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TRANSMUTAÇÃO ARTÍSTICA EM GRANDE OTELO:

DAS CHANCHADAS AO MODERNISMO 1

Larissa Acosta Canavarros 2


Leonardo Gomes Esteves 3
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
31

Resumo: Alçada a sua figura em meio à carnavalização, Grande Otelo cai em derrocada com o
esgotamento das chanchadas. Reerguendo-se a partir dos reflexos tropicalistas, na representação
de um herói sem caráter (Macunaíma, 1969), não demora, contudo, a saltar para o cinema marginal.
Sob uma análise bibliográfica e de sua extensa filmografia, a presente proposta visa prospectar
sobre a questão da transmutação em sua obra, das comédias musicais ao modernismo, através das
nuances de suas performances.

Palavras-chave: Grande Otelo. Transmutação. Cinema brasileiro. Performance.

Resumo Expandido
Construindo sua imagem inicialmente nos picadeiros, Grande Otelo dispensa
qualquer tipo de introdução – carrega em seu nome a plenitude e a propriedade
imensurável de um artista que estampa em seus detalhes a representatividade brasileira.
Dentro do cenário das chanchadas, destacou-se pelas idealizações arquetípicas de
personagens cômicos, explorando sua habilidade com o samba nos filmusicais da
Atlântida, e o trabalho em conjunto com Oscarito, na consagração da dupla preto-branco.
Para tal, Augusto (1989, p. 14) aponta o trabalho da produtora como uma ocasião
específica, pois “em nenhum outro momento de sua trajetória o cinema brasileiro se
relacionou tão intensa e carinhosamente com o grande público” como nos tempos em que
a Metro tropical 4 , apesar das precariedades, abria alas para uma produção em cadeia.
Dentre os períodos de produção fílmica brasileira, Otelo conseguiu se embrenhar em
cada um de seus ciclos com relativa facilidade. Envolveu-se em projetos de cunho mais

1 Trabalho apresentado à 11a SAU UEG e 1º Encontro das Escolas de Cinema do Brasil Central.
2 Graduanda no curso de Cinema e Audiovisual; Programa Institucional de Voluntariado em Iniciação Científica
(VIC); Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT); larissa.ac26@gmail.com.
3 Professor orientador; Faculdade de Comunicação e Artes – Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT);

leonardogesteves@gmail.com.
4 Em referência à releitura do estúdio americano Metro Goldwyn Mayer (MGM), feita por Sérgio Augusto em

seu referido livro a respeito da Atlântida Cinematográfica.


dramáticos, alguns dos quais beiravam uma representação biográfica da persona por trás
da personagem, como Moleque Tião (1943) e A dupla do barulho (1953). Por vezes, se
enveredou pela dramaticidade intensa, emprestando-lhe a alma e o corpo a filmes como
Também somos irmãos (1949), Rio zona norte (1957) e Assalto ao trem pagador (1962).
Com o enfraquecimento das chanchadas, em meados da década de 60, elesai de foco 32

e retorna estrelando o modernismo tropicalista de Joaquim Pedro de Andrade na figura de


Macunaíma. Dessa forma, ele abre as portas para o viés do cinema de invenção,
concebendo, com Julio Bressane, algumas figuras metafóricas. Dentre elas, estão: Divina
Dama (A família do barulho, 1970), o rei do baralho, Sinhô (A agonia, 1978), e a si mesmo,
no prelúdio antológico Viola chinesa (1975).
Analisando os papéis desempenhados pelo ator, percebe-se que, para além dos
estereótipos de moleque malandro das comédias musicais, o potencial de Otelo transborda
os confins de seu pequeno corpo. É preciso salientar como “sua enorme versatilidade e sua
capacidade de renovação o colocam sempre em contato com as novas tendências do
cinema brasileiro” (RAMOS, 1995, p.529).
O rei do baralho (1973) apresenta, em sua metalinguística cinematográfica, um Otelo
autobiográfico, que representa a si mesmo nos minutos iniciais do filme e a visão externa
do público a seu respeito, no decorrer da película. Após observar uma atuação tão apegada
ao porte de sua figura, e os relatos dados em sua entrevista para Odete Lara (1970) sobre
sua dura realidade, fica clara a distinção intencional construída para o projeto. Destaca -se
aqui a discrepância em relação a Moleque Tião, a partir de leituras feitas sobre o filme –
tido como perdido – que relatam uma dramatização mais fiel às verdadeiras origens do
ator. Entende-se, portanto, que Otelo
representa vários tipos semelhantes-diferentes, fez muito, fez tanto, que passou
depois de muito fazer outros, fazer a si. Do ator vário passou ao ator próprio! Mas
esse próprio é mistura. É arte. Foi do ator ao não-ator.[...] Chegou a isso depois de
ser tudo, percorrer e circunavegar a si, treinar, sofisticar-se e de ator-alguém
alcançou o ator-ninguém. (BRESSANE, 1996, p. 29)

Originalmente dirigidas a José Lewgoy, Bressane poderia aplicar estas mesmas


palavras a Grande Otelo, que prosperou em uma dobra de filmes tão particulares, como o
drama, as comédias e a marginália; diferente de seu parceiro no humor, Oscarito. O que
levanta a questão: por que Otelo?
O presente estudo, através de revisão bibliográfica e análise fílmica, pretende
levantar a hipótese da persona de Grande Otelo como um intérprete de tamanha
versatilidade que transcende sua dimensão biográfica. Por meio de uma transmutação, ele 33

deixa de representar apenas sua vida, passando a ser “algo aí de uma biografia do cinema
brasileiro” (PIGNATARI, 1995, p. 48). Essa metamorfose é sua – não seria mais escada de
ninguém5 . Seus trabalhos oscilam entre o cômico e o dramático; entre personagem e
biografia pessoal. O próprio modernismo estrutura operações alegóricas diferentes.
Grande Otelo é um signo que simboliza diferentes valores, a depender de onde se coloca
– tempo, espaço e amplitude: para o cinema de estúdios, um ícone do humor com potencial
igualmente válido para enredos dramáticos; para o cinema moderno, um agente de
transformação, como uma referência estrutural e emblemática da instituição cinema
brasileiro.

Referências Bibliográficas

AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo:
Cinemateca Brasileira: Companhia das Letras, 1989.

BRESSANE, Julio. Alguns. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1996.

RAMOS, Fernão Pessoa. Enciclopédia do cinema brasileiro. Verbete: OTELO, Grande (Sebastião
Bernardes de Sousa Prata), p. 527-529. 3ª ed. São Paulo: Edições Sesc, 2012.

ODETE Lara entrevista Grande Otelo. O Pasquim. Rio de Janeiro, n° 31, 22-28 jan. 1970, p. 14-17.

PIGNATARI, Décio. História sem estória. In: VOROBOW, Bernardo; ADRIANO, Carlos (orgs.).
Júlio Bressane - Cinepoética. São Paulo: MassaoOhno Editor, 1995, p. 45-49.

5Em A dupla do barulho (Carlos Manga), a problemática da figura de Grande Otelo como personagem suporte em
sua dupla com Oscarito é indagada em diversos momentos, atra vés de uma narrativa crítica e ligeiramente
alegórica, conforme o estilo de Manga. Destaca-se aqui o momento em que Tião, personagem de Otelo, se recusa
a servir de escada para a ascensão e protagonismo de Tonico, interpretado por Oscarito.

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