Artigo Testesgeneticos 0 PDF
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Texto preparado por: Ana Cristina Girardi, Angela May Suzuki, Claudia Costa, Eduarda
Morgana Montenegro, Elisa Varella Branco, Debora Bertola, Maria Rita Passos-Bueno.
Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), Instituto
de Biociências, USP.
Pais de filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) nos perguntam com frequência: “por
que os médicos não pedem testes genéticos para crianças com autismo?".
A pergunta faz todo sentido porque o TEA está fortemente ligado à genética. Não há dúvidas
de que o DNA – o material genético herdado dos pais e que está em cada uma das células dos
filhos – pode ter alterações que causam o autismo.
Essas alterações podem vir de um ou dos dois pais, ainda que sejam saudáveis ou que
apresentem apenas sinais muito discretos de TEA. Em outros casos, surgem na formação do
óvulo ou do espermatozoide e, portanto, estão apenas na criança. São mutações novas,
chamadas de variantes "de novo", e têm maior chance de serem a causa do autismo. As
mutações, ou alterações, também podem ser chamadas de variantes genéticas.
Quando os testes genéticos mostram as causas do autismo, os pais relatam que foi importante
saber a origem do transtorno dos filhos. Mas, infelizmente, só uma em cada 10 pessoas terá
uma resposta tão clara a partir dos exames. Isso acontece nos casos que envolvem mutações
em apenas um gene, chamadas de monogênicas (mono = 1; monogênico = de um gene), ou
Mendelianas. Como por exemplo o gene SHANK3, que contém a informação para o corpo
produzir uma proteína envolvida no contato entre os neurônios. Alterações no gene SHANK3
podem levar ao mau funcionamento dessa proteína.
Na grande maioria das vezes, porém, a origem do TEA é muito variada. Há casos que
dependem de mais de uma mutação – e indivíduos diferentes podem ter mutações diferentes,
tal modelo é chamado de oligogênico (oligo = alguns, poucos; oligogênico = de alguns genes)
As variantes também podem estar fora dos genes e influenciar o funcionamento deles,
trazendo consequências para o autismo. Além disso, o transtorno do espectro autista pode vir
da soma dos fatores genéticos com os ambientais, em um modelo chamado multifatorial (multi
= muitos; multifatorial = de muitos fatores). As figuras adiante ajudam a entender.
Nas situações que dependem de vários genes ou fatores, pouco se sabe sobre quais e quantas
mutações por pessoa são necessárias para causar o TEA. Suspeita-se de que haja variantes
de efeito menor e outras de efeito maior. Por causa de tanta complexidade, o conhecimento
sobre as causas genéticas do autismo tem exigido muito trabalho, altos custos e evoluído
lentamente.
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Mesmo o diagnóstico sendo clínico, alguns testes genéticos podem ser recomendados.
Quando os resultados são conclusivos, os testes costumam ter um impacto bastante positivo
sobre a família. Eles permitem:
a) estabelecer um diagnóstico mais preciso;
b) fazer o planejamento familiar, se o casal quiser mais filhos. Com a origem do TEA
conhecida, passa a ser possível estimar o risco de ocorrer outro caso na família. A
partir daí é oferecido o aconselhamento genético e, em caso de fertilização in vitro,
pode ser feito o diagnóstico antes da implantação do embrião no útero da mãe;
c) fornecer informações para que cientistas pesquisem e desenvolvam medicamentos
que, no futuro, compensem o problema causado pela mutação genética do autismo.
d) tomar conhecimento de condições médicas relacionadas a síndromes que têm o
comportamento autista como uma das características.
Porém é necessário lembrar que, na maioria dos casos, os resultados não serão conclusivos e
podem ser motivo de frustração para a família. Principalmente porque alguns exames são
muito caros. Por isso, é importante que todos saibam quais informações cada teste pode
oferecer, para quem é recomendado e quais suas limitações.
O autismo é um dos sintomas da síndrome do X-frágil, uma doença genética causada por
mutações no gene FMR1 que podem provocar deficiência intelectual. Ela não tem tratamento e
afeta cerca de 1 a cada 4 mil homens e 1 a cada 7 mil mulheres.
O custo do teste para a síndrome do X-frágil varia entre R$ 960,00 e R$ 1.860,00 e pode ser
coberto por convênios médicos.
As variações são mutações nessas bases nitrogenadas. Ocorrem basicamente três situações:
uma base nitrogenada é substituída por outra; o DNA perde bases (deleções); ou o DNA ganha
bases (duplicações). Quando envolvem a deleção ou a duplicação de um bloco de bases ( de
pelo menos 1000 bases), recebem o nome de "variações de número de cópias" dessas bases
ou, em inglês, copy number variations - CNVs.
2.2) O microarray genômico é pelo menos 10 vezes mais preciso, ou seja, identifica também
modificações menores, que envolvem menos bases.
A interpretação destes resultados é difícil e deve ser realizada por geneticistas ou profissionais
com treinamento na área de genética.
Recomenda-se o microarray genômico nos casos em que o teste para a síndrome do X-frágil
for negativo. O custo médio para a realização desse teste varia de R$ 4.000,00 a R$ 6.500,00.
No Brasil, os convênios não cobrem o microarray genômico antes de um resultado normal tanto
do cariótipo, quanto para a síndrome do X-frágil, segundo determina a ANS (Agência Nacional
de Saúde Suplementar) no rol de procedimentos e eventos em saúde de 2016.
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3) Sequenciamento de DNA
As técnicas de sequenciamento do DNA são ainda mais exatas. Elas mostram erros genéticos
pequenos, como troca de uma ou poucas bases no DNA, pequenas deleções ou inserções.
Podem ser de dois tipos.
Aqui vale uma ressalva: quando se conhecem bem os mecanismos genéticos envolvidos na
doença, como nas displasias esqueléticas ou nas doenças neuromusculares, o recomendado é
usar painéis de genes, porque eles contêm apenas os genes associados a esses distúrbios e
são mais baratos. Não é o caso do autismo.
A análise do SCE é muito trabalhosa. A partir dos milhões de dados gerados sobre cerca de 20
mil genes daquela pessoa, os geneticistas procuram mutações em 100 genes que já se sabe
que são causadoras do TEA. Além disso, precisam comparar os dados do paciente com os de
indivíduos sem o transtorno, em busca de diferenças. Diante da quantidade de informação, da
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Esta porção não codificante de proteína corresponde a cerca de 98% de todo o material
genético e foi por muitos anos chamada de “DNA lixo”. Com o avanço do conhecimento, ficou
claro que o DNA não codificante tem um papel importante para regular os genes e,
consequente, influência a produção de proteínas.
Para os casos de TEA, porém, esse teste não é recomendado atualmente. Ainda conhecemos
pouco sobre o impacto das mutações nas regiões não codificantes sobre o autismo. Por isso,
na maior parte das vezes, o sequenciamento completo do genoma não traz um resultado mais
informativo do que o sequenciamento completo do exoma.
Os resultados dos testes genéticos em geral não mudam as formas de tratamento para o
indivíduo com TEA. O benefício principal é no aconselhamento genético para o planejamento
familiar e no esclarecimento da origem do autismo.
As famílias devem sempre ser informadas quanto à existência dos testes genéticos e das
possíveis vantagens e desvantagens envolvidas em cada um deles. A realização de testes
mais complexos, como o SCE, deve ser amplamente discutida com a família para que esta
tome uma decisão consciente.
Por fim, é importante ressaltar que a ausência de um resultado conclusivo não significa que o
indivíduo não se enquadre no espectro de TEA. Dada a complexidade do modelo genético do
autismo e o limite do conhecimento atual, é importante que o aconselhamento genético à
família seja efetuado antes e depois dos exames, também para ajudar a interpretar dos
resultados.
Este texto usou como principais fontes bibliográficas os seguintes artigos: ● Bourgeron T. Nat
Rev Neurosci. 2015 Sep;16(9):551-63. doi: 10.1038/nrn3992. Review. ● Hoang N et al. Patient
Educ Couns. 2017 Jul 29. pii: S0738-3991(17)30468-8. doi: 10.1016/j.pec.2017.07.029. ● Reiff
et al.J Autism Dev Disord (2015) 45:3262–3275. ● Yuen et al. Nat Neurosci. 2017
Apr;20(4):602-611. doi: 10.1038/nn.4524.