Aula 5 - Legislacao Ambiental

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LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

AULA 5

Profª Victória Zanona


CONVERSA INICIAL

Esta etapa inicia com uma introdução à gestão de recursos hídricos, na


qual são explicados e relembrados os principais conceitos relacionados à água,
recursos hídricos, ciclo da água, bacias hidrográficas, usos múltiplos e usos
consuntivos e não consuntivos, que são definições necessárias para uma
adequada compreensão da Lei n. 9.433/1997. São apresentadas também as
demandas dos diversos usos no Brasil e apontados alguns desafios que
justificam a necessidade de uma gestão adequada dos recursos hídricos.
Na sequência, serão abordados os fundamentos, os objetivos e as
diretrizes gerais da Política Nacional de Recursos Hídricos, seguidos dos
instrumentos, como os planos de recursos hídricos, o enquadramento em
classes, a outorga, a cobrança pelo uso da água e o Sistema Nacional de
Recursos Hídricos, que traz informações sobre as águas no Brasil e conta com
relatórios, mapas, indicadores e dados importantes.
Será apresentado também o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, que engloba todos os órgãos que participam da gestão de
recursos hídricos, em nível federal, estadual e também de forma
descentralizada, nas bacias hidrográficas.
A etapa será finalizada com o tópico que apresenta o plano nacional de
recursos hídricos do Brasil atual e com considerações finais.

TEMA 1 – INTRODUÇÃO À GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS

A água é fundamental e indispensável para a nossa vida. Quando


tratamos desse tópico, muitas vezes, podemos pensar em abundância, uma vez
que vivemos em um planeta rodeado por água e em um país com rios
privilegiados. Porém, sabemos que esse pensamento da abundância nem
sempre reflete a realidade. O tópico desta etapa é uma lei de grande importância
para a preservação dos corpos d’água do Brasil, que é a Política Nacional de
Recursos Hídricos, instituída pela Lei n. 9.433 de 1997, também chamada Lei
das Águas.
Iniciaremos com alguns conceitos básicos, porém importantes para o
entendimento e a contextualização da gestão de recursos hídricos.
Primeiramente, qual a diferença entre água e recurso hídrico?

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A água é em elemento natural, conforme é encontrada na natureza e não
está relacionada a nenhum uso. O recurso hídrico é a água superficial ou
subterrânea que pode ser utilizada para um determinado uso ou atividade,
podendo ser um bem econômico. Portanto, “todo recurso hídrico é água, mas
nem toda água é recurso hídrico” (Embrapa, 2022).
O aumento do uso da água e sua utilização de forma econômica, em maior
escala, fez com que a água passasse a ser reconhecida como um recurso
hídrico. São considerados recursos hídricos os rios, nascentes, lagos, córregos,
lençóis freáticos, entre outros. A água é considerada um recurso finito, escasso
e de valor econômico. Segundo Setti et al. (2001), a importância desse recurso
é tão grande que pode definir o quanto uma região, um país ou uma sociedade
pode se desenvolver.
A água é extremamente necessária para praticamente todas as atividades
humanas e ainda compõe a paisagem e o meio ambiente. Seu valor não pode
ser estimado e é um bem que deve ser protegido e conservado da melhor forma
possível.
A água está inserida em um ciclo, que é o chamado ciclo hidrológico. Ele
demonstra como a água circula entre os compartimentos da atmosfera e
litosfera, principalmente por meio da energia solar. De maneira simplificada, a
energia do sol promove a evaporação da água, que sobe até a atmosfera e se
condensa, caindo na forma de precipitação, a chuva. A evapotranspiração das
plantas também contribui para a transferência da água para a atmosfera. Ao cair
sobre a superfície, a água pode infiltrar, abastecendo os lençóis freáticos ou
escoar superficialmente, chegando até os rios, acumulando-se em lagos, ou
desaguando no mar. A rede de corpos hídricos que recebe esse escoamento
superficial proveniente da precipitação é a bacia hidrográfica, que é definida por
Tucci (2001) como

Uma área de captação natural da água da precipitação que faz


convergir os escoamentos para um único ponto de saída, seu exutório.
A bacia hidrográfica compõe-se basicamente de um conjunto de
superfícies vertentes e de uma rede de drenagem formada por cursos
d’água que confluem até resultar um leito único no exutório (Tucci,
2001, p. 40)

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Em outras palavras, a bacia hidrográfica é uma área que recebe a
precipitação, são diversos corpos d’água interligados formando a rede de
drenagem, e todos os escoamentos dirigem-se para o mesmo ponto final, o
exutório, devido ao relevo natural. Um desenho esquemático da bacia
hidrográfica é apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Desenho esquemático de uma bacia hidrográfica

Crédito: stihii/Shutterstock.

Para atender às demandas por água desde os tempos mais antigos, o


ciclo hidrológico e as bacias hidrográficas vêm sendo modificados pela
construção de poços, barragens, açudes, aquedutos, sistemas de
abastecimento, sistemas de drenagem, projetos de irrigação, entre outros (Braga
et al., 2008).
Conforme a água é definida como um recurso, são inúmeros os usos que
podem ser dados a ela, e essa diversidade é chamada de usos múltiplos. A água
é utilizada para abastecimento doméstico e industrial, geração de energia
elétrica, navegação, irrigação de culturas agrícolas, dessedentação de animais,
recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e também para despejo e diluição de
efluentes. Dois exemplos de uso da água são apresentados na Figura 2. Cada
uso exige uma qualidade e também está associado a uma certa quantidade
necessária.

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Figura 2 – Exemplos de uso da água para irrigação de culturas e geração de
energia elétrica

Crédito: Sashko/Shutterstock; Jose Luis Stephens/Shutterstock.

Outro conceito importante é o de uso consuntivo, que ocorre quando a


água é captada do seu curso natural e somente uma parte dela retorna ao rio,
ou seja, ocorrem perdas. Por outro lado, o uso não consuntivo ocorre quando
toda a água captada retorna ao curso de origem (Setti et al., 2001).
De acordo com Setti et al. (2001), como usos consutivos são considerados
o abastecimento urbano, o abastecimento industrial, a irrigação, o abastecimento
doméstico, no qual pode ser incluída a dessedentação de animais, e a
aquicultura. Os usos não consuntivos são a geração hidrelétrica, a navegação
fluvial, a recreação, o lazer e a harmonia paisagística, a pesca, a assimilação de
esgotos e o uso para preservação.
O Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil apresenta, para o ano
de 2017, as demandas de água para cada uso. A atividade que apresenta a
maior demanda por água é a irrigação, com uma retirada de 1.083 m³/s, o que
representa 52% do total retirado. Na sequência vem o abastecimento urbano,
com 496,2 m³/s, representando 23,8%, e a indústria, que retira 189,2 m³/s, o
equivalente a 9,1%. O uso animal consome 8%, as usinas termelétricas 3,8%, o
abastecimento rural é responsável pela retirada de 1,7%, enquanto as atividades
de mineração representam 1,6%. Ressalta-se que, no conceito de uso
consuntivo, é retirada determinada quantidade de água, uma parcela é
realmente consumida e outra parte retorna ao corpo hídrico. A vazão total
retirada de água em 2017 foi de 2.082,7 m³/s, e a vazão consumida foi de 1.157,9
m³/s (ANA, 2019).

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É importante destacar também que a demanda por água no país vem
crescendo, havendo um aumento estimado de cerca de 80% nos últimos 20
anos. Prevê-se ainda que até 2030 o aumento da demanda seja de 24% (ANA,
2019). Fatores que podem levar ao aumento da demanda são o crescimento da
população, o aumento de áreas irrigadas, o desenvolvimento da indústria, o
aumento da necessidade de geração de energia elétrica, entre outros.
Por outro lado, a poluição dos recursos hídricos, a degradação da bacia
hidrográfica e as alterações climáticas são fatores que podem alterar a
disponibilidade hídrica, ou seja, a oferta. Sendo assim, apesar de o Brasil ter
cerca de 12% da água doce do mundo, podem existir problemas sérios de oferta
para os diferentes usos (Braga et al., 2008), principalmente devido à diferença
entre a oferta e a demanda e também em função da qualidade da água, que vem
sendo comprometida cada vez mais.
Segundo Braga et al. (2008), essas dificuldades aumentam o custo para
atender às demandas urbanas em regiões metropolitanas, devido à necessidade
de buscar água em locais mais distantes. Com base nisso, entende-se que tanto
a má distribuição dos corpos hídricos por regiões quanto a aglomeração da
população, que se concentra principalmente em grandes capitais, são fatores
que contribuem para a escassez hídrica.
Outra consideração importante é a ineficiência da utilização da água
extraída de diversas fontes para as atividades humanas, ou seja, o desperdício
que ocorre. De acordo com Setti et al. (2001), na irrigação, por exemplo,
aproximadamente 60% da água retirada acaba se perdendo pela evaporação. A
indústria e os sistemas de abastecimento também podem apresentar altos
índices de perdas. De acordo com o Ranking do Saneamento, publicado pelo
Instituto Trata Brasil, o índice de perdas na distribuição de água no país é em
média 35,6%, variando de 3,8% até valores elevadíssimos, como 83,8%, em
diferentes cidades do Brasil (Trata Brasil, 2021).
De fato, pode ser considerado um desafio disponibilizar água em
quantidade e qualidade adequadas para grandes populações considerando os
diversos usos. Portanto, a gestão dos recursos hídricos torna-se essencial. A
gestão dos recursos hídricos tem como objetivo resolver as questões de
escassez e utilizar os recursos de maneira adequada e otimizada, trazendo
benefícios para a sociedade (Setti et al., 2001).

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Segundo Braga et al. (2008), o Brasil tem um dos mais modernos sistemas
de gestão de recursos hídricos do mundo, que foi implementado com a Lei n.
9.433/97, que veremos adiante.

TEMA 2 – FUNDAMENTOS, OBJETIVOS E DIRETRIZES GERAIS DA PNRH

2.1 Fundamentos

A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) inicia o seu Capítulo I


com o art. 1º apresentando seus fundamentos. O primeiro fundamento diz que a
água é um bem de domínio público. Sendo assim, o recurso pertence a todos e
não é propriedade de ninguém.
O segundo fundamento diz que a água é um recurso natural limitado e
que tem valor econômico. Com base no ciclo da água e nos conhecimentos
básicos da sua circulação no planeta, muitas pessoas têm a ideia de que a água
é um recurso infinito, pois ela se transforma de uma fase para outra, passando
de um compartimento para o outro, da atmosfera para os lagos, para o solo e o
subsolo, por exemplo. No entanto, a água é sim um bem limitado, principalmente
devido às questões de distribuição, oferta, demanda e qualidade.
Além das quantidades de água doce serem limitadas, elas não estão
distribuídas de maneira adequada, ou seja, alguns lugares têm mais
disponibilidade hídrica, enquanto alguns lugares têm menor. A quantidade de
água necessária varia de acordo com a demanda; quanto mais pessoas em um
determinado local, mais água será necessária. Aliado a isso, existe a questão da
qualidade da água, que é variável de acordo com os usos, conforme apresentado
na Resolução do Conama n. 357/2005. Assim, para se garantir a qualidade de
vida, é necessário que se tenha água em quantidade e qualidade adequadas.
O fundamento 3 diz que, em situações de escassez, ou seja, em casos de
falta de água, a prioridade é o uso para o consumo humano e também para a
dessedentação de animais.
No fundamento 4, coloca-se que a gestão dos recursos hídricos deve
sempre proporcionar o uso múltiplo das águas. O uso múltiplo das águas está
relacionado a utilizar o mesmo curso d’água para diversos fins, atitude que é
incentivada por esse objetivo.

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Como exemplo, pode-se pensar em um reservatório, construído para a
geração de energia elétrica, que também é utilizado para dessedentação de
animais e para a recreação, por exemplo. Nesses casos, a qualidade da água
deve atender a todos os usos previstos.
Em seguida, no fundamento cinco é apresentada a bacia hidrográfica
como unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos
Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos
Hídricos. Ou seja, todo o planejamento e gestão dos recursos hídricos é feito
baseando-se em cada bacia hidrográfica.
O fundamento 6 está totalmente relacionado ao anterior, pois afirma que
a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada, ou seja, distribuída nas
unidades que são justamente as bacias hidrográficas, devendo contar com a
participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Para essa
gestão descentralizada são instituídos os comitês de bacias hidrográficas. Os
comitês são formados por um grupo com representantes de diversos setores.

2.2 Objetivos

No capítulo II, são apresentados os objetivos da Política Nacional de


Recursos Hídricos. São eles:

I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade


de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos;
II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o
transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável;
III - a prevenção e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de
origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos
naturais;
IV - incentivar e promover a captação, a preservação e o
aproveitamento de águas pluviais. (Brasil, 1997, p. 1)

De maneira geral, colocam-se como objetivos questões bastante


importantes, como a disponibilidade hídrica, atendendo a padrões de qualidade;
a utilização racional da água; a prevenção de eventos críticos, como secas ou
inundações; e o incentivo ao aproveitamento das águas da chuva, que são uma
fonte alternativa aos cursos hídricos naturais.

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2.3 Diretrizes gerais

No capítulo III, são apresentadas algumas diretrizes gerais de ação que


devem ser seguidas para a implantação da Política Nacional de Recursos
Hídricos. Inicialmente, coloca-se que a gestão dos recursos hídricos deve ser
sistemática e não deve separar a questão da qualidade da quantidade. A gestão
deve ser adequada em relação às características das diferentes regiões do país,
que são bastante amplas, tanto em questões físicas quanto bióticas,
demográficas, econômicas, sociais e culturais.
Recomenda-se também que a gestão de recursos hídricos e das bacias
hidrográficas sejam integradas com a gestão ambiental e com a gestão de
sistemas de estuários e áreas costeiras.
De maneira similar, devem ser articulados o planejamento dos recursos
hídricos com os diferentes usuários, com os planejamentos regional, estadual e
nacional e também com a gestão de uso do solo.

TEMA 3 – INSTRUMENTOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS


HÍDRICOS

No art. 5º, tem-se os instrumentos da Política Nacional de Recursos


Hídricos que serão abordados nos tópicos da sequência e abrangem os Planos
de Recursos Hídricos, o enquadramento dos corpos de água em classes, a
outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, a cobrança pelo uso de
recursos hídricos e o sistema de informações sobre recursos hídricos.

3.1 Planos de recursos hídricos

De acordo com a Lei n. 9.433/1997, os planos de recursos hídricos tem


como objetivo servir de base e orientação para a implementação da Política
Nacional de Recursos Hídricos. Eles devem ser elaborados para cada bacia
hidrográfica, para os estados e também para o país.
Os planos são elaborados para longo prazo e devem apresentar: um
diagnóstico com as informações atuais sobre os recursos hídricos; uma análise
de crescimento demográfico e possíveis alterações no uso do solo; um balanço
entre a disponibilidade e as demandas de recursos hídricos, tanto em questão
de qualidade como de qualidade; além de possíveis conflitos futuros; metas para

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uso racional da água; melhora na qualidade a aumento da disponibilidade; ações
que devem ser realizadas a fim de atender às metas; prioridades para outorga e
critérios para a cobrança do uso da água (Brasil, 1997).

3.2 Enquadramento dos corpos hídricos

O enquadramento dos corpos hídricos em classes é previsto na seção II


da PNRH e tem como objetivo garantir que as águas tenham a qualidade
adequada para os usos mais exigentes para os quais podem ser destinadas.
Além disso, o enquadramento é uma ação preventiva que pretende diminuir os
gastos para combater a poluição das águas (Brasil, 1997).
Essa parte da lei foi mais tarde regulamentada pela Resolução do
CONAMA n. 357/2005, que apresentou a divisão dos corpos hídricos em classes
de acordo com o nível de poluentes e determinou os usos associados.

3.3 Outorga e cobrança pelo uso da água

A seção III da Lei 9.433/97 aborda a outorga de direitos de uso de


recursos hídricos. A outorga representa o concedimento, a liberação ou ainda
uma permissão para a utilização dos recursos hídricos. Nem todos os usos
demandam a outorga, sendo que a sua finalidade é a manutenção de um
controle quantitativo e qualitativo e dos direitos de uso da água. O processo de
outorga será realizado pelos órgãos responsáveis estaduais ou pelo órgão
federal.
A outorga é exigida para a captação ou desvio de um curso d’água para
utilização de uma parcela para consumo, incluindo o abastecimento público ou
a utilização em processo produtivo. É exigida também para a extração de
aquífero subterrâneo e para o lançamento de esgotos e efluentes para fins de
diluição ou disposição final nos corpos hídricos. O uso dos recursos hídricos para
fins hidrelétricos ou outros usos que modifiquem o regime, a quantidade ou
qualidade das águas também depende de outorga, sendo que, no caso de
aproveitamento hidrelétrico, esse deve atender ao Plano Nacional de Recursos
Hídricos (Brasil, 1997).
Por outro lado, a outorga não é exigida quando os recursos hídricos são
utilizados para atender às pequenas comunidades, no meio rural ou em desvios,
captações, lançamentos ou acumulações que sejam considerados

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insignificantes. A outorga deve atender ao que for definido como prioridade no
plano de recursos hídricos, respeitar a classe determinada no enquadramento,
preservar o uso múltiplo e manter as condições do transporte aquaviário, se
existir (Brasil, 1997).
Em alguns casos, a outorga pode ser suspensa, de forma parcial, total,
definitiva ou por prazo determinado. Isso pode ocorrer caso não sejam cumpridas
as determinações da outorga, caso não ocorra uso em três anos consecutivos,
caso ocorra necessidade da água por situação de calamidade, para prevenir ou
reverter um dano ambiental, caso seja necessário atender a um uso prioritário
coletivo, para o qual não exista outra alternativa, ou, ainda, para manter as
condições de navegação em um corpo hídrico (Brasil, 1997).
O prazo máximo de uma outorga é de 35 anos, podendo ser renovável, e
ela não implica transferência do bem para o outorgado, tendo em vista que é um
bem coletivo, mas apenas o seu direito ao uso.
A seção IV da PNRH trata sobre a cobrança do uso da água, que é
instituída para os casos em que a outorga se faz necessária. Os objetivos da
cobrança são reconhecer que a água é um bem econômico e indicar o valor real
ao usuário, incentivar o uso racional da água e obter recursos para promover
melhorias previstas nos planos de recursos hídricos (Brasil, 1997).
Para definir os valores a serem cobrados, devem ser observados os
volumes captados ou lançados, e no caso dos lançamentos, também as
características dos efluentes. Os valores arrecadados podem ser utilizados em
estudos, programas ou obras previstos nos planos de recursos hídricos ou para
pagar despesas dos órgãos do sistema nacional de gerenciamento de recursos
hídricos, limitado a 7,5% dos valores arrecadados (Brasil, 1997).

3.4 Sistema de informações sobre recursos hídricos

Foi determinado no capítulo VI da PNRH a criação do Sistema Nacional


de Informações sobre Recursos Hídricos, o SNIRH. Esse sistema promove a
coleta de dados, o tratamento e a recuperação de informações sobre os recursos
hídricos, de forma que os dados sejam gerados de maneira descentralizada e
que toda a sociedade tenha acesso a esses dados e informações.

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O SNIRH tem como objetivos reunir e divulgar dados sobre as condições
dos recursos hídricos no Brasil, tanto de qualidade quanto de quantidade. Além
disso, pretende manter atualizados os dados sobre disponibilidade e demanda
de água no país e dar suporte para a elaboração dos planos de recursos hídricos
(Brasil, 1997).
Atualmente, está disponível o Portal do SNIRH na internet, em que estão
disponíveis relatórios sobre os rios e as bacias hidrográficas brasileiras, mapas
interativos, que abordam os temas de divisão hidrográfica, quantidade de água,
qualidade da água, usos da água, balanço hídrico, eventos hidrológicos críticos,
comitês e agências de bacia, planos e enquadramento, regulação e fiscalização
e programas. Além disso, são apresentados painéis de indicadores, como a rede
de monitoramento de Covid nos esgotos, usos consuntivos da água no Brasil,
valores cobrados e arrecadados com a cobrança e indicadores do ODS6
(objetivos do desenvolvimento sustentável), que é referente à água limpa e
saneamento. Ou seja, é grande a quantidade de dados e informações
disponíveis para o acesso de todos, o que contribui para difundir os
conhecimentos sobre os recursos hídricos.

TEMA 4 – SISTEMA NACIONAL DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS


HÍDRICOS

De maneira similar à Lei 6.938/81, que instituiu o Sistema Nacional de


Meio Ambiente, o SISNAMA, a Lei n. 9.433/97 criou ainda o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), para o qual foram
apresentados os seguintes objetivos:

I - coordenar a gestão integrada das águas;


II - arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os
recursos hídricos;
III - implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos;
IV - planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação
dos recursos hídricos;
V - promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos. (Brasil, 1997,
p. 6)

Fazem parte do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos


Hídricos o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, a Agência Nacional de
Águas, os Conselhos de Recursos Hídricos dos estados, os Comitês de Bacias
Hidrográficas, as Agências de Água e os órgãos que tenham relação com a
gestão dos recursos hídricos.

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Após a publicação da Lei 9.433/97, com o passar do tempo, o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi se estruturando e se
organizando. Um esquema da organização do sistema atual é apresentado na
Figura 3. Os órgãos dividem-se em normativos e deliberativos, que são aqueles
que criam as normas e tomam decisões, e os órgãos executivos, que executam
ou colocam em prática a Política Nacional de Recursos Hídricos. Os órgãos
subdividem-se ainda em âmbito federal e em âmbito estadual, cada um com suas
responsabilidades e funções.

Figura 3 – Esquema dos órgãos que compõem o Sistema Nacional de


Gerenciamento de Recursos Hídricos

Fonte: ANA, 2022.

Portanto, atualmente, o SINGREH é formado pelo Conselho Nacional de


Recursos Hídricos (CNRH), pela Secretaria Nacional de Segurança Hídrica
(SNSH) vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), pela
Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pelos Conselhos
Estaduais de Recursos Hídricos (CERHs), pelos órgãos gestores estaduais de
recursos hídricos, pelos comitês de bacia hidrográfica (interestaduais e
estaduais) e pelas agências de água (vinculadas aos comitês) (ANA, 2022).
O papel do sistema nacional é, portanto, muito relevante, pois esse
conjunto de órgãos coordena a gestão dos recursos hídricos, administra

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possíveis conflitos no uso da água, implementa a Política Nacional de Recursos
Hídricos, controla e contribui para a preservação dos recursos hídricos e
implementa o instrumento da cobrança pelo uso da água. Os detalhes dos
principais órgãos que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos serão apresentados na sequência.

4.1 Conselho Nacional de Recursos Hídricos

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos é formado por representantes


de vários setores, como dos ministérios e secretarias do governo federal, dos
conselhos estaduais, dos usuários dos recursos hídricos e das organizações
civis de recursos hídricos.
São apresentadas na Lei 9.433/97 diversas competências para o
Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que são referentes a uma organização
em conjunto e em concordância para os planejamentos nacional, regional,
estadual e setorial dos recursos hídricos. Também tem como competência
resolver em última instância possíveis conflitos, deliberar sobre grandes projetos
e sobre questões provenientes dos estados ou dos comitês de bacias
hidrográficas, analisar propostas de leis sobre os recursos hídricos, estabelecer
orientações complementares relacionadas à implantação da PNRH, aprovar
propostas, acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos,
criar parâmetros para a outorga e cobrança da água e contribuir para a
implementação da Política Nacional de Segurança de Barragens (Brasil, 1997).
A Lei 9.433/97 instituiu também a secretaria executiva do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, que apoia o conselho de forma administrativa,
técnica e financeira.
De maneira similar ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, foi
estabelecido que cada estado pode criar o seu Conselho Estadual de Recursos
Hídricos, que terá as mesmas funções do Conselho Nacional, porém, atuando
no âmbito estadual.

4.2 Comitês de bacia hidrográfica

Os comitês de bacia hidrográfica foram criados para descentralizar a


gestão dos recursos hídricos. Eles atuam em toda a bacia hidrográfica, nas sub-
bacias ou em um grupo de bacias ou sub-bacias ligadas.

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As competências dos comitês de bacias são similares às do Conselho
Nacional de Recursos Hídricos, sendo que algumas em comum são a resolução
de conflitos, a aprovação e o acompanhamento da execução do plano de
recursos hídricos e o estabelecimento da cobrança pelo uso da água. Além
disso, é previsto o lançamento de propostas de acumulações, desvios,
captações e lançamentos de pequena relevância, que devem ser isentos de
outorga; a criação de critérios e a divisão dos custos de obras que envolvam
usos múltiplos, de interesse comum ou coletivo; e a promoção de debates nas
questões envolvendo os recursos hídricos e o relacionamento com as entidades
atuantes (Brasil, 1997).
A composição dos comitês de bacias é dada por representantes do
governo federal, dos estados, dos municípios, dos usuários e das entidades civis.
Caso a bacia tenha rios de fronteira, que atravessem ou façam a divisa entre
dois ou mais estados, o comitê deve ter um representante do Ministério das
Relações Exteriores, e caso esteja em territórios indígenas, deve incluir um
representante da Fundação Nacional do Índio. Os comitês devem ter um
presidente e um secretário eleitos pelo próprio grupo (Brasil, 1997).

4.3 Agências de água

As agências de água fazem parte do sistema nacional de gerenciamento


de recursos hídricos e exercem a função de secretaria executiva dos respectivos
comitês de bacia hidrográfica. Uma agência de água só é criada caso já exista
um ou mais comitês de bacia hidrográfica e se existir viabilidade financeira por
meio da cobrança pelo uso da água implementada na bacia (Brasil, 1997).
Uma agência de água tem diversas competências: organizar um balanço
da disponibilidade da água na região; cadastrar os usuários dos recursos
hídricos; realizar a cobrança pelo uso da água; analisar projetos e obras que
podem ser financiados pelo recurso da cobrança; acompanhar a administração
dos recursos; fazer a gestão dos sistema de informações sobre recursos hídricos
da região; firmar convênios, financiamentos e serviços necessários; elaborar
proposta orçamentária; elaborar estudos necessários e o plano de gestão dos
recursos hídricos; e propor aos comitês de bacias o enquadramento dos corpos
d’água, os valores a serem cobrados, um plano para aplicar os valores
arrecadados e a divisão dos custos de obras de uso múltiplo, comuns ou
coletivas (Brasil, 1997).
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4.4 Agência Nacional de Águas

A Agência Nacional de Águas (ANA) foi criada com a Lei n. 9.984 no ano
2000, com o caráter de órgão executor, para fazer cumprir os objetivos e
diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos, a Lei das Águas. Mais tarde,
no ano de 2020, foi incluída com a Lei n. 14.026/20 a competência referente ao
saneamento básico, e a Agência Nacional de Águas se tornou Agência Nacional
de Águas e Saneamento Básico (ANA, 2022).
A ANA, como é chamada, atua na regulação, com o acesso e uso dos
recursos hídricos que são de domínio da União, ou seja, federais, e regula a
irrigação e a adução de água bruta. Emite e fiscaliza o cumprimento de normas,
edita normas para a regulação do saneamento básico, fiscaliza outorgas e
segurança de barragens (ANA, 2022).
A atuação da ANA ainda se estende para o monitoramento, com a
coordenação da Rede Hidrometereológica Nacional, cujos dados auxiliam no
planejamento do uso da água e na prevenção de eventos críticos. Com o
Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a ANA define as regras para a
operação dos reservatórios das usinas hidrelétricas (ANA, 2022).
Por fim, a ANA atua na aplicação da Política Nacional de Recursos
Hídricos, dando apoio a programas, projetos e órgãos gestores na instalação de
comitês de bacias, e como etapa de planejamento, participa de estudos, como
os planos de bacias ou relatórios, em parceria com outros órgãos (ANA, 2022).

4.5 Infrações

Após a apresentação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos, com


todos os seus órgãos e divisões, a lei 9.433/97 aborda ainda a questão das
penalidades e infrações. É considerado infração desviar ou utilizar recursos
hídricos, superficiais ou subterrâneos, para qualquer objetivo, sem que exista a
outorga que dá o direito ao uso. Também é considerado infração o uso dos
recursos hídricos descumprindo as condições da outorga.

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São outras infrações: perfurar poços para extrair água subterrânea ou
operar poços existentes sem autorização, fraudar ou declarar de forma errada
as medições de volumes de água utilizados, infringir normas e regulamentos
estabelecidos pelos órgãos competentes e bloquear ou dificultar a fiscalização
de atividades relacionadas ao uso dos recursos hídricos (Brasil, 1997).
As penas que podem ser aplicadas são a advertência por escrito, com
prazos para regularização; multa simples ou diária, variando de cem reais a
cinquenta milhões de reais; embargo provisório ou definitivo de obras e serviços
que estejam descumprindo ou acarretando revogação da outorga. Caso
aconteça reincidência, a multa será aplicada em dobro (Brasil, 1997).

TEMA 5 – PLANO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS E CONSIDERAÇÕES


FINAIS

O Plano Nacional de Recursos Hídricos orienta a implementação da


PNRH e também a atuação do SINGRH. O primeiro plano nacional começou a
ser desenvolvido nos anos de 2004 e 2005, sendo aprovado em 2006. O plano
foi elaborado com um horizonte até o ano de 2020, com revisões a cada quatro
anos. No período entre 2019 e 2021 iniciou-se a elaboração do novo PNRH com
um processo participativo entre a sociedade e o SINGRH (MDR, 2022).
O atual PNRH foi então aprovado pela Resolução n. 232, de 22 de março
de 2022, com horizonte até o ano de 2040. Participaram da elaboração
representantes de todos os estados, integrantes do SINGRH e interessados pelo
tema, em oficinas de trabalho. O PNRH elaborado é totalmente digital e
interativo, sendo composto por três partes, o relatório de Conjuntura de Recursos
Hídricos no Brasil, que apresenta um diagnóstico e um prognóstico dos recursos
hídricos no país, o Plano de Ação com estratégias, programas e subprogramas
e um anexo normativo (MDR, 2022).
Desde 2003, com a Resolução n. 32 do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos, o território brasileiro é dividido em 12 regiões geográficas, que são:
Amazônica, do Tocantins/Araguaia, do Atlântico Nordeste Ocidental, do
Parnaíba, do Atlântico Nordeste Oriental, do São Francisco, do Atlântico Leste,
do Atlântico Sudeste, do Paraná, do Uruguai, do Atlântico Sul e do Paraguai
(CNRH, 2003).

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Com o passar do tempo, entendeu-se que essa divisão não era suficiente
para abordar de forma detalhada todos os aspetos regionais e, portanto, em
2010 foi lançada a Resolução n. 109, com a proposta para delimitação das
Unidades de Gestão de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas (UGRHs).
Esse processo foi finalizado em 2020, na fase de planejamento do novo PNRH.
Foram então definidas 47 UGRHs de bacias interestaduais e 17 de bacias
estaduais (ANA, 2022). As análises e informações levantadas no PNRH são
baseadas nessa divisão.

5.1 Diagnóstico das condições da água

Por meio de diversas estações de monitoramento espalhadas pelo país,


como estações de qualidade de água, pluviométricas, fluviométricas, entre
outras, a Agência Nacional de Águas consegue fazer um levantamento e o
diagnóstico da qualidade e da quantidade de água disponível no Brasil,
apresentado na parte 2 do relatório de Conjuntura dos Recursos Hídricos do
Brasil. Utilizando os dados do monitoramento até 2020, diversos indicadores
puderam ser calculados, os quais auxiliam para um melhor entendimento das
características de cada região.
A disponibilidade hídrica, por exemplo, é um dado muito importante para
o planejamento de ações e está relacionada a uma vazão de referência. Nas
diversas UGRHs do país, as vazões variam bastante, de 0,9 m³/s nas Bacias
Interestaduais de Pernambuco e Paraíba, até 9.456 m³/s na Bacia do Rio Negro
(ANA, 2022). Esses dados confirmam a má distribuição da água existente no
país, comentada anteriormente.
A fim de equilibrar períodos de estiagem e de chuvas, muitos reservatórios
foram construídos, os quais podem acumular maiores quantidades de água,
mantendo a oferta mesmo em períodos de secas. De acordo com o PNRH, o
Brasil tem mais de 174 mil massas de água artificiais. Os mais de 3 mil
reservatórios monitorados conseguem armazenar cerca de 630 bilhões de
metros cúbicos de água, sendo 92,7% utilizados para geração de energia elétrica
(ANA, 2022).

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O PNRH apresenta ainda dados que mostram como a capacidade de
armazenamento de água tem crescido no Brasil ao longo dos anos, quais as
capacidades que os reservatórios têm de armazenar água, como as chuvas e as
vazões dos corpos hídricos tem se comportado recentemente e como isso
impactou nos reservatórios do Sistema Interligado Nacional.
A disponibilidade da água subterrânea também é avaliada e estima-se
que seja em torno de 13.205 m³/s e que existam no Brasil cerca de 2,6 milhões
de poços que retiram por volta de 1.083 m³/s. No entanto, ressalta-se que o
cenário local pode ser diferente (ANA, 2022).
Complementando os dados de disponibilidade hídrica ou quantidade de
água estão os dados de qualidade da água, também essenciais para a definição
dos usos, principalmente o abastecimento humano, a recreação, a produção de
alimentos e a indústria. De maneira similar ao monitoramento quantitativo, o
monitoramento qualitativo conta com uma rede de qualidade da água superficial,
que monitora diversos parâmetros como pH, temperatura, oxigênio dissolvido,
turbidez e condutividade elétrica, por meio de sondas e também parâmetros que
precisam de análises laboratoriais, como DBO, fósforo e coliformes.
De maneira geral, foram relatados no PNRH valores baixos de oxigênio
dissolvido em locais como o rio Caboclo, no Rio de Janeiro, e no rio Beberibe,
em Recife, por exemplo. Valores de DBO acima de 10 mg L-1 foram encontrados
principalmente em corpos hídricos de São Paulo, Ceará e Rio Grande do Norte.
Valores elevados de fósforo também foram encontrados em diversos corpos
hídricos do país, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Rio
Grande do Norte. Por outro lado, altos índices de coliformes foram identificados
principalmente em corpos hídricos de São Paulo e Minas Gerais (ANA, 2022).
O Índice de Qualidade da Água (IQA) é outra informação interessante que
é calculada com base nos dados dos parâmetros OD, DBO, temperatura, pH,
coliformes termotolerantes, nitrogênio, fósforo, sólidos e turbidez, que recebem
pesos diferentes. O índice é dividido nas classes ótima, boa, regular, ruim e
péssima, de acordo com as pontuações obtidas. Felizmente, a maioria dos
pontos monitorados foram classificados com boa qualidade da água, e poucos
corpos hídricos obtiveram a classificação péssima (ANA, 2022).

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5.2 Usos da água

Na parte 3 da Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil, são abordados


os usos da água, os quais, conforme comentado anteriormente, dependem e
variam em função da qualidade e da quantidade, podendo também ser
consuntivos e não consuntivos.
Os usos consuntivos que mais utilizam água são a irrigação, o
abastecimento humano e de animais, a indústria, a geração de energia
termelétrica e a mineração. Outra questão considerada é a evaporação líquida
de reservatórios, que contribui para a diminuição da oferta de água. O PNRH
apresenta dados detalhados de retiradas, demandas atuais e demandas
previstas, com o horizonte até 2040, para as quais se espera crescimento. Para
a irrigação, por exemplo, prevê-se que pode ocorrer um aumento na demanda
em 15 % em 2040 (ANA, 2022).
O lançamento de efluentes não é um uso consuntivo, porém também é
avaliado, tendo em vista que gera poluição hídrica e dificulta os outros usos. A
aquicultura também é um uso que deve ser considerado. Ela pode ser praticada
em reservatórios preexistentes ou construídos especificamente para a atividade.
Em ambos os casos, devem ser analisadas as cargas poluidoras. A geração de
energia em hidrelétricas é outro uso não consuntivo, mas que depende de
determinadas vazões para poder gerar a energia necessária. Além disso, devido
a uma diminuição da quantidade de água para geração de energia elétrica,
tiveram que ser ativadas as usinas termelétricas, que acabam consumindo
bastante água para resfriamento. Outro uso a ser considerado é a recreação e o
lazer, que inclui o turismo para a pesca, o turismo náutico e ecoturismo, por
exemplo. Para os fins recreativos, a qualidade da água deve atender às
condições de balneabilidade, para que se tenha um contato direto seguro com
os recursos hídricos (ANA, 2022).

5.3 Gestão da água

O capítulo 4 da Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil trata sobre a


gestão da água, trazendo informações atuais sobre o Sistema de Gerenciamento
de Recursos Hídricos e os instrumentos de gestão.

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Com relação aos Comitês de Bacias Hidrográficas implantados, tem-se
que os números vêm crescendo e, atualmente, existem 228 comitês estaduais e
dez interestaduais. São apresentadas também informações sobre os membros
que participam dos conselhos e dos comitês de bacias, para que se obtenha uma
representatividade igualitária (ANA, 2022).
A análise dos instrumentos de gestão é interessante, pois dá uma ideia
do avanço de uma bacia em relação à outra, dependendo da implementação e
do funcionamento dos instrumentos. Muitas vezes, a implantação de um
instrumento depende do funcionamento de outro.
Os planos de gestão de recursos hídricos, primeiro instrumento da PNRH,
são muito importantes para garantir a qualidade e a quantidade da água no
contexto dos usos múltiplos. O plano pode ser nacional, estadual, interestadual
ou de bacias. Até 2020, o levantamento dos dados apontou a existência de 12
planos de bacias interestaduais, 169 planos de bacias estaduais e 26 Planos
Estaduais de Recursos Hídricos. Alguns outros foram revisados ou estão
passando por processo de revisão (ANA, 2022).
O enquadramento dos corpos hídricos em classes de qualidade é
baseado nas Resoluções do Conama n. 357/2005 para águas superficiais e na
n. 396/2008 para as águas subterrâneas, e deve estabelecer metas progressivas
para atender aos principais usos. Enquanto não são aprovados os
enquadramentos de cada bacia, as águas doces são consideradas classe 2, e
as salinas e salobras, classe 1. O enquadramento é um instrumento que ainda
não está muito avançado nas bacias hidrográficas, apenas 3 possuem a
aprovação do enquadramento, mas ainda passíveis de revisão, as bacias do São
Francisco, Paraíba do Sul e Paranapanema. Por outro lado, 13 estados possuem
normativas que apresentam o enquadramento total ou parcial. Ressalta-se que
o enquadramento não é uma simples classificação do estado em que o corpo
hídrico se encontra, mas sim um instrumento de planejamento, que deve
apresentar metas intermediárias e finais, que serão atendidas progressivamente
(ANA, 2022b).
O Cadastro Nacional de Usuários de Recursos Hídricos registrou até 2020
mais de 350 mil interferências e mais de 280 mil interferências válidas, entre
captações, usos não consuntivos, barragens e lançamentos. Para a outorga dos
recursos hídricos foram emitidas mais de 12 mil outorgas de água superficial pela
União e cerca de 44 mil outorgas estaduais, além de mais de 96 mil outorgas

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estaduais subterrâneas. Foram emitidos, ainda de 2018 a 2020 pela ANA,
aproximadamente 4.500 declarações de regularidade, para quando os usos são
considerados insignificantes e não exigem outorga (ANA, 2022).
A cobrança pelo uso da água em corpos hídricos da União encontrava-se
implementada até 2020 em seis URGHs (Unidades de Gestão de Recursos
Hídricos de Bacias Hidrográficas): Paraíba do Sul, PCJ, São Francisco, Doce,
Verde Grande e Paranaíba. Em relação aos corpos hídricos estaduais, a
cobrança existe na totalidade dos estados do Ceará, Rio de Janeiro e Paraíba e
em algumas unidades de São Paulo, Minas Gerais e Paraná (ANA, 2022). Os
valores arrecadados com a cobrança também são apresentados.

5.4 Considerações finais

O relatório da Conjuntura dos Recursos Hídricos do Brasil apresenta


ainda um último capítulo bastante importante que é dedicado à segurança
hídrica. São exibidos dados sobre balanço hídrico, mudanças climáticas,
proposição de cenários de redução e de aumento da disponibilidade hídrica,
eventos de secas e pessoas afetadas, eventos de cheias, crises hídricas, um
índice de segurança hídrica para todos os municípios brasileiros e iniciativas
para promoção da segurança hídrica, como as infraestruturas cinza e verde.
Na sequência, o PNRH apresenta um documento contendo o plano de
ação com seus cinco programas. O Programa 1 é voltado para o fortalecimento
do SINGREH, enquanto o Programa 2 aborda os instrumentos de gestão de
recursos hídricos, cadastro e fiscalização dos usos. O Programa 3 está
relacionado com a gestão da qualidade e da quantidade de recursos hídricos. O
Programa 4 trata da integração da política nacional de recursos hídricos com
políticas e planos setoriais e da interface com outras políticas. E o Programa 5 é
voltado para o sistema de gerenciamento do PNRH, visando à definição de
parâmetros de monitoramento do novo plano de ação.
Com base nas informações apresentadas nesta etapa, é possível
compreender a complexidade da gestão de recursos hídricos no Brasil, tanto em
questão de dificuldades enfrentadas quanto do próprio sistema e de toda a
Política Nacional de Recursos Hídricos. Algumas das dificuldades estão
associadas ao tamanho do país, que tem dimensões continentais e uma
diversidade enorme de cenários, com bacias hidrográficas que vão desde a
escassez até a enorme abundância.
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Outras dificuldades podem estar relacionadas à gestão compartilhada e
aos conflitos de interesses, pois, algumas vezes, em uma mesma bacia
hidrográfica, podem existir rios geridos pela União e pelo estado (Braga et al.
2008).
Os esforços também precisam ser enormes para que se consiga um
levantamento de dados que demonstre e reflita toda a realidade brasileira, pois,
sem os dados, não é possível haver planejamento e, consequentemente, gestão
de recursos hídricos. Por isso, ressalta-se a importância do monitoramento, tanto
quantitativo quanto qualitativo, de dados hidrológicos, climatológicos, de
qualidade da água, enfim, todas as características que impactam diretamente
nas condições dos corpos hídricos atuais e futuras.
Sendo assim, é evidente a necessidade da gestão de recursos hídricos, a
fim de manter a saúde e a qualidade de vida da população, aliadas à preservação
dos corpos d’água e do meio ambiente.

FINALIZANDO

Nesta etapa, foi apresentada a Política Nacional de Recursos Hídricos e


os principais assuntos relacionados a ela. A importância da gestão de recursos
hídricos é destacada, tendo em vista que o cenário de abundância nem sempre
é real e existem muitos desafios a serem enfrentados para garantir os usos
múltiplos, considerando as variações na disponibilidade e na demanda e também
na qualidade da água, que vem sendo prejudicada cada vez mais.
Os principais fundamentos da PRNH colocam que a água é um bem de
domínio público, um recurso natural limitado e de valor econômico. A bacia
hidrográfica é a unidade na qual a gestão dos recursos hídricos é praticada,
devendo ser incentivados os usos múltiplos e priorizados o abastecimento
público e a dessedentação de animais em casos de escassez.
Os principais instrumentos apresentados pela PNRH são os planos de
recursos hídricos, o enquadramento em classes, a outorga e a cobrança pelo
uso da água. Nem todas as bacias hidrográficas já implementaram todos os
instrumentos, conforme apresentado no Plano Nacional de Recursos Hídricos de
2022, no entanto, a implementação vem avançando progressivamente, o que
traz benefícios para o sistema e para os usuários da água.

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A PNRH instituiu também o Sistema Nacional de Gerenciamento de
Recursos Hídricos, cujos principais órgãos são o Conselho Nacional de
Recursos Hídricos, a Agência Nacional de Águas e os Comitês de Bacias
Hidrográficas. Todos atuam na implementação da PNRH e contribuindo,
consequentemente, para a preservação dos corpos d’água.
O primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos foi aprovado em 2006,
com horizonte até 2020 e, portanto, um novo plano foi elaborado e
disponibilizado em 2022, com horizonte até 2040. Os principais dados de
diagnóstico e usos dos recursos hídricos no Brasil foram apresentados.
Como considerações finais, ressalta-se a complexidade encontrada na
gestão de recursos hídricos, que é, no entanto, essencial para a manutenção da
qualidade de vida e preservação do meio ambiente.

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REFERÊNCIAS

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Manual de usos


consuntivos da água no Brasil. Brasília, DF, 2019.

ANA – Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. Disponível em:


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hídricos Brasil 2021 – diagnóstico e prognóstico. Disponível em:
<https://relatorio-conjuntura-ana-2021.webflow.io/>. Acesso em: 30 out. 2022.

BRAGA, B. P. F. et al. Pacto federativo e gestão de águas. Estudos Avançados,


v. 22, n. 63, p. 17-42, 2008.

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República, Casa Civil, 1997.

CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Resolução n. 32, de 15 de


outubro de 2003. Ministério do Meio Ambiente, 2003.

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Brasília, DF: Agência Nacional de Energia Elétrica, Superintendência de Estudos
e Informações Hidrológicas, 2001.

TRATA BRASIL. Ranking do saneamento. Instituto Trata Brasil 2021. São


Paulo, 2021.

TUCCI, C. E. M. Hidrologia ciência e aplicação. 2. ed. Porto Alegre:


Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2001.

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