Dissetação Vesão FinalL LEITURA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE CIENCIAS DA ARTE
MESTRADO EM ARTES

LEONICE MARIA BENTES NINA

AS BANDAS DE MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DE SABERES


DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE UM PROFESSOR DE
MÚSICA EM SANTARÉM-PA

BELÉM/PA
2015
2  

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE CIENCIAS DA ARTE
MESTRADO EM ARTES

LEONICE MARIA BENTES NINA

AS BANDAS DE MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DE SABERES


DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE UM PROFESSOR DE
MÚSICA EM SANTARÉM-PA

BELÉM/PA
2015
 

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE CIENCIAS DA ARTE
MESTRADO EM ARTES

LEONICE MARIA BENTES NINA

AS BANDAS DE MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DE SABERES


DE FORMAÇÃO E ATUAÇÃO DE UM PROFESSOR DE
MÚSICA EM SANTARÉM-PA

Dissertação apresentado à Banca


Examinadora do Programa de Pós-graduação
em Artes da Universidade Federal do Pará,
como exigência parcial para a obtenção do
título de Mestre, sob a orientação da
Professora Doutora Lia Braga Vieira.

BELÉM/PA
2015
 

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Sistema de Bibliotecas da UFPA

____________________________________________________________________________  

N714b Nina, Leonice Maria Bentes, 1982 -


As Bandas de música na construção de saberes de formação e a atuação
de um professor de música em Santarém_PA / Leonice Maria Bentes Nina.
2015.
135f.
Orientador: Lia Braga Vieira
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto de
Ciências da Arte, Programa de Pós-Graduação em Artes, Belém, 2015.

1. Música instrução e estudo - Pará. 2. Música na educação. Professores


- formação. I. Título.
CDD 23. ed. 780.7

____________________________________________________________________________  
5  

 
6  

Aos meus amados pais Nilton e Leonilia, e


meus irmãos Nilton Jr, Lenilton e Quétsia
Bianca.
7  

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por ter me dado saúde, discernimento e sabedoria para chegar ao
fim dessa jornada.
Meus amados pais Nilton e Leonilia, meus irmãos Nilton Jr, Lenilton e Quétsia
Bianca, que são meu porto seguro, neles tenho total apoio. Minha vozinha Socorro
que sempre intercede por mim em suas orações.
Não poderia deixar de agradecer a todos que me acolheram em suas casas ao
longo desse mestrado, abrindo não somente as portas do seu lar como também o
coração, meu querido primo Joaquim, que carinhosamente chamo de “parente”, sua
esposa Rita que foi uma mãe para mim quando estive em sua casa, seus filhos Ari e
Rosana. Minha amada amiga Rachel, seu esposo Bruno e seu filho Pedrinho, a
Josylenne e seus pais Rubem e Joana.
Meu amigo, companheiro, confidente Renan, quantas vezes chorei minhas mágoas,
e angustias, e ele sempre com seu jeito todo especial de ser me consolava e dizia
“Calma Leozinha, no final tudo dará certo”.
Minha amiga irmã Christiane Rodrigues, que mesmo distante me orientou e ajudou
na construção desse trabalho, indicando leituras, sempre de uma forma muito
divertida, impossível ficar triste ao lado dessa mulher fantástica.
Minha orientadora Dra. Lia Braga, que tem sido muito mais que uma orientadora
para mim, foi uma mãezona, não sei o que teria sido na vida academica sem o apoio
dela. Obrigada pela paciencia e ensinamenetos compartilhados.
Aos colegas do mestrado, em especial Gláucia, Letícia, Joelma, Danihelen, Antonio,
esse caminhada foi muito mais prazerosa por ter encontrado voces.
Aos professores do PPGArtes, Áureo Deo Freitas, Sonia Chada, Paulo Murilo, Lílian
Cohen e Miguel Santa Brigida.
Ao querido Júlio Heleno Lages Pereira, caso estudado nessa pesquisa. Obrigada
pelas conversas e trocas de experiencias, sempre muito gentil e solícito em todos
nossos encontros, me recebendo até mesmo nos fins de semana e feriado.
E a todos que direta ou indiretamente participaram desse processo.
8  

RESUMO

Esta pesquisa tem como proposta descrever a trajetória de um professor de música


de Santarém-PA, oriundo de bandas de música e licenciado em música, e analisar
como os saberes adquiridos nesses contextos de formação se refletem na sua
prática pedagógica. Optei por uma abordagem qualitativa, fazendo uso da entrevista
na perspectiva da história oral. Os resultados da pesquisa apontam diversos
saberes dialogando ao longo do desenvolvimento profissional do professor de
música entrevistado, e o lugar que cada um ocupa em sua atuação. Dentre esses
saberes, constatou-se a forte contribuição dos saberes experenciais, vivenciados na
família, escola, os saberes acadêmicos e os saberes de tradição. Por meio deste
estudo pretende-se contribuir para a compreensão do processo de formação do
professor de música no início do século XXI, em Santarém, de modo a subsidiar
tomadas de decisão para o incremento do ensino da música na escola de educação
básica, em Santarém-PA.

Palavras Chave: Saberes, Professor de música, Banda de música, Licenciatura em


Música, Santarém-PA.
 

ABSTRACT

This research has the purpose to understand how a music teacher articulates their
experiences in music band in Santarém-PA to the training degree in music in his
performance in basic education. I opted for a qualitative approach, using the
interview from the perspective of oral history. The survey results indicate diverse
knowledge in dialogue throughout the professional development of teacher
interviewed music, and the place that each occupies in its operations. Among these
knowledge, there was the strong contribution of experiential knowledge, experienced
in family, school, academic knowledge and tradition of knowledge. Through this study
aims to contribute to the understanding of music teacher training process in the early
twenty-first century, in Santarem, in order to support decision-making to increase the
teaching of music in basic education school in Santarém -PA.

Keywords: Knowledge, Music Teacher, Music Band, Degree in Music, Santarém-


PA.
 

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Organograma do processo de documentação oral e 28


escrita da entrevista. Alberti (2005, p. 53)
Figura 02: Fanfarra 31
Figura 03: Banda de corneteiros 31
Figura 04: Banda marcial 33
Figura 05: Banda de música 33
Figura 06: Imagem de Wind band 34
Figura 07: Gremio Musical “Antonio Braga” 36
Figura 08: Orquestra “Sustenidos e Bemóis” 36
Figura 09: Orquestra “Tapajós” 37
Figura 10: Assembléia Jazz-band 38
Figura 11: Euterpe-Jazz, em 1933 39
Figuras 12 e Sinfonia Franciscana 40
13:
Figura 14: Escudo da Banda Marcial Irmão José Ricardo 41
Figura 15: Banda Marcial Colégio Dom Amando 41
Figura 16: Filarmônica Municipal Prof. José Agostinho 42
Figura 17: Banda de Música da E.E.E.F.M. Almirante Soares 43
Dutra
Figura 18: Brasão da Banda de Música da E.E.E.F.M. Almirante 43
Soares Dutra
Figura 19: Banda Marcial da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra 44
Figura 20: Apresentação da Banda da Polícia Militar de 47
Santarém no Hospital Municipal
Figura 21: Banda da Polícia Militar de Santarém, no Desfile 47
Cívico
Figura 22: Banda de Música da Escola Municipal Princesa 48
Isabel
Figura 23: Banda Marcial da E.E.E.F.M. Pedro Álvares Cabral 49
Figura 24: Orquestra Jovem Wilson Fonseca 50
Figura 25: Brasão da Banda Musical Maria de Lourdes Almeida 50
11  

Figura 26: Banda Marcial da E.E.E.F. Maria de Lourdes 51


Almeida
Figuras 27 e Banda do 8° BEC 53
28:
Figura 29: Nova Filarmônica de Santarém 54
Figura 30: Festival de Bandas e Fanfarras 2009, promovido 56
pela UMES
Figura 31: Festival de Bandas e Fanfarras em Santarém, 2010 58
Figura 32: Festival de Bandas e Fanfarras em Santarém, 2010 59
Figura 33: Júlio Heleno L. Pereira 63
Figura 34: Júlio Heleno Lages Pereira e seu brinquedo musical 63
Figura 35: Júlio Heleno e seu pai João Heleno 64
Figura 36: Júlio Heleno L. Pereira no desfile cívico no ano que 65
ingressou na escola de Música Maestro Wilson
Fonseca
Figura 37: Júlio Heleno L. Pereira, na Escola de Música 65
Maestro Wilson Fonseca
Figura 38: Júlio Heleno Lages Pereira na Fanfarra da 67
E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra
Figura 39: Júlio Heleno Lages Pereira, na Banda Sinfônica 72
Wilson Fonseca
Figura 40: Júlio Heleno Lages Pereira, no desfile da Escola 73
Santa Maria Gorete, em Oriximiná
Figura 41: Júlio Heleno do Quinteto de Metal da Escola de 74
Música Wilson Fonseca
Figura 42: Octeto Vocal “Vozes da Amazônia” 75
Figura 43: Cantata Natalina, 2011 76
Figura 44: Logo do Projeto Educ’Arte 79
Figura 45: Júlio Heleno Lages Pereira ministrando aula, na 81
E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra
Figura 46: Júlio Heleno Lages Pereira ministrando aula no 83
Programa Esporte e Lazer
Figura 47: Júlio Heleno Lages Pereira, no Programa Esporte e 85
12  

Lazer
Figura 48: Júlio Heleno, Gesival e esposa, Fábio Ferreira 92
Figura 49: Júlio Heleno regendo a Orquestra Jovem Wilson 93
Fonseca
Figura 50: Fábio Ferreira e Júlio Heleno com os troféus 94
coquistados
Figura 51: Organograma das ideias de Gautier (1998) e Tardif 104
(2014)
Figura 52: Organograma da proposta de formação do docente 107
em música
Figura 53: Triângulo dos saberes do professor de música 109
13  

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Egressos do Curso de Licenciatura em Música. UEPA - 22


Santarém (Campus XII), 2003-2013.
Quadro 2: Saberes-reservatório no qual o professor se abastece para 100
responder a exigências específicas de sua situação concreta de
ensino
Quadro 3: Desenho curricular Licenciatura em Música UEPA 113
Quadro 4: Os Quatro Pilares Da Educação Para O Mundo Contemporâneo 117
Destacados Pela Unesco.
Quadro 5: Concepções do saber segundo Gauthier (1998) 118
 
 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 16
JUSTIFICATIVA 19
OBJETIVOS 21
METODOLOGIA DA PESQUISA 22
ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 29
1 CONTEXTUALIZAÇÃO: BANDAS DE MÚSICA E A 30
LICENCIATURA EM MÚSICA COMO LUGARES DE FORMAÇÃO
MUSICAL EM SANTAREM
1.1 BANDAS DE MÚSICA 30
1.1.1 Definições e classificações de bandas de música 30
1.1.2 Bandas de música em Santarém 34
1.1.3 Festivais de bandas e fanfarras em Santarém 55
1.2 LICENCIATURA EM MÚSICA DA UEPA 60
2 RESULTADOS: NARRATIVA DE UM PROFESSOR DE MÚSICA 63
EM SANTARÉM – PA
2.1 NAS ORIGENS FAMILIARES 63
2.2 FORMAÇÃO ESCOLAR 64
2.3 FORMAÇÃO ACADÊMICA 68
2.4 ATUAÇÃO COMO INSTRUMENTISTA E CANTOR 72
2.5 ATUAÇÃO COMO PROFESSOR 76
2.6 ATUAÇÃO COMO REGENTE 91
2.7 OS FESTIVAIS DE BANDAS E FANFARRAS EM SANTARÉM 93
3 ANÁLISE DOS RESULTADOS 99
3.1 SABERES EXPERIENCIAIS 108
3.2 SABERES ACADÊMICOS (CURRICULARES/DISCIPLINARES/DE 112
FORMAÇÃO PROFISSIONAL)
3.3 SABERES DE TRADIÇÃO 116
3.4 À GUISA DE EPÍLOGO DESTA SEÇÃO: SER PROFESSOR 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS 120
REFERÊNCIAS 122
15  

APÊNDICE 1: QUADROS DO ESTADO DA ARTE SOBRE 126


“BANDAS DE MÚSICA”
APÊNDICE 2: QUESTIONÁRIO UTILIZADO PARA 135
IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS QUE ATUARAM E AINDA ATUAM
EM BANDAS DE MÚSICA, COMO INSTRUMENTISTAS E COMO
REGENTES DENTRE OS EGRESSOS DO CURSO DE
LICENCIATURA EM MÚSICA DA UEPA
ANEXO 1: REGISTROS FOTOGRÁFICOS 136
16  

INTRODUÇÃO

Diz a lenda que Deus ao fim da Criação do céu e da terra, já


no sétimo dia no descanso, pôs-se a distribuir dádivas pelos
quatro cantos do mundo. Dentre elas se destacava uma em
especial, e que o Senhor hesitou em deixar em qualquer lugar,
era uma LIRA. Teria dito o Criador na sua Onipotência,
apontando para as águas de matiz verde-anil: “Esse rio, que é
o mais belo da terra, será cofre eterno e seguro deste Símbolo
e os que de suas puras e cristalinas águas beberem e nela se
banharem terão os seus dons acrescidos para a inspiração e o
desempenho da mais bela das artes: a Música”. Em seguida,
com suas próprias mãos submergiu para sempre a Lira, nas
águas do soberbo flume, hoje chamado Tapajós.
(FONSECA, 1986, p. 04)

Esta pesquisa trata da trajetória de um professor de música de Santarém-


PA, oriundo de bandas de música e licenciado em música. Salles (1985, p. 11)
considera a banda de música como o “conservatório do povo”, deixando perceber
que se trata de um contexto social de camadas menos privilegiadas em termos
econômicos e geográficos, como em cidades do interior, onde as bandas de música
tendem a ser o único espaço de acesso à aprendizagem musical. Salles (2007, p.
37) considera esse grupo musical como “mais do que um acontecimento artístico
nas comunidades interioranas; é com efeito, um fenômeno de natureza sociológica”.
A observação desse autor pode ser respaldada pelo que a empiria demonstra sobre
os lugares sociais onde a banda de música se concentra: as cidades do interior que
são periféricas em relação à capital e onde há escassez de estruturas institucionais
que apoiem práticas sociais como a da música. Assim, o acesso passa a ser por
meio de grupos musicais nos quais há apenas um professor que é o próprio regente,
com o qual colaboram os músicos mais antigos do conjunto. Também as políticas
públicas agem nesse sentido de apoiar bandas musicais no interior, por meio de
órgãos como a FUNARTE (VIEIRA, 2001).
A banda de música a que se refere esta pesquisa “é o conjunto musical
formado por instrumentos de sopro e percussão” (FRANK, 2008, p. 117).
Egressos dessas bandas seguem vários caminhos profissionais. Além de
instrumentistas, eles se tornam regentes e professores de música. Existem vários
estudos voltados para temáticas sobre bandas de música.
Nos Anais e Revistas da Associação Brasileira de Educação Musical -
ABEM, encontrei trabalhos de: Amorim (2013), que aborda as contribuições das
bandas de música para a formação do instrumentista de sopro em Belém do Pará;
Nogueira e Parente (2012), que analisam as metodologias de ensino e formação
17  

musical dos regentes das bandas escolares na cidade de Goiânia; Cislaghi (2011),
que realizou três estudos de caso com o objetivo de registrar e analisar as
concepções dos professores sobre educação musical e os processos de ensino e
aprendizagem de música presentes no projeto de bandas e fanfarras de São José
(SC); Almeida (2010), que investigou as aprendizagens provenientes do repertório
das bandas de música; Campos (2008), que relata as práticas e os aprendizados
presentes nas bandas e fanfarras escolares; Almeida (2008), que descreve sua
experiência como regente da Banda de Música do município de Icapuí (CE) e
conclui que a banda de música proporciona formação musical, profissional e
pessoal, na medida em que esta contribui com o processo de formação cooperativa
através de vivências musicais.
Na Revista Opus n. 4, ago. 1997, da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação em Música - ANPPOM, foi divulgada lista de dissertações de
mestrado em música até 1996, dentre as quais verifiquei algumas que tratavam, já
há duas décadas, sobre bandas de música: “A banda de música na escola de 1° e 2°
graus” (ANDRADE, 1988); “Banda escolar: um processo de desenvolvimento
musical, educativo e social”(HIGINO, 1994); “Bandas de música - fenômeno cultural
e educacional no contexto da microrregião de Barra do Piraí” (FIGUEIREDO, 1996);
“As bandas de música de Nova Friburgo - sua organização, sua trajetória e o seu
papel enquanto agentes de Educação Musical” (FIDALGO, 1996). Ainda nessa
revista, Moreira (2009) faz uma abordagem do processo de ensino, utilizando o
método Da Capo na Filarmônica do Divino.
Em buscas realizadas na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações – BDTD, pude visualizar alguns trabalhos sobre bandas de música,
dentre os quais destaco: a tese que Cajazeira (2004) desenvolveu abordando a
construção e aplicação de um modelo de educação continuada a distância para
músicos da Sociedade Lítero Musical Minerva Cachoeirana; e a dissertação de
Kandler (2011) sobre as Bandas musicais do meio oeste catarinense, apontando as
características e processos de musicalização presentes nesses grupos musicais.
Mas há muitas outras investigações, como as de: Lima, M. A. (2000; 2005), Lima, S.
S. (2006), Lima, R. F. de (2006), Magalhães (2006), Moreira (2007), Gonçalves
(2007), Albernaz (2008), Costa (2008), Gomes (2008), Vecchia (2008),
Cislaghi(2009), Silva, C. F. da (2009), Abreu (2010), Fagundes (2010), Fontoura
(2011), Schneider (2011), Benedito (2011), Silva, T. B. da (2012), Westrupp (2012),
Sartori (2013).
18  

No banco de teses da CAPES, encontrei Araújo (2011), Nascimento (2011),


Amorim (2011), Corrêa (2012) e Costa (2012).
A presente pesquisa trata dos professores de música que tiveram a banda
de música como lócus de sua atuação e formação musical, cuja continuidade se deu
em curso de Licenciatura em Música, limitando-se ao caso de um desses docentes,
situando-se no contexto atual da cidade de Santarém-Pará.
O município de Santarém está localizado na região oeste do Pará. Segundo
2
dados do IBGE, ocupa uma área de 22.887 km , possuindo 294.580 habitantes e
está a 1.400 km distante da capital do estado, Belém.
Durante pesquisa anterior, realizada no período de 2004 a 2005, sobre os
músicos educadores em Santarém-PA, constatei a presença marcante das bandas
de música nesse município. Este fato já havia sido observado por Fonseca (1986, p.
4), que durante toda a sua vida se ocupou dos estudos e registros das práticas
musicais na cidade - ao lado da composição, ensino, regência e da execução
musical. O maestro dizia que “Santarém deve ser uma das raras cidades
interioranas do Brasil que se pode orgulhar de possuir música própria, com
características peculiares e definidas”.
Verifiquei, naquela pesquisa, que as bandas de música, em Santarém,
surgiram em 1878, quando Francisco Assis dos Santos, criou a Sociedade
Filarmônica “Santa Cecília”. À medida que santarenos foram sendo musicalizados
por meio delas, passaram a dar suas contribuições, seja no campo erudito, seja no
campo popular, criando, fundando e fazendo funcionar bandas, orquestras,
associações, eventos artístico-musicais e ainda publicando pesquisas e
composições (NINA, 2005).
Sou de Santarém e sendo da área da música, minha trajetória de construção
musical, iniciou na escola de música Maestro Wilson Fonseca, onde integrei por
cinco anos a Banda Maestro Wilson Fonseca, como trombonista. Em 2000, a UEPA
- Universidade do Estado do Pará, implantou no município o Curso de Licenciatura
em Educação Artística com habilitação em Música, em cuja primeira turma ingressei.
Percebi que a maioria dos estudantes da turma também tocava em bandas de
música. A turma era formada por quinze pessoas, sendo que apenas três não
tocavam instrumentos de sopro ou percussão. Quase todos os discentes dessa
turma já ministravam aulas de música, sendo suas ações de ensinar baseadas nas
experiências constituídas, na maioria das vezes, pelo conhecimento adquirido em
bandas de música.
19  

Diante do acima exposto, destaco a pergunta que vem orientando esta


investigação: de que maneira um professor de música articula sua formação em
banda musical com a formação em licenciatura em música, em sua atuação na
escola de educação básica em Santarém-PA?

JUSTIFICATIVA

As bandas de música fazem parte do cotidiano santareno desde o século


XIX. Estavam e ainda estão presentes nas programações culturais da cidade, nas
festas populares, momentos cívicos, solenidades, nos clubes, festas religiosas. Até
hoje é possível observar que três bandas acompanham o Círio de Nossa Senhora
da Conceição, padroeira da cidade.
Vieira (2001, p.52) relata que:

Um dos aspectos musicais, que marcou fortemente o século XIX, e


ainda hoje persiste, tem sido o desenvolvimento das bandas de
música, no sentido de sua difusão social e da instituição de um
ensino musical separado das escolas e das igrejas.

Nina (2005) coletou em revistas de Santarém notícias de muitas bandas


locais, além das orquestras, dentre as quais destaco em ordem cronológica:
Sociedade Filarmônica “Santa Cecília” (1878), Filarmônica Santarena (?), Banda
Sete de Dezembro (1907), Grêmio Musical “Antônio Braga” (1908), Banda de Música
Perseverança (1910), Orquestra Sustenidos e Bemóis (1912), Orquestra Tapajós
(1917), Sinfonia Franciscana (1918), Assembleia Jazz–Band (1925), Euterpe–Jazz
(1930), Banda “Prof. José Agostinho” (1963); Banda Marcial do Colégio Dom
Amando (1968), Orquestra Jovem Wilson Fonseca (1995).
É importante registrar que em quase todas as escolas de educação básica
de Santarém-PA há bandas, como é possível observar anualmente nos desfiles
durante a Semana da Pátria. Salles (1985) registrou que essa é uma tradição de
longa data em Santarém. Estas bandas são ativadas anualmente também para o
concurso intermunicipal entre bandas escolares da região. A Prefeitura Municipal
realiza Festival de Bandas e Fanfarras, desde o ano de 2007, onde os três primeiros
colocados recebem kits de instrumentos musicais como premiação.
Enfatizo ainda as igrejas que também possuem bandas de música, e as
corporações militares.
20  

No espaço das bandas musicais, tão logo se aprende a tocar um


instrumento, já se ensina a novos alunos, e assim vão se constituindo ou
reconstituindo metodologias de ensino (AMORIM, 2012; NINA, 2005).
Lino (1999, p. 60) fala de algumas propostas pedagógicas surgidas no
século XX, de músicos-pedagogos como Dalcroze, Orff, Kodally, Willems, entre
outros. Citando Ana Lucía Frega, chama atenção no sentido de que nenhum deles

tentou, inicialmente, formular um método orgânico e sequenciado


para o ensino de música. As circunstâncias e os respectivos entornos
humanos foram a razão habitual de uma estruturação funcional e de
um progressivo esclerosamento, fundamentado na necessidade de
manter-se fiel às leis e aos princípios iniciais. Eles surgem, na maioria
das vezes, das inquietudes e sentimentos musicais permanentes de
cada um destes músicos. [Logo,] a intuição foi a característica inicial,
a implementação de um ideal foi o motor, a organização metodológica
uma posterior necessidade prática. (FREGA apud LINO, 1999, p. 60)

Infiro que o mesmo aconteceu com os músicos educadores de Santarém no


século XX. Os saberes de professor se construíram à medida que o momento do
ensino exigia. Um dos indícios desse aspecto é o fato de que criavam músicas para
atender às necessidades técnicas dos alunos, no momento em que surgiam. Na
verdade, era o domínio musical e a ênfase na performance que os mobilizavam.
Assim, as práticas musicais na maioria das vezes adquiridas nas bandas de
música nas quais os futuros professores eram musicalizados, interfeririam nas suas
metodologias quando educadores, e “repetiriam” as ações pedagógicas dos
professores que os ensinaram.
Ao falar sobre formação do professor de música, Mojola (1998, p. 48)
enfatiza que “quando analisamos a formação do docente de música em uma
determinada sociedade, é interessante observarmos qual o lugar que a música
ocupa nessa mesma sociedade”.
Em Santarém-PA, a música representa uma das manifestações culturais mais
marcantes, e ocupa um lugar de destaque na sociedade (SALLES, 1985;
FONSECA, 1986). Nesse contexto, a música que se desenvolve no município de
Santarém certamente influencia diretamente na construção do educador musical
local. Vieira (2003, p. 77) diz que a

herança musical familiar ou do ambiente social musical de origem


interage e interfere na construção desse professor e de sua história
de conversão, preservação ou tradição musical, face a diferenças em
relação a um aprendizado escolar que nega ou reafirma suas origens
musicais.
21  

Em 2003, a Universidade do Estado do Pará - UEPA formou a primeira


turma de Educação Artística com habilitação em Música. Vieira (2003, p. 76)
entende que “a formação acadêmica do professor de música poderá resultar na
ruptura ou na reafirmação de modelo já reconhecido por ele”. Santos (2007, p.55)
desenvolve esta ideia, concluindo, com base em Hentschke (2000)1 que:

quanto mais completa e abrangente for a cultura geral e musical do


licenciado em música, maior amplitude e domínio ele demonstrará na
prática de sala de aula, pois música e cultura são elos importantes
no processo de ensino aprendizagem.

Porém, não se pode restringir a formação do professor somente à esfera


acadêmica. Alves e Garcia (2011, p. 84) nos dizem que “é preciso pensá-la na
totalidade das esferas que a compõe: a da prática pedagógica cotidiana, a da
prática política coletiva, a da governamental e a das pesquisas em Educação”.
Diante dessas considerações, entendo como necessário para esta pesquisa
investigar de que modo se refletem na prática pedagógica do educador musical os
conhecimentos adquiridos na sua formação em bandas de música e no curso de
Licenciatura em Música, em Santarém.
Apesar de Santarém ser uma cidade musical (SALLES, 1985, FONSECA,
1986), observamos que há pouco registro sobre a educação musical desenvolvida
no município, bem como os processos de construção do professor de música. Muito
foi feito e continua sendo realizado, porém pouco relatado.
A partir dessa lacuna no registro e reflexão voltada para o conhecimento
profissional e social dos professores de música integrados com os eixos da teoria,
da prática e de vivências, e a fim de contribuir para a formação e para o contexto de
ação docente, pretendo por meio desta pesquisa apresentar contribuições no
sentido cultural e educacional, servir de apoio a pesquisas futuras e colaborar para a
compreensão do processo de formação do professor de música no início do século
XXI, em Santarém.

OBJETIVOS

O objetivo geral desta pesquisa consistiu em descrever a trajetória de um


                                                                                                                         
1
HENTSCHKE, Liane. O papel da universidade na formação de professores: algumas reflexões para
o próximo milênio. ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO
MUSICAL, 9., 2000. Anais... Belém: Associação Brasileira de Educação Musical, 2000.
22  

professor de música de Santarém-PA, oriundo de bandas de música e licenciado em


música, e analisar como os saberes adquiridos nesses contextos de formação se
refletem na sua prática pedagógica.
Os objetivos específicos coenvolveram: (1) Identificar os saberes práticos
adquiridos nas bandas musicais, bem como os saberes acadêmicos aprendidos por
um professor de música em Santarém-PA; (2) Descrever, na trajetória de formação
de um professor de música em Santarém-PA no início do século XXI, as influências
recebidas pela formação e atuação em bandas de música; e (3) Analisar como esse
professor relaciona tais saberes nas suas práticas pedagógicas, a partir de seus
efeitos nas ações pedagógicas desse educador musical, bem como em relação aos
conhecimentos adquiridos em curso superior de formação de professor de música.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Para a realização deste estudo fiz um levantamento dos alunos formados


pela UEPA no período de 2003 a 2013, e identifiquei dentre esses quais atuaram e
ainda atuam em bandas de música, como instrumentistas e como regentes.

Quadro 1: Egressos do Curso de Licenciatura em Música. UEPA - Santarém


(Campus XII), 2003-2013.

EGRESSO 2003 EGRESSO 2004


1. Ádrea Taiana Figueira Lopes 1. Diane Bento de Souza
2. Ádson Wender de Jesus Sousa 2. Géredi Henrique rebelo
3. Alessandro Miranda Pinto 3. Geuciene de Jesus Lopes
4. Amilcar Pimenta Gomes 4. Luciana de Fátima do C. Ribeiro
5. Christiane Pereira Rodrigues 5. Luciana Sousa dos Santos
6. Daniele de Oliveira Torres 6. Nilton Valério Pinto
7. Demerson P. dos Santos Mendes 7. Paulo Victor R. Maranhão
8. Eliane Cristina Nogueira Ferreira 8. Priscila Marielly Miranda Braga
9. Henrique Bentes Andrade 9. Rainere Bentes de Sousa
10. José Elailson Costa Silva 10. Rodinei Bentes da Silva
11. Leonice Maria Bentes Nina 11. Sara Leny Lisboa Moura
12. Manoel Luis Figueiredo de Sousa EGRESSO 2008
13. Raimundo Nonato Aguiar Oliveira 1. Andreson Dourado e Sousa
EGRESSO 2005 2. Beatriz Silva Menezes
1. Adriana Santana de Carvalho 3. Charles Brito de Almeida
2. Alberto Portela de Sousa 4. Cleberson Ramos Pereira
3. Anderson Fortaleza de Sousa 5. Dennis de Sousa Lima
4. Cleiry Simone Moreira da Silva 6. Eryto da Silva Azuelos
23  

5. Daniel Rocha Rego 7. Eude Igor Almeida de Lima


6. Edmarcio da Paixão Araújo 8. Fernando Cleomar Santos da Silva
9. Henrique Andresson Pereira da
7. Hervin José Campos Pereira Silva
8. Ingrid Daniele Martins Costa 10. Isonildo Silva Rocha
9. Joabe Alan Ribeiro Silva 11. Jonielson Rodrigues de Sousa
10. Luiz Carlos Gama Queiroz 12. Julio Heleno Lages Pereira
11. Mariana Sippert 13. Luciano Gama Queiroz
12. Monique Melo Marinho 14. Marcelo de Lima Lopes
13. Nira Cristian de Sousa Amaral 15. Marcos Gomes Salgado
14. Otávio Alberto Nogueira Ferreira 16. Mauricio Ferreira Amaral
15. Roniclei Batista Vieira 17. Nathalya de Carvalho Avelino
16. Rosangela Monteiro dos Santos 18. Raphael Sotero Pedroso Abreu
17. Simone Patrícia Silva Oliveira 19. Simei Costa Freitas
EGRESSO 2009 EGRESSO 2010
1. André Santana de Carvalho 1. Andreia Lima Martins
2. Carla Ramos Pereira 2. Anthymio W. Figueira Neto
3. George Luis Andrade da Rocha 3. Cristina de Sousa Rego
4. Lauriander Sousa Paz 4. Elia Gonçalves Delgado
5. Luana Lameira Virgolino 5. Jose S. Gomes de Almeida
6. Marcos Roberto Mota Dezincourt 6. Kleberto N. Damasceno Correa
7. ODiel da Silva Queiroz 7. Lucenildo Soares Lima
8. Rafael N. de Macedo Brito 8. Nilson C. dos Santos Fernandes
9. Yuri Santos Lima
EGRESSOS 2011 EGRESSO 2012
1. Bruno Vieira dos Santos 1. Ana Regina de Lima Martins
2. Daniele Patricia Jorge Repolho 2. Bruno Vitor Pereira dos Santos
3. Diego Augusto Golobovante Torres 3. Caroline Froes de Sousa Peixoto
4. Ediene Mota Pinto 4. Cleyder Mota Marinho
5. Ena Carina dos Santos Oliveira 5. Elis Jeane Valente dos Santos
6. Francisca Elisandra do Nascimento 6. Jéssica Campos Sampaio
7. Francisco Junior dos Santos Coelho 7. Joao Lopes da Silva Filho
8. Ivo dos Santos Silva 8. Joao Paulo Pereira Rodrigues
9. Jedel Gomes Salgado 9. Larissa Cristina Cruz Lage
10. Jessica Mayara Alves Tapajós 10. Marcley Mota Marinho
11. Leogiery Lira Pereira 11. Nancy Maria Teles Campos
12. Miriany A. Amaral Japson de Araujo 12. Pamela N. de Oliveira Santos
13. Priscila Thais de Sousa Moreira 13. Rafael Carlos Silva Moreira
14. Renata Souza da Silva 14. Sara Regina Lameira Vieira
15. Ronnyere da Silva Rodrigues
16. Wenderson Oliveira de Sousa
EGRESSO 2013
1. Admir Paricio Pereira Colares
2. Danilo Marcelo Guimaraes
3. Eduardo Evangelista Lima
4. Eduardo Jose Nogueira da Silva
5. Elton Luis Lima da Costa
6. Graciela Pedroso Rego
7. Gustavo Barros Campos
24  

8. Izabela Maria Neves Sena


9. João Paulo Pantoja Braga
10. Jose Claudio Pinto Pereira
11. Juliane Bonfim Duarte
12. Lucilia Maria Pereira Mota
13. Shosuke Leonida da Cunha Okada
14. Vania de Sousa Compasso

A pesquisa foi realizada com somente um desses egressos, licenciado em


música que iniciou seus estudos musicais em banda. Ele era o único dentre os
identificados que, no período da elaboração do projeto desta pesquisa, atuava tanto
em sala de aula de escola de educação básica, ministrando aulas de Artes, como
também em banda de música dessa mesma escola.
Foi selecionado para ser entrevistado, Júlio Heleno Lages Pereira, professor
substituto no Curso de Licenciatura em Música da UEPA, onde leciona as
disciplinas: Prática de Banda II, Projetos Interdisciplinares, Flauta Doce II, Leitura e
Escrita Musical, Percepção e Análise da Música. É professor de música no Colégio
Dom Amando, atua com a formação da banda marcial. Também é professor efetivo
do município de Santarém, onde desde 2008 iniciou projeto de formação de bandas
escolares, e coordena uma equipe de sete professores de música de instrumentos
de sopro e percussão, projeto que formou bandas nas escolas municipais Ubaldo
Corrêa, Maria de Lourdes e Princesa Isabel. Entre os anos de 2012 e 2013,
ministrou aula de Artes do 6° ao 9° ano do ensino fundamental e 1° ano do ensino
médio na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Almirante Soares Dutra.
Em 2004, assumiu a direção da Banda da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra. No
periodo de 1999 a 2010, integrou a Banda Sinfônica Maestro Wilson Fonseca, que
posteriormente passou a denominar-se Orquestra Jovem Wilson Fonseca,
inicialmente tocando saxhorn e depois trompa.
Tendo em vista o caráter subjetivo desta pesquisa, voltada ao estudo
descritivo e reflexivo sobre a trajetória de um professor de música, optei pela
abordagem qualitativa de pesquisa, descrita por Minayo (1994, p. 21-22) da seguinte
maneira:
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela
se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que
não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações dos
processos e dos fenômenos que podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.

Para Teixeira (2003, p. 129):


25  

Na pesquisa qualitativa, o social é visto como um mundo de


significados passível de investigação e a linguagem dos atores
sociais e suas práticas as matérias primas dessa abordagem. É o
nível dos significados, motivos, aspirações, atitudes, crenças e
valores, que se expressa pela linguagem comum e na vida cotidiana,
o objeto da abordagem qualitativa.

Como técnica de pesquisa, fiz uso da documentação indireta, que segundo


Lakatos (2010, p. 157) “é a fase da pesquisa realizada com intuito de recolher
informações prévias sobre o campo de interesse”, por meio de pesquisa documental
e pesquisa bibliográfica, bem como da documentação direta através da pesquisa de
campo.
Inicialmente, realizei uma revisão bibliográfica, buscando autores que
abordam a temática desta pesquisa, e assim alcançar
um aprofundamento do estudo sobre o assunto, e em particular
sobre o tema. Trata-se de buscar nos autores e obras que tratam do
mesmo tema ou temas próximos, suas contribuições no sentido de
proporcionar ao pesquisador oportunidades de empreender de forma
mais sistematizada suas reflexões sobre o tema em estudo. Esta
etapa da pesquisa também é conhecida como o levantamento do
“estado da arte” (TRALDI; DIAS 20042, apud TOZONI-REIS, 2005,
p.68)

A revisão bibliográfica coloca em contato com o que já foi produzido sobre o


assunto, permite compreendê-lo melhor e auxilia na identificação e análise dos
dados, a fim de alcançar resultados. Para Lakatos (2010, p. 166) a “pesquisa
bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto
mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a
conclusões inovadoras”.
Nesse sentido, Yin (2005, p. 28) afirma que revisão da literatura é “um meio
para se atingir uma finalidade, e não uma finalidade em si”. Aqui, já ao início deste
texto, o estado da Arte foi apresentado com a finalidade não só de melhor conhecer
sobre o assunto, mas também apontar o quadro com o qual esta pesquisa deve
contribuir.
Como já foi apresentado, o levantamento de pesquisas sobre Bandas de
Música realizado para este estudo abrangeu escritos publicados na revista e nos
Anais da ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical, na Revista Opus e
nos Anais da ANPPOM - Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em
Música, bem como consulta na base de dados do sistema Pergamum e BDTD-
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e no banco de teses CAPES -
                                                                                                                         
2
TRALDI, M. C.; DIAS, R. Monografia passo a passo. Campinas: Alínea, 2004.
26  

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. As palavras-chave


envolveram: bandas de música, formação docente e ensino coletivo.
Além da revisão da literatura, desenvolvi pesquisa bibliográfica e análise
documental sobre as bandas de música em Santarém, por meio de textos de Salles
(1985; 2007), Fonseca (1986; 2006) e Nina (2005). Para estudo bibliográfico de
fundamentação teórico-metodológica, busquei textos em torno dos saberes docentes
de Tardif (2014), Gauthier (1998), Rossato (2002), Alves e Garcia (2011), Esperidião
(2012) e Bellochio (2003).
Como foi mencionado, ao início deste subtópico, esta investigação envolveu
o estudo de egresso do curso de Licenciatura em Música da UEPA, em Santarém.
Trata-se, portanto, de estudo de um caso. Para Gressler (1989, p. 29), no estudo de
caso, o pesquisador “dedica-se a estudos intensivos do passado, presente e de
interações ambientais de uma unidade social: um indivíduo, grupo, instituição ou
comunidade”.
Segundo Yin (2005), na coleta de dados, o estudo de caso é uma pesquisa
abrangente que permite uma diversidade de procedimentos. Segundo o autor,
O estudo de caso como estratégia de pesquisa compreende um
método que abrange tudo – tratando da lógica de planejamento, das
técnicas de coleta de dados e das abordagens específicas à análise
dos mesmos. Nesse sentido, o estudo de caso não é nem uma tática
para a coleta de dados nem meramente uma característica do
planejamento em si, mas uma estratégia de pesquisa abrangente.
(YIN, 2005, p. 33)

Dessa forma, com o intuito de compreender como a formação em banda de


música influencia na prática docente de egressos de curso de Licenciatura em
Música, utilizei a entrevista como instrumento de pesquisa. Segundo Bogdan e
Biklen (1994, p. 134), a entrevista “é utilizada para recolher dados descritivos na
linguagem do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente
uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo”.
Para Rosa e Arnoldi (2008, p. 17), a entrevista não é “um simples diálogo,
mas [...] uma discussão orientada para um objetivo definido, que através de um
interrogatório, leva o informante a discorrer sobre temas específicos, resultando em
dados que serão utilizados na pesquisa”.
Para as entrevistas serem bem sucedidas, Thompson (1992, p. 254) aponta
algumas qualidades que o entrevistador deve possuir: “interesse e respeito pelos
outros como pessoas e flexibilidade nas reações em relação a eles; capacidade de
demonstrar compreensão e simpatia pela opinião deles; e acima de tudo, disposição
27  

de ficar calado e escutar”.


Dentre as vantagens da utilização da entrevista, Ludke (1986, p. 34) aponta
que ela permite captação imediata e corrente da informação desejada;
aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de alcance mais
superficial; correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira
eficaz na obtenção das informações desejadas; a entrevista ganha vida ao se iniciar
o diálogo entre o entrevistador e o entrevistado.
Neste estudo, apliquei a entrevista semiestruturada que, de acordo com
Ludke (1986, p. 34), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não
aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias
adaptações”.
Fiz uso da entrevista na perspectiva da história oral. Segundo Alberti (2004,
p. 25), “entrevistas de história oral podem ser usadas no estudo da forma como
pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram experiências, incluindo situações de
aprendizado e decisões estratégicas”. Para a autora (idem, p. 22), uma das
principais vantagens da história oral é que
A experiência histórica do entrevistado torna o passado mais
concreto, sendo, por isso, atraente na divulgação do conhecimento.
Quando bem aproveitada, a história oral tem, pois, um elevado
potencial de ensinamento do passado, porque fascina com a
experiência do outro. Esse mérito reforça a responsabilidade e o
rigor de quem colhe, interpreta e divulga entrevistas.

As entrevistas em história oral podem ser temáticas ou de história de vida.


Aqui, optei pela entrevista temática, já que o objetivo desse estudo é compreender
como os saberes adquiridos por um professor de música de Santarém-PA, oriundo
de bandas de música e licenciado em música, se refletem na sua prática
pedagógica.
As entrevistas temáticas são definidas por Alberti (2005, p. 37) como
“aquelas que versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema
escolhido”. A autora ressalta que se pode considerar que várias entrevistas
temáticas englobam a entrevista de história de vida, e que ambas estão
relacionadas com o método biográfico.
Para o registro das entrevistas, utilizei gravador de voz digital e filmadora
digital, sendo as gravações posteriormente duplicadas. A duplicação é uma medida
que, de acordo com Alberti (idem, p. 52), deve ser tomada após a realização das
entrevistas, em dois suportes, arquivos e locais diferentes. A autora classifica esses
arquivos em dois conjuntos de suportes: um de preservação do acervo e outro de
28  

acesso.
À medida que venho realizando as entrevistas, tenho feito sua transcrição,
processo definido por Alberti (idem, p. 174) como a “primeira versão escrita do
depoimento, base de trabalho das etapas posteriores”. A autora conceitua como
“processamento” a transferência da entrevista da forma oral para a escrita. Para ela,
essa etapa pode ser dividida em três fases: transcrição, conferência de fidelidade da
transcrição e copidesque.
Enfim, no processo de documentação oral e escrita da entrevista, tenho
aplicado o seguinte esquema indicado por Alberti (idem):

Figura 01: Organograma do processo de documentação oral e escrita da entrevista.


Alberti (2005, p. 53)
Arquivamento Escuta para elaboração dos
das entrevistas instrumentos de auxílio à
no suporte A consulta:
Para - sumário
Gravação Duplicação Preservação - índice temático
da Da
entrevista entrevista
em suporte em suporte Caso se opte pelo
A B Arquivamento processamento:
das entrevistas - escuta para transcrição
no suporte B - escuta para conferencia da
para acesso transcrição
- escuta para copidesque

Escuta para
consulta

Fonte: Alberti (2005, p. 53).

Após esse processo, segui para a transcriação, que é considerada por


Meihy e Holanda (2011, p. 136)
um fundamento-chave para a história oral, pois, sendo ela aplicada
aos estudos de grupos, comunidade e indivíduos, abandona os
estritos caminhos da racionalidade e se abre às convenientes
dimensões subjetivas.

Por fim, os dados coletados foram analisados, visando organizar, descobrir


aspectos importantes, e interpretar com base nas perspectivas que conduziram esse
estudo. Para Bogdan e Biklen (1994, p. 205), a análise dos dados
é o processo de busca e organização sistemático de transcrições de
entrevistas, de notas de campo, e de outros materiais que foram
sendo acumulados, com o objetivo de aumentar a sua própria
29  

compreensão desses mesmos materiais e de lhe permitir apresentar


aos outros aquilo que encontrou

Para Lakatos (2010, p. 151), a análise “é a tentativa de evidenciar as


relações existentes entre o fenômeno estudado e outros fatores”.
Gil (1989, p. 166), aponta que análise e interpretação são processos que
aparecem relacionados, porém apresentam conceitos distintos:
a análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de forma
tal que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema
proposto para investigação. Já a interpretação tem como objetivo a
procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante
sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos.

ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO

Esta pesquisa está organizada nas seguintes seções:


INTRODUÇÃO – visão geral da pesquisa, com delimitação do objeto,
revisão da literatura, problematização e pergunta, justificativa, objetivos geral e
específicos, fundamentação teórica, metodologia e organização do estudo;
1. CONTEXTUALIZAÇÃO: BANDAS DE MÚSICA E A LICENCIATURA
EM MÚSICA COMO LUGARES DE FORMAÇÃO MUSICAL EM SANTAREM –
apanhado histórico sobre as bandas de música em Santarém e a força da presença
desses grupos musicais como fenômeno social e breves informações sobre o curso
de Licenciatura em Música da Universidade do Estado do Pará;
2. RESULTADOS: TRAJETÓRIA DE UM PROFESSOR DE MÚSICA EM
SANTARÉM – PA – transcrição na forma de narrativa das entrevistas realizadas.
3. ANÁLISE DOS RESULTADOS – articulação dos resultados da
pesquisa com a fundamentação teórica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS – síntese da pesquisa, reflexões sobre os
resultados e questões emergentes.
30  

1 CONTEXTUALIZAÇÃO: BANDAS DE MÚSICA E A LICENCIATURA EM


MÚSICA COMO LUGARES DE FORMAÇÃO MUSICAL EM SANTAREM

Esta é uma seção de contextualização desta pesquisa. A intenção é de


demonstrar a forte presença das bandas de música em Santarém, por meio de um
apanhado histórico. Antes, porém, e para compreender os “tipos” de bandas de
música presentes naquela cidade paraense, é necessário definir “banda de música”
e suas diferentes formações. Finalmente, concluindo esta seção, é brevemente
apresentado o curso de Licenciatura em Música da UEPA - Santarém (Campus XII).

1.1 BANDAS DE MÚSICA

1.1.1 Definições e classificações de bandas de música

Segundo Andrade (1989, p.20), banda de música é


um conjunto que empregue instrumentos de sopro e percussão
usados na orquestra sinfônica atual, acrescidos dos instrumentos
construídos por Adolf Sax (Saxhornes e Saxofones) ou similares de
outras fabricações, em função das necessidades musicais, para
execução musical ao ar livre.
O autor enfatiza que existem outros tipos de banda, como as bandas
marciais, bandas escolares, bandas de carnaval, fanfarras, bandas de clarins, banda
de corneteiros. A diferença entre essas bandas e a banda de música está na
quantidade de instrumentos de sopro e percussão utilizados, pois nas bandas de
música utilizam-se mais instrumentos de sopro do que de percussão.
31  

Figura 02: Fanfarra.

Fonte:http://riodasmacas.blogspot.com.br/2011/05/fanfarras-dos-
bombeiros-voluntarios-do.html. Acesso em: 10 mai. 2015.

Figura 03: Banda de corneteiros.

Fonte: http://rede.radio93.com.br/photo/banda-marcial-dragoes. Acesso


em: 10 mai. 2015.

Ainda sobre as bandas de música, Frank (2008, p. 117) define que se o


grupo musical pertencer a uma instituição militar será denominado Banda Militar, e
se estiver vinculado à outra instituição será denominada de Banda Civil. Ao
exemplificar uma banda militar média, o autor apresenta a seguinte formação: 2
flautas transversas (flauta, flautim = picolo), 13 clarinetes (clarinete, clarinete baixo =
clarone, clarinete pequena = requinta), 7 saxofones (sax soprano, sax alto, sax
tenor, sax barítono), 01 oboé, 01 fagote, 08 trompetes (corneta = cornetim, trompete
32  

= pistão, flugelhorn = bugle), 4 trompas, 5 trombones (trombone tenor, trombone


baixo), 2 bombardinos, 4 tubas, 6 instrumentos de percussão.
No Dicionário Oxford de Música (1985), constam as seguintes classificações
de banda de música: Banda de Concerto compreendendo madeiras, metais e
percussão, semelhante à banda militar; Banda Filarmônica, que nos tempos
medievais era constituída por gaiteiros nômadas, mais tarde reconhecidos
oficialmente como town pippers, tocando em ocasiões cívicas. Modernamente, o
termo refere-se a uma banda de diversos instrumentos de sopro, frequentemente
com percussão (como já definiu Andrade, 1989), muitas vezes chamada “banda
militar” para se distinguir da “banda de metais” na qual não são usadas madeiras.
Nos Estados Unidos da América, “banda de filarmônica” designa banda militar.
Banda militar é o termo usado na Grã-Bretanha tanto para uma banda do Exército,
Marinha ou Força Aérea como para qualquer outra banda do mesmo gênero que use
instrumentos de sopro metálicos ou de madeira.
A composição de tais bandas varia de país para país e de regimento para
regimento. Na Grã-Bretanha, compõe-se geralmente de: (a) 1 flautim (ou flauta ou
ambos), 1 oboé, 1 clarinete agudo, 12 a 14 clarinetes normais, 2 clarinetes baixos, 1
sax alto e 1 sax tenor, 2 fagotes; (b) 4 trompas, 2 eufonios, 4 bombardões; (c) 4
cornetins; (d) 2 tambores e vários instrumentos de percussão. Por vezes, quando as
condições de execução o permitem, podem aparecer 1 ou 2 contrabaixos de corda.
Como alternativa ao mesmo número de instrumentos de sopro metálicos, nos
Estados Unidos da América, o esquema pouco varia. As partituras e partes da
banda militar, ao contrário da banda de instrumentos de sopro metálicos (brass
band), usam o habitual sistema de notação orquestral. A expressão Wind band
(banda de concerto) é comum nos Estados Unidos da América.
O Dicionário Grove de Música (SADIE, 1994, p. 71) apresenta, além das
definições citadas anteriormente, a de Banda Sinfônica como expressão usada nos
Estados Unidos da América para um conjunto de instrumentos de sopro, com
algumas percussões e ocasionalmente contrabaixo; corresponde aproximadamente
à Banda Militar Europeia.
A Confederação Nacional de Bandas e Fanfarras - CNBF, órgão que
regulamenta o campeonato brasileiro de bandas e fanfarras, dá a seguinte
classificação para as bandas e respectiva composição instrumental:
Banda Marcial: instrumentos melódicos característicos (família dos
33  

trompetes, família dos trombones, família das tubas e saxhorn); instrumentos de


percussão (bombos, tambores, prato a dois, prato suspenso, caixa clara);
instrumentos facultativos (marimba, trompa, tímpano, glockenspiel, campanas
tubulares e outros de percutir).
Figura 04: Banda marcial.

Fonte: http://bmangelitabatista.blogspot.com.br/. Acesso em: 10 mai. 2015.

Banda Musical de Marcha: instrumentos melódicos característicos (família das


flautas transversais; família dos clarinetes; família dos saxofones e instrumentos de
sopro das categorias anteriores); instrumentos de percussão (bombos, tambores,
prato a dois, prato suspenso, caixa clara); instrumentos mínimos obrigatórios (2
flautas, 3 clarinetes e 2 saxofones); instrumentos facultativos (celesta e xilofone).
Figura 05: Banda de música.

Fonte:http://www.eventoscaisur.com/viewcategory.php?idc=4http://bmangelitab
atista.blogspot.com.br/. Acesso em: 10 mai. 2015.
34  

Banda Musical de Concerto: instrumentos melódicos característicos (família


das flautas transversais; família dos clarinetes; família dos saxofones e instrumentos
de sopro das categorias anteriores); instrumentos de percussão (bombos, tambores,
prato a dois, prato suspenso, caixa clara); instrumentos mínimos obrigatórios (2
flautas, 3 clarinetes e 2 saxofones); instrumentos facultativos (celesta e xilofone).
Banda Sinfônica: instrumentos melódicos característicos (família das flautas
transversais; família dos clarinetes; família dos saxofones e instrumentos de sopro
das categorias anteriores); instrumentos de percussão (bombos, tambores, prato a
dois, prato suspenso, caixa clara); instrumentos mínimos obrigatórios (2 flautas, 5
clarinetes, 4 saxofones e pelo menos um instrumento de palheta dupla);
instrumentos complementares (oboé, fagote, contra fagote, trompa, contrabaixo
acústico, celesta e xilofone).
Figura 06: Imagem de Wind band.

Fonte:http://go2uttyler.blogspot.com.br/2013/03/spring-
wind-ensemble-concert.html. Acesso em: 10 mai. 2015.

1.1.2 Bandas de música em Santarém

Como já foi enfatizado, a banda de música é uma marca muito forte na


história da música de Santarém, como revelam os inúmeros conjuntos musicais
registrados por Fonseca (1986; 2006) e Salles (1985; 2007), a seguir relacionados.
A primeira notícia que se tem relacionada à existência de Bandas em
Santarém remete à Sociedade Filarmônica “Santa Cecília”, no período de 1878 a
1890, tendo à sua frente Francisco Assis dos Santos (pai) (18?-19?).
35  

Em 1891, Manoel Napoleão Lavor (18?-19?) organizou o ensino da música


em Santarém, com ajuda da Intendência Municipal, formando uma pequena banda
dos quais se destacaram os seguintes músicos: Luís Bonifácio da Silva Barbosa
(18?-19?), Manuel Tolentino da Silva (18?-19?), Tibúrcio Silvestre (18?-19?), José
Abreu (18?-19?), Temístocles dos Santos Bruce (1877-1939) e Lúcio Corrêa dos
Santos (18?-19?).
No final do século XIX antes da dissolução da banda de Manoel Lavor,
surgiu um novo grupo musical comandado por Emanuel Marcos Rodrigues (18?-
19?). Após algum tempo, houve a reativação do grupo do mestre Lavor, que agora
contava com a direção de Manuel Tolentino da Silva. Segundo Fonseca (1986, p. 5),
essas foram as duas bandas que participaram da solenidade de inauguração do
Teatro Vitória: “a inauguração foi com duas bandas de música percorrendo a cidade.
Depois elas ficaram lá na frente do Teatro tocando até a hora da inauguração”
(SENA, 2012, p. 69)
No início do século XX, Wilson Fonseca relata que as duas bandas se
uniram e formaram a “Filarmônica Santarena”.
No ano de 1912 tinham três bandas de música aqui. Tinha banda de
música do Francisco Assis dos Santos, tinha banda de música do
Perseverança, que era o Luiz Barbosa, e tinha a banda de música do
meu pai que era a “7 de Dezembro”. Depois as outras morreram e
acabou ficando somente a do meu pai. Depois, quando o papai
estava um ano sozinho com a banda aqui, Frei Ambrósio então
resolveu criar a banda infanto-juvenil que foi a Sinfonia Franciscana.
(SENA, 2012, p. 102)

Além das bandas de música, a história de Santarém apresenta inúmeros


grupos musicais formados não só por instrumentos de sopro e percussão, mas
também por cordas, teclados e bateria como:
Grêmio Musical “Antônio Braga” (1908). De acordo com Salles (1985),
José Agostinho da Fonseca criou este grupo musical em 1908, com a finalidade de
tocar em bailes, e também realizar concertos. Era composta por: um clarinete, duas
flautas, dois violinos, um cello, um contrabaixo e um piano. Em 1912, passou a
denominar-se “Sustenidos e bemóis”.
36  

Figura 07: Gremio Musical “Antonio Braga”.

Fonte: Fonseca (1978, p. 39).

Orquestra “Sustenidos e Bemóis” (1912). Deste conjunto, obtive somente


a foto a seguir.
Figura 08: Orquestra “Sustenidos e Bemóis”.

Sentados: Aureliano Imbiriba, Álvaro Botelho Pinheiro,


José Agostinho da Fonseca (o garoto é seu filho Wilson
Fonseca), Raimundo Sussuarana e Raimundo Fona. Em
pé: José Cardoso da Rocha, Luís Barbosa, Joaquim
Toscano, Frederico de Barros, Manoel Brazão e
Francisco Assis dos Santos Filho.
Fonte: Acervo de Vicente Malheiros da Fonseca.

Orquestra “Tapajós” (1918): Segundo Salles (1985), foi fundada por José
Agostinho da Fonseca.
37  

Figura 09: Orquestra “Tapajós”.

Fonte: Fonseca (1978, p. 49).

Assembleia Jazz–Band (1925). Iniciou suas atividades musicais em 1925 e


era formada pelos seguintes músicos: cantor Joaquim Toscano, no piano Anita
Fonseca, violino Pedro Maia, rabecão Antônio Rodrigues Nunes, no banjo Felisbelo
Sussuarana, nas flautas Miguel Campos e Justo Mota, clarinete Luciano Santos,
saxofone alto/ serrote e também na direção do grupo José Agostinho da Fonseca,
piston egípcio Almiro Lemos, trombone Luis Barbosa Filho, na bateria Wilson
Fonseca.
A maioria desses músicos estava na faixa etária de 20 a 40 anos, com
exceção de Miguel Campos com 17 anos, Anita Fonseca 14 anos e o mais jovem de
todos era Wilson Fonseca que tinha apenas 13 anos
Esta banda adquiriu da firma Carlos Scavone de São Paulo, em 1925, a
primeira bateria de Santarém, e o novo instrumento foi descrito da seguinte maneira
por Fonseca (1986, p. 7):

Todo em metal amarelo, o bombo tinha como acessórios na parte


superior um prato grande de boa têmpera, sustentado por uma mola
em espiral, duas castanholas, três chocalhos de tons diferentes e um
tam-tam; na parte superior, um pedal (para ser acionado com o pé
direito) movimentava, a um só tempo, a maçaneta dupla: o remate
com esfera em metal, outro prato menos fixado no aro dianteiro ao
lado direito. Completavam o conjunto de percussão, uma caixa de
repique apoiada em tripé e um par de pratinhos “contra-tempo”, este
movimentado, também, com pedal, com o pé esquerdo.

Executavam variadas músicas. No repertório de estreia estavam incluídos


one-steps, charlstons, fox-trots. No âmbito nacional, cito “Neron” e “A menina do
serrote” que eram considerados números especiais por causa dos “efeitos do
38  

serrote”. Também executavam músicas do cancioneiro regional como Boca Preta,


Zezinho Fontainha, Chuane.
Em 1930, o conjunto passou por algumas modificações e recebeu o nome
Euterpe-Jazz.
Figuira 10: Assembléia Jazz-band.

José Agostinho Fonseca no contrabaixo, Antonio


Rodirgues Nunes (Nhuca) na flauta, Maria Annita (Ninita)
no piano, Firmo Sirotheau no violino e Joaquim Toscano
na bateria.
Fonte: Fonseca (1984, p.8).

Euterpe–Jazz (1930). Dando continuidade ao trabalho iniciado pela


Assembleia Jazz–Band, a Euterpe já não tinha a mesma dificuldade em relação a
instrumentos encontrada nas primeiras orquestras, pois possuía instrumentos novos
e modernos. Era formado por: dois saxofones (mib e sib), um trombone de vara, um
trombone de piston, dois trompetes, dois banjos, piano, violino, clarinete, contrabaixo
e bateria.
Sena (2012) relata que a partir de 1936, Wilson Fonseca passou a dirigir a
orquestra devido ao afastamento de seu pai, José Agostinho da Fonseca.
Em 1933, o compositor pernambucano Capiba (Lourenço Fonseca Barbosa),
ao passar pelo Norte, assistiu a uma apresentação do Euterpe e considerou-o como
“o melhor de toda a Amazônia”. Esse grupo teve longa duração, sendo dissolvido em
1953.
39  

Figura 11: Euterpe-Jazz, em 1933.

Da esquerda para direita sentados: Raimundo Bezerra


(Bezerrão), Joaquim Toscano (Bateria), Anita Fonseca e
Felisbelo Sussuarana. Em pé: Manoel Almeida (Dudu),
Luis Barbosa Filho (Quixito), Antonio Rodrigues Nunes
(Nhuca), Antonio Anselmo de Oliveira, Pedro Nolasco
dos Santos, Euclides Ramos (Quidó), Wilson Fonseca
(Isoca) e José Agostinho da Fonseca.
Fonte: Fonseca (1978, p. 49).

Dentre as muitas bandas de música santarenas, destaco:


Banda “Sete de Dezembro” (1907). De acordo com Fonseca (1978, p. 37),
assim que José Agostinho da Fonseca chegou em Santarém, no ano de 1906, com
a experiencia adquirida ao integrar a banda de música do Instituto Lauro Sodré,
organizou a Banda Sete de Dezembro, com músicos de um conjunto que foi
dissolvido e por alunos que ele mesmo ensinou. Essa banda ficou em atividade até
1923. Quanto ao repertório executado por esse grupo musical, Fonseca (1978, p.
38), relata que José Agostinho da Fonseca
Procurou fugir ao rígido padrão da época, incluindo no repertório de
sua banda, músicas que escandalizavam os componentes de outra
banda rival, dirigida pelo mestre Francisco Assis dos Santos Filho,
que, por isso, apelidaram a “Sete de Dezembro”de “maxixeira”-
porque tocava maxixe.

Sinfonia Franciscana (1918). Fruto da Escola de Música criada por Frei


Ambrósio Philipsenburg, O.F.M., destinada somente a meninos, Fonseca (1980),
relata que a Sinfonia Franciscana foi fundada em 08 de maio de 1918, sob a
regência de Luis Bonifácio da Silva Barbosa, até o ano de 1935, passando nesse
mesmo ano a ser denominada Filarmônica Santa Cruz. Devido ao regente mudar-se
para Belém, assumiu a regência da banda o maestro Wilson Fonseca, em 1935.
Esse grupo musical esteve em atividade até 1936.
40  

Figuras 12 e 13: Sinfonia Franciscana.

Fonte: Fonseca (1980). Fonte: Acervo de Vicente Malheiros da Fonseca.

Banda Marcial “Irmão José Ricardo” (1952). Em 1952, o Irmão Genardo


fundou a fanfarra da escola formada somente por instrumentos de percussão. Esse
grupo foi ampliado no ano de 1968, quando José Agostinho da Fonseca Neto
assumiu sua direção. Em 1989, Tinho Fonseca e sua equipe, formada por Pedro
Fernando, José Maria Feitosa Maia, Raimundo Nonato e Guiseppe Piscoppo,
transformaram a fanfarra em Banda Marcial. Além da inclusão de instrumentos de
sopro, introduziram também a comissão de frente, formada por balizas que faziam e
ainda fazem as evoluções.
Em 2003, esse conjunto passou a denominar-se Banda Marcial “Irmão José
Ricardo”. Desde 1991, está sob a direção do Prof. Pedro Fernando Liberal, que
contou com o apoio do Prof. Amilcar Gomes no período de 1997 a dezembro de
2003. Este era responsável pelos metais e pelos arranjos para os instrumentos de
sopro das músicas executadas durante os desfiles cívicos da Semana da Pátria.
Hoje, a banda é formada com cerca de 120 componentes distribuídos entre
instrumentos de sopro e percussão.
41  

Figura 14: Escudo da Banda Marcial Irmão Figura 15: Banda Marcial Colégio Dom Amando
José Ricardo.

Fonte:https://www.facebook.com/BandaMarcialIrmaoJoseRicardo/photos/pb.376147715786158.-
2207520000.1429202397./571089042958690/?type=3&theater. Acesso em: 10 mai. 2015.

Além da Banda Marcial, o Colégio Dom Amando também oferece Canto


Coral e Flauta Doce.
Filarmonica Municipal “Prof. José Agostinho” (1963). Fonseca (2007),
relata que apesar de Santarém ter uma vida musical muito intensa, passou o período
de 1937 a 1963, sem ter bandas de música, apesar de ter grupos musicais e
fanfarras. Então, surgiu a iniciativa por parte dos sargentos João de Deus
Damasceno e Raimundo Nonato da Costa Bittencourt, que contou com total apoio
do prefeito Dr. Everaldo de Sousa Martins. Wilson Fonseca relata que
Foi instalado o Tiro de Guerra em Santarém e dois elementos idealistas,
como o Damasceno e o Bittencourt (sargentos do Tiro de Guerra 190), eram
doidos para que tivesse uma banda de música para as balalaicas que eles
faziam, para os desfiles deles, pro juramento da bandeira, e Santarém não
tinha banda de música. Entao eles pediram ao Martins que era o prefeito
(1963/67), e o Everaldo (de Sousa) Martins disse, vamos fazer a banda que
eu garanto o suporte financeiro, pelo menos para a instalação da banda.
(SENA, 2012, p. 102)

Entraram em contato com os irmãos Wilde e Wilson Fonseca. A principio


Wilson Fonseca pensou em recusar o convite, mas logo mudou de idéia e solicitou
que fossem comprados os instrumentos que faltavam para o equilíbrio da banda.
Assim, chegaram em Santarém os instrumentos solicitados que eram: 3 clarinetes, 1
requinta, 1 bombardino, 1 sax horn mib, 1 bombo, 1 caixa e 1 par de pratos.
Iniciaram os ensaios e no dia 04 de setembro de 1963, ocorreu a primeira
apresentação oficial da Banda Municipal “Prof. José Agostinho”, no Cine Teatro
Cristo Rei. O repertório da noite de estreia foi composto por dobrados, maxixes,
42  

valsas, samba, marcha, sendo em sua maioria composições de Wilson Fonseca e


José Agostinho da Fonseca. Houve participação especial do Coro da Catedral de
Santarém. Executaram também o Hino Nacional Brasileiro e o Hino da
Independência do Brasil.
Em 12 de agosto de 1992, a banda passou a ser denominada Filarmônica
Municipal “Prof. José Agostinho”, através de lei nº 14.256, sancionada pelo prefeito
Ronan Liberal.
A partir de 2007, Wilde Fonseca, passou a direção da banda a seus filhos
José Wilde e João Paulo. No ano de 2015, a diretoria é formada por Adson Wender
de Jesus - diretor, e Rafael Nascimento de Macedo Brito - vice-diretor e regente.

Figura 16: Filarmonica Municipal Prof. José Agostinho

Fonte:http://filarmonicadesantarem.blogspot.com.br/p/hist
orico.html. Acesso em: 10 mai. 2015.

Banda da Escola Almirante Soares Dutra (197?). A Banda de Música


Almirante Soares Dutra, pertence à Escola Estadual de Ensino Fundamental e
Médio Almirante Soares Dutra, localizada em Santarém do Pará. Não há uma data
precisa de sua fundação, mas acredita-se que surgiu no final da década de 1970,
segundo o professor Júlio Heleno, que atua como seu regente.
De acordo com relatos do regente Júlio Heleno, inicialmente esta banda de
música era uma fanfarra. Sempre presente nos festivais de bandas e fanfarras de
Santarém, esse grupo musical conquistou por nove vezes o título de campeão na
categoria Fanfarra Simples, oito deles consecutivos entre os anos de 1988 e 1995.
O instrutor da banda era Gesival de Melo Vieira, que passou quase 25 anos à frente
da banda, de forma voluntária.
A partir de 2004, uma nova equipe assumiu a gestão da banda, e introduziu
as cornetas em sua formação, passando assim à categoria de Fanfarra com
43  

Melodia, conquistando no período de 2004 a 2009 cinco títulos de concursos nessa


categoria, sendo quatro deles consecutivos. Integravam essa equipe: Raimundo
José dos Santos Araújo (Dinho Santos Araújo), Fábio da Costa Ferreira e Júlio
Heleno Lages Pereira (todos ex-alunos da escola e de Gesival Vieira). Contavam
com o apoio de Ramon Rodrigo, Ricardo Assunção, Madson Jean, Silas Tapajós,
Oberdan da Silva e Welton Costa. Em 2009, Daniel Feitosa e “Corona” Soares
(Lucenildo Soares Lima) juntam-se à equipe. Todos atuavam de forma voluntária.

Figura 17: Banda de Música da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra. Figura 18: Brasão da
Banda de Música da
E.E.E.F.M. Almirante
Soares Dutra.

Fonte: Acervo particular de Charles Campos. Fonte:https://www.facebo


ok.com/ESoaresDutra?fr
ef=nf. Acesso em 10 mai.
2015.

No ano de 2010, houve mais uma mudança na formação da banda. Foram


acrescentados os instrumentos: saxofones, trompetes, trombones, tuba, saxhorn,
euphonium e clarinetes, formando a atual Banda Marcial. Com essa formação,
conquistaram-se quatro títulos. Desde o ano de 2007, são campeões, de forma
consecutiva, do Festival de Bandas e Fanfarras de Santarém.
44  

Figura 19: Banda Marcial da E.E.E.F.M. Almirante


Soares Dutra.

Fonte: Acervo particular de Odinei da Silva.

Banda de Música da Polícia Militar de Santarém (1971). Segundo relatos


do 1º Sgt Brindeiro, a Polícia Militar está presente em Santarém desde os anos de
1950. Porém, somente em 1970, foi criada a 1ª Companhia Independente de Polícia
Militar – 1ª CIPM, através do Decreto nº 7.125 de 14 de julho de 1970, assinado pelo
Governador do Estado do Pará, Ten. Cel. Alacid da Silva Nunes. Foram deslocados
100 policiais de Belém para compor a guarnição em Santarém, que possuia cerca de
20 militares. No ano de 1971, com o aumento do efetivo no município, a PM realizou
seu primeiro desfile, com uma pequena fanfarra formada por 01 bumbo, 03 surdos e
02 caixas.
Em 1974, as escolas de educação básica de Santarém, possuíam fanfarras
compostas por instrumentos de percussão e algumas utilizavam cornetas. Durante
as programações da polícia militar em Santarém, essas escolas eram convidadas
para tocar nos eventos, bem como participar dos desfiles cívicos.
Em 1978, a fanfarra da polícia militar, formada somente por instrumentos de
percussão, era composta 15 músicos. Em 1980, foi para Santarém o Cel. Alves. Ao
chegar ao município, disse que o batalhão precisava ter uma banda de música, pois
nesse período, no Brasil, ainda se vivia o regime militar, então quando as
autoridades chegavam ao município eram recebidos pelos policiais, porém o
45  

batalhão não possuía uma banda para prestar as honras militares. Por essa razão,
em 1981 foi transferido para Santarém o primeiro músico, o Sgt Zaranza, que tocava
Saxofone soprano. Durante as cerimônias, ele executava as músicas sozinho.
Porém, o Cel. Alves disse que isso não era uma banda, conversou com o
comandante geral e decidiram chamar alguns civis para um teste de seleção para
formarem a banda da polícia militar em Santarém.

Veio de Belém o Tenente Leonardo e o Sargento Lucelino para fazer o teste


com os músicos daqui, então o Sargento Zaranza como era uma pessoa
muito carismática ele fez muitos amigos aqui, e tinha muita gente das
bandas que ele já conhecia, e ele disse: “Olha, gente, é o seguinte: a gente
vai formar a banda lá da polícia e eu queria que vocês pudessem ir lá
ajudar, vai ter o teste”. Eles fizeram o teste, e os aprovados foram: no sax
Sebastião Miranda Pisa, que é o pai do Sgt Pisa, o seu Abito, Carlos Pereira
Campos da Silva, que é o Fabriciano, esses tocavam sax, e aí o piston era
o Pedro Viana, tinha o Veloso também que é o pai do Cabo Veloso, ele
morreu em 1989, ele ainda estava na banda. Depois, tem o seu Fernando
Moraes, que era clarinetista, o sax tenor era o João Viana, o Nen, e também
veio trombone o seu Anselmo. Estes formaram a primeira banda. A
percussão tinha lá o pessoal da polícia já e mais o Sgt Zaranza e tinham
mais dois músicos lá, o Sgt De Moraes e um outro músico. (José de Moura
Brindeiro - 1º Sgt Brindeiro. Entrevista realizada em 30 mar. 2015)

A idéia inicial era que esses civis fossem incorporados ao batalhão de polícia
como sargento músico, porém eles tinham mais de 30 anos, e de acordo com as
normas da polícia militar, já tinham passado da idade para ingressar nessa patente.
Foram então contratados com carteria assinada pelo periodo de 1983 a 1989.
Ensaiavam nos dias de segunda, quarta e sexta, geralmente até às 11 horas da
manhã, e como todos trabalhavam em outros lugares, era possível conciliar seus
horários com os ensaios e apresentações da Banda.
No ano de 1989, vieram mais 14 músicos de Belém para compor a Banda de
Música em Santarém, e aos poucos os civis foram saindo. Em entrevista, o 1º Sgt
Brindeiro relata que ao conversar com alguns desses ex-integrantes civis, eles
falaram que ficaram muito tristes pelo falecimento de um dos integrantes da banda,
o trompetista Veloso, e aos poucos foram pedindo para sair da banda.
Em 1991, uma outra turma de músicos de Belém, liderados pelo Sub Ten
Alexandre, que depois foi promovido a Ten Alexandre, vieram para Santarém
integrar a banda de música. Esses sargentos músicos, que chegaram a Santarém,
apesar de terem sido transferidos para compor a banda, eram escalados para
trabalharem nas ruas como os demais policiais do destacamento. Este é um fato que
até hoje permanece.
46  

A gente tira serviço, e isso é ruim, não é? Porque, por exemplo, para
alguns serviços da polícia tem que estar preparado fisicamente,
então nós temos um lá na banda que ele fica preparado fisicamente,
mas só que o seguinte: os dedos dele não enrolam, porque ele faz
flexão, e aí quando é para tocar, o dedo fica duro, geralmente quem
faz muita flexão os dedos ficam duros, todos os músculos ficam
duros, ele não consegue dobrar o dedo e aí na hora de tocar perde
um pouco a agilidade, isso dá muito problema. A maioria das
pessoas não entende isso, acha que é preguiça, inclusive eu até falei
com o médico do batalhão e ele ficou rindo, pensando que a gente tá
com preguiça, mas se você for para prática, você pode ver que o
dedo da pessoa que faz muita flexão e faz muito exercício físico, ele
não enrola não. (José de Moura Brindeiro - 1º Sgt Brindeiro. Entrevista
realizada em 30 mar. 2015)

Desde a sua fundação, a banda de música foi desativada por alguns


períodos, em virtude de comandantes que não apoiavam o grupo musical dentro da
instituição.
O primeiro regente da Banda de Música foi o 3º Sgt Zaranza (Josino
Barbosa Zaranza) e, atualmente, o regente titular é o 1º Sgt Brindeiro (José de
Moura Brindeiro), que assumiu desde 2009, e o regente substituto 2º Sgt Rocha
(Isonildo Silva Rocha). A atual formação é composta por 02 saxofones, 03 clarinetes,
01 trompete, 01 trombone, 01 guitarra, 01 baixo, 01 teclado e 01 bateria. A patente
desses músicos é 2º e 1º Sargentos e Soldados. A banda executa um repertório
variado. O arranjo das músicas é feito pelos próprios componentes da banda.
Geralmente, quem o faz é o Sgt Jonielson, auxiliado pelo Sgt Pisa.

Antes, a banda só tocava dobrado mesmo, era banda militar, mas


como a gente sempre recebia pedidos para tocar nas cidades
próximas e até aqui na cidade mesmo, aí começamos a mudar, nós
compramos uma bateria, alguns aparelhos, guitarra, baixo,
começamos a fazer com que esse repertório fosse mais
diversificado, a gente toca de tudo hoje, mpb, carimbo, forró, gospel,
inclusive estamos nos preparando para fazer uma apresentação lá
no shopping na quinta gospel. (José de Moura Brindeiro - 1º Sgt
Brindeiro, entrevista realizada em 30 de mar de 2015)

A Banda de Música da Policia Militar de Santarém, desenvolve três projetos,


sendo:
Construindo sonhos. Desenvolvido com os moradores do bairro
Esperança, atende a crianças e adolescentes na faixa etária de 8 a 15 anos. As
aulas acontecem nos dias de terça e quinta, das 8 àss 10 horas. Fazem parte da
estrutura curricular as disciplinas: Ordem Unida, História da Polícia, História da
47  

Música, Musicalização, Flauta Doce. Pretende-se ensinar instrumentos de sopro que


compõe a banda de música, porém, esses instrumentos ainda não foram adquiridos,
mas a intenção é ainda no ano de 2015 conseguir a aquisição. Enquanto isso,
desenvolvem duetos e trios de flauta doce para aperfeiçoar a leitura musical.
Humanas. Projeto desenvolvido no Pronto Socorro Municipal de Santarém.
A banda de música realiza apresentação musical em um espaço aberto localizado
no hospital, bem como dois músicos, geralmente um violão com saxofone, ou com
clarinete, executam músicas dentro dos quartos ou próximo.

Figura 20: Apresentação da Banda no Hospital Figura 21: Banda da Polícia Militar de Santarém,
Municipal. no Desfile Cívico.

Fonte: Acervo particular de José de Moura Brindeiro (1º Sgt Brindeiro).

O regente da banda relata que supreendeu-se na primeira vez em que


participaram desse projeto:

Pensava que a gente tinha que tocar algumas músicas mais lentas,
mas eles não querem não, eles querem é agitar, eles pedem para
tocarmos carimbó, e sabe? É algo divertido! A primeira vez em que
nós fomos lá, eu fui nos quartos avisando que íamos tocar e aí uma
paciente disse assim: “Eu nunca tinha imaginado que no hospital eu
iria ver isso”! Ela era uma das doentes, mas você ouvir a música ao
invés de um gemido de dor, um grito de dor, poxa é como se você
estivesse curado. Então, eu achei muito legal. (José de Moura
Brindeiro - 1º Sgt Brindeiro. Entrevista realizada em 30 mar. 2015)

Banda Itinerante. Neste projeto, a banda vai até as escolas estaduais e


municipais. Realiza, além das apresentações musicais, uma amostra das atividades
desenvolvidas pela polícia, como o Serviço Montado, PTRAN, Tático, dentre outros.
Banda Marcial da E.M.E.F. Princesa Izabel (199?). Não há uma data
precisa de fundação da banda da E.M.E.F. Princesa Izabel, mas na década de 90,
pais, alunos e funcionários da escola uniram forças para adquirir os instrumentos
48  

musicais para a formação da fanfarra da escola, com o objetivo de participarem do


Desfile Cívico na Semana da Pátria. Realizaram eventos para angariar recursos
financeiros para aquisição dos instrumentos musicais, e conseguiram comprar 40
instrumentos de percussão, concretizando a tão sonhada fanfarra. O primeiro
regente foi Raimundo José dos Santos Araújo (Dinho Santos Araújo).
No periodo de 1999 a 2007, a formação da banda era composta somente
por instrumentos de percussão, e em 2008, a escola foi contemplada com o projeto
“Música na Escola”, da Prefeitura Municipal de Santarém, através da Assessoria de
Esporte e Lazer, e recebeu um kit de instrumentos musicais contendo 40 flautas
doce no modelo Barroca, 2 trompetes sib, 2 trombones de vara dó, 3 pares de pratos
musicais de bronze, 8 peles para bumbo, 15 peles batedeiras e 8 peles respostas
para caixa, passando à categoria de banda marcial. O regente que esteve à frente
da banda nessa transição foi “Corona” Soares (Lucenildo Soares Lima), ficando até
o ano de 2009 na escola.
A banda já conquistou o 1º lugar no Festival de Bandas e Fanfarras de
Santarém, no ano de 2008, na categoria fanfarra com melodia. Em 2009, concorreu
na categoria Banda Marcial, ficando em 4º lugar, e em 2010 realizou somente uma
apresentação, não concorrendo. Seu atual regente é Anderson Campos.

Figura 22: Banda de Música da Escola Municipal


Princesa Isabel.

Fonte: Acervo particular de Fabio Cardoso.

Banda Marcial da E.E.E.F.M. Pedro Álvares Cabral (1990). Fruto da


escola estadual Pedro Álvares Cabral. De acordo com informações dadas por
Denins de Sousa Lima, esta banda foi fundada em 1990, na gestão da diretora Maria
Ivacilda Fonseca. Porém, sua participação nos desfiles da Semana da Pátria e
festivais de bandas e fanfarras em Santarém, iniciou somente a partir do ano de
49  

1994.
Em suas participações nos festivais em Santarém, sempre esteve entre os
primeiros colocados, conquistando o título de campeã, na categoria fanfarra com
melodia no ano de 1999.
A partir de 2011, passou por uma reestruturação instrumental, ingressando
na categoria de banda marcial. Seu atual regente é Drailton Pinto Feitosa, e a
equipe de coordenação é composta por Dennis de Sousa Lima e Reinaldo Junior da
Costa Santos, apoiada pela equipe gestora da escola.

Figura 23: Banda Marcial da E.E.E.F.M. Pedro Álvares


Cabral.

Fonte: Acervo particular de Dennis de Sousa Lima.

Orquestra Jovem “Wilson Fonseca” (1995). Apesar da denominação o


grupo não possui instrumentos de cordas. Resultado do trabalho da Escola de
Música Wilson Fonseca, a orquestra surgiu em 21 de junho de 1995. Inicialmente,
recebia a denominação de Banda “Wilson Fonseca” e era composta por 34
integrantes na faixa etária de 9 a 15 anos.
Em 1997, ocorreram algumas modificações na estrutura da banda (formação
de naipe, sonoridade, repertório, entre outros aspectos). Passou a denominar-se
Banda Sinfônica “Wilson Fonseca”, contando com 50 músicos na faixa etária de 11 a
18 anos. Em 2002, novamente seu nome foi modificado, dessa vez para Orquestra
Jovem “Wilson Fonseca”.
Atualmente, é formada por 60 músicos de ambos os sexos, com idade a
partir de 13 anos. Já gravou dois CDs: “Sinfonia Amazônica” (2002) e “Sinfonia
Amazônica 2” (2003). Apresentou-se em diversas cidades da região, na capital do
50  

Pará, em Salvador-BA e São Paulo–SP.


Dentre os diversos títulos recebidos destaco: “Título de Honra ao Mérito”
outorgado pelo Poder Público Municipal; “Prêmio Mário de Andrade” outorgado pelo
Ministério da Cultura como reconhecimento por sua expressiva participação no
cenário artístico e cultural brasileiro; “Comenda da Ordem do Mérito Jus at Labor”
outorgada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Belém – PA).

Figura 24: Orquestra Jovem Wilson Fonseca

Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno Lages Pereira.

Banda Marcial da Escola Maria de Lourdes Almeida (2001). Pertencente


à Escola Municipal de Ensino Fundamental Maria de Lourdes Almeida, localizada à
Avenida Barão de São Nicolau, no Bairro do Livramento. Assim como a maioria das
bandas marciais das escolas de Educação Básica, esta inicialmente era uma
fanfarra simples, composta por 45 integrantes. Com essa formação, conquistou o 1°
lugar no 1° Festival Mirim de Santarém.
Figura 25: Brasão da Banda Musical Maria de Lourdes Almeida.

Fonte:http://www.escol.as/13460-maria-de-lourdes-almeida. Aces so em: 10 mai. 2015.

Em 2009, foi contemplada com o projeto Música na Escola, e a partir de


então passou à categoria de banda marcial. Seu regente titular é Eude Igor Almeida
de Lima, a parte coreográfica fica por conta de Derielem Simone Ferreira Viana, e a
51  

coordenação está sob a responsabilidade de Lailson Pereira da Costa.


Nas participações em festivais em Santarém, conquistou na categoria
fanfarra simples, o 2° lugar, no III Festival de Bandas e Fanfarras, o 1° lugar, no IX
Festival de bandas e Fanfarras da UMES, em 2009; e o 3° lugar no IV Festival de
Bandas e Fanfarras promovido pela Prefeitura de Santarém, em 2010; e na
categoria Banda Marcial. Participou do V Festival de Bandas e Fanfarras promovido
pela Prefeitura de Santarém, conquistando o 2° lugar.
Figura 26: Banda Marcial da E.E.E.F. Maria de Lourdes
Almeida.

Fonte: Acervo particular de Lailson Pereira da Costa.

Banda de Música do 8° BEC - Batalhão de Engenharia e Construção -


Batalhão Rondon (2011). Em 1970, o 2º Batalhão Rodoviário foi transformado em
8º Batalhão de Engenharia de Construção e teve a sua sede transferida para
Santarém. Nesse período, o grupamento contava com uma fanfarra que sempre
estava presente nos eventos e nos desfiles cívicos, sendo que no período da
Semana da Pátria civis integravam essa fanfarra formando, assim, uma banda de
música somente para o desfile dos militares dia Sete de Setembro.
A banda de música do 8° BEC - Batalhão de Engenharia e Construção foi
criada através da Portaria nº 013 do Estado-Maior do Exército de 27 de junho 2011 e
publicada em Boletim Reservado nº 09 de 31 de agosto de 2011, que visava criar
bandas de música na região de fronteira, desta forma contemplando o município de
Santarém. Vale destacar que é a única Banda de Música distribuída a uma
Organização Militar de Engenharia em nosso país, pertence a categoria F, cuja
previsão é de 16 músicos.
Em 2012, ocorreu o primeiro concurso para cabo músico temporário,
disponibilizando 8 vagas, para os seguintes instrumentos: clarinete, saxofone tenor,
52  

trombone de vara, trompete, tuba, tímpanos, bombo, pratos e tarol. Em 2014,


ocorreu outro concurso para as duas vagas que estavam disponíveis, pois de acordo
com a legislação o tempo máximo que esses militares temporarios permanecem, é
de 8 anos, e soma-se o periodo de serviço público tanto municipal, estadual e
federal, que possuem antes de ingressar no exército.
O primeiro evento oficial em que a banda se apresentou ocorreu no dia 23
de novembro de 2012. O primeiro regente da banda foi o 1° Ten De Lima (Rudimar
Albino de Lima). Após a sua transferência, a banda passou a ser conduzida pelo 2°
Tenente Liandro (Mauro José Liandro). No ano de 2015, o Sub Ten Delamar
(Delamar Rodrigues Tavares) tornou-se mestre dessa banda.
Possui um repertório que abrange os hinos oficiais, dobrados, marchas,
músicas populares, canções, jazz. Existe o Centro de Documentação do Exército
ligado ao Centro de Cultura do Exército, que possui um acervo com as músicas, pois
todos as bandas de música do exercito brasileiro tocam os mesmos arranjos dos
hinos, dobrados e canções militares, são um repertório unificado.
A banda é composta por clarinetes, saxofone alto, saxofone tenor,
trompetes, trombones, tuba Sib, tuba Mib, caixa clara, bumbo e pratos. As patentes
desses músicos são Sub Tenente, 1° Sargento, 2° Sargento, e Cabo.
Os ensaios ocorrem de segunda a sexta, nos turnos matutino e vespertino, e
os músicos, durante o expediente, também realizam estudos individuais, ensaios de
naipe.
A banda ensaia todos os dias, de manhã e a tarde, é nosso quadro
de trabalho semanal. Em relação a duração dos ensaios, o que é
previsto, até em questão de legislação, de regulamento: o nosso é de
45 minutos e 15 de intervalo, esse é o tempo previsto para qualquer
tipo de instrução: 45 minutos de instrução e 15 de intervalo. (Sub Ten
Delamar, mestre de banda do 8° BEC, entrevista realizada em 06
mar 2015).

Apresentam-se tanto nas formaturas que acontecem no batalhão, como


também realizam apresentações externas.
As nossas apresentações funcionam desde as internas como o Sub
Delamar já citou, quanto as externas. As externas não são somente
as apresentações em teatro, em shoppings, e sim a gente faz em
todo e qualquer segmento da sociedade, escolas, entidades não
governamentais, entidades governamentais, então dá uma média
entre todas de 200 apresentações anuais. São internas, externas,
por exemplo o desfile de 7 de setembro, a gente não desfila só dia 7
de setembro, mas apoiamos entidades também em outros desfiles,
desfilamos em Alter do Chão, com a Escola Plácido de Castro, com a
53  

Apae. Aconteceu até uma coisa inusitada conosco no ano de 2014,


foi uma região de várzea, ela na época do 7 de setembro estava
inundada, então transferiram o desfile cívico para uma outra data,
quando as águas baixaram e a gente foi lá e desfilamos pela
comunidade, toda ela se concentrou numa escola estadual e a gente
saiu desfilando pela comunidade, então para a gente ali foi um
aprendizado, onde que a gente ia tocando e a comunidade ia nos
seguindo, foi muito fantástico. Então não só no 7 de setembro, por
intemperes do tempo, questões naturais, aconteceu em um outro
período, aí a gente ve como nossa região é muito rica. Isso serviu
para mim como aprendizado e também uma coisa que vou levar para
o resto da vida. (Aldo Mamoré Campos – 2° Sargento - músico da
Banda do 8° BEC, entrevista realizada em 06 de mar de 2015)

Figuras 27 e 28: Banda do 8° BEC.

Fonte: Acervo particular de Aldo Mamoré Campos.

Nova Filarmônica de Santarém (2012). Foi uma banda de música criada


para servir de experiência musical para os alunos provenientes do curso de Prática
Instrumental da Escola de Musica “Professor Wilde Fonseca”. A banda iniciou suas
atividades em junho de 2012 e foi lançada oficialmente em 28 de outubro de 2012
por ocasião do aniversário de primeiro ano da Escola de Música “Professor Wilde
Fonseca”. A formação instrumental da Banda abrange instrumentos de sopro, com
as famílias de madeiras e metais, e percussão. A Nova Filarmônica de Santarém era
composta por 35 músicos e realizou várias apresentações atendendo a convites na
sociedade santarena. O regente titular era Rafael Brito e os regentes substitutos,
Carlos Vinícius e Shosuke Okada. Em junho de 2013, encerrou suas atividades em
virtude da reestruturação instrumental para criação da Orquestra Filarmônica de
Santarém, que teve estreia em novembro de 2013, na Câmara Municipal de
Santarém.
54  

Figura 29: Nova Filarmônica de Santarém.

Fonte: Acervo particular de Rafael Brito.

Esses conjuntos tinham e ainda têm seus repertórios elaborados de acordo


com cada ocasião. Os regentes faziam e ainda fazem os arranjos e composições de
acordo com as demandas sociais.
O músico santareno Wilde Fonseca oferece um exemplo de como, desde
a sua juventude, essa situação era comum. Ele conta que estava em Santarém um
circo e aconteceria uma apresentação em que uma jovem entraria montada em um
cavalo. Na ocasião, o compositor José Agostinho da Fonseca disse ao dono do circo
que aquela música que tocava não era apropriada para a situação. Então, compôs a
música “Galope”.
Essa anedota ilustra a atuação dos músicos compositores locais numa
perspectiva funcional. Assim se dava e ainda se dá também no âmbito da educação
musical. Os maestros compunham, compõem ou criam arranjos de acordo com as
necessidades e possibilidades de cada conjunto, de modo a favorecer aos seus
músicos uma formação progressiva.
Um exemplo dessa característica musical local é a composição “Esperança”,
que Wilson Fonseca fez para a recém criada Banda “Wilson Fonseca”. Ele compôs
uma música sem muitas dificuldades de execução, devido ao pouco tempo de
estudo que os músicos tinham à época. Alguns dos pioneiros maestros e
educadores de bandas musicais de Santarém devem ser lembrados, como:
Temístocles dos Santos Bruce, Raimundo Alves Pereira (João Fona), Joaquim
Toscano de Vasconcelos, Miguel Campos, Justo Mota, Laudelino Silva e, claro, josé
Agostinho da Fonseca, Wilson Fonseca e Wilde Fonseca.
55  

1.1.3 Festivais de bandas e fanfarras em Santarém

A partir de pesquisas realizadas por Pereira (2008), o primeiro festival de


bandas e fanfaras de Santarém aconteceu no ano de 1975, organizado pelo Lions
Tapajós Clube. O evento aconteceu no Estádio Elinaldo Barbosa, localizado na
Avenida São Sebastião, no perímetro que compreende as travessas Turiano Meira e
Dom Amando, no bairro Centro. Nessa primeira disputa, a campeã foi a Banda do
Colégio Dom Amando, que tinha como regente José Agostinho da Fonseca Neto
(Tinho Fonseca), filho do maestro Wilson Fonseca.
Na fase inicial das fanfarras em Santarém, Pereira (2008) relata a existência
desse grupo musical nas seguintes escolas: E.E.E.M. Álvaro Adolfo da Silveira,
E.E.E.M. Rodrigues dos Santos, Colégios São Raimundo Nonato, Colégio Dom
Amando, Santa Clara e Batista Sóstenes Pereira de Barros, E.E.E.F.M. Almirante
Soares Dutra, E.E.E.F.M. Pedro Álvares Cabral, E.E.E.F.M. Antônio Batista Belo de
Carvalho.
No ano de 1988, o festival passou a ser promovido pela Associação de
Estudantes de Santarém – AES. Houve a mudança do local de apresentação,
passando a ser no Estádio “Jáder Barbalho” (Barbalhão), atualmente denominado
“Colosso do Tapajós”. A partir de 1990, Pereira (2008) destaca o crescimento no
número de instituições de ensino participantes do festival, dentre as quais cita as
fanfarras dos seguintes estabelecimentos escolares: E.E.E.F.M. Frei Othmar,
E.E.E.F.M. Felisbelo Jaguar Sussuarana, E.E.E.F.M. Terezinha de Jesus Rodrigues,
E.E.E.F.M. Frei Ambrósio, E.E.E.F.M. José de Alencar, E.E.E.F.M. Onésima Pereira
de Barros, E.E.E.F.M. Plácido de Castro, E.E.E.F.M. Aluísio Lopes Martins,
E.E.E.F.M. Madre Imaculada, E.E.E.F.M. Maestro Wilson Dias da Fonseca,
E.E.E.F.M. Júlia Gonçalves Passarinho, E.M.E.F. Maria de Lourdes, E.M.E.F.
Deputado Ubaldo Corrêa, E.M.E.F. Princesa Isabel, E.M.E.F. Fluminense, E.M.E.F.
Brigadeiro Eduardo Gomes, E.M.E.F.Ambrósio Caetano Corrêa, E.M.E.F. Paulo
Rodrigues dos Santos, E.M.E.F. Maria Amália.
A partir de 1997, o regulamento do Festival passou a permitir que as bandas
de outros municípios participassem desse certame, em Santarém. Um grupo musical
que trouxe muitas inovações foi a fanfarra da cidade de Itaituba, pois apresentou
samba e axé em seu repertório, o que o diferenciava das bandas de Santarém.
Como efeito, este grupo musical ganhou as duas categorias do festival. Em
56  

entrevista com o professor Júlio Heleno, este conta que


As bandas de Itaituba tinham um frenesi de ritmo, vieram participar e
realmente foi uma grande novidade porque em Santarém se viviam
ainda as marchinhas, os dobrados, e de repente vem o pessoal de
Itaituba tocando samba, tocando axé, tocando tudo, de forma que
tecnicamente não carece esclarecer aqui, mas foi diferenciado em
relação às bandas de Santarém. Eles supreenderam e ganharam as
duas categorias do festival em 1997, fanfarra simples e fanfarra com
melodia. (Entrevista realizada em 03 mar. 2015)

As bandas dos municípios próximos a Santarém continuam participando dos


festivais. Em entrevista, Júlio Heleno citou as bandas dos seguintes
estabelecimentos e localidades: Escola São José e Escola São Francisco, de
Óbidos; Escola Santo Antonio, Escola Amadeu Burlamaqui Simões e Escola Nova
Esperança, de Alenquer; escolas do município de Belterra, Itaituba e Curuá.
Segundo o entrevistado, no ano de 2001, a UMES - União Municipal dos
Estudantes de Santarém passou a promover um festival de bandas e fanfarras
paralelamente ao Festival da AES. Dessa forma, no período de 2001 a 2005, havia
dois festivais de bandas e fanfarras em Santarém, ambos realizados no Estádio
Colosso do Tapajós. O diferencial entre esses festivais era a premiação, pois nos
eventos promovidos pela AES, a banda vencedora do concurso recebia troféu,
enquanto a UMES premiava com dinheiro. Em ambos os eventos havia venda de
ingressos. Esses festivais possuíam duas categorias de disputa: fanfarra simples e
fanfarra com melodia.
Figura 30: Festival de Bandas e Fanfarras 2009, promovido pela
UMES.

Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno Lages.


57  

Em 2006, somente a UMES promoveu o encontro das bandas, e continuou a


realizar o festival até 2009.
Antes, porém, ainda em 2007, observando o caráter fortemente competitivo
dos festivais de banda em Santarém, a Prefeitura Municipal de Santarém passou a
realizar também um festival de bandas, porém com uma proposta diferenciada, com
um cunho mais pedagógico, promovendo a formação técnica para os regentes,
integrantes das bandas e premiando as bandas vencedoras com instrumentos
musicais para a ampliação. Para isso, firmou parceria com a Escola de Música
Maestro Wilson Fonseca, Filarmônica Municipal de Santarém e 8° BEC – Batalhão
de Engenharia e Construção. Durante entrevista, Júlio Heleno relatou o motivo que
levou a prefeitura a realizar o Festival de Bandas e Fanfarras:
nós já nos deparávamos como formadores com diversos problemas
de ordem pedagógica. Os festivais estavam cada vez mais partindo
para a rivalidade, e falta de ética entre os profissionais que
trabalhavam. Deixando a parte do ensino musical de lado,
basicamente as bandas eram formadas para competição, não tinham
muito interesse em formar os alunos da escola para tocar nas
bandas. As bandas estavam cada vez mais sendo feitas e
desenvolvidas por ex-alunos que ficavam ainda por um tempo na
escola tocando e esses ex-alunos acabavam por não ter aquele
comprometimento com o aprendizado. E aí a prefeitura, em 2007,
nos convidou junto com outros quatro companheiros - nós éramos
cinco - para discutir essa situação do festival de bandas, e falaram:
“Olha nós queremos organizar, mas nós queremos saber o que
vocês acham que precisa mudar”. Porque a prefeitura, na verdade,
era ela que liberava o estádio para serem realizados os eventos, e às
vezes aconteciam brigas, acontecia quebra-quebra, naquele espaço.
A prefeitura cedia ônibus para as bandas participarem. Então, a
prefeitura também tinha algumas despesas em cima disso, e
começou a perguntar: “Por que a gente não organiza logo isso?”, já
era parceira, já estava envolvida e acabava não gerenciando.
Depois, as coisas que aconteciam de ruim caíam nas costas da
prefeitura, e aí nós fomos discutir o festival de bandas pela primeira
vez de forma mais acentuada do ponto de vista pedagógico, do ponto
de vista de objetivos pedagógicos, e nós chegamos a essas
conclusões: que o festival precisava ter um enlace mais forte em
relação a essa necessidade de formação do aluno das escolas, a
premiação foi ideia nossa que fossem instrumentos musicais e não
em dinheiro, o local do evento foi ideia nossa para tirar do estádio e
trazer para orla, que a prefeitura organiza na orla, então trazer o
festival para o público, tornar o festival de fato estudantil, e não ex-
estudantil, e aí, nesse sentido, a gente obteve vários êxitos. Assim: a
prefeitura abraçou a causa, acatou as nossas deliberações, também
colocou algumas coisas inovadoras como a formação técnica para os
regentes, ela fez parceria com a escola de música Wilson Fonseca,
com a Filarmônica Municipal, com o 8° BEC. Esses orgãos vez ou
outra promoviam formações para os regentes, para alguns alunos
dessas bandas participarem, e essas formações aproximaram os
58  

regentes, os alunos, diminuindo a rivalidade, e o festival ganhou


nesse caráter mais pedagógico. (Júlio Heleno Lages Pereria,
entrevista realizada em 03 de mar de 2015)

Tendo em vista a nova proposta da Prefeitura Municipal de Santarém para o


Festival de Bandas e Fanfarras, foram realizadas reuniões para serem discutidas as
mudanças necessárias a serem feitas. Então, criaram um diretório formado por cinco
regentes de bandas, composto por: Júlio Heleno Lages Pereira e Raimundo José
dos Santos Araújo (Dinho), da Escola Almirante; Joaquim Celso Pereira Alves,
coordenador da Banda da Escola Frei Ambrósio; Luís Campos, Banda da Escola
Madre Imaculada; Reinaldo Junio da Costa Santos, da Banda da Escola Pedro
Álvares Cabral.
Também no ano de 2007, um grupo independente realizou o Desafio de
Fanfarras, em um espaço de festa denominado “Quebra Gelo”, localizado na
Avenida Borges Leal. Esse grupo era coordenado por dois regentes de bandas
escolares de Santarém: Drailton Feitosa, conhecido como “Draw” e Josenilson.
Nesse evento, cada banda era composta por no máximo 20 componentes, pois a
intenção era ter uma execução com maior dificuldade técnica.
Sendo assim, em 2007 houve três festivais: o Festival de Bandas e
Fanfarras promovido pela Prefeitura Municipal de Santarém, no dia 01 de setembro;
o Desafio de Fanfarras, no dia 08 de setembro; e o Festival promovido pela UMES,
no final do mês de setembro.
Figura 31: Festival de Bandas e Fanfarras em Santarém, 2010.

Fonte:https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2467507121985
67&set=a.104645736409066.1073741828.100005909195294&typ
e=3&theater. Acesso: 10 mai. 2015.
59  

Figura 32: Festival de Bandas e Fanfarras em


Santarém, 2010.

Fonte:https://aelstm.wordpress.com/category/ger
al/page/5/. Acesso: 10 mai. 2015.

A partir de 2010, somente a Prefeitura Municipal de Santarém passou a


realizar o Festival de Bandas e Fanfarras de Santarém. O Festival de Bandas e
Fanfarras de Santarém, realizado pela Prefeitura Municipal de Santarém, possui três
categorias de disputa, que são: Fanfarra Simples, Fanfarra com Melodia e Banda
Marcial. Os critérios de avaliação são divididos em três itens: aspecto marcial,
aspecto musical e coreográfico. Na Fanfarra Simples, é avaliado: marcha e garbo,
alinhamento, uniforme, afinação, harmonia musical, ritmo, criatividade e
originalidade, expressão coreográfica e sincronismo. Na Fanfarra com Melodia, são
avaliados os mesmos itens de avaliação da Fanfarra Simples, acrescentando
melodia musical. Na categoria Banda Marcial, acrescentam-se os itens: fraseado,
encandeamento harmônico musical, articulação3.
Outro ponto a ser observado no festival promovido pela prefeitura é referente
ao corpo de jurados. Em entrevista, Júlio Heleno relata que:

nós temos que diferenciar os festivais nesse sentido. Os


festivais da UMES e da AES tinham um sistema de avaliação,
que nós das bandas nunca gostamos muito de ver, que era
basicamente o seguinte: você é musicista então tem que
avaliar todos os itens do regulamento, inclusive coreografia.
Porém, vale ressaltar que se você é musicista, você
certamente não terá grande propriedade para julgar
coreografia, para julgar marcha, e esse foi um grande
diferencial no festival da prefeitura. A composição do corpo de

                                                                                                                         
3
Dados extraídos do regulamento do VIII Festival de Bandas e Fanfarras de Santarém.
60  

jurados da prefeitura se dá de forma diferenciada: os jurados


que julgam o aspecto coreográfico são dessa área da
coreografia, são professores de educação física, ou têm a
vivência em formar grupos de dança, e assim por diante. Os
militares julgam marcha, alinhamento, uniforme, o aspecto
marcial; e o aspecto musical é julgado por músicos - embora a
gente sempre tenha, ano após ano, como se trata de uma
competição, existem reclamações e questionamentos acerca
das notas, dos jurados. Isso é normal, em qualquer tipo de
competição sempre terá. (Júlio Heleno Lages Pereria, entrevista
realizada em 03 de mar de 2015)

O primeiro Festival de Bandas e Fanfarras organizado pela Prefeitura de


Santarém esteve sob a responsabilidade da AEL-Assessoria de Esporte e Lazer,
que era coordenada por Rita Peloso. Com a mudança do governo municipal, da
gestão da prefeita Maria do Carmo para o prefeito Alexandre Von, em 2012-2013, a
AEL foi transformada em Secretaria Municipal da Juventude Esporte e Lazer
(SEMJEL), e o festival passou a ser organizado pela equipe que integra essa nova
secretaria com o apoio dos representantes das escolas e entidades musicais.
Um fato curioso, presente nas apresentações das bandas e fanfarras em
Santarém, é que apesar de não serem avaliadas a comissão de frente e as balizas,
ano após ano, as escolas têm investido mais nesses itens, ressaltando a cultura do
visual mais do que a auditiva, e ninguém fecha os olhos para julgar.

1.2 LICENCIATURA EM MÚSICA DA UEPA

A Universidade do Estado do Pará - UEPA é uma autarquia criada pela


Lei nº. 5.747, de 18 de maio de 1993, com autorização de funcionamento pelo
Decreto Presidencial de 04 de abril de 1994. Sua atuação é presencial em 50
municípios, e a distância em 20 campi4.
O curso de Licenciatura em Música ofertado pela UEPA possui carga
horária total de 3.300h, divididas em 1.740 teóricas e 1.560 práticas Criado pela
Resolução FEP nº 02 de 10 de fevereiro de 1984, e reconhecido pela Portaria
Ministerial - MEC n.º 1.841 de 08 de outubro de 1991 - DOU de 09 de outubro

                                                                                                                         
4
Dados extraídos de http://www.uepa.br/portal/institucional/uepa_numeros.php. Acesso em: 29 mar.
2015.
61  

de1991, o curso tem duração mínima de 4 anos e máxima de 7 anos 5. O objetivo do


curso é
Formar docente na área em Educação Musical que, inserido no
contexto das Ciências Sociais e Educação, esteja fundamentado
numa visão global de Educação, que possibilite a integração das
ações pedagógicas com a problematização e aplicação de
conhecimento que atenda às necessidades regionais de educação
musical;
Formar docente em Educação Musical com conhecimento do código
musical ocidental e perspectiva de investigação de outros códigos
com domínio do código musical que lhe permita perceber, expressar-
se e produzir saberes musicais com substância e clareza de idéias;
Formar docente em Educação Musical que articule o "saber"
(conhecimento específico da área, pedagógico e de integração), o
"saber pensar" e o "saber intervir";
Formar docente em Educação Musical para atuar na Educação
Básica e em outros contextos formais e informais de ensino musical
Formar docente em Educação Musical que, a partir de domínio
fundamental na área de atuação profissional, seja capaz de adaptar-
se às diversas situações, produzindo conhecimento que permita
identificar, compreender e superar problemas presentes na realidade
vivida. (Projeto Político Pedagógico Licenciatura em Música, UEPA,
2012, p.10)

A matriz curricular do curso é composta por seis eixos artiluladores, sendo:


(1) do conhecimento profissional; (2) da interação, comunicação, autonomia
intelectual e profissional; (3) da disciplinaridade e interdisciplinaridade; (4) da
formação comum e da formação específica; (5) dos conhecimentos a serem
ensinados e dos conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos; (6) das
dimensões teóricas e práticas.
O Projeto Político Pedagógico do curso explica que o perfil do egresso
encontra-se basicamente na vinculação entre a teoria musical e a
prática musical, partindo da realidade e necessidade do contexto
profissional, tendo como parâmetro o contexto social e profissional
vigente na área de educação musical e o relacionamento entre a
teoria educacional da música e a prática pedagógica musical, sendo
viabilizada com educação permanente, pressupondo reflexão em
relação à realidade confrontando o ideal com o real, propiciando aos
futuros profissionais “competência para ser autônomos na produção
de conhecimentos e acessíveis para coletivizá-los, sabendo criar
seus projetos, vender suas idéias, sendo perspicaz e envolvente”
(Behrens, 1998). (Projeto Político Pedagógico Licenciatura em
Música, UEPA, 2012, p. 14)

A UEPA foi implantada em Santarém no dia 22 de outubro de 1998, como


Campus XII. Está localizada à Avenida Plácido de Castro, 1399. Inicialmente ofertou
                                                                                                                         
5
Dados extraídos de http://www.uepa.br/portal/ensino/musica_lic_principal.php. Acesso em: 30 mar.
2015.  
62  

somente o curso de Licenciatura em Educação Física. No ano de 2000, ofertou a


primeira turma de Licenciatura Plena em Educação Artística com habilitação em
Música. Este curso foi reestruturado em seu currículo em 2004, baseado na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação- LDB nº 9.394/1996, Parecer nº 146/2002-CNE-
CES, e na Resolução CNE/CP nº 1/2002, passando a ser denominado Licenciatura
em Música. Atualmente, o curso é desenvolvido em regime semestral, com 2.800
horas e a duração mínima de oito semestres e máxima de 12 semestres. Conta com
uma infraestrutura composta por 03 laboratórios, 02 salas de aula, violões e
teclados.
Desde 2004, a UEPA Santarém vem formando profissionais deste curso,
para “atuar em escolas de Educação Básica, instituições especializadas no Ensino
da Música e em outros campos musicais instituídos e emergentes”6. Júlio Heleno
Lages Pereira é egresso deste curso, na turma de 2008.

                                                                                                                         
6
Dados extraídos de http://www.uepa.br/portal/ensino/musica_lic_principal.php.
Acesso em: 18 mai. 2015.
63  

2. RESULTADOS: NARRATIVA DE UM PROFESSOR DE MÚSICA EM


SANTARÉM – PA

Esta seção apresenta os resultados das entrevistas realizadas com Júlio


Heleno Lages Pereira, durante o segundo semestre de 2014 e primeiro semestre de
2015. A história de vida narrada pelo entrevistado se situa no contexto das bandas e
da Licenciatura em Música da UEPA Santarém, descritos na seção anterior.

2.1 NAS ORIGENS FAMILIARES

Figura 33: Júlio Heleno L. Pereira.


Meu nome é Júlio Heleno Lages Pereira.
Nasci no dia 01 de dezembro de 1983, em
Santarém do Pará. Meu pai é João Heleno
Vinholte Pereira e minha mãe, Varlúcia Lages
Pereira. Tenho duas irmãs - Elisangela Alves do
Carmo e Luciana Lages Pereira -, e um irmão
Helton Lages Pereira. Sou casado com Renata
Souza da Silva e temos uma filha chamada Ana
Helena da Silva Pereira.
Desde a
Figura 34: Júlio Heleno Lages
minha infância, Pereira e seu brinquedo musical.

tive contato com a


música. Acredito
que essa “veia”
Fonte: Acervo Particular de
musical, se é que
Demerson Mendes.
se pode dizer
assim, tenha vindo do meu avô e de meu pai.
Meu avô, Joaquim Ramos Pereira, que
nasceu em 1922, tocava violino, rabeca e algumas
vezes violão, para animar as festas na Comunidade
do Tucumatuba, que fica na região do Arapixuna,
localizada às margens do Rio Amazonas.
Meu pai toca violão e canta muito bem, mas
Fonte: Acervo particular de Júlio
Heleno Lages Pereira.
64  

ele é um cantor de casa. Pelo fato de


Figura 35: Júlio Heleno e seu pai João
ter constituído família muito jovem, Heleno.
Fonte: Júlio Heleno.
optou por não seguir na música, e
dedicou-se profissionalmente à
construção civil, mas sempre que chega
em casa, após um dia de trabalho, pega
o seu violão e toca umas canções. No
meu caso, como a música é minha
profissão, tocar em casa acontece com
Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno Lages
uma frequência bem menor que a de
Pereira.
meu pai. Quando erámos crianças,
papai cantava para nos ninar, e esse é um costume que mantenho com a minha
filha.
Ver meu pai e meu avô tocando me motivava, apesar de não me
estimularem de forma direta a tocar algum instrumento. Mas o fato de estar
apreciando o fazer musical deles era cativante e despertava em mim o gosto pela
música. Vi meu avô tocar pouca vezes, ele morou em Tucumatuba até o fim da vida
praticamente, tivemos poucas oportunidades, mesmo assim, o vi tocar muito bem.
Porém, foi somente na adolescência que tive vontade de tocar violão.
A música é cativante. Deparar-se com a música dá vontade de cantar e
tocar junto. Mesmo não sabendo tocar, ou cantar, nos sentimos impulsionados a
participar daquilo ali. Vou fazer uma comparação que não tem nada a ver, mas vou
comparar: é igual a uma partida de futebol. Vou ao estádio assistir ao jogo do São
Raimundo, eu sou torcedor desse time, quando chego lá e vejo o São Raimundo
jogando me dá vontade de estar lá jogando, mesmo sabendo que não sou jogador,
mas dá vontade de participar. Então, a mesma coisa acontece com a música. Não
sei se com todo mundo, mas comigo aconteceu no seio familiar.

2.2 FORMAÇÃO ESCOLAR

Na infância me divertia jogando bola, e na tentativa de me tirar um pouco


das brincadeiras nas ruas, minha mãe resolveu me matricular na Escola de Música
Maestro Wilson Fonseca, em Santarém do Pará. A princípio, não tinha interesse em
estudar música, mas minha irmã caçula queria muito, então minha mãe só deixaria
65  

Figura 36: Júlio Heleno L. Pereira. ela ir se eu fosse junto. Isto acabou de certa forma
me forçando a ingressar no mundo musical.
Para entrar na escola havia um teste
habilitatório, e para nossa surpresa eu acabei
passando e minha irmã não obteve aprovação.
Então, em 1995 iniciei meus estudos musicais na
Escola de Música Maestro Wilson Fonseca.
Nessa época, a escola ainda era polo de
interiorização da Fundação Carlos Gomes, de
Belém. Recordo que na parte frontal do nosso
uniforme estava escrito “Fundação Carlos Gomes”
e, em baixo, “Escola de Música Maestro Wilson
Fonseca”. Nas costas, tinha a imagem do Carlos
Fonte: Acervo particular de Júlio
Gomes. Depois se tornou somente Escola de
Heleno Lages Pereira.
Música Maestro Wilson Fonseca, e atualmente é
Instituto Maestro Wilson Fonseca. Nesse ano, em que ingressei, houve a estréia da
Banda Maestro Wilson Fonseca e eu assisti a primeira apresentação. Um fato
curioso é que vendo a banda tocar não
Figura 37: Júlio Heleno Lages Pereira, na
me via participando como músico e muito Escola de Música Maestro Wilson Fonseca.

menos como regente.


A escola funcionava na Casa da
Cultura de Santarém, situada à Avenida
Borges Leal, no Bairro Santa Clara. Era
distante da minha casa. Eu morava no
bairro Maracanã, mas minha família me
apoiava, e não media esforços para me
levar às aulas. Algumas vezes, minha tia
me levava; outras, quem me levava era a
minha avó. As aulas aconteciam duas
vezes na semana com duração de 1h30,
e aos sábados pela manhã havia o ensaio
geral, que iniciava às 8h00.
Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno
Minha primeira professora foi Lages Pereira.
66  

Elizety Rego. Passei um ano na musicalização por meio do canto coral. Nessa
escola, na época em que estudei lá, inicialmente o aluno era musicalizado através
do canto coral, depois seguia para a flauta doce, que era dividida em nível 1, nível 2
e nível 3, até passar para os instrumentos da banda de música. Confesso que o
processo de musicalização estava se tornando um pouco tedioso, pois era um ano
inteiro somente no canto, e eu já estava apaixonado pelos tambores da fanfarra da
E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra, onde eu cursava a educação básica. O que me
segurou mesmo na Escola de Música Maestro Wilson Fonseca foram as amizades
que já havia conquistado.
Após o primeiro ano de musicalização, passei para o nível 1 e 2 de flauta
doce, sendo Railena Corrêa minha professora, e no nível avançado (nível 3) de
flauta doce tive como professor Paulo Marcelo Pedroso Pereira. No ano de 1998, fiz
teste para passar ingressar na banda de música da Escola de Música Maestro
Wilson Fonseca. Meu primeiro instrumento foi flauta transversal, mas fiquei somente
três meses nesse instrumento, pois não me adaptei muito bem a ele. Experimentei
alguns instrumentos de boquilha, até chegar aos bocais, onde fui apresentado ao
saxhorn. Após um ano de estudo nesse instrumento, as trompas chegaram à Escola
de Música, e acabei migrando do saxhorn para trompa. Foi difícil essa mudança,
posso até dizer que foi um processo doloroso, pois não tinha muita informação de
como usar a trompa, não tinha acesso à Internet, era muito difícil. Foi um improviso
passar para a trompa. Mas, depois eu fiquei dez anos com esse instrumento,
tocando na banda. Meu professor de trompa foi Rodnei Bentes da Silva. Passei a
integrar a Banda Wilson Fonseca no final do ano de 1999.
No mesmo ano que ingressei na Escola de Música Maestro Wilson Fonseca,
em 1995, comecei a estudar na E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra, cursando a 5ª
série. Assim que entrei nessa escola, senti interesse em participar da fanfarra por
causa do desfile da Semana da Pátria e do Festival de Bandas e Fanfarras. Em
Santarém, eram muitos comentários sobre esses eventos, a escola já havia
conquistado vários títulos nas competições. A banda me encantou não somente pela
parte musical, mas pelo clima de família e cooperação que vi presente naquele
grupo. Então, em 1997, iniciei o estudo na caixa, sendo meu professor Gesival Melo
Vieira. A banda era formada por cerca de 90 componentes, somente percussão. Os
participantes eram em sua maioria um público adulto, eu era um dos poucos
adolescentes a integrar o grupo.
67  

Figura 38: Júlio Heleno Lages Para ingressar na banda do Almirante bastava
Pereira na Fanfarra da
ter disponibilidade. Havia uns testes classificatórios,
E.E.E.F.M. Almirante Soares
Dutra. mas basicamente seriam para saber se Você
precisava mais ou de menos atenção, mas não havia
testes eliminatórios por exemplo. Entrava na banda
quem quisesse, tivesse disponibilidade, e tinha a
questão financeira, porque pagar a roupa, o uniforme
sempre foi algo muito caro para quem toca em banda,
e pagar transporte também. Como eu andava de
bicicleta, não pagava transporte com frequência, mas
o Almirante sempre foi uma escola muito visitada por
alunos vindos de bairros distantes, que vêm de
ônibus. Muita gente deixa de tocar por falta de
dinheiro para pagar transporte. Isso acontece até hoje.
Não havia aulas, já eram os ensaios, você
pegava o instrumento de percussão e já ia para os
ensaios, e tinha que se esforçar para fazer o que já
Fonte: Acervo particular de
estavam fazendo. Basicamente, já tinha muita gente
Júlio Heleno Lages Pereira.
tocando de anos anteriores, experientes. Então, Você
chegava cedo, ficava observando como funcionava, como eles faziam os
movimentos. O Gesival, que era o instrutor, ensinava de maneira geral o que queria
que fosse tocado, tocava para o pessoal assistir, e depois o pessoal copiava,
tentava copiar o que ele estava fazendo. Era assim o processo.
Iniciei aos 11 anos o estudo formal de música na Escola de Música Maestro
Wilson Fonseca, e apesar de no primeiro momento não ter partido de mim iniciar
esse estudo, com o passar do tempo percebia que tinha uma certa afinidade com o
meio musical. Consegui me desenvolver musicalmente, e percebi que poderia
continuar fazendo isso, então fui me deixando levar. Ao concluir o ensino médio, no
ano de 2001, senti aquela dúvida típica de qual carreira seguir, e justamente no ano
que terminei meu ensino médio, a UEPA - Universidade do Estado do Pará -
Campus Santarém, que ofertava o curso superior em música, não ofertou. Então,
passei dois anos fazendo cursos técnicos, fiz técnico em Informática no IESPES -
Instituto Esperança de Ensino Superior, com bolsa ofertada pela escola de música
Maestro Wilson Fonseca, e em 2004, finalmente a Universidade ofertou novamente
68  

a graduação em Música, e agora com uma nova grade, pois o curso passou a ser
Licenciatura em Música, e não mais Educação Artística com habilitação em Música.
Eu decidi buscar a formação acadêmica pela minha prática de banda. Isso já
é um ponto crucial na minha formação profissional. Pensava: “Por que eu quero
fazer UEPA? Porque eu já trabalho nisso, eu já sou professor de música, preciso me
tornar um professor de música gabaritado, com formação acadêmica e tudo. Se eu
tenho essa possibilidade em Santarém eu vou fazer”.

2.3 FORMAÇÃO ACADÊMICA

Avalio esse curso como essencial para Santarém, ele é imprescindível para
o município e região. Fala-se muito da história musical do município, mas não me
deterei somente à história musical, vou pelo presente, o agora de Santarém.
Podemos observar nas escolas programas educacionais como: Mais Educação;
Ensino Médio Inovador7, o Projeto Mais Cultura. Todos esses programas e projetos
implementam dentro das suas ações a possibilidade de ter atividades musicais e as
escolas necessitam dos profissionais da música. Nós temos escolas especializadas,
Escola de Música Wilson Fonseca, Escola de Música Wilde Fonseca da Filarmônica
Municipal. Nós temos esses projetos voluntários como é o caso da Escola Almirante,
Escola Pedro Álvares Cabral, Escola Terezinha Rodrigues, Escola Rodrigues dos
Santos, Escola Álvaro Adolfo. Enfim, são várias escolas estaduais, e não se pode
esquecer das escolas particulares como o Colégio Dom Amando, Colégio Batista, e
também a Igreja Assembléia de Deus. Todas essas instituições possuem escola de
música funcionando, e os profissionais que estão atuando nesses locais, e os que
querem atuar precisam da formação acadêmica. Não vejo outra possibilidade de
capacitação, senão na continuidade do curso de música, e no fortalecimento do
mesmo, embora saiba também que é difícil a manutenção do curso.
Muitas coisas precisam melhorar no curso ofertado pela UEPA, em
Santarém. Percebo que ele está demorando a se reorganizar. Considero um ponto
                                                                                                                         
7
Portaria nº 971, de 9 de outubro de 2009 - Art. 1º - Instituir, no âmbito do Ministério da Educação, o
Programa Ensino Médio Inovador, com vistas a apoiar e fortalecer o desenvolvimento de propostas
curriculares inovadoras nas escolas do ensino médio não profissional.
Art. 2º - O Programa visa apoiar as Secretarias Estaduais de Educação e do Distrito Federal no
desenvolvimento de ações de melhoria da qualidade do ensino médio não profissionalizante, com
ênfase nos projetos pedagógicos que promovam a educação científica e humanística, a valorização
da leitura, da cultura, o aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de novas
tecnologias e o desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras.
69  

fraco o espaço físico da Universidade. O curso precisa melhorar a parte estrutural,


os violões estão danificados, os instrumentos para prática de banda inexistem.
Percebi isso, sobretudo, depois de formado, atuando como professor
colaborador. Para ministrar a disciplina Prática de Banda, utilizei os instrumentos da
Escola Almirante. Foi necessário o deslocamento dos alunos da UEPA até a escola
para poder realizar a prática; antes, era realizada na Escola de Música Wilson
Fonseca ou na Filarmônica Municipal com os instrumentos dessas instituições. A
Universidade deveria ter, enfim é a Universidade do Estado, já são 14 anos do curso
em Santarém, deveria ter esse tipo de material, eu acho imprescindível fortalecer a
parte física do curso. Outro ponto negativo que vejo, é que existem apenas três
professores concursados, e dois contratados, sendo que eu sou um desses,
contratados temporariamente.
Há várias mudanças que gostaria de propor, por exemplo, tem uma
disciplina chamada Prática de Banda. Porém, não é levada em consideração a
realidade das escolas que o formando vai encontrar. Ele vai precisar trabalhar com
fanfarra, corneta e percussão. Porém, a disciplina ofertada pela UEPA utiliza
somente os instrumentos de banda de música. Contudo, são poucas as instituições
tanto em Santarém como nas cidades vizinhas que possuem esses instrumentos.
Ora, porque não transformar ou criar outra disciplina com a fanfarra? Abordando
desde a sua fundamentação teórica até sua prática?
Outra disciplina que sinto que precisa ser repensada é a Flauta Doce, pois
são duas oficinas ofertadas. Também já ministrei essa disciplina. Além de ser pouco
tempo para desenvolver o conteúdo, há também a necessidade de relacioná-la a
projeto social. Faz-se necessária a discussão pedagógica do uso da flauta doce, da
utilização do canto coral. Não sei se é uma reestruturação pedagógica ou uma
reestruturação curricular que eu estou propondo, mas são mudanças que acho que
deveriam ser pensadas.
Dentre as diversas contribuições que o curso de música da UEPA trouxe
para a minha formação, destaco a vivência acadêmica que a universidade me
proporcionou, encurtou a distância que tinha para uma prática pedagógica mais
eficiente. Estudar Piaget, Vygotsky foi muito importante para que eu pudesse
planejar a minha ação pedagógica. Eu já atuava como professor antes de ingressar
na graduação, já era instrutor de bandas, viajava a outros municípios preparando as
bandas tanto para desfiles, como para os festivais, ministrava aulas no FUNDAC -
70  

Fundo de Desenvolvimento e Ação Comunitária. Porém, as aulas na universidade


me levaram à reflexão sobre a prática docente que eu desenvolvia. Vou usar como
exemplo a flauta doce. Há uma diferença entre eu chegar com o aluno e dizer a
posição do sol, lá, si, mas a universidade me ensinou que era necessário antes
mesmo de ensinar as notas, era preciso falar sobre o instrumento, a sua história, o
processo de produção do som, o sopro, a respiração. Então, essa reflexão sobre o
instrumento, sobre o fazer musical até chegar à prática, isso é acadêmico.
No ano de 2000, participei no periodo de 14 de setembro a 01 de outubro,
em Santarém, do curso de Reciclagem para Músicos e Regentes de Banda,
promovido pela Fundação Carlos Gomes. Na época, o superintendente era Paulo
José Campos de Melo e o coordenador de interiorização, Jorge Santos de Sousa,
em parceria com a Escola de Música Maestro Wilson Fonseca, cujo diretor era José
Agostinho da Fonseca Neto (Tinho Fonseca).
Em 2004, de 12 a 24 de janeiro, participei do curso Noções de Regência de
Banda, promovido pela Escola de Música Maestro Wilson Fonseca. Os professores
foram José Agostinho da Fonseca Júnior e Paulo Marcelo Pedroso Pereira.
Dando continuidade à minha formação, no ano de 2011, ingressei na
especialização em Gestão Escolar, pela UFOPA - Universidade Federal do Oeste do
Pará. Minha monografia teve como título: “O Contexto da Educação Musical na
Escola”. Meu orientador foi o Prof. Esp. Luís Alípio Gomes.
Participei, no ano de 2011, no periodo de 25 de julho a 02 de agosto, da
Oficina de Capacitação de Teoria e Prática Musical para Regentes de Bandas e
Fanfarras da Rede Pública Estadual de Ensino, promovido pelo IAP - Instituto de
Artes do Pará, em parceria com a SEDUC - Secretaria de Estado de Educação. Os
ministrantes do curso foram Herson Amorim, da UEPA e Valdemir da Silva, da
Universidade Federal Paulista (UNESP).
Analisando a minha trajetória de formação, percebo que as bandas de
música representam o meu elo principal com a música, porque a minha formação
musical na escola de música me levou a uma banda de música, uma banda
sinfônica; a minha prática escolar dentro da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra,
desde quando era aluno, também me levou a uma banda; uma fanfarra escolar de
percussão que eu tinha o intuito de um dia tornar banda de música, foi se
concretizando nesses dez anos de trabalho.
Decidi buscar a formação acadêmica, em virtude da minha prática de
71  

bandas, pois já atuava como professor de música, e se eu queria seguir nessa


carreira precisava me qualificar. A principal influência das bandas de música foi a
profissionalização nessa área.
Refletindo sobre meu processo de construção como professor de música em
todos esses lugares, de todas essas pessoas que eu tive contato, eu guardei muito,
e coloco em prática até pouco. Eu penso dessa forma porque a minha vida, nesses
anos de música, foi muito intensa. Ao mesmo tempo em que eu vivi a Escola de
Música como aluno, eu também vivi o Almirante como aluno. Depois, quando eu
passei a viver a Escola de Música como professor, como músico e como regente, eu
também vivi o Almirante como professor, como coordenador, como regente. Foi tudo
paralelo: os cursos de formação, de capacitação musical, as viagens, até as viagens
tocando como músico, conhecendo outras pessoas. Eu tive acesso a muita
informação ao mesmo tempo.
Todavia, para mim sempre foi um tanto simples escolher o que usar, porque
eu reconhecia no Almirante, que era o meu trabalho de vida, o que eu precisava
fazer. Eu vivi aquela realidade, reconhecia ali o que precisava fazer, como precisava
fazer, como precisava me portar para enfrentar os problemas, para ensinar, ou para
reger determinada peça musical. Às vezes, eu buscava lá do Tinho alguma coisa; às
vezes, eu buscava do próprio Gesival; às vezes, eu buscava em algum curso de
formação. Eu me considero “sortudo” nesse sentido de ter conseguido utilizar essas
experiências diferentes nos momentos mais inusitados em que eu fui sendo exigido
nesse trabalho de docência, de coordenação e de regência no Almirante. Mas, ainda
assim, é algo que eu penso cotidianamente, porque eu dou aula todo dia, todos os
dias me vem o Tinho, me vem o Gesival, me vêm os cursos de formação, me vêm
as conversas que eu tenho, os contatos que eu tive. É um grande caldeirão, e eu
vou escolhendo o que eu preciso naquele momento para aquela determinada
situação. Você aprende o que você deve e o que você não deve fazer naquele
momento. Tudo com bom senso, eu procuro ter bom senso para saber que
experiência usar.
E, nesse caldeirão, não posso esquecer de falar da família, há muita
influência dela na minha formação docente. A minha mãe é professora, os meus tios
são professores, e eles foram meus professores. A minha mãe não foi minha
professora de sala de aula, mas os meus tios foram. Eu carrego muito deles também
na área da docência. A minha esposa Renata até me acha muito parecido com o
72  

meu tio: o timbre, a voz, a intensidade na hora de explicar o assunto. Meu tio é
professor de Matemática. Hoje, ele trabalha em Oriximiná, ele é professor da
SEDUC lá. A minha mãe é técnica, ela foi diretora de escola por muitos anos e hoje
ela é técnica, ela é pedagoga, lá na Escola Aluísio Martins, que fica perto da minha
casa, no Maracanã.

2.4 ATUAÇÃO COMO INSTRUMENTISTA E CANTOR

Minha atuação como músico de bandas está atrelada principalmente a dois


grupos, com as quais tenho um elo de ligação muito forte. Um é a Orquestra Jovem
Wilson Fonseca (anteriormente denominada Banda Maestro Wilson Fonseca e
Banda Sinfônica Wilson Fonseca), da Escola de Música Maestro Wilson Fonseca,
que considero o lugar de início do meu ensino formal. O outro grupo é a banda da
Escola Almirante Soares Dutra, minha paixão, para qual me dediquei de corpo e
alma, durante certo período da minha vida.
Vou começar falando da Banda da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra, na
qual ingressei quando tinha apenas 13 anos de idade, tocando caixa. O regente
dessa banda era Gesival Melo Vieira. A paixão
Figura 39: Júlio Heleno Lages
Pereira, na Banda Sinfônica Wilson com que esse instrutor conduzia o trabalho, de
Fonseca.
forma voluntária, me cativou muito a fazer algo
também em prol daquela banda, da qual eu
estava fazendo parte. Participei de cinco
festivais na função de músico. Desses festivais,
a banda foi campeã em apenas um.
Passei a integrar a Banda Sinfônica
Wilson Fonseca no mês de novembro de 1999.
Naquele ano, acompanhei o Círio de Nossa
Senhora da Conceição, padroeira da cidade de
Santarém. Meu instrumento era o saxhorn. Em
2000, com a chegada das trompas a escola de
música, migramos para esse instrumento.
Permaneci nesse grupo até o ano de 2010.
Participei das gravações dos CDs “Sinfonia
Fonte: Arquivo particular de Júlio
Heleno Lages Pereira.
73  

Amazônica I” e “Sinfonia Amazônica II” – Orquestra Jovem Wilson Fonseca, nos


anos de 2001 e 2002.
Para mim, foi algo grandioso. Eu lembro com muita saudade daquele
período das gravações. Foi muito apertado no
Figura 40: Júlio Heleno Lages tempo, eram muitos ensaios, madrugadas, eu
Pereira, no desfile da Escola Santa
Maria Gorete, em Oriximiná. ainda estudava no ensino médio, no Colégio Dom
Amando. A entrada no Colégio era meio dia, os
ensaios e as gravações íam até a madrugada, e
no outro dia de manhã eu tinha educação física.
Enfim, foi uma correria, mas foi um momento
diferencial, na minha trajetória como músico.
Na gravação do segundo CD foi mais
puxado, porque os repertórios sempre foram
gigantescos, o maestro da Banda Sinfônica
Wilson Fonseca sempre pediu muita música e, no
meu caso, os arranjos de trompa eram
“dificultados”, porque se queria um pouco mais de
trompa, pois nós já tinhamos um pouco mais de
tempo no instrumento e, sendo assim, podia-se cobrar mais. Mas em 2001, eu era
recém-chegado na trompa porque eu tinha
Fonte: Arquivo particular de Júlio migrado do saxhorn. Na verdade, todos nós
Heleno Lages Pereira.
tinhamos migrado do saxhorn, mas eu era o mais
recente, tanto que em 2001 eu não toquei todas as músicas do CD. Acho que toquei
umas 5 ou 6 músicas, porque eu não garantia tocar, e isso foi respeitado pelos
colegas e pelo maestro. Eu tinha migrado há pouco tempo para a trompa. Minha
migração foi mais demorada porque não tinha trompa, a escola não tinha dinheiro
para comprar instrumento, eu ficava revezando o tempo todo a trompa com outros
colegas. Às vezes eu ficava torcendo para alguém faltar numa apresentação, em um
ensaio para eu poder tocar.
Nos anos de 2000 a 2002, participei da Banda Marcial Irmão José Ricardo,
do colégio Dom Amando, tocando trompa, durante os desfiles cívicos.
Em Santarém, há um evento evangélico, denominado Congresso da Paz,
coordenado pela Igreja da Paz Central, envolvendo várias igrejas da Paz em
Santarém. Acontece no mês de julho, no Estádio Colosso do Tapajós. Durante a
74  

abertura, no ano de 2001, fui convidado para participar da fanfarra, composta por 60
músicos, distribuídos em cornetas e percussão, e em alguns momentos outros
instrumentos de sopro como trompa, trompete, trombone e saxofone, executavam
alguns trechos. Esse grupo foi corrdenado pelo Draw Feitosa (Drailton Feitosa).
Além de Santarém, participamos também do congresso de referida igreja, que
aconteceu no município de Juruti. Toquei corneta e trompa nesse evento.
Esse mesmo grupo que participou da abertura do Congresso da Paz em
Santarém e Juruti, foi convidado pelo Draw Feitosa (Drailton Feitosa), para participar
do desfile da Escola Santa Maria Gorete, em Oriximiná, no ano de 2001.
Além das bandas de música, participei também do Quinteto de Metal,
tocando trompa. Cheguei a viajar com o Quinteto para Trombetas, Oriximiná, essas
cidades próximas a Santarém. Era o Quinteto de Metal da Escola de Música Wilson
Fonseca. Esse quinteto era composto pelo Divaldo no trombone, Adonias na tuba, o
Fabrício Fonseca (que substituiu o José Rolin Júnior) e o Luis Carlos no trompete e
eu na trompa.
Também participei como coralista de diversos grupos vocais em Santarém.
Sou baritono. Eu fui do grande coral quando criança, no processo de musicalização
da Escola de Música Wilson Fonseca. Integrei o coral Expedito Toscano, coral misto
a quatro vozes dessa mesma escola. Participei da gravação dos dois CDs do Coral
da FIT - Faculdades Integradas do Tapajós, a convite da Professora Ádrea Taiana,
nos anos 2005 e 2011. O processo de gravação desses CDs do coral foi bem
tranquilo, havia um clima mais
Figura 41: Júlio Heleno do Quinteto de Metal da
extrovertido, o repertório era um Escola de Música Wilson Fonseca.
pouco mais simples, mais leve,
comparado com o processo de
gravação dos CDs da Orquestra
Jovem Wilson Fonseca.
Participei ainda, de algumas
apresentações do Coral do IESPES
- Instituto Esperança de Ensino
Superior, a convite da professora
Eliane [Fonseca], que era regente Fonte: Arquivo particular de Júlio Heleno L. Pereira.

desse coral. Depois da Eliane, a


75  

Monique Marinho assumimu a Regência. Eu cantei em algumas apresentações com


ambas as regentes, que eram nossas colegas, nossas amigas.
Dentro da AEL – Assessoria de Esporte e Lazer de Santarém, Monique
Marinho, organizou um octeto vocal.
Paralelamente ao projeto Música na Escola, nós tinhamos um trabalho
artístico para alguns eventos que nós criamos na cidade, como o Encontro das Artes
em junho, a Cantata Natalina e vários outros eventos que a prefeitura mantinha
vivos. Esse Octeto foi importante não só por esses eventos, mas porque esse nos
possibilitou agumas saídas de Santarém, que nos deram uma boa visibilidade dentro
do município. Nós chegamos a cantar em Brasília, no ano de 2011, em um Fórum de
Construção do Esporte e do Lazer. Nós apresentamos o Octeto Vocal que nós
intitulamos “Vozes da Amazonia”, com um repertório local, acompanhados pelo
Quinteto Instrumental que também foi formado na AEL, composto pelo Edmárcio
Paixão, Andresson Dourado, Júnior Castro, Yuri na bateria, e o Dione no
contrabaixo, todos músicos de renome aqui no nosso município. O Octeto Vocal era
formado por barítonos: eu e o André Machado - que foi descoberto pela Monique no
Coral do IESPES, ele estudava Psicologia lá, e veio integrar o “Vozes da Amazônia”
conosco; contraltos: a Renata - foi lá que eu conheci a Renata, viemos a namorar e
hoje somos casados, e depois de conhecê-la no Octeto, levei-a para o Almirante - e
a Priscila Moreira que é cantora popular aqui em Santarém também; sopranos: a
Luanda esposa do Gean e a Nira; e
Figura 42: Octeto Vocal “Vozes da Amazônia”.
tenores: o Paulo Marcelo e o Jaime -
não lembro se ele viajou para
Brasília conosco. Eram basicamente
esses integrantes. Houve algumas
mudanças.
Esse evento de que
participamos era do Ministério do
Esporte e Lazer, era um fórum que
estava discutindo, não lembro o
nome do fórum, mas discutia o
esporte e lazer para os próximos dez Fonte: Acervo Particular de Monique Melo Marinho

anos, no Brasil.
76  

Nas Cantatas Natalinas, promovidas pela Prefeitura Municipal de Santarém,


eu fazia parte da equipe de gestão, nós tínhamos uma equipe que era formada pelas
lideranças dos grupos musicais. Tinha a Monique Marinho, que liderava o octeto, e
eu fazia parte do octeto como barítono; havia o Edmarcio que liderava a parte
instrumental do grupo; a Daniela Neves liderava a parte coreográfica, a dança; e
também a minha entrada como suporte para o momento de criação do espetáculo. A
Cantata era pensada por essa equipe, juntamente com a Rita Peloso, que era a
gestora e mais a Roberta, que era o braço direito da Rita para desenvolver as
questões do Lazer em Santarém naquela época. Havia muitas reuniões, o nosso
grupo se sentava praticamento todo dia por vários momentos, para discutir a
Cantata, para discutir outros Figura 43: Cantata Natalina, 2011.
eventos, repertório, as idéias
artísticas que iam ser
implementadas, para discutir os
nossos grupos artísticos. A partir daí
surgia a ideia da cantata de como
seria, quais os investimentos, os
orçamentos. Eu geralmente ficava
com alguma tarefa, nós todos
ficavamos com algumas tarefas para
desenvolver a partir daquele Fonte: Acervo Particular Assessoria de Esporte e
planejamento. A ideia de fazer a Laer de Santarém

cantata foi da Monique Marinho, ela já havia realizado esse tipo de evento na igreja
da qual ela participava, que era a Igreja Batista. Ela já tinha essa experiencia junto
com o Edmarcio que é o marido dela, e trouxe essa ideia para Rita como gestora do
Esporte e Lazer, que abraçou a causa e as cantatas foram desenvolvidas.
Atuei também em grupo de flautas doce, porque eu estudei 3 anos só flauta
doce na Escola de Música Maestro Wilson Fonseca. Toquei em quartetos de flauta
nos eventos, sempre toquei soprano e tenor, nunca toquei contralto e baixo.

2.5 ATUAÇÃO COMO PROFESSOR

No ano seguinte ao que ingressei como músico na banda do Almirante, em


1998, já estava ensinando a percussão, era bem novo, mas percebia que havia uma
77  

dificuldade muito grande de aprender daquela maneira que eles ensinavam, pude
observar essa dificuldade, e naquele momento eu já tinha criado uma expectativa de
que eu poderia ajudar, pois já vinha de outro processo de ensino musical na escola
de música. Eu pensava: “O pessoal poderia aprender melhor se fosse feito assim”,
mas eu guardava isso.
No ano seguinte, eu comecei a ter um pouco mais de respaldo dentro da
banda, porque o pessoal reconheceu em mim certo valor, tinha facilidade de
aprender, e aí fui me aproximando e comecei a propor para o Gesival cadências
percussivas, e ele começou a gostar das ideias que eu ia levando e começou a
deixar que eu mostrasse para o outros integrante Eu fui começando a ensinar, com
mais paciencia, chegava bem cedo nos ensaios, e o pessoal começou a chegar
cedo comigo e a pedir para que eu ensinasse o toque da percussão, e comecei a
fazer esse trabalho.
Então, antes mesmo de assumir a coordenação da banda, já começava a
mudar a metodologia de ensino. Isso foi reconhecido de cara pelas pessoas que
estavam lá.Algumas pessoas acharam legal, mas muita gente não gostou - “É um
garoto querendo aparecer, não é?” -, mas fui enfrentando todos esses desafios.
Em 2001, apesar de ter apenas 17 anos, recebi um convite feito pelo
Drailton Feitosa (Draw), para ministrar aulas de corneta e flauta doce, no município
de Oriximiná, na Banda da Escola Santa Maria Gorete. Esse município possui uma
tradição muito forte de bandas, apesar de não realizarem festivais com caráter
competitivo, como acontece em Santarém. Mas os desfiles cívicos são o momento
das bandas realizarem suas apresentações. Aceitei o desafio, pois via a
possibilidade de beneficiar a banda da escola Almirante, trocando meu pagamento
por peles para os instrumentos, pois a escola não tinha dinheiro para comprar peças
de reposição. Já havia três ou quatro anos que eu tocava a minha caixa toda
remendada, a pele furava e fazíamos reparos utilizando cola fórmica, mas a pele já
esta alta de tantos consertos realizados. Ir ao município de Oriximiná seria a solução
dos problemas referentes à troca das peles dos instrumentos da banda, e assim fiz:
em troca do pagamento do meu trabalho naquele município, consegui as peles.
Passei quatro anos desenvolvendo essa atividade no município de Oriximiná.
Fomos eu, o Denis e o Reinaldo, nós todos éramos bem jovens, temos a
mesma faixa etária, e dividimos aquela responsabilidade, que era gigantesca,
assumir uma banda escolar, formada por cerca de 200 alunos, numa única escola,
78  

em um ensaio só. Foi um choque de realidade. Dividíamos o trabalho. Como já


sabíamos que teríamos muitos alunos, nós topamos trabalhar juntos. Já tocávamos
juntos na escola de música, já nos conhecíamos.
A banda era só percussão. Eu me propus a trabalhar com as flautas doces,
que era uma novidade para eles, e com cornetas que também era novidade, pois
eram 200 alunos só de percussão. O Denis e o Reinaldo dividiram a percussão, o
Denis trabalhou com pratos e caixa e o Reinaldo trabalhou com bumbos e surdos.
Dessa forma, nós conseguimos organizar o trabalho de maneira mais otimizada. Era
comum, em Oriximiná, as bandas chegarem a esse número de componentes,
porque em Oriximiná são poucas escolas, é uma cidade menor, cerca de 60 mil
habitantes, então o publico se concentra nas poucas escolas que existem na cidade
e todo mundo quer tocar na banda.
Confesso que senti um pouco de insegurança em vários momentos, pois eu
ainda não tinha assumido a regência de nenhuma das bandas de que participava -
embora eu já auxiliasse o instrutor da banda do Almirante, devido à vivência que eu
tinha na escolar de música. Eu estava ganhando notoriedade como músico, como
trompista, tocando no quinteto, ganhando experiência cantando no Coral Expedito
Toscano, na própria Banda Sinfônica, estava me firmando como músico. Receber a
oportunidade de dirigir um grupo era algo grande para mim, mas eu encarei porque
eu queria, eu precisava daquela experiência para o Almirante.
A primeira viagem que fiz para Oriximiná estava de férias, estudava terceiro
ano no Dom Amando e foi no mês de julho, durante as férias. Eu passei cerca de
duas semanas direto em Oriximiná. Foi a primeira vez que eu me afastei tanto de
casa. Quando começou o mês de julho nós viajamos, lembro inclusive do Humberto
que era o coordenador da Banda do Santa Maria Gorete de Oriximiná, ele veio a
Santarém pedir autorização do Maestro Tinho Fonseca, para que nós viajassemos,
porque a gente integrava a escola de música, estávamos ensaiando para a gravação
do Sinfonia Amazônica I, e ele me liberou.
Nessa primeira viagem, fui pensando na vida, como se fosse uma escolha:
“Será que eu vou encarar isso mesmo?” Então, a viagem inteira fui conversando
com o Denis sobre isso: “O que a gente vai fazer lá?”. Conversarmos sobre
repertório, sobre o que iamos fazer, como é que vai ser, não sabiamos como é que
seria, nós fomos a viagem assim inseguros, nós chegamos lá, e quando a gente viu
aqueles 200 alunos esperando, com os instrumentos em punho, todos certinhos,
79  

enfileirados, uma banda enorme, tomava a quadra inteira da escola, e chegaram os


instrutores de Santarém, e aí erámos nós, três garotos. Mas eles confiaram
plenamente em nós, demostraram total respeito, e isso deu muita segurança para
desenvolvermos o trabalho com eles.
No ano de 2003, por indicação de José Agostinho da Fonseca Neto (Tinho
Fonseca), ministrei aulas de canto coral e flauta doce no FUNDAC - Fundo de
Desenvolvimento e Ação Comunitária, uma ONG localizada no bairro Esperança, em
Santarém, que oferece atividades artísticas, esportivas, informática e reforço
escolar. Lá, realizam atendimento a crianças carentes, e essa experiência foi muito
valiosa para mim, pois não estava acostumado com essa realidade social humilde.
Ali, conheci pessoas muito importantes para minha vida profissional e pessoal. Até
hoje sou colaborador financeiro dessa instituição.
Em 2004, o meu professor de trompa, Rodnei Bentes da Silva, anunciou que
estaria saindo da Banda Sinfônica Wilson Fonseca no ano seguinte, e me convidou
para assumir a liderança do naipe de trompa. Apesar de saber que ainda tinha uma
longa trajetória de estudo no meu instrumento, aceitei ser chefe de naipe, pois já
tinha noção do que era necessário.
Nesse mesmo ano, passei a coordenar a Banda da Escola Almirante Soares
Dutra, com uma equipe de ex-alunos, formada por Raimundo José dos Santos
Araújo (Dinho Santos Araújo) e Fábio da Costa Ferreira. Começamos um longo
processo de mudanças na formação desse grupo musical. Inicialmente, a grande
mudança foi a introdução das cornetas, que já havíamos tentado anteriormente, mas
não tínhamos obtido êxito. A partir de 2004, a fanfarra passou para categoria de
fanfarra com melodia. Figura 44: Logo do
Projeto Educ’Arte.

Criamos o projeto EDUC’ART, com a intenção de


captar recursos, mas isso não aconteceu por um longo
tempo. Só no ano de 2014 nós conseguimos aprovação
junto ao Programa Mais Cultura nas Escolas8, do MEC em Fonte: Acervo
parceiria com o Ministério da Cultura. A princípio, um dos particular de Júlio
Heleno Lages Pereira.
objetivos do EDUC’ART era a sistematização do ensino da

                                                                                                                         
8 o
Resolução nº 4, de 31 de março de 2014 - Art. 2 O Programa Mais Cultura nas Escolas, iniciativa
conjunta dos Ministérios da Cultura e da Educação, tem por finalidade fomentar ações que
promovam o encontro entre experiências culturais e artísticas em curso na comunidade local e o
projeto pedagógico de escolas públicas.
80  

música dentro da banda. Nós tínhamos uma banda composta por instrumentos de
percussão e pensávamos em desenvolver também a parte do sopro, com as
cornetas e com as flautas doces. Essa organização culminou no projeto Educ’Art.
Após esse início, o projeto foi sendo adaptado, e com o passar do tempo, a partir
das premiações do festival da prefeitura, chegamos à formatação da atual banda
marcial.
O Mais Cultura é um programa pequeno. Ele promoveu a compra de alguns
materiais que nós necessitávamos e priorizamos a musicalização, através do canto
coral e a flauta doce. Nós já desenvolvíamos toda a parte de banda marcial.
Tentamos fortalecer o início do processo com o canto coral para alunos que ainda
não tinham idade para tocar os sopros, pois estabelecemos que somente a partir
dos 13 anos o aluno pode ingressar na banda. Não é uma regra, sempre existem
exceções, mas por conta principalmente dos horários que a banda marcial funciona,
sempre à noite, criamos o curso de musicalização com flauta doce pela manhã e
tarde, duas vezes na semana com duração de uma hora e meia cada aula, isso a
partir do ano de 2014.
No projeto inicial do Educ’Arte, o objetivo geral era:
contribuir para a formação ética-moral e cidadã do aluno, em um
ambiente de cooperação e participação, tendo como enlace principal
a linguagem artística da música, através da prática do Coral Infanto
Juvenil, da Flauta Doce e da Banda de Música. (E.E.E.F.M.
ALMIRANTE SOARES DUTRA, 2014)

A princípio o projeto visava somente a sistematização do ensino da música


dentro da escola, proporcionando aos educando deste estabelecimento educacional
desenvolver três linhas transversais em cada uma das três atividades
(Coral, Flauta Doce e Banda de Música), sendo elas: o “conhecer”, o
“vivênciar” e o “apreciar”. Objetiva-se com estas linhas cativar e
explorar a criatividade, a contemplação estética do “Belo” e a
expressividade das idéias, sentimentos e conceitos por meio do som
(por meio da música). E.E.E.F.M. ALMIRANTE SOARES DUTRA,
2014).

Apesar de inicialmente o Educ’Arte idealizar somente a música em suas


ações, o projeto tomou maiores proporções e atualmente contempla a dança e a
capoeira.
Antes dessa organização da musicalização através do canto e flauta doce, o
aluno já iniciava no instumento musical da banda, eram aulas coletivas. Chegamos a
fazer anos anteriores, quando eu tinha mais tempo para isso, tive turmas de flauta
81  

doce. Essas turmas não só formavam o grupo de flauta doce da escola, mas elas
acabavam servindo também de ponte para entrada nos instrumentos de sopro. Mas
isso foi só por um período, porque meu tempo sempre foi muito escasso, e como no
Almirante é voluntariado, precisei trabalhar em outros lugares, e eu deixei de fazer a
musicalização, passei a fazer somente a inicialização nos instrumentos de sopro
com o método coletivo.
As aulas eram duas vezes por semana, com duração de uma hora e meia.
Eu organizava e ensinava alguns instrumentos de metal e levava amigos para
colaborar com as palhetas, que íam algumas vezes, e quando não estavam eu
mesmo gerenciava os alunos a partir das informações que eles tinham recebido.
Utilizamos o método elementar para o ensino coletivo de instrumentos de Banda de
Música “Da Capo”, de autoria de Joel Barbosa, para os iniciantes e depois
introduzimos outros métodos. Gosto de trabalhar com o do Jorge Nobre, que é um
método coletivo também, mas não utilizo para tocar junto, aplico para estudo
individual. Há alguns métodos tradicionais de escola técnica que a gente utiliza
algumas partes, dependendo do nível do aluno, após a inicialização coletiva. As
aulas coletivas são duas vezes por semana, e durante os três dias da semana, os
próprios alunos montam seus horários de estudos individuais. Sempre estamos
acompanhando-os.
Conheci o método Da
Figura 45: Júlio Heleno Lages Pereira ministrando
aula, na E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra. Capo, através de colegas da igreja
Assembléia de Deus de Santarém.
Esses colegas me falaram que lá
eles estavam aprendendo com um
tal de método Da Capo, que era um
método que ensinava
coletivamente. Na época, a pessoa
que coordenava esse trabalho de
música na Igreja veio até a ser meu
colega de universidade, o Jonielson.
Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno L. Pereira.
Quando eu conheci o Jonielson,
antes mesmo da UEPA, ele era da Policial Militar e eu tinha amigos na Polícia. A
gente se esbarrou por aí e eu perguntei para ele: “Tu coordenas o projeto na
Assembléia de Deus? Qual é o método que vocês utilizam lá?”. Ele me explicou o
82  

que era o método, mas eu não tinha visto ainda o método. Isso aconteceu lá pelo
ano de 2002 / 2003, já tava começando a ensinar banda por conta própria, já tinha
ido para Oriximiná, mas como ainda não trabalhava com instrumentos de sopro de
uma banda marcial ou banda de música, eu não tinha pesquisado a fundo o método.
O Jonielson me falou, e quando a gente foi para Universidade eu conversei mais
com ele, e me mostrou o método, e só anos depois quando fui iniciar no Almirante
essa educação para sopros de banda marcial e bandas de música, que eu fui
realmente acessá-lo. Eles conseguiram esse método porque o Jonielson era bem
informado, a Assembléia de Deus é uma rede nacional.
Na Banda da Escola Almirante Soares Dutra, para o aluno escolher o
instrumento musical que gostaria de estudar, realizamos no primeiro encontro uma
apresentação didática da banda de música, mostrando cada instrumento que integra
a banda, falando de sua origem e demonstrando seu som. Trazemos também os
instrumentos da banda marcial para eles conhecerem. Além da apresentação,
também exibimos vídeos da banda marcial dos anos anteriores, e assim eles têm
algumas noções sobre cada instrumento. No período que dura cerca de duas
semanas, os alunos podem ficar experimentando vários instrumentos até escolher
de forma definitiva, sempre sob nossa orientação para evitar danos aos
instrumentos. Após esse processo, iniciamos as aulas coletivas, com o método Da
Capo.
Algumas vezes, montamos de forma itinerante grupos de flauta doce, para
atender alguma apresentação. Nós temos até estrutura para o grupo, mas nós não
conseguimos manter por causa de nosso tempo para direcionar os alunos para
tocar. Mas de vez em quando a gente faz, junta os alunos apresenta um quarteto,
quinteto, mas não tem um ensaio regular, só para determinada ocasião. A mesma
coisa com o coral, nós chegamos a fazer um coral em dezembro no Almirante para
nosso evento natalino, mas também foi só para aquele momento ali, não
conseguimos manter assim as aulas, até mesmo porque o coral envolveu alunos
que não faziam parte ainda do projeto Educ’Arte.
Houve duas outras ocasiões que formamos o coral. Como eu era professor
de Arte no Almirante, por dois anos eu fiz esse trabalho como servidor temporário.
Nós apresentamos no dia das mães, junto com a banda e em junho no periodo do
aniversário de Santarém, músicas regionais e depois disso só no Natal. Ativamos
83  

esses grupos para momentos específicos. Eu contabilizava como atividade da minha


disciplina que era Arte.
Em 2005, fui indicado pelo Maestro Tinho Fonseca (José Agostinho da
Fonseca Neto), para ministrar aulas de flauta doce na Escola de Música Henri Ford,
no município de Belterra, que fica a cerca de 50km de Santarém. Ia para lá nos dias
terça e quinta, juntamente com o Tadeu Xavier, que ministrava aulas de canto coral
nessa escola. Pegávamos o ônibus às 6h30, seguíamos para Belterra, e
retornávamos às 16h30. Quando eu chegava em Santarém, já ia direto para o
ensaio do Almirante que começava às 18h00 e depois seguia para a UEPA. Aos

Figura 46: Júlio Heleno Lages Pereira sábados, ministrava aula pela parte da
ministrando aulas de violão no Programa manhã.
Esporte e Lazer.
No ano de 2007, durante sete
meses, ministrei aulas de violão no
Programa Esporte e Lazer, da Prefeitura
Municipal de Santarém.
No ano de 2008, a Prefeitura
Municipal de Santarém, através da
Assessoria de Esporte e Lazer,
Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno Pereira. implementou na rede pública municipal o
projeto “Música na Escola”,
contemplando as escolas E.M.E.F. Deputado Ubaldo Corrêa, E.M.E.F. Maria de
Lourdes, E.M.E.F. Wilde Fonseca, E.M.E.F.Princesa Izabel, com aulas de
musicalização através do canto coral, flauta doce, fanfarra e banda de música.
Nesse projeto, coordenei uma equipe composta por seis professores de sopro e
percussão, e formamos três bandas de música em três daquelas quatro escolas:
E.M.E.F. Deputado Ubaldo Corrêa, E.M.E.F. Maria de Lourdes e E.M.E.F.Princesa
Izabel.
Tive carta branca para montar essa equipe, que era composta por sete
pessoas na zona urbana e uma na região de Lagos. Inicialmente, o projeto era
denominado “Bandas Marciais Municipais”, mas depois ficou sendo o “Música na
Escola”. Esses profissionais selecionados por mim iam atuar como formadores e
regentes, ficando um em cada escola. Alguns já trabalhavam comigo no Almirante e
outros eu conhecia desde os tempos de escola de música. Integravam esse grupo: o
Marcelo Queiroz, que tinha sido meu colega de turma desde os tempos de escola de
84  

música, ele toca trompete, e hoje é da Policial Militar em Santarém; o Denis de


Sousa Lima, outro trompetista da minha época de escola de música, que hoje
também é policial militar e atua como regente da Banda Marcial Pedro Álvares
Cabral, está no ramo das bandas estudantis; o Dinho Santos (Raimundo José dos
Santos Araújo), trabalhava comigo no Almirante, era professor de percussão da
banda; o Diego Costa, que foi uma indicação da Escola Ubaldo Corrêa, pois já o
conheciam, e ele trabalhava no bairro onde está localizada essa escola, então
pediram para que ele fosse mantido no trabalho; o Eude Igor de Almeida Lima,
percussionista, foi meu colega desde os tempos de escola de música, e atuou desde
então na escola Maria de Lourdes; o Corona Soares (Lucenildo Soares Lima), que
conheci no meio das bandas estudantins de Santarém, mas nos tornamos amigos
trabalhando em Oriximiná, ele chegou a ir para Oriximiná, não comigo, foi para uma
outra escola, mas nos encontrávamos por lá; e da região do Lago Grande, na
Comunidade de Inanú, na Escola Ambrósio Caetano Corrêa, e essa sempre vem
para o festival em Santarém, mesmo antes do projeto ela já vinha para o festival por
conta própria, aí a prefeitura ajudou contratando uma pessoa para lá: o Roniere
Rodrigues, que era meu aluno no Almirante e que tinha entrado também na UEPA,
no curso de Música, inclusive já formado na UEPA; e o Jonatan Rafael Cardoso
Guimarães, que chamávamos de Juninho, ele tocava saxofone na banda do
Almirante, depois acabou se especializando em educação inclusiva, na área das
libras, atualmente ele é professor na UFOPA, trabalha na escola de música da Igreja
Assembléia de Deus, além também de ser concursado no município nessa turma de
música que foi concursada em 2008 e só entrou em 2011.
Essa era minha equipe de trabalho, cada um deles trabalhava em uma
escola e periodicamente eu fazia o acompanhamento nas escolas, reuniões com os
professores e avaliações constantes, e também era responsável por conseguir
material para o projeto, mas ministrar aula mesmo eu não ministrei, só coordenei o
projeto.
No começo, o projeto só contratou mão de obra, não comprou material, só
foi comprar posteriormente. Então, as escolas que não tinham instrumentos,
trabalhavam com canto coral e no máximo flauta doce quando a própria escola
conseguia comprar. No ano seguinte, a prefeitura vendo os resultados positivos que
nós tivemos no primeiro ano, se propôs a comprar o material que nós estávamos
sugerindo, que era para formação de bandas. Só que pelo quantitative financeiro de
85  

instrumental, viu-se que era inviável para a prefeitura disponibilizar recursos para
todas as escolas, e foi aí que se sugeriu fortalecer três escolas.
O projeto Música na Escola me levou a participar da Caravana do Esporte e
da Música realizado em Aracajú pela CNN e ESPN/Ministério do Esporte e Ministério
da Cultura, em 2010. Essa caravana é um grupo de artistas que encabeça no Brasil
essa atividade com o apoio e
Figura 47: Júlio Heleno Lages Pereira, no Programa
organização do ESPN. Eles
Esportebe Lazer.
tentam traçar metas para o
esporte, para música, para
cultura de um modo geral, para
que seja atendido, a partir de
programas sociais, um público
que não tem acesso, e aí eles
pediram colaboração e apoio de
uma forma geral das prefeituras,
Fonte: Acervo particular de Júlio Heleno L. Pereira.
que toparam participar e
enviaram suas lideranças em cada área para discutir o esporte, a música, a cultura
de uma forma geral com as pessoas de todo Brasil, que culminou nesse encontro,
um fórum. Da música, somente eu fui, mas eu fui no segundo ano, no primeiro ano
foi a Monique. Eu fui contar a experiência do Projeto Música na Escola, e a Monique
tinha ido contar a experiência de ter feito o Octeto, a Cantata, o Encontro das Artes,
que faziam parte de outro evento para o aniversário de Santarém. Apresentamos
nossas vivências dentro do Fórum e ouvimos as vivências dos outros e havia ali uma
construção.
No ano de 2010, passei a trabalhar como professor horista na UEPA-
Universidade do Estado do Pará, apesar de ter apenas a graduação. O curso
necessitava de professor, e isso acabou abrindo essa porta para mim. Ministrei as
disciplinas Percepção e Análise e Flauta Doce. Permaneci como horista nos anos de
2011 e 2012. Em agosto de 2013, fui aprovado no processo de seleção para
professor substituto, e assim estou contratado por 2 anos, até 2015. Já ministrei as
seguintes disciplinas no curso de Licenciatura em Música da UEPA: Prática de
Banda II, Projetos Interdisciplinares, Flauta Doce II, Leitura e Escrita Musical e
Percepção e Analise da Música.
86  

Atuei na educação básica, ministrando aula de Artes do 6° ao 9° ano do


Ensino Fundamental e 1° ano do Ensino Médio, na E.E.E.F.M Almirante Soares
Dutra, nos anos de 2012 e 2013. Essa foi uma forma encontrada para a escola me
remunerar financeiramente, pois já desenvolvia o trabalho voluntário à frente da
banda desde o ano de 2004.
Em relação ao conteúdo das aulas de Artes, eu seguia o cronograma da 5ª
URE - Unidade Regional de Educação, que abrange as diversas linguagens
artísticas, englobando História da Arte, Artes Visuais, Música. A Música aparece no
3° bimestre, então eu trabalhava leitura e escrita musical, identificação das figuras
musicais, divisão de valores, fórmula de compasso um pouquinho de história da
música também, dos grandes compositores, mostrava alguns movimentos desde o
Renascimento, parte histórica mesmo com apreciação. Ao chegar ao final do ano
letivo, juntávamos todos os alunos do ensino fundamental e médio em um grande
coral, e com a banda do Almirante, fazíamos um recital natalino.
Além de cumprir a grade curricular, eu esperava conquistar algum aluno
para a prática da banda na escola, mas eu não tinha grandes pretensões nesse
sentido. Se eu pudesse a partir das aulas de Artes cativá-los a uma apreciação da
linguagem musical em um nível mais aprofundado, eu já estava satisfeito. Por isso,
eu fazia trabalho de apreciação com eles, mostrava como funcionava o básico da
leitura, um pouco da história dos cânticos, contava curiosidades sobre os
compositores, tentava motivá-los a essa vivência, mas não tinha grande pretensão
de trazê-los para meu mundo musical. Claro que um ou outro que se sentisse mais
tocado por aquele conteúdo e procurasse a banda, como de fato até aconteceu, eu
ficaria muito contente. Mas não era o foco principal.
A partir de outubro de 2014, comecei a trabalhar no Colégio Dom Amando,
ministrando aulas de música para os alunos que iriam integrar a Banda Marcial
Irmão José Ricardo, que pertence à escola.
Ao longo desses anos, já ministrei oficinas de formação de bandas nos
municípios de Óbidos - na Banda da Escola São José, preparando tanto para o
festival de bandas do próprio município, como para o festival de Santarém, contando
com o apoio do Corona -, em Oriximiná, Monte Alegre e Alenquer.
A bandeira da educação musical me levou a investir nessa área, pois
acredito que por meio da música podemos melhorar a realidade escolar. Vou usar
como exemplo a E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra, pois é notória a mudança
87  

positiva que ocorreu dentro da escola, a partir do projeto de música. Para mim, é
difícil falar, pois fiz parte desse processo, mas se me colocasse de fora, tenho
certeza de que teria a mesma opinião. Há dez anos, eu ouvi isso da antiga diretora
da escola, que hoje é coordenadora do Mais Educação9. Ela me relatou que quando
chegou na escola no ano de 2004, a escola era caracterizada na comunidade
santarena como uma escola de vândalos, era muito comum se falar da gangue do
Almirante, que confrontava com a gangue do Cabral que é uma escola próxima, que
confrontava com a gangue do bairro vizinho. A escola era caracterizada, não faz
muito tempo, como uma escola de gangueiro. Hoje, quando se fala em Escola
Almirante Soares Dutra, se fala na Banda da Escola Almirante Soares Dutra.
Fui aluno da Escola Almirante, e por diversas vezes presenciei cenas de
violência e encontro de gangues, não dentro da escola, mas ao redor. Dentro da
escola, devido ao grande espaço físico que dispõe, havia uma bandidagem que
tomava conta dos espaços onde não havia atividades acontecendo. Cheguei a ver
dentro da escola: drogados, bandidos usando drogas dentro do ambiente escolar,
bêbados pulavam o muro e ficavam próximos a um local onde tinham um mato alto,
víamos brigas entre eles, armas, alguns alunos envolvidos em desentendimentos
com esses bandidos. A polícia entrava na escola para fazer a abordagem policial, e
tudo isso era muito negativo para a imagem da escola.
A partir da sistematização do ensino da música, em 2004, iniciamos uma
espécie de ocupação territorial. Recordo-me que estávamos fazendo instrumentos
de percussão de madeira, de compensado, e usávamos cola fórmica, que os
chamados “cheira-cola” utilizam como entorpecente. Nós chegamos a fornecer esse
material para alguns, pois eles chegavam conosco e falavam: “A gente está tomando
uma ali atrás, arranja essa lata de cola aí, esse restinho pra gente”, e nós
acabávamos cedendo, para evitar o confronto. Geralmente, confeccionávamos
esses instrumentos em horários que não ficava ninguém na escola, ou final de
semana, e esses indivíduos estavam na escola, meia noite, uma hora da
madrugada, todos esse horários já passamos na escola, posso até afirmar que já
vivemos nessa escola 24 horas por dia.

                                                                                                                         
9
Mais Educação é um programa, instituído pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado
pelo Decreto 7.083/10, constitui-se como estratégia do Ministério da Educação para induzir a
ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral.
88  

Passamos a colocar alunos para tocar trombone embaixo das árvores,


alunos de trompete, saxofone, nos banquinhos que fomos construindo próximos da
quadra esportiva e do campo de futebol. À medida que ocupamos os espaços, a
bandidagem foi deixando de ficar nesses locais. Conforme íamos utilizando os
espaços, colocávamos iluminação, e geralmente as lâmpadas eram quebradas, mas
trocávamos, até que um dia não quebraram mais. De certa forma, acabamos sendo
uma espécie de polícia pacificadora.
Fomos posseiros na escola e somos até hoje, porque estamos pleiteando
novas construções. E tudo que construímos aqui é fruto de parceirias. Há uma
oficina de móveis perto da escola que o proprietário já me conhece, pois com
frequência vou lá pedir pedaços de madeira para construir bancos para a escola, já
pedi quadro também, e ele sempre nos ajudou, os filhos dele também estudaram no
Almirante e ele conhece a realidade da escola pública. Esse clima de comunidade e
ajuda mútua é muito importante para o desenvolvimento do projeto.
Antes, os instrumentos ficavam em uma repartição do banheiro masculino.
Foi erguida uma parede de alvenaria e colocada uma porta no fundo, então a sala
da banda era o fundo do banheiro masculino. Era organizado e comportava tudo lá,
cheio de prateleiras, tinha espaço de mais ou menos 12 m2, era pequeno, mas hoje
já conquistamos bastantes espaços. A sala pequena que hoje usamos para
coordenação, ela já foi aquela sala da banda, era tudo só ali, cornetas e percussão -
na época, eram corneta e percussão -, a gente fazia as prateleiras até no teto. Nós
estabelecemos um trabalho disciplinar que mantinha a sala sempre organizada: dez
minutos antes de começar os ensaios, a sala era aberta, então entrava primeiro o
pessoal dos treme-terra e bumbos, saía e se entrasse um aluno que não fosse do
naipe devido naquele mometo, ele era punido assim: ia varrer a sala depois do
ensaio, ia abrir o portão e fechar na hora do entra e sai de alunos... Nós
estabelecemos várias regras disciplinares que faziam o “negócio” funcionar legal.
Claro que essas punições não eram feitas de forma incisiva, eles até levavam um
pouco na brincadeira, mas todo mundo respeitava as regras.
Percebia a questão disciplinar nas duas bandas que participei, porém de
forma diferente, mas ambas funcionavam bem. No Almirante, o Gesival não se
preocupava muito com essas coisas não. Ele tinha um bom senso de ensinar, de
dialogar, mas ele não tinha pulso para manter a disciplina e isso acarretou vários
problemas na banda na época dele, quando eu toquei. Não é que ele não quisesse
89  

saber, acho que ele estava cansado de ficar andando atrás de garoto indisciplinado,
então ele já deixava rolar. Às vezes, o menino saía do ensaio antes de terminar,
chegava atrasado... Comigo na coordenação foi diferente, mudei tudo isso, não
podia chegar atrasado, até podia mas com uma boa justificativa sempre. O Fábio já
estava junto comigo e o Dinho também, e nós três falávamos a mesma linguagem
em relação às cobranças aos alunos, em relação à vida deles dentro da banda.
Eu trouxe vários exemplos da escola de música para dentro do Almirante,
em termos de comportamento, de disciplina, mas eu reconhecia bem até onde eu
poderia ir com essas modificações. Eu sempre tentei usar do bom senso, nada
extrapolado.
Ao longo dos últimos dez anos (2004 - 2014), presenciei uma mudança na
escola, vários fatores contribuíram para que a criminalidade diminuísse, alguns
bandidos foram presos, as políticas públicas ajudaram, atividades esportivas, uma
noite durante a semana a quadra de esporte é liberada para comunidade, e muitos
outros fatores. Como resultado, a escola que antes era referência de escola violenta,
sempre presente nos confrontos de gangues, atualmente é conhecida como a escola
que tem uma banda marcial que ganha festival de bandas e realiza apresentações
no cenário artístico local. Essa referência é a principal identificação hoje da escola.
Quando assumi a coordenação da banda do Almirante, em 2004, a minha
expectativa era passar dez anos nesse trabalho, porque eu sabia que iria exigir
muito, e eu me entreguei para a escola ao longo de cada ano, me entreguei de
corpo e alma, eu nunca pensava em feriado, final de semana, em horário. Eu queria
estar no Almirante fazendo o trabalho. Então, eu projetei essa “lenha” para queimar
em dez anos, porque quando eu assumi a coordenação da banda eu tinha 20 anos,
e pensei que com 30 anos eu precisaria fazer outras coisas, precisaria cuidar de
uma família. Eu sabia que teria aqueles dez anos para me entregar e me entreguei.
Hoje, eu estou aqui exatamente vendo esse filme que passou, analisando toda essa
trajetória, porque eu cheguei no ponto que a minha expectativa de dez anos atrás
me levava a pensar que poderia chegar, que era construir o trabalho da banda do
Almirante até chegar em um nível para ser referência, eu queria ser referência, não
eu pessoalmente, queria que a Banda do Almirante fosse referência em termos de
Banda Escolar em Santarém, e acho modestamente que consegui contribuir para
isso. Minha expectativa a partir de agora é que a banda e a escola tenham
90  

condições de continuar crescendo sem mim, porque eu quero e preciso fazer outras
coisas.
Para mim, ser professor de música, é ser um trabalhador com um fardo
muito pesado, carregar uma cruz pesada com várias pessoas em cima, sem rodinha,
sem nada. Isto é ser professor, é colocar-se a serviço social, a serviço comunitário,
sem esperar grande salário, sem esperar grande valorização, sem grandes
expectativas do ponto de vista financeiro, mas ter consciência de que você é
fundamental para a sociedade. Isto é ser professor.
É complexo falar quais os saberes necessários para ser professor de
música, mas para ser professor é necessário sensibilidade, paciência. Os primeiros
saberes que me fizeram professor de música, o primeiro foi a necessidade de fazer
algo ao próximo: se você está vindo até mim para querer tocar nessa banda, eu
preciso lhe ajudar, é uma obrigação minha porque eu quero essa banda e para essa
banda existir tem que ter você lá, a sensibilidade de entender o que o outro quer e
ao mesmo tempo propor para ele o que ele precisa.
Outro saber é a dedicação absoluta, extrema, sem restrição, a dedicação de
passar na escola o final de semana, ou o domingo, feriado, altas horas da noite. Eu
já amanheci várias vezes na escola, consertando instrumentos, preparando as
coisas, enfim, eu sou um daqueles que quer fazer uma aula que me vem na cabeça,
eu estou ensinando leitura, e estou perdendo aluno, eles não querem aprender
porque está chato, então o que eu vou fazer? Já passei a noite preparando a aula na
escola: “Vou fazer uma organização diferente nessa aula, vou logo lavar...”, aí eu
começo a lavar a sala meia noite. Ligo para o Fábio, que hoje é o coordenador do
projeto, ele é vigia noturno, e digo: “Sai daí e vem para cá!”. Aí, lá vem o Fábio, e eu
digo: “Vamos lavar logo essa sala porque amanhã tenho que dar uma aula ‘do
caramba’ aqui!”. Lavamos. “Coloca umas cadeiras assim. Não! Sem cadeiras!
Coloca as cadeiras, e bem aqui tem que entrar um data show!”. Então penso: “Mas
para a escola me emprestar um data show em cima da hora?! Mas eu vou
conseguir!”. E o pano? Onde tem um para projetar o data show? Lá em casa tem:
“Vamos lá em casa!”. Nisso, já eram 2h00, aí eu preparo todo o ambiente. No outro
dia, chegam os alunos e eu me realizo fazendo aula porque eu preparei tudo para
eles, e no final fica aquela “coisa” autêntica, bacana e envolvente, e aí meu coração
fica livre, fiz o que eu podia e assim a gente vai conquistando todo o trabalho.
91  

Outro valor em cima do que eu estou falando é a conquista, o professor tem


que conquistar o aluno. Se você quer tirar o moleque da ociosidade, da rua, isso é
uma coisa que tem que falar, conquistar, fazer o seu melhor para prender naquela
prática, propondo ao aluno o que você está querendo trazer. Tudo isso nós já
fizemos na escola Almirante. Se fosse preciso, passaria tudo novamente.

2.6 ATUAÇÃO COMO REGENTE

Ao ingressar na escola de música Maestro Wilson Fonseca, em 1995, assisti


à estréia da Banda Maestro Wilson Fonseca, fiquei encantado com aquela
apresentação, mas em momento algum imaginei que um dia me tornaria regente. O
mesmo aconteceu quando vi a banda da Escola Almirante.
Minha trajetória como regente iniciou a partir de 1999, quando passei a
exercer o papel de regente auxiliar da Banda da E.E.E.F.M. Almirante Soares Dutra.
Nesse período, levava para o regente titular algumas músicas para ele pensar na
percussão, e idéias ritmicas, que conseguia colocar em prática. E assim, aos poucos
fui desenvolvendo em mim a liderança para o grupo. Fiquei nessa função até o ano
de 2003.
Como já tinha a vivência musical na escola de música, e devido a estar
estudando saxhorn, sugeri introduzirmos cornetas em nossa formação, pois a
maioria das escolas de Santarém utilizavam e ainda utilizam. Porém, o Almirante
não tinha recursos financeiros para aquisição desses instrumentos, mas o instrutor
da banda gostou da idéia, fez um esforço e conseguiu 5 cornetas para iniciarmos o
trabalho. Conquistei alguns amigos da percussão para passarem para o sopro. No
entanto, éramos cinco corneteiros dentro de uma banda composta por 90
instrumentos de percussão. A idéia só foi concretizada em 2004.
Não foi um período muito fácil, pelo fato de ser jovem, tinha 15 anos, e a
banda ser composta principalmente por adultos. Fui rejeitado inicialmente pelos
músicos. Imaginem só um garoto falar que os tambores estão desafinados e querer
mudar a formação da banda introduzindo cornetas! Isso foi um choque para o grupo
que já mantinha um estilo há mais de 25 anos. O regente titular me permitia fazer
algumas coisas, mas ao mesmo tempo era pressionado a não me dar muita
liberdade. Porém, tive muito apoio do Gesival, e fui realizando um árduo trabalho de
conquista com os integrantes da banda.
92  

Figura 48: Júlio Heleno, Gesival e esposa, Fábio Ferreira.

Fonte: Arquivo particular de Júlio Heleno L. Pereira.

Percebia que Gesival via em mim uma possibilidade de o trabalho que ele
desenvolvia de forma voluntária há quase 25 anos ter continuidade. Ele já
apresentava certo cansaço, demonstrava vontade de aposentar-se. Durante o último
ano que esteve na escola, tivemos vários desentendimentos, conflitos de idéias, que
resultaram em afastamento. Foi um processo doloroso, tanto para ele que estava
vendo um aluno chegando e tomando parte do que ele havia construído, e por outro
lado eu também sofria, pois sabia que não seria fácil sem a liderança dele. Mas em
2004, passei a representar de fato a liderança para banda, apesar de muitas coisas
se voltarem contra mim.
Atualmente, com minha saída da escola Almirante, percebo uma situação
bem diferente da que aconteceu comigo. O meu substituto é o Fábio da Costa
Ferreira. Estivemos juntos desde que assumi a coordenação da banda, ele passou
os dez anos (2004-2014) comigo na banda, então ele conhece todo o projeto, como
eu conheço, conhece os caminhos que precisa percorrer para deixar as coisas
funcionando, conhece inclusive quais eram as minhas pretensões. Foi bem natural,
não está havendo nenhum problema conflitante como quando eu entrei. Na verdade,
está sendo como se eu não saísse, apesar de haver mudanças, está acontecendo
como se eu continuasse. A intenção é que eu continue como regente da banda de
música, e o Fábio conduza como regente a Banda Marcial e toda questão da gestão
do projeto.
Em 2006, o regente auxiliar da Banda Sinfônica Wilson Fonseca, Paulo
Marcelo Pedroso Pereira, anunciou que ao final daquele iria sair da escola, e indicou
93  

meu nome para substitui-lo nesta função. Atuei como regente auxiliar nesse grupo
no período de 2006 a 2008. Na Escola de Música, não havia muito o que mudar,
pois as coisas tinham uma boa dinâmica já estabelecida, então apenas conduzia os
ensaios (não todos) e regia a banda nas apresentações rotineiras.
Cheguei a organizar, juntamente com outros professores, recitais de metais,
madeira e percussão. Esses recitais foram inovadores na escolar por trabalharem
um repetório diferente daquele que era utilizado na Orquestra Jovem Wilson
Fonseca, e acabavam por movimentar os alunos/músicos em torno de algo incomum
na escolar, uma vez que todos viviam normalmente em torno dos ensaios e
apresentações da Orquestra.
Figura 49: Júlio Heleno regendo a Orquestra Jovem
Wilson Fonseca.

Fonte: Acervo particular de Charles Campos

No período que trabalhei na Escola de Música no município de Belterra, regi


o conjunto de flauta doce e também a fanfarra da Escola Santo Antônio, durante o
desfile cívico.

2.7 OS FESTIVAIS DE BANDAS E FANFARRAS EM SANTARÉM

Para mim, os festivais de bandas e fanfarras em Santarém têm duas


representatividades. A princípio, foi um grande motivador para que eu contribuísse
pera melhoria da banda da E.E.E.F.M Almirante Soare Dutra. Desde quando era
fanfarra, queria ver minha escola campeã, queria a minha escola bem falada, queria
ver a minha escola como uma referência positiva. Nesse sentido, o Festival de
Bandas foi um motivador, um “estopim” que contribuiu com minha prática.
94  

Figura 50: Fábio Ferreira e Júlio Heleno com os troféus


coquistados desde que assumiram a coordenação da
Banda.

Fonte: Acervo particular de Odinei Silva.

Hoje, o festival de bandas tem outra representatividade, para mim. Ele é


parte de um ciclo. Considero o Festival de Bandas como parte de um ciclo pelo qual
os meus alunos passam. Na época em que fui aluno, e até mesmo quando comecei
a ser o regente da banda do Almirante, o festival era culminância de um processo
formativo, tudo era feito para o Festival de Bandas. Mas agora não, ele já faz parte
de um ciclo e continua sendo importante, porém, não fazemos a banda para o
festival. Isto mudou há sete anos, pois nos deparamos com a seguinte realidade:
fazemos a banda para o festival e no dia seguinte não tem mais banda? Não faz
sentido! Então, isso foi mudando, e começamos a mostrar para os alunos a
necessidade de a banda continuar firme para outros eventos, caso fossemos
participar, como eventos natalinos da cidade, solenidades importantes, o aniversário
da cidade que começa em junho, geralmente em junho estão começando os
ensaios. Hoje em dia, o projeto é de janeiro a janeiro, e a visão sobre o Festival de
Bandas mudou, ele passou a ser parte de um ciclo formativo e não mais a
culminância de um trabalho.
A banda da Escola Almirante já conquistou muitos títulos nos festivais, e se
mantém a campeã de forma consecutiva desde o ano de 2007, sendo que em 2009
fomos vencedores dos dois festivais que aconteceram. Chegamos a esse reultado
através da dedicação extrema, unicamente, dedicação extrema da nossa parte como
coordenação, como regente, como ensino, e dos alunos, que assimilaram essa
idéia: dedicação absoluta. Não tem um dia, nesses dez anos passados, não houve
um dia em que eu não acordasse pensando no que iria fazer na banda do Almirante,
e certamente os alunos que me acompanharam nesses anos também.
95  

Paralelamente a essa filosofia de trabalho, eu primei por ensinar da melhor


maneira possível, para que os alunos aprendessem música, para que eles tocassem
os instrumentos, e para que eles conseguissem expressar nos instrumentos aquilo
que eu precisava que eles expressassem, tudo isso com dedicação absurda. E o
resultado está aí, não só dos festivais de bandas, mas são os resultados que tenho
fomentado para a vida de cada aluno, que é para sempre. Os resultados pessoais
na vida de cada aluno que passou por lá são estrondosos! Foram mais de trinta que
foram para o curso de música da UEPA, alguns já estão formados, outros estão
estudando, o Fábio é egresso, alunos que tocam hoje em outras bandas, há alguns
alunos tocando na Orquestra Jovem Wilson Fonseca onde eu participei - há sete
alunos do Almirante tocando lá, alunos na Filarmônica Municipal Professor José
Agostinho, alunos na escola de Música Wilde Fonseca que é da Filarmônica
Municipal que foram nossos alunos no Almirante, alunos na banda da Assembleia de
Deus, estão espalhados aí eu não consigo mensurar em números absolutos, talvez
estatisticamente, mas essas vidas que foram tocadas para a música elas
representam para mim conquistas que superam estrondosamente os festivais de
banda.
No ano de 2014, anunciei minha aposentadoria nas participações dos
Festivais de Bandas e Fanfarras em Santarém. Nesse ano, o festival teve um
significado maior, pois defini que seria o último para mim, a cada ensaio reforçava
isso, e repetia aos componentes da banda: “Esse é o meu último!”. Ao longo de
minha trajetória, participei no total de 21 festivais, sempre com a Banda da Escola
Almirante Soares Dutra. Como músico, participei de quatro: 1999, 2000, 2001 (duas
vezes, pois foram dois festivais) e 2003. Desses a banda foi campeã em apenas um
festival. A partir de 2004, quando passei à função de regente da banda, participando
de 15 festivais nessa função, a banda conquistou o primeiro lugar em dez
Mas decidi não participar mais dos festivais, e isso envolve diversos motivos.
Tem um pouco de cansaço, expectativa em outros sonhos, e também a família. Eu
acho que eu preciso cuidar um pouco mais da minha família, a minha filha de um
ano e meio, quero estar mais com a minha família que estou formando agora. Estou
há dois anos casado, e o trabalho de festival de bandas é um trabalho que exige
demais, a gente vive para isso pelo menos por um período do ano.
Nesses anos todos de Almirante, nós estamos aí há dez anos vencendo
esses festivais. Os ensaios começam diariamente às 18h e vão até 21h, isso é uma
96  

opção nossa para dar conta de preparar tudo o que almejamos para apresentar no
dia. Há bandas que ensaiam bem menos, mas são as bandas que tem perdido para
gente. Sábados e domingos, arrumando os instrumentos, ensinando aquele aluno
que não consegue tocar determinada parte, feriados, férias de julho inteiras, de
manhã, à tarde e à noite. No ano passado, eu trabalhava os naipes separados
durante o dia, para dar conta de ir preparando as músicas, e à noite o geral e mais o
trabalho coreográfico, que apesar de não ser eu que tenha essa responsabilidade de
criar as coreografias, mas tenho a responsabilidade de olhar para ver se está tudo
funcionando. Porque, no final das contas, o crivo sou eu que faço, do que vai ficar,
das coreografias que vão dar certo. Coreografia, por exemplo, que prejudique muito
a parte sonora da banda, peço para modificar, e se eu não estiver olhando eles vão
querer tocar de cabeça para baixo e não vão estar se importando com a música, e a
respiração do músico é um problema. Mas é um trabalhão e isso consome demais, e
é disso tudo que já estou muito saturado, 21 festivais...
Ainda continuo com essa ideia, mas uma coisa aconteceu: esse ano estou
me sentindo mais descansado, porque a “galera” do Almirante está conseguindo
levar o trabalho à frente sem eu estar coordenando. Já estou afastado desde
outubro de 2014, como coordenação, mas eu continuo regente da banda de música.
Eu me dispus a estar lá um dia por semana, na quarta feira, para ensaiar a banda de
música. Não é a banda marcial, e tem sido legal esse trabalho porque como eu não
tenho o peso de coordenar, de verificar instrumento que quebrou, de aluno que está
faltando, estou indo e fazendo os ensaios, atuando como regente. É uma novidade
para mim e tem me feito muito bem porque estou saindo de lá satisfeito com os
resultados dos ensaios, estou conseguindo produzir. Eu não me afastei literalmente
do projeto, eu continuo apoiando, atuando como regente da banda.
E eu até já me coloquei à disposição para o Fábio. Não é certa a
participação da banda do Almirante este ano no Festival, independente da minha
presenca lá ou não, não é certo. Por quê? Porque já se discutiu muito isso dentro do
Almirante, dentro da escola, não se faz mais necessária a participação do Almirante,
sem falsa modestia, não tem quem enfrente a banda do Almirante, porque a banda
do Almirante é muito forte hoje, com o pessoal que a gente conseguiu formar ao
longo desses dez anos, os que criam a coreografia. Nossos alunos são muito fortes
nisso, inclusive eles têm participado de outros festivais, convidados por outras
bandas e tem vencido as disputas por aí, então tem ganhado autonomia também.
97  

Mas há uma saturação dentro da escola em relação aos festivais, não tem quem a
enfrente. Mas se a escola resolver participar, claro que vai querer fazer bem feito e
vai querer vencer.
Mesmo se a banda fizer só uma participação especial, ela vai requerer toda
uma preparação. Se vai ter toda uma preparação é melhor participar da disputa. Mas
a gente vai deixar para resolver isso mais tarde. A minha cabeça hoje é o seguinte:
se o Almirante não participar – “beleza!” –, eu estou tranquilo, são mais de 20
festivais; se resolver participar, eu vou apoiar, não como antes, não vou mais estar
totalmente à disposição do projeto porque eu quero me dispor mais para família.
Comecei a trabalhar em outubro de 2014 no Colégio Dom Amando, e estou
sofrendo por antecipação, porque o Dom Amando não ensaia a banda em julho. Fui
meio que proibido até de ensaiar, de ter aluno em julho, porque é contra as leis
trabalhistas do colégio e tudo mais. Mas eu disse: “Gente, como é que uma banda
escolar não vai ensaiar em julho?”. E eu estou sofrendo por conta disso, e como eu
realmente não vou poder estar no Dom Amando em julho, ensaiando a banda, eu
vou para o Almirante. Mas lá para o futuro resolveremos, se a banda vai participar
de festival, se eu vou reger festival ou não.
Apesar de ter participado de vários festivais, não sinto uma pressão por
parte do Colégio Dom Amando para participarmos dessa competição. Ao contrário,
há uma pressão minha, não necessariamente em relação ao Festival de Bandas,
mas para que o Dom Amando de alguma modo atue de forma mais incisiva como
banda marcial na Semana da Pátria. Ele não tem atuado, não estava atuando, e há
uma pressão minha para que participe. Mas essa pressão eu não sinto de volta. Eles
mesmos sabem da realidade, não ensaiam em julho, ensaiam pouco em agosto
porque têm outras atividades, têm o folclore, e não tem realmente como pegar a
banda do Dom Amando e fazê-la tocar e coreografar para participar de um festival
de bandas. Não tem como, pois em julho não pode ensaiar e em agosto disputa com
outras atividades que são muito fortes dentro do colégio. O festival é em setembro
depois da Semana da Pátria, fica complicado, mas eu quero que a banda do Dom
Amando pelo menos participe de forma mais incisiva no cenário artístico local,
apresentações comunitárias, na própria Semana da Pátria. Antes faziam, eu mesmo
toquei quando estudei lá, participei em várias apresentações.
98  

Nesses festivais, além das bandas, os regentes também são premiados. No


período de 2005 a 2007, a UMES premiou com troféu, e o melhor recebia o título de
“Instrutor Padrão”. Ganhei uma vez nessa categoria.
Nos festivais promovidos pela prefeitura, a partir de 2010, foi incluída uma
categoria só para o regente. Sugeri de outra forma: a minha ideia era de que o
regente fosse mais um item de avaliação da banda, mas acataram minha sugestão
de forma diferente. No primeiro ano em que houve a escolha do melhor regente, não
conduzi a banda do Almirante, estava atarefado com outras coisas dentro da
assessoria. Então, o Corona Soares (Lucenildo Soares Lima) regeu a banda do
Almirante em 2010, e venceu a disputa entre os regentes. No ano seguinte, retornei
como regente e desde então eu venho vencendo, já são quatro títulos que
conquistei.
Além de participar de festivais na função de músico e regente em Santarém,
também integrei o corpo de jurados de festivais realizados no município de Alenquer
em 2006, e do Campeonato Paraense de Bandas e Fanfarras, realizado em Belém,
nos anos de 2011 e 2012, na categoria bandas marciais.
99  

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

À perspectiva da história oral ou das oralidades como uma disciplina pode


bastar a narrativa em seu conteúdo e forma. Isto significa que por si só ela é
suficiente, sem que seja necessário o exercício da hermenêutica isto é, da
interpretação que parte de algum ponto de vista sobre o dito, para encontrar-lhe – na
verdade, construir-lhe, constituir-lhe, instituir-lhe ou atribuir-lhe – sentido.
Todavia, neste estudo, opto pelo exercício da análise. Isto porque estabeleci
como objetivo apreender os saberes de um professor de música e compreender
como estes saberes se refletem na sua prática pedagógica.
Nesse capítulo, tomando como base Gauthier (1998), Tardif (2004), Pérez
Gómez (2011), Esperidião (2012), dentre outros, farei a relação do que esses
teóricos dizem sobre saberes docentes com os dados coletados por meio de
entrevistas com o professor Júlio Heleno Lages Pereira. Não se trata de busca de
confrontos entre teoria e realidade, mas de analisar como as experiências práticas
musicais familiares, escolares e profissionais ao longo de uma formação emergem
em sua prática pedagógica.
A formação de professores é definida por Garcia (1999, p. 26) como
área de conhecimento, investigação e de propostas teóricas e
práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar,
estuda os processos através dos quais os professores – em
formação ou exercício – se implicam individualmente ou em
equipe, em experiências de aprendizagem através das quais
adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e
disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no
desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com o
objetivo de melhorar a qualidade da educação que os alunos
recebem.

Aqui, pretendi estudar a formação do professor Júlio Heleno Lages Pereira.


Percebi que ao longo de sua trajetória, ele interage com diversas experiências de
ensino e de aprendizagem. Entender essas experiências e como ele lida com elas
como saberes em suas ações pedagógicas certamente pode contribuir para
tomadas de decisão em relação à formação de professores de música.
Em relação aos saberes docentes, Gauthier (1998, p. 18), remete à
expressão em inglês knowledge base, utilizada para englobar todos os saberes
docentes: “conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico geral,
100  

conhecimento do programa, conhecimento relativo ao gerenciamento da classe,


conhecimento de si mesmo, cultura geral, etc.”. O autor relata que as categorias
mais citadas são as de Lee S. Shulman (1987)10:
Conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico geral,
conhecimento do programa, conhecimento pedagógico do conteúdo,
conhecimento do educando e de suas características, conhecimento
dos contextos, conhecimento dos fins, dos objetivos, dos valores e
dos fundamentos filosóficos e históricos.

Gauthier (1998, p. 28), apresenta um quadro de saberes, no qual considera


que o ensino deve ser compreendido como um “reservatório no qual o professor se
abastece para responder a exigências específicas de sua situação concreta de
ensino”, sendo composto por saberes disciplinares, saberes curriculares, saberes
das ciências da educação, saberes da tradição pedagógica, saberes experienciais e
saberes da ação pedagógica.
A esse respeito, Júlio Heleno, fala de um “grande caldeirão”, formado pelas
experiências adquiridas ao longo de sua caminhada, a partir da convivência com
diversos profissionais, tanto da música, como de outras áreas, conversas, cursos de
formação, e de acordo com a necessidade do momento utiliza o que for mais
adequado para cada situação. Esse caldeirão coincide com os saberes
categorizados por Gauthier (1998), como aparecem no quadro abaixo:

Quadro 2: Saberes-reservatório no qual o professor se abastece para responder a


exigências específicas de sua situação concreta de ensino.

Se refere aos saberes produzidos pelos pesquisadores e


cientistas nas diversas disciplinas científicas, ao conhecimento
Saberes Disciplinares
por eles produzidos a respeito do mundo. O professor não produz
(a matéria)
o saber disciplinar, mas para ensinar, extrai o saber produzido
por esses pesquisadores. (p.29)
Uma disciplina nunca é ensinada tal qual, ela sofre inúmeras
Saberes Curriculares transformações para se tornar um programa de ensino. Esses
( O programa) programas não são produzidos pelos professores, mas por outros
agentes. (p.30)
É um saber profissional especifico que não está diretamente
Saberes das ciências relacionado com a ação pedagógica, mas serve de pano de fundo
da educação para ele quanto para os outros membros se sua categoria
socializados da mesma maneira. (p. 31)
É o saber das aulas que transparece numa espécie de intervalo
da consciência. Nessa perspectiva, cada um tem uma
Saberes da tradição
representação da escola que o determina antes mesmo de ter
pedagógica
feito um curso de formação de professores, na universidade.
(p.32)
                                                                                                                         
10
Shulman, L. S. Knowledge and teaching: Foundations of the new reform. Harvard Educational
Review, n.57, v.1, p.1-22, 1987.
101  

Aprender através de suas próprias experiências significa viver um


Saberes Experienciais momento particular, momento esse diferente de tudo o que se
(a jurispundência encontra habitualmente. Essa experiência torna-se então a regra
particular) e, ao ser repetida, assume muitas vezes a forma de uma
atividade de rotina. (p.33)
Saberes da ação
pedagógica
(o repertório de É o saber experiencial dos professores a partir do momento em
conhecimentos do que se torna público e que é testado através das pesquisas em
ensino ou a sala de aula. (p. 33)
jurisprudência pública
validada)
Fonte: Gauthier (1998)

Como é possível observar, para Gauthier (1998), os saberes disciplinares e


curriculares não são produzidos pelo professor. Essa divisão entre aquele que
produz e os que executam é tratada por Tardif (2014, p. 35). Este autor chama a
atenção para a distinção que existe entre os destinados a “tarefas especializadas de
transmissão” e o grupo responsável pela “produção”, e aponta que muitas das vezes
os educadores, pesquisadores, corpo docente e comunidade científica acabam não
relacionando-se entre si. Como efeito, o que se observa é pesquisa e ensino
percorrendo caminhos diferentes, quando o ideal seria caminhar juntos na mesma
direção.
Os saberes das ciências da educação, são os saberes de formação
profissional, envolvem as noções do sistema escolar, que abrange o conselho
escolar, carga horária docente, dentre outros aspectos. Isto leva ao que Pérez
Gómez (2011, p. 164), chamou de cultura docente, considerando-a um complexo
fenômeno, que envolve
crenças, valores, hábitos e normas dominantes que determinam o
que este grupo social considera valioso em seu contexto profissional,
assim como os modos politicamente corretos de pensar, sentir, atuar
e se relacionar entre si

O educador acaba se sentindo mais protegido ao assumir a cultura dos


docentes, reproduzindo a forma de ensinar, evitando possíveis confrontos, tanto
com os demais colegas de profissão, como com a família e administração. Essa
cultura docente pode ser analisada e dividida em duas dimensões fundamentais: o
conteúdo e a forma.
O conteúdo está relacionado à função social da escola, e abrange
currículo, processos de ensino aprendizagem, o sentido e os modos
de avaliação, a função da escola, a organização institucional, os
próprios papéis docentes, os processos de socialização dentro e fora
102  

da escola, o desenvolvimento do indivíduo, assim como o sentido e a


evolução da sociedade (PÉREZ GÓMEZ, 2011, p. 166).

A forma é definida como “as condições concretas em que se desenvolve o


trabalho dos docentes, especialmente o modo como se articulam suas relações com
o resto dos colegas” (idem, p. 166).
Os saberes da tradição pedagógica e da ação pedagógica estão
diretamente relacionados aos saberes experienciais, pois ambos são legitimados a
partir do momento em que são expostos através das atividades de ensino que tem
como base a experiência individual do docente, ou seja, os saberes experienciais.
Gauthier (1998, p. 32), explica que “o saber da tradição pedagógica será adaptado e
modificado pelo saber experiencial, e principalmente validado ou não pelo saber da
ação pedagógica”. Foi a partir do século XVII, que essa tradição pedagógica foi
cristalizada, quando os professores passam a dar aulas a vários alunos ao mesmo
tempo, abandonando o atendimento individual.
Cada educador irá se abastecer de todos esses saberes e articulá-los para
sua construção docente. Segundo Tardif (2014, p. 119), “todo professor ao escolher
ou privilegiar seus objetivos em relação aos alunos, assume uma pedagogia, ou
seja, uma teoria de ensino-aprendizagem” e os saberes a ela relacionados. O autor
considerada que o ensinar está baseado na mobilização desses saberes,
adequando-os, modificando-o e aplicando-os no seu trabalho.
Isso pode ser observado na fala de Júlio Heleno, quando diz que aprendeu o
que fazer e o que não fazer, ao ver as ações dos regentes das bandas que integrou.
E busca ter bom senso ao utilizar as experiências adquiridas, para saber usá-las da
melhor maneira possível.
Para Tardif (idem, p. 33), os saberes docentes são constituídos a partir de
diversos saberes oriundos de variadas fontes e, de forma aproximada a Gauthier,
classifica-os em saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais. Os
saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia
pedagógica), segundo Tardif (idem, p. 36), são definidos como “conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou
faculdades de ciências da educação)”.
Os saberes disciplinares, para Tardif (idem, p. 38), são definidos como:
Saberes que correspondem aos diversos campos do conhecimento,
aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se
encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de
disciplinas, no interior de faculdades e de cursos distintos.
103  

Os saberes curriculares (idem, p. 38), para esse autor,


Correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a
partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os
saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da
cultura erudita.

Quanto aos saberes experienciais (idem, p. 48), Tardif os explica como


“conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários no âmbito da prática da
profissão docente e que não provém das instituições de formação, nem dos
currículos”.
O saber do professor é considerado por Tardif (idem, p.11), como saber
social, porém destaca que é necessário ter cuidado para não reduzi-lo e destaca
cinco aspectos que o levam a essa afirmação:
1. Práticas de um professor específico, por mais originais que sejam,
ganham sentido somente quando colocadas em destaque em relação a essa
situação coletiva de trabalho;
2. Um professor nunca define sozinho e em si mesmo o seu próprio saber
profissional;
3. Seus próprios saberes são objetos sociais, isto é, práticas sociais;
4. O que os professores ensinam (os “saberes a serem ensinados”) e sua
maneira de ensinar (o “saber-ensinar”) evoluem com o tempo e as mudanças
sociais;
5. O saber dos professores não é um conjunto de conteúdos cognitivos
definidos de uma vez por todas, mas um processo em construção ao longo de uma
carreira profissional na qual aprende progressivamente a dominar seu ambiente de
trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras
de ação que se tornam parte integrante de sua “consciência prática”.
A relação do professor com seus saberes é considerada por Tardif (2014,
p. 32) problemática, pois o educador não saberia exatamente quais seriam esses
saberes, sua forma de transmissão e seu real papel na educação.
Tardif (2014, p. 54) nos diz que o saber dos professores é
Saber plural, saber formado de diversos saberes provenientes das
instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e
da prática cotidiana, o saber docente é, portanto, essencialmente
heterogêneo.
104  

As ideias de Gautier (1998) e Tardif (2014) podem ser esquematizadas na


figura a seguir:

Figura 51: Organograma das ideias de Gautier (1998) e Tardif (2014).

SABERES DAS
SABERES DE CIENCIAS DA
FORMAÇÃO EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

SABERES
SABERES DISCIPLINARES
DISCIPLINARES
T G
A SABERES A
SABERES CURRICULARES U
R
D CURRICULARES T
SABERES DA H
I
TRADIÇÃO I
F
PEDAGÓGICA E
R
SABERES
EXPERENCIAIS

SABERES SABERES DA
EXPERENCIAS AÇÃO
PEDAGÓGICA

SABER SER PROFESSOR


(SÍNTESE DESTE ESTUDO)

SABERES SABERES SABERES


EXPERIENCIAIS TRADIÇÃO ACADÊMICOS
(Cotidiano)

Fonte: Criação de Leonice Nina.

Analisando as correlações entre o repertório de saberes apontados por


Gauthier (1998) e os saberes docentes descritos por Tardif (2014), posso concluir,
em síntese, que saber ser professor envolve: saberes experienciais, saberes da
tradição e saberes acadêmicos.
A categoria dos saberes experienciais engloba as vivências cotidianas do
professor e os saberes por ele produzidos a partir de suas práticas docentes. São
aquelas ações intuitivas, que vão se aperfeiçoando e ganhando forma a partir das
necessidades do momento.
105  

Para Dewey (2010, p. 109), “a experiência ocorre continuamente, porque


a interação do ser vivo com as condições ambientais está envolvida no próprio
processo de viver”. Logo, o professor de música, como todo professor, vive
constantemente esse processo de formação, isto é, a partir das experienciações
diárias, em decorrência do próprio viver.
Esses saberes experienciais possuem, de acordo com Tardif (2014, p.
50), três objetos:
a) as relações e interações que os professores estabelecem e
desenvolvem com os demais atores no campo de sua prática;
b) as diversas obrigações e normas às quais seu trabalho deve
submeter-se;
c) a instituição enquanto meio organizado e composto de funções
diversificadas.

O professor em sua prática cotidiana, tende a adaptar os demais saberes


(disciplinares, curriculares e de formação profissional) e de certa forma submete-os
a um processo de validação. Sendo assim, “os saberes experienciais não são
saberes como os demais; são ao contrário, formados de todos os demais, mas
retraduzidos, ‘polidos’ e submetidos às certezas construídas na prática e na
experiência” (TARDIF, 2014, p. 54).
Os saberes da tradição envolvem os saberes das ciências da educação e
contemplam a forma de ministrar aulas que está impregnada na sociedade.
Os saberes acadêmicos são os saberes que o professor aprende ao
ingressar em um curso de formação profissional superior. Nesta categoria,
encontram-se os saberes disciplinares, curriculares e de formação profissional. O
conhecimento profissional do professor é considerado por Pérez Gómez (2011, p.
191), “um conhecimento especializado sempre provisório, parcial e emergente”.
Voltando o olhar para o educador musical e sua relação com os saberes
docentes, é possível observar que é necessária a união de vários saberes, como
aponta Espiridião (2012, p. 104):
são múltiplos os saberes pedagógicos-musicais docentes, em
consequência da própria singularidade da atividade pedagógico -
musical, dos seus diversos contextos e espaços de realização e das
transformações ininterruptas que a globalização tem produzido na
cultura.

A multiplicidade dos saberes, as singularidades dos professores, dos


alunos e dos contextos sociais e a aceleração das mudanças no cotidiano apontam
à complexidade da educação. Nesse âmbito, Morin (2013, p. 177) aponta que “não
devemos esquecer que o homem é um ser biológico-sociocultural, e que os
106  

fenômenos sociais são, ao mesmo tempo, econômicos, culturais, psicológicos etc.”


Daí a necessidade de o educador musical estar em sintonia com o tempo, e
desenvolver uma visão mais abrangente, com o olhar dirigido ao “todo”11.
Gainza (1988, p. 19) ressalta que “a quantidade e diversidade de aspectos
envolvidos no processo da relação homem-música-homem provocaram uma
importante mudança na tarefa do educador musical”, dado que seus saberes
docentes devem estar assentados na perspectiva compreensiva e não fragmentada
do homem, da música e da relação entre ambos. Ou seja, é necessário, como afirma
Bellochio (2003, p. 22), compreender que a educação é formada por constituintes
psicológicos, filosóficos, antropológicos, sociológicos, pedagógicos e que, desta
forma, para ensinar música, é essencial compreendê-la tendo em vista tais
perspectivas.
Tal complexidade também é tratada por Gauthier (1998, p. 20), segundo o
qual
Pensar que ensinar consiste apenas em transmitir um conteúdo a um
grupo de alunos é reduzir uma atividade tão complexa quanto o
ensino a uma única dimensão, aquela que é mais evidente, mas é
sobretudo negar-se a refletir de forma mais profunda sobre a
natureza desse ofício e dos outros saberes que lhe são necessários.

Espiridião (2012, p. 106), aponta que o educador musical não deve


restringir-se ao campo musical:
a relação de saber no campo da educação musical compreende
aspectos muito mais profundo e complexos que os musicais, pois
envolve o ser, a família, a cultura, as tradições, as concepções, os
pensamentos, as vivências, as experiências, entre outros.

Tendo em vista que o homem é ser multidimensional (político, físico, cultural


etc.), a formação do professor deve dar conta de todos esses aspectos.
Mojola (1998, p. 49), apresenta uma contribuição para um programa de
formação do docente em música, apoiando sua proposta em três pontos: o estudo
da disciplina música como ciência; o estudo da pedagogia, englobando os
problemas do ensino-aprendizagem; e o estudo da metodologia cientifica e o
interesse pela pesquisa.
A primeira base apontada por Mojola (idem) indica que é necessário
estudar a música assim como qualquer outro ramo do conhecimento humano.
                                                                                                                         
11
Morin (idem, p. 66) menciona que o pensador francês Blaise Pascal (1623 – 1662) já havia
afirmado que “é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, assim como conhecer o todo
sem conhecer as partes”.
107  

Porém, o autor aponta que devido à grande variedade de formações dos


profissionais que atuam nessa área, acaba-se tornando problemática a definição
de um conhecimento a ser estudado regularmente, dificultando a unificação (uma
base mínima comum) do que deve ser ensinado em música.
Na segunda base, o autor relata o fato de que muitas vezes músicos que
tiveram sua formação totalmente voltada à performance tornam-se professores. No
entanto, não desenvolvem visão pedagógico-musical, e tampouco lhes interessam
os problemas que envolvem o processo de ensino-aprendizagem. Sua prática
pedagógica vai se construindo a partir de tentativas, que algumas vezes alcançam
resultados positivos, porém, outras acabam causando graves prejuízos para o aluno.
Sobre a terceira base, pautada na pesquisa, o autor enfatiza que a
metodologia científica pode ajudar o docente “na sua própria forma de pensar e
resolver problemas” (idem, p. 52).
Na proposta de formação do docente em música, sugerida por Mojola
(idem), é nítida a presença dos saberes disciplinares e curriculares para fundar a
primeira base; dos saberes de formação profissional que envolvem as questões
pedagógicas da formação e dos experienciais na segunda base; e dos saberes
acadêmicos, fundamentais para o desenvolvimento da terceira base, voltada para
pesquisa.

Figura 52: Organograma da proposta de formação do docente em música segundo


Mojola (1998).

FORMAÇÃO  DOCENTE  EM  MÚSICA  

Disciplinares   Formação  Profissional   Academicos  


Curriculares   Experenciais     (pesquisa)  

1ª base 2ª base 3ª base


     
Fonte: Criação de Leonice Nina.

Todas essas classificações sobre os saberes docentes me introduziram em


108  

alguma compreensão sobre possibilidades de saberes de um professor música. Elas


não se constituem a “verdade” em relação aos “dados” coletados, mas foram
necessárias como abordagem inicial que, não “fechando”, antes sensibilizam para
outras formas, características ou tipos de saberes que um professor e sua realidade
de ensino musical apontem, de tal modo que eu possa responder à pergunta desta
investigação, qual seja: “de que maneira um professor de música articula suas
vivências em banda musical com a formação em licenciatura em música, em sua
atuação na escola de educação básica em Santarém-PA?”, e alcançar os objetivos
de identificar os saberes adquiridos nas bandas musicais e na academia, a partir da
descrição da trajetória de formação músico-pedagógica desse professor, sempre
atenta às influências das experiências em bandas de música em sua atuação
docente para, por fim, analisar como esse professor relaciona todos esses saberes
nas suas práticas pedagógicas.

3.1 SABERES EXPERIENCIAIS

Minha reflexão parte de um triângulo formado pela família, formação


(bandas e licenciatura) e atuação. Através dos relatos do professor Júlio Heleno, foi
possível constatar que os primeiros contatos com a música aconteceram no meio
familiar, apesar de ele falar que não sabe se pode dizer que a influência musical veio
da família, mas quando relata que apesar de diretamente seu pai e seu avô não lhe
estimularem a tocar algum instrumento, já estavam despertando nele o gosto
musical, pois a música é “cativante” e “envolvente”. Entendo que, nesse momento,
ele se sentia motivado. Para iniciar seu estudo formal na escola de música, foi
levado por sua mãe, mesmo contra sua vontade. Então esse início de sua formação
musical teve como base a família.
Na escola de música onde Júlio Heleno estudou, a sequência de
aprendizado seguia vários níveis, sendo que o último era integrar a banda de
música, e na escola de educação básica onde cursou seu ensino fundamental,
deparou-se com uma fanfarra. Assim, ele vivenciou dois universos musicais
paralelos, e ao mesmo tempo que eram semelhantes, como o clima de família e a
disciplina presente nas duas instituições, eram divergentes em vários aspectos, a
começar pela formação musical, sendo uma banda de música com instrumentos de
109  

sopro e percussão e a outra, fanfarra composta somente por percussão, a faixa


etária, a metodologia de ensino.
Antes de ingressar na graduação, no curso de Licenciatura em Música, o
professor Júlio Heleno já atuava ministando aulas de flauta doce, formação de
bandas, era regente auxiliar na banda do Almirante. Ao entrar na academia, passou
a ter contato com a pedagogia da música, que o levou a refletir sobre a sua prática.
Dessa forma, posso afirmar que o seu saber docente está relacionado com o
processo de formação, não somente na licenciatura, mas na vivência das bandas,
bem como os saberes vividos em família.

Figura 53: Triângulo dos saberes do professor de música


 
à  O

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M  

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Professor  
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de  
 

 Música  

F  A  M  Í  L  I  A  

Fonte: Criação de Leonice Nina.

As experiências vividas pelo docente, ao longo de sua história de vida, que


envolve família e escola, são definidas por Tardif (2014, p. 71) como socialização
pré-profissional. Segundo o autor, “a socialização é um processo de formação do
indivíduo que se estende por toda a história e comporta rupturas e continuidades”.
Os estudos voltados à história de vida dos professores surgem a partir de 1980, e de
acordo com Tardif (2014, p. 72) esses estudos demonstram que a “prática
profissional dos professores coloca em evidencia saberes oriundos da socialização
anterior à preparação profissional formal para o ensino”.
Dentre os que realizaram esses estudos, Tardif (2014) cita Raymond, Butt e
Yamagishi (1993). Esses autores concluíram que
a vida familiar e as pessoas significativas na família aparecem como
uma fonte de influência muito importante que modela a postura da
pessoa toda em relação ao ensino. As experiências escolares
anteriores e as relações determinantes com professores contribuem
também para modelar a identidade pessoal dos professores e seu
conhecimento prático. (TARDIF, 2014, p. 73)
110  

No caso estudado nesta pesquisa, podemos observar que no meio familiar,


ele não só recebeu as influências musicais, como docentes também, pois relata que
sua mãe e seus tios são profissionais da educação, e ele afirma “eu carrego muito
deles também na área da docência’”. Cita que sua esposa compara o jeito dele
ensinar, a intensidade e timbre da voz, com um de seus tios que é professor de
matemática. Sua mãe foi diretora por muito tempo na escola Aluísio Martins,
também vivenciou a gestão na escola. De certa forma, estas influências acabam
contribuindo para sua atuação como gestor do projeto na escola Almirante.
Os valores desenvolvidos nesses saberes do cotidiano, esse saber
experencial, têm duas reverberações, uma na sua formação que encontra
orientações curriculares e depois seu efeito na atuação. Quando Júlio menciona a
sua vivência, relata a forma de ministrar aulas no FUNDAC, e que ao se deparar
com o currículo da graduação que trabalha o aspecto pedagógico, o ser humano, a
parte psicológica, esse saber encontra um valor moral do contexto familiar e que vai
interferir na sua vida. Assim, observo várias conexões, que interagem, construindo
seus saberes docentes. Moita (2013, p. 115) chama atenção no sentido de que no
processo de formação são necessárias múltiplas interações:
Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência,
interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações. Ter
acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter em conta a
singularidade da sua história e sobretudo o modo singular como age,
reage e interage com os seus contextos.

Cunha (1989, p. 25) diz que essas vivências cotidianas são fundamentais
para esse docente, e acaba construindo conhecimento de ser professor, que muitas
vezes não são aprendidos na escola, na academia.
O conhecimento do professor é construído no seu próprio cotidiano,
mas ele não é só fruto da vida na escola. Ele provém, também, de
outros âmbitos e, muitas vezes, exclui de sua prática elementos que
pertencem ao domínio escolar. A participação em movimentos
sociais, religiosos, sindicais e comunitários pode ter mais influência
no cotidiano do professor que a própria formação docente que
recebeu acadêmicamente.

A intenção inicial de sua mãe ao colocá-lo na escola de música era tirá-lo


das brincadeiras de rua. Ao fazer parte das bandas, o convívio com a disciplina
presente nesses grupos, o sentido de comunidade, de união, de unidade o
convencem de que aquilo que sua mãe buscou e conseguiu com ele por meio da
111  

banda, ele também pode conseguir com aqueles jovens em situação de risco, pois
ao assumir a direção da banda na escola Almirante, encontra um cenário dominado
pela violência, relata que a imagem do Almirante na sociedade santarena era de
uma escola de vândalos, de gangueiros, e acredita que “através da música podemos
melhorar a realidade escolar”. Ele traz o saber experencial da família, o saber da
formação pedagógica e os aplica adequando-os na atuação.
Isso é explicado por Nóvoa (2013, p. 17), quando expõe que “a maneira
como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como
pessoa quando exercemos o ensino”, nossas ações docentes revelam muito do que
somos.
As opções que cada um de nós tem de fazer como professor, as
quais cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de
ensinar e desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira
de ser (NÓVOA, 2013, p. 17)

Na escola Almirante, para mudar a realidade, o professor Júlio Heleno relata


que foram e continuam sendo “posseiros” da escola, pleitearam e conquistaram
“territórios”, pois começaram a ocupar com alunos estudando música os lugares que
antes eram ocupados por pessoas que ficavam bebendo, fumando, dentro do
ambiente escolar, pois devido à escola possuir um terreno amplo, muitas das vezes
os locais ficavam obsoletos e ocupados de forma inadequada. Conta que eles
próprios construíram bancos, realizaram instalações elétricas, e no início várias
lâmpadas foram quebradas, mas eram substituidas, até que um dia não destruíram
mais e os delinquentes foram deixando a escola, pois os ambientes antes sem
utilização, agora eram preenchidos com o estudo musical.
A metodologia pela qual Júlio Heleno foi musicalizado é reproduzida por ele
nos locais por onde passa. Aos 17 anos quando vai para Oriximiná, sua prática
profissional está baseada na experiência adquirida como aluno da Escola de Música
Wilson Fonseca e na Banda da escola Almirante, e ao assumir a coordenação da
banda do Almirante, inicia um processo de mudanças e sistematiza o ensino musical
através do Educ’Art, implementando o canto coral e a flauta doce, pois antes o aluno
já ingressava direto nos instrumentos de banda. Em sua prática docente diária, ele
diz que sempre lhe vêm à mente os regentes das bandas em que participou, e busca
ter bom senso para saber utilizar o que for conveniente: “eu me considero sortudo
nesse sentido de ter conseguido utilizar essas experiências diferentes nos
112  

momentos mais inusitados em que fui sendo exigido nesse trabalho de docência, de
coordenação e de regência no Almirante”.
Um professor não pensa somente com a cabeça, mas com a vida,
com o que foi, com o que viveu, com aquilo que acumulou em termos
de experiencia de vida, em termos de lastro de certezas. Em suma,
ele pensa a partir de sua história de vida não somente intelectual, no
sentido rigoroso do termo, mas também emocional, afetiva, pessoal e
interpessoal. (TARDIF 2013, p. 103)

Na escola de música, Júlio Heleno, antes de ingressar na banda, estudou


flauta doce para desenvolver a leitura musical e a habilidade motora, e essa mesma
metodologia é utilizada por ele na escola Almirante, sem que necessariamente seja
uma reprodução, pois se trata de outro contexto.
Inexiste validade no ensino de que não resulta um aprendizado em
que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o
ensinado, em que o ensinado que não foi apreendido não pode ser
realmente aprendido pelo aprendiz. (FREIRE, 2015, p. 26)

Meu entrevistado relata que sua mãe o inscreveu na escola de música, e


apesar de ir contrariado, acabou ficando devido às amizades que conquistou, e na
banda do Almirante comenta que o clima de família chamou sua atenção, bem como
o amor e doação do regente. Constato, aqui, que são situações muito mais que
musicais que envolvem sua relação e como efeito emergem em sua ação docente.
O fato de ter passado por diversos instrumentos musicais, antes de chegar
ao saxhorn e depois à trompa, foram fundamentais para ele ter conhecimento da
técnica de sopro e postura dos diversos instrumentos que compõem a banda de
música, e isso foi fundamental para ele como regente de banda e professor de
música.

3.2 SABERES ACADÊMICOS (CURRICULARES / DISCIPLINARES / DE


FORMAÇÃO PROFISSIONAL)

Ao ingressar na graduação em música, Júlio Heleno buscou uma


qualificação profissional para ter respaldo, e de certa forma oficializar o que
desempenhava. Durante a entrevista, relatou que buscou formação acadêmica,
devido à sua prática de banda. Ele disse que a “principal influência das bandas de
música foi a profissionalização nessa área”. Como já exercia a função de professor e
113  

queria seguir nessa carreira, sentiu a necessidade de buscar a qualificação


profissional, ingressando no curso de Licenciatura em Música.
De acordo com Gauthier (1998, p. 70), a Universidade desempenha o papel
de “fornecer os conhecimentos necessários e garantir, de certa maneira, a qualidade
da produção daqueles que os possuem”.
A UEPA apresenta o seguinte desenho curricular:

Quadro 3: Desenho curricular Licenciatura em Música UEPA.

SEMESTRE DISCIPLINAS CH CH
SEMESTRAL SEMANAL

OBRIGATÓRIAS T/P T/P

1. APRECIAÇÃO MUSICAL 40 02
2. PERCEPÇÃO E ANÁLISE I 40 02
1 3. LEITURA E ESCRITA MUSICAL 40 02
4. PRÁTICA MUSICAL EM CONJUNTO I 40 02
5. TÉCNICAS DE ESTUDO E PESQUISA I 40 02
200 10

6. PERCEPÇÃO E ANÁLISE II 40 02
7. PRÁTICA MUSICAL EM CONJUNTO II 40 02
2 8. MÚSICA E SOCIEDADE 40 02
9. PRÁTICA CORAL I 80 04
200 10

10. ESTRUTURA E ANÁLISE DA MÚSICA I 40 02


11. PRÁTICA CORAL II 80 04
3 12. CULTURA POPULAR 40 02
13. ESTÉTICA MUSICAL 40 02
14. INTRODUÇÃO À REGÊNCIA CORAL 80 04
280 14

15. ESTRUTURA E ANÁLISE DA MÚSICA II 40 02


16. PRÁTICA CORAL III 80 04
4 17. FUNDAMENTOS PSICOPEDAGÓGICOS 40 02
DA EDUCAÇÃO MUSICAL
18. PESQUISA EM MÚSICA 40 02
19. DIDÁTICA DO ENSINO DA MÚSICA 80 04
280 14

20. ESTRUTURA E ANÁLISE DA MÚSICA III 40 02


21. INFORMÁTICA APLICADA À MÚSICA 80 04
5 22. ARRANJO E IMPROVISAÇÃO MUSICAL 40 02
23. PRÁTICAS EDUCATIVAS DA MÚSICA I 80 04
24. MÉTODOS, TÉCNICAS E MATERIAIS DE 80 04
EDUCAÇÃO MUSICAL
320 16

25. PRÁTICA DE BANDA I 40 02


26. PRÁTICAS EDUCATIVAS DA MÚSICA II 80 04
27. GESTÃO EM EDUCAÇÃO MUSICAL 40 02
28. PROJETOS INTERDISCIPLINARES I 80 04
114  

6 240 12

29. PRÁTICA DE BANDA II 40 02


30. INTRODUÇÃO À REGÊNCIA 40 02
7 31. ESTÁGIO SUPERVISIONADO I
INSTRUMENTAL 120 06
32. EDUCAÇÃO MUSICAL E INCLUSÃO 40 02
33. TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO I 80 04
320 16

SEMESTRE DISCIPLINAS CH CH
SEMESTRAL SEMANAL

ELETIVAS T/P T/P

CONFORME 1. OFICINA DE VIOLÃO I 40 02


DEMANDA 2. OFICINA DE VIOLÃO II 40 02
3. OFICINA DE VIOLÃO IIII 40 02
SEMESTRA
4. OFICINA DE INSTRUMENTOS DE 40 02
L TECLADO I
5. OFICINA DE INSTRUMENTOS DE 40 02
TECLADO II
6. OFICINA DE INSTRUMENTOS DE 40 02
TECLADO III
7. OFICINA DE FLAUTA DOCE I 40 02
8. OFICINA DE FLAUTA DOCE II 40 02
9. PROJETOS INTERDISCIPLINARES II 40 02
10. FUNDAMENTOS DO FENÔMENO 40 02
11. TÉCNICAS
SONORO DE ESTUDO E PESQUISA II 40 02
12. MÚSICA ANTIGA 40 02
13. MÚSICA CLÁSSICA 40 02
14. MÚSICA ROMÂNTICA 40 02
15. MÚSICA DOS SÉCULOS XX E XXI 40 02
16. MÚSICA POPULAR 40 02
17. MÚSICA POPULAR BRASILEIRA 40 02
18. FUNDAMENTOS DA ARTE NA EDUCAÇÃO 40 02
19. FECA (CÊNICA E MÚSICA) 40 02
20. FECA (ARTES VISUAIS E MÚSICA) 40 02
21. HISTÓRIA DA ARTE 40 02
22. TÓPICOS ESPECIAIS EM EDUCAÇÃO 40 02
MUSICAL
TOTAL 880 44

Fonte: Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Música UEPA (2002, p. 20).

Ao falar sobre o desenho curricular do curso de Licenciatura em Música da


UEPA, Júlio Heleno aponta algumas mudanças que gostaria que fossem
implementadas, entre elas a inclusão de uma disciplina voltada para as fanfarras, na
qual seria abordada a história bem como a prática, pois relata que o formando, ao
sair da academia e ingressar no mercado de trabalho, encontrará na realidade das
escolas de educação básica instrumentos de percussão, e lhe será cobrado a
ativação da banda, devido aos instrumentos que a escola possui. A Universidade
oferta a disciplina Prática de Banda, porém é trabalhado somente com os
instrumentos da banda de música. Dessa forma, ele propõe que haja uma
115  

reformulação para abranger as fanfarras, ou a criação de uma disciplina voltada


especificamente para essa formação musical. Destaca que são poucas as escolas,
tanto em Santarém quanto nas cidades vizinhas, que possuem banda de música,
porém a maioria tem fanfarras.
Outra sugestão é relacionada à disciplina flauta doce, pois considera pouca
carga horária, e revela a necessidade de trabalhar a questão social, além do
repertório e técnica.
O professor Júlio Heleno diz que a academia o levou a refletir sobre sua
atuação e o ajudou a ter uma “prática pedagógica mais eficiente”. Vale destacar que
ao relatar que a partir da licenciatura percebeu que antes mesmo de ensinar as
notas musicais deveria falar sobre a história do instrumento, e alega que isso “é
acadêmico”. O entrevistado, diz: “essa reflexão sobre o instrumento, sobre o fazer
musical até chegar à prática, isso é acadêmico”.
Os saberes acadêmicos, que englobam os saberes disciplinares,
curriculares e de formação profissional, não são produzidos pelo professor, mas o
educador interage com estes sendo um transmissor, há uma relação de reprodução
de sistema estabelecido. Tardif (2013, p. 41), ao falar sobre essa relação, diz que
ela se manifesta através de uma relação de exterioridade:
as universidade e os formadores universitários assumem as tarefas
de produção e de legitimação dos saberes científicos e pedagógicos,
ao passo que aos professores compete apropriar-se desses saberes,
no decorrer de sua formação, como normas e elementos de sua
competencia profissional, competencia essa sancionada pela
universidade e pelo Estado.

Quando ministrou aulas de Artes na Educação Básica, nas turmas do 6° ao


9° ano do ensino fundamental e 1° ano do ensino médio, Júlio Heleno seguia o
conteúdo programático determinado pela 5ª URE – Unidade Regional de Educação,
e fala que nesse programa, a música estava somente no 3° bimestre. Seguia um
programa que já vinha pronto, e ele não teve participação na elaboração. Isso é um
fato apontado por Tardif (2014) como problemático.
116  

3.3 SABERES DE TRADIÇÃO

Os saberes de tradição são adquiridos pelos docentes, a partir do momento


que ingressam na escola, ainda na função de aluno. Segundo Vieira (2001, p. 30),
Por meio do trabalho pedagógico de retransmissão de conhecimento
e de modos de seu uso, a escola estaria apta a formar e selecionar
os agentes que a perpetuariam. Os professores seriam produto
acabado do sistema de produção a ser reproduzido.

A trajetória de formação do professor Júlio Heleno representa bem o citado


por Vieira (2001), pois ele passa a transmitir para os alunos que integram os projetos
de que participa o sistema pelo qual foi formado musicalmente. Júlio Heleno relata
que o antigo regente da banda, Gesival, via nele a possibilidade do trabalho
continuar, e aos poucos foi dando espaço para Júlio atuar à frente da banda, e
assim foi preparando seu sucessor. O mesmo aconteceu com Júlio, pois ao sair do
Almirante, deixou a coordenação do projeto para Fábio Ferreira, que esteve ao seu
lado, desde quando era aluno, e continuou acompanhando-o e apreendendo os seus
passos quando passou a ser regente.
O modo de ser professor é construído a partir das tradições que são impostas
pelo próprio campo, e de certo modo definem esse profissional. Nesse âmbito,
posso dizer que os saberes experenciais também constituem os saberes de tradição
e irão influênciar a postura e “determinar” o ser professor.
O processo de formação pode assim consider-se a dinamica em que
se vai construindo a identidade de uma pessoa. Processo em que
cada pessoa, permanecendo ela própria e reconhecendo-se a
mesma ao longo da sua história, se forma, se transforma, em
iteração. (MOITA, p. 115)

3.4 À GUISA DE EPÍLOGO DESTA SEÇÃO: SER PROFESSOR

Século XXI. Pessoas rodeadas por tecnologias no dia a dia. Muitas


mudanças no mundo, nas relações interpessoais.
Na educação, não poderia (ou não deveria) ser diferente, já que, como
afirma Rossato (2002), trata-se de um processo social, político e histórico,
conservador e inovador, permanente, consciente, de mudança, de transformação. O
autor enfatiza que, nessa perspectiva, a educação no novo milênio não desempenha
as mesmas funções dos séculos XIX e XX.
117  

A UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e


Cultura, preocupada com a educação no novo milênio preparou um relatório
denominado “Educação um tesouro a descobrir”, destacando os quatro pilares da
educação para o mundo contemporâneo: aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos ou aprender a viver com os outros e aprender a ser (idem, p.
95).

Quadro 4: Os Quatro Pilares Da Educação Para O Mundo Contemporâneo


Destacados Pela Unesco.

APRENDER A APRENDER A APRENDER A VIVER APRENDER A SER


CONHECER FAZER JUNTOS
Combinando uma A fim de adquirir não Desenvolvendo a Para desenvolver, o
cultura geral, só uma qualificação compreensão do outro melhor possível, a
suficientemente ampla, profissional, mas, de e a percepção das personalidade e estar
com a possibilidade de uma maneira mais interdependências – em condições de agir
estudar, em abrangente, a realizar projetos com uma capacidade
profundidade, um competência que torna comuns e preparar-se cada vez maior de
número reduzido de a pessoa apta a para gerenciar autonomia,
assuntos, ou seja: enfrentar numerosas conflitos – no respeito discernimento e
aprender a aprender, situações e a trabalhar pelos valores do Responsabilidade
para beneficiar-se das em equipe. pluralismo, da pessoal.
oportunidades compreensão mútua e Com essa finalidade, a
oferecidas pela da paz. educação deve levar
educação ao longo da em consideração
vida. todas as
potencialidades de
cada indivíduo:
memória, raciocínio,
sentido estético,
capacidades físicas,
aptidão para
comunicar-se.
Fonte: Relatório UNESCO (2000, p. 31)
De acordo com o relatório da UNESCO (2000, p. 14), se faz necessária
adaptação da educação em decorrência das constantes mudanças da sociedade.
Porém, “sem negligenciar as vivências, os saberes básicos e os resultados da
experiência humana”.
Diante do atual panorama e das mudanças que a educação vem passando,
Rossato (2002, p. 87) aponta que “o mundo do século XXI será uma sociedade cada
vez mais fundada no saber” advindo do aprender a conhecer, do aprender a fazer,
do aprender a viver juntos ou aprender a viver com os outro e do aprender a ser.
A partir de 1980, Tardif (2004), fala que começam a surgir estudos voltados
para compreensão sobre o saber docente. Já vi anteriormente, que o ofício de ser
118  

professor, engloba múltiplos saberes, categorizados de diferentes maneiras, por


Gauthier (1998), Tardif (2004), e que levam à reflexão sobre a formação docente.
Tardif (2014, p. 60) atribui à noção de saber “um sentido amplo que engloba
os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos
docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, saber-fazer e de
saber-ser”.
Gauthier (1998) expõe três concepções do saber, sendo a subjetividade, o
juízo e a argumentação.

Quadro 5: Concepções do saber segundo Gauthier (1998).


Certeza subjetiva fundada na racionalidade, constatação e
Subjetividade
demonstração lógica.
Juízo Consequência de atividade intelectual.
Atividade discursiva lógica, dialética ou retórica, para validação de
Argumentação
proposição ou de ação.
Fonte: Gauthier (1998).

Ser professor, nessa sociedade pós-moderna, envolve dimensões que


vão além do domínio técnico de um determinado conteúdo, ou única e
exclusivamente aplicar um método de ensino eficaz. Freire (2015, p. 116) enfatiza
que “ensinar não é transferir conteúdo a ninguém”. Nóvoa (2013, p. 15) aponta que
“reduzia-se a profissão docente a um conjunto de competências e de capacidades,
realçando essencialmente a dimensão técnica da ação pedagógica”.
Nos relatos sobre ser professor e os saberes que envolvem esse fazer, Júlio
Heleno diz que é algo muito complexo, e destaca que para ser professor é
necessário sensibilidade, paciência, doação, dedicação absoluta, sem restrição, e
para ele o primeiro saber que o fez professor de música foi “a necessidade de fazer
algo ao próximo”. Ao falar sobre a Banda da Escola Almirante, diz que já viveu a
escola 24 horas, seja consertando instrumentos, seja preparando aulas; passou
domingos, feriados, madrugadas. Destaca que é um profissional com um fardo muito
pesado, e que não se deve esperar reconhecimento, muito menos retorno financeiro,
porém ter consciência de que é fundamental para a sociedade.
Observando a maneira que o antigo instrutor da banda da escola Almirante
conduzia o trabalho, de forma voluntária, demostrando muito amor pelo que fazia, o
professor Júlio Heleno segue o mesmo caminho e se dedica de forma voluntária, e
como ele mesmo fala: “me entreguei de corpo e alma”. Todos que compõem a
equipe da coordenação do projeto, atuam de forma voluntária, e são ex-alunos de
119  

Gesival de Melo Vieira, que esteve como regente desta banda ao longo de 25 anos.
Durante as entrevistas, Júlio Heleno comenta que os instrutores de bandas de
música em Santarém são voluntarios.
Essa é uma prática que pode ser observada, desde a época de José
Agostinho da Fonseca («1886 - V 1945), que chegou em Santarém no ano de 1906,
e organizou orquestras e bandas de música em Santarém, e repetida por seus filhos,
como relata Wilson Fonseca:
Eu nunca tive um tostão de salário de música e até hoje a banda de
música, às vezes, dá uma gratificação e eu nunca recebo nada. Eu e
o Wilde, nós não recebemos nada, nem o Bazinho (Sebastião
Sirotheau). Assim como o meu pai nunca recebia dinheiro e, se
recebia, era alguma coisa que depois chegava um músico dizendo
que estava ruim daquilo e daquele dinheiro mesmo que ele tinha
recebido, ele transferia para outro. (SENA, 2012, p. 173)

Assim como José Agostinho da Fonseca, Wilson e Wilde Fonseca, Júlio


Heleno coloca-se como oferenda, e quando se doa, a recompensa que espera
receber é o resultado positivo de seus alunos – ou que eles também se convertam
em oblato ou oblação. Um fato curioso é que quando ele foi convidado para ministrar
aula em Oriximiná, ele aceitou, pois em troca do seu pagamento receberia peles
para os instrumetos da danda da escola Almirante. Ele abre mão do retorno
financeiro, para ver o melhor para sua banda.
Júlio Heleno Lages Pereira, estudado nesta pesquisa, formou-se professor
e, antes, sendo músico, as duas formações caminharam juntas, dominando, na
atuação, o modo de ser do músico-oferenda de si mesmo sobre o modo de ser do
professor, também em oblato convertido.
120  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em decorrência das inúmeras mudanças ocorridas ao longo do tempo, a


formação docente deve ser abordada em uma perspectiva que vá além da
acadêmica, pois o professor é um profissional multifacetado, como foi abordado ao
longo deste trabalho.
Pretendi, com este estudo, a compreensão de como um professor de música
articula as vivências em bandas com a formação em licenciatura em música e os
reflexos em sua atuação. Foram identificados os saberes práticos adquiridos nas
bandas musicais, bem como os saberes acadêmicos aprendidos, a partir da
descrição da trajetória de formação de Júlio Heleno Lages Pereira, analisando como
ele lida com tais saberes nas suas práticas pedagógicas, e os efeitos em suas ações
pedagógicas, relacionando os conhecimentos adquiridos em curso superior de
formação de professor de música.
No decorrer da pesquisa, durante as entrevistas, foi possível conhecer o
percusso de formação de um professor de música que teve como locus de formação
as bandas. A partir da experiência desse profissional, refleti sobre os processos
formativos, e constatei as formas como este docente cria e recria metodologias de
ensino de acordo com que o momento necessita, doando-se de forma integral ao
seu aluno.
Esses processos de construção e desconstrução são notórios ao longo de
cada trabalho realizado por esse professor. Inicia-se na família, passa pela escola, e
ganha o mundo transformado, pois a partir das experiências vividas por ele, as
experiências passam a ter um significado maior. Ele pertence à música desde que
nasceu, e acabou sendo encaminhado pela família, gostou e aceitou ser “tomado”
pela herança musical e professoral.
Durante os relatos de Júlio Heleno, foi possivel constatar o trabalho
voluntário, que é característica dos que atuam nas bandas de música em Santarém.
O instrutor que estava à frente da banda do Almirante antes de Júlio Heleno passou
25 anos desenvolvendo essa função, de forma voluntária, e essa é uma prática que
já vem de longas datas nessa cidade, como foi dito por Wilson Fonseca (SENA,
2012, p. 173).
Outro fato observado é a união, o clima de família e o trabalho coletivo
presente nas bandas de música, que na maioria das vezes para compra de
121  

instrumentos realizam eventos para levantar recursos e concretizar a formação do


grupo musical dentro da escola. Durante a gestão da Prefeita Maria do Carmo, havia
um apoio, pois através do Projeto Música na Escola, a prefeitura contratava
monitores para ministrar aulas e assim garantir durante todo o ano letivo atividades
musicais, permitindo ir além da prática que geralmente as bandas têm de só se
reunir para ensaiar próximo aos desfiles cívicos.
A partir desse Projeto Música na Escola da prefeitura e da premiação do
Festival de Bandas e Fanfarras de Santarém (desde 2007 organizado pela
prefeitura) que dá às escolas campeãs instrumentos musicais de sopro, percebi o
crescimento no número de bandas de música em Santarém, e fanfarras de algumas
escolas de educação básica, como a Escola Pedro Álvares Cabral, Escola Ubaldo
Corrêa, Escola Maria de Lourdes, Escola Municipal Princesa Isabel, passarm a ser
bandas de música.
Durante os festivais de bandas e fanfarras em Santarém, observei que após
a implantação do projeto Música na Escola, coordenado por Julio Heleno, houve
mudanças, tanto de formação como de performance desses grupos musicais. Este e
outros aspectos serão assuntos para novas pesquisas.
Foi possível perceber os diversos saberes dialogando ao longo do
desenvolvimento profissional de Júlio Heleno, e o lugar que cada um ocupa nesse
“caldeirão”, como ele definiu. Dentre esses saberes, constatei a forte contribuição
dos saberes exeperenciais, vivenciados na família, escola, os saberes acadêmicos e
os saberes de tradição.
Não pretendi com esse estudo generalizar quanto à formação do professor
de música em Santarém, mas contribuir para uma reflexão para pesquisas futuras,
pois como afirma Moita (2013, p. 117) “cada história de vida, cada processo de
formação é único. Tentar elaborar conclusões generalizáveis seria absurdo”.
122  

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