Governanca Colaborativa
Governanca Colaborativa
Governanca Colaborativa
CRÉDITOS
Humberto Falcão Martins
Ettore de Carvalho Oriol
PRODUÇÃO DO LIVRO
Fernanda Costa Rates
Maria Eduarda Ribeiro Castro
Prefácio 4
Governança Colaborativa:
Conceitos e Modelo Analítico 6
IR PARA UMA
SEÇÃO OU ARTIGO Referências 177
AVANÇAR UMA
SEÇÃO OU ARTIGO
RETROCEDOR UMA
SEÇÃO OU ARTIGO
RETORNAR
AO SUMÁRIO
A Fundação Dom Cabral (FDC) acredita que a educação e
o conhecimento são caminhos para ampliação da cons-
ciência e transformação de organizações, indivíduos e
sociedade. Esta crença está na base da iniciativa Ima-
gine Brasil, lançada em 2021, com o objetivo de mobili-
zar lideranças e unir forças, ideias e pessoas para sonhar
e influenciar na construção de um país mais próspero,
com desenvolvimento social, ambiental e econômico.
4
relevância desse tema se dá a partir da constatação de que a atuação das organi-
zações do terceiro setor e das organizações privadas, em parceria com as organiza-
ções públicas, tem um potencial para trazer maior efetividade e velocidade na im-
plementação de políticas públicas. Temos inúmeros exemplos disso no Brasil, como
alguns dos arranjos no SUS. O mundo contemporâneo tem sido caracterizado por
problemas complexos, como a crescente desigualdade e as mudanças climáticas,
cuja mitigação não é efetivamente realizada por soluções simples. Os arranjos cola-
borativos são uma das maneiras encontradas pelas sociedades para atuarem nessa
mitigação. Entretanto, sua construção, gestão, governança e alcance de resultados
também não se caracterizam pela simplicidade, principalmente por envolverem or-
ganizações de características muito diversas. Merecem ser estudados e aprimora-
dos, sempre com o objetivo de aumentar a criação de valor público.
É este o trabalho dos professores Humberto Martins e Ettore Oriol neste ebook. A
partir da consolidação de um robusto modelo analítico, eles analisam sete casos de
parcerias no Brasil, não apenas experiências de sucesso, com implicações em seis
temas comuns à essas experiências: governança, estratégia, gestão do conhecimen-
to, liderança, participação da sociedade civil e ideologia.
Aldemir Drummond
Professor e Coordenador da Iniciativa Imagine Brasil
5
Governança Colaborativa:
Conceitos
e Modelo
Analítico
Governança Pública1
Para além da polissemia típica dos conceitos multi-
dimensionais, “governança” alcançou a condição de
um “conceito mágico”, na expressão de Pollitt e Hupe
(2009): termo sedutor que evoca uma alta capacidade
de resolver problemas, se dissemina rápido e resulta
em usos múltiplos e indiscriminados. A elasticidade
conceitual de “governança” tornou-se um problema,
com uma grande proliferação de vários tipos de gover-
nança gerando uma imensa confusão semântica e con-
ceitual. No mais das vezes, governança aparece como
sinônimo contemporâneo de gestão (substantivo) ou
de governar (verbo) aplicados a muitos possíveis obje-
tos (empresas, governos, organizações, políticas) com
(ou sem) critérios ou condições (que frequentemente
caracterizam uma alegada “boa governança”).
1
Contém excertos de Martins (2021) e Martins & Marini (2014).
6
Uma tentativa de depuração do campo semântico e conceitual para se chegar à go-
vernança colaborativa requer a identificação de eixos de significação no vasto ema-
ranhado da “governança”.
7
condições institucionais frequentemente associadas às democracias avançadas, tais
como, tomando-se como exemplo o Global Governance Index do banco Mundial
(Kaufmann, Kraay & Mastruzzi, 2010): voz e accountability da sociedade civil, estabi-
lidade política e ausência de violência, efetividade governamental, qualidade regu-
latória, estado de direito, controle da corrupção. Aplica-se a governos em múltiplos
níveis e combina elementos conceituais de campos de conhecimento tais como
ci6encia política, relações internacionais, economia (não por acaso, organismos in-
ternacionais tais como ONU, FMI e Banco Mundial figuram entre os principais propo-
sitores do conceito).
8
O conceito de governança colaborativa que será desenvolvido neste texto posicio-
na-se essencialmente na perspectiva da Nova Governança Pública, embora seja ra-
zoável afirmar que se alinha com o componente de direcionamento da governança
corporativa e com o componente de “bom governo” da governança político-institu-
cional.
Governança colaborativa2
Distintos escopos estão contidos em definições mais consolidadas de governança
colaborativa, tais como:
• “Um arranjo de governo onde uma ou mais agências públicas envolvem direta-
mente partes não estatais em um processo de tomada de decisão coletiva que
2
Contém excertos de Martins, Wegner, Souza, Oriol e Drummond (2022).
9
é formal, consensual e deliberativo e que visa formular ou implementar políticas
públicas ou gerenciar programas ou ativos públicos.” (Ansell & Gash, 2008, p. 544).
10
son et al., 2012); ou “problemas que não podem ser resolvidos ou facilmente resolvi-
dos por organizações únicas” (Agranoff & MacGuire, 2003).
Redes são uma nova forma de organização, uma alternativa mais funcional às formas
típicas de mercado (baseado em transações episódicas) e hierárquicas (baseado em
interações pré-definidas e reguladas) (Agranof, 2007). A própria ideia de Estado rede
significa dizer que agentes públicos e privados (empresas e organizações não-gover-
namentais de distintos tipos, setores e escalas) formam redes de governança para
coproduzir e cocriar (fazer com várias partes, inclusive e principalmente com o be-
neficiário) serviços, políticas e bens públicos nos mais distintos domínios temáticos.
11
de negociação como de decisão, de compromisso quanto de autoridade, de infor-
mação quanto de estratégia. Este tipo de estado parece ser o mais adequado para
processar a complexidade crescente de relações entre o global, o nacional e o local,
a economia, a sociedade e a política, na era da informação.” (p. 143)
12
e diferente da gestão de hierárquica” (Agranoff, 2007, p.123-4), combinando elemen-
tos hierárquicos e outros tipicamente colaborativos, conforme ilustrados no Quadro
1, a seguir. O grande desafio da gestão colaborárquica é combinar atributos hierár-
quicos e colaborativos, posto que nenhum dos dois caráteres, por si só, representa
nem o melhor nem o pior de um modelo de gestão em rede.
Hierarquia Democracia
13
Tais arranjos colaborárquicos geram significativos impactos tanto do ponto de vista
gerencial quanto do ponto de vista político-democrático.
Do ponto de vista gerencial, redes são formas alternativas de organização, mais fle-
xíveis e com maior capacidade de resposta em ambientes instáveis para tratar pro-
blemas públicos complexos. Engendram novos padrões de organização baseados
na recriação de regras, procedimentos, equipes em bases mais colaborativas e que
envolvem mudanças organizacionais dos participantes da rede, principalmente em
relação a padrões mais informais de interação e comunicação para fora da organiza-
ção. A interdependência e interação também geram maior consciência estratégica.
14
aprimoramento, tanto exigindo o alcance de metas e conformidade a regras defini-
das ex ante quanto a detecção de problemas ex post e sua correção (Peters, 2010).
O dilema é que, por um lado, a governança em rede (policêntrica, em contraste com
a accountability hierárquica tipo agente-principal) gera uma responsabilização difu-
sa. Por outro lado, promove múltiplos regimes de accountability a partir dos eixos
democrático (eleitos, cidadãos, lei, tribunais); de mercado (acionista, consumidor); e
administrativo (superiores hierárquicos, profissionais especialistas, parceiros). Estes
eixos se combinam e sobrepõem em distintas “narrativas de accountability” (Koliba,
Meek & Zia, 2011), promovendo, na expressão de Aguilar (2006), uma “responsabili-
dade pública de modo integral”. Daí a importância da gestão para resultados, de ins-
trumentos quase-legais (soft law), confiança e valores, vigilância anti moral hazzard,
constituindo-se uma espécie de metagovernança, ou a “governança da governança”.
(Peters, 2010; Goldsmith & Eggers, 2004)
15
“Sintetiza e estende um conjunto de estruturas conceituais,
resultados de pesquisas e conhecimento baseado na prática em
uma estrutura integradora para governança colaborativa. A estrutura
especifica um conjunto de dimensões aninhadas que abrangem um
contexto de sistema maior, um regime de governança colaborativa
e suas dinâmicas e ações colaborativas internas que podem gerar
impactos e adaptações nos sistemas. A estrutura fornece um amplo
mapa conceitual para situar e explorar componentes de sistemas
de governança transfronteiriços que vão desde a cooperação
intergovernamental baseada em políticas ou programas até a
colaboração regional baseada no local com partes interessadas não
governamentais e parcerias público-privadas. A estrutura integra
o conhecimento sobre incentivos e barreiras individuais à ação de
cobrança, aprendizagem social colaborativa e processos de resolução
de conflitos e arranjos institucionais para colaboração transfronteiriça.
Ele é apresentado como uma estrutura geral que pode ser aplicada
a análises em diferentes escalas, em diferentes arenas políticas e em
vários níveis de complexidade”. (Emerson et al., 2011:01)
16
O conceito de dinâmica colaborativa também é central, com seus componentes in-
terativos: engajamento com princípios, motivação compartilhada e capacidade de
ação conjunta. Esses três componentes, que podem ser vistos como processos,
operam de forma interativa e contínua para gerar ações colaborativas (como saídas).
A forma como são representados por engrenagens, dá a ideia de sincronismo e con-
comitância, não de sequenciamento linear, como mostra a Figura 1. O Quadro 2 a
seguir apresenta os componentes do modelo:
17
Quadro 2: Componentes do modelo de governança
colaborativa de Emerson et al.
18
bém não construindo proposição quanto ao relacionamento do Contexto com os
demais componentes do modelo. Estudos posteriores, inclusive um com partici-
pação do próprio Ansell, passam a considerar o Contexto como um dos compo-
nentes da governança colaborativa (Ansell et al, 2020; Hamilton & Lubell, 2017).
Assim, optou-se pelo uso da proposição nesse caso, tendo em vista que esse é
um componente importante dentro de todo o processo de governança colabo-
rativa, e não apenas como um elemento de partida da governança colaborativa.
A Figura 2 a seguir ilustra esta conformação proposta para o modelo expandido, des-
tacando-se, em tom cinza, os elementos que foram agregados ou reposicionados. O
Quadro 3 ilustra as variáveis do modelo expandido.
19
Figura 2: Modelo de Emerson expandido.
20
Em linha com este modelo analítico os textos dos capítulos que tratam dos casos
foram organizados em quatro seções. A primeira trata da natureza complexa do pro-
blema enfrentado e dos desafios colaborativos que suscita, à título de introdução
do caso. A segunda trata, conforme a incidência em cada caso, dos elementos do
contexto e direcionadores que figuram como condicionantes e determinantes da di-
nâmica colaborativa engendrada, tais como recursos, marco legal, legados anterio-
res, dinâmica política, assimetria de informação, construção de capacidades, grau de
conectividade, nível de conflito e confiança, diversidade sócio econômica e cultural,
accountability, incentivos e restrições e direcionadores (liderança, incerteza, inter-
dependência e incentivos consequenciais). A terceira parte trada dos elementos da
dinâmica colaborativa, incluindo engajamento com princípios, motivação comparti-
lhada, capacidade de atuação conjunta, coalizão estratégica, participação da socie-
dade civil, liderança e gestão da estratégia. A quarta parte apresenta os resultados
em termos de impactos, valor público, inovação e aprendizado.
21
Panorama
dos Casos
Analisados
22
ÁREA TIPO DE PARCERIA ESFERA
23
Esse reporte inicial é bem genérico e visa dar maior familiaridade aos leitores do que
encontrarão em cada caso reportado.
24
A experiência colaborativa formada como consequência do desastre em Mariana
procurava endereçar soluções para suas consequências ambientais e sociais, e ao
mesmo tempo evitar outros desastres aparentemente iminentes na região. As em-
presas responsáveis pela reparação eram as duas controladoras da Samarco, Vale e
BHP Billiton., existia a indicação da Governança colaborativa como modelo.
O modelo desenvolvido foi a criação de um Comitê Inter Federativo – CIF que fun-
cionaria como uma instância de colaboração e de decisão compartilhada e em
consenso, com Câmaras Técnicas que dariam todo o suporte técnico às decisões
necessárias para que as soluções fossem desenvolvidas e encaminhadas. Comple-
mentarmente, criou-se a Fundação Renova com recursos aportados pelas empresas
Vale e BHP, que seria a ponta de lança operacional da colaboração.
A solução inicial do problema passava por uma ação rápida tanto da colaboração
como das empresas para evitar que novas barragens do mesmo complexo se rom-
pessem. Diversas ações foram tomadas de urgência, e até mesmo o projetista des-
sas barragens foi acionado e trazido para apresentar soluções viáveis. Esse processo
foi rápido e as soluções apontadas pelo CIF e suas Câmaras Técnicas exitosas, pois
nenhuma nova barragem do complexo se rompeu, evitando um agravamento do
desastre.
25
o processo e gerar uma série de ações muito importantes para a criação do valor
público buscado.
Contudo, a forma como a Fundação Renova foi construída levou à existência de dois
polos de tomada de decisão, o que produziu uma disfunção no processo. Essa arqui-
tetura foi ainda mais prejudicada com a tentativa do MP de criar um terceiro fórum
de decisões com a participação da sociedade civil formada pelos prejudicados pelo
desastre. Esse terceiro Comitê nunca foi instalado.
Apesar de seus sucessos em evitar que novas barragens se rompessem, essa inicia-
tiva não atingiu seus objetivos, ficando muito a desejar na condução dos problemas
sociais causados pelo desastre. A questão ambiental foi um pouco melhor encami-
nhada inicialmente, mas também não teve uma sequência condizente com as ex-
pectativas, levando ao abandono gradual do apoio político que a iniciativa recebeu
e chegando a um fim esvaziado de ações e de poder. O Ministério Público chamou
para si toda a responsabilidade, concentrando o poder decisório e deslegitimando
o CIF, o que tornou a colaboração inócua com o tempo, decretando seu fim, mesmo
que não de forma oficial.
26
Parceria Público-Privada na Saúde em Florianópolis
Este caso trata da construção de um arranjo colaborativo sob a forma de Parceria
Público Privada para expansão da rede de atendimento à saúde na cidade de Floria-
nópolis, tendo em vista o iminente esgotamento da capacidade de atendimento da
rede assistencial pública dentro dos padrões requeridos.
27
ria entre elas, algo não muito usual, deixando o campo da informalidade e adentrando
em um campo mais formal, em que os objetivos, responsabilidades e demais aspectos
da parceria são previamente acertados e colocados em um contrato. Essa solução
garantiu a existência de um planejamento estratégico a ser seguido e um cronograma
traçado para que as coisas acontecessem de forma organizada e em tempo exíguo.
28
Esse modelo de arranjo colaborativo garantiu um fluxo muito importante de informa-
ções e agiliza as decisões, mostrando um modelo muito interessante para colabo-
rações pré-licitação de diversas modalidades de colaborações, como por exemplo
as PPP, mas também pode ser usado para licitações de convênios, ou mesmo da
contratação direta de serviços.
29
da metodologia. Muitas vezes a falta de pessoas preparadas para assumirem uma
tarefa, ou a sobrecarga de trabalho já existentes reduzem o foco dos servidores em
assimilarem o processo.
Uma colaboração com um ente de colaboração como a IELO garante que o bene-
ficiário do programa de reinserção estará mais aberto a receber a ajuda oferecida,
pois não está vindo diretamente do agente estatal punitivo, mas de uma entidade
mais aderente à realidade dessas pessoas e com maior expertise em tratar do as-
sunto. Nesses casos, a possibilidade de sucesso da intervenção aumenta muito,
produzindo um efeito benéfico para toda a sociedade simplesmente pelo envol-
vimento da sociedade civil na condução da solução. Além dessa questão de per-
cepção, a vantagem dessa iniciativa é que ela é muito mais flexível que a execução
30
direta pelo poder público, além de trazer melhor controle com uma estrutura e
com indicadores claros do que deve ser aferido para que o desempenho seja con-
siderado satisfatório.
Além disto, a execução da política pública por uma OSCIP oferece flexibilidade de
contratar e demitir sem que se enfrente todo um processo burocrático como acon-
tece com servidores de carreiras estáveis, e com menor influência política na contra-
tação de pessoal.
O problema público existente era como atender o cidadão de forma eficiente, eficaz
e efetiva. Para realizar esse atendimento era necessário que os serviços estivessem
disponibilizados de uma forma que otimizasse o atendimento e que produzisse sa-
tisfação do cidadão. Mas isso não é o que acontecia, os serviços estavam todos es-
palhados pelas secretarias, em muitos casos, em que a solução do problema passa-
31
va por mais de uma secretaria, o cidadão precisava ir em uma verdadeira “via crucis”
de secretaria em secretaria, realizando as etapas do serviço, até ter o seu problema
solucionado.
32
Um ponto muito importante para o uso da governança colaborativa como solução
para o problema identificado é a economia de recursos que uma colaboração pode
proporcionar ao colocar todos os serviços prestados pelas diversas secretarias e
órgãos do governo em um mesmo local. Essa atitude produz uma economia de
espaço, de recursos, de aluguel, de pessoal entre muitos outros, pois tem-se ape-
nas um porteiro, um atendente para dar informações, um grupo de segurança para
cada localidade e não para cada órgão ou secretaria que precise prestar serviços à
população. Além dessa economia de recursos por parte do poder público, há eco-
nomia de tempo e recursos por parte do cidadão, que passa a ter disponibilizado
todos os serviços na mesma localidade, podendo resolver tudo de uma só vez.
Além dessa questão, ao realizar a colaboração via PPP, o poder público delega ao
contratado do setor privado uma série de questões que no sistema público seriam
muito mais morosos e onerosos aos cofres públicos. Um deles é a gestão de toda a
infraestrutura de atendimento dos cidadãos nas UAIs. Ao optar por uma PPP, a ges-
tão da infraestrutura sai da mão do setor público e passa para a mão do particular
que não precisa de todo um arcabouço burocrático de travas legais para realizar os
serviços e manutenções necessárias para que a estrutura permaneça em ordem e
funcionando a contento.
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Colaboração da Sociedade Civil para a Gestão de
Pessoas no Rio Grande do Sul
Este caso trata da construção de arranjos colaborativos sob a forma de Termo de
Colaboração entre Órgão Central de Gestão de Pessoas – OCGP da Secretaria de
Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul e os entes de colaboração
Instituto Gesto, Vamos e Instituto Comunitas para promover a melhoria da gestão
de pessoas, principalmente voltadas à gestao por competências e de lideranças, no
âmbito da administração estadual.
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A forma como os cargos de alto escalão são ocupados também é muito importan-
te para a motivação dos servidores. Mesmo que por indicação política, esses car-
gos precisam ser ocupados por pessoas competentes, que tenha a expertise para
desenvolver bem as funções de liderança que o cargo exige. Uma forma de fazer
essa gestão por competência é selecionar os gestores de cargos mais técnicos em
um processo de seleção por competência e não por indicação política. Essa atitude
tende a fortalecer a liderança dessas pessoas escolhidas e trazer uma sensação de
valorização maior dos servidores que forem gerenciados por uma pessoa com esse
perfil. Só esse fato já amplia muito o engajamento dos servidores.
Além dessa contratação por competência, é necessário que essas pessoas se-
jam treinadas previamente para entenderem bem as funções que irão exercer. O
treinamento prévio em conjunto com seus pares da gestão que irão atuar facilita
a formação de redes de Network entre os diversos gestores. Os relacionamentos
construídos facilitam a identificação de possíveis atores que possam ajudar quando
precisam solucionar problemas que não estão em sua alçada de ação. Para que uma
colaboração seja exitosa, é preciso que os relacionamentos entre os parceiros sejam
frequentes e de qualidade. A proximidade dos relacionamentos e a sua qualidade
garantem maior êxito nas ações tomadas, gerando confiança e legitimidade nas de-
cisões e nas ações implementadas.
35
A responsabilidade do poder Executivo de afastar o agressor da vítima nos ambien-
tes escolares é dificultada e agravada por institutos legais como a estabilidade que
os professores concursados têm em seus empregos. Essa estabilidade lhes garante
uma série de prerrogativas, entre elas de que só podem ser afastados e exonerados
de seus cargos via um PAD. Esse processo é previsto pela lei federal nº 8112/19903
e tem todo um formalismo que precisa ser seguido para que os seus atos e conclu-
sões tenham validade. Esse não é um processo arbitrário, mas um processo em que
o acusado tem amplo direito de defesa, cabendo ao poder público provar a culpa
do acusado para só então punir o servidor. As punições previstas no PAD vão desde
advertências até a exoneração do servidor. A punição imposta pelo PAD não isenta o
acusado de responder processo judicial, e a condenação no PAD não implica neces-
sariamente condenação na Justiça Criminal.
O problema do assédio dentro das escolas não conseguia ser bem solucionado pela
ação isolada da Secretaria da Educação. Isso porque existia um problema de assi-
metria de informações entre a Secretaria e os demais atores que fazem parte da
geração de provas e demais conteúdos necessários para que o PAD ocorra com ce-
leridade e com assertividade. A falta dessas informações acabava produzindo uma
impunidade e o não atingimento do objetivo de um movimento de prudência por
parte da Secretaria em afastar de forma eficiente a vítima do seu possível agressor.
3
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acessado em 17/08/2022
36
da acabava por sobrepor ações para gerar as mesmas provas por diversos atores,
cada um para seu fim específico.
37
A colaboração foi necessária por conta da resistência ideológica do novo governo à
questão da sustentabilidade. O Decreto nº 9.759/20194, de abril de 2019, extinguiu
vários colegiados na administração federal, incluindo a Comissão Nacional para os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - CNODS que cuidava exatamente do
planejamento e coordenação de priorizações dos objetivos e metas das ODS. Ape-
sar do discurso oficial ser de não se ter abandonado os objetivos e metas ligados às
ODS, a realidade é que o governo federal havia paralisado os trabalhos e abandona-
do o documento gerado pela Comissão.
4
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D9759.htm,
acessado em 14/09/2022.
38
Contudo, identificar quais os outros órgãos que estavam com ações para o mesmo
ODS e como coordenar essas ações para que não se sobrepusessem ou mesmo se
anulassem era algo impossível, sem uma coordenação superior, ou mesmo por ini-
ciativa isolada. Mesmo tentando criar os relacionamentos necessários, os órgãos es-
barrariam na falta de indicadores e na possibilidade de serem impedidos por ques-
tões ideológicas presentes no contexto. Tudo isso levou à necessidade da formação
de uma Governança Colaborativa para possibilitar a geração da sinergia necessária
ao planejamento da implantação das ODS e ao desenvolvimento de métricas que
pudessem aferir o seu nível de implantação.
Levar os parceiros a se engajarem nesse processo foi outro grande desafio e que teve
uma solução bem interessante via colaboração. A possibilidade da criação de um pro-
cesso decisório horizontalizado em que os parceiros podem discutir e formar a agen-
da com liberdade foi essencial para uma solução que levou todos a trabalharem em
conjunto, e que ao final, se apropriassem dos resultados. Sem a criação de um engaja-
mento por princípios, a iniciativa fracassaria, pois o documento gerado seria engaveta-
do, da mesma forma que o resultado da colaboração anterior realizada pela Comissão
Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - CNODS.
39
ções ideológicas existentes no contexto. As adaptações posteriores precisaram ser
direcionadas por uma estratégia bem delineada, que emergiu do próprio processo e
que orientou as ações para uma solução que não se conformasse ao contexto, mas
que provocasse as mudanças necessárias. Essa solução de uma Estratégia, princi-
palmente para esse caso estudado, foi essencial para vencer as resistências ideoló-
gicas e os poderes entrincheirados que resistiam as mudanças.
40
Colaboração
Intergovernamental
e com a Iniciativa
Privada para
a Solução das
Consequências
do Acidente de
Rompimento
da Barragem
de Rejeitos de
Mariana –
Minas Gerais
O problema e os desafios
colaborativos
O desastre do rompimento da Barragem de Mariana
aconteceu em dezembro de 2015, com o espalhamen-
to de uma quantidade gigantesca de rejeitos de mine-
ração que era acumulada em reservatórios há anos. A
empresa responsável por essa barragem e que reali-
zava a mineração era a Samarco, empresa que tinha
41
como acionistas duas das maiores mineradoras do mundo, a Valle e a BHP Billiton. A
barragem se rompeu por uma série de decisões imprudentes tomadas pela empresa
na operação no intuito de produzir com maior economia. Esse rompimento provocou
o maior desastre ambiental e material que se tem notícias na indústria de mineração.
Esse desastre só perde para o de Brumadinho no fator de perdas humanas, pois no
segundo, o número de pessoas que morreram foi muito maior. Porém, o impacto
social e ambiental foi bem menor.
O desastre tornou evidente por parte das empresas a falta de uma política verdadei-
ra de ESG – Ambiente, Social e Governança, apontando para falhas estruturais que
levaram a economias em segurança, accountability e aderência as normas vigentes.
O impacto do desastre, além de ser ambiental, foi social, pois além das mortes cau-
sadas pela lama, destruiu vilas inteiras como Bento Gonçalves, que teve todas as
suas casas encobertas pela lama que escorreu da barragem. Além dessa questão,
a lama que escoou pelos afluentes que desaguavam no Rio Doce, impossibilitou
que os municípios que dependiam de captação de água do rio para abastecimento
o fizessem. A pesca também foi totalmente prejudicada, e pessoas que dependiam
dela ficaram sem seu ganha pão. As pessoas que moravam nas margens dos cór-
regos e rios também não puderam mais plantar ou tratar de seus gados devido a
contaminação das águas e das terras das margens. Todo esse desastre mostra a
extensão do impacto social que o desastre causou.
42
plificando o problema que já era extremamente complexo. A barragem de Candon-
ga, dentro do Complexo de Germano também apresentava as mesmas condições
da barragem de Mariana e poderia romper a qualquer momento, despejando uma
quantidade enorme de rejeitos e amplificando os custos para toda a sociedade já
atingida. Esse aspecto do problema mostrava a gravidade e a urgência das ações
necessárias para primeiro evitar um novo rompimento, e em segundo endereçar
uma solução o mais rápido possível para as demais barragens que estavam com
riscos de se romperem.
43
colaboração como forma de endereçar uma solução para o problema. Além disso, o
problema era muito complexo para ser endereçado por apenas um dos parceiros que
entraram na colaboração. Mesmo a União não tinha expertise e capacidade operacio-
nal e técnica para dar conta de toda a complexa solução necessária.
Logo na sequência do desastre, o governo federal junto com os governos dos dois
estados e dos mais de 40 municípios atingidos se juntaram e formaram um Comitê
Inter Federativo – CIF para conduzir os trabalhos de recuperação tanto ambiental
como social das consequências do desastre. Esse foi o primeiro movimento em di-
reção a uma Governança Colaborativa como modelo para encaminhar uma solução.
Essa iniciativa foi natural, pois envolvia uma gama muito grande de atores, e apenas
um ator se responsabilizar pela solução seria algo inviável. Mesmo com todos os
problemas federativos que o Brasil possui, essa iniciativa mostrou que é possível a
união de vários entes com um mesmo propósito e uma mesma direção quando a
necessidade é muito grande. Questões político partidárias diminuíram de tamanho
frente a complexidade e a magnitude do problema enfrentado. Essa iniciativa gerou
uma sinergia entre os parceiros e uma aproximação que possibilitou a construção de
uma confiança mutua. A confiança construída trouxe legitimidade para as decisões
do CIF, que passou a organizar todo o processo e gerar uma série de ações muito
importantes para a criação do valor público buscado.
44
Nessa fase inicial, o MP e a Defensoria Pública não entraram como parte da cola-
boração, ficando apenas como observadores, e mesmo após a assinatura do TTAC
- Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta e sua homologação judicial. Um
primeiro efeito foi a ação rápida tanto da colaboração como das empresas para evitar
que novas barragens do mesmo complexo se rompessem. Diversas ações foram to-
madas de urgência, e até mesmo o projetista dessas barragens foi acionado e trazido
para apresentar soluções viáveis. Esse processo foi rápido e as soluções apontadas
pelo CIF e suas Câmaras Técnicas exitosos, pois nenhuma nova barragem do com-
plexo se rompeu, evitando um agravamento do desastre.
Para a gestão dos recursos e execução das ações de reparação em nome das
empresas foi criada uma fundação de direito privado, que recebeu o nome de Fun-
dação Renova. Ela seria responsável por executar todas as ações determinadas no
TTAC assinado e as demais decisões tomadas pelo CIF. Contudo, desde o começo,
uma das empresas responsáveis pela reparação via a Fundação Renova – FR como
um braço empresarial e não como uma iniciativa realmente disposta a colaborar e
buscar uma solução via colaboração. Na visão de seus executivos, a empresa sabia
o que precisava ser realizado e iria realizar de forma unilateral. Para isso, ela iria
chamar um presidente que fosse a cara da fundação, mas quem tomaria realmen-
te as decisões seria um executivo da empresa indicado para uma das cadeiras do
conselho curador da FR.
45
Mesmo com essa configuração mais participativa, dois pontos foram muito impor-
tantes para a colaboração. Primeiro a existência de dois fóruns de tomada de deci-
são, e segundo, o não reconhecimento do Ministério Público da Fundação Renova
como parte legítima para representar as empresas nas discussões e nas tomadas de
decisão. Na questão dos fóruns, um dos entrevistados apontou uma analogia a uma
Hidra de Duas Cabeças, em que uma fica brigando com a outra para ver quem toma
as decisões. No segundo ponto, o MP não reconhecia a Fundação Renova como par-
te do processo. Como a sua postura foi muito mais de guardião do arcabouço legal,
a falta de uma sensibilidade e aderência à realidade tornou todo o processo, que já
era complexo, ainda pior. Isto fez com que o MP tratasse os assuntos importantes
e sensíveis da colaboração somente com as bancas de advogados das empresas.
A falta dessa participação foi um problema muito sério e que levou a uma série de
outras consequências importantes para a colaboração.
A organização inicial do processo foi bem interessante, e como esse era um desas-
tre muito grande, com uma visibilidade enorme e com a promessa de uma soma
substancial de recursos que seriam aportados pelas mineradoras, atraiu pessoas das
mais altas capacidades técnicas e políticas. Assim, evolveram-se nesse processo a
Casa Civil da Presidência da República; o Ministério de Meio Ambiente via IBAMA,
ICMBio, a Agencia Nacional de Águas – ANA; o estado de Minas Gerais com seus ór-
gãos ligados à gestão e meio ambiente; o estado do Espirito Santo com seus órgãos
de gestão e meio ambiente; e representantes dos mais de 40 municípios atingidos.
Com isso, o CIF era formado de mais de 100 pessoas e a presidência era exercida
pela presidente do IBAMA. Esse era um órgão deliberativo e que tinha a premissa de
identificar os problemas e deliberar as decisões e como cada um desses problemas
seria endereçado.
46
danos causados pelo desastre do rompimento da Barragem de Mariana não tran-
sitam pelo orçamento público. Se os recursos entrassem nos cofres públicos, eles
teriam de ser destinados ao caixa único do tesouro e depois serem distribuídos aos
ministérios ou secretarias e só então serem aplicados em seus destinos, seguindo
todos os entraves e regramentos legais da execução da despesa pública. Ao se-
rem gerenciados por uma fundação de direito privado, por serem recursos privados,
poderiam seguir um tramite muito mais simples de aplicação, tornando o processo
muito mais veloz e com muito menor burocracia.
Apesar dessa vantagem existente, uma questão foi muito importante para a eficácia
de todo esse processo: a criação de um conselho curador dentro da FR que tinha
poder para modificar ou barrar as decisões tomadas pelo CIF. Essa é a disfuncionali-
dade da arquitetura de governança apontada anteriormente e que gerou um grande
problema no longo prazo. As decisões tomadas pelo CIF, e que não agradavam as
empresas que formaram a FR, eram obstaculizadas, gerando atrasos e a não execu-
ção de questões muito importantes como a indenização dos atingidos, por exem-
plo. Mesmo em momentos que a FR queria tocar o processo adiante, a influência
via lobby das bancas de advogados que defendiam as empresas gerava ruídos que
acabaram por tornar o processo cada vez mais disfuncional, deixando, ao final, uma
impressão de que o processo de solução via colaboração havia falhado, o que pro-
duziu um progressivo esvaziamento da colaboração até não sobrar nada relevante.
Essa escolha de arquitetura foi ainda mais prejudicada com a tentativa do MP de criar
um terceiro fórum de decisões com a participação da sociedade civil formada pelos
prejudicados pelo desastre. Esse terceiro Comitê nunca foi criado.
Com efeito, a construção de coalizões da sociedade civil atingida pelo desastre para
participação no processo de tomada de decisão enfrentou uma série de barreiras
como a desconfiança dos atingidos, que viam nas mineradoras o algoz de seus infor-
túnios, e que agora se apresentava como uma promotora incentivando-os a partici-
parem em um processo de busca de soluções. Essa solução foi bastante dificultosa,
mas se mostrou exitosa em alguns aspectos, como a criação de uma coalização que
passou a fazer parte do CIF e a constituição de um Comitê consultivo dentro da FR.
47
Todo isso aconteceu por uma crença muito forte da liderança do processo de que a
participação da sociedade civil era essencial para a produção de soluções realmente
impactantes. Esse patrocínio da liderança da colaboração foi importante para vencer
as resistências históricas existentes.
Além dessas duas instâncias de decisão, para apoiar as decisões do CIF foram cria-
das mais de 100 câmaras técnicas. Essas câmaras tinham a função de municiar o CIF
com informações e soluções tecnicamente estudadas e viáveis do ponto de vista de
aplicação e aderência à realidade e contexto. Essa organização foi muito importan-
te, pois no começo do processo apareceram diversas empresas tentando oferecer
tecnologias para aplicação em soluções, incluindo tubos e dragas para a remoção
da lama, algo que se mostrou totalmente inviável com o passar do tempo. Essas
Câmaras técnicas foram muito atuantes, pois além de apontarem as soluções, fa-
ziam todo o monitoramento do andamento de suas aplicações e da forma como as
soluções estavam evoluindo no tempo. Um exemplo foi a recuperação de pequenas
nascentes, os técnicos do IBAMA e do ICMBio fizeram mais de 80 visitas técnicas
de acompanhamento, observaram que a recuperação estava acontecendo, pois em
algumas dessas nascentes, apareceram peixes depois de um tempo, mesmo sem
a inserção desses peixes no local, ou seja, a natureza estava encontrando meios
de se recuperar mesmo após um desastre tão impactante e devastador como o de
Mariana. Outro exemplo foi a escolha do plantio de emergência das favas de feijão
em todas as áreas que foram atingidas pelas lamas e que possuíam a necessidade
de fixação dessa lama para que ela não escorresse para o rio e contaminasse ainda
mais as águas. Esse processo foi decidido e realizado em tempo recorde, evitando
que o desastre se agravasse. Em pouco tempo, era possível ver todas as localidades
verdinhas de favas de feijão. Esse foi um processo transitório, com o plantio posterior
da vegetação nativa da região quando o solo já estava firme.
48
ço legal e dos agentes que executam esse arcabouço em todo o processo. A forma
como o arcabouço legal existe e foi aplicado, com a busca da assinatura de um TTAC
o mais rápido possível, e a imposição de uma série de obrigações à FR sem que
essas obrigações estivessem maduras e com seus planos de aplicação mais avan-
çados, mostraram que os aspectos legais muitas vezes se impõem acima da própria
realidade. A questão legal aqui foi muito sensível, e a forma como o MP conduziu
todo esse processo, se colocando como o guardião do cumprimento indiscrimina-
do dos aspectos legais, acabou impedindo que inovações importantes obtivessem
sucesso em sua aplicação. Inclusive a postura de não reconhecimento da FR como
parte do processo, foi um problema muito grande para o sucesso de toda a iniciativa
da colaboração, como será desenvolvido mais adiante.
49
superiores, mesmo sem a existência de experiência anterior. O caso de brumadinho
certamente muito se beneficiou da experiência em Mariana.
Já a Dinâmica Política foi um elemento que ajudou muito a escolha do modelo cola-
borativo e seu início. O patrocínio político foi imediato com ações que levaram a uma
construção colaborativa muito exitosa em seus primeiros passos. Um exemplo disso,
foi que o prefeito de uma cidade atingida, já no dia seguinte ao desastre entrou em
contato com organizações da sociedade civil buscando respaldo para as ações em
relação ao desastre. Essa iniciativa é emblemática do ambiente político favorável à
colaboração que se instalou. Tanto o Governo Federal, como os Governos Estaduais
e Municipais envolvidos disponibilizaram seus melhores recursos intelectuais para
atuarem no processo, mostrando o nível de patrocínio que a iniciativa recebeu. Um
processo de compartilhamento de poder se mostrou muito propício a acontecer,
com todos identificando os ganhos políticos possíveis.
50
As conexões entre os parceiros foi algo importante para diversos elementos que se
seguiram ao desastre provocado pelo rompimento da barragem de Mariana. A falta
de uma proximidade entre os parceiros foi um fator que dificultou o entendimento
inicial, no entanto, esse fator foi sendo gradativamente vencido. Mesmo com um bai-
xo nível de confiança prévio entre as partes, o processo de aproximação acabou sen-
do rápido, e em pouco tempo um TTAC foi elaborado e colocado em prática, mesmo
com todas as suas limitações e disfunções. Isso possibilitou que medidas emergen-
ciais fossem tomadas, mas também levou à definição de uma série de medidas que
ainda não estavam maduras a serem implantadas.
Uma outra questão cultural identificada e que teve um grande impacto na colabora-
ção foi a cultura empresarial de não considerar as demandas sociais como importan-
tes. Muitas empresas tendem a se considerar como parte que sabe o que precisa ser
realizado e não tem interesse qual a opinião da sociedade atingida. A concordância
ou não com suas ações e formas de operar não é importante para essas empresas.
Elas obtêm as licenças governamentais, cercam seus locais de atuação e não per-
guntam para a sociedade se ela concorda ou não com a forma que estão operando,
com os impactos que estão causando àquela sociedade. Essa falta de uma visão
de responsabilidade, foi um elemento prévio muito importante para a forma como a
criação da FR foi realizada. Questões como a ESG foram totalmente ignorados, e a
51
participação da sociedade considerada como impeditiva de se alcançar um resulta-
do rápido e eficiente. Não que fosse feito por uma postura deliberada, mas por uma
postura baseada em uma cultura arraigada em parte do empresariado de que eles
sabem o que é melhor para as suas empresas e para sociedade que as cerca e que
é impactada por suas ações.
52
ses direcionadores foi Incentivos Consequenciais. Esses incentivos apontavam para
a colaboração como uma das poucas opções que possibilitava o envolvimento de
todos os entes com responsabilidades no processo. A esperança de que uma série
de resultados seriam aferidos como consequências da colaboração também ser-
viram de incentivo para a escolha da opção colaborativa. Mesmo abstraindo-se a
questão do desastre, várias partes acreditavam que licenciamentos ambientais di-
ficilmente poderiam ser totalmente implantados pelas empresas concessionárias
de forma isolada. Uma experiência colaborativa como a de Mariana poderia ser um
Benchmarking maravilhoso para a solução da falta de expertise das empresas, pos-
sibilitando a inclusão de diversos outros atores que contribuiriam para a implantação
eficiente e eficaz dos projetos ambientais de licenciamento ambiental de grandes
obras de infraestrutura.
53
desastre e que passavam a pleitear fazerem parte do rol de pessoas indenizáveis.
Para sanar esse problema, as Câmaras Técnicas desenvolveram toda uma meto-
dologia para identificar quem realmente era o atingido pelo desastre, no entanto,
as bancas de advogados passaram a contestar qualquer diferença mínima de valor,
ou critério usado para determinar quem deveria ser indenizado e por qual valor,
postergando o processo e levando a um desastre social ainda maior que o já cau-
sado pelo rompimento da barragem. Essa contestação das bancas de advogados
chegou ao absurdo de pleitear indenizar apenas as pessoas que tinham a cartei-
rinha de pescador, sem considerar todo o contexto de informalidade que permeia
essa profissão.
A liderança realizada pelo IBAMA foi muito voltada para ajudar a inclusão de todos
no processo decisório. O poder dessa liderança foi usado para “power over,” “power
to,” e “power for” (Purdy, 2012), ou seja, a liderança buscou materializar um processo
de busca de consenso com a participação de todos os envolvidos na colaboração.
Essa postura possibilitou o surgimento de lideranças pontuais a depender do tipo de
assunto que era tratado, principalmente do pessoal técnico, incorporando as indica-
ções dadas pelas Câmaras Técnicas as decisões a partir de uma visão de que essas
54
indicações eram um tipo de respaldo para as discussões e deliberação acerca das
possibilidades existentes.
55
tante de toda as decisões da colaboração. O CIF, que era o comitê com legitimidade
original para a tomada de decisões, por envolver os interessados, poder público, que
em última instância é o representante legítimo da sociedade, mesmo que com baixa
representatividade dos afetados, procurou construir soluções próximas das comu-
nidades e dos problemas, desenvolvendo técnicas e inovações importantes devido
à natureza dos problemas enfrentas, que eram em sua maioria inéditos e extrema-
mente complexos.
Mesmo com essa legitimidade natural que o CIF tinha para a tomada das decisões
por sua natureza diversa e inclusiva, a Fundação Renova acabou formando um outro
Comitê decisório, que foi o Conselho Curador. Esse segundo polo de tomada de de-
cisões, mesmo sem ter a legitimidade do CIF, tinha muito poder, atrasando o proces-
so ou impedindo que as ações fossem realizadas. Esse poder decorria do patrocínio
dado pelas empresas financiadoras a alguns conselheiros que funcionavam como
defensores dos interesses da empresa. Esses conselheiros usavam o poder dados a
eles pelas empresas para barrar as decisões tomadas pelo CIF que de alguma forma
incomodasse a cultura empresarial de solucionar os problemas isoladamente.
56
nhar as soluções era algo inerente ao processo. Ainda assim, um planejamento estra-
tégico engessado foi engendrado dentro da colaboração. É importante pontuar que
o TTAC funciona como um planejamento estratégico, mas a sua forma e sua rigidez
acabam por funcionar como um entrave ao desenvolvimento saudável da colabora-
ção que precisa de um processo orgânico de feedback e feedfoward forte para se au-
toalimentar e gerar as adaptações e inovações necessárias para a sua continuidade.
A falta de adaptação na estratégia provocada pela adoção do TTAC foi tão importante
que mesmo após homologado pela Justiça, um novo TTAC foi redigido e aprovado.
Esse movimento mostra como uma estratégia adaptável é importante para a cons-
trução de uma colaboração mais saudável e com maiores possibilidades de sucesso.
57
ligados as indenizações, levou a um processo de cerceamento da implantação das
inovações produzidas que culminou com uma judicialização quase que total do pro-
cesso, levando a uma falência das iniciativas inovadoras propostas pela colaboração.
58
envolvimento das pessoas no processo. Essa dificuldade de envolvimento desagre-
gou a construção de autoridade por parte da sociedade civil que pudesse defender,
frente aos demais parceiros, as pautas necessárias a construção de uma solução
realmente dimensionada as perdas sofridas pela comunidade.
59
Essa postura mostra uma visão de que o processo de criação e implantação de so-
luções seria mais bem conduzido se apenas a justiça cuidasse de todos os aspectos.
O comportamento do MP pode ser tratado como uma consequência dos resultados
de Mariana, mas também, como uma visão pré-existente no MP de não acreditar no
modelo colaborativo, se comportando não como um patrocinador, mas como um
opositor do processo.
Resultados
Os resultados alcançados foram interessantes na contenção de maiores danos, prin-
cipalmente em evitar que novas barragens do sistema se rompessem. Apesar desse
sucesso inicial, a colaboração conseguiu algum sucesso em encaminhar soluções
para os danos causados ao meio ambiente e nenhum sucesso em endereçar solu-
ções para os problemas sociais, os mais extensos de todo o desastre.
Em relação aos resultados de longo prazo, a impressão deixada foi muito negativa.
A colaboração acabou por desincentivar a adoção do modelo em desastre poste-
riores e é malvista como processo por diversos órgãos estatais, como já mostrado
em relação ao MP. Mesmo pessoas que acreditam no modelo pontam uma série de
problemas que a iniciativa deixou na busca de incorporar o modelo as possibilidades
de soluções para problemas públicos complexos dentro dos governos. Esse resulta-
60
do de longo prazo foi muito prejudicial à adoção do modelo colaborativo, mesmo o
estudo do fracasso que aconteceu em Mariana mostrar uma série de aprendizados
de como não se deve proceder em casos complexos como esse.
Uma série de resultados importante foi a promoção de maior justiça social nas
soluções propostas. Mesmo que com baixa participação da sociedade civil, as so-
luções engendradas pela colaboração foram muito melhor aderentes a realidade
que iniciativas unilaterais como a executada pela justiça no caso de Brumadinho.
Houve uma preocupação de se identificar com precisão os danos causados de
forma individualizada e na proporção mais próxima das perdas dos cidadãos atin-
gidos pelo desastre. Um exemplo foi a busca por uma justiça bruta, já que uma
justiça que compensasse questões emocionais era algum impossível de ser reali-
zada. Assim, a justiça precisava ser dosada por grupos de indivíduos e não de forma
massificada como acaba acontecendo em processos judiciais impessoais como os
conduzidos em Brumadinho.
61
Projeto de PPP para
Construção
e Gestão de
um Hospital
Estadual em
Florianópolis –
Santa Catarina
O problema e os desafios
colaborativos
A universalização da saúde como política de estado no
Brasil é um processo bastante recente. Com a Consti-
tuição de 1988, a saúde passou a ser um direto do ci-
dadão, sendo assim, universalizada a partir de iniciati-
vas e políticas públicas existentes até então. Para que
esse processo acontecesse, o SUS – Sistema Único de
Saúde foi criado e uma série de leis passaram a des-
tinar uma parcela substancial dos orçamentos públi-
cos da União, Estados e Municípios para investimento
e manutenção do sistema de saúde. Ainda assim, há
subfinanciamento, com investimentos muito aquém do
necessário. A capacidade dos governos de investirem
em saúde está esgotada, pois os recursos destinados,
62
normalmente, já estão todos comprometidos com a manutenção do sistema e dos
atendimentos gerados pela demanda já instalada. Ainda perduram questões políti-
cas e técnicas que acabam limitando o SUS em prover uma política pública de saúde
efetiva para a população.
Mesmo com toda essa robustez que o sistema apresenta, existem diversas deman-
das que não podem ser atendidas pelo poder público. Em muitos casos, a falta de
recursos para o desenvolvimento de iniciativas necessárias é gritante. Questões li-
gadas a modernização de alguns hospitais que são muito antigos e que não estão
mais em condição de atendimento são deixadas em segundo plano pela falta de
recursos. Essas reformas e modernizações consomem uma soma de recursos muito
grande que deve ser aplicada de imediato para se colher os frutos por um longo pe-
ríodo. Além dessa questão dos recursos, muitas vezes, a reforma é inviável, pois seria
necessário parar o atendimento, o que é impossível em diversos lugares pelo Brasil
pela falta de aparelhos substitutos com a capacidade requerida.
Toda essa problemática foi sentida pelo Estado de Santa Catarina quando a Secre-
taria de Saúde identificou a necessidade de reformar os dois hospitais existentes na
capital Florianópolis. Esses hospitais estão em um local estratégico e precisam de
urgentes reformas, além da ampliação do atendimento para suportar a demanda
existente de atendimentos e cirurgias e o crescimento projetado da demanda para
os próximos anos. Sem essa reforma, os hospitais entrarão em colapso logo, o que
poderia causar grandes problemas para a população de Florianópolis. Inclusive, o
Ministério Público já cogitou interditar os hospitais por falta de condições técnicas de
conservação para operar.
63
O fato de o sistema ser universalizado faz com que os hospitais públicos atendam
a toda a população que necessite de consultas médias e cirurgias e que não tenha
condições de procurar por atendimento particular. Essa demanda só tende a au-
mentar com o envelhecimento da população brasileira que está em curso para os
próximos anos. Assim, projetar esse crescimento de necessidade e agir de imediato
provendo a solução para esse problema é uma função muito importante da parte do
poder público. Isso pode garantir o cumprimento do artigo da Constituição Federal
de 1988 – CF88 que garante o direito à saúde para todos os brasileiros, e não apenas
para aqueles que podem pagar.
A solução encontrada pela Secretaria da Fazenda foi de projetar uma PPP – Parce-
ria Público Privada em que parceiros privados pudessem investir na construção do
hospital e posteriormente fossem remunerados pelos atendimentos que realizasse
no complexo construído. O uso das PPPs para esses projetos é uma solução muito
interessante quando o Estado não tem os recursos para investir na construção de
aparelhos públicos de grande porte.
Com a decisão de se buscar a solução por meio de uma PPP, foi assinado um Termo
de Cooperação Técnica entre as secretarias da Fazenda e Secretaria da Saúde. Vale
64
lembrar que o Estado de Santa Catarina já possui uma estrutura burocrática orga-
nizada para o desenvolvimento dessas iniciativas de colaboração. Essa estrutura é
o CGPPI – Comitê Gestor do Programa de Parcerias e Investimentos. Esse comitê é
formado por diversos parceiros da gestão pública, como a Secretaria da Fazenda, a
Casa Civil, a Secretaria de Estado e Administração e pela Procuradoria Geral do Es-
tado. Além do comitê, o Estado de Santa Catarina possui uma Agência Reguladora
– ARESC que cuida da regulação e fiscalização dos contratos firmados pelo poder
público com o particular.
Com a ideia nas mãos e uma projeção das necessidades que o desenvolvimento do
projeto exigiria, o estado começou a buscar agências de fomento que pudessem
65
financiar a iniciativa. Uma reunião foi agenda com o BID – Banco Interamericano de
Desenvolvimento, que aceitou financiar o projeto. O valor financiado foi de 850 mil
dólares de forma contingente, ou seja, a responsabilidade de pagamento do finan-
ciamento será do vencedor da licitação para execução da PPP e não da gestão pú-
blica do Estado de Santa Catariana. Esses recursos não são destinados para a cons-
trução do empreendimento, mas para financiar o desenvolvimento de todo o projeto.
Para que esse segundo nível da colaboração acontecesse, foi assinado um convênio
do Estado de Santa Catarina com o BID.
66
viços público de forma completa à população. Uma série de iniciativas concorrem
pelos recursos, e muitas vezes, a urgência e priorização de algumas delas, leva ao
poder público priorizar uma necessidade e deixar outras em segundo plano. No
caso estudado, a identificação pelo Ministério da Saúde de que os recursos dispo-
níveis fariam com que o projeto, quando realizado exclusivamente pela secretaria
levaria mais de 10 anos para ser concluído, mostra bem a situação de contexto que
o Estado se encontra.
67
aparelho que será objeto da PPP e não apenas a gestão de aparelhos já existentes.
Além disso, a busca de financiamento já para o desenvolvimento do projeto é uma
novidade para o estado de Santa Catarina. Ao se observar questões mais relacio-
nadas às falhas anteriores, vê-se a própria experiência do Estado em desenvolver
projetos similares de forma isolada no passado. Essa experiência mostra como um
processo desse é dificultoso e pode impor uma série de problemas que podem levar
a uma falha em atingir o objetivo proposto, atrasando o processo, ou mesmo paran-
do-o no meio e produzindo um grande desperdício de recursos públicos já escassos.
68
Já em relação ao nível prévio de confiança entre os parceiros, ele era considerável,
pois quando a Secretaria da Saúde identificou o problema, ela procurou a Secretaria
da Fazenda para o desenvolvimento de alternativas para a solução. Esse nível de
confiança prévio estava ancorado tanto na existência de um programa estabelecido
de busca de parcerias dentro do governo, como na percepção de que sem essa
parceria a solução poderia demorar tanto que seria praticamente inviável. A entrada
do BID como o financiador do projeto mostrou como a ideia inicial tinha aderência
com a realidade e que uma solução via PPP era possível. Isso amplificou a confiança
entre os parceiros anteriores e trouxe maior confiança ao BID no momento de tomar
a decisão de financiar o projeto.
69
mento também foi muito importante como consequência da escolha da colabora-
ção, pois era possível a incorporação de novos parceiros com grande expertise em
desenvolvimento de projetos como uma PPP.
70
Um último direcionador que tem um impacto muito grande em toda a colaboração,
não apenas como direcionador, mas em todos os aspectos dentro da colaboração
é o papel da liderança. A liderança quando olhada pelo aspecto formal pode ser um
fator facilitador do processo ou mesmo dificultador quando não se conscientiza da
necessidade de compartilhar o poder. Uma liderança centralizadora pode ser uma
grande barreira ao início de uma colaboração como também pode ser um fator de
quebra de confiança e de deslegitimação das decisões tomadas. Em movimento
diametralmente contrário, quando uma liderança formal compartilha do seu poder
de decisão com os demais parceiros, ela forma uma rede de tomada de decisão em
consenso que garante o surgimento de lideranças pontuais conforme as necessi-
dades impulsionadas por fatores como expertise e afinidade com uma determinada
tarefa ou decisão a ser tomada. Isso tudo gera uma liderança coletiva em alguns
momentos, ou pontual em outros momentos, amplificando as possibilidades do sur-
gimento de lideranças e agindo em favor do incremento da confiança e da legitimi-
dade de todo o processo.
Já em relação à liderança das tarefas, essas são mais livres, ficando a cargo dos par-
ceiros que dominam melhor cada tipo de atividade a ser desenvolvida. Ainda assim,
a consultoria contratada pelo BID como PMO do projeto faz uma coordenação de
todos os prazos e demais obrigações de cada parceiro contratado pelo projeto, dire-
cionando as ações para a conclusão dentro dos prazos previstos em todas as etapas.
Isso ajuda na construção de lideranças pontuais, mas garante um alinhamento geral
do projeto e cumprimento dos prazos acordados.
71
Elementos da dinâmica colaborativa
O fato de as decisões acontecerem e o processo caminhar, mostra que os parceiros
conseguiram criar um processo de aproximação, discussão, deliberação e determi-
nação eficientes. Tudo isso gera uma confiança entre os parceiros que garante a le-
gitimidade das decisões tomadas, apontando para um objetivo em comum, que é a
ampliação da política pública de atendimento à saúde dos cidadãos por meio de um
hospital novo e de qualidade.
72
em projetos com valor para além do financeiro, com valor público e social inestimá-
vel. Todas estas soluções produzem um alinhamento das motivações que levam os
parceiros a se comprometerem como se o projeto fosse seu, e não de um outro que
os contratou. Assim, a confiança mútua leva a uma Legitimidade interna ampliada
que age como uma cola que une os parceiros, assim como um lubrificante, que torna
todo o processo muito mais orgânico e com menos atritos, mais azeitado.
O Comitê Executivo envolve a alta direção de todos os parceiros que compõe a co-
laboração. Isso implica dizer que os secretários de governo que estão diretamente
envolvidos nesses comitês participam de todas as decisões, aportando um grande
patrocínio e gerando confiança e legitimidade em todo o processo. Como essas de-
cisões já foram instruídas com as questões técnicas, quando uma decisão é tomada
por consenso no Comitê Executivo, os processos anteriores garantem que ela será
a melhor politicamente e tecnicamente para o projeto. Decisões de qual o tamanho
que o hospital vai ter, se terá 900 leitos ou apenas 600 leitos são previamente es-
tudadas e verificadas pelo Comitê Técnico antes de serem submetidas ao Comitê
executivo.
73
engajamento por princípios e de motivação compartilhada, maior a capacidade de
adaptação dos parceiros para trabalharem em conjunto.
74
aproximando o projeto dos cidadãos que serão os beneficiários da política pública
que se está desenvolvendo.
75
Um ponto essencial nesse processo foi a forma como a estratégia da colaboração
do projeto foi se desenvolvendo é muito importante, pois ela não existe previamente,
apenar existe a previsão de um rito legal que o projeto precisa seguir. A estratégia é
um processo que vai se desenrolando conforme a colaboração vai acontecendo. Um
exemplo disso foi a estratégia de se buscar um Banco de Fomento que financiasse
o desenvolvimento do projeto da PPP. Se a colaboração não tivesse encontrado um
banco disposto a realizar o financiamento, a estratégia teria de ser modificada, adap-
tada, buscando outras alternativas para a questão financeira do projeto.
Resultados
Continuando sobre o olhar dos resultados que a parceria está alcançando, pode-se
indicar a própria licitação da PPP como um resultado tangível. Esse resultado produz
76
uma nova parceria que pode perdurar por mais de 30 anos, principalmente por estar
ligada à execução de uma política de estado e não de governo, o que acontece fre-
quentemente na área da saúde.
Esse caso mostra como a formação de parcerias pode ser usada para a construção
de projetos de PPP e como essas parcerias podem solucionar problemas públicos
importantes em nossa sociedade. O potencial da Governança Colaborativa para a
solução de projetos de PPP é muito grande e garante um resultado muito superior as
iniciativas individuais do setor público na busca por soluções para os mesmos tipos
de problemas. Só essa vantagem já mostra como a GOVERNANÇA COLABORATIVA
pode ser uma abordagem mais completa para endereçar problemas públicos com-
plexos, gerando um valor público muito superior, mais eficaz e mais efetivo.
77
Política Social de
Segurança
Pública em
Minas Gerais
O problema e os desafios
colaborativos
Uma característica dos programas ligados a questões
sociais da segurança pública é que eles são programas
perenes, já que o problema da criminalidade em nossa
sociedade não tem uma perspectiva de fim. Cada um
desses programas forma uma rede de proteção social
e reintegração de pessoas que, de alguma forma, se
envolveram com a criminalidade e estão cumprindo ou
já cumpriram as suas penas.
78
pública, apenas para acomodação de apadrinhados políticos; entre muitas outras
barreiras de ordem gerencial e técnica que podem tornar o processo ineficiente.
79
Os programas Fica Vivo e o Programa de Reintegração de Egressos do Sistema Pri-
sional já existiam mesmo antes do Instituto ELO ser formado no âmbito da antiga
SESP – Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais. O IELO é o par-
ceiro da sociedade civil que gere as políticas sociais de segurança via Contrato de
Gestão. A própria história de criação do Instituto ELO está diretamente ligada a essas
políticas voltadas para a promoção da justiça.
Um pouco antes dos anos de 2004 e 2005, quando o Instituto ELO foi criado, a pro-
fessora Dr. Miracy Gustin da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, desenvolveu com seus orientandos uma metodologia de resolução
de conflitos por meios extrajudiciais. A metodologia foi testada em dois polos que a
Universidade mantinha em cidades mineiras e que se mostraram com bons resulta-
dos na solução de conflitos entre litigantes. Esses polos de atendimento e resolução
de conflitos foram chamados de Polos de Cidadania.
O Secretário à época da antiga SESP, órgão responsável pela gestão da política pú-
blica de segurança, que também era professor na UFMG, convidou a professora Dra.
Muricy, líder do Polos de Cidadania que aplicava o programa de mediação de confli-
tos desenvolvido na UFMG, para ceder a sua metodologia ao estado de Minas Gerais
para que incorporasse aos programas já existentes no estado ligados à segurança
pública na promoção da cidadania.
Com o convite, quatro integrantes do Programa Polos resolveram criar uma OSCIP.
Após a sua criação, os responsáveis procuraram o Estado para assumirem a incum-
bência de aplicarem a metodologia por meio de uma parceria. Como na época, a
escolha de quem executaria a política pública era discricionária, a OSCIP criada as-
sumiu tanto a metodologia de solução de conflitos extrajudicial como as demais po-
líticas sociais de segurança já existentes no Estado de Minas Gerais. Essas políticas
eram o programa Fica Vivo e a Reintegração de Egressos do Sistema Prisional. Com
essa atitude, o IELO assumiu a integralidade da execução das políticas desenvol-
vidas pelo estado voltadas para as questões sociais ligadas às pessoas envolvidas
com a criminalidade, além de seu escopo de ação inicial de criação.
80
A primeira fase da parceria entre a IELO e o Estado de Minas Gerais durou desde
a assinatura do primeiro Contrato de Gestão em 2005 até 2016, quando um novo
certame foi realizado e uma outra OS ganhou a concorrência. Essa OS assumiu a
execução dos contratos, mas em meados de 2017 um novo certame foi realizado, em
que a OS IELO ganhou a concorrência. Em novembro de 2017, o Instituto ELO assume
novamente de forma definitiva a cogestão da política social de prevenção à crimina-
lidade via assinatura de um novo Termo de Parceria. A assinatura deu continuidade
ao trabalho já realizado de forma provisória desde o encerramento da “OS” anterior
antes do prazo final do contrato.
Os projetos que fazem parte do Contrato de Gestão assinado com o IELO são o Fica
Vivo, o Projeto de Mediação de Conflito, o Programa de Inclusão Social dos Egressos
do Sistema Prisional, e o Acompanhamento de Penas e Medidas alternativas. Cada
um desses programas tem uma característica particular, mas todos formam uma
rede de proteção a sociedade e ao cidadão mais carente que se envolve na crimina-
lidade e deseja sair dessa condição.
81
programa procura dar alternativas a esses jovens quando voltam para suas casas.
Essas ações acontecem em unidades próximas de suas residências de origem, am-
plificando o impacto que causam nesses jovens e em suas famílias e comunidades.
82
Dentro desse Contrato de Gestão, no ano de 2020 foi incluído o programa “Se Liga”,
que trata do egresso do sistema socioeducativo. Assim, os jovens que cumprem pena
em sistema socioeducativo de restrição de liberdade, quando saem, são acolhidos
pelo Instituto ELO em seu programa de reinserção em suas famílias e comunidades.
Essa iniciativa busca propor uma alternativa de vida aos jovens durante a internação
e quando saem também, acompanhando e promovendo atividades como cursos e
outras formas de sobrevivência para esses jovens não voltem a criminalidade. Esse
é um programa paralelo ao de reinserção dos egressos do sistema prisional, só que
para jovens.
Inicialmente a legislação permitia que a escolha dos parceiros do terceiro setor que
iriam executar a política pública poderiam ser escolhidos de forma discricionária pelo
secretário ligado a pasta responsável pela parceria. Com o avanço das legislações
ligadas ao tema, essa escolha passou a ser realizada via licitação pública, em que
qualquer organização que se qualificasse previamente como OSCIPs para os Con-
83
tratos de Parceria e OSs para os Contratos de Gestão poderia participar, ganhando a
que oferecesse maiores vantagens ao poder público conforme predeterminado no
edital do certame.
84
A dinâmica política também foi um elemento importante para que a colaboração se
iniciasse e perdurasse no tempo. Como existia um viés político de formação de par-
cerias da gestão pública com iniciativas da sociedade civil e do setor privado desde
o choque de gestão iniciado em anos anteriores, a possibilidade de se desenvolver
uma parceria que levasse a melhoria da gestão das políticas públicas sociais volta-
das para o setor de justiça do estado foi amplamente apoiada politicamente, geran-
do as condições para que todo o demais se desenvolvesse de forma mais orgânica
e menos ruidosa.
Com a criação do Arcabouço Legal, o apoio político pode diminuir de intensidade, isso
porque as políticas públicas cogeridas pelo Contrato de Gestão passaram a ser consi-
deradas de estado e não de governo, tornando-se questões tratadas de forma muito
mais perene. Esse tipo de política acaba ganhando uma legitimidade que inibe os no-
vos governantes de descontinuarem os projetos. Assim, existe um desincentivo a mu-
danças pelo histórico de sucesso que os programas acabam alcançando com o tem-
po, reduzindo o incentivo a novas propostas, ou mudanças mais abruptas de direção.
Para a retomada da parceria, após a perda da licitação pelo Instituto ELO em 2016,
a experiência positiva anterior também foi um fator chave. Quando o novo parceiro
não conseguiu cumprir com o Contrato de Gestão, o Instituto ELO foi chamado para
assumir de forma provisória as atividades para que elas não se encerrassem de for-
ma abrupta. Esse relacionamento e experiência positiva anterior levaram a criação
de uma nova parceria que acabou continuando após o novo certame com o IELO
sagrando-se vencedor no certame.
85
Quando o Estado se viu com dificuldade de continuar a gerir as unidades socioedu-
cativas, procurou também o instituto para fazer a gestão provisória até que uma lici-
tação fosse desenvolvida e o processo concluído. Quando não apareceram concor-
rentes para a licitação publicada, ou seja, a licitação foi deserta, o Estado se socorreu
novamente do Instituto ELO, por meio de um convite para que o instituto assumisse
o lote de unidades, mostrando que a parceria existente estava gerando bons frutos
e que um processo de construção de confiança e legitimidade nos trabalhos desen-
volvidos dentro da parceria estava maduro.
Por fim, outro elemento importante foi o baixo nível de conflito existente antes e após
o início da Colaboração. Mesmo com o passar do tempo, a colaboração está pujante
e entregando os serviços que se propõe, além de ainda estar em um processo de
crescimento. Isso mostra que uma colaboração pode ser uma grande solução para
ambientes em que os conflitos são baixos também, pois reduz ainda mais a possi-
bilidade de que esses conflitos possam de desenvolver e gerar um desgaste que
impossibilite a colaboração no longo prazo.
86
na prática, contudo seu alcance era bem restrito, sendo aplicada em apenas dos po-
los que a UFMG mantinha. Com a formação da parceria foi possível à amplificação da
iniciativa por meio do compartilhamento de recursos que o Estado possui, além de
um ganho de sinergia e de economia de escala por utilizar instalações que o Estado
já possuía em diversas localidades.
As incertezas quanto aos resultados e os riscos de que a política aplicada não surta o
efeito esperado, fazem com que a busca por parceiros da sociedade civil seja uma al-
ternativa altamente compensadora. Isso porque, essas organizações desenvolvem uma
expertise muito grande em tratar de assuntos sensíveis como esse, além de garantir
maior proximidade e maior pessoalidade no atendimento. Eles acabam tendo acesso a
outras organizações e a própria sociedade com maior facilidade que o Estado, pois não
precisam seguir princípios da gestão pública como a impessoalidade no atendimento.
87
cesso não teria se iniciado. Foi a iniciativa que partiu dessa liderança que direcionou
o processo para a colaboração entre os parceiros. Outra liderança essencial foi o da
Profa. Dra. Miracy, pois ela, como a detentora dos direitos intelectuais da metodolo-
gia de resolução de conflitos extrajudicialmente, não tivesse cedido ao estado seu
direito, a colaboração nem teria se iniciado. Outro ponto importante foi a construção
de uma linha de parceria em que o poder público realizava o acompanhamento e a
fiscalização da execução e a OS executava a política pública por completo, se res-
ponsabilizando por todos os aspectos ligados à sua execução. Essa liderança com-
partilhada, mas bastante clara de qual o papel de cada parceiro possibilitou um de-
senvolvimento de uma parceria que já dura quase 20 anos, mesmo descontando os
quase dois anos que ela deixou de existir pela perda da concorrência pelo Instituto
ELO em 2016.
A forma como a colaboração foi organizada, com uma cogestão por meio de um
Contrato de Gestão também leva o parceiro do terceiro setor a se engajar por princí-
pios, já que todo o processo de tomada de decisão é compartilhado com o parceiro.
Esse arranjo do processo decisório amplia a confiança dentro da colaboração, ge-
rando uma legitimidade muito grande nas decisões e ações implementadas.
88
a política pública. Nesse ponto, o primeiro elemento que se destaca é o Comparti-
lhamento de Poder por parte do poder público via patrocínio do secretário do SESP
à época. Sem esse patrocínio, nem mesmo o IELO existiria. Foi o olhar do secretário
que identificou a possibilidade de um compartilhamento de conhecimento por par-
te da professora da UFMG, que detinha a metodologia de solução de conflitos, e o
poder público, que detinha os recursos financeiros e de estrutura para amplificar o
impacto da aplicação da metodologia. Sem essa série de compartilhamentos de am-
bos os parceiros, a iniciativa não teria as condições mínimas de gerar ganhos para os
parceiros e para a sociedade. Assim, ao compartilhar o poder e fornecer o patrocínio
para a iniciativa, o secretário criou a confiança necessária para que o grupo da UFMG
se juntasse e formasse uma OSCIP, modalidade necessária a época para firmar o
contrato de gestão com o poder público.
89
cia e reassumiu a parceria de forma não provisória em 2018. Além dessas evidências,
a ampliação do contrato de gestão com a inclusão do novo programa “Se Liga” que
trata da reinserção de egressos do sistema socioeducativo mostrou como a con-
fiança na parceria foi amplificado e como a capacidade de trabalharem em conjunto
impulsionou novas iniciativas e parcerias. Ao firmar um novo contrato de Gestão com
o poder público de Minas Gerais para gerir 12 unidades do sistema socioeducativo
para menores infratores, a parceria mostrou que tanto a capacidade de trabalharem
em conjunto, como a confiança construída renderam frutos para criação de novas
parcerias.
5
Disponível em: http://institutoelo.org.br/site/. Acessado em 05/08/2022
90
resistências a adesão por parte do egresso. Em relação a aplicação da metodologia
de resolução de conflitos, existe o mesmo tipo de ganho de percepção quando ela
é aplicada por uma OS do que quando aplicada diretamente pelo Estado. Primeiro o
empenho dos diversos profissionais é nitidamente maior em média que o empenho
de servidores de carreira, segundo existe uma percepção de que o interesse das
pessoas que estão ali atendendo seja muito maior. Isso provoca maior abertura para
um entendimento entre as partes, que veem essas pessoas como árbitros neutros,
que não terão nenhuma vantagem na decisão tomada. Essa percepção de neutrali-
dade gera confiança e legitimidade nas soluções propostas e acordadas. As partes
veem essa ação com confiança de que a justiça está sendo realizada.
91
A adaptação também foi um elemento muito importante, pois diversas mudanças de
contexto, como do arcabouço legal, forçaram a parceria ir sendo adaptada. Questões
também ligadas ao abandono do contrato por outro parceiro forçaram a parceria
buscar caminhos para solucionar as intercorrências. A questão de novos escopos de
ação abriu portas para a ampliação do Contrato de Gestão, mas também para adap-
tações e ganhos de escala na aplicação das diversas iniciativas.
92
No processo de verificação dos indicadores, existe todo uma preocupação com a
transparência. Para isso, todos os contratos e auditorias são publicadas em site da
Seplag que trata desses contratos, além de um processo de publicização constan-
te dos resultados alcançados pela parceria. Esses indicadores também apontam
para o planejamento estratégico da colaboração, indicando quais os objetivos es-
tratégicos e táticos que o IELO precisa perseguir para solucionar o problema públi-
co por meio da criação de valor público. Essa estratégia é revisada regularmente
no momento das renovações do Contrato de Gestão, e em momentos em que se
mostre necessário para que os objetivos não se percam por mudanças de contex-
to, por exemplo.
Resultados
Por fim, vale ressaltar que o resultado identificado é muito positivo em todos os três
níveis de observação possível, o tangível, o intangível e o de logo prazo, já abordado
anteriormente. Quanto ao resultado tangível, indicadores de reincidência de egres-
sos do sistema prisional que são atendidos pelos programas é muito menor que os
que não são atendidos pela política pública. Em relação a iniciativa de resolução de
conflitos extrajudicial, os resultados são ainda maiores, pois existe uma economia
enorme de recursos públicos com o desafogamento do sistema judicial do esta-
do. Quando uma solução de um conflito é encontrada extrajudicialmente, além do
tempo economizado, os custos do processo são muito inferiores, pois uma máquina
pública muito menor é acionada para gerar a solução.
O segundo nível de resultados é o quanto uma política como essa impacta na vida
de familiares e da sociedade. Quando um egresso deixa de delinquir novamente, a
sociedade ganha com mais segurança e a família com menos uma preocupação.
Para o egresso, ao vencer os preconceitos e ser reinserido na sociedade, o ganho de
auto estima é inestimável. A pessoa passa a ser um cidadão, com direitos e deveres,
podendo se orgulhar de sua posição e de sua situação como alguém que venceu a
criminalidade e se tornou um cidadão de bem.
93
O terceiro nível de resultados aparece quando novas iniciativas são produzidas de-
vido a percepção de que a iniciativa anterior está entregando os resultados es-
perados com melhor qualidade que se o próprio Estado isoladamente estivesse
realizando. No caso do IELO, a parceria está dando resultados tão positivos que o
Estado buscou o instituto para novas parcerias quando a licitação para a gestão
das casas socioeducativas para menores infratores foi deserta. Essa procura indica
a confiança que o Estado tem na capacidade do IELO de desenvolver uma boa par-
ceria e entregar os resultados esperado. Esse é uma externalidade positiva muito
importante em uma parceria.
94
Parceria
Público-Privado
para o
Atendimento
ao Cidadão
no Estado de
Minas Gerais
O problema e os desafios
colaborativos
O desafio público que motivou esta experiência cola-
borativa era como atender o cidadão de forma eficien-
te, eficaz e efetiva. Para realizar esse atendimento era
necessário que os serviços estivessem disponibiliza-
dos de uma forma que otimizasse o atendimento e que
produzisse satisfação nesse cidadão. Mas isso não é o
que acontecia, os serviços estavam todos espalhados
pelas secretarias, em muitos casos, em que a solução
do problema passava por mais de uma secretaria, o ci-
dadão precisava ir em uma verdadeira “via crucis” de
secretaria em secretaria, realizando as etapas do ser-
viço, até ter o seu problema solucionado. Em muitos
casos, se o cidadão recebesse ou entendesse alguma
95
informação incorretamente, ele precisa voltar à secretaria anterior, ou mesmo reco-
meçar o processo em casos de erros não passíveis de correção, entre outros muitos
problemas existentes. Tudo isso causava um desgaste muito grande nos cidadãos
que precisassem de algum serviço público.
Outro problema muito sério era o desperdício de recursos que acabava acontecen-
do, tanto do poder público, como do cidadão que precisava peregrinar, às vezes, dias
para solucionar um problema simples. Além disso, existia o problema de má gestão
das localidades de atendimento, desperdício de recursos em papelada desneces-
sária, insulamento dos servidores que atendiam mal o cidadão, entre muitos outros
problemas clássicos dos desvios da burocracia. Contudo, fazer diretamente uma pri-
vatização dos serviços não era viável, pois como não existe concorrência para esses
serviços, que são fornecidos apenas pelo poder público, e que na maioria das vezes
são serviços gratuitos, não teriam empresas interessadas em prestar esse serviço,
ou ele não alcançaria a excelência necessária para satisfazer o cidadão. Além disso,
boa parte dos serviços estão diretamente ligados ao executivo, como por exemplo
a solução de questões ligadas a impostos, emissão de documentos entre outros
serviços que fazem parte da gestão pública direta, inviabilizando a prestação por um
ente privado.
Todo esse problema enfrentado era agravado por questões de localização das se-
cretarias que ficam todas em Belo Horizonte, e que para atenderem em outras lo-
calidades precisavam instalar postos próprios nessas localidades. A necessidade de
postos avançados de atendimento ampliava os custos de atendimento, pois cada
96
uma das secretarias teria de abrir os seus próprios postos de atendimento em diver-
sas localidades pelo estado. Esse problema se somava aos problemas de logística
que se seguiam a abertura de postos avançados. Ainda tinha a questão de contrata-
ção de pessoal, manutenção dos postos, que precisavam sempre de processos de
licitação para sua contratação e todos os custos inerentes a uma logística como essa.
97
Dentro dessa mesma iniciativa, como o governo do estado não tinha mais recursos
para abrir e manter novas unidades, foi criado o programa UAI Compartilha. Nesse
programa os municípios formam uma parceria com o Estado, que entra com a exper-
tise e todo o sistema de gestão das unidades, e os municípios parceiros entram com
a infraestrutura e os recursos para implantarem e manterem as PPPs. No modelo de
UAI Compartilha já existe uma unidade que foi inaugurada em dezembro de 2021,
três unidades contratadas para serem inauguradas no ano de 2022 e mais 15 unida-
des com convênios já pactuados com municípios mineiros.
Esse é o caso da última licitação realizada, da UAI da Praça Sete, nela o governo de
Minas Gerais passa a oferecer todos os serviços de atendimento ao cidadão bem no
centro de Belo Horizonte, bem em frente à praça do pirulito, local central na Cidade
e de fácil acesso a todos os cidadãos. As projeções são de um grande volume de
cidadãos diariamente buscando essa localidade para a solução de seus problemas.
A vantagem de se ter todos os serviços no mesmo lugar é que a conversa entre se-
cretarias se torna muito mais fácil, e o cidadão não precisa ficar indo a vários locais
caso precise solucionar mais de um problema com o governo de estado, ou precise
solucionar problemas que envolvam mais de uma secretaria.
Essa iniciativa mostra como modelos diferentes da burocracia podem funcionar, in-
clusive sem acabar com a burocracia, mas adequando-a a novas realidades. A in-
98
clusão de parceiros privados também é um importante aporte da colaboração, pois
ajuda a vencer algumas barreiras que de outra forma seriam impossíveis de serem
solucionadas sem abrir mão dos princípios norteadores da gestão pública. Assim, ao
adotar a forma de PPP para as UAIs o Governo de Estado de Minas Gerais aproveitou
a alternativa existente para solucionar o problema público e criar valor público para
o cidadão.
A primeira análise deve ser dos elementos que deram o pontapé inicial nas PSIU,
hoje chamadas de UAIs. O contexto pré-iniciativa era de um oferecimento dos servi-
ços hoje agrupados na UAI de forma granular por todos as secretarias do Governo de
Estado de Minas Gerais. Nesse contexto a assimetria de informações entre os futu-
ros parceiros era um problema bastante evidente, tendo em conta a forma como os
serviços que dependiam de mais de uma secretaria eram realizados. Eles acabavam
sendo executados sem se pensar nas próximas etapas que o cidadão necessita-
va realizar, desperdiçando seu tempo e recursos em exigências inúteis e papeladas
desnecessárias em muitos dos casos observados. Dificilmente havia uma coordena-
ção entre os órgãos para alinhar seus serviços e produzir uma economia de tempo e
recursos para os cidadãos e para o poder público. O isolamento das secretarias e de
seus órgãos produzia uma disfunção nos serviços prestados que poderia inviabilizar
a sua prestação, ou dificultar de tal forma que o cidadão se sentia insatisfeito sempre
que precisava utilizar esses serviços.
99
Um exemplo claro desse problema era a emissão de carteira de motorista, ou um
documento de registro e licenciamento de um carro. O serviço era tão complexo e
burocrático, aqui a palavra representando as disfunções da burocracia, que era ne-
cessário despachantes especializados para realizá-los. Essa disfunção do serviço,
além de gerar custos desnecessários aos cidadãos, abria porta para todo tipo de cor-
rupção, criavam-se dificuldades para se vender facilidades. Assim, a assimetria de
informações produzia uma série de disfunções que ao final poderiam ser facilmente
solucionadas com uma iniciativa de colaboração.
100
Um ponto muito positivo do contexto nesse momento inicial foi a existência de uma
Dinâmica Política muito positiva a inovações e a experimentação de novos modelos
que pudessem solucionar os problemas encontrados. A Dinâmica Política é um fator
que pode ajudar ou mesmo atrapalhar uma iniciativa ao ponto de inviabilizá-la. No
caso do UAI, a dinâmica política da época de seu início foi um forte indutor desse
processo, não sendo apenas um elemento menor do contexto, mas um elemento
que agiu a favor da adoção do modelo e que possibilitou as inovações adotadas,
sendo um patrocinador do processo e compartilhando o poder necessário para seu
início e sustentação ao longo do tempo.
Por fim, dois pontos são muito importantes dentro do contexto prévio da UAI. Um de-
les é a Transparência (Accoutability) e o outro é a Construção de Capacidade. Esses
dois elementos passaram a fazer parte do vocabulário mais recente da gestão públi-
ca brasileira. O Accoutability ganhou muita força por volta dos anos 2000, chegando
a ser aprovada a Lei de Reponsabilidade Fiscal no governo Federal, Lei Complemen-
tar 101/20006. A transparência foi um dos elementos do contexto que teve grande
impacto no início da PSIU que depois se transformou em UAI, pois um modelo em
que todos cooperam em um único local possibilita maior controle por parte do ci-
dadão, via sociedade civil organizada, dos serviços prestados e da qualidade desses
serviços. A inclusão de indicadores de qualidade nas licitações para a valoração dos
6
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm, acessado em 14/09/2022
101
serviços realizados pelo prestador privado também mostra como a qualidade e a
transparência do processo passaram a ser centrais na colaboração.
Uma segunda análise dos elementos que compõem o contexto deve ser realizada
considerando sua dinâmica por todo o tempo de existência da colaboração, das UAIs,
partindo da questão da assimetria de informações. Um olhar sobre a dinâmica desse
elemento do contexto mostra que com o início das UAIs, a assimetria de informações
entre os parceiros foi reduzida drasticamente. Contudo, mesmo com essa redução
por operarem em um mesmo lugar, novos problemas surgiram como o comparti-
lhamento de informações entre os parceiros para que o processo conseguisse se
desenvolver e continuar a ganhar com a iniciativa e com a proximidade existente nas
UAIs das diversas secretarias e dos órgãos participantes. Nesse caso, uma gestão
do conhecimento insipiente ainda aparecia como problema por um longo espaço de
tempo, ao ponto de na troca de licitantes, existir uma grande perda de informações.
Mesmo com essa postura, um parceiro externo não quis se adequar à colaboração
e optou por oferecer o seu serviço de forma independente e em outra localidade.
Mesmo a Seplag assumindo todos os custos, esse parceiro optou por procurar patro-
cínios fora da colaboração para oferecer seus serviços aos cidadãos. Isso mostra que
mesmo com uma construção e compartilhamento dos Recursos por parte da Seplag
sem onerar os parceiros, que tem apenas os ganhos de escala e de poder investir
os seus recursos orçamentários em sua função finalística, alguns parceiros preferem
102
ter a sua independência e não se adequarem aos processos e a parceria. Eles veem
a colaboração uma forma de controle sobre o fornecimento dos seus serviços e não
aceitam se adequar aos procedimentos e compartilhamentos de poder necessários
para fazerem parte das UAIs.
Uma questão de contexto que não existia no início do processo e que se desenvol-
ver conforme o processo ia ganhando volume foi a falta de recursos para implantar
novas UAIs pelo Estado. Essa falta de recursos é fruto exatamente do sucesso que a
parceria tem atingido, pois como o sucesso é muito grande, a quantidade de atendi-
103
mentos tem aumentado cada vez mais, consumindo todos os recursos que o estado
tem para aplicar nessa iniciativa.
Por fim, o nível de confiança entre os parceiros tem aumentado com o passar do
tempo, o que mostra como um relacionamento mais logo e próximo pode ser utiliza-
do como uma forma de conhecer cada parceiro e usar isso para azeitar as relações
(Bryson et al., 2006). Nas UAIs, os relacionamentos mais próximos dos parceiros têm
amplificado a confiança e gerado um ambiente muito mais propicio a inovação e a
construção de Conectividade e Network. Essa proximidade tem gerado frutos inte-
ressantes para a população, modificando o próprio contexto da colaboração e pro-
duzindo maior legitimidade ao modelo, amplificando seu impacto.
Partindo para um olhar mais voltado para os direcionadores que modelam a forma
como a Colaboração será concebida, pode-se ver que os Incentivos Consequenciais
estavam presentes desde antes do início da colaboração. Esses incentivos podiam
ser observados desde o começo, pois uma parceria nitidamente traria ganhos para
os parceiros. Os ganhos advinham da economia de escala em locações e pessoal,
redução das redundâncias na prestação de serviços e diminuição na possibilidade de
um parceiro destruir o trabalho realizado pelo outro parceiro. Outro tipo de ganho era o
compartilhamento de informações e de processos, gerando uma sinergia maior entre
as secretarias e alinhando as iniciativas de toda a gestão do Estado de Minas Gerais.
104
As restrições e incentivos a colaboração acabam funcionando como um modela-
dor desse processo, pois garante que a colaboração irá considerá-los ao propor os
seus objetivos e as ações para alcançá-los. Sem a consideração de questões políti-
cas e demais questões do contexto que agem como incentivadores e restritores do
processo, as chances de falha aumentam muito. Tudo isso torna o processo muito
sensível ao contexto, precisando ser cuidado continuamente para que permaneça
vigoroso no longo prazo. A contribuição de cada parceiro para a colaboração, ajuda
em seu desenvolvimento e no crescimento dos ganhos compartilhados por todos,
mesmo em processos que dependam de barganha para a distribuição dos ganhos
construídos em conjunto.
Por fim, a questão da liderança é essencial para que um processo como esse acon-
teça. Sem uma liderança compartilhada e com a integração de todos os parceiros no
processo de decisão de assuntos que os afetam, existe uma grande chance de se
perder todo o esforço desprendido. Nas UAIs a liderança acontece de forma com-
partilhada, mas com o protagonismo da Seplag. Ela funciona como uma NAO – Net-
work Administrative Organization (Provan & Kenis, 2008; Purdy, 2012), realizando uma
liderança dentro do processo por ser o órgão do governo que faz todo o relaciona-
mento com o parceiro privado e que tem a responsabilidade de cobrar do parceiro
os indicadores de qualidade e de fiscalizar os serviços prestados. Nesse caso, por ser
inclusive o órgão que paga todos os custos da parceria, sendo os demais parceiros
públicos não onerados por esses serviços, existe uma confiança e legitimidade que
acaba se desenvolvendo de forma natural.
Um outro processo que produz uma solução interessante é a forma como as ca-
deias de valor são mapeadas e ajudam na produção de inovações. A proximidade
dos diversos parceiros ajuda no desenvolvimento de novos métodos e processos
para a construção do atendimento dos cidadãos, da prestação dos serviços por
parte dos diversos órgãos que participam da parceria. Além dessa facilidade pela
proximidade, um processo de gestão do conhecimento está sendo implantado
para facilitar o compartilhamento de informações e para a criação de um repositó-
rio comum que ajude a todos terem acesso as informações e inovações produzidas
105
dentro da parceria. O Estado também disponibiliza para a parceria a ajuda do Labo-
ratório de Inovação, que participa da coleta de informações junto aos usuários e na
modelagem de novas iniciativas e na melhoria de iniciativas já existentes, gerando
inovações incrementais no processo, mas também disruptivas por meio de proces-
sos totalmente novos.
A liderança mais voltada para os processos pode ser exercida por qualquer parceiro
que tenha maior expertise para realizar aquela tarefa. Isso facilita o surgimento de
novas lideranças que podem amplificar, incrementar, os resultados obtidos pela co-
laboração. Nesse ponto, essas lideranças também ajudam na construção e adapta-
ções necessárias para que a colaboração continue pujante, construindo resultados
cada vez melhores. Achar uma liderança que tenha a expertise previamente a sua
entrada na parceria, ou mesmo na gestão pública ou privada, é algo muito difícil, por
isso, é interessante que essas lideranças sejam desenvolvidas entre os colabora-
dores que estão atuando no processo. Esse desenvolvimento é imprescindível para
que o processo tenha continuidade e evolua.
106
da gestão pública. Esse dispositivo, o marco legal das PPPs, garante um processo de
planejamento amplo e com a participação da sociedade civil desde o seu começo.
Outros exemplos também mostram essa vantagem de se adotar a PPP como mo-
delo para a parceria. Durante o processo de construção do instrumento licitatório
são definidos métricas e objetivos que devem ser alcançados, além de uma série
de dispositivos para processos de adaptação periódicos da própria licitação, abrindo
caminhos programados de adaptação para a colaboração. A licitação acaba por ser
um tipo de planejamento estratégico prévio da entrada do parceiro privado na co-
laboração, ajudando no acompanhamento posterior do alcance dos objetivos e dos
níveis de serviços prestados ao cidadão.
107
flitos de interesse e levar a colaboração a progredir. A legitimidade só acontece se
a confiança for tamanha que os parceiros conseguirem perceber nas ações dos ou-
tros parceiros o objetivo de melhorar o processo e de juntos atingirem o objetivo de
prestar um bom serviço ao cidadão. O comprometimento surge quando os parceiros
perceberem que a colaboração está realmente produzindo um ganho, incentivando
a sua permanência dentro do processo e garantindo que seu ganho na parceria será
sempre maior que procurar fornecer o serviço de forma individualizada.
A capacidade de trabalharem juntos não existia de antemão, ela foi sendo construí-
da ao longo do tempo, algo muito interessante na escolha da colaboração como
solução para o problema público abordado, e que gerou resultados excelentes no
longo prazo. Essa capacidade de trabalharem juntos é demonstrada quando inova-
ções de processos realizadas por um parceiro acabam sendo adotadas por outros
parceiros. Para que as inovações acontecessem e as vantagens da colaboração apa-
108
recessem, foi necessário desenvolver a capacidade de colaborarem, de trabalharem
juntos. Isso criou uma sinergia que acabou com redundâncias e com a sensação de
posse dos serviços por alguns órgãos. A capacidade de trabalharem em conjunto
solucionou um problema da burocracia que é a tendência ao insulamento por parte
dos estamentos burocráticos.
A Gestão Estratégica é exercida por meio do contrato firmado entre o poder público
e o parceiro privado. Esse instrumento funciona como um planejamento estratégi-
co mais formal, e que já prevê em seu corpo dispositivos de rearranjo dos acertos
realizados. As adaptações e replanejamentos acontecem a cada dois anos, em que
os parceiros sentam a mesa de negociação para planejarem os volumes de aten-
109
dimentos para os próximos dois anos, repactuando os valores do contrato para a
manutenção do equilíbrio financeiro do contrato. Ainda assim, em momentos em
que questões do contexto, como por exemplo, a pandemia de COVID-19, alteram
substancialmente o planejamento estratégico, adaptações às estratégias traçadas
são realizadas como uma forma de não inviabilizar a parceria, ou de gerar mais
prejuízos que vantagens caso a estratégia vigente seja aplicada.
Resultados
A implantação da colaboração das UAIs vem em um processo crescente de sucesso.
Esse sucesso pode ser representado pelos resultados de terceiro nível que ela vem
dando, com a construção de cada vez mais parcerias. Uma medida desse sucesso é
também o modelo ter ganhado um marco legal e estar sendo aplicado em diversos
outros tipos de serviços e localidades.
110
apenas um porteiro, um atendente para dar informações, um grupo de seguranças,
para cada localidade e não para cada órgão ou secretaria que precise prestar ser-
viços à população. Além dessa economia de recursos por parte do poder público,
temo a economia de tempo e recursos por parte do cidadão, que passa a ter dispo-
nibilizado todos os serviços na mesma localidade, podendo resolver tudo de uma só
vez, sem a necessidade de ir de órgão em órgão, de secretaria em secretaria para
solucionar um único problema.
111
O modelo de PPP pode ser uma grande estratégia para incorporar o privado na co-
laboração, transferindo a gestão da infraestrutura, como acontece nas UAIs, para
esse parceiro, que pode gerir com maior agilidade e sem as amarras que um sistema
burocrático tem para evitar desvios e corrupção. Essa vantagem garante agilidade e
maior eficiência no processo de adaptação a mudanças das estruturas, ampliando
a capacidade de absorção de demandas extemporâneas que as travas burocráticas
da gestão pública a impedem de absorver com a velocidade necessária.
112
Colaboração da
Sociedade Civil
para a Gestão
de Pessoas
no Rio Grande
do Sul
O problema e os desafios
colaborativos
A gestão de pessoas no setor público é um grande de-
safio atual, pautada por graves problemas estruturais
que limitam o desempenho de servidores e organiza-
ções. Dentre os principais destacam-se: excesso de
carreiras com baixa amplitude e acentuadas distorções
remuneratórias; seleção baseada apenas em conheci-
mentos; cargos comissionados sem critérios de entra-
da nem avaliação; estabilidade funcional generalizada
e praticamente incondicional; e progressão e promo-
ções sem critérios de avaliação efetivos e desatrelados
ao desempenho.
113
chimento dos cargos de alto escalão de pessoas por indicação política, que muitas
vezes, não possuem a expertise para desempenharem as funções relacionadas ao
cargo que ocupam. Essa falta de capacidade técnica e de capacidade de liderança
de muitos gestores reforça o problema de falta de motivação dos servidores, que
além de não verem uma possibilidade de ascensão de suas carreiras por mérito,
acabam sendo liderados por gestores totalmente despreparados.
A falta de uma gestão por competências também contribui para a sensação de que
a carreira de servidor é desvalorizada. Muitos servidores entram no serviço público
em carreiras que, com o avanço tecnológico, simplesmente desaparecem. Ainda as-
sim, esses servidores continuam a exercer funções que não mais são necessárias,
como por exemplo ascensorista em elevadores, ou motoristas em repartições que
não possuem mais veículos próprios, digitadores, foto copistas entre muitas outras
funções. As pessoas que ficam lotadas em funções sem relevância, também tende
a ficarem desanimadas e se acomodarem com o passar do tempo. Além do proble-
ma causado pela própria gestão ao não requalificar e realocar esses servidores, há
também as pessoas que desejam permanecer em seus lugares, não terem novos
desafios, ficarem ali até aposentarem.
A falta de uma gestão por competência causa mais alguns problemas, como a aloca-
ção de servidores em cargos que não têm aderência às capacidades e às expertises
desses servidores. Quando um servidor é contratado para uma função e acaba sen-
do alocado em função diversa, ele fica desmotivado e sentindo-se insatisfeito com
as tarefas desenvolvidas. A aderência das capacidades dos servidores e as compe-
tências exigidas pelas tarefas desempenhadas são um poderoso motivados, prin-
cipalmente quando associado a outros motivadores. Uma alocação mais racional e
baseada em competências pode trazer grandes ganhos para a gestão pública como
um todo. A melhor alocação das competências disponíveis pode amplificar o impac-
to de uma valorização dos servidores, pois eles se sentirão uteis ao cidadão, reali-
zando tarefas que estão dentro do escopo de suas competências e que realmente
tem valor público.
114
Uma questão muito importante observada em quem escolhe ser servidor público
é o espirito público, em que o servidor sente-se realizando uma tarefa que ao final
produz uma ajuda ao próximo. Não se trata de filantropia, pois todos dependem de
seus proventos para sobreviverem, mas muitos escolhem ganharem menores salá-
rios que na iniciativa privada por conta do componente social e de ajuda ao próximo
presenta no serviço público. Esse aspecto precisa ser bem aproveitado, e ele só será
se as pessoas com as competências corretas estiverem nos cargos corretos. Aspec-
tos como esse podem ser muito poderosos para produzir satisfação nos servidores e
engajá-los com suas tarefas.
Cada uma dessas questões impacta a forma como as soluções para melhorar a ges-
tão de pessoas é encarada, tanto pela população em geral, como pelos próprios
servidores e suas lideranças. A população tem uma sensação de que os servidores
públicos estão sempre atuando aquém do que poderiam, fornecendo um serviço
insuficiente e com baixa qualidade. Já os servidores têm uma sensação de que não
são valorizados e por isso não se sentem na obrigação de prestarem um serviço mais
intenso à população. Em meio a esse fogo cruzado, a liderança dentro da gestão
pública dispõe de poucos recursos para modificar esse cenário, principalmente por
estar muito limitada por legislações que moldam todo o processo.
115
de profissionalização da escolha dos gestores de segundo e terceiro escalão que
ocupariam alguns cargos mais estratégicos. Para realizar essa seleção foi criada uma
parceria com o VAMOS, uma entidade do 3º setor, sem fins lucrativos, que atuava fa-
zendo a seleção desses profissionais baseados nas competências necessárias para
o cargo que iriam ocupar.
Com esse processo de seleção, foi escolhido uma profissional para ocupar o cargo
de subsecretária do órgão central de Gestão de Pessoas. A profissional contratada
teria a missão de desenvolver uma série de projetos dentro do órgão central de Ges-
tão de Pessoas do estado do RS. Entre esses projetos, existia um que procurava valo-
rizar os servidores do executivo e das autarquias que compunham o governo do RS.
O projeto pretendia realizar uma mudança de cultura de gestão de pessoas e para
isso trouxe para a parceria o VAMOS, que tem como escopo principal de trabalho a
valorização das carreiras dos servidores, e por fim, os próprios servidores. Essa va-
lorização tem como objetivo final produzir maior satisfação dos servidores com seu
trabalho, e por consequência, uma melhora nos serviços prestados aos cidadãos, a
população em geral.
Esse projeto procurou atacar algumas dores encontradas pelos gestores públicos
de pessoas. Contudo, essas dores não estão concentradas apenas nos gestores pú-
blicos de RH, mas em todos os gestores públicos que de alguma forma lidam com
servidores. A falta de valorização dos servidores causa uma insatisfação com seus
locais de trabalho que resulta em falta de engajamento, prejudicando todo o serviço
público. Servidores com pouca vontade de ajudar os cidadãos tendem a serem um
problema para seus gestores, causando grandes transtornos e até mesmo prejuízos
para a gestão pública e em última instância para os cidadãos.
116
dade na gestão pública, no entanto, ela dificulta a gestão de pessoas por parte dos
gestores. A restrição que a estrita legalidade traz, reduz o campo de ação dos gesto-
res em realizar ações que produzam as condições para a satisfação dos servidores,
algo que normalmente é muito mais fácil no setor privado por ser mais flexível. Para
vencer uma barreira como essa, é necessário que todo um sistema de avalição seja
desenvolvido e que uma gestão por competência seja implantada e incorporada ao
arcabouço legal. Isso é importante pois no setor público a isonomia entre os servido-
res e a impessoalidade nas avaliações deve prevalecer sobre preferências pessoais
dos gestores que detêm o poder de escolha.
O dia a dia do planejamento acontece nas reuniões semanais, onde os parceiros discu-
tem e deliberam sobre as ações que deram certo, as que deram errado, como corrigir
os rumos da colaboração e se necessário, o que precisa ser modificado para as pró-
ximas ações. Essas reuniões funcionam como um fórum de construção da estratégia
que será utilizada para continuar a perseguição do objetivo final, do escopo que se
está abordando e dos resultados que se espera com as ações implementadas.
117
Os gestores públicos responsáveis colocam as ações discutidas em movimento, re-
unindo-se com os gestores dos demais órgãos da administração estadual e com os
gestores das autarquias para a identificação das necessidades e da customização
das soluções para cada um. Esse processo ajuda na aproximação dos parceiros e em
vencer as resistências que muitos têm as mudanças.
118
de valorização. Se as ações discricionárias dos gestores forem muito restringidas,
não será possível o desenvolvimento das ações que viabilizem a distinção entre os
servidores que merecem e os que não merecem as ações voltadas para a valoriza-
ção de suas ações. Um maior poder discricionário precisa ser alocado as posições
de liderança formal para que posam premiar os melhores, os que tenham melhores
desempenhos.
Todo o problema da valorização do servidor público para gerar satisfação e por con-
sequência melhores serviços a população é um desafio gigantesco que dificilmente
pode ser solucionado apenas com as ideias e atitudes da alta direção de um ente.
Esse tipo de problema, que no final é público, pois afeta toda a população de forma
indireta, e que é extremamente complexo, pois envolve muitos tipos de pessoas e
expectativas, não pode ser solucionado de forma Top-down, sem a participação da
sociedade civil organizada e do próprio cidadão.
119
Uma primeira questão relativa aos direcionadores está ligada aos incentivos que
levaram a formação da colaboração. Um desses incentivos foi o patrocínio do go-
vernador. Ele já conhecia o VAMOS e o trabalho que eles realizavam. Esse conheci-
mento pregresso foi um grande direcionador do processo, inclusive de seu início e
continuidade.
A questão das incertezas e riscos envolvidos também foram importantes para que
uma colaboração fosse escolhida como a melhor forma de solucionar o problema
existente (Emerson et al., 2012). Como o processo está eivado de incertezas, tanto
pelo lado da gestão pública que não possui a expertise para realizar a tarefa, como
por parte dos órgãos e autarquias parceiras e inclusive do parceiro da sociedade ci-
vil, que não tem o poder para implantar um projeto dessa magnitude e abrangência,
a colaboração foi o caminho natural escolhido para juntar todos estes parceiros e
mitigar os riscos existentes em ambos os lados por meio do compartilhamento de
recursos e de conhecimentos.
120
O OCGP como ator da colaboração deveria compartilhar a liderança com os demais
envolvidos a depender das necessidades e expertises de cada parceiro. Um ponto
importante na liderança é que as decisões são tomadas em consenso apenas em
temas mais comuns, como quando se está adaptando um instrumento a uma rea-
lidade em um órgão ou autarquia. Quando as decisões são mais estratégicas, elas
tendem a ficar mais na mão da direção do projeto, que procura manter um guia do
processo mais próximo a estratégia traçada. Contudo, a estratégia é traçada de for-
ma consensual e em um colegiado, cúpula, que vai construindo e remodelando a
estratégia conforme as necessidades vão aparecendo.
121
não há consenso, as decisões são escaladas ou são tomadas pelos gestores pú-
blicos que integram o processo. O parceiro da sociedade civil tem responsabilida-
des de consultoria nos projetos, não sendo de sua responsabilidade participar da
tomada de decisão.
122
to prévio com o Governador e que detinha a expertise já comprovada de atuação
em valorização de servidores e mudança de clima organizacional na gestão públi-
ca. A expertise do VAMOS levou a um patrocínio do projeto por parte do governa-
dor, mas também a um olhar mais condescendente dos servidores. A entrada da
sociedade civil no projeto, produziu a oxigenação necessária para introdução de
novas ideias e novos olhares sobre as funções e capacidades dos servidores, ge-
rando um ambiente muito mais propício a inovação pela troca de conhecimentos.
A participação da sociedade civil por meio do VAMOS também gerou um aprofun-
damento dos resultados, pois trouxe expertise técnica de consultores. Os consul-
tores, quando direcionados pelos gestores públicos e servidores, puderam realizar
um diagnóstico muito mais abrangente, além de propor soluções mais adequadas
aos problemas diagnosticados por conta exatamente da diversidade de olhares
que essa parceria produziu.
Quando um ente chama uma iniciativa como o VAMOS ou Comunitas para atuar em
conjunto com seus gestores, eles trazem toda uma expertise e um grupo de espe-
cialistas para contribuírem com o desenvolvimento dos programas propostos pela
gestão pública. Esses institutos passam a fazer parte das colaborações sem repre-
sentarem um custo para a Gestão Pública. Para desenvolverem suas missões insti-
tucionais, os institutos são financiados por parceiros como a Fundação Lemann, que
realiza um investimento a fundo perdido, e que em contrapartida, cobra indicadores
de desempenho que mostrem uma evolução dos programas firmados. Essa postura
de não receber financiamento nem do governo e nem de entidades privadas com
interesse em ter contratos com a gestão pública garante isenção e confiança entre
as partes, conferindo legitimidade nas opiniões e indicações realizadas.
123
Um ponto que chama a atenção nessa iniciativa é a questão da gestão do conhe-
cimento. Como em outras colaborações abordadas, esse ainda é um processo inci-
piente nas parcerias e mesmo na gestão pública de uma forma geral. Existem inicia-
tivas, mas elas ainda são insuficientes para gerarem uma segurança de continuidade
das atividades para os próximos ciclos políticos. Algumas ações estão sendo imple-
mentadas para tentar solucionar esse problema. Uma das ações foi mesclar servi-
dores de carreira e servidores comissionados puros nos cargos de liderança. Essa
mescla tem como objetivo produzir uma memória viva do projeto para além do ciclo
eleitoral atual. Um entrevistado chamou a atenção para o fato de no RS nunca um
governador ter sido reeleito e ser um problema reiterado a perda de conhecimento
em cada troca que acontecia.
Outra iniciativa nessa mesma linha de produzir uma continuidade no processo foi
a criação de um programa de preparação de passagem de cargo. O programa visa
preparar todo um processo de sucessão para que quando houver a mudança dos
cargos de direção, o trabalho realizado até o momento, não se perca. Uma terceira
iniciativa foi o desenvolvimento de um relatório de gestão abrangente de forma mais
periódica. Nesse relatório, procurou-se incluir todos os programas desenvolvidos,
seus objetivos, ações já tomadas, ações planejadas para o futuro e principalmente
o estágio que a iniciativa está em seu desenvolvimento e aplicação. Tudo isso para
produzir um documento que sirva de base para o próximo governo continuar o tra-
balho do ponto em que se está nesse momento.
Nessa área da gestão do conhecimento outras ações mais pontuais também foram
tomadas, como a criação de um repositório institucional, em que todas as informa-
ções produzidas sejam armazenadas de forma organizadas e acessível a todos. Essa
iniciativa visa criar um local onde as informações possam ser compartilhadas com
todos os interessados, ampliando o impacto da colaboração e melhorando os siste-
mas de informação.
124
Resultados
Esse processo de valorização está se desenvolvendo de uma forma bastante parti-
cipativa e com a produção de resultados bem interessantes. Esses resultados já são
sentidos na ponta, pelo servidor que se vê valorizado e pelo cidadão com a melhoria
de alguns serviços prestados pelo estado.
125
A implementação desse projeto ocorreu de forma muito exitosa até o momento se-
gundo os seus integrantes. Isso porque as soluções aplicadas têm resultado em um
desenvolvimento de iniciativas que produziram melhorias na percepção dos bene-
ficiários dos projetos. Ainda assim, o projeto só atingiu a primeira fase de ações e
prossegue em seu caminho, iniciando a segunda fase que consiste em aprofundar
os entendimentos e iniciativas já implantadas e buscar envolver cada vez mais ór-
gãos e autarquias no processo de valorização dos servidores públicos do estado do
Rio Grande do Sul.
126
Colaboração
Intragovernamental
Contra o
Assédio
nas Escolas
Públicas do
Estado do
Paraná
O problema e os desafios
colaborativos
Desde antes da inclusão da universalização da edu-
cação na Constituição Federal de 1988, percebe-se a
necessidade de melhorar sua qualidade. A quantidade
de vagas e o percentual de alunos nas escolas cresceu
fortemente nas últimas décadas, chegando a mais de
90% das crianças e adolescentes dentro das salas de
aulas pelo país. Contudo, a qualidade e diversidade de
possibilidades no ensino profissionalizante não conse-
guiram acompanhar essa expansão, primeiro pelo défi-
cit de estrutura para suportar toda a demanda e segun-
do pela falta de profissionais qualificados.
127
A necessidade crônica de melhorias nos sistemas de ensino pelo país produziu pau-
latinamente diversas iniciativas de melhorias da qualidade do ensino, procurando im-
plementar soluções e alternativas para os problemas encontrados. A baixa qualidade
da educação é um problema público extremamente complexo de ser encaminhado,
pois não pode ser solucionado apenas com a alocação de recursos, mas depende
de uma série de ações coordenadas. A multiplicidade de questões que precisam ser
enfrentadas mostra como o MEC - Ministério da Educação e as diversas Secretarias
de Educação dos Estados Federados e dos Municípios precisam de ajuda para so-
lucionarem esses problemas e fornecerem uma educação com a quantidade e a
qualidade mínima requerida.
Na área da educação existe uma série de organizações da sociedade civil que fo-
mentam trabalhos voltados para o desenvolvimento da educação no país. Além des-
sas, o próprio MEC possui uma série de iniciativas que estados e municípios podem
aderir para aproveitar expertise e recursos disponíveis para melhorias na educação
oferecida a população de suas jurisdições.
128
apoio da Universidade Estadual de Londrina – UEL. O absenteísmo na rede estadual
de ensino do estado do Paraná atinge 15% dos professores, cerca de 9.000 professo-
res, que deixam de produzir e oferecer seus serviços de ensino aos alunos em sala
de aula. Esse programa é realizado via um aplicativo desenvolvido e disponibilizado
por um parceiro privado, contratado pela UEL para fornecimento do serviço de tec-
nologia no processo de atendimento a distância dos professores. Esses atendimen-
tos são feitos por alunos dos cursos de psicologia e de medicina com especialização
em psiquiatria da Universidade, proporcionando uma oportunidade para terem con-
tato com a prática de suas profissões e tornando o serviço muito menos custosos
para o Estado.
A parceria na qual este capítulo está focado endereça uma solução para o problema
do assédio aos alunos perpetrado por professores e servidores da educação que
atuam nas escolas geridas pelo Estado do Paraná. Essa colaboração foi formada
com o intuito de melhorar todo o processo que envolvia o processamento, afasta-
mento e a exoneração de servidores que atuam em escolas, e que foram acusados
e condenados administrativamente por assédio a alunos e demais colegas dentro
do ambiente de trabalho ou em relações advindas da relação aluno-professor. Para
possibilitar a geração de uma solução para esse problema, uma série de parceiros
foram chamados para integrar uma iniciativa que culminou com a promulgação de
um Ato Interinstitucional. Esse Ato facilitava o compartilhamento de informações e
provas necessárias para uma série de procedimento para o afastamento de acusa-
dos de assédio via PAD – Processo Administrativo Disciplinar. Isso incluía inclusive a
129
aceleração da conclusão do processo que poderia culminar com a exoneração de
servidores e professores condenados por assédio na escola.
7
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acessado em 17/08/2022
130
quem era o agressor, como esse assédio estava acontecendo, onde ele ocorria e por
que meios. Todo esse arcabouço de provas é bastante dispendioso em termos de
recursos e de tempo. Uma ação isolada acabava por sobrepor ações para gerar as
mesmas provas por diversos atores.
Além dessa questão de geração de provas, há ainda as competências que cada ator
tem para agir. Em muitos casos, apenas a Polícia e o MP podem investigar o caso,
limitando a ação da Secretaria da Educação que não poderia produzir as provas ne-
cessária para a punição do servidor. Essas atribuições, que em muitos casos são
constitucionais, apontavam como o arcabouço legal tem um impacto profundo no
sucesso de um PAD. Essa questão da ação isolada dos diversos atores, além de
produzir a sobreposição de esforços, poderia produzir a destruição de esforços rea-
lizados por atores distintos. Uma prova do assédio poderia ser anulada por questões
legais de que aquele ator que as produziu não teria autoridade para fazê-lo. Isso
acabava produzindo impunidade dos assediadores e maior perigo para as vítimas.
Um problema muito comum também era a demora que um PAD tinha para apresen-
tar uma conclusão, algo em torno de 90 dias. Isso gerava uma sensação muito forte
de impunidade nas vítimas que denunciavam, deixando-as expostas a seus agresso-
res por logos períodos mesmo após a denúncia. A contestação constante das ações
e resultados do PAD na justiça, com um índice de sucesso para o agressor via habeas
corpus muito grande, não por erro nos procedimentos ou pela não culpabilidade
do acusado, mas pelo desconhecimento do judiciário do conteúdo dos processos,
ou das consequências que uma volta do acusado para a sala de aulas poderia cau-
sar, também era algo bastante comum. Todos esses problemas listados apontavam
para uma questão muito complexa e que precisava de um encaminhamento rápido
e enérgico por parte da Secretaria.
Para que a solução principal acontecesse, que é afastar e punir o agressor ligado ao
assédio dentro das escolas, era necessária uma série de pequenas soluções de pro-
blemas secundários que impediam que o problema principal fosse endereçado. Es-
sas pequenas soluções passavam por: desenvolver um novo procedimento interno
131
na Secretaria para a condução do PAD, induzindo a maior celeridade e efetividade de
suas ações e conclusões; tornar as informações mais facilmente acessíveis à justiça
e aos parceiros, reduzindo as redundâncias e os problemas de perdas causadas pela
destruição das ações de um ator por outro; um melhor entendimento entre quem
investiga e gera as informações e quem as aplica em processos que podem gerar
punições; maior cuidado com as vítimas, produzindo maior acolhimento e acompa-
nhamento; entre outras ações secundárias.
132
Elementos do contexto e direcionadores
Um primeiro elemento muito importante do contexto foi o patrocínio político das
autoridades públicas à parceria. Era evidente que apenas a Secretaria de Educação
não estava conseguindo solucionar o problema e que uma parceria com os demais
atores envolvidos no processo de forma direta e indireta teria de acontecer para que
uma solução fosse viabilizada. Assim, o Secretário de Educação, com o apoio políti-
co do Governador patrocinaram a iniciativa, compartilhando o poder que tinham ao
abrirem os dados aos diversos entes que seriam potenciais parceiros, expondo-se
a serem penalizados por esses entes. Esse patrocínio foi essencial pois a parceria
envolvia o MP e o TCE-PR. A postura da Secretaria e o patrocínio dado produziu um
processo de confiança muito grande entre os parceiros, pois, se o Estado que tem
mais a perder compartilhando seus dados, está patrocinando essa iniciativa, os de-
mais parceiros também se sentiriam confortáveis para compartilhar os seus dados
gerando uma solução muito eficaz para o problema abordado.
133
de forma isolada por apenas um ator seria muito contraproducente. Uma replicação
de esforços e de consumo de recursos seria inevitável por conta do contexto em que
o problema se desenvolvia de inter-relação dos futuros parceiros. Isso tudo mostrava
uma capacidade reduzida dos atores envolvidos em solucionar o problema de forma
isolada. Essa falta de capacidade produzia resultados muito inferiores aos neces-
sários o que acabava deixando assediadores próximos a suas vítimas, incentivando
novos casos de assédio e o não encerrado o assédio em casos já denunciando.
O Arcabouço Legal existente também contribuía para que o problema não fosse so-
lucionado a contento. Isso porque, as decisões tomadas pelo Executivo via PAD eram
contestadas na Justiça, que sem informações mais precisas sobre o andamento do
processo, acabava emitindo Habeas Corpus para processados administrativamente
via PAD. Essas decisões acabavam por gerar um impacto amplificado na produção
de impunidade dos agressores e na percepção de falta de proteção para a vítima.
A falta de um arcabouço legal mais apropriado para o desenvolvimento do PAD,
quando se tratava de assédio a menores de idade em escolas, produzia uma lacuna
importante e que era usada pelos acusados de serem os agressores como porta de
escape a uma punição mais efetiva.
134
rados, produziu uma animosidade que precisou de uma atitude proativa inicial por
parte da Secretaria da Educação para ser superado.
Por fim, um ponto muito importante do contexto e que tem impacto frontal no pro-
blema público enfrentado do assédio a crianças e adolescentes são as Condições
Econômicas, Sociais e Culturais da sociedade em que o problema está acontecen-
do. Sem uma observação muito precisa dessas questões, uma solução não pode
ser planejada e surtir os efeitos desejados. Uma solução realmente efetiva só pode
acontecer com o envolvimento das pessoas beneficiárias do valor público criado.
Assim, a criação de valor público passa obrigatoriamente por entender os elemen-
tos econômicos, sociais e culturais que impactaram o problema e que envolvem o
agressor e a vítima. Entender o contexto em que o problema está inserido garante
que as soluções geradas sejam aderentes a realidade econômica, social e cultural.
135
induzindo a um comportamento de não denúncia por parte dos agredidos, principal-
mente pela sensação de impunidade que a falta de uma efetividade nos processos
já realizados produz nas vítimas. A sensação de que o agressor voltará para a sala de
aula e poderá retaliar com ações ainda piores que as já sofridas, acaba por dificultar
a denúncia e a produção de provas contra o assediador.
136
provas no PAD precisa estar prevista em lei e regulamentos. Além disso, para que as
provas sejam compartilhadas é necessária autorização legal devido vários entraves
jurídicos, como por exemplo o sigilo de algumas investigações.
Um último direcionador que tem uma ação muito ampla em todo o processo e não
apenas em seu início é a Liderança. Na parceria formada para a constituição do Ato
Interinstitucional, o ator que tomou esse papel e que acabou ganhando a confiança
dos demais parceiros foi a Secretaria da educação. Essa liderança acabou aconte-
cendo por conta do patrocínio que esse parceiro aportou na colaboração, mas tam-
bém por uma postura tomada de se expor e de correr riscos em prol da constituição
da colaboração. Essa postura de altruísmo por parte da Secretaria acabou lhe tra-
zendo dividendos de confiança dos demais parceiros, chegando em alguns momen-
tos a Secretaria ser chamada para ajudar na mediação de conflitos entre os parceiros.
Um exemplo dessa liderança da Secretaria foi quando ela foi chamada a mediar um
conflito surgido na última hora, antes da assinatura final do Ato, entre a Polícia Civil
e o Ministério Público. A pessoa responsável pelo projeto no Ministério Publico falou
que não assinaria o Ato, pois a Polícia Civil estava se negando a compartilhar as in-
formações que possuía com eles. Nesse momento, a Secretaria da educação, como
patrocinadora da iniciativa agiu mostrando o que estava previamente acordado e
137
como a Polícia Civil já tinha concordado com o compartilhamento. Essa mediação
acabou por solucionar o conflito e tornar a assinatura do Ato possível no prazo já
acordado.
Um exemplo dessa busca por parceiros que pudessem aportar novos conhecimen-
tos e expertises a colaboração com a sua participação foi a indicação de uma pessoa
dentro do MP que já cuidava de processos de assédio na gestão pública e que po-
deria contribuir muito para uma solução mais eficaz. O engajamento por princípios
acabou facilitando o processo e apontando atalhos importantes para se encontrar
os parceiros com as expertises necessárias para a produção de soluções superiores.
138
no processo de decisão e a busca de decisões por consenso acabou tornando os
parceiros donos do projeto por terem suas vozes e opiniões escutadas. Um exemplo
é a forma como o Ato Interinstitucional foi consensado, esse processo ocorreu de
forma muito democrática e sem pressa para acontecer. Foram necessárias diversas
reuniões e mais de 6 meses para que ele se consolidasse e a parceria acontecesse
efetivamente.
Um ponto importante nesse processo é que o problema foi dividido em uma série
de pequenos problemas que se relacionavam com uma gama de opções de ações
que deveriam ser tomadas. Essas ações eram discutidas uma a uma e as escolhas e
soluções consensadas entre os parceiros da colaboração uma a uma. Esse processo
de quebrar o problema e ir construindo soluções em consenso é mais demorado
que uma decisão individual de apenas um ator, mas, além de produzir um resultado
superior, ela ajuda no engajamento e na percepção de pertencimento dos parceiros.
Essa forma de desenvolver o processo permite que demandas de diversos parceiros
sejam incluídas na colaboração e que opiniões contrárias vão se acomodando na
busca de um objetivo comum. Aqui vale ressaltar que é muito mais fácil se chegar
a um consenso de qual deve ser o objetivo comum, do que decidir o processo que
deve ser empregado para chegar a esse objetivo.
A Motivação Compartilhada foi um fator muito importante para a aplicação das so-
luções propostas. O primeiro ponto aqui era a forma como aplicar as soluções e
vencer a resistência de alguns parceiros em compartilharem o poder que detinham,
principalmente por conta das informações que produziam e que lhes dava um po-
der muito grande dentro de todo o processo. Ao compartilharem esse poder com
os demais parceiros, principalmente via compartilhamento de informações, esses
parceiros perdiam o protagonismo que tinham, abrindo mão de um poder que os
determinava como organização. Um exemplo desse compartilhamento de poder foi
a abertura dos dados de sucesso e fracasso dos PADs conduzidos pela Secretaria da
Educação para o MP e o TCE-PR. Esse compartilhamento expos o Estado a uma série
de penalidades caso esses entes usassem os dados compartilhados para fiscalizar e
punir. Ao não tomarem essa atitude e passarem a colaborarem para que os resulta-
139
dos fossem melhorados, o MP e o TCE-PR abriram mão de seu poder de fiscalização
para ajudar na construção de uma solução em conjunto.
A confiança mútua gerada com o compartilhamento de poder pode ser usada para
gerar legitimidade nas ações tomadas, produzindo uma parceria forte e compro-
metida com a produção de uma solução mais adequada ao problema. Isso gerou
ações como a busca da secretaria da Educação como mediadora em momentos de
desavença entre os parceiros, mas também abriu uma porta para que a colaboração
tivesse uma legitimidade interna muito grande. Isso incentivou que novos parceiros
fossem convidados a participarem da colaboração, incrementando a possibilidade
de maior diversidade de ideias e expertises para a construção de uma solução ao
problema público enfrentado muito mais profunda.
A Gestão do Conhecimento nessa colaboração pode ser abordado por dois ângulos
diferentes. Um é em relação ao compartilhamento de informações sobre o assédio
perpetrado e outra é sobre a própria constituição da parceria. O primeiro aspecto já
foi bastante tratado até aqui, mas o segundo aspecto ainda não. Assim, para sanar
essa lacuna, pode-se dizer que a Gestão do Conhecimento do processo de parceria
aconteceu por meio de Notas técnicas editadas em conjunto entre os parceiros da
colaboração.
140
explícito. Isso faz com que, no futuro, quando aquele conhecimento for necessário,
ele estará disponível para ser acessado e utilizado. Essas Notas Técnicas são depo-
sitadas em um banco de dados que toda a gestão pública pode acessar, produzindo
um compartilhamento do conhecimento muito importante para a construção de so-
luções melhores e mais rápidas no futuro. A possibilidade de acessar conhecimento
e experiências passadas, pode ser uma forma de cortar uma grande parte do cami-
nho na busca de soluções para problemas públicos, ou evitar que seja dado uma
volta enorme até chegar na mesma solução que outros já chegaram.
A estratégia utilizada para desenvolver a colaboração foi muito simples, mas foi sur-
gindo conforme as reuniões iam acontecendo. Isso garantiu uma flexibilidade muito
grande em todo o processo e possibilitou que demandas e conflitos fossem trada-
dos já durante a construção da colaboração. Esse processo acabou gerando o Ato
Interinstitucional, que ao cabo é um tipo de planejamento estratégico para o futuro
da parceria. A partir desse ponto, com o Ato assinado, a estratégia se torna bem mais
rígida, com a necessidade de novo consenso entre todos os parceiros para que a
estratégia sofra modificações. As modificações precisam ser muito bem justificadas
e um novo Ato Institucional precisa ser assinado. Mesmo não estando escrito em
pedra, ou seja, não podendo ser mudado nunca, o processo de adaptações e mu-
danças passa a requerer um movimento muito mais amplo e com a participação de
todos os colaboradores.
A Governança da parceria acabou sendo mais simples que de outras parcerias, pois
não existe uma necessidade de interação em todas as ações perpetradas, mas ape-
nas nas ações voltadas para o compartilhamento de informações. As ações para a
construção do PAD continuam sendo primordialmente do poder Executivo via Se-
cretaria da Educação, o que muda é o acesso a informações produzidas nos parcei-
ros e que podem acelerar o processo realizado pelo Executivo. Essa conformação
de governança da parceria ajuda na construção de uma parceria muito mais enxuta
e que alcança resultados muito melhores.
141
Resultados
A parceria se desenvolveu em um contexto bem específico e bastante interessante,
o que produziu um resultado muito importante para a diminuição do problema da
permanência de assediadores no sistema de ensino gerido pela Secretaria da Edu-
cação do Estado do Paraná.
Os ganhos para a proteção das vítimas foram absurdos, tendo em vista que pes-
soas acusadas puderam ser rapidamente afastadas de suas funções, respeitando
o processo legal e não de forma arbitrária. Pessoas comprovadamente agressoras
puderam ser exoneradas de seus cargos públicos sem que conseguissem reverter
esses processos e suas consequências de forma fácil na justiça. O resultado mais
interessante foi que mesmo com toda essa celeridade nas ações, o processo legal e
a ampla defesa do acusado foram mantidas, e inclusive, ampliadas.
142
O valor público criado é muito superior, pois, diminui a possibilidade de ser desfeito
pela justiça ou por algum órgão de controle. O fato de os órgãos de controle já esta-
rem participando e terem aprovado a forma do processo, diminui a gama de contes-
tações que podem ser realizadas. Isso reduz a necessidade de interferência da justi-
ça no processo para garantir que sua forma de entender o processo seja respeitada.
Tudo isso produz um resultado muito mais justo e próximo das necessidades das
vítimas de assédio. Isso também ajuda na construção de um compartilhamento de
poder entre os parceiros e uma diminuição do protagonismo de alguns em detri-
mento das necessidades de outros. A colaboração produz ainda maior legitimida-
de em todos os atos tomados pela Secretaria da Educação, pois ela estará melhor
assessorada pelos demais parceiros da colaboração. As soluções propostas foram
um propulsor de uma melhoria visível em todo o PAD dentro da Educação Estadual,
unindo diversos atores em prol das vítimas e da sociedade em geral.
143
Metas de
Desenvolvimento
Sustentável
do Governo
Federal
O problema e os desafios
colaborativos
A Organização das Nações Unidas – ONU desenvolveu
uma lista de Objetivos de Desenvolvimento Sustentá-
veis – ODS para guiar os países membros na definição
de suas prioridades. A aprovação pela ONU das ODS foi
realizada pela Resolução A/70/20158, com uma parti-
cipação importante do Brasil como líder desse proces-
so. Esses Objetivos foram organizados em 17 grandes
eixos (Figura 3) e 169 metas. Dessa construção surgiu a
agenda 2030, que procura organizar as metas no tempo
e gerar uma temporalidade para a cobrança do alcance
das metas. Essa forma de procedimento, colocar uma
meta e determinar o tempo que ela deve ser alcançada
8
Disponível em https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/
GEN/N15/291/89/PDF/N1529189.pdf?OpenElement, acessado
em 14/09/2022
144
é muito importante, pois leva os formuladores de políticas públicas a organizarem as
ações necessárias para se atingir essas metas no espaço e no tempo, parametrizan-
do, assim, o planejamento governamental.
145
Como o Brasil, na qualidade de membro da ONU, procurou ser um líder no processo
de construção e na adoção da ODS, se juntando ao esforço global de elevar o nível
de alcance dos objetivos dentro do prazo estipulado, ou seja, até o ano de 2030. Já
durante o governo Temer, foi criado uma comissão nacional, liderada pelo Inep, que
gerou uma grande colaboração incluindo governo via ministérios e sociedade civil.
Dessa colaboração foi desenvolvido um documento que incluía uma série de metas
e ações que deveriam ser implementadas para o desenvolvimento dos ODS no Brasil
sob a denominação de estratégia Federal de Desenvolvimento9 10.
Fonte: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/estrategia-federal-de-
desenvolvimento.
9
Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/gestao/estrategia-federal-de-
desenvolvimento. Acessado em 19 de agosto de 2022
10
Decreto Federal disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.531-de-26-de-
outubro-de-2020-285019495. Acessado em 19 de agosto de 2022
146
A Figura 4 mostra como os ODS foram organizados dentro do documento gerado
pela comissão
O documento gerado deveria ser um guia para a construção do próximo PPA – Pla-
no Plurianual do Governo Federal e dos demais governos Estaduais e Municipais.
Contudo, com o início do atual Governo, esse documento foi abandonado. Ademais,
ao editar o Decreto nº 9.759/2019, de abril de 2019, centenas de órgãos colegiados,
entre eles a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
– CNODS, foram descontinuados, reduzindo a participação da sociedade civil em
todos os âmbitos do governo federal.
A atitude de paralisia foi tamanha que o IBGE, órgão responsável por colher as infor-
mações de atingimento de objetivos e metas e de reportar as autoridades internacio-
nais não tinha mais nem a informação de onde procurar esses resultados, quem era
o responsável por fornecer os indicadores e dados. Essa desarticulação adicionada
ao medo de retaliações por conta da ideologia majoritária implantada de cercear
questões ligadas a minorias, levou os envolvidos a abandonarem e a desincentiva-
rem atitudes que levassem a algum tipo de ligação com o tema das ODS. Mesmo
que projetos e programas continuassem a existirem, eles não poderiam ser acompa-
nhados como metas ligadas às ODS.
147
gum órgão dentro dos ministérios quisesse articular as suas ações com os demais
órgãos, isso seria quase que impossível. Primeiro seria necessário ter clareza sobre
quais as responsabilidades ligadas as ODS seriam do órgão. Essa é uma questão
mais fácil de ser solucionada de forma isolada. Contudo, identificar quais os outros
órgãos que estavam com ações para o mesmo ODS e como coordenar essas ações
para que não se sobrepusessem ou mesmo se anulassem era algo impossível, sem
uma coordenação superior, ou mesmo por iniciativa isolada. Mesmo tentando criar
os relacionamentos necessários, os órgãos esbarrariam na falta de indicadores e na
possibilidade de serem impedidos por questões ideológicas presentes no contexto.
148
desenvolvimento de uma estratégia e uma metodologia que possibilitaram a cola-
boração entre os diversos participantes.
149
impedia que o processo fosse exitoso em seus objetivos e como essa dinâmica era
impeditiva da formação de um valor público realmente válido.
Um último ponto do contexto importante foi a quebra das networks e das conexões
entre os potenciais parceiros, ponto do contexto muito importante para a constru-
ção de uma colaboração, que levaram a formação da primeira tentativa de ende-
reçar o problema e que foram perdidas durante a mudança de governo. Com a
chegada do novo governo em 2019, e com as questões políticas que se seguiram,
incluindo questões ligadas ao Framework legal, como a emissão do Decreto nº
9.759/2019, de abril de 2019, esses atores se desarticularam, diminuindo a possibi-
lidade de iniciativas espontâneas de formação de uma colaboração para endere-
çar esse problema público. Essa desarticulação gerou uma perda de recursos de
poder que poderiam encaminhar uma nova colaboração ou uma continuidade da
anteriormente existente. A falta de uma articulação entre esses potenciais parcei-
ros produzia também uma assimetria de informações que impedia a coordenação
e a colaboração para o atingimento das ODS. Além disso, a metodologia aplicada
para gerar encontros entre essas partes que tinham relação direta poderiam não
ser previamente conhecidas, então a solução encontrada precisava vencer essa
barreira.
Todo esse contexto gerou uma paralisia que necessitou de uma solução muito mais
ampla e mais profunda para que uma nova colaboração fosse iniciada e tivesse apoio
suficiente para progredir e gerar o valor público necessário. Com esse problema bem
delineado e com o contexto bem explicitado é possível entender melhor os meca-
nismos que levaram a construção de uma nova colaboração, e porque ela conseguiu
atingir um bom grau de criação de valor público para a sociedade, diferente da ini-
ciativa anterior.
Questões ligadas a interdependência dos diversos órgãos para que um único ob-
jetivo constante nas ODS fosse alcançado se transformou em uma barreira muito
grande ao atingimento das metas quando os esforços empreendidos na CNODS
anteriormente foram abandonados. Isso gerou um processo de paralisia e desarti-
150
culação entre os órgãos que foi nefasto ao processo de priorização. Sem uma ação
de coordenação a interdependência tornou-se um empecilho para que os valores
públicos fossem criados com a eficiência, eficácia e efetividade que poderiam ter.
Mesmo com ações isoladas, esses objetivos não poderiam ser alcançados.
151
A movimentação foi iniciada quando o secretário especial foi diretamente ao pre-
sidente da Enap à época e pediu que a articulação dos objetivos e metas ligadas
as ODS fossem retomadas. Como existia uma resistência política-ideológica muito
grande dentro do governo a abordar esse tema, foi sugerida uma nova roupagem
para as ODS. A roupagem sugerida foi chamar o programa de priorização das ODS
de Agenda Brasil Sustentável. Essa ideia partiu do próprio secretário especial que
conhecia bem a resistência que o tema tinha dentro do governo e como seria difícil
ter o apoio político necessário, tendo em vista ele ser um militar de carreira e estar
consciente da forma como seus pares dentro do governo pensavam.
Durante os primeiros contatos com o secretário especial, uma ideia ficou muito clara,
que o patrocínio político desse processo estava dado e que as restrições impostas
seriam uma força motriz para a criação de soluções ao problema enfrentado. Um
exemplo muito marcante desse patrocínio criando uma solução foi a frase, “se for
preciso pintar as ODS de verde e amarela, e colocar um novo nome, é o que faremos”.
Essa questão foi levada a sério, e as ODS foram pintadas de verde e amarelo e seu
nome mudado para Agenda Brasil Sustentável.
Um segundo ponto importante foi a forma como a Enap conduziu os trabalhos du-
rante colaboração, ou seja, a metodologia empregada. Como essa colaboração ti-
nha um objetivo bem delineado, e um Deadline bem específico, foi desenvolvido
uma metodologia especial para dar conta do problema público abordado. O objetivo
era produzir um documento que ordenasse os projetos e ações, priorizando-os em
152
relação às ODS dentro dos diversos órgãos do governo federal. Esse objetivo tinha
por meta gerar sinergia entre os programas e órgãos, ampliando a possibilidade de
colaborações que produzisse economia de escala dentro dos órgãos e que pudesse
ser usado como guia para a elaboração dos orçamentos públicos. Essa possibilidade
de incorporação de um projeto ou ação dentro do orçamento público foi um grande
incentivo a participação dos órgãos, pois lhe dava visibilidade para pleitearem verbas
no orçamento para seus projetos, garantindo a continuidade ou a possibilidade de
iniciarem novos projetos.
Levar os parceiros a se engajarem nesse processo era outro grande desafio e que
tinha uma solução bem interessante sob a forma de colaboração. A possibilidade da
criação de um processo decisório horizontalizado em que os parceiros podem dis-
cutir e formar a agenda com liberdade era essencial para uma solução que levasse
todos a trabalharem em conjunto, e que ao final, se apropriassem dos resultados.
Sem a criação de um engajamento por princípios, a iniciativa fracassaria, pois o do-
cumento gerado seria engavetado, da mesma forma que o resultado da colaboração
anterior.
153
versos órgãos em endereçar problemas parecidos. Esse processo de aproximação
também garantiria a construção de novos conhecimentos em conjunto, elevando as
possibilidades da criação de inovações disruptivas para o processo.
A Estratégia utilizada pela Enap para construção da metodologia foi desenvolvida du-
rante o processo de implantação e realização da colaboração. Previamente foi reali-
zado um planejamento mais genérico, com a definição apenas de como os primeiros
encontros deveriam acontecer e de como os parceiros iniciais, Enap e Secretaria de
Governo da Presidência da República, se comportariam em cada oficina. A estratégia
real foi sendo desenvolvida e adapta conforme o processo foi acontecendo. Esse
processo funcionou como o Open Strategy (Hautz; Seidl, & Whittngton, 2016) em
que a forma de se alcançar os objetivos vai sendo construída no desenvolvimento
do processo, como se não se conhecêsse o mapa seguido, mas como se colocasse
uma luz no caminho e se este fosse sendo construído conforme as necessidades e
o contexto que se apresentavam.
154
temas eram mais particulares, trazendo um ganho para as discussões e maior foco
nos resultados possíveis.
155
quando o principal ator que tratava de uma determinada oficina não estava presente,
os próprios participantes procuravam entrar em contato com essa pessoa e conclui
-la na oficina que estava acontecendo, ou na próxima oficina. Essa atitude mostra
como a capacidade de trabalharem em conjunto foi importante para o atingimento
dos resultados encontrados.
Um ponto importante que não foi incluído na colaboração e que tem um peso muito
grande em aprofundar os resultados é a participação da sociedade civil. Esse ponto
mostra como a falta de inclusão da sociedade civil provoca maiores dificuldades
de legitimação dos resultados pois gera um resultado menos amplo e com menor
impacto. Com tudo, devido à resistência ideológica existente a essa participação, a
solução foi confiar que os órgãos participantes conseguiriam capturar as questões
de forma indireta. Contudo, reportagem veiculada nos meios de comunicação até
hoje, mostram que mesmo tendo um resultado positivo, a falta da participação po-
pular levou a uma desconfiança e uma falta de legitimidades das ações priorizadas.
A metodologia criada foi uma solução que gerou várias inovações dentro da cola-
boração. As inovações são importantes para que os resultados aconteçam de forma
mais efetiva. Uma inovação foi a distribuição do processo em 34 oficinas, sendo que
cada duas oficinas tratariam de um mesmo tema. Assim, os participantes poderiam
entender o processo e se relacionarem na primeira oficina, trabalharem as ideias
geradas durante a primeira oficina com seus pares dentro de cada órgão e posterior-
mente alinharem todo o processo em uma nova oficina com os demais envolvidos.
Com essa metodologia, o processo passou a ser algo muito mais amplo que apenas
as oficinas, pois além de se relacionarem dentro das oficinas, foi incentivado que
os participantes com mais questões em comum, procurassem se articularem ainda
antes da próxima oficina, ou seja, que se buscasse as bases internas de cada órgão,
mas que se buscasse também relacionamentos externos aos órgãos.
156
bancar e compartilhar os recursos de poder necessários para vencer a resistência
ideológica existente. O segundo é o processo de liderança dentro da colaboração,
que aconteceu de forma muito mais democrática pelos burocratas dentro da Se-
cretaria de Governo da Presidência da República. Nesse segundo processo, vale
destacar a postura democrática com que esses servidores encararam o problema
e como conduziram todo o processo. Ao democratizarem o processo e permitirem
que a Enap gerasse uma metodologia de decisão do que seria priorizado por con-
senso, ao consolidar os resultados das oficinas, o documento gerado conseguiu
capturar bem as necessidades de cada órgão e a importância de cada meta dentro
do quadro geral.
Resultados
A postura democrática implantada em toda a colaboração, contrastava com o con-
texto em que ela estava inserida e que a restringia, produzindo confiança e legiti-
midade entre os parceiros, ao ponto de eles desenvolverem outras parcerias para
continuar o processo de sinergia construído. A descoberta de que outros órgãos e
pessoas estavam tratando com o mesmo ODS em localidades totalmente diversas
das que estavam ampliou os horizontes desses participantes, sendo essa descober-
ta e o que se seguiu a ela, um dos resultados mais relevante para essa colaboração,
na fala dos próprios participantes do processo.
Assim, aponta-se como resultados de primeiro nível dessa iniciativa (Bryson et al.,
2006), a construção do documento de priorização de ações ligadas à ODS para o
Brasil, com um horizonte de duração até 2030. Esse documento recebeu o nome
de Agenda Brasil Sustentável e foi pintada de verde e amarelo para representar a
nacionalização dos objetivos. A pintura da agenda teve como objetivo gerar uma
percepção de um maior apelo nacionalista, algo necessário para vencer a resistência
ideológica às ODS. Um segundo nível de resultados foi a geração de um ambiente
menos hostil aos órgãos que tratam de algum tema ligado às ODS e a criação de
novas colaborações entre os órgãos que tinham objetivos em comum.
157
O primeiro nível de resultados foi mais imediato e tangível. Nesse nível se encaixava
o produto a ser entregue pela colaboração, o próprio programa de priorização, sendo
plenamente atingido ao ponto de o tema ser incorporado à agenda governamental
e aos discursos oficiais proferidos em organismos internacionais como a ONU. Esse
primeiro nível de resultado também gerou a possibilidade de criação de indicadores
pelo IBGE para o acompanhamento, algo impossível até aquele momento.
O terceiro nível de resultados foi aquele que se estende mais no tempo e que foi ve-
rificado com a formação de novas parcerias entre os órgãos que dividiam objetivos.
Essas parcerias têm potencial para levar os resultados dessa colaboração a um outro
nível, muito mais amplo e com muito mais resultados positivos. O transbordamento
dos resultados mostra como uma colaboração tem um impacto muito além de seus
limites no espaço e tempo.
158
Análise
Comparativa
dos Casos
159
Contexto e direcionadores
No que se refere ao contexto, foram analisadas as variáveis recursos/construção de
capacidade, arcabouço legal, falhas anteriores, dinâmica política, network e conecti-
vidade, nível de conflito e confiança, diversidade e assimetria de informações. Já em
relação aos direcionadores, foram analisadas variáveis tais como incentivos conse-
quenciais, interdependência, incertezas e riscos.
160
jeitos de Mariana. Como o Ministério Público avocou para si o poder de decisão, os
recursos de poder das partes envolvidas, incluindo-se patrocinadores do Poder Pú-
blico, tornaram-se irrelevantes, inviabilizando todo o compartilhamento necessário
para que o processo acontecesse de forma exitosa.
161
Na dinâmica política, o determinante foi o patrocínio da liderança central de governo
que levou os parceiros a considerarem a colaboração como algo que traria ganhos
tanto dentro do processo como político para essas lideranças. Um exemplo repor-
tado foi a Colaboração da Sociedade Civil para a Gestão de Pessoas no Rio Grande
do Sul, que buscou produzir a valorização dos servidores, buscando a melhoria dos
serviços prestados aos cidadãos. Nesse relato, o patrocínio do Governador ao pro-
jeto, levou os secretários a se engajarem por perceberem a importância do projeto.
Esse patrocínio levou à criação de uma dinâmica política positiva, que possibilitou a
construção da colaboração. Outro exemplo foi o caso da Política social de segurança
pública em Minas Gerais, sem a dinâmica política criada pelo Governador ao patroci-
nar o projeto do Choque de Gestão, essa iniciativa não seria possível. Não há relatos
de interferências políticas do legislativo, políticos ou partidos. Quando o governante
compra a ideia, ele agrega os diversos interesses dos diversos atores que formam
a colaboração. Em outras palavras, a dinâmica política é altamente dependente da
atuação das lideranças que patrocinam a colaboração.
Relativamente à network e conectividade, esta não foi uma condição sine qua non,
mas facilitou e acelerou o processo, tanto a conectividade com terceiros quanto in-
tragovernamental. Um exemplo marcante foi da Política social de segurança públi-
ca em Minas Gerais, que sem a network existente entre o Secretário de Segurança
Pública à época e os docentes e pesquisadores da UFMG, o processo nem teria se
iniciado. Essa conexão pretérita entre o Secretário e a líder do projeto que desenvol-
veu a metodologia de solução de conflitos de forma extra judicial foi determinante
para a colaboração.
162
a falta de adaptação travou o processo, reduzindo a confiança entre os parceiros
e levando todas as discordâncias para a solução via decisão judicial. Essa postura
esvaziou o processo de tomada de decisão e gerou um desgaste que com o tempo
afastou partes que davam suporte via compartilhamento de poder, retirando-se da
colaboração, esvaziando sua capacidade de decisão e levando ao seu declínio.
No que se refere à diversidade, constatou-se que esta questão fala mais alto quando
há uma maior quantidade de atores, ensejando problemas de representatividade no
que se refere à capacidade de colocar abertamente suas posições num processo
decisório. Uma grande quantidade de atores em um processo de tomada de decisão
como aconteceu no CIF de Mariana é um grande desafio para qualquer colaboração.
Contudo, quando uma liderança, que inspira confiança, e que conquista legitimidade
ao compartilhar o poder que detém, toma a frente e faz uma organização do pro-
cesso como aconteceu com a diretora do IBAMA, essa diversidade deixa de ser uma
barreira e passa a ser uma vantagem para a colaboração. Não basta ter diversidade
dentro da colaboração, é necessário que ela seja conduzida a um alinhamento que
produza os resultados esperados, pois sem esse alinhamento, o que prevalecerá
será cada parte puxando para um lado diferente na sua direção.
163
como a Governança Colaborativa tem o potencial de melhorar a qualidade das tro-
cas de informações entre os parceiros e trazer ganhos tanto internos como externos,
para os cidadãos.
164
se, impulsionando logo de largada a constituição de uma Governança Colaborativa
como solução.
Dinâmica colaborativa
No que se refere à dinâmica colaborativa, serão analisadas as variáveis relativas aos
componentes engajamento por princípios, motivação compartilhada e capacidade
de trabalhar em conjunto. Essas dimensões são centrais na produção de ações co-
laborativas que irão gerar a sinergia e a construção de resultados conjuntos para o
trato dos problemas públicos abordados.
165
O engajamento por princípios aparece muito associado ao ganho (curioso porque
princípios se diferenciam do cálculo utilitário de consequências), ao processo deci-
sório compartilhado, consensual, e muito ligado à motivação compartilhada. Nesse
quesito, que todos os casos estudados apresentam de alguma forma um engaja-
mento produzido pela possibilidade de um processo decisório baseado na busca
de consenso. Aqui, chama à atenção a possibilidade de se segmentar as decisões
em etapas menores, sendo tomadas decisões específicas para cada etapa, de forma
alinhada com a busca de resultados únicos, mas que podem beneficiar posições de
uns e de outros parceiros. Esse processo segmentado garante que todos possam ser
ouvidos e que suas demandas, em algum grau, serão atendidas dentro do processo
decisório. Assim, essa segmentação ajuda na busca por consenso e na sensação de
pertencimento, ampliando a confirmação e a legitimidade do resultado final.
166
confiança que a alçou a líder da colaboração, recebendo em troca a confiança dos
demais parceiros ao ponto de ser chamado como mediador em momentos sensí-
veis do processo de entendimento entre os demais parceiros. A confiança mútua
também se aplica ao envolvimento de servidores e a construção de um ambiente
seguro (sem censura e punições). Em relação ao ambiente, para que haja compar-
tilhamento é necessário segurança. O caso das Metas de desenvolvimento susten-
tável mostra bem essa questão do ambiente e da segurança como elementos base
para o compartilhamento.
167
é das partes e não de terceiros. Essa percepção só é construída com muito diálogo
e com a inclusão de todos em todo o processo de decisão e execução. Quando um
parceiro como o MP no caso da Secretaria de Educação do Estado do Paraná perce-
be que o outro parceiro o está incorporando em um processo em que a sua expertise
e voz está sendo aproveitada, passa a se comprometer com o projeto, deixando de
ser o projeto do outro para ser o seu próprio.
168
çoamentos, replicabilidade, documentação e divulgação nos casos de colaboração
estudados. Estes sinais, entretanto, não qualificam, per se, modelos adequados de
gestao do conhecimento.
A liderança interna mostrou ser uma função da capacidade de negociar, gerar con-
senso e confiança. Sem uma liderança que promova o consenso e que patrocine o
processo, dificilmente ele consegue se desenvolver para atingir alguma maturidade.
O compartilhamento do poder e a busca por um consenso são essenciais para que
a liderança construa confiança e legitimidade. Como aconteceu com o CIF em Ma-
riana, ou com o Secretário de Educação no Paraná, a liderança precisa estar disposta
a promover o engajamento de todos no processo de tomada de decisão. Se uma
liderança, mesmo que externa, trabalhar contra esse processo, ela pode aglutinar as
vontades entorno de seu poder e impedir que o processo avance, como aconteceu
com MP em Mariana.
169
em momentos específicos ou determinados por regras rígidas, como acontece no
caso dos projetos de PPP. A participação não é obrigatória para que a colaboração
aconteça, um exemplo é o caso das Metas de desenvolvimento sustentável do Go-
verno Federal, em que a participação da sociedade civil foi totalmente excluída do
processo. Contudo, casos como o de Mariana apontam que a não inclusão da socie-
dade civil desde o seu início trouxe um prejuízo para a colaboração que não pode
ser mais reparado, mesmo com muito esforço e com a inclusão a posteriori. Assim,
conclui-se que essa participação pode incrementar e muito os resultados aprofun-
dando seu impacto como apontado por Bryson et al. (2020).
No que se refere à estratégia, verificou-se muita adaptação e grande parte dos pro-
cessos como estratégia emergente. Isso ocorre nos processos de desenvolvimento
das licitações que irão resultar em contratos de PPP, como nos casos de SC e das
UAIs em MG, que mostram como a construção da estratégia pode ser um processo
170
emergente durante o processo de planejamento da PPP e como ele passa a ser mais
estável, mas com mecanismos de adaptação após a licitação da PPP e sua implan-
tação continuada. Assim, a estratégia é mais emergente na fase de construção dos
contratos e com a formalização nos contratos estabiliza e passa a ser mais rígida e
com processos de adaptação regulares e cíclicos. Isto é indicativo de aprendizado
estratégico colaborativo.
No que se refere à governança, esta talvez tenha sido a questão que mais chamou
atenção durante o estudo dos casos. Primeiro, pelo grande impacto ao determinar
uma arquitetura de decisão e uma arquitetura de contratos distintos que podem ge-
rar um emaranhado de tipos distintos, mas que ao final produz consonância entre as
partes. A existência de uma arquitetura de governança disfuncional pode ser fatal
para uma colaboração. A falta de um processo de governança unificado e direciona-
do a apenas uma instância de decisão foi cabal para o fracasso da inciativa de cola-
boração de Mariana, onde a existência de dois polos de decisão que tinham objeti-
vos diferentes mostrou-se inconciliável e levou ao declínio e morte da Colaboração.
171
prévios e da forma como o relacionamento dentro da colaboração é construído, se
de forma consensual ou não. Essa construção pode tornar o processo extremamente
bem-sucedido como em diversos casos de sucesso reportados, como se tornar a
pedra de tropeço como aconteceu no caso de Mariana.
Principais questões
Da análise dos casos destacam-se seis pontos essenciais muito conectados: gover-
nança, estratégia, gestão do conhecimento, liderança, participação da sociedade ci-
vil e ideologia.
172
em torno de interesses de uma das partes em detrimento de outras, gerando ne-
nhum ou pouco proveito de aprendizados.
173
Liderança, por si só, requereria outro volume. A liderança, que sempre implica em
uma cadeia de líderes, mesmo em ambiente hierárquicos, é um conceito multidi-
mensional altamente complexo que em última análise constitui uma força direcio-
nadora, determinante número um do desempenho, porque modula todos os demais
determinantes. Num regime colaborativo, a liderança tem que ser, de alguma forma
e em alguma extensão razoável, compartilhada. O poder do líder não provém da
posição que ocupa nos arranjos institucionais da parte; provém de sua capacidade
de mobilizar, influenciar, construir consensos, sua capacidade de agregar os demais
parceiros, compartilhando o poder com todos. Nessa linha, tampouco o poder é ape-
nas do líder, senão trata-se da ideia da líder como corretor de poder (Purdy, 2012). E
o compartilhamento de liderança é um exercício muito difícil, custoso e instável; os
padrões predominantes são muito personalistas ou concentrados na dominância de
uma das partes.
174
de e a qualidade das pactuações, ainda há muita resistência hierárquica de parceiros
fortes em envolver a sociedade civil compartilhando poder no processo decisório
(mesmo que por meio de mecanismos consultivos).
Por último, mas em igual importância, a ideologia. A forma como a ideologia é per-
cebida e exercida na colaboração tem um impacto profundo em sua construção e
no comportamento dos parceiros dentro do processo. Ideologia é aqui tratada como
a existência de um pensamento forte, resoluto, por vezes irredutível e de caráter
doutrinário, sobre a natureza de problemas e soluções que moldam a gênese e di-
nâmica de uma parceria e frequentemente surgem de forma explicita ou subjacente
à atuação de uma das partes (as demais nem sempre se alinham, gerando tensões
e desalinhamento de princípios). Barreiras ideológicas geram problemas de engaja-
mento por princípios, ensejando conflitos entre princípios e incentivos consequen-
ciais – típico de experiências em que haja forte interdependência ou que podem
gerar ganhos auto interessados ou altruístas para partes que não se alinham por
princípios. Ainda assim, uma situação como esta pode dar certo se o foco recair so-
bre os resultados e as partes se dispuserem a desenvolver uma compreensão acima
das diferenças – sobre, por exemplo, ganhos sistêmicos para a sociedade.
Estes pontos de destaque podem ensejar uma série de indicações sobre a gestão
de experiências colaborativas (que oportunamente ensejará um guia de governança
175
colaborativa), sobre políticas de gestão pública (que oportunamente ensejará um
documento com proposições de políticas colaborativas para agentes públicos) e so-
bre a legislação em geral (principalmente aquela que trata de parcerias entre gover-
nos e entes de colaboração).
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