Governanca Colaborativa

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GERANDO VALOR

PÚBLICO POR MEIO


DA GOVERNANÇA
COLABORATIVA:
UMA ANÁLISE
COMPARATIVA DE
SETE CASOS
GERANDO VALOR
PÚBLICO POR MEIO
DA GOVERNANÇA
COLABORATIVA:
UMA ANÁLISE
COMPARATIVA DE
SETE CASOS
AUTORES

CRÉDITOS
Humberto Falcão Martins
Ettore de Carvalho Oriol

UMA PRODUÇÃO DA FUNDAÇÃO DOM CABRAL

COORDENAÇÃO DO IMAGINE BRASIL


Aldemir Drummond
Paulo de Tarso Almeida Paiva
Viviane Barreto de Azevedo Lamego

PRODUÇÃO DO LIVRO
Fernanda Costa Rates
Maria Eduarda Ribeiro Castro

PROJETO GRÁFICO E REVISÃO


Criação&Design
Anderson Luizes – Designer Gráfico
Euler Rios – Coordenador
Rubens Cupertino – Revisor
FUNDAÇÃO DOM CABRAL

As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus


autores. Não refletem necessariamente a opinião da publicação. É
permitida a reprodução das matérias publicadas, desde que citada
a fonte.

A FUNDAÇÃO DOM CABRAL é um centro de desenvolvimento de


executivos, empresários e empresas. Há mais de 40 anos pratica o
diálogo e a escuta comprometida com as empresas, construindo
com elas soluções educacionais integradas, resultado da conexão
entre teoria e prática. A vocação para a parceria orientou sua
articulação internacional, firmando acordos com grandes escolas
de negócios. A FDC está classificada entre as dez melhores escolas
de negócios do mundo, no ranking do jornal Financial Times, e é a
primeira na América Latina.

FALE COM A IMAGINE BRASIL


IMAGINEBRASIL@FDC.ORG.BR
0800 941 9200
SUMÁRIO

Prefácio 4
Governança Colaborativa:
Conceitos e Modelo Analítico 6

Panorama dos Casos Analisados 22


Colaboração Intergovernamental e com
a Iniciativa Privada para a Solução das
Consequências do Acidente de Rompimento da
Barragem de Rejeitos de Mariana – Minas Gerais 41
Projeto de PPP para Construção e Gestão
de um Hospital Estadual em Florianópolis –
Santa Catarina 62
Política Social de Segurança Pública
em Minas Gerais 78
Parceria Público-Privado para o Atendimento
ao Cidadão no Estado de Minas Gerais 95
Colaboração da Sociedade Civil para a
Gestão de Pessoas no Rio Grande no Sul 113
Colaboração Intragovernamental Contra
o Assédio nas Escolas Públicas do Estado
do Paraná 127
EBOOK Metas de Desenvolvimento Sustentável
INTERATIVO do Governo Federal 144
CONHEÇA OS ÍCONES DE
NAVEGAÇÃO PRESENTES
NESSE EBOOK E SUAS Análise Comparativa dos Casos e Indicações 159
FUNCIONALIDADES:

IR PARA UMA
SEÇÃO OU ARTIGO Referências 177
AVANÇAR UMA
SEÇÃO OU ARTIGO

RETROCEDOR UMA
SEÇÃO OU ARTIGO

RETORNAR
AO SUMÁRIO
A Fundação Dom Cabral (FDC) acredita que a educação e
o conhecimento são caminhos para ampliação da cons-
ciência e transformação de organizações, indivíduos e
sociedade. Esta crença está na base da iniciativa Ima-
gine Brasil, lançada em 2021, com o objetivo de mobili-
zar lideranças e unir forças, ideias e pessoas para sonhar
e influenciar na construção de um país mais próspero,
com desenvolvimento social, ambiental e econômico.

A iniciativa foi gestada e estimulada a partir das pro-


vocações e reflexões do Conselho Curador da FDC e
parte do entendimento de que o Brasil apresenta níveis
de desenvolvimento bem abaixo do seu potencial e de
que a FDC, diante do compromisso com a sociedade
brasileira, poderia articular pensamentos e saberes di-
versos que apontem caminhos e alternativas para de-
safios persistentes no contexto nacional.

Inspirada pelo modelo de mudança organizacional de-


P R E FÁ C I O

senvolvido por James March e Herbert Simon (modelo


Performance – Feedback), a equipe do Imagine Brasil
tem promovido discussões com lideranças de diversos
segmentos da sociedade brasileira sobre aspirações
para o Brasil e desenvolvido estudos, debates e pro-
postas para a melhoria do desempenho do país. É um
trabalho coletivo, que integra lideranças de diferentes
campos do tecido social e também especialistas e estu-
diosos de diversas origens e campos de conhecimento.

Este ebook apresenta parte desse trabalho com con-


tribuições sobre o tema da governança colaborativa. A

4
relevância desse tema se dá a partir da constatação de que a atuação das organi-
zações do terceiro setor e das organizações privadas, em parceria com as organiza-
ções públicas, tem um potencial para trazer maior efetividade e velocidade na im-
plementação de políticas públicas. Temos inúmeros exemplos disso no Brasil, como
alguns dos arranjos no SUS. O mundo contemporâneo tem sido caracterizado por
problemas complexos, como a crescente desigualdade e as mudanças climáticas,
cuja mitigação não é efetivamente realizada por soluções simples. Os arranjos cola-
borativos são uma das maneiras encontradas pelas sociedades para atuarem nessa
mitigação. Entretanto, sua construção, gestão, governança e alcance de resultados
também não se caracterizam pela simplicidade, principalmente por envolverem or-
ganizações de características muito diversas. Merecem ser estudados e aprimora-
dos, sempre com o objetivo de aumentar a criação de valor público.

É este o trabalho dos professores Humberto Martins e Ettore Oriol neste ebook. A
partir da consolidação de um robusto modelo analítico, eles analisam sete casos de
parcerias no Brasil, não apenas experiências de sucesso, com implicações em seis
temas comuns à essas experiências: governança, estratégia, gestão do conhecimen-
to, liderança, participação da sociedade civil e ideologia.

A elaboração e os resultados do trabalho têm consequências tanto para o aumento


do conhecimento neste campo de estudo como para as práticas de construção, ges-
tão e governança de arranjos colaborativos.

A iniciativa Imagine Brasil considera que precisamos de conhecimentos solidamente


construídos para propormos, em conjunto com lideranças da nossa sociedade, solu-
ções efetivas para nossos problemas. Buscamos também mobilizar essas lideranças
para assumirem o compromisso de influenciarem na implementação dessas ações
construídas coletivamente. Esse é o desejo da FDC: como agente educadora, nos
colocamos à serviço da coletividade para mobilizar atores sociais, articular ideias e
elaborar propostas que apontem melhores caminhos para o desenvolvimento social,
econômico e ambiental do Brasil.

Aldemir Drummond
Professor e Coordenador da Iniciativa Imagine Brasil

5
Governança Colaborativa:
Conceitos
e Modelo
Analítico

Governança Pública1
Para além da polissemia típica dos conceitos multi-
dimensionais, “governança” alcançou a condição de
um “conceito mágico”, na expressão de Pollitt e Hupe
(2009): termo sedutor que evoca uma alta capacidade
de resolver problemas, se dissemina rápido e resulta
em usos múltiplos e indiscriminados. A elasticidade
conceitual de “governança” tornou-se um problema,
com uma grande proliferação de vários tipos de gover-
nança gerando uma imensa confusão semântica e con-
ceitual. No mais das vezes, governança aparece como
sinônimo contemporâneo de gestão (substantivo) ou
de governar (verbo) aplicados a muitos possíveis obje-
tos (empresas, governos, organizações, políticas) com
(ou sem) critérios ou condições (que frequentemente
caracterizam uma alegada “boa governança”).

1
Contém excertos de Martins (2021) e Martins & Marini (2014).

6
Uma tentativa de depuração do campo semântico e conceitual para se chegar à go-
vernança colaborativa requer a identificação de eixos de significação no vasto ema-
ranhado da “governança”.

Um primeiro eixo de significação provém da governança corporativa. Este conceito


nasceu na empresa privada a partir da separação entre propriedade e gestão, o que
submete as empresas à problemas de agência (assimetria informacional, risco mo-
ral) entre acionistas-principais e executivos-agentes – pelo menos esta é a perspec-
tiva que domina o campo conceitual a partir da teoria da agencia (Jensen & Meckling,
1976) e da teoria dos direitos de propriedade (Alchian & Demsetz, 1973), sem prejuízo
de visões mais amplas, tal como na perspectiva da teoria dos stakeholders (Freeman,
1984), segundo a qual, além do acionista-principal, há várias outras partes interes-
sadas que embora não possuem direito de propriedade, detém poder, legitimidade
e urgências e transacionam com os executivos-agentes. A pergunta fundacional da
governança corporativa é: como fazer com que executivos possam gerir a empre-
sa no interesse no acionista (em se adicionando a perspectiva da teoria dos sta-
keholders, sem negligenciar interesses de outras partes interessadas vitais)? (Bearle
& Means, 1967) A resposta genérica é criando mecanismos e instâncias de decisão
e responsabilidade (conselhos de administração, por exemplo) de direcionamento
(planos, metas), controle (de resultados, de conformidade/compliance, contábil) e
incentivos (bônus e outras formas de recompensa). Embora a empresa privada tenha
sido o nascedouro do conceito, arranjos de governança corporativa também se apli-
cam, por analogia, com adequações de contexto, a organizações governamentais e
do 3º setor. Em síntese, governança corporativa trata do direcionamento e regulação
da autonomia do agente.

Um segundo eixo de significação coloca a governança no sentido político-institu-


cional, de qualidades e capacidades institucionais para o “bom governo” ou para a
governabilidade (no sentido genérico de condições para o exercício do poder, sem
relação com outros sentidos associados à excesso de demandas e escassez fiscal ou
práticas de barganha fisiológica para garantia de coalizões de governo). Esta pers-
pectiva se baseia em qualificativos de “bom governo”, que representam critérios e

7
condições institucionais frequentemente associadas às democracias avançadas, tais
como, tomando-se como exemplo o Global Governance Index do banco Mundial
(Kaufmann, Kraay & Mastruzzi, 2010): voz e accountability da sociedade civil, estabi-
lidade política e ausência de violência, efetividade governamental, qualidade regu-
latória, estado de direito, controle da corrupção. Aplica-se a governos em múltiplos
níveis e combina elementos conceituais de campos de conhecimento tais como
ci6encia política, relações internacionais, economia (não por acaso, organismos in-
ternacionais tais como ONU, FMI e Banco Mundial figuram entre os principais propo-
sitores do conceito).

Um terceiro eixo de significação refere-se à “governança pública” como um para-


digma do campo de conhecimento da administração pública que sucede de forma
cumulativa e sobreposta os proclamados paradigmas anteriores da Administração
Pública (propriamente dito, ou administração burocrática, por vezes denominada ad-
ministração progressivista) e da Nova Gestão Pública dos anos 1980 e 1990 (Chris-
tensen & Laegreid, 2011; Laegreid & Verhoest, 2010; Pollitt, 2003). Este novo paradig-
ma se diferencia dos anteriores no seguinte: a) elabora um conceito mais amplo de
desempenho, ao considerar valor público como a finalidade última de uma cadeia
de valor, em vez de focar na execução conforme ou na eficiência e eficácia ; b) po-
siciona a questão das qualidades e capacidades institucionais numa perspectiva de
inovação e adequação estrutural, em vez de focar no “fortalecimento institucional”
baseado na adoção de formas burocráticas ou na provisão de recursos (orçamen-
to e quadros) (Hollingsworth, Schmitter & Streeck, 1994; Grindle, 1997; Fukuyama,
2013); e, sobretudo, c) apoia-se numa ótica essencialmente colaborativa, a partir da
qual o trato de problemas públicos se arranja em redes multi e pluri-institucionais de
governança em linha com o conceito de Estado-rede e Sociedade em rede (Osbor-
ne & Brown, 2011; Ansell & Gash, 2008; Emerson, Nabatchi & Balogh., 2012; Pollitt &
Bouckaert, 2011; Agranoff, 2007; Koliba, Meek & Zia, 2011; Agranoff & Mcguire, 2003;
Bouckaert, Peters & Verhoest, 2010; Goldsmith & Eggers, 2004). Aparentemente,
Kooiman (1993) utilizou o termo “governança pública” para se referir à novas formas
de interação entre governos e sociedade revelando a exacerbação da faceta cola-
borativa, demarcando este último paradigma no campo da administração pública.

8
O conceito de governança colaborativa que será desenvolvido neste texto posicio-
na-se essencialmente na perspectiva da Nova Governança Pública, embora seja ra-
zoável afirmar que se alinha com o componente de direcionamento da governança
corporativa e com o componente de “bom governo” da governança político-institu-
cional.

Governança colaborativa2
Distintos escopos estão contidos em definições mais consolidadas de governança
colaborativa, tais como:

• “Definimos governança colaborativa amplamente como os processos e estrutu-


ras de tomada de decisão e gestão de políticas públicas que envolvem as pes-
soas de forma deliberada e construtiva além das fronteiras de agências públicas,
níveis de governo e/ou esferas pública, privada e cívica, a fim de realizar um
propósito público que de outra forma não poderia ser realizado.” (Emerson et al.,
2012, p. 2).

• “A gestão pública colaborativa é um conceito que descreve o processo de faci-


litar e operar em arranjos multiorganizacionais para resolver problemas que não
podem ser resolvidos ou facilmente resolvidos por organizações únicas. Colabo-
rativo significa trabalhar em conjunto para atingir objetivos comuns, muitas vezes
trabalhando além das fronteiras e em relacionamentos multissetoriais e multia-
tores. A colaboração é baseada no valor da reciprocidade e pode incluir o setor
público”. (Agranoff & MacGuire, 2003).

• “Um arranjo de governo onde uma ou mais agências públicas envolvem direta-
mente partes não estatais em um processo de tomada de decisão coletiva que

2
Contém excertos de Martins, Wegner, Souza, Oriol e Drummond (2022).

9
é formal, consensual e deliberativo e que visa formular ou implementar políticas
públicas ou gerenciar programas ou ativos públicos.” (Ansell & Gash, 2008, p. 544).

“(...) governança colaborativa poderia genericamente ser


definida como um conjunto de processos e estruturas;
formais ou informais; entre parceiros institucionais
ou indivíduos; orientados estrategicamente de forma
convergente e interdependente para a geração de valor
público ou privado.

Governança pública colaborativa busca gerar valor público


de forma conectada: é a governança em rede entre
instituições e entre estas e a sociedade.”

Destas definições, depreendem-se alguns elementos-chave. Em primeiro lugar, res-


ta inequívoco que governança colaborativa é um processo estruturado (que evoca a
presença/atuação de entes, unidades, mandatos, jurisdições, papéis) – com termos
tais como “processos e estruturas” (Emerson et al., 2012; Agranoff & MacGuire, 2003);
e “arranjo de governo” (Ansell & Gash, 2008). Segundo que podem envolver deli-
beração e execução, a partir de termos tais como “tomada de decisão e gestão de
políticas públicas” (Emerson et al., 2012); “facilitar e operar para resolver problemas”
(Agranoff & MacGuire, 2003); e “formular ou implementar políticas públicas ou geren-
ciar programas ou ativos públicos” (Ansell & Gash, 2008). Terceiro, envolve proces-
sos e estruturas formais (Ansell & Gash, 2008; Bryson, Crosby, & Stone, 2006; 2015;
2020; Bryson, Barberg, Crosby, & Patton, 2021; Bryson & George, 2020) ou informais
(Emerson et al., 2012; MacQuaid, 2009). Quarto, além das fronteiras organizacionais
ou podendo envolver o público/sociedade em perspectiva mais ampla – tal como a
expressão “baseada no valor da reciprocidade e pode incluir o setor público” (Agra-
noff & MacGuire, 2003; Bryson et al., 2020; Bryson et al., 2021; Koelebe, 2019; Lang &
Brüesch, 2019; Saglie & Sivesind, 2018). O quinto elemento é convergência e “con-
sensual” (Ansell & Gash, 2008), que “envolvem as pessoas de forma deliberada e
construtiva” (Emerson et al., 2012). Sexto, motivado pela interdependência, “a fim de
realizar um propósito público que de outra forma não poderia ser realizado” (Emer-

10
son et al., 2012); ou “problemas que não podem ser resolvidos ou facilmente resolvi-
dos por organizações únicas” (Agranoff & MacGuire, 2003).

Assim, governança colaborativa poderia genericamente ser definida como um con-


junto de processos e estruturas; formais ou informais; entre parceiros institucionais
ou indivíduos; orientados estrategicamente de forma convergente e interdependen-
te para a geração de valor público ou privado.

Governança pública colaborativa busca gerar valor público de forma conectada: é


a governança em rede entre instituições e entre estas e a sociedade. Governança
colaborativa é um processo; como todo processo pode e deve ser otimizado para
gerar mais valor público com menos energia. Para isto, é necessário entendê-lo
como uma rede.

Redes são uma nova forma de organização, uma alternativa mais funcional às formas
típicas de mercado (baseado em transações episódicas) e hierárquicas (baseado em
interações pré-definidas e reguladas) (Agranof, 2007). A própria ideia de Estado rede
significa dizer que agentes públicos e privados (empresas e organizações não-gover-
namentais de distintos tipos, setores e escalas) formam redes de governança para
coproduzir e cocriar (fazer com várias partes, inclusive e principalmente com o be-
neficiário) serviços, políticas e bens públicos nos mais distintos domínios temáticos.

Na definição original de Castells (2008), o Estado-rede implica no “compartilhamento


da autoridade (a capacidade institucional de impor uma decisão) no âmbito de uma
rede de instituições. Uma rede, por definição, não possui centro, senão nós, de dife-
rentes dimensões e com relações inter-nodais que são frequentemente assimétricas.
Mas, em termos finais, todos os nós são necessários para a existência da rede. Assim,
o estado-nação se articula cotidianamente na tomada de decisões com instituições
supranacionais de distintos tipos e em distintos âmbitos […]. Mas, também funcionam
nessa mesma rede instituições regionais e locais [e....], cada vez mais, organizações
não governamentais (ou neo-governamentais, porque fundamentalmente trabalham
com e a partir dos governos) se conectam com esta rede interinstitucional, feita tanto

11
de negociação como de decisão, de compromisso quanto de autoridade, de infor-
mação quanto de estratégia. Este tipo de estado parece ser o mais adequado para
processar a complexidade crescente de relações entre o global, o nacional e o local,
a economia, a sociedade e a política, na era da informação.” (p. 143)

“As redes de governança aparecem como conjuntos de


relacionamentos, a partir de capacidades de organizações,
grupos e indivíduos em coordenar suas atividades de alguma
forma a alcançar objetivos relacionados a propósitos públicos
onde padrões mistos de hierarquias, mercados e entes
colaborativos operam juntos em múltiplos setores e escalas
geográficas mediante múltiplos elos verticais, horizontais e
diagonais. (Koliba, Meek & Zia, 2011).”

Redes de governança são aqui definidas como conjuntos de nós (organizações,


grupos, indivíduos), links (comando e controle, concessão e inclusão, cooperação e
colaboração, competição etc.) e funções (coordenação, mobilização, compartilha-
mento e difusão de informação, desenvolvimento de capacidades, aprendizado e
transferência de tecnologia, enunciado de problemas, desenho e planejamento de
soluções, prestação serviços, regulação, avaliação, alinhamento político, etc.).

As redes de governança aparecem como conjuntos de relacionamentos, a partir de


capacidades de organizações, grupos e indivíduos em coordenar suas atividades de
alguma forma a alcançar objetivos relacionados a propósitos públicos onde padrões
mistos de hierarquias, mercados e entes colaborativos operam juntos em múltiplos
setores e escalas geográficas mediante múltiplos elos verticais, horizontais e diago-
nais. (Koliba, Meek & Zia, 2011). Formam, na expressão de Agranoff (2007), colaborar-
quias autogeridas, onde a colaboração advém da confiança e da interdependência
(Agranoff & McGuire, 2003) e vai além da cooperação (que pode ser esporádica) por-
que baseia-se em reciprocidade, integração, formalização, alinhamento finalístico e
de longo prazo. Colaborarquias autogeridas “não são arranjos caóticos ou desprovi-
dos de processos estruturados... a gestão colaborárquica é ao mesmo tempo similar

12
e diferente da gestão de hierárquica” (Agranoff, 2007, p.123-4), combinando elemen-
tos hierárquicos e outros tipicamente colaborativos, conforme ilustrados no Quadro
1, a seguir. O grande desafio da gestão colaborárquica é combinar atributos hierár-
quicos e colaborativos, posto que nenhum dos dois caráteres, por si só, representa
nem o melhor nem o pior de um modelo de gestão em rede.

Quadro 1: Características de hierarquias e redes.


HIERARQUIAS REDES

Padronização Heterogeneidade morfológica (variedade de


requisito)

Verticalização fragmentada Integração horizontal e transversalidade

Comando, controle, coordenação, subordi- Cooperação, participação colaborativa, ani-


nação, manipulação mação, mobilização, articulação, solidariedade
e negociação

Estabilidade, rigidez e inércia Instabilidade, flexibilidade e dinamismo

Especialização Multifuncionalidade e redundância

Regulamentação e impessoalidade Regras básicas + informalidade humanizada

Dependência e centralização Autonomia, descentralização e interdependên-


cia

Hierarquia Democracia

Autoridade do cargo Liderança

Reducionismo Visão sistêmica

Comunicação de cima para baixo e reservas de Comunicação multidirecional e compartilha-


informações mento de informações

Opacidade Transparência, escuta

Responsabilidade individual Corresponsabilidade

Redução de custos de produção Redução de custos de transação

Aprendizado de circuito simples e aplicação do Aprendizado de circuito duplo, apropriação e


conhecimento (Imposição de estilos, culturas e desenvolvimento de capacidades (geração de
técnicas) conhecimento baseado no intercâmbio de esti-
los, culturas e técnicas)

Fonte: Martins, H. (2006).

13
Tais arranjos colaborárquicos geram significativos impactos tanto do ponto de vista
gerencial quanto do ponto de vista político-democrático.

Do ponto de vista gerencial, redes são formas alternativas de organização, mais fle-
xíveis e com maior capacidade de resposta em ambientes instáveis para tratar pro-
blemas públicos complexos. Engendram novos padrões de organização baseados
na recriação de regras, procedimentos, equipes em bases mais colaborativas e que
envolvem mudanças organizacionais dos participantes da rede, principalmente em
relação a padrões mais informais de interação e comunicação para fora da organiza-
ção. A interdependência e interação também geram maior consciência estratégica.

“(...) redes são formas alternativas de organização, mais


flexíveis e com maior capacidade de resposta em ambientes
instáveis para tratar problemas públicos complexos.”

Nesse contexto, parcerias figuram como formas concretas de implementação de


arranjos em rede, sejam com entes de cooperação (envolvendo uma vasta tipologia
de organizações não governamentais e formas de atuação conjunta) ou com a ini-
ciativa privada (objeto de modelos estruturados de PPP, parcerias público-privadas
propriamente ditas). A OCDE (1990: 18) define parceria como “sistemas formalizados
de cooperação, baseados em arranjos legais de relacionamento ou entendimentos
informais, de relacionamentos de trabalho cooperativo e de adoção mútua de pla-
nos entre instituições; envolvendo entendimentos programáticos, compartilhamento
de responsabilidades, recursos, riscos e benefícios em determinados períodos de
tempo”. Parcerias são, nesse sentido, uma forma de “governança por terceiros” (Salo-
mon), envolvendo agentes mais ou menos distantes e dependentes do poder públi-
co, tanto empreendedores econômicos interessados na apropriação de valor, quanto
empreendedores sociais como foco na criação de valor (Santos, 2009).

Do ponto de vista político-democrático, redes de governança provêm uma “ancora-


gem democrática” baseada na participação, interlocução e uma expansão da accou-
ntability. O termo accountability está sendo utilizado no duplo sentido de controle e

14
aprimoramento, tanto exigindo o alcance de metas e conformidade a regras defini-
das ex ante quanto a detecção de problemas ex post e sua correção (Peters, 2010).
O dilema é que, por um lado, a governança em rede (policêntrica, em contraste com
a accountability hierárquica tipo agente-principal) gera uma responsabilização difu-
sa. Por outro lado, promove múltiplos regimes de accountability a partir dos eixos
democrático (eleitos, cidadãos, lei, tribunais); de mercado (acionista, consumidor); e
administrativo (superiores hierárquicos, profissionais especialistas, parceiros). Estes
eixos se combinam e sobrepõem em distintas “narrativas de accountability” (Koliba,
Meek & Zia, 2011), promovendo, na expressão de Aguilar (2006), uma “responsabili-
dade pública de modo integral”. Daí a importância da gestão para resultados, de ins-
trumentos quase-legais (soft law), confiança e valores, vigilância anti moral hazzard,
constituindo-se uma espécie de metagovernança, ou a “governança da governança”.
(Peters, 2010; Goldsmith & Eggers, 2004)

“(...) parcerias figuram como formas concretas de


implementação de arranjos em rede, sejam com entes de
cooperação (envolvendo uma vasta tipologia de organizações
não governamentais e formas de atuação conjunta) ou com a
iniciativa privada.”

Coprodução é, portanto, um elemento que também confere legitimidade à gover-


nança pública, tornando-a mais transparente e democrática, sem prejuízo da atua-
ção integrada das instituições políticas, diminuindo-se os riscos de insulamento e
captura. Coprodução também promove eficiência na medida em que permite a com-
posição de arranjos organizacionais mistos que minimizam desvantagens e maximi-
zam vantagens das esferas envolvidas.

O modelo analítico utilizado


Em seu trabalho “An Integrative Framework for Collaborative Governance”, Emerson,
Nabatchi e Balogh (2011) desenvolveram uma ampla sistematização da “governança
colaborativa” sob a forma de um modelo analítico que:

15
“Sintetiza e estende um conjunto de estruturas conceituais,
resultados de pesquisas e conhecimento baseado na prática em
uma estrutura integradora para governança colaborativa. A estrutura
especifica um conjunto de dimensões aninhadas que abrangem um
contexto de sistema maior, um regime de governança colaborativa
e suas dinâmicas e ações colaborativas internas que podem gerar
impactos e adaptações nos sistemas. A estrutura fornece um amplo
mapa conceitual para situar e explorar componentes de sistemas
de governança transfronteiriços que vão desde a cooperação
intergovernamental baseada em políticas ou programas até a
colaboração regional baseada no local com partes interessadas não
governamentais e parcerias público-privadas. A estrutura integra
o conhecimento sobre incentivos e barreiras individuais à ação de
cobrança, aprendizagem social colaborativa e processos de resolução
de conflitos e arranjos institucionais para colaboração transfronteiriça.
Ele é apresentado como uma estrutura geral que pode ser aplicada
a análises em diferentes escalas, em diferentes arenas políticas e em
vários níveis de complexidade”. (Emerson et al., 2011:01)

A arquitetura geral do modelo assemelha-se muito a um modelo linear sistêmico


genérico de i) entradas (no caso específico, os elementos/diretrizes iniciais colo-
cadas pelo contexto como liderança, incentivos consequentes, interdependência e
incerteza); ii) processamento (denominada “dinâmica de colaboração”, que por sua
vez se baseia na ação conjunta de três componentes – sujeitos a autofeedback – a)
engajamento com princípios; b) motivação compartilhada; e c) capacidade de ação
conjunta); iii) outputs (no caso de ações desenvolvidas de forma colaborativa); iv)
resultados (tanto no contexto quanto na dinâmica colaborativa); v) feedback (ações
para dinâmicas colaborativas e adaptação ao contexto), formando um regime de go-
vernança colaborativa que opera em um determinado contexto (a partir de fatores
políticos, jurídicos, socioeconômicos, ambientais e outros que afetam e são afetados
pela governança colaborativa). ‘Regime’, de acordo com os autores, engloba “um
modo particular de, ou sistema para, tomada de decisão pública em que a colabo-
ração transfronteiriça representa o padrão predominante de comportamento e ativi-
dade”. (2011:06)

16
O conceito de dinâmica colaborativa também é central, com seus componentes in-
terativos: engajamento com princípios, motivação compartilhada e capacidade de
ação conjunta. Esses três componentes, que podem ser vistos como processos,
operam de forma interativa e contínua para gerar ações colaborativas (como saídas).
A forma como são representados por engrenagens, dá a ideia de sincronismo e con-
comitância, não de sequenciamento linear, como mostra a Figura 1. O Quadro 2 a
seguir apresenta os componentes do modelo:

Figura 1: Modelo de Governança Colaborativa de


Emerson et al.

Fonte: Emerson et al. (2015a: 27)

17
Quadro 2: Componentes do modelo de governança
colaborativa de Emerson et al.

Fonte: Emerson et al. (2011:7)

Este trabalho valeu-se de uma expansão do modelo de Emerson (Martins, Wegner,


Souza, Oriol e Drummond, 2022) no sentido de incorporar os seguintes elementos:

• Tratamento mais integrado à liderança como dimensão subjacente a todos os


elementos do regime e da dinâmica colaborativa, não apenas como driver ou
elemento da capacidade de atuação conjunta;

• Ampliação do leque de variáveis contextuais e suas relações com direcionadores


e outros elementos como condicionantes. A maioria dos estudiosos da gover-
nança colaborativa não a tratam assim, dando importância secundária ao contex-
to, inclusive não formulando proposições de como o Contexto interage com os
demais componentes de governança colaborativa. Inclusive o modelo proposto
por Emerson et al. (2012) não inclui o contexto entre as proposições. Já outros au-
tores como Ansell & Gash (2008) tratam o contexto como Start Conditions, tam-

18
bém não construindo proposição quanto ao relacionamento do Contexto com os
demais componentes do modelo. Estudos posteriores, inclusive um com partici-
pação do próprio Ansell, passam a considerar o Contexto como um dos compo-
nentes da governança colaborativa (Ansell et al, 2020; Hamilton & Lubell, 2017).
Assim, optou-se pelo uso da proposição nesse caso, tendo em vista que esse é
um componente importante dentro de todo o processo de governança colabo-
rativa, e não apenas como um elemento de partida da governança colaborativa.

• Adoção de componente relacionado à coalizão dentre os elementos da dinâmi-


ca colaborativa, interagindo junto com engajamento com princípios, motivação
compartilhada e capacidade de atuação conjunta.

• Adoção da dimensão da atuação estratégica (strategizing), em linha com a ideia


de collaborative performance regimes (Douglas & Ansell, 2020), que está subja-
cente ao regime colaborativo como um todo; e

• Adoção de enfoque mais amplo e dinâmico relativo à adaptação no sentido de


caracterizar o processo colaborativo como não linear (com múltiplos feedbacks,
feedforwards, whithinputs, throughputs, e vetores de adaptação); altamente con-
textualizado (sensível a condições e variações dos contextos externo e interno);
multidimensionais (blocos liderança, strategizing e adaptação subjacentes, para-
lelos ao processo como um todo e não como elementos específicos); sem, con-
tudo, perder-se a ideia de fluxo que gera outputs e outcomes.

A Figura 2 a seguir ilustra esta conformação proposta para o modelo expandido, des-
tacando-se, em tom cinza, os elementos que foram agregados ou reposicionados. O
Quadro 3 ilustra as variáveis do modelo expandido.

19
Figura 2: Modelo de Emerson expandido.

Fonte: Martins, Wegner, Souza, Oriol e Drummond (2022)

Quadro 3: Componentes do modelo de Emerson


expandido

Fonte: Martins, Wegner, Souza, Oriol e Drummond (2022)

20
Em linha com este modelo analítico os textos dos capítulos que tratam dos casos
foram organizados em quatro seções. A primeira trata da natureza complexa do pro-
blema enfrentado e dos desafios colaborativos que suscita, à título de introdução
do caso. A segunda trata, conforme a incidência em cada caso, dos elementos do
contexto e direcionadores que figuram como condicionantes e determinantes da di-
nâmica colaborativa engendrada, tais como recursos, marco legal, legados anterio-
res, dinâmica política, assimetria de informação, construção de capacidades, grau de
conectividade, nível de conflito e confiança, diversidade sócio econômica e cultural,
accountability, incentivos e restrições e direcionadores (liderança, incerteza, inter-
dependência e incentivos consequenciais). A terceira parte trada dos elementos da
dinâmica colaborativa, incluindo engajamento com princípios, motivação comparti-
lhada, capacidade de atuação conjunta, coalizão estratégica, participação da socie-
dade civil, liderança e gestão da estratégia. A quarta parte apresenta os resultados
em termos de impactos, valor público, inovação e aprendizado.

Antes, porém, da apresentação de cada um dos sete casos tratados em profundida-


de, o capítulo seguinte apresenta um panorama deles buscando explorar os proble-
mas públicos subjacentes.

21
Panorama
dos Casos
Analisados

A escolha dos casos baseou-se em critérios de diver-


sidade, conveniência e acessibilidade. O critério da
diversidade indicava a necessidade de casos que tra-
tassem de políticas públicas finalísticas como saúde,
educação, social, segurança, ambiental, assim como
de políticas públicas de gestão como planejamento,
atendimento ao público e gestão de pessoas. Além
desse critério, buscou-se dar diversidade incorporando
colaborações intra, inter e extra-governamental com
diferentes modelos de parceria (PPP, OS, MROSC) com
parceiros do setor privado e do terceiro setor e das es-
feras federal, estadual e municipal em distintas partes
do território brasileiro. Os critérios conveniência e aces-
sibilidade foram adotados na escolha de casos basea-
dos no conhecimento, em contatos dos pesquisadores
e em indicações dos primeiros entrevistados. Realizou-
se um total de 33 entrevistas em profundidade, além da
análise de dados secundários de documentos institu-
cionais e websites, abarcando 19 casos, sete dos quais
foram selecionados para integrar este volume, listados
no quadro a seguir.

22
ÁREA TIPO DE PARCERIA ESFERA

Colaboração intergovernamental Meio ambiente, Múltiplo: público-pú- Inter-federa-


e com a iniciativa privada para a assistência so- blico, público-privado tivo MG, ES
solução das consequências do aci- cial e gestão de e privado-privado
dente de rompimento da barragem crises
de rejeitos de Mariana/MG.

PPP para construção e gestão de um Saúde Público-público Municipal -


hospital estadual em Florianópolis/ Público-privado com SC
SC. empresa (PPP)
Público-privado com
organismo interna-
cional

Política social de segurança pública Segurança Público-privado, com Estadual -


em Minas Gerais. Assistência organização da socie- MG
Social dade civil (OS)

PPP para o atendimento ao cidadão Atendimento ao Público-público Estadual -


no estado de Minas Gerais. público Público-privado com MG
empresa (PPP)

Colaboração da sociedade civil para Gestão de pes- Público-privado, com Estadual - RS


a gestao de pessoas no Rio Grande soas organização da socie-
do Sul. dade civil (MROSC)

Colaboração intragovernamental Educação Público-público Estadual - PR


contra o assédio nas escolas públicas
do estado do Paraná.

Metas de desenvolvimento suste- Planejamento Público-público e Federal


ntável do Governo Federal. governamental Público-privado com
organismo interna-
cional

Buscou-se também evitar um viés de escolha que direciona normalmente os estudos


para casos de sucesso. O problema da escolha apenas de casos de sucesso para re-
portes acadêmicos e profissionais é algo enfrentado por diversas teorias e áreas de es-
tudos. Esse viés de confirmação tende a relegar a investigação de casos que apresen-
tam resultados não satisfatório para segundo plano, ou até mesmo para o ostracismo
e o esquecimento, tornando a refutação, ou mesmo a confirmação da teoria pela não
observância dos elementos essenciais ao atingimento do sucesso, fora de alcance.
Por esta razão, optou-se por incluir pelo menos um caso em que prevaleceu entre os
entrevistados a percepção de que se trava de um caso de fracasso.

Na sequência, apresenta-se um breve delineamento dos casos, a partir da caracteri-


zação dos problemas que buscaram endereçar por meio de soluções colaborativas.

23
Esse reporte inicial é bem genérico e visa dar maior familiaridade aos leitores do que
encontrarão em cada caso reportado.

Colaboração intergovernamental e com a iniciativa


privada para a solução das consequências do acidente
de rompimento da barragem de rejeitos de Mariana

Este caso trata da construção e implementação de um arranjo colaborativo multi e


pluri-institucional formado por governos (Federal, estaduais e municipais), empre-
sas e organizações da sociedade civil para tratar os efeitos do desastre que ocor-
reu na cidade de Mariana/MG em 2015 com o rompimento de uma barragem que
deu vazão a enorme quantidade de resíduos lamacentos da atividade mineradora
da Samarco.

Moradores de vilarejo próximo à Mariana desapareceram encobertos pela lama. O


impacto ambiental foi extremamente amplo, atingindo dois Estados e mais de 40
municípios, chegando ao mar e a ilhas marítimas distantes. Além do impacto eco-
lógico, ocorreu um grande impacto social junto a uma comunidade que se estendia
deste Mariana, passando por toda a extensão do Rio Doce e chegando ao mar. Até a
praia onde o Rio Doce desagua no mar sentiu os efeitos do desastre. Como aquela
era uma praia de turismo, com acampamentos e algumas pousadas muito frequen-
tadas por hippies, a chegada da lama tornou o local impróprio para o uso, impactan-
do essas comunidades e gerando perdas econômicas a mais de 400 km de distância
do local do acidente. Um grupo enorme de ribeirinhos perderam seus sustentos, seja
por conta da contaminação das águas, que tornou a pesca imprópria, seja pelo de-
saparecimento dos peixes, que morreram pela quantidade de lama que chegou em
seu habitat. Isso também aconteceu com aquele ribeirinho que plantava pequenas
lavouras na beira do rio, ou que levavam seus gados para beberam das águas des-
ses rios e córregos que foram atingidos. Os trabalhadores que retiravam areia do rio
para a construção civil também sofreram impacto do desastre, eles não mais podiam
tirar a areia pelo acumulo de lama nos leitos dos rios, o que contaminava a areia e a
tornava imprópria para a construção.

24
A experiência colaborativa formada como consequência do desastre em Mariana
procurava endereçar soluções para suas consequências ambientais e sociais, e ao
mesmo tempo evitar outros desastres aparentemente iminentes na região. As em-
presas responsáveis pela reparação eram as duas controladoras da Samarco, Vale e
BHP Billiton., existia a indicação da Governança colaborativa como modelo.

Um fator importante que impulsionou a Governança Colaborativa foi o arcabouço


legal especificamente criado para a questão. As responsabilidades estavam cons-
titucionalmente distribuídas entre os entes federados, o que impedia o encaminha-
mento de uma solução unilateral de um desses entes sem que reponsabilidade de
outros fosse acionada.

O modelo desenvolvido foi a criação de um Comitê Inter Federativo – CIF que fun-
cionaria como uma instância de colaboração e de decisão compartilhada e em
consenso, com Câmaras Técnicas que dariam todo o suporte técnico às decisões
necessárias para que as soluções fossem desenvolvidas e encaminhadas. Comple-
mentarmente, criou-se a Fundação Renova com recursos aportados pelas empresas
Vale e BHP, que seria a ponta de lança operacional da colaboração.

A solução inicial do problema passava por uma ação rápida tanto da colaboração
como das empresas para evitar que novas barragens do mesmo complexo se rom-
pessem. Diversas ações foram tomadas de urgência, e até mesmo o projetista des-
sas barragens foi acionado e trazido para apresentar soluções viáveis. Esse processo
foi rápido e as soluções apontadas pelo CIF e suas Câmaras Técnicas exitosas, pois
nenhuma nova barragem do complexo se rompeu, evitando um agravamento do
desastre.

A solução de constituição do CIF como organização oficial da colaboração tinha


por objetivo abrigar representantes de todos os parceiros, inclusive da sociedade
civil atingida pelo desastre. Essa iniciativa gerou sinergia entre os parceiros e uma
aproximação que possibilitou a construção da confiança mútua. A confiança cons-
truída trouxe legitimidade para as decisões do CIF, que passou a organizar todo

25
o processo e gerar uma série de ações muito importantes para a criação do valor
público buscado.

Contudo, a forma como a Fundação Renova foi construída levou à existência de dois
polos de tomada de decisão, o que produziu uma disfunção no processo. Essa arqui-
tetura foi ainda mais prejudicada com a tentativa do MP de criar um terceiro fórum
de decisões com a participação da sociedade civil formada pelos prejudicados pelo
desastre. Esse terceiro Comitê nunca foi instalado.

Uma última solução importante foi o incentivo à construção de coalizões da socie-


dade civil atingida pelo desastre para participação no processo de tomada de de-
cisão. Essa construção enfrentou uma série de barreiras como a desconfiança dos
atingidos, que viam nas mineradoras o algoz de seus infortúnios, e que agora se
apresentava como uma promotora, incentivando-os a participarem em um processo
de busca de soluções. Essa solução foi bastante dificultosa, mas se mostrou exitosa
em alguns aspectos, como a criação de uma coalização que passou a fazer parte do
CIF e a constituição de um Comitê consultivo dentro da FR. Todo isso aconteceu por
uma crença muito forte da liderança do processo de que a participação da socie-
dade civil era essencial para a produção de soluções realmente impactantes. Esse
patrocínio da liderança da colaboração foi importante para vencer as resistências
históricas existentes, para desalojar os poderes entrincheirados que perdiam com a
participação da sociedade civil no processo de tomada de decisão.

Apesar de seus sucessos em evitar que novas barragens se rompessem, essa inicia-
tiva não atingiu seus objetivos, ficando muito a desejar na condução dos problemas
sociais causados pelo desastre. A questão ambiental foi um pouco melhor encami-
nhada inicialmente, mas também não teve uma sequência condizente com as ex-
pectativas, levando ao abandono gradual do apoio político que a iniciativa recebeu
e chegando a um fim esvaziado de ações e de poder. O Ministério Público chamou
para si toda a responsabilidade, concentrando o poder decisório e deslegitimando
o CIF, o que tornou a colaboração inócua com o tempo, decretando seu fim, mesmo
que não de forma oficial.

26
Parceria Público-Privada na Saúde em Florianópolis
Este caso trata da construção de um arranjo colaborativo sob a forma de Parceria
Público Privada para expansão da rede de atendimento à saúde na cidade de Floria-
nópolis, tendo em vista o iminente esgotamento da capacidade de atendimento da
rede assistencial pública dentro dos padrões requeridos.

Mesmo com a obrigatoriedade de se destinar um grande percentual da receita cor-


rente liquida arrecadada pelos entes federados para a promoção da saúde, as de-
mandas são muito grandes, mostrando uma escassez de recursos para investimen-
tos em obras que dependam de grandes quantidades de recursos. Essa escassez
de recursos denota um gargalo para a gestão pública desenvolver projetos de in-
fraestrutura que promovam e ampliem o atendimento à saúde da população. Uma
projeção do Ministério da Saúde em Santa Catariana apontava que para a construção
de um hospital de grande porte, como o que a cidade de Florianópolis necessitava,
poderia levar até 10 anos pra ser concluído. Assim, a busca por alternativas que re-
duzissem esse tempo e que desonerassem os cofres públicos da necessidade do in-
vestimento inicial, seriam muito bem-vindas, o que abriu caminho para a proposição
de uma alternativa via Governança Colaborativa no modelo de PPP.

Os dois hospitais existentes estavam em condições precárias pela deterioração na-


tural imposta pelo alto uso por anos. Um processo de reforma não seria suficiente,
pois existia um déficit de leitos no momento e as projeções mostravam a necessida-
de de ampliação dos serviços para os próximos anos. Assim, em vez de reformar os
hospitais existentes, era mais viável a construção de um novo hospital. Além disso,
parar um hospital por completo para realizar uma mudança de localidade também
era algo inviável, pois não existem aparelhos públicos de saúde disponíveis para su-
prir a demanda durante a inatividade do hospital existente.

A busca de soluções eficientes ultrapassava as fronteiras da Secretaria de Saúde. A


própria escolha por uma PPP requeria um projeto muito bem estruturado para sua
licitação, o que demandava colaboração entre as Secretarias da Saúde e da Fazenda.
Essa primeira solução já promoveu uma inovação, pois foi firmado um termo de parce-

27
ria entre elas, algo não muito usual, deixando o campo da informalidade e adentrando
em um campo mais formal, em que os objetivos, responsabilidades e demais aspectos
da parceria são previamente acertados e colocados em um contrato. Essa solução
garantiu a existência de um planejamento estratégico a ser seguido e um cronograma
traçado para que as coisas acontecessem de forma organizada e em tempo exíguo.

Para além dessa questão da formalização, identificou-se também a falta de recursos


tanto financeiros como de pessoal para que algo tão complexo fosse desenvolvido.
A solução encontrada foi buscar financiamento para o projeto via banco de fomento,
apresentando a ideia estruturada e as necessidades que a elaboração do projeto
necessitava. Essa iniciativa culminou com a entrada do Banco Interamericano de De-
senvolvimento - BID na colaboração, que foi formalizada via convênio entre o banco
e o Estado de Santa Catarina, em vez de se fazer um aditivo no acordo de parceria já
firmado internamente no governo.

Com o convênio assinado, o BID passou a contratar diretamente as consultorias que


dariam o suporte para o desenvolvimento do projeto da PPP. Esse modelo possibi-
lita que os recursos não passem pelo orçamento público, reduzindo a burocracia
necessária para o cumprimento dos requisitos legais da transparência. Todas essas
soluções somadas formaram uma arquitetura de governança muito bem estruturada
e que encaminha uma solução bem engenhosa para o arranjo contratual entre os
diversos parceiros.

A arquitetura de governança desenvolvida foi construída por meio de dois comitês,


sendo um Comitê Técnico e outro Comitê Executivo. As decisões necessárias ao de-
senvolvimento do projeto seguem um fluxo bottom up, partindo do comitê técnico,
que envolve os servidores que lidam com o problema em seu dia a dia, os burocratas
de rua, juntamente com as equipes técnicas contratadas pelo BID para auxiliar em
aspectos específicos da geração de solução. Todas as decisões são municiadas com
aspectos aderentes à realidade e com discussões e deliberações técnicas antes da
chegada da solução ao Comitê Executivo da colaboração que é formado pela alta
direção do Estado e dos parceiros envolvidos na colaboração.

28
Esse modelo de arranjo colaborativo garantiu um fluxo muito importante de informa-
ções e agiliza as decisões, mostrando um modelo muito interessante para colabo-
rações pré-licitação de diversas modalidades de colaborações, como por exemplo
as PPP, mas também pode ser usado para licitações de convênios, ou mesmo da
contratação direta de serviços.

Política social de segurança pública em Minas Gerais


Este caso trata da construção de arranjos colaborativos sob a forma de Parceria entre
a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais - SESP e uma entida-
de da sociedade civil, o Instituto Elo, para a transmissão e incorporação às políticas
de segurança pública de metodologia de resolução de conflitos desenvolvida pela
UFMG e também no apoio à reinserção de infratores na sociedade, como parte das
políticas públicas voltadas à Promoção Social junto ao Sistema de justiça do Estado.

A transmissão de conhecimento gerado em Universidades Públicas para benefício


de toda a sociedade é algo que nem sempre acontece. Quando um conhecimento
é desenvolvido, a equipe que o desenvolveu passa a ser a detentora de seus diretos
como autora ou inventora do processo. Nesse caso, o poder público precisaria ad-
quirir desses autores os diretos de propriedade para utilizar o conhecimento gerado.
Esse é um problema, pois, o setor público deve ser o primeiro a incentivar que a
propriedade, tanto intelectual, como de designer e de processo, sejam respeitadas e
utilizá-las sem essa autorização pode ser caracterizado como apropriação indébita.
Assim, a transmissão de um invento ou de um processo para a gestão pública pode
ser muito oneroso em alguns casos, inviabilizando a transmissão.

Mesmo em casos em que a transmissão é realizada sem ser onerosa, quando se


trata de processos como a metodologia de resolução de conflitos desenvolvida pela
UFMG, a assimilação por parte da gestão pública pode ser uma barreira a implan-
tação e a curva de aprendizado pode gerar um problema muito grande para a im-
plantação. Quanto mais complexo for o processo, mais difícil será a assimilação de
uma forma que todos os aspectos sejam aplicados e garantam o benefício completo

29
da metodologia. Muitas vezes a falta de pessoas preparadas para assumirem uma
tarefa, ou a sobrecarga de trabalho já existentes reduzem o foco dos servidores em
assimilarem o processo.

A solução encontrada pelo poder público para a transmissão da metodologia e para


a execução da política pública social de segurança foi a formação de uma parceria
com o terceiro setor via um Contrato de Gestão. A vantagem dessa iniciativa é que
ela é muito mais flexível que a execução direta pelo poder público, além de trazer
melhor controle com uma estrutura e com indicadores claros do que deve ser afe-
rido para que o desempenho seja considerado satisfatório. Nesse caso, os autores
formaram uma OSCIP que recebeu o nome de Instituto ELO e que passou a aplicar a
metodologia desenvolvida e assumiu também parte da execução da política social
de segurança do Estado de Minas Gerais.

No que se refere à reinserção de infratores na sociedade, que faz parte da políti-


ca social de segurança, a questão da visão da sociedade sobre os presos em geral
aprofunda o problema, tanto para o Estado que tem menor incentivo a desenvolver
programas voltados para essas pessoas, como para seus familiares que muitas ve-
zes não têm condições de receber esses egressos e ajudá-los em seu processo de
reintegração social. Assim, o problema atinge toda a sociedade, mas é escondido ou
deixado em segundo plano, valorizando o encarceramento e as ações policiais de
repressão. Ações preventivas são menos valorizadas que ações corretivas, principal-
mente por seu apoio popular.

Uma colaboração com um ente de colaboração como a IELO garante que o bene-
ficiário do programa de reinserção estará mais aberto a receber a ajuda oferecida,
pois não está vindo diretamente do agente estatal punitivo, mas de uma entidade
mais aderente à realidade dessas pessoas e com maior expertise em tratar do as-
sunto. Nesses casos, a possibilidade de sucesso da intervenção aumenta muito,
produzindo um efeito benéfico para toda a sociedade simplesmente pelo envol-
vimento da sociedade civil na condução da solução. Além dessa questão de per-
cepção, a vantagem dessa iniciativa é que ela é muito mais flexível que a execução

30
direta pelo poder público, além de trazer melhor controle com uma estrutura e
com indicadores claros do que deve ser aferido para que o desempenho seja con-
siderado satisfatório.

Além disto, a execução da política pública por uma OSCIP oferece flexibilidade de
contratar e demitir sem que se enfrente todo um processo burocrático como acon-
tece com servidores de carreiras estáveis, e com menor influência política na contra-
tação de pessoal.

Hoje a parceria já conta com mais de 12 unidades Socioeducativas com gestão do


IELO, a Gestão do Programa de acordos extrajudiciais, as unidades de atendimento
a egressos do sistema prisional e do sistema socioeducativos, além de uma série de
iniciativas voltadas a profissionalização de jovens e adultos egressos dos sistemas
prisional e socioeducativos do estado de Minas Gerais, gerando cidadania e possibi-
lidades a essas pessoas.

Parceria público-privado para o atendimento ao


cidadão no estado de Minas Gerais
Este caso trata da construção de arranjos colaborativos sob a forma de Parceria Pú-
blico-Privado entre a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Ge-
rais - SEPLAG e a Empresa Mineira de Parcerias S.A. e Central de Cidadania Serviços
de Atendimento ao Cidadão, para prover atendimento integrado ao cidadão em Mi-
nas Gerais denominado UAI. Essa iniciativa já conta com mais de 30 unidades em
atendimento espalhadas pelo Estado de Minas Gerais e a projeção é de mais de 2
milhões de atendimento ano.

O problema público existente era como atender o cidadão de forma eficiente, eficaz
e efetiva. Para realizar esse atendimento era necessário que os serviços estivessem
disponibilizados de uma forma que otimizasse o atendimento e que produzisse sa-
tisfação do cidadão. Mas isso não é o que acontecia, os serviços estavam todos es-
palhados pelas secretarias, em muitos casos, em que a solução do problema passa-

31
va por mais de uma secretaria, o cidadão precisava ir em uma verdadeira “via crucis”
de secretaria em secretaria, realizando as etapas do serviço, até ter o seu problema
solucionado.

Em muitos casos, se o cidadão recebesse ou entendesse alguma informação incor-


retamente, ele precisa voltar à secretaria anterior, ou mesmo recomeçar o proces-
so em casos de erros não passíveis de correção. Tudo isso causava um desgaste
muito grande nos cidadãos que precisassem de algum serviço público. Toda essa
organização dos serviços acabava provocando uma perda de recursos tanto do po-
der público que duplicava o esforço financeiros e de pessoal para prestar o serviço
como do cidadão que precisa peregrinar para ter seu problema solucionado.

A questão da diversidade de órgãos que atuam para a solução de alguns proble-


mas também era um aspecto importante do problema identificado. A interdepen-
dência dos órgãos para a solução do problema era um restritor a prestação de um
serviço célere e de qualidade para o cidadão. Uma solução que não encaminhasse
essa característica não teria como ter sucesso pleno, mostrando como esse pro-
blema público era complexo e envolvia uma série de atores que deveria trabalhar
de forma coordenada para que os serviços fossem fornecidos com excelência.

A simples adoção de uma colaboração intragovernamental envolvendo secretarias


e órgãos que tinham atendimento ao público na mesma localidade já produziu
uma dinâmica virtuosa. Contudo, isso não era suficiente, pois estar na mesma lo-
calidade não significava trabalhar de forma integrada e com maior eficiência. Para
que isso acontecesse era necessária uma integração real entre os parceiros, era
necessário um sistema de governança que possibilitasse o trabalho em conjunto,
o que pode ser realizado por um órgão externo, ou mesmo uma secretaria que
coordene todo o trabalho. No caso da UAI, essa figura é exercida pela Secretaria de
Planejamento e Gestão - Seplag, que funciona como uma entidade que organiza o
relacionamento entre os diversos parceiros da colaboração, servindo inclusive de
gestora dos recursos públicos para o pagamento do parceiro privado.

32
Um ponto muito importante para o uso da governança colaborativa como solução
para o problema identificado é a economia de recursos que uma colaboração pode
proporcionar ao colocar todos os serviços prestados pelas diversas secretarias e
órgãos do governo em um mesmo local. Essa atitude produz uma economia de
espaço, de recursos, de aluguel, de pessoal entre muitos outros, pois tem-se ape-
nas um porteiro, um atendente para dar informações, um grupo de segurança para
cada localidade e não para cada órgão ou secretaria que precise prestar serviços à
população. Além dessa economia de recursos por parte do poder público, há eco-
nomia de tempo e recursos por parte do cidadão, que passa a ter disponibilizado
todos os serviços na mesma localidade, podendo resolver tudo de uma só vez.

Além dessa questão, ao realizar a colaboração via PPP, o poder público delega ao
contratado do setor privado uma série de questões que no sistema público seriam
muito mais morosos e onerosos aos cofres públicos. Um deles é a gestão de toda a
infraestrutura de atendimento dos cidadãos nas UAIs. Ao optar por uma PPP, a ges-
tão da infraestrutura sai da mão do setor público e passa para a mão do particular
que não precisa de todo um arcabouço burocrático de travas legais para realizar os
serviços e manutenções necessárias para que a estrutura permaneça em ordem e
funcionando a contento.

A remuneração do parceiro é acordada por atendimento realizado, conforme


consta no contrato licitado. Isso cria um incentivo no parceiro em atender o má-
ximo de pessoas possível, gerando maior interesse em ampliar o atendimento
quando novas demandas surgem, com adaptações muito mais ágeis que as UAIs
geridas diretamente pela administração pública. Por outro lado, a qualidade do
atendimento também impacta no valor pago, quanto maior a nota de satisfação
dos cidadãos para o serviço prestado, maior o valor pago, incluindo outros indi-
cadores e metas acordadas ligadas à qualidade do serviço prestado que constam
no documento de licitação.

33
Colaboração da Sociedade Civil para a Gestão de
Pessoas no Rio Grande do Sul
Este caso trata da construção de arranjos colaborativos sob a forma de Termo de
Colaboração entre Órgão Central de Gestão de Pessoas – OCGP da Secretaria de
Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul e os entes de colaboração
Instituto Gesto, Vamos e Instituto Comunitas para promover a melhoria da gestão
de pessoas, principalmente voltadas à gestao por competências e de lideranças, no
âmbito da administração estadual.

No governo do Rio Grande do Sul, a função de gestão de pessoas é realizada


pelo Órgão Central de Gestão de Pessoas – OCGP. O apoio de entidades da
sociedade civil por meio de uma parceria é um poderoso indutor de soluções.
Essa possibilidade já está disponível por meio de entidades que atuam no fo-
mento de uma mudança de clima dentro da gestão pública como Instituto Ges-
to, Vamos ou Instituto Comunitas. Esses institutos atuam junto à gestão pública,
desenvolvendo capacidade estatal voltada para à gestão de pessoas e valoriza-
ção dos servidores. A ação de trazer os institutos para uma colaboração conse-
gue oxigenar a gestão pública com novos olhares e com inovações que sem eles
não seriam possíveis. Quando um ente chama um dos institutos para atuar em
conjunto com seus gestores, eles trazem toda uma expertise e um grupo de es-
pecialistas para contribuírem com o desenvolvimento dos programas propostos
pela gestão pública.

Para o encaminhamento de uma solução realmente eficaz é necessário trazer o


servidor para se envolver no processo de construção da política de gestão de pes-
soas. O importante aqui é que o servidor se sinta parte da solução dos seus pró-
prios problemas. Nesse ponto, a gestão por competências é uma ferramenta muito
importante para produzir envolvimento e motivação. Sem essas ferramentas bem
desenhadas, customizadas a cada tipo de função desempenhada pelo servidor e
aplicadas com eficiência e eficácia, não será possível a valorização dos servidores
e nem o seu envolvimento no processo de solução.

34
A forma como os cargos de alto escalão são ocupados também é muito importan-
te para a motivação dos servidores. Mesmo que por indicação política, esses car-
gos precisam ser ocupados por pessoas competentes, que tenha a expertise para
desenvolver bem as funções de liderança que o cargo exige. Uma forma de fazer
essa gestão por competência é selecionar os gestores de cargos mais técnicos em
um processo de seleção por competência e não por indicação política. Essa atitude
tende a fortalecer a liderança dessas pessoas escolhidas e trazer uma sensação de
valorização maior dos servidores que forem gerenciados por uma pessoa com esse
perfil. Só esse fato já amplia muito o engajamento dos servidores.

Além dessa contratação por competência, é necessário que essas pessoas se-
jam treinadas previamente para entenderem bem as funções que irão exercer. O
treinamento prévio em conjunto com seus pares da gestão que irão atuar facilita
a formação de redes de Network entre os diversos gestores. Os relacionamentos
construídos facilitam a identificação de possíveis atores que possam ajudar quando
precisam solucionar problemas que não estão em sua alçada de ação. Para que uma
colaboração seja exitosa, é preciso que os relacionamentos entre os parceiros sejam
frequentes e de qualidade. A proximidade dos relacionamentos e a sua qualidade
garantem maior êxito nas ações tomadas, gerando confiança e legitimidade nas de-
cisões e nas ações implementadas.

Colaboração intragovernamental contra o assédio nas


escolas públicas do estado do Paraná
Este caso trata da construção de arranjos colaborativos intragovernamentais na
administração pública paranaense para tratar do afastamento de servidores e
professores que fossem acusados de assédio e que sofressem um processo ad-
ministrativo disciplinar – PAD por parte da Secretaria de Educação. O problema
de assédio a crianças e adolescentes em sala de aula e nas dependências das
escolas do Estado do Paraná estava sendo mal endereçado por uma série de en-
treves burocráticos e legais que impediam o desenvolvimento célere e eficiente
de medidas punitivas.

35
A responsabilidade do poder Executivo de afastar o agressor da vítima nos ambien-
tes escolares é dificultada e agravada por institutos legais como a estabilidade que
os professores concursados têm em seus empregos. Essa estabilidade lhes garante
uma série de prerrogativas, entre elas de que só podem ser afastados e exonerados
de seus cargos via um PAD. Esse processo é previsto pela lei federal nº 8112/19903
e tem todo um formalismo que precisa ser seguido para que os seus atos e conclu-
sões tenham validade. Esse não é um processo arbitrário, mas um processo em que
o acusado tem amplo direito de defesa, cabendo ao poder público provar a culpa
do acusado para só então punir o servidor. As punições previstas no PAD vão desde
advertências até a exoneração do servidor. A punição imposta pelo PAD não isenta o
acusado de responder processo judicial, e a condenação no PAD não implica neces-
sariamente condenação na Justiça Criminal.

O problema do assédio dentro das escolas não conseguia ser bem solucionado pela
ação isolada da Secretaria da Educação. Isso porque existia um problema de assi-
metria de informações entre a Secretaria e os demais atores que fazem parte da
geração de provas e demais conteúdos necessários para que o PAD ocorra com ce-
leridade e com assertividade. A falta dessas informações acabava produzindo uma
impunidade e o não atingimento do objetivo de um movimento de prudência por
parte da Secretaria em afastar de forma eficiente a vítima do seu possível agressor.

Outro aspecto importante nesse problema é a sobreposição de ações com o mes-


mo fim. Sem a parceria, diversos atores precisariam agir para gerar as mesmas pro-
vas de que o assédio estava acontecendo. Essas provas teriam de isolar quem era
a vítima, quem era o agressor, como esse assédio estava acontecendo, onde ele
ocorria e por que meios. Todo esse arcabouço de provas é bastante dispendioso
em termos de recursos e de tempo, levando a condução de um PAD a uma demora
de algo em tono de 90 dias para que uma sentença fosse exarada. Uma ação isola-

3
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acessado em 17/08/2022

36
da acabava por sobrepor ações para gerar as mesmas provas por diversos atores,
cada um para seu fim específico.

A solução encontrada foi a emissão de um Ato Interinstitucional que alinhasse todo


o processo e permitisse a produção e troca de informações entre os parceiros de
tal forma que caiba a cada ator cumprir as suas responsabilidades para que o todo
seja beneficiado, ou seja, os demais parceiros possam acessar essas informações e
aplicar as suas atribuições legalmente concedidas. Nessa parceria forma envolvidos
além da Secretaria de Educação, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Procu-
radoria Geral do Estado, a Secretaria de Segurança, a Polícia Civil, além de Secreta-
rias ligadas ao Bem-estar Social.

A liderança foi um ponto de destaque nessa iniciativa. Na parceria formada para a


constituição do Ato Interinstitucional, o ator que tomou esse papel e que acabou
ganhando a confiança dos demais parceiros foi a Secretaria da Educação. Essa li-
derança acabou acontecendo por conta do patrocínio que esse parceiro aportou na
colaboração, mas também por uma postura tomada de se expor e de correr riscos
em prol da constituição da colaboração. Essa postura de altruísmo por parte da Se-
cretaria acabou lhe trazendo dividendos de confiança dos demais parceiros, che-
gando em alguns momentos a Secretaria ser chamada para ajudar na mediação de
conflitos entre os parceiros.

Metas de desenvolvimento sustentável do


Governo Federal
Este caso trata da construção de arranjos colaborativos múltiplos, intragovernamen-
tais e com organismo internacional, o PNUD, para a fixação e acompanhamento de
Metas dos Ministérios de forma alinhada com os Objetivos de Desenvolvimento Sus-
tentável (ODS) definidos pela secretaria de Governo da Presidência da República.

37
A colaboração foi necessária por conta da resistência ideológica do novo governo à
questão da sustentabilidade. O Decreto nº 9.759/20194, de abril de 2019, extinguiu
vários colegiados na administração federal, incluindo a Comissão Nacional para os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - CNODS que cuidava exatamente do
planejamento e coordenação de priorizações dos objetivos e metas das ODS. Ape-
sar do discurso oficial ser de não se ter abandonado os objetivos e metas ligados às
ODS, a realidade é que o governo federal havia paralisado os trabalhos e abandona-
do o documento gerado pela Comissão.

Ao tomar uma postura de resistência ao processo de construção das priorizações da


ODS, o novo governo provocou um desarranjo das ações anteriores, gerando uma
sensação de insegurança e até mesmo medo entre os servidores de alto escalão de
tratar do tema. Algumas posturas foram emblemáticas desse processo, como a fala
do secretário especial que assumiu a Secretaria de Governo da Presidência da Re-
pública, órgão responsável por gerenciar o processo de coordenação e de acompa-
nhamento das ODS para reporte aos organismos internacionais em 2019. Para esse
secretário, a inclusão de políticas voltadas para minorias em nosso território estava
exagerada dentro do documento, o que não poderia ser admitido pelo novo governo.
Essa fala mostra bem como a ideologia do novo governo era diametralmente con-
trária à forma como as ODS tinham sido tratadas pela CNODS anteriormente encar-
regada de promover a priorização para posterior inclusão no PPA – Plano Plurianual.

Como o planejamento e reporte dos resultados das ODS é um processo complexo e


que demanda uma coordenação superior e uma articulação pensada e voltada para
os objetivos propostos, mesmo que algum órgão dentro dos ministérios quisesse
articular as suas ações com os demais órgãos, isso seria quase que impossível. Pri-
meiro seria necessário ter clareza sobre quais as responsabilidades ligadas as ODS
seriam do órgão. Essa é uma questão mais fácil de ser solucionada de forma isolada.

4
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9759.htm,
acessado em 14/09/2022.

38
Contudo, identificar quais os outros órgãos que estavam com ações para o mesmo
ODS e como coordenar essas ações para que não se sobrepusessem ou mesmo se
anulassem era algo impossível, sem uma coordenação superior, ou mesmo por ini-
ciativa isolada. Mesmo tentando criar os relacionamentos necessários, os órgãos es-
barrariam na falta de indicadores e na possibilidade de serem impedidos por ques-
tões ideológicas presentes no contexto. Tudo isso levou à necessidade da formação
de uma Governança Colaborativa para possibilitar a geração da sinergia necessária
ao planejamento da implantação das ODS e ao desenvolvimento de métricas que
pudessem aferir o seu nível de implantação.

Um fato importante na escolha da solução foi a existência de uma experiência de co-


laboração ruim para os participantes anteriormente, provocando um desincentivo à
cooperação e à colaboração. A solução para essa restrição foi levar novos participan-
tes a se engajarem no processo, resgatando os participantes anteriores que fossem
essenciais, como por exemplo os órgãos federais. O compartilhamento de poder e
recursos por parte de uma liderança patrocinadora do processo, no caso no novo
secretário da SeGov, gerou um ambiente seguro o suficiente para que o processo
ocorresse. Esse ambiente garantiu a construção de confiança e legitimidade para
que os parceiros compartilhassem seus próprios recursos somando esforços para o
atingimento do objetivo.

Levar os parceiros a se engajarem nesse processo foi outro grande desafio e que teve
uma solução bem interessante via colaboração. A possibilidade da criação de um pro-
cesso decisório horizontalizado em que os parceiros podem discutir e formar a agen-
da com liberdade foi essencial para uma solução que levou todos a trabalharem em
conjunto, e que ao final, se apropriassem dos resultados. Sem a criação de um engaja-
mento por princípios, a iniciativa fracassaria, pois o documento gerado seria engaveta-
do, da mesma forma que o resultado da colaboração anterior realizada pela Comissão
Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - CNODS.

O direcionamento das ações para um ambiente seguro garantiu a produção de uma


metodologia inovadora pela ENAP com resultados superiores, vencendo as restri-

39
ções ideológicas existentes no contexto. As adaptações posteriores precisaram ser
direcionadas por uma estratégia bem delineada, que emergiu do próprio processo e
que orientou as ações para uma solução que não se conformasse ao contexto, mas
que provocasse as mudanças necessárias. Essa solução de uma Estratégia, princi-
palmente para esse caso estudado, foi essencial para vencer as resistências ideoló-
gicas e os poderes entrincheirados que resistiam as mudanças.

40
Colaboração
Intergovernamental
e com a Iniciativa
Privada para
a Solução das
Consequências
do Acidente de
Rompimento
da Barragem
de Rejeitos de
Mariana –
Minas Gerais

O problema e os desafios
colaborativos
O desastre do rompimento da Barragem de Mariana
aconteceu em dezembro de 2015, com o espalhamen-
to de uma quantidade gigantesca de rejeitos de mine-
ração que era acumulada em reservatórios há anos. A
empresa responsável por essa barragem e que reali-
zava a mineração era a Samarco, empresa que tinha

41
como acionistas duas das maiores mineradoras do mundo, a Valle e a BHP Billiton. A
barragem se rompeu por uma série de decisões imprudentes tomadas pela empresa
na operação no intuito de produzir com maior economia. Esse rompimento provocou
o maior desastre ambiental e material que se tem notícias na indústria de mineração.
Esse desastre só perde para o de Brumadinho no fator de perdas humanas, pois no
segundo, o número de pessoas que morreram foi muito maior. Porém, o impacto
social e ambiental foi bem menor.

O rompimento da barragem produziu uma onda de rejeitos em forma de lama que


correu o principal rio que corta o estado de Minas Gerais e Espírito Santo, o Rio Doce,
que inclusive dava nome a Mineradora Vale antes de sua privatização. Esse rio corta
mais de 40 municípios que foram todos atingidos, chegando ao mar pela foz do Rio
Doce no estado do Espírito Santo. A lama de rejeitos foi encontrada no arquipélago
de Abrolhos, no litoral da Bahia. Toda essa extensão de impacto, mostra o tamanho
do desastre e a forma como danificou todo o trajeto que percorreu.

O desastre tornou evidente por parte das empresas a falta de uma política verdadei-
ra de ESG – Ambiente, Social e Governança, apontando para falhas estruturais que
levaram a economias em segurança, accountability e aderência as normas vigentes.
O impacto do desastre, além de ser ambiental, foi social, pois além das mortes cau-
sadas pela lama, destruiu vilas inteiras como Bento Gonçalves, que teve todas as
suas casas encobertas pela lama que escorreu da barragem. Além dessa questão,
a lama que escoou pelos afluentes que desaguavam no Rio Doce, impossibilitou
que os municípios que dependiam de captação de água do rio para abastecimento
o fizessem. A pesca também foi totalmente prejudicada, e pessoas que dependiam
dela ficaram sem seu ganha pão. As pessoas que moravam nas margens dos cór-
regos e rios também não puderam mais plantar ou tratar de seus gados devido a
contaminação das águas e das terras das margens. Todo esse desastre mostra a
extensão do impacto social que o desastre causou.

Se já não bastasse os prejuízos ambientais e sociais causados, ainda existia o risco


real de novas barragens do complexo se romperem amentando o desastre e am-

42
plificando o problema que já era extremamente complexo. A barragem de Candon-
ga, dentro do Complexo de Germano também apresentava as mesmas condições
da barragem de Mariana e poderia romper a qualquer momento, despejando uma
quantidade enorme de rejeitos e amplificando os custos para toda a sociedade já
atingida. Esse aspecto do problema mostrava a gravidade e a urgência das ações
necessárias para primeiro evitar um novo rompimento, e em segundo endereçar
uma solução o mais rápido possível para as demais barragens que estavam com
riscos de se romperem.

Outros problemas secundários também eram importantes e precisavam de solu-


ções adequadas e rápidas. Um desses era o problema crônico da degradação dos
afluentes e do próprio Rio Doce, que era tratado já a muito tempo como uma esteira
para levar o lixo e os detritos das cidades ribeirinhas. Na fala de um entrevistado, a
sociedade já estava de costas para os problemas do rio a muitos anos. Isso ocorria
em função de uma cultura de exploração predatória da nossa natureza perpetrada
por gerações no estado de Minas Gerais e Espírito Santo, e para não ser parcial, por
todo o Brasil.

A esse problema público crônico gravíssimo já existente, somou-se o problema agu-


do que foi o desastre e o acúmulo de lama nos leitos desses rios já tão castigados.
As consequências do desastre serão sentidas por gerações ainda. Toda a lama de
rejeitos acumulada nunca será removida desses rios, passando a fazer parte de sua
constituição para sempre. Um ponto muito importante em tudo isso é que essa lama
carrega uma série de metais pesados oriundo do processo de mineração e que são
prejudiciais à saúde humana. Esses metais acabam sendo ingeridos por peixes e no
final acabam no organismo humano, causando grandes danos à saúde da população
que depende do rio para viver e se alimentar.

A solução para este conjunto de problemas públicos complexos levou à proposição de


uma colaboração como forma de tratá-lo. O fato de o problema envolver tanto alguns
órgãos da União como o IBAMA e o ICMBio ligados ao Ministério do Meio Ambiente –
MMA, dois Estados e mais de 40 cidades já produziu um estímulo à construção de uma

43
colaboração como forma de endereçar uma solução para o problema. Além disso, o
problema era muito complexo para ser endereçado por apenas um dos parceiros que
entraram na colaboração. Mesmo a União não tinha expertise e capacidade operacio-
nal e técnica para dar conta de toda a complexa solução necessária.

A responsabilidade de cada elemento estava constitucionalmente distribuída entre


os entes federados, o que impedia o encaminhamento de uma solução unilateral
de um desses entes sem que reponsabilidade de outro ente fosse usurpada. Um
exemplo dessa responsabilização concorrente pode ser observado em relação ao
terreno em que o desastre aconteceu. O subsolo da região é de responsabilidade do
Estado, mas a superfície é do município. Os rios são de responsabilidade do Estado,
mas como o Rio Doce corta mais de um estado da federação, essa responsabilida-
de deve ser compartilhada entre esses estados. Outras muitas questões ligadas ao
arcabouço jurídico de responsabilização tiveram impacto na escolha da colaboração
como a melhor opção para o encaminhamento da solução para o problema público
complexo, como já listado no contexto.

Logo na sequência do desastre, o governo federal junto com os governos dos dois
estados e dos mais de 40 municípios atingidos se juntaram e formaram um Comitê
Inter Federativo – CIF para conduzir os trabalhos de recuperação tanto ambiental
como social das consequências do desastre. Esse foi o primeiro movimento em di-
reção a uma Governança Colaborativa como modelo para encaminhar uma solução.
Essa iniciativa foi natural, pois envolvia uma gama muito grande de atores, e apenas
um ator se responsabilizar pela solução seria algo inviável. Mesmo com todos os
problemas federativos que o Brasil possui, essa iniciativa mostrou que é possível a
união de vários entes com um mesmo propósito e uma mesma direção quando a
necessidade é muito grande. Questões político partidárias diminuíram de tamanho
frente a complexidade e a magnitude do problema enfrentado. Essa iniciativa gerou
uma sinergia entre os parceiros e uma aproximação que possibilitou a construção de
uma confiança mutua. A confiança construída trouxe legitimidade para as decisões
do CIF, que passou a organizar todo o processo e gerar uma série de ações muito
importantes para a criação do valor público buscado.

44
Nessa fase inicial, o MP e a Defensoria Pública não entraram como parte da cola-
boração, ficando apenas como observadores, e mesmo após a assinatura do TTAC
- Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta e sua homologação judicial. Um
primeiro efeito foi a ação rápida tanto da colaboração como das empresas para evitar
que novas barragens do mesmo complexo se rompessem. Diversas ações foram to-
madas de urgência, e até mesmo o projetista dessas barragens foi acionado e trazido
para apresentar soluções viáveis. Esse processo foi rápido e as soluções apontadas
pelo CIF e suas Câmaras Técnicas exitosos, pois nenhuma nova barragem do com-
plexo se rompeu, evitando um agravamento do desastre.

Para a gestão dos recursos e execução das ações de reparação em nome das
empresas foi criada uma fundação de direito privado, que recebeu o nome de Fun-
dação Renova. Ela seria responsável por executar todas as ações determinadas no
TTAC assinado e as demais decisões tomadas pelo CIF. Contudo, desde o começo,
uma das empresas responsáveis pela reparação via a Fundação Renova – FR como
um braço empresarial e não como uma iniciativa realmente disposta a colaborar e
buscar uma solução via colaboração. Na visão de seus executivos, a empresa sabia
o que precisava ser realizado e iria realizar de forma unilateral. Para isso, ela iria
chamar um presidente que fosse a cara da fundação, mas quem tomaria realmen-
te as decisões seria um executivo da empresa indicado para uma das cadeiras do
conselho curador da FR.

Do outro lado, estava a outra empresa envolvida no processo, e também acionista


da Samarco. Essa empresa realmente entendeu o problema e a necessidade de
uma colaboração mais ampla para que a solução fosse alcançada. Nesse caso,
a empresa indicou pessoas realmente comprometidas com a busca de uma so-
lução compartilhada, bancando inclusive a posição do presidente escolhido, que
exigiu participação não apenas como alguém que empresta a sua imagem para a
fundação, mas que tem poder de decisão junto com os demais conselheiros no
conselho curador. Nesse embate, a empresa que defendia a participação coletiva
acabou ganhando a disputa, e o processo deu início com uma configuração mais
participativa.

45
Mesmo com essa configuração mais participativa, dois pontos foram muito impor-
tantes para a colaboração. Primeiro a existência de dois fóruns de tomada de deci-
são, e segundo, o não reconhecimento do Ministério Público da Fundação Renova
como parte legítima para representar as empresas nas discussões e nas tomadas de
decisão. Na questão dos fóruns, um dos entrevistados apontou uma analogia a uma
Hidra de Duas Cabeças, em que uma fica brigando com a outra para ver quem toma
as decisões. No segundo ponto, o MP não reconhecia a Fundação Renova como par-
te do processo. Como a sua postura foi muito mais de guardião do arcabouço legal,
a falta de uma sensibilidade e aderência à realidade tornou todo o processo, que já
era complexo, ainda pior. Isto fez com que o MP tratasse os assuntos importantes
e sensíveis da colaboração somente com as bancas de advogados das empresas.
A falta dessa participação foi um problema muito sério e que levou a uma série de
outras consequências importantes para a colaboração.

A organização inicial do processo foi bem interessante, e como esse era um desas-
tre muito grande, com uma visibilidade enorme e com a promessa de uma soma
substancial de recursos que seriam aportados pelas mineradoras, atraiu pessoas das
mais altas capacidades técnicas e políticas. Assim, evolveram-se nesse processo a
Casa Civil da Presidência da República; o Ministério de Meio Ambiente via IBAMA,
ICMBio, a Agencia Nacional de Águas – ANA; o estado de Minas Gerais com seus ór-
gãos ligados à gestão e meio ambiente; o estado do Espirito Santo com seus órgãos
de gestão e meio ambiente; e representantes dos mais de 40 municípios atingidos.
Com isso, o CIF era formado de mais de 100 pessoas e a presidência era exercida
pela presidente do IBAMA. Esse era um órgão deliberativo e que tinha a premissa de
identificar os problemas e deliberar as decisões e como cada um desses problemas
seria endereçado.

Em um arranjo ideal, a Fundação Renova seria a executora das decisões tomadas no


CIF. Essa forma de procedimento já era usada em outras iniciativas de colaboração
que aplicavam recursos privados para solucionar problemas públicos. Esse arranjo
ajuda na organização da aplicação dos recursos. Os recursos quando destinados a
uma reparação específica, como no caso dos recursos destinados a reparação dos

46
danos causados pelo desastre do rompimento da Barragem de Mariana não tran-
sitam pelo orçamento público. Se os recursos entrassem nos cofres públicos, eles
teriam de ser destinados ao caixa único do tesouro e depois serem distribuídos aos
ministérios ou secretarias e só então serem aplicados em seus destinos, seguindo
todos os entraves e regramentos legais da execução da despesa pública. Ao se-
rem gerenciados por uma fundação de direito privado, por serem recursos privados,
poderiam seguir um tramite muito mais simples de aplicação, tornando o processo
muito mais veloz e com muito menor burocracia.

Apesar dessa vantagem existente, uma questão foi muito importante para a eficácia
de todo esse processo: a criação de um conselho curador dentro da FR que tinha
poder para modificar ou barrar as decisões tomadas pelo CIF. Essa é a disfuncionali-
dade da arquitetura de governança apontada anteriormente e que gerou um grande
problema no longo prazo. As decisões tomadas pelo CIF, e que não agradavam as
empresas que formaram a FR, eram obstaculizadas, gerando atrasos e a não execu-
ção de questões muito importantes como a indenização dos atingidos, por exem-
plo. Mesmo em momentos que a FR queria tocar o processo adiante, a influência
via lobby das bancas de advogados que defendiam as empresas gerava ruídos que
acabaram por tornar o processo cada vez mais disfuncional, deixando, ao final, uma
impressão de que o processo de solução via colaboração havia falhado, o que pro-
duziu um progressivo esvaziamento da colaboração até não sobrar nada relevante.
Essa escolha de arquitetura foi ainda mais prejudicada com a tentativa do MP de criar
um terceiro fórum de decisões com a participação da sociedade civil formada pelos
prejudicados pelo desastre. Esse terceiro Comitê nunca foi criado.

Com efeito, a construção de coalizões da sociedade civil atingida pelo desastre para
participação no processo de tomada de decisão enfrentou uma série de barreiras
como a desconfiança dos atingidos, que viam nas mineradoras o algoz de seus infor-
túnios, e que agora se apresentava como uma promotora incentivando-os a partici-
parem em um processo de busca de soluções. Essa solução foi bastante dificultosa,
mas se mostrou exitosa em alguns aspectos, como a criação de uma coalização que
passou a fazer parte do CIF e a constituição de um Comitê consultivo dentro da FR.

47
Todo isso aconteceu por uma crença muito forte da liderança do processo de que a
participação da sociedade civil era essencial para a produção de soluções realmente
impactantes. Esse patrocínio da liderança da colaboração foi importante para vencer
as resistências históricas existentes.

Além dessas duas instâncias de decisão, para apoiar as decisões do CIF foram cria-
das mais de 100 câmaras técnicas. Essas câmaras tinham a função de municiar o CIF
com informações e soluções tecnicamente estudadas e viáveis do ponto de vista de
aplicação e aderência à realidade e contexto. Essa organização foi muito importan-
te, pois no começo do processo apareceram diversas empresas tentando oferecer
tecnologias para aplicação em soluções, incluindo tubos e dragas para a remoção
da lama, algo que se mostrou totalmente inviável com o passar do tempo. Essas
Câmaras técnicas foram muito atuantes, pois além de apontarem as soluções, fa-
ziam todo o monitoramento do andamento de suas aplicações e da forma como as
soluções estavam evoluindo no tempo. Um exemplo foi a recuperação de pequenas
nascentes, os técnicos do IBAMA e do ICMBio fizeram mais de 80 visitas técnicas
de acompanhamento, observaram que a recuperação estava acontecendo, pois em
algumas dessas nascentes, apareceram peixes depois de um tempo, mesmo sem
a inserção desses peixes no local, ou seja, a natureza estava encontrando meios
de se recuperar mesmo após um desastre tão impactante e devastador como o de
Mariana. Outro exemplo foi a escolha do plantio de emergência das favas de feijão
em todas as áreas que foram atingidas pelas lamas e que possuíam a necessidade
de fixação dessa lama para que ela não escorresse para o rio e contaminasse ainda
mais as águas. Esse processo foi decidido e realizado em tempo recorde, evitando
que o desastre se agravasse. Em pouco tempo, era possível ver todas as localidades
verdinhas de favas de feijão. Esse foi um processo transitório, com o plantio posterior
da vegetação nativa da região quando o solo já estava firme.

Elementos do contexto e direcionadores


Quando aponta-se o olhar para os elementos do contexto que agiram para que a
colaboração se iniciasse e tivesse prosseguimento, vê-se a importância do arcabou-

48
ço legal e dos agentes que executam esse arcabouço em todo o processo. A forma
como o arcabouço legal existe e foi aplicado, com a busca da assinatura de um TTAC
o mais rápido possível, e a imposição de uma série de obrigações à FR sem que
essas obrigações estivessem maduras e com seus planos de aplicação mais avan-
çados, mostraram que os aspectos legais muitas vezes se impõem acima da própria
realidade. A questão legal aqui foi muito sensível, e a forma como o MP conduziu
todo esse processo, se colocando como o guardião do cumprimento indiscrimina-
do dos aspectos legais, acabou impedindo que inovações importantes obtivessem
sucesso em sua aplicação. Inclusive a postura de não reconhecimento da FR como
parte do processo, foi um problema muito grande para o sucesso de toda a iniciativa
da colaboração, como será desenvolvido mais adiante.

As condições encontradas no pós-desastre e a forma como os recursos foram dis-


ponibilizados também foi muito importante para direcionar o processo para uma co-
laboração. Os recursos necessários para a reparação de todo o desastre era algo
desconhecido de antemão, o que colocou todos em uma situação muito incerta. As
empresas envolvidas falavam facilmente em cifras astronômicas de recursos que
seriam disponibilizados para a execução desses reparos ambientais e sociais, con-
tudo, com o decorrer do tempo, foi se percebendo que esses recursos seriam bem
menores. Todo o processo foi se desenhando com o tempo, e o desenvolvimento do
contexto e sua mudança foram impactando e sendo impactados pela opinião públi-
ca. A opinião pública foi muito importante para o início da colaboração, mas foi arre-
fecendo com o tempo, restando apenas os atingidos como parte de um processo de
pressão para que os recursos continuassem a fluir e para que as soluções planejadas
realmente fossem implementadas em sua completude.

Quanto ao impacto das experiências anteriores no contexto da colaboração, esse foi


neutro, pois como o contexto era totalmente novo, experiências anteriores ainda não
estavam em curso. Essa falta de experiências anteriores e a extensão dos impactos
do desastre e do problema público enfrentado gerou nos envolvidos uma percep-
ção muito positiva de que a opção por um regime colaborativo geraria resultados

49
superiores, mesmo sem a existência de experiência anterior. O caso de brumadinho
certamente muito se beneficiou da experiência em Mariana.

Já a Dinâmica Política foi um elemento que ajudou muito a escolha do modelo cola-
borativo e seu início. O patrocínio político foi imediato com ações que levaram a uma
construção colaborativa muito exitosa em seus primeiros passos. Um exemplo disso,
foi que o prefeito de uma cidade atingida, já no dia seguinte ao desastre entrou em
contato com organizações da sociedade civil buscando respaldo para as ações em
relação ao desastre. Essa iniciativa é emblemática do ambiente político favorável à
colaboração que se instalou. Tanto o Governo Federal, como os Governos Estaduais
e Municipais envolvidos disponibilizaram seus melhores recursos intelectuais para
atuarem no processo, mostrando o nível de patrocínio que a iniciativa recebeu. Um
processo de compartilhamento de poder se mostrou muito propício a acontecer,
com todos identificando os ganhos políticos possíveis.

Com o desenvolvimento da colaboração, esse patrocínio foi diminuindo, principal-


mente pela percepção de que o processo não estava dando os resultados espera-
dos, principalmente pela velocidade empregada na entrega das ações propostas.
Isso fez com que nomes de peso abandonassem o processo, tornando o patrocínio
político cada vez menor. Outro ponto importante foi a falta de patrocínio do Ministério
Público e da Defensoria Pública, que acabaram ao final, avocando o protagonismo
do processo para si e enfraquecendo os demais parceiros, levando-os a diminuírem
seus patrocínios políticos no processo devido à percepção de que a falta de resulta-
dos poderia impactar em suas imagens pessoais.

A postura do Ministério Público mostrou um problema muito sério de falta de Dispo-


sição em Compartilhar Poder. O MP não abriu mão de ser o protagonista no processo
de colaboração ligado aos aspectos jurídicos, gerando um esvaziamento da cola-
boração na medida em que permitiu um quadro de judicialização indiscriminada, a
partir de bancas de advogados que defendiam as empresas que discordavam das
decisões tomadas pelo CIF. Essa postura do MP impactou diretamente no contexto
levando a um processo de desgaste irreparável.

50
As conexões entre os parceiros foi algo importante para diversos elementos que se
seguiram ao desastre provocado pelo rompimento da barragem de Mariana. A falta
de uma proximidade entre os parceiros foi um fator que dificultou o entendimento
inicial, no entanto, esse fator foi sendo gradativamente vencido. Mesmo com um bai-
xo nível de confiança prévio entre as partes, o processo de aproximação acabou sen-
do rápido, e em pouco tempo um TTAC foi elaborado e colocado em prática, mesmo
com todas as suas limitações e disfunções. Isso possibilitou que medidas emergen-
ciais fossem tomadas, mas também levou à definição de uma série de medidas que
ainda não estavam maduras a serem implantadas.

O contexto sociocultural teve um impacto muito grande na forma como a partici-


pação da sociedade civil se deu em todo o processo. A falta de uma organização
prévia dos atingidos produziu uma participação inicial inferior ao necessário para que
o processo fosse mais bem desenvolvido. A assinatura do primeiro TTAC não teve a
participação dos atingidos, a partir da sociedade civil. Não pela falta de vontade dos
parceiros envolvidos, mas pela falta de uma sociedade civil organizada que pudesse
representar os atingidos pelo desastre. Mesmo após um tempo, essa organização
ainda era precária e a participação da sociedade civil era incipiente. O conselho da
sociedade civil pensado pelo MP e incluído no segundo TTAC nunca foi instalado e
mesmo iniciativas engendradas pela FR resultaram apenas na construção de conse-
lhos consultivos, que não tinham voto nos Comitês deliberativos.

Uma outra questão cultural identificada e que teve um grande impacto na colabora-
ção foi a cultura empresarial de não considerar as demandas sociais como importan-
tes. Muitas empresas tendem a se considerar como parte que sabe o que precisa ser
realizado e não tem interesse qual a opinião da sociedade atingida. A concordância
ou não com suas ações e formas de operar não é importante para essas empresas.
Elas obtêm as licenças governamentais, cercam seus locais de atuação e não per-
guntam para a sociedade se ela concorda ou não com a forma que estão operando,
com os impactos que estão causando àquela sociedade. Essa falta de uma visão
de responsabilidade, foi um elemento prévio muito importante para a forma como a
criação da FR foi realizada. Questões como a ESG foram totalmente ignorados, e a

51
participação da sociedade considerada como impeditiva de se alcançar um resulta-
do rápido e eficiente. Não que fosse feito por uma postura deliberada, mas por uma
postura baseada em uma cultura arraigada em parte do empresariado de que eles
sabem o que é melhor para as suas empresas e para sociedade que as cerca e que
é impactada por suas ações.

Além da debilidade da participação da sociedade civil, a transparência de todo o


processo também foi um fator do contexto importante para promoção de accoun-
tability. O processo de transparência pode ser algo muito importante em uma cola-
boração. A colaboração só pôde acontecer porque existia uma aproximação e um
processo de transparência bastante amplo em relação a todos os recursos e demais
elementos que integram a colaboração. Com o declínio dessa transparência inicial,
questões como a assimetria de informações passaram a serem identificadas, tornan-
do o compartilhamento dos recursos e dos resultados cada vez mais difícil. A falta de
transparência entre o CIF e a FR, principalmente em relação a possibilidade do Con-
selho Curador da RF modificar as decisões tomadas foi algo que tornou o processo
bastante desgastado.

Um outro fator importante é o arcabouço legal envolvido. A responsabilidade de cada


elemento estava constitucionalmente distribuída entre os entes federados, o que im-
pedia o encaminhamento de uma solução unilateral de um desses entes sem que
reponsabilidade de outro ente fosse usurpada. Um exemplo dessa responsabilização
concorrente pode ser observado em relação ao terreno em que o desastre aconteceu.
O subsolo da região é de responsabilidade do Estado, mas a superfície é do municí-
pio. Os rios são de responsabilidade do Estado, mas como o Rio Doce corta mais de
um estado da federação, essa responsabilidade deve ser compartilhada entre esses
estados. Outras muitas questões ligadas ao arcabouço jurídico de responsabilização
tiveram impacto na escolha da colaboração como a melhor opção para o encaminha-
mento da solução para o problema público complexo, como já listado no contexto.

Em todo o processo de construção de soluções, alguns direcionadores agiram com


maior força para que o processo se desenvolvesse de uma forma positiva. Um des-

52
ses direcionadores foi Incentivos Consequenciais. Esses incentivos apontavam para
a colaboração como uma das poucas opções que possibilitava o envolvimento de
todos os entes com responsabilidades no processo. A esperança de que uma série
de resultados seriam aferidos como consequências da colaboração também ser-
viram de incentivo para a escolha da opção colaborativa. Mesmo abstraindo-se a
questão do desastre, várias partes acreditavam que licenciamentos ambientais di-
ficilmente poderiam ser totalmente implantados pelas empresas concessionárias
de forma isolada. Uma experiência colaborativa como a de Mariana poderia ser um
Benchmarking maravilhoso para a solução da falta de expertise das empresas, pos-
sibilitando a inclusão de diversos outros atores que contribuiriam para a implantação
eficiente e eficaz dos projetos ambientais de licenciamento ambiental de grandes
obras de infraestrutura.

A questão da Interdependência entre os diversos parceiros que passaram a colabo-


rar é evidente e também foi um forte indutor do processo de colaboração. Cada um
dos entes federativos era responsável por um aspecto do desastre, mas todos se-
riam beneficiados pelos resultados gerados pela colaboração. Essa interpendência
era prévia e continuou por toda a colaboração, mostrando como a condução do pro-
cesso era extremamente complexa e dependia de uma ação coordenada e alinhada
em prol de uma solução viável, mas também efetiva.

As Incertezas e Riscos envolvidos eram enormes, o que também incentivou a es-


colha da colaboração como solução. Contudo, boa parte das inovações tentadas
durante o processo foram barradas pelo MP e pela justiça, que optou por consi-
derar mais os argumentos das bancas de advogados que as decisões e soluções
engendradas pela colaboração. Essa falta de um ambiente voltado à inovação mais
ampla acabou prejudicando todo o processo, que entrou em declínio muito rapi-
damente. Mesmo com o esforço das Câmaras técnicas, do CIF e da FR em pro-
mover inovações e adaptações no processo, a resistência do MP e as disfunções
de governança impediram que elas prosseguissem, principalmente na área social.
Um exemplo foi a demora no pagamento das indenizações. Essa demora acabou
levando ao surgimento cada vez mais de pessoas que se diziam atingidos pelo

53
desastre e que passavam a pleitear fazerem parte do rol de pessoas indenizáveis.
Para sanar esse problema, as Câmaras Técnicas desenvolveram toda uma meto-
dologia para identificar quem realmente era o atingido pelo desastre, no entanto,
as bancas de advogados passaram a contestar qualquer diferença mínima de valor,
ou critério usado para determinar quem deveria ser indenizado e por qual valor,
postergando o processo e levando a um desastre social ainda maior que o já cau-
sado pelo rompimento da barragem. Essa contestação das bancas de advogados
chegou ao absurdo de pleitear indenizar apenas as pessoas que tinham a cartei-
rinha de pescador, sem considerar todo o contexto de informalidade que permeia
essa profissão.

Por fim, as soluções de liderança apresentadas foram muito importantes no di-


recionamento de todo o processo. A forma como a liderança foi exercida levou a
um resultado possível muito interessante, dadas as restrições de governança, de
participação da sociedade civil e da postura corolário a todo o processo toma-
da pelo Ministério Público. A liderança dentro do Comitê Inter Federativo ficou a
cargo do IBAMA. A presidente do órgão à época se empenhou pessoalmente em
tornar o processo factível. Mesmo ele se desenvolvendo com um certo caos por
conta da quantidade de pessoas envolvidas, seus resultados foram muito significa-
tivos e mostraram que um processo colaborativo pode abrigar uma soma enorme
de componentes na busca de soluções compartilhadas para problemas públicos
complexos. Essa liderança do IBAMA foi muito bem conduzida, com a participação
em todas as reuniões do CIF que aconteceram, gerando uma confiança muito im-
portante para os demais parceiros.

A liderança realizada pelo IBAMA foi muito voltada para ajudar a inclusão de todos
no processo decisório. O poder dessa liderança foi usado para “power over,” “power
to,” e “power for” (Purdy, 2012), ou seja, a liderança buscou materializar um processo
de busca de consenso com a participação de todos os envolvidos na colaboração.
Essa postura possibilitou o surgimento de lideranças pontuais a depender do tipo de
assunto que era tratado, principalmente do pessoal técnico, incorporando as indica-
ções dadas pelas Câmaras Técnicas as decisões a partir de uma visão de que essas

54
indicações eram um tipo de respaldo para as discussões e deliberação acerca das
possibilidades existentes.

Dentro da Fundação Renova, a liderança da Presidência da fundação foi muito im-


portante para que as decisões do CIF fossem implantadas. Mesmo com o Conselho
Curador tendo uma visão mais pró-empresa, a liderança exercida pela Presidência se
mostrou bastante importante. Essa liderança levou a execução de uma gama enor-
me de projetos, possibilitando também que o próprio conselho se desenvolvesse e
buscasse consensos em diversos momentos. Mesmo com o poder de decisão desse
conselho sendo considerado uma disfunção dentro do processo de governança da
colaboração, ele acabou funcionando com uma característica de busca de consenso
em suas decisões, o que é louvável, dada a mentalidade de alguns executivos que
faziam parte de sua composição.

O Ministério Público também acabou exercendo um tipo de liderança no processo,


mas como não estava incluído nem no CIF, nem no conselho da Fundação Renova,
acabou por avocar um protagonismo que ao final minou a colaboração. Esse protago-
nismo interessava as bancas de advogados que incentivaram esse processo quando
buscavam sempre a arbitragem judicial sobre todas as decisões de assuntos que
não concordavam com o que era decidido dentro da colaboração. Essa postura aca-
bou inflando a participação do MP que era chamado como contraparte das bancas
de advogados sempre que a justiça era acionada. Esse protagonismo do MP acabou
diminuindo o protagonismo dos Comitês como o CIF e levando a um processo de
deterioração da colaboração, exatamente por conta da falta de compartilhamento
do poder por parte do MP.

Elementos da dinâmica colaborativa


A questão que chama mais atenção foi a arquitetura de governança desenvolvida
para a condução da colaboração. A arquitetura de governança montada na colabo-
ração foi totalmente disfuncional. A existência de dois polos de tomada de decisão
lutando pela legitimidade em encaminhar os processos levou a uma paralisia impor-

55
tante de toda as decisões da colaboração. O CIF, que era o comitê com legitimidade
original para a tomada de decisões, por envolver os interessados, poder público, que
em última instância é o representante legítimo da sociedade, mesmo que com baixa
representatividade dos afetados, procurou construir soluções próximas das comu-
nidades e dos problemas, desenvolvendo técnicas e inovações importantes devido
à natureza dos problemas enfrentas, que eram em sua maioria inéditos e extrema-
mente complexos.

Mesmo com essa legitimidade natural que o CIF tinha para a tomada das decisões
por sua natureza diversa e inclusiva, a Fundação Renova acabou formando um outro
Comitê decisório, que foi o Conselho Curador. Esse segundo polo de tomada de de-
cisões, mesmo sem ter a legitimidade do CIF, tinha muito poder, atrasando o proces-
so ou impedindo que as ações fossem realizadas. Esse poder decorria do patrocínio
dado pelas empresas financiadoras a alguns conselheiros que funcionavam como
defensores dos interesses da empresa. Esses conselheiros usavam o poder dados a
eles pelas empresas para barrar as decisões tomadas pelo CIF que de alguma forma
incomodasse a cultura empresarial de solucionar os problemas isoladamente.

A influência das bancas de advogados de grandes escritórios de advocacia que de-


fendiam as empresas causadoras do desastre também foi bastante sentida no pro-
cesso de governança e em sua disfunção em gerar as condições para que os pro-
cessos ocorressem de forma adequada. Essa influência levou a uma judicialização
constante das decisões tomadas e um processo de desarrumação que culminou
com a completa disfuncionalidade da colaboração. Essa postura beligerante das
bancas de advogados levou a colaboração a não encaminhar mais nenhuma decisão
que contrariasse os interesses das empresas.

Um segundo elemento importante foi a forma como a estratégia foi desenvolvida


e aplicada, por meio de um TTAC. Esse documento engessou o processo e levou a
uma baixa otimização das possibilidades de adaptações e de soluções inovadoras
mais profundas para a solução dos problemas enfrentados, principalmente os so-
ciais. Como esse era um processo totalmente novo, as inovações de como encami-

56
nhar as soluções era algo inerente ao processo. Ainda assim, um planejamento estra-
tégico engessado foi engendrado dentro da colaboração. É importante pontuar que
o TTAC funciona como um planejamento estratégico, mas a sua forma e sua rigidez
acabam por funcionar como um entrave ao desenvolvimento saudável da colabora-
ção que precisa de um processo orgânico de feedback e feedfoward forte para se au-
toalimentar e gerar as adaptações e inovações necessárias para a sua continuidade.

O TTAC tem em sua estrutura um componente mandatório que obrigava a FR a cum-


prir ipsis litteris as ações ali contidas. Esse documento acabou sendo produzido de
forma muito apressada, incluindo em seu corpo uma série de questões que poste-
riormente se mostraram impossíveis ou contraproducentes. Um exemplo é a remo-
ção da lama de rejeitos da mineração que se espalhou e se alojou no leito dos rios.
O TTAC determinava que as empresas deveriam remover uma quantidade enorme
dessa lama dos rios, mas com o passar do tempo, verificou-se que essa ação não era
possível, pois causaria mais problemas e danos ao meio ambiente que deixar a lama
onde estava.

A falta de adaptação na estratégia provocada pela adoção do TTAC foi tão importante
que mesmo após homologado pela Justiça, um novo TTAC foi redigido e aprovado.
Esse movimento mostra como uma estratégia adaptável é importante para a cons-
trução de uma colaboração mais saudável e com maiores possibilidades de sucesso.

Um outro elemento é a construção de conhecimento e a busca de inovações, que foi


algo constante dentro da colaboração. Ainda assim, esse processo foi exitoso apenas
nos aspectos ambientais, não atingindo seus objetivos na área social. Um exemplo
dessa questão foi que mesmo com o CIF junto das Câmaras Técnicas desenvolven-
do uma metodologia de identificação dos atingidos, a falta de um ambiente propício
para a sua aplicação levou a uma contestação dessa metodologia e a judicializa-
ção de todo o processo de indenização. A existência de um ambiente seguro para a
aplicação das inovações desenvolvidas é essencial para que o processo aconteça e
produza os resultados pretendidos. No caso das indenizações, a postura das bancas
de advogados que defendiam as Mineradoras, e que contestavam todos os aspectos

57
ligados as indenizações, levou a um processo de cerceamento da implantação das
inovações produzidas que culminou com uma judicialização quase que total do pro-
cesso, levando a uma falência das iniciativas inovadoras propostas pela colaboração.

A participação da sociedade civil constitui outro elemento essencial. Houve, nesse


sentido, um déficit considerável, o que dificultou a construção da legitimidade das
ações e a sua efetiva adoção por toda a comunidade. Um problema muito impor-
tante nesse caso foi a falta de uma coalizão previa que pudesse representar todos
os atingidos. Mesmo passado algum tempo do desastre, essa coalizão ainda não
tinha se formado, precisando de ações direcionadas pela colaboração e pela FR para
que ela se formasse minimamente. Ainda assim, a construção de confiança com os
demais parceiros da colaboração foi muito difícil. Existia uma barreira cultural muito
grande envolvida em todo o processo, por conta da forma como as relações entre
mineradoras e sociedade sempre se desenvolveram. Existia uma animosidade his-
tórica entre as mineradoras e as populações da região ligadas a questões políticas
e pela falta de um entendimento das mineradoras de que a opinião da sociedade é
importante para continuidade da sua atividade ao longo do tempo, com uma adesão
verdadeira aos mandatos e recomendações do ESG.

Mesmo com todas as ações implementadas em prol da construção de coalizões


da sociedade civil dos atingidos, a postura histórica das mineradoras, a demora na
implementação das indenizações com o consequente aparecimento de novos liti-
gantes como atingido e o lobby feito pelas bancas de advogados em favor de uma
judicialização do processo acabaram por inviabilizar soluções mais efetivas via co-
laboração. Assim, a Abordagem de Coalização Estratégica acabou por ser preterida
no processo o que levou a maior distância entre as soluções apresentadas e as reais
necessidades da sociedade, mostrando como a participação da sociedade civil nas
colaborações é essencial para o seu sucesso.

A construção de um processo de defesa das pautas ligadas a essa participação não


aconteceu como necessário, gerando uma perda irreparável. O aprendizado voltado
para a construção de uma política de participação não ocorreu, o que dificultou o

58
envolvimento das pessoas no processo. Essa dificuldade de envolvimento desagre-
gou a construção de autoridade por parte da sociedade civil que pudesse defender,
frente aos demais parceiros, as pautas necessárias a construção de uma solução
realmente dimensionada as perdas sofridas pela comunidade.

Outro elemento é a construção de coalizões, que foi precária e lenta, dificultando


o compartilhamento de informações entre os atingidos. Essa falta de informações
também produziu um processo que levou a uma deterioração precoce de qualquer
tentativa de construção de soluções mais customizadas as demandas de cada parte
da sociedade atingida. Sem o ganho de poder trazido por uma coalizão da socieda-
de civil, ela acabou envolvida em uma disputa entre a colaboração e o MP que ao
final produziram um resultado desastroso e muito aquém das possibilidades iniciais.
A falta de uma organização comunitária prévia também foi um fator dificultador da
participação da sociedade civil na colaboração, o que produziu um processo muito
mais demorado de início e consolidação.

Toda essa falta de participação da sociedade civil dificultou o aprofundamento dos


resultados, principalmente os ligados a parte da reparação dos danos sociais causa-
dos pelo desastre. Isso tudo foi um grande problema para a continuação da colabo-
ração, pois a falta de resultados concretos nesse campo acabou por deslegitimar a
colaboração e ao final levá-la a perder relevância e praticamente morrer.

Um último ponto importante e que se relaciona a vários elementos da dinâmica co-


laborativa, e que foi essencial para o fracasso da colaboração, foi o protagonismo
avocado pelo Ministério Público no processo como o guardião do arcabouço legal.
Esse protagonismo acabou por minar o poder de encaminhar soluções pela cola-
boração e levou a um desengajamento dos participantes. O MP não quis fazer par-
te da colaboração desde o seu início, não fazendo a defesa do processo e ficando
apenas como expectador. Essa postura de não envolvimento se tornou uma postura
quase de oposição ao defender a adoção de um modelo diferente. Isso ficou muito
evidente quando acorreu o desastre de Brumadinho. Nesse momento, o MP não dei-
xou nem começar um processo de colaboração como o que aconteceu em Mariana.

59
Essa postura mostra uma visão de que o processo de criação e implantação de so-
luções seria mais bem conduzido se apenas a justiça cuidasse de todos os aspectos.
O comportamento do MP pode ser tratado como uma consequência dos resultados
de Mariana, mas também, como uma visão pré-existente no MP de não acreditar no
modelo colaborativo, se comportando não como um patrocinador, mas como um
opositor do processo.

Essa oposição e os problemas de governança existentes acabaram minando o en-


gajamento de todos os participantes, que incialmente era muito grande, e que foi di-
minuindo com o tempo. A falta de resultados gerou uma percepção de inércia apon-
tando para uma perda de imagem para muito dos envolvidos. Essas pessoas não
queriam ter a sua imagem associada a uma iniciativa que não entregava resultados.
Elas foram deixando os cargos chaves e sendo substituídas por pessoas com menor
poder político, o que foi naturalmente minando o patrocínio político da colaboração.
A Motivação Compartilhada que era muito grande no começo também foi perdendo
intensidade e ao final se tornou quase que um impeditivo a capacidade de colabora-
rem na busca de soluções para se chegar a um objetivo em comum.

Resultados
Os resultados alcançados foram interessantes na contenção de maiores danos, prin-
cipalmente em evitar que novas barragens do sistema se rompessem. Apesar desse
sucesso inicial, a colaboração conseguiu algum sucesso em encaminhar soluções
para os danos causados ao meio ambiente e nenhum sucesso em endereçar solu-
ções para os problemas sociais, os mais extensos de todo o desastre.

Em relação aos resultados de longo prazo, a impressão deixada foi muito negativa.
A colaboração acabou por desincentivar a adoção do modelo em desastre poste-
riores e é malvista como processo por diversos órgãos estatais, como já mostrado
em relação ao MP. Mesmo pessoas que acreditam no modelo pontam uma série de
problemas que a iniciativa deixou na busca de incorporar o modelo as possibilidades
de soluções para problemas públicos complexos dentro dos governos. Esse resulta-

60
do de longo prazo foi muito prejudicial à adoção do modelo colaborativo, mesmo o
estudo do fracasso que aconteceu em Mariana mostrar uma série de aprendizados
de como não se deve proceder em casos complexos como esse.

Uma série de resultados importante foi a promoção de maior justiça social nas
soluções propostas. Mesmo que com baixa participação da sociedade civil, as so-
luções engendradas pela colaboração foram muito melhor aderentes a realidade
que iniciativas unilaterais como a executada pela justiça no caso de Brumadinho.
Houve uma preocupação de se identificar com precisão os danos causados de
forma individualizada e na proporção mais próxima das perdas dos cidadãos atin-
gidos pelo desastre. Um exemplo foi a busca por uma justiça bruta, já que uma
justiça que compensasse questões emocionais era algum impossível de ser reali-
zada. Assim, a justiça precisava ser dosada por grupos de indivíduos e não de forma
massificada como acaba acontecendo em processos judiciais impessoais como os
conduzidos em Brumadinho.

61
Projeto de PPP para
Construção
e Gestão de
um Hospital
Estadual em
Florianópolis –
Santa Catarina

O problema e os desafios
colaborativos
A universalização da saúde como política de estado no
Brasil é um processo bastante recente. Com a Consti-
tuição de 1988, a saúde passou a ser um direto do ci-
dadão, sendo assim, universalizada a partir de iniciati-
vas e políticas públicas existentes até então. Para que
esse processo acontecesse, o SUS – Sistema Único de
Saúde foi criado e uma série de leis passaram a des-
tinar uma parcela substancial dos orçamentos públi-
cos da União, Estados e Municípios para investimento
e manutenção do sistema de saúde. Ainda assim, há
subfinanciamento, com investimentos muito aquém do
necessário. A capacidade dos governos de investirem
em saúde está esgotada, pois os recursos destinados,

62
normalmente, já estão todos comprometidos com a manutenção do sistema e dos
atendimentos gerados pela demanda já instalada. Ainda perduram questões políti-
cas e técnicas que acabam limitando o SUS em prover uma política pública de saúde
efetiva para a população.

Além dessas questões todas já apontadas, há os efeitos da pandemia de Covid-19,


que levou o sistema público de saúde a seu limite em alguns momentos. Mesmo sob
estresse, o sistema se mostrou robusto e maduro para suportar picos de demanda
no auge da pandemia e ainda provar que tem um valor inestimável, a exemplo da
rápida vacinação em massa dos brasileiros no momento em que as vacinas foram
liberadas.

Mesmo com toda essa robustez que o sistema apresenta, existem diversas deman-
das que não podem ser atendidas pelo poder público. Em muitos casos, a falta de
recursos para o desenvolvimento de iniciativas necessárias é gritante. Questões li-
gadas a modernização de alguns hospitais que são muito antigos e que não estão
mais em condição de atendimento são deixadas em segundo plano pela falta de
recursos. Essas reformas e modernizações consomem uma soma de recursos muito
grande que deve ser aplicada de imediato para se colher os frutos por um longo pe-
ríodo. Além dessa questão dos recursos, muitas vezes, a reforma é inviável, pois seria
necessário parar o atendimento, o que é impossível em diversos lugares pelo Brasil
pela falta de aparelhos substitutos com a capacidade requerida.

Toda essa problemática foi sentida pelo Estado de Santa Catarina quando a Secre-
taria de Saúde identificou a necessidade de reformar os dois hospitais existentes na
capital Florianópolis. Esses hospitais estão em um local estratégico e precisam de
urgentes reformas, além da ampliação do atendimento para suportar a demanda
existente de atendimentos e cirurgias e o crescimento projetado da demanda para
os próximos anos. Sem essa reforma, os hospitais entrarão em colapso logo, o que
poderia causar grandes problemas para a população de Florianópolis. Inclusive, o
Ministério Público já cogitou interditar os hospitais por falta de condições técnicas de
conservação para operar.

63
O fato de o sistema ser universalizado faz com que os hospitais públicos atendam
a toda a população que necessite de consultas médias e cirurgias e que não tenha
condições de procurar por atendimento particular. Essa demanda só tende a au-
mentar com o envelhecimento da população brasileira que está em curso para os
próximos anos. Assim, projetar esse crescimento de necessidade e agir de imediato
provendo a solução para esse problema é uma função muito importante da parte do
poder público. Isso pode garantir o cumprimento do artigo da Constituição Federal
de 1988 – CF88 que garante o direito à saúde para todos os brasileiros, e não apenas
para aqueles que podem pagar.

O problema identificado apontou para a necessidade da construção de um novo


hospital. Essa foi a alternativa encontrada à reforma dos dois hospitais existentes,
principalmente por ser uma iniciativa que poderia garantir um projeto mais moderno
e com a projeção da capacidade de atendimento para as necessidades futuras. Para
dar início a busca por uma solução viável, a Secretaria de Saúde procurou a Secre-
taria da Fazenda para iniciar uma parceria. A procura por alternativas a construção
do hospital pela Secretaria de Saúde com recursos próprios foi cogitada pois levaria
mais de 10 anos para concluir uma obra da magnitude necessária para a solução
do problema público identificado. A construção do hospital de forma unilateral pela
Secretaria da Saúde envolveria uma soma muito grande de recursos públicos e um
tempo e consumo de recursos humanos inviável nas condições atuais da gestão
pública no estado de Santa Catarina.

A solução encontrada pela Secretaria da Fazenda foi de projetar uma PPP – Parce-
ria Público Privada em que parceiros privados pudessem investir na construção do
hospital e posteriormente fossem remunerados pelos atendimentos que realizasse
no complexo construído. O uso das PPPs para esses projetos é uma solução muito
interessante quando o Estado não tem os recursos para investir na construção de
aparelhos públicos de grande porte.

Com a decisão de se buscar a solução por meio de uma PPP, foi assinado um Termo
de Cooperação Técnica entre as secretarias da Fazenda e Secretaria da Saúde. Vale

64
lembrar que o Estado de Santa Catarina já possui uma estrutura burocrática orga-
nizada para o desenvolvimento dessas iniciativas de colaboração. Essa estrutura é
o CGPPI – Comitê Gestor do Programa de Parcerias e Investimentos. Esse comitê é
formado por diversos parceiros da gestão pública, como a Secretaria da Fazenda, a
Casa Civil, a Secretaria de Estado e Administração e pela Procuradoria Geral do Es-
tado. Além do comitê, o Estado de Santa Catarina possui uma Agência Reguladora
– ARESC que cuida da regulação e fiscalização dos contratos firmados pelo poder
público com o particular.

Os termos de Cooperação Técnica firmados pelo Ministério da Fazenda com as de-


mais Secretarias são geridos pelo comitê do CGPPI. Ao comitê é integrada a Secre-
taria responsável pelo projeto, passando a fazer parte do comitê nas reuniões de
gestão do projeto que faça parte da parceria. Essas cooperações são verdadeiras
Governanças Colaborativas em sua expressão mais clássica, pois envolvem uma sé-
rie de parceiros na busca por um objetivo comum, que é ao final, projetar uma PPP
que solucione o problema público identificado.

No caso da construção do hospital em Florianópolis, esse processo começou em


2019 com entendimentos preliminares. O contrato foi assinado já em 2020 com a pre-
valência da ideia da construção de um novo hospital que substituiria os outros dois
hospitais sem condições de uso conforme apontado pelo Ministério Público. Na con-
tinuidade dos esforços para que o projeto da PPP acontecesse, identificou-se que o
poder público não dispunha de toda a expertise necessária para o desenvolvimento.
A iniciativa demandava uma série de projetos como de engenharia, um estudo eco-
nômico-financeiro, uma projeção de demanda hospitalar para os próximos 40 anos,
entre outras muitas demandas que um projeto tão grande como esse necessitava. É
importante destacar que essas capacidades existem nos quadros do funcionalismo
do Estado, mas devido as diversas tarefas que esses servidores já possuem, não te-
riam condições de se dedicarem como um projeto complexo como esse exige.

Com a ideia nas mãos e uma projeção das necessidades que o desenvolvimento do
projeto exigiria, o estado começou a buscar agências de fomento que pudessem

65
financiar a iniciativa. Uma reunião foi agenda com o BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento, que aceitou financiar o projeto. O valor financiado foi de 850 mil
dólares de forma contingente, ou seja, a responsabilidade de pagamento do finan-
ciamento será do vencedor da licitação para execução da PPP e não da gestão pú-
blica do Estado de Santa Catariana. Esses recursos não são destinados para a cons-
trução do empreendimento, mas para financiar o desenvolvimento de todo o projeto.
Para que esse segundo nível da colaboração acontecesse, foi assinado um convênio
do Estado de Santa Catarina com o BID.

Os valores aportados na colaboração foram usados para a contratação de consulto-


rias pelo próprio Banco de Fomento – BID. As consultorias tinham como escopo de
trabalho auxiliar a Gestão Pública a desenvolver todo o projeto da PPP. Assim, foram
contratados um escritório de advocacia especializado em direito de infraestrutura,
profissionais da área médica hospitalar para fazer um diagnóstico de demanda assis-
tencial projetando para os próximos 40 anos, um escritório de engenharia e um es-
critório de arquitetura. Para gerenciar o projeto, funcionando como um PMO – Project
Management Office, o BID contratou a Accenture, empresa com grande expertise
na condução de grandes projetos. Com isso, a colaboração passou a ter o suporte
de cinco empresas para a construção em conjunto de todo o projeto, aportando as
competências que o estado não possuía, com dedicação integral, atuando cada um
em sua competência e somando ao projeto. O processo finaliza em 2022 e a licitação
para a contratação da PPP acontece ainda nesse mesmo ano.

Elementos do contexto e direcionadores


Nessa iniciativa, algumas questões sobre o Contexto eram muito evidentes e tive-
ram um grande peso no momento de organizar o processo. Uma dessa condições
do contexto é a questão da Escassez de Recursos dentro da gestão pública para
a execução da solução do problema público existente. A escassez de recursos na
gestão pública para atender todas as demandas que a sociedade tem é algo am-
plamente conhecido e reconhecido como de difícil solução. Essa falta de recursos
pode inviabilizar diversas iniciativas necessárias para que o Estado forneça os ser-

66
viços público de forma completa à população. Uma série de iniciativas concorrem
pelos recursos, e muitas vezes, a urgência e priorização de algumas delas, leva ao
poder público priorizar uma necessidade e deixar outras em segundo plano. No
caso estudado, a identificação pelo Ministério da Saúde de que os recursos dispo-
níveis fariam com que o projeto, quando realizado exclusivamente pela secretaria
levaria mais de 10 anos para ser concluído, mostra bem a situação de contexto que
o Estado se encontra.

Outra questão ligada ao contexto era a complexidade para a execução do projeto.


Como para tocar um projeto desses seria necessário uma série de profissionais com
dedicação exclusiva, focados, o Estado não dispunha desses recursos de pessoal.
Os funcionários com essa expertise já estavam sobrecarregados com muitas outras
tarefas, principalmente porque o Estado de Santa Catarina mantém um quadro de
pessoal bem enxuto. Essa necessidade de dedicação exclusiva produzia um défi-
cit de pessoal importante para que o projeto tivesse sucesso, sendo executado em
tempo hábil.

Em relação ao Arcabouço Legal disponível, as condições para a solução do proble-


ma público via Governança Colaborativa estavam todos dados, com tipos de contra-
tos e demais condições legais todas aprovadas e com experiências já implantadas
por todo o país e que poderiam ser usadas como Benchmarking. A existência desse
arcabouço legal produziu um contexto de incentivo a soluções via colaboração, prin-
cipalmente com o uso de recursos oriundos de empréstimos via bancos de fomento.

A questão das experiências anteriores também ajudou na escolha do modelo ado-


tado. O próprio estado de Santa Catarina tem uma série de iniciativas voltadas para
o desenvolvimento de infraestrutura que se utilizaram do modelo de PPP para seu
desenvolvimento. Inclusive, o Estado dispõe de uma empresa pública voltada a de-
senvolver projetos de parcerias chamada SCPAR – Santa Catarina Parcerias.

A grande novidade em relação a experiências anteriores desse processo foi o uso


da iniciativa para endereçar problemas na área da Saúde incluindo a construção do

67
aparelho que será objeto da PPP e não apenas a gestão de aparelhos já existentes.
Além disso, a busca de financiamento já para o desenvolvimento do projeto é uma
novidade para o estado de Santa Catarina. Ao se observar questões mais relacio-
nadas às falhas anteriores, vê-se a própria experiência do Estado em desenvolver
projetos similares de forma isolada no passado. Essa experiência mostra como um
processo desse é dificultoso e pode impor uma série de problemas que podem levar
a uma falha em atingir o objetivo proposto, atrasando o processo, ou mesmo paran-
do-o no meio e produzindo um grande desperdício de recursos públicos já escassos.

Outro fator de contexto muito importante é a Dinâmica Política existente no mo-


mento do início da colaboração, assim como, durante todo o seu desenvolvimento.
Quando existe um governo comprometido em apoiar politicamente o projeto, ele
passa a ter maior facilidade de ser implantado e de obter sucesso. Esse foi o contexto
existente em Santa Catarina com o Plano de Desestatização e criação de Parcerias
para investimentos do executivo estadual, ao utilizar essa plataforma como vitrine
do governo, Santa Catarina criou um ambiente propício a busca de alternativas para
a implantação de políticas públicas finalísticas usando parcerias. O incentivo dado
pelo Governo do Estado não ficou apenas na retórica, mas se transformou em ação
com a criação da Diretoria de Desestatização dentro da Secretaria da Fazenda. A
criação do CGPPI também foi uma ação política que resultou em um incentivo real
ao processo de colaboração, pois envolveu os principais atores ligados aos projetos
de colaboração que o governo em geral propunha.

Já em relação ao Network e Conectividade existente entre os futuros parceiros, ela


foi se desenvolvendo durante as etapas do processo de construção do resultado da
colaboração. Um primeiro Network foi realizado entre a Secretaria da Fazenda e a
Secretaria da Saúde, que gerou o primeiro entendimento, o Acordo de Cooperação.
Na sequência, a busca por um financiador para o projeto gerou novas conexões entre
o governo de SC e o BID. Ao final, ao contratar as consultorias, o BID produziu mais
Network e Conexão, ampliando a colaboração e gerando uma rede mais complexa
que a inicialmente empreendida.

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Já em relação ao nível prévio de confiança entre os parceiros, ele era considerável,
pois quando a Secretaria da Saúde identificou o problema, ela procurou a Secretaria
da Fazenda para o desenvolvimento de alternativas para a solução. Esse nível de
confiança prévio estava ancorado tanto na existência de um programa estabelecido
de busca de parcerias dentro do governo, como na percepção de que sem essa
parceria a solução poderia demorar tanto que seria praticamente inviável. A entrada
do BID como o financiador do projeto mostrou como a ideia inicial tinha aderência
com a realidade e que uma solução via PPP era possível. Isso amplificou a confiança
entre os parceiros anteriores e trouxe maior confiança ao BID no momento de tomar
a decisão de financiar o projeto.

Outro aspecto do contexto que chama a atenção é o reconhecimento por parte da


gestão pública de que não dispunha de todas as informações e expertises para cons-
truir o projeto em toda a sua complexidade. Esse reconhecimento da necessidade
de ajuda de especialistas e a percepção de que existia falta de informações essen-
ciais ao projeto, mostra uma humildade por parte dos gestores públicos e aponta
para uma condição que se apresenta em diversos momentos dentro da gestão pú-
blica. A questão não é a falta de competência para buscar essas informações, mas
sim a multiplicidade de tarefas que os servidores precisam desempenhar em suas
atribuições legais e a necessidade de dedicação mais próxima em caso de projetos
tão complexos como o que endereça o problema levantado nessa cooperação.

Um direcionador do processo de colaboração foram os Incentivos Consequenciais.


Quando a escolha de uma colaboração foi aventada, sua escolha como solução
apontava para uma série de incentivos como a possibilidade de se ter um parceiro
que aportasse os recursos necessários e que a gestão pública não dispunha. Outro
incentivo era o aporte de conhecimento técnico por parte das consultorias que pos-
teriormente foram contratadas pelo BID. Esse modelo de contratação de consulto-
rias garantia que as escolhas técnicas seriam realizadas de forma independente e
com a menor influência política possível, diminuindo os vieses existentes em muitas
decisões aparentemente técnicas, mas eivadas de vieses políticos tomadas por ser-
vidores de carreira ou comissionados. A questão de aporte de recursos de conheci-

69
mento também foi muito importante como consequência da escolha da colabora-
ção, pois era possível a incorporação de novos parceiros com grande expertise em
desenvolvimento de projetos como uma PPP.

A interdependência entre os parceiros foi um fator de impulso inicial, pois a Secreta-


ria da Fazenda e a Secretaria da Saúde acabam trabalhando próximas na execução
do orçamento público. Existe uma dependência da Secretaria da Saúde que verbas
orçadas sejam destinadas para os objetivos traçados, e que para que uma parce-
ria aconteça, diretorias específicas da Secretaria da Fazenda se envolvam no pro-
cesso. A participação do CGPPI também é essencial para que o processo aconteça,
incluindo a Procuradoria Geral do Estado, que dá todos os pareceres se as ações
empreendidas estão de acordo com o arcabouço Legal vigente. Sem a percepção
dessa interdependência, a colaboração não prosperaria e um desses parceiros que
não desempenhassem a contento as suas atribuições poderia impossibilitar a solu-
ção do problema público por meio da colaboração.

Um direcionador que acaba moldando muito a forma como as soluções da colabo-


ração são encaminhadas são as Incertezas e Riscos envolvidos na criação de valor
público para a solução do problema público identificado. A criação de um ambiente
seguro para inovações que mitiguem os riscos e incertezas é muito bem-vindo à
colaboração. Quando esses elementos são bem conduzidos, a colaboração tende
a se desenvolver e ganhar cada vez mais legitimidade entre os parceiros. Esse é o
caso do projeto da PPP abordado, como as incertezas e riscos foram sendo vencidos,
como por exemplo com a entrada do BID na colaboração que garantiu os recursos
necessários para o desenvolvimento do projeto, uma série de riscos e incertezas fo-
ram mitigados. Nessa mesma linha, quando o BID contratou as consultorias, o porte
de conhecimento técnico e de dedicação das consultorias elevou o nível de confian-
ça e reduziu o risco de falha de projeto. Além desse aporte de conhecimento espe-
cializado, a contratação de um PMO para o projeto mitigou anda mais os riscos de
que o projeto não surtisse os efeitos esperados, e que ao final, o resultado não fosse
satisfatório, ou mesmo inferior às possibilidades existentes.

70
Um último direcionador que tem um impacto muito grande em toda a colaboração,
não apenas como direcionador, mas em todos os aspectos dentro da colaboração
é o papel da liderança. A liderança quando olhada pelo aspecto formal pode ser um
fator facilitador do processo ou mesmo dificultador quando não se conscientiza da
necessidade de compartilhar o poder. Uma liderança centralizadora pode ser uma
grande barreira ao início de uma colaboração como também pode ser um fator de
quebra de confiança e de deslegitimação das decisões tomadas. Em movimento
diametralmente contrário, quando uma liderança formal compartilha do seu poder
de decisão com os demais parceiros, ela forma uma rede de tomada de decisão em
consenso que garante o surgimento de lideranças pontuais conforme as necessi-
dades impulsionadas por fatores como expertise e afinidade com uma determinada
tarefa ou decisão a ser tomada. Isso tudo gera uma liderança coletiva em alguns
momentos, ou pontual em outros momentos, amplificando as possibilidades do sur-
gimento de lideranças e agindo em favor do incremento da confiança e da legitimi-
dade de todo o processo.

A solução de liderança adotada na Governança Colaborativa do projeto da PPP em


Santa Catarina seguiu um modelo híbrido por meio dos comitês. Nesse caso, o comi-
tê técnico instruía o Comitê Executivo nos processos de decisão. Esse processo de
decisão era coletivo e por consenso, contudo, quando o consenso não era alcança-
do o responsável formal toma a decisão que acha melhor para a estratégia adotada
no projeto.

Já em relação à liderança das tarefas, essas são mais livres, ficando a cargo dos par-
ceiros que dominam melhor cada tipo de atividade a ser desenvolvida. Ainda assim,
a consultoria contratada pelo BID como PMO do projeto faz uma coordenação de
todos os prazos e demais obrigações de cada parceiro contratado pelo projeto, dire-
cionando as ações para a conclusão dentro dos prazos previstos em todas as etapas.
Isso ajuda na construção de lideranças pontuais, mas garante um alinhamento geral
do projeto e cumprimento dos prazos acordados.

71
Elementos da dinâmica colaborativa
O fato de as decisões acontecerem e o processo caminhar, mostra que os parceiros
conseguiram criar um processo de aproximação, discussão, deliberação e determi-
nação eficientes. Tudo isso gera uma confiança entre os parceiros que garante a le-
gitimidade das decisões tomadas, apontando para um objetivo em comum, que é a
ampliação da política pública de atendimento à saúde dos cidadãos por meio de um
hospital novo e de qualidade.

Um ponto muito importante na implantação e que levou ao sucesso da colaboração


foi o compartilhamento de poder por parte do setor público com os demais parcei-
ros, incorporando suas opiniões técnicas ao processo decisório. A inclusão do bu-
rocrata de rua no processo de formulação de soluções também foi um processo
importante de compartilhamento de poder por parte da alta gestão do Estado. Sem
esse compartilhamento, as soluções seriam muito mais distantes dos servidores que
atendem diariamente os cidadãos que dependem da política pública de saúde apli-
cada nessa localidade.

O compartilhamento de recursos por parte do parceiro BID, ao financiar o projeto por


meio de empréstimo contingente também foi muito importante para que o Regime
de Governança Colaborativo tivesse sucesso. Como o Estado não dispunha dos re-
cursos para desenvolver o projeto, precisou buscar financiamento em bancos de fo-
mento. Com a entrada do BID e o uso da modalidade de financiamento contingente,
em que o valor emprestado será pago pelo parceiro que ganhar a licitação da PPP,
esse problema foi solucionado e os recursos puderam ser usados para que o projeto
se desenvolvesse.

Todo o arranjo de Governança empregado e o compartilhamento de poder e de re-


cursos que se seguiu levou ao desenvolvimento de uma confiança mútua entre os
parceiros. Para a gestão pública foi possível vencer as suas barreiras financeiras e de
expertise, para o Banco existe a garantia de que receberá os valores emprestados
diretamente do ganhador da licitação, para os burocratas de nível de rua, seu serviço
será mais bem desenvolvido, e para as consultorias, sua expertise pode ser aplicada

72
em projetos com valor para além do financeiro, com valor público e social inestimá-
vel. Todas estas soluções produzem um alinhamento das motivações que levam os
parceiros a se comprometerem como se o projeto fosse seu, e não de um outro que
os contratou. Assim, a confiança mútua leva a uma Legitimidade interna ampliada
que age como uma cola que une os parceiros, assim como um lubrificante, que torna
todo o processo muito mais orgânico e com menos atritos, mais azeitado.

A arquitetura de governança desenvolvida voltada para a tomada de decisão foi


construída por meio de dois comitês, sendo um Comitê Técnico e outro Comitê Exe-
cutivo. As decisões necessárias ao desenvolvimento do projeto seguem um fluxo
bottom up, partindo do comitê técnico, que envolve os servidores que lidam com o
problema em seu dia a dia, os burocratas de rua, juntamente com as equipes técni-
cas contratadas pelo BID para auxiliar em aspectos específicos da geração de solu-
ção. Todas as decisões são municiadas com aspectos aderentes a realidade e com
os discussões e deliberações técnicas antes de chegarem ao Comitê Executivo da
colaboração.

O Comitê Executivo envolve a alta direção de todos os parceiros que compõe a co-
laboração. Isso implica dizer que os secretários de governo que estão diretamente
envolvidos nesses comitês participam de todas as decisões, aportando um grande
patrocínio e gerando confiança e legitimidade em todo o processo. Como essas de-
cisões já foram instruídas com as questões técnicas, quando uma decisão é tomada
por consenso no Comitê Executivo, os processos anteriores garantem que ela será
a melhor politicamente e tecnicamente para o projeto. Decisões de qual o tamanho
que o hospital vai ter, se terá 900 leitos ou apenas 600 leitos são previamente es-
tudadas e verificadas pelo Comitê Técnico antes de serem submetidas ao Comitê
executivo.

Esse alinhamento alcançado amplifica a capacidade dos parceiros em trabalharem


juntos. Questões institucionais passam a cooperar para que o processo aconteça,
incluindo questões organizacionais que acabam sendo rearranjadas para acomodar
as necessidade e aspirações existentes entre os parceiros. Quanto maior o nível do

73
engajamento por princípios e de motivação compartilhada, maior a capacidade de
adaptação dos parceiros para trabalharem em conjunto.

Essa capacidade pode ser amplificada por ações de adaptação de processos e de


entendimentos para que as iniciativas se desenvolvam com maior agilidade. Isso
mostra como o desenvolvimento de um relacionamento constante e de qualidade
é importante para a colaboração. Sem essa periodicidade e sem a busca por qua-
lidade no relacionamento, a capacidade de trabalharem alinhados em prol de um
objetivo em comum pode diminuir e até mesmo se perder, levando a um fracasso
no longo prazo.

No processo de criarem a capacidade de trabalhar em conjunto, a gestão do co-


nhecimento é um ponto muito importante. O conhecimento é a fonte de soluções
e de inovações que podem ajudar na melhor adaptação entre os parceiros. Sem a
aplicação dos conhecimentos dos parceiros e o desenvolvimento de novos conhe-
cimentos, a parceria pode perder o sentido, principalmente uma parceria como a de
preparação de um projeto para a licitação de uma PPP, que basicamente é o desen-
volvimento de um projeto de engenharia para a construção de uma infraestrutura
hospitalar e um planejamento estratégico para sua execução. Sem a aplicação de
conhecimentos prévios dos parceiros, principalmente as consultorias e sem a cria-
ção de conhecimento em forma de soluções para o problema enfrentado, a colabo-
ração não faz nem sentido.

A questão da participação da sociedade civil por meio de uma Abordagem de Coa-


lizão Estratégica tem menor impacto em um projeto como esse. A observação do
caso mostra que esse fato é devido à natureza do projeto, que apensar de ser extre-
mamente importante para o cidadão, tem pouca margem de manobra em relação as
possibilidades de solução. Contudo, o arcabouço legal dos projetos para licitação de
uma PPP já prevê um momento para que a sociedade civil se manifeste. Essa previ-
são legal por meio de consulta pública em seções abertas a qualquer cidadão, ga-
rantem que qualquer PPP pensada pelo poder público receba sugestões da popu-
lação. Esse dispositivo legal garante a participação popular na busca das soluções,

74
aproximando o projeto dos cidadãos que serão os beneficiários da política pública
que se está desenvolvendo.

Apesar de uma participação menor da sociedade civil organizada no projeto de PPP,


seu impacto ainda assim é muito amplo e profundo. Esse impacto acontece pela
inclusão dos burocratas de rua no processo de decisão e da sociedade civil nas au-
diências públicas. Ao incluir o Burocrata de rua (Street Bureaucracy), o executor da
ponta da política pública, assim como do beneficiário, a parceria garante uma ade-
rência muito grande das soluções aos verdadeiros problemas enfrentados pela po-
pulação que necessita da política pública desenvolvida.

A questão da adaptação e da Inovação são muito presentes na colaboração. Isso acon-


tece, pois, desde o começo, o ambiente foi moldado para que as adaptações e as ino-
vações encontrassem um ambiente seguro para testes e aplicação. A construção de
uma proposta e a busca por um Banco de Fomento, mostra como o processo de adap-
tação as condições e ao contexto existente estavam presentes desde o início. O uso do
próprio banco para a contratação das consultorias e a contratação de uma consultoria
que funcione como um PMO para o projeto, também é um procedimento não usual
em projetos como esse. O que se vê em outros projetos de PPPs é a entrada do BNDES
como parceiro que aporta o conhecimento necessário para a gestão do projeto.

A forma como a governança foi arranjada e se desenvolveu durante o projeto pro-


porcionou uma gestão do conhecimento muito mais eficiente. A contratação de uma
empresa para a função de PMO garantiu que os prazos fossem cumpridos, mas tam-
bém que as informações e conhecimentos necessários fossem disponibilizados para
que o projeto avançasse. O aporte de conhecimento especializado é muito importan-
te, mas o conhecimento tácito e prático dos servidores que atuam como burocratas
de rua também é essencial para que o projeto tenha sucesso. Além disso, a inclusão
da sociedade civil por meio da consulta pública procura aprofundar o impacto do
projeto incluindo a visão da população e garantindo o aporte de conhecimentos dos
beneficiários das ações ali projetadas. Tudo isso gera um impacto muito grande na
utilização e na construção de conhecimento relevante para a colaboração.

75
Um ponto essencial nesse processo foi a forma como a estratégia da colaboração
do projeto foi se desenvolvendo é muito importante, pois ela não existe previamente,
apenar existe a previsão de um rito legal que o projeto precisa seguir. A estratégia é
um processo que vai se desenrolando conforme a colaboração vai acontecendo. Um
exemplo disso foi a estratégia de se buscar um Banco de Fomento que financiasse
o desenvolvimento do projeto da PPP. Se a colaboração não tivesse encontrado um
banco disposto a realizar o financiamento, a estratégia teria de ser modificada, adap-
tada, buscando outras alternativas para a questão financeira do projeto.

A própria implantação da estratégia passa por um processo de adaptação, pois ela


vai se moldando às mudanças de contexto e de direcionadores. Um exemplo foi o
alargamento dos prazos iniciais de conclusão do projeto, motivada pelo início da
pandemia de Covid-19. Essa mudança de contexto levou a uma mudança da aplica-
ção da estratégia por conta da necessidade de adaptação imposta pelo distancia-
mento social.

Uma outra questão ligada a estratégia é o próprio resultado da colaboração que é


o projeto e licitação da PPP. Ao se observar com cuidado, percebe-se que o próprio
projeto executivo da licitação é um tipo de planejamento estratégico. Então além
do planejamento da parceria corrente, existe uma preocupação em construir um
planejamento estratégico que aponte a forma como a PPP será gerida e quais os
indicadores que serão criados e controlados para que a parceria formada pela licita-
ção alcance seus objetivos. A estrutura de governança criada previamente durante o
projeto para gerenciar a nova PPP tem um papel muito importante em seu sucesso
ou fracasso. Esse olhar é muito importante, pois um planejamento estratégico mal
realizado para funcionar na próxima parceria formada pela PPP pode levar todo o
esforço a se perder.

Resultados
Continuando sobre o olhar dos resultados que a parceria está alcançando, pode-se
indicar a própria licitação da PPP como um resultado tangível. Esse resultado produz

76
uma nova parceria que pode perdurar por mais de 30 anos, principalmente por estar
ligada à execução de uma política de estado e não de governo, o que acontece fre-
quentemente na área da saúde.

A parceria perpetrada também produz obrigatoriamente resultados que se esten-


dem no tempo, pois ao gerar uma nova parceria, garante que seu resultado terá efei-
to por um longo espaço de tempo. O sucesso dessa iniciativa gera mais incentivos a
novas iniciativas na mesma linha, além de incrementar a confiança entre os parceiros,
amplificando a possibilidade do uso de uma parceria para solucionar novos proble-
mas públicos no futuro.

Esse caso mostra como a formação de parcerias pode ser usada para a construção
de projetos de PPP e como essas parcerias podem solucionar problemas públicos
importantes em nossa sociedade. O potencial da Governança Colaborativa para a
solução de projetos de PPP é muito grande e garante um resultado muito superior as
iniciativas individuais do setor público na busca por soluções para os mesmos tipos
de problemas. Só essa vantagem já mostra como a GOVERNANÇA COLABORATIVA
pode ser uma abordagem mais completa para endereçar problemas públicos com-
plexos, gerando um valor público muito superior, mais eficaz e mais efetivo.

77
Política Social de
Segurança
Pública em
Minas Gerais

O problema e os desafios
colaborativos
Uma característica dos programas ligados a questões
sociais da segurança pública é que eles são programas
perenes, já que o problema da criminalidade em nossa
sociedade não tem uma perspectiva de fim. Cada um
desses programas forma uma rede de proteção social
e reintegração de pessoas que, de alguma forma, se
envolveram com a criminalidade e estão cumprindo ou
já cumpriram as suas penas.

A aplicação de políticas públicas de forma isolada pelo


poder público pode enfrentar uma série de obstácu-
los. Esses obstáculos incluem, mas não esgotam, pro-
blemas como: a morosidade de processos executados
pelo poder público, como licitações e contratação de
pessoal apenas por concurso público, principalmen-
te para cargos técnicos; desvios e criação em muitos
casos de cargos desnecessários a gestão da política

78
pública, apenas para acomodação de apadrinhados políticos; entre muitas outras
barreiras de ordem gerencial e técnica que podem tornar o processo ineficiente.

Outra questão ligada a esses desvios da burocracia que acabam se acumulando em


algumas políticas públicas é a falta de objetividade e perícia por parte dos gestores
públicos que gerenciam as ações da política pública. Como a fiscalização das ações
é feita pela própria gestão que está executando, existe um corporativismo que age
não corrigindo desvios de rota e ineficiências na execução. Mesmo com a possibili-
dade desses desvios serem identificadas em auditorias de órgãos externos a gestão
do executivo, isso só pode acontecer posteriormente aos fatos e não preventiva-
mente ou concomitantemente a execução da política pública.

Ainda ligado a esse problema, quando observado as ações correlatas a Políticas de


Promoção Social ligadas a Segurança Pública a gestão apenas do Estado oferecem
ainda mais barreiras. Essas barreiras aparecem, pois, existe um viés punitivista no
Estado, principalmente por ele deter o poder de polícia da sociedade. Ações volta-
das para reintegração de egressos, tanto do sistema prisional para adultos, como do
sistema socioeducativo para jovens infratores, tendem a serem ignoradas em prol de
políticas voltadas para a repressão e para o encarceramento. O apoio popular para
ações ligadas a egressos do sistema prisional é pequeno, pois na visão da sociedade
em geral muitas dessas pessoas beneficiárias dos programas criados para a reinte-
gração de egressos do sistema prisional e do sistema socioeducativo não merecem
serem reintegrados. Isso diminui os ganhos políticos com políticas públicas como
essas, diminuindo o incentivo em se aplicar recursos públicos nelas.

A questão da visão da sociedade sobre os presos em geral aprofunda o problema,


tanto para o Estado que tem menor incentivo a desenvolver programas voltados para
essas pessoas, como para seus familiares que muitas vezes não tem condições de
receber esses egressos e ajudá-los em seu processo de reintegração social. Assim, o
problema atinge toda a sociedade, mas é escondido ou deixado em segundo plano,
valorizando o encarceramento e as ações policiais de repressão. Ações preventivas
são menos valorizadas que ações corretivas, principalmente por seu apoio popular.

79
Os programas Fica Vivo e o Programa de Reintegração de Egressos do Sistema Pri-
sional já existiam mesmo antes do Instituto ELO ser formado no âmbito da antiga
SESP – Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais. O IELO é o par-
ceiro da sociedade civil que gere as políticas sociais de segurança via Contrato de
Gestão. A própria história de criação do Instituto ELO está diretamente ligada a essas
políticas voltadas para a promoção da justiça.

Um pouco antes dos anos de 2004 e 2005, quando o Instituto ELO foi criado, a pro-
fessora Dr. Miracy Gustin da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, desenvolveu com seus orientandos uma metodologia de resolução
de conflitos por meios extrajudiciais. A metodologia foi testada em dois polos que a
Universidade mantinha em cidades mineiras e que se mostraram com bons resulta-
dos na solução de conflitos entre litigantes. Esses polos de atendimento e resolução
de conflitos foram chamados de Polos de Cidadania.

O Secretário à época da antiga SESP, órgão responsável pela gestão da política pú-
blica de segurança, que também era professor na UFMG, convidou a professora Dra.
Muricy, líder do Polos de Cidadania que aplicava o programa de mediação de confli-
tos desenvolvido na UFMG, para ceder a sua metodologia ao estado de Minas Gerais
para que incorporasse aos programas já existentes no estado ligados à segurança
pública na promoção da cidadania.

Com o convite, quatro integrantes do Programa Polos resolveram criar uma OSCIP.
Após a sua criação, os responsáveis procuraram o Estado para assumirem a incum-
bência de aplicarem a metodologia por meio de uma parceria. Como na época, a
escolha de quem executaria a política pública era discricionária, a OSCIP criada as-
sumiu tanto a metodologia de solução de conflitos extrajudicial como as demais po-
líticas sociais de segurança já existentes no Estado de Minas Gerais. Essas políticas
eram o programa Fica Vivo e a Reintegração de Egressos do Sistema Prisional. Com
essa atitude, o IELO assumiu a integralidade da execução das políticas desenvol-
vidas pelo estado voltadas para as questões sociais ligadas às pessoas envolvidas
com a criminalidade, além de seu escopo de ação inicial de criação.

80
A primeira fase da parceria entre a IELO e o Estado de Minas Gerais durou desde
a assinatura do primeiro Contrato de Gestão em 2005 até 2016, quando um novo
certame foi realizado e uma outra OS ganhou a concorrência. Essa OS assumiu a
execução dos contratos, mas em meados de 2017 um novo certame foi realizado, em
que a OS IELO ganhou a concorrência. Em novembro de 2017, o Instituto ELO assume
novamente de forma definitiva a cogestão da política social de prevenção à crimina-
lidade via assinatura de um novo Termo de Parceria. A assinatura deu continuidade
ao trabalho já realizado de forma provisória desde o encerramento da “OS” anterior
antes do prazo final do contrato.

Com a aprovação da nova legislação que reestruturou os tipos de organizações em


OSCIPs e OSs, o Instituto ELO se adequou para ter a certificação nas duas modalida-
des e com isso ter a possibilidade de assinar ambos os tipos de contratos disponí-
veis. Com essa adequação, o IELO pôde assinar com a Secretaria de Planejamento e
Gestão do Estado de Minas Gerais – SEPLAG um Contrato de Gestão para continuar
a cogerir as políticas sociais de prevenção à criminalidade. Essa adequação foi es-
sencial para que a política de estado e não de governo, como acontece com políticas
voltadas para as questões sociais ligadas a criminalidade, que são perenes, pudes-
sem ser endereçadas com a participação do IELO como parceiro.

Os projetos que fazem parte do Contrato de Gestão assinado com o IELO são o Fica
Vivo, o Projeto de Mediação de Conflito, o Programa de Inclusão Social dos Egressos
do Sistema Prisional, e o Acompanhamento de Penas e Medidas alternativas. Cada
um desses programas tem uma característica particular, mas todos formam uma
rede de proteção a sociedade e ao cidadão mais carente que se envolve na crimina-
lidade e deseja sair dessa condição.

O Programa Fica Vivo atende a jovens de 14 a 24 anos atendendo e acolhendo em


unidades de prevenção com oficinas de aprendizagem profissional. Além desse
atendimento de ensino de uma profissão, são promovidos também esportes e de-
mais atividade de lazer. Esses não são os objetivos do programa, que na verdade
cerceia o direto de ir e vir de jovens infratores, mas ao promover essas atividades, o

81
programa procura dar alternativas a esses jovens quando voltam para suas casas.
Essas ações acontecem em unidades próximas de suas residências de origem, am-
plificando o impacto que causam nesses jovens e em suas famílias e comunidades.

O Projeto de Mediação de Conflitos que utiliza a metodologia desenvolvida na UFMG


atende todas as pessoas que procuram a justiça para esclarecimentos, ou mesmo,
acesso a algum direito. O programa recebe essas pessoas e as encaminha para os
locais ou órgãos do governo em que suas demandas podem ser solucionadas, caso
não possam ser resolvidas pelo próprio programa que se concentra na resolução de
conflitos entre cidadãos. Um exemplo de solução dada por esse programa é quando
um vizinho reclama que o outro invadiu o seu terreno em 1 metro. Para a solução de
conflitos como o do exemplo, o programa dispõe de analistas sociais com formação
em direito, psicólogos e assistentes do serviço social que agem para que as par-
tes entrem em acordo. Esses acordos são realizados de forma extrajudicial, desafo-
gando o judiciário de processos menores que podem ser solucionados por meio de
entendimento direto entre as partes, reduzindo custos de um processo que muitas
vezes pode ser longo e desgastante.

Outra ação dentro do Contrato de Gestão é a Inclusão Social do Egresso do Sistema


Prisional. Nesse caso, são empreendidas ações voltadas para a socialização e a re-
inserção de egressos do sistema prisional que recebam liberdade e que voltam para
os seus lares. Pessoas que passam pelo programa tem menor índice de reincidência
que pessoas que não passam. Isso mostra como a ação empreendida produz efeitos
sobre os egressos e sobre as suas famílias e comunidades.

O Acompanhamento das Penas de Medidas Alternativas também faz parte da Polí-


ticas Pública de Prevenção a Criminalidade e do Contrato de Gestão cogerido pelo
Instituto ELO e a SEPLAG de Minas Gerais. Essa iniciativa procura acompanhar as
pessoas condenadas pela justiça a penas alternativas à reclusão. Nessas penas, nor-
malmente, o condenado precisa executar algum serviço comunitário. Esses conde-
nados precisam prestar contas desse cumprimento e é o Instituto ELO que faz essa
fiscalização e acompanhamento.

82
Dentro desse Contrato de Gestão, no ano de 2020 foi incluído o programa “Se Liga”,
que trata do egresso do sistema socioeducativo. Assim, os jovens que cumprem pena
em sistema socioeducativo de restrição de liberdade, quando saem, são acolhidos
pelo Instituto ELO em seu programa de reinserção em suas famílias e comunidades.
Essa iniciativa busca propor uma alternativa de vida aos jovens durante a internação
e quando saem também, acompanhando e promovendo atividades como cursos e
outras formas de sobrevivência para esses jovens não voltem a criminalidade. Esse
é um programa paralelo ao de reinserção dos egressos do sistema prisional, só que
para jovens.

O Instituto ELO também tem um outro Contrato de Gestão para a cogestão de 12


unidades socioeducativas que assinaram com o setor público. Nesse caso, essas
unidades são totalmente gerenciadas pelo Instituto que começou essa gestão em 11
unidades quando convidado pela gestão pública a assumir de forma provisória, até
a realização do certame. O contrato foi assinado em julho de 2021 por dispensa de
licitação porque o certame foi vazio, ou seja, não apareceram “OS” interessadas em
gerenciar esse lote de unidades socioeducativas.

Elementos do contexto e direcionadores


Um ponto muito importante do contexto que influenciou diretamente nessa iniciativa
foi a questão do Arcabouço Legal. As mudanças nas legislações que regiam tanto a
forma das organizações do terceiro setor que podiam contratar com a gestão públi-
ca para cogerir as políticas públicas, quanto os tipos de contratos que poderiam ser
firmados e os objetos desses contratos sofreram mudanças com o passar do tempo
e mudaram a forma como a colaboração era executada.

Inicialmente a legislação permitia que a escolha dos parceiros do terceiro setor que
iriam executar a política pública poderiam ser escolhidos de forma discricionária pelo
secretário ligado a pasta responsável pela parceria. Com o avanço das legislações
ligadas ao tema, essa escolha passou a ser realizada via licitação pública, em que
qualquer organização que se qualificasse previamente como OSCIPs para os Con-

83
tratos de Parceria e OSs para os Contratos de Gestão poderia participar, ganhando a
que oferecesse maiores vantagens ao poder público conforme predeterminado no
edital do certame.

A obrigação de que as organizações do terceiro setor se adequassem a uma das for-


mas descritas na legislação também impactou muito na colaboração. Quando a co-
laboração iniciou, o grupo da UFMG precisou criar uma OSCIP para poder atuar como
implantadores da metodologia de mediação de conflito que haviam desenvolvido.
Além disso, eles puderam assumir as demais políticas já existentes sem que tivesse
uma licitação para a participação de outros interessados.

Quando em 2016 o contrato se encerrou e precisava ser renovado, como a legislação


já havia mudado, houve a concorrência e uma outra OS sagrou-se vencedora. Con-
tudo, talvez por uma falta de experiência, ou outro motivo não identificado, a ven-
cedora não conseguiu cumprir o contrato, necessitando da realização de um novo
certame em que o Instituto ELO ganhou novamente, retomando os programas e até
mesmo ampliando-os. Todo esse arcabouço legal teve um impacto profundo no pro-
cesso, mostrando como ele pode gerar ganhos ou prejuízos à colaboração.

Outro elemento do contexto importante no início da parceria foi a assimetria de co-


nhecimento existente estre os parceiros públicos e do terceiro setor. Nesse caso, o
desenvolvimento de uma metodologia específica pelo futuro parceiro do terceiro
setor foi o elemento do contexto que aproximou os futuros parceiros, mostrando as
vantagens que essa parceira poderia proporcionar para ambos os lados.

O compartilhamento de recursos também foi um elemento do contexto que teve um


grande impacto na formação e continuidade da colaboração. Nesse caso, diferente
da assimetria de conhecimento que trazia vantagens ao estado, era o poder público
que dispunha dos recursos necessários para que a parceria acontecesse. A constru-
ção da parceria só foi possível pois o setor público patrocinou a ideia e compartilhou
os recursos financeiros e de poder para que o processo se iniciasse e se mantivesse
ao longo do tempo.

84
A dinâmica política também foi um elemento importante para que a colaboração se
iniciasse e perdurasse no tempo. Como existia um viés político de formação de par-
cerias da gestão pública com iniciativas da sociedade civil e do setor privado desde
o choque de gestão iniciado em anos anteriores, a possibilidade de se desenvolver
uma parceria que levasse a melhoria da gestão das políticas públicas sociais volta-
das para o setor de justiça do estado foi amplamente apoiada politicamente, geran-
do as condições para que todo o demais se desenvolvesse de forma mais orgânica
e menos ruidosa.

Com a criação do Arcabouço Legal, o apoio político pode diminuir de intensidade, isso
porque as políticas públicas cogeridas pelo Contrato de Gestão passaram a ser consi-
deradas de estado e não de governo, tornando-se questões tratadas de forma muito
mais perene. Esse tipo de política acaba ganhando uma legitimidade que inibe os no-
vos governantes de descontinuarem os projetos. Assim, existe um desincentivo a mu-
danças pelo histórico de sucesso que os programas acabam alcançando com o tem-
po, reduzindo o incentivo a novas propostas, ou mudanças mais abruptas de direção.

A questão ligada ao Network e Conexão entre os parceiros é algo evidente para o


início da parceria. Foi o fato do secretário da SESP conhecer a metodologia de reso-
lução de conflitos existente na UFMG que levou a criação da proposta de parceria e
a própria criação do Instituto ELO. Esse conhecimento prévio tanto dos responsáveis
como das soluções desenvolvida impulsionaram de forma muito forte o início da
parceria. Esse conhecimento prévio existia porque o secretário também era profes-
sor na UFMG.

Para a retomada da parceria, após a perda da licitação pelo Instituto ELO em 2016,
a experiência positiva anterior também foi um fator chave. Quando o novo parceiro
não conseguiu cumprir com o Contrato de Gestão, o Instituto ELO foi chamado para
assumir de forma provisória as atividades para que elas não se encerrassem de for-
ma abrupta. Esse relacionamento e experiência positiva anterior levaram a criação
de uma nova parceria que acabou continuando após o novo certame com o IELO
sagrando-se vencedor no certame.

85
Quando o Estado se viu com dificuldade de continuar a gerir as unidades socioedu-
cativas, procurou também o instituto para fazer a gestão provisória até que uma lici-
tação fosse desenvolvida e o processo concluído. Quando não apareceram concor-
rentes para a licitação publicada, ou seja, a licitação foi deserta, o Estado se socorreu
novamente do Instituto ELO, por meio de um convite para que o instituto assumisse
o lote de unidades, mostrando que a parceria existente estava gerando bons frutos
e que um processo de construção de confiança e legitimidade nos trabalhos desen-
volvidos dentro da parceria estava maduro.

Por fim, outro elemento importante foi o baixo nível de conflito existente antes e após
o início da Colaboração. Mesmo com o passar do tempo, a colaboração está pujante
e entregando os serviços que se propõe, além de ainda estar em um processo de
crescimento. Isso mostra que uma colaboração pode ser uma grande solução para
ambientes em que os conflitos são baixos também, pois reduz ainda mais a possi-
bilidade de que esses conflitos possam de desenvolver e gerar um desgaste que
impossibilite a colaboração no longo prazo.

Pensando especificamente nos direcionadores que agem para que a colaboração


ganhe uma forma, os incentivos consequenciais são muito importantes para a solu-
ção do problema público. Quando uma política como a política social de segurança
atinge seus objetivos e um egresso é reintegrado à sociedade e não volta a delin-
quir, ele ganha, pois terá uma vida digna, sua família ganha, pois pode contar com
ele para ajudar, ou mesmo reduzir as preocupações por conta do risco em que essa
pessoa está envolvida, e toda a sociedade ganha com a redução da criminalidade e
dos custos de reencarceramento dessa pessoa caso venha a reincidir em seus com-
portamentos criminosos.

A questão da inter-relação dos parceiros é essencial para que a colaboração acon-


tecesse da forma como foi. Um ponto importante aqui é que a OS só foi criada por
conta da parceria. Ela foi desenvolvida exatamente para que a parceria ocorresse e
a metodologia desenvolvida dentro da UFMG fosse amplificada pelo compartilha-
mento dos recursos que o Estado possuía. A metodologia já estava sendo aplicada

86
na prática, contudo seu alcance era bem restrito, sendo aplicada em apenas dos po-
los que a UFMG mantinha. Com a formação da parceria foi possível à amplificação da
iniciativa por meio do compartilhamento de recursos que o Estado possui, além de
um ganho de sinergia e de economia de escala por utilizar instalações que o Estado
já possuía em diversas localidades.

Já as Incertezas e os Riscos envolvidos no processo geram um grande incentivo a


adoção de uma Governança Colaborativa para a política pública social de segurança.
Tanto a aplicação de políticas de reinserção de egressos do sistema prisional, como
do sistema socioeducativo tem um grande risco envolvido em sua aplicação. A chan-
ce de sucesso é sempre maior quando o processo ocorre de forma mais organizada
e mais próxima da moradia do egresso.

As incertezas quanto aos resultados e os riscos de que a política aplicada não surta o
efeito esperado, fazem com que a busca por parceiros da sociedade civil seja uma al-
ternativa altamente compensadora. Isso porque, essas organizações desenvolvem uma
expertise muito grande em tratar de assuntos sensíveis como esse, além de garantir
maior proximidade e maior pessoalidade no atendimento. Eles acabam tendo acesso a
outras organizações e a própria sociedade com maior facilidade que o Estado, pois não
precisam seguir princípios da gestão pública como a impessoalidade no atendimento.

Em relação a ação voltada para a mediação de conflitos, as incertezas e os riscos


são frontalmente mitigados com a introdução do desenvolvedor da metodologia
na parceria. Essa iniciativa gera um ganho enorme para a assimilação de todo o
processo, além de garantir que as especificidades da metodologia serão segui-
das por estarem sendo gerenciadas pelos próprios criadores. Ainda mais, como
eles desenvolveram a metodologia, com a ampliação, novas inovações podem ser
desenvolvidas e serem implantadas, amplificando os ganhos da colaboração e da
cogestão de todo o processo.

A liderança no processo de construção da colaboração é algo muito importante para


que ela tenha sucesso. Sem um apoio político do então secretário da SESP o pro-

87
cesso não teria se iniciado. Foi a iniciativa que partiu dessa liderança que direcionou
o processo para a colaboração entre os parceiros. Outra liderança essencial foi o da
Profa. Dra. Miracy, pois ela, como a detentora dos direitos intelectuais da metodolo-
gia de resolução de conflitos extrajudicialmente, não tivesse cedido ao estado seu
direito, a colaboração nem teria se iniciado. Outro ponto importante foi a construção
de uma linha de parceria em que o poder público realizava o acompanhamento e a
fiscalização da execução e a OS executava a política pública por completo, se res-
ponsabilizando por todos os aspectos ligados à sua execução. Essa liderança com-
partilhada, mas bastante clara de qual o papel de cada parceiro possibilitou um de-
senvolvimento de uma parceria que já dura quase 20 anos, mesmo descontando os
quase dois anos que ela deixou de existir pela perda da concorrência pelo Instituto
ELO em 2016.

Elementos da dinâmica colaborativa


O Engajamento por Princípios aconteceu por conta tanto do tema abordado pela
política pública como pela forma como a parceria foi organizada. O engajamento
pelo tipo de problema abordado aconteceu, pois primeiro a OS IELO foi criada para
solucionar o problema da mediação de conflitos extrajudicial aplicando a metodolo-
gia desenvolvida pelo grupo de pesquisadores da UFMG que a fundaram. As demais
iniciativas que foram incorporadas ao contrato de Gestão estavam ligadas ao escopo
da IELO, completando todo um ciclo de iniciativas sociais ligadas ao sistema de jus-
tiça e ao sistema prisional.

A forma como a colaboração foi organizada, com uma cogestão por meio de um
Contrato de Gestão também leva o parceiro do terceiro setor a se engajar por princí-
pios, já que todo o processo de tomada de decisão é compartilhado com o parceiro.
Esse arranjo do processo decisório amplia a confiança dentro da colaboração, ge-
rando uma legitimidade muito grande nas decisões e ações implementadas.

Um segundo elemento da dinâmica Colaborativa importante foi o Compartilhamen-


to de Recursos, que ganha grande relevância por ser o ponto mais sensível de toda

88
a política pública. Nesse ponto, o primeiro elemento que se destaca é o Comparti-
lhamento de Poder por parte do poder público via patrocínio do secretário do SESP
à época. Sem esse patrocínio, nem mesmo o IELO existiria. Foi o olhar do secretário
que identificou a possibilidade de um compartilhamento de conhecimento por par-
te da professora da UFMG, que detinha a metodologia de solução de conflitos, e o
poder público, que detinha os recursos financeiros e de estrutura para amplificar o
impacto da aplicação da metodologia. Sem essa série de compartilhamentos de am-
bos os parceiros, a iniciativa não teria as condições mínimas de gerar ganhos para os
parceiros e para a sociedade. Assim, ao compartilhar o poder e fornecer o patrocínio
para a iniciativa, o secretário criou a confiança necessária para que o grupo da UFMG
se juntasse e formasse uma OSCIP, modalidade necessária a época para firmar o
contrato de gestão com o poder público.

O compartilhamento de conhecimento e o compartilhamento de recursos também


foram essenciais para que o processo acontecesse. Sem essa disposição por parte
dos futuros parceiros, mesmo com o patrocínio do secretário, a parceria não teria se
desenvolvido. Um objetivo mútuo foi identificado pelos futuros parceiros que com-
preenderam o quanto eles poderiam ampliar o impacto de suas ações caso se unis-
sem e buscassem um objetivo em comum. Essa aproximação de objetivo aconteceu
pela percepção de que o ganho seria muito grande com a parceria.

A capacidade de trabalharem em conjunto foi facilmente equacionada com a criação


da OSICP. Com esse arranjo burocrático aprovado e colocado em marcha, a assinatu-
ra do contrato de gestão e a cessão dos direitos de uso da metodologia foram arran-
jados. Essa capacidade se mostrou promissora, e com o passar do tempo mostrou
que ela era mais importante que outros elementos. Isso fica evidente quando a IELO
é chamada para assumir a parceria novamente após a ganhadora da concorrência
ocorrida em 2016 ter o contrato de execução da política pública encerrado com me-
nos de 2 anos de início.

A capacidade de trabalharem em conjunto é reforçada pelos resultados de longo


prazo da colaboração, fato que aconteceu quando a IELO ganhou a nova concorrên-

89
cia e reassumiu a parceria de forma não provisória em 2018. Além dessas evidências,
a ampliação do contrato de gestão com a inclusão do novo programa “Se Liga” que
trata da reinserção de egressos do sistema socioeducativo mostrou como a con-
fiança na parceria foi amplificado e como a capacidade de trabalharem em conjunto
impulsionou novas iniciativas e parcerias. Ao firmar um novo contrato de Gestão com
o poder público de Minas Gerais para gerir 12 unidades do sistema socioeducativo
para menores infratores, a parceria mostrou que tanto a capacidade de trabalharem
em conjunto, como a confiança construída renderam frutos para criação de novas
parcerias.

A participação da sociedade civil é outro elemento essencial dessa parceria. A


OSCIP criada para ser a parceira do poder público na execução da política pú-
blica tem como missão oficial “Contribuir para o desenvolvimento social por
meio de iniciativas eficientes, inovadoras e sustentáveis”5. Isso mostra como a
execução de políticas públicas pode ser amplificada e ter seu impacto apro-
fundado com a participação da sociedade civil organizada. Mesmo em po-
líticas voltadas para a reinserção dos egressos de sistemas prisionais como
do sistema socioeducativo, o fato de não ser o Estado a executar, aproxima
as pessoas que estão executando a políticas e as pessoas que as estão re-
cebendo. Isso melhora questões ligadas ao engajamento por princípios em
ambas as partes envolvidas no processo e ao engajamento do beneficiário
pelos programas.

A execução da política por um instituto da sociedade civil desloca o foco do Estado,


ou seja, da polícia que aplicou a apena ao egresso. Esse deslocamento para uma OS
aproxima o egresso de seu beneficiador, amplificando a percepção de que a OS está
tentando ajudar aquela pessoa e sua família a recomeçar. Essa separação do Estado
acaba produzindo um efeito muito benéfico para as partes envolvidas, reduzindo as

5
Disponível em: http://institutoelo.org.br/site/. Acessado em 05/08/2022

90
resistências a adesão por parte do egresso. Em relação a aplicação da metodologia
de resolução de conflitos, existe o mesmo tipo de ganho de percepção quando ela
é aplicada por uma OS do que quando aplicada diretamente pelo Estado. Primeiro o
empenho dos diversos profissionais é nitidamente maior em média que o empenho
de servidores de carreira, segundo existe uma percepção de que o interesse das
pessoas que estão ali atendendo seja muito maior. Isso provoca maior abertura para
um entendimento entre as partes, que veem essas pessoas como árbitros neutros,
que não terão nenhuma vantagem na decisão tomada. Essa percepção de neutrali-
dade gera confiança e legitimidade nas soluções propostas e acordadas. As partes
veem essa ação com confiança de que a justiça está sendo realizada.

Um ponto central nessa parceria é a inovação. Sem o processo de inovação que


criou a metodologia de resolução de conflitos extrajudicial, o processo nem teria as
condições para seu início. Com o tempo, novas inovações foram sendo desenvolvi-
das e aplicadas, como a inclusão de oficinas nas próprias unidades de acolhimento,
e também nas unidades socioeducativas. Outras inovações de processo também
foram desenvolvidas como o programa “Se Liga” que aproveitou a expertise criada
no programa de “Reinserção dos Egressos do Sistema Prisional” voltado para adultos
adaptando-o para jovens infratores.

A transmissão e incorporação de conhecimento gerado por acadêmicos e intelec-


tuais, que constitui uma assimetria de conhecimento, é solucionada incorporando
os acadêmicos na parceria. Isso garante que seu conhecimento seja aportado na
colaboração e que ele não será perdido durante o processo de transmissão. Ao
incorporar os acadêmicos e suas equipes na colaboração, a metodologia pode ser
assimilada mais facilmente e ainda amplificada e atingir muito mais pessoas que
se ela continuar a ser aplicada de forma isolada. O desenvolvimento de uma meto-
dologia e seu teste pode levar anos e consumir muito tempo e esforço. Quando o
estado consegue incorporar metodologias já desenvolvidas e testadas, ele ganha
tempo, o que produz um ganho para toda a população que se beneficiará dessa
metodologia.

91
A adaptação também foi um elemento muito importante, pois diversas mudanças de
contexto, como do arcabouço legal, forçaram a parceria ir sendo adaptada. Questões
também ligadas ao abandono do contrato por outro parceiro forçaram a parceria
buscar caminhos para solucionar as intercorrências. A questão de novos escopos de
ação abriu portas para a ampliação do Contrato de Gestão, mas também para adap-
tações e ganhos de escala na aplicação das diversas iniciativas.

Nesse processo de inovação e de adaptação, a gestão do conhecimento foi muito


importante. Inicialmente, a transmissão de conhecimento, sua gestão e o desenvol-
vimento de novos conhecimentos foi um motivador. No momento em que o IELO
perdeu a licitação, foi criado um processo de transmissão dos conhecimentos acu-
mulados e de todo o processo para o novo parceiro que havia vencido o certame. No
entanto, no momento de reassumir provisoriamente a parceria pelo encerramento
do contrato da outra OS, as informações estavam todas perdidas, o que acarretou
grande perda para a política pública. A solução desse tipo de problema, a gestão
pública precisava manter um sistema de gestão do conhecimento mais eficiente e
eficaz, o que é percebido como não atendido por vários entrevistados que partici-
pam de parcerias com o poder público.

A governança da colaboração é outro elemento importante. Como o Estado de Mi-


nas Gerais passou a ter a secretaria de planejamento e gestão – Seplag como a
gestora de todos os contratos de parcerias da administração do estado, ela passou a
fazer parte da colaboração, sendo a gestora dos Contratos de Gestão que a parceria
firmou com a OS IELO. Nesse caso, a governança passa por um processo de fisca-
lização periódica do pessoal da Seplag em relação aos diversos indicadores acor-
dados no contrato. Uma equipe da secretaria faz auditorias regulares no IELO e nas
unidades de atendimento para verificar o nível do serviço prestado, além de verificar
diversos elementos que impactam diretamente nos valores recebidos pela OS. Se
o nível de atendimento desses indicadores ficarem abaixo de um certo percentual,
além das punições previstas, até mesmo o contrato pode ser encerrado e outra par-
ceira ser chamada a continuar a prestação do serviço.

92
No processo de verificação dos indicadores, existe todo uma preocupação com a
transparência. Para isso, todos os contratos e auditorias são publicadas em site da
Seplag que trata desses contratos, além de um processo de publicização constan-
te dos resultados alcançados pela parceria. Esses indicadores também apontam
para o planejamento estratégico da colaboração, indicando quais os objetivos es-
tratégicos e táticos que o IELO precisa perseguir para solucionar o problema públi-
co por meio da criação de valor público. Essa estratégia é revisada regularmente
no momento das renovações do Contrato de Gestão, e em momentos em que se
mostre necessário para que os objetivos não se percam por mudanças de contex-
to, por exemplo.

Resultados
Por fim, vale ressaltar que o resultado identificado é muito positivo em todos os três
níveis de observação possível, o tangível, o intangível e o de logo prazo, já abordado
anteriormente. Quanto ao resultado tangível, indicadores de reincidência de egres-
sos do sistema prisional que são atendidos pelos programas é muito menor que os
que não são atendidos pela política pública. Em relação a iniciativa de resolução de
conflitos extrajudicial, os resultados são ainda maiores, pois existe uma economia
enorme de recursos públicos com o desafogamento do sistema judicial do esta-
do. Quando uma solução de um conflito é encontrada extrajudicialmente, além do
tempo economizado, os custos do processo são muito inferiores, pois uma máquina
pública muito menor é acionada para gerar a solução.

O segundo nível de resultados é o quanto uma política como essa impacta na vida
de familiares e da sociedade. Quando um egresso deixa de delinquir novamente, a
sociedade ganha com mais segurança e a família com menos uma preocupação.
Para o egresso, ao vencer os preconceitos e ser reinserido na sociedade, o ganho de
auto estima é inestimável. A pessoa passa a ser um cidadão, com direitos e deveres,
podendo se orgulhar de sua posição e de sua situação como alguém que venceu a
criminalidade e se tornou um cidadão de bem.

93
O terceiro nível de resultados aparece quando novas iniciativas são produzidas de-
vido a percepção de que a iniciativa anterior está entregando os resultados es-
perados com melhor qualidade que se o próprio Estado isoladamente estivesse
realizando. No caso do IELO, a parceria está dando resultados tão positivos que o
Estado buscou o instituto para novas parcerias quando a licitação para a gestão
das casas socioeducativas para menores infratores foi deserta. Essa procura indica
a confiança que o Estado tem na capacidade do IELO de desenvolver uma boa par-
ceria e entregar os resultados esperado. Esse é uma externalidade positiva muito
importante em uma parceria.

94
Parceria
Público-Privado
para o
Atendimento
ao Cidadão
no Estado de
Minas Gerais

O problema e os desafios
colaborativos
O desafio público que motivou esta experiência cola-
borativa era como atender o cidadão de forma eficien-
te, eficaz e efetiva. Para realizar esse atendimento era
necessário que os serviços estivessem disponibiliza-
dos de uma forma que otimizasse o atendimento e que
produzisse satisfação nesse cidadão. Mas isso não é o
que acontecia, os serviços estavam todos espalhados
pelas secretarias, em muitos casos, em que a solução
do problema passava por mais de uma secretaria, o ci-
dadão precisava ir em uma verdadeira “via crucis” de
secretaria em secretaria, realizando as etapas do ser-
viço, até ter o seu problema solucionado. Em muitos
casos, se o cidadão recebesse ou entendesse alguma

95
informação incorretamente, ele precisa voltar à secretaria anterior, ou mesmo reco-
meçar o processo em casos de erros não passíveis de correção, entre outros muitos
problemas existentes. Tudo isso causava um desgaste muito grande nos cidadãos
que precisassem de algum serviço público.

Outro problema muito sério era o desperdício de recursos que acabava acontecen-
do, tanto do poder público, como do cidadão que precisava peregrinar, às vezes, dias
para solucionar um problema simples. Além disso, existia o problema de má gestão
das localidades de atendimento, desperdício de recursos em papelada desneces-
sária, insulamento dos servidores que atendiam mal o cidadão, entre muitos outros
problemas clássicos dos desvios da burocracia. Contudo, fazer diretamente uma pri-
vatização dos serviços não era viável, pois como não existe concorrência para esses
serviços, que são fornecidos apenas pelo poder público, e que na maioria das vezes
são serviços gratuitos, não teriam empresas interessadas em prestar esse serviço,
ou ele não alcançaria a excelência necessária para satisfazer o cidadão. Além disso,
boa parte dos serviços estão diretamente ligados ao executivo, como por exemplo
a solução de questões ligadas a impostos, emissão de documentos entre outros
serviços que fazem parte da gestão pública direta, inviabilizando a prestação por um
ente privado.

A questão da diversidade de órgãos que atuam para a solução de alguns problemas


também era um aspecto importante do problema identificado. A interdependência
dos órgãos para a solução do problema era um restritor à prestação de um serviço
célere e de qualidade para o cidadão. Uma solução que não encaminhasse essa
característica não teria como ter sucesso pleno, mostrando como esse problema pú-
blico era complexo e envolvia uma série de atores que deveriam trabalhar de forma
coordenada para que os serviços fossem fornecidos com excelência.

Todo esse problema enfrentado era agravado por questões de localização das se-
cretarias que ficam todas em Belo Horizonte, e que para atenderem em outras lo-
calidades precisavam instalar postos próprios nessas localidades. A necessidade de
postos avançados de atendimento ampliava os custos de atendimento, pois cada

96
uma das secretarias teria de abrir os seus próprios postos de atendimento em diver-
sas localidades pelo estado. Esse problema se somava aos problemas de logística
que se seguiam a abertura de postos avançados. Ainda tinha a questão de contrata-
ção de pessoal, manutenção dos postos, que precisavam sempre de processos de
licitação para sua contratação e todos os custos inerentes a uma logística como essa.

As Unidades de Atendimento Integrados – UAIs de Minas Gerais atendem aos ci-


dadãos prestando serviços diversos, como retirada de RG e demais documentos,
solução de problemas ligados a gestão pública entre outros serviços oferecidos, to-
dos na mesma localidade. Essa é uma iniciativa pioneira em Minas Gerais e já tem
similares em vários estados pelo Brasil, como o Poupatempo em São Paulo, o Faça
Fácil no Espírito Santo.

O modelo começou em 98 como PSIU – Postos de Serviços Integrados durante o


assim chamado choque de gestão como iniciativa de criação de uma parceria en-
tre o poder público e a iniciativa privada, nos moldes de uma PPP, Parceria Público
Privada. À época de seu início, o arcabouço jurídico do modelo escolhido ainda não
estava totalmente estabelecido nacionalmente, mostrando a inovação que essa ini-
ciativa representava.

Em 2003, foi realizada uma remodelagem da iniciativa como a mudança do nome


para UAI e da 32 unidade existentes, 19 estão funcionando no modelo de PPP. Uma
vigésima unidade, a da Praça Sete, no centro de Belo Horizonte entrou em opera-
ção durante o mês de julho de 2022. Essa unidade é a maior de todas as unidades
existentes e devido ao seu tamanho e complexidade foi licitada em um processo de
PPP independente dos demais, em um lote único. Essa licitação da unidade da Praça
Sete começou em 2013, mas durante o governo seguinte ela foi suspensa e retoma-
da de forma acelerada no final do mandato. No atual governo, o processo de licitação
foi suspenso, e um novo processo, com maior planejamento, foi iniciado, culminando
com a licitação em dezembro de 2021 e a perspectiva de entrada em operação em
julho de 2022.

97
Dentro dessa mesma iniciativa, como o governo do estado não tinha mais recursos
para abrir e manter novas unidades, foi criado o programa UAI Compartilha. Nesse
programa os municípios formam uma parceria com o Estado, que entra com a exper-
tise e todo o sistema de gestão das unidades, e os municípios parceiros entram com
a infraestrutura e os recursos para implantarem e manterem as PPPs. No modelo de
UAI Compartilha já existe uma unidade que foi inaugurada em dezembro de 2021,
três unidades contratadas para serem inauguradas no ano de 2022 e mais 15 unida-
des com convênios já pactuados com municípios mineiros.

As UAIs são um hub de atendimento ao cidadão, em que vários serviços oferecidos


pelas diversas secretarias do governo de estado de Minas Gerais são ofertados aos
cidadãos em uma mesma localidade. Para que isso aconteça, o governo via Secreta-
ria de Planejamento e Gestão - Seplag licita uma PPP com um parceiro privado que
passa a realizar toda a gestão do espaço em que as secretarias oferecerão seus ser-
viços. Nesse caso, o parceiro privado oferece toda a infraestrutura necessária para
que os serviços aconteçam e recebe por atendimento prestado. Esse modelo coloca
todas as secretarias que tenham serviços a oferecem aos cidadãos em um mesmo
lugar, melhorando e facilitando a vida do cidadão que pode solucionar todos os seus
problemas com a gestão pública de forma muito mais célere e cômoda.

Esse é o caso da última licitação realizada, da UAI da Praça Sete, nela o governo de
Minas Gerais passa a oferecer todos os serviços de atendimento ao cidadão bem no
centro de Belo Horizonte, bem em frente à praça do pirulito, local central na Cidade
e de fácil acesso a todos os cidadãos. As projeções são de um grande volume de
cidadãos diariamente buscando essa localidade para a solução de seus problemas.
A vantagem de se ter todos os serviços no mesmo lugar é que a conversa entre se-
cretarias se torna muito mais fácil, e o cidadão não precisa ficar indo a vários locais
caso precise solucionar mais de um problema com o governo de estado, ou precise
solucionar problemas que envolvam mais de uma secretaria.

Essa iniciativa mostra como modelos diferentes da burocracia podem funcionar, in-
clusive sem acabar com a burocracia, mas adequando-a a novas realidades. A in-

98
clusão de parceiros privados também é um importante aporte da colaboração, pois
ajuda a vencer algumas barreiras que de outra forma seriam impossíveis de serem
solucionadas sem abrir mão dos princípios norteadores da gestão pública. Assim, ao
adotar a forma de PPP para as UAIs o Governo de Estado de Minas Gerais aproveitou
a alternativa existente para solucionar o problema público e criar valor público para
o cidadão.

Elementos do contexto e direcionadores


Quando o contexto é abordado, é preciso olhar para um momento anterior ao início
das UAIs e momento atual, pois essa é uma iniciativa com mais de 20 anos de exis-
tência, tendo em vista ter iniciado em 1998 durante o choque de gestão. Assim, para
analisar o contexto que se deu seu desenvolvimento, é necessário separar cada fase
e verificar os elementos do contexto que agiram sobre a iniciativa. Essa é uma expe-
riência em que se pode identificar a questão do dinamismo existente no contexto e
como ele influência e é influenciado pela colaboração.

A primeira análise deve ser dos elementos que deram o pontapé inicial nas PSIU,
hoje chamadas de UAIs. O contexto pré-iniciativa era de um oferecimento dos servi-
ços hoje agrupados na UAI de forma granular por todos as secretarias do Governo de
Estado de Minas Gerais. Nesse contexto a assimetria de informações entre os futu-
ros parceiros era um problema bastante evidente, tendo em conta a forma como os
serviços que dependiam de mais de uma secretaria eram realizados. Eles acabavam
sendo executados sem se pensar nas próximas etapas que o cidadão necessita-
va realizar, desperdiçando seu tempo e recursos em exigências inúteis e papeladas
desnecessárias em muitos dos casos observados. Dificilmente havia uma coordena-
ção entre os órgãos para alinhar seus serviços e produzir uma economia de tempo e
recursos para os cidadãos e para o poder público. O isolamento das secretarias e de
seus órgãos produzia uma disfunção nos serviços prestados que poderia inviabilizar
a sua prestação, ou dificultar de tal forma que o cidadão se sentia insatisfeito sempre
que precisava utilizar esses serviços.

99
Um exemplo claro desse problema era a emissão de carteira de motorista, ou um
documento de registro e licenciamento de um carro. O serviço era tão complexo e
burocrático, aqui a palavra representando as disfunções da burocracia, que era ne-
cessário despachantes especializados para realizá-los. Essa disfunção do serviço,
além de gerar custos desnecessários aos cidadãos, abria porta para todo tipo de cor-
rupção, criavam-se dificuldades para se vender facilidades. Assim, a assimetria de
informações produzia uma série de disfunções que ao final poderiam ser facilmente
solucionadas com uma iniciativa de colaboração.

Um segundo elemento do contexto existente era a forma como as Condição e Recur-


sos necessários para que o processo se desenvolvesse estavam sendo aproveitadas.
Nesse caso, os recursos existiam, mas estavam sendo desperdiçados em iniciativas
individuais de cada órgão ou secretaria que precisavam fornecer diretamente o serviço
aos cidadãos. O atendimento realizado pelos órgãos, geravam custos que precisavam
ser incluídos nos seus orçamentos, reduzindo a possibilidade de investirem em seus
objetivos fim. A necessidade de proximidade dos serviços prestados ao cidadão, em
um estado tão grande como Minas Gerais, provocava um aumento exponencial no
desperdício, que acabava por inviabilizar a melhoria do serviço oferecido e o espraia-
mento da prestação por unidades em mais localidades. Além dessa questão da proxi-
midade, há ainda o desperdício provocado pela sobreposição de serviços prestados,
ou mesmo, a destruição do serviço prestado por uma secretaria pela ação descoorde-
nada de outra secretaria. Esse problema acontece também pela assimetria de infor-
mações entre as secretarias que não sabem o que as demais estão fazendo.

Um terceiro aspecto importante nesse momento inicial era também a falta de um


arcabouço legal que possibilitasse um meio de solucionar os problemas identifica-
dos. Quando a iniciativa foi criada, em 1998, a lei que organiza os projetos e licitações
das PPPs ainda não estava aprovada, o que dificultava a utilização dessa modalida-
de como solução. Essa falta de um marco legal abria brechas para contestações
das decisões tomadas e do modelo escolhido. Além disso, a falta de experiências
anteriores também dificultava o uso de um modelo já testado e estabelecido para
aplicação ao problema identificado.

100
Um ponto muito positivo do contexto nesse momento inicial foi a existência de uma
Dinâmica Política muito positiva a inovações e a experimentação de novos modelos
que pudessem solucionar os problemas encontrados. A Dinâmica Política é um fator
que pode ajudar ou mesmo atrapalhar uma iniciativa ao ponto de inviabilizá-la. No
caso do UAI, a dinâmica política da época de seu início foi um forte indutor desse
processo, não sendo apenas um elemento menor do contexto, mas um elemento
que agiu a favor da adoção do modelo e que possibilitou as inovações adotadas,
sendo um patrocinador do processo e compartilhando o poder necessário para seu
início e sustentação ao longo do tempo.

A questão de um Network entre os parceiros era um problema existente no contexto


que dificultava o início da colaboração. A falta de relação entre as diversas secreta-
rias e o insulamento do estamento burocrático dos órgãos levavam a um processo
de isolamento entre as secretarias que parecia que eram governos diferentes. Pou-
cas iniciativas eram realizadas em direção contrária, e quando aconteciam, recebiam
uma carga de resistência muito grande por parte dos servidores, que viam nelas uma
perda de domínio de seus territórios de exercício de poder.

Por fim, dois pontos são muito importantes dentro do contexto prévio da UAI. Um de-
les é a Transparência (Accoutability) e o outro é a Construção de Capacidade. Esses
dois elementos passaram a fazer parte do vocabulário mais recente da gestão públi-
ca brasileira. O Accoutability ganhou muita força por volta dos anos 2000, chegando
a ser aprovada a Lei de Reponsabilidade Fiscal no governo Federal, Lei Complemen-
tar 101/20006. A transparência foi um dos elementos do contexto que teve grande
impacto no início da PSIU que depois se transformou em UAI, pois um modelo em
que todos cooperam em um único local possibilita maior controle por parte do ci-
dadão, via sociedade civil organizada, dos serviços prestados e da qualidade desses
serviços. A inclusão de indicadores de qualidade nas licitações para a valoração dos

6
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm, acessado em 14/09/2022

101
serviços realizados pelo prestador privado também mostra como a qualidade e a
transparência do processo passaram a ser centrais na colaboração.

Uma segunda análise dos elementos que compõem o contexto deve ser realizada
considerando sua dinâmica por todo o tempo de existência da colaboração, das UAIs,
partindo da questão da assimetria de informações. Um olhar sobre a dinâmica desse
elemento do contexto mostra que com o início das UAIs, a assimetria de informações
entre os parceiros foi reduzida drasticamente. Contudo, mesmo com essa redução
por operarem em um mesmo lugar, novos problemas surgiram como o comparti-
lhamento de informações entre os parceiros para que o processo conseguisse se
desenvolver e continuar a ganhar com a iniciativa e com a proximidade existente nas
UAIs das diversas secretarias e dos órgãos participantes. Nesse caso, uma gestão
do conhecimento insipiente ainda aparecia como problema por um longo espaço de
tempo, ao ponto de na troca de licitantes, existir uma grande perda de informações.

Um segundo aspecto do contexto a ser analisado de forma dinâmica é a questão da


Construção e Compartilhamento de Recursos. Esse aspecto sofre grande influência
dos resultados alcançados pela própria colaboração. Quando uma colaboração pro-
duz resultados positivos, esses recursos precisam ser distribuídos e a forma como
isso ocorre pode gerar tanto acrescimento de confiança e legitimidade na colabora-
ção como diminuição desses aspectos. Dentro das UAIs, esse elemento do contexto
foi sendo administrado de uma forma em que os custos fossem concentrados na
Seplag de tal forma que os demais parceiros públicos não tivessem custo em parti-
cipar da colaboração.

Mesmo com essa postura, um parceiro externo não quis se adequar à colaboração
e optou por oferecer o seu serviço de forma independente e em outra localidade.
Mesmo a Seplag assumindo todos os custos, esse parceiro optou por procurar patro-
cínios fora da colaboração para oferecer seus serviços aos cidadãos. Isso mostra que
mesmo com uma construção e compartilhamento dos Recursos por parte da Seplag
sem onerar os parceiros, que tem apenas os ganhos de escala e de poder investir
os seus recursos orçamentários em sua função finalística, alguns parceiros preferem

102
ter a sua independência e não se adequarem aos processos e a parceria. Eles veem
a colaboração uma forma de controle sobre o fornecimento dos seus serviços e não
aceitam se adequar aos procedimentos e compartilhamentos de poder necessários
para fazerem parte das UAIs.

Um outro elemento do contexto é a questão da Dinâmica Legal. Nesse caso,


as leis e como elas vão sendo moldadas no tempo também tem um impacto
muito grande na forma como as UAIs se desenvolveram. Nesse caso, quando
o marco legal das PPPs foi aprovado no nível federal, os Estados passaram a
adotá-lo como regra, mesmo tendo independência para realizarem seus próprios
modelos de parcerias. Isso ajuda no aproveitamento de experiências vividas em
outras localidades e em outros Estados, ampliando o impacto do elemento legal
na probabilidade de sucesso da iniciativa. Nas UAIs, como elas foram pioneiras
na adoção desse modelo, não puderam aproveitar muito desse benchmarking
em seu início, mas quando houve a renovação das licitações pelo vencimento do
primeiro contrato de PPP assinados e os novos contratos foram desenvolvidos e
assinados, as inovações legais e demais inovações de processo e de organização
puderam ser incorporados.

Outro elemento dinâmico do contexto que teve impacto no problema endereçado


pelas UAIs foi a Dinâmica Política existente no Estado de Minas Gerais. Essa dinâmica
que foi um impulso inicial do processo, também se desenvolveu como fiadora du-
rante toda a sua existência, dando suporte a continuidade da iniciativa e inclusive a
criação de novas iniciativas. A troca de governo, no entanto, provocou alguns intem-
peres como a anulação da licitação da PPP da UAI da Praça Sete, que foi retomada
em um final de mandato, precisando ser refeita com maior calma, em um novo man-
dato, com tempo e maior cuidado, para atingir o objetivo de ser uma UAI modelo.

Uma questão de contexto que não existia no início do processo e que se desenvol-
ver conforme o processo ia ganhando volume foi a falta de recursos para implantar
novas UAIs pelo Estado. Essa falta de recursos é fruto exatamente do sucesso que a
parceria tem atingido, pois como o sucesso é muito grande, a quantidade de atendi-

103
mentos tem aumentado cada vez mais, consumindo todos os recursos que o estado
tem para aplicar nessa iniciativa.

Por fim, o nível de confiança entre os parceiros tem aumentado com o passar do
tempo, o que mostra como um relacionamento mais logo e próximo pode ser utiliza-
do como uma forma de conhecer cada parceiro e usar isso para azeitar as relações
(Bryson et al., 2006). Nas UAIs, os relacionamentos mais próximos dos parceiros têm
amplificado a confiança e gerado um ambiente muito mais propicio a inovação e a
construção de Conectividade e Network. Essa proximidade tem gerado frutos inte-
ressantes para a população, modificando o próprio contexto da colaboração e pro-
duzindo maior legitimidade ao modelo, amplificando seu impacto.

Partindo para um olhar mais voltado para os direcionadores que modelam a forma
como a Colaboração será concebida, pode-se ver que os Incentivos Consequenciais
estavam presentes desde antes do início da colaboração. Esses incentivos podiam
ser observados desde o começo, pois uma parceria nitidamente traria ganhos para
os parceiros. Os ganhos advinham da economia de escala em locações e pessoal,
redução das redundâncias na prestação de serviços e diminuição na possibilidade de
um parceiro destruir o trabalho realizado pelo outro parceiro. Outro tipo de ganho era o
compartilhamento de informações e de processos, gerando uma sinergia maior entre
as secretarias e alinhando as iniciativas de toda a gestão do Estado de Minas Gerais.

Um segundo direcionador, a interdependência, estava muito presente desde antes


do início da colaboração e continua presente até hoje, mostrando que esse é um
dos melhores modelos para endereçar o problema público identificado. A criação
de valor ao adotar o modelo de colaboração é exponencial, pois a interdependência
dos parceiros pode ser explorada ao máximo, principalmente por estarem todos em
um mesmo espaço, tornando mais facilmente visível quando suas ações não estão
em harmonia, possibilitando que melhorias sejam desenvolvidas e aplicadas. Essa
interdependência também ajuda na gestão compartilhada dos processos, e no de-
senvolvimento de relações mais próximas e de maior qualidade, importantes para a
construção de confiança e legitimidade entre os parceiros.

104
As restrições e incentivos a colaboração acabam funcionando como um modela-
dor desse processo, pois garante que a colaboração irá considerá-los ao propor os
seus objetivos e as ações para alcançá-los. Sem a consideração de questões políti-
cas e demais questões do contexto que agem como incentivadores e restritores do
processo, as chances de falha aumentam muito. Tudo isso torna o processo muito
sensível ao contexto, precisando ser cuidado continuamente para que permaneça
vigoroso no longo prazo. A contribuição de cada parceiro para a colaboração, ajuda
em seu desenvolvimento e no crescimento dos ganhos compartilhados por todos,
mesmo em processos que dependam de barganha para a distribuição dos ganhos
construídos em conjunto.

Por fim, a questão da liderança é essencial para que um processo como esse acon-
teça. Sem uma liderança compartilhada e com a integração de todos os parceiros no
processo de decisão de assuntos que os afetam, existe uma grande chance de se
perder todo o esforço desprendido. Nas UAIs a liderança acontece de forma com-
partilhada, mas com o protagonismo da Seplag. Ela funciona como uma NAO – Net-
work Administrative Organization (Provan & Kenis, 2008; Purdy, 2012), realizando uma
liderança dentro do processo por ser o órgão do governo que faz todo o relaciona-
mento com o parceiro privado e que tem a responsabilidade de cobrar do parceiro
os indicadores de qualidade e de fiscalizar os serviços prestados. Nesse caso, por ser
inclusive o órgão que paga todos os custos da parceria, sendo os demais parceiros
públicos não onerados por esses serviços, existe uma confiança e legitimidade que
acaba se desenvolvendo de forma natural.

Um outro processo que produz uma solução interessante é a forma como as ca-
deias de valor são mapeadas e ajudam na produção de inovações. A proximidade
dos diversos parceiros ajuda no desenvolvimento de novos métodos e processos
para a construção do atendimento dos cidadãos, da prestação dos serviços por
parte dos diversos órgãos que participam da parceria. Além dessa facilidade pela
proximidade, um processo de gestão do conhecimento está sendo implantado
para facilitar o compartilhamento de informações e para a criação de um repositó-
rio comum que ajude a todos terem acesso as informações e inovações produzidas

105
dentro da parceria. O Estado também disponibiliza para a parceria a ajuda do Labo-
ratório de Inovação, que participa da coleta de informações junto aos usuários e na
modelagem de novas iniciativas e na melhoria de iniciativas já existentes, gerando
inovações incrementais no processo, mas também disruptivas por meio de proces-
sos totalmente novos.

Uma outra questão importante é a existência de um líder patrocinador que com-


partilhe poder político para que o processo se inicie. O patrocinador pode ser uma
liderança ou não do processo de colaboração, mas que garante que as condições
políticas existam para que a solução seja encaminhada. Sem esse patrocinador po-
lítico, o processo nem se inicia. No caso estudado, a solução para esse problema do
contexto foi o patrocínio do Governador Aécio Neves que, ao ganhar a eleição, trouxe
pessoas de peso para tocarem o projeto de choque de gestão proposto na campa-
nha. Desse patrocínio político surgiu a iniciativa, que gerou a solução necessária para
o problema público complexo existente de fornecer serviços de qualidade e com o
menor custo possível aos cidadãos.

A liderança mais voltada para os processos pode ser exercida por qualquer parceiro
que tenha maior expertise para realizar aquela tarefa. Isso facilita o surgimento de
novas lideranças que podem amplificar, incrementar, os resultados obtidos pela co-
laboração. Nesse ponto, essas lideranças também ajudam na construção e adapta-
ções necessárias para que a colaboração continue pujante, construindo resultados
cada vez melhores. Achar uma liderança que tenha a expertise previamente a sua
entrada na parceria, ou mesmo na gestão pública ou privada, é algo muito difícil, por
isso, é interessante que essas lideranças sejam desenvolvidas entre os colabora-
dores que estão atuando no processo. Esse desenvolvimento é imprescindível para
que o processo tenha continuidade e evolua.

Por fim, é importante salientar o impacto das incertezas como um direcionador do


processo de adoção do modelo utilizado na colaboração. O uso da PPP como mo-
delo para integrar o parceiro privado garante um processo mais transparente e mais
alinhado com dispositivos ligados ao princípio da legalidade e da publicidade entro

106
da gestão pública. Esse dispositivo, o marco legal das PPPs, garante um processo de
planejamento amplo e com a participação da sociedade civil desde o seu começo.
Outros exemplos também mostram essa vantagem de se adotar a PPP como mo-
delo para a parceria. Durante o processo de construção do instrumento licitatório
são definidos métricas e objetivos que devem ser alcançados, além de uma série
de dispositivos para processos de adaptação periódicos da própria licitação, abrindo
caminhos programados de adaptação para a colaboração. A licitação acaba por ser
um tipo de planejamento estratégico prévio da entrada do parceiro privado na co-
laboração, ajudando no acompanhamento posterior do alcance dos objetivos e dos
níveis de serviços prestados ao cidadão.

Elementos da dinâmica colaborativa


O processo de implantação passa por alguns elementos importantes como a criação
de um engajamento por princípios entre os participantes. Esse engajamento acon-
tece, pois o modelo abre espaço para que os participantes tenham voz ativa nas
decisões a serem tomadas. Mesmo tendo a premissa legal por seu poder extroverso
nos contratos públicos, o Estado, por meio da Seplag, procura estressar até o limite
a possibilidade de solução consensual dos problemas existentes. A Seplag evita uti-
lizar o poder contratual para a tomada de decisões de forma unilateral. Mesmo deci-
sões mais do cotidiano são comunicadas com antecedência aos parceiros, como por
exemplo abrir as UAIs em um fim de semana para a prestação de um serviço mais
estendido, ou especial. Esse respeito no processo decisório produz um engajamento
por parte dos parceiros que se sentem respeitados, gerando uma gama de relações
muito mais cordiais e de melhor qualidade.

A motivação compartilhada é outro elemento visível na parceria (Emerson et al.,


2012). Nesse caso, os quatro subelementos que formam a Motivação compartilhada
aparecem na parceria das UAIs, a Confiança, o Entendimento, a Legitimidade e o
Comprometimento. A confiança transparece quando todos procuram trabalhar jun-
tos e em prol do melhor atendimento dos cidadãos. Essa confiança só é possível pois
existe um entendimento mútuo que garante a harmonia necessária para vencer con-

107
flitos de interesse e levar a colaboração a progredir. A legitimidade só acontece se
a confiança for tamanha que os parceiros conseguirem perceber nas ações dos ou-
tros parceiros o objetivo de melhorar o processo e de juntos atingirem o objetivo de
prestar um bom serviço ao cidadão. O comprometimento surge quando os parceiros
perceberem que a colaboração está realmente produzindo um ganho, incentivando
a sua permanência dentro do processo e garantindo que seu ganho na parceria será
sempre maior que procurar fornecer o serviço de forma individualizada.

Um exemplo dessa motivação compartilhada aconteceu durante a pandemia de


Covid-19. Como surgiu a necessidade de suspensão dos atendimentos ao público
das UAIs devido a restrição imposta ao funcionamento das repartições públicas por
conta da pandemia de Covid-19, o pagamento ao parceiro privado passou a não ser
devido, já que este recebe pelo volume de atendimentos realizados. Contudo, como
o parceiro privado tem uma estrutura e uma folha de pagamentos contratada e que
não é variável de forma abrupta, foi realizado uma adaptação ao contrato para evitar
que o não pagamento quebrasse o parceiro privado, inviabilizando a volta do serviço
no pós-pandemia. A solução foi adiantar os pagamentos de atendimentos futuros,
já que a demanda estava reprimida e seria liberada em algum momento. Posterior-
mente, quando os atendimentos voltassem, os valores adiantados seriam descontar
dos valores devidos. Sem essa atitude, o parceiro privado teria quebrado, teria falido,
e a parceria teria acabado. Tudo isso só foi possível pois existia confiança entre os
parceiros. Foi nessa confiança que o parceiro público se fiou de que o serviço seria
fornecido posteriormente, que tudo continuaria a acontecer de forma apropriada, o
que trouxe legitimidade para as ações tomadas e comprometimento das partes para
solucionar o problema que surgiu.

A capacidade de trabalharem juntos não existia de antemão, ela foi sendo construí-
da ao longo do tempo, algo muito interessante na escolha da colaboração como
solução para o problema público abordado, e que gerou resultados excelentes no
longo prazo. Essa capacidade de trabalharem juntos é demonstrada quando inova-
ções de processos realizadas por um parceiro acabam sendo adotadas por outros
parceiros. Para que as inovações acontecessem e as vantagens da colaboração apa-

108
recessem, foi necessário desenvolver a capacidade de colaborarem, de trabalharem
juntos. Isso criou uma sinergia que acabou com redundâncias e com a sensação de
posse dos serviços por alguns órgãos. A capacidade de trabalharem em conjunto
solucionou um problema da burocracia que é a tendência ao insulamento por parte
dos estamentos burocráticos.

A participação da Sociedade Civil na PPP é algo mais pontual. Durante o desen-


volvimento da licitação existem momentos delineados no marco legal das PPPs
para que a participação aconteça. Esses momentos são as audiências públicas em
que as opiniões e críticas são ouvidas e incorporadas à licitação. No entanto, após
a licitação, a participação é apenas avaliando e dando opiniões de melhorias via
canais oficiais, ou quando existe uma demanda específica que necessite de auxílio
de entes da sociedade civil para o desenvolvimento de novos processos de aten-
dimento.

Um momento específico que essa participação é essencial é no desenvolvimento


de alguns serviços especiais que a colaboração necessita realizar. Um exemplo foi o
desenvolvimento do RG adaptado para incluir a condição de autista. Para o desen-
volvimento do processo de atendimento dessas pessoas, foi chamado entidades da
sociedade civil que representavam as pessoas com autismo e que tinham expertise
sobre o assunto. Essas entidades da sociedade civil ajudaram em toda a criação da
cadeia de valor do atendimento, aportando um conhecimento não existe na própria
colaboração, na gestão pública e nem mesmo no parceiro privado. Sem essa partici-
pação, o resultado final seria muito inferior, mostrando como a participação da socie-
dade civil é essencial para a criação de soluções muito melhores para os problemas
públicos existentes.

A Gestão Estratégica é exercida por meio do contrato firmado entre o poder público
e o parceiro privado. Esse instrumento funciona como um planejamento estratégi-
co mais formal, e que já prevê em seu corpo dispositivos de rearranjo dos acertos
realizados. As adaptações e replanejamentos acontecem a cada dois anos, em que
os parceiros sentam a mesa de negociação para planejarem os volumes de aten-

109
dimentos para os próximos dois anos, repactuando os valores do contrato para a
manutenção do equilíbrio financeiro do contrato. Ainda assim, em momentos em
que questões do contexto, como por exemplo, a pandemia de COVID-19, alteram
substancialmente o planejamento estratégico, adaptações às estratégias traçadas
são realizadas como uma forma de não inviabilizar a parceria, ou de gerar mais
prejuízos que vantagens caso a estratégia vigente seja aplicada.

A adaptabilidade da parceria como um todo está muito baseada na negociação


e em um sistema de feedback entre os parceiros, mas também com os cidadãos
usuários dos serviços. Para que os níveis de satisfação permaneçam elevados, é
necessário ouvir os cidadãos e considerar as suas sugestões e opiniões. Quando
um cidadão coloca uma reclamação na ouvidoria do Estado sobre as UAIs e rece-
be um retorno em tempo hábil e solução para sua queixa, ele se sente valorizado.
A expectativa dos cidadãos sobre os serviços prestados pelo poder público é
bastante baixa. Quando ele recebe um atendimento de qualidade, e com veloci-
dade, ele sai muito satisfeito. A postura de atendimento e de adaptabilidade das
UAIs levou a satisfação dos cidadãos com o atendimento a níveis entre 98 e 99%
de satisfação, índices fantásticos para uma iniciativa que lida diretamente com
serviços oferecidos aos cidadãos como a UAI.

Resultados
A implantação da colaboração das UAIs vem em um processo crescente de sucesso.
Esse sucesso pode ser representado pelos resultados de terceiro nível que ela vem
dando, com a construção de cada vez mais parcerias. Uma medida desse sucesso é
também o modelo ter ganhado um marco legal e estar sendo aplicado em diversos
outros tipos de serviços e localidades.

Um segundo ponto muito importante é a economia de recursos que uma colabora-


ção pode proporcionar ao colocar todos os serviços prestados pelas diversas secre-
tarias e órgãos do governo em um mesmo local. Essa atitude produz uma economia
de espaço, de recursos, de aluguel, de pessoal entre muitos outros, pois tem-se

110
apenas um porteiro, um atendente para dar informações, um grupo de seguranças,
para cada localidade e não para cada órgão ou secretaria que precise prestar ser-
viços à população. Além dessa economia de recursos por parte do poder público,
temo a economia de tempo e recursos por parte do cidadão, que passa a ter dispo-
nibilizado todos os serviços na mesma localidade, podendo resolver tudo de uma só
vez, sem a necessidade de ir de órgão em órgão, de secretaria em secretaria para
solucionar um único problema.

Um aspecto importante que deve ser chamado a atenção é o quanto a parceria


aprofundou o impacto dos serviços prestados pelo estado de Minas Gerais aos
cidadãos. O fato de tudo estar no mesmo lugar com um ambiente saudável, funcio-
nários bem treinados e engajados com suas tarefas, a economia de tempo e de vai
e volta em repartições mal geridas e com servidores mal treinados ou não enga-
jados com suas tarefas, já produz um impacto de eficiência, eficácia e efetividade
nos serviços prestados que mostra que o problema público de atendimento com
qualidade e com presteza ao cidadão está encaminhado na direção correta. Esse é
um problema que está solucionado, mas que ainda precisa ser mais disseminado
e levado cada vez mais próximo dos cidadãos, cada vez mais próximo de sua re-
sidência. Esse processo precisa ser bem gerido e bem cuidado para que continue
a dar os resultados que vem dando, ampliando seu impacto para cada vez a mais
localidades. Isso está acontecendo com iniciativas como o UAI compartilha, que
passa a envolver os municípios para ampliar as localidades que o Estado atende
os cidadãos.

Inovações desenvolvidas e aplicadas nessas iniciativas precisam ser aplicadas


cada vez mais. Novas parcerias precisam ser licitadas para que o modelo possa se
expandir a amplificar as soluções desenvolvidas. As questões que ainda precisam
ser solucionadas podem ser uma fonte de renovação e de amplificação dos impac-
tos que a colaboração tem produzido, ajudando a fomentar cada vez mais serviços
de qualidade aos cidadãos. A digitalização de diversos serviços pode abrir espaço
para que cada vez mais pessoas possam se beneficiar do modelo, gerando uma
economia de recursos e amplificando as soluções.

111
O modelo de PPP pode ser uma grande estratégia para incorporar o privado na co-
laboração, transferindo a gestão da infraestrutura, como acontece nas UAIs, para
esse parceiro, que pode gerir com maior agilidade e sem as amarras que um sistema
burocrático tem para evitar desvios e corrupção. Essa vantagem garante agilidade e
maior eficiência no processo de adaptação a mudanças das estruturas, ampliando
a capacidade de absorção de demandas extemporâneas que as travas burocráticas
da gestão pública a impedem de absorver com a velocidade necessária.

112
Colaboração da
Sociedade Civil
para a Gestão
de Pessoas
no Rio Grande
do Sul

O problema e os desafios
colaborativos
A gestão de pessoas no setor público é um grande de-
safio atual, pautada por graves problemas estruturais
que limitam o desempenho de servidores e organiza-
ções. Dentre os principais destacam-se: excesso de
carreiras com baixa amplitude e acentuadas distorções
remuneratórias; seleção baseada apenas em conheci-
mentos; cargos comissionados sem critérios de entra-
da nem avaliação; estabilidade funcional generalizada
e praticamente incondicional; e progressão e promo-
ções sem critérios de avaliação efetivos e desatrelados
ao desempenho.

Aos problemas gerados pelo desinteresse dos servi-


dores estáveis, somam-se problemas como o preen-

113
chimento dos cargos de alto escalão de pessoas por indicação política, que muitas
vezes, não possuem a expertise para desempenharem as funções relacionadas ao
cargo que ocupam. Essa falta de capacidade técnica e de capacidade de liderança
de muitos gestores reforça o problema de falta de motivação dos servidores, que
além de não verem uma possibilidade de ascensão de suas carreiras por mérito,
acabam sendo liderados por gestores totalmente despreparados.

A falta de uma gestão por competências também contribui para a sensação de que
a carreira de servidor é desvalorizada. Muitos servidores entram no serviço público
em carreiras que, com o avanço tecnológico, simplesmente desaparecem. Ainda as-
sim, esses servidores continuam a exercer funções que não mais são necessárias,
como por exemplo ascensorista em elevadores, ou motoristas em repartições que
não possuem mais veículos próprios, digitadores, foto copistas entre muitas outras
funções. As pessoas que ficam lotadas em funções sem relevância, também tende
a ficarem desanimadas e se acomodarem com o passar do tempo. Além do proble-
ma causado pela própria gestão ao não requalificar e realocar esses servidores, há
também as pessoas que desejam permanecer em seus lugares, não terem novos
desafios, ficarem ali até aposentarem.

A falta de uma gestão por competência causa mais alguns problemas, como a aloca-
ção de servidores em cargos que não têm aderência às capacidades e às expertises
desses servidores. Quando um servidor é contratado para uma função e acaba sen-
do alocado em função diversa, ele fica desmotivado e sentindo-se insatisfeito com
as tarefas desenvolvidas. A aderência das capacidades dos servidores e as compe-
tências exigidas pelas tarefas desempenhadas são um poderoso motivados, prin-
cipalmente quando associado a outros motivadores. Uma alocação mais racional e
baseada em competências pode trazer grandes ganhos para a gestão pública como
um todo. A melhor alocação das competências disponíveis pode amplificar o impac-
to de uma valorização dos servidores, pois eles se sentirão uteis ao cidadão, reali-
zando tarefas que estão dentro do escopo de suas competências e que realmente
tem valor público.

114
Uma questão muito importante observada em quem escolhe ser servidor público
é o espirito público, em que o servidor sente-se realizando uma tarefa que ao final
produz uma ajuda ao próximo. Não se trata de filantropia, pois todos dependem de
seus proventos para sobreviverem, mas muitos escolhem ganharem menores salá-
rios que na iniciativa privada por conta do componente social e de ajuda ao próximo
presenta no serviço público. Esse aspecto precisa ser bem aproveitado, e ele só será
se as pessoas com as competências corretas estiverem nos cargos corretos. Aspec-
tos como esse podem ser muito poderosos para produzir satisfação nos servidores e
engajá-los com suas tarefas.

Cada uma dessas questões impacta a forma como as soluções para melhorar a ges-
tão de pessoas é encarada, tanto pela população em geral, como pelos próprios
servidores e suas lideranças. A população tem uma sensação de que os servidores
públicos estão sempre atuando aquém do que poderiam, fornecendo um serviço
insuficiente e com baixa qualidade. Já os servidores têm uma sensação de que não
são valorizados e por isso não se sentem na obrigação de prestarem um serviço mais
intenso à população. Em meio a esse fogo cruzado, a liderança dentro da gestão
pública dispõe de poucos recursos para modificar esse cenário, principalmente por
estar muito limitada por legislações que moldam todo o processo.

Para um gestor público desenvolver uma boa gestão de pessoas, os processos de


RH devem estar bem desenvolvidos e implementados com eficiência, eficácia e efe-
tividade em sua aplicação. Um processo mal desenhado, ou mal aplicado de avalia-
ção, por exemplo, vai inviabilizar uma gestão de pessoas por competência, diminuin-
do as chances de colocar as pessoas certas nos lugares certos. Essa falta de uma
alocação de pessoal de forma mais racional vai levar a resultados inferiores, o que
em última instância, vai refletir em serviços piores a população.

A iniciativa colaborativa para valorização dos Servidores no Estado do Rio Grande do


Sul partiu de organizações da sociedade civil e da gestão do executivo que tomou
posse a partir de 2019, tendo como referência sua experiência anterior como prefeito
de Pelotas. Ao assumir o cargo de governador, patrocinou o início de um processo

115
de profissionalização da escolha dos gestores de segundo e terceiro escalão que
ocupariam alguns cargos mais estratégicos. Para realizar essa seleção foi criada uma
parceria com o VAMOS, uma entidade do 3º setor, sem fins lucrativos, que atuava fa-
zendo a seleção desses profissionais baseados nas competências necessárias para
o cargo que iriam ocupar.

Com esse processo de seleção, foi escolhido uma profissional para ocupar o cargo
de subsecretária do órgão central de Gestão de Pessoas. A profissional contratada
teria a missão de desenvolver uma série de projetos dentro do órgão central de Ges-
tão de Pessoas do estado do RS. Entre esses projetos, existia um que procurava valo-
rizar os servidores do executivo e das autarquias que compunham o governo do RS.
O projeto pretendia realizar uma mudança de cultura de gestão de pessoas e para
isso trouxe para a parceria o VAMOS, que tem como escopo principal de trabalho a
valorização das carreiras dos servidores, e por fim, os próprios servidores. Essa va-
lorização tem como objetivo final produzir maior satisfação dos servidores com seu
trabalho, e por consequência, uma melhora nos serviços prestados aos cidadãos, a
população em geral.

Esse projeto procurou atacar algumas dores encontradas pelos gestores públicos
de pessoas. Contudo, essas dores não estão concentradas apenas nos gestores pú-
blicos de RH, mas em todos os gestores públicos que de alguma forma lidam com
servidores. A falta de valorização dos servidores causa uma insatisfação com seus
locais de trabalho que resulta em falta de engajamento, prejudicando todo o serviço
público. Servidores com pouca vontade de ajudar os cidadãos tendem a serem um
problema para seus gestores, causando grandes transtornos e até mesmo prejuízos
para a gestão pública e em última instância para os cidadãos.

Questões básicas da burocracia como a legalidade e impessoalidade podem se


tornar uma barreira para que a gestão de pessoas consiga motivar os servidores.
Por exemplo, a valorização do servidor via pagamentos diferenciados conforme o
desempenho do servidor só pode acontecer se existir uma lei permitindo e regula-
mentando o processo. A legalidade é um princípio muito importante para a estabili-

116
dade na gestão pública, no entanto, ela dificulta a gestão de pessoas por parte dos
gestores. A restrição que a estrita legalidade traz, reduz o campo de ação dos gesto-
res em realizar ações que produzam as condições para a satisfação dos servidores,
algo que normalmente é muito mais fácil no setor privado por ser mais flexível. Para
vencer uma barreira como essa, é necessário que todo um sistema de avalição seja
desenvolvido e que uma gestão por competência seja implantada e incorporada ao
arcabouço legal. Isso é importante pois no setor público a isonomia entre os servido-
res e a impessoalidade nas avaliações deve prevalecer sobre preferências pessoais
dos gestores que detêm o poder de escolha.

Colaborações da gestão pública com o 3º setor buscaram abrir oportunidades para


que o setor público receba assistência técnica externa sem que isso represente abrir
mão de suas prerrogativas de gestor do funcionalismo. A inclusão da participação da
Sociedade Civil na gestão de pessoas dos governos não representou um acréscimo
de custos para a gestão pública, já que os termos de parceria assinados são não
onerosos, o que significa que para o setor público não existe um custo a ser pago
pela consultoria prestada.

A colaboração desenvolvida está estruturada em reuniões semanais entre os gesto-


res responsáveis pelo projeto no órgão central de gestão de pessoas e o VAMOS e
reuniões semanais com os gestores diretos dos projetos executados. Essas reuniões
com a alta gestão do estado funcionam como um fórum de apresentação do plane-
jamento das ações que serão desenvolvidas e uma forma de prestação de contas do
que foi realizado até aquele momento para manutenção do apoio político e patrocí-
nio do governador e dos secretários de governo.

O dia a dia do planejamento acontece nas reuniões semanais, onde os parceiros discu-
tem e deliberam sobre as ações que deram certo, as que deram errado, como corrigir
os rumos da colaboração e se necessário, o que precisa ser modificado para as pró-
ximas ações. Essas reuniões funcionam como um fórum de construção da estratégia
que será utilizada para continuar a perseguição do objetivo final, do escopo que se
está abordando e dos resultados que se espera com as ações implementadas.

117
Os gestores públicos responsáveis colocam as ações discutidas em movimento, re-
unindo-se com os gestores dos demais órgãos da administração estadual e com os
gestores das autarquias para a identificação das necessidades e da customização
das soluções para cada um. Esse processo ajuda na aproximação dos parceiros e em
vencer as resistências que muitos têm as mudanças.

Elementos do contexto e direcionadores


Além dessas questões ligadas diretamente a gestão de pessoas e a sua motivação,
outras questões de contexto precisam ser levadas em consideração para que uma
colaboração nessa área se desenvolva. Uma delas é a existência de um patrocina-
dor, alguém com poder político suficiente para bancar a iniciativa e garantir seu início
e permanência. Sem um patrocinador, sem um contexto com esse ator, a colabora-
ção não pode acontecer.

Um segundo ponto muito importante do contexto é a questão da assimetria de in-


formações entre a alta gestão e o servidor lá da ponta, o chamado Burocrata de Rua.
Esse burocrata é o principal alvo de uma colaboração voltada para a valorização dos
servidores, pois é ele quem tem o contato direto com o cidadão, e que forma a ima-
gem que a gestão pública terá frente a população. Se esse burocrata estiver satisfei-
to e realizar seu trabalho de forma clara, eficiente e voltada para o cidadão, a imagem
da gestão será bem melhor junto à população. Assim, a inclusão desse servidor e de
seu olhar nas deliberações é muito importante para um sistema de valorização da
carreira pública.

Um terceiro ponto do contexto que é importante é a questão legal envolvida. Como


já falado, um arcabouço legal é necessário para que muitas das ações voltadas para
a valorização dos servidores seja colocada em prática. Sem esse arcabouço jurídico
as ações podem ser impedidas de serem realizadas. Para que esses arranjos acon-
teçam, é necessário um contexto que aponte para apoio político suficiente para que
os planos desenvolvidos sejam aprovados pelos legislativos, e com isso, mais res-
ponsabilidades sejam delegadas aos gestores para que possam aplicar o processo

118
de valorização. Se as ações discricionárias dos gestores forem muito restringidas,
não será possível o desenvolvimento das ações que viabilizem a distinção entre os
servidores que merecem e os que não merecem as ações voltadas para a valoriza-
ção de suas ações. Um maior poder discricionário precisa ser alocado as posições
de liderança formal para que posam premiar os melhores, os que tenham melhores
desempenhos.

Um quarto ponto importante do contexto é o nível de conflito entre os participantes


da colaboração. Quanto maior o nível de conflito entre a gestão e os servidores, maior
a dificuldade de se implantar uma colaboração para valorização desses servidores. A
falta de confiança entre os servidores e a alta direção pode ser um grande empecilho
para a colaboração. No entanto, a busca de caminhos de construção de confiança
pode ser uma forma de se chegar a uma solução para esse problema de contexto.

Um último problema de contexto encontrado é a falta de diversidade que muitos


órgãos acabam tendo na gestão pública. Programas oficiais como as cotas para a in-
clusão de negros, de deficientes pode ajudar a diminuir essa falta de diversidade na
gestão pública. Ainda assim, mesmo com essas ações legalmente instituídas, outras
ações precisam ser tomadas para que os servidores que entram no serviço público,
por esses dispositivos legais, sejam realmente integrados e valorizados dentro da
gestão pública. A essas ações de inclusão, devem ser somadas ações para a inclu-
são das mulheres em cargos de liderança. Em muitos casos elas são a minoria nos
cargos e direção, mesmo representando uma grande parte dos servidores públicos
de carreira.

Todo o problema da valorização do servidor público para gerar satisfação e por con-
sequência melhores serviços a população é um desafio gigantesco que dificilmente
pode ser solucionado apenas com as ideias e atitudes da alta direção de um ente.
Esse tipo de problema, que no final é público, pois afeta toda a população de forma
indireta, e que é extremamente complexo, pois envolve muitos tipos de pessoas e
expectativas, não pode ser solucionado de forma Top-down, sem a participação da
sociedade civil organizada e do próprio cidadão.

119
Uma primeira questão relativa aos direcionadores está ligada aos incentivos que
levaram a formação da colaboração. Um desses incentivos foi o patrocínio do go-
vernador. Ele já conhecia o VAMOS e o trabalho que eles realizavam. Esse conheci-
mento pregresso foi um grande direcionador do processo, inclusive de seu início e
continuidade.

Um segundo incentivo estava na disposição e na expertise acumulada pelo VAMOS


em fomentar uma valorização dos servidores do estado do Rio Grande do Sul e de
outros estados pelo Brasil. Essa predisposição impulsionou o processo, pois foi o VA-
MOS que propôs a parceria e que deu o diagnóstico do que era necessário implantar
para que os servidores tivessem uma percepção de estarem sendo valorizados. Sem
este impulso inicial do 3º setor, a colaboração não seria possível.

A questão das incertezas e riscos envolvidos também foram importantes para que
uma colaboração fosse escolhida como a melhor forma de solucionar o problema
existente (Emerson et al., 2012). Como o processo está eivado de incertezas, tanto
pelo lado da gestão pública que não possui a expertise para realizar a tarefa, como
por parte dos órgãos e autarquias parceiras e inclusive do parceiro da sociedade ci-
vil, que não tem o poder para implantar um projeto dessa magnitude e abrangência,
a colaboração foi o caminho natural escolhido para juntar todos estes parceiros e
mitigar os riscos existentes em ambos os lados por meio do compartilhamento de
recursos e de conhecimentos.

Um último direcionador importante é a liderança. Nesse caso, uma solução encon-


trada foi que a liderança deveria ser exercida pelo parceiro público principal, o OCDP.
Normalmente, a gestão de pessoas é realizada por um órgão central, o RH dos entes,
que cuida de toda a parte burocrática dentro da gestão pública e das diversas ações
voltada a valorização dos servidores públicos quando elas existem. No governo do
Rio Grande do Sul, a função fica a cargo do Órgão Central de Gestão de Pessoas
– OCGP. O OCGP tradicionalmente é a instância que toma as decisões mais opera-
cionais, ficando para a alta direção do Estado tomar as demais decisões sem muita
participação de outros órgãos, entes ou mesmo da sociedade civil.

120
O OCGP como ator da colaboração deveria compartilhar a liderança com os demais
envolvidos a depender das necessidades e expertises de cada parceiro. Um ponto
importante na liderança é que as decisões são tomadas em consenso apenas em
temas mais comuns, como quando se está adaptando um instrumento a uma rea-
lidade em um órgão ou autarquia. Quando as decisões são mais estratégicas, elas
tendem a ficar mais na mão da direção do projeto, que procura manter um guia do
processo mais próximo a estratégia traçada. Contudo, a estratégia é traçada de for-
ma consensual e em um colegiado, cúpula, que vai construindo e remodelando a
estratégia conforme as necessidades vão aparecendo.

Elementos da dinâmica colaborativa


As soluções implantadas têm gerado um ambiente propício ao engajamento por
princípios. Esse engajamento está ocorrendo, pois, a colaboração gerou uma siner-
gia entre os parceiros por meio da construção de um ambiente de confiança. Isso
ocorreu em função de dois aspectos bem específicos. A capacidade técnica de-
mostrada pelo VAMOS, que sendo uma ONG sem interesse financeiro no processo,
aportou uma série de conhecimentos não existentes dentro da Gestão Pública sem
onerar os cofres públicos. O segundo ponto é que houve um Compartilhamento de
Poder por parte da alta gestão do Estado, com o envolvimento direto do Governador
na iniciativa, o que demonstrou a importância dada à colaboração. O patrocínio do
governador produziu um engajamento dos secretários, o que facilitou a entrada dos
demais parceiros e seu engajamento em uma iniciativa complexa e que demanda
empenho e dispêndio de tempo como a colaboração.

Esse compartilhamento de poder gerou a possibilidade da formação de um fórum


de acompanhamento e tomada de decisões que passou a se reunir semanalmente
para desenhar as próximas ações e para verificar se as ações até aquele momento
implementadas estavam atingindo seus objetivos ou se precisavam ser modifica-
das, adaptadas. O fórum criado tem um processo de decisão por consenso, o que
facilita a produção de confiança a legitimidade entre os parceiros. Contudo, formal-
mente, a tomada de decisão está sempre a cargo da gestão pública. Então, quando

121
não há consenso, as decisões são escaladas ou são tomadas pelos gestores pú-
blicos que integram o processo. O parceiro da sociedade civil tem responsabilida-
des de consultoria nos projetos, não sendo de sua responsabilidade participar da
tomada de decisão.

Um resultado importante da colaboração do projeto de valorização dos servidores é


a geração de capacidade estatal. Essa geração acontece pelo desenvolvimento de
novas formas de se implementar as ações planejadas. O desenvolvimento de novas
formas de abordar os problemas públicos e de encaminhar soluções compartilhadas
entre os órgãos e autarquias que compõe a administração estadual é uma gran-
de inovação por si só, e ainda produz outras tantas inovações, tanto incrementais
como disruptivas. Isso acontece, pois, a Estratégia é totalmente aberta. A estratégia
vai sendo construída reunião a reunião de encontro da cúpula de gestão da colabo-
ração. Como já apresentado, os parceiros têm uma rotina de reuniões semanais de
planejamento onde verificam as ações anteriormente aplicadas e planejam as pró-
ximas ações, ajustando-as as necessidades do contexto e demais incentivadores ou
restritores identificados. Esse processo de Strategizing produz uma adaptabilidade
contínua na colaboração, ampliando o seu impacto e garantindo um resultado muito
mais aderente a realidade dinâmica existente.

Sem envolvimento do servidor na construção da política de gestão de pessoas,


estas dificilmente atingirão os objetivos propostos. Uma questão importante aqui
é que o servidor se sinta parte da solução dos os seus próprios problemas. Esse
envolvimento amplifica o engajamento e a sensação de pertencimento, trazendo
maior confiança e legitimidade a todo o processo. Contudo, incluir os servidores re-
quer abrir mão de poder de decisão, compartilhando esse poder com os servidores
e incluindo-os em todo o processo de Definição, Deliberação e Determinação de
todo o processo.

Um ponto central nessa colaboração e que faz toda a diferença é a participação da


sociedade civil. Sem essa participação a colaboração não existiria, pois a iniciativa
de propor a colaboração foi exatamente do VAMOS, que já tinha um relacionamen-

122
to prévio com o Governador e que detinha a expertise já comprovada de atuação
em valorização de servidores e mudança de clima organizacional na gestão públi-
ca. A expertise do VAMOS levou a um patrocínio do projeto por parte do governa-
dor, mas também a um olhar mais condescendente dos servidores. A entrada da
sociedade civil no projeto, produziu a oxigenação necessária para introdução de
novas ideias e novos olhares sobre as funções e capacidades dos servidores, ge-
rando um ambiente muito mais propício a inovação pela troca de conhecimentos.
A participação da sociedade civil por meio do VAMOS também gerou um aprofun-
damento dos resultados, pois trouxe expertise técnica de consultores. Os consul-
tores, quando direcionados pelos gestores públicos e servidores, puderam realizar
um diagnóstico muito mais abrangente, além de propor soluções mais adequadas
aos problemas diagnosticados por conta exatamente da diversidade de olhares
que essa parceria produziu.

A inclusão de entidades da sociedade civil envolveu o Instituto Gesto, VAMOS e Co-


munitas. Esses institutos e iniciativas atuam junto a gestão pública, desenvolvendo
capacidade estatal voltada para a gestão de pessoas e valorização dos servidores
por meio de mudanças de cultura organizacional e desenvolvimento de pessoas. A
ação de trazer os institutos para uma colaboração consegue oxigenar a gestão públi-
ca com novos olhares e com inovações que sem eles não seriam possíveis.

Quando um ente chama uma iniciativa como o VAMOS ou Comunitas para atuar em
conjunto com seus gestores, eles trazem toda uma expertise e um grupo de espe-
cialistas para contribuírem com o desenvolvimento dos programas propostos pela
gestão pública. Esses institutos passam a fazer parte das colaborações sem repre-
sentarem um custo para a Gestão Pública. Para desenvolverem suas missões insti-
tucionais, os institutos são financiados por parceiros como a Fundação Lemann, que
realiza um investimento a fundo perdido, e que em contrapartida, cobra indicadores
de desempenho que mostrem uma evolução dos programas firmados. Essa postura
de não receber financiamento nem do governo e nem de entidades privadas com
interesse em ter contratos com a gestão pública garante isenção e confiança entre
as partes, conferindo legitimidade nas opiniões e indicações realizadas.

123
Um ponto que chama a atenção nessa iniciativa é a questão da gestão do conhe-
cimento. Como em outras colaborações abordadas, esse ainda é um processo inci-
piente nas parcerias e mesmo na gestão pública de uma forma geral. Existem inicia-
tivas, mas elas ainda são insuficientes para gerarem uma segurança de continuidade
das atividades para os próximos ciclos políticos. Algumas ações estão sendo imple-
mentadas para tentar solucionar esse problema. Uma das ações foi mesclar servi-
dores de carreira e servidores comissionados puros nos cargos de liderança. Essa
mescla tem como objetivo produzir uma memória viva do projeto para além do ciclo
eleitoral atual. Um entrevistado chamou a atenção para o fato de no RS nunca um
governador ter sido reeleito e ser um problema reiterado a perda de conhecimento
em cada troca que acontecia.

Outra iniciativa nessa mesma linha de produzir uma continuidade no processo foi
a criação de um programa de preparação de passagem de cargo. O programa visa
preparar todo um processo de sucessão para que quando houver a mudança dos
cargos de direção, o trabalho realizado até o momento, não se perca. Uma terceira
iniciativa foi o desenvolvimento de um relatório de gestão abrangente de forma mais
periódica. Nesse relatório, procurou-se incluir todos os programas desenvolvidos,
seus objetivos, ações já tomadas, ações planejadas para o futuro e principalmente
o estágio que a iniciativa está em seu desenvolvimento e aplicação. Tudo isso para
produzir um documento que sirva de base para o próximo governo continuar o tra-
balho do ponto em que se está nesse momento.

Nessa área da gestão do conhecimento outras ações mais pontuais também foram
tomadas, como a criação de um repositório institucional, em que todas as informa-
ções produzidas sejam armazenadas de forma organizadas e acessível a todos. Essa
iniciativa visa criar um local onde as informações possam ser compartilhadas com
todos os interessados, ampliando o impacto da colaboração e melhorando os siste-
mas de informação.

124
Resultados
Esse processo de valorização está se desenvolvendo de uma forma bastante parti-
cipativa e com a produção de resultados bem interessantes. Esses resultados já são
sentidos na ponta, pelo servidor que se vê valorizado e pelo cidadão com a melhoria
de alguns serviços prestados pelo estado.

Os resultados da colaboração também precisam ser apreciados e tratados dentro


da seção de implementação. Um desses resultados é a possibilidade de adaptações
das ferramentas geradas pelo projeto de valorização dos servidores. As adaptações
acontecem por meio da participação dos usuários dessas ferramentas no processo
de tomada de decisão de como elas serão implantadas. Essa adaptação acontece
de forma muito consensual, pois a cada órgão ou autarquia que o projeto será im-
plantado, previamente são feitas reuniões com os gestores da área e as demandas
desses gestores são ouvidas e consideradas como insumos para as adaptações. Fer-
ramentas como matriz de competências e programas de avaliação de servidores
são adaptados ao contexto e a realidade desses órgãos e autarquias. Esse processo
flexível é fruto direto da colaboração, pois essa é uma característica muito marcante
quando se trabalha em parceria, a horizontalidade das decisões tomadas como a
melhor forma de tomada de decisão.

Um segundo resultado já identificável na fala dos entrevistados é a percepção de valo-


rização que os servidores estão reportando. Esse é o objetivo principal da colaboração,
não obstante ele é um objetivo intangível. Esses objetivos são mais difíceis de serem
alcançados pois são influenciados por diversos aspectos que vão além do próprio ser-
viço realizado. Porém, ações que melhoram diretamente as tarefas realizadas como a
alocação dos servidores por meio de uma matriz de competências e seleções basea-
das nessa matriz das competências dos servidores que irão ocupar os diversos cargos,
inclusive os cargos de direção e liderança, tendem a produzir, ou facilitar, a produção
de uma satisfação entre os servidores. Esse é um processo interno de cada indivíduo,
mas gerar melhores condições de trabalho tende a amplificar as possibilidades de ge-
ração de satisfação. Uma maior satisfação tende a ampliam o engajamento nas tarefas
e o comprometimento dos servidores com a organização em que atuam.

125
A implementação desse projeto ocorreu de forma muito exitosa até o momento se-
gundo os seus integrantes. Isso porque as soluções aplicadas têm resultado em um
desenvolvimento de iniciativas que produziram melhorias na percepção dos bene-
ficiários dos projetos. Ainda assim, o projeto só atingiu a primeira fase de ações e
prossegue em seu caminho, iniciando a segunda fase que consiste em aprofundar
os entendimentos e iniciativas já implantadas e buscar envolver cada vez mais ór-
gãos e autarquias no processo de valorização dos servidores públicos do estado do
Rio Grande do Sul.

126
Colaboração
Intragovernamental
Contra o
Assédio
nas Escolas
Públicas do
Estado do
Paraná

O problema e os desafios
colaborativos
Desde antes da inclusão da universalização da edu-
cação na Constituição Federal de 1988, percebe-se a
necessidade de melhorar sua qualidade. A quantidade
de vagas e o percentual de alunos nas escolas cresceu
fortemente nas últimas décadas, chegando a mais de
90% das crianças e adolescentes dentro das salas de
aulas pelo país. Contudo, a qualidade e diversidade de
possibilidades no ensino profissionalizante não conse-
guiram acompanhar essa expansão, primeiro pelo défi-
cit de estrutura para suportar toda a demanda e segun-
do pela falta de profissionais qualificados.

127
A necessidade crônica de melhorias nos sistemas de ensino pelo país produziu pau-
latinamente diversas iniciativas de melhorias da qualidade do ensino, procurando im-
plementar soluções e alternativas para os problemas encontrados. A baixa qualidade
da educação é um problema público extremamente complexo de ser encaminhado,
pois não pode ser solucionado apenas com a alocação de recursos, mas depende
de uma série de ações coordenadas. A multiplicidade de questões que precisam ser
enfrentadas mostra como o MEC - Ministério da Educação e as diversas Secretarias
de Educação dos Estados Federados e dos Municípios precisam de ajuda para so-
lucionarem esses problemas e fornecerem uma educação com a quantidade e a
qualidade mínima requerida.

Além dessa questão da qualidade do ensino, há a questão da cidadania e a preocu-


pação de formar força de trabalho que seja capaz de sustentar o crescimento econô-
mico, proporcionando renda e bem-estar para o País. É necessário também oferecer
segurança para os alunos enquanto estudam, garantindo segurança alimentar com
o oferecimento de merendas de qualidade, e segurança pessoal com a garantia de
que a integridade física e moral desses alunos será mantida enquanto estiverem sob
a responsabilidade do estado dentro das escolas.

Nesse sentido, a Secretaria de educação do Estado do Paraná procurou formas co-


laborativas de lidar com os diversos problemas existentes em sua pasta, procurando
entidades que pudessem auxiliar na busca e implementação de soluções.

Na área da educação existe uma série de organizações da sociedade civil que fo-
mentam trabalhos voltados para o desenvolvimento da educação no país. Além des-
sas, o próprio MEC possui uma série de iniciativas que estados e municípios podem
aderir para aproveitar expertise e recursos disponíveis para melhorias na educação
oferecida a população de suas jurisdições.

Dentre as iniciativas colaborativas que a Secretaria da Educação do Estado do Para-


ná desenvolveu está um programa de atendimento psicológico e psiquiátrico a dis-
tância para atendimento dos professores da rede pública estadual de ensino, com o

128
apoio da Universidade Estadual de Londrina – UEL. O absenteísmo na rede estadual
de ensino do estado do Paraná atinge 15% dos professores, cerca de 9.000 professo-
res, que deixam de produzir e oferecer seus serviços de ensino aos alunos em sala
de aula. Esse programa é realizado via um aplicativo desenvolvido e disponibilizado
por um parceiro privado, contratado pela UEL para fornecimento do serviço de tec-
nologia no processo de atendimento a distância dos professores. Esses atendimen-
tos são feitos por alunos dos cursos de psicologia e de medicina com especialização
em psiquiatria da Universidade, proporcionando uma oportunidade para terem con-
tato com a prática de suas profissões e tornando o serviço muito menos custosos
para o Estado.

Outras iniciativas de parcerias implantadas pela Secretaria da Educação do Estado


do Paraná procuram solucionar problemas como fornecer ensino profissionalizante
para jovens e adultos por todo o Estado por meio de parcerias com Fundações priva-
das como a Fundação Itaú e a Universidade de Mato Grosso do Sul, ou o projeto de
revitalização de escolas que passa primeiro por um projeto de regularização arquite-
tônica e urbanística desenvolvida por uma parceria com um Serviço Social Autôno-
mo, ou uma iniciativa voltada para a Governança na educação básica desenvolvido
em parceria com o MEC.

A parceria na qual este capítulo está focado endereça uma solução para o problema
do assédio aos alunos perpetrado por professores e servidores da educação que
atuam nas escolas geridas pelo Estado do Paraná. Essa colaboração foi formada
com o intuito de melhorar todo o processo que envolvia o processamento, afasta-
mento e a exoneração de servidores que atuam em escolas, e que foram acusados
e condenados administrativamente por assédio a alunos e demais colegas dentro
do ambiente de trabalho ou em relações advindas da relação aluno-professor. Para
possibilitar a geração de uma solução para esse problema, uma série de parceiros
foram chamados para integrar uma iniciativa que culminou com a promulgação de
um Ato Interinstitucional. Esse Ato facilitava o compartilhamento de informações e
provas necessárias para uma série de procedimento para o afastamento de acusa-
dos de assédio via PAD – Processo Administrativo Disciplinar. Isso incluía inclusive a

129
aceleração da conclusão do processo que poderia culminar com a exoneração de
servidores e professores condenados por assédio na escola.

O assédio em locais públicos e privados é um problema de polícia, ou seja, deve ser


cuidado pela justiça criminal. Contudo, quando esse problema acontece em am-
bientes como as escolas, o Executivo via Secretaria da Educação passa a ter respon-
sabilidade também em relação a impedir que esse assédio aconteça ou continue a
acontecer. A secretaria deve facilitar a denúncia, investigação e a punição adminis-
trativa dos assediadores. É também de responsabilidade da Secretaria, quando rece-
ber denúncias de assédio, informar a justiça criminal para que um processo judicial
aconteça e o agressor seja investigado e punido caso seja comprovado o assédio.

A responsabilidade do poder Executivo de afastar o agressor da vítima nos ambien-


tes escolares é dificultada e agravada por institutos legais como a estabilidade que
os professores concursados têm em seus empregos. Essa estabilidade lhes garante
uma série de prerrogativas, entre elas de que só podem ser afastados e exonerados
de seus cargos via um PAD, Processo Administrativo Disciplinar. Esse processo é pre-
visto pela lei federal nº 8112/19907 e tem todo um formalismo que precisa ser se-
guido para que os seus atos e conclusões tenham validade. Esse não é um processo
arbitrário, mas um processo em que o acusado tem amplo direito de defesa, caben-
do ao poder público provar a culpa do acusado para só então punir o servidor. As
punições previstas no PAD vão desde advertências até a exoneração do servidor. A
punição imposta pelo PAD não isenta o acusado de responder processo judicial, e a
condenação no PAD não implica necessária mente condenação na Justiça Criminal.

Outro aspecto importante nesse problema é a sobreposição de ações com o mesmo


fim. Sem a parceria, diversos atores precisariam agir para gerar as mesmas provas de
que o assédio estava acontecendo. Essas provas teriam de isolar quem era a vítima,

7
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acessado em 17/08/2022

130
quem era o agressor, como esse assédio estava acontecendo, onde ele ocorria e por
que meios. Todo esse arcabouço de provas é bastante dispendioso em termos de
recursos e de tempo. Uma ação isolada acabava por sobrepor ações para gerar as
mesmas provas por diversos atores.

Além dessa questão de geração de provas, há ainda as competências que cada ator
tem para agir. Em muitos casos, apenas a Polícia e o MP podem investigar o caso,
limitando a ação da Secretaria da Educação que não poderia produzir as provas ne-
cessária para a punição do servidor. Essas atribuições, que em muitos casos são
constitucionais, apontavam como o arcabouço legal tem um impacto profundo no
sucesso de um PAD. Essa questão da ação isolada dos diversos atores, além de
produzir a sobreposição de esforços, poderia produzir a destruição de esforços rea-
lizados por atores distintos. Uma prova do assédio poderia ser anulada por questões
legais de que aquele ator que as produziu não teria autoridade para fazê-lo. Isso
acabava produzindo impunidade dos assediadores e maior perigo para as vítimas.

Um problema muito comum também era a demora que um PAD tinha para apresen-
tar uma conclusão, algo em torno de 90 dias. Isso gerava uma sensação muito forte
de impunidade nas vítimas que denunciavam, deixando-as expostas a seus agresso-
res por logos períodos mesmo após a denúncia. A contestação constante das ações
e resultados do PAD na justiça, com um índice de sucesso para o agressor via habeas
corpus muito grande, não por erro nos procedimentos ou pela não culpabilidade
do acusado, mas pelo desconhecimento do judiciário do conteúdo dos processos,
ou das consequências que uma volta do acusado para a sala de aulas poderia cau-
sar, também era algo bastante comum. Todos esses problemas listados apontavam
para uma questão muito complexa e que precisava de um encaminhamento rápido
e enérgico por parte da Secretaria.

Para que a solução principal acontecesse, que é afastar e punir o agressor ligado ao
assédio dentro das escolas, era necessária uma série de pequenas soluções de pro-
blemas secundários que impediam que o problema principal fosse endereçado. Es-
sas pequenas soluções passavam por: desenvolver um novo procedimento interno

131
na Secretaria para a condução do PAD, induzindo a maior celeridade e efetividade de
suas ações e conclusões; tornar as informações mais facilmente acessíveis à justiça
e aos parceiros, reduzindo as redundâncias e os problemas de perdas causadas pela
destruição das ações de um ator por outro; um melhor entendimento entre quem
investiga e gera as informações e quem as aplica em processos que podem gerar
punições; maior cuidado com as vítimas, produzindo maior acolhimento e acompa-
nhamento; entre outras ações secundárias.

A parceria começou com o chamamento da Secretaria da Educação para uma série


de reuniões, onde ela apresentou o problema e abriu os dados do baixo número de
sucesso nas investigações e punições de casos relacionados a assédio dentro das
escolas no Estado do Paraná. Desde as primeiras reuniões o Ministério Público e o
TCE-PR estavam presentes, sendo eles grandes interessados nesse assunto e com
mandato para o accountability horizontal da gestão realizada pelo Executivo do Es-
tado. Conforme o processo foi se desenvolvendo ficou evidente que outras secreta-
rias deveriam ser acionadas e passarem a integrar a parceria como a Secretaria da
Saúde, Secretaria da Família, Rede de Proteção Social, Polícia Civil e também outros
parceiros que integram a estrutura do Estado, mas que não fazem parte do Executivo
como a Defensoria Pública e o já citado TCE-PR, além do Ministério Público que era
o principal parceiro, tendo em vista, tratar-se essencialmente de matéria criminal.

A aplicação das soluções desenvolvidas para a criação de valor público possibilitou


que a colaboração acontecesse e levasse a um ganho enorme para a proteção das
vítimas de assédio em ambientes escolares no sistema de ensino público do Estado
do Paraná. Essa iniciativa e a aplicação do Ato Interinstitucional assinado amplifica-
ram o poder de ação do Estado via PAD para afastar pessoas acusadas de assédio
e de punir aqueles que ficavam provados no processo que eram culpados das acu-
sações. O tempo médio de um PAD que era de 90 dias para a sua conclusão, baixou
para 45 dias com a possibilidade de afastamento do agressor em um prazo de 24
horas após a denúncia e instauração do Processo Administrativo Disciplinar.

132
Elementos do contexto e direcionadores
Um primeiro elemento muito importante do contexto foi o patrocínio político das
autoridades públicas à parceria. Era evidente que apenas a Secretaria de Educação
não estava conseguindo solucionar o problema e que uma parceria com os demais
atores envolvidos no processo de forma direta e indireta teria de acontecer para que
uma solução fosse viabilizada. Assim, o Secretário de Educação, com o apoio políti-
co do Governador patrocinaram a iniciativa, compartilhando o poder que tinham ao
abrirem os dados aos diversos entes que seriam potenciais parceiros, expondo-se
a serem penalizados por esses entes. Esse patrocínio foi essencial pois a parceria
envolvia o MP e o TCE-PR. A postura da Secretaria e o patrocínio dado produziu um
processo de confiança muito grande entre os parceiros, pois, se o Estado que tem
mais a perder compartilhando seus dados, está patrocinando essa iniciativa, os de-
mais parceiros também se sentiriam confortáveis para compartilhar os seus dados
gerando uma solução muito eficaz para o problema abordado.

A questão do Patrocínio aponta para outra questão muito importante do contexto,


que era a assimetria de informações existentes entre os futuros parceiros. A assi-
metria de informações era o principal causador da baixa eficiência e efetividade dos
PADs realizados pela Secretaria da Educação. Isso acontecia, pois, sem a possibi-
lidade de produzir provas de que o assédio ocorria, a Secretaria da Educação não
conseguia dar encaminhamento ao afastamento do servidor acusado de assédio,
inviabilizando o prosseguimento do PAD e a sua conclusão com a certeza da culpa-
bilidade do acusado ou de sua inocência. O que acontecia era um processo lento e
dispendioso pela falta das informações, pois essas estavam espalhadas pelas diver-
sas secretarias do Executivo, Polícia Civil, Ministério Público e Defensoria Pública. A
falta de um sistema de troca de informações e a consequente necessidade de gera-
ção interna dessas informações impossibilitava a celeridade e o sucesso dos PADs.

As Condições em que os Recursos necessários para que a solução do problema


público fosse implantada se apresentavam no contexto, acabou orientando muito a
busca por uma parceria. Como os recursos necessários para a solução do problema
público estavam distribuídos entre diversos atores públicos, a busca por uma solução

133
de forma isolada por apenas um ator seria muito contraproducente. Uma replicação
de esforços e de consumo de recursos seria inevitável por conta do contexto em que
o problema se desenvolvia de inter-relação dos futuros parceiros. Isso tudo mostrava
uma capacidade reduzida dos atores envolvidos em solucionar o problema de forma
isolada. Essa falta de capacidade produzia resultados muito inferiores aos neces-
sários o que acabava deixando assediadores próximos a suas vítimas, incentivando
novos casos de assédio e o não encerrado o assédio em casos já denunciando.

O Arcabouço Legal existente também contribuía para que o problema não fosse so-
lucionado a contento. Isso porque, as decisões tomadas pelo Executivo via PAD eram
contestadas na Justiça, que sem informações mais precisas sobre o andamento do
processo, acabava emitindo Habeas Corpus para processados administrativamente
via PAD. Essas decisões acabavam por gerar um impacto amplificado na produção
de impunidade dos agressores e na percepção de falta de proteção para a vítima.
A falta de um arcabouço legal mais apropriado para o desenvolvimento do PAD,
quando se tratava de assédio a menores de idade em escolas, produzia uma lacuna
importante e que era usada pelos acusados de serem os agressores como porta de
escape a uma punição mais efetiva.

A falta de um Arcabouço Legal mais apropriado, acabava diminuindo a possibilidade


de maior Accountability por parte da sociedade e dos atores estatais encarregados
de realizá-lo. Sem a possibilidade de maior transparência entre os diversos atores
estatais envolvidos no processo, a capacidade de maior controle simplesmente de-
saparecia, tornando o processo obscuro e com um desfecho insatisfatório dada a
gravidade do problema.

A existência de tentativas anteriores de parcerias entre a Secretaria da Educação e


alguns dos atores envolvidos na busca de uma solução para o problema também
era uma barreira ao processo de aproximação com maior confiança entre os parcei-
ros. Reclamações de que em governos anteriores tentativas de aproximação haviam
resultado em prejuízos para ambos os parceiros e que em algumas ocasiões, ao
buscarem pela Secretaria de educação para parcerias, foram completamente igno-

134
rados, produziu uma animosidade que precisou de uma atitude proativa inicial por
parte da Secretaria da Educação para ser superado.

Mesmo com essa animosidade evidente entre os parceiros, iniciativas de constru-


ção de Network e Conectividade já existiam previamente. O nível de Network e de
Conectividade entre os futuros parceiros pode ajudar muito no processo de apro-
ximação e convencimento de se formar uma parceria. Mesmo com a existência de
um nível de conflito pretérito alto, principalmente pelo mandato constitucional de
fiscalização e accountability existente entre o MP e o Executivo e entre o Legislati-
vo assistido pelo TCE e o Executivo, a abertura de um canal de comunicação e de
compartilhamento via uma colaboração seriam possíveis caso um dos parceiros
se dispusesse a patrocinar toda essa aproximação. Esse patrocínio foi dado pela
Própria Secretaria da Educação que acreditou na possibilidade mesmo com o ní-
vel de atrito existente. Ela não se fechou em si mesma, mas abriu as postas para a
formação de parcerias e colaborações que ajudassem a desenvolver melhor o seu
mandato institucional.

Por fim, um ponto muito importante do contexto e que tem impacto frontal no pro-
blema público enfrentado do assédio a crianças e adolescentes são as Condições
Econômicas, Sociais e Culturais da sociedade em que o problema está acontecen-
do. Sem uma observação muito precisa dessas questões, uma solução não pode
ser planejada e surtir os efeitos desejados. Uma solução realmente efetiva só pode
acontecer com o envolvimento das pessoas beneficiárias do valor público criado.
Assim, a criação de valor público passa obrigatoriamente por entender os elemen-
tos econômicos, sociais e culturais que impactaram o problema e que envolvem o
agressor e a vítima. Entender o contexto em que o problema está inserido garante
que as soluções geradas sejam aderentes a realidade econômica, social e cultural.

Em muitos casos os contextos sociais e culturais acabam por produzir um processo


de culpabilidade da vítima e mitigação da culpa do agressor, diminuindo as possibi-
lidades de que uma punição seja aplicada. Em outras ocasiões, a questão da dispa-
ridade de poder existente entre um aluno e o professor em uma sala de aulas acaba

135
induzindo a um comportamento de não denúncia por parte dos agredidos, principal-
mente pela sensação de impunidade que a falta de uma efetividade nos processos
já realizados produz nas vítimas. A sensação de que o agressor voltará para a sala de
aula e poderá retaliar com ações ainda piores que as já sofridas, acaba por dificultar
a denúncia e a produção de provas contra o assediador.

Para que as soluções fossem produzidas e a colaboração acontecesse, uma série


de Direcionadores agiu para que a colaboração tomasse a forma de um Ato Inte-
rinstitucional. O primeiro desses direcionadores foi a percepção de que existiam di-
versos Incentivos Consequenciais em criar uma colaboração para a solução desse
problema público enfrentado. Um desses incentivo é a maior celeridade em afastar
pessoas acusadas de assédio, com menor contestação na justiça desse procedi-
mento. Esse incentivo é muito forte pois leva a uma maior proteção de possíveis
vítimas, algo não viável sem que a colaboração seja implementada. Com esses
incentivos, o modelo adotado tendeu a ser mais eficiente em suas ações, gerando
um alinhamento nas ações dos parceiros e a menor possiblidade de decisões con-
flitantes de parceiros distintos.

Um outro direcionador muito presente nesse caso abordado é a clara Interdepen-


dência entre os diversos atores para que as soluções aplicadas produzissem um re-
sultado efetivo de proteção da vítima. Sem a parceria, essa interdependência acaba
inviabilizando ou mesmo atrasando soluções aplicadas.

A interdependência entre os atores é evidente, dada a necessidade de ação de ato-


res diversos para que a Secretaria da Educação possa realizar o PAD. A parte de
investigação criminal com a geração de provas, por exemplo, é atribuição consti-
tucional da Polícia e do MP. A administração pública, mesmo sendo a detentora do
mandato do poder de polícia, e ter a prerrogativa do uso da força para garantir a or-
dem social, não pode aplicar esse poder de forma indiscriminada. A estrita legalida-
de dos atos praticados pelo poder público força a gestão a seguir de forma estrita o
que a legislação determina, sem abertura para atos discricionários a não ser que isso
seja permitido na legislação. Assim, a possibilidade de investigação e produção de

136
provas no PAD precisa estar prevista em lei e regulamentos. Além disso, para que as
provas sejam compartilhadas é necessária autorização legal devido vários entraves
jurídicos, como por exemplo o sigilo de algumas investigações.

A questão das Incertezas e Riscos envolvidos na produção de uma solução compar-


tilhada também acabaram agindo para moldar o modelo adotado. Os riscos de se
condenar um inocente, ou de liberar um culpado é inerente a esse tipo de processo.
Assim, a parceria poderia ajudar muito na diminuição desses riscos, amplificando a
quantidade de informações e provas produzidas e aumentando a certeza das de-
cisões e ações todas. Especificidades do tipo de problema abordado acaba ampli-
ficando o risco de se deixar um culpado agindo em um ambiente sensível como
uma escola. Nesse caso específico, o problema causado ao se deixar um culpado
atuando é muito maior que o de afastar um inocente, tornando assim mais prudente
nesse trade off optar por afastar os acusados durante o processo de investigação e
julgamento, mesmo correndo um risco de produzir uma injustiça com o servidor.

Um último direcionador que tem uma ação muito ampla em todo o processo e não
apenas em seu início é a Liderança. Na parceria formada para a constituição do Ato
Interinstitucional, o ator que tomou esse papel e que acabou ganhando a confiança
dos demais parceiros foi a Secretaria da educação. Essa liderança acabou aconte-
cendo por conta do patrocínio que esse parceiro aportou na colaboração, mas tam-
bém por uma postura tomada de se expor e de correr riscos em prol da constituição
da colaboração. Essa postura de altruísmo por parte da Secretaria acabou lhe tra-
zendo dividendos de confiança dos demais parceiros, chegando em alguns momen-
tos a Secretaria ser chamada para ajudar na mediação de conflitos entre os parceiros.

Um exemplo dessa liderança da Secretaria foi quando ela foi chamada a mediar um
conflito surgido na última hora, antes da assinatura final do Ato, entre a Polícia Civil
e o Ministério Público. A pessoa responsável pelo projeto no Ministério Publico falou
que não assinaria o Ato, pois a Polícia Civil estava se negando a compartilhar as in-
formações que possuía com eles. Nesse momento, a Secretaria da educação, como
patrocinadora da iniciativa agiu mostrando o que estava previamente acordado e

137
como a Polícia Civil já tinha concordado com o compartilhamento. Essa mediação
acabou por solucionar o conflito e tornar a assinatura do Ato possível no prazo já
acordado.

Em outros diversos momentos, lideranças especificas acabaram emergindo no pro-


cesso, mostrando possibilidades e direções distintas. Essas questões foram muito
importantes pois produziram um entendimento muito ampliado, incluindo a maioria
dos atores que tinham relação com o problema público e que poderiam ajudar a
encontrar e aplicar soluções muito superiores.

Elementos da dinâmica colaborativa


Observando a aplicação da solução desenvolvida na colaboração, vê-se que o en-
gajamento por princípios foi algo proposto desde o começo da parceria. A busca
por um ambiente seguro em que as decisões fossem consensadas foi trazida pelo
parceiro patrocinador e aplicada em larga escala em todos os âmbitos e decisões
tomadas. A descoberta das características de cada parceiro, conhecendo o que cada
um poderia contribuir as lacunas ainda não preenchidas e a busca de novos parcei-
ros que pudessem ajudar no processo, foi algo constante.

Um exemplo dessa busca por parceiros que pudessem aportar novos conhecimen-
tos e expertises a colaboração com a sua participação foi a indicação de uma pessoa
dentro do MP que já cuidava de processos de assédio na gestão pública e que po-
deria contribuir muito para uma solução mais eficaz. O engajamento por princípios
acabou facilitando o processo e apontando atalhos importantes para se encontrar
os parceiros com as expertises necessárias para a produção de soluções superiores.

A definição do escopo dos problemas que seriam objeto da colaboração e a deli-


beração e determinação por meio de consenso também produziram uma percep-
ção de pertencimento nos parceiros. Sem essa percepção de pertencimento, de que
cada parceiro é dono do projeto como um todo, na primeira adversidade ou desen-
tendimento o parceiro acabaria abandonando a colaboração. A inclusão de todos

138
no processo de decisão e a busca de decisões por consenso acabou tornando os
parceiros donos do projeto por terem suas vozes e opiniões escutadas. Um exemplo
é a forma como o Ato Interinstitucional foi consensado, esse processo ocorreu de
forma muito democrática e sem pressa para acontecer. Foram necessárias diversas
reuniões e mais de 6 meses para que ele se consolidasse e a parceria acontecesse
efetivamente.

Um ponto importante nesse processo é que o problema foi dividido em uma série
de pequenos problemas que se relacionavam com uma gama de opções de ações
que deveriam ser tomadas. Essas ações eram discutidas uma a uma e as escolhas e
soluções consensadas entre os parceiros da colaboração uma a uma. Esse processo
de quebrar o problema e ir construindo soluções em consenso é mais demorado
que uma decisão individual de apenas um ator, mas, além de produzir um resultado
superior, ela ajuda no engajamento e na percepção de pertencimento dos parceiros.
Essa forma de desenvolver o processo permite que demandas de diversos parceiros
sejam incluídas na colaboração e que opiniões contrárias vão se acomodando na
busca de um objetivo comum. Aqui vale ressaltar que é muito mais fácil se chegar
a um consenso de qual deve ser o objetivo comum, do que decidir o processo que
deve ser empregado para chegar a esse objetivo.

A Motivação Compartilhada foi um fator muito importante para a aplicação das so-
luções propostas. O primeiro ponto aqui era a forma como aplicar as soluções e
vencer a resistência de alguns parceiros em compartilharem o poder que detinham,
principalmente por conta das informações que produziam e que lhes dava um po-
der muito grande dentro de todo o processo. Ao compartilharem esse poder com
os demais parceiros, principalmente via compartilhamento de informações, esses
parceiros perdiam o protagonismo que tinham, abrindo mão de um poder que os
determinava como organização. Um exemplo desse compartilhamento de poder foi
a abertura dos dados de sucesso e fracasso dos PADs conduzidos pela Secretaria da
Educação para o MP e o TCE-PR. Esse compartilhamento expos o Estado a uma série
de penalidades caso esses entes usassem os dados compartilhados para fiscalizar e
punir. Ao não tomarem essa atitude e passarem a colaborarem para que os resulta-

139
dos fossem melhorados, o MP e o TCE-PR abriram mão de seu poder de fiscalização
para ajudar na construção de uma solução em conjunto.

A confiança mútua gerada com o compartilhamento de poder pode ser usada para
gerar legitimidade nas ações tomadas, produzindo uma parceria forte e compro-
metida com a produção de uma solução mais adequada ao problema. Isso gerou
ações como a busca da secretaria da Educação como mediadora em momentos de
desavença entre os parceiros, mas também abriu uma porta para que a colaboração
tivesse uma legitimidade interna muito grande. Isso incentivou que novos parceiros
fossem convidados a participarem da colaboração, incrementando a possibilidade
de maior diversidade de ideias e expertises para a construção de uma solução ao
problema público enfrentado muito mais profunda.

A Capacidade de Trabalharem em Conjunto foi muito ampliada com a colaboração.


O próprio resultado inicial da colaboração já mostra essa amplificação, pois o Ato In-
terinstitucional é um tipo de Instituição, como a ponta a teoria institucional, que am-
plifica a capacidade dos parceiros em colaborarem. Esse ato modifica o arcabouço
legal existente, possibilitando que as informações sobre o problema enfrentado, que
é o assédio de menores no ambiente escolar, sejam compartilhadas entre os diver-
sos parceiros. Tudo isso está muito ligado com a gestão do conhecimento e com o
aprendizado produzido pela colaboração.

A Gestão do Conhecimento nessa colaboração pode ser abordado por dois ângulos
diferentes. Um é em relação ao compartilhamento de informações sobre o assédio
perpetrado e outra é sobre a própria constituição da parceria. O primeiro aspecto já
foi bastante tratado até aqui, mas o segundo aspecto ainda não. Assim, para sanar
essa lacuna, pode-se dizer que a Gestão do Conhecimento do processo de parceria
aconteceu por meio de Notas técnicas editadas em conjunto entre os parceiros da
colaboração.

As Notas Técnicas são usadas pela Secretaria da Educação do Estado do Paraná


como uma forma de tornar o conhecimento tácito gerado pelas colaborações em

140
explícito. Isso faz com que, no futuro, quando aquele conhecimento for necessário,
ele estará disponível para ser acessado e utilizado. Essas Notas Técnicas são depo-
sitadas em um banco de dados que toda a gestão pública pode acessar, produzindo
um compartilhamento do conhecimento muito importante para a construção de so-
luções melhores e mais rápidas no futuro. A possibilidade de acessar conhecimento
e experiências passadas, pode ser uma forma de cortar uma grande parte do cami-
nho na busca de soluções para problemas públicos, ou evitar que seja dado uma
volta enorme até chegar na mesma solução que outros já chegaram.

A estratégia utilizada para desenvolver a colaboração foi muito simples, mas foi sur-
gindo conforme as reuniões iam acontecendo. Isso garantiu uma flexibilidade muito
grande em todo o processo e possibilitou que demandas e conflitos fossem trada-
dos já durante a construção da colaboração. Esse processo acabou gerando o Ato
Interinstitucional, que ao cabo é um tipo de planejamento estratégico para o futuro
da parceria. A partir desse ponto, com o Ato assinado, a estratégia se torna bem mais
rígida, com a necessidade de novo consenso entre todos os parceiros para que a
estratégia sofra modificações. As modificações precisam ser muito bem justificadas
e um novo Ato Institucional precisa ser assinado. Mesmo não estando escrito em
pedra, ou seja, não podendo ser mudado nunca, o processo de adaptações e mu-
danças passa a requerer um movimento muito mais amplo e com a participação de
todos os colaboradores.

A Governança da parceria acabou sendo mais simples que de outras parcerias, pois
não existe uma necessidade de interação em todas as ações perpetradas, mas ape-
nas nas ações voltadas para o compartilhamento de informações. As ações para a
construção do PAD continuam sendo primordialmente do poder Executivo via Se-
cretaria da Educação, o que muda é o acesso a informações produzidas nos parcei-
ros e que podem acelerar o processo realizado pelo Executivo. Essa conformação
de governança da parceria ajuda na construção de uma parceria muito mais enxuta
e que alcança resultados muito melhores.

141
Resultados
A parceria se desenvolveu em um contexto bem específico e bastante interessante,
o que produziu um resultado muito importante para a diminuição do problema da
permanência de assediadores no sistema de ensino gerido pela Secretaria da Edu-
cação do Estado do Paraná.

Os ganhos para a proteção das vítimas foram absurdos, tendo em vista que pes-
soas acusadas puderam ser rapidamente afastadas de suas funções, respeitando
o processo legal e não de forma arbitrária. Pessoas comprovadamente agressoras
puderam ser exoneradas de seus cargos públicos sem que conseguissem reverter
esses processos e suas consequências de forma fácil na justiça. O resultado mais
interessante foi que mesmo com toda essa celeridade nas ações, o processo legal e
a ampla defesa do acusado foram mantidas, e inclusive, ampliadas.

Com a colaboração, o sistema de ensino gerido pela Secretaria da Educação ficou


mais seguro, com uma percepção mais aguçada de que a punição para os agres-
sores era eficiente eficaz e efetiva. Isso incentiva a denúncia por parte das vítimas,
impactando o contexto com mudanças sociais e culturais importantes para a conti-
nuidade dos benefícios da gerados pela colaboração. Quanto maior a percepção da
vítima de que ela será protegida e de que o agressor será punido e não poderá mais
perpetrar as agressões, maiores as chances de que a vítima denuncie e que a justiça
seja feita.

O sucesso da colaboração em encaminhar o problema público também ajudou a


produzir um ambiente mais propício a novas colaborações entre os atores envol-
vidos. Mesmo existindo um alto nível de conflito prévio, até mesmo por questões
ligadas aos mandatos legais e institucionais dos diversos parceiros, o resultado
positivo gerado amplificou a confiança entre os parceiros. Essa maior confiança
reduziu os conflitos prévios e gerou uma legitimidade no processo que acabou
se transformando em maior propensão a colaborar nos parceiros em uma futura
iniciativa proposta.

142
O valor público criado é muito superior, pois, diminui a possibilidade de ser desfeito
pela justiça ou por algum órgão de controle. O fato de os órgãos de controle já esta-
rem participando e terem aprovado a forma do processo, diminui a gama de contes-
tações que podem ser realizadas. Isso reduz a necessidade de interferência da justi-
ça no processo para garantir que sua forma de entender o processo seja respeitada.

Tudo isso produz um resultado muito mais justo e próximo das necessidades das
vítimas de assédio. Isso também ajuda na construção de um compartilhamento de
poder entre os parceiros e uma diminuição do protagonismo de alguns em detri-
mento das necessidades de outros. A colaboração produz ainda maior legitimida-
de em todos os atos tomados pela Secretaria da Educação, pois ela estará melhor
assessorada pelos demais parceiros da colaboração. As soluções propostas foram
um propulsor de uma melhoria visível em todo o PAD dentro da Educação Estadual,
unindo diversos atores em prol das vítimas e da sociedade em geral.

143
Metas de
Desenvolvimento
Sustentável
do Governo
Federal

O problema e os desafios
colaborativos
A Organização das Nações Unidas – ONU desenvolveu
uma lista de Objetivos de Desenvolvimento Sustentá-
veis – ODS para guiar os países membros na definição
de suas prioridades. A aprovação pela ONU das ODS foi
realizada pela Resolução A/70/20158, com uma parti-
cipação importante do Brasil como líder desse proces-
so. Esses Objetivos foram organizados em 17 grandes
eixos (Figura 3) e 169 metas. Dessa construção surgiu a
agenda 2030, que procura organizar as metas no tempo
e gerar uma temporalidade para a cobrança do alcance
das metas. Essa forma de procedimento, colocar uma
meta e determinar o tempo que ela deve ser alcançada

8
Disponível em https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/
GEN/N15/291/89/PDF/N1529189.pdf?OpenElement, acessado
em 14/09/2022

144
é muito importante, pois leva os formuladores de políticas públicas a organizarem as
ações necessárias para se atingir essas metas no espaço e no tempo, parametrizan-
do, assim, o planejamento governamental.

Figura 3: Lista das ODS conforme informes da ONU.

Fonte: Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/ods, acessado em: 18/07/2022

A propósito, o planejamento governamental no Brasil tornou-se um tema pratica-


mente formalista e proscrito do debate. Houve um atrofiamento das capacidades
institucionais a partir das limitações do modelo de plano plurianual estabelecidos na
Constituição de 1988, mas também tem havido incapacidade dos governos de cons-
truir um consenso nacional que ultrapasse o período de mandatos eletivos, tornando
o planejamento uma repetição monótona de metas de curto e médio prazo (DeToni,
2021). “Na prática, as funções de planejamento estratégico e monitoramento da im-
plementação de políticas foram extirpadas do núcleo do poder executivo federal,
com predomínio do voluntarismo com lógica inercial – que pode ser sintetizado na
existência de “planos sem prioridades e prioridades sem planejamento”. Além disso,
o planejamento contemporâneo requer a participação da sociedade civil em suas di-
versas fases. Com a participação ativa da sociedade, o processo de planejamento se
beneficia do conhecimento, das ideias e da experiência dos beneficiários e cidadãos,
favorecendo o protagonismo da sociedade civil na coprodução de políticas. É isso
que garante a legitimidade e eficácia do plano.” (Gomide e Couto, 2022).

145
Como o Brasil, na qualidade de membro da ONU, procurou ser um líder no processo
de construção e na adoção da ODS, se juntando ao esforço global de elevar o nível
de alcance dos objetivos dentro do prazo estipulado, ou seja, até o ano de 2030. Já
durante o governo Temer, foi criado uma comissão nacional, liderada pelo Inep, que
gerou uma grande colaboração incluindo governo via ministérios e sociedade civil.
Dessa colaboração foi desenvolvido um documento que incluía uma série de metas
e ações que deveriam ser implementadas para o desenvolvimento dos ODS no Brasil
sob a denominação de estratégia Federal de Desenvolvimento9 10.

Figura 4: Organização dos ODS

Fonte: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/estrategia-federal-de-
desenvolvimento.

9
Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/estrategia-federal-de-
desenvolvimento. Acessado em 19 de agosto de 2022
10
Decreto Federal disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.531-de-26-de-
outubro-de-2020-285019495. Acessado em 19 de agosto de 2022

146
A Figura 4 mostra como os ODS foram organizados dentro do documento gerado
pela comissão

O documento gerado deveria ser um guia para a construção do próximo PPA – Pla-
no Plurianual do Governo Federal e dos demais governos Estaduais e Municipais.
Contudo, com o início do atual Governo, esse documento foi abandonado. Ademais,
ao editar o Decreto nº 9.759/2019, de abril de 2019, centenas de órgãos colegiados,
entre eles a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
– CNODS, foram descontinuados, reduzindo a participação da sociedade civil em
todos os âmbitos do governo federal.

O atual governo determinou engavetar a Estratégia Federal de Desenvolvimento pau-


tado por questões ideológicas, inclusive por enfatizar questões ligadas às minorias. A
postura de controle e de limitações imposta pelo novo governo levou alguns parti-
cipantes, como o próprio Inep, a abandonarem a colaboração, que ainda continuava
mesmo com a dissolução da CNODS. Um exemplo dessa ação deliberada de abando-
nar as ODS e de relegá-las a segundo plano foi a não apresentam da Revisão Voluntá-
ria Nacional (RVN) durante o Fórum Político de Alto Nível da ONU, principal plataforma
global para acompanhamento e revisão do cumprimento da Agenda 2030”.

A atitude de paralisia foi tamanha que o IBGE, órgão responsável por colher as infor-
mações de atingimento de objetivos e metas e de reportar as autoridades internacio-
nais não tinha mais nem a informação de onde procurar esses resultados, quem era
o responsável por fornecer os indicadores e dados. Essa desarticulação adicionada
ao medo de retaliações por conta da ideologia majoritária implantada de cercear
questões ligadas a minorias, levou os envolvidos a abandonarem e a desincentiva-
rem atitudes que levassem a algum tipo de ligação com o tema das ODS. Mesmo
que projetos e programas continuassem a existirem, eles não poderiam ser acompa-
nhados como metas ligadas às ODS.

Como esse é um processo complexo e que demanda uma coordenação superior


e uma articulação pensada e voltada para os objetivos propostos, mesmo que al-

147
gum órgão dentro dos ministérios quisesse articular as suas ações com os demais
órgãos, isso seria quase que impossível. Primeiro seria necessário ter clareza sobre
quais as responsabilidades ligadas as ODS seriam do órgão. Essa é uma questão
mais fácil de ser solucionada de forma isolada. Contudo, identificar quais os outros
órgãos que estavam com ações para o mesmo ODS e como coordenar essas ações
para que não se sobrepusessem ou mesmo se anulassem era algo impossível, sem
uma coordenação superior, ou mesmo por iniciativa isolada. Mesmo tentando criar
os relacionamentos necessários, os órgãos esbarrariam na falta de indicadores e na
possibilidade de serem impedidos por questões ideológicas presentes no contexto.

Essa atitude de controle e de exclusão das minorias do processo de priorização das


ODS levou a uma paralização que perdurou até a chegada de um novo Secretário
Especial da Presidência da República. O novo secretário assumiu as ODS como algo
prioritário em sua gestão. Para isso, procurou a Enap para retomar o processo de or-
ganização e priorização dos objetivos e metas apontadas pelas ODS.

A Enap se associou aos servidores que integravam a secretaria e procurou desenvol-


ver uma metodologia própria para buscar soluções de como desenvolver um docu-
mento de priorização das metas que seriam incluídas no PPA com vigência de 2020
a 2023. Esse processo levou à realização de 34 oficinas com a participação de mais
de 400 servidores de diversos órgãos dos ministérios. Nestas oficinas, foram cons-
truídas em conjunto as metas que deveriam ser priorizadas e quais os programas e
ações que deveriam receber mais ou menos recursos do orçamento para os pró-
ximos anos. Outro resultado importante foi a criação de parcerias entre ministérios
que tinham objetivos em comum, economizando esforços e recursos, e socializando
conhecimentos e expertises.

Esse processo levou à construção de um documento que ao final provocou uma


mudança significativa nas atitudes do governo em relação as ODS, ao ponto de elas
serem incluídas como prioridade durante o discurso presidencial em um dos fóruns
mais importantes da ONU. Essa mudança só foi possível devido à iniciativa de um
patrocinador com recursos suficientes para gerar o impulso inicial necessário e o

148
desenvolvimento de uma estratégia e uma metodologia que possibilitaram a cola-
boração entre os diversos participantes.

Elementos do contexto e direcionadores


Entre os elementos que formavam o contexto e que tiveram grande influência na for-
ma como a colaboração foi pensada e implementada e na estratégia que surgiu para
gerar a solução de geração do valor público nos chama a atenção a questão o nível
de conflito que existia entre os colaboradores anterior a esse início. O nível de confli-
to pode ser tanto um estimulador como um bloqueador do início e desenvolvimento
de uma colaboração. Produzir um efeito ou outro está muito ligado a percepção que
o indivíduo que comanda os parceiros, quem detém o poder de decisão dentro de
cada participante da colaboração, do quanto ele pode ganhar ou perder com a par-
ticipação da organização no processo.

Ao analisar o nível de conflito pré-início da colaboração de priorização das ODS, ob-


serva-se que ele era tão alto que provocou o fim da iniciativa anterior e levou a uma
paralisia de qualquer tentativa de retomada do processo sem que algo do contexto
se alterasse. O conflito levou a uma falha na tentativa anterior de endereçar o pro-
blema público. Esse acontecimento reforçou a indisposição para retomar a iniciati-
va, ou mesmo começar um outro processo. Isso porque havia entre os participantes
anteriores uma sensação de que seu trabalho seria perdido, já que os resultados
não seriam usados no planejamento futuro das ações empreendidas pelo governo
federal. Porém, mesmo se tivesse um resultado positivo na geração e aplicação das
prioridades, esses atores não queriam estar ligados a tal resultado, acreditando que
eles produziriam piora no cenário atual e não melhoras.

Com essas questões postas, o compartilhamento de recursos, principalmente de


poder, estava fora de questão. Isso ficou muito bem demostrado quando o secretário
especial da Secretaria de Governo da Presidência falou que da forma como estava
tratado certas metas no documento gerado pela CNODS, ela não seria implantada.
Essa atitude mostrou muito bem como a dinâmica de poder existente no contexto

149
impedia que o processo fosse exitoso em seus objetivos e como essa dinâmica era
impeditiva da formação de um valor público realmente válido.

Um último ponto do contexto importante foi a quebra das networks e das conexões
entre os potenciais parceiros, ponto do contexto muito importante para a constru-
ção de uma colaboração, que levaram a formação da primeira tentativa de ende-
reçar o problema e que foram perdidas durante a mudança de governo. Com a
chegada do novo governo em 2019, e com as questões políticas que se seguiram,
incluindo questões ligadas ao Framework legal, como a emissão do Decreto nº
9.759/2019, de abril de 2019, esses atores se desarticularam, diminuindo a possibi-
lidade de iniciativas espontâneas de formação de uma colaboração para endere-
çar esse problema público. Essa desarticulação gerou uma perda de recursos de
poder que poderiam encaminhar uma nova colaboração ou uma continuidade da
anteriormente existente. A falta de uma articulação entre esses potenciais parcei-
ros produzia também uma assimetria de informações que impedia a coordenação
e a colaboração para o atingimento das ODS. Além disso, a metodologia aplicada
para gerar encontros entre essas partes que tinham relação direta poderiam não
ser previamente conhecidas, então a solução encontrada precisava vencer essa
barreira.

Todo esse contexto gerou uma paralisia que necessitou de uma solução muito mais
ampla e mais profunda para que uma nova colaboração fosse iniciada e tivesse apoio
suficiente para progredir e gerar o valor público necessário. Com esse problema bem
delineado e com o contexto bem explicitado é possível entender melhor os meca-
nismos que levaram a construção de uma nova colaboração, e porque ela conseguiu
atingir um bom grau de criação de valor público para a sociedade, diferente da ini-
ciativa anterior.

Questões ligadas a interdependência dos diversos órgãos para que um único ob-
jetivo constante nas ODS fosse alcançado se transformou em uma barreira muito
grande ao atingimento das metas quando os esforços empreendidos na CNODS
anteriormente foram abandonados. Isso gerou um processo de paralisia e desarti-

150
culação entre os órgãos que foi nefasto ao processo de priorização. Sem uma ação
de coordenação a interdependência tornou-se um empecilho para que os valores
públicos fossem criados com a eficiência, eficácia e efetividade que poderiam ter.
Mesmo com ações isoladas, esses objetivos não poderiam ser alcançados.

Outra questão importante era os riscos envolvidos no processo, principalmente o


risco político. Sem um apoio político por parte dos superiores, os servidores tendem
a terem atitudes mais de preservação, evitando ações que possam desagradar esses
superiores. Essas ações tendem a diminuir as possibilidades de inovações e a cons-
trução de pontes entre os diversos atores envolvidos no processo.

No que se refere ao impacto do legado anterior, a experiência da descontinuidade


provocou um desincentivo à colaboração. Uma possível solução para essa restrição
seria levar novos participantes a se engajarem no processo, resgatando os partici-
pantes anteriores que fossem essenciais ao processo, como por exemplo os órgãos
federais. O compartilhamento de poder e recursos por parte de uma liderança patro-
cinadora do processo geraria um ambiente seguro o suficiente para que o processo
ocorresse. Esse ambiente garantiria a construção de confiança e legitimidade para
que os parceiros compartilhassem seus próprios recursos somando esforços para o
atingimento do objetivo.

Elementos da dinâmica colaborativa


Para que uma solução se tornasse viável, foram necessários que algumas condições
específicas acontecessem. A primeira delas e mais importante foi a geração de um
patrocínio político que garantisse o ambiente mínimo para que a colaboração se de-
senvolvesse. Essa condição aconteceu com a troca do secretário especial da Secre-
taria de Governo da Presidência da República. Essa troca veio no esteio das trocas
de ministros que aconteceram durante o ano de 2020. Esse novo secretário tomou
essa questão das ODS como uma meta pessoal, levando a uma nova movimentação
e articulação em torno do tema.

151
A movimentação foi iniciada quando o secretário especial foi diretamente ao pre-
sidente da Enap à época e pediu que a articulação dos objetivos e metas ligadas
as ODS fossem retomadas. Como existia uma resistência política-ideológica muito
grande dentro do governo a abordar esse tema, foi sugerida uma nova roupagem
para as ODS. A roupagem sugerida foi chamar o programa de priorização das ODS
de Agenda Brasil Sustentável. Essa ideia partiu do próprio secretário especial que
conhecia bem a resistência que o tema tinha dentro do governo e como seria difícil
ter o apoio político necessário, tendo em vista ele ser um militar de carreira e estar
consciente da forma como seus pares dentro do governo pensavam.

Durante os primeiros contatos com o secretário especial, uma ideia ficou muito clara,
que o patrocínio político desse processo estava dado e que as restrições impostas
seriam uma força motriz para a criação de soluções ao problema enfrentado. Um
exemplo muito marcante desse patrocínio criando uma solução foi a frase, “se for
preciso pintar as ODS de verde e amarela, e colocar um novo nome, é o que faremos”.
Essa questão foi levada a sério, e as ODS foram pintadas de verde e amarelo e seu
nome mudado para Agenda Brasil Sustentável.

Essa primeira solução mostra a importância do patrocínio político e de liderança que


compartilha seu poder tanto para o início de uma colaboração, mas também para a
construção de soluções e inovações que vençam as resistências encontrada. A re-
sistência enfrentada pela proposição de mudanças, de inovações, quando existe um
poder encastelados é sempre um problema. Nessa experiência, o poder encastela-
do só foi vencido com a troca do secretário especial, sem essa troca, o processo não
teria se iniciado, e mesmo se tivesse iniciado, não teria o patrocínio necessário para
que seus efeitos acontecessem.

Um segundo ponto importante foi a forma como a Enap conduziu os trabalhos du-
rante colaboração, ou seja, a metodologia empregada. Como essa colaboração ti-
nha um objetivo bem delineado, e um Deadline bem específico, foi desenvolvido
uma metodologia especial para dar conta do problema público abordado. O objetivo
era produzir um documento que ordenasse os projetos e ações, priorizando-os em

152
relação às ODS dentro dos diversos órgãos do governo federal. Esse objetivo tinha
por meta gerar sinergia entre os programas e órgãos, ampliando a possibilidade de
colaborações que produzisse economia de escala dentro dos órgãos e que pudesse
ser usado como guia para a elaboração dos orçamentos públicos. Essa possibilidade
de incorporação de um projeto ou ação dentro do orçamento público foi um grande
incentivo a participação dos órgãos, pois lhe dava visibilidade para pleitearem verbas
no orçamento para seus projetos, garantindo a continuidade ou a possibilidade de
iniciarem novos projetos.

Levar os parceiros a se engajarem nesse processo era outro grande desafio e que
tinha uma solução bem interessante sob a forma de colaboração. A possibilidade da
criação de um processo decisório horizontalizado em que os parceiros podem dis-
cutir e formar a agenda com liberdade era essencial para uma solução que levasse
todos a trabalharem em conjunto, e que ao final, se apropriassem dos resultados.
Sem a criação de um engajamento por princípios, a iniciativa fracassaria, pois o do-
cumento gerado seria engavetado, da mesma forma que o resultado da colaboração
anterior.

Além dessa questão, o desenvolvimento de uma metodologia que possibilitasse


os parceiros trabalharem em conjunto, seria algo importante para uma colaboração
com tantas restrições de contexto como essa. Como solução para esse problema,
poderia ser criado um tipo de treinamento, ou mesmo um facilitador externo, que
garantisse que as diferenças dos parceiros não impedissem que eles cooperassem
e que compartilhassem seus conhecimentos e expertises. O compartilhamento e a
interação levariam a criação de novos conhecimentos, indo além de apenas compar-
tilhar conhecimento já existente. Além disso, era preciso que a metodologia aplicada
estivesse preparada para capturar esses conhecimentos compartilhados e todo o
conhecimento produzido para o aproveitamento posterior em novas rodas de en-
contros.

A sinergia produzida também possibilitou um processo de compartilhamento de


conhecimentos por meio do aproveitamento das expertises e experiências dos di-

153
versos órgãos em endereçar problemas parecidos. Esse processo de aproximação
também garantiria a construção de novos conhecimentos em conjunto, elevando as
possibilidades da criação de inovações disruptivas para o processo.

A aplicação desse processo produziu uma reorganização nas priorizações, o que


forneceu informações para que órgãos como o IBGE pudessem fazer o desenvolvi-
mento de indicadores de atingimento das ODS que estava totalmente inoperantes,
ao ponto das pessoas dentro do IBGE não saberem nem quem procurar nos diversos
órgãos para obter as informações. Essa rearticulação dos objetivos, metas e dos ór-
gãos possibilitou o acompanhamento da ODS, mas também o reporte desses resul-
tados para organismos nacionais (sociedade civil organizada, jornais, revistas e po-
pulação em geral) e internacionais (ONU, FMI, outros países, imprensa Internacional).

A Estratégia utilizada pela Enap para construção da metodologia foi desenvolvida du-
rante o processo de implantação e realização da colaboração. Previamente foi reali-
zado um planejamento mais genérico, com a definição apenas de como os primeiros
encontros deveriam acontecer e de como os parceiros iniciais, Enap e Secretaria de
Governo da Presidência da República, se comportariam em cada oficina. A estratégia
real foi sendo desenvolvida e adapta conforme o processo foi acontecendo. Esse
processo funcionou como o Open Strategy (Hautz; Seidl, & Whittngton, 2016) em
que a forma de se alcançar os objetivos vai sendo construída no desenvolvimento
do processo, como se não se conhecêsse o mapa seguido, mas como se colocasse
uma luz no caminho e se este fosse sendo construído conforme as necessidades e
o contexto que se apresentavam.

Ao adotar o Strategizing como uma ferramenta na organização da colaboração, a


Enap conseguiu desenvolver uma metodologia muito mais próxima ao problema
enfrentado. A adoção acabou sendo uma grata surpresa, pois a cada oficina, os re-
sultados eram melhores, com uma produção mais prolífera e maior engajamento
por parte dos participantes. Essa postura de Open Strategy levou a uma série de
inovações na estratégia adotada, como convidar os participantes em geral para as
reuniões que tinham temas mais gerais e participantes mais específicos quando os

154
temas eram mais particulares, trazendo um ganho para as discussões e maior foco
nos resultados possíveis.

Foi preciso inserir um componente de feedback e feedfoward dentro da colaboração,


pois um sistema de informações é importante para garantir a construção de solu-
ções customizadas aos problemas enfrentados. Lincado a gestão do conhecimento,
o feedback e feedfoward garantem que o sistema seria realimentado, gerando um
processo de melhoria contínua e adaptabilidade expandida para a colaboração. Essa
adaptabilidade garantiria que mudanças de contexto seria incorporada ao processo,
produzindo melhorias quando guiado pela estratégia desenvolvida e em desenvol-
vimento (Bryson & George, 2020; George et al., 2019). Esse foi exatamente o proble-
ma que levou a primeira iniciativa de endereçar a priorização das ODS ao fracasso.
Com a mudança de governo e por consequência de viés político, a colaboração não
conseguiu acompanhar e perdeu todo o se trabalho e esforço desprendido. Assim,
nessa nova iniciativa, a incorporação de um contato maior com os problemas e com
as mudanças de contexto via feedback e feedfowards garantiria a continuidade da
colaboração por meio de um processo direcionado pela gestão da estratégia.

Durante as oficinas, os próprios colaboradores passaram a tomar o processo como


algo seu. A organização mais horizontal das cúpulas de discussões lavou os parti-
cipantes a se sentirem em um ambiente seguro e a chamarem novos participan-
tes que eram relevantes para a solução dos problemas que estavam enfrentando.
Essa postura só foi possível pois a metodologia aplicada considerou uma valorização
dos participantes via compartilhamento de recursos e de poder, muito importantes
para o engajamento dos parceiros. Esse engajamento possibilitou que as decisões
de como cada programa seria priorizado fossem tomadas por consenso, ampliando
ainda mais a confiança e a legitimidade do processo.

A capacidade dos colaboradores em trabalharem em conjunto foi fomentada e am-


pliada com a inclusão nas oficinas de facilitadores treinados a ajudarem os partici-
pantes se entenderem e cooperarem. Essa opção foi pensada desde o início, mas
foi sendo aprimorada conforme o processo foi se desenvolvendo. Em alguns casos,

155
quando o principal ator que tratava de uma determinada oficina não estava presente,
os próprios participantes procuravam entrar em contato com essa pessoa e conclui
-la na oficina que estava acontecendo, ou na próxima oficina. Essa atitude mostra
como a capacidade de trabalharem em conjunto foi importante para o atingimento
dos resultados encontrados.

Um ponto importante que não foi incluído na colaboração e que tem um peso muito
grande em aprofundar os resultados é a participação da sociedade civil. Esse ponto
mostra como a falta de inclusão da sociedade civil provoca maiores dificuldades
de legitimação dos resultados pois gera um resultado menos amplo e com menor
impacto. Com tudo, devido à resistência ideológica existente a essa participação, a
solução foi confiar que os órgãos participantes conseguiriam capturar as questões
de forma indireta. Contudo, reportagem veiculada nos meios de comunicação até
hoje, mostram que mesmo tendo um resultado positivo, a falta da participação po-
pular levou a uma desconfiança e uma falta de legitimidades das ações priorizadas.

A metodologia criada foi uma solução que gerou várias inovações dentro da cola-
boração. As inovações são importantes para que os resultados aconteçam de forma
mais efetiva. Uma inovação foi a distribuição do processo em 34 oficinas, sendo que
cada duas oficinas tratariam de um mesmo tema. Assim, os participantes poderiam
entender o processo e se relacionarem na primeira oficina, trabalharem as ideias
geradas durante a primeira oficina com seus pares dentro de cada órgão e posterior-
mente alinharem todo o processo em uma nova oficina com os demais envolvidos.
Com essa metodologia, o processo passou a ser algo muito mais amplo que apenas
as oficinas, pois além de se relacionarem dentro das oficinas, foi incentivado que
os participantes com mais questões em comum, procurassem se articularem ainda
antes da próxima oficina, ou seja, que se buscasse as bases internas de cada órgão,
mas que se buscasse também relacionamentos externos aos órgãos.

Um ponto importante que viabilizou essa colaboração foi a questão da liderança. A


liderança aconteceu em dois momentos distintos de duas formas bem distintas. A
primeira, já abordada, foi o patrocínio de um ator político com poder suficiente para

156
bancar e compartilhar os recursos de poder necessários para vencer a resistência
ideológica existente. O segundo é o processo de liderança dentro da colaboração,
que aconteceu de forma muito mais democrática pelos burocratas dentro da Se-
cretaria de Governo da Presidência da República. Nesse segundo processo, vale
destacar a postura democrática com que esses servidores encararam o problema
e como conduziram todo o processo. Ao democratizarem o processo e permitirem
que a Enap gerasse uma metodologia de decisão do que seria priorizado por con-
senso, ao consolidar os resultados das oficinas, o documento gerado conseguiu
capturar bem as necessidades de cada órgão e a importância de cada meta dentro
do quadro geral.

Resultados
A postura democrática implantada em toda a colaboração, contrastava com o con-
texto em que ela estava inserida e que a restringia, produzindo confiança e legiti-
midade entre os parceiros, ao ponto de eles desenvolverem outras parcerias para
continuar o processo de sinergia construído. A descoberta de que outros órgãos e
pessoas estavam tratando com o mesmo ODS em localidades totalmente diversas
das que estavam ampliou os horizontes desses participantes, sendo essa descober-
ta e o que se seguiu a ela, um dos resultados mais relevante para essa colaboração,
na fala dos próprios participantes do processo.

Assim, aponta-se como resultados de primeiro nível dessa iniciativa (Bryson et al.,
2006), a construção do documento de priorização de ações ligadas à ODS para o
Brasil, com um horizonte de duração até 2030. Esse documento recebeu o nome
de Agenda Brasil Sustentável e foi pintada de verde e amarelo para representar a
nacionalização dos objetivos. A pintura da agenda teve como objetivo gerar uma
percepção de um maior apelo nacionalista, algo necessário para vencer a resistência
ideológica às ODS. Um segundo nível de resultados foi a geração de um ambiente
menos hostil aos órgãos que tratam de algum tema ligado às ODS e a criação de
novas colaborações entre os órgãos que tinham objetivos em comum.

157
O primeiro nível de resultados foi mais imediato e tangível. Nesse nível se encaixava
o produto a ser entregue pela colaboração, o próprio programa de priorização, sendo
plenamente atingido ao ponto de o tema ser incorporado à agenda governamental
e aos discursos oficiais proferidos em organismos internacionais como a ONU. Esse
primeiro nível de resultado também gerou a possibilidade de criação de indicadores
pelo IBGE para o acompanhamento, algo impossível até aquele momento.

O segundo nível de resultados, mais intangível, foi produzido pela existência de um


ambiente seguro em que as discussões puderam acontecer sem que houvessem
retaliações ou consequências adversas aos participantes. Isso gerou um ambiente
mais seguro para além das oficinas, demonstrando que o tema poderia ser discutido
e levado a cabo sem maiores problemas mesmo com as questões ideológicas que
ele suscitava.

O terceiro nível de resultados foi aquele que se estende mais no tempo e que foi ve-
rificado com a formação de novas parcerias entre os órgãos que dividiam objetivos.
Essas parcerias têm potencial para levar os resultados dessa colaboração a um outro
nível, muito mais amplo e com muito mais resultados positivos. O transbordamento
dos resultados mostra como uma colaboração tem um impacto muito além de seus
limites no espaço e tempo.

158
Análise
Comparativa
dos Casos

Este capítulo busca elaborar uma análise comparativa


dos casos com vistas a identificar questões que mere-
çam indicações tanto na literatura quanto no domínio
das políticas de gestão pública que tratam da colabo-
ração.

Num primeiro momento, serão elaboradas considera-


ções sobre cada uma das variáveis do modelo analí-
tico adotado, tendo em conta as evidências encontra-
das nos casos. Serão, portanto, analisadas variáveis do
contexto e direcionadores, dos elementos da dinâmica
colaborativa (engajamento por princípios, compartilha-
mento de motivação e capacidade de trabalharem em
conjunto), e dos elementos que foram agregados ao
modelo analítico original (coalizão estratégica e partici-
pação da sociedade, adaptação e inovação, estratégia
e governança).

Num segundo momento, destacam-se da análise an-


terior questões que serão objeto de considerações es-
pecíficas.

159
Contexto e direcionadores
No que se refere ao contexto, foram analisadas as variáveis recursos/construção de
capacidade, arcabouço legal, falhas anteriores, dinâmica política, network e conecti-
vidade, nível de conflito e confiança, diversidade e assimetria de informações. Já em
relação aos direcionadores, foram analisadas variáveis tais como incentivos conse-
quenciais, interdependência, incertezas e riscos.

Na análise dos recursos/construção de capacidade, o problema maior não foi a falta


de recursos financeiros, mas a falta de capacidade técnica e gerencial. Um exemplo
claro dessa questão foi o caso da Colaboração para a execução do projeto de Par-
ceria Público-Privada na Saúde em Santa Catarina. Os recursos financeiros existiam
para que o hospital fosse construído, mesmo que demorasse muitos anos para ser
finalizado com a ação apenas da Secretaria da Saúde de SC. No entanto, quando a
ideia de uma PPP surgiu como alternativa que encurtava esse tempo de execução
por depender de menos investimentos públicos, pelo menos de início, para aconte-
cer, o que faltava era a expertise para desenvolver um projeto tão complexo como
uma PPP que possibilitaria a construção da infraestrutura necessária e que resultaria
em uma parceria que duraria mais de 30 anos. Esse problema foi solucionado com
a entrada do parceiro BID, que aportou os recursos para a execução do projeto e
toda a expertise necessária via contratação de consultorias, inclusive um PMO para
gerenciar o projeto. Isso tudo aponta para uma questão muito importante, pois a
PPP deixa de ser apenas um meio de captação de investimentos, e passa a ser uma
forma de buscar no mercado as expertises que muitas vezes não estão disponíveis
dentro da gestão pública, possibilitando a entrega de serviços via políticas públicas
mais eficientes e eficazes aos cidadãos.

Dentro da discussão sobre recursos, o recurso de poder via patrocínio da liderança


também provou ser um recurso essencial para que toda a colaboração acontecesse.
Em todos os casos estudados, sem o patrocínio das autoridades principais do poder
público, esse processo não se inicia, ou mesmo tem continuidade. Um exemplo con-
trário a isso, foi o caso da Colaboração intergovernamental e com a iniciativa privada
para a solução das consequências do acidente de rompimento da barragem de re-

160
jeitos de Mariana. Como o Ministério Público avocou para si o poder de decisão, os
recursos de poder das partes envolvidas, incluindo-se patrocinadores do Poder Pú-
blico, tornaram-se irrelevantes, inviabilizando todo o compartilhamento necessário
para que o processo acontecesse de forma exitosa.

Os problemas relacionados ao arcabouço legal não são os modelos institucionais


existentes (PPP, OS, OSCIP, colaboração intragovernamental ou Inter federativa),
que funcionam mesmo com limitações e problemas próprios, principalmente rela-
cionados à forma como as instituições de controle exercem seus mandatos – inva-
riavelmente exigindo um tratamento publicista de parceiros privados. O que ganha
destaque é que o aspecto burocrático legal hierárquico rivaliza, mais do que com-
plementa, a lógica colaborativa. Ainda olhando para o caso da atuação do Ministério
Público no caso de Mariana, a falta de uma visão voltada para a colaboração, que
module prerrogativas legais hierárquicas para buscar o consenso e o melhor cami-
nho para a construção de soluções, pode ser um grande empecilho para a colabora-
ção. Na contramão desse exemplo, o Ministério Público do Paraná, ao ir além de sua
atuação usual de apenas fiscalizar e cobrar da Secretaria de Educação que seus PAD
fossem mais céleres e com maior efetividade, produziu um ambiente de confiança
que levou à construção de soluções que não estavam disponíveis de antemão no
arcabouço jurídico estabelecido.

No que se refere às falhas anteriores, a conexão com um aprendizado positivo não


é garantida. Mariana foi uma falha anterior do caso Brumadinho e está sendo deter-
minante para o desfecho deste, de forma negativa, virando um mau precedente. No
caso das metas de desenvolvimento sustentável, a falha anterior moldou o processo
de forma preventiva, significando aprendizado, contudo esse aprendizado também
produziu a uma colaboração mais restrita que a anterior. Um ponto positivo no caso
das metas de desenvolvimento sustentável foi que a restrição imposta produziu ino-
vações interessantes para a sua solução, como a criação de uma nova metodologia
e adaptações dos nomes e formas de apresentação para vencer as posturas ideo-
lógicas contrárias as ODS que estavam trazendo a restrição e que inviabilizaram a
colaboração anterior.

161
Na dinâmica política, o determinante foi o patrocínio da liderança central de governo
que levou os parceiros a considerarem a colaboração como algo que traria ganhos
tanto dentro do processo como político para essas lideranças. Um exemplo repor-
tado foi a Colaboração da Sociedade Civil para a Gestão de Pessoas no Rio Grande
do Sul, que buscou produzir a valorização dos servidores, buscando a melhoria dos
serviços prestados aos cidadãos. Nesse relato, o patrocínio do Governador ao pro-
jeto, levou os secretários a se engajarem por perceberem a importância do projeto.
Esse patrocínio levou à criação de uma dinâmica política positiva, que possibilitou a
construção da colaboração. Outro exemplo foi o caso da Política social de segurança
pública em Minas Gerais, sem a dinâmica política criada pelo Governador ao patroci-
nar o projeto do Choque de Gestão, essa iniciativa não seria possível. Não há relatos
de interferências políticas do legislativo, políticos ou partidos. Quando o governante
compra a ideia, ele agrega os diversos interesses dos diversos atores que formam
a colaboração. Em outras palavras, a dinâmica política é altamente dependente da
atuação das lideranças que patrocinam a colaboração.

Relativamente à network e conectividade, esta não foi uma condição sine qua non,
mas facilitou e acelerou o processo, tanto a conectividade com terceiros quanto in-
tragovernamental. Um exemplo marcante foi da Política social de segurança públi-
ca em Minas Gerais, que sem a network existente entre o Secretário de Segurança
Pública à época e os docentes e pesquisadores da UFMG, o processo nem teria se
iniciado. Essa conexão pretérita entre o Secretário e a líder do projeto que desenvol-
veu a metodologia de solução de conflitos de forma extra judicial foi determinante
para a colaboração.

Já em relação ao nível de conflito e confiança, os casos demonstraram que não é


impeditivo quando é alto, mas dificulta o processo. Principalmente quando a parte
em conflito (MP no caso Mariana) joga pesado e hierarquicamente, impondo múlti-
plos alinhamentos paramétricos das outras partes, que passam a seguir a reboque. O
caso de Mariana é emblemático nesse ponto, quando o TTAC foi assinado, as metas
e obrigações determinadas às partes impossibilitou os ganhos que uma determi-
nação de metas e objetivos via consenso poderia trazer para o projeto. Além disso,

162
a falta de adaptação travou o processo, reduzindo a confiança entre os parceiros
e levando todas as discordâncias para a solução via decisão judicial. Essa postura
esvaziou o processo de tomada de decisão e gerou um desgaste que com o tempo
afastou partes que davam suporte via compartilhamento de poder, retirando-se da
colaboração, esvaziando sua capacidade de decisão e levando ao seu declínio.

Um exemplo diametralmente contrário a esse foi o caso da Educação no estado


do Paraná, pela forma como a Secretaria de Educação se expôs e apresentou seus
dados, correndo o risco de ter esses dados usados contra ela mesma. Essa postura
possibilitou um processo de confiança entre os parceiros, ganhando em dinâmica e
gerando uma solução muito superior ao status quo.

No que se refere à diversidade, constatou-se que esta questão fala mais alto quando
há uma maior quantidade de atores, ensejando problemas de representatividade no
que se refere à capacidade de colocar abertamente suas posições num processo
decisório. Uma grande quantidade de atores em um processo de tomada de decisão
como aconteceu no CIF de Mariana é um grande desafio para qualquer colaboração.
Contudo, quando uma liderança, que inspira confiança, e que conquista legitimidade
ao compartilhar o poder que detém, toma a frente e faz uma organização do pro-
cesso como aconteceu com a diretora do IBAMA, essa diversidade deixa de ser uma
barreira e passa a ser uma vantagem para a colaboração. Não basta ter diversidade
dentro da colaboração, é necessário que ela seja conduzida a um alinhamento que
produza os resultados esperados, pois sem esse alinhamento, o que prevalecerá
será cada parte puxando para um lado diferente na sua direção.

No que se refere à assimetria de informações, este não é apenas um problema de


comunicação que finda com o compartilhamento; é um problema de capacidade
de captar, tratar e deter informações e conhecimentos e de utilizá-las num jogo de
poder e para produzir inovações que justifiquem a participação na colaboração. A
assimetria de informações afeta direta e incisivamente os processos de feedback
e feedforward, sendo determinantes na capacidade de adaptação. O exemplo das
UAIs em Minas Gerais como solução para essa assimetria de informações, mostra

163
como a Governança Colaborativa tem o potencial de melhorar a qualidade das tro-
cas de informações entre os parceiros e trazer ganhos tanto internos como externos,
para os cidadãos.

Partindo para as questões ligadas aos Direcionadores que levam à modelagem da


Governança Colaboração, os incentivos consequenciais, a partir da visibilidade dos
ganhos, ajuda a promover confiança e legitimidade no processo, sendo que o con-
trário tende a desgastar o processo e levá-lo ao declínio. Esta visibilidade de ganhos
é essencial na modelagem das parcerias, e sempre necessária durante seu desdo-
bramento, uma vez bem demonstrados os quick wins do processo colaborativo. Um
exemplo foi o caso da Colaboração para as Política social de segurança pública em
Minas Gerais. A visão de que os ganhos para ambos os lados, governo que ganharia
ao incorporar uma nova metodologia de soluções de conflitos de forma extrajudicial,
com consequente economia de tempo e recursos, e grupo de Pesquisadores da
UFMG, que poderia ampliar o impacto de sua metodologia ao utilizar as estruturas e
recursos do Estado e que não dispunham atuando apenas na Universidade, levou a
criação de uma OSCIP para a condução do processo de colaboração. Esse exemplo
mostra de forma clara como a possibilidade de resultados superiores pode moldar a
forma como as colaborações são construídas e conduzidas.

Em relação ao direcionador interdependência, o que se depreendeu dos casos é


que este tem que ser modulado. Não é sempre um absoluto determinante, como
insinua a literatura (Emerson et al., 2012). Ele tem a capacidade de amplificar os re-
sultados de forma sinérgica, mas se não houver, não impede sua geração como no
caso da Colaboração na área da Saúde no estado de Santa Catarina. A construção
do Hospital poderia ser realizada sem que a colaboração acontecesse; contudo, ela
teria um resultado muito inferior. No entanto, há casos em que a interdependência é
absolutamente determinante (algo que se não se fizer junto, não se faz ou se faz de
forma muito precária). Um grande exemplo foi o caso de Mariana, em que as conse-
quências do acidente impactaram o meio ambiente e as populações de dois esta-
dos, Minas Gerais e Espírito Santo e mais de 40 cidades. Essa amplitude do impacto
levou a uma interdependência central para que uma solução adequada aconteces-

164
se, impulsionando logo de largada a constituição de uma Governança Colaborativa
como solução.

No que se refere a incertezas e riscos, as maiores estão associadas ao risco da


descontinuidade, ao risco ideológico (que impõe barreiras em processos de tran-
sições) e ao risco da culpa, como decorrência de uma “accountability de oportu-
nidade” (por que não fez em parceria?). Essa questão é muito presente no caso
das metas de desenvolvimento sustentável do Governo Federal, em que os riscos
pelas barreiras ideológicas impostas pelo contexto do novo governo que assume
em 2019 moldou de forma definitiva a composição e formato da Colaboração. Os
riscos, inclusive pessoais, levaram à busca de um ambiente seguro que desse su-
porte ao desenvolvimento de uma priorização das Metas sem que isso incorresse
em um processo de represálias e de cerceamento das possibilidades de obtenção
de resultados.

Embora a colaboração enseje riscos, a colaboração, sobretudo, reduz riscos. Nes-


se caso, a criação de um ambiente de colaboração seguro ajuda na produção de
adaptações e inovações. Como apontado no caso das UAIs de Minas Gerais, a reu-
nião de diversos parceiros no mesmo ambiente ajuda no desenvolvimento de no-
vos processos e de novas iniciativas com vistas a melhorar os serviços prestados
aos cidadãos. Essas melhorias, mesmo quando desenvolvidas por um dos parceiros,
pode ser compartilhada com os demais parceiros, ampliando o impacto das ações e
reduzindo os riscos dessas inovações.

Dinâmica colaborativa
No que se refere à dinâmica colaborativa, serão analisadas as variáveis relativas aos
componentes engajamento por princípios, motivação compartilhada e capacidade
de trabalhar em conjunto. Essas dimensões são centrais na produção de ações co-
laborativas que irão gerar a sinergia e a construção de resultados conjuntos para o
trato dos problemas públicos abordados.

165
O engajamento por princípios aparece muito associado ao ganho (curioso porque
princípios se diferenciam do cálculo utilitário de consequências), ao processo deci-
sório compartilhado, consensual, e muito ligado à motivação compartilhada. Nesse
quesito, que todos os casos estudados apresentam de alguma forma um engaja-
mento produzido pela possibilidade de um processo decisório baseado na busca
de consenso. Aqui, chama à atenção a possibilidade de se segmentar as decisões
em etapas menores, sendo tomadas decisões específicas para cada etapa, de forma
alinhada com a busca de resultados únicos, mas que podem beneficiar posições de
uns e de outros parceiros. Esse processo segmentado garante que todos possam ser
ouvidos e que suas demandas, em algum grau, serão atendidas dentro do processo
decisório. Assim, essa segmentação ajuda na busca por consenso e na sensação de
pertencimento, ampliando a confirmação e a legitimidade do resultado final.

A Motivação compartilhada envolve o compartilhamento de poder, confiança mú-


tua, entendimento mútuo, legitimidade interna e compartilhamento de comprome-
timento. Para isso, é necessário um entendimento de que o processo só avança se
todos se motivarem a compartilhar seus recursos, como aconteceu dentro do CIF
em Mariana, onde houve um compartilhamento de poder por todos os envolvidos e
a liderança do IBAMA, que liderou para compartilhar e não para concentrar poder e
impedir a participação dos demais.

No tocante ao compartilhamento de poder, este provou ser absolutamente essen-


cial. Esse é outro ponto encontrado em todas as iniciativas, incluindo a falta do com-
partilhamento no caso de Ministério Público em Mariana e que ensejou alguns dos
problemas que levaram à derrocada da iniciativa. Quando uma parte evoca o poder
próprio sobre outra, a parceria acaba.

A confiança mútua mostrou-se altamente depende da interação (ouvir e falar, en-


tender) de forma frequente e com qualidade, envolvendo a percepção sobre re-
sultados. Um exemplo muito interessante de construção de confiança foi o caso
da Secretaria de Educação de estado do Paraná. Ao compartilhar seus dados e
se expor de forma franca com os demais parceiros, esta conseguiu construir uma

166
confiança que a alçou a líder da colaboração, recebendo em troca a confiança dos
demais parceiros ao ponto de ser chamado como mediador em momentos sensí-
veis do processo de entendimento entre os demais parceiros. A confiança mútua
também se aplica ao envolvimento de servidores e a construção de um ambiente
seguro (sem censura e punições). Em relação ao ambiente, para que haja compar-
tilhamento é necessário segurança. O caso das Metas de desenvolvimento susten-
tável mostra bem essa questão do ambiente e da segurança como elementos base
para o compartilhamento.

O ambiente seguro e as interações frequentes e de qualidade levam ao entendi-


mento mútuo, principalmente quando baseado em consenso, prontidão das partes
para responder às demandas das outras e interação. Todo esse entendimento pro-
duz um alinhamento de objetivos e de metas que garantem uma direção coerente
para o processo, como acontece no caso da Política Social de Segurança. Como os
parceiros estavam alinhados em prol de um objetivo e viam em sua relação uma
possibilidade de ganho mútuo, o entendimento foi construindo com maior facilidade,
já durando mais de 20 anos desde o seu movimento inicial.

A legitimidade interna aparece baseada em resultados e na conformidade dos ele-


mentos formais de natureza contratuais, além da confiança construída entre os par-
ceiros. Essa confiança mostra como as interações de qualidade são importantes e
como o compartilhamento de poder é essencial. Quando a Secretaria de Saúde pro-
curou a Secretaria da Fazenda ambas do Estado de Santa Catarina para a busca de
soluções que melhor encaminhasse o problema público, esta precisou compartilhar
seu poder de decisão para que o processo ganhasse legitimidade frente aos demais
parceiros. Se tivesse retido esse poder, não conseguiria construir a confiança entre
os parceiros e não teria encontrado uma solução melhor que a de executar o projeto
de forma autônoma.

Com todos esses elementos alinhados, o comprometimento surge do reforço trazido


pelos resultados e de demonstrações de expertise e capacidade. Esse processo de
construção do comprometimento precisa produzir uma percepção de que o projeto

167
é das partes e não de terceiros. Essa percepção só é construída com muito diálogo
e com a inclusão de todos em todo o processo de decisão e execução. Quando um
parceiro como o MP no caso da Secretaria de Educação do Estado do Paraná perce-
be que o outro parceiro o está incorporando em um processo em que a sua expertise
e voz está sendo aproveitada, passa a se comprometer com o projeto, deixando de
ser o projeto do outro para ser o seu próprio.

O componente capacidade de trabalhar em conjunto envolve questões relacionadas


ao arranjo institucional, aprendizado e gestão do conhecimento, liderança e recur-
sos. O arranjo institucional provou possuir um caráter formal contratual importante
para modelar procedimentos (e como um repositório da estratégia). O que se ve-
rificou foi um padrão incremental de adaptação progressiva entre distintos modus
operandi. Quando todo o processo de engajamento e compartilhamento acontece,
a capacidade de trabalharem em conjunto tende a ser ampliada, produzindo resul-
tados muito mais robustos dentro da colaboração. Arranjos institucionais podem até
ser alterados ou mesmo criados para que a colaboração se desenvolva. No caso da
Educação no Paraná, o produto da colaboração foi um novo arranjo institucional, o
Ato Interinstitucional, que possibilitou a construção dos resultados positivos.

Aprendizado e gestão do conhecimento apareceram como processos precários, tal


qual na gestão pública em geral. A gestão do conhecimento é um problema apon-
tado por todos os entrevistados dos casos reportados, isso mostra o quanto é ne-
cessário avançar nessa questão, mesmo com iniciativas já colocadas em prática em
alguns casos de notoriedade. O desenvolvimento de metodologias em conjunto aju-
da, como a construção de Notas Técnicas Conjuntas, mas não são suficientes para
sanar toda a dificuldade que a gestão pública possui em aproveitar os conhecimen-
tos construídos. Isso mostra como a divulgação de atos e fatos ajuda a contabili-
zar dados, informações e conhecimento gerando um ganho no aproveitamento dos
conhecimentos já produzidos em experiências anteriores ou mesmo em experiên-
cias diferentes. A existência de repositórios únicos de informação também ajuda no
processo de compartilhamento de informações. Ainda assim, mesmo com notável
déficit na gestão das informações, houve sinais de aprendizado, ajustes e aperfei-

168
çoamentos, replicabilidade, documentação e divulgação nos casos de colaboração
estudados. Estes sinais, entretanto, não qualificam, per se, modelos adequados de
gestao do conhecimento.

A liderança interna mostrou ser uma função da capacidade de negociar, gerar con-
senso e confiança. Sem uma liderança que promova o consenso e que patrocine o
processo, dificilmente ele consegue se desenvolver para atingir alguma maturidade.
O compartilhamento do poder e a busca por um consenso são essenciais para que
a liderança construa confiança e legitimidade. Como aconteceu com o CIF em Ma-
riana, ou com o Secretário de Educação no Paraná, a liderança precisa estar disposta
a promover o engajamento de todos no processo de tomada de decisão. Se uma
liderança, mesmo que externa, trabalhar contra esse processo, ela pode aglutinar as
vontades entorno de seu poder e impedir que o processo avance, como aconteceu
com MP em Mariana.

Não houve ocorrências significativas em termos de disponibilidade de recursos e


sua alocação nas ações conjuntas. Recursos financeiros foram secundários nos pro-
cessos colaborativos, conforme já mencionado. Isso mostra que outros tipos de re-
cursos são muito mais importantes que os recursos financeiros, pois se mostraram
essenciais para que o processo aconteça.

A colaboração como atuação estratégica adaptativa


Apresentam-se aqui os elementos que foram agregados ao modelo analítico ori-
ginal, que posicionam as experiências colaborativas como atuações estratégicas
adaptativas: coalizão estratégica e participação da sociedade, adaptação e inovação,
estratégia e governança.

Coalizão estratégica e participação da sociedade estão muito associados à porte, di-


versidade de partes e informação, como fatores determinantes para a consolidação
das coalizões. Os casos analisados mostraram que a participação da sociedade civil
dentro da colaboração garante resultados muito superiores, mesmo quando apenas

169
em momentos específicos ou determinados por regras rígidas, como acontece no
caso dos projetos de PPP. A participação não é obrigatória para que a colaboração
aconteça, um exemplo é o caso das Metas de desenvolvimento sustentável do Go-
verno Federal, em que a participação da sociedade civil foi totalmente excluída do
processo. Contudo, casos como o de Mariana apontam que a não inclusão da socie-
dade civil desde o seu início trouxe um prejuízo para a colaboração que não pode
ser mais reparado, mesmo com muito esforço e com a inclusão a posteriori. Assim,
conclui-se que essa participação pode incrementar e muito os resultados aprofun-
dando seu impacto como apontado por Bryson et al. (2020).

Os problemas enfrentados pela colaboração para a construção de uma unidade in-


terna entre parceiros dificultam coalizões externas com novos parceiros e com outras
coalizões. Esse ponto fica muito transparente quando se consideram as restrições
que posições ideológicas podem trazer para a adoção de um regime de colabora-
ção. O exemplo da questão ideológica residente dentro do Governo Federal ou a
posição ideológica assumida pelo MP no caso de Mariana mostram como esses ele-
mentos impactam e obstruem a participação externa, principalmente da sociedade
civil, no processo como um todo.

Uma grande vantagem da Colaboração é a criação de um ambiente propício às


inovações tanto de processo como de produtos e na forma colaborativa de inte-
ração. Isso mostra como o compartilhamento de informações e expertise pode in-
crementar o processo de inovação. Esse processo acontece dentro da colaboração
desenvolvida como UAIs em Minas Gerais. O fato de os parceiros estarem todos
no mesmo ambiente e esse ambiente ser desenvolvido para incentivar a inovação,
produz uma série de experimentos e de novas formas de fazer as coisas que acaba
beneficiando a todos.

No que se refere à estratégia, verificou-se muita adaptação e grande parte dos pro-
cessos como estratégia emergente. Isso ocorre nos processos de desenvolvimento
das licitações que irão resultar em contratos de PPP, como nos casos de SC e das
UAIs em MG, que mostram como a construção da estratégia pode ser um processo

170
emergente durante o processo de planejamento da PPP e como ele passa a ser mais
estável, mas com mecanismos de adaptação após a licitação da PPP e sua implan-
tação continuada. Assim, a estratégia é mais emergente na fase de construção dos
contratos e com a formalização nos contratos estabiliza e passa a ser mais rígida e
com processos de adaptação regulares e cíclicos. Isto é indicativo de aprendizado
estratégico colaborativo.

“É essencial que as parcerias possuam um claro


direcionamento, controles e incentivos para que prevaleça
o interesse que as motivam. Direcionamento contempla, por
sua vez, mecanismos e instâncias deliberativas capazes de
conciliar minimamente os interesses das partes envolvidas;
além da definição de estratégias que sinalizem claramente
propósitos, resultados e iniciativas.”

No que se refere à governança, esta talvez tenha sido a questão que mais chamou
atenção durante o estudo dos casos. Primeiro, pelo grande impacto ao determinar
uma arquitetura de decisão e uma arquitetura de contratos distintos que podem ge-
rar um emaranhado de tipos distintos, mas que ao final produz consonância entre as
partes. A existência de uma arquitetura de governança disfuncional pode ser fatal
para uma colaboração. A falta de um processo de governança unificado e direciona-
do a apenas uma instância de decisão foi cabal para o fracasso da inciativa de cola-
boração de Mariana, onde a existência de dois polos de decisão que tinham objeti-
vos diferentes mostrou-se inconciliável e levou ao declínio e morte da Colaboração.

“Modelos frágeis de governança minam o processo decisório


e geram deslocamento estratégico e jogos de poder em torno
de interesses de uma das partes em detrimento de outras,
gerando nenhum ou pouco proveito de aprendizados.”

Um ponto importante na Governança é que ela depende em parte do arcabouço


jurídico (poder hierárquico das partes), mas também depende de relacionamentos

171
prévios e da forma como o relacionamento dentro da colaboração é construído, se
de forma consensual ou não. Essa construção pode tornar o processo extremamente
bem-sucedido como em diversos casos de sucesso reportados, como se tornar a
pedra de tropeço como aconteceu no caso de Mariana.

Principais questões
Da análise dos casos destacam-se seis pontos essenciais muito conectados: gover-
nança, estratégia, gestão do conhecimento, liderança, participação da sociedade ci-
vil e ideologia.

“(...) estratégias colaborativas serão idealmente estratégias


abertas. Os casos demonstram que há uma maior abertura
para processos de formulação aberta, mas a implementação
muitas vezes segue de forma rígida (por conta de requisitos
legais e contratuais), gerando problemas de aprendizado
estratégico.”

A governança refere-se à governança corporativa da parceria envolvendo proces-


sos, instâncias e instrumentos de direcionamento, controle e incentivos. É essen-
cial que as parcerias possuam um claro direcionamento, controles e incentivos
para que prevaleça o interesse que as motivam. Direcionamento contempla, por
sua vez, mecanismos e instâncias deliberativas capazes de conciliar minimamente
os interesses das partes envolvidas; além da definição de estratégias que sinali-
zem claramente propósitos, resultados e iniciativas. O controle vai muito além da
dimensão da conformidade e envolve, sobretudo, mecanismos e instâncias de mo-
nitoramento e avaliação, perpassando a questões como aprendizado, adaptação
e inovação. Incentivos aqui não se relacionam centralmente com dispositivos de
retribuição (pecuniários ou meritórios), mas conectam-se com a percepção dos
ganhos, o que dialoga visceralmente com o exercício da liderança tanto para fora
quanto para dentro da experiência colaborativa. Modelos frágeis de governança
minam o processo decisório e geram deslocamento estratégico e jogos de poder

172
em torno de interesses de uma das partes em detrimento de outras, gerando ne-
nhum ou pouco proveito de aprendizados.

“Num regime colaborativo, a liderança tem que ser,


de alguma forma e em alguma extensão razoável,
compartilhada. O poder do líder não provém da posição que
ocupa nos arranjos institucionais da parte; provém de sua
capacidade de mobilizar, influenciar, construir consensos, sua
capacidade de agregar os demais parceiros, compartilhando
o poder com todos.”

A estratégia aqui não se refere à mera existência de planos ou formulações congêne-


res que disponham sobre propósitos, resultados ou iniciativas. Estratégia não é algo
que uma experiência colaborativa tenha, mas algo que se faz, se realiza de forma
dinâmica em linha com a ideia de que as experiências colaborativas são atuações
estratégicas adaptativas. Nesse sentido, estratégias colaborativas serão idealmente
estratégias abertas. Os casos demonstram que há uma maior abertura para proces-
sos de formulação aberta, mas a implementação muitas vezes segue de forma rígida
(por conta de requisitos legais e contratuais), gerando problemas de aprendizado
estratégico. Um modelo de governança colaborativa mais apropriado poderá asse-
gurar uma melhor qualidade da gestao estratégica.

A gestão do conhecimento é outra questão essencial porque as fronteiras organi-


zacionais são nebulosas e movediças e a interação decorrente da atuação conjunta
é intensiva no uso, mas descuidada na curadoria de dados, informações e conheci-
mento. Isto gera perda de dados, informações, conhecimentos e legados que pode-
riam ser úteis para melhoria em novos ciclos, além de poder cumprir também uma
questão de transparência e accountability.

“E o compartilhamento de liderança é um exercício muito


difícil, custoso e instável; os padrões predominantes são muito
personalistas ou concentrados na dominância de uma das partes.”

173
Liderança, por si só, requereria outro volume. A liderança, que sempre implica em
uma cadeia de líderes, mesmo em ambiente hierárquicos, é um conceito multidi-
mensional altamente complexo que em última análise constitui uma força direcio-
nadora, determinante número um do desempenho, porque modula todos os demais
determinantes. Num regime colaborativo, a liderança tem que ser, de alguma forma
e em alguma extensão razoável, compartilhada. O poder do líder não provém da
posição que ocupa nos arranjos institucionais da parte; provém de sua capacidade
de mobilizar, influenciar, construir consensos, sua capacidade de agregar os demais
parceiros, compartilhando o poder com todos. Nessa linha, tampouco o poder é ape-
nas do líder, senão trata-se da ideia da líder como corretor de poder (Purdy, 2012). E
o compartilhamento de liderança é um exercício muito difícil, custoso e instável; os
padrões predominantes são muito personalistas ou concentrados na dominância de
uma das partes.

“Participação aqui implica em representatividade


deliberativa estruturada (não implica, de forma alguma,
em assembleísmo) por meio de mecanismos de consulta
ou decisão com arejamento de debate, o que não exclui
múltiplas formas episódicas (não estruturadas) de interação.
Apesar de ser essencial para assegurar a legitimidade e
a qualidade das pactuações, ainda há muita resistência
hierárquica de parceiros fortes em envolver a sociedade civil
compartilhando poder no processo decisório (mesmo que por
meio de mecanismos consultivos).”

Participação da sociedade civil é essencial. Trata-se da participação como abertura


em termos de conectividade, como inclusão em termos da paleta de interesses que
circunda a experiência colaborativa e como recurso de accountability e transparên-
cia. Participação aqui implica em representatividade deliberativa estruturada (não
implica, de forma alguma, em assembleísmo) por meio de mecanismos de consulta
ou decisão com arejamento de debate, o que não exclui múltiplas formas episódicas
(não estruturadas) de interação. Apesar de ser essencial para assegurar a legitimida-

174
de e a qualidade das pactuações, ainda há muita resistência hierárquica de parceiros
fortes em envolver a sociedade civil compartilhando poder no processo decisório
(mesmo que por meio de mecanismos consultivos).

“Barreiras ideológicas geram problemas de engajamento por


princípios, ensejando conflitos entre princípios e incentivos
consequenciais – típico de experiências em que haja
forte interdependência ou que podem gerar ganhos auto
interessados ou altruístas para partes que não se alinham
por princípios. Ainda assim, uma situação como esta pode
dar certo se o foco recair sobre os resultados e as partes
se dispuserem a desenvolver uma compreensão acima das
diferenças – sobre, por exemplo, ganhos sistêmicos para a
sociedade.”

Por último, mas em igual importância, a ideologia. A forma como a ideologia é per-
cebida e exercida na colaboração tem um impacto profundo em sua construção e
no comportamento dos parceiros dentro do processo. Ideologia é aqui tratada como
a existência de um pensamento forte, resoluto, por vezes irredutível e de caráter
doutrinário, sobre a natureza de problemas e soluções que moldam a gênese e di-
nâmica de uma parceria e frequentemente surgem de forma explicita ou subjacente
à atuação de uma das partes (as demais nem sempre se alinham, gerando tensões
e desalinhamento de princípios). Barreiras ideológicas geram problemas de engaja-
mento por princípios, ensejando conflitos entre princípios e incentivos consequen-
ciais – típico de experiências em que haja forte interdependência ou que podem
gerar ganhos auto interessados ou altruístas para partes que não se alinham por
princípios. Ainda assim, uma situação como esta pode dar certo se o foco recair so-
bre os resultados e as partes se dispuserem a desenvolver uma compreensão acima
das diferenças – sobre, por exemplo, ganhos sistêmicos para a sociedade.

Estes pontos de destaque podem ensejar uma série de indicações sobre a gestão
de experiências colaborativas (que oportunamente ensejará um guia de governança

175
colaborativa), sobre políticas de gestão pública (que oportunamente ensejará um
documento com proposições de políticas colaborativas para agentes públicos) e so-
bre a legislação em geral (principalmente aquela que trata de parcerias entre gover-
nos e entes de colaboração).

Este volume buscou construir a ideia de que a colaboração


é um processo que pode contribuir muito para a geração
de valor público, na medida em que agrega capacidades
institucionais de distintos setores para fortalecer
reciprocamente suas atuações – gerando governos, empresas
e terceiro setor mais fortes e qualificados. Os casos também
revelam que a colaboração pode ser uma ótima alternativa
para melhorar o desempenho de arranjos hierárquicos,
tais como organizações governamentais envolvidas em
parcerias público-público. É sempre importante frisar que
a Governança Colaborativa não pode ser pensada como
uma panaceia, mas também não deve sair da cogitação na
modelagem de arranjos institucionais que busquem tratar
problemas públicos complexos nas sociedades plurais.

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