Um Hobbit, Um Guarda-Roupa e Uma - Joseph Loconte

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Copyright © 2015 by Joseph Loconte

Publicado originalmente sob o título:


A Hobbit, a Wardrobe, and a Great War: How J.R.R. Tolkien and C.S. Lewis Rediscovered Faith,
Friendship, and Heroism in the Cataclysm of 1914-18
Published by arrangement with Thomas Nelson, a division of HarperCollins Christian Publishing, Inc.

1ª edição 2020
ISBN: 978-65-990583-4-9
Impresso no Brasil

Tradução: Júlia Ramalho


Revisão: Cesare Turazzi
Capa: Bárbara Lima Vasconcelos
Diagramação: Marcos Jundurian
Versão eBook: Tiago Dias

PIRATARIA É PECADO E TAMBÉM UM CRIME


RESPEITE O DIREITO AUTORAL
O uso e a distribuição de livros digitais piratas ou cópias não autorizadas prejudicam o financiamento
da produção de novas obras como esta.
Respeite o trabalho de ministérios como a Editora Trinitas.

L819h Loconte, Joe, 1961-


Um hobbit, um guarda-roupa e uma grande guerra / Joseph Loconte ; [tradução: Júlia
Ramalho]. – São Paulo: Trinitas, 2020.
238 p. : il.
Tradução de: A hobbit, a wardrobe, and a great war.
Inclui referências bibliográficas (p. 209-229).
ISBN 978-65-990583-4-9
1. Tolkien, J. R. R. (John Ronald Reuel), 1892-1973 – Crítica e interpretação. 2.
Tolkien, J. R. R. (John Ronald Reuel), 1892-1973 – Religião. 3. Lewis, C. S. (Clive
Staples), 1898-1963 – Crítica e interpretação. 4. Lewis, C. S. (Clive Staples), 1898-1963 –
Religião. 5. Guerra Mundial, 1914-1918. 6. Literatura e sociedade – Inglaterra – História –
Séc. XX. I. Título.
CDD: 823.912
Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB 07/6477

Todos os direitos reservados à:

Editora Trinitas LTDA


São Paulo, SP
www.editoratrinitas.com.br
“A Grande Guerra diferiu de todas as guerras antigas pelo imenso poder
de seus combatentes e suas temíveis operações de destruição; distinguiu-
se de todas as guerras modernas pela crueldade absoluta com que foi
travada. Todos os horrores de todas as épocas foram reunidos, e não
apenas exércitos, mas populações inteiras foram lançados no meio desses
horrores.”
— Winston Churchill, The World Crisis, 1911–1918

“Homens então feitos íntimos pelas trincheiras entram em laços de


dependência e sacrifício mútuos mais fortes do que qualquer amizade
forjada em tempos de paz e dias melhores pode conceber. Este é o maior
mistério da Primeira Guerra Mundial. Se pudéssemos entender seus
amores, assim como seus ódios, estaríamos mais próximos de
compreender o mistério da vida humana.”
— John Keegan, A Primeira Guerra Mundial

“Os mais corajosos certamente são os que enxergam com maior clareza o
que está adiante, tanto glória como perigo, e, ainda assim, vão direto ao
encontro de ambos.”
— Tucídides, História da Guerra do Peloponeso
Para minha mãe e meu pai,
que me ensinaram a ter coragem;
para meus avós, que enfrentaram a Grande Guerra,
e para os filhos de Ventotene
Sumário
Introdução
capítulo 1
O Funeral do Grande Mito
capítulo 2
A Última Batalha
capítulo 3
Numa Toca no Chão Vivia um Hobbit
capítulo 4
O Leão, a Feiticeira e a Guerra
capítulo 5
A Terra da Sombra
capítulo 6
Aquela Fortaleza Medonha
Conclusão
O Retorno do Rei
Agradecimentos
Uma Lembrança
Sobre o Autor
Notas
Índice Remissivo
INTRODUÇÃO

Em meio aos sofrimentos de uma das guerras mais destrutivas


e desumanizadoras da história mundial, algo extraordinário
ocorreu, para nunca mais se repetir. Aconteceu na noite de
Natal, em 24 de dezembro de 1914.
A “Grande Guerra” vinha sendo travada furiosamente há
cinco meses. Nenhum dos lados conseguia obter uma
vantagem decisiva: a despeito de planos e promessas em
contrário, os exércitos europeus estavam “disputando um
impasse”.1 Posicionadas na França, a maioria das tropas
originais de 160 mil homens da Força Expedicionária Britânica
(BEF) havia sido arrasada em Mons, Le Cateau e Ypres. As
baixas nos exércitos francês e alemão foram ainda mais
estarrecedoras. Nas primeiras semanas de guerra, os franceses
haviam perdido 300 mil homens. No fim de dezembro, França e
Alemanha contavam perdas em combate bem acima de 600 mil
soldados, e ainda contando os feridos ou desaparecidos.
Algumas das batalhas haviam sido travadas no combate direto,
corporal. Conforme descrito pelo relato de um alemão da
primeira Batalha de Ypre: “O inimigo lutou desesperadamente
por cada acúmulo de pedras e por cada pilha de tijolos”.2
E, ainda assim, na noite de Natal, os exércitos de ambos os
lados da Frente Ocidental baixaram as armas, cantaram hinos
e trataram seus inimigos como irmãos.
Ninguém deu ordens para a então famosa “Trégua de Natal
de 1914”. Não haveria quem planejasse algo assim. Surgiu
espontaneamente, sem aviso, tanto entre oficiais quanto entre
soldados rasos, ao longo de centenas de quilômetros de defesas
fortificadas. “Entre as trincheiras, os oponentes odiosos e
mordazes se encontraram ao redor de uma árvore de Natal e
entoaram canções natalinas”, escreveu Josef Wenzl, soldado da
infantaria alemã, a seus pais. “Um momento único na vida
como esse não se esquece”.3
No relato bíblico, o Anjo da Morte passou sobre as casas do
Egito durante o cativeiro de Israel, e as destruiu. Já a visitação
sobre aqueles soldados foi o inverso: uma explosão de
humanidade que varreu as linhas da Frente Ocidental.
Começando na véspera e prosseguindo por todo o dia de Natal,
as máquinas de matar da Grande Guerra se silenciaram.
Soldados saíram das trincheiras e cumprimentaram seus
adversários na “Terra de Ninguém”, zona de disputa que
separava as linhas de defesa inimigas. Eles se reuniram para
cantar “Stille Nacht” (“Noite Feliz”) e trocar comidas, bebidas e
tabaco. “Gradualmente, houve um cessar-fogo em quase todos
os lugares ao longo da linha naquela véspera de Natal”,
escreveu o historiador Modris Eksteins. “O espírito de Natal
havia simplesmente conquistado o campo de batalha”.4

NO ABISMO
O espírito do Natal de dezembro de 1914 foi logo sugado
para o abismo de morte e desolação. Muito do vigor, da
confiança e da decência do Ocidente parece ter desaparecido
junto dele. Como nenhuma guerra antes dela, explica o
historiador John Keegan, a Primeira Guerra Mundial “causou
danos na civilização, a civilização racional e liberal do
Iluminismo europeu, que a piorou permanentemente, trazendo
também, por meio do dano causado, pioras semelhantes à
civilização mundial”.5 Paul Johnson descreveu o conflito como
a “tragédia fundamental da civilização do mundo moderno,
principal razão por que o século XX transformou-se em uma
época de tamanho desastre para a humanidade”.6 Winston
Churchill, que lutou na guerra, também refletiu, com
perspectivas sombrias, sobre suas consequências: “Danos
foram causados na estrutura da sociedade humana, danos que
um só século não será capaz apagar, danos que podem se
mostrar fatais à civilização atual”.7
O ano de 2014 marcou o centenário do início daquela
tragédia: a guerra que tornaria o mundo um lugar seguro para
a democracia, a guerra que acabaria com todas as guerras, a
guerra que inauguraria o reino dos céus. Ao invés disso, no
entanto, a Grande Guerra acabou com um continente e
destruiu a esperança e a vida de uma geração. Antes que
chegasse ao fim, quase todas as famílias da Europa choravam
a perda de um membro, ou consolavam outras famílias em
luto, ou cuidavam de um soldado ferido lutando para voltar à
vida civil. Era, nas palavras do autor Aldous Huxley, “um tipo
macabro de universo”.8
O sustento de centenas de milhões de pessoas, incluindo
membros de minha própria família, foi interrompido ou
arruinado pelo conflito. Meu avô paterno, Michele Loconte,
emigrante de uma pequena vila perto de Bari, no sul da Itália,
morava nos Estados Unidos quando as hostilidades
começaram. Recrutado para o Exército dos Estados Unidos, foi
enviado à França em 1918, ano em que as tropas americanas
começaram a chegar na Frente Ocidental. Ele sobreviveu à
guerra, mas raramente falava a respeito. Meu avô materno,
Giuseppe Aiello, deixou a ilha de Ventotene, onde nasceu, perto
da costa de Nápoles, uma região no sul da Itália
economicamente dizimada durante os anos de guerra. Chegou
em Nova Iorque em 1921, pouco antes de Mussolini e os
fascistas chegarem ao poder em Roma. Meus avôs estavam
determinados a recomeçar a vida nos Estados Unidos.
Os especialistas continuam debatendo as causas e os
resultados da guerra. No livro Forgotten Victory, Gary Sheffield
admite a terrível natureza do conflito, mas insiste que “não foi
nem fútil, nem sem sentido”.9 Uma Alemanha beligerante, ele
escreve, tinha planos de conquista e dominação tais que as
democracias da Europa simplesmente não podiam ignorar. No
entanto, nas memoráveis palavras de Barbara Tuchman, “os
canhões de agosto” apontavam para o início de um pacto
suicida europeu: milhões de jovens perecendo nas trincheiras e
sob arame farpado, a carnificina mecanizada de um conflito
que ninguém imaginava e que ninguém sabia como parar.
Como nenhuma outra força na História, a Primeira Guerra
Mundial alterou permanentemente o panorama político e
cultural da Europa, dos EUA e do Ocidente. No julgamento de
outro historiador, a guerra tornou-se “o eixo sobre o qual o
mundo moderno girava”.10 O crítico literário Roger Sale
chamou o conflito de “o principal evento responsável por
moldar a ideia moderna de que o heroísmo está morto”.11 Para
uma geração de homens e mulheres, tal conflito trouxe o fim da
inocência — e o fim da fé.

CONTRA A CORRENTEZA
Contudo, para dois autores e amigos extraordinários, J. R.
R. Tolkien e C. S. Lewis, a Grande Guerra serviu para
aprofundar ainda mais sua busca espiritual. Os dois serviram
como soldados na Frente Ocidental, sobreviveram à guerra de
trincheiras e usaram a experiência nesse conflito para moldar
sua própria imaginação cristã. Tolkien escreveu O Hobbit e,
depois, O Senhor dos Anéis, o segundo romance mais vendido
já escrito e obra que está entre as mais influentes do século
XX. Lewis, por sua vez, ganhou fama com As Crônicas de
Nárnia, uma série de sete livros infantis muito populares e que
figuram entre os clássicos da literatura. Pode-se dizer que
esses contos épicos — que contêm os pesares e os triunfos da
guerra — nunca teriam sido escritos se esses autores não
tivessem sido convocados ao combate na vida real.
A Primeira Guerra Mundial trouxe um enorme fardo de
perdas para aquela geração. “As batalhas são vencidas com
massacres e manobras”, observou Churchill certa vez. “Quanto
melhor o general, melhores são as manobras e estratégias
criadas, o que diminui o número de perdas humanas”.12 Os
generais dessa guerra, no entanto, sofreram muitas perdas. Até
a chegada do Armistício, mais de nove milhões de soldados
estavam mortos e cerca de 37 milhões feridos. Em média, mais
de seis mil homens eram mortos por dia durante o conflito, que
durou 1.566 dias. Na Grã-Bretanha, quase seis milhões de
homens — um quarto de sua população masculina adulta —
passaram pelas fileiras do exército. Cerca de um em cada oito
deles morreu na guerra.13
Tolkien e Lewis poderiam facilmente estar entre eles. Como
segundo-tenente da Força Expedicionária Britânica, Tolkien
passou muitos dias e noites na Frente Ocidental,
frequentemente debaixo de fogo dos ataques inimigos. Ele lutou
na Batalha do Somme, uma das batalhas consideradas mais
sangrentas da história das guerras. “É preciso, de fato, passar
pessoalmente pelos horrores da guerra para sentir
verdadeiramente toda a sua opressão”, escreveu Tolkien
décadas depois. “Mas, com o passar dos anos, parece que,
frequentemente, nos esquecemos de que ter sido convocado em
1914 não foi menos terrível do que estar envolvido em 1939 e
nos anos seguintes. Em 1918, ao final do conflito, todos, exceto
um de meus amigos mais próximos, estavam mortos”.14
Também servindo como segundo-tenente da Força
Expedicionária Britânica, Lewis foi imediatamente enviado para
o front de batalha. A experiência de seis meses na guerra de
trincheiras, um caos de sofrimento e morte, permaneceu com
ele pelo resto de sua vida. Como ele mesmo refletiu certa vez,
de maneira nada romântica: “As minhas lembranças da última
guerra assombraram os meus sonhos durante anos. O serviço
militar, para ser bem claro, é uma ameaça constante de todo
tipo de mal”.15 Lewis descreveu o sentimento de tristeza como
“o bombardeio incessante nas trincheiras da Primeira Guerra
Mundial, sem qualquer interrupção, por um minuto sequer”.16
Assim como Tolkien, ele perdeu a maior parte de seus amigos
mais próximos naquele conflito.
Após a guerra, os dois retornaram à Universidade de Oxford,
onde começaram a trabalhar como professores de literatura
inglesa. Eles se conheceram pela primeira vez em 1926 e
estabeleceram um vínculo de amizade que transformaria suas
vidas e carreiras. Tolkien teria um papel fundamental na
conversão de Lewis ao cristianismo, enquanto Lewis seria uma
voz decisiva para persuadir Tolkien a concluir O Hobbit e O
Senhor dos Anéis. Dada a influência imensa e duradoura de
suas obras, é muito difícil imaginar uma amizade mais
significante no século XX — amizade que surgiu da dor e do
sofrimento de uma guerra mundial.
Esses autores cristãos estavam nadando contra a correnteza
do seu tempo. Durante os anos do pós-guerra, muitos
veteranos produziram romances e poemas com um forte
discurso anti-guerra. Muitos outros se tornaram moralmente
céticos. No entanto, Tolkien e Lewis — profundamente cientes
da “beleza e mortalidade do mundo” — insistiram que a guerra
poderia inspirar sacrifícios nobres para propósitos humanos.17
Enquanto toda uma geração de jovens autores rejeitava a fé no
Deus da Bíblia, eles produziram histórias impregnadas com
temas como culpa e graça, tristeza e consolo.
O jornalista Walter Lipmann, ao refletir sobre as
consequências espirituais da Primeira Guerra Mundial,
lamentou o fato de que “ilusões vulgares” tenham tomado o
lugar da crença religiosa tradicional. “O que mais distingue a
geração que alcançou a maturidade desde o desastre do
idealismo no final da guerra, não é a sua rebelião contra a
religião e o código moral de seus pais”, escreveu ele, “mas sim a
sua desilusão com a sua própria rebelião”.18 Parte da grande
realização de Tolkien e Lewis foi reapresentar à imaginação
popular uma visão cristã de esperança em um mundo
torturado pela dúvida e pela desilusão.

DE VOLTA À REALIDADE
Ambos os autores, é claro, foram acusados de escapismo.
Sua escolha de gênero literário — o mito romântico — foi
considerado por algumas pessoas como “essencialmente, uma
tentativa de fugir da feiura e do impasse moral do mundo
moderno”.19 Contudo, nem Tolkien nem Lewis escolheram
escrever suas obras por influência de fantasias que exaltassem
o escapismo, ou que glorificassem a guerra. Tolkien foi atraído
a contos como Beowulf, com sua visão sombria da luta entre o
bem e o mal. “A sua luta característica entre homem e monstro
deve terminar, em última instância, na derrota do homem”,
escreveu Patricia Meyer Spacks. “No entanto, o homem
continua lutando; suas armas são as armas dos hobbits: a
simples vontade e coragem”.20 Por isso, em O Senhor dos
Anéis, encontramos grande sobriedade sobre as perspectivas
da vitória final nesta vida, como vemos nas palavras de
Galadriel: “Por todas as eras do mundo, lutamos contra a longa
derrota”.
Quando pediram que citasse os livros que mais contribuíram
para moldar a sua vida profissional, Lewis incluiu A Eneida, de
Virgílio, a história mítica e violenta do início de Roma. Esse não
é um conto de fadas para crianças. A submissão de Eneias ao
desejo de cumprir o seu dever e a sua disposição para aceitar o
seu difícil chamado o transformam em uma figura heroica.
Porém, como Lewis observou certa vez, as dificuldades que ele
precisa enfrentar transformam a obra em um “grande épico,
difícil e amargo”.21 Apesar de ter sido escrito para crianças, o
mesmo pode ser dito de As Crônicas de Nárnia, de Lewis. Há
um triunfo final da luz sobre as trevas na história, mas não
sem derramamento de sangue, perdas terríveis e medo da
morte. “Siga o meu conselho”, diz o Sr. Castor. “Sempre que
você encontrar algo que será humano, mas ainda não é, ou que
já foi humano, mas não mais é, ou, ainda, que deveria ser
humano mas não é, fique de olho nele e tome cuidado”.22
Tolkien e Lewis foram atraídos pelos gêneros de mito e
romance, não porque desejavam escapar do mundo, mas
porque, para eles, o mundo real possuía uma característica
mítica e heroica. O mundo é o cenário de grandes conflitos e
grandes buscas: ele cria cenas de violência, dor e sofrimento
implacáveis, bem como de profunda compaixão, coragem e
sacrifício altruísta. Em um tempo em que o cinismo e a ironia
eram exaltados, Tolkien e Lewis tentaram recuperar uma
tradição mais antiga do herói épico. Suas descrições das lutas
na Terra Média e em Nárnia não representam uma fuga da
realidade, mas sim um retorno a uma visão mais realista do
mundo como ele é de fato.
Na verdade, foi a experiência da guerra que ofereceu grande
parte da matéria-prima para os personagens e temas de suas
obras de fantasia. Em um sermão chamado “Aprendizado em
Tempo de Guerra”, Lewis explicou como a guerra expõe a
loucura que é depositarmos a nossa felicidade em esquemas
utópicos para a transformação da sociedade. “Se pensarmos
que estamos construindo um paraíso na terra, se buscarmos
por algo capaz de transformar esse lugar de peregrinação em
um lar permanente para a satisfação da alma humana, então
ficaremos completamente decepcionados — e rápido nos
decepcionaremos”.23 Como veremos, ao contrário da desilusão
que oprimiu grande parte de sua geração, Lewis usaria a sua
experiência na guerra — todo o seu horror, assim como toda a
sua nobreza — como um guia para a clareza moral.
O mesmo se deu com Tolkien, que saiu da guerra com um
profundo respeito pelo soldado comum. Por ser oficial do
Exército Britânico, ele não podia fazer amizade com muitos
soldados de seu batalhão, nem com os “batmen”, soldados
encarregados de cuidar dos equipamentos de um oficial e
atender às suas necessidades diárias. A guerra, no entanto,
acaba por suavizar as hierarquias militares. Ao lutar ao lado
desses soldados, Tolkien testemunhou inúmeras vezes a
impressionante determinação deles enquanto sofriam ataques.
Na verdade, como ele mesmo reconheceu mais tarde, uma das
grandes figuras heroicas de O Senhor dos Anéis foi baseada em
sua experiência mais imediata com os homens nas trincheiras
da Grande Guerra: “O meu ‘Sam Gamgi’ é, de fato, reflexo do
soldado inglês, dos soldados rasos e dos ‘batmen’ que conheci
na guerra de 1914 e considerava tão superiores a mim
mesmo”.24
UMA MENSAGEM PARA OS NOSSOS DIAS
O historiador militar Victor Davis Hanson observou certa vez
que a história do Ocidente é quase a história da guerra. “A
cidadania democrática”, escreveu ele, “requer conhecimento da
guerra”.25 Tolkien e Lewis nunca buscaram o profundo
conhecimento de combate que acabaram por adquirir em sua
juventude. Na verdade, não se pode enfatizar o suficiente que
nenhum dos dois recebeu de bom grado a chegada da guerra
ou jamais romantizou o seu significado. “Não sou nenhum
guerreiro”, diz Pippin em O Senhor dos Anéis, “e não gosto nem
sequer da ideia de batalha”.26 E como poderia ser diferente,
dado o que esses autores e a sua geração enfrentaram?
Contudo, a Grande Guerra ajudou a moldar a sensibilidade
deles, um fato que parece ser negligenciado por estudiosos e
admiradores de suas obras. No ano do centenário do início da
Primeira Guerra Mundial, o interesse das editoras pelo conflito
começou a despertar novamente. Os historiadores tendem a se
concentrar na eclosão da guerra, nas táticas dos generais, na
destruição causada pelo conflito, nos livros de memórias e
romances amargurados que surgiram desde então. A maior
parte da produção de material mais recente examina a guerra a
partir de quase todos os ângulos — militar, social, político e
econômico —, exceto do ponto de vista da fé. O mais
necessário, porém, é uma nova avaliação da calamidade
espiritual da guerra e da condição humana à luz dessa
experiência.
A história do impacto que a guerra exerceu sobre a visão
criativa de Tolkien e Lewis pode ajudar os historiadores a
entender melhor as suas consequências morais e espirituais
sobre uma geração inteira. Por outro lado, os admiradores de
suas obras de ficção podem se beneficiar imensamente de uma
avaliação mais profunda da experiência de guerra. Tanto
crentes quanto céticos podem se surpreender ao descobrir
como dois dos mais célebres escritores do século XX
responderam à Grande Guerra: como ambos empregaram a
sua consciência cristã para desafiar uma cultura
predominantemente triste, sombria e incrédula no período pós-
guerra.
Os feitos e a importância de ambos para os nossos dias não
podem ser subestimados. Alguns autores veem em suas obras
“desespero em relação à vida social e política moderna” e “um
grande pessimismo sobre a vida e a sociedade”.27 No entanto,
críticas como essas parecem ser empobrecidas por suas
próprias suposições sombrias. Tolkien e Lewis oferecem uma
compreensão da história humana que é, ao mesmo tempo,
trágica e esperançosa: eles sugerem que a guerra é um sintoma
da ruína e da destruição da vida humana, mas que aponta o
caminho para uma vida restaurada e transformada pela graça.
Nesse sentido, os dois autores apresentam um desafio
àqueles que veem a guerra como uma solução pronta para os
nossos problemas, assim como para aqueles que condenam
qualquer guerra como mal absoluto. Tolkien e Lewis não foram
vítimas das reações extremas à guerra, tão típicas de seu
tempo. “Nós sabemos, pela experiência dos últimos vinte anos”,
escreveu Lewis em 1944, “que o pacifismo aterrorizado e
raivoso é um dos caminhos que levam à guerra”.28 Tolkien
condenou o “desperdício total e estúpido da guerra”, porém
admitiu que “ela é necessária em um mundo maligno”.29 O
recurso utilizado por eles foi nos trazer de volta à tradição
heroica: uma forma de pensamento temperado pelas realidades
do combate e fortalecido pela fé em um Deus de justiça e
misericórdia.
Talvez o personagem de Faramir, o Capitão de Gondor em O
Senhor dos Anéis, expresse isso melhor.30 Ele possui
humildade, assim como grande coragem — é um guerreiro com
uma “grave ternura no olhar”, que não sente prazer na
perspectiva de batalha. Assim, ele transmite uma mensagem
que vale a pena ser repetida nos dias atuais, em um mundo
que conhece bem as tristezas e devastações da guerra: “A
guerra deve acontecer, enquanto estivermos defendendo nossas
vidas contra um destruidor que poderia devorar tudo”, explica
ele. “Mas não amo a espada brilhante por sua agudeza, nem a
flecha por sua rapidez, nem o guerreiro por sua glória. Só amo
aquilo que eles defendem”.31
capítulo
1

O FUNERAL DO GRANDE MITO

Em 13 de maio de 1901, três meses após se juntar ao


Parlamento, Winston Churchill, aos vinte seis anos, fica em
evidência ao enviar uma censura aos seus colegas do Partido
Conservador na Câmara dos Comuns do Reino Unido. Ansiosos
com os avanços alemães na Europa, alguns dos políticos
ingleses exigem que o governo prepare um exército capaz de
derrotar o inimigo europeu. Acreditava-se que tal guerra seria
limitada, decisiva — e imensamente vantajosa para o vencedor.
Mas Churchill acumulou experiências de batalhas na Índia,
no Sudão e na Segunda Guerra dos Bôeres, na África do Sul.
Ele percebeu que a natureza da guerra estava em mudança; o
conflito na Europa não seria nada parecido com o das guerras
coloniais do século anterior, disputadas por pequenos exércitos
profissionais contra inimigos despreparados, e levado a uma
rápida conclusão. “Fico espantado ao ouvir nesta Câmara
tamanha calma e fluidez proferida por membros, e até mesmo
ministros sobre uma guerra europeia”, Churchill declara. Tal
conflito, ele adverte, resultaria “na ruína do exército derrotado
e na desorganização comercial e na exaustão por pouco menos
fatais dos vencedores”.1 Essa não seria a última vez que
Churchill se acharia fora dos passos da sabedoria política
convencional.
No início do século XX, planos sobre a guerra e sobre o que
poderia acontecer estavam ligados com uma ideia geral
singular. A ela daremos o nome de “O Mito do Progresso”.
Talvez a visão mais abrangente sustentada nos anos que
levaram à Grande Guerra tenha sido a de que a Civilização
Ocidental marchava inexoravelmente para o futuro, que a
própria humanidade estava amadurecendo, evoluindo,
avançando — que novas visões sobre política, cultura e
realização espiritual estavam ao alcance. No Renascimento, a
mensagem de Pico Della Mirandola, Discurso sobre a Dignidade
do Homem (1486), no qual o Criador exalta as terríveis
possibilidades da humanidade, captura de maneira precisa
essa disposição: “Não te fizemos celeste nem terreno, nem
mortal, nem imortal, a fim de que tu, árbitro e soberano artífice
de ti mesmo, te plasmasses e te informasses, na forma que
tivesses seguramente escolhido. Poderás degenerar até aos
seres que são as bestas, poderás regenerar-te até às realidades
superiores que são divinas, por decisão do teu ânimo”.2
Os pensadores e escritores que ensinaram à geração de J. R.
R. Tolkien e C. S. Lewis estavam certos sobre qual direção a
humanidade seguia. A confiança no progresso humano levou
muitos a acreditar que com a ajuda das tecnologias modernas,
guerras poderiam ser travadas com um custo mínimo de vidas
e riquezas.
O argumento é simples: europeus racionais não mais
deveriam apoiar campanhas longas e brutais como nos anos
passados. Os dias das guerras religiosas, das Guerras
Napoleônicas, da Guerra da Crimeia — são relíquias de uma
era passada. Com uma economia cuidadosa e políticas sadias,
guerras curtas e organizadas seriam a norma. “O conceito de
Estados guerreando até a exaustão absoluta”, conclui o autor
alemão em 1908, “está fora da experiência cultural europeia”.3
Poucos anos antes do surto da Primeira Guerra Mundial,
quando a Alemanha se organizava para um confronto com a
Grã-Bretanha e a França por um porto na costa marroquina,
um líder antiguerra do Parlamento Alemão bradou as seguintes
palavras: “as coisas melhoram depois de qualquer guerra!”.4
A crença no progresso levou outros a argumentar que o
Ocidente em breve dispensaria completamente a guerra e o
remanescente de uma época primitiva e não iluminada.
O escritor britânico Norman Angell, em seu livro A Grande
Ilusão, explicou como as grandes democracias da Europa
perceberiam que a guerra produziria dificuldades econômicas e
perdas severas, afirmando que tomaria todas as medidas
necessárias para evitá-la.
De acordo com Angell, a Revolução Industrial — por
estabelecer um modelo econômico de crescimento e
interdependência — mudou a dinâmica entre os Estados-
nações. Nas grandes nações industriais como Grã-Bretanha,
França, Alemanha e Estados Unidos, ele escreve, “arrefecia o
impulso psicológico que leva à guerra”, assim como
abandonado era o impulso de matar seus vizinhos por causas
religiosas. “O menos informado dos homens sabe perfeitamente
que as coisas caminham no sentido contrário a toda tendência
de agressão contra as crenças e os ideais alheios”.5 Na nova
era do comércio e da comunicação internacional, era natural
que nações dedicassem mais recursos para a paz do que para
os preparativos de guerra. Ele perguntou, “como poderiam
manter-se vivos os instintos associados à guerra em oposição
aos interesses, empreendimentos — e todos os esforços — que
promovem a paz?”.6
Publicado pela primeira vez em 1909, A Grande Ilusão
tornou-se líder de vendas. Foi traduzido para o francês, o
alemão, o italiano, o russo e, ao longo dos anos, passou por
mais dez edições em inglês. O livro parecia falar de maneira
profunda e abrangente a um anseio compartilhado: a “paz
perpétua” imaginada por filósofos como Immanuel Kant. A
ficção científica escrita por H. G. Wells recordava o estado de
espírito da época: “Penso que, décadas antes de 1914, não
apenas eu, mas a maioria de minha geração — no Império
Britânico, nos Estados Unidos, na França e na maioria do
mundo civilizado — acreditava que a guerra estava chegando
ao fim. Ao menos era o que nos parecia”.7
Era uma compreensão especialmente atraente aos líderes
religiosos, mesmo na véspera do conflito. A coalizão de
organizações religiosas e seculares, o Conselho Nacional de Paz
da Grã-Bretanha previu uma nova era de harmonia
internacional. A edição de 1914 de seu Anuário da Paz nos
oferece essa predição surpreendente:
Paz, o infante do século XIX, é a forte juventude do século XX; pois
a Guerra, produto do medo e da anarquia, desfalece sob o
crescimento e a pressão persistente da organização mundial, da
economia, da necessidade, da relação humana. Tal mudança de
espírito, esse senso social, esse novo aspecto da vida mundial é o
tom dominante, o Zeitgeist desta era.8
Essa “mudança de espírito”, essa fé no progresso que
tornaria a guerra um anacronismo, achou o seu campeão na
Inglaterra Vitoriana. Nos anos de declínio do século XIX —
década em que Tolkien e Lewis nasceram —, a Grã-Bretanha
estava no ápice de suas conquistas políticas, econômicas e
culturais. Sua democracia parlamentarista era a mais antiga e
mais estável em toda a Europa, suas colônias eram as maiores,
controlavam um quarto das terras do planeta, e sua frota
marítima dominava os mares. Em resumo, a Coroa Britânica
reinou sobre o maior império da história do mundo.9 Apesar
dos excessos imperialistas, o historiador Niall Ferguson
argumenta, “nenhuma organização fez mais para impor as
normas, a ordem e a governança ocidental mundo afora”.10
Tolkien e Lewis faziam parte da geração de britânicos que
igualava a prosperidade e o crescimento de sua nação com o
próprio progresso da civilização.

A PROMESSA DO PALÁCIO DE CRISTAL


E por que não? Como líder da Revolução Industrial, a
Inglaterra era pioneira nos avanços tecnológicos que cobriam
toda a Europa. Sua dominância foi inquestionável até a
primeira Exposição Mundial, mantida em Londres, em 1851,
“no apogeu do extravagante Império Britânico”.11 Um enorme
monumento de vidro e ferro fundido foi construído para receber
a Grande Exposição. Conhecido como Palácio de Cristal, era a
maior estrutura de vidro do mundo e um símbolo dos triunfos
culturais da Inglaterra Vitoriana. Em exibição havia mais de
cem mil exposições, espalhadas em um espaço de dezesseis
quilômetros, agrupadas em quatro principais categorias:
matéria-prima, maquinaria, manufaturas e Belas-Artes. Dos
quinze mil contribuidores, O Reino Unido exigiu metade do
espaço da exposição. Durante a abertura da exposição, a
Rainha Vitória declarou aquele como “o maior dia de nossa
história”.
Dias ainda maiores pareciam por vir. Transportes
ferroviários, motores a vapor, reatores químicos, a indústria
têxtil, minas de carvão e ferro tornavam-se instrumentos
naturais da humanidade.
Como o historiador Roger Osborne explica, a ciência baseada
na tecnologia estava melhorando a vida de pessoas comuns,
tornando-a mais fácil e segura. Também mais saudável: os
princípios da ciência produziram melhor condição de vida e
higiene, permitindo novos avanços na medicina e no
tratamento de doenças. As novas tecnologias, a explosão do
crescimento das cidades e a produtividade da Indústria —
todas essas forças mudaram a natureza física da vida
europeia.12
Foi essa invasão da vida tecnológica na Inglaterra rural que
Tolkien viria a ressentir. Nascido em 1892, John Ronald Reuel
Tolkien desenvolveu uma profunda ligação com seu lar em
West Midlands, um condado que já era a mistura de zona rural
com desenvolvimento urbano. Tolkien, que passou seus
primeiros anos em uma “era pré-mecânica”, considerava ter
crescido nos arredores de Birmingham — centro da Revolução
Industrial — como um dos fatos “realmente significativos” de
sua juventude. Hoje, West Midlands é uma das regiões mais
urbanizadas da Grã-Bretanha.
“Como é real, como é espantosamente viva a chaminé de
fábrica comparada a um pé de olmo: pobre coisa obsoleta,
sonho insubstancial de um escapista!”,13 Tolkien escreve com
desdém. O amor de Tolkien pela região rural inglesa e seu
apego pela natureza rebelaram-se contra a industrialização
caótica daqueles dias. Sua divergência encontrou uma saída
criativa: o mundo bucólico dos hobbits, a região da Terra Média
conhecida como Condado.
O biógrafo Humphrey Carpenter acredita que a ruptura da
mecanização sobre o amado mundo de Tolkien “definiu a
natureza de seu trabalho erudito”, motivando-o a criar o
Condado e seus habitantes caseiros.14 Como Tolkien uma vez
disse a seu editor, o Condado “é baseado na Inglaterra rural e
não em qualquer outro país”.15 A casa do famoso hobbit, Bilbo
Bolseiro, leva seu nome — “Bolsão” — da fazenda de sua tia em
Worcestershire. “Sou de fato um Hobbit (em tudo, exceto na
estatura)”, ele admite. “Gosto de jardins, de árvores e de terras
aráveis não mecanizadas; fumo cachimbo e gosto de uma boa
comida simples (que não seja industrializada), mas detesto a
culinária francesa”.16
Em contraste, Tolkien enxergava o excesso de confiança na
tecnologia, “a Máquina”, como um passo mais próximo para a
dominação de terceiros. O ato de “intimidar o mundo real”,
escreveu Tolkien, envolvia “coagir outras vontades”.17 Por isso,
o abominável reino de Mordor é sustentado por suas fábricas e
motores, os quais Sauron apresenta como forças suas para
invadir o Condado. Esse tema iria ocupar grande parte da
carreira de Tolkien.
Escrevendo na década de 1940, Tolkien lamenta porque “a
tragédia e o desespero de todo maquinário se expõem”. A
tragédia, como ele viu, foi a tentativa de usar a tecnologia para
realizar nossos desejos e aumentar nosso poder sobre o mundo
que nos cerca — tudo que nos deixa insatisfeitos. Tolkien ligou
o problema a um significado espiritual: “e, além dessa
incapacidade fundamental da criatura, acrescenta-se a Queda,
o que faz com que nossos aparelhos não falhem em seu desejo,
mas se tornem um mal novo e horrendo”.18 Essa certamente
foi a visão que, em O Senhor dos Anéis, o levou a retratar os
inimigos da natureza nos termos mais sombrios. O Mago
Saruman “tem um cérebro de metal e rodas, e não se preocupa
com os seres que crescem, a não ser enquanto o servem”,
Tolkien escreveu. “E agora fica claro que ele é um traidor
sombrio”.19
Clive Staples Lewis nasceu em 1898, nos arredores de
Belfast, na Irlanda do Norte. A família se mudou para Little
Lea, à beira do subúrbio, uma cidade cercada por colinas
verdes. De sua casa ele conseguia enxergar todos os tipos de
embarcações indo e vindo em Belfast Lough. “O som do apito
do vapor à noite”, escreveu, “ainda evoca toda a minha
meninice”.20 A alguns quilômetros de sua casa encontravam-
se “montanhosas terras agrícolas indiscutivelmente abertas”,
as quais Lewis e seu irmão Warren exploravam de bicicleta.21
Assim como Tolkien, Lewis passou a duvidar das promessas
da industrialização por melhoras na condição humana,
ceticismo que carregaria ao longo de toda sua vida. “Perto
daqui, estão prestes a demolir parte da amável Beechwood, a
fim de alinhar a principal rua de Londres, malditos sejam”,
escreveu semanas antes de sua morte, em novembro de 1963.
“Há momentos em que me pergunto se a invenção do motor de
combustão interna não foi um desastre ainda maior do que a
bomba de hidrogênio!”. Ideias modernas sobre o “progresso”
que negligenciavam padrões e tradições do passado seriam
questionadas. “Eu me importo mais em como do que por
quanto tempo a humanidade vive”, ele escreveu. “Progresso,
para mim, significa o aumento da felicidade e da bondade na
vida dos indivíduos. Para as espécies, como para cada homem,
a mera longevidade me parece uma ideia desprezível”.22
Trata-se de uma convicção que aparece com frequência em
seus escritos, onde Lewis ridiculariza o crescimento das
tecnologias e burocracias à custa da liberdade humana. Em A
Viagem do Peregrino da Alvorada, o Rei Caspian tem
contratempos com comerciantes de escravos, que, com
estatísticas e gráficos, tentam justificar suas operações para o
desenvolvimento econômico. Caspian quer que o comércio
acabe:
“Isso seria o mesmo que impedir o relógio de marcar o tempo”,
articulou o governador. “Você não faz ideia do que seja o
desenvolvimento, o progresso?”
“Já vi essas duas coisas num saco só”, disse Caspian. “Em Nárnia a
isso chamamos de ir de mal a pior. Esse negócio tem de acabar”.23
Ambos os autores consideraram a modernização do século
XX como uma ameaça à sociedade, pois enxergavam o mundo
natural como obra das mãos de Deus e, portanto, essencial à
felicidade humana. Assim, a natureza era uma aliada
fundamental na luta contra as forças desumanizadoras.
Nas batalhas decisivas de Nárnia e da Terra Média, a própria
Natureza se junta na luta contra a tirania. Os ents, as árvores
andantes e humanoides de Tolkien, estão entre as figuras mais
memoráveis de suas histórias. Liderados por Barbárvore — a
criatura viva mais velha da Terra Média —, os ents foram
criados para proteger a floresta contra os orcs e outras forças
mortais. Travada na Segunda Era, a calamitosa Guerra dos
Elfos e Sauron arrasou a terra, forçando os ents ao
confinamento na Floresta de Fangorn. Apesar da esperança de
evitar a Guerra do Anel, Barbárvore e seus companheiros não
poderiam mais tolerar as atrocidades cometidas contra eles e a
floresta. Como o mago Gandalf explica, eles finalmente decidem
marchar contra Sauron — “a última marcha dos ents” — e
cumprem um papel decisivo em sua derrota. “Mas agora sua
ira lenta e longa está transbordando, e toda a floresta está
cheia dela... sua maré está voltada contra Saruman e os
machados de Isengard. Algo que não acontece desde os Dias
Antigos está para acontecer: os ents acordaram e perceberam
que são fortes”.24
Da mesma maneira, Lewis observava a natureza como uma
parte intrínseca da vida. Esse é o motivo por que As Crônicas
de Nárnia fornecem um papel tão proeminente aos animais.
Mesmo as menores criaturas — o rato Ripchip, por exemplo —
podem demonstrar as maiores virtudes humanas. Como o
biógrafo Alister McGrath escreve, Lewis entendia o
relacionamento da humanidade com os animais e o resto do
mundo natural como potencialmente enobrecedor e
gratificante. “O retrato que ele faz de personagens animais em
Nárnia é, em parte, um protesto contra as afirmações
superficiais do direito da humanidade de fazer o que lhe
aprouver com a natureza”.25
Em Príncipe Caspian, o personagem Caça-Trufas explica
para Caspian o porquê será difícil de acordar os espíritos das
árvores na batalha contra Miraz, o rei ilegítimo de Nárnia e seu
exército telmarino: “Não temos poder sobre eles. Desde que os
humanos invadiram o país, derrubando as árvores e secando
as fontes, as dríades e as náiades mergulharam num sono
profundo.26 Ainda assim, a guerra não poderia ser vencida
sem a ajuda deles e Aslam os convoca a se unirem à cruzada: a
“floresta em marcha”. Na cena que nos lembra de “A Última
Marcha dos Ents”, árvores de todas as direções convergem
como uma tempestade sobre o campo de batalha: “não
demorou que seus gritos e o tinir das armas fossem abafados
pelo rugir oceânico das árvores despertas, que se infiltravam
pelas fileiras de Pedro e continuavam em perseguição aos
telmarinos”.27
É a vingança da natureza contra o homem: a exploração
industrializada do mundo físico não pode continuar impune.
Esse entendimento contra o ataque do homem ao seu ambiente
poderia ser aprofundado apenas a partir da experiência da
Grande Guerra. Nunca antes na história da guerra a tecnologia
moldou um holocausto com tão terríveis efeitos na natureza,
assim como também nos homens. O que certo historiador disse
sobre a Batalha do Somme poderia ser aplicado a muitas
batalhas de 1914–18, que devastaram a paisagem da Europa:
“neste campo de fogo, nada poderia viver”.28 A autora Vera
Brittain, escrevendo três anos após a conclusão da guerra,
descreveu a cena perto de Amiens, onde ela procurava pela
sepultura de seu noivo. Ela testemunha uma “série de estradas
destruídas por bombardeios, entre os grotescos esqueletos de
troncos de árvores, com seus ramos nus e destroçados ainda
apontando para o céu num ridículo protesto contra a fria
crueldade dos homens em relação à natureza e aos homens”.29

O DOMÍNIO DA NATUREZA SEM DEUS


Como veremos, Tolkien e Lewis importaram essas imagens,
algumas vezes quase diretamente, dentro de suas obras de
ficção — um protesto silencioso contra a marcha do progresso.
Porém, no tempo em que entraram para a vida adulta, o
passado pré-industrial deu espaço para um presente
encantado de ciência e tecnologia. “De 1900 a 1914, avanços
tecnológicos, sociais e políticos alastraram-se pela Europa e
pelos Estados Unidos numa escala nunca vista em qualquer
outro período”, escreve o historiador Max Hastings, “um piscar
de olhos da experiência humana”.30
Apenas considere os avanços que apareceram na virada do
século. Em 1900, como para simbolizar a ascensão
evolucionária do homem, Charles Seeberger inventa a primeira
escada rolante moderna. No próximo ano, Marconi envia o
primeiro sinal de rádio transatlântico, enquanto Hubert Booth
inventa o aspirador de pó. Em 1902, aparece o primeiro ar-
condicionado, o detector de mentira e a luz neon. Em 1903, os
irmãos Wright testam com sucesso o primeiro avião com
tripulação e motor a gasolina; a primeira turbina a vapor
aparece no mesmo ano. Em 1904, o trator é inventado. Em
1905, Albert Einstein choca a comunidade científica com sua
teoria da relatividade. O Sonar é desenvolvido em 1906 e o
primeiro hospital com ar-condicionado aparece em Boston. Em
1907, a fotografia colorida é inventada. Em 1908 Henry Ford
produz 10.660 automóveis Modelo T em sua linha de
montagem, tornando os carros mais acessíveis para um maior
número de pessoas. O café instantâneo é inventado em 1909
(os esnobes modernos veem isso como um sinal do declínio do
Ocidente). Em 1910, Thomas Edison revela o primeiro filme
cinematográfico falado, enquanto a física Marie Curie isolava
com sucesso o rádio, um feito que faria dela a primeira mulher
a receber o Prêmio Nobel.
Todo esse progresso autogerado, esse domínio da natureza,
estava ocorrendo sem a ajuda da religião. Para muitos
americanos e europeus, o cristianismo parecia irrelevante aos
insights e bênçãos das novas tecnologias. “Utilizando sua
verdadeira inteligência e sem a ajuda da divina revelação das
Sagradas Escrituras, o Homem penetrou nos mistérios da
Natureza, transformou seu universo e melhorou sua existência
de modo incomensurável”, escreve Richard Tarnas em A
Epopéia do Pensamento Ocidental. “O Homem era o responsável
por seu próprio destino. Sua inteligência e sua vontade
poderiam mudar este mundo. A Ciência deu-lhe uma nova fé,
não apenas no conhecimento científico, mas em si mesmo”.31
A recém-descoberta fé na humanidade, ainda assim, não
implica contentamento com o lugar do homem na natureza.
Muitos começaram a imaginar se os mesmos princípios
científicos que transformavam drasticamente o mundo material
poderiam ser usados para aperfeiçoar o seu mais importante
habitante: a espécie humana. Se a ciência seria efetiva ao
provar e aprimorar a natureza, não poderia ela fazer o mesmo
para a sociedade humana?32
Portanto, não eram apenas as inovações tecnológicas que
animavam os crentes no progresso. Pensadores sociais e
cientistas também foram transformando os modos como os
americanos e europeus observavam a natureza humana e o
cosmo. Charles Darwin, com certeza, pavimentou o caminho
com sua teoria da evolução. Em A Origem das Espécies (1859),
Darwin parecia explicar cientificamente, pela primeira vez,
como organismos mudavam, se adaptavam e se tornavam mais
complexos.
O próprio Darwin ainda sugeriu que a ideia de uma seleção
natural, a luta pela existência do mais apto e capaz, poderia
ser estendida a outras áreas. Graças a Herbert Spencer, teórico
social britânico, a teoria de Darwin foi reinterpretada como
uma doutrina de um progresso ininterrupto — e aplicada à
sociedade em geral. Cada esfera da ação humana caiu sob sua
influência, da política à economia e à ética. Spencer escreve
que a humanidade estava em um longo processo de adaptação
e autoaperfeiçoamento: “a crença na perfeição humana
equivale à crença de que, em virtude deste processo, o homem
finalmente se tornará completamente adaptado ao seu modo de
vida”.33
O impacto de Spencer no pensamento americano
dificilmente pode ser exagerado. Nas décadas que levaram a
Primeira Guerra Mundial, era praticamente impossível realizar
qualquer trabalho intelectual sem entendê-lo.34 Sua influência
crescente seria inconcebível se não tivesse surgido na era do
aço, dos motores a vapor, da competição, da exploração e da
luta.35 O juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver
Wendell Holmes, duvidava que “qualquer escritor inglês, com
exceção de Darwin, tenha feito tanto para afetar toda nossa
maneira de pensar sobre o universo”.36
Portanto, a interpretação social de Spencer da ciência
darwiniana incitou a mais poderosa narrativa no começo do
século XX. O Mito do Progresso não era apenas uma história
entre outras. Era a história, a metanarrativa de todas as
histórias sobre nossa vida mortal, uma explicação
compreensiva do significado da existência humana.
O Mito do Progresso foi proclamado de quase todo setor da
sociedade. Cientistas, médicos, educadores, manufatureiros,
vendedores, políticos, pregadores — todos concordavam com o
voo ascendente da humanidade. Cada descoberta na medicina,
na ciência e na tecnologia parecia confirmar o Mito. Cada
invenção e inovação era oferecida como evidência: quer fosse as
mensagens de rádio de Marconi, quer fosse a metralhadora de
Maxim, tais avanços eram ordenados pelos deuses do
progresso.37 Assim, o que começou como uma teoria sobre
mudança biológica, tornou-se uma suposição — um dogma —
sobre o progresso humano até a perfeição.
Ao menos era isso que parecia para C. S. Lewis e muitos de
sua geração. “Cresci acreditando no Mito e senti — e ainda
sinto — sua quase perfeita grandeza”, ele escreve. “Para
aqueles criados no Mito nada parecia mais normal, mais
natural, mais plausível do que o caos que deveria se
transformar em ordem, morte em vida, ignorância em
conhecimento. Esse é a história do mundo mais motivadora e
satisfatória já imaginada.38
O Mito do Progresso prova ser irresistível, especialmente
àqueles que foram repelidos pelo cristianismo tradicional e sua
desconfortável doutrina de culpa, juízo e arrependimento.
Naturalmente, o triunfo da ciência e da tecnologia parecia não
deixar uma função significativa para a religião ou para o
sobrenatural. A ciência, e não a religião que levava à realização
humana. Seu domínio deixou muitos cristãos lutando por
meios para assegurar a credibilidade de sua fé. O historiador
James Turner escreve: “observada com os olhos frios do
empirismo”, as reivindicações do cristianismo sobre o cosmo
“ficaram nuas como um bebê”.39
No final do século XIX, teólogos e reformadores sociais
estavam reformulando rapidamente o cristianismo como
“evangelho social” do avanço da humanidade, perfeitamente em
sintonia com o Zeitgeist. Ainda que fossem louváveis em suas
intenções — programas para diminuir a pobreza, prover aos
órfãos, reduzir o alcoolismo, melhorar as condições de trabalho
— muitos desses esforços também foram engolidos pelo Mito.
Pastores como Lyman Abbott, autor de The Evolution of
Christianity
[“A Evolução do Cristianismo”], predisseram o desenvolvimento
constante da moral: “Há um Deus na História, há um Deus na
natureza — um Deus que está trabalhando em um grande
plano acima dos homens, assim como há um Deus que está
realizando grandes planos por meio de todo o fenômeno
material e mecânico”.40 A religião cristã, declarou Washington
Gladden, líder do evangelho social, “deve ser uma religião
menos preocupada em levar o homem ao céu do que prepará-lo
ao devido trabalho na Terra”.41
O EVANGELHO DA EUGENIA
Na era de triunfalismos tecnológicos, pessoas “preparadas”
para seu “devido trabalho” no mundo, significava aplicar os
métodos científicos para a melhoria da espécie. Em uma
palavra: eugenia. Cunhada por Francis Galton, primo de
Darwin, a palavra vem do grego, que significa “bem-nascido”.
Falando para uma sociedade instruída em Londres, em
1909, Galton explicava como as ferramentas da ciência
evolucionária poderiam ser usadas para a melhoria da raça
humana. “O que a natureza faz cegamente, vagarosamente e
impiedosamente, o homem pode fazer providencialmente,
rapidamente e gentilmente” ele disse. “Como está dentro do seu
alcance, então se torna seu dever trabalharmos nessa
direção”.42 Armado com uma pesquisa estatística
documentando o declínio genético da Grã-Bretanha, Galton
visava um investimento coletivo em massa nos programas de
eugenia. “Se a vigésima parte dos custos e dos esforços, que é
gasta com a melhoria de raça de cavalos e gatos, fosse gasta
com medidas para a melhoria da raça humana, que universo
de gênios não poderíamos criar”, ele diz. “Podemos introduzir
profetas e sumos sacerdotes da civilização neste mundo, assim
como podemos propagar idiotas ao cruzar pessoas débeis”.43
O evangelho da eugenia de Galton fundou um solo fértil na
Grã-Bretanha, nos salões intelectuais da Europa e nos Estados
Unidos. Começando nos primeiros anos do século XX,
cientistas da eugenia solicitaram por programas para
manipular a reprodução humana. Eles advogaram por leis para
segregar os chamados débeis mentais em colônias estaduais,
para viverem suas vidas em celibato. Eles lideraram o esforço
para restringir a imigração de outros países cujos cidadãos
poderiam prejudicar seu conjunto genético nacional. E eles
apoiaram as leis de esterilização que visavam homens e
mulheres cujo “germoplasma” ameaçava a vitalidade eugênica
da nação.44
Na Grã-Bretanha, a Sociedade de Educação Eugênica foi
fundada em 1907 para defender essa causa. Em 1913, a
Associação Genética Americana foi estabelecida nos Estados
Unidos para promover as doutrinas da pureza racial. A eugenia
se tornava uma disciplina acadêmica em muitas escolas e
universidades. Começando em 1912, uma série de
Conferências Internacionais de Eugenia foram hospedadas em
Londres e em Nova Iorque, criando um ponto de encontro
global para eugenistas e seus apoiadores. “Isso [eugenia] deve
ser introduzido na consciência nacional, como uma nova
religião”, Galton explicou. “Existem, de fato, fortes
reivindicações para se tornar um dogma religioso ortodoxo do
futuro, pois a eugenia coopera com o funcionamento da
Natureza, assegurando que a humanidade será representada
pelas raças mais aptas”.45
Líderes religiosos, especialmente os da ala liberal da Igreja
Cristã, responderam a esse chamado. Ministros da Igreja da
Inglaterra realizaram um Congresso da Igreja em 1910, em
Cambridge, sobre os débeis mentais, convidando para
participar vários membros da Comissão Real. Os participantes
naquele dia foram tratados com discursos “brilhantes”
incitando o clero a promover a agenda eugênica a todo
momento. De acordo com o palestrante, a Igreja Nacional teve
“uma grande responsabilidade perante a humanidade” e “o
futuro pertence a essas nações cujos líderes religiosos
assumem essa responsabilidade”. Um americano observador do
Congresso concluiu, com aparente inveja, que a Igreja da
Inglaterra “estava pronta, em matéria de ação social, para
pensar biologicamente”.46
Dois anos depois, em Londres, os bispos anglicanos de
Birmingham, Oxford e Ripon estavam entre os vice-presidentes
do Primeiro Congresso Internacional de Eugenia. O Major
Leonard Darwin, filho de Charles Darwin, estava presidindo
como oficial — ilustrando a ligação intelectual entre
darwinismo e eugenia. No mesmo ano, o influente ministro
protestante F. B. Meyer, autor de Religion and Race-
Regeneration, 1912 [“Religião e Regeneração Racial”], avisando
sobre o alto índice de natalidade dos católicos, dos judeus e
dos débeis mentais que apresentavam uma ameaça coletiva à
sociedade.47
Para Lewis e Tolkien, tudo isso representava um ataque
direto à dignidade humana: uma redução do indivíduo à mera
biologia. Em suas obras, ambos invariavelmente retratavam
seus personagens como seres físicos e espirituais, responsáveis
por suas almas ainda que limitados pela própria natureza
terrena. Seus mundos ficcionais estão cheios de raças não
humanas — elfos, anões, hobbits, centauros, etc. —, os quais,
no entanto, compartilham desse atributo fundamental. Para
cada um deles, virtude e vícios são igualmente plausíveis.48
Como Tolkien insistiu, mesmo os mais mortais orcs são
apresentados como criaturas racionais, “apesar de
horrivelmente deturpadas, se bem que não mais do que muitos
homens que se pode encontrar hoje em dia”.49
Isso ajuda a explicar o amargo conflito entre as forças da
escravidão e da liberdade que acontece em suas histórias:
nenhuma criatura é nascida em cativeiro, e ninguém tem o
direito de nascimento de oprimir os outros. Em O Senhor dos
Anéis, os seguidores de Sauron, o Senhor do Escuro, o serviam
com medo; eles não passam de escravos em seu reino. Vemos,
portanto, o uso da engenharia genética — na criação dos orcs
— para estender a ditadura de Mordor mundo afora. Em seu
âmago, a Guerra do Anel é uma luta por preservar a liberdade
essencial e a humanidade dos habitantes da Terra Média.
“Seria um triste golpe para o mundo”, diz Gandalf, “se o Poder
Escuro dominasse o Condado; se todos vocês... fossem todos
escravizados”50
De sua parte, Lewis alertou contra a servidão imposta sobre
a humanidade quando, sob o disfarce de progresso científico,
homens e mulheres são considerados como “doentes”. Em
Perelandra, no segundo livro de sua Trilogia Cósmica,
conhecemos o Professor Weston, um famoso físico e devoto da
nova ciência. Weston é o advogado da “evolução emergente”, o
processo no qual toda a espécie humana é “para o alto e
sempre mais alto”, em direção a novas conquistas. Ele se gaba
de que suas novas crenças varreram para longe suas antigas
concepções de obrigações morais para com os outros. “O
Homem em si não é nada”, ele explica. “Os movimentos de
avanço da Vida, a espiritualidade crescente, são tudo”.51
Weston aparece como uma figura essencialmente satânica.
Para ambos os autores, a “conquista da Natureza” se
mostraria catastrófica. Em nome do progresso, um pequeno
grupo de elites dominaria a vida e o destino de milhões. Como
Tokien escreveu em Mitopéia: “Não caminharei com seus
macacos evoluídos / eretos e sábios. Diante deles se abre / o
abismo negro no qual o progresso deles marcha”.52 Do mesmo
jeito, Lewis alertou que o estágio final do processo chegaria
quando os seres humanos alcançassem domínio total sobre si
mesmos. Eugenia, o condicionamento pré-natal, educação e
psicologia, todos teriam participação na “abolição do homem”,
a perda de nossa humanidade essencial. “Pois o poder do
Homem para fazer de si mesmo o que bem quiser significa,
conforme vimos, o poder de alguns homens para fazer dos
outros o que bem quiserem”.53
Por mais bizarro que possa parecer, a manipulação
“científica” dos seres humanos, sobre toda a bandeira do
progresso, tornou-se a visão consensual das comunidades
acadêmicas da Inglaterra, da Alemanha e dos Estados Unidos,
logo quando Tolkien e Lewis alavancavam em suas carreiras.
Esforços significativos estavam em andamento para identificar
os biologicamente “defeituosos”, assim eles poderiam ser
encarcerados e esterilizados. As leis de casamento pareciam ser
inefetivas, enquanto restrições imigratórias não poderiam
conter de procriar aquelas pessoas deficientes que já estavam
aqui. Incrivelmente, a esterilização forçada — considerada
barata, segura e permanente — tornou-se o objetivo
estabelecido pelo movimento eugenista. No começo de 1907,
Estados como Indiana aprovaram as leis de esterilização “para
prevenir a procriação dos criminosos culpados, idiotas, imbecis
e estupradores”. Os Estados Unidos adquiriram a nociva
distinção de ser a primeira nação no Ocidente a legalizar a
esterilização compulsória.54
Católicos e protestantes conservadores resistiram a essas
leis, mas a corrente eugenista parecia estar se voltando contra
eles. Na década de 1920, centenas de igrejas americanas
participaram de um “concurso de sermões de eugenia”
nacional. Como o Rev. Kenneth MacArthur, o vencedor de
Sterling, Massachusetts, colocou em seu sermão: “se levarmos
a sério o propósito cristão de realização na Terra da sociedade
divina ideal, devemos utilizar toda a ajuda que a ciência nos
oferece”.55 Oliver Wendell Holmes foi um apóstolo da nova
ciência, autor do parecer de 1927 da Suprema Corte que
apoiou a lei de esterilização no estado da Virgínia. “É melhor
para todo o mundo, se em vez de esperarmos pela execução por
crime dos descendentes degenerados, ou de os deixarmos
morrendo de fome por sua imbecilidade, que a sociedade possa
prevenir aqueles que manifestadamente são inaptos de
continuar a própria espécie”, ele escreve. “Três gerações de
imbecis são o suficiente”.56

O DILEMA DO HOMEM
Aqui, de maneira escancarada, é a crise da fé que inicia o
século XX. Historiadores tendem a interpretar a influência de
Darwin como solvente essencial para destruir a crença em
Deus: as leis da seleção natural não requeriam um legislador.
Portanto, a evolução fez Deus redundante, a Bíblia irrelevante e
a salvação um estado da mente. A história do declínio da
essência da religião, no entanto, é muito mais complexa.

Com a popularização de Darwin, Spencer e seus aliados


foram extremamente beneficiados pelo Mito do Progresso, já
absorvido pela mente ocidental. Muitos eram os pensadores e
ativistas seculares no movimento da eugenia, e ainda assim
eles receberam um grande suporte moral de líderes religiosos:
ministros e outros que descartaram os ensinos históricos da
igreja e se deixaram iludir pelo Grande Mito. Ao mesmo tempo,
eles avidamente colocaram a Bíblia para retratar a eugenia
como um mandato vindo do céu. “A evidência produz um claro
modelo sobre quem escolhe apoiar a reforma da eugenia e
quem não”, escreve Christine Rosen em Preaching Eugenics
[“Pregando a Eugenia”]. “Os líderes religiosos seguiram a
eugenia precisamente quando se afastaram dos dogmas
religiosos tradicionais”.57
Esse enfraquecimento da crença cristã ocorreu no momento
em que Lewis e Tolkien desenvolviam sua vida intelectual. Eles
começaram sua educação quando O Mito do Progresso estava
em alta, quando era amplamente acreditado pela ciência — a
ciência da eugenia — que poderiam aperfeiçoar a natureza e a
sociedade humana.
É importante lembrar que os eugenistas pensam sobre si
mesmos como reformadores, comprometidos com o melhor da
condição humana. Eles endossaram a ideia de uma ação
estatal para alcançar seus objetivos. “Dedicavam-se a
enfrentar os desafios impostos pela modernidade”, escreve
Rosen. “Fazer isso significa abraçar soluções científicas”.58
Animados pelo Grande Mito, enfatizaram o destino coletivo da
raça humana em detrimento da individualidade. O conceito das
elites intelectuais da época era o de que a ciência e a tecnologia
que eles subscreviam poderia solucionar os mais difíceis
problemas da humanidade.
Lewis e Tolkien encontraram o horrível produto deste
pensamento — nas trincheiras, nos arames farpados e nos
canhões da Grande Guerra —, e isso deu a eles uma grande
pausa quanto à potencialidade humana. Por um lado, os
personagens de suas narrativas possuem grande nobreza:
criaturas dotadas de uma capacidade única para a virtude, a
coragem e o amor. Entretanto, um tema vital em toda a história
é o valor sagrado particular da alma: na Terra Média e em
Nárnia, cada vida tem imensa consequência. Por outro lado,
seus personagens são indivíduos profundamente falhos,
capazes de grande mal e desesperados pela graça divina para
superar seus dilemas. Ambos os autores, deste modo, refletem
a histórica tradição cristã: a natureza humana como uma
mistura trágica de nobreza e miséria.
Como veremos, essa modesta doutrina religiosa — a Queda
bíblica — foi confirmada pela experiência da guerra. Ela iria
fornecer a arquitetura moral de suas histórias, dando-lhes um
senso duradouro de realismo e relevância. Você “descende de
Adão e Eva”, Aslam diz a Caspian em As Crônicas de Nárnia. “É
honra suficientemente grande para que o mendigo mais
miserável possa andar de cabeça erguida e também vergonha o
suficiente para fazer ver os ombros do maior imperador da
Terra”.59 Tolkien escreveu que a ideia da “queda do homem” se
escondia por trás de cada história, e que “todas as histórias, no
fim, são sobre a queda”.60

O MECANISMO IMPIEDOSO DA GUERRA


O profundo enigma moral de O Senhor dos Aneis, com
certeza, envolve uma arma: um poderoso Anel que poderia
vencer as forças do mal enviadas contra a Terra Média, ainda
que ameace corromper qualquer um que tente usá-lo. Por
exemplo, quando Frodo está reunido com Bilbo em Valfenda,
ele encontra um indivíduo momentaneamente corrompido por
seu desejo pelo Anel. “Para sua tristeza e espanto, viu que não
olhava mais para Bilbo; uma sombra parecia ter caído entre os
dois, e por meio dela Frodo passou a ver uma criatura pequena
e enrugada, com um rosto faminto e mãos ossudas e ávidas”.61
Nas páginas iniciais de O Leão, A Feiticeira e o Guarda-
Roupa, conhecemos Jadis, “a última Rainha”, uma mulher de
imensa maldade. Ela guarda o segredo da “Palavra Execrável”,
uma força que pode destruir mundos inteiros, um poder
terrível demais para ser contemplado. “Qual era?”, pergunta
Digory. “O segredo de todos os segredos”, diz Jadis. “Sempre foi
do conhecimento dos grandes reis da nossa raça que existia
uma palavra, a qual, se pronunciada com as cerimônias
adequadas, destruiria todas as coisas vivas, menos a pessoa
que pronunciasse… Mas tomei ciência dela num lugar secreto e
paguei terrível preço por isso”.62
Talvez esse fosse o resultado mais aterrorizante do Mito do
Progresso: inspirou avanços em tecnologia militar, mas falhou
no avanço de novas teorias que contemplassem as
consequências dessa tecnologia no campo de batalha. Os anos
que antecederam a Primeira Guerra Mundial iniciaram uma
nova era de planejamento militar na qual, por exemplo, a
moderna rede ferroviária da Europa permitiu a rápida
mobilização de tropas e armamentos. Isso por si só levou a
uma revolução de como o próximo conflito seria lutado.
Mesmo quando a guerra chegou em agosto de 1914,
dificilmente alguém compreendia quais poderiam ser os custos
humanos. O historiador Niall Ferguson observa: “De repente,
os enormes recursos econômicos da Europa industrial foram
movidos da produção para a destruição”.63
Ironicamente, entre os frutos da industrialização cresciam a
saúde e o padrão de vida, que promoveram um rápido
crescimento populacional e exércitos maiores e mais
destrutivos. Havia mais do que nunca milhões de jovens
disponíveis para o serviço militar. Com o surgimento da guerra,
a Alemanha rapidamente mobilizaria 715.000 homens, a
Áustria 600.000, França 400.000 e a Rússia mais de um
milhão. Mesmo a Grã-Bretanha, com todos os seus exércitos de
voluntários, chamaria por 165.000 tropas.
Agora, graças à ciência e à tecnologia, soldados poderiam ser
transportados para as zonas de guerra — dez vezes mais
rápidos pelos trilhos do que a pé e a cavalo — em um horário
mais preciso que um relógio suíço. Na Inglaterra, em um
espaço de cinco dias, mil e oitocentos trens especiais corriam
em direção ao sul para Southampton, chegando um a cada três
minutos por dezesseis horas por dia. Catorze ferrovias
francesas carregavam cinquenta e seis trens por dia. Os trens
poderiam enviar homens para as linhas de frente e tirá-los de
lá como se fossem trabalhadores de turnos em uma fábrica.64
Por um “cálculo exato”, escreve John Keegan, os planejadores
militares ditariam quantas tropas poderiam ser carregadas e
em qual velocidade para qualquer fronteira designada. “Os
trens preencheriam as memórias de todos aqueles que foram
para a guerra em 1914”.65
Em 28 de junho de 1914, um atentado em Sarajevo colocou
em movimento uma vasta máquina político-militar. Na meia-
noite de 4 de agosto, cinco impérios estavam em guerra: o
Império Alemão contra Grã-Bretanha, França e Rússia; o
Império Austro-Húngaro contra Sérvia; o Império Russo contra
Alemanha e Austro-Hungria; e os Impérios Britânicos e
Franceses contra a Alemanha. Cada lado estava confiante,
extremamente seguro de sua rápida vitória. Assim como as
tropas francesas esperavam chegar em Berlim antes do outono,
os alemães acreditavam que em seis semanas iriam fazer seu
desfile militar no Champs-Elysee, em Paris. Observa o
historiador Martin Gilbert: “foi um cálculo cuidadoso e
consolador”.66
O Mito do Progresso que tornou os cálculos concebíveis,
também criou os instrumentos de guerra que fizeram deles
horrendamente obsoletos. Nem generais, nem políticos
pensavam com bases morais acerca das consequências da
guerra mecanizada.
Navios de batalha, submarinos, transportes motorizados de
tropas, os pesados obuseiros, tanques, arame farpado, gás
venenoso, lança-chamas, os milhares de quilômetros de
trincheiras — tudo isso aguardado pelos soldados da Grande
Guerra. A produção em massa de artilharia virou um tipo de
santo graal ao longo do conflito. Os avanços no poder
destrutivo de explosivos, na mobilidade, no tamanho e precisão
da artilharia significava que uma boa quantidade de números
de homens poderiam ser mortos a longas distâncias, sem nem
mesmo perceber o que os atingiu. Daí a construção das
trincheiras ao longo da Fronteira Ocidental e o início de uma
guerra desgastante. Quase imediatamente a guerra foi descrita
“como uma máquina colossal devorando homens e munições
como se fossem matéria-prima”.67
“Havia uma expectativa de que o conflito seria breve e que as
últimas tecnologias militares limitariam o dano em ambos os
lados”, escreve W. M. Spellman. “De fato, muitos tinham a
perspectiva de uma guerra libertadora e purificadora. A Guerra
poderia renovar o senso de propósito de cada nação enquanto
libertava operários, fazendeiros, funcionários de escritório e
estudantes de suas monótonas atividades cotidianas, fruto
complacente da existência burguesa”.68
Ao invés disso, a guerra duraria mais tempo e seria lutada
com grande brutalidade, mais do que qualquer um ousaria
imaginar. Os corpos mutilados dos inumeráveis milhões de
operários, agricultores, secretários e estudantes que seriam
enviados para os túmulos espalhados por toda a Europa. Os
menores vilarejos ainda testemunham a sua própria parte no
conflito, com seus cemitérios dignos e formais.
Na principal praça em Bitritto, onde meu avô Michel nasceu,
há um memorial ao caduti, aquele morto em batalha. Mesmo o
lar de meu avô Giuseppe em Ventotene — uma pequena e
obscura ilha no mar Tirreno — teve um monumento em sua
praça para aqueles que morreram “nella grande guerra”.

QUANDO AS LUZES SE APAGAM


Os primeiros apóstolos do Mito do Progresso acreditaram
que poderiam superar os problemas da sociedade industrial.
Mais do que isso, eles imaginaram que tinham resolvido o
enigma da existência humana.
O historiador Richard Gamble escreve: “O progresso, visível
em cada faceta da vida e atuante como a força governante por
trás da existência, trouxe ordem para um mundo de mudança
e propósito moral para um universo diverso,
perturbadoramente aleatório e sem sentido”. “Essa fé no
progresso ancorou a alma”.69 Uma geração depois, os líderes
da Inglaterra e o resto da Europa assumiram que sua ciência,
educação, filantropia, nobreza e religião representariam o
futuro da Civilização Ocidental. Mesmo a guerra serviria para o
avanço do destino da humanidade. “Em retrospectiva, a
confiança deles na crença do progresso e a ideia que o claro
interesse próprio traria harmonia para todo o mundo foram
uma ilusão”, conclui Roger Osborne. “No final do século XIX, a
Grã-Bretanha e a Europa avançavam não para uma sociedade
melhor, mas em direção a uma catástrofe da guerra
mecanizada”.70
Dois dos mais influentes escritores cristãos do século XX
estiveram envolvidos nessa ilusão, tendo vidas transformadas
por seus vestígios. Muito de seus resultados literários seriam
uma resposta a suposições que não somente fizeram a Grande
Guerra possível, mas contribuíram poderosamente para sua
destrutividade e poder brutal. A longa sombra projetada por
esse conflito não falharia em tocar os limites do Condado e de
Nárnia.
Tal é a força do Mito do Progresso: mesmo quando sua
oração fúnebre estivesse sendo escrita nas salas de gabinete de
cada grande capital europeia, o poder e a promessa
continuariam a enganar muitos. Mas não todos. No dia em que
a Grã-Bretanha declarou guerra à Alemanha, o Secretário
Britânico de Relações Exteriores, Sir Edward Grey, estava com
seu amigo em Whitehall, olhando para fora de sua janela
através da St. James Park. Estava escuro. Ele observou abaixo
as lâmpadas de gás sendo acesas e ficou consternado.
“As lâmpadas estão se apagando por toda a Europa”, ele
disse, “e não as veremos acesas outra vez”.71
capítulo

A ÚLTIMA BATALHA

A historiadora britânica C.V. Wedgwood, escrevendo vinte anos


após a conclusão da Primeira Guerra Mundial, produziu uma
pesquisa sobre o conflito que foi uma catástrofe para a Europa.
Com economia e poder de linguagem, poucos são os que como
ela trazem uma constatação tão dolorosa: “moralmente
subversivo, economicamente destrutivo, socialmente
degradante, desonesto em seu curso, fútil em seus resultados,
este é o maior exemplo na história europeia de conflitos sem
sentido”.1
As considerações de Wedwood, no entanto, não eram sobre o
conflito que havia engolido o Continente uma geração antes. A
guerra que tinha em mente havia sido lutada no início do
século XVII. Foi chamada de a última guerra religiosa da
Europa: A Guerra dos Trinta Anos.
A Reforma protestante não somente modificou a unidade
religiosa da Europa: ela colocou em movimento um longo
período de violência sectária que dividiu o continente em
impérios rivais na política e na religião. O que começou em
1618 como um conflito entre forças católicas e protestantes na
província alemã de Boêmia, transformou-se em uma grande
luta maquiavélica pela dinastia do poder e de bens mobiliários.
Em certo sentido, o conflito antecipou a Grande Guerra.
Embora pudesse ser uma disputa regional, tornou-se, no
entanto, um problema para a maioria das nações da Europa.
Como a Primeira Guerra Mundial, a Guerra dos Trinta Anos
impressionou em seu poder destrutivo e em sua extensão.
Assim como no século XX, resultou em números assustadores
de mortes, causando uma devastação massiva, quebrando
economias locais e ameaçando as fábricas sociais da civilização
europeia. Na Alemanha moderna, onde grande parte do conflito
aconteceu, a taxa de mortalidade — por causa do combate, da
fome e das doenças — chegou a cerca de 20% de toda a
população.
As tristes memórias do conflito, reais ou imaginadas, nunca
deixaram a mente europeia. “A Guerra dos Trinta Anos tornou-
se referência para analisar as guerras posteriores”, escreve
Peter Wilson em The Thirty Years War: Europe’s Tragedy [A
Guerra dos Trinta Anos: Uma Tragédia Europeia]. Os “soldados
lutando ao longo da Frente Oriental das trincheiras
acreditavam que estavam experimentando horrores nunca
vistos em três séculos”.2
O tratado de Paz de Vestfália (1648) não somente terminou
com o conflito, mas procurou remover a religião como fonte de
conflito político. Vestáflia estabeleceu um novo fundamento
político para o Ocidente, baseado na soberania do Estado, no
direito da não interferência de assuntos internos (religiosos) e
na ideia da resolução de problemas pelo direito internacional.
O Papa Inocêncio X rejeitou o tratado por limitar a autoridade
da Igreja, chamando de “nulo, vazio, inválido, iníquo, injusto,
condenável, insano e sem sentido para todos os tempos”.3
O papa perdeu a discussão, mas o tratado de Paz de
Vestfália criou essencialmente “um novo acordo para as
relações europeias” que duraram até a Primeira Guerra
Mundial.4 Por trás de Vestfália, os interesses seculares do
Estado dariam direção para as relações internacionais. As
nações da Europa finalmente colocariam um fim às guerras
motivadas pelas crenças religiosas.

DEVER, PATRIOTISMO E “RELIGIÃO MUSCULAR”


Ou não? De fato, Vestfália falhou em domar as paixões de
uma religião sectária. Quase desde o início das hostilidades, a
Primeira Guerra Mundial ia se transformando num conflito
misturado com temas religiosos. O que poderia ter
permanecido como um conflito regional sobre
autodeterminação étnica tornou-se algo como uma luta
apocalíptica entre as forças do Bem e do Mal.
“Quaisquer fossem as agendas locais, cristãos de todas as
nações combatentes — incluindo dos Estados Unidos —
entraram de todo coração no espírito da guerra cósmica”,
escreve Philip Jenkins em The Great and Holy War [“A Grande e
Santa Guerra”]. “Ninguém achou dificuldade em usar os
dogmas da fé como justificativa para a guerra e destruição em
massa”.5 O zelo de Arthur Winnington-Ingram, influente bispo
de Londres, não era comum entre o clero da Grã-Bretanha:
“Penso que a Igreja pode melhor ajudar a nação se primeiro de
tudo entender que está envolvida em uma Guerra Santa, mas
sem medo de constatá-la”, ele escreveu. “Cristo morreu na
sexta-feira para a Liberdade, para a Honra e para o
Cavalheirismo, e nossos meninos estão morrendo pelas
mesmas coisas... MOBILIZEM A NAÇÃO PARA A GUERRA
SANTA!”.6
C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien tornaram-se parte dessa
mobilização. Ambos foram recrutados como oficiais no
Exército Britânico, treinados para combate e enviados para
França em 1916–17. Quando jovens, estudaram em
instituições inglesas: Tolkien estudou na King Edward’s School,
em Birmingham, enquanto Lewis estudou na Cherbourg School,
em Great Malvern. Essas instituições eram incubadoras de
virtudes vitorianas: dever, honra, patriotismo e religião. O
cristianismo e o amor da Inglaterra andam de mãos dadas, mas
com ênfase no dever — dever para com o Rei e seu país —, e
não na fé.7
O sistema de escolas públicas da Inglaterra reforçou esses
valores de vários modos, e um deles ocorreu no campo de
futebol. A prática esportiva era um meio de manter o espírito
guerreiro unido ao dever patriota. “Os campos esportivos eram
a simulação de uma arena de guerra”, escreve o biógrafo John
Garth. “Nos livros que a maioria dos meninos lia, a guerra era a
continuação do esporte por outros meios”.8 Esportes eram a
expressão de um “cristianismo muscular”, uma forma assertiva
de fé que reforçou as virtudes cívicas masculinas. “O espírito
esportivo, no seu melhor” de acordo com um capelão, “é, ao
alcance dos homens, a mais elevada forma do espírito cristão
em nosso estágio atual de desenvolvimento”.9
Sem interesses ou habilidades atléticas, Lewis rejeitou a
cultura bélica do Malvern College, onde começara os seus
estudos em 1914. “Esses bárbaros iletrados, coordenadores e
gestores ingleses descontrolados”, ele escreve para seu pai,
“estão sempre esperando por uma oportunidade de cair
matando em cima de você”.10 Lewis achou seu refúgio na
livraria da instituição e mergulhou na literatura e nas artes.
“Não compreenderemos Jack", escreve o biógrafo George Sayer,
“a menos que admiremos seu dom de ser totalmente absorvido
no mundo imaginativo de um grande escritor, artista e
músico”.11 Foi nessa época que Lewis desenvolveu esse dom,
que logo o tragou ao mundo literário, passando pela Divina
Comédia, pela mitologia nórdica e pela Morte de Artur, de
Malory. Depois que começou a ler A Ilíada, de Homero no grego
original, ele escreveu ao seu amigo Arthur Greeves: “Apesar de
você não saber grego e não se importar com poesia, não
consigo deixar de dizer o quão emocionante é”.12
Tolkien, por outro lado, serviu como capitão de Rugby no
time King’s Edward, e muito dos seus integrantes se tornaram
cadetes no recém-estabelecido Corpo de Treinamento para
Oficiais. Foi no King’s Edward, onde o latim e o grego formavam
as bases do currículo, que Lewis desenvolveu seu amor por
línguas. “Assim que a Guerra de 1914 explodiu sobre mim,
descobri que as ‘lendas’ dependem do idioma ao qual
pertencem”, ele escreve posteriormente. “Mas um idioma vivo
depende igualmente das ‘lendas’ que ele transmite pela
tradição”.13 Tolkien foi absorvido pela Gramática da Língua
Gótica (Primer of The Gothic Language), de Joseph Wright,
sendo posteriormente tutelado por ele. Tolkien leu o poema do
guerreiro Beowulf no original em Inglês Antigo, conto medieval
de “um homem em guerra com um mundo hostil”, um tema
que definiria sua carreira literária.14
Apesar de ambos terem lido e apreciado as histórias sobre
guerra, sobre exércitos colidindo em uma grande disputa
moral, eles não pensavam sobre si mesmos como “cavaleiros da
cruzada santa” quando a Primeira Guerra Mundial começou.
Tolkien não foi levado pela febre da guerra em 1914. Quando
dezenas de milhares de jovens se voluntariaram para o
trabalho na Força Expedicionária Britânica, ele continuou seus
estudos. Em agosto de 1916, logo depois de se instalar na
França, Tolkien experimentou o “cansaço universal” da guerra
e a “amarga desilusão” da descoberta que seu treinamento
militar não o havia preparado para as condições do combate
real.15
Algumas das anotações de Lewis registram o medo de ser
ferido na guerra.16 Mesmo a poucos dias do alistamento, ele
ainda esperava evitar o serviço militar.17 Ele comentou
ironicamente com o seu pai que uma das consequências mais
sérias da guerra era a sobrevivência dos menos aptos à
sobrevivência. “Todos aqueles que tiveram a coragem de fazer
isso e são fortes fisicamente, estão saindo para o abate: aqueles
que sobrevivem são destruídos moral e fisicamente — um fato
nada favorável para a próxima geração”.18
Baseando-se em suas cartas e diários, é certo que nenhum
dos dois se via como mártir em potencial em uma guerra santa,
nem mesmo enxergava o conflito como uma oportunidade para
as glórias da guerra. O que Tolkien e Lewis provavelmente
absorveram de sua educação foi o entendimento do papel da
Inglaterra em defender os ideais da civilização ocidental. A
tradição do direito britânico, o sistema judicial, o governo
parlamentar e a Declaração dos Direitos de 1869 estavam entre
as grandes contribuições do progresso humano. Suas alianças
na Europa serviram não apenas aos interesses britânicos, mas
também ajudaram a manter a segurança e a paz no
Continente. “Propagou e impôs o império da lei em vastas
áreas”, escreveu Niall Ferguson. “Apesar de ter lutado muitas
guerras pequenas, o Império manteve uma paz global jamais
alcançada antes ou depois”.19 Como um veterano de guerra
descreveu: “suponho que em nenhuma outra época foi tão forte
a consciência do passado”.20
A história britânica fez o dever patriótico plausível à maioria
dos ingleses. “Não poderia orar por uma morte melhor”,
escreveu J. Engall, servindo na Frente Ocidental com o 16.º
Regimento de Londres. “Meu pai, minha mãe, vocês saberão
que eu morri cumprindo meu dever ao meu Deus, meu país e
meu Rei”.21 Quaisquer fossem suas outras motivações, os
soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial acreditavam
estar defendendo os valores e instituições essenciais ao
florescimento da humanidade. “Na Grã-Bretanha e na França,
associava-se dever à honra, à lealdade, e à luta por valores
civilizados e civilizadores como justiça, dignidade e libertação
do jugo da tirania”, explica o historiador Modris Eksteins.
“Portanto, o dever não era uma noção abstrata no início da
guerra. Era um imperativo prático”.22
O ataque alemão, sem motivo, à Bélgica criou esse
imperativo. A Grã-Bretanha assinou um tratado com a Bélgica
em 1839, garantindo a neutralidade no acontecimento do
conflito europeu. Depois de a Alemanha ter declarado guerra
contra a França, Londres emitiu um ultimato a Berlim de não
invadir a Bélgica. Mas o Kaiser ignorou o aviso e uma grande
onda de tropas alemãs invadiu as fronteiras.
Dentro de algumas horas a Grã-Bretanha estava em guerra
com a Alemanha. O primeiro-ministro Herbert Henry Asquith,
dirigindo-se à Câmara dos Comuns em 6 de agosto de 1914,
enfatizou o compromisso político e moral da nação: “Não creio
que qualquer nação tenha entrado em uma grande
controvérsia... com a clara consciência e a forte convicção de
que está lutando, não pelo ataque, não pela manutenção dos
próprios interesses, mas em defesa dos princípios, da
manutenção que é vital para a civilização mundial”.23 Se a
Primeira Guerra Mundial se tornou algo como uma guerra
religiosa, conste que ela não começou assim.

UMA CRUZADA MODERNA


O ethos do patriotismo e da “fé muscular” poderia servir a
um propósito nobre. Isso condicionou a geração de jovens para
os sacrifícios sem precedentes da Primeira Guerra Mundial.
Nos primeiros dias do conflito, entretanto, os clérigos da Grã-
Bretanha apreenderam esse ethos e o transformam em algo
mais: a doutrina da guerra santa.
Sob essa visão, o objetivo do Estado tornou-se praticamente
o mesmo da Igreja. De maneira prática, isso significa que os
objetivos políticos e militares recebiam, apoiados na Bíblia,
justificativas religiosas. De maneira alguma a Grã-Bretanha era
a única: toda nação em guerra adotou postura semelhante. Os
líderes religiosos, por meios nacionais e eclesiásticos,
tornaram-se fervorosos defensores dos esforços da guerra.
“Clérigos vestiram um Jesus com uniforme do Exército e o
simularam disparando metralhadoras”, relata certo historiador.
“A guerra tornou-se uma guerra não de justiça, mas de
virtude”.24 Em sermões, livros, artigos e panfletos, eles
retrataram o conflito como uma cruzada santa: uma batalha
espiritual contra um inimigo demoníaco com quem nenhum
acordo era possível.
Como explicamos isso? As razões eram complexas; a
influência do cristianismo na sociedade certamente parecia
diferente na Grã-Bretanha, França, Rússia, Alemanha, Áustria-
Hungria e outros lugares na Europa. Mesmo assim, os estados
europeus tiveram longas tradições de igrejas “nacionais” ou
“estatais”, significando o apoio estatal a uma denominação
cristã favorecida. A aliança Igreja-Estado permitia que os
propósitos do governo se misturassem com os propósitos
espirituais do cristianismo.
Acrescente isso ao crescimento da mais potente ideologia
política do momento: nacionalismo. Os Estados-nações
estavam substituindo a religião como uma poderosa fonte de
significado e identidade na vida das pessoas. “Sem esforços, o
nacionalismo incorporou a maior parte dos temas da tradição
judaico-cristã”, escreve Michael Burleigh em Earthly Powers:
Religion and Politics in Europe from the French Revolution to the
Great War [“Poderes Terrenos: Religião e Política na Europa, da
Revolução Francesa à Grande Guerra”]. Isso incluía “a crença
que um povo foi escolhido para cumprir um propósito
providencial”.25
Para os nacionalistas devotos, sua fé patriota era equivalente
à membresia em uma igreja alternativa. Para fiéis religiosos, o
nacionalismo oferecia uma grandiosa saída política para seus
compromissos de fé. O resultado foi o nascimento do
nacionalismo cristão, a sanção mais próxima do Estado
moderno.
Em sua clássica crítica à política externa britânica,
Imperialismo (1902), J. A. Hobson acusou a Igreja da Inglaterra
de dar invariavelmente sua bênção às aventuras militares da
nação. “Na Inglaterra, o Estado-Igreja nunca permitiu o espírito
do Príncipe da Paz interferir quando estatistas e soldados
apelavam às paixões da luxúria, conquista e vingança”.26
Apesar de imprecisas, as acusações não foram infundadas: os
líderes das igrejas poderiam levar o governo a encarregar-se de
seus equívocos morais. Como igreja estabelecida, a Igreja da
Inglaterra era integrada ao Estado britânico e muitas vezes
ficava ao lado do Rei e do Parlamento em problemas relativos
ao interesse nacional.
A situação foi muito parecida na Alemanha, onde os clérigos
protestantes recebiam suporte do governo e em troca tendiam a
apoiar o Estado em suas políticas internas e externas. Desse
modo, em setembro de 1914, um grupo de noventa e três
líderes intelectuais alemães, incluindo muitos teólogos,
emitiram uma declaração endossando a política de guerra do
Imperador como essencial à defesa da civilização cristã.27 O
clero católico na França seguiu modelo parecido. Mesmo os
ministros dos Estados Unidos, sem igreja oficialmente
estabelecida, pegaram a febre da guerra. Tal era o estado de
espírito das cruzadas em ambos os lados do Atlântico que
mesmo grupos religiosos ativos no movimento pela paz, na
virada do século, se dedicaram totalmente à causa.
O nacionalismo cristão que caracterizou as comunidades
religiosas da Europa, porém, explica apenas parcialmente esse
entusiasmo. É necessário acrescentar o Mito do Progresso que,
como já vimos, funcionou para muitos como substituto da fé.
Muitos adeptos religiosos — especialmente aqueles à deriva do
cristianismo histórico — adotaram premissas e objetivos
seculares. “Uma coisa é clara: o futuro do mundo é
democrático e nada pode impedir isso”, proclamou um ministro
de Londres. “O progresso é pela autoridade divina, pela
necessidade divina; Deus é o grande inovador”.28

A INGLATERRA COMO SAL DA TERRA


Como o clero cristão transformou-se em guerreiros sagrados,
um tema apareceu em comum entre os combatentes: a crença
de que a nação deles fora especialmente escolhida pela
Providência para cumprir seus propósitos progressistas no
cenário mundial. Fidelidade a Deus demanda fidelidade a um
país como instrumento de Deus, especialmente em tempos de
guerra. A Cruz e a Coroa deveriam ser mantidas juntas.
Na Inglaterra, essa ideia já poderia ser vista antes na
Reforma Inglesa, iniciada em 1530 sob Henrique VIII. Uma vez
que o protestantismo incorporado na Igreja Anglicana tornou-
se a religião oficial da nação, a igreja e o Estado se uniram em
uma causa comum contra o catolicismo. Assim, eles
representaram uma nova frente vital no avanço do Reino de
Deus. “Esse esquema”, escreve o historiador John Spurr, “deu
o papel de líder ao piedoso príncipe, o novo Constantino, cuja
tarefa era promover a Reforma, enfrentar o Anticristo e agilizar
o apocalipse final”.29
No tempo da Revolução Gloriosa (1689), a autoidentidade da
Grã-Bretanha como uma nação excepcional — uma nação
escolhida por Deus para propósitos santos — estava garantida.
A Primeira Guerra Mundial revelou que o conceito estava bem
vivo, pelo menos entre muitos do clero. “Quem somos?”
perguntou John Hancock em God’s Dealings with British
Empire, 1916 [“Deus Lidando com o Império Britânico”]. Em
resposta, Handcock declarou uma citação bíblica após a outra.
“Somos o povo escolhido de Deus, sua herança, o sal da terra,
seus amados, sua Glória, o povo em que ele se deleita, seus
filhos e suas filhas. O que mais podemos desejar?”.30
Da mesma forma, T. W. Crafer, vigário da Igreja de Todos os
Santos, em Cambridge, viu a Inglaterra como Israel, como a
menina dos olhos de Deus. “Acreditamos que somos uma
nação incrivelmente favorecida por Deus e gostamos de pensar
sobre nós mesmos como o povo escolhido, cujo nome se
destaca no mundo por justiça e paz”. Um império poderoso
como a Grã-Bretanha, ele argumenta, lutando para defender os
mais fracos contra os mais fortes, “deve ser um precioso
instrumento nas mãos de Deus para o bem”..31 A defesa do
bispo Winnington-Ingram em tempos de guerra provavelmente
se aplicava à maioria dos clérigos ingleses, como descrito pelo
biógrafo: “Havia para ele um aspecto sobre a Inglaterra que
estava além da discussão... seu julgamento instintivo era que a
causa nacional deveria estar correta”.32
Britânicos de todas as classes poderiam apontar para
muitas realizações do seu império: seu papel de liderança na
abolição do comércio internacional de escravos, sua expansão
na defesa das liberdades humanas, sua comunidade unida,
sua influência civilizadora onde quer que a bandeira do Reino
Unido encontrasse um porto seguro. Sob essa perspectiva, a
Inglaterra era “a flecha polida” do arco de Deus, uma nação
com uma missão especial no mundo.33
Foi o clero inglês, porém, que transformou a tarefa político-
militar do ataque alemão em uma cruzada pela justiça: a luta
entre o cristianismo e o paganismo. Ministros da Igreja da
Inglaterra, como servos de Deus e do Estado, se tornavam
alguns dos mais efetivos agentes recrutadores durante a
guerra.34

A AMÉRICA COMO A CIDADE SOBRE O MONTE


O conceito de América como uma nação singular é ainda
mais antigo que a república. Desde que John Winthrop e seu
grupo de puritanos desembarcaram na Baía de Massachusetts
em 1630, os americanos têm pensado sobre si mesmos como
peregrinos em uma divina “missão no deserto”, destinados a
estabelecer a santa comunidade e “uma cidade sobre o monte”.
Esse tema reaparece constantemente, enquadrando as
crises políticas da nação e começando com a Revolução
Americana. Dos púlpitos ministros evangélicos abençoavam a
causa da independência durante a guerra.
Pregando antes da Assembleia Geral de Connecticut, Ezra
Stiles usou Deuteronômio 26.19 para discursar sobre “a
prosperidade política do Deus Americano de Israel”.35 O mais
racionalista dos Pais Fundadores Americanos — incluindo
Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e John Adams —
argumentou nos mesmos termos. “O Deus deles era
intimamente envolvido nos eventos da história americana”,
escreve Conrad Cherry em God’s New Israel [“A Nova Israel de
Deus”]. “A providência divina era a força que movia os Estados
Unidos para a liberdade; finalmente, a providência, pelo
exemplo dos Estados Unidos, direcionaria o mundo para o
mesmo fim”.36
Assim, em 2 de abril de 1917, quando Woodrow Wilson
entregou sua mensagem ao Congresso para uma intervenção
americana na Primeira Guerra Mundial, ele ecoou o
excepcionalismo americano que inspirou cada presidente antes
dele. Afirmou que era um privilégio americano “gastar seu
sangue e sua força” pelos princípios da liberdade de justiça
sobre as quais a nação foi fundada. Liderando o acordo das
nações amantes da paz, os Estados Unidos “trarão paz e
segurança a todas as nações e farão o próprio mundo ao menos
livre”. Parafraseando a resposta de Martinho Lutero à tirania
eclesiástica na Dieta de Worms, ele concluiu: “Deus ajude [a
América], ela não pode agir de outra maneira”.37
Wilson veio ao seu cargo público prometendo manter os
Estados Unidos fora da guerra europeia. Sua mudança de
posicionamento desencadeou um encontro de reavivamento
entre o clero da nação. O monsenhor C. F. Thomas, falando da
Igreja Católica de St. Patrick em Washington, DC, viu a mão
de Deus operando no comprometimento histórico para com os
ideais democráticos. “Certamente confiamos — a providência
de Deus destina essa nação para durar indefinidamente”. “O
mundo espera que nós levemos para o futuro o que irá nos
salvar da desordem, da confusão, da anarquia e, talvez, da
dissolução. Mas nossa confiança não pode ser completa sem
lealdade, amor e os esforços patriotas de cada indivíduo”.38
Samuel Zane Batten, pregador batista e secretário da
Comissão de Guerra da Convenção Batista do Norte, associou
uma profunda significância espiritual para a participação da
América: “Essa guerra para a destruição da injustiça da
desumanidade é uma cruzada santa e a continuação do serviço
sacrificial de Cristo para a redenção do mundo”.39 Dessa
forma, Randolph McKim, ministro presbiteriano de
Washington, DC, colocou a guerra em termos essencialmente
apocalípticos:
“Esse conflito é de fato uma cruzada. A maior da História —
a mais santa. É no sentido mais profundo e verdadeiro uma
Guerra Santa [...] Sim, é Cristo, o Rei da Justiça, que nos
chama a lutar em contendas mortais com esse poder profano e
blasfemo.40

ALEMANHA: DEUS ESTÁ CONOSCO


A Alemanha sob o regime do Kaiser era ainda mais
descarada em associar suas reivindicações políticas com a
vontade de Deus. Em Berlim, o Imperador Guilherme II, que
também serviu como bispo supremo da Igreja Prussiana,
entregou essa mensagem às suas tropas no estopim da guerra:
“Lembrem-se de que o povo Alemão é o escolhido de Deus. Em
mim, em mim como o Imperador alemão, o Espírito de Deus
desceu. Eu sou sua arma, sua espada e sua viseira… Morte aos
covardes e incrédulos!”.41
O problema na Alemanha foi muito mais profundo do que
um Kaiser excêntrico. Levando o nacionalismo cristão à sua
conclusão lógica, muitos pastores igualaram a cristandade com
o volk [povo] alemão. “A alma da nação alemã está saturada
com o espírito de Deus”, Gottfried Naumann proclamou.
“Lutamos pela alma da metade do mundo, porque sabemos que
é um trabalho de Deus e que contém as bênçãos de Deus para
todo o mundo”.42 O teólogo Ernst Troeltsch não fez nenhuma
distinção entre a vontade do “governante divino do mundo” e a
cultura alemã. “Nossa fé não é apenas que podemos e devemos
defender o nosso país e nossa terra natal, mas nossa essência
nacional que contém uma riqueza inesgotável e valores que são
indescritivelmente importantes para a humanidade, o valor que
o Senhor e Deus da História confiou para nossa proteção e
desenvolvimento”.43
Em Earthly Powers [Poderes Terrenos], o historiador Michael
Burleigh sugere que os teólogos liberais protestantes, por
enfatizarem a “imanência” ou presença imediata de Deus,
estavam propensos a confundir o Volksgeist [o espírito do povo]
com o Espírito Santo. A teologia deles “significava que ele se
manifestou nas emoções intensas de agosto de 1914,
direcionando os movimentos do Exército Alemão durante a
guerra”.44
O aumento do suporte à guerra entre o povo alemão — e o
aparente retorno dos fiéis às igrejas antes vazias — parecia o
sinal de um novo Pentecostes. Ministros falavam da
Offenbarung, ou “revelação”, como também da Verklärung, ou
“transfiguração”, para descrever os efeitos da guerra no clima
nacional. O lema Gott mit uns (Deus conosco) tornou-se a
expressão favorita do povo alemão”,45 “os pregadores e
teólogos protestantes alemães exultaram com o surgimento da
guerra”, escreve Philip Jenkins. “Líderes cristãos trataram a
guerra como um evento espiritual, no qual a nação estava
desempenhando um papel messiânico na Europa e no
mundo”.46

A BESTA DE BERLIM
Se as nações da Europa e dos Estados Unidos estavam
decididamente engajadas em uma guerra santa, então seus
inimigos eram inimigos de Deus; lacaios do Maligno. E se as
Sagradas Escrituras fossem um guia, não haveria rendição,
nenhum compromisso com as forças do mal — apenas uma
guerra inteira para derrotá-los.
Como líder dos Impérios Centrais, o “Hun” alemão tornou-se
o principal objeto de vilipêndio entre as nações Aliadas. Em um
folheto popular da guerra, o escritor americano Elbert Hubbard
insistiu nessa questão: “Quem destampou a boca do
inferno?”.47 O pregador fundamentalista Billy Sunday, tão
incendiário quanto um coquetel molotov, falou para os clérigos
em ambos os lados do Atlântico: “Se colocar o inferno de
cabeça para baixo, você achará ‘fabricado na Alemanha’
estampado embaixo”.
Antes de examinar a contribuição das igrejas na
demonização da campanha, lembremo-nos de que a Alemanha
autorizou numerosos atos de agressão e uma vingança violenta
que indignou os Aliados democratas. Depois das tropas alemãs
invadirem a Bélgica, relatórios de atrocidades contra os civis
correram país afora: massacres, o uso de mulheres e crianças
como escudos humanos, estupros, maus tratos e execuções de
prisioneiros, entre outros crimes de guerra. C. S. Lewis
escreveu para o seu pai em outubro de 1914, mencionando um
amigo que “incumbido em seu acampamento no outro dia de
descarregar trens de soldados seriamente feridos no fronte: de
quem ele aprendeu que as histórias das atrocidades alemãs no
jornal (mutilação de enfermeiras, morte de feridos, etc.) não
eram nem um pouco exageradas”.48
Exagero ou não, para o clero inglês era “selvageria reduzida
a uma ciência”. A Grã-Bretanha estabeleceu a Comissão Bryce
para investigar as alegações. Ainda que sua análise sobre a
culpa alemã tenha sido severamente criticada após a guerra, a
comissão estava essencialmente correta na maioria de suas
conclusões. “Essas não eram meras ações de soldados fora do
controle de seus oficiais”, escreveu Dan Todman em The Great
War: Myth and Memory [A Grande Guerra: Mito e Memória].
“Atrocidades alemãs eram de importância política, não apenas
pânico”.49
Os alemães pioraram sua reputação posteriormente quando
cortaram caminho pelo norte da França. As tropas alemãs
atacaram a biblioteca histórica de Louvain e destruíram a
Catedral Gótica de Notre-Dame de Reims, conhecida como “o
Partenon da França”. Em fevereiro de 1915, submarinos
alemães atacaram embarcações comerciais, deixando claro que
a Alemanha não faria distinção entre alvos militares e civis.
A Alemanha também foi a primeira nação a usar armas
químicas no campo de batalha. Em 22 de abril, em Ypres, os
alemães lançaram 168 toneladas de gás de cloro ao longo de
seis quilômetros de fronte. Tropas francesas observaram
“impressionadas e pasmas” enquanto uma névoa verde
acinzentada caía sobre elas, enchendo os olhos, nariz e
garganta com um forte odor.50 Ao impedir os pulmões de
absorverem oxigênio, o cloro faz com que a vítima se afogue
lentamente em seus próprios fluidos. Levados ao pânico —
nenhum dos soldados franceses sabia o que era aquele gás —
homens fugiram por suas vidas. Os alemães que avançavam
ficaram espantados com a cena: cinco mil soldados inimigos
caídos, ofegantes ao respirar, sufocando em agonia e terror.51
Para os Aliados, tudo isso simbolizou um assalto alemão aos
valores da Civilização Ocidental. Em maio de 1915, quando o
relatório da Comissão Bryce foi traduzido para trinta idiomas, a
imagem do militarismo alemão, o barbarismo e a incontrolável
realpolitik, estava definida.
Mesmo assim, G. A. Studdert Kennedy, um dos capelães
mais conhecidos da Grã-Bretanha, encorajou soldados no
fronte a aplicar a Bíblia de uma maneira que ofende a
sensibilidade moderna: “Um amigo traidor traiu o Cristo… uma
nação traidora crucificou o mundo!”. Como Studdert Kennedy
observou, os alemães adulteraram a moral cristã e a
substituíram por valores de força bruta e paganismo: “O deus
que os líderes alemães adoram é um ídolo do mundo — um
monstro bruto e cruel que vive de sangue humano”.52
James Plowden-Wardlaw, vigário da Igreja de St. Clement
em Cambridge, acusou o Kaiser e seu exército de adorar o
diabo em forma de um deus tribal prussiano. “Os anjos devem
chorar”, ele disse, “ao verem a tragédia da queda, a queda
moral da Alemanha”.53 Muitos ministros insistiram que a
guerra provocaria “o fim completo” do sistema alemão: “O
mundo não poderá estar a salvo enquanto esse novo câncer
não for retirado do corpo da humanidade”.54 Conforme a
guerra continuava, referências em sermões e literatura religiosa
do fim dos tempos bíblicos se tornavam mais frequentes. H. C.
Beeching, decano de Norwich, ofereceu uma acusação típica
contra a Alemanha e seus Aliados: “Lutamos pelos outros
assim como por nós mesmos… por Cristo contra o Anticristo”,
escreveu. “E assim a batalha não é nossa, é de fato a batalha
final. O Dragão e o Falso Profeta estão unidos contra nós”.55
Uma vez que os Estados Unidos entraram na guerra contra
a Alemanha, os clérigos americanos tomaram zelo por seus
colegas britânicos. Para muitos, o chanceler alemão
representava uma encarnação do mal moral.
George Holley Gilbert, ministro congregacional, observou
“um cristianismo totalmente militarizado, como esse do Kaiser,
como a religião mais baixa e nociva já desenvolvida na terra.56
O bispo metodista Richard Cooke explicou que “a razão
verdadeira da guerra” era “reivindicar o Deus Todo-Poderoso
contra a filosofia violenta de homens condenados”.57 Mesmo
acadêmicos como James Day, chanceler na Universidade de
Syracuse, não conseguiam resistir ao uso da linguagem
religiosa para condenar o militarismo alemão. “Seria uma
bênção”, ele disse, “se pudéssemos entregar essa Besta de
Berlim a Deus e dizer: ‘Senhor, inflija a sua ira e o seu furor
contra tão bestial criatura’”.58

REDENÇÃO POLÍTICA E ESPIRITUAL


Uma guerra santa contra um poder profano: o resultado, de
acordo com o clero Aliado, não seria nada menos que o
renascimento político e espiritual da cultura ocidental. As
autocracias e os pequenos reinos da Europa dariam lugar aos
ideais de autonomia da democracia liberal. O materialismo
cederia aos valores espirituais do cristianismo.
Alguns homens da igreja observaram a guerra como um
veredito no crescente secularismo e materialismo do Ocidente.
“Talvez Deus nos tenha permitido derrubar os templos da
civilização moderna sobre nós”, explicou Percy Dearmer, “para
que os sobreviventes possam ser curados do hábito moderno de
considerar o homem como uma máquina de calcular”.59 Para
outros, a guerra impulsionaria o desenvolvimento das
sociedades democráticas.
Retornando de uma missão diplomática na Rússia em 1917,
o ex-secretário de Estado dos EUA, Elihu Root, palestrou em
todo o país dizendo ao público que a América estava destinada
a liderar “o crescente progresso da humanidade ao longo do
caminho da civilização para a verdadeira vida cristã”.60 David
Cairns, professor de apologética em Aberdeen, sugeriu que
uma nova era de paz internacional estava começando. “Não
podemos ver a situação do mundo nesta noite, ou mesmo em
qualquer instante, a menos que sonhemos um pouco com o
futuro”, ele disse. “Estou disposto a sonhar que não teremos
apenas um acordar da Europa, mas um acordo do mundo para
um grande fim comum”.61
Os defensores do evangelho social estavam especialmente
esperançosos: eles imaginavam que a guerra era uma
experiência purificadora, um meio de expurgar sociedades
inteiras de suas lealdades subcristãs. A vitória dos Aliados
asseguraria um futuro de progresso para os Estados Unidos e
para a Europa. Lyman Abbott, um dos mais conhecidos
teólogos liberais do seu tempo, previu uma “redenção
paulatina” como resultado da guerra. Americanos trabalhavam
muito “para banir da nossa civilização esses crimes contra a
humanidade” e para trazer “o triunfo do cristianismo como o
mundo nunca antes conheceu”.62
Em The War for Righteousness: Progressive Christianity, the
Great War and the Rise of the Messianic Nation [“A Guerra pela
Justiça: o Cristianismo Progressivo, A Grande Guerra e o
Crescimento da Nação Messiânica”], o historiador Richard
Gamble argumenta que o clero progressista era
particularmente propenso a converter o conflito em um evento
de transformação cultural e espiritual. “Eles observaram a
guerra como uma oportunidade para reconstruir as igrejas, a
América e o mundo conforme os imperativos do evangelho
social”, ele escreveu. “Sua cruzada de paz tornou-se uma
cruzada de guerra”.63
A expectativa de uma renovação cultural generalizada foi
difundida do “púlpito de intimidação” em 8 de janeiro de 1918,
quando Woodrow Wilson anunciou seus catorze pontos para o
estabelecimento da paz e para a segurança mundial depois da
guerra. No princípio moral da visão de Wilson estava uma
comunidade política mundial baseada em confiança e respeito
mútuos: o uso diplomático da Regra de Ouro.
Quase sem exceções, os líderes das igrejas se tornaram
incansáveis evangelistas do evangelho da paz mundial de
Wilson. “O mundo que existia antes da Guerra desapareceu
para sempre”, declarou John Mott. “Para o mundo é um novo
nascimento, um grande dia de Deus que só aparece uma vez
em cem ou mil anos”.64 Joseph Fort Newton, famoso ministro
do Templo de Londres, discerniu da mesma forma “um novo
capítulo na vida social, política, intelectual e espiritual da
humanidade”.
Em The Sword of The Spirit: Britain and America in the Great
War, 1918 [“A Espada do Espírito: O Reino Unido e a América
na Grande Guerra”], Newton assemelhou a guerra com as
cruzadas cristãs da Europa medieval. Como as cruzadas
anteriores unificaram a Europa, ele predisse: “então isso, a
grande cruzada humanitária da História, irá unificar o mundo”.
O avanço da humanidade continuaria “lentamente, certamente,
inevitavelmente” conforme o ódio nacional e o sectarismo torpe
“cedessem à pressão da obrigação mundial e do interesse da
comunidade”. No final, Newton garantiu aos seus leitores que
os “homens pensarão nos termos de uma humanidade e de um
cristianismo”.65
Certamente, a obtenção de um mundo como esse dependia
da absoluta humilhação e derrota do inimigo. Não poderia
haver espaço para compromissos ou objetivos limitados. A
trégua do Natal ao longo do Fronte Ocidental, em dezembro de
1914, jamais seria igual. Tudo isso ajuda a explicar a posição
de muitos líderes da igreja nas propostas de paz que levariam a
uma Alemanha invicta e sem punição. Gamble conclui: “foi
uma guerra pelos absolutos que combinaram os exércitos do
céu e da terra em uma última batalha”.66
Aqui, então, temos um dos mais fortes efeitos do Mito do
Progresso. Acreditava-se que mesmo a guerra — um processo
inerentemente destrutivo da vida e da sociedade — teria
propriedades regenerativas. A suposição dos líderes religiosos
da Inglaterra e dos Estados Unidos era a de que a guerra
avançaria os ideais do cristianismo e da democracia. Mais que
isso, o conflito daria à luz uma época de paz e justiça: a “última
batalha” antes do nascimento do novo mundo. Quaisquer
fossem as crenças religiosas dos combatentes, o idealismo
secular do Mito estava conduzindo a atitudes e expectativas
sobre o desenrolar do conflito.
O problema, com certeza, era que nenhuma dessas profecias
se cumpriria. O abismo entre as profecias dos clérigos e as
realidades do conflito afligiriam muitas almas da geração pós-
guerra. Paul Bull, ministro e ex-capelão, falou para muitos
deles: “A Era do Progresso termina em um barbarismo tão
chocante quanto a própria barbárie”. A Era da Razão termina
em um delírio da loucura”.67

FÉ NAS TRINCHEIRAS
Dois jovens soldados, J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis,
conseguiram sobreviver a esse delírio de alma intacta. Não é
fácil dizer como o espírito do tempo moldou suas atitudes após
a guerra; nenhuma pessoa escapa totalmente das suposições
de sua época. Porém, nenhum deles jamais expressou a
mentalidade das cruzadas, ainda menos as visões apocalípticas
do clero. Seus objetivos eram muito mais práticos e terrenos:
lutar com honra, sobreviver às trincheiras e retomar suas
carreiras acadêmicas onde a guerra os interrompeu. “Além
disso, antes de partir como soldado para a Primeira Guerra
Mundial, eu certamente esperava que minha vida nas
trincheiras fosse, em algum sentido misterioso, somente
voltada para a Guerra”, escreveu C. S. Lewis anos depois. “Na
realidade, percebi que quanto mais próximo da frente de
batalha, menos se falava e se pensava a respeito da causa dos
Aliados e do progresso da campanha”.68
Nisso, Tolkien e Lewis provavelmente compartilharam os
sentimentos da maioria de seus companheiros soldados.69
Muitos ficavam indignados com as atrocidades alemãs e irados
com a ideia de uma hegemonia alemã na Europa. Ainda assim,
há poucas evidências de que o soldado comum estaria animado
pelo intenso idealismo religioso. Por exemplo, na França
circulava uma história sobre um clérigo em uma carruagem de
homens a caminho da frente de batalha. Ele perguntava
alegremente: “Então, você está indo lutar na Guerra de Deus?”.
Ficando sem resposta, ele repetia a pergunta. “Você não
acredita na Guerra de Deus?”. Um soldado olha para ele com
cansaço e responde: “Senhor, não é melhor você deixar o seu
pobre amigo fora dessa confusão sanguinária?”.70
Infelizmente para a Igreja da Inglaterra, muitos capelães
estavam foram de vista e aparentemente fora de contato
durante a guerra. Ordenados a se manterem em segurança
atrás da frente de batalha, nos hospitais ou em ambulâncias,
eles pareciam muitas vezes incapazes de se relacionar com os
homens que lutavam para sobreviver.
“A chave para tudo isso”, escreveu Theodore Hardy, um
capelão que depois recebeu a condecoração de Cruz Vitória, era
que os ministros servissem na zona de combate: “Se ficar para
trás, você está gastando seu tempo. Os homens perdoarão
qualquer coisa, menos falta de coragem”. Muitos ministros
protestantes, no entanto, seguiram as ordens de evitar o fronte.
“Há apenas uma frente de batalha aqui e poucos capelães
chegam lá, não sendo durante as batalhas”, reclamou David
Railton. “É um erro da parte das autoridades que custará caro
à Igreja”.71
Talvez tenha custado. Muitos capelães anglicanos
trabalhavam corajosamente para servir os homens sobre os
seus cuidados. Dos dois mil do clero anglicano que se
alistaram ao Exército Britânico no tempo do Armistício, oitenta
e oito morreram em batalha, enquanto quatro foram premiados
com a Cruz Vitória.72 Mesmo assim, o poeta de guerra Robert
Graves — deixando de lado seu cinismo — parecia capturar a
percepção comum da covardia e hipocrisia clerical: “Se
tivessem mostrado um décimo da coragem, resistência e outras
qualidades humanas que os doutores manifestam,
concordaríamos que a Força Expedicionária Britânica poderia
muito bem ter iniciado um avivamento religioso”.73 Apesar das
grandes esperanças contrárias, nenhum avivamento
aconteceu.74
Para a maioria dos homens, parece que Deus ficou no plano
de fundo do conflito, mas não totalmente ausente. A crítica
muito citada de Graves — “dificilmente um soldado em cem era
inspirado pelo sentimento religioso, mesmo o mais simples
deles” — parece ser uma projeção autocentrada do seu próprio
ateísmo militante.75 Como o historiador Richard Schweitzer
argumenta em The Cross and the Trenches [“A Cruz e as
Trincheiras”], uma grande porcentagem dos soldados referiam-
se às suas crenças religiosas nas cartas e diários, indicando
uma piedade genuína.76 Talvez a observação do oficial escocês
estivesse mais próxima dessa linha: “A religião de noventa por
cento dos homens na frente de batalha não é distintamente
cristã,”, ele escreve, “mas a religião do patriotismo e do valor,
pintada de cavalheirismo e do melhor colorido com sentimento
e emoção emprestados do cristianismo”.77

CASTIGADOS PELA GUERRA


Na véspera da Batalha do Somme, Douglas Haig,
comandante da Força Expedicionária Britânica, escreveu para
sua esposa: “Sinto que cada passo do meu plano foi dado com
uma ajuda divina”.78 Haig estava convencido de que seus
soldados compartilhavam sua simples fé e eram
semelhantemente inspirados a carregar os sofrimentos
necessários para vencer.79 Harold Macmillan, futuro primeiro-
ministro e que lutou em Ypres em maio de 1916, não tendia a
expressões sectárias. Mesmo assim, ele escreveu à sua mãe:
“Muitos de nós jamais suportariam a tensão nem aguentariam
os horrores que vejo todos os dias, se não sentissem que não é
uma simples guerra — mas uma Cruzada. Não vejo homens
mortos, mas mártires”.80
A experiência da guerra transformou Tolkien e Lewis em
cavalheiros da cruzada baseados na fé? Tolkien entrou na
guerra como um devoto católico, Lewis como um ex-anglicano e
ateísta (sua volta ao cristianismo não ocorreu muito tempo
depois). Ambos compartilhavam o básico do patriotismo e o
senso de dever ao Rei e à nação, ainda que fossem recrutas
relutantes. Como autores eles buscavam recuperar as tradições
românticas e míticas baseadas na luta entre o bem e o mal.
Mas eles se recusaram a santificar a guerra como um
empreendimento divino. Em vez disso, os personagens em suas
obras frequentemente demonstram uma grande ambivalência
frente a esse conflito.
Em A Sociedade do Anel, Elrond se torna melancólico
conforme ele reflete a história das guerras que devastaram seu
mundo. Ele viveu tempo o bastante para saber que, apesar de
esperar o contrário, as forças do mal não seriam erradicadas
pela próxima batalha: “Vivenciei três eras no Ocidente do
mundo, e muitas derrotas, e muitas vitórias infrutíferas”.81
Tolkien negou que sua obra era “apenas uma simples luta
entre o Bem e o Mal”, ou que seus protagonistas representavam
uma bondade perfeita.“Mas de qualquer maneira, esta é uma
história sobre uma guerra,” ele escreveu, “e se a guerra é
permitida (ao menos como um tópico e um cenário), não é
muito bom reclamar de que todas as pessoas de um lado
estejam contra as do outro”.82
Lewis ocasionalmente fazia piada com seus personagens,
assim como Ripchip em As Crônicas de Nárnia, por sua
ousadia: “Pois sua mente estava repleta de esperanças vãs,
acusações de morte ou glória, e juízos cabais”.83 Em sua
trilogia de ficção científica, ele criou o pastor Anglicano louco,
senhor Straik, que inocentemente endossa uma terrena (e
diabólica) tentativa de realizar o Reino de Deus. “É o começo do
Homem Imortal e do Homem Ubíquo”, canta Straik, “O Homem
no trono do universo. Era isso que todas as profecias de fato
diziam”.84 Straik pode bem ter sido modelado por qualquer um
dos ministros da Primeira Guerra Mundial seduzidos pelas
perspectivas de um reavivamento espiritual.
De fato, o que define seus trabalhos é como eles evitam o
triunfalismo dos guerreiros consagrados. Tolkien submergiu
deliberadamente os elementos cristãos da história, tornando
até a ideia de Deus apenas um aspecto sugestivo da narrativa.
“Mesmo durante a minha ausência, diz Gandalf, jamais houve
dia em que o Condado não estivesse guardado por olhos
vigilantes”.85 Lewis era muito mais explícito sobre os temas
bíblicos que moldaram suas obras. Mas mesmo seus
protagonistas — obediente a um chamado maior do que eles
mesmos — são, no entanto, imperfeitos, medrosos e duvidam
de si mesmos. “Pedro não se sentia corajoso; na verdade, sentia
como se fosse vomitar”, escreveu Lewis em O Leão, a Feiticeira
e o Guarda-Roupa. “Mas seus sentimentos não lhe subtraíam o
dever. Ele então partiu direto em direção ao monstro e
desferiu-lhe um golpe de espada bem em seu lado”.86
Como veremos, a fé cristã de Tolkien e Lewis ofereceu-lhes
ponto de vista moral para lidar com o significado da guerra.
Seus gostos pessoais de combate, com todas as suas
ambiguidades preocupantes, controlava o impulso por justiça
própria. Certamente a rotina diária da guerra, seus momentos
de medo, tédio, exaustão, dificuldade e horror os salvou de
romantizar a experiência. Como Lewis escreveu, muitos anos
após seu serviço de guerra:
Não nos enganemos: todos os nossos medos de todos os tipos de
adversidade vão terrivelmente ao encontro da vida de um soldado
em serviço. Como a doença, ameaça de dor e morte. Como pobreza,
e a ameaça de seus alojamentos execráveis, frio e calor extremos,
sua sede e fome. Como a escravidão, e sua ameaça de estafa,
humilhação, injustiça e ordens caprichosas. Como o exílio, que nos
separa de todos aqueles que amamos.87
Porém, acreditar na existência de uma ordem moral para o
universo ajudou esses autores a confrontar os problemas
humanos: desafios diabólicos e profundamente arraigados à
justiça e paz do nosso mundo. Além disso, a experiência
inexprimível da guerra deu a eles uma empatia especial pela
pessoa que é chamada a arriscar tudo por uma causa nobre.
Na maioria das vezes, seus personagens demonstram uma
humildade inesperada, um cuidado sobre combates que podem
ser superados apenas pelo prospecto de uma crescente
tempestade do Mal.
Assim, em O Senhor dos Anéis de Tolkien, nós seguimos
Frodo Bolseiro em um perigo quase constante que ele persegue
a pé em suas missões como um soldado em uma grande
guerra. Vemos seu medo assim e sua determinação em superá-
lo e permanecemos fiéis à sua missão: “Há uma semente de
coragem escondida (por vezes bem no fundo, é verdade) no
coração de cada hobbit, mesmo no mais rechonchudo e tímido,
esperando por aquele perigo final e desesperador que a fará
germinar”, Tolkien escreve. “Ele pensava ter chegado ao fim de
sua aventura, um fim terrível, mas o pensamento o endurecera.
Ele então se viu enrijecido, como enfrentando sua última
primavera; não mais se sentia vacilante, como uma presa
indefesa.88
capítulo

NUMA TOCA NO CHÃO VIVIA UM


HOBBIT

Alguns dias antes de o segundo-tenente J. R. R. Tolkien partir


para a Frente Ocidental na França, começava a maior batalha
marítima da Primeira Guerra. Em 1.º de junho de 1916, a
Grande Frota Britânica desafiou a Marinha Alemã no mar do
Norte. Conhecida como a Batalha da Jutlândia, a força
britânica de vinte e oito navios de batalha, nove cruzadores de
batalha, trinta e quatro cruzadores leves e oito
contratorpedeiros colidiu com vinte quatro navios de batalha
alemães, cinco cruzadores de batalha, onze cruzadores leves e
sessenta e três contratorpedeiros. Foi uma assustadora
demonstração de poder naval.
O oficial britânico Ernest Francis, parte da artilharia a bordo
do cruzador de batalha Queen Mary, pulou ao mar depois de
ter seu navio derrotado. “Afastei-me do navio o mais rápido que
pude, e eu provavelmente já tinha percorrido quase cinquenta
metros quando aconteceu uma grande colisão”, ele escreve. “E,
vindo atrás de mim, escutei uma carga de água, que mais
parecia com a quebra das ondas na praia, quando percebi que
era a sucção ou a força da corrente do navio que acabara de
partir.1 O Queen Mary afundou em noventa segundos, levando
consigo a maior parte dos mil homens da tripulação.
Dada as baixas de ambos os lados, parecia evidente ser
aquele um momento sem vencedores; civis e soldados ficaram
se perguntando se deveriam celebrar vitória ou lamentar as
inglórias da perda. “O único fato incontestável”, disse uma
enfermeira no hospital de Londres, “é o de que centenas de
rapazes, muitos deles não mais que adolescentes aspirantes à
Marinha, sem esperança de resgate ou entendimento de causa,
caíram numa cova fria e anônima”.2 As perdas certamente
foram devastadoras: um total de 6.097 marinheiros britânicos
morreram no mar, comparados aos 2.551 alemães.
Entre os envolvidos na batalha estava Christopher Wiseman,
membro do “Clube do Chá e Sociedade Barroviana”, ou o TCBS
(Tea Club and Barrovian Society), uma sociedade de amigos
quase secreta que se encontraram pela primeira vez em 1911
na Kings Edward’s School, em Birmingham. Embora outros
tenham sido incluídos, seus principais membros foram Tolkien,
Wiseman, Geoffrey Bache Smith e Robert Gilson. Todos eles,
com graus variados de entusiasmo, foram levados como
soldados pela Primeira Guerra Mundial. O círculo de Tolkien
compartilhava o amor por literatura e o poderoso desejo de
deixar sua marca no mundo. Wiseman deve ter deixado sua
marca em Tolkien, pois nomeou seu filho de Christopher.
Antes de serem enviados à guerra, os membros do TCBS
realizaram uma reunião do “Conselho” na casa de Wiseman,
em Londres, tomando emprestado um título exaltado, sem
dúvida, de um jargão diplomático daqueles dias. Eles
conversaram até tarde da noite, compartilhando suas mais
profundas convicções e aspirações. Dada a sua evidente
lealdade durante os anos de guerra, eles devem ter jurado
preservar a fraternidade de todos os jeitos possíveis. Mais
adiante, Tolkien afirmou que foi naquele momento que pela
primeira vez ele se atentou às “esperanças e ambições” que
iriam guiá-lo durante a vida.3
Nessa mesma época, Wiseman entrou para a Marinha e foi
nomeado para a HMS Superb, parte da Grande Frota Britânica
durante a Batalha da Jutlândia. Ele sobreviveu a esse
acontecimento.
Enquanto isso, os alemães organizavam outro grande ataque
em Verdun, um posto avançado na França ao longo do Rio
Mosa, 240 quilômetros a oeste de Paris. A Batalha de Verdun
— uma das mais longas batalhas da guerra — havia durado
quinze semanas. Iniciada em 21 de fevereiro de 1916, era uma
tentativa de fazer a “França sangrar branco” ao atacar uma
cidade estratégica e atrair o exército francês para uma
defensiva fatal. Se bem-sucedido, o ataque teria expulsado a
França da guerra e forçado a Grã-Bretanha a lutar sozinha.
No começo da batalha, mais de 140.000 tropas alemãs,
auxiliadas por 1.200 armas de artilharia, começaram a
encurralar as fortalezas francesas. O Setor do Quilômetro 12
das linhas alemãs “explodiu nas chamas da artilharia como
nunca antes vira o mundo”.4 Bosques foram transformados em
tocos e crateras. Um soldado francês descreveu a cena da
seguinte forma:
Homens foram esmagados; cortados ou divididos ao meio de cima
para baixo. Queimados aos montes; estômagos viraram ao avesso;
cabeças forçadas ao peito como se tivessem sido acertadas por um
bastão”.5

No final de abril, as vítimas em Verdun totalizavam 133.000


para os franceses e 120.000 para os alemães — sem prévia do
fim. Na primeira semana de junho, os alemães voltaram sua
atenção ao Forte Vaux, dando início a um feroz embate pelo
posto. “É enlouquecedor”, escreveu o soldado francês. “Há
fumaça constante por todo lugar. Árvores saltam como que
pedaços de palha; tratou-se de um espetáculo inaudito”.6
Depois de uma defensiva heroica, o comandante francês se
rendeu tão somente porque seus homens estavam literalmente
morrendo de sede.7 “A humanidade enlouqueceu. A pessoa
precisa ser louca para fazer o que está fazendo”, escreveu um
tenente francês no seu diário, enquanto em Verdun. “O inferno
não será tão horrendo”.8 A luta infernal em Verdun se
prolongaria até dezembro de 1916.
DEIXANDO A ILHA SOLITÁRIA
Enquanto noticiadas a violência e a destruição dessas
batalhas, Tolkien, aos 24 anos, desembarcou em 4 de junho de
1916. Treinado como oficial do batalhão de sinais com o 11.º
Batalhão dos Fuzileiros de Lancashire, seu conhecimento
dificilmente o teria preparado para a realidade que viria pela
frente. Tolkien parecia sentir o mesmo, uma vez que não
esperava retornar vivo para casa. “Oficiais de patente menor
eram mortos, uma dúzia por minuto”, lembra Tolkien”.
Despedir-me de minha esposa… era como a morte”.9
Enquanto cruzava o Canal da Mancha, Tolkien olhou de
volta para casa e tornou seus pensamentos em poesia.10 Seu
pequeno poema, The Lonely Isle [“A Ilha Solitária”], demonstra
sua profunda tristeza enquanto seu mundo conhecido se
afastava cada vez mais:
Apesar das grandes perdas e uma separação melancólica
Anseio por ti e tua cidadela justa.
Nos ecos através dos olmos iluminados à tarde,
No interior do alto da torre soa um sino:
Ah, ilha solitária e cintilante, adeus!11

É fácil de imaginar o jovem soldado Tolkien pensando sobre


esse momento de separação enquanto descrevia as cenas de
despedida em O Senhor dos Anéis. Remete à sombria percepção
de Frodo enquanto ele se preparava para deixar o Condado: “É
o exílio, fugir de um perigo para cair em outro, carregando-o
comigo para onde quer que eu vá. E suponho que ir só é o meu
destino… Mas me sinto tão pequeno, e desgarrado de minhas
raízes, e em tanto desespero. O Inimigo é tão forte e
terrível!”.12
Como vimos, houve uma imensa sensação de dever e
patriotismo na entrada da Grã-Bretanha no conflito, o desejo
de “contribuir individualmente” para o Rei e a nação. “Minha
confiança em vocês é irrestrita, meus soldados”, disse o Rei
Jorge para a Força Expedicionária Britânica, em agosto de
1914. “Dever é o lema de vocês, e sei que o dever que lhes foi
proposto será nobremente cumprido”.13 Milhares de homens
responderam ao chamado com uma espécie de “intenso
patriotismo, quase místico”.14
Confiando no voluntariado militar, o Lord Kitchener,
Secretário de Guerra, pediu inicialmente por mais cem mil
homens para reforçar o Exército. Mas os jovens encheram os
postos de recrutamento, de modo que, na primavera de 1915,
havia mais seiscentos mil homens. O jornal da cidade de
Tolkien, Birmingham Daily Post, não deixou nenhuma dúvida
sobre a obrigação do momento: “O patriotismo insiste que os
homens solteiros se ofereçam sem pensar ou hesitar”.15 Como
Tolkien descreveu o clima do momento: “Naqueles dias, os
homens se alistavam ou eram menosprezados
publicamente”.16
Homens se alistavam juntos, formando “Batalhões de
Amigos” [Pals’ Battalions], compostos de familiares, amigos e
colegas de trabalho. “É a história de um grande movimento
espontâneo e genuinamente popular sem paralelos no mundo
inglês moderno”, escreve John Keegan em A Face da Batalha,
“e talvez até mesmo sem precedentes”.17
No início de 1916, havia cerca de um milhão de tropas
britânicas no Continente, cujo número crescia em quase cem
mil por mês. A. F. Winnington-Ingram, bispo de Londres, ficou
encantado com o número “realmente surpreendente” de
voluntários. “Seu número significava a efusão dos serviços de
homens e mulheres que se encontravam no coração da nação,
pessoas consideradas perdidas por seus inimigos, embebidas
no conforto e envoltas nas sórdidas facilidades”.18 Ainda
assim, a Grã-Bretanha precisava confiar em um exército de
voluntários, e os números eram insuficientes para suprir as
demandas da guerra. Comparado ao enorme exército da
Alemanha e da França, a Força Expedicionária Britânica, no
início de 1916, ainda permanecia modesta em proporção. O
imperador alemão Guilherme II chamou o Exército Britânico de
“desprezivelmente pequeno”.
Mais importante, vinte e dois meses de carnificina produzira
um impasse militar ao longo da Frente Ocidental. O governo
britânico estava determinado a fazer algo em relação ao
tamanho de seu exército. No dia 27 de janeiro de 1916, o
parlamento aprovou a Lei do Serviço Militar, introduzindo, pela
primeira vez, o recrutamento à Grã-Bretanha. Todos os homens
com idade entre 18 e 41 anos foram obrigados a se alistar. “Era
uma posição terrível de estar”, escreveu Tolkien muitos anos
depois, “especialmente para um jovem com muita imaginação e
pouca coragem física”.19

VIDA E MORTE NAS TRINCHEIRAS


No verão de 1916, o entusiasmo inicial pela guerra começava
a desaparecer. Naquele momento, mais de duzentos mil
soldados britânicos estavam mortos e outros trezentos mil
feridos.20 Os soldados continuavam lutando — havia uma
lealdade notável entre os recrutas de todas as divisões —, mas
havia também uma sobriedade cada vez mais profunda, uma
determinação firme de perseverar. Abel Ferry perdeu não
apenas o seu entusiasmo pela batalha, mas também muitas de
suas estimadas convicções: “O idealismo é um devaneio”, ele
escreveu em 1916. “O mundo pertence àqueles que não
acreditam em ideias”.21 Rob Gilson, membro do Clube do Chá
e Sociedade Barroviana (TCBS) associou-se ao Batalhão de
Cambridgeshire como segundo-tenente. Assim como Tolkien,
ele foi enviado à Frente Ocidental, onde encontrou condições
inimagináveis. “Às vezes, eu quase chorava diante daquela
lama infinita”, escreveu ele, “e da absoluta impossibilidade de
escapar dela”.22
O que Gilson descreveu foi o símbolo preciso e clássico da
guerra: a trincheira. Para o típico soldado britânico, a vida
naquelas valas elaboradas era um pântano de imundície — elas
eram frias, úmidas e infestadas de ratos. As trincheiras eram
profundas o bastante para abrigar um soldado e estreitas o
suficiente para dificultar ataques diretos de artilharia. A cada
poucos metros as trincheiras formavam pequenos desvios para
limitar os danos causados por ataques de morteiros ou
metralhadoras. As paredes das trincheiras, sustentadas por
sacos de areia, estavam em constante estado de deterioração. O
solo, mesmo quando coberto por tábuas de madeira, inundava-
se de água quando chovia forte. “Nos quatro quilômetros em
que caminhei na trincheira ontem”, escreveu Wilfred Owen à
sua mãe, “não havia um centímetro de terra seca”.23
Os ratos vagavam à vontade devorando restos mortais de
homens — alguns desses ratos eram do tamanho de um gato.
Enojados e cansados de serem perturbados por esses animais,
os soldados atiravam neles, usavam suas baionetas ou os
espancavam até a morte. “Certa vez, pegamos um gato grande e
o prendemos durante a noite em uma área da trincheira, na
esperança de que ele exterminasse os ratos”, registrou um
soldado em seu diário. “Os ratos devem tê-lo devorado — com
ossos, pelos e tudo mais — e o arrastado para suas tocas”.24
Tão ruim quanto a água, a lama, os ratos, as baratas e os
piolhos era o cheiro: o forte odor de carne humana e animal em
decomposição parecia empestear todo o ambiente. Atiradores,
granadas, tiros aleatórios, feridas não tratadas, doenças —
inúmeras causas faziam com que a morte e o cheiro da morte
fossem uma presença constante para os soldados na linha de
frente. O historiador John Keegan escreveu: “Era possível
sentir o cheiro das linhas de frente quilômetros antes de avistá-
las”.25
As trincheiras foram o cenário de grande parte do sofrimento
e da letalidade da guerra. Elas formavam uma base de
operações para as forças militares de cada lado, oferecendo
uma medida de proteção para os soldados e criando uma linha
de demarcação atrás da qual eram guardadas as armas
pesadas. “Milhões de homens ocupavam praticamente as
mesmas posições durante meses dentro do alcance do inimigo”,
explicou o historiador Max Hastings. “A disciplina rigorosa
tornou-se necessária para evitar a exposição de um centímetro
sequer de carne.”.26
Durante um ataque, projéteis voaram em ambas as direções,
encontrando por fim o seu destino. “O lugar explodiu, fazendo
levantar uma nuvem de fedor negro”, escreveu um capitão
britânico sobre o ataque a uma trincheira. A explosão, explicou
ele, revirou a terra e enterrou dois ou mais soldados vivos. “Nós
cavávamos furiosamente... e, por fim, conseguíamos
desenterrá-los, três corpos cinzentos, cobertos de lama e
somente um ainda com vida. Então, logo em seguida, éramos
atingidos novamente, e outra explosão soterrava mais
soldados”.27
Nenhum soldado, especialmente um com a mentalidade
literária de Tolkien, jamais esqueceria tal experiência. Quando
ainda estudante na Universidade de Oxford, Tolkien já se
sentia atraído por lendas antigas e os idiomas em que elas
estavam inseridas. Nem mesmo as exigências do combate ativo
eram capazes de distraí-lo completamente de sua paixão. Ele
começou a escrever pequenos trechos das lendas que
formariam a base de sua trilogia épica. “Boa parte de seus
primeiros rascunhos foi escrita em acampamentos e hospitais
de guerra entre 1915 e 1918 — quando o tempo permitia”.28
Por causa disso, as cenas de batalhas em O Senhor dos
Anéis possuem uma autenticidade sombria. Quando descreve o
Cerco de Gondor — onde “o fogo irrompeu violentamente”,
“equipamentos poderosos avançavam pelos campos” e o solo
“estava completamente bloqueado pelos destroços e pelos
corpos dos mortos” —, Tolkien compartilha do realismo de um
veterano de guerra. “Empenhados como formigas apressadas,
os orcs cavavam e cavavam fileiras profundas de trincheiras,
formando um enorme anel, bem próximo do limite de alcance
do inimigo”, escreveu ele em O Retorno do Rei. “E, logo em
seguida, mais batalhões do inimigo depressa posicionavam,
cada um atrás de uma cobertura das trincheiras, grandes
máquinas para o lançamento de projéteis”.29

MASSACRE NA BATALHA DO SOMME


Em um esforço para aliviar a pressão sobre as Forças
Armadas Francesas e finalmente obter uma vitória naquele
conflito, o Exército Britânico montou uma grande ofensiva
própria, que teria início em julho de 1916, durante o verão
europeu. Winston Churchill, que acabara de retornar à Frente
Ocidental como comandante de batalhão, alertou a Câmara dos
Comuns contra os “ataques desnecessários” que, da noite para
o dia, poderiam causar a morte de milhares de jovens. Ainda
assim, um novo ataque foi planejado, ataque este que
transformaria para sempre a vida de Tolkien e a de centenas de
milhares de soldados ingleses: a Batalha do Somme.
O clima na manhã do dia 1.º de julho de 1916, o primeiro
dia do ataque de Somme, “estava como se diz popularmente,
paradisíaco”. No entanto, a partir das sete horas da manhã,
aeronaves e artilharia britânicas começaram a atacar
pesadamente o Exército Alemão posicionado ao longo do rio.
Em pouco mais de uma hora, quase duzentos e cinquenta mil
projéteis — cerca de 3.500 projéteis por minuto — haviam sido
disparados contra os alemães. O estrondo da ofensiva foi tão
intenso que pôde ser ouvido no norte de Londres, a mais de
trezentos quilômetros de distância do local.
O Exército Britânico, na verdade, já estava atacando com
artilharia pesada seu inimigo havia uma semana. Os soldados
estavam certos de que este último bombardeio de artilharia
destruiria o que ainda restava das linhas alemãs, aniquilaria
seus esconderijos subterrâneos mais profundos e
comprometeria seriamente o seu poder de artilharia. Seria um
sonho se conseguissem cruzar a “terra de ninguém”, a perigosa
zona de morte que separava as trincheiras inimigas. “Dá para
chegar até o outro lado usando apenas uma vara”, foi o que
disseram a um batalhão, “rifles não serão necessários”.30
Às 7h30, ao som de apitos, tambores e gaitas de fole, cerca
de cem mil soldados das Forças Britânicas saíram de suas
trincheiras e atacaram uma frente de batalha que se estendia
por mais de vinte quilômetros. Eles estavam confiantes da
vitória, até mesmo exultantes.
O que não sabiam, no entanto, era que seus bombardeios
não haviam sido capazes de atingir a maioria dos abrigos
subterrâneos das trincheiras alemãs, nem destruído os arames
farpados que as protegiam ou a sua pesada artilharia. Eles não
imaginavam que seus ataques haviam aberto crateras no solo
que passaram a ser usadas pelo inimigo para atacá-los e que,
portanto, “estavam avançando aquele território sem vida a
caminho do próprio extermínio”.31 Centenas de canhões
alemães, explosões de granadas e tiros de metralhadoras foram
disparados contra as tropas britânicas, devastadas pelo contra-
ataque. “Quando começamos a atirar, só precisávamos carregar
e recarregar as metralhadoras”, contou um soldado alemão.
“Os ingleses eram atingidos às centenas. Não precisávamos
nem mesmo mirar, simplesmente atirávamos na direção
deles”.32
Antes que o sol se pusesse nas margens cinzentas do rio
Somme, 19.420 soldados britânicos — os quais Lloyd George
chamou de “os melhores e mais bem treinados jovens de
nossas forças” — foram mortos.33 A maior parte deles foi
morta durante a primeira hora do ataque, muitos nos primeiros
minutos. Outros quarenta mil ficaram feridos. Muitos
batalhões sofreram baixas (de mortos e feridos) de mais de
50%. Assim, o dia 1.º de julho de 1916, o primeiro dia da
Batalha do Somme, marcou o dia mais sangrento da história
militar britânica. “A agonia da guerra se manifestou
plenamente naquele fatídico dia no Somme”, escreveu Martin
Gilbert em The Somme [“O Somme”]. “O heroísmo e o horror da
guerra foram vistos ali sem disfarce, enfeites ou adornos”.34
A Batalha do Somme durou, inconclusiva, até 16 de
novembro — quase cinco meses de derramamento de sangue
de mais de 1,2 milhão de mortos e feridos. E para quê? “Em
termos de ofensiva, o ataque não deu em nada”, concluiu John
Keegan. “A maioria dos mortos foi atingida em solo de posse
das Forças Britânicas antes do início do ataque”.35 Winston
Churchill, que estava na linha de frente em 1916, como
tenente-coronel presenciou “um massacre caótico” do início ao
fim. “Nenhuma vantagem estratégica de qualquer tipo foi
obtida”36. Um comandante relatou com firmeza: “Foi uma
demonstração magnífica de bravura treinada e disciplinada, e
seu ataque só fracassou porque homens mortos não podem
avançar”.37
Entre os mortos nesta batalha estava o membro do TCBS,
Rob Gilson. Duas noites antes de ser morto, Gilson havia
escrito para sua família: “Os disparos das armas durante a
noite seriam lindos — se não fossem tão terríveis. Eles
possuem a grandeza das trovoadas, mas como me agarro aos
vislumbres de cenas pacíficas! Seria maravilhoso poder estar
novamente a muitos quilômetros de distância da linha de
fogo”.38
Embora tenha entrado na guerra muito preocupado em
relação a sua capacidade de desempenho sob o estresse da
batalha, Gilson se destacou em seus momentos finais. Quando
seu comandante foi morto, Gilson assumiu a posição e
conduziu “de maneira perfeitamente calma e segura” seus
homens até a terra de ninguém.39 Tolkien provavelmente se
lembrou do amigo quando descreveu, em O Senhor dos Anéis,
os hobbits do Condado como “curiosamente durões”. “Eles
eram, se chegasse a esse ponto, difíceis de intimidar ou morrer;
e eles... eram capazes de sobreviver em situações difíceis, como
dor, sofrer perseguição de inimigos ou o mau tempo de uma
maneira que surpreendia aqueles que não os conheciam bem e
não enxergavam além de suas barrigas e rostos roliços”.40

NA LINHA DE FRENTE
A notícia da morte de Gilson demorou semanas até chegar a
Tolkien. Como oficial de sinalização do 11º Batalhão dos
Fuzileiros de Lancashire, o trabalho de Tolkien era manter a
comunicação entre os integrantes do exército que lideravam a
batalha e os oficiais que lutavam na linha de frente. Seus
equipamentos incluíam sinalizadores, pombos-correio, homens
mensageiros e telefones. O trabalho de Tolkien era fundamental
na cadeia de comando, uma vez que as informações coletadas
no campo de batalha eram utilizadas para direcionar o ataque
de artilharia e realocar — ou retirar — as tropas, conforme a
necessidade. Falhas na comunicação poderiam custar centenas
e até milhares de vidas.
Nos dias anteriores à Batalha do Somme, Tolkien e os
oitocentos homens da sua unidade de Fuzileiros foram retidos
como sistema de apoio de combate, a cerca de 20 quilômetros
da frente de batalha. Porém, no dia 3 de julho, o terceiro dia da
batalha, eles se dirigiram para Bouzincourt, uma aldeia que
ficava a pouco mais de um quilômetro atrás da linha de frente.
Assim que chegaram, os soldados ocuparam todas as casas,
celeiros, porões e quintais do local.41
Em guerras anteriores, os homens conseguiam ficar a uma
distância segura o bastante do campo de batalha para jogar
uma partida de críquete, mas não nesta guerra, com suas
novas tecnologias de destruição. A principal delas era a
artilharia, composta de uma ampla variedade de armas de
longo alcance: artilharia terrestre, que contava com projéteis de
oito quilos, obuseiros capazes de disparar pequenos fragmentos
e explosivos poderosos de um alcance de até 5 mil metros;
artilharia média, composta por morteiros de quase trinta
quilos, capazes de disparar projéteis explosivos a uma
distância de até dez mil metros; e morteiros de trincheira, que
podiam lançar granadas de dez centímetros de uma trincheira
a outra na terra de ninguém.42 A artilharia tinha a vantagem
não somente da distância como da velocidade: graças a
mecanismos hidráulicos e dispositivos de cronometragem, as
granadas podiam ser disparadas em direção ao inimigo com
mais rapidez, precisão e por períodos mais longos do que
jamais vistos em guerra. “Pela primeira vez na história, e desde
o início até o fim da guerra, a artilharia dominou os ataques”,
escreveu G. J. Meyer. “Ela foi responsável por mais mortes
entre 1914 e 1918 do que qualquer outra arma”.43
Enquanto Tolkien descansava em uma barraca,
provavelmente lendo cartas de sua mulher, um canhão alemão
bombardeou a vila em que estavam. Tolkien, que fazia parte da
Frente Ocidental, participando de um dos confrontos mais
sangrentos da guerra, foi atacado pela primeira vez em sua
vida.
O quanto aquele jovem soldado deve ter extraído daquele
acontecimento para descrever a enormidade da guerra em O
Senhor dos Anéis? “Esta não é mais uma disputa nos Vaus,
atacando desde Ithilien e de Anórien, fazendo emboscadas e
saqueando”, disse Beregond, soldado do exército de Gondor.
“Esta é uma grande guerra, planejada há muito tempo, e nós
somos apenas uma peça dentro dela, não importa o que nos
diga o nosso orgulho”.44 Será que o mesmo acontecimento
influenciou o autor quando escreveu sobre a angústia de Frodo
Bolseiro após deixar o Condado e enfrentar os Cavaleiros
Negros? “Naquele lugar solitário, Frodo se deu conta, pela
primeira vez, de que estava completamente ao relento e em
perigo”, escreveu Tolkien. “Ele desejou amargamente que o
destino o tivesse deixado em seu tranquilo e amado Condado.
Ele fitou a odiosa estrada que seguia para a direção oeste —
para o seu lar”.45
Ao refletir sobre as suas experiências anos mais tarde,
Tolkien admitiu que o seu gosto pela fantasia foi “trazido à vida
por causa de sua experiência na guerra” e que “a mitologia (e
as línguas associadas a ela) começaram a tomar forma durante
a guerra de 1914 a 1918”.46 Muito das “partes iniciais” de sua
obra épica, explicou ele, foram escritas “em cantinas sujas,
durante conversas em noites frias, em cabanas repletas de
homens proferindo blasfêmias e obscenidades, ou à luz de
velas dentro de tendas e até mesmo nos abrigos das trincheiras
sob o ataque de granadas”.47 Em outras palavras, Tolkien
havia começado a definir as bases para a sua trilogia de guerra.
Contudo, o desafio mais urgente era continuar vivo. “Tolkien
e seus sinalizadores estavam sempre vulneráveis”, explicou
Martin Gilbert. O vilarejo de Bouzincourt evitava grande parte
da barragem, mas homens feridos de outras áreas da linha de
frente, muitos deles terrivelmente mutilados, chegavam às
centenas. Portanto, membros do batalhão de Tolkien
começaram a cavar covas.
Tolkien estava especialmente preocupado com o destino de
seus amigos do TCBS. Ele sabia que Gilson estava no meio dos
confrontos no dia 1.º de julho, e nada mais. Ele também não
sabia o que acontecera com Geoffrey Smith, outro membro de
seu círculo íntimo. Surpreendentemente, Smith apareceu em
Bouzincourt no dia 6 de julho, vivo e ileso. Tolkien foi tomado
por uma grande alegria e os dois se encontravam sempre que
podiam em meio ao caos de toda aquela situação. Eles
caminharam juntos em um campo de papoulas, estranhamente
intocadas pelos ataques de morteiros, e conversaram sobre
poesia, sobre a guerra e sobre o futuro. No dia seguinte, a
divisão da qual Smith fazia parte, Salford Pals, partiu para as
trincheiras a fim de apoiar o ataque do Exército Britânico a
Ovillers, uma fortaleza alemã.48
Em Tolkien and the Great War [“Tolkien e a Grande Guerra”],
o biógrafo John Garth descreve a cena de quando chegou a vez
de Tolkien ir para a batalha, em 14 de julho, quando a sua
brigada foi enviada para reforçar a campanha de Ovillers.49
Projéteis e granadas riscavam o céu noturno. Pequenas cruzes
de madeira pontilhavam a paisagem. Pelo caminho, eles
encontraram muitos feridos retirados do campo de batalha.
“Foi, então, na chegada a Ovillers que Tolkien teve o seu
primeiro contato com os perdidos do Somme”, escreve Garth,
“anunciados pelo fedor que exalavam, escuros, curvados e
pendidos, ou pendurados no arame farpado, até que um feixe
de luz os revelou, os mortos inchados, já em estado de
putrefação”.50
A linha de frente britânica estava mergulhada em confusão e
frustração. As linhas telefônicas transmitidas para a sede eram
facilmente interceptadas e só podiam ser utilizadas como
último recurso. Bandeiras, sinalizadores e lâmpadas também
deviam ter seu uso limitado, uma vez que atraíam o fogo
inimigo. A maioria das mensagens precisava ser enviada por
mensageiros, que podiam ser atingidos por atiradores inimigos.
Portanto, os soldados estavam de fato lutando em uma “zona
de mistério”, sem qualquer noção dos movimentos do inimigo
ou de como obter alguma vantagem estratégica. Segundo
Garth, “o trabalho do oficial de sinalização era levar alguma
clareza para esse mistério, ajudando a montar um sistema de
comunicação no campo de batalha e usá-lo. Na prática, essa
era uma tarefa quase impossível”.51
O pior de tudo era o cenário dentro e ao redor das
trincheiras. Os corpos dos soldados mortos ficavam espalhados
por toda parte: desfigurados pelos ataques, com olhares
pavorosos ou rostos totalmente destruídos. Os feridos gemiam
ou choravam em desespero. Para além das trincheiras, na terra
de ninguém, se via uma paisagem de desolação total. As
árvores haviam sido reduzidas a gravetos enegrecidos. O ar era
denso com a fumaça e o cheiro forte de explosivos e cadáveres
a céu aberto. A grama e as plantações haviam sido engolidas
por camadas de lama.
Depois de uma chuva forte, era comum ver os corpos dos
soldados flutuando de bruços nas poças de lama; uma vez
feridos, o equipamento que carregavam e pesava cerca de trinta
quilos selava o seu destino. Um jovem oficial britânico relatou
ter encontrado corpos de soldados feridos no dia 1.º de julho
que haviam “rastejado para dentro dos buracos causados por
explosões de granadas, se enrolado em seus cobertores à prova
d’água e abraçado suas Bíblias para morrer”.52 Sir Philip
Gibbs, correspondente de guerra, presenciou mais cenas assim
do que a maioria. “Os cadáveres ficavam empilhados, alguns
eram enterrados, outros não”, escreveu ele. “Os soldados
cavavam onde os corpos estavam enterrados quando
precisavam abrir mais trincheiras. Eles sentavam-se sobre
cadáveres para observar o campo de batalha pelo periscópio.
Aqueles homens comiam e dormiam com o constante cheiro de
morte em suas narinas”.53

O “HORROR ANIMAL” DA GUERRA


Pouco antes da meia-noite do dia 14 de julho de 1916,
Tolkien e os Fuzileiros de Lancashire estavam esperando na
reserva enquanto seus camaradas da 7.ª Brigada tentavam
avançar sobre Ovillers-la-Boisselle. Eles, porém, não tiveram
sucesso e, portanto, foi planejada uma segunda ofensiva, às
duas horas da manhã e, desta vez, o batalhão de Tolkien,
armado com baionetas, o conduziria. No entanto, disparos de
metralhadora e o arame farpado do inimigo impediram o
ataque. Os batalhões se recolheram naquela noite.54
No dia seguinte, eles estavam de volta à ativa, trocando
bombas, granadas de mão e tiros de metralhadora com o
inimigo. O ataque durou o dia inteiro. O solo, segundo um
sobrevivente, ficou “completamente destruído pelas explosões e
coberto de cadáveres”.55 Ao pôr do sol, surgiu uma bandeira
branca na guarnição alemã em Ovillers: rendição. Tolkien,
ileso, porém física e emocionalmente exausto, havia suportado
cinquenta horas de combate. Anos mais tarde, ele descreveu
esse período como “o horror animal da vida de serviço
militar”.56
Ao retornar a Bouzincourt, Tolkien encontrou um bilhete
conciso e aflito de G. B. Smith, relatando que Rob Gilson havia
sido morto no primeiro dia da Batalha do Somme. “Por favor,
fiquem comigo, você e Christopher”, escreveu Smith. “Estou
muito cansado e terrivelmente deprimido com esta notícia
horrível”.57 Smith transformou sua dor em poesia e escreveu
um tributo a Gilson:
Contemos histórias tranquilas
sobre olhares bondosos
E semblantes serenos, onde a paz
e o conhecimento são saciados:
Sobre jardins cobertos de névoa
sob o céu noturno
Onde quatro homens caminham
longamente, com passos
despreocupados...
E aproxime-se de nós,
pelo bem da memória
Pois um olhar, uma palavra,
um amigo, uma expressão
Estão amarrados por um nó que
homem nenhum pode desfazer
Em seu coração para sempre,
até o fim eles permanecerão.58

Ao escrever sua resposta a Smith, Tolkien descreveu o amor


que sentia pelo amigo falecido: “Amor do qual me dou conta
diariamente, mais ainda agora, que ele se foi”. Tolkien
enalteceu a “santa bravura, o sofrimento e o sacrifício” de
Gilson. Ele, contudo, lamentou a “amarga redução” do grupo
com a perda de seu querido amigo. “Eu me sinto...
assombrosamente mais fraco e pobre agora”. A escola King
Edward, em Birmingham, berço do TCBS de Tolkien, fez um
minuto de silêncio em homenagem aos quarenta e dois ex-
alunos mortos em 1916. Nesta triste lista estava Robert Gilson.
Ele tinha vinte e dois anos.
“Não sei qual será o nosso próximo passo ou o que nos
reserva o futuro”, escreveu Tolkien a Smith. “As notícias estão
tão confusas quanto o esgotamento geral causado por esta
guerra poderia permitir. Gostaria que fosse possível saber onde
você está”.59 Com um amigo morto, outros desaparecidos e
uma batalha terrível acontecendo ao seu redor, só podemos
imaginar o estado da alma de Tolkien. No entanto, isso traz à
memória uma situação em O Senhor dos Anéis, quando Merry,
fora da Sociedade do Anel, encontra-se sem amigos e
completamente sozinho no meio da grande Demanda. “Todos
de quem ele gostava haviam desaparecido na escuridão que
pairava sobre o distante céu oriental; restava pouca esperança
em seu coração de que ele algum dia os veria novamente”.60
Depois de apenas seis dias de descanso em Bouzincourt,
Tolkien foi enviado novamente à linha de frente. Dali em
diante, segundo John Garth, “ele passou praticamente todo o
tempo em um abrigo subterrâneo”.61 Os Fuzileiros estudavam
um ataque a Regina Trench, a trincheira mais longa das linhas
alemãs. Embora tivesse um valor estratégico duvidoso, ela já
havia custado a vida de muitos milhares de homens. As tropas
canadenses haviam apreendido uma seção dessa trincheira,
mas acabaram perdendo-a. Outro ataque falhara, deixando
muitos mortos e feridos. Assim como tantas outras batalhas na
guerra, essa campanha tornara-se um pesadelo desgastante.
O batalhão de Tolkien estava pronto para dar início ao
ataque na tarde de 19 de outubro de 1916, contudo fortes
chuvas atrasaram a ofensiva por 48 horas. O cansaço e a
ansiedade certamente tomaram conta de Tolkien e dos
fuzileiros enquanto aguardavam pelo momento em que sairiam
de seus abrigos em direção ao sangue, à fumaça e aos
bombardeios da terra de ninguém. “Os quinze minutos
anteriores ao ‘ataque’ possuem uma obscuridade peculiar”,
escreveu um soldado escocês. “À medida que a hora do ataque
se aproxima... não há nada capaz de afastar de nossa mente a
contagem dos minutos que parecem se arrastar”.62 Tolkien
registrou momentos como esse em O Senhor dos Anéis, quando
na maioria das vezes ele próprio parece se identificar com as
circunstâncias dos hobbits:
Agora era um pequeno soldado numa cidade que se preparava para
um grande ataque, vestido à moda altiva, mas sombria da Torre de
Guarda. Em algum outro tempo e lugar, Pippin poderia ter ficado
satisfeito com suas novas vestes, mas agora sabia que não estava
tomando parte em alguma brincadeira; era ele agora, num jogo
sério como a morte, o servidor de um senhor severo, correndo o
maior dos perigos.63

O que sustentou Tolkien e seus companheiros soldados? “A


honra de meu batalhão e a sua opinião sobre mim”, escreveu
um oficial. “Essas são agora as motivações que me sustentam
no jogo da guerra”.64 A determinação e a disciplina das tropas
britânicas em face de grandes perdas durante a batalha
continuam sendo um dos fatos mais marcantes da Primeira
Guerra Mundial. “Ninguém conseguia deixar de pensar sobre o
que as próximas horas trariam”, escreveu um soldado. “Um
minuto de agonia e, então, uma vez posicionados para o
ataque, os semblantes ficavam calmos e serenos, como se uma
espécie de senso da gravidade do momento caísse sobre eles.
Mas, ainda assim, era possível enxergar em cada um deles a
determinação e a expectativa de vitória”.65
Finalmente, logo após o meio-dia de 21 de outubro, as duas
primeiras ondas de soldados de infantaria saíram de suas
estreitas trincheiras, seguidos pelos sinalizadores de Tolkien.
Sucesso: às 12h20, Tolkien, que estava comandando a
operação de sinalização, disse ao quartel-general da brigada
que um grande número de alemães estava se rendendo. A sua
divisão sozinha foi responsável pela captura de setecentos
soldados alemães.
No entanto, a sua vitória teve um custo: pelo menos 41
fuzileiros foram mortos ou desapareceram, outros 117 estavam
feridos, muitos destes em estado grave. Muitos soldados da
divisão de Tolkien foram abatidos por sua própria artilharia,
vítimas da inevitável falta de visibilidade da guerra. O
reverendo Mervyn Evers, capelão do batalhão, apareceu no dia
seguinte, coberto de sangue. Ele havia passado a noite toda na
terra de ninguém, debaixo da artilharia alemã, cuidando dos
feridos e confortando os moribundos.66
Uma semana depois, o batalhão de Tolkien estava no trem
em direção a Ypres, cenário de uma das batalhas mais
devastadoras da guerra. Tolkien, porém, não estava com seus
homens; ele havia contraído a “febre das trincheiras”, doença
causada por uma bactéria transmitida por piolhos que entrava
na corrente sanguínea. Ele foi, então, transportado para um
hospital de campanha para se recuperar. Em 8 de novembro de
1916, problemas crônicos de saúde fizeram com que Tolkien
fosse enviado de volta à Inglaterra para se recuperar em um
hospital de guerra na Universidade de Birmingham.
Algumas semanas depois, em dezembro de 1916, Tolkien
recebeu outra carta com uma notícia triste, desta vez de
Christopher Wiseman, seu amigo que sobrevivera à Batalha da
Jutlândia. No que deveria ser uma zona segura, G. B. Smith
fora atingido por um fragmento de projétil alemão enquanto
caminhava por uma estrada na vila de Souastre, ao norte de
Bouzincourt. Ele pegou uma infecção e, quatro dias depois,
estava morto.
Foi um golpe terrível. Smith havia começado a escrever
poesia durante a guerra e as compartilhava com Tolkien
sempre que podia. Em homenagem à memória de seu amigo,
Tolkien editou uma coleção de seus poemas depois da guerra e
os publicou com o título A Colheita da Primavera. No prefácio
do livro, Tolkien observou que poemas como “O enterro de
Sófocles” foram escritos sob ataques: “A versão final foi enviada
a mim diretamente das trincheiras”. Pouco antes de sua morte,
Smith escrevera a Tolkien com um tom de mau
pressentimento: “Que Deus o abençoe, meu caro John Ronald,
e que você consiga dizer tudo aquilo que tentei expressar por
tanto tempo quando eu não estiver mais aqui, caso este seja o
meu destino”.67

UMA VISÃO DE MORDOR


Preso a um leito de hospital na Inglaterra, Tolkien recebeu
notícias muito devastadoras. Gilson e Smith estavam mortos,
assim como Ralph Stuart Payton, outro membro do TCBS. Ele
também havia lutado a Batalha do Somme e foi morto em
combate no dia 22 de julho de 1916 — seu corpo nunca foi
identificado. Tolkien também perdeu Thomas Kenneth “Tea
Cake” Barnsley, que fazia parte de sua sociedade de debates.
Ele serviu como capitão no 1.º Batalhão de Birmingham e foi
enterrado vivo por um morteiro de trincheira, mas conseguiu
escapar — contudo, foi morto em combate perto de Ypres em
junho de 1917.
A febre das trincheiras provavelmente salvou a vida de
Tolkien. O 11.º Batalhão de Fuzileiros de Lancashire voltou ao
combate em 27 de maio de 1918, perto do rio Aisne, e foi
atingido pelos alemães, sofrendo enormes baixas. O batalhão
inteiro foi dado como morto ou levado como prisioneiro.
Mesmo ainda se recuperando da doença, Tolkien estava forte
o suficiente para começar a esboçar as bases de sua história
épica. Ele, é claro, preservou o seu amor pela literatura
medieval, especialmente por temas como beleza e mortalidade
em obras como Beowulf. Anos mais tarde, em seu ensaio
inovador, “Beowulf: Uma tradução comentada”, Tolkien
ofereceu um insight da comovente visão da obra a qual tanto se
dedicou: “O poeta que pronunciou essas palavras viu em seu
pensamento os corajosos homens de antigamente caminhando
sob a abóbada do céu, sobre a ilha sitiada pelos Mares e pelas
trevas exteriores, suportando com implacável coragem os
breves dias de vida, até a hora do destino, quando todas as
coisas devem perecer”.68
Quaisquer outros elementos que possam ter influenciado a
visão literária de Tolkien, não podemos ignorar o cenário da
guerra: a luta de vida ou morte que persegue todo soldado da
linha de frente, o “horror animal” das guerras de trincheiras, a
desolação perturbadora da terra de ninguém.69 Era impossível
que as cenas da Batalha do Somme, especialmente durante os
primeiros dias de massacre e banalidade da vida, não
deixassem sua marca na consciência humana. Será que
Tolkien tinha em mente os seus companheiros de guerra,
aqueles mortos no Somme, quando descreveu o Cerco de
Gondor em O Senhor dos Anéis?
Seu Capitão já não se preocupava muito com o que faziam ou
quantos poderiam ser mortos: seu único objetivo era testar a força
da defesa e manter os homens de Gondor ocupados em vários
lugares. Por toda a volta, diante das muralhas dos dois lados do
Portão, o chão estava coberto de escombros e de corpos dos mortos;
mesmo assim, como se guiados por uma loucura, mais e mais deles
chegavam.70

De fato, seria estranho se toda a destruição testemunhada


por Tolkien na Frente Ocidental não se manifestasse em suas
obras literárias. “O mais horrível sobre esses cenários é que
eles não são produzidos naturalmente, mas são produto do uso
destrutivo da tecnologia pelo homem”, escreveu Nancy Marie
Ott. “Campos de batalha como aquele simplesmente não
existiam antes da Primeira Guerra Mundial”.71
Assim, no caminho desolado até Mordor, encontramos
“gramíneas mortas e juncos apodrecidos” que “surgiam nas
brumas como sombras esfarrapadas de verões há muito
esquecidos”.72 Vemos uma “terra contaminada, doente além
da cura”.73 Vemos Sam Gamgi, durante a passagem pelos
pântanos, prendendo o pé e caindo sobre as mãos, “que se
afundaram na lama pegajosa, de modo que seu rosto foi trazido
para perto da superfície da lama escura”. Olhando atentamente
para a lama vítrea e suja, ele se assusta com aquilo que
finalmente vê. “Há coisas mortas, rostos mortos dentro da
água”, exclamou ele em horror. “Rostos mortos!”, riu Gollum.
“Os Pântanos Mortos, sim, sim: esse é o nome deles”, ele
gargalhou.74
O historiador de guerra Martin Gilbert, em uma entrevista
informal com Tolkien em Oxford, na década de 1960,
conversou com ele sobre a sua experiência na Batalha do
Somme. “Tolkien se lembrou, tão vividamente quanto se tivesse
ocorrido no dia anterior, do perigo constante dos projéteis da
artilharia alemã percorrendo a área e caindo acompanhados de
estrondos e ruídos, nuvens de terra e lama e dos gritos
apavorados dos homens atingidos”.75 Gilbert, que escreveu um
relato definitivo sobre a ofensiva do Somme, afirmou que a
descrição de Tolkien dos Pântanos Mortos corresponde de
maneira precisa à experiência macabra dos soldados naquela
batalha: “Muitos soldados do Somme se confrontavam com
cadáveres, muitas vezes já apodrecendo na lama, que
continuavam ali, sem ser perturbados, a não ser pelos
bombardeios durante dias, semanas e até meses”.76
Em uma carta escrita a L. W. Forster, em dezembro de 1960,
Tolkien confirmou a influência da guerra em sua história, pelo
menos em suas descrições de cenários desolados: “Os Pântanos
Mortos e a chegada a Morannon devem algo ao norte da França
depois da Batalha do Somme”.77

A CORAGEM DE “PESSOAS BEM PEQUENAS”


Nem todas as experiências de guerra de Tolkien, no entanto,
produziram narrativas tão sombrias. Em uma carta a W. H.
Auden, ele explicou como a ideia para O Hobbit — prelúdio de
O Senhor dos Anéis — surgiu pela primeira vez em sua mente.
A ideia surgiu anos depois da guerra, quando ele já era
professor de anglo-saxão na Universidade de Oxford e estava
em sua sala avaliando os trabalhos dos alunos. “Em uma folha
em branco eu rabisquei: ‘Em uma toca no chão vivia um
hobbit’. Não sabia e ainda não sei por quê... os nomes sempre
geram uma história em minha mente. Por fim, achei que seria
melhor descobrir como eram esses hobbits”.78
Não sabemos por que Tolkien escreveu essas palavras
enigmáticas. Sabemos, porém, como são os hobbits: segundo o
seu próprio relato, o personagem do hobbit era um reflexo do
soldado comum, firme em seus deveres, enquanto sofre
naquele sombrio “buraco no chão” — as trincheiras da linha de
frente.
A maioria dos membros da Força Expedicionária Britânica
era composta de “soldados cidadãos”, vindos em grande parte
das classes trabalhadoras. Ao contrário dos exércitos francês,
italiano, russo e alemão, a BEF (British Expeditionary Force)
não experimentou um colapso de disciplina e moral em grande
escala.79 Mesmo durante as campanhas mais intensas ao
longo da Frente Ocidental, eles demonstraram uma “resiliência
impressionante” em relação aos outros exércitos.80 A mudança
de caráter que vemos no personagem Sam Gamgi
provavelmente não foi diferente da transformação que Tolkien
deve ter testemunhado entre muitos de seus colegas soldados
em batalha: “Mas, mesmo quando a esperança morreu em
Sam, ou pareceu morrer, ela se transformou em uma nova
força. O semblante simples de Sam, comum aos hobbits,
tornou-se firme, quase sombrio, à medida que a vontade se
consolidava dentro dele, e ele sentiu uma emoção em todos os
membros de seu corpo, como se estivesse se transformando em
uma criatura de pedra e aço que nem desespero, cansaço ou os
infinitos quilômetros estéreis de caminhada seriam capazes de
vencer”.81
Se Sam de fato é uma representação do soldado britânico na
Grande Guerra, então isso explica a admiração de Tolkien e de
tantos outros ao longo dos anos. Como conclui John Keegan
em A Face da Batalha: “A Força Expedicionária Britânica de
1916 foi uma das formações militares mais admiráveis e
impressionantes do campo de batalha”.82 Em sua obra
magistral, The World Crisis, Winston Churchill exaltou as
qualidades do Exército Britânico com sua eloquência habitual:
“Invencível, exceto pela morte... eles erigiram um monumento
de virtude nativa que será responsável pelo encanto, reverência
e gratidão de nosso povo enquanto existirmos como nação
entre os homens”.83 Até mesmo Sir Philipe Gibbs, que se
tornou um grande crítico da liderança militar, confessou a sua
admiração pela bravura das tropas britânicas, elogiando a
“coragem individual que ia além das leis normais da natureza
humana como eu as julgava conhecer”.84
Historiadores ainda debatem sobre qual teria sido a
conquista final daqueles soldados e as causas pelas quais
lutaram. Teriam eles servido meramente como forragem para
um amplo e impiedoso mecanismo militar que devastou a
Europa por nada? Ou teriam eles desempenhado um papel
vital em deter a ofensiva alemã e impedir o domínio de uma
força brutal e opressora sobre todo o continente? O que quer
que Tolkien pensasse sobre essas questões, ele foi cuidadoso o
bastante para jamais menosprezar a importância do soldado
em seu posto: “Sempre fiquei impressionado por estarmos aqui,
sobrevivendo, graças à coragem indomável de pessoas simples
contra probabilidades impossíveis”. Os hobbits são criaturas
pequenas, ele explicou, “para mostrar, em criaturas de poder
físico muito pequeno, o incrível e surpreendente heroísmo de
homens comuns ‘sob pressão’”.85
O soldado Tolkien viveu entre esses “homens comuns”, lutou
ao lado deles, testemunhou a sua coragem debaixo de ataques,
se divertiu e lamentou com eles, e os viu morrer. Dessa forma,
as “pessoas pequenas” que lutaram e sofreram na Grande
Guerra ajudaram a inspirar a criação dos heróis improváveis
na maior obra fantástica de Tolkien. Assim como os soldados
naquela guerra, os hobbits simples e comuns não se deram
conta de como o destino das nações dependia de sua obstinada
devoção ao dever.
Talvez esta tenha sido a maneira discreta encontrada por
Tolkien para sugerir que, no fim das contas, talvez devamos
mais a esses mortos esquecidos do que a nossa visão de
mundo moderna nos permite enxergar. “Esse é um capítulo da
história antiga que convém relembrar”, aconselha Gandalf em
A Sociedade do Anel. “Pois também havia sofrimento naquele
tempo, assim como uma escuridão crescente, mas também
muita bravura e grandes feitos que não foram totalmente em
vão”.
capítulo

O LEÃO, A FEITICEIRA E A GUERRA

Em 30 de setembro de 1914, pouco mais de um mês após as


tropas britânicas serem enviadas à Frente Ocidental, C. S.
Lewis, situado em Great Bookham, escreveu a seu pai. Lewis
acabara de chegar ao lugarejo para estudar os clássicos com o
antigo tutor de seu pai, William Thompson Kirkpatrick, e ficou
maravilhado com a beleza da pequena vila inglesa, que parecia
não ter sido afetada pela passagem do tempo. No entanto, o
clima de “tranquilidade perfeita” percebido por Lewis assim que
chegou começava a desaparecer.1
A Inglaterra esperava permanecer fora da guerra, mas a
decisão do kaiser de enviar as tropas alemãs pela Bélgica em 4
de agosto obrigou uma intervenção por parte da Grã-Bretanha.
O primeiro-ministro britânico declarou guerra contra a
Alemanha no mesmo dia e campanhas de recrutamento militar
começaram imediatamente por todo o país. Cartazes
transmitiam a mensagem: “Homens do Império, às armas!
Deus salve o rei!”, “Se a Inglaterra cair, você também cairá!”, “O
Império precisa de homens!” e “É agradável aproveitar as
praias, mas e quanto aos homens nas trincheiras? Aliste-se e
os ajude!”. Lewis, portanto, escreveu: “Há uma grande febre de
guerra por aqui, como é de se esperar”.2
Haveria uma febre muito maior nas semanas e meses por
vir. As tropas britânicas não conseguiram impedir a invasão
alemã na última fortaleza do Exército Belga, a estratégica
cidade portuária de Antuérpia. No dia seis de outubro, um
bombardeio alemão incessante fez com que sessenta mil
soldados belgas fugissem da cidade. Em pouco tempo, milhares
de refugiados chegaram à Inglaterra e, no vilarejo de Great
Bookham, os moradores planejavam acolhê-los. Lewis escreveu
para seu pai: “Todos em Bookham estão envolvidos em uma
conspiração para construir um chalé para os refugiados
belgas”.
Enquanto isso, submarinos alemães faziam operações no
mar da Irlanda, representando uma ameaça ao deslocamento
de civis. “É um cenário assustador para quem mora nos dois
lados do canal pelos próximos dois, cinco ou seis anos”,
queixou-se Lewis. “Isso, claro, é algo impensável”.3 Muito se
falava sobre a presença de espiões alemães.
Soldados de licença, muitos carregando os ferimentos da
batalha, estavam voltando à Inglaterra com relatos
assustadores dos combates. Um ex-aluno de Kirkpatrick,
Oswald Smythe, chegou à casa do tutor em março de 1915 e
impressionou Lewis com sua coragem: “Aquele Gerald Smythe
de quem lhe falei, que perdeu um braço na guerra, esteve
hospedado conosco semana passada. É um homem realmente
maravilhoso: ele teve alta há cerca de um mês apenas e já
voltará para a linha de frente na próxima semana. É muito bom
poder testemunhar uma pessoa verdadeiramente alegre em
circunstâncias como esta e de fato animada para voltar ao
campo de batalha”.4
Lewis, no entanto, não compartilhava do mesmo interesse de
Smythe pela guerra. Talvez a sua leitura da Ilíada, de Homero,
que ele havia começado algumas semanas antes do início da
guerra, tivesse algo a ver com isso. Embora se acredite que
alguns oficiais britânicos tenham ido para a guerra com uma
cópia da Ilíada em suas mochilas e com a fúria de Aquiles em
seus corações, Lewis não era um deles.5 Quaisquer elementos
de glória de batalha que estejam presentes na obra, as cenas
de sofrimento os superam. Como Bernard Knox observa em sua
introdução à obra, os homens na história de guerra de Homero
morrem em agonia: eles caem de joelhos gritando, agarrando-se
ao chão e gemendo e ofegando pela vida. “E a morte é o fim”,
escreve Knox. “Homero não oferece qualquer visão de consolo
da vida para além do túmulo”.6
As conversas com seu irmão mais velho, Warren (“Warnie”),
que já era segundo-tenente da Força Expedicionária Britânica,
também ajudaram a formar a visão alarmante de Lewis sobre a
guerra. Servindo na Frente Ocidental desde novembro de 1914,
Warnie já havia visto matança suficiente para uma vida inteira.
“Jamais conseguirei esquecer a cena: um menino adormecido
em um banco e um emaranhado em sua cabeça — ao
aproximar-me percebi que aquilo era seu crânio
estraçalhado”.7 Pouco tempo depois de encontrar seu irmão,
que estava de licença em julho de 1915, Lewis escreveu em seu
diário que “teve pesadelos pavorosos na noite anterior sobre
estar na linha de frente e ser gravemente ferido”.8
De qualquer maneira, Lewis estava focado em sua carreira
acadêmica; ele desejava explorar o seu amor pelos clássicos e
pela literatura britânica, e cultivar amizades com estudiosos
que partilhavam do mesmo pensamento. Por ter nascido em
Belfast, no norte da Irlanda, Lewis ainda estava isento do
serviço militar britânico. Além disso, como ainda não
completara dezoito anos, não poderia se alistar — tampouco
desejava fazê-lo. “Em relação ao recrutamento, espero
sinceramente que uma das duas aconteça”, escreveu ao pai.
“Ou que a guerra acabe antes de eu completar dezoito anos, ou
que o recrutamento não seja obrigatório antes que eu me
apresente como voluntário. Não gostaria de me juntar aos
outros como recruta”.9

UMA PROVA DA BONDADE


Nesse ínterim, Lewis dedicou-se à leitura de bons livros,
especialmente os românticos, como as obras de William Morris,
E. R. Eddison, John Keats e Percy Shelley. Ele se encontrava,
segundo sua própria descrição: “mergulhado no romantismo”.
Com notícias de soldados morrendo aos milhares a cada
semana em Verdun, Lewis também começou a buscar obras
que nutriam seu gosto crescente pela fantasia. Em março de
1916, enquanto esperava por um trem na estação de Great
Bookham Station, Lewis comprou uma cópia do livro
Phantastes: A Terra das Fadas, de George MacDonald, obra
que alcançaria a sua imaginação de maneira profunda e
inesperada. Ele escreveu ao amigo Arthur Greeves, contando
que a descoberta do livro fora uma “grande experiência
literária”. “Qualquer que seja o livro que esteja lendo agora,
aconselho que o deixe de lado e comece este imediatamente”.
Qual seria a qualidade presente na história de MacDonald
que Lewis considerava tão atraente? MacDonald, ex-pregador
escocês, foi um autor de romances de fantasia do século XIX.
Considerada uma de suas obras mais importantes, Phantastes
explora o que, a princípio, parece ser a busca de um homem
pela beleza feminina, mas que acaba por se tornar a busca por
algo muito mais significativo e profundamente espiritual.
Lewis, mais tarde, descreveu o efeito que a obra exerceu sobre
ele da seguinte maneira:
O livro carregava uma espécie de inocência fresca, matinal, e
também, de forma bastante inequívoca, certa qualidade de Morte,
Morte boa. O que ele fez comigo, na verdade, foi converter, e até
mesmo batizar (foi aí que entrou a morte) a minha imaginação. Ele
não afetou o meu intelecto nem (na época) a minha consciência.
Esses foram afetados muito tempo depois e com a ajuda de muitos
outros livros e homens.10

O que significa ter a imaginação “convertida”, ou “batizada”


por uma obra de fantasia? No caso de Lewis, parece que
Phantastes resgatou a sua imaginação de suas tendências
sombrias — tornadas ainda mais negativas, talvez, pelo início
da guerra —, apresentando-o a uma “sombra clara”, uma voz
ou força que o fez sair de si mesmo. A obra apresentou-lhe a
visão de um mundo que deve ter parecido totalmente diferente
do seu: um mundo puro e radiante, contudo moralmente
severo.
Talvez essa tenha sido a intenção de MacDonald. Em seu
ensaio: “The Fantastic Imagination” [“A Imaginação Fantástica”],
MacDonald sugeriu qual fora um de seus objetivos ao escolher
o gênero dos contos de fadas. “A melhor coisa que podemos
fazer pelo próximo, além de despertar a sua consciência, não é
dar-lhe coisas em que pensar, mas sim despertar aquilo que já
está dentro dele; ou, ainda, fazê-lo pensar por si mesmo”.11 Ao
que parece, algo de fato despertou dentro de Lewis, algo que
outros autores não conseguiram evocar. Depois da guerra,
escrevendo em seu diário, em 1923, Lewis insinuou sobre a
enorme importância que ele atribuía ao livro: “Depois de tudo
isso, eu li, enquanto tomava chá, Phantastes, de MacDonald,
livro que já reli muitas vezes, e acredito que ele ocupa para
mim o lugar de um livro devocional”.12
O irmão de Lewis, Warnie, com quem compartilhou uma
amizade íntima durante toda a vida, afirmou que a descoberta
de MacDonald fora “um ponto de virada” na vida de Lewis.13
Os biógrafos Roger Green e Walter Hooper consideram a obra
como o “maior destaque entre as descobertas literárias de
Lewis” durante aquele período.14 Quase quarenta anos depois,
Lewis ainda recomendava o trabalho de MacDonald a amigos e
conhecidos.15 O biógrafo George Sayer chama atenção especial
para o livro e para o poder duradouro de seu simbolismo. “A
influência de Phantastes sobre Jack durou muitos anos, talvez
por toda a sua vida”, escreveu. “A obra teve uma influência
transformadora em sua postura em relação ao cotidiano, às
coisas comuns ao seu redor, impregnando nelas uma qualidade
espiritual própria”.16

A CHEGADA DE UMA TEMPESTADE


Isso pode ter sido verdade no longo prazo, pois a
transformação descrita mostrou poucos sinais na vida exterior
de Lewis. As suas cartas durante esse período, quando
tocavam em questões de fé, eram, em sua maioria, céticas.
Lewis também era indiferente à guerra; talvez essa fosse a
sua maneira de afastar de sua mente aquele cenário de morte.
Em uma carta que escreveu a Arthur Greeves, em junho de
1915, ele descreveu “a garota mais bonita que eu já vi em toda
a minha vida”. Ela lembrava Lewis de uma parte que amava da
rapsódia húngara n.º 1, de Franz Liszt. “Se tocar o disco
repetidamente, tentando transformar a música em uma pessoa,
você saberá exatamente como ela é e fala. Tem apenas dezoito
anos e já está de saída para algum trabalho ridículo de guerra,
como enfermagem ou algo assim, e, de todos os lugares
possíveis, logo em Dover — uma pena!”.17
Em uma carta a seu pai, Lewis continuou a refletir se a paz
chegaria antes que fosse forçado a tomar uma decisão sobre
seu alistamento: “Acho que temos motivos para esperar que a
guerra acabe antes que se transforme em um problema direto
para mim”.18 Essa esperança, no entanto, já começava a se
provar inútil.
Em 15 de junho, zepelins alemães atacaram Londres,
atingindo a movimentada estação de Waterloo. O ataque, que
visava aterrorizar os cidadãos, ajudou a aumentar a
animosidade pública contra a Alemanha. “Os zepelins sobre
Scarborough e Londres foram os precursores de uma nova era,
em que a morte choveria do céu sobre moradores indefesos da
cidade”, escreveu o historiador Niall Ferguson.19 Lewis,
hospedado na casa de Kirkpatrick, podia ver as faíscas
elétricas que riscavam o céu por causa das explosões das
bombas. Se o vento soprasse em sua direção, ele podia ouvir “o
burburinho e o barulho dos disparos distantes na França”.20
Um ano depois, a guerra estava atolada em um impasse. O
recrutamento, que entrou em vigor em janeiro de 1916, tomou
a decisão por Lewis. Ele não podia ficar para trás enquanto
outros rapazes de sua idade eram enviados para a frente de
batalha; portanto, conformou-se com a situação e se alistou.
“Fico tão triste em pensar que terei apenas mais duas datas
importantes para comemorar como de costume”, ele escreveu,
“pois em novembro faço dezoito anos, idade militar, e terei de
enfrentar os ‘grandes campos’ da França, algo que não me
interessa nem um pouco”.21 Lewis também escreveu sobre um
amigo de escola, Donald Hardman, que seria convocado para o
serviço militar até o Natal. “Ele... quer saber o que vou fazer... é
claro que, fosse conveniente, eu gostaria de ter um amigo
comigo no exército, mas não vale a pena tomar providências
especiais para uma questão tão pequena. Vamos ver como as
coisas ficarão”.22
Em 30 de junho de 1916 — na véspera da Batalha do
Somme —, Lewis escreveu ao pai expressando alívio com a
notícia de que o sobrinho de seu pai, Richard Lewis, havia
sofrido um “ferimento leve” na França e que, portanto, fora
retirado da linha de perigo. “Essa é, de longe, a melhor coisa
que pode acontecer a um homem nas trincheiras”.
Ele estava certo, é claro. Historiadores estimam que talvez
um terço de todas as baixas aliadas na Frente Ocidental
ocorreu nas trincheiras, tanto por ataque inimigo quanto por
doenças.
Com cerca de 20 mil quilômetros de trincheiras, apenas no
lado dos Aliados, que se estendiam de Flandres até os Alpes
Suíços, não é difícil entender o número de mortos. Lewis
refletiu que os “realmente azarados” poderiam continuar
servindo por um ano ou mais — “sempre parecia que, no final
das contas, eles acabariam sendo mortos ao retornarem da
licença”. O toque de fatalismo de Lewis é perfeitamente
compreensível, dada a notória devastação causada pela guerra
de trincheiras.
De fato, na mesma carta, Lewis sentiu que a guerra estava
entrando em uma nova fase de sofrimento: “As coisas estão
parecendo muito sombrias no momento, não é mesmo?”.23 No
dia seguinte, primeiro de julho, as coisas ficariam
exponencialmente mais sombrias, quando as tropas britânicas
e francesas deram início à Batalha do Somme, um frenesi de
matança concentrada quase sem precedente histórico nos
anais da guerra.

A TESE CONTRA DEUS


Duas semanas depois, em 14 de julho, quando Tolkien e
seus homens se preparavam para a sua campanha em Ovillers,
Lewis escreveu a seu pai sobre “notícias importantes da frente
de batalha” envolvendo a Força Voluntária de Ulster. Os
soldados irlandeses, por sua dedicação e heroísmo na batalha,
obrigaram o Departamento de Guerra a aceitá-los como parte
integrante do Exército Britânico. “Suponho que as perdas
estejam sendo fortemente sentidas em Belfast: aqui, ninguém
parece ter notado qualquer coisa”.24
As perdas a que Lewis se referia foram as sofridas pela 36.ª
Divisão de Ulster no primeiro dia da Ofensiva do Somme. Os
homens da Ulster haviam capturado o Reduto Schwaben, uma
fortaleza alemã com um bunker fortificado, com mais de seis
metros de profundidade. Contudo, ao cair da noite, os alemães
os expulsaram e muitos soldados irlandeses ficaram presos
entre os alemães e sua própria artilharia. Pelo menos dois mil
homens da Força Ulster — mais de um décimo de todas as
mortes britânicas no dia primeiro de julho — foram mortos no
confronto.25
No entanto, a sua coragem lhes rendeu grandes honras. Os
soldados da Divisão de Ulster receberam quatro condecorações
de Cruz Vitória por sua bravura naquele primeiro dia da
campanha. A primeira Cruz Vitória da Batalha do Somme foi
concedida a William McFadzean, de Belfast, que salvou a vida
de outros soldados ao atirar seu próprio corpo contra duas
bombas lançadas em uma trincheira.
Qual foi o efeito das notícias da guerra em Lewis? É difícil
dizer. Muitos anos depois, ao falar a outra geração de jovens
pegos em outra grande guerra, Lewis insistiu que a guerra
produzia pelo menos um benefício: ela nos forçava a considerar
a nossa própria mortalidade. “Se o serviço militar não for capaz
de preparar o homem para a morte”, ele questionou, “qual
conjunto concebível de circunstâncias o fará?”.26 Há poucos
indícios, no entanto, de que, no verão de 1916, Lewis estivesse
se preparando intelectualmente para qualquer outra coisa que
não fosse a sua carreira acadêmica.
Um ateísmo cada vez mais profundo pode ter tido algo a ver
com isso. Lewis fora criado na Igreja Anglicana, mas passou a
associar o cristianismo com “arquitetura e música feias e
poesia ruim”. Para ele, os sermões da igreja eram enfadonhos e
irrelevantes.
As dúvidas de Lewis acerca de Deus e do cristianismo foram
reforçadas por seu tutor, Kirkpatrick, com quem estudou antes
de se candidatar a Oxford. Kirkpatrick era, nas palavras de
Lewis, “um ateu irônico e inflexível”. Com Kirkpatrick, Lewis
aprendeu que crenças e suposições não examinadas deveriam
ser condenadas. Quase nenhum assunto era considerado tabu,
inclusive a guerra, que começara apenas algumas semanas
antes de Lewis dar início a seus estudos com Kirkpatrick. “Até
as metáforas mais comuns eram questionadas”, lembrou Lewis,
“até que alguma verdade amarga fosse forçada a sair de seu
esconderijo”.
Portanto, assim eram os diálogos entre os dois no início de
seu trabalho:
L: “Essas atrocidades demoníacas dos alemães...”
K: “Mas não são os demônios ficções da imaginação?”
L: “Muito bem; então essas atrocidades bestiais...”
K: “Mas nenhuma das bestas que conheço faz nada
parecido!”
L: “Bom, então como é que posso chamá-los?”
K: “Não é óbvio que devemos simplesmente chamá-los de
seres humanos?”.27
A racionalidade implacável de Kirkpatrick — inflexível e
desafiadora — exerceu uma influência duradoura sobre seu
aluno. Lewis aceitou a necessidade da lógica e da razão, mesmo
enquanto se aprofundava na literatura romântica. Ele
aprendeu a não abandonar suas conclusões, especialmente
aquelas sobre questões espirituais, apenas por elas não serem
populares. Pouco tempo depois da guerra, ao saber da morte de
Kirkpatrick, Lewis se lembrou do enorme impacto que seu
mentor teve em sua vida. “Não se trata, no entanto, de uma
opinião, mas de um simples fato quando digo que devo a ele,
pelo menos na esfera intelectual, tudo quanto um ser humano
pode dever a outro”, ele escreveu a seu pai. “Respirávamos uma
atmosfera de clareza ferrenha e honestidade inabalável de
pensamento simplesmente por viver com ele — e isso eu levarei
comigo enquanto viver”.28
No entanto, em uma série de cartas que escreveu a Arthur
Greeves, Lewis defendeu o seu ateísmo com argumentos que
estavam em perfeita sintonia com a corrente intelectual de seu
tempo. “Você me pergunta sobre minha visão religiosa: sabe, eu
acho que não acredito em nenhuma religião”, respondeu ele.
“Não há absolutamente nenhuma prova da veracidade de
qualquer uma delas, e, do ponto de vista filosófico, o
cristianismo nem sequer seria a melhor religião”.29
Disciplinas acadêmicas em ascensão, como psicologia e
sociologia explicavam o avanço do cristianismo e de outros
sistemas de crenças como a tentativa do homem primitivo de
enfrentar um mundo assustador e perigoso. Assim, para Lewis,
o cristianismo era mais “uma mitologia entre tantas outras” —
e tão falso quanto todas as religiões. “Todas as religiões, isto é,
todas as mitologias, para nomeá-las da maneira correta, não
passam de uma invenção do próprio homem — tanto Cristo
quanto Loki”. Grandes homens passaram a ser considerados
deuses por seus seguidores, explicava Lewis, em torno dos
quais surgiram seitas. “Mas você já deve ter ouvido tudo isso”,
escreveu ao amigo. “É a explicação científica legítima sobre o
crescimento das religiões”.30
Ele aconselhou Greeves a direcionar suas perguntas
intelectuais ao estudo da filosofia: “As suas indagações ao
menos o salvariam da estagnação intelectual que normalmente
aguarda um homem que encontra satisfação total em algum
sistema religioso tradicional”.31 Se, contudo, Lewis se
considerava ateu, era um ateu moderado; ele não descartava
completamente a possibilidade da existência de algo fora do
mundo material. Lewis admitiu que “o universo é um mistério
total” e que novas descobertas sobre o mundo deveriam ser
esperadas e bem-vindas. “Enquanto isso”, escreveu, “não
voltarei à escravidão de crer em qualquer superstição antiga (e
já decadente)”.
Quando Lewis encontrou, pessoalmente, a “carnificina
bizarra da primeira guerra alemã”, a tentativa de reconciliar
um Deus amoroso com o problema do sofrimento pareceu
inútil.32 Como exploraremos mais adiante, Lewis viria a
escrever uma série de poemas, chamada Spirits in Bondage
[“Espíritos em Cativeiro”], para expressar a sua angústia pelo
fracasso da crença religiosa. O fardo da fé, especialmente em
tempos de guerra, se tornaria insuportável.

UM “ACORDO COM A REALIDADE”


Um fardo mais imediato, entretanto, estava agora sobre ele.
Quando a carreira militar de Tolkien estava chegando ao fim,
Lewis se alistou na Força Expedicionária Britânica. Em
dezembro de 1916, ele ganhou uma bolsa de estudos para a
University College, em Oxford e, na esperança de garantir o
cargo de oficial, juntou-se ao Corpo de Treinamento de Oficiais.
Quando chegou a Oxford, em 16 de abril de 1917, Lewis
encontrou uma universidade lotada com uma “enorme
quantidade de militares”. Soldados feridos, que recebiam os
cuidados de uma equipe de enfermeiras, ocupavam um
quadrante inteiro do prédio.33 Os cadetes que treinavam para
seus cargos eram “um grupo especialmente ruim”, queixou-se
Lewis, que estava “muito ocupado comendo e bebendo com o
dinheiro de seu salário, já que morreriam no dia seguinte”.34
Quase todo o resto das pessoas estava na guerra.
Lewis se esforçou para não pensar na guerra até o dia em
que foi enviado para a França. Em uma carta escrita em 27 de
maio para Greeves, ele reclamou de um calouro “arrogante e
analfabeto” por falar sem parar sobre seu irmão e seu primo
que haviam sido mortos na frente de batalha. “Bom, é claro que
eu os respeito por seu serviço e me compadeço do rapaz por tê-
los perdido. Mas, ao mesmo tempo, não acho que ele deva
arrastá-los para todas as conversas, em todas as
oportunidades!”.35
Anos depois, ao se recordar desse período de sua vida, Lewis
admitiu que “colocou a guerra de lado a um grau que faria
algumas pessoas considerarem algo vergonhoso e, outras,
incrível”. Ele negou, porém, que estivesse tentando fugir da
realidade. “Garanto que se tratava de um acordo que fiz com a
realidade”, escreveu ele, “a imposição de uma fronteira”. Parece
que Lewis fez um acordo com o seu país que o deixou, ao
menos parcialmente, no controle: “Vocês me terão em um
determinado dia, não antes disso. Morrerei em suas guerras se
necessário for, mas até lá viverei a minha própria vida. Vocês
poderão ter o meu corpo, mas não a minha mente”.36 Com
base em suas cartas a amigos e familiares, ele pareceu cumprir
a sua parte no acordo.
Quase imediatamente, Lewis começou a treinar para a
guerra de trincheiras. “Nós passamos grande parte do tempo
‘nas trincheiras’”, escreveu ao pai. Ele descreveu o modelo de
trincheiras montado na universidade, que incluía abrigos,
buracos causados por explosões e sepulturas. “Este último
toque do cenário realista”, brincou ele, “me parece
desnecessário”.37 Ele foi, então, enviado de Oxford à Keble
College, onde passou os dias “cavando trincheiras e marchando
debaixo de um sol escaldante”.38
Contudo, muito pouco daquele treinamento poderia preparar
Lewis para o que ele enfrentaria em combate: os morteiros, as
metralhadoras, as granadas, o gás, o arame farpado. “Tudo que
fazemos é conduzir o nosso grupo durante a marcha, entregá-lo
ao instrutor e, em seguida, caminhar sem rumo e sem fazer
absolutamente nada”, escreveu. “É um pouco cansativo para as
pernas e acredito que, por fim, resultará em uma atrofia
cerebral”.39
Durante seu treinamento, Lewis fez amizade com dois
homens que surtiriam profundo efeito em sua vida. Um deles
era Edward Francis “Paddy” Moore, um irlandês de Bristol —
“um ótimo sujeito” — com quem dividia o quarto na
universidade. O outro era Laurence Bertrand Johnson, que
entrou em Oxford como bolsista pela Queen’s College, a quem
Lewis admirava pelo seu intelecto e preferências literárias. “Eu
acho que a única mudança real que você encontrará em mim é
o interesse crescente em filosofia”, ele escreveu a Greeves, “que
começou a aumentar no decorrer de muitas conversas
interessantes com meu bom amigo Johnson”.40

O ATEU NA TRINCHEIRA
Depois de viver três anos apenas com o conhecimento da
guerra, Lewis recebeu ordens para ir para a França. Ele foi
comissionado como segundo-tenente na Infantaria de Somerset
Light, um regimento de combate. Em 17 de novembro de 1917,
ele partiu de Southampton para Le Havre, na Normandia,
esperando passar por mais treinamento. Contudo, em vez
disso, doze dias depois, foi enviado à linha de frente, e chegou
lá no dia de seu aniversário de dezenove anos.
Ao escrever uma carta de um vilarejo próximo à cidade de
Arras, Lewis escondeu do pai o perigo iminente: “Acredito que
não temos motivos para reclamar: isso iria acontecer mais cedo
ou mais tarde. Não há necessidade de preocupação por um
bom tempo ainda. Tentarei escrever sempre que possível e
avisarei quando este dia chegar”.41 Meses depois, Lewis
continuava a poupar o pai da verdade sobre a vida nas
trincheiras: “Você vai gostar de saber sobre minhas primeiras
impressões das trincheiras”, escreveu. “Estou em uma área
muito tranquila da linha de frente, e os abrigos são bem mais
confortáveis do que se imagina aí”.42
Na verdade, a companhia de Lewis passou grande parte dos
meses de inverno rigoroso nas trincheiras perto de Monchy-Le-
Preux, cenário de luta e destruição intensas. Os alemães
haviam sido expulsos do vilarejo, mas recuperaram sua linha
de trincheira cerca de quinhentos metros ao leste, ao alcance
de um lançamento de pedra da linha britânica.43 No dia em
que Lewis chegou, 29 de novembro, havia “considerável
bombardeio inimigo”. No dia seguinte, o primeiro dia de Lewis
na linha de frente, o inimigo “bombardeou com força as
trincheiras praticamente o dia todo”. Um capitão de seu
regimento foi ferido.44
“Durante o inverno”, escreveu Lewis, “o cansaço e a água
eram os nossos maiores inimigos”.45 Lewis aprendeu a dormir
enquanto marchava. Ele conhecia a sensação da água gelada
entrando em sua bota quando pisava em arame farpado, e
encontrou os “mortos há muito tempo e os mortos recentes” no
campo de batalha.46 Suas experiências no Monchy-Le-Preux o
inspiraram a escrever alguns poemas sobre a guerra. Em
French Nocturne [“Noturno Francês”], Lewis ecoou o sentimento
de desumanização mencionado por muitos veteranos de guerra:
Longas léguas de trincheiras se espalham de cada lado
E tudo está tranquilo; agora, até esta raia cruel
Bebe dos gelados silêncios do céu
A lua pálida e esverdeada paira no alto
Que direito tenho eu de sonhar?
Sou um lobo. Em direção ao mundo novamente
Com meus companheiros bárbaros que um dia foram gente
Nossas gargantas só uivam: não podem mais cantar.47
O biógrafo Alister McGrath acredita que a matança
impiedosa da guerra colaborou para o aumento das dúvidas de
Lewis a respeito de Deus. “Suas experiências de guerra
fortaleceram o seu ateísmo”, escreveu McGrath. “Seus poemas
daquele período acusam os céus de estarem silenciosos e
indiferentes”.48 Embora não possamos saber com certeza, de
fato parece que o choque do combate mortal despertou em
Lewis uma nova repulsa pelas doutrinas religiosas de sua
juventude. Em “De Profundis”, Lewis despreza a noção de um
Deus amoroso que intervém nas questões humanas:
Venham, vamos, antes da morte, nosso Mestre amaldiçoar,
Pois todas as nossas esperanças estão arruinadas.
A bondade está morta. O Deus Todo-Poderoso vamos amaldiçoar.49

Lewis escapou das “ruínas infindas” da guerra, pelo menos


temporariamente, quando contraiu a febre das trincheiras e foi
afastado da frente de batalha. Em fevereiro de 1918, ele foi
enviado ao Hospital da Cruz Vermelha britânica, em Le Tréport,
perto da costa francesa. Ele imediatamente escreveu a seu
amigo Arthur Greeves: “Aqui estou, abrigado em segurança em
um leito de hospital, a quilômetros de distância da linha de
frente, graças aos deuses, e, portanto, finalmente posso
escrever uma carta mais ou menos respeitável”. Não há como
exagerar a sensação de alívio experimentada por soldados como
Tolkien e Lewis quando eram afastados dos perigos da frente de
batalha. Max Plowman, que sobreviveu à Batalha do Somme,
escreveu que estar finalmente fora das trincheiras em
segurança, é “como nascer de novo”.50 Lewis descreveu a sua
internação como “pura bênção”.51
A bênção, no entanto, não duraria. Logo após a sua
recuperação, Lewis foi rapidamente levado de volta à frente de
batalha. “Acabamos de retornar de um turno de quatro dias na
linha de frente, durante o qual tive apenas quatro horas de
sono no total”, ele escreveu ao pai no dia 5 de março. “Depois...
passamos a noite inteira cavando”.52 Duas semanas depois,
em 19 de março, Lewis e seu batalhão chegaram a Fampoux,
perto de Arras, e começaram os preparativos para um grande
ataque.

FOI SOBRE ISTO QUE HOMERO ESCREVEU


Março de 1918 foi, de fato, um mês de perigo extremo para
os Aliados. A Revolução Comunista de novembro de 1917
lançou a Rússia, país membro das forças aliadas, em um
grande caos. O Tratado de Brest-Litovsk, assinado no dia 3 de
março de 1918, tirou a Rússia da guerra — um desastre
potencial para a causa Aliada. Com a Rússia neutralizada, a
Alemanha não precisava mais travar uma guerra em duas
frentes: ela poderia expulsar os britânicos do Somme, os
franceses de Aisne e alcançar a vitória total na Frente
Ocidental. O sistema ferroviário alemão começou a mover as
divisões da Frente Oriental para o oeste, em direção à França,
levando centenas de canhões e metralhadoras. As Potências
Centrais se preparavam para lançar uma imensa ofensiva da
primavera, o seu último “grande ataque violento”.
O ataque alemão teve início em 21 de março, com um
bombardeio de artilharia que durou cinco horas. Pelo menos
seis mil armas alemãs, três mil morteiros, 326 aviões de
combate e centenas de toneladas de gás mostarda foram
lançados contra as linhas britânicas. No primeiro dia de
batalha, os alemães avançaram mais de seis quilômetros,
levando 21 mil soldados prisioneiros. Winston Churchill, que
estava visitando o quartel-general de uma linha de frente
quando o bombardeio começou, quase não conseguiu escapar
com vida.
A Grã-Bretanha enviava trinta mil soldados por dia para a
França, mas mesmo eles não eram suficientes; as estratégias
das forças aliadas estavam entrando em colapso. “Não podemos
manter nossas divisões assim por muito tempo devido à
velocidade atual do número de perdas que estamos sofrendo”,
advertiu o primeiro-ministro britânico Lloyd George ao seu
embaixador em Washington, DC. “Esta situação é, sem dúvida,
crítica, e se os Estados Unidos demorarem para tomar uma
decisão agora, pode ser tarde demais”.53
Sob o comando do presidente Wilson, os Estados Unidos
declararam guerra à Alemanha no dia 6 de abril de 1917,
prometendo aos Aliados centenas de milhares de novos
recrutas. Contudo, demorou quase um ano até que os soldados
americanos começassem a chegar à França. Embora os
americanos ainda não tivessem um número suficiente para
formar suas próprias brigadas, o presidente Wilson deu sinal
verde para que as tropas americanas se juntassem a seus
colegas britânicos e franceses na Frente Ocidental. A partir de
23 de março de 1918, cerca de um milhão de soldados
americanos chegariam ao longo dos seis meses seguintes. Meu
avô, Michele Loconte, da 91.ª Divisão do Primeiro Exército
Americano, estava entre eles.
Em 24 de março, um dia após a ordem de Wilson, a
Alemanha cruzou o rio Somme, ameaçando se colocar entre o
Exército Britânico e o francês. A ofensiva alemã acabaria por
ser frustrada, porém a um custo terrível.54
Entre as vítimas dos primeiros dias da batalha estava
Edward “Paddy” Moore, segundo-tenente do 2.º Batalhão da
Brigada de Fuzileiros e amigo de Lewis dos tempos de Oxford.
Moore foi visto pela última vez no dia 24 de março, defendendo
posição contra uma força alemã muito maior. Lewis havia
criado um vínculo muito forte com Moore, com sua irmã e com
sua mãe, a Sra. Janie King Moore. Lewis e Moore prometeram
um ao outro que se um deles fosse morto, o outro cuidaria de
seus familiares — uma promessa que Lewis cumpriu.
A Sra. Moore escreveu a Albert Lewis meses depois, quando
finalmente soube da morte do filho: “Disseram-me que ele foi
levado como prisioneiro, conseguiu fugir, voltou às nossas
linhas de frente, mas foi capturado novamente... e, por fim,
levou um tiro na cabeça e morreu na hora”, contou ela. “Eu
havia criado tantas expectativas para o meu único filho, mas
que agora estão enterradas com ele e tantos outros naquele
desgraçado Somme”.55
Albert Lewis estava especialmente preocupado com a
situação de seu próprio filho; ele esperara, em vão, que Lewis
fosse realocado para um serviço mais seguro na frente de
batalha. No dia 8 de abril, Lewis enviou um bilhete para dizer
ao pai que estava seguro. “Enfrentamos um período bastante
difícil, embora não estivéssemos envolvidos no combate mais
pesado da batalha”, escreveu. “Perdi um ou dois de meus
melhores amigos e, em particular, um companheiro chamado
Perrett, que ficava em Malvern, e foi ferido no olho”.56 Frank
Winter Perrett estava no 1.º Batalhão da Infantaria Somerset
Light quando foi ferido, em 29 de março. Ele sobreviveu aos
ferimentos.
Em 14 de abril, a Infantaria de Somerset Light deu início ao
seu próprio ataque à Riez du Vinage, perto de Arras, vila
controlada pelos alemães. A lembrança da batalha anterior
provavelmente ficou alojada, pois quase exatamente um ano
antes, em abril de 1917, os Aliados haviam encenado uma
grande ofensiva, a Batalha de Arras, que atraiu tropas dos
quatro cantos do Império Britânico.57 Ela deveria ser o “golpe
final” na Frente Ocidental, mas, em vez disso, acabou sendo
um banho de sangue dos dois lados. Quando finalmente
cancelado, o ataque já havia custado a baixa de 450 mil
soldados britânicos e franceses, entre mortos e feridos.
Um ano depois, a liderança militar da Grã-Bretanha não
estava menos determinada a lutar contra o inimigo alemão até
a morte. Todos acreditavam que uma vitória alemã na Frente
Ocidental naquele momento seria o fim da causa aliada. O
tenente-general Sir Douglas Haig, comandante das Forças
Britânicas na Europa, acabara de dar a ordem: “Cada posição
deve ser mantida até o último homem. Não deve haver qualquer
recuo. De frente para o inimigo, acreditando na justiça de
nossa causa, cada homem deve lutar até o fim”.58
Às 18h30, enquanto a artilharia britânica montava uma
barragem, a Infantaria de Somerset Light atacou. Eles se
depararam com intensos disparos de metralhadora. “Em razão
da precisão do ataque”, de acordo com o relatório do batalhão,
“o avanço foi temporariamente suspenso”.59 De fato, vários
homens foram abatidos, contudo o batalhão continuou
avançando. Lewis frequentemente se lembrava da Ilíada
quando tentava descrever a experiência de sofrer um ataque:
“Isto é guerra. Foi sobre isso que Homero escreveu”.60 Às
19h15, o ataque havia sido bem-sucedido. Lewis chegou em
segurança ao vilarejo agora sob o controle britânico, o qual
recebeu cerca de sessenta prisioneiros alemães.

UM HOMEM DE CONSCIÊNCIA
No entanto, o ataque teve vítimas, incluindo o segundo-
tenente Laurence Johnson, atingido por tiros de metralhadora
e que morreu no dia seguinte. Ele tinha vinte anos. Johnson
havia se alistado ao Exército mais ou menos na mesma época
que Lewis. Os dois se conheceram durante o treinamento
militar em Oxford e descobriram que tinham muito em comum.
Pensando para depois da guerra, ambos planejavam começar
seus estudos e se dedicar aos clássicos que tanto amavam. Os
dois gostavam de debater as grandes questões sobre Deus,
filosofia e moralidade. Forçados ao campo de batalha juntos,
encontravam tempo para conversar durante os intervalos entre
os conflitos.
“Esperava reencontrá-lo algum dia em Oxford e retomar as
conversas intermináveis que tínhamos naquele lugar”, escreveu
Lewis logo após saber de sua morte. “Eu pensava tanto nele...
mal posso acreditar que está morto”.61 Ao refletir sobre aquele
tempo anos depois, Lewis declarou que Johnson “teria sido um
amigo para a vida toda se não tivesse sido morto na guerra”.
Ele até viu a chegada de Johnson a seu batalhão como um
desafio providencial ao seu ateísmo — “em meu próprio
batalhão eu também fui atacado” — e como parte essencial à
sua conversão ao cristianismo anos mais tarde.62 “Nele, eu
encontrava uma lucidez dialética que até então só conhecera
em Kirk (Kirkpatrick), mas associada à juventude, imaginação
e poesia. Ele estava inclinado ao teísmo, e tínhamos discussões
intermináveis sobre esse assunto e sobre qualquer outra coisa,
sempre que fora da linha de batalha”.63
No entanto, Johnson manifestava muitas outras qualidades
que impressionaram profundamente Lewis, e elas iam muito
além das suas habilidades de debate: ele tinha um caráter que
Lewis raramente encontrava em seus colegas acadêmicos.
Johnson demonstrava uma integridade incontestável — um
código moral coerente — que pegou Lewis completamente
desprevenido. “O mais importante é que ele era um homem de
convicções. Eu até então quase não havia conhecido tais
princípios em alguém de idade tão próxima à minha e
pertencente à mesma classe. O mais assustador era que, para
ele, isso parecia óbvio. Pela primeira vez desde a minha
renúncia à fé cristã, passou por minha cabeça que as virtudes
mais severas podem ter alguma relevância para as nossas
próprias vidas”.64
Não temos como saber exatamente como o compromisso de
Johnson com essas “virtudes mais severas” influenciou Lewis
em sua jornada à fé cristã. Sabemos, contudo, que ele foi
atraído por elas — “Aceitei os seus princípios imediatamente”
— e que ele se sentiu um tanto quanto envergonhado por “não
ter examinado” sua própria vida como o amigo. Lewis precisou
considerar os princípios com a severidade do universo moral
bíblico antes que sua conversão pudesse acontecer.65
Enquanto isso, o ataque em Riez du Vinage ainda estava em
andamento. Na manhã seguinte, no dia 15 de abril, os alemães
contra-atacaram bombardeando o vilarejo. Os britânicos
retribuíram. Um projétil, provavelmente disparado por trás da
linha britânica, disparou perto de Lewis, matando o sargento
Harry Ayres. Sua morte foi uma grande perda para Lewis: o
sargento o tratava com grande respeito e compaixão, havendo
se tornado para ele “quase como um pai”.66
Estilhaços do mesmo morteiro atingiram Lewis na mão,
perna e peito. Ele foi levado de maca até um hospital da Cruz
Vermelha britânica, perto de Étaples. Seu irmão, que também
estava servindo na França, pegou uma motocicleta e correu
para visitá-lo.
Sem ferimentos fatais, Lewis foi enviado para casa, na
Inglaterra, a fim de se recuperar completamente. “Graças a
Deus, Jack não correu risco de vida”, escreveu Warnie em seu
diário, “e agora minha mente está livre desse pesadelo”.67
Lewis descobriu que o fragmento que atingira seu peito estava
muito próximo ao seu coração e não poderia ser removido; ele
teria de viver com aquilo. “Os médicos terão de deixar o
fragmento em meu peito”, escreveu ele, “mas disseram que
posso viver com isso o resto da vida sem qualquer perigo”.68
Lewis não retornaria ao seu batalhão antes do fim da guerra;
os seus dias de soldado haviam chegado ao fim.
“A minha vida está se dividindo rapidamente em dois
períodos”, escreveu ele. “O primeiro, que abrange todo o tempo
antes de entrarmos na Batalha de Arras, e o segundo, que se
passou depois dela”.69 Em um leito de hospital em Bristol,
Lewis agora lutava para aceitar a realidade da guerra: os
membros despedaçados e o psicológico estilhaçado, os homens
que nunca voltaram e a imprevisibilidade da morte. Além de
Moore e Johnson, a maioria de seus amigos que sobraram
ainda morreria no último ano da guerra: Alexander Gordon
Sutton, morto em 2 de janeiro; Thomas Kerrison Davy, que
morreu em consequência de seus ferimentos em 29 de março; e
Martin Ashworth Somerville, morto na Palestina em 21 de
setembro. “Eu poderia ficar prostrado e chorar por causa de
tudo isso, mas é claro que nós dois temos muitos motivos para
agradecer”, escreveu ele ao pai. “Se eu não tivesse sido ferido
exatamente quando fui, teria enfrentado coisas terríveis. Quase
todos os meus amigos do Batalhão se foram”.70

UM VISLUMBRE DE NÁRNIA
O que Lewis, Tolkien e todos os homens que lutaram em sua
geração enfrentaram foi algo completamente inédito na história
da guerra: a ciência e tecnologia modernas implacavelmente
dedicadas à aniquilação do homem e da natureza. Poucos
homens públicos demonstraram abertamente a sua
preocupação com o entusiasmo exagerado pelo avanço material
e científico. Winston Churchill foi um deles. “Sem o
crescimento em igual medida da Misericórdia, da Piedade, da
Paz e do Amor, a própria Ciência pode destruir tudo aquilo que
torna a vida majestosa e tolerável”, escreveu ele. “Jamais houve
um tempo em que a virtude inerente aos seres humanos
exigisse uma expressão tão forte e confiante na vida diária”.71
Lewis e Tolkien ainda usariam seus dons literários para
contribuir poderosamente nesta tarefa: a “expressão confiante”
da dignidade humana na vida cultural. Ao mesmo tempo, o
abuso da ciência — sua capacidade de desumanizar seus
mestres assim como suas vítimas — também seria um tema
importante das suas obras. Em vez de libertar os seres
humanos de suas antigas fragilidades, a ciência os escravizou.
O mundo distópico criado por Lewis em Aquela Fortaleza
Medonha, por exemplo, é dominado por um instituto
aparentemente científico, o N.I.C.E, que é, na verdade, uma
fachada para a realização de seus propósitos sobrenaturais e
sinistros. “Havia, agora, finalmente, uma chance real para o
Homem caído se livrar daquela limitação de seus poderes,
imposta pela misericórdia como uma forma de proteção contra
os resultados completos de sua queda”, escreveu Lewis. “Se ele
tivesse sucesso nesta empreitada, o inferno seria, finalmente,
encarnado”.72
Assim como acontecera com Tolkien, a experiência da guerra
levou Lewis a duas direções. Ele jamais seria capaz de esquecer
completamente a assolação que ela causara: “os sustos, o frio,
o cheiro forte das armas químicas, as cenas de soldados
esmagados ainda com vida, movendo-se como insetos pisados,
os cadáveres sentados ou em pé, a paisagem árida e desolada,
sem qualquer sinal de vegetação, as botas utilizadas dia e noite
até parecerem fazer parte de seus pés...”.73 Contudo, ainda
assim, como veremos, as tristezas da guerra não conseguiram
obscurecer a vida criativa de Lewis. O mundo de Nárnia, uma
terra banhada por rios de alegria — “a terra que estive
procurando por toda a minha vida” —, nasceria a partir dos
destroços de uma Grande Guerra.
Quem sabe um lugar como Nárnia tenha se tornado visível
durante a viagem até um hospital em Londres, para onde Lewis
fora enviado para se recuperar de seus ferimentos. Parece
bastante provável que o simples prazer de uma viagem de trem
pelo interior da Inglaterra, colocada em contraste direto com a
desesperança e o horror da guerra, tenha proporcionado para
Lewis uma poderosa experiência de alegria: uma sensação tão
irresistível que foi capaz de sobrepujar sua visão materialista.
Como ele mesmo escreveu de seu leito no Hospital Endsleigh
Palace:
Você consegue imaginar como desfrutei da minha viagem a
Londres? Em primeiro lugar, a vista e o cheiro do mar, dos quais
senti tanta falta durante aqueles longos e extenuantes meses, e,
depois, os lindos campos verdes vistos do trem... Acho que jamais
apreciei tanto alguma coisa quanto aquela paisagem — o branco
das cercas e os campos repletos de flores amarelas que, à distância,
pareciam ouro reluzente.74

Tal experiência parece ter causado uma mudança em Lewis


— uma mudança pequena, talvez, mas permanente. Ela
despertou nele a crença em uma fonte espiritual e sobrenatural
de toda a beleza da natureza. “Veja, está crescendo em mim a
convicção de que, de fato, o Espírito existe”, escreveu ele.
“Imagino que exista Algo fora do tempo e do espaço, que não
criou a matéria, como dizem os cristãos, mas que é, na
verdade, o grande inimigo da matéria: e que a Beleza é o
chamado do espírito neste Algo para o espírito em nós. Perceba
como admito com toda a franqueza que as minhas visões
mudaram”.75
Algo “fora do tempo e do espaço” o havia balançado. Talvez
essa mudança tenha começado com George MacDonald e
Phantastes, o livro descoberto por Lewis durante a guerra. Essa
história do anseio humano pela beleza em meio à tristeza e à
morte seria, em alguns aspectos, responsável por antecipar a
própria busca de Lewis: “Ela sorriu quando viu que meus olhos
estavam abertos”, escreveu MacDonald. “Perguntei se já era
dia. Ela respondeu: ‘É sempre dia aqui, desde que eu
mantenha minha chama acesa’. Eu me senti maravilhosamente
renovado; e um grande desejo de ver mais da ilha despertou
dentro de mim”.76
capítulo

A TERRA DA SOMBRA

Três semanas após a rendição alemã em Compiegne, em 11 de


novembro de 1918, dando fim à Primeira Guerra Mundial, o
presidente americano viajou à Europa para ajudar nas
negociações de paz. Em janeiro, Woodrow Wilson delineou o
seu sonho para uma nova ordem global, em seus Catorze
Pontos, um documento imbuído de suposições progressistas
sobre democracia, humanidade e política internacional. A Liga
das Nações de Wilson pretendia evitar outra guerra, fosse por
meio da persuasão moral, fosse por meio da segurança coletiva.
“Estes são os princípios da humanidade”, afirmou o presidente
ao Congresso dos Estados Unidos, “e devem prevalecer”.
Eles não prevaleceriam, como sabemos, mas muitos na
Europa ainda não estavam preparados para acreditar nisso.
Eles queriam acreditar que, sob a liderança iluminada de
Wilson, os princípios democráticos governariam as nações do
mundo. Por toda a Europa, havia parques, praças, ruas e
estações ferroviárias com o nome de Wilson estampado.
Cartazes declaravam: “Queremos a paz de Wilson”. Italianos
ajoelhavam-se diante da imagem do presidente americano. Na
França, o jornal de esquerda, L’Humanite dedicou uma edição
inteira para proferir elogios ao presidente Wilson. Movimentos
nacionalistas da Coreia à Arábia agarraram-se aos Catorze
Pontos como sua estrela-guia.1
Portanto, quando Wilson chegou a Paris, no dia 13 de
dezembro, multidões de admiradores o aguardavam para
cumprimentá-lo. Eles encheram as ruas, se penduraram em
janelas e ovacionaram dos telhados. “Ele foi transfigurado aos
olhos dos homens”, escreveu H. G. Wells. “Ele deixou de ser um
político comum; ele se tornou um Messias”. Após uma guerra
que devastara tantas vidas e nações, os europeus ansiavam por
um resultado redentor. Wilson, como líder da única democracia
que parecia capaz de negociar um acordo de paz justo, era a
personificação da promessa de redenção. “Wilson manteve viva
a esperança de que a sociedade humana, embora tudo
indicasse o contrário, estava melhorando, e de que um dia
todas as nações viveriam em harmonia”, escreveu a
historiadora Margaret MacMillan. “Em 1919, antes que a
desilusão se instalasse, o mundo estava mais do que pronto
para ouvir o que Wilson tinha a dizer”.2
No entanto, ouvir é uma coisa. Wilson acreditava que,
munido apenas de retórica e idealismo, ele poderia reconstruir
a política internacional de acordo com a sua visão progressista
e humanitária. Era uma esperança impossível. As velhas
rivalidades, preconceitos e políticas de poder reapareceriam. O
Tratado de Versalhes, assinado no dia 28 de junho de 1919, foi
uma profunda decepção para quase todos os envolvidos. Os
alemães se sentiram traídos pelos seus líderes, enquanto os
vencedores, por sua vez, não estavam dispostos a cumprir os
termos do tratado. “Seria este o fim?”, perguntou Winston
Churchill em The World Crisis [“A Crise Mundial”]. “Seria
apenas um capítulo de uma história cruel e sem sentido?”.3

O FIM DAS ILUSÕES


Nos anos após o conflito, a crueldade e a falta de sentido da
guerra — de qualquer guerra por qualquer motivo — tornaram-
se o tema dominante de toda uma geração. Os escritos de
autores como Robert Graves (Goodbye to All That — “Adeus a
Tudo Aquilo”), Siegfried Sassoon (Memoirs of an Infantry Officer
— “Memórias de um Oficial de Infantaria”), Ernest Hemingway
(Adeus às Armas), T. S. Eliot (Os Homens Ocos) e Erich
Remarque (Nada de Novo no Front) reforçaram esses temas na
mente pública. A palavra de ordem era desilusão: um novo
ceticismo em relação à democracia liberal, ao capitalismo, ao
cristianismo e às conquistas da civilização ocidental. Barbara
Tuchman, em seu livro vencedor do prêmio Pulitzer, The Guns
of August [“Canhões de Agosto”], captou o estado de espírito
intelectual de milhões de pessoas no pós-guerra:
Os homens não poderiam suportar uma guerra de tamanha
magnitude e dor sem esperança — a esperança de que sua própria
gravidade traria a garantia de que aquilo jamais poderia acontecer
novamente e a esperança de que quando, enfim, de alguma forma
ela chegasse a alguma resolução, as bases de um mundo melhor
teriam sido estabelecidas... Nada menos do que isso poderia
conferir dignidade ou sentido aos ataques monstruosos nos quais
milhares e centenas de milhares foram mortos para ganhar dez
metros de terreno e trocar uma trincheira molhada por outra.
Quando, em todo o outono, as pessoas diziam que aquilo não
poderia durar até o inverno, e, quando chegava a primavera e ainda
não havia um fim à vista, apenas a esperança de que de tudo aquilo
traria algum bem para a humanidade era capaz de manter os
homens e as nações lutando. Quando, finalmente, tudo estava
acabado, a guerra havia trazido resultados diversos — e um
dominante, que transcendia todos os outros: a desilusão.4

Dada a grandeza da quantidade de mortes humanas, como


poderia ser diferente?5 A destruição causada pela Primeira
Guerra Mundial excedeu a de todas as outras guerras já
conhecidas na história da humanidade: mais de dezesseis
milhões de mortos, vinte e um milhões de feridos e centenas de
milhares de soldados enterrados em sepulturas não
identificadas.
A maioria das nações da Europa sofreu grandes perdas. A
Rússia perdeu 1,7 milhão de homens e teve outros cinco
milhões de feridos. Na Alemanha, cerca de 460 mil soldados
foram mortos por ano durante o período de guerra. A geração
de homens alemães entre as idades de dezenove e vinte e dois
anos foi reduzida em 35%. Na França, a taxa de vítimas
(mortos ou feridos) foi de surpreendentes 75%. Cerca de dois
milhões de soldados franceses morreram, ou seja, cerca de 25%
de todos os homens na França, deixando para trás 630 mil
viúvas de guerra. Na Grã-Bretanha, 921 mil soldados foram
mortos, mais de dois milhões feridos; uma em cada três
famílias britânicas teve um homem morto, ferido, ou levado
prisioneiro. Os Estados Unidos, que sofreram o menor número
de perdas entre as grandes potências, perderam mais de 116
mil homens e contaram com o dobro disso de feridos.
Muitos civis também sofreram e morreram durante a guerra.
O bloqueio feito pelos Aliados à Alemanha causou cerca de 750
mil mortes por fome e doenças. Na Sérvia, que tinha uma
população de cinco milhões de habitantes antes da guerra,
cerca de 125 mil homens foram mortos em combate. Contudo,
outros 650 mil civis morreram de doenças e fome — um total
de 15% da população do país. Massacres de civis foram
cometidos em uma escala chocante, mais notoriamente pelos
turcos otomanos contra a minoria armênia: homens, mulheres
e crianças eram executados às centenas de milhares e tinham
seus corpos jogados em valas comuns. “Aqueles que não eram
mortos imediatamente, eram levados pelas montanhas e
desertos, sem comida, água ou abrigo”, escreveu o historiador
David Fromkin. “A Armênia Ocidental foi destruída e cerca de
metade de seu povo pereceu”.6 Foi o primeiro genocídio
verdadeiro do século XX.7
Os europeus embarcaram imediatamente em um programa
coletivo de memória. Cemitérios e memoriais dedicados aos
mortos de guerra começaram a surgir em todo o continente.
Em grandes locais utilizados para homenagear os soldados que
lutaram em Verdun, Ypres, Somme e Meuse Argonne, as cruzes
e lápides pareciam se estender eternamente. Na Bélgica, em
Tyne Cot, o maior cemitério de guerra britânico do mundo, há
quase 12 mil túmulos. Entre 1920 e 1923, a Grã-Bretanha
entregou quatro mil lápides por semana à França.8 De fato, o
sacrifício da Grã-Bretanha é lembrado em praticamente todas
as catedrais francesas, onde uma cruz e uma placa trazem a
seguinte inscrição: “Para a glória de Deus e em memória de um
milhão de homens do Império Britânico que morreram na
Grande Guerra e dos quais o maior número descansa na
França”. Ao longo das décadas de 1920 e 1930, dificilmente se
passou um ano sem uma cerimônia de inauguração de outro
monumento em homenagem àquele período.9
A partir de 1919, por decreto do rei, a Grã-Bretanha passou
a observar dois minutos de silêncio às 11h do dia 11 de
novembro — tradição que continua até hoje. Em cidades onde
os feriados cristãos, como a Sexta-feira Santa, não são tão
relevantes, "é o Dia do Armistício que atrai todos à igreja."10

OS ANOS DE VERTIGEM
A carnificina sem precedentes da guerra produziu não
apenas um profundo sentimento de tristeza e desilusão. Ela
criou uma sensação de impotência e uma melancolia
psicológica entre os sobreviventes. Essa é uma perspectiva
apresentada de maneira precisa nas últimas páginas do livro
de memórias de Remarque. Nada de Novo no Front descreve
uma geração de soldados que retornam à vida civil “cansados,
traumatizados, esgotados, sem raízes e sem esperanças”.11
O estado de espírito desolado era comum entre escritores,
artistas e intelectuais públicos, mas também afetava os
europeus da classe média. “O desânimo era uma preocupação
dominante”, escreveu Richard Overy em The Twilight Years [“Os
Anos de Crepúsculo”]. “Para a geração que viveu após o fim da
Primeira Guerra Mundial, a perspectiva de uma crise iminente
e de uma nova Idade das Trevas tornou-se uma nova visão
normal de mundo”.12
Os títulos das obras publicadas na época contam bastante
sobre esse tempo: The End of the World – “O Fim do Mundo”]
(1920), de McCabe; Social Decay and Degeneration
[“Decadência e Regeneração Social”] (1921), de Freeman; The
Decay of Capitalist Civilization [“A Decadência da Civilização
Capitalista”] (1923), de Webb; The Twilight of the White Races
[“O Crepúsculo das Raças Brancas”] (1926), de Muret; The
Decline of the West [“O Declínio do Ocidente”] (1926–28), de
Spengler; Will Civilization Crash? [“A Civilização vai Quebrar?”]
(1927), de Kenworthy; Racial Decay [“Abismo Racial”] (1928), de
Bond; The Day After Tomorrow: What Is Going to Happen to the
World? [“O Dia Depois de Amanhã: O que Acontecerá com o
Mundo?”] (1928), de Gibbs; Sterilization of the Unfit
[“Esterilização dos Incapazes”] (1929), de Riddell; Modern
Civilization on Trial [“A civilização Moderna em Julgamento”]
(1931), de Burns; The Problem of Decadence [“O problema da
Decadência”] (1931), de Milner; The Dance of Death [“A Dança
da Morte”] (1933), de Auden; Christianity and the Crisis [“O
Cristianismo e a Crise”] (1933), de Dearmer.
O medo de que a civilização estivesse ameaçada era mais do
que uma metáfora literária. Os conceitos de declínio e colapso,
de doença e morte, contaminaram quase todos os
empreendimentos culturais: intelectual, artístico, literário,
científico, filosófico e religioso.13 Para esses pensadores, a
noção de progresso moral e espiritual da humanidade estava
na lata de lixo da história. “Não podemos fazer nada se nós
nascemos homens no início do inverno da civilização plena”,
escreveu Spengler, “em vez de no cume dourado de uma
cultura madura”.14
Embora a sua fé católica tenha permanecido intacta, J. R. R.
Tolkien confessou mais tarde que “lamentou o colapso de todo
o meu mundo”, que começou com o seu envio à Frente
Ocidental.15 Com essas palavras ele parecia se referir à
frustração de seus anseios criativos e intelectuais; a guerra o
forçou a praticamente abandonar a sua força criativa para que
pudesse se concentrar em simplesmente sobreviver. “Não eram
as coisas difíceis que incomodavam tanto”, escreveu ele mais
tarde. “Fui jogado no meio daquilo tudo bem quando estava
cheio de coisas para escrever e aprender; e nunca mais
consegui recuperá-las”.16
Tolkien deixou a Força Expedicionária Britânica no dia 16 de
julho de 1919, e voltou para Oxford com sua mulher, Edith, e
seu filho pequeno, John. Ele se juntou à equipe do The New
English Dictionary, associação de especialistas que se
dedicavam ao trabalho minucioso do dicionário da língua
inglesa. Tolkien se destacou no papel de filólogo. Suas energias
intelectuais — sua paixão pelas línguas anglo-saxãs e
germânicas — foram muito bem canalizadas. Como editor do
dicionário, Henry Bradley o descreveu na época: “Sem
hesitação, posso afirmar que jamais conheci um homem de sua
idade que pudesse se comparar a ele nesses aspectos”.17
Após trabalhar como professor de Língua Inglesa na
Universidade de Leeds, Tolkien ganhou o cargo de professor de
anglo-saxão em Oxford, em 1925. No entanto, nem mesmo o
seu sucesso acadêmico precoce conseguiu apagar o sofrimento
da guerra. A Universidade de Oxford perdeu quase um em cada
cinco soldados no conflito. Da Exeter College, onde Tolkien
estudou, 141 homens morreram na guerra e, por isso, ele
experimentou “um período de tristeza e sofrimento
psicológico”.18 A perda de tantos amigos para a guerra
produziu nele, nas palavras de seus filhos, “uma tristeza que
durou a vida toda”.19
Quando deixou o exército na véspera de Natal de 1918, C. S.
Lewis mal podia acreditar que os muitos meses de preocupação
— por saber que teria de voltar ao campo de batalha — haviam
chegado ao fim. “É quase inacreditável que a guerra tenha
acabado, não é mesmo?”, escreveu ele a Arthur Greeves. “Não
ter a preocupação constante de ‘ter de voltar’. Nesta hora do
ano passado eu estava nas trincheiras”.20 Lewis partiu
imediatamente para Belfast a fim de encontrar seu pai e seu
irmão.
“Era como se aquele sonho maligno, que durou quatro anos,
tivesse finalmente terminado e nós ainda estivéssemos no ano
de 1915”, escreveu Warnie em seu diário. “À noite, tomamos
espumante no jantar para comemorar o fim daquele
período”.21
Em janeiro de 1919, Lewis voltou a Oxford, assim como mais
de mil e oitocentos ex-militares, para retomar seus estudos dos
clássicos no University College. Quando chegou lá, o lugar já
estava fervilhando com palestras e debates, e logo Lewis
percebeu claramente a “grande diferença entre aquela
Universidade de Oxford e o fantasma dela de que me
lembrava”. No entanto, quando as atas de uma reunião de um
dos clubes de que Lewis participara em 1914 foram lidas em
voz alta, ele ficou assombrado. “Não me recordo de nada que
tenha me feito perceber de forma mais completa a interrupção
e o desperdício de nossas vidas durante aqueles anos”.22
Ele lamentou a perda de velhos amigos. Ao saber da morte
de seu antigo mentor, William Kirkpatrick, Lewis confessou
uma dificuldade interna. “Ele fica gravado na mente de quem o
conhece de forma tão permanente, sempre lembrado em cada
pensamento, que torna a aceitação de sua morte algo ainda
mais impensável”, escreveu ao pai em 1921. “Já vi a morte
muitas vezes, mas nunca consegui considerá-la nada além de
extraordinária e incrível. A pessoa real é tão verdadeiramente
real, tão obviamente viva e diferente do que resta dela quando
se vai, que é impossível acreditar que algo possa se transformar
em nada”.23
Embora sensível a questões religiosas, ainda não havia
comprometimento de sua parte acerca do assunto. Enquanto
ainda muito jovem, Lewis já havia experimentado profunda
tristeza e dificuldade, e isso o deixou com uma visão de mundo
severa e até mesmo sombria. “A perda precoce de minha mãe, a
grande infelicidade na escola e a sombra da última guerra...
deixaram-me com uma visão pessimista da existência”,
escreveu anos depois. “Essa era a base do meu ateísmo”.24
Ele, então, voltou o seu coração e a sua mente para a
literatura, deixando-se absorver pelo estudo acadêmico. “Lewis
leu mais clássicos do que qualquer outro menino que tenha
estudado comigo”, afirmou Kirkpatrick certa vez. “Ele é um
aluno que não tem qualquer outro interesse além de ler e
estudar”.25 Lewis expressou sua visão na época, dizendo que,
além das pessoas importantes para ele, “o trabalho é a única
coisa... com a qual vale a pena se importar”.26
No inverno de 1922, Lewis registrou em seu diário uma
conversa que teve com o Dr. John Askins, irmão da Sra. Moore,
conhecido como “o doutor”. Askins havia servido como capitão
no Corpo Médico do Exército Real e foi ferido em janeiro de
1917. Hospedado algumas semanas na casa da irmã, certa
noite, depois do jantar, Lewis e Askins saíram para dar um
passeio. “Caminhamos até o fim da vila de Iffley para observar
a igreja e as árvores à luz das estrelas”, escreveu ele. “Não me
lembro como, mas começamos a falar sobre a morte — em seu
aspecto materialista — e sobre todos os outros horrores que
pairam sobre nós. O doutor disse que, se parássemos para
pensar, não suportaríamos este mundo por uma hora sequer.
Eu o deixei ali e voltei para casa”.27
Muitos pensadores e autores do pós-guerra, na verdade, não
estavam dispostos a suportar o mundo em seu novo formato:
uma espécie de vertigem espiritual tomou conta da atmosfera,
uma busca frenética por soluções para a condição humana.
Psicologia freudiana, socialismo, espiritualismo, cientificismo
— essas e outras ideologias foram tentativas de resolver, ou
explicar, os horrores que pareciam pairar sobre a raça
humana. Embora possam ter se originado antes da guerra, na
década de 1920 essas ideias ganhavam terreno rapidamente na
Europa e nos Estados Unidos.

SURGIMENTO DE NOVAS PRAGAS


De fato, pode-se alegar que a Grande Guerra deu início a
três das forças mais mortais da história do Ocidente.
A primeira delas foi a gripe espanhola, que surgiu em uma
base do Exército Americano no Kansas, em março de 1918. O
vírus atravessou a Europa em navios lotados de tropas
americanas, espalhando-se por todo o continente. Antes de
chegar ao fim, mais de sessenta milhões de pessoas — quatro
vezes o número de mortos na guerra — morreram vítimas da
gripe ao redor do mundo. “Os agentes funerários trabalhavam
noite e dia”, lembrou Josie Mabel Brown, enfermeira naval
americana. “Sempre que olhávamos, víamos uma caminhonete
grande cheia de caixões em direção à estação de trem para que
os corpos fossem enviados para casa”.28 No meio do surto,
George Newman, o diretor médico do Ministério da Saúde da
Grã-Bretanha, declarou que a gripe espanhola havia “destruído
mais vidas humanas em poucos meses do que a guerra
europeia em cinco anos”.29
Assim como a própria guerra que ajudou a disseminar a
epidemia, a gripe espanhola de 1918 matou jovens em
proporção muito maior: homens e mulheres de quinze a
quarenta anos, no auge da vida.30 As vítimas dessa doença
apresentavam o temido “tom acinzentado” no rosto, os sinais
de pneumonia — elas pareciam estar se afogando nos fluidos
que se acumulavam em seus pulmões. “Aquela foi uma doença
sem precedentes”, escreveu a historiadora Susan Kingsley
Kent, “cuja etiologia e tratamento não podiam ser identificados
e determinados”.31 Minha avó, Esther Aiello, que morava no
Brooklyn, em Nova Iorque na época, lembrava-se daqueles dias
com pavor: “Víamos os corpos sendo retirados de dentro das
casas”, contava ela. “Todos estavam com medo”.32
A segunda epidemia foi o comunismo ateu. Quando a Rússia
saiu da guerra no início de 1917, os dias do regime czarista
estavam contados. Depois que a dinastia Romanov — que
governou a Rússia durante três séculos — colapsou, a urgência
de um “governo provisório” despertou as esperanças de uma
revolução democrática. “Meu Deus, é tão bom que o czar
Nicolau e a autocracia não existem mais!”, escreveu um
soldado russo em seu diário. “Este é o despertar de uma nova e
grandiosa Rússia, feliz e radiante. Nós, soldados, somos
homens livres, somos iguais, somos, agora, todos cidadãos da
Grande Rússia!”.33
No entanto, os bolcheviques, liderados por Leon Trotsky e
Vladimir Lênin, estrangularam o nascente governo republicano
em seu berço. Os inimigos da revolução comunista — reais e
imaginários — foram completamente eliminados. Trotsky
anunciou: “Não entraremos no reino do socialismo com luvas
brancas sobre um piso polido”.34 E, assim, teve início a
revolução que, em nome do pão, da paz e do proletariado,
produziu uma guerra civil assassina, fome em massa e
ditadura política. Em 1919, a política de comunismo de guerra
de Lênin já havia recrutado cinco milhões de homens para
servir no Exército Vermelho, garantindo, dessa forma, o
domínio completo do Comitê Central do Partido Comunista nas
décadas seguintes. Uma visão profundamente materialista e
ateísta foi estabelecida na Rússia — e ela tinha ambições
globais.
A Grande Guerra pareceu confirmar a fraqueza fatal do
capitalismo democrático, criando uma suscetibilidade para
todos os esquemas utópicos. Quando realizou seu primeiro
Congresso Mundial em 1919, a Internacional Comunista atraiu
representantes de vinte e seis países europeus e dos Estados
Unidos. O socialismo e o comunismo encontraram ávidos
recrutas na Grã-Bretanha. Lewis conheceu um bom número
deles em Oxford e os repudiou com desdém: “Acredito que
chegamos a um ponto em que um homem sábio não pode fazer
mais nada além de esperar pelo fim de tudo isso com toda a
graça que conseguir”, escreveu ele em agosto de 1920. “E é
uma tarefa difícil reunir tanta graça quando se encontram
tantos traidores e excêntricos em sua própria classe, como
tenho encontrado aqui — pessoas que anseiam pela
implantação imediata do regime soviético”.35
A terceira epidemia foi o fascismo. Ele teve início na Itália,
na década de 1920, em uma sociedade que parecia estar em
frangalhos. A guerra deixara o país em um alarmante estágio
de pobreza e com uma das maiores taxas de inflação da
Europa. Os italianos estavam politicamente divididos e
decepcionados; o governo parlamentar estava
irremediavelmente mergulhado em corrupção e a monarquia
perdera sua popularidade. Muitos soldados que haviam
retornado ao país, trabalhando como operários, balconistas ou
comerciantes, sentiam que a sua vida civil era vazia e
enfadonha.
E, então, surge Benito Mussolini. Em 28 de outubro de
1922, com 40 mil “camisas negras” sob seu comando, deram
início à Marcha sobre Roma. O rei Vitor Emanuel e seu governo
perderam o ânimo. “O Dulce” foi o primeiro líder europeu a
rejeitar a democracia multipartidária. “O século da democracia
acabou”, proclamou ele. “As ideologias democráticas foram
liquidadas”.36 Mussolini também foi o primeiro a proclamar
um novo regime fascista, termo derivado da palavra em latim
fasces, que era um feixe de varas que simbolizava o poder da
República Romana. Como escreveu em seu manifesto: “Para o
fascista, tudo está no Estado, nada que é humano ou espiritual
existe e, menos ainda, tem valor, fora do Estado”.37
Leitor ávido do pensamento moderno, Mussolini era,
essencialmente, ateu. Sua primeira publicação foi o livro God
Does Not Exist [“Deus não Existe”]. Seu anticlericalismo, no
entanto, não o impedia de manipular a igreja para fins
políticos. “O vírus da gripe espanhola de 1918 se espalhou pelo
mundo inteiro em semanas, atingindo quase todos os lugares”,
escreveu o historiador Paul Johnson. “O vírus da força, do
terror e do totalitarismo provou-se igualmente ágil e
universal”.38 De fato foi assim: em meados da década de 1920,
grupos fascistas surgiram por toda a Europa, sendo, muitas
vezes, apoiados por líderes religiosos. Todos esses grupos
compartilhavam do gosto de Mussolini pela violência política.
Dentro de uma década, surgiram regimes fascistas ou
semifascistas na Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Áustria,
Grécia, Romênia — e Alemanha.

A CRISE DA FÉ
Assim, a crise de fé enfrentada na Europa pós-guerra foi
multifacetada. Havia um desgaste do que pode ser chamado de
confiança civilizacional, uma desilusão generalizada em relação
ao Ocidente e suas supostas conquistas culturais. A
democracia liberal, o constitucionalismo, o capitalismo, o
progressismo — tudo parecia estar prestes a entrar em colapso.
Gilbert Murray escreveu em The Ordeal of This Generation [“O
Ordálio desta Geração”] (1929): “O sistema que, antes da
guerra, era considerado essencial para a civilização, se a
civilização ainda prosseguisse, estaria, de qualquer forma, sob
perigo”.39 Visto que o cristianismo era considerado parte
integrante do sistema político e econômico europeu, o fracasso
desse sistema significava também um fracasso espiritual.
A desintegração da fé cristã ortodoxa entre todas as classes
de europeus durante a década de 1920, apesar de ter sido
exagerada por muitos, foi real o bastante: “um profundo
sentimento de crise espiritual foi a marca daquela década”,
escreveu Modris Eksteins. “Isso afetou trabalhadores rurais,
latifundiários, industriais, operários, comerciantes e
intelectuais”.40 As causas do enfraquecimento da fé cristã
foram muitas, mas entre as mais importantes está a influência
da psicologia freudiana, que ganhou um grande impulso nos
anos do pós-guerra.
A experiência da guerra de trincheiras produziu muitos
casos de transtornos mentais entre os soldados e veteranos de
guerra. Um deles ficou conhecido como a neurose de guerra —
conhecida entre os soldados como shell shock (por causa do
choque causado pela chuva de projéteis que caía sobre eles
durante as batalhas). Homens bem-educados de famílias de
classe alta ou de militares, que lutaram com excelência e
receberam condecorações por sua bravura, de repente,
sucumbiram psicologicamente. E não eram eles homens
covardes ou loucos.41
O irmão da Sra. Moore, o “doutor”, sofreu desse transtorno
como consequência de sua experiência na guerra. Durante
uma de suas visitas, ele teve vários ataques de tortura mental
extrema — aparentemente, acreditava que estava indo para o
inferno — e foi mandado para um hospital. Lewis passava
muitas horas com ele, tentando consolá-lo. “Nada parece
conseguir arrancar nem sequer um traço de sorriso de seu
rosto”, registrou Lewis em seu diário. “Em termos de
sofrimento, essa experiência supera tudo que já vi em minha
vida”.42 O doutor logo morreu de insuficiência cardíaca. “Não é
um mundo maldito?”, escreveu Lewis a um amigo. “E
pensávamos que poderíamos ser felizes com livros e
música!”.43
Freud parecia oferecer uma explicação honesta para aquela
condição. Os seus métodos de psicanálise pareciam mais
sensatos do que as alternativas brutais disponíveis para a cura
dos transtornos mentais: medicamentos fortes, agressões
verbais, terapia de eletrochoque. “Quando a corrente elétrica
era aumentada”, escreveu Paul Johnson, “alguns homens
morriam durante o tratamento, ou cometiam suicídio depois,
para que não precisassem enfrentar aquilo novamente —
pareciam vítimas da Inquisição”.44
Quando inaugurada em Berlim em 1920, a primeira clínica
psiquiátrica de Freud abriu caminho para as suas visões sobre
a natureza humana, a culpa e Deus. Freud era especialmente
atraente para uma geração que lutava por encontrar significado
para as consequências da guerra. A fé religiosa era vista como
uma tentativa de proteção contra o sofrimento, como “uma
reformulação delirante da realidade”.45 Com Deus
desacreditado, o sentido devia ser encontrado “na vida, no ato
de viver, na vitalidade do momento”.46 Dessa forma, a nova
psicologia legitimou um novo hedonismo. Em uma década, W.
R. Matthews, reitor de Exeter, queixou-se do “declínio da
religião institucional” por causa da “incoerência da mensagem
cristã e da sua aparente contradição ao conhecimento
moderno”.47
Tudo isso ajudou a produzir o fanático moderno e secular: o
revolucionário que deseja criar o paraíso na terra. Ciência,
psicologia, política, economia, educação — qualquer uma
dessas disciplinas era alistada à causa. Em universidades
como a de Oxford, onde Tolkien e Lewis estavam na década de
1920, um coquetel de experimentação e crises existenciais era
o que havia de mais comum.
O pacifismo estava na moda, enquanto o patriotismo havia
sido deixado de lado, substituído pelo desprezo por todas as
velhas virtudes. Para a comunidade intelectual, assim como
para o homem comum, a Grande Guerra havia difamado os
valores do Velho Mundo, e junto as doutrinas religiosas que
ajudaram a subscrevê-los. O avanço moral, e até mesmo a
própria ideia de moralidade, parecia uma ilusão.
O que Hemingway escreveu em Adeus às Armas capturou
bem a postura de muitos soldados e civis. Quando colocadas
ao lado dos nomes e regimentos que perderam a vida no
conflito, “palavras abstratas, como glória, honra, coragem,
reverência, pareciam obscenas”.48 Como relembrou Lewis
muitos anos depois, “o clima intelectual dos anos 1920”
influenciou uma geração inteira de estudantes e futuros
acadêmicos. “Ninguém pode dar a outro aquilo que não
possui”, escreveu ele. “Um homem cuja mente foi formada em
um período de cinismo e desilusão não pode ensinar sobre
esperança e força moral”.49 O veredicto havia sido dado: a
guerra para tornar o mundo seguro para a democracia e a
guerra santa para promover os princípios cristãos, eram uma
ilusão profana.
Dadas essas sensibilidades do pós-guerra, como Oxford se
tornou a incubadora da literatura épica que exaltava a bravura
e o sacrifício em combate?50 Como as obras de Tolkien e Lewis,
enraizadas na narrativa de redenção cristã conseguiram ver a
luz do dia?

TOLKIEN, O CRIADOR DE MITOS


A primeira história escrita por Tolkien, como muitos de seus
admiradores sabem, foi inspirada em seus dias de soldado. No
início de 1917, quando estava se recuperando da febre das
trincheiras, em Great Haywood, Tolkien escreveu um esboço de
“A Queda de Gondolin”, conto que se tornaria parte de O
Silmarillion, as lendas da Terra Média que antecedem O Senhor
dos Anéis. Em “A Queda de Gondolin”, lemos sobre o ataque de
Morgoth, o principal poder do mal, contra o último refúgio
élfico existente. Embora a cidade esteja “sitiada sem
esperança”, há “feitos de valor desesperados” realizados pelos
chefes das casas nobres e seus guerreiros.51 A história traz as
memórias do veterano de combate:
Os fumos do incêndio e o vapor das belas fontes de Gondolin
secando sob as chamas dos dragões do Norte caíram sobre o vale de
Tumladen em brumas enlutadas; e, assim, teve auxílio a fuga de
Tuor e sua companhia... Chegaram, apesar disso, às montanhas,
em dores e desgraça, pois os lugares altos eram frios e terríveis, e
tinham entre eles muitas mulheres e crianças, sem contar os
muitos homens feridos.52

O biógrafo Humphrey Carpenter vê, na obra de Tolkien, uma


resposta inesperada à Primeira Guerra Mundial. Ele sugere que
a parte central da história se baseia nas experiências de
Tolkien no Somme — “ou, melhor, em sua reação a essas
experiências, pois a batalha em Gondolin possui uma grandeza
heroica completamente inexistente nas guerras modernas”.53
Anos depois, Tolkien admitiu a seu filho, Christopher, que na
época era soldado na Segunda Guerra Mundial, que os seus
primeiros escritos foram a forma que ele encontrou para
suportar a violência, o sofrimento e as ansiedades da guerra.
“Sinto entre todas as suas dores (algumas meramente físicas) o
desejo de expressar os seus sentimentos sobre o bem, o mal, o
justo e o vil de alguma maneira; o desejo de racionalizar esses
sentimentos a fim de impedir que eles sejam destruídos”,
escreveu ele. “Em meu caso, esse desejo gerou Morgoth e a
história dos gnomos”.54 Morgoth se tornou o equivalente a
Satanás na Terra Média, enquanto os gnomos foram
reinventados como a raça de elfos que se opõe a ele.
Parece que Tolkien, mesmo em meio ao combate, procurou
conscientemente recuperar uma tradição militar que se
tornaria uma vítima ao lado de todas as outras vítimas da
Primeira Guerra Mundial. Ele já estava criando uma mitologia
sobre a Inglaterra, cujo objetivo seria relembrar a sua longa
história de lutas para atingir fins nobres. “Desde os primeiros
dias, sofri pela pobreza do meu amado país: não tinha histórias
próprias (intimamente ligadas à sua língua e terra), não da
qualidade que eu procurava”, explicou ele certa vez.55
Portanto, ele se propôs a “restaurar aos ingleses uma tradição
épica e a apresentar-lhes uma mitologia própria”.56
No coração dessa tradição estão os conceitos de honra e
sacrifício por uma causa justa, temas que certamente
inspirariam O Senhor dos Anéis: “É chegada a hora, Cavaleiros
de Rohan, filhos de Eorl!”, exclama Théoden em O Retorno do
Rei. “O inimigo e o fogo estão diante de vocês, e suas casas
ficaram para trás. Apesar disso, embora lutem num campo
estrangeiro, para sempre terão direito à glória que colherem
lá”.57 Por ter sido um soldado inglês que serviu na França,
Tolkien entendia as dificuldades de lutar em um “campo
estrangeiro”. Ele tinha suas próprias dúvidas sobre o
significado da guerra e testemunhou algumas de suas mais
brutais cenas de massacre. No entanto, não permitiu que elas
sobrepujassem sua clara visão moral.
Contudo, muito outros autores estavam indo exatamente na
direção oposta.58 Wilfred Owen, ferido três vezes antes de ser
morto em combate, escreveu incansavelmente contra a guerra.
Seus poemas têm títulos como “Insensibility”, “Mental Cases”,
“Futility,” e “Disabled.” Em “Anthem for Doomed Youth” não há
um só traço de nobreza na descrição da morte de seus
companheiros. “Haveria dobre de finados para estes que
morrem como gado? / Não, apenas a monstruosa fúria das
armas”.59 Siegfried Sassoon, amigo de Owen, embora tivesse
recebido a Cruz Militar por bravura, também passou a ver a
guerra como um erro imoral. No verão de 1917, Sassoon enviou
uma carta de protesto ao seu comandante, chamando os
propósitos da guerra de “cruéis e injustos”. Seus poemas são
sátiras mordazes da guerra e do seu efeito nos soldados, com
descrições impiedosas da “terra onde tudo é devastação” e das
“trincheiras naufragadas que lançam todos para a condenação
à morte”.60
Aproximadamente quatrocentos “romances de guerra” foram
publicados nas décadas de 1920 e 1930, muitos dos quais
ajudaram a criar uma mitologia da guerra como sendo
inerentemente asquerosa e irracional.61 Uma das obras mais
conhecidas é Goodbye to All That [“Adeus a Tudo Aquilo”],
escrita por Robert Graves, que se alistou rapidamente para o
treinamento de oficial oito dias após a Inglaterra declarar
guerra à Alemanha. Graves sobreviveu à Batalha do Somme,
porém sofreu ferimentos que o perseguiram pelo resto da vida.
Menos um livro de memórias e mais uma obra teatral de farsa
— gênero dramático caricatural —, Goodbye to All That retrata
os absurdos e as tragédias que pareciam caracterizar a guerra:
O orgulho de todo bom batalhão era nunca ter perdido uma
trincheira; nossos dois batalhões de linha conseguiram esse feito —
ou seja, nunca foram forçados a deixar uma trincheira sem a
recuperar antes do fim do ataque. Tomar uma trincheira alemã,
mas não ser capaz de mantê-la por falta de reforços não contava...
E, perto do fim da guerra, as trincheiras podiam ser abandonadas
de forma honrosa por terem sido completamente obliteradas pelos
bombardeios, ou porque não eram trincheiras, na verdade, mas sim
uma longa linha de crateras causadas pelas explosões de
granadas.62

O ex-soldado Tolkien não conseguia embelezar o combate.


As cartas que escrevia aos seus filhos durante a Segunda
Guerra Mundial, por exemplo, eram repletas de maus
pressentimentos. “O desperdício absoluto e estúpido da guerra,
não apenas material, mas também moral e espiritual, é tão
atordoante para aqueles que precisam suportá-lo”, escreveu.
“Contudo, a memória humana é tão curta e as suas gerações
tão evanescentes que em cerca de apenas trinta anos, haverá
poucas, ou nenhuma pessoa com tal experiência direta. E
apenas essas pessoas são capazes de entender
verdadeiramente o significado de tudo isso. A mão queimada é
a que melhor ensina sobre o fogo”.63 Lewis estava tão
familiarizado com as assolações da guerra de trincheiras
quanto Tolkien, e um dos aspectos da história de Tolkien que
mais o impressionava era o seu realismo:
Esta guerra possui a característica própria da guerra que a minha
geração conheceu. Está tudo aqui: o movimento interminável e
ininteligível, o silêncio sinistro da frente de batalha quando “está
tudo pronto” para o ataque, os civis voando para todos os lados, as
amizades animadas e intensas, o sentimento de desespero sempre
presente no fundo, mesmo durante os momentos de alegria — e a
dádiva de encontrar um maço de cigarro “recuperado dos
escombros”.64

No entanto, Tolkien nunca teve a pretensão de escrever um


livro de memórias sobre sua experiência na guerra de
trincheiras. Em vez disso, decidiu criar uma mitologia digna da
sua amada Inglaterra.65 Em 1923, ele já estava quase
terminando de escrever O Livro dos Contos Perdidos (ao qual
mais tarde daria o nome de O Silmarillion), no qual explorou
temas como o mal, o sofrimento, o heroísmo e a morte. A obra é
um relato da Primeira Era, antigo drama que cria o cenário
histórico para O Senhor dos Anéis. O tema principal da história
é a queda dos mais talentosos entre os elfos; a sua expulsão de
Valinor (uma espécie de paraíso); o seu retorno à Terra Média,
local de seu nascimento que agora se encontra sob domínio do
Inimigo e a sua luta contra ele, “o poder do Mal visivelmente
encarnado”.66 Foi nessa obra que a Terra Média tomou forma
pela primeira vez e tornou-se o campo de batalha para o grande
conflito retratado em O Senhor dos Anéis.
Tolkien insistia em afirmar que a Terra Média não era um
mundo imaginário, mas sim o nosso mundo — com as suas
verdades e tristezas antigas — situado em um passado remoto.
De fato, quaisquer lendas concebidas no formato de uma
suposta história primitiva deste mundo, disse Tolkien, deve
considerar a trágica realidade da fragilidade humana.67
Conforme veremos, Tolkien imaginou a Terra Média como a
expressão de um mundo que precisa lidar com as
consequências de sua Queda da Graça. “O cenário da minha
história é esta terra em que vivemos agora... os fundamentos
deste lugar estão todos lá”.68

LEWIS NO VALE DA DÚVIDA


C. S. Lewis seguiu o mesmo caminho de outros autores da
guerra e abraçou o gênero da ironia e da dúvida. Os seus
primeiros escritos da guerra sugerem que ele estava, de fato,
fazendo isso. O primeiro trabalho publicado de Lewis,
intitulado “Death in Battle” [“Morte na Batalha”], saiu na revista
Reveille, em 1919. O poema descreve “os semblantes selvagens
e brutais que me cercavam, cuja estafa crescente / parecia em
demônios transformar — sim, até mesmo a mim”.69 A obra
saiu na mesma edição em que poemas de Sassoon e Graves
foram publicados. No mesmo ano, Lewis publicou uma coleção
de poemas escrita de 1915 a 1918, intitulada Spirits in
Bondage [“Espíritos Aprisionados”]. Os poemas incorporam
uma visão quase existencial da vida humana, enredada em um
cosmo cruel e inclemente. Em carta escrita a um amigo, Lewis
explicou o tema que unia a coleção: “que a natureza é
completamente diabólica e perversa e que Deus, se existe, está
fora e em oposição ao arranjo cósmico”.70
Em “Ode for New Year’s Eve” [“Ode à Véspera de Ano-Novo”],
Lewis expressou o desencanto, a sensação de que algo havia
saído terrivelmente errado em todas as supostas conquistas do
Ocidente. A era do progresso e da inocência desapareceu,
escreveu ele, como se consumida de maneira indiscriminada na
fornalha da Grande Guerra:
Em curva ascendente, donzela e homem
E animal, árvore e espírito, na terra verde poderiam facilmente
prosperar.
Mas agora, uma era está acabando, e Deus chama as estrelas de
volta para casa
E solta a roda das eras e a faz girar ao contrário
Em meio à morte das nações e aponta um caminho decadente,
E a loucura se apoderou de nós, assim como grandes e pequenas
guerras.71

A referência de Lewis à “morte das nações” não estava longe


da verdade. No final da Primeira Guerra Mundial, impérios
inteiros haviam basicamente entrado em colapso — o Império
Otomano, o Império Austro-Húngaro, a Rússia czarista e o
Império Alemão —, desencadeando revoluções e rebeliões
coloniais em todo o mundo. Nesse processo, uma quantidade
assustadora de jovens foi exterminada pela morte. Muitos
ficaram emocionalmente abalados pela guerra de trincheiras ou
permanentemente aleijados. Apesar de ser uma pequena ilha, a
Grã-Bretanha perdeu quase um milhão de seus cidadãos. “O
efeito da guerra na Grã-Bretanha foi catastrófico”, escreveu
Paul Fussell. “Foi destruída uma geração inteira que poderia
formar juristas, acadêmicos, administradores e líderes políticos
do país”.72
A “loucura” sobre a qual Lewis escreveu tampouco pode ser
negada. As normas morais da civilização europeia pareciam ter
sucumbido junto às baixas de vidas humanas. Embora a
guerra sempre envolva muito sofrimento, algo havia mudado
durante os anos de 1914 a 1918. “A Europa e grande parte da
Ásia e da África tornaram-se um grande campo de batalha no
qual, após anos de luta, não apenas exércitos, mas nações
foram arruinadas e fugiram”, observou Winston Churchill.
“Quando tudo chegou ao fim, a tortura e o canibalismo eram os
únicos métodos que os Estados cristãos, civilizados e científicos
foram capazes de negar: e estes eram de utilidade duvidosa”.73
O enorme poder destrutivo da guerra, o número
inimaginável de mortos e feridos, as esperanças e
reivindicações apocalípticas de seus participantes e a aparente
nulidade de seu resultado — tudo isso estimulou um novo
período de dúvidas e investigações religiosas.
De fato, não há exagero quando se fala sobre a crise
espiritual que se abateu sobre muitos rapazes e moças,
principalmente entre os intelectuais, ao longo das décadas de
1920 e 1930. O teólogo suíço Karl Barth ficou chocado com a
aceitação completa da guerra alemã por parte dos teólogos e
com o que ele viu como a confusão da cultura esclarecida com
o evangelho. A Bíblia, insistia Barth, “contém pensamentos
divinos sobre o homem, e não pensamentos humanos sobre
Deus”. Barth destruiu os esquemas utópicos do cristianismo
progressista em seu monumental comentário sobre A Carta aos
Romanos (1921). Sua obra “explodiu como uma bomba no
terreno dos teólogos europeus”.74
Contudo, a neo-ortodoxia de Barth, como veio a ser
chamada, foi rejeitada pela opinião da elite em toda a Europa e
cada vez mais nos Estados Unidos. Caiu como uma bomba
para os literatos, por exemplo, quando estes souberam que T.
S. Eliot havia sido batizado e confirmado na Igreja da
Inglaterra, em 1927. Como o autor de The Wasteland [“A Terra
Devastada”] poderia ter encontrado consolo em uma
superstição tão primitiva? Como um membro do conjunto
literário “London’s Bloomsbury Group” teria sido capaz de
cometer tal ato de traição intelectual?75 Virginia Woolf
expressou a indignação de seus pares em uma carta a um
amigo:
Tive uma conversa muito vergonhosa e angustiante com o caro Tom
Eliot, a quem podemos considerar como morto a partir de agora. Ele
se tornou cristão anglo-católico — crê em Deus, na imortalidade e
frequenta a igreja. Fiquei chocada. Um cadáver me parece mais
confiável do que ele agora. Quero dizer, há algo de obsceno em
alguém que crê na existência de Deus.76

A obscenidade da crença em Deus: tal era a opinião da elite


intelectual em grande parte da Europa do pós-guerra. Para
muitos dos melhores e mais inteligentes, o cristianismo parecia
ser desprovido de poder explicativo. Ele não era capaz de
explicar os conflitos destrutivos das supostas nações europeias
cristãs, nem de oferecer uma esperança realista de que fosse
possível alcançar uma ordem global mais pacífica e justa. Ao
contrário disso, a igreja da era moderna parecia estar presa a
doutrinas destrutivas e superstições medievais.
“Encontramos, atualmente, entre as classes instruídas...
uma grande produção de superstições novas e mais ou menos
fantásticas, extraídas de maneira banal, tanto do misterioso
Oriente quanto do neurótico Ocidente”, escreveu Gilbert
Murray, em The Ordeal of This Generation, 1928 [“O Ordálio
desta Geração”]. “Bem como uma rejeição ampla e aberta a
todas as religiões e, particularmente, a todo conceito de
moralidade”.77 Nietzsche havia anunciado esta última
perspectiva no final do século XIX: “Talvez os conceitos mais
solenes a terem ocasionado as maiores lutas e sofrimentos, os
conceitos de ‘Deus’ e ‘pecado’, um dia tenham a mesma
importância para nós que um brinquedo, ou que os problemas
de uma criança têm para um adulto”.78

A “GRANDE GUERRA” COM OWEN BARFIELD


Portanto, não é surpresa alguma que a universidade de
Oxford do pós-guerra estivesse se transformando em um
canteiro de agnosticismo, indiferença religiosa e investigações
intelectuais. C. S. Lewis encontrou-se envolvido em uma
“confusão profana” de filosofias concorrentes — da psicanálise
ao racionalismo. “E o tempo todo... existe o perigo de cair
novamente nas superstições mais infantis, ou de recorrer ao
materialismo dogmático para fugir delas”.79 O biógrafo George
Sayer resumiu a atmosfera daquele lugar: “A maioria dos
professores incentivava seus alunos a, acima de tudo,
duvidar”.80
Um sujeito alegre e diferente era Owen Barfield, veterano de
guerra que estava estudando literatura inglesa, a quem Lewis
conheceu em 1919. Apesar de Lewis não concordar com Owen
em quase nada — “ele leu todos os livros certos, mas tirou a
conclusão errada de cada um deles” —, nasceu entre eles uma
admiração e amizade para a vida toda. Barfield tornou-se
devoto da “antroposofia”, uma filosofia espiritual desenvolvida
por Rudolf Steiner que via a humanidade como parte integrante
do pensamento criativo e da evolução do mundo. Lewis rejeitou
a antroposofia de Barfield por considerá-la uma espécie de
gnosticismo e os dois deram início ao que chamaram de
“Grande Guerra” do debate intelectual. Este foi mais um
relacionamento que alteraria o curso da vida intelectual e
espiritual de Lewis:
Ele é tão fascinante (e irritante) quanto uma mulher. Quando me
proponho a corrigir suas heresias, me dou conta de que ele está
irredutível em corrigir as minhas! E, então, nós dois nos dedicamos
a debater, com grande entusiasmo, madrugada adentro, noite após
noite, ou durante algum passeio, no qual nenhum dos dois presta
atenção em qualquer coisa à nossa volta, cada um percebendo o
peso das convicções do outro, agindo mais como inimigos que se
respeitam do que como amigos. Na verdade (embora nunca pareça
ser assim no momento), influenciamos os conceitos um do outro;
desse interminável combate nasce uma harmonia espiritual e uma
profunda admiração. Mas acredito que ele tenha alterado muito
mais a minha forma de pensar do que eu a dele.81

Em seu “interminável combate” — expressão extraída da


guerra, é claro —, Barfield influenciou Lewis de duas maneiras
profundamente importantes. Ele persuadiu Lewis a abandonar
a sua “arrogância cronológica”, a suposição de que a vertente
intelectual dominante da época torna todas as outras linhas de
pensamento do passado suspeitas ou irrelevantes. Essa
postura filosófica, gerada pelo Iluminismo, chegou ao ápice
após a conflagração da Primeira Guerra Mundial, fazendo com
que muitos ideais vitorianos estimados desaparecessem.
Barfield também desafiou a típica visão científica e
materialista da realidade dos acadêmicos de Oxford. As “velhas
crenças” fundamentais do cristianismo estavam definhando
após sofrerem múltiplos ataques de diferentes origens. Darwin,
Nietzsche, Freud entre outros, de uma forma ou de outra,
zombavam do conceito de dignidade sagrada do indivíduo.
Muitos europeus e americanos cultos passaram a acreditar que
as experiências estéticas — nosso senso de moralidade, o
desejo de alegria e o amor pela beleza — não tinham,
essencialmente, qualquer sentido. Embora esses movimentos
intelectuais pudessem ser hostis uns aos outros, Lewis
percebeu que se uniam em seu ódio pelos “anseios eternos” do
ser humano comum. “Para mim, essas pessoas pareciam estar
condenando o que não entendiam”.82
O espiritualismo de Barfield, apesar de suas excentricidades,
parecia oferecer uma explicação melhor para essas
experiências do que o materialismo. Ele ajudou Lewis a
considerar a possibilidade de que as nossas intuições morais e
as nossas experiências estéticas pudessem nos levar à verdade
objetiva: a imaginação pode ser um guia tão bom para a
realidade quanto o argumento racional.
Em uma carta datada de 25 de setembro de 1920, Lewis
admitiu a outro amigo de Oxford que os seus estudos em
filosofia o estavam afastando do ceticismo dogmático.
Endereçada a Leo Baker, que foi piloto da Força Aérea Real
durante a guerra, a carta revelava uma frustração crescente em
relação às visões puramente materialistas do universo. “Não
tenho direito de me opor ao universo, a menos que eu mesmo
tenha algo a lhe oferecer”, explicou ele.
Você ficará interessado em saber que, no curso da minha filosofia
— sobre a existência da matéria —, precisei pressupor a existência
de alguma espécie de Deus como a última teoria questionável: mas
é claro que não sabemos nada. De qualquer maneira, não sabemos
o que é o verdadeiro Bem e, consequentemente, parei de desafiar o
céu: ele não pode saber menos do que eu, então talvez esteja
mesmo tudo bem. Isso, para você, não será nenhuma novidade,
mas, quem sabe, possa ver isso em mim como um sinal de graça.83

Em 1925, Lewis já havia abandonado o ateísmo inflexível de


sua juventude. “Será um consolo para mim saber, por toda a
vida, que o cientificismo e o materialismo não têm a última
palavra”, escreveu. “Saber que Darwin e Spencer, que tanto
tentaram destruir as crenças antigas, construíram os seus
alicerces sobre a areia”.84 As amizades feitas por Lewis no pós-
guerra o impediram de adotar a indiferença moral — que ele
chamou de “pessimismos superficiais” — tão típica de sua
geração.85 Eles faziam perguntas a Lewis, para as quais ele
não tinha respostas seguras. “Agora que encontrei, e continuo
encontrando, cada vez mais, o elemento da verdade nas
crenças antigas, sinto que não posso descartar nem mesmo
suas partes mais terríveis com tanto descaso”, escreveu ele a
Arthur Greeves. “Deve haver algo ali. A pergunta é: o quê?”.86

QUANDO O MITO SE TORNA FATO


Essa é a questão que está por trás da famosa discussão que
ocorreu entre C. S. Lewis e J. R. R. Tolkien tarde da noite em
setembro de 1931. Aquele foi um momento marcante: uma
discussão investigativa sobre os mitos e a fé antiga que
continuam sendo relevantes para a conversa sobre o mistério
da conjuntura moderna. A discussão entre eles — um encontro
de mentes intensamente criativas sobre o significado do
cristianismo — deve ser considerada uma das conversas mais
transformadoras do século XX.
Lewis foi aprovado para se tornar membro e professor de
língua e literatura inglesa no Magdalen College, em Oxford, em
maio de 1925, mesmo ano em que Tolkien começou a lecionar
anglo-saxão no Pembroke College. Os dois se conheceram
apenas um ano depois e perceberam que, apesar das suas
diferentes visões sobre literatura, ambos tinham muitos
interesses e autores de que gostavam em comum, inclusive a
mesma grande atração por mitologia. Quando Tolkien fundou
um clube entre os colegas professores para a leitura de sagas
islandesas, Lewis aceitou fazer parte dele com alegria. O grupo
se chamava Coalbiters [“mordedores de carvão”] — da palavra
islandesa Kolbitar, termo que significa “homens que chegam
tão perto do fogo no inverno que mordem o carvão”.
Durante os vários anos que se seguiram, conforme eles se
reuniam, Lewis e Tolkien se deram conta de que
compartilhavam do amor pela literatura nórdica, pelas
mitologias e contos de fadas que ambos descobriram nas obras
de William Morris e George MacDonald, e alguns outros
autores.87 Em uma carta enviada a Arthur Greeves datada de
3 de dezembro de 1929, Lewis descreveu uma de suas
conversas: “Fiquei acordado até às 2h30 na segunda-feira,
conversando com o professor de anglo-saxão, Tolkien, que
voltou comigo até a faculdade depois de uma reunião do clube.
Conversamos sobre os deuses e gigantes de Asgard por três
horas, e, então, ele partiu, debaixo de chuva e vento — como
poderia mandá-lo embora antes disso, quando o fogo ainda
estava forte e a conversa tão boa?”.
Estava nascendo entre eles uma profunda amizade.
Contudo, apesar de todos os seus interesses em comum na
área da literatura, os dois homens não conseguiam concordar
sobre a natureza do mito e a sua relação com a fé em Deus. A
discussão sobre o tema atingiu seu ápice em uma noite de
sábado, em 19 de setembro de 1931.
Lewis havia convidado Tolkien e outro amigo, Hugo Dyson,
para jantar com ele no Magdalen College. Dyson, veterano de
guerra, lutara na Batalha do Somme e fora gravemente ferido
na Batalha de Passchendaele, em Ypres. Ele foi contratado
como professor de inglês na Reading University. Lewis gostou
muito dele quando o conheceu, descrevendo-o como “um
homem que realmente ama a verdade: um filósofo e um homem
religioso”.88 Após a refeição, Lewis levou os seus amigos a
Addison’s Walk, uma trilha arborizada que contorna o rio
Cherwell, perto do Magdalen College. Enquanto caminhavam,
discutiam e debatiam suas ideias sobre metáforas e mitos.89
Para Lewis, os mitos podiam ser bonitos e encantar a nossa
imaginação, mas eram mentiras: invenções que não continham
qualquer verdade objetiva sobre o mundo. E era justamente
isso que incomodava Lewis no cristianismo. Para ele, o
cristianismo era como o mito nórdico sobre Balder, o deus que
morreu — uma ficção adorável, “mais uma mitologia entre
tantas outras”. Aqui estava o “relato científico reconhecido” do
crescimento da religião sobre o qual Lewis escrevera a Arthur
Greeves. É a ideia de que “a maioria das lendas contém uma
essência verdadeira em algum lugar”, mas os entusiastas
transformam essa essência em um deus Sol glorificado, uma
divindade do milho, ou em um messias sobrenatural. A crítica
de Lewis representava a visão acadêmica dominante sobre a
religião na virada do século:
Quando digo “Cristo”, é claro que me refiro ao ser mitológico em
quem ele foi posteriormente convertido pela imaginação popular...
Que o homem Yeshua, ou Jesus, de fato existiu é tão certo quanto o
fato de que Buda realmente existiu: Tácito menciona a sua
execução nos Anais. Contudo, todas as outras bobagens, como o
seu nascimento virginal, as curas milagrosas, as aparições e assim
por diante, estão exatamente no mesmo nível de qualquer outra
mitologia.90

A visão de Tolkien era completamente oposta: para ele, os


mitos não tinham sua origem no homem, mas em Deus. Eles
seriam um meio pelo qual Deus comunica ao menos uma parte
de sua verdade ao mundo. Como os homens e as mulheres
vieram de Deus, defendia Tolkien, os seus mais elevados ideais
e anseios também vêm dele. Não apenas o raciocínio abstrato
do homem, mas também suas invenções imaginativas
encontram origem em Deus.91 Como tal, elas revelam um
aspecto da verdade divina.
A criação de mitos, o que Tolkien chama de “mitopéia”, é
uma forma de cumprir os propósitos de Deus como Criador. Ao
inventar um mito — povoando um mundo com elfos e orcs,
dragões e feiticeiras, deuses e deusas — o contador de histórias
tenta recuperar o mundo que ele conhecia antes da queda do
homem. “Já existiu um Éden nesta mesma terra
profundamente miserável”, explicou Tolkien muitos anos
depois. “Todos nós o desejamos e, constantemente, o
vislumbramos: toda a nossa natureza, em sua melhor forma e
menos corrompida possível, em seu estado mais nobre e
humano, ainda está saturada com o sentimento de ‘exílio’”.92
O criador de mitos, estimulado pelo sentimento de exílio e pelo
desejo de retornar ao seu legítimo lar, reflete “um pequeno
fragmento da verdadeira luz”.93
Ao recontar a conversa entre eles em seu poema “Mitopéia”,
Tolkien insistiu que os mitos pagãos não eram simplesmente
“mentiras”, como afirmava Lewis, mas que continham indícios
da verdade sobre Deus e sobre o mundo que ele criou, por mais
deturpados que esses mitos fossem:
O coração do homem não é composto de mentiras,
Mas extrai alguma sabedoria do único Sábio
E ainda se lembra dele. Embora agora distante,
O homem não está totalmente perdido nem totalmente
transformado.
Por mais desgraçado que seja, ele não foi destronado,
E mantém os trapos de senhorio que uma vez possuiu.94
Os amigos finalmente retornaram ao escritório de Lewis,
onde conversaram até às 3h da manhã. O assunto era o
cristianismo. Lewis não entendia o significado dos
ensinamentos fundamentais da fé: os conceitos conhecidos
como “o sangue do Cordeiro” e “a expiação”. Como a vida e a
morte de Jesus poderiam ter “salvado o mundo”? Como a morte
sacrificial de alguém dois mil anos atrás poderia nos ajudar
agora? Tudo isso parecia irrelevante e incompreensível.95
Tolkien respondeu às questões imediatamente e, em sua
resposta, revelou a essência de sua própria filosofia como
escritor e pensador cristão.96 Sim, a história de Jesus, o
Cristo, é uma espécie de mito: é a autêntica história do Deus
que se entrega à morte, mas ressuscita para resgatar seu povo
do pecado e da morte e levá-lo à “Terra Bendita”, onde “embora
sejam criadores, eles não mentem mais”.97 A diferença entre o
cristianismo e todos os mitos pagãos é que este Deus entrou de
fato na história, viveu uma vida real e morreu uma morte real.
“Você está querendo dizer”, perguntou Lewis, “que a história
de Cristo é simplesmente um mito verdadeiro, um mito que
atua sobre nós da mesma forma como os outros, mas que é um
mito que realmente aconteceu? Neste caso, eu começo a
entender”.98
Anos mais tarde, Lewis explicou como a compreensão da
natureza do mito foi crucial para a sua conversão. Ele
finalmente concluiu que o paganismo era “apenas um sonho
profético” e, talvez, um dos “sonhos bons” que Deus envia aos
homens e mulheres para ajudar a guiá-los em sua busca. A
própria busca de Lewis o levaria de volta à vida de Jesus e aos
evangelhos, que ele começara a ler regularmente no original
grego. “Se algum dia um mito se tornasse fato e tivesse se
encarnado, seria exatamente assim. E absolutamente nada em
toda a literatura é como essa história”, escreveu ele. “Aqui, e
somente aqui, em todos os tempos, o mito se tornou um
fato”.99
Tolkien, finalmente, se despediu e voltou para sua casa,
enquanto Lewis e Dyson continuaram a conversar até às 4h da
manhã. Uma barreira intelectual à fé acabara de ser
derrubada. Doze dias depois daquela noite, Lewis confessou a
Arthur Greeves: “Acabei de passar de uma crença em Deus a
uma crença definitiva em Cristo — no cristianismo. Tentarei
explicar isso melhor em outro momento. Minha longa conversa
noturna com Dyson e Tolkien teve grande contribuição para
essa mudança”.100

A GRANDE COLABORAÇÃO
Lewis dedicaria grande parte do resto de sua vida
profissional à tentativa de explicar o cristianismo a um mundo
insensato. Tanto em sua ficção quanto em sua prosa, em obras
como Cartas de um Diabo a seu Aprendiz, O Grande Abismo e
Cristianismo Puro e Simples, Lewis traçou os movimentos da
alma humana da incredulidade à fé. Segundo ele mesmo,
muitas amizades e autores desempenharam um papel
importante em sua jornada, em seu “Regresso do
Peregrino”.101 Sua conversa com Tolkien, no entanto, foi o elo
humano mais direto nesse processo. Ela tirou de Lewis
qualquer traço de racionalização ao qual poderia voltar a
recorrer. “Tudo em que eu havia tanto me empenhado para
expulsar de minha própria vida parecia irradiar da essência
dos meus melhores amigos”, escreveu ele. “Tudo e todos
haviam se juntado ao lado oposto em que eu estava”.102
A conversão de Lewis não foi apenas profunda e vital, ela foi
“o principal divisor de águas em sua vida”, escreveu o biógrafo
Walter Hooper. “Não sobrou um recanto ou parte de seu ser
que não tenha sido tocado e transformado pela sua
conversão”.103 Sua fé foi nutrida pelas amizades: Tolkien e ele
formaram o núcleo de um pequeno grupo de escritores —
quase todos cristãos sérios — que se reunia semanalmente nos
aposentos de Lewis, em Magdalen. Eles se encontravam para
ler e criticar o trabalho uns dos outros. “Teoricamente para
falar sobre literatura”, explicou Lewis, “mas, na verdade, na
maioria das vezes, para falar sobre algo melhor”.104 O nome
do grupo era “Inklings” [do inglês, “ink” — tinta], aqueles que
“mexem com tinta”.105
Foi nesse ambiente que Lewis fez sua primeira tentativa de
usar a ficção científica como veículo para a verdade cristã. Um
de seus alunos levou a sério o sonho da colonização
interplanetária, que Lewis via como uma tentativa científica de
evitar a morte — e como uma rival do cristianismo. O resultado
foi o livro Além do Planeta Silencioso (1938), o primeiro de uma
trilogia de ficção científica inundado em temas e imagens
religiosos. Lewis leu a obra em voz alta em uma das reuniões
dos Inklings, onde, segundo Tolkien, foi “amplamente
aprovada”.106 Esse livro ajudou a lançar a carreira de Lewis
como escritor popular. No entanto, não fosse pela carta de
aprovação enviada por Tolkien a um editor — grande parte da
obra foi descartada como “besteira” pela pessoa designada a ler
o seu manuscrito —, talvez essa história jamais tivesse visto a
luz do dia. “Li a história no manuscrito original e fiquei tão
fascinado que não conseguia fazer mais nada até terminar a
leitura”, contou Tolkien. “De qualquer maneira, eu teria
comprado essa história por quase qualquer preço se a tivesse
encontrado impressa”.107
As primeiras resenhas do livro foram em sua maioria
positivas, contudo Lewis ficou surpreso ao perceber que quase
ninguém identificou nela a doutrina bíblica da Queda, que
sustenta a história do início ao fim. “Se ao menos houvesse
alguém com mais talento e tempo livre, acredito que essa
grande ignorância poderia ajudar na evangelização da
Inglaterra”, escreveu ele a um amigo. “Se sob o disfarce de
romance, qualquer quantidade de teologia pode ser
apresentada agora às mentes das pessoas sem que elas
percebam”.108 Aqui está um insight que Lewis certamente
encontrou em suas muitas conversas com J. R. R. Tolkien.
Ao mesmo tempo, a influência de Lewis sobre seu amigo
também seria profunda. Tolkien há muito acreditava que os
“contos de fadas” eram, na verdade, um gênero para adultos e
“para o qual existia um público faminto”.109 Essa crença, no
entanto, permaneceu uma hipótese não testada até Tolkien
compartilhar seu trabalho inicial com Lewis, que o achou
cativante. “Se ninguém escreve o tipo de livro que desejamos
ler”, disse Lewis ao amigo, “então, nós mesmos teremos de
escrevê-los”.110
Com o passar do tempo, eles fizeram exatamente isso.
Tolkien começou a trabalhar em O Hobbit, uma história
ambientada “há muito tempo, na quietude do mundo, quando
havia menos barulho e mais verde”.111 Seu personagem
principal é Bilbo Bolseiro, uma criatura pequena, amigo dos
elfos, conhecida como hobbit. O personagem apresenta as
virtudes e defeitos de um inglês de classe média. Tem uma vida
confortável e não demonstra qualquer interesse em aventuras.
“Não consigo imaginar o que as pessoas veem neles”. Tolkien
explicou: “Os hobbits são apenas ingleses simples, reduzidos
em tamanho porque refletem a capacidade geralmente pequena
de sua imaginação — e não a capacidade pequena de sua
coragem ou de seu poder latente”.112
Quando O Hobbit foi concluído, Bilbo Bolseiro havia
enfrentado uma jornada perigosa pela Terra Média e se juntado
a um exército de elfos, homens e anãos para enfrentar goblins
e lobos selvagens em uma terrível batalha final. “A vitória agora
deixava de ser uma esperança. Tinham apenas detido a
primeira investida da maré negra”.113
Após a publicação do livro, em 1937, Lewis o elogiou
afirmando se tratar de “uma adaptação para crianças de parte
de uma enorme mitologia particular do tipo mais sério de
todos: a luta cósmica como um todo, segundo a visão do autor,
porém mediada por um mundo imaginário”.114 E esta foi
precisamente a tarefa que o próprio Lewis assumiu ao escrever
As Crônicas de Nárnia, uma série de histórias para crianças
sobre um mundo oculto envolvido em uma grande batalha
entre o Bem e o Mal.
A popularidade instantânea do conto de fadas de Tolkien o
levou a trabalhar em “uma nova história sobre hobbits”.
Contudo, Tolkien dificilmente teria conseguido terminar sua
obra-prima, O Senhor dos Anéis, sem o entusiasmo e o apoio de
seu amigo. Os dois passavam muitas horas no escritório de
Lewis em Magdalen College, com Tolkien lendo capítulos em
voz alta para um público cativo. “C. S. L. tinha verdadeira
paixão por ouvir coisas lidas em voz alta, a sua capacidade de
memória era muito maior ao receber as coisas dessa maneira”,
explicou Tolkien. “Ele também tinha grande facilidade em fazer
críticas espontaneamente”.115 Tolkien recordou-se, certa vez,
de um almoço em que Lewis o repreendeu e aconselhou a
retomar o trabalho, que estava parado por algum tempo.
“Aquele homem incansável leu para mim parte de uma nova
história!”, disse Tolkien. “Mas ele está me pressionando para
terminar a minha. Eu de fato precisava de um pouco de
pressão e, provavelmente, retomarei o meu trabalho”.116 A
escrita do livro de Tolkien se arrastou por anos, inacabada.
“Bebi até a última gota da rica taça e saciei uma antiga
sede”, escreveu Lewis a Tolkien, depois de ler o texto
datilografado de O Senhor dos Anéis. “Nenhum romance é
capaz de repelir a norma do ‘escapismo’ com tanta ousadia. Se
ele erra em algum momento, é precisamente na direção oposta:
o coração adoecido pela esperança que se adia e o acúmulo
impiedoso das probabilidades contra os heróis são quase
dolorosos demais”.117 Ao refletir tempos depois sobre o
envolvimento de Lewis em sua história, Tolkien manifestou sua
gratidão. “A dívida impagável” que ele tinha para com Lewis,
disse ele, era o seu “estímulo incessante” — durante muitos
anos — para que não parasse de escrever. “Ele foi, por muito
tempo, o meu único público”, continuou Tolkien. “Foi ele, e
somente ele, que me fez acreditar que ‘as coisas’ que eu
escrevia poderiam ser mais que simplesmente um hobby
pessoal. Se não fosse por seu interesse e sua perseverança
inflexível para que eu continuasse, O Senhor dos Anéis jamais
teria sido concluído”.118
A colaboração que nasceu entre eles, e o resultado literário
que cresceu a partir dela, não poderia ter surgido em um
momento de maior crise no Ocidente. A geração de Tolkien e
Lewis havia passado pelo conflito mais devastador da História
— e os resultados dele foram praticamente nulos. Quase todas
as nobres convicções e aspirações daquela sociedade pareciam
uma falsidade, uma tolice ou um conto infantil. O Iluminismo,
com sua idolatria da razão, chegara ao fim — “e foi direto para
o fundo do poço, para o qual cegos sempre guiaram outros
cegos ao longo de todos os tempos, e onde todos sucumbiram
miseravelmente”.119
Um mundo, que antes parecia tão sólido e seguro quanto o
granito, se transformara em uma terra de sombras. Philip
Gibbs, jornalista e romancista que servira como um dos
correspondentes oficiais da Grã-Bretanha durante a guerra,
testemunhou esse colapso de perto. “Eles foram ensinados a
acreditar que todo o objetivo da vida era tentar alcançar a
beleza e o amor, e que a humanidade, que progredia rumo à
perfeição, havia matado o instinto animal, a crueldade, a sede
de sangue e a lei primitiva e selvagem da sobrevivência com
unhas e dentes, bastão e machado”, escreveu ele. “Toda a
poesia, arte e religião pregaram esse evangelho e essa
promessa. Agora, aquele ideal estava quebrado como um vaso
de porcelana atirado ao chão”.120

A IMAGINAÇÃO MORAL
Um evangelho falsificado, mito falso, criou uma cacofonia de
desespero no Ocidente. Contudo, dois amigos e autores se
recusaram a sucumbir a essa tempestade de dúvidas e
desilusões. Fortalecidos pela sua fé, proclamaram para toda a
sua geração — e a nossa — um Mito Verdadeiro sobre a
dignidade da vida humana e sobre o seu relacionamento com
Deus. Contra todas as expectativas, suas obras seriam
responsáveis por cativar e inspirar inúmeros leitores de todas
as culturas e partes do mundo.
O que explica essa influência duradoura? Como criadores de
mitos, eles criam novos mundos. Eles inventam novas línguas.
Eles nos transportam para reinos de densa escuridão e beleza
inesquecível. Sua imaginação mítica, no entanto, explica essa
influência apenas parcialmente.
Como veremos, é a sua imaginação moral que exerce poder
inigualável: a afirmação de que cada pessoa se encontra em
uma batalha épica entre a Luz e as Trevas. Nos mundos de
Tolkien e Lewis, as escolhas dos fracos são tão importantes
quanto as dos fortes. Nestes mundos, não somos abandonados
como órfãos, pois há uma força da Bondade sempre pronta a
nos ajudar. Neles, encontramos Gandalf, o Cinzento, o melhor
e mais sábio dos magos, envolvido em uma luta extraordinária
contra a Sombra que ameaça a Terra Média; e Aslam, o temível
Leão, que pagará o preço que for para resgatar Nárnia da “força
do mal” que a invadiu.
A grande conquista de Tolkien e Lewis foi a criação de
figuras míticas e heroicas que, ao mesmo tempo, se adaptam a
nossas vidas concretas e comuns. Por meio delas, somos
desafiados a examinar nossos desejos mais profundos,
expulsar nossas dúvidas e a nos juntarmos na luta contra o
mal. Pois em sua voz está o aviso: o chamado para “fazer o que
está em suas mãos”, custe o que custar. Na presença dessas
personagens está a força: a graça para “deixar de lado o pesar e
o medo”, uma graça acima de qualquer esperança.121 São
esses os grandes temas que dominam as suas obras e
continuam a encantar gerações de leitores.
Em O Senhor dos Anéis, é Gandalf quem convoca os homens
à batalha, cuja presença exige uma resposta do coração. “‘E
agora’, disse o mago, virando as costas para Frodo, ‘a decisão
está em suas mãos. Mas eu sempre o ajudarei’. Ele colocou a
mão no ombro de Frodo. ‘Eu o ajudarei a carregar este fardo,
Frodo Bolseiro, enquanto couber a você carregá-lo. Mas
devemos fazer algo, logo. O Inimigo se aproxima’”.122
Em As Crônicas de Nárnia, é a voz de Aslam que deve ser
considerada como nenhuma outra, uma voz que enche todas as
almas de medo ou satisfação. “Aslam sacudiu a cabeça felpuda,
abriu a boca e proferiu uma única nota longa; não muito alta,
mas cheia de poder. O coração de Polly deu um salto; só podia
ser um chamado, e, fosse quem fosse que o ouvisse, desejaria
obedecer-lhe e (mais ainda) encontraria meios para atendê-lo,
não importando quantos mundos se interpusessem".123
capítulo

AQUELA FORTALEZA MEDONHA

No verão de 430 a.C., o mundo civilizado parecia estar se


desmantelando na névoa e na fúria de uma grande guerra.
Era a fase inicial da Guerra do Peloponeso, um confronto
violento de ambições imperiais entre os dois titãs da Grécia
antiga, Atenas e Esparta. Quando o historiador ateniense,
Tucídides, começou o seu registro da guerra, ele esperava que
ela fosse “mais importante do que qualquer conflito anterior”.
Ele estava certo. Essa guerra envolveu praticamente todo o
mundo grego e se arrastou por 27 anos, antecipando o
sofrimento e a privação associados aos conflitos modernos: as
atrocidades, os refugiados, as doenças, a fome e os massacres.
A guerra destruiu o que restava da democracia ateniense.
No segundo ano do conflito, surgiu uma misteriosa praga em
Atenas. Ela se espalhou rapidamente, matando praticamente
todos que a contraíam, levando toda a população a um estado
de pânico e desespero. “Nenhum biotipo em particular, forte ou
fraco, era capaz de resistir”, escreveu Tucídides, “e a praga se
alastrou indiscriminadamente, não importava o que se tentasse
fazer para tratá-la”.1 O que se seguiu foi o colapso total da
moralidade pública e privada: as pessoas abandonavam seus
amigos para morrerem sozinhos, familiares fugiam de suas
próprias casas, mães abandonavam seus próprios filhos.
Tucídides registrou o cenário da seguinte maneira:
Ninguém estava preparado para perseverar naquele que, antes, era
considerado o caminho da honra, pois sabiam que poderiam morrer
antes de alcançar esse destino. O prazer imediato, e qualquer meio
que pudesse conduzir a isso, tornou-se a nova honra e o novo valor.
Nem o temor a Deus, nem as leis humanas foram capazes de
impedir essa mudança. As visões de homens devotos e ímpios
passaram a ser as mesmas quando ambos começaram a ver todos
morrendo em volta, sem qualquer distinção.2

Vimos como o desespero e a descrença afligiram grande


parte da geração que viveu durante a calamidade da Primeira
Guerra Mundial. “Estas coisas surgiram das condições
peculiares da guerra de trincheiras”, escreveu G. J. Myer, “uma
experiência além de qualquer coisa que a psique humana foi
criada para suportar”.3 Os soldados não conseguiam
compreender o que estava acontecendo com eles. Dezenas de
milhares daqueles homens foram profundamente afetados pelo
trauma dos bombardeios. Só na Grã-Bretanha, quatro anos
após o fim da guerra, seis mil veteranos foram internados em
manicômios.4 Os escritores do pós-guerra pareciam não
conseguir encaixar a natureza daquele conflito em nenhuma
categoria psicológica, ou encontrar qualquer conjunto de
crenças capaz de ajudá-los a compreendê-lo. Esse fato torna os
objetivos literários de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis ainda mais
notáveis: eles rejeitaram firmemente o senso de banalidade e
agnosticismo que contaminou grande parte da produção
literária de seu tempo.
Quando o primeiro livro da trilogia de Tolkien, A Sociedade
do Anel, foi publicado, em 1955, seu amigo de Oxfrod escreveu
uma resenha para a Time and Tide. Lewis reconheceu, com
toda honestidade, que a história de Tolkien sobre hobbits, elfos
e magos era um conto romântico e fantástico completamente
fora de sintonia com aqueles tempos. Nessa obra, como em
nenhuma outra, o romance heroico “voltou repentinamente em
um período cujo antirromantismo é quase patológico”.5 No
entanto, Lewis insistiu que uma das forças surpreendentes da
história era justamente o seu realismo: a descrição de uma luta
extraordinária entre o Bem e o Mal que navega entre os recifes
mortais da ilusão e da desilusão.
Quanto ao escapismo, tentamos escapar, principalmente, das
ilusões da vida cotidiana. Certamente não escapamos da dor.
Apesar de buscarmos muitos confortos e momentos de diversão a
fim de agradar o hobbit que habita em cada um de nós, a dor é,
para mim, o tom predominante da história. Mas não da maneira
mais típica encontrada na literatura de nosso tempo, a dor de
almas atípicas ou deformadas; mas sim aquela dor daqueles que
foram felizes antes do surgimento de determinadas trevas e que
serão felizes novamente se viverem para vê-las desaparecerem.6
O mesmo também pode ser dito sobre as histórias de Lewis.
As cenas mais memoráveis em As Crônicas de Nárnia ou em
sua Trilogia Cósmica geralmente carregam esta marca: a
mistura de tragédia e esperança. Assim como Tolkien, Lewis
revestiu seus contos de fantasia e de mito para transmitir
verdades duras sobre a condição humana: sua melancolia e
vaidade, bem como suas virtudes e triunfos. “E o Homem como
um todo, o Homem se opôs ao universo”, escreveu. “Será que
conseguimos ver quem é o Homem de fato, até que o vejamos
como um herói em um conto de fadas?”.7 Apresentadas como
fantasias, essas histórias têm como objetivo suavizar os nossos
preconceitos modernos e falar à nossa imaginação. Dessa
maneira, elas nos permitem redescobrir verdades sobre nós
mesmos e sobre o nosso mundo que, de outra forma, poderiam
permanecer ocultas.
Isso ajuda a explicar o apelo extraordinário de suas obras,
que continuam populares setenta anos, ou mais, após a sua
primeira publicação. Em uma pesquisa de 2003, conduzida
pela BBC na Grã-Bretanha, O Senhor dos Anéis foi considerado
“o livro mais amado da nação”. Tolkien foi celebrado como “o
autor do século”, e com razão.8 “Em qualquer estudo sobre
heroísmo moderno”, escreveu Roger Sale, “se O Senhor dos
Anéis, de J. R. R. Tolkien, não existisse, ele teria de ser
inventado”.9 Traduzida em 38 idiomas, a trilogia já vendeu
mais de 150 milhões de cópias.
C. S. Lewis recebeu semelhante aclamação. A obra As
Crônicas de Nárnia é amplamente considerada um clássico da
fantasia infantil, ao lado das obras de Lewis Carroll, Rudyard
Kipling, entre outros. A série vendeu mais de 100 milhões de
cópias e foi traduzida em 47 idiomas. Até a trilogia popular de
Philip Pullman, Fronteiras do Universo, repúdio autoconsciente
do trabalho de Lewis, presta homenagem ao seu poder
narrativo. As adaptações para o cinema de O Senhor dos Anéis
e As Crônicas de Nárnia apresentaram centenas de milhões de
pessoas à sua visão essencialmente cristã da história humana.

O MUNDO COMO O ENCONTRAMOS


Quais são os elementos básicos dessa visão? Como soldados
na Grande Guerra, Tolkien e Lewis suportaram uma
calamidade humana que lançou as bases para a sua
imaginação mítica. A guerra foi imposta sobre eles quando
jovens, trazendo a experiência do combate, do sofrimento e da
morte que permaneceriam na alma de todos os veteranos de
guerra de sua geração.
“Você range violentamente os dentes enquanto segura uma
granada de mão”, escreveu Ernst Jünger, em Tempestades de
Aço, um dos primeiros livros de memórias da Primeira Guerra
Mundial. “Você treme com dois impulsos contraditórios: a
consciência aguda do caçador e o terror da caça. Você é um
mundo em si mesmo, saturado com a aura terrível da paisagem
selvagem que o cerca”.10 Otto Dix, artista alemão, sobreviveu
aos combates em Champanhe, no Somme e na Rússia, mas foi
profundamente afetado por eles. “Piolhos, ratos, arames
farpados, pulgas, projéteis de bombas, cavernas subterrâneas,
cadáveres, sangue, álcool, camundongos, gatos, artilharia,
sujeira, balas, morteiros, fogo, aço: isso é a guerra”, escreveu
ele. “É obra do diabo”.11
Tolkien e Lewis concordariam com ele. Algo central em sua
experiência de guerra foi o encontro com a presença do mal: a
corrupção profunda do coração humano que o torna capaz de
caçar e destruir milhões de vidas em uma guerra de desgaste
implacável.12
No entanto, em ambos os autores surgiu uma convicção de
que o problema do mal não podia ser explicado apenas em
termos naturais. O mal, na verdade, existe como uma
escuridão na alma de todo ser humano e como uma força
espiritual e concreta no mundo. “A Sombra dessa fortaleza
medonha”, escreveu o poeta escocês Sir David Lyndsay, “tem
mais de dez quilômetros de extensão”.13 Assim como a guerra
que eles conheceram na Frente Ocidental, a Sombra é uma
força desumanizadora. Ela tenta dominar ou destruir qualquer
coisa que resista à sua vontade. E esse é o fato irreprimível por
trás de suas histórias, a realidade que impulsiona os seus
personagens à ação.
Em O Senhor dos Anéis, Bilbo Bolseiro, dono de um Anel
misterioso, volta para casa e é recebido por seu grande amigo,
o mago Gandalf. Gandalf insiste que Bilbo entregue o Anel ao
seu jovem herdeiro, Frodo Bolseiro. O Anel Soberano tem
poderes especiais: seu portador, tornando-se invisível,
consegue ver os pensamentos de todos aqueles que usaram os
anéis inferiores, podendo controlá-los e até mesmo aprisioná-
los. Criado por Sauron, o Senhor do Escuro, o Anel se tornaria
a principal arma em sua tentativa de dominar toda a Terra
Média. Sauron faria qualquer coisa para recuperá-lo, como
explica Gandalf:
Um Anel para a todos governar, um Anel para encontrá-los,
Um Anel para a todos trazer e na escuridão aprisioná-los,
Na terra de Mordor, onde as Sombras se deitam.

Quando Gandalf visita Frodo, ele o adverte sobre o perigo


iminente e o que deve ser feito para vencê-lo. O Anel, afirma
Gandalf, é um poder que corrompe. Qualquer um que continue
a usá-lo será destruído por ele. Não há nenhuma mão, por
mais pura que seja, que possa ser confiada ao Anel por muito
tempo: sua força é tamanha, que ele transforma todo o bem em
mal.
Um mortal, Frodo, que fica com um dos Anéis do Poder, não morre,
mas também não cresce nem recebe mais vida, ele simplesmente
continua até que, por fim, cada minuto se torna exaustivo. Além
disso, se usa o Anel com muita frequência para ficar invisível, ele
desaparece: no final, ele se torna invisível permanentemente e
caminha na luz do crepúsculo sob o olhar do Poder do Escuro que
controla os Anéis... mais cedo ou mais tarde, o Poder do escuro o
devorará.14
Uma arma tão poderosa quanto essa não pode ser enterrada
ou escondida — ela precisa ser destruída. E o único lugar onde
pode ser destruída é o lugar onde foi criada: nas chamas da
Montanha da Perdição, em Mordor. “É lá que está a nossa
esperança, se é que ainda existe”, diz Elrond. “Devemos lançar
o Anel no fogo”.15 O Anel deve ser levado até Mordor, e ficou
decidido que Frodo carregará este fardo terrível. Essa, então, se
torna a sua grande demanda — ou, melhor, sua antidemanda,
já que a sua missão não é de resgate, mas de destruição.16
Frodo, como o Portador do Anel, sente a força do mal o
pressionando, enquanto ele e seu companheiro de viagem, Sam
Gamgi, se aproximam dos Portões de Mordor. É o Olho de
Sauron, “envolto em chamas”, que busca, incessantemente,
pelo Anel a fim de atraí-lo para casa. “Aquela terrível e
crescente sensação de uma vontade hostil que lutou com
grande poder para perfurar todas as sombras de nuvem, e
terra, e carne só para ver você: para fixá-lo, nu e imóvel, sob o
seu olhar mortal”, escreveu Tolkien. “Ele estava diante disso e o
seu poder foi sentido em sua fronte”.17
Lewis tinha uma compreensão do mal bastante parecida: é
um poder objetivo no mundo e trava uma guerra pelas almas
de cada ser humano. Ele busca criar uma sociedade de
escravos, governada por déspotas e “completamente mantida
pelo medo e pela ganância”.18
Em As Crônicas de Nárnia, Lewis expôs, em sete romances, o
desenrolar da história do reino imaginário de Nárnia — um
reino dilacerado pela guerra. Acompanhamos as aventuras de
crianças inglesas do mundo real (a Londres atual) que são
magicamente transportadas para Nárnia, terra de seres míticos
(faunos, sátiros e centauros) e animais falantes (ursos, texugos,
toupeiras e ratos). Lá, elas conhecem Aslam, o grande Leão e
“Senhor dos Bosques e Filho do grande Imperador de Além-
Mar”. Aslam chama as crianças para ajudá-lo a resgatar Nárnia
de um novo despotismo e para restaurar o trono de Nárnia à
sua linha legítima de reis.
Assim que as quatro crianças da família Pevensie — Pedro,
Susana, Edmundo e Lúcia — chegam a Nárnia, elas se
deparam com uma força do mal. É a figura da Feiticeira
Branca, a Rainha do Gelo. Ela é uma bruxa e bruxas em geral
são assim. “Não estão jamais interessadas nas coisas ou nas
pessoas, mas na utilidade eventual destas”.19 Embora ela
tenha sido derrotada, a Feiticeira Branca voltou à vida graças à
insensatez humana: “A Feiticeira Branca? Quem é ela?”,
pergunta Lúcia. “Ora, é ela quem manda na terra de Nárnia”,
responde o Fauno. “Por causa dela, aqui é sempre inverno.
Sempre inverno e nunca Natal. Imagine isso!”.20
Em O Sobrinho do Mago, as crianças ouvem um som que
emana das profundezas da terra, uma voz assombrosa — “a
Primeira Voz” —, voz tão linda que chegava a ser quase
insuportável. A voz era de Aslam e ele estava fazendo uma
convocação para o novo mundo — a criação de Nárnia. A
música de sua voz enche as crianças de alegria, embora não
entendam direito o que está acontecendo. “Mas a Feiticeira
olhava como se, de algum modo, entendesse mais daquela
música do que ninguém”, escreveu Lewis. “De boca fechada,
lábios contraídos, punhos cerrados, desde que a canção
começara, sentia que aquele mundo se enchia de uma Magia
diferente da sua — e mais forte. E ela a detestava”.21
Nos mundos da Terra Média e de Nárnia, o mal é uma
perversão do bem, que é a realidade definitiva. Apesar de Lewis
ser muito mais explícito ao nomear Deus como a fonte de tudo
o que é bom no mundo, Tolkien compartilha de sua crença
cristã de que o mal representa uma rejeição a Deus — e à
alegria, à beleza e à virtude que se originam nele.22 O mal é
uma mutação, um parasita, um intruso. É uma Escuridão
ancestral que teme e despreza a Luz. Em guerra contra o bem,
é uma força imensamente poderosa na vida humana e em suas
sociedades. “Se o sofrimento fosse visível”, explicou Tolkien
certa vez, “quase a totalidade deste planeta tenebroso estaria
envolvido por uma densa névoa escura, coberto e cercado pela
visão assombrada dos céus!”.23
A presença e o poder do mal são tema dominante na trilogia
de ficção científica de Lewis. Em seu primeiro romance, Além
do Planeta Silencioso (1938), somos apresentados a Elwin
Ransom, um professor universitário de meia-idade que —
assim como Lewis, ferido durante a guerra — tende a cuidar da
própria vida. Ele é sequestrado por Dick Devine e pelo Dr.
Weston, um cientista louco que deseja, custe o que custar,
levar a raça humana para outros planetas. Eles viajam para
Malacandra (Marte), onde descobrimos que o governante de
Thulcandra (Terra) tornou-se “dobrado” e passou a desejar
“destruir outros mundos além do seu”. Contudo, “uma grande
guerra” entre ele e Maleldil, o governante de todo o universo,
deixou a Terra isolada do resto do sistema solar.
As aventuras de Ransom continuam em Perelandra e em
Aquela Fortaleza Medonha, onde a luta para refazer e subjugar
a raça humana atinge o ápice no planeta Terra, na cidade
inglesa de Edgestow. Lá, uma força sinistra, incorporada no
Instituto Nacional de Experimentos Coordenados (N.I.C.E.), foi
instalada. Ransom alerta: “A Fortaleza Medonha segura toda a
Terra em sua mão para esmagá-la segundo seus desejos”.24
Ela atraiu em seu redemoinho o professor Mark Studdock e
sua mulher, Jane, que percebem quase tarde demais a
natureza daquela ameaça. Tem início, então, uma batalha de
proporções cósmicas. Não é de surpreender que o tema central
dessa história seja o uso abusivo da ciência e da tecnologia.
Uma das primeiras resenhas da obra, publicada na revista
Punch, dizia o seguinte: “Foi um grande triunfo o Sr. Lewis ter
mostrado, com credibilidade arrasadora, como as pequenas
almas lamentáveis de Jane e Mark Studdock se tornam o
campo de batalha apocalíptico do Céu e do Inferno”.25
Quando, na década de 1930, Tolkien e Lewis começaram a
criar suas histórias, a crença tradicional na existência do mal
já estava fora de moda. Como vimos, os líderes de círculos
cultos haviam dispensado esses “conceitos medievais”,
considerando-os vestígios da superstição religiosa. Mesmo
atualmente, o conceito do mal continua sendo, talvez, o mais
polêmico em qualquer discussão sobre Deus, religião, ou
cristianismo. Os céticos o enxergam como ferramenta
psicológica para reprimir os membros de uma comunidade ou
para demonizar aqueles que não fazem parte dela. Em uma
coisa eles estão certos: nenhuma pessoa que estude a história
do Ocidente pode deixar de notar o abuso de doutrinas
religiosas para finalidades perversas.
Contudo, esses autores fundamentam as suas histórias na
ideia antiga de Queda do Homem: assim como entrou em nosso
mundo em um passado distante, a força do mal continua
habitando e ameaçando os mundos de sua imaginação. É a
mais profunda fonte de alienação e conflito em suas histórias.
Mesmo assim, ela não é capaz de apagar o desejo pelo bem e
pela alegria, tão palpavelmente vivo nas melhores e mais
nobres de suas personagens. A lembrança do Éden os
persegue: tire essa imagem fundamental e a sua visão moral
desmorona.26

DESTINO E LIVRE ARBÍTRIO


Podemos esperar que suas narrativas, sustentadas por essas
crenças, sigam em uma de duas direções: ou em direção ao
triunfalismo do combatente, como vimos durante a Primeira
Guerra Mundial, ou em direção ao fatalismo, estado de espírito
que transforma homens e mulheres em vítimas indefesas nas
tempestades da vida. Ao contrário disso, os heróis da Terra
Média e de Nárnia são muito mais complexos: muitas vezes,
prejudicados por seus próprios medos e deficiências; eles
resistem ao fardo da guerra. No entanto, também vemos neles
uma afirmação da responsabilidade moral — uma dignidade
irredutível — mesmo em meio às terríveis forças unidas contra
eles.
Essa tensão aparece repetidamente — incansavelmente —
em O Senhor dos Anéis, desde as suas primeiras páginas até os
seus capítulos finais. Imediatamente após Gandalf explicar a
Frodo que Sauron, o Grande, o Senhor do Escuro, ressurgiu e
voltou a Mordor para dar continuidade aos seus desígnios
perversos, Frodo recua. “Queria que o anel nunca tivesse sido
dado a mim e que nada disso tivesse acontecido”, diz ele.
Gandalf, então, responde: “Assim como todos que
testemunham tempos sombrios como este, mas não cabe a eles
decidir, o que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que
nos é dado”.27
Quando o Conselho se reúne em Valfenda para decidir como
o Anel será destruído, Elrond lembra à Comitiva que a ajuda
virá de “outros poderes e reinos que vocês não conhecem”.
Mesmo assim, ele avisa que o caminho pela frente será muito
difícil. “Esta demanda tanto pode ser feita pelos fracos com
esperança quanto pelos fortes. É sempre assim o curso dos
fatos que movem as rodas do mundo: as mãos pequenas os
realizam porque precisam, enquanto os olhos dos grandes
estão voltados para outros lugares”.28
Frodo é acompanhado em sua demanda por seus amigos do
Condado: Sam, Merry e Pippin. Além dos hobbits, ele tem a
ajuda de Aragorn, um Guardião do Norte — um rei “oculto” de
Gondor — cuja vida é dedicada à guerra contra Sauron;
Legolas, rei dos elfos da Floresta das Trevas; e Gimli, um
descendente de Glóin, uma linhagem nobre de anãos. Gandalf,
o Cinzento, também se juntou a eles, sendo o seu poderoso
protetor e guia. Gandalf, porém, se perde deles ao ser arrastado
para um abismo por Balrog, na Ponte de Khazad-dûm,
enquanto o restante da Comitiva precisa fugir para se salvar. A
perda perfura suas almas com uma grande dor. “Frodo ouviu
Sam chorando ao seu lado e, então, se deu conta de que ele
também chorava enquanto corriam”.29
No entanto, todos seguem em sua jornada. Eles chegam a
Caras Galadhon, onde mora Galadriel, “a mais poderosa e mais
bela de todos os elfos que permaneceram na Terra Média”.30
Quando se reúnem diante dela, ela fixa seus olhos em cada um
deles e dá um aviso brutal: “A Demanda está por um fio.
Desviem só um pouco do caminho e nada dará certo, para a
ruína de todos”.31 O que eles deveriam fazer?
O relato de Tolkien sobre a condição do coração deles é tão
verdadeiro para a vida humana que caminha na sombra da
morte quanto qualquer coisa presente na prosa moderna. Cada
um deles se depara com a clareza espantosa da escolha que
devem fazer: continuar a sua demanda, em direção a perigos e
horrores indizíveis, ou tomar o caminho mais fácil e seguro e
retroceder. “Todos eles, ao que parecia, sentiam-se da mesma
maneira: cada um deles sentiu que lhe fora oferecida a escolha
entre uma sombra cheia de medo que encontrariam em seu
caminho e algo que muito desejavam. Isso estava claro na
mente de cada um, e para conseguir o que queriam, bastava
deixar aquela jornada e abandonar a Demanda e a guerra
contra Sauron para ser lutada por outros”.32
A escolha enfrentada por eles também era uma convocação;
não o acaso cego, mas um Chamado para suas vidas. Quem
recebe um Chamado pode atendê-lo — ou recusá-lo, dar as
costas e andar em direção às Trevas. Contudo, a indiferença ao
Chamado para lutar contra o mal não é uma opção; é preciso
escolher um lado. Assim, colocado diante de nossa imaginação
pelas obras de Tolkien e Lewis está um dos maiores paradoxos
de nossa vida mortal: a misteriosa convergência da providência
com o livre arbítrio.33
Observe a conversa entre Frodo e Sam enquanto descansam
por alguns momentos nas escadas de Cirith Ungol, a fenda
entre as Montanhas Ocidentais de Mordor. A área estava
fortemente cercada pelo Inimigo. Obrigados a confiar no
traiçoeiro Gollum como guia, eles estão preocupados, cansados
e sem comida e água. Ao refletirem a respeito de sua situação,
Sam filosofa sobre os acontecimentos que os levaram até
aquele momento de perigo e sobre as escolhas que eles fizeram
ao longo do caminho.
“Não gosto de nada neste lugar”, disse Frodo. “Degrau ou pedra,
sopro ou osso. Terra, água e ar, tudo parece amaldiçoado. Mas
assim está traçado o nosso caminho”.
“Sim, é verdade”, respondeu Sam. “E não estaríamos aqui se
soubéssemos mais a respeito de tudo o que nos aguardava quando
começamos. Mas acredito que é assim na maioria das vezes. As
coisas corajosas dos contos e canções antigas, Sr. Frodo: as
aventuras, como eu costumava chamá-las. Pensava que eram
coisas que os personagens maravilhosos das histórias saíam à
procura, porque eles queriam vivê-las, porque eram emocionantes e
a vida deles era monótona — como se as aventuras fossem uma
espécie de passatempo, por assim dizer. Mas não é assim nos
contos que realmente importam, ou naqueles dos quais jamais nos
esquecemos. Nestes, geralmente, os personagens parecem se
encontrar em determinada situação — o seu caminho parece ter
sido traçado, como você disse. Mas acredito que eles tiveram muitas
chances, assim como nós, de retroceder, mas escolheram não
voltar”.34
Essa é uma verdade que Tolkien deve ter aprendido durante
a Grande Guerra, uma “aventura” que ele não buscou, mas
que, indesejada, chegou. Eles tiveram muitas chances, assim
como nós, de retroceder, mas escolheram não voltar. Essa
liberdade para cumprir ou fugir do Chamado para a vida é a
essência do trabalho de Tolkien — e de sua compreensão da
condição humana.
Assim como Tolkien, Lewis não diminuiu a necessidade de
fazer escolhas difíceis aos seus personagens principais; quase
todos eles são julgados pelas decisões que tomam ou deixam de
tomar quando chega o Chamado para a batalha. Em O
Sobrinho do Mago, o cocheiro e sua mulher, um casal humilde
de uma área modesta de Londres, são escolhidos para governar
Nárnia, como seu primeiro rei e rainha. Eles são avisados de
que encontrarão adversários ao trono. O que, Aslam pergunta,
eles farão para defendê-lo?
“E se inimigos vierem combater a terra (pois eles virão), será você o
primeiro a atacar e o último a bater em retirada?”
“Bom, senhor”, respondeu o cocheiro lentamente, “um sujeito só
pode saber as coisas depois que as experimenta. Até hoje só briguei
com os meus próprios punhos. Espero... quer dizer... tentarei fazer
a minha parte”.
“Se o fizer”, disse Aslam, “você terá feito tudo o que um rei deve
fazer”.35
Somos levados a crer que as escolhas desses personagens —
suas decisões de abandonar o medo e o ego e escolher fazer o
bem — são feitas livremente, mas, ainda assim, com a ajuda de
uma fonte de força externa a eles. Tolkien foi relutante em dar
nome a esse poder, embora em certa ocasião tenha explicado
que “o elemento religioso é absorvido pela história e pelo
simbolismo”.36 Assim, em O Senhor dos Anéis, vemos que
Bilbo “estava destinado a encontrar o Anel”, que Frodo foi
“designado” e “escolhido” para levá-lo até Mordor e que, mesmo
quando a Sociedade decide qual será o seu próximo passo, “as
marés do destino estão fluindo”. Destino e livre arbítrio estão
misturados ao longo de toda a história: “Mas você foi
escolhido”, diz Gandalf, “e deve, portanto, usar a força, a
paixão e a inteligência que possui”.37
A alegoria usada por Lewis não deixa dúvidas sobre quem é
a Pessoa que transcende as lutas de nossa vida terrena — e ela
se envolve profundamente nessas lutas. Em O Cavalo e seu
Menino, Shasta e Aravis, ajudados por cavalos falantes, correm
pelo deserto para avisar a Arquelândia e a Nárnia que o
exército de Rabadash se aproxima para destruí-las. Antes de
atingir o seu objetivo, eles são atacados por um leão. Aravis,
que está mais atrás, está prestes a ser devorada pelo animal.
Shasta, então, enfrenta um momento de decisão:
“Pare!”, gritou Shasta no ouvido de Bri. “Precisamos voltar.
Precisamos ajudar!”
Shasta puxou os pés dos estribos, virou as pernas para o lado
esquerdo, hesitou durante um pavoroso centésimo de segundo e
pulou. A queda doeu horrivelmente, mas, antes de ter consciência
disso, já ia cambaleando para ajudar Aravis. Jamais tinha feito
uma coisa dessas em toda a sua vida e mal sabia por que estava
fazendo isso naquele instante.38

O leão, como descobrimos mais tarde, era Aslam disfarçado.


Ele estava determinado a guiar as crianças em sua jornada,
mesmo que isso significasse o enfrentamento de perigo e
sofrimento. Embora Lewis tenha compartilhado apenas alguns
fragmentos de sua experiência durante a guerra, podemos
imaginar que, ao menos em uma ocasião, ele provavelmente
precisou voltar “mancando para ajudar” algum amigo debaixo
de ataque, sem entender completamente o que estava fazendo.
De fato, essa cena deve ter sido bastante familiar para muitos
soldados na Grande Guerra, ou em todas as guerras que já
foram travadas: a imagem de um soldado se lançando ao perigo
para resgatar um companheiro abatido.

PODER, CIÊNCIA E SEDUÇÃO


Uma coisa é se juntar à luta contra o mal no mundo, outra
bem diferente é perseverar — continuar resistindo às tentações
tenebrosas inerentes à luta. Nunca é demais enfatizar que a
tragédia humana da Primeira Guerra Mundial prejudicou a
própria ideia de livre arbítrio. Afinal, milhões de homens foram
lançados no impiedoso conflito que roubou a sua humanidade.
Eles foram mutilados, bombardeados, golpeados, atacados com
gás e completamente destruídos sem piedade. O desamparo
completo de cada soldado na Frente Ocidental foi um tema
recorrente da literatura do pós-guerra.
É exatamente essa ideia que Tolkien e Lewis repudiam em
suas obras. Em A Sociedade do Anel, por exemplo, vemos
Frodo lutar para resistir ao desejo quase irresistível de usar o
Anel enquanto o terror dos Cavaleiros Negros se aproxima. Ele
cede à tentação e, mais tarde, repreende-se amargamente:
“pois ele agora percebeu que, ao colocar o Anel, obedeceu não
ao seu próprio desejo, mas ao desejo dominante de seus
inimigos”.39 Apesar de ter lutado furiosamente contra seus
agressores, ele é golpeado pela Faca de Morgul, cujo veneno o
colocaria sob o poder do Senhor do Escuro. Curado por seus
amigos, fica fascinado com o fato de terem conseguido escapar.
“Sim, a sorte ou o destino o ajudaram”, diz Gandalf, “sem falar
da coragem. Pois o seu coração não foi tocado, e apenas o seu
ombro foi atingido; e isso porque você resistiu até o fim”.40
Em Frodo, devemos ver a nós mesmos: nossas fraquezas,
nossas justificativas e nossa falta de determinação para
combater o mal. Temos, também, um vislumbre de uma vida de
coragem e perseverança em meio a lutas contínuas: você
resistiu até o fim. A história de Tolkien nos lembra de que o mal
é uma força incansável que atua sobre a vida humana e que a
guerra contra ele exige vigilância constante.
Após o Conselho de Elrond, quando Frodo concorda em levar
o Anel até Mordor, ele é confrontado por Boromir, que se
juntou à Sociedade. Boromir é um “homem valente”, um
guerreiro poderoso, mas também uma figura dividida entre a
honra e o orgulho, o poder e a sabedoria.41 Ele discorda da
decisão do Conselho de destruir o Anel, acusando-os de serem
tímidos, em vez de sábios. “Homens de coração sincero não
serão corrompidos”, ele garante a Frodo. Os seus motivos,
insiste, são puros: “Não desejamos o poder dos magos,
desejamos apenas a força para nos defendermos, desejamos
força para uma causa justa”, continua ele. “E vejam! Em nossa
necessidade, o destino nos trouxe o Anel do Poder... é loucura
não o usar, não usar o poder do Inimigo contra ele mesmo”.42
Tudo isso soa tão razoável aos ouvidos modernos. No
entanto, é justamente a atitude de Boromir que se volta contra
Frodo, obrigando-o a fugir, que desfaz a Sociedade e coloca
todos os seus membros em perigo. Boromir se arrepende de
sua traição, mas isso lhe custa a própria vida.
Para Saruman, mago originalmente comprometido a ajudar
a Terra Média em sua luta contra Sauron, a traição custa a sua
alma. Em seu confronto com Gandalf, ele explica que “está
surgindo um novo poder” que não pode ser resistido
abertamente. O caminho da sabedoria, insiste ele, é juntar-se a
esse Poder e esperar por uma oportunidade para alterar o seu
curso. “À medida que o Poder cresce, seus amigos crescem
também; e os Sábios, como você e eu, podem, com paciência,
vir a, enfim, dirigir o seu curso e controlá-lo”, diz ele. “Podemos
esperar a nossa hora, podemos guardar nossos pensamentos
no coração, lamentando silenciosamente as maldades feitas
pelo caminho, mas aprovando o seu propósito final e
superior”.43
Ele garante que os seus nobres objetivos não mudariam,
apenas os meios para alcançá-los. Essa mesma justificativa é
oferecida por Nikabrik, um dos anões negros em Príncipe
Caspian que se junta à resistência narniana contra os
telmarinos. Depois das muitas derrotas sofridas pelo povo de
Nárnia, Nikabrik começa a ficar pessimista. Em um conselho
dos conselheiros de Caspian, eles decidem tocar a trompa que
pertencia à antiga rainha Susana, para pedir ajuda a Aslam.
Quando, porém, a ajuda não chega, o amargurado Nikabrik
sugere que talvez seja a hora de buscar ajuda em outro lugar:
“Ou Aslam morreu”, começa Nikabrik, “ou ele está contra nós. Ou
então... algum poder maior do que ele não deixa que ele venha. O
melhor, portanto, é a gente não contar com Aslam. Não era dele que
eu falava”. Ninguém replicou, e por um momento o silêncio foi tão
completo que Edmundo pôde ouvir distintamente a respiração
ruidosa do texugo.
“Então, do que está falando?”, perguntou Caspian, por fim.
“Falo de um poder muito maior do que o de Aslam e que, se a lenda
diz a verdade, dominou Nárnia durante anos e anos”.
“A Feiticeira Branca?!”, exclamaram três vozes ao mesmo tempo...
“Sim”, respondeu Nikabrik, falando distinta e pausadamente.
“Estou falando da Feiticeira. Sentem-se novamente. Não se
assustem com o pronunciamento de um nome como se fossem
crianças. Queremos poder: e queremos um poder que esteja do
nosso lado”.44
A crueldade de Nikabrik e a sua disposição de se
comprometer com o mal são a sua ruína. É difícil imaginar
uma história melhor que possa servir de lição para o guerreiro
que existe em todos nós: por mais nobres que sejam os
motivos, eles podem ser facilmente distorcidos pelo desejo de
glória e pelo gosto por poder.
Para Tolkien e Lewis esse era um tema de extrema urgência.
No mundo moderno, as novas tecnologias — o que Winston
Churchill chamou de “as luzes da ciência pervertida” —
estavam sendo utilizadas para extinguir a liberdade humana.
“As ciências físicas, boas e inocentes em si mesmas já haviam,
nos tempos de Ransom, começado a ser distorcidas e
sutilmente manobradas a uma determinada direção”, escreveu
Lewis em Aquela Fortaleza Medonha. “A aversão à verdade
objetiva estava sendo cada vez mais incutida na mente dos
cientistas; a indiferença a ela e uma concentração no mero
poder foi o resultado disso”.45
A relação perversa entre tecnologia, ciência e poder tornou-
se uma realidade definidora dos anos pós-guerra. Eugenia,
comunismo, fascismo, nazismo: essas eram as revoluções e
ideologias que surgiram a partir do enfraquecimento das
democracias europeias, tudo em nome do avanço da raça
humana. Tudo começou com a promessa de libertação da
opressão; todas essas ideologias se tornaram instrumentos do
controle totalitário. “Os sonhos do destino futuro e distante do
homem”, escreveu Lewis, “estavam se arrastando para fora de
sua cova rasa e inquieta: o antigo sonho do homem tornar-se
Deus”.46 Como explica o biógrafo de Tolkien, Tom Shippey: “A
maior desilusão do século XX foi em relação às boas intenções
políticas, que levaram apenas a gulags e a campos de
concentração. É por isso que o que Gandalf diz soa tão
verdadeiro a praticamente qualquer pessoa que o lê”.47

A DESCIDA PARA A ESCURIDÃO


O poder do mal não se limita a uma única e rápida decisão
de se juntar ao Inimigo. O seu poder atua, mais
frequentemente, trazendo uma perversão sutil e gradual. Este
é, de fato, o fardo da história de Tolkien: se Frodo será capaz de
resistir à influência destruidora de almas do Anel e levá-lo até o
seu destino. Graças ao seu grande poder, o Anel poderia ser
usado para derrubar Sauron. Contudo, esse poder está
condicionado a servir ao seu criador perverso e “o seu próprio
desejo corrompe o coração”. Elrond explica o dilema
inescapável: “E este é outro motivo pelo qual o Anel deve ser
destruído: enquanto existir no mundo, ele será uma ameaça
até mesmo para os Sábios. Pois nada é mau no começo. O
próprio Sauron não era mau. Temo pegar o Anel até para
escondê-lo. E não o pegarei para usá-lo”.48
No centro moral de O Senhor dos Anéis está o antigo
problema do desejo pelo Poder: a tentação universal de
explorar, dominar e controlar a vida dos outros. Esta é a força
motriz que impulsiona o grande Inimigo da Terra Média. “Mas a
única medida que ele conhece é o desejo”, diz Gandalf, “desejo
por poder”.49 Como Tolkien escreveu sua trilogia durante e
após a Segunda Guerra Mundial, quando o mundo havia
entrado na era atômica, muitos acreditavam que a história do
Anel seria uma advertência alegórica sobre o perigo das armas
nucleares. Tolkien, porém, esclareceu: “É claro que a minha
história não é uma alegoria sobre o poder atômico, mas sobre o
Poder como um todo”, disse ele, “utilizado para a
Dominação”.50
Pode muito bem ser, como afirmam alguns estudiosos, que a
“escuridão crescente” sobre os remanescentes do Ocidente na
Terceira Idade da Terra Média tenha sido inspirada na
“tempestade crescente” do fascismo europeu que ameaçava a
civilização ocidental nas décadas de 1930 e 1940.51 Dois dos
filhos de Tolkien, Christopher e Michael, lutaram na Segunda
Guerra Mundial e as suas cartas aos filhos durante esse
período contêm inúmeras referências à sua própria experiência
de guerra. As incertezas e terrores de um segundo conflito
global em seu tempo de vida, sem dúvida afetaram o seu
psicológico e suas forças.
No entanto, o apelo do trabalho de Tolkien reside, em parte,
no fato de que os acontecimentos contemporâneos pareciam
corresponder — tragicamente — ao padrão de vida humana
expresso em suas páginas.52 Nisto, Tolkien entendia o
problema não meramente como o abuso de poder: era a
tentação ao orgulho, que a posse do poder instigou e elevou ao
pecado fatal. “Fazia parte do engano essencial do Anel”,
explicou ele, “preencher as mentes com a imaginação do poder
supremo”.53 A posse de tal poder inevitavelmente colocava o
Eu absoluto no trono do universo.
Grande parte da inteligência dramática de O Senhor dos
Anéis está no fato de que nenhum de seus personagens, nem
mesmo os mais nobres, está imune ao perigo; qualquer um
deles pode ser tentado a trair a si mesmo e a causa. “Cheguei”,
diz Frodo, segurando o Anel à beira do abismo, na Fenda da
Perdição. “Mas não escolho agora fazer o que vim para fazer.
Não farei isso. O Anel é meu!”. No final, até mesmo Frodo —
que tentou, de todo o seu coração, não ser o Portador do Anel
— não conseguiu resistir ao seu poder de sedução.54
Assim como Tolkien, Lewis estava plenamente consciente da
sedução enganosa do poder. Um tema recorrente em suas
obras é como concessões pequenas e sutis podem ser o início
da corrupção total. “O tamanho dos pecados não importa,
desde que o seu efeito cumulativo seja o de afastar o homem da
Luz e levá-lo para o Nada”, aconselha o diabo em Cartas de um
Diabo a seu Aprendiz, de Lewis. “De fato, o caminho mais
rápido para o Inferno é aquele que é gradual — um leve declive,
um caminho suave, sem curvas abruptas, sem marcações e
sem placas”.55
Esse insight é colocado de forma magnífica em Aquela
Fortaleza Medonha, quando Mark Studdock é seduzido pelos
agentes perversos do N.I.C.E. Eles querem que Studdock
escreva uma notícia falsa sobre “desordens” em Edgestow, o
que daria ao Governo uma desculpa para exercer controles de
emergência — aumentando seu domínio sobre a cidade. “Mas
como vamos escrever a notícia esta noite se a desordem ainda
não aconteceu e deve acontecer, no mínimo, amanhã cedo?”,
ele pergunta. Os agentes caem na gargalhada e lhe servem
mais bebida.
O que ocorre em seguida é uma descrição da queda de um
homem comum à escuridão, uma cena que, sem dúvida, se
repetiu incessantemente durante o caos das revoluções
culturais após a Grande Guerra:
Essa foi a primeira coisa que os agentes pediram que Mark fizesse e
que ele mesmo, antes de fazer, sabia claramente ser algo criminoso.
Contudo, o momento em que consentiu em fazer aquilo quase
passou despercebido por ele; com certeza não houve qualquer
dificuldade, qualquer sensação de estar passando do limite... Mas,
para ele, aconteceu naturalmente em meio às gargalhadas de seus
colegas de profissão, que, de todas as forças terrenas, é a mais forte
e capaz de influenciar os homens a fazerem coisas muito ruins
antes de se tornarem, de fato, pessoas individualmente más.56
É por esse motivo que tanto se fala da armadilha criada pela
Feiticeira Branca em que Edmundo caiu, em O Leão, a
Feiticeira e o Guarda-Roupa. Ciente de que as crianças eram
uma ameaça ao seu governo, ela se aproveita da fraqueza de
caráter de Edmundo para fazê-lo entregar seus irmãos. Como
pode Edmundo — que não era um menino obviamente ruim —
não perceber a armadilha?
A resposta é um desejo duplo: “Manjar turco e ser um
príncipe”. Essas se tornam as obsessões de sua vida. Manjar
turco é o doce preferido de Edmundo e a Feiticeira Branca usa
isso como isca para atraí-lo. Se ele concordar, ela o leva a
acreditar que poderá comer quantos doces quiser. Ela promete
também que fará dele um príncipe que governará sobre seus
irmãos.
Edmundo sucumbe. Ele é o culpado por sua queda ao ceder
à tentação; ele se entrega à gula e ao desejo de dominar sobre
os outros. No entanto, há também uma força externa em ação:
Edmundo não sabia, mas o que ele comeu foi um doce
“encantado” e “quem o provasse, ficaria querendo sempre mais
e chegaria a comer, a comer, até estourar”.57 Lewis estava
descrevendo com isso, é claro, um vício induzido pela fraqueza
moral — desejo por prazer e poder.

UMA PSICOLOGIA DO BEM E DO MAL


A ideia de culpa moral pessoal, entretanto, era amplamente
rejeitada nos anos do pós-guerra. Psicologia, filosofia, literatura
e até teologia — todas essas disciplinas estavam ajudando a
destruir a ideia de responsabilidade individual. Os vícios e
dependências eram explicados clinicamente ou cientificamente,
e não em termos morais ou religiosos. Forças “coletivas” ou
“biológicas” substituíram os conceitos antiquados de “pecado”.
Já em 1924, por exemplo, o advogado Clarence Darrow
defendeu dois homens de Chicago acusados de assassinar um
menino a sangue frio, fazendo a seguinte alegação: ele insistiu
que atos criminosos eram resultado de uma falha de evolução,
e não de uma falha de consciência. Em seus argumentos finais,
Darrow disse que a verdadeira questão perante o tribunal era
se ele adotaria a “velha teoria” de que uma pessoa comete um
ato criminoso “porque deseja fazer isso voluntariamente,
propositalmente e maliciosamente por causa da perversidade
do seu coração”, ou a nova teoria científica de que “todo ser
humano é o produto da hereditariedade infinita de sua origem
e do ambiente ao seu redor”.58
A negação da responsabilidade individual também assumiu
um aspecto político. As explosões de violência revolucionária
que abalaram a Europa do pós-guerra — os expurgos e
assassinatos na Rússia de Lênin, por exemplo — foram
justificadas como fazendo parte de uma fase necessária para
alcançar sua visão utópica. Um oficial da Polícia Secreta
Soviética, a Cheka, explicou o seguinte: “Não estamos em
guerra contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia
como classe social”.59 Como escreveu Paul Johnson, logo após
tomar o poder, Lênin “abandonou a ideia de culpa pessoal e,
com ela, toda a ética judaico-cristã de responsabilidade
pessoal”.60
Tolkien e Lewis rejeitavam explicitamente essa visão e a
consideravam um ataque à liberdade humana. Os personagens
de suas obras de fantasia são continuamente testados pelas
escolhas que lhes são apresentadas. Cada um deles se envolve
em uma grande disputa moral, uma batalha contra forças que
podem devorar sua alma. “‘É muito doloroso’, disse Tisroc, com
sua voz grave e baixa. ‘Toda manhã o sol se escurece em meus
olhos e toda noite meu sono é menos revigorante, porque me
lembro de que Nárnia ainda está livre’”.61 No entanto, seus
personagens têm o poder de escolha; não existe nada
predeterminado sobre o resultado. É por meio de suas próprias
decisões, quando se rendem aos próprios desejos egoístas, que
eles convidam uma crise espiritual para a própria vida. O
resultado disso não é a liberdade que eles imaginaram, mas, ao
contrário, a mais profunda escravidão de suas mentes e
corações.
A visão psicológica da Terra Média e de Nárnia não poderia
estar em um descompasso maior com a visão moderna: nos
mundos criados pelos autores há um apelo ao que pode ser
chamado de “psicologia do mal”, tão antiga quanto a história de
Caim e Abel. É a história de homens e mulheres que receberam
um direito inato à liberdade, mas abusam dessa liberdade por
objetivos egoístas. “Saiba que o pecado o ameaça à porta”,
alertou Deus a Caim, antes que este assassinasse o seu irmão.
“Ele deseja conquistá-lo, mas você deve dominá-lo”.62
Embora a obra de Tolkien não aparente ter base religiosa —
não há orações ou atos de adoração, por exemplo —, seus
personagens estão conscientes de uma Lei Moral, uma fonte de
Bondade à qual devem prestar contas.63 O conflito entre
Mordor e a Terra Média ocorre em um mundo de verdades
morais atemporais, onde homens e mulheres devem escolher
um lado na extraordinária batalha entre a luz e a escuridão.
“Como deve um homem julgar o que precisa fazer em tempos
como esses?”, pergunta Éomer. A resposta de Aragorn é
inequívoca: “Como sempre julgou”. “O bem e o mal não
mudaram desde o passado; tampouco são uma coisa entre
Elfos e Anãos e outra entre Homens. Cabe ao homem discerni-
los”. Em sua crítica da obra de Tolkien, Lewis declarou que
essa é “a base de todo o mundo tolkieniano”.64
Os críticos às vezes acusam os autores de criarem
personagens muito caricatos para personificar suas crenças
religiosas. Contudo, o leitor atento percebe algo completamente
diferente: pessoas frequentemente em guerra contra os
próprios desejos. Os heróis dessas histórias são vulneráveis às
tentações e à corrupção, enquanto aos antagonistas raramente
é negada a possibilidade de redenção. No mundo da fantasia e
do mito ninguém escapa da grande e perturbadora sombra da
Queda bíblica.
Na verdade, a crença fundamental na existência do mal e na
responsabilidade pessoal de resistir a ele é o que confere às
obras de Tolkien e Lewis sua dignidade e poder. É a razão pela
qual suas histórias, mesmo com um estilo tão fantástico, são
tão relevantes em nossa realidade presente. A guerra contra o
mal é o cenário moral desta vida mortal: uma jornada de almas
corrompidas ou redimidas, arrastadas para a Escuridão do eu,
ou conduzidas à Luz da graça.

O REALISMO DA FANTASIA
Por mais importantes que sejam esses temas nas obras de
Tolkien e Lewis, não podemos esquecer o fato de que fazem
parte de uma narrativa de guerra física brutal. Nárnia e a Terra
Média são mundos completamente envolvidos em conflitos
violentos — assim como estava o mundo de seus autores
durante os anos de 1914 a 1918. Apesar de serem
considerados romances, não há nada de romântico nas cenas
de sofrimento descritas ao longo destes livros.
A quantidade de refugiados foi uma das características que
mais definiu a guerra. Paris sofreu um êxodo em massa de civis
após o primeiro bombardeio que atingiu a cidade em agosto de
1914. Em setembro, cerca de 700 mil pessoas haviam deixado
Paris, das quais 220 mil eram crianças com menos de 15
anos.65 Em outubro, depois que os alemães chegaram ao porto
de Ostende, na Bélgica, quase todo o país ficou sob ocupação
alemã. Dezenas de milhares de refugiados fugiram para a
Inglaterra. Thomas Hardy escreveu:
Então acordei; e eis que diante de mim estavam
Aqueles de quem ouvimos falar, mas pálidos e cheios de medo;
Eles vieram de Bruges, da Antuérpia e de Ostende...
Com telhados destruídos, ardendo em chamas.66
Os refugiados continuaram chegando das cidades, vilas e
aldeias da Europa até o fim da guerra; o Exército Britânico e o
Exército Americano encontraram milhares deles durante a
enorme ofensiva de primavera alemã, em 1918. Por isso,
Tolkien incluiu cenas de refugiados aflitos em suas obras. Eles
aparecem na fuga de Tuor e sua família, que escaparam da
cidade destruída, em “A Queda de Gondolin”. Eles são os
moradores forçados a abandonar a Cidade do Lago pela morte
de Smaug, em O Hobbit. Em O Senhor dos Anéis eles são o povo
de Westfold — “velhos e jovens, crianças e mulheres” — que se
escondem nas cavernas do Abismo de Helm.67 Eles também
foram representados pelos desesperados habitantes de Minas
Tirith, que escapam em caravanas para as colinas do sul antes
da Batalha dos Campos de Pelennor.68
Em O Retorno do Rei, lemos sobre a feroz luta existencial
entre as forças de Mordor e o exército de Gondor. Essa é a
grande batalha desta grande e cruel guerra e seus mortos
foram tantos que não puderam ser contados. Ela deixou os
vitoriosos tão “exaustos, que não conseguiam sentir alegria,
nem tristeza”.69 Em seu relato sobre a Batalha dos Campos de
Pelennor, Tolkien poderia estar descrevendo a terra de ninguém
no Somme:
Então, o sol enfim se pôs atrás do Mindolluin e encheu o céu com
um grande incêndio, de modo que as colinas e montanhas ficaram
como que tingidas de sangue; o fogo brilhava no rio e a grama de
Pelennor estava vermelha ao anoitecer. E, naquela hora, a grande
Batalha do campo de Gondor terminou; e não sobrou um inimigo
vivo na rota dos Rammas.70

Mais tarde na história, quando passam pelos Pântanos


Mortos ao se aproximarem de Mordor, Frodo e Sam encontram
uma paisagem que lembra bastante os campos de batalha na
França e na Bélgica: as crateras no chão causadas pelos
bombardeios cheias de água, sujeira e restos mortais; o cheiro
terrível de gás mostarda; o fedor tóxico da morte. “O ar lhes
parecia pesado e com um fedor amargo que os fez prender a
respiração e ressecou as suas bocas”, escreveu Tolkien. “Ali,
nada podia viver, nem mesmo as vegetações leprosas que se
alimentam de podridão. As poças estavam cobertas de cinzas e
lama, e tinham uma coloração branca e acinzentada, com um
aspecto doentio, como se as montanhas tivessem vomitado
toda a sujeira de suas entranhas nas terras ao redor”. Esta,
como tantos lugares ao longo da Frente Ocidental, era uma
terra profanada e doente, sem esperança de cura.71
Há muitas vitórias sobre as forças da escuridão em O Senhor
dos Anéis, porém todas elas foram acompanhadas de grandes
perdas. Há determinação, mas ela é muitas vezes misturada a
uma sensação de pavor e ao fardo do medo de que toda
dedicação e todo empenho da Sociedade possam ser em vão.
Foi exatamente isso que Merry e Pippin experimentaram
após serem capturados pelos orcs e levados em direção à
execução. Eles conseguem escapar, mas permanecem em um
estado de perigo constante. “Nenhum ouvinte teria imaginado
pelas suas palavras que eles haviam sofrido cruelmente e
corrido um perigo terrível, caminhando sem qualquer
esperança em direção ao tormento e à morte”, escreveu Tolkien.
“E, mesmo agora, que haviam escapado com vida, ambos
estavam plenamente conscientes de que tinham poucas
chances de encontrar um amigo ou viver em segurança
novamente”.72 Essa também era a condição de guerreiros
corajosos, como os terríveis Nazgûl alados. Assim como os
soldados que buscavam refúgio da chuva de morteiros em
Verdun, eles não pensavam “mais em guerra, apenas em
rastejar, em se esconder e na morte”.73
Por isso a obra de Tolkien é chamada de história moderna,
de uma “descida ao inferno” em sua descrição dos sofrimentos
da guerra.74 Talvez Tolkien tenha de fato escrito, de certa
forma, uma espécie de diário de guerra: um relato das dores e
horrores do combate, revestido de linguagem mitológica. “Seus
livros realmente podem ser vistos, em determinados aspectos,
como a última obra da literatura da Primeira Guerra Mundial”,
escreveu Brian Rosebury, “publicada cerca de quarenta anos
após o fim da guerra”.75
Como escreveu suas histórias de Nárnia para crianças,
Lewis não enfatiza descrições de sofrimento físico, nem
descreve os cadáveres dos mortos em combate. No entanto, ele
não protege totalmente os seus leitores das brutalidades da
guerra. Em O Cavalo e seu Menino, durante a batalha em
Anvar, Shasta é lançado ao combate. Conforme o Exército da
Calormânia se aproxima, o terreno se estreita entre os dois
exércitos que se aproximam, e o jovem, inexperiente soldado, é
tomado pelo medo. Lewis provavelmente se lembrou dos
momentos anteriores ao seu primeiro teste como soldado,
quando precisou enfrentar um ataque com seu batalhão no
topo de suas trincheiras em Riez du Vinage: “Com as espadas
em mão, escudos erguidos, orações feitas e dentes cerrados”,
escreveu ele. “Shasta estava morrendo de medo. Mas, de
repente, pensou que ter medo naquele momento era sentir
medo em todas as outras lutas de sua vida. ‘É agora ou
nunca’”.76
Em O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, lemos sobre a
primeira experiência de combate de Pedro, o encontro com um
lobo gigante. A criatura se volta contra ele com olhos ferozes e
em chamas, com a intenção de despedaçá-lo. Pedro coloca seu
medo de lado e enterra a espada no peito do animal. “Seguiu-se
um momento pavoroso, de tremenda confusão, como num
pesadelo”, escreveu Lewis. “Ele puxava e enterrava a espada no
Lobo, que não parecia nem vivo, nem morto. Os dentes do
animal bateram em sua testa. Era tudo sangue, calor, pelos e
cabelos...”. Depois que arrancou a espada do peito do animal,
Pedro limpou o suor de seu rosto. “Estava exausto o herói!”.77
Lewis uma vez admitiu que suas lembranças da guerra
invadiram seus sonhos durante anos: a cena de combate de
Pedro pode ter sido a lembrança de qualquer soldado que tenha
golpeado o inimigo com uma baioneta pela primeira vez.
Assim como na trilogia de Tolkien, as séries de Nárinia de
Lewis descrevem a guerra, não como uma propaganda para a
glória militar, mas como uma necessidade cruel. Quando as
vitórias são conquistadas, há uma notável falta de triunfalismo;
o que vemos, na verdade, são sentimentos de espanto e
gratidão pela sobrevivência após o combate. As cenas de
batalha, embora nunca sejam longas, são descritas com um
realismo surpreendente.
A luta de Edmundo contra a Feiticeira Branca, por exemplo,
pode ter se tornado tema para música e lenda, mas o deixou
destruído e ensanguentado.78 Em Príncipe Caspian, Ripchip é
ferido tão gravemente em combate que parecia “um amontoado
de pelos molhados”. O intrépido rato sai da batalha “mais
morto do que vivo, com incontáveis feridas, uma pata
esmagada e, onde antes ficava sua cauda, de coto enfaixado”.
Não existe lembrança mais precisa do sofrimento durante a
Primeira Guerra Mundial do que a imagem de soldados
amputados, mancando na saída de seus abrigos ou da
enfermaria.
Da mesma forma, a descrição da batalha entre Caspian e o
exército de Miraz coincide com os erros de cálculo e ruína dos
soldados de combate:
Por fim, chegou a noite em que tudo ocorreu da pior maneira
possível, e a chuva que caíra forte o dia todo cessou ao cair da noite
para dar lugar ao frio intenso... Pobre Wimbleweather, embora fosse
valente como um leão, era um verdadeiro gigante nesse aspecto.
Escapou na hora e no lugar errado e tanto o seu grupo quanto o de
Caspian sofreram muito e causaram pouco dano ao inimigo. Os
melhores do grupo dos Ursos haviam sido feridos, um Centauro
estava terrivelmente machucado e poucos do grupo de Caspian não
foram atingidos na batalha. O que sobrou foi uma comitiva abatida,
reunida sob as árvores molhadas para comer o pouco que
tinham.79

Os erros militares, os atos infrutíferos de bravura, a chuva


gelada e as rações escassas: houve muitos dias e noites assim
na Frente Ocidental. Animais fictícios à parte, tais cenas
poderiam ter sido tiradas do diário de qualquer soldado da
linha de batalha. Contudo, assim como Tolkien, Lewis não
inclui essas imagens sem motivo, mas para apresentar o
ambiente do desenvolvimento moral e espiritual de seus
personagens. “Eustáquio permaneceu parado com o coração
batendo acelerado, desejando profundamente que conseguisse
ser corajoso”.80 De fato, os personagens mais atraentes de
suas histórias são justamente aqueles que enfrentam os
próprios medos e são transformados pela crise de seu tempo.

A BUSCA HERÓICA
Os males da Grande Guerra criaram muitos céticos e
pacifistas nos anos que seguiram o encerramento do conflito.
Para essas pessoas, não poderia existir nada de heroico na
insanidade da guerra. No entanto, como veteranos desse
conflito, Tolkien e Lewis escolheram se lembrar não somente de
seus horrores e sofrimentos; eles escolheram se lembrar da
coragem, do sacrifício e das amizades que tornaram aquela
experiência suportável.
A recuperação do conceito medieval da busca heroica — e a
sua reinvenção para a mente moderna — é uma das conquistas
mais marcantes de sua obra. Seja em épicos como Beowulf,
seja em romances como Le Morte d’Arthur, de Thomas Malory,
Tolkien e Lewis encontraram na literatura medieval uma série
de temas e ideais dignos de relembrar.81 Mais do que isso, eles
acreditavam que esse gênero oferecia a tônica para o mal-estar
espiritual da era moderna. A opinião do biógrafo John Garth
sobre Tolkien também se aplica a Lewis: “Ele não só preservou
as tradições ameaçadas pela guerra, mas também as fortaleceu
para o seu próprio tempo”.82
Cada um dos episódios de As Crônicas de Nárnia está
inundado dessas tradições. Nárnia é um reino de reis e
rainhas, onde prevalece um código de honra, onde o título de
cavaleiro é conquistado ou perdido no campo de batalha. “Esta
é a maior vergonha e tristeza que poderia ter se abatido sobre
nós”, diz o príncipe em A Cadeira de Prata. “Enviamos uma
moça corajosa às mãos do inimigo enquanto ficamos para trás
em segurança”.83 Os heróis dessas histórias — tenham eles a
forma de príncipes, tenham a de ratos, tenham de Paulamas —
estão imbuídos dos ideais medievais de sacrifício e
cavalheirismo. “Senhor, minha vida está sempre ao seu dispor”,
promete Ripchip ao Príncipe Caspian, “mas a minha honra
pertence a mim”.84
Tolkien disse certa vez que sempre que lia uma obra
medieval, isso o estimulava a produzir uma obra moderna que
seguisse a mesma tradição. Foi exatamente isso que ele fez em
O Senhor dos Anéis.85 Como observou Verlyn Flieger, duas das
figuras heroicas centrais da história, Frodo e Aragorn,
carregam uma “rica herança medieval”.86 Entretanto, com
esses personagens, Tolkien nos apresenta dois tipos de heróis:
o homem extraordinário, o rei oculto determinado a lutar pelo
seu povo e recuperar seu trono; e o homem comum, o hobbit,
que, como muitos de nós, “não foi feito para demandas
perigosas” e prefere o conforto e a segurança do lar.
Em Aragorn, vemos as características básicas do cavaleiro
medieval: sua espada quebrada, lançada sobre a mesa do
Conselho de Elrond, seu amor secreto por Arwen e sua
liderança real do povo de Gondor. Contudo, é o caráter
cavalheiresco de Aragorn que tem maior apelo. Sua coragem e
ferocidade na batalha combinadas à sua misericórdia e
ternura, especialmente para com os fracos. Seu compromisso
com causas justas nunca se transforma em uma campanha
por glória pessoal. “Sou Aragorn, filho de Arathorn”, ele se
apresenta a Frodo e Sam. “Se por minha vida ou morte puder
protegê-lo, eu o farei”.87
À primeira vista, Frodo parece ter muito pouco em comum
com Aragorn. Ele é um órfão sem linhagem real. Por ser um
hobbit, tem baixa estatura e é discreto por natureza. Ele não é
um guerreiro. Ele vê o fardo do Anel com ressentimento e o
aceita quase por acidente. No entanto, Tolkien nos apresenta
um Frodo cujo caráter é aprofundado e desenvolvido pelas
provações que enfrenta. Ele vence seus medos e enfrenta a
morte contra os Cavaleiros Negros. Ele tem piedade do
desprezível Gollum. Ele luta contra a tentação constante do
Anel e reúne forças para prosseguir, surpreendendo até
Gandalf com a sua coragem. “Meu caro Frodo!”, ele exclama.
“Os hobbits realmente são criaturas fascinantes. Pode-se
aprender tudo sobre eles em um mês, mas, mesmo após cem
anos, ainda podem surpreendê-lo”.88
Após a Primeira Guerra Mundial, havia um profundo
ceticismo em relação ao “idealismo moralista” que
supostamente teria causado o massacre sofrido na Frente
Ocidental.89 O liberalismo moderno passou a considerar a
natureza combativa do homem como um mal e o cavalheirismo
como o “falso glamour” da guerra.90 Mesmo antes do
Iluminismo, é claro, muitos europeus (e americanos) já
desprezavam os valores associados ao mundo medieval. As
forças da democracia, do secularismo e do feminismo ajudaram
a desprezá-lo por completo.
Não é de admirar que alguns críticos acusem Tolkien e Lewis
de formarem a “retaguarda cultural da Idade Média”. Lee Rossi
escreveu: “Eles demonstram uma enorme nostalgia pela
estabilidade política e pela harmonia cultural da Idade
Média”.91 Na verdade, nenhum dos dois buscou um retorno
aos ideais políticos ou sociais da cristandade.92 No entanto,
eles viam sua tradição de valentia e cavalheirismo como prática
e fundamental. “Ela ensinava sobre humildade e paciência ao
grande guerreiro”, observou Lewis, “porque todos sabiam, por
experiência própria, o quanto ele precisava aprender aquela
lição”.93
Por isso, os personagens mais nobres em suas histórias
exibem gentileza, bem como força, qualidades incorporadas no
maior cavaleiro de Morte d’Arthur: “Foste o homem mais manso
que já jantou em um salão entre damas; e tu foste o cavaleiro
mais severo contra teu inimigo mortal, em quem lançaste tua
flecha”. Os heróis de Nárnia e da Terra Média não se esquivam
da terrível visão de membros amputados e crânios esmagados;
no entanto, também são homens e mulheres de grande
humildade e modéstia. O efeito pretendido pelos autores com
esses personagens era resgatar as virtudes medievais e torná-
las atraentes até mesmo para um público moderno.
Por que Tolkien e Lewis, ignorando as tendências mais
poderosas de sua cultura, embarcaram nesta tarefa? Parte da
resposta está nos campos de batalha da França. Foi lá, quando
eram jovens soldados, que encontraram essas virtudes — nos
oficiais, soldados e enfermeiros da Frente Ocidental. Foi lá, de
acordo com Tolkien, que surgiu a inspiração para o seu
personagem mítico mais querido. As façanhas dos hobbits
revelam como os “atos da vontade inesperados e imprevisíveis,
e os atos de virtude dos aparentemente pequenos, simples e
esquecidos nos lugares dos Sábios e Grandes” moldaram o
destino das nações.94
Rejeitando em igual medida os espíritos do militarismo e do
pacifismo, esses autores traçaram um meio-termo: um retorno
parcial ao ideal cavalheiresco. Somente uma sociedade que
defendesse esse ideal — em suas artes, literatura e instituições
— poderia ter esperanças de resistir às forças sombrias e
famintas que se opunham. A serena e pacífica Valfenda é,
talvez, uma visão do mundo como ele deveria ser, mas não
como de fato é. “Na verdade, há coisas com as quais o mundo
não consegue lidar”, disse Tolkien, “e das quais a sua
existência, entretanto, depende”.95 O ideal heroico presente em
suas histórias não é escapismo, conforme ambos os autores
explicaram, mas o único caminho realista disponível em um
mundo perigoso. Como explicou Lewis: “Esse ideal oferece a
única saída possível de um mundo dividido entre lobos que não
entendem e ovelhas que não são capazes de defender as coisas
que tornam a vida desejável”.96

O DOM DA AMIZADE
A busca heroica entendida por Tolkien e Lewis é diferente de
nossas noções modernas de heroísmo em, pelo menos, outro
aspecto: não é um esforço solitário. Os estudantes de guerra
compreendem essa verdade melhor do que a maioria. O
historiador Stephen Ambrose apresentou a milhões de leitores
a importância da amizade em tempos de guerra com o seu livro
Band of Brothers: Companhia de Heróis, base para a premiada
minissérie da HBO. É a história dos homens da Easy Company,
o 506.º Regimento de Infantaria Paraquedista, 101.ª Divisão
Aerotransportadora do Exército dos Estados Unidos, desde o
seu treinamento inicial, em 1942, até o fim da Segunda Guerra
Mundial. “Dentro da Easy Company, aqueles homens fizeram
os melhores amigos que já tiveram ou viriam a ter”, escreveu
Ambrose. “Eles estavam preparados para morrer uns pelos
outros; e, mais importante: estavam preparados para matar
uns pelos outros”.97
Esse fato sobre a experiência de combate foi tão relevante
para os soldados que lutaram em 1914 quanto para aqueles
que lutaram em 1939. A distância que separa a Primeira
Guerra do nosso tempo, a crueldade do conflito, a ambiguidade
dos seus objetivos, suas consequências desastrosas para a
civilização ocidental — todos esses fatores juntos nos impedem
de apreciar o profundo sentimento de amizade que moldou a
vida de milhões de jovens soldados.
Contudo, para Tolkien e Lewis, seu conhecimento pessoal da
comunhão dos homens que passam juntos pela experiência da
guerra é outra característica definidora de suas vidas literárias.
Como observou o biógrafo de Lewis, Alan Jacobs, a amizade é
um dos principais temas em As Crônicas de Nárnia.98 Em A
Cadeira de Prata, observamos não somente a crescente
amizade entre Eustáquio e Jill Pole, mas também a lealdade
teimosa de Brejeiro, conforme ele decide juntar-se aos perigos
da jornada: “Não desanime, Pole”, disse Brejeiro. “Estou
chegando, devagar e sempre... Agora, uma tarefa como esta —
uma jornada rumo ao norte logo no início do inverno, à procura
de um príncipe que provavelmente nem está lá, passando por
uma cidade destruída que ninguém jamais viu — será a coisa
certa. Se isso não for capaz de dar jeito em um sujeito, não sei
o que o fará”.99
Vemos os laços de amizade se desenvolvendo entre Aravis e
Shasta em O Cavalo e seu Menino, à medida que a guerra os
obriga a trabalhar juntos, substituindo lentamente seus
ressentimentos por uma admiração profunda e, finalmente, por
amor. “Sobre Aravis, Shasta estava, mais uma vez, errado”,
escreveu Lewis. “Ela era orgulhosa e podia ser muito dura, mas
era inquestionavelmente leal e jamais abandonaria um
companheiro, gostasse dele ou não”.100
Na verdade, pode-se dizer que a amizade substitui o
romance como a expressão predominante do amor nas
histórias de Lewis. Em As Crônicas de Nárnia, ela floresce entre
as crianças (os “filhos e filhas de Adão”); entre essas crianças e
os nobres narnianos (a miríade de animais falantes e criaturas
mitológicas); e, principalmente, entre Aslam, o grande Leão, e
todos os que o servem em amor e obediência.101 “Para os
Antigos, a Amizade parecia ser o mais feliz e humano de todos
os amores; a coroa da vida e a escola da virtude”, escreveu
Lewis. “Já o mundo moderno a ignora”.102 No mundo de
Nárnia — um reino devastado pela guerra —, seu papel
essencial para a felicidade humana é confirmado do começo ao
fim.
Lewis fez amizades assim pela primeira vez durante os anos
da guerra: com seu irmão, Warnie, a quem ele chamava de
“amigo mais querido e mais próximo” e em quem encontrou um
confidente que entendia os horrores do combate; com Laurence
Johnson, que lutou ao seu lado na Frente Ocidental e
compartilhava com ele o amor pela literatura e filosofia; e com
Edward “Paddy” Moore, que foi enviado para o Somme e com
quem fez um pacto de cuidar da família um do outro, caso um
deles fosse morto.103 Anos depois, ao refletir sobre a natureza
da amizade, Lewis lembrou-se da experiência da guerra para
explicar o que diferenciava o amor entre amigos de todos os
outros amores terrenos:
Cada passo da jornada nos testa para saber se nossos laços são
fortes e verdadeiros; e esses testes são testes que entendemos
perfeitamente porque nós mesmos estamos passando por eles.
Portanto, conforme se provam verdadeiros, vez após outra, nossa
confiança, nosso respeito e admiração crescem e se transformam
em um amor Apreciativo de um tipo singularmente sólido e
provado. Se, no início, tivéssemos prestado mais atenção a esses
laços do que à “natureza” de nossa Amizade, não teríamos nos
conhecido e amado tão bem. Não se encontra o guerreiro, o poeta, o
filósofo ou o cristão olhando-os nos olhos como se fossem uma
amante: é melhor lutar ao seu lado, ler, discutir e orar com ele.104

Sabemos, também, como Tolkien era dedicado aos amigos de


seus tempos de escola, os membros do TCBS. Em 1916,
quando já esperavam ser logo enviados para lutar na guerra,
eles organizaram sua própria reunião de guerra, o “Conselho de
Londres”. Ali, discutiam sobre as ideias que os tocavam
profundamente e prometeram ajudar uns aos outros em meio
às dificuldades da guerra. Quando se alistou ao 19.º Batalhão
dos Fuzileiros de Lancashire, Tolkien esperava, assim como
Lewis, entrar em combate com algum de seus amigos mais
próximos.105
Não por acaso, é claro, Tolkien deu ao primeiro livro de sua
trilogia o título de A Sociedade do Anel. Parte do que torna a
história tão atraente é ver uma conflituosa assembleia de
hobbits, anãos e elfos colocando suas diferenças de lado para
lutar, lado a lado, contra cada nova ameaça e perigo. Eles
começam a Demanda como aliados relutantes, receosos e até
mesmo desconfiados. Antes de chegarem ao fim — e depois de
enfrentarem muitos terrores e contratempos —, eles já haviam
se tornado uma nobre irmandade.
No início da jornada, Elrond diz à Comitiva que cada um
deve continuar apenas até onde desejar; nenhum deles tem a
obrigação de ajudar o Portador do Anel até a Montanha da
Perdição. Gimli logo responde: “Desleal é aquele que se despede
quando a estrada fica difícil”. Quando chega a Crickhollow,
antes de partir para a Floresta Velha, Frodo está determinado a
seguir viagem sozinho; ele não quer expor seus companheiros
aos perigos que os aguardam adiante. Contudo, Merry, Pippin e
Sam descobrem seu plano e o confrontam antes que ele
consiga fugir. Os três insistem em acompanhá-lo. Frodo,
apesar de ficar profundamente comovido, protesta: “Mas parece
que eu não posso confiar em ninguém”. Merry, porém, não se
abala:
“Tudo depende do que você quer. Você pode confiar em nós para
permanecermos ao seu lado durante os bons e maus momentos —
até o fim. E você pode confiar em nós para guardar qualquer
segredo seu — o guardaremos melhor do que você mesmo. Mas você
não pode confiar em nós para deixarmos que enfrente perigos
sozinho e parta sem dizer uma palavra. Somos seus amigos, Frodo.
Enfim, é isso. Sabemos de quase tudo o que Gandalf lhe contou.
Sabemos muitas coisas sobre o Anel. Estamos com muito medo —
mas iremos com você; ou o seguiremos como cães”.106
Por mais importante que a Sociedade do Anel seja para a
história de Tolkien, o vínculo de amizade entre Sam Gamgi e
Frodo Bolseiro é um dos grandes triunfos de sua obra e foi
inspirado, como vimos, nas relações entre os soldados que
lutaram juntos nas trincheiras na frente de batalha. Como
nenhum outro, Sam é o amigo que “pularia dentro da garganta
de um dragão” para salvar Frodo, “se antes não tropeçasse nos
próprios pés”.107 Tolkien certa vez chamou Sam de “uma joia
entre os hobbits”.108
A lealdade de Sam é testada do início ao fim, desde a sua
decisão de deixar o Condado até a chegada à região de Mordor.
“Será muito perigoso, Sam. Na verdade, já é perigoso”, alerta
Frodo. “Provavelmente, nenhum de nós voltará”. Sam não
hesita: “Se o senhor não voltar, então eu também não voltarei,
isto é certo. ‘Não o deixe!’, disseram. ‘Deixá-lo?’, perguntei. ‘Eu
nunca o deixaria. Irei com ele, mesmo que vá até a lua; e se
algum daqueles Cavaleiros Negros tentar impedi-lo, primeiro
terão de se ver com Sam Gamgi”.109
Quando estão prestes a chegar à Montanha da Perdição,
quase no final de sua jornada, Frodo e Sam se encontram
praticamente sem forças para prosseguir. Para Frodo não havia
“sabor de comida, sensação de água, som de vento, lembrança
de árvore, grama ou flor”. A desolação da paisagem, o céu
negro, a fumaça nociva, as cinzas e os resíduos de metais, a
pedra queimada e as encostas escuras da Montanha que se
elevavam sobre eles eram quase esmagadores. Os dois
cambaleavam em direção ao objetivo. Frodo, enfraquecido pelo
grande fardo de carregar o Anel, não consegue ficar de pé e
começa a rastejar.
Sam olhou para ele e chorou em seu coração, mas nenhuma
lágrima caiu de seus olhos secos, que ardiam. “Eu disse que o
carregaria, mesmo que isso quebrasse a minha coluna”, murmurou
ele, “e é isso que vou fazer!”
“Venha, Sr. Frodo!”, gritou ele. “Não posso carregar o anel por você,
mas posso carregá-lo com ele. Então, suba! Vamos, querido Sr.
Frodo! Sam lhe dará uma carona. Basta me dizer para onde ir e eu
irei”.110

Pode-se afirmar com certa segurança que apenas homens


que conheceram amizades desse tipo — que viveram tais
amizades nos campos de batalha — poderiam escrever
passagens tão repletas de compaixão, bravura e coragem. Após
a guerra, Tolkien e Lewis tentaram recapturar algo parecido
com a amizade que os sustentou durante os anos de crise de
1914 a 1918. Portanto, em Oxford, eles criaram os Inklings, o
grupo de amigos e colegas acadêmicos que se reuniam
semanalmente — nas manhãs de terça-feira no pub Eagle and
Child tomando cerveja e nas noites de quinta-feira nos
aposentos de Lewis na universidade, tomando diferentes
bebidas — para discutir sobre seus escritos.111
Durante dezesseis anos aqueles homens se reuniram para
ler, recitar, discutir e rir juntos. Eles se encontravam fielmente,
mesmo durante os dias mais sombrios da Segunda Guerra
Mundial. Como colocou Tolkien em uma carta datada de 23 de
setembro de 1944: “Os Inklings já concordaram que a
celebração de vitória, se tiverem uma, será reservar uma
pousada inteira no interior, por pelo menos uma semana, e
passar todo o tempo tomando cerveja e conversando, sem
consultar o relógio!”.112 Lewis leu em voz alta muitas de suas
obras mais importantes durante essas reuniões. “O que devo a
eles é incalculável”, reconheceu. “Existe algum prazer na terra
tão grande quanto um grupo de amigos cristãos reunidos em
volta de uma lareira?”.113
Ao longo de quatro décadas, Tolkien e Lewis dedicaram-se ao
sucesso um do outro. Tolkien, com longas conversas até tarde
da noite, desempenhou um papel fundamental na conversão de
Lewis ao cristianismo. Ele ajudou Lewis a encontrar uma
editora para a publicação de seu primeiro romance e foi uma
grande ajuda para garantir a nomeação do amigo ao cargo de
chefe do departamento de inglês e membro do Magdalene
College, em Cambridge, 1954, depois que Oxford negou-lhe o
cargo de professor.
Ao mesmo tempo, o autor de O Hobbit e de O Senhor dos
Anéis não poderia ter tido um defensor melhor de suas obras
de fantasia. Lewis chegou a nomear Tolkien para o prêmio
Nobel de literatura. “C. S. Lewis é um velho amigo e colega
meu, sem dúvida devo ao seu encorajamento o fato de, apesar
dos obstáculos (como a guerra de 1939!), eu ter perseverado e
finalmente terminado de escrever O Senhor dos Anéis”,
escreveu Tolkien. “Ele ouviu o livro inteiro, pouco a pouco, lido
por mim em voz alta”.114
Quando Lewis soube que O Senhor dos Anéis havia sido
aceito para publicação, ele escreveu a Tolkien para descrever o
“imenso prazer que teria quando tivesse finalmente o livro em
suas mãos para ler e reler”. E, então, acrescentou uma
perspectiva marcante sobre a importância daquela obra na vida
dos dois: “Mas sinto, também, muitas outras coisas. Muito da
sua vida inteira, muito da vida que compartilhamos, muito da
guerra, tantas coisas que pareciam estar escapando sem deixar
vestígios, ficando no passado, foram agora registradas e se
tornaram, de certa forma, permanentes”.115
Essa era a qualidade dessa amizade: a nenhuma outra
pessoa Tolkien ousou expor uma das maiores paixões de sua
vida, a construção de sua trilogia épica, a não ser aos olhos
críticos de seu grande amigo e colega. Lewis, por sua vez, se
envolveu completamente no projeto. Talvez somente Lewis, um
soldado, assim como Tolkien durante a Grande Guerra,
pudesse reconhecer como aquela obra “tornou permanente” a
experiência da dor e do sofrimento da guerra compartilhada
por eles.116
Na contramão do espírito da época, esses autores ousaram
recuperar algumas das crenças e virtudes mais antigas. Sua fé
cristã em comum teve muito a ver com isso, mas talvez não
mais do que o seu amor mútuo pela literatura mítica e
romântica. Como o próprio Lewis descreveu, eles estavam
“mergulhados” em Homero, Beowulf, mitologia nórdica,
romance medieval e nos contos de fadas de George
MacDonald.117 O resultado disso foi um vínculo de lealdade e
camaradagem que transformou a vida dos dois. “A amizade
torna a prosperidade mais brilhante e ilumina a adversidade,
por dividi-la e compartilhá-la”, escreveu Cícero.
A experiência de Tolkien e Lewis nos faz lembrar de que
grandes amizades são dádivas que nascem na adversidade: elas
são possíveis pelas lutas em comum contra as trevas do
mundo. “Gracioso anfitrião, Elrond Halfelven me disse que eu
deveria encontrar amizade pelo caminho, secreta e inesperada”,
diz Frodo a Faramir. “Certamente, não busquei a amizade que
você me demonstrou. Tê-la encontrado transformou o mal em
grande bem”.118
Embora tenha passado por períodos de frustração e tensão,
a amizade de ambos perseverou até o fim. “Isso parece um
golpe de machado nas raízes”, escreveu Tolkien ao saber da
morte de Lewis, em novembro de 1963. “Tínhamos uma grande
dívida um com o outro, e esse vínculo, com o profundo afeto
que gerou, permaneceu”.119
Dada a paixão contemporânea por relacionamentos
“virtuais”, a realização de Tolkien e Lewis não só permanece
como continua a crescer em estatura. Como poucos outros
autores do século passado, eles nos mostram como pode ser
uma amizade quando ela busca um propósito superior e é
regada por sacrifício, lealdade e amor.

A NOSSA PARTE NA HISTÓRIA


Passamos a negligenciar esse aspecto da guerra.
Compreendemos muito bem suas atrocidades, injustiças,
sofrimentos e horrores. Procuramos, com razão, evitar tudo
isso a quase qualquer custo. Contudo, Tolkien e Lewis não
ficaram satisfeitos com apenas essa versão da guerra.
Eles acreditavam que a guerra poderia ser necessária, às
vezes, para preservar a liberdade humana. “Dê-me as guerras
narnianas, onde lutarei como um cavalo livre entre meu
próprio povo!”, disse Shasta. “Essas serão guerras sobre as
quais valerá a pena falar”.120 Eles acreditavam que uma
“Fortaleza Medonha” vagava pela terra: uma força maligna que
desejava destruir as sociedades humanas. Sua luta perpétua
dentro da alma dos homens e contra a alma humana tornaria a
paz impossível — impossível, ao menos para aqueles que
desejassem viver em liberdade. “O solo do Condado é
profundo”, explicou Merry em O Retorno do Rei. “Mas ainda há
coisas mais profundas e mais altas, e nenhum feitor
conseguiria cuidar de seu jardim no que ele chama de paz se
não fosse por elas, as conheça ou não”.121
Tal conhecimento permitiu que esses autores olhassem para
a vida humana, apanhada pela calamidade de um conflito
global, sem ilusões. Na verdade, o ideal heroico em suas obras
se torna ainda mais comovente graças ao seu terrível realismo:
na luta contra o mal, o resultado não é garantido. “A guerra
está sobre nós e todos os nossos amigos, uma guerra na qual
apenas o uso do Anel poderia nos dar a garantia da vitória”,
disse Gandalf. “Isso me enche de grande tristeza e temor: pois
muito será destruído e tudo poderá ser perdido”.122 Tudo pode
ser perdido. Ao apresentar e sustentar a possibilidade real de
derrota, Tolkien e Lewis nos atraem aos seus dramas épicos.
Por mais desesperadoras que fossem as circunstâncias, no
entanto, os personagens de suas histórias mantêm a
capacidade de resistir ao mal e escolher o bem. O crescimento
moral e espiritual deles depende da decisão de honrar ou não
essas obrigações. “O indivíduo existe em um reino onde a
escolha é sempre necessária”, escreveu Patricia Meyer Spacks.
“A liberdade dessa escolha, para os virtuosos, é de suma
importância”.123 Como veteranos da guerra mais destrutiva
que o mundo jamais vira, Tolkien e Lewis não podiam glorificar
violência e dor. Mas eles também não podiam aceitar o
fatalismo e o cinismo que haviam se tornado predominantes. O
hino furioso de Wilfred Owen contra a guerra — “os estridentes
e dementes coros dos bombardeios” — não podia ser a palavra
final.124
Durante a Segunda Guerra Mundial, Tolkien recebeu uma
carta de seu filho Christopher, que estava servindo na Força
Aérea Real. Ao perceber as preocupações do filho, ele confessou
conhecer a sensação de ser “o rato preso na ratoeira”, sendo
convocado para um conflito mortal, e estar cercado por
inimigos ferozes a todo momento. “Bem, aí está você: um
hobbit entre os Uruk-hai. Continue sendo um hobbit em seu
coração e lembre-se de que todas as histórias nos fazem sentir
assim quando fazemos parte delas”, escreveu ele. “Você está
dentro de uma grande história!”.125
Os autores cristãos mais influentes do século XX
acreditavam que toda alma humana fazia parte de uma grande
história: uma guerra terrível contra a Sombra do Mal que
invadiu o mundo para escravizar os filhos e filhas de Adão. No
entanto, aqueles que resistem à Sombra têm a garantia de que
não serão deixados sozinhos; eles receberão o dom da amizade
em meio à luta e diante da dor. Mais ainda, eles encontrarão a
graça e a força para perseverar, para fazer o que lhes cabe na
história, por quanto tempo ela durar e aonde quer que os
leve.126
conclusão

O RETORNO DO REI

O último soldado a morrer na Grande Guerra foi um


americano, Henry Gunther, de 23 anos, soldado da Força
Expedicionária Americana na França. Ele foi morto às 10h59
da manhã do dia 11 de novembro de 1918, um minuto antes
do Armistício entrar em vigor.
O esquadrão de Gunther, parte da 79.ª Divisão de
Infantaria, encontrou um bloqueio de metralhadoras alemãs
perto da vila de Chaumont-devant-Damvillers. Contra as
ordens do seu sargento, ele foi ao encontro do bloqueio com
sua baioneta. Os soldados alemães, já cientes do Armistício,
tentaram acenar para que ele parasse. Gunther, porém,
continuou correndo em sua direção e foi alvejado pelos tiros;
ele morreu imediatamente. Lê-se no registro de sua divisão:
“Assim que caiu, o tiroteio cessou e um silêncio terrível tomou
conta do lugar”.1
Apesar do júbilo, das comemorações, das festas e desfiles
que marcaram o fim da Primeira Guerra Mundial, um silêncio
brutal pairou sobre grande parte do mundo. Era o silêncio das
almas angustiadas e desnorteadas pelo massacre da guerra. O
poeta Thomas Hardy, ao escrever sobre a assinatura do
Armistício, sem dúvida falou por muitos:
Alguns conseguiram, outros não, livrar-se da tristeza;
O Espírito Sinistro zombou: “Tinha de ser assim!”
E, novamente, o Espírito da Piedade sussurrou: “Por quê?”.2
Assim como outros jovens autores de sua geração, Tolkien e
Lewis tentaram dar algum sentido a um conflito que tomou
tanto sangue e riqueza e entregou tão pouco à causa da
felicidade humana. “A Grande Guerra foi um processo pelo
qual todas as grandes potências, tanto as vencedoras quanto
as derrotadas, transformaram-se de baluartes da prosperidade
em buracos de pobreza e dívidas”, escreveu G. J. Meyer em A
World Undone [“Um mundo desfeito”]. “Financeiramente, assim
como em muitos outros aspectos, a guerra foi um caminho
para a destruição”.3 Até certo ponto, Tolkien e Lewis foram
arrastados por esse caminho de destruição: a constatação de
que as crenças pré-guerra no progresso inevitável da
humanidade e na criação de algo como o céu na terra estavam
completamente erradas.
De fato, o desejo pelo poder permaneceu como uma
característica constante da condição humana. A batalha entre
o Bem e o Mal não seria resolvida dentro da história humana.
Qual era, então, a base para a esperança?

QUANDO A ESPERANÇA DESAPARECE


Há momentos de suas histórias, é preciso dizer, em que a
esperança é praticamente extinta. Em A Última Batalha, o
macaco Manhoso, um servo de Rishda Tarkaan, e os
calormanos conquistaram Nárnia. Ao criar “Tashlam”, uma
mistura de Aslam com o demônio Tash, eles ameaçavam
enganar até mesmo os seguidores mais leais do leão. A verdade
se mostra uma arma inútil contra a farsa. Como explica o
biógrafo Walter Hooper, esse não é o tipo de maldade que
esperamos encontrar em uma história de aventura, mas sim
em “uma nova e terrível dimensão onde a coragem comum
parece ser impotente”.4
Terrível de fato. Enquanto estava caído, morrendo após
defender Nárnia, o centauro Roonwit proclama a seguinte
mensagem: “... lembrem-se de que todos os mundos chegam ao
fim e de que a morte nobre é um tesouro que homem nenhum é
pobre demais para comprar”.5 Lewis insiste neste ponto: de
que, apesar de todos os nossos esforços e sacrifícios — mesmo
a ponto de morrer —, não podemos evitar a derrota final. O
mundo atual, sempre nas garras das Trevas, jamais evoluirá
para se tornar um paraíso terreno. Ao contrário, ele caminhará
em direção a um fim repentino e violento: “um extintor
apagando a vela, um tijolo destruindo o gramofone, a cortina se
fechando no meio da peça”.6
De igual forma, Tolkien se recusa a oferecer uma solução
doce e fácil para a batalha da humanidade contra o mal. Ao
escrever novamente ao filho Christopher durante a Segunda
Guerra Mundial, ele lamentou a “terrível destruição e o
horrendo sofrimento” da guerra. “Parece não existir mais
qualquer traço de misericórdia, compaixão ou imaginação
nesses dias negros e diabólicos”.7 O realismo amargo presente
em O Senhor dos Anéis é o que torna o livro tão
irresistivelmente relevante para a nossa própria situação. Não
muito diferentes da geração do pós-guerra de Tolkien,
tendemos a ser céticos em relação aos ideais de uma época
anterior e às suas soluções para resolver nossos problemas
modernos.
Quando os personagens de Tolkien estão quase
completamente destruídos pela dor e pelo medo de perder tudo
que amam, não podemos deixar de sofrer com eles. Pense na
conversa de Éowyn com Faramir enquanto ambos se
recuperavam dos ferimentos de batalha e esperavam com
grande ansiedade enquanto a guerra pela Terra Média
continuava. Ao olharem para o leste, veem “uma enorme
montanha de escuridão” erguendo-se e, aparentemente, pronta
para engolir o mundo inteiro. “Então você acha que a escuridão
está vindo?”, pergunta Éowyn. “Escuridão Inescapável?”.8
Ao final de sua demanda, Frodo, o Portador do Anel, já havia
desistido da ideia de sobreviver. Ele se resignara a uma derrota
final: um dos fatos brutais sobre o mundo como o
encontramos. “A esperança falha. E o fim vem”, diz ele a Sam.
“Basta esperar mais um pouco agora. Estamos perdidos na
ruína e na queda, e não há como escapar”.9
Apesar de ter sido acusado tantas vezes de recorrer a um
“escapismo medieval”, Tolkien captura melhor a tragédia da
condição humana do que qualquer cético pós-moderno. No
ápice de sua jornada, nas chamas da Montanha da Perdição,
apesar de toda coragem e força, Frodo fracassa em sua
demanda: ele decide não destruir o Anel e sucumbe ao seu
poder, colocando-o novamente no dedo. “Mas é preciso
enfrentar o fato”, escreve Tolkien, “de que o poder do Mal no
mundo não pode ser resistido por criaturas encarnadas, por
‘melhores’ que sejam”.10
É neste ponto que Tolkien e Lewis se afastam mais
radicalmente do espírito de sua época. Nossos contos modernos
de heroísmo — os super-heróis, superpoliciais e superespiões
— apresentam protagonistas que, invariavelmente, salvam o
dia com a própria inteligência e força de vontade, geralmente
com muito poder de fogo disponível. A ideia de que o herói
possa precisar de ajuda externa — de uma divindade
sobrenatural, por exemplo — é considerada por muitos como
uma espécie de trapaça. Isso tiraria a sua “dignidade” e
diminuiria o “espírito humano”. Na franquia Star Wars, até a
nebulosa “Força” que ajuda Luke Skywalker em sua luta contra
Darth Vader nos parece estranha, desatualizada. Preferimos o
Batman, em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, a figura sombria
e obsessiva que vence seus demônios para resgatar Gotham,
mais ou menos por conta própria. (Até Alfred, o fiel mordomo
de Bruce Wayne, desaparece na maior parte do filme).
O ideal heroico das obras de Tolkien e Lewis, por outro lado,
é caracterizado de forma muito mais profunda. O herói não é
capaz, por seus próprios esforços, de vencer na luta contra o
mal. As forças unidas contra ele, somadas a sua própria
fraqueza interior, tornam a vitória impossível. Ele, então,
começa a se dar conta da natureza trágica da jornada e isso o
oprime até chegar o momento em que o fracasso parece, de
fato, inevitável.
VENCENDO A CATÁSTROFE
A dimensão mítica de suas histórias atinge agora o seu
apogeu: como os melhores contos de fadas, elas oferecem a
consolação do final feliz, “a repentina mudança feliz” em
direção ao resgate e à redenção. É a reversão de uma
catástrofe, o que Tolkien chama de eucatástrofe, um ato
decisivo da Graça que promete superar nossa culpa, restaurar
o que foi perdido e consertar as coisas.11
Frodo fracassa em sua missão. Mas, ainda assim, ela é
cumprida, não por ele, mas pela mais improvável das criaturas:
Gollum. “Sua malícia é grande e lhe dá uma força difícil de
imaginar em alguém tão magro e mirrado”, diz Gandalf. “Mas
ele ainda pode desempenhar um papel que nem ele nem
Sauron previram”.12 A profecia do mago se cumpriu. A derrota
de Frodo — a nossa derrota — é revogada por um Poder mais
forte do que a nossa fraqueza. Tolkien identificou esse Poder
como “aquela Pessoa sempre presente que nunca se ausenta e
nunca é nomeada”.13 É assim que Gollum, guiado por seu
desejo de dominar, morde o dedo de Frodo que portava o Anel e
acaba escorregando e mergulhando em direção à morte no fogo.
O Anel é destruído, portanto, não por Frodo ou pela Sociedade,
mas por “uma graça súbita e milagrosa”.14
Na série de Nárnia, esse ato de Graça aparece pela primeira
vez em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa. A traição de
Edmundo contra Aslam e seus irmãos teve um grande custo.
“Você sabe que todo traidor pertence a mim como minha presa
por direito”, zomba a Feiticeira Branca, “e que para cada
traição, tenho eu o direito de matá-lo!”. Aslam, porém,
intervém. Ele oferece sua própria vida e se sacrifica no lugar de
Edmundo e é executado na Mesa de Pedra com a Faca de
Pedra. No entanto, a morte não pode segurá-lo e o Leão volta à
vida, derrotando a Feiticeira Branca e todas as suas forças.
Essa é a “Magia Profunda” que fora colocada no mundo pelo
Imperador de Além-Mar: que quando uma vítima voluntária,
inocente de traição, fosse executada no lugar de um traidor, a
mesa estalaria e “a própria morte começaria a andar para
trás”.15
O momento culminante da Graça ocorre em A Última
Batalha, quando o rei Tirian, as crianças e um fiel
remanescente dos narnianos lutam para chegar à entrada do
Estábulo: a última batalha do último rei de Nárnia. Somos
levados a acreditar que dentro do Estábulo está a morte certa,
a fortaleza de um mal todo-poderoso. “Tenho a forte impressão
de que, antes do amanhecer, todos passaremos por aquela
porta”, disse Poggin, “E pela minha cabeça passam mil tipos de
mortes que eu preferiria a essa...”.16 Enquanto o grupo
entrava, de fato, toda a esperança parecia perdida.
Aqui também acontece a “repentina mudança feliz”. O
Grande Leão invadiu o Estábulo, expulsou o demônio Tash e
transformou o Estábulo em uma passagem para a terra de
Aslam. As crianças viram Nárnia ser destruída e um novo
mundo, quase mais belo do que os seus corações poderiam
suportar, ser criado. “Todas as criaturas queridas, tudo o que
importava da velha Nárnia foi trazido aqui para a verdadeira
Nárnia, por meio daquela Porta”.17 Lúcia, então, compreende o
simbolismo simples, mas poderoso, do Estábulo: na história
cristã, é o local do nascimento do Messias, o Leão da tribo de
Judá, Jesus, o Cristo. “Este jardim é como o estábulo. É muito
maior do lado de dentro do que parece visto de fora”.18
Esses contos épicos de heroísmo e sacrifício são
estranhamente familiares a nós porque já os ouvimos, ou ao
menos rumores deles. São as histórias de homens e mulheres
vencidos pelo mal, porém amados e redimidos pela Graça. São
contos “sustentados por um mito central que consegue
participar de todos os mitos de todos os heróis do passado”.19
Como manifestações da eucatástrofe, eles nos apontam para
aquele mito essencial sobre o qual Tolkien e Lewis discutiram
durante uma noite inteira em Oxford — o Mito que se tornou
Fato.
NOSSO SEGREDO INCONSOLÁVEL
Só depois de terminada toda luta, quando os mais valentes
morreram na batalha, quando a guerra contra o mal chega a
seu amargo fim — só depois de tudo isso — é que o Mito como
Fato completa a história humana. Só então a alegria, “a alegria
para além dos muros do mundo” pode tornar-se nossa eterna
herança.20 Não existe atalho para a Terra da Paz, nem
caminho tranquilo e florido até as Mansões dos Bem-
Aventurados. Primeiro vêm as lágrimas e o sofrimento em
Mordor, a violência cruel no Monte do Estábulo — e o horror e
a morte no Gólgota.
Talvez seja por isso que a eucatástrofe esteja sempre
misturada com a dor: o conhecimento das dores sofridas na
luta contra o mal permanece no coração humano. “E todo o
exército ria e chorava, e, no meio da alegria e das lágrimas,
surgiu a límpida voz do menestrel como prata e ouro, e todos
os homens se calaram”. E o menestrel cantou para eles e
continuou cantando, “até que o coração deles, ferido por
palavras doces, transbordou e a alegria era como uma espada e
eles passaram, em pensamento, para lugares onde a dor e a
alegria fluíam juntas e onde as lágrimas eram o próprio vinho
da bem-aventurança”.21
A combinação de tristeza e alegria, tão característica em
nossa vida mortal, é tema recorrente na Bíblia. É a experiência
dos judeus nos dias do profeta Esdras: a consciência da
presença de Deus após muitos anos de fome espiritual. Depois
de anos terríveis de guerra e cativeiro, eles começaram a
reconstrução do templo do Senhor — seu lugar de adoração
que fora destruído pelos inimigos de Israel, dando início a um
longo período de escravidão e exílio. “E todo o povo louvou ao
Senhor em alta voz, pois haviam sido lançados os alicerces do
templo do Senhor”, escreveu o profeta. “Mas muitos dos
sacerdotes, dos levitas e dos líderes de família mais velhos, que
tinham visto o antigo templo, choraram em voz alta quando
viram o lançamento dos alicerces desse templo; muitos, porém,
gritavam de alegria”.22
O término da Grande Guerra trouxe sua mistura de
comemoração e tristeza. Os soldados dessa guerra viveram dias
intermináveis repletos de lama, fedor, matança e morte. Nada
parecido jamais ocorrera na história do mundo; esse evento
abalou os próprios fundamentos da vida civilizada.
“A Grande Guerra diferiu de todas as guerras antigas pelo
imenso poder de seus combatentes e suas temíveis operações
de destruição; distinguiu-se de todas as guerras modernas pela
crueldade absoluta com que foi travada”, escreveu Winston
Churchill. “Todos os horrores de todas as épocas foram
reunidos, e não apenas exércitos, mas populações inteiras
foram lançados no meio desses horrores”.23 As promessas de
uma vitória rápida foram substituídas por planos para um
ataque decisivo, que sempre terminava em um impasse. Foi
uma guerra que alguns temiam nunca ter fim. “Sempre que um
dos lados elaborava alguma forma de destruição que poderia
gerar algum resultado”, escreveu G. J. Meyer, “o outro lado
dava um jeito de manter o impasse”.24
Não é de admirar que um jornal tenha celebrado o Armistício
como “o dia mais importante da história do mundo”.25 Houve
muita alegria naquele dia, em meio a oceanos de tristeza.
Contudo, nenhum consolo completo e final foi encontrado na
paz que veio em seguida. Nenhuma guerra poderia acabar com
todas as guerras para sempre, nem transformar as nações em
uma irmandade de homens. “Foi um final terrível de uma
tragédia terrível dos últimos quatro anos”, escreveu Siegfried
Sassoon em seu diário.26 T. S. Eliot considerava o mundo pós-
guerra como uma terra desolada onde reinava o cansaço
humano. “Penso que estamos no beco dos ratos”, escreveu ele,
“onde os mortos seus ossos perderam”.27 Erich Remarque
previu uma geração de homens “destruídos, esgotados, sem
raízes e sem esperança”. A vida civil, disse ele, não traria
conforto aos sobreviventes: “Não seremos mais capazes de
encontrar uma direção”.28
EIS O REI
Após retornarem à Inglaterra ao fim de seu serviço na
guerra, Tolkien e Lewis poderiam facilmente ter se juntado ao
grupo dos desraigados e descrentes. Mas, ao contrário disso,
convenceram-se de que existia apenas uma verdade, apenas
um acontecimento que poderia ajudar os cansados e infelizes a
encontrarem o caminho de volta para casa: o Retorno do Rei.
Esse Rei é mais forte do que “Aquela Fortaleza Medonha”
que percorre Nárnia e a Terra Média à procura de vítimas para
devorar. Ele é o arquétipo do heroico em todas as culturas e
épocas. Ele é a fonte de toda a bondade e coragem, o desejo das
nações. Ele vem para restaurar “os dias de liberdade há muito
perdidos”.29 Somente este Rei conhece o caminho até aquele
Reino Bendito que fica além do mar. “A luz adiante foi ficando
cada vez mais forte”, escreveu Lewis em A Última Batalha, “e
Lúcia notou que uma infinidade de penhascos multicoloridos
erguia-se à frente deles, como uma escadaria gigante. Mas
então ela se esqueceu de tudo o mais, pois Aslam estava
chegando, descendo, saltando de um rochedo para outro como
uma cascata viva de beleza e poder”.30
Este Rei vem em beleza e poder, como a voz da consciência e
a fonte do consolo, como o Leão e o Cordeiro. Aqui, talvez,
esteja a influência duradoura de George MacDonald. “A
bondade irradiava de cada traço do seu rosto”, escreveu ele
sobre o nobre cavaleiro, em Phantastes: A Terra das Fadas.
Ainda assim, o rosto do cavaleiro “ficou sério e determinado,
tudo menos feroz; apenas os olhos queimavam como um
sacrifício sagrado, elevados em uma pedra de granito”.31 O que
Lewis descobriu na visão de MacDonald, e que também veio a
adotar, foi a “união entre ternura e severidade”.32
Nenhum personagem em toda a ficção de Lewis incorpora
essa mistura de virtudes de forma mais convincente do que
Aslam. Em A Cadeira de Prata, Jill se encontra dividida entre o
medo e o desejo quando o Leão aparece e se coloca entre ela e o
riacho de água vivificante:
“Não está com sede?”, perguntou o Leão.
“Estou morrendo de sede”, respondeu Jill.
“Então, beba”, disse o Leão. [...]
“Você promete não fazer... nada comigo... se eu for?”
“Não faço tais promessas”, respondeu o Leão.
“Você come meninas?”, perguntou ela.
“Já devorei meninos e meninas, homens e mulheres, reis e
imperadores, cidades e reinos”, respondeu o Leão. E não disse como
quem se gabasse, ou como quem sente remorso, ou nem mesmo
como se estivesse irado. Apenas disse. [...]
“Oh! Que coisa mais horrível!”, disse Jill, dando um passo à frente.
“Acho que vou ver se encontro outro riacho”.
“Não há outro”, disse o Leão.33
Em seu ateísmo juvenil, Lewis não reconhecia essas
qualidades como pertencentes à figura central do cristianismo:
Jesus, o Cristo. Mas após uma leitura cuidadosa dos
evangelhos, ele mudou de ideia. “Em nenhum outro lugar fora
do Novo Testamento”, escreveu, “encontrei o terror e o consolo
tão entrelaçados”.34
Tolkien consegue alcançar quase o mesmo efeito com
Aragorn, o principal herói épico de O Senhor dos Anéis. Ele é
um homem de grande coragem, determinação e humildade.
Aragorn possui vários nomes, todos ricos em significado. Ele
aparece primeiro como Passolargo, um viajante sombrio e
misterioso. Quando criança, era chamado de Estel, nome que
significa “esperança”, tema recorrente em toda a história. Nas
Casas de Cura ele se autodenomina Envinyatur, ou
“Renovador”. Ele é mais tarde chamado de Senhor das Terras
Ocidentais e Rei do Ocidente. Sua verdadeira estatura, no
entanto, só é revelada depois que Sauron é derrotado e ele
finalmente assume o seu trono:
Mas quando Aragorn se levantou todos os que estavam presentes o
contemplaram em silêncio, pois tiveram a impressão de que ele lhes
estava sendo revelado pela primeira vez. Alto como os antigos reis
dos mares, ergueu-se acima de todos os que estavam perto; parecia
velho em dias, mas na flor da virilidade; e a sabedoria ornava-lhe a
fronte, e havia força e cura em suas mãos, e uma aura de luz o
envolvia. E, então, exclamou Faramir: “Eis o Rei!”.35
No final, os criadores de Nárnia e da Terra Média
apresentam uma visão da vida humana que é, ao mesmo
tempo, assustadora e sublime. Eles insistem que todas as
almas fazem parte de uma história épica de sacrifício, coragem
e luta entre exércitos: o Retorno do Rei. Neste dia, todo coração
será desnudado. Saberemos, com alegria inexprimível, ou
tristeza indescritível, se escolhemos a Luz ou a Escuridão. “Pois
o dia do Senhor está próximo”, escreveu o profeta, “no vale da
Decisão”.36 Daí vem um aviso, assim como uma bênção: negar
o Rei, afastar-se em pesar ou raiva, significa perdição eterna.
Mas contemplá-lo — e ser contado entre seus amados —
significa receber a vida eterna.
“Tudo o que é triste será desfeito?”, perguntou Sam.37 Aqui
encontramos, para além de toda imaginação, a mais profunda
fonte de esperança para a história humana. Pois, quando o Rei
for revelado, “não haverá mais noite”.38 A Sombra será
finalmente retirada da Terra, para sempre. A Grande Guerra
será vencida.
Este Rei, que em suas mãos traz poder e cura, fará com que
tudo o que é triste seja desfeito.
AGRADECIMENTOS

Nem um livro — pelo menos nem um livro deste autor — pode


ser escrito sem a ajuda de muitas mãos, mentes e vozes. Desejo
agradecer à minha família ítalo-americana, cujo amor e apoio
ajudam a me sustentar. Direciono especial agradecimento ao
meu irmão, Mike, por sua pesquisa sobre a história de nossa
família, por nosso interesse mútuo pela Primeira Guerra
Mundial, e à sua mulher, Ann Marie; volto também minha
gratidão à minha irmã Sue e seu marido, Joe, que aliviam os
meus fardos de tantas maneiras; e aos meus sobrinhos e
sobrinhas, que me lembram do que é realmente importante.
Muito obrigado ao meu grupo de amigos e conselheiros: Kara
Callaghan, Cherie Harder, John e Kelli Baker, Ken e Marilyn
Jackson, Mark e Patti Kreslins, Lia e Charles Howard, Nile
Gardiner, Eric Metaxas, Alan Crippen, Mark Tooley, Jedd
Medefind, Tim Schwartz, Charlie Catlett, Tim Montgomerie,
Ben Rogers, Daniel Johnson, Os Guinness, e Michael
Cromartie.
Minha assistente de pesquisa, Carol Anne Kemp, também
ex-aluna minha do King’s College, merece especial
reconhecimento. O conhecimento e o amor de Carol Anne pelas
obras de Tolkien e Lewis provaram-se absolutamente
indispensáveis. Seus instintos literários — compartilhados
durante as nossas muitas conversas tomando café —
aprimoraram imensamente o manuscrito.
Todo historiador tem uma dívida para com aqueles que
vieram antes dele. Muito obrigado aos estudiosos de Tolkien e
Lewis, que tanto fizeram para iluminar a vida desses grandes
homens, e aos responsáveis pelos seus patrimônios por
preservarem suas obras. Sou igualmente grato aos
historiadores da Primeira Guerra Mundial, que dedicaram
grande parte de sua vida profissional para nos ajudar a
compreender a natureza deste conflito.
Quero agradecer aos meus amigos da Nelson Books —
Thomas Nelson: Joel Miller, por seu grande apoio ao livro antes
de seguir para outros empreendimentos; Webster Younce,
editor executivo, por seu forte incentivo; Janene MacIvor,
editora sênior, cuja habilidade, paciência e incentivo são
incomparáveis no mundo editorial; e ao editor de texto,
Zachary Gresham, por seu profissionalismo e sua dedicação
incansável. Meus agentes literários, Joel Kneedler e Bryan
Norman, também merecem muitos agradecimentos.
De igual modo sou profundamente grato a Greg Thornbury,
presidente da King’s College, por criar espaço em meu
calendário acadêmico a fim de que eu pudesse me dedicar ao
livro e por sua grande amizade, uma terapia para o coração.
Também quero agradecer a todos os meus colegas e alunos da
King’s College, por seu incentivo constante. Finalmente, muito
obrigado aos meus amigos da District Church, em Washington,
DC, especialmente aos membros do grupo Lewis e Linguine,
por sua comunhão na fé.
UMA LEMBRANÇA

Uma de minhas maiores satisfações ao trabalhar neste livro foi


o privilégio de aprender mais sobre como a Primeira Guerra
Mundial afetou a vida de soldados comuns e de suas famílias
— incluindo a história da minha própria família.
Meu avô paterno, Michele (Michael) Loconte, era um
emigrante italiano de vinte anos, que vivia e trabalhava nos
Estados Unidos quando a guerra teve início em agosto de 1914.
Ele foi convocado para o serviço militar em 1917, quando os
Estados Unidos se preparavam para entrar na guerra. Após
treinar na 91.ª Divisão — conhecida como a “Divisão do Oeste
Selvagem” —, foi enviado, junto à Força Expedicionária dos
EUA, à Frente Ocidental, no verão de 1918. Meu avô serviu
como soldado da 91.ª Divisão, Companhia C, o 316.º Trem de
munições pelo restante da guerra.
A partir de 20 de setembro de 1918, a divisão de Loconte
participou da Ofensiva Meuse-Argonne, a campanha final e
decisiva da guerra — e a mais mortal para os Estados Unidos.
Mais de 26 mil soldados foram mortos em combate, incluindo
1.702 homens da 91.ª divisão. O registro da divisão descreve
como se deu seu avanço durante a última semana de setembro:
Durante nossa marcha em direção ao ataque, passamos por
diversas tropas de outras divisões enquanto vagões passavam sem
parar a noite inteira por todas as cidades que ocupávamos. E,
agora, escondidos na Foret de Hesse, começamos a ser cercados por
uma quantidade cada vez maior de artilharia, rifles de longo
alcance, enormes canhões e muitos canhões menores. Eles
chegavam noite após noite, e, ao raiar do dia, cada um deles já
havia sumido de nossas vistas, em meio ao bosque e por trás da
vegetação na beira da estrada, ou desapareciam debaixo das
camuflagens nos campos abertos. Parecia que todas as armas da
França estavam reunidas naquele lugar.1

Suas ordens eram inequívocas: eles deviam entregar-se sem


reservas à tarefa de derrotar o Exército Alemão. “As divisões
devem avançar independentemente umas das outras”, afirma o
registro da divisão, “prosseguindo com o ataque com o máximo
de vigor, custe o que custar”.2
Embora raramente falasse sobre sua experiência durante a
guerra, meu avô deve ter presenciado sua cota de sofrimento
humano. Contudo, sua divisão teve um desempenho admirável:
a 91.ª apreendeu mais artilharia, metralhadoras e prisioneiros
e avançou mais sob ataque do que as outras divisões com mais
experiência de combate. Seu êxito na Floresta de Argonne teve
vital importância na “Grande Ofensiva” dos Aliados na Frente
Ocidental, considerada a batalha que destruiu as esperanças
alemãs de vitória e a responsável pelo Armistício em 11 de
novembro de 1918.
Pelo seu serviço na Força Expedicionária Americana e pelo
amor ao seu país adotivo, meu avô recebeu a cidadania
americana e foi naturalizado em 15 de setembro de 1919. Ele
se mudou para o Brooklyn, em Nova Iorque, onde criou sua
família e ajudou a fundar a Conte Farms, empresa de entrega
de ovos e laticínios.
Michael e Theodora Loconte estão enterrados no Cemitério
Nacional de Long Island, em Farmingdale, Nova Iorque.
SOBRE O AUTOR

Joseph Loconte é professor de História na The King’s College,


na cidade de Nova Iorque, onde leciona sobre civilização
ocidental e política externa americana. Sua análise sobre
direitos humanos internacionais e liberdade religiosa foi
divulgada nos principais veículos de mídia do país, como o New
York Times, Wall Street Journal, Washington Post, New
Republic, Weekly Standard e a National Public Radio. É
colaborador regular do Huffington Post e da revista Standpoint,
de Londres. Ele também atua como membro sênior do Trinity
Forum e como pesquisador afiliado no John Jay Institute.
Nascido no Brooklyn, em Nova Iorque, Loconte divide seu
tempo entre a cidade de Nova Iorque e Washington, DC.
NOTAS

Introdução

1. G. J. Meyer. A World Undone: The Story of the Great War, 1914–1918


(New York: Random House, 2006), p. 220.
2. Ibid.
3. “Carols, Plum Pudding, Beer and Bullets”, em The First World War: An
Illustrated History, Special 100th Anniversary Commemoration, p. 27.
4. Modris Eksteins. Rites of Spring: The Great War and the Birth of the
Modern Age (New York: Houghton Mifflin, 2000), p. 110–111. [A
Sagração da Primavera: a Grande Guerra e o Nascimento da Era
Moderna].
5. John Keegan. The First World War (New York: Alfred A. Knopf, 1999),
p. 8. [A Primeira Guerra Mundial].
6. Paul Johnson. A Story of the American People (New York:
HarperCollins, 1997), p. 642.
7. Winston Churchill. The WW
8. Richard Overy. The Twilight Years: The Paradox of Britain Between the
Wars (London: Penguin, 2009), p. 363.
9. Gary Sheffield. Forgotten Victory: The First World War: Myths and
Realities (London: Headline, 2002), xvii.
10. Eksteins. Rites of Spring, p. 237.
11. Roger Sale. Modern Heroism: Essays on D. H. Lawrence, William
Empson, and J. R. R. Tolkien (Berkeley: University of California Press,
1973), p. 3.
12. Churchill. The World Crisis, p. 293.
13. Max Hastings. Catastrophe 1914: Europe Goes to War (New York:
Alfred A. Knopf, 2013), p. 548. [Catástrofe 1914: A Europa Vai à
Guerra].
14. J.R.R. Tolkien, prefácio ao Senhor dos Anéis [The Lord of the
Rings (Boston: Houghton Mifflin, 2004), xxiv].
15. Walter Hooper (ed.). The Collected Letters of C.S. Lewis, vol. 2 (New
York: HarperSanFrancisco, 2004), p. 258.
16. K. J. Gilchrist. A Morning After War: C.S. Lewis and WWI (New York:
Peter Lang, 2005), p. 218.
17. Otexto aparece no ensaio de Tolkien On Translating Beowulf, em
Christopher Tolkien (ed.). J.R.R. Tolkien: The Monsters and the Critics
and Other Essays (HarperCollins, 2006), p. 60.
18. Walter Lippman. A Preface to Morals (New York: Time-Life Books,
1961), p. 16.
19. Lee D. Rossi. The Politics of Fantasy: C.S. Lewis and J.R.R.
Tolkien (An Arbor: UMI Research Press, 1984), p. 4.
20. Patricia Meyer Spacks. Power and Meaning in The Lord of the Rings,
em Rose A. Zimbardo and Neil D. Isaacs (ed.). Understanding The Lord
of the Rings: The Best of Tolkien Criticism (Boston: Houghton Mifflin,
2004), p. 54.
21. Carol Zaleski. C.S. Lewis’s Aeneid, The Christian Century, 2 de
junho, 2011. Walter Hooper escreveu que “Lewis provavelmente leu
a Eneida mais vezes do que qualquer outro livro”. Walter Hooper
(ed.). The Collected Letters of C.S. Lewis, vol. 3 (New York:
HarperCollins, 2007), p. 39.
22. C.S. Lewis. The Chronicles of Narnia (New York: Harper Collins,
2001), p. 147. [As Crônicas de Nárnia].
23. Walter Hooper (ed.). C.S. Lewis, The Weight of Glory and Other
Addresses (New York: Touchstone, 1996), p. 51–52. [O Peso da Glória].
24. Humphrey Carpenter. J.R.R. Tolkien: A Biography (Boston:
Houghton Mifflin, 1987), p. 89. [J.R.R. Tolkien: Uma Biografia].
25. Victor Davis Hanson. The Father of Us All: War and History (New
York: Bloomsbury Press, 2010), p. 4.
26. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 766. [O Senhor dos Anéis].
27. Rossi. The Politics of Fantasy, p. 85, 134.
28. Walter Hooper (ed.). Present Concerns: Essays by C.S. Lewis (New
York: Harcourt Jovanovich, 1986), p. 42.
29. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters of J.R.R. Tolkien (Boston
Houghton Mifflin, 2000), p. 75.
30. Tolkien certa vez admitiu: “Caso eu ‘seja como um dos meus
personagens’, devo me parecer com Faramir, exceto pelo fato de eu
não ter aquilo que todos os meus personagens possuem (deixem essa
parte para o psicanalista!): coragem”.
31. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 672.

Capítulo 1: O Funeral do Grande Mito


1. Martin Gilbert. The First World War: A Complete History (New York:
Henry Holt and Company, 1994), p. 3. [A Primeira Guerra Mundial: os
1590 Dias que Transformaram o Mundo].
2. Giovanni Pico della Mirandola. Oration on the Dignity of
Man (Washington DC: Regnery, 1999), p. 7–8. [Discurso sobre a
Dignidade do Homem].
3. Max Hastings. Catastrophe 1914, p. 3.
4. Martin Gilbert. The First World War: A Complete History, p.3.
5. Norman Angell. The Great Illusion: A Study of the Relation of Military
Power to National Advantage (Memphis: Bottom of the Hill, 2012), p.
103. [A Grande Ilusão].
6. Ibid., 119–120.
7. H.G. Wells. The New World Order (London: Secker and Warburg,
1940), p. 10.
8. Albert Marrin. The Last Crusade: The Church of England in the First
World War (Durham, NC: Duke University Press, 1974), p. 66.
9. Nial Ferguson. Empire: The Rise and Demise of the British World Order
and the Lessons for Global Power (New York: Perseus, 2002), p. 240.
[Império: Como os Britânicos Fizeram o Mundo Moderno].
10. Ibid., xxiv.
11. “Crystal Palace to Rise from the Ashes as Chinese Cash Rebuilds
Symbol of Empire”, 4 de outubro, 2013, The Times of London.
12. Roger Osborne. Civilization: A New History of the Western
World (New York: Pegasus Books, 2006), p. 400, 420. [Civilização —
Uma Nova História do Mundo Ocidental].
13. J.R.R Tolkien. Tree and Leaf (London: HarperCollins, 1988), p. 63.
[Árvore e Folha].
14. Humphrey Carpenter. J.R.R Tolkien, p. 179. [As Cartas de J.R.R.
Tolkien].
15. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters, p. 250.
16. Ibid., 288.
17. J.R.R. Tolkien. The Silmarillion, ed. Christopher Tolkien (Boston:
Houghton Mifflin, 1999), xiii.. Também em Carpenter (ed.), The Letters,
146.
18. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters, p. 87–88.
19. J.R.R. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 473.
20. C.S. Lewis. Surprised by Joy: The Shape of My Early Life (San Diego:
Harcourt Brace Jovanovich, 1984), p. 11. [Surpreendido pela Alegria].
21. Roger Green & Walter Hooper. C.S. Lewis: A Biography (New York:
Harcourt Brace Jovanovich, 1974), p. 20.
22. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 3, p. 1480.
23. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 450. [As Crônicas de Nárnia].
24. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 499–500.
25. Alister McGrath. C.S. Lewis: A Life (Carol Stream, IL: Tyndale
House, 2013), p. 276. [A Vida de C.S. Lewis: do Ateísmo às Terras de
Nárnia].
26. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 353.
27. Ibid., 406.
28. Martin Gilbert. The Somme: Heroism and Horror in the First World
War (New York: Henry Holt and Company, 2006), p. 66.
29. Gilbert. The First World War, p. 533
30. Hastings. Catastrophe 1914, p. 2.
31. Richard Tarnas. The Passion of the Western Mind (New York:
Ballantine Books, 1991), p. 319. [A Epopéia do Pensamento Ocidental:
Para Compreender as Ideias que Moldaram a Nossa Visão de Mundo].
32. Roger Osborne. Civilization, p. 400–401. [Civilização — Uma Nova
História do Mundo Ocidental].
33. Herbert Spencer. The Evanescence of Evil Part I, Chapter 2,
conclusão do parágrafo.
34. Richard Hofstadter. Social Darwinism in American Thought (Boston:
Beacon Press, 1992), p. 33.
35. Ibid., p. 35.
36. Ibid., p. 32.
37. Lesley Walmsley (ed.). C.S. Lewis Essay Collection: Faith, Christianity
and the Church (London: HarperCollins, 2000), p. 29.
38. Ibid., p. 26, 28.
39. James Turner. Without God, Without Creed: The Origins of Unbelief in
America (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1985), p.
201.
40. Richard M. Gamble. The War for Righteousness: Progressive
Christianity, the Great War, and the Rise of the Messianic
Nation (Wilmington, DE: ISI Books, 2003), p. 37.
41. Christine Rosen. Preaching Eugenics: Religious Leaders and the
American Eugenics Movement (Oxford: Oxford University Press, 2004),
p. 25.
42. Francis Galton. “Eugenics as a Factor in Religion”, em Essays in
Eugenics (London: Eugenics Education Society, 1909). Citado em
Rosen, Preaching Eugenics, p. 5.
43. Philipp Blom. The Vertigo Years: Europe, 1900–1914 (New York:
Basic Books, 2008), p. 339.
44. Rosen. Preaching Eugenics, p. 3–23.
45. Francis Galton. “Eugenics: Its Definition, Scope and
Aims”, American Journal of Sociology 10 (julho, 1904), p. 5. Citado em
Rosen, Preaching Eugenics, p. 5.
46. Ibid., p. 33–34.
47. Ibid., p. 99.
48. Michael D. C. Drout (ed.). J.R.R. Tolkien Encyclopedia (New York:
Routledge, 2007), p. 555.
49. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters, p. 190.
50. J.R.R. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 49.
51. C.S. Lewis. Perelandra. (New York: Macmillan Publishing, 1965), p.
91.
52. Tolkien, Tree and Leaf, p. 89.
53. C.S. Lewis. The Abolition of Man (New York: Touchstone, 1996), p.
69–70. [A Abolição do Homem].
54. Hofstadter. Social Darwinism, p. 162.
55. Sermão do rev. Kenneth C. MacArthur, Federated Church
(Congregational Baptist), Sterling, Massachusetts, 1926, AES Papers,
APS. Citado em Rosen, Preaching Eugenics, p. 125.
56. Rosen. Preaching Eugenics, p. 150.
57. Ibid., p. 184.
58. Ibid.
59. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 416.
60. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters, p. 147.
61. J.R.R. Tolkien. The Lord of The Rings, p. 232.
62. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 41.
63. Niall Ferguson. The War of the World: Twentieth-Century Conflict and
the Descent of the West (New York: Penguin, 2007), p. 107–108. [A
Guerra do Mundo — A Era do Ódio na História].
64. Ibid., p. 117.
65. Keegan. The First World War, p. 27, 73.
66. Martin Gilbert. The First World War, p. 29.
67. Ferguson. The War of the World, p. 117.
68. W.M. Spellman. A Short History of Western Political Thought (New
York: Palgrave Macmillan, 2011), p. 139.
69. Gamble. The War for Righteousness, p. 32.
70. Roger Osborne. Civilization, p. 368.
71. James Cronan. “The Lamps Are Going Out All Over Europe”, The
National Archives Blog, 4 de agosto, 2014,
http://blog.nationalarchives.gov.uk/blog/lamps-going-europe/.

Capítulo 2: A Última Batalha


1. C.V. Wedgwood. The Thirty Years War (New York: Book of the Month
Club, 1995), p. 526.
2. Peter Wilson. The Thirty Years War: Europe’s Tragedy (London:
Penguin, 2009), p. 5.
3. Wedgwood. The Thirty Years War, p. 526.
4. Wilson. The Thirty Years War: Europe’s Tragedy, p. 753.
5. Philip Jenkins. The Great and Holy War: How World War I Became a
Religious Crusade (New York: HarperOne, 2014), p. 87–88.
6. Albert Marrin. The Last Crusade: The Church of England in the First
World War (Durham, North Carolina: Duke University Press, 1974), p.
139.
7. A rainha Vitória reinou na Inglaterra até a sua morte, em 1901. O
seu filho mais velho, Eduardo VII, assumiu o trono neste mesmo ano e
governou até a sua morte, em 1910. Em relação aos valores que
definem família, fé e a ordem social e política, “os eduardianos eram
uma extensão dos vitorianos”. Eksteins, Rites of Spring, p. 130.
John Garth.
8. Tolkien and the Great War: The Threshold of Middle-earth (Boston:
Houghton Mifflin, 2003), p. 20–21.
9. Richard Schweitzer. The Cross and the Trenches: Religious Faith and
Doubt among British and American Great War Soldiers (Westport, CT:
Praeger, 2003), p. 4.
10. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 50.
11. George Sayer. Jack: A Life of C.S. Lewis (Wheaton, IL: Crossway,
1994), p. 77.
12. Hooper, (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 71.
13. Carpenter (ed.). The Letters, p. 232.
14. Garth. Tolkien and the Great War, p. 43.
15. Humphrey Carpenter (ed.). J.R.R. Tolkien, p. 91.
16. Don W. King. C.S. Lewis: The Legacy of His Poetic Impulse (Kent, OH:
Kent State University Press, 2001), p. 55.
17. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 89.
18. Ibid., p. 88.
19. Ferguson. Empire, p. 359.
20. Eksteins. Rites of Spring, p. 179.
21. John Ellis. Eye-Deep in Hell: Trench Warfare in World War
I (Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1976), p. 162.
22. Eksteins. Rites of Spring, p. 179–180.
23.
http://www.firstworldwar.com/source/asquithspeechtoparliament.htm.
24. Eksteins. Rites of Spring, p. 236.
25. Michael Burleigh. Earthly Powers: Religion and Politics in Europe
from the French Revolution to the Great War (London: HarperCollins,
2005), p. 144–145.
26. Citado em Marrin, The Last Crusade, p. 59.
27. Alasdair I.C. Heron. A Century of Protestant Theology (Philadelphia:
The Westminster Press, 1980), p. 75.
28. Joseph Fort Newton. The Sword of the Spirit: Britain and America in
the Great War (New York: George H. Coran), xiii, xv.
29. John Spurr. The Post-Reformation: 1603–1714 (Harlow, England:
Pearson Longman, 2006), p. 16.
30. A.J. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War: A Study in
Clerical Nationalism (New York: Praeger, 1989), p. 69.
31. Ibid.
32. Stuart Mews. “Spiritual Mobilization in the First World
War”, Theology (1971), 74:258, p. 259.
33. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War, p. 69.
34. Marrin. The Last Crusade, p. 177–186.
35. Conrad Cherry (ed.). God’s New Israel: Religious Interpretations of
American Destiny (Chapel Hill: The University of North Carolina Press,
1998), p. 83.
36. Ibid., p. 64–65.
37. Woodrow Wilson. “Address to Congress Requesting a Declaration of
War Against Germany (2 de abril, 1917), University of Virginia Miller
Center, http://millercenter.org/president/wilson/speeches/speech-
4722.
38. Cherry (ed.). God’s New Israel, p. 276.
39. Andrew Preston. Sword of the Spirit, Shield of Faith (New York: Alfred
A. Knopf, 2012), p. 254.
40. Ray H. Abrams. Preachers Present Arms: The Role of American
Churches and Clergy in World War I and II with Some Observations on
the War in Vietnam (Eugene, Oregon: Wipf & Stock, 1969), p. 55.
41. Burleigh. Earthly Powers, p. 444.
42. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War, p. 94.
43. Ernst Troeltsch. Deutscher Glaube und deutsche Sitte in unserem
grossen Kriege (Berlin: n.d.), p. 19. Citado em Burleigh, Earthly
Powers, p. 442.
44. Ibid., p. 442.
45. As nações Aliadas acusaram o Imperador e o povo alemão de
blasfêmia por sua intimidade confiante em Deus, expressada em
frases como Gott mit uns [Deus está conosco], uma frase
posteriormente usada pelos nazistas.
46. Jenkins. The Great and Holy War, p. 12.
47. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War, p. 2. Hubbard
morreu a bordo do RMS Lusitania, que foi afundado por um
submarino alemão na costa da Irlanda, em 7 de maio de 1915.
48. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 83.
49. Dan Todman. The Great War: Myth and Memory (London:
Bloomsbury, 2005), p. 124.
50. First World War: An Illustrated History, p. 44.
51. Meyer. A World Undone, p. 297.
52. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War, p. 24.
53. Ibid., p. 29.
54. Ibid., p. 24.
55. Marrin. The Last Crusade, p. 137–138.
56. Abrams. Preachers Present Arms, p. 104.
57. Ibid., p. 108.
58. Ibid., p. 104.
59. Hoover. God, Germany, and Britain in the Great War, p. 9.
60. Gamble. The War for Righteousness, p. 160.
61. Basil Mathews (ed.). Christ: And the World at War (London: James
Clarke & Co., 1917), p. 46.
62. Ibid., p. 170.
63. Gamble. The War for Righteousness, p. 3.
64. Preston. Sword of the Spirit, Shield of Faith, p. 275.
65. Joseph Fort Newton. The Sword of the Spirit: Britain and America in
the Great War (New York: George H. Doran, 1918), p. 38.
66. Gamble. The War for Righteousness, p. 175.
67. Paul Bull. Christianity and War, citado em Kevin Christopher
Fielden, “The Church of England in the First World War” (Electronic
Theses and Dissertations. Paper 1080, 2005),
http://dc.etsu.edu/etd/1080.
68. C.S. Lewis. The Weight of Glory (New York: HarperCollins, 2001), p.
51.
69. Embora tenham sido feitos alguns estudos excelentes sobre a fé dos
soldados durante os anos da guerra, devemos ter o cuidado de não
fazer generalizações sobre as suas crenças pessoais ou sobre as suas
visões a respeito do significado do conflito. Veja Rich Schweitzer, The
Cross and the Trenches: Religious Faith and Doubt Among British and
American Great War Soldiers (Santa Barbara, CA: Praeger, 2003).
70. Ellis. Eye-Deep in Hell, p. 156.
71. Schweitzer. The Cross and the Trenches, p. 168.
72. Burleigh, Earthly Powers, p. 451.
73. Robert Graves. Good-Bye to All That (New York: Vintage
International, 1998), p. 189.
74. Marrin. The Last Crusade, p. 242–243.
75. Graves. Good-Bye to All That, p. 189.
76. Schweitzer. The Cross and the Trenches, p. 259.
77. Burleigh. Earthly Powers, p. 453.
78. Schweitzer. The Cross and the Trenches, p. 81–82.
79. Keegan. The First World War, p. 289.
80. Jonathan Phillips. Holy Warrior: A Modern History of the
Crusades (New York: Random House, 2010), p. 323.
81. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 243.
82. Humphrey Carpenter (ed.). The Letters, p. 197.
83. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 455.
84. C.S. Lewis. That Hideous Strength (New York: Simon & Schuster,
1996), p. 178. [Aquela Fortaleza Medonha].
85. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 60.
86. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 170.
87. Lewis. The Weight of Glory, 70.
88. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 140.

Capítulo 3: Numa Toca no Chão Vivia um Hobbit


1. “The Battle of Jutland, 1916”, Eye Witness to History, 2006,
http://www.eyewitnesstohistory.com/pfjutland.htm.
2. Gilbert. The First World War, p. 252.
3. Garth. Tolkien and the Great War, p. 58–59.
4. Meyer. A World Undone, p. 361.
5. “The Battle of Verdun”, History Learning Site, 2014,
http://www.historylearningsite.co.uk/battle_of_verdun.
6. Charles F. Horne (ed.). Source Records of the Great War, vol. IV
(National Alumni, 1923),
http://www.firstworldwar.com/diaries/verdun_vaux.htm.
7. Meyer. A World Undone, p. 427.
8. Alistair Horne. The Price of Glory (London: Macmillan, 1962), p. 236.
9. Garth. Tolkien and the Great War, p. 138.
10. A data exata de quando Tolkien cruzava o Canal da Mancha foi em 6
de junho de 1916.
11. Tolkien. “The Lonely Isle”,
http://webpages.charter.net/sn9/literature/poetry/2tolkienpoems.html.
12. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 62.
13. Modris Eksteins. Rites of Spring, p. 178.
14. Keegan. The Face of Battle, p. 221.
15. Garth. Tolkien and the Great War, p. 41.
16. Carpenter (ed.). The Letters, p. 53.
17. Keegan. The Face of Battle, p. 221.
18. Mathews. Christ: And the World at War, p. 134–35.
19. Carpenter (ed.). The Letters, p. 53.
20. Meyer. A World Undone, p. 363.
21. Eksteins. Rites of Spring, p. 180.
22. Garth. Tolkien and the Great War, p. 188.
23. Paul Fussell. The Great War and Modern Memory (Oxford: Oxford
University Press, 2013), 51. Ibid., p. 52.
24. Keegan. The First World War, p. 52.
25. Hastings. Catastrophe 1914, p. 516.
26. Gilbert. The Somme, p. 194.
27. Carpenter (ed.). The Letters, p. 231.
28. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 822.
29. Gilbert. The Somme, p. 71.
30. Keegan. The Face of Battle, p. 260.
31. Meyer. A World Undone, p. 446.
32. David Lloyd George. War Memoirs of David Lloyd George, 1915–1916
(Boston: Little Brown, 1933).
33. Gilbert. The Somme, p. 269.
34. Keegan. The First World War, p. 295.
35. Churchill. The World Crisis, p. 667.
36. Gilbert. The Somme, p. 64.
37. Sir Martin Gilbert. “What Tolkien Taught Me About the Battle of the
Somme”, The Cutting Edge, 25 de agosto, 2008,
http://www.thecuttingedgenews.com/index.php?
article=716&pageid=23&pagename=Arts.
38. Garth. Tolkien and the Great War, p. 155.
39. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 6.
40. Garth. Tolkien and the Great War, p. 157.
41. Keegan. The Face of Battle, p. 231.
42. G. J. Meyer. A World Undone, p. 261.
43. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 765, itálicos acrescentados.
44. Ibid., p. 188.
45. Carpenter (ed.). The Letters, p. 221.
46. Ibid. Itálicos do autor.
47. Garth. Tolkien and the Great War, p. 161.
48. Ibid., p. 114.
49. Ibid., p. 164.
50. Ibid., p. 166.
51. Keegan. The First World War, p. 296.
52. Philip Gibbs. The Battles of the Somme (Toronto: McClelland,
Goodchild, and Stewart, 1917), p. 6.
53. Garth. Tolkien and the Great War, p. 165–166.
54. Ibid., p. 166.
55. Carpenter (ed.). The Letters, p. 72.
56. Carpenter. J.R.R. Tolkien. p. 92.
57. Gilbert. The Somme, p. 140–141.
58. Carpenter (ed.). The Letters, p. 9.
59. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 883.
60. Garth. Tolkien and the Great War, p. 193.
61. Ellis. Eye-Deep in Hell, p. 96.
62. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 808.
63. Ellis. Eye-Deep in Hell, p. 98.
64. Gilbert. The Somme, p. 85.
65. Ibid., p. 220.
66. Carpenter, J.R.R. Tolkien, p. 94.
67. Tolkien (ed.). The Monsters and the Critics, p. 60.
68. Carpenter. J.R.R. Tolkien, p. 91.
69. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 828.
70. Nancy Marie Ott. “J.R.R. Tolkien and World War I”, em
http://greenbooks.theonering.net/guest/files/040102_02.html.
71. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 626.
72. Ibid., p. 631–32.
73. Ibid., p. 627–28.
74. Gilbert. “What Tolkien Taught Me About the Battle of the Somme”.
75. Gilbert. The Somme, p. 239–240.
76. Carpenter (ed.). The Letters, p. 303.
77. Ibid., 215. Também em Tom Shippey, J.R.R. Tolkien: Author of the
Century (Boston: Houghton Mifflin, 2002), p. 2.
78. Sheffield. Forgotten Victory, p. 157.
79. Ibid.
80. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 934.
81. Keegan. The Face of Battle, p. 219.
82. Churchill. The World Crisis, p. 667–668.
83. Gibbs. The Battles of the Somme, p. 18.
84. Carpenter (ed.). The Letters, p. 158.
85. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 52.

Capítulo 4: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa


1. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 70.
2. Ibid., p. 72.
3. Ibid., p. 113.
4. Ibid., p. 111.
5. Garth. Tolkien and the Great War, p. 42.
6. Homero. The Iliad, introdução e notas por Bernard Fox (London:
Penguin Books, 1998), p. 26. [A Ilíada].
7. Gilchrist. A Morning After War, p. 27.
8. Ibid., p. 26.
9. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 125.
10. George MacDonald. Phantastes (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), xi.
11. George MacDonald. The Complete Fairy Tales (Penguin Books,
1999), p. 9.
12. W. H. Lewis (ed.). Letters of C.S. Lewis (San Diego: Harcourt, 1988),
p. 179.
13. Ibid., p. 27.
14. Green and Hooper. C.S. Lewis: A Biography, p. 45.
15. Em uma carta datada de 21 de janeiro de 1960, Lewis elogia as
obras de MacDonald a John Warwick Montgomery. Hooper (ed.). The
Letters, vol. 3, p. 1125.
16. Sayer. Jack, p. 107–108.
17. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 129.
18. Ibid., p. 131.
19. Ferguson. The War of the World, p. 127.
20. Douglas Gresham. Jack’s Life: The Life Story of C.S.
Lewis (Nashville: Broadman & Holman, 2005), p. 33.
21. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 171.
22. Ibid., 208–209.
23. Ibid., 204.
24. Ibid., 212.
25. Gilbert. The Somme, 71.
26. Hooper (ed.). C.S. Lewis: The Weight of Glory, 51.
27. Lewis. Surprised by Joy, p. 138.
28. Lewis (ed.). Letters of C.S. Lewis, p. 126.
29. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 230.
30. Ibid., 230–231.
31. Ibid., 342.
32. Lewis. Surprised by Joy, p. 158.
33. Sayer. Jack, p. 122.
34. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 299.
35. Ibid., p. 310.
36. Lewis. Surprised by Joy, p. 158.
37. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 315.
38. Ibid., p. 319.
39. Ibid., p. 338.
40. Ibid., p. 341.
41. Ibid., p. 346. Walter Hooper coloca Lewis em Monchy-Le-Preux, mas
K.J. Gilchrist discorda, acreditando que Lewis estava em uma cidade a
oeste de Arras. Veja Gilchrist, A Morning After War, p. 57–58.
42. Ibid., p. 351.
43. Gilchrist. A Morning After War, p. 56.
44. Ibid., p. 63. As descrições de fogo inimigo foram tiradas do diário do
batalhão da Infantaria Somerset Light de que Lewis fazia parte,
conhecido como o “War Diary of Intelligence Summary”.
45. Lewis. Surprised by Joy, p. 195.
46. Ibid.
47. C.S. Lewis. Spirits in Bondage: A Cycle of Lyrics (Lexington, KY:
Emereo, 2013).
48. McGrath. C.S. Lewis: A Life, x.
49. Lewis. Spirits in Bondage, p. 9.
50. Fussell. The Great War and Modern Memory, p. 123.
51. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 356.
52. Ibid., p. 363.
53. Gilbert. The First World War, p. 408.
54. De 21 de março até dois de maio, as baixas britânicas chegaram a
280 mil. Os franceses sofreram 340 mil perdas.
55. Walter Hooper. C.S. Lewis: Companion and Guide (New York:
HarperCollins, 1996), 11.
56. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 363.
57. Várias referências biográficas sobre a experiência de guerra de Lewis
o colocam incorretamente na Batalha de Arras, de 1917. Mas,
na verdade, Lewis lutou em uma batalha diferente, perto da vila de
Arras, em abril de 1918.
58. Meyer. A World Undone, p. 652.
59. Gilchrist. A Morning After War, p. 123.
60. Lewis. Surprised by Joy, p. 96.
61. Hooper, ed., Collected Letters, vol. 1, p. 388.
62. Lewis, Surprised by Joy, p. 191.
63. Ibid., p. 191–192.
64. Ibid., p. 192.
65. Ibid., p. 193.
66. Lewis. Surprised by Joy, p. 196.
67. Clyde S. Kilby & Marjorie Lamp Mead (ed.). Brothers and
Friends: The Diaries of Major Warren Hamilton Lewis (New York:
Ballantine Books, 1982), p. 6.
68. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 368.
69. Ibid., p. 414.
70. Sayer. Jack, p. 134.
71. Percy Dearmer (ed.). Christianity and the Crisis (London: Victor
Golancz, 1933), p. 25–26.
72. Lewis. That Hideous Strength, p. 203–204.
73. Lewis. Surprised by Joy, p. 196.
74. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 375.
75. Ibid., p. 374.
76. MacDonald. Phantastes, p. 149.

Capítulo 5: A Terra da Sombra


1. Margaret MacMillan. Paris 1919 (New York: Random House, 2003), p.
15.
2. Ibid.
3. Churchill. The World Crisis, p. 841.
4. Barbara Tuchman. The Guns of August (New York: Ballantine, 1990),
p. 523.
5. Dan Todman oferece uma visão diferenciada do que é chamado de “a
formação do mito moderno da guerra”. As visões sobre a Primeira
Guerra Mundial, segundo ele, mudaram ao longo do tempo: “Qualquer
pessoa que afirmasse em público que a guerra havia sido fútil,
incompetente e um desperdício de vidas, sem qualquer traço de
heroísmo redentor, teria sido colocado para correr no início da década
de 1920”. Veja Todman, The Great War, p. 221–230. Niall Ferguson
apresenta uma visão um tanto contrária: “Como já foi observado
muitas vezes, a maior parte dos livros de memórias das décadas de
1920 e 1930 foi produzida por homens de escolas públicas e
universitários com pouca experiência de qualquer sofrimento, muito
menos de guerra. A desilusão deles tinha como base a ilusão de jovens
privilegiados”. Niall Ferguson, The Pity of War: Explaining World War
1 (New York: Penguin Press, 1999), p. 451.
6. David Fromkin. A Peace to End All Peace: The Fall of the Ottoman
Empire and the Creation of the Modern Middle East (New York: Henry
Holt and Company, 1989), p. 212.
7. É reconhecido, de maneira geral, que o genocídio armênio teve início
em 24 de abril de 1915, quando o governo turco prendeu e executou
várias centenas de intelectuais armênios. Logo, o povo armênio
passou a ser retirado à força de suas casas e homens, mulheres e
crianças eram levados pelo deserto sírio, onde muitos morriam, em
direção a campos de concentração. De uma população de dois milhões
de armênios que viviam no Império Otomano no início da guerra,
cerca de um milhão e meio morreu no genocídio.
8. Eksteins. Rites of Spring, p. 255.
9. Gilbert. The First World War, p. 534.
10. Fussell. The Great War and Modern Memory, p. 342.
11. Erich Maria Remarque. All Quiet on the Western Front (New York:
Ballantine, 1982), p. 294.
12. Overy. The Twilight Years, p. 3.
13. Ibid., p. 15.
14. Oswald Spengler. The Decline of the West (New York: Alfred A. Knopf,
1962), p. 34.
15. Carpenter (ed.). The Letters, p. 393.
16. Ibid., p. 46.
17. Carpenter. J.R.R. Tolkien, p. 108.
18. Ibid., p. 76.
19. Garth. Tolkien and the Great War, p. 250.
20. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, 419. Depois de ficar fora da
Guerra por quase quatro meses devido aos seus ferimentos, Lewis
deveria ser enviado de volta ao campo de batalha; tais eram as
necessidades militares da Grã-Bretanha até o dia do Armistício. “É
claro que com a necessidade atual de homens, se eu for aprovado pelo
conselho, retornarei rapidamente à França”, escreveu ele ao pai em 3
de setembro de 1918. “Embora eu não esteja muito bem, estou quase
‘recuperado’, no sentido militar da palavra, e dependo apenas do
esquecimento das autoridades para minha permanência no hospital”.
Ibid., p. 395–396.
21. Ibid., p. 423.
22. Ibid., p. 428.
23. Lewis. Letters of C.S. Lewis, p. 129.
24. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 747.
25. Humphrey Carpenter. The Inklings: C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien,
Charles Williams, and Their Friends (Boston: Houghton Mifflin, 1979),
p. 11.
26. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 606.
27. Walter Hooper (ed.). All My Road Before Me: The Diary of C.S. Lewis,
1922–1927 (San Diego: Harcourt, 1991), p. 135.
28. Susan Kingsley Kent. The Influenza Pandemic of 1918–1919: A Brief
History with Documents (Boston: Bedford/St. Martin’s, 2013), p. 48.
29. Ibid., p. 1.
30. Ferguson. The War of the World, p. 144.
31. Kent. The Influenza Pandemic of 1918–1919, p. 2–3.
32. Conversation with Carmella Parrinello, 28 de dezembro, 2014.
33. Meyer. A World Undone, p. 513.
34. Paul Johnson. Modern Times: The World from the Twenties to the
Nineties (New York: HarperCollins, 1991), p. 67.
35. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 502.
36. Burleigh. Sacred Causes, p. 58.
37. Michael J. Oakeshott. The Social and Political Doctrines of
Contemporary Europe (Cambridge: Cambridge University Press, 1939),
p. 164–68.
38. Johnson. Modern Times, p. 103.
39. Gilbert Murray. The Ordeal of This Generation: The War, the League
and the Future (London: George Allen & Unwin, 1929), p. 180–181.
40. Eksteins. Rites of Spring, p. 257.
41. Johnson. Modern Times, p. 5.
42. Hooper (ed.). All My Road Before Me, p. 212.
43. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 605–606.
44. Johnson. Modern Times, p. 5.
45. Sigmund Freud. The Future of an Illusion (London: Hogarth Press,
1927), p. 28.
46. Eksteins. Rites of Spring, p. 256.
47. Dearmer. Christianity and the Crisis, p. 68.
48. Ernest Hemingway. A Farewell to Arms (New York: Charles
Scribner’s Sons, 1969), p. 185. [Adeus às Armas].
49. Walter Hooper (ed.). God in the Dock (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1970), p. 116. [Deus no Banco dos Réus].
50. Garth. Tolkien and the Great War, p. 250.
51. Tolkien. The Silmarillion, p. 242.
52. Ibid., p. 243.
53. Carpenter. J.R.R. Tolkien, p. 100.
54. Carpenter (ed.). The Letters, p. 78.
55. Ibid., p. 144.
56. Ibid., p. 231.
57. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 836.
58. Niall Ferguson contesta a afirmação de que a memória da guerra na
literatura e na arte era de horror absoluto. “A maioria esmagadora do
grande número de poemas escritos durante a guerra, por combatentes
e não combatentes, tinha um tom patriota”. Ferguson. The Pity of War,
p. 48–49.
59. Candace Ward (ed.). World War One British Poets (Mineola, NY:
Dover Publications,1997), p. 25.
60. Ibid., p. 36.
61. Todman. The Great War, p. 155.
62. Graves. Goodbye to All That, p. 186.
63. Carpenter (ed.). The Letters, p. 75–76.
64. Walter Hooper (ed.). C.S. Lewis: Of This and Other Worlds (London:
Fount, 2000), p. 100–101.
65. Shippey. J.R.R. Tolkien: Author of the Century, p. 232.
66. Tolkien. The Silmarillion, xv.
67. Carpenter (ed.). The Letters, p. 203.
68. Ibid., p. 239.
69. Fora da universidade, este foi o primeiro artigo publicado por Lewis.
70. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 397.
71. Lewis, Spirits in Bondage, p. 7.
72. Fussell. The Great War and Modern Memory, p. 364.
73. Churchill. The World Crisis, p. 4.
74. Jenkins. The Great and Holy War, p. 223.
75. O grupo Bloomsbury era uma associação influente de escritores,
intelectuais, filósofos e artistas ingleses, que incluía Virginia Woolf,
John Maynard Keynes, E.M. Forster e Lytton Strachey. Eles moravam
e trabalhavam juntos, perto de Bloomsbury, em Londres, durante a
primeira metade do século XX.
76. Hooper. C.S. Lewis: Companion and Guide, p. 25.
77. Murray. The Ordeal of This Generation, p. 173.
78. Friedrich Nietzsche. Beyond Good and Evil (New York: Penguin,
1990), p. 82.
79. Hooper (ed.). All My Road Before Me, p. 431–432.
80. Sayer. Jack, p. 219.
81. Lewis. Surprised by Joy, p. 199–200.
82. C.S. Lewis. The Pilgrim’s Regress (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1992), p. 205. [O Regresso do Peregrino].
Hooper, (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 509.
83. Ibid., p. 649.
84. Ibid.
85. Ibid., p. 850.
86. Em uma carta a Arthur Greeves, datada de 25 de março de 1933,
Lewis mencionou uma conversa com Tolkien “que, você sabe, cresceu
lendo Morris e Macdonald, e compartilha do mesmo gosto que o meu
por literatura”. Hooper (ed.). The Letters, vol. 2, p. 103.
87. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 918.
88. Não há nenhum registro escrito de sua conversa precisa, mas
Carpenter faz um trabalho admirável de reconstrução do que foi
discutido por eles, com base no poema “Mitopéia”, de Tolkien. Segui a
narrativa de Carpenter e acrescentei um pouco a ela com base em
outras cartas e escritos de Lewis e Tolkien. Veja Carpenter, J.R.R.
Tolkien: A Biography, p. 150–152.
89. Ibid., p. 234–235.
90. Carpenter. The Inklings, p. 43.
91. Carpenter (ed.). The Letters, p. 110–111.
92. Carpenter. J.R.R. Tolkien, p. 151.
93. Tolkien. Tree and Leaf, p. 87.
94. Carpenter. The Inklings, p. 44. Veja também a carta de Lewis a
Arthur Greeves em Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 1, p. 976.
95. Carpenter, J.R.R. Tolkien, p. 151.
96. Tolkien, Tree and Leaf, 90.
97. Carpenter. J.R.R. Tolkien, 151.
98. Lewis. Surprised by Joy, p. 136.
99. Hooper (ed.). Collected Letters, p. 974.
100. O primeiro livro escrito por Lewis após a sua conversão ao
cristianismo, O Regresso do Peregrino, traça a sua própria busca
intelectual e espiritual pela verdade.
101. Lewis. Surprised by Joy, p. 225.
102. Hooper (ed.). C.S. Lewis: Of This and Other Worlds, p. 7.
103. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 501.
104. Carpenter (ed.). The Letters, p. 388.
105. Ibid., p. 29.
106. Ibid., p. 341.
107. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 262.
108. Carpenter (ed.). The Letters, p. 209.
109. Ibid.
110. J.R.R. Tolkien. The Hobbit (New York: Ballantine, 1973), p. 17. [O
Hobbit].
111. Carpenter. J.R.R. Tolkien: A Biography, p. 180.
112. Tolkien. The Hobbit, p. 268.
113. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 631.
114. Carpenter (ed.). The Letters, p. 388.
115. Ibid., p. 68.
116. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 990.
117. Carpenter (ed.). The Letters, p. 362.
118. John Bunyan. The Pilgrim’s Progress (London: Penguin, 2008), p.
67.
119. Philip Gibbs. Now It Can Be Told (New York: Harper and Brothers,
1920), p. 131.
120. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 518.
121. Ibid., p. 61.
122. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 81.

Capítulo 6: Aquela Fortaleza Medonha


1. Tucídides. The Peloponnesian War (Oxford: Oxford University Press,
2009), p. 98. [História da Guerra do Peloponeso].
2. Ibid., p. 99.
3. Meyer. A World Undone, p. 396.
4. Ibid., p. 397.
5. Hooper (ed.). C.S. Lewis: Of This and Other Worlds, p. 95.
6. Ibid., p. 98.
7. Ibid., p. 102.
8. Veja Tom Shippey. J.R.R. Tolkien: Author of the Century (Boston:
Houghton Mifflin, 2000), xvii–xxxv.
9. Roger Sale. “Tolkien and Frodo Baggins”, em Neil D. Isaacs and Rose
A. Zimbardo (eds.), Tolkien and the Critics: Essays on J.R.R. Tolkien’s
The Lord of the Rings (Notre Dame: University of Notre Dame Press,
1972), p. 247.
10. Ernst Jünger. Storm of Steel (New York: Penguin, 2004), p. 71.
11. Meyer. A World Undone, p. 547.
12. Em uma carta a Jocelyn Gibb, datada de 16 de abril de 1961, Lewis
se mostra perplexo com o autor David Richard Davies, que parecia ter
descoberto, por causa da Guerra Civil espanhola, que a humanidade
era capaz de grandes atrocidades. Lewis escreveu: “A maioria de nós
descobriu isso durante a Primeira Guerra Alemã”. Hooper
(ed.). Collected Letters, vol. 3, p. 1254–1255.
13. Esta é a descrição de Lyndsay da Torre de Babel bíblica. Lewis a
pegou emprestada para usar no título do terceiro livro da sua série de
ficção científica, Aquela Fortaleza Medonha.
14. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 47.
15. Ibid., p. 267.
16. Shippey. J.R.R. Tolkien: Author of the Century, 114. Sou
profundamente grato a este trabalho incrível de Shippey sobre o tema.
Veja p. 112–160.
17. Ibid., p. 630.
18. C.S. Lewis. The Screwtape Letters (New York: MacMillan, 1982), x.
[Cartas de um Diabo a seu Aprendiz].
19. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 47.
20. Ibid., p. 118.
21. Ibid., p. 62.
22. Veja Carpenter (ed.). The Letters, p. 173.
23. Carpenter (ed.). The Letters, p. 76.
24. Lewis. That Hideous Strength, p. 293.
25. Hooper. C.S. Lewis: Companion and Guide, p. 240.
26. Veja Shippey. J.R.R. Tolkien: Author of the Century, p. 112–160.
27. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 51.
28. Ibid., p. 268–269.
29. Ibid., p. 331.
30. Tolkien. The Silmarillion, p. 298.
31. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 357.
32. Ibid., p. 358.
33. Hooper (ed.). C.S. Lewis: Of This and Other Worlds, p. 28.
34. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 777.
35. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 82.
36. Carpenter (ed.). The Letters, p. 172.
37. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 61.
38. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 271.
39. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 199.
40. Ibid., p. 222.
41. Drout. J.R.R. Tolkien Encyclopedia, p. 75.
42. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 398.
43. Ibid., p. 259.
44. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 393.
45. Lewis. That Hideous Strength, p. 203.
46. Ibid.
47. Shippey. J.R.R. Tolkien: Author of the Century, p. 117.
48. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 267.
49. Ibid., p. 269.
50. Carpenter (ed.). The Letters, p. 246.
51. Isaacs and Zimbardo (eds.). Tolkien and the Critics, p. 36.
52. C.S. Lewis expressou da seguinte maneira: “Essas coisas não foram
planejadas para refletir nenhuma situação específica do mundo real.
Foi ao contrário: acontecimentos reais começaram, de forma horrível,
a se encaixar nos padrões que ele criara”. Veja Carpenter, Tolkien: A
Biography, p. 193.
53. Carpenter (ed.). The Letters, p. 332.
54. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 945.
55. Lewis. The Screwtape Letters, p. 56.
56. Lewis. That Hideous Strength, p. 130.
57. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 125–126.
58. Arthur Weinberg (ed.). Attorney for the Damned: Clarence Darrow in
the Courtroom (Chicago: University of Chicago Press, 2012), p. 56.
59. Johnson. Modern Times, p. 71.
60. Ibid., p. 70.
61. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 258.
62. Gênesis 4.7.
63. Tolkien certa vez recebeu uma carta de um admirador que se dizia
“incrédulo”, mas, mesmo assim se sentira atraído pela sensibilidade
religiosa da história. “Você cria um mundo em que algum tipo de fé
parece estar em toda parte, mesmo sem uma fonte visível, como se
fosse uma luz vinda de uma lâmpada invisível”. Carpenter (ed.). The
Letters, p. 413.
64. Hooper (ed.). C.S. Lewis: Of This and Other Worlds, p. 99.
65. Ferguson. The Pity of War, p. 186.
66. Thomas Hardy. The Collected Poems of Thomas Hardy (Ware,
Hertfordshire: Wordsworth Editions, 1994), p. 509.
67. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 531.
68. Croft. War and the Works of J.R.R. Tolkien, p. 16–17.
69. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 849.
70. Ibid., p. 848.
71. Ibid., p. 631–632.
72. Ibid., p. 458.
73. Ibid., p. 823.
74. Croft. War and the Works of J.R.R. Tolkien, p. 26.
75. Brian Rosebury. Tolkien: A Critical Assessment (New York: St.
Martin’s, 1992), p. 126.
76. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 292.
77. Ibid., p. 170–171.
78. Brian Melton. “The Great War and Narnia: C.S. Lewis as Soldier and
Creator”, 22 de setembro, 2011, Mythlore. Muito de minha análise
segue o excelente trabalho conduzido por Melton sobre este tema.
79. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 358.
80. Ibid., p. 732.
81. Em um ensaio que explorou a sua tradução inovadora de Beowulf,
por exemplo, Tolkien explicou que os homens dessas lendas “foram
concebidos como reis de cortes cavalheirescas” e que “a imaginação do
autor de Beowulf se baseava na cavalaria cristã, se é que não
totalmente influenciada por ela”. Tolkien (ed.). The Monsters and the
Critics, p. 57.
82. Garth. Tolkien and the Great War, p. 292.
83. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 650.
84. Ibid., p. 402.
85. Sou grato à análise de Verlyn Flieger da tradição heroica presente
em O Senhor dos Anéis, em seu ensaio “Frodo and Aragorn: The
Concept of the Hero”, em Zimbardo & Isaacs (ed.). Understanding The
Lord of the Rings, p. 122–125.
86. Zimbardo & Isaacs (ed.). Understanding The Lord of the Rings, p.
123.
87. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 171.
88. Ibid., p. 62.
89. Eksteins. Rites of Spring, p. 258.
90. Hooper (ed.). Present Concerns, p. 15.
91. Lee Rossi. The Politics of Fantasy: C.S. Lewis and J.R.R. Tolkien (Ann
Arbor: UMI Research Press, 1984), p. 2.
92. Lewis disse em The Discarded Image: “Espero que ninguém pense
que estou recomendando um retorno ao modelo medieval. Estou
apenas sugerindo considerações que podem nos induzir a considerar
todos os modelos da maneira correta, respeitando todos, sem idolatrar
nenhum”. C.S. Lewis, The Discarded Image: An Introduction to
Medieval and Renaissance Literature (Cambridge: Cambridge
University, 2003), p. 222.
93. Hooper (ed.). Present Concerns, p. 14.
94. Carpenter (ed.). The Letters, p. 160.
95. Ibid., p. 179.
96. Hooper (ed.). Present Concerns, p. 16.
97. Stephen E. Ambrose. Band of Brothers (New York: Simon and
Schuster, 1992), p. 61.
98. Alan Jacobs. The Narnian: The Life and Imagination of C. S.
Lewis (New York: HarperOne, 2006), p. 88.
99. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 583.
100. Ibid., p. 244.
101. Veja Mike Bellah. A Celebration of Joy: Christian Romanticism in the
Chronicles of Narnia. http://www.bestyears.com/thesis__7.html
102. C.S. Lewis. The Four Loves (San Diego: Harcourt Brace Jovanovich,
1988), p. 87. Veja a excelente análise de Lewis sobre o tema da
amizade neste trabalho, p. 87–127. [Os Quatro Amores].
103. Kilby & Mead (ed.). Brothers and Friends, p. 284.
104. Lewis. The Four Loves, p. 104.
105. Alister McGrath argumentou de forma convincente que Lewis se
juntou à Infantaria de Somerset Light para que pudesse servir ao lado
de seu amigo Paddy Moore. Veja McGrath, C.S. Lewis, p. 65–66.
106. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 105.
107. Ibid., p. 104.
108. Carpenter (ed.). The Letters, p. 88.
109. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 87.
110. Ibid., p. 940.
111. Os membros do Inklings incluíam Lewis, seu irmão Warren,
Tolkien, Charles Williams, Owen Barfield, e Hugo Dyson.
112. Carpenter (ed.). The Letters, p. 94.
113. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 2, p. 501.
114. Carpenter (ed.). The Letters, p. 303.
115. Hooper (ed.). Collected Letters, vol. 3, p. 249–250.
116. Em sua carta a Tolkien, datada de 13 de novembro de 1952, Lewis
não se refere explicitamente à Primeira Guerra Mundial quando
menciona “a Guerra” como uma das coisas que o trabalho de Tolkien
ajudou a tornar permanente. Contudo, parece improvável que tivesse
em mente a Segunda Guerra Mundial, acabada sete anos antes.
Hooper (ed.). Collected Letters
117. , vol. 3, p. 1458.
118. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 694. Itálicos do autor.
119. Carpenter (ed.). The Letters, p. 341.
120. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 216.
121. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 870.
122. Ibid., p. 500.
123. Spacks. “Power and Meaning in The Lord of the Rings”, em
Zimbardo & Isaacs (ed.), Understanding The Lord of the Rings, p. 60.
124. Ward (ed.). World War One British Poets, p. 25.
125. Carpenter (ed.). The Letters, p. 78.

Conclusão: O Retorno do Rei


1. “November 11th 1918”, History Learning Site,
http://www.historylearningsite.co.uk/november_11_1918.htm
2. Thomas Hardy. “And There Was a Great Calm”, em Ward (ed.). World
War One British Poets, p. 58.
3. Meyer. A World Undone, p. 486.
4. Hooper. C.S. Lewis: Companion and Guide, p. 444.
5. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 717.
6. Walmsley (ed.). Faith, Christianity and the Church, p. 46.
7. Carpenter (ed.). The Letters, p. 111.
8. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 962.
9. Ibid., p. 950.
10. Carpenter (ed.). The Letters, p. 252.
11. Tolkien. Tree and Leaf, p. 68–69.
12. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 255–56.
13. Carpenter (ed.). The Letters, p. 253.
14. Ibid., p. 69.
15. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 185.
16. Ibid., 737.
17. Ibid., 759.
18. Em seu ensaio “Sobre Contos de Fadas”, Tolkien não deixa dúvidas
sobre a sua compreensão do significado central do cristianismo. “O
nascimento de Cristo é a eucatástrofe da história do homem. A
ressurreição é a eucatástrofe da história da encarnação. Essa história
começa e termina em alegria”. Tolkien. Tree and Leaf, p. 72.
19. Isaacs & Zimbardo (ed.). Tolkien and the Critics, p. 248.
20. Tolkien. Tree and Leaf, p. 69.
21. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 954.
22. Esdras 3.11–12.
23. Churchill. The World Crisis, p. 3–4.
24. Meyer. World Undone, p. 260.
25. Citado em Dan Rodricks, “The Sad, Senseless End of Henry
Gunther”, 11 de novembro, 2008, Baltimore.
Sunhttp://articles.baltimoresun.com/2008–11–11
/news/0811100097_1_henry-gunther-11th-month-war-i.
26. Overy. The Twilight Years, p. 12.
27. T.S. Eliot. The Wasteland and Other Poems (Orlando: Harcourt Brace
& Company), p. 33.
28. Remarque. All Quiet on the Western Front, p. 294.
29. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 339.
30. Ibid., p. 766.
31. MacDonald. Phantastes, p. 188.
32. C.S. Lewis (ed.). George MacDonald: An Anthology (New York:
HarperCollins, 2001), xxxv.
33. Lewis. The Chronicles of Narnia, p. 557–558.
34. Lewis (ed.). George MacDonald, xxxv.
35. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 968.
36. Joel 3. 14.
37. Tolkien. The Lord of the Rings, p. 953.
38. Apocalipse 22. 5.

Uma Lembrança
1. The Story of the 91st Division (San Francisco: H.S. Crocker Co., Inc.,
1919), p. 19.
2. Ibid., p. 32.
ÍNDICE REMISSIVO

A Cadeira de Prata (Lewis) 178, 181, 199.


A Face da Batalha 73, 91.
A Grande Guerra 11–14, 18–19, 22, 29, 38, 41–43, 45, 91, 114, 121,
125–126, 130, 135, 138, 154, 162–163, 169, 177, 186, 191–192, 197,
201.
A Queda de Gondolin 131, 173.
A Queda de Gondolin 131, 173.
A Sociedade do Anel 66, 85, 92, 152, 164, 183–184. Veja O Senhor dos
Anéis.
A Viagem do Peregrino da Alvorada (Lewis) 27.
A World Undone 192.
Abel Ferry 74.
Alan Jacobs 181.
Albert Lewis 108–109.
Aldous Huxley 13.
Além do Planeta Silencioso 146.
Alemanha 11, 13, 22–23, 36, 40–41, 43, 46, 50–52, 56–59, 62, 73, 93, 98,
107–108, 119–120, 128, 133.
Alister McGrath 28, 106, 227n105.
Alma humana 18, 145, 155–156, 187, 189.
Ambrose, Stephen, Band of Brothers: Companhia de Heróis 180–181.
Amizade 15–16, 18, 95, 97, 104, 134, 138, 140, 142, 145, 177, 180–182,
184–187, 189, 204, 227n102.
Antroposofia 138.
Aquela Fortaleza Medonha (Lewis) 113, 158, 166, 169.
Aragorn 160, 172, 178, 200.
Aravis 163, 181.
Armistício 15, 64, 121, 191, 198, 206, 221n20.
Arthur Greeves 48, 96–97, 101, 106, 123, 141–142, 145, 223n87.
Arthur Winnington–Ingram 47.
Artilharia 79.
As Crônicas de Nárnia 14, 17, 28, 39, 66, 147, 150, 153–154, 156, 177,
181–182.
Aslam 28, 39, 149–150, 156–157, 162–163, 165–166, 182, 192, 195–196,
199.
Associação Genética Americana 34.
Ateísmo 64, 100–101, 106, 110, 124, 126.
Baixas de guerra 11, 69, 78, 88, 99, 136.
Balrog 160.
Barbara Tuchman, Canhões de Agosto 13–14, 119.
Barbárvore 28.
Batalha da Jutlândia 69–70, 87.
Batalha de Arras 109.
Batalha de Verdun 70.
Batalha do Somme 15, 29, 65, 76, 78–79, 83, 87–89, 99–100, 106, 133,
142.
Beeching 59.
Benito Mussolini 13, 127–128.
Beowulf 17, 48, 88, 177, 186.
Beregond (soldado do Exército de Gondor) 80.
Bilbo Bolseiro 26, 147, 155.
Billy Sunday 57.
Bloomsbury Group 137, 223n75
Boromir 164–165.
Brejeiro 181.
Brian Rosebury 175.
C. F. Thomas 55.
C. S. Lewis (Clive Staples) 14–20, 22, 24, 26–29, 32, 35–36, 38, 47–49, 58,
63, 65–67, 93–114, 123–124, 127, 129–130, 134–136, 138–150,
152–154, 156–158, 161–164, 166–172, 175–177, 179–183, 185–187,
192, 194, 196, 198–109, 200, 203–204, 210n21, 218n15, 219n41,
219n44, 221n20, 224n101, 225n12, 226n52, 227n105.
C. V. Wedgwood 45.
Caça–Trufas 28.
Caim e Abel 171.
Capitalismo 119, 126, 128.
Cartas de um Diabo ao Seu Aprendiz (Lewis) 145, 169.
Cemitérios 42, 120.
Cerco de Gondor 76, 88.
Charles Darwin 31, 35.
Christine Rosen, Preaching Eugenics 38.
Christopher Tolkien 131, 168, 188, 193.
Christopher Wiseman 70, 87.
Cinismo 17, 64, 130, 188.
Cirith Ungol 161.
Clarence Darrow 170.
Clérigos 50–52, 54, 57, 59, 63.
Clube do Chá e Sociedade Barroviana (Tea Club and Barrovian Society,
TCBS) 70, 74.
Comunismo 126–127, 166.
Condado 25–26, 35, 43, 66, 72, 79–80, 160, 184, 188.
Conrad Cherry, God’s New Israel 55.
Conselho Nacional de Paz da Grã–Bretanha 23.
Conto de Fadas 17, 147, 153.
Coragem 17, 20, 38, 49, 64, 67, 74, 88, 90–91, 94, 100, 130, 147, 164,
177–179, 185, 192, 194, 198, 200.
Cristianismo 16, 30, 32, 47, 51–52, 54, 60–62, 65, 100, 102, 111, 119,
128, 137, 139, 141–142, 144–146, 158, 185, 200.
Cristianismo 16, 30, 32, 47, 51–52, 54, 60–62, 65, 100, 102, 111, 119,
128, 137, 139, 141–142, 144–146, 158, 185, 200.
Cristianismo muscular 47.
Cristianismo Puro e Simples (Lewis) 145.
Dan Todman, The Great War 58, 220n5.
David Cairns 60–61.
David Lyndsay 155.
David Railton 64.
De Profundis (Lewis) 106.
Death in Battle (Lewis) 135.
Debate intelectual 138.
Deus 16, 20, 27, 29, 33, 37, 50, 52–57, 60, 62–64, 66, 93, 99–100, 102,
106, 110, 120, 129–130, 135, 137–138, 140, 142–145, 149, 152,
157–158, 167, 171, 197.
Dever 17, 46–47, 49–50, 65, 67, 72, 92.
Donald Hardman 98.
Douglas Haig 65, 109.
Dr. Weston 158.
Eduardo VII (Rei da Inglaterra) 213n7.
Edward Francis “Paddy” Moore 104, 108, 182.
Edward Grey 43.
Elbert Hubbard 57.
Elihu Root 60.
Elrond 66, 156, 160, 164, 167, 178, 183, 187.
Elwin Ransom 158.
Eneida (Virgílio) 17, 210n21.
Ents (árvores humanoides) 27–28.
Éomer 172.
Éowyn 193.
Erich Remarque 119;
Ernest Francis 69.
Ernest Hemingway 119.
Ernst Jünger, Tempestades de Aço 154.
Ernst Troeltsch 56.
Escapismo 16, 17, 180, 193.
Esdras 197.
Estábulo 195–197.
Estados Unidos da América 13, 23, 29, 31, 33, 34, 36, 37, 47, 52, 55, 57,
59, 61–62, 108, 117, 120, 125, 127, 137, 181, 205.
Eucatástrofe 195–197.
Eugenia 33–38, 166.
Europa 13–14, 21, 23–24, 29, 33, 40, 42–43, 45–46, 49, 51–52, 57, 60–63,
91, 109, 117, 119, 125, 127–128, 136–137, 170, 173.
Evangelho social 32–33, 61.
Exércitos 40.
Ezra Stiles 54.
F. B. Meyer, Religion and Race–Regeneration 35.
Faca de Morgul 164.
Fantasia 17–18, 81, 95–96, 153, 171–172, 186.
Faramir (Capitão de Gondor) 20, 187, 193, 200, 210n30.
Fascismo 127, 166, 168.
Feiticeira Branca 157, 166, 169, 176, 195.
Força Aérea Real 140, 188.
Força Expedicionária Americana 191, 205–206.
Força Expedicionária Britânica (BEF) 11, 15, 49, 64–65, 72–73, 90–91, 95,
103, 122.
Força Voluntária de Ulster 99.
França 11, 13, 22–23, 40–41, 47, 49–52, 58, 63, 69–71, 73, 89, 98–99,
103–104, 107–108, 112, 117, 119–121, 132, 174, 180, 191, 206.
Francis Galton 33.
Frank Winter Perret 109.
French Nocturne (poema) 105.
Frente Ocidental 69, 73–74, 76, 80, 88, 90, 93, 95, 99, 107–109, 122, 155,
164, 174, 177,
179–180, 182, 205–206.
Friederich Nietzsche 138–139.
Frodo Bolseiro 67, 80, 150, 155, 184.
Fuzileiros de Lancashire 72, 79, 83, 88, 183.
G. A. Studdert Kennedy 59.
G. B. Smith 83, 87.
G. J. Meyer 80, 152;
Galadriel 17, 160.
Gandalf 28, 35, 66, 92, 149–150, 155, 159–160, 163–165, 167, 179, 184,
188, 195.
Gary Sheffield, Forgotten Victory 13.
Geoffrey Smith 81.
George Holley Gilbert 60.
George MacDonald 96, 97, 114, 141, 186, 199.
George Newman 125.
George Sayer 48, 97, 138.
Gilbert Murray, The Ordeal of This Generation 128, 138.
Gimli 160, 183.
Giovanni Pico della Mirandola, Discurso sobre a Dignidade do Homem 22.
Giuseppe Aiello 13.
Gollum 89, 161, 179, 195.
Goodbye to All That 118, 133.
Gottfried Naumann 56.
Grã–Bretanha 15, 22–25, 33–34, 41–43, 47, 50–51, 53, 58–59, 71–73, 93,
108–109, 120–121, 125, 127, 136, 149, 152–153, 221n20
Gripe Espanhola (1918) 125, 128.
Guerra do Anel 28, 35.
Guerra do Peloponeso 151.
Guerra dos Trinta Anos 45–46.
H. G. Wells 23, 118.
Harold Macmillan 65.
Hedonismo 130.
Henry Bradley 123.
Henry Gunther 191.
Herbert Henry Asquith 50.
Herbert Spencer 31.
Herói épico 200.
Hobbits 17, 25–26, 35, 67, 79, 85, 90, 91, 147, 152–153, 160, 178–180,
183–184, 188.
Homero, A Ilíada 94, 110.
Horror animal da guerra 83, 88.
Hugo Dyson 142.
Humanidade 12, 22, 25, 27–28, 30–32, 34–36, 38, 42, 50, 56, 59–62, 71,
117, 119, 122, 138, 149, 164, 192–193.
Humildade 20, 67, 179, 200.
Humphrey Carpenter 25, 131.
Igreja da Inglaterra 34, 52, 54, 64, 137.
Imaginação 14, 16, 74, 96, 101, 111, 140, 142, 147, 149,
153–154, 159, 161, 168, 193, 201, 227n81.
Immanuel Kant 23.
Império Austro–Húngaro 41, 136.
Harry Ayres 111.
Industrialização 25, 27, 40.
Infantaria de Somerset Light 109–110.
Inklings 145–146, 185, 228n111.
Inocência perdida 14, 135.
Inocêncio X (papa) 46.
Instituto Nacional de Experimentos Coordenados (N.I.C.E.) 113, 158, 169.
Invasão alemã da Antuérpia 93–94.
Itália 13, 127.
J. A. Hobson, Imperialismo 52.
J. Engall 49.
J. R. R. Tolkien (John Ronald Reuel) 14–20, 22, 24–29, 35–36, 38–39,
47–49, 63, 65–74, 76, 79–92, 99, 103, 106, 112–113, 122–123,
130–135, 141–150, 152–154, 156–158, 160–162, 164, 166–168,
171–181, 183–188, 192–196, 198, 200, 203–204.
Jadis (Rainha do Gelo) 39, 157.
James Day 60.
James Plowden–Wardlaw 59.
James Turner 32.
John Askins 124.
John Garth 47, 85, 177;
John Hancock, God’s Dealings with the British Empire 53.
John Keegan 12, 40, 75;
John Mott 62.
John Spurr 53.
Josef Wenzl 12.
Joseph Fort Newton, The Sword of The Spirit 62.
Joseph Wright, Primer of the Gothic Language 48.
Karl Barth 136–137.
Kenneth MacArthur 37.
L. W. Forster 89.
Laurence Bertrand Johnson 104.
Lee Rossi 179.
Légolas 160.
Leo Baker 140.
Leon Trotsky 126.
Leonard Darwin 35.
Liberdade 27, 35, 47, 54–55, 162, 166, 171, 187–188, 198.
Livre Arbítrio 159, 161, 163–164.
Livros publicados após a Primeira Guerra Mundial 121–122.
Lloyd George 78, 108.
Lord Kitchener (Secretário de Guerra) 72.
Lyman Abbott 61;
Maleldil 158.
Margaret Macmillan 118.
Mark & Jane Studdock 158.
Martin Gilbert 41, 78, 81, 89.
Max Hastings 29, 75.
Max Plowman 106.
Merry 85, 174, 183, 188.
Mervyn Evers 86.
Michael Burleigh, Earthly Powers 51, 57.
Michael Tolkien 168.
Michele Loconte 13, 108.
Miraz 28, 176.
Mito e Mitologia 16–17, 131–134, 141–144, 147, 149, 153, 172, 175, 182,
186, 196.
Mitopéia 36, 143, 223n89.
Modernização 27.
Modris Eksteins 12, 50, 128.
Monchy–Le–Preux 105.
Mordor 26, 35, 87, 89, 155–156, 159, 161, 163–164, 171,
173–174, 184, 197.
Morgoth 131–132.
Morte dos armênios 120, 221n7.
Nacionalismo 51–52, 56.
Nacionalismo cristão 51–52, 56.
Nada de Novo no Front 119.
Nancy Marie Ott 89;
Nárnia 18, 27–28, 38, 43, 112–114, 150–156, 157, 159, 162, 163,
165–166, 171–172, 175, 177, 179, 182, 192, 195–196, 198, 200.
Nazismo 166.
Neo–ortodoxia 137.
Niall Ferguson 24, 40, 49, 98, 220 n5, 222n58.
Nikabrik 165–166.
Norman Angell, A Grande Ilusão 23.
O Anel 39, 155–156, 159–160, 162, 164–165, 167–168, 178–179,
184–185, 188, 193–195.
O Cavalo e seu Menino (Lewis) 163, 175, 181.
O Centauro Roonwit 192.
O Grande Abismo (Lewis) 145.
O Hobbit 14, 16, 90, 147, 173.
O Leão, a Feiticeira e o Guarda–Roupa (Lewis) 66, 169, 175, 195.
O Livro dos Contos Perdidos 134. Ver O Silmarillion.
O Mito do Progresso 21, 31–32, 37–39, 41–43, 52, 62.
O Regresso do Peregrino (Lewis) 224n101.
O Retorno do Rei (Tolkien) 76, 132, 173, 188.
O Senhor dos Anéis 14, 16–20, 26, 35, 39, 67, 72, 76, 79–80, 85, 88, 90,
131–132, 134, 147–148, 150, 153–155, 159, 162,
167–168, 173–174, 178, 186, 193, 200.
O Silmarillion 131, 134.
O Sobrinho do Mago (Lewis) 157, 162.
Oliver Wendell Holmes 31, 37.
Orgulho 80, 165, 168, 182.
Oswald Smythe 94.
Oswald Spengler 122.
Otto Dix 154.
Ovillers 81–83, 99.
Owen Barfield 138.
Pacifismo 20, 130, 180.
Paganismo 54, 59, 144.
Palácio de Cristal 24
Patricia Meyer Spacks 17, 188.
Patriotismo 46–47, 50, 65, 72–73, 130.
Paul Bull 63.
Paul Fussell 136.
Paul Johnson 12,128–129, 171.
Percy Dearmer 60.
Perelandra 36, 158.
Peter Wilson, The Thirty Years War: Europe’s Tragedy 46.
Phantastes 96–97, 114, 199.
Philip Gibbs 83, 148.
Philip Jenkins 57;
Pippin 19, 85, 160, 174, 183.
Poggin 196.
Pós–guerra 16, 19, 63, 119, 125, 128, 130, 137–138, 140, 152, 164, 166,
170, 193, 198.
Primeira Guerra Mundial 12, 14–16, 19, 22, 31, 40, 45–47, 49–50, 53, 55,
63, 66, 70, 86, 89, 117, 119, 121, 131–132, 136, 139, 152, 154, 159,
164, 175–176, 179, 191, 203–205, 220 n5, 228n116. Veja Grande
Guerra.
Primeiro Congresso Internacional de Eugenia 35.
Príncipe Caspian (Lewis) 28, 165, 176.
Protestantes 35, 37, 52, 57, 64.
Providência divina 55.
Psicanálise 129, 138.
Psicologia Freudiana 125, 128.
Pureza Racial 34.
Queda do homem 39, 143, 159.
Queen Mary (cruzador de batalha) 69.
Ralph Stuart Payton 87.
Randolph McKim 56.
Realismo da fantasia 172.
Reforma Protestante 45.
Regina Trench 85.
Rei Caspian 27.
Religião 16, 30, 32–34, 37, 42,
45–47, 51, 53, 60, 65, 102, 130, 142, 149, 158.
Renovação Cultural 61
Revolução gloriosa (1689) 53.
Revolução Industrial 23–25.
Richard Cooke 60.
Richard Gamble 42;
Richard Overy 121.
Richard Schweitzer, The Cross and the Trenches 64.
Richard Tarnas, A Epopéia do Pensamento Ocidental 30.
Riez du Vinage 109, 111, 175.
Ripchip 28, 66.
Rob Gilson 74, 78, 83.
Robert Graves 64;
Roger Green 97.
Roger Osborne 25, 42.
Roger Sale 14, 153.
Rudolf Steiner 138.
Rússia 40–41, 51, 60, 107, 119, 126, 136, 154, 170.
Sam Gamgi 18, 89, 90, 156, 184.
Samuel Zane Batten 55.
Saruman, o Mago 26, 28, 165.
Sauron 26, 28, 35, 155–156,
159–161, 165, 167, 195, 200.
Segunda Guerra Mundial 131, 133, 167–168, 181, 185, 188, 193,
228n116.
Shasta 163, 175, 181, 187.
Siegfried Sassoon 133, 198.
Sigmund Freud 129, 139.
Smaug 173.
Sociedade 13, 18–19, 27, 31–35, 37–38, 42, 51, 60–62, 118, 127, 148,
157, 180.
Sociedade do Anel 85, 184.
Spirits in Bondage (Lewis) 102, 135.
Sr. Straik 66.
Susan Kingsley Kent 126.
T. S. Eliot 119, 137, 198.
T. W. Crafer 53
Tash 192, 196.
Terra de ninguém 12, 77, 79–80, 82, 85–86, 88, 173.
Terra Média 17, 25, 27–28, 35, 38–39, 131–132, 134–135, 147, 149, 155,
157, 159–160, 165, 167–168, 171–172, 179, 193, 198, 200.
The Evolution of Christianity 32.
The Great and Holy War 47.
The Lonely Isle (poema) 72.
The War for Righteousness 61.
Théoden 132.
Theodore Hardy 64.
Thomas Hardy 173, 191.
Thomas Kenneth “Tea Cake” Barnsley 87.
Tirian (rei) 195.
Tisroc 171.
Tolkien and the Great War 81.
Tom Shippey 167.
Tratado de Brest–Litovsky 107.
Tratado de Paz de Vestfália (1648) 46.
Tratado de Versalhes 118.
Trégua de Natal (1914) 11, 62.
Trilogia Cósmica (Lewis) 36, 153.
Trincheiras 12, 14–15, 18, 38, 41, 46, 63, 74–77, 81–83, 86–88, 90, 93,
99, 104–106, 123, 129, 131, 133–134, 136, 152, 175, 184.
Tucídides 151.
Universidade de Oxford 15, 76, 90, 123, 138.
Valfenda 39, 160, 180.
Vera Brittain 29.
Verlyn Flieger 178, 227n85.
Victor Davis Hanson 18.
Vida Intelectual 38, 139.
Virginia Woolf 137, 223 n75.
Vitória (rainha da Inglaterra) 25, 213n7.
Vladimir Lênin 126, 170–171.
Volksgeist 57.
Vontade divina 56.
W. H. Auden, carta de Tolkien 90.
W. M. Spellman 41.
W. R. Matthews 130.
Walter Hooper 97, 145, 192.
Walter Lipmann 16.
Warren Lewis 27, 95.
Washington Gladden 33.
West Midlands 25.
Wilfred Owen 74, 132, 188.
William McFadzean 100.
William Thompson Kirkpatrick
93–94, 98, 100–101, 111, 124.
Winston Churchill, The World Crisis 91, 118.
Woodrow Wilson 55, 61, 117.
Ypres 11, 58, 65, 86–87, 120, 142.

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