Oréstia Prova
Oréstia Prova
Oréstia Prova
ORÉSTIA
EDITOR LITERÁRIO
Rafael D. de Souza
REVISÃO
Leonardo T. Oliveira
Veríssimo Anagnostopoulos
Impresso pela Ipsis Gráfica e Editora em março de 2022
DIAGRAMAÇÃO
para o Clube de Literatura Clássica.
Eduardo C. Oliveira
© Copyright 2022 Editora Literatura Clássica
PROJETO GRÁFICO
Todos os direitos reservados à Editora Literatura Clássica. Vicente Pessôa
Ésquilo, 524-455 C.
Oréstia : Agamêmnon : Coéforas : Eumênides /
Ésquilo ; tradução Mateus Alves Rodrigues. --
1. ed. -- Dois Irmãos, RS : Clube de Literatura
Clássica, 2022. -- (Tragédia grega ; 2)
22-102680 CDD-882
APRESENTAÇÃO 7
ORÉSTIA
DIDASCÁLIA 27
AGAMENÃO
As Personagens da Tragédia 31 Terceiro Episódio 99
Prólogo 33 Terceiro Estásimo 115
Párodo 35 Quarto Episódio 119
Primeiro Episódio 53 Anapestos do Coro 151
Primeiro Estásimo 63 Quinto Episódio 153
Segundo Episódio 73 Êxodo 173
Segundo Estásimo 91
COÉFORAS
As Personagens da Tragédia 185 Segundo Episódio 251
Prólogo 187 Segundo Estásimo 263
Párodo 189 Terceiro Episódio 267
Primeiro Episódio 193 Terceiro Estásimo 279
Primeiro Estásimo 245 Êxodo 283
EUMÊNIDES
As Personagens da Tragédia 297 Primeiro Estásimo 327
Prólogo 299 Terceiro Episódio 335
Párodo 311 Segundo Estásimo 345
Primeiro Episódio 315 Quarto Episódio 351
Segundo Episódio 321 Êxodo 397
7
ORÉSTIA A P R E S E N TAÇ ÃO
somente em 484 (os títulos são desconhecidos). Durante uma car- Estrutura da tragédia grega
reira teatral que se estendeu por cerca de quarenta anos, foi vitorioso
nos concursos dramáticos treze vezes. Dentre essas, sabe-se que em A tragédia grega consiste, no nível mais básico, de alternâncias entre
467 venceu com a tetralogia que incluía Sete contra Tebas, em 463 discursos, diálogos e odes realizados por um elenco de dois ou três ato-
com a que tinha entre suas peças Suplicantes e em 458 com a Oréstia. res, que interpretavam múltiplas personagens (as primeiras peças de
Nas competições, os poetas apresentavam três tragédias, cujos Ésquilo exigiam dois atores, a Oréstia e todas as obras de Sófocles e
enredos poderiam ser independentes ou interligados. Ésquilo (e, Eurípides demandam três), e um coro, que contava primeiro com doze
aparentemente, os trágicos mais antigos) favorecia a composição de e, após Sófocles, com quinze coreutas. A descrição mais influente do
uma série de peças que desenvolvessem uma mesma história, sendo arranjo estrutural do gênero remonta a Aristóteles,1 que, refinada, ho-
suas principais fontes os mitos dos ciclos tebano e troiano. Esse é diernamente ainda se adota, inclusive nesta edição. Segundo tal ponto
o caso da trilogia conhecida como Oréstia, constituída pelas tragé- de vista, as seções formais em que a tragédia se subdivide são as seguin-
dias Agamenão, Coéforas e Eumênides, única trilogia do teatro grego tes: prólogo, párodo, episódios, estásimos e êxodo.
antigo que sobreviveu quase completa até a modernidade. Trata-se De um modo geral, o prólogo é toda a parte anterior à entrada
de uma obra de maturidade de um poeta no auge de sua potência do coro, e pode assumir o formato de monólogo ou diálogo. Eumê-
criativa e com pleno domínio dos recursos técnicos de sua arte, a nides destaca-se nesse caso, pois possui os dois tipos de prólogos em
culminância de décadas de experiência e de uma vasta produção tea- uma sucessão abrupta. Em um primeiro estágio do gênero, certamen-
tral, além de ser, provavelmente, a derradeira criação de sua pena. O te era uma adição opcional à sua estrutura, do que são testemunhas
grande tema da obra, como o leitor poderá perceber, é a justiça, e as peças Suplicantes e Persas, que não o possuem. Posteriormente
nela são levantadas importantes questões sobre a ação humana, cri- tornou-se elemento obrigatório. O párodo (literalmente “entrada”)
mes e responsabilidade. Para tratar disso, Ésquilo adaptou o mito é a primeira intervenção do coro, pronunciada durante a sua entrada
dos últimos desastres da casa de Atreu: o assassinato de Agamenão, em cena. O estásimo é um termo que está em oposição a párodo,
depois de retornar vitorioso da guerra de Troia, por Clitemestra e significando “algo estacionário” e refere-se ao fato de o coro tomar
seu amante Egisto e o destes por Orestes, que ao final é julgado por sua posição na orquestra do teatro e lá permanecer durante o canto.
seus atos e absolvido. Essa situação de crise, marcada por vinganças e Trata-se de odes corais precedidas pela saída e seguidas pela entrada
retaliações sem perspectivas de término, é colocada pelo poeta como de um ou mais atores, formando interlúdios que dividem a tragédia
dando origem ao sistema legal ático, pelo qual os crimes são julga- em episódios. Estes são constituídos de diálogos, discursos e alguns
dos e os réus condenados ou absolvidos por outros homens que não trechos cantados, nos quais a história se desenvolve. Para alguém
sejam partes interessadas no caso, o que resulta no fim da vingança familiar com o teatro neoclássico, os episódios poderiam lembrar a
privada e da autotutela e no estabelecimento da resolução pública divisão em atos, mas o paralelo, se coerente, não é inteiramente exa-
das questões penais. to. De fato, a estrutura de cinco atos é um enrijecimento posterior
Dito isso, nas seções subsequentes trataremos da organização das do esquema episódico, estabelecida na tragédia do século quarto e
tragédias, suas partes, métrica, língua e como buscamos uma equiva-
lência desses detalhes na tradução da Oréstia em língua portuguesa.
1. Poética, 12.1452b.14-25.
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usada também na comédia nova. Por fim, o êxodo é a sequência final panhamento musical. Doravante, explicar-se-ão as estruturas dos
da peça, quando os atores e coro deixam a cena. metros gregos presentes na Oréstia e qual sua correspondência na
tradução portuguesa.
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estrofes e antístrofes. Eventualmente uma estância de forma métrica prosa e da linguagem do dia a dia era almejada pelos tragediógrafos,
distinta pode ser usada para fechar uma composição estrófica: é o em que pese a ocasional presença de coloquialismos em certas passa-
chamado epodo. Estruturalmente as estrofes, antístrofes e epodos gens, que lhes acrescentam um colorido distinto.
consistem de uma série de padrões métricos tradicionais muitíssimo O dialeto usado é basicamente o ático da região de Atenas, pur-
variados (metros jâmbicos, trocaicos, datílicos e eólicos), que podem gado, entretanto, de suas formas mais reconhecíveis e idiossincráti-
muitas vezes ser analisados de maneiras distintas. Para exemplificar cas em favor daquelas correntes no grego comum. É uma condição
brevemente, iremos escandir um par de estrofe e antístrofe da peça estritamente observada pelos poetas, que empregam, por exemplo,
Coéforas, versos 466-475: πράσσω e não o ático πράττω. Elementos oriundos da língua dos
poemas épicos são frequentes, tanto no vocabulário quanto na mor-
Metros Estrofe Antístrofe fologia, como a tmese (separação do prefixo da raiz verbal) e o uso
das preposições como posposições. No entanto, a característica que
Dodrans ὦ πόνος ἐγγενὴς, δώμασιν ἔμμοτον
¯ ˘˘ ¯ ˘¯ ¯ ˘˘¯ ˘¯ talvez mais chame a atenção do leitor seja o uso consciente de uma
Aristofânico καὶ παράμουσος ἄτας τῶνδ᾽ ἄκος, οὐδ᾽ ἀπ᾽ ἄλλων linguagem doricizante nas partes líricas. Um dialeto poético de base
¯ ˘˘ ¯ ˘ ¯¯ ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯¯
Aristofânico αἱματόεσσα πλαγά. ἔκτοθεν, ἀλλ᾽ ἀπ᾽ αὐτῶν, dórica era o instrumento consagrado de expressão da lírica coral ar-
¯ ˘˘¯ ˘ ¯ ¯ ¯ ˘˘ ¯ ˘ ¯ ¯
Hiponacteu ἰὼ δύστον᾽ ἄφερτα κήδη· δι᾽ ὠμὰν ἔριν αἱματηράν.
caica. Os poetas trágicos, portanto, nos trechos de seus poemas que
˘¯ ¯˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ¯ ˘ ¯ ¯ ˘˘ ¯ ˘ ¯ ¯ dependiam dessa tradição, emulavam-lhe a língua costumeira. Esse
Hiponacteu ἰὼ δυσκατάπαυστον ἄλγος. θεῶν τῶν κατὰ γᾶς ὅδ᾽ ὕμνος. verniz dórico, todavia, não se manifestava e aplicava sempre, sendo
˘¯ ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ¯ ˘¯ ¯ ˘ ˘ ¯ ˘ ¯ ¯
antes um maneirismo do gênero que uma prática consistente de es-
crita em um dialeto poético específico.
A riqueza e variedade da versificação grega é incomparável, e
Para a tradução das partes faladas nos servimos do português
nada semelhante é possível de ser alcançado em português. A cor-
contemporâneo, embora não nos furtando de usar ocasionalmente
respondência que achamos mais apropriada para a transposição das
algumas formas antigas, como o subjuntivo estemos (Coéforas 20) em
partes líricas foi pelo número de sílabas. Por exemplo, se um deter-
vez de estejamos, o uso do verbo ser em formas compostas de certos
minado verso de uma ode grega tem onze sílabas, foi traduzido por
verbos intransitivos em lugar do verbo ter (ex. sendo vindos por “ten-
um endecassílabo. Uma das vantagens desse procedimento foi con-
do vindo” em Coéforas 839), a concordância do particípio passado
seguir um texto português de tamanho aproximado ao grego.
com o objeto em locuções com o verbo ter em vez de mantê-lo inva-
riável (tendo ditos em Eumênides 437), e a posposição do indefinido
A língua grega da tragédia sem valor negativo (mortal algum em Eumênides 470).
e o português da tradução Nas partes líricas, para corresponder à linguagem doricizante
A língua grega da tragédia variava nas diferentes partes das peças, do original, que se caracteriza precipuamente por vogais de timbres
por tratar-se, como já mencionado, de uma forma híbrida, que em- diferentes daquelas do dialeto ático, decidimos adotar formas oriun-
pregava estilos e metros diversos em seções cantadas e faladas. Em das do português quinhentista (sem pretendermos, contudo, escre-
todas as partes, porém, uma dicção poética elevada e distante da ver os trechos inteiros perfeita e consistentemente em um português
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de época), que apresenta em muitos casos palavras com timbres vo- presente no original e manter uma equivalência de conteúdo linha a
cálicos diferentes dos do português atual. Muitas vezes os leitores linha, no que fomos, em geral, bem-sucedidos. Para além da métrica,
não têm noção dessas diferenças, porque os autores da época são nos atentamos a vários outros detalhes formais da obra de Ésquilo e
pouco lidos, e, quando há edições, são geralmente de grafia moder- procuramos criar correspondências. Por exemplo, o encavalgamento
nizada, o que é um equívoco, pois criam uma falsificação do estado é pouco comum na Oréstia, sendo usado em momentos pontuais, de
de língua dos textos reproduzidos. Da mesma forma que a língua das grande tensão. Nas passagens em que está presente, empenhamo-nos
partes líricas da tragédia tem por modelo e homenageia aquela usa- em reproduzi-lo na tradução (Agamenão 1402-6, 1589-93 etc.). São
da pelos ilustres poetas da lírica coral arcaica, como Píndaro, Baquí- muito raros homeoteleutos (rimas) no final de verso na poesia gre-
lides e Simônides, nosso objetivo também foi prestar homenagem co-latina. Na Oréstia há apenas uma atestação (Coéforas 6-7), que
à língua dos clássicos de nosso idioma: Sá de Miranda, Bernardes, recriamos em nosso texto. Um outro caso que podemos citar é o do
Ferreira e Camões, dentre outros. Exemplificamos. As preposições verso 1410 de Agamenão “ἀπέδικες, ἀπέταμες ἀπόπολις δ᾽ ἔσῃ” em
“para” e “entre” aparecem como pera e antre e as combinações “pelo” que há uma sequência de três palavras com o mesmo prefixo, “ἀπο-”.
e “sobre o” como polo e sôbolo em diversas passagens. O sufixo -vel é Traduzimos por “Deitaste, decepaste, serás desterrada” em que os
substituído por -bil (ex. miserábil em vez de miserável em Agamenão três termos têm etimologicamente o mesmo prefixo “de-”.
385). A nasalização da vogal final não se encontra presente em mi e
assi. O hiato, que no português posterior foi eliminado pela epênte- O texto das obras de Ésquilo e desta edição
se da consoante nasal, é adotado em casos como ũa (“uma”) e nenhũa
(“nenhuma”). No caso dos ditongos “oi” e “ou”, que aparecem como As fontes antigas atribuem a Ésquilo entre setenta e noventa tra-
variantes nas mesmas palavras em português, usamos a forma atual- gédias, das quais cerca de oitenta títulos são contemporaneamente
mente mais comum nas partes faladas e a menos comum nos trechos conhecidos. De tamanha produção dramática infelizmente apenas
líricos. Assim, os termos coisa, noite, dois e ouro dos monólogos e sete peças conservaram-se sob o nome do autor através da transmis-
diálogos contrastam com cousa, noute, dous e oiro das odes. Servi- são manuscrita. Uma dessas, Prometeu Acorrentado, é provavelmente
mo-nos, outrossim, de diversas variantes de palavras correntes nos apócrifa e teria sido composta após a morte do poeta, sobrevivendo,
escritos quinhentistas com vogais outras que as hodiernas: fermosos, portanto, somente seis obras autênticas. Talvez versões das tragédias
piadade, rezão, fantesia, enveja, fruito, escuitar, aspeito, aventagem, de Ésquilo tenham já circulado limitadamente durante sua vida, e,
milhor, minino, molher, encuberto, logares, para citar algumas. certamente, pouco tempo após sua morte. Os autógrafos das peças,
com o restante de sua propriedade, devem ter sido herdados pelos
seus filhos Euforião e Eveão, e usados pelo primeiro nas reencenações
Diretriz geral da tradução de obras de seu pai. Com o passar do tempo e com novas produções
realizadas e cópias feitas, várias modificações podem ter sido incluí-
Buscamos em nossa tradução não nos afastar da linguagem do tex-
das no texto. Após mais de um século da morte do poeta, na década
to de Ésquilo, preferindo ser tão literais quanto possível dentro das
de 330, um decreto de Licurgo estabeleceu a criação de cópias oficiais
limitações que a métrica escolhida e a índole da língua de chegada
das obras dos três grandes trágicos atenienses, que seriam arquivadas
permitiam. Envidamos esforços em usar o mesmo número de versos
pela cidade. Determinou-se, outrossim, que todas as apresentações
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ORÉSTIA A P R E S E N TAÇ ÃO
futuras deveriam ser baseadas nesses textos oficiais. Embora haja pou- kel, Garvie e Sommerstein para Agamenão, Coéforas e Eumênides
cas informações sobre as tragédias no período, no terceiro século a. C. respectivamente. Também foram consultadas, em menor medida, as
certamente foram, junto a outras obras da literatura grega, acolhidas versões de West e Mazon. No que se refere à constituição do texto,
pela Biblioteca de Alexandria, a partir de quando começa o processo é preciso ter em mente que as obras supérstites da antiguidade tive-
de prover os textos de escólios e comentários. Até o terceiro século ram uma transmissão atribulada e cheia de vicissitudes, chegando-
da era cristã, a maioria, se não todas as peças conhecidas de Ésqui- -nos eivadas de erros e corrupções. A tarefa dos filólogos clássicos
lo, ainda poderiam ser encontradas. É provavelmente nessa época nos últimos quinhentos anos tem sido de encontrar e purgar os er-
que ocorreu a seleção das sete tragédias supérstites, reunidas em um ros, apresentar conjecturas para as passagens corruptas e tentar le-
único códice (formato do livro moderno, que substituiu os rolos de var o texto o quão próximo possível daquele que se originou da mão
papiro) para uso escolar, com um comentário elementar, base das do autor. Ao manejar essas obras, o editor muitas vezes se encontra
porções mais antigas dos escólios medievais. Em algumas gerações, em um dilema: optar por lições conservadoras e mais próximas dos
as obras que não estavam presentes nessa coleção desapareceram manuscritos e produzir um texto ilegível e sem sentido, ou incluir
por completo. Posteriormente, como também ocorreu com os ou- conjecturas e suposições que tornam o texto compreensível, mas o
tros poetas dramáticos, uma seleção menor foi feita, com um novo afastam daquilo que foi transmitido. A edições críticas geralmente
comentário, contendo apenas três peças, a chamada tríade bizanti- adotam um meio termo, acolhendo no texto algumas conjecturas,
na, que incluía somente Prometeu Acorrentado, Sete contra Tebas e porém relegando outras ao aparato crítico. Tendo a presente edição
Persas. São as três tragédias que sobreviveram em maior número de o objetivo de alcançar um público amplo, nossa preocupação foi
testemunhos. O mais antigo manuscrito medieval de Ésquilo, e o principalmente oferecer um texto legível e compreensível, tanto em
único anterior ao saque de Constantinopla em 1204, é o Laurentia- grego quanto na tradução portuguesa. Portanto, adotamos todas as
nus Mediceus (M), do décimo século, que, além de Ésquilo, contém lições e conjecturas que julgamos preferíveis dos aparatos das edi-
as obras de Sófocles e Apolônio Ródio. Há cerca de 120 manuscritos ções consultadas, para prover o texto grego, e por consequência a
copiados antes de 1600 que conservam total ou parcialmente obras tradução, de sentido. Exemplificamos a questão com a passagem a
de Ésquilo, dos quais poucos trazem textos além da tríade bizanti- seguir, a problemática primeira estrofe do segundo estásimo da tra-
na. As tragédias de Ésquilo foram impressas pela primeira vez em gédia Coéforas, versos 783-789:
Veneza, em 1518, pela oficina do célebre tipógrafo italiano Aldo
Manúcio. Tendo usado uma cópia de M, faltava em sua edição, por
νῦν παραιτουμέν᾽ἐμοὶ πάτερ νῦν παραιτουμένᾳ μοι, πάτερ νῦν παραιτουμένᾳ μοι, πάτερ
lacuna do manuscrito, a maior parte do texto de Agamenão, que veio Ζεῦ θεῶν Ὀλυμπίων Ζεῦ θεῶν Ὀλυμπίων, Ζεῦ θεῶν Ὀλυμπίων,
a lume completo apenas em 1557, publicado em Genebra por Petrus δὸς τύχας τυχεῖν δέ μου δὸς †τύχας τυχεῖν δέ μου δὸς τύχας εὐτυχεῖς
κυρίως σωφροσυνευ κυρίως σωφροσυνευ† κυρίως τὰ σώφρον᾽ εὖ
Victorius, que tinha acesso a outra família de manuscritos. Desde μαιομένοις ἰδεῖν μαιομένοις ἰδεῖν. μαιομένοις ἰδεῖν.
então até a contemporaneidade produziram-se várias edições, com διαδικᾶσαι πᾶν ἔπος ἔλακον διὰ δίκας ἅπαν ἔπος ἔλακον· διὰ δίκας ἅπαν ἔπος ἔλακον·
Ζεῦ σύ δέ νιν φυλάσσοις Ζεῦ, σύ νιν φυλάσσοις. Ζεῦ, σύ νιν φυλάσσοις.
diversos aprimoramentos.
O texto grego presente neste livro foi estabelecido a partir do
publicado por Denys Page em Aeschyli septem quae supersunt tra- Da esquerda para a direita apresentamos respectivamente o
goedias, Oxonii, 1972, cotejado com aquele das edições de Fraen- texto do manuscrito M, o adotado por Page e o impresso na presen-
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ORÉSTIA
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Α Ι Σ Χ ΥΛΟΥ
ÉSQUILO
ΟΡΕΣΤΕΙΑ
ORÉSTIA
ΔΙΔΑΣΚΑΛΙΑ DIDASCÁLIA
Ἐδιδάχθη τὸ δρᾶμα ἐπὶ ἄρχοντος Φιλοκλέους Ὀλυμπιάδι πʹ ἔτει βʹ. O drama foi encenado sendo arconte Fílocles, no ano segundo da
πρῶτος Αἰσχύλος Ἀγαμέμνονι Χοηφόροις Εὐμενίσι Πρωτεῖ σατυρικῷ. octogésima Olimpíada [458 a. C.]. Ésquilo obteve o primeiro lugar1
ἐχορήγει Ξενοκλῆς Ἀφιδναῖος. com Agamenão, Coéforas, Eumênides e o drama satírico Proteu. O
corego2 era Xênocles, do demo de Afidna.
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ΑΓΑΜΕΜΝΩΝ
AG A M E N ÃO
ΤΑ ΤΟΥ ΔΡΑΜΑΤΟΣ AS PERSONAGENS
ΠΡΟΣΩΠΑ DA TRAGÉDIA
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PRÓLOGO
Φύλαξ Sentinela
θεοὺς μὲν αἰτῶ τῶνδ᾽ ἀπαλλαγὴν πόνων Aos Deuses rogo a remissão das penas,
φρουρᾶς ἐτείας μῆκος, ἣν κοιμώμενος Uma anual vigia em que jazendo
στέγαις Ἀτρειδῶν ἄγκαθεν, κυνὸς δίκην, Nos tetos dos Atridas,3 feito cão,
ἄστρων κάτοιδα νυκτέρων ὁμήγυριν, Sei dos astros noturnos a assembleia
καὶ τοὺς φέροντας χεῖμα καὶ θέρος βροτοῖς 5 E as que aos mortais verão e inverno trazem, 5
λαμπροὺς δυνάστας, ἐμπρέποντας αἰθέρι Brilhantes potestades,4 conflagrantes
ἀστέρας, ὅταν φθίνωσιν, ἀντολαῖς τε τῶν. No éter em seu ocaso ou levantar-se.
καὶ νῦν φυλάσσω λαμπάδος τό σύμβολον, E agora aguardo a indicação da tocha,
αὐγὴν πυρὸς φέρουσαν ἐκ Τροίας φάτιν Ígneo fulgor, de Troia a voz trazendo,
ἁλώσιμόν τε βάξιν· ὧδε γὰρ κρατεῖ 10 Anúncio da conquista. Assim se rege 10
γυναικὸς ἀνδρόβουλον ἐλπίζον κέαρ O ânimo esperançoso de virago.5
εὖτ᾽ ἂν δὲ νυκτίπλαγκτον ἔνδροσόν τ᾽ ἔχω Quando noctívago e orvalhado tenho
εὐνὴν ὀνείροις οὐκ ἐπισκοπουμένην Meu leito, não de sonhos visitado
ἐμήν· φόβος γὰρ ἀνθ᾽ ὕπνου παραστατεῖ, (Pois medo em vez de sono se apresenta,
τὸ μὴ βεβαίως βλέφαρα συμβαλεῖν ὕπνῳ· 15 Que as pálpebras com sono não as feche), 15
ὅταν δ᾽ ἀείδειν ἢ μινύρεσθαι δοκῶ, Quando cantar resolvo ou trautear,
ὕπνου τόδ᾽ ἀντίμολπον ἐντέμνων ἄκος, Canção, mezinha6 ao sono, preparando,
κλαίω τότ᾽ οἴκου τοῦδε συμφορὰν στένων Choro então a desdita desta casa
οὐχ ὡς τὰ πρόσθ᾽ ἄριστα διαπονουμένου. Não tão bem, como dantes, governada.
νῦν δ᾽ εὐτυχὴς γένοιτ᾽ ἀπαλλαγὴ πόνων 20 Feliz venha ora a remissão das penas 20
εὐαγγέλου φανέντος ὀρφναίου πυρός. Do breu raiando alvissareiro7 fogo!
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
PÁRODO
Χορός Coro
δέκατον μὲν ἔτος τόδ᾽ ἐπεὶ Πριάμου 40 O décimo ano este perfaz que de Príamo 40
μέγας ἀντίδικος, O grande contendor,13
Μενέλαος ἄναξ ἠδ᾽ Ἀγαμέμνων, Menelau, o rei, e Agamenão,
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
15. Isto é, em sinal de honra. – NE. 16. Em sentido estrito, os naturais de Ar-
gos, no Peloponeso, onde Agamenão era rei. Aqui, por extensão, são todos os
gregos que se confederaram contra os troianos sob a égide de Agamenão. –
NE. 17. Bélico, guerreiro. – NE. 18. Grasnando, crocitando. – NE. 19. Enor-
me. – NE. 20. Têm sofrimento, pesar. “Padecer” aqui é substantivo. – NE. 21.
Voando a grandes alturas. – NE. 22. “Tendo sido frustrado o labor [trabalho]
de velar o berço de suas crias”. A imagem é a de um ninho de abutres cujos filho-
tes foram mortos, causando o sofrimento dos pais expresso em seus crocitos. –
NE. 23. As Erínias eram deusas da vingança na mitologia grega. – NE. 24. Vin-
gadora. – NE. 25. Outro nome de Páris. – NT. 26. “Defensor da hospitalidade”.
Helena fora raptada por Páris quando este era hóspede de Menelau. – NE. 27.
Helena. – NE. 28. Lanças. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
29. Gregos e troianos. Dânao foi um antigo rei de Argos. – NE. 30. Não
queimadas. – NE. 31. Nas tragédias, o Coro refere-se a si mesmo tanto no
singular como no plural (eu, nós). Também é comum a alternância entre tu e
vós quando alguém se dirige a ele. – NT. 32. Do serviço militar. – NE. 33. De
criança. – NE. 34. Referindo-se aos bordões (bengalas) usados pelos idosos. –
NE. 35. Em grego, ἀστυνόμων (astynómōn , gen.); são os deuses protetores da
cidade. – NE. 36. Altares. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
κύριός εἰμι θροεῖν ὅδιον κράτος αἴσιον ἀνδρῶν [στρ. α Tenho respaldo p’ra narrar o auspicioso
ἐκτελέων· ἔτι γὰρ θεόθεν καταπνείει 105 Poder, na expedição, de perfeitos varões
πειθὼ μολπᾶν ἀλκὰν σύμφυτος αἰών· (Pois inda a inata idade, por favor dos Divos,40 105
ὅπως Ἀχαιῶν δίθρονον κράτος, Ἑλλάδος ἥβας Me insufla a suasão,41 vigor dos cantos),
ξύμφρονα ταγάν, 110 Como o poder bitrono aqueu,42 da mocidade
πέμπει ξὺν δορὶ καὶ χερὶ πράκτορι Grega concorde comando, 110
θούριος ὄρνις Τευκρίδ᾽ ἐπ᾽ αἶαν, Com lança e mão enviam exatora 43
37. O justo. – NE. 38. O médico. – NE. 39. Alivia. – NE. 40. Dos deuses. –
NE. 41. Persuasão. – NE. 42. Grego. O comando dos gregos é “bitrono” por se-
rem liderados pelos dois Atridas, Menelau e Agamenão. – NE. 43. Mão exatora
= mão que cobra tributos. Por extensão: que exige o que lhe é devido. – NE. 44.
Para a terra troiana. – NE. 45. Águias. – NT. 46. A destra, que carrega a lança.
– NT. 47. Prenhe. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
κεδνὸς δὲ στρατόμαντις ἰδὼν δύο λήμασι δισσοὺς [ἀντ. α Da armada o diligente vate48 tendo visto
Ἀτρεΐδας μαχίμους ἐδάη λαγοδαίτας De índole dupla os dous Atridas, conheceu
πομπούς ἀρχᾶς, οὕτω δ᾽ εἶπε τερᾴζων· 125 Nos guerreiros por lebre vorazes os chefes
“χρόνῳ μὲν ἀγρεῖ Πριάμου πόλιν ἅδε κέλευθος, Condutores e assi disse o portento: 125
πάντα δὲ πύργων “Em tempo rende esta incursão de Príamo a urbe.49
κτήνη πρόσθε τὰ δημιοπληθῆ Todo o armento50 copioso
Μοῖρα λαπάξει πρὸς τὸ βίαιον· 130 Do povo, em frente das muralhas posto,
οἶον μή τις ἄγα θεόθεν κνεφά- Com violência o fado esbulhará.51 130
σῃ προτυπὲν στόμιον μέγα Τροίας Que só divinos zelos não obumbrem,
στρατωθέν. οἴκτῳ γὰρ ἐπίφθονος Ἄρτεμις ἁγνὰ Antes perculso,52 o bridão grande
πτανοῖσιν κυσὶ πατρὸς 135 De Troia aquartelado. Com dó, a pura Ártemis,
αὐτότοκον πρὸ λόχου μογερὰν πτάκα θυομένοισιν De alados cães ciosa 135
στυγεῖ δὲ δεῖπνον αἰετῶν.” Do pai, que a pobre prenhe antes do parto imolam,
αἴλινον αἴλινον εἰπέ, τὸ δ᾽ εὖ νικάτω. Abomina das águias o repasto.”53
Lástima, lástima, diz, que o bem vença!
“τόσον περ εὔφρων ἁ καλὰ, [ἐπῳδ. 140
δρόσοις ἀέπτοις μαλερῶν λεόντων “Assaz benigna a Bela54 140
πάντων τ᾽ ἀγρονόμων φιλομάστοις Aos débeis aljôfres55 de leões rapaces
θηρῶν ὀβρικάλοισι τερπνά, E, de todas as feras que nos agros56
τούτων αἴνει ξύμβολα κρᾶναι, Moram, grata aos pequenos de mama,
δεξιὰ μέν κατάμομφα δὲ φάσματα· 145 Roga os signos cumprir correlatos
ἰήιον δὲ καλέω Παιᾶνα, Destas cousas, visões reprováveis e faustas. 145
μή τινας ἀντιπνόους Δαναοῖς χρονί- Invoco o Curador,57
ας ἐχενῇδας ἀπλοίας Que nenhũa detença morosa das naus
Aos dânaos por ventos contrários
48. Calcas (ou Calcante), arúspice dos aqueus. – NE. 49. A cidade de Príamo =
Troia. – NE. 50. Rebanho. – NE. 51. Espoliará. – NE. 52. Abalado. – NE. 53.
Refeição. – NE. 54. Refere-se à Ártemis, da qual um dos epítetos rituais era
καλλíστη (belíssima). – NT. 55. Os filhotes dos leões são chamados metafori-
camente de orvalhos. Cf.: Odisseia IX, 222. – NT. 56. Campos. – NE. 57. Apo-
lo, irmão de Ártemis. – NT. 58. No caminho de Troia, Ártemis deteve as naus
dos aqueus, exigindo o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamenão e Clitemnestra,
para lhes permitir seguir viagem, como punição por Agamenão ter matado um
de seus veados consagrados. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
τεύξῃ σπευδομένα θυσίαν ἑτέραν ἄνομόν τιν᾽, ἄδαιτον 150 Cause, ávida de outro sacrifício,58 150
νεικέων τέκτονα σύμφυτον, οὐ δει- Sem festim, ilegítimo,
σήνορα. μίμνει γὰρ φοβερὰ παλίνορτος Inato carpinteiro de rixas, sem medo
οἰκονόμος δολία μνάμων μῆνις τεκνόποινος.” 155 De varão. Pois se queda torva, ressurgente,
τοιάδε Κάλχας ξὺν μεγάλοις ἀγαθοῖς ἀπέκλαγξεν Uchão59 falaz,60 lembrada Ira, de filhos víndice.”61 155
μόρσιμ᾽ ἀπ᾽ ὀρνίθων ὁδίων οἴκοις βασιλείοις· Com grandes bens bradou Calcante tais agoiros
τοῖς δ᾽ ὁμόφωνον Das aves do caminho62 aos régios paços,
αἴλινον αἴλινον εἰπέ, τὸ δ᾽ εὖ νικάτω. Aos quais em uníssono
Lástima, lástima, diz, que o bem vença!
Ζεύς ὅστις ποτ᾽ ἐστίν, εἰ τόδ᾽ αὐ- [στρ. β 160
τῷ φίλον κεκλημένῳ, Zeus, quem quer que seja, se lhe é caro 160
τοῦτό νιν προσεννέπω. Este nome por que o chamam,
οὐκ ἔχω προσεικάσαι Dessa forma ora o interpelo.
πάντ᾽ ἐπισταθμώμενος Nada tenho a que semelhe,
πλὴν Διός, εἰ τὸ μάταν ἀπὸ φροντίδος ἄχθος 165 Quando as cousas todas peso,
χρὴ βαλεῖν ἐτητύμως. Salvo Zeus, se da angústia a fútil carga 165
É mister depor deveras.
οὐδ᾽ ὅστις πάροιθεν ἦν μέγας, [ἀντ. β
παμμάχῳ θράσει βρύων, Mesmo quem63 outrora grande foi,
οὐδὲ λέξεται πρὶν ὤν· 170 De guerreira audácia pleno,
ὃς δ᾽ ἔπειτ᾽ ἔφυ, τρια- Prisco64 sendo, não será 170
κτῆρος οἴχεται τυχών. Dito. E foi-se o após surgido,65
Ζῆνα δέ τις προφρόνως ἐπινίκια κλάζων Tendo achado um sojugante.
τεύξεται φρενῶν τὸ πᾶν, 175 Quem dá com gosto a Zeus triunfal loor66
Senso obter completo vai. 175
τὸν φρονεῖν βροτοὺς ὁδώ- [στρ. γ
σαντα, τὸν πάθει μάθος Ele abriu do siso67 a senda
Aos mortais e fez valer
59. Ecônomo, administrador de uma casa. – NE. 60. Falacioso, que engana. –
NE. 61. Vingadora. – NE. 62. Uma das formas de obter auspícios era a obser-
vação do voo de certas aves. – NE. 63. Urano. – NT. 64. Primordial. – NE. 65.
Crono, que destronou seu pai Urano para ser depois subjugado por seu filho
Zeus. – NT. 66. Louvor. – NE. 67. Do entendimento. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
καὶ τόθ᾽ ἡγεμὼν ὁ πρέ- [ἀντ. γ Foi assi também co’o líder
σβυς νεῶν Ἀχαιικῶν, 185 Das acaias71 naus provecto.72 185
μάντιν οὔτινα ψέγων, Não censura vate algum,
ἐμπαίοις τύχαισι συμπνέων, Brusca sorte a golpes tendo aceita,
εὖτ᾽ ἀπλοίᾳ κεναγγεῖ βαρύ- Quando sem singrar, detido à míngua,
νοντ᾽ Ἀχαιικὸς λεώς, Era opresso o acaio povo,
Χαλκίδος πέραν ἔχων παλιρρό- 190 De Cálcis ocupando a terra em frente,73 190
χθοις ἐν Αὐλίδος τόποις· Plagas74 de Áulis75 refluentes,
68. Da lembrança. – NE. 69. Àqueles que não querem, isto é, mesmo sem que-
rer. – NE. 70. Venerável. – NE. 71. Gregas. – NE. 72. Avançado em anos (refe-
rente a “líder”). – NE. 73. “Ocupando a terra em frente de Cálcis”. Cálcis é uma
cidade na ilha de Eubeia, que fica praticamente defronte da Beócia. – NE. 74.
Regiões. – NE. 75. Cidade portuária da Beócia, onde os aqueus ficaram presos
pela falta de ventos causada por Ártemis. – NE. 76. Rio da Trácia. – NT. 77.
Aqui, “despedaçava”. “Flor” é o objeto do verbo. “A flor dos gregos” seriam os
seus valorosos guerreiros, abatidos pelo impasse que a deusa apresentara. – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
ἄναξ δ᾽ ὁ πρέσβυς τόδ ᾽ εἶπε φωνῶν· [ἀντ. δ 205 Isto falando disse o rei provecto: 205
“βαρεῖα μὲν κὴρ τὸ μὴ πιθέσθαι, “Pesada perdição não acatar,
βαρεῖα δ᾽ εἰ Pesada também
τέκνον δαΐξω, δόμων ἄγαλμα, Se a filha trucidar, glória dos paços,
μιαίνων παρθενοσφάγοισιν Com virgíneas torrentes do occídio79
ῥείθροις πατρῴους χέρας πέλας βω- 210 Laivando80 as pátrias mãos junto ao altar. 210
μοῦ. τί τῶνδ᾽ ἄνευ κακῶν; Qual destas cousas sem males?
πῶς λιπόναυς γένωμαι Como desertor tornar-me,
ξυμμαχίας ἁμαρτών; Bélico ajuste81 frustrando?
παυσανέμου γὰρ θυσίας Pois o sacrifício que cessa
παρθενίου θ᾽ αἵματος ὀρ- 215 Os ventos, e o sangue da virgem 215
γᾷ περιόργῳ σφ᾽ ἐπιθυ- Desejar com fúria furente
μεῖν θέμις. εὖ γὰρ εἴη.” É justo, que antão bem seja!”
78. Cetros. – NE. 79. Morte, ato de matar (em relação ao sacrifício de Ifigê-
nia). – NE. 80. Sujando. – NE. 81. Os vários reinos gregos confederados contra
Troia. – NE. 82. “Agamenão sofreu (tolerou, tomou para si o encargo) de ser o
algoz (carrasco) da própria filha”. – NE. 83. "Subsídio das guerras vingadoras de
mulher (Helena) e sacrifício prévio para as naus". – NE.
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ORÉSTIA AG A M E N ÃO
βίᾳ χαλινῶν τ᾽ ἀναύδῳ μένει. [στρ. ζ Com muda força e violência das rédeas.
κρόκου βαφὰς δ᾽ ἐς πέδον χέουσα De crócea89 cor no chão vertendo as vestes
ἔβαλλ᾽ ἕκαστον θυτή- 240 A cada algoz atirava 240
ρων ἀπ᾽ ὄμματος βέλει φιλοίκτῳ, De seus olhos com frechas de piadade,
πρέπουσά θ᾽ ὡς ἐν γραφαῖς, προσεννέπειν Como em pinturas nítida, e falar
θέλουσ᾽, ἐπεὶ πολλάκις Queria, porquanto muitas
πατρὸς κατ᾽ ἀνδρῶνας εὐτραπέζους Vezes cantou do pai nos receptivos
ἔμελψεν, ἁγνᾷ δ᾽ ἀταύρωτος αὐδᾷ πατρὸς 245 Triclínios,90 e, impoluta, em casta voz, do caro 245
φίλου τριτόσπονδον εὔποτμον παι- Pai na terceira libação propício
ῶνα φίλως ἐτίμα. Peã91 entoava honrando-o.
τὰ δ᾽ ἔνθεν οὔτ᾽ εἶδον οὔτ᾽ ἐννέπω· [ἀντ. ζ As cousas de despois nem vi nem digo,
τέχναι δὲ Κάλχαντος οὐκ ἄκραντοι. Mas de Calcante as artes não são vãs.
Δίκα δὲ τοῖς μὲν παθοῦ- 250 A Justiça aos que sofreram 250
σιν μαθεῖν ἐπιρρέπει· τὸ μέλλον δ᾽, Aquinhoa92 o saber. Quanto ao porvir,
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PRIMEIRO EPISÓDIO
Χορός Coro
ἥκω σεβίζων σόν, Κλυταιμήστρα, κράτος· Vim, Clitemestra, teu poder honrando,
δίκη γάρ ἐστι φωτὸς ἀρχηγοῦ τίειν Pois a mulher é justo respeitar
γυναῖκ᾽ ἐρημωθέντος ἄρσενος θρόνου. 260 De homem primaz,96 vacante o viril trono. 260
σὺ δ᾽ εἴ τι κεδνὸν εἴτε μὴ πεπυσμένη Se de algo bom soubeste — ou não, e à esp’rança
εὐαγγέλοισιν ἐλπίσιν θυηπολεῖς, Alvissareira imolas,97 ouviria
κλύοιμ᾽ ἂν εὔφρων· οὐδὲ σιγώσῃ φθόνος. Benévolo. Rancor não há se calas.
Κλυταιμήστρα Clitemestra
εὐάγγελος μέν, ὥσπερ ἡ παροιμία, Alvissareira, conforme o provérbio,
ἕως γένοιτο μητρὸς εὐφρόνης πάρα. 265 Seja a manhã, de mãe vindo benévola. 265
πεύσῃ δὲ χάρμα μεῖζον ἐλπίδος κλύειν· Gáudio98 terás de ouvir, maior que a esp’rança:
Πριάμου γὰρ ᾑρήκασιν Ἀργεῖοι πόλιν. De Príamo a urbe os argivos tomaram.
Χορός Coro
πῶς φῄς; πέφευγε τοὔπος ἐξ ἀπιστίας. Como? Ao incrédulo a palavra foge.
93. Clitemnestra. – NT. 94. O Peloponeso. – NT. 95. Única. – NE. 96. Primeiro
(em poder). – NE. 97. Fazes sacrifícios. – NE. 98. Alegria. – NE.
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