Poliamor
Poliamor
Poliamor
Resumo: Este artigo tem como principal proposta discutir, sob a ótica psicanalítica, o
poliamor e suas implicações com o fenômeno do Não-Todo de Jacques-Alain Miller. A
partir da personagem Dona Flor, de Jorge Amado, objetiva-se discutir a falta da Lei e a
necessidade do gozo como um sintoma da contemporaneidade.
Palavras-chave: Gozo. Poliamor. Não-todo. Lei.
1 Docente das Faculdades Decisão e Borges de Mendonça (Florianópolis, SC), mestre em Letras pela
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI/FW), doutoranda do Programa de Pós-
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dos arranjos familiares vem cedendo espaço ao poliamor, cuja proposta firma-se na liberdade e na busca da
felicidade dentro do relacionamento. Disponível em: < http://www.independent.co.uk/life-style/health-and-
families/health-news/monogamy-is-outdated-according-to-controversial-bbc-investigation-8773477.html>.
ZANON, Suzana Raquel Bisognin. Poliamor: o não-todo e a inconsistência da lei. Revista Científica Ciência em
Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
Diante disso, chama-nos a atenção o que Ernesto Sinatra (2013) argumenta sobre
a sociedade globalizada como sintoma da época moderna. As variações dos discursos e
das práticas cotidianas, bem como as batalhas de gênero, compõem a produção
sintomática proferida pelo psicanalista argentino. Com base nessa afirmação, faz-se
importante destacar que os estudos de Sinatra têm como fundamento o que Jacques-
Alain Miller fala a respeito de um Não-Todo3 (queda da Lei) que rege o contemporâneo.
Para ele, a feminização do mundo ganha um espaço e desconstrói os princípios
masculinos da civilização, as posições se invertem e a tradicionalidade se enfraquece.
Há, para Miller, uma reorganização social:
3
Em "Intuições Milanesas II", Miller fala que a máquina social contemporânea é o não-todo. Para ele, a
organização da sociedade está pautada no mito do Pai, que pressupõe a Lei que rege as coisas. A estrutura do
Todo cedeu espaço a do não-todo, que comporta a inexistência das barreiras que estejam na posição do
interdito. Neste estudo, Miller sustenta que: “O interdito parece estar em contradição com o movimento do
não-todo” (2011, p. 10).
4
Entrevista realizada por Hanna Waar e publicada na Psychologies Magazine de outubro 2008 (n° 278).
Tradução de Maria do Carmo Dias Batista. Disponível em:
<http://lisandronogueira.com.br/2014/06/17/entrevista-de-jacques-alain-miller-a-psychologies-para-amar-
e-necessario-reconhecer-que-se-tem-necessidade-do-outro/>.
5
Nos estudos psicanalíticos, foi Sigmund Freud quem propôs o conceito de sublimação em seus escritos Moral
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civilizada e doença nervosa moderna. Para a psicanálise, a sublimação tem origem na pulsão sexual, cujos
instintos sexuais colocam “à disposição da atividade civilizada uma extraordinária quantidade de energia, em
virtude de uma singular e marcante característica: sua capacidade de deslocar seus objetivos sem restringir
consideravelmente a sua intensidade” (FREUD, 2006, p. 100). A definição de sublimação parte dessa dinâmica
Página
proposta por Freud, que complementa, dizendo que: “A essa capacidade de trocar seu objetivo sexual original
por outro, não mais sexual, mas psiquicamente relacionado com o primeiro, chama-se capacidade de
sublimação” (FREUD, 2006, p. 100).
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Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
às leis de um Estado movido pelo preconceito. O poliamor faz parte dessa problemática,
pois é “o único relacionamento que afirma ser possível e preferível que todos amem a
mais de uma pessoa ao mesmo tempo” (PILÃO; GOLDEMBERG, 2012, p. 68).
Tendo em vista que a protagonista de Jorge Amado problematiza o projeto
familiar em decadência e sugere o estudo de novos arranjos, salienta-se que os modelos
tradicionais da família vêm sendo substituídos por um novo desenho social que prioriza
a satisfação como um interesse constante, ainda que em meio à resistência sociopolítica
e da igreja. Comentando sobre a legalização do matrimônio igualitário (aprovado em
2010 na Argentina), Sinatra pontua que
6 Em sua Tese de doutoramento, Marise Soares Corrêa argumenta sobre a conduta patriarcal no casamento,
pontuando que: “Assim, deve-se comentar também que a família brasileira guardou as marcas de suas origens:
da família romana, a autoridade do chefe de família; e da medieval, o caráter sacramental do casamento. Desta
maneira, a submissão da esposa e dos filhos ao marido, ao tornar o homem o chefe de família — que, fincada
Página
na tradição, vem resistindo, na prática, a recente igualdade legal que nem a força da Constituição conseguiu
sepultar — encontra a sua origem no poder despótico do pater famílias romano. Ainda, o caráter sacramental
do casamento advém do Concílio de Trento, do século XVI” (CORRÊA, 2009).
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Nessa abordagem, o gozo se apresenta como uma obrigatoriedade e, não mais,
objeto de renuncia. Ao debruçar seus estudos sobre a implosão do gênero, Sinatra
reforça os estudos de Freud sobre o texto O mal-estar da civilização (1974). Tal texto é
pautado na renúncia ao gozo, em uma civilização regida pela obediência paternalista, ou
seja, não se pode gozar, já que o castigo e a culpa seriam resultados disso. Nessa época,
defendia-se a indissolubilidade da legitimidade monogâmica, bem como da existência
do amor como fenômeno operante da continuidade da família. O catolicismo, assentado
na ética cristã da Igreja, pregava o culto ao “não gozo”, já que se “devias deixar de
gozar”. Ao relacionar com o atual contexto, no século XXI, Sinatra pontua o fenômeno
do gozo como um objeto renovado, que busca as diversas formas de realização, como
bem diz o estudioso: “o imperativo da civilização atual tornou-se 'deves gozar!', numa
época em que se sabe demasiadamente da inexistência da relação sexual” (SINATRA,
2013, p. 16). Sinatra ainda comenta sobre a implosão de gêneros variantes como gays,
lésbicas e transexuais que aparecem como transgressores de um sistema sociopolítico
que se enraíza na discriminação de minorias sexuais, ridicularizando e desestabilizando
um “formato” familiar legitimado pelo Direito e pela Igreja Católica, que define o
demônio como encorajador do desvio dos dogmas que coadunam a legitimidade da
família e da relação heterossexual. Comentando sobre as restrições impostas pela
civilização quanto à constituição dos relacionamentos, Freud argumentava que
do possível” (VIGANO, 2010, p. 67). Este declínio da lei se faz presente desde Ema à
Dona Flor, já que elas se configuram nos romances como protagonistas de
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É nessa conjuntura que se pode discutir a constituição familiar sob uma ótica que
rejeita as estruturas antigas, as quais estão sendo superadas por atuais modelos que
agenciam um novo modus vivendi que vem a triunfar e se enraíza nas comunidades
contemporâneas. Há, nesse sentido, a contestação da união conjugal apenas entre
homem e mulher, fato que sinaliza a recusa a modelos tradicionais.
Se antes, a família poderia ser considerada a “célula germinal da civilização”,
segundo o posicionamento de Freud, hoje ela é um projeto que descontrói a autoridade
paternalista e questiona uma nova ordem. São as necessidades do sujeito
contemporâneo que demarcam tais injunções. Em Dona Flor, nota-se a necessidade de
buscar a satisfação sexual que não encontra no segundo casamento, e é sob este terreno
que propomos a discussão da vitalidade da família no mundo contemporâneo e as
formas de estabelecimento de poder dentro delas. Nosso objeto de estudo configura a
queda da lei e a necessidade de ir contra ela. Neste sentido, Paul-Henri e Marie-José
Lauwe enaltecem que
[...] a família nada perdeu de sua importância, do seu vigor, da sua vitalidade, mas atravessa
uma fase de completa transformação. Ignorá-lo seria condená-la a novas desilusões.
Reconhecê-lo pode abrir-lhe horizontes ilimitados e contribuir para uma transformação do
conjunto das estruturas sociais, que mais largamente corresponda às necessidades dos
homens (LAUWE, 2014).
confie em um Deus, o qual configura o medo das consequências da infração daquilo que
se considera proibido.
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Neste contexto, Sinatra discute a teoria do Não-Todo de Jacques-Alain Miller, a
qual pontua a inoperância de um elemento de controle na sociedade contemporânea.
Para ele,
Eu sou o marido da pobre dona Flor, aquele que vai acordar tua ânsia e morder teu desejo,
escondidos no fundo de teu ser, de teu recato. Ele é o marido da senhora dona Flor, cuida de
tua virtude, de tua honra, de teu respeito humano. […] Somos teus dois maridos, tuas duas
faces, teu sim, teu não (AMADO, 2008, p. 537).
O recato de Flor vai além das aparências, uma vez que ele esconde o desejo por
Vadinho. Para ser completa, a protagonista precisa dos dois e é isso que nos faz pensar
7
"Miller conclui que a estrutura da globalização não obedece à configuração tradicional das sociedades
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tradicionais, mas é afetada pela remoção da exceção. Isso tem uma consequência precisa: o deslocamento até o
Outro lado das fórmulas da sexuação, o Não-Todo,com o que caracterizamos o feminino. Deve se notar que
estas fórmulas indicam, para Lacan, lugares de inscrição dos corpos, e não, necessariamente, distribuição de
homens e mulheres. Se trata de escolhas inconscientes de sexo que operam para cada sujeito. Na ausência do
Página
Todo-Unificante, que sempre mostra a sua inconsistência: proliferam micro-totalidades, sistemas abertos de
configuração social - tribos urbanas, por exemplo - compostos por indivíduos que se agrupam a partir de uma
coalescência de saber e de tentativa fazer reconhecer suas formas de gozar" (Tradução minha).
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no Não-todo como operante nessa circunstância, já que ela não tem domínio de seu
desejo e não vê limites para ele. É essa delimitação que nos instiga a buscar as
explicações sobre o Não-todo existente no romance em questão e como ele se relaciona
com o gozo e promove um sintoma.
Ao delimitar seus estudos sobre as formas de gozo, em específico o gozo
feminino, Sinatra acredita que nele existe um paradoxo, sendo que
8
"Se o sintoma é o que vem a se escrever no lugar da relação sexual impossível de ser escrita, o que se ama no
fundo em alguém é seu Sintoma, ou seja, os signos que ele envia e que refletem a maneira como cada um trata a
ausência da relação sexual" (Tradução minha).
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Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
Seguindo a lógica da teoria proposta por Sinatra, a feminização do mundo é fruto
da leitura feita à risca sobre “a subtração da exceção, encarnada até ontem na autoridade
do pai” (SINATRA, 2013, p. 30). Tais fundamentos reforçam a ideia da queda da
autoridade nas sociedades ocidentais, de forma que o não-gozo configura poderes e
princípios que já foram superados por novas estruturas, as quais priorizam a
obrigatoriedade do gozo. Contribuindo com estes esclarecimentos, o estudioso alemão
Urich Beck comenta a passagem do Todo para o Não-Todo, afirmando o seguinte: “os
valores tradicionais deixaram de ser aqueles que fixaram – sempre de alguma maneira
permanente – o indivíduo às gerações anteriores” (BECK apud SINATRA, 2013, p. 42).
Por fim, ao relacionarmos tal abordagem ao conceito que se tem de família, sob a
ótica ocidental, Roudinesco pondera que:
É com base na ausência de uma base familiar, no mundo moderno, que se pode
trazer Dona Flor como o próprio sujeito em sofrimento e que, por meio da transgressão
da lei, consegue se satisfazer.
É possível dizer que a transgressão como lei se fundamenta no fato de ser a
necessidade do gozo o sintoma do mundo moderno, o que ganha corpo na diversidade,
seja ela da ordem de gênero sexual ou de novos arranjos familiares, tendo o poliamor
como uma das tendências.
Ao estudar as relações entre interdito e transgressão, Bataille defende que: “em
todos os tempos, em todos os lugares, de que temos conhecimento, o homem se define
por uma conduta sexual submetida a regras, a restrições definidas: o homem é um
animal que permanece 'interdito' diante da morte, e diante da união sexual” (2014, p.
74). Nessa dimensão, o estudioso recorre à análise do fenômeno do erotismo, o que faz
parte da experiência interior. O homem, segundo Bataille, busca no mundo exterior um
objeto de desejo, o qual, no entanto, responde à interioridade deste desejo, ou seja, o
gosto individual sempre está presente nesta escolha. O erotismo, de acordo com o autor,
“é, na consciência do homem, o que nele coloca o ser em questão” (BATAILLE, 2014,
p. 53).
Para entender o erotismo, Bataille fala sobre as peculiaridades do universo
humano e animal. Para ele, apenas os homens possuem regras e normas a serem
seguidas e cumpridas. Deste modo, o estudioso acredita serem o interdito e a
transgressão fenômenos que andam alinhados, já que um depende do outro para existir.
A guerra, por exemplo, é a própria experiência que regulamenta a proibição do
assassinato e, por isso, a transgressão; não há proibição sem a transgressão que a regule.
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ZANON, Suzana Raquel Bisognin. Poliamor: o não-todo e a inconsistência da lei. Revista Científica Ciência em
Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
Sem o interdito, sem o primado do interdito, o homem não teria podido chegar à
consciência clara e distinta, sobre a qual a ciência está fundada. O interdito elimina a
violência, e nossos movimentos de violência [...] destroem em nós a calma ordenação sem a
qual a consciência humana é inconcebível (BATAILLE, 2014, p. 61).
A verdade dos interditos é a chave de nossa atitude humana. Nós devemos, nós podemos
saber com exatidão que os interditos não são impostos de fora. Isso nos aparece na
angústia, no momento em que transgredimos o interdito, sobretudo no momento suspenso
em que ele ainda atua, e em que, não obstante, cedemos à impulsão a que ele se opunha. Se
observarmos o interdito, lhe somos submissos, deixamos de ter consciência dele. Mas
experimentamos, no momento da transgressão, a angústia sem a qual o interdito não
existirá: é a experiência do pecado (BATAILLE, 2014, pp. 61-62).
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Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
É pensando na fragmentação dos discursos e no fenômeno da diversidade que se
acredita ser o indivíduo “o verdadeiro sintoma social”, conforme pontua Sinatra (2013,
p. 44). Romildo do Rêgo Barros sustenta que, quando se fala em amor, são cada vez
maiores as dificuldades em defini-lo, já que nos defrontamos com dificuldades
particulares, “a cada aproximação que fazemos, o amor parece escapar por entre os
dedos, parece resistir a uma síntese. Aparecem [...] novas subdivisões, a tal ponto que
concluímos que o amor não é uno, e talvez não se preste a nenhuma síntese” (BARROS,
2008, p. 33). Nessa discussão, Miller acredita que “há no amor uma característica de
contingência. O amor depende de encontros que se produzem por acaso” (2006, p. 15).
É a partir de tais argumentos que se pode falar na urgência de amar e se fazer amado
que culmina no século XXI, sendo a prática do poliamor o modelo que opera os valores
de igualdade e liberdade, cujo discurso central é o amor.
Em seus estudos sobre a prática do poliamor, Christian Klesse (2006) o considera
como o discurso da não-monogamia. Além disso, a estudiosa afirma que “polyamory it
is a contested term. Its concrete meanings have been an issue of ongoing debate”1
(KLESSE, 2006, p. 567). Tendo em vista que o estudo da pesquisadora parte da análise
de discursos de entrevistados, a professora apresenta os conceitos obtidos por meio dos
depoentes. Um dos depoentes argumenta que “I suppose it‟s good to distinguish it
clearly, just in one word. If everyone wants to agree, it would be multiple relationships.
[...] It‟s loving relationships. I suppose it may not have to be physical relationships
even"2 (KLESSE, 2006, p. 567). Klesse destaca a conceitualização do termo por outro
entrevistado, que diz: “people, who identify as polyamorous believe in the idea of more
than one relationship, meaning more than one love relationship. And they don‟t even
have to be sexual"3 (KLESSE, 2006, p. 567). Segundo a estudiosa, as respostas dos
pesquisados pontuam uma definição que dispensa a necessidade da relação sexual, o
que contraria os argumentos da maioria dos poliamoristas. Estes, por sua vez,
used the term „partner‟ to refer to their multiple relationships of varying degrees of intimate
closeness or commitment. According to hegemonic patterns of understanding, partnership
tends to be perceived as a sexual relationship – or at least a relationship that originally was
based on sexual attraction4 (KLESSE, 2006, p. 567).
1“Poliamor é um termo contestado. Seus significados concretos têm sido um problema dos debates em curso”
(Tradução minha).
2 “Suponho que seja bom distinguir claramente, em apenas uma palavra. Se todo mundo quiser concordar,
seriam as múltiplas relações. [...] São relacionamentos amorosos. Suponho que não precisam nem mesmo ser
relações físicas” (Tradução minha).
176
3“ as pessoas que se identificam como poliamorosas, acreditam na noção de mais de um relacionamento, o que
significa mais do que um relacionamento amoroso. E ele nem sequer tem que ser sexual” (Tradução minha).
4“usaram o termo "parceiro" para se referir às suas múltiplas relações de diferentes graus de proximidade ou
Página
compromisso íntimo. De acordo com os padrões hegemônicos de compreensão, a parceria tende a ser
percebida como uma relação sexual - ou, pelo menos, que originalmente fosse baseada na atração sexual”
(Tradução minha).
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Terminologia Relacional; o segundo, em 1992, teve Jennifer Wesp como representante,
a qual lançou a discussão sobre o poliamor em um grupo de e-mails. Nesse período, o
termo foi reconhecido como sinônimo de não monogamia (CARDOSO, 2010, apud
PILÃO; GOLDENBERG, 2012).
Ao discutir as práticas do poliamor, Deborah Anapol (2010) comenta que a razão
de ter escolhido estudar o poliamor se deu por causa da confusão cultural que existe
entre sexo e amor, fenômenos que se complementam, mas não se equivalem. A mesma
autora fala que, nos anos 80, o poliamor não era somente uma possibilidade normal de
encontro de homens e mulheres de meia idade; isso era moda assim como hoje. Para
ela,
Yet even in those days, three or four people in the middle of nowhere accidentally fall in
love with each others. And quietly set out to build a life together. Before global internet
access, Google and the Web make networking easy, such people were isolated and often
imagined that they were the only ones in the whole world who‟d discovered that love can
be shared with more than one significant other 5 (ANAPOL, 2010, p. XIII).
O poliamor, para a autora, serve como máscara ou desculpa para atenuar os vários
vícios como o trabalho e o sexo, além de outros dramas que incomodam o sujeito. Afora
isso, a escolha também pode depender de uma simples diversão ou aversão às
proibições religiosas ou até mesmo como uma arma frente à luta entre poderes
(ANAPOL, 2010). A prática do poliamor também opera como punição ao controle do
parceiro, além de ser uma forma de estimular um relacionamento que já existe, servindo
como realização de fantasias sexuais (ANAPOL, 2010). Por fim, o "polyamory offers a
venue in which sex addicts can begin at least to tell de truth about what they`re doing
instead of carrying on secret affairs”6 (ANAPOL, 2010, p. 27).
Partindo do pressuposto de que a prática poliamorosa consiste na aceitação e no
consentimento de ambos os sujeitos, o relacionamento ou casamento aberto “are
nonexclusive couple relationship, the main difference being whether the couple is
married. In this scenario, the partners have agreed that each can have outside partners. A
wide variety of ground rules and restrictions may apply” 7 (ANAPOL, 2010, p. 16). O
swing ajusta-se a este caso, já que prevê a relação sexual com mais de uma pessoa
(PILÃO; GOLDENBERG, 2012). Nesse contexto, no relacionamento poliamoroso, a
promiscuidade é desprezada, de modo que há lugar para experiências que não sejam
fundamentadas no amor e em longo prazo. A filosofia dessas relações celebra a recusa
do comportamento casual, o qual se configura na imagem das putas (SCHASCHEK,
2013).
5
"No entanto, mesmo naqueles dias, três ou quatro pessoas no meio do nada acidentalmente se apaixonavam
umas pelas outras. E discretamente construíam uma vida juntos. Antes do acesso global à Internet, o Google e a
Web tornaram as redes de relacionamentos mais simples, tais pessoas eram isoladas e, muitas vezes,
imaginavam que eram as únicas em todo o mundo que haviam descoberto que o amor pode ser compartilhado
177
7
“são relações de casais não-exclusivos, a principal diferença é que o casal é casado. Neste cenário, os
parceiros concordaram que cada um pode ter parceiros externos. Uma grande variedade de regras básicas e
restrições podem ser aplicadas” (Tradução minha).
ZANON, Suzana Raquel Bisognin. Poliamor: o não-todo e a inconsistência da lei. Revista Científica Ciência em
Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.
Klesse defende a ideia de que não é permitida a promiscuidade no poliamor, pois
esta é revestida de um sentido pejorativo e tem como base a filosofia do sexo casual. A
estudiosa diz que “the major difference between people, who are into promiscuity,
swinging and casual sex, and practitioners of polyamory is that the latter have fewer
partners and an honest interest in building intimate long-term relationships”8 (KLESSE,
2006, p. 574). Nota-se que há um sentido de comprometimento no poliamor, ao
contrário da poligamia, que “pressupõe assimetria de gênero, ou seja, há um único
polígamo em cada relação” (PILÃO; GOLDENBERG, 2012, p. 64).
Para os poliamoristas, privilegiam-se os pedidos do coração mais do que as regras
e os compromissos (KALDERA, 2005, p. 187). Na mitologia grega, por exemplo,
Afrodite, a deusa da sexualidade, alimentava-se da necessidade de manter os vários
relacionamentos, o que é compatível à prática do poliamor. “Aphrodite may have gotten
married to Hephaestus, but she slept frequently with other gods and mortals, even when
that infuriated him. To her, there was nothing unethical about it; it‟s foolish to think that
one can so contain a love goddess"9 (KALDERA, 2005, p. 187).
A emergência dessa nova categoria de relacionamento sugere a queda, a ausência
“do pai que garante a estrutura, de um pai para todos, mas sim a pluralização do pai: um
pai para cada um. O que culmina com a noção de sinthoma, ou seja, a de um elemento
que pode enlaçar a estrutura, mas que nada garante” (PIMENTA FILHO, 2006, p. 103).
Nessa discussão, portanto, o poliamor é capaz de configurar um sintoma do
mundo contemporâneo: a falta da Lei e a necessidade do gozo. Os sujeitos que aderem a
tal experiência sinalizam a resistência aos discursos que excluem a impossibilidade de
escolha, ao mesmo tempo em que desconstroem a estrutura familiar pautada na
legitimidade de um Pai enfraquecido.
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03, Florianópolis (SC), 2010.
178
8
“A principal diferença entre as pessoas, que se encontram na promiscuidade, orgia e no sexo casual, e
praticantes de poliamor é que estes últimos têm menos parceiros e apresentam um interesse sincero em
construir relações íntimas de longo prazo” (Tradução minha).
Página
9
" Afrodite deve ter sido casada com Hefesto, no entanto, ela dormia frequentemente com outros deuses e
mortais, mesmo quando isso o enfurecia. Para ela, não havia nada de antiético nisso; é tolice pensar que
alguém pode conter a deusa do amor” (Tradução minha).
ZANON, Suzana Raquel Bisognin. Poliamor: o não-todo e a inconsistência da lei. Revista Científica Ciência em
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Abstract: This article proposes to debate, from the psychoanalytic point of view, the
polyamory and its relations with the Jacques-Alain Miller's idea of Not-All. Dona Flor, the
character of Jorge Amado's book, helps to reflect on the lack of law and the necessity of
joyance as a symptom of the contemporary.
Keywords: Joyance. Polyamory. Not-All. Law.
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ZANON, Suzana Raquel Bisognin. Poliamor: o não-todo e a inconsistência da lei. Revista Científica Ciência em
Curso – R. cient. ci. em curso, Palhoça, SC, v. 3, n. 2, p.167-180, jul./dez. 2014.