoras E
artefatos culturais Diário De Campo. Artefatos
Culturais
Direitos da criança: Vanessa Helena Dissertação 2019 Etnografia Com Concepções Das
dizeres e sentires infantis e Seribelli Questionário, A Crianças E
docentes sobre o que é ser Observação E A Professoras Sobre
criança no contexto Entrevista O Que É Ser
educativo Semiestruturada. Com As Criança,
Crianças, Lancei Mão Da
Observação, Produção De
Desenhos Comentados,
Rodas De Conversa E
Histórias Para Completar.
Educação infantil no Eliana Maria Tese 2019 Pesquisa investigativa Poder que as
cotidiano: diálogos entre Ferreira com observação crianças têm na
adultos e crianças participante, anotações, relação com a
fotografias, entrevista não constituição
estruturada e gravação de profissional do
áudio. adulto
765
Entre cartas, fóruns e Luciana dos Santos Tese 2020 Observações Relação social da
brincadeiras: vivências de Gonçalves participativas, produção criança ao sair da
crianças na travessia da de correspondência por educação infantil
educação infantil para o meio de cartas,
ensino fundamental construção de maquete e
fóruns de discussão.
“Hoje meu coração bateu Miriam Nogueira Dissertação 2020 Observação participante Protagonismo das
na porta da minha casa”: o Duque Villar de 13 rodas de conversa, crianças nas rodas
protagonismo das crianças notas de campo, registros de conversas
nas rodas de conversa na fotográficos,
creche videogravações e
entrevista
semiestruturada.
Inspirações em cenas e Priscila Barbosa Dissertação 2018 Etnografia com A influência na
atos: pesquisa com Arantes observação participante, formação do
crianças para a formação diário de campo, coordenador por
de coordenadores fotografia, filmagens, meio da
participação ativa
e direta das
crianças
“Mas eu acabei de Susana Angelin Dissertação 2018 Etnografia com Compreensão do
começar?!” A reiteração e Furlan observação e entrevistas tempo para as
as nuances do tempo no crianças
contexto escolar
“Minha mãe não pode Jéssica Tairâne De Dissertação 2019 Pesquisa com crianças Pensamento das
falar nada que meu pai fica Moraes com literatura infantil e crianças sobre as
brabo”: de rodas de conversa. situações de
Violências de gênero a violência no seu
partir do olhar das cotidiano
crianças
“Minha tia mandou Rafaely Karolynne Tese 2020 Etnografia com Participação das
pintar mais”: a do Nascimento observação participante, crianças na prática
participação de crianças Campos anotações em diário de pedagógica
pequenas na educação campo, fotografias e
infantil e suas influências gravações em vídeo.
na prática pedagógica
Narrativas orais infantis: o Silvana de Dissertação 2022 Etnografia virtual com Narrativas das
processo de historicizar-se Medeiros da Silva observação participante, crianças a partir
na Educação Infantil em diário de campo e das vivências na
ambiente virtual gravações em áudio. educação infantil
O brincar revolucionário Lisaura Maria Tese 2021 Etnografia com Modos de brincar
de faz de conta na Beltrame observação participativa, de faz de conta das
perspectiva histórico- filmagens, fotografias. crianças.
cultural: vozes, imagens,
manifestações, expressões
das infâncias e crianças de
4 e 5 anos
O cotidiano na Educação Andreia Aparecida Dissertação 2018 Observações, diário de Espaços de
Infantil: espaços, tempos, Liberali Schorn campo e narrativas. participação dos
ações e o lugar dos bebês bebês.
O espaço físico de uma Aline Constância Dissertação 2020 Perspectivas etnográficas Percepção das
instituição de educação de Figueiredo e com observação, registros crianças sobre o
infantil: como as crianças Souza fotográficos, registros espaço físico da
significam esse lugar? escritos em diário de instituição.
campo, entrevista
semiestruturada com a
realização de desenhos.
766
O que pensam as crianças Eliane Ceri Assis Dissertação 2022 Pesquisa exploratória Pensamento das
assentadas sobre o papel Santana com conversas gravadas crianças sobre o
do professor de educação com as crianças, papel do professor
infantil do campo — ou: associadas à produção de
sobre o direito da desenhos e a brincadeiras.
participação política dos
pequenos
Participação de crianças Synara do Espírito Dissertação 2015 Fotografias, caderno para Modos de
nas rotinas da educação Santo Almeida as anotações de campo, participação das
infantil gravador de áudio, crianças na rotina
computador com
gravador de áudio, roteiro
de observação e de
entrevista
semiestruturada.
“Se você estiver aqui, você Elaine Conceição Dissertação 2016 observação participante, a Interação das
é nossa amiga, senão não Silva De Almeida análise de documentos e crianças em
é”: entrevista grupos.
As interações entre um semiestruturada, diário de
grupo de crianças no campo, vídeogravações e
ambiente da educação fotografias.
infantil.
“Tem 900 lobos escondidos Bruna Cadenas Dissertação 2018 Etnografia com Estratégias das
na floresta” ou as Cardoso observação participante, crianças nas
narrativas sobre o que as diário de campo, brincadeiras.
crianças dizem brincando fotografias, roda de
a respeito do mundo e das conversa, história e
culturas das quais fazem desenhos.
parte
Transições cotidianas nos Luciane Frosi Piva Dissertação 2019 Observação, registro em Modos de lidar
modos de ser e de viver dos diário de campo e registro das crianças com
bebês e crianças bem fotográfico e fílmico. os tempos e
pequenas na creche espaços.
Fonte: elaboração própria com base no banco de dados.
Com base na análise do quadro acima percebemos que 13 trabalhos optaram por
desenvolver pesquisas etnográficas, 1 Pesquisa exploratória, 1 Pesquisa investigativa, 1
Investigação descritiva, 1 Estudo De Caso, 1 pesquisa com intervenção, e 1 Investigação-ação
e outros 13 trabalhos não mencionaram o tipo de pesquisa. Na última coluna mencionamos a
participação das crianças e como foi investigada nas pesquisas, pois um dos objetivos da tese
em andamento é detalhar o conceito de participação das crianças nas pesquisas da educação
infantil.
Consideramos que o número de trabalhos que foram selecionados para compor o quadro
ainda é um número alto, mas após as leituras completas optamos por mantê-los como referência
aos estudos por estar diretamente relacionado ao tema de pesquisa e dentro dos critérios de
inclusão.
767
2. ENTRELAÇANDO IDEIAS PARA CONCLUIR
Como mencionamos inicialmente, o presente trabalho é um recorte das escritas da tese que
está em desenvolvimento e por isso apresentamos apenas uma parte da revisão integrativa.
Destacamos que a revisão integrativa por seguir diversas etapas para a busca dos dados
relacionados ao tema de estudo, exige do pesquisador um rigor metodológico e ético ao detalhar
as informações obtidas com o levantamento dos trabalhos, bem como evidenciar o passo a passo
que foi desenvolvido para que o leitor possa acompanhar de forma sistemática a organização
utilizada pelo autor.
Concluímos com base na análise desse recorte que há muitas pesquisas que estão sendo
desenvolvidas com as crianças, mas nos leva a pensar se estão seguindo de fato as exigências
éticas e metodológicas que fazem parte das pesquisas com as crianças.
Consideramos que a presente revisão integrativa relacionada a participação das crianças nas
pesquisas da educação infantil possibilita a compreensão sobre como estão sendo desenvolvidas
tais pesquisas, como descrevem as informações obtidas com a participação das crianças e pode
abrir portas para novos estudos que considerem as crianças como participantes.
REFERÊNCIAS
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é”: As interações entre um grupo de crianças no ambiente da educação infantil. Dissertação
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771
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protagonismo das crianças nas rodas de conversa na creche Dissertação (Mestrado em
Educação). Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2020.
772
A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PROPOSIÇÕES SOBRE A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Resumo: Este estudo tem por objetivo discutir a formação de professores de Educação Física
que atuam na Educação Infantil. Para tanto optou-se por utilizar como metodologia uma
pesquisa bibliográfica. A formação de professores a partir de 1980 vem sendo ampliada,
principalmente após a abertura politica a promulgação da Constituição de 1988 e da Lei de
Diretrizes e Bases de 1996. Neste mesmo interim, ocorre a introdução da Educação Infantil na
Educação Básica e a obrigatoriedade da Educação Física em todas as Etapas da Educação
Básica. Tudo isso gera o aumento de Fóruns, Congressos, Estudos, Pesquisas sobre a inserção
e permanência da Educação Física na Educação Infantil. Tais estudos tem demonstrado faz-se
necessários formação inicial e continuada, que contribuam para a prática pedagógica do
professor de Educação Física, que suas ações tenham sentido e significado para a criança, e que
o docente possa estar refletindo e ampliando seus conhecimentos sobre criança, infância,
direitos, experiências, cultura infantil, ludicidade, interações e brincadeiras, entre outros. No
entanto, são necessárias formações que proporcione condições dos docentes ampliar seus
conhecimentos e que possam refletir sobre sua própria prática.
Palavras-chave: Educação Física; Educação Infantil; Formação de Professores.
INTRODUÇÃO
Discutir a Educação Física na Educação Infantil, coincide com dois movimentos que
estavam acontecendo no Brasil, o primeiro as discussões em relação a Educação Infantil como
primeira Etapa da Educação Básica, promulgada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) de 1996, e a inserção do professor de Educação Física na Educação Infantil, determinado
pelo art. 26, inciso 3º, que “os currículos deveriam valorizar a Educação Física”, sem indicá-
la como disciplina obrigatória. Somente em 2003, a redação do artigo é alterada e a Educação
Física é colocada como componente obrigatório em toda Educação Básica.
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)em
Campo Grande - MS.
Bolsista Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do
Sul (FUNDECT-MS).
773
Neste interim, são fomentadas discussões sobre a formação de professores que atuam
na Educação Infantil, para Ostetto (2012) a formação de professores envolve muito mais que
aprendizagens conceituais e procedimentais, formar um professor implica estar atento as
histórias de vida, crenças, valores, afetividade, enfim a subjetividade que envolve o trabalho
docente.
Para Cunha (2015) “a expressão formação tem um caráter pragmático e utilitário.” Isto
ocorre principalmente após a Revolução Industrial, no qual exigia saberes específicos para as
demandas do labor. Desta forma devido a organização do trabalho a formação se deu nos
espaços escolarizados, acontecendo principalmente nas escolas e universidades. Em relação a
formação de professores a autora afirma que nas últimas décadas vem ocorrendo movimentos
no qual percebe a docência como um movimento social, a formação cada vez mais é
multifacetada, incluindo saberes, contextos temporais, políticos e culturais. Sendo assim, cada
vez mais vem reconhecendo nas formações tanto os saberes da prática como da teoria.
Neste sentido este estudo tem por objetivo discutir a formação de professores de
Educação Física que atuam na Educação Infantil. Para tanto optou-se por utilizar como
metodologia uma pesquisa bibliográfica.
774
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
O trabalho docente assim como a formação deste profissional vem sendo alvo de muitas
discussões. De acordo com Nóvoa (1999), o trabalho docente tem passado por muitas
mudanças, sendo um campo repleto de lutas e de conflitos, pois cada vez mais os professores
vêm buscando reconhecimento e consolidação da sua profissão. Para tanto, faz-se necessário
compreender que o inicio da profissão docente se deu em meio as congregações religiosas, as
quais eram responsáveis em firmar um corpo de saberes, de técnicas, de normas e valores
específicos da profissão docente. Somente no final do século XVII começo do século XVIII,
inicia a entrada de professores leigos. Já no final do século XIX e início do século XX, o
professor ganhou o status de detentor do conhecimento e passou ser reconhecido pela sociedade
como um profissional responsável por formar pessoas aptas a exercerem com conhecimento e
qualidade diferentes profissões.
Para Tardif e Lessard (2005, p.8.) ser professor atualmente mostra-se algo cada vez
mais complexo e cheio de desafios, pois é uma profissão de interação, “uma forma particular
de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu
“objeto” de trabalho que é justamente um outro ser humano, no modo fundamental de interação
humana”. (grifo dos autores).
Diante deste contexto cada vez mais tem-se discutido a formação de professores tanto
inicial como continuada, no qual vários temas foram e vem sendo elencados e discutidos como
afirma Pimenta:
775
processo, as responsabilidades da universidade, dos sindicados, dos governos nesse
processo; a escola como espaço de formação contínua, os alunos: quem são? De onde
vêm? O que querem na escola? (de suas representações); da profissão: profissão? E
as transformações sociais, políticas, econômicas, do mundo do trabalho e da sociedade
da informação; como ficam a escola e os professores? (Pimenta, 2012, p.41.).
Libaneo (2011) afirma que existe uma crítica sobre a rigidez curricular e metodológica
nos cursos de formação de professores, no qual existe um desligamento da prática docente, para
o autor estudos tem demonstrado a necessidade de reformas educativas, a favor de formar
professores reflexivos, que articulem a formação inicial com as demandas práticas da escola,
que a formação tenha como referência o local de trabalho, que seja centrada nas dimensões:
pessoais, profissionais e organizacionais, levando o professor a uma reflexão sobre sua própria
prática.
Como podemos observar há muito o que se discutir sobre a formação de professores que
atuam na Educação Infantil, mas no que se refere ao professor de Educação Física, este
profissional está preparado para atuar nesta etapa da Educação Básica? Tentaremos a seguir
trazer algumas proposições sobre este tema.
[...] o espaço ocupado pela Educação Física na Educação Infantil a partir das
orientações dos documentos da área, onde a disciplina não aparece como componente
curricular, visto que para este nível de ensino não existe a organização de conteúdos
777
para disciplinas, predominado ainda o binômio cuida/educar. Neste sentido,
consideramos que a permanência da disciplina neste nível ensino se traduz ainda, na
obrigatoriedade legal da disciplina para a Educação Infantil – LDB n. 9.394/96 e não
na especificidade de atuação do profissional, o que consideramos como uma
contradição. (Rocha, 2018, p199)
Apesar dos documentos legais dar legitimidade da Educação Física atuar na Educação
Infantil, Gomes (2015) afirma que só será possível legitimar o trabalho deste profissional nesta
etapa da Educação Básica a partir de uma mudança radical no paradigma de professor que
vigora atualmente; investimento na formação do professor que comtemple o rol de
conhecimento que compõem os estudos relativos a criança de zero a cinco anos; uma
aproximação entre a Educação Física e a Pedagogia e vice versa; assim como ampliar o debates
em torno a inserção do professor de Educação Física na Educação Infantil.
778
Para Quaranta, Franco e Betti (2016) descreveram em sua pesquisa que os cursos de
graduação em Educação Física não em priorizado as atividades de formação de docentes para
crianças pequenas. Afirmam que os docentes pesquisados sentiram falta de uma formação
inicial mais consistente e formação continuada que contribuíssem para atuar na Educação
Infantil, para os autores para melhorar estas questões os currículos de formação deveriam
abordar questões das concepções e prática dos futuros docentes e as escolas, além de ampliar
o diálogo entre os professores polivalentes e os professores especialista neste caso o professores
de Educação Física.
Para Felipe, Pires e Abreu (2022) quando ocorre uma formação consiste na formação
do professor de Educação Física, no qual de subsídios para trabalhar na Educação Infantil, terá
impacto na sua atuação pedagógica, contribuindo significativamente para o desenvolvimento
das crianças, com práticas corporais constituídas para o imaginário infantil e numa ação
integrada entre as áreas do conhecimento, fazendo com que o significado do que é trabalhado
seja explicitado em todas as vivências da criança neste tempo e espaço escolar da Educação
Infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Educação Física não fica a parte desta discussão, pois é um componente curricular
obrigatório em toda Educação Básica, neste sentido deve estar presente na Educação Infantil,
contudo, estudos tem demonstrado a necessidade de ampliar as discussões sobre a inserção
deste profissional nesta etapa.
Para tanto, faz-se necessários formação inicial e continuada, que contribuam para a
prática pedagógica do professor de Educação Física, que suas ações tenham sentido e
significado para a criança, e que o docente possa estar refletindo e ampliando seus
conhecimentos sobre criança, infância, direitos, experiências, cultura infantil, ludicidade,
interações e brincadeiras, entre outros. No entanto, são necessárias formações consistentes, que
lhe proporcione condições de ampliar seus conhecimentos e lhe de suporte para refletir sobre
sua própria prática.
Referências
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: 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf . Acesso
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TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência
como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.
782
TEORIA E PRÁTICA NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO-
RELAÇÕES ENTRE AS DIMENSÕES DO PRESENCIAL E O VIRTUAL À LUZ DAS
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
Resumo: Este estudo analisa a teoria e prática no ensino de Arquitetura e Urbanismo, com foco
na relação entre o ensino presencial e virtual, à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais e
explora as implicações pedagógicas dessas diretrizes. Investiga como teoria e prática estão
interligadas e se manifestam em diferentes modalidades de ensino. A metodologia adotada é
composta por três etapas. A primeira compreende uma revisão bibliográfica, na qual são
analisados estudos e pesquisas anteriores que tratam da teoria e prática no ensino de Arquitetura
e Urbanismo, particularmente com base no virtual. A segunda etapa, envolve uma análise
documental das Diretrizes Curriculares Nacionais que estabelecem as bases para a formação
em Arquitetura e Urbanismo no contexto educacional brasileiro. A terceira e última etapa, faz
uma análise comparativa entre as dimensões do presencial e do virtual no ensino da graduação
de Arquitetura e Urbanismo. Como resultado, o estudo destaca a importância de equilibrar
teoria e prática no ensino de Arquitetura e Urbanismo, independentemente da modalidade, para
formar profissionais competentes e preparados para os desafios da área.
783
Nesse contexto, este artigo tem como objetivo realizar um estudo comparativo entre o ensino
presencial e virtual de Arquitetura e Urbanismo, à luz das Diretrizes Curriculares Nacionais.
Fruto de pesquisa de doutoramento, o artigo se desenvolve a partir de um recorte sobre
a temática. Espera-se que este estudo possa contribuir para a reflexão sobre o ensino em
Arquitetura e Urbanismo, tendo em mente as particularidades intrínsecas dessa área e as
demandas que tanto a esfera acadêmica quanto a profissional impõem. Além disso, enfatizamos
a interconexão existente entre o ambiente presencial e o virtual, explorando como essas duas
dimensões se entrelaçam e influenciam mutuamente no contexto do ensino em Arquitetura e
Urbanismo.
A metodologia adotada no artigo é composta por três etapas. A primeira delas
compreende uma revisão bibliográfica, na qual são analisadas as concepções do virtual no
ensino de Arquitetura e Urbanismo. Essa revisão busca embasar teoricamente o estudo e
fornecer um contexto para a análise comparativa realizada. Como objetivo de compreender as
orientações oficiais que regem o ensino nessa área, a segunda etapa envolve uma análise
documental das Diretrizes Curriculares Nacionais que estabelecem as bases para a formação
em Arquitetura e Urbanismo no contexto educacional brasileiro.
A terceira e última etapa compreende na comparação das dimensões do presencial e do
virtual no ensino de Arquitetura e Urbanismo. Nessa fase, são apresentadas informações
relevantes sobre as características, abordagens pedagógicas e práticas educacionais de ambas
as modalidades. A comparação tem como objetivo identificar semelhanças, diferenças e
desafios específicos relacionados à relação entre teoria e prática em cada contexto de ensino.
A virtualidade no ensino de Arquitetura e Urbanismo
Neste tópico, aprofundamos nosso entendimento sobre o conceito de "virtual", indo
além da simples execução de programas em sistemas informáticos. Consideramos a
"virtualização" como uma dinâmica que abarca diversas concepções, como proposto por Lévy
(2011).
O recorte que interessa à essa pesquisa enfoca a área do conhecimento e do ensino,
especialmente em relação às observações de Lévy sobre a relação com o virtual. Ele destaca a
rápida evolução e a abundância de informações na sociedade contemporânea, resultando na
obsolescência das competências adquiridas durante a formação profissional.
No contexto do ensino de Arquitetura e Urbanismo, isso implica que as instituições de
ensino precisam estar atentas às mudanças constantes e preparar os estudantes não apenas com
784
habilidades técnicas específicas, mas também com a capacidade de aprendizado contínuo às
transformações em sua área.
A relação com o virtual também engloba o uso de tecnologias digitais e ambientes
virtuais de aprendizado para aprimorar a educação e a formação profissional. Estas ferramentas
desempenham um papel fundamental ao proporcionar acesso a informações atualizadas,
fomentar a colaboração entre estudantes e facilitar a produção de conhecimento. Ao utilizar
esses recursos online, os estudantes podem acompanhar de perto as mudanças constantes em
sua área de atuação.
Na perspectiva do ensino de Arquitetura e Urbanismo, a virtualidade vai além,
representando a integração estratégica de tecnologias digitais, ambientes virtuais e recursos
online como componentes essenciais na formação de arquitetos e urbanistas. Essa abordagem
enriquece significativamente o processo de aprendizado, preparando os alunos para enfrentar
os desafios inerentes à prática profissional na área.
Por um lado, há um aumento na oferta de disciplinas que se concentram no ensino de
softwares usados para criar representações gráficas digitais, como modelos 3D e renderizações.
Por outro lado, mesmo disciplinas que historicamente eram exclusivamente teóricas estão
explorando maneiras criativas de incorporar as Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) em seu conteúdo, tornando o ensino mais dinâmico e interativo. Essas mudanças
refletem a crescente importância da tecnologia no campo da Arquitetura e Urbanismo.
Neste contexto de novas oportunidades, Leal (2018) ressalta que mesmo o ensino da
História da Arquitetura pode ser aprimorado. Um exemplo disso é a aplicação da realidade
aumentada durante visitas guiadas. Através de dispositivos como tablets ou smartphones, os
alunos têm a chance de comparar estruturas em ruínas com construções de outras épocas. Além
disso, eles podem acessar informações complementares, incluindo áudios, vídeos e textos
explicativos, criando uma experiência de aprendizado enriquecedora e interativa.
No entanto, é importante destacar, com base nas observações de Baltazar (2005), que a
relação entre arquitetura e tecnologias digitais não é simples, e os termos "digital" e "virtual"
muitas vezes se entrelaçam, com o digital frequentemente desempenhando um papel facilitador
no contexto do virtual.
Por fim, consideramos a definição de mundo virtual apresentada por Shön (2000), que
destaca a importância da manipulação criativa e da reflexão crítica na formação de Arquitetos
e Urbanistas. Essa perspectiva mostra que a virtualidade não está restrita ao ambiente digital,
785
mas pode ser uma parte intrínseca das experiências no mundo físico. Ele argumenta que é viável
explorar os limites do experimento inerentes à prática. Shön destaca que “a habilidade de criar
e manipular mundos virtuais se torna crucial não apenas para a expressão artística, mas também
para uma experimentação rigorosa” (SHÖN, 2000, p. 67).
O autor estabelece uma conexão intrigante entre o mundo gráfico do desenho e a
capacidade de revelar qualidades e relações previamente não imaginadas. Nesse sentido, o ato
de desenhar em uma folha de papel se transforma em um processo de aprendizado no qual é
possível corrigir erros e identificar resultados inesperados das ações. Isso ilustra como a prática
do desenho não é apenas um meio de representação, mas também um veículo para a descoberta
e aprofundamento do conhecimento.
A visão de mundo virtual, conforme proposta por Shön, ilustra que a virtualidade
transcende o mero ambiente digital, podendo influenciar as experiências no mundo físico. Nesse
contexto, a capacidade de manipulação criativa e a reflexão crítica desempenham papéis
indispensável no processo de aprendizado e na formação de arquitetos e urbanistas. Isso
significa que a virtualidade não se resume a uma simples ferramenta, mas representa uma
mentalidade que deve permear todos os aspectos do ensino e da aprendizagem nessa área.
Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino de Arquitetura e Urbanismo
Nesta seção, buscamos primeiramente conceituar as Diretrizes Curriculares Nacionais
de maneira geral e, em seguida, nos aproximamos das especificidades das DCNs do curso de
graduação em Arquitetura e Urbanismo.
Segundo a Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (CEAU)
do Ministério da Educação, toda a legislação que regulamenta a profissão tem alcance nacional.
Isso significa que, desde que cumpram as diretrizes e requisitos curriculares gerais
estabelecidos e observem as leis que regem a profissão, os Arquitetos e Urbanistas podem
exercer sua atividade profissional em qualquer região do país, independentemente do local onde
tenham concluído sua formação.
As DCNs representam um conjunto de orientações para as instituições de ensino
superior desenvolverem seus programas acadêmicos e desempenham um papel regulador e
estabelecem padrões mínimos necessários para garantir a qualidade e a coerência dos cursos.
Essas diretrizes englobam tanto o conteúdo ministrado quanto os objetivos educacionais
propostos.
786
A primeira menção a um currículo mínimo nacional de Arquitetura data de 1962,
quando o Parecer nº 336 do Conselho Federal de Educação foi aprovado em 17 de novembro
(Conselho Federal de Educação, 1962). Este currículo tinha como objetivo principal evitar a
"fragmentação" da formação profissional em áreas especializadas e preconizava o
aprimoramento e a preparação do arquiteto em setores específicos por meio de atividades
complementares (CONFEA, 2010, p.65).
A implementação das novas DCNs de Arquitetura e Urbanismo, oficializada em 1994
por meio da Portaria MEC 1770/94, foi um importante marco coletivo na busca contínua pela
melhoria do ensino nesta área. Esse momento histórico marcou o fim de um longo período de
aplicação do Currículo Mínimo, que teve início em 1945 (Brasil, 1994).
A partir desse ponto, o processo de formação passou a ser pensado de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, que se tornaram um padrão uniforme em todo o país.
As tecnologias e a informática são incorporadas ao Núcleo de Conhecimentos
Profissionais, de acordo com o Artigo 6º das DCNs (Brasil, 2010). Essas disciplinas são
explicitamente mencionadas no documento, contudo conforme observado por Natumi (2013),
mesmo após a determinação do MEC de incluir a disciplina "Informática Aplicada a Arquitetura
e Urbanismo" nos currículos das faculdades de Arquitetura no Brasil, uma década depois ainda
não havia uma abordagem metodológica e uma compreensão de como conectar essa com as
demais disciplinas do programa acadêmico, particularmente aquelas relacionadas ao Projeto.
A DCN em vigor para os cursos de Arquitetura e Urbanismo é datada de 2010 e
apresenta em seu texto as competências e habilidades que os cursos de graduação no Brasil
devem oferecer aos alunos por meio de sua estrutura pedagógica. Dentre essas competências e
habilidades, destacamos pontos importantes para a nossa análise:
787
Quadro 1 realça as partes pertinentes nas DCNs atuais que revelam a relação direta das
competências e habilidades com a tecnologia e os procedimentos de ambientes virtuais.
Quadro 8. Classificação das competências e habilidades citadas nas DCNs e a relevância do virtual no
ensino de Arquitetura e Urbanismo
788
transformações tecnológicas, sobretudo no campo de Arquitetura e Urbanismo, no qual a
tecnologia desempenha um papel crescentemente importante.
O quando 2 destaca e relaciona diversos aspectos do ensino presencial e virtual.
Dentro dos elementos que se assemelham, incluem-se os conteúdos das disciplinas. Isso
significa que o conteúdo do curso seja pertinente e mantido atualizado para corresponder às
necessidades dessa área independente se está sendo ensinado presencialmente ou de forma
virtual. Além disso, em ambos os cenários, é importante promover a participação ativa dos
alunos por meio de atividades práticas, projetos, discussões e colaboração. Entre os aspectos de
789
Distanciamento está a interação pessoal, habilidades práticas, recursos físicos e a colaboração
face a face.
Considerações finais
Este estudo teve como foco central a compreensão das Diretrizes Curriculares Nacionais
para o curso de Arquitetura e Urbanismo, assim como a análise da abordagem pedagógica
adotada e a dinâmica entre o ensino presencial e o ensino virtual.
Referências Bibliográficas
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AU, Arquitetura e Urbanismo, v. 131, p. 57-60, 2005.
790
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791
UMA VISÃO HISTÓRICA DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES AVANÇOS
RETROCESSOS E PERSPECTIVAS
INTRODUÇÃO
Hoje em dia, a formação de professores é vista como um processo contínuo, que deve
ser atualizado constantemente para acompanhar as mudanças e inovações na área da
educação. Por fim, compreende-se que a história da formação de professores é marcada por
transformações e evoluções ao longo do tempo. Desde transmissão oral do conhecimento
até a valorização da formação continuada, os professores têm sido preparados de diferentes
792
formas para enfrentar os desafios da educação e contribuir para o desenvolvimento dos seus
alunos.
Assim, o presente artigo objetiva observar a trajetória histórica da formação de
professores incorporando uma abordagem mais crítica e reflexiva, que reconheça as
desigualdades históricas, sociais e culturais existentes, para promoção e valorização da
diversidade e das vozes marginalizadas.
794
representativas. Além da ajuda mútua, essas associações buscavam criar oportunidade de
lazer e cultura.
Da queda do estado novo aos anos 1960 multiplicaram as associações tendo como
pauta questões salariais de regulamentação de concursos, carreiras, condições de trabalho
ou seja, pela melhoria de seu estatuto socioprofissional, entretanto nem sempre as pautas
congregavam ou representavam igualmente professores primários e secundários cujas
propostas e interesses divergindo em razão de diferenças de formação qualificação estatuto
e nível de atuação por exemplo.
Nos anos 1970 os governos estaduais promoveram remanejamento de docentes
estudantes escolas de modo a criar as "escolas de primeiro grau" de 8 anos previstas na Lei
5692/71 docentes perderam aulas (portanto tiveram redução salarial) passaram a se deslocar
entre escolas com o objetivo de complementar a carga horária, dispersaram-se as equipes
docentes e gestores prejudicando o trabalho pedagógico.
A reorganização profissionalizante do colegial transformou a escola normal em um
curso de nível médio e eliminou o curso complementar foram adicionadas "habilitações"
segundo as séries de atuação o que impediu a formação abrangente para o primeiro grau.
Também foi instituída a "licenciatura curta" para agilizar e simplificar o preparo de
professores polivalentes.
Em 1968 com a reforma do ensino superior todas as universidades passaram a ter
faculdade de educação oferecendo a formação pedagógica em curso de licenciatura e
pedagogia com habilitações para as destinações funcionais.
Nos anos 1980 foram criados os centros específicos de formação dos magistérios os
CEFAMs para o reforço de formação docente em nível médio a fim de suprir o ensino pré-
escolar e séries iniciais. O curso durava quatro anos em período integral, tinha o currículo
mais equilibrado entre as partes comuns e diversificadas: bolsa de estudo, formação
permanente etc. Apesar de seus bons resultados, a experiência foi descontinuada pelo
ministério da educação ainda na mesma década.
A diversidade de medidas modelos de formação e recrutamento com que os estados
lidaram com a expansão da demanda produziu um quadro variado e desordenado em que
se misturaram e confundiram requisitos de qualificação estatutos legais, graus de
estabilidade, níveis de carreira salários e identidade profissional tendo como resultado a
precariedade da formação e exercício profissional docente assim como a dificuldade de
795
mobilização e consolidação de pautas comuns.
A partir da história do ensino da Pedagogia permite-se determinar as metas que a
educação deve buscar a todo o momento. Segundo Durkheim (1990, p.84) “a pedagogia é
uma teoria-prática que dita as normas para se fazer a educação, e deve ser fundamentada
em duas ciências”, a sociologia e a psicologia.
Sendo assim é importante ressaltar que a pedagogia não se limita apenas ao ensino
escolar, mas abrange todas as formas de educação, seja ela formal, não formal ou informal.
Ela está presente em diferentes espaços e contextos, como escolas, universidades,
instituições de ensino técnico e profissionalizante, organizações sociais, famílias e
comunidades, onde ocorrem processos de ensino e aprendizagem.
A constituição de 1988 passou a permitir a criação de sindicatos do
funcionalismo público o que veio a fortalecer sua organização e poder de pressão ainda que
houvesse rupturas com os modos de ser e as representações docentes das entidades nas
décadas anteriores especialmente contra o assistencialismo mantiveram-se os elementos
históricos que assentaram a união da categoria: reivindicações de maior prestígio social;
estabilidade, progressão e remuneração; e participação em processos decisórios a respeito
da educação.
Com relação às raízes históricas da formação do professor que transpõe essa singela
linha tempo e em relação a esses questionamentos, Pimenta (2002) constata que a temática
sobre a formação inicial do pedagogo é muito vasta e não pode ser reduzida somente à
dimensão formação docente, como define o documento concluído pela Comissão de
Especialistas de ensino de Pedagogia:
796
formação em diferentes áreas do conhecimento para o exercício da profissão. Dessa forma,
é necessário que a formação inicial contemple não apenas os aspectos relacionados à prática
docente, mas também à gestão, pesquisa e produção de conhecimento.
Portanto, a formação do Professor deve ser compreendida como um processo
complexo e multidimensional, que envolve diversas dimensões, tais como:
conhecimentos teóricos e práticos, habilidades técnicas, competências socioemocionais e
valores éticos e políticos, visando uma atuação comprometida e transformadora na área
educacional.
Desenvolver a formação de professores é um processo complexo que envolve várias
etapas e estratégias. Uma formação de professores deficitária pode levar a uma série de
consequências negativas para os estudantes, a sociedade e até mesmo para os próprios
professores. Sem um embasamento teórico sólido, os professores podem não ter o
conhecimento necessário para ensinar de forma efetiva, o que pode resultar em baixo
desempenho acadêmico dos alunos.
797
especialistas em sua própria prática e que sua voz deve ser valorizada no desenvolvimento
de estratégias de formação (NÓVOA, 2012).
Por fim, é importante que os programas de formação de professores ofereçam uma
base teórica sólida, incentivem a criticidade e a reflexão constante, e incentivem a
construção de novos saberes que estejam em sintonia com as mudanças na sociedade e na
educação (NÓVOA, 2012).
798
educadores. Existem, ainda, reservas ao tratar da temática étnico racial, questionar as
diversas formas que ele se manifesta nas relações sociais, de modo particular, no âmbito
educacional. De fato, a temática racial é um caminho a se debater e enfrentá-lo
frequentemente em todos os âmbitos da sociedade. Ao negarmos as ações silenciosas da
sociedade e do sistema, reforçamos determinadas práticas arraigadas de preconceitos
raciais, historicamente construídos.
Diante disso, não se pode deixar de relatar que a população negra teve o acesso aos
bancos escolares negado no início do século XIX, porque a sua presença na escola era
motivo de incômodo para o restante da população. De maneira implícita esses sujeitos eram
associados a doenças contagiosas. Nesse período os brancos enxergavam os negros como
instrumentos de trabalho e por isso não necessitavam de estudos (CRUZ, 2008, p.09).
É eminente a necessidade de se reconhecer e superar as desigualdades e injustiças
históricas enfrentadas pela população negra, enfatizando a importância de promover a
inclusão e a igualdade racial em todas as esferas da sociedade.
Devemos então desafiar os estereótipos e preconceitos arraigados, visando
desconstruir a visão eurocêntrica e valorizar a diversidade étnico-racial brasileira. Valorizar
as contribuições dos intelectuais, artistas e ativistas negros que têm sido fundamentais na
construção e disseminação dos estudos afro- brasileiros. Eles são responsáveis por trazer à
tona perspectivas e conhecimentos que estavam marginalizados e invisibilizados na
academia e na sociedade em geral.
Segundo Bessa-Oliveira (2021, p.1970) neste caso, portanto, ser, sentir e saber do/a
partir e com o pensamento descolonizado como episteme é condição fundamental desta
articulação porque esta é uma produção de conhecimento e subjetividades outros. Pois, de
modo análogo, contempla exatamente àqueles que não foram reconhecidos como culturas
produtoras de arte e de conhecimentos, por meios de seus corpos e almas que habitam
(empurrados) as fronteiras da modernidade, da pós-modernidade e do capitalismo
contemporâneo. Logo, são corpos que articularam e articulam filosofias que emergiram das
condições ameríndias e africanas, por exemplo, mas também de gêneros, raças, classes, fés
e línguas outros que o pensar cartesiano, ontológico, da fenomenologia e marxista modernos
e a lógica capitalista pós-moderna e ainda neoliberal e de extrema-direita ultraconservadora
contemporâneos sequer reconhecem e reconhecerão.
Sendo assim, analisar os conceitos de raça e etnia significa ressignificar
799
representações étnico-raciais dominantes, problematizá-las e desnaturaliza-las. Pois essa é
a única maneira de abrirmos espaço para a construção de representações culturais
alternativas e plurais dos diferentes sujeitos que interagem na escola e, nos demais espaços
educativos, onde aprendemos sobre nós mesmos e sobre os outros.
As discussões sobre as formações contínuas de professores emergem com certa força,
ainda nas décadas finais do século XX. Vários estudos voltados para essa temática passam
a ser disseminados, principalmente no meio acadêmico. É perceptível que a vida moderna
implicou em mudanças em todos os aspectos, destarte, o alunado demanda outras
necessidades de aprendizagens e, ao mesmo tempo, novas maneiras de como aprendem.
[...] O século XXI é marcado por mudanças em todos os setores da vida. O social, o
econômico e o político passam a ser concebidos dentro do movimento da economia, de um
sistema que impõe cada vez mais o lucro, o capitalista (PEIXOTO, 2020, p.192 -193).
Nos dias atuais, necessita-se conceber o professor pesquisador, ou seja, aquele
profissional reflexivo, questionador, investigador, que alia o ensino à pesquisa, articula
teoria e prática pedagógica, pois este fato estimula a reflexão na ação, tornando o professor
um pesquisador na prática. No Brasil, a separação entre ensino e pesquisa nas universidades
e a valorização da pesquisa, em detrimento do ensino, tem trazido alguns prejuízos à
formação de professores (PEIXOTO, 2020, p.91).
Segundo Cunha (2009, p.1052), conhecimentos fundamentais para que nas suas
interações com situações reais, quando acompanhadas de reflexão, questionamento e
experimentação, adquiram um conjunto alargado de competências, capacidades e atitudes
de análise crítica, inovação e investigação pedagógica. Estas competências irão, por certo,
reforçar a bagagem dos que possuem já um conjunto de dons inatos, mas tornará todos mais
aptos à construção de respostas às mutações decorrentes de uma sociedade assente no
conhecimento.
Dada a necessidade de formação continuada de professores, as atuais Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN) expressam que:
800
Neste sentido, face à dimensão dos problemas e aos desafios atuais da educação,
precisamos, mais do que nunca, reforçar as dimensões coletivas do professorado. A imagem
de um professor de pé junto ao quadro negro, dando a sua aula para uma turma de alunos
sentados, talvez a imagem mais marcante do modelo escolar, está a ser substituída pela
2- CONSIDERAÇÕES FINAIS
801
desaprender concepções e práticas que reforcem a opressão e a exclusão.
Em resumo, a transformação na formação de professores a partir destes movimentos
busca desafiar a hegemonia do conhecimento eurocêntrico e colonial, promovendo uma
educação mais inclusiva, justa e equitativa. Empoderar os professores para que se tornem
agentes de mudança e contribuam para a construção de uma sociedade mais igualitária e
respeitosa com a diversidade.
REFERÊNCIAS
CRUZ, Luzilene Alves da. NEGROS & EDUCAÇÃO: por uma nova história.
2008.Disponível em:
https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/32325/1/NEGROS%20%20EDUCA%C3%
87%C3%83O%20POR%20UMA%20NOVA%20HIST%C3%93RIA.pdf. Acesso
em: 12 mai. 2023.
DURKHEIM, Émile. Educación y sociología. Trad. Janine Muls de Liarás. 3. ed. Barcelona:
Ediciones Península, 1990.
PIMENTA, Selma Garido. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.
803
GT 8 - POLÍTICA EDUCACIONAIS: PROTAGONISMO E VISIBILIDADE
Resumo: O artigo tem como objetivo descrever as políticas educacionais para a acessibilidade
escolar no âmbito da educação especial como igualdade de direito para o processo da
aprendizagem desse alunado. Busca entender como foram desenvolvidas as ações para a efetiva
inclusão deste sujeito, partindo do conceito que a acessibilidade faz parte do campo
educacional, nos processos de escolarização de alunos com deficiências, sendo que o seu uso é
fundamental para a inserção e a sua permanência na escola regular, contribuindo para o acesso
ao ambiente escolar, ao conteúdo pedagógico e a facilitação para a comunicação entre os atores
da escola. Para efetivar o direito a educação, as políticas educacionais são fundamentais para a
estruturação de um sistema educacional acessível, sendo que é por meio delas que são definidas
e implantadas diretrizes, programas e ações com vistas ao direcionamento da demanda para a
qual foram criadas. Este estudo resulta de pesquisa documental e bibliográfica, e se materializa
com caráter descritivo, dos documentos oficiais referentes ao objeto de estudo. Portanto, foram
analisados leis, decretos e resoluções que garantem o direito a acessibilidade para a educação
de alunos público alvo da educação especial. Conclui-se que por meio da acessibilidade e dada
a visibilidade e facilitada a inclusão de alunos público alvo da educação especial na escola
regular, promovendo o protagonismo desses alunos na sociedade.
Desenvolvimento
A participação de estudantes com deficiência trouxe mudanças na escola regular, como
a adequação de estruturas arquitetônicas, banheiros, mobiliários escolares, recursos
pedagógicos específicos e a maneira de ensinar também necessitam passar por transformações,
pois os métodos tradicionais funcionam para alguns, mas outros precisam de recursos
tecnológicos e outros, ainda, de material adequado para garantir a equidade. As ações
governamentais, mediadas pelas lutas da sociedade civil, atravessaram um longo período e
continuam a mostrar a importância de ser participante do processo de inclusão; assim, as
804
políticas educacionais para a educação especial constituem o principal meio de proclamar que
todos têm em sua diversidade a igualdade como fundamento primário para o ato educativo.
A Constituição de 1988 (CF/1988), no Art. 205, preconiza: “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988).
O Art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/1996)
destaca que:
O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer
cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade
de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o
poder público para exigi-lo (BRASIL, 1996, p.5).
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (BRASIL,
1988, p. 6).
Tendo em vista que a educação é um direito social, ela vai além do simples acesso à
escola, pois envolve a permanência nela e a providência de recursos pedagógicos que garantam
a. Trata-se, portanto, de um direito civil, cultural e político estabelecido por um Estado
Democrático de Direito. Nesse sentido, Chaui (1989, p. 20) considera que
A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio
para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa
que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A
declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem
social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos,
exigindo o consentimento social e político.
805
A educação cria oportunidades para que os cidadãos acessem o conhecimento
histórico, compreendam sobre seus direitos e responsabilidades, e participem ativamente da
sociedade. Veja-se o que preconiza o Art. 208 da Constituição Federal de 1988, com relação à
garantia do direito à educação:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de
idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram
acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiencia, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde (BRASIL, 1988, p. 122).
Cury (2008, p. 302) explicita que a educação é um direito de todos e um dever, uma
obrigação do Estado, no sentido de “interferir no campo das desigualdades sociais e, com maior
razão, no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, como fator de redução das primeiras
e eliminação das segundas, sem o que o exercício da cidadania ficaria prejudicado a priori”.
A LDBEN/1996 descreve as Diretrizes e Bases da Educação que esse documento
orienta que a educação escolar deve estar conectada ao mundo do trabalho e da prática social;
que a educação é dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais
da solidariedade humana, e tem como objetivo o desenvolvimento integral do estudante a sua
preparação para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Confira-se:
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias
e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; V -
coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI - gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais; VII - valorização do profissional da educação
escolar; VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino; IX - garantia de padrão de qualidade; X -
valorização da experiência extra-escolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o
trabalho e as práticas sociais (BRASIL, 1996, p. 1 e 2)
806
Kassar (2011, p. 62), com base em fundamentos históricos sobre a Educação Especial
no Brasil explica que a educação especial se construiu:
[...] como um campo de atuação específico, muitas vezes sem interlocução com a
educação comum. Esta separação materializou-se na existência de um sistema
paralelo de ensino, de modo que o atendimento de alunos com deficiência ocorreu de
modo incisivo em locais separados dos outros alunos.
Esse documento também orienta que esses estudantes poderão frequentar a classe
comum no ensino regular, assegurando-lhes a aprendizagem durante o processo de educação
inclusiva, conforme descrito no seguinte parágrafo:
807
a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão
aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específica, para atender às suas necessidades (BRASIL,
1996, p. 1).
Art. 12. Os sistemas de ensino, nos termos da Lei 10.098/2000 e da Lei 10.172/2001,
devem assegurar a acessibilidade aos alunos que apresentem necessidades
educacionais especiais, mediante a eliminação de barreiras arquitetônicas
urbanísticas, na edificação – incluindo instalações, equipamentos e mobiliário – e nos
transportes escolares, bem como de barreiras nas comunicações, provendo as escolas
dos recursos humanos e materiais necessários (BRASIL, 2001, p. 3).
808
acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
especificadamente no capítulo III, no Art. 8 considera sobre a acessibilidade
A igualdade de direito descrita neste artigo evidencia em seu inciso XVI que a
acessibilidade abrange alunos, profissionais da educação em vários contextos e destaca:
1
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/politica-de-educacao-inclusiva.
810
Orienta o Art.30 que em processos seletivos para ingresso e permanência nos cursos
oferecidos pelas instituições de ensino superior e de educação profissional e tecnológica,
públicas e privadas (Brasil, 2015). Adiante tal redação estabelece que devam ser adotadas
medidas de disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados,
previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência (Brasil, 2015).
Os aportes legais preconizam sobre o consentimento dos recursos pertinentes para a
participação do aluno com deficiência mediante a qualquer impedimento físico, arquitetônico,
sensorial, tecnológico e pedagógico, mas as estatísticas divulgadas pelo órgão competente
revelam as diferenças entre o aluno dito “normal” e o que tem laudo.
Observa-se conforme os dados divulgados pelo INEP-Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira com o Censo Escolar 2019, que a proporção de escolas
dos anos iniciais do ensino fundamental que tem a infraestrutura adaptada para os alunos com
deficiência atingiu 55%, já as escolas dos anos finais do ensino fundamental chegou a 63,8%,
e, nas escolas do ensino médio 67,4%.
Portanto, mesmo com a autorização em forma de lei para a acessibilidade necessária
nas escolas, que vão desde banheiros adequados, rampas, pisos táteis, mobiliário escolar,
notebooks, utensílios para alimentação adaptados, cadernos com pauta ampliadas, audiobooks,
entre outros ainda não são totalmente disponibilizados para o aluno da educação especial.
Somente entrar na escola não é estar incluso, é muito mais: é poder participar de todas as
atividades propostas pela escola, respeitando os seus limites biológicos, físicos, emocionais.
Ainda, foi divulgado pelo mesmo órgão que alunos que apresentavam alguma
deficiência tinham as menores taxas de frequência escolar líquida de 86,6%, em contrapartida
as sem deficiência com 96,1%, ressaltou que entre as pessoas com deficiência física está entre
66% e 68% e com as que apresentam mais de uma deficiência é de 59,3%. E, em relação a
escolas adaptadas, o índice é de 55% para alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, e de
67,4% para os dos anos finais.
Fica evidente que o acesso para os alunos com deficiência ainda está em construção, já
houve avanços, mas, ainda existem entraves para se ter uma igualdade no direito à educação
para todos.
Enfim o Censo Demográfico de 2022, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), foram identificados indivíduos quem têm muita dificuldade ou não
conseguem de modo algum fazer uma atividade serão identificados como pessoas com
811
deficiência nesta pesquisa. O instituto também confirmou que, seguindo o previsto na Lei Nº
13.861/2019, houve a inclusão de questão específica sobre o Transtorno do Espectro Autista
(TEA).
Para o IBGE, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem muita dificuldade ou
não consegue de modo algum enxergar, ouvir, se locomover, movimentar membros superiores
ou fazer tarefas habituais como se comunicar, ter cuidados pessoais, trabalhar, estudar, etc, em
decorrência de limitações nas funções mentais ou intelectuais, mesmo que faça uso de aparelhos
de auxílio. O instituto divulgou que 18,6 milhões de pessoas apresentam alguma deficiência, e
que as principais entre a população brasileira com idade igual ou superior a dois anos são as
motoras, visuais e de cognição e apresentou a seguinte divisão:
2
Disponível em: Censo Demográfico 2022 (ibge.gov.br)
812
igualdade, a fim de minimizar àquela que é sustentada por valores econômicos e empresariais
de produtividade, competitividade, eficiência, que tantas exclusões têm incentivado.
Considerações Finais
A forma como nossa sociedade tratou e retratou as pessoas com deficiência, ao longo
da história, propicia uma discussão sobre as práticas escolares para esses estudantes e o impasse
da educação inclusiva com a educação comum para romper com as barreiras escolares. A
inclusão escolar é uma realidade quando não apenas o ingresso e permanência do estudante na
escola acontecem, mas quando há aproveitamento acadêmico, e isso só ocorrerá a partir da
atenção às suas peculiaridades para a aprendizagem e desenvolvimento. O século XXI trouxe
avanços tecnológicos e conquistas de direitos, mas até hoje há uma luta diária para que a
educação inclusiva seja reconhecida como parte integrante da educação para todos.
Educação Inclusiva significa pensar uma escola em que é possível o acesso e a
permanência de todos os estudantes, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até
então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras
para a aprendizagem (PLETSCH; FONTES, 2006; GLAT; BLANCO, 2007). Assim, a inclusão
de estudantes com necessidades educacionais especiais deve ser entendida como uma forma de
respeito ao outro, independentemente de sua condição física, cognitiva ou de suas limitações.
Estar incluído é ter acesso ao material pedagógico adequado para a sua especificidade,
ter acesso aos recursos de tecnologia assistiva para minimizar as barreiras em relação à
aprendizagem, é participar das atividades em sala de aula com os pares, conseguir lanchar no
espaço escolar, é ter desenvolvimento acadêmico, social, emocional.
Os aportes legais preconizam a inclusão dos estudantes com necessidades especiais,
mas o desinteresse pela implantação e o respeito a esses estatutos prevalecem; falta muito,
ainda, para se atingir o que é necessário e desejado, inclusive a reforma estrutural para o
cumprimento dos requisitos legais.
Portanto, caso não se tem a acessibilidade onde se disponibilizem as ações e os recursos
já referidos, com a participação dos envolvidos nas esferas de decisão, planejamento e execução
da política educacional, o desenvolvimento e a aprendizagem desses alunos ficarão
comprometidos, poderão até mesmo não se concretizar devido à não inclusão deles nas
atividades escolares e a não participação com seus pares.
813
Conclui-se que por meio da acessibilidade e dada a visibilidade e facilitada a inclusão
de alunos público alvo da educação especial na escola regular, promovendo o protagonismo
desses alunos na sociedade.
Referências
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF: Senado, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 25
maio 2022.
PLETSCH, Marcia Denise; FONTES, Rejane de Souza. La inclusión escolar de alumnos con
necesidades especiales: directrices, prácticas y resultados de la experiencia brasileña. Revista
Educar: revista de Educación, nº 37. Jalisco, México, p. 87-97, 2006.
815
ANÁLISE DOS RELATÓRIOS DE ACOMPNHAMENTO-META 2- PLANO
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE LADÁRIO-MS.
Resumo: O presente Artigo faz parte da pesquisa intitulada Plano Municipal de Educação de
Ladário- MS (PME 2015-2025): Estratégia 2.5 da meta 2- Ações intersetoriais de
Monitoramento e Acompanhamento do Acesso, da Permanência e do Aproveitamento Escolar
dos Estudantes do Ensino Fundamental(2015-2020). O objetivo geral deste artigo é apresentar
os resultados obtidos nas análises documentais com foco nas ações do Conselho Municipal de
Educação de Ladário. Elege-se como recorte temporal o período de 2015 a 2020, que
corresponde à aprovação e à vigência do Plano Municipal de Educação de Ladário-MS (PME
2015-2025), e ao período em que foi publicado um Relatório de Acompanhamento do
PME/Ladário-MS, dividido em monitoramento e avaliação, elementos para o desenvolvimento
da pesquisa. Como objetivos específicos destaca-se: (a) descrever o processo de elaboração do
PME/Ladário-MS (2015-2025); (b) apresentar as informações descritas nos Relatórios de
Acompanhamento do Plano, referente à estratégia anunciada. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e documental.
INTRODUÇÃO
Este Artigo faz parte da pesquisa de mestrado intitulado Plano Municipal de Educação
de Ladário-MS (PME 2015-2025): Estratégia 2.5 da meta 2- Ações intersetoriais de
Monitoramento e Acompanhamento do Acesso, da Permanência e do Aproveitamento Escolar
dos Estudantes do Ensino Fundamental(2015-2020).
O objetivo geral deste artigo é apresentar os resultados obtidos nas análises documentais
com foco nas ações do Conselho Municipal de Educação Ladário-MS, para o monitoramento e
acompanhamento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos estudantes do
ensino fundamental, prescrito na Meta 2, estratégia 2.5 do Plano Municipal de Educação (PME
2015-2025) de Ladário-MS, aprovado pela Lei nº 943/2015, em 9 de junho de 2015. Elegeu-se
como recorte temporal o período de 2015 a 2020, o qual corresponde à aprovação, à vigência
816
do Plano Municipal de Educação (PME 2015-2025) de Ladário-MS e, ao período em que foi
publicado um Relatório de Acompanhamento do Plano, dividido em monitoramento e
avaliação, elementos essenciais para o desenvolvimento da pesquisa.
O presente artigo, descreve a elaboração e implementação do Plano Municipal de
Educação (PME 2015-2025) de Ladário-MS relatando os acordos que aconteceram para o
monitoramento do plano durante a sua vigência. Apresenta as informações do Relatório de
Acompanhamento do PME/Ladário 2015-2025 divulgado no ano de 2017, referente aos anos
2016-2017 e traz as ações do Conselho Municipal de Educação de Ladário em relação ao
monitoramento e acompanhamento do acesso, da permanência e do aproveitamento escolar dos
estudantes do ensino fundamental da Rede Municipal de Ensino de Ladário-MS, órgão citado
na estratégia 2.5 da Meta 2 do PME/Ladário-MS (2015-2025).
A Meta 2 do PME/Ladário 2015-2025 conta com 15 estratégias e foi aprovada pela Lei
Municipal nº 943/2015, na cidade de Ladário-MS, em 9 de junho de 2015, e apresenta como
objetivo “Universalizar o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6
(seis) a 14 (quatorze) anos e garantir que, pelo menos, 95% (noventa e cinco por cento) dos
alunos concluam essa etapa na idade recomendada, até 2024)” (PME/Ladário-MS, 2015, p. 6).
Convém destacar que o artigo foca na estratégia 2.5, que tem o intuito de “promover,
em parceria com as áreas de saúde, Assistência Social, Conselho Tutelar e Ministério Público,
o acompanhamento e monitoramento de acesso e permanência na escola, identificando motivos
de ausência, baixa frequência e abandono dos estudantes, até o final da vigência do PME”
(PME/Ladário, 2015, p.6)
O Conselho Municipal de Educação é definido pelo Ministério da Educação (MEC)
como um lugar onde os conselheiros “exercem papel de articuladores e mediadores das
demandas educacionais junto aos gestores municipais e desempenham funções normativa,
consultiva, mobilizadora e fiscalizadora”
A escolha do município de Ladário como campo empírico para essa pesquisa justifica-
se por se tratar de uma das cidades mais antigas do Estado de Mato Grosso do Sul, emancipada
politicamente em 17 de março de 1954, e faz parte dos 79 municípios, que a partir de 1977
começam a compor o Estado de Mato Grosso do Sul.
No intuito de entender a questão da educação básica recorreu-se às contribuições de
Cury (2002).
817
[...] um nível da educação nacional que congrega e abrange, articulada e
sequencialmente, as suas três etapas: art. 21. A educação escolar compõe-se de: I -
educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;
II - educação superior.” e no art. 22 “[...] tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e
fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (CURY,
2010, p.29).
Art. 205 A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988).
Com base nos conceitos adquiridos, inicia-se a pesquisa de documentos com foco no
levantamento histórico da elaboração e implementação do PME/Ladário 2015-2025 e
posteriormente a busca pelos documentos de Monitoração do PME/Ladário 2015-2025
focalizando as ações do Conselho Municipal de Educação da cidade pesquisada.
Ladário é um dos municípios mais antigos do estado de Mato Grosso do Sul, o
município foi emancipado durante o Governo de Fernando Correa da Costa, e sua instalação
como município autônomo deu-se em 17 de março de 1954 (SANTOS NETO, 2022, p.28). É
conhecido como “Pérola do Pantanal”, está localizada na região oeste do Estado de Mato
Grosso do Sul, no coração do Pantanal.
A partir da aprovação do Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (PEE/MS),
os municípios sul-mato-grossenses começam a se articular para elaborar seus planos
educacionais alinhados ao PNE e ao PEE/MS, com a participação da sociedade civil organizada,
com as metas e estratégias observadas em suas peculiaridades locais.
Segundo o PME/Ladário 2015-2025 (LADÁRIO/PME, 2015-2025, p.07), o Plano
Municipal de Educação de Ladário foi elaborado diante de um processo de construção coletiva,
que envolveu a comunidade, entidades civis, movimentos sindicais, a Secretaria de Educação e
seus membros, respaldados pela legislação federal e acompanhada por comissões de
monitoramento em defesa dos interesses e direitos da sociedade.
O plano deve-se caracterizar como uma Política de Estado e não de governo. Bordignom
(2014) observa que:
818
imperiais. [...] “a quem serve o governo, que é de natureza transitória? Aos próprios
interesses de poder ou à sociedade, à institucionalidade nacional, de caráter
permanente? (BORDIGNOM, 2014, p.37).
Com base nas determinações e orientações do PNE Lei nº 13.005/2014, e o que dispõe
a LDBEN 9.394/96, alinhado ao PEE/MS, Lei nº 4.621/2014, para a formulação do documento,
a Secretaria Municipal de Educação juntamente com o Conselho Municipal de Educação
convidaram representantes de diversas instituições para a primeira reunião visando a
participação de todos na criação do Plano Municipal de Educação.
Foram convidados: Secretarias Municipais, a Comissão de Educação da Câmara
Municipal, Sindicato de Profissionais de Educação, Conselho Tutelar, Instituições de Ensino
Superior, comunidade educacional (diretores de escolas, técnicos, funcionários, pais e
estudantes), igrejas, meios de comunicação, dentre outros, num processo de construção
coletiva, e cumprindo segundo o documento, as exigências legais (LADÁRIO/RELATÓRIO
DE MONITORAMENTO DO PME, 2015-2025, p.08).
Na primeira reunião aconteceu a apresentação das ações para a criação do Plano
Municipal de Educação da cidade, em seguida foi constituída uma Comissão Provisória,
composta por pessoas ou instituições interessadas em participar da criação do Plano
(LADÁRIO/ DE MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 8).
Por meio do Decreto Municipal nº 2.602/2014, foi criada a Comissão Permanente para
elaboração do PME/Ladário-MS. Essa Comissão Permanente ficou com a responsabilidade de
elaborar o Plano de Trabalho; discutir e elaborar o Regimento Interno; enviar ofícios e convites
para as reuniões da comissão; organizar a relação das instituições que aderiram a formulação
do plano, com seus respectivos representantes (titulares /suplentes); reunião para oficialização
do PME/Ladário; criação oficial do PME/Ladário; homologação dos nomes dos respectivos
indicados pelas instituições; escolha dos nomes dos responsáveis pela coordenação do
PME/Ladário (por eleição ou aclamação) (LADÁRIO/RELATÒRIO DE
MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 9).
A Comissão Permanente formada por representantes do Governo Municipal (Secretaria
de Educação), membros do Conselho Municipal de Educação, membros do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação de Ladário-MS (Sitel/Ladário) e demais representantes da
sociedade civil organizada, deu início a elaboração do Plano, o que ocorreu após sucessivas
reuniões e participações em debates, em fóruns municipais, estaduais e de Seminários Livres
819
ocorridos a partir de agosto de 2014, e que se estendeu até abril de 2015
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 9).
O Seminário Final que ocorreu nos dias 17 e 18 de abril de 2015 marcou a apresentação
do documento final do Plano. Nos dias 20 a 24 do mês de abril, o documento foi submetido à
revisão e adequação da base nas interferências do Seminário (LADÁRIO/RELATÓRIO DE
MONITORAMENTO DO PME 2015-2025, p. 8), encaminhado ao executivo no dia 27 de abril
de 2015, para à apreciação da plenária da Câmara Municipal de Vereadores, onde foi revisado
pela comissão de educação, e após a apreciação e debate, transformado em Projeto de Lei, sendo
aprovado em 09 de junho de 2015 e sancionado em 11 de junho de 2015 pelo Prefeito José
Antônio Assad e Faria por meio da Lei municipal nº 943/2015, que deu como aprovado o
PME/Ladário 2015-2025 (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DO PME
2015-2025, p. 8).
O documento é composto de 20 metas, seguidas de 309 estratégias, formuladas e
norteadas com base no Plano Nacional de Educação (2014-2024) e no Plano Estadual de
Educação (2014-2024).
Após elaborar e começar a implementar o PME/Ladário 2015-2025, o município
assinou em 28 de março de 2016, por meio da Secretaria Municipal de Educação, o documento
denominado “Termo de Adesão à Assistência Técnica para o Monitoramento Avaliação dos
Planos de Educação /SASE/MEC)”, oferecido pelo Ministério da Educação, por intermédio da
Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE/MEC).
O documento assinado tinha como objetivo: assistência técnica e formação; orientação
e acompanhamento da comissão instituída, para alcance de resultados positivos relacionados ao
PME/Ladário 2015-2025, responsabilizando o município por: a) mobilizar as instituições
responsáveis pelo processo de monitoramento e avaliação do PME conforme legislação ou
assistência, instituir instância para cada finalidade; b) viabilizar a participação dos
representantes da comissão coordenadora nas formações oferecidas pela Rede de Assistência
Técnica/SASE/MEC; c) disponibilizar informações referentes ao processo de monitoramento e
avaliação do PME para divulgação no portal “PNE em Movimento”; d) indicar um técnico desta
Secretaria como responsável pela interlocução com o avaliador educacional da SASE/MEC.
Destaca-se que a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE/MEC),
foi extinta em 2019, pelo então Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (PSL), e suas
funções foram alocadas para a Secretaria de Educação Básica (SEB), ficando, portanto, a cargo
820
da SEB a responsabilidade de monitorar o Plano Nacional de Educação (PNE) e articular o
Sistema Nacional de Educação (SNE).
Em seu Art. 2º discrimina quais são os órgãos que compõem o Sistema de Educação
do município:
821
Municipal de Educação por conta da demora da reforma da maior escola da Rede Municipal de
Ensino de Ladário.
822
efetivação da Meta 2, a falta da ferramenta dificultou o detalhamento dos dados
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
Registra-se também que a Equipe Técnica de Ladário, ficou com a responsabilidade de
coleta de dados, organização, elaboração do texto final de avaliação, buscando o
desenvolvimento de um relatório pautado em princípios democráticos, de forma transparente
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
A CMMA-PME/Ladário, por meio desse documento (Relatórios de Monitoramento e o
de Avaliação do Plano Municipal de Educação de Ladário-MS), buscou registrar, apresentar e
informar aos munícipios a situação educacional em Ladário-MS, na Rede Municipal, Estadual
e Privada, o que foi realizado e o que não foi (LADÁRIO/RELATÓRIO DE
MONITORAMENTO, 2017, p.5).
O documento elaborado destaca os percalços enfrentados pela CMMA-PME/Ladário e
pela Equipe Técnica Municipal para a elaboração do Relatório de Monitoramento, como a troca
da gestão municipal, mudança de seus membros, fato que dificultou o acesso às informações
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6). A CMMA e a Equipe
Técnica Municipal, foram constituídas em 2017 e reconstituída em 2018 e novos membros
passaram a compor a Comissão, conforme consta no Relatório em análise, datado de 2017
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6).
A CMMA-PME/Ladário registra como fragilidades no processo de elaboração desse
Relatório a falta de compartilhamento de informações devido incompatibilidade de agendas das
Redes (estadual, municipal e privada), impossibilitando a elaboração de um relatório mais
consistente (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.6).
A CMMA/PME/Ladário justifica que pelo fato de que o último Censo ter sido realizado
em 2010, não há informações atualizadas, e, por isso, não foi possível “a aferição de todos os
indicadores sugeridos no PME”, devido à ausência dos mesmo nas fontes oficiais municipais,
assim, “seguindo orientações das Técnicas Orientadoras dos Planos Municipais do Estado de
Mato Grosso do Sul, além das informações contidas no Censo do IBGE”, foram utilizadas
informações do INEP (LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.7).
O relatório de monitoramento do PME/Ladário 2017 referentes aos anos de 2016 e 2017,
não aponta quais são os indicadores a serem seguidos conforme a direcionamento das Técnicas
Orientadoras dos Planos Municipais do Estado de Mato Grosso do Sul
(LADÁRIO/RELATÓRIO DE MONITORAMENTO, 2017, p.7), o que dificulta também o
823
entendimento e análise dos dados produzidos pela própria equipe disponibilizados pela Equipe
Técnica.
Ainda sobre o Relatórios a dificuldade de acesso as fontes oficiais, os elaboradores
justificam que o documento contém poucos dados e não apresentam as fontes consultadas,
dificultando a maneira de acompanhar o andamento e o cumprimento das metas e estratégias
do PME/Ladário 2015-2025. Não há menção a estratégia 2.5, da Meta 2, e as parcerias
sugeridas.
O referido relatório se apresenta com “um documento que retrata determinado
momento e registra aspectos essenciais necessários para a continuidade dos trabalhos e
atividades oferecidas pelo município nesse espaço de tempo”, e tem por objetivo “permitir
ao gestor identificar, conhecer, verificar e acompanhar as atividades etc., e ter a sua
perspectiva de resultados, melhorias, mudanças ou avaliação” (LADÁRIO/RELATÓRIO
DE MONITORAMENTO, 2017, p.5).
Porém, o documento não traz dados atualizados para que o gestor consiga identificar
os alunos em situação de abandono ou evasão escolar. Portanto, não há de se negar que, o
documento traz informações equivocadas em relação ao atendimento de alunos do ensino
fundamental II, anos finais.
824
observar com maior atenção a execução dos planos, dá ao Plano dúvidas quanto à sua efetivação
ou não.
A cidade de Ladário, por meio de sua Equipe Técnica, divulgou informações
relacionadas ao percentual da população de 6 a 14 anos que frequentam as escolas da Rede de
Ensino de Ladário, tomando como fonte de informações o Censo demográfico do IBGE 2010.
Os dados apresentados tratam do número populacional de crianças e adolescentes de 6
a 14 anos que frequentam a escola na Rede Municipal de Ensino de Ladário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BORDIGNON, Genuíno. Conselhos Municipais. LIMA, Antônio Bosco de. (Org.) In: CMEs
no Brasil: Qualidade social e política de educação. Campinas, SP: Editora Línea, 2017. p.17-
34.
826
BORDIGNON, Genuíno. Caminhar da educação brasileira: muitos planos, pouco
planejamento. p. 29-53 In SOUZA D. B.; MARTINS, A.M. (orgs) PLANOS DE
EDUCAÇÂO. São Paulo: edições Loyola, 2014. P. 99-123.
CONSTITUIÇÃO [de 1988] da Republica dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial da
União [da] República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, 5 out. 1988.
CURY, Carlos Roberto Jamil. A educação básica no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n.80,
set. 2002.
CURY, Carlos Roberto Jamil. Educação básica no Brasil como desafio, por Carlos Roberto
Jamil Cury, Propuesta Educativa Número 34 – Año 19 – nov. 2010 – Vol. 2. - Págs. 25 a 36
827
CONSELHO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE PROTAGONISMO: ALGUNS
APONTAMENTOS
Resumo: Este texto versa sobre pesquisa inicial que tem como objeto o Conselho Escolar
enquanto instância de participação e de gestão democrática em uma escola da Rede Municipal
de Ensino de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, tem como recorte temporal o
período 2018-2022. O objetivo é analisar como ocorre o protagonismo dos participantes que
compõem o Conselho Escolar de uma unidade de ensino. Discorremos sobre a gestão
democrática nos marcos legais como fundamento constitucional para a discussão do Conselho
Escolar e seu papel no interior da escola e o aprendizado para a democracia. Os dados coletados,
até o momento, apontam que, no período em análise no Conselho Escolar em estudo, as reuniões
e encontros entre os segmentos representativos foram pautados pelos seguintes assuntos:
Formação dos Conselheiros, pedagógico escolar, financeiro da escola, Festa Julina/ Agostina,
Eleição do grupo de Conselheiros/Posse, Calendário Escolar, Greve dos Professores, Projeto
Político Pedagógico, desafios da organização da escola com a Pandemia do Covid-19,
segurança escolar, questões administrativas e outros. Como resultado, as pautas mostram que
as funções consultiva, fiscalizadora e mobilizadora estão contempladas em algum nível. Porém,
o protagonismo dos participantes dos diversos segmentos representativos nas deliberações
ainda não ficou evidente.
Introdução
828
para a escola pública ser potencialmente espaço de exercício da democracia para a sociedade
civil.
Nos anos 1990, as reformas no Estado brasileiro foram aceleradas e introduziram trocas
de contrato de trabalho pela prestação de serviço, parceria público e privado, descentralização
com ações do terceiro setor e focalizaram na direção de eliminar “qualquer universalidade de
direitos e qualquer planejamento” (Vieira, 2015, p. 815). Na contramão das conquistas, a
organização de sociedade proposta nessas reformas, no plano político, não favoreceu a
participação democrática, visto que “sociedade democrática é aquela na qual ocorre real
participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle das decisões” (Vieira, 2004,
p. 134).
Assim, participar, nas organizações públicas, envolve mais do que mecanismos de
colaboração ou parceria, envolve a efetiva coletivização nas diversas formas de tomada de
decisões e como assegura Vieira (2004, p. 134) “fora disso, a participação não é formal, ou até
mesmo passiva ou imaginária, o que é mais desastroso”.
Na gestão das organizações públicas, como as instituições escolares, um espaço propício
para a construção da democracia participativa e legalmente constituído, são os conselhos de
escola ou conselhos escolares, órgãos compostos de representantes dos segmentos da escola.
O presente texto tem a intenção de discorrer sobre a preconização da gestão democrática
nos principais marcos legais da educação nacional e apresentar dados iniciais de pesquisa que
está em andamento no âmbito dos estudos do Grupo Nage1. O objeto de pesquisa é o Conselho
Escolar enquanto instância de participação e de gestão democrática em uma escola da Rede
Municipal de Ensino de Campo Grande, estado de Mato Grosso do Sul, o objetivo é analisar
como ocorre o protagonismo dos participantes que compõe o Conselho Escolar nesta unidade
de ensino, delimitamos como recorte temporal o período 2018-2022.
1
O Grupo de Pesquisa intitulado Núcleo de Aprofundamento em Gestão Escolar – NAGE, foi criado no ano de
2017 é coordenado pela Profa. Solange Jarcem Fernandes e vinculado à Linha de Pesquisa História, Política e
Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da Fundação Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul/ PPGEdu/ UFMS.
829
jurídica escrita os postulados básicos e fundamentais presentes em todo o Estado de direito, ou
seja, são afirmações gerais no campo da legislação que das quais devem decorrer as demais
orientações legais” (Adrião; Camargo, 2002, p. 72), entre os princípios destacamos o inciso “VI
- gestão democrática no ensino público, na forma da lei” (Brasil, 1988).
Ao at en d er o estabelecido pela CF/1988 a Lei de Diretrizes e Bases d a E du c a çã o
Na ci on al - LDBEN (Lei n. 9394/1996), em seu Título I - Da Educação, nos artigos 3º, 10º,
11º, 12º e 14º contemplam diretamente a gestão democrática em pelo menos um de seus incisos.
Em avanço, no que tange a gestão democrática na legislação educacional, recentemente
no ano de 2023 a LDBEN/1996 foi alterada pela Lei n. 14.644 para prever a instituição de
Conselhos Escolares e Fóruns de Conselhos Escolares (Brasil, 2023). Desta forma, no artigo
3º, que trata dos princípios do ensino, o inciso VIII preconiza embasamento na “gestão
democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos respectivos Estados e
Municípios e do Distrito Federal” (Brasil, 2023). Nos artigos 10º que trata da incumbência dos
estados e no 11º que trata da incumbência dos municípios foram acrescidos incisos que
estabelecem “instituir, na forma da lei de que trata o art. 14, Conselhos Escolares e Fóruns dos
Conselhos Escolares” (Brasil, 2023). O artigo 12º estabeleceu em seu inciso XII que é de
incumbência do estabelecimento de ensino “instituir, na forma da lei de que trata o art. 14, os
Conselhos Escolares” (Brasil, 2023).
No artigo 14, a referida Lei, estabelece que a Lei de Estados, Municípios e do Distrito
Federal definirá as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de
acordo com peculiaridades locais e conforme os princípios:
No citado artigo foram acrescidos, também, três parágrafos no inciso II, o primeiro trata
da composição dos Conselhos nas unidades escolares estabelecendo o Diretor Escolar como
membro nato e respectivos representantes da comunidade escolar e local a serem eleitos pelos
pares: professores, orientadores educacionais, supervisores e administradores escolares;
servidores públicos que exerçam atividades administrativas na escola; estudantes; pais ou
responsáveis; membros da comunidade local (Brasil, 2023).
830
Com relação ao Fórum de Conselhos Escolares estabelecido, a Lei 14.644/2023 definiu
que este é:
Um colegiado de caráter deliberativo que tem como finalidades o fortalecimento dos
Conselhos Escolares de sua circunscrição e a efetivação do processo democrático nas
unidades educacionais e nas diferentes instâncias decisórias, com vistas a melhorar a
qualidade da educação, norteado pelos seguintes princípios: democratização da
gestão; II – democratização do acesso e permanência; III – qualidade social da
educação (Brasil, 2023).
O Conselho Escolar pode contribuir com a escola pública de qualidade, que visa a
formação do sujeito, assim um Conselho constitui uma “[...] instância de discussão,
831
acompanhamento e deliberações, na qual se busca incentivar uma cultura democrática,
substituindo a cultura patrimonialista pela cultura participativa e cidadã” (Brasil, 2004, p. 35).
Werle (2003, p. 12) salienta que no interior da escola pública a presença do Conselho
Escolar representa a construção de “um espaço não de aprendizagem em nível conceitual e
teórico da democracia, mas um local de fazer democracia”, neste sentido consideramos que sua
simples presença indica possibilidades de participação.
Mesmo em diferentes organizações e composições, um Conselho Escolar significa a
união dos diferentes sujeitos que envolvem a comunidade escolar na implementação de um
projeto de escola em que a participação de todos justifica-se, pois “[...] o Projeto Político-
Pedagógico elaborado apenas por especialistas não consegue representar os anseios da
comunidade escolar” (Brasil, 2004, p. 35). Nesta perspectiva a abertura ao diálogo e a
participação da comunidade são pressupostos essenciais a serem considerados na construção e
implementação do projeto de escola democrática (Drabach; Souza, 2014), esses pressupostos
contribuem para o papel de protagonista do Conselho Escolar na gestão democrática.
Compete ao Conselho Escolar, segundo o Programa Nacional de Fortalecimento dos
Conselhos Escolares2 debater e tornar claros os objetivos e os valores a serem coletivamente
assumidos pela comunidade, definir as prioridades no âmbito escolar, contribuir para a
organização do currículo escolar e para a criação de um cotidiano de reuniões de estudo e
reflexão contínuas, que inclua, principalmente, a avaliação do trabalho escolar (Brasil, 2004, p.
38).
Na pesquisa nos documentos do Conselho da escola em estudo, entre os dados coletados
evidenciamos as pautas propostas nas reuniões realizadas no período do recorte temporal a
quais apresentamos na seção seguinte.
2
Programa instituído pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação no ano de 2004 com o
objetivo de fomentar a implantação e o fortalecimento de Conselhos Escolares nas escolas públicas de Educação
Básica.
832
Nesta rede de ensino o Conselho Escolar tem a seguinte representação, conforme consta
no Regimento Interno dos Conselhos Escolares no Artigo 5º: o diretor escolar como membro
nato; dois representantes da equipe técnico-pedagógica, sendo um da supervisão escolar e um
da orientação educacional; dois representantes do corpo docente; dois representantes do corpo
administrativo; três representantes de pais ou responsáveis legais de alunos; três alunos
regularmente matriculados, maiores de 11 anos3. Havendo suplentes para cada representação, e
em exigência de que os pais não podem ser servidores lotados na unidade escolar (Campo
Grande, 2010).
O Conselho Escolar funciona com a estrutura de Assembleia Geral, Presidência e
Secretaria Executiva. A presidência e vice-presidência é eleita pelos membros, sendo um dos
integrantes, maior de 18 anos, exceto a direção. A Assembleia Geral é composta pelos membros
titulares e presidida e convocada (por escrito, com 3 dias de antecedência) uma vez por bimestre
ou extraordinariamente pelo presidente, sendo esta última podendo ser convocada por membros
do Conselho com antecedência de setenta e duas horas e a pauta claramente definida (Campo
Grande, 2010).
O Regimento Interno registra ainda a exigência de um livro Ata específico para registros
dos trabalhos do grupo. Para deliberações, o quórum mínimo é de metade mais um dos
membros.
Em consulta as atas das reuniões no período de 2018 a 2022, identificamos as pautas
definidas para as reuniões e sua descrição nos registros. Importante considerar, que o período
analisado, contempla dois anos de restrições impostas pela Pandemia de Covid-19. Porém, o
grupo analisado apresentou uma linha de trabalho contínua e regular a ser considerada nestes
últimos 5 anos, nos anos de 2020 e 2021 ocorreram reuniões virtualmente.
No quadro 1 apresentamos as pautas das reuniões e encontros do Conselho Escolar
evidenciando a frequência que um assunto apareceu no ano.
3
Idade alterada para 10 anos conforme a Resolução SEMED n. 247, de 14 de agosto de 2023 (Campo Grande,
2023).
833
Financeiro da Escola 1 2 3
Festa Julina/Agostina 3 3 1 7
Eleição do grupo de Conselheiros/Posse 1 7 5 1 14
Calendário Escolar/ cronograma grupo 1 1 1 2 3 8
Greve dos Professores 1 1
Projeto Político Pedagógico 2 2
Desafios e organização com a Pandemia Covid- 2 2 1 5
19*
Segurança Escolar 1 1 2
Questões Administrativas (funcionários, espaços 1 1 2 1 5
físicos, trânsito)
Eleição do Presidente do Conselho 1 1 2
Eleição de Direção Escolar 2 2
Fonte: Quadro elaborado pelas autoras (2023)
Algumas considerações
Referências:
ARRETCHE, Marta. Trajetórias das Desigualdades: Como o Brasil Mudou nos últimos
cinquenta anos. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
DRABACH, Nadia Pedrotti; SOUZA, Ângelo Ricardo. Leituras sobre a gestão democrática e
o “gerencialismo” na/da educação no Brasil. Revista Pedagógica, Chapecó, v.16, n.33, p. 221-
248, jul/dez. 2014.
VIEIRA. Evaldo. Os Direitos e a Política Social. São Paulo: Editora Cortez, 2009.
VIEIRA. Evaldo. A República Brasileira: 1951-2010: de Getúlio a Lula. São Paulo. Editora
Cortez, 2015.
836
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: PROJETO CONECTANDO SABERES II
AOS PRIVADOS DE LIBERDADE NO ESTABELECIMENTO PENAL FEMININO
IRMÃ IRMA ZORZI (2016-2022)
JUSTIFICATIVA
Este projeto tem por objetivo analisar o projeto Educação de Jovens e Adultos: Projeto
conectando saberes II – privados de liberdade no estabelecimento penal feminino Irmã Irma
Zorzi (2016 - 2022) - EPFIIZ, com o intuito de compreender as faces da educação enquanto
garantia de direito das internas. Não se pretende discutir as relações com o contexto da mulher,
nem tampouco tratar do papel da mulher em meio a situação de privada de liberdade. Esse
projeto está vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas Política de Formação e Trabalho
Docente na Educação Básica – Gefort.
Encontramos vários instrumentos internacionais que discursam sobre direitos humanos
e o sistema carcerário mundial, no qual o Brasil é signatário, tornando o país legalmente
comprometido a respeitar os direitos neles previstos, sob pena de ser responsabilizado perante
837
a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Nesse sentindo, entre os instrumentos
internacionais orientadores dos sistemas carcerários destaca-se a discussão dos direitos
humanos dos presos, especialmente, os femininos, nos quais podemos citar: a Convenção
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra a Mulher (1984), Regras das Nações Unidas Para o
Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade Para Mulheres
Infratoras (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010).
A Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), em seu art. 3º, dispõe
que os Estados nacionais signatários (Estados Partes) do pacto se comprometem em assegurar
a igualdade entre homens e mulheres no gozo de direitos civis e políticos. Na mesma
convenção, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU)
adicionou ao Comentário Geral 28:
No que respeita aos artigos 7.º e 10.º, os Estados Partes têm de apresentar todas as
informações relevantes para assegurar que os direitos das pessoas privadas da sua
liberdade sejam protegidos em igualdade de condições para os homens e para as
mulheres. Em particular, os Estados Partes devem indicar se as mulheres e os homens
estão separados nas prisões e se as mulheres são vigiadas apenas por guardas do sexo
feminino. Os Estados Partes devem também informar sobre o cumprimento da norma
que obriga a separar as menores das mulheres adultas e sobre qualquer diferença de
tratamento entre homens e mulheres privados da sua liberdade, como acesso a
programas de reabilitação e educação e a visitas conjugais e de família. As mulheres
grávidas que estejam privadas da sua liberdade devem ser objeto de um tratamento
humano e deve respeitar-se sempre a sua dignidade e em particular durante o parto e
enquanto cuidarem dos seus filhos recém-nascidos (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 2000, p. 15).
838
especialmente acerca da mulher no cárcere e suas especificidades (CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, 2010).
O referido tratado teve participação ativa do Brasil em sua elaboração, sendo aprovado
pela Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2010. As Regras de Bangkok abordam os
direitos das mulheres presas desde seu ingresso no presídio, como o direito à saúde no cárcere,
tanto física, como mental, à segurança, às revistas pessoais, às sanções aplicadas e às visitas.
Um dos direitos humanos assegurados às mulheres presas nas Regras de Bangkok é o direito
ao exame médico, incluindo uma ampla avaliação, física e psicológica, detectando a presença
de doenças sexualmente transmissíveis, a possível necessidade de cuidados com a saúde mental,
a existência ou não de abuso sexual ou outras formas de violência na vida pregressa da mulher,
a dependência química e o histórico de saúde reprodutiva. É garantido também o direito da
mulher a manter contato com seus familiares, sendo assegurado um local apropriado para que
as visitas com crianças ocorram de forma positiva, de modo a afastar o clima hostil da prisão.
São as determinações acerca das visitas nos presídios (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2010):
Regra 21: funcionários/as da prisão deverão demonstrar competência,
profissionalismo e sensibilidade e deverão preservar o respeito e a dignidade ao
revistarem crianças na prisão com a mãe ou crianças visitando presas; Regra 27 - Onde
visitas íntimas forem permitidas, mulheres presas terão acesso a este direito do mesmo
modo que os homens; Regra 43 - Autoridades prisionais deverão incentivar e, onde
possível, também facilitar visitas às mulheres presas como um importante pré-
requisito para assegurar seu bem-estar mental e sua reintegração social; Regra 28 -
Visitas que envolvam crianças devem ser realizadas em um ambiente propício a uma
experiência positiva, incluindo no que se refere ao comportamento dos
funcionários/as, e deverá permitir o contato direto entre mães e filhos/as. Onde
possível, serão incentivadas visitas que permitem uma permanência prolongada dos/as
filhos/as;
840
– o a EJA é destinada àqueles que não tiveram acesso aos estudos ou continuidade na idade
regular:
A EJA traz para a sociedade enquanto educação formal, os seus conceitos perpassam
diversos pesquisadores e autores:
A política de Educação de Jovens e Adultos, fruto das reivindicações de grupos e
movimentos sociais de educação popular, diante do desafio de resgatar um compromisso
histórico da sociedade brasileira e contribuir para a igualdade de oportunidades, inclusão e
justiça social, fundamenta sua construção nas exigências legais definidas pela Constituição
Federal de 1988.
Essa Constituição incorporou como princípio que toda e qualquer educação visa o pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho (Art. 205). Retomado pelo Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB, nº 9.394/96), esse princípio abriga o conjunto das pessoas e dos educandos como um
universo de referência sem limitações. Assim, a EJA (modalidade que visa, além da
escolarização, à inclusão e ao resgate da cidadania e à reparação de anos de segregação
educacional) esforça-se em prol da igualdade de acesso à educação como bem social.
O Art. 37 da LDB prevê que “a educação de jovens e adultos deverá articular-se,
preferencialmente, com a educação profissional, na forma da Lei. Dessa forma, e se realmente
acontecesse o que está previsto em lei, teríamos muito mais jovens dentro das escolas. O jovem
quer trabalhar, mas faltam qualificação e oportunidades, principalmente a de concluir a
Educação Básica e ter parcial domínio das novas tecnologias.
Para compreender a função da educação como garantia de direito. As discussões de Paro
(2000), mostra que após a metade do século XX, constituem-se, no contexto escolar, resoluções
exógenas à instituição escolar, advindas de práticas industriais, administrativas e da escola
comportamental, que se alinha com a valorização da economia e com a eficiência institucional.
Reduz-se os valores éticos, às aspirações políticas e à dimensão humana. Ao contrário dessa
841
concepção, buscamos analisar a gestão escolar adotada de não neutralidade, antes que
desempenha um papel político, cultural e situado no tempo e no espaço. Nessa concepção
Lombardi (2010), a escola, a gestão escolar, são compreendidas como produtos da ação
concreta, material e objetiva dos homens, inseridas numa relação dinâmica contraditória e
histórica.
1. OBJETIVO GERAL
2. QUADRO TEÓRICO
Esse projeto traça um percurso com aspectos do ciclo de política de Ball (2001);
Mainardes (2006) e outros colaboradores para esta temática em políticas educacionais:
843
Na prática os autores mencionam e afirmam que a interpretação é uma ferramenta que
possibilita, por exemplo, que os professores, façam a sua interpretação a partir de suas
experiências e vão desenvolvendo o seu trabalho dentro da perspectiva de sua interpretação,
podendo ser superficial e até mesmo mal compreendida. O professor é um sujeito inteiramente
ativo no ciclo de políticas.
Ao analisarmos as políticas educacionais com intuito de visualizar mais de perto suas
interações com os demais fenômenos sociais, sugere que levemos em consideração a história e
a dialética, onde a contradição se apresenta por meio da organização produtiva da
sociedade/homem. Quando discutimos as políticas educacionais e suas proposições no contexto
de uma sociedade regulada pelo modo de produção capitalista, sociedade dividida em classe e
propriedade baseada nos meios de produção material, onde uma classe trabalha para outra
acumular bens, entende-se que a classe que detém os meios de produção material, detém-se os
meios de produção espiritual (MARX; ENGELS, 2005).
Paulo Freire diz que a educação minimamente teria que dar a tenção a formação plena
do ser humano, denominada por ele de preparação para a vida, com formação de valores,
atrelados a uma proposta política de uma pedagogia libertadora, fundamental para a construção
de uma sociedade mais justa e igualitária:
Não é possível atuar em favor da igualdade, do respeito ao direito à voz, à
participação, à reinvenção do mundo, num regime que negue a liberdade de trabalhar
de comer, de falar, de criticar, de ler, de discordar, de ir e vir, a liberdade de ser.
(FREIRE, 1987, p.193)
3. ESTADO DO CONHECIMENTO
845
Universidade Federal do
Rio Grande do Norte
Biblioteca Digital Os sentidos da Educação em uma SILVA, ALINE DOS 2019
Brasileira de Teses e Cadeia Pública feminina no Estado do SANTOS.
Dissertações/ Rio de Janeiro: perspectivas docentes
Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro
Biblioteca Digital A reforma gerencial do Estado na SILVA, SERGIO VIEIRA 2018
Brasileira de Teses e educação de jovens e adultos na rede DA.
Dissertações/ estadual de ensino do Rio de Janeiro
Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Espera-se por meio desse projeto analisar um formato de educação que essa
modalidade oferta para o público específico que é a pessoa privada de liberdade e tratar das
especificidades do espaço onde a educação se constiui:
Estudos dão conta da dificuldade de se construir na área categorias teóricas mais
consistentes, que não sejam a aplicação ingênua de categorias usadas em outras
áreas deestudo, e que abarquem a complexidade das questões educacionais em seu
instituído contexto social. Preocupa a compreensão das condições determinantes
dos fatos educacionais, como também os mecanismos internos às escolas (GATTI,
p. 21, 2002).
André; Lüdke (1986) afirmam que o pesquisador é de fato “veículo inteligente e ativo
entre esse conhecimento acumulado na área e as novas evidências que serão estabelecidas a
partir da pesquisa” para tanto fica evidente que uma pesquisa “ganha forma” a partir do olhar
do pesquisador e para realizar uma pesquisa de uma pesquisa pronta exige, sem dúvida,
critérios ou partes das pesquisas analisadas. Sem descaracterizar nem criar juízo de certo ou
errado, mas estabelecer o que ainda precisa ser pesquisado.
Alves-Mazzotti; Gewandsznajder (1994) discutem pontos importantes para que a
revisão bibliográfica seja de fato pertinente à pesquisa com relação ao problema, diz:
846
de pesquisas qualitativas, porém, o uso, tanto da literatura teórica, quanto do
referente a pesquisas, varia bastante dependendo do paradigma que orienta o
pesquisador.
Acreditando na importância da revisão de literatura para a elaboração de um projeto de
pesquisa proposto, será realizada uma pesquisa bibliográfica, na busca do conhecimento
produzido relacionado à temática apresentada.
5. CRONOGRAMA
2023 2024
ETAPAS
Mês de execução J F M A M J J A S O N D J F M A M J J A S O N D
Leitura e estudos X X X X X X X X X X X X
sobre o tema
Levantamento e X X X X X X X X X X X X
sistematização de
das teses e
dissertações
Levantamento dos X X X X X X X X X
temas e teóricos
mais utilizados
nas pesquisas
Sistematização e X X
interpretação dos
dados levantados
Elaboração de X X X
relatório parcial
Elaboração de X X X X X X X X X X
relatório final
Elaboração da X X X X
dissertação para
publicação
Defesa da X
dissertação
6. REFERÊNCIAS
847
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNNAJDER, Fernando. O método nas
ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo-SP: Pioneira, 1994.
ANDRÉ, Marli E. D. A.; LÜDKE, M. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São
Paulo-SP: EPU, 1986.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 32ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Feuerbach - a oposição entre as cosmovisões
materialista e idealista.1.ed. São Paulo: Martin Claret, 2005. 148 p.
PARO, Vitor Henrique. Gestão Democrática da Escola Pública. 5. ed. São Paulo: Ed. Xamã,
848
EDUCAÇÃO E MIGRAÇÃO: O CONTEXTO DA INFLUÊNCIA NO DISCURSO
MIDIÁTICO NA IMPRENSA CAMPO-GRANDENSE (2020-2022)1
Resumo: Este artigo analisa o discurso midiático sobre educação e migração em Campo
Grande/MS no período de 2020 a 2022. Justifica-se o recorte temporal por conta da instituição
da Resolução CNE/CEB nº1, que assegura a matrícula na educação básica para migrantes
internacionais, independentemente da situação/condição. Em 2022 foi instituído o Decreto nº
427, de 1º de março de 2022, que designou membros para compor o Comitê Interinstitucional
Municipal de Promoção, Proteção e Apoio aos Migrantes Internacionais e Refugiados em
Campo Grande/MS. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental, que utiliza documentos
oficiais, matérias jornalísticas, artigos e livros. A pesquisa é fundamentada pela
epistemetodologia do ciclo de políticas, proposta por Stephen Ball e traduzida por Mainardes,
com enfoque para o contexto da influência. Foram encontradas no geral matérias que tratam do
acolhimento e também integração dos migrantes internacionais na cidade, principalmente na
educação superior. No entanto, a análise apontou lacunas na discussão sobre a educação básica.
O discurso midiático influencia os atores políticos e também a percepção da sociedade,
moldando a forma como os migrantes são vistos. Observou-se a necessidade de aprofundar o
debate sobre o acesso à educação básica, considerando não apenas a linguagem inclusiva, mas
também a efetivação desses direitos na prática.
1
Esta pesquisa é financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
849
educação básica aos migrantes internacionais deverá acontecer mesmo sem documentação e
sem quaisquer formas de discriminações, a ser realizado por meio de processo de
avaliação/classificação pela instituição de ensino. Ressalta-se que essa normativa incumbe às
escolas um processo sem estabelecer critérios e diretrizes para essa forma de ingresso.
No mesmo período do recorte temporal inicial foi declarado pela Organização Mundial
da Saúde (OMS), em março de 2020, período pandemia da covid-19. Foi determinado o
isolamento social como forma de conter o vírus até que fosse possível a vacinação e controle
da doença. A vacinação no Brasil começou a ser realizada em janeiro de 2021. No dia 05 de
março de 2023 foi decretado o fim da pandemia pela OMS.2
O período de 2022 corresponde a publicação do Decreto “PE” nº 427, de 1º de março
de 2022, que designou membros para:
[...] comporem o Comitê Interinstitucional Municipal de Promoção, Proteção
e Apoio aos Migrantes Internacionais e Refugiados, suas famílias, crianças e
adolescentes, no Município de Campo Grande - MS, conforme estabelece o
§1o do art. 4, do Decreto n. 14.881, de 1º de setembro de 2021, publicado do
DIOGRANDE n. 6.403, de 2 de setembro de 2021 [...]. (CAMPO GRANDE,
2022).
O estado de Mato Grosso do Sul é um caminho de rota aos migrantes internacionais para
os demais estados, visto que faz divisa com Bolívia e Paraguai. “Devido a essa situação que
situamos o estado de Mato Grosso do Sul como rota de passagem, todavia percebe-se
atualmente que essa situação está diminuindo em detrimento à permanência no Estado [...]”.
(Almeida, 2017, p. 35).
Elege-se Campo Grande por ser a capital do estado, por apresentar maior
desenvolvimento econômico e pelo alto índice de migrantes internacionais. O censo de 2022
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2022) revela que a população de Mato
Grosso do Sul é de 2.756.700, e Campo Grande, capital do estado, tem 897.938 habitantes.
Conforme Cavalcanti, Oliveira e Silva (2022) houve um aumento no número de
matriculados na educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio) no Brasil,
com 138.588 matrículas de imigrantes entre 2010 e 2020. Neste recorte temporal houve um
aumento exponencial de matriculados principalmente no ensino fundamental e, mesmo diante
da pandemia de covid-19, os índices não diminuíram no país. (Cavalcanti; Oliveira; Silva, 2022,
p. 28).
2
Informações disponível em: https://www.paho.org/pt. Acesso em: 10 de ago. de 2023.
850
Entendemos por migração internacional como “movimento de pessoas que deixam os
seus países de origem ou residência habitual para se fixarem, permanente ou temporariamente,
noutro país. Consequentemente, implica a transposição de fronteiras internacionais.” (OIM,
2010, p. 42).
Corrobora-se com pensamento de Anunciação e Barbosa (2021, p. 18) que a migração
é tema recorrente na atualidade e que a mobilidade humana decorre de múltiplas causas -
“exploração, guerra, conflitos étnicos e religiosos, mudanças climáticas, falta de recursos
materiais, desejo de viver uma vida melhor e ter experiências culturais.” (Anunciação; Barbosa,
2021, p. 18-19). Assim, há nessas relações fatores que originam a mobilidade. No processo de
chegada dos migrantes decorrem contextos sócio-político-culturais que refletem no processo de
trânsito e/ou residência.
Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental. Utiliza-se como fontes: documentos
oficiais, matérias jornalísticas de jornais digitais de demais produções bibliográficas que
ajudaram na análise dos dados apresentados.
Ao utilizar documentos oficiais na investigação, necessita-se de análise consistente, do
tratamento teórico-metodológico e da interlocução com a realidade em que está inserido, pois
“[...] o discurso de políticas específicas precisa ser analisado em relação a um contexto
econômico, social e cultural mais amplo.” (Mainardes, 2007, p. 17).
Para organizar epistemetodológicamente a pesquisa, utilizou-se o ciclo de políticas3,
referencial teórico organizado em – contexto da influência, da produção de texto e da prática;
elaborado por Stephen Ball e colabores em 1992. Destaca-se que as análises nesta pesquisa se
atem apenas ao contexto influência, pois é possível analisar os discursos presente na mídia
jornalística e perceber suas implicações nas políticas educacionais.
As matérias jornalísticas foram levantadas, agrupadas, organizadas e analisadas
conforme o referencial teórico escolhido.
2. A imprensa como fonte de análise no contexto da influência
De antemão destaca-se que em relação à imprensa como fonte há um quantitativo
considerável no campo da história da educação, enquanto ainda se encontram poucas discussões
sobre a relação entre imprensa e o campo da política educacional.
3
“[...] constitui-se num referencial analítico útil para a análise de programas e políticas educacionais e que essa
abordagem permite a análise crítica da trajetória de programas e políticas educacionais desde sua formulação
inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus e efeitos.” (MAINARDES, 2006, p. 48).
851
A imprensa como fonte deve ser considerada como histórica e não deve prender-se nos
seus aspectos aparentes, na sua imediaticidade, e sim, questionar e analisar de onde e como este
objeto se compõe. (Zanlorenzi; Nascimento, 2020, p. 1187).
A imprensa, de forma ampla, possui a função social de informar e ser agente para
formação da opinião pública. Ao escolher o contexto da influência, com intento de investigar a
relação com a imprensa, observa-se que “há uma variedade de intenções e de disputas que
influenciam o processo político”. (Mainardes, 2018, p. 3).
O ciclo de políticas é uma abordagem que constitui-se:
Nesta pesquisa faz-se uma breve aproximação do uso da imprensa nas discussões sobre
ciclo de políticas e seu uso no campo da política educacional. Fica de subsídio para
aprofundamentos teórico-analíticos acerca da temática.
852
4. Educação e migração nos jornais digitais campo-grandenses (2020-2022)
Foram escolhidos três jornais digitais de Campo Grande/MS – o jornal Campo Grande
News, Jornal Midiamax e Jornal Correio dos Estados. A escolha desses jornais decorre da sua
antiguidade no cenário sul-mato-grossense.
O jornal Campo Grande News foi criado em 4 de março de 1999, com o início e
expansão da era digital na cidade.4 Esse veículo de comunicação é um dos mais lidos na região
Centro-Oeste, conforme o Instituto Verificador de Comunicação (IVC), com mais de 29
milhões de visualizações num mês.5
O Jornal Midiamax, também conhecido como Midiamax, é um jornal brasileiro editado
na cidade de Campo Grande com a maior circulação no estado brasileiro de Mato Grosso do
Sul, com mais de 41,2 milhões de pageviews mensais, segundo auditado pelo Instituto
Verificador de Comunicação (IVC), em novembro de 2020. Fundado em 16 de maio de 2002
para gerar conteúdo jornalístico que seria exibido na rede de painéis televisivos instalados nas
principais vias de Campo Grande, logo o jornal ganhou uma versão eletrônica, veiculada até
hoje pelo endereço www.midiamax.com.br. Com a cobertura noticiosa diária, adotou a
atualização do website com notícias em intervalos de 10 minutos como marca, gerando um dos
maiores volumes de conteúdo jornalístico produzido regionalmente no Brasil, conforme
indicado em 'Capitais Brasileiras: dados históricos, demográficos, culturais e midiáticos’.6
Com sede em Campo Grande, Mato Grosso do Sul e distribuído em quase todos os 78
municípios do estado a história do jornal Correio do Estado começou em 1954, ano em que as
primeiras edições chegaram às bancas. A equipe de jornalistas que trabalha diariamente na
elaboração dos exemplares mantém compromisso com a verdade e faz uma apuração minuciosa
dos fatos antes de transformá-los em notícias. O Correio do Estado faz sucesso de vendas tanto
na capital Campo Grande como nas cidades do interior. Além de incluir notícias e reportagens
especiais em suas páginas, o jornal também investe nos classificados. Essa área é destinada para
anúncios, onde são publicadas vagas de emprego em aberto ou carros, motos, casas e terrenos
a venda no estado do Mato Grosso do Sul. A cada novo exemplar do jornal, novidades aparecem
também nos classificados.7
4
Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/reportagens-especiais/nascidos-com-o-campo-grande-
news-leitores-viveram-a-saga-da-internet. Acesso em: 24 de jul. de 2023.
5
Disponível em: https://www.gocache.com.br/case-campo-grande-0news/. Acesso em: 24 de jul. de 2023.
6
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Midiamax. Acesso em: 25 de ago. de 2023.
7
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Correio_do_Estado. Acesso em: 25 de ago. de 2023.
853
Em consulta ao banco de dados desses veículos de comunicação, utilizou-se como
descritores: imigrantes, migração internacional, migração e estrangeiro. Os achados
jornalísticos foram separados, agrupados, organizados e analisados de acordo com os
descritores escolhidos e a proximidade com a área da educação.
Ao investigar o discurso presente na imprensa, o pesquisador precisa “ampliar sua
apreciação para além dos aspectos formais, pois não há uma disputa entre o certo e o errado,
mas a busca do desvelamento das ideologias presentes e a forma de persuasão utilizada, para
influir socialmente.” (Zanlorenzi; Nascimento, 2020, p. 1189).
Primeiramente analisou-se as bibliografias e em seguida foram categorizadas8 na
temática migração e educação. As produções jornalísticas foram divididas em 3 grupos,
explicitadas no quadro 1, 2 e 3, correspondendo, respectivamente, à 2020, 2021 e 2022. Confira
o excerto nos quadros:
Quadro 1 – Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2020
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
UEMS oferta curso de português online 06/08/2020 Correio do Estado Tavares (2020)
gratuito para migrantes internacionais
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.
O conteúdo escrito por Tavares (2020) - uma nota jornalística - trata do programa
“UEMS Acolhe”, organizado pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) no
acolhimento linguístico aos migrantes internacionais. Para Silva e Pires (2021, p. 707) “As aulas
de português superam o mero aprendizado de regras sintáticas e gramaticais, passando a
abranger a efetividade do que se estuda, trazendo reflexões de como trazer soluções às
especificidades da região, focando nos aspectos sociolinguísticos.” Assim, ao ter contato com
ensino linguístico, os migrantes internacionais passam a ter contato com a cultura,
experimentam o processo de integração/inclusão à uma realidade outra e dão o primeiro passo
para romper a barreira sociocultural.
8
Para Ianni (2011, p. 397), a categoria é “[...] a construção da categoria é por assim dizer, o núcleo, o desfecho
da reflexão dialética; explicar dialeticamente e construir a categoria ou as categorias que resultam da reflexão
sobre o acontecimento que está sendo pesquisado.”
854
O período que o Brasil e o mundo passavam era da pandemia da covid-19, e a inscrição
era o por meio de envio dos documentos que os migrantes internacionais tivessem e do telefone.
O curso foi realizado de forma online. (Tavares, 2020).
Diante dessa informação divulgada, fica a seguinte questão: os migrantes internacionais,
principalmente os refugiados, tiveram acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC)? Mesmo com acesso, eles souberam utilizar as TICs para acompanharem as aulas? A
universidade disponibilizou meios de acesso no campus para os migrantes internacionais?
São questões que se apresentam para reflexão acerca do acolhimento linguístico
proposto pela universidade durante esse período. Quanto às influências nas políticas
educacionais, o acolhimento linguístico é fundamental para o processo de integração/inclusão
aos migrantes internacionais, mas deve ser cerceado de meios no atendimento a esses
indivíduos.
Quadro 2 - Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2021
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
Rede de acolhimento capacita imigrantes 21/09/2021 Campo Grande News Rodrigues
até com aulas de português (2021)
Com mais de 3 mil imigrantes em 5 03/09/2021 Campo Grande News Maldonado
meses, Capital cria comitê de apoio (2021)
Governo do MS lança sistema de 01/11/2021 Correio do Estado Libini (2021)
cadastro para migrantes
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.
Rodrigues (2021) aponta que houve “926 encaminhamentos para o mercado de trabalho
e fornecidas 1.447 passagens às pessoas em situação de rua e estrangeiros, que puderam retornar
às suas cidades de origem, restabelecendo os vínculos familiares.”
No conteúdo jornalístico, escrito por Libini (2021), trata sobre a criação do órgão
estadual de Mato Grosso do Sul do Sistema de Cadastro de Atendimento dos Migrantes em
Mato Grosso do Sul (CADMI/MS), na visa “oferecer atendimento de mais qualidade e políticas
públicas a estes grupos de diferentes países, tendo informações mais precisas sobre sua
nacionalidade, escolaridade, regularização, de onde estão vindo e suas atividades no Estado.”
(Libini, 2021). “Os deslocamentos não são operacionalizados apenas nos espaços físicos, mas,
sobretudo, num campo das relações sociais, que refundam lugares e geografias através da
constituição de novos espaços e inserções de vida.” (Spigolon, 2016, p. 123).
Libini (2021) destaca que de janeiro a setembro de 2021 foram realizados mais de 735
atendimentos pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho
(Sedhast), com maior número de venezuelanos, haitianos e oriundos da África e Oriente Médio.
Libini (2021) descreve a entrevista com coordenador do programa na UEMS na qual diz
“Os cursos tem como foco o público adulto, pois as crianças já são inseridas na rede escolar. O
objetivo é que eles tenham mais conhecimento e tornem-se mais independentes para
desenvolver suas atividades”. Queiros (2023, p. 121-122), em análise aos anos finais do ensino
fundamental na Rede Municipal de Ensino (REME) de Campo Grande/MS, revela que há uma
diferença entre o número de crianças em idade escolar registradas no órgão federal e o de
856
matriculados na REME/CG, revelando que esse discurso de que “já estão inseridos na rede
escolar” não se finda em Campo Grande/MS.
Quadro 3 - Matérias jornalísticas que tratam educação e migração nos jornais digitais campo-
grandenses em 2022
Título da Matéria Data Jornal Autor(a)
UEMS abre 500 vagas na graduação para 06/07/2022 Campo Grande Chuva (2022)
refugiados, migrantes e apátridas News
Projeto de Lei sobre políticas municipal para 14/07/2022 Correio do Estado Macário (2022)
imigrantes é aprovado na Capital
Três universidades de MS integram programa 03/10/2022 MidiaMax Chianezi (2022)
para formação de refugiados no país
Fonte: elaborado pelos autores com informações no site dos sites de notícias.
Chuva (2022), na matéria jornalística, trata da abertura de 500 vagas na UEMS, porém
são vagas remanescentes em 49 cursos, distribuídas em 13 cidades universitárias. Não pode
participar cidadãos brasileiros, as inscrições devem ser realizadas pela internet por meio do
preenchimento de formulário com dados pessoais, curso de interesse e as notas de Linguagens
e Matemática que constam no Histórico Escolar do Ensino Médio. (Chuva, 2022).
Diante dessa informação, que tem como fonte o edital da UEMS, há alguns pontos para
reflexão – esses estudantes possuem acesso à internet para realizar a inscrição? Há auxílio nesse
processo? E quanto aos refugiados e migrantes que perderam seus históricos escolares, como
procede o ingresso? Está descrito no art. 4º da Lei de Migração (nº 13.445/2017) que:
Portanto, não deve ser vedada, impedida o ingresso aos migrantes internacionais -
independente da etapa de ensino – à educação pública brasileira. “Especialmente no caso dos
que estão sem documentos, a burocracia e a falta de informações sobre os direitos educativos
são os muros que parecem mais evidentes.” (Magalhães, 2013, p. 59).
Macário (2022) discorre sobre a Lei Municipal 10.519/22, que institui diretrizes sobre
a política aos migrantes internacionais com foco na garantia do acesso à direitos e garantias
sociais. “De acordo com o PL, ainda prevê a garantia de todas as crianças, adolescentes e jovens
o acesso à educação na rede de ensino público municipal.” (Macário, 2022). Ressalta-se que
857
isso já é determinado na Lei de Migração (nº 13.445/2017) e outras normativas nacionais. “O
acesso a essa educação é um primeiro fator que põe em xeque seu princípio de universalidade,
na medida em que obstáculos emergem em diversos momentos da trajetória dos imigrantes.”
(Magalhães, 2013, p. 59).
Chianezi (2022) trata das ações da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), por meio
da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), no ingresso aos refugiados em 35
universidades brasileiras. Chianezi aponta que Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
(UFMS), a Universidade da Grande Dourados (UFGD) e a UEMS receberam refugiados nesse
programa e ofereceram cursos de língua portuguesa.
A UFMS realizou 36 revalidações de diplomas, e a UFGD e UEMS não foram
detalhadas na reportagem. A matéria jornalística também trata Processo Seletivo de Ingresso
aos Cursos de Graduação para Refugiados, Migrantes em Situação de Vulnerabilidade e
Apátridas, que teve 172 inscritos para vagas em 49 cursos. Uma responsável técnica da UEMS
apontou que a maioria são migrantes em situação de vulnerabilidade (65%) e são oriundos da
Venezuela (60%). (Chianezi, 2022). Destaca-se que a revalidação não deve perder de vista o
direito ao acesso à educação. Importante que haja processo de avaliação/classificação de acordo
com critérios para garantir o acesso aos estudantes migrantes internacionais nas universidades.
O discurso midiático escrito por Chianezi (2022) revela uma atuação mais concisa das
universidades em Mato Grosso do Sul e em Campo Grande, porém não revela o ponto de vista
dos migrantes internacionais em relação à essas ações, assim como suscitam questões acerca
do processo de ingresso oferecidos pelas instituições e outras questões em torno do direito à
educação.
Diante da análise dos conteúdos jornalísticos, encontrou-se uma quantitativo razoável
de produções que tratam a relação dos migrantes internacionais e educação, principalmente no
jornal Correio dos Estados.
5. Educação e Migração: influências das produções jornalísticas nas políticas
educacionais em Campo Grande/MS
858
Ao analisar as sete (7) matérias jornalísticas produzidas de 2020 à 2022, constatou-se a
atuação dos órgãos não governamentais no acolhimento e auxilio aos migrantes internacionais
em Campo Grande/MS,
Ao olhar o discurso midiático, num primeiro instante parece haver uma
integração/inclusão social, e de fato há alguns passos dados, porém ainda há questões que
carecem de análise mais detalhadas e serem refletidas se de fato o direito à educação está sendo
garantido em Campo Grande/MS. Anunciação e Barbosa (2021, p. 24) asseveram que “Há que
se planejar políticas públicas, considerando a transição demográfica e a globalização econômica
que inclui o país na rota das migrações internacionais, também pelas questões de interesse do
próprio sistema econômico.”
Nas produções jornalísticas vê-se o uso alternado da terminologia para referir-se aos
migrantes internacionais, ora há o uso do termo “estrangeiro”, ora “imigrante”. Ressalta-se que
a definição de imigrante e do uso adequado do termo conta na Lei de Migração, nº 13.445, de
2017, que revogou o Estatuto do Estrangeiro, lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980. “As
diferenças são visíveis e alocadas para além das fronteiras físicas, mas na forma de pensar e
conceber o Outro que tem seus direitos negados injustamente, marcado como objeto e apartado
dos direitos humanos.” (Anunciação; Barbosa, 2021, p. 36).
Há uma maior publicação tratando sobre a relação da educação superior e o acolhimento
linguístico aos migrantes internacionais, ficando a par os discursos na mídia em relação à
educação básica.
Ressalta-se que a cidade investigada é marcada por alguns grupos migrantes
internacionais, além de ser local de trânsito, residência e fronteiriço à esses indivíduos, com
destaque aos venezuelanos, pois no período eleito houve um maior fluxo em Campo
Grande/MS.
Mesmo diante de publicações jornalísticas sobre os migrantes internacionais, é
necessário apontar o desconhecimento da maioria desses sujeitos ao entrarem em contato com
Campo Grande sobre as produções jornalísticas.
O discurso presente nos veículos investigados influência os atores políticos, tornando-
se processo substancial de embasamento e discussões acerca dos direitos e sua atuação no
cotidiano educacional dos migrantes internacionais.
Considerações Finais
859
Constata-se que os efeitos da imprensa podem reverberar até no contexto da prática, e
indo além, no contexto dos resultados e da estratégia política. Mesmo diante de ações de
instituições públicas, os migrantes internacionais ainda encontram estigmas na sociedade no
rompimento de barreiras que ainda os colocam como estranhos, intrusos e ameaçadores.
Ressalta-se que as ações do município de Campo Grande/MS devem intensificar-se, no sentido
de auxiliar de forma mais efetiva o acesso à educação básica em seu aspecto inicial ou continuo,
pois esses indivíduos carregam uma formação e devem ter seus direitos garantidos.
Destaca-se que há poucas discussões na imprensa campo-grandense sobre à educação
aos migrantes internacionais, carecendo de outros desdobramentos acerca dessa efetividade.
Referências
ALMEIDA, Luciane Pinho de. Migração transnacional e refúgio: a rota de passagem por
Mato Grosso do Sul. ALMEIDA, Luciane Pinho de (org.). In: Migrações, Fronteiras e
Refúgio: Mato Grosso do Sul na Rota das Migrações Transnacionais. In: Campo Grande:
UCDB, 2017. 303 p.
LIBINI, Thais. Governo do MS lança sistema de cadastro para migrantes. 2021. Disponível
em: https://correiodoestado.com.br/cidades/governo-do-ms-lanca-sistema-de-cadastro-para-
migrantes/392819/. Acesso em: 15 ago. 2023.
MACÁRIO, Bianca. Projeto de Lei sobre políticas municipal para imigrantes é aprovado
na Capital. 2022. Disponível em: https://correiodoestado.com.br/cidades/pl-sobre-politicas-
municipal-para-imigrantes-e-aprovado-na-c/402517/. Acesso em: 25 ago. 2023.
MALDONADO, Caroline. Com mais de 3 mil imigrantes em 5 meses, Capital cria comitê
de apoio. 2021. Disponível em: https://www.campograndenews.com.br/politica/com-mais-de-
3-mil-imigrantes-em-5-meses-capital-cria-comite-de-apoio. Acesso em: 15 ago. 2023.
TAVARES, Gabrielle. UEMS oferta curso de português online gratuito para migrantes
internacionais. 2020. Disponível em: https://correiodoestado.com.br/cidades/curso-de-
portugues-para-migrantes-internacionais-em-campo-grande/375625/. Acesso em: 15 ago.
2023.
862
EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE MATO GROSSO
DO SUL: NORMATIVAS SOBRE A CRIAÇÃO E AS ATRIBUIÇÕES DE CENTROS
DE ATENDIMENTO
INTRODUÇÃO
863
de professores do ensino comum e de professores que atuam nos serviços da
educação especial (Mato Grosso do Sul, 2019, p. 199).
864
VII - cumprir e fazer cumprir as Diretrizes Educacionais da Educação
Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, emanadas da Secretaria de
Estado de Educação;
VIII – oferecer atendimento educacional especializado. Art. 7º Cada Centro
contará com organização de núcleos específicos por área de conhecimento e
atuação, com objetivo de avaliação, assessoramento e acompanhamento do
processo de inclusão do estudante público da Educação Especial (Mato Grosso
do Sul, 2017a, p. 4)
865
De acordo com Mello (2022) a nova redação teve como objetivo seguir a reorganização
da estrutura básica da SED/MS, estabelecendo então o funcionamento dessas CRE’s. Nesse
contexto, as coordenadorias são mencionadas pelo Decreto nº 15.279/2019 como uma unidade
de gerência e execução operacional que subordinada à SED via SUPED tem a competência de
“II - coordenar, acompanhar e monitorar as atividades do processo ensino-aprendizagem, nas
diversas modalidades desenvolvidas nas escolas da Rede Estadual de Ensino” (Mato Grosso do
Sul, 2019a).
Esse trabalho é realizado por meio de onze CRE’s que se localizam em municípios sede,
conforme o quadro a seguir.
Diante do exposto, este texto tem como objetivo apresentar as normativas sobre a criação
e as atribuições do Centro Estadual de Educação Especial e Inclusiva (CEESPI) e do Centro
Estadual de Apoio Multidisciplinar e Educacional ao Estudante com Transtorno do Espectro
Autista (CEAME/TEA), integrantes da Coordenadoria de Políticas para a Educação Especial
(COPESP), da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul, tendo em vista
analisar, no decorrer da pesquisa, as condições de oferta educativa aos estudantes da Rede
Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul (REE/MS).
Cabe esclarecer que a oferta educativa é compreendida como “formas de provisão e
atendimento às diferentes etapas da educação básica” (Adrião, 2014, p. 264).
Até a criação dos centros especializados, a educação especial acontecia por meio dos
Núcleos de Educação Especial (NUESPs) em todos os municípios do estado, seguindo as
orientações do Decreto nº 12.170, de 24 de outubro de 2006. Conforme a Resolução/SED nº
2.506, de 28 de dezembro de 2011 esses núcleos são subordinados à COPESP e à SUPED,
órgãos vinculados à SED/MS na capital, e nos demais municípios o vínculo ocorre por meio de
uma unidade escolar própria (Belato, 2019).
O CEESPI foi criado por meio do Decreto Estadual nº 12.737, de 3 de abril de 2009 e
seu funcionamento regulamentado pela Resolução nº 2.505, de 28 de dezembro de 2011. Sua
finalidade é prestar atendimento educacional especializado aos estudantes com deficiência e
possibilitar formação continuada aos profissionais da educação nas diferentes áreas da educação
especial e inclusiva (Belato, 2019).
O objetivo do CEESPI é “desenvolver a Política de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva nas unidades escolares da Rede Estadual de Ensino” e,
869
Considerando os dispositivos do Decreto nº 14.480/2016, a SED implementou por meio
da Resolução nº 3.120, de 31 de outubro de 2016 as disposições sobre o funcionamento do
CEAME/TEA, em que resolve estabelecer os procedimentos para o funcionamento do Centro
que passa a ter caráter educacional e técnico-pedagógico. O Centro passa a dar suporte para
estudantes da Educação Especial com TEA, apoiando e subsidiando a formação, priorizando
processos de ensino-aprendizagem de qualidade, e esse acompanhamento passa a ser realizado
nas escolas da rede estadual de ensino (Mato Grosso do Sul, 2016b).
Para a implementação das articulações da Política Educacional, a estrutura básica do
Centro é formada pelo Coordenador, a Secretária e três Núcleos, sendo eles Núcleo de Apoio
Educacional, Núcleo de Assessoramento Educacional e o Núcleo de Pesquisa Educacional
(Mato Grosso do Sul, 2016b).
Dias et al (2017) menciona que a função do Núcleo de Apoio Educacional é de
acompanhar os processos de escolarização e ensino-aprendizagem de discentes com TEA, por
meio de observação e identificação das especificidades individuais, prestando orientações à
escola e a toda equipe pedagógica. Os autores descrevem que o Núcleo de Assessoramento
Educacional tem o objetivo de atuar na formação e capacitação de toda a equipe pedagógica
dos estudantes em todas as etapas, níveis e modalidades de ensino, atuando na elaboração de
programas para disponibilização de materiais e recursos próprios Já o Núcleo de Pesquisa
educacional busca organizar os trabalhos desenvolvidos pelo centro por meio de pesquisas para
o desenvolvimento metodológico, de materiais didáticos, publicações, equipamentos e recursos
pedagógicos (Dias et al., 2017).
Outra função do CEAME/TEA que visa uma proposta inclusiva é a garantia do professor
de apoio em ambiente escolar e, de acordo com a Resolução SED/MS nº 3.120/2016, deverá
obedecer a alguns critérios descritos no Art. 19:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
ADRIÃO, Theresa. Escolas Charters nos EUA: contradições de uma tendência proposta para o
Brasil e suas implicações para a oferta da educação pública. Revista Educação e Filosofia.
Uberlândia, v. 28, n. Especial, p. 263-282, 2014.
BRASIL. Lei n° 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a lei brasileira de inclusão da pessoa
com deficiência. Brasília, DF. 2015.
BUENO, José Geraldo Silveira. As políticas de inclusão escolar: uma prerrogativa da educação
especial. In: BUENO, José Geraldo Silveira; MENDES, Geovana Mendonça Lunardi; SANTO,
Roseli Albino dos (Orgs.). Deficiência e escolarização: novas perspectivas de análise. Brasília,
DF: CAPES, 2008.
GOMES. Vera Lucia. Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul e a Meta 4:
Oferta Educativa e Atendimento Educacional Especializado aos Estudantes da Educação
Especial (2014-2018). Tese (Doutorado em Educação) Universidade Católica Dom Bosco-
UCDB, Campo Grande, 2022.
MATO GROSSO DO SUL. Resolução SED nº 3.120, de 31 de outubro de 2016. Dispõe sobre
o funcionamento do Centro Estadual de Apoio Multidisciplinar Educacional ao Estudante com
Transtorno do Espectro Autista – CEAME/TEA, e dá outras providências. Diário Oficial de
Mato Grosso do Sul nº 9.281, de 7 de novembro de 2016b.
873
MATO GROSSO DO SUL. Resolução/SED nº 3.330, de 21 de novembro de 2017. Dispõe
sobre o funcionamento dos Centros Estaduais de atendimento ao público da Educação Especial
e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de MS n. 9.537, 22 de novembro de 2017.
Campo Grande, MS, 2017a.
MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto. A Inclusão do Estudante com
Autismo na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul. Seminários Regionais da Anpae,
nº 3, Campo Grande- MS, 2018. Disponível em:
https://www.seminariosregionaisanpae.net.br/numero3/1comunicacao/Capitulo05/StefaniQue
vedodeMeneses_E5Com.pdf Acesso em: 20 julho 2023.
MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto. Os Desafios do Trabalho com o
Estudante TEA no Contexto da Escola Inclusiva. In: In: BUYTENDORP; Adriana Aparecida
Marques Burato; MENESES, Stéfani Quevedo de; BRAGA, Paola Gianotto (Org.). Educação
Especial em Mato Grosso do Sul – caminhos e práticas. Campo Grande: Ed. Perse, 2019.
p.141-155.
874
ESTADO DO CONHECIMENTO: ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO AO SUPERDOTADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR DE MATO
GROSSO DO SUL
Resumo: O artigo tem por objetivo analisar trabalhos com objetivos semelhantes de
mapeamento do público identificado com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) na
Educação Superior de Mato Grosso do Sul. Com base na pesquisa bibliográfica e documental,
foram discutidos os objetos das pesquisas relacionadas ao público com AH/SD, assim como os
objetivos das pesquisas identificadas. As considerações finais dos trabalhos aqui estudados
indicam o avanço de pesquisas relacionadas a este público, todavia, ainda não há pesquisas
suficientes que tem como objeto as políticas públicas específicas para este público AH/SD.
Considerando que os preceitos constitucionais garantem o direito à educação para todos e a
obrigatoriedade do Atendimento Educacional Especializado em todas as etapas e modalidades,
as pesquisas exigem mais estudos a este respeito, especialmente, a respeito da Educação
Superior do Estado de Mato Grosso do Sul.
876
Com esses avanços surgiu a necessidade de atualizar a Lei de Diretrizes e Bases que
ocorreu no ano de 1996. A nova LDBEN Lei n. 9394 foi redigida com o seguinte artigo 58 que
define a Educação Especial.
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação (Brasil, 1996, s.p.).
Apesar desses avanços ainda existem lacunas para serem preenchidas referente à
identificação e mapeamento do perfil do estudante com Altas Habilidades/Superdotação na
educação superior do Mato Grosso do Sul, pois a legislação das últimas décadas ampara
baseado nos níveis de ensino da Educação Básica (Educação infantil, Ensino Fundamental e
Ensino Médio) e já o amparo do atendimento para este público na educação superior foi
877
marcado com a alteração da LDB nº 9394 pela Lei nº 13.234 de dezembro de 2015.
Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro nacional de alunos com altas
habilidades ou superdotação matriculados na educação básica e na educação superior,
a fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas ao desenvolvimento
pleno das potencialidades desse alunado (Brasil, 2015).
O texto para este capítulo se desenvolveu por meio de uma pesquisa qualitativa de cunho
bibliográfico com levantamento de produções de dissertações e teses com consulta no banco de
dados da CAPES, para pesquisa foram utilizadas as palavras-chave combinadas: altas
habilidades, superdotação, Mato Grosso do Sul, enriquecimento, mapeamento, adultos,
educação superior, altas habilidades, superdotação.
Para critério de inclusão e exclusão se deu de pesquisas e artigos a partir do ano de 2007,
que iniciou o movimento das Altas Habilidades no Estado, com a criação do Núcleo de
Atividades de Altas Habilidades/Superdotação.
Para análise e discussão foi desenvolvido um quadro com categorias e organizado por
ano crescente, e foram enfatizados os objetos das pesquisas, objetivos e resultados obtidos nas
mesmas.
O público com Altas Habilidades/Superdotação vem aumentando nos últimos anos na
Educação Superior, conforme tabela nº 1 que foi construída por meio de consulta nos dados
públicos do censo, que foi pesquisado a partir de 2015 até o último censo divulgado, pois é o
ano que entrou em vigor a alteração no artigo 59 da LDB nº 9.394.
O último censo da Educação Superior divulgado foi do ano de 2019, pois para o ano de
878
referência 2020 foram organizadas ações diferenciadas de coletas de informações, devido ao
cenário atípico pandêmico mundial. Os procedimentos iniciaram em março/2021 e com a
divulgação prevista para fevereiro/2022, conforme cronograma disponível no site do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
879
política educacional para o estado de
Mato Grosso do Sul.
2019 Educação escolar de estudantes com Altas Rosemary Nantes Dissertação UEMS
Habilidades/Superdotação na perspectiva Ferreira Martins
dos professores.
2020 Avaliação e identificação de Altas Marcela Luzio Dissertação UEMS
Habilidades/Superdotação no contexto Ferreira Moquiuti
escolar.
2020 A contribuição da demonstração em Célia Miriam da Silva Dissertação UEMS
geometria para o enriquecimento do Nogueira
currículo do estudante com superdotação
em matemática.
Fonte: A autora (2022).
O primeiro estudo levantado foi da autora Oliveira (2007), que teve como objeto de
pesquisa o processo-diagnóstico de identificação e encaminhamento dos alunos com altas
habilidades / superdotação, realizado pela Rede Estadual de Ensino na cidade de Campo Grande
- MS. Ela (2007) utilizou um estudo exploratório sobre as propostas de identificação e
encaminhamento dos alunos que participavam do Núcleo de Inclusão na época (NAAH/S),
também usou pesquisa documental. No caráter exploratório realizou entrevistas com dois
profissionais responsáveis pelo programa, dois estudantes e seus respectivos responsáveis.
Amparou-se no referencial sócio-histórico e concluiu que havia dificuldades para eleger
critérios de identificação da pessoa superdotada, e que também percebeu que a abordagem
psicométrica ainda na época do estudo era uma forte base teórica para o diagnóstico dos
estudantes público da pesquisa.
O segundo estudo levantando foi da autora Iorio (2015), que teve como objeto de
pesquisa a subjetividade social individual – enquanto unidade dialética – se expressa e
configura na constituição subjetiva de alunos identificados como superdotados. A autora propôs
os seguintes: objetivos identificar os sentidos subjetivos da avaliação psicológica em Altas
Habilidades/Superdotação e também compreender como é ser superdotado. A pesquisa foi de
campo com entrevistas com 4 estudantes que na época frequentavam o Núcleo de Atividades
em AH/SD do estado de MS. A construção do instrumento usado na entrevista e a análise dos
dados obtidos nelas, foram amparadas pela perspectiva da psicologia Histórico-cultural, ou seja,
baseou-se no Materialismo Histórico-dialético e também se amparou na Teoria da
Subjetividade de González Rey. Como resultado do estudo, a pesquisadora (2015) conclui que
as avaliações psicológicas em se tratando de processo dialógico de construção do conhecimento
que possa viabilizar a aprendizagem sobre si mesmo e do que nos cerca, dando possibilidade
880
de abertura de novas ações e de ressignificações de sentidos subjetivos para os participantes da
pesquisa.
A terceira pesquisa do autor Ribeiro (2017), teve como objeto de pesquisa a
autoformação de docentes. O objetivo do pesquisador (2017) foi buscar nas narrativas
desenvolvidas por alunos com altas habilidades/superdotação que frequentavam na época o
Núcleo de Altas Habilidades/Superdotação do município de Campo Grande/MS -NAAH/S-CG
uma melhor compreensão das ações docentes que eles legitimam como aquelas que contemplam
a diversidade em que vivem. O autor (2017) pode concluir que as atividades desenvolvidas no
formato de grupos de estudos e pesquisa se constitui como um recurso intelectual significativo
e frutífero ao estímulo e ao exercício do pensamento e da atividade científica e que a
autoformação docente exigiu um redimensionamento de saberes da experiência, mostrou ser
um processo em constante movimento.
A quarta pesquisa levantada da autora Vieira (2018), se preocupou com instrumentos
que pudessem ser de enriquecimento curricular suplementar para os estudantes com AH/SD,
visto que muito se pesquisa sobre a identificação e pouco se discuti sobre a práxis do
Atendimento Educacional Especializado. A pesquisadora (2018) teve como objetivo analisar o
processo de construção do conhecimento em Biologia por meio da criação e desenvolvimento
de modelos didáticos representativos, por alunos com AH/SD, dentro de suas áreas de interesse.
Ela (2018) desenvolveu pesquisa-ação participativa qualitativa, com coleta de dados por meio
de entrevistas semiestruturadas, e para análise dos dados coletados se amparou nos métodos de
Análise do Discurso e de Conteúdo de Bardin e de Análise Microgenética de Vygotsky. Como
resultado a autora (2018) verificou que a construção de modelos didáticos se mostrou uma
metodologia de ensino capaz de despertar o interesse de estudantes com AH/SD para os
assuntos de Ciências e Biologia.
A quinta pesquisa da autora Santos (2019), teve como objeto de investigação o Núcleo
de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação do estado de Mato Grosso do Sul (NAAH/S
- MS), no período de 2006-2018. O objetivo da pesquisadora (2019) foi analisar o NAAH/S
como órgão impulsionador de políticas públicas para alunos com altas
habilidades/superdotação no Estado de Mato Grosso do Sul, no período de 2006 a 2018. Ela
usou a pesquisa documental e teve como resultado a evidência que a política de criação do
NAAH/S, no estado de Mato Grosso do Sul, vem, ao logo do tempo, mantendo ações com
pouco recursos, pequenas conquistas em relação ao atendimento educacional, o que deixa um
881
significativo contingente de alunos sem seus direitos garantidos conforme prescreve a
legislação.
A sexta pesquisa da autora Martins (2019), teve como objeto de pesquisa o histórico das
estratégias pedagógicas no espaço escolar para os estudantes com AH/SD. A pesquisa teve
como objetivo analisar a educação escolar dos estudantes com Altas Habilidades/Superdotação
nas escolas da rede estadual de ensino de Campo Grande - MS. A pesquisadora (2019) fez
pesquisa qualitativa-descritiva e utilizou para coleta de dados, a entrevista semiestruturada, que
foi aplicada na época aos professores de sala de aula e aos técnicos do Núcleo de Atividade
para Altas Habilidades/ Superdotação (NAAH/S) que acompanhavam os estudantes com
AH/SD e também fez análise dos planejamentos dos professores. Sua pesquisa concluiu que o
atendimento para o público com AH/SD está centrado no processo de identificação e, quando
positivo, tem uma preocupação de encaminhar para o Atendimento Educacional Especializado.
Em se tratando de estratégias pedagógicas de Atendimento Educacional Especializado, não
foram encontradas uma rotina, uma sistematização para realizar as orientações sobre estratégias
didáticas em sala de aula.
A sétima pesquisa da autora Moquiuti (2020) teve como objetivo analisar o processo de
avaliação e identificação dos estudantes com indicadores de Altas habilidades/Superdotação
(AH/SD), desenvolvido pelo Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas
Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS). Sua pesquisa foi qualitativa do tipo pesquisa
descritiva baseada na pesquisa de campo com entrevistas semiestruturadas com 15 sujeitos
(pais, estudantes e professores) e pesquisa documental.
A pesquisadora (2020) concluiu que existe uma escassez de pesquisas acadêmicas da
área de educação especial que se voltam às AH/SD e a pouca visibilidade da temática nas
políticas educacionais e documentos oficiais ao longo da história da educação. Também que a
criação dos Núcleos de Atividades de Altas Habilidades/Superdotação (NAAH/S) contribuiu
para minimizar essa invisibilidade, mas que a falta de conhecimento sobre as AH/SD entre os
professores e a comunidade geral, em conjunto com os mitos ainda não superados sobre o
significado das altas habilidades/superdotação e sobre o comportamento desse público no
contexto escolar, tem oferecido desafios à ampliação do número de estudantes identificados e,
consequentemente, dos encaminhamentos ao AEE.
Os dados coletados nas entrevistas também trouxeram à tona a necessidade de
atualização dos instrumentos de identificação e avaliação, principalmente em relação à
882
linguagem utilizada, à extensão dos formulários e à orientação aos sujeitos que os respondem.
Apontaram ainda a insuficiência do tempo destinado à formação docente, falta de espaços
apropriados para realizar as entrevistas com os estudantes nas escolas, resistência dos
professores em preencherem os instrumentos de avaliação e dificuldades dos técnicos em
avaliar áreas específicas, como criatividade, área corporal cinestésica e artística.
A oitava e última pesquisa levantada da autora Nogueira (2020) teve como objeto de
pesquisa o Enriquecimento curricular de matemática para estudantes com Altas Habilidades do
Centro Estadual de Atendimento Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação. O
objetivo da pesquisadora (2020) foi analisar como o currículo de matemática para esses
estudantes pode ser enriquecido com a inclusão da prática das demonstrações geométricas. A
pesquisa foi do tipo qualitativa dividida em revisão de literatura e estudo de caso que usou como
coleta de dados atividades realizadas com estudantes (participantes da pesquisa) matriculados
no atendimento Especializado de Matemática no Centro na época. Os materiais coletados como:
manuscritos (atividades de demonstrações) desenvolvidas pelos participantes durante os
encontros foram analisadas pela perspectiva da Teoria Antropológica do Didático e cartas
relatando a experiência vivida durante a participação na pesquisa foram apresentadas como
validação do resultado obtido na pesquisa. A autora (2020) concluiu que existe escassez de
pesquisas preocupadas com as estratégias para o enriquecimento do currículo suplementar para
este público e que atividade com demonstração geométrica é um enriquecimento curricular
suplementar para estudantes com altas habilidades matemáticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRASIL, Casa Civil. LEI Nº 9394. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
Brasília, DF, 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acesso em: 05 jan. 2022.
BRASIL. Ministério da Educação. LEI Nº 13.005. Plano Nacional de Educação. Brasília- DF.
2014. Disponível em: http://pne.mec.gov.br/18-planos-subnacionais-de-educacao/543-plano-
nacional-de-educacao-lei-n-13-005-2014. Acesso em: 05 jan. 2022.
MATO GROSSO DO SUL. Decreto Nº 14.786, 24 julho de 2017. Cria o Centro Estadual de
Atendimento Multidisciplinar para Altas Habilidades/Superdotação (CEAM/AHS), com sede
no Município de Campo Grande. Diário Oficial de Mato Grosso do Sul, Poder Executivo.
Disponível em:
http://aacpdappls.net.ms.gov.br/appls/legislacao/secoge/govato.nsf/fd8600de8a55c7fc04256b
210079ce25/8488c7001668f7d3042581680043e162?OpenDocument. Acesso em: 05 jan.
2022.
RENZULLI, Joseph. 1976. The enrichment triad model: A guide for developing defensible
programs for the gifted and talented. Gifted Child Quarterly, 20, p. 303-326. 1976.
RIBEIRO, Fernando Fidelis. Uma escalada sinuosa pelo terreno das narrativas
(auto)biográficas em busca da (re)constituição docente frente a alunos com altas
habilidades/superdotação. 2017. 177 f. Dissertação (programa de Pós-Graduação stricto
sensu - Mestrado Profissional em Educação) Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul,
Campo Grande, 2017. Disponível em: http://www.uems.br/pos_graduacao/detalhes/educacao-
campo-grande-mestrado-profissional/teses_dissertacoes. Acesso em: 12 de jan. de 2022.
VIEIRA, Brenda Cavalcante Matos. Proposta didática: modelo didático concreto no ensino
de Ciências e Biologia para alunos com Altas Habilidades/Superdotação. 2018. 186f.
Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências) - Fundação Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, Campo Grande, 2018. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=7374459. Acesso em: 8 de jan. de 2022.
886
ESTADO DO CONHECIMENTO: LEVANTAMENTO DOS
ARTIGOSAPRESENTADOS NO GT -9 TRABALHO E EDUCAÇÃO DA ANPED
(2017-2021)
Resumo: Este artigo tem por objetivo apresentar o estado do conhecimento do GT 09 (Trabalho
e Educação) das três últimas reuniões da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação), dos anos de 2017 em São Luís/ MA, 2019 em Niterói/ RJ e 2021 em
Belém/ PA. O trabalho ampara-se em um levantamento e análise descritiva de dados, utilizamos
como descritores a localização das universidades nas regiões politicas-administrativas do
Brasil, o gênero do autor, a participação de coautores, o tipo de pesquisa e métodos utilizados,
principais autores citados, principais referenciais teóricos, além de trabalhos financiados ou
não, e suas agências de fomento. Os resultados obtidos foram a maior participação da região
Sudeste no GT, a participação mais ativa de universidades próximas à sede da reunião, bem
como o compromisso reafirmado desta Associação por uma educação justa e de qualidade,
refletindo em cada reunião seu manifesto e revolta contra os desgovernos do Brasil nos últimos
anos.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi desenvolvida como parte do processo avaliativo da disciplina Pesquisa
em Educação, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), visando fazer um levantamento
dos trabalhos apresentados no âmbito do Grupo de Trabalho número nove (GT-9), denominado
Trabalho e Educação, envolvendo as últimas três reuniões da Associação de Pós-graduação em
Educação (ANPED), ocorridas nos anos de 2017, em São Luís no estado do Maranhão, em
2019 na cidade de Niterói no Rio de Janeiro, e excepcionalmente, devido à pandemia no ano de
2021, a reunião ocorreu em Belém no Estado do Pará, em formato remoto.
Definimos estado do conhecimento com estudo que aborda apenas um setor das
publicações sobre o tema estudado. (Romanowski; Ens) Apresentamos dados qualitativos e
quantitativos dos trabalhos apresentados, não necessariamente aprofundados, mas com um
887
olhar empírico sobre o objeto. Trazendo para o diálogo Martins (2016) apresentando que toda
pesquisa, especialmente as da área da Educação, tem impactos sociais e implica em
transformações na vida, ou seja, nenhuma pesquisa é neutra. Evidenciado, assim, a que toma a
educação como objeto de investigação, ao responderem a determinações econômicas, sociais,
políticas e culturais e nelas interferem, e com elas interagem, intercomunicam-se em uma
relação de tipo dialética.
A ANPED tem por finalidade fortalecer e promover o desenvolvimento do ensino de
pós-graduação e da pesquisa em educação, procurando contribuir para sua consolidação e
aperfeiçoamento, além do estímulo a experiências novas na área; incentivar a pesquisa
educacional e os temas a ela relacionados; promover a participação das comunidades acadêmica
e científica na formulação e desenvolvimento da política educacional do País, especialmente no
tocante à pós-graduação.
Considerando a relevância do GT-9 para a minha pesquisa de mestrado (2023 –
2024). Para além da coleta de dados dos trabalhos apresentados nas reuniões da ANPED, já
citadas, a pesquisa visou observar o cenário político que se encontrava no Brasil em cada
reunião, especialmente, o encontro de número 38º focado na temática: Democracia em risco: a
pesquisa e a pós-graduação em contexto de resistência, reafirmando seu compromisso com a
defesa do direito a educação, como elemento necessário para uma sociedade democrática e justa
para todos, bem como, focado na crítica ao cenário político que o país enfrentava em 2016, o
afastamento da Presidenta da República Dilma Rousseff (2014 – 2016), “[…] sem a devida
comprovação de crime de responsabilidade, tal como prevê a Constituição Federal […]”,
abrindo caminho para um governo da direita assumir o poder, em agosto de 2016 (ANPED,
2016)
Em 2019, a 39ª reunião da ANPED teve como tema do debate acadêmico: Educação
Pública e Pesquisa, ataques, lutas e resistências. Tal temática foi inspirada no compromisso
histórico dessa associação com o direito à educação, à escola pública, à pesquisa crítica,
rigorosa, comprometida com a justiça social, com a democracia, com o reconhecimento e a
solidariedade humana.
A esse respeito, a ANPED faz uma análise crítica dos ataques de múltiplas dimensões
ao sistema democrático brasileiro. Mas, também traz esperanças quando chama atenção para a
necessidade de mais lutas e resistências pela educação e pela defesa da inclusão de todos os
sujeitos em diferentes e diversos espaços educativos, tais como: escolas, centros de educação
888
infantil, comunidades, movimentos sociais, universidades e tantos outros pelos quais tecemos
nossas pesquisas coletivamente.
O texto da ANPED (2019,n.p), chama a atenção “[…] à injustiça, à exclusão, à
homofobia, aos racismos, ao autoritarismo […]” e solicita entendimento do conceito do que é
“[…] ser humano pleno e quais as possibilidades dos processos educacionais contribuírem para
uma sociedade em que o reconhecimento e a solidariedade sejam possíveis”.
A 40ª reunião geral da ANPED ocorrida em Belém, no ano de 2021, traz como tema A
Educação como prática de liberdade: Cartas da Amazônia para o mundo, com a intenção de
debater a respeito dos “[…] ataques à educação em múltiplas dimensões […]”, ocorridas no
governo federal (2018 – 2022), assumindo o compromisso depensar, repensar e reconhecer lutas
intensas e plurais (ANPED, 2021)
Tais Lutas defendidas pela ANPED sempre visam os direitos às diferentes, aos espaços
democráticos, à aprendizagem nos espaços educativos, ao diálogo entre todos, os movimentos
sociais, a diversidades de comunidades, às universitárias, campos de pesquisa, todos afetados
pela pandemia e por uma gestão contraditória das políticas públicas nacionais.
890
Foram apresentados no GT 09 — Trabalho e Educação vinte e oito trabalhos, com dezenove
autoras e quinze autores, sendo oito trabalhos com coautoria. Três trabalhos provenientes da
região Norte, dois da Universidade Federal do Pará e um da Universidade Federal do Amazonas.
A região Nordeste fez a exposição de dois trabalhos, um da Universidade Federal da Bahia e
outro do Instituto Federal Baiano. A região Sudeste sobressalente com dois trabalhos cada, as
universidades de São Paulo, Estadual do Rio de Janeiro, Federal do Rio de Janeiro e Federal do
Espírito Santo. Com um trabalho cada temos as universidades Federais de São Carlos/SP, Minas
Gerais, Fluminense, Rural do Rio de Janeiro, a Universidade do Estado de São Paulo, o Instituto
Oswaldo Cruz, a Universidade Católica de Santos/SP e o Instituto Universitário São Camilo.
A frente Centro-Oeste possui três trabalhos da Universidade Federal de Goiás e um cada as
Universidades Estadual de Mato Grosso e estadual de Goiás. Na região Sul tivemos dois
trabalhos da Universidade de Santa Catarina, um cada da Universidade de Pelotas, Fundação
Universitária do Rio Grande, Instituto Federal do Paraná e Santa Catarina.
Todos os textos foram de cunho qualitativas, destacando-se treze trabalhos de análise
bibliográfica e documental, cinco de levantamento de dados/ análise descritiva, três de cunho
descritivo e analítico. Destes. Apenas dois escolheram como metodologia o estudo de caso e
geração de dados. Um artigo apenas se baseou em pesquisa formação-pesquisa, ação e método
de análise comparada.
Os trabalhos apresentados como embasamento teórico Hobsbawn, Frigotto, Harvey,
Ciavatta, Ferreti, Marx, Haddad, Nóvoa, Adorno, Horkheimer, Postman, Pistrak, Cury, Cardart,
Delors, Lukács, Gramsci, Luck, Mészáros, Apple, Shiroma, Poulantzas. Os autores mais citados
foram Fernandes, Militão, Hypolito, Cháves, Perreira, Santos, Silva, Melgaço, Dourado.
Ao total, dezesseis trabalhos, não receberam financiamento ou não foi informado a agência.
Seis trabalhos foram financiados pelas CAPES, quatro pelo CNPQ e um pelo IFSC e outro pela
FAPERJ.
892
Trabalhos que não apresentaram suas agências financiadoras ou que não receberam
incentivo foram vinte e dois trabalhos, com financiamento do CNPQ foram quatro, da CAPES
três. O PROSUC/ CAPES, juntamente com a FAPERGS, FAPESP, IFMG e IFSC tiveram
apenas um trabalho financiado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este levantamento de dados mostra uma maior participação de pesquisadores de regiões
com mais Universidade, programas de pós-graduação e com mais capacidades de obterem
financiamentos para projetos de pesquisas. Em primeiro lugar, o Sudeste do Brasil, por motivos
sociais e econômicos, o número de universidade s, seguidas regiões Sul, Centro-Oeste,
Nordeste e Norte do Brasil.
Nota-se a participação mais ativa das Universidade Federais, Estaduais e particulares,
dos Institutos Federais e centros universitários das regiões próximas à cidade que sediará a
reunião da ANPEd.
Além disso, constata-se um número decrescente de trabalhos financiados pelas agências
de fomento do país, especialmente durante o mandato do presidente Jair Messias Bolsonaro. A
participação e luta viva, ativa e resistente da ANPEd por uma educação justa, igualitária e
democrática e por seus membros nos vinte e três grupos de trabalhos, discutindo e refletindo as
diversas facetas da educação brasileira.
REFERÊNCIAS
REUNIÃO NACIONAL DA ANPED, 38., 2017, São Luis. Anais […]. São Luis: UFMA, 2017.
Disponível em: http://38reuniao.anped.org.br /?ga=2.16432390 3.122528635.1 693858858-
1305574148.1693257349
REUNIÃO NACIONAL DA ANPED, 39., 2019, Niterói. Anais [...]. Niterói: UFF, 2019.
Disponível em: http://39.reu niao.anped.org.br/?ga =2.164323903.12252 8635.1693858858-
1305574148.1693257349
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Disponível em: http://anais.anped.org.br/40reuniao
Resumo: A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento que organiza o currículo
da Educação Básica em habilidades e competências o qual deve ser seguido pelas redes de ensino no
Brasil como tronco curricular comum. Esta pesquisa visa responder como a BNCC pode
contribuir para instrumentalizar o pensar na educação básica? Assim, traçamos como objetivo:
discutir possíveis limitações impostas pela BNCC para uma formação escolar que possibilite o
desenvolvimento do pensamento crítico. Esta é uma pesquisa bibliográfica e documental com
abordagem qualitativa. Os resultados indicam que a BNCC está baseada na teoria das
competências, oferece pouca margem para a escola e os professores elaborem atividades
voltadas ao desenvolvimento cultural de modo a tornar os educandos críticos e emancipados.
Com base nos dados apresentados, percebemos aproximações da proposta da BNCC com o
conceito de semiformação de Adorno, o qual foi utilizado como base teórica para o
desenvolvimento do trabalho. Assim, pode-se afirmar que a formação na educação básica a
partir da BNCC se torna, em alguma medida, mais pobre, devido a priorização de uma formação
mais técnica em detrimento a outra que possibilite discussões que problematizem a diversidade
cultural e produção social, em contextos nacional e local.
Introdução
Este estudo foi desenvolvido no interesse de abordar o conceito de formação escolar presente
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir dos estudos da teoria crítica.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da Educação Brasileira começa a ser
formulada no primeiro semestre de 2015 com a participação de membros de associações
científicas representativas das diversas áreas do conhecimento de Universidades públicas,
Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes
Municipais da Educação (Undime) e representantes dos aparelhos privados da classe
empresarial que compõem a ONG Movimento pela Base Nacional Comum.
A BNCC organiza o currículo da educação básica em Competências e Habilidades ficando as
redes de ensino obrigadas a cumprir esse documento. Assim, essa pesquisa visa responder como a
894
BNCC pode contribuir para instrumentalizar o pensar na educação escolar? Partimos do
pressuposto que a BNCC da forma como foi ofertada contribui para o que Adorno chama de
semiformação, ou seja, uma crise na formação, uma formação mais pobre na qual o tecnicismo
é priorizado em detrimento a uma formação que problematize as diversidades da produção
social em contextos macro e micro, o que contribui para formação de uma sociedade
performática.
Por isso, traçamos como objetivo analisar possíveis limitações impostas pela BNCC para
uma formação escolar que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico. Inicialmente,
apresentaremos o conceito de semiformação a partir da teoria crítica e, na sequência, discutiremos
possibilidades de formação escolar e desenvolvimento do pensamento crítico do aluno presentes na
BNCC a partir do conceito de semiformação.
Assim, essa pesquisa busca contribuir com o meio acadêmico trazendo à discussão o
entendimento de formação proposto a partir da Base Nacional Comum Curricular, pois por ser
um documento de referência obrigatória para se organizar e se ofertar o currículo da educação
brasileira carece ser analisado e discutido por diferentes embasamentos teóricos.
A pesquisa é do tipo bibliográfica e documental com abordagem qualitativa, utilizando
publicações de artigos científicos e livros que abordam essa temática. Os dados coletados foram
analisados a luz da Teoria Crítica, sobretudo o conceito de semiformação de Adorno (2005). Na
pesquisa documental utilizamos: a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional, o texto final da BNCC, a Constituição Federal de 1988 e o Plano Nacional de
Educação (2014-2024). De acordo com Gil (2002), pesquisas qualitativas são aquelas que procuram
tomar posse de dados descritivos que apresentam o resultado do contato empreendido entre o
pesquisador e a situação identificada, com especial atenção aos resultados e perspectiva de seus
integrantes.
Este trabalho está dividido em duas seções principais além da introdução e considerações
finais. Na Primeira seção apresenta-se a elementos da teoria crítica e do conceito de semiformação
de Adorno os quais fundamentam as análises do objeto estudado; na segunda seção, apresenta-
se elementos que denotam o entendimento de formação escolar presentes na BNCC a partir do
qual o conceito de semiformação de Adorno é utilizado como fio condutor para análise desse
objeto estudado.
895
A teoria crítica e o conceito de semiformação
A Teoria Crítica surge em 1924, na esfera da sociologia alemã, com a formação da
Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais, instalados na Universidade de Frankfurt
na Alemanha.
A primeira geração de cientistas sociais que integrou a Escola de Frankfurt foi composta
por intelectuais alemães de esquerda, entre os quais, Walter Benjamin, Theodor Adorno, Max
Horkheimer e Herbert Marcuse.
A primeira gestão ficou a cargo de Horkheimer, que se torna reitor em 1931, época
que é lançada a Revista para Pesquisa Social- na qual os autores elaboram uma
releitura os filósofos clássicos que recebeu o nome de Teoria Crítica da Sociedade.
Uma doutrina cética e cheia de pessimismo que procura estudar os insucessos do
movimento operário na Alemanha (Costa, 2005, p. 270).
Nos primeiros anos, o Instituto foi financiado por recursos doados pelos seus
fundadores judeus, mas a ascensão do nazismo coloca em risco a continuidade de seus
trabalhos. Durante a ditadura nazista e a Segunda Guerra Mundial, os pesquisadores
do Instituto passam a trabalhar em anexos instalados fora da Alemanha- Londres,
Paris, Zurique- e até mesmo em Columbia, nos Estados Unidos, onde se instalam o
próprio Horkheimer, Léo Löwenthal e Theodor Adorno. Com o fim do nazismo,
alguns professores voltam à Alemanha e retomam seus trabalhos e aulas,
restabelecendo o que restava do Instituto dezessete anos depois de sua “extradição”
(Costa, 2005, p. 269 ).
898
Assim, a semiformação vai se constituindo como uma forma de dominação da
coerência. Nas palavras de Adorno (1979, p. 94),
Assim, a formação cultural cujo elementos envolvem a formação escolar e por isso, o
currículo é pensado para ser desenvolvido nesse espaço e por relações que envolvam os atores
escolares passou a ser fragmentado, massificante, técnica e acriticamente, tornando-se uma
semiformação, revelando-se também como semicultura (Adorno, 2005, p. 5). Na próxima
seção, apresentaremos alguns elementos da BNCC para entendermos como essa está
estruturada e como influencia o currículo e a formação do cidadão que passa pela escola.
Pelo menos desde 2001 vem sendo articulado um movimento global denominado
Germ – Global Education Reform Moviment (Movimento Global de Reforma da
Educação), que visa a fortalecer as reformas educacionais por meio do que chama de
eficácia dos sistemas educacionais. Está articulado em torno de três princípios da
política educacional: padrões, prestação de contas e descentralização (Hypolito, 2019,
p. 189).
900
com alguns analistas, com um viés para o mundo empresarial. Apresentando valores como
competitividade, empreendedorismo, o “saber fazer”.
Em outro ponto, apresenta “habilidades” essenciais para todos os alunos da educação infantil
e ensino fundamental no Brasil. Questionamos, como saber as necessidades essenciais para todos os
alunos do ensino fundamental em todo o Brasil e suas diferenças regionais?
O entendimento de ensino presente na BNCC reforça o criticado “aprender a fazer” do
relatório de Delors para Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(UNESCO) publicado no Brasil com o título “Educação: um tesouro a descobrir” no ano de
1998, centrando o ensino no desenvolvimento de competências e habilidades, o qual vem sendo
questionados desde sua publicação.
Silva (2007), interpretando o relatório de Jacques Delors afirma:
A finalidade de uma educação que se volta para o “aprender a fazer” possui como
referência a noção de competências e vincula a educação diretamente às razões do
mercado de trabalho. Assim, toda a educação básica deveria ter como um de seus
pilares o aprender a fazer, que, mesmo sendo indissociável do aprender a conhecer,
“está mais estreitamente ligada à questão da formação profissional: como ensinar o
aluno a pôr em prática os seus conhecimentos e, também, como adaptar a educação
ao trabalho futuro quando não se pode prever qual será a sua evolução” (Delors, 1998,
p. 93) (Silva, 2007, p. 114).
901
Por essa ótica, o consenso criado por meio da BNCC, propõe e impõe, mais uma vez,
que a educação escolar atenda ao princípio das competências que por não atender a uma
formação ampla que permita desenvolvimento do pensamento crítico e emancipado do
educando se enquadra em grande medida na “semiformação” teorizada por Adorno (2005).
902
Maar (2003) apresenta reflexões que podem ser estendidas as possíveis consequências
que BNCC pode trazer aos educandos no Brasil, quando esses são ceifados da possibilidade de
desenvolverem-se críticos e emancipados, diz autor:
Considerações finais
Este trabalho buscou discutir possíveis limitações impostas pela BNCC para uma
formação escolar que possibilite o desenvolvimento do pensamento crítico, no qual o
pressuposto inicial se confirma. Cabe destacar que a BNCC é resultado de uma disputa por campos
distintos da educação. Ou seja, entre entidades públicas e da sociedade civil, que defendem a
valorização de um projeto educacional que valorize o desenvolvimento cultural do educando
garantido emancipação e criticidade do pensamento; do outro lado, organismos internacionais e
representantes da sociedade civil organizadas, sobretudo em ONGs, que visam tornar a educação
brasileira uma ferramenta para formação flexível de força de trabalho para o mercado capitalista de
903
produção e também ao empreendedorismo, consequentemente, não propõe como premissa o
desenvolvimento cultural do educando.
O trabalho teve como suporte a teoria crítica, sobretudo o Conceito de semiformação, o qual
com base nos resultados presentes no corpo desse trabalho, foi percebido no entendimento proposto
de formação da BNCC, por exigir que o desenvolvimento do processo de ensino esteja atrelado ao
desenvolvimento de competências e habilidades tornando a formação escolar mais técnica o que
empobrece as discussões sobre o sujeito e suas diferenças enquanto agente social e cultural ou seja o
que se manifesta como crise da formação cultural.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Versão final. Brasília: MEC; CONSED;
UNDIME; MPB, 2017. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79611-
anexo-texto-bncc-aprovado-em-15-12-17-pdf&category_slug=dezembro-2017-
pdf&Itemid=30192. Acesso em; 05 ago. 2022.
905
O ENSINO REMOTO NA EDUCAÇÃO BÁSICA NA CAPITAL DE MS: ASPECTOS
INTRODUTÓRIOS DE UMA PESQUISA DOCUMENTAL
Resumo: O objetivo desse estudo documental é elencar as ações governamentais que foram
adotadas a partir do desenvolvimento de políticas educacionais no período pandêmico. Tais
políticas foram construídas para atender a proposta do ensino remoto na Rede Estadual de Mato
do Grosso do Sul, assim como a Rede Municipal de Campo Grande. O foco dessa construção
era o enfrentamento da pandemia ocasionada pelo CORONA-VÌRUS, que impôs o
distanciamento social. Sendo assim, o presente artigo adotou como critério metodológico para
a sua investigação, a pesquisa documental. Nessa pesquisa, foram elencados vinte documentos
que nesse trabalho serão estudados de forma breve, mas que posteriormente, na tese, serão
analisados de forma mais criteriosa e serão confrontados a luz da materialidade dos fatos. Visto
que o método adotado na realização desse levantamento documental é o método dialético
histórico crítico, sendo assim, torna-se relevante perceber o movimento que foi empregado
nesse período, e para tanto, as fontes documentais se tornam importantes.
Aspectos Introdutórios
O ano escolar de 2020 teve início com uma situação inusitada, já no mês de fevereiro
desse ano falava-se muito sobre uma epidemia que estava atingindo parte do globo terrestre e
que inspirava cuidados devido ao seu rápido contágio. Instituições de ensino ao redor do mundo
passaram a olhar essa situação com preocupação. Naquele momento, se sabia pouco sobre a
repercussão que essa nova situação traria ao Brasil.
As doenças causadas por vírus, as denominadas Corona viruses (CoVs), pertencem a
um grupo familiar de 4 tipos de vírus, seriam eles: Coronaviridae, Arterivirida, Mesoniviridae
906
e Roniviridae. No tocante a família do vírus Coronaviridae, de acordo Junior (2020), essa
família desses vírus é do tipo RNA causadores de doenças respiratórias em animais. Sendo
assim, segundo Carvalho (2020) até ao término de 2019 nesse grupo existiam 7 vírus capazes
de causar doenças em humanos. Ocorre que, ao término do ano de 2019 eis que surge um novo
vírus nessa família, trata-se do SARS-CoV-2.
Sendo assim, o SARS-CoV-2 se tornou o mais novo membro da família dos
Coronaviridae, dando origem ao “Coronavirus Disease-2019” (COVID-19). Segundo ZHOU
et al., 2020a), no dia 31 de dezembro de 2019, a China se dirigiu a Organização Mundial da
Saúde (OMS), fazendo a notificação do surgimento desse novo vírus em Wuhan, na província
de Hubei. Segundo relatos dos cientistas chineses, com oito dias após o achado desse vírus eles
já o teriam isolado, classificando-o como: SARS-CoV-2 (também chamado de 2019-nCoV).
No dia 11 de março de 2020, depois de aproximadamente dois meses e meio de intenso
acompanhamento, a OMS veio a decretar um estado de pandemia relacionado ao contágio pelo
vírus SARS-CoV-2. Uma semana após as declarações da OMS, o mundo já contabilizava
209.839, sendo que desses havia um total de mortes de 8.778 (WHO, 2020a).
Sobre a origem desse vírus devastador, de acordo com pesquisadores, existe uma
hipótese de que os primeiros contágios tenham ocorrido aos humanos chineses, depois que esses
teriam ingerido carne de morcego, uma iguaria comercializada na China. Cabe ressaltar que,
seguindo essa linha de raciocínio, embora o primeiro contágio tenha acontecido da transmissão
de animais silvestres aos humanos, é sabido que a propagação desse contágio de forma
vertiginosa acontece entre os humanos (PHELAN; KATZ; GOSTIN, 2020).
No tocante a sua encubação, de acordo com estudiosos desse vírus, já se sabe que ele
pode se encubar de 5 a 14 dias no organismo dos seres humanos. Nesse contexto, muitas das
pessoas infectadas não terão sintoma algum, essas pertencem ao grupo dos pacientes
assintomáticos. Por conseguinte, essa situação acaba contribuindo com o aumento dessa
contaminação viral, sem que a sua presença seja identificada. Sendo assim, o contágio por
pessoas assintomáticas expressaria 86% do total dos infectados pelo SARS-CoV-2. (GUO,
2020).
Sobre a mortalidade gerada por esse vírus, de acordo com Lana (2020), em estudos
preliminares, até aquele momento poder-se-ia afirmar que a taxa de mortalidade girava em torno
de 2,2% dos contaminados, embora 16% venham a desenvolver a forma grave da doença,
precisando inclusive, de internação para o seu restabelecimento. Se comparado com a H1N1, a
907
taxa de mortalidade do SARS-CoV-2, entretanto, devido a 16% evoluírem para a forma mais
grave da doença, e devido ao alto grau de contágio, rapidamente ocorre uma saturação do
sistema de saúde, tanto no Brasil como ao redor do mundo.
Diante daquele cenário preocupante, em 6 de fevereiro de 2020, o governo Federal por
meio da Lei nº 13.979, adota medidas de enfrentamento em regime de emergência concernente
a saúde pública do Brasil. Tais medidas apresentavam de importância internacional decorrente
do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Nesse interim, a menos de um mês desde a
publicação dessa primeira lei, o governo estadual de Mato Grosso do Sul publicou em 16 de
março de 2020 o Decreto Nº 15.391 que versava sobre as medidas temporárias a serem
adotadas, no âmbito da Administração Pública do Estado de Mato Grosso do Sul, para a
prevenção do contágio da doença COVID-19 e enfrentamento da emergência de
saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (SARS-CoV-2), no
território sul-matogrossense.
Um dia depois desse decreto, o governo do estado de Mato Grosso do Sul publica um
outro decreto, que de acordo com o próprio governo seria um complemento da publicação do
dia anterior. Nesse Documento por Nº 15.393, de 17 de março de 2020, o governo estabeleceria
medidas concernentes ao ensino em Mato Grosso do Sul, no qual previa a suspensão das aulas
em todo o território estadual, e nas três redes de ensino básico, qual seja, a rede Estadual,
Municipal e Particular do referido Estado deveriam suspender por 15 dias as aulas presenciais.
No dia 15 de março desse mesmo ano a prefeitura Municipal de Campo Grande também teria
publicado o decreto nº 14.195, no qual previa a suspensão das aulas na rede municipal de
Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul pelo período de 20 dias, a contar a partir do dia
18 de abril desse mesmo ano.
No dia 17 de março de 2020, o Ministério da Educação (MEC) por meio da Portaria nº
343 publicou a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durasse
a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Pode-se afirmar que a partir daí
estava estabelecido o “ensino remoto” no Brasil. Notem que, nesse primeiro momento ocorre
um desencontro entre a prefeitura de Campo Grande e o Estado sobre a quantidade de dias que
deveriam suspender as aulas. De um lado o Estado do MS estabelece a suspensão durante 15
dias, de outro, a prefeitura suspende durante 20 dias.
909
Avançando um pouco mais nessa reflexão, existe ainda a modalidade de ensino a
distância, e que na atual conjuntura tem sido associada ao ensino remoto. Nesse contexto, Behar
(2020) explica que, no ensino a distância ocorre a execução da mediação didático-pedagógica
também acontece com a mediação de recursos tecnológicos, mas a grande diferença reside no
fato de que a materialização da aprendizagem acontece em lugares e/ou tempos diversos. Existe
a mediação de professores e tutores, mas o aluno se apropria dos conteúdos em locais e horários
escolhidos por ele.
Existe ainda algumas habilidades que Behar (2020) considera prioritárias aos discentes
da EAD, a referida autora destaca a habilidade de se comunicar de forma escrita, além de ser
automotivado e autodisciplinado. Ainda sobre o ensino a distância, existe a regulamentação do
MEC, por meio do Decreto 9.057/2017, preleciona em seu Art. 1º contextualiza que a EAD
deve ser compreendida:
considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação
didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização
de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com
políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e
desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que
estejam em lugares e tempos diversos.
Parindo desses pressupostos, o problema situa-se nas ações dos governos sobre o ensino
remoto desenvolvidas na educação básica da capital do MS, tanto na rede estadual, quanto na
municipal? Novamente aqui, precisamos incialmente apresentar conceitos que podem colaborar
910
para posteriores análises documentais. Na concepção de Sánchez (1998, 75), o conceito
associado a educação pode ser compreendido como:
[...] adaptação do homem a seu meio social; produto social que pertence a uma forma
específica de sociedade, é determinada por ela. Na sociedade capitalista dividida em
classes sociais, a educação está permeada pela ideologia dominante e determinada
pelos valores econômicos que enfatizam o preparo ou treinamento do trabalhador,
visando à ampliação da produtividade e, muitas vezes, a educação, é reduzida
institucionalmente a desempenhar o "papel ideológico" de justificar e diferenciar as
classes sociais através da cultura livresca e do saber escolarizado.
Assim, para Sánchez (1998), a educação deve ser compreendida como sendo um
produto que está inserida no cenário social, e que perspectiva da sociedade capitalista se
estrutura permeada por ideologias que dominam esse contexto. Cabe destacar que, existe
diferença entre o conceito de educação e ensino. Esse último na concepção de Saviani (1981,
p. 86), deve ser concebido como: “[...] produzir o saber, fazer com que aqueles que fazem parte
do processo consigam absorver os conteúdos e transformar o meio onde vivem em um local
com igualdade de oportunidades”. Sendo assim, pode afirmar que a educação seria uma parte
complementar ao ensino, uma vez que o ensino englobaria a educação.
Outro conceito relevante que precisamos apresentar nessa reflexão é o conceito de
sociedade. Para Saviani (1981, p. 86), a sociedade deve ser concebida como sendo “[...] um
espaço onde as relações sociais acontecem, e onde repousam as condições materiais de
existência desta mesma sociedade. Compõe-se de um sistema complexo de relações sociais”.
Nesse sistema complexo denominado sociedade, precisa haver uma organização, que
por vezes busca atender aos interesses da classe dominante. Seria nesse contexto, que Saviani
(1981, p. 85) apresenta o conceito de Estado, ele assevera que:
[...] o Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos interesses de uma classe
social particular, a classe dos proprietários privados dos meios de produção ou classe
dominante. Ele “não é uma imposição divina aos homens nem é o resultado de um
pacto ou contrato social, mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época
e de uma sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre o
todo social.
914
Diário Oficial do Estado n.º ESTABELECE, para o Sistema Estadual de Ensino
10.223, de 14/07/2020, págs. 10 de Mato Grosso do Sul, em caráter
a 11. Altera o Parecer excepcional, para o ano letivo afetado pelas medidas
Orientativo CP/CEE/MS n.º de mitigação das dificuldades decorrentes
017/2020. da situação de emergência de saúde pública,
especificamente no que diz respeito às atividades
práticas laboratoriais e aos estágios profissionais
supervisionados de cursos superiores e de
técnico de nível médio, que: as atividades nominadas
estão permitidas, na forma de ensino remoto, desde
que
possíveis de realização em conformidade com a
respectiva proposta pedagógica. Nos casos de
atividades regulamentadas por órgão de profissão,
devem ainda ser atendidas suas determinações
específicas.
Portaria MEC nº 617, de 3 de Dispõe sobre as aulas nos cursos de educação
Agosto de 2020 profissional técnica de nível médio nas instituições
do sistema federal de ensino, enquanto durar a
situação da pandemia do novo coronavírus - Covid-
19.
Lei nº 14.040, de 18 de agosto Estabelece normas educacionais excepcionais a
de 2020 serem adotadas durante o estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6,
de 20 de março de 2020; e altera a Lei nº 11.947, de
16 de junho de 2009.
Diário Oficial Eletrônico n. Institui, em caráter excepcional e temporário,
10.452 - Edição Extra 24 de medidas restritivas no Estado de Mato Grosso do
março de 2021. Sul para evitar a proliferação do coronavírus
(SARSCoV-2) e dá outras providências.
Fonte: A pesquisadora (2021)
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria MEC n.º 343, de 17 de março de 2020. Diário
Oficial da União, publicado em: 18/03/2020. Disponível em:
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020- 248564376.
Acesso em: 04/05/2021.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 12 ed. 4ª impressão. São Paulo: Ática, 2001, p.411.
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coronavirus disease 2019 (COVID-19) outbreak – an update on the status. Military Med Res
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916
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sistema de saúde brasileiro: população e perfil sanitário [online]. Rio de Janeiro:
Fiocruz/Ipea/Ministério da Saúde/Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da
República, 2013. Vol. 2.
MATO GROSSO DO SUL Decreto nº 15.410 de 01 de abril de 2020, publicado Diário Oficial
Eletrônico ANO XLII n. 10.137 Campo Grande, quinta-feira, 2 de abril de 2020c. Disponível
em https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=392266 . Acesso e: 05/05/2021.
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917
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918
OS GOVERNADORES E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ESTADO DE
MATO GROSSO DO SUL (1990-2022)
Resumo: O presente trabalho mostra como ficou organizada a Gestão Educacional do Estado
de Mato Grosso do Sul, pelos governadores, entre os anos de 1990 até 2022. Delineando os
programas educacionais de maior visibilidade, na Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do
Sul, com seus representantes eleitos: José Orcírio Miranda dos Santos (PT 1999-2002), André
Puccinelli (PMDB 2007/2015) e Reinaldo Azambuja (PSDB 2015/2022). A metodologia de
pesquisa utilizada é de caráter bibliográfico, com a literatura pertinente ao tema. Diante do
exposto, a qualidade da educação em um estado depende da visão, compromisso e ação dos
governadores. A qualidade da educação é um compromisso dos governadores, e suas ações são
refletidas em seus programas, cujas ações revelam a ideologia partidária e dos interesses do
mercado. A educação de qualidade deve ser prioridade dos entes federados, visando o
desenvolvimento social e econômico, do estado, para alcançar esse fim, é necessário
implementar políticas eficazes; que resultem em melhores oportunidades para os estudantes e
no fortalecimento do sistema educacional.
1. INTRODUÇÃO
A década dos anos de 1990, marcaram muitas mudanças nos sistemas de ensino, a
começar pela promulgação da Constituição Federal de 1988, e da edição da Lei nº 9394/1996
que estabeleceu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, outorgando e regulamentando a
gestão democrática no ensino público, porém, deixando uma brecha na lei, pois o ensino
privado, não necessariamente seguirá uma gestão democrática. Outra importante mudança na
área da educação, abrange a manutenção e financiamento do ensino público, privilegiado com
instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF), (Fernandes, 2008).
919
As mudanças ocorreram no âmbito jurídico, mas também são consequências de uma
dinâmica política social e econômica, advinda de um processo e fenômenos da globalização
econômica, as inovações tecnológicas, as novas maneiras da organização do trabalho, as novas
funções do Estado, marcando um novo reordenamento cultural, político e social da acumulação
do capital. (Fernandes; Senna, 2006).
E um dos reflexos dessas alterações jurídicas, se expressam nas mudanças da dinâmica
do capital e da própria sociedade, como por exemplo, antes a normalização pleiteava-se que a
educação favorecesse ao individuo, o desenvolvimento de competências e habilidades, para o
exercício da cidadania e para o mercado de trabalho. O Estado, contemporaneamente tem se
preocupado em “[...] formar o trabalhador do futuro, que tem como uma das condições de
existência a ausência do trabalho, mas não o seu fim” (Fernandes, 2008, p. 530).
Nessa lógica, o mais importante na relação entre estado central e unidades
subnacionais, é a relação federativa, “[...] a especificidade do Estado federal, em termos de
distribuição territorial do poder, é o compartilhamento da soberania entre o governo central e
os governos subnacionais” (Abrucio, 2006, p.96).
No caso das relações entre o governo federal e o estado de Mato Grosso do Sul,
certamente estiveram tanto pela soberania compartilhada, quanto pela autonomia relativa, no
âmbito do jurídico e democrático (Fernandes, 2008). Seguindo o recorte temporal dessa
pesquisa, iremos relacionar os governos remanescentes, e citaremos apenas os programas de
educação de maior visibilidade nos aspectos da política pública, no estado de Mato Grosso do
Sul.
2. DESENVOLVIMENTO
1
O PT coligou-se com cinco partidos: O Partido Popular Socialista (PPS); o Partido Democrático Trabalhista
(PDT); o Partido Comunista do Brasil (PC do B); o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido dos Aposentados
Nacional (PAN), rompendo-se, assim, a alternância binária do poder por intermédio do PTB ou PMDB.
(BIGARELLA; OLIVEIRA, 2011)
920
liderança três secretários: Pedro César Kemp (1999-2001), Antônio Carlos Biffi (2001-2002) e
Elza Aparecida Jorge (2002), (Bigarella; Oliveira, 2011).
Durante o primeiro mandato do governo estadual, apresentou-se o projeto Escola
Guaicuru, um programa específico para área educacional do estado/MS. Os objetivos principais
consistiam na democratização escolar, o acesso e a permanência do aluno na escola, a
progressão e a inclusão escolar do maior número de alunos na educação básica (Bigarella;
Oliveira, 2011).
O objetivo era a formulação de políticas de contraposição ao ideário neoliberal
expressa pelo governo federal. Mas a Secretária de Educação SED/MS, não rompeu com os
outros programas com diretrizes gerenciais, como o Fundescola2 e o Plano de Desenvolvimento
da Escola (PDE)3 (Bigarella; Oliveira, 2011).
A crítica radical compreende as “[...] orientações elaboradas perlo Banco Mundial e
ao sucateamento da educação e dos programas implementados pelo Governo Federal, no quadro
de desmonte e abandono das políticas sociais” (Mato Grosso do Sul, 2000, p.4).
O segundo Secretário de Educação, desse governo estadual, interrompeu o projeto
Guaicuru e implantou o mesmo programa renomeado de: Escola do Governo Popular, além da
implantação do Curso Popular Pré-Vestibular. A terceira Secretária de Educação, manteve as
ações do seu antecessor e implantou o Programa de Melhorias e Expansão do Ensino Médio –
1. Fase – Projeto Escola Jovem (Bigarella; Oliveira, 2011).
No segundo mandato do governador Zeca do PT (2003-2006), empossou como
Secretário de Estado de Educação Hélio de Lima, que permaneceu os quatro anos de governo.
Durante esse mandato, o Presidente eleito era o Luiz Inácio Lula da Silva (2002-2005), do
Partido dos Trabalhadores. Nesse período para a área educacional foi apresentado o Programa
Escola Inclusiva: Construindo Cidadania na Escola (Bigarella; Oliveira, 2011).
O objetivo desse programa era promover o acesso e a qualidade dos direitos básicos
dos alunos para a cidadania. E principalmente o ensino de “[...] qualidade social, alicerçado na
valorização dos trabalhadores em educação e na política de formação continuada; Inserção dos
2
O acordo durou em média seis anos. O “Acordo de Participação” do Fundescola 1 iniciou em 1997.
3
A cúpula administrativa da SED, promoveu acirrados embates internos, com os técnicos pedagógicos,
representantes de todos os setores internos da SED e com a presença do Sr. Wilson Alves Pereira, técnico
Supervisor do PDE pelo Banco Mundial, sobre a expansão ou não do PDE, na Rede Estadual, optou-se por
expandi-lo. (Cf. Ferro, UFMS, 2001)
921
referenciais curriculares para o ensino médio de Mato Grosso do Sul” (Mato Grosso do Sul,
2005, p. 3-12).
Nessa gestão foi elaborado o Plano Estadual de Educação, na qual instituiu as diretrizes
e metas para a rede estadual de ensino, efetivado por meio do Decreto nº 11.737, de 22 de
dezembro de 2004 (Mato Grosso do Sul, 2004 a). E a partir desse plano, foi implantado nas
escolas por meio de projetos, planos e ações a gestão democrática do ensino público. Destaca-
se a Lei nº 3.244 de 06 de junho de 2006, que regulamentou a eleição de diretores, diretores-
adjuntos e colegiados escolares (Bigarella; Oliveira, 2011).
No segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT 2007-2010), foi
eleito para governador do Estado de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), empossando a Secretaria de Educação Maria
Nilene Badeca da Costa que permaneceu os quatro anos do mandato, ela, deu continuidade as
ações e diretrizes, metas e estratégias da educação do Estado, planejadas para o período de 2003
até 2010, para maior eficácia, utilizou-se uma ferramenta de gestão gerencial (Bigarella;
Oliveira, 2011).
Em 2007, o governo estadual privilegiou a proposta de gestão de “Educação para o
Sucesso”. Esse programa apresentou uma concepção de geral de educação, que abrange o
sistema de gestão “[...] de ensino com viés na cultura gerencial da Pedagogia do Sucesso”
(Alves, 2015, p.8).
A Educação para o Sucesso, consiste em projetos formulados pelos técnicos da
Secretária de Educação SED/MS, com a finalidade de implantar a busca pela qualidade e “[...]
implementar novas políticas para a educação que envolvam uma profunda mudança cultural
das Secretarias de Educação e das Escolas” (Oliveira, 2004, p.65).
As significativas mudanças que ocorrem na formulação na política educacional
estadual, oportunizou a inserção da privatização da educação, pois não ocorrem as parcerias,
mas a efetiva “[...] participação de entidades na formulação da política de gestão de ensino,
inserindo a lógica gerencial nos sistemas públicos da educação” (Alves, 2015, p.9).
Simultaneamente o governo federal buscou consolidar um plano executivo,
denominado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), com a apresentação de um
instrumento articulador das ações, o Plano de Ações Articuladas (PAR), planejamento
plurianual, voltado para a educação básica e seu financiamento articulado entre a União e os
entes federados. Para tanto definiu-se quatro eixos norteadores: educação básica, educação
922
superior, educação profissional e alfabetização (Bartholomei, 2013), estabelecendo as seguintes
prioridades:
a) Educação Básica, prioridades: - Financiamento (Salário Educação e o FUNDEB);
- Avaliação e responsabilização – IDEB; - o Plano de Metas; - Planejamento e Gestão
Educacional.
b) Educação Superior, prioridades: - Reestruturação e expansão das Universidades
Federais; - REUNI, PNAES; - Democratização do Acesso; - FIES; - Avaliação com
Base na Regulação – SINAES.
c) Educação Profissional e Tecnológica, prioridades: Educação Profissional e
Educação Científica (IFET); - Normatização; - EJA Profissionalizante.
d) Alfabetização, Educação Continuada e Diversidade (BRASIL, 2007d, p. 17–41).
4
A Resolução nº 029 de 20 de junho de 2007, do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE) estabeleceu os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da
assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso. Após essa resolução, mais
duas foram instituídas alterando-a, p
923
instrumento estratégico de planejamento tanto das ações como a vinculação dos recursos
financeiros da União, no atendimento da educação para os entes federados, portanto, é uma
ferramenta de gestão gerencial (Bartholomei, 2013).
A elaboração e implantação do Plano de Ações Articuladas na Rede Estadual de
Ensino no Estado de Mato Grosso do Sul ocorreu a partir do ano de 2007, exatamente no
primeiro mandato do governador André Puccinelli. Com base na Resolução FNDE/MEC nº
029/2007, “[...] a assistência financeira foi implementada por meio dos programas e ações
educacionais a cargo das Secretarias – fim e/ou do FNDE” (Camini, 2009, p. 175).
O Estado de Mato Grosso do Sul, aderiu ao “Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação”, elaborou via equipe local o (PAR), definindo ações e subações, com base nas
dimensões indicadas, para recebimento de assistência técnica e, principalmente, de recursos
financeiros do governo central (Bartholomei, 2013).
Na durante a sua gestão, nos dois mandatos de governado, André Puccinelli (2007-
2015), manteve praticamente a equipe de técnicos da educação na Rede Estadual de Ensino de
MS, correspondente aos seus mandatos na Prefeitura de Campo Grande/MS, sendo André
Puccinelli, prefeito eleito (Bartholomei, 2013).
O que se percebe é o perfil dos eleitores do Estado/MS, que elegeram e revelam a
preferência dos partidos políticos no estado de Mato Grosso do Sul. Esse processo se dá em
forma contínua, tanto na governança da Prefeitura Municipal de Campo Grande/MS, assim
como no Governo do estado/MS. Gramsci afirma que a [...] “capacidade de trabalhar a
superestrutura cuja realidade aponta para a infraestrutura, implica no exercício da hegemonia”
(Cury, 1986, p. 45), e Sartori entende como desempenho eleitoral dos partidos, como [...]
“qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que apresente em eleições, e seja
capaz de colocar através das eleições (livres ou não), candidatos a cargos públicos” (Sartori,
1982, p.85).
O Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) manteve prefeitos eleitos
Juvêncio da Fonseca (1993 -1996), André Puccinelli (1997 – 2004), Nelson Trad Filho (2005
– 2012), portanto foram dezenove anos hegemônico do partido (PMDB). Essa trajetória foi
interrompida na Prefeitura de Campo Grande/MS, com a ascensão política do Partido
Progressista (PP), com a eleição de Alcides Bernal (2013 – 2014), Gilmar Olarte (2014 – 2015),
sendo Alcides Bernal reeleito (2015 – 2016). O Governo do Estado/MS, elegeu e manteve a
hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) José Orcírio dos Santos (1999 – 2007), por oito
924
anos consecutivos no comando do governo do estado. Em seguida assume por eleição o Partido
do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) com André Puccinelli (2007 – 2015),
novamente oito anos no poder político do estado/MS. (Barbosa, Silva, 2012, p.82).
Nas eleições consecutivas, percebeu-se a mudança da preferência partidária no estado
de Mato Grosso do Sul, pois, Reinaldo Azambuja da Silva foi eleito governador de Mato Grosso
do Sul em 2015, sendo este filiado ao Partido da Social-Democracia — (PSDB) foi
acompanhado pela sua vice Rose Modesto. Empossou Maria Cecilia Amendola da Motta na
função de Secretária de Estado de Educação — SED/MS (Mato Grosso do Sul, 2015)
As promessas de campanha eleitoral do governador estadual, para o primeiro mandato,
abarcaram a implantação do sistema de promoção por mérito para servidores estaduais
(administração), criação de autarquia para cuidar das comunidades indígenas (direitos humanos
e sociais), acabar com o ICMS antecipado (economia), criação de política regionalizada de
incentivos fiscais (economia), ampliar a educação em tempo integral (educação e cultura),
melhorar o índice do IDEB (educação e cultura), pagar o piso nacional a professores (educação
e cultura), fazer mutirões da saúde nos polos regionais (saúde) e implantar auditorias
independentes em órgãos públicos (transparência), dentre outras ações prometidas (Mato
Grosso do Sul, 2018).
Não interrompendo a tradição eleitoral da população do estado de Mato Grosso do sul,
Reinaldo Azambuja da Silva foi reeleito, para seu segundo mandato ao Governado do Estado
/MS (2019-2022). Ao assumir foi acompanhado por Murilo Zauith (Vice-governador) e
empossaram Maria Cecilia Amendola da Motta, para continuar na função de Secretária de
Estado de Educação — SED/MS (Mato Grosso do Sul, 2019). Durante o mandato do governo
estadual, a população brasileira elegeu, Jair Messias Bolsonaro, para Presidente da República
(2019 – 2022), com seu vice-presidente, Antônio Hamilton Martins Mourão, general de exército
da reserva do Exército Brasileiro, filiado ao partido Republicano (Silva, Rodrigues, 2021).
A rede estadual de ensino em do Estado/MS, no ano de 2020, objetivou Diretriz
Estratégica, para: […] “Elevar a qualidade da aprendizagem na rede pública de ensino, com
foco na formação integral do cidadão, promovendo o desenvolvimento social” (Mato Grosso
do Sul, 2020, 22). Para esse fim, utilizaram os indicadores estratégicos, como o Índice de
925
Desenvolvimento da Educação Básica5 (IDEB-INEP). Avaliação Institucional Externa da Rede
Estadual de Ensino (AIMS-SED), (Mato Grosso do Sul, 2020).
Durante os anos de 2020/2021, o mundo estava sofrendo os efeitos da pandemia do
(Covid-19), a população mundial entrou em “lockdown”, o que provocou um novo desafio para
a educação escolar, quanto […] “à permanência dos estudantes e à aprendizagem de qualidade”
(Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, 2022, p.6).
A forma de se lecionar mudou do ensino presencial para o ensino remoto, em todas as
faixas etárias que englobam a educação escolar. Outra ação da Secretaria Estadual de
Educação/SED/MS, no ano de 2020, em pleno período da pandemia, foi ampliar o acesso aos
conteúdos disciplinares dos alunos. Para esse fim, contratou os serviços de transmissão
televisiva. Esse contrato foi realizado sem licitação, […] “amparado pelo estado de calamidade
pública, no valor de R$ 663.955,65 (Seiscentos e sessenta e três mil, novecentos e cinquenta e
cinco reais e sessenta e cinco centavos), pagos com recursos próprios da Secretaria” (Mato
Grosso do Sul, 2020, p.40).
A escola pública prosperou com a concepção de gerar ciência e tecnologia, voltadas
para a educação e o trabalho. Com o ideário positivista, a escola assumiu uma concepção
democrática-liberal para atender a sociedade industrializada e urbanizada, criou através da
educação, o capital humano. Nos tempos atuais, na visão neoliberal, modificou novamente a
escola pública, pois caracteriza a separação do público — privado, e o modelo de gestão é
voltado para os resultados, e não se discute as diferenças de resultados entre o público-privado
(Kujawa, et.al., 2020).
Em 2019, Governo Federal, instituiu, o Programa Nacional das Escolas Cívico-
Militares (PECIM), Decreto Presidencial n.º 10.004/2019, desenvolvido pelo Ministério da
Educação com o apoio do Ministério da Defesa, com a colaboração dos estados, municípios e
o Distrito Federal. As Escolas públicas. Cívico-Militares — (ECIM), segundo os documentos,
compõem uma parceria entre os policiais militares, bombeiros militares e docentes civis,
partilhando a administração “(Proposta Eleitoral/Plano de Governo, Bolsonaro 2018, p.44).
5
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB-INEP), foi criado em 2007, para reunir em um só
indicador os resultados das médias de desempenhos das avaliações, mensurando a qualidade da educação. Para
esse fim, utiliza-se os dados de aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar com os resultados (médias), do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), que privilegia as disciplinas de Língua Portuguesa
(Escrita/leitura) e matemática (BRASIL/INEP, 2022).
926
As políticas sociais respondem às demandas da sociedade organizada, então em 2019,
o governo federal implantou o Programa-PECIM e o estado de Mato Grosso do Sul,
pioneiramente, assinou o termo de adesão para implantação de duas unidades escolares cívico-
militares na Rede Estadual de Ensino, no município de Campo Grande/MS. Essa parceria por
adesão, dos estados e municípios, é realizada pelo interesse aos [...] “benefícios materiais e/ou
financeiros disponibilizados, pois, em sua maioria, apresentam dificuldades em manter suas
redes, assim, compactuam com o processo estando de acordo ou não” (Martins, 2019, p.693).
Embora este governo seja marcado pelo corte do salário dos docentes contratados, a
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul (SED) reorganizou mudanças ao
Ensino Médio, oferecendo: cursos técnicos, a Escola de Tempo Integral e a Escola da Autoria
(Mato Grosso do Sul, 2020).
Um outro fator que merece destaque é o currículo do ensino médio. Em MS, disciplinas
como “Empreendedorismo Social”, “Projeto de Vida”, e “Intervenção Comunitária” se
configuraram como novos componentes curriculares obrigatórios. Tais Componentes
Curriculares, são importantes para a construção do conhecimento do estudante, bem como,
também, prepara-os para a vida e o mundo do trabalho (Mato Grosso do Sul, 2020, p.40).
As escolas estaduais de Mato Grosso do Sul, criaram o projeto de extensão denominado
“Família na escola”, onde pais e responsáveis, vão até a escola, para acompanhar de perto o
andamento dos estudos, através de reuniões com a gestão da escola. Essa ação vai ao encontro
de uma das estratégias da Meta 7 do PNE: “mobilizar as famílias e setores da sociedade civil,
articulando a educação formal com experiências de educação popular e cidadã, com os
propósitos de que a educação seja assumida como responsabilidade de todos e de ampliar o
controle social sobre o cumprimento das políticas públicas educacionais” (Brasil, 2014a, p. 66).
Outro aspecto evidenciado, além da economia, política – social, é o perfil dos eleitores
do Estado/MS, que nas eleições revelaram a preferência dos partidos políticos no estado de
Mato Grosso do Sul. Esse processo se dá em forma contínua, tanto na governança da Prefeitura
Municipal de Campo Grande/MS, assim como no Governo do estado/MS. Gramsci afirma que
a [...] “capacidade de trabalhar a superestrutura cuja realidade aponta para a infraestrutura,
implica no exercício da hegemonia” (Cury, 1986, p. 45), e Sartori entende como desempenho
eleitoral dos partidos, como [...] “qualquer grupo político identificado por um rótulo oficial que
apresente em eleições, e seja capaz de colocar através das eleições (livres ou não), candidatos
a cargos públicos” (Sartori, 1982, p.85).
927
O Partido do Movimento democrático Brasileiro (PMDB) manteve na Prefeitura
Municipal da Capital de Campo Grande/MS, os prefeitos eleitos, Juvêncio da Fonseca (1993 -
1996), André Puccinelli (1997 – 2004), Nelson Trad Filho (2005 – 2012). Foram dezenove
anos que o partido (PMDB), manteve-se hegemônico no comando tanto da prefeitura assim
como no governo de estado/MS. Isso caracteriza que todos os presidentes e governadores
influenciam as eleições municipais e estaduais (Barbosa, Silva, 2012). Segundo Barbosa, Silva
(2012), do ponto de vista do espectro ideológico observa-se:
[...] a predominância dos partidos de centro (PMDB e PSDB), e centro-direita (PTB,
PFL e PL). Ao longo das três décadas, o estado teve mais governadores de centro,
com o PMDB, um de centro-direita, PTB, e dois governos de centro-esquerda, PT. A
rigor, os partidos de centro-esquerda só ganharam destaque a partir da década de 2000,
o que é influência da conquista do governo do estado com Zeca do PT, em 1998, e da
eleição de Lula, em 2002 (Barbosa, Silva, 2012, p. 100).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
CURY Carlos, R. Educação e Contradição: elementos metodológicos para uma teoria crítica do
fenômeno educativo. São Paulo. Cortez. Autores Associados, 1986- 2ª edição.
FERNANDES, Mª Dilnéia Espíndola. Gestão da educação básica em Mato Grosso do Sul nos
anos 1990. RBPAE, v. 24, nº. 3, p.517-533, set/dez,2008.
FERNANDES, Mª Dilnéia Espíndola; SENNA, Ester. Política educacional e outras políticas
sociais do Estado de Mato Grosso do Sul nos anos 1990: construindo as categorias de análise:
929
Estado, políticas sociais e política educacional. VIII Encontro de Pesquisa em Educação da
Região Centro-Oeste. Cuiabá, junho/2006.
OLIVEIRA, J.B.A. A pedagogia do sucesso: uma estratégia política para corrigir o fluxo
escolar e vencer a cultura da repetência. São Paulo. Saraiva, 2004.
DOCUMENTOS
_________. (Estado). Contrato de Gestão que entre asi celebram o Estado de Mato Grosso do
Sul e a Secretaria de Estado de Educação. Publicado em 10 de outubro de 2020. Disponível em:
CG-SED-2020.pdf (segov.ms.gov.br). Acessado em 16/07/2022 às 15,12 min.
_________. (Estado). Em terceiro ano de mandato, Reinaldo Azambuja cumpre 39,13% dos
compromissos de campanha. Publicado em 02 de janeiro de 2018. Disponível em: Em terceiro
ano de mandato, Reinaldo Azambuja cumpre 39,13% dos compromissos de campanha | Mato
Grosso do Sul | G1 (globo.com)
930
PROCESSO HISTÓRICO FRENTE AO ACESSO Á EDUCAÇÃO INCLUSIVA ÀS
PESSOAS PÚBLICO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL (1996 a 2019)
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o processo histórico da educação especial
frente ao acesso à educação inclusiva entre os anos de 1996 e 2019, tendo base a compreensão
do conceito de acesso e o número de matrículas ocorridas neste entretempo em âmbito nacional.
De cunho documental e bibliográfico a pesquisa foi realizada a partir de textos oficiais, tais
como: a Constituição Federal (1988), a Lei de Diretrizes e Bases Nacional (1996), o Anuário
Brasileiro da Educação Básica, decretos e resoluções. O referencial teórico consiste na revisão
de textos, artigos, livros dos autores Marcos José da Silveira Mazzotta, Carlos Roberto Jamil
Cury e Evaldo Vieira. Foi possível inferir que o direito ao acesso é o instrumento necessário
para se chegar ao objetivo principal que é o aprendizado, mas não pode ser um fim em si mesmo;
não basta apenas viabilizar a entrada na escola, se faz necessário proporcionar ao aluno uma
trajetória escolar de maneira equânime e com qualidade social.
INTRODUÇÃO
1
O termo “transtornos globais do desenvolvimento” foi atualizado, no ano de 2013, pelo Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais - 5ª edição (DSM-5) por “transtorno do espectro autista”, porém as duas
nomenclaturas são utilizadas pelo Ministério da Educação se referenciando as pessoas com autismo. Nesta
dissertação se fará uso do termo transtornos globais do desenvolvimento, tendo como base a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (1996).
931
norteadora para todas as políticas públicas educacionais, compreendida como “estratégias
governamentais que podem intervir nas relações de produção (no caso da política econômica)
ou intervir no campo dos serviços sociais (no caso da política social)” (VIEIRA, 2001, p. 18).
Logo, a garantia da educação diz respeito ao acesso e permanência de todos os cidadãos
sem distinções. Para o Ministro do Supremo Tribunal Federal de Justiça, Celso de Mello (1986,
p. 326), “[...] acesso à educação é uma das formas de realização do ideal democrático”.
Democratizar o acesso de todos à educação não se trata apenas de discutir o acesso físico
às dependências da escola comum, mas o acesso e a permanência, bem como a articulação entre
o direito à educação e a democratização das relações nos espaços escolares. É a democracia
socialmente referenciada acontecendo na escola.
Nesse sentido, entende-se que o acesso se dá frente ao direito à educação garantido pela
CF/1988, assegurado, em um primeiro momento, com a efetivação da matrícula. Depois, com
o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que precisa disponibilizar todos os recursos,
serviços e com orientações necessárias para que ocorra a permanência e o processo de ensino e
aprendizagem nas classes comuns da escola comum, a fim de que todos, apesar de suas
especificidades, tenham o direito de concluírem a educação básica, na idade própria, com uma
aprendizagem significativa. Ou seja, esse deve ser entendido para além da entrada no espaço
escolar em igualdade de condições a todos os níveis e modalidades do ensino.
O espaço escolar é entendido neste artigo, como
932
Com base no conceito de Vieira (2001), que reconhece o sentido de pertença de um
cidadão como parte integrante de uma sociedade. Percebe-se que a inclusão também está
relacionada ao sentimento de pertença, uma vez que esta ação vai para além de inserir uma
pessoa com deficiência no espaço público e/ou escolar, mas é compreendida como a
participação ativa dos sujeitos nos diversos grupos de convivência social, de forma que a
deficiência se caracteriza como uma perda de qualquer natureza, déficit ou anormalidade
estrutural ou de função corporal, incluindo a função psicológica (MAZZOTTA; D’ANTINO,
2011).
DESENVOLVIMENTO
[..] 40% das crianças em idade escolar não estavam matriculadas na escola. O
grande problema a resolver era abrir vagas para todos que completassem sete
anos de idade, isto é, dar acesso a todas as crianças em idade escolar a uma
vaga na escola. Marcava-se aí o conceito de acesso como ‘porta de entrada’
no sistema de ensino (BRASIL, 2014, p. 03).
Preocupação esta que perdurou até o ano de 1996, com a publicação da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996), que se destina às pessoas de quatro a dezessete
933
anos de idade, de maneira obrigatória e gratuita, caraterizada pela pré-escola, ensino
fundamental e ensino médio. A referida lei tem como finalidade o “[...] pleno desenvolvimento
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”
(BRASIL, 1996, p. 01).
A importância desta etapa de ensino como um direito indispensável do cidadão, para
Cury (2002), vai além do dever do Estado em proporcionar de forma gratuita, tornando-o
acessível à população. Sendo assim, “[...] o direito à educação escolar primária inscreve-se
dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis dos cidadãos” (CURY, 2002, p. 248).
O Art. 26, da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que
935
desse público nas escolas, apesar de uma queda de 3,47% de matrículas, entre os anos de 1999
e 2000 (BRASIL, 2003).
Essa oscilação pode ser visualizada em todas as regiões, sendo o maior número de
matrículas no ano de 1999, em quatro das cinco, seguidas de quedas no ano seguinte, levantando
a possibilidade de este movimento estar estabelecido no Art. 24, inciso III, do Decreto Federal
nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que conforme exposto, viabiliza a “[...] inserção, no
sistema educacional, das escolas ou instituições especializadas públicas e privadas” (BRASIL,
1999, p. 07), ampliando assim, os locais de atendimento.
Se levarmos em consideração que em 2000, existiam no país 4.539 estabelecimentos de
ensino regular com classes especiais e um total de 81.400 alunos matriculados, podemos dizer
que cada escola contava com aproximadamente 17 alunos (BRASIL, 2003). O maior número
de matrículas se deu no ano de 1999, com exceção da região Nordeste, se destacando em 2000.
Nesse contexto, podemos falar em um processo de integração dos estudantes em
questão, que “[...] refere-se a intervenções necessárias para as crianças com necessidades
especiais acompanharem a escola; o trabalho é feito individualmente com as crianças e a escola
fica fora do debate” (MASINI, 1999, p. 53).
Sassaki (1997) define integração como:
Apesar do autor pontuar sobre a pessoa com deficiência, esta ação contempla todo o
público alvo da educação especial, pois essas barreiras também estão presentes na vida dos
alunos com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Isto é,
esse foi um período onde o aluno fazia parte de uma prática seletiva, sendo necessário que ele
se adaptasse a escola e não o contrário.
Seguindo o raciocínio anterior, as escolas exclusivamente de educação especial
contavam com a maioria dos estudantes, visto que cada estabelecimento computava uma média
de 47 matriculados (BRASIL, 2003). Essa realidade mostrou que o processo de inclusão escolar
ainda estava distante, uma vez que
936
[…] postula uma reestruturação do sistema educacional, ou seja, uma
mudança estrutural no ensino regular, cujo objetivo é fazer com que a escola
se torne inclusiva, um espaço democrático e competente para trabalhar com
todos os educandos, sem distinção de raça, classe, gênero ou características
pessoais, baseando-se no princípio de que a diversidade deve não só ser aceita
como desejada (BRASIL, 2001, p. 40).
Entre os anos de 2000 e 2010 diversas leis, decretos e resoluções foram publicadas como
forma de assegurar e orientar o processo de inclusão dos estudantes da educação especial no
sistema regular de ensino, tanto que em 2010 o número de matrículas aumentou
significativamente. Essa mudança proporcionou uma outra divisão para análise do MEC/INEP,
sendo possível identificar as matrículas nas classes comuns, diferenciando das classes especiais
e escolas exclusivas na educação básica.
A matrícula do público da educação especial em classes comuns no ensino regular foi
definida em tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, sendo este um desafio, uma
vez que se faz necessário não apenas disponibilizar espaços escolares, mas realizar o
atendimento educacional especializado, assegurando recursos e serviços, além de orientar
quanto a sua utilização no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, respeitando as
suas especificidades.
Este processo está sendo ampliado, como pode ser observado nos dados coletados. De
2007 a 2010 houve um crescimento de 37,2% frente a busca pela educação escolar no ensino
regular em classes comuns, paralelo ao decréscimo de matrículas nas escolas especiais,
deixando claro o início do acesso inclusivo no país (ANUÁRIO BRASILEIRO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA, 2012).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
938
viabilizar a entrada na escola, se faz necessário proporcionar ao aluno uma trajetória escolar de
maneira equânime e com qualidade social.
Um desenvolvimento democrático da educação demanda sim políticas para a
universalização do acesso e a consolidação do ensino público, em todos os seus níveis, porém,
se faz necessário, também, políticas focadas na permanência dos alunos no sistema educacional.
REFERÊNCIAS
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Disponível em:
<https://www.moderna.com.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8A8A83376FC2
C9013776334AAE47F0>. Acesso em: 20 ago. 2023.
ANUÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO BÁSICA 2019. Ed. Moderna. São Paulo, 2019.
Disponível em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/302.pdf>. Acesso
em: 20 ago. 2023
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análise da Meta 4 - no que diz respeito ao acesso e permanência. Campo Grande, 2021.
136p. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica Dom Bosco.
MASINI, E.F.S. Quais as expectativas com relação à inclusão escolar do ponto de vista do
educador. Temas sobre o Desenvolvimento, v.7, n.42, p.52-54. São Paulo: Memnon, 1999.
940
MELLO, Celso de. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 1986.
RODRIGUES, D. Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo:
Summus, 2006.
SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA,
1997.
VIEIRA, E. A política e as bases do direito educacional. Cadernos Cedes, ano XXI, n. 55,
novembro/2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5538.pdf>. Acesso
em: 20 ago. 2023.
941
PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO E DO MATERIAL DIDÁTICO (PNLD):
PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O TEMA
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar parte das teses sobre o Programa Nacional
do Livro e do Material Didático (PNLD), de modo a apreender os objetos de estudo priorizados
pelos pesquisadores sobre o tema. Trata-se de recorte de pesquisa de doutorado, em andamento,
que objetiva analisar o processo de materialização do PNLD na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A metodologia baseia-se na pesquisa bibliográfica, por
meio de consulta aos sites do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD), no período de 2010 a 2019 e pesquisa documental referente ao
PNLD. As teses analisadas possibilitaram compreender o processo histórico de constituição do
PNLD e a dinâmica do Programa.
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta resultados parciais de pesquisa de doutorado vinculada à Linha
de Pesquisa Políticas, Gestão e História da Educação e ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Políticas Públicas e Gestão da Educação (GEPPE) do Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE) - Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), em Campo
Grande, Mato Grosso do Sul, que tem por objetivo analisar o processo de materialização do
Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) na Rede Municipal de Ensino de
Campo Grande - MS (2016-2022).
Seu objetivo é apresentar parte das teses sobre o Programa Nacional do Livro e do
Material Didático (PNLD), de modo a apreender os objetos de estudo priorizados pelos
pesquisadores sobre o tema, no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD), entre 2010 e 2019, considerando-se mudanças normativas a
partir de 2010 e os dados mais atualizados.
942
Os descritores utilizados para o levantamento das produções acadêmicas foram:
“Programa Nacional do Livro Didático”, “livro e material didático”, “políticas de livro
didático” e “direito a educação”, como forma de selecionar as teses sobre o tema. Conforme
Morosini e Fernandes (2014), a construção do estado do conhecimento fornece um mapeamento
das ideias já existentes, dando-nos segurança sobre fontes de estudo, apontando subtemas
passíveis de maior exploração ou, até mesmo, fazendo-nos compreender silêncios significativos
a respeito do tema de estudo.
A Constituição Federal (CF) de 1988 declara que a educação é direito social. Define
que o dever do Estado deverá ser efetivado, conforme o Art. 208, entre outros, mediante “[...]
VII – atendimento ao educando no ensino fundamental, através de programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (Brasil,1988).
O PNLD é um programa suplementar e que compreende um conjunto de ações
voltadas para a distribuição de obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais
de apoio à prática educativa, destinados aos alunos e professores das escolas públicas de
educação básica do País (Brasil, 2021).
A Resolução CD FNDE n. 60, de 20/11/2009, estabeleceu novas regras para
participação no PNLD, ou seja, a partir de 2010, as redes públicas de ensino e as escolas federais
devem aderir ao programa para receber os livros didáticos. A Resolução inclui, ainda, as escolas
de ensino médio no âmbito de atendimento do PNLD, além de adicionar a língua estrangeira
(com livros de inglês ou de espanhol) aos componentes curriculares distribuídos aos alunos do
6º ao 9º ano. Para o ensino médio, também foi adicionado o componente curricular língua
estrangeira (com livros de inglês e de espanhol), além dos livros de filosofia e sociologia (em
volume único e consumível) (Brasil, 2010).
Além disso, a mesma resolução, em seu Art. 2º define que para participar do PNLD,
as escolas federais e as redes de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal deverão
firmar um termo de adesão específico, a ser disponibilizado pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) (Brasil, 2010).
943
Como resultado do levantamento foram selecionadas na área da Educação,
relacionadas ao objeto de pesquisa seis teses, apresentadas, a seguir, em ordem cronológica da
data de defesa, que constam no quadro 1.
Quadro 1
Teses selecionadas sobre o PNLD - 2013 a 2019
Título Ano Autor(a) Orientador(a) Instituição
defesa
Análise do Processo de
2013 Maristela Gallo Eloísa de Universidade
Implementação de Política: O Romanini Mattos HÖfling Estadual de
Programa Nacional do Livro Campinas
Didático – PNLD
O Programa Nacional do Livro 2013 Iara Augusta da Silvia Helena Universidade
Didático para o Ensino Médio Silva Andrade de Federal de Mato
(PNLD/EM) e o Mercado Brito Grosso do Sul
Editorial: 2003-2011
Livros Didáticos de geografia 2015 Giséle Neves Raquel Maria Universidade
(PNLD 1999-2014): editoras, Maciel Fontes do Federal de Santa
avaliações e erros nos conteúdos Amaral Pereira Catarina
sobre Santa Catarina
Políticas públicas de livro 2017 Paulo Celso Marcelo Soares Universidade
didático: elementos para Costa Gonçalves Pereira da Silva Federal de
compreensão da agenda de Uberlândia
políticas públicas em educação no
Brasil
Livros Didáticos Digitais, o 2019 Danilo Vizibeli Luzmara Universidade
Governo Brasileiro e a Mídia: Curcino Federal de São
uma análise discursiva Carlos
Relações saber-poder: discursos, 2019 José Wilson dos Marcio Antonio Universidade
tensões e estratégias que Santos da Silva Federal de Mato
(re)orientam a constituição do Grosso do Sul
livro didático de matemática
Fonte: BTD da CAPES e BDTD do IBCT
944
interpretam, reinterpretam e implementam os programas, por meio de suas ações, podem
modificar ou não as políticas ou os programas.
Para subsidiar a tese, a autora fez uso do levantamento bibliográfico que se orientou
pela revisão da literatura utilizando fontes bibliográficas (artigos, livros, teses e dissertações),
nas Bibliotecas da Universidade Estadual de Campinas, da Universidade de São Paulo e da
Universidade Estadual Paulista, buscou também na Internet as publicações mais atualizadas, ou
seja, referenciais das Ciências Políticas e da Administração Pública, além da Educação.
Analisou o Sistema Gerencial e Decisório, regido pela Resolução FNDE Nº 60/2009,
que traz as competências e o papel a ser desempenhado pelos sujeitos em cada esfera – central,
intermediária, regional e local durante o processo de implementação.
Romanini (2013), discute os embates em relação ao PNLD 2010,
Sobre o material de apoio, os Guias, Romanini (2013), explica que chegam em número
e tempo insuficientes nas unidades escolares, bem depois que o mercado editorial já impôs sua
presença por toda parte. Quanto aos LD, expõe que chegam ao local de destino, porém com
base em dados desatualizados de censos escolares anteriores. Ainda que cheguem em tempo e
nos prazos adequados, tendem a não ser em número suficiente, ou pior, em excesso, causando
desperdício.
Romanini (2013) afirma na conclusão da tese que a implementação modifica as
políticas, e consequentemente os programas, ou o inverso, os programas se bem avaliados
podem induzir à necessidade de novas políticas.
Outra tese é a de Iara Augusta da Silva, com o título “O Programa Nacional do Livro
Didático para o Ensino Médio (PNLD/EM) e o Mercado Editorial: 2003-2011”, defendida na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2013, teve como objetivo geral estudar as
razões históricas que levaram o Ministério da Educação a criar e implementar o Programa
945
Nacional de Livros Didáticos para o Ensino Médio (PNLD/EM), no Brasil durante o período
de 2003 a 2011.
Para desenvolver o estudo, Silva (2013) em uma perspectiva histórica, busca entender
a necessidade do Estado em operacionalizar programas como o PNLD/EM à luz da organização
da sociedade capitalista no seu estágio monopolista. Para tanto, procedeu à revisão da literatura,
com o objetivo de mapear a produção acadêmica no Brasil, para a coleta de dados empíricos, a
análise de documentos e da legislação que normatizaram a criação e a implementação do
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) no seu formato de 1985 até 2011.
Com a finalidade de compreender o movimento da indústria editorial no mundo e no
Brasil, bem como da economia no país, Silva (2013) consultou relatórios elaborados e
disponibilizados em sítios oficiais de instituições e empresas como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), o Banco Central do Brasil, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Grupo Abril e o Grupo Saraiva.
A autora explica que a estrutura educacional construída pelo Estado para promover a
formação do cidadão, acolhe um contingente de crianças, jovens e adultos, movimentando os
mais variados segmentos de produção da sociedade, que abrange a indústria de construção de
prédios escolares, de fornecimento de transporte e merenda escolar, de construção de mobiliário
e equipamentos tecnológicos, de uniformes escolares, de materiais didático-pedagógicos (como
é o caso dos livros didáticos), dentre outros (Silva, 2013).
Silva (2013) conclui que a educação se tornou uma área lucrativa de acumulação do
capital para muitos ramos da indústria que têm a possibilidade concreta de vender seus
produtos, para uma multidão crescente de consumidores que constituem o universo das
instituições educacionais.
A tese de Giséle Neves Maciel, com o título “Livros Didáticos de geografia (PNLD
1999-2014): editoras, avaliações e erros nos conteúdos sobre Santa Catarina”, defendida na
Universidade Federal de Santa Catarina, em 2015, teve como objetivo geral discutir aspectos
referentes às editoras de livros didáticos e às mudanças nos processos de avaliação do PNLD
(1999-2014), comprovando a permanência de erros em livros didáticos de Geografia nos
conteúdos sobre Santa Catarina.
Trata nesta tese de algo que é compreendido como uma tríade: livros didáticos de
Geografia–editoras–avaliações do PNLD. A autora compreende o risco de um objeto de estudo
946
tão amplo, porém considera que a imbricação desses elementos é o grande objeto a ser
investigado.
Para a elaboração da tese foi utilizada a pesquisa documental e bibliográfica, com a
análise de 12 exemplares e foram detectadas algumas inconsistências em livros didáticos que
“continuarem apresentando municípios e regiões fora de suas áreas corretas, quando o PNLD
de 2014 permite a correção das chamadas falhas pontuais, (Maciel, 2015, p. 241).
De acordo com a autora,
[...] frente as questões que foram analisadas, conclui-se que não houve o
fundamental – o empenho do MEC em destacar a diferenciação qualitativa
entre as coleções, nas grandes ações: quando determinou que os livros seriam
avaliados como coleção, e não por livros isolados, e quando retirou as
categorias recomendado com distinção, recomendado e recomendado com
ressalva; e nas pequenas ações: quando não estimulou ou permitiu que
houvesse referências mais claras nos guias quanto à qualidade das obras,
(Maciel, 2015, p. 239-240).
947
A tese foi elaborada utilizando como fontes os conteúdos publicados na imprensa. O
ambiente de consulta das coleções disponíveis foi na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional em que foram destacadas a do Jornal do Brasil, o jornal O Estado de S. Paulo, no
recorte temporal de 1930 até 2017, também foram consultadas, de forma pontual, as coleções
dos jornais Correio Paulistano, O Paiz, Jornal de Notícias, Diário Carioca, entre outros.
Gonçalves (2017) considera que as políticas do livro didático poderiam ser como que
um testemunho representativo das diversas políticas públicas no campo da educação no país e
que a sucessão de políticas do livro didático constitui-se num testemunho de ciclos de
formulações de agenda, planejamentos e movimentos de implementação de políticas públicas.
Conclui que há no Brasil dificuldade de se formular e implementar uma política
pública adequada ao quadro que se observa e, principalmente, que tenha um alcance e produza
efeitos significativos na realidade social. Sendo um ir e vir a construção de uma política pública
e que soluções para problemas nem sempre estão disponíveis ou ao alcance, do mesmo modo,
nem sempre a agenda é clara.
A tese de Danilo Vizibeli, com o título “Livros Didáticos Digitais, o Governo
Brasileiro e a Mídia: uma análise discursiva”, defendida na Universidade Federal de São Carlos,
em 2019, teve como objetivo geral analisar o que foi enunciado na mídia a respeito da
implantação de livros didáticos digitais nas escolas públicas brasileiras de modo a depreender
os discursos a que se filiam, o que foi dito e os efeitos de sentido visados ou efetivamente
produzidos.
Informa que o corpus é constituído por meio de notícias veiculadas na mídia online e
de comentários dos leitores das notícias referentes ao Edital do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), lançado em 2013 e do Guia do Livro Didático, que pela primeira vez
apresentavam parâmetros de orientação, fomento e aquisição governamental de Livros
Didáticos digitais (LDd).
A pesquisa fundamenta-se na teoria da Análise de Discurso Francesa (AD) numa
perspectiva de Michel Pêcheux, valendo-se de conceitos basilares como o de formação
discursiva, efeitos de sentido, discurso, sujeito, memória discursiva e acontecimento discursivo.
As análises empreendidas na tese, acerca do que foi enunciado tanto por
instâncias governamentais, quanto pela mídia nacional sobre a adoção de
livros didáticos digitais nas escolas públicas brasileiras, mostram que há
sentidos em contradição sobre o tema, ainda que haja o predomínio dos
discursos publicitários, e eufóricos, sobre essa medida (Vizibeli, 2019, p.
126).
948
O autor conclui que a implantação de um sistema nacional de livros didáticos digitais,
perpassa a simples ação de equipamentos a serem utilizados, é necessário investimentos na área
de tecnologia, rede de internet, sites a serem utilizados de domínio público com a orientação
dos professores, entre outras ações.
O trabalho de tese do José Wilson dos Santos com o título “Relações saber-poder:
discursos, tensões e estratégias que (re)orientam a constituição do livro didático de
matemática”, defendido na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2019, tem a
seguinte questão de pesquisa: “Quais efeitos emergem das relações de poder que atravessam a
produção e resultam na/da constituição do livro didático de Matemática?” A partir da questão
proposta, definiu como objetivo geral, analisar e descrever o modo como o livro didático de
Matemática situa-se em um terreno árido de disputas constantes, onde as relações de poder que
atravessam o campo da produção didática produzem normatizações e instituem práticas que o
constituem.
Na metodologia utilizou a pesquisa bibliográfica, documental e entrevistas
semiestruturadas em que buscou descrever a contingência do momento histórico, as relações
saber-poder mobilizadas na produção de livros didáticos de Matemática, bem como as
resistências (como forma de poder) que tensionam e reajustam as linhas de força, que
(re)configuram ações, normalizam sujeitos, instituições e modos de produção do livro didático
de Matemática.
Santos (2019) enfatiza que os dados produzidos apontam que à medida que o livro
didático se torna um produto lucrativo, sua produção passa a ser regida não por aspectos
educacionais, mas por fatores econômicos. Ele explica que nesse contexto, visando o sucesso
comercial da obra, busca-se realizar uma leitura dos discursos pedagógicos e econômicos,
alinhavam-se conhecimentos oficiais e marginais, formando um amálgama que tem como
objetivo final produzir um livro que, uma vez aprovado, “caia no gosto” do professorado. Desta
forma,
[...] busca-se, por um lado, em documentos oficiais, diretrizes e,
particularmente, nos editais do PNLD os conhecimentos colocados no jogo do
‘verdadeiro’ e do ‘falso’, do ‘proibido’ e do ‘permitido’, ditando o que deve
ou não estar contido nos livros de Matemática. Em suma, trata-se, por um lado,
de produzir os conhecimentos necessários para aprovação do livro no PNLD.
Por outro, grupos editoriais buscam, por meio de diferentes estratégias – como
a contratação de freelancers que atuam/atuaram em sala de aula, de
profissionais da Educação Matemática, dos relatos dos divulgadores de livros,
da realização de pesquisas focus group, entre outras –realizar uma seleção e
949
apropriação de enunciados e enunciações de professores que evidenciem o
tipo preferido de livros, visando o sucesso comercial da obra (Santos, 2019, p.
253).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo buscou apresentar um mapeamento de parte das teses publicadas entre 2010
e 2019. As teses analisadas aproximam-se do objeto desta pesquisa, permitem compreender o
processo histórico do PNLD, sua dinâmica e contribuem para a análise do processo de
950
materialização do programa, como política pública educacional, em uma rede municipal de
ensino do País.
REFERÊNCIAS
952
REFLEXÕES SOBRE OS AVANÇOS E DESAVANÇOS NA EDUCAÇÃO PÚBLICA
INTRODUÇÃO
“A educação é o mais grave dilema educacional brasileiro. A sua falta prejudica da mesma forma que
a fome e a miséria, ou até mais, pois priva os famintos e miseráveis dos meios que os possibilitam a
tomar consciência de sua condição, dos meios de aprender a resistir a essa situação”.
Florestan Fernandes (1989, p. 26).
1
O direito público subjetivo configura-se como um mecanismo de defesa contra abusos do poder estatal contra a
esfera individual e constitui um meio de proteção da liberdade individual. O direito público subjetivo tem por
escopo a proteção de interesses individuais quando os mesmos coincidirem com o interesse público. Quando o
‘poder de acionar’ se dá entre o particular em face do próprio Estado e há coincidência entre o interesse individual
e o interesse público, estamos diante do que a doutrina tem qualificado como ‘direito público subjetivo’. (DIAS,
2014)
954
brasileiro, cujo impulso foi dado em 1995, pelo “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado” (FERNANDES, et al., 2013, p. 2). A partir de alguns princípios básicos:
955
valorização da categoria, e a segunda está relacionada aos critérios para a formação do
professor, sua reprodução, e as atratividades da profissão.
Algumas reflexões acerca da profissão do professor se fazem necessária, principalmente
se relacionamos a questões históricas firmadas em crenças religiosas e filantrópicas, onde
relaciona o trabalho do professor a vocação para tal e não a profissionalização da categoria.
Questões quanto ao piso salarial justo a categoria (o salário médio corresponde ao terceiro
menor dos países desenvolvidos), a ausência de concurso público, e do trabalho do professor
convocado/contratado. Essas questões tendem a apontar os profissionais da educação como
‘culpados’ pelo fracasso nos índices educacionais.
Ainda sobre a questão da formação de professores no país, Saviani (2013), em recente
entrevista, lembra que “no Brasil, discutem-se e formulam-se documentos, mas não se atacam
as raízes do problema, que são as péssimas condições de funcionamento das escolas, os baixos
salários e a formação precária dos professores”. (MARIANO, 2013).
FERNANDES, et al. (2013), apresentam os amplos desafios para o setor educacional,
onde a lógica empresarial se expressa por meio de parcerias entre o público e o privado,
disputando e alterando a forma de gestão de sistemas de ensino e de escolas. Isto traz
importantes implicações para a força de trabalho docente, tanto no que se refere à valorização
socialmente necessária quanto para a sua formação.
Outra questão que deve ser observada, é o como a definição de um currículo pode
interferir na melhoria da qualidade da educação. Silva (2007), aponta que a definição de
currículo perpassa por alguns questionamentos, tais quais: o currículo é o resultado de uma
seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes, daí seleciona-se a parte que
vai compor efetivamente o currículo. Após a definição busca se responder o porquê desse e não
aquele conhecimento. Nessa teoria usa-se sempre a pergunta “o quê”? Sendo sempre
957
acompanhada de outra pergunta importante, tais quais: o que eles ou elas devem ser?, ou o que
eles e elas devem se tornar? Qual o tipo de ser humano desejável para uma determinada
sociedade? A cada um desses “modelos” de ser humano corresponderá um tipo de
conhecimento, ou seja, um tipo de currículo.
Na Educação da comunidade indígena por exemplo, o professor formado, pertencente a
comunidade, que conhece naturalmente a cultura e saberes local, possui saber indiscutível, ou
seja é o mais indicado para formação dos indígenas, tendo em vista o fazer pedagógico ser com
as características do índio. Lescano e Medeiros (2019) afirmam:
958
tradicionais ensinam. O currículo é lugar, espaço, território, relação de poder, trajetória, viagem,
percurso, autobiografia, nossa vida, curriculum vitae. Ou seja o currículo é documento de
identidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
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out. 1988.
Brasil. Lei nº. 9.394 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, de 20 dez. de 1996.
Brasília, DF, dez. 1996. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>.
959
Cury, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da educação: exigências e desafios. Revista
Brasileira de Política e Administração da Educação. Porto Alegre: ANPAE v. 18, n. 2,
jul/de, 2002.
Cury, Carlos Roberto Jamil; FERREIRA, Luiz Antonio Miguel. Obrigatoriedade da educação
das crianças e adolescentes: uma questão de oferta ou de efetivo atendimento? Nuances:
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Disponível em: https://revista.fct.unesp.br/index.php/Nuances/article/view/729
Dias, Dheniza M. F. O direito público subjetivo e a tutela dos direitos fundamentais sociais.
Instituto Federal do Tocantins. 2014.
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Fernandes, Maria Dilnéia Espíndola; Scaff, Elisangela Alves da Silva; Oliveira, Regina Tereza
Cestari. Direito à educação e compromisso docente: quando o sucesso e o fracasso escolar
encontram o culpado. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação. Recife:
ANPAE, v. 29, n. 2, p. 327-345, maio/ago. 2013.
https://seer.ufrgs.br/rbpae/article/view/43710/27491
960
Scaff, E. A. S. O modelo gerencial de gestão pública e sua aplicação na educação brasileira. In:
Lima, P. G.; Furtado, A. C. Educação brasileira: interfaces e solicitações recorrentes.
Dourados, MS: UFGD, 2011.
Silva, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Zan, Dirce; Krawczyk. Ataque à escola pública e à democracia. Revista Retratos da Escola,
Brasília, v. 13, n. 27, p. 607-620, set./dez. 2019. Disponível em:
<retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde>
961
RESENHA SOBRE O LIVRO “DIREITA E ESQUERDA:RAZÕES E
SIGNIFICADOS DE UMA DISTINÇÃO POLÍTICA”
Resumo: O presente texto, refere-se a uma resenha sobre o livro “Direita e esquerda razões e
significados de uma distinção política”, do autor Norberto Bobbio, publicada pela editora
UNESP, em 1995. Tem como objetivo explanar e discutir sobre a obra, que veio à luz em 1994,
e teve um grande êxito com dezenove traduções, não só em países europeus, como também na
América do Sul. Como metodologia foi utilizado a pesquisa qualitativa, de cunho documental.
O livro ganhou força com a ideia de que a direita e esquerda tornaram “recipientes” que se
depositou um conteúdo, com palavras suscetíveis a assumir vários significados conforme o
caso. Assim a distinção entre direita igualitária e esquerda inigualitária combina-se com a
distinção entre extremismo e moderantismo, com base não na diferença entre os fins, porém na
diferença entre os meios usados para alcançar o resultado prefixado. Portanto, com a obra o
autor visa sair dos contrastes absolutistas, que se levam a discussão para filosofia da história,
ao invés de um debate político, partindo-se da convicção que a diferença clássica entre direita
e esquerda ainda tem motivos de existir, e faz sentido tornar a propô-la.
Palavras-chaves: Direita; Esquerda; Liberalismo; Nacionalismo; Socialismo.
RESENHA
O texto abaixo refere-se ao livro Direita e esquerda: razões e significados de uma
distinção política do autor Norberto Bobbio.
962
crítico de Marx, do fascismo italiano, do Bolchevismo e do primeiro-ministro Silvio
Berlusconi. Pode se considerar um dos mais respeitados pensadores políticos contemporâneos.
O livro teve sua venda expressiva devido seu título sugestivo e a aproximação das
eleições na Itália, a perspectiva das pessoas ao comprar o livro era que poderia encontrar nele
uma orientação, respostas, sugestão sobre a opção eleitoral que deveria tomar, porém, mesmo
depois das eleições a busca pelo livro ainda existia. Bobbio (1995) classifica em 3 seguimentos
as criticidades em seu livro,
1. Os que continuam a sustentar que direita e esquerda são hoje nomes sem sujeito e
que não vale a pena persistir na tentativa de mantê-los vivos, atribuindo-lhes um
significado que não podem mais ter (donde, em decorrência, meu livro poder ser visto
como uma obra de arqueologia política); 2. Os que consideram a díade ainda válida,
mas não aceitam o critério sobre o qual eu a apoiei e sugerem outro; 3. Os que aceitam
a díade, aceitam também os critérios, mas o consideram insuficiente. (BOBBIO, 1995,
p. 9)
Não há dúvida de que o livro foi favorecido pelo fato de ter sido lançado com um
título sugestivo durante uma campanha eleitoral em que duas forças estavam se
contrapondo de modo muito mais nítido do que nas eleições precedentes.
Essas críticas impulsionaram a venda do livro sem dúvida, já que muitos criticaram
seus argumentos e a disposição ao escrever sobre a temática, onde seus leitores buscavam
explicar e realizar colocações sobre o tema. Apesar das argumentações a díade, esquerda e
direita, está sempre em debate.
Até mesmo em conversas Bobbio (1995), expõe que, é verdade ou não é verdade que
a primeira pergunta que nos fazemos quando trocamos opiniões a respeito de um político é se
963
ele é de direita ou de esquerda? A ideia da bipolaridade, a pessoa tem que ser de um lado ou de
outro e seguir as opiniões, regras sem causar transtorno de indagações.
Refutar a díade direita e esquerda em situações que sua abrangência está além da
caracterização da simples ideologia de ações políticas, porque,
“Independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida
autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originalmente desenvolvas.
Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da política. Fazem parte
das noções de base que informam genericamente o funcionamento das sociedades
contemporâneas”. (BOBBIO, 1995, p. 15).
O autor utilizou o método analítico para tentar definir a díade entre as duas palavras,
tentando explicar singelamente as origens desta distinção. Bobbio diz que:
objetiva mostrar não só a validade dela, mas também sua recorrência, não obstante a
modificação das situações históricas pelas quais, com base no inconstante juízo a
respeito do que é relevante e do que é irrelevante, se modificam os critérios para
estabelecer quais pessoas devem ser consideradas iguais e quais devem ser
consideradas desiguais. Além do mais, são os que refutam o critério por mim adotado
que se põem fora da tradição sem apresentar argumentos para justificar sua preferência
ou para combater os argumentos dos adversários (BOBBIO, 1995, p.16)
Os métodos de análise utilizado por Bobbio (1995), não são convencionais para muitas
pessoas que leram, com a aparência de árido, mas o autor não segue um método histórico
aceitável para a época, mas, buscar realizar reflexões práticas sobre as situações ao seu redor,
olhando o problema por todos os lados.
Afirmar que um lado realiza uma ação significa informar que o outro lado não faz, já
que se trabalha com a díade das ações, mantendo um certo equilíbrio sobra as atitudes de quem
se encontra em um dos lados da obra.
É incontestável que, hoje, uma das razões da desorientação da esquerda vem do fato
de que no mundo contemporâneo emergiram problemas que os movimentos
tradicionais da esquerda jamais se tinham posto, ao mesmo tempo em que perderam
validade alguns dos pressupostos sobre os quais haviam se apoiado não só o próprio
projeto de transformação da sociedade, mas também a sua força. Eu mesmo já insisti
várias vezes sobre isso. Nenhuma pessoa de esquerda pode deixar de admitir que a
esquerda de hoje não é a mesma a de ontem. (BOBBIO, 1995, p. 23).
Entender que a sociedade não pode ser caracterizada como algo imutável, ela sempre
estar em constante transformação para atender uma certa parcela dela, logo os atores que
compõem a direita ou a esquerda necessitam evoluir em suas ações e atitudes para não deixar
ambiguidades em seus atos.
965
Na concepção de Bobbio (1995), não me pergunto quem tem razão e quem não tem,
pois não creio que seja de alguma utilidade confundir o juízo histórico com minhas opiniões
pessoais.
O livro possui 121 páginas, divididos em 8 capítulos. Inicialmente faz uma introdução
como resposta aos críticos, em seguida faz um prefácio à primeira edição italiana. E prossegue
com oito subtítulos sendo eles: 1- A distinção contestada; 2- Extremistas e moderados; 3-A
díade sobrevive; 4- Em busca de 1 critério de distinção; 5- Outros critérios; 6- Igualdade e
desigualdade; 7-Liberdade e autoridade; 8- A estrela polar.
A díade direita e esquerda são expressões empregadas nas mais variadas situações
cabíveis, sendo :
Em relação as ideologias Bobbio (1995), afirma que elas estão em crise, pois é
ideológico, mas direita e esquerda não são pura expressão de pensamento ideológico, não há
dicotomia neste sentido, porque em sociedades complexas a visão dicotômica da política fica
menos evidente.
No campo político democrático existe uma Terceira Incluído que faz a direita não se
aproxime mais do centro, assim como a esquerda também, tornando possível uma compreensão
mais articulada do sistema, em uma sociedade que aspira ações mais eficaz, fazendo que
diversas posições se distribuem de um extremo a outro, Bobbio (1995).
966
padrões de uma sociedade mais ativa na política, onde o predomínio não significa a exclusão
do outro.
No entendimento de Bobbio (1995), não existe uma única esquerda, mas muitas
esquerdas, assim como, de resto, muitas direitas, portanto não se pode negar a díade, porém é
necessário entendê-la em seus diversos contextos.
Nesta seção Bobbio (1995), explica que os estudiosos de direita ou de esquerda buscam
fomentar seus conhecimentos em autores que podem ser interpretados como díade dependendo
de quem vai utilizar seus argumentos, ele exemplifica essa tomada de decisão que, alguns
teóricos da direita neofacista tentaram apropriar-se do pensamento de Antonio Gramsci
“gramscismo de direita”, evidenciando que a interpretações dos textos que direcionam para a
direita ou esquerda a díade da análise.
Portanto, algumas alas não são passíveis de entendimento para um bem comum, porém
no sentido dual os extremistas poderiam realizar algum entendimento com os moderados para
obter equilíbrio nas ações, um ponto extremo é a antidemocracia em que os dois movimentos
se entendem.
Existe também,
A tese dos opostos extremismos, que, do ponto de vista dos moderados, não são
opostos, mas sob muitos aspectos análogos, acabou por ter uma confirmação, embora
em uma história menor, nos assim chamados “anos de chumbo”, durante os quais a
sociedade italiana foi continuamente alarmada por atos terroristas provenientes de
ambos as partes extremas do universo político. (BOBBIO, 1995, p. 55).
967
A conjuntura da direita e esquerda não foi superada pois, ela é muito forte nos partidos
políticos principalmente, porque evidência muito quais suas ações sobre determinados assuntos,
mesmo mudando a nomenclatura do partido político, mas sua estrutura essencial e
originalmente dicotômica permanece em suas raízes.
Na política algumas metáforas são utilizadas com maior ênfase, como a metáfora
temporal, que permite distinguir os invocadores dos conservadores, os progressistas dos
tradicionalistas, Bobbio (1995), a ação temporal explica como o partido político organizou-se
no seu percurso.
A neutralidade não existe, para Bobbio (1995), e mesmo que tenham o cuidado de usar
os dois termos com todas as devidas cautelas, as sondagens confirmam a presença
continuamente operante e discriminadora da díade.
sempre será preciso distinguir, o que Laponce não parece estar disposto a fazer, uma
dualidade como amigo-inimigo, e outras a ela semelhante, nas quais um dos dois
termos é sempre positivo e o outro é sempre negativo, da dupla direita-esquerda, na
qual ambos os termos podem ter uma conotação positiva ou negativa segundo as
ideologias e os movimentos que representam, e, portanto, segundo as pessoas ou os
grupos que deles se apropriam. (BOBBIO, 1995, p. 75).
Distinguir posicionamentos, quanto sua origem, vai ser sempre necessário para ter um
certo equilíbrio, mas refutar um deles não é a metodologia mais apropriada em uma sociedade
crítica e participativa, onde sempre existe positivo e negativo de acordo como os idealizadores
de cada lado.
Portanto, com a obra o autor visa sair dos contrastes absolutistas, que se levam a
discussão para filosofia da história, ao invés de um debate político, partindo-se da convicção
que a diferença clássica entre direita e esquerda ainda tem motivos de existir, e faz sentido
tornar a propô-la.
REFERÊNCIAS
969
REUNIÕES NACIONAIS DA ANPEd: ESPAÇO DE PARTICIPAÇÃO
DA COMUNIDADE ACADÊMICA
Resumo: Este artigo objetiva mapear os trabalhos apresentados nas 38ª, 39ª e 40ª reuniões
nacionais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd),
realizadas nos anos de 2017, 2019 e 2021, respectivamente, no Grupo de Trabalho 5 (GT 5) -
Estado e Política Educacional, identificando os principais temas de pesquisa no campo das
políticas educacionais, o número de trabalhos que declararam agência financiadora, o número
de pesquisas apresentadas por região do país, e o número de trabalhos de pesquisadores
vinculados a instituições do Estado de Mato Grosso do Sul. A metodologia utilizada foi a
pesquisa bibliográfica, por meio de consulta ao site da ANPEd. Os resultados indicaram que:
poucas pesquisas declararam agência de fomento; a 40ª reunião nacional, no formato on-line,
registrou maior participação de pesquisadores de diversas regiões do país; o aumento de
trabalhos de pesquisadores vinculados a instituições do Estado de Mato Grosso do Sul na
reunião on-line realizada em 2021.
Palavras-chave: reuniões nacionais; Grupo de Trabalho 5; produção científica.
Introdução
A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) reúne
programas de Pós-graduação stricto sensu em educação e tem como finalidade o
desenvolvimento constante da ciência, da educação e da cultura, com fundamento nos
princípios da participação democrática, da liberdade e da justiça social, visando o
fortalecimento da pós-graduação e pesquisas em educação e a participação da comunidade
acadêmica e científica no desenvolvimento de políticas educacionais do País (ANPEd, 2017).
Atualmente o Grupo de Trabalho 5 (GT 5) conta com mais de duzentos pesquisadores,
organizados nas suas Universidades e em Associações diversas, apresentando estudos e
pesquisas, de âmbito nacional e internacional, sobre políticas públicas em educação, discutindo
processos de formulação e materialização de políticas em educação (ANPEd, 2017).
970
A relação entre Estado, educação e políticas educacionais “é marcada por processos e
dinâmicas complexas, que traduzem a historicidade das relações sociais mais amplas, suas
prioridades e formas ideológicas”, como afirma Dourado (2010, p. 678).
Em uma concepção ampla, conforme o autor, o Estado, abrange a sociedade política e a
sociedade civil, seus embates e percursos históricos em que se constroem, marcadas pelas
condições objetivas em que se efetivam “a relação educação e sociedade, os processos
sistemáticos ou não de gestão, bem como o papel das instituições educativas e dos diferentes
atores que constroem o seu cotidiano” (Dourado, 2010, p. 679).
A correlação de forças sociais está presente na construção das políticas públicas
educacionais, compreendendo-se, conforme Shiroma e Evangelista (2019, p. 83),
Avaliação: Ensino sob a lógica do Escola cívico militar Banco Mundial e educação
capital básica
Instituto Natura nas políticas de Formação por competências e
Política de competências e colaboração federativa habilidades
habilidades
Com relação aos vinte e três trabalhos apresentados, apenas seis pesquisadores
declararam receber financiamento, sendo que o CNPq aparece como principal agência
financiadora das pesquisas que declararam apoio das agências de fomento.
973
O Estado de Mato Grosso do Sul foi representado por três pesquisadores, sendo uma
pesquisa vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e duas pesquisas
da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
No ano de 2019 foi realizada em Niterói (RJ), a 39ª Reunião Nacional da ANPEd com
o tema “Educação Pública e Pesquisa: ataques, lutas e resistências”. Ao afirmar os tempos
desafiadores, a discussão do tema propôs analisar criticamente os ataques sofridos em múltiplas
dimensões e inspirar as lutas em diferentes espaços educativos e resistência às injustiças,
autoritarismo, exclusão racismo e homofobia (ANPEd, 2019).
Nesse período, confirmavam-se as preocupações elencadas na 38ª Reunião Nacional da
ANPEd para o campo educacional, diretamente relacionadas às políticas educacionais, um
momento necessário para dar visibilidade às pesquisas, com a intenção de demostrar a sua força
(ANPEd, 2019).
974
defesa dos direitos de diferentes pessoas de existir, aprender e se formar em espaços educativos,
em diálogo com movimentos sociais, com comunidades acadêmicas e campos de pesquisa.
Nesse período, a população brasileira foi afetada não apenas pela pandemia, mas também por
uma gestão inconsequente de políticas públicas nacionais (ANPEd, 2021).
1
De acordo com o IBGE (2023) as cinco grandes regiões compreendem: região Norte composta pelo Estado do
Acre, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará, Amapá e Tocantins; região Nordeste composta pelos Estados do
Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe Alagoas e Bahia; região Centro -
Oeste composta pelos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal; região Sudeste
composta pelos Estados de São Paulo. Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo e Região Sul composta pelos
Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
975
Trabalhos apresentados por região do Brasil
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Região Região Região
Região Norte Região Sul
Nordeste Centro-oeste Sudeste
38ª Reunião Nacional da ANPEd 4 1 5 9 4
39ª Reunião Nacional da ANPEd 2 2 2 8 9
40ª Reunião Nacional da ANPEd 4 12 10 19 12
38ª Reunião Nacional da ANPEd 39ª Reunião Nacional da ANPEd 40ª Reunião Nacional da ANPEd
976
Considerações Finais
O levantamento demonstrou que as temáticas apresentadas correspondem aos objetivos
elencados pela ANPEd no período de cada reunião. Os dados demonstram que poucos
pesquisadores declararam financiamento a sua pesquisa. A falta de recursos financeiros podem
ser um impeditivo para a participação de pesquisadores nessas reuniões nacionais. Um dado
apresentado no trabalho que respalda essa afirmação é o aumento de mais de 100% de trabalhos
apresentados no evento realizado no ano de 2021, durante a 40ª Reunião Nacional da ANPEd,
realizada em formato on-line.
Observa-se, também, que o maior número de pesquisas, por região, inclui pesquisadores
com financiamento das agências de fomento.
Esse levantamento mostra a necessidade da ampliação do financiamento para a pesquisa
e do número de bolsas de estudos que possam viabilizar a participação de maior número de
pessoas nas reuniões nacionais da ANPEd, um espaço permanente de formação.
Referências
977
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação 38ª Reunião
Nacional da Anped. Niterói, outubro de 2019. Disponível em:
http://anais.anped.org.br/p/39reuniao/trabalhos Acesso em: 15 maio 2023.
978
TRAJETÓRIA DA PESQUISA NA ESCOLA FRANCISCANA IMACULADA
CONCEIÇÃO: PRINCÍPIOS E VALORES FRANCISCANOS DIANTE DA “SOCIEDADE
LÍQUIDA”
Introdução
Apresento uma reflexão realizada na dissertação, ao olhar para a realidade dos tempos líquidos,
ancorada em Bauman, um dos teóricos com quem dialogo na discussão da pesquisa. Ele conceitua a
pós-modernidade como “vida líquida”, “Líquido-moderna”, “sociedade em que as condições sob as
quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a
consolidação” (Bauman, 2007, p. 7). Sobre a metáfora do sólido e do líquido, o autor explica que os
sólidos, diferentemente dos líquidos, se caracterizam por apresentarem forma definida, por serem
estáveis e duradouros. Já os líquidos, não têm forma definida, ou seja, sua forma está em contínua
transformação. O líquido é instável por definição, tem forma efêmera, passageira, e apresenta grande
mobilidade. Nesse contexto de sociedade líquida (Bauman, 2007), as Irmãs Franciscanas da
979
Penitência e Caridade Cristã1, pertencentes à rede de educação franciscana Sociedade Caritativa e
Literária São Francisco de Assis – Zona Norte (SCALIFRA-ZN)2, mantém Escolas, em quatro
estados do Brasil, com uma proposta educacional pautada em princípios e valores franciscanos
extraídos das fontes Franciscanas.
O legado humanitário de Francisco de Assis existe há quase dois séculos, assim, parece até
um tanto contraditório oferecer essa proposta educacional para a sociedade do nosso tempo
denominada “líquida”. E o tempo neste estado seria o fator principal da mudança, pois é a urgência
de atender as demandas deste tempo, que tornam as vidas líquidas. Quando tomei contato com a obra
de Bauman, Modernidade Líquida (2001), que trata desta liquefação social, várias inquietações
fizeram parte do meu cotidiano profissional, sobretudo na gestão da Escola em que hoje estou na
direção, e é meu campo de pesquisa. E me veio a indagação “como viver, praticar os princípios e
valores Franciscano nessa realidade social, na qual tudo é passageiro e é feito para se diluir, no que
tange diretamente às relações? ”. Afinal, Bauman apresenta que os objetivos desta sociedade líquida
é justamente transformar tudo em mercadoria, porque é o que mais se consome, se descarta, e para
viver neste estado social de liquefação, é necessária essa diluição para responder às expectativas de
mercados e status social. Tudo isso me fez retomar a proposta educacional da Rede de Educação
Franciscana SCALIFRA-ZN, que “fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano, nos
valores espirituais e éticos, inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação
pedagógica, em igual intensidade, [...] objetiva a formação integral da pessoa. ” (Referencial
Educativo Scalifra-zn, 2021, p.18).
Ao desenvolver a metodologia da pesquisa, muitas vezes me questionei se estava no caminho
certo, ou seja, precisei fazer também um processo de desconstrução para poder acolher novas leituras,
ver outras possibilidades e caminhos possíveis trilhar, em vias de dar direção ao objetivo da pesquisa.
Na busca da definição metodológica, encontrei resposta nos estudos de Meyer e Paraíso (2012, p. 7),
que afirmam: “[...] uma metodologia de pesquisa é pedagógica, [...], porque se trata de uma
1
As Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã, congregação fundada na Holanda, no dia 10 de maio de 1835,
por uma simples camponesa chamada Catarina Damen, que mais tarde recebeu o nome religioso de Irmã Madalena
Damen. A fundadora, Madre Madalena, viveu intensamente a confiança em Deus e propagou por sua vida e atividade
apostólica, por intermédio da congregação, seu lema: Deus Proverá. Sua opção religiosa cristã, seguindo o modo de vida
de São Francisco de Assis, inspirou um projeto educativo, atualmente propagado em vários países e realizado mediante a
atividade educacional.
2
A Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis - Zona Norte, SCALIFRA-ZN é pessoa jurídica de direito
privado, sem fins lucrativos, mantenedora de instituições que abrange a educação básica e superior. A educação básica
contempla Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio e Ensino Profissionalizante. A Educação Superior
compreende cursos de graduação, tecnológicos e de pós-graduação.
980
condução”. A pesquisa é de natureza qualitativa, pois ela dá suporte para acessar significados de
vivências e valores das pessoas, dimensões que não são percebidas por meio de números.
Documental, devido à análise das fontes Franciscanas e documentos da SCALIFRA-ZN. Desse modo,
busquei conciliar procedimento de produção de dados, por meio da observação no campo empírico,
com a técnica do grupo de discussão, ou entrevista aberta.
O grupo de discussão é “uma prática nascida nos estudos sociológicos e trabalhada de uma
maneira específica na tradição da sociologia espanhola” (Meinerz, 2011, p. 486). E, se tratando de
uma pesquisa qualitativa, Meinerz também nos diz que o grupo de discussão é uma metodologia que:
Poder estar diante desta possibilidade de “escuta”, é que me encantou e tornou-se decisivo
como escolha na construção da produção de dados, pois ao olhar para a questão que estava propondo-
me a investigar, ou seja, como os gestores e professores desenvolvem práticas focadas em princípios
e valores franciscanos, diante da sociedade líquida, senti o quanto era uma questão que exigiria muita
maturidade e profundidade nas reflexões.
Os participantes do estudo foram constituídos através de uma pré-seleção e com pré-
requisitos quanto ao perfil de pessoas (colaboradores), que pudessem imprimir uma leitura mais
atenta à pesquisa. Tratando-se da metodologia do grupo de discussão, ela nos passa uma segurança
quanto à flexibilização conforme nos diz Silvestre; Martins; Lopes (2018, p. 35):
[...] ao pesquisar pelas suas formas de condução não se encontra uma metodologia
única, fixa, levando-nos a concluir que várias são as possibilidades de se conduzir
um GD - respeitando, claro, alguns princípios [...].
981
Referencial Educativo da SCALIFRA-ZN, que contém os Princípios e Valores Franciscanos da rede.
São os princípios: Cultura de paz, Busca da Verdade, Justiça, Ética, Solidariedade e a Visão Sistêmica
da Vida, e os valores: Confiança em Deus, Espiritualidade Franciscana, Diálogo, Respeito e
Conhecimento, cuja temática é o foco das reflexões do grupo ocorridas nas outras duas reuniões
subsequentes.
Após a realização da pesquisa de campo, foi ouvida a gravação das discussões do grupo,
tendo início a primeira fase de interpretação: organização dos tópicos discutidos em temas e subtemas,
identificação e seleção das passagens centrais e mais relevantes para a pesquisa, no que tange os
princípios e valores franciscanos. As passagens foram posteriormente transcritas, conforme sugerido
por Meinerz:
As falas foram analisadas à luz dos escritos Franciscanos e de autores que fundamentam a
temática da contemporaneidade, ou melhor, da sociedade líquida como é denominada pelo renomado
sociólogo Zygmunt Bauman.
A Escola Franciscana Imaculada Conceição está situada na Rua Firmino Vieira de Matos,
1509 - Vila Progresso na cidade de Dourados, estado do Mato Grosso do Sul, é uma das oito escolas
de educação básica mantida pela SCALIFRA-ZN. Foi fundada em 1º de março de 1955. Sua trajetória
teve início com o compromisso firmado entre Dom Orlando Chaves e Madre Antoninha Werlang, em
julho de 1954, para que as Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã viessem para o então
Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul) trabalhar com a catequese, posto de puericultura e escola
primária. Foram designadas para a missão inicial cinco Irmãs: Ir. Liuba Heck, Ir. M. Rosita Meyer,
Ir. Alfredina Sturp, Ir. M. Iracema Grings e Ir. Miraci Admans. A Escola Franciscana Imaculada
Conceição é o primeiro colégio confessional católico no município a trabalhar com a formação de
professores na região, ao instituir o curso normal nos anos seguintes a sua fundação. Hoje, oferece
todos os níveis da educação básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Além das
aulas regulares, oferece atendimento integral, em horário estendido, de forma opcional, da educação
982
infantil ao 9º ano do ensino fundamental. Práticas esportivas, em variadas modalidades, são
proporcionadas para todas as faixas etárias. A instalação das irmãs em Dourados confirma o perfil
missionário educativo e o compromisso de espalhar o legado deixado por Madre Madalena.
[...]os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade [...].
Enquanto os sólidos têm dimensões especiais claras, mas neutralizam o impacto e,
portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu fluxo ou o
tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão
constantemente prontos (e propensos) a mudá-la (Bauman, 2001a, p. 8).
Em termos de sociedade, esta foi transformada pelo mercado, ou seja, na sociedade líquida
tudo foi reduzido à mercadoria e tem valor de mercado. Inclusive valores da vida, tidos como
importantes, passam a ter valor na esfera econômica. Diante desta realidade contemporânea volátil que
envolve parâmetros culturais, comportamentais e intelectuais, temos a proposta de educação
983
Franciscana fundamentada em princípios do humanismo franciscano, nos valores espirituais e éticos,
inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação pedagógica, que objetiva a
formação integral da pessoa. Como nos afirma (Lourenço, 2023, P. 14).
Existe uma preocupação com a continuidade da proposta de educação franciscana, devido aos
movimentos complexos e ambivalente deste mundo líquido, volátil e diluído, que torna ainda mais
desafiador assegurar uma educação embasada em princípios e valores franciscanos, cuja tradução é
viver o evangelho. E, no diálogo com Bauman, encontro também preocupações convergentes com o
pensamento Franciscano, sobretudo, nas reflexões realizadas no livro Bauman & Educação (2014 p.
74) ao trazer o duplo desafio da educação na modernidade líquida: as reflexões, além de promoverem
a socialização, preparam as pessoas para o mundo mutável em que vivemos.
A leitura dos autores Almeida, Bracht e Gomes, (2014) aponta que não existe uma ruptura da
sociedade, que passa do estado sólido para estágio líquido, ou seja, uma relação ambivalente. Os
autores não propõem uma ruptura, mas uma possibilidade de conciliar uma sociedade em rápidas
mudanças com um mundo mais acolhedor. Desta forma, compreende-se que para eles, “o imperativo
984
mais importante da atual configuração do discurso da educação para toda a vida é [...] tornar esse
mundo em rápida mudança mais hospitaleiro para a humanidade” (Almeida; Bracht; Gomes, 2014, p. 72).
Desta forma, entende-se que, na visão educacional dos autores, o caminho pedagógico para este tempo
deve ser dialógico e reflexivo, ou seja, a escola precisa primar pelo aspecto de autonomia própria, capaz
de dialogar com a sociedade, deve dar contribuição à formação de maneira responsável e justa. E, para
Lourenço (2023, p. 13), a formação integral da SCALIFRA-ZN “se preocupa com a formação de
sujeitos críticos, autônomos e responsáveis consigo mesmos e com o mundo”.
Com base nesta reflexão, percebemos o quanto Francisco de Assis e Catarina Damen foram
perspicazes ao iniciarem uma proposta de vida, olharam primeiramente para o cenário social e
ampliaram para todas as dimensões, ou seja, sentiram a necessidade da atualidade e realizaram as
transformações sempre à luz do evangelho, este que é o condutor da missão das Irmãs Franciscanas da
Penitência e Caridade Cristã, responsáveis pela Escola Imaculada.
Conforme descrito anteriormente, a concepção de educação do sociólogo Bauman, no contexto
social de liquefação, é constituída pelos seguintes pontos: a busca do diálogo, reflexão e a formação de
pessoas que tenham condições de questionar e possuir pensamentos críticos. E por sua vez, observa-
se- que a proposta educacional da Escola Imaculada Conceição possui convergências com o
pensamento de Bauman (2014) quanto ao direcionamento educativo, que deve existir para atender às
necessidades da atualidade, pois ela fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano e que
possui características próprias para o educador franciscano conforme nos diz ALVES, 2015.
E nesse complexo contexto, busca-se formar cidadãos reflexivos, críticos e criativos, com
habilidades necessárias à vida em sociedade. O papel do professor é ser protagonista e mediador ativo
da aprendizagem. Ainda, no Plano de Médio Prazo (2018-2021), sobre a educação consta:
A Educação se constitui em uma das áreas que mais se evidencia a transformação
social desejada. Acredita-se na aprendizagem como processo construtivo infindável
na arquitetura da autonomia criativa e pensante, na qual e pela qual o ser humano
desenvolve suas potencialidades e capacidades vitais. Pelo processo educativo
apreendem-se novos modos de lidar com o conhecimento e dinâmica disjuntiva e
reconstrutiva num contexto de aprendizado contínuo e permanente. (Plano de Médio
Prazo, 2018-2021, p. 21).
985
As escolas mantidas pela Rede SCALIFRA-ZN planejam estratégias para cumprir a missão
educativa, como escola que possui princípios e valores balizadores e também a finalidade da educação,
que é atingir a sociedade e não somente o interior da escola, ou seja, o que é ensinado precisa ser
propagado vivenciado nas atitudes de todos que estão envolvidos com este processo de ensino e
aprendizagem, além dos muros da escola. Conforme escreve Bauman (2009), em referência à educação
permanente, não se deve investir somente numa educação voltada para o trabalho, não são só as
capacidades técnicas que precisam ser mobilizadas na formação; trata-se de uma educação para a
cidadania, para a atualização e vivência em relação aos desenvolvimentos políticos e às aceleradas
mudanças das regras do jogo da política (Bauman, 2009a, 2009b). Ou seja, tal referência se aproxima
da forma como a proposta franciscana para a educação também pensa a missão escolar da Rede
SCALIFRA-ZN. A mantenedora das escolas Franciscanas investe na formação pedagógica dos
professores, atenta às metodologias que objetivam a excelência do processo ensino aprendizagem, com
foco na formação integral do estudante, processos de gestão escolar e da sustentabilidade da instituição.
Para a realização da pesquisa, também precisei revisitar os escritos Franciscanos e fazer um
aprofundamento sobre os princípios da rede SCALIFRA-ZN. Eles são: a cultura da paz, busca da
verdade, justiça, solidariedade, visão sistêmica da vida. De acordo com o referencial educativo, “os
princípios constituem fundamentos, dão aporte à ação e orientam os integrantes das comunidades
educativas das instituições de ensino da Rede de educação franciscana” (Referencial Educativo Scalifra-
zn 2021, p. 10). São valores: a confiança em Deus, fraternidade, espiritualidade franciscana, diálogo,
respeito e o conhecimento. “Estão expressos como ideário. Sua conquista, ainda que parcial, vai
compondo as características que identificam o projeto educativo em cada escola/ instituição”
(Referencial Educativo Scalifra-zn, 2021, p. 13).
Em todos os documentos norteadores da SCALIFRA-ZN encontramos os princípios e valores,
que são as nossas diretrizes para a educação Franciscana. Isso é confirmado no referencial educativo
que, segundo a proposta educacional, “fundamenta-se em princípios do humanismo franciscano, nos
valores espirituais e éticos, inspirados em São Francisco de Assis e em Madre Madalena, e sua ação
pedagógica, em igual intensidade, objetiva a formação integral da pessoa” (Referencial Educativo
Scalifra-zn, 2021, p. 18). A educação franciscana permite ao estudante a formação do Ser e do
conhecimento intelectual, para que ele tenha condições de fazer as escolhas mais assertivas na vida
pessoal e profissional, bem como de adquirir boa estrutura emocional para gerenciar as surpresas
adversas que possa encontrar no convívio social e, sobretudo, diante do capitalismo no qual sujeito é
objetificado, pois na lógica da modernidade líquida, o sujeito é aquilo que ele consome e não mais o
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que ele é. E isto passa a ser um padrão para aqueles que valorizam o status e não querem ficar fora
deste modelo de sociedade. Num mundo marcado pelo descartável, o que foi adquirido ontem já não
tem mais utilidade hoje e, assim, vamos descartando objetos e as pessoas, automaticamente, na lógica
do consumo.
Neste sentido, uma das questões tópico que o grupo de discussão refletiu foi: Qual o sentido
que esses princípios franciscanos têm hoje na sociedade marcada pela liquidez, em que o que é sólido
não tem valor, é considerado como desatualizados? E partir desta questão refletimos: Os princípios são
referência para educação franciscana, porque é uma educação baseada na sustentação da vida. E, como
estamos possibilitando fazer sentido na nossa comunidade educativa? A partir destas questões vieram
muitos relatos.
No que se refere à pergunta em questão, foram identificados, na fala dos diversos
participantes, ações estratégicas para prática dos princípios e valores no fazer pedagógico e também na
sua vida pessoal, familiar e profissional. Faço uma contextualização da sociedade líquida ao pensar
educação nesses tempos atuais no olhar de Bauman. Na visão do autor, não existe uma ruptura da
sociedade, que passa do estado sólido para estágio líquido, mas sim uma relação ambivalente. Então,
quais desafios são suscitados neste novo tempo para atuação da educação? O livro Bauman & a
educação (2014, p. 74) resume bem o duplo desafio da educação, apresentado por Bauman, na obra
Modernidade líquida (2007): “além de promover a socialização, [...] preparar as pessoas para o mundo
cambiável em que vivemos”. Assim, entende-se que a proposta de educação, para Bauman, na vida
pós-moderna, vai muito além de codificar e decodificar letras. Educar é agir no sentido de superar
conflitos sociais e culturais, é dar sentido à consciência, de modo a lhe desalienar.
Expostas essas reflexões de Bauman, pode-se se dizer que a proposta de educação da
SCALIFRA-ZN está atenta às necessidades da atualidade e que convergem com o pensamento do
sociólogo de uma educação comprometida com a formação de cidadão que tenha capacidade realizar
críticas e de cuidado para com uma formação para vida. Vejamos nos relatos:
[...] São Francisco de Assis e eu conheci este livro [...] achei ele muito interessante no livro
indica como o franciscanismo é uma proposta para este mundo que a gente vive em questão de
humanização da pessoa[...] Francisco nunca obrigou ninguém a ser franciscano, [...] nunca
usou a metodologia do medo, olha se você não seguir você vai para o fogo do inferno
simplesmente ele viveu é a atitude[...]. (Supervisora Pedagógica, 2022)
[...] Olhar na individualidade de cada um, olhar com carinho, e aqui dentro aprendi muito [...]
amo acordar 5 da manhã, porque às 6h15 a gente está saindo, eu gosto de chegar, eu acolho um
a um, eu vou na sala eu organizo as mesas eu penso em cada um no tamanho, se vai se sentir
bem se não vai, então é amor[...]. (Professora, 2022)
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Qual o sentido desses princípios e valores fazerem parte da formação dos estudantes e
colaboradores? A resposta foi unânime dos participantes do grupo de discussão, em dizer que ainda faz
muito sentido, viver princípios Franciscanos, mesmo nesse tempo marcado por uma sociedade
liqueficada. E, na fala dos interlocutores, identifica-se a vivência dos princípios e valores conforme
descrito abaixo:
[...] digo isso como aluna, que entrei aqui na oitava série na época, e bem do interior,
eu venho do sítio...quando foi anunciado que eu vinha.... Cê não quer ir lá na loja e
comprar umas roupinhas melhor para a Celina não? Colocar um aparelhozinho nela,
se não ela vai ficar com vergonha dos dentizinhos dela...” Mas quando eu cheguei aqui
que eu voltei para casa e foi me questionado: “E aí como foi? Você ficou com
vergonha? Você ficou com medo?” Não, eu fui acolhida [...] (Coordenadora
Pedagógica, 2022).
E a gente sente isso nos atendimentos desafiantes que a gente tem que, sim, as
respostas vêm, e isso não significa que a gente não deva continuar. Mas para mim o
que vai mostrar se é princípio e valor é na acolhida, é no respeito à diversidade, em
tudo aquilo que a gente vive aqui e fora daqui, e que alguns pais trazem para nós essa
resposta, né. (Supervisora Pedagógica, 2022).
Considerações Finais
Inicio dizendo que o processo de escrita e investigação me marcou - e muito -, pois o tempo
inteiro fui desafiada a enxerga-me como parte do processo, o que me levou a experimentar e conhecer
novos desafios, dialogar com autores que não faziam parte do meu cotidiano e enxergar, através deles,
as realidades que estavam em discussão. Com isto, quero dizer que os resultados da pesquisa apareceram
desde os primeiros passos, quando a pesquisadora se dispôs a dialogar sobre tal questionamento e a olhar
com lentes novas.
Na análise das falas do grupo de discussão, percebi que ficou subentendido para todos que a
prática dos princípios e valores franciscanos precisa acontecer de forma interligada e consciente, ou seja,
eu só consigo obter a paz se praticar o diálogo, a justiça a solidariedade, a verdade e assim são todos,
conforme citado no decorrer do texto, um depende do outro.
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Percebi, também, que o planejamento estratégico da escola Franciscana Imaculada Conceição
possui o teor da filosofia Franciscana e que todos os profissionais fazem esse percurso dos princípios e
valores franciscanos. Eles precisam experimentá-los na construção do projeto político pedagógico, no
regimento da escola, na elaboração dos planos de ensino, plano de aula e, depois, nas vivências de sala
de aula. Isto significa a intenção da rede educacional de manter a fidelidade na prática cotidiana das
escolas, dos princípios e valores franciscanos, pois todos os documentos possuem como aporte teórico
a filosofia Franciscana e desafiam constantemente seus colaboradores, por meio da formação continuada
e construção de documentos que ressoem na prática diária, a trazer a filosofia para a vivência da
realidade hoje, sem descaracterizar a essência que, para Francisco de Assis, sempre foi viver a
originalidade do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo e, automaticamente, o zelo e cuidado com a
vida.
Aqui se encontra o grande desafio para manter os princípios e valores franciscanos: ter
profissionais que se comprometam com a formação continuada. Para finalizar, entende-se que esse
trabalho não se esgota aqui, mas permite um caminho com novas reflexões, pois a filosofia franciscana
é sempre viva e presente em qualquer época e precisa ser adequada às as necessidades atuais.
Referências
ALMEIDA, Felipe Quintão; BRACHT, Valter; GOMES, Ivan Marcelo. Bauman & a Educação. 2ª Ed.
Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
ALVES Marcos Alexandre. Ética e educação: os valores franciscanos na formação humana In BOER,
Noemi;VIERO, Lia Margot Dornelles; TREVISAN Geovana Montanha ;
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida/ Zygmunt Bauman; tradução Plínio Dentzien. Rio de
Janeiro: Zahar, 2001.
BAUMAN, Zygmunt.Vida líquida / Zygmund Bauman; Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.
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Congresso Nacional das Escolas Franciscanas: A Integralidade dos saberes na Educação Franciscana.
Centro Universitário Franciscano © Editora UNIFRA 2015.
MEINERZ, Carla Beatriz. Grupos de Discussão: uma opção metodológica na pesquisa em educação.
Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 485-504, maio/ago. 2011.
REFERENCIAL Educativo das Escolas da Sociedade Caritativa e Literária São Francisco de Assis -
Zona Norte SCALIFRA – ZN
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