O Cronotopo Bakhtiniano Antiguidade Contemporaneidade
O Cronotopo Bakhtiniano Antiguidade Contemporaneidade
O Cronotopo Bakhtiniano Antiguidade Contemporaneidade
Pauliane Amaral*
Rauer Ribeiro Rodrigues**
RESUMO
Neste artigo, retomamos as reflexões sobre ‘As formas de tempo e de cronotopo no
romance’ feitas por Mikhail Bakhtin e apresentadas em Questões de literatura e de
estética: a teoria do romance, a fim de verificar as variações do cronotopo de ‘Biografias
e autobiografias antigas’ no romance autobiográfico contemporâneo. Para isso,
analisamos os cronotopos nos romances autobiográficos Paris é uma festa, de Ernest
Hemingway, e Chá das cinco com o vampiro, de Miguel Sanches Neto. Nossa leitura do
cronotopo bakhtiniano nessas narrativas nos leva a relacionar as formas de configuração
entre espaço público e espaço privado e diferentes estratégias de representação.
PALAVRAS-CHAVE: Romance autobiográfico; Mikhail Bakthin; Espaço; Tempo;
Representação
ABSTRACT
We retrieve Bakhtin’s reflections on Forms of Time and the Chronotope in the Novel
present in The Dialogic Imagination: Four Essays by M. M. Bakhtin in order to verify the
variations of the ‘Ancient Biography and Autobiography Chronotope’ in contemporary
autobiography novel. We thus analyze the chronotope in the autobiography novels A
Moveable Feast, by Ernest Hemingway, and Chá das cinco com o vampire [Afternoon
Tea with the Vampire], by the Brazilian writer Miguel Sanches Neto. Our reading of
Bakhtin’s notion of chronotope in these narratives leads us to relate the form of public
and private space configuration with different strategies of representation.
KEYWORDS: Autobiography Novel; Mikhail Bakthin; Representation; Space; Time
*
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, Brasil;
paulianeamaral@gmail.com
**
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, Corumbá, Mato Grosso do Sul, Brasil;
rauer.rodrigues@ufms.br
1
“Escrito entre 1957 e 1960, Paris é uma Festa só foi publicado após três anos da morte de Hemingway,
sendo uma das sete obras de ‘não-ficção’ escritas pelo autor. Apesar de póstuma, a obra cobre o período de
1921 a 1926, quando Hemingway morou em Paris” (MARTINS, 2012, s.p.).
2
O livro foi escrito no começo dos anos 2000 e lançado em 2010 (ver SANCHES NETO, 2010[b]). Sobre
o romance, e a polêmica que gerou, há farto material na internet.
3
Terceiro tópico do ensaio Formas de tempo e de cronotopo do romance, BAKHTIN, 2014, p.250-262.
4
A partir de agora, indicaremos somente os destaques que forem de nossa autoria.
5
Publicado originalmente em 1983.
6
Esse tópico, por sua vez, está inserido capítulo I do ensaio O romance de educação e sua importância para
a história do realismo, intitulado Tipologia histórica do romance.
Na narrativa de Paris é uma festa, ao reviver alguns anos de sua vida, Ernst
Hemingway também acaba tecendo o panorama de uma geração chamada por Gertrude
Stein de Geração perdida, formada por artistas que buscaram na Paris do entre-guerras
um espaço para criar sua arte. No caso de Chá das cinco com o vampiro, a palavra geração
ganha um sentido plural em uma narrativa que se constrói por meio do conflito entre um
mestre e seu pupilo, evidenciando um embate de gerações a partir dessas duas
personagens.
4) Essa prevalência do que podemos chamar de espírito histórico de uma geração
faz, para Bakhtin, com que o romance biográfico não seja “um campo para a
personagem”. “Personagens secundárias, países, cidades, objetos, etc. integram o
romance biográfico por vias substanciais e ganham uma relação igualmente substancial
com o todo vital da personagem central” (BAKHTIN, 2011, p.215).
5) A última peculiaridade do romance do tipo biográfico – até o século XVII – é
que nesse tipo de romance a heroificação desaparece quase inteiramente, pois o “herói se
caracteriza por traços tanto positivos quanto negativos”. No entanto, como esses traços
são dados desde o início, “os acontecimentos não formam o homem, mas o seu destino
(ainda que criador)” (BAKHTIN, 2011, p.215).
Bakhtin ressalta que “[t]odos esses tipos de enformação8 da personagem preparam
o desenvolvimento das formas sintéticas do romance no século XIX, antes de tudo o
romance realista (Stendhal, Balzac, Flaubert, Dickens, Thackeray)” (2011, p.216). O que
7
“Desde meados dos anos 1980 [...] o momento é da reaproximação entre a história e a biografia” (DOSSE,
2009, p.405). “Manifestadamente ligado à necessidade de construir sua identidade no tempo e espaço, [o
gênero biográfico] seguiu as evoluções de uma sociedade que concedeu uma parte crescente às lógicas
singulares dos indivíduos” (DOSSE, 2009, p.406).
8
Palavra empregada aqui no sentido de emolduramento, de molde das personagens.
9
Os cinco tipos são expostos no capítulo O problema do romance de educação (BAKHTIN, 2011, p.215-
224).
10
Referimo-nos aqui a biografia em sentido restrito, e não ao romance biográfico, muito mais amplo.
Vejamos, nesse sentido, de biografia que tenta dar conta de uma vida inteira, o caso da monumental O
idiota da família (1983), biografia de Flaubert escrita por Jean-Paul Sartre.
11
Fábio Lucas aponta como exemplos de romances de geração, entre outros, os romances Curral dos
cruxificados (1971), de Rui Mourão, Os novos (1971), de Luiz Vilela, e O encontro marcado (1956), de
Fernando Sabino.
12
Especialmente o Closerie de Lilas (HEMINGWAY, 2013, p.97-98).
13
O narrador parece se referir aqui às traições feitas à esposa Hadley.
14
Bakhtin explica que “[o]s cronotopos podem se incorporar um ao outro, coexistir, se entrelaçar, permutar,
confrontar-se, se opor ou se encontrar nas inter-relações mais complexas. [...] O seu caráter geral é
dialógico (na concepção ampla do termo)” (2014, p.357).
15
Miguel Sanches Neto fala sobre a natureza autobiográfica de suas narrativas – incluindo Chá das cinco
com o vampiro e Chove sobre minha infância – em diversas entrevistas e dá seu testemunho sobre o assunto
em “Ponto de Partida” (2010[c]).
Conclusão
REFERÊNCIAS
Recebido em 10/03/2015
Aprovado em 12/08/2015