Dissertação de Aline Miranda
Dissertação de Aline Miranda
Dissertação de Aline Miranda
Rio de Janeiro
2012
Aline Miranda Cardoso
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A
CDU 36
Autorizo apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, desde que
citada a fonte.
_____________________________________ ___________________________
Assinatura Data
Aline Miranda Cardoso
Banca Examinadora:
_____________________________________________
Profª. Dra. Elaine Rossetti Behring (Orientadora)
Faculdade de Serviço Social - UERJ
_____________________________________________
Prof. Dr. Maurílio Castro de Matos (Coorientador)
Faculdade de Serviço Social - UERJ
_____________________________________________
Profª. Dra. Maria Inês de Souza Bravo
Faculdade de Serviço Social - UERJ
_____________________________________________
Profª. Dra. Sara Granemann
Escola de Serviço Social - UFRJ
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
O presente trabalho tem por objetivo analisar uma das diversas alterações
decorrentes da contrarreforma do Estado brasileiro que tem incidido diretamente
sobre o campo das políticas sociais: a adoção dos modelos privatizantes de gestão.
A despeito do acirramento da “questão social” e consequente aumento da demanda
por serviços sociais, o Estado tem caminhado numa via oposta. Focaliza as políticas
sociais, precariza os serviços já existentes e drena recursos da seguridade social
para sustentação das altas taxas de juros e pagamento da dívida pública. Somado a
isso, para possibilitar a criação de novos espaços lucrativos, o Estado tem reeditado
repetidamente diferentes instrumentos de privatização das políticas sociais – as
Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, as
Fundações Estatais de Direito Privado e a Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares – processando-se, desta forma, um duplo favorecimento do capital na
apropriação do fundo público. Desse modo, conferimos especial destaque às
Organizações Sociais, instrumento privilegiado da operacionalização da
modernização da gestão da rede de serviços da atual gestão municipal da política
de saúde carioca. Buscamos analisar as tendências da alocação dos recursos
orçamentários da saúde no Rio de Janeiro (Função Saúde e Fundo Municipal), os
contratos de gestão a fim de captar os processos de privatização, focalização e
mercantilização da saúde, no período de 2009-2010. Nesse contexto, revelou-se
uma profunda falta de transparência nos gastos públicos com a política de saúde
carioca que perpassa os recursos destinados ao Fundo Municipal de Saúde, mas
também se expressa nos inúmeros repasses financeiros – muitas vezes elevados e
sem justificativas palpáveis – destinados às Organizações Sociais. Desse modo, a
efetivação das ações e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) fica relegada ao
segundo plano e põe-se na ordem do dia o favorecimento do capital através de uma
apropriação cada vez maior do fundo público.
The present work aims to analyze one of the several changes made by the
counter reformation of the Brazilian State which have directly affected the social
policies: the adoption of the management privatization models.In spite of the
worsening of the “social question” and the consequent increasing of the demand for
the social services, the State has taken the opposite direction: it focalizes the social
policies, compromises the quality of the existent services and drains resources from
the social security in order to keep the high interest rates and the payment of the
public debt. Besides, so as to enable the creation of new profitable spaces, the State
has repeatedly reissued different privatization instruments of the social policies –
Social Organizations, Public Interest Civil Society Organizations, State Foundations
of the Private law and the Brazilian company of hospital services -, processing, in
that way, a double benefit of the capital in its public fund appropriation.For that
reason, we give particular attention to the Social Organizations, privileged instrument
of the management modernization of the current health care system in the Rio de
Janeiro city. We intent to analyze the health resources allocation tendency in Rio de
Janeiro city (health function and Municipal Fund), the management contracts in order
to understand the process of privatization and focalization of the health care from
2009 to 2010.Given the context, the research showed a deep lack of transparency on
the public spending with the Rio de Janeiro city health care, which comes from the
Health Municipal Fund and also from several financial transfers to the Social
Organizations – many times with high values and no valid explanation. This way, the
carrying out of the actions and services of the Brazilian Health System is pushed into
the background and the capital is benefited into the appropriation of the Fund Public.
Quadro 13 Contratos de Gestão, celebrados nos anos de 2009 e 2010, que não
86
possuem termos aditivos............................................................................
Quadro 14 Contratos de gestão, celebrados nos anos de 2009 e 2010, que
87
possuem termos aditivos............................................................................
Quadro 15 Termos Aditivos ao CG 01/2009 – SMSDC/RJ e SPDM........................... 87
Quadro 16 Termos Aditivos ao CG 02/2009 – SMSDC/RJ e FIOTEC......................... 89
Quadro 17 Termos Aditivos ao CG 03/2009 – SMSDC/RJ e IABAS........................... 91
Quadro 18 Termos Aditivos ao CG 04/2009 – SMSDC/RJ e Viva Comunidade......... 93
Quadro 19 Termos Aditivos ao CG 05/2009 – SMSDC/RJ e Viva Comunidade......... 94
Quadro 20 Termos Aditivos ao CG 06/2009 – SMSDC/RJ e Viva Comunidade......... 95
Quadro 21 Termos Aditivos ao CG 05/2010 – SMSDC/RJ e IABAS........................... 96
Quadro 22 Termos Aditivos ao CG 08/2010 – SMSDC/RJ e SPDM........................... 98
Quadro 23 Termos Aditivos ao CG 22/2010 – SMSDC/RJ e IABAS........................... 99
Quadro 24 Recursos da SMSDC destinados às OS – 2009 e 2010............................ 100
Quadro 25 Organizações sociais com convênios anteriores com a prefeitura.......... 101
Quadro 26 Legislação municipal pertinente às Organizações Sociais........................ 104
Quadro 27 Rescisão de contratos – CIAP................................................................... 110
LISTA DE SIGLAS
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 15
1 POLÍTICA SOCIAL, FUNDO PÚBLICO E SAÚDE.......................................... 22
1.1 Trabalho e Política Social............................................................................... 22
1.2 Política Social: produção e reprodução das relações sociais.................... 31
INTRODUÇÃO
1
O referido trabalho, intitulado “A materialização da contrarreforma do Estado brasileiro no âmbito das políticas
sociais: uma análise de alguns de seus instrumentos”, foi apresentado à Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2
Referimo-nos à Lei nº 9.637 de 15 de maio de 1998; à Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999; e ao Projeto de Lei
Complementar nº. 92 de 4 de junho de 2007.
3
São inúmeros efeitos para este campo que, no geral, vêm se ancorando no trinômio articulado do ideário
neoliberal: privatização, focalização e descentralização (BEHRING; BOSCHETTI, 2009).
4
Optamos por analisar este período, primeiramente, pelo fato da Lei municipal que regulamenta as OS ter sido
aprovada no ano de 2009, no governo Eduardo Paes (2009-2013), mas ainda sob vigência do Plano Plurianual
do governo anterior. Nesse sentido, consideramos que não necessariamente os objetivos e as diretrizes contidos
no referido Plano favoreciam o novo modelo de gestão adotado. Assim, ao estendermos nossa análise para o
ano de 2010, partimos do pressuposto de que, de certo modo, as diretrizes, objetivos, metas e investimentos
prioritários estejam em sintonia com aprovação da lei das OS.
16
desarticular esse debate do processo que o conjunto das políticas sociais vem
enfrentando atualmente.
De modo geral, o cenário que se desenha para a seguridade social5 brasileira
é progressivamente agravado, pois a despeito das novas condições de trabalho –
que se refletem diretamente no crescimento da demanda por serviços sociais –, nos
deparamos com uma forte tendência de redução de direitos e transformação das
políticas sociais em ações pontuais e compensatórias. Isso sem contarmos o
financiamento das políticas que sofre com a realocação do fundo público em
decorrência de seu direcionamento ao pagamento da dívida pública. Somam-se a
ainda, as ações que visam a transferência dos serviços sociais para a iniciativa
privada (MOTA et al, 2006; BEHRING, 2008b).
Assim, se por um lado, não podemos analisar a política de saúde
isoladamente, por outro, não podemos entender a configuração assumida pelas
políticas sociais contemporaneamente desarticulada do papel atribuído ao Estado
para que seguisse garantindo as taxas de lucro capitalistas – no período posterior à
crise da década de 1970.
No Brasil, as medidas e os ajustes ditados pelos países avançados, na
tentativa infrutífera de retomar as taxas de crescimento típicas do período áureo do
capitalismo, só atingiram o solo nacional na década de 19906. Esta década foi
marcada pela necessidade de refuncionalização do Estado Brasileiro que,
supostamente, teria se desviado de suas funções, de modo que se colocou a
necessidade de restringir seu papel ao de promotor e regulador do desenvolvimento
econômico e social do país.
Dessa forma, elaborou-se o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE), no
qual foi o proposto um redesenho do Estado que, por sua vez, implicou num
conjunto de “reformas” de teor regressivo para a classe trabalhadora.
5
Segundo Mota et al, a “Seguridade Social é por definição um campo de disputas, seja por parte do trabalho,
seja por parte do capital que continuamente tenta adequá-la aos seus interesses” (2006, p. 165). É nesse sentido
que verificamos na atualidade, diante da ofensiva neoliberal, um redirecionamento das políticas de proteção
social. Assim, neste contexto, a seguridade social é fortemente marcada pela focalização das ações; expansão
da assistência em detrimento das outras políticas de seguridade; privatização dos serviços sociais; surgimento
da figura do cidadão consumidor; emergência de novos protagonistas – tais como, empresas socialmente
responsáveis e voluntariado; e despolitização das desigualdades sociais, dentre outros.
6
A ditadura e sua derrocada, somadas ao processo de redemocratização da sociedade, nos anos 1980, marcado
pelo amplo movimento na sociedade civil, acabaram por adiar a implementação do receituário neoliberal para a
década seguinte.
17
7
A partir da crise da década de 1970 acirra-se a disputa pelos fundos públicos. É nesse contexto em que,
“preconiza-se o corte dos gastos sociais estatais, para o ‘equilíbrio das contas públicas’, como indicador de
saúde econômica. Então, a política social entra no cenário como paternalismo, como geradora de desequilíbrio,
como algo que deve ser acessado via mercado, e não como direito social. Daí as tendências de
desresponsabilização e desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que aos poucos (já que há
resistências e sujeitos políticos nesse processo), vai configurando um Estado mínimo para os trabalhadores e um
Estado máximo para o capital” (BEHRING, 2002, p. 186, grifos da autora).
18
8
O que reafirma uma cidadania dual: aqueles que podem atender suas necessidades via mercado e aqueles que
só resta o enfrentamento das longas filas nos hospitais e unidades de saúde da rede SUS.
9
Desde 1993, a cidade do Rio de Janeiro foi dividida em 10 AP,no âmbito da saúde, a saber: AP1) Centro,
Portuária, Rio Comprido, São Cristóvão, Paquetá e Santa Tereza; AP2.1) Botafogo, Copacabana, Lagoa e
Rocinha; AP2.2) Tijuca e Vila Isabel; AP3.1) Ramos, Penha, Ilha do Governador, Complexo do Alemão e Maré;
AP3.2) Inhaúma, Méier e Jacarezinho; AP3.3) Irajá, Madureira, Anchieta e Pavuna; AP4) Jacarepaguá, Barra da
Tijuca e Cidade de Deus; AP5.1) Bangu e Realengo; AP5.2) Campo Grande e Guaratiba; AP5.3) Santa Cruz
(SMSDC, 2009).
10
A referida Lei foi aprovada em caráter de urgência e sem considerar a rejeição da proposta na X Conferência
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, tal como consta no próprio Plano Municipal de Saúde (SMSDC, 2009).
19
11
No âmbito do Orçamento público é o “plano plurianual (PPA) [que] estabelece os projetos e os programas de
longa duração do governo, definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos”.
Disponível em: http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado Acesso em 16 abr 2011.
12
Cerca de 10 bilhões de reais, o que corresponde a 19% de todo o recurso do PPA e 27% dos valores
aplicados nas áreas de resultado (SMSDC, 2009).
13
Até 2013, a prefeitura tem como meta a implantação de 20 UPA e 70 Clínicas da Família.
20
Abordar a temática de política social não nos parece uma tarefa tão simples.
Objeto de reflexão de inúmeras pesquisas e estudos, orientados por diferentes
perspectivas teóricas, presente em muitos debates, esta temática tem se
apresentado como um rico campo de possibilidade analíticas. Dentro de uma
perspectiva crítica, à luz da tradição marxista, é que buscamos desenvolver nossas
análises neste presente trabalho.
Para tanto, consideramos absolutamente necessário iniciar nosso percurso
pela concepção de trabalho em Marx – uma das categorias centrais no interior da
tradição marxista – e a configuração que este assume na sociedade capitalista, de
modo que possamos contribuir com a superação do equívoco em dissociar trabalho
de “questão social” – que em determinado momento histórico passa a ser enfrentada
nas suas múltiplas manifestações, de maneira fragmentada, por meio das políticas
sociais. É este o espírito que nos guiará nas próximas linhas.
O trabalho é o meio pelo qual o homem interfere na natureza a fim de atender
suas necessidades. Em termos marxianos, “[...] o trabalho é um processo de que
participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria
ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza”
(MARX, 1988, p. 202). O homem atua na natureza, modificando-a e, no mesmo
processo, modifica a si próprio. Desse modo, diferenciando-se das atividades
naturais, o trabalho humano se caracteriza por conter uma relação mediada entre o
sujeito e o objeto. No decurso histórico permanece sempre um meio de trabalho, um
instrumento que permite essa relação mediada (NETTO ; BRAZ, 2009).
Ademais o que propicia a diferenciação entre o trabalho humano e o trabalho
das outras espécies é a capacidade teleológica que consiste na antecipação ideal
dos resultados deste. “Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera: ele
imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui lei
determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade”
(MARX, 1988, p.202).
23
15
“A produção mercantil capitalista, à diferença da produção mercantil simples, assenta na exploração da força
de trabalho, que o capitalista compra mediante o salário. Os ganhos (lucros) do capitalista [...]: sua origem está
na exploração do trabalho – reside no interior do processo de produção de mercadorias, que é controlado pelo
capitalista” (NETTO ; BRAZ, 2009, p. 83, grifos dos autores).
16
Isso revela claramente que o capital não pode prescindir do trabalho, pois este último além de produzir mais
valia, empresta vida aos meios de produção.
24
de trabalho apareça como uma mercadoria é necessário que o trabalhador seja livre
para vender sua força de trabalho por um determinado período de tempo e, ainda,
desprovido dos meios de produção.
A continuidade dessa relação exige que o possuidor da força de trabalho venda-a
sempre por tempo determinado [...]. Tem sempre de manter sua força de trabalho
como sua propriedade, sua própria mercadoria, o que só consegue, se a ceder ao
comprador apenas provisoriamente, por determinado prazo, alienando-a sem
renunciar sua propriedade sobre ela. [...] para o possuidor encontrar no mercado
força de trabalho como mercadoria: o dono dessa força não pode vender
mercadorias em que encarne seu trabalho, e é forçado a vender sua força de
trabalho que só existe nele mesmo (MARX, 1988, p. 188).
Por fim, mas não menos importante, destacamos que o modo de produção do
capital é ao mesmo tempo processo de trabalho – processo em que por meio do
trabalho concreto a força de trabalho em contato com os meios de produção cria
novos valores de uso – e de valorização – processo em que ocorre valorização dos
26
valores contidos nos meios de produção através do trabalho vivo19. De forma alguma
tratamos de processos independentes, mas sim de uma unidade (IAMAMOTO;
IAMAMOTO ; CARVALHO, 2006).
O processo de produção, quando unidade do processo de trabalho e do processo de
produzir valor, é processo de produção de mercadorias; quando unidade do
processo de trabalho e do processo de produzir mais valia, é processo capitalista de
produção, forma capitalista da produção de mercadorias (MARX, 1988, p. 222).
19
Nesse processo a força de trabalho retira os meios de produção de sua inércia, transferindo os valores
contidos neles (trabalho morto) para a nova mercadoria. “O que se consome dos meios de produção é o valor de
uso e o trabalho cria produtos através desse consumo. [...] O valor dos meios de produção reaparece no valor do
produto, mas falando exatamente, não é reproduzido. O que é produzido é o novo valor de uso em que
reaparece o anterior valor de troca” (MARX, 1988, p. 233). Ademais, em ação, a força de trabalho é capaz não
só de reproduzir seu próprio valor, mas de criar valor excedente. Isso decorre da apropriação do capitalista do
trabalho excedente que não é pago ao trabalhador sob a forma salário, sendo este inferior aos valores
produzidos no processo produtivo. Vale salientar, que é o trabalho socialmente necessário a mediação do
trabalho excedente, ou seja, é por necessitar do salário que o trabalhador compõe o processo que engendra
mais valor.
20
“A classe trabalhadora cria, pois, em antítese consigo mesma, os próprios meios de sua dominação, como
condição de sua sobrevivência” (IAMAMOTO apud IAMAMOTO ; CARVALHO, 2006, p. 47).
27
21
“Quanto maiores a riqueza social, o capital em funcionamento, o volume e a energia de seu crescimento,
portanto, também a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva do seu trabalho, tanto maior o exército
industrial de reserva. A força de trabalho disponível é desenvolvida pelas mesmas causas que a força expansiva
do capital. A grandeza proporcional do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da
riqueza. [...E] quanto maior, finalmente a camada lazarenta da classe trabalhadora e o exército industrial de
reserva, tanto maior o pauperismo oficial” (MARX, 1984 apud NETTO ; BRAZ, 2009, p. 138).
22
Segundo Netto (2007), o termo questão social surgiu no século XIX para dar conta do fenômeno do
pauperismo na Europa Ocidental, decorrente da primeira onda industrializante iniciada na Inglaterra. Como
nunca havia se registrado na história a pobreza se elevava na razão direta em que aumentava a capacidade
social de produção de riquezas.
23
Nesse período, a atuação do Estado passa a ser mais organizada e sistemática e para implementar suas
ações um elenco de profissões é demandado, dentre elas, o Serviço Social (NETTO, 2007). A intervenção
estatal realiza-se, precisamente, fragmentando e parcializando a “questão social”, o que, segundo Netto, não
poderia ocorrer de outra forma. Tomar a “questão social” na sua “totalidade processual específica é remetê-la
concretamente à relação capital/trabalho [...]. [Deste modo], enquanto intervenção do Estado burguês no
capitalismo monopolista, a política social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as sequelas da
‘questão social’ são recortadas como problemáticas particulares (o desemprego, a fome, a carência habitacional,
o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc.) e assim enfrentadas” (ibid, p.32, grifos do
autor).
28
podemos situar sua gênese no modo capitalista de produção, por outro, não
podemos localizá-las desde sua fase inicial. Elas surgem num período específico: na
transição entre o capitalismo livre concorrencial e o capitalismo monopolista – fins do
século XIX e início do século XX –, momento em que o capitalismo atinge sua
maturidade e o Estado24 alarga suas funções, atuando de forma mais organizada e
sistemática.
Vale precisar que tal gênese não pode ser compreendida descolada do
debate sobre o papel do Estado. Nesse sentido, basicamente dois elementos são
essenciais para entender esse processo: o crescimento do movimento operário,
assim como o fenômeno da monopolização do capital.
No estágio concorrencial do modo de produção temos uma forte presença do
ideário da tradição liberal, o qual preconizava uma não intervenção estatal na
economia. Mas, ainda que houvesse essa defesa ferrenha da não interferência do
Estado, sabemos que sua atuação sempre foi imprescindível para a manutenção da
ordem capitalista25. Nesse sentido, o Estado se restringia basicamente a três
funções: proteção da propriedade privada; controle dos efetivos policiais e atuação
em situações emergenciais.
Na passagem do estágio concorrencial para o monopolista, vários processos
são deflagrados e o alargamento das funções estatais26 – para além das três
funções básicas já desempenhadas – passa a ser uma exigência do modo de
produção capitalista. O Estado deveria intervir organizada e sistematicamente na
dinâmica da economia capitalista. Mas, para que se pudesse viabilizar a busca
constante de lucros do capital, o Estado necessitava de legitimidade frente às outras
frações de classes.27 Assim, não podemos deixar de referendar que o Estado é
24
Behring e Boschetti (2009) ressaltam que não se trata de estabelecer uma linha evolutiva entre o Estado liberal
e o Estado social, as primeiras iniciativas relativas às políticas sociais devem ser compreendidas na relação de
continuidade entre esses dois momentos da intervenção estatal. Tanto o Estado liberal quanto o Estado social
têm em comum o reconhecimento de direitos, mas sem tocar nos fundamentos da ordem capitalista.
25
Nos termos de Netto, “[...] o Estado, desde quando a pressão da burguesia ascendente deu origem ao
chamado absolutismo, sempre interveio no processo econômico capitalista; o traço intervencionista do Estado
[...] a serviço de franjas burguesas revela-se muito precocemente [...]. Nada é mais estranho ao desenvolvimento
capitalista do que um Estado “árbitro” (2007a, p. 24, grifo do autor).
26
Para uma análise muito consistente das funções estatais que foram alargadas no estágio monopolista, ver
Netto, 2007.
27
É nesse estágio especificamente que “as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com suas
funções econômicas” (NETTO, 2007, p. 25). Mas, deve-se considerar que articulação entre essas funções é
mediatizada pela correlação das forças sociais. Netto nos alerta que as respostas sociopolíticas do capitalismo
monopolista comportam alternativas que variam desde o Welfare State até o fascismo.
29
constituído por uma intensa correlação de forças que tem como arena a luta de
classes.
Vale ressaltar que quando nos referirmos ao Estado, não se pode
desconsiderar que este é mais antigo que o capital e, nesse sentido, deve-se evitar
cair no erro de derivar suas funções diretamente das necessidades de produção e
da circulação de mercadorias (MANDEL, 1985). Nos termos mandelianos, o Estado
tornou-se “parteiro do modo de produção capitalista” apenas quando houve certo
grau de maturidade nas relações de produção que, por sua vez, alteraram as
relações entre as antigas e novas classes proprietárias, derruindo as formas
tradicionais de dominação política por meio da expansão do capital-dinheiro. É neste
momento em que o Estado torna-se fundamental para a acumulação capitalista.
Assim, nessa transição do capitalismo concorrencial para o monopolista
alterou-se
necessariamente tanto a atitude subjetiva da burguesia em relação ao Estado,
quanto a função objetiva desempenhada pelo Estado ao realizar suas tarefas
centrais. O surgimento dos monopólios gerou uma tendência à superacumulação
permanente nas metrópoles e à correspondente propensão a exportar capital e a
dividir o mundo em domínios coloniais e esferas de influência sob o controle das
potências imperialistas. Isso produziu um aumento substancial nas despesas com
armamentos e o desenvolvimento do militarismo, o que, por sua vez, levou a um
crescimento ainda maior do aparato estatal, envolvendo um desvio maior de
rendimentos sociais para o Estado (MANDEL, 1985, p. 337-8).
28
Conjugados aos processos sociopolíticos manifestos na segunda metade do século XX podem ser localizados
articuladamente três outros processos: um de natureza científico-técnica – alto desenvolvimento das forças
produtivas – e, outros dois de natureza estritamente econômica – surgimento dos monopólios e a modificação do
papel dos bancos. O surgimento dos monopólios industriais é acompanhado também pela monopolização do
capital bancário. Posteriormente, a fusão dos referidos capitais constitui o que conhecemos por capital financeiro
que assume absoluta centralidade no estágio imperialista do capitalismo, gestado nas últimas décadas do século
XIX e que se prolonga – contendo transformações significativas – até os tempos atuais, entrada do século XXI
(NETTO ; BRAZ, 2009).
30
29
“O surgimento das políticas sociais foi gradual e diferenciado entre os países, dependendo dos movimentos de
organização e pressão da classe trabalhadora, do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das
correlações e composições de força no âmbito do Estado. Os autores são unânimes em situar o final do século
XIX como o período em que o Estado capitalista passa a assumir e a realizar ações sociais de forma mais ampla,
planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade” (BEHRING e BOSCHETTI, 2009, p. 64).
30
Note-se que as sequelas/refrações da “questão social” passam a ser enfrentadas via políticas sociais, mas de
forma fragmentada, pois de maneira alguma essa intervenção atinge ou objetiva atingir concretamente o cerne
da relação capital e trabalho.
31
Vale destacar que essa redução do capital investido na compra da força de trabalho é uma redução relativa,
não absoluta, já que como sinalizamos anteriormente o capital não pode prescindir da força de trabalho, pois é o
único elemento capaz de gerar mais valor no processo de produção. Neste processo o capitalista, mantendo o
mesmo gasto com capital variável, coloca em movimento maior quantidade de trabalho, através de maior
exploração intensiva e extensiva de forças de trabalho individuais (IAMAMOTO ; IAMAMOTO ; CARVALHO,
2006).
31
Deste modo, as políticas sociais não possuem uma inserção casual neste
processo. São datadas historicamente e emergem com uma funcionalidade bem
definida: promover a produção e reprodução das relações sociais capitalistas, como
será tratado no item seguinte.
32
Neste caso, na atualidade consideramos como força de trabalho ocupada não somente os trabalhadores
inseridos da lógica formal do contrato de trabalho, mas também os grandes contingentes de trabalhadores
inseridos do mercado informal de trabalho.
32
Somente no pós 1929, podemos ver com clareza uma intervenção estatal na
economia de modo mais abrangente na vida social em escala mundial. Segundo
Salvador (2010), a ideia contemporânea de seguridade social desenvolveu-se
gradualmente a partir da sanção do Social Security Act pelo presidente norte
americano Franklin Roosevelt. No entanto, somente com o Informe Beveridge houve
uma ampliação e adoção em diversos países a favor da universalização da
seguridade social.
Essas medidas implementadas pelo presidente Roosevelt não podem ser
descoladas do contexto de profunda crise que assolou o mundo capitalista em fins
da década de 1920, reduzindo um terço do comércio mundial e aproximando o
número de desempregados na Europa a 30 milhões (GRANEMANN, 2008). Disto
resultou o New Deal (Nova Política), caracterizado por uma interferência incisiva do
Estado a fim de retomar o crescimento da economia.
John Maynard Keynes, economista britânico, diante da crise de 1929 também
estava preocupado com respostas. Suas preocupações se relacionavam a saídas
democráticas34. Sua proposta apontava uma mudança na relação do Estado com o
sistema produtivo, rompendo com os princípios liberais clássicos. Desse modo,
o Estado, com o keynesianismo, tornou-se produtor e regulador, o que não
significava o abandono do capitalismo ou a defesa da socialização dos meios de
produção. Keynes defendeu a liberdade individual e a economia de mercado, mas
dentro de uma lógica que rompia com a dogmática liberal conservadora da época
(BEHRING ; BOSCHETTI, 2009, p. 84, grifos nossos).
34
Ressalta-se aqui que as formulações de Keynes, de forma alguma, iam para além dos marcos da sociedade
capitalista.
34
35
Para Mishra os princípios estruturantes do Welfare State se relacionam com aqueles apontados no Plano
Beveridge, a saber: “1) responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio
de um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de
emprego; prestação pública de serviços sociais universais, como educação, segurança social, assistência
médica e habitação; e um conjunto de serviços sociais pessoais; 2) universalidade dos serviços sociais; e 3)
implantação de uma ‘rede de segurança’ de serviços de assistência social” (BEHRING ; BOSCHETTI, 2009, p.
94).
35
A crise [...] tem a função objetiva de se constituir como meio pelo qual a lei do valor
se expressa e se impõe. Ela é a consolidação de dificuldades crescentes de
realização da mais valia socialmente produzida, o que gera superprodução,
associada à superacumulação. A própria lógica interna do crescimento cria
empecilhos no momento subsequente: a situação keynesiana de “pleno emprego”
dos fatores de produção – diminuindo, em consequência, o exército industrial de
reserva –, dificultou o aumento da extração da mais valia, com a ampliação do poder
político dos trabalhadores e maior resistência à exploração; e a generalização da
revolução tecnológica diminuiu o diferencial de produtividade (BEHRING ;
BOSCHETTI, 2009, 117-8).
Segundo Sader (1995), cada país – a partir de suas estruturas deixadas pelos
modelos vigentes anteriormente – adotou sua versão do neoliberalismo.
Assim, este, em suas várias versões, se constituiu como uma resposta neste
quadro de crise. No Brasil, por exemplo, apenas tardiamente o ideário neoliberal
encontrou solo fértil para seu estabelecimento. Mas, antes de tratarmos da adoção
das medidas referenciadas pelo neoliberalismo e suas consequências para as
políticas sociais brasileiras – principalmente para a saúde –, iremos transitar no rumo
que estas últimas seguiram a partir da aprovação da Constituição Federal de 1988
(CF/88).
Há uma vasta bibliografia que trata a trajetória das políticas sociais no período
anterior à promulgação da CF/8838. Embora não seja algo central para nosso estudo,
vale retomar as características principais que marcaram esse percurso.
Conforme Boschetti (2008), a trajetória do crescimento dos direitos no Brasil
foi marcada por uma “nebulosidade conceitual”, não houve opção por um único
modelo de proteção social.
Desde os anos 1920, tivemos a constituição de benefícios da previdência
social restritos apenas a algumas categorias. Particularmente, a garantia de direitos
no Brasil nasceu vinculada ao exercício de um trabalho assalariado, ou seja,
pautada na lógica do seguro. Esta lógica permeou predominantemente a proteção
social brasileira até fins dos anos 1960, praticamente sem alterações. E, já em
meados dos anos 1970, iniciou-se um processo, no qual certos direitos à saúde e
alguns benefícios da previdência passam a ser garantidos, sendo mais próximos à
lógica de “direito de cidadania” (BOSCHETTI, 2008).
Sem limitarmo-nos a esta explicação, vale considerar que um dos caminhos
importantes para se entender a emergência das políticas de proteção social
brasileiras consiste na necessidade de integração da classe trabalhadora ao sistema
capitalista.
38
Ver seguintes autores: VIANNA, 1998; OLIVEIRA ; TEIXEIRA, 1985; BEHRING ; BOSCHETTI, 2009; PAIVA,
2006; MALLOY, 1976; SANTOS, 1987; BEHRING, 2008a; MATOS, 2009; dentre outros.
37
39
São eles: universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços
às populações urbanas e rurais, seletividade e distributividade na prestação de benefícios e serviços,
irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade na forma de participação do custeio, diversidade na base de
financiamento e o caráter democrático e descentralizado da administração (CF/88).
38
40
Vincular os recursos acaba por imprimir uma obrigação da destinação de parte da receita à área social, de
modo a permitir a universalização dos direitos.
39
42
Conforme análise de Behring (2004) foram mantidos todos os parâmetros econômicos do período anterior: o
superávit primário, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), taxas de juros parametradas pela Selic, o
inesgotável pagamento dos juros, encargos e amortizações da dívida pública, além do aumento da arrecadação
da União que não se traduziu em investimentos produtivos nem em políticas sociais.
41
43
No conjunto de autores que vem se dedicando ao debate do fundo público sob uma perspectiva crítica há
fortes indicações de que, no Brasil, uma parcela considerável do orçamento público tem se destinado ao
favorecimento do setor financeiro da economia através do pagamento da dívida pública. Ver: Alencar e
Granemann, 2009; Salvador, 2010; Behring, 2010, dentre outros.
44
Para uma melhor caracterização deste debate, ver Salvador (2010).
42
No que diz respeito à LRF, trata-se de da Lei Complementar n. 101 que foi
aprovada no ano de 2000, a fim de limitar despesas não financeiras e pôr no
primeiro plano o pagamento de juros. É nesse sentido que se realiza o superávit
primário à custa do corte de gastos sociais que resulta no sucateamento,
focalização, seletividade e privatização das políticas sociais46. Em linhas gerais,
a LRF é um instrumento de contingenciamento do gasto fiscal, diminuindo a
capacidade de intervenção do Estado e de ampliação dos gastos sociais. ela está
inserida no conjunto das políticas neoliberais em voga no país, a partir dos anos
1990, que comprometeram o crescimento e o desenvolvimento econômico social em
prol do favorecimento do capital financeiro, com recursos assegurados pelo fundo
público. Isso enfraquece a capacidade do Estado de realizar políticas públicas
universais e abala a efetivação dos direitos sociais estabelecidos na CF de 1988,
pois o orçamento público fica comprometido com o superávit primário e, por
corolário, o pagamento do serviço da dívida (SALVADOR, 2010, p. 386).
45
Recursos estes que não são contabilizados quando se anuncia o suposto déficit da previdência social, ao não
se considerar a totalidade das fontes de financiamento da Seguridade Social no custeamento dos direitos sociais
previstos no texto constitucional. “Segundo a própria ANFIP e também outros analistas, como Fraga, uma das
principais causas do suposto déficit é a realocação das fontes oriundas das contribuições sociais (COFINS,
CSLL e CPMF) pelo Tesouro Nacional, por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU) [...]”
(BOSCHETTI ; BEHRING, 2003, p. 14).
46
No período analisado por Salvador (1999-2004) observa-se um crescimento progressivo das metas de
superávit primário em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), mas ainda assim tivemos um aprofundamento do
endividamento estatal já que os recursos economizados não serviram para cobrir toda a despesa com os juros
(SALVADOR, 2010).
47
O limite total de despesa com pessoal, conforme o art. 18 da Lei Complementar n. 101, não poderá exceder os
percentuais da receita corrente liquida do seguinte modo: I) União – 50%; II) Estados – 60% e III) Municípios –
60%.
43
48
Embora tenhamos por pretensão analisar a política de saúde, para fins desse trabalho não estaremos
elaborando uma análise sistemática acerca de sua trajetória histórica, nos ateremos fundamentalmente no
período em que consideramos de maior avanço – ainda que seja no plano legal – para esta política setorial, o
que foi possível com a promulgação da CF/88.
45
Ainda na mesma linha, para Mendes, a reforma sanitária foi responsável por
trazer três aspectos fundamentais: primeiramente, um conceito abrangente de
saúde, sendo esta uma
resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio
ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e
acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de
organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos
níveis de vida (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1987 apud MENDES, 1999, p. 42-3).
concebe-se a saúde como um processo, que, portanto, vai para além do binômio
saúde/doença. E ao inscrever na Carta Magna que “a saúde é direito de todos e
dever do Estado” confere-se às ações e aos serviços de saúde uma relevância
pública, devendo ao Estado regulamentar, fiscalizar e controlar.
Desse modo, o SUS, fruto de uma conquista política da classe trabalhadora,
se construiu pautado sobre princípios como a universalidade, acesso gratuito,
integralidade, descentralização organizativa e divisão de responsabilidades entre as
esferas de governo. Esses princípios conferem uma organização do modelo
assistencial de maneira diferenciada, na qual a saúde é pensada por região/
população, considerando as questões epidemiológicas e sua relação com as
condições socioeconômicas. Portanto, esse modelo acaba por compreender que o
processo de adoecimento dos cidadãos ocorre de maneira diferenciada.
Do ponto de vista da legislação, essa organização do SUS demanda
competências e atribuições específicas dos diferentes níveis de governo, já que a
cada um corresponde um nível de abrangência territorial. Assim, esse modelo de
assistência à saúde requer a descentralização dos serviços e, consequentemente,
confere uma responsabilidade e atuação mais ampla dos municípios.
Apesar de todas as conquistas, o SUS vem sofrendo uma série de ataques
que atingem suas bases e princípios tal como se propõe. Assim, já no início da
década de 1990 é possível verificar uma tensão entre o governo do presidente
Fernando Collor e os movimentos em prol da afirmação da saúde como um direito.
Isso permite vislumbrar o que BRAVO (2006) identifica como uma permanente
tensão entre dois projetos: projeto da reforma sanitária – construído na década de
1980 e expresso na CF/88 – e o projeto de saúde articulado ao mercado ou
privatista. Essa tensão provocou retrocessos e impediu efetivação do texto
constitucional.
Essa tensão pode ser identificada, principalmente, na aprovação da Lei
Orgânica da Saúde (LOS), na qual vários artigos relativos ao controle social e ao
financiamento do SUS foram vetados. Como consequência deste processo foram
aprovadas duas leis (8080 e 814249, ambas de 1990) para regulamentar a saúde
(CRESS, 2006).
49
A aprovação da Lei nº. 8.142 surgiu da luta travada por meio de uma articulação da Plenária Nacional de
Entidades da Saúde que pressionou o Congresso para formular e apresentar um projeto de lei que culminou,
posteriormente, na a fim de garantir o controle social e a transparência do financiamento do SUS (CRESS,
2006).
47
51
Esse cenário nos permite afirmar que a tensão entre os projetos da Reforma Sanitária e o Privatista se
manteve no governo Lula.
49
52
Contribuição regulamentada pela Lei Complementar n. 70/91, na qual se estabelece que “a contribuição tem
como fato gerador a venda de mercadorias ou serviços de qualquer natureza, a percepção de rendas ou receitas
operacionais e não operacionais e de receitas patrimoniais das pessoas jurídicas” (SALVADOR, 2010, p. 249).
53
Conforme Salvador (2010), este é o único tributo que financia a seguridade social que tem como base de
cálculo o lucro líquido das empresas, ajustado antes da provisão para o Imposto de Renda.
51
54
A CPMF deixou de ser fonte exclusiva da saúde, pois passou a financiar a Previdência e, posteriormente, o
Fundo de Combate à Pobreza (DAIN, 2007). Outra forma de fuga dos recursos que deveriam ser direcionadas à
saúde deu-se por meio do Fundo Especial de Emergência, em1994/1995, passando para Fundo de Estabilização
Fiscal (FEF) entre 1996 e 1999 e finalmente tornando-se a atual DRU, o que permitiu o uso indiscriminado de
recursos em áreas alheias à saúde.
55
Princípio de organização do SUS que já se colocava antes mesmo da aprovação da CF/88, vide a experiência
das Ações Integradas de Saúde (AIS) nos anos 1980 – Cf. Neto, 1997.
52
Esse quadro não se apresenta da mesma forma no caso dos municípios, pois
tem se observado uma atenção aos percentuais definidos pela EC n. 29, embora
possamos observar o mesmo erro de inclusão dos inativos nos gastos da saúde.
Segundo Salvador (2010), pode-se considerar que a EC n. 29 foi parcialmente bem-
sucedida, isso no que se refere à ampliação da participação dos estados e
municípios, já que estes saíram de 40,1%, em 2000, para alcançar 51,57%, em
2007, do total dos gastos públicos em saúde no país. Desse modo, nota-se uma
alteração da responsabilidade do gasto em saúde pública já que houve um
decréscimo da participação federal.
53
Assim, podemos inferir que ao longo dos anos, embora houvesse uma série
de dispositivos presentes desde a CF/88 nunca se chegou a um quadro de um
financiamento razoável das ações em saúde, ou seja, embora o sistema tenha se
tornado universal, nunca se investiu o suficiente na rede de serviços para absorção
de toda a população56. Isso muito se deve, nos termos de Mendes e Marques
(2005), aos caminhos tortuosos do financiamento da seguridade social e,
particularmente, da saúde, pois ao passo que se busca implantar o SUS, com base
no princípio de universalidade, agrava-se a “crise fiscal e financeira do Estado,
limitando o aporte de recursos para a saúde e seguridade” (MENDES ; MARQUES,
2005, p. 174).
De modo geral, as políticas sociais ficam a mercê da tensão permanente por
recursos financeiros e, nesta disputa, é sempre a área social quem sai perdendo.
Quando se tivéssemos um financiamento da seguridade social baseado na
concepção expressa na CF/88, ou seja, sem haver um forte desvio dos recursos
para o pagamento dos juros da dívida, teríamos um orçamento da seguridade social
superavitário, conforme demonstram diferentes autores (SALVADOR, 2010;
MENDES e MARQUES, 2005; BEHRING, 2008a; dentre outros).
Além disso, não podemos desconsiderar as despesas assumidas pelo OSS,
mas que deveriam constar no orçamento fiscal. Este é o caso do custeio do regime
de previdência dos servidores públicos federais, do apoio administrativo, do
programa de valorização do servidor público, da assistência médica, dentre outros
(SALVADOR, 2010).
Para Vianna, o subsídio à assistência médica específica aos servidores [as
despesas não ficam restritas ao MS, abrangem outras unidades orçamentárias, mas
são custeadas com recursos do orçamento da seguridade social] é contrassenso em
relação ao SUS de acesso universal criado pela Constituição, pois se trata de
custear um acesso diferenciado a determinado segmento da sociedade, ou seja, é
iníquo (SALVADOR, 2010, p. 304).
Por outro lado, ainda temos os casos de dedução das despesas médicas da
declaração do imposto de renda, o que na realidade configura um gasto indireto do
Estado, ou seja, significa a transferência de recursos do fundo público para os
planos de seguros e atendimento privado de saúde (SALVADOR, 2010).
56
Baseado nos dados trazidos por Piola e Vianna (2008 apud SALVADOR, 2010), podemos verificar uma
incoerência no caso brasileiro, pois possivelmente é o único país com um sistema universal de saúde que possui
um gasto privado maior que o público. Os EUA, ainda que se tenha uma cobertura ancorada no mercado de
trabalho (paga pelo empregador), uma restrita (assumida pelo Estado e direcionada aos idosos e deficientes) e
tendo o restante da população pagando pelo seu atendimento, acaba superando o gasto público sobre o total em
relação ao Brasil (SALVADOR, 2010).
54
58
Neste setor como a eficiência em suas ações assume maior relevância, o modelo gerencial é proposto como o
mais adequado, assim como para os setores de Atividades Exclusivas e de Produção de Bens e Serviços para o
Mercado. Já para o Núcleo Estratégico que se objetiva uma maior efetividade propõe-se um mix entre os
modelos burocrático e gerencial.
59
Estas áreas de atuação são entendidas como áreas de responsabilidade não exclusiva do Estado.
56
60
A adoção desse modelo de gestão traz sérios impactos para as políticas sociais, no sentido de comprometer a
continuidade das mesmas já que estas ficarão a mercê de cada governo (BEHRING, 2008b). Outro elemento a
ser considerado é a ausência da explicitação de mecanismos reais de participação tanto dos usuários quanto
dos trabalhadores nos espaços deliberativos dessas entidades.
61
Aqui destacamos que todos esses elementos se fazem presentes na lei municipal que regulamenta as OS na
cidade do Rio de Janeiro que será tratada no item 2.4.
62
Segundo Bravo e Menezes (2010), embasadas nos argumentos de Franco (1998), “há duas razões para se
duvidar de que haverá controle social nos estabelecimentos geridos pelas OS. A primeira diz respeito ao fato de
que, na Medida Provisória (MP) aprovada, que cria as OS, não há nenhuma menção ao controle externo destas.
Por serem estabelecimento regulados através de um contrato de gestão com o poder público, o seu
funcionamento será fiscalizado pelo governo que fará o controle da entidade. [O que chega ao absurdo de] pela
MP, o Ministério Público só agirá contra os dirigentes das OS a chamado do governo, limitando assim a ação
controladora da sociedade” (BRAVO ; MENEZES, 2010, p. 232).
63
Por um lado recebem recursos públicos provenientes da coleta de impostos e contribuições para a seguridade
social, partes relevantes da formação do fundo público, mas de outro, estão imunes a carga tributária.
64
A adoção desse modelo de gestão traz sérios impactos para as políticas sociais, no sentido de comprometer a
continuidade das mesmas já que estas ficarão a mercê de cada governo (BEHRING, 2008a).
57
• Por fim, mas não menos importante, parte das atividades previstas de
atuação são de responsabilidade maior do Estado, não devendo este
transferir esse papel.
Vale ressaltar que a aprovação da Lei nº 9.637/98 não foi isenta de reações.
Foi proposta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1923/9865
questionando a ausência de processo licitatório, a transferência de atividades
desenvolvidas por autarquias e fundações públicas para entidades direito privado.
Além disso, a referida ação sinaliza que esta transferência fere a CF/88 no que se
refere à fiscalização orçamentária, ao limite de despesas com pessoal, à realização
de concurso público para admissão de pessoal e à aquisição de bens mediante
licitação (ADUSP, 2010).
Bravo e Matos (2001) analisam o Caderno nº 13/98 do Ministério da
Administração e da Reforma do Estado (MARE), no qual consta a intencionalidade
em dirigir a “reforma” no âmbito da saúde para a assistência ambulatorial e
hospitalar66. Os autores ressaltam que no conjunto de normatizações formuladas na
segunda metade dos anos 1990 – Norma Operacional Básica (NOB/96),
regulamentação dos planos e seguros de saúde e dos preços de medicamentos,
incluindo os genéricos – temos elementos relevantes para entender a “reforma”
proposta para essa área.
Mas, no geral, essas normatizações contribuem para conformar uma
dualidade no SUS: SUS para pobres e outro para consumidores. Nesse mesmo
período da década de 1990, houve um fortalecimento do Ministério da Saúde, mas
que apenas acabou por favorecer o setor privado.
[...] Ministério da Saúde não tem contribuído para melhorar as condições de saúde
da população brasileira, para delimitar a base social do financiamento dos planos e
seguros de saúde, nem para disciplinar as relações com o setor privado (tanto
contratado como autônomo). As regulamentações trazem explicitamente uma
contradição, que é a regulamentação da ação do capital estrangeiro na saúde, mas
ao mesmo tempo naturaliza a concepção de cidadão consumidor, rompendo com o
conceito do Movimento da Reforma Sanitária, em que a saúde é um direito de todos
e sua prestação um dever do Estado. Assim, as propostas de normatizações estão
coerentes com a contra-reforma em curso no Brasil (BRAVO ; MATOS, p. 211).
65
A ADIN 1923/98 foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT)
que se opunham ao modelo proposto pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso se torna um
episódio no mínimo curioso, pois o que vem se processando nos dias atuais no que se refere aos instrumentos
de privatização das políticas sociais tem partido justamente de governos vinculados ao PT. De certa forma, estes
igualmente têm viabilizado e aprofundado a contrarreforma do Estado.
66
Conforme o documento são áreas fundamentais e ainda as mais caras do SUS (MATOS; BRAVO ; MATOS,
2001).
58
Embora esta ação esteja sendo julgada no Supremo Tribunal Federal (STF)67,
tendo os votos dos ministros Ayres Britto68 e Luiz Fux69 pela sua procedência parcial,
já são inúmeros os estados que adotaram este modelo de gestão em determinadas
áreas, vide os exemplos dos municípios de São Paulo – na cultura e na saúde – e o
Rio de Janeiro – com um processo acelerado marcadamente na área da saúde com
as Clínicas Saúde da Família e as Unidades de Pronto Atendimento, alguns
programas no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde e, mais recentemente,
alguns hospitais.
Vale considerar que concomitantemente a esse processo acelerado a nível
municipal tivemos a aprovação no âmbito da esfera estadual do Rio de Janeiro dos
projetos de lei das FEDP70 – em 2007 – e das OS – em 2011 –, a despeito do
posicionamento contrário dos movimentos em defesa da saúde pública, gratuita e de
qualidade. Ressaltamos aqui que o processo de aprovação desta última legislação,
67
A Frente Nacional contra a Privatização do SUS realizou audiências com os ministros do STF responsáveis
pelo julgamento da ADIN 1923/98. A primeira audiência foi com o ministro Ayres Britto, relator da ADIN; a
segunda com o ministro Ricardo Lewandowski; e, por fim, com o Dr. Jairo Schefer, magistrado instrutor do
gabinete do ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/noticias_res.php?id=579>. Acesso
7 ago 2012.
68
Este ministro declarou inconstitucionalidade nos seguintes dispositivos previsto na lei federal de
regulamentação das OS: “a) o fraseado ‘quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como
organização social’, contido no inciso II do art. 2º; b) a expressão ‘com recursos provenientes do contrato de
gestão, ressalvada a hipótese de adicional relativo ao exercício de função temporária de direção e assessoria’,
contida no § 2º do art. 14; c) os arts 18, 19, 20, 21 e 22, com a modulação proposta no parágrafo anterior.
Interpreto ainda, ‘conforme à Constituição’ os arts. 5º, 6º e 7º da Lei 9.637/98 e o inciso XXIV do art. 24
da Lei 8.666/93, para deles afastar qualquer interpretação excludente da realização de um peculiar proceder
competitivo público e objetivo para: a) a qualificação de entidade privada como ‘organização social’; b) a
celebração do impropriamente chamado ‘contrato de gestão’.” Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em:
23 ago 2012.
69
Em síntese, Luiz Fux indicou a necessidade de conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº
9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8666/93, incluído pela Lei nº 9.648/98, para que: (i) o procedimento de
qualificação seja conduzido de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do
art. 37 da CF, e de acordo com parâmetros fixados em abstrato segundo o que prega o art. 20 da Lei nº
9.637/98; (ii) a celebração do contrato de gestão seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com
observância dos princípios do caput do art. 37 da CF; (iii) as hipóteses de dispensa de licitação para
contratações (Lei nº 8.666/93, art. 24, XXIV) e outorga de permissão de uso de bem público (Lei nº 9.637/98, art.
12, §3º) sejam conduzidas de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do
art. 37 da CF; (iv) os contratos a serem celebrados pela Organização Social com terceiros, com recursos
públicos, sejam conduzidos de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos princípios do caput do
art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; (v) a seleção de pessoal
pelas Organizações Sociais seja conduzida de forma pública, objetiva e impessoal, com observância dos
princípios do caput do art. 37 da CF, e nos termos do regulamento próprio a ser editado por cada entidade; e
(vi) para afastar qualquer interpretação que restrinja o controle, pelo Ministério Público e pelo TCU, da aplicação
de verbas públicas. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Voto__ADI1923LF.pdf>. Acesso em: 23 ago 2012.
70
O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a aprovar o projeto das FEDP, mas até presente data não conseguiu
viabilizá-lo. Nossa hipótese é a de que para além das lutas empreendidas pelos movimentos sociais, fóruns
populares, sindicatos, conselhos de políticas, etc. contra a privatização das políticas sociais, trata-se de um
projeto ainda não aprovado no âmbito nacional e que, portanto, carece de verbas para sua viabilidade.
59
71
Processos similares de criminalização dos movimentos sociais contrários à legislação das OS ocorreram nas
cidades de João Pessoa (Paraíba) e Niterói (Rio de Janeiro).
72
Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/historia/guerra_de_troia.htm>. Acesso em: 11 jun 2011.
60
princesa Helena de Tróia (esposa do rei lendário Menelau) por Páris (filho do rei
Príamo de Tróia).
Durante o conflito inúmeros soldados foram mortos e o desfecho da guerra
se deu após execução do grande truque que consistia em presentear os troianos
com um grande cavalo de madeira e declarar a desistência da guerra. Os troianos
aceitaram e permitiram a entrada do enorme presente para dentro de seus muros
protetores. Em momento oportuno, após uma longa comemoração que deixou os
troianos exaustos, as portas do cavalo de madeira que continha centenas de
soldados gregos se abriram. A cidade de Troia foi tomada pelos gregos e atacada
até sua destruição.
Assim, identificamos no conjunto das iniciativas estratégicas propostas
atualmente para a saúde no âmbito do município do Rio de Janeiro – dentre as quais
figura o programa Saúde Presente73–, tal como na epopéia de Homero, um cavalo
de tróia repleto de surpresas. A expansão das UPA e Clínicas da Família, além dos
diversos programas implementados sob gerenciamento de OS que aparentemente
assegurariam o atendimento mais eficaz e resolutivo às necessidades da população,
vêm carregados de processos de privatização, focalização e mercantilização dos
serviços de saúde, ou seja, constitui-se como um verdadeiro “presente de grego”.
Para entender os processos de privatização, focalização e mercantilização
da saúde no município do Rio de Janeiro atualmente, consideramos imediatamente
necessário nos reportarmos a alguns aspectos que consideramos centrais na
trajetória da política de saúde no âmbito municipal.
Para tanto, iniciamos nosso caminho destacando o fato do Rio de Janeiro ter
sido capital colonial, imperial e republicana, o que lhe conferiu uma série de
características sócio-culturais e administrativas peculiares. Este percurso teve início
no ano de 1763 e se estendeu até 1960, quando houve a transferência da capital do
Rio de Janeiro para Brasília – processo que não foi isento de embates em relação
ao retorno do Distrito Federal para os limites territoriais do estado do Rio de Janeiro.
No entanto, a transformação do antigo Distrito Federal em estado da Guanabara foi
o que vigorou até o ano de 1975, quando as forças favoráveis à fusão baseadas em
73
Segundo o PMS, o Saúde Presente abarca as Policlínicas, UPA, Agentes da Vigilância em Saúde, Agentes da
Defesa Civil, Saúde Bucal, Clínicas da Família, Farmácia Presente, Hospital de Referência, Centro de Atenção
Psicossocial (CAPSI) e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) (SMSDC, 2009).
61
74
Segundo Parada, “fusão criaria ambiente favorável para conter as forças de oposição ao regime, hegemônicas
no estado da Guanabara (Município do Rio de Janeiro), abrindo caminho para as forças políticas ligadas à
situação e, naquele período, dominantes no velho estado do Rio de Janeiro” (2001, p. 21).
75
Segundo Parada, no decorrer da construção do SUS “o município do Rio de Janeiro atua autonomamente,
auto-referido, sem dependência do estado e estabelece relações diretamente com o governo federal. Observou-
se, ainda, que todos os momentos de transformação da saúde tiveram íntima relação com as transformações
federativas no país” (2001, p. 19).
76
A rede era constituída por “unidades próprias do ex-Distrito Federal, unidades do Ministério da Saúde, do
INAMPS [Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social], das universidades, hospitais militares
e aqueles destinados aos servidores públicos federais e estaduais” (PARADA, 2001, p. 27).
62
77
Consideramos que os elementos que nos ajudariam a explicar o por que dessa proposta surgir com mais força,
no âmbito municipal atualmente, cerca de 15 anos depois da apresentação do PDRE, ainda necessitam ser
melhor aprofundados. Embora não possa ser julgado como determinante, consideramos que um dos elementos
que concorreram nesse processo foram as sucessivas crises na saúde no âmbito do município que vinham
ocorrendo desde os anos 1990 e que nos anos 2000 atingem seu auge em 2005, quando o Conselho Municipal
de Saúde decidiu desabilitar o município da gestão plena de saúde (recuperada apenas em 2007, no mandato do
governador Sergio Cabral).
64
78
É digno de nota o fato de que, embora esteja expresso no PMS que o município do Rio de Janeiro é um
exemplo da presença do controle social exercido de forma democrática e atuante na construção de um sistema
público de saúde – por possuir um Conselho Municipal de Saúde e 10 Conselhos Distritais que tem a finalidade
de auxiliar o poder público na análise, planejamento, formulação, aplicação e deliberação de políticas e
fiscalização das ações do governo – seu posicionamento contrário à tramitação do projeto de lei que tratava da
qualificação de entidades como OS não foi respeitado e a solicitação de retirada da pauta e votação em caráter
de urgência a fim de promover a abertura de debates públicos com ampla participação dos servidores municipais
e da sociedade civil organizada foi ignorada.
79
Posteriormente, podemos verificar que a prefeitura encontrou meios para burlar a própria Lei 5 026/2009. No
ano de 2010, foram lançados editais para programas como Cegonha Carioca – voltado para atuar nas
maternidades municipais – e Saúde nas Escolas. E, mais recentemente, foram lançados editais para
Coordenação Operacional Regional de Emergência, teoricamente um novo órgão criado, para atuar nas
emergências dos hospitais municipais Miguel Couto, Souza Aguiar, Lourenço Jorge e Salgado Filho (unidades
existentes antes da lei).
65
80
Recordemos dos 10 bilhões de reais anunciados no PMS (SMSDC, 2009).
67
diversificação dos objetos de contrato. Para além das unidades novas, durante o ano
de 2010, lançaram-se editais para gerir programas como Cegonha Carioca – voltado
para atuar nas maternidades municipais – e Saúde nas Escolas, o que demonstra a
real intenção em progressivamente privatizar os equipamentos públicos de saúde.
Quadro 2 – Município do Rio de Janeiro/RJ - OS qualificadas até 2010 por áreas de atuação82
82
Quadro elaborado a partir das publicações no DOM/RJ. O levantamento dos dados ocorreu conjuntamente
com Vivian de Almeida Mattos, à época mestranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social/UERJ
que defendeu em Setembro/2012 a dissertação intitulada “Serviço Social – cotidiano profissional nas Unidades
de Pronto Atendimento geridas por Organizações Sociais no Município do Rio de Janeiro”.
69
CONSELHO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR DA ZONA OESTE – CIEZO 05.146.996/0001-61 SAÚDE
83
Nem todos os editais foram encontrados no sítio eletrônico da prefeitura ou DOM/RJ.
84
O GLOBO. Organizações sociais: liminar impede novo modelo em emergências em hospitais. Quinta-feira. 17
de fev. de 2011. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/rio/organizacoes-sociais-liminar-impede-novo-modelo-
em-emergencias-em-hospitais-2821463#ixzz25j2QSZuH>. Acesso em: 10 ago 2012.
85
Resistências que se constituem no âmbito do município do Rio de Janeiro, mas que também transbordam os
limites municipais e estaduais.
86
Como exemplo, indicamos a liminar, fruto da ação proposta pelo Sindicato dos Enfermeiros e pelo dos
Médicos que impediu a adoção das OS em emergências dos hospitais municipais Miguel Couto, Souza Aguiar,
Lourenço Jorge e Salgado Filho, em Fevereiro/2011. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/02/17/organizacoes-sociais-liminar-impede-novo-modelo-em-emergencias-
em-hospitais-923829570.asp Acesso em: 17 jun 2011.
71
87
Este espaço contou com a assessoria direta do Projeto Políticas Públicas de Saúde da Faculdade de Serviço
Social da UERJ. Para melhor conferir essa experiência, ver Bravo e Menezes (2010).
72
88
O referido documento foi construído por movimentos sociais, sindicatos, Conselhos e várias entidades de
âmbito nacional e contemplou questões como: as fraudes vinculadas as OS, os abusos na dispensa de licitação
e a inexistência de controle social.
89
“As ações desenvolvidas por esses Fóruns de Saúde tem sido: pautar junto STF a importância da votação
favorável à ADIN n. 1923/98, por intermédio de audiências com os ministros; divulgar carta nacional pedindo a
aprovação da ADIN assinada por entidades e movimentos sociais do país [...]; constituir campanha por meio de
abaixo-assinado digital, a fim de mobilizar a população e explicitar os problemas de mercantilização do serviço
público” (BRAVO, 2011, p. 185).
73
90
São exemplos: a aprovação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 que regula o acesso a informação
e a iniciativa da realização de Conferências sobre Transparência e Controle Social em todo o país neste ano,
iniciando pela etapa municipal até culminar na etapa federal. Mas, embora, esta seja uma iniciativa interessante
já que tem por objetivo principal “promover a transparência pública e estimular a participação da sociedade no
acompanhamento e controle da gestão pública, contribuindo para um controle social mais efetivo e democrático”
(Regimento Interno da Consocial – disponível em: <http://www.consocial.cgu.gov.br/regimento-interno/>), ela
também apresenta limites. Não se toca na questão da participação da população na definição de prioridades
para utilização dos recursos; há um foco maior na utilização “eficiente” dos recursos; e, em sua versão municipal
do Rio de Janeiro, foram basicamente pessoas do governo que organizaram e deram norte à conferência,
havendo pouco espaço para debates e discussões.
91
O Rio Transparente é um aplicativo de consulta on-line da CGM/RJ que permite o acompanhamento da
execução orçamentária dos órgãos e programas do governo municipal.
74
92
Em alguns momentos, houve necessidade de refazer as buscas utilizando diferentes palavras-chave, já que
não havia padronização nem periodicidade nas publicações com informações relevantes sobre as OS. Este
processo trabalhoso foi realizado conjuntamente com Vivian de Almeida Mattos.
93
Recordemos que os programas da prefeitura geralmente levam o nome PRESENTE, vide o Saúde Presente,
Prefeitura Presente, dentre outros.
75
94
O PPA é elaborado no primeiro ano de governo e vigora do segundo ano do mandato vigente até o primeiro
ano do mandato da gestão seguinte.
76
TOTAL
R$12.096.734.165,00 100% R$ 13.600.178.533,00 100%
Elaboração própria – Fonte: LOA 2009 e LOA 2010
Quadro 5 – Resumo das despesas por função, segundo origem dos recursos
2009
Função Recursos do Recursos de
tesouro - R$ % outras fontes - R$ % Total %
Previdência Social 928.204.000 8,85% 1.278.223.000 79,26% 2.206.427.000 18,24%
Assistência Social 172.769.415 1,65% 185.489.885 11,50% 358.259.300 2,96%
Saúde 2.060.591.352 19,65% 2.060.591.352 17,03%
Outras funções 7.322.435.859 69,85% 149.020.654 9,24% 7.471.456.513 61,77%
Total 10.484.000.626 100,0% 1.612.733.539 100,00% 12.096.734.165 100,00%
2010
Função Recursos do Recursos de
tesouro - R$ % outras fontes - R$ % Total %
Previdência Social 945.808.746 8,00% 1.425.922.000 80,52% 2.371.730.746 17,44%
Assistência Social 225.830.223 1,90% 172.799.750 9,75% 398.629.973 2,93%
Saúde 2.449.725.133 20,70% 2.449.725.133 18,01%
Outras funções 8.207.856.833 69,40% 172.235.848 9,73% 8.380.092.681 61,62%
Total 11.829.220.935 100,0% 1.770.957.598 100,00% 13.600.178.533 100,00%
Elaboração própria – Fonte: LOA 2009 e 2010.
Quadro 6 – Resumo das despesas por órgãos, segundo origem dos recursos
2009
Órgão Recursos do Recursos de
tesouro - R$ % outras fontes - R$ % Total %
Secretaria Municipal de Administração 929.856.105 8,87% 1.463.712.885 90,76% 2.393.568.990 19,79%
Secretaria Municipal de Assistência Social 161.114.638 1,54% 0,00% 161.114.638 1,33%
Secretaria Municipal de Saúde 2.060.642.559 19,66% 2.060.642.559 17,03%
Outros 7.332.387.324 69,93% 149.020.654 9,24% 7.481.407.978 61,85%
Total 10.484.000.626 100,0% 1.612.733.539 100,00% 12.096.734.165 100,00%
2010
Órgão Recursos do Recursos de
tesouro - R$ % outras fontes - R$ % Total %
Secretaria Municipal de Administração 987.699.302 8,35% 1.598.721.750 90,27% 2.586.421.052 21,38%
Secretaria Municipal de Assistência Social 208.313.369 1,76% 0,00% 208.313.369 1,72%
Secretaria Municipal de Saúde 2.457.980.814 20,78% 2.457.980.814 20,32%
Outros 8.175.227.450 69,11% 172.235.848 9,73% 8.347.463.298 56,58%
Total 11.829.220.935 100,0% 1.770.957.598 100,00% 13.600.178.533 100,00%
Elaboração própria – Fonte: LOA 2009 e 2010.
95
“As receitas do FMS são constituídas por: recursos do orçamento da União, do Estado e do Município,
observado o disposto na Emenda Constitucional nº 29 de 13 de setembro de 2000, na Lei Federal 8.080 de 19
de setembro de 1990, na Portaria nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006 – Pacto pela Saúde e demais
legislações pertinentes; auxílios, subvenções, contribuições, transferências e participações em convênios e
ajustes; resultados financeiros de suas aplicações; recursos de pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas,
nacionais e estrangeiras, sob a forma de doação; todo e qualquer recursos proveniente de multas ou
penalidades que tenham origem na fiscalização e ações da Secretaria Municipal de Saúde; receitas provenientes
do ressarcimento de despesas de usuários com cobertura securitária de entidade privada e outras receitas”
(CGM/RJ 2009 e 2010).
96
Ao não passar todos os recursos destinados à saúde pelo devido fundo, abre-se a possibilidade de desvios de
recursos – viabilização de programas e ações – para áreas alheias à política de saúde.
97
Unidade da Administração Direta a que o orçamento do Estado consigna dotações específicas para a
realização de seus programas de trabalho e sobre os quais exerce o poder de disposição.
80
1876 HOSPITAL MUNICIPAL FRANCISCO DA SILVA TELES 12.044.662,93 0,71% 16.661.814,65 0,81%
1880 HOSPITAL MUNICIPAL RAPHAEL DE PAULA SOUZA 7.211.005,85 0,42% 10.515.459,02 0,51%
1881 INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE JULIANO MOREIRA 7.558.328,73 0,44% 17.393.796,06 0,84%
1873 INSTITUTO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA A SAÚDE NISE DA SILVEIRA 3.466.471,90 0,20% 12.390.604,43 0,60%
OS, supomos que o referido aumento seja em função dos inúmeros contratos
firmados com as OS para gerência das Clínicas Saúde da Família e UPA dispersas
nas diferentes AP.
Os institutos percebem uma parcela ínfima dos recursos, pois nos dois anos
ficam abaixo dos 2%, mesmo tendo o total de recursos ampliado, em termos
absolutos, de um ano para outro. Do mesmo modo, há um acréscimo, em termos
absolutos, nos recursos da Vigilância Sanitária. No entanto, em termos percentuais,
esta unidade orçamentária permaneceu praticamente inalterada, o que mostra o
peso ínfimo das atividades preventivas. E, por fim, a Subsecretaria de Defesa Civil
figura como unidade orçamentária apenas no ano de 2010, com cerca de 0,3% dos
recursos.
Nesse sentido, se considerarmos que o FMS é composto por todos os
recursos dispostos no orçamento da SMSDC, teremos os valores de R$
1.703.216.806,25 e R$ 2.058.847.585,07 para os anos de 2009 e 2010,
respectivamente.
No entanto, se nos basearmos nos valores expostos nos Relatórios de
Prestação de Contas de 2009 e 2010 (Quadro 9), elaborados pela CGM, não há
correspondência com os valores indicados no Rio Transparente, o que no mínimo é
contraditório já que, conforme consta em seu sítio eletrônico, é a própria CGM que
alimenta este sistema de consulta.
Assim, embora, os relatórios nos permitam afirmar que boa parte dos
recursos da Função Saúde passam pelo FMS, é de se estranhar a diferença
existente entre os valores dispostos no Rio Transparente e aqueles expostos nos
referidos relatórios.
Abaixo podemos observar, segundo os relatórios da CGM, que a Função
Saúde deteve 19% dos recursos no ano de 2009. Já, em 2010, esse percentual caiu
para 18%, embora tenha havido um acréscimo em termos absolutos.
Quadro 8 – Evolução da despesa por função de governo
Função 2009 2010
Saúde 2.023.531.000 19% 2.512.589.000 18%
Assistência Social 323.582.000 3% 339.050.000 2%
Previdência Social 2.018.813.000 19% 2.133.864.000 15%
Outras Funções 6.404.220.000 59% 9.293.397.000 65%
TOTAL 10.770.146.000 100% 14.278.900.000 100%
Fonte: Relatórios de Prestação de Contas 2009 e 2010 – CGM/RJ.
81
Autorizadas Autorizadas
Despesas Corrigidas Realizadas Saldos Despesas Corrigidas Realizadas Saldos
Despesas Correntes 2.113.501.871,72 2.008.218.127,41 105.283.744,31 Despesas Correntes 2.464.381.188,59 2.363.978.783,06 100.402.405,53
Pessoal e Encargos Sociais 1.139.600.251,30 1.070.236.438,70 69.363.812,60 Pessoal e Encargos Sociais 1.114.324.299,01 1.060.305.095,47 54.019.203,54
Juros e Encargos da Dívida 0 0 0 Juros e Encargos da Dívida 0 0 0
Outras Despesas Correntes 973.901.620,42 937.981.688,71 35.919.931,71 Outras Despesas Correntes 1.350.056.889,58 1.303.673.687,59 46.383.201,99
Despesas de Capital 37.225.844,77 15.512.551,87 21.713.292,90 Despesas de Capital 194.035.027,35 148.610.266,24 45.424.761,11
Investimentos 37.225.844,77 15.512.551,87 21.713.292,90 Investimentos 194.035.027,35 148.610.266,24 45.424.761,11
Inversões Financeiras 0 0 0 Inversões Financeiras 0 0 0
Amortizações da Dívida 0 0 0 Amortizações da Dívida 0 0 0
Desse modo, podemos constatar que os dados referentes aos recursos que
compõem o FMS, dispostos no Rio Transparente – que consideramos o canal de
consulta mais acessível à população –, estão geralmente abaixo dos dados obtidos
institucionalmente.
Por isso, cabem as seguintes perguntas: Por que o FMS não figura como uma
das unidades orçamentárias da SMSDC? Se todos os recursos da SMSDC são o
próprio FMS, por que os valores são divergentes daqueles expressos nos relatórios
da CGM? Assim, estas questões acabam por favorecer a permanência de nossa
suspeita inicial de que parte dos recursos destinados à saúde possa, de fato,
transitar por fora do FMS. Uma confirmação cabal exigiria mais tempo de
investigação, o que não foi possível no contexto de uma dissertação de mestrado,
mas consideramos que os dados elencados são chaves importantes.
O cenário que se desenha a partir da análise dos contratos de gestão
firmados entre prefeitura, na figura da SMSDC, e as OS nestes dois primeiros anos
de aprovação da lei que as regulamenta reflete as mesmas divergências nos dados
consultados em diferentes fontes, o que nos leva a crer que este tem sido um ato
absolutamente proposital.
3.1[EXCETO
04/2009 05/2009 CLÍNICAS SAÚDE DA FAMÍLIA VIVA COMUNIDADE
MANGUINHOS]
3.1 – TEIAS
07/2009 02/2009 CLÍNICAS SAÚDE DA FAMÍLIA FIOTEC
MANGUINHOS
editais, sendo nove no total. Ele é seguido da SPDM e o CIAP98 com quatro, a Viva
Comunidade com três, o CAMPO99 com dois e a FIOTEC, a GLOBAL, o CEP 28, a
A. MARCA e o FIBRA, com um cada.
Quadro 12 – Organizações Sociais vencedoras dos editais lançados em 2010
CONTRATO
EDITAL AP UNIDADES E SERVIÇOS VENCEDOR DO EDITAL
DE GESTÃO
PROGRAMA DE ATENDIMENTO
02/2010 16/2010 TODAS IABAS
DOMICILIAR A IDOSOS (PADI)
3.1 – COMPLEXO
07/2010 05/2010 UPA COMPLEXO DO ALEMÃO IABAS
DO ALEMÃO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE
ASSISTÊNCIA À SAÚDE EM
POSTOS PRÉ-HOSPITALAR FIXO
(PHF) NOS EVENTOS DA CIDADE
DO RIO DE JANEIRO, A SABER:
16/2010 35/2010 IABAS
ENSAIOS TÉCNICOS DAS ESCOLAS
DE SAMBA DO CARNAVAL,
REVEILLON, ATIVIDADES PRÉ-
CARNAVAL NO “TERREIRÃO DO
SAMBA” E CARNAVAL 2011
Elaboração própria – Fonte: DOM/RJ e sítio eletrônico da SMSDC/RJ.
*Contratos rescindidos em função de irregularidades.
98
Três contratos foram rescindidos posteriormente e um deles não chegou a ser firmado, em função do processo
de intervenção judicial a que o CIAP estava submetido no período (Cf. item 3.4).
99
Ao que nos parece os contratos não chegaram a ser celebrados entre esta entidade e a SMSDC/RJ (Cf. item
3.4).
85
100
Os Termos Aditivos referem-se a alterações na essência do contrato e necessariamente devem ser
publicados no DOM/RJ. De modo geral, os objetos dos T. A. analisados em nossa pesquisa tiveram a finalidade
de incluir novos serviços, contratar temporariamente equipes de saúde e promover a prorrogação dos contratos,
acrescendo os respectivos valores aos contratos. No decorrer de nossa exposição trataremos dos T. A.
localizados por meio da busca no DOM/RJ e disponibilizados no sítio eletrônico da SMSDC/RJ até agosto/2012.
101
Apostilamento corresponde a um ato administrativo previsto no art. 65, § 8º da Lei 8 666/93 . Em síntese,
trata-se de um registro de variação contratual decorrente de reajuste de preços previsto no próprio contrato,
atualizações, compensações ou penalizações financeiras em função das condições de pagamento nele
previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido.
Diferente, do T. A., não há necessidade de haver publicação do DOM/RJ já que não corresponde a uma
alteração do contrato.
86
102
Conforme está expresso no referido contrato a partir do 13º até o mês 24º, os recursos orçamentários
mensais serão calculados a partir da média dos recursos do 11º e 12º, desde que todos os itens listados no
ANEXO III - recursos orçamentários estejam totalmente implementados. Caso contrário será feito ajuste
proporcional à quantidade de serviços prestados.
103
Deste total, três contratos firmados com a OS CIAP foram rescindidos (Cf. item 3.4).
87
104
As OS podem ter seu contrato renovado por duas vezes, uma por igual período (2 anos) e outra pela metade
(1 ano), ou seja, podem ficar até 5 anos gerindo determinada unidade se obtiverem 80% das metas definidas
para o período anterior.
88
107
Em decorrência desse controle sobre as horas efetivamente trabalhadas dos funcionários contratados para
execução do contrato, o T. A. prevê ainda que a entidade, no caso a FIOTEC, a apresentação no prazo de 45
dias de um projeto básico com três orçamentos a fim adequar ao cronograma financeiro previsto. Além disso,
indica a necessidade de apresentar a cada três meses, juntamente com o relatório trimestral de cumprimento de
metas, um relatório de frequência com base no controle biométrico implementado.
108
Esclarece-se no T. A. que é considerada atividade meio aquela que não está relacionada com a finalidade da
entidade, ou seja, trata-se de uma atividade acessória quanto ao objeto do contrato.
90
Conforme expresso neste último T. A., pela alteração motivada por ele, o CG
03/2009 passaria a vigorar com o valor total de R$ 45.585.740,00. No entanto,
identificamos uma divergência neste valor já que se considerarmos os valores
expressos no contrato109 para os dois primeiros anos, R$ 23.985.600,00 e R$
23.385.600,00, respectivamente, e suprimirmos a quantia de R$1.387.260,00
109
Quando tratamos dos valores totais dos contratos não consideramos os T. A. que têm por objeto atender uma
necessidade pontual e/ou temporária.
92
110
Se realizarmos uma soma simples entre os valores previstos para os dois primeiros anos do contrato, R$
45.983.940,00, e o valor previsto na prorrogação, R$ 59.058.720,00, chegaremos ao total de R$ 105.042.660,00.
93
Por fim, tivemos o quinto T. A. com a finalidade de prorrogar por mais um ano
a vigência das atividades e serviços de saúde no âmbito do Pronto Atendimento da
Clínica da Família 24 horas, ou seja, da UPA Rocinha. Ademais, também consta
96
111
As UPA podem ser classificadas em três diferentes portes, segundo os seguintes critérios: população a ser
coberta, capacidade física instalada, número de leitos disponíveis, recursos humanos e capacidade diária de
realizar atendimentos médicos. A diferença dos portes também se expressa no incentivo financeiro de
investimento para implantação da unidade (edificação/ mobiliário/ materiais e equipamentos) e no repasse
financeiro (manutenção) (BRASIL, 2009).
97
Para encerrar este percurso por entre os contratos com T. A. celebrados nos
anos de 2009 e 2010, temos o CG 22/2010, assinado em dezembro/2010, que tem
por objeto a operacionalização, apoio e execução de atividades e serviços de saúde
no âmbito das Urgências e Emergências em UPA, Unidades de Atendimento não
hospitalar da AP 3.3. Para o primeiro ano de atividades foi previsto o repasse total
de R$ 15.771.730,00.
O referido contrato possui um único T. A. que teve por objetivo incluir a UPA
Costa Barros (tipo III) no mesmo, por 20 meses, período restante de sua vigência.
Neste T. A. estão previstos os repasses financeiros correspondentes, sendo R$
12.256.330,00 para o primeiro ano e R$ 14.881.860,00 para o segundo. Com esta
99
alteração, conforme está expresso no T. A., o contrato passou vigorar com o valor
total de R$ 57.967.550,00.
113
A despeito do grande volume de recursos destinados para as OS, a referida pesquisa (MATTOS, 2012)
demonstra que faltam médicos e recursos nas unidades geridas por elas.
100
Secretaria Especial
Nenhum
Nenhum de Envelhecimento
A. MARCA registro no 2.040.172,73 2.040.172,73
registro no RT Saudável e
RT
Qualidade de Vida
Nenhum
Nenhum Nenhum Nenhum registro no Nenhum
CEP28 registro no
registro no RT registro no RT RT registro no RT
RT
Nenhum
Nenhum Nenhum Nenhum registro no Nenhum
FIBRA registro no
registro no RT registro no RT RT registro no RT
RT
TOTAL 72.615.309,02 390.769.617,94 463.384.926,96
Elaboração própria – Fonte: Rio Transparente (RT).
114
Neste caso, a partir do nome ou CNPJ das entidades, realizamos a consulta por Favorecido nos dois anos.
101
Vale observar que existem contratos firmados com estas entidades que são
anteriores à aprovação da lei que regulamenta as OS (ver Quadro 25) e, além disso,
contrariamente à referida lei, há casos em que algumas entidades recebem recursos
para contratação de recursos humanos para hospitais municipais. Basta observamos
os recursos destinados à FIOTEC no ano de 2009 – a quantia de R$ 16.803.396,12
–, quando a referida entidade só teve seu primeiro contrato assinado em meados de
dezembro/2009.
Além da FIOTEC, temos o CAMPO, pois embora tenha vencido dois editais
em 2009, não localizamos nenhum contrato assinado com a SMSDC, mesmo assim
temos o registro da destinação de R$ 7.486.100,99, em 2009, e R$ 8.305.789,78,
em 2010, provavelmente referente a contratos anteriores115.
Os recursos visualizados no Quadro 24, também incluem os contratos
decorrentes dos inúmeros editais lançados pela prefeitura nos anos de 2009 e 2010.
Nesse sentido, é o curioso o fato de uma das primeiras OS a ser desqualificada,
CIAP, não ter nenhum registro116 de recebimento de recursos no Rio Transparente,
já que no ano de 2009 a mesma firmou três contratos com SMSDC para a gerência
115
Conforme expresso no DOM/RJ, em 25/05/2009, a referida entidade, na condição de ONG, estava habilitada
a promover a cobertura populacional, no que tange às ações de prevenção, promoção e assistência à saúde, no
sentido de dar continuidade ao impacto positivo na qualidade de vida das comunidades de Fazenda Modelo e
Moriçaba, Jardim América e Rio das Pedras.
116
Nos casos em que nenhum registro foi encontrado, geralmente, havia a seguinte mensagem: “Em
atualização... Aguarde!”. Porém, até o presente momento a referida atualização não foi concluída.
102
de Clínicas Saúde da Família nas AP 2.2, 3.3 3 4.0 e sua desqualificação ocorreu
apenas em agosto/2011.
Nesse sentido, se considerarmos que os contratos foram assinados em
dezembro/2009 e janeiro/2010, ou seja, decorridos quase dois anos
operacionalização das atividades e serviços de saúde previstos nos contratos não é
possível identificar o montante de recursos que lhe foram destinados117.
Esses elementos só corroboram com a profunda falta de transparência que
existe na condução da política de saúde carioca que inclui a falta de clareza dos
recursos que passam pelo FMS, mas que também se revela desde a concorrência
dos editais lançados pela prefeitura e alcança o âmbito dos numerosos e elevados
repasses financeiros – via contratos de gestão, T. A. e apostilamentos – realizados
para as OS.
Assim, em termos percentuais, podemos considerar que os valores
destinados às OS, R$ 72.615.309,02 e R$ 390.769.617,94 – nos anos 2009 e 2010
– em relação ao volume total de recursos da SMSDC (ver Quadro 7) representam
4%118 e 19%119 dos recursos orçamentários, respectivamente. Desse modo, embora
não possamos afirmar que parte considerável dos recursos da saúde foi destinada
aos contratos de gestão firmados com as OS para gerência das unidades,
principalmente, as UPA e Clínicas da Família e programas municipais de saúde –
conforme expressamos na nossa hipótese inicial – podemos sim constatar que há
uma forte tendência que caminha nesse sentido. E, pior, em detrimento das
unidades, serviços e ações geridas e operacionalizadas diretamente pelo poder
público.
117
Vale lembrar que os valores orçados para os 12 primeiros meses dos três contratos somam cerca de
R$ 37.846.178,95.
118
Consideramos que este baixo percentual pode estar relacionado ao fato de que grande parte dos contratos
dos editais lançados em 2009 foi assinada no período de novembro/2009 a janeiro/2010, ou seja, parte
considerável dos recursos foi incluída somente no orçamento de 2010.
119
Há um levantamento sobre as OS do vereador Paulo Pinheiro, provavelmente realizado por vias institucionais
– diferente dos dados encontrados por meio de nossa pesquisa – que demonstrou que as OS representam
5,13% dentro do custeio total da SMSDC a partir LOA do ano de 2010. O referido levantamento foi
disponibilizado por Luiz Mario Behnken, coordenador do Fórum Popular de Orçamento do Rio de Janeiro, em
visita realizada à sede.
103
3.4 Organizações sociais: cada uma por si e o fundo público por todas
Em relatório emitido pelo TCM/RJ, referente a UPA municipais que estão sob
a gerência de OS121, foram revelados gastos excessivos (O DIA, 25/10/2011). Por
determinação da lei que as regulamenta, estas entidades possuem autonomia para
decidir sobre os procedimentos que devem adotar para a contratação de obras e
serviços, bem como para compras e alienações.
No entanto, contraditoriamente, o relatório supracitado revela exatamente
que, munida desta autonomia, a entidade contratada pela prefeitura pagou um preço
por serviços, medicamentos e produtos com valores acima do que a própria
prefeitura desembolsa com unidades de saúde diretamente sob sua gerência (O
DIA, 25/10/2011).
Conforme apresentado na reportagem, a inspeção solicitada pelo vereador
Paulo Pinheiro, identificou que os recursos públicos destinados ao contrato firmado
com a OS IABAS pela prefeitura pagam 56% a mais por serviços de limpeza, 168%
por remédios (antibióticos, antitérmicos, analgésicos e anti-inflamatórios) e 51% a
mais por gases medicinais em relação às mesmas despesas nos centros de saúde.
Isso sem contarmos que aquisição dos medicamentos e contratação dos serviços
prescinde da realização de licitações.
No conjunto das empresas que se constatou a prática dos sobrepreços pelo
IABAS está a Ruffolo, empresa também investigada pela realização de fraudes em
licitações públicas em hospitais do município do Rio de Janeiro. Dentre outros
exemplos encontramos o pagamento de cerca de R$ 2.500 por cada um dos 38
porteiros que trabalham no horário diurno, ou seja, 71% a mais do que a prefeitura
paga nas suas unidades122.
O IABAS, atualmente é a entidade que possui mais contratos celebrados com
a prefeitura123, em sua maioria, assinados pelo diretor médico Ricardo José de
Oliveira e Silva. Mas em fins do ano de 2010, o mesmo deixou o cargo e em
121
Foram analisados contratos de maio/2010 a março/2011 das UPA da Cidade de Deus e da Vila Kennedy,
ambas sob a gerência da OS IABAS comparando-se seus gastos com despesas de unidades diretamente
gerenciadas pela SMSDC, os Centros Municipais de Saúde Jorge Saldanha Bandeira de Melo (Jacarepaguá) e
Waldir Franco (Bangu), no mesmo período.
122
Disponível em < http://gestordasaude.blogspot.com.br/2012/04/organizacao-social-da-saude-pratica.html >
Acesso em: 7 ago 2012.
123
Do total de 30 editais lançados nos anos de 2009 a 2010, período analisado por nossa pesquisa, a referida
entidade venceu nove editais com objetos diferenciados, a saber: UPA, Clínicas da Família, PADI, Programa
Saúde nas Escolas, além da prestação de serviços de assistência à saúde em Postos Pré-Hospitalar fixo (PHF)
nos eventos da cidade do Rio de Janeiro.
106
124
Marcos Henrique Crispim, funcionário da Toesa Service — prestadora de serviços que também apresenta
irregularidades; o tenente-coronel bombeiro Rafael Amoreira Paixão que era fiscal de um contrato de aluguel de
ambulâncias da Toesa no município; por fim, Saulo Pereira Fernandes, ex-assessor especial da Subsecretaria
Executiva de Saúde do Rio e também ex-IABAS.
125
Vale destacar que todas estas OS foram vencedoras de editais no período analisado por nossa pesquisa
(2009-2010).
107
126
Operação Assepsia: Associação Marca, empresa disfarçada de OS e os pagamentos de consultoria.
Disponível em: <http://www.blogdodanieldantas.com.br/2012/06/operacao-assepsia-associacao-marca.html>.
Acesso em: 10 ago 2012.
109
127
Assessoria de Comunicação Social/CGU. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/imprensa/Noticias/2010/noticia05610.asp>.
110
providenciar a negociação com os entes públicos para que fossem repassados para
outras entidades128. Além disso, havia a possibilidade de rescindir contratos,
inclusive trabalhistas quando os convênios/contratos fossem repassados.
Desse modo, foram celebrados os Termos de Rescisão Contratual
Consensual entre a SMSDC e a OS CIAP, na figura do interventor federal Zilmar
Rodrigues, dos contratos referentes às Clínicas Saúde da Família129. Em relação à
UPA Engenho de Dentro não houve a necessidade de rescindir o contrato, pois
embora a OS tenha vencido o edital, por já estar sob intervenção federal, não
chegou a ser firmado.
Quadro 27 – Rescisão de contratos – CIAP
TERMO DE
CONTRATO DE GESTÃO AP UNIDADES RESCISÃO
CONSENSUAL
24/2010
assinado em 18
10/2010 3.3 CLINICAS SAÚDE DA FAMÍILIA
de novembro
2010
28/2010
assinado em 18
09/2010 4.0 CLINICAS SAÚDE DA FAMÍILIA
de novembro
2010
assinado em 18
07/2009 2.2 CLINICAS SAÚDE DA FAMÍILIA de novembro
2010
128
Cf. Ação Civil Pública nº 5010224-60.2010.404.7000/PR.
129
Posteriormente, foram lançados editais, tendo como objeto de contrato essas unidades. As entidades
vencedoras dos editais para gerir as Clínicas Saúde da Família das AP 2.2 e 4.0 foram a OS IABAS e a OS
Instituto Social Fibra, respectivamente. Em relação às Clínicas da AP 3.3 – “Complexo Madureira” não
identificamos um edital lançado posteriormente com o mesmo objeto. Houve outro edital para a UPA Engenho de
Dentro, no qual a OS SPDM foi a vencedora.
111
quando foi contratada como ONG – sem licitação – para atuar no Programa Saúde
da Família. Em auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) foram
identificadas irregularidades e ainda assim, posteriormente, o CIEZO conseguiu se
qualificar como OS130.
Essa relação antiga do CIEZO com a prefeitura pode ser observada na
matéria publicada em abril/2010 no blog do Jornal O GLOBO131, a qual informa que
desde janeiro do mesmo ano as equipes médicas contratadas pelo CIEZO para
atuar no PSF da Zona Oeste estavam com o pagamento atrasado, fazendo com que
muitos dos trabalhadores abandonassem seu posto. O prejuízo para a população
atendida pelo programa deu-se em função da existência de um hiato entre o término
do contrato do CIEZO132 que tinha como objeto a administração do PSF de Santa
Cruz e Bangu e assunção das atividades pela OS CAMPO que naquele período
estava impedida de iniciar as atividades devido a uma pendência judicial relativa a
dívidas trabalhistas.
Ao que parece o CAMPO nunca assumiu como OS a gerência das CSF
naquela região, pois embora tenha vencido os editais – 12/2009 e 13/2009 –, não
encontramos disponível para consulta no DOM/RJ ou no sítio eletrônico da SMSDC
os contratos correspondentes. Ademais, no referido período duas outras entidades
qualificadas como OS, o IABAS e a SPDM, assumiram emergencialmente o
programa na região (O GLOBO, 05 abr. 2010) e, coincidentemente ou não, foram
lançados editais para CSF em outubro/2010 – 12/2010 e 13/2010 – dos quais o
IABAS saiu vencedor.
A OS GLOBAL133 atualmente está sofrendo processo de desqualificação.
Conforme vimos demonstrando até aqui, todo o processo que envolve a contratação
das OS é claramente não transparente. Nesse sentido, o processo de
130
Disponível em:< http://www.vermelho.org.br/ap/noticia.php?id_noticia=36012&id_secao=10>. Acesso em: 29
jul 2012.
131
O GLOBO. Mudança de gestão no Saúde da Família prejudica atendimento na região. Bairros Zona Oeste.
Segunda-feira, 05 de abr. de 2010. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/rio/bairros/posts/2010/04/05/mudanca-de-gestao-no-saude-da-familia-prejudica-
atendimento-na-regiao-279789.asp>. Acesso em: 10 mar 2011.
132
Nesse período, a CIEZO demitiu cerca de 400 funcionários sem pagar a rescisão contratual, valor que
superava R$ 15 milhões.
133
Esta entidade se inscreveu para concorrer ao processo licitatório para gerir o Hospital de Emergência e
Trauma Senador Humberto Lucena, mas teve sua qualificação para atuar no âmbito da saúde indeferida pelo
Estado da Paraíba. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/38003427/doepb-16-06-2012-pg-8> e <
http://www.interjornal.com.br/noticia.kmf?cod=13656256>. Acesso: 31 ago 2012.
112
desqualificação não nos causa espanto já que a entidade em tela havia sido criada
cerca de um mês antes da aprovação da lei que regulamenta as OS no município.
Seu surgimento deu-se a partir de uma ONG, o Instituto Assistencial Mundo
Melhor, também comandada pelo médico colombiano Carlos Mauricio Medina
Gallego, que foi contratada na gestão Cesar Maia para atuar na estratégia do PSF
(O GLOBO). Desse modo, considerando o período de 2003 a 2010, ou seja, da
gestão Cesar Maia até o inicio da atual gestão do Eduardo Paes cerca de R$ 147
milhões foram destinados a contratos entre empresas e instituições representadas
por Carlos Mauricio com fortes suspeitas de irregularidades134.
Em função disso, a referida entidade já havia motivado o vereador Paulo
Pinheiro, integrante da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores do
município, a instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para
investigação dos contratos firmados (CORREIO da Paraíba,).
Em fevereiro/2010 foi celebrado o CG 11/2010, tendo por objeto a
operacionalização, apoio e execução de atividades e serviços de saúde da família
no âmbito da AP 1.0 e prevendo cerca de R$ 25 milhões para o período de dois
anos do contrato.
Mas, em 16 de abril deste ano, a referida OS foi notificada por meio de
publicação no DOM/RJ para reaver aos cofres públicos, no prazo de dois dias, a
quantia de R$ 2.057.214.36 pela não comprovação do gasto realizado para
execução do CG 11/2010, implicando a abertura de Prestação de Contas Especial,
caso o mesmo não fosse cumprido.
Por fim, temos a OS A. MARCA para Promoção de Serviços que ainda não foi
desqualificada no âmbito do município do Rio de Janeiro, mas foi alvo da Operação
Assepsia referente a um forte esquema de desvio de verba pública que foi
deflagrada em junho deste ano pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do
Norte e pela Polícia Militar. A referida OS no momento está sofrendo intervenção
judicial135.
134
O GLOBO. Instituições de médico colombiano receberam R$ 147 milhões da prefeitura do Rio em contratos
sob suspeita. Sexta-feira, 21 de maio de 2010. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/rio/mat/2010/05/21/instituicoes-de-medico-colombiano-receberam-147-milhoes-da-
prefeitura-do-rio-em-contratos-sob-suspeita-916655277>. Acesso em: 10 mar 2011.
135
JusBrasil. Assepsia: entidade contratada por município sofre intervenção. 28 de jun. de 2012. Disponível em:
<http://tj-rn.jusbrasil.com.br/noticias/3165538/assepsia-entidade-contratada-por-municipio-sofre-intervencao>.
Acesso em: 6 ago 2012.
113
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse sentido, a defesa por um maior volume de recursos para a saúde deve
necessariamente ser acompanhada da defesa na qualidade de sua alocação, ou
seja, não basta conquistarmos mais recursos para serem escoados pelas vias
privatizantes de gestão e em detrimento do SUS.
Por fim, nosso estudo demonstra que há muito que se evoluir na
transparência e controle democrático dos gastos públicos, inclusive, se
considerarmos que nos debruçamos sobre a análise de um município que possui,
em termos de disponibilização de dados para consulta on-line, uma realidade
completamente diferente da grande maioria dos municípios brasileiros.
O cenário que se apresenta não é dos melhores, mas somente a partir do
aprofundamento de nossos estudos e pesquisas que se posicionam na defesa de
uma política de saúde pública, gratuita e de qualidade é que promoveremos cada
vez mais o desmascaramento dessa farsa que se construiu em torno da satanização
de tudo que é público. E, desse modo, promovendo um confronto entre o que os
defensores dos modelos privatizantes de gestão propagam aos quatro ventos e a
realidade.
117
REFERÊNCIAS
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social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. p.88-
110.
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estatal. Serv. Soc. Soc. [online]. 2011, n.105, p. 185-187. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n105/12.pdf>. Acesso em: 23 abr. 2011.
119
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Opinião. Disponível em: <http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/jorge-darze-a-farsa-do-
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Disponível em: <http://odia.ig.com.br/portal/opiniao/jorge-darze-por-baixo-do-tapete-
1.32632 > Acesso em: 7 ago. 2012.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 2. ed. São Paulo: Loyola,1993. Parte II,
p. 115-184.
MANDEL, E. O capitalismo tardio. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Os
economistas).
MATTOS, V. A. Serviço Social: Cotidiano Profissional nas UPA geridas por OS.
Dissertação de mestrado, Rio de Janeiro, FSS/UERJ, 2012. mimeo.
______.; BRAZ, M. Economia política: uma introdução crítica. 4 ed. São Paulo:
Cortez, 2009. (Coleção Biblioteca básica do serviço social, v. 1).
______. Introdução ao método da teoria social. In: Serviço Social: direitos sociais e
competências profissionais. Brasília: CEFESS, 2009. (Unidade VI, 6.1 p. 667-700).