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Morte e Vida Severina

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MORTE E VIDA SEVERINA

Morte e Vida Severina narra a saga de Severino, retirante que percorre longa jornada de sua
cidade de origem no sertão nordestino até a capital Recife em busca de melhores condições de
vida. Durante o percurso, Severino se depara com a morte muitas vezes, e ela é representada em
diversas situações, como no trecho em que o retirante encontra o rio Capibaribe com seu curso
interrompido pela seca. Severino, desesperançado diante de tanta miséria e fome, pensa
frequentemente em desistir e “saltar fora da vida”. Mas, o otimismo ressurge no trecho final do
texto, quando Severino assiste ao nascimento de uma criança, que simboliza a “explosão da
vida” e a esperança de um tempo mais justo.

“Morte e Vida Severina”, escrito por João Cabral de Melo Neto em 1955 a pedido de Maria Clara
Machado para encenação no teatro “O Tablado.” O poema foi ainda objeto de espetáculos que
percorreram diversas capitais brasileiras e europeias.

Morte e Vida Severina foi um teleteatro musical produzido pela TV Globo em 1981, dirigido por Walter
Avancini, e musicado por Chico Buarque.

O retirante explica ao leitor (...)


quem é e a que vai
— O meu nome é Severino, O retirante tem medo de se extraviar porque
como não tenho outro de pia. seu guia, o rio Capibaribe, cortou com o
Como há muitos Severinos, verão
que é santo de romaria,
deram então de me chamar — Antes de sair de casa
Severino de Maria; aprendi a ladainha
como há muitos Severinos das vilas que vou passar
com mães chamadas Maria, na minha longa descida.
fiquei sendo o da Maria Sei que há muitas vilas grandes,
do finado Zacarias. cidades que elas são ditas;
Mas isso ainda diz pouco: sei que há simples arruados,
há muitos na freguesia, sei que há vilas pequeninas,
por causa de um coronel todas formando um rosário
que se chamou Zacarias cujas contas fossem vilas,
e que foi o mais antigo todas formando um rosário
senhor desta sesmaria. de que a estrada fosse a linha.
(...)
Devo rezar tal rosário
Encontra dois homens carregando um até o mar onde termina,
defunto numa rede, aos gritos de "ó irmãos saltando de conta em conta,
das almas! Irmãos das almas! Não fui eu que passando de vila em vila.
matei não!" Vejo agora: não é fácil
seguir essa ladainha;
— A quem estais carregando, (...)
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede? Na casa a que o retirante chega estão
dizei que eu saiba. cantando excelências para um defunto,
— A um defunto de nada, enquanto um homem, do lado de fora,vai
irmão das almas, parodiando as palavras dos cantadores
que há muitas horas viaja
à sua morada.
— E sabeis quem era ele, irmãos das almas, — Finado Severino, quando passares em
sabeis como ele se chama Jordão e o demônios te atalharem perguntando
ou se chamava? o que é que levas...
— Severino Lavrador, — Dize que levas cera, capuz e cordão mais a
irmão das almas, Virgem da Conceição.
Severino Lavrador, — Finado Severino, etc. ...
mas já não lavra. — Dize que levas somente coisas de não: fome,
sede, privação. O retirante chega à zona da mata, que o faz
— Finado Severino, etc. ... pensar, outra vez, em interromper a viagem
— Dize que coisas de não, ocas, leves: como o
caixão, que ainda deves. — Bem me diziam que a terra
— Uma excelência dizendo que a hora é hora. se faz mais branda e macia
— Ajunta os carregadores que o corpo quer ir quando mais do litoral
embora. a viagem se aproxima.
— Duas excelências... Agora afinal cheguei
(...) nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
Cansado da viagem o retirante pensa para os pés e para a vista.
interrompê-la por uns instantes e procurar Os rios que correm aqui
trabalho ali onde se encontra. têm a água vitalícia.
Cacimbas por todo lado;
— Desde que estou retirando cavando o chão, água mina.
só a morte vejo ativa, Vejo agora que é verdade
só a morte deparei o que pensei ser mentira.
e às vezes até festiva; Quem sabe se nesta terra
só a morte tem encontrado não plantarei minha sina?
quem pensava encontrar vida, (...)
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina Assiste ao enterro de um trabalhador de eito
(aquela vida que é menos e ouve o que dizem do morto os amigos que o
levaram ao cemitério
vivida que defendida,
e é ainda mais severina — Essa cova em que estás,
para o homem que retira). com palmos medida,
Penso agora: mas porque é a cota menor
parar aqui eu não podia que tiraste em vida.
e como o Capibaribe — É de bom tamanho,
interromper minha linha? nem largo nem fundo,
(...) é a parte que te cabe
deste latifúndio.
Dirige-se à mulher na janela que depois — Não é cova grande,
descobre tratar-se de quem se saberá é cova medida,
é a terra que querias
— Muito bom dia, senhora, ver dividida.
que nessa janela está;
sabe dizer se é possível — É uma cova grande
algum trabalho encontrar? para teu pouco defunto,
— Trabalho aqui nunca falta mas estarás mais ancho
a quem sabe trabalhar; que estavas no mundo.
o que fazia o compadre — É uma cova grande
na sua terra de lá? para teu defunto parco,
— Pois fui sempre lavrador, porém mais que no mundo
lavrador de terra má; te sentirás largo.
não há espécie de terra — É uma cova grande
que eu não possa cultivar. para tua carne pouca,
— Isso aqui de nada adianta, mas a terra dada
pouco existe o que lavrar; não se abre a boca.
mas diga-me, retirante, (...)
que mais fazia por lá?
... O retirante resolve apressar os passos para
"deseja mesmo saber chegar logo ao recife
o que eu fazia por lá?
Comer quando havia o quê — Nunca esperei muita coisa,
e, havendo ou não, trabalhar." digo a Vossas Senhorias.
(...) O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei — Severino, retirante,
foi defender minha vida jamais o cruzei a nado;
de tal velhice que chega ...
antes de se inteirar trinta; — Seu José, mestre carpina,
se na serra vivi vinte, para cobrir corpo de homem
se alcancei lá tal medida, não é preciso muito água:
o que pensei, retirando, basta que chega ao abdome,
foi estendê-la um pouco ainda. basta que tenha fundura
Mas não senti diferença igual à de sua fome.
entre o Agreste e a Caatinga, ...
(...) — Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
Chegando ao recife, o retirante senta-se para se em vez de continuar
descansar ao pé de um muro alto e caiado e tomasse a melhor saída:
ouve, sem ser notado, a conversa de dois a de saltar, numa noite,
coveiros fora da ponte e da vida?
(...)
— O dia de hoje está difícil;
não sei onde vamos parar. Uma mulher, da porta de onde saiu o
Deviam dar um aumento, homem, anuncia-lhe o que se verá
ao menos aos deste setor de cá.
As avenidas do centro são melhores, — Compadre José, compadre,
mas são para os protegidos: que na relva estais deitado:
há sempre menos trabalho conversais e não sabeis
e gorjetas pelo serviço; que vosso filho é chegado?
e é mais numeroso o pessoal Estais aí conversando
(toma mais tempo enterrar os ricos). em vossa prosa entretida:
— Pois eu me daria por contente não sabeis que vosso filho
se me mandassem para cá. saltou para dentro da vida?
(...) Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito;
O retirante aproxima-se de um dos cais do e estais aí conversando;
Capibaribe pois sabei que ele é nascido.
(...)
— Nunca esperei muita coisa,
é preciso que eu repita. Aparecem e se aproximam da casa do homem
Sabia que no rosário vizinhos, amigos, duas ciganas etc.
de cidade e de vilas,
e mesmo aqui no Recife — Todo o céu e a terra
ao acabar minha descida, lhe cantam louvor.
não seria diferente Foi por ele que a maré
a vida de cada dia: esta noite não baixou.
que sempre pás e enxadas — Foi por ele que a maré
foices de corte e capina, fez parar o seu motor:
ferros de cova, estrovengas (...)
o meu braço esperariam.
(...) Começam a chegar pessoas trazendo
presentes para o recém-nascido
Aproxima-se do retirante o morador de um
dos mocambos que existem entre o cais e a — Minha pobreza tal é
água do rio que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
— Seu José, mestre carpina, pescados por esses mangues;
que habita este lamaçal, mamando leite de lama
sabes me dizer se o rio conservará nosso sangue.
a esta altura dá vau? — Minha pobreza tal é
sabe me dizer se é funda que não tenho presente melhor:
esta água grossa e carnal? trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-se assim de letras (...)
vai um dia ser doutor.
(...) O carpina fala com o retirante que esteve de
fora, sem tomar parte em nada
Falam as duas ciganas que haviam aparecido
com os vizinhos — Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
— Atenção peço, senhores, eu não sei bem a resposta
para esta breve leitura: da pergunta que fazia,
somos ciganas do Egito, se não vale mais saltar
lemos a sorte futura. fora da ponte e da vida;
Vou dizer todas as coisas nem conheço essa resposta,
que desde já posso ver se quer mesmo que lhe diga;
na vida desse menino é difícil defender,
acabado de nascer: só com palavras, a vida,
aprenderá a engatinhar ainda mais quando ela é
por aí, com aratus, esta que vê, severina;
mas se responder não pude
Não o vejo dentro dos mangues, à pergunta que fazia,
vejo-o dentro de uma fábrica: ela, a vida, a respondeu
se está negro não é lama, com sua presença viva.
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama E não há melhor resposta
(...) que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
Falam os vizinhos, amigos, pessoas que que também se chama vida,
vieram com presentes etc. ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
— De sua formosura vê-la brotar como há pouco
já venho dizer: em nova vida explodida;
é um menino magro, mesmo quando é assim pequena
de muito peso não é, a explosão, como a ocorrida;
mas tem o peso de homem, mesmo quando é uma explosão
de obra de ventre de mulher. como a de há pouco, franzina;
— De sua formosura mesmo quando é a explosão
deixai-me que diga: de uma vida severina.
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
Proposta

É possível trabalhar com o tema da migração – deslocamentos populacionais – e sugerir


uma pesquisa sobre os movimentos migratórios atuais no mundo. Pode-se discutir os
motivos e consequências desses deslocamentos na atualidade – guerras, perseguições
étnicas, fome, desemprego, etc.

Sugerimos um trabalho a partir das imagens do fotógrafo Sebastião Salgado (brasileiro


radicado na França), do projeto Êxodos.

“Morte e vida...” (por que essa sequência?)

“Saltar fora da ponte e da vida”

“Explosão de vida”

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