Concubinato Uniao Estavel Divisao

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PODER JUDICIÁRIO – ESTADO DE MATO GROSSO

COMARCA DE CUIABÁ

1ª. VARA DE FAMÍLIA E SUCESSÕES

SENTENÇA DE MÉRITO
NÃO PADRONIZÁVEL - ART. 269, I DO CPC

“Consoladora, inclina-te suavemente para o meu coração.


Dá-me, silenciosa, alívio para a dor.
Coloca tua sombra sobre tudo por demais brilhante
Dá-me a exaustão, cobre o brilho.
Deixa-me teu silêncio, teu abrandamento refrescante.
Deixa-me embrulhar em tua escuridão tudo o que é mau.
Quando a claridade doer com novas visões dá-me a força
para seguir adiante com firmeza.”
Hannah Arendt - obra Por Amor ao Mundo

PROCESSO N. 30325-71.2008.811.0041 (3 VOLUMES) - CÓDIGO Nº 360453

Vistos, etc.

E. F. da S. ajuizou ação de Reconhecimento e Dissolução de União


Estável c/c Partilha de Bens Adquiridos na Constância da União, em face de J. M.
de A.

A autora, atualmente com aproximados 50 anos (doc. de fls. 26),


alega que conviveu com o requerido, por 17 (dezessete) anos (ano de 1989 até
2006), sob o mesmo teto e em união estável, no município de Juscimeira, conforme
declaração registrada em cartório (fls. 38), como se casados fossem, sendo que ela
trabalhava e auxiliava o requerido na manutenção das fazendas.

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Menciona que a relação era pública, para tanto a autora carreou aos
autos fotografias da convivência das partes em momentos do dia-a-dia (inclusive
em igrejas), rodeados de familiares e amigos, bem como juntou recortes de jornal
contendo fotos do casal perante a sociedade local (fls. 30/36). Ademais, assevera
que o requerido também auxiliava na criação de seus filhos.

Para demonstrar os negócios empreendidos, a requerente juntou aos


autos cópia das negociações feitas durante o período em que viveram juntos: a)
contratos de compra e venda de imóveis; b) arrendamento de semoventes; c)
contrato de parceria pecuária, dentre outros.

Explica que, no ano de 2006, o requerido resolveu se mudar para o


município de Piraju, no estado de São Paulo, em decorrência de ter atingido idade
avançada. Alega que os filhos do réu, completadas suas capacidades civis e
residentes em Piraju-SP, começaram a assumir os negócios do pai.

Após a separação e a partida do requerido para o outro estado, a


autora alega que não houve partilha dos bens construídos durante o longo
relacionamento, razão pela qual requer a restituição da parte que lhe cabe, por ter
auxiliado e trabalhado em conjunto na construção do patrimônio.

A autora ainda requer, em sede de liminar, o bloqueio de valores e


patrimônio do requerido, para que não haja a dilapidação por parte deste.

Carreou aos autos robusto conjunto probatório (fls. 22/347).

Às fls. 348/349, foi indeferida a liminar de bloqueio de


bens/valores.
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Citação às fls. 374.

O requerido apresentou contestação às fls. 375/393, com


documentação acostada às fls. 394/459. Em resumo, este, confessa a existência da
vida em comum, asseverando, contudo, ser o relacionamento extraconjugal, tendo-
se em vista o fato de ser casado e de nunca ter se separado, de fato, de sua legítima
esposa.

Por esta razão argumenta que se trata de concubinato impuro,


havendo, neste caso, impedimento legal para o reconhecimento da união estável
(art. 1.521, VI, do Código Civil).

Alega o requerido que tem negócios no estado de São Paulo, bem


como em Mato Grosso, alternando de tempos em tempos sua estadia, ficando ora
numa cidade, ora noutra, confirmando assim o relacionamento adulterino mantido
com a requerente.

Esclarece, o réu, que não se trata de uma relação de 17 (dezessete)


anos. Isto porque a relação se intensificou mais no ano de 2000 até 2006, momento
em que passou mais tempo no município de Juscimeira-MT e, consequentemente
aumentou a convivência com a requerente. Assim, elucida que a união de fato
ocorreu entre os anos de 2000 e 2006 (fatos modificativos).

O réu ainda aduz que o objeto da presente demanda engloba o


pedido feito na ação que tramita na 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, sob
nº 517/2008, cód. 324879, que trata de uma obrigação de fazer, relacionada a bens
adquiridos durante a constância da relação. Desta forma, requer a reunião daquele

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feito a este, em face da continência existente, a fim de que os processos sejam


julgados simultaneamente.

Impugnação às fls. 460/476.

Foi expedida carta precatória para a Comarca de Piraju – SP para a


oitiva das testemunhas do requerido. Os depoimentos foram colhidos mediante a
estenotipia, admitida pela legislação no artigo 417, do Código de Processo Civil,
que posteriormente foi transcrita e juntada aos autos (fls. 513/550).

Foi expedida carta precatória para a Comarca de Juscimeira-MT


para a oitiva da testemunha da autora, Paulo Eduardo Macedo, sendo que as
declarações foram registradas mediante gravação audiovisual (fls. 561/564).

É o relatório. DECIDO.

E. F. da S. ajuizou ação de Reconhecimento e Dissolução de União


Estável c/c Partilha de Bens Adquiridos na Constância da União, em face de J. M.
de A.

Pelo que podemos observar, o processo se encontra preparado para


sentença, sendo desnecessária qualquer outra diligência (arts. 130 e 131 do CPC).

Não há preliminares próprias a serem enfrentadas.

Passo à análise da prejudicial.

1 - DA PREJUDICIAL DE CONTINÊNCIA
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O requerido suscita a prejudicial de continência por considerar que,


tratando o presente caso de partilha de bens, o objeto da presente demanda engloba
o pedido feito na demanda que tramita na 5ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-
MT, sob nº 517/2008, cód. 324879, concernente a Ação de Cobrança c/c Obrigação
de Fazer c/c Pedido de Anulação de Ato Jurídico em Decorrência de Fraude Contra
Credores.

O Código de Processo Civil regula a continência nos artigos 104 e


105, onde se encontra disposto o que segue abaixo:

“Art. 104 - Dar-se-á continência entre duas ou mais ações sempre


que há identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o objeto
de uma, por ser mais amplo, abrange o das outras.”

“Art. 105 – Havendo conexão ou continência, o juiz, de oficio ou a


requerimento de qualquer das artes, pode ordenar a reunião de ações
propostas em separado, a fim de que sejam decididas
simultaneamente.”

No presente caso, há que ressalvar que o pedido formulado se


consubstancia no RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL e sua
DISSOLUÇÃO C/C PEDIDO DE PARTILHA DE BENS (Direito de Família).

Já o objeto da outra demanda, em trâmite no juízo da 5ª Vara Cível,


busca, por meio da discussão instalada, descobrir se houve ou não o adimplemento
do contrato entabulado entre as partes, c/c pedido de anulação de ato jurídico.
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Com base nisso, verifica-se que os fatos que envolvem a existência


da convivência do casal, que permitiriam uma possível divisão de patrimônio, em
nada se correlacionam com os fatos acerca do adimplemento, ou não, do contrato
realizado pelos demandantes.

Desta forma, verifica-se que somente as partes litigantes são


idênticas, havendo, contudo, ausência de correlação entre as causas de pedir contida
em cada uma das ações. Assim, não merece guarida a reunião dos autos, por
inexistir o requisito essencial exigido por lei.

Afinal, além desses pormenores, IMPRESCINDÍVEL SE FAZ A


EXISTÊNCIA DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO NA MATÉRIA (FAMÍLIA).

Assim, os argumentos do requerido não se sustentam, sendo


impossível a alegação de continência/conexão, pela própria perspectiva processual
formal à regularidade de trâmite e devida observância do Juiz Natural segundo
regras de competência.

Claramente, necessário se faz ressaltar quanto à matéria de


competência absoluta (Juízo de família) para a análise das questões atinentes ao
âmbito familiar, devendo-se, pois, o Sistema de Justiça dar obediência à disciplina
exigida pelo disposto nos arts. 86, 87, 91 e 111 do CPC.

Portanto, sequer podemos falar em prevenção, visto que esta requer


equivalência NA COMPETÊNCIA, para o respectivo trâmite.

Isto posto, rejeito a prejudicial suscitada.

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2 – DO DIREITO

A Constituição Federal assegura o reconhecimento da união


estável, conforme os desígnios contidos no artigo 226, § 3º, que dispõem da
seguinte forma:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial


proteção do Estado.”

(...) “§ 3º - PARA EFEITO DA PROTEÇÃO DO


ESTADO, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento.”

Logicamente, que a Constituição não RESTRINGIU O


CONCEITO DE FAMÍLIA, mas teve a intenção de descrever algumas de suas
perspectivas, para fins de proteção do Estado.

Os filhos (órfãos) mais velhos, que cuidam de seus irmãos,


pertencem a uma classe familiar.

A tia solteira que mantém a guarda dos sobrinhos(as), também são


expressões de família.

Exatamente por isso, a Constituição faz ressaltar:

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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:

I e II - omissis;

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República


Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as


desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,


raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,
à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos


termos desta Constituição;

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II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma


coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento


desumano ou degradante;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do


Estado.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união


estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo
a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a


comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são


exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e


da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão
do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e
científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma
coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

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§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de


cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a
violência no âmbito de suas relações.

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de


amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na
comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-
lhes o direito à vida.

§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados


preferencialmente em seus lares.

§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a


gratuidade dos transportes coletivos urbanos.

Assim, verifica-se que a Constituição Federal oferece um amparo às


pessoas, em suas perspectivas familiares, apesar pretender INCENTIVAR A
UNIÃO FAMILIAR CLÁSSICA.

Essa realidade é bem discutida por Lênio Luiz Streck (In As


convenções internacionais, o direito de família e a crise de paradigma em face
do estado democrático de direito - Ver:
http://www.gontijo-familia.adv.br/2008/artigos_pdf/Lenio_Luiz/ConvLenio.pd
f):

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(...) a par dos conflitos familiares chegarem ao judiciário


institucionalizados, são vistos pelos operadores jurídicos
(juízes, promotores, advogados, etc.) como produtos
monádicos da sociedade. É como se, das profundezas do
caos da sociedade, pudesse "emergir" um conflito
"depurado", sem a inexorável contaminação da sociedade
na qual os personagens/protagonistas do conflito estão
inexoravelmente mergulhados. Dito de outro modo, tem-
se uma visão do direito de família como se ele fosse um
ramo do direito encarregado de tratar questiúnculas
privadas, desconectadas da complexidade e da
dialeticidade social. Daí a pergunta: como é possível
encarar o direito de família sob essa perspectiva, se
observarmos, por exemplo, os ditames da Conferência de
Beiging (VI Conferência Mundial sobre a Mulher, 1995),
que reconhece que "a maioria das mulheres não goza de
saúde nem de bem-estar. O obstáculo principal que
impede a mulher de alcançar o mais alto nível possível de
bem-estar é a desigualdade entre a mulher e o homem, e
entre mulheres de diferentes regiões geográficas, classes
sociais e grupos indígenas e étnicos.(...) A incidência da
pobreza e a dependência econômica da mulher, sua
experiência com a violência, as atitudes negativas para
com mulheres e meninas, a discriminação racial e outras

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formas de discriminação, o controle limitado que -


muitas mulheres exercem sobre sua vida sexual e
reprodutiva, e sua falta de influência na tomada de
decisões são realidades sociais que têm efeitos
prejudiciais sobre sua saúde.(...)" ? Por outro lado, não é
temerário afirmar que, historicamente, o direito de
família tem tido caráter muito mais público que privado,
embora tal circunstância ficasse, evidentemente, não
dita/escondida/escamoteada, é dizer: público porque
sempre serviu para regular a célula familiar e
adaptá-la/amoldá-la ao modo de produção capitalista e
seus esquemas de reprodução e repartição das riquezas;
privado, para que seus reflexos fossem/sejam
amalgamados por um sistema jurídico instrumentalizado
por uma dogmática jurídica que (ainda) trabalha com a
perspectiva de uma sociedade de cunho liberal-
individualista, no interior da qual o direito de família é
visto sob a ótica privatística.”

A família, portanto, poderá se externar das mais diversas formas:

A) Família assistencial colateral: filhos maiores responsáveis por


irmãos menores;

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B) Família tradicional advinda do casamento entre homem e


mulher;

C) Família clássica composta pela união entre homem e mulher,


independentemente do casamento;

D) Família Unilateral, pela ocorrência de morte (responsabilidades


e deveres entre pai-viúvo e seus descendentes ou entre mãe-viúva e seus
descendentes) ou, ainda, decorrente da escolha de inseminação por doação de
espermatozóides (consequência interna das realidades internacionais);

E) Família entre filhos maiores com dever de assistência aos pais


idosos ou portadores de necessidades especiais (ordem de cuidado e mantença);

F) Família relacional, como decorrente da relação com vínculos


afetivos existentes entre pessoas, independentemente do sexo; e

G) Família afetiva (decorrente dos vínculos de cuidados e laços


comum).

Assim, independentemente do incentivo constitucional à formação


da família tradicional e/ou clássica, são várias as realidades humanas que precisam
ser atendidas pela ordem normativa e, portanto, de elementar de Justiça.

Portanto:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS


HUMANOS
Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)
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da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de


1948.

Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a


todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e
inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos


humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a
consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em
que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da
liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi
proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,
Considerando essencial que os direitos humanos sejam
protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja
compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a
opressão,

Considerando essencial promover o desenvolvimento de


relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na


Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade
e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos

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homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso


social e melhores condições de vida em uma liberdade mais
ampla,

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a


desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito
universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a
observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e


liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento
desse compromisso,

A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA

A presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o


ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da
sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce,
através do ensino e da educação, por promover o respeito a
esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos,
tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto
entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo I

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Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e


direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em
relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Artigo II

Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as


liberdades estabelecidos nesta Declaração, SEM DISTINÇÃO
DE QUALQUER ESPÉCIE, SEJA DE RAÇA, COR,
SEXO, LÍNGUA, RELIGIÃO, OPINIÃO POLÍTICA OU
DE OUTRA NATUREZA, ORIGEM NACIONAL OU
SOCIAL, RIQUEZA, NASCIMENTO, OU QUALQUER
OUTRA CONDIÇÃO.

Todavia, há algumas vedações ao reconhecimento da união estável,


constante no artigo 1.723, §1º, do Código Civil, que remetem ao artigo 1.521, do
mesmo Diploma Legal, onde é prevista a impossibilidade de reconhecimento da
união ESTÁVEL às pessoas casadas. Assim, segue abaixo ambas as leis, in litteris:

“Art. 1.723 - É reconhecida como entidade familiar


a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o
objetivo de constituição de família.”

“§ 1o A união estável não se constituirá se


ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a
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incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar


separada de fato ou judicialmente.”

“Art. 1.521. Não podem casar:

I ao V – omissis;

VI - AS PESSOAS CASADAS;

Contudo, a legislação prescreveu a existência de OUTRO nomen


iuris para a situação decorrente:

“Art. 1.727 – As relações não eventuais entre o homem e


a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”.

Mas a legislação não prescreveu as perspectivas decorrentes da


realidade reconhecida: a) efeitos patrimoniais; b) dever de assistência; e c)
corresponsabilidades. Portanto, resta-nos patente a ocorrência de
inconstitucionalidade por omissão da normativa infraconstitucional.

Afinal, ainda que seja necessária a didática para estabelecimento da


diferença entre as classes de família (o que em algumas situações pode ser
questionável visto que superamos as distinções legais para a classificação dos filhos
- anteriormente classificados como legítimos, ilegítimos, adulterinos etc.), não

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podemos desconsiderar a existência dos vínculos familiares e suas correspondentes


responsabilidades/direitos.

Logicamente, razoável e ideal é a negativa de se promover um


segundo CASAMENTO, enquanto perdure os efeitos do 1º. Aliás, isso é tipificado
como crime de bigamia: ocorrência de DOIS CASAMENTOS (art. 235 do CP).
Isso é decorrência da tentativa de se harmonizar os laços familiares, sem disputas
extras ou infindas. Afinal, é difícil administrar todas as responsabilidades na
educação de filhos de um só casamento, imaginemos se houvesse o incentivo do
Estado para uma 2ª. União oficial? Isso, sem sombras de dúvidas decorre em novas
cotas de responsabilidades para o Estado.

Mas, o caso presente é distinto. Estamos falando de um homem


casado que manteve um RELACIONAMENTO FAMILIAR EXTRACONJUGAL
por quase duas décadas!

Não se trata de um segundo casamento sob a vigência do 1º., ou de


se perquirir novas cotas de responsabilidades para o Estado, mas, sim de se
perceber as corresponsabilidades particulares e privadas decorrentes dos
envolvimentos familiares REAIS construídos. Essas FAMÍLIAS fazem parte da
sociedade e não podem ser EXCLUÍDAS da percepção de Justiça a que fazem jus.

Nesse sentido, interessante inserir o voto proferido pela Magistrada


e Jurista Maria Berenice Dias (Apelação Civil nº 70017045733/TJRS. Sétima
Câmara Cível. Relator: Ricardo Raupp Ruschel. Julgado em 11/04/2007 -
Disponível em: http://www.tj.rs.gov.br/):

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O ordenamento civil, consubstanciado no princípio da


monogamia, não reconhece efeitos à união estável
quando um do par ainda mantém íntegro o casamento
(art. 1.723, §1º. do Código Civil). Certamente, esse é o
ideal da sociedade: um relacionamento livre de toda a
ordem de traições e, se possível, eterno até que “a morte
os separe”.

Contudo, a realidade que se apresenta é diversa,


porquanto comprovada a duplicidade de células
familiares. E conferir tratamento desigual a essa
situação fática importaria grave violação ao princípio
da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O
judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações
baseadas no afeto, não obstante as formalidades muitas
vezes impingidas pela sociedade para que uma união
seja “digna” de reconhecimento judicial”.

Esse vem sendo o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio


Grande do Sul, a partir de recentes julgamentos:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO


ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO
ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA

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DE BENS. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO ". ALIMENTOS. A prova dos


autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável
entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e,
posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se
iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a
união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na
constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a
companheira e o réu. Meação que se transmuda em "triação", pela
duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens
adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual
período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante,
o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade.
Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a
união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os
pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades
de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o
supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em
favor da ex-companheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE
PROVIDA. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº
70022775605, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rui Portanova, Julgado em 07/08/2008)

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Ementa: APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE.


RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. Caso em que, em face
de peculiaridade, resta viável reconhecer união estável mantida por
pessoa casada. Reconhecimento dos réus a respeito da existência de
relacionamento por mais de 20 anos, e existência de dois filhos.
Presentes requisitos caracterizadores da união estável. Precedentes
jurisprudenciais. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº
70039847553, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rui Portanova, Julgado em 28/04/2011)

Ementa: APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO


CASAMENTO. RECONHECIMENTO. PARTILHA.
"TRIAÇÃO". ALIMENTOS PARA EX-COMPANHEIRA E
PARA O FILHO COMUM. Viável reconhecer união estável
paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. Caso em que
restou cabalmente demonstrada a existência de união estável entre
as partes, consubstanciada em contrato particular assinado pelos
companheiros e por 03 testemunhas; e ratificada pela existência de
filho comum, por inúmeras fotografias do casal junto ao longo dos
anos, por bilhetes e mensagens trocadas, por existência de
patrimônio e conta-bancária conjunta, tudo a demonstrar relação
pública, contínua e duradoura, com claro e inequívoco intento de
constituir família e vida em comum. Reconhecimento de UNIÃO

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DÚPLICE que impõe partilha de bens na forma de "triação", em


sede de liquidação de sentença, com a participação obrigatória da
esposa formal. Precedentes jurisprudenciais. Ex-companheira que
está afastada há muitos anos do mercado de trabalho, e que tem
evidente dependência econômica, inclusive com reconhecimento
expresso disso no contrato particular de união estável firmado entre
as partes. De rigor a fixação de alimentos em prol dela. Adequado o
valor fixado a título de alimentos em prol do filho comum,
porquanto não comprovada a alegada impossibilidade econômica
do alimentante, que inclusive apresenta evidentes sinais exteriores
de riqueza. APELO DO RÉU DESPROVIDO. APELO DA
AUTORA PROVIDO. EM MONOCRÁTICA. (SEGREDO DE
JUSTIÇA) - DECISÃO MONOCRÁTICA - (Apelação Cível Nº
70039284542, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Rui Portanova, Julgado em 23/12/2010).

Não podemos desconsiderar a existência da união e seus vínculos


familiares, caso esta realidade esteja prescrita aos fatos trazidos no processo, sob
pena de criar extrema desigualdade, sob a argumentação de “legitimidade”.

Pelo que vemos, foi o que de fato ocorreu neste processo.

Assim, considerando a elementar principiológica iuria novit curia e


narra mihi facto dabo tibi jus, recebo o pedido inicial como pedido para

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reconhecimento de UNIÃO FAMILIAR e sua dissolução, c/c partilha de bens


(nomen iuris correto).

Apesar de não ser este o entendimento majoritário, inclusive do


próprio SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com todo o respeito e reverência que
tenho pela sabedoria e conhecimento de seus membros e consciente de seu papel
social, não poderia me furtar de efetivamente estabelecer entendimento que,
na percepção da presente magistrada, guarda melhor consonância com as
prescrições humanitárias do direito.

Assim, acresço, abaixo, isolada jurisprudência, com entendimento


similar, apesar de não RESTAR TOTALMENTE equivalente à argumentação
desenvolvida neste Julgado.

Segue:

“O concubinato, só por si, não gera direito a partilha.


Necessário que EXISTA PATRIMÔNIO
CONSTITUÍDO PELO ESFORÇO COMUM. daí não
se segue, entretanto, que indispensável seja direta essa
contribuição para formar o patrimônio. a indireta, ainda
que eventualmente restrita ao trabalho doméstico, poderá
ser o bastante" (REsp 1.648/RJ, Rel. Min. Eduardo
Ribeiro, DJ de 16/4/1990).

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"CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO.


PARTILHA DOS BENS HAVIDOS MEDIANTE
ESFORÇO COMUM. Para a ocorrência da sociedade de
fato, não há mister que a contribuição da concubina se dê
necessariamente com a entrega de dinheiro ao concubino;
admite-se para tanto que a sua colaboração possa
decorrer das próprias atividades exercidas no recesso do
lar (administração da casa, criação e educação dos
filhos). Precedentes. Recurso especial conhecido pela
alínea c e provido parcialmente." (REsp 20.202/SP, Rel.
Min. Barros Monteiro, DEJ de 10/10/1994).

“DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL


CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO
DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE
RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES
DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado
mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou
o nascimento de três filhos. Nesse período de
convivência afetiva - pública, contínua e duradoura - um
cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente,
materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses

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anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram,


choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos
e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta
disposição do casal para construir um lar com um
subjetivo ânimo de permanência que o tempo
objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é
polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar
casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder
Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há
muito moralismo, conservadorismo e preconceito em
matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a
apelada, além de compartilhar o leito com o apelado,
também compartilhou a vida em todos os seus aspectos.
Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas
companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo
fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer
um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas
da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade
jurídica e de igualdade social. Negar a existência de
união estável, quando um dos companheiros é casado, é
solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na
clandestinidade, o que parte da sociedade prefere
esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse
capaz de negar a existência de um fato social que sempre

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aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução


para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos
jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o
enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor
do outro.” - Tribunal de Justiça de Minas Gerais, julgado
em 20 de novembro de 2008 e publicado em 10 de
dezembro de 2008, Apelação Cível n° 1.0017.05.016882-
6/003 – Comarca de Almenara – Relatora:
Desembargadora Maria Elza.

Conforme se depreende dos autos, mormente em relação à certidão


de casamento do requerido com a Sra. M.P.A. (fls. 459), verifica-se a existência de
um óbice para NOVO MATRIMÔNIO DO REQUERIDO, contudo, JAMAIS essa
argumentação poderia servir para eximi-lo do efeito próprio decorrente de sua
responsabilidade para com o núcleo familiar por quase duas décadas constituído.

Aliás, resta-nos um proibitivo: ninguém pode alegar a sua própria


torpeza para se eximir das responsabilidades decorrentes. Porque isso seria legítimo
ao requerido?

Havendo vínculos familiares, independentemente do nomen iuris,


dado pela legislação infraconstitucional (art. 1.727 do CC: concubinato), não
podemos desconsiderar outros pormenores decorrentes da perspectiva patrimonial.

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Exatamente por isso, o Código Civil prescreve, em seu artigo


1.642:

Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o


marido quanto a mulher podem livremente:

I - praticar todos os atos de disposição e de administração


necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações
estabelecida no inciso I do art. 1.647;

II - administrar os bens próprios;

III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido


gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem
suprimento judicial;

IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação,


ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com
infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;

V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados


ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, DESDE QUE
PROVADO QUE OS BENS NÃO FORAM ADQUIRIDOS
PELO ESFORÇO COMUM DESTES, SE O CASAL
ESTIVER SEPARADO DE FATO POR MAIS DE CINCO
ANOS; (Destaquei)

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Assim, pensar diferente, no presente caso, seria uma EVIDÊNCIA


DE INJUSTIÇA, motivo pelo qual o RECONHECIMENTO DA ENTIDADE
FAMILIAR FORMADA E DISSOLVIDA (narra mihi factum dabo tibi jus) é de
direito.

Assim:

Ementa - PROCESSUAL CIVIL. INICIAL. INÉPCIA.


ILEGITIMIDADE ATIVA. AFERIÇÃO. PROVAS. REEXAME.
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INTERPRETAÇÃO.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.

1 - Não é inepta a inicial que descreve situação fática (pedido e


causa de pedir) diversa do nome dado à ação, porquanto o que
sobreleva é o brocardo narra mihi factum dabo tibi jus,
notadamente se, como ocorre na espécie, há plena possibilidade
de o réu se defender, conforme assegurado pela sentença e pelo
acórdão recorrido.

2 - Decidida a questão da legitimidade ativa com base nas


provas dos autos e nas cláusulas de acordo firmado entre as
partes, a aferição do julgamento do Tribunal de origem esbarra
nos óbices das súmulas 5 e 7 do STJ.

3 - Recurso especial não conhecido.

REsp 710651 SE 2004/0177435-2


Relator(a): Ministro FERNANDO GONÇALVES
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Julgamento: 03/10/2005
Órgão Julgador: T4 - QUARTA TURMA
Publicação: DJ 17.10.2005 p. 311

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Ementa: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.


JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA.
PENSÃO POR MORTE. FILHO ADOTIVO. A
circunstância de o magistrado ter deferido o pleito com
fundamentos diversos dos invocados na inicial não ensejam o
julgamento extra petita. como é cediço, o juiz não está adstrito à
argumentação esposada pelas partes. basta que se lhe dê os
fatos para que exerça a jurisdição, sem estar vinculado às razões
invocadas pelos litigantes, como prescreve o brocardo narra
mihi factum dabo tibi jus. de modo que não há nulidade da
sentença por ter deferido a pensão com fulcro na condição do
autor como filho adotivo do segurado, ao invés de fazê-lo com
suporte na sua qualidade de pessoa designada. - o autor faz jus à
pensão porquanto é filho do segurado. a adoção foi válida pois
observou as formalidades exigidas pelo código civil. - apelação
e remessa oficial improvidas. Processo: AC 228726 RN
2000.05.00.045350-1 - Relator(a): Desembargador Federal
Paulo Machado Cordeiro (Substituto) - Julgamento: 26/09/2001
- Órgão Julgador: Primeira Turma - Publicação: Fonte: Diário
da Justiça - Data: 28/12/2001 - Página: 76

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Cumpre esclarecer que a família TRADICIONAL, constituída,


reside no município de Piraju–SP, local onde o requerido mantém fazendas e outras
atividades.

Da mesma forma, o requerido mantinha patrimônio e


empreendimentos no município de Juscimeira-MT, onde também mantinha UMA
FAMÍLIA (sentido clássico – entre homem e mulher, bem como relacional – tem
por base as relações e seus papéis -, além do conceito de afetividade - vínculos de
afeto e compromisso), como relacionamento extraconjugal.

A assertiva acima é confirmada pelo depoimento de testemunhas,


que também deixaram claro que é cediço pela população de Juscimeira-MT que o
réu mantinha OUTRA FAMÍLIA em São Paulo.

Os depoentes residentes em Piraju-SP, da mesma forma, estão em


plena concordância de que nunca ocorreu a separação de fato entre o réu e sua
legítima esposa, a Sra. Marina dos Passos Amorim, apesar da ciência da existência
do relacionamento extraconjugal permanente mantido pelo requerido.

O réu, por sua vez, na contestação (às fls. 375/393), confessa a


existência da vida em comum com a autora.

Os documentos, apesar da tentativa do requerido em minorar o


tempo de convivência comum, são enfáticos quanto à existência da relação familiar
existente.

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Desta forma, restou incontroversa a alegação de que ambos


mantiveram um relacionamento duradouro, por 17 (dezessete) anos, conforme
termos também inseridos na declaração registrada em cartório (fls. 38).

Assim, resta-nos discordar das palavras acrescidas por Cristiano


Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, na obra “Famílias” (Chaves de Farias e
Rosenval, 2012, pág. 508/510), conforme o que segue abaixo:

“O Código Civil, na redação do seu artigo 1.727, consagrou,


efetivamente, a distinção conceitual entre concubinato e união
estável, afastando os dois institutos e reconhecendo como
entidade familiar, tão somente, este último. A união estável,
assim, qualificada como grupo familiar, é a entidade afetiva
formada entre pessoas desimpedidas de casar. Pessoas que
podem, mas não querem, contrair casamento. De outra banda,
o concubinato é a relação, não familiar, entre pessoas que não
podem casar, em razão de algum impedimento matrimonial.”

Aliás, as demais famílias NÃO ESTÃO EXCLUÍDAS da


Constituição e dos Diplomas Internacionais de Direitos Humanos e a OMISSÃO do
Código Civil não pode servir de lacuna hábil à total desconsideração dos princípios
que regem a ordem normativa nacional.

A Constituição Federal, apesar de tentar incentivar a formação da


família tradicional e clássica, JAMAIS DEIXOU DE CONSIDERAR A

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EXISTÊNCIA DAS FAMÍLIAS REAIS DA SOCIEDADE, visto que preserva, em


seu art. 1º e 3º diversos princípios inclusivos à superação das desigualdades e
injustiças socialmente construídas.

Vejamos a exposição constitucional:

“PARA EFEITO DA PROTEÇÃO DO ESTADO, é reconhecida a


união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Logicamente, a Constituição não pretendeu consagrar


PRECONCEITOS e considerar a INEXISTÊNCIA DA SITUAÇÃO DE
CONVIVÊNCIA ENTRE AS PESSOAS EM ÉGIDE FAMILIAR (conforme itens
e alíneas detalhados acima), mas quis criar incentivos à formação tradicional da
família (ex. previdência, pensão, benefícios assistenciais etc.), sem MINORAR as
responsabilidades pessoais de cada um em suas relações.

Em suma, o reconhecimento da união FAMILIAR, neste caso, é


imprescindível, como elementar de Justiça.

Conforme já disciplinado, vale-nos a invocação do princípio iuria


novita curia.

Este princípio determina que ao juiz compete reconhecer o nomen


iuris dado ao conjunto formado pelo direito subjetivo do autor da demanda e

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respectivo direito subjetivo de demandar. O princípio jurídico está consagrado no


artigo 131, do CPC, onde a legislação regula da seguinte forma:

“Art. 131 - O juiz apreciará livremente a prova, atendendo AOS


FATOS E CIRCUNSTÂNCIAS CONSTANTES DOS
AUTOS, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá
indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o
convencimento.” (grifei e destaquei).

De fato, ao juiz devem ser apresentados os fatos e os fundamentos


jurídicos do pedido, conforme dispõe o artigo 282, inciso III, do Código de
Processo Civil, de forma clara, precisa, exaustiva e concisa.

Aliás, da análise dos requisitos da petição inicial constantes no


Código, observa-se que não é necessário ao autor indicar o dispositivo (nomen
iuris) que caracterizaria a sua pretensão.

Ademais, ainda há que aplicar outro princípio jurídico ao caso, o


borcardo narra mihi factum dabo tibi jus (narra-me os fatos, dar-te-ei o direito).

Pela aplicação de ambos os princípios, as partes devem se


preocupar em provar os fatos alegados de acordo com os fundamentos jurídicos do
pedido, ao passo que ao juiz cabe a função jurisdicional de aplicar o direito ao caso
concreto, a partir do que ficou provado, ou seja, deve subsumir aos fatos a norma

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jurídica mais adequada. Neste caso, não há julgamento extra petita, infra petita ou
ultra petita.

Afinal, a mera titulação conferida ao processo (nomen iuris) não


tem o condão de vincular toda a demanda.

Vale lembrar que o processo é um meio pelo qual os cidadãos se


servem para ter acesso ao judiciário a fim de pleitear aquilo que é seu por direito.
Fazer das leis processuais um entrave às partes, é recusar-lhes a possibilidade de
obter um provimento jurisdicional.

A lei processual tem a finalidade de auxiliar a condução do


processo, e por isso não tem um fim em si mesma. Desta forma, o magistrado tem a
função de, em reconhecendo o direito material, utilizar-se dos instrumentos
disponíveis no direito, a fim de assegurar a pretensão vindicada pelas partes.

Nesse raciocínio, os princípios gerais do direito são instrumentos


dispostos a serviço do magistrado, a fim de que sejam aplicados quando o caso
ensejar.

Com efeito, a intitulação da ação se torna mero formalismo, incapaz


de macular o direito, no qual se encontram preenchidos todos os requisitos
essenciais para a análise dos pedidos formulados na exordial.

Ademais, acerca dos elementos comprobatórios, vigora no âmbito


jurídico o princípio do livre convencimento motivado, que confere ao magistrado a
liberdade para formar seu convencimento, dando às provas produzidas nos autos o

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peso que entender cabível em cada caso, garantindo a estas sua devida
consideração.

No presente caso, as provas são claras e harmoniosas, não deixam


margem para qualquer dúvida acerca da existência da convivência em união.

Isto porque essa união familiar existiu e ficou devidamente


comprovada e pacificada na presente ação, tendo em vista que a autora afirmou,
comprova e pleiteia o seu reconhecimento; o réu confessou que existiu a
convivência entre as partes; as testemunhas afirmaram ter o conhecimento da
existência de ambos os relacionamentos mantidos pelo réu, o marital e o
concubinato.

Considerando que a convivência em união estabelecida entre as


partes é do conhecimento de todos: do casal, da comunidade de Juscimeira-MT,
bem como dos habitantes de Piraju-SP, não pode o direito fechar os olhos à essa
situação, como elementar necessária à concreção da Justiça.

Afinal:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia


Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais,
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a

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solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção


de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL. (Preâmbulo da Constituição Federal
do Brasil)

Há que ser levado em consideração que não se trata de um simples


relacionamento paralelo, de uma traição, MAS SIM DE UM NÚCLEO
FAMILIAR CONSTITUÍDO E MANTIDO DURANTE ANOS, QUASE
DUAS DÉCADAS. De igual forma, devemos considerar as circunstâncias
subjetivas, como o princípio da boa-fé, o afeto mútuo, o respeito, o
companheirismo, etc., objetivamente comprovadas pelo tempo em que se
prolongou a união, bem como por todas as elementares probatórias inseridas nos
autos.

Nessa situação, pode-se considerar que o ESFORÇO E


DEDICAÇÃO DA AUTORA SÃO EQUIPARADOS À DA ESPOSA
LEGÍTIMA, TENDO EM VISTA QUE A PRIMEIRA TAMBÉM
DESENVOLVEU ATIVIDADE NESSA CONDIÇÃO, ADMINISTRANDO A
CASA, OS PERTENCES DO CASAL, ACOMPANHANDO/CHEFIANDO
OS EMPREGADOS DA FAZENDA, etc., e, portanto, direitos devem ser
assegurados.

Acerca desse entendimento o doutrinador Flávio Tartuce (Tartuce,


2012, p. 1143), faz a seguinte consideração:

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“A primeira pontuação que deve ser feita é que se a união


paralela durar muitos anos, sendo de conhecimento do
outro cônjuge, parece forçoso concluir que o último
aceita o relacionamento paralelo. Sendo assim, PODE O
FATO MERECER UM OUTRO TRATAMENTO,
principalmente quanto à divisão de bens, já que há
aceitação da união, até por certo comodismo.”
(destaquei).

Consequentemente, o relacionamento do casal deve ser considerado


como uma família, ainda que a legislação NÃO DISCIPLINE DIRETAMENTE A
MATÉRIA EM APREÇO.

Afinal, se a sociedade e o Supremo Tribunal Federal vêm


reconhecendo a UNIÃO ESTÁVEL entre pessoas do mesmo sexo, para fins de
proteção, como entidade familiar, seria terminantemente INJUSTO
DESCONSIDERAR OS FATOS ELENCADOS NESTE PROCESSO À
CORRESPONDÊNCIA DO DIREITO, conforme perspectiva humanista.

Aliás, se a legislação é omissa NO TRATO DA PERSPECTIVA


PATRIMONIAL DO CONCUBINATO, não podemos deixar de considerar que
estas ocorrências pertencem à realidade humana e que, portanto, precisam ser
tuteladas, conforme a própria concepção do princípio da INAFASTABILIDADE
(art. 5º, inciso XXXV da CF).

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As menções feitas aos concubinos estão inseridas nos seguintes


artigos:

Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido


quanto a mulher podem livremente:

I - praticar todos os atos de disposição e de administração


necessários ao desempenho de sua profissão, com as limitações
estabelecida no inciso I do art. 1.647;

II - administrar os bens próprios;

III - desobrigar ou reivindicar os imóveis que tenham sido


gravados ou alienados sem o seu consentimento ou sem
suprimento judicial;

IV - demandar a rescisão dos contratos de fiança e doação,


ou a invalidação do aval, realizados pelo outro cônjuge com
infração do disposto nos incisos III e IV do art. 1.647;

V - reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados


ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, DESDE QUE
PROVADO QUE OS BENS NÃO FORAM ADQUIRIDOS
PELO ESFORÇO COMUM DESTES, se o casal estiver
separado de fato por mais de cinco anos;

(...)

Amini Haddad Campos – Juíza de Direito – Gabinete Auxiliar – 1ª. Vara de Família e Sucessõ es
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Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher,


impedidos de casar, constituem concubinato.

Como se verifica, a lei reconhece a existência do concubinato,


contudo, não garante nenhum direito às famílias constituídas nestes termos. Ela
tenta dizer algo, mas não diz. A timidez da lei nesse caso deixa uma lacuna
legislativa que precisa ser sanada. Assim, há que reforçar a idéia da legitimidade do
concubinato, tendo em vista que a legalidade já foi conferida pelo dispositivo
acima.

Inicialmente, a legitimidade jurídica de que trata o direito é


conferida preferencialmente pela lei, ou seja, é esta quem regula uma situação,
determinando quais são os requisitos necessários para que um direito seja
assegurado.

Ausentes esses requisitos no ordenamento, a fim de ser-lhes


concedido o devido esteio legal, a situação familiar dos concubinos DEVERÁ
SER LEGITIMADA ATRAVÉS DA INTEGRAÇÃO DA NORMA
JURÍDICA, possibilitada pela aplicação: dos princípios gerais do direito, da
analogia e dos costumes, conforme determina o artigo 126, do Código Civil, e o
artigo 4º, da Lei de Introdução, ambos abaixo transcritos:

“Art. 126 - O juiz não se exime de sentenciar ou despachar


alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide,

Amini Haddad Campos – Juíza de Direito – Gabinete Auxiliar – 1ª. Vara de Família e Sucessõ es
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caber-lhe-á aplicar as normas legais; não havendo, recorrerá à


analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito.”

“Art. 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de


acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito.”

Ademais, pelo Princípio do Acesso à Justiça, contido no artigo 5º,


XXXV, da Constituição Federal, abaixo transcrito, é garantido a qualquer pessoa se
valer do Poder Judiciário toda vez que seu direito tiver sido lesado ou ameaçado de
lesão, sendo defesa a recusa ao provimento jurisdicional pelo judiciário mesmo
quando houver omissão legal, caso em que deverá ser integrada a norma jurídica
conforme o que foi esposado acima.

“Art. 5º - (...) - XXXV - a lei não excluirá da apreciação do


Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

Acerca da integração, logo abaixo veremos alguns casos em que foi


aplicada a analogia para que lacunas legislativas fossem sanadas.

O entendimento contemporâneo da própria Constituição Federal


tem fortalecido que o ponto central das instituições familiares se consubstancia
principalmente na relação AFETIVA existente entre o casal.

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Ampliando ainda a visão do direito, e aplicando a analogia ao caso


concreto, pode-se perceber a similitude entre o concubinato com os direitos dos
filhos concebidos dentro ou fora do casamento, ou mesmo daqueles adotados.

Ainda, necessário se faz reconhecer o MOVIMENTO socialmente


existente para se ampliar o denominativo da palavra ENTIDADE FAMILIAR.

Vejamos, os espaços normativos construídos, em alargamento, para


o denominativo DIREITO DE FAMÍLIA, bem como decorrências de
responsabilidades:

I – Relacionamento homoafetivo

a) STJ RE n. 889.852 – RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,


unanimidade, j. 27.04.10

- Possibilidade de adoção por parte de requerente que vive em união


homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos.
Fundamentos: art. 1º da Lei 12.010/09 - garantia à convivência familiar e art. 43 do
ECA - vantagens ao adotando.

b) STJ RE n.1.026.981 – RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi,


unanimidade, j. 04.02.10

- Previdência privada complementar – Pensão por morte a


companheiro homoafetivo – Obrigatoriedade do pagamento.

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c) TJSP Ap. Civ. n. 552.574-4/4-00 – Rel. Caetano Lagrasta –


unanimidade, j. 12.03.08

- Afastada a extinção por indeferimento da inicial –


Reconhecimento incidente da união estável homoafetiva, com a citação de
antecedentes de outros tribunais – Determinado o prosseguimento do feito por uma
das Varas de Família.

d) Idem n. 643.179-4/0-00 – Rel. vencido Caetano Lagrasta, com


declaração – j, 17.06.09. Relator para o acórdão, o Des. Luiz Ambra, que atribui à
relação mero caráter mercantil, descabendo reconhecimento como entidade
familiar.

e) TJSP – AP. Cível nº 990.10.120213-1, Rel. Carlos Eduardo


Donegá Morandini – unanimidade, j. 25.05.10,

- União Estável - Reconhecimento - Homossexuais -


Impossibilidade - Ausência do requisito objetivo da diversidade de sexos (artigo
226, § 3º, da Constituição Federal e artigo 1723 do Código Civil) - Impossibilidade
jurídica do pedido - Hipótese - Extinção do processo - Necessidade - Recurso não
acolhido.

II – União Estável

a) STF RE n. 397.762-8, Bahia, Rel. Min. Marco Aurélio, com


declaração de voto vencido do Min. Ayres Britto: Casal que se permaneceu casado,
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com onze filhos, e paralelamente manteve o varão relacionamento com outra


mulher daí advindo nove filhos, a esta foi negado qualquer direito, inclusive a
participação na pensão previdenciária. Dos acalorados debates, se extrai que a
Corte preferiu dar as costas à realidade, perfilhando formalismo que não responde
às necessidades de uma mulher idosa e com vasta prole, abandonada diante da
atitude de descaso de seu companheiro de longos anos.

b) STJ – Resp nº 1.157.273 – RN, Rel. Min Nancy Andrighi,


unanimidade, j. 18.05.10: - Direito civil. Família. Paralelismo de uniões afetivas.
Recurso especial. Ações de reconhecimento de uniões estáveis concomitantes.
Casamento válido dissolvido. Peculiaridades; - As uniões afetivas plúrimas,
múltiplas, simultâneas e paralelas têm ornado o cenário fático dos processos de
família, com os mais inusitados arranjos, entre eles, aqueles em que um sujeito
direciona seu afeto para um, dois, ou mais outros sujeitos, formando núcleos
distintos e concomitantes, muitas vezes colidentes em seus interesses; - Ao analisar
as lides que apresentam paralelismo afetivo, deve o juiz, atento às peculiaridades
multifacetadas apresentadas em cada caso, decidir com base na dignidade da pessoa
humana, na solidariedade, na afetividade, na busca da felicidade, na liberdade, na
igualdade, bem assim, com redobrada atenção ao primado da monogamia, com os
pés fincados no princípio da eticidade; - Emprestar aos novos arranjos familiares,
de uma forma linear, os efeitos jurídicos inerentes à união estável, implicaria julgar
contra o que dispõe a lei; isso porque o art. 1.727 do CC⁄02 regulou, em sua esfera
de abrangência, as relações afetivas não eventuais em que se fazem presentes
impedimentos para casar, de forma que só podem constituir concubinato os

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relacionamentos paralelos a casamento ou união estável pré e coexistente. Recurso


especial provido.

TJSP Apelação cível n° 990.10.357153-3, Rel. Renato Nalini,


unanimidade, j. 09.11.10: Mandado de Segurança - Previdenciário - pleito de
reconhecimento de união estável entre servidora falecida e o Impetrante, declarado
inválido para o trabalho, com a finalidade de obtenção de pensão - Existência de
vínculo familiar anterior por parte do autor - Concubinato impuro – separação de
fato, união estável e Dependência econômica - Comprovados - ausência de prova
em contrário - recursos oficial e voluntário do IPESP desprovidos.

III – Responsabilidade Civil

a) TJSP – Ap. Civ. N. 511.903.4/7 – Rel. Caetano Lagrasta,


unanimidade, j. 12.03.08: Dano moral admitido por ter sido o autor abandonado
pelo pai desde a gravidez e reconhecido como filho após longa batalha judicial,
nada obstante o resultado do DNA. Discriminação em face dos outros irmãos.
Abandono material e moral, caracterizadores de abalo psíquico. Indenização
devida.

b) TJSP – Apelação nº 0405111.4/4-00, Rel. Fábio Quadros,


unânime, j 13.05.2010: Responsabilidade Civil - Dano material - Dano moral -
Rompimento de noivado - Fim da relação motivado pelo requerido, que deve
ressarcir a demandante pelos danos materiais decorrentes das despesas por ela
efetuadas na preparação do futuro casamento - Fato, contudo, corriqueiro e

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previsível, ao qual todos estão sujeitos em qualquer relação afetiva - Inexistência de


abuso de direito ou qualquer ilegalidade - Impossibilidade de responsabilização do
apelante por danos morais que a recorrida entenda ter sofrido - Ação de
indenização julgada parcialmente procedente - Recurso improvido.

c) TJSP – Apelação n. 361.389-4/2-00, Rel. Daise Fajardo Jacot,


unanimidade, j. 26.11.08: Ação de indenização. Danos morais e materiais. Filha
havida de relação amorosa anterior. Abandono moral e material. Paternidade
reconhecida judicialmente. Pagamento de pensão (...). Alimentante abastado e
próspero. Refere antecedentes deste e de outros tribunais. Fixação do dano moral
em 1.000 salários mínimos.

d) TJSP – Apelação n. 469.212.4/3-00, Rel. Guilherme Santini


Teodoro, unanimidade, J. 02.09.09: Responsabilidade Civil. Indenização por danos
morais e materiais. Abandono moral e material de pai em relação a filho.
Relacionamento sem vínculo afetivo não traduz ato indenizável. Consequências
pecuniárias resolvem-se por meio de ação de alimentos. Ação improcedente.
Apelação não provida.

e) TJSP – Apelação n. 504.295-4/4-00, Rel. Salles Rossi, com voto


vencido do des. Ribeiro da Silva, por maioria, j. 08.11.07: Indenização por danos
morais e materiais - Ação intentada pelo filho reconhecido 'tardiamente' pelo pai -
Alegação de abandono afetivo e discriminação - Descabimento - Investigatória de
paternidade ajuizada pelo filho quando este já contava com mais de quarenta anos
de idade - Réu que, por escritura pública, reconheceu a paternidade, procedendo a

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adiantamento da legítima (com expressa aceitação do filho) - Situação dos autos


que sequer evidencia abandono do réu - Autor que não pode ser considerado
'bastardo', já que desde seu nascimento, foi registrado como filho de terceira pessoa
(de quem 'carrega' o nome até hoje) - Réu que, aliás, não pode ser condenado ao
pagamento de indenização por 'desamor' em face de pessoa que sequer conhecia -
Descabida a alegação de que o autor foi preterido por ser 'pobre' e 'negro' (diante do
adiantamento da legítima efetuado pelo réu) - Inexistência da possibilidade de
reparação a que alude o art. 927 do Código Civil - Improcedência corretamente
decretada - Sentença mantida - Recurso improvido. Na declaração de voto vencido,
o relator fixava indenização ao autor em 200 salários mínimos, a título de danos
morais.

IV - Socioafetividade

a) TJSP – Ap. Civ. N. 593.144-4/2-00, Rel. Caetano Lagrasta,


unanimidade, 17.06.09: Regulamentação de visitas. Pretensão da madrasta em
relação à criança que criou como filho. Reconhecimento da socioafetividade.
Direito garantido. Advertência quanto a provável processo de alienação parental,
que se instalou após a separação.

b) STJ – REsp 1.106.637-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,


unanimidade, j.01.06.10.: - Adoção por padrasto. Cuida-se de ação de adoção com
pedido preparatório de destituição do poder familiar ajuizada por padrasto de filha
menor de sua esposa, com quem tem outra filha. (...) Para a Min. Relatora, o
padrasto tem legítimo interesse amparado na socioafetividade, o que confere a ele

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legitimidade ativa e interesse de agir para postular destituição do poder familiar do


pai biológico da criança. (...) Observa ser importante dar ao padrasto a
oportunidade de discutir a questão em juízo, em procedimento contraditório (arts.
24 e 169 do ECA), sem se descuidar, também, de que sempre deverá prevalecer o
melhor interesse da criança e as hipóteses autorizadoras da destituição do poder
familiar, comprovadas conforme dispõe o art. 1.638 do CC/2002 c/c art. 24 do
ECA, em que seja demonstrado o risco social e pessoal ou de ameaça de lesão aos
direitos a que esteja sujeita a criança. (...) a Min. Relatora, acompanhada pela
Turma, reconheceu a legitimidade ativa do padrasto para o pleito de destituição em
procedimento contraditório, confirmando a decisão exarada no acórdão recorrido.

c) STJ - REsp 1.000.356-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j.


25.05.10: Negatória. Maternidade socioafetiva. Trata-se, na origem, de ação
negatória de maternidade cumulada com pedido de anulação de assento de
nascimento ajuizada pela ora recorrente contra a ora recorrida, à época menor,
representada por seu tutor. Alega, em seu pedido, falsidade ideológica perpetrada
pela falecida mãe, que registrou filha recém-nascida de outrem como sua. (...) A
diferença de registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta
que desconsiderava a verdade sobre o aspecto genético, somente pode ser pleiteada
por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída, e os efeitos daí decorrentes
apenas podem operar-se contra aquele que realizou o ato de reconhecimento
familiar. Isso porque prevalece, na espécie, a ligação socioafetiva construída e
consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade

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humana, mediante cláusula geral que a tutela e encontra apoio na preservação da


estabilidade familiar. Assim, a Turma negou provimento ao recurso.

VI – Divórcio:

a) TJSP – Ap. Civ. 990.10.357301-3, Rel. Caetano Lagrasta,


unanimidade – j. 10.11.10: Separação judicial. Pedido de conversão em divórcio.
Emenda Constitucional n. 66/10. Aplicação imediata e procedência do pedido.
Determinação de regular andamento do feito em relação aos demais capítulos da
sentença

VII – Cadastro de devedor de alimentos

a) TJSP – Ag. Inst. n. 990.10.160280-6, Rel. Luiz Ambra,


unanimidade, 28.07.10: Execução de alimentos. Agravo contra indeferimento de
pedido de negativação do devedor, em órgãos de proteção ao crédito, pelo débito
alimentar inadimplido. Razoabilidade da providência, pelos fundamentos
constantes do corpo do voto. Agravo provido, para autorizar a anotação restritiva
em exame;

b) TJSP - Agravo de Instrumento n. 990.10.152757-0, Rel.:


Joaquim Garcia Filho, unanimidade, j. 20/10/2010: Alimentos - Execução -
Inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito - Admissibilidade
- Esgotamento de todas as tentativas de pagamento, inclusive com a decretação da

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prisão civil - Cabimento da medida, ante a recalcitrância do executado - Pedido


deferido - Recurso provido.

c) TJSP – Agravo Regimental nº 990.10.088682-7/50000, Rel.


Adilson de Andrade, por maioria, j. 25.05.10: Execução de Alimentos. Pedido de
expedição de ofício à Serasa requisitando a inscrição da dívida de alimentos
exequenda, em cadastro a ser aberto em nome do executado. Nessa perspectiva e
considerando o inegável interesse público em que obrigações alimentares sejam
adimplidas sem o quê não há como os respectivos credores, em sua maioria
incapazes, sobreviverem de forma digna, um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, caput, III) , entendo que se justifica a
intervenção do Poder Judiciário para fazer com que a Serasa proceda à abertura de
cadastro em nome de alimentante inadimplente, pois que isso se traduz em
importante meio de coerção sobre ele, ao lado da prisão civil (nas execuções de
alimentos que tramitam sob o rito do art. 733 do Código de Processo Civil). (...)
Posto isso, defiro o pedido de expedição de ofício à Serasa a fim de que a
distribuição da presente ação de execução de alimentos, pelo valor apontado na
conta de liquidação de fls. 85 (devidamente atualizado), seja inscrita em cadastro a
ser aberto, ou já existente, em nome do executado.

d) TJSP - Agravo Regimental nº 990.10.088682-7/50000, Rel.


Egidio Giacoia, por maioria, j. 25.05.10: Agravo Regimental. Alimentos.
Execução. Pretensão do exequente de inscrever o nome do devedor contumaz de
alimentos nos cadastros do SERASA e SCPC Negativa de seguimento por
manifesta improcedência Impossibilidade Medida que se apresenta como mais uma
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forma de coerção sobre o executado, para que este cumpra sua obrigação alimentar
Inexistência de óbices legais Possibilidade de determinação judicial da medida
Inexistência de violação ao segredo de justiça, uma vez que as informações que
constarão daqueles bancos de dados devem ser sucintas, dando conta apenas da
existência de uma execução em curso Privacidade do alimentante que, ademais, não
é direito fundamental absoluto, podendo ser mitigada em face do direito do
alimentado à sobrevivência com dignidade Ausência de violação ao artigo 43 do
CDC, uma vez que tal artigo não faz qualquer restrição à natureza dos débitos a
serem inscritos naqueles cadastros. Cadastros que, ademais, já se utilizam de
informações oriundas de distribuidores judiciais para inscrição de devedores com
execuções em andamento, execuções estas não limitadas às relações de consumo
Argumento de que o executado terá dificuldades de inserção no mercado de
trabalho que se mostra fragilizado, ante a possibilidade de inscrição de outros
débitos de natureza diversa Manifesta improcedência não verificada Agravo de
instrumento que deverá ser regularmente processado e apreciado pelo Órgão
Colegiado, para que se avalie se estão presentes as condições para concessão da
medida. Recurso Provido.

e) TJSP – Ag. Inst. 990.10.187568-3, Rel. Viviani Nicolau,


unanimidade, j. 01.02.11: Execução de alimentos – Inserção do nome do devedor
nos cadastros de proteção ao crédito – Decisão recorrida que indeferiu a pretensão
– Inconformismo da exequente – Acolhimento – Circunstâncias do caso concreto
que autorizam a medida – Se o procedimento especial autoriza medida extrema de
prisão do devedor, mais justificada a possibilidade de meio excepcional menos

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gravoso ao devedor na busca pela satisfação do crédito, em razão da própria


natureza e da urgência da pretensão perseguida – Decisão reformada – Recurso
provido.

f) TJSP – Ag. Inst. 990.10.144454-2, Rel. Caetano Lagrasta,


unanimidade, j.25.08.10: Execução de alimentos – Indeferimento do pedido de
inscrição do devedor nos órgãos de proteção ao crédito – Reconhecimento de lege
ferenda. Provimentos que tratam da matéria. Medida cabível, ante a recalcitrância
do executado. Recurso provido.

Ademais, a Lei Maior proíbe qualquer tipo de discriminação social,


situação que está regularmente amparada pelo artigo 3º, IV, abaixo transcrito:

“Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes (...).”

Da mesma forma, segue a regulamentação contida no Código Civil,


acerca da equiparação de direito de todos os filhos havidos dentro ou fora do
casamento, ou por adoção, consoante dispõe o artigo 1.596, do Diploma Legal:

“Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento,


ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações,

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proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à


filiação.”

Assim, como poderíamos TRATAR diferentemente os direitos


concernentes à requerente, no que se refere ao patrimônio angariado na constância
da união, PRIVILEGIANDO O REQUERIDO E SUA ESPOSA, mesmo estando,
esta, DISTANTE da administração e contratos formalizados neste Estado, sob o
simples argumento do manto da relação matrimonial anteriormente existente e
desenvolvida?

Qual o papel do direito?

Cômoda restou a situação do requerido e de sua esposa?

E a situação da Autora?

Nunca é demais destacar a démarche proposta por Foucault, na


análise do discurso social: buscar a verdade e os recortes discursivos que, no caso,
constroem a naturalização de papéis. O discurso apóia-se na tradição, na ciência, na
religião para definir a essência dos seres: uma identidade baseada em critérios
arbitrários que se apresenta com um caráter atemporal, negação de toda
historicidade, em asserções do tipo "eterno feminino", "prostituição, a mais antiga
profissão do mundo". Para Foucault este discurso da verdade imposta secularmente
é tal que a verdade assim proposta não pode senão escondê-la, pois a evidência
esconde em suas dobras a vontade de poder que a anima.

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Os produtos culturais destinados ao público feminino desenham,


com habilidade ímpar ao inconsciente coletivo, o perfil de suas receptoras em torno
de assuntos relacionados à sua esfera específica: sedução, família, casamento,
maternidade e futilidades, praticamente inexistindo, para tal público, um debate
político, assuntos da economia mundial, estratégias e objetivos sociais, questões
jurídicas, filosóficas e opinativas ao desenvolvimento de suas habilidades e
capacidade de discussão e criação. O feminino, assim, externa-se como expressão
das idéias de pacificação e resignação a um papel pré-determinado.

Esse abandono vivenciado pela autora, em decorrência de


entendimentos consolidados em perspectiva discriminatória não pode prevalecer.
Foram quase DUAS décadas de vivência familiar da autora com o requerido, não
podendo, este, desconsiderá-la aos 50 (cinquenta) anos de idade dos seus direitos
como critério de Justiça.

Esse desvalor (perspectiva de gênero: ver nossa contribuição in


Direitos Humanos das Mulheres – Ed. Juruá) que lhe está sendo impingido não
pode restar amparado por uma Constituição que se diz garantista, jungida aos
princípios que guarnecem a dignidade humana.

De acordo com esse entendimento não se pode utilizar dois pesos e


duas medidas para um mesmo caso. Podemos destacar, pois QUE FAMÍLIA É
FAMÍLIA. DE IGUAL FORMA, FILHOS SÃO FILHOS.

Não havendo relação esporádica entre a AUTORA E O


REQUEREIDO, datando O RELACIONAMENTO de quase DUAS

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DÉCADAS, imprescindível se faz o reconhecimento do direito à partilha do


patrimônio angariado na permanência da união extraconjugal
permanentemente nutrida!

Outra analogia que pode ser feita se trata do novo entendimento do


Supremo Tribunal Federal, que ampliou o alcance do reconhecimento da união
estável, que agora também será aplicada AOS CASAIS DO MESMO SEXO,
COM A EXCLUSÃO DA DETERMINAÇÃO LEGAL QUE RESTRINGIA
SUA APLICAÇÃO SOMENTE AO HOMEM E À MULHER.

Esse entendimento ficou pacificado no julgamento da Ação Direta


de Inconstitucionalidade (ADI), de número 4277, e da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), de número 132.

Essa situação em muito se assemelha às circunstâncias do presente


feito, tendo em vista que ambos os casos não tem nenhum amparo legal. O
ordenamento jurídico simplesmente ignora a realidade homoafetiva, ao passo que,
em relação à concubinária, até a admite, mas não lhe concede direitos, e, desta
forma, desconsidera o que ocorre na sociedade de forma reiterada desde os
primórdios, podendo até ser atribuída a conotação de prática costumeira a ambos os
casos.

Costumeiramente, são as mulheres que se veem desprotegidas e


desprovidas de direitos nessas relações.

Isso nos leva a perquirir outra elementar hábil à legitimidade do


direito: o combate à violência e à discriminação de gênero.

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Afinal, conforme preceitua a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06):

Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o


exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, à moradia, AO ACESSO À
JUSTIÇA, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, À DIGNIDADE, AO RESPEITO E À
CONVIVÊNCIA FAMILIAR e comunitária.

§ 1o O poder público desenvolverá políticas que visem


garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das
relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de
TODA FORMA DE NEGLIGÊNCIA, DISCRIMINAÇÃO,
EXPLORAÇÃO, violência, crueldade e opressão.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência


doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão
baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico,
sexual ou PSICOLÓGICO E DANO MORAL OU
PATRIMONIAL:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o


espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo
familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - NO ÂMBITO DA FAMÍLIA, COMPREENDIDA


COMO A COMUNIDADE FORMADA POR INDIVÍDUOS

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QUE SÃO OU SE CONSIDERAM APARENTADOS,


UNIDOS POR LAÇOS NATURAIS, POR AFINIDADE OU
POR VONTADE EXPRESSA;

Independentemente do CONCEITO FORMAL DA VIOLÊNCIA


(DANO DE PROBABILIDADE QUANTIFICÁVEL), devemos compreender que
a discriminação sofrida pela AUTORA e a total desconsideração da vivência
familiar nutrida e vivida com o requerido detém CONSEQUÊNCIAS REAIS.

As imagens, as fotos, os fatos são patentes no EXTERNAR


VÍNCULOS FAMILIARES NUTRIDOS POR QUASE DUAS DÉCADAS!

Não estaria ela a sofrer CONSEQUÊNCIAS DE ORDEM


MORAL, PSICOLÓGICA E PATRIMONIAL?

O concubinato não se trata de núcleo familiar com surgimento


atual, ensejando regulamentação, ao contrário, sempre existiu em quaisquer
civilizações, épocas, culturas e regiões espalhados pelo mundo.

De outra análise, os CASAIS homossexuais, recentemente tiveram


reconhecida a união estável pelo Supremo Tribunal Federal, que lhes assegurou
direitos.

Mas, em relação à concubina, na relação desenvolvida durante


ANOS de convivência, permanece a não regulamentação patrimonial e/ou dos
consequentes direitos.

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Assim, feita a integração da norma jurídica através da aplicação da


analogia, RESTA-NOS reconhecer o direito da Autora.

Realmente, chegou o momento de avaliar certos conceitos jurídicos


de forma mais técnica e equânime, a fim de conferir ampla aplicação dos direitos e
garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

Desta forma, considerando que a lei não assegura direitos aos


concubinos, e considerando a necessidade de integração normativa para tanto,
tenho como legitimada a realidade concubinária apresentada nos autos, em face dos
argumentos acima esposados.

É válido esclarecer que não se está intentando regularizar ou


conceder direitos àquelas relações passageiras, em evidência de meras traições. O
caso é diferente, estamos tratando de duas famílias, dois núcleos afetivos
equiparáveis: o matrimonial e o concubinário.

Assim, podem e devem ser considerados como uma nova


instituição familiar legítima, que alguns direitos devem ser assegurados (patrimônio
angariado durante a relação).

A doutrina moderna coaduna com o entendimento acima esposado,


e nesse sentido segue o pensamento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson
Rosenvald (2012, p. 511/512), na obra “Curso de Direito Civil – Famílias”:

“Assim, parece-nos que é chegado o momento de refletir sobre


o concubinato com o olhar mais atrelado à afetividade do que
ao preconceito. Se o fundamento contemporâneo da relação
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familiar é a presença do afeto, o tratamento jurídico do


concubinato reclama uma maior atenção e um debate mais
cuidadoso. (...) Realmente, já é chegado o momento de refletir
sobre o concubinato com uma visão menos preconceituosa e
mais técnica. Levando em conta o caráter afetivo das relações
familiares, não se pode renegar efeitos jurídicos a uma
realidade fática afetiva, evolvendo pessoas humanas.
Logicamente, não se pretende com isso equiparar o
concubinato a uma união estável, mas tão somente, enquadrá-
lo no continente do Direito das Famílias.”

“Se o afeto é o ponto concêntrico das relações de família, é


preciso uma reflexão mais acurada e cuidadosa acerca da
natureza do concubinato, procurando posicioná-lo com isenção
de ânimo de moralidade pessoal. Até porque não é dado ao
Direito sentir ciúmes alheios, como pontuou o Ministro Carlos
Ayres Britto, em voto na Corte Suprema.”

Na mesma sequência, o Ministro Carlos Ayres Brito proferiu voto


favorável à concessão de benefício previdenciário tanto à esposa, como à
concubina, no processo em que o requerido matinha o relacionamento conjugal
com a esposa legítima, com quem teve 11 (onze) filhos, e, em paralelo, mantinha o
concubinato, decorrendo desta segunda união, DE 37 (TRINTA E SETE) ANOS,
A CONCEPÇÃO DE 9 (NOVE) FILHOS.
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O voto do Ministro foi vencido, sendo concedido o benefício


previdenciário somente à esposa. Ainda assim, merece destaque o seguinte trecho
de sua decisão:

“Com efeito, à luz do Direito Constitucional brasileiro o


que importa é a formação em si de um novo e duradouro
núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para
construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência
que o tempo objetivamente confirma. Isto é família,
pouco importando se um dos parceiros mantém uma
concomitante relação sentimental a-dois. No que andou
bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao Direito não é
dado sentir ciúmes pela parte supostamente traída, sabido
que esse órgão chamado coração ‘é terra que ninguém
nunca pisou’. Ele, coração humano, a se integrar num
contexto empírico da mais entranhada privacidade,
perante a qual o Ordenamento Jurídico somente pode
atuar como instancia protetiva. Não censora ou por
qualquer modo embaraçante (...) 17. No caso dos
presentes autos, o acórdão de que se recorre tem lastro
factual comprobatório da estabilidade da relação de
companheirismo que mantinha a parte recorrida com o de
cujus, então segurado da previdência social. Relação
amorosa de que resultou filiação e que fez da
companheira uma dependente econômica do seu então
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parceiro, de modo a atrair para a resolução deste litígio o


§3º do art., 226 da Constituição Federal. Pelo que,
também desconsiderando a relação de casamento civil
que o então segurado mantinha com outra mulher,
perfilho o entendimento da Corte Estadual para
desprover, como efetivamente desprovejo, o excepcional
apelo. O que faço com as vênias de estilo ao relator do
efeito, ministro Marco Aurélio.” - (STF, RE
397.762-8/BA, Rel. Min Marco Aurélio. Data do
Julgamento: 03/06/2008)

Na mesma linha de raciocínio, advoga (Berenice Dias, 2006, p.


170) que nos traz as seguintes palavras acerca deste assunto:

“O Estado não tem o meio de, por exemplo, impedir o


estabelecimento de uniões incestuosas entre pais e filhos
ou entre irmãos, por mais repulsiva que seja essa
possibilidade... Tais relações estão sujeitas à reprovação
social e legal, mas nem por isso, há algum meio capaz de
coibir sua formação. Como existem, não há como ignorá-
las... Rejeitar qualquer efeito a esses vínculos e condená-
los à invisibilidade é gerar irresponsabilidade, é ensejar o
enriquecimento ilícito. O resultado é mais do que

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desastroso, é perverso. Nega-se divisão de patrimônio,


nega-se obrigação alimentar, nega-se direito sucessório.”

Em união a este raciocínio segue a doutrina de Renata Barbosa de


Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior, (2010, p. 315), na obra “Direito Civil:
Famílias” com a seguinte assertiva:

“É extremamente falso imputar à realidade concubinária


uma caracterização tipicamente obrigacional quando, na
verdade, a união se deve ao afeto havido entre o casal e
à pretensão que tem de constituir um ambiente que
favoreça o livre e pleno desenvolvimento da
personalidade de cada um. A reunião preponderante,
nesse caso, não é de esforços patrimoniais e, por isso, é
incorreto entender que se trata de uma sociedade de
fato.”

Há que considerar, pois, ainda que ausente este reconhecimento


legal formal e próprio, como entenderíamos todo trabalho/vínculos/afetos
despendido e os frutos do esforço da requerente?

Como podemos entender legítimo nenhum repasse à autora daquilo


que empreendeu, do patrimônio que ela mesma ajudou a construir?

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Restará, pois, à requerente nenhum sustento?

Hoje... sem emprego e com 50 anos de idade!

Ora, o emprego dela à época do relacionamento se baseava nas


diversas atividades realizadas nas fazendas, como os afazeres domésticos de um
modo geral, o trato com animais, negociações visando compra e venda de
mercadorias, bens e imóveis, além do costumeiro afeto, apoio e carinho ofertados
ao requerido, conforme bem detalhado e exposto nos dados probatórios inseridos
nos autos.

Não há como negar a dependência financeira da autora em relação


ao réu. Suas situações econômica, afetiva e familiar ficaram profundamente
entrelaçadas!

Desta forma, desconsiderar todo esse trabalho em conjunto é


permitir algo que o ordenamento jurídico pátrio não admite, o enriquecimento sem
causa. Acerca do assunto, o artigo 844, do Código Civil, legisla justamente este
ponto, conforme o que segue:

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à


custa de outrem, será obrigado a restituir o
indevidamente auferido, feita a atualização dos valores
monetários.

“Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto


coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-

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la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará


pelo valor do bem na época em que foi exigido.”

A convivência em união familiar da realidade concubinária, em


questões fáticas processuais inseridas nestes autos, ficou devidamente equiparada à
união estável.

De outro ângulo, em termos técnico-jurídicos, o que distancia o


reconhecimento da convivência em união (concubinos), da união estável é o óbice
contido no artigo 1.521, V, do Código Civil.

Há que mensurar que o impedimento supracitado se trata de uma


mera ficção jurídica, profundamente atrelada às questões de moralidade da
sociedade. Todavia, essa ficção criada pelo legislador, que se inspirou na opinião
pública preconceituosa, não tem o condão de excluir ou de fazer desaparecer as
relações existentes no mundo fático, bem como as declarações universais de
direitos humanos.

O relacionamento existiu, e com ele, o trabalho.

A desvantagem vivida pela autora é flagrante.

Com efeito, a divisão do patrimônio construído em conjunto na


época da convivência em união é medida que se impõe.

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A delicadeza do assunto merece maior atenção em função dos laços


familiares envolvidos, e, por esta razão, é plenamente possível a divisão do
patrimônio no âmbito do Direito das Famílias.

Isto porque a partilha de bens é da competência do juízo de família.


Por se encontrar em situação similar, a divisão do patrimônio construído durante a
convivência em união familiar do casal, em regime de concubinato.

Em suma, há que ser considerado que é devido parte do patrimônio


que foi construído em conjunto, sob pena de ser permitido o enriquecimento sem
causa (art. 844, CC), já mencionado acima.

Na ideia de Flávio Tartuce, os argumentos seguem no mesmo


sentido do que foi esposado acima, senão vejamos:

“Não há direito patrimonial, direito a alimentos ou direito


sucessório. Na questão patrimonial, aplica-se a antiga Súmula
380 do STF, que consagra direito à participação patrimonial
em relação aos bens adquiridos pelo esforço comum. A
jurisprudência também tinha o costume de indenizar a
concubina pelos serviços domésticos prestados.”

Diante da assertiva acima, cumpre trazer à baila a Súmula


mencionada pelo doutrinador, in litteris:

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“Súmula 380 - Comprovada a existência de sociedade de fato


entre os concubinos, é cabível sua dissolução judicial com a
partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

Diante dessa gama de argumentos, faz-se imperioso o


reconhecimento da convivência em união estabelecida entre as partes, visto que
elas próprias já a reconheceram.

Por semelhança às questões de família, a partilha de bens pode ser


formalizada em o momento posterior à decisão definitiva que reconhece a união
estável, visto que dependerá da devida liquidação, por perícia (art. 475-C do CPC),
para que possam ser avaliados os bens adquiridos durante a constância da relação
concubinária.

Da mesma forma, inicialmente cumpre reconhecer convivência em


união do casal.

Por todos os argumentos esposados, com fundamento nos


princípios Constitucionais da isonomia, da equidade, da não discriminação; por
necessidade de integração normativa; e, aplicando-se a analogia ao caso concreto,
conforme argumentos acrescidos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE
os pedidos formulados na inicial, para:

a) Reconhecer a convivência, em união, do casal;

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b) Declarar a dissolução da união familiar, após 17 anos de


convivência comum (junho de 1989 a junho de 2006);

c) Determinar a partilha do patrimônio comum, ou seja, tão-


somente dos bens angariados e acrescidos durante a relação
extramatrimonial estabelecida;

d) Determinar medida assecuratória (art. 798 c/c arts. 461 e 461A)


e , conforme solicitação de fls. 13, item 3, para bloqueio de 25%
(proporcionalidade na divisão: esposa e concubina) tão-somente
do patrimônio adquirido no período da convivência familiar
do requerido com a Autora, bem como, na mesma porcentagem,
das movimentações em aplicações financeiras.

Para efeitos de partilha, dever-se-á proceder à liquidação,


considerando os termos do art. 475-C, quanto aos bens adquiridos de junho de 1989
a junho de 2006, durante a permanência da relação concubinária.

Via de consequência, JULGO EXTINTO o presente feito, com


decisão de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do CPC.

Concedo em caráter definitivo o direito à justiça gratuita à parte


autora, e, via de consequência, condeno o réu ao pagamento de custas e honorários
advocatícios, que fixo, nesta oportunidade, em R$ 10.000,00 (dez mil reais), com
base no art. 20, §§3º e 4º, do Código de Processo Civil.

Após o trânsito em julgado, expeça-se o necessário.

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Publique-se. Registre-se.

Intime-se. Cumpra-se. Às providências.

Cuiabá - MT, 17 de Junho de 2012.

AMINI HADDAD CAMPOS

Juíza de Direito – Gabinete Auxiliar

1a. Vara Especializada de Família e Sucessões

Designada para atuar, em Substituição Legal, junto a 9ª. Vara Cível de Feitos Gerais

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