2021 Relações Entre Universidades e Comunidades Ebook

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

Reitor Valdiney Veloso Gouveia


Vice-Reitora Liana Filgueira Albuquerque

EDITORA UFPB
Direção Natanael Antonio dos Santos
Gestão de Editoração Sâmella Arruda
Gestão de Sistemas Ana Gabriella Carvalho

Conselho Editorial Adailson Pereira de Souza (Ciências Agrárias)


Eliana Vasconcelos da Silva Esvael (Linguística, Letras e Artes)
Fabiana Sena da Silva (Interdisciplinar)
Gisele Rocha Côrtes (Ciências Sociais Aplicadas)
Ilda Antonieta Salata Toscano (Ciências Exatas e da Terra)
Luana Rodrigues de Almeida (Ciências da Saúde)
Maria de Lourdes Barreto Gomes (Engenharias)
Maria Patrícia Lopes Goldfarb (Ciências Humanas)
Maria Regina Vasconcelos Barbosa (Ciências Biológicas)

Editora filiada à:
Alicia Ferreira Gonçalves,
Maristela Oliveira de Andrade
María Elena Martínez-Torres
Orlando de Cavalcanti Villar Filho
(ORGANIZADORES)

Relações entre universidades e comunidades


o circuito da dádiva e a sustentabilidade
dos territórios

Editora UFPB
João Pessoa
2021

Direitos autorais 2021 – Editora UFPB

Efetuado o Depósito Legal na Biblioteca Nacional, conforme a


Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

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Catalogação na fonte:
Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

R382 Relações entre universidades e comunidades : o circuito da


dádiva e a sustentabilidade dos territórios / Organizadores:
Alicia Ferreira Gonçalves ...[et al.]. - João Pessoa : Editora
UFPB, 2021.

E-book.
ISBN 978-65-5942-135-0
1. Universidades. 2. Extensão universitária. 3. Compromisso
social. I. Gonçalves, Alicia Ferreira. II. Título.
UFPB/BC CDU 378.4
Elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central

EDITORA UFPB Cidade Universitária, Campus I,


Prédio da Editora Universitária, s/n
João Pessoa – PB
CEP 58.051-970
http://www.editora.ufpb.br
E-mail: editora@ufpb.br
Fone: (83) 3216.7147
SUMÁRIO
PREFÁCIO...................................................................................................................7
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................9

PARTE I.............................................................................................16
A EXTENSÃO EM COMUNIDADES E A
SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

CAPITULO 1...........................................................................................................17
Experiências extensionistas entre a Praia e a Maré: constru-
ção de subsídios para o PGTA Potiguara na Aldeia Coqueiri-
nho/Marcação-PB....................................................................................17

CAPITULO 2...........................................................................................................41
A fotoetnografia em reassentamento de atingidos por barra-
gem no agreste paraibano....................................................................41

CAPITULO 3...........................................................................................................59
Gestão de resíduos sólidos urbanos: a experiência do municí-
pio de Bonito de Santa Fé – PB...........................................................59

CAPITULO 4...........................................................................................................84
Uma transposição de olhares sobre a cultura caririzeira:
Entre as ilusões e os impactos do Programa de Integração da
Bacia do Rio São Francisco..................................................................84
PARTE II......................................................................................... 111
A PESQUISA COM POPULAÇÕES TRADICIONAIS,
SEUS TERRITÓRIOS E LUTAS

CAPITULO 5........................................................................................................ 112


Movimentos campesinos de mulheres e resistência aos
cultivos transgênicos: breves análises críticas à realidade do
Brasil e Argentina................................................................................. 112

CAPITULO 6........................................................................................................ 131


Práticas econômicas e culturais de populações tradicionais:
interações entre cultura e ambiente............................................. 131

CAPITULO 7........................................................................................................ 150


O processo de empoderamento das mulheres cocadeiras: a
trajetória de vida de uma artesã.................................................... 150

CAPITULO 8........................................................................................................ 169


Comunidades afrodescendientes en el Pacífico Colombiano:
relaciones con el territorio y la biodiversidad......................... 169

SOBRE OS AUTORES....................................................................................... 190

6 [Sumário]
PREFÁCIO
Em tempos complexos e de “(re)definições” globais, a universidade
pública enquanto uma instituição a serviço do bem comum, fundamen-
tada na proposta de geração de conhecimento decente para uma vida
prudente, como sugere Boaventura de Souza Santos, tem a oportunidade
de se reinventar e, mais uma vez contribuir para a construção de uma
sociedade socioambientalmente responsável.
Essa contribuição, para além do ensino e da pesquisa, acontece na
extensão universitária (um processo interdisciplinar, político educacio-
nal, cultural, científico e, tecnológico), lócus onde se promove a interação
transformadora entre as instituições de ensino superior e a sociedade.
Nesse sentido, a UFPB priorizando a formação acadêmica e cida-
dã do seu corpo discente, promove através da Pró Reitoria de Extensão
(PROEX), o Programa UFPB NO SEU MUNICÍPIO, instituído pelo então
Pró Reitor Orlando Villar, que em seu quarto ano de execução, já contri-
buiu para a realização de 354 projetos de extensão, envolvendo mais de
400 professores e técnicos, 477 alunos bolsistas, 1.600 voluntários, que
juntos com a sociedade colaboram para a efetivação de sua função social
e, de sua missão.
Essa coletânea reflete o compromisso do Grupo Interdisciplinar de
Pesquisa em Cultura, Sociedade e Ambiente (GIPCSA) em contribuir para
a construção desse intercâmbio, por meio de pesquisas e projetos de ex-
tensão financiados pela PROEX.
Entendemos nosso trabalho na extensão, como forma de retribuir
às comunidades pesquisadas, serviços diversos como prática de recipro-
cidade. Como um processo coadjuvante na construção de alternativas, es-
pecialmente as que estimulam a autonomia das pessoas e grupos e, que
provocam o despertar das potencialidades vocacionais da região. Com
a responsabilidade do fazer das ações extensionistas, instâncias a partir
das quais também possa se repensar os cursos de graduação, bem como,
contribuir para a melhoria contínua dos cursos de pós-graduação.

7 [Sumário]
Portanto, convidamos a todos os leitores a apreciar as experiências
aqui relatadas. Um desafio coletivo da cocriação alicerçada pela troca de
saberes, que nos permitam atravessar esses tempos complexos na dire-
ção de um desenvolvimento humano, sustentável e duradouro.

Alberto dos Santos Cabral1

1 Alberto dos Santos Cabral é vinculado a PROEX, membro da Rede de Museus e inte-
grante do GIPCSA, em estágio pós doutoral junto ao PPGA-UFPB (2020-2021), Sociólogo (UFPB),
com doutorado em Desenvolvimento Sustentável (UnB) e, sanduiche doutoral em Mercadologia
na Universidade de Maastricht.

8 [Sumário]
APRESENTAÇÃO

“...O Hau não é o vento que sopra. Nada disso. Suponha que o
senhor possua um artigo determinado (taonga) e que me dê
esse artigo; o senhor dá sem um preço fixo. Não fazemos negó-
cio com isso. Ora, eu dou esse artigo a uma terceira pessoa que,
depois de algum tempo, decide dar alguma coisa em pagamento
(utu)... (Ora. Esse taonga que ele me dá é o espírito (hau) de
taonga que recebi do senhor e que dei a ele. (..) Tal é o hau, o hau
dos taonga, o hau da floresta” (MAUSS, 1974, p.53-54).

“Qual a regra de direito e de interesse que, nas sociedades do tipo


arcaico, faz com que o presente recebido seja obrigatoriamente retribuí-
do”? (MAUSS, 1974, p. 42). A tese central do autor é que a Dádiva produz
alianças: alianças matrimoniais, religiosas, políticas, jurídicas, aliança
com os Deuses. A aliança produzida com os Deuses por meio da dádiva,
nos permite também, meditar sobre as alianças que historicamente nós
estabelecemos com a natureza desde o advento da economia mercantil
baseada na acumulação e concentração e nas relações de exploração do
Homem sobre o Homem e nas relações de exploração da natureza tratada
e concebida como “objeto” tanto pelo capitalismo como pela ciência po-
sitiva. Os debates acerca do antropoceno (Haraway, 2016, Tsing, 2015) e
capitaloceno (MOORE, 2016) sinalizam os efeitos da ação humana sobre
a natureza e refletem relações assimétricas e de depredação dos biomas.
Crimes ambientais em escala mundial cujos impactos recaem sobre co-
munidades ditas vulneráveis que sobrevivem de recursos ecossistêmi-
cos. Nesta perspectiva, existem conexões entre a crise ambiental e as
diversas formas de desigualdade: de poder, de distribuição da riqueza,
desigualdades também com relação à divisão internacional do trabalho
entre países do Sul e Norte. Da mesma forma, questões de raça, classe, gê-
nero, sexualidade estão interrelacionadas com o modo como a natureza
está sendo remodelada pelo capitalismo. Trata-se de pensar e articular
alianças políticas entre diversos atores sociais, dentre eles, universida-
des, grupos de pesquisas, e comunidades para repensar as relações entre

9 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

sociedade e natureza, homem e natureza - lembrando que a ciência car-


tesiana e positiva dissociou. Tal dissociação é a matriz de todas as pato-
logias no capitalismo.
As possibilidades de reconciliação entre humanos e natureza po-
dem ser vislumbradas na relação entre populações tradicionais e ter-
ritórios sociais ou coletivos. Little (2002) propõe a cosmografia como
modelo para o reconhecimento de processos de apropriação dos terri-
tórios sociais por distintos grupos, mediado pelos saberes ambientais,
ideologias e identidades, construídos para manter seu território. Porém,
ele adverte que os territórios sociais têm sido ameaçados e disputados
em face dos “confrontos contemporâneos com o desenvolvimentismo,
preservacio-nismo, socioambientalismo e o Estado tecnocrático (LITTLE
p.254, 2002)”.
Com o socioambientalismo, os direitos culturais de povos indígenas
e demais povos tradicionais começam a ser alvo de políticas públicas,
considerando a função socioambiental da propriedade (Santilli 2005).
Políticas voltadas para a sustentabilidade dos territórios coletivos sur-
gem com base na premissa dos limites dos recursos naturais e da solida-
riedade com as gerações futuras. Sustentabilidade que deve ser relativi-
zada, segundo a perspectiva antropológica da diversidade de percepções
sobre o limite dos recursos ou sobre a sujeira ou contaminação do am-
biente, conforme os padrões e valores de cada cultura (Foladori 2004).
Esta coletânea reflete o espírito do “Hau”, espírito “da coisa dada”
que deve ser retribuída também na sua dimensão cósmica. Neste senti-
do, reflete sobre as relações entre universidades públicas e comunidades,
notadamente, as ações da extensão universitária. Nesta sintonia, compõe
esta coletânea pesquisas e projetos de extensão financiados pela Pró Rei-
toria de Extensão (Proex) da Universidade Federal da Paraíba, realizados
no âmbito do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade
e Ambiente (GICPSA) e grupos parceiros. O GIPCSA em seu esforço de
construir uma ponte entre a pesquisa e a extensão, revela o compromis-
so de retribuir às comunidades pesquisadas em serviços diversos como
prática de reciprocidade, integrando um circuito da dádiva que abrange
o período de 2015 a 2020.

10 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Seguindo esta ótica, a presente coletânea está composta em duas


partes. A Parte I apresenta os resultados dos projetos de extensão finan-
ciados pela PROEX desenvolvidos no estado da Paraíba com participação
dos pesquisadores do GIPCSA e outros grupos associados, reunindo qua-
tro experiências na zona litorânea, agreste e sertão.
O capítulo que abre a presente coletânea de autoria de Humber-
to Bismark Dantas [Tapuya-Tarairiú], Jaqueline Félix [Potiguara], Alicia
Gonçalves María Elena Martínez-Torres e Ivys Medeiros da Costa é re-
sultado de vários diálogos estabelecidos entre pesquisadores e lideran-
ças indígenas Potiguara desde 2018 a partir da tese de doutoramento de
Ivys da Costa Medeiros que nos revelou os “imponderáveis” da pesquisa
etnográfica: uma demanda do Ministério Público Federal do Estado da
Paraíba (MPFPB), para construção do Plano de Gestão Ambiental e Ter-
ritorial (PGTA) Potiguara previsto no Decreto n° 7.747, de 5 de junho de
2012 que institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de
Terras Indígenas – PNGATI. A primeira edição do projeto “Construindo
mapas sociais: subsídios para o Plano de Gestão Territorial e Ambiental
Potiguara” através do Edital Proex 03/2019 “UFPB em seu município”.
Importante realçar que o referido projeto é fruto da articulação com o
Conselho de caciques Potiguara sob a coordenação de Alicia Gonçalves e
María Elena Martinez-Torres (profa. Visitante Ciesas-México/PPGA) no
âmbito do Programa Capes Print.
O capítulo seguinte resultou do primeiro projeto de extensão do
GIPCSA (Edital/2016), que abriu o circuito da dádiva, coordenado por
Maristela Andrade e Givanilton Barbosa (bolsista) junto a um reassen-
tamento de atingidos por barragem no agreste paraibano. O projeto vem
sendo reeditado nos anos seguintes na mesma comunidade, mantendo
o vínculo com o GIPCSA, se integrou ao Laboratório Arandu de antro-
pologia visual/Campus IV sob a coordenação de João Mendonça. Neste
capítulo Givanilton de A. Barbosa; João M. B. de Mendonça; Silvano Aba-
de; Glauco Machado e Melba Godoy, apresentaram os resultados relativos
ao projeto de extensão (Edital/2019) com foco no uso da fotoetnografia
como narrativa expressiva dos modos de vida de uma comunidade de
atingidos por barragem.

11 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

O capítulo intitulado: “Gestão de resíduos sólidos urbanos: a experi-


ência do município de Bonito de Santa Fé – PB” de autoria de Ana Virginia
Moreira Gomes, Tarcísio Valério da Costa e Palloma Damascena Morais,
financiado com recursos da Pró Reitoria de Extensão (Proex) analisa o
caso do município de Bonito de Santa Fé, situado no alto sertão do Esta-
do da Paraíba, e relata a experiência modelar de reciclagem de resíduos
sólidos urbanos seguindo a Lei n.12.305/2010 da Política Nacional de
Resíduos Sólidos (PNRS). Em 2013, a cidade recebeu o Prêmio Cidade
Pró Catador, em sua primeira edição, com o projeto de inclusão social dos
catadores. O estudo do caso da política de coleta seletiva solidária no mu-
nicípio, permite a análise da efetividade do modelo de política de inclu-
são proposto pela PNRS ademais das questões sanitárias e ambientais.
O último capítulo da Parte I de autoria de Emerson Lopes Barbosa,
intitulado: “Uma Transposição de Olhares sobre a cultura Caririzeira: Ilu-
sões e impactos do Programa de Integração da Bacia do Rio São Francisco”
foi desenvolvido através do Edital 03/2018 “UFPB no seu município”, e,
nos apresenta fragmentos de uma constituição social, com vistas a aber-
tura de discussões e análises de conflitos hídricos e sociais através da con-
templação da paisagem. enquanto “cultura como uma ideação da imagi-
nação humana sobre a própria natureza” (Schama, 1996:70), exposta em
fotografias de um contexto/terri-tório/universo que denominou cultura
caririzeira. com suas ressignificações acionadas no âmbito do Programa
de Integração da Bacia do Rio São Francisco – PISF.
A Parte II reúne os capítulos de resultados de pesquisas vinculadas
ao GIPCSA e da convidada externa Márcia Maria Tait Lima que abre esta
seção com o capítulo intitulado “Movimentos campesinos de mulheres e
resistência aos cultivos transgênicos: breves análises críticas à realidade
do Brasil e Argentina”. A autora traça um panorama das ações coletivas de
resistência aos principais cultivos transgênicos nos dois países, centrali-
zando nas ações posteriores a 2000, para apontar o protagonismo das
mulheres camponesas e rurais. Em contraposição aos alimentos trans-
gênicos, elas elaboram propostas político-epistêmicas de alternativas ao
modelo de agricultura industrial na América Latina, em que relacionam
questões agrárias, ambientais, econômicas tecnológicas e de gênero, tra-
zendo novos elementos.

12 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Já no segundo capitulo dessa parte, Maristela Oliveira de Andrade


apresenta resultados da pesquisa “Práticas sociais e culturais de popula-
ções tradicionais: interações entre cultura e ambiente”, vinculada ao GIP-
CSA, com o objetivo de investigar as interações entre cultura e ambiente
em múltiplos contextos. Foi feito um estudo das práticas econômicas e
culturais de populações tradicionais, investigadas por mestrandos e dou-
torandos que permitiram detectar processos de fortalecimento identitá-
rio e de aumento de capital social em diferentes grupos com repercus-
sões sobre a sustentabilidade de seus territórios.
No capítulo seguinte Patrícia de Azevedo apresenta os resultados
da pesquisa sobre mulheres artesãs de um empreendimento social do
município de Lucena-PB, com depoimentos da artesã mais comprometi-
da com o empoderamento das mulheres desse grupo. Quanto ao enfoque
analítico, a autora articulou as relações de gênero, com desenvolvimento
e empoderamento. Há dois anos a autora vem através da extensão com
seus alunos, dando assessoria para aprimorar a autogestão desta asso-
ciação de mulheres para torna-la mais sustentável e duradoura.
Por último, Laura Lozada, Denise Dias da Cruz e Maristela Oliveira
de Andrade produzem reflexões sobre as políticas de etnodesenvolvi-
mento e de proteção da biodiversidade frente a uma comunidade afro-
colombiana do Pacífico Colombiano, considerando os dilemas que envol-
vem as políticas sociais e ambientais para compatibilizar a manutenção
da dinâmica dos ecossistemas em sintonia com sistemas sociais, étnicos
e políticos.
Esperamos que o circuito da dádiva protagonizado pela universi-
dade e as comunidades, represente um ciclo de alianças que perdure e
possibilite ganhos recíprocos, com o adensamento dos laços de recipro-
cidade entre universidades públicas e comunidades.
Agradecemos à comissão editorial interna de pesquisadores desta
e de outras universidades que realizaram a avaliação e revisão dos capí-
tulos, Alberto dos Santos Cabral (UFPB); Alcides Fernando Gussi (UFC);
Francisca Miller (UFRN); Gustavo F. da Costa Lima (UFPB); José Glebson
Vieira (UFRN); Lara Santos Amorim (UFPB); Leda Gitahy (UNICAMP);
Monica Cox (UFPE); Salvador Trevizan (UESC); Thiago Pereira Falcão

13 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

(UFPB) e Eddla K. Gomes Pereira (UFPB). Agradecemos a Humberto Bis-


mark Dantas [Tapuya-Tarairiú] pelo trabalho de verificação das similari-
dades e de editoração dos textos originais, bem como de sistematização
e editoração da coletânea como um todo.
Agradecemos também a Pró Reitoria de Extensão pelo apoio finan-
ceiro para impressão deste livro, e parabenizamos por todo valioso tra-
balho de extensão realizado nos diversos territórios do estado da Paraíba
nos últimos anos.
Finalmente, queremos externar nossos agradecimentos em memó-
ria do nosso colaborador Tarcísio Valério da Costa, economista e servidor
da UFPB, ativista ambiental e integrante do GIPCSA que teve um papel
fundamental na elaboração da presente coletânea. Lamentamos profun-
damente o seu falecimento em 18 de abril de 2021, dia em que Tarcísio
veio fazer parte das mais de 373 mil vítimas fatais da Covid-19 no Brasil.

Alicia Ferreira Gonçalves,


Maristela Oliveira de Andrade
María Elena Martínez-Torres
Orlando de Cavalcanti Villar Filho

NOTAS
Andreia Bavaresco; Marcela Meneses. Entendendo a PNGATI: Política
Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena. Brasília: Giz/
Projeto GATI/Funai, 2014
Anna L. Tsing. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no
antropéceno / Anna Lowenhaupt Tsing; edição Thiago Mota Cardoso,
Rafaei Victorino Devos. — Brasília: IEB Mil Folhas, 2019. (2015?)
Clifford Geertz. “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa
da cultura.” A interpretação das culturas 1 (1989): 3-21.

14 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Donna Haraway. 2016. Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno,


Chthuluceno: fazendo parentes. ClimaCom, ano 3, n. 5, “Vulnerabilidade”
Guillermo Foladori; Javier Taks. Um olhar antropológico sobre a
questão ambiental MANA 10(2):323-348, 2004.
Jason W Moore. 2016. Anthropocene or capitalocene? Nature, history,
and the crisis of capitalism. Kairos book.
Juliana Santilli. Socioambientalismo e novos direitos: proteção
jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Peirópolis. 2005
Marcel Mauss. “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas
sociedades.” Sociologia e antropologia 2 (1974).
Paul E. Little. Territórios sociais e povos tradicionais no Brasil.
Anuário Antropológico, v. 28, n. 1, 2003.
J. Santilli. (2005). Socioambientalismo e novos direitos-Proteção
jurídica à diversidade biológica e cultural. Editora Peirópolis LTDA.
Simon Schama. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras,
1996.

15 [Sumário]
PARTE I

A EXTENSÃO EM COMUNIDADES
E A SUSTENTABILIDADE
SOCIOAMBIENTAL
CAPITULO 1
EXPERIÊNCIAS EXTENSIONISTAS
ENTRE A PRAIA E A MARÉ:
CONSTRUÇÃO DE SUBSÍDIOS
PARA O PGTA POTIGUARA
NA ALDEIA COQUEIRINHO/
MARCAÇÃO-PB.

Humberto Bismark Dantas [Tapuya-Tarairiú]


Jaqueline Felix dos Santos [Potiguara]
Alicia Ferreira Gonçalves
María Elena Martínez-Torres
Ivys Medeiros da Costa

INTRODUÇÃO

O povo Potiguara da Paraíba historicamente tem sido alvo de uma sé-


rie de apropriações de seus territórios para a produção industrial de teci-
dos, de cana-de-açúcar e veraneio. Diante do Etnomapeamento dos Povos
Potiguara (CARDOSO e GUIMARÃES, 2012), construído entre 2011 e 2012,
percebemos que conflitos sobre a terra se mantiveram presentes em todo
o território, mesmo após os processos vigentes de demarcação das três
Terras Indígenas (TIs). Sendo as TIs Potiguara e Jacaré de São Domingos
demarcadas oficialmente, e a TI Monte-Mor em processo de homologação,
com uma população em 2017 de 14.000 indígenas habitantes das 32 al-
deias Potiguara (PALITOT, 2017). Os Potiguara estão presentes também

17 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

nas zonas urbanas das cidades de Baía da Traição, Rio Tinto, Marcação,
com uma ampla diáspora nas principais cidades da região e do país.
De forma ampla percebemos a existência de conflitos entre coletivi-
dades indígenas e iniciativas privadas e governamentais, e recentemen-
te uma tensão entre conservação ambiental e extração predatória2 nos
processos de territorialização Potiguara. Abordando esta problemática
o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade e Ambiente
(GIPCSA), integrado por professoras e estudantes da UFPB, tem trabalha-
do nos últimos anos junto aos povos Potiguara do litoral norte paraibano.
Resultado das lutas do movimento indígena criou-se no ano de
2012 uma legislação voltada ao planejamento e manejo do território, a
Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI). O
Projeto de Extensão ‘Construindo Mapas Sociais: subsídios para o Plano
de Gestão Territorial e Ambiental Potiguara’, coordenado pela Dra. Alicia
Ferreira Gonçalves e de forma adjunta pela pesquisadora visitante María
Elena Martínez-Torres (CIESAS-México), busca, desde 2018, contribuir
para efetivação da PNGATI nas TIs Potiguara, em conjunto com as lide-
ranças indígenas e suas comunidades. Em meio as experiencias desen-
volvidas nesse projeto, esse artigo foi construído de forma coletiva por
parte dos pesquisadores integrantes do GIPCSA, visando a apresentação
do projeto Construindo Mapas Sociais com enfoque especial aos resulta-
dos da aldeia Coqueirinho, na cidade de Marcação-PB.

GESTÃO TERRITORIAL INDÍGENA

Pensando as relações entre preservação ambiental e resguardo dos


direitos territoriais indígenas, Eloy Terena (2013) traz uma discussão so-
bre as concepções de desenvolvimento, pensando especificamente como
esses conceitos se interpassam nos Territórios Indígenas e como acabam
sendo pontos de partida para ações construídas pelo poder público, e
2 A exemplo dessas tensões temos conflitos entre o comitê de gestão da APA do Rio Ma-
manguape com a implantação do projeto Trilhas Potiguara, incentivado pela Secretaria de Turis-
mo do Estado.

18 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

de forma recorrente, promovem danos para povos indígenas e o meio


ambiente em que vivem. O autor entoa que “o desenvolvimento local (en-
dógeno) é um processo de mudanças de paradigmas, liderado pela comu-
nidade local, valendo-se de suas potencialidades, buscando a melhoria da
qualidade de vida da população” (TERENA, 2013, p. 58). Essa possibilida-
de do caráter local/endógeno ao traçar melhorias de qualidade de vida
nas comunidades tradicionais traz uma forte virada quanto as estraté-
gias costumeiras de promoção de políticas públicas, até então caracteri-
zadas pela lógica de tutela e diminuição da autonomia indígena. O autor
aborda a necessidade de estratégias da atuação em territórios indígenas
contarem com a participação efetiva de organizações indígenas, de forma
a garantir o protagonismo deliberativo por parte dessas comunidades. É
nessa ótica que se dá a atuação do projeto Construindo Mapas Sociais no
território Potiguara, na medida em que buscamos a criação de redes de
diálogos entre pesquisadores do grupo, indígenas e não-indígenas, junto
a lideranças e moradores dos territórios para construção das ações vin-
culadas ao PGTA Potiguara.
Em consonância, Vilmar Guarany (2006) enfatiza a emergência de
conflitos entre a gestão territorial realizada por povos indígenas frente
as entidades gestoras das unidades de conservação a nível nacional. O
autor reitera que já no ano de 2006 eram tecidas críticas por parte do
movimento indígena contra a consolidação das unidades de conservação
de forma sobreposta aos territórios indígenas, tendo esse ponto inclusive
sendo deliberado como não recomendado no documento final construí-
do durante a Conferência Nacional dos Povos Indígenas3.
O geógrafo brasileiro Mançano Fernandes (2017) afirma que os
processos de territorialidade se caracterizam por uma constante confli-
tividade entre as diferentes formas de apropriação de um mesmo espaço
por moradores, governo, municípios, grupos sociais, etc. Postulando esse
debate no território paraibano, Costa (2019) traz à tona as ineficácias
das estratégias de comunicação coletiva direcionadas aos Potiguara resi-
dentes nas 9 aldeias localizadas na zona de sobreposição entre as Terras
Indígenas Potiguara e a Área de Proteção Ambiental (APA) do rio Ma-
manguape. O mesmo Vilmar Guarany (2009) enfatiza ocorrer frente aos
3 Conferência Nacional dos Povos Indígenas, 2006 apud GUARANY, 2009, p. 92.

19 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

processos de demarcação do território Guarani Mbyá no estado de São


Paulo. Na perspectiva evidenciada por Costa (2019) há uma oposição evi-
dente entre gestores ambientais, guiados pela soberania da preservação
territorial frente as deliberações Potiguara, movidas pelos ideais comu-
nitários do direito originário ao usufruto do seu território.
No aspecto dessa contradição, as formas de execução da gestão
territorial da APA acabam corroborando com deliberações impositivas
dentro do território indígenas. A não presença dos indígenas nas reu-
niões do conselho gestor não é uma exceção à regra, cabendo ao comitê
gestor da APA construir estratégias junto as comunidades Potiguara da
zona de sobreposição (COSTA, 2019; DANTAS, GONÇALVES et al, 2019).
Resumidamente, o comitê gestor da APA acaba tomando medidas res-
tritivas incidindo diretamente nos usos dos territórios de 9 das aldeias
Potiguara, sem a consulta efetiva aos moradores das aldeias, principais
interessados nesse processo.
Resultado das mobilizações do movimento indígena, no ano de
2012 emerge a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial In-
dígena (PNGATI), fazendo a intersecção entre direitos socioambientais
e ações especificas de fomento a gestão territorial indígena em todo o
território brasileiro. Em consonância com as perspectivas que trazemos
nos parágrafos anteriores, o manual Entendendo a PNGATI enfatiza essa
política como “uma conquista porque se trata de uma demanda dos po-
vos indígenas por uma política pública do Estado brasileiro para a ges-
tão ambiental e territorial das terras indígenas” (BAVERESCO et al, 2014,
p.8) e que se diferencia da leva de políticas de tutela pois promove o
“abandono de uma perspectiva assimilacionista, que entendia os índios
como categoria social transitória, a ser gradativamente incorporada pela
sociedade nacional, e com isso, fadada ao desaparecimento” (BAVERES-
CO et al, 2014, p. 13). A PNGATI se propõe a promoção de ações de gestão
territorial vinculadas primordialmente ao direito originário dos povos
indígenas, de forma a incorporar as formas de convivências indígenas
em seus territórios. Como enfatizamos, é latente a necessidade de que
as próprias perspectivas indígenas sobre o seu território sejam tomadas
como disparadores para as ações que se constroem sob a luz da PNGATI.

20 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Um de seus resultados diretos dessa política são os Planos de Ges-


tão Territorial e Ambiental Indígena (PGTA), que se propõem a traçar um
panorama das condições vigentes de cada território indígena, pensando
os usos e as práticas territoriais de seus povos, bem como elaborando
um conjunto de metas e possibilidades de ação frente contextos especí-
ficos de cada comunidade. De acordo com a PNGATI, o PGTA é um recur-
so a ser utilizado de subsidio para formulação de políticas públicas ou
mesmo, pretende-se como um documento útil para pressionar setores da
sociedade diante do não cumprimento de acordos pré-estabelecidos jun-
to as comunidades indígenas. Desse modo, o PGTA se postula como um
“instrumento feito pelos e para os indígenas, segundo suas aspirações e
visões de futuro, com a colaboração e o apoio do Estado e de parceiros da
sociedade civil” (FUNAI, 2013, p.8).

CONSTRUINDO MAPAS SOCIAIS

No contexto especifico desse trabalho, o PGTA se coloca como um


instrumento crucial para o fortalecimento das estratégias de manuten-
ção dos direitos indígenas dentro das 3 TIs Potiguara do litoral norte da
Paraíba. Durante o trabalho de doutorado da pesquisadora Ivys Medeiros
da Costa (2019), inicia-se a mobilização de esforços voltados a constru-
ção do PGTA Potiguara. Essa demanda surge especialmente por parte da
Associação de Caciques Potiguara, na pessoa do Cacique e pesquisador
do GIPCSA Nathan Galdino Potiguara, que abraça os projetos iniciais para
subsidiar o PGTA. Levamos em consideração ainda o Termo de Compro-
misso e Ajustamento de Conduta (TAC) nº36/2017, que em meio a uma
série de exigências diversas sobre as práticas territoriais do povo Poti-
guara, demanda a construção urgente do PGTA.
O marco fundacional e institucional voltada a construção do PGTA
foi a Assembleia Inicial, em dezembro de 2018. A assembleia contou com
a presença de várias lideranças Potiguara, incluindo caciques e anciões,
além de várias lideranças jovens indígenas, em parte universitários do
Campus IV e I da UFPB, bem como integrantes do GIPCSA guiados pe-

21 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

las pesquisadores-docentes Alicia Ferreira Gonçalves e Ivys Medeiros da


Costa. A partir desse primeiro contato, conseguimos marcar uma série de
oficinas nas aldeias, contando com a presença de seus respectivos caci-
ques e a moradores locais. Desses esforços iniciais de articulação foram
elaboradas propostas e atividades englobadas no projeto de extensão
‘Construindo Mapas Sociais: subsídios para o Plano de Gestão territo-
rial e ambiental Potiguara’, submetido e aprovado no ano de 2019, com
apoio financeiro da PROEX. A partir da aprovação no edital UFPB no seu
município, trouxemos enfoque a aldeias da cidade de Marcação, e assim
o fizemos, realizando oficinas nas Aldeias Tramataia, Camurupim e Co-
queirinho na segunda metade do ano de 2019.
Para viabilidade do projeto, levamos em consideração o Edital
UFPB no seu Município que visa “contribuir para o desenvolvimento sus-
tentável dos municípios de sua área de abrangência, com vistas ao empo-
deramento das comunidades para a melhoria da qualidade de vida” (EDI-
TAL PROEX Nº 03/2019), deste modo, as ações do projeto Construindo
Mapas Sociais vinculam-se diretamente a construção de estratégias e
práticas voltadas a promoção de direitos e melhoria da qualidade de vida
dos povos indígenas das aldeias localizadas na cidade de Marcação/PB.
Sendo assim, é no braço da extensão que se desenvolvem as atividades
enfatizadas nesse trabalho, contando com apoio financeiro para bolsis-
tas, por onde passaram ambos os graduandos que escrevem esse traba-
lho, tal como viabilizando transportes da UFPB para realizar a locomoção
do grupo até as aldeias e para fazer trajetos curtos no território com os
guias das caminhadas. Por fim, esse projeto está em consonância direta
com as Políticas Ambientais da UFPB, inseridas num contexto de fomento
a práticas sustentáveis e manejo responsável com o meio ambiente:

1.4. Considerando o que preconiza a Resolução do CONSUNI


Nº 17/2018, que trata da Política Ambiental da UFPB, que visa
implantar ou adaptar ações institucionais que possibilitem pro-
mover o desenvolvimento sustentável da UFPB e da sociedade,
compativelmente com um meio ambiente saudável e ecologica-
mente equilibrado, por meio do incentivo às ações de extensão
orientadas pelos princípios e objetivos da Política Nacional de
Educação Ambiental. (EDITAL PROEX Nº 03/2019).

22 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Em sua totalidade, esse projeto abarca uma metodologia interdis-


ciplinar, contanto com a participação variada de pesquisadores indíge-
nas e não indígenas, de áreas transversais partindo essencialmente de
diálogos entre a antropologia, o direito e a ecologia Nesse movimento, já
realizamos oficinas em 9 aldeias nas 3 TIs Potiguara (2018-2020), onde
a partir do trabalho coletivo dos integrantes do GIPCSA e da colaboração
de lideranças indígenas e demais moradores das TIs, viabilizamos um
leque de atividades realizadas em cada um desses encontros.
Nessas oficinas construímos ações por meio da observação partici-
pante em rodas de diálogos de saberes; aplicação de entrevistas e ques-
tionários; montagem do acervo visual das atividades; e na realização de
caminhadas em meio as narrativas dos moradores pelo território. A jun-
ção da realização das oficinas alinhada a participação dos indígenas jun-
to ao grupo de pesquisa e aos debates teóricos que servem de arcabou-
ço para no nosso projeto viabilizam a construção de panoramas sobre
os contextos vigentes das aldeias Potiguara e, de forma um pouco mais
abrangente, do território como um todo.
Os dados produzidos até agora estão em processo de análise cole-
tiva pelos pesquisadores do grupo e já tem sido publicado em algumas
interfaces, onde podemos perceber várias questões que devem ser leva-
das em consideração para a construção efetiva de um PGTA. Em artigo
recente, enfatizamos como demandas de bases, as de saneamento bási-
co, construção de escolas, políticas de saúde, ações de preservação am-
biental entre outras (GONÇALVES, 2020). Questões acerca da inserção
de cana-de-açúcar e as relações de extrativismo dentro do território, em
especial na aldeia Jacaré de São Domingos podem ser encontradas em
texto publicado em 2019 (DANTAS, COSTA, 2019), bem como as relações
de turismo algumas observações preliminares junto a aldeia Lagoa do
Mato no texto publicado no Congresso Internacional de Povos Indígenas
da América Latina (DANTAS et al, 2019).

23 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

COQUEIRINHO

Nesta sessão nos voltamos ao compartilhamento de algumas refle-


xões geradas a partir das visitas previas e da oficina ocorrida na Aldeia
Coqueirinho no dia 25 de outubro/2019, junto aos 38 moradores parti-
cipantes da oficina.
Como em outros dias de oficina, as 7h30 estamos, os integrantes do
GIPCSA, na UFPB prontos para começarmos a deslocamento para as Al-
deias. O caminho da UFPB até a aldeia Coqueirinho é relativamente lon-
go, para chegar lá precisamos nos locomover por 71km da zona metro-
politana de João Pessoa até o território Potiguara, passando pelas zonas
urbanas das cidades Mamanguape, Rio Tinto e Marcação para só então
chegarmos ao rio que nos tira das estradas de asfalto e nos guia sinuo-
samente até a praia de Coqueirinho, passando antes pela aldeia vizinha,
Acajutibiró.
Como é visível na figura abaixo, a aldeia Coqueirinho está situada
junto a mata nativa que acompanha um dos afluentes do Rio Maman-
guape, e de seu lado oposto temos a Praia de coqueirinho, repleta de res-
taurantes e bares. A região se estreita na medida em que se aproxima da
barra, resultando numa parte do território da aldeia repleto de Mangue/
Maré, formada pelas oscilações no encontro das águas do rio e do mar.

24 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 1: Imagem aérea da praia de Coqueirinho, com aldeia


e viveiros de camarão em destaque.

Fonte: Ortofotos com VANT por Jessé Gomes Júnior, 2019.

Ao chegarmos na aldeia, seguimos rumo ao ponto de encontro mar-


cado com o Cacique Sandro Macaxeira. Já são quase dez horas da ma-
nhã, saímos da van e caminhamos na estrada de areia até um dos vários
bares e restaurantes na praia de Coqueirinho. Ouvimos os barulhos das
panelas na parte interior do bar, em paralelo ao reluzente mar da praia
de coqueirinho. Somos recebidos pela Mãe do Cacique Sandro, uma das
primeiras moradoras dessa Aldeia, e por Cris, recém chegado, advindo da
aldeia Três Rios. Como havíamos combinado previamente, nossos esfor-
ços pela manhã e pela tarde seriam investidos nas caminhadas com nar-
rativas pela aldeia, conhecendo os principais pontos para comunidade.
Buscamos embasar nosso trabalho num viés etnográfico (GONÇALVES,
2018) partindo de conversas com os moradores, do conhecimento dos
territórios e do registro fotográfico desses espaços. Dessa forma, as in-
formações apresentadas nessa sessão são baseadas nas narrativas dos
moradores de Coqueirinho com os quais estivemos em dialogo.
A aldeia de Coqueirinho se constrói margeada pelo turismo. Os re-
latos enfatizam a existência de poucas famílias nessa aldeia, tendo em

25 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

vista que o único acesso para a cidade era de canoa, pela aldeia Camuru-
pim, ou quando a maré estava baixa e viabilizava a caminhada a pé pela
praia, vindo da Baía da Traição. Também não havia saneamento básico
ou energia elétrica na aldeia. No entanto, após esse movimento inicial
de ocupação do território que hoje é a aldeia Coqueirinho, inicia-se um
movimento de entrada maciça de não indígenas no território durante os
anos 80s, construindo casas de veraneio para membros das classes altas
da região, em especial advindos da capital do estado, João Pessoa. A par-
tir dessa invasão de não indígenas ocupando e construindo casas dentro
do território Potiguara, os moradores das aldeias próximas iniciaram um
movimento de reinvindicação de reocupação do espaço, para usufruto
exclusivo dos indígenas conforme determinado por lei nos territórios in-
dígenas demarcados.
Dessa forma os moradores das aldeias próximas, em especial da al-
deia Camurupim, dão início a um movimento de luta para reintegração
de posse dos territórios, incluindo as casas e demais equipamentos urba-
nos construídos por não indígenas na aldeia em questão. O movimento
foi resguardado pelo estado, viabilizando acordos e indenizando os não
indígenas que haviam se instalado em Coqueirinho.

ENTRE A PRAIA E A MARÉ

No início da caminhada pela manhã do 25 outubro 2019, conhece-


mos toda a extensão da praia de Coqueirinho e encontramos com alguns
coletores de marisco e pescadores trabalhando no mar. O mar e a maré
são uma das importantes fontes de renda do povo Potiguara nessa aldeia,
de tal modo que habitantes das aldeias vizinhas chegam a se locomover
até Coqueirinho para trabalhar com os mariscos, peixes e camarão. Após
alguns minutos de caminhada adentramos na barra, encontro entre o rio
e o mar, que dá início à grande maré que se estende até a aldeia vizinha,
Camurupim, onde nos deparamos com um Peixe-Boi, descansando próxi-
mo à beira do rio. Nas figuras 2 e 3 encontramos registros desse momen-
to. Atualmente, o mar Potiguara é habitado por vários desse animais, ma-

26 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

peados e supervisionados pelos integrantes da APA do rio Mamanguape


e pelos Indígenas Potiguara das aldeias adjacentes.

Figura 2 e 3: Caminhada do projeto e registro do encontro com o peixe-boi.

Fonte: Gabriel Roque, acervo do GIPCSA, 2019.

27 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Para além do território da APA, os peixe-boi ultrapassam os limites


fronteiriços, deixando seus rastros fluviais pelo mar e entre os diversos
rios que se localizam no território Potiguara, desde o Camaratuba até o
Mamanguape. Essa espécie postula-se como um atrativo para muitos dos
visitantes das aldeias Potiguara, o que também acontece em Coqueirinho.
Caminhando de volta para o centro da aldeia, em meio aos viveiros
de camarão dispostos entre uma borda do rio e o mar, percebemos que
Coqueirinho possui uma rua principal, que parte da Igreja Nossa Senhora
dos Navegantes4 com várias residências com aparência de casas de vera-
neio. Almoçamos no restaurante onde havíamos chegado, descansamos
e no período da tarde fizemos o trajeto oposto da caminhada, indo até
bem próximo ao antigo cemitério da aldeia e caminhando um pouco para
dentro da mata, indo ao encontro do Rio que havíamos visto no caminho.
No turno da noite, das 19h às 21h, consolidamos a oficina em horá-
rio proposto pelos moradores da aldeia, quando novamente nos unimos
ao cacique Sandro Macaxeira, dessa vez também contando com a parti-
cipação dos 38 moradores de Coqueirinho para discutirmos as formas
como o PGTA pode vir a subsidiar as demandas específicas dessa Aldeia.
Em paralelo a esses diálogos, os participantes da oficina elaboram as me-
tas e problemáticas da aldeia, construíram os mapas sociais e respon-
deram aos questionários base. Nesse momento houve também a coleta
dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido dos participantes da
oficina.

SOL E PRAIA

Como podemos observar na figura 1, na sessão anterior, coqueirinho


traz consigo um forte apelo as atividades de turismo de ‘sol e praia’, como
já afirmavam Barbosa e Crispim (2015) frente as atividades turísticas no
litoral norte paraibano. Diante da caminhada em campo e através da ima-
gem aérea percebemos a praia e o rio como dois eixos referenciais para a
4 Em dezembro, Coqueirinho recebe uma grande quantidade de visitantes para a celebra-
ção de Nossa Senhora dos Navegantes.

28 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

disposição das casas em Coqueirinho, que se iniciam com os bares/restau-


rantes e pousadas na beira da praia e se seguem com as casas. Esses esta-
belecimentos, na maior parte das vezes são comércios familiares onde o
mesmo prédio é tanto restaurante/bar como domicilio, oferecendo servi-
ços para visitantes tanto das terras indígenas como de fora delas. Também
encontramos várias casas em diversos estágios de construção, algumas
delas com aparência de interrompidas já há algum tempo. Em paralelo
a isso, também encontramos algumas casas vazias, com aparência de que
não tinham moradores há um tempo considerável. Esse fluxo de constru-
ção e interrupção de obras de casas, bem como a quantidade de casas que
aparentavam estar permanentemente fechadas são aspectos que podem
estar atrelados ao turismo de sol e praia, que se mostra bastante atrativo
para construção ou ocupação para a finalidade de veraneio. Nas figuras
abaixo, visualizamos a vista para o mar em um dos bares da aldeia, bem
como uma palhoça localizada também na região da praia.

29 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 4 e 5: Vista para o mar e palhoça na praia.

Fonte: Gabriel Roque, acervo do GIPCSA, 2019.

30 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Quanto ao trabalho atual com turismo, os participantes da roda de


diálogo na parte noturna da oficina relataram que o fluxo de renda e es-
paços de trabalho no período de férias e finais de semana aumenta de
forma bastante intensa. Esse aumento do turismo resulta na movimenta-
ção de indígenas de outras aldeias para Coqueirinho de forma a ocupar
os espaços de trabalho necessários nos bares, restaurantes e pousadas da
região, bem como também para visitar a aldeia e aproveitar seus espaços
de lazer. Nesse sentido, também foi apontado pelos Potiguara, donos des-
ses estabelecimentos a necessidade de formação voltada a administração
dos seus comércios, englobando perspectivas de manutenção da renda
durante todo decorrer do ano, de forma a trazer melhorias de condições
financeiras para os moradores das aldeias.
Segundo Araújo et al (2017), processos de turismo por vezes es-
tão imbricados por lógicas de “apropriação dos espaços por poucos in-
divíduos que passam a explorá-los como atrativos” consolidando “uma
tendência à geração de impactos ambientais, econômicos e sociais nega-
tivos e que podem fazer com que a atividade turística assim desenvolvida
se torne insustentável a médio e longo prazo” (ARAUJO et al, 2017, p.9).
Isso também é parcialmente percebido em Coqueirinho, visto que o fluxo
mais intenso de turistas traz consigo maiores impactos ambientais na
aldeia. Nesse aspecto nos diálogos realizados em campo, os moradores
da referida aldeia destacam, por exemplo o aumento significativo da pro-
dução de lixo agravando o descaso que já existe frente a ineficiência do
município com a coleta de lixo, e um aumento da necessidade de sanea-
mento básico, que no geral é feito por meio do sistema de fossas sépticas
residenciais. Outro ponto também abordado pelos moradores quanto ao
desgaste ambiental é a invasão de carros na areia da praia, com a possibi-
lidade de causar acidentes nos moradores e turistas, aumento do proces-
so de assoreamento da praia, assim como trazendo uma poluição sonora
intensa.
Em meio a esse panorama geral, mesmo com algumas dificuldades
o turismo é enfatizado pelos moradores da aldeia como uma fonte po-
tente de renda e com impactos gerais bastante positivos. No entanto, é
importante salientar que também são destacados uma série de proble-
mas infra estruturais, como o abandono da construção de casas, a falta

31 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

de saneamento adequado e a necessidade de melhorias nas condições


de distribuição de água. Cabe então a consolidação de iniciativas de for-
mação para o etno-ecoturismo alinhada a viabilização de estratégias em
rede para estabelecimento do protagonismo indígena na realização das
atividades turísticas, com uma capacitação voltada para melhor adminis-
tração financeira de seus estabelecimentos comerciais, como na forma-
ção de guias de turismo, bem como na promoção de educação ambiental
e fiscalização para evitar o aumento da degradação ambiental por parte
dos visitantes não-indígenas. Paralelemente, cabe a prefeitura prestar
apoio através do fomento de obras e estratégias de melhorias desses pro-
blemas infraestruturais.
Em consonância com isso, tanto Araújo et al (2017) como Barbosa e
Crispim (2015) defendem a possibilidade de consolidar atividades de tu-
rismo que sejam sustentáveis. A exemplo das estratégias de alinhamento
de lazer junto a educação ambiental e étnica, trazendo consigo primor-
dialmente a autonomia comunitária. Desta forma a comunidade seria be-
neficiada com o aumento da renda básica, manutenção das práticas de
preservação ambiental e respeito ao contexto étnico, como demandaram
durante a oficina.
ARAUJO et al (2017, p. 16) caracterizam o turismo nos contextos
comunitários, cabendo

dotá-lo de um caráter mais humano, permitindo que os indiví-


duos, partícipes das comunidades, tornem-se protagonistas im-
portantes no processo de desenvolvimento, elevando a qualida-
de de vida da comunidade, superando-se como problema básico
o acesso à educação, saúde e a segurança alimentar. [...] Dessa
forma, o local, quando encontra e assume a sua identidade, po-
tencializa-se como alternativa ao Turismo Sustentável, em espe-
cial, ao Turismo Cultural e ao Etnoturismo, contribuindo tanto
para a preservação ambiental do território quanto a sua respec-
tiva valorização cultural.

Nesse contexto, entendemos a necessidade de atuação horizontal


entre as organizações comunitárias indígenas junto a colaboradores ex-

32 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

ternos. Feito isso, as estratégias de atuação voltadas ao turismo podem


fomentar a tríade Renda, Ambiente e Cultura, promovendo a autonomia
social no âmbito das deliberações sobre o território de sobreposição,
bem como a possibilidade de emergirem respostas efetivas as demandas
evidenciadas pelos Potiguara, a exemplo de formas de ampliar as estra-
tégias de educação ambiental e preservação envolvendo indígenas e não-
-indígenas alinhados as TIs Potiguara.

MARÉ

Outro ponto forte na economia da aldeia é a pesca e coleta de frutos


do mar, em especial a coleta de mariscos na zona da praia. Durante as
caminhadas da nossa oficina encontramos alguns desses trabalhadores
em meio ao mar realizando a coleta durante a baixa da maré, como em
uma das fotos abaixo.
Figura 6 e 7: Pescadores na praia de Coqueirinho

33 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Fonte: Gabriel Roque, acervo do GIPCSA, 2019

Além dos pescados do mar e do mangue, a Aldeia de Coqueirinho


possui também 11 viveiros de camarão, alguns pertencendo a associa-
ções comunitárias indígenas e outros deles moradores que não são da
aldeia Coqueirinho, incluindo indígenas de outras aldeias e não indíge-
nas. Durante a nossa caminhada, o primeiro viveiro que avistamos estava
desativado por ter sido construído ainda na parte da praia, de modo que
o avanço do mar exigiu a colocação de lonas de plástico nas laterais do
viveiro na tentativa de prolongar a vida útil do viveiro. Ao longo da ca-
minhada outros viveiros foram avistados, alguns deles estão visíveis na
parte direita da imagem aérea posta figura 1. Segundo os moradores e o
cacique da aldeia a carcinicultura gera uma produção de camarões bas-
tante rentável, chegando a alcançar a produção de camarões ‘graúdos’ de
mais de 17 centímetros.
Sampaio e Andrade (2018), trazem algumas questões que dão tom
as relações entre indígenas e órgãos ambientais referentes a prática da
carcinicultura a partir de pesquisa construída em meio as práticas da car-

34 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

cinicultura no território Potiguara, especialmente na aldeia Tramataia.


As autoras registraram a existência de estruturas para pesquisa com a
iniciativa de núcleos de pesquisa da UFPB na década de 90, que abriu ca-
minho em seguida para um projeto de fomento as atividades de carcini-
cultura com apoio financeiro do Banco Mundial (SAMPAIO et al, 2018,
p.198). Nessas experiencias houve primeiro a tentativa de implantação
do camarão nativo nos viveiros, o que segundo as autoras foi descartado
diante da não-rentabilidade, dando lugar ao camarão exógeno que trazia
maiores ganhos econômicos, mesmo frente aos riscos ambientais. As au-
toras concluem a pesquisa enfatizando a existência de impactos negati-
vos nas atividades de carcinicultura em Tramataia, mas esses impactos,
segundo indígenas moradores da aldeia, ocorrem especialmente nos pe-
ríodos de ‘despesca’ do camarão dos viveiros5.
Outro ponto apontado é a falta de suporte técnico adequado que
resulta, na mortandade dos camarões devido ao surgimento de doenças
pela falta de monitoramento adequado da água dos viveiros (Sampaio
2018). A morte de camarões apontada no texto de Sampaio (2018) foi
vista durante a caminhada na aldeia, que sem o apoio técnico necessário
os animais acabam adoecendo, morrendo e boiando, as garças aparecem
para se alimentar dos camarões. Da checagem visual se percebe a falta
de saúde dos viveiros. É importante perceber que isso é reflexo da inser-
ção da carcinicultura nas terras Potiguara e, como já afirmamos, muitos
dos viveiros foram construídos com subsídios de instalação por parte de
programas de apoio governamental e depois foram alvo de descaso. Após
a instalação desses projetos, de forma bastante recorrente, não se ins-
taura um acompanhamento dos impactos possíveis, não sendo traçadas
estratégias de manutenção técnica pós-instalação. O que acaba gerando
problemas que não podem ser premeditados pelos indígenas. Esse pro-
cesso é bastante complexo pois traz dificuldades na manutenção dos vi-
veiros, o que resulta no arrendamento dos tanques para não indígenas
que possuem interesse, recursos financeiros e aporte técnico suficiente
para garantir a produção e comercialização de camarão em larga escala.
Segundo Andrade et al.

5 Na aldeia Tramataia, segundo moradores entrevistados por Crispim (2015), parte dos
danos ambientais devem-se a inserção das usinas de cana-de-açúcar.

35 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

No contexto da carcinicultura familiar indígena, a ausência de


uma assessoria técnica explicaria os atuais problemas de ine-
ficiência e de impactos ambientais. A introdução de atividade,
que não fazia parte do universo das práticas e dos conhecimen-
tos tradicionais dessa comunidade, deveria ter como requisito
um acompanhamento com a inserção de inovações no sistema
para torná-lo ambientalmente mais sustentável. (ANDRADE et
al, 2015, p.159)

A inserção dos viveiros de camarão alinhada a falta de apoio técnico


acaba acarretando processos de degradação do meio ambiente, como por
exemplo a invasão do território da praia por viveiros ou mesmo o despejo
dos resíduos diretamente nos rios, sem o tratamento necessário desses
resíduos. Percebemos que diversos danos ambientais causados pela pra-
tica da carcinicultura nas terras Potiguara podem ser reduzidos de forma
significativa com o aumento do apoio técnico necessário para manuten-
ção saudável dos viveiros. Cabendo inclusive uma autocritica por parte
da Universidade e Gestores ambientais por engajarem processos de fo-
mento a inserção dos viveiros de camarão no território indígena, mas, ao
longo do tempo, acabaram ignorando a necessidade de manutenção de
apoio técnico de forma intermitente.

APONTAMENTOS FINAIS

Herdeira de projetos do passado, a comunidade de Coqueirinho se


esforça para resolver suas necessidades básicas ao mesmo tempo em que
demanda apoio governamental. No seu território convivem iniciativas
que visam melhorias reivindicadas pelas próprias comunidades indíge-
nas. A partir desse entendimento, diálogos sobre um suposto ‘desenvol-
vimento sustentável’ devem perceber as comunidades indígenas como
coletivos imbuídos nos processos de manutenção e também de mudança
das formas de convivência com a natureza, evitando corroborar com uma
visão de natureza como recurso a ser utilizado, ou mesmo como espaço
intocado. Categoricamente, iniciativas dentro dos territórios indígenas

36 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

acabam pendulando entre a promoção de 1 - degradação ambiental em


detrimento do desenvolvimento ou 2 - preservação indiscriminada dos
ditos recursos naturais ignorando as necessidades e experiencias comu-
nitárias presentes nesses territórios. Cabe complexificar a noção de na-
tureza, entendendo que povos indígenas fazem parte de seus territórios
e devem protagonizar deliberações sobre as formas de convivência em
todos os seus contextos. Nesse aspecto, não nos cabe demonizar as ativi-
dades de turismo ou mesmo as atividades de carcinicultura. Em contra-
partida deve-se perceber como essas atividades se instauraram no terri-
tório Potiguara ocupando um espaço no contexto do capitalismo global,
alocando a comunidade em processos de exotificação ligado fortemen-
te ao turismo ecológico, visto como preservação do território indígena,
combinado ao caráter do “índio do banco mundial”, como destaca Rivera
Cusicanqui (2013). Estas iniciativas têm sido apontadas pela mesma au-
tora como estratégias neocolonialistas que tiram a autonomia dos povos.
O grande desafio que seguiram enfrentando em relação ao Turismo Glo-
bal e autossuficiência.
Apesar das contradições, a comunidade da aldeia Coqueirinho tem
uma força coletiva que vai resolvendo suas necessidades com autonomia,
porém há muito desafios para resolver que listamos durante nossa ofici-
na: água potável, tratamento sanitário, lixo e educação escolar. Durante
o período de nossas visitas, eles construíram seu próprio posto de saúde
com a coordenação do cacique Sandro, depois de anos esperando pela
realização dessa demanda pelo estado. Isto nos mostra a força de um
povo que caminha junto, como Krenak (2019) dizia, para adiar o fim do
mundo.

37 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

REFERÊNCIAS

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APURINÃ [YWMUNYRY], Francisco. Um olhar sobre o cosmos a partir da
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BARBOSA, Izolda; CRISPIM, Maria. Potencialidades para o ecoturismo
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38 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

DANTAS, Michelle; BARBOSA, Milena; SANTOS [POTIGUARA], Sanderline.


Lendas e:ou mitos Potiguaras?! Tradição, sacralidade mulheres míticas
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DANTAS [Tapuya-Tarairiú], Humberto Bismark; COSTA, Ivys. Construindo
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e práticas territoriais indígenas frente às usinas sucroalcooleiras locais e
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GUARANY [GUARANI M’BYÁ], Vilmar Martins Moura. Direito territorial
Guarani e as unidades de conservação. Dissertação (mestrado em
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GONÇALVES, Alicia. Etnografia, etnologia & teoria antropológica. Revista
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GONÇALVES, Alicia. Mapas Sociais: Subsídios para a elaboração do Plano

39 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo:
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PALITOT, Estevão.: Os Potiguara de Monte-mór e a cidade de Rio Tinto. in:
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EDUFRN, 2018.

40 [Sumário]
CAPITULO 2
A FOTOETNOGRAFIA EM
REASSENTAMENTO DE
ATINGIDOS POR BARRAGEM NO
AGRESTE PARAIBANO6
Givanilton de Araújo Barbosa
João Martinho Braga de Mendonça
Silvano Abade
Glauco Machado
Melba Godoy

INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda uma experiência de extensão universi-


tária marcada pela prática da fotoetnografia como parte de uma pesquisa
antropológica. Trata-se de um reassentamento de famílias atingidas por
barragem, o sítio Cajá, localizado na zona rural do Município de Itatu-
ba, agreste do Estado da Paraíba. Por meio da prática fotoetnográfica, o
projeto extensionista buscou evidenciar os modos de vida de atingidos
por barragem, vindo a constituir potenciais subsídios socioculturais para
políticas sociais públicas voltadas a estas populações. O exercício fotoet-
nográfico concretizou-se como um experimento inicial, o qual teve por
base o fazer e o saber etnográficos, aprendidos nas disciplinas, desde os
clássicos aos contemporâneos da antropologia.
6 O presente artigo apresenta resultados reunidos no relatório do Projeto de Extensão
Universitária denominado “À luz da antropologia: fotoetnografia em um reassentamento de atin-
gidos por barragem no agreste paraibano”, aprovado pelo edital PROBEX/ 2019 vinculado ao
campus IV CCAE da UFPB. A equipe foi composta pelos professores coordenadores, pelo bolsista
Silvano Abade e pelos voluntários Givanilton de Araújo Barbosa, Glauco Machado e Melba Godoy
(bolsista inicial).

41 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Ao reunir estudantes de graduação e pós-graduação, de diferentes


grupos de pesquisa, integrando portanto os três pilares do funcionamen-
to da universidade (ensino, pesquisa e extensão), o conjunto de ativida-
des do período em pauta possibilitou estimular o exercício acadêmico
antropológico, bem como diferentes percepções do reassentamento ru-
ral de atingidos por barragem. A prática da fotoetnografia foi empregada
no sentido de exercitar um olhar antropológico, possibilitando caracte-
rizar o grupo social e permitindo constituir dados socioculturais para
novos desdobramentos, tanto de extensão quanto de pesquisa, gerando
aproximações entre comunidade rural e universidade.
O uso de imagens nas ciências sociais tem sido cada vez mais desen-
volvido nas últimas décadas, sabemos que o uso de imagens fotográficas
na antropologia, todavia, ocorre desde seus primórdios enquanto ciên-
cia. Ao longo do tempo, conjuntamente com a prática da etnografia foram
criadas diversas formas de fazer usos de câmeras de fotografar e filmar, o
que podemos constatar em etnografias clássicas como também nas mais
atuais. Deste modo, cada pesquisador pode propor e desenvolver um
trato específico sobre a fotografia em suas pesquisas antropológicas. As
imagens do projeto, em geral, servem como elementos para a formação
de uma coleção etnográfica, a partir de onde são possíveis análises, des-
crições e interações, tanto quanto formulações de questões, como, por
exemplo, em que medida a situação dos atingidos por barragem pode ser
pensada em termos de novas demandas sociais e culturais de contextos
resultantes do “antropoceno” (TSING, 2019, p. 23).
A antropologia, de modo geral, a partir de autores como Bronislaw
Malinowski, Marshall Sahlins, Fredrik Barth, George Marcus, Max Glu-
ckman, Margaret Mead e Gregory Bateson, fornece uma base para o de-
senvolvimento de um olhar fotográfico. Ao buscarmos a perspectiva ela-
borada por Achutti (1997), sobre abordagem fotoetnográfica, passamos
a investir numa experiência de contato efetivo com o grupo social. Nesse
sentido, tratou-se de articular conceitos antropológicos com a elabora-
ção de visões da situação sociocultural vivida pelos moradores do sítio
Cajá, seus modos de vida, sua organização política e cultural, enquanto
população atingida por barragem. Esse exercício se realizou por meio da
produção de imagens junto a esta comunidade.

42 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Para tratar da definição de “Fotoetnografia”, buscamos especificamen-


te as formulações em torno dessa noção tal como foram propostas pelo an-
tropólogo brasileiro Luiz Eduardo Achutti (1997). Segundo Biazus (2006, p.
302) o termo fotoetnografia foi aplicado por Achutti em sua dissertação de
Mestrado em Antropologia Social, defendida na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul. Sua pesquisa o levou a uma narrativa fotográfica autônoma
do texto escrito para contar sobre o cotidiano de Mulheres trabalhadoras em
um galpão de reciclagem em Porto Alegre (ACHUTTI, 1997).
Para Achutti (1997, p. 37) a técnica fotográfica possui potencial de
registro sociocultural, concomitante a isso, entendemos esta prática no
âmbito mais amplo de uma antropologia visual ou antropologia da ima-
gem (BARBOSA; CUNHA, 2006, pp. 5-6). Ao desenvolver a fotoetnografia,
Achutti propôs duas entradas de leitura, uma pelo texto e outra direta-
mente pelas imagens, afirmando, assim, a possibilidade de uma “escrita
fotográfica”, enfatizando as capacidades narrativas e expressivas da foto-
grafia. Dessa maneira, explicitou que os métodos da fotoetnografia pos-
suem duas linguagens e que devem ter uma autonomia entre si para que
se aproveite ao máximo seus potenciais narrativos. Em sua perspectiva,
para compor a narrativa fotográfica, não devemos incluir nenhum texto
juntamente com as imagens.
Conforme discutido por Biazus (2006, p. 303) Luiz Eduardo Achutti
estabeleceu um diálogo com o campo de conhecimento da antropologia
visual por meio de uma conversa com os autores que refletiram sobre o
tema, estabeleceu semelhanças e diferenças na utilização das imagens
para a construção do saber fazer antropológico. Ele procurou ressaltar
o potencial narrativo das imagens fotográficas utilizadas sob a forma de
“narrações visuais” que levam em conta a “construção do sentido graças
à imagem, isso para tornar-se um meio de restituição, uma outra forma
de narrar nosso olhar sobre o Outro” (Ibid.).
Com base nisso, a fotografia, segundo o autor, deve ser encarada
como a “materialização de um olhar”, o “discurso de um olhar”. A prática
fotoetnográfica tal como formulada por Achutti pressupõe alguns elemen-
tos específicos para a sua constituição, com destaque para a utilização de
fotografias sem textos explicativos entre as imagens, nem tampouco o

43 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

uso de legendas. “A narrativa deve ocorrer unicamente pelas imagens que


apresentem, em si e entre si, uma construção de sentido” (BIAZUS, 2006,
p. 304). Ao especificar as orientações metodológicas para a construção
de uma fotoetnografia, Luiz Eduardo Achutti explicita, todavia, que não
existe impedimento em fornecer informações escritas variadas antes de
mergulharmos nas imagens.
Conforme apontam Boni e Moreschi (2007, pp. 138-139), com base
em Achutti (1997), a fotografia etnográfica ou fotoetnografia pode estar
inserida em trabalhos científicos, exposições ou diversos tipos de publi-
cação. Pode ser caracterizada como objeto de estudo, pesquisa ou mesmo
como mera ilustração. Além disso, compila dados de conhecimento com
diferentes níveis de abstração, que podem servir como fonte de compa-
ração, posto que a cultura e os costumes estão sujeitos a transformações.
Nesse ponto, entendemos melhor porque a fotoetnografia se torna im-
portante no contexto do sítio Cajá, ao se tratar de reassentamentos de
famílias ribeirinhas inteiras. Estes autores enfatizam que, dessa forma,
“todos devem ter como ponto de partida o estudo da comunidade a ser
retratada” (BONI; MORESCHI, 2007, p. 140).
Segundo Achutti

“(...) deve-se levar em conta o domínio técnico contido na fo-


tografia aliado ao olhar treinado do antropólogo, podendo re-
sultar assim em um trabalho fotoetnográfico que venha a ser
relevante, não só como mais uma das técnicas de pesquisa de
campo, mas também como outra narrativa, que somada ao texto
etnográfico, venha enriquecer e dar mais profundidade à difu-
são dos resultados obtidos. (…) A interpretação antropológica
que parte da coleta de dados no trabalho de campo, completa-se
com a difusão dos resultados no meio acadêmico, ou para um
público mais amplo” (1997, p. 64).

44 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

A UFPB NO SÍTIO CAJÁ

A extensão vem sendo desenvolvida nesta comunidade de atingidos


por barragem desde 2016, através de Edital PRAC-Probex/2016, num
projeto sob a coordenação da profa. Maristela Oliveira de Andrade. Na-
quele ano foram executadas ações de extensão sobre questões socioam-
bientais e educativas, considerando sua especificidade de atingidos por
barragem; tais ações se integraram também ao Trabalho de Conclusão de
Curso de Licenciatura em Ciências Sociais do então estudante Givanilton
Barbosa (BARBOSA, 2017).
Em 2018 foi desenvolvido outro projeto de extensão, por meio do
Edital “UFPB no seu Município”, voltado para pensar e refletir sobre pa-
trimônio cultural e educação patrimonial, sob coordenação do Prof. João
de Mendonça (MENDONÇA; OLIVEIRA; BARBOSA, 2018). O levantamen-
to de fotografias antigas, que mostrassem o lugar anteriormente habita-
do, junto aos estudantes da escola local, serviu como forma de trabalhar
em sala de aula as questões do projeto; o histórico de deslocamento e a
memória visual fotográfica daquilo que um dia constituiu o patrimônio
cultural da vila ribeirinha, submersa pela barragem de Acauã.
Com base nas experiências anteriores, em 2019, retornamos à co-
munidade com outro projeto de extensão, desta vez incluindo também
estudantes do Campus IV, do grupo de pesquisa AVAEDOC. Sob coorde-
nação dos professores já mencionados, esta nova ação extensionista pro-
curou investir na produção de imagens no sítio Cajá, a partir da noção de
“fotoetnografia” (ACHUTTI, 1997). Ao mesmo tempo o tema “Atingidos
por barragem” se tornou também projeto de pesquisa, submetido pelo
extensionista Givanilton Barbosa ao curso de Mestrado em Antropologia.
Extensão e pesquisa integraram-se, portanto, mais uma vez.
Desse modo, as ações do projeto de extensão junto ao sítio Cajá ga-
nharam maior densidade, com o aprofundamento das perspectivas teó-
ricas e metodológicas da Antropologia. Com estudantes oriundos de am-
bos Campi – Campus I/CCHLA/João Pessoa e Campus IV/CCAE/Rio Tinto
– novos esforços foram feitos no sentido de entender e documentar os
impactos da barragem sobre a antiga comunidade ribeirinha, com ênfase

45 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

em seu cotidiano atual e nas lembranças do antigo local habitado, além


dos conflitos sociais e suas transformações (SANTOS 2003, p. 88). Dentro
das normas do Edital PROBEX 2019, incluímos o projeto sob a temática
“Cultura” e o mesmo foi também alinhado aos Objetivos do Desenvolvi-
mento Sustentável (ODS - AGENDA 2030), dentre outros “projetos que
viabilizem estratégias que contribuam com a Erradicação da pobreza em
todos os sentidos” (ítem 5.1.1 do Edital supra-referido).
A proposta de 2019 consistiu, portanto, em identificar e esclarecer
as condições socioculturais de um reassentamento de atingidos por bar-
ragem no agreste paraibano através da fotoetnografia. Os objetivos espe-
cíficos foram direcionados para contextualizar de forma visual e descri-
tiva o reassentamento, apontar para o que foi reconstituído no processo
de reassentamento e suas potencialidades; reconhecer os pontos de vul-
nerabilidade socioeconômica; discutir os resultados com a comunidade
estudada bem como com grupos de pesquisa na UFPB, além de produzir
materiais (relatórios, artigo, fotoetnografia) que também pudesse servir
à comunidade atendida.
A principal metodologia utilizada foi a fotoetnografia, consideran-
do a fotografia como potencial de registro sociocultural (ACHUTTI, 1997,
p. 37). A partir do material produzido, procura-se refletir sobre a cons-
trução de imagens e suas possibilidades (CAIUBY NOVAES, 2012). O pro-
jeto de extensão se somou, por fim, ao projeto desenvolvido no mestrado,
na medida em que “(...) as pesquisas de campo e os critérios de análise
e interpretação permitem que o pesquisador consiga traçar um perfil do
grupo estudado” (BONI; MORESCHI, p. 139). O trabalho foi concebido e
realizado a partir quatro etapas: a primeira foi constituída por encontros
e diálogos entre os docentes e discentes, com planejamento das ativida-
des na comunidade.
A segunda fase do trabalho foi a realização de viagens de campo,
dificultadas pelas chuvas tanto quanto pelas condições precárias e limi-
tadas dos veículos disponibilizados pela UFPB para ações extensionistas,
o que reflete a necessidade de maiores investimentos nas universidades
públicas. Uma viagem em equipe foi finalmente realizada no dia 28 de
setembro de 2019 e consistiu na realização de registros fotoetnográficos

46 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

junto à comunidade do sítio Cajá. A terceira etapa passou pela apreciação


e discussão das fotografias produzidas. Na quarta fase foram feitas algu-
mas reuniões para pensar e planejar a criação de um sítio eletrônico, de
maneira a reforçar os vínculos entre a universidade e as pessoas visita-
das na comunidade.
A questão geral trabalhada na ação extensionista foi, portanto, no
sentido de saber como a fotoetnografia poderia contribuir para a identi-
ficação de riscos de vulnerabilidade econômica, além de construir sub-
sídios para elaboração de políticas sociais públicas (com materiais e
reflexões que também seriam aproveitados para o desenvolvimento da
pesquisa de Mestrado já apontada).

REASSENTAMENTO

A equipe realizou um estudo prévio do Trabalho de Conclusão de


Curso de Givanilton Barbosa (2017) sobre a comunidade, de modo a fa-
miliarizar o tema aos novos integrantes do projeto, estudantes de gra-
duação em Antropologia de Rio Tinto e técnico do Laboratório de An-
tropologia Visual Arandu/Campus IV, membros do grupo de pesquisa
AVAEDOC no mesmo Campus. Nesse momento, consideramos alguns
pontos importantes que diziam respeito à geração de trabalho e renda e
à manutenção da vida social no reassentamento.
Na oportunidade, foram discutidos dados socio-históricos da co-
munidade, tendo em vista as mudanças e o deslocamento da comunida-
de. De acordo com as narrativas dos idosos, residentes na comunidade
reassentada, por volta da década de 1930 já existiam os primeiros mo-
radores no lugar ribeirinho, nas margens do rio Paraibinha, afluente da
bacia hidrográfica do rio Paraíba, no município de Itatuba-PB. Havia em
média 300 famílias, com suas propriedades rurais, produção agrária e de
pecuária, numa localidade com presença de agricultura familiar e algu-
mas fazendas (BARBOSA, 2017).

47 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Conforme aponta Barbosa (2017, pp. 37-47) a maioria das famí-


lias possuíam pequenas propriedades rurais ou trabalhavam em terras
cedidas por outros proprietários, a fim de desempenhar a agricultura fa-
miliar. Conta-se que nas margens do rio as terras eram férteis e de fácil
produtividade para agricultura. A partir da década de 1980, a comuni-
dade avançou em sua organização produtiva, quando já podiam também
contar com escola, posto de saúde, praça comunitária, igrejas, energia
elétrica, posto telefônico e pequenos comércios.
Em 1989, a comunidade assistiu à instalação de uma sede da asso-
ciação de pequenos produtores rurais, contendo um moinho de milho.
Sua produção principal eram os derivados do milho para os próprios as-
sociados. De acordo com narrativas dos idosos residentes no reassenta-
mento, as famílias, quando se localizavam nas margens do rio, tinham
uma diversidade produtiva de trabalho e renda, com práticas de agricul-
tura familiar e economia diversificadas.
Em 1998 começaram os estudos ambientais para a implantação
da barragem, que posteriormente denominou-se de Argemiro de Fi-
gueiredo. Conhecida como barragem de Acauã, foi implantada na bacia
hidrográfica do rio Paraíba, sua capacidade total atinge 252 milhões de
metros³, seu barramento foi iniciado em 2000 e inaugurado em 2002.
Concomitantemente, foram negociados indenizações e reassentamentos,
esses empreendimentos foram financiados pelo governo do Estado da
Paraíba em parceria com o Governo Federal.
Também em 2002 começou o deslocamento das famílias do lugar ri-
beirinho para os reassentamentos. Contando com a comunidade de onde
se originaram os atuais moradores do sítio Cajá, nesse mesmo contexto
de impacto pela barragem, havia em média 6 comunidades ribeirinhas,
totalizando mais de 5 mil habitantes, conforme aponta o Relatório da Co-
missão Especial de Direitos da Pessoa Humana no caso da barragem de
Acauã (CEDPH, 2007, pp, 16-56). No caso específico da comunidade sítio
Cajá de Itatuba, sua realocação foi concentrada em três vilas, em terras
mais áridas, distantes da localidade anterior em média 3 ou 4 kilômetros.
As vilas são compostas de casas de placas pré-moldadas, consideradas
pelos moradores como de baixa qualidade, o que torna necessária a rea-
lização de reparos periodicamente.
48 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Atualmente residem na comunidade em média 160 famílias. Em ge-


ral os habitantes das vilas consideram o novo território árido, sem terras
férteis para produzir e nem sequer boas para criar animais, além de não
contar com equipamentos públicos adequados. Estes últimos, ao longo
dos anos de reassentamento, vêm sendo reimplantados de forma muito
lenta. Boa parte das moradias foram adaptadas e vem sendo construídas
novas moradias pelos próprios moradores no entorno da agrovila. Vale
destacar que o reassentamento é cercado por arames farpados com por-
teiras, assim, limitando ou impedindo a passagem de animais e a circula-
ção de pessoas para outros locais.
Segundo moradores, há constantes conflitos na vizinhança, devido
à criação de animais soltos e à circulação dos mesmos nas vias públicas.
A comunidade possui ainda a sede da associação dos pequenos produ-
tores rurais, que encontra-se fechada atualmente, sem exercer portanto
sua função social. Por volta de 2012 iniciaram a construção de dois pré-
dios destinados à escola e ao posto de saúde, vindo a serem finalizados e
entregues à comunidade somente em meados de 2019.

TRABALHO E RENDA

A maioria das famílias afirmam que as condições de trabalho e ren-


da não são favoráveis, “não há mais terras para plantar, para criar ani-
mais, as terras boas foram inundadas”. Não há arborização adequada
para melhorar a qualidade do ar. Muitos dizem que não existe a prática
regular adequada da agricultura por falta de terras férteis, como também
afirmam que não há incentivos para o desenvolvimento da agricultura
familiar, embora muitas famílias criem animais soltos ou nos quintais das
próprias moradias, gerando conflitos com os vizinhos.
Atualmente a renda principal das famílias advém de programas do
governo federal, tais como como bolsa família ou aposentadorias. A renda
do seguro defeso (tempo em que fica proibida a pesca na barragem, para
viabilizar a reprodução dos peixes) implica, todavia, na irregularidade da

49 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

atividade de pesca, também em virtude da estiagem prolongada e do bai-


xo nível de água da represa. Esses e outros fatores parecem indicar situ-
ações de vulnerabilidade socioeconômica no âmbito desta comunidade,
ao tempo em que a associação de pequenos produtores, aparentemente,
desmobilizada, poderia se constituir como um foco de atenção e de en-
frentamento dos problemas locais.
O movimento dos “atingidos por barragem”, no Brasil, iniciou suas
primeiras mobilizações por volta de 1970 (REIS, 2007, p. 473), com as
primeiras implantações de hidrelétricas e com o deslocamento de po-
pulações ribeirinhas. Assim, temos diversos casos, o mais conhecido é
a implantação da usina de Itaipu e o mais recente o da Usina de Belo
Monte, no Estado do Pará, onde há grande militância dos ribeirinhos e
indígenas. Sem entrar nos casos de barragens onde, em função de ativi-
dades de mineração, sob similar lógica de “desenvolvimento”, ocorrem
tragédias como as provocadas pelas atividades das empresas Samarco e
Vale (ZHOURI; OLIVEIRA, p.120).
Pensando nisso, no trabalho de campo durante o encontro com a
comunidade dia 28 de setembro de 2019, a visão da equipe de extensão
procurou considerar, em meio à prática da fotoetnografia, “as narrativas
e experiências” dos sujeitos locais. Foi constatado o discurso unânime
entre as pessoas abordadas sobre o seguinte: não comprimento das me-
tas estabelecidas pelas administrações públicas na substituição das pla-
cas de concreto nas casas dos moradores por uma estrutura definitiva de
tijolos, a não implementação de quadras poliesportivas, de cursos profis-
sionalizantes, de curso na área da agricultura familiar e nem, tampouco,
foram cedidas mais terras adequadas para plantio.
Além dessas dificuldades apontadas que afetam sobremaneira as
alternativas de trabalho e renda das pessoas reassentadas, observamos a
falta de espaços lúdicos para crianças e adultos. Não foi encontrada nem
uma praça com equipamentos para atividade física ou parque recreativo,
por exemplo. O calçamento nas principais vias do reassentamento, por
sua vez, constitui um sinal tênue, no sentido da urbanização local. Dessa
maneira, além do longo processo de mudança compulsória vivenciado
em passado recente, existem poucas melhorias nas condições dadas para

50 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

o reassentamento, elevando o nível de vulnerabilidade sócio-econômica


das pessoas atingidas por barragem neste caso.

FOTOETNOGRAFIA E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da visita ao sítio Cajá, a equipe do projeto exercitou a pro-


dução de imagens fotográficas nas principais ruas, bem como nos espa-
ços privados das famílias, conforme autorização delas para tanto. Por fim,
chegamos a uma média de 1000 imagens fotográficas, produzidas em
duas câmeras de tipo DSLR, com cliques de variados membros da equipe.
Estas imagens, portanto, se juntaram ao acervo já formado a partir das
experiências extensionistas dos anos anteriores, mas desta vez, com ên-
fase na perspectiva de desenvolvimento da fotoetnografia.
Desse modo, tornar-se-ia possível dar continuidade aos laços esta-
belecidos entre esta comunidade e o trabalho universitário extensionis-
ta, com base numa comunicação que toma por base o acervo imagético
constituído, com imagens do passado e, principalmente, imagens recen-
tes, mais detalhadas, as quais poderão ser acessadas e comentadas por
pessoas do sítio Cajá, através da internet. Além disso, o material produ-
zido também alimenta a pesquisa de mestrado em andamento, na medi-
da em que um estudo destas imagens pode ser elaborado de várias for-
mas, por exemplo, na própria perspectiva da fotoetnografia proposta por
Achutti:

as fotografias devem ser objeto de construções sob forma de se-


quencias e de associações de imagens, tendo por objetivo trei-
nar o leitor a praticar outras associações para nelas encontrar
uma significação. A fotografia apresenta-se como uma forma
de descrição e interpretação dos dados obtidos em campo, não
apenas como um instrumento de coleta de informações a fim de
realizar um simples inventário da cultura estudada, constituin-
do verdadeiros “textos visuais” que o antropólogo constrói para
restituir determinada realidade (ACHUTTI, 1997 Apud BIAZUS,
2006, 303).

51 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Por fim, em termos das interpretações possíveis da situação desta


comunidade, entendemos que a implantação de barragem pode ser vista
como efeito de uma “cultura do desenvolvimento” ou como “um descaso
planejado”, conforme foi discutido por Scott (2009, p. 13). A construção
da barragem de Acauã representou, assim, o rompimento dos modos de
vida dos ribeirinhos, pelo alagamento de suas terras. As famílias foram
deslocadas compulsoriamente para reassentamentos, os quais ainda ne-
cessitam de diversas melhorias, como a construção de equipamentos co-
letivos e individuais, que em sua maioria são benfeitorias até previstas
nos planejamentos oficiais, porém, quando atendidas, surgem com gran-
de atraso ou com um nível de qualidade questionável.
Conforme parecem apontar os agricultores da comunidade, o novo
território impossibilita a recuperação dos mesmos níveis de rendimento
dos modos de vida anteriores, junto ao rio Paraibinha. Eles também no-
tam a ausência de incentivos governamentais, o que seria um fator decisi-
vo para desenvolver de forma sustentável a reprodução sociocultural do
grupo no reassentamento. De forma sucinta, os interlocutores pesquisa-
dos da comunidade enfatizam que necessitam de uma atenção especial
e almejam ainda aquilo que lhes foi prometido e, além disso, o que con-
sideram que seria mais justo, por parte dos governos responsáveis pela
mudança imposta em suas vidas.
Cabe destacar, finalmente, que o trabalho em grupo e a participação
de estudantes do curso de Antropologia (Graduação, Mestrado e Douto-
rado) ofereceu a todos a oportunidade de formação e qualificação para
a pesquisa social, através de estudos preparatórios e do contato efetivo
com o contexto e os modos de vida de um reassentamento no interior
do estado da Paraíba. O material produzido e reunido, neste e nos perí-
odos anteriores, vai formando um acervo relevante, seja para a pesquisa
acadêmica como também para as políticas públicas sociais voltadas às
populações atingidas por barragens, frequentemente em condições de
vulnerabilidade sócio-econômica. São subsídios, portanto, para pensar
os objetivos do desenvolvimento sustentável no âmbito da Agenda 2030
já mencionada. Ao longo do estreitamento dos laços entre a comunidade
atendida e a extensão universitária, abre-se também a possibilidade de
agregar novos sentidos de pertencimento no caso dos moradores do sítio

52 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Cajá. Isso se dá pela valorização de sua história e memória coletiva, bem


como das atuais necessidades e reivindicações locais, no sentido de que
sejam fomentadas formas renovadas de convivência social e alternativas
econômicas, condizentes com seu modo de vida tradicional, de popula-
ções ribeirinhas.

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Relações entre universidades e comunidades:
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Relações entre universidades e comunidades:
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Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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56 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

AMOSTRAGEM DO ACERVO FOTOGRÁFICO DO PROJETO7

7 O uso de imagens fora do texto reflete a perspectiva metodológica da antropologia vi-


sual através da proposta da fotoetnografia (ACHUTTI, 1997).

57 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

58 [Sumário]
CAPITULO 3
GESTÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS
URBANOS: A EXPERIÊNCIA
DO MUNICÍPIO DE BONITO DE
SANTA FÉ – PB
Ana Virginia Moreira Gomes,
Tarcisio Valerio da Costa (in memoriam)
Palloma Damascena Morais

A maior habilidade de um líder é desenvolver habilidades extra-


ordinárias em pessoas comuns (Abraham Lincoln)

INTRODUÇÃO

Em agosto de 2010, foi instituída a Política Nacional de Resíduos


(PNRS), uma legislação que passou mais de 20 anos em discussão pelo
Congresso Nacional, com o objetivo de acabar com um dos grandes pro-
blemas dos municípios brasileiros, sejam eles de pequeno, médio ou
grande porte: a existência dos vazadouros a céu aberto (lixões).
A PNRS deu o prazo de até o dia 02 de agosto de 2014 para a extin-
ção dos lixões nas cidades brasileiras. Infelizmente, ao se completar 10
anos da PNRS, a situação dos resíduos sólidos no Brasil, segundo dados
da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Es-
peciais (ABRELPE), ainda é desafiadora. Dentre os municípios do país,
40,5% ainda contam com destinos inadequados (lixão ou aterro contro-
lado), correspondendo a 2.256 municípios. Já os 59,5%, ou seja, 3.314

59 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

municípios, destinam os resíduos adequadamente (aterro sanitário)


(ABRELPE, 2018).
Os resíduos sólidos urbanos (RSU), quando descartados de forma
inadequada, geram problemas ambientais e ameaçam a saúde da popu-
lação. No que concerne ao meio ambiente, podem contaminar o solo e
os corpos hídricos que se encontram na superfície ou no subsolo, com
a emissão do chorume, um líquido com coloração escura, cheiro forte e
elevado potencial poluidor, devido à presença de metais pesados, que
são produzidos em decorrência do processo de decomposição da maté-
ria orgânica contidas nos resíduos sólidos. A contaminação da atmosfera,
gerada pela emissão de gases causadores de odores indesejáveis, princi-
palmente como emissão do gás metano (CH4), contribui fortemente para
o efeito estufa que provoca o aquecimento global. No âmbito da saúde,
destaca-se o surgimento de vetores infecciosos, tais quais: as moscas, os
mosquitos, as baratas, escorpiões e ratos, responsáveis pela produção de
doenças, como a leptospirose, dengue, febre tifoide, cólera, disenteria,
peste bubônica, leishmaniose, dentre outras.
Jacobi e Besen (2011) ressaltam que um dos fatores para este au-
mento indiscriminado dos resíduos sólidos são os hábitos da sociedade
contemporânea que já se fazem presentes no Brasil e em países em de-
senvolvimento.
Com a preocupação de fomentar o consumo sustentável, a PNRS
traz, dentre seus objetivos, a “não geração, redução, reutilização, recicla-
gem e tratamento dos resíduos sólidos, bem como disposição final am-
bientalmente adequada dos rejeitos” (art 7º, II).
Quando a lei dispõe acerca da disposição final dos rejeitos, deve-se
entender a diferença entre rejeitos (comumente denominado de “lixo”) e
resíduos sólidos. Rejeitos são “resíduos sólidos que, depois de esgotadas
todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tec-
nológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra
possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada” (art.
3º, XV). Já resíduos sólidos têm “o reconhecimento como reutilizável e re-
ciclável, um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda
e promotor de cidadania” (art. 6º, VIII).

60 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Destaca-se também, dentre os objetivos da PNRS, a “integração dos


catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam
a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (art
7º, XII). Os catadores, portanto, constituem parte essencial da política de
gestão dos resíduos sólidos que deve ser adotada pelos municípios.
Assim, esse capítulo apresenta uma análise da política pública im-
plementada na gestão dos resíduos sólidos urbanos, no município Parai-
bano, Bonito de Santa Fé, tendo como paradigma a Lei n.12.305/2010
(PNRS), iniciada em 2011, através de um projeto de extensão da PRAC/
UFPB em parceria com a Prefeitura Municipal local que possibilitou a im-
plementação da mesma. Em 2013, a cidade recebeu o Prêmio Cidade Pró
Catador, em sua primeira edição, com o projeto de inclusão social dos
catadores desenvolvido e adotado. O projeto contribuiu para assegurar
uma transição justa aos catadores da informalidade à formalidade, me-
lhorando suas condições de vida e trabalho (GOMES et al, 2020), ou seja,
contribuindo para o desenvolvimento sustentável, levando em conside-
ração os aspectos sociais, econômicos e ambientais do desenvolvimento
(OIT, 2013).

CENÁRIO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS NO BRASIL E


SEUS IMPACTOS

O aumento do consumo e, por consequente, a disposição inadequa-


da dos resíduos sólidos urbanos, têm como marco a Revolução Industrial
(Século XVIII). O capitalismo industrial possibilitou a crescente produção
de RSU, por exemplo, com a produção desenfreada de bens descartáveis,
gerando assim mais e mais resíduos (MARCHI, 2011).
Essa descartabilidade fica mais evidente com a produção capitalis-
ta, a tendência da obsolescência programada, onde os produtos possuem
características para consumo rápido e que tenham uma vida útil curta,
gerando a produção generalizada do desperdício (MÉSZÁROS, 2002).

61 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Dados da ABRELPE (2018), relatam que o Brasil produziu 79 mi-


lhões de resíduos sólidos urbanos - RSU/ano, dos quais 72,70 milhões
de toneladas foram coletadas e, 6,3 milhões não foram coletados, ou seja,
tiveram um destino inadequado. Do total dos resíduos coletados, 59,5%,
ou seja, 43,2 milhões de toneladas tiveram uma disposição final ade-
quada, encaminhados para aterros sanitários. Isso representa dizer que
3.314 municípios estão destinando corretamente seus resíduos sólidos.
Uma variação positiva de 2,34% em relação a 2017. Já no tocante aos des-
tinos inadequados, representam 40,5%, ou 29,4 milhões de toneladas,
dos quais 23% (aterros controlados) e 17,5% (vazadouros a céu aberto
- lixão) respectivamente. Isso significa que cerca de 2.256 municípios es-
tão ainda gerando um grande impacto ambiental, bem como na saúde da
população, tabela 1.

Tabela 1- Disposição Final de RSU coletados no Brasil por Tipo de Destinação, 2017/18
2017 2018
DISPOSIÇÃO
(milhões/ton/ano) (%) (milhões/ton/ano) (%)

ATERRO
42,26 59,0 43,25 59,5
SANITÁRIO
ATERRO
16,38 23,0 16,72 23,0
CONTROLADO
LIXÃO 12,90 18,0 12,72 17,5

TOTAL 71,54 100,0 72,70 100,0

Fonte: Adaptado de ABRELPE, 2019.

Considerando-se às regiões do Brasil por municípios, o Norte, Nor-


deste e Centro Oeste, apresentam um elevado índice de disposição final
inadequada de RSU (aterros controlados ou vazadouros a céu aberto – li-
xão). A região Norte apresenta 79,33% dos municípios descartando RSU
de forma inadequada, sendo, 24,44% e 54,89% respectivamente; na re-
gião Nordeste, em 74,7% dos municípios, sendo 27,65% e 47,04%, res-
pectivamente; e na região Centro Oeste, 65,31% dos municípios, sendo
32,55% e 32,76% respectivamente. Com disposição final ambientalmen-

62 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

te (aterros sanitários) adequada dos municípios, apenas 20,67% (região


Norte), 25,30% (região Nordeste) e 34,69% (região Centro Oeste). É níti-
do que as regiões Sul e Sudeste são as que apresentam maior destinação
adequada dos RSU, representado por 87,32% e 49,16%, respectivamen-
te. Apenas um percentual pequeno dos municípios que destinaram os re-
síduos sólidos inadequadamente, na região Sul, tabela 2.
Tabela 2- Disposição Final de RSU, Brasil, por município e Regiões – 2018

CENTRO
DESTINO NORTE NORDESTE SUDESTE SUL
OESTE

ATERRO SANITARIO
20,67 25,31 34,69 49,16 87,32

ATERRO CONTROLADO 24,44 27,65 32,55 38,43 9,15

LIXÃO 54,89 47,04 32,76 12,41 3,53

Fonte: Adaptado de ABRELPE, 2019

No Estado da Paraíba, mais de 86% dos municípios ainda permane-


ce descartando RSU inadequadamente, segundo dados do TCE da Paraíba
(2019), gerando danos ao meio ambiente e à saúde da população.
Além dos impactos ambientais e sanitários, os lixões geram sérios
impactos sociais, tendo em vista a presença de catadores que utilizam
esses espaços para trabalhar e gerar renda, de modo a assegurar a sobre-
vivência de sua família. Esse tipo de trabalho é exercido em condições de-
sumanas, ou como define a OIT, como uma das piores formas de trabalho
(GOMES et al, 2019).
Na cadeia produtiva do material reciclado, o segmento social do
catador constitui um dos elos de grande importância no processo de
implantação da PNRS. Apesar dessa importância, ainda hoje, são traba-
lhadores na sua grande maioria anônimos, individualizados, informais,
destituídos de reconhecimento social, ambientais e de cidadania, consti-
tuindo um segmento marginalizado pela sociedade (GOMES et al., 2019).

63 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

As atividades dos catadores são classificadas como insalubre em


grau máximo (NR nº 15/MTE), considerando o contato direto com agen-
tes biológicos, contidos nos resíduos sólidos. Para que tenham seguran-
ça, se faz necessário o uso de EPIs que lhes proporcione proteção direta,
prevenindo doenças e acidentes. Conforme comenta Baptista:

A atividade de catador de material reciclável no Brasil existe há


mais de 50 anos, mas somente no final do século passado é que
ganhou destaque (BAPTISTA, 2004, p.33).

O Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis – MNCR fun-


dado em 2011, estima a existência de cerca de 800 (oitocentos) mil ca-
tadores/catadoras em atividade no Brasil, sendo que a grande maioria
(70%) é do gênero feminino, e no geral, os catadores são responsáveis
pela coleta de 90% de tudo que é reciclado hoje no país, segundo o MNCR
(2019). Para WIRTH (2016), o surgimento do MNCR, foi responsável por
conquistas na regulamentação da profissão e algumas em relação com o
poder público. Entre esses alcances, destaca-se o reconhecimento da sua
ocupação profissional, com a inclusão da atividade no Código Brasileiro
de Ocupação (CBO), desde 2002. Pela Portaria nº 397, com abrangência
em todo o território nacional, o Ministério do Trabalho criou o Código
de Ocupação Brasileira (CBO) que é um instrumento de reconhecimento,
nomeação e codificação dos títulos profissionais, descrevendo as caracte-
rizações das ocupações inerentes ao mercado de trabalho no Brasil.
O CBO assim define a profissão do catador:

Código 5192 – 05 -Catador de material reciclável - Catador de


ferro-velho, Catador de papel e papelão, Catador de sucata, Ca-
tador de vasilhame, Enfardador de sucata (cooperativa), Sepa-
rador de sucata (cooperativa), Triador de sucata (cooperativa).
(BRASIL, 2002, p. 10).

Outras conquistas que merecem registro, são elas: a) surgimento


do Comitê Interministerial de Inclusão Social dos Catadores (CIISC) em
2003; b) criação da Política Nacional de Saneamento em 2007, alteran-

64 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

do a lei de licitação nacional, onde colocaram a dispensa de licitações


para oferecerem a prestação dos serviços públicos, a exemplo da limpeza
urbana, através das cooperativas e/ou outras formas de associações de
catadores que sejam constituídas basicamente por indivíduos de ren-
da baixa; c) criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos a partir de
2010, estimular o segmento dos catadores, através das organizações de
cooperativas e associações, onde determina que seja implantada a coleta
seletiva obrigatoriamente nos municípios brasileiros, com a inclusão so-
cial dos segmentos dos catadores; d) a Coleta Seletiva Solidária que veio
desde 2006, estabelecer, no âmbito da reciclagem, a separação, através
da sua fonte geradora, pelos órgãos e entidades da administração pública
federal direta e indireta, obrigando a sua destinação às cooperativas e/ou
associações formadas por catadores; e) desenvolvimento de programas
governamentais no âmbito federal de apoio ao segmento dos catadores:
Quadro 1 – Programas Federais para os catadores

PROGRAMAS OBJETIVO

Desenvolver ações para promoção, fomento,


Programa Pró-Catador organização, melhoria das condições de trabalho
e valorização do segmento do catador

Propiciar o reconhecimento aos municípios que


Prêmio Cidade Pró- promoveram práticas voltadas para inclusão
Catador social dos catadores com a implantação da
coleta seletiva

Desenvolver estruturas de fortalecimento


das redes das organizações de catadores,
formadas por cooperativas e/ou associações na
Projeto Cataforte
perspectiva da implantação dos segmentos dos
negócios solidários, onde foram desenvolvidos o
Cataforte I, II e III.

Programa Nacional de Capacitar através de cursos profissionalizantes,


Acesso ao Ensino Técnico e explorando o mundo da cadeia produtiva da
Emprego (Pronatec) reciclagem

Fonte: MMA, 2018.

65 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Infelizmente todos esses programas foram sendo desativados a


partir de 2016, com as mudanças políticas com o Impeachment da Pre-
sidenta Dilma pelo Senado Federal, afetando diretamente a Secretaria
Nacional de Economia Solidária – SENAES, órgão criado em 2003 para
apoiar os programas dos catadores. No tocante às mudanças nas políti-
cas públicas no Brasil que têm afetado diretamente as ações de apoio aos
catadores, Santos e Guedes explicam:

Na primeira semana de seu governo, Temer começa a modifi-


car estruturas governamentais, como Ministérios e Secretarias,
alterando também o plano de governo e revendo as priorida-
des orçamentárias. Rapidamente os efeitos das mudanças nos
planos político-econômicos do país começam a serem sentidos
pelos atores da Economia Solidária. (SANTOS e GUEDES, 2017,
p. 212).

Não se pode negar que a categoria dos catadores alcançou avanços


na sua profissão, no entanto, ainda carece de muitos benefícios por par-
te dos governos Federal, Estaduais e Municipais. Pode-se citar, melhoria
nos níveis educacionais, acesso a benefícios assistenciais e previdenciá-
rios, moradia, saúde, trabalho digno com jornada de trabalho adequada,
seguro desemprego, férias, inclusão nos programas de reciclagem (bolsa
ambiental).
A própria política apresenta em um dos seus incisos, o desenvol-
vimento de incentivos a categoria: “art 8º, IV, o incentivo à criação e ao
desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de
catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis” (BRASIL, 2010).
Para a sua efetividade, a PNRS torna a educação ambiental uma es-
tratégia fundamental para adesão das comunidades no intuito de contri-
buírem como parceiras do poder público na separação dos resíduos re-
cicláveis, envolvendo toda sociedade e sem se perder o caráter crítico do
sistema econômico em que vivemos. Nesse processo, se atribui a todos
os interessados a responsabilidade pelo destino adequado dos resíduos.
No art. 30 da PNRS, é

66 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Instituída a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida


dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e
encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribui-
dores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos servi-
ços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.
(BRASIL, 2010).

Para Galvão (2000, p 27), o sucesso de programa de reciclagem pas-


sa necessariamente pelo envolvimento e responsabilidade de todos os
segmentos sociais:

À expansão da reciclagem é o desenvolvimento de ações


exemplares de articulação entre educação ambiental, coleta
seletiva e responsabilidade social, envolvendo escolas, empre-
sas e organizações não governamentais. Tal articulação viabili-
za o ciclo completo da reciclagem, além de beneficiar entidades
sociais.

Se faz necessário o envolvimento de escolas, empresas, instituições,


ONGS e o poder público, beneficiando todos os envolvidos.
No que se refere ao processo de gestão de resíduos sólidos, a educa-
ção ambiental deve propiciar mudanças no comportamento humano, de
forma contínua, proporcionado uma educação com um “olhar crítico, re-
flexivo e contextualizado” (TAVARES et al., 2005). No contexto da prática
na educação ambiental, podemos ver a sua definição como define SATO
(2006, p. 23-24):

Um processo de reconhecimento de valores e classificação de


conceitos, objetivando o desenvolvimento das habilidades e
modificando as atitudes em relação ao meio, para entender e
apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas cultu-
ras e seus meios biofísicos. A Educação Ambiental também está
relacionada com a prática de tomada de decisões e a ética que
conduzem para a melhoria da qualidade de vida.

67 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Para Sorrentino et al. (2005, p. 289), a educação ambiental é trata-


da como um processo que deve envolver vários profissionais, transdisci-
plinar:

Nesse contexto orientado por uma racionalidade ambiental,


transdisciplinar, pensando o meio ambiente não como sinônimo
de natureza, mas uma base de interações entre o meio físico-
-biológico com as sociedades e a cultura produzida pelos seus
membros.

Portanto, para que o processo de coleta seletiva seja internalizado


pela sociedade a educação ambiental se constitui como um instrumento
essencial, para o qual se faz necessário aliar os meios de comunicação
eficientes, através de campanhas de sensibilização, distribuição de mate-
rial educativo em vias públicas, mobilização nas escolas e utilização das
mídias sociais.

METODOLOGIA

A pesquisa utilizou o levantamento bibliográfico sobre a temática, a


pesquisa documental, o levantamento dos dados primários de produção
e renda gerados através da Associação de Catadores de Material Recicla-
do do município de Bonito de Santa Fé, diálogo informais com o público
alvo, e a aplicação de questionários estruturados.
O modelo do projeto desenvolvido no município de Bonito de Santa
Fé-PB, conforme a preocupação com o novo modelo de gestão adotada
pela PNRS (Lei 12.305/2010). Inicialmente, foi realizado a construção de
um aterro sanitário, destinando ambientalmente de forma correta os re-
jeitos, onde anteriormente eram encaminhados para um vazadouro a céu
aberto (lixão). A construção do aterro foi financiada por recursos de um
convênio com a Fundação Nacional de Saúde - Funasa (PAC1), realizado
em 2009, com vida útil 15 anos dentro de uma área de 06 Hectares. Sua
operacionalização se deu em 13/abr/2013 para uma capacidade 7.850

68 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

kg/dia, atendendo a legislação. Com valor estimado de R$ 500.000,00


(Quinhentos mil reais).
Num segundo momento, iniciado em outubro de 2011, em parceria
com a Prefeitura de Bonito de Santa Fé, através das Secretarias de Agri-
cultura e Meio Ambiente e Administração, a Pró reitora de Extensão e As-
suntos Comunitários da UFPB e o Grupo Especializado em Tecnologia e
Extensão Comunitária (ONG), com a coordenação do economista Tarcísio
Valério da Costa desenvolveu o projeto de implantação da coleta seletiva,
que consistia, primeiramente, na capacitação e formação da Associação
de Catadores de Material Reciclado do município de Bonito de Santa Fé
- ASCAMAR.
O projeto de implantação da coleta seletiva foi constituído de cin-
co etapas: 1-Formação e capacitação dos catadores; 2-Diagnóstico para
definição da logística da coleta (infraestrutura); 3-Estudo de mercado;
4-Sensibilização da comunidade (educação ambiental); 5-Avaliação e
acompanhamento. O processo de capacitação se deu através de uma ges-
tão participativa (empoderamento) onde valoriza-se a as pessoas que
são integrantes da organização/associação (capital humano).
A administração participativa são as condições organizacionais
para o incentivo da participação de vários segmentos em todo o processo
de gestão. Visando através das ações, o comprometimento com os resul-
tados, gerando uma eficiência, eficácia e qualidade em seus objetivos e
resultados (MARANALDO, 1989). Assim, facilitando a troca de conheci-
mentos populares e científicos, na perspectiva de consolidar novos pa-
radigmas para a promoção da organização social, conservação e preser-
vação do meio ambiente, voltada para o trabalho e para a prática social
cidadã.
Na capacitação em Bonito, foram ministradas 120 horas/aula, en-
volvendo 65 pessoas sobre temas relacionados ao associativismo, coope-
rativismo, economia solidária, educação ambiental e cidadania, seguran-
ça no trabalho, estudo de mercado, além das palestras educativas juntos
a comunidade e o corpo docentes do município.

69 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Após a legalização da Associação, com registro em cartório do Es-


tatuto Social, Ata de Fundação e registrou-se no Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica – CNPJ sob número 14.844.006/0001-50. Em 2012, foi
realizado convênio com o Projeto Cooperar/Governo do Estado-PB/Ban-
co Mundial que teve o objetivo de apoiar as necessidades de infraestru-
tura do trabalho dos catadores com a construção de um galpão, aquisição
de equipamentos, tais como, prensa, balança, elevador de carga, veículo
automotor (caminhão), carrinhos de coleta manual, EPIs (fardamento,
luva, bota), material de educação ambiental (folder), valor estimado em
R$ 400.000,00 (Quatrocentos mil reais). A política nacional prevê em um
dos seus artigos, que o poder público poderá instituir medidas indutoras
e linhas de financiamento para atender, prioritariamente, às iniciativas
de “o Art 42, III - implantação de infraestrutura física e aquisição de equi-
pamentos para cooperativas ou outras formas de associação de catado-
res de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas
de baixa renda” (BRASIL, 2010).
Em 2011, a Prefeitura municipal fez a contratação da Ascamar, atra-
vés da Lei municipal no 631/2011, para realizar os serviços de gerencia-
mento da limpeza pública da cidade (coleta, varrição, capinação), pro-
porcionando a geração de ocupação e renda no município, com base na
lei de Saneamento Básico (11.445/2007), art 57, no que tange a dispensa
a licitação:

[...] na contratação da coleta, processamento e comercialização


de resíduos sólidos urbanos recicláveis ou reutilizáveis, em áre-
as com sistema de coleta seletiva de lixo, efetuados por asso-
ciações ou cooperativas formadas exclusivamente por pessoas
físicas de baixa renda reconhecidas pelo poder público como
catadores de materiais recicláveis, com o uso de equipamentos
compatíveis com as normas técnicas, ambientais e de saúde pú-
blica. (BRASIL, 2007).

Em 2015 o município aprovou a Lei nº 675/2015, que dispõe sobre


a Limpeza Pública, seus Serviços e o Manejo de Resíduos Sólidos Urba-
nos, sendo a legislação adotada para assegurar legalmente a política pú-
blica da gestão da participação dos catadores, evitando descontinuidade
política da coleta seletiva.
70 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

RESULTADOS

O caso hora relatado como experiência exitosa na gestão dos resí-


duos sólidos no município de Bonito de Santa Fé se torna um exemplar
em razão do desenvolvimento sustentável na cidade pela aplicação da
PNRS em atendimento à Lei no12.305/2010, considerando a destinação
adequada dos rejeitos com a construção de um aterro sanitário, a inclu-
são social dos catadores na coleta seletiva, a contratação da associação
para fazer o gerenciamento dos resíduos sólidos, um arcabouço de leis
municipais para viabilizar o novo modelo de gestão, e a aplicação da edu-
cação ambiental junto à comunidade.
Bonito de Santa Fé fica localizada alto sertão do Estado da Paraí-
ba, a 512 km da capital, microrregião de cajazeiras, com área territorial
de 226,798 km. Sua população estimada é de 12.022 (IBGE, 2020), com
densidade demográfica de 47,32 hab/km² e um IDH: 0,574, considerado
baixo. Seu clima é semiárido, com altura de 663 m a nível do mar e Limí-
trofes de Monte Horebe (norte), Serra grande e São José Caina (leste),
Conceição (sul) e Estado do Ceará - Barro e Mauriti (oeste) (IBGE, 2020).
No âmbito de construção do aterro sanitário, que teve sua opera-
ção iniciada em abril de 2013, encerrando seu vazadouro a céu aberto
(lixão), se constata as dificuldades do município para sua manutenção.
O projeto inicial financiado pela Funasa teve sua aprovação apenas para
a construção física das células, ficando para uma segunda etapa, que até
hoje não aconteceu, a aquisição de equipamentos (trator de esteira, re-
troescavadeira, caçamba) que são importantes instrumentos no trabalho
do dia a dia na manutenção do aterro. A sua ausência eleva o custo de ma-
nutenção do município no aluguel dessas maquinas a particulares, onde
muitas vezes os recursos são escassos para fazer sua contratação. Essa
dificuldade resulta em que, de tempos em tempos, o aterro vire um lixão
pela falta de cobertura e compactação. Com a “apropriação dos equipa-
mentos os custos seriam diminuídos pela metade”, segundo informações
do Secretário Luís Fernando da Secretaria de Agricultura e Meio Ambien-
te local.

71 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 1. Manutenção do Aterro Sanitário – Bonito de Santa Fé

Fonte: Prefeitura Municipal (BSF), 2019.

O projeto da coleta seletiva de resíduos sólidos no município de


Bonito de Santa Fé, a partir da criação da Ascamar, obteve em 2013 o
Prémio Cidade Pró Catador. O município concorreu a primeira edição do
prêmio com mais de 63 municípios brasileiros. Após a visita in loco pela
comissão de técnicos do governo federal, foram escolhidos Arroio Gran-
de (RS), Bonito de Santa Fé (PB), Crateús (CE) e Ourinhos (SP) (Secreta-
ria de Governo, 2020). O Prêmio tinha o objetivo de premiar práticas mu-
nicipais que contribuam à implementação de políticas de inclusão social
e econômica de catadores (PNRS), coordenado pela Secretária-geral da
Presidência da República (SG/PR), através do Edital de Seleção Pública
Nº 001/2013.
No tocante à logística de divisão do trabalho, desde a criação da
Ascamar, foi acordado com os associados um sistema de trabalho e distri-
buição de renda coletivo que compreende o processo de coleta, armaze-
namento, separação e comercialização, com horário estipulado das 7:30
as 11:00 horas sempre pelo turno da manhã. Esse sistema acontece a par-

72 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

tir do controle de ponto de presença do associado, onde, se acha um valor


da diária por dia de trabalho e se multiplica pelo número de dias traba-
lhados, dando o valor a ser recebido pelo associado, ou seja, a renda in-
dividual ocorre pelos dias trabalhados proporcionalmente. Por exemplo:

Quadro 2 Modelo de divisão de recursos da Ascamar

NUMERO DE DIAS
ASSOCIADOS DIARIA REMUNERAÇÃO
TRABALHADOS
A 20 20,00 400,00
B 10 20,00 200,00
C 0 20,00 0
D 25 20,00 500,00

Fonte: Autor(es)

Venda de reciclados = R$ 10.000,00


∑ dias trabalhados = 500 dias
Valor da Diária = R$ 20,00

Segue abaixo o controle administrativo, através do ponto da Asca-


mar:

73 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 2 – Controle de Ponto da Ascamar - 2019

Fonte: Autor(es), 2019.


Hoje, a Ascamar tem um número de 21 associados que atuam direta-
mente na coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos, sendo 6 (28,5%) do
sexo masculino e 15 do sexo feminino (71,5%), que juntos desenvolvem
o processo de trabalho no galpão de coleta, armazenamento, separação e
comercialização. Os homens desenvolvem as atividades de manipulação
da prensa, segurança do galpão durante a noite, dirigir o caminhão para
fazer a coleta dos resíduos recicláveis na cidade. No galpão, as mulheres
fazem o trabalho de separação dos materiais recicláveis para serem pren-
sados e comercializados no mercado, além, de contribuírem com a var-
rição da cidade. A Diretora da associação é composta por mulheres que
ficam com a função de fazer os pagamentos, realizar o estudo de mercado
para saber onde vai comercializar por melhor preço os resíduos, além da
manutenção do galpão e equipamentos.
As mulheres catadoras têm um papel muito importante como agen-
tes ambientais e seu trabalho de coleta seletiva e de reciclagem contribui

74 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

para a limpeza do meio ambiente, colaborando para a sustentabilidade.


Além de exercerem autonomia no tocante à organização do trabalho den-
tro das associações. Assim, não se reproduzindo naquele espaço práticas
de subordinação em razão do gênero (NASCIMENTO, 2018).
Ao incentivar a participação das mulheres, podemos observar que
o projeto contribui para amenizar o cenário de desigualdade de gênero:
mulheres que, antes da capacitação proporcionada pela associação, não
possuíam nenhuma instrução sobre trabalho, agora são empoderadas e
responsáveis pela gestão dos resíduos sólidos da cidade (GOMES et al,
2020).
Figura 3 - Galpão da reciclagem da Ascamar

Fonte: autor(es), 2019.


O projeto desenvolvido no município de Bonito de Santa Fé se agre-
ga aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (3,5,10,11,12)
através da promoção de ocupação e renda para trabalhadores anterior-
mente informais, em especial as mulheres; mitigação e proteção ao meio
ambiente, com a destinação adequada dos resíduos sólidos; e a criação
e o fortalecimento de uma cadeia econômica de reciclagem a partir do

75 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

envolvimento do trabalho dos catadores com o fomentação as indústrias


locais que utilizam o material reciclado, fortalecendo a economia circu-
lar. No tocante a este último benefício, destacamos duas industrias de re-
ciclagem que se localizam no município de Sousa-PB, a Sertão Plast (pro-
duzido: vassouras, rodos, conduites, lixa pé, tábuas de carne e utilidades
para o lar) e a Tubos Dura Mais (produção: cano), ambas processam uma
média de 70 a 100 toneladas de materiais reciclados por mês. Além des-
tas grandes empresas da reciclagem, ainda comercializam seus produtos
na Reciclagem Mãezinha (Cajazeiras), A.S Industria Têxtil Comercio Exte-
rior LTDA (Cajazeiras), Grupo Vó Ita (Sousa).
Quando comparamos a questão da sustentabilidade econômica,
levando em consideração o levantamento dos dados dos anos de 2012
a 2019, conforme Tabela 4 abaixo, pode-se contabilizar uma produção
de material reciclado de 392,74 toneladas, gerando uma renda, de R$
189.540,00 (cento e oitenta e nove mil e quinhentos e quarenta reais),
devido a comercialização dos produtos no mercado, distribuídos entre os
associados da ASCAMAR.
Tabela 3 - Controle de produção anual da ASCAMAR-BSF

Ano Produção (ton) Renda (em R$ 1.000)

2012 44,5 13,65


2013 66,39 20
2014 79,19 33
2015 21,7 15
2016 32,8 19,4
2017 50 28,67
2018 60,16 31,34
2019 38 28,48

Total Geral 392,74 189,54

Fonte: Ascamar, 2012 a 2019.

No tocante ao tipo de material comercializado e o preço de merca-

76 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

do, considerando os dados de dezembro de 2019, são apresentados na


Tabela 5 abaixo. Lembrando que antes da formação da associação alguns
catadores só catavam a latinha de alumínio que tinha valor de mercado,
todos os demais eram considerados rejeitos (lixo).
A venda direta aos grandes compradores propicia à Ascamar sair
das mãos dos atravessadores, uma vez que a associação detém equipa-
mentos, transporte e conhecimento do mercado para realizar a fase mais
importante da cadeia produtiva da coleta seletiva que é a comercializa-
ção. Na tabela abaixo, podemos ver preços/kg de material reciclado que
se fosse vendido a um atravessador de menor porte, por exemplo, a venda
de Pet (branco, verde ou azul que está sendo comercializado a R$ 1,50/
kg pela associação, seria vendido ao atravessador pelo preço de R$ 0,40/
kg em média, desvalorizado em mais de 275%, e assim sucessivamente.
Nesse sentido, a política de coleta seletiva solidária de Bonito de
Santa fé cumpre a meta estabelecida pela PNRS, em seu art. 15, V, “para
a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à
emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e reci-
cláveis” (BRASIL, 2010).

77 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Tabela 4 Material comercializado e preço de venda no mercado


PREÇO DE
MATERIAL COMECIALIZADO MERCADO Comprador
(R$)/KG
PET BRANCO 1,50
PET VERDE 1,50
PET AZUL 1,50
PET OLEO 0,60
BALDE BACIA COLORIDA 0,80 1
PE BRANCO/SORO 1,50
PE COLORIDO 1,50
PAPELÃO 0,35 2
BLOCO/ALUMINIO DURO 3,00 3
CHAPARIA 3,6 3
FERRO MISTO 0,15 3
LATINHA ALUMNIO 3,60 3
MARGARINA 0,80
PANELA DE ALUMINIO 6,00 3
SANDALIA/MELLISA/KARINA 0,80 3
GRADE/CADEIRA (MISTO) 1,70 3
PLASTICO (PET, FILME, SOPRO) 0,80 3
CADEIRA E GRADE (MISTO) 0,40 3
FILME SACOLA 0,40 3
COBRE QUEIMADO 13,00 3

Fonte: Ascamar, 2019.

1- Tubo Dura Mais/Sousa-PB – (83) 3522-1653


2- Grupo Vó Ita/Sousa-PB – (83) 3522-6313
3- Reciclagem Mãezinha (Sales da Reciclagem)/Cajazeiras-PB – (83)
9172-8175

78 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo econômico atual tem estimulado o consumo de produtos


de forma desenfreada e isso tem colaborado para a degradação ambien-
tal. A coleta seletiva e a reciclagem dos resíduos sólidos surgem como
alternativas para minimizar os problemas decorrente desse consumismo
de forma sustentável. Além do aspecto ambiental, a reciclagem favorece
ganhos sociais para os catadores de materiais recicláveis, dentro do cir-
cuito produtivo. Por outro lado, apesar da importância de papel desses
atores, nota-se que a atividade é desenvolvida, em diversos lugares, em
condições insalubres.
Assim, o projeto apresentado torna-se referência de modelo para
aplicação em toda e qualquer cidade que enfrente os mesmos desafios
da sustentabilidade, o qual envolve o social que tem como atores, os ca-
tadores de materiais de recicláveis; o ambiental, pelo recolhimento dos
materiais que irão retornar para a cadeia de produção; e o econômico,
que é a comercialização desses materiais que são na maioria das vezes, a
única fonte de renda para suas famílias.
A atuação da Ascamar desde 2011 indica que a organização coletiva
dos catadores de resíduos constitui um passo essencial no sucesso des-
sa transição. O suporte da prefeitura – que se beneficia do trabalho dos
catadores – e a parceria com a Universidade possibilitam a sustentabili-
dade da associação.
O estudo do caso da política de coleta seletiva solidária em Bonito
de Santa Fé, na Paraíba, permite a análise da efetividade do modelo de
política de inclusão proposto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos.
No ano de 2020, essa lei completa dez anos do início de sua vigência e a
mesma ainda necessita bastante para alcançar os efeitos previstos em
seu texto. Afinal, as cidades do país ainda convivem com lixões e o pro-
blema do “lixo” se encontra longe de ser resolvido.
Todavia, o modelo apresentado como parâmetro na PNRS mostra
que é possível trazer uma série de benefícios econômicos, sociais e am-
bientais para as cidades, atrelando suporte, financeiro e administrativo

79 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

em parcerias com atores externos, a exemplos da FUNASA e a Universi-


dade Federal. Cidades com poucos recursos podem realizar uma transi-
ção de um sistema informal de coleta para o sistema de coleta seletiva
solidária. Este artigo foi nossa última parceria com Tarcísio Valério da
Costa e foi finalizado em sua homenagem. O Tarcísio é um desses heróis
que povoam nosso país. Rodando pelo sertão e ajudando os catadores a
manter suas associações, Tarcisío contribuiu de forma concreta para a
construção de um país mais justo. Nossas homenagens a ele.

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80 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
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82 [Sumário]
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83 [Sumário]
CAPITULO 4
UMA TRANSPOSIÇÃO DE
OLHARES SOBRE A CULTURA
CARIRIZEIRA: ENTRE AS
ILUSÕES E OS IMPACTOS DO
PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO DA
BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO
Emerson Lopes Barbosa

INTRODUÇÃO

Este ensaio etnográfico e visual8, desenvolvido no âmbito do Pro-


grama “UFPB no seu município” e com financiamento por meio de bolsa
de extensão à Projetos Estratégicos da Pró reitoria de Extensão (PROEX)
da Universidade Federal da Paraíba, tem por objetivo recortar fragmen-
tos de determinada constituição social humana, com vistas a abertura de
discussões e análise de conflitos hídricos e sociais através da contempla-
ção da paisagem enquanto “cultura, como uma ideação da imaginação
humana sobre a própria natureza” (Schama, 1996:70) exposta em foto-
grafias de determinado contexto/território/universo do que denomino
de cultura (Geertz, 1989) caririzeira regional. Em busca de ler as entre-
linhas contidas nos “genes culturais”, como bem nos trouxe Geertz, “an-
tropologia é uma ciência semiótica”, a partir do fazer etnográfico, concei-
tuado historicamente e valendo-se de subjetividade artística, trazendo à
tona, novas estruturações sociais causadas pelo Programa de Integração
da Bacia do Rio São Francisco - PISF, ao longo da Bacia Hidrográfica do
Rio Paraíba.
8 Quanto ao conceito de Etnografia em antropologia consultar Gonçalves (2016).

84 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Atualmente, muito se tem falado em agronegócio, agricultura, in-


dustrialização e desenvolvimento territorial em campanhas publicitárias
midiáticas e tendo se intensificado este discurso a partir do governo elei-
to em 2019 por meio de publicidades como “O agro é Pop” veiculadas
em rede nacional de onde afirmam que “agro é tudo”, reafirmando o pro-
jeto neoliberal. Mas pouco se reflete sobre o real impacto da utilização
cotidiana da água na vida humana e na constituição dos processos de
desenvolvimento nas camadas da sociedade e de seus impactos tanto so-
bre os grupos sociais mais apartados da sociedade, quanto sobre o meio
ambiente.
Consequentemente as figuras fotográficas adquirem dois formatos
de manuseio: o primeiro é para a expressão estática do mundo, com sen-
tido de comprovação de existência do outro em si, e o segundo é do cam-
po semiótico, enquanto formato provocador de reflexões e facilitador de
compreensões epistemológicas. Sendo utilizadas como expressões da
cultura em si, elas inserem-se na composição de estruturas analíticas, re-
presentantes da narrativa do etnógrafo. (BITTENCOURT, 1994).
A fotografia evoca experiências passadas, posicionando o observa-
dor numa condição de estabelecedor de conexões entre o contexto so-
ciocultural apresentado no texto escrito e representado na linguagem
visual. Possibilitando assim, que o observador seja capaz de transferir
a distância da sua realidade e a do outro. (DANFORTH; TSIARAS 1982,
p.7). De uma forma simples, as representações fotográficas podem ser
símbolos mediadores da pesquisa etnográfica, demandando observações
claras e participativas no procedimento criativo da fotografia e da reali-
dade a qual a imagem se faz como objeto significante. Com isto, podemos
considerar estas fotografias como “descrições densas”, tendo em vista
que as diferenças entre análise, teoria e dados esvanecem (Geertz 1973,
Caldarola 1988).
Portanto, para este estudo, proponho de forma provocativa a cons-
trução de um ensaio que mescle os dois níveis de leitura, seja da lingua-
gem escrita, seja da linguagem visual, estabelecendo um diálogo com
você, o leitor deste trabalho. É importante frisar que este texto não tem
por objetivo trazer respostas, mas sim, despertar para a reflexão quan-

85 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

to aos impactos sociais causados pelos projetos de “desenvolvimento” a


grupos que vivem duplamente a margem: seja a da sociedade, seja a dos
leitos de rios.

A ÁGUA E A HISTÓRIA

A água, desde os primórdios das civilizações, sempre esteve vin-


culada a conflitos políticos, religiosos e territoriais, por conta da distri-
buição hidrogeológica desigual das águas sobre os países e continentes.
Sendo estes conflitos acentuados pelos períodos de secas, nos registros
históricos constam ao longo dos tempos, conflitos marcantes envolvendo
a água.
Entre estes conflitos, destacam-se na Mesopotâmia - Suméria,
amaldiçoada com uma terrível enchente causada pelos deuses (3000
a.c.). Mesopotâmia - Suméria, inserção de leis rígidas contra o roubo de
água no Código de Hamurabi (1790 a.c.). Nabucodonosor construiu mu-
ralhas na Babilônia, usando o rio Eufrates e seus canais como trincheiras
defensivas (605 a.c.). Leonardo Da Vinci e Maquiava] planejam o desvio
do rio Armo para cortar a água de Pisa que estava em guerra com Floren-
ça (1.503 d.c.). Exército Britânico ataca os reservatórios de água de New
York na guerra de independência dos E.U.A. (1777 d.c.). Holanda, durante
a segunda guerra mundial, inunda as linhas das fronteiras para impedir
o avanço alemão (1940 d.c.). Alemanha bombardeou os reservatórios da
antiga União Soviética (1941 e 43 d.c.).
Estes são apenas alguns conflitos socioambientais aqui pontua-
dos, entendendendo-os a partir da concepção formulada por Paul Little
(2006) como uma aglomeração emaranhada de disputas inter-relacio-
nais por questões ecológicas entre determinados agrupamentos sociais
nas mais diversas circunstâncias. Não há dúvidas de que toda a história
humana foi marcada por embates desta mesma espécie, desde grandes
secas, a má disponibilização da água no território ou, até mesmo, a água
sendo usada um recurso bélico, etc.

86 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Havendo este imenso histórico de má utilização, conflitos socioam-


bientais, políticos e sociais, e ao mesmo tempo, tendo o conhecimento
científico progredido exponencialmente no desenvolvimento de tecno-
logias voltadas aos recursos naturais, por que os recursos hídricos e sua
inserção na sociedade continuam acontecendo de forma desigual? Por
que ainda há uma má estruturação dos sistemas hídricos? Por que há a
ausência de políticas públicas que venham a dirimir os impactos sociais
nas comunidades, se são formados tantos acordos e tratados internacio-
nais, como por exemplo, a agenda 2030, os objetivos do desenvolvimento
sustentável?

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PARAÍBA

A Bacia Hidrográfica do rio Paraíba, possui uma área de 20.071,83


km2, é a segunda maior do Estado da Paraíba, abrangendo 38% do seu
território do Estado, abriga 1.828.178 habitantes que correspondem a
46% da sua população total no ano de
2018. É composta pela sub-bacia do Rio Taperoá e Regiões do Alto
Curso do rio Paraíba (6 717,39 km2), Médio Curso do rio Paraíba (3
760,65 km2) e Baixo Curso do rio Paraíba (3 925,40 km2).

87 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 1- Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba

Fonte: AESA (2018)

Por meio dos Governos Estadual e Federal, nas áreas situadas ao


longo do leito do rio paraíba, foram realizadas diversas obras, entre elas a
construção de açudes públicos, cujas reservas são utilizadas para o abas-
tecimento das comunidades ao entorno e de seus rebanhos, irrigação,
pesca, e em alguns pontos, como forma de turismo local e lazer.
Sendo que estes reservatórios são fundamentais para a região e nos
períodos de secas prolongadas, muitos deles entram em crise, causando
diversos conflitos socioambientais no uso dos recursos hídricos e pro-
blemas intensos na ordem econômica e social. Um dos maiores exemplos
desses colapsos recentes é o Açude de Boqueirão, Epitácio Pessoa.
O açude de Boqueirão fica localizado em pleno semiárido nordes-
tino, no cariri paraibano, mas precisamente no município de Boqueirão-
-PB. Esta barragem teve sua fundação no ano de 1957, tem capacidade de

88 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

armazenamento aproximada de 411.686.287 m3 de água, abastece cerca


de 20 municípios paraibanos, em torno de 1 milhão de pessoas. Nesta úl-
tima seca (2011-2019) devido a ausência de chuvas, o açude chegou num
limite crítico de apenas 12 milhões de m3 (3%) de sua capacidade total,
tendo sido este seu pior índice desde a década de 1990.
Em vista disso, pelo atual estado dos recursos hídricos da bacia hi-
drográfica e a proximidade com a conclusão das obras do Programa de
Integração da Bacia do Rio São Francisco - PISF, se deu a curiosidade em
saber como as águas iriam se inserir no cotidiano dos indivíduos residen-
tes das comunidades ribeirinhas. Neste cenário, conflitos entre os usuá-
rios foram evidenciados no reconhecimento e estudo de parte de bacia
hidrográfica: 1) restrição ao acesso à água potável pelos proprietários de
terras onde passa o leito do rio; 2) dificuldade de mobilidade por entre
as pontes de madeira improvisadas e passagens molhadas9 sobre o rio;
Nestes últimos anos de seca houve a intensificação dos raciona-
mentos dos recursos hídricos pela fornecedora estatal, Companhia de
Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA). Em algumas localidades a libera-
ção de água era feita apenas uma vez por semana, sendo que essas águas
vinham com uma coloração de tom marrom escuro e odor intenso, já em
outras comunidades houve registro de meses sem sequer chegar água
nas torneiras, o que levou a população desses locais a intensificar a com-
pra de água em carros pipa.
Por outro lado, soma-se a este período de seca o aumento da po-
luição, da degradação ambiental e do assoreamento das margens do rio
Paraíba, além de outras causas que nos aponta Silva (2017):

Ao longo do trajeto vários tipos de impactos ambientais foram


identificados um deles foi o processo de desertificação, pois na
medida em que o solo retirado está sendo depositado nas mar-
gens ao longo do canal, faz com que a vegetação ao seu redor
seja impedida de se desenvolver, o processo erosivo que a partir
da escavação faz com que o solo fique exposto aos agentes ero-
sivos como o vento e a ação pluvial que ao precipitar faz com
que aquele solo seja carreado e depositado em áreas mais bai-
xas causando outro tipo de impacto ambiental, o assoreamento

9 Tipo de ponte de concreto.

89 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Por entre diversos anos o rio Paraíba foi alvo de descaso das forças
políticas representativas, as quais não se atentaram às necessidades das
populações ribeirinhas e possibilidades de ações de políticas públicas
que viessem a estruturar uma condição mínima de sobrevivência não só
das comunidades mas também do Rio e de uma preparação deste para os
períodos de cheias ou até mesmo o recebimento das águas do PISF.

O que está se desenhando para a região semiárida da bacia do


rio Paraíba é que a situação existente continuará praticamen-
te a mesma. A única garantia para as regiões que sofrem com
a escassez é que haverá sempre a manutenção dos níveis de
água para os reservatórios existentes ao longo do rio Paraíba e
o abastecimento que é feito por meio de adutoras continuará o
mesmo, podendo haver uma ampliação na sua rede, com a cons-
trução de novas adutoras. As comunidades que não são abaste-
cidas pelas adutoras ou por estes reservatórios ficarão pratica-
mente na mesma situação, ou seja, por fora de toda estrutura do
projeto. Está se montado o palco de um futuro conflito. (ARAÚJO
SEGUNDO NETO, 2013)

De certo, não só a paisagem tem se degradado, mas também as re-


lações sociais que são postas à mercê da incerteza política e da mão in-
visível da indústria da seca novamente, com isso o mapeamento georre-
ferenciado10 dessas incógnitas e pontos conflituosos através do registro
fotográfico como um marco cultural e socioambiental fez-se necessário
para revelar o modo como estes grupos sociais estão se relacionando
com estes diversos conflitos socioambientais.
Nesta perspectiva, Borba (2017) dissera que os dispositivos móveis,
através de sua utilização e do georreferenciamento possibilitado por diver-
sos aplicativos ligados a localização de seus usuários em tempo real, possi-
bilitam uma construção etnográfica e o mapeamento de símbolos e signos
histórico-culturais e sociais, estabelecendo um marco geográfico dentro de
um banco de dados geolocalizados referenciando o espaço-tempo.

10 mapeamento georreferenciado é uma técnica de marcação espacial onde se utiliza uma


ferramenta de Global Positioning System comumente chamado por GPS, que nada mais é do que
um Sistema de Posicionamento Global que através da triangulação de satélites pontua a latitude
e a longitude onde o dispositivo se encontra.

90 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Em sua análise sobre as geotecnologias, Tavares (2016) nos traz:

A inserção e os avanços tecnológicos na Geografia possibilitam


novas utilizações ao mapeamento, pois o cotidiano social tam-
bém ganha espaço para representação, trazendo assim, novos
discursos. Pensar nos espaços onde se vive diariamente é im-
portante, pois age como forma de se situar geograficamente,
tomar certos cuidados com o ambiente em que vive levando a
mudanças de comportamentos, individuais e coletivos, que po-
dem ter consequências socioambientais futuras. (TAVARES, G.
et al. 2016, p.55)

O georreferenciamento vem neste sentido, viabilizar além do ma-


peamento, o delineamento da realidade regional em torno do leito do Rio
Paraíba, o que pode trazer subsídios para a análise conceitual e estrutu-
ral das políticas públicas de utilização de recursos hídricos por onde o rio
está situado. Além disso, pode fomentar discussões também sobre a pai-
sagem cultural e através da autocontemplação na fotografia na composi-
ção de imagens geolocalizadas dentro do espaço-tempo, uma reflexão de
como os agrupamentos sociais tem lidado em relação ao controle destes
recursos pelos cidadãos.

E AS ÁGUAS?

Para iniciar a pesquisa, baseei-me na chegada das águas da Trans-


posição da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco ao Eixo Leste, por
conhecer a fundo esta região e ter convivido com o Rio Paraíba durante
o período de seca - que antecedeu a chegada das águas. Além disso, es-
tava interessado em compreender se de algum modo o acesso às águas
poderia transformar a realidade regional entorno do Rio Paraíba e quais
os impactos socioambientais seriam gerados em agrupamentos sociais
ribeirinhos. Atualmente, 33 cidades são contempladas pelo Eixo Leste:
duas em Pernambuco e 31 municípios paraibanos. São quase um mi-
lhão de habitantes nessas localidades. Os municípios que receberam pri-

91 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

meiramente as águas da transposição foram respectivamente Sertânia


(PE) - cerca de 35.907 habitantes - e Monteiro (PB) - com 33.222 hab.
(IBGE/2019). Ficando para os governos estaduais, o trato e o forneci-
mento de água pronta para o consumo.
A projeção estimada do Eixo Leste foi para o fornecimento de
águas a 4,5 milhões de habitantes residentes em 168 municípios loca-
lizados nos Polígonos das Secas, entre Pernambuco, Paraíba e Ceará.
A etapa para a averiguação dos equipamentos eletromecânicos e das
estruturas foi concluída completamente. Este eixo cruza os municí-
pios de Floresta, Betânia, Custódia e Sertânia em Pernambuco e vai
até Monteiro na Paraíba. As águas do PISF chegaram ao Município de
Monteiro-PB por volta do dia 08 de março de 2017. Iniciamos a nossa
primeira visita ao campo no dia 28 de dezembro de 2017, dando ênfa-
se ao registro das geolocalizações e à formulação de um entendimento
acerca das estruturas hídricas e o atual estado do leito do Rio Paraíba.

Figura 2 - Comunidades ao longo do leito do Rio Paraíba

92 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Fonte: O Autor (2018).

Figura 3 - PISF-Eixo Leste - Trecho V:Meta 3L

Fonte: TCU (2015)


Desde o início, foi identificada uma dificuldade na locomoção por
entre as estradas que encontravam-se as margens do Rio Paraíba e o
atravessavam. Sendo de conhecimento geral que há falta de estrutura nas
estradas das zonas rurais no Brasil, no entanto isso não impedia os mora-
dores de chegarem às suas propriedades.
A chegada das águas já havia estabelecido um fluxo contínuo no lei-
to do rio Paraíba, no entanto, nos interessava saber se acaso houvesse
chuvas constantes, isto poderia causar enchentes? Estas passagens fica-
ram completamente alagadas? Como os moradores chegariam ao outro
lado da margem, fosse de moto, de carro ou a pé?

93 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

E AS PESSOAS?

Partindo da premissa de que eu, não era um nativo daquelas comu-


nidades, procurei durante algum tempo um nativo que pudesse acompa-
nhar-me por entre aquelas veredas, que conhecesse tanto a região quanto
seus moradores. Conversando com alguns conhecidos, indicaram-me um
mototaxista conhecido por Galego, este era morador do Sítio Bom-Nome
no município de Monteiro-PB.
Sendo o Sítio Bom-nome próximo a região onde localizava-se tanto
a Barragem São José, quanto o Açude de Poções, além de situar-se próxi-
mo a quatro passagens molhadas (no Sítio Santana I, no Sítio Santana II,
no Sitio Barros e no Açude de Poções). Galego era sem dúvida um “bom
nome” - trocadilho - para auxiliar-me nesta pesquisa.
Galego é um homem de meia-idade, típico morador de sítio, com
trejeitos de agriculto11, marcamos de nos encontrarmos na manhã do sá-
bado, na praça João Pessoa -praça localizada no centro da cidade de Mon-
teiro - cheguei por volta das 08:30, 30 minutos atrasado.
Ele estava embaixo de uma árvore em frente a loja Fit-Informática e
ao lado de sua moto (da marca Honda, na cor vermelha, modelo CG 125)
com um calção de jogador de futebol de campo de cor azul e com listras
brancas nas laterais, uma camiseta vermelha, uma jaqueta de mototaxis-
ta amarela, chinelas havaianas “tradicionais”, um relógio de pulso na cor
preta, e um óculos de grau.
Cumprimentei Galego, dando-lhe bom dia, ele respondeu cordial-
mente, e me perguntou por onde começaríamos, disse-lhe que estava in-
teressado nas passagens molhadas que existiam ao longo do leito do Rio
Paraíba, e que já havia passado lá anteriormente para fazer as marcações
das geolocalizações, contudo, queria observar o atual estado do leito do
rio por conta das chuvas.
Ele aprovou e então saímos na moto em direção a saída da zona ur-
bana, pela via principal da cidade, passando pelo bairro da Quinta da Boa
11 No município de Monteiro é corriqueiro que os mototaxistas também tenham roçados
e plantações nas zonas rurais para complementarem suas rendas

94 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Vista, e chegando na Avenida Cidade Recife - BR-412 - neste momento,


avistando a cidade, pude perceber o quão esta estava desenvolvendo-se
ao ver um bairro completamente novo, num loteamento próximo a saída
da cidade e do desemboque das águas no Rio Paraíba. Então tomamos o
sentido contrário e seguimos pela estrada que dá acesso a Barragem São
José, passamos em frente a Associação Atlética Banco do Brasil - AABB, e
ao lado da Central de Tratamento de Esgoto do Município.
Seguimos na moto por cerca de uns 15 minutos, tendo em vista que
por conta da chuva, a estrada estava alagada e com pontos de difícil aces-
so. Em um destes pontos, tivemos que passar pela margem lateral direita
da estrada, e o pneu da moto derrapando, houve uma certa tensão da
minha parte, assim que saímos, ele disse que era porque havia chovido
muito nos últimos dias, a vegetação típica da caatinga estava toda num
tom de verde leve, imaginei que estivesse assim por conta das chuvas, e
as árvores estavam cheias de folhagens.
Perguntei-lhe se ele tinha dificuldade de se locomover constante-
mente ou só era difícil quando chovia, ele respondeu: “Essas duas passa-
gens são difíceis de fazer quando o rio está cheio, a de Santana 02 e a de
Poções, tenho que arrodear lá por baixo para pode chegar ao “Bom-no-
me”.
Prosseguimos, já próximos a passagem molhada do Sítio Santana I,
a essa altura já havia perdido a conta de quantas vezes íamos derrapan-
do na moto, entramos por um veio da estrada e chegamos a passagem
molhada do Sítio Santana I, fiz algumas fotografias e vídeos, permaneci
alguns instantes observando como o mato já tomava conta da margem do
rio e de como seria difícil atravessá-lo.
Voltamos a estrada principal nos dirigindo a Barragem São José, fo-
mos nos deparando com pessoas pelo caminho, umas voltando, outras
seguindo em frente, em carros, motos e cavalos, percebi que estas pesso-
as sempre falavam umas com as outras, fosse com palavras, com o som da
buzina ou com gestos corporais.
Esta comunicação me intrigou, peguei-me a refletir sobre esta
ação comunicativa entre indivíduos que na maioria das vezes nem se co-

95 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

nheciam, para alguém acostumado com grandes centros nos quais isso
é inimaginável e até mesmo na própria zona urbana de Monteiro esta
ação não era facilmente identificável, porém ali na zona rural isto se dava
como uma regra básica de convivência.
O que faria o cidadão da zona rural desenvolver este nível de comu-
nicação, para não dizer cordialidade? Será que um certo distanciamento
social em sítios torna as pessoas mais abertas, por assim dizer, a comu-
nicação e consequentemente a interação humana? Ou será que a escas-
sez cíclica de água, o que de certo modo contribui para a má lida com a
agricultura de subsistência e a ausência de políticas públicas do Estado,
desperta naquelas comunidades ribeirinhas uma certa consciência de
convivência para cooperação e sobrevivência?
Em frente, chegamos à Barragem São José, outra vez compus mais
fotografias e vídeos, não pude deixar de notar que algumas pessoas se
encontravam ali para pescar, baseado nos rastros de moto, e confirma-
do por Galego, saímos da Barragem e voltamos para a estrada, a vegeta-
ção mantinha-se verde durante todo o trajeto, e víamos poucas moradas,
sempre que Galego avistava a casa de algum conhecido seu, ele pergunta-
va se queria que parássemos para conversar.
Chegando a passagem molhada que dá acesso ao Sítio Santa II, fiz
mais algumas fotografias e vídeos, e observei a falta de estrutura e a im-
possibilidade de cruzar a passagem por conta das águas, retornamos
para a estrada e seguimos para o Açude de Poções. Próximos a chegada
acabamos nos perdendo por termos entrado numa via que dava para um
Sítio privado, acabei alertando a Galego que a estrada estava fechada de-
mais para ser uma via expressa, mas ele insistiu.
De fato, este comportamento de Galego me remeteu o pensamento
de que isto demonstraria nele o excesso de entusiasmo em poder nos
guiar ao destino da melhor e mais rápida forma, ou por indiferença em
aceitar que eu, um indivíduo forasteiro da cidade grande, pudesse - in-
dependentemente do motivo que fosse ou de qualquer outra experiência
que eu tivesse tido anteriormente com comunidades rurais - compreen-
der estruturas básicas de estradas da zona rural.

96 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Retornando por onde vimos, seguimos por um caminho um pouco


mais distante que, no entanto, dava para a passagem molhada de Poções.
Ao chegarmos lá, assim como as outras, esta estava transbordando a
água, seis pessoas encontravam-se olhando para as águas que passavam
e um menino numa bicicleta Monark vermelha, esforçava-se para chegar
ao outro lado.
Numa luta contra a correnteza estava ele em sua bicicleta, impedi-
do de prosseguir sem complicações, o que de acordo com o Relatório de
Impacto Ambiental -RIMA (2005) do Ministério da Integração Nacional
- MIN não deveria estar ocorrendo. Afinal o Programa de Recuperação
de Áreas Degradadas, um dos programas de diminuição dos impactos do
PISF, iria fomentar a construção de estruturas de passagem terrestres
e estradas de acesso que possibilitariam uma melhor locomoção tanto
para seres humanos quanto para a fauna local.
Ficamos, Galego e eu, observando enquanto ele me falava da di-
ferença que estas águas estavam fazendo para os moradores da região,
informou-me ele que muitas pessoas na rua (zona urbana) ainda não
ingeriam essa água e nem as utilizavam por não confiarem em sua pro-
cedência. De certo, era pouco provável que um indivíduo em condições
minimamente dignas de sobrevivência fizesse a ingestão destas águas,
pois havia um odor forte vindo daquele local.
Quase não se ouvia o som das pessoas conversando, na verdade du-
rante todo o percurso foi difícil ouvir algo que não fosse o som das águas
ou os dos motores quando passavam por nós.
Ao nosso lado parou um homem de aparentemente uns 35 anos,
camiseta laranja e bermuda azul escuro, cruzou os braços e começou a
conversar com Galego sobre as chuvas recentes, disse-nos que talvez ele
lucrasse com suas plantações, perguntei-lhe se ele morava ali, e ele con-
firmou, pela forma como estava molhado e um saco com peixes pendura-
do em sua moto, presumi que estivera pescando, ele despediu-se e seguiu
caminho em sua moto, fizemos o mesmo.
Ao voltarmos pela estrada Galego disse que estávamos próximos
a casa de um conhecido dele, no Sítio Salinas, perguntou-me se queria

97 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

ir até para conversarmos com ele, respondi que sim, então nos condu-
zimos à uma casa num alto de uma ladeira, ao chegarmos na porteira,
pude ver que o terreno tinha uma grande extensão territorial, mas a casa
era pequena, continha aparentemente uns 10m de largura e uns 25m de
comprimento.
A porta estava aberta, a casa não era rebocada e, ao lado direito,
havia um alpendre de madeira coberto por palhas secas, este cobria uma
mesa de bilhar, ao lado esquerdo da mesa, encostadas na parede estavam
quatro cadeiras de bar na cor verde e mais à esquerda em cima de uma
caixa de cimento - exposta ao sol - estava uma caixa de som de cerca de
uns 50cm, com volume relativamente alto, e tocando a canção “sábado”
do cantor José Augusto, mas esta versão era em ritmo de brega pela ban-
da “Asas Livres”.
Nesta casa também funcionava um pequeno bar, no entanto estava
fechado e isso é de se estranhar, pois os bares que ficam localizados nos
sítios da região tendem a começar a funcionar mais cedo. Segundo Gale-
go: “Eles não sabem ganhar dinheiro, há uma hora dessas e ainda fecha-
dos (risos sarcásticos).
Galego chamou pelo nome do conhecido dele e não obtive resposta,
então ele bateu palmas e chamou novamente, nenhuma resposta e não
ouvíamos som de alguém se movendo. Estávamos já subindo na moto
para irmos à casa de outro conhecido de Galego e saiu uma mulher a
porta. Ela emitia sinais de estar desconfiada e pelo modo como olhava,
percebi que ela não conhecia Galego. Ele a cumprimentou e se apresen-
tou informando quem eram seus parentes conhecidos e de que Sítio ele
era, e depois perguntou por seu marido. Ela nos informou que ele havia
saído e voltava logo.
Esta mulher de nome Edvania, aparentava ter uns 33 anos de idade,
dona de casa, tinha uma estatura média, era branca, com cabelo castanho
amarrado, um piercing na lateral direita do nariz e outro na sobrancelha
esquerda, três brincos na orelha direita e um na esquerda, vestia uma
camiseta branca, com tiras de pano entrecortadas, vestia uma saia curta
também da cor branca, mas com ilustrações de flores rosas.

98 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Galego apresentou-me a ela, perguntei se poderia fazer-lhe algumas


perguntas, ela permitiu, fui perguntando e ela respondendo de forma rís-
pida. Ela ficou estática com os braços para trás do corpo, não pude deixar
de notar que entre uma pergunta e outra ela evitava olhar diretamente
para nós dois, sempre respondendo desviando o olhar ou olhando para o
lado direito ou para o chão.
Este comportamento particular de Edvania soou-me intrigante, de
certo modo, ela se punha de uma forma que parecia indiferente a nossa
presença, no entanto, a fala breve, por vezes monossilábica, demonstrava
uma posição de autodefesa e que a mesma se encontrava em estado de
alerta como quem está num interrogatório, aparentando que estava des-
confortável conosco. Em sua percepção, não haviam problemas significa-
tivos referentes às águas, ela continuava utilizando-as da mesma forma
que sempre utilizou.
Primeiramente, não havia fluxo de águas anteriormente no rio
Monteiro devido ao período intenso de seca; em segundo lugar, sua pro-
priedade não tinha acesso as águas do rio, pois não estava às margens
do mesmo, nem as águas eram conduzidas por tubulações para sua resi-
dência. Estas duas suposições me fazem pensar que ela deveria comprar
água de carros pipas ou buscar em fontes de águas distantes.
Após terminarmos as perguntas, estive notando que havia quatro
pessoas numa casa não muito distante e olhando para nós, entre as qua-
tro havia um senhor e uma senhora, e dois jovens, perguntei a Edvania
quem eram, e ela nos disse que eram seus pais, indaguei se eles nos re-
ceberiam, ela disse que sim. Agradecemos por conceder-nos a entrevista,
nos despedimos e dirigimo-nos a casa de seus pais.
Paramos novamente numa porteira que estava aberta, agora havia
três pessoas, um senhor em pé ao lado da porta, e um casal sentado junto
ao batente da porta. A casa tinha uma porta de madeira que se divide ao
meio, quatro jarros de plantas improvisados com baldes e garrafas pets
na parede, estas paredes também não eram rebocadas. Havia uma peque-
na rampa de madeira pela qual deveria passar uma moto pela porta; ao
lado direito da casa tinha uma antena parabólica e alguns entulhos mais
ao fundo da propriedade, encostados numa pilha de tijolos.

99 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Dentro do terreno estavam algumas cabras, que emitiam um cons-


tante soar do chocalho, o senhor demonstrava ter uns 65 anos de idade,
cabelos e barba grisalhos, esta última por fazer. O rosto repleto de marcas
de expressão, pele queimada pelo trabalho exposto ao sol, camisa xadrez
de botão aberta até o tórax.
A mulher jovem estava com uma bermuda jeans e uma camiseta da
cor rosa, esta tinha aproximadamente uns 28 anos, era morena e tinha
longos cabelos presos, estava de chinelas da cor rosa, havia um bracelete
em seu braço direito, usava brincos. O homem que estava ao seu lado
vestia uma calça jeans escura, uma camisa azul escura, de pele também
morena, usava óculos da armação de cor branca, estava usando uma sa-
patilha da cor preta e segurava uma chave de moto.
Cumprimentamos a todos e perguntamos se poderíamos entrar, o
senhor assentiu, Galego novamente apresentou-se, falando sobre seus
familiares e do sítio onde morava, o senhor disse que conhecia alguns fa-
miliares de Galego. Esta autoidentificação de Galego evidenciava, em mi-
nha opinião, uma necessidade de estabelecer parâmetros minimamente
transparentes para a criação de relações sociais e vínculos entre seus
interlocutores que possibilitasse um certo grau de confiança e abertura
para a obtenção de informações.
Galego apresentou-me ao senhor e demais ouvintes, contando-lhes
sobre o que viemos fazendo até aquele determinado momento, terminei
de apresentar-me, falando sobre o trabalho de pesquisa e perguntei-lhe
se o mesmo poderia responder algumas questões, ele consentiu.
Antônio, agricultor aposentado, viveu a vida toda neste mesmo lo-
cal, respondeu às perguntas de forma tranquila e lúcida, diferentemente
de sua filha, Edvania. Ele gesticulava e falava abertamente sobre a reali-
dade local, ironizando algumas respostas de agentes públicos e popula-
res da localidade, ao mesmo tempo em que propunha um olhar crítico
enquanto nos informava o estado delicado em que se encontravam, mos-
trando em suas colocações sinais de preocupação.
Nos informou que ele e sua família sempre tiveram livre acesso às
águas em períodos de cheias, todavia, por conta de negociações do go-

100 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

verno junto aos proprietários de terras às margens do leito do rio, ulti-


mamente estava tendo dificuldades em obter água do açude de Poções.
Nos contou que os donos de terra cercaram suas propriedades e
colocaram cadeados nas porteiras, o que dificultou a passagem dele e de
seus familiares para buscar água. Falou-nos também que alguns destes
proprietários de terras que são banhadas diretamente pelas águas do rio,
produziram cópias de chaves para outros moradores, contudo, informa-
ram que não iriam mais ceder novas cópias.

Porque aqui eles inventam de negociar e comprar os lotes, nin-


guém sabe como é isso, aí então o que eles fazem é botar ca-
deado, há várias cisternas com cadeado, a entrada da água para
pegar no Açude muitas vezes vai pedir a chave a eles, eles dizem
“má-criação”, eles têm o direito de entregar numa boa né?, por-
que sabe que nós precisamos de água, não vamos por cima das
cercas, passar com a moto, com carro, com reboque ou com ju-
mento numa carroça. Aí as águas são presas.

Enquanto conversávamos, ele andava pelo terreiro, indo para fren-


te e apontando locais próximos, utilizando-os como referências, em de-
terminado momento enquanto ele falava da compra de terrenos possivel-
mente ilegais, ele apontou para um morro atrás de sua casa e disse:

Aí, só quer dizer que só um querer ser dono ou dois ou três não
pode, era tudo aberto, mas saíram comprando a terra e o go-
verno já pagou. Quando o governo foi fazer esses açudes, pagou
todas as propriedade para que depois ninguém ficasse morando
dentro. Hoje mesmo, que nem aqui nesse alto que ali tem uma
moradia, ali é do governo, quero ver quem é que bota um pé ali
dentro, ninguém bota um pé ali dentro, se botar a macaca zoa.

Neste momento, ele faz referência há dois programas ambientais


diretamente vinculados ao PISF, o Programa de Aquisição de Terras e
Indenização de Benfeitorias, que tem como objetivo desenvolver meios
de gerenciamento e administração mais efetivos das desapropriações de
propriedades às margens do leito do rio, através da regularização dessas

101 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

terras e do registro rural de imóveis e moradores, evitando assim o au-


mento da especulação imobiliária destas terras (BRASIL, 2005:99).
E o Programa de Reassentamento da População, que visa amenizar
a incidência do êxodo rural e da emigração da região, subsidiando ações
para a fixação das populações no campo, fortalecendo assim a reprodu-
ção social e econômica nestas regiões (BRASIL, 2005 p.99).
Conforme fomos perguntando, ele aparentou estar mais à vonta-
de e aberto a perguntas, nos convidou para entrar em sua casa, entrei e
sentei-me no sofá com uma coberta vermelha, ele sentou-se no sofá de
frente para mim e dando as costas para uma janela por onde entrava a
luz do sol, junto dele estava sua outra filha, que estava a porta quando
cheguei, Josinalda expôs alguns problemas que a incomodavam em rela-
ção ao acesso às águas: “É tudo fechado, eles querem ser donos, fecharam
tudo. Isso aqui era tudo aberto, o povo saiu fechando, danaram cadeados,
vai pedir para abrir os cadeados, o povo quer brigar.”
Neste momento, vemos o reforço da divergência entre a situação
exposta por sua irmã Edvania, uma vez que ela afirma não ter dificul-
dades quanto ao acesso às águas, em contraposição ao anteriormente
exposto por seu pai e evidenciado por Josinalda, quando nos revela seu
desconforto quanto ao cerceamento do acesso às águas imposto pelos
proprietários de terras.
Nesta sala ainda estavam o seu genro Antônio e mais dois netos de
aproximadamente 5 e 6 anos de idade. O interior da casa também não era
rebocado e havia uma cortina na passagem que dava acesso a cozinha,
um móvel com uma televisão de tubo e alguns discos compactos - ou cd’s
- estavam ao lado do sofá onde eu estava sentado.
Antônio foi nos esclarecendo algumas dúvidas prosseguindo em
fala sobre a dificuldade de ter acesso às águas, sobre meu questionamen-
to da locomoção por aquelas estradas e pela ponte (passagem molhada),
ele disse:

102 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Quando ele tá cheio mesmo, não tem como ir, que ela vem até
aqui nessa cerca, ali onde você passou lá, eu acho você passou
em cima de uma passagem? Pronto, ali ela fica já querendo
transpassar quando ele enche.

Ao terminar as perguntas, agradeci-lhes pela cooperação e avisei


que teria que partir, ao sair, todos ficaram na porta e o Sr. Antônio foi
fechar a porteira quando nos despedimos, seguimos subindo no sentido
do Açude de Poções, pois ainda havia algumas imagens por serem feitas.
Ao chegarmos num trecho da estrada que seguia para o Açude, en-
contramos uma propriedade com a porteira fechada, paramos a moto,
descemos e um senhor de meia-idade veio nos atender, este senhor es-
tava com uma calça e camisa vermelhas, moreno, de cabelo já claro por
conta da idade e olhos claros, falar apressado e demonstrava feições in-
fantilizadas, aparentemente era portador de alguma necessidade espe-
cial.
Ele abriu a porteira e entramos com a moto, paramos em frente à
casa do dono da propriedade, saíram dois homens de meia-idade, um
com uma camisa polo amarela e de gola azul, Francisco, boné preto, e
óculos fechado por entre a abertura da camisa, um relógio dourado no
pulso esquerdo. Este homem ficou o tempo todo na porta da casa, com os
braços escorados num pequeno muro na varanda da casa.
O outro homem que igualmente aparentava ter meia-idade, Lucia-
no, de camisa cinza com ilustrações de folhas em tom monocromático,
boné vermelho, bermuda jeans e chinelos da cor preta. O local onde es-
távamos disseram eles, era o Sítio Porção de Barra Nova, que fica às mar-
gens do Açude de Poções.
Esta casa era grande, e completamente rebocada com tinta verde
nas paredes, na varanda havia uma mesa coberta com um tecido verde-
-claro ao lado de duas cadeiras vermelha de plástico, duas plantas arti-
ficiais ao lado de uma televisão da cor preta de tubo e com uma tigela
vermelha em cima, na parede estavam duas gaiolas, uma com um passa-
rinho, que aparentava ser uma “maria-fita” (Coryphospingus pileatus) e a
outra com dois passarinhos, uma “maria-fita” e um que assemelhava-se

103 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

com um “bigodinho” (Sporophila lineola), via-se muitas galinhas pelo ter-


reiro e o cheiro forte de terra molhada.
Galego se apresentou novamente, falando de onde era e quem eram
seus familiares, logo após me apresentou e eu informei-lhes sobre mi-
nha pesquisa, perguntei se poderia lhes fazer algumas perguntas sobre o
convívio deles ali na região e com as águas do açude de poções. Dei segui-
mento às perguntas que havia feito anteriormente tanto sobre o acesso
às águas, quanto a locomoção por aquela região.
Quanto ao acesso às águas, Francisco foi conciso, expondo que não
havia faltado água depois que o bombeamento da transposição foi ligado,
e que ele só teria receio que agora fosse diminuir a quantidade de água
drasticamente, já que o bombeamento estava para ser desligado por con-
ta de obras que seriam feitas no Açude de Poções e de Camalaú.
Já a respeito da locomoção por aquelas estradas ele dizia que como
as águas estão baixando, já ia dar para passar de moto pelas passagens
molhadas tranquilamente. Luciano também falou que utilizava a água no
Lava-jato de seu pai e consumia constantemente a águas, mesmo que di-
versas pessoas ainda não consumissem por receio.
Agradeci-lhes pela colaboração, e segui caminho de volta com Gale-
go, no caminho acabamos por sermos pegos de surpresa por uma chuva,
o que nos fez parar embaixo de um alpendre de uma casa antiga. Ela es-
tava fechada e aparentemente não havia nenhuma pessoa residindo. As-
sim que a chuva diminuiu demos continuidade ao nosso trajeto de volta,
passando por fazendas, pela estação de tratamento de esgoto, pela AABB,
voltamos pelo centro da cidade, sábado é o dia da feira do município, no
entanto, o movimento já começara a diminuir.
Passamos pela Praça João Pessoa, e tomamos a rua paralela a prin-
cipal, para que Galego me deixasse em casa, agradeci-lhe pela colabora-
ção, sem dúvidas não haveria de ter conseguido entrar em contato com
tantas pessoas, se não fosse por seus conhecimentos, paguei-lhe e me
despedi.

104 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tom de ensaio, buscando observar e compreender de forma sin-


gela alguns traços destas comunidades, utilizando-me de pensamento
crítico-reflexivo e de um método de pesquisa consolidado como a escrita
etnográfica, tanto com caracteres quanto com luz e sombras, com vista a
dirimir ruídos semióticos de minha experiência “nas estradas das areias
de ouro12”, e como já dizia Geertz:

[...]o que o etnógrafo enfrenta, de fato...é uma multiplicidade de


estruturas conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou
amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas,
irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma,
primeiro apreender e depois apresentar. (1989)

O histórico de medidas e políticas públicas para combate e convi-


vência com a seca já são seculares. Lembro de uma reunião que participei
em 2007 sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco - PISF, até
então era um adolescente ouvindo adultos das mais diversas classes so-
ciais, políticos, juristas, ambientalistas, agricultores, usuários das águas,
e uma outra infinidade de entidades de classes.
A maioria emitindo falácias, utilizando de demagogia e verborra-
gias, até então que um senhor, de idade por uns 60 anos, teve acesso ao
microfone, pela voz e argumentação bem colocada não parecia ser agri-
cultor, mas era um nativo. Até que ao fim de uma fala provocativa ele in-
dagou: será mesmo que as águas da transposição trarão a redenção para
resolver todos os nossos problemas?
Isso foi-me um motivo de reflexão por algum tempo, mas o que era
que um garoto de 12 anos de idade poderia fazer a não ser refletir?
A pergunta para este ensaio não foi gerada para tentar me tornar
nativo, ou simplesmente servir de registrador de sua cultura como aler-
tava Geertz (1989), mas para de fato poder dialogar para nivelar conhe-
12 Canção Na Estrada das Areias de Ouro. Compositor: Elomar Figueira Melo

105 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

cimentos13, entendendo as especificidades do território. Como pôr em


questão este pensamento idealizado instaurado pela chegada das águas
do PISF ao leito do Rio Paraíba.
Constatou-se em nossa observação que há possivelmente uma lin-
guagem padrão constituída por entre os moradores daquela determinada
região, o que de fato soa intrigante, pois pessoas mesmo que desconhe-
cidos mantém um comprimento padrão, respondendo de forma cordial
sempre que outro o fizesse, fosse um gesto com a cabeça, fosse emitindo
palavras ou com o sinal sonoro das motocicletas e carros.
Refletindo sobre a localização e utilização das águas, foco inicial
desta pesquisa, pode-se perceber uma certa discordância entre os indi-
víduos pesquisados, faz-se compreensível a existência de pensamentos
diferentes, entretanto, analisando membros de uma mesma família, a do
Sr. Antônio e a de suas filhas Josinalda e Edvania, não havia consonância.
Enquanto Sr. Antônio e Josinalda afirmavam que existiam diversos
problemas para terem acesso às águas do Açude de Poções por conta das
propriedades às margens do rio e do açude estarem fechadas a cadeados,
Edvania contava que não havia problema algum para ter acesso a esta
água, que o acesso sempre foi livre.
Eventualmente, esta disparidade pode traduzir-se de um descon-
forto de Edvania em relação a nossa presença em sua casa. De fato, im-
previstamente ela foi abordada por dois indivíduos que não conhecia, na
ausência de seu marido e num momento em que estava realizando seus
afazeres domésticos. Esta interrupção pode ter sido sentida como um in-
cômodo, o que explica sua rispidez e a necessidade de terminar logo com
as perguntas para poder dar prosseguimento às suas atividades.
Um fato significativo a ser considerado foi em nossa tentativa de
irmos às margens do Açude de Poções e no caminho que segue a estra-
da principal continha uma propriedade com porteira trancada, o que em
síntese, fortalece os relatos de Sr. Antônio e Josinalda em relação ao im-
pedimento do acesso às águas pela passagem na propriedade de Fran-
cisco, este que informava que não havia problemas com acesso às águas.
13 Quando falo “nivelar conhecimentos”, é de que eu possa compreender melhor suas re-
lações sociais e o saber intrínseco a eles e não o contrário.

106 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Isso reflete uma lógica, pois, sua propriedade encontra-se nas margens
do açude.
No entanto, vemos uma desinformação e muita confusão acerca do
PISF quanto a convivência para com suas águas, se elas são de fato públi-
cas e devem permanecer abertas a todos os moradores daquela região,
ou para negócios de terceiros, onde terras já desapropriadas pelo gover-
no, foram vendidas pelos próprios ex-donos novamente. Mas, para poder
adquirir mais dados e concluir de fato um rascunho epistemológico fun-
damentado será preciso uma intensificação de tempo no campo.
Este foi um breve ensaio, uma rápida incursão por entre o leito do
rio paraíba, e um diálogo com os moradores que despertaram ainda mais
questionamentos: Como alguém pode revender terras já indenizadas
pelo governo? Até onde vai o direito de acesso às águas? Por onde cami-
nha o direito de ir e vir? As águas trarão as empreiteiras e empresários?
Será que ainda existirá pobreza as margens do rio?
E as Águas? Elas são a redenção dos problemas daquela população.

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BITTENCOURT, Luciana. 1994. A fotografia como instrumento
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108 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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de Gestão das Águas - AESA. Bacia hidrográfica do Rio Paraíba. João
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TAVARES, Gislleidy Uchôa. et al. Mapeamento Colaborativo: Uma
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Campus Do PICI - Universidade Federal do Ceará. ACTA Geográfica, Boa
Vista, Ed. Esp. V CBEAGT, 2016. p.44-56

109 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

AMOSTRAGEM DO ENSAIO FOTOETNOGRÁFICO14

14 Acesse o Ensaio Fotoetnográfico completo em: https://bit.ly/EAsAguas-Ensaio

110 [Sumário]
PARTE II

A PESQUISA COM POPULAÇÕES


TRADICIONAIS, SEUS
TERRITÓRIOS E LUTAS
CAPITULO 5
MOVIMENTOS CAMPESINOS
DE MULHERES E RESISTÊNCIA
AOS CULTIVOS TRANSGÊNICOS:
BREVES ANÁLISES CRÍTICAS
À REALIDADE DO BRASIL E
ARGENTINA 15

Márcia Maria Tait Lima

INTRODUÇÃO

A pesquisa (TAIT, 2014)16 da qual se originaram as reflexões des-


te artigo foi desenvolvida como um experimento teórico-metodológico
que busca um diálogo respeitoso entre os conhecimentos acadêmicos
e das mulheres camponesas. Dois teóricos que trabalham com o tema
movimentos sociais e emancipação social foram fundamentais para esta
abordagem: Boaventura Sousa Santos e Alberto Melucci. Também foram
fundamentais as referências dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia,
15 As pesquisas que embasaram este artigo foram realizadas na Argentina e Brasil duran-
te o doutorado realizado junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da
UNICAMP (2010-2014) com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP) e resultou na tese Tait, Lima, Márcia Maria. “Elas dizem não! Mulheres camponesas
e resistência aos cultivos transgênicos no Brasil e Argentina” . Tese de Doutorado – IGE/DPCT
- UNICAMP. Campinas, SP : [s.n.], 2014. Este trabalho foi publicado em livro em 2015 com o títu-
lo “Elas dizem não: mulheres camponesas e resistência aos cultivos transgênicos” e recebeu em
2016 o prêmio Marcel Roche para obra de jovens pesquisadores pela Asociación Latinoamericana
de Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología (Esocite).
16 TAIT, Marcia Maria Lima. Elas dizem não!: Mulheres camponesas e resistências aos cul-
tivos transgênicos no Brasil e Argentina. Tese de defendida na Universidade Estadual de Campi-
nas em agosto de 2014.

112 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

principalmente, em sua vertente de Estudos Ciência, Tecnologia e Gênero


e Epistemologias Feministas.
Boaventura Santos (2006, 2007 e 2009) propõe um olhar socioló-
gico para as emergências que se mostram nas práticas sociais coletivas
não hegemônicas como uma forma de ampliar o presente e consequente-
mente as possibilidades de futuro. Essas práticas são reconhecidas como
articuladas a saberes, conhecimentos, epistemologias. De um modo bas-
tante complementar, Melucci (2001, 2002 e 2003) trabalha com a potên-
cia para construção de novos códigos culturais e sociabilidades pelos mo-
vimentos sociais. Aproximando-se desta definição, a identidade coletiva
“mulheres camponesas” é entendida como processo, como um conceito
operacional do ponto de vista teórico e como uma categoria político-cul-
tural do ponto de vista da militância. Não deve ser entendida, portanto,
como parte de processos de redução, mas sim de proliferação de identi-
dades e códigos de cultura e resistência política.
Os Estudos Feministas da Ciência e Tecnologia (EFCT) ou Estudos
de Ciência, Tecnologia e Gênero (CTG) destacam-se pela capacidade de
problematizar e elaborar teoricamente a questão sobre porque e como
repensar a relação pesquisa/pesquisador e os processos de construção
de conhecimento. O Feminist Technoscience Studies (ÂSBERG e LIKKE,
2010) compartilharia características como: 1- Explorar a intersecção
entre classe, raça, gênero e tecnologia. 2- Trabalhar com as implicações
do conhecimento situado. 3- Perceber as relações de gênero não apenas
como relações entre homens e mulheres, mas como forma de entender
a agência, o corpo a racionalidade e a fronteira entre natureza e cultura.
Baseado nas propostas desses autores e autoras, a pesquisa foi
entendida como um processo de criação de conhecimentos situados,
no sentido de radicalidade, originalidade e capacidade de afetar gerar
mudanças sociais. Esta potência foi evidenciada, como discutirei neste
artigo, pela capacidade dos movimentos de mulheres camponesas de ar-
ticular em suas demandas diversas dimensões das problemáticas atuais,
como desigualdade social e de gênero, degradação ambiental, preserva-
ção da sociobiodiversidade e questões agrárias e alimentares.

113 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

As pesquisas de campo foram realizadas durante o período de dou-


toramento entre os anos de 2010 e 2012. Esta parte foi composta por
três etapas de viagens para realização de observação participante e en-
trevistas semiestruturadas com mulheres de idade entre 25 e 60 anos
que atuavam em coletivos e movimentos sociais camponeses. No Brasil,
foram realizadas 8 entrevistas com integrantes do Movimento de Mulhe-
res Camponesas do Brasil (regional Santa Catarina) e observação parti-
cipante em marchas e eventos relacionados a movimentos camponeses
nas cidades de Londrina, São Paulo e Campinas. Na Argentina, foram fei-
tas 10 entrevistas com integrantes de distintos movimentos e coletivos
camponeses, entre os quais: Mujeres, Unión y Esperanza (Juan José Cas-
telli/Chaco); Mujeres Agricultoras (General San Martín/Chaco); Junto
Podemos (Goya/Corrientes); e Madres de Ituzaingó (Córdoba). Além das
entrevistas, aconteceram diversas conversas com mulheres agricultoras
que atuavam em feiras livres e com técnicos e pesquisadores no setor de
agricultura familiar do Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola (INTA)
nas províncias de Chaco, Corrientes e Misiones.
As sementes e os cultivos geneticamente modificados, do ponto
de vista tecnocientífico, são parte do desenvolvimento da biotecnologia
aplicada à agricultura moderna (novas agrobiotecnologias). Essas, por
sua vez, inserem-se no contexto da reestruturação produtiva e lógica de
produção industrial no campo com o uso de maquinarias de alta tecnolo-
gia, agroquímicos, técnicas de hibridização e melhoramento dos cultivos.
Uma série de transformações ocorridas entre a década de 1960 e 1970
que ficaram conhecidas como “Revolução Verde” e que determinaram um
grande incremento na produtividade de alguns cultivos comerciais.
As mudanças nas técnicas de produção foram acompanhadas da
ampliação do papel e do poder de empresas transnacionais no setor agrí-
cola, surgindo complexos tecnocientíficos gigantescos. Para entender
mais a fundo essas as implicações trabalhamos com o conceito de tecno-
ciência, entendido a partir das formulações dos autores: Dagnino (2008),
Latour (2000) e Castelfranchi (2008). A ênfase do termo está colocada na
impossibilidade de uma separação entre ciência, técnica e os valores e/ou
componentes culturais e econômicos. A tecnociência seria a configuração
da produção científico-tecnológica atual, constituída pelo “agenciamento
de três filetes: ciências, técnicas e capital” (CASTELFRANCHI, 2008, p. 9).
114 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

No artigo “Biotecnologia e Império: o poder global das sementes e


da ciência”, Jasanoff (2006), analisou a biotecnologia e o controle sobre
as sementes como parte de um panorama mais amplo de expansão do
neoliberalismo por meio das corporações multinacionais. Estas corpo-
rações, segundo a autora, mostraram estar prontas para desenvolver a
biotecnologia agrícola de forma a avançar em seus interesses em escala
mundial. A intensa velocidade dos processos de fusão e aquisição de em-
presas aliada a P&D industrial voltada à biotecnologia constituíram os pi-
lares do que autores como Jasanoff denominam de bioeconomia, descrita
como uma nova forma de produção, que emerge quando o capital atingiu
os limites da produção industrial. A bioeconomia estaria dirigida a priva-
tizar e obter lucro a partir das dimensões reprodutoras da vida cultural e
biológica. Estas dimensões seriam os novos espaços para a intensificação
dos processos produtivos e de comoditização.

CONTEXTO– “TRANSGÊNESE DE UM CONTINENTE”?

A chegada das sementes transgênicas no Brasil e Argentina tem


início na metade da década de 90 com a soja. Este cultivo se expandiu
rapidamente nos dois países, ainda que de forma controvertida (TAIT,
2011).17 Os cultivos transgênicos, basicamente de soja e do milho, das
variedades comerciais tolerantes a herbicidas (RR e HT) e resistentes
a insetos (Bt), passaram a ser cultivados primeiro na Argentina (1996-
1998) e posteriormente no Brasil por volta de 2000. De acordo com da-
dos fornecidos pelo Serviço para Aquisição de Aplicações Agrobiotecno-
lógicas (ISAAA, da sigla em inglês) no inicio dos anos 2000, a área global
ocupada com cultivos transgênicos em todo mundo chega a 100 milhões
de hectares. Ainda segundo o ISAAA, 10 milhões de agricultores em 22
países plantavam transgênicos em 2006, sendo os maiores produtores
(em termos de área plantada) os EUA com 66, 8 milhões de hectares, a
Argentina com 22,9 milhões de hectares e Brasil com 25,4 milhões de

17 A questão da regulamentação e decisões sobre as liberações comerciais de cultivos


transgênicos no Brasil foi detalhada no livro: “Tecnociência a Cientistas: cientificismos e contro-
vérsias na política de biossegurança brasileira” (TAIT, 2011).

115 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

hectares (MASSARANI, 2007 e 2013).


Na Argentina em 2006, dez anos após a incorporação das sementes
transgênicas, praticamente 100% da superfície cultivada de soja no país
já é transgênica e cerca de 70% do milho também (Pellegrini, 2013). No
Brasil, segundo informações do Censo Agropecuário de 2006, a soja foi
à cultura que mais cresceu 88% nos últimos 10 anos, sendo destacada a
expansão da fronteira agrícola para as regiões do Mato Grosso e Amazô-
nia. É importante observar ainda que 60% da área global ocupada por
plantas transgênica em 2003 era constituída por cultivos resistentes a
herbicidas, mas especificamente pela variedade de soja Roundup Ready
(RR) da Monsanto (ALTIERI e PENGUE, 2006). Esse setor da economia
tem apresentado duas características marcantes: alta rentabilidade e
concentração. Os oito maiores grupos empresariais nas últimas décadas
intensificaram o processo de fusão e compra. O mercado de sementes
geneticamente modificadas é dominado mundialmente por basicamente
três “megaempresas multinacionais”: a Monsanto (norte-americana), a
Syngenta (comprada pela empresa pública chinesa ChemChina em 2016)
e DowDuPont (fusão entre as norte-americanas Dow Chemical e DuPont,
concluída em 2017).
A expansão do “sistema sojero” foi acompanhada de mobilizações
sociais relacionadas à denúncia de processos de concentração da terra e
de contaminação por agrotóxicos. No Brasil foi constituída a “Campanha
Brasil Livre de Transgênicos” e produzidos três Dossiês Agrotóxicos da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), a terceira e última
edição foi lançada em julho de 2018. A campanha é na verdade uma rede
que abriga ONGs, associações, movimentos populares e grupos diver-
sos e produz semanalmente um boletim eletrônico sobre a situação dos
transgênicos no Brasil e no mundo. Os dossiês de 2012, 2015 e 2018 têm
mostrado as consequências negativas para saúde humana e impacto am-
biental das altas taxas de utilização no Brasil (um dos maiores consumi-
dores mundiais deste produto) que persistem. Em artigo recente Pignati
at all (2017), também corroboram em trabalho recente que analisa as
principais regiões do Brasil e os seus cultivos, a utilização de agrotóxicos
e os problemas de saúde. Segundo este trabalho os cultivos de soja, mi-
lho e cana, corresponderam juntos a 76% da área cultivada no Brasil no

116 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

ano de 2015, na qual se pulverizou 899 milhões de litros de agrotóxicos


(PIGNATI, 2017).
Portanto para entender a mobilização e oposição de movimentos
sociais e especificamente de camponeses, é importante entender sua vin-
culação com a produção tecnocientífica e um modelo agricultura indus-
trial que se tornou hegemônico nos últimos 20 anos na América Latina.
As transformações do modelo de agricultura industrial lograram incre-
mentar a produtividade de alguns cultivos de exportação. Mas, em con-
trapartida, geraram muitos impactos negativos do ponto de vista social,
territorial e ambiental, que acentuaram a degradação e concentração
da terra e a perda de autonomia dos pequenos agricultores. Um proces-
so progressivo de “artificialização da agricultura” que, segundo Pengue
(2005), foi transformando o agricultor/a latino americano - antes “um
inovador profundo que ao longo de sua história produziu sementes, prá-
ticas e tecnologias” - em um “mero produtor de monocultivos, compra-
dor de sementes e dependentes de insumos químicos” (PENGUE, 2005,
p. 42).
O qualificativo “camponês” quando adotado pelos próprios movi-
mentos sociais remete a uma construção portadora de significados de
valorização e resistência cultural, econômica e política. Mas, esta mesma
“cultura camponesa”, também apresenta componentes de uma sociedade
tradicionalmente patriarcal e machista que remete a questões de gênero
como a divisão sexual do trabalho e naturalização de papeis atribuídos
a mulher (como cuidado com a casa, filhos e alimentos) que podem jus-
tificar situações de dominação e exploração. A “agricultura camponesa
também reproduziu padrões e limites da cultura patriarcal de opressão
da mulher, do modelo capitalista de exploração da classe trabalhadora” e
contribuiu para invisibilizar e inferiorizar o trabalho feminino (DARON e
COLLET, 2008, p. 30).

117 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

DA PARTICIPAÇÃO AO PROTAGONISMO DAS MULHERES

A partir de 2000 as ações de mulheres rurais latino-americanas


em movimentos sociais têm chamado atenção para a sua relevância en-
quanto sujeitos políticos (SILIPRANDI, 2009, 2011, 2015). Mobilizações
como as realizadas no Dia Internacional das Mulheres em todo mundo
e a Marcha das Margaridas, cuja primeira edição foi realizada no Brasil
ano 2000 com o lema “marchar contra fome, pobreza e violência sexista”,
é organizada desde então por mulheres rurais e camponesas. Na última
edição de 2015 foi estimada uma participação de 100 mil manifestantes.
O nome foi uma homenagem à líder sindical rural Margarida Maria Alves,
assassinada em 1983 (SILVA, 2014).
Na Argentina atualmente existe uma quantidade expressiva de
grupos de mulheres rurais. Em pesquisa em nível nacional feita entre
2001-2006, Biaggi, Canevari e Tasso (2007) mapearam 452 grupos de
mulheres rurais voltados principalmente à geração de trabalho e renda e
formação/capacitação no país. Seria necessária uma pesquisa mais pro-
funda considerando estes grupos e seus objetivos e motivações visando
entender quais relações existiram com uma atuação vinculada à identi-
dade camponesa e contraposição aos cultivos transgênicos.
Com características mais próximas a de um movimento social mais
amplo e com tal denominação (como a apresentada pelo Movimento de
Mulheres Camponesas do Brasil) encontramos o Movimiento de Muje-
res Agropecuarias em Lucha (MML), que ocupa um lugar destaque em
termos de organização de mulheres rurais em nível nacional e a Asocia-
ción de Mujeres Campesinas y Aborígenes de Argentina (MUCAAR). Este
movimento tem origem na década de 90 no contexto do “Projeto Mulher
Campesina” do governo federal, em uma região grande produtora de
cereais e gado (província de La Pampa) e posteriormente espalhou-se
para outras regiões do país. Este Movimento teria surgido como reação
ao processo de perda das terras sofrido pelos pequenos agricultores e
em defesa de uma “produção agrária familiar capitalizada” (GIARRACCA,
2001). No contexto de contraposição aos transgênicos um movimento de
destaque no país é o Movimento Madres de Ituzaingó. Este movimento

118 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

teve início em 2001, no bairro de Ituzaingó, periferia da cidade de Cór-


doba e ganhou relevância no cenário nacional e internacional pela luta
contra a soja transgênica e utilização de agrotóxicos.
Por fim, merecem ainda ser desatacas na Argentina as iniciativas
e as organizações em torno das feiras-francas. Segundo uma pesquisa
realizada pelo CIPAF (Centro de Investigación y Desarollo y Tecnológico
para la Pequeña Agricultura Familiar) publicada em 2010, existem 144
feiras francas atualmente na Argentina, 94 delas estão na região NEA,
com destaque para a província de Misiones.
Como importante conquista por suas mobilizações, nas últimas dé-
cadas a participação das mulheres também se ampliou dentro das políti-
cas públicas voltadas a agricultura familiar, como o Programa de Aquisi-
ção de Alimentos (PAA) no Brasil e o Pro-Huerta na Argentina.
Mas historicamente, a restrição do espaço político às mulheres e
seus temas no interior de outros movimentos sociais é um dos principais
motivos explicitados para a formação de grupos exclusivos de mulheres
também no meio rural. O trabalho de Esmeraldo (2010) com as mulhe-
res dentro do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) descreveu
como a formação de grupos de mulheres dentro de movimentos campo-
neses foi impulsionada inicialmente pela relação de poder desigual e pela
falta de representatividade dentro do movimento. Encontra-se motiva-
ção bastante semelhante em outros trabalhos como movimentos de mu-
lheres rurais, como os de Maria Ignez Paulilo (2016) que dedicou mais
de quatro décadas aos estudos sobre essa temática. Segundo ela, os mo-
vimentos de trabalhadores “colocavam a luta de classe em primeiro lugar
e tinham um modelo de participação machista” (PAULILO, 2016, p. 200).
Por isso as mulheres teriam iniciado grupos exclusivos para terem
apoio e liberdade para construir um discurso político que problemati-
zasse a luta da classe trabalhadora, considerando o gênero e as lutas das
mulheres. A decisão de formar movimentos de mulheres foi motivo de
críticas recorrentes por parte de sindicalistas e de movimentos sociais.
As críticas geralmente giravam em torno de considerar este comporta-
mento sectário e contraditório com o princípio de igualdade entre ho-
mens e mulheres e também como um fator de enfraquecimento da luta
da classe trabalhadora.
119 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

No entanto, os trabalhos em campo e as leituras realizadas para


esta pesquisa apontam que a formação de grupos autônomos de mulhe-
res não tem gerado sectarismo. Pelo contrário, a ação dos movimentos
de mulheres e a inserção de abordagens que agregaram as demandas po-
líticas e promovendo uma maior interseção entre os diversos movimen-
to sociais, têm ajudado na constituição de uma visão mais abrangente,
solidária e politicamente radical dentro do contexto mais amplo das
lutas camponesas.
As integrantes do Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil
(MMC/Brasil) entrevistadas e também as mulheres de movimentos cam-
poneses argentinos falaram sobre as dificuldades enfrentadas pelas mu-
lheres dentro dos movimentos mistos. Uma das integrantes do MMC de
Santa Catarina entrevistadas relatou que quando iniciaram as reuniões
com grupos apenas de mulheres era comum em alguns momentos uma
“choradeira”. Segundo ela, as companheiras compartilhavam as dificulda-
des vivenciadas em suas trajetórias de vida no grupo e se emocionavam e
ainda, que momentos como este seriam impensáveis nos grupos mistos.
Por isso para ela estava claro que:

Para mulheres, além da luta capitalista e contra esse modelo


de exclusão também tem a luta contra o patriarcado (...). Nesse
sentido houve a necessidade de criar espaços para as mulheres
colocarem suas dificuldades (...). Por isso a gente trabalha no
sentido de libertação das mulheres e de construir essas novas
relações entre homens e mulheres (Entrevista com integrante
do MMC, realizada em julho de 2011).

Segundo a Siliprandi (2009, 2011), a primeira década dos anos 2000


foi o período em que agricultoras brasileiras apareceram publicamente
como produtoras rurais e reivindicam com mais ênfase ser atendidas pe-
las políticas públicas produtivas. No final de 2000 essas movimentações
também incorporam o tema “anti-transgênicos”, assim como ações de re-
sistência e alternativas como as Oficinas de Sementes Crioulas.
Atualmente, a influência do feminismo vem crescendo dentro dos
movimentos camponeses. Em abril de 2013 foi criada a primeira Escola

120 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Feminista dentro do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), pre-


sente em 15 estados brasileiros; e em 2000 foi criado o Setor de Gênero
dentro do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
Em estudos anteriores, autoras como Paulilo (2010) e Siliprandi
(2011 e 2015) situaram a preocupação ambiental como um componen-
te importante dos movimentos de mulheres rurais no Brasil. Paulilo e
Siliprandi já identificavam em seus textos da primeira década de 2000
a preocupação dos movimentos de mulheres rurais e camponesas com
a alimentação saudável, soberania alimentar e a agroecologia e sua
proximidade com as temáticas do Ecofeminismo (PAULILO, 2010, p. 28).
Dentre as ações promovidas por esses movimentos de mulheres, aquelas
voltadas à conservação e cultivo de sementes crioulas (variedades tradi-
cionais, utilizadas e melhoradas pelos camponeses) foram fundamentais
para construção da resistência das mulheres camponesas e para preser-
vação das sementes crioulas.
A origem de vários coletivos relatada durante a pesquisa na Argen-
tina revela um impulso inicial para a mobilização das mulheres que tem
como origem os impactos negativos - para elas próprias, suas comunida-
des ou famílias. Um impulso que parte de seus corpos e territórios que
foram afetados diretamente pela contaminação, precarização das condi-
ções de produção e trabalho, perda da autonomia das famílias, situações
de violência de gênero e conflitos territoriais e ambientais. Esta situa-
ção inicial de “vítimas”, no entanto, se transforma em um sentimento
de negação, de não aceitação e luta, em força para ação e protagonismo.
Um dos mais importantes movimentos argentinos de contraposição aos
transgênicos, Madres de Ituzaingó (Córdoba/Argentina), por exemplo,
surgiu justamente como uma reação das mães do bairro de Ituzaingó
a contaminação por agrotóxicos, ou seja, motivadas por serem vítimas
da contaminação e de suas consequências diretas para saúde, principal-
mente, de crianças e mulheres (transtornos respiratórios, leucemia, má
formação fetal e aumento no número de abortos). Portanto, as ações que
atingiram diretamente as moradoras do bairro acabaram também con-
duzindo a criação do movimento.

121 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

A SEMENTE COMO METÁFORA DAS (RE) EXISTÊNCIAS

Uma das principais ações dos movimentos de mulheres camponesas


em todo mundo têm sido a defesa das sementes camponesas. A semente
é um símbolo da resistência da luta por inúmeros motivos, materiais e
simbólicos, que a tornaram uma metáfora da luta destas mulheres con-
tra as sementes transgênicas. A semente também está no centro da obra
de Vandana Shiva que desenvolveu uma proposta de uma transforma-
ção profunda na relação com as sementes e natureza. Esta transformação
deveria nutrir-se de concepções de “continuidade ontológica socieda-
de-natureza”, como as que estiveram presentes em algumas civilizações
antigas e que têm subsistido em diversas culturas, bastante distintas das
dicotômicas e fragmentas associadas à ciência, ao masculino, e a concep-
ções de dominação/violação da natureza e do associado ao feminino. A
violência na relação com a natureza teria então uma relação profunda, e
por vezes oculta, com a violência contra as mulheres, principalmente as
que vivem nos países mais pobres (SHIVA, 1995, p. 81).
Fox Keller, bióloga e estudiosa do campo ESCT, também abordou
a construção da metáfora do gene e sua influência dentro da visão mo-
derna sobre a vida. Keller estudou como na biologia e as explicações ba-
seadas na embriologia e em noções de desenvolvimento mais integrais
perderam espaço para as explicações genéticas, o que ela chamou de
discurso “ação-gene”, um discurso de “onipotência atribuída ao gene”
e ao material genético masculino nas explicações científicas sobre a re-
produção (KELLER, 2006, p. 20). Outros autores, inclusive de disciplinas
como biologia molecular e comparada, também apontam com a “visão da
biologia moderna” traria consigo “compromissos anteriores” relativos a
uma determinada noção sobre o desenvolvimento dos seres vivos e como
são constituídos. Uma noção na qual o ambiente é apenas um cenário e
os genes e organelas celulares são os únicos responsáveis. Uma descrita
como “simplista” sobre a vida na qual “os genes no ovo fertilizado deter-
minam o estado final do organismo” (LEWONTIN, 2002, p. 11). O símbolo
da semente e sua relação com os elementos da natureza e da vida é uma
parte central dos discursos destas mulheres e está presente em vários
manifestos e publicações dos movimentos de mulheres camponesas.

122 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Assim, no contexto da crítica dos movimentos e da crítica feita ao


reducionismo biológico, à resistência às sementes transgênicas e a defe-
sa das variedades nativas ou crioulas se reveste de muitos significados.
A semente é um símbolo fundamental nas lutas contemporâneas: como
mercadoria, ela simboliza o poder de mercado, exportações/importações
(commodities); como recurso regenerativo, ela simboliza as possibilida-
des do fortalecimento local, da autogestão, de toda a população ser bem
alimentada, da preservação da diversidade cultural e biológica, da sus-
tentabilidade ecológica, de alternativas à uniformidade das instituições
políticas (LACEY, 2000). Os conhecimentos populares e tradicionais, en-
tre os quais estão os camponeses, são parte constitutiva da chamada eco-
logia de saberes, uma das cinco ecologias propostas por Santos (2009).
Esta ecologia se pauta na pluralidade epistemológica e justiça cognitiva e
seria necessária para reverter os processos de colonização do saber-po-
der. A aspiração por descolonizar o conhecimento é o cerne da proposta
de epistemologias do Sul, que propõe dar visibilidade e credibilidade as
práticas cognitivas de classes, povos e grupos sociais que têm sido explo-
rados pelo colonialismo e capitalismo global (Santos, 2009).
Merece também ser destacado, que muitas das mulheres entrevis-
tadas colocaram sua percepção de que os conhecimentos e as atividades
exercidas tradicionalmente por elas e suas ancestrais têm sido desqua-
lificadas. Por isso, muitas de suas ações se configuraram em torno de
formas de resistir e agir frente a estes processos de perda dos saberes
populares herdados das matriarcas. A resistência à produção e utiliza-
ção de sementes18 transgênicas, portanto, está implicada com a luta em
defesa da preservação das sementes camponesas como parte da cultura
camponesa.

18 Para obter uma discussão mais aprofundada sobre as dimensões de conheci-


mento, culturais e valorativas, referentes a atuação de mulheres na defesa e conserva-
ção de sementes indicamos: Tait (2015) e Marimon e Tait (2019).

123 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

AGROECOLOGIA E ARTICULAÇÕES POLÍTICO-


EPISTÊMICAS

Ainda no âmbito das práticas e concepções alternativas ao modelo


de agricultura industrial e cultivos de variedades transgênicas, nas últi-
mas décadas a agroecologia vem se consolidando como referencial teó-
rico e modelo prático para ações coletivas de base camponesa e familiar
em toda América Latina. A agroecologia é considerada tanto um campo
científico quanto uma prática tecnológica e um movimento social (TO-
LEDO, 2016; WEZEL et al., 2009; GLIESMAN, 2002). Toledo (2016, p. 43)
sintetiza os pilares do conceito de agroecologia colocando que: “repre-
senta um salto epistemológico e metodológico que propicia novas ma-
neiras de fazer ciência”; que é também uma prática e movimento social;
e finalmente, que evolve inovação tecnológica e o diálogo entre conheci-
mento camponês e acadêmico.
Com essas características é compreensível que a agricultura familiar
camponesa veja na agroecologia um modelo mais adequado de desenvol-
vimento rural e produção agrícola e alimentar (TAIT e BRITO, 2017). His-
toricamente a organização produtiva familiar dispõe de poucos recursos,
tem restrições para potencializar suas forças produtivas e, como afirma
Wanderley, “é profundamente inserida em um território, lugar de vida e de
trabalho, onde o camponês convive com outras categorias sociais e onde se
desenvolve uma forma de sociabilidade específica, que ultrapassa os laços
familiares e de parentesco” (WANDERLEY, 1996, p. 7). Essas características
potencializam a organização social campesina em torno de uma proposta
que possibilite autonomia e diversidade produtiva.
Como desenvolvido em trabalhos anteriores (TAIT, 2015; TAIT e
BRITO, 2017), mesmo com os inúmeros e persistentes desafios com rela-
ção à equidade de gênero, a agroecologia tem sido um campo privilegia-
do para atuação das mulheres e para aplicação de abordagens de gênero
e feministas. Durante as discussões realizadas na Cúpula dos Povos em
2012, as atividades e os documentos finais afirmam o feminismo, a agro-
ecologia e a soberania alimentar como os três eixos centrais de “um novo
paradigma de sustentabilidade para a vida humana”.

124 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

No final de 2013, foi criado no Chile o Instituto de Agroecologia das


Mulheres do Campo (Iala) pela Associação Nacional de Mulheres Rurais
e Indígenas (Anamuri), que reúne cerca de 10 mil mulheres camponesas
e indígenas do país. O Iala foi o primeiro instituto da América Latina des-
tinado somente às mulheres.
Nas manifestações públicas, publicações e relatos divulgados pelos
coletivos de mulheres camponesas e mulheres agroecológicas são res-
saltadas: a importância feminina na produção de alimentos, na preser-
vação de espécies, também no preparo e na conservação dos alimentos;
o ambiente entendido de forma ampla, como interação entre humanos
e outras espécies e componentes (ar, terra, água). As práticas agrícolas
e alimentares são parte dessa amplitude. Assim como as desigualdades
de gênero e as práticas sexistas são parte de padrões sociais, culturais e
econômicos, que precisam ser transformados para reduzir e, finalmente,
cessar a violência contra mulheres, crianças e seres mais vulneráveis.

REFLEXÕES FINAIS

A participação e o protagonismo de mulheres dentro das ações co-


letivas de resistência ao modelo de agricultura industrial e a formação
de movimentos de mulheres têm contribuído para transformar modos
de agir, as concepções e as políticas relativas à produção agroalimentar.
A crítica à dicotomia entre produção e reprodução e a ênfase colo-
cada na “sustentabilidade da vida”, articulando a “produção-reprodução”,
o “cultural-material”, são características de muitas das ações e proposi-
ções dos movimentos e coletivos de mulheres com os quais dialoguei du-
rante esta pesquisa - e considero suas principais potências político-epis-
têmicas.
Vários dos aspectos trazidos dialogam, direta ou indiretamen-
te, com conceitos e noções da Economia Feminista e do Ecofeminismo,
como: “esfera reprodutiva”; “sustentabilidade da vida”; “ética, política e
economia do cuidado”; temas desenvolvidos com mais profundidade em

125 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

trabalhos anteriores (TAIT, 2015; TAIT e BRITO, 2016 e TAIT e BRITO,


2017; MARIMON e TAIT, 2019).
Na Economia Feminista destaca-se a relação entre trabalho e gêne-
ro e a invisibilidade e desvalorização dos trabalhos exercidos historica-
mente pelas mulheres. Essas contribuições evidenciam uma divisão com
base no sexo entre trabalho “produtivo” e “reprodutivo” e suas consequ-
ências: sendo o primeiro o socialmente e monetariamente valorizado; e
o segundo visto como privado, “não produtivo” e “sem valor econômico”.
A Economia Feminista tem contribuído também para entender o traba-
lho reprodutivo em termos de “sustentabilidade da vida humana”. Cris-
tina Carrasco (2003) e Amaia Orozco (2014) abordam a interdependên-
cia existente (e intencionalmente ocultada) no sistema capitalista entre
a obtenção de lucro e sustentação do próprio mercado capitalista (suas
jornadas e formas de organização do trabalho e produção) pelo cuidado
realizado de forma não visível e não remunerada (ou precarizada) majo-
ritariamente por mulheres e mulheres populares e racializadas.
Em suas práticas diárias - na casa, na horta, na lavoura, nos cole-
tivos e movimentos – elas vêm construindo resistência, mas, para além,
praticam “(re) existências” de cuidado mútuo, de interdependência e
ecodependência.
Na negação das sementes transgênicas e defesa das sementes criou-
las elas concebem uma nova base ética e política para as relações entre
os seres humanos entre estes e a natureza. Em suas práticas, construções
teóricas e simbólicas, têm questionado alguns pressupostos centrais que
sustentam modelos de desenvolvimento antropocêntricos, androcêntri-
cos, ambientalmente predatórios e socialmente excludentes.

126 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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129 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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135 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
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TAIT, Márcia Lima e Brito, Vanessa Jesus. Outras economias e propostas
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n.° 4, p. 503-15, 2009.

130 [Sumário]
CAPITULO 6
PRÁTICAS ECONÔMICAS E
CULTURAIS DE POPULAÇÕES
TRADICIONAIS: INTERAÇÕES 19
ENTRE CULTURA E AMBIENTE
Maristela Oliveira de Andrade

Para compreender as interações entre cultura e ambiente através


das práticas sociais de populações tradicionais, este estudo definiu al-
guns eixos teóricos para interpretar múltiplas realidades comunitárias,
vivendo transformações em suas práticas de apropriação da natureza. Da
antropologia ecológica, retemos a abordagem da cultura como processo
construído por diferentes setores e classes sociais, através de “práticas
e concepções referentes ao meio natural” (FOLADORI p.334 2004); da
teoria das práticas de Bourdieu (2002) a concepção de um sistema de
relações em campos de ação com um sentido coletivo; e da antropologia
simétrica (LATOUR 2007) a concepção mesclada de cultura/ natureza,
onde entram em interação humanos e não humanos, política e natureza;
e por último a noção de sociedades sustentáveis de Diegues (2002). Com
base nesta combinação teórica, marcamos as premissas do nosso percur-
so analítico.
Nossa escolha pela abordagem das práticas sociais teve por pro-
pósito desconstruir a ideia de totalidade, esboçada em Bourdieu (2002),
apesar de sua escolha teórica não ter rompido com a visão estruturada
e totalizante do mundo social. Por outro lado, o uso da noção de redes
de Latour, como contraponto às estruturas sociais, reflete a ideia de que
elas não se reduzem as relações sociais, mas envolve as relações com as
19 Este texto é fruto do relatório da pesquisa intitulada “Práticas sociais e formas de apro-
priação da natureza por populações tradicionais e a dimensão da sustentabilidade socioambien-
tal” concluída em 2020.

131 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

coisas que adquirem vida. Contudo, esta abordagem implica na desva-


lorização do território (LATOUR 2007), dificultando a compreensão das
práticas de populações tradicionais que mantém relações estreitas com
seus respectivos territórios e ecossistemas. Para Bourdieu (2011) as prá-
ticas ocorrem em campos de ação que produzem suas próprias formas de
interesse, assim como de desinteresse. No campo estudado, as práticas
de interesse econômico de exploração dos recursos que ameaçam a vida
na terra, são confrontadas com práticas que refletem desinteresse, vol-
tadas para conservação da biodiversidade, com base no valor intrínseco
da natureza.
Os povos indígenas e tradicionais pesquisados, embora não se en-
quadrem de forma estrita na categoria de povos tradicionais definidos
institucional e administrativamente pelo Decreto 6040/ 2007, conforme
Cunha; Almeida (2017), eles começam a se aproximar desta categoria. De
fato, eles já apresentam características como o uso de práticas ambien-
tais de baixo impacto, formas equitativas de organização social, e lidam
ao mesmo tempo com legislação de agências governamentais e leis locais
(CUNHA; ALMEIDA 2017), uma vez que habitam na vizinhança de Unida-
des de Conservação ou dentro delas. Com isso, eles começam a vivenciar
um “processo autoconstituinte” com a assimilação de “regras de conser-
vação” (CUNHA; ALMEIDA 2017).
Assim, este estudo teve por objetivo analisar as práticas sociais
vinculadas às formas de apropriação da natureza por populações tradi-
cionais em seus respectivos ambientes, como possíveis geradoras de sus-
tentabilidade socioambiental. Quanto aos objetivos específicos, realizar
um levantamento das práticas sociais ligadas à dimensão material, asso-
ciadas à exploração ou a conservação de recursos naturais, bem como as
práticas sociais ligadas à dimensão cultural e simbólica, envolvendo as
práticas corporais que expressam relações afetivas e a visão de sacralida-
de da natureza.
A metodologia visou realizar um estudo comparado das práticas
sociais pesquisadas nos subprojetos integrantes de um projeto guarda-
-chuva vinculado ao Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, So-
ciedade e Ambiente – GIPCSA. A perspectiva comparativa se fundamenta

132 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

na antropologia ecológica, que recuperou e renovou a comparação com


o propósito de identificar e partilhar padrões ou tipos de práticas atra-
vés de múltiplas experiências etnográficas (FOLADORI 2004). Para uma
aproximação das diversas experiências baseadas em estudos etnográ-
ficos foi feito um mapeamento das práticas, classificadas em dois tipos
(econômicas e culturais), praticadas por três grupos populacionais (in-
dígenas, afrodescendentes e populações tradicionais) e seus respectivos
territórios e ecossistemas com os quais interagem. Os tipos de uso dos
recursos naturais se distribuem em um campo de relações com atores
externos que executam políticas ou exercem controles e pressões sobre
a comunidade; o uso de critérios comuns para cruzar as diferentes expe-
riências das comunidades permitiu revelar suas interações com o lugar e
seu ecossistema sob a ótica da sustentabilidade.

RESULTADOS

Começamos por apresentar a abrangência dos lugares das pesqui-


sas dos subprojetos integrantes, que se expandiram para o âmbito in-
ternacional, graças à participação de uma mestranda colombiana e uma
doutoranda em regime de cotutela com uma universidade francesa, as-
sim como um mestrando com uma curta estadia de pesquisa na Espanha.
As comunidades pesquisadas ocupam territórios diversos: no Sudeste
espanhol, no Pacífico norte colombiano e no Sul da França, até comuni-
dades dentro e fora da Paraíba como Pernambuco, Rio Grande do Norte
e Santa Catarina.

133 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Quadro 1. Lista dos subprojetos dos integrantes do GIPCSA/ nível de formação e período de
realização da pesquisa

INTEGRANTE/ PERÍODO
SUBPROJETOS
NIVEL DE FORMAÇÃO PESQUISA

A carcinicultura familiar na aldeia


Jeandelynne Sampaio
Indígena de Tramataia, Marcação- 2013-2015
(mestrado Prodema)
Paraíba: em busca da sustentabilidade

Dietética natural: mulheres,


Fábio Lucio Guedes
ecologismo e espiritualidade na 2013-2015
(mestrado PPGA)
cozinha da Nova Era

Tecendo redes a partir da aliança entre


a economia solidária, o feminismo
Eddla Karina G. Pereira
e a agroecologia: uma experiência 2014-2016
(doutorado Prodema)
de desenvolvimento alternativo no
semiárido potiguar

Associação Mãos que se ajudam:


Patricia Morais
desenvolvimento local sustentável
(doutorado Prodema) 2014-2018
e empoderamento de mulheres no
município de Lucena-PB

Serviços ecossistêmicos e interações


Laura Lozada Ordonez com uma comunidade afrodescendente
2015-2017
(mestrado Prodema) no Pacífico Colombiano: dos riscos à
proteção da biodiversidade

A gestão participativa em áreas


Ivys Medeiros da Costa sobrepostas de unidade de
2015-2019
(doutorado Prodema) conservação e terra indígena: a
situação dos Potiguara na Paraíba.

O arco e a flecha como construtores do


Sonia Maria Bittencourt
mundo: a prática tradicional do Kyudo 2016-2018
de Sá (mestrado PPGA)
e do Potiguara na Paraíba

134 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Ostreicultores e ostreicultura: a
Fabiana Bezerra Marinho sustentabilidade social e ambiental
2016-2019
(doutorado Prodema) de sistemas produtivos nas zonas
costeiras da Paraíba e Santa Catarina.

La matérialisation des relations entre


Juana O.Santos
nature et culture dans les fêtes de
(doutorado cotutela
l’oursinade de la baie de Suape (PE- 2016-2020
Prodema/IHEAL-U Paris
Brasil) et de Carry-le-Rouet (Bouches-
3)
du-Rhone–França)
Fonte: Pesquisa 2020
Apesar da diversidade temática dos nove subprojetos, eles obede-
ceram ao critério de classificação de grupos étnicos e populações tra-
dicionais. Entre os grupos étnicos pesquisados estão os indígenas Poti-
guara e os afro-colombianos de Nuqui; entre as populações tradicionais,
estão pescadores artesanais, pequenos agricultores e artesãos, dos quais
três grupos de mulheres (agricultoras, artesãs e terapeutas).

MAPEANDO E CLASSIFICANDO AS PRÁTICAS SOCIAIS E


CULTURAIS

Diante da diversidade de práticas sociais arroladas pelo conjunto


de subprojetos, foi construída uma classificação no intuito de destacar
algumas convergências entre elas. As práticas sociais foram divididas em
dois grupos: práticas produtivas e econômicas; e práticas culturais e sim-
bólicas. De um lado, as práticas sociais constituem atividades produtivas
para reprodução material dos grupos, com destaque para a produção de
alimentos (Quadro 2), e do outro, práticas culturais e simbólicas (Quadro
3) podendo ser econômicas, mas se manifestam como formas simbólicas
de expressar a vida comunitária.

135 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Quadro 2 Práticas produtivas ligadas para reprodução material das populações tradicionais

Práticas
Produtores Ecossistema Local
produtivas

Camarão em Manguezal e TI Litoral Norte-


Indígenas Potiguara
viveiro apicum PB

Agricultura Famílias de
orgânica e agricultores Semiárido Sudeste espanhol
permacultura espanhóis

Extrativas e
Rio, mangue e
não extrativas Afro-colombianos de Pacífico
floresta úmida
variadas inclusive Nuqui colombiano
de altitude
turismo

Agricultura
orgânica e Oeste Potiguar-
Mulheres agricultoras Semiárido
economia RN
solidária

Extrativas e
não extrativas Rio, mangue, TI Litoral Norte-
Indígenas Potiguara
variadas inclusive terra PB
turismo

Ostras para
Indígenas Potiguara/ TI Litoral Norte-
engorda em
pescadores PB
estruturas de Estuário/ mar
artesanais Litoral
madeira ou tipo
Florianópolis/SC Florianópolis-SC
travesseiro

Fonte: Pesquisa 2020


Partindo da relação entre a cultura e as formas de apropriação da
natureza surgiu uma subclassificação para distinguir práticas tradicio-
nais e não tradicionais. As práticas do primeiro grupo são atividades ex-
trativistas, agricultura familiar convencional e artesanato; as do segundo
grupo seriam fruto de inovações tecnológicas simples inseridas de fora,
como plantio de cana de açúcar, aquicultura para criação de camarão e
ostras, a agricultura com uso de práticas orgânicas e de agroecologia, e

136 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

atividades do turismo. Vale destacar que esta classificação se distanciou


da formulada por Cunha e Almeida (2017) para definir as práticas dos
povos tradicionais, tendo em vista a identificação de práticas com impac-
tos significativos sobre o ambiente, como o plantio de cana e carcinicul-
tura na Terra Indígena-TI Potiguara.
Dois subprojetos da lista (Figura 1) fizeram uso desta subclassifica-
ção em suas áreas de pesquisa: na comunidade de afrodescendentes de
Nuqui no Pacífico colombiano (LOZADA; CRUZ; ANDRADE 2018), e na TI
Potiguara no litoral da Paraíba (COSTA 2019). Embora com metodologias
distintas, detectaram convergências nas práticas produtivas tradicionais,
como pesca artesanal, agricultura e artesanato, e não tradicionais como
o ecoturismo. Foram identificadas restrições legais de uso dos recursos
naturais pela comunidade dos Potiguara, para os cultivos de cana-de-a-
çucar e de camarão, considerando a situação de sobreposição de TI com
Unidade de Conservação-UC na Paraíba (COSTA 2019). Na Colômbia, os
povos pesquisados estão sujeitos a restrições de uso por viverem no en-
torno do Parque Nacional Natural de Utria, Ensenada de Tribugá, Coqui
e Cabo Correntes (LOZADA 2017). Esta relação das comunidades com as
UCs tem gerado conflitos socioambientais frente as agências ambientais
decorrentes de eventuais riscos a conservação da biodiversidade. O eco-
turismo representa uma renda adicional, sendo estimulado pelas agên-
cias ambientais por representar baixo risco ambiental. Os afro-colom-
bianos conseguiram constituir uma organização própria de ecoturismo
e contam com a presença significativa de turistas estrangeiros (LOZADA;
CRUZ; ANDRADE 2018); os Potiguara estão integrados ao ecoturismo
gerido pelo ICMbio, com visitação em escala bem menor (COSTA 2019).
Para ambas as comunidades, a renda com o ecoturismo é insuficiente e
sazonal, de modo que necessitam combinar o turismo com outras ativi-
dades para garantir uma vida digna.
Dois outros subprojetos investigaram práticas produtivas não tra-
dicionais, com a introdução de inovações para o cultivo de camarão e os-
tras em aldeias Potiguara (SAMPAIO; ANDRADE 2018; MARINHO 2019)
e em grupos de pescadores artesanais de Santa Catarina. A introdução
destas inovações foi motivada por influência externa do mercado globa-
lizado e o interesse dos pescadores, devido à redução no pescado e por

137 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

ocuparem áreas propícias aos cultivos. Com estas práticas os produtores


tiveram aumento de renda, alguns já se dedicam exclusivamente a esta
atividade, inserindo os filhos por acreditar no futuro da atividade. Pro-
blemas relacionados à falta de domínio da técnica entre os produtores
indígenas, especialmente de controle das doenças dos camarões, resul-
tou em grandes perdas (SAMPAIO; ANDRADE 2018). Os produtores de
ostra de Santa Catarina receberam apoio técnico e capacitações, e por
possuir muito mais tempo na atividade acumulam maior conhecimento e
conseguem obter uma produção bem mais elevada com ganhos maiores
(MARINHO 2019). Os produtores de ostra dos dois estados conheciam
predadores naturais e doenças, porém indicaram o roubo como o maior
fator de perda que afeta a produção. O estímulo à relação entre o conhe-
cimento local e técnico pode propiciar um diálogo para um exercício de-
mocrático da construção de conhecimento (FOLADORI 2004)
Duas pesquisas se detiveram na análise de inovações em práticas
de agricultura orgânica e agroecologia, sendo uma das experiências pes-
quisadas em unidades rurais do sudeste espanhol (GUEDES 2015) e a
outra em comunidade rural no oeste potiguar-RN (PEREIRA; ANDRADE;
GONÇALVES 2015). A pesquisa na Espanha foi possibilitada pelo acesso
do pesquisador a uma rede mundial de produtores de agricultura orgâ-
nica que oferece estadias a quem quer conhecer e aprender este tipo de
agricultura. A estadia se deu no entorno da cidade de Murcia em zona
semiárida do sudeste espanhol, onde o pesquisador obteve depoimentos
sobre mudanças nos pueblos espanhóis com o retorno dos filhos de famí-
lias rurais com formações universitárias, que introduziram princípios da
agricultura orgânica e da permacultura nestas áreas (GUEDES 2015). A
pesquisa no Rio Grande do Norte envolveu um grupo de mulheres agri-
cultoras da zona rural de Mossoró que recebeu incentivos de duas Ongs,
uma feminista e uma de agroecologia, além da universidade local (UFER-
SA20) que apoiaram a transição agroecológica. Com o apoio efetivo da Se-
cretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES foi implantada uma
rede de comércio justo e uma cooperativa para a venda de produtos agrí-
colas das agricultoras, que abrange o oeste potiguar (PEREIRA, ANDRA-
DE, GONÇALVES 2015) As duas experiências estão inseridas em redes

20 UFERSA: Universidade Federal Rural do Semiárido.

138 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

formais: a primeira através da WWOOF21 é uma rede educativa mundial


de práticas orgânicas por proprietários de fazendas orgânicas; e a segun-
da a Rede Xique-Xique uma rede de comércio justo mantida e gerida por
um grupo de mulheres agricultoras com assessoria da SENAES.
As redes tiveram um papel destacado nessas experiências de tran-
sição para agricultura orgânica por articular o processo educativo com
novas práticas produtivas e de habitar o mundo. Esses grupos estariam
se reposicionando em razão das transformações em seus modos de vida,
de um lado, por estarem submetidos a pressões da globalização desen-
volvendo uma etnicidade ecológica (PARAJULI 1998). Etnicidade cons-
truída a partir da assimilação de valores da conservação ambiental por
grupos que dependem dos serviços ecossistêmicos para existirem, forta-
lecendo suas lutas identitárias e por terra frente a globalização.
As mudanças nas práticas produtivas nas diferentes realidades
pesquisadas geraram mudanças culturais nas relações dos produtores/
praticantes em seus respectivos campos de ação, como ganhos de capi-
tal social e simbólico (BOURDIEU 2011). Foram observadas mudanças
provocadas por processos de globalização, abrindo um circuito formado
pelas chamadas “drogas-alimento” conforme Sahlins (1998) nos casos
estudados (açúcar, camarão e ostra), assim denominadas por aliviar os
sofrimentos de setores populares. Contudo, para os indígenas pesquisa-
dos, esses produtos são menos para o consumo próprio do que merca-
doria para o acesso a outros bens como educação e saúde privada (SAM-
PAIO; ANDRADE 2018). É possível utilizar a noção de rede para abordar
todas estas experiências como narrativas discursivas (LATOUR 2007), de
modo a expressar conexões unindo animais, plantas, artefatos e técni-
cas a produtores, agências ambientais, educacionais e ongs, leis sociais
e naturais para formar a dinâmica da vida que une humanos a coisas e
política a natureza.

21 Sobre a rede WWOOF, ver https://wwoofinternational.org/

139 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

PRÁTICAS CULTURAIS E PROCESSOS IDENTITÁRIOS

Quanto às práticas culturais e simbólicas, os subprojetos revelaram


uma diversidade de situações, requerendo uma segmentação maior, a
partir de uma classificação das práticas corporais (MAUSS 1974), de cura
e lúdicas; Ver o quadro 3 com a diversidade de práticas culturais, com as
respectivas relações com os ecossistemas.
Quadro 3 Práticas culturais, corporais e rituais, relação com os ecossistemas

Práticas culturais e
Praticantes Ecossistema Local
rituais

Terapias holísticas e Mulheres Bairro


Ecossistema urbano
cozinha natural/horta terapeutas periferia João
medicinal Pessoa-PB

Mulheres de
Litoral
Cocadas artesanais pescadores/ Zona de praia
Norte-PB
artesãs

Construção de arco e Fragmentos de


Artesãos Indígenas TI Litoral
flecha/ manejo de arco mata Atlântica e
Potiguara/ Norte
e flecha vegetação exógena

Pescadores Praia Suape-


Ilha/ recifes
artesanais/ PE
Festa da Ouriçada Pequena cidade
Comensais Praia Côte
litorânea
franceses d’Azur França

Fonte: Pesquisa 2020


Se no grupo das práticas produtivas a maioria estava voltada para
produção de alimentos, no grupo das práticas culturais foram encontra-
dos ritos ligados a comensalidade ou a mudança nas dietas alimentares.
A festa do ouriço em sua versão francesa (SANTOS 2016) revelou a im-
portância da comensalidade nos rituais de festa, e no grupo de mulhe-
res terapeutas e praticantes da cozinha natural, a culinária cotidiana de
alimentos saudáveis na busca da saúde. Nos encontros para os aprendi-
zados das práticas terapêuticas as mulheres praticam uma cozinha sau-

140 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

dável e a comensalidade em uma grande mesa no centro de terapias ho-


lísticas (GUEDES; ANDRADE 2016).
As práticas ou técnicas corporais, conforme Mauss (1974) envol-
vem o uso do corpo em relação aos cuidados com a higiene e as práticas
de consumo alimentar. No caso pesquisado o consumo de alimentos na-
turais (não processados) para cura de enfermidades diversas. Já a pro-
dução artesanal e o manejo de um artefato exigem várias operações e co-
nhecimentos, conforme Leroi-Gouhan (1973). Práticas tradicionais como
a confecção do arco e flecha indígena envolvem um conhecimento tradi-
cional com transmissão intergeracional, quanto ao processo produtivo e
sobretudo dos tipos das madeiras coletadas em reservas de mata de suas
terras, e suas propriedades para obter a maior eficiência para lançar fle-
chas e para o acabamento estético do produto, em que foi percebida uma
relação afetiva e de respeito com a natureza (SÁ; ANDRADE 2017).
Já as terapias holísticas foram introduzidas de fora a um grupo de
mulheres de um bairro da periferia de João Pessoa, que geraram mudan-
ças dos hábitos alimentares, como a evitação do consumo de carne, para
a cura de doenças, entendida também como resposta à crise ambiental
(GUEDES; ANDRADE 2016).
Outro subprojeto investigou atividades artesanais de produção de
cocada por mulheres, que poderia ser incorporada às práticas produti-
vas, tendo em vista que a pesquisa revelou que o interesse das mulheres
era voltado para renda. Contudo, elas conquistaram a emancipação fi-
nanceira como um poder simbólico (BOURDIEU 2011; AZEVEDO 2018).
A pesquisa buscou avaliar o empoderamento das mulheres através do
aumento da renda familiar, da autoafirmação perante a família e da ca-
pacidade de autogestão do seu empreendimento (AZEVEDO; ANDRADE
2018). Em contraste, a produção artesanal do arco e flecha é realizada
apenas por homens, embora seja um artefato vendido para turistas, pos-
sui um forte significado simbólico e identitário para os indígenas, con-
forme depoimentos colhidos (SÁ; ANDRADE 2018). As duas práticas têm
cunho tradicional por se basearem na transmissão intergeracional, e se
manterem fiéis ao modelo original, apesar de terem adquirido algumas
inovações. As cocadas ao obedecerem a critérios sanitários e receberem

141 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

um novo formato, enquanto o arco e flecha sofreu poucas mudanças no


processo produtivo com uso de máquinas simples, tendo mudado sobre-
tudo nos usos entre os indígenas. Mudanças no uso do arco e flecha sur-
giram com sua inserção nas práticas esportivas dos jogos indígenas, e nas
manifestações e lutas políticas, como elemento simbólico e marcadores
da identidade indígena (SÁ; ANDRADE 2017).
As festas da Ouriçada que acontecem anualmente em duas dife-
rentes praias do Brasil e da França, em Suape, dentro da área do porto
industrial de Suape em Pernambuco e em Carry-le-Rouet uma praia na
costa azul francesa próxima ao porto de Marseille. A festa pernambuca-
na ocorre todos os anos no dia 13 de dezembro (dia de Santa Luzia e do
marinheiro) organizada por pescadores artesanais que foram removidos
da praia para dar lugar ao porto (ANDRADE; SANTOS 2013). O ritual se
processa com a coleta de ouriços do mar na linha de recifes da praia, e
a festa é realizada na ilha de Tatuoca, para onde os participantes se des-
locam de barco para a prática da comensalidade da ouriçada ao ar livre
em barracas improvisadas. A festa francesa acontece na pequena cidade
de Carry-le-Rouet, organizada pela prefeitura municipal e ocorre anual-
mente todos os domingos do mês de fevereiro, e se caracteriza como uma
festa do mar para comemorar o ouriço e os demais frutos do mar, sendo
voltada para comensalidade e a gastronomia francesa (SANTOS 2016).
Percebe-se no conjunto das práticas culturais, um propósito volta-
do para o fortalecimento das identidades dos grupos pesquisados, seja
para os que estariam ameaçados de perda da identidade como os pes-
cadores artesanais da festa da ouriçada, ou para os Potiguara diante das
ameaças de perda de suas terras. Já para as cocadeiras, a cocada reafirma
seus vínculos com uma memória do saber culinário e da vida de praia. Os
rituais atuam como estratégias de reforço das identidades ao dar visibi-
lidade aos grupos, seja nos jogos indígenas, ou de forma sazonal entre os
pescadores de Suape e os comensais franceses do mediterrâneo, em que
o ouriço é o elo de ligação com o mar, os pescadores e os comensais.

142 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

AS TROCAS/EXPLORAÇÃO DOS ECOSSISTEMAS E A


SUSTENTABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL

Por fim, resta tratar das práticas de apropriação da natureza pelas


populações tradicionais no sistema cultura/natureza em relação a sus-
tentabilidade. O debate teórico em direção a uma superação das fron-
teiras entre este par dicotômico requer um diálogo com a antropologia
simétrica de Latour (2007). Este debate teórico submetido a contextos
empíricos, como a produção de camarão em viveiro e a festa da ouriçada,
permitiu um diálogo interessante entre teoria e prática, em que se perce-
beu a perda da visão mesclada cultura/natureza pelas populações locais,
com a introdução da prática de cultivo de camarão, em prejuízo da perda
da cosmologia presa/predador (ANDRADE; SAMPAIO 2016).
As práticas produtivas e culturais arroladas nos subprojetos per-
mitem avaliar a proximidade e o afastamento das relações de troca ou de
exploração dos ecossistemas, para considerar onde é possível um ganho
mútuo, capaz de gerar sustentabilidade, e onde as práticas geram danos à
natureza, sendo mantidas por atender as necessidades de manutenção fí-
sica das populações envolvidas. Estas relações de dependência das popu-
lações tradicionais com os ecossistemas, concebidas como comunidades
etno-ecológicas, vêm sofrendo as pressões do capitalismo globalizado
(PARAJULI 1998).
Assim, das relações de troca entre cultura e natureza surgiu o inte-
resse de alguns subprojetos de avaliar estas relações sob a perspectiva da
sustentabilidade. Do conjunto dos subprojetos apenas um fez uso de me-
todologia para medir a sustentabilidade dos cultivos de ostra comparan-
do os cultivos da Paraíba e de Santa Catarina (MARINHO 2019). Os dados
revelaram que os cultivos menos produtivos da Paraíba tiveram resulta-
dos mais baixos para sustentabilidade social, apesar de um pouco melhor
para sustentabilidade ambiental, devido ao uso da ostra nativa. Porém a
dependência da extração crescente de ostras jovens para engorda, amea-
ça a conservação da espécie e reduz a sustentabilidade ambiental. Mas,
o caráter familiar e de pequena escala das organizações produtivas nos
dois estados, reduz o impacto ambiental na avaliação da sustentabilidade

143 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

social e ambiental destas práticas. Já a sustentabilidade social atingiu ní-


veis médio e baixo na Paraíba pela ausência de associações e baixo poder
de negociação perante o governo para melhoria das condições de sanea-
mento das áreas dos cultivos (MARINHO 2019).
A ideia de sustentabilidade para Diegues (2003) não está associa-
da ao desenvolvimento sustentável por se constituir uma formulação de
tecnocratas e políticos, mas à “sustentabilidade dos modos de vida” asso-
ciada à noção de população ou sociedade sustentável (CHAMBERS APUD
DIEGUES p.5 2003). Para Sachs o conceito de sustentabilidade comporta
uma dimensão social que tem como pilar de sustentação a equidade com
justiça social, em que defende a ideia de boa sociedade (SACHS 2008).
Esta ideia sugere a criação de cenários em contextos familiares, comuni-
tários e de redes produtivas menos dependentes do sistema global capi-
talista (SACHS 2008).
A busca da equidade e da justiça social se mostrou mais presente
nas experiências em que as comunidades conseguiram o acesso às políti-
cas públicas de maneira mais duradoura, como na produção de mulheres
agricultoras que adotaram princípios da agroecologia em seus cultivos e
incentivos da economia solidária na criação de uma cooperativa baseada
no comércio justo. A outra experiência que teve êxito no acesso a políti-
cas públicas foi a das cocadeiras artesãs, cuja associação conseguiu uma
sede própria e uma cozinha dentro dos padrões exigidos pela certificação
sanitária para produção das cocadas.
Os carcinicultores tiveram incentivo financeiro de agência gover-
namental para iniciar com os viveiros, já os ostreicultores foram estimu-
lados por um comprador externo e com recursos públicos conseguiram
uma unidade de beneficiamento (em situação de abandono durante a
pesquisa), graças à parceria com uma associação de marisqueiras (MARI-
NHO 2019). Sem o devido acompanha-mento técnico e financeiro, os pro-
dutores tem tido dificuldade de tornar suas atividades sustentáveis do
ponto de vista ambiental e social. A ação de agências de desenvolvimen-
to pode contribuir para melhorar a sustentabilidade social e ambiental,
porém a falta de continuidade nas ações impede que os resultados dos
investimentos revertam em melhorias efetivas nas condições de vida dos
pequenos produtores.
144 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Quanto ao papel das tecnologias simples para a busca da sustenta-


bilidade, as pesquisas empíricas revelaram que a introdução da agroe-
cologia trouxe benefícios socioambientais inegáveis ao mudar sistemas
tradicionais de agricultura. Outras inovações geraram impactos ambien-
tais negativos como a carcinicultura e a ostreicultura, cada uma causando
danos distintos pela especificidade de cada uma. As técnicas de carcini-
cultura introduzidas nas terras Potiguara provocam impactos nas áreas
de despejo dos efluentes afetando espécies do estuário como o caran-
guejo (SAMPAIO 2018). Já as ostras cultivadas são nativas do mangue e
extraídas em fase jovem para crescer em estruturas de madeira do man-
gue meio submersas em seu próprio habitat. Esta prática produtiva se
mostra sustentável por não ser contaminante em relação à água, porém,
a qualidade da água do cultivo se encontra sujeita a contaminação por
despejos de esgotos domésticos, prejudicando a qualidade sanitária das
ostras (MARINHO 2019). Ambas as atividades provocam desmatamento
do manguezal, especialmente nas áreas dos tanques de camarão, e nos
cultivos de ostra para uso nas estruturas de engorda. Porém, os carcini-
cultores por danos maiores são alvo de auto de infração por agências am-
bientais. Instalações de infraestrutura sanitária viriam melhorar a qua-
lidade da água do estuário em benefício não só da população humana,
quanto da vida do rio e das espécies que nele vivem.
As experiências demonstraram que as organizações produtivas
familiares por produzirem em escala reduzida não implicam em menor
dano ao ambiente, já que apresentaram maior dificuldade de aceitarem
as inovações que tornariam os processos produtivos mais eficientes e
ambientalmente mais sustentáveis.

145 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após cinco anos de acompanhamento dos nove subprojetos de


pesquisa sobre as práticas sociais de apropriação da natureza por popu-
lações tradicionais, procuramos reunir algumas lições a partir da com-
binação dos resultados apresentados, com base nos pressupostos da an-
tropologia ecológica de Foladori (2002), teoria das práticas de Bourdieu
(2002), da antropologia simétrica de Latour (2007), das dimensões da
sustentabilidade de Sachs (1993) e Foladori (2002) e da sociedade sus-
tentável de Diegues (2003).
Os campos de ação identificados pelas práticas sociais dos grupos
pesquisados revelaram que as práticas produtivas, além de gerar aumen-
to de renda para os envolvidos, gerou aumento do capital social através
da vivência e interações com diferentes tipos de organizações produtivas.
As comunidades ou grupos de produtores que não lograram construir
organizações associativas, ou de integrar o conhecimento local a um diá-
logo democrático de saberes (Foladori 2004), não conquistaram as ben-
feitorias que são dever do Estado, devido ao baixo capital social. Nas co-
munidades em que houve uma articulação a redes formais ou informais
foi constatada uma tendência a melhorar o regime das trocas ecossistê-
micas, em que algumas comunidades estudadas se revelaram mais pre-
paradas para se constituírem como sociedades sustentáveis (DIÉGUES
2003). Já as práticas culturais e simbólicas fortaleceram as identidades
de alguns grupos, como os pescadores de Suape que mesmo vivenciando
a remoção dos seus territórios reforçaram sua identidade através da fes-
ta; os indígenas vivenciando mudanças no uso do arco e flecha em even-
tos esportivos e políticos como marcador de identidade, aumentam seu
capital simbólico nas lutas por suas terras. Quanto aos grupos de mulhe-
res cocadeiras e terapeutas holísticas angariaram capital simbólico atra-
vés do empoderamento perante suas famílias.
Para a análise das interações entre cultura e ambiente das popu-
lações tradicionais, partimos da proposição de Latour (2002), de supe-
ração da relação dicotômica natureza x cultura para a ideia de que só
existe natureza/cultura, onde prevalece uma mistura de coisas e pessoas.

146 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

As relações entre produtores e espécies animais, como camarões, peixes,


ostras e ouriços, ou ainda plantas como hortaliças e raízes, e artefatos
como o arco e flecha, cocadas e técnicas produtivas, encontradas nes-
tas pesquisas, são compreendidas a partir da noção de rede. Partindo da
antropologia simétrica de Latour (2007) que se baseia no princípio da
simetria generalizada, que retira o peso das explicações de instâncias pu-
rificadas como a sociedade ou a natureza, para destacar o papel dos qua-
se-objetos que “se convertem no terreno de todos os estudos empíricos
efetuados sobre as redes” (LATOUR 2007 p. 143).
Com a rede, percebemos o caráter mutante dos processos cultu-
rais/naturais, e das mediações que atravessam as organizações sociais
de populações tradicionais em constituição, com diferentes agencias que
regulam ou estimulam novas interações com territórios e ecossistemas,
mediadas pela técnica e o diálogo de saberes.

REFERENCIAS

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147 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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148 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

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149 [Sumário]
CAPITULO 7
O PROCESSO DE
EMPODERAMENTO DAS
MULHERES COCADEIRAS: A
TRAJETÓRIA DE VIDA DE UMA
ARTESÃ22

Patrícia Morais de Azevedo

INTRODUÇÃO

Na sociedade a mulher sempre foi discriminada e sempre ocupou


uma posição socialmente subordinada, entretanto, o movimento feminis-
ta segundo Sardenberg (2006) tem dado ênfase ao empoderamento, no
campo das relações de gênero, a fim de desconstruir essa imagem social
em contextos específicos. Para isso, o empoderamento feminino passa a
ter uma conotação de emancipação e de resistência (BATLIWALA 1994).
O conceito de empoderamento que embasa este trabalho permite reco-
nhecer que o aumento de poder das mulheres na sociedade está associado à
capacidade destas de adquirir autoconfiança, e não no sentido de dominação
sobre os outros. Assim, a mulher desenvolve a capacidade de controlar os
seus recursos e fazer suas escolhas, tornando-se dona de si (MOSER, 1991).
Um empreendimento social constitui uma organização econômica
voltada para um grupo de trabalhadores que promovem a socialização
dos meios de produção e a autogestão, que busca sua eficiência nos re-
22 Este capitulo é resultado da tese de doutoramento ‘Associação Mãos que se ajudam:
desenvolvimento local sustentável e empoderamento de mulheres no município de Lucena-PB’,
gerada entre 2014 e 2018.

150 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

sultados (SACHS 2009). Daí ser um espaço privilegiado para uma análise
sobre o empoderamento. Por ser a autogestão uma forma autônoma de
trabalho, seu processo é dinâmico, promovendo constante mudança em
suas atividades e decisões estratégicas ao longo do tempo.
Este estudo foi realizado junto a um empreendimento social forma-
do por mulheres artesãs que fundaram a Associação Mãos que se Ajudam
- AMQSA no Município de Lucena/PB, com o objetivo de avaliar o proces-
so de empoderamento de mulheres artesãs para o desenvolvimento local
sustentável. Embora a proposta da AMQSA seja de um empreendimento
social, que envolve a autogestão, participação, cooperação, desenvolvi-
mento humano, responsabilidade social, entre outros fatores, foram de-
tectados problemas em relação a autogestão.
A experiência de realizar uma pesquisa num empreendimento so-
cial em uma realidade contrastante em diversos aspectos, a começar pela
diversidade de relações sociais e de poder desenvolvidas entre os sujeitos
e as instituições com as quais se relacionam. Além disso, essas relações
também se refletem na convivência doméstica, uma vez que as mulheres
vivem num contexto familiar e social, onde há desigualdade e submissão
aos maridos; no mercado de trabalho, as relações entre patrões e empre-
gados organizam-se de forma hierárquica muito bem marcada.
Com isso, o contexto social no qual se insere a AMQSA interfere di-
retamente na cultura organizacional, criando vários obstáculos que im-
pedem o desenvolvimento de uma cultura associativa mais eficaz num
empreendimento social. Por outro lado, o tipo de gestão do empreendi-
mento, requer relacionamentos com diversos públicos para as vendas,
em que a gestora anterior não compartilhava esse processo com as asso-
ciadas, o que implicava em falta de transparência e dificuldade de acesso
a documentos da área financeira.
Este artigo objetiva analisar o processo de empoderamento das
mulheres artesãs, com o acompanhando da trajetória de vida de uma das
artesãs que revelou ter vivenciado melhor que as demais mulheres, um
empoderamento coletivo e individual, com capacidade de obter um en-
gajamento de todas.

151 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

METODOLOGIA

Este trabalho foi desenvolvido junto a Associação Mãos que se Aju-


dam, no município de Lucena/PB. Ao se reunirem em busca de um traba-
lho que lhes proporcionasse renda, as mulheres que integram a referida
Associação, fizeram uso de seu conhecimento para produzir a Cocada na
Kenga e o Artesanato na fibra de coco. Fundada em 2003, a AMQSA está
vivenciando sua terceira gestão, sendo as duas primeiras exercidas pelas
fundadoras (externas à comunidade) e a atual por uma das mulheres ar-
tesãs.
Para a realização deste estudo, foi utilizada a pesquisa empírica de
cunho qualitativo através de um estudo etnográfico a fim de obter uma
melhor compreensão da dinâmica das relações sociais no cotidiano do
grupo estudado conforme afirma Gil (2006). Participar do cotidiano de
um empreendimento social, conhecer sua história, conviver com os per-
sonagens, fazer parte de sua rotina com total consentimento e aceitação
de todos, permitiu identificar a artesã que teria vivenciado melhor um
processo de empoderamento.
Foi utilizado como método de pesquisa a trajetória de vida (BORN
2001) para a coleta de narrativas da experiência vivida por uma das mu-
lheres da Associação através de entrevista. Para representar o grupo
de mulheres foi escolhida a que assumiu diferentes funções e vivenciou
uma mudança de status ao se tornar presidenta da AMQSA. A trajetória
de vida é definida como “um conjunto de eventos que fundamentam a
vida de uma pessoa. Normalmente, é determinada pela frequência dos
acontecimentos, pela duração e localização dessas existências ao longo
de uma vida” (BORN, 2001, p. 243). Segundo Haguette (2013), o objetivo
de levantar, por meio de depoimentos, informações relativas ao entendi-
mento das mulheres artesãs sobre sua experiência de trabalho é gerar
subsídios para análise do empoderamento das mulheres e do desenvol-
vimento local sustentável.

152 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A desigualdade social e o aumento da pobreza são fatores que fi-


zeram os governos repensarem as políticas públicas para o processo de
desenvolvimento dos territórios, em busca da sustentabilidade (ONU
2010). Assim como Muhammad Yunus (2006), fundador do Grameen
Bank, a escolha da mulher como agente de políticas públicas para o de-
senvolvimento se dá pelo seu senso de responsabilidade com os filhos,
com a administração da casa e, consequentemente, com a administração
financeira, apesar do pouco recurso.
Enquanto objetivo do desenvolvimento, o empoderamento visa es-
timular grupos carentes de recursos e de acesso a instituições que favo-
reçam a competitividade e o sustento para a sobrevivência. Os indivíduos
são vistos a partir de suas habilidades e competências, e não como um
reflexo da pobreza. Entretanto, aos órgãos de fomento compete não só
disponibilizar os recursos, mas, igualmente, monitorar e avaliar os re-
sultados das ações desenvolvidas, seja por meio de indicadores, de re-
latórios, de pesquisas, seja por uma avaliação, para que o processo de
desenvolvimento seja contínuo.
Para a ONU (2010), há um viés muito forte para o desenvolvimento
do empoderamento das mulheres. Inserindo-as no mercado de trabalho,
é possível o crescimento da economia de maneira estável e forte, assim
como promover uma sociedade mais justa, tendo em vista que é por meio
delas que se atingirá tanto os objetivos internacionais estabelecidos,
como uma qualidade e um padrão de vida melhor para as mulheres e
toda a sua família, o que reflete diretamente na sociedade.
De acordo com Rowlands (1997), o processo de empoderamento
pode ser explorado em três níveis: 1) pessoal: desenvolver um sentido
de autoestima e capacidade; 2) relacional: desenvolver a habilidade para
negociar e influenciar na natureza das relações, com os diversos públicos
e nas decisões tomadas; 3) coletivo: há indivíduos que trabalham para
gerar um impacto maior, como a formação de uma cooperativa ou o en-
volvimento com as estruturas políticas. O exemplo da aplicabilidade des-
tes níveis será visto tanto na AMQSA de forma geral, como na trajetória
de vida de uma associada.
153 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

O PROCESSO DE EMPODERAMENTO DAS ARTESÃS DA


AMQSA

Para uma compreensão do processo de empoderamento pesquisa-


do se fez necessário conhecer a perspectiva das mulheres que formaram
este empreendimento e que, efetivamente, são responsáveis pela produ-
ção e continuidade do negócio.
Para tanto, identificou-se entre os atuais associados, uma mulher
que participa da Associação desde a sua concepção e criação, e que se-
guiu sua trajetória como parceira da Associação antes de ingressar como
cocadeira. Foi indicada para ser tesoureira e, atualmente, com a indicação
e eleição dos associados, assumiu a Presidência da Associação em abril
de 2017. Por isso, foi a associada escolhida para a análise do empodera-
mento das mulheres neste empreendimento, através de sua trajetória de
vida, seu entendimento sobre o processo de desenvolvimento e de em-
poderamento individual e das mulheres artesãs que formam a AMQSA.
Por ter características inerentes ao perfil de um empreendedor, ou
seja, por ser uma pessoa persistente, criativa, que assume riscos, busca
sempre inovar com relação aos produtos oferecidos na Associação, a as-
sociada J sempre se destacou dentre as demais mulheres da Associação,
galgando a confiança das gestoras e fazendo a intermediação, em alguns
momentos, das relações e nos conflitos existentes entre a segunda presi-
dente (SP) e associadas e/ou entre as associadas.
A seguir, serão transcritos os relatos da trajetória de vida desta as-
sociada:

Tenho 38 anos. Sou casada e tenho dois filhos. Estudei até a 8ª


série, não terminei. Antes de entrar para a Associação eu era
só dona de casa e fazia faxina, ia tomar conta de umas casas e
meu marido sempre foi agente de saúde, concursado. Sempre
teve o trabalho fixo. Agora eu que não tinha. Eu vi a Associação
começar. Não tava desde o início porque, na época que elas co-
meçaram, eu tava trabalhando. No caso, eu trabalhava na pou-
sada da primeira presidente (PP). Então, eu acompanhei todo

154 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

o início. Sempre fui envolvida. Por isso que eu digo tô desde o


início, só não fiz fazer as primeiras cocadas. Mas eu acompanhei
tudo. Aí foi no tempo que eu parei de trabalhar e engravidei do
meu filho. Quando foi para eu começar a trabalhar novamente,
eu entrei aqui na cocada. Eu entrei, acho que uns dois anos que
já existia a Associação. Mas antes de entrar, na outra sede lá que
era alugada, à noite tinha lanche. Cada uma vendia...eu vendia
hambúrguer, a outra menina vendia pastel, outra vendia torta
salgada, nos finais de semana sexta, sábado e domingo, eu tava
lá trabalhando. Eu não trabalhava aqui na cocada, fazendo coca-
da, mas eu já era da Associação. (Associada J, 2017)

A fala anterior demonstra que desde o início, houve uma visão e um


comportamento empreendedor por parte desta mulher. A iniciativa de
vender lanches, de forma terceirizada, junto à AMQSA, a observação do
trabalho que estava sendo realizado fizeram com que ela adquirisse um
conhecimento do processo que estava sendo desenvolvido e que, poste-
riormente, seria favorável a ela, no decorrer de suas atividades.

A partir do momento que eu entrei na cocada, comecei a tra-


balhar, ter meu próprio dinheiro, todo mês tinha meu dinheiro
certo, então daí eu comecei o quê? Minha independência, né?!
Comprar tudo que eu queria. Mudou, mudou totalmente porque
saí de ser dona de casa pra começar a trabalhar fora. (J, 2017)

Para esta mulher, o fato de não ter um emprego fixo como de seu
marido, ainda que trabalhasse como diarista, fazendo faxina, não repre-
sentava para ela um “emprego seguro”, com todos os direitos trabalhistas
e um salário certo no final do mês. Quando ingressou na AMQSA, mesmo
sem ter carteira assinada e salário fixo, mas só por uma renda mensal,
ainda que com valor indefinido, o sentido de independência relacionado
à questão financeira aflorou num contexto pessoal e familiar, pois o fato
de contribuir financeiramente para a aquisição de bens materiais para a
família, de poder comprar seus objetos pessoais e de contribuir na edu-
cação e bem-estar dos filhos fortalecia sua autoestima, seu sentimento de
estar sendo empoderada financeiramente.

155 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

O processo de empoderamento, na perspectiva individual desta as-


sociada, se deu com base em três níveis, conforme apontou Rowlands
(1997) e será analisado ao longo da análise de sua trajetória de vida. O
primeiro nível de empoderamento é o pessoal: a conquista de um empre-
go, assim como o investimento na educação dos filhos foram pontos fun-
damentais para o aumento da capacidade de realização pessoal, o consu-
mo de bens desejados e, também, para o aumento de uma autoconfiança
em sua força produtiva.
De acordo com Sen (2010), há dois tipos de liberdade. O primeiro
é a liberdade vista como processo, ou seja, os direitos civis, as políticas
públicas que promovem liberdade de ações e decisões. E o segundo tipo
de liberdade são as oportunidades reais que o indivíduo possui median-
te circunstâncias individuais e sociais. No caso da associada J, podemos
encontrar, em sua fala, o sentimento de liberdade expresso em suas pa-
lavras, ou seja, o segundo tipo de liberdade apresentado por Sen (2010)
se faz presente mediante a oportunidade real de um emprego e de uma
renda que contribuíram para a realização de seus desejos e o auxílio nas
despesas da casa, conforme o relato a seguir:

Por exemplo: computador pra minha filha. Geladeira frost free


da maior que tinha (risos). Quando chegou disse: menina tu
comprou essa geladeira? Porque eu sempre fui atrevida. Se ti-
ver que comprar uma coisa, é para comprar uma coisa boa. Nem
que eu divida, mas é boa. Então, comprei televisão, comprei dois
guarda-roupa, comprei cama, tudo. O dinheiro do meu marido
era para feira, porque o restante das coisas era comigo. Estudo
de filho, porque minha filha sempre estudou no IF em Cabedelo.
Estudou o tempo todo aqui, passou para Cabedelo, então tinha
transporte que tinha que pagar, isso era comigo, roupa, calça-
do, tudo. Meu marido nem se preocupava com esse lado, era só
comigo. Então tudo que eu tinha vontade, eu fazia. Mas isso no
início, que a gente ganhava bem. Nossa! só felicidade! (J, 2017)

Nas suas relações sociais, a pesquisada J demonstra que há, entre


as mulheres cocadeiras, um entrosamento, e apesar de ter critérios entre
elas para aceitação de um novo membro no grupo, os conflitos existem.

156 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Há divergência de opinião, o que reforça o ponto de conflito detectado na


pesquisa. Entretanto, as mulheres cocadeiras sempre prezam por chegar
a um consenso e manter a harmonia entre elas, conforme relato abaixo:

Com relação às meninas...Assim, acho que a gente se conside-


ra tipo família, uma família, porque aqui todo mundo conhece
umas às outras. Eu entrei, aí tem fulana, a gente é amiga, a gente
conhece ela, dá pra conviver com a gente. E brigas existem, né?
Mas aquela briga saudável, não aquela briga. Briga não – a gente
discute. Briga no agora, no mesmo dia tá se falando, coisa de
família mesmo. Não aquela briga, briga mesmo não. (J, 2017)

A associada J pode ser considerada uma líder nata (SROUR, 2005),


ou seja, possui características de liderança em sua personalidade, além
de ser legitimada pelos demais componentes do grupo, inclusive pelas
mulheres que ocuparam a presidência. Sua liderança ficou demonstrada
quando os cargos foram passados para ela, pois foi indicada pelas pró-
prias cocadeiras para ser tesoureira, conforme diz:

Hoje, além de fazer cocada eu sou tesoureira, mas eu não sei


como eu cheguei até ser tesoureira. Mas assim, desde o tempo
da presidente fundadora (PF), eu sempre fiz a diferença porque,
sei lá, não sei como eu cheguei a ser tesoureira. Mas eu sempre
me empenhei. Esses doces, esse bombonzinho, o rocambole fui
eu que fiz, sempre tive esse dom de inovar, de fazer isso, fazer
aquilo. E daí, nessa última vez, vamos colocar alguém da Asso-
ciação, sei que as meninas me indicaram. (J, 2017)

Além disso, houve um empoderamento diante de sua relação fami-


liar e social, afinal, ela enfrentou e superou o preconceito para se posi-
cionar no mercado de trabalho. Há, também, uma mudança nas relações
de gênero, no contexto familiar. A mulher que, antes, era dependente
do salário do marido para todo tipo de necessidade pessoal, dos filhos
e da casa, hoje contribui financeiramente e divide as despesas com ele
(SCOTT 2016). Se ela não tinha apoio dele para trabalhar na Associação,
a partir de sua participação financeira na casa bem como da participação

157 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

da sogra na AMQSA, ela obteve incentivo para continuar no trabalho, con-


forme relata abaixo:

No início meu marido não queria. Porque ele falava que cocada
não dava dinheiro. Porque antigamente vendia em pedacinhos e
as meninas começaram vendendo na rua, os pedacinhos. Então,
via-se que não era futuro deixar o serviço de casa ou deixar ou-
tro serviço como faxineira ou outras coisas pra entrar na coca-
da, entendeu? Tinha aquilo de não dar certo, mas aí minha sogra
entrou primeiro, depois eu entrei e daí foi melhorando cada vez
mais. Aí depois que era só a cocada em pedacinho, veio a Cocada
na Kenga, pela ideia de colocar na quenga, aí daí que começou
a fazer sucesso, de ficar conhecido, porque cocadinha pequena
todo mundo sabe fazer, então o diferencial da nossa é a quenga.
Então, daí que começou a dar tudo certo. Aí começou a ganhar
dinheiro, né? Todo mundo contente, o marido já começava a dar
a maior força: ah, vai trabalhar! Por quê? Tava ajudando também
dentro de casa, e foi assim. Nossa! Ajudando em muita coisa, viu.
Muita coisa. Comprei tudo que eu tinha vontade.

Devido ao machismo presente na cultura local as mulheres sofre-


ram com o preconceito, por causa do nome dado pela primeira presi-
denta da AMQSA a cocada – Cocada na Kenga. O termo quenga tem duplo
sentido na fala dos nordestinos e, para a comunidade local, o fato de mu-
lheres estarem nas ruas vendendo uma Cocada na Kenga, este sentido
pejorativo foi ressaltado e associado às mulheres cocadeiras.
As idealizadoras do projeto e primeiras presidentes da AMQSA,
por terem atuado profissionalmente em grandes empresas no Sudeste,
orientou as mulheres a forma de reagirem às possíveis ofensas na venda
das cocadas. Esse tipo de orientação foi fundamental para que o projeto
da AMQSA desse certo e, ao mesmo tempo, demonstrou uma forma de
empoderamento coletivo, em que as cocadeiras demonstraram defender
sua atividade profissional de um preconceito social e reposicionar o ter-
mo “quenga”.
Embora o empreendimento seja social, a motivação das pessoas é
o financeiro, tendo em vista a necessidade de suprir suas necessidades.

158 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Porém, no nível de empoderamento coletivo, o fato de a associada J estar


presente na Associação desde sua concepção faz com que ela busque o
desenvolvimento da mesma, embora ainda falte melhorar sua capacita-
ção para que possa conhecer e entender os trâmites burocráticos que
regem esse tipo de negócio. Um empoderamento do saber ajudaria a me-
lhorar a gestão e o desempenho da AMQSA reposicionando-a melhor no
mercado.
Já com relação as demais associadas, na visão da associada J, há
uma dificuldade maior em retomar os estudos, tendo em vista que há ou-
tros fatores, como cultura, educação, modo de ver a vida, que podem in-
terferir nesta decisão de empoderamento do saber. Embora ela também
acredite que, se houver uma contrapartida que atenda às necessidades
dessas pessoas, haverá mais possibilidade de estímulo.

Eu acho que voltaria a estudar se fosse preciso, mas teria que


uma pessoa para dizer: ‘J., a gente tem tudo pra melhorar isso
aqui, vai vir isso, isso e aquilo pra melhorar e vocês ter o salá-
rio de vocês fixo, então pra isso você tem que voltar a estudar
e terminar. Todo mundo, não só olhando o meu lado, mas o do
grupo. Então você precisa estudar para a gente poder ganhar o
salário de vocês fixo, você tem que fazer isso, eu voltaria. Fazia
uma EJA, fazia qualquer coisa e fazia não só pensando em mim,
mas pensando no grupo.

Não sei se as outras mulheres fariam isso também. Mas, co-


nhecendo bem elas, eu acho nem todas, mas algumas eu acho
que fariam também. Só melhora se você terminar os estudos.
Eu acho que todo mundo, se fosse pra ganhar um salário, todo
mundo ia voltar a estudar. Nossa, ganhar o salário mínimo tava
ótimo. Não bastava mais que um salário. (J, 2017)

No relato acima, percebemos que a ação das mulheres para o de-


senvolvimento está sempre atrelada ao retorno financeiro. Mesmo iden-
tificando a necessidade de dar seguimento aos estudos, buscar capaci-
tação para aprimorar seu conhecimento e contribuir com o crescimento
da AMQSA, ela usa um argumento financeiro como vetor motivacional
159 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

para essas mulheres. A associada J não tem foco em ampliar seus conhe-
cimentos, concluir seus estudos; na sua visão, para que isso acontecesse,
seria necessária uma contrapartida financeira como estímulo. Neste de-
poimento ela expressa o desejo de ter um salário, um emprego fixo e até
se dispõe a voltar a estudar para alcançar seus objetivos.
A aplicabilidade dos níveis de empoderamento de Rowlands (1997)
na AMQSA demonstra que poucos associados tiveram desenvolvimen-
to em nível pessoal. De forma resumida, o quadro 01 relaciona os fatos
que demonstram cada tipo de empoderamento definido por Rowlands
(1997) e identificado na AMQSA, sendo que os tipos pessoal e relacional
estão relacionados diretamente à Associada J e ao empoderamento cole-
tivo que envolve todos os associados, a partir da fala da referida associa-
da.
Quadro 01: Tipo de empoderamento na AMQSA

Empoderamento Pessoal Empoderamento Empoderamento


Associada J Relacional Coletivo

Defesa do nome da
Conquista do emprego com Superação de preconceito Cocada na Kenga
renda mensal familiar e social. diante do preconceito
social.

Investimento na educação Melhoria nas relações de Consciência da crise


dos filhos gênero, no contexto familiar. financeira no mercado.

Necessidade
Influência junto aos demais de investir no
Consumo/aquisição de bens
associados para a tomada conhecimento coletivo
desejados
de decisões. para ampliar os
negócios.
Consciência da
Conquista da confiança da necessidade de
Autoestima
presidência. reposicionar a AMQSA
no mercado.

160 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Decisão sobre horário


O marido da entrevistada
de trabalho e forma
Liberdade por liberdade. aceitou o trabalho dela ao
de remuneração de
ver que era rentável.
associados.

As artesãs decidiram
Aprendizado para não ter mais uma
Por meio do trabalho, a
autogestão da cocadeira presidenta externa
artesã conseguiu investir
que assumiu a presidência. e elegeram uma
nos estudos dos filhos.
das cocadeiras para
presidenta.
Fonte: Pesquisadora, Novembro/2017

O caso mais relevante foi o mencionado pela líder Cocadeira/tesou-


reira/Presidenta, como será visto mais adiante. Com relação ao empode-
ramento coletivo, apesar de o envolvimento conjunto das mulheres ter
proporcionado um melhor posicionamento no mercado e projetado uma
imagem positiva da Associação, isso se deu com a gestão de pessoas que
já tinham conhecimento sobre trâmites burocráticos. Com a condução da
AMQSA por um membro interno, integrante da produção, em convivência
direta com o dia a dia das mulheres, foi possível avaliar um processo de
empoderamento coletivo efetivamente.
A trajetória relatada demonstra que o papel da Associação Mãos
que se Ajudam é muito maior do que de incluir as mulheres da comuni-
dade no mercado de trabalho. Durante a trajetória de vida da entrevista-
da, percebe-se que há um processo de empoderamento individual muito
forte. Mas também de forma lenta, a mudança recente no processo de
gestão, as associadas participam mais da administração do negócio, de
modo que possam se sentir donas do empreendimento, deliberando so-
bre definição de horário de trabalho e remunerações, demonstrando um
empoderamento coletivo sobre a organização laboral.
De acordo com Oakley e Clayton (2003, p. 24) existem seis dimen-
sões para atingir o empoderamento: 1) Psicológicas – envolve a formação
da identidade, da autoimagem, da criação de espaços e da aquisição de
conhecimentos. 2) Cultural – envolve a redefinição de normas e regras de
gênero, e a recriação de práticas culturais. 3) Social – esta dimensão re-

161 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

quer uma liderança em atividades comunitárias, ações por seus direitos,


inclusão social e alfabetização. 4) Econômica – refere-se à obtenção de
segurança econômica, posse de bens produtivos e habilidades empresa-
riais. 5) Organizacional – está focado na identidade coletiva, no estabele-
cimento de uma organização representativa e na liderança organizacio-
nal e, por fim, 6) Política - participação em instituições locais, negociação
de poder político e acesso ao poder político.
Analisando o relato da associada J e diante da pesquisa realizada,
verifica-se que a AMQSA encontra-se num processo lento de desenvolvi-
mento e de empoderamento. É necessário fortalecer a dimensão psico-
lógica, tendo em vista que foi detectada uma baixa autoestima em seus
associados, assim como elevar o nível de conhecimentos através dos es-
tudos e da capacitação profissional. As dimensões cultural e social do
empoderamento com as lutas por direitos poderão ser atingidas com o
aumento da educação e da autoestima. A dimensão econômica e orga-
nizacional está sendo reposicionada a partir de uma nova gestão, com a
liderança oriunda do quadro de associados e que conhece a real neces-
sidade da AMQSA e de seus associados, e com a melhoria do processo de
empoderamento coletivo. A dimensão política tem progredido, graças as
primeiras ações de aproximação com o poder público local para negociar
novos espaços para comercialização e auxílio financeiro para solucionar
problemas da AMQSA.
Além disso, quando se trata do segundo nível de empoderamento –
o relacional- verificou-se o perfil de liderança desta associada e o poder
de influenciar nas decisões da equipe, assim como mediar possíveis con-
flitos. Daí porque, a negociação com os clientes, os fornecedores e o po-
der público também estão a cargo dela, por sua maior capacidade de se
relacionar com os diversos tipos de públicos. No contexto familiar, o fato
de ela ter conseguido o respeito e o apoio do marido, da sogra e dos filhos
demonstra que, também, desenvolveu um empoderamento relacional no
contexto doméstico.
O processo de gestão da AMQSA começa a se caracterizar como
autogestionário. O medo de assumir a presidência, fez com que a então
Tesoureira, a associada J, eleita pelos demais membros da Associação em

162 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

assembleia, colocasse a condição de gestão compartilhada, exigindo a


participação de todos no processo decisório, a partir daquele momento.
Sabe-se que é necessário aumentar a visibilidade da AMQSA no
mercado; A associada J tem consciência de que há concorrência e que o
mau uso do espaço ocioso da Associação pode interferir nas vendas. Po-
rém, a falta de orientação e capacitação com foco no negócio prejudica a
associada J na hora de sistematizar as ideias e colocá-las em prática. Ela
poderia reunir as mulheres e fazer um plano de ações dentro da realida-
de de instrução delas, para a melhoria do todo.
Os resultados são tímidos, afinal, o aprendizado é contínuo e muita
coisa precisa ser conhecida e melhorada. De acordo com a associada J,
as vendas estão muito fracas e o resultado do Salão de Artesanato em
João Pessoa, em 2018, foi péssimo. Alguns fatos concorreram para este
resultado, o Salão aconteceu no final de janeiro, período em que já tinha
passado o alto fluxo de turistas, além do deslocamento para o Espaço
Cultural, distante da praia atraindo menos turistas.
A relação com os demais associados continua da mesma forma e,
muitas vezes, a associada J é chamada a atenção, ou lembrada de seu car-
go para conduzir certas situações. A nova diretoria é composta por asso-
ciadas da cocada nos cargos de Vice-presidente, Tesoureiro; do artesana-
to, no conselho fiscal e por um membro externo, uma associada que não
atua mais diretamente na AMQSA porque passou no concurso público
da Prefeitura, porém, sempre que pode, contribui de alguma forma. Ela
assumiu o cargo de Secretária.
Quando questionada sobre os planos que tem para a Associação, a
presidenta responde:

Planos tem vários. Só falta só botar em prática. Menina, a gente


sonha, a gente fala, a gente só falta botar em prática. Mas a gente
tá vendo ai alguma coisa. É que eu tô meio que perdida. Eu disse
a você que ia ser um desafio pra mim. Eu nunca imaginei. Que-
rendo ou não, é uma empresa. É responsabilidade... (J, 2018)

163 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Enfim, a presidenta reconhece que está lidando com uma empre-


sa, um passo fundamental para a gestão, já que em outra fala, ela sonha
em ser assalariada. O aprendizado da gestão é contínuo e não se encer-
ra num período delimitado para uma pesquisa. Diante do relato de sua
trajetória, apresentado neste trabalho, e agora sendo eleita presidenta
da AMQSA reitera que seu perfil empreendedor e de liderança a estava
conduzindo a isso. O medo é inerente ao novo, mas, com pouco tempo
de gestão, demonstrou proatividade para solucionar problemas, como a
estratégia de novos espaços de venda, como o que conseguiu para o ar-
tesanato. Iniciou novos relacionamentos, demonstrando um crescimento
do seu empoderamento individual. Entretanto, é preciso capacitação, co-
nhecimento e recursos para que de forma sustentável, se possa alcançar
o crescimento da Associação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Associação Mãos que se Ajudam é um exemplo desta relação en-


tre gênero e desenvolvimento, conforme os princípios da ONU (2013).
O empreendedorismo destas mulheres tem demonstrado, ao longo de
seus 15 anos de existência que, apesar das dificuldades, as oportunida-
des geradas por políticas públicas e o uso do capital social, por parte das
associadas, podem tornar esta experiência um êxito que contribua para
o desenvolvimento de todas. A Cocada na Kenga é, hoje, um produto que
representa o município de Lucena e desperta o interesse dos turistas,
devido a sua embalagem diferenciada.
Constata-se, também, que o conceito de desenvolvimento com li-
berdade apresentado por Amartya Sen (2010) se faz presente nesse
empreendimento social, na medida em que os associados que integram
a AMQSA, especificamente as mulheres, por serem maioria, buscam o
aprendizado da autogestão, que tem se concretizado pela decisão das
associadas de rejeitarem mais um presidente externo à comunidade e
à Associação. Conduzir o próprio negócio tem sido uma experiência de
muito aprendizado e fortalecimento da identidade de empreendedora.

164 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Com a nova liderança, há uma expectativa de que a cultura associa-


tiva na AMQSA seja mais participativa, que haja o compartilhamento de
decisões (SCHEIN 1992) e que a presidenta eleita consiga influenciar as
demais associadas sobre mudanças que devem tomar; porém há muita
resistência das empreendedoras em retomar os estudos, buscar cursos
de capacitação, ter mais consciência quanto a evitar os desperdícios no
uso da matéria-prima e no consumo pessoal da cocada. Compreender
que ser dono do próprio negócio não significa fazer o que der na cabe-
ça, mas que, num empreendimento coletivo, é preciso ter união, objetivo,
foco e determinação para se buscar os resultados almejados.
Ao analisar o processo de empoderamento das mulheres artesãs
que conduzem a Associação Mãos que se Ajudam em Lucena/PB, veri-
ficou-se que o empreendedorismo feminino, nesta associação, permitiu
o empoderamento das mulheres artesãs em vários níveis. (ROWLANDS,
1997). Com relação ao empoderamento pessoal, constatou-se que o fato
de ter um trabalho e uma renda proporcionou a estas mulheres o direi-
to do consumo, da autoestima, de sentirem-se produtivas e participati-
vas quando contribuíram com as despesas de suas famílias. Tratando-
-se do nível relacional, houve um fortalecimento nas relações familiares
mediante o apoio de maridos, filhos e parentes para a participação na
AMQSA, no respeito e na visibilidade pela comunidade devido o trabalho
desenvolvido e ao apoio e incentivo entre as mulheres, mediante dificul-
dades enfrentadas.
O empoderamento coletivo demonstrou que, em vários momentos,
as mulheres tomaram decisões que favoreceram este empoderamento,
tais como: superar o preconceito inicial devido ao nome “Cocada na Ken-
ga”, que gerou preconceito e discriminação na comunidade; a decisão de
participar de forma mais efetiva na gestão anterior; estabelecer os cri-
térios de horário de trabalho e remuneração; continuar com a gestão da
AMQSA após o falecimento da presidenta anterior e decidir sobre quem
deveria assumir a presidência da Associação após este ocorrido. Além
disso, há, ainda as dimensões psicológicas, culturais, sociais, econômi-
cas, organizacionais e política do empoderamento (OAKLEY; CLAYTON,
2003) que precisam ser aperfeiçoadas como já foi dito.

165 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Porém, o empoderamento, enquanto meio para que haja um desen-


volvimento sustentável, deve atingir outros aspectos, além do financeiro,
reforçado pelas associadas. As mulheres ainda precisam aprimorar seu
conhecimento sobre a gestão financeira, administrativa, devem voltar a
estudar, pois é com o estudo que elas vão aperfeiçoar o trabalho, conse-
guir um melhor posicionamento no mercado, conhecer as instituições de
fomento e suas políticas públicas, a fim de estreitar os relacionamentos
e as relações de poder existentes em todas as esferas na qual estão inse-
ridas.
Acredita-se que diante de todas as mudanças ocorridas no último
ano, o empoderamento das mulheres artesãs da AMQSA está sendo de-
senvolvido e, com um acompanhamento de profissionais e ou órgãos que
promovam sua capacitação, orientação, seu monitoramento e a avalia-
ção do que está sendo realizado, haverá um fortalecimento da identidade
institucional, elevando a autoestima e proporcionando uma autogestão
favorável ao empoderamento.
Por fim, com o relato dessa trajetória de vida de uma liderança na
associação de artesãs, nas diversas formas de relacionamento interno e
externo, com o engajamento de todas as partes interessadas a AMQSA
tem potencial para alcançar o desenvolvimento local sustentável.

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metodológicos e resultados empíricos. Sociologias, Porto Alegre, ano 3,
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São Paulo: Atlas, 2006.

166 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
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sociologia. 14 ed. Petropólis, RJ:Vozes, 2013.
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1991.
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das Letras, 2010.

167 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

SROUR, Robert Henry. Poder, cultura e ética nas organizações: o


desafio das formas de gestão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
YUNUS, Muhammad. O Banqueiro dos pobres. São Paulo, Ática, 2006.

168 [Sumário]
CAPITULO 8
COMUNIDADES
AFRODESCENDIENTES EN
EL PACÍFICO COLOMBIANO:
RELACIONES CON EL
TERRITORIO Y LA
BIODIVERSIDAD23
Laura Victoria Lozada Ordonez,
Maristela Oliveira de Andrade
Denise Dias da Cruz

INTRODUCCIÓN

Colombia se reconoció como un Estado pluralista con la presencia


de tres grupos étnicos: los indígenas (3,4%), negros o afrocolombianos
(10,6%) y Roma (gitanos) (0,015) al ratificar la Convención 169 de la OIT
del año de 1989. Así, el Estado colombiano se comprometió a adaptar la
legislación nacional y desarrollar acciones necesarias para salvaguardar
las personas que pertenecen a estos pueblos, sus instituciones, propieda-
des, trabajo, cultura y el medio ambiente (DANE, 2012).
En Colombia es posible pensar que un ejemplo de la vinculación en-
tre biodiversidad y etnización de las comunidades afrodescendientes se
manifiesta claramente en los procesos de titulación colectiva asociados
a la Ley 70 de 1993 (RESTREPO, 2013), porque el reconocimiento de la
23 Este capitulo foi gerado a partir da dissertação de mestrado da autora ‘Serviços ecossis-
têmicos e interações com uma comunidade afrodescendente no Pacífico Colombiano: dos riscos à
proteção da biodiversidade’ gerada entre 2015 -2017.

169 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

propiedad colectiva sobre las tierras habitadas por las “comunidades ne-
gras” supone una manera de conservar la biodiversidad. “Las ‘prácticas
tradicionales’ y la ‘racionalidad económica’ radicalmente diferente de la
‘occidental’ atribuidas a esas comunidades han sido uno de los factores
por los cuales se ha conservado esa biodiversidad, y se perfila como una
estrategia para que no se desaparezca en el futuro” (RESTREPO, 2013, p.
194 e 195).
Téngase en cuenta que el medio ambiente desempeña un rol im-
portante en la construcción de la identidad cultural de las sociedades y
está en estrecha conexión con los valores étnicos, espirituales, históricos
y artísticos de determinadas sociedades (ANDRADE E ROMERO, 2009).
De hecho existen comunidades tradicionales o étnicas que usan y dan
significado a la naturaleza y a las plantas de diversas maneras: como ali-
mentos y medicamentos, para magia, música, trabajo y diversión. Esas
comunidades incluyen campesinos, pueblos de la selva, pastores nóma-
das además de otros grupos marginados en el proceso de expansión del
capital global (PARAJULI, 1998). Para ellos, los ecosistemas tiene una re-
lación simbiótica entre los servicios de abastecimiento y cultural
Inclusive, estas interacciones son aún más complejas cuando la et-
nicidad pasa a ser una variable del análisis. La etnicidad es una entidad
relacional construida en el contexto de relaciones y conflictos intergrupa-
les. “La forma de contraste que caracteriza la naturaleza del grupo étnico
resulta de un proceso de confrontación y diferenciación” (LUVIZOTO, p.
32, 2009). En este contexto, el concepto de etnodesarrollo pasa a tener
un significado especial por el hecho de ser concebido como “la capaci-
dad autónoma de una sociedad culturalmente diferenciada para guiar su
propio desarrollo” (BONFIL, 1982, p. 142). En otras palabras, el etnode-
sarrollo constituye una relación de poder en que los grupos sociales que
luchan por el desarrollo de una cultura propia (etnias, regiones, pobla-
ciones) logran un reconocimiento político en el que se les permite tomar
decisiones.
Es por esto que la implementación de procesos de etnodesarrollo
experimenta una constante tensión entre la autonomía cultural del grupo
étnico frente al Estado nacional y la operativización de las diferentes for-

170 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

mas de integración del grupo a las estructuras de la economía nacional


e internacional. Generalmente cuando la economía neoliberal es domi-
nante, las prácticas de etnodesarrollo tienden a ser posicionadas como
prácticas alternativas de desarrollo (LITTLE, 2002). Para comprender
mejor el sentido de esas tensiones, se toma como caso de estudio un mu-
nicipio de la región del pacífico colombiano. Esta región está conformada
por cuatro departamentos y tiene una extensión de aproximadamente
130.000km2 (UNIVERSIDAD DEL ROSARIO, 2015). Específicamente, se
observa el municipio de Nuquí por ser un punto de altísima biodiversi-
dad, especies endémicas y un alto grado de conservación de los ecosiste-
mas. Además, en este territorio se han presentado algunos procesos de
desarrollo territorial con enfoque étnico.
De esta forma, el objetivo de este trabajo es reflexionar sobre la
construcción de identidad étnica de comunidades de afrocolombianas
habitantes del Pacífico Norte colombiano, con base en sus relaciones con
el territorio y la biodiversidad, teniendo en cuenta la actuación del Es-
tado hasta el 2018, a través de políticas que promovieron los derechos
culturales y territoriales de esta población, así como la protección de la
biodiversidad.
Se trata de una investigación bibliográfica con uso de datos secun-
darios y que parte de la observación de la política pública, para contex-
tualizar el escenario de las interacciones de ese grupo con el ecosistema
en que viven.

DERECHOS CULTURALES Y TERRITORIALES DE LAS


COMUNIDADES AFROCOLOMBIANAS

En 2005 las comunidades negras de Nuqui, localizadas en el Pacífi-


co Norte de Colombia, iniciaron un proceso de reivindicación con respe-
to al conocimiento local, documentando su historia, prácticas culturales,
económicas y la existencia de una cosmovisión que afirman estar en ‘ar-
monía’ con los ciclos vitales de la naturaleza. Este proceso resultó en la

171 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

elaboración del Plan de etnodesarrollo: visión de vida de las comunida-


des negras del Golfo de Tribugá 2007-2020, y algunos documentos su-
plementarios que recuperan datos de muchas investigaciones realizadas
sobre ellos, pero que a diferencia de este Plan de etnodesarrollo, tenían
vacíos al momento de reflejar su pensamiento, sentimiento y visión de
mundo. Algunas de esas pesquisas fueron consideradas interpretaciones
equivocadas que no respondían a los intereses y expectativas de las co-
munidades negras de este lugar (RISCALES, 2005).
Para pueblos que viven en estrecha interacción con el ambiente
cuyas formas de uso y apropiación generan conflictos que surgen de las
relaciones con el otro; la definición de la identidad del grupo se cons-
truye a partir de su visión de medio ambiente, así como de la relación
con los recursos que utilizan. De esta manera, se detecta ese perfil en las
comunidades afrodescendientes del caso de estudio porque la definición
de biodiversidad es ampliada e incluye también conceptos de territorio
y cultura.
Además, según investigadores de la región, en el Pacífico colombiano
se construyó una definición de biodiversidad donde el territorio, la etnici-
dad y la cultura se suman para construir el concepto de región-territorio:

El Pacífico colombiano es una región-territorio de grupos ét-


nicos, o sea, una unidad ecológica y cultural amalgamada por
prácticas cotidianas de las comunidades. La región-territorio
es una categoría de administración que está dirigida a la cons-
trucción de modelos alternativos de la vida y de la sociedad. Es
un intento de explicar la diversidad biológica desde el interior
de la lógica eco cultural del Pacífico […] es diseñada como una
construcción política que defiende los territorios y su sustenta-
bilidad (ESCOBAR, 1999, p.18).

Esta región-territorio es un espacio rico en recursos naturales que


posee un extensa e imponente selva húmeda tropical con acceso a re-
cursos de ecosistemas lóticos y entornos marinos en abundancia. En ese
sentido, además de la diversidad de especies o de ecosistemas están pre-
sentes las interacciones humanas y la diversidad cultural que esa biodi-
versidad sostiene para dichas comunidades.
172 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

En ese sentido, en el Pacífico colombiano se observa una clara cons-


trucción de territorio como una red cultural y biológica que no correspon-
de exclusivamente a una continuidad espacial, sino que a la construcción
de una identidad étnica y política. Es interesante que la construcción de
la identidad negra tiene una característica propia, ya que fue modelada a
partir de la experiencia indígena con el objetivo de simplificar su proceso
de inserción política dentro del modelo de Estado Nacional diverso y plu-
riétnico descrito en la Constitución colombiana de 1991 (ARRUTI, 2000;
ESCOBAR, 2010).
Es decir, en el caso colombiano, los derechos indígenas fueron de-
lineados primero, y como se ha mencionado, a partir de esa experiencia
se establecieron las bases de la negociación con las comunidades negras.

Las identidades étnicas negras fueron modeladas a partir de la


experiencia indígena, son relacionales y concebidas principal-
mente como distinta del otro euro-andino (blancos ou paisas24).
La construcción de la identidad negra como una herramienta
moderna, puede ser entendida como parte del proceso de nego-
ciación de un nuevo modo de inserción dentro de la vida nacio-
nal con el Estado y la sociedad en su conjunto (ESCOBAR, 2010,
p. 244).

En este contexto se identifica que la territorialidad fue demarcada


a partir de la identidad étnica y cultural, es decir, “el fenómeno territo-
rial también empieza a ser reconocido como producto de las relaciones
sociales de poder que se manifiestan en las acciones de los más variados
agentes sociales y no sólo como producto de la acción estatal” (COELHO
NETO, 2013, p.49). Así mismo, con los acuerdos internacionales de pro-
tección de la biodiversidad surgió en Colombia una política con enfoque
territorial y ambiental, que fue incorporada al modelo conceptual del Sis-
tema de Información Ambiental Territorial del Pacífico Colombiano (SIA-
T-PC). El concepto de ambiente para esa política sigue el modelo trípode
que considera que la biodiversidad es el resultado de la relación entre la
cultura, el territorio y el ambiente (Figura 1). Llama la atención que este
24 Paisas: comunidad blanca de noroeste de Colombia, tradicionalmente con po-
der económico, político y social.

173 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

concepto sea expresado como una fórmula matemática, dificultando el


análisis de la complejidad de estas relaciones.
Figura 1 – Fórmula para explicar la biodiversidad en la región Pacífica de Colombia.

Fonte: IIAP (2006)


Otros autores exponen más claramente la fuerza de las relaciones
entre territorio y diversidad cultural y biológica, así como igualmente los
activistas de los movimientos sociales étnico-territoriales negros e indí-
genas de la región. Para ellos la lucha por el territorio es la lucha más
vital: “sin territorio no hay cultura, no hay diferencia, no hay vida. Perder
su territorio es perder la identidad, la autonomía, el derecho a ser, pensar
y hacer…” (OSLENDER, 2007, p. 1925).
Por lo tanto, el territorio está asociado al concepto de poder. De
acuerdo con Rafestin: “el territorio […] es un espacio donde se proyectó
un trabajo ya sea energía o información, y que en consecuencia revela re-
laciones marcadas por poder” (p.92, 1993). Para las comunidades indíge-
nas y afrodescendientes, así como otras comunidades en América Latina,
durante la década de 1990 tuvieron el reconocimiento de su derecho a la
diferencia cultural (LITTLE, 2002) y desde entonces se empezó la lucha
por la reivindicación de sus territorios. Una lucha que aún continua pero
que define sus características como grupo social y étnico.
De acuerdo con el Ministerio de Ambiente y Desarrollo Sostenible
– MADS y el Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo – PNUD
(2014), el 30% del territorio colombiano es considerado como un terri-
torio colectivo con sistemas de gestión y gobernanza propios. Por otro
lado, estos son considerados territorios de gran importancia para la ges-
tión de la biodiversidad, tanto por la extensión como por la variedad de
ecosistemas que alcanza. “El total del 53% del territorio continental está
25 Este texto fue tomado del prólogo del libro, presentado por Arturo Escobar.

174 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

cubierto por bosques y de estas más del 50% está bajo control colectivo:
comunidades indígenas (45,4%), territorios colectivos de comunidades
afrodescendientes (7,3%), y campesinos (1,9%)” (MADS; PNUD, 2014, p.
12).
Para comprender un poco más este escenario, se examinan las ac-
ciones y respuestas del poder público hasta agosto de 2018 en búsqueda
de atender a las exigencias de estos grupos, así como de las agencias de
protección ambiental. Este documento no propone un análisis exhausti-
vo de estas acciones, pero trae una visión amplia de las macro políticas
que involucran la región del Pacífico.

LAS POLÍTICAS AMBIENTALES Y EL MODELO DE


DESARROLLO PARA EL PACÍFICO COLOMBIANO

Para las comunidades afrodescendientes del Pacífico colombiano


este proceso empezó con el Proyecto BioPacífico (una iniciativa del go-
bierno colombiano financiada por el Fondo Mundial para el Medio Am-
biente y administrada por el PNUD en la década de los 90), y con la Ley
70 de 1993. El Proyecto BioPacífico estaba basado en la idea de que el
valor ganado por la biodiversidad reflejaba la cosmovisión de cada cultu-
ra y los sistemas de control social de la intervención antrópica del medio
ambiente (CASAS, 1994). El proyecto partió de premisas tales como:
1. La biodiversidad es un bien público, patrimonio nacional y de in-
terés para la humanidad, motivo por el cual se debe proteger prio-
ritariamente y aprovecharla de manera sostenible (Ibidem, 1994).
2. Las comunidades localizadas en el territorio del Chocó Biogeo-
gráfico26 históricamente ha mantenido una relación armónica con
el medio ambiente, permitiendo conservar y utilizar de manera
sostenible los recursos naturales (Ibidem, 1994).
26 De acuerdo con Casas (1994), el proyecto define el Chocó Biogeográfico como
una región que comprende el límite oeste de la Cordillera Occidental de los Andes y las
tierras bajas del litoral del Pacífico.

175 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Tales hipótesis instituyeron el modelo de desarrollo que surgió de


una estrecha relación entre las comunidades afrocolombianas y la natu-
raleza, entendiéndolo como una expresión de su cultura, de su identidad
y hasta de su sujeto político (RESTREPO, 1999).
En el año 2001 fue publicada la Agenda Pacífico XXI, enmarcada
dentro del Proyecto BioPacífico y en estrecha relación con la Agenda XXI
Global, con la intención de reflexionar acerca de la visión de desarrollo
de los grupos étnicos y con el objetivo de presentar un proyecto regional
formulado desde lo local.
Esta Agenda fue concebida en un momento en que el conflicto ar-
mado, el narcotráfico, y el desplazamiento forzado era una realidad inmi-
nente en las comunidades étnicas. Además, los indicadores sociales para
el Estado eran alarmante y se reportaban altos indicadores de pobreza
y degradación acelerada de los ecosistemas (IIAP; MADS; PNUD, 2001).
De acuerdo con Fonseca (2007), los programas y estrategias de la
Agenda Pacífico XXI con enfoque ambiental son:
• Programa de reconocimiento de los derechos de los grupos ét-
nicos sobre la propiedad y acceso a los recursos;
• Investigación sobre las dinámicas y estructuras de los ecosiste-
mas existentes;
• Programa de gestión integrada de los recursos forestales con
énfasis en los territorios colectivos;
• Programa de ordenamiento de cuencas hidrográficas y gestión
del agua;
• Programa de valoración y desarrollo bio empresarial basado en
la oferta natural;
• Programa pala la implementación de iniciativas MDL (Mecanis-
mo de Desarrollo Limpio) en el Pacífico;
• Programa de Mercados Verdes.
Esta propuesta a pesar de incluir la participación de las comuni-

176 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

dades étnicas, todavía parece centrarse en una evaluación ambiental de


la zona con el objetivo de encontrar alternativas ‘limpias’ de producción
que puedan ser incorporadas al mercado nacional e internacional, sin
articular de manera contundente el etnodesarrollo y la conservación o
recuperación de los ecosistemas.
Por otro lado, tomando en cuenta la necesidad de una reorientaci-
ón en el abordaje de administración del territorio, su biodiversidad y los
Servicios Ecosistémicos – SE, con el foco en la relación de los SE con la
calidad de vida y desarrollo fue formulada una Política Nacional de Gesti-
ón Integral de la Biodiversidad y sus Servicios Ecosistémicos (PNGIBSE)
2012-2020 (MADS; PNUD, 2014). Esta política establece el marco con-
ceptual y estratégico para otros instrumentos ambientales como normas,
planes, programas y proyectos para la gestión de la biodiversidad a nivel
nacional que va a ser tratada después de una forma más detallada.
La PNGIBSE entiende el ser humano como una fuerza mayor que
determina la dinámica de los ecosistemas para degradarlos o conser-
varlos (MADS; PNUD, 2014). La visión de esta política se articula con el
Plan Nacional Estratégico para la Diversidad 2011-2020 y sus ejes temá-
ticos fueron las bases para su construcción. Estos ejes son (MADS; PNUD,
2014):
1. Biodiversidad, conservación y cuidado de la naturaleza;
2. Biodiversidad, gobernanza y creación de valor público;
3. Biodiversidad, desarrollo económico, competitividad y calidad
de vida;
4. Biodiversidad, gestión del conocimiento, tecnología e informa-
ción;
5. Biodiversidad, gestión de riesgo y suministro de servicios eco-
sistémicos;
6. Biodiversidad, corresponsabilidad y compromisos globales.
Se destaca que en el primer eje temático hay una orientación espe-
cífica para la protección y reducción de captura accidental de tortugas

177 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

marinas en líneas de anzuelo en la Costa del Pacífico. Asimismo, en el eje


dos se propone tener insumos para la gestión de la protección del conoci-
miento tradicional asociado a la biodiversidad, así como la construcción
de agendas ambientales con pueblos indígenas, comunidades negras,
afrocolombianas y locales (MADS; PNUD, 2014). Esto es relevante por-
que este instrumento expone el escaso reconocimiento de los saberes
tradicionales que se diferencian del saber científico como fuentes válidas
de conocimiento, que permiten aportar acciones locales de planificación
territorial, conservación de la biodiversidad y sus servicios ecosistémi-
cos (MADS, 2012).
La ausencia de un reconocimiento más explícito con respeto al co-
nocimiento tradicional en la PNGIBSE permite inferir que existe un vacío
entre el conocimiento tradicional y el conocimiento científico, aunque las
propuestas del Plan de Desarrollo Nacional para la región sean promete-
doras en torno al objetivo de gestión para la región del Pacífico orientado
para el “desarrollo socio económico con equidad, integración y sostenibi-
lidad ambiental” (PND, 2015, p. 1).
Los principales ecosistemas protegidos en el área del estudio es-
tán localizados en el Programa Mosaicos de conservación27 que define
ese espacio como el único lugar de la región del Pacífico colombiano,
en donde convergen corales, manglares y bosques tropicales húmedos
en un área relativamente pequeña, pero con alta biodiversidad vegetal
y animal. Una de las regiones biológicas más importantes del país y en
buen estado de conservación que garantiza la conexión entre los ecosis-
temas (VARGAS, 2007), considerada como hot spot mundial, lo que indica
su relevante biodiversidad, un gran número de especies endémicas y la
vulnerabilidad impuesta por acciones antrópicas (MYERS, 2000). En ese
sentido, se puede decir que hace parte de la lista de áreas prioritarias
para la conservación mundial.

27 Estrategia de gestión de la conservación orientada hacia la articulación y complemen-


tariedad de la conservación en áreas del Sistema de Parques Nacionales Naturales con distintas
formas de manejo de los territorios circundantes. Esta iniciativa estuvo encuadrada en el Proyec-
to GEF (Fundo para el Medio Ambiente Mundial).

178 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

LOS SERVICIOS ECOSISTÉMICOS Y MILLENIUM


ECOSSYSTEM ASSESSEMENT – MEA

El concepto de servicios ecosistémicos es entendido como los be-


neficios que las personas obtienen a partir de ellos (MEA, 2005) y no
necesariamente tienen un valor monetario asociado (ARIAS-ARÉVALO
et al., 2007; MARTÍN-LÓPEZ; MONTES, 2011). Es un concepto útil para
entender las dinámicas de los sistemas socio-ecológicos. Además, ese
concepto ayuda a comprender mejor porque los daños sufridos sobre los
ecosistemas están alterando su capacidad de ofrecer servicios ecosisté-
micos con considerables consecuencias económicas y sociales (KOSMUS;
RENNER; ULLRICH, 2012). En este trabajo, las funciones ecosistémicas
son definidas como la capacidad de los procesos y estructuras naturales
para suministrar productos y servicios que hagan frente a las necesida-
des humanas, ya sea directa o indirectamente (GROOT; WILSON; BOU-
MANS, 2002).
El sistema denominado Millenium Ecossystem Assessement - MEA
identificó cuatro grandes categorías de servicios ecosistémicos: soporte,
abastecimiento, regulación y cultural (Figura 2, lado izquierdo). Cada una
de ellas está dividida en subcategorías que indican más específicamente
el tipo de beneficio que se puede obtener de los diferentes ecosistemas.
La UK National Ecosystem Assessment (2012) afirma que estos grandes
grupos han sido cada vez más aceptados como categorías de análisis en
las evaluaciones sobre servicios ecosistémicos. Esas categorías son las
más utilizadas, pero es posible encontrar autores que propongan altera-
ciones a esa clasificación y otros organismos solo consideren tres catego-
rías (PARRON et al, 2015).
Además de las cuatro categorías de servicios, la evaluación propone
que existen conexiones entre las categorías y los componentes del bie-
nestar humano, o sea, entre la seguridad, salud, las buenas relaciones
sociales y la libertad de elección y acción (Figura 2, lado derecho)

179 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 2 – Relación entre los servicios ecosistémicos y el Bienestar Humano.

Fonte: Adaptado de MEA, 2005

Así, el bienestar entendido como la presencia en las comunidades


de estos cinco factores presentados en la Figura 2, puede ser afectado por
cambios en los servicios ecosistémicos, “las relaciones entre el bienestar
y los servicios ecosistémicos son complejas y no lineares” (ANDRADE;
ROMEIRO, 2009, p. 17). Por ejemplo, cuando el servicio ecosistémico es

180 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

relativamente escaso, una disminución en su flujo puede reducir subs-


tancialmente el bienestar (ANDRADE; ROMEIRO, 2009).
La Figura 2 demuestra las fuerzas de estas relaciones e incluye in-
dicaciones sobre hasta que punto los factores socioeconómicos pueden
mediarlas. El potencial y la fuerza de mediación difieren según los tipos
de ecosistemas y las regiones (MEA, 2005). Además, otros factores – in-
cluyendo factores ambientales, sociales, tecnológicos y culturales – han
influenciado el bienestar humano. Por ello, esta relación es recíproca y
los ecosistemas a su vez son afectados por las alteraciones en este con-
junto de prácticas (MEA, 2005).
Igualmente, la evaluación identifica que hay factores directos e in-
directos que generan cambios en los ecosistemas, siendo necesario estra-
tegias que atiendan a diferentes niveles (global, regional, local) y que in-
cluyan intervenciones a corto y largo plazo (Figura 2) (MEA, p. vii, 2005):

Los cambios en los factores que indirectamente afectan a la bio-


diversidad, entre ellos la población, tecnología y estilo de vida
(parte superior derecha), pueden implicar cambios en los facto-
res que afectan directamente la biodiversidad, entre ellos la pes-
ca y la aplicación de fertilizantes (parte inferior derecha). Eso
resulta en cambios en los ecosistemas y en los servicios que se
ofrecen (Parte inferior izquierda), afectando así el bienestar hu-
mano. Esas interacciones pueden ocurrir en más de una escala
y pueden también atravesar escalas. Por ejemplo, una demanda
internacional por madera puede llevar a una pérdida regional
en la cobertura forestal, lo que aumenta la magnitud de las inun-
daciones en la parte específica de un río. De manera similar, las
interacciones pueden ocurrir a lo largo de diferentes escalas de
tiempo. Diferentes estrategias e intervenciones pueden ser apli-
cadas en muchos puntos de esa estructura, con el fin de asegu-
rar el bienestar humano y conservar los ecosistemas.

De ese modo, los servicios ecosistémicos son generados en espa-


cios y escalas temporales diversas y beneficia grupos humanos específi-
cos en diferentes territorios, con intereses económicos, sociales y cultu-
rales diferentes. Por eso es importante entender las particularidades del

181 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

territorio y las dinámicas ecológicas y sociales que lo diferencian (MADS;


PNUD, 2014).

LAS COMUNIDADES AFRODESCENDIENTES Y LOS


SERVICIOS SISTÉMICOS (MEA)

Una muestra de la utilización de las categorías de clasificación de


los SE aplicada en las comunidades afrodescendientes puede ser encon-
trada en el V Informe sobre Biodiversidad para la Convención de Diversi-
dad Biológica (2014).
Este informe identifica algunos ejemplos de SE (clasificado de
acuerdo con la MEA, 2005) asociados al modo de vida local en Colombia
y su relevancia en las cinco ecorregiones del país. Aunque el uso de la me-
todología MEA haya proporcionado una evaluación amplia, considerando
varios grupos poblacionales con énfasis en los indígenas, es importan-
te tener en cuenta que su metodología tuvo que ser adaptada para re-
presentar las necesidades e intereses de las comunidades locales (MEA,
2005). La Figura 3 presenta los datos para la ecorregión marino costera
y poblaciones locales.

182 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Figura 3 – Servicios ecosistémicos asociados


a algunos modos de vida de las comunidades, p. vii 00

Regulación
Turismo con
climática e
base en la
hidrológica;
belleza
Formación de control de
Madera; escénica y
suelo y erosión y
leña; procesos
retención de remociones en
Colonos productos ecológicos
humedad; masa;
campesinos no (p.eje.
ciclado de protección
maderables migraciones
nutrientes; frente al
del bosque; de
Chocó polinización aumento del
mamíferos
(Pacifico) nivel del mar
acuáticos y
con base en el
reptiles)
manglar
Formación de
Identidad
suelo y Proteína a
Regulación cultural
retención de partir de
Comunidades climática con asociada a la
humedad; especies
indígenas base en el dinámica del
ciclado de pesqueras;
bosque bosque
nutrientes; agua
húmedo
polinización
Fonte: Adaptado do V Informe sobre Biodiversidad para la
Convención de Diversidad Biológica de Colombia, 2014.

183 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

Esta diferenciación, aún incipiente, permitió identificar para las


comunidades afrodescendientes de la Costa del Pacifico colombiano los
siguientes servicios:
• Servicio de soporte: hábitat para especímenes pesqueras y pro-
ducción del suelo para agricultura;
• Servicio de regulación: regulación climática e hidrológica, con-
trol de erosión y remoción en masa, protección frente al aumen-
to del nivel del mar basado en el manglar;
• Servicio de abastecimiento: proteína a partir de especímenes
pesqueras y agua;
• Servicio cultural turismo basado en la belleza del paisaje y pro-
cesos ecológicos como la migración de mamíferos acuáticos y
reptiles.
Aquí, es importante revisar el concepto de “trade-off” o los llama-
dos conflictos de interés (CUNHA et al., 2011). Por que nos permite com-
prender que la diversidad de intereses de las partes involucradas para
promover uno u otro servicio, genera conflictos sociales ya que, como ha
sido indicado, la promoción de un servicio es realizada en detrimento de
otros (MARTÍN-LÓPEZ; MONTES, 2011).

CONCLUSIÓN

Por todo lo expuesto anteriormente, existe gran complejidad en la


comprensión de los servicios de los ecosistemas en esta región-territorio:
por una parte son bienes público-privado, en tanto cumplen una función
dentro la dinámica de los ecosistemas y al mismo tiempo, se relacionan
con los sistemas sociales, étnicos y políticos que definen a estos grupos.
Además, los sistemas de gobernanza, mercados, el uso informal de
la tierra y otros formas de utilizar y beneficiarse de los sistemas ecoló-
gicos plantean dinámicas e interactúan con las diferentes categorías de

184 [Sumário]
Relações entre universidades e comunidades:
o circuito da dádiva e a sustentabilidade dos territórios

beneficios, exigiendo diversas respuestas sociales para cada categoría.


(FISHER; TURNER; MORLING, 2009).
Por ello, queda abierto un reto para la comunidad, para los formula-
dores de política pública, los promotores del etnodesarrollo sobre cómo
mantener una cosmovisión que es importante en términos culturales y
ambientales pero que rápidamente, se transforma por la influencia del
modelo neoliberal dominante. Modelo que también marginaliza y esta-
blece estas visiones como formas “alternativas” de desarrollo pero que
difícilmente se viabilizan en las estructuras económicas de este Estado.
Es por esto que se sugiere crear incentivos (monetarios y no mo-
netarios) para que las prácticas tradicionales sean de interés para las
actuales y las nuevas generaciones, apoyando a los proyectos de vida co-
munitarios e individuales en los cuales las prácticas tradicionales sean
viables en el contexto actual, valorándolas o en otras palabras resignifi-
car el sentido de ’ tener éxito en la vida’. Para esto, la articulación de los
actores presentes en la zona de estudio es esencial: se hace urgente que
los actores del desarrollo dialoguen y cuestionen los actuales parámetros
de desarrollo, que en la teoría ofrecen una alternativa sostenible pero en
la praxis, resultan insuficientes.

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SOBRE OS AUTORES

ALÍCIA FERREIRA GONÇALVES

Professora Associada do Departamento de Ciências Sociais Uni-


versidade Federal da Paraíba (UFPB) e atua no Programa de Pós-Gra-
duação em Antropologia (PPGA). Pós doutorado em antropologia social
- Ciesa/MX, na área de Antropologia, Itinerários Intelectuais e Etnogra-
fia dos saberes. Coordenadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa
em Cultura, Sociedade e Ambiente (GIPCSA) vinculado ao PPGA/UFPB.
Contato: aliciafg1@gmail.com

ANA VIRGINIA MOREIRA GOMES

Ana Virginia Moreira Gomes é professora do Programa de Pós-


-Graduação em Direito Constitucional e do Curso de Direito da Uni-
versidade de Fortaleza. Possui graduação em Direito pela Univer-
sidade Federal do Ceará (1994), LL.M na Faculdade de Direito da
University of Toronto (2009), doutorado em Direito pela Universidade
de São Paulo (2000) e Pós-Doutorado na School of Industrial and Labor
Relations da Cornell University (2007). Coordena o Núcleo de Estudos
em Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidade de Fortaleza.
Contato: avmgomes@gmail.com

DENISE DIAS DA CRUZ

Professora Associada do Departamento de Sistemática e Ecologia


da Universidade Federal da Paraíba. Possui graduação em Ciências Bio-
lógicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e dou-

190 [Sumário]
torado em Ecologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós
doutora pelo Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Docente no Programa no Pós Graduação (Prodema - Progra-
ma Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente).
Contato: denidcruz@dse.ufpb.br

EMERSON LOPES BARBOSA.

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Ba-


charel em Comunicação em Mídias Digitais na UFPB, é bacharelando do
Curso de Gestão da Tecnologia Educacional na UNIASSELVI. Membro da
Rede Educomunicadores do Nordeste (EDUCOMNE) e Sócio da Asso-
ciação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação
(ABPEDUCOM). Pesquisador com interesses em Educomunicação, Midio-
logia, Ciberpolítica e Cibercultura. Contato: elkarkaroff@gmail.com

GIVANILTON DE ARAÚJO BARBOSA

Mestre em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação


em Antropologia (PPGA), Licenciado em Ciências Sociais com apro-
fundamento em Antropologia (2017); é membro do Grupo Interdis-
ciplinar de Pesquisa em Cultura, Sociedade e Ambiente vinculado ao
PPGA/CNPq todos pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Atual-
mente dedica-se a pesquisa de mestrado em estudos, pesquisa e ex-
tensão em antropologia sobre Fotoetnografia: usos de fotografias na
investigação antropológica, a fotografia na história da antropologia,
Imagem e memória de atingidos por barragem para políticas sociais.
Contato: givaniltonbarbosa@gmail.com

191 [Sumário]
GLAUCO MACHADO

Doutorando em Antropologia pelo PPGA/UFPB. Formado em


de Arte e Mídia (UFCG) e mestre em Antropologia (UFPE), atua no
Laboratório de Antropologia Visual da UFPB – ARANDU e como fo-
tógrafo e professor de fotografia na Faculdade Reinaldo Ramos,
Contato: glaucomachadofotografia@gmail.com

HUMBERTO BISMARK SILVA DANTAS [TAPUYA-TARAIRIÚ]

Indígena Tapuya-Tarairiú, membro do Conselho Indígena dos Ka-


riris Velhos da Paraíba. Graduando em Licenciatura em Ciências Sociais
pela UFPB. Pesquisador do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultu-
ra, Sociedade e Ambiente (GIPCSA/PPGAntropologia/UFPB) desde 2017.
Contato: humbertobsdantas@gmail.com

IVYS MEDEIROS DA COSTA

Doutora e Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pelo Pro-


grama de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Uni-
versidade Federal da Paraíba (PRODEMA/UFPB). Graduada em Direito
pela UFPB. Professora do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPE).
Contato: ivysmedeiros10@gmail.com

JAQUELINE FELIX DOS SANTOS [POTIGUARA]

Indígena Potiguara, graduada em Ecologia/UFPB e es-


tudante de graduação em Antropologia/UFPB Campus IV.
Contato: iaguaranaro.potiguara@gmail.com

192 [Sumário]
JOÃO MARTINHO BRAGA DE MENDONÇA

Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba nos cursos


de graduação e pós-graduação em Antropologia; graduação em Ciências
Sociais/Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas/Unicamp,
mestrado em Multimeios/Antropologia Visual/Unicamp e doutorado em
Multimeios/Antropologia Visual/Unicamp. Coordenador do grupo de
pesquisa AVAEDOC (Antropologia Visual, Artes, Etnografias e Documen-
tários), desenvolve pesquisas com acervos de imagens e memória oral/
visual. Contato: bragamix@gmail.com

LAURA VICTORIA LOZADA ORDONEZ

Nacionalidade colombiana com graduação em Ciência Política e


Governo da Universidad del Rosario (Colombia). Especialista em Res-
ponsabilidade Social Empresarial da Universidad Externado (Colombia)
Mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA/UFPB). Expe-
riência em consultoria, formação e investigação em responsabilidade so-
cial empresarial. Contato: lalozada@gmail.com

MARIA ELENA MARTÍNEZ-TORRES

Nacionalidade mexicana com Licenciatura em Geografía na Uni-


versidad Nacional Autónoma de México – UNAM, 1994. Pós-doutorado
no Center for the Study of the Americas (CENSA, Berkeley, USA: 2005).
Doutorado em Estudios Latinoamericanos pela Universidad de California
de Berkeley, 2003. Atualmente é Investigadora/Professora no Centro de
Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social - Unidad
Regional Sureste (CIESAS-Sureste) e professora visitante na Universida-
de Federal da Paraíba (UFPB), onde investiga os povos indígenas do Nor-
deste do Brasil. Contato: martineztorres@ciesas.edu.mx

193 [Sumário]
MÁRCIA MARIA TAIT LIMA

Pós-doutoranda bolsista PNPD/Capes no Departamento de Po-


lítica Científica e Tecnológica e Professora do Mestrado em Divulgação
Científica e Cultural da Unicamp. Doutora em Política Científica e Tecno-
lógica (DPCT/Unicamp) com estágio no exterior (bolsa BEPE/FAPESP)
na Cátedra de Estudos de Gênero da Universidade de Valladolid-Espa-
nha com o tema gênero, meio ambiente e ecofeminismo. e Pós-doutora
em Filosofia (FFLCH/USP). Mestra em Política Científica e Tecnológica
(DPCT/Unicamp); Graduada em Comunicação Social (Unesp) e espe-
cialização em Jornalismo Científico e Editoração eletrônica/Unicamp.
Contato: marcia.tait@gmail.com

MARISTELA OLIVEIRA DE ANDRADE

Professora Titular (aposentada) Universidade Federal da Paraí-


ba; graduação em Psicologia - Universidade Católica de Pernambuco;
especialização em antropologia cultural UFPE e doutorado em Études
Latino-Américains - anthropossociologie des religions- IHEAL - Univer-
sité de Paris III (Sorbonne-Nouvelle). professora voluntária dos pro-
gramas de pós-graduação em Antropologia e em Desenvolvimento e
Meio Ambiente. Coordenadora adjunta do Gipcsa e integrante da Rede
de Pesquisa em Turismo Religioso no Nordeste Brasileiro -REPETUR
Contato: andrademaristela@hotmail.com

MELBA GODOY

Graduanda em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba


(UFPB). Voluntária PROBEX 2020 e Bolsista PIBIC/CNPq 2020; Integran-
te do grupo de pesquisa de Antropologia Visual, Artes, Etnografias e Do-
cumentários (AVAEDOC) vinculado ao Arandu Laboratório – Campus IV.
Contato: melbagodoi@gmail.com

194 [Sumário]
ORLANDO DE CAVALCANTI VILLAR FILHO

Professor Associado do Departamento de Engenharia Civil e Am-


biental do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba. Dou-
torado em Arquitetura e Urbanismo pela UFBA; mestrado em Engenharia
Civil pela Universidade Federal da Paraíba (Campus Campina Grande);
especialização em Gerenciamento da Construção Civil - (USP); graduação
em engenharia civil pela Universidade Federal da Paraíba; Foi Vice-Di-
retor e Diretor do Centro de Tecnologia/UFPB. Foi presidente da SCIEN-
TEC, Associação para o desenvolvimento da Ciência e da Tecnologia.
Participou da criação do Curso de Graduação em Engenharia Ambiental.
Membro Titular Fundador e Ex-Vice-Presidente da Academia Paraibana
de Engenharia (APENGE). Foi Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comu-
nitários da UFPB (2012-2020). Contato: villarorlando@hotmail.com

PALLOMA DAMASCENA MORAIS

Mestra pelo Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvi-


mento e Meio Ambiente- Universidade Federal da Paraíba- UFPB, e gra-
duada em Engenharia Ambiental também pela UFPB. Além disso, pos-
sui o técnico em Controle Ambiental pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia da Paraíba- IFPB. Realizou intercâmbio no Institu-
te of Technology Tralee (ITT) na Irlanda, no período de outubro/2013
até janeiro/2015 e fez parte do Programa de Coleta Seletiva Solidária e
Compostagem da Comissão de Gestão Ambiental do campus I da UFPB.
Contato: pallomamorais92@hotmail.com

PATRÍCIA MORAIS DE AZEVEDO

Professora do Departamento de Comunicação da UFPB; Douto-


ra pelo Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento e Meio Am-
biente - PRODEMA/UFPB e Mestre em Sociologia pela Universidade
Federal da Paraíba. Possui graduação em Comunicação Social com ha-

195 [Sumário]
bilitação em Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba.
Contato: patriciamoraisrp@gmail.com

SILVANO ABADE

Graduando em Antropologia pela Universidade Federal da Pa-


raíba (UFPB); bolsista PROBEX 2019 e integrante do grupo de pes-
quisa de Antropologia Visual, Artes, Etnografias e Documentá-
rios (AVAEDOC) vinculado ao Arandu Laboratório – Campus IV.
Contato: silvanoabade1@gmail.com

TARCÍSIO VALÉRIO DA COSTA (IN MEMORIAM)

Economista da Pró Reitoria de Extensão/UFPB. Mestre do PRODE-


MA – UFPB. Diretor Executivo do Grupo Especializado em Tecnologia e
Extensão Comunitária - GETEC (ONG). Membro da Rede Paraibana de
Educação Ambiental e da Comissão de Gestão Ambiental/UFPB. Em 18
de abril de 2021, Tarcísio veio fazer parte das mais de 373 mil vítimas
fatais da Covid-19 no Brasil.

196 [Sumário]

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