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Tratamento médico da
tromboflebite superficial do
membro inferior: heparina ou
anti-inflamatórios?
Philippe Botas,* José Pimenta,** Pedro Gonçalo Santos,*** Luiz Miguel Santiago,****
Objectivos: Clarificar qual a melhor terapêutica da tromboflebite superficial (TS) do membro inferior, com principal enfoque
na comparação entre anti-inflamatórios (AINE) e heparina de baixo peso molecular (HBPM).
Fontes de dados: Base de dados Pubmed, sites de medicina baseada na evidência, Direcção-Geral de Saúde, Associação Portu-
guesa de Medicina Geral e Familiar, MGFamiliar.net e Índex de Revistas Médicas Portuguesas.
Métodos de revisão: Pesquisa de normas de orientação clínica (NOC), sistemas computorizados de apoio à decisão (SCAD),
revisões sistemáticas (RS) e artigos originais, publicados entre Janeiro/2008 e Maio/2011, utilizando os termos MeSH: venous
thrombosis; heparin, low-molecular-weight; anti-inflammatory agents. Para avaliar o nível de evidência, foi utilizada a escala
Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.
Resultados: Foram obtidos 215 artigos, seleccionando-se uma NOC, um SCAD, uma RS e um ensaio clínico aelatorizado (ECA).
As evidências sugerem que existe melhoria dos sintomas dos doentes com TS tratados com HBPM ou AINE em comparação com
placebo, reduzindo a incidência de recorrências e complicações, sem diferenças no perfil de segurança a curto prazo (nível de evi-
dência 2). Também destacam a anticoagulação como terapêutica de primeira linha (nível de evidência 2). A utilização simultânea
de HBPM e AINE revelou maior eficácia no alívio sintomático do que a HBPM isolada num ECA (nível de evidência 2).
Conclusões: A HBPM e os AINE são duas opções terapêuticas com evidências que suportam a sua utilização como primeira li-
nha de tratamento (SOR B). A anticoagulação durante pelo menos 4 semanas está indicada sobretudo quando se identificam
critérios de gravidade: proximidade anatómica do trombo com o sistema venoso profundo e factores de risco médicos para
trombose venosa profunda (SOR B). São necessários mais ECA, sobretudo no que se relaciona com a opção por AINE ou HBPM
ou a sua utilização simultânea, doses e duração de tratamento.
tudo em que foram incluídos 844 doentes com TS sin- thrombosis; heparin, low-molecular-weight e anti-in-
tomática dos MI com pelo menos 5 cm de extensão ava- flammatory agents; e os descritores portugueses: «trom-
liada ecograficamente, 210 (24,9%) também tinham bose venosa» e «tromboflebite». Limitou-se a pesquisa
TVP ou TEP sintomática. Nos restantes casos, 58 (10,2%) a normas de orientação clínica (NOC), sistemas com-
desenvolveram complicações tromboembólicas (3 com putorizados de apoio à decisão (SCAD), revisões siste-
TEP, 15 com TVP, 18 com progressão de TS e 10 com re- máticas (RS) e ensaios clínicos aelatorizados (ECA), pu-
corrência de TS).3 blicados entre 01/01/2008 a 20/05/2011.
O risco de TVP é mais elevado quando a TS afecta o Os critérios utilizados para a inclusão dos artigos
território proximal da veia safena interna, diagnosti- nesta revisão foram os seguintes:
cando-se por ecografia em 6 a 53 % dos casos.4 A evi- • População: indivíduos observados em ambulatório
dência científica estabelece uma associação entre TS e com o diagnóstico de TS no MI.
tromboembolismo venoso, destacando-se factores de • Intervenção: Terapêutica com HBPM e/ou AINE.
risco semelhantes: veias varicosas, imobilização pro- • Outcomes: Alívio sintomático e prevenção de com-
longada, pós-operatório, traumatismo, gravidez e puer- plicações.
pério, neoplasias malignas, trombofilias, doenças auto- Como critérios de exclusão foram definidos os se-
imunes, história prévia de tromboembolismo venoso, guintes: artigos repetidos; TVP isolada; TS em contex-
contraceptivos orais, terapêutica de substituição hor- to de internamento; TS em zonas que não o MI; TS em
monal e obesidade.5 A incidência de TVP é menor nas idade pediátrica; TS na grávida; TS complicada ou as-
TS associadas a varizes comparativamente às associa- sociada a condições patológicas que aumentam o ris-
das a outras patologias (3-20% versus 44-60%, respec- co, nomeadamente neoplasias, coagulopatias e perío-
tivamente).6 Os factores de risco para extensão da TS ao do pós-cirúrgico; profilaxia de TS.
sistema venoso profundo são a proximidade anatómi- Os autores adoptaram a escala SORT para classifica-
ca do trombo com este sistema e factores de risco mé- ção do nível de evidência/força de recomendação.8
dicos para TVP.4
O quadro clínico da TS é facilmente suspeitável: dor RESULTADOS
localizada e, ao exame objectivo, apresentação de rubor, Na pesquisa efectuada foram encontrados 215 arti-
calor, um cordão venoso doloroso palpável, por vezes gos, dos quais 4 cumpriram os critérios de inclusão:
edema e eritema circundantes.7 O tratamento desta pa- uma NOC, um SCAD, uma RS e um ECA.
tologia tem como objectivos principais o alívio da sin- A NOC publicada pelo American College of Chest Phy-
tomatologia dolorosa local, a prevenção do desenvolvi- sicians9 em 2008 destaca, com uma força de recomen-
mento de TVP e TEP e a diminuição das recorrências.5 dação B (após conversão para a SORT), que o trata-
A controvérsia na escolha do tratamento da TS levou mento da TS deve ser realizado com doses profilácticas
à elaboração desta revisão, com o objectivo de deter- ou intermédias de HBPM ou doses intermédias de he-
minar qual a melhor opção terapêutica: anti-inflama- parina não fraccionada (HNF) por um período mínimo
tórios não esteróides (AINE) ou heparina de baixo peso de 4 semanas.* Como alternativa, com uma menor for-
molecular (HBPM). ça de recomendação (SOR C), é sugerida a terapêutica
durante 4 semanas com antagonistas da vitamina K
MÉTODOS (AVK) (INR alvo 2-3), associando HBPM ou HNF nos pri-
Procedeu-se à pesquisa nas bases de dados National meiros 5 dias. É desaconselhada a associação de AINE
Guideline Clearinghouse, Guidelines Finder, Canadian à terapêutica anticoagulante, com força de recomen-
Medical Association Practice Guidelines InfoBase, The dação B. Sem atribuição de um grau de recomendação,
Cochrane Library, Clinical Evidence, DARE, UpToDate e a NOC sugere que, em caso de TS menos grave (quan-
Pubmed, e ainda nos sites da Direcção-Geral de Saúde, do o segmento venoso afectado é curto em extensão ou
Associação Portuguesa de Médicos de Medicina Geral
e Familiar, MGFamiliar.net e no Índex de Revistas Mé- * Dose intermédia = 2 x dose profilática. Por exemplo, dalteparina 5000
dicas Portuguesas, utilizando os termos MeSH: venous UI, SC, cada 12 horas ou enoxaparina 40 mg (4000 UI), SC, cada 12 horas.
Recebido em 12/08/2011
Aceite para publicação em 18/06/2012
ABSTRACT