1-Spin The Dawn
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Prólogo
Agradecimentos
Sobre A Autora
Para Adrian, por mudar a minha vida das
melhores maneiras possíveis.
M e peça para tecer o melhor fio ou linha, e eu posso fazer isso
mais rápido que qualquer homem – mesmo com os olhos fechados.
No entanto, peça que eu conte uma mentira e eu tropeçarei e
vacilarei ao pensar em uma.
Eu nunca tive talento para contar histórias.
Meu irmão Keton sabe disso melhor do que ninguém. Mesmo que
suas sobrancelhas se levantem uma ou duas vezes enquanto eu lhe
conto tudo: das três tarefas impossíveis que me foram dadas, dos
demônios e fantasmas que encontrei em minha jornada e do
encantamento que cercava nosso imperador, meu irmão, ainda
assim, acreditava em mim.
Baba, meu pai, não acredita. Ele vê através das sombras em que
me escondo. Ele vê que, através do sorriso que dou a Keton, meus
olhos estão vermelhos e crus. Eles estão inchados de chorar por
horas, até dias. O que ele não pode ver é que, apesar das lágrimas
secarem nas minhas bochechas, meu coração está duro.
Temo chegar ao fim da minha história, pois ela está cheia de nós
que não tive coragem de desatar. Tambores batem distantes. Eles se
aproximam a cada segundo, um lembrete emocionante do pouco
tempo que resta para fazer minha escolha.
Se eu voltar, deixo para trás quem sou. Nunca mais verei minha
família, nunca mais verei meu rosto no espelho, nunca mais ouvirei
meu nome ser chamado de novo.
Mas eu desistiria do sol, da lua e das estrelas se isso significasse
que ele pudesse ser salvo.
Ele – o garoto sem nome e com mil nomes. O garoto cujas mãos
estão manchadas com o sangue das estrelas.
O garoto que eu amo.
CAPÍTULO UM
Dois anos depois, Baba recebeu um aviso de que Finlei havia sido
morto em batalha. O emblema imperial estampado na parte inferior
da carta era tão vermelho quanto sangue recém-colhido e
pressionado às pressas para que os caracteres do nome do imperador
Khanujin fossem manchados. Mesmo meses depois, a memória me
fazia chorar.
Então, uma noite, sem aviso prévio, Keton fugiu para se juntar ao
exército. Tudo o que ele deixou foi um bilhete rabiscado rapidamente
em cima da minha roupa da manhã – sabendo que seria a primeira
coisa que eu veria quando acordasse.
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•••
Meu pincel tremia quando mordi meu lábio, lendo em voz alta
enquanto escrevia minha última linha:
E Maia, doze passos. Um para cada dia que estive fora.
•••
— Papel! — Longhai murmurou enquanto entrávamos na cidade. —
De todas as coisas… — Ele acariciou a barba, depois enfiou a mão no
bolso para pegar o frasco de vinho. — Ela não vai usar papel para
cumprimentar dignitários estrangeiros. Sabe, estou começando a
suspeitar que ela está usando o julgamento como forma de adiar seu
casamento com o Imperador Khanujin.
Eu estralei minha língua. Edan havia dito isso.
Eu segui o conselho de Edan sobre a pedra no sapato, mas agora
a dor de andar era real, me deixando muito lenta até para Longhai,
que se afastou do meu lado para caminhar com Yindi.
Com um suspiro, continuei sozinha. A caminhada do palácio até
Niyan não era fácil – oitenta e oito degraus abaixo do palácio, depois
duzentos degraus abaixo do Monte Crisântemo. Outra milha abaixo
se estendia ao Mercado de Tangsah.
Apesar da brisa do rio Jingan, nas proximidades, a umidade se
acumulou em minhas têmporas, pérolas de suor escorrendo pelas
minhas bochechas até meus ombros. Os alfinetes que usei para
prender as amarras do meu peito picaram minha lateral, e não pude
deixar de esfregar minha pele irritada. Minhas ataduras cheiravam
mal e se irritavam, mas esqueci meu desconforto assim que vi
Tangsah.
Eu não estive em um mercado real desde que morávamos em
Gangsun. Os vendedores se estendiam de rua em rua, alguns em
tendas brilhantes e inclinadas em todos os tons de laranja, outros em
carrinhos rodando pelas estradas pavimentadas. À frente, estavam
escultores de jade, mestres de cortinas e sopradores de vidro,
intercalados com burros, galinhas selvagens e crianças andando por
ali, mais adiante havia acrobatas e comedores de fogo. Não havia
pedido para o mercado, mas eu já adorava.
— Bastante espetacular, não é? — Longhai disse, reaparecendo ao
meu lado. — Perde apenas para a capital. — Ele apontou para o outro
lado de Tangsah e acrescentou: — Os comerciantes do bairro da seda
tentarão enganá-lo quando descobrirem que você está trabalhando
no palácio. Não pague mais da metade do que eles estão pedindo. E
não aja como se fosse sua primeira vez aqui.
Eu mudei o peso do meu pé para a minha bengala. — É tão óbvio?
— Sim. — disse Longhai. Ele fez uma pausa. — Você tem um
talento real, Keton, mas é jovem. Se não estivéssemos nessa
competição boba, consideraria fazer de você meu aprendiz. — Ele
encolheu os ombros largos. — Este concurso me cansa. Somos
artesãos. Devemos aprender um com o outro, não cortar a garganta
um do outro.
Antes que eu pudesse responder, Norbu deslizou entre nós. —
Você vem para a cervejaria conosco, jovem Tamarin? Vou comprar
uma bebida para você, se isso significa aprender seus segredos de
bordado. Aquele xale foi maravilhoso.
Eu me atrapalhei com minha bengala. — Eu preciso passar o dia
comprando suprimentos.
— Que estraga prazeres! — Yindi fungou. — Temos o dia de folga
e trezentos jens cada. Devemos aproveitar.
— Fácil para você dizer, — disse Longhai. — Você venceu os dois
últimos desafios. Estou inclinado a seguir o jovem Tamarin.
Mas não foi o que ele não fez. Longhai tinha uma fraqueza por
bebida. Tive a sensação de que Yindi e Norbu estavam usando isso
contra ele.
— Você não está sentindo calor usando tudo isso? — Yindi disse,
acenando para a minha túnica. Eu estava usando pelo menos três
camadas para ajudar a esconder meu peito.
— Esse é um clima frio para mim — menti, esperando que ele não
notasse o suor acumulado na parte de trás do meu pescoço.
Yindi cruzou os braços, o nariz achatado e rechonchudo, como
sempre. — Você é estranho, Tamarin. — Ele balançou a cabeça e
desapareceu na casa de bebidas com Norbu.
Eu dei uma espiada lá dentro: estava cheia de homens, alguns
jogando ladrilhos e outros bêbados recitando poesias. No centro,
Norbu estava conversando com os magistrados e nobres enquanto
seu servo fazia suas compras.
— Ele nunca trabalha? — Eu perguntei a Longhai, antes que ele
também entrasse.
— Não subestime Norbu, — disse Longhai. — Como você acha
que ele é o alfaiate mais rico de A'landi? Certamente não passando o
dia todo no tear.
Recuei à sombra da tenda de um fazendeiro de tangerinas e olhei
para o meu mapa. Depois apertei minha bolsa de dinheiro em volta
do pescoço; Tangsah era famoso por seus batedores de carteira.
Passando por várias lojas e barracas de padaria, vi bolos de
gergelim e biscoitos de favo de mel. Meu estômago roncou. Eu me
alimentava bem no palácio, mas não havia nada lá como biscoitos de
favo de mel frescos na chapa.
Eu sacudi o desejo. Seda, não biscoitos, eu me lembrei. Linhas,
não bolos.
Com determinação renovada, parti para comprar meus
suprimentos. Depois de algumas horas, minha cesta estava pesada.
Eu gastei quase todo o dinheiro que Lorsa havia nos dado em
corantes, agulhas novas, papel dourado para fazer fios metálicos e
uma moldura menor para bordados mais intrincados.
Eu tinha dois Jens e trinta Fen. Apenas o suficiente para me
comprar um almoço. Parei no padeiro cujos pães de legumes cozidos
no vapor pareciam e cheiravam mais frescos, e peguei uma maçã do
fazendeiro ao lado com o meus últimos fen.
Percebi um tapinha na minha cesta e eu recuei, assumindo
imediatamente que era um batedor de carteiras. Era Edan.
— O que você está fazendo aqui? — Eu exigi.
— Por que você precisa disso quando tem sua tesoura? — ele
disse, franzindo a testa para o conteúdo da minha cesta.
Eu me afastei da baia do fazendeiro. — Eu não vou usá-las.
Ele me seguiu. — Agora, essa é uma ideia tola, se eu já ouvi uma.
— Lady Sarnai odeia magia. Não vou ser mandada para casa por
causa de uma tesoura. E eu me recuso a trapacear. — Eu olhei para o
Lorde Feiticeiro. Ele estava sorrindo e mastigando uma maçã
amarela brilhante. Minha maçã! — Você leva algo a sério?
— Eu levo tudo a sério. Especialmente magia. Se eu tivesse
tesouras encantadas como a sua, o desafio já estaria encerrado.
— Você não conseguiria costurar para salvar sua vida. —
respondi, pegando minha maçã.
— Ah, mas eu não precisaria. — Ele fechou o lanche com o punho
e abriu os dedos. Minha maçã desapareceu.
Tentei não discutir sobre como ele havia feito aquilo; isso lhe
daria muita satisfação. — Você não deveria estar no palácio?
Aconselhar e proteger o imperador, ou o que quer que seja que você
faz?
— Sua Majestade não precisa da minha proteção – ou
aconselhamento. Ele é um homem adulto. — Edan sorriu. — Eu
tenho certeza de que você notou.
O sol fazia tudo parecer muito quente. Confusa, eu disse: — O
Imperador Khanujin é um grande homem. Você poderia aprender
algo com ele.
— Como o quê? Sua graça e inteligência? Seu charme e beleza?
Ouso dizer que alguém está apaixonada. — Edan olhou para mim
inquisitivamente. — Você falou com ele?
Minhas bochechas floresceram em vermelho brilhante. — N-não.
— Você gostaria? — Edan tocou seu queixo. — Eu poderia
providenciar.
Lembrei-me então do que Lady Sarnai havia dito sobre Edan –
que ele havia gostado de mim. Não, pensei, ele simplesmente gostava
de me atormentar porque sabia o meu segredo. Que eu era menina.
Era por isso que eu era tão petulante em torno dele? Ou já fazia
tanto tempo que meus irmãos cuidavam de mim que não confiava
nele? Que eu não podia confiar nele.
— Você está tão entediado que não tem nada a fazer além de me
seguir por aí?
— Meu dever é proteger A'landi e garantir que o casamento real
ocorra. Eu a sigo por aí para cuidar dos melhores interesses de
A'landi.
— Eu pensei que você estava seguindo Lady Sarnai.
— Ah, — disse Edan, parecendo satisfeito. — Vejo que alguém
andou ouvindo as fofocas da corte. Muito bem, Maia.
— Você poderia não me chamar assim em público? — Eu
sussurrei severamente.
Seus lábios se esticaram em um sorriso. — Muito bem. Mas em
particular eu posso?
— Hmph. — Eu cruzei meus braços. — Não vejo a mulher em
nenhum lugar próximo.
— Ela está tomando banho nas águas sagradas do Templo da Lua
Sagrada. Não seria bom segui-la até lá, então aproveitei a
oportunidade para reabastecer meus suprimentos.
Edan estendeu as mãos vazias. Antes que eu pudesse responder
— Que suprimentos? — um falcão mergulhou no mercado, pousando
no ombro de Edan. Ainda com o olhar em mim, Edan desamarrou o
pergaminho atado na garra esquerda do falcão e acariciou a garganta
branca do pássaro.
Prendi a respiração enquanto Edan lia a nota. Sua expressão não
revelou nada, mas ele soltou um suspiro pequeno e inaudível.
— Espero que encontre alguém para ajudá-lo a levar suas
mercadorias para casa, senhorita... Quero dizer, Mestre Tamarin. Eu
me ofereceria, mas temo ter sido convocado de volta ao palácio. E
como você sabe, é preciso obedecer ao Imperador
— Até você? — Eu disse. — O todo-poderoso Lorde Feiticeiro?
— Até mesmo eu. — Edan se curvou. O falcão em seu ombro
esticou o pescoço, olhando para mim com seus olhos redondos e
amarelos. — Até outra hora, Mestre Tamarin.
— Espero que não. — murmurei.
Edan riu, tendo me ouvido. — Cuidado com os batedores de
carteira! — ele gritou por trás.
Preocupada, enfiei a mão no bolso, apenas para encontrar uma
maçã nova – e cinquenta jens.
Eu me virei, mas Edan á havia sumido.
Soltei um suspiro exasperado. Nunca conheci alguém tão
insuportavelmente satisfeito consigo mesmo.
Dei uma mordida na minha nova maçã. E, no entanto, talvez ele
não fosse tão ruim.
Talvez.
CAPÍTULO DEZ
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•••
Norbu não estava satisfeito em me ver de volta ao Salão da Suprema
Diligência, mas ele escondeu bem o suficiente. Ele estava lá com os
outros, limpando a bagunça do fogo. Sua mesa estava queimada, mas
ele não parecia nem um pouco perturbado como Longhai e Yindi –
ambos tinham sombras escuras sob os olhos.
— Voltou tão cedo da enfermaria? — Norbu disse friamente. —
Estávamos preocupados que você tivesse morrido. — Ele olhou para
a minha mão e notou a bengala desaparecida. — Uma mão quebrada
para combinar com sua perna quebrada?
— Foi você quem quebrou, — eu retruquei, chocada com a
audácia do homem.
— Eu? — Norbu zombou. — Eu estava dormindo na minha cama
o tempo todo. Pergunte aos outros.
— Eu vi você, — eu assobiei. — Você quebrou minha mão.
— Você tem uma imaginação vívida, jovem Tamarin. — Ele riu,
mas eu ouvi o tom em sua voz quando ele me desacreditou. — Venha,
deixe-me levá-lo a sua est...
Afastei a mão dele e fui para a minha mesa. Atrás de Norbu,
Longhai me deu um olhar de simpatia, mas não falou nada.
Eu não poderia culpá-lo. Norbu era um alfaiate famoso e um
homem poderoso; Eu não era ninguém. Ninguém, exceto Edan,
acreditaria que ele quebrou minha mão. Ainda assim, agora eu sabia
que Norbu estava usando magia. Isso não me deu poder sobre ele,
mas me fez ficar mais determinada a vencê-lo.
Norbu me chamou: — Acho que você é ambidestro.
Eu o ignorei, vasculhando os restos da minha estação. Um Sábio
caído havia esmagado minha tela de madeira, mas meu tear estava
intacto. Meu bastidor de bordar estava arruinado.
Inclinei-me para recuperar minha bengala. O fogo havia
queimado sua madeira, mas ainda era utilizável. Apoiando-me em
seu apoio familiar, peguei um dos meus carretéis, ainda quente ao
toque. Edan havia dito que levaria tempo para minha mão curar, mas
mesmo segurar um carretel de linha era doloroso. Usando minha
mão boa, juntei as poucas coisas que haviam sobrevivido.
— Longhai e Yindi encontraram suas jaquetas lá fora, — disse
Norbu. Ele me seguiu, é claro. — E a sua. Alguma alma boa deve ter
tentado salvá-los.
— É bom você ter conseguido colocar a sua jaqueta de lado,
Norbu — eu disse entre dentes. — Caso contrário, todo o seu trabalho
duro poderia ter sido arruinado pelo fogo.
— Os deuses me vigiam — disse Norbu, apertando as mãos. —
Estou muito agradecido.
Eu bufei alto o suficiente para ele ouvir. — Você nos sabotou.
Norbu se endireitou, parecendo chocado. — Desculpe?
— Você começou o incêndio — eu disse. — Eu ouvi você lá fora...
— Acho mais provável que você tenha iniciado o incêndio, mestre
Tamarin — interrompeu Norbu. — Você era o único trabalhando até
tarde, afinal. E sua jaqueta está praticamente ilesa.
— Eu? — Eu quase gritei. — Você...
Longhai tocou meu ombro e balançou a cabeça.
— Primeiro você me acusa de quebrar sua mão, agora de começar
o fogo. — Norbu suspirou. — Eu sei que você deve estar com raiva,
jovem Tamarin, mas isso não lhe dá o direito de caluniar meu nome.
Desta vez, vou perdoá-lo, já que a noite afetou a todos. — Ele fez uma
pausa. — Agora, se você me der licença, tenho que trabalhar.
Com isso, ele me deixou sozinha com Yindi e Longhai.
— Sinto muito, — eu disse, respirando fundo quando vi o quanto
as jaquetas estavam muito queimadas. Meus esforços para salvá-las
foram em vão. — Eu tentei… — eu parei, surpresa pelo som de Yindi
rasgando a jaqueta com raiva ao meio.
Longhai mal se encolheu. A derrota ardeu nos olhos dele.
— Não, — eu disse, colocando as mãos sobre a jaqueta de Longhai
antes que ele também desistisse. — Você ainda tem metade da noite.
— Eu sei quando recuar graciosamente — respondeu ele. — É algo
que você aprende com a idade.
— Norbu começou o fogo — eu sussurrei. — Eu sei disso. Você
não pode deixá-lo vencer.
Os ombros largos de Longhai caíram. — Eu já sabia que era ele.
Minhas sobrancelhas franziram. — Como?
— Suas roupas cheiravam a fumaça, embora ele dissesse que não
estava nem perto, — disse Longhai. Ele varreu uma pilha de cinzas
com o pé. — Como você sabia?
Pensei no grito agudo do falcão – como pareceu um aviso. Mas
quem acreditaria em mim se eu dissesse isso?
Tossi por causa da fumaça, cobrindo minha boca com a manga. —
Eu saí para pegar ar fresco, depois vi a fumaça. Corri para pegar
nossas jaquetas... depois vi Norbu do lado de fora do corredor.
— Eu vou desistir. Yindi também. — Longhai olhou minha mão
enfaixada. — E você deveria também.
— Você não pode desistir sem tentar, — implorei. — Talvez o
imperador Khanujin adie o julgamento. Vocês não podem deixar
Norbu vencer.
— Norbu é um homem com duas faces, — disse Longhai. — Eu
pensei que ele havia mudado, mas ele é tão cruel quanto antes. Você
sabe como o Mestre Huan morreu, Keton?
Eu balancei minha cabeça.
— Os criados o encontraram afogado no rio nos arredores de
Niyan. Todos assumiram que ele caiu no rio porque estava bêbado. —
Ele hesitou, e os sulcos em seu rosto se aprofundaram. — Mas eu
conhecia o Mestre Huan. Ele nunca bebia, não enquanto ele era o
alfaiate imperial. Ele foi envenenado.
Eu recuperei o fôlego. — Como?
— Eu não sei, — disse Longhai. — Mas Norbu foi o último homem
visto com ele.
Ele suspirou e percebi que havia julgado mal sua amizade com
Norbu. — Eu tenho tentado tirar algo dele nas últimas semanas, mas
o cachorro astuto não fala.
Ele se virou para mim. — Você aprenderá que certas coisas não
valem a pena. Tenho meus negócios e minha família e não arriscarei
minha reputação por causa de nenhum concurso. E você – você é
jovem. Venha comigo e se torne meu aprendiz. Você poderia fazer
um bom nome para si mesmo. Mas você não terá futuro se Norbu
fizer isso com sua mão novamente.
Sua oferta era tentadora, mas eu recuei.
— Eu vou ficar, — eu disse com firmeza. — Não posso deixá-lo
vencer.
— Então que Amana esteja com você. — Ele agarrou meu ombro.
— Que os Sábios lhe dêem força para vencer.
Yindi ficou quieto durante toda a nossa conversa, mas agora ele
veio até nós. Seus olhos estavam arregalados e selvagens. — O fogo é
um sinal dos deuses para sair. Nada de bom virá deste casamento.
— Norbu fez esse fogo, seu tolo — disse Longhai. — E Norbu está
jogando com todos nós.
— Não, — disse Yindi. — O Shansen está jogando com todos nós.
Existem forças demoníacas atrás dele. E quando ele as trouxer para
A'landi, será tarde demais.
— Você está ouvindo muito a conversa dos soldados.
— Por que você diz que o Shansen tem demônios? — Eu
perguntei. — Ele não odeia magia, como a filha dele?
— Mentiras. — Yindi fungou. — Como ele pode odiar o que lhe dá
poder? Quando o Shansen colocar sua filha no trono, ele matará o
imperador, assim como matou seu pai e irmão usando demônios.
Então ele roubará o Lorde Feiticeiro. Espere e verá.
Um calafrio tomou conta de mim, mas Longhai ignorou o aviso
de Yindi.
— Chega disso, — disse ele. — Você está chateado. Todos nós
estamos. Mas o palácio tem olhos e ouvidos, e você está falando
como um tolo louco. Saia agora com dignidade.
Yindi olhou para ele e para mim. — Só espere e verá — ele
repetiu, dirigindo o aviso para mim. Então ele saiu sem outra
palavra.
Longhai demorou, seu rosto redondo e alegre o mais sério que eu
já vi. — Boa sorte para você, mestre Tamarin. Que você tenha toda a
prosperidade e felicidade que você merece. Procure-me se algum dia
estiver em Bansai.
Eu abaixei minha cabeça. Então Longhai também se foi.
Virando-me para o salão vazio, peguei minha jaqueta e o que
restava de meus materiais. Eu tinha apenas algumas horas preciosas
antes de Lady Sarnai aparecer com o imperador Khanujin para julgar
nossas criações.
Sempre fora Norbu. Eu via isso agora. Norbu que arruinou meu
xale, Norbu que levou os outros alfaiates para beber, para que não
trabalhassem tanto, Norbu que começou o incêndio e me trancou no
corredor. Norbu que quebrou minha mão.
Se não fosse pela ajuda de Edan, Norbu teria vencido o desafio.
Deuses me ajudem, enquanto eu pudesse costurar, isso não iria
acontecer.
CAPÍTULO TREZE
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Fiel à sua palavra, ele veio me encontrar no dia seguinte logo após o
nascer do sol. Eu estava acordada e já desenhando. Pela ligeira
enrugação de sua testa, imaginei que o impressionasse.
— Você acordou cedo, — disse ele.
— Eu sempre acordo cedo.
— Aqui, — disse ele, me passando um pedaço fino de
pergaminho.
— ‘Nozes da cozinha’, — li com surpresa. — Nozes?
— Peça as maiores possíveis. Vou precisar de três, não – quatro.
Leia.
— 'Luvas, para serem tricotadas de seda de aranha…'
— Você terá que fazer essas, — ele interrompeu, — primeira coisa:
o deserto será nossa parada inicial.
— ‘Sapatos resistentes, de preferência de couro, com atacadores
fortes. Um tapete sem franjas, cor sólida será suficiente.’ Por que
precisamos de um tapete?
— Os sapatos e o tapete também precisam ser feitos, — disse
Edan, em vez de explicar. — Acho que você estará ocupada.
— Por fim, minha tesoura. — Eu abaixei a lista. — Posso te
perguntar uma coisa? Por que Lady Sarnai está tão apegada a esses
vestidos encantados se odeia magia?
— Porque ela não acredita que você possa fazê-los, — disse Edan
firmemente. — Porque ela espera que morramos na viagem. — Um
pouco mais alegre, ele acrescentou: — Nós apenas temos que provar
que ela está errada, não é?
— Não tenho certeza se eu acredito que eles possam ser feitos.
— Diga, — disse Edan, — para uma garota com tanta
imaginação... por que você é tão cética em relação à magia?
— Eu não sou cética. Não mais. Eu só não confio nela.
— Decepcionante — Edan murmurou. — Depois de todas as vezes
que ela a salvou.
Suspirei, sentindo que lhe devia uma explicação. — Eu nem
confio nos deuses. Não para ouvir, de qualquer maneira. Meu pai
reza para Amana todas as manhãs, todas as noites. Quando meus
irmãos foram à guerra, eu também orei – a todos os deuses, depois a
todas as fadas, a todos os espíritos em que eu conseguia pensar –
para trazê-los de volta da guerra. Mas Finlei e Sendo morreram e
Keton... — Um nó se formou na minha garganta, estrangulando
minhas palavras. — Ele voltou para casa, mas pode nunca mais voltar
a andar. O que resta para acreditar?
— É uma ilusão esperar que os deuses possam ouvir você, — O
tom de Edan era gentil. — Assim como outros são ingênuos a pensar
que a magia faz milagres. Nem sempre é assim. Mas... — Ele fez uma
pausa, um sorriso se formando em seus lábios. — Mas, às vezes,
especialmente nas mãos de um poderoso feiticeiro como eu, milagres
acontecem. Talvez em nossa jornada, encontraremos uma maneira
de ajudar sua família.
Pensei em como Edan havia curado minha mão. Talvez houvesse
alguma esperança para Keton. E Baba.
— A jornada não deve demorar mais de dois meses. O que deve
lhe deixar boas três semanas para fazer os vestidos depois que
voltarmos.
A ideia de dois meses a sós com Edan me deixou nervosa. Eu me
remexi como se estivesse sentada em uma almofada. — Talvez
possamos entrar em uma caravana.
— Com estranhos? — Edan disse. — Melhor não atrair atenção.
Não deve haver muitos bandidos ao longo da Estrada das Especiarias
nesta época do ano, mas não podemos arriscar. Seremos mais
rápidos por conta própria. Portanto, embora eu saiba que você deve
estar ansiosa para descartar seu... — ele me olhou de cima a baixo —
seu disfarce viril pode ser prudente mantê-lo um pouco mais. — Ele
inclinou a cabeça, considerando. — Embora o comércio na Passagem
Samarand fosse mais fácil se você fosse uma garota.
Cruzei os braços sobre o peito. — Por quê?
— Eu poderia trocá-la por pelo menos cinco camelos, — refletiu
Edan. — e roubar você de volta depois de algumas horas e antes que
o comerciante fizesse de você uma de suas esposas.
Eu recuei. — Não tem jeito...
— Tudo bem, continue como um menino. — Ele escondeu um
sorriso com a minha aflição.
— Eu posso cuidar disso, — eu disse rigidamente. — Para onde
estamos indo?
— Para três cantos do continente, — disse Edan. — Para a luz do
sol, iremos para o oeste através da Passagem Samarand, para o
deserto de Halakmarat, depois para o norte, até a fronteira de
Agoria, para o luar, depois para as estrelas, para o sul, para as ilhas
esquecidas de Lapzur, no lago Paduan. — Ele se virou para a porta. —
Nós compraremos o que você precisa para fazer tudo na lista. E
Maia… — Ele ficou no meu nome. — Traga a tesoura.
— Eu disse que iria.
— Apenas certifique-se de não esquecer. — Ele piscou. — Você
precisará dela.
CAPÍTULO DEZOITO
P ela primeira vez, Edan não se esgueirou até mim. Ele chegou aos
portões do palácio pontualmente ao amanhecer no dia seguinte,
conduzindo dois cavalos robustos e bem alimentados, embalados e
selados.
Ele trocou seu traje todo preto habitual por uma túnica verde e
calça maçante e mal ajustada que já vira dias melhores. Seu cabelo
estava escondido sob uma capa de musselina marrom, cachos
perdidos escapando do capô. Várias bolsas de couro pendiam do
cinto, uma sacola pendurada no ombro esquerdo e, debaixo do
braço, ele carregava uma pilha grossa de livros presos firmemente.
— Eu dificilmente te reconheço sem as melhores roupas da corte,
— eu o cumprimentei. — Não achei que você fosse dono de nada,
exceto seda preta.
— Achei sensato não parecer muito próspero — respondeu Edan,
sufocando um bocejo. — Me congratulo com qualquer oportunidade
de dormir mais alguns minutos, em vez de me vestir bem. Eu não sou
uma pessoa matinal.
— Eu posso ver isso.
O sol estava começando a perfurar o manto de neblina acima de
nós. Edan colocou os livros nas costas do cavalo e lançou um olhar
para trás do ombro.
— Nós devemos ir, — disse ele. — Os guardas estão meio
adormecidos agora, e eu prefiro não perder mais magia ou enfrentar
o interrogatório deles quando estiverem alertas.
Então ele não havia dito a Sua Majestade que estava vindo
comigo.
Ele me ajudou a subir na sela e me entregou um par de tiras de
couro. — Puxe para trás para parar, esquerda ou direita para virar.
Não solte.
Segurei as rédeas. — Como você sabe que nunca andei a cavalo
antes?
Ele apontou para o quão rigidamente me sentei na sela e como
meus pés estavam afundados no corpo do meu pobre cavalo. —
Relaxe e dê um bom chute com os calcanhares quando precisar ir.
Não adormeça ou você vai cair.
Eu balancei a cabeça e timidamente afaguei a juba do meu cavalo.
Sua pelagem era de um âmbar profundo, como as areias do deserto
por onde passaríamos. — Qual o nome dele?
— Pumpkin.
— E o seu?
Edan deu um sorriso para o cavalo, que era significativamente
maior que o meu e tinha uma bela pelagem preta com uma juba
prateada. — Graça Valente.
— Óbvio. — eu murmurei, quando ele pulou na sela com um
movimento elegante e saiu.
Dei um chute em Pumpkin, mas ele relinchou, tentando me
derrubar antes de partir com um pulo. Agarrei-me a ele, saltando
desajeitadamente enquanto ele trotava. Pelo menos ele sabia que
devia seguir Edan.
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— Maia!
O som do meu nome me acordou. Eu olhei, vendo a forma alta e
esbelta de Edan abaixo de mim. Milk e Snowfoot estavam com ele.
Eu me atrapalhei na árvore. — Onde você estava? Eu quase
morri.
— Eu estava recuperando os camelos que você perdeu.
Como ele poderia estar tão calmo? — Você não me ouviu? — Eu
gritei. — Eu quase morri. — Apontei para nossos camelos. — Eles
quase morreram. Onde você estava?
Edan não respondeu, o que só me irritou mais.
— Como você vai me proteger se você nem está aqui?
— Você ainda está viva, não está?
Eu dei a ele um olhar contundente, depois espanei areia da
minha calça. Tudo estava tão seco. Minha boca, minha língua, minha
garganta. Se Edan pudesse fazer uma fonte surgir do nada, essa seria
a hora. Mas eu não queria ouvir mais um de seus sermões sobre
conservação de mágica.
Seus lábios também estavam secos. Notei que ele mantinha o
braço direito dentro da capa e a mão esquerda estava machucada.
Normalmente, quando ele falava, ele gesticulava com as mãos, então
a quietude delas me deixou desconfiada.
Eu cutuquei seu ombro, e Edan soltou um pequeno grito. — Por
que fez isso?
— Você está ferido, — confirmei.
Edan revirou os olhos. — Eu me cortei.
— Me deixe ver.
— Não. — Ele se encolheu. — Eu vou me curar.
Eu olhei para ele. — Eu pensei que você disse que a magia era
escassa no deserto.
— E é. Mas eu vou me curar. Eventualmente.
— Pelo menos, me deixe limpar.
Ele afastou o braço. — Precisamos ir.
Eu olhei novamente para seus lábios ressecados. — Você deveria
beber um pouco de água.
Os lábios de Edan se curvaram para cima. — Devo chamar você
de mãe agora?
Eu fiz uma careta para ele e cruzei os braços. — A que distância
estamos do Templo do Sol?
— Não muito longe.
— Como é que eu nunca ouvi falar dele?
— Poucos já ouviram. Está abandonado há centenas de anos e a
maior parte está enterrada na areia. Mas você vai poder capturar
uma lasca de luz solar crua lá. — Edan lutou para abrir seu cantil. —
Com a ajuda das luvas.
Vê-lo lutar com o cantil suavizou minha raiva. — Você ajudou a
curar minha mão. Se a magia é escassa aqui, deixe-me ajudá-lo com
seu braço.
Edan balançou a cabeça.
— Seus olhos estão ficando pretos. — Eu pensei que isso
significasse que ele estava com raiva; talvez também fosse um sinal
de dor.
Um músculo em sua mandíbula; então ele cedeu. — Faça isso
rápido. — Ele arregaçou a manga. — Precisamos estar oitenta
quilômetros a leste ao pôr do sol.
Edan já havia tentado remendar o braço. Delicadamente,
desembrulhei suas ataduras. A ferida foi profunda, um pouco da
carne arrancada. Notei suas unhas, rodeadas de sangue, e pensei no
falcão. Ele cavou nos lobos com suas garras.
Meu pulso acelerou e lutei para parecer calma. — Seus pontos
estão tortos. Vou ter que refazer. Vai doer – Você tem vinho de
arroz?
— Apenas faça — disse Edan com um grunhido. Ele apertou os
punhos, os dedos branqueando quando eu cuidadosamente comecei
a desfazer os fios.
— Eu costumava fazer pontos nos meus irmãos, — eu disse
conversando, tentando manter sua mente longe da dor. — Finlei e
Keton eram os piores. Eles brigavam entre si pelas coisas mais
estúpidas. Então Sendo tentaria parar a luta e acabava bem no meio
dela.
— É por isso que você é tão boa em costurar pele?
— Eu pratiquei com meus irmãos, mas meu pai me ensinou antes
disso. Quando o trabalho era escasso, às vezes o médico o chamava
para ajudar – principalmente por caridade. Muitas vezes eu ia no
lugar dele.
— Eu já fui um aprendiz como você, — disse Edan entre dentes. —
Só que meu professor me ensinou como abrir o crânio de um
homem, como dissecar escorpiões, mas deixá-los vivos, como saber a
diferença entre cicuta e hera. — Ele tossiu. — Habilidades úteis para
um jovem feiticeiro excessivamente curioso. Mas habilidades não
muito úteis para cuidar de mim mesmo.
— Eu não tinha escolha a não ser aprender, — respondi. — Minha
mãe morreu quando eu tinha apenas sete anos. Eu tinha que cuidar
de três meninos crescidos e meu pai. — Apertei os lábios, lembrando
o tempo em que minha família estava inteira. Parecia tão longe
agora, há tanto tempo atrás. — E seus pais?
— Eu mal me lembro, — disse ele. — Eles morreram há muito
tempo.
— Desculpe. — eu disse suavemente.
— Não há nada para se desculpar. — Sua voz estava distante. —
Minha mãe faleceu quando eu nasci e meu pai – eu não estava perto
dele. Ou dos meus irmãos. Também tive irmãos uma vez.
Ele não disse mais nada. Ele parecia perdido, tão diferente do
feiticeiro seguro de si que eu conhecia, eu me perguntava se havia
vislumbrado o verdadeiro Edan – o garoto por trás da magia e do
poder.
— Pronto. — Enrolei o curativo no braço dele e o amarrei com um
nó. — Acabado.
— Bom trabalho. — Ele abaixou as mangas e recuperou a postura
habitual. — Gostaria de ter estado lá ontem à noite, mas você se
defendeu bem.
— Você tem certeza de que não estava lá?
Edan soltou uma risada seca. — Eu saberia se estivesse, não
saberia?
Eu não ri. — Os lobos começaram a lutar entre si, como se
estivessem enfeitiçados. E havia um falcão – ele voou direto para os
seus pertences.
— Ah? O que ele levou?
— Uma bolsa vermelha do seu alforje. — Eu demorei para deixar
minhas palavras penetrarem. — Ele parecia saber exatamente onde
estava.
— Os falcões são criaturas inteligentes, — respondeu Edan. —
Deve ter procurado comida.
— Talvez. — eu disse, mas não acreditei nele.
Eu tinha certeza disso agora.
O falcão era Edan.
CAPÍTULO VINTE E UM
Edan estava lendo à luz fraca de sua lanterna quando acordei. Meu
movimento assustou Milk – e eu. Eu estava presa à sela, mas agora
que estava acordada e agitada perdi o equilíbrio. Ela se ajoelhou
pouco antes das minhas pernas caírem de costas na areia e ela piscou
seus grandes olhos cor de âmbar para mim. Então ela lambeu
minhas bochechas.
Edan fez um som de zombaria em Snowfoot e desmontou. —
Você está acordada.
Enquanto ele desamarrava as cordas que me seguravam na sela,
tentei me levantar. Meu corpo estava rígido, a dor das queimaduras
uma pulsação maçante. Meu rosto e meus braços estavam pegajosos,
cobertos de pomada.
— Você teve uma insolação, — disse Edan. — Tente não limpar
isso ou suas queimaduras apodrecerão e ficarão infectadas.
Me segurando com o braço, ele me deu um cantil. Tomei um
longo gole, de repente grata por ele ter administrado nossos
suprimentos com tanto cuidado.
— Como você está se sentindo agora?
— Estou bem, — respondi laconicamente. — Com fome.
— Não me admira. Você dormiu por quase dois dias.
— Dois dias!
Ele me passou uma bolsa. Dentro havia biscoitos, frutas secas e
espasmódicas. Um banquete.
Edan pulou no camelo e pegou o livro novamente. As sombras
que brilhavam sob seus olhos estavam mais escuras do que antes, e
suas íris estavam mais pálidas do que eu já as vi – quase cinza. —
Não coma tudo, — disse ele, acenando com o livro para mim. —
Ainda temos quatro dias até chegarmos a Agoria.
Agoria, onde as Montanhas da Lua aguardavam, e onde Keton
lutou contra os homens do Shansen durante a Guerra dos Cinco
Invernos. Onde Sendo tinha morrido.
— Os homens do Shansen e o exército do imperador se
entenderam nas Montanhas da Lua, — Keton havia me dito quando
voltou para casa. — Eu estava lá. Flechas me acertaram e Sendo me
arrastou para a segurança. Havia corpos por toda parte, espalhados
pela montanha. No final da noite, milhares foram mortos. Incluindo
Sendo.
Mastiguei e engoli, de repente perdendo o apetite. Apertando o
cordão da bolsa, me virei para me recompor. Edan ainda estava
lendo em seu camelo.
— Onde está a noz? — Eu perguntei enquanto cutucava Milk para
se ajoelhar e eu montar.
Edan respondeu: — Vou guardá-la por segurança, se você não se
importa.
— Algum alfaiate costurou com luz do sol antes?
— Não que eu saiba, — disse Edan, removendo o capuz. Seus
cachos negros brilhavam com areia. Areia e suor, notei com uma
careta.
— Costurar com magia é um dom raro, — disse ele. — Mais raro
ainda quando feito pelas mãos de uma alfaiate talentosa como você.
Entre amigos, eu admito que Lady Sarnai te preparou para o
fracasso, mas acredito que você pode fazer os vestidos. Ajudarei você
da maneira que puder.
Eu levantei uma sobrancelha. — Pensei que você tivesse dito que
não éramos amigos.
— Nós não éramos. Mas os feiticeiros são inconstantes. — Ele me
ofereceu um pequeno sorriso. — Eu posso ter mudado de idéia.
Eu senti uma onda de calor. Se não fosse por Edan, eu não
saberia por onde começar. Mesmo brigando, ele era o único amigo
que eu tinha aqui. Talvez em qualquer lugar, para ser sincera.
— Seu pai não foi capaz de empunhar a tesoura, foi? — Edan
perguntou.
— Não. Ele disse que era da minha avó
Ele se inclinou para perto, como se estivesse estudando uma
amostra frágil. — Curioso. — Ele tocou meu queixo. — Geralmente,
feiticeiros não deixam descendentes.
Não sabia por que o comentário me fez corar. Ou por que seu
toque, tão leve e gentil, quase imperceptível, enviou uma onda de
formigamentos percorrendo minha pele. Me afastei, esperando que
meu constrangimento não fosse aparente. — Não sei muito sobre
meus ancestrais.
— Não importa, — disse Edan, deixando uma distância
confortável entre nós novamente. — Você tem três tarefas: conseguir
o sol, a lua e as estrelas para os vestidos de Amana. Essas tarefas se
traduzem em três provas: uma para o corpo, uma para a mente, uma
para a alma. A luz solar foi uma prova do corpo. Quanto sofrimento
você poderia suportar.
Acariciei minhas bochechas, ainda grudentas com pomada, mas
minha pele não estava mais tão crua. — Você só está me dizendo isso
agora?
— Eu não queria que você tivesse medo. — Ele inalou. — O mais
difícil será o último.
— O sangue das estrelas? — Quando ele assentiu, pressionei: — O
que você pode me dizer?
— Não sei exatamente o que você terá que enfrentar, — ele
admitiu. — O que eu sei é quando. Uma vez por ano, as estrelas se
abrem para o mundo mortal.
Eu conhecia a história. — No nono dia do nono mês, a deusa da
lua se reúne com o marido, o deus do sol. Somente nessa noite de
cada ano eles podem ficar juntos. Eles caminham um em direção ao
outro em um caminho iluminado pelas estrelas, uma ponte que o
deus dos ladrões deve sustentar em seus ombros como punição por
roubar as estrelas uma vez. Quando o tempo termina, a ponte
desmorona e as estrelas sangram na noite, forçadas pela dor de se
separarem.
— Sim, — Edan demorou. — Um pouco romântico, não é?
Eu fiz uma careta. O nono dia do nono mês. Isso era em quarenta
dias. E o lago Paduan ficava do outro lado do continente.
— Eu pensei que era apenas uma lenda.
— Todas as lendas têm uma centelha de verdade. Às vezes mais
do que uma faísca. — Edan protegeu o rosto do sol. — Você deveria
começar a fazer os sapatos. Ter algo para fazer vai ajudar você a se
recuperar mais rápido. Tenha certeza de...
— Certeza de que eles sejam a prova d’água, — eu terminei.
Depois de semanas queimando lentamente até a morte, eu não
conseguia nem imaginar a necessidade de me proteger da água.
— Você se lembra. — Edan virou-se e enxugou as têmporas. —
Bom.
Eu parei e lambi cada migalha dos meus dedos. Minhas calças
estavam tão largas que caiam pelos meus quadris. Se eu estava com
fome, Edan provavelmente estava com mais. Ele sempre comia
menos do que eu, dizendo, orgulhosamente, que os feiticeiros não
passavam fome.
Eu não tinha mais certeza se deveria acreditar nele.
Edan assobiou, mantendo uma máscara de alegria enquanto nos
conduzia em direção às montanhas longe demais para eu ver. Eu me
preocupava que, mesmo que ele estivesse em perigo, ele nunca me
diria. Ele era arrogante assim. Orgulhoso demais para admitir
qualquer fraqueza.
Hoje à noite, eu resolvi – hoje à noite eu ficaria acordada e
descobriria o que ele estava escondendo de mim.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Eu pulei do meu cavalo, mas Edan pegou meu braço antes que eu
pudesse ir. — Você pensou que eu poderia o quê? — ele perguntou.
Todo o humor fugiu de sua voz, e eu não aguentava a intensidade de
seu olhar.
— Nada — eu murmurei.
— Maia... Maia. Olhe para mim.
Não podia. Eu não olharia.
Edan não me deixou escapar. Sua voz ficou suave. — Você pensou
que eu poderia gostar de você?
Fechei os olhos com força e franzi a testa. — Eu disse que não era
nada.
— Não para mim, — disse ele, ainda quieto. — Eu não estava
fingindo. Eu gosto de você.
Agora olhei para ele, com quase certeza de que encontraria um
sorriso nos lábios e um brilho malicioso nos olhos, mas não havia.
— Eu gosto, — repetiu. — Mas quando você é um feiticeiro, não
há muito tempo para namorar. Nenhuma garota jamais me fez
questionar isso. — Sua voz ficou ainda mais suave, se isso fosse
possível. — Então, novamente, nenhuma garota era você.
Meus joelhos tremeram então, e minha carranca caiu fora de
lugar. — Eu?
— Você é meio desatenta as vezes, minha xitara.
— Pare de me provocar. — eu disse, meu lábio inferior tremendo.
— Não é engraçado.
Os ombros largos de Edan ficaram tensos, mas seus olhos – seus
profundos olhos safira – estavam claros. — Eu tentei te contar, mas
pensei... — Ele inalou. O Edan que eu conhecia nunca ficou sem
palavras.
— Pensou o que?
Ele deu um passo mais perto de mim. — Eu pensei que você me
achava desagradável.
Mais um passo. — E acho, — eu disse, minha respiração presa na
garganta. O olhar de Edan ardeu através de mim e, apesar do que eu
estava dizendo, meu corpo não se rebelou contra a aproximação dele.
— Altamente desagradável. E impossível.
— E arrogante, — murmurou Edan. Nossos narizes se tocaram. —
Não vamos esquecer arrogante.
— Como eu poderia? — Disse sem fôlego.
Ele me puxou para perto, praticamente me levantando e me
beijou.
Seus lábios pressionaram contra os meus. Delicadamente a
princípio, depois com crescente urgência, quando comecei a
responder com minha própria necessidade.
Sua mão apertava minha cintura, segurando meus joelhos
bambos firmemente. Sua outra mão deslizou por minhas costas,
encontrando o fim da minha trança e desfazendo-a. Então seus
dedos percorreram meu cabelo, soltando-o em ondas sobre meus
ombros.
Ele me soltou então, como se lembrasse que eu precisava
respirar.
Edan deu um passo para trás. Seus ombros estavam eretos e sua
mandíbula estava apertada.
— Qual é o problema? — Eu perguntei.
— Não, — disse, levantando a mão para manter distância entre
nós. Ele respirou fundo. — Isto está errado. Foi um momento de
fraqueza.
Uma pontada de dor cotou pelo meu peito. — Ah, eu entendo. —
Meu rosto estava quente e me afastei antes que minha humilhação
pudesse se tornar demais para suportar.
— Espere, Maia. — Edan pegou meu braço. Minha manga
deslizou entre seus dedos. — Não…
— Não o quê? — Minha voz saiu magoada quando eu quis que
soasse dura. — Decida-se, feiticeiro.
— Eu te disse outro dia... que você... você me faz querer que as
coisas fossem diferentes. — Edan abriu e fechou os punhos. Ele
soltou um suspiro trêmulo. — Não quero lhe dar falsas esperanças. E
não quero ser egoísta. Você merece alguém que possa estar com você.
Alguém que não sou eu.
— Então você está sendo egoísta. — eu disse. — Não me beije e
depois me diga que eu deveria estar com outra pessoa. Não... — Não
faça eu me apaixonar por você. Minha língua parou, incapaz de
dizer isso. — Apenas não.
Corri para a minha égua, pulando na sela e chutando-a a galope.
A onda de vento fez pouco para ajudar meu coração a parar de bater
nos meus ouvidos, mas era bom estar sozinha. Eu precisava ficar
sozinha.
Minhas emoções estavam enredadas e eu não sabia como
classificá-las. O que eu sentia por Edan? Isso importava? Ele era um
servo de seu juramento, a menos que o Imperador Khanujin o
libertasse.
Ele passaria mil anos como escravo da magia – enquanto eu
costuraria alguns vestidos para a nova imperatriz, depois me
perderia no vasto mar de tempo e história.
Como haveria alguma esperança para nós?
— Maia, — ele chamou. — Maia, por favor. Espere.
Eu não olharia para ele.
Opal e eu aceleramos para as montanhas da lua. Dessa vez, Edan
não tentou me alcançar.
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Meu livro não estaria em suas mãos sem Gina Maccoby, minha
maravilhosa agente. Obrigada, Gina, por ver algo especial na minha
escrita e me dar uma chance, por me ajudar a aprimorar minha
escrita para ser o melhor que poderia ser, e por acreditar em mim
através dos altos e baixos do meu caminho até a publicação. Você é o
mentor que sempre sonhei em ter.
Para Katherine Harrison, editora extraordinária. Eu sabia desde
o início que Maia tinha encontrado sua casa com você, e sou grata
que o destino colocou meu livro em suas mãos. Obrigada por tornar a
história dela ainda mais forte com suas edições e por defender Spin
the Dawn de maneiras que eu nem sabia que eram possíveis.
Um sincero agradecimento à equipe Knopf BFYR: Alex Hess,
Alison Impey, Julia Maguire, Mary McCue, Jaclyn Whalen, Alison
Kolani, Tracy Heydweiller, Jake Eldred, Artie Bennett, Janet Renard
, Amy Schroeder e Barbara Perris pelo incrível entusiasmo, tempo e
esforço que vocês dedicaram para tornar este livro não apenas uma
realidade, mas também uma obra de arte para ler, segurar e
valorizar.
Obrigada, Tran Nguyen, pela capa incrível que deu vida a Maia
Tamarin. Já perdi a conta de quantas horas indulgentes passei
olhando para ela. Eu não poderia ter imaginado uma capa mais
adequada, e eu a amo muito. A Virginia Allyn, por seu mapa de tirar
o fôlego; meu coração ainda dispara toda vez que noto um novo
detalhe nele.
Para Doug Tyskiewicz e Leslie Zampetti, meus parceiros de
crítica: Estou convencida de que uma das coisas mais difíceis sobre a
escrita é encontrar um grupo de crítica estável com colegas autores
cujo trabalho e companhia você gosta. Tive a sorte de ter encontrado
vocês dois e ainda mais sorte de chamá-los de meus amigos.
A Patti Lee Gauch, por seus conselhos de mudança de vida sobre
voz (não vacile!) e por me inspirar a acender a centelha em minha
escrita. A Gregory Maguire e Patricia McMahon, por me lembrar de
desvendar os fios de meus contos de fadas favoritos e manter Maia
firme. E seria negligente se não incluísse Nancy Sondel e os
maravilhosos adolescentes e adultos do Pacific Coast Children's
Writers Workshop, que me deram um feedback valioso sobre Spin
the Dawn nos primeiros dias.
Aos meus colegas escritores Liz Braswell, Kat Cho, Bess Cozby,
Suzi Guina, Joanna Ruth Meyer, Lauren Spieller, June Tan e Swati
Teerdhala, por sua amizade e conselhos e por gritarem com me com
as atualizações livresca e agonizando juntos sobre esboços e revisões.
Eu aprendi muito com todos vocês. Obrigado também a Roselle Lim,
por seus conhecimentos sobre as escolas de bordado chinês e por sua
experiência em costura; Sarah Neilson, por seus comentários
atenciosos, muitos dos quais fortaleceram a história de Spin the
Dawn ; Heidi Heilig, por ser uma força tão encorajadora para
aspirantes a escritores; e Jen Gaska em Pop! Goes the Reader, por
hospedar gentilmente a capa revelada de Spin the Dawn .
Um grande elogio aos Electric 18s, por serem o grupo de estréia
mais incrível que uma garota poderia desejar. Todos vocês me
fizeram sentir parte de uma grande família feliz. Também quero
agradecer aos professores e professores com quem tive o privilégio
de estudar durante minha jornada para me tornar um autor:
obrigado por me encorajar a correr riscos e ser criativa.
E, claro, obrigada a todos os colegas escritores, leitores, livreiros,
bibliotecários do Goodreads e blogueiros que conheci nos últimos
dois anos – virtualmente ou na vida real – que fizeram muito para
me fazer sentir bem-vinda na comunidade kidlit. Graças a você, o
futuro dos livros e da narrativa – nosso futuro – está mais brilhante
do que nunca.
Meus sinceros agradecimentos (junto com grandes abraços) a
Diana Link, Joyce Lin, Eva Liu, Evelyn Lu e Amaris White – alguns
de meus amigos mais queridos e mais antigos – por lerem meus
romances anteriores, incentivando-me ao longo dos anos e
mantendo-me sã durante incontáveis mensagens instantâneas e
telefonemas enquanto eu procurava me tornar um autor publicado,
além de emprestar seus olhos e ouvidos críticos (não menos
importante, por me dizer como é realmente andar de camelo e
escalar uma montanha com furadores de gelo).
Este livro nunca teria acontecido sem o apoio de minha família.
Obrigado ao meu po po, por me sentar com ela na máquina de
costura quando eu era pequeno enquanto ela trabalhava e me contar
todas as suas histórias. Você é uma das mulheres mais fortes que
conheço.
Aos meus pais, por me ensinarem o valor da persistência desde
tenra idade. A papai, por despertar em mim o amor pelos contos de
fadas, por ter orgulho de mim, não importa o que eu decidisse
perseguir – mas sabiamente me aconselhou a trabalhar duro para ser
o melhor que eu poderia ser nessas buscas. Tudo o que fiz foi graças
à sua sabedoria. Mãe, cujo talento para as artes e ofícios nunca deixa
de me surpreender: obrigada por me encorajar a ser criativa. Eu não
seria a musicista ou escritora que sou hoje sem você.
À minha irmã Victoria, por me encorajar a tornar o livro mais
romântico (sempre, ha-ha!), por ser uma caixa de ressonância
sempre que eu precisava de uma opinião honesta e por me dar
consultoria de design e moda. Minha vida seria muito mais solitária
(e menos divertida) sem você.
Acima de tudo, obrigada a meu marido, amor e melhor amigo,
Adrian. Obrigada por me nutrir com inúmeros cafés da manhã e
jantares e por me lembrar de almoçar quando eu estava tão imersa
na edição que me esqueci de fazer, por passar horas lendo meus
rascunhos e me dando dicas brutais (e encorajamento não menos
valioso) que eu precisava, por me abraçar durante as baixas e rir
comigo durante as altas, e por me comprar uma cadeira de escritório
mais confortável. Você é minha inspiração e minha alegria.
Obrigada ao nosso bebê, Charlotte, cujos sorrisos e risadas
contagiantes me deixam ansiosa para acordar todas as manhãs para
passar um tempo com você. Mal posso esperar para ler, cantar e
dançar – e escrever com você.
E, por último, obrigada a você, caro leitor. Por pegar este livro e
dar-lhe uma chance, por me seguir pelos confins da minha
imaginação e por (com sorte) chegar até o fim. Até a próxima!
Adrian Ow