Aconselhamento Genetico

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A biologia molecular contribuindo para a compreenso e a preveno das doenas hereditrias Molecular biology contribution to the understanding and prevention of genetic disorders

Mayana Zatz 1

1 Departamento de Biologia, Instituto de Biocincias, Universidade de So Paulo (IBUSP). Rua do Mato, 277, Cidade Universitria, 05508-900, So Paulo SP. mayazatz@usp.br

Abstract The sequencing of the human genome raised many questions such as: How the human genome project will influence our lives? How the medicine will benefit from the study of genes ? What are the application in practice and what can we expect from the future? What are the ethical implications? This chapter illustrates how genetic diseases, such as neuromuscular disorders are contributing to our understanding of the human genome. It helps us to start to understand how our genes work and why they cause diseases when mutated. One of the practical application of studying genes is the improvement of molecular diagnosis for a growing number of disorders which is of utmost importance to avoid other invasive exams, identify at risk couples and prevent the birth of new cases (through genetic counseling and prenatal diagnosis). Potential new treatments for neuromuscular and other genetic disorders including therapeutic cloning, the use of stem cells and the ethical implication of genetic tests are also discussed. The benefit of each test, in particular for disorders of late onset for which there is still no treatment have to be exhaustively discussed with the consulents before their application Key words Human genome, Molecular diagnosis, Neuromuscular disorders, Therapeutic cloning, Stem cells, Ethical issues

Resumo O fim do seqenciamento do genoma humano levanta inmeras questes: Como o projeto genoma humano vai influenciar nossas vidas? Como a medicina tem se beneficiado do estudo dos genes? Quais so as aplicaes prticas imediatas e o que se espera para o futuro? Quais so as implicaes ticas? Este captulo ilustra como as doenas genticas tm contribudo para a compreenso do genoma humano. Ajuda-nos a entender como nossos genes funcionam quando normais e por que causam doenas quando alterados. Do ponto de vista prtico, o estudo dos genes tem permitido o diagnstico molecular para um nmero crescente de patologias, o que fundamental para evitar outros exames invasivos, identificar casais em risco, e prevenir o nascimento de novos afetados. Alm disso, discute-se quais so as perspectivas futuras em relao ao tratamento destas e de outras patologias genticas incluindo a clonagem para fins teraputicos e a utilizao de clulas-tronco. Finalmente aborda as implicaes ticas relacionadas ao uso de testes genticos. Os benefcios de cada teste, principalmente para doenas de incio tardio para as quais ainda no h tratamento, tm que ser discutidos exaustivamente com os consulentes antes de sua aplicao. Palavras-chave Genoma humano, Diagnstico molecular, Doenas neuromusculares, Clonagem teraputica, Clulas-tronco, Aspectos ticos

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Introduo
O grande acontecimento do ano 2001 foi, sem dvida, o anncio de que o sequenciamento do Genoma Humano est quase completo. A mdia no se cansou de repetir que os conhecimentos gerados iro revolucionar a medicina. Entretanto, fala-se muito pouco a respeito das aplicaes imediatas deste grande feito cientfico. Como o projeto Genoma Humano vai influenciar nossas vidas? Como a medicina tem se beneficiado do estudo dos genes? O que existe de prtico e o que se espera para o futuro? Quais so as implicaes ticas? Na realidade, o anncio do sequenciamento do genoma humano ainda no trouxe respostas para questes fundamentais como: Quantos genes temos na realidade? Ser que so realmente 30.000, ou mais? Quantas protenas so codificadas por estes genes? Como os genes interagem entre si e com o ambiente? Quanto os nossos genes determinam a nossa personalidade e o nosso comportamento? Cada questo respondida abre um leque de novas questes, inclusive do ponto de vista tico, como veremos a seguir com o exemplo das doenas neuromusculares. Ainda estamos na ponta do iceberg, mas a aventura promete ser fascinante. Por outro lado, a biologia molecular tem contribudo de maneira significativa para a compreenso de como nossos genes funcionam, quando normais e por que causam doenas quando alterados. Alm disso, o diagnstico molecular para um nmero crescente de patologia tem sido fantstico para evitar outros exames invasivos, identificar casais em risco e prevenir o nascimento de novos afetados (a partir do aconselhamento gentico e do diagnstico pr-natal). Entender como nossos genes funcionam o primeiro passo para o tratamento dessas patologias. Mas enquanto buscamos a preveno e obviamente a cura, temos tambm um compromisso tico em relao ao uso de testes genticos que devem ser discutidos com os consulentes antes de serem realizados.

responsveis por mais de 30 formas de distrofia, cuja herana pode ser autossmica dominante, autossmica recessiva e ligada ao X. Alm disso, sabe-se que existem formas ainda no identificadas. Os avanos da biologia molecular na ltima dcada revolucionaram nossos conhecimentos e comeam a responder perguntas fundamentais tais como: Qual o defeito bsico? O que leva os msculos a degenerar? Como explicar a heterogeneidade gentica, isto , como mutaes em genes diferentes podem resultar em um mesmo fentipo? Ou, ao contrrio, como mutaes em um mesmo gene podem levar a quadros clnicos diferentes? Por outro lado, a anlise molecular levantou outras questes intrigantes. Por exemplo, tem-se observado em um nmero crescente de doenas que pacientes com a mesma mutao podem ter quadros clnicos totalmente diferentes (McNally et al., 1996; Passos-Bueno et al., 1999) ou que alguns genes autossmicos afetam mais um sexo do que o outro (Ikeuchi et al., 1996; Iughetti et al., 1996; Zatz et al., 1997; 1998). A explicao para estas observaes, alm de fascinante, ser extremamente importante para futuros tratamentos.

As distrofias de Duchenne e Becker


Dentre as diferentes miopatias, a distrofia de Duchenne (DMD) de herana recessiva ligada ao cromossomo X a mais comum, com uma incidncia de 1 em cada 3.000 nascimentos de sexo masculino (Emery, 1993). J a distrofia tipo Becker (DMB), allica DMD (isto , localizada no mesmo loco que a DMD), cerca de 10 vezes mais rara. A diferena entre essas duas formas est na idade de incio e velocidade de progresso. Na DMD, os sinais clnicos iniciam-se entre 3-5 anos de idade (com quedas freqentes, dificuldades para subir escadas, correr e levantar do cho), o confinamento cadeira de rodas se d at os 12 anos de idade e os afetados raramente sobrevivem aps a terceira dcada. J na DMB, os sintomas iniciamse em geral na segunda dcada, os afetados sempre andam aps os 16 anos e a velocidade de progresso extremamente varivel. Cerca de 30-50% dos pacientes com DMD tm retardo mental cujas causam ainda esto sendo investigadas (Rapaport, 1991; Rapaport et al., 1992). Pacientes com DMD e DMB tm um aumento significante (at 2.000 vezes os valores

As distrofias musculares progressivas


As distrofias musculares progressivas constituem um grupo de doenas, caracterizadas por uma degenerao progressiva e irreversvel da musculatura esqueltica, e que tem sido objeto de muitas pesquisas. J foram mapeados genes

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normais) da enzima creatino-quinase (CK) no soro sanguneo que liberada do msculo distrfico, mesmo antes do aparecimento dos sinais clnicos (Zatz et al., 1976; 2001). Entretanto, at a dcada de 1980, no se tinha idia acerca do mecanismo molecular que causava estas distrofias e nem se a forma grave de Duchenne e a variante mais leve de Becker eram causadas por um nico gene ou dois independentes. Aps a localizao do gene da DMD/DMB no brao curto do cromossomo X, em 1981, do qual nosso grupo participou (Zatz et al., 1981), descobriu-se em 1984, que os genes da DMD e DMB eram alelos, isto ocupavam o mesmo loco no cromossomo X. Mas foi s aps a clonagem do gene DMD/DMB em 1987 (Koenig et al., 1987; 1989) que o produto gnico foi identificado: uma protena do citoesqueleto da membrana, que foi denominada distrofina (Hoffman et al., 1987; 1988), e cuja funo mais provvel seria o de manter a estabilidade da membrana da clula muscular. Hoje sabe-se que as mutaes que causam DMD ou DMB so delees no gene da distrofina em cerca de 60% dos casos, duplicaes em 5-6% dos casos e mutaes de ponto (em uma nica base ou nucleotdeo do DNA) nos casos restantes (Koenig et al., 1989; Lindlf et al., 1989). A diferena entre a DMD e a DMB depende da manuteno ou no do quadro de leitura do RNA mensageiro (RNAm). Na DMB, a deleo em fase, isto , o quadro de leitura do RNAm mantido e tem-se como resultado uma protena quantitativamente reduzida ou deletada internamente, mas em parte funcional. J na DMD, a deleo fora de fase, isto , o quadro de leitura do RNAm no mantido, tem-se uma protena severamente truncada e que rapidamente destruda pela clula (Monaco et al., 1988). O estudo de mais de 1.000 pacientes com DMD/DMB em nosso laboratrio (Takata, 1995) mostrou que cerca de 60% dentre eles (tanto os casos de DMD como de DMB) tm delees no gene da distrofina. Alm da manuteno do quadro de leitura do RNAm, o stio da deleo muito importante na determinao da severidade do quadro clnico. Por exemplo, delees nas regies de ligao da distrofina a outras protenas (regies C terminal e N-terminal) resultam na maioria dos casos em quadro mais grave (Vainzof et al., 1990; 1993a; 1993b). A regio C terminal, em particular, fundamental porque constitui o ponto de ligao da distrofina com glicoprotenas as-

sociadas membrana, e, portanto, delees nessa regio levam quase sempre a um quadro grave de DMD. Por outro lado, delees de at 50% do gene podem estar associadas a um quadro benigno desde que estejam restritas regio central do gene (Passos-Bueno et al., 1994). O quadro leve explica-se porque se a deleo est restrita ao domnio em basto da distrofina, mesmo que se tenha um encurtamento dessa protena, os stios de ligao no ficam alterados, permitindo uma funo parcial. Este estudo de correlao gentipo:fentipo dentro do gene da distrofina e a caracterizao da funo de cada domnio da protena tem sido fundamental para futuras tentativas em terapia gnica, utilizando-se minigenes funcionais.

Aspectos genticos
Cerca de 1/3 dos casos de DMD so causados por mutaes novas (Zatz et al., 1977), e os restantes 2/3 so herdados de mes portadoras. A maioria (mais de 90%) das mulheres portadoras de mutaes no gene da distrofina assintomtica (Emery, 1993). Entretanto tem um risco de 50% de passar o gene defeituoso para a sua descendncia, isto , metade dos filhos pode ser afetada e metade das filhas portadoras, porm clinicamente normais. Outro aspecto importante (observado por nosso grupo e pesquisadores da Holanda) o mosaicismo gonadal. Isto , aproximadamente 10% das mes de casos isolados de DMD, nas quais no foi detectada mutao no sangue perifrico, podem ser portadoras da mutao na linhagem germinativa (Passos-Bueno et al., 1990; 1992). Estas mulheres tm um risco aumentado de vir a ter filhos afetados pela DMD.

Diagnstico e aconselhamento gentico


Diagnstico O exame de DNA em sangue perifrico (ou em raspado de mucosa bucal) tem sido muito importante para o diagnstico, evitando, em muitos casos, a realizao de exames invasivos como a biopsia muscular ou a eletroneuromiografia (que alm de ser um exame doloroso no auxilia no diagnstico diferencial entre as vrias formas de distrofias). Do ponto de vista prtico, em casos suspeitos os passos a serem seguidos para o diagnstico so os seguintes:

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1) Dosagem de CK no soro: se aumentado sugere o diagnstico de distrofia muscular (Zatz et al.,1976). 2) Anlise de DNA: pesquisa de deleo no gene da distrofina; se for encontrada deleo confirma-se o diagnstico de DMD/DMB. 3) Biopsia muscular: indicada se no for encontrada deleo no gene da distrofina, se no houver histria familiar de herana recessiva ligada ao cromossomo X ou em crianas que so casos isolados, nas fases iniciais, para um diagnstico diferencial entre DMD e DMB. A primeira protena a ser pesquisada a distrofina, pela tcnica de imunofluorescncia e western blot (Vainzof et al., 1990; 1993a). Os possveis resultados so: a) distrofina ausente: confirma-se o diagnstico de distrofia de Duchenne; b) distrofina quantitativamente diminuda ou com peso molecular diminudo (atravs de anlise por western blot): o diagnstico de distrofia tipo Becker o mais provvel; c) distrofina normal: pode tratar-se de distrofia tipo cinturas ou outra forma de distrofia muscular. O passo seguinte analisar as diferentes protenas associadas s formas autossmicas recessivas tais como as sarcoglicanas, a calpaina-3, a disferlina, a teletonina em biopsia muscular (Anderson et al., 1998; 1999; Spencer et al., 1997; Vainzof et al., 1996). Estimativas de riscos genticos Para identificao de portadoras e estimativas de riscos genticos os passos a serem seguidos so: 1) O paciente caso isolado e tem deleo no gene da distrofina a) Se a me (e/ou irm do afetado) for portadora da deleo confirma-se que (so) heterozigota(s). Neste caso h risco de 50% de vir a ter filhos afetados e filhas portadoras. possvel realizar diagnstico pr-natal de certeza atravs da anlise de DNA extrado de vilosidades corinicas, ao redor de 10 semanas de gestao. b) Se a me no tiver deleo em sangue perifrico existe ainda um risco de mosaicismo gonadal que varia de acordo com o stio da deleo (Passos-Bueno et al., 1992). Se for no incio do gene, o risco para um feto de sexo masculino de cerca de 15%; se for na regio central do gene, o risco para um feto de sexo masculino de cerca de 2%. c) Se uma irm de afetado no tiver deleo

em sangue perifrico, o risco de que seja portadora desprezvel. 2) O paciente caso isolado e no tem deleo no gene da distrofina Nestes casos compara-se o cromossomo X (atravs de marcadores polimrficos de DNA ao longo do gene da distrofina) do afetado com outros indivduos da genealogia. As pessoas a serem analisadas e a estimativa de risco gentico dependem da estrutura da famlia. 3) Existe histria familiar compatvel com herana ligada ao X Nesta situao todas as mes de afetados so portadoras certas do gene (risco de 50% para descendentes de sexo masculino) e todas as irms tm risco de 50% de serem portadoras (Zatz et al., 1989). O exame de DNA a ser realizado vai depender da presena ou no de deleo no afetado.

Distrofias tipo cinturas


As distrofias tipo cinturas (limb-girdle muscular dystrophies) constituem um grupo heterogneo de doenas caracterizadas por uma fraqueza proximal das cinturas dos membros (cintura plvica e escapular) e do tronco, sem comprometimento dos msculos faciais ou da inteligncia. J foram identificados 15 genes responsveis por este quadro clnico, seis com herana autossmica dominante e nove com herana autossmica recessiva (Bushby, 1999; Moreira et al., 1997; Neuromuscular Disorders, 2000; Weiler et al., 1998). um exemplo de heterogeneidade gentica no-allica, isto , genes diferentes resultando em um fentipo semelhante. As formas dominantes so relativamente raras e constituem menos de 10% dos casos (Bushby, 1999; Passos-Bueno et al., 1999; Zatz et al., 2000). Dentre as formas recessivas, distingue-se um subgrupo, as sarcoglicanopatias, normalmente associadas a um quadro clnico, em geral, mais severo, semelhante forma Duchenne. Por este motivo, estas formas tambm so classificadas como Duchenne-like (Azibi et al., 1993; Passos-Bueno et al., 1999). Existem quatro formas de sarcoglicanopatias, causadas por mutaes nos genes que codificam quatro glicoproteinas associadas a distrofina formando o complexo distrofina-glicoproteinas associadas. So elas: a LGMD2C que codifica a sarcoglicana, a LGMD2D, que codifica a -sarcoglicana, a LGMD2E que codifica a -sarco-

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glicana e a LGMD2F que codifica a sarcoglicana (Azibi et al., 1993; Ben Othmane et al., 1992; Bonnemann et al., 1995; Lim et al., 1995; McNally et al., 1996; Nigro et al., 1996; PassosBueno et al., 1995; 1996; Roberds et al., 1994). Como estas quatro protenas esto interligadas (Ervasti & Campbell, 1991; Vainzof et al., 1996; 1999b) uma mutao que cause ausncia de qualquer uma das sarcoglicanas provoca uma desagregao de todo o complexo, resultando geralmente em um quadro severo de distrofia. Esta observao explica como mutaes em genes diferentes podem causar um mesmo quadro clnico. Com exceo da forma LGMD2D, cujo quadro clnico muito varivel as outras trs sarcoglicanopatias geralmente mostram uma evoluo rpida, e os pacientes dificilmente conseguem andar aps os 16 anos de idade (Moreira et al., 1998; Passos-Bueno et al., 1995 1996; Zatz et al., 2000). Entretanto, existem excees e j foram identificados pacientes com um quadro mais benigno pertencentes a qualquer uma das sarcoglicanopatias. A enzima CK tambm se apresenta muito elevada no soro, principalmente nas fases iniciais. A maioria dos pacientes tem hipertrofia de panturrilhas quando na fase ambulatria. Quando o paciente do sexo masculino e no existe histria familiar o diagnstico clnico indistinguvel da forma Duchenne ligada ao cromossomo X. Por outro lado, em meninas afetadas, que so casos isolados, deve excluir-se uma distrofinopatia. Em todos esses casos, a confirmao do diagnstico depende da anlise das protenas distrofina e sarcoglicanas em biopsia muscular e da anlise de DNA. Nas distrofias tipo cinturas no-sarcoglicanas, o quadro clnico geralmente mais benigno e a maioria dos afetados consegue deambular aps os 16 anos (Passos-Bueno et al., 1996; Zatz et al., 2000) embora o quadro tambm seja muito varivel. As formas j mapeadas so: 1) LGMD2A, no brao longo do cromossomo 15 (Beckmann et al., 1991), que codifica a enzima calpaina-3, tambm denominada calpainopatia (CAPN3). A maioria dos pacientes tem hipertrofia de panturrilhas e consegue andar nas pontas dos ps, mas no nos calcanhares nas fases iniciais do processo. A enzima srica CK apresenta um aumento mdio de 19 vezes, variando entre 2 e 93 (Zatz et al., 2001). As calpainas so proteases e a forma especfica do msculo, a calpaina-3, uma protease ativada pelo clcio (Richard et al., 1995; Spen-

cer et al., 1997; Baghdiguian et al., 1999). Dentre as distrofias de cinturas de herana AR, a LGMD2A a nica forma descrita at o momento cujo produto gnico uma protena com propriedades enzimticas e no uma protena estrutural. A funo da calpaina-3 ainda no est completamente esclarecida, mas trabalhos recentes sugerem que ela poderia estar associada a uma cadeia de eventos levando apoptose. O gene da calpaina tem 24 exons (regies codificadoras do DNA, isto , que so traduzidas em protenas) e at o presente j foram descritas cerca de 100 mutaes patognicas que causam a LGMD2A (Richard et al., 1999). A maioria delas (70%) so nicas em cada famlia, o que torna extremamente difcil o diagnstico desta forma de distrofia a partir do estudo molecular, em casos isolados. Entretanto, a anlise molecular de pacientes brasileiros realizada no nosso laboratrio (dados ainda no publicados) tem mostrado que existem mutaes recorrentes e que a anlise de 5 exons permite confirmar o diagnstico em mais de 70% dos casos (De Paula e col., manuscrito em preparao). Alm da importncia prtica, o estudo da origem das mutaes para diferentes doenas genticas tem sido muito importante em gentica de populaes. Alm disso, a possibilidade recente de se estudar a expresso da calpaina-3 em biopsia muscular tem sido valiosa para confirmao clnica e estudos de correlaes gentipo:fentipo. Estudos realizados em nossos pacientes (Mariz Vainzof, comunicao pessoal) mostraram que a calpaina encontra-se totalmente deficiente em cerca de 70% dos pacientes com LGMD2A e parcialmente deficiente nos outros 30%. Entretanto, um fato intrigante, que embora haja uma correlao entre tipo de mutao, presena ou no da protena calpaina e gravidade do quadro clnico h sempre excees. Isto indica claramente a existncia de outros fatores que modificam a ao primria dos genes. 2) LGMD2B, em 2p (no brao curto do cromossomo 2), codifica a protena disferlina, tambm classificada como disferlinopatia (DYSF) (Bashir et al., 1998; Liu et al., 1998; Anderson et al., 1999). Clinicamente, esta forma de distrofia em geral mais benigna, mas tambm apresenta grande variabilidade inter e intrafamilial. A hipertrofia de panturrilhas rara nesta forma de distrofia e observa-se comumente uma atrofia distal. Uma observao interessante que freqentemente os pacientes perdem a capacidade para andar nas pontas

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dos ps antes de perder a capacidade para andar nos calcanhares. Os nveis sricos da enzima CK podem estar muito elevados (em mdia 36 vezes acima do normal, variando entre 3 e 21 vezes) principalmente nos estgios iniciais 1 (Zatz et al., 2000; 2001). A funo da protena disferlina na patologia da distrofia tipo 2B permanece desconhecida. No msculo esqueltico humano a disferlina localiza-se na membrana da fibra muscular e mostrou-se deficiente em pacientes afetados por esta forma de distrofia. O gene da disferlina muito grande (tem cerca de 55 exons) o que torna, do mesmo modo que na LGMD2A, o diagnstico molecular extremamente difcil, atravs da anlise de DNA, em pacientes isolados. Portanto, hoje o diagnstico diferencial desta forma de distrofia baseia-se no estudo da protena disferlina em bipsias musculares. 3) LGMD2G, mapeada em 17q (Moreira et al., 1997). Esta forma de distrofia foi mapeada em uma famlia brasileira. O quadro clnico bastante varivel, com a idade de incio variando de 9 a 15 anos, e aumento da enzima srica CK de 10 a 30 vezes acima do normal. Os afetados apresentam uma fraqueza importante na musculatura proximal e podem ou no ter atrofia distal. Isto , clinicamente o fentipo pode ser semelhante forma LGMD2A ou LGMD2B (Zatz et al., 2000). Recentemente o produto gnico foi identificado tambm no nosso laboratrio. Trata-se da protena sarcomrica telotonina cuja funo tambm ainda no conhecida (Moreira et al., 1998). O gene da telotonina pequeno (tem s dois exons), e, portanto, vivel em casos suspeitos fazer uma triagem de mutaes para confirmao de diagnstico.

gene, SMN1 (survival motor neuron). O gene SMN1 e uma cpia quase idntica (SMN2) esto localizados em 5p13 e codificam protenas idnticas. Entretanto a cpia SMN2 sofre um processamento alternativo do exon 7 levando a produo de uma protena truncada. A maioria dos pacientes tem delees (nos exons 7 e ou 7/8) do gene SMN1 e aparentemente a severidade do fentipo modulada pelo nmero de cpias de SMN2. O estudo molecular do gene SMN1 em 281 pacientes brasileiros com diagnstico de AEP mostrou a seguinte freqncia de delees: 34 em 43 (~80 %) no grupo I; 51 em 101 (~50 %) no grupo II; e 23 em 54 (42.6%) no grupo III. Alm disso, a anlise de DNA extrado de vilosidades corinicas em 16 casos encaminhados para o nosso laboratrio para diagnstico prnatal, mostrou que quatro fetos eram portadores de deleo no gene SMN. Pacientes afetados por DMC e AEP podem ter um quadro clnico muito semelhante, principalmente nas formas adultas. Alm disso, a atividade da enzima srica CK pode apresentar-se aumentada nas AEPs, com valores semelhantes aos encontrados nas DMC. Na prtica, a anlise molecular do gene SMN tem se mostrado extremamente importante para confirmao do diagnstico clnico e diagnstico diferencial sem necessidade de exames mais invasivos.

Diagnstico diferencial nas DMPs e Aconselhamento Gentico


Em pacientes isolados, nos quais o estudo de DNA exclui uma distrofinopatia, o estudo de protenas musculares fundamental para diferenciar este grupo de distrofias, das formas de herana ligada ao X, para o aconselhamento gentico, como exemplificado abaixo: 1) Nas formas AR, pais de crianas afetadas tm um risco de 25% de vir a ter outro descendente afetado, independentemente do sexo, enquanto nas distrofinopatias ligadas ao X s existe risco para descendentes de sexo masculino. 2) O risco para a descendncia de irms normais de afetados nas formas AR desprezvel (desde que no se casem com consangneo) e pode ser de at 50% na DMD/DMB, independentemente de casamento (se a irm for portadora da mutao presente no seu irmo). 3) No caso de herana AR, s existe risco

Diagnstico diferencial entre distrofias tipo cinturas e atrofia espinhal progressiva (AEP)
As atrofias espinhais progressivas (AEP), de herana autossmica recessiva, constituem a forma mais comum de doena do neurnio motor em crianas e jovens adultos. Sua incidncia de cerca de 1/10.000 e a freqncia de heterozigotos de cerca de 1/50. As AEPs so classificadas em trs grupos: tipo I ou Werdnig-Hoffmann (WH), que a mais severa; tipo II ou forma intermediria; tipo III ou Kugelberg-Welander (KW) que a menos grave. As trs formas so condicionadas por um mesmo

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para aquele casal, enquanto na DMD/DMB, se a me do afetado for portadora, o risco para a sua futura prole independe do casamento.

Distrofia fcio-escpulo-humeral (DFSH)


Essa forma de distrofia, de herana autossmica dominante, caracteriza-se por um envolvimento predominante da musculatura facial e da cintura escapular, com uma grande variabilidade inter e intrafamilial (Van Deutekom, 1996). Alguns pacientes tm uma forma extremamente leve que pode se limitar a uma fraqueza na face ou na cintura escapular durante a vida toda enquanto outros podem ter incio na infncia e uma progresso rpida com perda precoce da ambulao. Em mdia, entretanto, a progresso muito lenta e a maioria dos pacientes tem uma sobrevida normal. O gene da DFSH foi localizado no cromossomo 4, mas o mecanismo molecular ainda no conhecido. Nos pacientes afetados ocorre uma deleo de seqncias repetidas de 3.3kb. Existe uma correlao entre o tamanho da deleo e a severidade do quadro clnico embora numa mesma famlia todos os afetados tenham a mesma deleo (Lunt et al., 1995; Wijmenga et al., 1990; 1992). Pesquisas em famlias brasileiras com FSHD mostraram que: a) cerca de 1/3 dos casos so resultantes de mutaes novas; b) a anlise de famlias com duas ou mais geraes sugere que a antecipao (agravamento do quadro clnico em geraes subseqentes) pode ocorrer nesta forma de distrofia; c) os casos mais graves so geralmente resultantes de mutaes novas ou de herana materna (Zatz et al., 1995; 1998). Outro achado intrigante que, apesar de se tratar de um gene autossmico dominante (e que, portanto, deveria afetar igualmente os dois sexos), observamos que o sexo masculino mais freqentemente e, em mdia, mais severamente afetado do que o sexo feminino (Zatz et al., 1998). O estudo molecular de pacientes brasileiros mostrou que esta diferena sexual na freqncia de afetados devida a uma proporo significantemente maior de mulheres portadoras da deleo e que permanecem assintomticas. Ainda no se tem uma explicao para estes achados, mas compreender por que as mulheres so, em mdia, menos afetadas do que os homens vai ser muito importante para futu-

ros tratamentos. Apesar do gene responsvel pela DFSH ainda no ter sido isolado, o mecanismo molecular proposto para explicar esta miopatia seria uma deleo de um nmero integral de cpias de uma seqncia de 3.3kb em tandem. Sugere-se que a funo do gene FSHD poderia estar alterada (ou aumentada) devido a um efeito de posio ou perda das repeties de 3.3kb. Nesse sentido, delees maiores levariam a uma desativao desse gene proximal em uma proporo maior de clulas. possvel tambm que o gene estrutural da DFSH produza transcritos alternativos distintos em diferentes tecidos musculares ou de acordo com a idade (Van Deutekom,1996). Do ponto de vista prtico de aconselhamento gentico, importante salientar que enquanto o gene no for clonado, a anlise do fragmento 4q35 s possvel: a) em famlias com mltiplos afetados ou b) nos casos isolados, quando for possvel confirmar que um fragmento de tamanho reduzido encontrado no probando est ausente nos seus pais. Por outro lado, sabe-se que pacientes afetados tm um risco de 50% de passar o gene defeituoso para a sua descendncia. Entretanto, o aconselhamento gentico nas famlias em risco complexo, pois deve levar-se em conta a possibilidade de antecipao clnica e tambm a diferena de manifestao de acordo com o sexo do afetado. Isto , no possvel prever a severidade do quadro clnico em crianas portadoras da mutao. Por este motivo, do ponto de vista tico, a conduta tem sido de no testar crianas assintomticas em risco enquanto no houver um tratamento preventivo.

Distrofia miotnica de Steinert


A distrofia miotnica de Steinert (DMS), uma patologia multissistmica, a forma mais comum de distrofia muscular do adulto com uma incidncia estimada em 1 em cada 8.500 indivduos. A herana autossmica dominante e a idade de incio pode variar desde o nascimento (distrofia miotnica congnita) at aps os 60 anos de idade com quadro clnico extremamente varivel. Uma caracterstica importante a presena de antecipao clnica, isto , em genealogias com vrias geraes observa-se um aparente aumento de severidade (e/ou idade de incio mais precoce) em geraes sucessivas.

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De acordo com a idade de incio e os sintomas, os afetados so classificados em diferentes subgrupos (Harper & Dyken, 1972; Harper, 1989), a seguir discriminados: 1) Forma tardia, leve ou senil, com incio geralmente aps os 50 anos. Os sinais clnicos podem limitar-se a uma catarata, calvcie frontal com um mnimo ou sem comprometimento muscular. 2) Forma clssica, com incio na adolescncia ou na terceira dcada, caracterizada por fraqueza e atrofia muscular da musculatura esqueltica, fenmeno miotnico (dificuldade para relaxar os msculos quando contrados, particularmente abrir as mos), calvcie frontal precoce principalmente no sexo masculino, atrofia testicular, podendo haver comprometimento intelectual. Os sinais clnicos neste subgrupo so extremamente variveis, podendo ocorrer diabete e comprometimento da musculatura lisa com envolvimento gastrointestinal e do trato urinrio. Complicaes cardacas, particularmente defeitos de conduo e arritmias so freqentes e constituem uma causa importante de bito. Cerca de 80-85% dos pacientes com a forma clssica ou precoce tm alteraes no eletrocardiograma. 3) Forma severa infantil com incio na primeira dcada com fraqueza facial, retardo mental importante e comprometimento muscular importante. 4) Forma congnita grave com hipotonia grave ao nascimento, dificuldades respiratrias e de deglutio, retardo mental importante e atraso no desenvolvimento motor. interessante observar que geralmente a hipotonia e a funo motora melhoram durante a primeira infncia, mas os sintomas clssicos de distrofia miotnica tendem a reaparecer na segunda dcada. Existem tambm casos atpicos onde se observa, na primeira dcada, somente retardo mental importante sem outros sinais clnicos, indicando, portanto, a importncia de se testar este gene em casos onde foram excludas outras causas de retardo mental. O mecanismo molecular responsvel pela DMS, cujo gene foi mapeado em 19q uma expanso de um trinucleotdeo (CTG)n na regio 3 no-traduzida do gene que codifica uma protena quinase ou DM-PK (Aslanidis et al., 1992; Brewster et al., 1998; Brook et al., 1992; Buxton et al., 1992; Fu et al., 1992; Harley et al., 1992a; Mahadevan et al., 1992; Novelli et al., 1993a). Indivduos normais podem ter de 5 at

37 repeties (CTG) n. Pacientes afetados podem ter de 50 at 8.000 repeties e existe uma correlao entre o tamanho da expanso em DNA de sangue perifrico e a severidade do quadro clnico. Este tipo novo de mutao foi denominado mutao dinmica e hoje se conhecem vrias doenas que so causadas por este mecanismo patolgico, isto , por genes dinmicos (como a Coria de Huntington, as vrias formas de ataxias espinocerebelares e a doena de Kennedy entre outras). Quando o gene se torna instvel, existe uma tendncia para um aumento da expanso em geraes sucessivas, o que fornece uma explicao biolgica para o fenmeno da antecipao (Ashizawa et al., 1992a; 1992b; Harley et al., 1992; Fu et al., 1992). Esta variabilidade no tamanho das expanses explica as diferenas na severidade clnica observada na DMS, isto , como uma mutao, em um mesmo loco, pode resultar em fentipos to distintos. Entretanto, importante salientar que a correlao no linear e, portanto, o tamanho da expanso CTG em sangue perifrico no pode ser utilizado como prognstico da severidade clnica. Alm disso, o estudo de fetos portadores da mutao mostrou uma grande variabilidade no tamanho da expanso em diferentes tecidos que confirma a heterogeneidade somtica (Anvret et al., 1993; Ashizawa et al., 1993). Em pacientes afetados, inclusive da populao brasileira, observou-se que a expanso sempre maior no msculo e fibroblastos (Thornton et al., 1994; Passos-Bueno et al., 1995; Zatz et al., 1995b; 1996) do que no sangue. Entretanto, os mecanismos que levariam a uma expanso tecido-especfica diferencial no so conhecidos. Alm disso, no observamos, principalmente em adultos, uma correlao entre o tamanho da expanso no msculo e a expanso CTG no sangue ou com a severidade do quadro clnico. Observou-se tambm que existe uma expanso (CTG)n contnua com a idade (Martorel et al., 1995), mas ainda no se sabe se esta explicaria o porqu da progresso da doena. De qualquer modo, esta heterogeneidade do tecido especfica explica porque o tamanho da expanso em sangue perifrico no pode ser usado como prognstico clnico. A partir de experimentos em nvel de DNA, RNA e protena, vrias hipteses foram propostas para explicar os mecanismos patolgicos resultantes da expanso CTG tais como: a) a expanso CTG levaria a um efeito de dose

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monognico, isto , afetando somente a expresso da DM-PK; b) a expanso afetaria a expresso de vrios genes simultaneamente, isto , seria uma sndrome causada por genes contguos; c) a expanso CTG teria efeitos transdominantes em nvel de RNA; d) a expanso CTG teria efeitos detrimentais na funo celular e na replicao celular. Existe, entretanto, muitos resultados conflitantes, j que estudos diferentes em pacientes afetados j descreveram um aumento, uma diminuio ou uma expresso inalterada dos nveis de RNA do gene DM-PK. Uma possvel explicao para estes achados disparatados a grande dificuldade de se comparar pacientes com mesma idade, sexo e grau semelhante de degenerao muscular. Aspectos genticos: transmisso e antecipao A herana autossmica dominante na DMS, e mutaes novas so raras sugerindo um efeito ancestral fundador. A penetrncia, entretanto, no completa, pois, alguns indivduos com a mutao podem permanecer assintomticos ou quase durante toda a vida. Curiosamente, existe diferena na transmisso de acordo com o sexo (Ashizawa et al., 1994a; 1994b; Carey et al., 1994; Chakraborty et al., 1996; Cobo et al., 1993; Gennarelli et al., 1994; Jansen et al., 1994; Lavedan et al., 1993b; Zatz et al., 1997). Uma delas que a forma congnita grave transmitida quase que exclusivamente pelo sexo feminino. Por outro lado, existe um excesso significante de afetados do sexo masculino, o que tambm foi confirmado por ns na populao brasileira. Alm disso, esta distoro de segregao mais evidente para descendentes de homens do que mulheres com DMS. A observao de que o alelo mutado mais freqentemente transmitido para o sexo masculino do que para o feminino fornece uma explicao para o excesso de homens nas famlias de afetados. Outro achado interessante a baixa incidncia da DMS observada por ns na populao brasileira de origem africana em comparao com a populao caucaside ou oriental. Esta observao suporta os achados de Goldman et al. (1994) que no identificaram pacientes com DMS na populao negride da frica do Sul. De acordo com estes autores, a ausncia de DMS nessa populao explica-se porque o nmero mximo de repeties (CTG)n encontrada na populao normal foi de 22. Isto , estaria abaixo do limite de 37 repeties quando aparentemente o gene co-

mea a mostrar-se instvel com tendncia a expandir-se. O estudo da transmisso do gene da DM em genealogias com vrias geraes mostrou que em cerca de 80% dos casos, observa-se antecipao clnica (isto , o incio mais precoce e o quadro mais severo) acompanhada por um aumento mdio da repetio CTG (no sangue perifrico) em geraes sucessivas. Alm disso, os maiores aumentos so geralmente transmitidos pela me, o que explicaria porque a forma congnita quase exclusivamente de origem materna. Por outro lado, j foram descritos exemplos em que o tamanho da expanso no sangue perifrico era menor nos descendentes afetados do que na gerao parental, isto , h uma contrao da expanso (Abeliovich et al., 1993; Ashizawa et al., 1993; Brunner et al., 1993a). Observou-se tambm que as contraes ocorrem mais freqentemente na transmisso de origem paterna (cerca de 10%) do que de origem materna (cerca de 3%). Alm disso, as maiores expanses paternas tm maior tendncia a se contrair durante a transmisso. Os dados sugerem que existe um limite no nmero de repeties CTG em espermatozides viveis, isto , haveria uma seleo contra espermatozides com expanses acima de um determinado tamanho (Jansen et al., 1994). Isto explicaria porque descendentes de pais com expanses maiores do que 1.5kb tendem a ter expanses menores do que seus pais afetados. Alm disso, homens com expanses grandes so freqentemente estreis, impedindo, portanto, a transmisso destas para as geraes sucessivas. Heterogeneidade gentica Na maioria das famlias (cerca de 98%) com afetados pela DMS, o estudo molecular confirma tratar-se do gene DM-PK. Entretanto, j foi mapeado um outro gene, em 3q, em uma famlia com vrios afetados e quadro clnico muito semelhante a DMS. Este gene foi classificado como DM2 (ou DMS2) ou PROMM (Ranum et al., 1998). Embora seu produto ainda no tenha sido identificado, a observao de antecipao clnica sugere tratar-se tambm de um gene dinmico, o que acaba de ser confirmado (Ranum et al., 2001, comunicao em congresso). Portanto, em afetados nos quais no for encontrada expanso (CTG) no gene DM-PK importante suspeitar-se de heterogeneidade

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gentica e testar o gene DMS2/PROMM. Outras doenas em que ocorre miotonia incluem a miotonia de Thomsen, e a paramiotonia congnita, mas o diagnstico diferencial muitas vezes possvel por meio de estudos clnicos e/ou pelo modo de herana (Moxley, 1996). Diagnstico molecular e Aconselhamento Gentico Em indivduos clinicamente afetados, o diagnstico molecular s pode ser confirmado por tcnica de Southern blot, pois expanses grandes no so visveis atravs de PCR (reao em cadeia da polimerase). Nas pessoas em risco (assintomticas), o diagnstico molecular pode ser iniciado por tcnica de PCR e de acordo com os resultados, confirmado atravs de tcnica de Southern blot. Por exemplo, em indivduos normais, que so heterozigotos para o nmero de repeties CTG, observam-se duas bandas ntidas atravs de tcnica de PCR. Entretanto, uma nica banda pode ser observada tanto em indivduos normais homozigotos (isto , onde os dois alelos tm o mesmo nmero de repeties CTG) como em indivduos afetados (pois alelos expandidos no so visualizados pela tcnica de PCR). Portanto, toda vez que for observada uma nica banda em um caso suspeito, o resultado precisa ser confirmado por tcnica de Southern blot. O aconselhamento gentico em famlias de afetados complexo, pois a confirmao do diagnstico, principalmente em indivduos assintomticos ou pouco afetados dificilmente aceita e o apoio psicolgico muitas vezes necessrio. Por outro lado, o diagnstico precoce importante para prevenir as complicaes cardacas que so freqentes nos afetados. Alm disso, importante alertar mulheres portadoras do alelo mutado em relao ao maior risco de ter descendentes com a forma congnita grave. O diagnstico pr-natal tambm possvel atravs da anlise da expanso CTG em DNA extrado de vilosidades corinicas. Entretanto, no possvel prever qual ser a gravidade do quadro clnico em um feto portador da mutao particularmente levando-se em conta a grande heterogeneidade somtica no tamanho da expanso.

O uso de clulas-tronco e clonagem teraputica Como acabamos de ver, o estudo do Genoma Humano vai nos ajudar a entender como nossos genes funcionam quando normais e patolgicos, como interagem entre si e com o ambiente. Vai ser fundamental para o desenvolvimento de novos tratamentos. A terapia gnica, isto , a substituio de um gene defeituoso por sua cpia normal, talvez demore um pouco. Entretanto, recentemente, descobriu-se que clulas ainda no-diferenciadas (stem cells ou clulas-tronco) presentes, por exemplo, na medula ssea ou no cordo umbilical de um recm-nascido podem manter a capacidade de diferenciar-se em outros tecidos como o muscular ou nervoso. Esta descoberta abre novas esperanas de tratamento para inmeras doenas hematolgicas e degenerativas como as doenas neuromusculares, pois permitir que clulas normais de um doador externo (transplante heterlogo) ou que clulas modificadas do prprio indivduo doentes (transplante autlogo) sejam capazes de atingir todos os rgos e tecidos afetados atravs da corrente sangnea. Portanto, estabelecer bancos de cordes em vrios estados brasileiros hoje uma prioridade, principalmente considerando-se a sua importncia e utilidade j comprovada no caso de doenas hematolgicas. Entretanto, o uso de embries para obteno de clulas-tronco (clonagem teraputica) tem gerado muitas discusses. As pesquisas com embries de at 14 dias, para clonagem teraputica, foram permitidas na Gr Bretanha. importante salientar que, ao contrrio da clonagem reprodutiva, estes embries nunca sero implantados no tero, mas sim direcionados para fabricar tecidos ou rgos e no novas vidas humanas. Sabemos que milhares de embries, gerados por casais que procuram clnicas de fertilizao, so descartados todo ano. Por que no utiliz-los para tentar salvar vidas? Pesquisas recentes mostram resultados que parecem muito promissores. Um grupo israelense mostrou recentemente (Kehat et al., 2001) que clulas embrionrias em cultura conseguem transformar-se em clulas cardacas, o que abre possibilidades teraputicas enormes tanto para patologias genticas como para doenas adquiridas. Entretanto, os argumentos contra o uso de

Perspectivas futuras e aspectos ticos

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embries para clonagem teraputica so: Pode abrir caminho para clonagem reprodutiva humana Pode gerar um comrcio de embries que seriam fabricados apenas para esta finalidade Destruir embries significa destruir vidas A questo tica que se coloca ento : Quando comea a vida? No momento da fertilizao? Nesse sentido importante lembrarmos que a chance de que um embrio fertilizado, implantado em um tero materno, se transforme em vida menor do que 10%. Por outro lado, a chance de que um embrio fertilizado em um laboratrio, que no foi implantado, se transforme em vida ZERO. No se pode destruir uma vida para salvar outra, dizem os religiosos. Mas, se no utilizarmos embries que so normalmente descartados para tentar salvar vidas, no estaremos destruindo duas vidas?

Testes genticos e testes preditivos


Quem deve ser testado? Uma das aplicaes prticas mais importantes do projeto Genoma Humano, como vimos, o desenvolvimento de testes genticos para diagnstico e para preveno (a partir da identificao de casais em risco). O diagnstico molecular tem sido possvel para um nmero crescente de doenas genticas o que, em muitos casos, tem sido muito til, pois permite confirmar o diagnstico evitando outros exames que podem ser invasivos e pouco informativos. Alm disso, a identificao de mutaes patognicas em indivduos assintomticos contribui para prevenir o nascimento de novos afetados o que fundamental para doenas graves ainda incurveis. Entretanto, como veremos abaixo, existem trs situaes muito distintas do ponto de vista tico em relao a pessoas, clinicamente normais, que se submetem a testes genticos. 1) Portadores de mutaes que tm risco de vir a ter descendentes afetados, mas que permanecero assintomticos durante toda a vida. 2) Portadores de mutaes em indivduos ainda assintomticos, mas com risco de vir a ser afetados por doenas de manifestao tardia, ainda sem tratamento e, alm disso, de transmitir a mutao para seus descendentes. 3) Indivduos com risco aumentado de vir a ser afetados por doenas de manifestao tardia potencialmente tratveis.

Na primeira situao, a identificao de casais em risco permite que ele planeje a sua futura prole e evite o nascimento de um afetado. Entretanto, questes ticas, que surgem em situaes reais so: Quando oferecer testes? Como evitar os interesses puramente comerciais? Por exemplo, comum casais de primos, serem encaminhados para um servio de gentica. Se o levantamento da genealogia no revelar a existncia de doenas recessivas na famlia, no h motivo para se realizar testes genticos porque o risco emprico de 10-12% no ser alterado com a realizao desses testes. importante salientar que quanto mais comum a doena na populao (como, por exemplo, a fibrose cstica ou a anemia falciforme) menor a influncia relativa da consanginidade. Realmente em um estudo recente de 227 casais que tiveram filhos afetados por fibrose cstica (Bernardino et al., 2000), observamos que 92% dos casos tinham nascido de pais no-consangneos. Alm disso, uma criana afetada, filha de primos em primeiro grau, tinha herdado duas mutaes diferentes. Outras questes eticamente importantes so: At onde vai nosso direito de interferir? Se for descoberto, por acaso, uma falsa paternidade, no caso de um casal que procura o aconselhamento gentico porque teve uma criana afetada, devemos contar? Quando contar? Podemos negar a fazer um teste gentico? O princpio da confidencialidade, que uma das regras do aconselhamento gentico, protege quem? A segunda situao sempre mais complicada, principalmente no caso de doenas dominantes de manifestao tardia, ainda sem tratamento, como a Coria de Huntington ou as degeneraes espino-cerebelares. Nesses casos, os portadores da mutao deletria, alm do risco de 50% de transmiti-la a sua prole, tambm sero afetados. Isto , so testes tambm preditivos. Aps vrias discusses ticas a respeito, o consenso internacional de no realizar estes testes em crianas assintomticas para doenas de incio tardio, para as quais ainda no h tratamento. Isto porque ao aplicar um teste em uma criana, estamos tirando-lhe o direito de decidir mais tarde se quer ou no ser testada. Mas, e no caso de adultos, qual o benefcio do teste preditivo? Se o consulente j passou da idade reprodutiva e continua assintomtico, por que saber de antemo que ser afetado se nada pode ser feito a respeito? importante lembrar que com raras excees, as pes-

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soas querem ser testadas na expectativa de um resultado negativo, isto , que o teste revele que no so portadoras da mutao. J no caso de jovens, o resultado de um teste pode ser extremamente importante para planejar a sua futura prole e cada caso precisa ser discutido na tentativa de avaliar se o consulente est preparado para um resultado desfavorvel. Na terceira e ltima situao, saber que temos predisposio gentica (risco aumentado) para doenas potencialmente tratveis como certos tipos de cncer, hipertenso ou diabete pode ser muito importante para futuros tratamentos. Nesse sentido, uma outra rea que promete revolucionar a medicina ser a farmacogentica, que estuda por que temos reaes to diferentes a drogas, indo desde uma ausncia de resposta at reaes to adversas que podem causar bito. o caso, por exemplo, da hipertermia maligna, uma reao violenta a certos anestsicos que causa uma morte rpida se no houver uma interveno imediata. No futuro prximo, em vez de sermos cobaias cada vez que experimentamos uma medicao nova, os remdios sero receitados de acordo com o perfil gentico de cada um. Mas, novamente, a aplicao destes testes abre questes ticas muito importantes. Por exemplo, j foram identificados, dois genes, o BRCA1 e o BRCA2, responsveis pelas formas hereditrias de cncer de mama. Mulheres com mutaes em um destes genes tm um risco de 80-90% de chance de vir a desenvolver cncer e, portanto, o teste importante para aquelas que tem vrios casos na famlia, principalmente de incio precoce. Entretanto, o risco (life time risk) de que qualquer mulher venha a desenvolver cncer de mama durante a vida de 10%. Portanto, se uma mulher sem histria familiar de cncer de mama for testada para os genes BRCA1 e BRCA2 e se nenhuma mutao for detectada, o seu risco de vir a desenvolver cncer de mama continua praticamente o mesmo. A questo tica : ser que as pessoas testadas sabem disso? Tirar o sangue de uma pessoa pode levar um minuto. Entretanto, devemos sempre lembrar que os resultados de um teste gentico no mudam com o tempo e seu impacto pode influenciar o futuro de uma pessoa ou de toda uma famlia. Por isso, antes de um exame, a pessoa deve ser informada: 1) Para o que est sendo testada? 2) O que significa um resultado positivo?

3) O que significa um resultado negativo? 4) Qual a vantagem em ser testado? 5) O que pode ser feito a respeito? Esta discusso pode levar horas, mas ela deve estar acima de qualquer interesse comercial. Diagnstico pr-natal e interrupo da gestao Casais ou famlias que j tiveram filhos ou parentes afetados por uma doena gentica podem, por meio de testes genticos, saber se correm o risco de vir a ter outros descendentes com o mesmo problema e planejar a sua futura prole. Os casais em risco que desejam ter seus prprios filhos podem se submeter ao diagnstico pr-natal (DPN). Este permite diagnosticar ao redor da dcima semana de gestao se o feto herdou o gene mutado. Ao contrrio do que se imagina, a nossa experincia tem mostrado que o DPN de certeza tem salvado muitas vidas normais no caso de casais que optariam por interromper uma gestao no caso de dvida. Por outro lado, se for descoberto que o feto portador de uma mutao responsvel por uma doena grave e irreversvel, incompatvel com uma vida normal, justo conden-la a nascer para uma vida de sofrimento? Devemos nos conformar ou batalhar para que a nossa legislao acompanhe os avanos cientficos? Isto , que apie a interrupo mdica da gestao em casos de fetos com doenas genticas graves e irreversveis, desde que este seja o desejo dos pais? Em resumo, devemos sempre lembrar que os resultados de um teste gentico no mudam com o tempo e seu impacto pode influenciar o futuro de uma pessoa ou de toda uma famlia. Por isso, estes e outras questes ticas devem ser discutidas com toda a sociedade. 1) Quem deve regular a produo de testes genticos, a sua qualidade e o acesso populao? 2) Quem deve ser responsvel pela interpretao dos resultados e pelo aconselhamento gentico? 3) Quando oferecer testes? 4) Quem vai controlar a confidencialidade dos resultados? Empregadores e companhias de seguro-sade tero acesso s informaes? 5) Quem vai controlar os aspectos ticos relacionados aos avanos genticos? 6) Como impedir que prevaleam os interesses comerciais?

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Agradecimentos
Gostaramos de expressar nossos profundos agradecimentos, pela inestimvel colaborao, convvio e companheirismo de muitos anos, s seguintes pessoas: dra. Mariz Vainzof, dra. Maria Rita Passos-Bueno, dra. Rita de Cssia Pavanello, dr. Ivo Pavanello, Antnia Cerqueira, Marta Canovas e Constancia Urbani. Este trabalho foi financiado pela F APESP, CNPq e PRONEX.

Referncias bibliogrficas
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