O Filme Ôri

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DOI 10.

14393/OUV-v20n1a2024-66777

O filme Ôrí: um corpo decolonial aquilombado

RAFAEL GARCIA MADALEN EIRAS

Rafael Garcia Madalen Eiras é Doutorando em Cinema pelo PPGCine/UFF -RJ, Mestre
em Humanidades, culturas e Artes (PPGHCA- UNIGRANRIO (2020). Graduado em
História pela Universidade Cândido Mendes (2015) e Graduado em Cinema e
Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2007). Além de uma especialização em
Fotografia e Imagem pela Universidade Cândido Mendes (2009). Rafael tem uma
larga experiência como freelance no mercado audiovisual e no momento ele estuda
a interação entre o cinema e a educação.
Afiliação: Universidade Federal Fluminense
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9152399332013877
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8179-2606
•RESUMO
O texto analisa o filme “Ôrí” (1989) dirigido por Raquel Gerber. Obra que através de múltiplas
estratégias de olhar, discute o processo de libertação do povo negro brasileiro. Tendo como fio
condutor a vida da intelectual negra Beatriz Nascimento. Uma autoeacrita ao propor sua visão
de mundo particular, mas também é uma escrita de um povo, de um corpo negro múltiplo. Desta
forma, assumindo uma metodologia que não pretenda ser única, verdadeira, o que se propõem
é um caminho a ser percorrido, percorrido pelo corpo em movimentos de afetos, de espantos,
de dúvidas. Uma metodologia decolonial de análise fílmica, percebendo o filme como um corpo
aquilombado.

•PALAVRAS-CHAVE
Quilombo, cinema, Beatriz Nascimento, decolonial.

•ABSTRACT
The text analyzes the film “Ôri” (1989) directed by Raquel Gerber. A work that, through multiple
looking strategies, discusses the process of liberation of the Brazilian black people. Having as a
guiding thread the life of black intellectual Beatriz Nascimento. A self-author when proposing her
particular worldview, but it is also a writing of a people, of a multiple black body. In this way,
assuming a methodology that does not intend to be unique, true, what they propose is a path to
be followed, traveled by the body in movements of affection, amazement, doubts. A decolonial
methodology of film analysis, perceiving the film as a quilted body .

•KEYWORDS
Quilombo, cinema, Beatriz Nascimento, decolonial.
139

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Introdução
O sol surge no quadro do filme com seus raios circulares. A câmera se
movimenta para baixo, projetando um imenso flare que passa pela lente. Em off
se escuta a voz de Beatriz Nascimento. 1 “A terra é circular, o sol é um disco.
Onde está a dialética? No mar. Atlântico mãe”. A câmera se ajeita e enquadra
justamente a divisão entre o céu e a terra. No plano seguinte, as ondas batem
na praia e a voz divaga sobre o processo das grandes navegações (“eles
também fizeram por medo”) e imagens do grande mar atlântico são
apresentadas. Ela diz: “Eu sou atlântica"
Uma imagem escura e avermelhada com algumas velas acesas aparece
subitamente. Se pode escutar grunhidos, uma saudação. Logo se percebe que
é uma consulta a uma entidade, um Exu incorporado, paramentado com seu
tridente, sua capa vermelha e preta, onde o corpo negro do médium parece
estar em trânsito, em transe. Em que a experiência da diáspora é presente. Este
corpo é o território produzido na trajetória atlântica. Uma identidade
contingente, movediça, que se constrói no movimento.
Nesta conjuntura é que se inicia o filme “Ôrí2” (1989) dirigido pela
socióloga e diretora Raquel Gerber. Obra que através de múltiplas estratégias
de olhar, mistura de elementos, registros de conferências, de bailes e festas,
de comemorações afrobrasileiras, imagens poéticas da natureza, imagens de
arquivo etc., discute o processo de libertação do povo negro brasileiro e “os
modos pelos quais os afrodescendentes têm organizado os seus territórios, • 140
desde o próprio corpo até a ocupação do espaço, sendo a diáspora a conexão
entre continentes e modos de vida” (SOBRINHO, 2021, p.3). Tendo como fio
condutor a vida da intelectual negra Beatriz Nascimento, que é a roteirista e a

1
A historiadora, ativista e poeta Maria Beatriz Nascimento, teve um importante pesquisa sobre
os quilombos, reflexões acerca do racismo e da situação da mulher negra no Brasil. Formada
em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Beatriz Nascimento foi
assassinada em 1995, ao defender uma amiga de seu companheiro violento..
2
Lançado em 1989, pela cineasta e socióloga Raquel Gerber, Ôrí documenta os movimentos
negros brasileiros entre 1977 e 1988, buscando a relação entre Brasil e África, cujo fio condutor
é a história pessoal de Beatriz Nascimento. A obra traça um panorama social, político e cultural
do país, em busca de uma identidade que contemple também as populações negras . Nessa
dinamica apresenta a importância dos quilombos na formação da nacionalidade. Ôrí recupera
junto aos movimentos negros a imagem do "herói civilizador" Zumbi de Palmares para uma
identificação positiva do homem negro na modernidade. A comunidade negra aparece em sua
relação com o tempo, o espaço e a ancestralidade, através da concepção do projeto de Beatriz
que vê o "quilombo" como correção da nacionalidade brasileira.

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narradora. Uma autoeacrita 3 ao propor sua visão de mundo particular, mas
também é uma escrita de um povo.
A formação do sujeito para a cultura africana, Iorubá, por exemplo,
descarta um mundo binário e fixo, erguido por uma estrutura de opostos, pois
esse sujeito é tripartidário, compreendido como sendo o seu corpo (ara), a sua
mente / alma (emi) e a sua cabeça / interior (ôrí) (ADEOFE, 2004). Um ser
múltiplo que precisa ser perpassado por rituais para se relacionar com o
presente, com os devires das subjetividades humanas que não pode ser fixado,
mas como o número três, serem o próprio movimento da criação. Seria o mundo
integrado em que a natureza é parte de tudo. Não é à toa que o nome do filme
é “Ôrí”, a cabeça, não no sentido de ser ela o centro do indivíduo, mas o lugar
da comunicação, onde se produzem identidades.

Um caminho metodológico decolonial


O objetivo desse texto se volta para uma análise do filme. Percebendo
que “a visualidade não obedece a processos homogêneos e contínuos, mas é
atravessada por uma estrutura de elementos heterogêneos que articula diversas
histórias, de forma geopolítica, por conta da colonialidade do poder” (LEÓN,
2019, p.70). Ou seja, existe uma multiplicidade de olhar que o poder colonial
invisibiliza. Dinâmica que a obra aqui analisada rompe em fissuras ao propor
uma heterogeneidade de falas transatlânticas.
141 Desta forma, em vez de assumir uma metodologia que pretenda ser
• única, verdadeira, o que se propõem é um caminho a ser percorrido, percorrido
pelo corpo em movimentos de afetos, de espantos, de dúvidas. Um caminho
metodológico que se inicia em uma postura política e ética acerca dos
postulados históricos, sociológicos e filosóficos da modernidade europeia,
percebendo que a colonialidade continua como marco simbólico através da
violenta naturalização do imaginário do invasor europeu e de um profundo
apagamento dos processos de fora das lógicas ocidentais (OLIVEIRA; CANDU,
2010). Uma metodologia de análise fílmica que descobre, no processo de
escrita, esse caminho.

3
Termo empregado aqui no sentido de ser uma construção narrativa “que justapõe a escrita de
si, na qual o autor manipula a sua própria percepção do tempo para construir o relato pessoal.
Nesse relato temos partes que parecem ficcionais em uma obra que demonstra não apenas a
vida e crescimento do autor, mas a própria construção como escritor. ( SILVA, 2018, p.18)

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Nessa trajetória é imprescindível assumir o ponto de vista do autor,
homem, branco, de classe média, que através de um esforço muitas vezes
ainda inalcançável, tenta desestabilizar as próprias concepções coloniais e
patriarcais que organizam e disciplinam seu modo de ver. Um exercício potente
ao se debruçar sobre um filme que se faz no corpo negro e feminino. Mas ôri,
a cabeça afrodiaspórica, é múltipla e permite o acoplamento e a perspectiva do
outro. Um caminho que se busca na rachadura das estruturas do olhar.
Abandonando, de alguma forma, a centralidade do ver tão almejada pela
modernidade, dando espaço para as percepções múltiplas, uma
cosmopercepção (OYEWÙMÍ, 1997), partindo de uma geografia do corpo em
movimento, mesmo que se movimenta por afetos enquanto assiste a um filme.

O filme como uma cabeça


Ao som da música Terra (1978) de Caetano Veloso, a câmera se
aproxima da praia como se estivesse em um barco. A música e os movimentos
lentos criam um momento suave e íntimo. O filme corta para a imagem de
Beatriz que em off diz: “Eu me reconheço com o navegador”. Logo vemos da
margem da praia, uma estrela-do-mar submersa, o reflexo do sol na água, as
pedras. A câmera passeia por esse ambiente em um plano próximo até cortar
de novo para o close da narradora sorrindo. Ela continua em off: “Quilombo é
aquele espaço geográfico, quando o homem tem a sensação do oceano.” Uma
imagem detalhe de folhas perpassadas por um raio de sol que surge, enquanto • 142
a câmera se movimente. “Toda a energia cósmica entre o seu corpo. Eu fico
grande numa serra”. Neste momento acontece uma panorâmica de montanhas.
“Coisa de negro mesmo. É de negro porque é de um homem ligado a terra. É
o homem que mais conhece a terra.” Um close lateral mais uma vez mostra
Beatriz. "Homem preto, cor da lama”. O mar, o céu, o sol se pondo aparecem.
Uma montagem que liga o espaço da natureza ao corpo. Por fim, diversos
planos da cidade tomam lugar da natureza, carros passando, as luzes artificiais
à noite e o metrô. Promovendo a ideia de que o quilombo é onde está o corpo,
os desejos, onde se vive as experiências.
O filme, então, reproduz aspectos da teoria de Beatriz Nascimento,
sendo o conceito de quilombo entendido como o próprio corpo, como memória,
como experiência compartilhada e acima de tudo como resistência sempre
atualizada, a cabeça ritualística que é feita, marcada pela experiência

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transatlântica. Uma experiência iniciática, em que o místico converge com o
político.
A metáfora da cabeça surge através de uma cosmovisão africana que
compartilha o múltiplo, mas que se insere em uma continuidade de um
segmento étnico-cultural e religioso. “Beatriz burila o termo ôri, como relação
entre intelecto e memória, entre cabeça e corpo, entre pessoa e terra,
correlação adequada para se interpretar numa única visada restauradora a
desumanização do indivíduo negro e suas possibilidades de reconstrução de
si, como parte de uma coletividade.” (RATTS, 2006, p. 63)
Ela cita na obra:

Ôri significa uma inserção a um novo estágio da vida, a uma nova vida, um
novo encontro. Ele se estabelece enquanto rito e só por aqueles que
sabem fazer com que uma cabeça se articule consigo mesma e se
complete com o seu passado, com o seu presente, com o seu futuro, com
a sua origem e com o seu momento (1989). (Transcrição do filme)

O conceito de ôri se apresenta, desta forma, como uma identidade e ao


mesmo tempo um coletivo negro na trajetória transatlântica. Uma relação de
corpo com o espaço percorrido, de movimentos, danças, que o filme projeta na
sua própria estética ao evidenciar essa multiplicidade que é a cabeça feita,
iniciada; em imagens opostas, discursos contraditórios, sons que geram tensão
143
(uma trilha composta por Naná Vasconcelos), inserts de músicas diversas, uma

amálgama poética que forma também um corpo fragmentado - o candomblé, o
transe, o baile funk, os congressos etc. É, o material cinematográfico montado,
como uma obra, uma cabeça descentrada.
Desta forma, muitas das imagens vistas no filme são protagonistas de
movimentos possíveis em diversos momentos nas sociabilidades das
comunidades afrodiaspóricas, promovendo, assim, a manutenção de discursos
não ocidentais, epistemologias diferentes em diversos sentidos de uma saber
ocidentalizado e fechado, como já propôs Abdias do Nascimento (2002) com o
conceito de “Quilombismo” em um referencial teórico panafricanista, ao propor
a cultura africana e de seus descendentes na diáspora (mesmo sem serem
inteiramente africanos, mas com traços típicos das comunidades africanas)
como construtores de saberes original, que não partem de territórios
estritamente científicos.

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Seria uma imagem aberrante que a obra produz, levando em conta
percepções desconstrutivas e descentradas do filósofo Gilles Deleuze (1985)
acerca do cinema, como projeção de devires, um simulacro que no mundo ideal
platônico, origem de toda uma subjetividade ocidental, seria uma organização
errada do mundo. O filme, assim, é percebido como um produtor de
subjetividades que atrapalham as máquinas binárias de sentidos, subvertendo
as lógicas hegemônicas ocidentais. Como vemos na cena em que negros e
negras dançam ao som da blackmusic, com as cabeças balançando junto aos
braços, descentrando os corpos.
Acompanhando essa imagem, Beatriz pontua em off: “A memória são
conteúdos de um continente. Da sua vida, de sua história, de seu passado.” No
baile, os dançarinos rodopiam, descem e sobem, sorriem de olhos fechados e
a narradora continua: “Como se o corpo fosse o documento. Não é à toa que a
dança para o negro é um momento de libertação. O homem negro não pode
estar liberto enquanto ele não esquecer o cativeiro, não esquecer no gesto que
ele não é mais um cativo”. Neste momento, os ombros se remexem, se agitam
em sincronia com a música, estão libertos das amarras.

O aquilombamento fílmico
O termo ôri é de origem iorubá. 4 No entanto, o principal referencial de
Beatriz Nascimento no decorrer do filme é a cultura banto 5, como a palavra
Quilombo e suas continuidades históricas. Beatriz cita em um de seus artigos: • 144

Quilombo é um conceito próprio dos africanos bantos, habitantes da África


Centro Ocidental e Leste (sic). Este conceito vem sendo modificado
através dos séculos da História do Brasil. Já em 1740, o Conselho
Ultramarino define quilombo como qualquer e toda habitação que
possuísse 5 fugitivos. Entretanto, os Quilombos do Brasil, como Palmares,

4
O termo aplica-se a um dos maiores grupos étnicos e linguísticos da África ocidental, ligados
a uma mesma cultura e tradições, na cidade de Ifé, mas nunca constituíram uma unidade política
(VERGER, 1996).
5
“Família etnolinguística à qual pertenciam, entre outros, os escravos no Br asil chamados de
angolas, congos, cabinda, benguelas, moçambiques etc.” (LOPES, 2004, p. 98).

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atingiram aproximadamente 20 mil habitantes. (...) O nome original vem de
Angola, que em determinado momento da história da resistência angolana
queria dizer acampamento de guerreiros na floresta, administrado por
chefes rituais de guerra. (...). (NASCIMENTO, 1989 apud RATZZ, 2006.
p59)

O autor J.L. Silva (2015) percebe a utilização de certa hegemonia da


vertente Iorubá na consolidação da cultura negra na história como uma
estratégia de inserção do indivíduo negro na própria formação do Brasil. Uma
dinâmica que acaba por evidenciar “a prática de racismo epistêmico entre as
próprias correntes de defesa e preservação dos cultos afro-brasileiros” (SILVA,
2015, p. 3), mas o filme aqui analisado parece ir contra essa perspectiva,
inserindo nesta cabeça múltipla, todas as possibilidades transatlânticas. Um
aquilombamento da própria realidade possível, em que o ioruba pode ser banto,
e é muito mais. Como ela cita no filme: “Então toda a dinâmica deste nome
mítico, religioso, oculto que é o ôri, se projeta a partir das diferenças, dos
rompimentos, numa outra unidade primordial, que é a cabeça, que é o núcleo,
o quilombo é o núcleo”.
O quilombo deixa de ser somente um lugar de fuga, para ser uma lógica
de sobrevivência; se espalha pelas favelas, os candomblés, as associações de
cor, em qualquer lugar que o negro pode exercer a sua identidade forjada no
trajeto atlântico. “Cientificamente falando, pretendemos demonstrar que os
145 homens e seus grupamentos, que formaram no passado o que se convencionou
• chamar ‘quilombos’, ainda podem e procuram fazê-los.” (NASCIMENTO, 2006,
p.109). Neste sentido, para Beatriz “a África e o Quilombo são terras -mãe
imaginadas.” (RATZZ, 2006, p.59)
Ainda no início do filme Beatriz aparece na Primeira Quinzena do Negro,
ocorrida na Universidade de São Paulo, no ano de 1977, em uma cena que se
inicia com uma câmera adentrando os corredores, enquanto em off a voz da
historiadora fala, como se o corpo dela desbravasse a academia: “A cultura
negra, que conseguiu se amalgamar a cultura índia, é realmente a cultura
brasileira, uma cultura muito forte.” O filme corta para o auditório onde acontece
a palestra de Beatriz, mantendo a movimentação de câmera, adentrando o
ambiente.
No decorrer da palestra, Eduardo de Oliveira e Oliveira, sociólogo, o
principal idealizador da Quinzena do Negro, se levanta da plateia de forma

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exaltada e fala acerca da inserção do negro na academia. “O fato de estarmos
dentro da universidade é para que esta universidade assuma a sua
responsabilidade para formar mais negros para que possam como Beatriz, que
passou pela universidade ir ao quilombo ou favela (...).”
Um close de Beatriz, depois da fala exaltada de Eduardo, surge. Ela fala:

Quando cheguei na universidade a coisa que mais me chocava era o


eterno estudo sobre o escravo como se nós só tivéssemos existido dentro
da nação como mão de obra escrava, como mão de obra para fazenda e
para a mineração. Então nesse momento a utilização do termo quilombo
passa a ter uma conotação basicamente ideológica no sentido de
comunidade de luta como se reconhecendo homens, como se
reconhecendo pessoas que realmente devem lutar por melhores
condições de vida na medida em que fazem parte dessa sociedade. Uma
consciência de ser negro é uma consciência de classes. (Transcrição do
filme)

Eduardo de Oliveira e Oliveira volta a falar: “A luta é nossa. Por que é o


negro que tem que fazer essa luta?” Interessante na imagem que filma o
discurso do sociólogo é que no mesmo quadro em que ele gesticula e fala, está
uma mulher branca, que parece mais preocupada em analisar se suas unhas
estão bem-feitas, ignorando completamente o calor do momento. Eduardo
• 146
continua: “Todos os brancos têm que fazer. Por que o negro tem que deter essa
responsabilidade histórica que o branco até agora não assumiu?” É nesse
instante que as lentes do filme captam uma interessante relação: a câmera
escapa do corpo do interlocutor e enquadra outra mulher branca revirando os
olhos enquanto o sociólogo expõe sua perspectiva. Ele continua:

(...) Eu não quero me elitizar. Agora se meu colega negro quiser se elitizar,
quiser se aburguesar, morar no Morumbi, ele tem o direito. Se formos fazer
um trabalho para tirar o direito do homem ser o que ele quiser, então
faremos. A consciência do quilombo que a Beatriz levanta, não está se
levantando em termos de classes sociais, ainda que o assunto seja
paralelo. (Transcrição do filme)

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Nesse momento, a câmera enquadra um homem branco que se revira na
cadeira, afinal, a questão negra para a intelectualidade branca até aquele
momento era uma questão de classe e não de raça.
A intelectual branca Juana Elbein Dos Santos, intervém, explica que o
quilombo proposto por Beatriz seria “um contínuo cultural, um contínuo de
aglutinação em um país que é fundamentalmente heterocultural e que não quer
se reconhecer como tal”. — Infelizmente as vozes negras ainda necessitam de
uma interlocução. — Porém Beatriz finaliza a cena dizendo: “A questão
econômica não é o grande drama. Apesar disso ser um grande drama, não é
um grande drama. O grande drama é justamente o reconhecimento da pessoa,
do homem negro, que nunca foi reconhecido no Brasil.”
A próxima cena mostra imagens do país Dogon em Mali, África, junto ao
som percussivo de Naná Vasconcelo. De repente, o som da bateria de uma
escola de samba ressoa enquanto ainda vemos as imagens africanas, até cortar
para o desfile no Brasil, fazendo um trajeto atlântico, ligando os continentes
pela cultura. O filme nesse momento transita entre África e Brasil, entre o samba
e a percussão africana.
Neste trecho do filme descrito, da conferência até o carnaval, há uma
ideia guiada pelo pensamento de Beatriz, de que a questão do negro se dá
justamente na formação de uma nova identidade. Um aquilombamento da
própria ideia de negritude, que o filme parece também aderir.
147
• Assim, a ideia contemporânea do quilombo, o fazer a cabeça e a defesa
de uma civilização do Atlântico, marcada por trocas culturais, conectam o
filme a uma discussão identitária transnacional e à medida que o
documentário avança, essa carga identitária vai também se libertando para
uma visão mais holística das relações entre as pessoas, chegando,
inclusive, a um estágio de superação do que é ser negro, nos limites do
movimento negro. (SOBRINHO, 2021, p,20)

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A perspectiva de análise atravessada pela noção de comunidade
imaginada 6 permite compreender a proposta do conceito de nação diferente de
uma “comunidade real”, pois não se baseia em interações sociais de seus
membros, que por razões práticas não seria possível. Benedict Anderson (2008)
aponta que nada maior que um vilarejo pode ser percebido como uma
“comunidade real”, sendo impossível todos os seus membros se conhecerem.
Nesta perspectiva a nação surge como uma abstração, uma comunidade
socialmente construída, imaginada por pessoas que se percebem dentro de um
grupo através de diversos mecanismos culturais de identificação.
A mídia é fundamental para a análise de Anderson, que p ercebe o
nacionalismo europeu forjado através dos jornais e romances ao propor um
tempo homogêneo e universal em que todos os habitantes de uma nação
compartilhassem um sentimento comum. “Essa comunidade também é
‘imaginada’ porque, independentemente das diferenças e da exploração que
exista dentro dela, a nação é sempre concebida ‘como uma profunda
camaradagem horizontal’” (ANDERSON, 2008, p. 34). Assim, o filme se
transforma em produtor de uma comunidade imaginada, pois cria um universo
em que o indivíduo, leitor, ou consumidor se insere, mesmo não conhecendo
aquela realidade por completo. Neste sentido, o filme “Ôri”, não só relata, mas
imagina um quilombo atual, ressignificando o próprio estar no mundo do
indivíduo negro.
Em uma câmera de helicóptero, se enquadra a escola de samba Vai-Vai, • 148
ao sobrevoar o bairro do Bexiga (Vila de Saracura). De repente o filme corta
para dentro de um túnel iluminado, as luzes passam em primeiro plano, em uma
câmera provavelmente dentro de um carro, e queimam a lente em peq uenos
lampejos. Pode-se escutar o início de um samba enredo e, subitamente,
aparecem imagens da escola de samba à noite, cheia de foliões. Beatriz
continua:

O quilombo é memória que não acontece só para os negros, acontece


para a nação. Ele aparece, ele surge nos momentos de crise da

6
A teorização de Anderson foi proposta no âmbito do nacionalismo europeu, em que a
sociedade europeia estava passando por profundas mudanças que permitiram essa projeção
nacional.

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nacionalidade. A nós não nos cabe valorizar a história. A nós cabe ver o
continuum dessa história. Porque Zumbi queria fazer a nação brasileira, já
com índios e negros integrados dentro dele. Ele queria empreender um
projeto nacional de uma forma traumática. Mas não tão traumática quanto
os ocidentais fizeram, destruindo culturas, destruindo a história dos povos
dominados (Transcrição do filme)

A narração permite pensar no filme como um território que foge do


controle da colonialidade e está inscrito no corpo e nas técnicas, na forma e na
cultura. São corpos territoriais, se pensarmos no conceito de território de Milton
Santos, em que a “configuração territorial, ou configuração geográfica, tem,
pois, uma existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua
existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais. Esta é uma
outra forma de apreender o objeto da geografia.” (SANTOS, 1996, p.39 -39)
A visão ontológica de cultura percebe o território como forma de
exclusão do outro, como controle colonial. Já o território como um lugar
imaginado, no sentido de ser uma comunidade, percebe e assimila as forças
políticas e sociais que se inscrevem no processo. Uma perspectiva que lê a
cultura através de outra chave, como um processo dinâmico e sua fixação um
mito colonial de controle. Ao aquilombar as dinâmicas do filme, se constrói
outro lugar, outro território. Um movimento oposto do esforço colonial de excluir
o diferente.
149 A obra entende o corpo negro como uma geografia que se inscreve no
• agora, na dança dos bailes, nos shows, nos candomblés, nas escolas de
samba. Um corpo que é político por origem, por necessidades do próprio ser
neste mundo colonial. Escrevendo uma nação imaginada no ato de resistir.
Neste sentido, a narrativa do filme não seque uma linha dramática, única, linear,
pois ele escapa da própria noção de narrativa, em que um ponto de vista é
exposto como o real.
Um corpo que não é só negro, mas também feminino, sendo a narradora
uma mulher. Justamente todas as forças e potências que o poder colonial,
eurocêntrico, machista e racista, tenta invisibilizar. Um ponto de vista que
defende um feminismo negro interseccionado por categorias raciais e de
classe, como também “as histórias de vida das populações subrepresentadas,
numa defesa de que caberia à mulher negra assumir o pessoal e o político,

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justamente no esforço de construir e protagonizar uma história que lhe foi
negada até então.” (SOBRINHO, 2021, p.21)
A narradora assinala que havia um papel revolucionário das mulheres
nos quilombos, pois cabia a ela colocar as oferendas na floresta, era ela que
sustentava a fuga, como também sustentava a continuidade do quilombo
através da dádiva da vida. Uma dialética no feminino, que não gera uma tese,
em que os opostos não se chocam, mas compartilham ao gera do seu próprio
ventre.

O corpo negro pode ser, também em parte, aquele que foge, mas que
conquista temporadas de tranquilidade, aquele que se recolhe no terreiro
e sai da camarinha refazendo, em movimento, narrativas de divindades
africanas; pode ser o jovem que dança sozinho ou em grupo ao som do
funk, pode ser a mulher ou o homem que delineia suas tranças ou seu
penteado black; pode ser igualmente aquele que se “fantasia” de africano
num desfile de escola de samba. (RATZZ, 2006, p.66)

Voltando ao filme, encontramos agora a câmera dentro de um carro,


como se o filme fosse uma cabeça, observando e interagindo com o mundo. A
paisagem vai mudando de acordo com o ritmo do veículo e da montagem. O
som do reggae da cena que se passou anteriormente ainda toca ao fundo. A
narradora volta a falar: “Há coisas da cultura negra que não estão sendo
• 150
registradas. Por exemplo, uma frase como essa que é da capoeira de Angola
que diz: ´Vou chegando devagar´. Isso é uma coisa que está no ethos da
comunidade negra, no seu comportamento, físico, psicológico, diante do real.
Então ele chega devagar”. Nesse momento, o som da capoeira ressoa no lugar
do reggae e o carro chega a São Paulo, adentrando a cidade, Beatriz
complementa: “Ele chega se dando”. O destino da cabeça-câmera é o
Feconezú, o Festival Comunitário Negro Zumbi, que conhecemos divagar, em
diversos planos.
No festival, Ciro Nascimento, do PURHU (Universalidade pelo
Renascimento Humano) inicia uma fala emblemática ao dizer que a sociedade
ocidental faliu. Diversos rostos espantados com a fala aparecem enquanto ele
continua exaltado: “Agora é o seguinte, nosso povo está morrendo de fome. O
nosso povo não pode sair na rua porque a polícia mata. E esses engraçadinhos,
esses vigaristas estão aí fazendo discussões sociológicas, conversa fiada,

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trabalho político". A câmera continua nos closes, é possível ver um homem de
boca aberta, “Vocês querem ser cegos e acomodados continuem! Era isso que
eu tinha pra dizer...” Ele coloca a sua cadeira na mesa e sai enquanto uma parte
do público aplaude. Alguns indivíduos da plateia vão para cima de Ciro,
iniciando uma pequena confusão.
Depois que o debate é retomado, Benedito Egydio dos Santos Netos faz
um discurso que tenta unificar o ambiente. Ele diz: “Eu posso até estar a favor
de alguma colocação que o companheiro fez, mas eu me pergunto sem querer
levantar polêmica com o senhor, se isso é lucrativo para nós, se nós não
estamos fazendo aqui o jogo do colonizador que nos domina até hoje.” Ele é
aplaudido, mas a cena mostra claramente que não havia uma unidade no
próprio movimento negro. Pelo menos não no sentido moderno, centralizador.
Dessa forma, o filme foge dessa dualidade colonial, mais que isso,
apresenta esse conflito entre uma esquerda marxista voltada para uma
categoria fixa de luta de classes e uma tendência que surge com os estudos
culturais dos anos 70, a percepção que existem outras perspectivas nesse
caldeirão colonial, como a questão de gênero e de raça.
Após a confissão Beatriz volta em off:

A investigação sobre quilombo se baseia e parte, na questão do poder.


Por mais que um sistema social domine é possível que se crie aí dentro
151 um sistema diferencial e é isso que o quilombo é. Só que não é um Estado
• de poder no sentido que entendemos poder político, poder de dominação,
porque não tem essa perspectiva. Cada indivíduo é o poder, cada
indivíduo é o quilombo. (Transcrição do filme)

No decorrer da fala acima, o filme mostra alguns integrantes do festival


formando uma bateria de escola de samba, um organismo rítmico que reproduz
uma dinâmica de autorregulação. Talvez, apresentando outra forma de
organização social que escape dessa dualidade do pensamento moderno, uma
espécie de anarquismo das comunidades africanas tradicionais, no sentido de
propor uma sociedade que não se ergueria através dos conceitos eurocêntricos
de nação. Mbah e Igariwey (2018) percebem uma ligação das formas de
sociabilidade múltiplas e diversas das sociedades comunais africanas com as
formas anárquicas propostas no contexto europeu, que rompem a centralidade
e a necessidade de um Estado. As práticas das comunidades ancestrais, antes

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mesmo do conceito ser produzido na Europa, já propunham uma espécie de
anarquismo “como modo de vida” (MBAH; IGARIWEY, 2018, p.14)
Esse seria o poder anárquico das africanidades através de sua potência
comunal, como percebeu Abdias do Nascimento (2003) através do seu conceito
de Quilombismo, em que os quilombos e as comunidades de terreiro resistem
justamente por ter esse caráter de ajuda mútua, de descentralidade, de
participação direta, uma perspectiva que já existia nas comunidades
tradicionais africanas. Um conceito de comunidade onde todos fazem parte de
um mesmo contexto e se ajudam, em uma integrada sensação de
pertencimento.
É relevante entender também que essa ideia de quilombo é reflexo da
sociedade brasileira do fim dos anos de 1970 e de toda a década de 1980,
através de uma complexa relação com as demandas da redemocratização e o
ressurgimento de um movimento negro silenciado pela ditadura militar.
Produzindo um conceito de quilombo que atravessa o próprio sentido de
linearidade e se faz no corpo vivo transatlântico.

Conclusão
Como afirma Christian León, o audiovisual pode atualizar a colonialidade
(LEÓN, 2019). Desta forma, estudos de cinema com perspectivas decoloniais
são necessários para que a lógica colonial seja ao menos problematizada, e o
filme “Ôrí” pode ser um importante instrumento para esse fim. O filme também • 152
é um quilombo, onde o espectador é afetado por essa dinâmica plural e
descentrada. Ele é um território, uma prática de olhar o mundo múltiplo, aberto.
Como diz Beatriz ao longo do filme, “é importante a imagem para se
recuperar a identidade, é importante se tornar visível, porque o rosto de um é o
reflexo do outro, o corpo de um é o reflexo do outro e em cada um o reflexo de
todos os corpos.” A autora diz enquanto o filme mostra diversos negros e
negras dançando em um baile funk dos anos 1980.
Ponto marcante na obra, é justamente quando ela se volta para a imagem
de Beatriz, em que a narradora passa a ser também a personagem, elaborando
um complexo movimento de identidade e reflexão acerca do ser negro nessa
sociedade. Sobre muitas dessas imagens ela diz não se reconhecer, outras a
lembram momentos tristes, como a fotografia de sua primeira comunhão, que
ela revela ser a imagem de tudo o que ela buscou não ser.

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Já no final do filme, em tom de conclusão, voltamos a semana da
Quinzena do Negro. Lá Beatriz volta a discursar em off: “Como eu pensava que
podia continuar no Movimento Negro, não está sendo aquilo que eu pensei.
Mas há um lugar aí, onde tem que entrar a verdadeira luta pela libertação do
negro que é a libertação de si próprio”. — Exatamente no fim dessa fala uma
fotografia de Beatriz surge. A câmera aproxima nos seus olhos lentamente. —
“Do termo inclusive negro, do conceito de negro. Justamente eu vejo negro que
pode estar em mim, que pode estar em você, que pode estar em qualquer um
outro, não é?”
Outras imagens do rosto de Beatriz aparecem enquanto ela continua:
“Os homens são todos iguais. Mas eu não quero fazer bandeira política do
negro. Não quero mais porque o movimento não é negro, o movimento é da
história.” Como se ela colocasse o filme dentro da história, pelo seu ponto de
vista, a câmera agora apresenta um televisor onde passam imagens de guerra,
de fome, de diversas mazelas da sociedade, do planeta terra, de satélites
espaciais. A trilha ganha uma sonoridade otimista como se o corpo de
historiador, através de sua cosmopercepção, revelasse o mundo atravessado
por ele. Um momento que apesar de mostrar fortes cenas, os negros, como ela
diz, podem falar: “somos nós, somos nós que sofremos(...).
O ato revolucionário, que parte do ôri, que aquilomba o mundo, se dá de
forma geográfica e paradoxalmente não linear, não histórica, se inscreve no
153
mito, no passado que ressignifica o presente. Como ela vai dizer ainda instantes
• depois: “A história que eu idealizo é uma história continente, assim como as
paredes de um útero que somente curetando pode-se destruir o conteúdo.”
Nessa fala, o filme mostra Ogum, orixá que organiza o caos do mundo,
dançando, e logo em seguida o carnaval surge mais uma vez. Um rio calm o
finaliza o momento quase de transe, Beatriz saúda a terra e os ancestrais.
Assim, o corpo de Beatriz é o filme, como também é a terra, visto por
uma perspectiva decolonial, transatlântica, pois as informações, a voz, a
identidade que dá o grito libertador na obra são múltiplas, mas é Beatriz,
A voz em off finaliza, então, seu monólogo polifônico:
Para ti, comandante das armas de Palmares. Filho, Irmão, pai de uma
nação. O que nos destes? Uma lenda, uma história ou um destino? Ho! Rei de
Angola Jaga. Último guerreiro palmar. Eu ti vi Zumbi, nos passos e nas
migrações diversas. Dos teus descendentes te vi adolescente, sem cabeça, sem
rosto nos livros de história. Eu te vejo mulher em busca do meu eu. Ti verei

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vagando, oh estrela negra! Oh! Luz que ainda não irrompeu! Eu te tenho no
meu coração, na minha palma de mão verde como palmar. Eu te espero na
esperança, do tempo que há de vir. (Transcrição do filme)
O som do baile funk justo as imagens de negros e negras dançando
enceram o filme deixando um rastro de continuidade. O filme, então, também é
esse corpo desterritorializado, pois ele apreende essa comunicação
transatlântica. Onde o indivíduo experimenta todo um mundo de gostos, de
sensações, que se liga diretamente com um “ser natureza”, com um “ser
animal”, um “ser vegetal”, um “ser coisa”. É nesse corpo que se escreve um
território aquilombado de resistência. Fazer a cabeça, então é religar o
passado, futuro e presente.

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Recebido em 22/08/2022 - Aprovado em 25/10/2023

Como citar:
GARCIA MADALEN EIRAS, R. O filme "Ôri": um corpo decolonial aquilombado. ouvirOUver, [S. l.], v.
20, n. 1, [s.d.]. DOI: 10.14393/OUV-v20n1a2024-66777. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/66777.

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