Sobre Discurso Foucault Passos 2028
Sobre Discurso Foucault Passos 2028
Sobre Discurso Foucault Passos 2028
3772e35425
2019, v.35, e35425
Psicologia Clínica e Cultura
RESUMO – O artigo discute alguns conceitos fundamentais da arqueologia proposta por Michel Foucault como estratégia
de análise da dimensão discursiva da realidade para, na sequência, apresentar a forma como esse modo de análise do discurso
foi utilizado em uma pesquisa etnográfica concreta. Demarca-se a especificidade da análise foucaultiana do discurso
em relação a outros tipos possíveis, a partir da discussão sumária dos principais resultados alcançados pela pesquisa. O
objetivo é elucidar a pertinência do uso da AD em pesquisas qualitativas, especialmente a etnográfica. Deixa-se sugerida a
necessidade de se abarcar na análise a dimensão genealógica das relações de poder envolvidas em toda prática discursiva.
PALAVRAS-CHAVE: discurso, arquivo, enunciado, formação discursiva, etnografia
ABSTRACT – This study aimed to discuss basic concepts of archeology proposed by Michel Foucault as an analytical
strategy of discursive dimension of reality and to show how this type of discourse analysis (DA) was used in ethnographic
research. We outlined the specificity of Foucault’s discourse analysis in relation to other types of discourse analysis, using
for that a brief discussion of the main results achieved with the research. The goal was to understand the relevance of DA
in qualitative research, particularly ethnographic research. We suggested the need to consider the genealogical dimension
of power relations in every discursive practice.
KEYWORDS: discourse, file, enunciation, discursive formation, ethnography
A noção de discurso tem sido cada vez mais utilizada para atribuíveis a indivíduos, cuja compilação nos permitiria
definir objetos de pesquisa no campo das ciências humanas caracterizar um grupo social específico relacionado a
e sociais. Fala-se em analisar o discurso de profissionais, determinada função social ou situação problemática. Numa
de políticos, de jovens, de mulheres, de trabalhadores etc., concepção empirista do discurso, cada indivíduo seria um
acrescentando-se algum adjetivo que identificaria esses exemplar substituível do grupo. Entender o discurso dessa
sujeitos como relacionados a um determinado campo de forma é o que faz a proposta de análise de conteúdo que,
problemas ou de práticas sociais, como por exemplo: por exemplo, segundo Bauer (2011), não passa de um tipo
mulheres vítimas de violência; jovens em conflito com a lei; de survey (pesquisa de opinião) mais sofisticado. Nada mais
profissionais da saúde; políticos de esquerda, trabalhadores distante da noção foucaultiana de discurso que tal empirismo
da construção civil. Começa aí, na conceituação mesma metodológico.
do termo, uma diferença importante entre a perspectiva Discurso em Foucault é uma dimensão de produção da
foucaultiana de análise do discurso e outras possíveis realidade social, e não uma mera reunião de enunciados no
abordagens discursivas. sentido exclusivamente linguístico, de atos de fala ou de
Para Foucault, o discurso se apresenta como um conceito escrita. Em estreita articulação com uma maneira também
antes de tudo filosófico, muito mais complexo do que a própria de definir enunciado, para além de seu sentido
simples designação de um conjunto de frases ou de falas linguístico corrente que o define como frase ou proposição,
* E-mail: izabelfrichepassos@gmail.com
Submetido: 22/06/2016; Aceito:12/01/2018.
1
ICF Passos
o discurso para Foucault é uma prática sócio-histórica que palavra circula, através de nossas práticas linguageiras, claro
só emerge ou se explicita mediante o exercício da análise. está, mas precisa ser deduzido delas, não são elas.
Como tal, o discurso não está dado imediatamente no que se Na analítica foucaultiana do discurso, explicitada em
diz ou se escreve; tampouco está oculto, pois, manifestando- Arqueologia do saber (1969/1987), que obedece a uma visão
se geralmente, mas não exclusivamente, através de frases não-dialética da história, serão forjadas novas conceituações
e proposições, não se resume ao conjunto dessas frases antropológico-filosóficas para conceitos oriundos de outros
ou proposições enunciadas por alguém. Ao contrário, é o campos, especialmente da Linguística e da História, como os
discurso que encerra o sentido e também a possibilidade de conceitos de enunciado-acontecimento, formação discursiva,
frases e proposições serem enunciadas sob certas condições arquivo e interdiscursividade. Elucidar o sentido dessas
espaço/temporais específicas. noções fundamentais da análise foucaultiana do discurso
O discurso, em Foucault, é uma produção coletiva e tem como propósito a sustentação de uma apropriação dessas
histórica, portanto anônima, que na maior parte do tempo noções pela pesquisa etnográfica. No entanto, tal apropriação
trabalha em silêncio, dando sentido ao que dizemos e só pode ser plenamente compreendida e empreendida à luz
fazemos. Há, portanto, uma inversão do pensamento da evolução das pesquisas histórico-filosóficas de Foucault,
hermenêutico que põe na intencionalidade de um sujeito, o que extrapolaria muito os limites deste artigo. Fica sugerida
ao leitor a indispensável consulta à obra.
seja ele individual ou coletivo, a origem do sentido. Em
O objetivo deste artigo é discutir a pertinência da
Foucault é o discurso, como prática discursiva histórica
utilização do método arqueológico de análise do discurso no
e anonimamente determinada, que define tanto o lugar de
trabalho de pesquisa empírica qualitativa, especialmente a
sujeito quanto o sentido ou sentidos possíveis dos enunciados
etnográfica, sem nos esquecermos da necessária articulação
linguísticos. O discurso é o que emerge ou se dá a ver, a partir
com o método genealógico de análise das relações de poder,
de um trabalho de análise operada sobre material linguístico
das práticas não-discursivas. Neste artigo, me aterei aos
(textos e falas), mas não exclusivamente, pois pode incidir
conceitos arqueológicos por uma razão quase didática.
também sobre visibilidades materiais não-discursivas, como Em minha experiência de pesquisadora e professora,
é o caso da forma arquitetural de um equipamento social, tenho constatado grande dificuldade por parte de jovens
de que é exemplo o modelo do panóptico analisado por pesquisadores de compreender e usar apropriadamente as
Foucault em Vigiar e Punir (1975/1998). noções foucaultianas de análise do discurso, mesmo quando
Certamente, ainda temos muito a aprender sobre como este é o enfoque de eleição.
fazer análises de material iconográfico e sonoro. Falarei Concluirei o artigo com uma tentativa de explicitar
mais adiante da imanência entre práticas discursivas e não- como venho trabalhando com AD, tomando como
discursivas, que, não se reduzindo nem se sobrepondo umas referência o trabalho realizado, com a colaboração de
às outras, requerem métodos específicos de análise. Ficando, outros pesquisadores, no livro Loucura e sociedade
por enquanto, na consideração da dimensão propriamente (Passos, 2009a). Trata-se de uma pesquisa etnográfica, na
discursiva ou linguística, diremos que o discurso não qual trabalhamos sobre o material linguístico levantado
pertence a ninguém que pudesse se arvorar como detentor de através de entrevistas e observações participantes em duas
sua origem ou de seu sentido, menos ainda como seu autor. comunidades que guardam muitas identidades histórico-
As frases e os textos têm autores, não o discurso. O discurso culturais, mas diferentes formas de se relacionarem com a
se (re)produz, se dissipa e se multiplica, ou seja, em uma loucura: as cidades mineiras de Prados e Barbacena.
O objetivo é esclarecer alguns dos principais conceitos como o de sujeito do inconsciente. Foucault, com a noção
definidos por Foucault como compondo sua arqueologia do de formação discursiva, dispensa ambos os conceitos ou
saber, sem os quais não se pode, a rigor, fazer uma AD de sugere grande cautela em sua utilização. O conceito de
tipo foucaultiana. Ao utilizar a sigla AD, estarei, como de ideologia, por três razões principais: (1) nele estar implícita
praxe na literatura, deixando clara minha filiação à análise a distinção entre verdade (ciência) e encobrimento da
do discurso francesa, pois, além de Foucault, considero verdade (ideologia), quando para Foucault existem, isto
de importância fundamental outros autores desta vertente: sim, regimes de verdade e produção de saberes; (2) remeter
Dominique Maingueneau, especialmente. Quanto a Michel para a noção de sujeito, ainda que coletivo, que Foucault
Pêcheux, um dos fundadores da vertente francesa, mesmo pretere, propondo em seu lugar modos de subjetivação; (3)
mantendo interlocução com a obra, tomo distanciamento de manter vínculo com a visão marxista que coloca a ideologia
sua observância de conceitos muito marcados pela tradição como superestrutura numa posição derivada ou reflexa
marxista, como o de ideologia, ou pela da psicanálise, da infraestrutura econômica. Pêcheux, reconhecendo a
paternidade da expressão formação discursiva a Foucault, interessa não se esgota nesse nível de ordenação material.
irá propor conteúdo diferente, no qual ideologia será o Heliana Conde Rodrigues (2009) nos ajuda a entender o
conceito força (Gadet & Hak, 1997). Quanto ao sujeito do sentido do conceito em Foucault, quando em seu texto
inconsciente, as reservas de Foucault incidirão sobre a ideia “Sobre arquivos e tumbas: uma análise da expressão –
de uma determinação subjetiva ou psíquica, quando, para documento como monumento –“, traz densa reflexão sobre
ele, o sujeito existe na ordem do discurso que o submete e o equívoco de se pensar o arquivo como um conjunto do
o pressupõe. Há também a recusa de certa essencialidade que se pôde ordenar, organizar e estabelecer através de uma
do sujeito psicanalítico, preferindo pensar a subjetividade inscrição ou fixação em documentos escritos. Arquivo, na
como produção (Castro, 2009). análise foucaultiana do discurso, é o conjunto de todos
Acabou de sair o primeiro tomo da tradução para o os enunciados, de tudo o que se pôde dizer e, no que se
espanhol de um denso curso de Gilles Deleuze sobre disse, também elidir num determinado campo de práticas,
Foucault, ministrado na Universidade de Vincennes, no o qual está inexoravelmente circunscrito por determinadas
ano seguinte à morte do amigo, entre 22 de outubro e 17 formações discursivas. Vamos nos manter um pouco mais no
de dezembro de 1985, versando sobre o saber (Deleuze, conceito de arquivo antes de vermos este outro, de formação
2013). A íntegra dos cursos de Deleuze sobre Foucault discursiva.
(foram três no total: O saber; O poder; O desejo) estão sendo Arquivo remete menos para a ideia de memória e de
digitalizados e disponibilizados na internet (transcrições conservação do que para a de dispersão de traços deixados
e gravações originais) pela Universidade de Purdue em por uma prática, seja ela uma prática discursiva, isto é, os
parceria com a Universidade de Paris VIII1. Aconselho saberes constituídos num determinado momento histórico,
vivamente a leitura deste primeiro curso publicado para que interessa especialmente ao arqueologista, seja ela uma
uma compreensão aprofundada dos conceitos arqueológicos, prática material: artística, arquitetônica ou técnica. Neste
nada fáceis, diga-se de passagem. Embora já tratados por sentido, os arquivos são formados antes pelo que se encontra
Deleuze no seu clássico Foucault (1986/1995), são expostos disperso, emaranhado, esquecido ou transformado, e não
de forma muito mais didática no curso. apenas, nem prioritariamente, pelo que está organizado em
Retomarei a conceituação de apenas três desses textos e testemunhos canônicos, ordenados, cuidadosamente
conceitos: arquivo, formação discursiva e enunciado, que são preservados ou criteriosamente classificados.
os conceitos basilares e imbricados uns nos outros a partir Foucault, portanto, redefiniu arquivo contra o conceito
dos quais Foucault estabelecerá, ao longo de Arqueologia do corrente de um lugar específico onde são preservadas
saber, os princípios ou as regras de formação dos discursos, palavras e coisas como testemunhos da e para a memória.
que são: as regras de formação de objetos, de formação Para ele, o arquivo mais precioso é o produzido segundo
de conceitos, de rarefação e regularidade dos discursos, regras anônimas que comandam tanto a dispersão quanto
de interdiscursividade e de dispersão dos discursos. Não a possibilidade, ou melhor, a necessidade e a raridade
tratarei aqui dessas regras, detalhadamente expostas no dos enunciados em uma dada formação discursiva. Nesse
livro de 1969. sentido, o arquivo é o conjunto de todos os enunciados que
A arqueologia foucaultiana tem uma aproximação puderam ser expressos em palavras, imagens e sons, isto é,
metafórica com a ciência da qual empresta o nome; uma em alguma materialidade físico-social por uma formação
aproximação metafórica, mas muito importante. Remete histórica. Do mesmo modo, o que garimpa o filósofo
para a materialidade dos discursos. À semelhança dos arqueologista são as regras históricas que tornaram alguns
fósseis e artefatos colecionados pelo arqueólogo como traços enunciados dizíveis, repetíveis, memoráveis e outros tantos
a partir dos quais reconstrói a história dos costumes e da vida indizíveis, inacessíveis, ou devendo desaparecer, serem
cultural de povos há muito desaparecidos, o arqueologista esquecidos e renegados.
deverá encontrar os discursos que organizam uma dada O que garimpa o arqueologista são as condições de
formação histórica a partir das palavras, frases e proposições possibilidade de emergência dos enunciados de uma
dispersas em seus arquivos. época ou de um contexto histórico. Formação discursiva
Arquivo, conceito aparentemente mais apropriado é precisamente o conjunto das regras que permitem o
em se tratando de pesquisa histórica, ganhará, entretanto, aparecimento de certos enunciados e não outros. Um
em Foucault um sentido muito diverso do que possui na discurso, produzido no interior de uma formação discursiva,
disciplina História, uma vez que não se trata de modo algum é, por sua vez, um conjunto mais ou menos delimitável, pois
do objeto inerte e estático, organizado pelos arquivistas, com nunca pode ser completamente isolado de outros discursos
o qual trabalham os historiadores. O arqueologista poderá com os quais faz fronteira, interpenetra ou disputa espaço.
utilizar, inclusive preferencialmente, este tipo de material Está constituído por um número limitado de enunciados
para compor seu corpus de análise, mas o arquivo que lhe que provêm de um mesmo sistema de formação. Assim,
podemos falar de discurso clínico,discurso político, discurso
1 Material acessível no seguinte endereço: http://www.cla.purdue.edu/ econômico, discurso psiquiátrico, discurso jurídico etc.,
research/deleuze/Course%20Transcriptions.html como tipos de discurso que compõem a episteme moderna,
pois seguem regras de formação características de tal de realidade. Os atos ilocutórios ou ilocucionários se
episteme. comportariam em relação às regras constitutivas que lhes
Foucault detalha em Arqueologia do saber as diferenças permitem funcionar como atos de modo semelhante aos
entre as regras de formação do discurso daquelas de uma enunciados foucaultianos em relação às normas históricas
análise formalista da linguagem (regras de estruturas que determinam sua regularidade. Haveria certa proximidade
sintáxicas, gramaticais e semânticas) e das regras de entre a função enunciativa de Searle com as formações
interpretação de texto (busca pelo significado a partir de discursivas de Foucault, segundo Castro (2009). De fato,
noções como autor, livro, obra, temática – noções que para Foucault, os enunciados têm valor de acontecimentos,
Foucault dispensa ou suspende). Essas regras, como já dito, mas, no meu entender, em um sentido histórico-filosófico
serão a raridade e regularidade dos enunciados, as regras de muito mais fundamental que o conceito searliano, que se
constituição de certos conceitos e objetos, e não outros, a refere ao uso efetivo e em ato da linguagem por falantes.
dispersão e interdiscursividade dos discursos. O enunciado em Foucault subjaz silenciosamente aos
O enunciado tem existência para além do mero ato enunciados linguageiros.
material da enunciação ou da escrita de uma frase, podendo Deleuze dirá que o enunciado é primordial na
inclusive se materializar em formas não gramaticais, arqueologia. Considerando isso, precisamos entender o
como por exemplo, as palavras dispostas em coluna numa sentido de “primordial”, uma vez que este conceito só
gramática latina: amo, amas, amat, que remetem para uma alcança seu sentido radical e, assim, sua importância para
conjugação verbal (exemplo dado por Foucault), ou as o arqueologista, se compreendido juntamente com os de
letras escritas num papel na ordem em que se encontram arquivo, discurso e formações discursivas. Precisaremos
distribuídas no teclado de uma máquina de escrever francesa considerar igual e imediatamente as formações não-
(exemplo muito retomado por Deleuze). O enunciado, discursivas ou extradiscursivas (as visibilidades, na
em geral materializado na forma de frase ou proposição linguagem de Deleuze), as quais o primado do enunciado
(científica, filosófica ou de qualquer outra natureza), para não apagará, mas muito ao contrário, a elas se associará. É
adquirir o estatuto de enunciado no sentido arqueológico, precisamente em relação ao não-discursivo que o enunciado
precisa atender a três exigências: referir-se a objetos e a tem primordialidade. Esta noção do não-discursivo ganhará
sujeitos; entrar em relação com outros enunciados; ser relevo no Foucault genealogista, que nos interessa muito
repetível (Castro, 2009). de perto para nossas pesquisas etnográficas, como veremos
O sujeito do enunciado não é nem o sujeito do ato de adiante. Ainda segundo Deleuze, o primado do enunciado
enunciação (aquele que diz ou escreve a frase ou proposição), nunca será sinônimo de um reducionismo à dimensão
nem o sujeito psicológico, transcendental ou racional (da discursiva. “Do princípio ao fim da obra de Foucault, as
filosofia e da lógica), que remete para a intencionalidade ou visibilidades permanecerão irredutíveis aos enunciados,
racionalidade contidas na proposição, tampouco é o sujeito ainda mais irredutíveis porque parecem formar uma paixão
da frase, que vem a ser o sujeito gramatical. O sujeito do em comparação com a ação dos enunciados”, dirá Deleuze
enunciado é, melhor dizendo, uma posição de sujeito, isto (1995, p. 59).
é, remete para quem está sócio-historicamente autorizado a Nos livros da fase arqueológica, “o primado do enunciado
enunciá-lo. O enunciado remete também a um domínio de sobre as formas do ver e do perceber” é, principalmente, para
objetos que constituem um domínio de saber. Dessa forma, Deleuze (2013), “uma reação contra a fenomenologia”.
os enunciados não remetem a uma instância fundadora Como não se cansará de afirmar, no seu curso sobre o saber:
(autor, obra), mas necessariamente a outros enunciados “(...) não há nada sob o saber ou antes do saber”. Nada como
constituídos dentro do mesmo sistema de formação e que uma experiência originária, como quer a fenomenologia.
por isso podem ser repetidos. Daí que Foucault muitas vezes Isso implica que “saber”, para Foucault, “terá um sentido
utiliza a expressão prática discursiva para ressaltar que o completamente diferente de “conhecer” (p.41). O saber não
discurso é uma prática e precisa ser atualizado e repetido é conhecimento e não se trata da relação de um objeto para
para permanecer. um sujeito; um objeto pré-existente ou que exista no exterior
Edgardo Castro (2009) faz uma aproximação entre do pensamento e que o pensamento finalmente apreenderia.
enunciados, no sentido foucaultiano, com atos ilocucionários Trata-se sempre de objetos discursivos, isto é, existentes
descritos por Searle (1969/1981), na esteira da teoria dos dentro e segundo uma ordem discursiva determinada
atos de fala de Austin (1962/1990). Entendidos como historicamente. O enunciado não remete a um objeto exterior
propriamente atos e não meros enunciados linguísticos (atos a ele ou ao discurso, mas, muito ao contrário, remete a um
de dizer), os atos ilocucionários, mais que dizer, fazem algo; domínio de objetos que são interiores ao próprio discurso
são ações, como na frase “eu te prometo”, que é um ato de e são formados em seu interior. Tampouco se trata de uma
promessa, e, mesmo, criam realidade, como no enunciado atitude idealista ou ingênua, segundo a qual o discursivo
“eu te batizo”. Para tanto, obedecem a regras constitutivas por si só pudesse dar conta da complexidade da realidade.
que posicionam o sujeito da enunciação em certo lugar, O enunciado é um primado, exatamente porque incide sobre
de tal modo que a formulação do enunciado tenha efeito algo que lhe é irredutível: as visibilidades, mas operando
a partir de sua própria formação. Foucault é, neste sentido, a priori, de forma a cada uma atingir seu próprio limite que a
a meu ver, um pragmático radical. Aqui, estamos no cerne separa da outra, um visível que tudo o que pode é ser visto, um
de uma difícil discussão filosófica que não temos como enunciado que tudo que pode é ser falado. (p.74)
aprofundar; novamente, remeto o leitor para o curso e para
o livro de Deleuze. Deleuze, citando o próprio Foucault, irá pinçar algumas
De outro lado, agora contra a linguística tradicional, o frases esclarecedoras:
enunciado não é definido como frase, proposição, ato de
(...) por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja
fala ou performance verbal, mas como um acontecimento jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está
histórico que não está dado a priori; ao contrário, precisa dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde
da análise para se dar a ver. Vai mais além de uma estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam,
mera manifestação expressiva possibilitada pelo uso da mas o que as sucessões das sintaxes definem...” “(...) de outro
linguagem. Insistindo, o enunciado é mais que um simples lado, é preciso admitir, entre a figura e o texto, toda uma série
conjunto de marcas materiais, pois se refere a um domínio de entrecruzamentos, ou antes ataques lançados de um ao
de objetos, implica posições de sujeito, relaciona-se com outro, flechas dirigidas contra o alvo adversário, operações
outros enunciados e encerra a possibilidade de sua repetição. de solapamento e de destruição... uma batalha” “(...) invasão
do discurso na forma das coisas. (Frases de Foucault do
O enunciado é produzido por condições históricas que
Arqueologia do saber citadas por Deleuze, 1995, p.75).
demandam análise para sua elucidação. Não é aparente
ou visível, mas tampouco está escondido pelos atos de
Esse modo de nos posicionarmos diante da realidade
linguagem, pois é através destes atos que alcançamos o
enunciado e que ele se exerce como tal. Existe através e por implica permanentes jogos de resistência entre discursos e
meio dos atos de linguagem, de frases e proposições, mas práticas, entre práticas discursivas e não-discursivas. Entre
não são essas frases e proposições. A análise deve alcançar estas há mais lutas e tensões que complementaridade de parte
as formações discursivas, que são as condições de produção a parte, assim como há disputas entre os próprios discursos.
de frases e proposições enquanto enunciados que constituem Por exemplo, num caso de crime que envolva a suspeita
objetos e definem posições de sujeito. de um distúrbio mental, pode haver complementaridade
Portanto, o trabalho do analista do discurso consiste em ou disputa entre a formação discursiva da medicina e a
elucidar as condições de possibilidade do que se diz e do que da justiça ou entre discursos medicalizantes e discursos
se faz dizer numa determinada época ou formação histórica, psicologizantes. Daí a possibilidade de multiplicação,
bem como do que se vê e do que se dá a ver nessa época. germinação e proliferação dos enunciados na tessitura da
Assim, por exemplo, a loucura enunciada como desrazão história.
se dá a ver no hospital geral, que reúne os desajustados Mas há, rigorosamente falando, uma limitação dos
sociais de toda ordem: loucos, mendigos, prostitutas e discursos nas formações históricas. Deleuze (2013),
vagabundos. A loucura seria a forma acabada da desrazão novamente, nos esclarece, citando livremente Foucault:
para a época clássica, séculos XVII e XVIII. Sofrerá uma
Toda formação histórica vê tudo o que é capaz de ver, vê tudo
torção fundamental na época moderna, a partir do final do o que pode ver, e diz tudo o que pode dizer. Uma formação
século XVIII, quando sua enunciação não se dará mais histórica se definirá por suas evidências, isto é, por seu
por relação à razão, mas por relação à saúde: passará a ser regime de luz. E pelo quê mais? Por suas discursividades. (...)
enunciada como doença e sua visibilidade será o hospital Evidências e discursividades. (p.24)
psiquiátrico, a partir da constituição de um novo saber
especializado: a psiquiatria. Deleuze, voluntária ou involuntariamente, nos tranquiliza:
Deleuze (1992) propõe rachar as coisas (as visibilidades) não precisamos nos debater tanto nas ciências humanas
e as palavras (frases e proposições) para extrairmos delas contra a noção de evidência, cada vez mais cara ao saber
os enunciados. Entretanto, entre visibilidades (que não positivo biomédico dos dias atuais. Simplesmente, devemos
são dadas apenas pela visão, mas por todos os sentidos) lembrar a seus ardorosos defensores que é precisamente de
e discursos, dos quais os enunciados são como átomos, evidências que se trata, ou seja, daquilo que podemos ver
não há nem correspondência ou conformidade, nem total ou somos capazes de ver com a visão com a qual nos damos
independência. “Há diferença entre falar e ver, entre o visível a ver e a dizer o que vemos2.
e o enunciável”, mas há também constante remissão de um
a outro. Cito mais longamente Deleuze (1986/1995): 2 A propósito, uma coletânea de textos antropológicos, fruto de extenso
debate realizado em Tarragona Catalunha/ES, em 2010, ilustra bem
Enquanto nos atermos às coisas e às palavras, podemos o debate sobre os equívocos que cercam a “medicina baseada em
acreditar que falamos do que vemos, que vemos aquilo de que evidências”, como ficou traduzida a expressão evidence-based medicine.
Os textos trazem propostas alternativas nomeadas como “medicina
falamos e de que os dois se encadeiam: é que permanecemos
baseada em narrativas”, propondo uma reflexão sobre as narrativas da
num exercício empírico. Mas assim que abrimos as palavras evidência (do poder biomédico e de suas expressões discursivas e práticas)
e as coisas, assim que descobrimos os enunciados e as e a evidência das narrativas (das vozes do sofrimento). (Matínez-Hernáez,
visibilidades, a fala e a visão se alçam a um exercício superior, Masana & Digiacomo, 2013).
Não faz sentido pensar que a Idade clássica teve uma Deleuze considera Foucault uma espécie de neo-
incapacidade para ver/dizer a doença mental devido a uma kantiano, não porque cresse, como Kant, na limitação
precariedade do saber da época em relação a um suposto de nossa razão em relação ao conhecimento absoluto,
maior esclarecimento de nossa formação discursiva tampouco porque pensasse que o real escapa sempre à razão,
moderna. Cada época vê/diz aquilo que se dá a ver/a dizer. mas porque nossa discursividade está submetida a regras
O trabalho do analista consiste em tornar visível e dizível as
históricas na sua produção. Elucidar estas regras seria o
regras históricas que permitem ver o que se vê e falar o que
trabalho do arqueologista. Desta forma, Foucault também
se fala. Ou seja, o trabalho do analista é pensar o impensado
de um pensamento, ver o invisível de uma visibilidade, se distancia da posição do hermeneuta contemporâneo,
dizer o indizível de uma discursividade. Trabalho sempre para quem haveria uma proliferação, uma multiplicação
tateante e nunca acabado, pois implica num permanente incessante de interpretações possíveis. Há, isto sim, uma
movimento de deslocamento, especialmente quando o que proliferação de objetos na longa história, mas sempre dentro
se está analisando é parte de nosso próprio presente. de uma raridade discursiva que é preciso elucidar.
Neste tópico, gostaria de abordar o segundo objetivo do de possíveis aproximações entre a AD foucaultiana e a
artigo: discutir a pertinência da arqueologia e da genealogia etnografia.
foucaultianas para a pesquisa empírica social qualitativa, Loucura e sociedade: Discursos, práticas e significações
tentando esclarecer para o leitor a forma como venho sociais, como veio a se chamar o livro que narra a referida
utilizando a análise do discurso em estudos de caso e em pesquisa na qual baseio esta discussão, nasceu de um
pesquisas etnográficas. O trabalho com a AD foucaultiana enunciado circulante que indicava a problematização
que trago para ilustrar a discussão foi concluído em 2007 de uma prática social. Trabalhando como professora na
com a colaboração de uma grande equipe de pesquisa Universidade Federal de São João del Rei, distante 12 km da
(Passos, 2009a). A partir desse trabalho, tentarei refletir sobre cidade de Prados e 50 km de Barbacena, que ganhou fama
os procedimentos adotados e os achados de pesquisa que nacional de “cidade dos loucos”, a partir de sua pesada e
considero igualmente tributários dos métodos arqueológico violenta história manicomial (Firmino, 1982), chamou-me
e genealógico de Foucault. Dado o espaço exíguo de um a atenção ouvir por mais de uma vez a frase: “Prados não
interna seus loucos”. É especialmente intrigante o fato de
artigo, não tratarei do segundo3.
esta pequena cidade de pouco mais de 12 mil habitantes ser
Embora os corpora de Foucault nem sempre fossem
também vizinha de Barbacena, cidade que chegou a abrigar
muito claramente delimitados, algumas vezes sequer
mais de uma dezena de clínicas psiquiátricas privadas, além
explicitados, o primeiro passo para a realização de uma
da primeira e maior colônia psiquiátrica pública do estado
análise do discurso é a delimitação de um corpus ou corpora.
de Minas Gerais, hoje Centro Hospitalar Psiquiátrico de
Uma análise do discurso só pode ser iniciada a partir da
Barbacena. Desde sua inauguração em 1903, este hospital
definição ou delimitação de um corpus pelo analista sobre psiquiátrico não cessou de multiplicar sua população de
o qual incidirá a análise. O corpus vem a ser um conjunto internos e chegou a ter mais de 3 mil pessoas, vindas
delimitado de objetos empíricos (textos, imagens e registros de todos os cantos do país e “abrigadas” em condições
sonoros) que tenham uma mesma natureza material (uma absolutamente degradantes, até que, na década de 1990, o
pesquisa pode ter mais de um corpus, mas não se misturam processo de reforma psiquiátrica começou a reverter essa
objetos de naturezas diferentes num mesmo corpus), história. O número de instituições psiquiátricas na cidade
selecionados segundo critérios definidos a partir do objetivo não é sem importância se considerarmos que Barbacena
ou problema de pesquisa. Se for bem delimitado, o analista nunca atingiu mais de cem mil habitantes. A cidade viveu
terá boas chances de, no processo de análise, encontrar o século XX sob forte impacto desta instituição social e de
os enunciados que configuram a formação discursiva em sua progressiva degradação.
questão. O corpus pode ser pré-existente ou coconstruído Talvez exatamente por compartilharem o mesmo
pelo analista, como é o caso de textos oriundos de pesquisa contexto sócio-histórico, as pessoas naturais de Prados ou
empírica qualitativa, geralmente, neste caso, transcrições a ela afeiçoadas faziam e fazem questão de demarcar sua
literais de entrevistas feitas pelo próprio pesquisador. diferença em relação a Barbacena. A pesquisa procurou
Discutirei a seguir os desdobramentos do segundo tipo de identificar os discursos circulantes entre os moradores
corpus, característico de pesquisas etnográficas, ao tratar das duas cidades a propósito da loucura. Interessava-nos
elucidar os discursos característicos das duas comunidades
3 A literatura sobre a genealogia foucaultiana é vastíssima, tratei dela em discursivas e não apenas, nem prioritariamente, o discurso
outra ocasião (Passos, 2009b). médico-psiquiátrico, pois queríamos exatamente ver
a penetração ou não, a convivência e os conflitos com complementar, pesquisamos a história das cidades através
este discurso hegemônico, socialmente legitimado pelas de seus próprios registros locais (memorialísticas publicadas,
sociedades ocidentais modernas para tratar da loucura. depoimentos escritos, gravações de conversas, textos ou
A pesquisa se beneficiou de uma combinação de material audiovisual produzidos por outras pesquisas, artigos
diferentes estratégias metodológicas: imersão nos campos jornalísticos e reportagens). Todas as entrevistas realizadas
de pesquisa, através da realização continuada de estágios de foram gravadas e minuciosamente transcritas, constituindo
psicologia em instituições assistenciais das duas cidades, o esse conjunto de textos o nosso corpus principal, isto é, o
que propiciou uma compreensão enriquecida pela construção principal material sobre o qual se deu a análise do discurso.
de vínculos psicossociais e afetivos com os sujeitos de Essa análise, entretanto, era sempre cotejada com a leitura
pesquisa; pesquisa histórica sobre o grande manicômio das mencionadas fontes documentais primárias e com as
de Barbacena, desenvolvida paralelamente por um dos nossas anotações dos diários de campo.
membros da equipe; construção de relatos de histórias de À diferença da AD realizada sobre textos de arquivos,
vida de “loucos” das cidades. Neste artigo, privilegio a pré-existentes à pesquisa, o nosso corpus tinha uma
análise do discurso que se constituiu como o núcleo principal característica própria aos corpora de pesquisa qualitativa: ser
da pesquisa. coproduzido pelos pesquisadores, o que demanda, a meu ver,
Seguindo uma orientação de Howard Becker (1999), necessariamente, a realização de uma análise da implicação
realizamos primeiro o estudo em Prados e, após finalizado, (Altoé, 2004; Monceau, 2008). Essa talvez seja a principal
iniciamos o de Barbacena, de modo a não deixarmos que dimensão que a pesquisa qualitativa acrescenta à análise do
um contaminasse o outro e garantíssemos uma imersão o discurso, a saber: a análise da implicação dos pesquisadores
mais completa possível dos pesquisadores em cada uma das e pesquisados. Segundo Monceau (2008), podemos entender
comunidades discursivas estudadas. A composição da equipe a implicação como a relação que o indivíduo desenvolve
de pesquisadores foi quase totalmente alterada no segundo com a instituição, tomada como conceito sociológico
estudo de caso, permanecendo apenas a coordenadora da complexo. Em nosso caso, com a instituição universitária
pesquisa e a consultora como o elo entre os dois estudos. e científica, em um nível mais amplo, mas também com
A imersão etnográfica e o envolvimento na equipe a própria pesquisa, em um nível mais primário: com o
de pesquisa de moradoras de ambas as cidades aportou problema de pesquisa, os sujeitos pesquisados, as teorias
contribuições importantes para a análise dos discursos. O escolhidas, as concepções privilegiadas. Essa discussão foi
acesso direto às realidades locais nos permitiu compreender muito importante também porque estávamos trabalhando
os ritos sociais, os modos cotidianos de funcionamento das com um tema tabu para nossa sociedade, que é a loucura.
instituições relacionadas ao tema da pesquisa, as relações Assim, a leitura do trabalho da etnóloga Jeanne Favret-Saada
sociais e de classe, os valores culturais e religiosos, (1981) sobre bruxaria, sugerida pela consultora da pesquisa,
os emblemas locais etc. A observação participante, foi particularmente fecunda.
especialmente em sua fase exploratória, nos permitiu mapear A implicação existe mesmo que o indivíduo não a
os atores sociais mais significativos em cada comunidade perceba ou tente tomar distância da instituição, e sua análise
em relação ao problema de pesquisa. Permitiu-nos também só pode ser feita de modo coletivo, pelos envolvidos no
identificar os chamados informantes-chave, pessoas processo. Tivemos a oportunidade de expandir essa análise
fundamentais a entrevistar. Tínhamos um critério geral, mas para além do grupo restrito de pesquisa num seminário
flexível, de escolha dos entrevistados: que fossem pessoas de devolução dos resultados que fizemos em Barbacena,
significativas para a vida das cidades ou que tivessem com durante o III Festival da Loucura, evento desencadeado pelo
elas uma relação de forte pertencimento, não exclusivamente atual contexto da Reforma psiquiátrica e que vinha sendo
em termos de poder institucional, mas de valor social, isto realizado na cidade com certa regularidade. Em Prados,
é, que fosse uma pessoa comunitariamente reconhecida ao contrário, toda tentativa nossa de fazer a devolução
ou tivesse coisas significativas a nos contar em relação à caiu no vazio. Isso é compreensível, pois, dentre outras
experiência da loucura relacionada à história da cidade. razões, no contexto de Prados, a loucura não é exatamente
Também nos demos conta no desenrolar do trabalho, problematizada e está muito mais incorporada à vida
especialmente no caso de Prados, que era muito interessante cotidiana.
entrevistar pessoas que, ao contrário, tivessem com a cidade Os resultados de pesquisas qualitativas, assim como os
mera relação de trabalho no campo da saúde, sem grande de análises do discurso, não são evidências reproduzíveis
envolvimento pessoal. Os entrevistados foram escolhidos por outro pesquisador qualquer. São aproximações
pelo processo de bola de neve (um entrevistado sugerindo compreensivas, nunca exaustivas ou explicativas, sobre certo
outros) e limitados pelo critério de saturação das entrevistas recorte da realidade construído pelo pesquisador. Em nossas
em relação ao problema pesquisado. análises, encontramos alguns discursos que nos pareceram
Poderiam, então, ser entrevistados, como foram, fundamentais nas formações discursivas sobre a loucura
uma dona-de-casa, um juiz, um médico, um contador de dominantes em cada cidade. Outros pesquisadores poderiam
“causos”, um jornalista, um líder comunitário. De modo ressaltar outros discursos e enunciados.
Falamos da contribuição da pesquisa etnográfica interdição por transtornos mentais para facilitar às famílias
para a AD. Por sua vez, o que o procedimento de AD muito pobres conseguir um benefício previdenciário.
acrescenta à descrição etnográfica densa vem a ser a Quanto ao discurso narrativo, intrinsecamente
atenção para a interdiscursividade, para a concorrência relacionado ao discurso leigo ou dos moradores, nos pareceu
entre os discursos que disputam os sentidos e constroem os ser uma prática discursiva particularmente importante a se
objetos e as estratégias discursivas numa dada comunidade destacar naquela comunidade discursiva, associada que
socio-historicamente delimitada. Assim, a AD nos ajuda está à prática de contação de “causos”, muito presente
a evitar uma visão unificadora e totalizante da realidade na cultura local. Preferimos, então, tratar os discursos
social, marcada, ao mesmo tempo, por uma pluralidade de de Prados aos pares, isto é, o discurso dos moradores
significados, mas também por uma raridade de enunciados juntamente com o discurso narrativo, no qual emerge o
que se entrelaçam na produção de sentidos. Tal raridade mito da cidade acolhedora, que não interna seus loucos; o
está, evidentemente, relacionada com a formação social discurso dos profissionais da saúde, no qual se diferenciavam
e histórica da comunidade em questão, mas a própria o discurso dos profissionais moradores da cidade e aquele
comunidade não é algo cabalmente identificável ou dos profissionais não moradores, juntamente com o discurso
delimitável. Utilizamos este conceito também num sentido jurídico. Em linhas muito gerais, concluímos que em Prados
aproximativo, pois uma cidade, além de se constituir como predomina uma forte tradição católica, embalada na ideia de
unidade territorial, geográfica, política e social complexa, é caridade e filantropia que compete com o lugar da assistência
uma unidade representacional formada por uma pluralidade médico-formal de base científica. Os chamados “loucos de
discursiva, muitas vezes contraditória. rua”, principalmente, inserem-se numa rede de assistência
Na comunidade de Prados, encontramos os seguintes comunitária na qual os próprios moradores se incumbem de
tipos de discurso em relação à loucura: o discurso leigo seu cuidado e proteção. Os diversos e famosos “causos” dos
loucos de Prados, folclórica e ritualisticamente lembrados,
ou dos moradores da cidade, o discurso dos profissionais
nos levaram a catalogá-los no quarto tipo de discurso,
da saúde, o discurso jurídico e o discurso narrativo. Já
o narrativo, que preserva certa identidade e fascínio do
em Barbacena, pudemos identificar três tipos de discursos
pradense com a loucura. Os profissionais de fora viam
dominantes: o discurso especialístico, o discurso leigo e o
essa tradição folclórico-religiosa de forma negativa, como
discurso jornalístico. Apesar das aparentes semelhanças nas
dificultando o seu trabalho.
nomeações dos discursos, são discursos com conteúdo muito
Na tipificação dos discursos em Barbacena, como
diferenciado, segundo se trate de uma ou outra comunidade
especialístico, leigo e jornalístico, identificados não
discursiva. Não tenho como retomar aqui a discussão de
apenas através das falas dos entrevistados, mas também
cada um deles, presente no livro; apresentarei apenas um
nos documentos pesquisados, consideramos alguns
resumo muito geral.
aspectos. Qualificamos como especialísticos os enunciados
No caso de Prados, encontramos uma diferença encontrados, principalmente, mas não exclusivamente,
importante entre os discursos de moradores da cidade e nas falas de profissionais e trabalhadores da área da saúde
o de profissionais “de fora” da cidade que lá realizavam que remetiam para uma enunciação identificada ao saber
algum tipo de atividade, especialmente os vinculados à área especializado sobre o tema da loucura, seja por sua relação
da saúde. Portanto, no discurso dos profissionais da saúde com a práxis psiquiátrica ou “psi”, de um modo geral,
era necessário discriminar o discurso circulante entre os seja pelo diálogo que estabelecia com o atual processo de
profissionais moradores ou naturais da cidade, sensíveis reforma psiquiátrica. Embora sendo um neologismo, o termo
às suas tradições, e aquele circulante entre “os de fora”. O especialístico foi preferido a especializado, pois não se trata
discurso jurídico foi identificado como relevante por uma apenas, nem prioritariamente, da dimensão do conteúdo do
questão contingente, mas que, após análise, veio a reforçar enunciado ser ou não pertinente ou efetivamente cabível
a identificação de uma tensão entre o discurso leigo, dos no arcabouço de um saber especializado “psi”. Trata-se,
moradores, e o discurso dos profissionais “de fora”. Chegou antes, de uma enunciação recorrente nas entrevistas que
a nós, por vias indiretas, a informação de que o número de simplesmente remete o saber sobre a loucura para o lugar
moradores de Prados enviados para internação psiquiátrica social autorizado a falar dela, que é o do especialista. Alguns
em Barbacena havia aumentado muito naqueles últimos entrevistados, mesmo tendo trabalhado no hospital, se
anos. Após investigar o discurso da Justiça, descobrimos diziam não qualificados para falar do assunto por não serem
que não só aumentaram os pedidos de internação psiquiátrica especialistas. Quando se tratava de um leigo, a esquiva de
para os pradenses, como subiu o número de interdições falar era muito mais ostensiva. A questão que se colocava
judiciais de modo exponencial a partir dos dois anos que era: a esquiva em falar do assunto era devida ao tabu gerado
antecederam o início da pesquisa. O juiz responsável por tais pela história mal-afamada “de cidade dos loucos” ou era a
encaminhamentos e interdições atuava na cidade há muito própria existência e grande penetração do saber psiquiátrico
pouco tempo, e, estando também pouco familiarizado com na cidade, à parte todas as mazelas de sua história, que teria
as diretrizes da reforma psiquiátrica, usava do expediente da gerado essa esquiva?
Quanto ao discurso leigo, qualificamos dentro dele profissões específicas ou à inserção social dos entrevistados.
os enunciados que remetiam para uma relação pessoal Uma mesma pessoa pode ser enunciadora de mais de um
do entrevistado com o problema pesquisado, seja por sua tipo de discurso, sem que isto signifique necessariamente
condição de morador ou de pessoa natural da cidade, seja por uma contradição. Como nos ensina a Análise do Discurso
se apresentar como testemunha de sua história manicomial. (Charaudeau & Maingueneau, 2004), o enunciador não se
Assim, o discurso pode ser enunciado também por um confunde com o sujeito do enunciado, sendo este produzido
profissional da saúde, não sendo exclusivo de pessoas pelo próprio discurso que se enuncia como um lugar social
leigas, no sentido estrito do termo, isto é, não formadas que escapa à vontade consciente do enunciador ou a uma
academicamente em um dos saberes especializados que determinação absoluta do indivíduo que o enuncia. Uma
compõem o campo da saúde mental. Por fim, por discurso característica importante a ser destacada com relação ao
jornalístico queremos nos referir aos enunciados que grupo de informantes é que a maioria absoluta foi constituída
ganharam uma dimensão pública, voltados para tornar por moradores e/ou nascidos nas duas cidades.
pública a questão manicomial na cidade e/ou veiculados É preciso ter em mente que tal tipificação dos discursos
através dos meios de comunicação, bem como, naturalmente, não corresponde a entidades pré-existentes nas realidades
às percepções de pessoas atuantes no campo do jornalismo estudadas. Tampouco os discursos são passíveis de uma
e do documentário. delimitação precisa de fronteiras, uma vez que estão
Apesar da enorme importância do poder judiciário – todos imbricados na produção das formações discursivas.
Barbacena abriga o primeiro e único manicômio judiciário No contexto de Prados, encontram-se espontaneamente
do estado –, malgrado os muitos esforços da equipe no orientando as práticas, ao passo que em Barbacena acham-
sentido de acessá-lo, não conseguimos explorar o discurso se muito mais circunscritas pelas instituições sociais que
da Justiça em Barbacena, junto às instituições e aos as autorizam, tanto pelas instituições que se apropriaram
do direito de falar da loucura (psiquiatria e justiça,
atores ligados a ela, como fizemos em Prados. Longas
especialmente) quanto pelas que abdicaram de exercer poder
negociações com o poder judiciário estadual para obtenção
sobre esta (instituições políticas, religiosas, ligadas à cultura
das autorizações foram infrutíferas.
popular etc.). As tipologias sugeridas são, na verdade, um
Um tipo de discurso nos foi particularmente impossível
recurso analítico criado pelos próprios pesquisadores para
de isolar dos demais para um tratamento específico: o
se compreender a multiplicidade de sentidos que disputam
discurso político. A dimensão do político está absolutamente
o imaginário coletivo daquelas populações. Como tal, de
imbricada em todos os discursos em Barbacena,
modo algum a tipificação esgota as possibilidades de análise.
especialmente no discurso médico, autorizando-nos a falar
Na pesquisa, concluímos, por muitos aspectos, que
de um atravessamento do político em todas as dimensões da
Prados apresenta e tenta manter o que poderíamos chamar
vida dessa comunidade discursiva. Um capítulo do livro foi
de “contrassignificações” em relação à significação
inteiramente dedicado a tratar da questão. Poderíamos dizer hegemônica sobre a loucura como doença ou transtorno
que estávamos diante de um verdadeiro dispositivo médico- mental. São significações contra-hegemônicas precisamente
político4 em torno da loucura, que, embora característico das por compartilharem o mesmo tempo histórico de Barbacena,
sociedades modernas, em Barbacena atingiu uma penetração mas mantendo em suas práticas discursivas elementos de
abarcante da vida social. Segundo Foucault (1972/1995a; um tempo arcaico e de um modo de vida menos marcado
2003), um tal dispositivo pôde-se constituir historicamente pelos saberes científicos modernos. Lá predomina uma
a partir da subsunção da loucura ao saber/poder psiquiátrico, visão que poderíamos chamar de barroca, ao modo como
como doença mental, daí a desqualificação de todo e Foucault chamou de trágica e irônica a visão da loucura no
qualquer saber estranho ou externo a ele. Renascimento, que, à semelhança do que ocorre em Prados, a
Essa divisão em tipos de discurso não significa que cada tomava como algo não desprezível e muito menos apartável
informante seja representante exclusivo de algum deles, da vida cotidiana5.
nem que cada um dos tipos esteja estritamente vinculado a
5 O barroco é o estilo artístico dominante no período colonial brasileiro.
4 O conceito de dispositivo surge para Foucault em sua fase genealógica Introduzido no país principalmente pelos jesuítas no século XVII, deixou
e vai além do conceito de formação discursiva, sendo compreendido profundas marcas na cultura popular do interior de Minas Gerais. É
como “um conjunto heterogêneo que engloba discursos, instituições, considerado um desdobramento do Renascimento, com interesse pelos
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas mesmos temas e valorização da Antiguidade Clássica, mas sendo um
administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, estilo narrativo com maior dinamismo, fortes contrastes, dramaticidade,
filantrópicas. Em suma o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. exuberância e realismo. No Brasil está intimamente ligado à arte sacra.
O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.” Prados é fecunda em festividades religiosas originárias dessa tradição e
(Foucault, 1995b, p.244). Portanto, engloba as dimensões discursiva e sedia todos os anos importante festival de música barroca organizado pela
extra-discursiva da realidade. Universidade de São Paulo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os modos de se fazer análise do discurso são quase do discurso leigo em Barbacena –, que me permitem
tão numerosos quantos são os analistas do discurso. identificar os discursos e a interdiscursividade presentes
Fala-se em pelo menos 57 variedades (Gill, 2011), dentre numa determinada formação discursiva. Não é o conteúdo
elas, análises linguísticas críticas, análises semióticas, dos textos, das frases e das palavras que me interessam
conversacionais, interacionistas, retóricas e construtivistas. em si ou por si mesmos como elementos linguísticos,
Pessoalmente, faço um uso muito livre da visada histórica mas os efeitos de sentido que produzem no contexto de
foucaultiana sobre o discurso como prática social. Não suas formulações e enunciações. Diferentemente de uma
tomo a arqueologia nem a genealogia como metodologias análise de conteúdo, que procura no material dos textos de
em sentido estrito (Ferreira Neto, 2015), mesmo porque entrevistas temas e subtemas que definam categorias gerais
considero-as mais como estratégias de problematização e de análise, entendidas como opiniões ou representações
de tensionamento do pensamento do que como caminhos sociais generalizáveis, a AD etnográfica está interessada
metódicos sistemáticos. No máximo, poderia dizer que me na explicitação de enunciados raros e fundamentais para
inspiro na produção do filósofo e a utilizo. Tampouco parto certa formação discursiva. A busca é pela compreensão da
de, nem chego a, uma análise linguística propriamente dita. singularidade histórica e cultural de tal ou qual formação
Não me ocupo especialmente em identificar marcadores discursiva não evidente, geralmente. Interessa a elucidação
conversacionais, como adjetivos, interjeições, advérbios, do lugar de sujeitos que determina e das condições sócio-
modos verbais e nem performatividade, tipos de trocas históricas de sua produção. Portanto, os enunciados não são
linguísticas etc. Nas muitas leituras e releituras que faço entendidos como meras opiniões ou representações sociais
dos corporas coproduzidos por nós, pesquisadores, uso generalizáveis. São, isto sim, a condição de possibilidade
basicamente o método da atenção flutuante, aprendido de constituição de objetos, percepções e conceitos, de
com a psicanálise. Deixo-me ser conduzida pela associação modos de relação social e de significações sociais de base.
livre de ideias e pelos efeitos de sentido que certas frases, Faz toda a diferença quem os enuncia e o contexto de sua
palavras, entonações, omissões, reticências das falas enunciação. Uma análise do discurso nesses termos, embora
dos entrevistados e das intervenções dos pesquisadores submetida a contingências do momento de sua produção,
produzem em minha escuta. Na escuta do que está sendo tem a pretensão de ir mais além do representacional para
dito e silenciado e em como está sendo dito, persigo os apreender as origens genealógicas das relações de saber/
enunciados. Em geral, o sentido, que se configura para mim poder que estão presentes como condição de possibilidade
em um novo enunciado, emerge de uma vez e em bloco e de uma dada formação discursiva, que é sempre histórica,
assim vou persegui-lo para ver se ele se confirma realmente temporal. Certamente, cada tipo de análise tem seus alcances
no material produzido pela pesquisa, seja nas transcrições e limites, sua pertinência. É importante conhecê-los para não
minuciosas das entrevistas, seja em outras fontes levantadas se exigir da análise o que ela não pode dar ou, ao contrário,
(anotações de diário de campo e fontes documentais supor estar fazendo um tipo de análise que de fato não se está.
primárias). São os enunciados emergentes – como, por São cuidados importantes, num momento em que discurso
exemplo, o mencionado acima de uma autodesautorização se tornou um conceito passe-partout.
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