Direito Consumidor Imoveis
Direito Consumidor Imoveis
Direito Consumidor Imoveis
DIREITOS DO
CONSUMIDOR E
LEGISLAÇÃO
IMOBILIÁRIA
2
3 INTRODUÇÃO
5 UNIDADE 1 – Direito Imobiliário
5 1.1 Conceitos básicos
SUMÁRIO
21 3.2 Princípios da vulnerabilidade, hipossuficiência, ônus da prova e boa-fé objetiva
47 REFERÊNCIAS
50 ANEXOS
3
INTRODUÇÃO
Evidentemente que não poderíamos dei- ção não se trata de um artigo original1 , pelo
xar de falar da legislação voltada ao mercado contrário, é uma compilação do pensamento
imobiliário, embora ao longo de todo curso, de vários estudiosos que têm muito a con-
as inúmeras leis, seus artigos e parágrafos tribuir para a ampliação dos nossos conhe-
se fazem presentes. cimentos. Também reforçamos que existem
autores considerados clássicos que não po-
Assim também detalhes do Código de De-
dem ser deixados de lado, apesar de parecer
fesa do Consumidor se fazem presentes nos
(pela data da publicação) que seus escritos
conteúdos estudados a partir deste momen-
estão ultrapassados, afinal de contas, uma
to.
obra clássica é aquela capaz de comunicar-
De todo modo, iniciaremos o estudo apre- -se com o presente, mesmo que seu passado
sentando alguns conceitos pertinentes ao datável esteja separado pela cronologia que
Direito Imobiliário como a posse, detenção e lhe é exterior por milênios de distância.
propriedade, bem como a evolução do cha-
3) Em se tratando de Jurisprudência, en-
mado “patrimônio de afetação”.
tendida como “Interpretação reiterada que
Que fique claro a importância de um rela- os tribunais dão à lei, nos casos concretos
cionamento justo e transparente para com submetidos ao seu julgamento” (FERREIRA,
os clientes, pois estes ao mesmo tempo que 2005)2 , ou conjunto de soluções dadas às
podem fazer a propaganda mais positiva do questões de direito pelos tribunais superio-
negócio, podem também contribuir para que res, algumas delas poderão constar em nota
a empresa seja vista com desconfiança pelo de rodapé ou em anexo, a título apenas de
mercado. exemplo e enriquecimento.
Desejamos boa leitura e bons estudos, 4) Por uma questão ética, a empresa/ins-
mas antes algumas observações se fazem tituto não defende posições ideológico-par-
necessárias: tidária, priorizando o estímulo ao conheci-
mento e ao pensamento crítico.
1) Ao final do módulo, encontram-se mui-
tas referências utilizadas efetivamente e ou- 5) Sabemos que a escrita acadêmica tem
tras somente consultadas, principalmente como premissa ser científica, ou seja, base-
artigos retirados da World Wide Web (www), ada em normas e padrões da academia, por-
conhecida popularmente como Internet, que tanto, pedimos licença para fugir um pouco
devido ao acesso facilitado na atualidade às regras com o objetivo de nos aproximar-
e até mesmo democrático, ajudam sobre- mos de vocês e para que os temas abordados
maneira para enriquecimentos, para sanar cheguem de maneira clara e objetiva, mas
questionamentos que por ventura surjam ao não menos científicos.
longo da leitura e, mais, para manterem-se
atualizados. 1 Trabalho inédito de opinião ou pesquisa que nunca foi publicado
em revista, anais de congresso ou similares.
2) Deixamos bem claro que esta composi- 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrôni-
co Aurélio. Versão 5.0. Editora Positivo, 2005.
4
Por fim:
O estudo do direito imobiliário é fun- que podem estar em comércio, já que são
damental e requer conhecimento e com- suscetíveis de valor econômico, patrimo-
petência para refletir, analisar e aplicar nial ou, ainda, pecuniário.
conceitos teóricos, portanto, faremos um
A princípio, todas as coisas úteis podem
breve aporte sobre esses conceitos que
ser objeto de apropriação, diante do inte-
formam a estrutura para o entendimento
resse econômico que elas despertam. Ex-
e aplicabilidade nas questões pertinentes
cluem-se, todavia, os bens sem valoração
ao ramo dos negócios imobiliários.
econômica, a exemplo da água do mar, o ar
que se respira, luz do sol, entre outros.
1.1 Conceitos básicos
O Direito Imobiliário é um ramo multi- As coisas podem ser apropriadas de-
disciplinar que envolve questões urbanís- vido a uma relação jurídica contratual
ticas, ambientais, registrais, contratuais, (exemplo básico: ‘A’ vende a ‘B’ e ‘B’ se tor-
obrigacionais, trabalhistas e tributárias. na dono da coisa e ‘A’ do dinheiro) ou pela
Diz-se também ser ramo do direito priva- captura (ocupação, onde não há relação
do que se destina a disciplinar vários as- com pessoas, ex.: pegar uma concha na
pectos da vida privada, tais como, a posse, praia, pescar um peixe).
as várias formas de aquisição e perda da
A aquisição decorrente de contrato se
propriedade, o condomínio, o aluguel, a
diz derivada, porque a coisa já pertenceu
compra e venda, a troca, a doação, a ces-
a outrem; a aquisição havida da ocupação
são de direitos, a usucapião3 , os financia-
se diz originária porque a coisa nunca teve
mentos da casa própria, as incorporações
dono (res nullius – coisa de ninguém), ou
imobiliárias, o direito de preferência do
já teve dono um dia e não tem mais (res
inquilino, o direito de construir, o direito
derelicta – equivale ao abandono ou re-
de vizinhança, o registro de imóveis, den-
núncia). Assim, as coisas apropriáveis são
tre muitos outros institutos jurídicos con-
objeto de propriedade, que é o mais amplo
cernentes ao bem imóvel (SILVA JUNIOR,
direito real.
2012).
Vale distinguir:
Direitos Reais ou direito das coisas é o
sub-ramo do direito civil, cujas regras cui- propriedade e domínio – pois exis-
dam do poder dos homens sobre as coisas te pequena diferença entre eles. Em sen-
apropriáveis. tido amplo, o termo propriedade pode ser
entendido como sinônimo de domínio.
O objeto dos direitos reais são as coisas
Todavia, no sentido restrito da palavra, o
apropriáveis, as quais podem ser objeto
termo propriedade serve tanto para fazer
de propriedade, isto é, aquelas coisas que
referência às coisas corpóreas (materiais)
são suscetíveis de alienação, portanto, as
como às incorpóreas (imateriais). Assim,
3- Substantivo feminino – do latim usucapione. Modo de adqui- não se mostra correto falar em domínio
rir propriedade móvel ou imóvel pela posse pacífica e ininter-
rupta da coisa durante certo tempo. intelectual do autor, mas em propriedade
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título. Essa ação serve ao dono contra o para si (o que seria comunismo ou socia-
possuidor injusto, contra o possuidor de lismo), mas para outros particulares que
má-fé ou contra o detentor. possam melhor utilizá-la. Isso só compro-
va que nosso direito valoriza a proprieda-
Ação reivindicatória é diferente de
de privada. É absoluto também porque se
ação possessória! Esta última é a ação do
exerce contra todos, é direito erga omnes;
possuidor contra o invasor, que inclusive
(todos vocês têm que respeitar minha pro-
pode ser o proprietário (exemplos: loca-
priedade sobre meus bens e vice-versa).
dor quer entrar a qualquer hora na casa do
inquilino, alegando ser o dono; não pode. Os direitos de crédito prescrevem, mas
Mas o proprietário que aluga uma fazen- a propriedade dura para sempre, ou seja,
da também pode usar a possessória se o característica de perpetuidade – passa
MST ameaça invadir e o arrendatário não inclusive para os filhos através do direito
toma providências, afinal o proprietário das sucessões. Quanto mais o dono usa
tem posse indireta). A vantagem da pos- a coisa, mais o direito de propriedade se
sessória é a possibilidade de concessão de fortalece. A propriedade não se extingue
liminar “initio litis” específica pelo Juiz. Na pelo não uso do dono, mas sim pelo uso de
reivindicatória não cabe liminar específi- terceiros.
ca, e sim a genérica, através da antecipa-
De acordo com o Artigo 1.231 do CC/02,
ção de tutela, instituto previsto no Arts.
o proprietário pode proibir que terceiros
300 a 304 do Código de Processo Civil,
se sirvam do seu bem; a presunção é a de
CPC/2015.
que cada bem só tem um dono exclusivo,
Esse direito de reaver é consequência mas nosso ordenamento admite o condo-
da sequela, aquela característica dos di- mínio.
reitos reais, e que permite que o titular do
A propriedade se contrai e se dilata, é
direito real o exerça contra qualquer pes-
elástica como uma sanfona; por exemplo,
soa.
tenho uma fazenda e cedo em usufruto
Embora o proprietário possa dispor, para José; eu perco as faculdades de uso e
abusar da coisa (jus abutendi), pode ven- de fruição, minha propriedade antes plena
dê-la, reformá-la e até destruí-la, essa ca- (completa) vai diminuir para apenas dispo-
racterística da propriedade ser um direito sição e posse indireta; mas ao término do
absoluto já não é mais pleno, pois o direito usufruto, minha propriedade se dilata e
moderno exige que a coisa cumpra uma torna-se plena novamente.
função social, exige um desenvolvimento
Quanto ao objeto da propriedade, é
sustentável do produzir, evitando poluir
toda coisa corpórea, móvel ou imóvel. Ad-
(Art. 5º, XXIII da CF/88 c/c, e § 1º do Artigo
mite-se propriedade de coisas incorpóre-
1.228 do CC/02).
as como o direito autoral e o fundo de co-
Respeitar a função social é um limite mércio.
ao direito de propriedade – com efeito,
São espécies de propriedade:
quando uma propriedade não cumpre sua
função social, o Estado a desapropria não a) plena ou ilimitada – quando as
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três faculdades do domínio (uso, fruição e pítulo II, do título III, do livro III, da par-
disposição) estão concentradas nas mãos te especial do Código Civil de 2002 para
do proprietário e não existe nenhuma res- aquisição da propriedade imóvel:
trição. Artigo 1.231 do CC/02;
a) Pela usucapião – a palavra é femini-
b) limitada – subdivide-se em 1) res- na porque vem do latim “usus” + “capere”,
trita – quando a propriedade está grava- ou seja, é a captação/tomada/aquisição
da com um ônus real, como a hipoteca, pelo uso. Essa é a modalidade originária
penhor, entre outros, ou quando o pro- de aquisição da propriedade pela posse
prietário, por exemplo, cedeu a coisa em prolongada e demais requisitos legais.
usufruto para outrem e ficou apenas com Não só a propriedade se adquire pela usu-
a disposição e posse indireta do bem; 2) capião, mas outros direitos reais como su-
resolúvel – propriedade resolúvel é aque- perfície, usufruto e servidão predial tam-
la que está subordinada a um termo ou bém. A usucapião exige posse prolongada
condição resolutórios, ou seja, pode ser (elemento objetivo) com a vontade de ser
resolvida (extinta), e só se tornará plena dono (animus domini - elemento subjeti-
após certo tempo ou certa condição. Na vo).
hipótese de retrovenda, por exemplo, o
b) Pelo Registro do Título – antiga-
comprador do imóvel tem a propriedade
mente chamava-se de transcrição; é aqui-
resolúvel, ou seja, a sua propriedade vigo-
sição derivada. O registro é o modo mais
rará até o advento do termo final previsto
comum de aquisição de imóveis. Conceito:
na avença, conforme prevê o Artigo 505
trata-se da inscrição do contrato no cartó-
do CC/02.
rio de registro do lugar do imóvel. Existem
A aquisição da propriedade pode ser cartórios de notas (onde se faz escritura
originária ou derivada; é originária quan- pública, testamento, reconhecimento de
do a propriedade é adquirida sem vínculo firma, cópia autenticada) e cartórios de
com o dono anterior, de modo que o pro- registro de imóveis em cada cidade. Cada
prietário sempre vai adquirir propriedade imóvel (casa, terreno, apartamento) tem
plena, sem nenhuma restrição, sem ne- um número (matrícula) próprio e está de-
nhum ônus (exemplos: acessão prevista vidamente registrado no cartório de imó-
no Art. 1.248 do CC/02, usucapião e ocu- veis do seu bairro (se a cidade for peque-
pação); a aquisição é derivada quando de- na só tem um). O cartório de imóveis tem
corre do relacionamento entre pessoas a função pública de organizar os registros
(exemplos: contrato registrado para imó- de propriedade e verificar a regularidade
veis, sucessão hereditária), e o novo dono tributária dos imóveis, pois não se podem
vai adquirir nas mesmas condições do an- registrar imóveis com dívidas de tributos.
terior (exemplos: se compra uma casa com A função é pública, mas a atividade é pri-
hipoteca, vai responder perante o credor vada, sendo fiscalizada pelo Poder Judici-
hipotecário; se herda um apartamento ário.
com servidão de vista, vai se beneficiar da
A lei nº 6.015/735 dispõe sobre os re-
vantagem).
São três modalidades previstas no ca- 5- Atualizada a partir da republicação vide Lei nº 10.150, de
2000.
12
gistros públicos. Quando você compra/ a verdade; o cartório deve ser bem orga-
doa/troca um imóvel você precisa cele- nizado e os livros bem cuidados, cabendo
brar o contrato através de escritura pú- ao Juiz fiscalizar o serviço; os livros são
blica (Arts. 108 e 215 do CC/02, salvo se o acessíveis a qualquer pessoa, Art. 1.246
valor do imóvel não ultrapassar o valor de do CC/02); possibilidade de retificação (se
30 salários mínimos, caso em que autoriza o registro está errado, o Juiz pode deter-
a escritura particular) e depois inscrever minar sua correção, Art. 1.247 do CC/02);
essa escritura no cartório do lugar do imó- obrigatoriedade (o registro é obrigatório
vel. Só o contrato/entrega das chaves/ no cartório de imóveis do lugar do imóvel:
pagamento do preço não basta, é preciso § 1º do Art. 1.245 do CC/02) e continuida-
também fazer o registro tendo em vista de (o registro obedece a uma sequência
a importância da propriedade imóvel na lógica, sem omissão, de modo que não se
nossa vida. O registro confirma o contra- pode registrar em nome do comprador se
to e dá publicidade ao negócio e seguran- o vendedor que consta no contrato não é
ça na circulação dos imóveis. A escritura o dono que consta no registro; muita gen-
pode ser feita em qualquer cartório de te desconhece a importância do registro,
notas do país, mas o registro só pode ser ou então para não pagar as custas, só
feito no cartório do lugar do imóvel, que celebra o contrato de compra e venda; aí
é um só (Art. 1.245 e seus parágrafos do fica transmitindo posse de um para outro;
CC/02). quando finalmente alguém resolve regis-
trar, não encontra mais o dono, aí o jeito é
O título translativo a que se refere o
partir para a usucapião).
§ 1º em geral é o contrato. O registro de
imóveis em nosso país não é perfeito, afi- c) Pela Acessão – é aquisição originá-
nal, o Brasil é um país jovem e continental, ria. Adquire-se por acessão tudo aquilo
e muitos terrenos ainda não têm registro, que adere (soma) ao solo e não pode ser
mas o ideal é que cada imóvel tenha sua retirado sem danificação. Através da aces-
matrícula com suas dimensões, sua histó- são a coisa imóvel vai aumentar por algu-
ria, seus eventuais ônus reais (ex: hipote- ma das cinco hipóteses do Art. 1.248 do
ca, servidão, superfície, usufruto, entre CC/02. As quatro primeiras são acessões
outros) e o nome de seus proprietários. naturais e a quinta é acessão humana ou
No cartório de imóveis se registra não só industrial/artificial (SILVA JUNIOR, 2012).
a propriedade, mas qualquer direito real
(exemplos: hipoteca, servidão, superfí- 1.3 Da evolução ao patrimô-
cie, usufruto, entre outros). Antes do re-
gistro do contrato não há direito real, não
nio de afetação
há propriedade, não há sequela ainda em A evolução do mercado imobiliário foi
favor do comprador (§ 1º do Art. 1.245 do ocorrendo de forma significativa e paula-
CC/02), mas apenas direito pessoal (obri- tina, e para dar maior segurança aos em-
gacional). preendimentos surgiu, no ano de 2001
(“MP do Bem”, nº 2.221, de 04.09.2001),
São características do registro: fé pú- a alternativa do patrimônio de afetação
blica (presume-se que o registro exprima nas incorporações imobiliárias, que, em
13
dadeiramente uma lei de função social, lei mática, pois compete ao Estado a obriga-
de ordem pública econômica, de origem ção de promover a sua aplicação.
claramente constitucional”.
O CDC apresenta os princípios basilares
Por se tratar de um subsistema, o CDC é próprios, que unidos aos demais princí-
multidisciplinar e traz em seu bojo normas pios constitucionais, formam uma rede
de tutela de direito material de ordem civil para plena defesa e proteção aos direitos
e penal, processual civil e penal e, ainda, consumeristas. É na Política Nacional de
normas de direito administrativo. Assim, Relações de Consumo (art. 4º do CDC) que
ele tem possibilidade de regular por com- encontramos os princípios e objetivos que
pleto todos os aspectos jurídicos das re- devem nortear o setor.
lações jurídicas de consumo, objetivando
a aplicação de qualquer outra legislação 3.2 Princípios da vulnera-
que lhe for contrária.
bilidade, hipossuficiência,
Embora contenha normas de vários ra-
mos do direito, ele não é completo e, por
ônus da prova e boa-fé ob-
vezes, necessita ser complementado por jetiva
regras contidas em normas do sistema. Conforme ensina Silva (2004), pressu-
Em muitos casos, o microssistema valer- põe o Código Consumerista a vulnerabili-
-se-á de normas do Código Civil, do Código dade do consumidor partindo da premissa
de processo Civil e mesmo de leis extrava- de que este é a parte mais frágil (jurídica
gantes. Ele é, no dizer de Andrade (2006), e tecnicamente falando) na relação tida
poiético e, por isso, admite a aplicação como de consumo, devendo o CDC estabe-
de elementos de outros sistemas, entre- lecer (com a aplicação de direitos e vanta-
tanto, isso só será possível quando ele gens) a igualdade entre as partes.
não contiver norma regulando a hipóte-
se concreta, pois se houver norma espe- Segundo Almeida (2015), para que os
cífica, não se aplica elemento exterior ao consumidores possam chegar à igualdade
microssistema, salvo disposição expressa real, devem ser tratados de forma desi-
em contrário. gual pelo CDC e pela legislação em geral.
Nos termos do art. 5º da Constituição Fe-
O CDC possui o intuito de regular as deral, todos são iguais perante a lei, en-
relações jurídicas de consumo, ou seja, tendendo-se daí que devem os desiguais
aquelas que envolvem o consumidor (polo ser tratados desigualmente na exata me-
ativo), o fornecedor (polo passivo), produ- dida de suas desigualdades. Sendo assim,
tos e serviços disponibilizados no merca- conforme Almeida (2015), desdobram-se
do (objeto) e a aquisição destes pelo con- dois subprincípios:
sumidor destinatário final (finalidade).
primeiro, o de elaboração das normas
A Constituição brasileira considerou jurídicas, a significar que as novas leis a
como fundamental o direito do consumi- serem editadas no setor deverão man-
dor. Tal prerrogativa concedeu ao CDC o ter ou ampliar o conteúdo protetivo, ten-
status de norma constitucional progra- do por fundamento teleológico o direito
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Existem outros princípios também ado- Para Almeida (2015), pela situação de
tados pelo CDC, mas que são caracteriza- hipossuficiência do consumidor, este, via
dos por natureza de direito processual, de regra, enfrentava dificuldades em re-
pois só incidirão na relação de consumo alizar a prova de suas alegações contra o
quando a mesma for objeto de uma ação. fornecedor, por ser ele o controlador dos
São eles o princípio da hipossuficiência e o meios de produção, com acesso sobre os
da inversão do ônus da prova. elementos de provas que interessam à
demanda. Assim, a regra do art. 373, I, do
Intimamente ligados, o princípio da hi-
CPC, representava obstáculo à pretensão
possuficiência e o princípio do ônus da
do consumidor, reduzindo-lhe a chance de
prova se complementam, em razão de que
vitória e premiando o fornecedor com ir-
a hipossuficiência do consumidor pressu-
responsabilidade civil.
põe a falta de condições técnicas ou eco-
nômicas de fazer a prova do seu direito e, A cláusula geral da boa-fé é o princí-
em decorrência, tem-se assegurada a in- pio basilar que orienta a atividade inter-
versão do ônus da prova, que garante ao pretativa do CDC e dos contratos por ele
consumidor que a produção da prova seja regulados, já que nos contratos de longa
realizada pelo fornecedor, conforme dis- duração, a abusividade mostra-se após o
posto no art. 6º, VIII do CDC. ajuste inicial, no decorrer da prestação do
serviço. As disposições tendentes a violar
Art. 6º. São direitos básicos do con-
a boa-fé são dotadas de nulidade, trazida
sumidor:
tanto pelo art. 4º, III, como também pelo
VIII – a facilitação da defesa de seus di- art. 51, inc. IV, ambos do CDC (PALUDO,
23
evitar riscos e prejuízos oriundos dos pro- vés de benefícios reservados pelo CDC. A
dutos e serviços, para assegurar o res- consecução do contrato deve ser presidi-
sarcimento do consumidor, em caso de da pela boa-fé objetiva. Não bastam cláu-
insolvência, de abuso, desvio da pessoa sulas com prestações equivalentes se,
jurídica – fornecedora, para regular tam- durante a execução do contrato, uma das
bém alguns aspectos da inexecução con- partes adotar procedimentos aparente-
tratual do próprio consumidor (MARQUES, mente lícitos, mas que causam lesão.
2002).
O art. 4º do CDC prevê também que
Para haver a confiança recíproca en- deve haver equilíbrio entre direitos e de-
tre os contratantes, mais uma vez se faz veres dos contratantes. Busca-se a justi-
necessário também a presença da boa-fé ça contratual, o preço justo, por isso, são
objetiva, consagrado como dito, no art. 4º, vedadas as cláusulas abusivas, bem como
inc. III. aquelas que proporcionam vantagem
exagerada para o fornecedor ou oneram
Exige o CDC a boa-fé dos contra-
excessivamente o consumidor.
tantes porque pressupõe o contrato
não como síntese de interesses con- O art. 51, IV, considera abusiva a cláu-
trapostos ou pretensões antagôni- sula incompatível com a boa-fé ou a equi-
cas, mas como instrumento de coo- dade.
peração entre as partes, que devem
Institui o CDC normas imperativas, as
comportar-se com lealdade e hones-
quais proíbem a utilização de qualquer
tidade, de maneira que não frustrem
cláusula abusiva, definidas como as que
mutuamente as legítimas expectati-
assegurem vantagens unilaterais ou exa-
vas criadas ao redor do negócio jurí-
geradas para o fornecedor de bens e ser-
dico (SILVA, 2003, p. 71).
viços, ou que sejam incompatíveis com a
Assim, a boa-fé significa a transparên- boa-fé e a equidade (MARQUES, 2002).
cia obrigatória em relação aos contra-
O princípio da equidade tem por função
tantes, um respeito obrigatório aos inte-
básica a promoção do equilíbrio na relação
resses do outro contratante, uma ação
contratual, dispondo não só das atribui-
positiva do parceiro contratual mais forte
ções, mas também das funções de partes
com relação ao parceiro contratual mais
envolvidas no processo de fornecimento
fraco, permitindo as condições necessá-
e no processo de consumo, assegurando
rias para a formação de uma vontade li-
o desenvolvimento do negócio, promo-
berta e racional.
vendo o combate à prática considerada
As partes devem agir com sincerida- abusiva, situação comprometedora das
de, veracidade, sem objetivar somente o relações de consumo.
lucro fácil com a consequente imposição
de prejuízos ao outro. Dessa forma, esse 3.4 Práticas comerciais re-
princípio não alcança apenas o fornece-
dor, abrangendo também o consumidor,
guladas pelo CDC
vedando-lhe vantagem desmedida atra-
3.4.1 Oferta e publicidade
25
ção Francesa (1789), com suas radicais difusa, como tudo mais em nosso mundo
transformações no mundo ocidental, que contemporâneo. Advirta-se que a publi-
a publicidade inicia o curso de seu estágio cidade, contudo não se confunde com a
atual e, desde a expansão econômica do oferta, aquela, amiúde, é apenas veículo
século XIX, a propaganda só vem crescen- dessa (da oferta); todavia, quando isso se
do de importância. verifica, o conteúdo da mensagem publici-
tária tem o mesmo efeito jurídico de uma
Antes da Revolução Industrial, o fenô-
declaração unilateral de vontade, vale di-
meno concorrencial não se fazia sentir
zer, cria a obrigação, o vínculo jurídico do
nos mercados, em nível, por exemplo, da
cumprimento do ofertado.
disputa das mercadorias de artesãos (típi-
ca da economia medieval), todavia, com a No contexto das práticas comerciais,
produção em escala e a estandardização publicidade é uma forma de veiculação da
dos produtos e mais ainda com o surgi- oferta, sujeitando-se, como tal, aos mes-
mento dos grandes monopólios, tudo se mos requisitos e regime de responsabi-
modifica e a publicidade se torna persua- lização (arts. 30, 35, 36, 37 e 38 do CDC).
siva e menos informativa. Define-a o Código Brasileiro de Autorre-
gulamentação Publicitária como “toda ati-
O conceito (a imagem mental) de ofer-
vidade destinada a estimular o consumo
ta, modernamente está muito associado
de bens e serviços, bem como promover
ao conceito de publicidade. É que a marca
instituições, conceitos e ideias” (art. 8º).
característica do mundo moderno (e mais
Na mesma linha, é conceituada pelo De-
ainda do pós-moderno), a produção em
creto nº 57.690/66 como “qualquer forma
escala crescente, exigia uma oferta tam-
remunerada de difusão de ideias, merca-
bém em escala. É assim que a atividade
dorias, produtos ou serviços por parte de
publicitária passa a ser crescentemente o
um anunciante identificado” (art. 2º).
meio utilizado por ofertantes de produtos
e serviços em geral que, agora, deman- Duval (1975, p. 1) ressalta com suporte
dam destinatários difusos, coletividade, na doutrina de Roger Mauduit, a distinção
enfim o mercado consumidor (AMARAL, fundamental entre propaganda e publici-
2010). dade, nestes termos:
tivo para influir na vida do cidadão de ma- cla, mas sempre revestida de novos
neira tão profunda a ponto de mudar-lhe recursos propiciados pela chamada
hábitos e ditar-lhe comportamento (AL- criatividade, (...) a publicidade comer-
MEIDA, 2015). cial passa habilmente da informação
à sugestão e desta à captação, isto
Trata-se – é bem de ver – de instrumen-
é, eliminação no consumidor de sua
to poderosíssimo de influência do consu-
capacidade crítica ou censura ao que
midor nas relações do consumo, atuando
lhe é proposto (anunciado), o que im-
nas fases de convencimento e de decisão
porta numa violação ao princípio da
de consumir. Assinalando ser esse fato
liberdade de pensamento. E ao fim
consequência da “cultura de massas” em
de tantas e marteladas repetições,
que vivemos, instalada pela exploração
incapaz de distinguir a sugestão do
dos meios de comunicação, Comparato
erro, o público consumidor apresen-
(1988, p. 40) traça o quadro dramático,
ta-se condicionado à mensagem, isto
porém real, a que se vê submetido o con-
é, fica com o produto anunciado para
sumidor sob o influxo da publicidade co-
liberar-se de sua promoção, rejeitan-
mercial. Assim:
do, assim, qualquer outra informa-
O consumidor, vítima de sua pró- ção ou crítica, para só se decidir pela
pria incapacidade crítica ou susceti- que ficou condicionado. Nesta fase,
bilidade emocional, dócil objeto da a pior comunicação publicitária é a
exploração de uma publicidade ob- da chamada publicidade subliminar,
sessora e obsidional, passa a respon- de que se aproxima a publicidade re-
der ao reflexo condicionado da pala- dacional (...) Claro que o processo de
vra mágica, sem resistência. Compra condicionamento é psicológico, mas
um objeto ou paga por um serviço, o de sua imposição está na função
não porque a sua marca atesta a moderna da publicidade.
boa qualidade, mas simplesmente
A verdade é que antigamente importa-
porque ela evoca todo um reino de
va era saber o que a opinião pública que-
fantasias ou devaneio de atração
ria, mas hoje, importa decidir o que ela
irresistível. Nessas condições, a dis-
deve querer.
tância que separa esse pobre Babbit
do cão de Pavlov torna-se assusta- O quadro assim exposto revela aquilo
doramente reduzida. que é conhecido de todos nós: o consumi-
dor é induzido a consumir, bombardeado
Para Duval (1975, p. 152),
pela publicidade massiva que o cerca em
esse fenômeno é um fato notó- todos os lugares e momentos de seu dia
rio que a mensagem publicitária vai, a dia. Como autômato, responde a esses
hoje, além da mera informação. Em estímulos, sem discernir corretamente.
uma primeira etapa, ela informa, na Age pela emoção, embotado em seu juízo
segunda, sugestiona, e, na terceira, crítico. E, se tudo isso ocorre em relação
ela capta em definitivo o consumi- à publicidade normal sobre o homem mé-
dor. De tanto insistir na mesma te- dio, pode-se imaginar os efeitos nefastos
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cimento de materiais. O art. 618 desse di- ção consumerista sempre que de um lado
ploma estabelece prazo de cinco anos de é colocada a figura do consumidor (desti-
garantia de solidez e segurança da obra, natário final), e de outro há o fornecedor
em se tratando de empreitada de mão de de produto ou serviço. Cambler (2008, p.
obra e materiais, fixando o prazo de deca- 336) aponta a relação de consumo na in-
dência em cento e oitenta dias a contar da corporação imobiliária:
data do conhecimento do defeito.
A relação jurídica incorporativa
O CDC não regulamentou em espécie o confunde-se com a relação jurídica
contrato de empreitada, tendo somente de consumo toda a vez que o incor-
fixado a responsabilidade do construtor porador, no exercício de sua ativida-
e do incorporador pelo fato do produto, de de produção – promover e realizar
de forma que, em se tratando de relação a construção de edificações ou con-
de consumo, não se aplicam as regras do junto de edificações compostas de
contrato de empreitada que estiverem unidades autônomas –, oferece (nos
em contradição com as ditadas pelo CDC, termos do art. 30 do CDC, a oferta,
mormente se forem estas mais favoráveis desde que suficientemente precisa,
ao consumidor (ANDRADE, 2006). obriga o incorporador, integrando o
contrato que vier a ser celebrado) no
Decorrendo a incorporação da ativida-
mercado seu produto – bem imóvel e
de de fornecedor de produtos ou serviços,
material – e o aliena ao interessado
exercida pelo incorporador, tem incidência
em adquirir, como destinatário final,
o Código de Defesa do Consumidor, que se
o produto incorporável – frações ide-
constitui de um sistema transcendente de
ais de terreno vinculadas a unidades
normas aplicável a todos os contratos em
autônomas, a serem construídas ou
que existem relações de consumo.
em construção, sob regime condomi-
O Código de Defesa do Consumidor, nial.
como microssistema jurídico cujo alcan-
No caso dos conteúdos voltados para
ce se estende a todo o direito contratual,
negócios imobiliários, tomando como
teve reflexos também nos negócios de in-
exemplo a atividade de construção e ven-
corporação imobiliária. Sendo os contra-
da das unidades imobiliárias, as quais se
tos, de regra, por adesão (posicionando o
destinam para consumidores finais, estes
adquirente como hipossuficiente), confi-
passam a usá-las para moradia ou para ou-
gurando-se a figura do incorporador como
tro uso pessoal. Está, pois, submetida ao
fornecedor de bens e serviços, e a do ad-
âmbito do artigo 3° da Lei nº 8.078/1990,
quirente como consumidor, tratando-se o
a incorporação, aplicando-se as regras so-
bem imóvel de bem de consumo, perfei-
bre o fato do produto ou do serviço (art.
tamente possível a responsabilização da
12), e sobre os vícios ou defeitos de qua-
empresa incorporadora por acidente de
lidade (arts. 18 e 20), não divergindo a
consumo ou vício do produto.
disciplina sobre a incidência das mesmas
Realmente, passou a constituir princí- regras à atividade do dono da obra e do
pio de direito o reconhecimento de rela- construtor. Ademais, há a presunção da
35
– ANEEL;
REFERÊNCIAS
ANEXOS
lão de festas e os locais de lazer. Também Banco Central do Brasil (BC ou Bacen):
chamada área de uso comum. autarquia federal criada em 1964 que
formula, executa e acompanha a políti-
ca monetária, emite o dinheiro brasileiro,
Área privativa: área de um imóvel so- organiza e disciplina o Sistema Financeiro
bre a qual o proprietário tem domínio to- Nacional e fiscaliza as atividades do Siste-
tal, delimitada pela superfície externa das ma Financeiro da Habitação (SFH).
paredes.
Capital: soma de dinheiro que faz parte Caução: garantia dada com títulos ou
dos bens de uma pessoa ou uma empresa, coisas de valor (inclusive dinheiro) de que
e também a quantia de dinheiro financia- determinada dívida contratual será paga
da a alguém. (financiamento imobiliário, aluguel, entre
outros).
Contrato: acordo feito por escrito entre CRECI: Conselho Regional de Corretores
pessoas, entre empresas ou entre empre- de Imóveis.
sas e pessoas. Cada lado se obriga a cum-
prir o que está escrito no documento. Um
contrato entre partes adquire força de lei, Crédito habitacional: empréstimo con-
a não ser que contrarie uma lei maior. cedido pelas instituições financeiras para
comprar, construir, reformar ou financiar
casa própria.
Contrato de adesão: documento im-
presso com normas (necessariamente em
linguagem fácil e letras legíveis) que deve Credor: aquele que concede a alguém
ser assinado pela pessoa interessada em um crédito, um empréstimo.
aderir a um negócio ou iniciativa estabe-
lecidos, como um consórcio, por exemplo.
Dação: entregar ao credor uma coisa em
pagamento de outra, como um imóvel em
Contrato de locação: contrato verbal ou lugar de dinheiro, para saldar uma dívida.
escrito, com prazo determinado ou não,
entre o locador e o locatário, que em troca
da cessão se compromete a pagar a taxa Denúncia vazia: rompimento de um
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Juro de mora: juro cobrado como multa Matrícula do imóvel: número de regis-
por causa da mora (demora, atraso) no pa- tro do imóvel no cartório, o mesmo desde
gamento de uma dívida. São cobrados por sua construção.
dia de retardamento, às vezes indepen-
dentemente da aplicação de outro per-
centual fixo de multa. Por exemplo: 10% Metro quadrado: principal unidade (m2)
após o vencimento mais juro de mora de de medida de área (superfície) e unidade-
0,3% ao dia. -padrão do Sistema Internacional de Uni-
dades.
Liquidação antecipada: pagamento to- Multa: penalidade imposta aos que não
tal de uma dívida antes do prazo fixado cumprem leis, regulamentos, contratos.
em contrato.