Resolução Exames (Inês Soares)

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Inês de Oliveira Soares

Resolução Exames Direito Patrimonial da Família e das Sucessões

25/05/2020

António é casado com Berta desde 5/02/2003. Antes de casarem, eles


celebraram uma convenção antenupcial, em 4/01/2002, pela qual
estipularam que o regime de bens do casamento seria o da separação
(absoluta) de bens. Sucede, entretanto, que António praticou os seguintes
atos sem o consentimento desta:

a) Comprou um apartamento na Figueira da Foz, pelo preço de 100.000,00


euros, em 4/10/2019, com o produto de um empréstimo por ele contraído
junto do NOVO BANCO, S.A. (3 Val.)

b) Em 20/01/2020, deu de arrendamento a Carlos (que tomou de


arrendamento) o referido apartamento, pelo prazo de 5 anos, pela renda
de 600 euros mensais (3 Val.).

Diga se Berta (que tomou há 3 meses conhecimento destes negócios) pode


invalidá-los. Responda às questões isoladamente e justifique as respostas.

a) António e Berta, antes de casarem celebraram uma convenção antenupcial. As


convenções pré-nupciais são contratos celebrados antes do casamento, que têm
como finalidade fixar o(s) regime(s) de bem(ns) que os futuros cônjuges pretendem
que seja a base das suas relações patrimoniais durante o casamento (artigo 1698º)
e, por vezes, podem também ter como finalidade programar consequências
patrimoniais que poderão ocorrer após o fim do casamento. A convenção
antenupcial é então um contrato acessório do casamento, cuja existência e
validade supõe a ulterior celebração de um casamento válido entre os nubentes –
condição legal de eficácia da convenção antenupcial. Ora, se uma convenção
antenupcial é um contrato preparatório, instrumental e acessório do casamento,
então a convenção antenupcial vive à sombra do casamento. Se assim é, o
casamento deve ser celebrado num curto espaço de tempo após a celebração pré-
nupcial. Nos termos do enunciado, António e Berta casaram passado mais de um
ano da celebração da convenção antenupcial. Assim sendo, nos termos do artigo
1716º, esta caducou. Visa-se a atualidade da convenção para que António e Berta
se possam rever no regime que escolheram. Com efeito, não vai funcionar o
regime de bens eleito pelos cônjuges e vamos aplicar o artigo 1717º, segundo o

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qual na falta de convenção antenupcial ou no cado de caducidade ou ineficácia da


convenção, o casamento considera-se celebrado sobre o regime de comunhão de
adquiridos que é o regime supletivo (artigo 1721º e ss.).

Relativamente à compra do apartamento não há qualquer ilegitimidade conjugal.


Neste sentido, importa atender ao artigo 1690º segundo o qual qualquer um dos
cônjuges têm legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro. Há
aqui uma clara afirmação do princípio da liberdade. Então, o ato de aquisição de
um bem imóvel não pode ser anulado – adquirir onerosamente é o oposto de
alienar e muito diferente de onerar. Assim sendo, no plano das ilegitimidades
conjugais, o negócio é inatacável. Então, a compra do apartamento traduz no
nosso cado a contração de uma dívida – o mútuo celebrado com o Novo Banco
para usar esse dinheiro e assim pagar o apartamento. Concluindo, Berta não pode
anular este contrato de compra e venda pelo qual o apartamento foi adquirido por
António.

b) Como já foi supramencionado António e Berta estão casados no regime de


comunhão de adquiridos. Por conseguinte, nos termos do artigo 1724º/b, o
apartamento é um bem comum pois foi adquirido onerosamente na constância do
casamento. O nosso caso remete-nos para o problema das ilegitimidades conjugais
(artigos 1682º; 1682º-A; 1683º e 1685º) na medida em que a prática de alguns atos
implica o consentimento do outro cônjuge ou a dispensa ou suprimento judicial
desse consentimento. Então, uma vez que no caso sub judice António deu de
arrendamento o apartamento a Carlos, cumpre-nos saber se António podia ou não
praticar este ato sem o consentimento de Berta. Acrescente-se que a falta de
ilegitimidade conjugal não tem que ver com a incapacidade de exercício de
direitos. Enquanto que na incapacidade de exercício de direitos a lei pretende
proteger a pessoa do incapaz, no caso das ilegitimidades conjugais não se
pretender proteger a pessoa de si própria, pretende-se, pelo contrário, a proteção
de um cônjuge face ao outro, não estando em causa os interesses do próprio
titular mas sim de terceiro que poderão ver a sua situação patrimonial afetada em
virtude da administração não diligente e outra pessoa. Nesta linha, importa
atender ao artigo 1682º-A que é relativo aos imóveis e às empresas em sentido
objetivo. Deste modo, estabelece a respetiva norma que a alienação, oneração e
arrendamento sobre imóveis próprios ou comuns tem que ser feita por ambos os
cônjuges ou por um com o consentimento do outro (ou ainda por uma dispensa
judicial do consentimento do outro nos termos do artigo 1684º/3). António não
podia dar de arrendamento o imóvel a Carlos sem o consentimento de Berta. Se
atentarmos no artigo 1682º-A todos os atos nele previstos estão dentro de um
espetro da privação das faculdades do proprietário e, portanto, são tratados de

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forma paritária (mesmo sendo o direito de arrendamento um direito pessoal de


gozo e não um direito real). Em regra, os atos de administração ordinária não
necessitam do consentimento do outro cônjuge e o regime jurídico do contrato de
locação estabelece que a locação na perspetiva do locador é um ato de
administração ordinária. Assim, o artigo 1682º-A é uma norma especial.
Assim sendo, temos de recorrer ao artigo 1687º, segundo o qual o ato de António é
anulável. Acrescente-se que este negócio é anulável, mas o regime da anulação
tem singularidades que se afastam do regime geral (nº2 e nº3). Relativamente ao
prazo, este é de seis meses a contar da data em que o cônjuge que dispõe deste
direito de anulação tomou conhecimento do ato ou negócio jurídico. Além disso,
este prazo tem que ser conjugado com um limite absoluto de três anos a contar da
data da celebração de negócio ferido de ilegitimidade conjugal. Estes três anos
estão relacionados com o regime da anulabilidade em geral (artigo 291º/2).
Concluindo, o ato é anulável a requerimento de Berta e Berta está a tempo uma
vez que o direito pode ser exercido nos seis meses após o conhecimento do ato
(Berta tomou conhecimento do negócio há três meses) e ainda não decorreram
três anos desde a prática do ato.

II

Não tendo António procedido ao pagamento de várias prestações correspondentes


ao reembolso do mútuo (capital e juros) efetuado pelo NOVO BANCO, S.A., este
pretende saber quem, nos termos do direito substantivo, poderá vir a ser responsável
pelo pagamento da totalidade da quantia em dívida e se, para além do referido
apartamento, poderá ainda ser penhorado imediatamente um outro prédio
adquirido, há um ano, por António, com o dinheiro que este recebeu da herança dos
seus progenitores, falecidos num acidente de viação há dois anos (5 Val.).

Estamos perante um caso de responsabilidade por dívidas. A comunhão da vida


conjugal pressupõe a partilha de recursos e a partilha de afetos. Esta plena comunhão
de vida e proximidade existencial em que se encontram os cônjuges tem reflexo no
regime das dívidas. No fundo, o estado de casado cria, em virtude da comunhão de
interesses patrimoniais – que implica a comunhão de vida – a necessidade de ter
regras especiais que se destinem a responder a esta plena comunhão de vida (artigo
1577º). É inevitável que a contração de dívidas, embora livre por qualquer um dos
cônjuges, obedeça a um enquadramento jurídico diferente dos restantes.

Para responder à questão é essencial, desde logo, apurar se a dívida contraída por
António é uma dívida de responsabilidade de ambos os cônjuges ou se é uma dívida da
sua exclusiva responsabilidade. Neste sentido, veja-se o artigo 1691º. Nos termos do
nº2 do respetivo preceito, para se determinar a imputação de responsabilidade na

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contração da dívida a um ou a ambos importa ter em conta a data na qual o negócio


que gerou a dívida foi celebrado. O legislador optou por prever num só artigo a grande
maioria de situações mais comuns das quais resulta a corresponsabilidade. Somente
António contraiu a dívida. Porém, este regime das dívidas conjugais tem como
especialidade relativamente aos regimes comuns o facto de a dívida contraída por um
só e sem o consentimento ou desconhecimento do outro poder corresponsabilizar os
dois cônjuges. Atendendo ao artigo 1691º, excluímos desde logo a alínea a) pois no
nosso caso Berta não consentiu na celebração do negócio por parte de António. A
compra de um apartamento (ato do qual deriva a dívida) é uma despesa bastante alta,
que não se enquadra nos encargos familiar normais (alínea b). É certo que devemos
atender ao padrão socioeconómico do casal, mas nada no enunciado nos leva a crer
que este casal auferia de rendimentos tão altos que se pudesse considerar a compra
de um apartamento um encargo da vida corrente. Assim, excluímos também a
aplicação da alínea b). Cumpre-nos assim a análise da alínea c). Para que esta dívida
seja considerada contraída no âmbito do proveito comum é fundamental perceber no
que consiste o proveito comum. O proveito comum do casal não se presume (artigo
1691º/3). Com efeito, temos que o provar. O proveito comum, que é efetivamente o
favorecimento do casal, não tem que ser de ordem económica ou material, pode
também ser de ordem moral. Para aferir a existência do proveito comum, não
atendemos ao resultado, mas sim à intenção objetiva e subjetiva. A intenção subjetiva
traduz-se na intenção do cônjuge em favorecer o casal. Então, para aferir da intenção
subjetiva é necessário provar um estado de espírito e tal não é suficiente para afirmar
um proveito comum. Assim sendo, é absolutamente essencial aferir se uma pessoa
normal, razoável e equilibrada, colocada na situação do cônjuge que contraiu a dívida
faria o mesmo à luz de critérios de racionalidade económica. No fundo, é necessário
apurar se a dívida que foi contraída tendo em atenção o proveito comum do casal, se o
era também aos olhos de uma pessoa média, medianamente diligente, segundo as
regras da experiência e das probabilidades normais, se essa dívida podia favorecer o
casal (intenção objetiva). Além dos pressupostos da intenção subjetiva e objetiva é
ainda imprescindível que a dívida tenha sido contraída pelo cônjuge administrador e
dentro dos limites dos poderes de administração. Então, se o casal tem uma situação
económico-financeira normal, se A adquire o apartamento e com isso adquire uma
dívida, o ato de aquisição da dívida é inatacável e não há ilegitimidade conjugal – as
compras não contraem ilegitimidade conjugal. Relativamente à dívida temos que
apurar se António atuou ou não dentro dos limites de administração e perceber se à
luz do estalão socioeconómico de vida dos cônjuges este é um ato de administração
normal e ordinária. Supondo que sim, então a dívida é de responsabilidade de ambos
os cônjuges. Ora, no caso de dívidas de responsabilidade de ambos os cônjuges,
respondem em primeiro lugar os bens comuns e só na insuficiência destes é que
respondem os bens próprios de qualquer um (artigo 1695º). Tal significa que por

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dívidas que responsabilizam os dois cônjuges conseguimos identificar uma ordem de


ataque: primeiro atacam-se que os bens comuns penhoráveis e só subsidariamente é
que podem responder os bens próprios de qualquer um (solidariedade passiva). Para
saber se pode ser penhorado imediatamente o prédio que António comprou com o
dinheiro que recebeu da herança dos seus pais temos de atender ao artigo 1723º.
Vejamos: o valor que António recebeu da herança dos pais é um bem próprio (artigo
1722º/1/b) e foi com o valor que obteve em virtude da herança que António adquiriu o
imóvel. Então, estamos aqui perante um bem que foi adquirido na constância do
casamento, a título oneroso, mas que foi adquirido com valores próprios. Se assim é, é
justo que esses bens façam parte dos bens próprios. No entanto, é preciso saber, sem
margem para dúvidas, que o valor usado para adquirir o imóvel era efetivamente
próprio. Então, o legislador na alínea c) in fine estabeleceu um conjunto de requisitos
formais de cuja verificação se pode afirmar a existência dessa sub-rogação real
indireta. Na leitura da norma, concluímos assim que é necessário que a proveniência
do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição ou
em documento equivalente e com intervenção de ambos os cônjuges. Doutrinalmente,
coloca-se a questão de saber se estes requisitos têm que estar sempre verificados ou
apenas quando estão em causa interesses de terceiros. De acordo com o acórdão
uniformizador de jurisprudência do STJ de 2015, estando em causa apenas interesses
dos cônjuges que não os de terceiros, a omissão do título aquisitivo das menções
constantes do artigo 1723º/c não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios
utilizados na aquisição de outros bens no casamento no regime de comunhão de
adquiridos, prove, por qualquer meio, que foi apenas com dinheiro ou bens próprios
que adquiriu o bem, não integrando o bem próprio a comunhão conjugal. O respetivo
acórdão acolheu assim a perspetiva de PEREIRA COELHO. Assim, a norma deve ser
objeto de uma redução teleológica (interpretação restritiva) no sentido de que os
requisitos formais devem ser cumpridos apenas quando estão em causa interesses de
terceiros. No caso em apreço estão em causa interesses de terceiro – o credor. Dito
isto, uma vez que no ato aquisitivo deste imóvel não foi mencionada a proveniência do
dinheiro ou valores que serviram para o adquirir, não se verifica a sub-rogação real
indireta prevista na alínea c) do artigo 1723º. Com efeito, o bem adquirido na
constância do casamento somente seria próprio se essa menção constasse do
documento de aquisição do imóvel e se tivesse havido, nesse ato, a intervenção de
Berta ou uma procuração conferida por este cônjuge ao cônjuge que adquiriu o bem
com valores próprios – António. Por fim, o imóvel só poderia ser penhorado
subsidiariamente, isto é, na falta ou insuficiência de bens comuns.

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III

Pedro faleceu subitamente num acidente de automóvel, há três meses.


Sobreviveram-lhe o cônjuge, Rita, com quem casara no regime supletivo; a mãe Sara;
os filhos, Rodrigo e Vítor; e o neto Tiago, filho do seu filho Xavier, falecido no mesmo
acidente, não tendo sido possível determinar, por meio das autópsias, se este último
faleceu antes ou depois do seu pai, Pedro.

Sabendo que:

- Os bens próprios de Pedro somam 110.000 euros e os bens comuns do casal somam
40.000 euros;

- As dívidas da herança de Pedro (próprias e comuns) somam 10.000 euros;

- Pedro havia doado, em 2006, um lote de ações que levara para o casamento ao
neto Tiago, as quais valem 30.000 euros;

- Pedro fez um testamento pelo qual deixou ao cônjuge, Rita, em substituição da


legítima desta, um terreno para construção, no valor de 50.000 euros, tendo esta
aceite a atribuição testamentária.

Faça a partilha da herança de Pedro, justificando todas operações (9 Val).

A personalidade jurídica extingue-se com a morte (artigo 68º/1). Se quando uma


pessoa morre se extinguem as relações jurídicas de que ela é titular, tal significa que se
abre uma crise nas relações de que ela era titular. Com efeito, surge a necessidade de
encontrar uma solução para esta crise. Vejamos: com a morte as relações jurídicas
desligam-se do anterior sujeito, ficam sem sujeito. Como tal, é necessário que haja um
novo titular das relações pois não há relações sem sujeitos. Neste contexto assume
especial importância o direito sucessório. O artigo 2024º dá-nos a noção de sucessão
por morte – chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
patrimoniais de uma pessoa falecida a consequente devolução dos bens que a esta
pertenciam. A abertura da sucessão ocorre no momento da morte do seu autor (artigo
2031º).

Nos termos do enunciado cumpre-nos realizar a partilha da herança de Pedro. Para tal,
importa desde logo indicar o quadro de pessoas sucessíveis e fazer o chamamento à
sucessão – vocação sucessória. Nos termos do artigo 2026º os títulos de vocação são a
lei, o testamento e o contrato. Ora, para que uma pessoa seja chamada à sucessão têm
que se verificar os pressupostos da vocação: titularidade da designação sucessória

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prevalente; existência do chamado e capacidade sucessório. Então, só quem reunir


estes requisitos cumulativos é que pode ser chamado à herança (artigo 2032º).
Imperativamente imposto por lei, vão ser primeiramente chamados à herança os
herdeiros legitimários. Tal significa que no topo da hierarquia estão os herdeiros
legitimários (artigo 2157º). Resulta do artigo 2157º que são herdeiros legitimários o
cônjuge, os descendentes e os ascendentes pela ordem e segundo as regras
estabelecidas para a sucessão legítima. Então, havendo cônjuge, descendentes e
ascendentes, são efetivamente chamados os que gozam de designação sucessória
prevalente. Na verdade, podemos concluir que os herdeiros legitimários são sempre
herdeiros legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são legitimários. A este
propósito importa atender a um princípio essencial – princípio da preferência de
classes. Segundo o respetivo princípio, os herdeiros de classes superiores preferem aos
de grau mais afastado (artigo 2134º). Neste sentido, importa atender ao artigo 2133º,
segundo o qual na primeira classe se encontra o cônjuge e descendentes. Como tal,
Sara (sua mãe), por força do princípio da preferência de classes é afastada, já que
ocupa apenas a 2º classe de sucessíveis na sucessão legal. Então, abre-se a sucessão
legitimária e são efetivamente chamados o cônjuge Rita e os descendentes, Rodrigo,
Vítor e Tiago. Quanto a Tiago, ocorre a vocação direta. Ora, segundo o artigo 68º/2,
quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa,
presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo. Então,
quando do ponto de visto do critério médico não foi possível determinar se uma
sobreviveu a outra, o Código Civil consagrou a presunção de morte simultânea –
comoriência. A referida norma encontra-se na parte geral porque não é aplicável
apenas aos efeitos sucessórios, atingindo todo o direito contratual. Assim, à herança
de Pedro é chamado o cônjuge (Rita), os descendentes Rodrigo e Vítor e Tiago é
chamado diretamente à herança do avô, havendo vocação direta por força do efeito
de comoriência. Então, o fenómeno da comoriência implica que não haja qualquer
efeito sucessório entre Pedro e Xavier e ocorre o chamamento direito de um
descendente legitimário que seria normalmente afastado pela regra traduzida no
princípio da preferência de graus de parentesco (artigo 2135º). Note-se que, em rigor,
Tiago não é chamado por via do direito de representação (artigo 2039º) pois não
houve pré-morte de Xavier em relação ao de cujus, não houve declaração de morte
presumida, não houve declaração de curadoria definitiva, repúdio ou incapacidade de
Xavier. Ainda assim, os efeitos da ausência de qualquer efeito sucessório entre Pedro e
Xavier – que morreram no mesmo acidente sem que fosse possível determinar se um
morreu antes do outro – são na prática os mesmos do direito de representação.

Ora, havendo herdeiros legitimários, abre-se a sucessão legitimária e é preciso calcular


a massa da herança e a legítima subjetiva de cada um deles (Rita, Rodrigo, Vítor e
Tiago), pois só estes são capazes, existentes à data da abertura da sucessão de Pedro,

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aceitantes e titulares da designação sucessória prevalente. Tal significa que para


calcular a parte que Rita, Rodrigo, Vítor e Tiago têm obrigatoriamente que receber
(legítima subjetiva) temos que calcular o todo. Então a primeira operação de partilha é
calcular a massa da herança. Nos termos do artigo 2156º, a legítima é a porção de bens
que o testador não pode dispor por ser legalmente destinado os herdeiros
legitimários. Ora, o artigo 2162º tem de facto a epígrafe “cálculo da legítima”, as na
verdade reporta-se à forma como se deve calcular a massa da herança para que, com
base nela, se posso calcula a legítima – quota indisponível. Para a Escola de Lisboa, que
se apoia na letra da lei, no cálculo da massa da herança devemos ter em conta os bens
deixados pelo de cujus depois somar os bens doados em vida e só depois subtrair as
dívidas. No entanto, não é esse o nosso entendimento. O Dr. PEREIRA COELHO crítica a
formulação da lei e entende que se deve fazer uma interpretação corretiva desta
fórmula. Na verdade, o legislador não teve intenção de fixar a ordem das várias
operações, mas tão só os elementos que formam a massa da herança. No
entendimento do curso, ao valor dos bens deixados subtraímos as dívidas e só depois
somamos as doações. Compreende-se facilmente este entendimento. Vejamos: os
encargos da herança são pagos pelos bens da herança (artigo 2068º) e por isso os bens
doados em vida não respondem pelas dívidas da herança. Se não fosse deste modo, os
herdeiros legitimários não receberiam legítima em situação de herança deficitária. Na
avaliação dos bens deixados, temos que ter em conta também os bens comuns,
fazendo a partilha conjugal. Nos termos do artigo 1730º - regra da metade – os
cônjuges participam por metade nos ativos e no passivo da comunhão. Então, dos bens
comuns do casal (40.000 euros), 20.000 euros pertencem a Pedro e serão
contabilizados na massa da herança. Então a massa da herança será o resultado do
seguinte cálculo: 130.000 – 10.000 + 30.000 = 150.000 euros. Sabendo qual é a massa
da herança, podemos agora calcula a legítima subjetiva. No nosso caso concorrem à
sucessão o cônjuge e os filhos. Com efeito, nos termos do artigo 2159º/1, teremos
uma quota indisponível no valor de 2/3 da massa da herança. Então, se a massa da
herança equivale a 150.000 euros, a quota indisponível é 100.000 euros. A quota
disponível corresponde então a 50.000 euros. As legítimas subjetivas são calculadas
por divisão por cabeça em partes iguais (2136º). Por conseguinte, cada um dos
sucessíveis legitimários tem que receber 25.000 euros. No entanto, Rita aceitou o
legado em substituição da legítima, ou seja, aceitou o terreno para construção e não
receber nada a título de legítima subjetiva. Neste sentido, importa aludir ao artigo
2165º, nos termos do qual o excesso do montante do legado, que primeiramente se
imputa na legítima subjetiva, será imputado na quota disponível, ou seja, será
imputado na quota disponível o montante de 25.000 euros. A aceitação do legado em
substituição da legítima implica a perda do direito à legítima, assim como a aceitação
da legítima envolve a perda do direito ao legado (artigo 2165º/2). Note-se que no
legado em substituição da legítima, o legatária deixa de ser herdeiro para a

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generalidade dos efeitos, não podendo assim exigir a partilha nem será responsável
pelos encargos da herança.

A doação feita a Tiago não reúne os pressupostos para que este donatário fique sujeito
à colação, uma vez que não era presuntivo herdeiro legitimário na data da doação que
o avô lhe fez. Então, falha o requisito previsto no artigo 2105º in fine (requisito
positivo). Como tal, o valor desta doação (30.000 euros) será imputado na quota
disponível do autor da sucessão (50.000 euros) – artigo 2114º/1.

Dito isto, verificamos que há um excesso de imputação de liberalidades na quota


disponível (doação e legado testamentário e substituição da legítima) cujo montante
supera o cabimento máximo nela previsto (50.000 euros). No fundo, estamos a contar
valores para além da quota disponível (para lá do valor que a lei permite que o autor
faça negócios gratuitos). Os valores que imputamos na quota disponível (55.000 euros)
excedem os 50.000 euros da quota disponível. Com efeito, temos que recorrer ao
mecanismo da redução por inoficiosidade de liberalidades. Segundo o artigo 2171º -
que estabelece as regras de redução – a redução abrange em primeiro lugar as
disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados e por
último as liberalidades que hajam sido feitas em vida do autor da sucessão. No nosso
caso, há lugar à redução do legado em substituição da legítima em 5.000 euros, pois a
redução deste tipo de disposições antecede, nos termos do respetivo preceito, a
redução das doações inter vivos.

8/06/2020

João, casado com Maria, no regime supletivo, desde 2009, praticou os seguintes atos
e negócios, sem o consentimento desta (ou sem o seu conhecimento).

a) Doou, em 2/04/2020, um veículo automóvel à Santa Casa da Misericórdia de


Coimbra, que ele usava como instrumento de trabalho e que havia sido por ele
comprado em 2010 (3 Val.);

b) Cumpriu a obrigação de entrada na quota do capital social de uma sociedade


comercial constituída em 2/11/2019, com a transferência da propriedade de um
prédio urbano (para a dita sociedade), que ele havia adquirido em 2003 (3 Val.).

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Pode Maria reagir contra estes atos, cuja prática tomou conhecimento na data em
que foram praticados por João? De que forma? Justifique (responda isoladamente às
duas questões).

a) João é casado com Maria no regime supletivo, ou seja, estão casados no regime de
comunhão de adquiridos que é, entre nós, o regime supletivo desde 31 de maio de
1967 (artigo 15º, DL 47344, de 25 de novembro de 1966). João doou, sem o
consentimento de Maria, um veículo automóvel à Santa Casa da Misericórdia de
Coimbra e João utilizava o automóvel como instrumento de trabalho. Além disso, o
automóvel foi comprado por João em 2010. Ora, João e Maria estão casados desde
2009. Como tal, o automóvel foi adquirido na constância do casamento, a título
oneroso. Com efeito, o automóvel – que é um bem móvel (artigo 205º CC) – é um
bem comum (artigo 1724º/b). Sendo um bem comum, em regra, a administração
deste bem é conjunta. No entanto, uma vez que o automóvel é utilizado como
instrumento de trabalho, a administração do automóvel cabe a João (artigo
1678º/2/e). Nos termos do artigo 1682º, quando um dos cônjuges, sem
consentimento do outro, alienar ou onerar por negócio gratuito, bens móveis
comuns de que tem administração, será o valor dos bens alienados ou a diminuição
de valor dos onerados levado em contra na sua meação, salvo tratando-se de
doação remuneratório ou de donativo conforme os usos sociais. Ora Maria tem
uma afetação fáctica com o automóvel (pois o automóvel é bem comum), embora
não tenha a sua administração. Vejamos: João, doou o automóvel à Santa Casa da
misericórdia e o automóvel é um bem comum, embora ele o utilize como
instrumento de trabalho, cabendo-lhe assim a sua administração. A doação de
bens móveis (mesmo sendo o automóvel um bem móvel sujeito a registo) não está
sujeita a uma forma específica. Este negócio é válido e não pode ser anulado. No
entanto, na partilha de bens comuns, metade do valor do automóvel será
subtraído aos bens comuns a que João teria direito. Estamos aqui perante uma
sanção que não gera invalidação do negócio, mas que se vai produzir em momento
posterior. Então, esta doação – que não é um mero donativo (ex: presente de
aniversário) não é nula nem anulável. Porém, por ocasião de futura partilha dos
bens comuns (ex: na sequência de morte ou divórcio) o valor dos bens alienados
por João será tomado em conta no cálculo da sua meação (artigo 1689º/1).

b) João transmitiu a uma sociedade a propriedade de um prédio urbano, prédio este


que havia adquirido em 2003. Com efeito, nos termos do artigo 1722º/1/a o prédio
urbano integra-se nos seus bens próprios. Como tal, a administração do prédio
urbano cabe em exclusivo a João (artigo 1678º/1). Vejamos: quando uma
sociedade é constituída, nos termos do artigo 980º do CC, aqueles que a
constituem são obrigados a entrar com bens ou serviços – obrigação de entrada. A

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obrigação de entrada pode ser um dinheiro, mas também pode ser em espécie,
sendo que neste caso a obrigação de entrada consistiu na transferência da
propriedade do prédio urbano. Como sabemos, a sociedade é uma estrutura
associativa supra individual, ou seja, distingue-se da pessoa dos sócios. Como tal,
João transfere para o património da sociedade enquanto estrutura a propriedade
do imóvel, deixando este de pertencer ao seu património. Neste sentido, este ato
está ferido de ilegitimidade conjugal, pois foi efetuado sem o consentimento (e
sem dispensa deste consentimento) do cônjuge. Este consentimento é exigido no
artigo 1682º-A/1/a). Note-se que a ilegitimidade conjugal em nada se relaciona
com a capacidade de exercício de direitos. Na incapacidade, pretende-se proteger
a própria pessoa incapaz, enquanto que no âmbito das ilegitimidades conjugais,
pelo contrário, pretende-se a proteção de um cônjuge face ao outro, não estando
em causa os interesses do próprio titular, mas sim de terceiro. Assim sendo,
estabelece a respetiva norma que a alienação, oneração e arrendamento sobre
imóveis próprios ou comuns tem que ser feita por ambos os cônjuges ou por um
com o sentimento do outro (ou ainda por uma dispensa judicial do consentimento
do outro nos termos do artigo 1684º/3). Então, a transferência da propriedade do
imóvel para o património da sociedade é um ato ferido de ilegitimidade e João não
podia tê-lo feito. Por conseguinte, importa atender ao artigo 1687º, segundo o qual
o ato de João é anulável. Este negócio é anulável, mas o regime da anulação tem
singularidades que se afastam do regime geral (nº2 e nº3). Relativamente ao prazo,
este é de seis meses a contar da data em que o cônjuge que dispõe deste direito de
anulação tomou conhecimento do ato ou negócio jurídico. Além disso, este prazo
tem que ser conjugado com um limite absoluto de três anos a contar da data da
celebração de negócio ferido de ilegitimidade conjugal. Estes três anos estão
relacionados com o regime da anulabilidade em geral (artigo 291º/2). Assim sendo,
uma vez que Maria tomou conhecimento da prática do ato na data da sua prática,
tendo já sido ultrapassado o prazo de seis meses, Maria não pode requerer a sua
anulação.

II

Carlos, casado com Marta, no regime da separação de bens, desde 2004, contratou
uma trabalhadora doméstica, Paula, para limpar a casa, jardim e passar a ferro o
vestuário do casal, duas vezes por semana. Sucede, porém, que Paula sofreu um

acidente quando se preparava para limpar o sótão do apartamento, pois caiu das
escadas de acesso, em virtude de um dos degraus estar solto. Este facto, que era do
conhecimento de Carlos, não foi comunicado a Paula.

11
Inês de Oliveira Soares

Paula pretende ser indemnizada pelos prejuízos patrimoniais (despesas de saúde e


medicamentos não cobertos pelo Sistema Nacional de Saúde; incapacidade para o
trabalho numa percentagem de 33%) e não patrimoniais. Ela reputa que o montante
global da indemnização é de 20,000 euros.

Quem é responsável por esta indemnização? Sabendo que Marta não tem bens,
poderá Paula executar um prédio de Carlos no valor de 30.000 euros? (5 Val.).

O caso em apreço remete-nos para a problemática da responsabilidade por dívidas dos


cônjuges. A comunhão da vida conjugal pressupõe a partilha de recursos e a partilha
de afetos. Esta plena comunhão de vida e proximidade existencial em que se
encontram os cônjuges tem reflexo no regime das dívidas. No fundo, o estado de
casado cria, em virtude da comunhão de interesses patrimoniais – que implica a
comunhão de vida – a necessidade de ter regras especiais que se destinem a
responder a esta plena comunhão de vida (artigo 1577º). É inevitável que a contração
de dívidas, embora livre por qualquer um dos cônjuges, obedeça a um enquadramento
jurídico diferente dos restantes. Neste sentido, importa atender ao artigo 1690º,
segundo o qual qualquer um dos cônjuges têm legitimidade para contrair dívidas sem
o consentimento do outro. Há aqui uma clara afirmação do princípio da liberdade.

No nosso caso estamos perante uma dívida proveniente de uma indemnização


imputável à conduta negligente de Carlos, que não comunicou a Paula que havia
degraus das escadas soltos. Poderíamos ser levados a pensar que o cônjuge que a
contratou Paula, por não a ter advertido, seria o exclusivo responsável. No entanto, a
indemnização a título exclusivo de responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos –
falta de advertência em relação ao degrau – imputável a Carlos é considerada uma
dívida comum de ambos os cônjuges. Ora, na verdade, o ato gerador de
responsabilidade civil (do qual resulta uma obrigação pecuniária) insere-se no
horizonte do proveito comum do casal. Porém, o proveito comum não se presume
(artigo 1691º/1). Como tal, cumpre-nos provar que esta dívida é considerada de
proveito comum do casal. O proveito comum do casal é efetivamente o favorecimento
do casal, não tendo que ser de ordem económica ou material, pode ainda ser de
ordem espiritual, moral, intelectual. Além disso, para aferir da existência do proveito
comum, não atendemos ao resultado, mas sim à intenção objetiva e subjetiva. A
intenção subjetiva traduz-se na intenção do cônjuge em favorecer o casal. Assim
sendo, é necessário provar um estado de espírito do cônjuge devedor. É assim fácil
compreender que não basta a intenção subjetiva e só esta não é suficiente para
afirmar o proveito comum. É absolutamente essencial avaliar a intenção
objetivamente. Para tal, recorrermos ao padrão da pessoa média, isto é, temos que
avaliar se uma pessoa normal, razoável e equilibrada, colocada na situação do cônjuge
que contraiu a dívida faria o mesmo à luz de critérios de racionalidade económica. No

12
Inês de Oliveira Soares

fundo, é necessário apurar se a dívida que foi contraída tendo em atenção o proveito
comum do casal, se o era também aos olhos de uma pessoa média, medianamente
diligente, segundo as regras da experiência e das probabilidades, se essa dívida podia
favorecer o casal. No caso sub judice a dívida resulta de responsabilidade meramente
civil mas este ato gerador de responsabilidade comum é considerado praticado no
horizonte do proveito comum. É fácil compreender que a contração de uma
trabalhadora doméstica favorecerá ambos os cônjuges. O enunciado confirma esta
mesmo solução quando nos diz que Paula tinha como trabalho limpar a casa, o jardim
e ainda passar a ferro o vestuário tanto de um como de outro. É ainda necessário
apurar se Carlos atuou ou não dentro dos limites de administração. Contratar uma
trabalhadora doméstica enquadra-se, sem margem para dúvidas, no agir dentro dos
limites dos seus poderes de administração relativo a tal bem – o ato não atinge de
modo nenhum a estrutura da coisa, é sim um ato de conservação e de frutificação
normal, que visam o melhor aproveitamento económica e jurídica e que visam evitar a
deterioração ou destruição do bem. Parece claro que além de pessoas sensatas e
equilibradas praticarem este ato, aos olhos também de pessoas médias a contratação
dos serviços de limpeza – do qual resultou o facto danoso suscetível de ser
indemnizado – é considerada proveito comum.
Carlos e marta estão casados no regime de separação de bens e como tal a
responsabilidade destes é parciária (artigo 1695º/2 CC), não solidária. Tal significa que
uma vez que é dívida decorrente da indemnização se enquadra no conceito comum, a
parte de cada cônjuge da dívida é, em princípio, de 50%. Assim, estando em causa uma
indemnização cujo valor corresponde a 20.000 euros, o dever de prestar de Carlos é
10.000 euros. Então, mesmo sendo o bem penhorado e objeto de venda executiva, a
responsabilidade patrimonial de Carlos era apenas de 10.000 euros, devendo-lhe ser
devolvido o remanescente da venda do referido automóvel.

III

Daniel faleceu em 1/04/2020. Os parentes mais próximos que lhe sobreviveram são
os seguintes: o cônjuge, Eduarda, com quem estava casado em separação de bens; e
os ascendentes, os pais dele, Filipe e Guida.

Sabendo que:

- Daniel deixou bens no valor de 140.000 euros;

- As dívidas da sua herança somam 10.000 euros;

- Daniel doara ao sobrinho Hugo um prédio urbano, que vale 50.000 euros;

13
Inês de Oliveira Soares

- Daniel deixara, por testamento, um relógio da marca “Patek Philippe” ao outro


sobrinho, João, no valor de 10.000 euros;

- No mesmo testamento, Daniel deixara um quarto da sua quota disponível a


Eduarda.

- Filipe repudiou a herança.

Faça a partilha da herança de Daniel, apresentando o quadro dos sucessíveis


efetivamente chamados e as operações de partilha, justificando os resultados a que
for chegando (9 Val.)

A personalidade jurídica extingue-se com a morte (artigo 68º/1). Se quando uma


pessoa morre se extinguem as relações jurídicas de que ela é titular, tal significa que se
abre uma crise nas relações de que ela era titular. Com efeito, surge a necessidade de
encontrar uma solução para esta crise. Vejamos: com a morte as relações jurídicas
desligam-se do anterior sujeito, ficam sem sujeito. Como tal, é necessário que haja um
novo titular das relações, pois não há relações sem sujeitos. Neste contexto assume
especial importância e relevância o direito sucessório. O artigo 2024º dá-nos a noção
de sucessão por morte – chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das
relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos
bens que a esta pertenciam. Nos termos do enunciado cumpre-nos realizar a partilha
da herança de Daniel.

Desde logo, ocorre a abertura da sucessão, sendo que a sucessão se abre no momento
da morte do seu autor – Daniel – e no lugar do seu último domicílio (artigo 2031º).
Importa desde logo indicar o quadro de pessoas sucessíveis e fazer o chamamento à
sucessão – vocação sucessória. Nos termos do artigo 2026º os títulos de vocação são a
lei, o testamento e o contrato. Ora, para que uma pessoa seja chamada à sucessão têm
que se verificar os pressupostos da vocação: titularidade da designação sucessória
prevalente; existência do chamado e capacidade sucessória. Então, só quem reunir
estes requisitos cumulativos é que pode ser chamado à herança (artigo 2032º).
Imperativamente imposto por lei, vão ser primeiramente chamados à herança os
herdeiros legitimários. Tal significa que no topo da hierarquia estão os herdeiros
legitimários (artigo 2157º). Resulta do artigo 2157º que são herdeiros legitimários o
cônjuge, os descendentes e os ascendentes pela ordem e segundo as regras
estabelecidas para a sucessão legítima. Podemos afirmar que os herdeiros legitimários
são sempre herdeiros legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são
legitimários. A este propósito importa aludir a um princípio essencial – princípio da
preferência de classes. Segundo o respetivo princípio, os herdeiros de classes superior
preferem aos de grau mais afastado (artigo 2134º). Nos termos do artigo 2133º na
primeira classe encontram-se o cônjuge e os descendentes. No nosso caso, Daniel não

14
Inês de Oliveira Soares

tem descendentes e como tal os herdeiros legitimários prioritários são, em concurso, o


cônjuge e os ascendentes (artigo 2133º/1/b). Assim, os sobrinhos Hugo e João são
afastados por força do princípio da preferência de classes. Para haver vocação
sucessória, o cônjuge Eduarda e os seus pais – Filipe e Guida – além de serem titulares
da designação sucessório prevalente, têm ainda de existir, de ter capacidade
sucessória e de aceitar. A capacidade sucessória nada tem que ver com a capacidade
de exercício de direitos ou de gozo de direitos. A capacidade sucessória significa que o
chamado não pode ter sido deserdado pelo autor da sucessão nem ser objeto de uma
declaração de indignidade sucessória. No nosso caso não há nenhum dado que nos
permita concluir que o cônjuge e os pais de Daniel não tenham capacidade sucessória,
verificando-se assim este requisito. Além disso, os chamados ainda existem no
momento da morte do autor da sucessão, isto é, sobrevieram ao de cujus. Os
chamados existem com personalidade jurídica.

Ora, havendo herdeiros legitimários, abre-se a sucessão legitimária e é preciso calcular


a massa da herança e a legítima subjetiva de cada um deles (Eduarda, Filipe e Guida),
pois só estes são capazes, existentes à data da abertura da sucessão de Daniel,
aceitantes e titulares da designação sucessória prevalente. Para calcular a parte que
têm obrigatoriamente que receber cada herdeiro legitimário (legítima subjetiva) temos
que calcular o todo. A primeira operação da partilha é calcular a massa da herança.
Nos termos do artigo 2156º, a legítima é a porção de bens que o testador não pode
dispor por serem legalmente destinados aos herdeiros legitimários. O artigo 2162º tem
de facto a epígrafe “calcula da legítima”, mas na verdade reporta-se à forma como se
deve calcular a massa da herança para que, com base nela, se possa calcular a legítima
– quota indisponível. Para a Escola de Lisboa – que se apoia na letra da lei – no cálculo
da massa da herança devemos ter em conta os bens deixados pelo de cujus, depois
somar os bens doados e só depois subtrair as dívidas. No entanto, não é esse o nosso
entendimento. O Dr. PEREIRA COELHO critica esta formulação da lei e entende que se
deve fazer uma interpretação corretiva desta fórmula. Na verdade, o legislador não
teve intenção de fixar a ordem das várias operações, mas tão só os elementos que
formam a massa da herança. No entendimento do curso, ao valor dos bens deixados,
subtraímos as dívidas e só depois somamos as doações. Compreende-se facilmente
este entendimento. Vejamos: os encargos da herança são pagos pelos bens da herança
(artigo 2068º) e por isso os bens doados em vida não respondem pelas dívidas da
herança. Se não fosse deste modo, os herdeiros legitimários não receberiam legítima
em situação de herança deficitária.

Daniel deixou bens no valor de 140.000 euros, as dívidas da sua herança somam
10.000 euros, doou ao sobrinho Hugo um prédio urbano no valor de 50.000. Então, a

15
Inês de Oliveira Soares

massa será o resultado do seguinte cálculo: 140.000 – 10.000 + 50.000 = 180.000.


Assim, a massa da herança tem o valor de 180.000 euros. Sabendo qual é a massa da
herança, podemos agora calcular a quota indisponível e assim a legítima subjetiva. No
nosso caso concorrem à sucessão o cônjuge e os ascendentes. Nos termos do artigo
2161º a legítima do cônjuge e dos ascendentes, em caso de concurso, é de dois terços
da herança. Assim, a quota indisponível soma 120.000 euros e a quota disponível é de
60.000 euros. No caso de concurso real entre o cônjuge e os ascendentes, estabelece o
artigo 2142º que o cônjuge é beneficiado e recebe dois terços da quota indisponível.
Então, uma vez que dois terços de 120.000 é 80.000, é este o valor ao qual tem direito
Eduarda. Por sua vez, os pais de Daniel têm direito a receber cada um 20.000 euros.
Todavia, o seu pai Filipe repudiou a herança. Como tal, o direito de acrescer (artigo
2137º/2 e 2301/1) beneficiária Guida (artigo 2143º) e não, igualmente, o cônjuge.
Então, o ascendente Guida terá que ser paga a título de herdeira legitimária 40.000
euros (20.000 euros por direito próprio como legitimária e 20.000 euros por meio de
direito de acrescer).

Daniel fez uma doação inter vivos ao seu sobrinho João, no valor de 50.000 euros. A
doação implica uma diminuição do património do doador à qual corresponde o
aumento patrimonial do donatário. Esta doação não está sujeita à colação, desde logo
porque o sobrinho não é descendente do doador. Não havendo colocação, a doação é
imputada na quota disponível (Artigo 2114º).

Aberta a sucessão testamentária (pois não existe sucessão contratual) e chamados os


sucessíveis testamentários – que aceitaram, são existentes e são capazes do ponto de
vista sucessório na sucessão testamentária – o cônjuge sobrevivo é herdeira
testamentária e o sobrinho é legatária testamentário. Ora, imputado o legado feito ao
sobrinho na quota disponível do testador, se cumprimos a deixa testamentária a título
de herança (realizada no mesmo testamento ao cônjuge no sentido de a este ser
atribuído ¼ da quota disponível, ou seja, 20.000), verificamos que se excede a quota
disponível. Então, temos que recorrer há inoficiosidade. Neste sentido, de acordo com
a ordem de redução prevista no artigo 2171º do CC, temos que reduzir totalmente a
deixa testamentária a título de herança feita ao cônjuge sobrevivo e o legado feito ao
sobrinho mantém-se. Então, por conta da quota disponível, o cônjuge sobrevivo não
irá receber nada, pois a deixa testamentária não irá produzir efeitos.

16
Inês de Oliveira Soares

22/06/2020

António está casado com Berta no regime supletivo desde 2004.

António praticou os seguintes atos jurídicos sem o consentimento, suprimento (e


conhecimento de Berta):

a) Em 12/12/2019 vendeu à Cooperativa Agrícola de Penela, pelo preço de 4000


euros, a colheita de azeitonas de três olivais que Berta herdou, em 2009, por morte
dos pais desta (3 Val.).

b) Em 2 de abril de 2020 cedeu a Carlos, estudante na Faculdade de Direito de


Coimbra, pelo prazo de seis meses, por meio de comodato, o gozo de um quarto da
casa de morada de família por ele, ANTÓNIO, levada para o casamento (3. Val.).

Berta, que tomou hoje conhecimento destes atos, pretende saber se pode contra eles
reagir. Justifique (responda a cada alínea de forma autónoma).

a) António é casado com Berta no regime supletivo desde 2004. Tal significa que
estão casados no regime de comunhão de adquiridos que é, entre nós, o regime
supletivo desde 31 de meio de 1967 (artigo 15 DL 47344, de 25 de novembro de
1966 e artigo 1717º CC). No caso sub judice António vendeu à Cooperativa
Agrícola, pelo prelo de 4000 euros, a colheira de azeitonas de três olivais que Berta
herdou, em 2099, por morte dos pais desta. Os Olivais, tendo sido herdados por
Berta, são bens próprios desta (artigo 1722º/1/b). Todavia, os frutos de bens
próprios são considerados bens comuns (artigo 1728º/1; 1694º/2 e 1733º/2). No
nosso caso, a colheita de azeitonas traduz-se num fruto natural, pois provêm
diretamente da coisa (artigo 212º/1/2). Assim sendo, a colheita de azeitonas é um
bem comum. Quando aos bens comuns a regra é a da coadministração, isto é, os
dois cônjuges têm poderes de administração sobre o bem. No entanto, sendo um
bem comum, nos termos do artigo 1678º/3 e artigo 1682º/1 in fine, estabelece que
cada um dos cônjuges desfruta de poderes para praticar atos de administração
ordinária, precisando quanto aos atos de administração extraordinária do
consentimento do outro cônjuge. Como tal, é necessária apurar se a venda da
colheita de azeitonas é considerada um ato de administração ordinária. A venda da
colheita de azeitonas não atinge de modo nenhum a estrutura da coisa, sendo sim
um ato de frutificação normal, que visa o melhor aproveitamento económico e
jurídico do bem. Tal significa que a venda da colheira de azeitonas se insere na
frutificação normal de um bem imóvel frutífero (o olival). Por conseguinte, António

17
Inês de Oliveira Soares

desfruta de inteira legitimidade substantiva conjugal para vender o produto da


colheira e Maria não pode reagir contra este ato jurídico.

b) Nos termos do enunciado, a cada de morada de família foi levada para o


casamento por António. Como tal, a casa de morada de família é um bem próprio
deste. Neste sentido, veja-se o artigo 1722ºº/1/a, nos termos do qual são
considerados bens próprios os bens que cada um dos cônjuges tiver ao tempo da
celebração do casamento. Sendo um bem próprio de António, é a este que cabe a
administração do imóvel (artigo 1678º). A casa de morada de família é um bem
imóvel (artigo 204º, critério jurídico). Logo, devemos atender ao artigo 1682º-A
que é relativo à alienação ou oneração de imóveis e às empresas comerciais em
sentido objetivo (coisas incorpóreas). No nosso caso, António cedeu a Carlos, por
meio de comodato, o gozo de um quarto da casa de morada de família. O
comodato é um direito pessoal de gozo e nos termos do artigo 1682º-A carece de
consentimento de ambos os cônjuges (salvo no regime de separação de bens), a
alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de
gozo sobre imóveis próprios ou comuns. Note-se ainda que este ato carece sempre
do consentimento do cônjuge, pois estando em casa a morada de família – que
sabemos que é objeto de proteção especial pelo nosso legislador – qualquer que
seja o regime de bens, será sempre necessário o consentimento do outro cônjuge.
Tendo em conta a respetiva norma, é fácil concluir que António não podia celebrar
o contrato de comodato com Carlos sem o consentimento de Berta. Como tal, este
ato está ferido de ilegitimidade conjugal. Acrescente-se que a falta de legitimidade
conjugal não tem que ver com a incapacidade de exercício de direitos. Enquanto
que na incapacidade de exercício de direitos a lei pretende proteger a pessoa do
incapaz, no caso das ilegitimidades conjugais não se pretende proteger a pessoa de
si própria. Pretende-se, pelo contrário, a proteção de um cônjuge face ao outro,
não estando em causa interesses do próprio titular, mas sim de terceiro. No nosso
caso, Berta pode requerer a anulação do negócio jurídico nos termos do artigo
1687º/1. Este negócio é anulável, mas o regime da anulação tem singularidades
que se afastam do regime geral. Relativamente ao prazo, este é de seis meses a
contar da data em que o cônjuge que dispõe do direito de requerer a anulação
tomou conhecimento do ato. Este prazo tem que ser conjugado um limite absoluto
de três anos, estando estes três anos relacionados com o regime da anulabilidade
em geral (artigo 291º/2). Berta tomou hoje conhecimento da prática do ato. Assim
sendo, uma vez que ainda não decorreram seis meses desde a data do
conhecimento do ato e não tendo ainda sido ultrapassados três anos desde a
prática do ato, este ato é anulável a requerimento de Berta.

18
Inês de Oliveira Soares

II

Sucede, ainda, que Berta não pagou nos últimos quatro anos o I.M.I. (Imposto
Municipal sobre Imóveis) relativo aos referidos três prédios rústicos (olivais), o que
perfaz, no total, a quantia de 1000 euros. Quem é responsável por esta dívida? Pode
a Autoridade Tributária penhorar uma parte do salário de António, que é
trabalhador dependente numa fábrica? Justifique (5 Val.)

O caso sub judice insere-se sobre a problemática das dívidas dos cônjuges. A
comunhão da vida conjugal pressupõe a partilha de recursos e a partilha de afetos.
Esta plena comunhão de vida e proximidade existencial em que se encontram os
cônjuges tem reflexo no regime das dívidas. No fundo, o estado de casado cria, em
virtude de comunhão de interesses patrimoniais – que implica a comunhão de vida – a
necessidade de ter regras especiais que se destinem a responder a esta plena
comunhão de vida (artigo 1577º). É inevitável que a contração de dívidas, embora livre
por qualquer um dos cônjuges, obedeça a um enquadramento jurídico diferente dos
restantes.

Para responder à questão é essencial, desde logo, apurar se a falta de pagamento do


IMI é uma dívida que responsabiliza exclusivamente um dos cônjuges ou se esta
responsabiliza ambos os cônjuges. Os prédios rústicos (olivais) são bens próprio de
Berta, uma vez que estes advieram depois do casamento por sucessão (artigo
1722º/1/b). O IMI é um imposto que decorre do simples facto de Berta ser titular do
prédio rústico. Na verdade, esta dívida não se refere à perceção dos frutos naturais,
mas tão só ao simples facto de ser-se titular de um imóvel. Neste caso Berta é titular
exclusiva deste imóvel. Então, trata-se de uma dívida que onera bens próprio de um
dos cônjuges, nos termos do artigo 1694º/2/1º parte. Como tal, nos termos do artigo
1696º - bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos
cônjuges – respondem em primeiro lugar os bens próprios de Berta e
subsidiariamente, na falta ou insuficiência de bens próprios, podem responder os bens
comuns. Os salários, nos termos do artigo 1724º/a são bens comuns no regime de
comunhão. Neste sentido, a parte penhorável do salário de António apenas poderia
ser penhora subsidiariamente, na falta ou insuficiência de bens próprios de Berta.
Neste caso, com a comunicação à entidade patronal de António – que tem deveres de
informação e colaboração com o agente de execução – o agente de execução deveria
cumprir o disposto no artigo 740º, citando António para, querendo, peticionar a
partilha dos bens comuns e deste modo “salvar” a sua metade no património comum.

19
Inês de Oliveira Soares

Estamos perante um caso de responsabilidade por dívidas. A comunhão da vida


conjugal pressupõe a partilha de recursos e a partilha de afetos. Esta plena comunhão
de vida e proximidade existencial em que se encontram os cônjuges tem reflexo no
regime das dívidas. No fundo, o estado de casado cria, em virtude da comunhão de
interesses patrimoniais – que implica a comunhão de vida – a necessidade de ter
regras especiais que se destinem a responder a esta plena comunhão de vida (artigo
1577º). É inevitável que a contração de dívidas, embora livre por qualquer um dos
cônjuges, obedeça a um enquadramento jurídico diferente dos restantes.

Para responder à questão é essencial, desde logo, apurar se a dívida contraída por
António é uma dívida de responsabilidade de ambos os cônjuges ou se é uma dívida da
sua exclusiva responsabilidade. Neste sentido, veja-se o artigo 1691º. Nos termos do
nº2 do respetivo preceito, para se determinar a imputação de responsabilidade na
contração da dívida a um ou a ambos importa ter em conta a data na qual o negócio
que gerou a dívida foi celebrado. O legislador optou por prever num só artigo a grande
maioria de situações mais comuns das quais resulta a corresponsabilidade. Somente
António contraiu a dívida.

III

Carlos faleceu em abril de 2020, vítima de COVID-19. Sobreviveram-lhe o cônjuge,


Daniela, que casara com o falecido sob o regime da separação de bens; o neto
Eduardo, filho do seu filho Filipe, que pré falecera em 2018; o filho Gustavo; e o filho
Hélder. Sabendo que:

- Carlos deixou bens no valor de 85.000 euros;

- As dívidas da herança somam 10.000 euros;

- Carlos doara a Filipe, em 2015, um prédio que vale 30.000 euros;

- Carlos doara, ainda, em 2014, um outro prédio a Gustavo, que vale 15.000 euros.

- Por meio de testamento, Carlos deixou metade da sua quota disponível à esposa,
Daniela.

Atendendo a que todos pretendem entrar na sucessão de Carlos, faça a partilha da


herança deste, indicando as figuras e os institutos jurídicos pertinentes e justificando
todos as etapas de resolução do caso (9 Val.).

A personalidade jurídica extingue-se com a morte (artigo 68º/1). Como tal abre-se uma
crise nas relações jurídicas de que era titular. Com efeito, surge a necessidade de
encontrar uma solução para esta crise. Vejamos: com a morte as relações jurídicas
desligam-se do anterior sujeito, ficam sem sujeito. Como tal, é necessário que haja um

20
Inês de Oliveira Soares

novo titular das relações jurídicas, pois não há relações sem sujeitos. Neste contexto,
assume especial importância o direito sucessório. O artigo 2024º dá-nos a noção de
sucessão por morte – chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações
patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta
pertenciam. Nos termos do enunciado, cumpre-nos a realização da partilha da herança
de Carlos.

Desde logo, ocorre a abertura da sucessão, sendo que a sucessão de abre no momento
da morte do seu autor – Carlos – e no lugar do seu último domicílio (artigo 2031º).
Numa primeira fase é necessário indiciar o quadro de pessoas sucessíveis e fazer o
chamamento à sucessão – vocação sucessória. Nos termos do artigo 2026º os títulos
de vocação são a lei, o testamento e o contrato. Para que uma pessoa seja chamada à
sucessão, têm que se verificar os pressupostos da vocação sucessório: titularidade da
designação sucessória prevalente, existência do chamado e capacidade sucessória.
Então, só quem reunir estes requisitos cumulativos é que pode ser chamado à herança
(artigo 2032º). Imperativamente imposto por lei, vão ser primeiramente chamados à
herança os herdeiros legitimários. Tal significa que no topo da hierarquia estão os
herdeiros legitimários (artigo 2157º). Resulta do artigo 2157º que são herdeiros
legitimários o cônjuge, os descendentes e os ascendentes pela ordem e segundo as
regras estabelecidas para a sucessão legítima. Podemos afirmar que os herdeiros
legitimários são todos herdeiros legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são
herdeiros legitimários. A este propósito importa aludir a um princípio essencial –
princípio da preferência de classes. Segundo o respetivo princípio, os herdeiros de
classe superior preferem aos de grau mais afastado (artigo 2134º). Nos termos do
artigo 2133º na primeira classe encontram-se o cônjuge e os descentes. No caso sub
judice, sobreviveram a Carlos o cônjuge Daniela (D), Gustavo e Hélder (descendentes)
e ainda o seu neto Eduardo, filho de Filipe que pré-faleceu em 2018. Então, ao
descendente Filipe falta um requisito para que haja vocação sucessória, desde logo,
existência. Na verdade, à data do falecimento de Carlos, Filipe já não existia. Então, irá
ocorrer uma vocação indireta – direito de representação. Nos termos do artigo 2039º
dá-se representação sucessória quando a lei chama descendente de um herdeiro ou
legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou
legado. No nosso caso, uma vez que já faleceu, Filipe não pôde aceitar a herança.
Então, Eduardo, que nunca seria chamado à herança do avô por força do princípio da
preferência de graus de parentesco (artigo 2135º), será chamado à herança de Carlos,
em representação do seu pai Filipe. O neto (2º grau de linha reta) que seria afastado
pelos filhos de Carlos (1º grau de linha) irá então suceder por meio de direito de
representação. Relativamente aos demais herdeiros legitimários verificam-se os
pressupostos para da vocação sucessória: designação sucessória prevalente; ser-se
existente; e têm capacidade sucessória. Relativamente à capacidade sucessória

21
Inês de Oliveira Soares

importa referir que esta em nada se relaciona com a capacidade de exercício de


direitos ou com a capacidade de gozo. A capacidade sucessória significa que o
chamado não pode ter sido deserdado pelo autor da sucessão nem ser objeto de uma
declaração de indignado sucessória. No nosso caso, não havendo nenhum dado que
nos permita concluir que os herdeiros legitimários não têm capacidade sucessória.

Havendo herdeiros legitimários, abre-se a sucessão legitimária e é preciso calcular a


massa da herança e a legítima subjetiva de cada um deles (D, G, H e E em
representação de F), pois só estes são capazes, existentes à data da abertura da
sucessão de Carlos, aceitantes e titulares da designação sucessória prevalente. Para
calcular a parte que têm obrigatoriamente que receber cada herdeiro legitimário –
legítima subjetiva ou quinhão legitimário – temos que calcular primeiro o todo. Logo, a
primeira operação da partilha é calcular a massa da herança. Nos termos do artigo
1256º, a legítima é a porção de bens que o testador não pode dispor por serem
legalmente destinados aos herdeiros legitimários. O artigo 2162º tem de facto a
epigrafe “cálculo da legítima”, mas na verdade reporta-se à forma como se deve
calcular a massa da herança para que, com base nela, se possa calcular a legítima
subjetiva – quota indisponível. Para a Escola de Lisboa – que se apoia na letra da lei –
no cálculo da massa da herança devemos ter em conta os bens deixados pelo de cuiús,
depois somamos os bens doados e só depois subtraímos as dívidas. No entanto, não é
esse o nosso entendimento. O Dr. PEREIRA COELHO, critica esta formulação da lei e
entende que se deve fazer uma interpretação corretiva desta fórmula. Na verdade, o
legislador não teve intenção de fixar a ordem das várias operações, mas tão só os
elementos que formam a massa da herança. No entendimento do curso, ao valor dos
bens deixados, subtraímos as dívidas e só depois somamos as doações. Esta parece ser
a solução mais viável. Vejamos: os encargos da herança são pagos pelos bens da
herança (artigo 2068º) e por isso os bens doados em vida não respondem pelas dívidas
da herança. Se não fosse deste modo, os herdeiros legitimários não receberiam
legítima em situação de herança deficitária.

Carlos deixou bens no valor de 85.000 euros, as dívidas da herança somam 10.000
euros e doou a Filipe um prédio de 30.000 euros e a Gustavo um prédio que vale
15.000 euros. Então, a massa da herança será o resultado do seguinte cálculo: 85.000 –
100.000 + 30.000 + 15.000 = 120.000. Assim, a massa da herança tem o valor de
120.000 euros. Sabendo qual é a massa da herança, podemos agora calcular a quota
indisponível e, por conseguinte, a legítima subjetiva. No caso sub judice concorrem à
sucessão o cônjuge e os descentes. Nos termos do artigo 2159º, a legítima do cônjuge
e dos filhos, em caso de concurso, é de dois terços da herança. Então, a quota
indisponível soma 80.000 euros (2/3 de 120.000) e a quota disponível do autor da
sucessão vale 40.000 euros. Assim sendo, as legitimas subjetivas – ou quinhoes

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Inês de Oliveira Soares

legitimários do cônjuge e dos descentes somam 20.000 euros cada uma – a partilha
entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça (artigo 2139º).

A doação efetuada ao filho pré-falecido deverá ser sujeita à colação na medida em que
o representante deste (o neto Eduardo) pretende entrar na sucessão, mesmo que não
tenha tirado partido ou vantagem económica (direita ou indireta) desta doação (artigo
2106º). Na verdade, o donatário pré-falecido, Filipe, caso não tivesse morrido antes do
doador reunia todos os requisitos para ficar sujeito à obrigação de colação. Para haver
colação tem que haver uma doação direta ou indireta e tem que ter sido feita a um
descendente (requisitos positivos artigo 1205º). Além disso, não pode o doador tem
dispensado o donatário da colação (requisito negativo artigo 2113º). No nosso caso,
uma vez que nada foi dito, o regime da colação será o regime supletivo, ou seja, o
regime das doações omissões. Neste regime, o legislador presume que o autor da
sucessão não teve intenção de beneficiar nenhum dos herdeiros em relação aos
outros. O legislador parte assim do princípio que o de cujus, quando fez a doação em
benefício de um descendente, não o quis beneficiar relativamente aos outros
descendentes, pretendendo somente que este descendente tivesse um gozo
antecipado da sua quota hereditária. Por esse motivo, procede-se à igualação na
medida do possível. Neste sentido, veja-se o artigo 2108º/2, segundo o qual, não
havendo bens suficientes na herança para se proceder à igualação total, então esta
não opera e considera-se que o autor da sucessão se conformou com a possibilidade
de não haver igualação total entre os herdeiros. A doação a F teve o valor de 30.000.
Como tal, imputamos na quota indisponível de F esse valor e o remanescente
imputamos na quota disponível. Assim sendo, imputamos na quota disponível 10.000
euros. A doação efetuada pelo autor da sucessão ao filho Gustavo (no valor de 15.000
euros) também está sujeito ao regime supletivo da colação (regime das doações
omissas). Assim o valor desta doação imputa-se na legítima subjetiva e o valor da
diferença da doação e o cabimento máximo da sua legítima subjetiva terá que ser pago
a este legitimário (em princípio com bens deixados).

Aberta a sucessão testamentária – e não havendo dados que nos permitam concluir
pela invalidade do testamento por vício formal ou substancial e não existindo sucessão
contratual, o cônjuge sobrevivo e aceitante desta vocação sucessória (herdeira
testamentária) irá receber mais 20.000 euros (metade da quota disponível). Imputados
na quota disponível os 10.000 (resultado da colação) e os 20.000 euros (resultantes da
deixa testamentária) ainda há um remanescente de 10.000 euros na quota disponível.
Então, remanescem 10.000 euros para proceder à igualação da partilha em toda a
quota hereditária dos não donatários ao donatário descendente. Não se daria uma
igualação absoluta ou total por falta de bens na quota disponível. Feita a igualação da
partilha não se abriria sucessão legítima (artigo 2131º).

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Inês de Oliveira Soares

29/06/2020

Armindo e Benilde casaram catolicamente em Junho de 2014. Três meses antes


tinham celebrado convenção antenupcial por escrito particular onde estipularam que
o regime de bens do seu casamento seria o da separação até o nascimento do
primeiro filho. A partir desse momento passaria a vigorar o regime da comunhão
geral. Carlos filho de Armindo e Benilde veio a nascer em Janeiro de 2018.

Armindo praticou os seguinte atos sem o consentimento de Benilde:

a) Vendeu a Zilda, em Abril de 2020, o automóvel que havia comprado em Janeiro de


2020, com o valor das rendas obtidas até Dezembro de 2019, resultado do
arrendamento de uma casa de férias que os pais de Armindo lhe haviam oferecido
por ocasião do seu aniversário em 2015 .

Só hoje Benilde teve conhecimento da prática de tais atos, com os quais não
concorda. Poderá ainda Benilde reagir contra cada um dos atos praticados pelo
marido? Em caso afirmativo, a que título e de que modo?

a) A e B, antes de casarem celebraram uma convenção antenupcial. As convenções


pré-nupciais são contratos celebrados antes do casamento, que têm como
finalidade ficar o(s) regime(s) de bem(ns) que os futuros cônjuges pretendem que
seja a base das suas relações patrimoniais durante o casamento (artigo 1698º) e,
por vezes, podem também ter como finalidade programar consequências
patrimoniais que poderão ocorrer após o fim do casamento. A convenção
antenupcial é então um contrato acessório do casamento, cuja existência e
validade supõe a ulterior celebração de um casamento válido entre os nubentes –
condição legal de eficácia da convenção antenupcial. Ora, se uma convenção
antenupcial é um contrato preparatório, instrumental e acessório do casamento,
então a convenção antenupcial vive à sombra do casamento. Se assim é, o
casamento deve ser celebrado num curto espaço de tempo após a celebração pré-
nupcial. A e B celebraram a convenção antenupcial três meses antes do casamento,
então relativamente esta não caducou. A e B estipularam que o regime de bens do
casamento seria o de separação até ao nascimento do primeiro filho e a partir
desse momento passaria a vigorar o regime de comunhão geral. Nos termos do
artigo 1713º é válida a convenção sob condição ou a termo. No nosso caso,

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Inês de Oliveira Soares

estamos perante uma convenção sob condição, uma vez que o nascimento do
primeiro filho é um acontecimento futuro e incerto. No entanto, A e B celebraram
a convenção antenupcial por escrito particular e a lei exige no artigo 1710º que as
convenções antenupciais sejam celebradas por declaração prestada por ambos os
nubentes perante funcionário do registo civil ou por escritura pública. Então, a
convenção é nula por vício de forma (artigo 220º). Então, apesar de a regra geral
para os negócios jurídicos ser a liberdade de forma, se a lei exigir forma especial
será necessário respeitar a forma imposta por lei, sob pena de nulidade. Sendo a
convenção nula, o regime de bens que vigorara no casamento de A e B será o
regime da comunhão de adquiridos, que é o regime supletivo para casamentos
celebrados após 31 de Maio de 1967 (artigo 15º DL 47344, de 25 de novembro e
artigos 1717º e 1721º e ss).

, se uma convenção antenupcial é um contrato preparatório, instrumental e


acessório do casamento, então a convenção antenupcial vive à sombra do
casamento. Se assim é, o casamento deve ser celebrado num curto espaço de
tempo após a celebração pré-nupcial. Nos termos do enunciado, António e Berta
casaram passado mais de um ano da celebração da convenção antenupcial. Assim
sendo, nos termos do artigo 1716º, esta caducou. Visa-se a atualidade da
convenção para que António e Berta se possam rever no regime que escolheram.
Com efeito, não vai funcionar o regime de bens eleito pelos cônjuges e vamos
aplicar o artigo 1717º, segundo o qual na falta de convenção antenupcial ou no
cado de caducidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se
celebrado sobre o regime de comunhão de adquiridos que é o regime supletivo
(artigo 1721º e ss.).

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