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Acadêmico: André Henrique de Marafigo
Profº Orientador: João Vinícius de Almeida Braga
Parte 1: A Semântica e o Campo Semântico
Roberta Pires de Oliveira, doutora em Linguística pela universidade Katholieke
Universiteit Leuven, Bélgica, e pós-doutorada pelas universidade de Harvard e Massachussets Institute of Technology, ambas estadunidenses, inicia seu livro “Semântica Formal: Uma Breve Introdução” (2001) colocando em xeque uma das principais perguntas acerca dos cursos de introdução à Semântica Formal: por que tem-se que aprender isso? Ao revelar duas possíveis causas para a atuação do semanticista, a abstratividade do estudo do significado e a tendência tecnicista que perdura na sociedade contemporânea, a autora ainda afirma que uma das razões para o estudo da semântica, isto é, de maneira prática, pode ser justificada pela elaboração de programas computacionais, como um tradutor automático, bem como a elaboração de dicionários. Contudo, a formação de um cidadão que reflete sobre sua própria língua, esteja ele interessado nas línguas naturais ou não, parece ser o argumento trunfo sobre o estudo formal do significado. De maneira lógica, a semântica se faz necessária à qualquer que seja o pesquisador que se desdobre sobre a linguagem humana, uma vez que a definição de linguagem em si mesma já acarreta o pressuposto de um significado, o que remete logo à semântica, como é dito por Ferdinand de Saussure, que afirmava que o signo linguístico corresponde à junção de significante e significado; o que é traduzido por Noam Chomsky, outro nome importante da linguística, como o emparelhamento entre a lógica e a forma fônica (o sentido e o som). Mesmo que a semântica tenha ganhado grande notoriedade no campo da pesquisa nas últimas décadas, pelo fato de não haver uma teoria que unifique o “significado”, bem como a forte relação que a semântica ainda possui com a metafísica, é incontestável negar seu lugar dentro da Linguística, mesmo que não haja um noção clara e um consenso entre o que é o significado e como ele está atrelado com o mundo. A pretensão científica da semântica (lê-se “realizar uma descrição científica do significado”) não é algo tranquilo. Ao induzir uma cientificidade, a semântica estaria inserida em qual área das ciências, já que pertence, então, a elas? Ciências naturais, pelo caráter natural do significado? Ciências sociais, devido a estrutura de instituição social que a língua apresenta? Ciências Humanas pela abstração dos signos? Ou todas as opções? Ao colocar a semântica como uma ciência, pode-se dizer que o grande ápice, a “pedra filosofal semântica”, seja a construção de um modelo, a dita “máquina semântica”, que seja capaz de traduzir o conhecimento natural que um falante possui da língua; não trata-se apenas de uma hipótese isolada sobre o significado de um signo ou outro, mas sim uma cadeia delas que se complementam e se refletem a fim de traduzir o ato natural de um falante de atribuir significado. De maneira geral, o objetivo de compreender a atribuição natural e universal que os seres humanos dão aos signos em suas línguas naturais, pode ser visto como uma tentativa em um contexto mais amplificado de compreender a funcionalidade da mente humana, a nível individual e coletivo, o seu modus operandi. Destarte, a supracitada máquina semântica nada mais seria que um compilado de hipóteses geradas por semanticistas que podem confirmar empiricamente o que há de mais subjetivo na mente humana, a linguagem. Ao se comprometer com a construção de um sistema semântico que traduza a orquestração inconsciente que um falante realiza com a linguagem, o primeiro passo que o semanticista deve dar é abandonar todo e qualquer preconceito linguístico; deve estar ciente de que não existe uma maneira correta de falar e colocar a língua como objeto nu sob sua observação. Da mesma forma que deve compreender que as línguas naturais são regidas por regras e não possuem sentenças pré-estabelecidas que podem ser listadas em uma finitude, do contrário, a capacidade linguística do falante se tornaria apenas uma inteligência aquisitiva. Do mesmo modo que um físico é capaz de traduzir os fenômenos naturais, tais como a gravidade, a eletricidade, o movimento e afins, em fórmulas, o objetivo do semanticista e seus sistema semântico é traduzir, de forma lógica, o significado das sentenças ditas e, de maneira mais ambiciosa, uma sequência delas se a Semântica Discursiva for levada em consideração, o que significa que não só o sistema deve ser efetivo quanto a atribuição de significado como também deve resolver possíveis ambiguidades contextuais. Possivelmente o primeiro exemplo de uma regra formal (e talvez o possível início da Semântica Formal), surgiu na Grécia Antiga, no século V a.C., com Aristóteles e seu silogismo. A famosa fórmula “Todo ser humano é mortal. João é homem. João é mortal” apresenta uma cadeia de sentenças que resultam em uma sentença necessariamente verdadeira e, por conseguinte, estas podem ser descritas em uma fórmula. Tomando a letra M como o conjunto de mortais, a letra H como o conjunto de humanos e a letra J como João, um indivíduo humano, é lógico traduzir o silogismo como “J ∈ H e H ⊂ M, logo J ⊂ M”, onde homens e mortais são um conjunto, o primeiro inserido no segundo, e João é um indivíduo do conjunto dos homens. Tem-se aqui uma fórmula que funciona independente de seus sintagmas e da língua natural em que é aplicada; um exemplo de como o sistema semântico deve funcionar ao ser universalista e não somente apresentar hipóteses isoladas dentro de uma única língua ou sobre um signo. Mesmo que a primeira regra formal seja tão antiga, remetendo a Aristóteles, o surgimento da Semântica Formal é algo muito recente, vindo à tona mais precisamente na década de 50 com os trabalhos de Chomsky e seus Gerativismo e Gramática Universal, os quais romperam com as ideias estruturalista que imperaram durante muito tempo antes disso. O principal argumento que fez com que os estruturalistas cedessem do pensamento de que a língua nada mais era que um gigantesco e finito conjunto de sentenças já formadas foi o argumento de Chomsky de que o ser humano é criativo, possui a capacidade de criar sentenças que nunca ouviu antes, tomando como exemplo o processo de aprendizagem linguística de uma criança. A maior dificuldade encontrada pelo semanticista, isto é, antes mesmo de se deparar com o desenvolvimento do sistema semântico que corresponda à capacidade de um falante, talvez seja a múltipla significação do item “significado”. Por se tratar de um termo interdisciplinar, utilizado dentro de ciências como a filosofia, a psicologia, a lógica e afins, torna-se difícil para o semanticista, visto que seu objeto de estudo é justamente o significado, empreender uma unicidade dentre tudo isso. É por essa razão que muita vezes não emprega-se todas as ocorrências de significado nos estudos semânticos, uma vez que ele pode ser empregado como pura referencialidade (apontar ou demonstrar algo no mundo físico), questionar definições (qual o significado de “caderno”, ao que se responde “objeto composto por folhas utilizado para anotações, desenho, etc…”) ou ainda tradução (“what does it mean ‘g arrafa’? “it means ‘bottle’), entre outros. É devido a este impasse que muitos dos materiais que propõem conteúdo semântico muitas vezes iniciam por afunilar o conceito de significado que estão empregando no estudo, tudo isso com o intuito de elucidar melhor a que direção as pesquisas e pensamentos estão voltadas bem como descartar qualquer interpretação errônea do material desenvolvido. Por conseguinte, existe ainda o que tange uso e menção da língua. A chamada “metalinguagem” é possivelmente o recurso mais útil encontrado pelo semanticista ao longo de todo o seu trabalho. De que forma um estudioso poderia descrever toda a sua pesquisa sem falar, em momento algum, sobre o objeto que tem pesquisado? Para o semanticista, a tarefa de separar o conteúdo da pesquisa do objeto do qual se fala se torna potencialmente mais dificultoso. É através da língua que os resultados dos experimentos semânticos são descritos, entretanto, é também a própria língua o objeto estudado. Para que este problema deixasse de ser o que é, Tarski apresentou uma solução simples e eficaz: diferenciar a língua-objeto da língua. É comum notar não somente em conteúdo científico mas também durante o dia-a-dia, o uso de certas entonações ou diferenciações gráficas específicas (como aspas ou o itálico) para que se possa comunicar algo em particular. Quando encontra-se uma frase como “ela é um pronome feminino” é claro, mesmo que inconscientemente, que a sentença usa a palavra “ela” como objeto em vez de inseri-la em seu contexto, levando a crer que algo está sendo apontado no mundo e definido como pronome feminino. A ferramenta da metalinguagem ainda ajuda a compreender outro item a ser distinto da semântica, a pragmática. Do mesmo modo que existe uma tênue linha entre uso e menção de uma palavra em uma sentença, também é tênue a margem entre semântica e pragmática, tanto que ainda acarreta em grandes discussões sobre os limites de uma e outra. Contudo, é imprescindível que ambas sejam separadas se o semanticista deseja obter êxito em sua análise e desenvolvimento de sistema, uma vez que a pragmática surge carregada de intenção no momento de fala e descontextua totalmente a intenção da semântica. A principal diferença entre essas duas áreas da linguística reside aí, enquanto a pragmática traz a intenção do falante junto da fala, o semanticista busca analisar este objeto despido de qualquer pretensão que o falante possa atribuí-lo, a grosso modo, “a fala não falada”. É importante notar que isso não significa necessariamente analisar a fala fora de contexto, o que poderia resultar em muitas ambiguidades tanto para o sistema a ser desenvolvido quanto para um falante (“Carlos saiu.” saiu para onde? saiu de quê? saiu por quê?), o contexto é tão importante para a pragmática quanto para a semântica, o mais correto é dizer que o semanticista busca analisar a sentença sem a “intenção de fala”, a pretensão que o falante introduz no sintagma ao proferi-lo (como uma situação em que um amigo diz “está quente hoje” quando está na casa de alguém com a intenção de que uma possível janela fechada seja aberta para refrescar o ambiente).