A Revolta Camponesa de Porecatu

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10 A revolta camponesa de Porecatu

Angelo Priori
Luciana Regina Pomari
Silvia Maria Amâncio
Veronica Karina Ipólito

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PRIORI, A., et al. História do Paraná: séculos XIX e XX [online]. Maringá: Eduem, 2012. A revolta
camponesa de Porecatu. pp. 129-141. ISBN 978-85-7628-587-8. Available from SciELO Books
<http://books.scielo.org>.

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A revolta camponesa de Porecatu

Introdução
Nas décadas de 1940 e 1950, aconteceu, no Estado do Paraná,
um conflito de terras de impacto nacional, denominado pela imprensa
da época de ‘a guerra de Porecatu’. O conflito ocorreu em uma região
encravada no extremo Norte do Estado do Paraná, situada no vale do
rio Paranapanema. A colonização dessa região começou no final dos
anos 1930 e início dos anos 1940, no contexto da nova política de terras,
implementada pelo Governo Vargas e conhecida como ‘Marcha para o
Oeste’.

É dentro desse contexto histórico que posseiros, pequenos


proprietários, trabalhadores e colonos vindos, sobretudo, do Estado de
São Paulo, atraídos pela perspectiva de conseguir melhores condições de
trabalho e de vida e, principalmente, a posse de uma parcela de terra, vão
se radicar naquele sertão quase que desconhecido do Norte do Paraná.

Primeiramente, a colonização ocorreu em pequenas posses de


terra, por meio do plantio de café, de culturas alimentares e de criação
de porcos; posteriormente, em meados dos anos 1940, a organização da
propriedade da terra foi realizada com a presença de grandes grileiros, que
expulsaram os posseiros e estruturaram as suas propriedades com base no

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cultivo da cultura do café, na criação de gado, na plantação de cana-de-


açúcar, associados com o trabalho assalariado.
Portanto, são esses dois agentes sociais - posseiro e grileiro - os
personagens de um dos mais importantes conflitos de terra do Estado do
Paraná no século XX. A presença desses grandes grileiros na região, que,
por meio da polícia, de jagunços e de pistoleiros, expulsavam e tomavam
as terras dos posseiros, é que vai motivar a organização de uma resistência
- que posteriormente se transformou em resistência armada - com o
objetivo de defender as suas posses e benfeitorias nelas existentes.
Os conflitos armados tiveram início no final de 1948 e só foram
desmobilizados em julho de 1951, com a presença das tropas da Polícia
Militar do Estado e de agentes das Delegacias Especializadas de Ordem
Política e Social (DOPS) de São Paulo e do Paraná. A resistência armada
dos posseiros de Porecatu marcou a região, que se constituiu em alvo de
grandes reportagens nos principais diários do país e em órgãos de imprensa
periódica, como a Revista O Cruzeiro e o semanário Voz Operária, órgão do
Partido Comunista Brasileiro (PCB).
A intervenção do PCB na região e na organização do movimento
armado de Porecatu foi possível pela mudança de sua linha política,
decorrente dos ‘manifestos’ de janeiro de 1948 e de agosto de 1950,
que apontavam, para o Partido, a necessidade da defesa da ‘violência
revolucionária’, como linha de ação, visando à luta direta para a tomada
do poder. Nesse sentido, o Partido propôs, em seu programa, a formação
de uma Frente Democrática de Libertação Nacional, cujo objetivo maior
consistia em fazer a ‘revolução agrária e antiimperialista’. Em relação ao
campo, defendia a imediata entrega das terras dos latifundiários para os
camponeses que nelas trabalhavam.
E para isso seria fundamental, na visão do PCB, a organização dos
camponeses (pequenos proprietários, posseiros, arrendatários, meeiros,
parceleiros) e trabalhadores rurais (assalariados) como aliados naturais do
proletariado na tarefa de fazer a revolução.
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As Ligas camponesas
O embrião da resistência armada dos camponeses de Porecatu tem
origem na fundação de Ligas Camponesas na região. A primeira notícia
que se tem da formação de uma Liga Camponesa no Estado do Paraná
ocorreu em 1944. Nesse ano dois acontecimentos marcaram o início do
movimento organizado dos posseiros de Porecatu e região. Na localidade
conhecida como Ribeirão do Tenente, um grupo de 270 famílias fundou
uma Liga Camponesa em que foram escolhidos os posseiros Herculano
Alves de Barros, Hilário Gonçalves Padilha e José Billar como seus
representantes. Em Guaraci, outro grupo de famílias também formou
uma Liga, sendo que o representante escolhido para defender os interesses
na defesa de suas terras foi o posseiro Manoel Marques da Cunha. Um
único objetivo pautou a atuação dessas duas ligas: legalizar a posse da terra
(PRIORI, 2011).

Com a saída de Manoel Ribas e a posse do novo governador,


(Moisés Lupion, 1946-1950), ficou mais complicada a situação dos
posseiros da região. A única garantia que eles tinham para permanecer
nas terras era ‘frágeis’ requerimentos encaminhados ao Departamento de
Terras e Colonização do Estado, solicitando a posse dos lotes.

Enquanto a situação se tornava insustentável para os posseiros, as


Ligas agiam em defesa dos mesmos, apoiando, organizando e incentivando
as centenas de famílias que se preparavam para a luta.

No ano de 1946 houve uma grande manifestação organizada pelas


Ligas de Ribeirão do Tenente, Centenário, Guaraci, Água das Pelotas,
Cabeceira do Centenário, Água Tupi e Ribeirão do Capim. Mais ou
menos 1.500 pessoas, oriundas das mais diversas ligas de toda a região,
se reuniram no patrimônio de Guaraci e resolveram fechar a estrada que
ligava Presidente Prudente (SP) a Londrina (PR). O objetivo era sensibilizar
o governo e os políticos para a situação de instabilidade que vivia a região
e pela legalização imediata das terras dos posseiros.
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Essa manifestação, apesar do não cumprimento da promessa de


legalização das terras feita pelo representante do Departamento de Terras e
Colonização, teve repercussão importante para o movimento dos posseiros.
Além de gerar um sentimento de unidade entre os posseiros de toda a
região, acabou dando visibilidade para aquele problema que somente era
sentido pelos próprios camponeses. Principalmente a população urbana
e, sobretudo, os comerciantes iriam tomar conhecimento do litígio e das
agruras que viviam aquele povo. E o que é mais importante, despertava-
se um sentimento de solidariedade com aquela população, que iria ser a
tônica de sustentação durante todo o conflito que ali se iniciava.
Tiveram papel importante nesse sentido os parlamentares do PCB,
tanto em nível estadual como nacional. Além de criticarem as atitudes
políticas de Lupion em não resolver a contenda, condenavam a violência
contra os posseiros, exercidas por jagunços e policiais contratados pelos
grileiros. O próprio Deputado Carlos Marighella cobrou da Câmara dos
Deputados a instalação de uma CPI para apurar as denúncias de violência
contra os camponeses de Porecatu.

O PCB toma contato com a região


O envolvimento do PCB na luta dos posseiros de Porecatu se
deu por meio do Comitê Municipal de Jaguapitã, do qual eram dirigentes
Arildo, Ângelo, Miguel e Mercedes Gajardoni. A família Gajardoni exerceu
papel fundamental na organização do movimento e nos conflitos que se
sucederam. Aos poucos, conseguiram organizar os posseiros em grupos,
‘conscientizando-os’ da importância de defenderem suas posses: primeiro
legalmente, depois pelas armas.
Antes mesmo da formação dos grupos armados, que teria início
em novembro de 1948, o PCB de Jaguapitã chegou a recorrer ao comitê
de Londrina. O farmacêutico, Ângelo Gajardoni, conseguiu levar à região
litigada o então vereador londrinense, Manoel Jacinto Corrêa, conhecido
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militante comunista. Jacinto constatou a gravidade da situação e sugeriu,


com sucesso, ao comitê estadual do Partido, em Curitiba, um apoio efetivo
aos posseiros.
Enquanto em Londrina o PCB iniciava um movimento de
solidariedade aos ‘resistentes de Porecatu’, a família Gajardoni trocava a
sua farmácia em Jaguapitã por dez alqueires de terras de mata virgem,
nas margens do ribeirão Tenente, possibilitando uma atuação aproximada
com os posseiros.
A partir desse momento, diversos militantes do PCB de Londrina
passaram a visitar a região com maior frequência, sobretudo o Vereador
Manoel Jacinto Corrêa, o advogado Flávio Ribeiro e o médico Newton
Câmara, levando roupas, suprimentos alimentares, remédios e dinheiro.
Essa ajuda dos comunistas permitiu a conquista da confiança e da simpatia
dos posseiros. Com isso se tornaram agentes importantes na orientação da
luta e da batalha legal pela posse da terra.
A decisão do Partido Comunista Brasileiro de assumir a organização
da luta armada no Norte do Paraná foi concretizada formalmente em
novembro de 1948, quando os posseiros aceitaram os argumentos de
vários emissários do Partido de que a única saída para a defesa de suas
terras era o recurso das armas.
É difícil estabelecer com precisão o que se seguiu imediatamente
após a decisão dos posseiros de optarem pela luta armada. Contudo,
podemos concluir que o PCB tratou de preparar o terreno para assentar
operacionalmente os grupos armados, cujos embriões já existiam, graças ao
Comitê Municipal do Partido em Jaguapitã, por meio de Arildo Gajardoni
e das Ligas Camponesas formadas em toda a região, sob a liderança de
Hilário Gonçalves Pinha.
Mas até esse momento a presença do PCB na área se limitava aos
próprios militantes com origem entre os posseiros. Era um grupo bastante
reduzido, embora com posições importantes no processo de organização
da resistência. Nesse sentido, tanto Arildo Gajardoni quanto Hilário
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Gonçalves Pinha iriam trabalhar com a perspectiva de arregimentar um


número cada vez maior de camponeses, visando, de imediato, ao direito à
posse legal. O trabalho de arregimentação era feito de várias formas: por
meio de atividades de lazer, como o jogo de futebol, a pescaria, o jogo de
truco, que sempre enveredavam para o debate político; e a agenda política,
por meio das reuniões das Ligas Camponesas, esse sim, fórum privilegiado
da discussão política.
Mas, o interessante é que as próprias Ligas Camponesas, e
sabemos, pela inexistência de um aparato legislativo que lhe dessem
vida legal, tinha em seus estatutos preocupações de cunho mais social
do que propriamente político. Embora a discussão política não estivesse
contemplada estatutariamente, era tudo o que se fazia naquelas Ligas.
No final dos anos 1940, o PCB fez circular na região Norte do
Paraná uma proposta de estatuto, visando ampliar a discussão em torno da
formação de Ligas. Nessa proposta, a orientação era que as Associações de
Trabalhadores Rurais fossem constituídas com as seguintes finalidades:

1 Lutar pela educação e cultura dos trabalhadores da


região e de suas famílias, por meio de: a) criação de
escolas primárias para todas as crianças em idade escolar;
b) criação de uma biblioteca circulante, contendo
livros instrutivos, principalmente no que se refere à
agricultura, criação, organização dos moradores da zona
rural e demais assuntos de interesses dos trabalhadores;
c) promover festas populares nas ocasiões oportunas,
como São João, São Pedro, Santo Antônio, Natal, sete
de setembro, primeiro de maio e outras, afim de manter
vivas as tradições populares das danças, músicas etc.
2 Lutar quando for preciso, para a obtenção de créditos
bancários, para financiamento das plantações e preços
compensadores para as colheitas.
3 Conseguir abatimento nas consultas médicas e nos
medicamentos, mediante entendimento com o médico
e a farmácia.
4 Conseguir salários compensadores para os trabalhadores
rurais na derrubada, apanha de café etc.
5 Conseguir estradas (PRIORI, 2011, p. 133-134).
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Se a discussão política pela conquista da terra não estava


contemplada claramente, entretanto, alguns pontos eram fundamentais
para a vida dos camponeses, como, por exemplo, a luta por créditos
bancários, melhores preços para a produção, salários para os
trabalhadores das derrubadas, etc. No entanto, implicitamente,
o lugar da discussão estava colocado. Não é sem sentido que as
comemorações das chamadas festas populares estejam contempladas.
Entre elas, o ‘primeiro de maio’, data que nas décadas de 1940 e 1950
foi significativamente comemorada, fosse por meio dos esperados
discursos de Getúlio Vargas, fosse por meio de atividades preparadas
pelo Partido Comunista Brasileiro nas mais diversas cidades e regiões do
País. Enfim, esses espaços - de lazer e da política – foram fundamentais
para trazer o camponês para a luta.

Uma luta, duas frentes


A resistência camponesa de Porecatu foi realizada em duas frentes:
uma, armada, com um grupo reduzido de pessoas, mas com uma disciplina
rigorosa e um comando extremamente forte; e outra, legal, composta por
algumas centenas de camponeses, nas posses e nas fazendas, além de uma
frente de solidariedade e ajuda mútua, nas cidades.
A luta armada estava dividida em três grupos e um Quartel
General. Cada grupo estava localizado em uma região estratégica da área
conflagrada.
O primeiro grupo ficava sediado na posse de José Billar, às margens
do ribeirão Centenário. Esse grupo era chefiado por Arildo Gajardoni,
conhecido pela alcunha de ‘Strogof ’.
O segundo grupo ficava sediado na posse de Hilário Gonçalves
Padilha, nas confluências da margem esquerda do ribeirão Tenente com o
rio Paranapanema. Esse grupo era liderado por Hilário Gonçalves Pinha,
também conhecido como ‘Itagiba’.
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E o terceiro grupo, talvez com uma importância menor em relação


aos outros dois, estava sediado nas cabeceiras da Água Centenário, ou
ribeirão Centenário, e tinha como responsável André Rojo, conhecido
como ‘Panchito’.
Além desses grupos, havia um Quartel General, cujo comandante
era Celso Cabral de Mello, conhecido como ‘capitão Carlos’, que tinha a
função de fazer a ligação com os grupos e com os Comitês Municipais do
Partido em Jaguapitã e em Londrina.
Cada grupo era formado por poucos membros, o que demonstra
uma participação bastante reduzida de pessoas que se envolveram
diretamente no conflito armado. A imprensa da época publicava notícias
totalmente equivocadas, superestimando o número de pessoas envolvidas.
Havia matérias que falavam de 300 pessoas, outras falavam em 500 e ainda
outras, mais exageradas, falavam em milhares de ‘camponeses em arma’.
A maioria estava armada de espingarda ou então carabina de 12
tiros. Essas armas eram comuns na região e utilizadas para caça. Mas
eram essas as armas de que os camponeses, inicialmente, dispunham. No
entanto, essas armas eram muito frágeis. E o resultado prático dessas ações
com armas deficitárias era quase que insignificante.
No relatório que elaborou para o Comitê Central do Partido
Comunista Brasileiro, Celso Cabral de Mello descreve que as melhores
armas em poder dos posseiros eram uma submetralhadora calibre 45 mm
com carregador de 45 tiros, ‘em mau estado de funcionamento’ e uma
submetralhadora de 9 mm, com carregador para 30 tiros, essa ‘funcionando
regularmente’.
Com o decorrer do tempo, algumas armas mais sofisticadas foram
conseguidas, principalmente pistolas automáticas, mosquetões, granadas
e metralhadoras, muitas recuperadas dos jagunços ou dos policiais, outras
enviadas pelo Comitê Regional do Partido em Londrina.
Todos os membros dos grupos usavam um codinome para se
identificar, o que era fundamental para se manter o sigilo e preservar a
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identidade de quem estava de armas na mão. Tanto que, no Processo-crime


aberto contra os posseiros que foram à luta armada, alguns não puderam
ser indiciados porque não foram identificados. É o caso de ‘Machado’,
‘Orozimbo’ e ‘Jordão’.
Os maiores embates dos posseiros se deram, exatamente, contra os
jagunços. A Força Policial, por estar fazendo um trabalho para os grileiros,
era um inimigo a ser combatido, sem dúvida. Mas era considerado um
inimigo fácil. Primeiro porque eram profissionais despreparados para o
embate em situação de guerrilha. O máximo que a Força Policial fazia era
vasculhar estradas e residências à procura dos posseiros. E, nas estradas,
principalmente aquelas que cortavam as florestas, tornavam-se presas
fáceis das emboscadas e dos tiroteios de surpresa.
No caso dos jagunços era diferente. Eles não só eram temidos,
como conheciam detalhadamente a região e lutavam de igual por igual, às
vezes, com as mesmas táticas, às vezes com a mesma precisão. Por isso era
fundamental a eliminação dos jagunços. Alguns casos ficaram famosos na
região. Primeiro, a eliminação do jagunço Luisinho, que comandava um
caminhão de soldados para fazer o despejo da posse de José Billar. No
tiroteio decorrente da resistência ao despejo, Luisinho foi morto junto
com outros cinco soldados, no sangrento embate que ocorreu no dia 10
de outubro de 1950 (FELISMINO, 1999).
Mas nenhum caso gerou tanto entusiasmo aos posseiros como a
vingança e o justiçamento do jagunço José Celestino. A máxima de Luiz
Carlos Prestes, expressa em seu Manifesto de Agosto de 1950 (apud
VINHAS, 1982, p. 140), de que, para combater a violência dos dominadores,
era inevitável e necessário imprimir a violência das massas, foi levada a
cabo pelos posseiros de Porecatu. Celestino, cujo nome verdadeiro era
José Ferreira de Souza, vinha trabalhando como capanga há vários anos.
Contratado pelos grileiros, prestava ainda serviço para a Força Policial do
Paraná, da qual, inclusive, tinha a promessa de obter um emprego com
a patente de sargento. Celestino era acusado, pelos posseiros, de vários
crimes de estupro, despejo e de assassinato. Pelo menos dois posseiros
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foram assassinados por ele: Francisco Bernardo dos Santos e Salvador


Ambrósio. Depois desses crimes, os posseiros juraram liquidar com o
jagunço.
A orientação de executar Celestino não partiu do PCB. A decisão
foi tomada por um grupo de 18 pessoas que estava embrenhado dentro
da mata, dentre eles, alguns militantes do PCB, como Arildo Gajardoni e
Hilário Gonçalves Pinha. Mas a decisão da execução não partiu do Partido
e sim dos próprios posseiros. Mas ela não foi unânime. Quinze posseiros
votaram a favor, três se abstiveram.
A morte de José Celestino foi comemorada por toda a região. A
população camponesa, “cansada de ser espezinhada e ameaçada pelos
jagunços”, aplaudiu a coragem daqueles posseiros rebelados. Até a
imprensa do PCB deu destaque ao fato. “A justiça camponesa fazia sentir
o peso de sua mão sumária e implacavelmente” salientava o editor do
Jornal Voz Operária, na edição que publicou matéria sobre o caso.
No dia seguinte, o cadáver de Celestino foi encontrado pelos
policiais e carregado para a Vila Progresso, onde lhe deram sepultura.
Não houve acompanhantes, mas, por via de dúvidas, um batalhão de 90
soldados teve a incumbência de proteger o enterro.
A repercussão positiva do caso - ao invés do que pensava o
comandante Hilário, que achava que um ato como esse poderia repercutir
mal - deu novo alento à luta dos posseiros. Centenas de famílias de
camponeses, que, até então, achavam que aquele bando de pessoas de armas
dentro da mata eram uns aventureiros sem grandes perspectivas, passaram
a admirar e a vislumbrar nas ações possibilidades de dias melhores. A luta
começou a ganhar popularidade e apoio dos mais variados segmentos da
população.
Além da luta armada, na defesa das posses, os posseiros tinham
outras reivindicações, como atestam ‘os doze mandamentos dos posseiros
de Porecatu’. Articulavam as reivindicações pela terra, mas também por
melhores salários e condições de trabalho.
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1 Entrega imediata das posses aos seus primitivos


ocupantes e entrega, também imediata, dos títulos.
Distribuição das terras griladas, das chamadas ‘fazendas’
e das terras devolutas aos camponeses pobres;
2 Indenização pelo justo valor aos posseiros;
3 Anulação de qualquer processo ou perseguição contra
os posseiros e trabalhadores;
4 Remoção da polícia e prisão dos jagunços dos municípios
de Porecatu, Jaguapitã e Arapongas;
5 Punição dos assassinos e mandantes dos massacres dos
posseiros;
6 Eleição de uma comissão de posseiros para nova divisão
das terras;
7 Reconhecimento dos direitos dos trabalhadores do
campo;
8 Cr$ 3.000,00 pelo trato de mil pés de café, com direito
à planta - Cr$ 40,00 por saco de 110 litros de café
colhido;
9 Pagamento em dinheiro todas as quinzenas;
10 Cr$ 50,00 livre, por dia de 8 horas de trabalho para os
volantes e colonos;
11 Pagamento das férias, inclusive as atrasadas;
12 Para formação de 10.000 pés de café, pagamento de
Cr$ 3.000,00 com direito de colheita até o quinto ano
(PRIORI, 2011, p. 166).

Considerações finais
O movimento dos camponeses de Porecatu permite-nos repensar
a atuação da esquerda no campo, principalmente a atuação do PCB. A
atuação desse partido, nos inícios dos anos 1950, foi motivada pela nova
linha política formulada pelos manifestos de janeiro de 1948 e agosto de
1950 (PRIORI, 2003).
É verdade que essa linha política teve, internamente, várias
resistências. A militância e algumas lideranças, principalmente a sindical,
faziam dupla atuação, ora acatando, ora não, a linha política do Partido.
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No caso aqui estudado não foi o Partido quem determinou, por


exemplo, a recorrência à luta armada. Embora os documentos apontassem
para isso. Quando o Partido chegou à região, a intenção pela luta armada
já era uma realidade manifesta. Mas, sem dúvida, essa nova linha política
possibilitou uma atuação mais presente do Partido. Assim, o PCB
rapidamente se acoplou ao movimento dos posseiros de Porecatu, à sua
auto-organização. O que, aliás, naquele momento, foi visto com ‘bons
olhos’ pelos posseiros, como ressaltou, em seus depoimentos, Hilário
Gonçalves Pinha.
E por que não houve resistência à ajuda do PCB? Podemos
inferir que a história desse partido, sobretudo a experiência acumulada
em algumas lutas urbanas, é verdade, tenha contribuído para isso. O PCB
podia fornecer tudo o que os camponeses necessitavam para manter o
movimento: armas, alimentos, remédios, roupas, dinheiro. Mas, sobretudo,
‘quadros’ profissionais. A ida do controverso ‘capitão Carlos’, de ‘Machado’,
de ‘Ortiz’, de Irineu Luiz de Moraes, de João Saldanha e de alguns dirigentes
do Comitê Central é excepcional. Portanto, a ajuda era eficaz.
E o próprio PCB encarava aquele movimento como algo prioritário.
Estava ali a possibilidade de se colocar em prática as ideias e as estratégias
elaboradas pelos manifestos. De mostrar a eficácia de sua linha política.
Não é sem sentido que o principal jornal do partido à época - o Voz
Operária - manteve no local do conflito uma equipe de repórteres, desde o
mês de novembro de 1950 até praticamente o fim do conflito, em agosto
de 1951, como também não é sem sentido a presença de altos quadros da
estrutura do PCB (PRIORI, 2003).
Portanto, havia um elo comum de ligação entre os posseiros e o PCB,
que permitia essa união. Os posseiros precisavam de uma infraestrutura
para manter a luta, o PCB, de um palco para colocar em prática suas
estratégias políticas. Essa combinação permitiu uma aproximação entre um
e outro. Mas foi uma aproximação momentânea, conjuntural, pragmática.
É bem provável que os posseiros não tivessem consciência do significado
daquela aproximação, como é bem provável também que o PCB soubesse
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que aquela aproximação poderia se desfazer tão rapidamente como ela foi
realizada.

Referências
FELISMINO, T. A guerra de Porecatu: a história do movimento armado pela posse da
terra que sacudiu o Norte do Paraná. Folha de Londrina, Londrina, 14 a 28 jul. 1999.
PRIORI, A. O levante dos posseiros: a revolta camponesa de Porecatu e a ação do Partido
Comunista Brasileiro no campo. Maringá: Eduem, 2011.
PRIORI, A. O PCB e a questão agrária: os manifestos e o debate político acerca dos
seus temas. In: MAZZEO, A. C.; LAGOA, M. I. (Org.). Corações vermelhos: os comunistas
brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003. p. 61-82.
VINHAS, M. O partidão: a luta por um partido de massas. São Paulo: Hucitec, 1982.

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