Conto Canto Do Maruim
Conto Canto Do Maruim
Conto Canto Do Maruim
O Canto do
Maruim
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Apresentação
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As Rocas
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Mais pra cá, tenho sempre a relembrar, no pequeno cais da
Redinha, ainda a manter−se, as velhas lanchas e barcos a vela, a
transportar para cá passageiros do cais da Tavares de Lyra. O som dos
motores improvisados me transporta aos antigos passeios de infância, feitos
mirabolantes de toda criança do meu tempo, somente entrecortados pelos
barulhos dos motores das balsas que, num constante vai−e−vem,
atravessam as águas lotadas de turistas e bugres para a exploração das
dunas de Jacumã e outras delícias tropicais.
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— Ora, estava esperando o amigo! Não estou aqui para
estudar e sim para me divertir e aprender com os amigos.
Ele, de imediato:
Curioso, pergunto:
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Completa o amigo, mais descontraído:
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O bairro tem sua origem constituída por marítimos e
operários que se instalaram próximos às primeiras indústrias da cidade, ao
Porto de Natal e à Estrada de Ferro, sempre periférica à região de maior
desenvolvimento da cidade, o bairro da Ribeira.
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RUA DA FLORESTA
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― o namorado só podia ter “feito mal” (deflorado) a
menina... e a levado ninguém sabia pra onde.
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peixeira por baixo da saía e depois de tomar umas “chamadas” na intenção
dos namorados fujões, disse afinal pra os fregueses da bodega onde bebia:
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Um arsenal popular de produtos e comidas, pra ser vendido,
comprado, conversado e gritado, ao mesmo tempo em que se ouvem
mendigos implorando esmolas, cegos cantando seus pedidos, cantadores
entoando seus romances, ao som de violas e rabecas, enquanto meninos
gritam alto, doendo os ouvidos da gente oferecendo:
— Saaaaco de papeeeel!...
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São cinco horas da tarde e o sol pende por entre as águas do
Rio Potengi a tarde chegou. O resto do dia passou sem maiores novidades
ali na Roca, a não ser a feira que permaneceu animada até o fim da tarde,
hora em que os feirantes, vão desarmando as barracas, e arrumando seus
produtos e cangaços que sobraram, pra regressarem aos seus lares, muitas
vezes localizados em pontos distantes da Cidade, como Alecrim,
Lagoa−Sêca, Quintas, Carrasco e em lugarejos próximos a Natal.
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diabo, havendo gente malvada, contudo, que dava cachaça a ele, somente
pra achar graça, pra ver Janjão fazer artes, como: levantar a saia das
mulheres, andar com o membro (pênis) pra fora das calças, dizer “nomes
feios” (palavrões), jogar pedras nos meninos que o “aperreavam”
(apelidavam) e outras coisas mais. Vez pôr outra era preso e apanhava,
mas não melhorava. Quando bebia ficava doidão com fartura. Janjão foi
entrando na venda, e encontrando ali Gracinha foi dizendo:
Da vizinhança disseram:
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— Gracinha, num tem ninguém em casa, não. Saiu todo
mundo, derna da noitinha...
— Ele disse que foi ver se dava com Joca. O velho parecia
preocupado. Foi com ele, à mulher e as duas filhas moças.
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Miro vinha todo lorde, encasimirado, endinheirado, tomando
uma cervejada, desde à tardinha quando chegara de Macau, pagando
bebida pra todo mundo. E logo foi puxando Gracinha pra se sentar com ele,
em uma mesa cheia de garrafas de cervejas e uísque, juntamente com um
seu companheiro, um moreno todo bem vestido, com pinta de embarcadiço,
vindo também de Macau.
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praça pra deixá−la nas Rocas, prometendo voltar, dentro de poucos dias,
pra fazer umas brincadeiras...
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A VIZINHANÇA
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entretém pra valer. É muito gostoso comentar o modo de viver dos outros,
principalmente quando há casos extras pra fuxicar.
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Pela manhã o cortiço permanecia calmo, com seus inquilinos
repousando. E à tarde, quando sol começava a esfriar, entrando pela noite,
surgiam barulhos, de vez em quando os mais desencontrados, músicas de
boleros na voz de Anísio Silva e Chico Alves.
Às vezes era uma mulher da vida que brigava com sua colega
que lhe queria tomar o amante... E começava a confusão:
A outra respondia:
Outras vezes, alta noite, era uma rapariga que batia a porta
do quarto, expulsando um homem que queria entrar, dizendo aos gritos:
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— Ah, rachadas baixas... Não me troco por uma dúzia
delas...
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forte, musculoso, de olhar sinistro de brancas escleróticas, desordeiro,
maconheiro e ladrão e que tinha o apelido de Maravilha. De quando em vez
a policia metia−lhe na chave, mas não adiantava, pois o Delegado não
gostava de abrir processo. Preferia prendê−lo por uns dias, dar−lhes umas
pancadas e depois mandava−o embora, o que era muito mais cômodo pra a
autoridade policial, porque o livrava da trabalheira de um processo, às
vezes com flagrante, diligências e tudo o mais. E assim o nego não se
corrigia, pois já estava habituado àquela vida, tendo ficado sem-vergonha.
E os fatos se sucediam no mesmo rojão, sem melhorar.
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Todo aquele povo dormira tarde, estando tudo agarrado no sono, pois tinha
havido ali, na vizinhança, um animado “assustado” pré-carnavalesco.
Após forçar uma porta que dava pro quarto do casal, ali
penetrou no meio do escuro, somente clareado com as brechas do telhado,
onde encontrou marido e mulher dormindo.
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Em seguida, no vexame de sair da morada, Maravilha ao
passar pelo banheiro não viu no escuro, uma grande bacia de zinco que
estava encostada na parede e, tocando nela, jogou-a ao chão, produzindo
então um grande barulho.
In cannabis, veritas.
Pra finalizar, desta vez a coisa foi séria pra Maravilha. Houve
processo porque a vítima botou advogado e foi o diabo-a-sete. Resultando
no final, cadeia e condenações com penas, por mais de um crime, pro
negão, na Detenção.
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Não havia tempo ruim pra todo aquele povo, que falava de
cara alegre Como quase todos eram pobres ninguém se preocupava com a
segurança de seus bens, pois; em geral, ricos ou arranjados, vivem mais
sérios, de cara amarradas talvez inquietos por causa de seus haveres.
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A maioria vivia o momento presente. Eles topavam tudo.
Ninguém tinha o que perder. Todos davam risadas com uma brincadeira
qualquer, como podiam formar uma briga, nascida de uma discussão de
pouco caso, onde às vezes, o cacete ou a peixeira poderia sair em cena. Ali
se comentava tanto a vida alheia, como os lances de uma pescaria heróica,
assim como os assombros e as lendas do mar alto, na intimidade com os
peixes perigosos e monstros marinhos, tudo isso digerido por entre goles de
aguardente e pedaços de peixe frito - gingas. Ouvia-se de voz-viva, a
crônica dos veteranos das águas, de mestres pescadores de dezenas de
anos de luta com as ondas, conhecedores dos mistérios do mar oceano, das
locas escondidas dos peixes.
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Todo o movimento aviatório mundial nunca esqueceu a
posição privilegiada de Natal e ate o dirigível alemão “Graf Zepelim” em
1930 e 1933, em suas viagens pela América do Sul baixou duas vezes em
Natal, sobre a estatua de Augusto Severo homenageando-o com o
desembarcar de coroas de flores, o malogrado aeronauta potiguar do
dirigível Pax.
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Natal, a então cidadezinha pacata e provinciana começou a
tomar ares de centro urbano e militar principalmente.
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cujas horas extraordinárias eram pagas em dobro. Por isso havia um
animando movimento de gente nas ruas.
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produtos de artesanato e curiosidades populares, as mais extravagantes,
sem se falar nos exemplares exóticos dos nossos pássaros e plantas locais.
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Uma das heranças que os estadunidenses deixaram em nossa
terra, foi o “Slack”, camisa solta, descontraída, por fora das calças, sem o
formalismo das camisas engravatadas, ensacadas, mais apropriadas para o
clima tropical.
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MUDANÇA DE VIDA
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Modesto com outros companheiros de Parnamirim
endinheirados como estavam, passaram a assíduos freqüentadores dos
bares, sem se falar nos cabarés novos que surgiram em diversos pontos da
cidade. Foi assim que Modesto foi ficando conhecido nas diversas pensões
de mulheres, principalmente na zona da Ribeira, onde sempre fora seus
pastos, pois ali já trabalhara muitos anos e além do mais, era perto de
casa, vizinho das Rocas.
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Depois a coisa evoluiu até de madrugada. Já no domingo, a
partir das dez horas da manhã, a turma ia tirar a ressaca na praia do Areal.
Entre todas elas havia uma cearense nova e bonita que era
uma fera pra querer conquistar Modesto. Fazia artes do diabo pra agradar.
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Apesar de Dorinha, reclamar como que estava acontecendo
com os dinheiros que não chegavam pra nada, Modesto se desmanchava
em desculpas, inventando descontos que estaria sofrendo em seu salário,
além de outros pretextos.
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aparece aqui no baralho... É uma mulher perigosa, pois ela mandou fazer
um ponto pra pegar o seu esposo...
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Dorinha estava então ciente, conforme lhe havia dito a
Madame Beatriz que, somente no Catimbó se desmancharia o “trabalho”
que a tal amante de Modesto, havia mandado fazer contra ele.
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distancia do portão de madeira, que dava acesso ao cercado de arame
farpado, todo plantado de coqueiros, mangueiras e diversas plantas
rasteiras, que rodeavam a sua residência.
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para ficar com o marido de Dorinha, havia se quebrado, não tendo mais
forças.
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Modesto é quem havia ido pedir perdão a Dorinha, enquanto um pequeno
grupo garantia que Dorinha havia descoberto uma amante de Modesto e
aplicado uma surra nos dois...
O RETORNO DE MODESTO
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Modesto que havia se distanciado de sua família, dormindo
noite sim e noites não, passou a ser mais assíduo em casa, sempre
chegando por volta das nove horas da noite, o que deixava Dorinha mais
feliz e confiante que o catimbó havia tido efeito. Desmanchava-se em
elogios ao Mestre Cardozo para com a sua comadre confidente.
BET JOE
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No auge da influencia norte-americana, não podia faltar
alguém que tentasse mudar de nome para ficar mais próximo dos artistas
de Hollywood.
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— Ai doido nou! Responde zangado Bet.
Tem outra do Bet Joe, que foi quando nas suas andanças
pelo Areal, sempre portando uma pasta de couro volumosa chamou a
atenção de dois malandros que estavam sentados em um cajueiro tomando
cachaça com caju. Ao observarem aquela pasta cheia, imaginaram ter muito
dinheiro ali dentro e logo trataram de abordar o Bet para tomar a sua pasta.
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― Agora estou sem tempo para vocês, estou indo resolver
assuntos mais sérios!
OS APELIDOS
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Ora, quem nunca viu os apelidos populares de figuras
psicóticas ou traumatizadas do cotidiano.
Nas Rocas, não podia ser diferente, era o delírio das crianças
e deleite dos mais velhos, que fingiam não ver o que estava se passando.
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portava ameaçava matar seus opositores. Era sempre a mesma rotina,
parecia que Peru gostava de ser ovacionado pelo Apelido.
― Alma, Alma!
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irritante, o que forçava a Nestor (Alma) a tomar alguma providência que
consistia em atirar pedras e descompor quem visse pela frente.
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― Falar em fome me lembra comida, ressalta seu Gaspar.
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Na época de festividades, ainda se podia beber de um
“Aluah”, bebida fermentada de milho e especiarias, que era feita
previamente dentro de um pote de barro enterrado para adquirir o ponto
ideal. Assim também eram os “ponches” feitos de maracujá, mangaba, caju
e abacaxi.
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OS AMERICANOS
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sociedade local para usufruir entretenimentos vários, como boate, shows,
orquestras, gastronomia refinada e jogos de cassino.
— Mãos ao alto!!
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irreprimível gargalhada. Era o saudoso Humphey Bogart que iniciava o seu
show.
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Para seu deleite, observaram em certa noite em frente ao
Wonder Bar, um major norte-americano bêbado e tumultuando o
movimento, que foi avistado pela patrulha que se aproximou já acenando
para aquele militar para que saísse do cabaré e como o major não obedeceu
a ainda mandou-os embora, pois era oficial superior. Frente a isto os
patrulheiros não hesitaram em caçarem suas luvas e intimaram o major a
obedecer em nome do Presidente dos Estados Unidos. Aos tombos, o militar
se afastou do lugar e tratou de caminhar para o Grande Hotel.
Era comum nas Rocas, nas noites de “blac-ut”, onde não era
permitido sequer acender um fósforo, ficar nas calçadas observando o
barulho das marolas ou em total atenção as instruções previamente
divulgadas pelos comitês de defesa. Contudo, após os momentos de tensão,
começava de novo a rotina com comemorações, comentários e sempre
alguém para espalhar uma noticia sensacionalista sobre o possível ataque
nazista que fora abortado pela aviação aliada.
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Entre os bares pelo centro, o movimento se resumia ao no
máximo até a meia-noite, período em que as “famílias” iam dormir e os
boêmios, se encontravam para “descer” para a noite da Ribeira.
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CARNAVAL
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Entre um momento e outro, surgia uma briga por motivos
mais banais e lá se formava uma pequena roda de admiradores e
partidários dos valentões, formando uma verdadeira discussão coletiva
indecifrável.
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A VIDA CONTINUA
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No centro do Canto do Mangue, se concentra a
desembocadura da maioria das ruas das Rocas, também é passagem para
as praias e a pista de pouso do radiofarol, localização onde se alojam
próximo as baterias antiaéreas das forças armadas. Naquele centro se
passa a maioria dos seus habitantes, é o ponto de encontros, de conversas,
de comércio e cenário das ressacas dos boêmios locais.
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Na casa em frente, constando de um único vão e um
banheiro improvisado, morava mestre Marcos e sua família, um carpinteiro
de barcos alto e magro, que ganhava a vida num pequeno estaleiro
improvisado nas margens da maré.
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metido a valentão que sempre andava com calça e camisa branca. Só que
Luiz foi sabedor e temendo uma “desmoralização” preferiu se calar.
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Ai o seu Gaspar entre sorrisos afirma:
Sofridos a pensar
Respondo de pronto:
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— Já viu malando falar de si? Só conto as histórias alheias...
Boa noite.
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VOCABULÀRIO
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