MOTA, Alda

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Alda Britto da Motta

GÊNERO, IDADES E GERAÇÕES

DOSSiÊ
INTRODUÇÃO

Alda Britto da Motta

Quando, em 1978, a Revista Daedalus, da vista naqueles vinte anos, levantando problemas:
American Academy of Arts and Sciences, comple- Teria a revista documentado o pensamento de uma
tou 20 anos de circulação, foi organizado, geração? De duas? De mais? Ao mesmo tempo,
comemorativamente, um número especial dedica- expressava uma dúvida presente na Sociologia
do ao tema GERAÇÕES. Já na Introdução dos tra- desde Augusto Comte: Quando se poderia dizer
balhos, pontuavam-se questões até hoje pertinen- que uma geração termina e uma outra começa?
tes, ou mesmo não resolvidas, como o caráter eva- Passados outros vinte e muitos anos, pode-

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sivo da própria idéia de geração, as ambigüidades ríamos, ainda, nos perguntar: Quanto caminha-
do conceito e o fato de que aquele momento era mos no sentido de superar as antigas incertezas,
generation minded. carências e ambigüidades? Quão generation minded
Ao mesmo tempo, lamentava não existir somos hoje? De que gerações estamos falando, e
uma contribuição teórica substancial sobre o tema, como? Que fronteiras ou limites estamos pondo
ignorando os trabalhos clássicos de Mannheim entre elas?
(1928), Eisenstadt (1956) e até de alguns de seus Discutindo ou comentando algumas dessas
próprios e importantes articulistas convidados, questões, podemos afirmar, em primeiro lugar, que
como Mathilda White Riley e Tamara Hareven. incertezas, carências e ambigüidades se mantêm,
Assinalava, ainda assim, a utilidade da perspecti- por duas razões principais: a) a longa continuida-
va geracional na explicação dos fenômenos políti- de de uma tradição de escasso trabalho teórico sobre
cos, e até da procura de evidências que compro- o tema, que só muito recentemente começa a ser
vassem se, do ponto de vista de uma geração, fora superada – principalmente no que se refere às re-
criado algo de novo e importante – na arte, na lite- lações entre as gerações; b) a polissemia e a
ratura, na construção do conhecimento. polivalência, evidentes e ainda inescapáveis do
Avaliava, por fim, a própria trajetória da re- termo o que, evidentemente, contribui para a sua

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imprecisão conceitual, porque, entre a idéia ma- Derivam daí as “idades da vida”, traduzidas
triz de gerar e as referências atuais a fases ou hie- em infância, juventude, maturidade e velhice, que
rarquias de produção de objetos tecnológicos, ali- atravessaram o imaginário dos últimos séculos,
nha-se um extenso rol de significados do termo registradas em ilustrações de publicações, capas
“geração”, perigosamente matizados pelo uso livre de livros, almanaques, depois também nomeadas
no cotidiano. ou tratadas como “gerações”, principalmente na
Na análise científica, entretanto, os usos atualidade. Essas “idades” tornaram-se também
desse termo têm sido tentativamente sintetizados “ramos” de uma Sociologia das Gerações – Socio-
segundo três perspectivas ou sentidos principais logia da Juventude, Sociologia do Envelhecimen-
que, até certo ponto, se entrecruzam: “coortes”, to... Entretanto, considerar que denominações como
“grupos etários” e “gerações” propriamente ditas “jovens” ou “velhos” correspondem a gerações, em
(Attias-Donfut, 1988). vez de constituírem categorias ou segmentos
A expressão coorte prende-se à referência geracionais, introduz um outro sentido alternati-
estatística ou demográfica e basicamente designa vo, composto entre a segunda e a terceira acepções
um conjunto de indivíduos nascidos num mesmo expostas acima. Mas é o que mais abundantemen-
intervalo de tempo, expostos a um determinado te se encontra nas referências e discussões.
evento de caráter demográfico. Em princípio, ela O terceiro sentido, considerado quase una-
encerraria o sentido menos geral ou sociológico nimemente como o mais plenamente sociológico –
dentre as três noções, embora não seja assim para o de geração, propriamente dita – designa um co-
alguns estudiosos. Para Bengtson (1995), por exem- letivo de indivíduos que vivem em determinada
plo, geração refere-se ao âmbito da família, no sen- época ou tempo social, têm aproximadamente a
tido genealógico, e coorte é que seria usado no sen- mesma idade e compartilham alguma forma de
tido social mais amplo. experiência ou vivência.
A tradição antropológica é responsável pela Tanto o conceito como, sobretudo, uma es-
segunda acepção, que se expressa basicamente em timativa dos limites ou justificativa de vigência
termos de idades (grupos etários, categorias de ida- social de uma geração – possibilidade de eficácia
de, classes de idade etc.) e se refere quase sempre política ou cultural – no tempo, constroem-se ao
à filiação, guardando um sentido ou uma função longo de uma trajetória de reflexão sociológica que
classificatória que inclui tanto as posições na fa- vem de Comte a Mentré (1920) e amadurece com
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mília como na própria organização social mais Mannheim (1928). Com limites de 30 anos, que se
ampla. Essa acepção tangencia também outros sen- reduzem a 25, 20, talvez a 10, e acompanhando o
tidos não exclusivamente cronológicos, quando modelo da aceleração tecnológica sobre os modos
enfatiza atributos culturalmente definidos, como sociais de existência e experiência, as gerações se
na proposta de Meyer Fortes (1984), de estágios de delimitam em períodos cada vez mais curtos.
maturação. Mannheim (1928, p. 134) define geração em
Essa classificação primeira e fundante que vários momentos e etapas do seu trabalho, sempre
as idades alcançam em interseção com sexo e gê- acentuando seu sentido histórico: “... indivíduos
nero (Balandier, 1977) permanece na sociedade con- que pertencem à mesma geração [...] estão ligados
temporânea e se mantém como gerações na família [...] a uma posição comum na dimensão histórica
e (ou) etapas no curso da vida, idades biossociais do processo social.”, o que significaria uma predis-
para assunção de direitos e deveres que são cobra- posição para “...um certo modo característico de
dos, permitidos ou admitidos, mas também passí- pensamento e experiência e um tipo característico
veis de contestação, tanto nas relações cotidianas de ação historicamente relevante.” (Mannheim,
como nas normas jurídicas e prescrições oriundas 1928, p. 135-136). Embora esse seja o sentido bá-
do Estado. sico de sua concepção, Mannheim (1928, p. 137)

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não desvincula, evidentemente, geração e grupo indo nas últimas décadas – quando, cada vez mais
de idade: freqüentemente, coexistem quatro e até cinco gera-
ções na mesma família, pois as gerações não se
O fenômeno social ‘geração’ nada mais repre-
senta do que um tipo particular de identidade de substituem, se sucedem (Attias-Donfut, 1993) – a
situação de ‘grupos de idade’ mergulhados num reflexão de Mannheim constitui-se em importante
processo histórico social.
ponto de partida analítico e inspiração para a
Situa, enfim, a base biológica da vida hu- pesquisa.
mana, para reforçar o sentido histórico dos fenô- Tendo enunciado os pressupostos básicos
menos sociais: de uma teoria de gerações até hoje a mais completa
Na verdade, o traço mais surpreendente do pro- e elucidativa, Mannheim dedicou-se, nesse cam-
cesso histórico parece ser o de os fatores biológi- po, concretamente, a estudos sobre a juventude;
cos básicos operarem duma forma latente e só
poderem ser compreendidos através dos fenô- aos jovens como agentes “naturais” da mudança
menos sociais e históricos que constituem uma social, ou aos jovens problematizados como mem-
esfera acima deles. (Mannheim, 1928, p. 163).
bros de grupos ou facções políticas radicais.
Expostas alternativas de definições de gera- (Mannheim, 1971).
ção – que, em boa parte, confluem – duas ques- E será sobre a juventude que todos, duran-
tões básicas imediatamente se impõem e guardam te largo tempo, se debruçarão, a exemplo de
intensa atualidade. Observando-se que o mesmo Eisenstadt (1976), que longa e amplamente analisa
contexto social não afeta igualmente todos os indi- os jovens e os movimentos juvenis, não em ter-
víduos de um grupo de idade e vivência – classifi- mos centrais de geração, como o título de seu livro
cado ou autoidentificado como geração –, verifica- clássico (De Geração a Geração) promete.
se que segmentos dessa geração podem assumir Eisenstadt (1976) centra-se em grupos etários e em
posturas e caminhos sociais diferentes, ou até opos- graus etários, no geral construindo uma panorâ-
tos. É o caso de padrões ou de movimentos cultu- mica de grupos jovens em suas formas básicas de
rais que se manifestam diversamente na mesma organização e inter-relação com as “gerações” – es-
época, ou de movimentos políticos, uns radicais sas últimas no sentido de posições na família. Pre-
outros conservadores, cada um reunindo indiví- ocupado em analisar a função dos grupos etários
duos de idade aproximada num cenário social se- na interação social, Eisenstadt (1976, p.32) discerne
melhante. uma possível origem e razão de ser desses grupos,

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Por outro lado, cada momento histórico se assinalando que eles ...se originam das tensões en-
realiza com a presença simultânea de várias gera- tre as gerações e sua função é descobrir válvulas de
ções que, mesmo contemporâneas, não têm as escape para estas tensões ...” Nesse sentido, “...
mesmas experiências e trajetórias de vida. podem funcionar como mecanismos de ajustamento
Mannheim detém-se criativamente sobre secundário ou, em alguns casos, como ponto de
ambas as questões. Propõe a categoria “unidades partida para a formação de grupos anormativos.”
de geração” para designar a potencialidade (ou não) (Eisenstadt, 1976, p. 32).
de formação de “grupos concretos” em que se Segue explicando: “Os grupos etários ten-
fracionariam as gerações e, por outro lado, incor- dem a surgir quando a estrutura da família, ou do
pora a brilhante formulação de Pinder (apud grupo de descendência, bloqueia as oportunidades
Mannheim, 1928) sobre a “não contemporaneidade dos membros mais jovens de alcançar status social
do contemporâneo”: “Todas as pessoas convivem dentro da família...” (Eisenstadt, 1976, p. 233).
com pessoas da mesma e de diferentes idades [...] Mas refere uma diversidade de situações, pois “...
Mas para cada uma ‘o mesmo tempo’ é um tempo os grupos etários que existem sob estas condições
diferente ...” (Mannheim, [1928], p. 124). diferem consideravelmente daqueles existentes [...]
Na sociedade longeva que vem se constitu- sob critérios universalistas de integração dos siste-

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mas sociais.” (Eisenstadt, 1976, p. 29), os quais lerado crescimento relativo, um problema social,
ensejam a constituição de grupos etários homogê- do mesmo modo como “problemas” teriam sido
neos e intermedeiam a transição da família para a os jovens contestadores da década de 60 e os “me-
sociedade mais ampla. nores” em “erro social” dos anos70.1
Se, em fases históricas anteriores, os gru- Nossa época é, portanto, também generation
pos etários já tinham afluência ou visibilidade, na minded, inquieta entre dois extremos geracionais.
contemporaneidade, principalmente nas cidades, Todos incomodam, ou parecem incomodar. A
grassam as “tribos” (Maffesoli, 1987; Machado Pais, demografia assinala que há proporcionalmente cada
2004), que dão vazão às mais variadas formas de vez menos crianças (o que aponta para uma prová-
expressão de pertencimento grupal, atingindo vel dificuldade de reposição populacional no fu-
modificações inusitadas até do próprio corpo. Ba- turo). Mas também anuncia o “pior”, pois os ve-
sicamente, os jovens diferenciam-se cuidadosamen- lhos aumentam em número e longevidade, o que
te das gerações mais velhas, dividindo-se estas en- pode levar à “quebra” do sistema de Previdência e
tre a crítica a eles e um aprendizado imitativo... pôr em perigo a própria reprodução social. Estes
Entretanto, com a ampliação significativa das for- são os mais recentes “problemas sociais”. A “gera-
mas de sociabilidade não familial, essa tendência ção” que inquieta, enquanto vai se desdobrando
atual à formação ou agregação em grupos etários em anos e diversidades, e ensejando uma nova
vem atingindo também os mais velhos, que pas- questão teórica, também existencial e política: en-
sam a constituir objeto recente de visibilidade so- tre sessenta e cento e dez anos de vida, que per-
cial e exposição ao consumo capitalista de servi- curso geracional pode ser traçado? Quantas “gera-
ços, paralelamente à ampliação de uma esfera de ções” de velhos estão coexistindo? Qual a
liberdade individual, em expressão coletiva nos “contemporaneidade” possível entre elas?
grupos de “terceira idade”. Entre percepções e tentativas de definir se-
Mas é ainda com foco preciso nos grupos melhanças e diferenças entre “velhos jovens” e
jovens que se começa a discutir geração no Brasil “velhos velhos”, principalmente quando se pes-
– amplamente, até – nas décadas de 60 e 70 do quisa e teoriza sobre uma categoria de idade, geral-
século passado, o que corresponde a uma tendên- mente uma das duas antes referidas, e escassa-
cia praticamente mundial, caracterizada por um afã mente sobre as relações entre as gerações, é impor-
interpretativo diante dos numerosos e amplos tante ter em conta a observação de Lenoir (1998, p.
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movimentos juvenis então em ação – hippies, con- 71-72):


tra a guerra do Vietnam, a “segunda onda” do fe-
A ‘velhice’, assim como a ‘juventude’, não é uma
minismo, movimento negro, etc. Registra-se uma espécie de característica substancial que acon-
variada produção sobre uma possível geração jo- tece com a idade, mas uma categoria cuja deli-
mitação resulta do estado (variável) das relações
vem, referenciada, sobretudo, à categoria “estudan- de força entre as classes e, em cada classe, das
relações entre as gerações, isto é, da distribuição
te” e a um quase teoricamente prescrito “conflito do poder e dos privilégios entre as classes e entre
de gerações”. (Foracchi, 1972; Ianni, 1963; Guilhon as gerações.
Albuquerque, 1977). O ângulo de uma redescoberta
E os gêneros, acrescentaríamos... E o traba-
e quase natimorta discussão sobre “solidariedade
lho teórico, tanto quanto o de pesquisa, em segui-
entre as gerações” só iria ser exposto nos anos 90,
da, seria procurar discernir-se que processos soci-
mais em referências que em trabalho teórico (Britto
ais ensejam essas delimitações, porque elas são
da Motta, 2003).
essenciais nos enunciados e definições de políti-
Só bem mais recentemente, entre as déca-
cas públicas aplicadas às várias idades.
das de 80 e 90, um outro grupo geracional, o dos
velhos, é alçado a objeto de estudo, por uma razão 1
Sobre o trabalho social de produção de “problemas”, ver
utilitária. Passam a ser considerados, pelo seu ace- Lenoir, 1998, p. 60, 64.

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Inevitável torna-se, portanto, o estudo das Assim é que Andréa Moraes inicia seu tex-
relações entre gerações e das condições sociais em to assumindo diretamente essa direção teórica,
que elas estão se dando, o que incluirá, além dis- “dialogando” com conhecido artigo de Stolcke
so, a necessária consideração das interseções com (1991) sobre sexo, gênero e cor. Expõe alguns re-
outras categorias relacionais abrangentes, como sultados de pesquisa que demonstram não apenas
gênero e classe social. o incessante movimento comparativo que está sem-
As gerações, como as classes sociais, não pre sendo feito entre situação de gerações presen-
existem isoladamente, mas em referência mútua, tes e as de igual idade ou situação no passado,
contraposição ou até oposição umas às outras. Uma mas, igualmente, um contínuo debruçar-se, tam-
geração é ou se torna aquilo que o jogo de poder bém comparativo, por parte de cada personagem
permite nas relações com as outras. Esse movi- geracional idoso sobre o seu próprio passado de
mento ocorre segundo as condições sociais vigen- jovem.
tes em cada momento ou tempo social e o modo Retomando a incessante correlação entre
possível de apreensão e resposta dos atores soci- gênero e geração e afirmando uma inegável pree-
ais geracionais. É preciso lembrar sempre que, no minência social das assimetrias de gênero, Moraes
interior de cada grupo geracional ou de idade, cons- deixa uma dupla questão final para reflexão:
troem-se representações, identidades e situações
[...] se mudanças nos padrões das trajetórias indi-
sociais que se confrontam com as de outros gru- viduais de homens e mulheres (mudanças nos
pos ou categorias sociais (Britto da Motta, 1999). contratos entre os gêneros) corresponde a mu-
danças nos contratos entre as gerações, e qual é a
Ao mesmo tempo, essas relações realizam-se em medida dessa correspondência.
articulação com condições identitárias definidas a
partir de outras categorias relacionais, principal- Na apresentação de resultados de pesqui-
mente gênero, classe social e etnia. sas sobre jovens estudantes universitárias, Myriam
Mas este é um enfoque teórico comumente Lins de Barros também articula analiticamente con-
“esquecido” nos estudos e pesquisas sobre idades dição de gênero e de geração em determinada situ-
e gerações. Ao mesmo tempo, naqueles trabalhos ação de classe. Compara gerações em suas rela-
que se centram nas relações de gênero (como, nes- ções e mudanças atuais: mulheres jovens de hoje
te número, é pontuado por Andréa Moraes em re- – primeira geração de universitárias na família,
lação ao feminismo), a condição etária ou geracional “aprendendo” a cidade – com suas mães e avós

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é quase invariavelmente omitida, ainda que a arti- quando tinham a mesma idade, registrando a pos-
culação analítica com classe social e raça já seja tura mais aberta e livre que têm as mulheres atu-
regular e proveitosamente realizada. ais, principalmente as mais jovens. Ao mesmo tem-
Por tudo isso, este dossiê pretende não só po, detém-se sobre as relações entre duas diferen-
provocar uma reflexão sobre a atualidade e impor- tes gerações coexistentes, mães e filhas, para con-
tância analítica do par conceitual idade e geração cluir que a mudança, nesse âmbito de relações na
na dinâmica política e na reprodução social – que, família, continua parcial, pois, por exemplo, exis-
tentativamente, se vem definindo desde o século tem assuntos sobre os quais a jovem não fala com
XIX –, mas também analisar que gerações estão a mãe “amiga”, apesar de com ela dialogar cons-
sendo consideradas e como se vem trabalhando tantemente ...
com elas na contemporaneidade. Além disso, busca Em resumo, registram-se avanços sociais,
enfatizar a validade – expondo análises que assim lineares, individualizados, das gerações mais jo-
o fazem – da interconexão entre esses campos que vens, embora no âmbito da família, principalmen-
representam importantes sistemas de relações for- te segundo o gênero, eles estejam se dando em
madoras de identidades e subjetividades coletivas: ritmo mais compassado.
o gênero, a classe social e a raça ou etnia. Parry Scott e Jonnhy Cantarelli também ana-

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lisam jovens de camadas populares, em um ângu- samento e, conseqüentemente, em indivíduos de


lo mais abarcante, o da participação religiosa. “A idades e gerações diferentes no momento do casa-
religião interage com outras dimensões da existên- mento, “que viveram períodos da história social
cia humana, criando propensões para ações portuguesa distintos” (Anos 60, 70 e 80 do século
dirigidas por ela”, relações sociais em geral, e à XX). As formas de conjugalidade são interpreta-
própria moral... “Há muitas juventudes”, reconhe- das segundo as diferenças de gênero, e as mudan-
cem os autores – inclusive diante das escolhas re- ças intergeracionais se revelaram nas “diferentes
ligiosas diferenciadas desses jovens pesquisados, referências simbólicas que distanciam os pais dos
uma vez que a variedade de adesões religiosas na filhos”, A exemplo de velho operário que não com-
mesma família expressa caminhos individualiza- preende o fato de “a filha só fazer o ‘trabalho de
dos que são também parte de um processo de estudar’ e não fazer nada em casa”, ou quando
mudança nessas relações. avalia que hoje “há muita falta de respeito por par-
Por outro ângulo, se diferentes credos reli- te dos filhos.”
giosos a que se ligam esses jovens podem signifi- Do ponto de vista das relações de gênero, a
car ou ensejar possibilidades de exercício de auto- gradativa possibilidade de acesso das mulheres
nomia de crenças em âmbito geracional, além de mais jovens ao mercado de trabalho não significa
melhora possível de padrões de vida (cursos e for- um progresso linear, porque nada indica “que o
mação profissional), do ponto de vista das rela- sentido da transformação vai ser o mesmo para as
ções de gênero as hierarquias são unanimemente jovens quando estas chegarem à idade das mais
mantidas, e a subordinação da mulher é reforçada. velhas” pois “cada geração corresponde também a
Os resultados dessas três pesquisas deixam uma conjuntura específica, quer no plano das con-
claro que o âmbito das relações de gênero é mais dições objetivas de vida, quer no das idéias e valo-
resistente à mudança que o geracional. res.” Os homens, “...apesar dos progressos verifica-
A pesquisa de Iracema Brandão Guimarães, dos nas relações mais novas [...] sobretudo no que
direcionada às atividades informais de baixa ren- toca ao envolvimento paternal no cuidado com os
da, prende-se, quase por definição, aos trabalha- filhos” mais além das conseqüências da sua socia-
dores mais velhos que permanecem ou se lização para a vida extra-doméstica, freqüentemente
reinserem no mercado de trabalho. A questão se deparam com constrangimentos externos – in-
geracional, aí, refere-se à área quase única de aces- clusive no mundo do trabalho: ... são muitas vezes
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so ou continuidade de trabalho para os mais ido- as empresas em que trabalham que esperam deles
sos, ao mesmo tempo matizada pelo fato de que “o um comportamento adequado ao estereótipo em
domínio, por esse contingente de trabalhadores, de termos de gênero”, tal como nas “igrejas”, na pes-
uma experiência profissional lhes permite criar quisa de Scott e Cantarelli.
meios autônomos de sobrevivência.” Do ponto de Refletindo sobre os resultados das várias
vista das relações de gênero, o observado é que as pesquisas apresentadas, atingidos através de dife-
mulheres são pouco presentes nas atividades em rentes caminhos, encontramos, mais uma vez, no
estudo – vendedores ambulantes e feirantes – su- percurso das gerações, a medida e o traçado possí-
postamente pelo fato de serem “exercidas em local vel da mudança nos modos de vida de cada época.
público, ou nas ruas, com exposição a vários tipos
de riscos.” Vê-se, então, mais uma vez, que o tem-
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