DISSERTAÇÃOCERTA - Orkut

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO
MESTRADO EM LITERATURA E INTERCULTURALIDADE

FLÁVIO AURÉLIO TENÓRIO DE ASEVÊDO

CIBERLITERATURA NA MIRA DA INSTITUIÇÃO LITERÁRIA: O ORKUT E AS FORMAS


DE LITERARIEDADE NO CIBERESPAÇO

CAMPINA GRANDE - PB
2011
1

FLÁVIO AURÉLIO TENÓRIO DE ASEVÊDO

CIBERLITERATURA NA MIRA DA INSTITUIÇÃO LITERÁRIA: O ORKUT E AS FORMAS


DE LITERARIEDADE NO CIBERESPAÇO

Dissertação apresentada ao Mestrado em Literatura e


Interculturalidade da Universidade Estadual da Paraíba,
área de concentração Literatura e Estudos Interculturais,
na linha de pesquisa Literatura e Mídia, em cumprimento
à exigência para obtenção do grau de mestre.

Orientador: Sebastién Joachin

CAMPINA GRANDE - PB
2011
2

É expressamente proibida a comercialização deste documento, tanto na sua forma impressa como
eletrônica. Sua reprodução total ou parcial é permitida exclusivamente para fins acadêmicos e
científicos, desde que na reprodução figure a identificação do autor, título, instituição e ano da
dissertação.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL – UEPB

A816c Asevêdo, Flávio Aurélio Tenório de.


Ciberliteratura na mira da instituição literária
[manuscrito]: o orkut e as formas de literariedade no
ciberespaço. / Flávio Aurélio Tenório de Asevêdo. – 2011.
121 f. : il. color.

Digitado.
Dissertação (Mestrado em Literatura e
Interculturalidade) – Universidade Estadual da
Paraíba, Pró-Reitoria de Pós-Graduação, 2012.
“Orientação: Prof. Dr. Sebastien Joachin,
Departamento de Letras e Artes”.

1. Gênero literário. 2. Orkut. 3. Redes sociais. 4.


Leitura. I. Título.

21. ed. CDD 372.623


3
4

Àqueles que acreditaram

DEDICO.
5

AGRADECIMENTOS

Se não fosse a Deus, não haveria agradecimento algum. Primeiro a ele e por ele.
Por ele ter me dado a força e coragem de seguir lutando para conquistar meus
objetivos e nunca desistir. Em nome dele, agradeço aos meus pais e irmãos, os
meus deuses aqui na terra.
Ao professor Sebastién Joachin por ter apostado e acreditado em mim todo o tempo
e ter sido sempre tão compreensivo;
Aos demais professores do MLI, que de alguma forma contribuíram com meu
desenvolvimento acadêmico e de meu trabalho;
Aos amigos da turma que enfrentaram as batalhas e dificuldades do curso juntos e
dispostos uns a ajudarem aos outros;
Ao amigo Marcelo Rodrigo por ter sido meu maior incentivador no meu mestrado, me
ajudando em todos os passos e sendo um porto seguro a quem eu recorri todas as
vezes que precisei para tirar dúvidas ou simplesmente para estar ao meu lado
ouvindo todas as minhas queixas misturadas a esperança;
A Walquíria Maria, Walter Galvão e Fernanda Souza, por acreditarem no meu
propósito e me permitirem a minha mudança para Campina para me facilitar a
conclusão das aulas;
Ao amigo Álisson Arruda por dar um novo fôlego a minha vontade de terminar a
dissertação, sendo um grande parceiro nos momentos finais e mais cruciais desta
„jornada‟;
A Maísa por sua insistência ininterrupta e atenção todo o tempo, para me ouvir e me
incentivar nos estudos, apostando em meu potencial e não me deixando desistir.
Aos demais amigos e companheiros que direta ou indiretamente estiveram do meu
lado e de alguma forma fazem parte do meu crescimento: Luiz Custódio, Marco
Antônio, Carol Toscano, Alan Guimarães, Daniel de Oliveira, Pedro Felipe, Dayra
Teixeira, Eva Dízya, Dona Dalva e seu Walmir.
6

Agora, mesmo que o campo de jogo não


seja justo, pelo menos os portões estão
abertos para qualquer um que queira
jogar. As consequências têm sido
imediatas”. (HEWITT, 2007, p.103)
7

RESUMO

As tecnologias vêm passando por um contínuo processo de atualização e


reformulação, conduzindo mudanças significativas nas relações entre o ser humano
e as máquinas. No espaço virtual, as escritas ganham outras liberdades não
permitidas em seu suporte primário, o livro. Entretanto, aliado à adição de outros
elementos ao texto, como a imagem e o som, e a possibilidade de publicação e
divulgação imediata, as construções textuais virtuais transitam por diversos
segmentos e qualquer internauta pode se tornar um potencial escritor, dada a
abrangência do ciberespaço. O distanciamento que existia entre quem escreve e
quem lê é sublimado pela interatividade proporcionada pela telemática. Com isso, o
trabalho busca identificar como se configura a literatura produzida no espaço virtual,
tomando como corpus de análise o site de relacionamento Orkut, verificando de que
forma ela pode se configurar como uma arte genuinamente virtual ou se é apenas
uma transposição para o meio virtual. As produções no Orkut se revelam como um
novo gênero para a literatura, remodelando não apenas a escrita, mas sua forma de
publicação, edição e leitura. A oralidade e a desarrumação de uma lógica secular
são as principais marcas deste novo gênero que pode contribuir para a reivenção da
Instituição Literária.

Palavras-chave: Instituição Literária, literatura, Orkut, leitura, gênero literário


8

RÉSUMÉ

Les technologies sont en train de passer par un processus permanent de mise à jour
et de réformulation, conduisant à des changements significatifs dans les relations
entre l‟être humain et les machines. Dans l'espace virtuel, les écrits acquièrent une
nouvelle liberté non permise dans son support primaire, le livre. Toutefois, avec
l'addition d'autres éléments au texte, comme l'image et le son, et la possibilité de
publication et diffusion immédiates, les constructions textuelles virtuelles se
répandent dans des segments divers et n‟importe quel internaute peut devenir un
écrivain potentiel, étant donné la portée du cyberespace. La distance qu‟il y avait
entre celui qui écrit et celui qui lit est sublimée par l'interactivité proportionné par la
télématique. Avec cela, le travail cherche à identifier comment se configure la
littérature produite dans l'espace virtuel, en prenant comme corpus de l'analyse le
site de relations Orkut, cherchant a vérifier de quelle façon elle peut se configurer
comme un véritable art virtuelle ou si ce n‟est q‟une transposition vers le milieu
virtuel. Les productions dans l‟Orkut se révèlent comme un nouveau genre littéraire,
remodelant non seulement l‟écrit, mais sa forme de publication, édition et lecture.
L'oralité et le désordre d'une logique séculaire sont les principales marques de ce
nouveau genre qui peut contribuer pour la réinvention de l‟Institution Littéraire.

Mots-clés: institution littéraire, littérature, Orkut, lecture, genre littéraire


9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1:…......…………………………………….............................................................…… 53
Figura 2:…......…………………………………………............................................................. 54
Figura 3:…......…………………………………………............................................................. 59
Figura 4:…......…………………………………………............................................................. 65
Figura 5:…......…………………………………………............................................................. 68
Figura 6:…......…………………………………………............................................................. 74
Figura 7:…......…………………………………………............................................................. 76
Figura 8:…......…………………………………………............................................................. 93
Figura 9:…......…………………………………………............................................................. 94
Figura 10:…......…………………………………………........................................................... 96
Figura 11:…......…………………………………………........................................................... 96
Figura 12:…......…………………………………………........................................................... 99
Figura 13:…......…………………………………………......................................................... 100
Figura 14:…......…………………………………………......................................................... 102
Figura 15:…......…………………………………………......................................................... 102
Figura 16:…......…………………………………………......................................................... 103
Figura 17:…......…………………………………………......................................................... 103
Figura 18:…......…………………………………………......................................................... 104
Figura 19:…......…………………………………………......................................................... 106
Figura 20…......………………………………………….......................................................... 107
Figura 21:…......…………………………………………......................................................... 107
Figura 22:…......…………………………………………......................................................... 108
Figura 23…......………………………………………….......................................................... 109
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------------------- 12

1. DA ESCRITA EM PAPEL À ESCRITA VIRTUAL: A FORMAÇÃO DE UMA NOVA


SOCIEDADE ------------------------------------------------------------------------------------------ 22
1.1 - A formação da sociedade e o sujeito falante --------------------------------------- 25
1.2 - A comunicação e a informação --------------------------------------------------------- 26
1.3 - O texto como atividade interacional -------------------------------------------------- 28
1.4 - Intertextualidade ----------------------------------------------------------------------------- 32
1.5 - Heterogeneidade ----------------------------------------------------------------------------- 35

2. DOS TIPOS ESTÁVEIS DE ENUNCIADOS IMPRESSOS AOS ELETRÔNICOS:


A FORMAÇÃO DE NOVOS GÊNEROS TEXTUAIS --------------------------------------- 38
2.1 - Gêneros textuais ----------------------------------------------------------------------------- 38
2.2 - E-mail -------------------------------------------------------------------------------------------- 47
2.3 - Lista de Discussão -------------------------------------------------------------------------- 48
2.4 - Blog ---------------------------------------------------------------------------------------------- 49

3. DO CIBERESPAÇO AO ORKUT: A FORMAÇÃO DE UMA NOVA


COMUNIDADE DA ESCRITA ------------------------------------------------------------------- 52
3.1 - Gêneros no Orkut --------------------------------------------------------------------------- 64
3.2 - Biografismo e Ethos ----------------------------------------------------------------------- 71

4. DA ARTE À INSTITUIÇÃO LITERÁRIA: A FORMAÇÃO DE UMA


NORMATIZAÇÃO PARA A ESCRITA -------------------------------------------------------- 77
4.1 - A Instituição Literária ---------------------------------------------------------------------- 83
4.2 - Literatura na web e a tensão política frente à literatura tradicional -------- 88

5. DA LITERATURA À CIBERLITERATURA – A FORMAÇÃO DE UMA NOVA


LITERATURA? -----------------------------------------------------------------------------------
5.1 - A Ciberliteratura ------------------------------------------------------------------------------ 88
5.2 - Análise quantitativa da literatura no Orkut e suas implicações ------------- 95
11

5.3 - Quadro comparativo e explicativo da conceituação da Ciberliteratura em


relação à Literatura ------------------------------------------------------------------------------- 111

CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------------------- 112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ---------------------------------------------------------- 116


12

INTRODUÇÃO

Historicamente, as tecnologias vêm passando por um contínuo processo de


atualização e reformulação, conduzindo mudanças significativas nas relações entre
o ser humano e as máquinas. Trilhando esse caminho seguem também os
mecanismos técnicos de processamento da linguagem. O processo comunicacional
da língua se desenvolve ancorado nas possibilidades permitidas pelas tecnologias
desenvolvidas em um contexto histórico-social. No decorrer dos séculos, são
aprimoradas as formas de expressão do homem em sociedade e, da mesma forma,
as técnicas de manifestação da língua.
Observando as relações entre a linguagem e a técnica, Pierre Levy (1997, p.
76), identifica três fases, a da oralidade, da escrita e a da informática, que, segundo
ele, contribuem para produzir e modular o tempo. Assim, à medida que o homem
dispõe do sistema de codificação da língua, a escrita, e dos recursos
mnemotécnicos das sociedades orais, torna-se possível a manutenção de elementos
desses períodos históricos de forma que eles convivam paralelamente e adaptando-
se aos avanços permitidos pela técnica, a saber, a informática, exercendo um papel
fundamental no estabelecimento dos referenciais intelectuais e espaço-temporais
das sociedades humanas.
As técnicas da linguagem permaneceram, cada uma a seu tempo, como
protagonistas de um contexto histórico e social, seja na oralidade primária,
relacionada ao período que antecede a adoção da escrita, na oralidade secundária,
com o estatuto da palavra e escrita e na atual, telemática. Assim sendo, percebe-se
a singularidade e transitoriedade com a qual cada técnica se estabeleceu, difundiu e
foi superada, gerando estilos de pensamentos distintos de configuração de espaço-
tempo, baseada no armazenamento de dados, pela memória, escrita e pela
imaterialidade do virtual.

É impossível separar o humano de seu ambiente material, assim


como dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui
sentido à vida e ao mundo. Da mesma forma, não podemos separar
o mundo material – e menos ainda sua parte artificial – das ideias por
meio das quais os objetos técnicos são concebidos e utilizados, sem
os humanos que os inventam, produzem e utilizam. Acrescentemos,
enfim, que as imagens, as palavras, as construções de linguagem
entranham-se nas almas humanas, fornecem meios e razões de
viver aos homens e suas instituições, são recicladas por grupos
13

organizados e instrumentalizados, como também por circuitos de


comunicação e memórias artificiais. (LEVY,1999, p.17)

Também estudando a relação entre as manifestações do pensamento e as


técnicas geradas pelo aprimoramento do conhecimento humano no decorrer do
tempo, Debray (1995, p. 23) sugere a noção de meio (médium) como mecanismo de
expressão da linguagem e pensamento, que estaria intimamente ligado ao potencial
tecnológico disponível na sociedade. Segundo ele, meio pode ser entendido em
quatro sentidos:

1) um procedimento geral de simbolização (palavra, escrita, imagem


analógica, cálculo digital); 2) um código social de comunicação (a
língua natural na qual a mensagem verbal é pronunciada: latin, inglês
ou tcheco); 3) um suporte material de inscrição e estocagem (argila,
papiro, pergaminho, papel, banda magnética, tela); 4) um dispositivo
de gravação conectado a determinada rede de difusão (gabinete de
manuscritos, tipografia, foto, televisão, informática).

Tomando-se o último sentido proposto pelo autor, os dispositivos de


gravação, conectados ao suporte de uma rede de difusão, parte-se de um dos
dispositivos de gravação e difusão mais primordiais, como são os manuscritos, mais
adiante aprimorados pela tipografia até a formatação tradicional dos livros, e se
chega, em último caso, à informática, que absorve os demais sentidos citados por
Debray, na medida em que atrai a convergência da simbolização dos demais meios
e toda a semiosfera característica de outros suportes constituídos, não apenas na
transmissão, mas também na criação das mensagens/linguagens.
Com base nas ideias expostas, observa-se o entrelaçamento do
desenvolvimento da técnica e as possibilidades de expressão da linguagem e
pensamento do homem, ou seja, os processos de criação, transmissão e
armazenamento do conhecimento dependem da tecnologia disponível para esse fim
a partir dos mecanismos de codificação, entre eles, a escrita.
Partindo-se dessa relação entre o pensamento humano e suas possibilidades
técnicas de expressão, a presente pesquisa busca estudar a escrita e suas
possibilidades mediáticas. Não o simples processo de escrita como puro método de
comunicação, mas a escrita enquanto sistema conectado a uma rede de difusão, em
especial a escrita literária – inclua-se aqui a instituição literária –, com observância
14

em seus movimentos de adequação e passagem do suporte mediático do livro para


os mais avançados e contemporâneos sítios virtuais da internet.
Sendo assim, este estudo destina-se a desenvolver uma observação analítica
sobre o comportamento da escrita literária sobre o suporte tecnológico da telemática
e as transformações apresentadas pela Instituição Literária no ciberespaço, distante
da materialidade das páginas dos livros impressos e imersa no ambiente fluido,
imediato e interativo do espaço virtual na internet.
Busca-se aqui ressaltar a importância de acompanhar os novos rumos da
literatura, visto que ainda é marcadamente através do suporte impresso material e
da instituição literária convencional que são transmitidas, através das redes de
difusão, as heranças mnemônicas e os conhecimentos constituídos do homem,
enquanto ator social.

As produções simbólicas de uma sociedade no instante „t‟ não


podem ser explicadas independentemente das tecnologias da
memória utilizadas no mesmo instante. Isso quer dizer que uma
dinâmica do pensamento é inseparável de uma física dos vestígios.
(DEBRAY, 1995, p.21)

A evolução da oralidade primária para as práticas afinadas com repertórios de


novas tecnologias comunicacionais foi um salto evolutivo para a interação do
homem em sociedade e permitiu a criação de novos mecanismos de
armazenamento e transmissão de seus conhecimentos. E é importante observar que
este processo é contínuo e acontece na esteira do desenvolvimento de tecnologias
que afloram a cada dia, apontando para mais um estágio de evolução, que
abandona os limites dos espaços em branco da folha de um livro para explorar a
vastidão da virtualidade do ciberespaço.

Eu defino o ciberespaço como o espaço de comunicação aberto pela


interconexão mundial dos computadores e das memórias dos
computadores. [...]. Esse novo meio tem a vocação de colocar em
sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação,
de gravação, de comunicação e de simulação. A perspectiva da
digitalização geral das informações provavelmente tornará o
ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória
da humanidade a partir do início do próximo século. (Levy, 1999, p.
92 e 93)
15

A era da informática abriu novas possibilidades para a relação entre as


pessoas e as artes, na medida em que as inseriu em um novo espaço, no qual as
afinidades entre texto, som e imagem tornaram-se mais intensas e agregadoras. A
convergência das mídias permitiu o surgimento de uma arte eletrônica, que passou a
se moldar e influenciar a forma como as pessoas interagem com ela. Nos novos
suportes e ambientes que resultaram do desenvolvimento tecnológico, foram
aplicadas as diversas formas de comunicação e artes, numa tendência cada vez
mais convergente, e que veio a constituir-se como a base para a utilização criativa
dos componentes do domínio da textualidade, com o movimento, a temporalidade e
interatividade.
Desde o advento da telemática e sua popularização, através da informática e
dos computadores pessoais, como meio de comunicação e sociabilização, uma nova
era para as artes veio, paulatinamente, se formando. O texto, o som e a imagem se
imbricaram cada vez mais, adquirindo novas significações, através da facilitadora
relação entre máquinas e usuários e implicando em uma mudança ainda mais
profunda na produção e recepção dos textos resultantes.
A rede mundial de computadores serviu como suporte para a criação da
Ciberliteratura, na qual houve a convergência da comunicação e dos suportes
imateriais da imagem e do som combinados à escrita literária no ciberespaço. Assim,
a nova forma poética em desenvolvimento, situa-se no cruzamento entre as demais
práticas anteriores, tendo o computador como ferramenta para a produção,
expressão e propagação.
Foi aqui empregado o termo Ciberliteratura, em alusão aos estudos
relacionados à rede, de Peirre Levy, à respeito do ciberespaço e suas variações:
cibercultura e ciberarte. Também decorrem desse conceito ramificações como
cibercidades, ciberpunk e cibersocialidade, entre tantos outros termos correlatos que
explicam diversas contribuições do uso massivo da telemática e da rede.
Sobre as formas mais avançadas da nova sociedade tecnológica, assim como
o cyberpunk1, Kellner (2001) afirma que,

1. Cyberpunk: Termo cunhado pelo escritor norte-americano Bruce Bethke, em 1983, em sua
short-story homônima. É visto como uma visão de mundo atual que engloba literatura,
música, cinema, teorias, a cultura jovem e a cultura da MTV e do computador. A visão
cyberpuk reconhece o enfraquecimento do espaço público e o aumento da privatização da
vida social, na qual os laços pessoais fortes não existem mais. Para os autores, nesse
espaço público as pessoas são tecnologizadas e reprimidas ao mesmo tempo, sendo a
tecnologia que media nossas vidas sociais.
16

Expressam as energias da nova sociedade tecnológica, a alegria e o


poder de utilizar novas tecnologias, o êxtase da interação com ela, a
pujança possibilitada pelo acesso a novas informações e a novos
tipos de comunicação e transcendência de ver imagens e criações de
todo o mundo(...). (KELLNER, 2001, p. 409)

E em uma crìtica à Baudrillard e sua “utopia realizada”, Kellner (2001, p. 410),


explicita a crescente utilização da rede por escritores e da nova sistemática de
produção na virtualidade. Segundo ele os „intelectuais‟ estão ligados ao ciberespaço,
com acesso a uma grande quantidade de dados, em alta velocidade e iniciando
novos tipos de comunicação por meio de grupos de notícia, de trocas de
mensagens, de bancos de dados e de grupos de discussão on-line, escrevendo em
alta velocidade e nova intensidade.
O bombardeio de informações, novas técnicas de produção e a velocidade
com a qual elas se processam permitiram a constituição de um espaço de produção
do saber, ainda em andamento, que está levando a escrita a adquirir outros
contornos e simbolismos, distintos daquelas possibilidades oferecidas pelo suporte
impresso, além de mais espaços de difusão, renovando a criação do discurso e do
conhecimento.
Na linguagem “online”, a informalidade e instantaneidade, associado a muitos
outros elementos, configuram um novo tipo de escrita e leitura, cada vez mais plural
e igualitária para todas as vozes da sociedade.
Estas novas perspectivas para a linguagem só foram possíveis com a
revolução tecnológica, ocorrida nos últimos quarenta anos, a partir da qual a
informática tem se associado cada vez mais às telecomunicações, influenciando e
invadindo todos os campos do saber e das sociabilidades humanas. Não só o
jornalismo, mas também a literatura foi influenciada pelos escritos on-line,
absorvendo todas as possíveis contribuições permitidas pelo discurso em rede,
incluindo-se aí os já citados recursos do som, imagem e vídeo na sua produção.
Levy aborda a produção telemática sob uma ótica da pluralidade de possíveis
artes e interpretações para tal conceito, tendo em vista o universo no qual ela está
inserida e a massiva participação do público, como parte fundamental da
consolidação das obras e estruturas virtuais. Para ele, entende-se como ciberarte a
17

arte holográfica, a música Techno, a videoarte, entre outros, como abrangências de


formas distintas de um mesmo conceito.
Segundo Levy, uma característica marcante e determinante da ciberarte é a
participação do público, não apenas como espectador que interfere na construção
de sentidos, mas como co-produtor das obras, dando continuidade ao processo. Por
mais que uma obra seja iniciada por um artista institucionalmente assim
considerado, a sua vivacidade, continuidade e permanência no ambiente virtual só
são possíveis pelo fato de os leitores/co-produtores atuarem de forma ativa em suas
leituras, indo alem de uma participação interativa „passiva‟.

A tela de Modigliani, por exemplo, está concluída. Nenhuma


pincelada lhe falta. Está terminada. O que não quer dizer dos olhares
sobre ela, da imaginação, de querer termos a mulher de pescoço
longo e cabelos curtos ao nosso lado, etc. [...].É como se faltassem
pinceladas na tela de Modigliani e o público fosse escolhendo as
cores, acrescentando cada traço pessoal. Teríamos portanto, uma
iniciativa do artista e uma conclusão que estaria além de sua
competência e confecção (SALMITO, 2000, p. 225)

Assim como numa pintura que pode sofrer interferências diversas a partir do
olhar de cada um dos seus observadores, toda criação expressa em ambiente virtual
passa a ter um caráter coletivo, distanciando-se cada vez mais do ideal romântico do
artista-gênio, sendo agora, segundo Levy, considerados iniciadores de um processo
de criação, sem fim previsível e determinado. O autor é o idealizador da obra, mas
sem controle nenhum sobre seu produto final.
O que pensava o autor ao construir sua obra e o significado que o texto passa
a adquirir, mais à frente, deixam de coincidir, pois apesar do discurso do autor e o
que ele deseja expressar, o sentido passa a ser dado por quem o lê, que pode
interpretá-lo de maneiras bastante distintas umas das outras.

A Palavra escrita torna-se sinônimo de autonomia semântica do


texto, que resulta da desconexão de uma intenção mental do autor
do significado verbal do texto, daquilo que o autor quer dizer e o que
o texto quer dizer. As direções tomadas pelo texto escapam do
horizonte finito vivido por seu autor. O que o texto significa não
interessa mais do que aquilo que o autor quis dizer quando o
escreveu. Isto não significa que a intenção do autor tenha sido
completamente perdida. Apenas significa que a intenção do autor
não pode permanecer fora do texto como critério para interpretá-lo. O
texto permanece discurso, um constructo humano escrito por
18

alguém, acerca de alguma coisa. As intenções do autor portanto


tornaram-se uma parte do texto. (VALDÉS, pag. 140, 1996)

Observando as discussões até aqui levantadas, verifica-se a latente demanda


por observação das movimentações no sistema de produção e manifestação da
literatura no ciberespaço, na medida em que o leitor navegante conectado à rede da
internet assume responsabilidades, participação e „poderes‟ cada vez maiores na
construção do sentido e reconhecimento da escrita literária.
Para observar as novas relações envolvendo a produção literária na internet e
o seu sistema de construção e validação enquanto instituição no espaço virtual é
tomado como corpus de análise o site de relacionamento Orkut, um software do
Google criado em 2004 com o objetivo primário de ajudar seus membros a iniciarem
novas amizades e manter as já existentes, transpostas da realidade para a realidade
virtual.
Em algumas experiências, a fronteira entre o leitor e o autor de um texto é
suprimida e ambos permutam suas posições, chegando mesmo a fundi-las. A fluidez
constante do conhecimento e a velocidade de troca de informações propiciadas pela
interatividade criam novas formas de escrita, de registro e de reconhecimento da
literatura no ciberespaço.
Sendo assim, busca-se com este trabalho, verificar de que forma esta
produção contínua influencia na instituição da literatura e de como se processa esta
arte, na qual o evento da criação não se resume e nem está mais limitado ao
momento da concepção e realização „inicial‟ da obra. Olinto (2002) relembra a
experiência de Mallarmé de criar a obra denominada „Le Livre‟ no final do século
XIX, no qual já denunciava as transformações mais perceptíveis e comuns nos dias
de hoje no ciberespaço, só possível quase um século depois. Seguindo a ideia de
Pierre Levy, Olinto afirma do livro de Mallarmé,

O livro idealizado, sem início e fim, em construção perpétua, único e


multivocal, impessoal e vivo, soma de todos os livros, em última
análise dispensava a assinatura do autor. Sem impressão digital e de
dinâmica autopoiética, construindo, ao contrário, o seu próprio autor,
esta obra só ganhava estatuto de realidade a partir de sua
potencialidade projetada. (OLINTO, 2002, p. 54)
19

Desta forma, o principal objetivo desta pesquisa é estudar o Orkut como um


espaço para a disseminação da literatura interligada ao ciberespaço, analisando
como ela se apresenta e a forma como os usuários constroem seus discursos e
diálogos, nos quais se pode observar uma estética literária. Assim, busca observar
como os usuários estabelecem uma relação com a poesia e também se apropriam
de textos de autores famosos, transmutando os cânones literários do suporte
impresso para o ciberespaço. A partir disso, o trabalho busca verificar as
possibilidades de existência de uma Ciberliteratura através do que já se pode ser
visto na rede social.
Para alcançarmos tal objetivo, o trabalho foi estruturado em cinco capítulos.
No primeiro, foi desenvolvida, inicialmente, uma discussão sobre a história da leitura,
sob a ótica da influência exercida nela pelas novas tecnologias e as perspectivas de
mudanças na literatura em ambiente virtual. O processo de evolução da escrita foi
brevemente explicitado, revelando a sua importância na produção e disseminação
do conhecimento. Para isso, foram utilizados autores como Chartier (2001) que
aborda a questão das transformações pelas quais a leitura, livro e autor, passaram
ao longo dos anos, dissolvendo características de sua estrutura e absorvendo novos
elementos, causando uma remodelação das categorias. Marcuschi (2005) também é
citado em relação à questão do letramento, mais precisamente o letramento digital,
que radicalizou o uso da escrita. Bellei (2002) que aborda a questão da ameaça ao
livro, provocada pelo uso da tecnologia na produção de novos suportes onde a
leitura pode ser realizada, revelando que a ameaça significa um risco para todo um
conjunto de estruturas sociais e econômicas, além de identidades pessoais e
grupais.
Ainda no primeiro capítulo, é abordada a formação da sociedade, quanto ao
letramento como forma de dar voz e direito ao ser humano, possibilitando-o de inferir
na realidade. Assim, a sociedade é formada pela orquestração das vozes e, por isso,
a pluralidade de vozes encontradas no ciberespaço, revela a possibilidade de
formação de uma nova sociedade, instituída de valores e regras, criadas pelos
personagens, que a elas se sujeitam também. Para isso, são utilizados as
contribuições de Mey (2001), Bakhtin (2006), Koch (2003), Trevisan (1992), e outros
que abordam também a questão da heterogeneidade, polifonia e intertextualidade na
atividade interacional dos textos em sociedade, onde a presença do outro, cada vez
mais frequente, interfere de maneira substancial na escrita.
20

O segundo capítulo é dedicado ao estudo dos gêneros textuais, tendo em


vista que, à medida que se estabelece um novo suporte para sua „materialização‟, a
escrita se reformula e permite a criação de novos gêneros. Bakhtin (2006) revela
que os gêneros textuais são os “tipos estáveis de enunciados” pelos quais os
membros da sociedade fazem uso nas relações humanas. Tendo isso em vista, é
reconhecido que a variedade de culturas e a complexidade das relações conduz à
criação de novos gêneros. Além de Bakhtin (2006), foram estudados Paiva (2005),
Marcuschi (2005) e Dimantas (2010) que já agregam aos estudos dos gêneros, as
contribuições do ciberespaço e das redes sociais, como meios para a criação de
novas formas de comunicação escrita. Marcuschi (2005) afirma que os gêneros
realizados na Internet transmutam gêneros já existentes, desenvolve alguns
realmente novos e mescla vários outros. Nas comunidades virtuais, emergem os
gêneros: e-mail, chat, vídeo-conferência, listas de discussão, diários virtuais e blogs.
No terceiro capítulo, o Orkut é revelado como um espaço onde os gêneros
textuais são um híbrido de demais gêneros existentes no suporte tradicional
impresso e também já daqueles surgidos no ciberespaço, como o e-mail, o blog e os
diários virtuais. É feita neste capítulo uma apresentação da rede social do Orkut, sua
forma de utilização e a formação de comunidades, reunindo as pessoas de acordo
com um determinado tema e, desta forma, normatizando a forma de escrita neste
ambiente e permitindo o surgimento da literatura. Foram utilizados os autores Couto
e Rocha (2010), Paiva (2003), Cândido (2008), Levy (1999), Santaella (2007),
Baumam (2003), Dizard (2000), Chartier (1999) e Vilas Boas (2008) que introduz o
conceito do biografismo e ethos, que é aplicado no trabalho, ao Orkut.
A Instituição Literária é tema da abordagem do quarto capítulo, onde, a partir
dos estudos de Casanova (2002) explicita-a como uma política intelectual marcada
pelos valores da sociedade e, consequentemente, passível de modificações e
transformações, agregando novos elementos quando inserida em outros meios, o
que lhe confere novos parâmetros institucionais, permitindo, dentro de seu próprio
conceito, a criação da Ciberliteratura. São estudados ainda Bourdieu (2009), Bellei
(2002), Culler (1999) e Lemos (2002), entre outros.
O quinto capítulo é dedicado à análise da literatura dentro da rede social do
Orkut, como forma de verificar se já existe uma literatura genuinamente virtual ou se
o que podemos observar é ainda uma transmutação da literatura do livro para a
telemática. São retomados os conceitos de leitura, escrita, gêneros textuais e
21

Instituição Literária, abordados nos capítulos anteriores, a fim de se basear na busca


por esta „nova‟ literatura.
Para finalizar o último capítulo será dedicado a discutir a existência ou não de
uma Ciberliteratura, quais suas regras e suas obras canônicas, seus órgãos de
reconhecimento e de celebração de canonização, suas obras primas, sua gramática,
seu público, retomando a noção de instituição literária e gêneros textuais já
abordados anteriormente, e que nortearão a análise crítica dos aparatos, meios de
celebração e de institucionalização e do local como dispositivo de transmissão
cultural. Foram selecionados 300 perfis de usuários do Orkut para realizar uma
análise quantitativa da utilização da literatura e para observar se há ou não obras
canônicas e quais seus critérios de canonização, o que levaria a conclusão de que
há, de fato, uma Ciberliteratura.
22

Capítulo 1
DA ESCRITA EM PAPEL À ESCRITA VIRTUAL: A FORMAÇÃO
DE UMA NOVA SOCIEDADE

À sua época, os diferentes suportes instauraram formas de manifestações e


práticas culturais próprias e influenciaram nas demais, o desenvolvimento das
ciências modernas e a constituição de saberes. Em se tratando do livro, ele é, antes
de qualquer coisa, um objeto simbólico, uma instituição e uma tecnologia. Segundo
Bellei (2002), a cultura pós-Gutemberg confiou ao livro a tarefa de armazenar e fazer
circular praticamente todo o conhecimento considerado relevante, tornando-se uma
instituição poderosa e autêntica.
A comunicação humana passou por longos processos de evolução, no qual o
alfabeto e em seguida, a escrita, foram fundamentais para a produção e
disseminação do conhecimento. De acordo com Castells (1999), foi por volta de 700
a.C que, na Grécia, o alfabeto foi inventado, diminuindo o abismo entre o discurso
oral e o escrito e transformando a comunicação humana. A partir da invenção e
difusão da imprensa e fabricação do papel, muitos séculos mais tarde, a
alfabetização se difundiu.

Contudo, a nova ordem alfabética, embora permitisse discurso


racional, separava a comunicação escrita do sistema audiovisual de
símbolos e percepções, tão importantes para a expressão plena da
mente humana. Ao estabelecer – implícita e explicitamente – uma
hierarquia social entre a cultura alfabetizada e a expressão
audiovisual, o preço pago pela adoção da prática humana do
discurso escrito foi relegar o mundo dos sons e imagens aos
bastidores das artes, que lidam com o domínio privado das emoções
e com o mundo público da liturgia. Sem dúvida, a cultura audiovisual
tece sua revanche histórica no século XX, em primeiro lugar com o
filme e o rádio, depois com a televisão, superando a influência da
comunicação escrita nos corações e almas da maioria das pessoas.
(CASTELLS, 1999, p. 353)

No século XX e início deste século XXI, uma nova transformação na escrita


vem se moldando, tendo como pano de fundo a tecnologia. A escrita, desde a sua
consolidação como forma de difusão mnemotécnica do conhecimento, que durou
23

séculos se formando, vê agora uma nova fase de avanços, que ocorrem de forma
mais intensa e veloz, transpondo para o suporte virtual, todas as variáveis e gêneros
possíveis no suporte impresso do livro, para uma nova realidade, altamente
influenciada por esta criação em desenvolvimento.
Chartier (2001) afirma que o livro, a leitura e o autor são categorias que
passaram por transformações ao longo dos últimos anos, dissolvendo características
indispensáveis na sua estrutura e modo de ser, como no caso da leitura, que
segundo ele, mesmo em espaços públicos nem sempre foi uma prática
compartilhada, e os escritos, no caso, textos literários, identificavam-se, em primeiro
lugar com um nome próprio, com um autor, o que hoje pode ocorrer de forma plural.
Para o universo e história da escrita e leitura, o avanço permitido pelas novas
tecnologias fez surgir a cultura eletrônica, ainda à margem, porém que vem ao longo
de anos e de diversos processos, conduzindo uma nova economia da escrita, como
observa Marcuschi (2005, p. 14). Ele acrescenta que este fenômeno pode ser
definido como um „letramento digital‟, e que está, por sua vez, radicalizando o uso da
escrita.

O letramento, tanto o convencional quanto o de tipo „computacional‟,


é mais do que uma simples „tecnologia de informação‟ que se possui
de forma ativa ou passiva. Não é suficiente saber ler e escrever, ou
ter acesso à internet e ser um hábil „surfista‟, deve-se também saber
o que procurar na rede; do contrário (conforme já foi dito), vai-se
aonde quer que o surfe, e não nossos corações ou nossas cabeças,
nos leve. [...] O letramento da mídia é, antes de tudo, e de acordo
com seu aspecto primário, a habilidade de acessar a mídia;
posteriormente, no entanto, esse acesso tem que ser praticado de
maneiras funcionais, ou seja, devemos saber como, na relação com
as tecnologias do conhecimento (da leitura e da escrita ao surfe),
nossas ações são inspiradas e condicionadas por nossa posição na
sociedade, ao mesmo tempo em que é por elas afetada. (MEY, 2001,
p. 237)

A perspectiva de mudanças na literatura em ambiente virtual, ocorre no trato


dado às obras, na sua editoração, publicação e, sobretudo, no contato entre as
partes envolvidas, aqui entendidas como autores, editores, e, por fim, leitores. O
diálogo que se estabelece entre as artes e os meios de comunicação garante uma
promissora e frutífera produção, que pode ser percebida mais facilmente, em blogs e
sites com produção pessoal de artistas, inclusive produções de vídeo. Ao migrarem
para o meio virtual, de linguagens móveis e líquidas, as obras literárias absorveram
24

outros elementos e significações, que transmutaram todo o seu contexto, ideias e


formas.
A novidade do uso da telemática como mais um recurso para produção
literária se deu em meio ao surgimento dos discursos apocalípticos que profetizavam
o fim do livro face ao avanço tecnológico e segundo os quais o suporte virtual
sobressaía-se como o meio capaz de substituir o suporte tradicional, devido às suas
peculiares características e capacidade de armazenamento de dados. Na mesma
medida, foi crescendo o interesse pela estrutura da hipermídia e se proliferou o
surgimento e crescimento das redes de telecomunicação, ligando, segundo
Santaella (2007) “rizomaticamente”, todos os pontos do globo.

Nesse contexto, junto com as promessas de universalidade e


intercâmbio internacional de idéias pregadas pelos utopistas, tem
surgido também muita angústia diante das incertezas quanto ao
desaparecimento da cultura do livro. Será que a cultura do livro no
seu formato atual, feito de papel, está fadada a desaparecer como
desapareceram os rolos de papiro? (SANTAELLA, 2007, p. 15)

O questionamento realizado acima por Santaella, no livro „Navegar no


ciberespaço‟ se estende aos meios de comunicação, como o rádio, a televisão e
jornalismo impresso, além de influenciar ainda, nas artes como a música, fotografia,
pintura e literatura. Todas elas são unidas no ciberespaço, como em nenhum outro
meio, unificando as ideias e traduzindo para um suporte mais plural, todas as
qualidades de cada uma das produções.
A „ameaça‟ ao livro impresso seria segundo Bellei (2002), a ameaça de todo
um conjunto de estruturas sociais e econômicas e de identidades pessoais ou
grupais. “Mais do que um objeto, portanto, o livro é uma entidade que institui valores
comunitários e econômicos e identidades grupais e individuais” (BELLEI, 2002, p.
13). Essa entidade movimenta setores econômicos e estabelece interesses
individuais e coletivos. Mas as novas abordagens possíveis através da conexão com
a rede e suas interfaces, expandem e redirecionam o sentido objetivo do livro,
permitindo aos seus usuários, pensar experiências de leitura pautadas pela
hibridização das mídias e cibridização dos espaços. Neste processo, Beiguelman
(2003, p. 11) defende a posição e importância do livro diante das novas mídias e
suas configurações.

Não se fala de um mundo da leitura sem pressupor uma leitura de


mundo, e é inegável que o livro impresso seja ainda a referência
25

central do universo da leitura on-line e, por conseguinte, da forma


como se estrutura essa leitura de mundo. Tão estável e tão
paradigmático é o livro impresso que não se conseguiu inventar um
vocabulário próprio para as práticas de leitura e escrita on line.
(BEIGUELMAN, 2003, pag. 11)

1.1- A formação da Sociedade e o sujeito falante

O letramento pressupõe a participação do homem em uma sociedade, na qual


através da voz e do direito a ela, torna-o capaz de se posicionar e interferir na
realidade local e até mesmo global, a partir do advento dos computadores e diluição
de fronteiras capazes através da Internet. Na formação da sociedade, atribuímos
vozes aos seus integrantes, na forma de falantes e ouvintes ou também
espectadores, ouvintes desconhecidos e leitores, próximos ou distantes. Sobre o
papel do sujeito falante, Bally (apud MEY, 2001, p.19) o afirma como “um meio de
ação e expressão”. Ele enfatiza a importância da fala em oposição à escuta como
Ativo X Passivo, ainda que o processo de escuta deixe o sujeito passivo também
bastante ativo no uso da linguagem.
A linguística envolve o uso da linguagem como atividade social e se
concentra no papel do falante para discutir em que medida os falantes de uma
língua criam a sociedade a qual pertencem e em que grau a linguagem os ajuda
nessa tarefa.
Jacob L. Mey (2001) conceitua três tipos de vozes diferentes:
-a voz do membro (de acordo com seus conhecimentos e recursos);
-a voz descritiva (de acordo com a linguística teórica e antropologia
estruturalista);
-a voz societal (de acordo com o dialogismo Bakhtiniano e dialético);

O membro realiza suas atividades sem saber o que está acontecendo, o


linguista ou cientista social tenta capturar o conhecimento explícito do usuário de um
sistema de regras e o integracionista dialético recusa-se a deixar-se aprisionar por
dilemas de natureza cartesiana, afirmando que somente pode se pronunciar em um
contexto particular da sociedade.
De acordo com Bakhtin no que ele chama de „orquestração de um texto‟, “a
formação da sociedade não é trabalho do indivíduo, mas o indivíduo é responsável
26

por isso na medida em que é um agente, um personagem, uma voz” (Mey, 2001, p.
27). Sendo assim, a orquestração da sociedade se fundamenta nas vozes dos
humanos como instrumentos. As personagens sociais e agentes podem inventar e
estruturar a maneira como querem viver, mas da mesma forma, elas se sujeitam às
suas próprias criações.
A formação da sociedade não é, portanto, o trabalho de seres humanos
individuais, nem o efeito de condições econômicas, políticas, ecológicas,
tecnológicas, etc, mas sim aquilo que nós, seres humanos ativos e perceptivos,
podemos promover, dadas certas condições temporais e espaciais e no interior do
quadro de natureza e cultura, história e visões que nos cercam. Dado isso, podemos
observar de que forma as condições possibilitadas pelo ciberespaço influenciam
também na formação de uma nova sociedade, desta vez, virtual, na qual os agentes
estruturam novas formas de arte e a elas se sujeitam.

1.2 - A comunicação e a informação

Na atual sociedade da informação, os agentes do poder são aqueles que


mantêm e garantem a distribuição da informação sob qualquer forma e através de
qualquer meio, em oposição a modos anteriores de organização, nos quais a
produção parecia ser o conceito-chave em matéria de controle social.
(...) a informação é usada como uma expressão metafórica que cobre
toda ou grande parte da necessidade que as pessoas modernas têm
de segurança e confiança nelas mesmas e no mundo que as cerca.
As doses diárias de informação ajudam as pessoas a continuar em
suas atividades diárias, independentemente de quão triviais ou
entediantes possam ser. O fluxo contínuo de informação ajuda, pois,
a assegurar a suave operação do estado moderno; ele assegura o
tecido social entretecendo seus fios no tear de nossos negócios.
(MEY, 2001,p.55)

A forma de a sociedade se expressar e informar é através de textos,


entendidos como a organização coletiva de suas vozes. Esses textos podem ser
escritos ou preservados oralmente, dependendo da cultura da sociedade particular.
“No inìcio dos tempos, a palavra falada era considerada algo de verdadeira
importância no mundo dos textos; aqueles que precisavam contar com notas
escritas eram marginalizados como atores menores”. (MEY, 2001, p.79)
27

A totalidade de práticas que compõe a vida diária de uma comunidade


pressupõe a existência do texto. Esse sistema de crenças, tradições, regras morais,
divisão de trabalho, é o que chamamos de discurso. As vozes não são produzidas
ou compreendidas em um vácuo. A cada voz corresponde um personagem, um
agente social. A voz expressa o modo como está organizada a posição do
personagem na sociedade e o texto é o seu resultado.
A partir disso, em cada mundo social particular, existe dissonância de vozes
que não soam no mesmo tom ou estão fora dele. Para se fazer ser ouvida, uma voz
deve ter algumas qualificações, como a habilidade de ler e escrever, o que
chamamos de letramento, condição de admissão no mundo social. Contudo, não
são todas as vozes que podem ser ouvidas, segundo Jacob L. Mey, nem todas as
vozes têm o mesmo estatuto, e isso a despeito do princípio da democracia. (MEY,
2001, p. 81). Num sistema democrático, a voz torna-se direito de todos, mas as
atenções são voltadas para um pequeno grupo seleto de pessoas que podem se
fazer serem ouvidas.
A voz que está sendo ouvida não é a de um membro da sociedade, mas sim
um membro informado por ela e pertencente a uma classe, como acrescenta
Bourdieu:
Em uma sociedade de classes, todos os produtos de um dado
agente, em função de uma sobredeterminação essencial, falam
inseparavelmente e simultaneamente de sua classe – ou mais
precisamente, da posição deste na estrutura social, assim como sua
trajetória ascendente ou descendente – e de seu corpo (...). (MEY,
2001, p.81)

Há uma diferença entre ser reconhecido e ter reconhecimento. Ser


reconhecido pode ser explicado como quando estamos longe de casa e ouvimos a
voz de alguém ao telefone. Já ter reconhecimento se baseia no status atribuído a
alguém, sendo este levado a sério quando assuntos relevantes são discutidos ou
contestados. Outra questão é o fato de que o corpo também fala, como o dedo
indicador levantado, o coração sangrando ou mesmo uma dor de cabeça. A
expressão do corpo do revolucionário, por exemplo, é tradicional e
emblematicamente concentrada no punho esquerdo erguido representando a força
revolucionária e intenção de revolução do discurso.
A existência do texto pressupõe um emissor e um receptor. O texto não é feito
para si mesmo, nem para o autor somente e não fica à deriva sem que haja um alvo
28

para o qual ele esteja orientado. Isso pode ser percebido no que Bakhtin chama de
“endereçamento” (addressivity), traduzida do russo obrashchënnost. A lìngua em
uso tem necessariamente um elemento de direcionamento, quando a usamos
sugerimos a existência de alguém a quem se dirigir, um parceiro no diálogo.
Um enunciado requer tanto um falante como um ouvinte (ou um
escritor e um leitor), que tenham a propriedade conjunta do mesmo.
Dito de outra forma, o “endereçamento” é uma caracterìstica
consistente, necessária a cada enunciado, „sua qualidade de estar
direcionado para alguém‟... sem isso (o endereçamento) o enunciado
não existe e não pode existir”. (MORSON e EMERSON apud MEY,
2001, p.108)

A visão do uso linguístico como fundamentalmente dialógico sugere que o


parceiro (ouvinte) não é apenas passivo das emissões do falante, mas sim, parte
integral da comunicação e co-proprietário do enunciado. Por isso, o autor não
percebe o impacto do seu texto antes que isso lhe seja confirmado pela leitura da
recepção do público. Isso explica em parte o “porquê” de o sucesso ser tão desejado
e importante para os autores, pois além do aspecto financeiro, ter sucesso significa
ir a algum lugar, “chegar lá”.
A virada da leitura não fica limitada ao virar das folhas de um livro. Ela tem
implicações também para o leitor. Ele não é passivamente endereçado, mas orienta-
se ativamente para o autor, buscando a sua parceria no texto. É essa a atividade de
consumo do texto.
Em nossa sociedade, os textos são as drogas mais importantes (o
que explica a ferocidade com que textos e autores foram perseguidos
por regimes não democráticos; textos sendo queimados e seus
usuários condenados à infâmia e à morte, com nos autos-de-fé da
Inquisição). (MEY, 2001, p.109)

1.3 - O texto como atividade interacional

O texto é considerado uma atividade interacional com um objetivo ou


finalidade, segundo as teorias sócio-interacionais. A atividade verbal “teoria da
atividade (social) humana, que se especifica em uma teoria da atividade
(comunicativa) verbal” (Koch, 2003, p.13) tem três fatores importantes: motivação,
finalidade e interação. Com isso, admite-se que a atividade precisa proceder de um
29

interesse e ter uma finalidade, ambos formados através da situação em que o


indivíduo se encontra.

Podemos dizer, numa primeira aproximação, que textos são


resultados da atividade verbal de indivíduos socialmente atuantes, na
qual estes coordenam suas ações no intuito de alcançar um fim
social, de conformidade com as condições sob as quais a atividade
verbal se realiza. (KOCH, 2003, p.26)

Desta forma, Koch define que o texto não é totalizador do sentido, mas sim
uma ferramenta para se chegar a este objetivo. Através do texto, o leitor pode se
deparar com pistas que levem ao sentido, através da utilização de estratégias
cognitivas e interacionais. Segundo Koch (2003), as estratégias cognitivas são
estratégias de uso do conhecimento e não se baseiam apenas nas construções e
características dos textos, mas também nos leitores. Elas se relacionam a objetivos,
informações que o texto oferece e questões relacionadas à personalidade do leitor,
como opiniões e atitudes.

Desta forma, as estratégias cognitivas consistem em estratégias de


uso do conhecimento, e esse uso, em cada situação, depende (...) da
quantidade de conhecimento disponível a partir do texto e do
contexto, bem como de suas crenças, opiniões e atitudes, o que
torna possível, no momento da compreensão,reconstruir não
somente o sentido intencionado pelo produtor do texto, mas também
outros sentidos, não previstos ou mesmo não desejados pelo
produtor. (KOCH, 2003, p. 35)

Deste modo, de forma que um texto não expõe uma informação pronta, mas
sim caminhos que podem auxiliar na construção de sentidos, cada leitor pode
adicionar à produção textual, seus sentidos próprios de conhecimento e isso torna-
se maximizado quando se trata de escritos publicados no ciberespaço, onde a
possibilidade de intervenção nos textos é maior.

O sentido de um texto não advém da soma de frases que o


constituem, mas decorre do todo, através de dois planos de
organização do texto, o macroestrutural e o microestrutural, que
constituem, respectivamente, a coerência e a coesão, dois níveis
distintos, porém intimamente relacionados. (TREVISAN, 1992, p. 20)
30

A coerência e a coesão são partes imprescindíveis para a construção do


sentido. A coesão é o plano da junção apropriada de elementos linguísticos, ou seja,
como eles são sequenciados; já a coerência está relacionada a noções mais
profundas que encontramos no texto, que contém informações organizadas. A
construção de sentidos ocorre quando o texto é considerado coerente. E esta
coerência é captada pelo leitor uma vez que ele obtém a ideia macroestrutural do
texto, ou seja, a coesão, que lhe permite compreender do que o texto está falando e
então chegar ao sentido. Trevisan salienta que para chegar à coerência, é preciso
ter a noção das macroestruturas semânticas.
Estas macroestruturas semânticas, segundo ela, derivam de sequências
proposicionais a partir do texto, com a ajuda de macrorregras. As macrorregras têm
a ver com estruturas temáticas, e sua função cognitiva é essencial para a
compreensão do texto. Ele afirma que sem elas, um usuário da língua será incapaz
de estabelecer a coerência textual, de inferir os temas ou conteúdos de discussão
global.
De acordo com Trevisan (1992), a coerência depende mais da posição do
leitor quanto ao texto que está sendo lido. Ele afirma que ela não está presente no
texto, mas passa a ser desenvolvida de acordo com as interpretações e sentidos
possíveis, já que é possível tornar uma frase coesa também coerente de acordo com
o processo cognitivo do leitor. O sentido do texto passa a ser criado tendo como
ponto de partida a coerência determinada pelo leitor.

A construção da coerência, portanto, depende fundamentalmente do


receptor, de sua atitude de cooperação, de sua habilidade em
desvendar o sentido do texto e, especialmente, de sua bagagem
cognitiva. (TREVISAN, 1992, p. 23)

O leitor possui papel imprescindível na leitura e vários fatores influenciam


para que isso ocorra, tais como o seu conhecimento de mundo, que relaciona todas
as informações absorvidas por ele ao longo da vida. O conhecimento, armazenado
na memória, auxilia o leitor a fazer relações do que ele sabe com o que lê e, para
existir conexão, é necessário que haja semelhança de alguma forma entre o
conhecimento de mundo tanto do leitor quanto do autor do texto. Segundo Trevisan
(1992), um elemento que pode facilitar essa conexão é a inferência.
31

A autora define as inferências como “conexões realizadas a partir dos


elementos formais fornecidos pelo texto (Trevisan, 1992, p. 53). Tal elemento possui
como função compreender as informações que o texto não traz, ou seja, o leitor faz
conexões na leitura para conseguir ter também informações que não estão contidas
no texto. Trevisan (1992, p. 56) cita como exemplo de alguns tipos de inferência, as
„informacionais‟, que são realizadas pelo leitor ao tentar responder às questões
como “quem, o que, onde e quando”, cujas respostas precisa conhecer para
entender o texto. Há também as „elaborativas‟ e as „avaliativas‟ que respondem às
questões “como” e “por que”, respectivamente.
As inferências avaliativas implicam uma leitura que vai além daquela somente
literal que o texto oferece. É uma inferência que ocorre quando o leitor compreende
o que está por traz do texto, seu objetivo, o que ele que transmitir. “Assim o leitor
leva em conta o comportamento que não é explicitado no texto e preenche as
lacunas existentes através das inferências”. (Trevisan, 1992, p. 56). O contexto,
além do papel de casa leitor, também tem sua função no processo de inferência,
pois no ato da leitura o conhecimento prévio não acontece apenas através da junção
de palavras e frases, mas sim de acordo com as situações contidas no texto.
Associada à recepção de textos, também há estudos acerca da forma como o
lemos, os processos cognitivos. Eles se iniciam com o movimento dos olhos ao ler o
texto. Este movimento é chamado de „movimento sádico‟. Através dele, o leitor não
lê palavra por palavra, já que este movimento não é linear, mas fixa seus olhos em
um determinado trecho, no processo denominado de fixação, e depois muda para
outro trecho. As fixações dependem da dificuldade da leitura e isso influencia no
movimento sádico, que pode ser rápido se o texto tiver informações de fácil
compreensão para o leitor, ou mais lento se o material for mais complexo.
Outros movimentos que também interferem no processo de leitura, são os
movimentos progressivo e regressivo. A velocidade de leitura depende destes
movimentos e quanto mais complicado é um texto, mais o leitor utiliza dos
movimentos regressivos, permitindo que ele controle a leitura de acordo com a sua
compreensão sobre o que lê. Com a fixação o olho lê a palavra claramente, mas
com os movimentos sacádicos, a visão é periférica. Segundo Kleiman (2000, p.33),
isso aponta para o fato de que grande parte do material que lemos é adivinhado ou
inferido, não é diretamente percebido.
32

Ao se discutir o texto, um ponto que não deve ser ignorado e que é visto com
bastante frequência no Orkut, demais redes sociais e com mais liberdade em toda a
rede que em outros suportes, é a intertextualidade. Ou seja, as permutações e
conexões que acontecem entre dois textos.
Isso significa que todo texto é um objeto heterogêneo, que revela
uma relação radical de seu interior com o seu exterior; e, desse
exterior, evidentemente fazem parte outros textos que lhe dão
origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a
que alude, ou a que se opõe. (KOCH, 2003, p.59)

1.4 - Intertextualidade
A interação entre textos é um fator importante e constituinte de novos textos e
Koch (2003) afirma que todo e qualquer texto pode fazer referência ou conversar
com outro, através da intertextualidade, que ocorre em sentido amplo ou restrito. A
intertextualidade em sentido amplo é chamada de interdiscursividade, apontando
que um texto não se constrói sozinho, mas que vários textos se relacionam e são
mediadores entre si. Já a intertextualidade em sentido restrito é a relação que um
determinado texto faz com outros já produzidos anteriormente. Este segundo tipo,
vale salientar, é o mais comumente utilizado pelos usuários do Orkut.
Esta intertextualidade pode se dar em relação ao conteúdo, quando os textos
falam de um mesmo assunto, explicitamente, quando o texto com o qual faz
intermédio é citado, ou implicitamente, quando não ocorre citação, semelhanças ou
diferenças para argumentação e outros intertextos de mesma autoria ou de outro
autor. “Todas essas manifestações da intertextualidade permitem apontá-la como
fator dos mais relevantes na construção da coerência textual”. (KOCH e
TRAVAGLIA, 1989 apud KOCH, 2003, p. 64).
Ainda dentro da intertextualidade, há o conceito de polifonia. Bakhtin
concebeu duas modalidades no estudo de prosa romanesca: o monológico e o
polifônico. Estão associados ao conceito de monológico, o monologismo,
autoritarismo e acabamento enquanto que a categoria de polifônico apoia-se nos
conceitos de realidade em formação, inconclusibilidade, não acabamento,
dialogismo e polifonia. Como gênero em formação, sujeito a novas mudanças, cujas
personagens são sempre representadas em um processo de evolução que nunca se
conclui decorrem a inconclusibilidade e o não acabamento. Ao autoritarismo se
associa a indiscutibilidade das verdades veiculadas por um tipo de discurso, ao
33

dogmatismo e o acabamento associa-se ao apagamento dos universos individuais


das personagens e sua sujeição ao horizonte do autor.
Na polifonia, as personagens do universo romanesco estão em permanente
evolução. O dialogismo e a polifonia estão veiculados à natureza ampla e
multifacetada do universo romanesco, ao seu povoamento por um grande número
de personagens e à capacidade do romancista para recriar a riqueza dos seres
humanos traduzida na multiplicidade de vozes da vida social, cultural e ideológica
representada.
A diferença entre monologismo e dialogismo é que no discurso monológico “o
autor concentra em si mesmo todo o processo de criação, é o único irradiador da
consciência, das vozes, imagens e pontos de vista do romance”, como afirma Brait
(2005, p. 192). A visão monológica não admite a existência da consciência
responsiva do outro, não existe o “eu” isônomo do outro, o “tu”. Nesta modalidade, o
outro nunca é consciência, é mero objeto de um “eu” que tudo informa e comanda. O
monológico é algo concluído e surdo à resposta do outro, não reconhecendo nele,
força decisória.
O monológico quer ser a última palavra, descartando o outro como entidade
viva, falante e veiculadora das múltiplas facetas da realidade social, coisificando em
certa medida toda a realidade. Segundo Bakhtin, no monologismo as personagens
não têm mais nada a dizer. Já disseram tudo e agora, cabe ao autor, a partir de sua
visão distanciada, dizer a última palavra por elas e por si.
O romance polifônico, por sua vez, só pôde ser concebido na era capitalista e
na Rússia, de Bakhtin, onde uma diversidade de universos e grupos sociais
individualizados e conflituosos rompeu o equilíbrio ideológico, criando os múltiplos
planos e as múltiplas vozes da existência, indicando que a essência conflituosa da
vida social em formação não cabia nos limites da consciência monológica.
O dialogismo foi a libertação do indivíduo, que de escravo mudo da
consciência do autor se torna sujeito de sua própria consciência. A polifonia
representa este novo universo. No enfoque polifônico, a autoconsciência do
personagem é o traço dominante na construção de sua imagem, pressupondo uma
posição radicalmente nova do autor na representação da personagem.
O enfoque dialógico surge a partir do autor que vê, interpreta, descobre esse
outro “eu”, exigindo um novo enfoque desse homem. É essa posição radical, que
transforma o objeto em outro sujeito, que se revela livremente. O que caracteriza a
34

polifonia é a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam
do processo dialógico.

Mas esse regente é dotado de um ativismo especial, rege vozes que


ele cria ou recria, mas deixa que se manifestem com autonomia e
revelem no homem um outro “eu para si” infinito e inacabável. Trata-
se de uma “mudança radical de posição do autor em relação às
pessoas representadas, que de pessoas coisificadas, se
transformam em individualidades”. (BEZERRA, 2005, p.194)

Na polifonia, há uma multiplicidade de vozes e consciências independentes,


todos representantes de um determinado universo e marcados por suas
peculiaridades. Nenhuma dessas vozes torna-se objeto do autor que desejar
manuseá-las em seu discurso, mas sim sujeitos de seus próprios discursos. No
discurso, as personagens e suas consciências se definem no diálogo com outros
sujeitos-consciências, todos com o mesmo valor, se inter-relacionando.
Para Bakhtin, a palavra tem natureza dialógica, sendo usada a partir de um
efeito de sentido que o sujeito pretende alcançar no momento da enunciação, ou
seja, no momento do uso concreto da língua.
O dialogismo é característica essencial da linguagem: o enunciado
vivo, surgido pensadamente num determinado momento histórico e
num meio social determinado, não pode deixar de tocar milhares de
fios vivos e dialógicos, tecidos pela consciência social-ideológica em
torno de um objeto dado de enunciação, não pode deixar de tornar-
se um participante ativo do diálogo social. (BAKHTIN, 2006, p. 93)

O fato de ser ouvido, por si só, já estabelece uma relação dialógica. A palavra
quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder a
resposta. Nesse diálogo, o sentido não tem fim, pois está em eterno curso. O
discurso, até atingir seu objetivo que é o de persuadir e construir sentidos, baseia-se
nas relações que mantêm com o Outro, com o interlocutor. Na produção de um
discurso, as palavras são sempre escolhidas levando-se em consideração as
palavras do Outro. Essas palavras, que já foram ditas em algum lugar da história e,
por isso, impregnadas de valores ideológicos, modificam-se de sentido quando
postas em uso de novo. A teoria polifônica de Bakhtin afirma a existência de uma
pluralidade de vozes que compõem um discurso, sem que uma delas se sobressaia
ou julgue as demais.
35

Ducrot (1980 apud KOCH 2003, p. 64) assinala que o termo polifonia é
utilizado

Para designar, dentro de uma visão enunciativa do sentido, as


diversas perspectivas, pontos de vista ou posições que se
representam nos enunciados. Para ele, o sentido de um enunciado
consiste em uma representação (no sentido teatral) de sua
enunciação.

A partir daí, Koch (2003) delimita as diferenças entre a polifonia e a


intertextualidade.

Na intertextualidade, a alteridade é necessariamente atestada pela


presença de um intertexto (...). Em se tratando de polifonia basta que
a alteridade seja encenada, isto é, incorporam-se ao texto vozes de
enunciadores reais ou virtuais, que representam perspectivas, pontos
de vista diversos, ou põe em jogo “topoi” diferentes, com os quais o
locutor se identifica ou não. (KOCH, 2003, p. 73)

A intertextualidade pode ser confundida com a polifonia, pois é constitutiva de


todo e qualquer discurso, porém, ela é menor do que a polifonia, já que ocorre
quando um texto está inserido em outro texto (intertexto) produzido anteriormente.
Assim, para que a intertextualidade seja identificada, é preciso que o texto retomado
esteja na memória discursiva dos interlocutores ou que seja de uma memória
coletiva. Todo texto é também um intertexto, o que quer dizer que “outros textos
estão presentes nele, em nìveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecìveis”
(Barthes apud Bentes, 2001, p. 269).

1.5 - A Heterogeneidade

O discurso é constitutivamente heterogêneo. É condição para qualquer


discurso ser uma resposta para outro, isso explica o fato de o discurso ser dialógico.
O diálogo constitutivo do discurso remete a formações ideológicas que produzem o
entrelaçamento de vozes. A presença do outro é inevitável, orientando a construção
que o sujeito faz do mundo. Dessa forma, a percepção de mundo de cada sujeito
apresentada nos textos, não é individual, mas sim social. São as vozes sociais em
diálogo, constituindo heterogeneamente o texto, ancorando-se na história.
36

As diversas vozes ideológicas firmam a heterogeneidade constitutiva dos


textos, na medida em que quando um discurso remete a outro, o realiza de forma
organizada e coerente, constituindo um novo enunciado a partir das prescrições e
normas ditadas socialmente.
Jacqueline Authier-Revuz, amparada no dialogismo bakhtiniano, compara a
heterogeneidade constitutiva, que é o entrecruzamento inevitável de vozes do „eu‟ e
do „outro‟ em qualquer discurso, com a heterogeneidade mostrada, que é
intencional. A heterogeneidade mostrada desenvolve-se a partir da constitutiva,
negociando com ela para mostrar a presença do outro no discurso. Ela incide sobre
as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de
enunciação, enquanto que a Heterogeneidade constitutiva não é marcada na
superfície do texto, mas que pode ser definida formulando hipóteses. A reelaboração
dos dizeres que está na origem da constituição do dizer, é responsável pela
heterogeneidade dos discursos. Quando o discurso de outrem se revela de forma
explícita na materialidade textual, Authier-Revuz a denomina como heterogeneidade
mostrada
No discurso, a heterogeneidade mostrada é percebida pela presença do
outro, delimitada por marcas que a separam do enunciador citante, estabelecendo o
confronto entre as enunciações citante e citada. O outro do discurso citado será o
interlocutor caso a voz que o transmita seja reproduzida em discurso direto e será o
locutor, caso a voz citada seja reproduzida em discurso indireto. Quando do discurso
indireto, a enunciação citada é absorvida pela voz do narrador, que a reformula.
Nessa reformulação, o narrador dilui as marcas enunciativas do discurso citado,
como por exemplo, a interrogação, a exclamação, as aspas e o itálico.
No discurso direto, percebemos a presença de duas enunciações separadas,
a do narrador (enunciador) e a do outro sujeito, o interlocutor, aquele que, no
enunciado, aparenta também estar presente. Essa heterogeneidade pode ficar
marcada pelo uso de aspas, itálico, travessão, que separam na manifestação do
texto a voz do narrador e a do interlocutor. No discurso indireto, a presença do outro
fica subordinada à voz do narrador que a cita.
Da heterogeneidade mostrada, surge a heterogeneidade marcada não
mostrada, que reúne a ironia, o discurso indireto livre, a paródia e a estilização.
Nela, o „eu‟ mostra deliberadamente o „outro‟ mas não o restringe a marcas
específicas.
37

Tendo em vista tais elementos constitutivos da escrita, percebemos que o


letramento digital e a formação de uma sociedade em rede, composta por tribos,
regras e normas e, ao mesmo tempo, livre de conceitos e determinações lógicas, é
possível graças a pluralidade de vozes que democraticamente tomam lugar no
espaço e se fazer ser ouvidas, lidas ou vistas. A intertextualidade, polifonia e
heterogeneidade, são, como poderá ser visto mais a frente, elementos balizadores
para a compreensão da produção virtual, seja ela uma Ciberliteratura ou apenas
uma transmutação de suportes.
38

Capítulo 2
DOS TIPOS ESTÁVEIS DE ENUNCIADOS IMPRESSOS AOS ELETRÔNICOS: A
FORMAÇÃO DE NOVOS GÊNEROS TEXTUAIS

Antes de entrar nas mudanças promovidas a partir do advento e massificação


dos computadores e em seguida da internet como meio de comunicação e produção
de bens culturais influenciando de forma substancial na escrita e leitura, de forma a
produzir novos gêneros textuais, convém, explicitar à luz do que teoriza Bakhtin, o
que se configura como um gênero textual.

Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são


correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da
linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical)
pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e
longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos.
(BAKHTIN, 2006, p. 268),

2.1 - Gêneros textuais


Bakhtin (2006) considera como um gênero textual como os “tipos estáveis de
enunciados” nos quais a utilização da lìngua é elaborada, em determinados campos
da comunicação, onde o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional
estão ligados. Assim, apesar da particularidade de cada enunciado, como todos os
campos da atividade humana estão indiscutivelmente associados ao uso da
linguagem, nada mais normal que haja uma grande infinidade de gêneros textuais.
A variedade de culturas, diálogos e relações humanas é o que permite esta
variedade de gêneros e à medida que elas se tornam mais complexas, a linguagem
também sofre interferência, o que revela a heterogeneidade dos gêneros, sobre os
quais Bakhtin inclui relatos do dia-a-dia, a carta, o comando militar, o repertório de
documentos oficiais e o diversificado universo de manifestações publicistas, entre
outros.

Aqui é de especial importância atentar para a diferença essencial


entre os gêneros discursivos primários (simples) e secundários
39

(complexos) – não se trata de uma diferença funcional. Os gêneros


discursivos secundários (complexos – romances, dramas, pesquisas
científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.)
surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente
o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua
formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários
(simples), que se formaram nas condições da comunicação
discursiva imediata. (BAKHTIN, 2006, p. 263)

Segundo Baktin (2006), a diferença entre os gêneros primários e secundários


é extremamente grande e o estudo da natureza deles nos diversos campos da
atividade humana é importante para o campo da linguística e da filologia. Para
trabalhar com a linguística, o teórico aborda o estilo. Segundo ele, todo enunciado,
seja ele oral ou escrito, primário ou secundário, é individual e por isso pode ter estilo
individual, por se tratar de um reflexo da individualidade do falante. Entretanto, ele
explica que nem todos os gêneros são igualmente propícios a terem um estilo
individual. Neste perfil, se enquadram os gêneros de discurso que requerem uma
forma padronizada, como os documentos oficiais militares.
Na construção de nossos discursos, optamos por utilizar um gênero textual e
não outro, de acordo com as especificidades de cada momento. Os gêneros são
muitos e mais flexíveis que a língua e, por isso, a individualidade do falante, quanto
ao estilo, só se processa no momento da escolha de qual gênero utilizar. Segundo
Bakhtin, a multiplicidade de gêneros é determinada pelo fato de que eles são
diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de
reciprocidade entre os participantes da comunicação.
Além dos vários gêneros, a entonação também é fundamental no processo de
individualidade enunciativa do falante. De acordo com o gênero e sua
permissibilidade de tornar individual o estilo, ele requer um tom de fala, de escrita, o
que possibilita tornar particular o enunciado. A partir desta entonação, pode-se
inclusive, misturar gêneros, transmutando um discurso oficial, através da paródia,
por exemplo, para gêneros de esferas diferentes.
A mudança mais recente na escrita e leitura começou a se processar com o
uso e aprimoramento dos computadores, que permitiu a intensificação das trocas de
informação através das máquinas e acentuou o progresso da ciência “por permitir ao
homem uma ampliação de sua capacidade de processar, manipular e tirar
conclusões de volumes cada vez maiores de informação”, como afirma Youssef e
40

Fernandez (1988, p. 26). Apesar disso, na escala da evolução da informatização,


sua utilização se dava ainda de passiva, em virtude de apenas os setores do Estado
e as áreas científica e militar terem acesso à máquina.

Esse processamento racional da informação por meios automáticos,


especialmente computadores, caracteriza o surgimento na década de
60 de uma nova ciência denominada informática. O termo informática
foi criado pela junção dos vocábulos informação e automática.
(YOUSSEF e FERNANDEZ, 1988, p. 25 e 26)

Ao deixar de ser um privilégio de alguns setores para se tornar uma prática


comum ao alcance de todos, com finalidades mais diversas possíveis, sendo
estabelecidas de acordo com a necessidade de cada usuário, grupo social ou
instituição, a informatização da sociedade conferiu ao novo suporte um cunho
sociológico, por modificar comportamentos e estar presente na vida de seus
usuários de maneira determinante e transformadora.
Ao escreverem o livro „Informática e Sociedade”, em 1988, Youssef e Nicolau,
afirmaram que os produtos básicos possíveis da informática, através da
popularização dos computadores eram a informação, a tecnologia e o conhecimento,
que seriam realizados e ampliados a partir da crescente necessidade de informação.
Pode-se a isso acrescentar como um princípio básico da informática, o
relacionamento, tendo em vista as genuínas e significativas possibilidade de
relações interpessoais, minimizando a geografia e criando guetos e comunidades
possíveis e sobreviventes apenas no meio virtual. Através destes chamados
„princìpios‟, se deu a mudança e identificação de gêneros textuais virtuais.
As formas de relacionamento via suporte virtual e toda a abrangência da
informatização conduziram a comunicação a produzir peculiaridades na mídia
eletrônica. O gênero textual da comunicação mediada por computador surgiu numa
relação muito estreita com mudanças institucionais, formas de relacionamento e
tecnologias. Elas só podem ser percebidas e analisadas de forma situada, através
de comunidades, história, cultura e propósitos comunicativos, porque são recentes e
estão centradas em um meio no qual as mudanças se processam de maneira muito
veloz e significativa, considerando pequenos espaços de tempo.
Defino gêneros textuais como sistemas discursivos complexos,
socialmente construídos pela linguagem, com padrões de
organização facilmente identificáveis, dentro de um continuum de
41

oralidade e escrita, e configurados pelo contexto sócio-histórico que


engendra as atividades comunicativas. (PAIVA, 2005, p.76)

A participação ativa dos usuários é, talvez, o principal motivo da intensa


evolução dos gêneros textuais no ciberespaço. A partir da interatividade, o
internauta comum passou a fazer parte do processo de criação, determinando a
„pessoalidade‟ a qual se configuram as novas formas de produção de texto. Muito já
se fala sobre blog, chat e e-mail, que, de forma instável e em um constante processo
de atualização, tomam a frente entre os textos mais característicos do meio virtual,
expondo a heterogeneidade tipológica genuína do ambiente virtual.
Seguindo a visão bakhtiniana, que situa a produção textual como resultante
de uma realidade histórica, social e cultural, percebemos o grau de participação da
rede mundial de computadores como meio determinante desta época, interferindo
também na forma como a sociedade se expressa e se comunica. Segundo Bakhtin
(1997, p. 279), as esferas da comunicação são formadas por um repertório de
gêneros e, na medida em que elas se complexificam, os gêneros também tendem a
se reformatar, pois entram em um processo complexo de formação, para dar conta
das novas necessidades que surgem.

Um dos aspectos essenciais da mídia virtual é a centralidade da


escrita, pois a tecnologia digital depende totalmente da escrita.
Assim, nessa era eletrônica não se pode mais postular como
propriedade típica da escrita a relação assíncrona, caracterizada pela
defasagem temporal entre produção e recepção, pois os bate-papos
virtuais são síncronos. [...] Contudo, é bom ter cautela quando se
afirma que algo de novo está acontecendo, pois essa propriedade do
bate-papo virtual não implica importação automática de propriedades
da fala. Existem vários aspectos a serem considerados, pois as
novas tecnologias não mudam os objetos mas as nossas relações
com eles. (MARCUSCHI, 2005, p. 18)

Ainda segundo Marcuschi (apud Crystal, 2005, p. 19), do ponto de vista dos
gêneros realizados na internet, ela “transmuta de maneira bastante complexa
gêneros existentes, desenvolve alguns realmente novos e mescla vários outros”.
Segundo ele, a noção de que cada nova tecnologia renova o mundo por completo é
uma ilusão, mas influenciam e podem possibilitar mudanças, principalmente em
nossas relações com elas. Foi Bakhtin (2005) quem designou o processo
„transmutação‟ de gêneros primários em novos gêneros, quando do surgimento de
novas esferas, com estilo similar ao domínio discursivo que o absorveu.
42

Bakhtin (2005) observa que a modalidade da língua escrita vem passando por
um contínuo processo de transmutação e criação de novos gêneros, já que muitos
daqueles considerados primários estão saindo de suas esferas de origem para
outras.
Estas modificações em grande parte estão relacionadas a adaptações ou
atualizações de modelos comunicacionais já existentes e que podem se tornar
obsoletos, devido à emergência de novos suportes e suas especificidades de
velocidade, interação e participação. Desta forma, a tecnologia dos computadores
oferece novas perspectivas para o uso da escrita no meio eletrônico, com novas
possibilidades de inovação.
Dentre as novidades está o hibridismo entre a escrita e outros suportes como
o do som, da imagem e da animação, numa profusão semiótica de novos
significados, que ainda assim mantém a produção textual fundamentalmente
baseada na escrita. O que se modifica, com mais clareza em relação ao texto verbal
é no que tange à ortografia, que apela para o uso abundante de gírias, siglas e
abreviações.
Aliado a adição de outros elementos ao texto, como a imagem e o som, e a
possibilidade de publicação e divulgação imediata, as construções textuais virtuais
transitam por diversos segmentos e qualquer internauta pode se tornar um potencial
escritor, dada a abrangência do ciberespaço. O distanciamento que existia entre
quem escreve e quem lê é sublimado pela interatividade proporcionada pela
telemática.
Salvos dos altos custos de edição, impressão e divulgação, além do
necessário reconhecimento pelo senso comum do ser „escritor‟ e de seus escritos
serem „literários‟, a Internet abriu espaço para os autores marginalizados e pessoas
que, sem o intuito de se tornar „best sellers‟, alcançaram um meio para se expressar
e garantiram leitores.

Todo o barulho da publicidade e toda a graxa da promoção são


empregadas nas seleções do clube do livro, de cujas vendas não
procede o grosso da renda do editor. Outra faceta da mesma
dificuldade é o fato de precisarem os editores competir furiosamente
pela oportunidade de ter um livro, ou livros, escolhido por um clube.
Daì que todos se voltem para o mesmo tipo ordinário de „best seller‟
e essa falta de variedade produza grandes massas de livros que se
reproduzem e se transformam com facilidade em drogas no mercado.
(DUTSCHER, 1957, p.157)
43

A liberdade e interatividade proporcionadas pela telemática fazem com que a


linguagem e discurso eletrônico do espaço virtual situem-se ainda em um estágio
“selvagem e indomado”, como observou Crystal (2001), provocado até mesmo pelo
“anonimato”, com o qual eles se constroem. Segundo Marcushi (2005, p. 19), isso
favorece o lado instintivo dos usuários, desde na escolha de apelidos utilizados, até
mesmo nas decisões linguísticas e estilísticas que lançam mão. Trata-se de uma
estética em busca de seu cânone, se é que isso pode acontecer.
Marcushi (2005) é um dos autores que mais discutiu a questão dos gêneros
surgidos no espaço virtual e segundo ele, a imensa rede social virtual que emerge
“liga os mais diversos indivìduos pelas mais diversificadas formas, numa velocidade
espantosa e, na maioria dos casos, numa relação sìncrona” (2005, p.20). Com isso,
surgem as comunidades virtuais, nas quais os membros interagem de forma rápida
e eficaz.
Foi o crescimento da necessidade de interação humana na rede que propiciou
o surgimento de ambientes específicos para essa finalidade, as redes sociais.
Nesses ambientes, todos que estão interconectados atuam como participantes
“hiperlinkados” nas palavras de Dimantas (2010). “A academia, as empresas, o
Estado e o terceiro setor entram nessa equação, mas não como protagonistas nem
como detentores do conhecimento e da inovação, mas sim como participantes desse
ambiente hiperlinkado. O que vale é a reputação” (DIMANTAS, 2010. p. 95).

As redes sociais pressupõem uma visão da comunidade invisível


para quem está fora. É muito sutil esse relacionamento. Exige
confiança, compromisso e reputação. As redes sociais são massas e
maltas. São aglomerados de links que se linkam por interesses
comuns. Comunidade é isso. Convivemos em rede com diversas
massas e diversas maltas, pois os interesses das pessoas são
múltiplos. Misturamos, sem o menos pudor, nossos desejos com as
coisas, o sentido com o social, o coletivo com as narrativas.
(DIMANTAS, 2010. p. 36).

Acompanhando o crescimento das redes sociais, surgiram sites como o


Youtube e o Twitter, dedicados à supressão da necessidade das pessoas de
interagirem com outras, de serem vistas e verem as ações sociais das quais são
protagonistas. Nas palavras de Dimantas (2010), “na internet, as pessoas têm a
44

possibilidade de interagir com as comunidades e, assim, protagonizar sua própria


existência, buscando e construindo nas comunidades informacionais os interesses
comuns” (DIMANTAS, 2010. p. 51).

Nestas comunidades a participação é estabelecida a partir de graus de


afinidade entre os participantes que optam por dela fazerem parte. A sociabilidade e
interação são mediadas em virtude dos interesses das pessoas em estarem nestes
ambientes. Como características das comunidades virtuais, Marcuschi (2005)
elenca:

Membro: central para a noção de comunidade é o fato de ser


membro ou de estar excluído; alguns pertencem a ela e outros não e
isso por razões várias, tais como religião, raça, camada social,
profissão, etc.
Relacionamento: os membros de uma comunidade formam
relacionamentos pessoais entre si, desde relacionamentos casuais a
amizades estáveis.
Confiança e reciprocidade generalizada: uma comunidade deve ter
confiança mútua e estar preparada para que os membros se ajudem.
Valores e práticas partilhados: os membros devem partilhar um
conjunto de valores, objetivos, normas, interesses, assim como uma
história, costumes e instrumentos.
Bens coletivos: participação dos membros na produção, uso e
distribuição de bens.
Durabilidade: enquanto uma coletividade, os aspectos acima
mencionados só se efetivarão se a comunidade tiver longa duração.
(MARCUSCHI, 2005, p. 22)

Esta noção de comunidade, estabelecendo uma rede social de


relacionamentos se aplica aos mais variados sites. Até mesmo em sites e portais de
notícia, é habitual se dedicar um espaço para que os leitores opinem sobre os
assuntos abordados, elevando ao máximo a participação dos usuários em todos os
espaços da virtualidade.
São criados fóruns de discussão e debate e espaços para comentários são
disponibilizados nos mais diferentes estilos de site. Isso contribui para o
estabelecimento das comunidades, pois, por se tornar um hábito particular de um
internauta a leitura e o debate em um site, ele, inevitavelmente passa a se relacionar
com outros que tem o mesmo costume.

Veja-se o caso dos bate-papos on line (Chat) com indivíduos em


geral anônimos, efêmeros e superficiais nas interações. Existem
comunidades que se comunicam pela Internet de forma duradoura,
45

tais como os clubes de fãs ou membros de salas de aula e assim por


diante. [...] Igualmente as listas de discussão podem ser tidas como
CV (Comunidades Virtuais) em sentido amplo, embora essa
comunidade muitas vezes seja efetivamente diluída, mas os
indivíduos têm interesses e práticas comuns. (MARCUSCHI, 2005, p.
23)

Evidentemente que nem tudo o que se discute no ciberespaço e nas


comunidades virtuais é relevante, como afirma Marcuschi e Levy (1999), para os
quais a interatividade da telemática também expõe novas formas de „bobagem
coletiva‟:

De fato, também vemos surgir na órbita das redes digitais interativas


diversos tipos de novas formas...
- de isolamento e de sobrecarga cognitiva (estresse pela
comunicação e pelo trabalho diante da tela),
- de dependência (vício na navegação ou em jogos em mundos
virtuais),
- de cominação (reforço dos centros de decisão e de controle,
domínio quase monopolista de algumas potências econômicas sobre
funções importantes da rede, etc.),
- de exploração (em alguns casos de teletrabalho vigiado ou de
deslocalização de atividades no terceiro mundo),
- e mesmo de bobagem coletiva (rumores, conformismos em rede ou
em comunidades virtuais, acúmulo de dados sem qualquer
informação, “televisão interativa”). (LEVY, 1999, p. 35)

Independendo da cultura particular de um povo, a diluição das fronteiras e da


territorialidade no ciberespaço, interliga de forma individualizante, cada pessoa de
acordo com seus interesses, permite que as comunidades sejam formadas por um
hibridismo de culturas e povos tão distintos quando distintas são as discussões
virtuais.

Uma comunidade virtual é construída sobre as afinidades de


interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um
processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente
das proximidades geográficas e das filiações institucionais. (LEVY,
1999, p.127)

De forma que a cultura é algo vivo, formado por hábitos mutáveis, como
aborda Warnier (2000, p. 23), “as lìnguas e as culturas mudam, pois estão imersas
nas turbulências da história”. Estas identidades suprimem as fronteiras geográficas
46

ao serem criadas as comunidades virtuais de escrita eletrônica e tornam-se culturas


desterritorializadas, no entanto, nos moldes das culturas tradicionais.

A cultura é uma totalidade complexa feita de normas, de hábitos, de


repertórios de ação e de representação. Adquirida pelo homem
enquanto membro de uma sociedade. Toda cultura é singular,
geograficamente ou socialmente localizada, objeto de expressão
discursiva em uma língua dada, fator de identificação dos grupos e
dos indivíduos e de diferenciação diante dos outros, bem como fator
de orientação dos atores, uns em relação aos outros e em relação ao
seu meio. Toda cultura é transmitida por tradições reformuladas em
função do contexto histórico. (WARNIER, 2000, p. 23)

Neste processo de culturação virtual, as comunidades assumem papel


semelhante a territórios geograficamente situados, nos quais uma cultura se
desenvolve dadas as condições particulares locais. Seguindo cada gênero que
emerge no ciberespaço, as comunidades adquirem identidades e seus usuários se
aproximam discursivamente em meio aos assuntos abordados. Estes gêneros
encontram-se situados “dentro de ambientes como locais que permitem „culturas‟
variadas”. (MARCUSCHI, 2005, p. 27).

O processamento eletrônico de textos assinala a próxima grande


mudança na tecnologia da informação depois do desenvolvimento do
livro impresso. Ele promete (ou ameaça) produzir efeitos sobre a
nossa cultura, em particular sobre a nossa literatura, educação,
crítica e erudição, tão radicais quanto os produzidos pelos tipos
móveis de Gutemberg. (DIZARD, 2000, p. 250)

Segundo Marcuschi (2005), os gêneros que emergem nos ambientes virtuais,


entre eles o ambiente Web, ambiente e-mail, foros de discussão assíncronos e chat
síncrono, além dos ambientes MUD2 (para jogos virtuais interativos e os ambientes
de áudio e vídeo são:

2. Os ambientes MUD, sigla para “multi-user domains”, foram criados no final dos anos 1970, como um
tipo de sistema que permitia a participação de muitos usuários na criação colaborativa e interativa de
textos, também conhecida por narrativas interativas. O sistema ganhou destaque como o precursor dos
ambientes para jogos de imaginação e fantasia. Eles também são utilizados para fins educacionais, tais
como o desenvolvimento de habilidades de composição literária.
47

E-mail, chat em aberto, chat reservado, chat agendado, chat privado,


entrevista com convidado, e-mail educacional (aula virtual), aula chat (chat
educacional), vídeo-conferência interativa, lista de discussão (mailing list), endereço
eletrônico e weblog (blogs; diários virtuais). Para o presente estudo, atentamos para
o e-mail, listas de discussão e weblog, tendo em vista serem os que mais se
aproximam, quanto aos seus objetivos e finalidades, com o site de relacionamentos
Orkut, além de que são também os mais praticados e populares.

E-mail – correio eletrônico com formas de produção típicas e já


padronizadas. Inicialmente um serviço (eletronic mail), resultou num
gênero (surgiu em 1972/3 nos EUA e está hoje entre os mais
praticados na escrita)
Lista de discussão (mailing list) – grupo de pessoas com interesses
específicos, que se comunicam em geral de forma assíncrona,
mediada por um responsável que organiza as mensagens e
eventualmente faz triagens.
Weblog (blogs; diários) – são os diários pessoais na rede; uma
escrita autobiográfica com observações diárias ou não, agendas,
anotações, em geral muito praticados pelos adolescentes na forma
de diários participativos. (MARCUSCHI, 2005, p. 28 e 29)

Os gêneros supracitados serão brevemente explicados e diferenciados


seguindo os estudos de Marcuschi (2005) para, em seguida, ser realizada uma
análise sobre como se configura a escrita no Orkut e de que forma ela é um híbrido
destes três outros gêneros.

2.2 - Email

O termo e-mail (eletronic mail) é utilizado, em inglês, para o sistema


de transmissão e, por metonímia, para o texto produzido para esse
fim. O mesmo termo é ainda utilizado para o endereço eletrônico de
cada usuário. Em português, nos referimos ao canal como Correio
eletrônico e ao texto como mensagem eletrônica, mas o termo e-mail
já está tão enraizado em nossa cultura que optei por mantê-lo.
(PAIVA, 2005, p.71)

Semelhante às tradicionais cartas de papel, o e-mail envolve, geralmente


interlocutores que possuem uma relação mais estreita além do espaço virtual, ou
ainda que se tornaram amigos virtuais, sendo difíceis os casos de anonimato. Esse
48

fator o diferencia dos bate-papos, que em ocasiões, se estabelecem entre


desconhecidos, bem como das listas de discussão.
Sua estrutura é em muitos casos próxima à de um bilhete e o fato de sua
linguagem ser, geralmente não monitorada, deixa-a mais livre nos seus aspectos
morfológicos e lexicais, embora possa também ser escrita de forma mais elaborada
e erudita. Seu tamanho varia entre cinco e dez linhas e não é usual a utilização de
parágrafos. No entanto, de forma que é um gênero livre e depende da forma como
cada usuário o utiliza, invariavelmente eles apresentam parágrafos ou são mais
extensos. Segundo Marcuschi, os e-mails efetivamente estão criando um novo
gênero em virtude de suas peculiaridades formais e discursivas,

Copiar e colar fragmentos é atividade normal em qualquer escrita


eletrônica (o que passa para os gêneros nesse ambiente). Mas isso
dá aos e-mails uma característica estrutural sistematicamente nova.
Pode-se inclusive ter um sistema de resposta de e-mails colando
parte do e-mail recebido e dando a resposta; depois maus uma parte
com a resposta e assim por diante, na estrutura de turnos. Há
pessoas que costumam usar esta estratégia de forma sistemática, o
que caracteriza um estilo de escrita de e-mails. (MARCUSCHI, 2005,
p. 1 42).

Paiva acrescenta às possibilidades do e-mail, a adição de imagens, sons,


animação, fundo com papel especial e até anexação de textos falados e outros
recursos:

A grande inovação do correio eletrônico é a possibilidade de


transmissão de vários tipos de dados: textos diversos (formato texto,
powerpoint, tabelas, gráficos) imagem (desenhos, fotos), som (fala e
música), e vídeo. (PAIVA, 2005, p.75)

Sobre o reconhecimento do e-mail como gênero textual, Paiva explica:

Vejo o e-mail como um gênero eletrônico escrito, com características


típicas de memorando, bilhete, carta, conversa face a face e
telefônica, cuja representação adquire ora a forma de monólogo ora
de diálogo e que se distingue de outros tipos de mensagens devido a
características bastante peculiares de seu meio de transmissão, em
especial a velocidade e a assincronia na comunicação entre usuários
de computadores. Os seguintes aspectos – autor, leitor, comunidade
discursiva, tecnologia, contexto, texto, organização retórica, léxico,
sinais verbais (emoticons ou smileys), e normas de interação –
ganham características especiais quando se trata desse gênero
49

2.3 - Listas de discussão

Marcuschi (2005) afirma que este gênero é mais praticado em comunidades


acadêmicas, embora praticados também com outras finalidades. Segundo ele, as
listas de discussão se formam por interesses de grupos bem definidos e operam via
e-mail como forma de contato. Entre suas principais características, está o fato de
não possuir temas fixos, mas algo que dá a tônica de temas e enquadramento para
os debates entre os usuários das listas. O papel de um moderador é fundamental
para realizar uma mediação e direciona as mensagens, além de fazer a triagem dos
temas, que por questões que envolvem um código de ética criado no surgimento da
lista, não condizem com o objetivo principal e são excluídas.

2.4 - Blog
O objetivo maior dos escritos genuinamente virtuais talvez seja apenas o de
se expressar ou mesmo falar de si a quem interessar. Os escritos íntimos e diários
pessoais ganharam espaço e se multiplicaram, através dos blogs de pessoas
comuns que decidiram escrever na rede, opiniões, preferenciais, gostos ou o que
fazem. O diário na internet teve início, no Brasil, por volta do início do ano 2000,
embora já existisse em outros países. Segundo Schittine (2004), o fenômeno
recebeu o nome de blog, a partir de uma contração entre „web‟ (página na internet) e
„log‟ (diário de bordo).

A palavra é uma contradição em si mesma. Por isso o uso da


expressão “diário ìntimo na internet” para substituir o termo blog. A
noção de íntimo aparece porque muitos blogueiros vão tratar nesse
espaço de questões que pertencem ao terreno da intimidade. Surge,
então, o diário pessoal na internet, ou seja, dirigido ao público.
Embora o blog tenha tomado corpo e desenvolvido uma série de
novas funções que não apenas a de “diário”. É a decisão do diarista
de abrir um escrito íntimo que cria uma nova tensão entre os
assuntos públicos e privados e, a partir dela, uma série de questões
irá surgir” (SCHITTINE, 2004, p. 12 e 13,)

De acordo com Marcuschi (2005, p. 61), os blogs possuem uma grande


semelhança com as homepage3 (que ele não considera como um gênero), mas se

3. Homepage é definida como a página principal, página inicial ou página de entrada de um site, que
geralmente compreende uma apresentação do site e de todo seu conteúdo.
50

diferenciam essencialmente pelo fato de poder ser facilmente atualizados na forma


de um diário datado e circunstanciado.

Resumidamente, os blogs funcionam como um diário pessoal na


ordem cronológica com anotações diárias ou em tempos regulares
que permanecem acessíveis a qualquer um na rede. Muitas vezes,
são verdadeiros diários sobre a pessoa, sua família ou seus gostos e
seus gatos e cães,atividades, sentimentos, crenças e tudo que for
conversável. Trata-se de um Big Brother da Internet dinâmico,
interativo e instigante. Quem mantém um blog pessoal com sua
intimidade diariamente exposta pode ser visto por todos.
(MARCUSCHI, 2005, p. 61)

Schittine aborda a relação entre os escritos em blog, que a princípio teriam


caráter literário, com a comunicação, pelo fato de ser veiculado na rede e seus
leitores poderem contribuir ou opinar diretamente no texto, realizando o esquema
clássico da comunicação de emissor e receptor. Esta talvez seja uma das principais
e mais significativas interferências do ciberespaço sobre a produção literária. O fato
de ser possível a intervenção popular sobre os escritos e a mobilidade com a qual os
textos transitam, muda de forma significativa a relação entre escritores e leitores na
atualidade.
Os blogs foram provavelmente um primeiro estágio dos escritos íntimos na
internet que passaram em seguida a ser produzidos de forma mais freqüente nos
sites de relacionamento como o Orkut, Facebook4 e também no Twitter5, mas em
cada um adquirindo particularidades permitidas pelo suporte. As exigências do meio
virtual e do seu público, levou os „escritos do eu‟ a sofrerem uma série de mudanças,
principalmente no caráter estrutural: os textos deixaram de ser volumosos,
apostando na concisão, em um texto mais limpo e curto, o que pode significar tanto
um ganho de qualidade para alguns, como também empobrecimento e
superficialidade para outros.

4. O Facebook é uma rede social semelhante ao Orkut e foi fundada em 2004 por Mark Zuckerberg.
Inicialmente tinha como alvo apenas os estudantes da universidade Harvard, mas progressivamente foi
permitindo a inscrição de estudantes de outras escolas, até que em 2006, se tornou disponível para
todos.
5. Twitter é uma rede social baseada em mensagens instantâneas curtas, de até 140 letras e foi o primeiro
site a popularizar o conceito de „microblogging‟. A ideia inicial era de permitir que os usuários
informassem, de maneira rápida, o que estavam fazendo no momento em que navegavam pela Internet.
Atualmente, a ferramenta é usada também para coberturas jornalísticas em tempo real e por
personalidades do meio artístico, cultural, político e empresas
51

Marcuschi (2005) acrescenta:

A linguagem dos blogs pessoais é informal na maioria dos casos,


mas os k-blogs estão evoluindo rapidamente para expressões
retóricas mais formais e esmeradas com alto grau de requinte e
pretensões literárias. Os blogs são datados, comportam fotos,
músicas e outros materiais. Têm estrutura leve, textos em geral
breves, descritivos e opinativos. São um grade sistema de colagem
em certos casos. A maioria dos blogueiros mantém mais de um blog
de acordo com suas flutuações espírito, mas há os que não mantém
nenhum e escrevem nos blogs dos outros ou em blogs públicos e
abertos como livros de recados. Qualquer blog tem uma abertura
para receber comentários, pois são interativos e participativos. Não
são como e-mails nem como chats, pois cada qual pode pôr no livro
do outro o seu recado ou comentários sobre algo que o outro
escreveu. (MARCUSCHI, 2005, p. 61 e 62)
52

Capítulo 3
DO CIBERESPAÇO AO ORKUT: A FORMAÇÃO DE UMA NOVA COMUNIDADE
DA ESCRITA

(...) o Orkut se constitui em mais uma fonte de socialização digital,


um espaço privilegiado para a ampliação de comunicação que
favorece os intercâmbios, pois possibilita aos sujeitos vivenciarem
relações para além das suas comunidades locais. É uma rede
fascinante de invenção e exibição de subjetividades. (COUTO E
ROCHA, 2010, p. 12)

A rede social Orkut (www.Orkut.com) foi criada em janeiro de 2004 e possui


usuários em todo o mundo embora tenha sido dominada pelos usuários brasileiros e
não tenha feito tanto sucesso nos Estados Unidos e Europa. Segundo os „dados
demográficos‟ do Orkut, disponível na própria rede
(http://www.Orkut.com/Main#MembersAll), no dia 01 de junho de 2011, o número de
brasileiros no Orkut era superior ao total de todos os outros países juntos,
totalizando 50,60%, seguido da Índia, com 20,44%.
53

Figura 01

Seu nome é uma homenagem ao seu projetista, o engenheiro turco Orkut


Büyükkokten. Seu objetivo inicial era de ajudar seus membros a conhecer outras
pessoas e manter relacionamentos, no entanto, em virtude da exposição pessoal e
do grande número de usuários utilizando-se do espaço, os encontros entre
conhecidos tornou o Orkut um meio mais acessível de comunicação, principalmente
entre pessoas que já mantinham algum tipo de relacionamento fora da rede mundial
de computadores. Convém, no entanto, esclarecer que os relacionamentos também
são mantidos no Orkut por pessoas que se conheceram unicamente, ou passaram a
se conhecer, através do site.
Apesar da concorrência com outros sites de forte apelo principalmente entre
os jovens, como o Youtube6, Twitter e Facebook, o Orkut hoje representa ainda hoje
uma das principais preferências de sites quando as pessoas estão conectadas,

6. O Youtube é o site que popularizou o compartilhamento de vídeos na Internet. Ele foi criado em 2005 e
se tornou fenômeno de acessos da rede e, em 2006, foi comprado pelo Google. Nele o internauta pode
cadastrar suas produções, criar listas de reprodução e comentar material de outros usuários.
54

sobretudo as mais jovens. A opção por essa rede representa 53,48% do total de
participantes, entre 18 e 25 anos, segundo os dados disponibilizados no site e
14,99%, entre usuários de 26 a 30 anos. Entre os interesses ao se associar à rede
social, destaca-se a busca por fazer novas amizades ou encontrar amigos reais na
rede, para 44,04% dos usuários. Além disso, entre os que revelam, 24,76% dos
usuários são solteiros.

Figura 02

Tendo em vista a grande adesão pelo público brasileiro, pouco mais de quatro
anos após seu lançamento, o Google anunciou que sua filial no Brasil passaria a ter
o controle mundial sobre a rede social, dividindo a responsabilidade com a Índia,
outro país com grande número de usuários. A partir de então, o site buscou ganhar
55

mais espaço frente aos seus concorrentes Facebook, MySpace7 e Twitter,


promovendo uma reformulação em sua estrutura, que se consolidou em outubro de
2009, com um novo visual e novas ferramentas, porém sem mudanças em seu
objetivo.
O diretor de produtos do Google, Victor Ribeiro informou em entrevista ao
IBOPE, que toda a interface original da rede foi desfeita, para simplificar uma série
de funcionalidades e foram aplicadas algumas inovações ao site. Dentre elas, está o
filtro de sugestão de amigos e a possibilidade de publicar várias fotos ao mesmo
tempo em um álbum, tendo estas mudanças como foco a prática de navegação do
usuário brasileiro. De acordo com Ribeiro, a rede de relacionamentos assumiu um
caráter mais festivo e as pessoas usam o Orkut principalmente para trocar fotos e se
comunicar com amigos que não veem há muito tempo. Em outubro de 2009,
segundo ele, eram compartilhadas em torno de 30 milhões de fotos por dia.
Segundo o analista de internet do „IBOPE Nielsen Online‟, José Calazans, o Orkut
ainda detém 73% da penetração entre os usuários da web nacional, quando
comparado aos seus principais concorrentes.
O usuário que se cadastra no Orkut, conta com uma página inicial pessoal,
denominada em português, como „Perfil‟, na qual, de fato, cada um traça um perfil
próprio com descrições de gosto, estilo, preferências, entre outros. O internauta
pode informar seu nome, idade, cidade onde mora, gostos musicais e literários,
comida preferida, preferências sexuais. Além disso, no perfil há um espaço onde, a
critério de cada usuário, pode ser disponibilizada uma foto que o identifique. As fotos
são ainda disponibilizadas em álbuns dentro de cada perfil, onde, divididos por
temas, os álbuns se assemelham àqueles no formato tradicional de fotos impressas
em papel.

O ponto alto do Orkut é a busca de amigos e passeios por profiles


(perfis), além, é claro, da interação social, observada em posts
(postagens) das comunidades onde cada um pode escrever o que

7. O Myspace é uma comunidade ligada à música e que impulsiona a interação social por meio de uma
experiência personalizada em torno do entretenimento e conectando pessoas à música, celebridades,
TV, cinema e jogos. As experiências estão disponíveis por meio de plataformas múltiplas, inclusive
aplicativos on-line e eventos off-line. Nele também é possível hospedar músicas e através de um
catálogo de conteúdo de áudio e vídeo transmitidos gratuitamente para usuários e com ferramentas
para artistas famosos, independentes ou autônomos, atingem um novo público.
56

deseja e receber um retorno; bem como nos scrapbooks (página de


recados) onde é possível deixar e receber recados, além de
testemunhos.( COUTO e ROCHA, 2010, p. 11)

Embora seja disponibilizado um espaço para esta série de descrições, é uma


decisão pessoal de cada usuário, a sua publicação ou não. Cabe a cada usuário
determinar o que quer expor de si, entre as perguntas elencadas no site (que inclui:
Você tem filhos? Moram com você? Grupo Étnico? etc.). De forma geral, as
informações que mais facilitam a identificação são as mais divulgadas, além da foto,
que facilita o reconhecimento dos outros usuários, e por isso, é frequentemente
atualizada.
Couto e Rocha (2010), que discutem a questão das identidades
contemporâneas e de que forma as pessoas se identificam no Orkut, afirmam que:

Alguns perfis dos participantes são constituídos pelas características


pessoais de identidades vividas fora dele. Mas, muitas vezes, podem
representar oposição completa dessa identidade. As características
pessoais podem ser todas ou quase todas inventadas. É possível
também que os perfis apresentem um misto de características
pessoais e outras tantas fictícias. Para as identidades que
geralmente não correspondem à mesma vivida fora da rede social,
usa-se o termo em inglês fake. (COUTO E ROCHA, 2010, p. 22 e 23)

A formação da rede de amigos acontece a partir desta identificação, quando,


ao reconhecer em um outro perfil, que aquele se trata de um amigo, pode-se fazer
um convite para estreitar este laço também na rede social. Com isso, cada usuário
pode estar conectado diretamente a outros 999 usuários e se ligar a outros milhões
através de teias (cadeias que envolvem usuários aos seus amigos e aos amigos
deles).
Os usuários podem se comunicar com os outros perfis através do envio de
mensagens na página de recados, enviando depoimentos no qual prestam
homenagens e nos comentários de fotos. Além disso, as comunidades virtuais
presentes dentro do Orkut, são um espaço de sociabilização no qual a presença
acontece em virtude dos interesses em comum e não pelo grau de amizade e
conhecimento entre os usuários. Os usuários que entram nestas comunidades
podem participar de discussões sobre diversos assuntos, através do fórum. Cada
comunidade trata especificamente de um assunto ou tema, que se assemelha aos
mesmos encontrados em blogs, por exemplo, como “Eu amo a minha mãe”, que tem
57

mais de cinco milhões de usuários, a “Adoro ler antes de dormir”, que tem pouco
mais de 700 usuários e a maior comunidade em português sobre literatura, que tem
esse mesmo nome e possui mais de 65 mil membros.
Como se pode perceber, as comunidades tentam agregar o máximo de
pessoas em torno de um tema em comum entre os usuários, tendo este objetivo
mais facilmente alcançado quando versam sobre personalidades queridas (ou
mesmo odiadas) por um grande número de pessoas, programas de TV, música,
bandas, filmes e seriados, animais de estimação, cidades e costumes, entre outros
de uma infinidade ímpar, de acordo com a criatividade de cada usuário.
Sobre comunidades, Raquel Paiva afirma:

Comunidade é a metáfora que, aqui, nos parece adequada para a


construção de uma nova forma para o laço social. Não a usamos no
quadro da bipolaridade substancial com que frequentemente se
interpreta, na vulgarização sociológica, a famosa dicotomia de
Tönnies, e sim como um caminho de redescrição das tentativas
sociais de produzir comunicação a partir de uma experiência comum,
fora dos grandes circuitos do capital. Comunidade é, então, o que
permite ao indivíduo e aos grupos vislumbrar a abertura para
estender criativamente novas pontes sobre a dissociação humana.
(PAIVA. 2003, p.10)

De acordo com Cândido (2008), as comunidades ou espaços coletivos que


congregam os homens pertencentes a um mesmo grupo segundo um estilo, é o que
permitem o surgimento da literatura. Segundo ele,

Toda obra é pessoal, única e insubstituível, na medida em que brota


de uma confidência, um esforço de pensamento, um assomo de
intuição, tornando-se uma “expressão”. A literatura, porém, é
coletiva, na medida em que requer uma certa comunhão de meios
expressivos (a palavra, a imagem), e mobiliza afinidades profundas
que congregam os homens de um lugar e de um momento, para
chegar a uma “comunicação”. (CÂNDIDO, 2008, p. 147)

Os grupos de escritores reunidos, participam, segundo Cândido (2008), de


valores comuns, procuram construir uma obra em torno deles e agem em função de
um estímulo recíproco. Ele cita como primeiro exemplo disso o intercâmbio e a
produção de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, na de frei Gaspar da Madre de
Deus e na de Cláudio Manuel da Costa.
58

Os dois eram amigos, comunicavam-se nos estudos, valiam-se em


mais de um transe. A circunstância que os aproximou do terceiro,
nascido em Minas, onde viveu, foi a Academia Brasílica dos
Renascidos, da qual foram acadêmicos supranumerários Cláudio e
frei Gaspar, e que, da sua sede baiana, deitou laços de congregação
sobre outras Capitanias, num primeiro arremedo de consciência
literária comum. O paulista e o mineiro talvez nunca tenham se visto,
e não restou correspondência escrita de um a outro. Entre ambos,
porém, forma elemento de ligação Pedro Taques e, mais ainda,
como veremos, o sentimento comum de paulistanismo à busca de
expressão intelectual. (CÂNDIDO, 2008, p. 150).

Através da citação de Cândido (2008) e aplicando-a à realidade do


ciberespaço, percebemos que a proliferação de comunidades virtuais, neste caso,
no Orkut, permite a união de pessoas desconhecidas – a partir da diluição de
fronteiras geográficas –, que, em torno de um assunto em comum, também passam
a produzir comunicação e literatura de forma coletiva.
Na comunidade Virtual „Literatura‟, a maior em Português sobre o tema,
novos poemas são criados em meio à coletividade e, segundo a proposta da
comunidade, cada usuário pode inserir uma nova frase à obra que permanece
inacabada e sempre prestes a receber uma nova contribuição. Qualquer usuário do
Orkut, membro da comunidade, pode sugerir discussões ou, até mesmo, o início de
um poema e pedir que os outros deem continuidade.
59

Figura 03

No exemplo citado, é proposto pelos mediadores da comunidade „Literatura‟,


que os usuários escrevam um poema sem fim, o que é iniciado pela usuária
„Virgìnia‟, que começa seu verso com “Quando estou em seus braços, num gostoso
abraço...”. A partir deste pontapé inicial outros integrantes da comunidade dão
prosseguimento ao poema, cada um de acordo com seus conhecimentos e
percepções à respeito do que é um poema. Ela é uma obra aberta e escrita a várias
mãos que buscam um sentido lógico.
Nas comunidades virtuais e na rede de uma forma geral, qualquer usuário
pode tornar-se um potencial escritor e difundir nela, o que a ele interessar. O
ciberespaço permite que as pessoas se tornem criadoras e o que percebemos,
neste caso, é uma pluralidade de vozes, ocupando o mesmo espaço e contribuindo
democraticamente para a criação do poema. A interatividade e participação comum
entre os usuários é determinante para que o objetivo da proposta seja alcançado.
Como afirma Levy (1999), a interatividade significa que “o destinatário
codifica, interpreta, participa, mobiliza seu sistema nervoso e muitas maneiras, e
sempre de forma diferente de seu vizinho”. É através da apropriação do texto e da
recombinação material que o receptor faz do produto, que percebemos o grau de
interatividade sob o qual a obra está exposta e como a comunidade permite esta
60

relação, repleta de nós. As comunidades do Orkut, como observamos a partir do


exemplo exposto, permitem o diálogo e a reciprocidade entre seus usuários, que
realizam uma comunicação interativa sob a perspectiva dos dois pontos de vista que
sugere Braga (2005) a respeito de interatividade tecnológica e interatividade
situacional.

O uso do computador como ferramenta mediadora da comunicação


leva-nos a considerar textos que contemplam tanto a “interatividade
tecnológica”, onde prevalece o diálogo, a comunicação e a troca de
mensagens, quanto a “interatividade situacional” definida pela
possibilidade de agir, interferir no programa e/ou conteúdo. (BRAGA,
2005, p. 145)

Ao abordar a interferência nos conteúdos, Braga fala a respeito dos


hipertextos, disponibilizados na internet e que permitem uma leitura e acesso não
linear. No entanto, como visto na proposta de escrever um poema „sem fim‟ da
usuária da comunidade „Literatura‟, percebe-se tanto que a interatividade ocorre no
âmbito do que acontece com os textos criados na rede, a partir da interação e troca
de informações entre os usuários, como também na interferência sobre o conteúdo,
produzindo um poema a-linear e desprovido de um tempo determinado, embora não
ocorra a partir de links eletrônicos, forma mais comum de leitura virtual, com várias
ramificações e destinos de leitura diferentes.
Este tipo de participação ativa, possível na comunidade, tira o domínio da
produção do texto das mãos de um único autor e dá margem para uma pluralidade
de direcionamentos e sentidos para os quais a obra infinita pode chegar. Esta
multiplicidade de sentidos, genuína do hipertexto, é absorvida pelos gêneros textuais
produzidos no Orkut, tendo em vista a falta de um controle sobre as direções às
quais os textos possam ser levados e sua constituição descentrada e multivocal.
Xavier (2005, pag.171), entende hipertexto como “uma forma hìbrida,
dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas,
adiciona e acondiciona à sua superfície formas outras de textualidade”. A leitura
destes textos nas páginas do Orkut, com início, mas sem meio e fim, obrigam o
leitor, que também se torna autor, a buscar conexões coerentes entre os textos,
através de sua intuição e conexões, a fim de dar significação, e poder participar
ativamente da produção.
61

A linguagem da hipermídia caracteriza-se, por um lado, “por sua capacidade


de armazenar informação e, por meio da interação do receptor, transmutar-se em
várias versões virtuais” (SANTAELLA, 2007, p.49). Segundo a autora, isso acontece
em virtude da estrutura de caráter hiper, não sequencial e multidimensional que dá
inúmeras possibilidades para o leitor imerso no ciberespaço. Entre as características
deste texto virtual, Santaella (2007) explica:

Em vez de um fluxo linear de texto como é próprio da linguagem


verbal impressa, no livro particularmente, o hipertexto quebra essa
linearidade em unidades ou módulos de informação, consistindo de
partes ou fragmentos de textos. Nós e nexos associativos são os
tijolos básicos de sua construção. Os nós são as unidades básicas
de informação em um hipertexto. (SANTAELLA, 2007, p. 49)

Cada uma das contribuições dos usuários nas discussões de fórum de


comunidades do Orkut deve ser entendida como um nó, que realiza a conexão entre
os discursos, de acordo com uma sequência lógica nos textos. No caso das
conexões e nós surgidos no Orkut, eles acontecem criados pelos usuários sem
requerer uma navegação através de outros links, bastando apenas seguir a
sequência criada dentro do próprio espaço, mas por pessoas diferentes que
participam das comunidades.
Sobre as relações firmadas nas comunidades, Baumam (2003) diz:

Numa comunidade, todos nos entendemos bem, podemos confiar no


que ouvimos, estamos seguros a maior parte do tempo e raramente
ficamos desconcertados ou somos surpreendidos. Nunca somos
estranhos entre nós. Podemos discutir – mas são discussões
amigáveis, pois todos estamos tentando tornar nosso estar juntos
ainda melhor e mais agradável do que até aqui e, embora levados
pela mesma vontade de melhorar nossa vida em comum, podemos
discordar sobre como fazê-lo. Mas nunca desejamos má sorte uns
aos outros, e podemos estar certos de que os outros à nossa volta
nos querem bem. (BAUMAN, 2003, p. 08)

Através do fórum de debates presente em cada comunidade virtual do Orkut,


os usuários podem realizar debates acerca de qualquer assunto, quando
relacionado ao tema geral da comunidade. Ainda assim, assuntos que fogem ao
tema da comunidade também são, embora raramente, postos para discussão.
Nestes casos, cabe ao mediador da comunidade, que neste caso trata-se do criador
62

da comunidade e/ou pessoas designadas por ele, para assumir este papel, a função
de decidir pela permanência ou não do tópico de debate deslocado, no fórum.
A criação literária comum nas comunidades que abordam o assunto levantam
a questão da função do autor enquanto criador de uma obra baseada em uma
determinada realidade e peculiaridades dele enquanto ator social. Como criador de
uma obra, o autor torna-se responsável por todas as respostas dadas a
questionamentos relacionados aos seus escritos. É ele o detentor deste saber
fundador do seu discurso.
Nas comunidades, a criação coletiva dizima esta responsabilidade e não
transfere para ninguém uma explicação, se é que esta deveria ser dada, para o que
está escrito. As personagens possuem características voláteis e não carregam uma
carga significativa oriunda de um único criador, bem como toda a obra, que é
produzida de forma a-sequencial e descriteriosa. Não cabe às obras virtuais, tendo
em vista a infinidade de mãos que participaram de sua produção, tentar definir ou
encontrar semelhanças entre as personagens e seu autor.

O autor supera em sua criação a resistência puramente literária das


velhas formas, práticas e tradições puramente literárias (o que ocorre
indiscutivelmente), sem nunca esbarrar na resistência de outra
espécie (resistência ético-cognitiva do herói e seu mundo), ademais
o seu objetivo é criar uma nova combinação literária a partir de
elementos puramente literários, sendo que o leitor deve “sentir” o ato
criador do autor unicamente no campo da maneira literária habitual,
ou seja, também sem sair absolutamente do âmbito do contexto dos
valores e do sentido da literatura materialmente concebida.
(BAKHTIN, 2006, p. 182)

Sobre a dialética da influência do meio social sobre a obra de arte e a da arte


sob o meio, Antônio Cândido (2008, p. 31) afirma que “todo processo de
comunicação pressupõe um comunicante, no caso o artista; um comunicado, ou
seja, a obra; um comunicando, que é o público a que se dirige, graças a isso define-
se o quarto elemento, isto é, seu efeito”. Assim, conforme ele explica, há uma fase
criadora e outra receptora, de contemplação. Toda esta concepção da arte e
literatura, enquanto fenômeno sociológico encontra-se em um estágio de mutação
quando observamos os estágios da arte sob a forma de produto criado no meio
virtual.
63

Embora as redes sociais configurem-se como um espaço para o qual a


literatura converge sob a forma de reprodutibilidade da produção realizada em
suporte impresso e tradicional, mas também como espaço de criação literária,
observa-se que a fórmula artista-obra-público-efeito não condiz com a forma como
ela se exprime nestes ambientes. Convém deixar claro aqui que entende-se os sites
de relacionamento pessoal, como no caso deste trabalho, o Orkut, como um
instrumento que funciona em benefício da literatura sob duas óticas: enquanto
reprodutor e enquanto produtor literário.
Assim, sob uma ótica ou outra, o que se percebe no Orkut é que a arte torna-
se coletiva e em diversas situações, dispersa de identidades. De certo, enquanto
reprodutor de obrar canonizadas da literatura mundial dos livros, seus autores
originais são, em muitas das vezes, identificados e a eles é atribuída a autoria de
sua própria obra. Porém, há situações em que os usuários do site de
relacionamentos não nomeiam seu real escritor, tomando para si a obra de outras
pessoas e assumindo esse papel, ainda que de forma indireta, pois apesar de não
imprimir o nome do artista, também não coloca o seu como escritor, o fato de tal
conteúdo estar presente em sua página pessoal no Orkut, deixa subentendido sua
autonomia sobre o texto.
Acerca da obra virtual enquanto produto coletivo, produzida sobretudo nas
comunidades, a figura do autor não é algo concebível. Cândido (2008, p. 34) afirma
que houve uma época na qual exagerou-se no aspecto coletivo da criação,
concebendo-se o povo, no conjunto, como criador de arte.

Esta idéia de obras praticamente anônimas, surgidas na coletividade,


veio sobretudo da Alemanha, onde Wolf afirmou, no século XVIII, que
os poemas atribuídos a Homero haviam sido, na verdade, criação do
gênio coletivo da Grécia, através de múltiplos cantos em que os
aedos recolhiam a tradição e que foram depois reunidos numa
unidade precária. (CÂNDIDO, 2008, p. 34)

Para ele, esta noção possui cunho romântico e está atualmente superada,
pois a obra exige necessariamente a presença do artista criador. Mas como
compreender então se no Orkut, um usuário sugere a participação coletiva para a
produção de uma obra literária, na qual cada pessoa contribui com uma frase ou
64

verso? Embora as aspirações e valores deste tempo estejam impressos nestas


obras virtuais, na arte coletiva, não há a identidade de um criador.

3.1 - Gêneros do Orkut

No Orkut, assim, como nos diversos campos das atividades humanas, as


relações estão intimamente ligadas ao uso da linguagem. As redes sociais servem
coletivamente a grandes públicos, com necessidades de informações específicas,
como afirma Dizard (2000, p. 259) desde as mais simples até mesmo a informações
complexas, e partem o público em grupos de interesses especiais. Assim, as formas
de comunicação entre os membros dos sites de relacionamento apresentam usos
multiformes da escrita, abrangendo uma grande quantidade de gêneros, assim como
também são multiformes as relações estabelecidas. Os enunciados produzidos
refletem condições específicas de casa usuário, além de suas necessidades e
finalidades, pelo uso escolhido da linguagem, que passa pela seleção de recursos
lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, na sua estrutura composicional.
Como sugere Bakhtin (2006, p. 262), o conteúdo temático, o estilo e a
construção composicional contribuem para a determinação dos gêneros do discurso.
Assim, as inesgotáveis formas de relação humana, ao serem transferidas para as
redes sociais virtuais, revelam um novo repertório de gêneros que se tornam mais
complexos e híbridos.
Os gêneros discursivos do cotidiano existem e são amplamente produzidos e
difundidos nas redes de relacionamento, mas o hibridismo acontece também na
relação entre o literário e o pessoal, na medida em que os usuários se dispõem a
utilizar de trechos de obras literárias em seus discursos, sob a forma de
apresentação de si, de declaração de amizade, de amor, para descrever fotos, para
diversos fins.
As conversas são organizadas a partir das normas gramaticais e os gêneros
do discurso respeitam esta normatização na medida em que a comunicação é o
principal objetivo dos enunciados, no entanto, como afirma Bakhtin (2006, p. 283),
“nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando
ouvimos o discurso alheio, já advìnhamos o seu gênero pelas primeiras palavras”.
Assim, em nossas comunicações, buscamos nos aproximar do gênero ao qual
estamos lidando, adaptando nossas falas e expressões com este intuito.
65

Dessa forma, explica-se a multiplicidade de gêneros encontrados no Orkut. O


fato de o ser humano dominar mais de um gênero discursivo permite que a cada
discurso ele possa tomar partido de um estilo, dependendo do seu parceiro na
comunicação. Na rede de relacionamentos encontramos esta variedade em seus
mais variados espaços a variedade deles é determinada pelo fato de que eles são
diferentes de acordo com cada situação, da posição social e das relações de
reciprocidade entre os participantes da comunicação.

Se os gêneros do discurso não existissem e nós não os


dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no
processo do discurso, de construir livremente e pela primeira vez
cada enunciado, a comunicação discursiva seria quase impossível.
(BAKHTIN, 2006, p.283)

Figura 04

Nesta página de recados de um usuário do Orkut, observa-se que os


discursos se assemelham de forma mais clara com as conversas cotidianas, sendo
que seus usuários utilizam um vocabulário e expressões criadas e disseminadas no
ciberespaço, que requerem de seus participantes uma nova forma de letramento,
desta vez para a linguagem virtual. Expressões como „né‟, „faaaaaaaala‟, „qt‟ e „oh‟
buscam uma aproximação do texto com a fala real e usual dos interlocutores em sua
vida diária, estendida para o além do virtual.

(...) esse internetês do Orkut pareceu-nos como uma recriação


gráfica das línguas escrita e falada preexistentes, enriquecida com
representações e simbologias. Os sinais de pontuação, por exemplo,
podem ser dispostos na frase de tal modo que signifiquem uma
66

interjeição ou uma frase inteira. Todos os sinais não podem ser


analisados isoladamente, mas em seu contexto, como
representações das emoções humanas (...) Não lemos letra por letra;
vemos o conjunto de caracteres e entendemos o seu significado
como um todo. (BISOGNIN e FINATTO, 2010, p. 85)

A revolução do texto eletrônico, segundo Chartier (2002), provocou uma


mudança e levou à transformações profundas nas relações com a cultura escrita,
pois atinge os textos, o suporte escrito e as práticas de leitura. Desta forma
observamos que, como discurso cotidiano real, expressões que carecem de
recursos, mas se bastam em significação, são adaptadas das falas reais para serem
utilizadas no meio virtual. Esses gêneros transmutam o diálogo oral, e por isso,
tornam-se um híbrido entre a oralidade e a escrita. Chartier (1999) afirma ainda que
apesar da oralidade, a escrita eletrônica gera um distanciamento entre o texto e
quem o escreve.

O texto eletrônico torna possível uma relação muito mais distanciada,


não corporal. O mesmo processo ocorre com quem escreve. Aquele
que escreve na era da pena, de pato ou não, produz uma grafia
diretamente ligada a seus gestos corporais. Com o computador, a
mediação do teclado, que já existia com a máquina de escrever, mas
que se amplia, instaura um afastamento entre o autor e seu texto.
(CHARTIER, 1999, p. 16)

Sobre a revolução provocada pelo texto eletrônico, Chartier (1999) afirma que
ela diz respeito tanto ao modo de produção quanto à reprodução dos textos.
“Correm o risco de serem pulverizadas as noções de autor e distribuìdor, que mal se
puderam fixar, numa época bastante recente, que coincide com a industrialização do
livro” (CHARTIER, 1999, p.16).

Pode-se juntar aqui a reflexão sobre a edição e a distribuição, já que,


no mundo do texto eletrônico, tudo isso é uma coisa só. Um produtor
de texto pode ser imediatamente o editor, no duplo sentido daquele
que dá forma definitiva ao texto e daquele que o difunde diante de
um público de leitores: graças à rede eletrônica, esta difusão é
imediata. Daí, o abalo na separação entre tarefas e profissões que,
no século XIX, depois da revolução industrial da imprensa, a cultura
escrita provocou: os papéis do autor, do editor, do tipógrafo, do
distribuidor, do livreiro, estavam então claramente separados. Com
as redes eletrônicas, todas estas operações podem ser acumuladas
e tornadas quase contemporâneas umas das outras. Sequências
temporais que eram distintas, que supunham operações diferentes,
67

que introduziam a duração, a distância, se aproximam. Atualmente, é


na esfera da comunicação privada ou científica que a transformação
vai mais longe: ela indica aquilo que poderia ser amanhã o conjunto
da edição eletrônica. (CHARTIER, 1999, p. 16 e 17)

As expressões do texto eletrônico são abreviadas e oralizadas no Orkut, de


acordo com o espaço, pois, observando que, em outros locais, como os
„depoimentos‟, a escrita se aproxima mais da norma culta da linguagem, muitas
vezes literária. Os recursos utilizados pelos usuários dependem de cada ambiente
discursivo. As páginas de recados são o ambiente mais aproximado da conversa
cotidiana e, já no meio virtual, a que mais se assemelha do gênero virtual „e-mail‟ e
os bate papos. Por isso, as marcas verbais presentes neste espaço são aquelas que
valem-se da criatividade dos usuários e dos recursos de linguagem que representam
aspectos não-verbais da conversação, por meio de abreviações e palavras,
onomatopéias de gargalhadas e beijos, como também recursos que indicam tom de
voz, como letras maiúsculas ou minúsculas e extensão de letras que indicam a
forma de se expressar, como um „fala‟ alongado para „faaaaaaala‟
Um fator que aproxima os gêneros supracitados é a fala abreviada do dia a
dia (transferida da mesma forma para a escrita, ex.: „não é‟ substituìdo por „né‟)
motivada pela velocidade na composição e na transmissão, buscando atender às
necessidades imediatas da relação. A utilização destas formas de expressão no
meio virtual levam à existência de convenções, pois presume-se que o receptor da
mensagem também compreenda o gênero e as expressões utilizadas e possa
manter uma troca de mensagens. Torna-se convencional que esta seja a forma de
comunicação utilizada no Orkut e ultrapassa limites de idade, classe social e
erudição de seus usuários. Ao verificarmos um recado criado por uma usuária, já
adulta, com mais de cinquenta anos, observamos que ela utiliza das mesmas
expressões surgidas nos diálogos dos jovens no meio virtual, com abreviações e
linguagem comum no suporte.
68

Figura 05

A ortografia funciona [...] como um recurso capaz de “cristalizar” na


escrita, as diferentes maneiras de falar dos usuários de uma mesma
língua. Escrevendo de forma unificada, podemos nos comunicar mais
facilmente. E cada um continua tendo a liberdade de pronunciar o
mesmo texto à sua maneira quando, por exemplo, o lê em voz alta
(MORAIS, 1998, p.03)

De acordo com Bakhtin,

Quando escolhemos um determinado tipo de oração, não o


escolhemos apenas para uma oração, não o fazemos por
considerarmos o que queremos exprimir com determinada oração:
escolhemos um tipo de oração do ponto de vista do enunciado inteiro
que se apresenta à nossa imaginação discursiva e determina a
nossa escolha. A concepção sobre a forma do conjunto do
enunciado, isto é, sobre um determinado gênero do discurso, guia-
nos no processo do nosso discurso. (2006, p.286)

Observa-se que, embora Bakhtin classifique os gêneros discursivos em


primários e secundários, sendo os primários, os simples e os secundários, os
complexos.

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances,


dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros
publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural
mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado
(predominantemente o escrito) –, artístico, científico e sociopolítico,
etc. No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram
diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas
condições da comunicação discursiva imediata. (Bakhtin, 2006, p.
263)

Assim, os diversos gêneros existentes no Orkut, deveriam ser considerados


como primários, tendo em vista o fato de serem comunicações espontâneas,
baseadas na oralidade. No entanto, considerando a esfera na qual se forma,
evidencia o fato de que eles incorporam e reelaboram diversos gêneros mais
69

simples, tornando-os mais evoluídos. Segundo Bakhtin, o que explica a classificação


de um gênero não é a modalidade da língua usada, mas sim a esfera à qual ele está
vinculado.
A partir do exposto, verificamos que os gêneros do cotidiano, baseados na
oralidade, ao adentrarem na realidade do suporte da telemática, se adaptam e
reconfiguram, “para dar conta das novas necessidades que se instauram”,
(ARAÚJO, 2005, p. 93), no processo de transmutação. Os gêneros presentes no
Orkut, por serem escritos, são por si só, complexos, tendo em visto serem baseados
no discurso oral, mas que já passaram pela transmutação, indo de uma esfera para
outra e materializando-se na escrita.
Os gêneros discursivos do Orkut, além de secundários, por serem uma
transmutação do oral para o escrito e do escrito para a web, são ainda mais
complexos, pois, dentro do suporte virtual, eles ainda migraram dos blogs, listas de
discussão, e-mail, salas de bate-papo, para juntos, estarem presentes na rede de
relacionamentos. A estrutura gráfica e visual do site permite que haja adaptações
nos conteúdos dos gêneros já considerados emergentes do ciberespaço, quando
eles passam a fazer parte no Orkut. Como também afirma Debray, à respeito da
mudança no suporte de suporte do impresso para o virtual.

“O signo da escrita na tela do computador é, a meu ver, um médium


diferente do mesmo signo apresentado em suporte de papel: passou
da grafosfera para a videosfera” (DEBRAY, 1995, p.23)

Há tempos, escrever sobre si tem se tornado cada vez mais frequente. Os


relatos biográficos das histórias de vida pessoal do biografado conduziram estes
textos a tornarem-se um gênero discursivo situado entre a literatura de não-ficção e
a história, além do jornalismo, e podem ser entendidos como biografia, autobiografia,
histórias de vida, narrativa de vida, história oral e história pessoal, dentre outros.
Para Villas Boas (2008, p. 22), “biografia é a vida de uma pessoa narrada com arte
por outra pessoa”.
Neste capítulo será abordada a transmutação que ocorre a partir da
linguagem e hábitos virtuais no que tange à produção textual de caráter biográfico.
No suporte virtual, os usuários se configuram como escritores de diversos
70

segmentos e gêneros textuais e a biografia torna-se uma constante também. Neste


sentido, trata-se não apenas de escritos sobre outras pessoas, mas também sobre si
mesmos, de forma que a autobiografia é a tônica atual, que redefine o sujeito lírico
como um sujeito autobiográfico.
No Orkut, os usuários expandem o conceito de biografia, escrevendo sobre si
de forma a-linear, sem uma sequência temporal determinada e com múltiplos
objetivos, sem a preocupação comum aos biógrafos de reconstituir a vida de
personagens reais de acordo com uma cronologia e um trajeto organizados.
Entretanto, a falta de um roteiro baseado em uma vida real, e de um forte apelo
histórico das personagens autobiografadas no meio virtual, deslocam este texto do
caráter romantizado de biografia como „a vida narrada com arte‟, embasado em
histórias que repercutiram e tiveram significados importantes dentro do contexto no
qual ocorreram e inserem estes escritos voláteis e supérfluos, no conceito de
linguagens líquidas de Baumam.
De forma que sua produção se baseia em histórias de vida que de alguma
forma podem representar uma época, ou mesmo pelo encanto que tal personalidade
produz nas demais pessoas, as narrativas biográficas foram por um tempo
desqualificadas, sob a ótica de se contar a história a partir de uma única biografia,
de um único personagem, sendo associadas à imprecisão, subjetividade e, até
mesmo a possuir um caráter elitista e conservador, que privilegiava o indivíduo à
massa, desconsiderando ser tal indivíduo biografado, uma possível via de acesso ao
conhecimento do social. Seu boom no mercado editorial ocorreu, após a Segunda
Guerra Mundial, possivelmente pela curiosidade em conhecer a intimidade de
pessoas famosas, colocando estas produções nos primeiros lugares de vendas de
livros e determinando a criação de seções especializadas em livrarias e bibliotecas.
Nos estudos acerca da biografia, tem-se discutido sobre a veracidade dos
fatos apresentados, sobre a parcialidade do biógrafo quanto ao que ele resolve
contar da personalidade e ainda a respeito de como o escritor/biógrafo também se
revela através da história de outrem. No livro Biografismo, Vilas Boas apresenta as
classificações criadas por Viana Filho, para os trabalhos biográficos, ainda nas
décadas de 1930 e 1940 como:

a) simples relação cronológica de fatos relativos a alguém; b)


trabalhos nos quais, ao par duma vida, se estuda determinada
71

época; c) trabalhos nos quais à descrição duma existência se


conjugam apreciações críticas sobre a obra do biografado; e d)
trabalhos em que a narração da vida constitui o objetivo primacial.
(VILAS BOAS, 2008, p.21)

Embora haja classificações diferentes, todas elas apresentam como


pressuposto o fato de se basearem em um indivíduo, de terem como pano de fundo,
o objetivo de revelar ou reconstituir uma personalidade única. Isso se dá através de
uma relação reflexiva, onde a interpretação torna-se preponderante para a condição
de produção biográfica. Daí ocorrem as dúvidas a respeito da parcialidade do
biógrafo, pois necessita-se que ocorra a decisão por abordar ou não determinado
assunto, seguir um roteiro coerente dentro da lógica criada para aquela vida
retratada, segundo seu escritor e não seu real vivente.
Neste ponto, segundo Vilas Boas (2008) percebe-se a interferência de
elementos, como o afeto, na compreensão e decisão sobre o que abordar do
biografado, levando em conta que ela é afetiva e empática. Assim a vida e obra do
biógrafo e do biografado, estão imbricadas e são indissociáveis.

Não há como escapar à condição de que somos sujeitos que lidam


com outros sujeitos. Apesar de algumas simplificações, operamos a
auto-reflexividade, a autocrítica que exige heterocrítica, o trabalho
coletivo que exige o individual, e vice-versa, o singular contido no
universal, e vice-versa e, como se não bastasse tudo isso, há ainda a
possibilidade de expressar com fluência a subjetividade. (...) Tenha o
nome que tiver, a empatia está por trás de todas as ações e
reflexões. (VILAS BOAS, 2008, p. 30)

3.2 - Biografismo e Ethos no Orkut

Entre os métodos biográficos para se escrever sobre a vida das pessoas,


destacam-se a co-criação de significados, pois o biógrafo descreve o mundo a partir
da perspectiva da pessoa biografada, mas sem deixar de lado sua própria
perspectiva, a relacionalidade, pois o relacionamento entre ambos pode contribuir
para a qualidade da produção e a reflexividade, que está baseada na empatia. Os
72

termos foram discutidos por Vilas Boas a partir dos estudos de Norma Denzin e Cole
e Knowles.
Vilas Boas (2008) chama de regra da „transparência‟, a necessidade que os
autores têm de explicar como aprenderam uma coisa e porque acreditam nela, de
forma a fazer com que o público também possa fazer a mesma coisa. Assim, os
biógrafos precisam ser transparentes e afirmar quais e quantos documentos foram
consultados para embasar a obra, quantas entrevistas foram feitas e quais
informações foram coletadas para conferir autenticidade à biografia contada.
No entanto, o autor deixa claro que neste jogo, o leitor não é claramente
informado sobre quais assuntos ficaram por debaixo do tapete, o que o biógrafo
decidiu omitir. Certo é que para se escrever sobre alguém, há inicialmente a empatia
com a pessoa biografada e um ritual de conhecimento ou descobrimento desta
pessoa, que leva o escritor a justamente decidir omitir fatos e histórias que possam
de alguma forma prejudicar a biografia do personagem. Isso deve ocorrer talvez
baseado no fato de que ao revelar a vida do outro, o biógrafo também revela um
pouco de sua vida. “A narrativa sobre o biografado reflete elementos da vida do
biógrafo, embora esses elementos nunca sejam explicitados” (Vilas Boas, 2008, p.
180).
Tendo isso em vista, o que se pode observar nas produções realizadas pelos
usuários do Orkut, aproxima-se de relatos biográficos e autobiográficos, na medida
em que apresentam relatos, descrições de momentos e histórias vividas, envolvendo
tanto o autor dos textos, quando as pessoas a quem os textos estão sendo dirigidos.
O espaço do Orkut determinado para os depoimentos, já citado anteriormente, onde
as pessoas prestam homenagens umas as outras, confunde de forma mais profunda
os relatos com trechos biográficos.
Neste espaço, o relacionamento entre os usuários, aquele que homenageia e
o homenageado, influencia e determina o que será escrito no depoimento, de modo
a um emocionar o outro. Assim sendo, a intenção do espaço, que não é a de contar
toda uma biografia de uma pessoa, mas de, como já dito, prestar uma homenagem,
ocorre a partir da empatia e da decisão sobre o que falar, abordando muitas vezes,
momentos da vida dos dois em conjunto, revelando, como afirmou Vilas Boas, um
pouco da vida dos dois.
Com o objetivo claro de prestar homenagem, sensibilizar ou agradar outra
pessoa, o usuário do Orkut tenta, como afirma Maingueneau (2008, p. 13), a
73

respeito da noção de „ethos‟, causar uma boa impressão pela forma como constrói o
discurso, ativar uma certa representação de si, conferindo-se certa imagem que seja
capaz de convencer o leitor, ganhando, desta forma, confiança. Para atingir tal
objetivo, Maingueneau (2008), baseada nos estudos de Aristóteles, levanta as três
qualidades das quais os escritores podem lançar mão para inspirar a confiança: a
prudência, a virtude e a benevolência.

Aristóteles esboçara uma tipologia que distingue a “phronesis”


(parecer ponderado), a “eunoia” (dar uma imagem agradável de si) e
o aretè (apresentar-se como um homem simples e sincero). A
eficácia desses ethé está, precisamente, vinculado ao fato de que de
certo modo eles envolvem a enunciação sem serem explicitados no
enunciado. (MAINGUENEAU, 2001, p. 137)

O autor afirma que o orador exprime tais qualidades não deixando-as


evidentes na sua obra, não afirmando ser dessa forma, mas implicitamente, na
forma como fala ou escreve, o que vincula o ethos ao exercício da palavra, ao papel
que corresponde ao seu discurso e não ao indivíduo real.

A noção de “etos” está longe de estar estabilizada no vocabulário


crítico. Assim, para os teóricos do grupo µ, o „etos é assimilável ao
que Aristóteles chama de patos em sua Poética‟ e se define como
„um estado afetivo suscitado no receptor por uma mensagem
particular‟. . (Maingueneau, 2001, p. 138)

Atrelando os conceitos de biografismo e de ethos, os usuários do Orkut,


constroem ou revelam historietas baseadas em vivências próprias e de outros
usuários, de forma a enaltecer situações e legitimar a prestação da homenagem a
eles. Na imagem a seguir, percebe-se tal intenção quando os usuários Erick Von e
Maria de Fátima falam, em „Depoimentos‟, para o perfil do jornalista e membro da
Academia Paraibana de Letras, Carlos Aranha:
74

Figura 06

No primeiro depoimento, de Erick Von, observa-se a composição literal da


qual o usuário lançou mão para escrever sobre o perfil a ser homenageado, levando
em conta não apenas a história de vida e contexto no qual Carlos Aranha está
inserido, como também incluindo-se neste meio, a partir de seus escritos. Desta
forma, ele escreve uma obra a partir da perspectiva do jornalista, no entanto, sem
deixar de lado sua própria perspectiva, relacionando as biografias, através do uso
das palavras.
Em seu texto, pode-se observar a intenção de homenageá-lo enquanto
escritor de crônicas em um jornal de grande circulação no estado, como um homem
de “onde as palavras brotam como água”, uma “nascente que não cessa”. Assim,
através da relacionalidade, o co-enunciador sente-se mobilizado a aderir ao universo
de sentidos do autor, em virtude do ethos implícito, no qual o autor também se
expõe, sem se afirmar, como um detentor do poder de utilização literária das
palavras, enquanto “uma nascente” que “mata ou não a sede, como água”.
Na contramão do primeiro depoimento, o texto de Maria de Fátima revela
outra forma de prestar homenagem, segundo a qual as histórias biográficas tornam-
75

se mais presentes. É evidente a proximidade entre a autora e o receptor a quem o


texto é destinado, em virtude dos escritos envolverem descrições familiares e um
grau de parentesco e proximidade entre ambos. A reflexividade ocorre em razão da
empatia gerada pela descrição de como houve o sentimento de gostar da mãe do
perfil homenageado, deixando claro o princípio da transparência de Vilas Boas, na
busca por certificar a razão para isso, através da rede que a interligou a esta mãe
(através de seu sobrinho Arthur, e de Adriana, minha sobrinha).
De acordo com Sérgio Vilas Boas, nos livros biográficos, os autores preferem
usar os prefácios e apresentações das obras para reafirmar a quantidade de
documentos consultados sobre a pessoa, de entrevistas feitas e de informações
coletadas, com o intuito de garantir e/ou ter um álibi sobre o que está sendo escrito.
De forma que os escritos do Orkut não se enquadram no perfil de textos meramente
biográficos, ou não são escritos com esta finalidade, embora possuam
características e por mais que possam assim parecer, é nas relações interpessoais e
de proximidade entre quem se propõe a escrever e a pessoa a quem o texto se
destina, que a tentativa de demonstrar transparência é notada.

O fato é que nós, leitores, não temos acesso à visão de mundo que
orientou as movimentações do biógrafo no tabuleiro de xadrez que é
o biografismo; não ficamos sabendo quais
informações/interpretações decidiu descartar; não nos é garantido o
direito de conhecer as dúvidas e impasses que inevitavelmente lhes
ocorreram. Em geral, nem sabemos por que escolheram tal pessoa e
não outra. (VILAS BOAS, 2008, p. 181)

Ao falar isso a respeito das biografias, Vilas Boas afirma que a escolha pela
pessoa biografada ocorre por alguma associação livre, intuição ou razão concreta,
mas que nas biografias contemporâneas, não transparece. No Orkut, por sua vez, é
nítida a relacionalidade e motivos que levam uma pessoa a escrever os pequenos
textos de cunho biográfico.
No trecho a seguir, do Orkut de Horácio Roque, foi utilizado o espaço
destinado à apresentação „Quem sou eu‟ para a publicação de um texto no qual
também se observa o caráter biográfico e literário do texto. A relação de proximidade
entre o escritor e seu avô norteia a condução da história e revela as três qualidades
dos estudos de Aristóteles. O ethos do autor (Horácio) não é explicitado, mas
envolve toda a enunciação. A prudência, a virtude e a benevolência estão implícitos
76

e suscitam no leitor, no exercício da palavra, uma boa representação de si e lhe


confere confiança.

Figura 07
77

Capítulo 4
DA ARTE À INSTITUIÇÃO LITERÁRIA: A FORMAÇÃO
DE UMA NORMATIZAÇÃO PARA A ESCRITA

4.1 - A Instituição Literária

Por cerca de quatro séculos (XV ao XIX), o livro e o texto impresso reinaram
absolutos, como produtores e difusores do saber e da cultura. A partir do livro
impresso, feito de registros passíveis de duplicação e transmissão, a informação
tornou-se objeto transportável e expandiu a capacidade de leitura. Ele interferiu e
modificou a vida social, política e cultural de todo o mundo, devido ao crescimento
exponencial de um corpo de conhecimentos científicos e das mais diversas práticas
culturais, literárias e artísticas. A literatura, nesse âmbito, se confundiu com o livro,
institucionalizando-se.

Como instituição, o livro representa uma forma de socialização que


compreende todo um circuito de produção e consumo: autores,
editores, leitores, críticos, comunidades interpretativas
institucionalizadas. Como qualquer forma de socialização, a
instituição do livro cria um espaço público, estabelece hierarquias e
constitui identidades nos grupos e nos indivíduos que dela
participam. (BELLEI, 2002, p. 13)

A literatura, percebida sob o âmbito da instituição, remete a comportamentos


estáticos e fortemente hierarquizados, mas por outro lado, também confere solidez
histórica e reconhecimento público. Julia Kristeva (2003) afirma:

Teria tendência a ver nela duas coisas: por um lado, a própria


literatura, a prática da escrita, o fato de querer inserir-se num código
que consiste em transpor preto no branco e a partir de um certo
número de imposições uma experiência onírica e real; por outro lado,
entenderia por „instituição literária‟ todas as margens da prática
literária: as revistas, os júris, eventualmente as universidades, tudo o
que consagra a experiência literária e lhe dá uma possibilidade mais
ou menos grande de chegar ao público; isto é, finalmente os canais
de transmissão. (KRISTEVA apud REIS, 2003, p. 26)
78

Dessa forma, a literatura sob a ótica da instituição, implica não apenas


escritores, textos, leituras. Inclui também os processos de transmissão e divulgação,
as livrarias, os críticos, professores e a academia. Ela é um fenômeno social que se
torna produto de uma sociedade, como objeto de consumo. Dessa forma, são
criadas as academias de letras, organizam-se círculos literários, estabelecem-se
critérios, rígidos ou flexíveis, de avaliação da obra literária. Sendo entendida como
fato social, a literatura insere-se nas lógicas de mercado, que se produz, se vende e
se consome.
Outra característica da instituição literária, é que ela é marcada
profundamente pelos valores vigentes e regentes na sociedade em que se concebe,
em razão de originar-se de um autor, pertencente a um determinado grupo social,
inserido num certo contexto sócio-histórico, dando ao discurso literário, caráter
inegavelmente ideológico.
Com isso, torna-se necessário um entendimento maior e mais aprofundado
acerca da constituição deste universo, sistemático e constituído de regras e
hierarquias de dominação e dependência, no qual se estabelece o universo literário,
a fim de, futuramente, analisar de que forma esta instituição se adapta ao
ciberespaço e participa da construção de uma nova significação para a literatura.
Historicamente, a literatura está inserida em uma política intelectual,
diferenciada e independente da política econômica, embora, se submeta a ela,
quando necessário. Enquanto a economia tira proveito dos avanços tecnológicos e
permite-se mudanças estruturais em curtos espaços de tempo e em todo o mundo, a
literatura também é beneficiada das transformações que ocorrem no universo
tecnológico, com relativa independência, mas que também se desenvolve a partir
delas, tendo em vista as mudanças ocorridas ao longo dos últimos anos, nos quais,
sem o incremento do ciberespaço e toda a sua tecnologia, não se tornaria possível.
As rivalidades e universo de forças antagonistas, no qual a literatura se
constitui, faz dela um objeto de disputas, com recursos, manifestos, correntes,
desvios e movimentos, que lhes dão força e margem para o desenvolvimento de
novas significações, no qual o único valor reconhecido é um valor simbólico, que é o
valor literário. Detentor de um poder imensurável, este capital é verificado, segundo
Casanova (2002) a partir de indicadores culturais, como a quantidade de livros
publicados todos os anos, as vendas de livros, o tipo de leitura por habitante,
79

número de editores, livrarias, entre outros, considerando diversas literaturas e


nações, mas, sobretudo, a partir do arcabouço e prestígio pertencente a cada um
dos autores ou escritores.
Como sugere Bourdieu (2009), a literatura e as artes, de um modo geral,
possuem uma relativa autonomia em relação à ditames religiosos e políticos, sendo
regida por regras criadas por uma categoria de artistas e intelectuais, inclinados a
levar em conta, apenas os princípios da tradição intelectual já herdada, com
independência social da igreja, academia e do poder político. Este sistema cultural,
dito como autônomo, está ainda assim, „a serviço‟ do valor mercantil e, por muitas
vezes, é consagrado apenas pelo mercado e seus indicadores culturais.
A instituição da literatura segue assim, relacionada a uma gama de
referenciais que validam a necessidade de atender a ditames comerciais, jogando a
um segundo plano, a qualidade da obra literária e fazendo erigir as ordens de poder
relacionadas ao reconhecimento público. Daí e da diversidade de produções que
são produzidas e publicadas diariamente, surgem as dúvidas a respeito do cânone
literário e sobre o que de fato é, ou não, literatura. Mais adiante da origem desta
discussão, ao se chegar ao universo da virtualidade, a problemática se intensifica
em virtude da interatividade e participação do público na produção, bem como do
surgimento de obras e estágios de evolução cada vez mais distantes da prática que
se institucionalizou como literária.
Discutindo a questão sobre o que é, ou não literatura, Culler (1999) afirma
que para os leitores tratarem algo como literário, subentende-se que eles a
encontrem em um contexto que a identifique como literatura, como por exemplo, em
um livro de poemas, ou em uma seção de uma revista, biblioteca ou livraria.

O que diferencia as obras literárias dos outros textos de


demonstração narrativa é que eles passaram por um processo de
seleção: foram publicados, resenhados e reimpressos, para que os
leitores se aproximassem deles com a certeza de que outros os
haviam considerado bem construìdos e “de valor”. (CULLER, 1999,
p.33)

Desta forma as obras produzidas e publicadas no espaço virtual só seriam


percebidas como literatura, a partir da anuência de seus leitores, já que é este, um
ambiente externo à instituição literária? Aqui se chega ao ponto central desta
discussão, que é a afirmação ou não do ciberespaço como meio de produção e
80

disseminação da literatura e de seus usuários como produtores de literatura, assim


como também são considerados aqueles das folhas de livros, que passaram por
todo o processo da instituição.
No atual momento, com o constante desenvolvimento das tecnologias e
suportes virtuais, torna-se pertinente o estudo das relações entre a literatura e as
mídias. Verificar de que forma os textos se apresentam virtualmente conferindo um
novo parâmetro institucional à literatura e abordar as transformações e inovações
presentes na forma como a produção literária funde-se à lógica da hipermídia, e
como são absorvidas pelos usuários, através de diversos componentes audiovisuais,
que modificam o caráter monossemiótico dos textos, unindo-o às tecnologias do
ciberespaço.
Através das imbricações e hibridações, desde o seu surgimento, a Internet
vem se configurando como o suporte capaz de abarcar todas as outras mídias,
construindo um espaço plurissemiótico e global. A informática, com sua capacidade
de armazenar e processar informações nas formas de texto, áudio, ou vídeo,
derruba as fronteiras e transforma os discursos numa rede, múltipla e repleta de
conexões, chamadas de hiperlinks. Os recursos disponibilizados no espaço virtual,
condicionando e homogeneizando digitalmente qualquer fonte de informação em um
sistema integrado de bites, possibilita a disseminação e ampliação das criações da
cibercultura.
O ciberespaço, segundo Lemos (2002) é uma rede de inteligências coletivas,
e dessa forma, todos os participantes dessa teia fornecem elementos que compõem
os discursos e produtos por ela proferidos. No espaço virtual, o leitor, por meio de
movimentos e comandos no mouse, une de modo a-sequencial diversos fragmentos
e cria novas estruturas e experimentos, num processo potencialmente dialógico. A
internet é e fornece um labirinto de informações e construções que se conectam e
dissociam-se a cada novo movimento criando novos significados.
A literatura e as formas de escrever não escapam a esta realidade. Na era
pós-moderna, todas as artes se confraternizam. Neste tempo, início do terceiro
milênio, as tecnologias digitais, as memórias eletrônicas, as hibridizações, como
afirma Santaella (2007, p.330), abrem “ao artista e literato, horizontes inéditos para a
exploração de novos territórios da sensorialidade e sensibilidade”. E, segundo
Campos (apud GUIMARÃES, 2004), de forma que esses meios possam ser usados
de maneira convencional, ou criar obras inventivas e originais, não desqualifica a
81

importância das novas mídias, que tendem a se impor como extensores sensíveis
que facilitam e multiplicam as habilidades individuais.
Na Internet, a poesia ganhou status de “ciberpoesia”, que faz parte da
ciberarte ou „net arte‟. O termo se refere à arte que é feita utilizando como meio as
redes de computadores. Segundo Broeckmann (2006), nas redes, a arte pode tanto
utilizar a Internet como meio de distribuição, funcionando de forma eficaz, porém
substituível, como também estar ligada com o meio das redes eletrônicas no seu
modo de produção, utilizando dos seus protocolos e suas virtualidades técnicas,
aproveitando o potencial dos softwares e hardwares, o que seria impossível de
acontecer sem seu meio específico, neste acaso a Internet.
A Ciberliteratura, proposta nesta pesquisa, se insere nesta segunda
funcionalidade para as artes na rede, na medida em que, como poderá ser
observado no site de relacionamentos Orkut, os artistas (usuários) não estão
somente transpondo para a mídia digital, recursos que poderiam ser implementados
fora dessa mídia. Os discursos da literatura, convergentes com o ciberespaço, são
potencializados a partir dos meios que se tornam possíveis nas redes. Carregado de
um caráter plurissemiótico, no Orkut, a literatura se constitui de textos, imagens,
estáticas ou em movimento, e som, o que amplifica os sentidos das escritas, não
limitadas mais ao sentido usual de caracteres tipográficos, por também envolver os
meios audiovisuais supracitados.
Aarseth (apud Guimarães, p.165, 2004) usa o termo “cibertexto” para
designar um elenco de discursos que emanam dos ambientes eletrônicos, incluindo
formas que são escritas quer conscientemente, quer inconscientemente, tais como
diálogos para videogame ou transcrições de chats. No Orkut, meio mais próximo das
salas de bate-papo e do correio eletrônico, os usuários, em seus perfis constroem
seus diálogos e fazem uso da literatura, dando a ela o caráter multimidiático,
englobando o texto escrito, a exploração de variáveis gráficas, as mídias imagéticas
(gráficas, fotográficas e videográficas) e o som.
No Orkut, apreciar a literatura, ler textos literários, envolve, sobretudo, ler os
escritos na sua materialidade textual. As vantagens estão na sua habilidade de
empregar multimeios, ser interativa e aumentar a circulação, da forma que outras
mídias não permitem. Suas características mais fortes são a intermidialidade, a
hibridação, a interatividade, a permutabilidade e a cinética. Como afirma Foucault
(2001, p.143):
82

Pode-se dizer, que, a partir do século XIX, todo ato literário se


apresenta e toma consciência de si como transgressão da essência
pura e inacessível da literatura. E, no entanto, cada palavra, desde
sua escrita na famosa página em branco da obra faz um sinal para
algo – pois não é a palavra normal ou comum - que é literatura; cada
palavra é um sinal que indica algo que chamamos literatura.

Mikhail Bakhtin é um dos autores que toma a literatura como uma instituição,
afirmando que ela reflete signos sociais, os quais, em movimento no dizer, reforçam
o discurso oficial. Ao lidarmos com o tecido literário – a arte –, ela se materializa
como uma organização estrutural, como um construto que opera também como uma
organização de funções sociais e ideológicas. A experimentação de novos suportes
revelada nos gêneros literários através das hibridações e do caráter semiótico
adicionados na Internet permite reconhecermos um novo movimento para a
instituição literária a partir das novas tecnologias.

A digitalização da arte e da literatura têm como consequência


imediata a nomadização do leitor-espectador, por um lado, a sua
imersão perceptiva e corpórea, por outro, no próprio interior do texto-
imagem. (...) O Hipertexto, enquanto nova tecnologia de escrita
passa a ser incontornável, apesar da sua coexistência com as
tecnologias anteriores. Trata-se, pois, de lhe explorar as
potencialidades. Como dispositivo de leitura, por exemplo, o
hipertexto não se limita à sua pretensão de biblioteca universal, ele
pode estabelecer-se como um jogo de conexões intertextuais que
permitam, nos textos clássicos, deslinearizar-lhes a leitura. (BABO,
2000)

No site de relacionamentos, objeto de estudo, os usuários estabelecem


vínculos, dentro do que Laurel (apud Santaella, 2007) chama de comunidades
virtuais. Elas são compostas de agrupamentos de pessoas que podem ou não se
encontrar face a face e trocam mensagens e idéias através da mediação das redes
de computador. Rheingold (1996) aborda as comunidades virtuais, afirmando que
elas se alastram, como colônias de microorganismos, devido à características
imanentes ao ciberespaço.

No ciberespaço, conversamos e discutimos, engajamo-nos em


intercursos intelectuais, realizamos ações comerciais, trocamos
83

conhecimento, compartilhamos emoções, fazemos planos, trazemos


idéias, fofocamos, brigamos, apaixonamo-nos, encontramos amigos
e os perdemos, jogamos jogos simples e metajogos, flertamos,
criamos arte e desfiamos um monte de conversa fiada. Fazemos
tudo o que fazem as pessoas quando se encontram, mas com
palavras e na tela do computador, deixando nosso corpo para
trás. Rheingold

Como afirma Heidrun Krieger Olinto (2002, p.68),

Se hoje nos encontramos no limiar de uma era midiática que opera


com sistemas de produção, transmissão e recepção de textos
radicalmente novos, a partir de possibilidades inovadoras da
organização do saber – o hipertexto – e de novas qualificações para
a ficção – o ciberespaço -, precisamos, fora dos clichês de uma
crítica da cultura pessimista, lançar um olhar atento sobre as
mudanças que ocorrem quando o livro, nos últimos 500 anos figura
emblemática de nossa civilização ocidental, além do lugar tradicional
na biblioteca, em sua forma impressa e encadernada entre duas
capas, conhece novos espaços e modos de atuação, abertos pela
tecnologia digital, e a literatura passa a disputá-los, além disso, com
incontáveis discursos rivais da mídia de massa.

Nesse novo ambiente, a literatura busca acompanhar os suportes das novas


tecnologias e o texto escrito não é mais suficiente ou reina absoluto, como afirma
Jameson (1996):

Assim, o texto escrito perde seu status privilegiado e exemplar no


exato momento em que as conceituações disponíveis para analisar a
enorme variedade de objetos de estudo que a „realidade‟ nos
apresenta (todos, em sua variedade, agora considerados como
„textos‟) se tornaram quase que exclusivamente linguìsticos em sua
orientação. A análise da mídia em termos linguísticos e semióticos,
portanto, pode muito bem ser indício de uma ampliação imperialista
do domínio da linguagem de forma a incluir os fenômenos não-
verbais – visuais ou musicais, corporais, espaciais -, mas pode
também representar um desafio crítico e deruptivo aos próprios
instrumentos conceituais que foram mobilizados para completar essa
operação de assimilação. (1996, p.92)

4.2 - Literatura na web e a tensão política frente à literatura tradicional


As condições de surgimento da literatura na Internet foram criadas de fora
para dentro. À literatura foi imposta a realidade do ciberespaço e a necessidade
84

urgente de se adaptar a tal espaço, não só necessariamente de forma pacífica ou


espontânea, mas também em virtude da convergência e do imperativo da Internet
como novo meio modulador de comportamentos e da história como um todo.
(CASANOVA, 2002, p. 219).
Apesar da convergência, a literatura na Web configura-se como um ponto de
tensão política forte à literatura tradicional. Ela não é a literatura feita pelos grupos
marginalizados ou mesmo não é uma literatura com tendência a ser direcionada ou
motivada por este segmento. É uma nova literatura, com um novo perfil, que
necessita de novos parâmetros para apreciação e análise, para contar sua história.

O espaço literário não é uma estrutura imutável, congelada de uma


vez por todas em suas hierarquias e suas relações unívocas de
dominação. Mesmo se a distribuição desigual dos recursos literários
induz formas de dominação duráveis, ele é o local de lutas
incessantes, de contestações de autoridade e da legitimidade, de
rebeliões, de insubmissões e até de revoluções literárias que
conseguem modificar as relações de força e provocar reviravoltas
nas hierarquias. Nesse sentido, a única história real da literatura é a
das revoltas específicas, dos atos de violência, dos manifestos, das
invenções de formas e de línguas, de todas as subversões da ordem
literária que aos poucos “fazem” a literatura e o universo literário.
(CASANOVA, 2002, p. 217)

De acordo com Casanova, os espaços literários foram constituídos a partir de


lutas e dominações, realizadas por aqueles que tentavam entrar no jogo. Desta
forma, dentro desta perspectiva, a literatura é uma criação singular na medida que é
obra individual, porém também coletiva, pois está inserida dentro de um contexto no
qual é vista como um conjunto de soluções que visam mudar a ordem do mundo
literário.

Casanova (2002, p. 218) explica que existem „efeitos de dominação‟ comuns


a todas as partes do mundo, que se exercem da mesma forma em qualquer lugar e
que, por isso, a partir de seu conhecimento, fornecem instrumentos universais de
compreensão dos textos literários. Eles permitem compreender fenômenos literários
que são totalmente diferentes e distantes no tempo e espaço, abstraindo, por
exemplo, contextos históricos secundários e de menor importância para o
conhecimento da literatura.
85

Para o surgimento de um novo estilo literário, um efeito de dominação urgente


a ser consolidado, é a visibilidade literária. Para se estabelecer, em meio às
ameaças de invisibilidade, os escritores devem buscar condições para serem
notados. Como no caso da liberdade criadora dos escritores das periferias, que só
foi conquistada à custa de lutas, nas quais eram desmerecidas em nome da
universalidade literária e da igualdade de todos diante da criação e da invenção de
estratégias complexas, novos escritores são submetidos à política literária que os
obriga a elencar tais elementos que a justifiquem como obra/arte, a fim de se
estabelecer.
O Orkut observado sob o ponto de vista de ser uma nova forma de literatura,
não condicionada aos parâmetros convencionais de inscrição de obras literárias nas
folhas de papel, subverte a noção de instituição literária, seguida ao longo de
séculos por todos que a ela se submetem. Vinda não da periferia, mas de uma
realidade transgressora da máquina frente às artes, a obra literária „okurtiana‟
elabora novos mecanismos de observação literária, com os quais não é possível
buscar os mesmos efeitos de dominação e análise.
As produções criadas no ciberespaço não podem ser classificadas ou
catalogadas a partir dos mesmos mecanismos da arte impressa. Mas ainda assim, é
possível e necessário, determinar uma família literária, tornando próximos os
materiais produzidos mesmo distantes no espaço, tendo em vista a conexão entre
eles pela rede, tornando-os unidos, assim como afirma Casanova (2002, p. 220) por
uma „semelhança de famìlia‟. Segundo ele, classificam-se em geral os escritores por
nações, gêneros, épocas línguas, movimentos literários, entre outros. Ou mesmo,
opta por não classificá-los, considerando-os como singularidade absoluta.
Fato é que não há unidade entre todas as obras produzidas em blogs, sites
de relacionamento e redes sociais e as relações de contiguidade e de diferenciação
são tanto mais aparentes, pelo fato de não haverem regras gerais para sua
produção, quanto mais móveis e inconstantes. A possibilidade de refazer, adicionar,
relacionar através de links, uma obra a outra, permite a proximidade entre as
produções. Para um autor interessado em fazer parte deste universo virtual de
escritores, é possível, a qualquer momento, redirecionar o que escreve, para se
aproximar de um estilo, de um segmento, de uma realidade ou outra.
86

É evidente que essa sintaxe literária é uma proposta teórica que a


infinita diversidade do real só poderia matizar, corrigir, refinar. Não se
trata de pretender que todos os possíveis tenham sido esgotados,
nem que poderiam ser previsíveis por meio desse modelo:
simplesmente tenta-se mostrar que a dependência literária favorece
a criação de uma espécie de gama literária inédita que todos os
escritores dominados do mundo têm ao mesmo tempo de reinventar
e reivindicar para criar a modernidade, ou seja, para provocar novas
revoluções literárias. (CASANOVA, 2002, p. 220)

É talvez o efeito da utilização hipermidiática da rede que contribui para que


uma literatura virtual não se submeta aos mesmos critérios de análise da
institucionalizada literatura desenvolvida há séculos. As criações não se esgotam
dentro de apenas uma página, de um único texto, pois o „link‟ funciona como uma
espécie de continuação inesgotável de leituras e interpretações, possível dentro dos
interesses de cada leitor. Daí a dificuldade de se determinar uma lógica linear de
condução da literariedade criada no ciberespaço, o que sugere uma revolução
literária, na forma, na criação e, principalmente, na leitura.
Segundo Pascale Casanova, ao longo dos quatro séculos de formação e
unificação do campo literário mundial, as lutas e estratégias dos escritores seguiram
basicamente uma mesma lógica. Na cronologia da formação de cada espaço
literário, Pascale afirma que, com poucas variantes e diferenças secundárias que se
devem à história política, à situação linguística e ao patrimônio previamente
acumulado, as etapas deste processo são quase as mesmas para todos os espaços
literários constituídos.
Acrescenta-se às variantes, neste caso, a tecnologia como principal
pressuposto para a formação e diferenciação da literatura no ciberespaço. Não se
trata apenas de se escrever em outro meio, até porque muitos dos escritos podem
ser, na verdade, apenas transpostos para o meio virtual, mas também pela sua
forma de publicação, divulgação e leitura. A política do meio virtual é outra, por sua
vez, desterritorializada, a situação linguística também o é, tendo em vista os gêneros
literários possíveis na internet e o patrimônio acumulado é, em casos, a junção de
todo o patrimônio literário universal institucionalizado e, em outros, apenas um
princípio de algo que ainda está sendo criado.
De forma que a cada momento, as relações de força e desigualdade dentro
do universo literário mundial sofrem modificações e se transformam, espaços antes
87

considerados marginalizados em um momento, passam a ser considerados e


renomados, anos depois, como o caso da Literatura produzida na América Latina, da
década de 1930 e trinta anos depois. No caso da web literatura, ela encontra-se no
centro de uma discussão e de uma realidade da qual não se pode mais voltar atrás
e, embora marginalizada, possivelmente quanto ao seu caráter estético e enquanto
„arte‟, é atualmente um espaço literário integrado ao centro da literatura mundial.

Esse esforço para dar o meio de compreender e interpretar a


particularidade das obras provindas da periferia do universo literário
por uma descrição estrutural das relações literárias e das relações de
força em escala mundial talvez pareça chocante a todos aqueles que
têm uma visão encantada da liberdade criadora. Mas deve-se ver
que, ao contrário da ilusão amplamente compartilhada de uma
inspiração poética universal que outorgaria indiferentemente sua
graça a todos os artistas do mundo, as coerções se exercem de
maneira desigual sobre os escritores e pesam tanto mais sobre
alguns quanto são ocultas como tal para satisfazer a definição oficial
de uma literatura una, universal e livre. (CASANOVA, 2002, p. 228)

Ao afirmar isso, Casanova explica que as coerções que pesam sobre os


escritores marginalizados servem para mostrar que suas obras são mais
improváveis que as outras e que conseguem emergir e serem reconhecidas de
forma quase que milagrosa, subvertendo as leis literárias estabelecidas pelos
centros por meio da invenção de soluções literárias inéditas.
De política também é construído o caminho destas novas literaturas advindas
de grupos marginalizados. Segundo Casanova, a politização é um dos traços
constitutivos das pequenas literaturas. Em muitas das situações, esta política chega
a ser subversiva, na medida em que são construídas contra a imposição política
central imperialista. A posição destas novas literaturas são ainda complexas e não
são nem acadêmicas nem conservadoras. Pelo fato de não possuírem qualquer
patrimônio literário, uma tradição constituída, nem mesmo língua, cultura e tradições
populares, cabe a elas, a luta política como forma de demarcação e diferenciação
perante as outras literaturas tradicionais.
88

Capítulo 5
DA LITERATURA À CIBERLITERATURA: A FORMAÇÃO DE UMA
NOVA LITERATURA?

Embora se submeta à lógica do ciberespaço, a rede social Orkut – assim


como programas de computação voltados para produção textual na tela do
computador a exemplo do Word – assemelha-se à produção desenvolvida em uma
folha de papel. A forma da escrita nestes espaços segue a mesma sequência lógica
e espaço-temporal, com início, meio e fim, da escrita do suporte impresso.
Isso pode ser observado na delimitação dos espaços “em branco”
estabelecidos na tela do computador semelhantemente às páginas de livros. As
margens, espaçamento entrelinhas e o modelo de formatação do texto ainda
seguem, em sua predominante maioria, o modelo lógico de codificação da língua
conforme a herança mnemônica da práxis da escrita sobre o suporte impresso, que
ainda é o sistema de organização do código linguístico predominante.
Desta forma, observa-se em muitos casos, o computador apenas como um
meio para onde é transposto um conteúdo produzido à mão, em papel, de forma que
é possível também utilizar a rede apenas como um novo suporte recontextualizador
dos escritos tradicionais, são outros elementos que conduzem os novos textos a se
configurarem como „Ciberliteratura‟.

5.1 - A Ciberliteratura
A Ciberliteratura resulta de uma metamorfose de formas, baseadas nas novas
modalidades de textos nascidas a partir do advento da informática e das novas
tecnologias digitais e sobretudo da relação entre as máquinas e o ser humano e
também pode ser denominada de literatura algorítmica ou virtual. A Ciberliteratura
designa aqueles textos que baseiam sua construção em procedimentos informáticos,
combinatórios, multimidiáticos ou interativos. Ao fazer uso das potencialidades do
computador como uma máquina criativa que permite o desenvolvimento de
estruturas textuais, o ciberautor pode utilizar o computador de forma criativa, como
89

manipulador de signos verbais e não apenas como um simples armazenador e


transmissor de informações.
A história, os arquivos e a noção de texto literário estão se modificando
devido aos efeitos combinatórios do hipertexto e da Internet. A leitura característica
do livro tipográfico é alterada pelas ramificações e nós permitidos no ciberespaço. A
digitalização dos textos e a sua estrutura no computador dissolve os limites do livro e
dos demais formatos impressos.
Sobre seu conceito, não há ainda formas definidas, devido à mutabilidade das
novas formas de criação literária, ainda em fase de consolidação. Os novos
paradigmas do texto que estão emergindo são provenientes das mais recentes
tecnologias digitais de informação e seu uso por autores, escritores e usuários
conectados a tais avanços de forma criativa, manipulando a escrita.
De acordo com Barbosa (2001), no atual estado em que se encontra, a
Ciberliteratura (literatura gerada por computador) abrange três grandes linhas,
gêneros ou tendências de criação textual que podem ainda muitas vezes assumir
uma forma mista. São elas a poesia animada por computador, como uma
continuidade da poesia visual, introduzindo a questão da temporalidade na textura
multimediática da escrita em movimento; a literatura generativa, que mediante
geradores automáticos, apresenta ao leitor um campo de leitura virtual constituído
por infinitas variantes em torno de um modelo; e a hiperficção, uma narrativa
desenvolvida segundo uma estrutura em labirinto, em que a intervenção do leitor vai
determinar um percurso de leitura único que não esgota a totalidade dos percursos
possíveis no campo de leitura.
O computador funciona para a Ciberliteratura como uma máquina aberta e o
circuito literário tradicional é alterado nos seus múltiplos componentes: na relação
autor/texto, na relação texto-leitor, na relação autor/leitor e na própria noção de
texto. A interatividade contribui para isso, na medida em que no momento da
recepção de um texto pode conduzi-lo a uma intervenção simbiótica das funções
tradicionais do autor e do leitor mediante uma maior ou menor participação deste
último no resultado textual final. Entra-se em um processo que Barbosa (2001)
chama de escrita-pela-leitura ou de leitura-pela-escrita.
Barbosa (2001) elenca três aspectos sobre o contexto da Ciberliteratura,
quanto à possibilidade de ela vir a assumir-se como um gênero literário novo,
baseado nos possibilidades abertas pela informática:
90

a) Fixação da mensagem: surge um suporte novo para a escrita.


Podendo dispensar a mediação do papel, a palavra escrita é
armazenada digitalmente em suporte magnético e exibida
electronicamente no monitor de qualquer computador (muito
embora, subsidiariamente, ela também possa ser fixada em papel
através da saída para uma impressora). O tratamento digital da
informação faz com que esta possa facilmente integras
elementos discursivos variados (palavras, sons imagens)
assumindo cada vez mais o texto uma dimensão multimediática.
b) Circulação da mensagem: é feita através da mediação de
suportes magnéticos (como a disquete ou o CD-ROM) ou
directamente de computador para computador por mais ou
menso vastas ligações em rede (a Internet é apenas um exemplo
actual).
c) Produção e recepção da mensagem: a mensagem literária
assume-se quase sempre estruturalmente como obra aberta –
seja na sua modalidade potencial seja na sua modalidade
interactiva. Tal facto implica a participação do “utilizador” para lhe
dar existência verbal. Ora, sendo a mensagem constituída por
opções do próprio utente-leitor no contexto de um labirinto tantas
vezes inesgotável de percursos leiturais, qualquer texto final
assim concretizado é também a emanação personalizada do
utilizados do programa; e tal emanação é acrescida quando o
programa lhe concede a possibilidade de intervir com dados
pessoais, modificando ou reescrevendo o texto virtualmente
proposto. (BARBOSA, 2001, p. 5)

A literatura gerada por computador promove, assim, uma experimentação e


jogo, recriando profundamente conceitos como os de texto e interpretação. Ela
permite uma renovação dos meios, partindo da hipótese de que de meios novos
podem surgir conteúdos novos também. Por isso, é necessário reconhecer e avaliar
as consequências que da utilização das tecnologias digitais e das redes telemáticas
na estruturação de novos conceitos para a literatura e consequentemente para a
Instituição Literária.
É o intuito deste capítulo, desenvolver uma discussão sobre a forma como se
constrói uma nova literatura, encapsulada em um roteiro e sequência já
massificados no papel, mas que envolta em uma nova realidade mais ampla e
difusa, torna possível a criação de novos paradigmas estéticos. Para que seja
possível o desenvolvimento de um estudo sobre a incidência do fenômeno da
Ciberliteratura, faz-se necessário estender uma observação analítica sobre as
manifestações literárias no espaço virtual do site Orkut e estabelecer uma
91

sistematização dos modelos com os quais essas escritas ocorrem no ambiente


virtual.
Por ser uma rede de socialização no ciberespaço, o Orkut situa-se como um
espaço voltado à comunicação e interação entre internautas. No entanto, as
mudanças implementadas pelos meios eletrônicos na forma como as pessoas
interagem, trouxe como consequências transformações não apenas no âmbito das
comunicações, mas também nas formas e nos conteúdos da criação literária. Os
usuários da internet assumem nova postura quando criam seus perfis e passam de
leitores a criadores e organizadores da expressão literária e a máquina, um suporte
para a obra se concretizar.
A gama de possibilidades criadas pelas tecnologias de escrita, como o
hipertexto e a hipermídia, além de outros suportes anteriores já ultrapassados,
mesmo sendo do meio digital, como o vídeo-texto, desenham um outro formato para
a literatura contemporânea, no qual as possibilidades de escrita e de fruição da
leitura desmontam os padrões correntes de séculos de cultura impressa. Modifica-se
o conceito e a estética da literatura, dentro de uma arquitetura tridimensional e
líquida para a escrita, em rede.
De acordo com LONGUI (2003, p.02), dentro deste contexto, a literatura pode
“deslocar-se” do livro, antes visto como suporte imprescindìvel e fundamental,
migrando em direção a outro meio de difusão e criação literária, mais precisamente,
a tela do computador. E aí, em um novo ambiente de produção e difusão, desloca-se
também o papel do leitor, mais abrangente ou mais restritivo, segundo o interesse
de quem o produz e de acordo com a abrangência do espaço utilizado.
Notadamente, o modo de utilização do Orkut, submete os escritos e os direciona a
determinado leitor específico e escolhido pelo autor, determinando a participação
passiva dos outros e ativa do destinatário. Como numa espécie de hipertexto,
embora mais restrito e condicionado apenas à sua própria rede social, no Orkut é
possível o surgimento e crescimento de uma narrativa interativa de caráter
hipertextual. O hipertexto foi citado tal como o conhecemos hoje, pela primeira vez
em artigo de 1945, do matemático e físico Vannevar Bush, que tratava da criação do
„Memex‟, uma espécie de banco de dados virtual, que imitava as características do
pensamento humano, agregando sons, imagens e textos.
Conforme a mente humana, que passa de uma representação a outra,
através de uma rede intricada, repleta de bifurcações e tecendo uma trama infinita, o
92

ciberespaço possibilita uma navegação semelhante. Levy (1993), diz acerca do


hipertexto:

É um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser


palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos,
sequências sonoras, documentos complexos que podem eles
mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados
linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a
maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular.
Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso
em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque
cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira. (Levy, 1993, p.
33),

Segundo Levy, o termo hipertexto só foi cunhado, no entanto, em 1965, por


Theodore Nelson, “para exprimir a ideia de escrita/leitura não linear em um sistema
de informática” (LEVY, 1993, p.29). No sentido inverso, o texto impresso tem como
característica, a linearidade e leitura sequencial, conduzindo o leitor a uma leitura
com ordem pré-estabelecida, aceitando a ordem lógica determinada pelo autor.
Conforme Levy, na rede social, um destinatário ao receber um recado, um
depoimento, um comentário, pode, imediatamente, se ligar, através de conexões, ao
emissor, e continuadamente aos perfis de amigos do emissor, em rede. Apesar
disso, há que se notar um primeiro problema quanto a utilização literária no Orkut:
embora o ambiente torne possível a produção de um texto literário e mais, ele ser
encaminhado a uma rede de amigos, as conexões realizadas a partir daí, não são
necessariamente literárias. Cada produção pode remeter a um novo link no qual não
se estabelece uma relação literária.
Diferente dos sites de notícia, no qual os hiperlinks direcionam o leitor a uma
gama de outros textos também de caráter noticioso, no Orkut, um texto produzido
por um perfil, mesmo sendo ele literário, não terá necessariamente como uma
bifurcação, um novo direcionamento, outro texto literário, podendo ser apenas uma
conversação informal ou um recado.
Isso se deve ao fato de que depende do interesse de cada usuário esta
intenção performativa ao se escrever no Orkut. Sendo assim, o tom literário de um
texto escrito no site de relacionamento passará pelo interesse performativo de seu
escritor (ou escritores) e também da leitura atribuída a ele pela comunidade de
usuários que têm acesso a ele. O poder persuasivo da palavra ocorre dependendo
93

da performatividade do seu usuário, modificando a realidade em diversos aspectos.


Desde discursos filosóficos, jurídicos ou religiosos, até os menos formais, não
deixam de apresentar poder de ação e transformação em uma situação
comunicacional. Hoje, até mesmo enunciados cotidianos, desprovidos de uma
erudição ou formalidade, podem ser considerados como de natureza performática, já
que a linguagem está sempre em busca de uma forma de agir sobre o outro.
A imagem a seguir, do Orkut da internauta „Thalita‟ traz depoimento escrito
pela amiga „Julie‟, no qual ela aborda a amizade construìda ao logo de quinze anos
entre elas e, de forma performática, remete à infância e adolescência, com o intuito
de persuadir e comover a Thalita a sentir o mesmo, a também rememorar aos
tempos passados quando a amizade de crianças era mais livre e intensa. Ao utilizar
o recurso de escrever o recado na seção de „Depoimentos‟ é entendido pelos
usuários da rede social, como uma espécie de homenagem, um texto dedicado a
demonstrar o carinho, admiração, amor pelo outro usuário.

Figura 08

Como o Orkut é uma rede social e os atos de fala só se concretizam e


apresentam resultados quando atingem o receptor e a performatividade da palavra
só mostra-se eficaz a partir da reação do leitor, podemos observar a possibilidade
performativa das elocuções elaboradas no Orkut, através do recado repassado à
„Julie‟ após „Thalita‟ receber o depoimento. Na imagem a seguir, percebemos que o
objetivo de comover e emocionar „Thalita‟ foi atingido, ao observarmos a forma como
ela respondeu ao depoimento, demonstrando o poder de ação e transformação da
94

palavra, para unir as duas amigas. Expressões como “boas lembranças....estarão


sempre comigo”, “sinto falta de ter você diariamente na minha vida” e “desde
pequenininhas até velhinhas!”, usadas comumente no cotidiano das pessoas, podem
ser consideradas como de natureza performática, dado o efeito causado por elas no
receptor. Mesmo em uma situação informal, o texto abre sobre o receptor.

Figura 09

Logo no começo do depoimento, a sentença “meu carinho por você ainda


cresce a cada dia!”, embora seja considerada uma sentença constativa, também se
aproxima das performativas, pelo fato de pretender agir sobre o outro, causar algum
efeito na relação entre eles.
A noção de „ethos‟ também é suscitada na medida em que a autora do
depoimento busca enaltecer, através da memória a situações do passado a
legitimação da necessidade de se prestar tal homenagem, em um depoimento,
causando a boa impressão e ganhando confiança quanto ao que pretende transmitir
à receptora da mensagem.

Em qualquer forma literária, há a escolha geral de um tom, de um


etos, se quiser, e é aí que ele se engaja. Língua e estilo são dados
antecedentes a toda problemática da linguagem, língua e estilo são o
produto natural do tempo e da pessoa biológica; mas a identidade
formal do escritor só se estabelece verdadeiramente fora da
instalação das normas da gramática e das constantes do estilo, no
lugar onde o contínuo escrito, reunido e fechado inicialmente numa
natureza linguística perfeitamente inocente, vai tornar-se finalmente
um signo total, a escolha de um comportamento humano, a firmação
de um Bem, empenhando assim o escritor na evidência e na
comunicação de uma felicidade ou mal-estar, e ligando a forma ao
mesmo tempo normal e singular de sua palavra à vasta História do
outro. (BARTHES, 2004, p. 13)

Assim, a escolha da autora do depoimento (Julie) se assemelha ao perfil de


uma carta nos moldes das tradicionais escritas em papel. Este gesto epistolar tão
comum nos escritos do Orkut enfatizam uma dissolução do privado perante o público
e coloca em evidência a dimensão social da emoção. O gênero da escrita epistolar,
95

transmite as memórias da autora publicizando a história particular a ambas. O „para


quem‟ se escreve torna-se efêmero dado o caráter voyeurístico da rede social e de
certa forma revela a intencionalidade tanto da escritora quanto da receptora de
tornar pública a relação entre elas, tendo em vista a possibilidade oferecida pelo
Orkut de não se mostrar os depoimentos ou ainda escolher qem pode ou não lê-lo.
O estilo pretendido revela também um pouco da identidade dela e o uso das
palavras realiza o intento comunicativo pretendido de forma que o gênero foi
transmutado para o meio virtual, devido à função, posição social e relação social
entre as usuárias dos dois perfis.
Segundo Barthes (2004), a língua e o estilo são objetos e a escrita, uma
função, que “é a relação entre a criação e a sociedade, é a linguagem literária
transformada em sua destinação social”, (2004, p. 13). Ainda citando o exemplo do
depoimento de Julie, apesar de sua intenção enquanto autora, de seu contexto,
realidade e ethos interferirem na forma da escrita, observa-se que o gênero e a
forma utilizada foram também influenciadas pelo modo como os demais usuários
escrevem os depoimentos e prestam homenagens aos seus amigos. Já se tornou
uma convenção que os depoimentos devem seguir certo padrão de escrita e, por
mais que haja diferenciações, há uma linguagem nos depoimentos carregada de
uma mesma intencionalidade, referem-se a uma mesma ideia da forma e do
conteúdo. Assim, afirma Barthes:

É sob a pressão da História e da Tradição que se estabelecem as


escritas possíveis de dado escritor: há uma História da Escrita; mas
essa História é dúplice: no mesmo momento em que a História geral
propõe – ou impõe – uma nova problemática da linguagem literária, a
escrita permanece ainda cheia de lembrança de seus usos
anteriores, pois a linguagem nunca é inocente: as palavras têm uma
memória segunda que se prolonga misteriosamente no meio das
significações novas. (Barthes, 2004, p. 15)

5. 2 - Análise quantitativa da literatura no Orkut e suas implicações


Há de se observar que nos depoimentos é bastante comum o envio de textos
de autoria própria enquanto que em outras seções do Orkut, é mais utilizado, o
recurso de se utilizar de literatura de outros autores para se comunicar. Para a
pesquisa, foram observados 200 páginas iniciais de perfis de usuários, sendo 100
96

homens e 100 mulheres, para observar de que forma é utilizada a literatura pelos
dois sexos.
Os perfis foram selecionados aleatoriamente a partir da rede de um usuário,
de forma a poder medir, não através de usuários que possuam um perfil que se
enquadra naqueles onde a literatura poderia estar presente, como por exemplo,
integrantes da comunidade “Literatura”, mas sim sem um critério temático que
induzisse ao encontro espontâneo da utilização literária. Assim, dos 100 perfis
femininos acessados, em 64 deles, havia alguma citação ou referência literária,
através de poesias famosas ou mesmo de frases e textos desconhecidos. Enquanto
isso, quanto ao sexo masculino, dos 100 perfis vistos, foram encontradas referências
semelhantes em apenas 33, pouco mais da metade do verificado entre as mulheres.

Figura 10

Figura 11

Em relação à informação sobre a autoria do texto publicado na página inicial,


das 64 mulheres, apenas 16 informaram quem era o autor real do texto ou da frase
utilizada, enquanto que apenas sete homens fizeram o mesmo. Desta forma, a
imagem de um autor cujo nome próprio dá identidade e autoridade ao texto é
97

sublimado por motivos desconhecidos, mas que, no final das contas, dá ao dono do
perfil a autoridade e identidade quanto ao escrito.
“Para nós, um texto literário identifica-se em primeiro lugar com um nome
próprio, tem um autor, sem bem que não é o caso para todos os textos, nem sequer
em nossa sociedade” (Chartier, 1999, p. 20). Ao afirmar que o texto literário
pressupõe a imagem de um autor que se identifique com a obra, ou seja, há
necessariamente alguém reconhecido como o produtor e a quem se deve o mérito,
Chartier entra em choque com a ideia disseminada na cultura virtual, na qual
observamos cada vez mais, a apropriação dos textos e a consequente morte do
autor enquanto produtor único das obras.
Mais adiante, Chartier (1999, p. 32) aborda Foucault quanto à questão de que
“numa determinada sociedade, certos gêneros, para circular e serem recebidos têm
necessidade de uma identificação fundamental dada pelo nome do autor, enquanto
outros não”. No caso do Orkut, a falta da associação de um nome próprio ao texto
publicado, pode ser entendida pelo visitante que desconhece a autoria como se
fosse do dono do perfil. No ciberespaço, não há a necessidade de uma identificação
fundamental e os textos circulam livremente, independendo da autoria e sem o seu
domínio.

O que produz de fato a revolução do texto eletrônico, senão um


passo suplementar no processo de desmaterialização, de
descorporalização da obra, que se torna muito difícil de estancar?
Todos os processos modernos sobre a propriedade literária, em
particular, em torno da noção de imitação, de plágio, de empréstimo,
já estão ligados a esta dupla questão: a dos critérios que
caracterizam a obra independentemente de suas diferentes
materializações e a de sua identidade específica. (CHARTIER, 1999,
p. 67)

O Orkut contribui para o processo de descorporalização dos textos no espaço


virtual, como sugere Chartier (1999), tornando as obras praticamente como um
patrimônio público, devido ao difícil controle sobre sua autoria e ao institucionalizado
interesse no direito autoral. Ou então, quando não é um “patrimônio público”, na
maioria das vezes, pode ser entendida como patrimônio particular, mas não de seu
autor real, mas sim daquele que da obra se apropriou e a publicou no seu perfil da
rede social. Desta forma, a partir de uma espécie de revolução do texto causada
98

pelo meio eletrônico, um dos pilares da instituição literária, o autor torna-se uma
efemeridade, assim como o papel do editor e do distribuidor.

A revolução diz respeito tanto ao modo de produção quanto à


reprodução dos textos. Correm o risco de serem pulverizadas as
noções de autor, editor e distribuidor, que mal se puderam fixar,
numa época bastante recente, que coincide com a industrialização
do livro. Pode-se juntar aqui a reflexão sobre a edição e a
distribuição, já que, no mundo do texto eletrônico, tudo isso é uma
coisa só. Um produtor de texto pode ser imediatamente o editor, no
duplo sentido daquele que dá forma definitiva ao texto e daquele que
o difunde a um público de leitores: graças à rede eletrônica, esta
difusão é imediata. (CHARTIER, 1999, p. 16)

Outro ponto que merece avaliação quanto à questão da Instituição Literária e


o Orkut é o cânone literário. Ao analisar os duzentos perfis selecionados na
pesquisa, podemos observar que, na grande maioria, não se revela o nome do real
escritor, falando nos casos de obras institucionalizadas na literatura tradicional. No
entanto, para aqueles que revelam o real escritor, há sempre uma ideia de que
houve uma seleção por escritores famosos e reconhecidamente intelectuais, de
forma a imprimir esta aura de intelectualidade ao seu perfil.
Por falar nos autores citados, foram eles: Clarice Lispector, Mário Quintana,
Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, além dos músicos Renato Russo, Caetano
Veloso, Bob Marley e Chico Buarque, entre os homens. Já nas mulheres, os autores
mais citados foram Padre Fábio de Melo, Chico Xavier, Martha Medeiros, Antoine de
Saint-Exupéry, Shakespear, Fernando Pessoa e Cecília Meireles, além de também
Mário Quintana e Bob Marley, como entre os homens.
Esta apropriação de escritos de autores reconhecidamente famosos pode ser
observada no exemplo a seguir, no qual o perfil da usuária „Dani Oliveira‟ expõe três
trechos de textos de artistas, mas em apenas um deles, é exposto o nome do real
autor, neste caso, Fernando Pessoa, enquanto que os demais, menos conhecidos
popularmente, não são referenciados. O primeiro trecho, “Todo sopro que apaga
uma chama reacendo o que for pra ficar”, faz parte de uma música do grupo Teatro
Mágico, já o terceiro trecho citado, na verdade uma poesia de Geir Campos,
intitulada “Tarefa”, também não é citado, embora seja ele um dos poetas
considerados mais importantes da segunda metade do século XX.
99

Neste caso surge a hipótese de que a usuária preferiu omitir os autores


menos conhecidos como, possivelmente, uma forma de se apropriar de fato dos
textos, trazendo para si, o mérito da produção ou status da escrita, sob o ponto de
vista de quem o lê. Ela também se apropria do texto como uma forma de expressão
de si mesma, enquanto que exprime o nome do autor mais conhecido, em busca da
imprimir para si, o reconhecimento intelectual a ele dispensado.

Figura 12

No exemplo seguinte, o mesmo trecho do poema de Fernando Pessoa é


citado no perfil da usuária „Roselaine Ferreira‟, acrescido de outra frase do mesmo
autor, bastante conhecida: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
100

Figura 13

Desta forma, percebe-se a dificuldade de se traçar métodos para revelar


quais seriam as obras canônicas no ciberespaço e mais especialmente no Orkut. A
legitimação de autores na rede mundial de computadores se submete a outros
princípios que não são os mesmos aos quais estão submetidos os escritos
tradicionais dos livros. De semelhança está o fato de se correr o risco de
negligenciar autores de qualidade, dada a questão de o que se é e não é literatura e
até mesmo, para que serve um cânone.
Não se é possível definir quais são as obras canônicas do Orkut e o cânone
não se torna um critério de analise literária na rede social, visto que a identificação
criteriosa dos perfis não revelam traços que simbolizem uma utilização canônica
geral para as obras no Orkut. Além disso, seria inviável revelar quais seriam tais
cânones, seguindo como critério, o reconhecimento que eles possuem, visto que há
de se marginalizar autores e obras desconhecidas no meio impresso, mas que
ganham ascensão e são genuinamente do ciberespaço. Ainda é cedo para se
determinar obras sedimentadas e tradicionais na rede que possam de certeza serem
chamadas de obras canônicas. Até o momento, o que há ainda, em grande maioria
dos casos, é a transposição das obras reconhecidas no suporte impresso.
Certo é que o letramento literário faz-se presente em grande parte dos perfis
analisados do Orkut. O letramento, significa, como afirma Soares, um “estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas
sociais que usam a escrita”. (SOARES, 2004, p.47). Assim, podemos compreender o
letramento literário como um processo de alguém que não simplesmente lê
101

(decodifica) um texto literário, mas dele se apropria com significação, fruição e


experiência literária.
Seguindo a conceituação de Petrucci (1999) sobre o cânone literário,
podemos assegurar esta ausência de obras canonizadas no ciberespaço. “O cânone
é um elenco de obras ou de autores propostos como norma, como modelo” (1999,
p.207). Segundo ele, há de se considerar também que para diferentes culturas
escritas existem diferentes cânones com validade em vários âmbitos (religioso,
literário, etc.) e na nossa tradição literária ocidental temos um cânone amplo que
atende às necessidades da indústria editorial.
As obras „clássicas‟ no suporte impresso e a sua seleção para dela se
apropriar no Orkut, fica a critério de casa usuário letrado literariamente. Não se há
um consenso sobre quais seriam os cânones da Ciberliteratura, dada a ainda
incipiente instituição de valores e normas para tal literatura, ainda em fase
embrionária, embora em acelerada criação. O cânone literário é uma relação de
materiais e autores sociais institucionalmente considerados universais e verdadeiros,
que acabam transmitindo valores e características ideais de um texto e dignos de
serem repassados de geração a geração, o que ainda não podemos afirmar acerca
dos escritos virtuais do Orkut.
De certa forma, esta utilização e apropriação de obras canonizadas até
mesmo como forma de adquirir o mesmo “status” proferido a esses escritos,
contribui para uma perpetuação ou extensão do cânone literário estabelecido no
suporte impresso para o espaço virtual, dialogando com novas obras autênticas de
„autores‟ que assim se tornaram, através do hábito do uso do Orkut. Elas são
utilizadas no ciberespaço e, de alguma forma reafirmam aquelas obras como
merecidamente canônicas no meio impresso e, por isso, reconhecidas a ponto de
serem transmutadas para o espaço virtual, embora isso não signifique que elas
sejam canônicas neste novo espaço.
Observadas as apropriações, podemos perceber que embora os escritos
sejam “dos outros”, eles servem com o intuito de falar de si. A escolha se dá sempre
baseada em textos que possam ser facilmente encaixados para sua realidade e de
forma a comunicar-se com os demais usuários, através de expressões como “a
gente”, “quero” “meu”. Isso pode ser percebido nos dois exemplos a seguir. No
primeiro, um trecho da Obra de Machado de Assis, Dom Casmurro e no segundo,
um trecho de um texto de Mário Quintana, que não é referenciado.
102

Figura14

Figura 15

Uma segunda seleção de perfis de usuários foi realizada, a partir dos


membros da comunidade „Literatura‟. A partir dela, foram analisados 100 perfis, em
busca daqueles que tivessem marcas da literatura. A comunidade, como deixa bem
clara a sua descrição, está destinada “para todos os amantes da literatura,
escritores, leitores, poetas, estudiosos da língua portuguesa e interessados”. Assim,
pode-se observar que dos 100 perfis, foram encontrados textos literários em 62
deles, dos quais em 45, foram citados os verdadeiros autores.
103

Figura 16

No entanto, também entre estes perfis, não é possível determinar autores que
se destaquem e sobressaiam sobre os demais. Entre os mais citados, estão
Fernando Pessoa e Cecília Meireles, mas também aparecem, embora com menos
frequência, Clarice Lispector, Machado de Assis, Pablo Neruda e compositores,
como Roberto Carlos e Marisa Monte. O exemplo abaixo, refere-se à uma citação de
Machado de Assis, no perfil do usuário „Miguel Angel‟, no qual é usada uma frase
para o espaço dedicado ao „quem sou eu‟ e é dada a referência do real autor da
frase.
Figura 17
104

Entre os 62 perfis que trouxeram marcas de literariedade, chama a atenção o


fato de que em nove deles, as produções são próprias. Estes usuários escreveram
os próprios poemas, contos, poesias e utilizaram o Orkut como forma de divulgação.
O exemplo a seguir é bastante significativo disso:
Figura 18
105

O usuário „Walmir Flor‟ publicou, também no espaço dedicado ao „quem sou


eu‟, uma poesia dedicada à mãe e ao final, além de assinar o texto, assegurou que
era detentor dos direitos autorais e que todos os direitos estavam reservados,
através das expressões em inglês „Copyright 01/2001‟ e „All Rights Reserved‟,
semelhante ao que é publicado nos livros, garantindo o direito à obra ao autor e
editora em questão.
Observamos aí a ausência de um meio que controle os escritos no
ciberespaço, o que demonstra a força da Instituição Literária também no espaço
virtual, quanto à segurança dos direitos autorais, tendo em vista a utilização pelo
usuário de critérios do suporte impresso para, de alguma forma, assegurar o direito
sobre a própria obra.
O mesmo acontece no próximo exemplo, no qual a usuária „Luciana Brandão
Carreira Del Nero‟, além de trazer em sua página inicial do Orkut um trecho de uma
poesia de Cecìlia Meireles “Tenho fases, como a lua; fases de andar escondida,
fases de vir para a rua”, publica um texto de sua autoria, assina e sugere para quem
quiser continuar lendo mais do que ela escreve, acessar uma página na Internet
onde a produção está disponível.
Desta forma, observamos que „Luciana Del Nero‟ (como ela assina seu texto)
utiliza o Orkut como forma de dar visibilidade à sua produção, disponível por
completo em outro site da rede virtual. Entre as duas produções, podemos observar
um rebuscamento na escrita, uma produção que se assemelha à literatura
tradicional. O que não se pode afirmar, acerca dos dois escritos é que eles foram
produzidos diretamente no Orkut ou ainda no ciberespaço, ou se foram produzidos
por ele, escritos à mão, com lápis e papel e apenas digitados e publicados no
ciberespaço. De certo, apenas o fato de que foi no meio eletrônico que eles
conseguiram espaço para serem lidos e conhecidos.
106

Figura 19

No próximo exemplo, do perfil de „Denise Oliveira‟, a usuária também assina o


texto publicado no „quem sou eu‟. No entanto, diferentemente dos exemplos
anteriores, tem-se a impressão de que o texto foi, de fato, produzido para ser
publicado no ciberespaço e mais precisamente ainda, no próprio Orkut no espaço do
„quem sou eu‟. Podemos constatar isso pelo fato de o conteúdo do texto servir como
uma resposta à pergunta que delimita o que se deve escrever em tal espaço e ela se
mostra tentada a responder.
107

Figura 20

Os dois exemplos seguintes, de „Tatiana Mattos‟ e de „Vital Júnior‟ possuem


semelhanças com o exemplo anterior, no qual o usuário tenta, através de escritos
próprios, apresentar-se no espaço „quem sou eu‟, com textos que trazem marcas da
literariedade, mas embora sugiram terem sido feitos para ser publicados em tal
espaço, os usuários não viram a necessidade de assiná-los, como fez „Denise
Oliveira‟.

Figura 21
108

Figura 22

No exemplo seguinte, do perfil de „Gabriel Miranda‟, percebemos tratar-se de


um texto biográfico para a sua apresentação pessoal no Orkut, mas é referenciado
como extraído de sua própria biografia para o livro dos formandos de julho de 2009
na Universidade UFV. Assim, embora as marcas do biografismo, tão presentes no
Orkut, sejam notáveis em seu perfil, a marca da Instituição Literária ainda é bastante
forte no sentido de dar credibilidade ao texto, pela necessidade de se afirmar que o
texto foi extraído de um livro.
109

Figura 23
110

Vivemos um momento em que as obras não canonizadas pela tradição


cultural estão em busca de um lugar ao lado das já consagradas e legitimadas,
disputando o mesmo espaço sem nenhum grau de inferioridade. Isso é possível
devido ao fato de que as fronteiras entre literário e não literário se tornam cada vez
mais tênues e o ciberespaço é um ambiente „democrático‟. Todos os usuários têm o
mesmo acesso e „poder‟ de produção e manifestação de seus escritos e é difícil
realizar uma sistematização dessas produções e, da mesma forma, da identificação
e reconhecimento de um cânone. Todos na Internet são potenciais leitores e autores
de manifestações e práticas literárias.
No suporte impresso, o trabalho de reunião de escritos para atribuir a eles a
Instituição Literária era uma tarefa mais simples tendo em vista que o acesso ao
sistema de produção (domínio da linguagem, status de autor, reprodução em grande
escala de livros) não era permitida ou acessível a todos, mas apenas a uma
pequena parte de escritores que detinham respaldo para tanto. No entanto, na
Internet, a realidade é outra e não há a necessidade de ser famoso ou reconhecido,
qualquer pessoa pode escrever, mesmo sem ter o domínio perfeito de uma norma
linguística.
No livro há ainda a questão do registro da produção literária, já que há meios
pelos quais os livros são devidamente registrados, reproduzidos e disseminados,
sob a responsabilidade e direitos direcionados à elementos da Instituição Literária,
como o autor e a editora. No caso dos escritos virtuais, o que foi publicado hoje,
pode ser apagado amanhã sem que haja uma demarcação, sem deixar vestígios ou
qualquer rastro que o perpetue enquanto registro temporal ou patrimônio referente a
uma época.
As escritas virtuais não são sistematizadas e não há um mecanismo de
registro da sua produção e de sua autoria. Desta forma, não há como denominar e
apontar um cânone dentro desta realidade fluida do suporte virtual. Enquanto no
suporte impresso o reconhecimento da literariedade de determinadas manifestações
escritas – e mais além, do próprio cânone – depende de fatores externos ao ato de
escrita, como o nome do autor, a instituição em torno do livro, da tipografia e da
reprodutibilidade dos textos, no ciberespaço, a atribuição do caráter da literariedade
aos escritos dos usuários na Internet partiria muito mais do reconhecimento dessas
111

produções pelos demais usuários da rede, que lêem e apontam essas


manifestações como detentoras de um perfil literário.
Tendo em vista os perfis de usuários analisados e a forma como eles fazem
uso da literatura para se expressar e se comunicar foi elaborado um quadro no qual
as diferenciações perceptíveis até o momento da literatura e de uma possível
Ciberliteratura, ainda em seus princípios, já podem ser elencadas.

5. 3 - Quadro comparativo e explicativo da conceituação da Ciberliteratura em


relação à Literatura.
LITERATURA CIBERLITERATURA
Suporte: Impresso (tecnologia da Suporte: Virtual (tecnologia do suporte
reprodução tipográfica restringe a influenciando na prática, expandindo
esfera de pessoas reconhecidamente as possibilidades e dando acesso a
detentoras do status e prestígio da todos os usuários)
escrita literária)
Instituição: Livros, meios de Instituição: Fragmentada sob o ponto
reprodução, autor, editora. Conduzem de vista da autoria, dando liberdade
à limitação de acesso. de manifestação da escrita dos
usuários conectados em rede.

Unificada, do ponto de vista da


difusão.
Autor: Figura individualizada, Autor: Figura múltipla, gerada a partir
detentora do domínio sobre a da fusão de diversos usuários.
produção. Status reconhecido em Qualquer usuário é um potencial
torno de seu nome. O autor precisa autor.
estar imerso e fazer parte de uma
Instituição, compartilhando dela.
Leitor: Figura passiva, responsável Leitor: Se funde com o papel do autor,
pela compreensão e contemplação da e ambos atuam de maneira
obra, sem interferência direta na obra, complementar e ativa nas produções.
na sua constituição.
Escrita: formulada a partir da Escrita: Oralidade como marca
padronização normativa da língua. determinante na produção.
Estilística: Estilos consagrados: Estilística: Baseada nos escritos de si
poesia, poema, contos, crônica, etc. e biografismo
Registro: É oficializado pelo caráter Registro: Ainda não sistematizado e
documental conferido aos livros pela sem mecanismos de oficialização,
materialidade do suporte impresso. pela fluidez dos „bits‟ e a
imaterialidade da escrita virtual.
112

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Ciberliteratura se coloca frente aos desafios da modernidade, marcada


pelos desenvolvimentos mais recentes no campo da tecnociência, como uma nova
forma de expressão literária baseada nas formulações e realidade impressa pelo
meio virtual. No entanto, a estrutura da Instituição Literária, fundamentada em
séculos de construção se viu ameaçada devido à estética tornada possível a partir
do advento deste novo meio, conduzindo a uma reavaliação dos conceitos artísticos
e mudanças na instituição na forma como ela se apresentava quando ainda estava
baseada apenas na escrita e leitura tradicional, realizada através do suporte material
do livro.
O meio no qual a literatura estava inserida condicionou e instituiu uma forma
de produzi-la, na qual foram estabelecidas regras e condições de funcionamento
determinando sobremaneira os caminhos a serem trilhados pelos autores capazes
de dela fazerem parte. No entanto, o meio virtual rompeu as barreiras desta
instituição e através de suas características – notavelmente a principal delas, a
interatividade –, dissipou a distância elementar que separava os papeis de autor e
leitor.
Na Internet, a participação ativa dos usuários revela-se como fator de
fundamental importância para a manutenção da rede e, a cada dia, permite o
surgimento de outros espaços de comunicação, baseados na oralidade. As redes
sociais, como o Orkut, mas também o Twitter e Facebook, entre outros, elevaram ao
máximo o poder de participação dos leitores como integrantes ativos e protagonistas
de uma nova forma de comunicação e interação.
Na rede social, este protagonismo pode ser observado no poder de decisão
quanto ao que publicar. Daí, a utilização e apropriação de textos famosos e a
criação de produções próprias ocorre devido à necessidade de se preencher lacunas
elaboradas pelo Site e que servem com um outro intuito, que é o de criar uma rede
de amigos virtuais. Esta necessidade de se apresentar no meio virtual, de falar de si,
tornou o Orkut como um espaço onde a literatura pode ser reelaborada, transmutada
do suporte impresso ou ainda criada, como um produto cibercultural.
113

A instantaneidade na forma como isso se processa se configura como uma


das marcas dos textos virtuais, tendo em vista a fluidez como ocorre e se dissipa. As
obras criadas ou publicadas na rede se submetem a uma lógica da transitorialidade,
no qual novos textos são inscritos e substituem os anteriores, sem que haja registros
sobre eles.
Desta forma, a literatura que se instaura na telemática e, no caso analisado
por esta pesquisa, no Orkut, surge podendo ser considerada como Ciberliteratura,
como uma dessarumação de uma lógica secular. O que reforça a existência
Ciberliteratura é, desse modo, não a ausência de uma instituição. Pois a
Ciberliteratura estaria mais ligada justamente ao oposto da instituição, ou seja, à
liberdade de manifestação e escrita fora de paradigmas estéticos e de sistemas de
reprodução industrial e mais aproximada da individualidade e pessoalidade das
formas de manifestações dos usuários interconectados.
Há manifestações da escrita literária que revelam apenas a transmutação de
escritos consagrados no suporte impresso para o suporte virtual. Usuários da rede
social Orkut se apropriam de escritos, muitas vezes reconhecidamente canônicos de
autores renomados, para expressar um estado de espírito ou situações particulares
de sua vivência ou cotidiano. São comuns, nesses casos, escritos reconhecidos,
mas que não são acompanhados pela assinatura do autor. Essa prática reforça a
constatação de tentativa de apropriação das escritas literárias pelos usuários.
Também são encontradas manifestações de escrita literária nativas do
ciberespaço, ou seja, que foram criadas propriamente no espaço virtual do Orkut.
Usuários utilizam o espaço disponibilizado através de seus perfis para exprimir suas
ideias. Os escritos dos usuários são, em sua maioria, marcados pelo perfil
biográfico, ou seja, a escrita das experiências cotidianas, caracterizadas pela escrita
de si. Algumas vezes também é verificável que essas escritas assumem estilos
poéticos, prosaicos ou de crônicas.
Há ainda manifestações de escrita literária que são resultantes da ação
conjunta de usuários da rede. Um mesmo texto poético, por exemplo, pode ser
produzido por usuários diferentes que oferecem suas contribuições e assumem um
papel híbrido, decorrente da fusão entre as duas posições autor/leitor do texto.
Há de se considerar que, segundo Arlindo Machado (2001, p. 46) produzir
arte com os recursos tecnológicos que sejam de fato fundantes de um novo estilo,
de uma nova concepção para a literatura, significaria utilizar do meio de forma a
114

recriar a maneira de se apropriar da literatura, produzindo algo que seja imprevisível


e paradoxal ao que já existe. A literatura verificada no Orkut não se configura ainda
desta forma, mas de fato, podemos considerar as suas produções como um novo
gênero para a literatura. Um gênero superior, que remodela a Instituição Literária
não apenas na escrita, mas em sua forma de publicação, edição e leitura.
Todorov (2009) reconhece a literatura como meio de dar forma aos
sentimentos experimentados, de ordenar os pequenos fluxos que constituem a vida.
Neste sentido sim, podemos verificar uma existência singular da literatura no
ciberespaço, que a configure como os escritos de si ou escritos íntimos. Se existe
uma literatura cibervirtual, é aquela que mais se aproxima da literatura epistolar e
dos escritos de si, remodelados para absorver uma nova forma de escrita, baseada
na oralidade.

A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando


estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos
dos outros seres humanos que nos cercam, nos faz compreender
melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de
tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação
do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a
cada um de nós a partir de dentro. (...) O leitor comum, que continua
a procurar nas obras que lê aquilo que pode dar sentido à sua vida,
tem razão contra professores, críticos e escritores que lhe dizem que
a literatura só fala de si mesma ou que apenas pode ensinar o
desespero. Se esse leitor não tivesse razão, a leitura estaria
condenada a desaparecer num curto prazo. (TODOROV, 2009, p. 76
1 77)

É evidente, nos escritos encontrados no Orkut, sobretudo nos depoimentos e


nas páginas de recado, as marcas da oralidade, como forma de dar sentido ao
discurso e ao ato de comunicar. Livre do rebuscamento e complicação sintática, o
retorno à oralidade primária é, paradoxalmente, o meio de se estabelecer uma
Ciberliteratura. Os textos escritos diretamente no Orkut, estão sempre querendo
provocar sentimentos no leitor, como forma de „estender a mão‟ como sugere
Todorov (2009), aproximando o escritor do leitor e isso, se dá tendo como marcas
não um estilo rebuscado, mas sim um caráter oral, impregnado da voz, do tom, do
timbre.
A experiência humana é banhada de novas significações e realidades postas
à disposição para quem procura compreender o que é literatura e a transformação
115

de leitor em escritor e vice-versa contribui para o esforço de dar sentido à vida. O


jogo está apenas começando e os portões estão todos abertos para quem quiser
jogar. As consequências, imediatas, sugerem uma reformulação da Instituição
Literária, mas o campo, ainda em aberto engatinha neste novo processo, que pode,
algum dia, remodelar uma instituição que está arraigada e ameaçada, mas que pode
encontrar justo nesta ameaça, um novo fôlego para não desaparecer.
116

Referências

ARAÚJO, Júlio César Rosa de. A conversa na web: o estudo da transmutação


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