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SCIENTIA NATURALIS

Scientia Naturalis, v. 3, n. 2, p. 384-398, 2021


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ISSN 2596-1640

ChemStories: uma proposta de jogo educativo com mistério,


diversão e química!
Marcus Vinicius da Silva Franco1*, Keyla Dayane Rodrigues de Souza1, Mar Domingos
Soares1, José Euzebio Simões Neto2
1
Discente da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Curso de Licenciatura em Química, Recife,
Pernambuco, Brasil, 2Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Curso de Licenciatura em
Química, Recife, Pernambuco, Brasil. *marcussilvafranco@hotmail.com

Recebido em: 03/08/2021 Aceito em: 25/08/2021 Publicado em: 25/09/2021

RESUMO
No rol de disciplinas escolares, a Química é eventualmente citada pelos estudantes como uma das mais
difíceis, pelo grau de abstração que exige, pela linguagem específica, pelo pensamento científico e pela
forma que as professoras e os professores estruturam suas aulas, a partir, frequentemente, de estratégias
com base na memorização de fatos e dados e da utilização de fórmulas. Nesse trabalho apresentamos a
proposta inicial de um jogo educativo, nomeado ChemStories, como uma estratégia didática com
potencial para motivar e desenvolver aprendizagens na sala de aula e principalmente para momentos em
espaços de convivência. Apresentamos o processo de elaboração da proposta, inspirado no jogo original
Black Stories, para em seguida apresentar três cartas e seus contextos e, por fim, discutir, a partir de
critérios da literatura, uma primeira validação teórica. Mantivemos a característica principal do jogo
original, o mistério e o caráter macabro das histórias que dão o contexto de cada carta.
Palavras-Chave: Jogo educativo. Ensino de química. Ludicidade.

ChemStories: an educational game proposal with mystery,


fun and chemistry!
ABSTRACT
In the list of school subjects, Chemistry is occasionally cited by students as one of the most difficult, due
to the degree of abstraction it requires, due to the specific language, scientific thinking and the way that
teachers and teachers structure their classes, often based on strategies based on the memorization of facts
and data and the use of formulas. In this work, we present the initial proposal of an educational game,
named ChemStories, as a didactic strategy with the potential to motivate and develop learning in the
classroom and especially for moments in living spaces. We present the process of elaborating the
proposal, inspired by the original Black Stories game, to then present three cards and their contexts and,
finally, discuss, based on literature criteria, a first theoretical validation. We kept the main feature of the
original game, the mystery and macabre character of the stories that give the context of each card.
Keywords: Educational game. Chemistry teaching. Ludicity.

INTRODUÇÃO
O modelo de ensino tradicional, utilizado na maioria das salas de aula e
inspirado na perspectiva de ensino por transmissão (POZO; GOMÉZ CRESPO, 2009)

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mantém a ideia do professor como um detentor absoluto do conhecimento e que tem
como objetivo apresentar, de forma expositiva e pouco dialogada, o conteúdo aos
estudantes, vistos como seres passivos e com a função de memorizar e reproduzir os
conteúdos, quase sempre sem refletir sobre as aplicações, em situações do mundo
material, dos conceitos apresentados intramuros da escola.
A abordagem convencional do ensino de Química gera dificuldades na
aprendizagem dos estudantes (SILVA, 2013), seja por estimular a memorização e não
buscar adentrar, de fato, na história dos fatos, na natureza dos conceitos e nas aplicações
dos fenômenos científicos. A abordagem metodológica quase sempre faz excessivo uso
do quadro e das fichas de exercício, hábitos que precisam ser mudados para que esse
cenário seja superado em busca de um ensino mais exitoso. É importante que hajam
atividades que rompam com essa ideia e aproxime os estudantes da Ciência que lhes é
ensinada, sem criar ou fortalecer mecanismos para evitar a aprendizagem.
O modelo que descrevemos parece bastante resistente, devido, entre vários
fatores, à falta de formação adequada das professoras e dos professores, pela natureza
conteudista da Ciência escolar ou pela influência dos processos seletivos que levam o
estudante à universidade. A escola não parece mudar, mesmo diante do mundo em que
estamos vivendo, bastante dinâmico e com diversas ferramentas informativas.
Acreditamos que o Ensino Tradicional não atende os asseios dos estudantes, que
constantemente pensam as aulas como chatas e cansativas, categorizando os conteúdos,
principalmente das Ciências Naturais, como muito difíceis de entender.
No entanto, a pesquisa em ensino de Ciências apresenta uma pluralidade de
estratégias didáticas que podem ser utilizadas para buscar uma abordagem mais
interessante para a discussão dos conceitos, sendo a utilização dos jogos e das
atividades lúdicas em ambiente escolar uma interessante possibilidade. Para Soares
(2013, p. 21), “aprender pode ser uma brincadeira” e “na brincadeira pode-se aprender”.
Partindo das afirmações, podemos considerar estratégias didáticas diferenciadas como
uma interessante alternativa ao tradicional Ensino de Química, com destaque para
atividades lúdicas, que são aquelas que “geram prazer, equilíbrio emocional, levam o
indivíduo à autonomia sobre seus atos e pensamentos e contribuem para o
desenvolvimento social” (DRUZIAN, 2007, p. 15).

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Como berço do modo de pensar o conhecimento ocidental, a Grécia antiga é
um marco zero possível para contar a história dos jogos. Sabemos que em África e no
oriente os jogos tiveram um processo de desenvolvimento igualmente significativo,
sendo a escolha realizada apenas para demarcar uma origem. Assim, buscamos nos
pensadores gregos, como Platão (427-347 a.C.), a defesa do valor e da importância em
aprender brincando, com potencial para uma leitura mais completa do mundo e como
preparação para a idade adulta.
Jogos e brincadeiras sempre estão presentes no cotidiano humano, da infância
até a idade adulta, além de serem importantes elementos na construção de uma cultura,
o que reforça a sua importância em ambientes de ensino e de aprendizagem, como as
salas de aula. Dentre as diversas atividades lúdicas que podem ser utilizadas em sala de
aula destacamos, em nosso trabalho, os jogos educativos, que são aqueles que possuem
uma intencionalidade de ensino e por isso se diferenciam dos convencionais. O uso de
jogos em sala de aula pode ser um meio de aproximação dos conteúdos que já foram
e/ou que serão apresentados, com o propósito de despertar o interesse em aprender do
estudante.
Para Huizinga (2000), um jogo é uma atividade voluntária, com limites
temporais e espaciais estabelecidos, gerida por um sistema de regras consentidas e
fundamentalmente obrigatórias, que está associada a alegria e diversão. Na visão de
Soares (2008), um jogo é:

[...] o resultado de interações linguísticas diversas em termos de


características e ações lúdicas, ou seja, atividades lúdicas que implicam no
prazer, no divertimento, na liberdade e na voluntariedade, que contenham um
sistema de regras claras e explícitas e que tenham um lugar delimitado onde
possa agir: um espaço ou um brinquedo (p. 4).

Um jogo utilizado para ensinar e aprender Ciências possui características


distintas, sem perder o elemento fundamental de uma atividade lúdica, que é a diversão.
Os jogos educativos podem ser entendidos como uma estratégia inovadora em
ambientes de ensino e que podem desenvolver uma motivação adicional aos estudantes
durante o processo de aprendizagem.
Ao pensar sobre a estrutura de um jogo educativo, precisamos prezar pelo
equilíbrio entre duas funções, a lúdica e a educativa. A primeira é aquela que propicia
diversão e prazer, enquanto que a segunda está intimamente relacionada a finalidade de
ensinar qualquer coisa aos jogadores (SOARES, 2016). Para uma aplicação coerente

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dessa estratégia didática, precisamos entender a necessidade de estabelecer esse
equilíbrio. Alguns aspectos podem auxiliar a minimizar o paradoxo do jogo educativo
em uma aplicação didática, de acordo com Soares (2016), é necessário estabelecer duas
ações, a saber: a consciência do estudante de que o jogo é educativo, para que possa
encarar a proposta com a alegria de quem joga e também perceber a existência de um
conceito ou conteúdo a ser aprendido, e a liberdade de jogar ou não, pois o jogo deve
ser apresentado a partir de um convite, não uma obrigação, e se não for assim, não
existe a possibilidade de atingir a função lúdica. Sem a parte lúdica não podemos falar
em jogo, configurando o material como uma estratégia didática (SANTANA;
REZENDE, 2007; SOARES, 2013).
Para Silva (2018) não é aplicação de qualquer jogo que vai garantir a
aprendizagem dos conteúdos pelos estudantes, ou seja, é equivocada a ideia de que se
houver jogo em sala de aula a aprendizagem será alcançada. Além disso, a autora
enfatiza que o jogo deve ser pensado como uma atividade que requer seriedade para que
haja o efeito educativo, pois tanto os estudantes quanto a professora ou o professor
devem compreender que essa estratégia de ensino faz parte da aprendizagem.
Outro ponto importante na utilização dos jogos no ensino é o papel a ser
desempenhado pelos alunos e pelo docente. Os estudantes, principalmente de matérias
que envolvem cálculos, muitas vezes usam de processos mnemônicos para ter na
memória certas informações. Para Soares (2013) as atividades lúdicas consideram não
só a realidade objetiva, mas a subjetividade da realidade, havendo a valorização do
aspecto afetivo, assim como do cognitivo. A aplicação de jogos em sala de aula tem
ajudado a desenvolver o raciocínio, motivado os estudantes a pensar para responder e
fazendo com que recorram as suas concepções prévias, coisas que já foram vivenciadas
no seu cotidiano.
A professora ou o professor deve ser encarado como o mediador da atividade,
participando e estimulando a participação dos estudantes, além de interferir o mínimo
possível, exceto quando a condição do jogo educativo imponha esse papel ativo, para
que os discentes consigam raciocinar de forma independente. Também deve procurar
criar condições favoráveis para que os estudantes não fujam muito do foco das questões
do jogo. Assim, durante a utilização dos jogos, a figura docente deve ser capaz de gerar
um ambiente favorável ao trabalho em equipe e à manifestação da criatividade dos seus
alunos.

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Os professores de Química podem considerar três possibilidades em suas aulas,
a saber: a utilização de um jogo educativo dentre os vários existentes na literatura,
construídos a partir de reflexões de um sólido programa de pesquisa, elaborar um jogo
original para atender os seus objetivos ou na adaptação de jogos comerciais existentes
para utilização em situações de ensino e de aprendizagem. Essa última é a motivação
que encontramos para esse trabalho.
É muito importante reconhecer que os jogos educativos no ensino de Química
têm como função a familiarização com a linguagem química e a aprendizagem de
conceitos científicos, não a memorização de dados, fatos, nomes, fórmulas e definições.
Sua finalidade é proporcionar um conhecimento mais amplo em relação às
representações utilizadas nas Ciências.
Diante do exposto, o nosso objetivo é apresentar a ideia geral do jogo de cartas
ChemStories, inspirado no Black Stories, jogo de mistério com contextos macabros,
visando a discussão de conceitos químicos, bem como analisar aspectos que direcionem
a uma validação teórica inicial da proposta.

METODOLOGIA
Desvendar o enigma! Essa é a função dos jogadores No Black Stories, jogo
criado por Holger Bösch, na Alemanha, com distribuição nacional pela Galápagos, que
já conta com mais de dez versões publicadas em português do Brasil. Nesse jogo, a
partir de enigmas macabros e histórias sombrias, os jogadores devem reconstruir passo a
passo cada caso para solucionar o enigma e conhecer o relato completo.
Black Stories é um jogo de cartas que possui a intenção de desvendar situações
misteriosas macabras por meio de perguntas, realizadas pelos inúmeros jogadores a uma
pessoa específica, que tem acesso completo as informações. Independentemente da
versão do jogo, temos um deck de 50 cartas, com informações apresentadas em frente e
verso, cada uma contendo um enigma. A Figura 1 apresenta algumas cartas do jogo
original.

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Figura 1 – Cartas do jogo original: Black Stories. Fonte: Galápagos.

Todos os jogadores têm acesso à face frontal da carta, que sempre mostra o
título da história, uma imagem, que pode ser determinante na resolução do enigma, e
uma frase que direciona a linha investigativa. No verso, que deve ser visualizado apenas
pelo mediador da rodada, que pode ou não ser trocado a cada turno, encontram-se as
demais informações, que devem ser descobertas pelos outros jogadores, a partir de
perguntas. Ao mediador, cabe responder as perguntas apenas com três possíveis
respostas: sim, não e irrelevante. Apenas quando todos os elementos importantes da
história são revelados é que a rodada termina. A duração de uma partida, segundo os
criadores, é de 2 a 222 minutos, ou seja, não existe um tempo determinado para
finalização. Os jogadores vão reconstruindo os passos de cada situação para tentar achar
a possível solução do enigma. Sempre macabro.
Assim, inspirados no Black Stories, pensamos na criação do ChemStories, na
qual as histórias, ainda repletas de mistérios sombrios e principalmente macabros,
envolvem também aspectos associados ao conhecimento químico. Os estudantes, para
além da capacidade de raciocínio e atitude investigativa, dependerão do conhecimento
de Química que possuem para solucionar o enigma.
A primeira versão do ChemStories possui 15 enigmas, ou seja, são 15 cartas
disponíveis para os jogadores. O processo de elaboração do jogo ocorreu em dois
momentos, a saber: estruturação prévia e construção das cartas. O momento de
estruturação prévia foi dividido em duas etapas. A primeira, formativa, em que
buscamos na literatura os principais referenciais sobre a utilização dos jogos educativos

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no ensino de Química (SOARES, 2013; MESSEDER NETO, 2016; CLEOPHAS;
SOARES, 2018) para leitura, debate e reflexão. A segunda, experiencial, em que
jogamos o Black Stories original, para nos habituar com a dinâmica, com as regras e
com a jogabilidade.
No momento de elaboração foi quando as cartas dessa versão inicial do jogo
foram criadas. A metodologia utilizada foi baseada em seções de diálogos a partir do
uso da estratégia “tempestade de ideias”, na busca por contextos que favorecessem a
elaboração de uma história macabra e que pudesse ser utilizada para discussão de algum
conceito, alguma temática ou algum conteúdo da Química. Após o roteiro inicial da
história ser traçado, buscamos elaborar os textos para composição das duas faces da
carta, além de ilustrações livres que pudessem ser utilizadas na sua composição.
Em seguida, com o material já construído, as cartas foram confeccionadas de
modo a serem bastante semelhantes com a do jogo original, utilizando o software
canvas, disponível nas lojas de aplicativo, revisadas e colocadas para impressão. Um
adendo as cartas é a caixa “conhecimento químico”, que fica no verso da carta, em
contorno azul, e comenta sobre o conceito, conteúdo ou temática em destaque.
Para validação, utilizamos os critérios propostos por Nowak e Souza (2008),
apresentados a no Quadro 1.

Quadro 1 – Critérios para a validação dos jogos didáticos. Fonte: Simões Neto et al. (2016).
CRITÉRIO DE VALIDAÇÃO JUSTIFICATIVA
O jogo apresenta potencialidade de cooperação e/ou competição
Interação entre os jogadores
entre os participantes?
O jogo visa a aprendizagem? O jogo pode ser utilizado para testar
Dimensão da aprendizagem conhecimentos construídos? O jogo direciona a memorização de
dados ou fatos de maneira adequada?
A jogabilidade do jogo é relativamente simples e propicia a
Jogabilidade
imersão necessária?
Aplicação O jogo permite variações na aplicação?
O jogo desafia o jogador e se apresenta como uma situação que
Desafio
busca o engajamento dos estudantes?
O jogo apresenta limitação de espaço adequadas para a sala de
Limitação de espaço e tempo
aula? O jogo pode ser aplicado em tempo adequado para as aulas?
O jogo considera situações em que a criatividade seja
Criatividade
considerada?

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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Assim como no Black Stories, a ideia central do nosso jogo educativo é a
resolução de um enigma, posto a partir de um mistério, associado a um contexto
sombrio e macabro, que eventualmente culmina na morte de alguma das personagens.
Cabe ao jogador descobrir, por meio de indagações, os elementos ainda implícitos da
história. O adendo ao ChemStories é que, para solução do enigma, devemos utilizar
necessariamente conhecimentos químicos, mas sem deixar de exigir os conhecimentos
gerais, a postura investigativa e a atitude questionadora do jogo original.
O ChemStories pode apresentar duas dinâmicas diferentes de jogo. A primeira,
para ser conduzida em momentos de aprendizagem com a presença da professora ou do
professor, na qual ela ou ele necessariamente quem faz a mediação, quem tem acesso as
duas faces da carta e conhece a história por completo, enquanto os estudantes buscam
resolver o enigma. A segunda, voltada para momentos em espaços diferentes da sala de
aula, em que a cada partida a indagadora ou o indagador muda e os demais jogadores
devem solucionar o enigma, semelhante a dinâmica do Black Stories. Em ambos os
casos as respostas possíveis são as mesmas: sim, não ou irrelevante.
Assim como o jogo original, a proposta considerou, na elaboração, uma
jogabilidade em que o espaço físico não é limitante, pois pode ser jogado em qualquer
lugar iluminado. Ainda, o número de jogadores é uma variável quase irrelevante,
podendo ser jogado por duas pessoas (um indagador e um jogador) ou ter até 999
participantes (sendo um indagador e 998 jogadores), e o tempo de duração por rodada
pode ir de um mínimo de 2 minutos, quando o enigma é facilmente resolvido, até 222
minutos, quando o enigma é mais difícil. Esses dados, presentes nas regras, são
inspirados no jogo original.
Por fim, a última nova ideia adicionada ao ChemStories é a necessidade de
utilizar de maneira consciente o conhecimento científico para solução do enigma. Essa
condição deve ser comentada pelo indagador, que tem por responsabilidade garantir que
o final da rodada só ocorra mediante indícios de ocorrência dessa exigência, explícita
nas regras do jogo.
A seguir, vamos apresentar cinco das quinze cartas já elaboradas. A primeira,
que tem por título “Amor de Camões”, está apresentada na Figura 2, e conta a história
de uma pessoa que morre queimada por metanol, combustível que apresenta chamas
quase que imperceptíveis.

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Figura 2 –Amor de Camões. Fonte: Própria.

Um dos poemas mais famosos de Luís de Camões, “Amor é fogo que arde sem
se ver” mostra a relação direta entre o título da carta e a causa da morte da personagem
Rodrigo, o fogo que arde sem se ver, que não é, no caso, o amor. Essa relação já mostra
a importância de todos os elementos da parte frontal da carta com a resolução do
enigma. O contexto geral é apresentado na frase: “Clara vê Rodrigo correndo até o lago,
antes de alcançar, ele cai morto no chão”.
No verso da carta se encontra a solução da história. Rodrigo sofreu um acidente
com metanol e tentou se jogar no lago para salvar sua vida, mas não conseguiu. A
relação com os corações e a palavra amor na parte frontal se encontra na história,
quando sabemos que Rodrigo e Clara tinham um encontro. Por fim, na caixa de texto
azul, encontramos a relação da história com a Química, mostrando o que ocorreu do
ponto de vista químico, exigido como parte da solução. Com essa carta é possível
abordar as propriedades do metanol e a função orgânica álcool, considerando o grupo
funcional hidroxila, as propriedades dos álcoois e o tema combustíveis.
A segunda carta mostra uma situação em relacionada com a Química dos gases
e tem por título “O ar ela perdeu, duas vezes!”. Os jogadores são apresentados a
personagem Ariadne, que aparece gritando na imagem e que perdeu o fôlego duas vezes
ao ver que Ariane, sua esposa, estava morta.

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No verso da carta, descobrimos que uma briga levou Ariane a abandonar o
quarto e ir para o carro. Com calor, ela ligou o veículo para fazer funcionar o ar-
condicionado e acabou morrendo de asfixia por monóxido de carbônico (CO), vindo da
combustão da gasolina no motor do carro, parado na garagem. Ariadne perdeu o ar duas
vezes, uma pelo CO que deixou o ambiente da garagem e chegou até a casa, e outra
quando encontrou o corpo da esposa. A Figura 3 apresenta a carta.

Figura 3 – O Ar Ela Perdeu, Duas Vezes! Fonte: Própria.

Os estudantes que possuem carro em casa ou viram em noticiários casos


similares podem pensar na situação de um carro fechado mais facilmente do que as que
não têm e, assim, direcionar a busca pela resposta. Nesta carta há a possibilidade de
abordar reação de combustão incompleta, estudo dos gases e propriedades dos
compostos inorgânicos, além da bioquímica relacionada ao fenômeno, ou seja, o que
acontece com o corpo humano em um ambiente fechado cheio de monóxido de carbono.
O terceiro exemplo mostra um enigma inspirado em um caso verídico, a
explosão de um cilindro para inflar balões. Na parte frontal de carta temos o nome do
enigma, a imagem de um garoto com balões e o que aconteceu, uma grande explosão
que causou a morte de todos. O nome da personagem é proposital, Hélio, uma vez que
esses balões são geralmente inflados com esse gás, mas leve que o ar, o que faz o
brinquedo ficar na posição correta. O Hélio é um gás inerte, ou seja, não é reativo e não
pode ter causado a explosão. No entanto, para baratear os custos, os vendedores
costumam abrir uma fenda na parte inferior do cilindro, colocam latinhas de alumínio e

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um ácido, visando a produção de hidrogênio, que também é mais leve que o ar, mas
altamente inflamável. A figura 4 apresenta a carta. Podemos falar também sobre as
propriedades dos gases, reações químicas e termodinâmica química com essa carta.

Figura 4 – O Balão. Fonte: Própria.

A carta “uma vida curta”, apresentada na Figura 5, pode servir como um alerta
sobre termômetros de mercúrio, que podem ser letais, dependendo da situação.

Figura 5 – Uma Vida Curta. Fonte: Própria

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A fabricação e comercialização desse produto está proibida desde janeiro de
2019, pois pode causar problemas no sistema nervoso central como é informado na
caixa azul da carta.
No primeiro momento os estudantes podem fazer perguntas como: “O bebê
morreu?”, “Ele estava doente?”, “Ele caiu da cama?”. A ideia geral é que o bebê estava
febril e a mãe o deixou com o termômetro abaixo do braço e foi preparar seu banho,
porém, ele acabou ingerindo o mercúrio que estava dentro do termômetro no momento
que o instrumento caiu no chão. Podemos discutir as propriedades do mercúrio e a
toxidade das substâncias.
A última carta apresentada, correspondente a Figura 6, é intitulada “Que não se
faça a luz!” e conta a trágica história de um garoto chamado Josias, que morreu em uma
explosão.

Figura 6 – Que Não se Faça a Luz! Fonte: Própria.

Um dos principais elementos que propiciam a resolução do enigma desta carta


está logo no título, em que há uma mudança de sentido de um famoso trecho retirado da
bíblia, levando o jogador a pensar acerca dos motivos de Josias não poder acender a luz
de casa. Outro elemento que pode auxiliar o estudante é a ilustração, um fogão
minimalista, que também serve como pista para o jogador refletir sobre o que aconteceu
na história. O contexto geral apresentado na carta vem a partir do texto “Josias acordou

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assustado, no meio da noite, sabendo que não podia acender a luz do seu quarto. Menos
de dois minutos depois, ele morreu”.
O verso da carta mostra a resolução do enigma macabro por meio de uma curta
história: Josias acordou assustado porque sentiu o cheiro de gás de cozinha, que estava
com um vazamento. Consciente que acender a luz poderia causar uma faísca e causar
uma explosão, não ligou a lâmpada, mas sua irmã não sabia e acendeu a luz do quarto.
Quanto a validação, a análise a partir dos critérios apresentados na metodologia,
de Nowak e Souza (2008), percebemos um possível problema no critério limitação de
espaço e tempo, não pelo espaço, que como já comentamos, pode ser qualquer lugar
arejado e iluminado, mas com relação ao tempo. Uma carta, dependendo do grau de
dificuldade que represente para aquele grupo de jogadores, pode demandar horas para a
resolução do enigma proposto. Portanto, baseado nessa análise, parece-nos que o
ChemStories se torna, mais adequado para utilização em outros espaços do que em salas
de aula convencionais, tais como clubes de estudo, espaços para atividades
complementares, aulas de revisão em contra turno e momentos de aprendizagem com
colegas.
Outra limitação que percebemos está na aplicação, pois apenas duas variações
são incialmente pensadas. Além disso, uma reaplicação não se faz possível, uma vez
que se o enigma já foi resolvido por uma turma, não poderá ser novamente jogado por
ela. Para superar essa limitação, acreditamos que devemos ampliar a quantidade de
cartas dessa primeira versão, tentando chegar a cinquenta, como no Black Stories.
Apesar das limitações encontradas, o ChemStories passou nos outros critérios de
validação, portanto, do ponto de vista teórico, consideramos a proposta validada. O jogo
favorece a interação entre os jogadores, que devem trabalhar de forma cooperativa, pois
a pergunta de um participante ajuda nas reflexões de outros. Também há aprendizagem,
visto que os estudantes irão raciocinar possibilidades que envolva a Química e que
sejam coerentes com a situação e, mesmo que não consiga de início, há a possibilidade
de aprendizagem depois da carta ser desvendada com o entendimento total da situação.
Quanto a jogabilidade, consideramos o ChemStories validado, pela dinâmica fluida e
simples. No critério desafio, os enigmas não são triviais nem não solucionáveis, sendo
assim, a todo instante o jogo gera bastante desafios para que os jogadores, nas tentativas
de solucionar os mistérios. Quanto a criatividade, o jogo também parece validado, uma
vez que sem ela e espirito investigativo não se resolve o mistério. Ainda, parece-nos que

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a necessidade de utilizar a Ciência na resolução do enigma e a presença, nas cartas, de
um elemento relativo ao conhecimento Químico, favorece a aprendizagem.

CONCLUSÃO
No texto buscamos apresentar a primeira versão do ChemStories, um jogo
educativo para o ensino de conceitos, conteúdos e temas da Química. A utilização de
jogos educativos, para além da utilização de materiais didáticos convencionais, como
livros, apostilas, e até algumas multimídias, como vídeos e aplicativos, nos parece
deveras interessante, pelo potencial do lúdico em divertir, o que pode estimular a
aprendizagem e, até mesmo, fazer com que os estudantes vejam que aprender Química é
possível e pode ser divertido.
As cinco cartas apresentadas dão um panorama geral da estrutura do jogo,
apresentando os indícios do enigma na parte frontal e no verso a história completa, além
da caixa de texto relacionada a Química. As cartas buscam semelhança com as do jogo
original, Black Stories, pois os aspectos visuais são convidativos e dão ao estudante a
segurança de estar manuseando um material de qualidade.
Com relação a nossa proposta de validação teórica, o jogo encontra problemas
na limitação temporal e na aplicação, no entanto, nada que possa impedir ou
desestimular professoras e professores em utilizá-lo. Recomendamos a aplicação em
contexto de espaços de aprendizagem complementares, extramuros da sala de aula. Nos
demais critérios, o ChemStories foi validado, o que não descarta a necessidade de uma
validação empírica da proposta.
Como perspectivas futuras, estamos trabalhando em duas frentes. A primeira
relacionada a validação empírica, inicialmente com professores de Química em
formação inicial e, em sequência, com estudantes da Educação Básica. A segunda,
visando diminuir os custos na elaboração, ampliar a divulgação e diversificar os meios
de contato com o jogo, estamos desenvolvendo uma versão digital, a partir da
elaboração de um aplicativo a ser disponibilizado nas principais lojas e em sites de
jogos, de forma gratuita.
Acreditamos que o ChemStories se apresenta como um jogo que tem potencial
de auxiliar o ensino e a aprendizagem da Química, como também para outras áreas da
Ciência, tendo a capacidade de fazer uma abordagem interdisciplinar dos conteúdos.
Além disso, garante a construção de relações sociais e individuais entre as educandas e

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educandos, que devem trabalhar em equipe para resolver o enigma macabro, podendo
compartilhar os conhecimentos e desenvolver a história em busca das soluções.

REFERÊNCIAS
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