Pereira. 2006
Pereira. 2006
Pereira. 2006
Abril/2006
JÚNIA SALES PEREIRA
Abril/2006
BANCA EXAMINADORA
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Agradecimentos
partilhando comigo suas concepções de ciência e de história. A ela devo o exemplo de que a
Lúcio Condé e Dra. Cynthia Greive Veiga que integraram a banca de qualificação de meu
doutoramento.
a minha gratidão e admiração pela colega Rita de Cássia Marques, que não poupou esforços
para organizar alguns dos acervos que beneficiaram minha trajetória de pesquisa acadêmica,
do mestrado ao doutorado.
UFMG, pela cessão de entrevista e pelo empréstimo de valioso material sobre história da
pediatria.
Aos colegas de trabalho das Faculdades Pedro Leopoldo e Faculdades Femm, que
Aos amigos, agradeço pelo carinho. Aos meus alunos, pela aprendizagem que me
proporcionam. Aos meus familiares, eu desejo que tenham sempre dias melhores.
4
RESUMO
A história da pediatria no Brasil foi elaborada a partir da história das outras especialidades
emergentes entre o século XIX e XX. Contudo, a pediatria surge não como uma medicina
voltada para uma doença ou uma parte do corpo (como a oftalmologia e a ortopedia, por
exemplo), mas para uma idade da vida. Nesse sentido, a pediatria é compreendida como uma
especialidade especial porque ela não segmenta o corpo, mas pensa o corpo infantil em sua
singularidade e diferença em relação ao corpo adulto. Ela o faz a partir do pressuposto de que
para uma idade da vida, a pediatria, nesse sentido, contribuiu para estabelecimento de uma
vida. A atuação pediátrica foi forjada, nesse processo de institucionalização da pediatria, para
atendimento exclusivo, pelo médico, de crianças doentes. Ao demarcar esse terreno da doença
infantil como exclusividade do pediatra (em relação aos demais especialistas), a pediatria
contribuiria para que os pediatras tributários dessa tradição conceitual, teórica e prática
tivessem um olhar clínico sobre a infância, confundida como infância doente. A infância
que ainda hoje os pediatras clínicos têm dificuldade de pensar a infância saudável, ou mais,
pensar e conceber a doença como parte da realidade da vida e da saúde. No limite, a pediatria
na história não fala da morte infantil, porque excluiu de seu campo de formação e de prática o
enfrentamento reflexivo e a simbologia dos limites de seu saber. Para refletir sobre a
constituição desse saber pediátrico foram avaliados alguns relatórios de prática médica do
início do século no Brasil e as primeiras fichas de saúde da criança. Foi possível perceber o
criança. Foi possível também perceber como a idéia de normalidade foi crucial à pediatria
nascente: afinal, era preciso dizer da normalidade para estabelecer critérios de atendimento
pediátrica, nessa análise histórica, surge não como um campo em que os dados e informações
são neutros, mas como um campo em que a seleção de normas, regras, procedimentos e
critérios de verdade é mediada pelo valor que uma comunidade de pares atribui a essas
tensões, disputas e acordos tácitos, que pareciam mais adequados aos profissionais. Dessa
regras e procedimentos tidos como canônicos podem determinar toda a história de práticas
sociedades profissionais posteriores. De alguma forma, foi possível avaliar também o peso da
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
Apresentação do tema ..........................................................................................................11
Problemas de pesquisa ........................................................................................................14
Pressupostos .........................................................................................................................16
Apresentação das fontes e dos recortes ................................................................................20
Apresentação da tese e de sua organização ..........................................................................23
ANEXO 1 - Relação de anúncios Nestlé na Imprensa Brasileira – século XIX/ início século
XX ......................................................................................................................................211
9
Instituições de pesquisa
Lista de Figuras
Figura 17- Confiança, propaganda Nestlé aos trabalhadores de saúde. In: Brady; Brady, 2004…...183
INTRODUÇÃO
Apresentação do tema
específico da vida, não pode deixar de ser interpretado como um processo do qual participa
(ARIÈS, 1981), em que não faltaram alusões a problemas físicos, morais e sexuais da
No Brasil, sobretudo entre finais do século XIX e meados do século XX, elabora-
especificidades das doenças infantis e sobre a peculiaridade das respostas infantis aos
tratamentos médicos.
tempo específico da vida humana – em sua complexidade – diferindo-se das demais que
brasileira, pode ser entendido, em alguma medida, como decorrente de novas percepções a
saberes e práticas para o cuidado com a infância e de novas representações a respeito das
alterações geracionais.
esse trabalho, a partir da oferta de novas perspectivas médicas para o cuidado com a infância
1
Para o caso da pediatria, compreende-se que, no período estudado, ocorre uma ampliação efetiva da
possibilidade de resposta a problemas de saúde da infância (em especial relacionados à digestão de alimentos e
ao combate a doenças), decorrendo disso a perspectiva de redução da mortalidade infantil. A idéia de
resolutibilidade é aqui utilizada como referência a essa capacidade que a medicina pediátrica anuncia de
ampliação de sua capacidade de resposta e apresentação de saídas eficazes aos problemas da população infantil.
Quanto a esse aspecto, poderíamos enunciar algumas questões consideradas fundamentais para ampliação dessa
capacidade, como a vigilância asséptica no momento do parto, o controle de infecções e tétano do umbigo do
recém-nascido, a aplicação da assepsia de ambientes e higienização de mamadeiras, o uso de medicação em
doses corretas à infância e dirigida a doenças específicas, a possibilidade de atendimento médico de urgência, o
advento da neonatologia, o uso de estufas e incubadoras, a possibilidade de aplicação de soro intravenoso,
dentre outros. (BALLABRIGA, 1991, p. 1-22).
13
pressupostos desse campo profissional, bem como nas narrativas históricas de emergência
A idéia de campo aqui utilizada ancora-se nas perspectivas propostas por Pierre
Bourdieu (2003; 2004) 3 . Bourdieu entende o campo como a arena no interior da qual ocorrem
cultural nesse campo simbólico é elucidativo do jogo que se estabelece nesse mosaico de
trocas.
aconselha refletir sobre algo mais do que a ação de sujeitos “determinados por seu meio” ou,
ainda sobre como as ações derivam da vontade desses sujeitos (FERREIRA, BRITTO, 1994,
2
Em uma de suas conferências, Weber (1979) analisa a natureza do trabalho científico e os dilemas
experimentados pelo cientista/intelectual em um mundo em crescente racionalização. O processo de
racionalização, segundo essa perspectiva, não indicaria somente e necessariamente um conhecimento maior e
mais amplo das condições de vida. Essa reflexão alerta para o fato de que, embora a pediatria de fato tenha
garantido o advento de procedimentos mais eficazes do que aqueles até então disponíveis decorrendo-se disso o
que comumente se denomina como “progresso da medicina”, não se tratou, no bojo dessa reflexão proposta, de
tornar evidentes essa eficácia e esse tal avanço médico-científico. O que moveu a reflexão foi a idéia de que o
processo de emergência e institucionalização da pediatria implicou, no seu decurso, a difusão e afirmação da
crença na possibilidade desse mesmo conhecimento, ancorada em determinados argumentos e percepções
negociadas entre pares e na sua relação com a sociedade. A compreensão do processo de emergência dessa
especialidade é aqui realizada pela análise dos argumentos, das crenças e fundamentos que sustentaram a
pediatria como especialidade no interior da prática médica e perante a sociedade brasileira.
3
Para análise comparativa e crítica das perspectivas teóricas de Pierre Bourdieu, Bruno Latour, Tomas Kuhn e
Knorr-Cetina, vide HOCHMAN, 1994. Levadas à radicalidade, as análises de Bourdieu a respeito da
comunidade científica são determinadas, na perspectiva de Hochman, a partir da compreensão dos mecanismos
de funcionamento do mercado (capitalista) e pela estrutura social. Nessa medida, a teorização enunciada por
Bourdieu, embora se proponha à compreensão dos processos e procedimentos adotados e vivenciados pelas
comunidades científicas, de acordo com Hochman, não escaparia do determinismo de um pensamento
condicionado por uma perspectiva de análise movida pela percepção de campo como mercado, em que valores e
normas não seriam tão preponderantes na organização das práticas científicas quanto os interesses em jogo nas
trocas simbólicas. O que chamamos a atenção é que o próprio Bourdieu convidaria a pensar que as trocas
simbólicas e os processos de valoração do conhecimento somente ocorreriam quando da interação e não de
forma anterior e exterior a esse movimento. (BOURDIEU, 2004). Para uma análise comparativa e reflexiva do
pensamento de Bourdieu e Manheim, vide FERREIRA; BRITTO, 2004. Nesse artigo, os autores chamam a
atenção para a contribuição de Bourdieu para reflexão dos mecanismos de desenraizamento e autarquização do
intelectual nos movimentos de singularização de campos, em que a educação escolar e o aprendizado seriam
pedras de toque dos interesses dispostos de maneira relacional no interior do campo social.
14
p. 141). Para Bourdieu, o que é mais relevante é a compreensão da posição que ocupam os
resultam determinadas escolhas, pressupostos e arbítrios. (BOURDIEU, 2004) que não são,
povoado por escolhas e por deslocamentos profissionais em que não faltariam contradições,
rupturas e continuidades.
Problemas de pesquisa
experiências sociais, culturais e políticas vivenciadas no país entre finais do século XIX e
primeiras décadas do século XX, em diálogo com as transformações pelas quais já vinha
exclusivos da especialidade.
fortemente marcada pela intervenção contra a doença infantil, a partir dos recursos da
medicina clínica, com ênfase em problemas orgânicos (CANGUILHEM, 2002). Seu perfil,
15
naquele momento de emersão, estaria mais próximo daquilo que Canguilhem convencionou
nesse processo, em que seriam valorizados parâmetros especialmente eleitos para definição de
considerado capaz de livrar-se de perigos anunciados a grande parte das crianças: a doença e a
tinha o que dizer – assumiria a centralidade da ação e, porque não dizer, da formação
16
pediátrica. À doença infantil dirigia-se a maior parte das energias de formação e prática
período, a robustez como expressão de saúde. A atuação médica, como prática de consulta,
seria realizada de maneira pouco reflexiva, não preventiva e em que a doença infantil seria
Pressupostos
alemãs 4 , não atuaram como meros reprodutores dos saberes produzidos no exterior, agindo,
país.
4
De acordo com Rivoredo, os primeiros pediatras brasileiros vivenciaram influência da pediatria francesa e
traziam consigo uma visão clínica e familiar do paciente, tendo sido marcante nas décadas finais do século XIX e
primeiras décadas do século XX, quando passa a conviver com os pressupostos da medicina alemã. A escola
alemã de pediatria centrava-se em questões alimentares e educacionais e não devemos pensar que houve uma
linearidade, uma mera superposição ou, ainda, uma substituição automática de um pensamento por outro no
Brasil. A influência posterior, mais forte a partir dos anos 40 (mas já presente por volta dos anos 20, com a
presença da Fundação Rockfeller no Brasil) é a influência norte-americana. A pediatria norte-americana é
marcada pelos modelos de assistência, penetrada pelo pressuposto da superespecialização e pela idéia de
Medicina Preventiva e Integral. (RIVOREDO, 1995, p. 92-100).
17
Esse movimento – de avaliação das teses européias à luz das práticas e soluções
encontradas nos trópicos – não pode ser lido como anticientífico e pouco experimental 5 .
representação da criança como sujeito a ser cuidado por profissionais. Nesse movimento de
percebe é que essa associação, na pediatria, será mediada pela enunciação de peculiaridades
primeiros pediatras para falar de crianças doentes – sua incapacidade de falar e de descrever
adultos.
imagens de crianças tidas como saudáveis e perfeitas, expressivamente escolhidas por atender
superado a mortalidade que passava a ser vista como problemática pelas autoridades médicas
e políticas.
5
Ver, a respeito da história da medicina imperial, o balanço historiográfico realizado por EDLER, 1998. Além
de outras questões, o autor destaca que a historiografia só recentemente começou a se desvencilhar do
pressuposto de que a medicina imperial seria pré-científica e especulativa, tendo sido superada pela medicina
pastoriana (esta, considerada científica), introduzida no país por Oswaldo Cruz.
18
sociais emergentes, mas com todo um processo de singularização da criança como um outro
distinto do adulto.
A criança passa, então, a ser descrita como sujeito indefeso e frágil, carente de
anunciados como capazes de zelar pela saúde e atuar sobre manifestações “indesejáveis”. O
que se supõe é que desse processo não se pode desprezar o movimento cultural de
transformação de crianças em sujeitos a serem cuidados. Esse cuidado teria relação com um
(ELIAS, 1993).
momento, como saber capaz de promover a viabilidade de uma infância sadia e bela, em que a
pelo fato de haverem debates a respeito de uma nova especialidade médica no interior das
não representaria para a população a opção primeira e a única fórmula para resolução de
6
Isso será acompanhado por uma experiência cultural de segmentação da infância em tempos cada vez mais
esquadrinhados, descritos e singulares. Evidentemente que esse movimento também ocorre em decorrência de
uma percepção a respeito do que é ser adulto na modernidade, em distinção ao que é ser criança, jovem, idoso.
19
problemas de saúde. A história das práticas de cura no Brasil apresenta um conjunto de atores
saúde.
institucionalização que se observa na pediatria (que não é vista, nessa perspectiva, nem como
um processo natural nem tampouco como gradual e linear) resulta na constituição do que
Bourdieu classificou de corpo de produtores de bens simbólicos (os médicos de crianças) cuja
acesso à profissão e de participação nesse grupo e nas bordas dessa arena. (BOURDIEU,
2004, p. 100).
pediatria, para elaboração de narrativas historiográficas em que figuram cenários e atores que
20
entre finais do século XIX e meados do século XX, num momento de surgimento dos
7
De acordo com Bourdieu (2004), no campo científico, os sujeitos configuram relações tais que quanto maior a
pretensão pela autonomização desse campo em relação aos demais e à sociedade de maneira geral, mais
exclusivo se torna o saber técnico a que os produtores têm acesso, transformando-se a arena num campo de
difícil acesso, exclusivo daqueles que dominam o universo de saberes, práticas e procedimentos somente
pertencentes a esse grupo. Além disso, esse mesmo grupo cria os próprios critérios de validação de seu
conhecimento, dispensando o julgamento de outros sujeitos alheios ao campo, configurando-se, pois, numa arena
fechada, com critérios produzidos, referendados e aplicados pelo mesmo universo de atores que compartilha dos
códigos dessa arena.
8
O termo emersão é aqui utilizado como processo de surgimento de um conjunto de saberes, práticas e
procedimentos num campo profissional, em que ocorrem estratégias de convencimento de pares e da sociedade
de sua validade e possibilidade.
21
período dos anos 30 a 50 do século XX, quando a pediatria, já demarcada como disciplina
elaborada a partir do final dos anos 90 do século XIX, embora de maneira fragmentária e
pouco sistemática. O auge dessa produção parece ter ocorrido por volta dos anos 30 a 40 do
século XX. Boa parte da produção pediátrica utilizada, em especial aquela que circulou em
periódicos, foi localizada nesse período. Contudo, não dispensamos os indícios e registros
posteriores (após os anos 50). Esse procedimento se justifica pelo fato de que o objeto de
décadas do século XIX (mesmo que lacunares, dispersas e por vezes pouco coerentes), bem
pediatras, mesmo que não discutida na tese, serviu como indicativo das principais
médicas do país. Dentre elas, foram compulsados alguns periódicos pediátricos. Esses
pediatria, sendo alguns deles destinados aos especialistas e outros também à difusão social.
própria medicina pediátrica, o corpus documental privilegiado. Isso se justifica pelo fato de
que parece ser esse não apenas um momento de tentativa de afirmação social do médico de
emersão.
9
Evidentemente que há outros vários profissionais cuja produção acadêmica só viria a enriquecer a compreensão de todo o
processo estudado. Contudo, nossa pretensão não era a de realizar um levantamento exaustivo dessa produção individual,
mas, antes, compreender-lhe as linhas gerais para apreciação da natureza, história e pressupostos do conhecimento produzido
num campo de relações. Note-se que essa opção, contudo, seguiu não somente a lógica da disponibilização da produção
científica de cada um dos autores, mas, também uma determinada dispersão regional (Rio de Janeiro e Bahia,
principalmente) e sua pluralidade de influências (francesa e alemã, principalmente). Evidentemente que há pediatras
singularizados nesse movimento de pesquisa. Contudo, a análise de sua contribuição não se presta à reificação de um ou
outro sujeito na história, mas, antes, à compreensão das opções realizadas num campo de relações. O trabalho de
levantamento da produção individual de pediatras brasileiros pode ser motivo de outra pesquisa, que terá, creio, outros
pressupostos.
23
brasileira.
pediatria com destaque para duas tendências assumidas por essa produção. Num primeiro
pediátrica em seu contexto de emergência e num segundo momento uma historiografia que
da pediatria a partir de transformações sociais e culturais pelas quais vinha passando o país.
médica e profissional, bem como das relações estabelecidas entre a pediatria e a puericultura.
comunidade de pares, para figurar como significativas para a história desse campo. É
trajetória de um campo profissional são partes dessa mesma realidade social, sendo essa
corpo de leigos (MICELI, 2004, p. LVIII)], na pediatria nascente, no Brasil entre final do
brasileira é tributária de tradições que singularizaram a infância como tempo de vida marcado
clínica de recém nascidos à Clínica Infantil ou Clínica e Policlínica cirúrgica de crianças até a
considerado, por boa parte da historiografia pediátrica, como o “primeiro pediatra brasileiro”,
reflexões sobre o papel desempenhado pela idéia de crescimento infantil, anátema da ação
evolucionista de infância, concebida como momento singular de uma linha progressiva que
um ideal a ser efetivado no decurso do processo civilizatório do qual faz parte também a
pediatria.
implementadas por médicos envolvidos com ações que visavam à condução da infância a um
destino pressuposto.
vitalidade e crescimento.
10
Como veremos, os procedimentos eugenistas trariam à pediatria e à medicina em geral o paradoxo da
afirmação da pureza racial que resultaria na difusão de cuidados e representações médicas que impedissem as
taras, desvios e doenças infantis.
26
vivenciados pela especialidade médica, com destaque para modificações sofridas em períodos
posteriores, em que a pediatria, como campo de formação acadêmica, seguirá perfil mais
prática de consultório, exercida de maneira isolada, pouco reflexiva e em que ainda fariam
perspectivas
constituíram, cada um a seu modo, narrativas para a pediatria e sua história. A escrita da história
desempenha papel decisivo, pois definidora de escolhas, percursos e valores a serem positivados
Esses autores são, todos eles, médicos ou pesquisadores sob influência de uma
mútua”, pertencente, pois, a uma arena fechada (BOURDIEU, 2004, p. 99-140). Essa sociedade
critérios de censura eleitos por pares e não por um público “alheio à profissão”.
historiográficos sobre a pediatria efetivam é parte dessa realidade social que, entendemos, é
determinada fortemente por essa mesma atividade de simbolização (MICELI, 2004, p. IV).
28
definindo contornos que essa especialidade tem e terá, projetando, pela via da narrativa em
retrospectiva, a “costura” mais autorizada por participantes desse mesmo universo de produtores,
os pediatras. Os fios, os alinhaves e arremates, dessa forma, também integram o tecido sob o qual
pressupostos que a pediatria elege, cria e refunda ao fazer-se pediatria e ao narrar-se pediatria.
dos autores e possibilita refletir em que medida as matrizes eleitas nessas narrativas podem ser
avaliadas à luz de outras formas interpretativas e de outras escritas de história... Porque não dizer,
análise, por dois pediatras considerados “pioneiros” que foram Moncorvo Filho e José Martinho
da Rocha. Eles são precursores do que se poderia chamar de uma Historiografia da Pediatria no
Brasil, vindo a influenciar praticamente todas as obras posteriores sobre a trajetória da pediatria
brasileira (e suas interfaces, como a puericultura, a higiene e a nutrição infantil, por exemplo).
iluminados num país ignorante, pouco afeito ao rigor e às práticas de higiene e ao sanitarismo.
da medicina de crianças num contexto de luta contra a suposta ignorância e a magia reinantes no
Império.
29
prática do amor à criança; introdução à pediatria social no Brasil) e Carlos R.S. Rivoredo
(Cuidar e tratar de criança; breve história de uma prática). Em ambas, figura a proposta de
das relações entre ciência, medicina e sociedade, com destaque para as contribuições da pediatria
num contexto de alta mortalidade infantil e em que a ampliação de seu poder de resolutibilidade
Proteção à Infância no Brasil, com ênfase considerável em História da Pediatria, tenha sido
escrita por Moncorvo Filho, publicada em 1926, 383 páginas: Histórico da proteção à infância
Subseqüentemente temos a obra de José Martinho da Rocha, publicada em 1947 11 , sob o título de
empobrecida. O autor divide a história da proteção à infância no Brasil em três períodos, a saber:
11
Edição patrocinada pela Nestlé. Em nota introdutória assinada pela Companhia Industrial e Comercial de produtos
Alimentares Nestlé, assinala-se o vínculo entre a Nestlé e os pediatras: “do propósito de produzir cada vez mais e
melhor, desde o produto lácteo-farináceo inicial até as várias especialidades atuais nasceu naturalmente a
colaboração – que se alicerçou e ampliou com o decorrer do tempo – entre a Nestlé, de um lado, os pediatras e
puericultores de outro” (ROCHA, 1947, p. 7).
30
1.° período (antigo) – de 1500 a 1874 – período em que a criança brasileira teria
vivenciado abandono por parte das autoridades públicas, sendo amparadas por
instituições religiosas e caritativas.
2.° período (médio) – de 1874 a 1889 – fundação da pediatria e cultivo da
especialidade
3.° - período (moderno) – de 1889 a 1922 – época em que começou intensa a
propaganda sobre higiene infantil e o interesse geral pela criança como fator
social. Medidas oficiais protetoras.
(MONCORVO FILHO, 1926, p.15-16)
lento de amadurecimento de instituições para o cuidado e proteção à infância, que teria começado
com o “Brasil Primitivo”, chegando ao seu ápice com a criação de instituições de amparo a
miséria.
através da recuperação de viajantes europeus, cuidados nativos com crianças, tidos como
Essa narrativa histórica pode ser compreendida também através do diálogo com a obra
de José Martinho da Rocha, que, alimentando-se dessa narrativa, elabora também um panorama
A obra de José Martinho da Rocha também é composta por três partes. Na primeira,
Da tipóia ao berço, são avaliados aspectos dos cuidados indígenas com a infância e as primeiras
para, na terceira parte, apresentar o momento de Criação do Ensino da Pediatria no Brasil, com
O plano da obra de Martinho da Rocha é marcado pela concepção que atribuía ao final
chamada pediatria científica, considerando-se, por conseguinte, todo o período anterior como
espontaneísta e pouco científico. Momento em que, segundo diz o autor, ainda não se poderia
período que antecede à medicina classificada de científica teriam dominado o mercado de oferta
de curas os chamados “curandeiros e mais tarde os feiticeiros africanos, de mistura com alguns
dos primeiros cuidados com crianças brasileiras. Moncorvo de Figueiredo descreve esse período
famílias, em outras palavras, das mães indígenas. Através da narrativa de viajantes europeus,
ressalta costumes exóticos no cuidado com a criança, não raro selecionando trechos em que os
Nas vinte primeiras páginas da obra de Martinho da Rocha dedica-se o autor também
ao estudo dos cuidados indígenas com suas crianças, através de uma coletânea realizada pelo
próprio autor e também compilada da mesma obra de Moncorvo Filho de relatos europeus
advindos de viagens realizadas entre os séculos XVI e XIX, além da literatura jesuítica, produção
Pero Vaz de Caminha, passa por Pigaretta em seu relato da viagem de Fernão de Magalhães
Vasconcelos, Frei Vicente de Salvador, Padre José de Anchieta, Staden, Jean de Lery, Koch-
Grueneberg, Sigaud, Ramon Pardal, entre outros. Recorre também a autores como Capistrano de
“Pouco sabemos dos cuidados dos índios na prenhez das mulheres e nos primeiros tempos de
vida com seus filhos, mas ainda assim isso constitui interessante registro dos primitivos exemplos
crianças nuas ao ar livre e dar-lhes banhos frios, como processos de enrijamento” (ROCHA,
1947, p. 28).
Não faltam alusões à boa aparência física, força, perfeição física e beleza nativas:
“Nossos índios, segundo afirmam vários de seus apreciadores nos primeiros séculos, eram todos
de boa aparência física, fortes e harmoniosos, não se encontrando entre eles aleijados” (ROCHA,
1947, p. 24). Aliás, em outros momentos do texto o autor retoma a literatura européia de viagem
para referir-se à falta de doenças ou a alguma disfunção entre os que convencionou chamar de
brasilíndios:
doentios. Apesar de chegarem muitos a 120 anos (sabem contar a idade pela
lunação) poucos são os que na velhice têm cabelos brancos ou grisalhos.
(ROCHA, 1947, p. 24-25).
Todas as menções aos cuidados maternos com crianças indígenas são elogiosas,
diferentemente do que acontece na obra de Moncorvo Filho, que elenca costumes indígenas na
medida de seu exotismo e curiosidade, não por algum valor positivo no que se refere aos
missionários dos séculos XVI e XVII] ao descrever o trato amoroso das índias com seus filhos.
Carinhosa e vigilante, a primitiva mãe brasiliense cingia sempre o filhinho ao seio, com faixa de
Dos cuidados com crianças, destaca José Martinho da Rocha os hábitos higiênicos, a
alimentação da criança indígena, as relações com os filhos, sua iniciação sexual e o tratamento de
doenças, constatando uma série de fatores que concorria favoravelmente para uma baixa taxa de
mortalidade infantil entre indígenas e também para um quadro “pobre” de doenças da infância.
amamentação ao seio materno, as decorrências da vida ao ar livre e abluções frias, dentre outros.
humana recuperados por europeus, com destaque para a associação, feita pelo autor, entre esses
idade não distinguiam os selvagens os dois sexos por diferentes vocábulos, nesta espécie de idade
neutra do homem para eles, como para certos autores contemporâneos” (ROCHA, 1947, p. 26).
se, sobretudo, de cuidados dedicados pela mãe indígena. São amplamente condenados os
34
cuidados gerais destinados à saúde infantil ministrados por pajés, ressaltando-se uma certa
“ingenuidade” dos indígenas frente aos seus pajés: confiavam, porém, acima dos remédios,
cegamente, nos tradicionais pajés, feiticeiros espertalhões que sobretudo se valiam de suas
estranhas atitudes no modo de viver, a fim de usufruir vantagens, asseguradas pelo pavor que
sabiam infligir, dada a sua intimidade com os diabos (ROCHA, 1947, p. 35).
Evitando-se qualquer leitura alusiva à associação entre medicina e magia, não seriam,
segundo essa narrativa, os pajés os precursores dos primeiros pediatras, mas, antes, as mães
indígenas. Elas seriam precursoras das primeiras formas de cuidar de crianças por terem
contribui para que, no plano da argumentação, a origem da pediatria situe-se, mais à frente, não
num lugar de magia ou de experimentalismo, mas, antes, no plano do amadurecimento social para
cuidar de crianças, resultante do advento do rompimento com práticas e saberes do senso comum
história da Pediatria, o expurgo de uma provável associação entre a pajelança e qualquer forma
da Rocha traria à arena principal os saberes a serem autorizados e tidos como verdadeiros 12
(mesmo que espontâneos) e os saberes a serem combatidos, tidos por não autorizados e de
muitos julgassem entender de puericultura e clínica infantil... à sua moda!” (ROCHA, 1947, p.
36).
12
Bourdieu interroga-se a respeito das condições sociais para que se instaure um jogo social em que prevaleça uma
idéia como idéia verdadeira, “pois os que dele participam têm interesse na verdade, em vez de ter, como em outros
jogos, a verdade de seus interesses” (BOURDIEU, 2003, p. 130).
35
oferecida pelos jesuítas, que teriam recorrido ao que classificaria como “empirismo indígena”.
Em certa medida, contudo, os jesuítas também seriam dispostos, nessa narrativa, ao lado dos
pajés: “não faltavam milagres sanativos para aumentar-lhes a auréola de sacros esculápios,
concorrendo, como queriam, com os prestigiosos feiticeiros nativos, onde não bastava a sua
reação cristã contra a luxúria a cobiça e a crueldade dos colonos, para creditá-los junto aos
Quando o autor se propõe a falar, então, de medicina colonial, inicia a narrativa com
uma advertência ao leitor de que não haveria “medicina especializada de crianças em nosso meio,
nos tempos coloniais primitivos” (1947, p.38), repetindo, sobre o período, a impressão do bispo
do Pará, Dom Frei Caetano Brandão de que era prática corrente “curar-se a gente [da colônia]
com um tapuia do sertão, que observa com mais desembaraçado instinto, do que com médico de
Movimento diferente realiza Carlos Moncorvo Filho, que, ao se referir aos jesuítas,
ressalta suas obras caritativas e seu conhecimento evangélico, mas evita tecer comentários a
13
grifo meu.
36
do que se poderia chamar de pediatria científica, antecedido por pioneiros, profissionais que
consolidação do campo da pediatria brasileira. José Martinho da Rocha elencaria três médicos,
pioneiros do que viria a se chamar pediatria, precursores do que viria a ser, segundo o autor, o
De acordo com Moncorvo Filho e de maneira mais radical, teria havido uma ruptura
nascido, a se seguir sua narrativa, de um corte radicalmente impresso nas práticas de cura,
Figueiredo e começa a narrativa sobre o surgimento da pediatria com Francisco de Mello Franco,
Educação Física dos Meninos 14 , 1790, o “primeiro livrinho verdadeiramente útil à criação das
crianças” (ROCHA, 1947, p.42), dedicado ao uso da Nação Portuguesa. É a única obra datada
ainda do período colonial, uma demonstração, segundo o autor, de que, de científico, “nada
14
Começa a obra o capítulo “Porque modo se deve reger uma mulher pejada”. Nesse capítulo, vê-se a recomendação
acerca de maneiras de seccionar o cordão umbilical e adverte-se sobre a influência dos ventos frios nos recém-
nascidos. Seguem-se recomendações sobre alimentação do recém-nascido, desmame, sono, berço, vestuário e
exercícios físicos da criança. FRANCO, 1790. (BN, microfilme).
37
Constituição nos trabalhos da Assembléia Constituinte de 1824, que previa que “a escrava
durante a prenhez e passado o 3.° mês não será obrigada a serviços violentos e aturados; no 8.°
mês só será ocupada em casa; depois do parto terá um mês de convalescença, e passado este
durante um ano não trabalhará longe da cria” (In: ROCHA, 1947, p.44).
cirurgia e partos do Império, Joaquim da Rocha Mazarém, que viria a publicar, em 1826, o
Quadro Sinóptico das doenças das mulheres, dos partos e dos recém-nascidos.
Segundo José Martinho da Rocha, contudo, teria sido somente com Francisco Júlio
Recém-Nascidos, Rio de Janeiro, criada com a reforma que deu autonomia às Faculdades na
diretoria de 1832, que, em primeiro lugar teria sido focalizada “a patologia da criança (...) tendo
defendido tese intitulada ‘Considerações sobre os cuidados e os socorros que se devem prestar
aos meninos na ocasião do seu nascimento e sobre as vantagens do aleitamento natural’, 1833”
(ROCHA,1947, p.45-46). Cita, então, uma série de trabalhos acadêmicos que, com a regência de
cátedra por Xavier teriam sido produzidos. É a primeira vez que aparece na obra de Martinho da
parteira diplomada pela nova Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, “mais tarde o primeiro e
único até agora membro titular feminino da Academia Imperial de Medicina” (ROCHA, 1947, p.
46). Ressalte-se o destaque concedido a Durocher por ser diplomada e também por ser membro
titular da AIM. O comentário feito à parteira é elucidativo: “São acordes todos, contemporâneos e
fisionomia severa e varonil, aliada ao seu traje masculinizado, mascarava uma delicada
38
sensibilidade feminina servida por vigorosa cultura científica” (ROCHA, 1947, p. 46-47). Além
do destaque à sua formação científica, que parece ser, ao fim e ao cabo, o motivo de sua eleição
para figurar entre os Pioneiros, destaca-se a alusão a uma suposta avaliação de seus
contemporâneos de que Durocher teria sido “a mais abalizada e caritativa profissional do seu
tempo” (idem, p. 47). Certificação, reconhecimento dos pares, cultura científica vigorosa e
reconhecimento profissional social seriam, então, os valores de Durocher para que pudesse
O último profissional destacado por Rocha seria José Pereira Rego, o Barão de
Lavradio. Classificado pelo autor como higienista e pediatra, Pereira Rego foi por longos anos
diretor do Ambulatório de Clínica de Crianças da Santa Casa do Rio de Janeiro. Viria a utilizar-se
contribuindo, dessa forma, para a sua desnaturalização. Seus trabalhos estatísticos, segundo
Rocha termina o capítulo do livro com a indicação, ao leitor, dos primeiros livros de
Essa série de escolhas evidencia uma opção clara de José Martinho da Rocha pelo
papel da formação científica como chave de acesso à prática da medicina de crianças, em que têm
15
Esse parece ter sido um recurso interessante utilizado pelo autor para difusão social do
conhecimento pediátrico.
39
Mais que isso, salta aos olhos o destaque ao papel salvacionista da pediatria
emergente num contexto que é descrito como ignorante e místico, espontaneísta, leigo e pouco
instruído.
como autor da “verdadeira fundação da Pediatria científica entre nós” (1947, p.52), ou “fundador
do ensino da pediatria no Brasil em 1882” (idem, ibidem). Sua biografia é apresentada pelo autor:
criação de uma instituição que ofereceu curso regular de formação para o cuidado médico com
crianças e da proposta de criação de uma cadeira acadêmica que separaria a clínica de crianças da
sucessivas reformas do currículo médico, especialmente sua contribuição para separação entre
com a criação de institutos voltados para atendimento médico e ensino da especialidade. Assim
posta, a pediatria teria sua origem efetivamente nas reformas médicas e nasceria como campo de
Janeiro houvessem de ter disciplinas e práticas que não mais estudassem a questão da infância
40
atrelada às questões da gravidez e de parto. Esse é um momento em que a medicina passaria a ver
a vida da criança como diferenciada desde a vida uterina e, após o nascimento, a perceber a saúde
ocorrido uma vivência do cuidado da criança, desde o período colonial, mas que todos os
cuidados anteriores ao final do século XIX teriam sido pouco ou nada válidos para os períodos
subseqüentes, por excesso de espontaneísmo e por carência de técnica e preparo científico. Não é
ocasional que esse autor tenha escolhido a mãe indígena como portadora de um conhecimento
A se seguir as narrativas das duas obras, o final do século XIX teria conhecido o
com destaque para a trajetória de um único médico do Rio de Janeiro. A pediatria introduzida por
Moncorvo de Figueiredo viria, então, a apresentar-se como a forma científica e especializada para
Figueiredo), não no de seu valor para a formação de futuras gerações médicas interessadas no
insegurança e a certeza.
41
aconselhados às mães. Ou seja, aqueles que possuíam trajetórias institucionais, que tinham
No decorrer da obra, toma-se a prática nativa como mote para afirmação de um campo
científico que viria a se institucionalizar, e, a se seguir a narrativa do autor como roteiro, isso
teria ocorrido com o advento de uma Policlínica, com a reforma do ensino médico e com a obra
há qualquer alusão ao seu grupo de influência e de relações) e localiza algumas ações como
marcos de uma nova fase marcadamente diferente das anteriores, sobretudo pelo seu poder de
Destaca-se, além disso, a opção explícita pelo Rio de Janeiro, tomando-se o Rio de
Janeiro pelo Brasil – movimento comum não somente nesses dois autores contemplados. Se os
títulos das obras sugerem o Brasil, seu conteúdo, para aquilo que se propõe, faria uma opção clara
Há que se ressaltar que o percurso seguido por José Martinho da Rocha é o mesmo de
localizar, na ação de “Moncorvo pai”, o ponto de ruptura entre práticas espontâneas de cuidados
infantis e uma prática classificada como “verdadeiramente científica e profissional”, que seria a
especialidade teria sido resultante, também do expurgo “legítimo” de todos os outros agentes de
cura, especialmente daqueles advindos das tradições práticas, consideradas não científicas,
primitivas e místicas.
A obra de José Martinho da Rocha (e o percurso que ela inaugura para a história da
Pediatria no Brasil) seria fonte de inspiração para muitas obras subseqüentes que se proporiam a
narrar e difundir a história da pediatria. Uma história que seria escrita principalmente por
autoreferenciada, aquela que perpetua uma imagem de ciência como desprovida de contribuições
medicina é concebida como prática social, mediada por valores e concepções em processo na
trabalho médico que viriam a corroborar tentativas de legitimação do pediatra frente a outras
16
Como, por exemplo, a obra de Glauco Carneiro: Um compromisso com a esperança; história da Sociedade
brasileira de Pediatria, 2000, bem como seria também seguida como roteiro para organização de parte substantiva do
discurso apresentado no Memorial da Sociedade Brasileira de Pediatria, 2004, Rio de Janeiro.
43
forma, ao fundar um discurso para si – em retrospectiva – esse mesmo discurso traria elementos
Narrado como país de ignorantes, o Brasil estaria carente de cuidados médicos, pouco
(MONCORVO FILHO, 1926). Nesse percurso narrativo e, mesmo, no próprio percurso como
campo de saber, a pediatria veicularia uma imagem social da mãe como sujeito a ser tutelado pelo
médico (não é ocasional que a mãe indígena – leiga - tenha sido escolhida para figurar como
aquela que cuidava de crianças na colônia) e que houvessem sido os jesuítas (e não os pajés,
precursores da pediatria.
respeito do que é ser criança e do que é ser adulto, leigo ou profissional de ciência.
alguns dos mesmos atores e instituições já mencionados pela historiografia, não se toma como
necessário” de uma ruptura com saberes e práticas socialmente elaborados. Assume que a
conhecimento e prática “mais autorizados” do que outros. A partir disso, também tematiza as
como ciência de iluminados, mas ciência como campo de disputas, em que foram eleitos saberes,
práticas e representações que, a despeito de serem ou não as melhores para aquela sociedade,
44
teriam sido postas em prática porque compreendidas como as que melhor convinha ao grupo de
Além disso, não pretende reproduzir uma idéia de que as práticas de cura
anteriormente acionadas antes do século XIX seriam pré-científicas ou coisa que o valha,
desautorização das práticas e saberes sociais voltados ao cuidado com crianças são colocados,
ciência no interior do próprio campo científico, atribuindo aos próprios médicos as origens e
fundador que poderia prescindir dos saberes sociais anteriores e externos à própria medicina,
imagem da pediatria como campo de saber, um saber erudito que não prescinde do rigor
profissional a partir do diálogo com pares estrangeiros, esses últimos, muitas vezes, os pares
poderia chamar de uma história social da ciência e da infância. Aborda a história da pediatria
saúde.
Orlando Orlandi propõe-se a refletir sobre as relações entre esses dois campos
instrumentos de lutas de classes não sendo, portanto, neutros ou inocentes como podem parecer à
primeira vista. O argumento central do autor é que a pediatria social teria sido institucionalizada
no Brasil em decorrência de uma série de fatores, dentre os quais o fato de que a sociedade
brasileira teria aprendido a exercer, gradativamente, a prática do amor à criança, toda e qualquer
A obra segue um percurso que visa à reflexão sobre as diferenças teóricas e práticas
Não obstante opere o autor ainda com uma concepção de ciência como advinda
eminentemente do período pós Pasteur [“a puericultura só veio a se tornar científica a partir da
era pasteuriana” (ORLANDI, 1985, p.17)], a obra traria contribuições à reflexão sobre a
influência de novas percepções sociais acerca das idades da vida no nascimento da pediatria.
Além disso, o percurso da obra permite apreciar o nascimento da pediatria social num contexto
infantil teria seguido padrões eleitos, à época, como mais convenientes, não sendo,
necessariamente, as melhores escolhas, mas as escolhas mediadas por razões políticas em jogo.
pediatria figura, na narrativa, a partir de suas finas e por vezes perigosas relações com o mundo
dos produtos industrializados (leites, farinhas, papas... brinquedos, roupas, revistas) e com o
mundo dos interesses políticos que contribuíram para consolidar práticas profissionais nem
sempre consideradas, sob olhar crítico, como as mais convenientes para as famílias. A narrativa é
A obra apresenta como pano de fundo o argumento de que é preciso ensinar o amor à
criança, toda e qualquer criança, para que se efetive uma chamada verdadeira puericultura e
verdadeira pediatria no Brasil. Pretende o autor, com esse recurso, opor-se às gerações de
cuidados com crianças junto a mães burguesas, como se as verdadeiras mães fossem apenas as
A obra traz contribuições para uma revisão da condição materna no país tal como
apontada pela historiografia anterior, contribuindo para resignificar as relações entre médicos e
pacientes. Contudo, acaba o autor por colocar como argumento central o pressuposto de que o
médico e o puericultor deveriam por princípio amar a todas as crianças e ensinar as mães
burguesas a amar não somente os seus próprios filhos, mas os filhos das classes menos
A resolução do problema profissional acaba por se dar, nessa perspectiva, num plano
rica em discussões políticas e ideológicas que permeiam o campo da medicina de crianças, ela
pediatria a partir de entrevistas com pediatras de formação. Tomando a história oral como
O autor toma como foco de análise o processo que denominou de “instituição social
da família e seus componentes, a mãe, o pai e a criança modernos” e pretende, então, realizar
“um levantamento da história social destes personagens, com ênfase para a questão da saúde
sociais, figurando o médico como técnico intermediário dessas mesmas transformações sociais. O
48
autor investiga também as influências estrangeiras sofridas pela formação e prática médico-
tratamento da criança que podem ter influenciado na consolidação de uma formação e prática
Contudo, a análise sugere que a medicina nascente teria sido automaticamente aceita pela
sociedade: “As indicações dos médicos e dos técnicos em geral eram tidas quase como ordens,
que regrariam não só a saúde das pessoas, mas sua vida como um todo” (RIVOREDO, 1995,
p.91-92).
que essa mesma sociedade requeria o médico como único sujeito capaz de imprimir racionalidade
às práticas de cura, atribuindo a ele o papel de técnico de uma transformação social que essa
como “a narrativa”, a obra viria a cair na mesma armadilha da historiografia que ela pretende
rever: reificação da pediatria como campo de saber mais autorizado e mais legítimo do que outros
Além disso, mesmo tendo contemplado uma historiografia que pretende rever a
condição feminina na história, o autor não deixa de explicitar um certo lamento em relação à
dessa transferência” (idem, p.89). Da mesma forma, ao reproduzir a imagem de que a pediatria
49
praticada no país teria sido o espelho da pediatria européia, o autor teria perdido a oportunidade
pediatra, tido como decorrência das transformações tecnológicas agregadas ao ato médico. A
análise do autor contribui para reflexão a respeito dos limites dessa tecnificação e da relativa
crianças.
organização de serviços públicos no Brasil, que teriam (e, ao que parece, ainda têm) ênfase
restrita aos consultórios particulares em que se acentua um determinado perfil curativo do ato
médico, reduzindo-o a uma prática de cura de doenças. “Tratar dos males do corpo parece ser
especial de seu perfil curativo, requer, contudo, uma reflexão mais ampliada de quais foram as
Segundo nos parece, a pediatria teria sido fundada sob signo de uma prática médica
eminentemente voltada para uma ação curativa e individualizada e essa fundação viria a
saúde a opção pela puericultura, nos parece que o autor teria evitado enfrentar questões
ontológicas que seriam marcantes na pediatria, sendo-lhe, no caso do Brasil, muito caras. Esse
17
Nessa parte da obra, refere-se o autor aos Serviços de Medicina Comunitária, que teriam segregado, por sua ação
puericultora e preventiva, o ambiente do consultório pediátrico ao ato curativo, marcado, muitas vezes, pela
intervenção cada vez mais crescente de recursos tecnológicos em detrimento de uma atuação médica mais abrangente
e humanizadora. (RIVOREDO, 1995, p.106-109).
50
parece ter sido o caso da associação entre prática médico-pediátrica e ação curativa em que as
crescente ampliação da capacidade técnica e científica para cuidar e tratar de crianças, tendo sido
Esse mesmo percurso traria à sua narrativa o paradoxo de contraste entre uma
enfrentamento de uma série documental lacunar, compulsada pelo autor, que traria à baila
pediatria brasileira.
deixa à mostra alguns aspectos que convidam à reflexão: no primeiro grupo, a idéia de uma
maneira racional, na segunda, a percepção de que a medicina pediátrica afirmou-se como recurso
científico, descrito como legítimo e socialmente aceito de controle de famílias, com explicitação
cumplicidade autoral e de pertencimento à área, o que contribui para transformar seu percurso
18
O autor procede à coleta de depoimentos orais de pediatras brasileiros de longa carreira, tendo nas narrativas orais
o corpus documental privilegiado de seu trabalho. O documento oral é, contudo, apropriado pelo autor como suporte
de verdade, narrativa de uma história vivenciada tal como narrada. A principal decorrência dessa operação parece ter
sido, na obra, a de conceber-se a narrativa do progresso técnico-científico como suficientemente capaz de promoção
da adesão social ao atendimento médico. A mesma narrativa resultaria na ênfase na idéia da capacidade de cura que a
pediatria teria assumido, vista como especialidade inquestionável por sua potencialidade de transformação e
intervenção social.
51
numa teleologia em que pouco se diz das opções e escolhas feitas, tomadas, quase sempre, como
isolada, não sendo resultado, segundo essa narrativa, de desdobramentos históricos que a
profissão médica sofreu no país, nem tampouco do desfecho de escolhas e procedimentos eleitos
país é vista quase sempre como resultado de um esforço individual de alguns poucos pediatras, de
influências estrangeiras (tomadas quase sempre como naturais escolhas dos pediatras brasileiros)
ou, ainda como decorrente de processos mais gerais vivenciados no bojo da consolidação de
Com raras exceções, essa literatura é tributária de uma concepção de ciência em que
progresso científico e avanço técnico seriam vistos como prerrogativas suficientes e imediatas
para aceitação social de seu saber, um saber construído sem fraturas, no consenso entre pares.
sempre conectados nem mesmo vivenciados de maneira articulada. As narrativas a respeito desse
inibidor da concorrência profissional. Outros reforçam a linha de argumentação que destaca uma
que a mortalidade infantil passa a ser vista, cada vez mais, como algo a ser combatido, prevenido
e expurgado.
especialização médica, a pediatria perdeu, muitas vezes, especificidades e foi vista, quase sempre,
como uma resposta sistêmica a uma falência natural do perfil generalista e altruísta de medicina.
Edmundo Campos Coelho argumenta que em fins dos anos 80 do século XIX as
de serviços médicos, especialmente no Rio de Janeiro: o Almanak Laemmert para 1877 teria
formados sem que isso significasse efetivamente uma concorrência mais acirrada 19 .
ocorrido tanto como resultado da força de um Estado que viria regulamentar o desempenho
sociedade e o Estado.
medida, à própria deliberação dos pares e não a uma regulação externa à própria corporação. Não
regulação extra-profissional.
O que se argumenta, nesse caso, é que a pediatria passaria pelo processo de busca de
19
De acordo com Bourdieu, a despeito do fato de que a especialização tenda a reduzir o universo dos concorrentes
pela divisão em sub-campos cada vez mais estreitamente especificados, observa-se que, à medida que os recursos
científicos acumulados aumentam e que o capital necessário para realizar a invenção se torna mais larga e
uniformemente distribuído entre os concorrentes pela ampliação do direito de entrada no campo, a luta científica
tende a tornar-se cada vez mais intensa. (BOURDIEU, 2003, p. 133). Dessa forma, é interessante refletirmos sobre
os desdobramentos pelos quais vem passado a pediatria brasileira e a existência, ainda hoje, da polêmica e disputa
entre “pediatras especialistas’ e entre médicos de outras especialidades que também atendem a essa faixa etária,
como, por exemplo, o ortopedista que atende crianças.
54
especializados.
Parece-nos, além disso, que se existiu apelo pela profissionalização do cuidado com a
infância, ele ocorreu também e fortemente como retórica médica no movimento de auto-
médicos de moléstias de crianças quanto ao seu papel social e às prerrogativas que os pediatras
reclamavam como exclusivas de seu exercício. A análise das representações sobre o papel do
pediatra, sobre a infância e sobre a relação entre doença e cura poderá suscitar um rico mosaico
especialidade.
baila novos elementos que contribuem para detalhar melhor como se comportaram médicos com
20
No início do século, em Belo Horizonte, com a criação da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte (1911), a
antiga Santa Casa tornar-se-ia Hospital das Clínicas da mesma faculdade, pois se considerava importante, no projeto
de criação da Faculdade, contar-se com todas as especialidades contempladas no currículo do curso. “Assim a
Maternidade seria também um campo de atuação de acadêmicos (...) era preciso formar especialistas e superar os
chamados ‘médicos de senhoras’, que, na maioria dos casos, se anunciavam como cirurgiões, clínicos gerais,
pediatras etc” (MARQUES, 2003, p. 109).
55
instituição:
Depois desta tentativa, só sabemos de uma proposta, por escrito, feita pelo
nosso diretor Sr. Dr. Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo, ao Sr. Conselheiro
Sabóia, Diretor da Faculdade de Medicina desta Corte, para criação e
manutenção, à custa do proponente, de uma policlínica infantil, à semelhança da
Dr. Gilbert, do Havre, do que acima me ocupei: o único meio, dizia o Dr.
Moncorvo, de poderem-se obter, nesta cidade, crianças doentes para o ensino da
especialidade, na Faculdade de Medicina, atenta à pobreza de casos interessantes
que oferece o Hospital da Misericórdia, devida à dificuldade com que neste país
consente as mães, ainda mais pobres em recolher seus filhos ao Hospital
(ARAÚJO, 1882, p. 19).
especializados em atendimento infantil, outras questões colocadas entre finais do século XIX e
Em nota publicada na Revista União Médica, o editor acena para um dos argumentos
favoráveis à especialização: “No artigo programa n.1 dos Archives de Neurologia, devido à pena
querem alcançar a competência entre os seus colegas e a confiança de seus clientes” (União
especialização estava, à época, mais relacionado às capitais do que ao interior do país. Expressa a
56
fundamentada.
pela medicina no século XIX no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, Luiz Otávio Ferreira,
Maria Rachel Fróes da Fonseca e Flávio Coelho Edler argumentam, sobre o processo de
especialização, que:
ampliação de eficácia. A seleção de uma faixa etária figura, nesse argumento, como indicativo
57
como teria ocorrido com a seleção de patologias, áreas do organismo humano etc.
social, ao fazer uma opção por uma faixa etária, a pediatria não estaria reduzindo o objeto de
estudo e ação prática a uma parcela menor da totalidade dos processos de diagnóstico e de
terapêutica. Pelo contrário, estaria anunciando uma nova semiologia, uma nova terapêutica e
novos objetos na formação médica, ao trazer à baila o que seriam as peculiaridades da infância
frente às doenças e o que seriam as posturas diferenciadas dos médicos (de crianças e não de
Os cuidados médicos com crianças, até finais do século XIX, voltavam-se em especial
para recém-nascidos. A então chamada medicina de mulheres pejadas e paridas e meninos recém-
primeiros meses de vida, sendo que, a partir daí, previa-se a existência apenas do médico de
adultos. Dessa forma, a clínica, a cirurgia e as terapêuticas eram, em grande medida, meses
da infância é mais distendido do que o período imediatamente após o nascimento e, mais, que o
período que compreende a infância tem peculiaridades que a clínica de adultos não compreende e
não satisfaz.
Vejamos alguns argumentos acionados por pediatras para difusão das peculiaridades
No artigo “Preliminares ao estudo das moléstias das crianças”, publicado sem autoria
na Gazeta Médica da Bahia, em 31 de outubro de 1868, seu autor resenha o livro Lectures on the
diseases of infancy and childhood, Dr. Charles West em que chama a atenção para as
peculiaridades da pediatria. Inicia ressaltando o fato de que cerca de um terço de todos os doentes
em atendimento clínico eram, à época, crianças. Indica que “suas moléstias são tão graves que de
cinco crianças, morre uma dentro de um ano de nascidas e de três uma antes de cinco anos”.
Aponta ainda o fato de que as crianças teriam não somente um corpo mais frágil mas
período da infância de incessante desenvolvimento 21 ” (p.68). Ressalta que “não é mera hipérbole
dizer-vos que tendes de estudar uma semiologia nova e de aprender nova patologia e terapêutica”.
(p.69).
por Martagão Gesteira, Bahia, trazendo algumas questões novas ao debate sobre a nascente
especialidade.
em 1915, chamava a atenção para essa questão que, afinal, não deixa de ser paradoxal: “a
pediatria não é menos do que a clínica médica de adultos acrescida da parte especial à infância”.
formação em medicina, refletindo sobre “até que ponto se deve considerar a clínica pediátrica
como uma especialidade e em que se fundamenta a conservação no curso médico de uma cadeira
21
grifos do autor.
59
parcela da população que, segundo relata o próprio autor, representava cerca de 1/3 dos doentes
Por diversas razões, para Gesteira, “a pediatria é uma das especialidades mais difíceis,
antes de tudo porque o pediatra para se considerar perfeito tem necessidade de uma instrução
médica muito vasta e muito profunda. (...) é pouco concebível um pediatra cujo saber não repouse
sobre as mais largas bases da medicina geral. A fisiologia e a patologia a higiene e a medicina
geral constituem as bases sobre que deve ser fundada toda a experiência particular que pode fazer
como campo voltado ao estudo de doenças específicas ou de órgãos ou partes do corpo humano,
mas a partir das peculiaridades de uma faixa etária, o que não implica, nesse caso, uma redução
do campo, mas uma alteração de enfoque visando diferenciação do atendimento a um público até
diferiria “de outras especialidades, pois seu interesse transcende[ria] quer um sistema orgânico,
quer um grupo de patologia, quer uma gama de terapêuticas, sem que tudo isto deixe também de
faixa etária da população – que não seria menor numericamente e que suscitaria formação para
plena atenção terapêutica, cirúrgica e clínica especialmente voltadas para essa faixa etária.
Mas esse processo não ocorreria sem que divergências e conflitos emergissem.
que, à época, segundo esse pensamento, somente a eugenia teria condições de responder. Essa
polêmica seria dirimida, pelo menos no seio do debate público, com a admissão de especialistas,
Brasil, naquele momento, já era intenso. Em 1924 ocorreria o Congresso Nacional dos Práticos,
61
em que, dentre outras questões, seriam discutidos o perfil do médico, possibilidades de atuação
atendimento individualizado (PEREIRA NETO, 2001, p.29) em que tinham significativo valor os
ocorreria importante debate a respeito da formação médica e do sentido de ser médico no Brasil.
Segundo Pereira Neto, estavam em confronto três perfis profissionais 22 : generalista, especialista e
privada e seu consultório era freqüentemente instalado na própria residência do médico, ao estilo
liberal. Esse perfil tinha como marcas os ideais de altruísmo e de sacerdócio. No perfil
médico. O perfil higienista diferencia-se dos anteriores por defender uma medicina preventiva (e
não essencialmente curativa), voltando-se para uma prática profissional de sentido coletivo
Esse confronto observado por Pereira Neto, contudo, não parece se aplicar
22
O autor chama a atenção para o fato de que havia hibridismos e que essa classificação, embora se preste à
compreensão das possibilidades de formação de perfis profissionais para o médico do início do século XX, não era
necessariamente estanque, além de não ter havido sempre confronto entre os três perfis.
62
Regionais no período em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e no Rio Grande do
Norte.
organização profissional propunha-se a ser uma “associação científica para se dedicar ao estudo
sociedade eminentemente local, quase carioca, uma vez que, por exigência estrutural, seus sócios
limítrofes. À época de sua fundação, em 1910 24 , contava com 67 sócios, número ampliado em
1940 para 87. Sua nacionalização ocorreu em 1951, após extensas discussões durante a 1a
Jornada de Puericultura e Pediatria (realizada em 1947) que resultaria, não sem resistências, na
Pediatria.
Esse processo não se deu sem conflitos, pois implicou a transferência de prerrogativas
que os Departamentos Estaduais de Pediatria haviam alcançado a uma Sociedade Nacional, por
vezes distante e considerada alienígena aos interesses específicos das corporações estaduais,
23
Digno de nota o fato de que a Sociedade Brasileira de Pediatria manteve e ainda mantém relações estreitas com a
Nestlé. A Nestlé, desde a criação da SBP, viria a patrocinar o Prêmio de Pediatria, concedido a pediatras que
publicassem contribuições ao campo da pediatria. Além disso, a Nestlé também seria patrocinadora especial dos
Congressos de Pediatria, realizados anualmente, bem como de publicações sobre História da Pediatria, além do
Memorial da Pediatria, na sede da SBP.
24
Reunindo-se inicialmente na Academia Nacional de Medicina, fixou sede na Sociedade de Medicina e Cirurgia em
1929, onde funcionou por muitos anos. Em 1960 foi inaugurada a primeira sede própria, à Av. Franklin Roosevelt,
33. A sede foi transferida para Botafogo (1979) e para Copacabana em 1995, sede atual. (In: Memorial da Pediatria,
2005). A se seguir o percurso da obra de Glauco Carneiro (2000), a pediatria teria surgido como campo profissional
especialmente a partir da criação da Sociedade Brasileira de Pediatria, em 1910, somente quando os pediatras viriam
a se organizar em uma entidade (nesse caso, diga-se, no Rio de Janeiro).
63
outras vezes pouco operante e pouco informada dos problemas e interesses que moviam as
diferentes sociedades.
No mais, uma das mais fortes polêmicas em torno da unificação das Sociedades
estaduais à Sociedade Brasileira giraria em torno da liderança carioca da entidade (que, por sinal,
também seria marcada por divergências quanto ao papel da Sociedade Brasileira de Pediatria), a
fundadores, “não foi fácil para nós organizarmos reuniões com membros de diferentes grupos,
pois havia muitas animosidades e incompreensões entre vários dos chefes de Serviços Cariocas”
Dessa forma, o período que se estende até meados do século XX pode ser considerado
pediatras, coincidindo esse fator com a regulamentação profissional no interior do campo médico
e com ação estatal que atuaria no sentido de dirimir dissensos profissionais, regulamentando o
eventos.
posteriormente Jornal da Pediatria e, em 47, a Primeira Jornada Brasil de Pediatria. Dos anos 40
data a publicação do primeiro número dos Anais Nestlé, que viria a organizar, juntamente com a
25
Especificamente no caso da regulação da especialidade médica pediátrica, o processo tenderia a seguir os
desdobramentos advindos das disputas travadas no interior da arena profissional, configurando-se um percurso de
disputas que se arrastaria durante todo o período Vargas (diferentemente do que ocorreu com as profissões de
engenheiro e advogado, por exemplo), vindo-se a criar os Conselhos de Medicina, pela ação do Estado, apenas em
13 de setembro de 1945, decreto lei 7.955. O movimento de reconhecimento de especialidades ocorre apenas a partir
de 1931, com a Reforma Francisco Campos, em que se regulamenta a oferta de cursos de especialização para
formação de especialistas em vários ramos da medicina.
64
O “Almanaque del lexico etimologico 26 ” chama a atenção para o fato de que o termo
pediatria, ou medicina de crianças, incorpora, em sua raiz etimológica, a idéia de que o cuidado
profissional dedicado a crianças deve ser oferecido sobretudo quando a criança possuir condição
de enferma. Indica que a puericultura associa-se, por outro lado, a uma concepção de prevenção
da saúde.
seria relegada a enfermeiras, técnicas auxiliares e a jardins de infância – teria sido o resultado de
no século XIX.
26
ARNAL, 2004.
65
1905, por ocasião do Primeiro Congresso Internacional de Gotas de Leite, realizado em Paris.
Nesta ocasião,
acompanhamento de crianças doentes por outros profissionais que não fossem os médicos
de doenças, o faria num contexto de demarcação de um território em que o saber técnico não
poderia atributo de outros agentes sociais. Esse recurso permitiu à pediatria reservar a doença
a outros profissionais de saúde que, organizados "em torno” (FREIDSON, 1978) da ação médico-
pediátrica, comporiam o mosaico da oferta de práticas de saúde. Essa opção, pela atribuição
doenças infantis daria a pediatria uma tonalidade eminentemente curativa e emergencial, que
ação científica.
Esse movimento seria vivenciado por alguns médicos não sem lástima. Por ocasião do
primeiro Congresso Brasileiro de Hygiene, M.J. Ferreira, Inspetor de Higiene Pública do Estado
do Rio de Janeiro, proporia uma divisão de tarefas no tocante aos cuidados gerais do recém-
comadres (FERREIRA, 1926, p. 166). Proporia, então, que fosse organizado um serviço de
parteiras formadas e acompanhadas por médicos, instruídas com especialidade no tocante aos
cuidados gerais e alimentares do recém-nascido (FERREIRA, 1926, p. 166). Para tanto, proporia
indispensável” das enfermeiras visitadoras, que, segundo argumenta “ela, somente permite uma
interferência direta dentro da vida íntima da família, tornando possível, assim que as causas
misteriosas dos erros de higiene, para o médico de impossível contraste no gabinete de exame,
para ela seja fácil de verificar, porque conhece o que se passa atrás dos bastidores”(idem, p.126).
particulares, como veremos explicitar o mesmo médico: “as instituições de assistência à infância
doente ou anormal, de caridade e socorro, de utilidade aliás inconteste, devem ficar entretanto a
encargo da iniciativa privada, ou pelo menos não devem ser incluídas dentro do programa oficial
Estado de São Paulo, lamentaria o fato de que os serviços de atendimento à infância estavam
o que mais tem sido curado na nossa organização de proteção à infância é que
diz respeito aos cuidados às crianças doentes ou anormais, que constituem a
maioria das que procuram o dispensário. É entretanto sabido que só se consegue
realmente influenciar na redução da mortalidade infantil quando se organiza
perfeito serviço que cuide igualmente , em grande escala, da assistência às
crianças sãs e normais (SOUZA, 1926, p. 70).
Estado de Minas Gerais, ao falar sobre a organização sanitária dos municípios brasileiros,
secretário e aos fiscais, o médico fará conferências públicas, no mínimo duas vezes por mês,
versando sobre assunto de higiene de interesse imediato para o município” (LIBÂNIO, 1926, p.
244).
27
Defende, à época, a clínica pré-natal: “os cuidados devidos à infância devem preceder mesmo ao nascimento,
prevenindo os desastres evitáveis de gestações descuidadas, como a debilidade congênita, as avarias da sífilis, os
partos prematuros, etc. É a necessidade das clínicas pré-natais. (SOUZA, 1926, p. 69).
68
de higiene e prevenção ao controle do médico que seria que, ao fim e ao cabo, seria o responsável
quem caberia o contato com as famílias, a popularização do saber e a difusão social de preceitos
de saúde.
máxima da pediatria, que não dispensaria as faces preventivas e de pesquisa, além daquela
Segundo diz,
argumenta,
significativa:
69
Segundo Philippe Herzlich (2001), nas sociedades industriais atuais, a regressão das
não transmissíveis (como as doenças cardiovasculares ou o diabetes) reforçariam (no nosso caso,
ao longo do século XX) a individualização do tratamento médico – voltado cada vez mais para o
indivíduo doente do que para as comunidades). “Se, durante as epidemias, reinavam o terror do
todas as pessoas à sua volta indistintamente, mas talvez apenas as pessoas mais íntimas”
da doença teria passado por transformações nas sociedades modernas e de que forma essa nova
atendimento do paciente. Ao mesmo tempo, fazia sentido, entre finais do século XIX e início do
século XX, que o atendimento médico se especializasse, dentre outras, para cuidar de crianças,
vida das crianças seriam fatores que contribuiriam para que fosse sutilmente alterado o
28
Norbert Elias chega a dizer que o processo civilizador traria como característica central uma profunda discrepância
entre o comportamento dos chamados adultos e das crianças. Formado ao longo dos séculos, esse processo traria em
seu bojo o controle da vida instintiva e uma pressão crescente pela adoção de comportamentos típicos da civilidade
burguesa. (ELIAS, 1994, p.145-147).
71
medo e repulsa diante da morte infantil, já que ela poderia estar sob controle e vigilância de
robusta, sadia e bela, promessa de um porvir em que estariam expurgadas a morte, a finitude e a
incompletude.
A criança que, segundo explicita um pediatra brasileiro no início do século XX, “com
seu explícito direito de viver, de ser forte e sadia, merece cuidados especiais, mesmo antes de vir
ao mundo, para garantia do futuro da nossa raça e para a grandeza de nossa Pátria querida”
vencidos para que normalidade pretendida estivesse restaurada. Calcada nesses pressupostos, a
medicina de crianças faria parte de um cenário em que os ideais de civilidade fossem cultivados e
29
Palestra de abertura do curso de Clínica Pediátrica Médica e Higiene Infantil da Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, proferida pelo catedrático Luiz Barbosa aos alunos do 5.º ano.
30
De acordo com Norbert Elias, a morte é empurrada mais e mais para os bastidores da vida social durante o
impulso civilizador (2001, p.19), o que contribui para difusão idéias e práticas voltadas ao cuidado com a infância,
tempo preparatório, a antecâmara para a vida adulta. Essa temática é também discutida por Ariès, 1982.
72
apresentadas as estatísticas de mortalidade do país (ou região) em contraste com dados de outros
especializado. A ausência de tratamento médico é indicada, nessa literatura, como uma das
causas da mortalidade infantil e figura, nessa retórica, no mesmo patamar que doenças e hábitos
alimentares.
ancorar uma série de proposições de intervenção social e que previam mudanças nos perfis
profissionais. Mais que isso, a estatística também colaboraria, naquele contexto, para criar novas
percepções da realidade, evidenciando dados que, até então, não eram conhecidos, nem
valorizados ou, mesmo, desconsiderados nos universos médicos. Esse parece ser o caso da
mortalidade infantil, tida por vezes como dado natural, mas transformada, no decurso do século
XIX, pelo menos na linguagem médica, em problema contra o qual a sociedade deveria reagir.
1846 para discutir questões relativas à mortalidade infantil. As perguntas colocadas pelos
membros da academia foram as seguintes: “1- a que se deve atribuiu tão grande mortandade nas
crianças nos seis primeiros anos de vida? 2- Quais são as moléstias mais freqüentes nas
crianças?”
que não faltam julgamentos morais, condenação de práticas sociais voltadas ao cuidado com a
influências climáticas, além do indicativo de que a ausência do tratamento médico (no início das
culpabilização da família (em especial da mãe, por não amamentar e não cuidar pessoalmente da
criança), localizando o médico numa condição privilegiada, considerado único profissional que,
segundo consta na resposta, estaria autorizado a impedir a morte, desde que acionado
precocemente.
sobrevivência das crianças. Figura a ausência do médico, no plano do discurso, lado a lado a
tocante à morte infantil, processo a que Jacques Revel e Jean-Pierre Peter chamariam de
A morte é, então, um dado estatístico e um mal a ser combatido. Mas não um dado
sobre o qual o saber e a prática médica teriam algo a dizer, a não ser quando do seu impedimento.
É sobre a interdição da morte que o médico tem algo a dizer, não sobre a experiência da morte
ou, mesmo, sobre os limites de seu saber. A experiência mórbida, assim, faz vacilar o sentido.
estatística, um corpo sem palavra (infante), visto por suas necessidades e pelos efeitos mórbidos.
Como objeto de uma palavra controlada pelo médico, o corpo infantil é reduzido a um objeto, do
qual a pediatria teria o que falar, transformando a criança em sujeito falado, sujeito de estudo,
objeto (idem, p. 146). Objeto de uma palavra erudita, desprovido de fala própria.
A morte é dessa forma concebida em sua definição fisiológica. Um mal absoluto que
com a sua infância. Uma sociedade concebida como cuidadosa na medida da observância da
morte vivenciada por crianças, de uma compreensão da morte como processo, acerca da
falibilidade de seu saber profissional diante da morte infantil e, porque não, também, a respeito
O corpo infantil não raro foi descrito como tábula raza, marca do sem marca,
presença numa ausência (KOHAN, 2003, p. 33). A associação entre momento da vida e condição
e associações que expressam uma relação quase automática entre o período da infância e a
condição de doença. “Na Europa setecentista, não se pode desconsiderar o peso de concepções
que atrelavam a infância a um tempo de disposição particular para a doença e em que doenças
p.2).
Muitos médicos setecentistas estão persuadidos de que a maior parte das doenças
hereditárias era transmitida pela mãe, durante a gestação: “o tratado do médico inglês Harris
sobre as doenças de crianças, que foi uma referência para toda a Europa, continua a defender, nos
430).
susceptibilidade a doenças e, por tudo isso, carente de cuidados. “O corpo, entretanto não é só
mais frágil na infância do que nas épocas posteriores da vida, como também são mais extensas e
delicadas as simpatias entre suas diferentes partes” (Gazeta Médica da Bahia, 1868, p. 68 31 ).
31
Gazeta Médica da Bahia, 31 out. 1868, n. 54, ano III, p. 68.
76
No Brasil, a pediatria nascente difundiria a idéia de que qualquer doença seria capaz
de provocar efeitos generalizados no corpo infantil: “raras vezes um órgão sobre só; até os efeitos
das moléstias locais se estendem a todo o sistema e de tal sorte desordenam o seu trabalho que
muitas vezes não é fácil determinar a sede da afecção original” (idem, ibidem).
O corpo infantil também seria descrito como incompleto – tomando-se o adulto como
parâmetro de completude:
A doença infantil deveria ser vista, segundo essa ótica, à luz da noção de
incessante desenvolvimento” (...). Ou, ainda, “a moléstia, portanto, não perturba meramente o
presente, mas sua influência alcança o futuro; não só interrompe a presente função do órgão que é
afetado, mas impede por algum tempo o maquinismo geral do corpo” (idem, p. 68-69).
A condição enferma da criança (que, muitas vezes é uma condição biológica de fato) é
pela criança, a quem cabe decidir cuidar (ou não) da saúde infantil. A afirmação da autoridade
familiares e responsáveis pela criança, muitas vezes aqueles que descreveriam os sintomas pela
de usar a razão em situação de consulta e tratamento, sendo, portanto, tutelados por seus pais e
77
médicas 32 .
universo das práticas sociais, ao uso da fala adulta para nomear e descrever doenças infantis, à
sua tutela e dependência funcional e à força do discurso médico para se impor à autoridade de
influências do percurso da profissão médica (nos Estados Unidos) na definição de escolhas para o
que seria ou não considerado enfermidade. Considera que a enfermidade foi concebida como
desvio social, um estado social que um ser humano pode assumir, mas não estritamente e
somente biológico, como comumente apresenta a história da medicina e que precisa ser revisto.
Indica que “a profissão de Medicina utiliza critérios normativos para selecionar o que lhe
interessa, e que seu trabalho constitui uma realidade social que é distinta (e às vezes virtualmente
independente) da realidade física” (FREIDSON, 1978, p. 210). Por outro lado, afirma que a
conduta de ser enfermo também varia de uma cultura a outra, podendo freqüentemente tornar-se
211).
Essa perspectiva contribui para reflexão sobre a construção social da doença infantil
pressupostos.
32
A pediatria nascente difundiu um ideário de desqualificação dos saberes e práticas maternas de cuidado com bebês
e crianças em geral, concentrando no médico a potencialidade e a capacidade para dizer o que fazer e o que não fazer
na educação e cuidado com a prole. No Jornal “A Mai de família” é freqüente a referência à necessidade de consulta
periódica e sistemática ao pediatra e a recomendação de que a mãe verdadeiramente boa e preocupada com seu filho
não age sem previamente se aconselhar com o pediatra.
78
não brinca, é triste, é digna de sentimentos de compaixão, é vitimizada, não se alimenta e não tem
vigor.
Segundo Jacques Revel e Jean-Pierre Peter, o corpo doente é bem o produtor soberano
de fantasmagorias (1995, p.147). Poderia ser o corpo enfermo infantil produtor de fantasmagorias
profissionais que possibilitassem uma vivência dos novos costumes e garantissem a sua
execução. Ao ser descrita como a medicina das moléstias da infância, a pediatria traria, como
marco fundador, um padrão que pretendia responder ao ideal de civilidade então difundido. A
criança doente seria mais uma face da menorização do tempo da infância como tempo distinto do
adulto e reforçaria a necessidade de cuidados e atenções de seus pais, dos profissionais de saúde e
longevidade anunciada.
Evidentemente, podemos pensar que essa opção – pela doença e não pela saúde –
parece ser um movimento que a medicina, como campo profissional mais amplo, viria a fazer 33 .
os contornos assumidos, no caso do Brasil, também atenderia aos apelos sociais pela redução da
mortalidade infantil (em todas as classes sociais), pela institucionalização de formas de cuidar de
33
Ver HERZLICH, 2001.
79
em que não estavam ausentes representações ligadas à robustez, aos dotes morais dos pais e à
indicaria, dentre outras, a freqüência diferenciada com que as diversas doenças se mostram nas
desenvolvimento (o que, segundo essa tradição, contribuiria para difundir as reações mórbidas,
impedindo o médico de localizar seus sintomas), Martagão Gesteira concluiria, para as doenças
crônicas, que também “oferecem um aspecto muito especial na criança, no entrave que elas
marca do combate à doença, a doença que, ao fim e ao cabo, impediria o curso “natural” das
34
Como veremos, nos anos 40, o Governo Getúlio Vargas viria a publicar legislação eugenista voltada às famílias
brasileiras em que se previa a concessão de um pecúlio a nubentes. Nos termos da lei, o casal que tivesse filhos
saudáveis e que permanecessem vivos até um ano de idade, ao completarem quatro filhos teria sua dívida quitada
com o Estado saldada. Para entender melhor, vide PEREIRA, 1999.
80
pediatria traria elementos para reflexão sobre tempos de vida e suas singularidades, contribuindo,
ao mesmo tempo, para eleição de critérios de demarcação geracional e etária naquela sociedade.
representada, com freqüência, por parteiras, amas de leite e mães. Configurou-se, nessa literatura,
uma inferiorização das práticas sociais de cuidado infantil, condenando a mulher, considerada
responsável pela transmissão, geração após geração, de tais práticas descritas como crendices a
mulher, é descrita a partir de sua potencialidade para gerar filhos de quem os pediatras poderiam
e deveriam cuidar.
negativas a respeito do exercício da maternidade tal como realizado pelas mães, seja a mãe pobre,
A literatura médica descreve a mãe pobre como incapaz de cuidar de sua prole, por
ignorância e por carência material. Os pediatras recomendam que fossem amparadas apenas as
mães pobres que, a despeito de sua condição, procuravam trabalho e não ficavam no ócio. A mãe
81
família”, explica que “a creche é um estabelecimento de beneficência, que tem por fim todos os
dias úteis e durante horas de trabalho, atender crianças de dois anos de idade para baixo, cujas
mães são pobres, de boa conduta e trabalham fora do domicílio” (VINELLI, 1879, p. 3, grifos
meus).
pouco afeita às prendas do lar, a que deveria se dedicar. Ao descrever a mãe ideal, essa literatura
disponível.
O Jornal “A mãe de família”, foi criado em 1789 objetivando atingir mães brasileiras
de famílias abastadas, descritas como ignorantes de seu real papel no seio da família e perante a
sua prole: “(...) fundamos este jornal, que, ao alcance de todos, gravará, estamos certos, nos bem
formados corações das mães de famílias brasileiras, a firme convicção de que muita coisa elas
ignoram para que possam fazer a felicidade de seus filhos” (COSTA, 1879, p.7).
transformada, por isso, em alvo do discurso médico pediátrico que encontra-se em fase de
mesmo campo, pois instaura, indiretamente, um corte social com o mundo profano dos leigos
(BOURDIEU, 2003, p. 134), ao reclamar inteiramente para o interior da prática médica o direito
inteiramente suas dúvidas e a quem deveria recorrer sempre em caso de perigo, doença, dor ou
farmacêutico Melo Oliveira, que assina a todas as seções durante o tempo de circulação do jornal,
teria o cuidado de enunciar, ao leitor, a recomendação de que as mães não tratassem, por conta
própria, as doenças das crianças e não as medicassem sem prévia autorização e fiscalização
Pelo menos até primeiras décadas do século XX, quando a pediatria não teria ainda
ocupado a arena profissional de cuidados médicos da infância brasileira, essa tarefa seria
realizada por parteiras e obstetras, que dividiram por longa data a função de aconselhamento de
também de pediatras, vistas como concorrentes não autorizadas, em nada portadoras de um saber
A parteira portava-se como sujeito masculinizado, vestia-se de preto, mantinha cortes de cabelo
tipicamente masculinos e não raro era descrita como “varonil e emasculada”. Dessa forma, a
partilha de peculiaridades do mundo dos homens 35 seria uma das condições de acesso ao
exercício da prática de partejar e, por que não dizer, também de aconselhamento materno no
35
A própria Mdme Durocher viria a descrever como perfil recomendável à arte de partejar “mulheres de organização
e caráter varonil”, viúvas ou órfãs de médicos, cirurgiões e farmacêuticos, divorciadas e ainda aquelas que reunissem
dignidade e respeito, dedicação e preservação da moralidade familiar. (DUROCHER, 1871 a, b e c).
83
alvos tanto de acusação quanto de súplica (MARQUES, 2000, p. 34). A prática de acusação viria
a ser difundida não raro pela veiculação de narrativas da ignorância e da incapacidade de mães,
descritas como despreparadas e débeis para cuidar de sua prole. Quanto a esse aspecto é
aconselhamento.
patamares inferiorizados, contribuindo para difusão da idéia de que a mulher (nesse caso,
reduzida à condição de mãe) era um sujeito incapaz de promoção social do cuidado à infância,
A inserção do saber médico na educação escolar seria outra via pela qual os
mães (determinadas mães, particularmente aquelas “senhoras do lar”), teria sido uma via de
causar num contexto de institucionalização social dos cuidados médicos com a infância.
respeito dos cuidados com a infância, reduzindo aos círculos médicos os cuidados com doenças e
moléstias da infância e levando às famílias preceitos a respeito dos cuidados com a alimentação,
da vida da criança. Dessa forma, a puericultura seria um saber a ser ensinado às moças nas
84
escolas e a ser praticado pelas mães, e a pediatria seria o saber especializado, atributo do médico
e daquele profissional de ciência, conselheiro da mãe e da professora. Portanto, o que se vê, como
desdobramento social, nesse caso, é uma divisão de saberes perpassada por uma divisão de
gênero.
Quando demonstrassem algum saber prático ou teórico para o cuidado com a infância,
a partir dos mesmos pressupostos, a outros agentes de cura, como os índios, “caboclos, espíritas,
boticários”, etc. O saber reservado às mulheres, nesse caso, seria aquele restrito ao exercício de
No campo das representações, aquele que atuaria para salvar vidas – o médico – traria
à sua profissão um sentido adicional – salvar vidas de crianças – aquela promessa das futuras
por uma enunciação de garantia de que as crianças pudessem chegar à adultez e à velhice,
divulgaria uma tradução de trechos da obra Lectures on te diseases of infancy and chilchood,
Charles West.
Intitulado Preliminares ao estudo das moléstias das creanças, o artigo trata de como
deveria ser feita a abordagem médica com crianças doentes e quais seriam as posturas a serem
assumidas pelo médico para conseguir aferir o maior número de dados para compor o
doença infantil, enfim, de uma idéia de singularidade da infância que justificaria dizer que a
medicina de crianças tratar-se-ia, então, de uma nova semiologia, uma nova patologia e uma nova
estranha”, “um livro fechado” “um novo alfabeto” (Gazeta Médica da Bahia, 1868, p. 69).
A anamese na medicina de crianças seria diferenciada, pois o paciente não fala, não
sendo considerado capaz de rememorar seu estado clínico e sua condição e sintomas. O paciente
atribuindo-lhes os significados que melhor lhe pareciam explicar a situação da criança. O médico
estaria diante, portanto, da fala alheia, uma fala terceira, adulta e comumente articulada a
36
Gazeta Médica da Bahia, 31 out. 1868, n. 54, ano III, p. 69.
86
No que concerne à clínica da primeira infância, para que tenham uma idéia da
sua importância, basta atentar no cunho especial que reveste essa época da vida,
para cujo estudo, nos seus vários aspectos – anátomo-fisiológico, biológico,
clínico, social etc – criou Ernesto Cacece o termo nepiologia, do grego nepios, o
que ainda não fala, para designar o conceito duma ciência nova, hoje acolhida e
cultivada em todos os países onde se encara com carinho o problema da criança
(GESTEIRA, 1946, p. 15).
A medicina de crianças era apresentada – por isso – como uma nova semiologia. E
orientados, também não menos põem à prova a sagacidade do clínico” (GESTEIRA, 1915, p. 76).
Diversos relatos médicos estudados apresentam a criança como aquela que não fala,
não tem voz ou, ainda, que fala por outros meios como gestos, mímicas e sinais. No mesmo
artigo, no final dos oitocentos, o médico apresentaria aos seus pares o que considerava as
O médico chega a dizer que “ou não podeis interrogar o vosso doente; ou ainda que
ele tenha idade bastante para falar, por medo, ou por compreender-vos imperfeitamente,
O que poderia fazer o médico numa situação de ausência de diálogo objetivo e direto
que visasse ao atendimento da singularidade desse tempo de vida, percebido, desde então, como
O pediatra teria que ser, antes de tudo, um observador: “procurareis obter informações
da expressão de sua fisionomia, mas a criança é tímida e não sofrerá vossa vista” (69). E ainda:
“procurareis sentir seu pulso e ela resistirá em com susto; tentareis escutar-lhe o peito e romperá
“porque ainda que a criança não fale, tem contudo uma linguagem própria” (...) “porém, se não
tendes cultivado vossas faculdades de observação, não podeis aprende-la, porque esta linguagem
é a dos sinais, e estes sinais são tais que poderão escapar à percepção dos menos atentos” (idem,
p.69).
da criança, dirigir e olhar diretamente a ela, conservando-se a uma distância razoável para
permitir uma observação cuidadosa sem, contudo, assustá-la e amedrontá-la, usando “maneiras
afáveis e voz branda” (idem, p.69). E, por fim, que conquiste a confiança da criança, sendo seu
amigo, sem o que será mal sucedido. Martagão Gesteira aconselha “calma, brandura e uma
paciência sem limites, levada até à resignação” para o médico levasse a bom termo o exame
Para proceder ao toque, o médico deveria contar com ajuda da mãe e da ama para ter
abdômen, sugerido na segunda parte do mesmo artigo, publicado no numero seguinte da revista
Popularmente se diz que criança bonita é criança dormindo. O médico dos oitocentos
destacaria o sono como a oportunidade ideal para a consulta da criança: “se a criança estiver
dormindo na ocasião de vossa visita, as observações podem ser mais minuciosas” ou “deveis ter
cuidado em não despertar a criança”. E, para despertar: “deve ser despertada com brandura pela
mãe ou pela ama, e um rosto estranho não deve o primeiro a se apresentar a seus olhos ao
Por fim, diz que, caso fosse a primeira visita à criança, que o médico não insistisse:
“não persistais, com o fim de verificar exatamente qualquer d’estes pontos, em tentativas que a
37
Gazeta Médica da Bahia, nov 1868, n. 55, ano III, p. 79.
89
plena e duradoura.
profissional.
2.6. . Ser médico e ser doente no Brasil entre final do século XIX e
Rio de Janeiro), não garantiu que o saber médico acadêmico fosse reconhecido socialmente como
preocupar mais com sua imagem do que com sua técnica (MARQUES, 2003, p.8).
38
Em 18 de fevereiro de 1808, D. João VI criou, de passagem pela Bahia, a “Escola Cirúrgica”. A 2 de abril de
1808, cria a Escola Cirúrgica do Rio de Janeiro. Dos desdobramentos históricos vivenciados tanto na Bahia quanto
no Rio de Janeiro surgem as primeiras Faculdades de Medicina no Brasil, que assumem, a partir de 1870, perfil
profissional e produção científica (SCHWARCZ, 1993, p.196-198). Entre julho e maio de 1911, cria-se a Escola de
Medicina de Belo Horizonte (atualmente Faculdade de Medicina da UFMG), pela iniciativa da Associação Médico-
Cirúrgica de Minas Gerais, primeira escola superior médica distanciada do litoral. No Rio de Janeiro a medicina
parece ter se desenvolvido mais sistematicamente nos primeiros anos do que nos demais estados, em que as
dificuldades eram maiores (MARQUES, 2003, p.6).
90
Esse reconhecimento social, quando ocorreu, não seria obtido simplesmente pela
doenças.
práticas de cura.
garantiria que a produção [pediátrica] pudesse produzir – ela mesma – suas normas de produção e
os critérios de avaliação de seus produtos, estando, portanto, liberta de censuras sugeridas pelo
confronto direto com um público alheio à profissão, público visto como despreparado e
despossuído de um saber técnico a que somente aqueles que passaram pela profissionalização
É digno de nota que a medicina alopática praticada no Brasil convivia com práticas da
chamada medicina popular, nem sempre a rejeitando, chegando mesmo a validar 39 alguns de seus
princípios quando a circunstância assim o exigia (MARQUES, 2003, p.19). Pela análise de
Bourdieu, podemos entender que esse processo de concessão a outras formas de cura é parte de
práticas de cura que, mantidos os crivos próprios e internos da medicina alopática, serviriam para
39
A alimentação foi considerada, desde o período colonial, poderoso elemento de combate e cura de enfermidades.
Como muitos itens dos suprimentos alimentares recomendados a doentes, no período, pertenciam ao âmbito da
cozinha, era a mulher quem os manipulavam e preparavam, submetendo-se, nesse caso, o saber do médico aos
saberes cotidianamente elaborados (MARQUES, 2003, p. 19).
91
demonstrar seu grau de flexibilidade, sem, contudo, ameaçar-lhe as linhas e tendências gerais
raros médicos que atuavam no Brasil não eram revestidos pela aura de poder que provavelmente
ostentam hoje. Era comum o sentimento de que o tratamento de doenças era principalmente um
ato de fé (MARQUES, 2003, p.22), o que contribuiu certamente para delineamento do perfil de
Essa questão em boa medida explica a falta de hábito social de solicitação do médico
especialmente aquela que não seguia com tanto rigor os padrões comportamentais recomendados
por esculápios. Mesmo na corte imperial pode-se pensar na força cultural do hábito de resolver
2002).
Nesse contexto, de finais do século XIX e início do século XX, ocorreria o surgimento
médicos, as policlínicas 40 e hospitais que pretendiam atender somente crianças. Como vimos, é
voltadas especialmente para o cuidado médico especialista em uma parcela etária da população.
40
As policlínicas eram instituições em que a equipe médica realizava atendimento e acompanhamento médico sem
necessidade do recurso do internamento. Elas constituíram na França uma alternativa ao modelo hospitalar que, além
de dispendioso, apresentava uma série de empecilhos decorrentes de longo afastamento de crianças de suas famílias.
No Brasil, a primeira Policlínica foi fundada no Rio de Janeiro, seguido pela Bahia.
92
recorrendo às Casas de Expostos, não tinha outra alternativa – pelo menos ‘oficial’ - para
Bahia, por iniciativa de Pacífico Pereira, Prof. da Faculdade de Medicina da Bahia. A iniciativa
seria seguida, desta vez com sucesso, pelo grupo de Moncorvo de Figueiredo, que fundaria a
Até início do século XX não havia no país uma estrutura hospitalar minimamente
ambientes domésticos, na casa do paciente ou na casa do médico. Era comum, então, que o
atendimento acontecesse nas residências, ao estilo da medicina de beira de leito que antecedeu à
medicina hospitalar.
41
Edmundo Coelho estimou que o tempo de permanência médio de um médico no final do século XIX, na cidade do
Rio de Janeiro, em seu consultório, era de 3 horas diárias, o que supõe pensar que essa não seria a principal via de
exercício da profissão médica naquele momento (COELHO, 1999, p.73).
93
O período de finais do século XIX seria também marcado pela disputa entre três
2002, p. 359). A primeira teve como ambiente institucional característico o hospital, a segunda,
assimilada com reservas e utilizava-se amplamente do método estatístico e a terceira tinha como
Os médicos de finais do século XIX combinavam e por vezes opunham essas três
influências. No campo da pediatria, entre finais do século XIX e primeiras décadas do século XX,
veríamos pelo menos duas tendências estrangeiras na formação de perfis de formação médica no
recomendações higiênicas, bem como a prática clínica voltada para a cura de doenças infantis.
Dessa nova concepção adveio a matriz que informou a nascente formação para
voltadas para os sintomas e suas novas formas científicas de observação, registro, controle e cura.
Além disso, as alterações mórbidas “que até então eram estudadas a olho nu, receberiam o auxílio
do microscópio, o que contribuiu para ampliação de hipóteses a serem apresentadas para cada
De acordo com Betânia Figueiredo, o século XIX é quando se consolida “uma nova
procedimentos técnicos que viriam a demarcar uma nova etapa na medicina, pelos sucessos
atingidos: a intervenção cirúrgica com apoio da anestesia (o que potencializaria a ação dos
42
Datam do período as descobertas de Pasteur, Lister e Koch que, dentre outras questões, viriam a promover
avanços significativos no combate à mortalidade infantil, o que, indubitavelmente colocaria um dado novo nas
experiências de cuidar de crianças: o aumento do poder de resolutibilidade dessa ciência. Processos como a
pasteurização do leite, assepsia do umbigo do recém-nascido e uso de mamadeiras consideradas mais higiênicas...
95
Pode-se dizer que no período entre fins do século XIX e primeiras décadas do século
especificamente para o cuidado com crianças, em especial e não ocasionalmente, para o cuidado
obstétrica e a medicina prática e obstétrica nos 4.º e 5.º anos. Naquele momento, os cuidados com
o recém nascido eram realizados no interior da obstetrícia. Essa cadeira viria a se chamar, a partir
todas são influências advindas principalmente da chamada medicina pastoriana, que contribuiriam significativamente
para ampliação da expectativa de vida dos recém-nascidos, especialmente a partir das primeiras décadas do século
XX.
43
As informações a seguir, a respeito das reformas médicas, foram obtidas nos verbetes “Escola de Cirurgia da
Bahia” e “Escola Anatômica, Cirúrgica e médica do Rio de Janeiro”, Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências
da Saúde no Brasil.
96
de 1817, de operações e partos. A reforma de 1832 incluiria, no 5.º ano, a disciplina “partos,
uma concepção de que o cuidado com meninos recém-nascidos era singularizado em relação ao
cuidado materno, mesmo que a lógica do cuidado permanecesse ainda atrelada ao parto.
Entre os anos 60 e 70, havia reclamações por parte professores das Faculdades de
Medicina do Império da falta de meios para o desenvolvimento dos estudos práticos propostos
nas reformas dos currículos de formação, incluindo-se a medicina de partos (em que ainda estava
internamento, além de enunciar o que considerava ser uma lacuna nos currículos de formação
médica, que era o estudo específico das moléstias da infância dissociado do estudo das moléstias
primeiro curso da especialidade pediatria na Policlínica em 1882, que seria ofertado por dezenove
anos consecutivos.
44
Por ocasião da publicação da obra Do exercício e ensino médico no Brasil, em 1874, Moncorvo de Figueiredo
reunir-se-ia com um grupo de outros médicos interessados em fundar, aos moldes europeus, uma Policlínica no
Brasil. Dr. João Pizarro Gabizzo e Dr. Loureiro Sampaio retornavam, então, de Viena, onde puderam verificar o
funcionamento de uma policlínica, vindo a procurarem por Figueiredo, formando um primeiro grupo. Moncorvo
convidaria então Dr. Júlio de Moura e Dr. Silva Araújo, seus colegas de redação do periódico União Médica, para
integrarem a equipe idealizadora e executora do projeto da policlínica.
45
A estrutura da Policlínica, logo de sua criação: Clínica Médica em Geral, Clínica Cirúrgica, Ophtalmologia,
Gynecologia, Otologia, laryngologia e rhinologia, moléstias syphiliticas e da pele, moléstias de crianças, laboratório
de análises clinicas.
97
prática, já vinha sendo exercitada por médicos que ofereciam seus serviços em consultórios
particulares especializados, antes mesmos de que ocorresse uma oferta sistemática de formação
concebida como clínica de doenças, em especial nos primeiros anos de sua institucionalização.
Governo Imperial (Rodolfo Dantas), solicitando a criação de uma cadeira de clínica infantil nas
crianças e justifica a necessidade de formação médica para atendimento dessa faixa etária a partir
de três argumentos, a saber: a freqüência das moléstias, a sua letalidade e as particularidades que
98
médicos que só poderiam ser alcançados pela aquisição de conhecimentos, argumento que viria a
médico eficaz na infância: “Tais proporções [índices de mortalidade no Rio de Janeiro] devem
escreveu o Dr. Roger, antigo professor de medicina infantil na Faculdade de Paris, tornam-se
mais necessárias com a criança do que com os doentes das outras idades” (idem, ibidem).
médico. Ressalta, além disso 46 , que: “não há hipérbole em dizer-vos que tendes a aprender uma
nova semiologia, uma nova patologia, uma nova terapêutica” (idem, ibidem).
patologias de outras idades, havia ainda um hiato no Brasil entre a demanda pela cura das
doenças infantis e o tratamento das moléstias das crianças, e, mesmo, na formação dos médicos.
atendimento indistinto a crianças e a adultos, contribuindo-se muito pouco para a cura (as
46
Repetindo frase do Dr. West, de Londres.
99
crianças ficavam mais expostas, uma vez que eram quase sempre internadas, segundo argumenta)
e mesmo para o ensino médico das especificidades da infância doente. Sobre o Hospital da
Misericórdia, diz: “Essa pequena enfermaria do Hospital da Misericórdia não se pode prestar ao
ensino da clínica em questão, porque a concorrência é por demais medíocre e pouco variada”
(idem, p. 56).
crianças na França, pelo Governo Francês, tendo como Parrot o primeiro catedrático. A opção
feita por Parrot, segundo relata, teria sido de proceder ao ensino da clínica de crianças no
“Hospital dês enfants assistes”, porque, dizia ele, “se acham nesse hospício crianças recém-
nascidas, em cuja época da vida a patologia infantil reclama mais acentuados estudos, sendo
então a natureza das moléstias observadas ainda mais especial que nos outros períodos mesmo da
do Império que aceitasse para sede do curso de “Clínica de Moléstias de Crianças” da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro a Policlínica Geral do Rio de Janeiro, que reuniria as condições
essenciais para o exercício do ensino médico dessa especialidade. Rompendo com os padrões de
atendimento médico hospitalar até então em vigor na capital, a Policlínica optaria por realizar
das situações.
benefícios dela provindos para o tratamento das crianças amamentadas pelas mães e cuja
Mas a formação médica efetivamente voltada para o cuidado com essa parcela etária
somente seria objeto de regulamentação com a Reforma Leôncio de Carvalho, 1882, (acrescida
dos decretos 8.024 e 3.141). Nas disposições da reforma, o número de disciplinas do curso
médico foi aumentado para 26, com o surgimento, dentre outras, das cátedras: “clínica médica de
Contudo, pouco antes de aprovada a reforma curricular que criaria a cadeira de clínica
recomendado pelo Memorial Moncorvo, cairia o ministério Dantas. O novo ministério viria a
público para provimento do cargo de professor da Faculdade de Medicina para as novas cadeiras.
Ribeiro. Dois anos mais tarde, novo decreto outorgava novos estatutos às Faculdades de
e Policlínica e Cirurgia de Crianças. “Mas nem assim se conseguia fazer funcionar uma cadeira
sem instalação, sem programa definido... e sem pediatras. Os anos se passavam e os alunos iam
conseguindo, através de sucessivos atos ministeriais, dispensas da freqüência e dos exames, dessa
como das outras ‘clínicas especiais’ recém criadas” (TELLES, 1982, p. 102).
101
Janeiro, só viria a ser assinado em 1895 47 (DA ROCHA, 1947, p.52-63 e TELLES, 1982, p. 103).
Naquele momento, a clínica de crianças seria desdobrada em clínica pediátrica médica e higiene
através da compilação e análise de dados e casos clínicos sob sua responsabilidade na Policlínica
do Rio de Janeiro.
Boa parte de sua produção científica foi difundida no periódico A União Médica 49 ,
Archivo Internacional de Sciencias Médicas, Rio de Janeiro. Moncorvo Figueiredo também teve
47
De acordo com Walter Telles, embora Barata Ribeiro tenha sido empossado professor de Clínica Médica e
Cirúrgica de Crianças na faculdade de Medicina do rio de Janeiro, ele relegaria a cátedra por longa data para se
dedicar primeiramente à propaganda republicana e, em seguida, para ocupar sucessivamente os cargos de presidente
do Conselho Municipal, Prefeito do Distrito Federal e senador pelo Distrito Federal, chegando a ser indicado para
ministro do Supremo Tribunal federal. Esse fato teria explicado, para o autor, porque, durante um período, embora
constasse do currículo médico da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, a cátedra de Medicina Médica e
Cirúrgica de Crianças, somente no final do século teria sido concedido o primeiro termo de habilitação pediátrica em
pediatria.
48
Carlos Arthur Moncorvo de Figueiredo nasceu no Rio de Janeiro em 1846 e faleceu em julho de 1901. Teve
atuação como clínico, escreveu vários trabalhos científicos e foi sócio de sociedades de medicina, tanto no Brasil
quanto no exterior. Foi, além de Diretor da Policlínica do Rio de Janeiro, membro titular da Academia de Medicina
do Rio de Janeiro, professor honorário da Faculdade de Medicina do Chile, correspondente da Academia Real de
Sciências de Lisboa, da Academia Real de Medicina de Roma, da Sociedade Real de Ciências Médicas e Naturais de
Bruxelas, das Sociedades de medicina de Paris, Bordeaux, Marselha, Reims, Alger, Lisboa, Genebra, Buenos Aires,
Santiago do Chile e da Academia de Medicina de Lima, Peru. Sua tese foi defendida em 1871, intitulada
“Dyspepsias e seu tratamento”. Fundou e colaborou por vários anos na revista União Médica, vindo a publicar nesse
periódico anotações de consulta e tratamento de doenças da infância (realizadas sobretudo na Policlínica do Rio de
Janeiro), sobretudo obtidas em sua atuação na Policlínica Geral do Rio de Janeiro, sobre assuntos como coqueluche
infantil, alcoolismo infantil, dilatação do estômago de crianças, uso da eletroterapia contra o raquitismo, dentre
outros. Sua publicação mais substantiva ocorre entre 1874 e 1879.
102
parte de sua produção intelectual publicada no exterior, na forma de excertos ou como parte de
coletâneas 50 .
constrói suas narrativas sobre as doenças infantis, como concebe o papel do médico e de que
então do doente, sobretudo de suas origens sociais e dos supostos hábitos alimentares e higiênicos
normalidade, muitas vezes descrito pelo médico como um estado de felicidade da criança.
Moncorvo de Figueiredo fará comumente a revisão de hipóteses que até aquele momento eram
49
Foram consultados na Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro, todos os exemplares disponíveis, a saber, entre 15 de
janeiro de 1881 a dezembro de 1889 e janeiro a dezembro de 1890. (Obras Raras, em microfilme).
50
Foram localizadas algumas obras de Moncorvo de Figueiredo na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, outra
parte está sob guarda da Sociedade Brasileira de Pediatria, Rio de Janeiro, um acervo doado pela Universidade Santa
Úrsula. Nesse acervo constam seus artigos, alguns livros e parte da biblioteca de Moncorvo de Figueiredo.
51
O registro por escrito dos casos clínicos (e, por suposto, também da anamese) “tornou-se fundamental para o
estabelecimento de um estatuto científico para a medicina. O registro é uma memória da doença no paciente, ou do
paciente e suas doenças” (MARQUES, 2003, p. 134).
103
E conclui:
A nova teoria, isto é, a teoria parasitária – parece ser de fato aquela que mais
adeptos vai hoje colhendo, nos diferentes países, e ainda os novos agentes
terapêuticos contra ela dirigidos, parecem ter até agora justificado este modo de
ver. Nós não fazemos mais, neste trabalho, que contribuir com a nossa
observação pessoal para a sua confirmação. (FIGUEIREDO, 1883, p.114).
novas teorias e terapêuticas de sua época. Constrói para si uma imagem de médico pesquisador e
Em 1885, o periódico União Médica publicaria nota sobre o Curso de Clínica das Moléstias da
Infância, ministrado por Moncorvo Figueiredo especialmente sobre o raquitismo. Em seu curso,
52
União Médica, março 1883, n. 3.
104
da “doutrina que mais ocupa a atenção dos centros científicos, qual seja a dos laços que prendem
Cita um médico francês que teria se encontrado com eminente médico brasileiro que
havia dito que no Brasil, à época, a sífilis era muito comum no país, ao passo que o raquitismo
freqüência do raquitismo no Rio de Janeiro, que era, à época, de 45 por 100. Mostra ainda que,
“de 100 crianças doentes, tomadas ao acaso, 51 são sifilíticas, e que d’estas 41 são raquíticas”
(1885, p. 490). Dessa forma, Moncorvo pretende refutar teses históricas e também argumentos
estrangeiros elaborados sobre doenças infantis no Brasil, formuladas, a seu ver, sem
Janeiro. O recurso ao dado estatístico, nesse caso, faz parte da estratégia de refutação de teses e
53
União Médica,1885, ano 5, volume 5.
105
enunciação de como o exercício da prática médica vai oferecendo elementos para que suas
concepções e pressupostos prévios fossem alterados, como o faz nessa comunicação a respeito do
Das nove crianças afetadas pela dilatação gástrica mais ou menos acentuada, não
há uma só que não conte em sua anamnese um regime alimentar viciado.
Quem quase totalidade amamentadas por mulheres debilitadas pelos rigores da
pobreza, mal nutridas e, em grande parte, enfraquecidas por anteriores e
repetidas gestações, essas crianças foram ainda submetidas ao uso de alimentos
grosseiros e incompatíveis com suas facas forças digestivas. Na classe social a
que elas pertencem, é, além disso, vulgar a abusiva e nociva administração de
bebidas alcoólicas às crianças, desde a mais tenra idade. (FIGUEIREDO, 1883,
p. 302 55 ).
casos, qual seja o uso de alimentos de fácil digestibilidade, lavagem gástrica e uso de pílulas de
54
União Médica, julho 1883, n.7.
55
União Médica, julho 1883, n. 7.
56
União médica, ago 1883, n. 8.
106
iodo, acido gálico, fosfato de cal, bicarbonato de sódio e eletroterapia (FIGUEIREDO, 1883,
p.135 57 ).
formação em serviço e da análise empírica dos dados de sua prática clínica, apropriando-se dos
permeia toda a ação médica de Moncorvo e não faltam alusões às formas de fichas, modelos de
anotações e de compilações bem como de organização serial de dados dos pacientes atendidos.
das famílias e a alocação do médico como mediador de uma mudança social em curso,
profissional considerado responsável pelo “saneamento” das práticas sociais e pela alteração dos
das nove crianças afetadas pela dilatação gástrica mais ou menos acentuada,
não há uma só que não conte em sua anamnese um regime alimentar viciado.
Em quase totalidade amamentadas por mulheres debilitadas pelos rigores da
pobreza, mal nutridas e, em grande parte, enfraquecidas por anteriores e
repetidas gestações, essas crianças foram ainda submetidas ao uso de alimentos
57
União médica, outubro de 1883, n. 10.
107
Ou, ainda:
Não ocasionalmente o saber médico do período destilaria forte expressão contra uma
No período estudado, pelo menos até os anos 40 do século XX, vigorou a idéia de que
comumente, como postos de atendimento da população de baixa renda, que com freqüência deve
ter enfrentado um saber médico que associava, de maneira automática, a pobreza à doença. De
58
Note-se que a criança em questão foi submetida, segundo relato do médico, a alimentação artificial e a 400 sessões
de eletroterapia, ao fim do que mostrava-se “alegre e bem disposta”.
108
como “marcadas pelos rigores da pobreza”, uma alusão também direcionada para a criança, em
concebida como prática clínica, tanto na policlínica quanto em seu consultório particular que, aos
moldes dos demais consultórios, também era anunciado em publicações voltadas às mães:
descobertas realizadas por Moncorvo Figueiredo em suas pesquisas clínicas, como se vê:
tratamento da elefancia pelo uso da eletricidade” (União Médica, 1884: 94 60 ). Nesse caso, o
movimento parece ser de tentativa de convencimento dos pares no Brasil, pelo uso do argumento
59
Vide anúncio idêntico:
Carlos Costa
Médico especialista em Moléstia das Crianças.
Residência Rua de Santo Amaro, 29.
Consultório Rua Primeiro de Março, n. 101
Consultas das 12 às 3 horas da tarde, das 6 às 8 horas da noite.
(A mãe de família, 1879, p. 4159).
60
União Médica, janeiro 1884, n. 1.
109
de que no exterior as pesquisas desses dois médicos já seriam confirmadas. A confirmação, nesse
fato de que a notícia não se refere a nenhuma comunidade em especial, bastando para isso que
Paris:
Tratamento da choréa pela antipyrina: sr. Germani Sée tem a honra de apresentar
à academia, da parte de um dos mais distintos correspondentes, o Sr. Moncorvo,
professor da clínica de moléstias da infância n Policlínica do Rio de Janeiro,
uma importante memória manuscrita sobre a antipyrina no tratamento da chorea.
O Sr. Moncorvo n’ella mostra a perfeita inocuidade d’este medicamento nas
crianças. (União Médica, 1888 62 )
de cidades do interior – que teriam utilizado métodos prescritos por Moncorvo de Figueiredo com
sucesso.
médico de crianças, duas questões auto-enunciadas por Moncorvo ao descrever sua própria
61
União Médica, ano 5, volume 5.
62
União Médica, junho 1888, n. 6.
110
como campo racional e, portanto, mais autorizado a dizer do cuidado com a infância do que
além de um silenciamento no que toca às situações em que o seu saber médico foi confrontado,
questionado ou, mesmo, invalidado. A morte é, nessa narrativa, uma ausente, da qual o médico
pelo conhecimento do qual o médico já tem acesso, seja por seu trânsito internacional seja por
originária e insuperável sapiência encenada e oculta nas origens da história na qual seria possível
“abeberar-se como uma inexaurível fonte de verdade” (ROSSI, 2000, p. 75), afirma-se no
pensamento ocidental, entre os séculos XVII e XIX, a imagem da história humana como
passagem lenta, gradual e progressiva dos “tempos rudes para a civilização”. (ROSSI, 2000, p.
79).
Essa nova percepção do devenir histórico, não mais como retorno cíclico a um tempo
assumido como realização plena, coincidirá com uma teoria do processo evolutivo humano em
partir desse momento, a “tendência ao futuro mítico vai vencer a tendência para o reencontro do
percurso evolutivo – tido, nesse caso, como percurso linear – de um estado selvagem à condição
63
De acordo com Paolo Rossi, da tradição hermética (até século XVI) foi possível fazer usos muito diferentes,
estando ligada sobretudo à astrologia, à magia, à alquimia e às doutrinas relativas aos talismãs. Congregava a ciênica
hebreu-cristã, grega e bárbara e tinha como pano de fundo a tendência a colher a unidade, buscando o que chamava
de Um-Todo, sendo o homem a imagem do mundo concebido como totalidade e a história como realidade unitária e
contínua, em que seria possível (e necessário) retornar-se à verdade sábia dos primeiros humanos para descobrir-se a
verdade das coisas. (ROSSI, 2000, p. 47-78).
64
Vide, a respeito, A perfectibilidade do homem, Jonh Passmore,Rio de Janeiro: TopBooks, 2004.
112
racional. Fundamenta-se, então, uma linha utópica (REIS, 1994, p. 157-164) para o
desenvolvimento humano.
A infância seria alocada no mesmo patamar aos dos supostos grupos inferiores, sendo
Esse processo, como já dissemos, terá início no século XVII e pressuporia a tese do
“impulso para a perfectibilidade” de que nos informam os pressupostos sobre o progresso dos
iluministas (REIS, 1994, p.162; PASSMORE, 2004). Da defesa dessa idéia de impulso advém a
percurso rumo a uma utopia possível que possibilitasse à humanidade o rompimento com uma
narrativa de surgimento da Terra (idem, p.88), que teria, dessa maneira, uma origem
dessacralizada e não bíblica – uma origem que seria narrada como emersão de um estado de
Ainda segundo Paolo Rossi, nessa nova acepção, a história natural passaria
lentamente, mas segundo um processo não mais refreável, do plano de uma história como
função das mudanças e do tempo na vida da natureza” (ROSSI, 2000, p.89, grifos meus).
do tempo histórico como passagem evolutiva e irremediavelmente progressiva. Esse novo valor
direção pré-determinada.
A elaboração dessa nova forma de narrativa para a evolução geológica e humana não
seria feita sem conflitos e sem paradoxos. Como veremos: “Como conciliar a imagem de uma
lenta formação da Terra com o resumo da criação? Que relação deve ser posta entre o mito de um
perfeito Adão, gerado pela divina sapiência, e a concepção de uma humanidade primitiva que
vive no temor e na barbaria, que emerge lentamente para a fala e a construção de instrumentos?”
(idem, p. 91).
significaria, nesse sentido, tornar-se cada vez mais experiente, formar-se no decurso de longas
gerações em que a experiência plena seria inatingível, embora, a cada geração, a realidade tornar-
Concebida como passagem que conduziria a humanidade a estágios cada vez mais
avançados, a história seria então teorizada como campo de uma ordem e trajetória pressupostas.
Traria fôlego a essa nova elaboração teórica a idéia de tempo humano como passagem de etapas e
processo de elaboração da idéia de evolução humana e figuraria como mote para justificação de
de degeneração viria corroborar o imaginário da hierarquia no Brasil entre finais do século XIX e
superioridade de alguns grupos sociais e étnicos sobre outros. Temática já amplamente discutida,
garantiria uma precisão tida como irrefutável às ciências do momento (GOULD, 1999, p.65). O
Segundo Gould,
Segundo essa acepção, o embrião humano passaria por estágios evolutivos ancestrais
até atingir plena maturação biológica. Nesse sentido, todas as etapas de vida anteriores à adultez
seriam assumidas como imperfeitas e inferiores, decorrendo-se disso a sua pressuposta tendência
65
De acordo com Foucault (1991), a psicanálise nasceria, no século XIX, marcada por uma concepção de infância
como tempo de patologização, associando-se neuroses de regressão a uma suposta natureza neurótica da infância. De
acordo com Corazza, 2000, pode-se dizer que a equivalência do doente ao primitivo e à criança, sob a forma
regressiva, dá-se pelo funcionamento ininterrupto da infantilidade, que se manifesta em situações em que os sujeitos
estão fragilizados, carentes e dependentes. Essas associações entre infância e doença, infância e selvageria, segundo
Foucault (1991), marcariam a psicanálise de maneira a fazer da criança o lócus da patologia do adulto.
116
estágios iniciais e sua necessária ascensão aos estágios mais avançados. Seria possível
hierarquizar os humanos e, mesmo, as idades da vida. Mulheres seriam inferiores aos homens,
como tendência (a que a humanidade não haveria de querer fugir) a emersão a patamares mais
avançados de humanização, a uma progressiva racionalização dos instintos, de uma passagem das
teoria psicanalítica quanto na eugenia. Nesse último caso, “a recapitulação fornec[eria] uma base
selvageria – tempo a ser superado. Gould relata que muitos currículos escolares de finais do
século XIX foram re-elaborados à luz dessa idéia de recapitulação. Argumentava-se, por
exemplo, que as crianças, “uma vez que estavam passando pelo estágio selvagem correspondente
66
A pedagogia, desde o século XVII, seria informada por uma concepção de infância tomada como tempo de vida
povoado por problemas morais, marcada por traços biológicos e mentais a serem controlados e normatizados.
Foucault (1987) chega a classificar a pedagogia de um “sistema de normas de formação”, que, ao final do século
XVIII, articular-se-ia diretamente com a teoria da representação (CORAZZA, 2000, p.160). De acordo com Ariès,
(1981, p.139-40) a literatura pedagógica do século XVII (principalmente a literatura escrita pelos chamados
moralistas) descreve a criança como débil e frágil, insistindo-se mais na fraqueza da infância do que em sua condição
ilustre.
117
ao que haviam passado seus ancestrais” (GOULD, 1999, p.112), iriam se identificar, por
exemplo, com um tal poema 67 alusivo ao modus vivendi de um grupo tipificado como primitivo.
ancestral do adulto humano – sendo que, de acordo com princípios ditados pela idéia de
degeneração, adultos de supostos grupos inferiores (negros, por exemplo) deveriam ser
ser uma simples metáfora da intolerância para se converter em uma proposição teórica segundo a
Partidário do darwinismo social, Herbert Spencer (1895) resumiria essa idéia: “Os
traços intelectuais do selvagem... são traços que podem ser observados comumente nas crianças
dos povos civilizados” (SPENCER, 1895, p. 89-90, apud GOULD, 1999, p.115).
criminalidade inerente à criança: “Uma das descobertas mais importantes de minha escola é a de
que, na criança, até certa idade, manifestam-se as mais sádicas tendências do criminoso. Nos
67
Song of Hiawatha, Henry Wadsworth Longfellow, poema sobre indígenas norte-americanos, século XIX.
118
O autor divide o mundo zoológico em inferior (do qual fazem parte as crianças) e em
mundo superior (do qual fazem parte os adultos). Vejamos: “O lactente reproduz a mentalidade
do chimpanzé, diz o biólogo Klatsch. E seu compatriota Nicolai observa que não devemos
caluniar o chimpanzé. Convém, portanto, colocá-lo num ponto eqüidistante entre o mundo
zoológico inferior e o superior, do qual fazemos parte, os adultos. (VILLAGÓMES, 1944, p.200).
Nessa acepção, a criança somente poderia ser qualificada como humana quando
passasse a andar de maneira bípede: “É sabido que durante os primeiros meses anda de gatinhas,
reproduzindo a idade geológica em que andamos sobre quatro patas e só ao cabo de um ano
começa a andar ereto, adotando a atitude definitiva. A de bípede implume, como Sócrates
68
Artigo originalmente publicado em “Pediatria en las Américas”, tomo I, caderno I, México, 1943.
69
Tido como desenvolvimento de uma suposta barbárie à chamada civilização, tomada como superior.
119
selvageria e barbárie, associada ao matriarcado, nesse caso, tido também como primitivo e
condição a ser superada. Na segunda fase, a ascensão do império romano é tida como condição
de revolucionária, é tida também por irracional, “devendo” ser superada para que o progresso e o
bem estar da humanidade se instaure. A última fase, como se vê, é o momento de lucidez, de
percurso da vida.
Essa narrativa, expressa como percurso a ser seguido pela humanidade para a sua
evolução, viria a corroborar a representação da infância como ser irracional e movido apenas por
uma vez chegado ao mundo, é o mais desvalido dos seres, pois o pinto, logo
depois de romper a casca do ovo, é capaz de procurar alimento, enquanto a
criança permanece, durante vários meses, como um parasito, vivendo à custa de
sua mãe. Começou como um ecto-parasito e continua como um exo-parasito.
Cresce, pois, como um cipó ou planta trepadeira, à custa de sua mãe. Observem
como as índias do planalto peruano levam os filhos carregados às costas
(VILLAGÓMES, 1944, p.200).
208) ao “mitômano” (idem, p.204), ao “poeta” (idem, p.206) e aos “bárbaros e índios
americanos” (idem, p.208). Não faltam, nessas representações, alusões ao suposto simbolismo
Nesse sentido, pode-se dizer que “a imagem da criança que cresce até se tornar
adulta” passou a parecer uma metáfora natural para o esclarecimento e, na verdade, para a própria
“Não se pode começar precipitando um leão numa sopa primordial.” Assim Stephen
Jay Gould apresenta o princípio biológico de que a vida na Terra começou de fato e
necessariamente a partir de uma mínima complexidade. Contudo tenha se iniciado com mínima
complexidade, argumenta o mesmo autor que a vida na Terra teria desenvolvido movimentos
biológica narrados como um ímpeto dirigido, uma evolução que pressupõe determinado ápice
como finalidade. O processo evolutivo, assim suposto, seria causa de um movimento direcionado
Gould contribui para desnaturalizar a idéia de sentido implícito e planejado da evolução da vida:
p.237).
resultado do movimento “de” um determinado lugar (que, no mais das vezes coincide com menor
complexidade, mas nem sempre) e não, como se supunha comumente, um movimento “para” um
Dessa forma, a vida na Terra pode ser avaliada e compreendida não como um
tal como ocorreu, mas seria, antes, o desdobramento de uma expansão não planejada, marcada
“Os seres humanos estão aqui por um lance de sorte, não por causa da inevitabilidade
da direção da vida ou do mecanismo evolutivo” (GOULD, 2001, p.240). Dessa forma, Gould
ressalta a ausência de uma tendência dirigida para a complexidade na história da vida e de uma
suposta superioridade biológica e evolutiva dos humanos sobre o restante das formas de vida.
potencialidades psíquicas, não estaria também a pediatria marcada pela fundamentação de que a
evolução humana implicaria, necessariamente e somente por essa via, a realização da profecia de
humanos, numa clara alusão à idéia de que a criança é, potencial e naturalmente, predisposta a
biológica. “Esse longo período de crescimento iniciado com a fecundação e formação do ovo,
desenvolvimento humanos não cumpririam mais do que uma predisposição intrínseca a todos os
seres vivos, sendo apresentados, pelo médico, com peculiaridades de todo e qualquer ser vivente:
(1942, p.285).
complexidade pela diferenciação dos diferentes órgãos e sistemas” (ALBAGLI 70 , 1942, p. 285).
morfológica ou psicológica que se verificam desde a formação do ovo até a estrutura do homem
adulto de desenvolvimento completo” (1942, p.285, grifos meus). Explica o médico que
70
Assistente da Universidade do Brasil e médico da Policlínica de Botafogo - 1942.
124
representação ideal para essa passagem, em que as modificações comumente seriam descritas
A pediatria formularia uma série de formas explicativas para esse percurso, não raro
plano considerado normal para o desenvolvimento, plano pressuposto como mais completo e, por
isso, superior.
complexidade biológica.
infantil
É muito comum o uso social de ícones canônicos 71 sobre a evolução como uma linha
concebidas como movimento de progresso em que ocorreria, no caso da evolução humana, uma
imagem fundamenta-se numa idéia de evolução gradativa e teleológica dos processos da vida
humana. “A concepção errônea mais grave e insinuante da evolução é a que equaciona o conceito
Tida como uma história de progresso contínuo, a evolução foi (e ainda é) veiculada
através de imagens que perpetuam uma representação canonizada que, muitas vezes, não pode ser
Assim,
71
Ícones canônicos são utilizados no texto da mesma forma que o faz Stephen Jay Gould, a saber: “imagens padrão
ligadas a conceitos-chave de nossa vida social e intelectual”. (GOULD, 1997, p. 38).
72
De acordo com Stephen Jay Gould, nem a teoria evolucionista nem os registros fósseis amparam a idéia de que a
seleção natural (tal como concebida por Darwin) significou um esquema global de progresso. Pode-se interpretar
melhorias, mas uma cadeia histórica de adaptações locais não corporifica uma história de progresso contínuo. Os
registros fósseis não confirmam uma crença, difundida como cânone, num avanço lento, gradual e seguro da
humanidade e da vida na terra. (GOULD, 1997, p. 39 e GOULD, 2001, 31-50). A respeito da evolução e suas
narrativas, vide, também, Lewin, 1999.
126
Dessa maneira, o processo evolucionário, tido com progressivo, pode ser visto como
história da vida é representada, dessa forma, como história da vida humana, sendo o humano a
40-47). Por isso não é ocasional o uso de “escadas” evolucionárias em narrativas e imagens
Gould, também uma criação, um discurso possível sobre o processo evolucionário, por vezes
representado por uma escada evolucionária. De acordo com esse cânone, os animais considerados
momento a ser superado, sendo a adultez a realização máxima de um processo normal dessa
mas que não confirmam, por exemplo, que o processo seja linear e harmônico necessariamente e
Além disso, ao eleger a fase adulta como superior e como uma meta a ser alcançada,
seria a marcha biológica natural do ser humano normal, dividida em fases evolutivas em que
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o catedrático Luiz Barbosa assim descreveria o papel
O crescimento, nesse caso, é apresentado com marcha progressiva, sendo que caberia
individualidade autônoma.
infância. Os primeiros passos são propalados como uma via de acesso para o ingresso infantil na
Segundo indica Jacques Gélis, os primeiros passos da criança francesa eram dados
durante a missa, momento de elevação (GÉLIS, 1991, p.313). Era considerado um ritual público,
128
comunidade, a continuidade da linhagem. (GÉLIS, 1984, p.472-3 apud GÉLIS, 1991, p.329).
álbuns familiares, normalmente escritos por médicos para uso da família nos primeiros anos de
vida do bebê, em que se pode ver o lugar reservado ao registro do primeiro passo, a situação em
O primeiro passo é sempre o primeiro passo. (...). um dia, por mero acaso – que
o acaso é o inventor das mais famosas descobertas – descobrem elas, no ar
impalpável, que as suas trêmulas mãozinhas tateiam um intangível ponto, vago,
indeciso, móbil, oscilante, fugitivo, mas o desejado ponto de apoio, a flexível
porém consistente linha do equilíbrio – o centro de gravidade, enfim!
(MANSUETO, 1925, p.63)
inserção da criança no mundo dos adultos... mais uma referência à diferenciação entre humanos e
outros primatas. Com os primeiros passos, segundo o pediatra, a criança confirmaria a sua
humanidade, encenando a vitória da família e do médico contra a morte infantil, cada vez mais
73
No imaginário social é comum que vejamos recomendações como: “riscar o chão com uma faca à medida que a
criança anda, para dar-lhe firmeza”, outros, aconselham “que a criança ande primeiro em terra, para criar raízes”, ou,
ainda, que a mãe “jamais olhe para trás enquanto a criança andar, para que tenha futuro promissor”.
74
Tida muitas vezes como morte natural, a morte de crianças, ainda entre meados e finais do século XIX era
representada como causa permanente das elevadas estatísticas de mortalidade dos municípios e estados brasileiros.
Em 1862, por exemplo, o presidente da Junta Central de Higiene Pública, Sr. Francisco de Paula Cândido, ao relatar
o movimento sanitário da cidade do Rio de Janeiro naquele mesmo ano, indicaria um número de mortos no total
aproximado de 9.000 pessoas. Segundo o relatório, a infância teria sido a idade que mais sofreu. Contudo, o mesmo
relatório indica causas permanentes e contingentes constantes de mortalidade, apontando, dentre essas causas
permanentes, “as moléstias à que sucumbem as crianças antes de atingirem a idade de sete anos”. (CANDIDO, 1863,
p.3).
129
Ao estudar questões geracionais, Guita Gibert postula que, nas sociedades ocidentais
modernas, é necessário levar-se em conta não apenas critérios biológicos. Indica que talvez nem
sempre os ritmos biológicos sejam os mais determinantes fatores para demarcação de ritmos e
fases de passagem da vida humana. Outras noções passaram a classificar e separar os humanos
escolarização, dentre outros. Segundo a autora, nas sociedades ocidentais a idade cronológica é
idéia de “curso da vida”, tomada comumente como uma passagem indelével da infância à
definindo padrões de percurso que difundiram idéias a respeito de uma linha que conduziria a
adultez, tomada essa última como fase da vida que implicaria, necessariamente, um
momento a ser vencido, um momento a ser superado para que a adultez – pretendida – pudesse se
realizar. A morte infantil figura, então, e cada vez mais, como descontinuidade desse plano de
realização civilizacional... a morte infantil, considerada, pela sociedade ocidental, como uma
morte “precoce”.
A mortalidade infantil deixaria de ser tratada como dado natural e passaria a ser
encarada como problema e algo a ser combatido somente entre fins do século XIX e primeiras
décadas do século XX. Mudanças sociais, econômicas e médicas contribuiriam para tornar a
mortalidade infantil um dado estatístico que, embora esperado, poderia – e deveria ser –
políticas públicas de bem estar da criança, algo que, embora se possa pensar, aos olhos de hoje,
como óbvio, não estava dado em séculos anteriores em que a mortalidade infantil (embora
lastimada) não era encarada como dado sobre e contra o qual aquela sociedade pudesse fazer
muita coisa.
Como já foi explicitado, até meados do século XIX, a medicina infantil era,
vigente, em especial no século XIX, não era dado natural e, portanto, seria possível e necessário
teórico-prática para que ela se instituísse como medicina diferenciada das demais especialidades.
A infância passa a ser concebida não como um período de adultez em miniatura, mas como
infantil responde diferentemente às doenças do que o organismo adulto. Vejamos o que nos diz
Mas não é somente neste modo especial de reagir do organismo infantil em face
dos agentes morbigênicos, capaz de imprimir um cunho particular á patologia da
primeira infância, que se alicerça a individualização da pediatria como uma
especialidade bem definida no conjunto dos vários ramos em que se divide a
grande árvore da medicina prática.
Escuda-se ela ainda na existência de particularidades anátomo-fisiológicas
peculiares ao organismo da criança, particularidades que devem ser bem
conhecidas do profissional que se quer dedicar à prática da clínica infantil, o
qual deve ter o cuidado de fugir à tendência, origem sempre fértil de graves
75
(grifo original).
132
saberes que pretendia se afirmar perante a sociedade. “[A idéia de] Crescimento é a quintessência
infância viria a ser, então, caracterizada pela pediatria a partir de suas “susceptibilidades
mórbidas”. Ao descrever a infância como fase singularizada da vida, a pediatria brasileira viria a
como essências de cada idade da vida, situando a criança na narrativa de um devir físico com
76
Growth is the quintessence of modern paediatrics.
133
imperfeita e incompleta composição física da criança, com destaque para suas aptidões mórbidas
contra o que o pediatra deveria e poderia agir [e somente ele, a se seguir esse imaginário].
como anátema e perspectivaria uma linha utópica, cujo percurso traria à criança o rompimento
a partir dos quais seria possível fixar características humanas. Seria, ainda, aquilo que cumpre de
fato o que é esperado – “é como deve ser”, considerando-se anormal tudo o que fugir de tal
eles.
tal como enunciada acima: “Fizemos ver o quanto esse termo [normal] é equivoco, designando ao
mesmo tempo um fato e ‘um valor atribuído a esse fato por aquele que fala, em virtude de um
Para realizar tal análise, desnaturaliza a utilização acrítica de dados estatísticos para
justificação absoluta de padrões de normalidade e desvio da mesma. Para enunciação desse tipo
de concepção – aquela que toma o dado estatístico per si para justificação de normalidade –
desvio do tipo específico ou, em outras palavras, qualquer particularidade orgânica apresentada
por um indivíduo comparado com a grande maioria dos indivíduos de sua espécie, de sua idade,
de seu sexo, constitui o que se pode chamar uma anomalia” (SAINT-HILAIRE, 43, I, 30 apud
CANGUILHEM, 1999, p.103). Canguilhem aponta que, assim definida, a anomalia assume
valores. Nesse sentido, os padrões de normalidade são, em alguma medida, também padrões
como se supõe, apenas e simplesmente em dados e fatos mensuráveis, não sendo, portanto,
ou menor valor a dados e fatos a partir dos quais os padrões de normalidade são eleitos como
válidos para determinadas comunidades e são comumente eleitos como tipos ideais.
assentados em dados clínicos escolhidos como parâmetros a serem referenciados como normais.
profissional.
estabelecida socialmente e, porque não dizer, também cientificamente. Assim, “o anormal não é
“Em resumo, a anomalia pode transformar-se em doença mas não é, por si mesma, doença”
como já foi dito, um conjunto de práticas antropométricas que, não raro, discriminavam e
humanas são advindos das pesquisas biométricas desenvolvidas por Quêtelet, formuladas no
humano a partir do qual o desvio é tanto mais raro quanto maior for, Quêtelet dá
o nome de homem médio 77
(CANGUILHEM, 1999, p. 123).
a média como sinal incontestável de existência de uma regularidade, uma freqüência estatística e
criticar os pressupostos de Quêtelet, iria alertar para o fato de que os fatos físicos e fisiológicos
dependem não apenas de determinantes físicos e fisiológicos mas também de influências sociais.
Tomando-se os princípios da biometria para pensar a longevidade, por exemplo, vê-se que a
duração média da vida seria a duração da vida biologicamente normal. Contudo, feita a crítica, a
duração média da vida passaria a ser concebida como a duração de vida socialmente normativa
fisiológicos, seria necessário que se fizessem estudos detalhados sobre os diversos grupos
humanos e subgrupos étnicos, éticos, religiosos, sociais e técnicos e que levassem em conta a
complexidade da vida e dos gêneros sociais de vida. Seria importante que não se tomasse o
homem dito normal como um homem medíocre nem tampouco como aquele cujas medidas
deveriam ser postas como parâmetros de uma normalidade colocada como perspectiva. Dessa
um grupo social, étnico etc com outro grupo com herança fisiológica diferente e tradição social e
em fisiologia. Se a média ressalta uma tendência para a qual convergem os caracteres fisiológicos
de um grande número de indivíduos, não se pode postular, sem dúvidas e efetivas investigações,
77
Grifos do autor.
137
doença ou inferioridade.
degenerados.
sociedade que passou a conviver com tipos ideais, modelos estéticos e de saúde e com
agentes sociais que levantaram a bandeira da “limpeza racial”. A produção eugenista, contudo, é
complexa e heterogênea. O terreno intelectual produzido pelo eugenismo brasileiro indica uma
janeiro de 1918 foi fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo, composta por educadores,
médicos e juristas.
nos consta, até 1945, quando houve uma redução gradativa das publicações e dos discursos
favoráveis às medidas eugênicas, tais como estavam sendo propostas. A Sociedade Eugênica foi
dirigida, até 1929, por Renato Ferraz Kehl, médico, articulador e incentivador do eugenismo na
138
primeira metade do século no país. Publicou inúmeras obras de caráter eugênico e esteve
Kehl e Monteiro Lobato. Fernando de Azevedo esteve desde início do século discutindo os
princípios da eugenia, especialmente em suas propostas para a educação física. Entre 1940 e
1945 foram lançadas, em diversas regiões do país, publicações eugênicas especiais referentes à
relação estreita entre raça, saúde e planejamento social. Em 1931, a propaganda eugênica se
intensificou com a fundação da Comissão Central de Eugenia, que nasceria mais preocupada
pouco mais de 10 eugenistas membros. Em 1929, por ocasião do Primeiro Congresso Brasileiro
de Eugenia, eram mais de 140. Dos trabalhos do Instituto Brasileiro de Eugenia surgiram o
Boletim Brasileiro de Eugenia, publicado entre 1929 e 1935 e os Annaes de Eugenia, resultantes
eugenia: "A eugenia que, no conceito de Galton, seu fundador, visa a criação de uma raça forte,
capaz de, pela sua superioridade qualitativa, vencer as mais fracas, era praticada pelos habitantes
da Hellade com o rigorismo conhecido" (1930, p.44-45). Renato Ferraz Kehl, presidente da
Associação Eugênica Brasileira considerou que "o supremo escopo da eugenia consiste na
multiplicação das boas heranças em detrimento das más" (1947, p.155). Para Thiers Ribeiro,
78
Dentre as sociedades eugênicas mais influentes, citam-se a Sociedade de Eugenia, associação inglesa fundada em
1907 e dirigida por Leonard Darwin, filho de Charles Darwin.
139
médico e diretor da revista Ciência Médica, "eugenia e raça são igualmente saúde e força"
(1944, p.342).
de postura do brasileiro em relação aos hábitos alimentares (em que se incluíam as crianças) e,
por fim, mas não de forma menos enfática, os eugenistas propunham a promoção do controle
sexual de crianças e jovens, bem como a melhoria dos padrões biológicos e físicos do brasileiro.
Quanto a esse último aspecto, veremos quanto foi significativa a criação dos concursos de
Figura 2- Ideal de robustez infantil via promoção dos esportes. Fonte - A medicina
germânica, ano X, n. 5, jul 1941. ( capa, número especial - esportes).
79
Para reflexão a respeito, vide PEREIRA, 1999.
141
Outros médicos foram mais diretos, como o diretor do periódico Ciência médica,
Um dos pontos mais taxativos do programa eugenista dizia respeito ao controle dos
casamentos dos quais surgiriam crianças indesejáveis, inferiores, etc. Essa preocupação gerou
uma série de intervenções dos eugenistas em prol da idéia de controle dos matrimônios pelos
médicos.
considerados insanos, como os "loucos, tarados, transviados e extremistas". Todo esse ideário foi
oficializado nos anos 40, quando da publicação do Decreto-Lei 3.200, de 19 de abril de 1941,
que dispunha sobre a organização e proteção à família 80 . Dentre outras questões, o Decreto-Lei
80
Paralelamente ao processo de definição de uma política da Juventude no Estado Novo, travava-se, entre o Ministro
da Justiça Francisco Campos e o Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, uma outra disputa, ligada à
142
regulamentou os casamentos entre colaterais do terceiro grau, desde que atestassem sanidade.
um ano de casamento. Caso a mulher engravidasse ou já tivesse tido um filho com vida e saúde,
o pagamento seria prorrogado por 24 meses. Caso o casal viesse a ter quatro filhos com saúde, o
pagamento seria suspenso e a dívida seria considerada paga. O inciso 7º do artigo 8º indicava
que:
justificava as diferenças entre os indivíduos, tratando uns como saudáveis e outros como
degenerados. O discurso eugênico contribuía, pois, para difusão de que seria possível (e
necessário) selecionar indivíduos por sua superioridade biológica e moral. Essa capacidade de
organizar a diferença parece ter sido o maior atrativo da eugenia no início do século no Brasil.
Os eugenistas não mediriam esforços para anunciar, classificar e combater o que consideravam
durante o período, no esteio da criação de tipos ideais que servissem de modelo para as
Figura 3- "Uma raça que se afirma", crianças premiadas no concurso de robustez do Paraná, em
1922. FONTE - Revista da Semana, Rio de Janeiro, ano XXIII, n. 16, 15/4/1922, p. 11. São
Paulo, Coleção Nicolau Sevcenko. In: SEVCENKO, 1998, p.578.
Em São Paulo teve lugar em Janeiro deste ano, o primeiro Concurso de Eugenia
realizado no Brasil, quiçá nas Américas. No ano de 1926, dois ilustres
engenheiros, Drs. Pereira Macambira e Heitor Freire de Carvalho, bem
impressionados com ideais propagados pelos então raros eugenistas patrícios,
tiveram idéia de uma subscripção (sic) popular, cujo resultado serviria para
premiar três crianças brasileiras que mais se aproximassem do tipo eugênico
ideal. Obtidos os fundos necessários, foram estes entregues ao Dr. Cantídio de
Moura Campos, presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia, a fim de
realizar aquele concurso em homenagem à imperatriz D. Leopoldina, cujo
centenário da morte o Brasil estava comemorando. (1929, p.57)
de robustez, por outro lado, referiam-se os cuidados com a criança após o nascimento, colocando
sociais considerados mais aconselháveis à saúde tal como concebida por essa perspectiva. Diziam
Pediatria da Policlínica do Rio de Janeiro, sob auspícios de Moncorvo Filho e sua equipe.
Relata Moncorvo Filho que “os concursos de robustez, cujo principal fim é fomentar o
aleitamento materno, têm sido uma medida da mais alta relevância social. Já se realizaram no
Instituto 10 concursos desse gênero” (MONCORVO FILHO, 1907, p. 783). Em 1926, O Instituto
de Proteção à Infância, Rio de Janeiro, teria realizado 33 certames dessa natureza, distribuindo
vários prêmios em dinheiro. Estes tipos de doações contrastavam muito com as premiações dos
Por exemplo, em julho de 1937, o jornal Estado de Minas do dia 24, registra
prêmios como medalhas de ouro, copos de prata, bilhete de 200 contos, corte de
casemira, riquíssimo terno drapeado de seda, finíssimo par de sapatos,
riquíssimo vestido, chá para crianças participantes do evento, produtos Nestlé,
freqüência à piscina do Clube América por um ano, além de várias lojas
oferecerem brinquedos (grifos meus).
considerações abaixo relativas ao dia da criança na capital mineira são bastante significativas:
robustez significavam “a emulação das mães para que elas próprias amamentassem seus filhos. O
exigia aa documentação necessária provando ser a genitora pobre, não ter a criança mais de um
ano e haver sido alimentada exclusivamente por aquela, pelo menos até o 6.º mês”
pressupostos de cunho eugenista, e faria registrar, das crianças atendidas, as suas “heranças, tanto
do lado paterno quanto do lado materno” (MONCORVO FILHO, 1926, p. 179). Também
de valores como o vigor e a vitalidade, que estariam postas sob controle e vigilância médicos.
81
Oscar Guimarães in Minas Gerais, 28/07/1935 apud VEIGA; GOUVEIA, s/d.
82
Em 1917, é criado, nos mesmos moldes do Instituto do Rio de Janeiro, o Instituto de Assistência e Proteção à
Infância do Rio Grande do Norte, que também promoveria, a partir de então, um Concurso de Robustez Infantil.
83
Em 1908 Moncorvo Filho seria nomeado relator de uma comissão responsável pela elaboração de uma proposta
para organização do Serviço de Inspeção Especial Médica Escolar do Distrito Federal. O texto ficaria pronto em
1909 e previa, dentre outras questões, a criação de uma Ficha Sanitária em que se registrariam, dentre outros, dados
relativos a medidas antropométricas e doenças e hábitos de alimentação. (MONCORVO FILHO, 1926, p. 196-216).
Criado em 1910, o Serviço seria desativado em 1915, sendo criado outro Serviço em outros moldes em 1916.
148
superioridade eugênica.
definindo as crianças pelo seu pertencimento social, racial e de gênero 84 . Nessa tradição médica,
não era a mesma coisa ser criança pobre ou rica, negra ou branca, menina ou menino.
84
Vide, a respeito, VEIGA;GOUVEIA, s/d.
154
saúde (robust health) (BROSCO, 2004, p.91). A apropriação desse pressuposto resultaria num
oitocentos.
contribuirá para perspectivação da acepção de corpo infantil qua corpo passível de modelagem.
Passa a ser comum, no pensamento médico brasileiro de início do século XX, que
elementos como crescimento e robustez fossem tomados como sinônimos de saúde da criança.
A robustez estaria pressuposta em representações de um tipo ideal de bebê saudável, não raro um
bebê muito gordo, comumente eleito, na literatura pediátrica, como símbolo de saúde e de
normalidade.
Nos EUA, dados de estatura e peso de crianças começaram a ser utilizados pela
Escola Médica de Harvard foi, talvez, um dos primeiros médicos norte-americanos a se interessar
por quantificar peso e desenvolvimento infantis como forma de acompanhar quadros de saúde e
normalidade de crianças em sua atuação como médico. Seus estudos com escolares reforçariam
155
estereótipos, pois, comparando peso de crianças de escolas públicas e privadas, obteria resultados
mais favoráveis às últimas, como também obteria resultados melhores para crianças “nativas” do
que para filhos/as de imigrantes. Por volta do mesmo período, o médico Percy Boulton
medições seriais de peso poderiam ser indicativas para diagnose e prevenção de doenças,
posteriormente largamente utilizada como rotina médica, pela eleição de padrões de crescimento
e médias, bem como pela descrição de um sentido normal para crescimento infantil, fora do quê
divulgação de imagens de bebês gordos tomados como saudáveis e bem nutridos. Veiculava-se,
então, não somente um padrão biológico tido como natural e a ser perseguido por famílias e
caso, a apropriação de critérios de peso e estatura dar-se-ia num ambiente de alta valorização
social do ideal de robustez, símbolo do que seria propalado como vitória da ação médica contra a
morte infantil.
pediatria nascente.
156
Nas primeiras décadas do século XX, estavam disponíveis, à pediatria brasileira, pelo
menos quatro fórmulas para verificação e acompanhamento da saúde infantil: “tabela de índice
para apreciação da saúde e estados nutritivos, segundo relata Silveira, a relação idade-peso-
país, nas Faculdades de Direito e Medicina 86 (tanto na Bahia quanto no Rio de Janeiro)
determinada percepção a respeito do que viria a ser considerado parâmetro médico de saúde
85
Tendo como parâmetro central a perspectiva de medida do homem com vistas à evidenciação de suas
potencialidades ou restrições, a antropometria brasileira serviria como sustentáculo da diferenciação sócio-racial,
especialmente no campo da criminalística e do planejamento urbano e médico-sanitário.
86
Para uma análise das peculiaridades dos projetos das Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia, em
especial no que se refere à atuação médico-social fundamentado pelo conhecimento antropométrico, vide
SCHWARCZ, 1995, p.189-191.
87
A associação entre peso e saúde não é exclusiva da medicina pediátrica brasileira. Jeffrey Brosco relata, para a
medicina norte-americana, essa mesma associação, usada, em finais do século XIX, como diagnóstico e prevenção
de doenças como a tuberculose e a sífilis (BROSCO, 2004, p. 93).
157
Para o caso do lactente, essas tabelas foram organizadas, comumente, com pelo menos
duas divisões: sexo (masculino e feminino) e regime alimentício (amamentação natural e regime
artificial). Para o caso de não-lactentes, essas tabelas foram organizadas com freqüência a partir
biológica.
pediátricas poderiam ser absolutamente contrastantes, como, por exemplo, se vê abaixo: “As
crianças brasileiras apresentam índice de nutrição mais elevado do que as da França. Se por acaso
ainda alguém descrê da vitalidade do povo brasileiro, que compare, com as nossas, essa tabela de
peso das crianças da Gália, a grande e admirável nação” (SILVEIRA, 1944, p. 295).
Brasil esses valores podem ser reduzidos conforme se pode verificar nas tabelas brasileiras sobre
normalidade que serviriam à pressuposição de ideais que, como já dissemos, não raro associavam
a robustez ao estado perfeito de saúde infantil, mas que foram acionados conforme conveniências
e concepções em jogo.
158
século, embora não tenha gerado, como o critério de peso, tabelas e fórmulas de
caso, o que foi mais comum, pelo menos nas primeiras décadas, foi a recomendação de que os
médicos o fizessem com relação ao peso da criança e a literatura disponível nesse sentido é
efetivamente mais substantiva e farta. “Os livros de puericultura e os de pediatria por mim
compulsados não referem fórmulas para o cálculo da estatura mês por mês do lactente. Creio que
recorrente a descrição de que uma criança “bem cuidada” seria aquela que, a olhos nus, melhor
aparentasse saúde. Na tradução dessa mensagem, foi comum a eleição de crianças pesadas, cheias
de “dobras”. Em junho de 1879, Carlos Costa, publicaria, como de praxe, a palestra do médico
no periódico “A mãe de família”. Versando sobre nutrição infantil, a palestra aconselharia que:
“Com efeito sabem V.V.E.Ex. que é fato vulgarmente conhecido que é considerada bem criada
uma criança quando, tomando-se nos braços, se sente que ela é pesada 88 . Assim é, o leite sendo
bom e portanto aproveitando, a criança adquire mais peso” (COSTA, 1879, 81, grifos meus).
Seguindo sua argumentação, Carlos Costa falaria às mães a respeito das possibilidades
cuidado da boa saúde: “Creio já ter dito que o recém-nascido, logo depois de vestido, sendo
pesado obtém-se, termo médio, 3 kg e mais 200 e tantas gramas. Pois bem, algumas horas mais
88
A mesma operação de acompanhamento de peso como parâmetro de nutrição foi sugerida pelo mesmo médico
para aplicação às amas de leite: “o mesmo sistema de se avaliar da nutrição pelo peso poderá ser aplicado às amas.
Como aumento de peso se verá que elas não têm perdido em sua nutrição e que assim são sempre boas para
continuação do aleitamento” (1879, p. 82).
8990
Edison José Correia, Médico, pediatra neonatologista, co-autor de Medicina Ambulatorial. Entrevista Oral, 2004.
159
tarde, começando regularmente o aleitamento, começa também o aumento de peso, que irá em
combate a doenças e a desnutrição: “se forem fortes e robustas podem combater valentemente o
Padrões de beleza informavam esse ideário, que “Tinha uma imagem marcante do
menino gordinho, com as chamadas ‘rugas da saúde’. A perninha do menino era tão grossinha
que fazia aquelas rugas. Hoje seria o contrário, rugas da futura obesidade! E essa imagem ainda é
forte no inconsciente popular das mães, das avós: o gordinho era saudável”. (CORREIA 90 , 2005,
p.1).
FILHO, 1926, p.377). Para organização de tal serviço, o Dispensário teria medido e pesado cerca
de 5.000 crianças 91 entre 0 e 14 anos, tendo Carlos Arthur Moncorvo Filho inventado um
aparelho especial para esse fim a que denominaria de “Puerímetro” (MONCORVO FILHO,
1926, p.157).
mais de 5 mil crianças, organizamos uma tabela com as médias obtidas para a criança brasileira
91
Em 1907, segundo relata, o Dispensário teria atendido, desde 1904, 2.000 crianças segundo critérios indicados na
ficha de matrícula reproduzida na Memória.
160
estatístico sobre a infância, especialmente a infância desvalida do país, com destaque para os
estatístico, que pensamos, uma vez finalizados, proporcionará aos estudiosos da nossa pátria um
Indica que, desde 1904 o Dispensário Moncorvo já teria adotado fichas de matrícula
Vejamos a ficha:
161
criança e com indicação de diferenciação para mais e para menos de uma dada escala de
adoção de médias normais tomadas como parâmetros de saúde perfeita. O médico, na apropriação
desse saber, registraria e acompanharia as diferenciações para mais ou para menos das variações
Essa ficha de matrícula é precursora do que mais tarde viria a se chamar “Caderneta Sanitária
da Criança”, uma ficha mais completa do que a anterior, incorporando outros elementos
antropométricos como “estados constitucionais” e “funções do crescimento”.
variabilidade de critérios a que a pediatria poderia lançar mão e da qualidade dos resultados
advinda das escolhas feitas, bem como de sua maleabilidade segundo o julgamento realizado.
antropometria pediátrica nas primeiras décadas foi comum a perseguição de critérios únicos
como forma de diminuição do impacto que a variabilidade de métodos, fórmulas e critérios para
uma variável única para apreciação da saúde, o chamado Índice de Kaup. Incluído na Caderneta
de Saúde instituída pelo Serviço de Saúde Escolar, o Índice de Kaup baseava-se na proposição de
Quételét de que o peso de um indivíduo adulto normal variava na razão inversa do quadrado da
sua estatura. A formula do Índice de Kaup é a seguinte: “1 Kaup – peso (em gramas) sobre
estatura (em centímetros) ao quadrado”. Segundo relata o pediatra responsável pelo Serviço de
serem admitidos como novos alunos na rede pública da Prefeitura do Distrito Federal nos anos
40. Relata o autor que “O índice 1,4 é considerado o limite mínimo de normalidade física
tolerável; daí para baixo são considerados em más condições de robustez” (REIS, 1941, p. 103,
grifos meus).
médico durante muito tempo. Essas concepções embasaram práticas de alimentação que visavam
utilizado, no século XIX, também a partir de uma retórica tributária de evidências estatísticas de
que a ausência de mamadas regulares poderia ter efeitos sobre a mortalidade infantil. No século
1997, p.64).
Na Europa moderna era prática corrente a delegação dos primeiros cuidados com a
ancorado em casos de famílias que entregavam seus filhos a nutrizes, passando semanas e meses
Os antigos médicos consideravam que o leite não era só o sangue da mãe, mas um
sangue particularmente cozido. Quando ocorria a amamentação, todo o excesso de seu sangue era
principalmente por casais que se viam, muitas vezes, diante de uma nova gestação – o que,
segundo o imaginário do século europeu XVIII, representaria um risco ao lactente, pois o leite,
das recomendações por continência sexual, muitos casais viam no aluguel de nutrizes a
166
alternativa para fugir tanto do risco do pecado quanto dos perigos anunciados ao bebê em caso de
manutenção das atividades sexuais da mãe que amamentava (FLANDRIN, 1988, p. 215).
brasileiro. O recurso às amas de leite parecia ser bastante comum no Império e o aluguel de
1997, p.63).
Negras nutrizes eram muito valorizadas, especialmente até meados do século XIX,
sobretudo pela robustez e “excelência de seu leite”. A partir de meados do século XIX passa a ser
comum também o anúncio de amas de leite brancas, o que torna mais complexo ainda o debate
nutrizes, muitas delas mulheres livres que se ofereciam em jornais do período para amamentar
crianças recém-nascidas.
mercenárias. Entre 1902 e 1907 teriam sido atendidas cerca de 700 mulheres e, segundo relatório
Contudo, o que se verificaria, no Brasil, seria o combate às amas de leite – por razões
morais, higiênicas e atribuídas por vezes à racionalidade na administração do leite artificial pela
própria mãe. Nesse caso, a administração do leite artificial é fomentada sob argumento de que as
próprios médicos.
167
infantil.
Em 1855 o médico Lazaro José Gonçalves teria feito perguntas quanto à melhor forma
Que regimen será mais conveniente para a criação dos expostos da Santa Casa
da Misericórdia, atentas às nossas circunstâncias especiais, a criação em comum
dentro do Hospicio ou em casas particulares?
Na primeira hipótese, o que mais conviria: amamentá-las com o leite de amas
que se podem alugar hoje, ou com o de cabra, ovelha ou vaca?
Neste último caso, o que seria mais útil, ministra-lhes o alimento por meio de
instrumentos apropriados, ou acostumar a criança a sorvê-lo imediatamente do
ubre do animal? (GONÇALVES, 1855, p.34).
manuais de formação do pediatra do início do século XX, além de figurar também nas obras
dedicadas à família, cujo destinatário central era a mãe. Na higiene escolar, figura como alvo a
alimentação da então chamada primeira infância (essa, também, uma denominação flutuante).
168
indicação simultânea de que o leite materno é benéfico ao bebê, a despeito da intensa propaganda
feita por produtos da nascente indústria alimentícia e a sugestão, não muito subliminar, de que os
do aleitamento materno 92 .
O que parece comum, nessa literatura médica e também nas propagandas veiculadas
representaram ótimo canal para divulgação desses produtos, e as propagandas voltavam-se com
freqüência para a interlocução com o pediatra, a quem se dirigia uma parte dos recursos
92
.Alguns artigos apontam diferenças nutricionais entre o leite materno e outros leites e alimentos disponíveis.
Torna-se freqüente a presença de médicos que comparam leites de diferentes fontes. Alguns apontam para a
superioridade da gema de ovo sobre o leite de vaca e o leite materno: “Basta o confronto destas três analises para
concluir-se da superioridade da gema de ovo como alimento da criança” (AQUINO, 1913: 75). No início do século
XX, ventila-se a possibilidade de implantação de bactérias no estômago infantil, via ingestão do iogurte, o que,
segundo se supunha, viria a combater definitivamente a ocorrência de morte por gastroenterite.
169
Figura 8 – Sirva-se das revistas médicas; só se apresenta quem tem valor. In: Arquivos de
Pediatria, julho de 1944.
170
1944. No anúncio “Sirva-se das revistas médicas”, os editores da revista explicitam o conselho,
aos médicos pediatras, de que fossem receitados e recomendados apenas os produtos que de fato
fossem divulgados em periódicos médicos, periódicos científicos, de forma que “uma mão
lavasse a outra”. Além disso, também é digno de nota o fato de que, ao enunciar a expressão “só
se apresenta quem tem valor”, a propaganda suscita a idéia de que esse é um campo fechado e
reservado aos produtos que, também pelo fato de serem anunciados em um periódico médico-
pediátrico, seriam portadores de um valor, uma qualidade a ser considerada pelo profissional no
responsável exclusivo pela saúde infantil, sendo esse também um dos recursos utilizados pelos
toca à difusão de leites e farinhas infantis. Comumente o pediatra seria descrito como profissional
“de ciência”.
93
Como se verá, nesse capítulo são apresentadas propagandas e folhetos coletados em maioria em periódicos
pediátricos, alguns deles de circulação praticamente restrita aos pares, outros de ampla circulação. O que se observou
é que o recurso à valorização da autoridade pediátrica está presente na maior parte das peças selecionadas, que
operam com elementos simbólicos que compreendiam o valor que o status de autoridade científica conferia ao
pediatra, concedendo-lhe poder e afirmação social em um contexto de busca de auto-afirmação.
171
sujeito “de ciência”, que autoriza e supervisiona a família (em particular a mãe) a cuidar da
alimentação da criança.
digeribilidade, rico de vitaminas de valor completo elevadíssimo” (Creme de Arroz, In: Arquivos
como condição para autorizar e recomendar produtos alimentícios para a infância, como também
se vê em: “Dryco satisfaz todos os requisitos que deve cumprir para que a alimentação infantil
traga bons resultados. Vinte e cinco anos de uso clínico 94 tem provado isto sem dúvida alguma”
seguros, o que explica a preferência a eles dispensada pela classe médica brasileira. Nestogeno,
Lactogeno, Molico e Eledon representam a mais racional e científica série de leites em pó para a
crianças.
94
Grifos meus. Note-se, além da valorização da robustez como ideal de saúde advindo da alimentação, a veiculação
da alegria como atributo de uma infância saudável, bem cuidada, bem alimentada.
173
Figura 10– Propaganda de Leite Dryco para alimentação infantil. Quais vitaminas?
Arquivos de Pediatria, out 1945, ano XVIII, vol. 18, p.16. Biblioteca da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais.
comunicavam um ideário da valorização da criança “que engorda” como uma criança saudável.
Vejamos expressões que acompanham esse tipo de propaganda: “As crianças dão-se muito bem
com Klim porque Klim dá-lhes robustez e alegria 95 . Escolha o melhor leite para o seu bebê” (In:
Arquivos de Pediatria, 1941). Ou, então: “hoje em dia, é cada vez maior o número de autoridades
174
médicas que concordam em que o óleo de fígado de bacalhau constitui uma valiosa ajuda para
robustecer as crianças fracas e estimular o seu desenvolvimento” (Emulsão de Scott, In: Arquivos
Figura 11– Ingesta, Farinha Láctea Phosphatada e Vitaminada. Pediatria Prática, jul-ago
1929, p. 218.
175
literatura médico-pediátrica e nas práticas de promoção da saúde em curso. O rótulo indica seu
combater anemia e debilidade por conter vitaminas de amplo espectro e por promover o
robustecimento da criança.
Outro recurso utilizado pela indústria do alimento infantil no Brasil seria o de divulgação
da idéia de que o produto seria o alimento ideal para a criança, representada como criança feliz
176
quando alimentada. Nessa perspectiva, a abordagem volta-se comumente para a mãe, que
Figura 13- GADUZAN. Revista Brasileira de História da Medicina. Vol X, dez 1959, p.
90 (publicado originalmente em Arquivos de pediatria, ago 54, p. 796).
(condensados, em pó, etc) fossem tão nutritivos quanto com o leite materno. Na propaganda
abaixo reproduzida, também publicada em jornal pediátrico, vê-se a difusão de uma idéia acerca
177
da normalidade pretendida para a criança associada à sugestão de que o leite modificado fosse
idéia de que a criança alimentada com o produto à venda “se desenvolve e cresce tal como com
leite materno”.
Figura 14– A criança normal. SMA. Arquivos de Pediatria, nov. 1947, p. 64. (original
avariado)
desenvolvimento e crescimento, com S.M.A (produto norte americano para alimentação infantil).
178
tal como com leite materno. A figura apresenta tabela comparativa entre o leite materno e o
S.M.A., com destaque para sua composição química, propriedades físicas e conteúdo vitamínico,
infantil”, sugerindo às mães que vissem “com que facilidade se prepara” o alimento de seu filho.
voltados para a alimentação infantil brasileira utilizando o argumento de que seria possível
expurgar as amas de leite das famílias e instituições de amparo à criança, a partir daquele
momento:
A propaganda acena claramente para que parcela do mercado o leite e a farinha Nestlé
se dirigiam: ao mercado de leite humano mercenário, que será substituído de fato pela
nota o fato de que as relações entre a Nestlé e a Sociedade Brasileira de Pediatria foram, no
O leite em pó viria povoar o imaginário das mães que, em busca do alimento ideal,
substituiriam, com aconselhamento pediátrico, o leite materno pelo leite condensado e pelas
farinhas nutricionais. Em 1947, José Martinho da Rocha divulgaria, no livro “Como criar o
96
A Biblioteca Nacional realizou, entre 2002 e 2003, um levantamento exaustivo de propagandas Nestlé em
periódicos brasileiros do século XIX e XX, sob guarda da Biblioteca Nacional, a pedido da Fundação Nestlé de
Cultura. O resultado da pesquisa, para o século XIX, encontra-se em anexo nesse texto.
97
Vide anexo.
179
bebê”, o seguinte comentário: “Alimentação artificial bem dirigida por pediatra, muito embora
não se compare à amamentação materna, sobreleva pelo seu valor e probabilidade de sucesso, os
riscos da ama de leite mercenária e oriunda de favelas” (ROCHA, 1947c, p 104, grifos meus).
leite artificial facilitaria a institucionalização dos asilos de órfãos, dispensando-se a prática de uso
de amas de leite e mães mercenárias muito comuns até finais do século XIX. A história do uso do
leite artificial, no Brasil, também não pode ser dissociada da história da institucionalização do
observou que a abolição do sistema de amas externas e a adoção, por volta de 1915 98 ., do leite
em pó como alimento para os recém nascidos, teriam feito com que as instituições como Rodas
de Expostos e congêneres pudessem funcionar como asilos de órfãos (VENÂNCIO, 1999, p.170).
serviço de distribuição de leite, que já socorreu mais de 300 pequeninos, alimentados pelo leite
pastorisado. Eleva-se o algarismo de mais de 40.000 o número de litros de leite fornecido e cujo
A higiene de mamadeiras é também assunto que passa à pauta médica, uma motivação
advinda em boa medida das formulações pastorianas em circulação na Europa e também no país.
Médica em que apresentaria reflexão sobre o leite das mamadeiras e a importância de que o
98
A presente pesquisa indicará data anterior a esse movimento, por volta de 1907, já com a utilização de leite
pasteurizado e não, como aponta Venâncio, com a utilização de leite em pó, em 1915.
180
pediatra se preocupasse com essa questão. Reproduzimos abaixo todo o documento, que,
ingestão de leite e pelo uso de mamadeiras contaminadas, essa também uma novidade com a qual
Moncorvo Filho para emitir conselhos às mães quanto ao melhor formato de mamadeira para o
seu filho: “É chamada assassina a antiga mamadeira de tubo e que jamais devem ser usadas. A
mamadeira quanto mais simples melhor. O próprio vidro de esterilização é o melhor e o bico
nunca deve ser de borracha cinzenta, que é venenosa.” (MONCORVO FILHO, Carlos. In:
99
MONCORVO FILHO, 1926.
182
Figura 15 – Mamadeiras condenadas entre final do século XIX e início do século XX. Muito
utilizadas até o XIX, eram feitas geralmente de estanho, tinham bico que possibilitava a
introdução de esponjas entre o bico e o tubo. Fonte: DE LAMARE, 1941, p. 87.
alimentação artificial, aquela controlável e, por isso mesmo, científica. Estavam pressupostos
como veremos.
No fascículo 27 dos Anaes Nestlé, 1950, vê-se a divulgação de uma “Pupileira”, uma
Figura 16– Pupileira, construída sob os auspícios da Nestlé, Anais Nestlé, fascículo 27, p. 87,
1950.
183
segundo as nurses, os banhos e o terraço de sol. As crianças seriam mantidas sob isolamento,
sendo acompanhadas em seu peso, desenvolvimento, num processo que não dispensaria o uso da
estatística do crescimento. Sobre os pais, destaca o autor do artigo: Foram tomadas as medidas
necessárias, a fim de que os pais não propaguem infecções em seus filhos quando vão visitá-los
ali, pelo que com muita freqüência devem contentar-se com vê-los através dos vidros. (Anais
Vejamos, a seguir, uma propaganda veiculada nos anos 50, nos produtos Nestlé, no
Brasil, que indica em que se pauta a relação mãe-pediatra. A se tomar o discurso veiculado como
válido, as recomendações pediátricas deveriam ser seguidas pela mãe, reforçando-se o lugar da
confiança no poder profissional que o pediatra incorporava. É significativo, nesse caso, o recurso
alimentação infantil. A confiança seria, então, tributada ao médico e à Nestlé, não à capacidade
Figura 17- Confiança, propaganda Nestlé aos trabalhadores de saúde. In: Brady; Brady,
2004, p. 14
Como se vê, a Nestlé difundia a idéia de que cuidar de crianças de maneira plena
seu peso, resultando disso a proposição de criação de uma instituição que visasse a esse fim, em
perfectibilidade em matéria de garantia da saúde de bebês. Não podemos avaliar em que medida
esse ideário pode ter influenciado decisivamente o pensamento pediátrico do período. Mas
podemos perceber que, na sua estratégia de divulgação, o pediatra é representado como mediador
E sabemos, por exemplo, que pelo menos até os anos 70 100 no Brasil era comum que
as mães saíssem das maternidades com folhetos de leites modificados e leites em pó, dentre eles
100
Vide Brady; Brady, 2004.
185
parturiente da instituição hospitalar, ocorreu, sabemos, com o consentimento dos médicos que,
artificial ocorreria por volta dos anos 70, através da ação sistemática que envolveu uma
Em 1974, a War on Want publicou um livro intitulado ‘The Baby Killer’ (O Matador
um julgamento de dois anos a companhia desistiu das acusações exceto a de difamação com
relação ao título do livro. O Grupo de Ação para o Terceiro Mundo foi declarado culpado dessa
simbolicamente e as palavras do juiz para a Nestlé foram duras, indicando que a empresa deveria
repensar suas práticas publicitárias nos países em desenvolvimento para que não fosse acusada no
futuro de ‘conduta imoral e anti ética’. (...) Em 1978, em resposta a estes movimentos, o senado
nos países em desenvolvimento, o que teria contribuído para o pedido por regulamentos de
CONSIDERAÇÕES FINAIS
formulação de um discurso para o seu percurso histórico e uma apreciação dos conhecimentos,
fórmulas e pressupostos escolhidos como válidos e tidos, na maior parte das vezes, como
como tempo de vida, problematizando sua vinculação à tradição que tributa à infância uma
uma concepção evolucionista de infância pela pediatria, uma infância concebida como momento
singularizado numa linha progressiva que conduziria à condição de adultez, tomada, nesse
discurso pediátrico, como concretização de um ideal a ser perspectivado no curso da vida pela
ação médica.
início do XX. Tributária dessas tradições, a pediatria se veria, pois, às voltas com rotinas
189
fundadas na idéia de eleição de caracteres normais e anormais a partir dos quais seria possível
robustez infantil traria o peso corporal à centralidade da ação pediátrica, expressa atenção clínica
ocasionais e nem tampouco “reflexos” ingênuos e diretos das percepções sociais. O campo social
em que a pediatria se institucionaliza é informado por idéias, percepções e práticas que interagem
erudito é necessário que sejam feitas reflexões a respeito das condições nas quais esses processos
ocorrem e em que medida eles também são produtores de novos objetos, teorias, conhecimentos e
métodos. Bourdieu contribui para compreensão de como esses processos são eivados de erros,
escolhas e inseguranças (FERREIRA; BRITO, 1994, p. 139), todos eles enunciados e debatidos
190
doença infantil sob pena de perda de eficácia no combate à ameaça de morte precoce.
mundo, a pediatria o fez também movida pelo pressuposto da possibilidade desse conhecimento
num mundo que se desencantara com a idéia de que a morte, não mais vivenciada como fase
natural da vida, poderia ser expurgada (ARIÈS, 1982) da condição de infância pela ação de
profissionais.
voltas com a finitude humana. A pediatria ofereceria um aparato científico para enfrentamento da
No período que se segue aos anos 60 do século XX, a pediatria, como campo de
formação acadêmica, seguirá perfil mais afinado com pressupostos da chamada medicina
medicina preventiva, medicina comunitária e medicina social. “Posteriormente, nos anos 80, [a
recentemente, anos 90, da saúde coletiva”. (ZANOLLI & MERHY, 2001, p.1).
em finais dos anos 60 ela viria a adotar padrões de rejeição e combate à obesidade infantil,
Ocorre uma alteração das concepções de saúde e doença. Num primeiro momento, vê-
saúde, advindo daí uma transformação de seu conhecimento e de pressupostos que fundamentos
192
de seu discurso e de sua prática. Dessa forma, compreende-se a recente aproximação entre a
combinação de dados, sendo o aumento de peso mais um, dentre todos os dados variantes
considerados válidos. Isso se deve à revisão dos pressupostos de saúde e também à revisão de
condutas médicas em pediatria em que medidas como peso corporal passaram a ser
saúde infantil até então considerados canônicos e amplamente difundidos tanto na literatura
médica quanto em materiais voltados para formação de mães e famílias para o cuidado com
Nestlé e o abandono histórico das práticas de amamentação natural no país pode ter contribuído,
nesse sentido, para recolocar o papel do médico pediatra na sociedade. Faz parte desse processo
pediatras, bem como das associações, por exemplo, entre a Nestlé e a Sociedade Brasileira de
devir, tomando a criança em perspectiva presente 102 , como sujeito social. Essa alteração
anunciada pelo saber pediátrico durante longa data. Ao assumir a infância como tempo presente,
a pediatria se deparará com os desafios de uma formação e de uma prática profissional que
Esse debate também será influenciado, no bojo desse movimento de revisão, pela
compreensão das peculiaridades de outras faixas etárias, como a juventude e outras formas de
compreensão da passagem e da vivência dos tempos de vida (como a que ocorre, por exemplo,
com a medicina intra-uterina). Assim, a formação pediátrica conta com uma compreensão mais
alargada das modificações etárias 103 e suas peculiaridades, vivenciando, também por isso,
transformações das representações sobre a mãe, a infância, os tempos de vida, a morte, o papel do
A postura do médico perante a família da criança seria transformada, não mais vista
como incapaz, desprovida de saberes válidos ou, ainda, como grupo social a ser controlado pelo
médico.
102
“A criança é o hoje, não o futuro!” (CORREIA, Edison. 2005).
103
Até recentemente a pediatria ainda se veria às voltas com a problemática dos tempos de vida, haja vista a
declaração de que “recentemente esses limites [de idade] se ampliaram e o pediatra sentiu a necessidade de estender
seus cuidados ao feto e ao adolescente” (TAVARES, 2000, p. 170).
194
imprimirá novos ares à pediatria, que assumirá perfis mais preventivos e vinculados à promoção
da saúde das coletividades em que se inserem as crianças. A incorporação das ciências humanas
posteriormente ao Cartão da Criança 104 , chegando à Caderneta da Criança 105 da qual foi excluída
vimos, aborda a criança a partir de padrões típicos ideais numa série modelo). Apresenta-se então
parâmetro de normalidade. A prática clínica do pediatra ainda permanece bastante similar àquela
convencionalmente realizada de maneira pouco integrada a uma equipe de saúde, pautada pela
profissionais em saúde.
exercida em consultório, e realizada de maneira isolada, pouco reflexiva e em que ainda fazem
104
Em que a perspectiva de faixa etária compreende o período de 0 a 7 anos.
105
Faixa etária compreendida entre 0 e 7 anos.
195
muito sentido a associação entre criança e doença e a representação do pediatra como profissional
em boa medida, centrada na doença infantil e no papel salvacionista do pediatra. E, nos mesmos
discursos, crianças e adolescentes continuam a ser encarados como “futuros cidadãos, nossos
curricular acabam sendo superficiais, muitas vezes voltando-se apenas para atendimento das
demandas do mercado profissional. Embora, portanto, referenciada por saberes novos e revistos,
tendo ampliado sua capacidade analítica e explicativa, revendo concepções caras, a pediatria, em
sua prática, ainda continua marcada “basicamente por ações clínicas individuais”.
generalista, o mesmo perfil que justificaria e autonomizaria a pediatria como especialidade entre
Associa-se a isso o fato de que o autodidatismo não integra o perfil padrão do pediatra
Pediatria levaria a cabo uma pesquisa sobre formação pediátrica. Os dados apontaram para ¾ dos
reflexiva e desvinculada de uma rede de saúde ou de grupos profissionais da área, contrasta com
pediatra transita para além das bordas da arena de pares, inquirindo os horizontes profissionais a
enfrentamento do luto que possibilitaria promover reflexões sobre os limites de seu saber e de sua
prática, talvez porque, para ela, a prática médica somente se realize como irrefutável e as crianças
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106
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107
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ANEXO 1
Relação de anúncios Nestlé na Imprensa Brasileira – século XIX/ início século XX 109
109
Setor de Microfilmagem da Biblioteca Nacional.