Aula 2 - Filosofia

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FILOSOFIA

AULA 2

Prof. Paulo Niccoli Ramirez


CONVERSA INICIAL

Paradigmas científicos

O objetivo da aula é compreender o processo de surgimento e


transformação da ciência na cultura ocidental, desde seus primórdios com o
pensamento aristotélico na Grécia Antiga e passando pela sua influência na
ciência medieval, a denominada Escolástica, até as rupturas com o pensamento
medieval com a ascensão da Ciência Moderna, de modo que se procura refletir
sobre quais os impactos causados por novos métodos científicos criados nos
séculos XVI e XVII, entre eles a matematização do Universo produzida por
Copérnico e Descartes, e a experimentação científica, elaborada por Galileu
Galilei e Newton. Por último, investigaremos o cientificismo positivista do século
XIX e teorias sobre as dinâmicas das ciências desenvolvidas durante o século
XX por pensadores como Popper, Kuhn e Feyerabend, preocupados com
questões em torno das condições que tornam possível uma teoria se tornar mais
hegemônica que outras ou mesmo o que permite a superação de teses que
passam a ser consideradas obsoletas no interior dos debates científicos.

TEMA 1 – ARISTÓTELES E A ORIGEM DA CIÊNCIA

Veremos no primeiro tema a importância de Aristóteles (384-322 a.C.),


pois este é considerado o primeiro entre os cientistas na cultura ocidental. Isto
se deve ao fato de que o pensador grego foi o primeiro a elaborar um método
científico, o chamado silogismo, que possuía como pano de fundo a crítica ao
seu mestre Platão. Aristóteles deixará profundas marcas na história da ciência,
até ser questionado pelos cientistas modernos, a partir dos séculos XVI e XVII,
conforme veremos nos próximos temas da aula.

1.1 Materialismo aristotélico versus Idealismo platônico

Aristóteles é de origem macedônica, império localizado ao norte das


cidades gregas durante a Antiguidade. Foi discípulo de Platão, porém veio a se
tornar o seu maior crítico. Aos 17 anos, após a morte do pai, foi estudar em
Atenas, onde ingressou na Academia de Platão. Durantes duas décadas
permaneceu na condição de aluno e depois se tornou professor da Academia.
Desentendimentos teóricos com seu mestre, Platão, levaram Aristóteles de
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regresso à Macedônia e tornou-se tutor de Alexandre Magno. Quando Alexandre
se tornou imperador da Macedônia e invadiu a Grécia, dando origem ao período
denominado como “Helênico”, Aristóteles fundou a sua própria escola em
Atenas, num local chamado Liceu, por volta de 334 a.C. A escola de Aristóteles
rivalizava com a Academia de Platão.
A crítica de Aristóteles ao seu mestre Platão deveu-se ao fato de
considerar as teorias platônicas demasiadas abstratas à medida que promovia a
separação entre os Mundos Inteligível e Sensível, a cisão entre corpo e alma,
além de buscar a verdade apenas no mundo das ideias. Em oposição a estas
posturas platônicas, Aristóteles acreditava que a filosofia se devia basear naquilo
que nos é dado a conhecer por meio observação, de modo que o conhecimento
verdadeiro não estaria presente no mundo das ideias, como queria Platão, senão
na própria natureza e nos seus fenômenos.
Por este motivo, isto é, buscar verdades na própria natureza, o projeto
aristotélico consistia numa investigação sistemática e rigorosa dos fenômenos
dispostos na realidade concreta, portanto, promoveu uma abordagem científica.
Foi dessa forma que Aristóteles deu origem à biologia e fortaleceu em sua época
outras ciências, como a astronomia, meteorologia, geologia, física, ética,
linguagem e política.
Platão é considerado um filósofo idealista ou espiritualista por julgar
que as verdades se encontram no Mundo Inteligível. Aristóteles, por sua vez,
é considerado filósofo e cientista materialista, pois julga que as verdades
estão presentes na própria natureza, ou seja, no mundo material, negando
inclusive as dualidades platônicas, como a oposição entre o inteligível e o
sensível, alma e corpo, matéria e forma. Para Aristóteles, os sentidos e corpo
contribuem ao lado da razão para a compreensão e observação da natureza, de
modo que devem estar em equilíbrio.

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Créditos: rook76/Adobe Stock.

O pintor Renascentista Rafael (1483-1520) foi capaz de traduzir a


oposição entre o materialismo aristotélico e o idealismo platônico por meio da
obra A Escola de Atenas (1510), presente no Museu do Vaticano. A obra revela
a concepção idealista de Platão quando aponta um dos dedos para os céus,
metaforizando a noção de que as verdades se encontram no Mundo das Ideias
e apenas podem ser alcançadas com o uso da razão, jamais com os sentidos ou
o corpo. Já Aristóteles apresenta sua mão indicada para baixo, revelando
postura materialista ao considerar que as verdades são encontradas na natureza
e devem ser observadas com a razão e os sentidos.

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1.2 O silogismo aristotélico

Aristóteles, na obra Organon (2010), que poderia ser traduzido como


instrumento ou ferramenta escrita no século III a.C., elabora princípios da lógica
e, por isso, é considerado pioneiro na ciência, pois pertence a ele o primeiro
método científico que se tem conhecimento, o silogismo. Aristóteles, em certa
medida, se opôs aos procedimentos dialéticos de Platão (método de perguntas
e respostas, cujas conclusões eram um tanto subjetivas e idealistas). O
pensamento aristotélico se propôs a promover procedimentos de investigação
científica por meio de observações qualitativas, comuns e cotidianas, a partir da
correlação entre sensibilidade e racionalidade, para capturar a verdade na
natureza. Por ser qualitativo, o método Aristotélico era apenas observacional,
sem contar com experimentos ou procedimentos matemáticos.
Segundo Marilena Chaui (1994, p. 200), “o silogismo é um conjunto de
três juízos ou proposições que permite obter uma conclusão verdadeira. Trata-
se de um método dedutivo no qual, de duas premissas, deduz-se uma
conclusão”. Antes de analisarmos o que é exatamente um método dedutivo e
proposições, é importante observar os dois exemplos a seguir para um melhor
entendimento a respeito desse primeiro método científico:

Na sua forma padronizada, o silogismo é constituído por três proposições


(expressões verbais que resultam em afirmações). As duas primeiras são
chamadas de premissas e a terceira conclusão. O silogismo é considerado uma
forma de raciocínio dedutiva. Mas o que é dedução e o que a diferencia da
indução? Aristóteles preocupou-se com esta distinção na obra Organon (2010).
Toda dedução inicia seu raciocínio a partir de elementos mais gerais,
amplos ou universais em direção aos elementos particulares, até que se alcance
alguma conclusão muito específica. Vê-se que o silogismo é uma dedução
porque sua primeira e segunda proposições são mais amplas e genéricas do que
a conclusão. A dedução pode partir de uma hipótese abstrata ou de caráter geral
para relacioná-los com situações e argumentos factíveis e particulares. Toda

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dedução é um encadeamento de raciocínios em que o conhecimento sobre algo
é dado a posteriori.
A indução, por sua vez, promove procedimentos inversos ao da dedução.
Parte da observação de elementos particulares, com o objetivo de atingir uma
conclusão sobre um ponto de vista ou ideia geral, de acesso a todos. Tem-se
um conhecimento dado a priori, por exemplo, percebemos que “João morreu” ou
“tenho fome” ou “é dia”.

1.3 As ciências e o pensamento aristotélico

Aristóteles desenvolveu inúmeros estudos para a compreensão da physis


(natureza), promoveu estudos cosmológicos, físicos, geológicos e biológicos,
entre outros. Entre suas principais ideias está a noção da geração espontânea,
que concebia a origem espontânea dos seres vivos a partir da natureza.
Aristóteles também julgava ser a Terra o centro do universo (este último finito),
sendo que os demais corpos celestes (Lua, Sol e o firmamento) girariam em
torno da Terra devido a um Deus materialista, designado como Primeiro Motor
ou Moto Imóvel. Suponha que apenas a Terra seria constituída dos elementos
água, terra, fogo e ar e os corpos celestes seriam constituídos por éter, havendo
rigorosa distinção entre o céu e a Terra. Concebia que os objetos físicos e as
posições sociais (como senhores e escravos) eram determinados pela natureza.
Além de empregar o silogismo (método apenas observacional, e não
matemático ou experimental), Aristóteles trabalhava com quatros aspectos
fundamentados em quatro causas, a saber: causa material (do que a coisa é
feita? Por exemplo, a casa é de tijolos); causa eficiente (o que fez a coisa? A
construção); causa formal (o que lhe dá a forma? A própria casa); e causa final
(o que lhe deu a forma?).

TEMA 2 – A ESCOLÁSTICA E A CIÊNCIA MEDIEVAL

Investigaremos no Tema 2 a ciência medieval. Será possível observar as


influências do pensamento aristotélico, que foi associado pela Igreja Católica às
sagradas escrituras.
A Escolástica expressa a ciência medieval cristã, ou seja, baseada na
tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, tradição grega
do platonismo e aristotelismo, relacionados com a verdade revelada pela fé

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cristã e os textos sagrados. Segundo Aranha, “Escolástica. Designa os filósofos
e teólogos medievais que ministravam cursos nas escolas eclesiásticas e nas
universidades entre os séculos IX e XV” (2009, p. 113).
O principal pensador do período foi São Tomás de Aquino (1225-1274),
responsável por aristotelizar o cristianismo. A Escolástica também possuía
apreço por Ptolomeu (90-168 d.C.), pensador grego, astrônomo e geômetra que
buscou geometrizar o movimento dos corpos celestes em torno da Terra, a partir
da premissa geocêntrica (a Terra no centro do universo) desenvolvida por
Aristóteles na Antiguidade.
Além da tese geocêntrica, a Escolástica reafirmava outras concepções
aristotélicas, entre elas a distinção da composição da Terra (água, terra, fogo e
ar) e dos corpos celestes (Sol, Lua e demais estrelas) constituídos por éter. A
Terra era tomada como imóvel, estática e o universo gira a sua volta, movida
pelo Primeiro Motor do Universo, no caso, Deus. Apenas as sagradas escrituras
eram vistas como instrumentos suficientes para se compreender a astronomia e
o movimento dos corpos celestes, não sendo relacionada à física ou matemática.
Dessa forma, os corpos celestes eram movimentados segundo a vontade divina,
cabendo recorrer às sagradas escrituras, segundo Aristóteles e Ptolomeu, para
fornecer qualquer justificativa a respeito. Empregava-se método silogístico (ou
silogismo), de caráter qualitativo e não quantitativo (ou seja, não matematiza a
natureza).
Veremos no próximo tema que, a partir dos séculos XVI e XVII, com
ascensão da ciência moderna, os paradigmas aristotélicos e escolásticos serão
criticados pela nova ciência.

TEMA 3 – A CIÊNCIA MODERNA

A partir de agora vamos compreender as rupturas causadas pela Ciência


Moderna em relação à tradição aristotélica e escolástica. Pensadores como
Copérnico (1473-1543), Galileu (1564-1642), Francis Bacon (1561-1626),
Descartes (1596 – 1650), Newton (1643-1727), entre outros produziram novas
concepções científicas que deram origem a novos métodos e descobertas
científicas.

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3.1 A Revolução Copernicana

A obra astronômica de Nicolau Copérnico, As Revoluções dos orbes


celestes (1984), pode ser considerada o marco inicial da ciência moderna.
Publicada em 1543, pouco antes da morte de Copérnico, as ideias da referida
obra demonstram o movimento da Terra em torno do Sol (tese heliocêntrica),
apresentadas pelo pensador como meras hipóteses matemáticas. Afirmar esta
descoberta como hipótese revelava o temor e cautela da exposição de novas
ideias diante da Inquisição da Igreja, que encontrava no modelo científico
aristotélico-ptolomaico o sistema de interpretação do universo condizente com
as sagradas escrituras. Copérnico, portanto, põe em xeque o sistema
cosmológico tradicional, dando origem a novos fundamentos científicos. Por ter
publicado a obra na semana de sua morte, Copérnico nunca soube dos impactos
de seu pensamento para a cultura ocidental.
Com a Revolução Copernicana, ocorre a dessacralização da Terra e,
principalmente, do céu, pois este passa a ser objeto de estudo passível de
matematização. Copérnico foi o primeiro a combinar astronomia, matemática e
física e tornou possível a compreensão do movimento da Terra em torno Sol. A
obra de Copérnico representa uma profunda transformação científica, e será o
ponto de partida, o alicerce primordial e difusor, principalmente no século XVII,
do que veio a ser a chamada ciência moderna. Seu pensamento será o aporte
teórico no desenvolvimento das teorias de Galileu, Kepler, Descartes, Pascal,
Newton, entre tantos outros.
Na nova ciência, não há lugar para explicações que recorram à
causalidade divina, mas, pelo contrário, a ciência é secularizada, laicizada, o que
significa abandonar a dimensão religiosa que permeava todo o conhecimento
medieval. Resulta disso um problema moral e ético, pois a humanidade observa
que é uma pequena parte da criação divina, e mais do que isto, as sagradas
escrituras da Bíblia, fundamentadas no pensamento aristotélico com a
Escolástica, não bastam mais como forma legítima de compreensão da ordem
do mundo. De um lado, surge a concepção de que Deus está muito mais distante
dos indivíduos do que se pensava; do outro, a humanidade fortalece-se enquanto
ator do conhecimento e, por isto, exime-se como mero objeto da criação.
Em homenagem a Copérnico, até hoje são nomeadas com o termo
“Revolução Copernicana” todas as grandes descobertas científicas relevantes,

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ainda que não tenham relação com o movimento da Terra em torno do Sol.
Assim, por exemplo, quando Darwin (1809-1882) publicou sua Origem das
Espécies, em 1859, sua tese foi afirmada pela comunidade científica como uma
“Revolução Copernicana”. Freud (1956-1939), quando publicou o livro A
interpretação dos sonhos, em 1900, e deu ênfase ao papel do inconsciente sobre
a vida mental, sua obra também foi classificada como uma “Revolução
Copernicana”. O mesmo correu com Einstein quando elaborou, em 1905, sua
teoria da relatividade ou recentemente com o experimento do acelerador de
partículas que identificou a chamada “partícula Deus”.

3.2 Galileu Galilei e a ciência experimental

Galileu Galilei ao tomar conhecimento dos estudos de Copérnico,


"converteu-se" por volta de 1610 ao pensamento de seu antecessor. A partir da
leitura de Copérnico, Galileu produziu duas importantes obras, Acerca da opinião
copernicana, publicada em 1615, e Diálogo sobre os dois sistemas de mundo
ptolomaico e copernicano, publicada em 1632, levando Galileu a abandonar
definitivamente o modelo aristotélico-ptolomaico. Auxiliado com a utilização da
recente descoberta do telescópio, Galileu aperfeiçoa-o, e irá progressivamente
desenvolver sua mecânica, tendo como aporte teórico a já condenada obra de
Copérnico, censurada pela Inquisição.
Galileu também é considerado o pai da ciência experimental. Trata-se da
noção de que para alcançar as leis naturais e encontrar as verdades presentes
na natureza seria necessário manipular artificialmente os fenômenos naturais, o
que consolidou a partir de então pesquisas feitas em “laboratórios” ou ao menos
a possibilidade de realizar experimentos científicos. A utilização de telescópios
por Galileu permitiu-o descobrir as quatro luas de Júpiter em 1610, onde viu que
giram em torno deste planeta. Galileu observa que o mesmo se daria com o
movimento da Lua em relação à Terra.
Pode-se dizer que Galileu "radicaliza" os argumentos de Copérnico,
tornando-os mais realistas, pois abandona a questão de os raciocínios
matemáticos, sobre o movimento da Terra, apresentarem-se apenas como
meras hipóteses, portanto, não condizentes com a realidade. Na verdade, afirma
ser "loucura" negar um procedimento matemático como irreal. Galileu impôs uma
universalidade da razão natural (entendida como sentidos, discurso e intelecto),
em que é o sujeito que determina o objeto de análise, combinando observação,
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observação e matematização. É importante que nem Copérnico ou Galileu
utilizavam fórmulas matemáticas, o que veio a ser desenvolvido apenas no
século XVII com o pensador francês Descartes, conforme veremos no próximo
item.
Galileu promove uma grande ruptura entre ciência e teologia, a qual
representa um marco da modernidade. Põe-se em questão a compatibilidade
entre o pensamento desenvolvido a parir da "revolução copernicana" e as
"sagradas escrituras". Galileu sofreu dois processos de Inquisição, sendo
perdoado no primeiro. Com o segundo processo, esteve em prisão domiciliar até
sua morte.

3.3 A matematização do mundo e a ciência de Newton

O filósofo francês Descartes será o responsável por conduzir a


matemática a um patamar mais elevado para a Ciência Moderna. Foi o
responsável por desenvolver equações, polinômios e introduzir as incógnitas
matemáticas. A partir de sua ciência foi possível traduzir a natureza por meio de
equações. Duas de suas obras representam a inauguração da matemática
moderna: Regras para a orientação do espírito (2012), inacabada e publicada
postumamente em 1684, e Discurso do método (1996), publicada em 1637.
O método de Descartes foi proceder de forma matemática, ou seja, de
modo quantitativo. É o que define como Mathesis Universalis (matemática
universal). Trata-se do projeto de matematização do mundo. Verifica-se que o
método cartesiano tem como fontes a geometria e a aritmética. Dessa forma,
utilizando o método rigoroso do raciocínio matemático, ele esperava construir,
sobre bases firmes e sólidas, um edifício filosófico que ficasse imune às
controvérsias presentes no método silogístico de Aristóteles, fundamentado em
apenas observações qualitativas.
O método cartesiano matemático está fundamentado em quatro
princípios:

1. Verificar – investigar e problematizar se o objeto a ser estudado


realmente pode ou não ser conhecido, por exemplo, um fenômeno natural,
e não especulações abstratas;

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2. Analisar – dividir o objeto a ser conhecido em quantas partes forem
necessárias (por este motivo, dividimos uma equação em incógnitas,
parênteses, chaves e colchetes);
3. Sintetizar – solucionar os problemas iniciando das partes mais simples
às mais complexas; e
4. Enumerar (controle) - trata-se da elaboração de rigorosas revisões, a fim
de observar se o valor das incógnitas é compatível com a equação.

Descartes foi o primeiro pensador a empregar os termos máquinas ou


autômatos em textos filosóficos e científicos. Concebia que as máquinas seriam
o resultado da tradução operada pela matemática dos fenômenos da natureza.
Além disso, Descartes pressupunha que com seu método a humanidade
passaria a ter o poder de dominar a natureza por meio de suas ações. Não está
mais sob o jugo da natureza, mas, ao contrário, encontra-se na condição de seu
senhor. De escravo da natureza, com o pensamento cartesiano a humanidade
passa, agora, a ser seu mestre e possuidor. Descartes afirma que a ciência e as
máquinas poderiam trazer bem-estar e conforto.
Na Inglaterra do século XVI, Francis Bacon foi o responsável por introduzir
o método experimental e criará corrente filosófica denominado empirismo, ou
seja, noção de que todos os conhecimentos são obtidos por meio de
experiências sensoriais e científicas, tema este que será estudado no próximo
capítulo. Bacon escreveu duas importantes obras. A primeira delas, o Novum
Organum, publicada em 1620, em que critica o silogismo aristotélico e propõe
como método de pesquisa a observação empírica da natureza; o processamento
racional dos dados obtidos; a elaboração de hipóteses fundadas nesses dados;
e a verificação das hipóteses mediante experimento replicável. Outro livro
importante foi Nova Atlântida, publicado em 1627, em que afirma que saber é
poder e defende que as tecnologias poderiam conduzir ao domínio humano
sobre a natureza.
Estas perspectivas influenciaram a física de Newton, o qual desenvolveu
a descoberta de leis naturais baseadas nos princípios de ação e reação, além
do aprimoramento da matemática para o estudo do universo. Newton, na sua
obra Princípia, publicada no ano de 1687, afirmava ter se apoiado nas costas de
gigantes, ou seja, de seus antecessores que constituíram a Ciência Moderna.
Newton foi condecorado pela coroa inglesa e foi o primeiro grande cientista a ser
admirado e protegido contra a perseguição religiosa. Em sua lápide presente na

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Abadia de Westminster, em Londres, consta a seguinte frase em latim: “A
natureza e as leis da natureza estavam imersas em trevas; Deus disse ‘Haja
Newton’ e tudo se iluminou”.
A ciência moderna foi determinante para a consolidação futura da
Revolução Industrial a partir do século XVIII e também influenciou o movimento
Iluminista na França.

TEMA 4 – O POSITIVISMO DE COMTE

No século XIX o positivismo de Comte constitui-se como grande síntese


dos métodos e avanços científicos e industriais europeus. Vamos estudar no que
consiste esta doutrina e quais as polêmicas causadas por ela, sobretudo por ter
sido considerada uma teoria designada como eurocêntrica.

4.1 A ciência, segundo Comte

Augusto Comte (1798-1857) é fundador do “positivismo” e inventor do


termo “sociologia”. Afirma a necessidade de uma nova ciência que fosse
responsável por estudar a morfologia social, ou seja, o processo de
transformação das sociedades. Duas de suas obras se destacam: Curso de
filosofia positiva, publicada entre 1830-1842, e Catecismo positivista, que foi
publicada em 1852.
Entre as características do positivismo destacam-se a confiança na razão,
ciência e industrialização; a tendência experimental de sua ciência; a defesa do
evolucionismo social e do progresso da humanidade; além da rejeição do
pensamento mítico. Comte foi influenciado pela filosofia de Descartes (a ideia de
que a razão e a ciência dominam a natureza e produzem bem-estar) e pela
ciência experimental. Nessa direção, as revoluções científica e Francesa
contribuíram para que a humanidade alcançasse o mais elevado patamar de
desenvolvimento da humanidade. Comte relaciona estes eventos à ideia de
ordem e progresso. Segundo Aranha (2009, p. 32),

ao criticar o mito e exaltar a ciência, contraditoriamente o positivismo


fez nascer o mito do cientificismo, ou seja, a crença cega na ciência
como única forma de saber possível. Desse modo, o positivismo
mostra-se reducionista, já que, bem sabemos, a ciência não é a única
interpretação válida do real.

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As concepções de Comte estão baseadas na observação e exatidão, de
modo que abandona as teorias e especulações da teologia e metafísica, ou
filosofias de teor mais abstrato. As ciências que são positivistas são a
matemática, biologia, astronomia, física, química e a recém-criada sociologia,
que se baseia em dados estatísticos. Os positivistas afirmam que a ciência é
cumulativa (progresso) e transcultural (não interessa em qual cultura surgiu,
serve para toda a humanidade). O positivismo influenciou as correntes que
defendiam o darwinismo social no século XIX. A frase na bandeira brasileira é
baseada no lema de Comte sobre o positivismo. Comte afirmava o amor como
princípio e ordem como base; progresso como objetivo.

4.2 A lei dos três estados

Para Comte, a humanidade passa por três estágios de evolução: estado


teológico, estado metafísico e estado positivo, constituindo o que denominou
com a lei dos três estados.
No estado teológico ou fictício, a explicação dos fatos é resultado de
leituras religiosas animistas da natureza, ou seja, as forças naturais são vistas
como divinas. Trata-se do estágio de sociedades vistas pelos europeus como
atrasadas e primitivas. Este estado evolui do fetichismo ao politeísmo e, em
seguida, ao monoteísmo.
No estado metafísico, a humanidade projeta sua própria psicologia e
racionalidade sobre a natureza, dando origem a explicações teológicas e
filosóficas e filosóficas mais abstratas, como as platônicas e medievais sobre a
origem de Deus e do universo.
O estado positivo descreve fatos com base em métodos científicos
modernos, como a matematização e experimentação científica. Abandona-se as
explicações subjetivas filosóficas. O estado positivo ou científico se baseia nas
leis da natureza, que permitem obter previsibilidade sobre a natureza e seus
fenômenos. Este terceiro estágio está relacionado ao processo de
industrialização, fortalecimento da ciência moderna e dos modelos políticos
republicanos.
Para Comte, a lei dos três estados é tanto reflexo da história da
humanidade quanto do desenvolvimento de cada indivíduo. A criança fornece
explicações fictícias ao mundo; o jovem é metafísico e tem especulações mais

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filosoficamente abstratas; o adulto possui uma concepção positivista e científica
da realidade.

A lei dos três estados

estado posi�vo ou cien�fico

estado meta�sico

estado teológico ou fic�cio

Comte propôs uma nova religião à humanidade em seu Catecismo


Positivista. A ideia era substituir os santos e os templos religiosos cristãos por
filósofos, cientistas e templos da racionalidade. O positivismo foi empregado
como álibi pelos europeus durante o século XIX e XX para exercer o Imperialismo
e Neocolonialismo na Ásia, África e Américas do Sul e Central. A ideia era levar
ordem e progresso às sociedades ditas primitivas, ou seja, que se encontravam
no suposto estado teológico ou fictício. O positivismo é visto hoje como uma
teoria eurocêntrica que flerta com o racismo.

TEMA 5 – DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO DAS CIÊNCIAS

O Tema 5 é dedicado ao estudo das dinâmicas do desenvolvimento da


ciência. Trata-se de investigar diferentes abordagens a respeito do que
exatamente condiciona uma teoria a se tornar hegemônica ou mesmo destronar
teses científicas que passam a ser consideradas obsoletas. Quando tratamos de
uma teoria sobre a ciência, utilizamos o termo epistemologia (do grego episteme,
"ciência", e logos, "teoria").
Karl Popper (1902-1994), na obra A lógica da pesquisa científica,
publicada em 1934, desenvolve premissas positivistas e evolucionistas, pois
toma a ciência como sendo cumulativa, ou seja, progride ou se aprimora

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conduzindo a conhecimentos superiores em relação aos anteriores
desenvolvidos. A ciência se situa a partir da imaginação e na crítica como
principais aspectos da racionalidade humana. Segundo Popper, a ciência é uma
atividade que se caracteriza pela ousadia imaginativa das suas hipóteses. Estas
formulações estão fundamentadas em experiências científicas, que podem
abolir, criticar e falsear doutrinas científicas vigentes.
Popper parte do pressuposto de que não podemos atingir a verdade de
uma teoria, ou seja não podemos abarcar todos os casos a que a ciência se
propõe. Dessa forma, o filósofo estabelece como método mais correto para as
ciências o método da refutação e o critério de falseabilidade. Este critério está
relacionado à necessidade de submeter uma teoria à prova, buscando
demonstrar ou provar sua falsidade ou refutá-la amparada com base em
métodos científicos, a ponto de descartar sua validade. Este método de pesquisa
científica consiste em formular hipóteses e, depois, por meio de rigorosos
exames e avaliações experimentais, procurar refutá-las. Se determinadas teorias
permitem ser testadas, criticadas e resistirem ao princípio da falseabilidade,
então elas poderão ser consideradas teorias científicas aceitas.
Thomas Kuhn (1914-1996), no livro A estrutura das Revoluções
Científicas, publicado em 1962, apresentará uma abordagem diferente a respeito
do desenvolvimento das ciências. Kuhn procurou demonstrar de que forma
ocorrem as transições e rupturas do pensamento científico predominante. Avalia
a existência de fases denominadas "normais" da ciência com o estabelecimento
de paradigmas, que contribuem com os demais cientistas para a solução de
problemas, promovendo o progresso por meio de acumulação de descobertas.
Paradigma é um modelo ou padrão a seguir. Etimologicamente, a palavra
vem do grego paradeigma (modelo ou padrão), de modo que corresponde a algo
que servirá de exemplo ou modelo a ser seguido.
No entanto, há “situações de crise”, que ocorrem quando os paradigmas
já não são mais suficientes e não resolvem uma série de questões, dando origem
à transição a novos modelos científicos que se contrapõem ao predominante. Foi
o que ocorreu com a ciência de Aristóteles e a Escolásticas, que perderam sua
hegemonia com ascensão da Ciência Moderna. Isso significa dizer que toda
ciência passa por momentos de apogeu e crise, até se tornar obsoleta.
Para Kuhn, a superação dos paradigmas poderá dificultar a continuidade
de certos esforços científicos realizados para solucionar problemas quando

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emerge um novo paradigma, estabelecendo crises nas ciências. Os paradigmas
são superados quando há uma ruptura radical capaz de modificar de modo
significativo as condições dominantes e hegemônicas. Cria-se dessa forma um
novo paradigma que provoca disputas com a ciência, antes predominante.
Feyerabend (1924-1994) foi um polêmico estudioso das ciências. No ano
de 1975 publicou o livro Contra o método. É considerado um teórico anarquista
porque observa a não existência de verdade absoluta nas ciências. Opõe-se a
Popper, que afirma a ciência como racional e cumulativa, e igualmente critica
Kuhn, que argumentou, conforme vimos, que uma teoria é dotada de paradigma.
Abandonou o empirismo e as correntes positivistas. Feyerabend considera que
as abordagens metodológicas não são instrumentos de descoberta definitivas e
defende o pluralismo metodológico. Afirma que no ponto de vista metodológico
tudo vale. Considera que uma teoria se torna dominante devido ao seu caráter
mais persuasivo em relação a outras teorias, isto é, depende de que forma foi
escrita, por quem e quais recursos retóricos e propagandísticos foram utilizados
a fim de convencer a comunidade científica.

NA PRÁTICA

Diferentes campos da ciência como a medicina, a psicologia, a


engenharia, a química e física promovem sucessivos avanços científicos e
progressos tecnológicos. Temos como exemplo o avanço de diversos métodos
voltados ao combate a doenças entre outras pestes e pandemias. São
desenvolvidos computadores, máquinas, robôs ou mesmo remédios que
permitem fornecer melhor qualidade de vida e saúde aos indivíduos. Faça uma
pesquisa e debata com seus colegas e professores a respeito de algum avanço
científico que tenha contribuído com a humanidade e tenha modificado a forma
como vivemos ou entendemos o mundo.

FINALIZANDO

Estudamos com o primeiro tema o surgimento da ciência na cultura


ocidental por meio do pensador grego da Antiguidade, Aristóteles. Observamos
que seu método silogístico teve fundamento em observações apenas
qualitativas. Porém influenciou a ciência medieval, denominada Escolástica,
conforme vimos no segundo tema. Em seguida, avaliamos a Ciência Moderna e

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a ruptura promovida por ela em relação à tradição escolástica-aristotélico com
Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton entre os séculos XVI e XVII.
Estudamos também o positivismo de Comte desenvolvido durante o século XIX
como reflexo otimista dos avanços da industrialização e da Ciência Moderna. Por
fim, investigamos compreensões do desenvolvimento das ciências a partir das
abordagens epistemológicas no século XX desenvolvidas por Popper, Kuhn e
Feyerabend.

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REFERÊNCIAS

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2009.

ARISTÓTELES. Órganon: categorias, da interpretação, analíticos anteriores,


analíticos posteriores, tópicos, refutações sofísticas. Bauru: Edipro, 2010.

BACON, F. Nova Atlântida. São Paulo: Nova Cultural, 1999a. (Col. Os


Pensadores).

BACON, F. Novum Organum ou Verdadeiras interpretações acerca da


natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

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Brasil, 1934.

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COPÉRNICO, N. As revoluções dos orbes celestes. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 1984

CHAUI, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1994.

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DARWIN, C. A origem das espécies. Rio de Janeiro: Hemus Editora, 1987.

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2000.

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POPPER, K. R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Ed. Cultrix, 1993.

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