Estudos Eleitorais

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ESTUDOS

ELEITORAIS
VOLUME 12 ̶ NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017
BRASÍLIA ̶ 2018

EJE
Escola Judiciária Eleitoral
Tribunal Superior Eleitoral
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ESTUDOS
ELEITORAIS
VOLUME 12 − NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017
BRASÍLIA − 2018

EJE
Escola Judiciária Eleitoral
Tribunal Superior Eleitoral

1
© 2018 Tribunal Superior Eleitoral

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autores e podem não refletir a opinião do Tribunal Superior Eleitoral.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Tribunal Superior Eleitoral – Biblioteca Alysson Darowish Mitraud)

Estudos eleitorais / Tribunal Superior Eleitoral. - Vol. 1, n. 1


(1997) - . - Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 1997- .
v. ; 24 cm.
Quadrimestral.
Suspensa de maio de 1998 a dez. 2005, de set. 2006 a dez. 2007, e
de maio 2008 a dez. 2008.
ISSN 1414-5146
I. Tribunal Superior Eleitoral. 1. Direito eleitoral. 2. Periódico.
CDD 341.2805
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

Presidente
Ministro Luiz Fux

Vice-Presidente
Ministra Rosa Weber

Ministros
Ministro Luís Roberto Barroso
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Ministro Jorge Mussi
Ministro Admar Gonzaga
Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto

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Conselho Editorial
Ministro Ricardo Lewandowski
Ministra Nancy Andrighi
Ministro Aldir Guimarães Passarinho Junior
Ministro Hamilton Carvalhido
Ministro Marcelo Ribeiro
Álvaro Ricardo de Souza Cruz
André Ramos Tavares
Antonio Carlos Marcato
Clèmerson Merlin Clève
Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti
José Jairo Gomes
Luís Virgílio Afonso da Silva
Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos
Marco Antônio Marques da Silva
Paulo Bonavides
Paulo Gustavo Gonet Branco
Paulo Hamilton Siqueira Junior
Walber de Moura Agra
Walter de Almeida Guilherme

COMPOSIÇÃO DA EJE

Diretor
Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto

Assessor-Chefe
Leonardo Campos Soares da Fonseca

Servidores
Ana Karina de Souza Castro
Fernanda de Carvalho Lage
Geraldo Campetti Sobrinho
Juarez Machado Júnior
Silvana Maria do Amaral Bobroff

Colaboradores
Caroline Sant’ Ana Delfino
Cristiane Sampaio de Oliveira
Keylla Cristina de Oliveira Ferreira
SUMÁRIO
Apresentação_______________________________________________________________________7

Estudos eleitorais
Justiça Eleitoral no processo de redemocratização no Brasil
MARIA TEREZA SADEK_______________________________________________________________11

O novo conceito de propaganda eleitoral antecipada: uma leitura à luz dos princípios
da liberdade e da legalidade
ANNA PAULA OLIVEIRA MENDES______________________________________________________23

Candidatura independente no Brasil: uma proposta de aplicabilidade ao âmbito local


para o cargo de vereador
BRUNO FERREIRA DE OLIVEIRA_______________________________________________________51

O princípio da intervenção mínima como critério de controle de constitucionalidade


dos crimes eleitorais – estudo de caso do art. 299 do Código Eleitoral
CASSIANA LOPES VIANA_____________________________________________________________ 73

O recurso contra expedição de diploma e a relativização do princípio da unicidade da


chapa: uma análise à luz da suspensão dos direitos políticos
JAMILLY IZABELA DE BRITO SILVA
JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES_____________________________________________________99

Os custos com as campanhas eleitorais à luz da reforma eleitoral de 2015 (Lei


nº 13.165/2015)
WILLIAN SILVA DIAS
MURILO BRAZ VIEIRA_______________________________________________________________ 121

Estudos eleitorais na história


Como o curso histórico daria razão a Assis Brasil (1858-1938)
ANTONIO PAIM_____________________________________________________________________ 147

Assis Brasil e o voto


WALTER COSTA PORTO_____________________________________________________________ 159

Estudos eleitorais no mundo


Reconceituando o populismo: construindo um conceito multifacetado mais estrito
DAVIDE VITTORI___________________________________________________________________ 217

Normas para publicação________________________________________________________ 255


APRESENTAÇÃO

É crescente a preocupação social quanto aos rumos políticos do


país ao longo do ano eleitoral que se inicia. O cenário de incertezas
quanto a partidos, candidatos e projetos de governo não pode
paralisar o debate democrático. Muito pelo contrário; é principalmente
em períodos de instabilidade que uma reflexão ponderada se impõe.
Nesse sentido, o debate acadêmico é de suma importância.

Inaugurando o presente número, a professora Maria Tereza Sadek


traz Justiça Eleitoral no processo de redemocratização no Brasil,
em que confidencia ter sido a Justiça Eleitoral o seu primeiro elo de
aproximação com o Poder Judiciário. No artigo, extraído de palestra
proferida no VII Encontro Nacional das Escolas Judiciárias Eleitorais,
realizado em agosto de 2017, no Tribunal Superior Eleitoral, a autora
destaca a fundamental contribuição dessa Justiça especializada
no processo histórico democrático brasileiro, importância que
se sobreleva em momentos de instabilidade política, como o de
redemocratização do Brasil.

Na sequência, têm-se O novo conceito de propaganda eleitoral


antecipada: uma leitura à luz dos princípios da liberdade e da legalidade,
de Anna Paula Oliveira Mendes, e Candidatura independente no Brasil:
uma proposta de aplicabilidade ao âmbito local para o cargo de vereador,
de Bruno Ferreira de Oliveira, ambos tratam sobre dois temas em franca
discussão. Finalizam a seção Estudos eleitorais os artigos O princípio da
intervenção mínima como critério de controle de constitucionalidade
dos crimes eleitorais – estudos de caso do art. 299 do Código Eleitoral,
de Cassiana Lopes Viana, O recurso contra expedição de diploma e a
relativização do princípio da unicidade da chapa: uma análise à luz da
suspensão dos direitos políticos, de Jamilly Izabela de Brito Silva e João
de Jesus Abdala Simões, e Os custos com as campanhas eleitorais à luz
da reforma eleitoral de 2015 (Lei nº 13.165/2015), de Willian Silva Dias
e Murilo Braz Vieira.
Merece destaque a seção Estudos eleitorais na história, que traz dois
artigos de renomados autores brasileiros para homenagear a figura
de Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857-1938) ou, simplesmente,
Assis Brasil. O eminente gaúcho construiu uma invejável trajetória
política, tendo sido deputado constituinte em 1890, governador do Rio
Grande do Sul e ministro de Estado da Agricultura no governo Getúlio
Vargas, entre outros relevantes postos políticos. Também é conhecido
por sua atuação como embaixador brasileiro, destacando-se o fato de
ter firmado, juntamente com José Maria da Silva Paranhos Júnior, o
Barão do Rio Branco, o Tratado de Petrópolis, condutor da permuta de
territórios que integrou ao Brasil o território hoje ocupado pelo Estado
do Acre. Assis Brasil tornou-se referência não apenas pela citada
trajetória política, como também por suas contribuições em matéria
de Direito Eleitoral, tendo se debruçado sobre as obras de renomados
autores estrangeiros, com destaque para Carl Andrae e Thomas Hare.
Não por acaso, Assis Brasil empresta seu nome à Ordem do Mérito do
Tribunal Superior Eleitoral, instituída pela Resolução-TSE nº 23.434,
de 16 de dezembro de 2014.

Com toda a propriedade devida, conduzem essa merecida


homenagem os professores Antonio Paim, com Como o curso
histórico daria razão a Assis Brasil (1858-1938), e Walter Costa
Porto, com Assis Brasil e o voto.

Encerrando este número, na seção Estudos eleitorais no mundo,


é trazido ao leitor o artigo Reconceituando o populismo: construindo
um conceito multifacetado mais estrito, de Davide Vittori,
originariamente publicado em inglês na Revista Española de Ciencia
Política (ISSN 2173-9878).

Com mais este número da Estudos Eleitorais, a Escola Judiciária


Eleitoral reafirma o seu compromisso com o fortalecimento da
democracia brasileira por meio da produção científica de alta
qualidade, que propicia o debate científico e, portanto, desapaixonado
sobre os temas mais relevantes da atualidade. Esse é o espírito
desta publicação, que encerra o 12º ano de sua existência.

Ótima leitura a todos.

Professor Fabio Lima Quintas


Diretor da EJE/TSE (de junho de 2016 a fevereiro de 2018)
JUSTIÇA ELEITORAL NO PROCESSO
DE REDEMOCRATIZAÇÃO NO
BRASIL
MARIA TEREZA SADEK
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

JUSTIÇA ELEITORAL NO PROCESSO DE


REDEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL

ELECTORAL JUSTICE IN THE


REDEMOCRATIZATION PROCESS IN BRAZIL

MARIA TEREZA SADEK1

RESUMO

Neste artigo, afirma-se que a Justiça Eleitoral é um divisor de águas


na história político-brasileira, pois há um período antes e um depois
da existência dessa Justiça especializada, ressaltando que o processo
eleitoral é critério-base para a democracia quando o sistema
assume o caráter pluralista e aberto. Lembra-se que um regime é
qualificado como democrático se propiciar eleições competitivas
e garantir o resultado do pleito como expressão fiel da vontade
do eleitor. Quando a classe política discute uma reforma político-
partidária cujo futuro é desconhecido, o papel da Justiça Eleitoral
se torna ainda mais importante. Conclui-se que, desde os anos 30
do século XX, ela se constitui ator político relevante e desempenha
papel crucial no cenário político, bem como na busca de aumentar
os graus da democracia brasileira.

Palavras-chave: Justiça Eleitoral. Democracia. Eleições.


Redemocratização. Brasil.

ABSTRACT

This article affirms that the Electoral Justice is a watershed in


Brazilian-political history, since there is a period before and after the
existence of this specialized justice, emphasizing that the electoral
process is the basic criterion for democracy when the system
assumes the pluralist and open. It reminds that a regime is qualified
1
Professora doutora aposentada do DCP/USP, possui graduação em Ciências Sociais pela PUC/
SP (1969), mestrado em Ciências Sociais pela PUC/SP (1977), doutorado em Ciência Política
pela USP (1984) e pós-doutorado na Universidade da Califórnia (1989), na Universidade de
Londres (1991 e 1994), na USP (1994).

11
as democratic if it provides competitive elections and guarantee the
result of the election as a faithful expression of the will of the elector.
When the political class discusses a political-party reform whose
future is unknown, the role of the Electoral Court becomes even
more important. It concludes that, since the 30s of the twentieth
century, it is a relevant political actor and plays a crucial role in the
political scenario, as well as in the quest to increase the degrees of
Brazilian democracy.

Keywords: Electoral Justice. Democracy. Elections.


Redemocratization. Brazil.

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Pesquisei a Justiça Eleitoral há precisamente 22 anos; sou uma


cientista política – sem formação em Direito – e minha fascinação
pelo Judiciário partiu dela. Como professora universitária, a cada
pleito costumava fazer uma reflexão sobre o que havia acontecido:
quem era o vencedor, como eram o seu partido e a sua base social, a
ocorrência de eventuais conflitos, quais eram as regras e por que elas
mudavam e os militares faziam tanto esforço para que os partidos da
situação vencessem. Em determinado ano eleitoral, meu orientador
me pediu que estudasse essa Justiça especializada. Confesso que
não sabia nada a respeito do Poder Judiciário. Era tamanha a minha
ignorância que havia até certo preconceito, já que, para alguém de
uma geração de esquerda, a Justiça era mera superestrutura; não
significava nada, pois estava “a serviço do poder dominante”. Nas
faculdades, nada era ensinado sobre isso.

Então eu comecei a estudá-la. Pessoas com formação em Direito


valorizam todas as questões legais. Dada a minha formação, eu
valorizo o poder. Como se dá a inter-relação entre os diferentes
atores políticos? Como eles conseguem, de alguma forma, ter
relação pacífica e não baseada apenas na força? Como as sociedades
conseguem essa convivência? Com base em que regras ela é
possível? O que significa Estado de direito? Para nós, é muito mais
do que dizer que é respeito à lei; é dizer que é possível se pensar
numa sociedade republicana, cujos valores são compartilhados.

A Justiça Eleitoral é um divisor de águas na história política


brasileira, pois há um período antes da sua existência e um
depois. Vejamos: muita gente diz que democracia significa eleição
– portanto, se o povo vota, é democracia –, e tal premissa não é
verdadeira. Há muitos países que têm eleições, como a Venezuela,
que acabou de formar uma nova assembleia constituinte. Então, a
eleição é básica, mas é insuficiente para a existência da democracia.
Nem todo pleito é visto como critério para que se defina um regime
como democrático. Há alguns que são meras farsas. Há eleições
manipuladas, feitas na República Velha, ou seja, como no nosso
primeiro período republicano: a bico de pena – em que a mesa
eleitoral é que diz quem vota e quem não vota. A eleição, portanto,
é fundamental, mas não é tudo. Para isso, fazem-se necessários
alguns requisitos. Sozinha, ela não faze nem transforma um regime
em democrático, mas sem ela não há democracia. Porém, é preciso

13
pensar: que tipo de pleito; de que forma é controlado; qual é o tipo
de participação; quais são as regras?

Existe uma ilustração que mostra os votos de um eleitor tornando-


se lixo. Então, para que o processo eleitoral seja, de fato, critério-base
para a democracia, o sistema deve ser pluralista e aberto. O que
seria um sistema pluralista? Faço aqui um contraponto: no México,
havia único partido, o PRI2, que ganhava eleições por décadas
seguidas. O sistema não era pluralista, pois os resultados beiravam
os 90% para o partido majoritário, que era também o único. Embora
houvesse um processo eleitoral, ele não consistia no que chamo de
pluralista e aberto, e é preciso que haja a possibilidade de diferentes
propostas competirem entre si – ser aberto significa ter o direito da
existência de regras que não sejam predeterminadas, no sentido de
favorecerem um grupo em detrimento dos demais.

Há uma premissa básica que define a democracia: é o sistema


político em que as normas são previsíveis – pois eu as conheço –,
mas cujo resultado não é. Quando o resultado é previsível, uma regra
do jogo é alterada, e se eu tenho regras que definem um vencedor,
a eleição é uma farsa. Se as normas são conhecidas e estáveis (não
sabemos quem é o vencedor), caminhamos para um regime mais
democrático. Dessa maneira, o pleito é um elemento decisivo no
processo político: o resultado da eleição é que dirá quem será o
grupo dirigente e quais serão aqueles que deverão impor novas
políticas para uma sociedade como um todo.

Para isso, faz-se necessária a plena liberdade de eleger e de


ser eleito. Na Ciência Política, acredita-se que a democracia não é
um sistema findo, terminado – pelo contrário, há que se admitirem
graus de democracia. Um país ou um regime sempre pode ser mais
democrático do que é, com base em dois critérios fundamentais:
o grau de competição e o grau de participação e de inclusão. Em
um sistema pouco inclusivo, como no do Brasil dos anos 1970, o
grau de democracia também era baixo. Como se dá a participação?
É aberta? Admite a pluralidade? Se há apenas dois partidos, a
participação é limitada. Nos anos 70, houve eleições; no entanto, os
2
Partido Revolucionário Institucional – aquele que governou por mais tempo na América
Latina (1929-1989).

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

graus de competitividade eram insuficientes, ainda que a inclusão


tenha crescido.

A democracia é um tema complexo. É impossível defini-la como


se fazia no passado: um governo “do povo, pelo povo e para o
povo”. Isso não significa nada. Alguns teóricos afirmam que apenas
a forma direta funciona – estão fora do esquadro da sociedade de
massas, que não admite esse tipo de participação. A democracia
prevalecente a partir do século XIX era representativa, que precisa
de partidos e do confronto de ideias – sobretudo a de que os projetos
são diferentes. Portanto, insisto: temos graus de democracia.

O quadro até agora apresentado é abstrato; foquemos no Brasil.


Pouquíssimos países no mundo têm tradição eleitoral tão antiga
e constante quanto o Brasil. Os países latino-americanos em que
foram implantados regimes ditatoriais cancelaram seus processos
eleitorais. O Brasil, por sua vez, não o anulou. Isso permite uma
singularidade absolutamente significativa no confronto com os
demais partidos latino-americanos e, ainda, com outros sobre os
quais foram impostos regimes ditatoriais, como Grécia, Espanha e
Portugal. Em todos esses países, o primeiro ato da classe dirigente
foi suspender o processo eleitoral. No Brasil, ao contrário, sempre
houve eleições. Ainda que não fossem competitivas, a prática
eleitoral não se extinguiu: é quase tão antiga quanto o próprio país.

Tivemos eleições durante o período colonial – assim que os


portugueses se estabeleceram e se organizaram no Brasil. Isso
ocorreu para vários postos públicos: vereadores, juízes ordinários,
procuradores, tesoureiros, escrivães. Quem é que participava?
Homens brancos, livres e abastados, dentro dos critérios da época,
mas o questionamento é: tratava-se de uma democracia? Não, mas
era um regime político que admitia o processo eleitoral. Essa longa
tradição de eletividade não evidencia a existência de inclusão, ou
seja, de um eleitorado numeroso, que representasse um percentual
significativo do total da população. Eleições competitivas são básicas
para que um regime seja qualificado como democrático.

Outro critério básico é que o resultado da eleição seja a


expressão fiel da vontade do eleitor. Em um pleito a bico de pena,

15
cujos resultados são falseados, não se tem a eleição como critério
fundamental. Apesar de se ter um eleitorado restrito, o pleito era
um jogo de cartas marcadas. A ideia do processo político é muito
incorporada na história política brasileira; no entanto, observa-se
que, na história do Brasil Colônia, Império e Primeira República,
que havia eleições com cartas marcadas e eleitorado restrito, este
recrutado com base no critério censitário. Durante o Império e a
República já não era censitário, porém só podia votar quem era
alfabetizado – a maior parte da população era excluída.

De todo modo, a Justiça Eleitoral aparece, em 1932, como


consequência de uma luta político-ideológica para que os resultados
das eleições e o credenciamento do eleitorado e dos eleitos pudesse
ser visto como limpo e real. Essa Justiça especializada tem papel
fundamental na história política brasileira. As oligarquias eram
extremamente conflituosas entre si. Como se resolve essa disputa?
Definitivamente não pela força, o que levaria a guerras civis
permanentes. A resposta era a existência de um órgão independente
das forças políticas em disputa, neutro, capaz de ser aceito pelas
oligarquias que competiam entre si. Recorreu-se, portanto, ao Poder
Judiciário.

Tal solução estratégica não foi adotada em todos os países: não


foi acolhida pelo modelo europeu ou pelo norte-americano, ambos
modelos de democracias já estabilizadas. O procedimento brasileiro
é resultado do embate político das forças em disputa naquele
momento, uma solução aceitável. Não havia um ou outro grupo
no controle, pois existia um órgão que se colocava neutro. Tem-se,
então, a Justiça Eleitoral: uma força equidistante das forças político-
partidárias e detentora da jurisdição sobre os eleitores, sobre os
candidatos e sobre aqueles que foram eleitos. A solução foi, então,
encontrada.

A atuação dessa Justiça especializada vai desde a inscrição


até a proclamação e o julgamento dos resultados. Ainda há uma
peculiaridade muito significativa: nós, brasileiros, apresentamos
um pouco do que Nelson Rodrigues chamou de «complexo de vira-
lata»: sempre acreditamos que a nossa situação é pior do que a
dos outros. O meu otimismo vem da existência de uma instituição

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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

como a Justiça Eleitoral. Existem problemas? Muitos. É criticada? É,


por vários. No entanto, qualifica o Brasil muito mais positiva que
negativamente. Aliás, pode-se até dizer o seguinte: se observada
a história de violência política no Brasil, nota-se que a Justiça
Eleitoral tem papel preponderante, já que sua existência fez com
que os graus de violência diminuíssem bastante. Era muito comum,
sobretudo em cidades pequenas, capangas de candidatos matarem
adversários ou lideranças de adversários.

Recomendo a obra de um grande presidente do Supremo, Victor


Nunes Leal, intitulada Coronelismo, enxada e voto. Acredito que
todos deveriam ler, porque é um livro extraordinário para discutir
não apenas a importância da Justiça Eleitoral, como também os
conflitos entre os vários grupos políticos existentes no Brasil.

Por que afirmo que o papel dessa Justiça especializada é tão


relevante e me torna otimista em relação a algumas instituições?
Ela foi criada em 1932; deixou de existir em 1937, com o golpe de
Estado (de 1937 a 1945, existia na geladeira), mas foi reativada em
1945, e daí exerceu sua funções até 1964 – e até 1966, ainda havia
pluripartidarismo. Quando isto também teve fim, a Justiça Eleitoral
continuou funcionando. No começo, com as muitas alterações nas
regras, a Arena (então partido do governo) ganhava continuamente
as eleições, mas foi graças à Justiça Eleitoral e à fidedignidade no
que estava depositado nas urnas que a abertura começou no Brasil.

Em 1974, em pleno regime militar, o partido Movimento


Democrático Brasileiro (MDB) venceu as eleições para o Senado
em 16 capitais. Isso é absolutamente importante; é fantástico. Tal
fato mudou a história brasileira, pois o eleitor votou. Contudo, se o
resultado não fosse fidedigno à vontade do votante, essa mudança não
teria acontecido. Por que foi fidedigno? Porque existia uma instituição
acima dos partidos, capaz de proclamar o resultado da urna. Daí surge
a chamada “abertura brasileira”: a saída do período autoritário para a
entrada na democracia via processo eleitoral. Não houve guerra civil.
Foi por meio das eleições – e não eleições fraudadas, mas eleições
garantidas por um organismo: a Justiça Eleitoral.

17
A história só tem valor quando mostra o caminho e o que dele se
pode extrair. Quando a classe política discute uma reforma político-
partidária cujo futuro é desconhecido, o papel da Justiça Eleitoral se
torna ainda mais importante. Desde os anos 30 do século XX, ela se
constitui como ator político relevante e desempenha papel crucial
no cenário político, bem como na busca de aumentar os graus da
democracia brasileira.

É preciso lembrar um fenômeno significativo: nas primeiras


eleições civis, foi a Justiça Eleitoral quem alterou o rumo dos
processos. Trata-se do pleito em que, no meio da disputa, apareceu
um novo candidato: o apresentador Silvio Santos. Foi a Justiça
Eleitoral quem o barrou, já que isso feria vários preceitos legais.
Dessa e de outras decisões complexas veio a primeira eleição,
contrariando o modelo de colégio eleitoral. Nenhuma regra é neutra
– favorecem alguns grupos e desfavorecem outros. De todo modo, as
normas devem ser respeitadas. É por isso que a fidelidade partidária
não é estritamente necessária.

Não é fácil organizar eleições no Brasil, que é, hoje, a terceira


maior democracia de massas urbanas do mundo – perde apenas
para a Índia e para os Estados Unidos. Não estamos falando do
Uruguai ou da Costa Rica, mas de uma nação que multiplicou a
sua população numa velocidade inigualável. Há 20 anos, o país era
outro; a nação em que a maior parte de nós nasceu não tem nada
a ver com a de hoje. Este país aumentou mais de nove vezes, o
que não é pouco. Aliás, cada vez que eu volto a alguma cidade,
percebo o quanto ela mudou. Obviamente, hoje também temos
problemas que não tínhamos no passado. A publicidade é muito
maior; a implementação de redes sociais e a velocidade com que se
passam mensagens (e, muitas vezes, mensagens não verdadeiras)
são coisas que não conhecíamos há 20 anos.

Tínhamos uma propaganda: ou ia para a televisão, ou não ia. Era


preciso decidir se podiam dizer o número ou o nome, se podiam ou
não falar. Todas essas regras foram alteradas durante esse período,
mas não se contava com o avanço dos meios de informação. Portanto,
há regras que, por mais que sejam estabelecidas, não funcionam
nesses meios. Como se sabe que uma mensagem recebida é, de fato,

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

verdadeira? Como garantir que não haja ofensas a um candidato,


ultrapassando os limites do razoável, nesses meios? Não há como.

A tarefa da Justiça Eleitoral é hercúlea, mas é ela, de todas


as instituições do Judiciário, a que obtém as avaliações mais
positivas, quer por parte dos juízes, quer por parte da população.
Tive a oportunidade de fazer três pesquisas para a Associação
dos Magistrados e uma das questões referia-se a tais instituições.
A Justiça Eleitoral sempre recebia as melhores notas. Por outro
lado, ela não possui quadro exclusivo; o juiz estadual é obrigado a
participar dessas atividades. Como se já não bastasse a carga que
os juízes brasileiros têm (a mais alta de trabalho do mundo), eles
atuam ainda na seara eleitoral.

Nesse sentido, as escolas são fundamentais. As regras mudam


muito. Nas faculdades de Direito, pouco se aprende sobre Direito
Eleitoral. Examinei currículos das mais conhecidas e definitivamente
não há aulas que ofereçam preparação nessa especialidade. Não
deviam contar com isso apenas para que se ganhe um ponto a
mais para avançar na carreira; o Eleitoral deveria ser obrigatório. As
escolas, isto posto, são absolutamente fundamentais.

19
O NOVO CONCEITO DE
PROPAGANDA ELEITORAL
ANTECIPADA: UMA LEITURA À LUZ
DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE E
DA LEGALIDADE
ANNA PAULA OLIVEIRA MENDES
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

O NOVO CONCEITO DE PROPAGANDA


ELEITORAL ANTECIPADA: UMA LEITURA À
LUZ DOS PRINCÍPIOS DA LIBERDADE E DA
LEGALIDADE1

THE NEW CONCEPT OF EARLY ELECTORAL


PROPAGANDA: A READING UNDER THE
LIGHT OF THE PRINCIPLES OF FREEDOM
AND LEGALITY

ANNA PAULA OLIVEIRA MENDES2

RESUMO

A propaganda eleitoral no Brasil apenas é considerada lícita se ocorrer


dentro do lapso temporal estabelecido em lei, e a prática de propaganda
antecipada é capaz de ensejar multa pecuniária. A vedação temporal
para a prática da propaganda busca garantir a igualdade entre
os candidatos, mas a isonomia não é direito absoluto e não pode
cercear a liberdade de expressão e informação. A Lei nº 13.165/2015
buscou equalizar os princípios da liberdade e da isonomia e ampliou
o rol de condutas que configuram promoção pessoal. O objetivo do
presente trabalho é contribuir com a discussão acerca dos novos
limites da propaganda antecipada, por meio de pesquisa doutrinária
e jurisprudencial, e conclui que as leituras de pontos controversos
devem se dar à luz dos princípios da liberdade e da legalidade.

Palavras-chave: Propaganda eleitoral. Propaganda antecipada.


Liberdade de propaganda.

ABSTRACT

The electoral propaganda is only legal whether it takes place within the
period pre-established by this law, and the early propaganda practice
1
Artigo recebido em 21 de maio de 2017 e aprovado para publicação em 8 de outubro de 2017.
2
Mestranda em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),
bacharel em Direito também pela UERJ e advogada pública.

23
may give rise to a monetary penalty. The temporal prohibition on the
propaganda practice seeks to ensure equality between candidates,
but equality is not an absolute right, and shall not restrict freedom of
speech and information. The law 13.165/2015 tempted to equalize
the principles of freedom and equality and expanded the list of
behaviors that constitute personal promotion. The objective of this
study is to contribute to the doctrinal discussion about the new limits
of early propaganda, through doctrinal and jurisprudential research,
and conclude that the readings of controversial points should be
given under the light of the principles of freedom and legality.

Keywords: Electoral Propaganda. Early Propaganda. Freedom of


Propaganda.

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
A propaganda político-eleitoral está intrinsecamente ligada ao
ideal do Estado democrático de direito. A verdadeira observância
à pluralidade de opiniões políticas e à legitimidade de um governo
representativo pressupõe o enriquecimento do debate eleitoral e a
participação consciente dos cidadãos, o que se conquista também
mediante propaganda política, que fará, por sua vez, com que o
eleitor tenha acesso às ideologias e propostas do candidato. Em
contrapartida, o candidato depende da propaganda para se tornar
conhecido e, consequentemente, conquistar votos; assim, as
capacidades eleitorais ativa e passiva dependem da propagada
política para serem plenamente exercidas (ROLLO, 2012).

Não é por outra razão que a propaganda política goza de


tempo gratuito na televisão e no rádio e é custeada, também, pelo
dinheiro público. Portanto, o pressuposto de que a propaganda
política é elemento caro ao Estado democrático de direito revela
que ela merece ser lida sob a ótica dos princípios da liberdade e da
legalidade, não o contrário.

O presente trabalho tem como escopo explanar o novo


modelo de propaganda eleitoral antecipada inaugurado pela lei
minirreforma eleitoral de 2015, a Lei nº 13.165, e o significado
de uma verdadeira ruptura em relação ao modelo anteriormente
adotado, representando uma opção legislativa pelas liberdades
constitucionais de propaganda, expressão e comunicação.

2 Propaganda eleitoral

2.1 Fundamentos e princípios da propaganda


política
A propaganda política deriva dos princípios constitucionais da
liberdade de expressão, de informação e do ideal republicano, bem
como advém da ideia da soberania popular e do pluralismo político,
fundamentos da República Federativa do Brasil, de acordo com o
art. 1º, V e parágrafo único da Constituição Federal.

25
Para Neves Filho, a propaganda política é o desdobramento do
direito fundamental de liberdade de expressão na esfera política
e, por isso, impõe a “abstenção dos destinatários passivos (Estado
e particulares), inclusive em editar normas legais e infralegais
que a limitem; como também autoriza a busca pelo cumprimento
efetivo dos direitos a prestações” (FILHO, 2012, p. 22). Entre
essas prestações, pode-se citar o direito de antena, consistente na
propaganda política gratuita no rádio e na televisão.

Fávila Ribeiro, por sua vez, entende que, quanto às eleições, a


liberdade de propaganda se tornou “condição básica do processo
eleitoral, garantindo a persistência de seguro esquema para
funcionamento da competição democrática” (RIBEIRO, 1986, p. 294).

Revisados os fundamentos da propaganda política, deve-se ater


aos princípios pertinentes ao tema. Com o advento da doutrina do
neoconstitucionalismo, entendeu-se que a Constituição possui força
normativa e que os seus princípios devem irradiar para todos os
ramos do ordenamento (BARROSO, 2010), os quais, por essa razão,
também se observam na disciplina do Direito Eleitoral.

Utilizando a classificação de José Jairo Gomes, são apontados os


seguintes princípios específicos da propaganda política: a legalidade,
a liberdade de expressão e de informação, a veracidade, a isonomia,
a responsabilidade e o controle judicial (GOMES, 2016). A aplicação
dos princípios de liberdade no âmbito da propaganda é essencial
para a melhor leitura deste instituto.

O princípio da legalidade da propaganda significa que a


propaganda eleitoral é regulada exclusivamente por lei federal. São
consequências desses princípios, ainda, que “se determinado tipo
de propaganda não possui regulamentação nem se enquadra em
qualquer dispositivo legal vigente, é propaganda lícita” e o fato de
que “qualquer vedação a determinado tipo ou determinada forma
de propaganda deve ser expressa” (CONEGLIAN, 2014, p. 68).

Em relação ao princípio da liberdade de expressão e de informação,


ensina Coneglian (2014, p. 68): “a propaganda é livre, na forma

26
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

disposta na lei. Entende-se que tudo que a lei não veda é livre”. No
mesmo diapasão, Jairo Gomes afirma que, “desde que se respeitem
os limites legais, há liberdade quanto à criação da mensagem a ser
veiculada na propaganda” (GOMES, 2016, p. 416).

2.2 A propaganda eleitoral como subespécie


da propaganda política
Fávila Ribeiro conceitua propaganda como “um conjunto de
técnicas empregadas para sugestionar pessoas na tomada de
decisão” (RIBEIRO, 1986, p. 289). Assim, o objeto da propaganda
é amplo – a tomada de decisão –, razão pela qual se observa nas
diversas esferas da vida humana, desde os atos mais cotidianos,
como a propaganda destinada à venda de um alimento, até os atos
mais singulares, tal qual a propagada das indústrias automotiva e
imobiliária, destinadas à compra de um carro ou de uma casa.

Ademais, a propaganda não visa tão somente à tomada


de uma decisão de viés econômico, podendo ainda estimular
comportamentos, como a prática de atividades físicas, ou até
mesmo inspirar fins solidários, sendo a hipótese das propagandas
de campanhas de doações de agasalhos em épocas de inverno3.
Portanto, é numa sociedade cercada por propaganda que esta
também encontra espaço na atividade política.

A doutrina costuma entender a propaganda política como gênero


cujas espécies são quatro: a propaganda partidária, a propaganda
intrapartidária, a propaganda institucional e propaganda eleitoral
propriamente dita.

2.2.1 A propaganda partidária


A propaganda partidária tem expressa previsão constitucional
(art. 17, § 3º, Constituição Federal)4 e recebeu regulamentação no

3
José Jairo Gomes e Olivar Coneglian fazem distinção entre o conceito de publicidade e
propaganda. Enquanto a publicidade, para eles, sempre tem viés econômico, a propaganda
tem uma finalidade mais ampla.
4
Art. 17, § 3º: “Os partidos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao
rádio e à televisão, na forma da lei”.

27
art. 45, I a IV, da Lei nº 9.096/1995, a chamada Lei dos Partidos
Políticos, cujo conteúdo taxativamente deve: i) difundir os programas
partidários; ii) transmitir mensagens aos filiados sobre a execução
do programa partidário, dos eventos com este relacionados e das
atividades congressuais do partido; iii) divulgar a opinião do partido
em relação a temas político-comunitários; e iv) promover e difundir
a participação feminina, dedicando às mulheres o tempo que será
fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo
de 10% do programa e das inserções.

Segundo Olivar Coneglian (2014, p. 418),

A propaganda político-partidária busca discutir temas sociais,


programas ou metas do partido e tem o objetivo de conquistar
simpatias para as cores partidárias ou para posições tomadas
pelo partido em relação a questões sociais, políticas, filosóficas,
econômicas, trabalhistas.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB) e a Lei


nº 9.096/1995 apenas fazem referência à propaganda partidária
na televisão e rádio (direito de antena), mas a jurisprudência já
firmou entendimento da permissibilidade da propaganda partidária
em outros meios de comunicação, por observância ao princípio da
liberdade de expressão (GOMES, 2016). José Jairo Gomes menciona
que, ante a ausência de norma específica que discipline a propaganda
partidária nesses veículos, ela é lícita, desde que observe “as
vedações previstas para a propaganda nas leis que disciplinam o
Direito Eleitoral” (GOMES, 2016, p. 418).

As transmissões da propaganda partidária no rádio e na televisão


se dão em âmbito nacional e estadual, nas formas de cadeia e de
inserção. A cadeia suspende as transmissões das emissoras e vai
ao ar simultaneamente em todos os canais; já a inserção pressupõe
a intercalação feita na programação normal, sem a necessária
simultaneidade na transmissão nos diversos veículos. Ademais, o
tempo da propaganda partidária varia em função da representação
parlamentar do partido, tendo como parâmetro o número de

28
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

deputados federais eleitos pelo partido, segundo disciplina o art. 49


da Lei nº 9.096/19955.

O art. 45, § 1º, da Lei nº 9.096/1995 engloba as vedações


à propaganda partidária, sendo proibida: i) a participação de
pessoa filiada a partido que não o responsável pelo programa;
ii) a divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos
e a defesa de interesses pessoais ou de outros partidos; e iii) a
utilização de imagens ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos
ou quaisquer outros recursos que distorçam ou falseiem os fatos ou
a sua comunicação.

O desvirtuamento da propaganda partidária ou a infração aos


dispositivos citados acarreta a cassação do direito de transmissão,
no semestre seguinte à decisão, de tempo proporcional à gravidade
da falta (art. 45, § 2º, da Lei nº 9.096/1995). Além disso, se o
desvirtuamento se der em razão de veiculação de promoção pessoal
de pré-candidatos ou filiados, além da punição consistente na
cassação do tempo, poderá ser aplicada a multa pecuniária prevista
no art. 36 da Lei nº 9.054/1997, se presentes os requisitos para
a caracterização da propaganda eleitoral extemporânea. Segundo
Jairo Gomes (2016, p. 422), “a dupla punição à agremiação decorre
da violação de regras diversas, cada qual visando à proteção de
diferentes bens jurídicos”.

2.2.2 A propaganda intrapartidária


É aquela voltada exclusivamente para os filiados do partido
político e recebe previsão no art. 36, § 1º, da Lei nº 9.054/1997, de
onde se extraem as suas balizas, notadamente: a i) realização na
quinzena anterior à data da convenção; ii) feita por pré-candidato

5
Lei nº 9.096/1995, art. 49: Os partidos com pelo menos um representante em qualquer
das casas do Congresso Nacional têm assegurados os seguintes direitos relacionados à
propaganda partidária:
I – a realização de um programa a cada semestre, em cadeia nacional, com duração de:
a) cinco minutos cada, para os partidos que tenham eleito até quatro deputados federais;
b) dez minutos cada, para os partidos que tenham eleito cinco ou mais deputados federais;
II – a utilização, por semestre, para inserções de trinta segundos ou um minuto, nas redes
nacionais, e de igual tempo nas emissoras estaduais, do tempo total de:
a) dez minutos, para os partidos que tenham eleito até nove deputados federais;
b) vinte minutos, para os partidos que tenham eleito dez ou mais deputados federais.

29
com vistas à escolha do seu nome; sendo iii) vedado o uso de rádio,
televisão e outdoor. Ainda, o art. 36-A, III, da mesma lei engloba
a hipótese de “realização de prévias partidárias e sua divulgação
pelos instrumentos de comunicação intrapartidária”.

Como essa propaganda não se dirige aos eleitores em geral,


senão aos filiados à agremiação que participarão da convenção de
escolha dos candidatos que disputarão os cargos eletivos, tem-se,
consequentemente, a vedação do uso de meios de comunicação
de massa, como rádio, televisão e outdoor (referido art. 36).
Em resposta à Consulta nº 1.673, o TSE analisou as balizas da
propaganda intrapartidária, tecendo importantes considerações,
como a vedação à divulgação por meio da Internet e a proibição de
participação de não filiados.

No tocante às prévias partidárias para a escolha dos candidatos,


a lei proíbe “a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de
televisão das prévias partidárias”, sendo, porém, permitida “a
cobertura dos meios de comunicação social” (art. 36-A, § 1º, da Lei
das Eleições).

2.2.3 A propaganda institucional


Alguns importantes doutrinadores do Direito Eleitoral não
entendem a propaganda institucional como espécie da propaganda
política. Contudo, seguindo o entendimento de Luiz Márcio Pereira
e Rodrigo Molinaro, parece coerente caracterizar a propaganda
institucional como espécie da propaganda política:

Cabe observar que, geralmente, a propaganda institucional –


regida pelo art. 37, § 1º, da CRFB – não é considerada, pela doutrina
tradicional, espécie da propaganda política. De fato, concebida
em reverência ao princípio da publicidade, tem em mira o direito
de informação o qual a sociedade detém, a que corresponde o
dever do Estado de informar. Entretanto, a realidade das práticas
políticas reclama o reconhecimento da propaganda institucional
como modalidade da propaganda política em sentido amplo,
para que seja, inclusive, devidamente apartada e distinguida da
propaganda eleitoral, coibindo-se os abusos que se têm verificado
nos diversos níveis de governo, com o uso da máquina pública em
benefício pessoal (PEREIRA e MOLINARO, 2014, p. 5).

30
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

A propaganda institucional não tem caráter eleitoral e, portanto,


independe de partido político, candidato ou pré-candidato; é aquela
autorizada por agente público, custeada por recursos dos entes da
administração direta e indireta e destinada a divulgar, em caráter
informativo e educativo, atos, programas, serviços e campanhas
governamentais.

A Constituição veda que, na propaganda institucional, constem


“nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal
de autoridades ou servidores públicos” (art. 37, § 1º, CRFB/1988),
bem como a sua veiculação dentro “dos três meses que antecedem
o pleito”, exceto “em caso de grave e urgente necessidade pública,
assim como reconhecida pela Justiça Eleitoral” (art. 73, VI, b, da Lei
nº 9.504/1997).

2.2.4 A propaganda eleitoral


A propaganda eleitoral propriamente dita é permitida após o dia
15 de agosto do ano eleitoral6. A lei não propõe uma definição de
propaganda eleitoral, apenas fixa o seu termo inicial e regulamenta os
meios, formas e possibilidades de divulgação. Logo, a conceituação
cabe à vasta doutrina acerca do tema.

Djalma Pinto (2008, p. 242) deste modo sintetiza o conceito:

Propaganda eleitoral é aquela feita por candidatos e partidos


políticos, que objetiva a captação de voto para investidura na
representação popular. Está intimamente ligada a processo
eletivo, sendo direcionada para captar a simpatia do eleitor por
ocasião da escolha de seus representantes.

Dessa definição constam os dois conceitos que estão na


essência da ideia de propaganda eleitoral: processo eletivo e voto.
Em apertada síntese, pontua Olivar Coneglian (2014, p. 29): “a
propaganda eleitoral é aquela dirigida diretamente à conquista do
sufrágio para determinada e precisa eleição”.

6
Art. 36, Lei nº 9.054/1997: a propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de
agosto do ano da eleição.

31
A propaganda eleitoral pode ser classificada em relação à forma
de realização, ao sentido e ao momento em que é levada a efeito. A
forma de realização pode ser expressa ou subliminar. Em relação ao
sentido, pode ser positiva ou negativa: enquanto na negativa busca-
se a desqualificação dos candidatos oponentes, na positiva exalta-se
o candidato. Quanto ao momento, a propaganda pode ser tempestiva,
quando ocorrer dentro do período legalmente demarcado, ou
extemporânea, se feita fora desse período, deste modo, sujeitando
o beneficiário, quando demonstrado seu prévio conhecimento, à
sanção pecuniária prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/19977.

O foco deste trabalho é a propaganda eleitoral extemporânea e


suas novas balizas inauguradas pela minirreforma eleitoral de 2015
(Lei nº 13.165).

2.3 O iter de transformação na


caracterização conceitual da propaganda
eleitoral antecipada
Conforme exposto, a propaganda se classifica, em relação ao
momento em que é veiculada, como tempestiva ou extemporânea, no
caso de se dar fora do marco temporal legal. Entretanto, a observância
de um marco temporal nem sempre existiu no ordenamento brasileiro,
pois trata-se de uma figura relativamente recente, da época da
ditadura militar brasileira, que teve fim em 1985.

O art. 240 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965) instituiu o conceito


de propaganda antecipada, tendo sido votado no Congresso Nacional
sob a égide do Ato Institucional nº 1 (ROLLO, 2004). Segundo Alberto
Rollo, a vedação à propaganda fora do marco temporal teve o escopo
de “subordinar o candidato aos ditames do partido, impedindo-o de
projetar-se como candidato” (ROLLO, 2004, p. 48).

7
Art. 36, § 3º, da Lei nº 9.054/1997: a violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável
pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o
beneficiário à multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$25.000,00 (vinte e cinco
mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.

32
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Ainda nesse diapasão, ensina o professor Alberto Rollo (2004, p. 48):

Essa é a razão, no dizer do prof. Francisco Prado, pela qual “o texto


legal abrigou apenas o preceito – a vedação da conduta, deixando
o seu sancionamento às normas internas de cada partido. No
fundo, o que se pretendeu foi conter a irradiação dos prestígios
individuais contrários ao regime, por via do controle partidário,
razão pela qual a instauração do sistema bipartidário foi o passo
seguinte na trilha desse propósito”.
O bem jurídico consagrado no preceito foi, em verdade, o
da autoridade partidária, então reforçado. O legislador pós-
Constituição de 1988 estabeleceu o mesmo preceito, somente
com sanções administrativas, nas leis nºs 8.713/1993, 9.100/1995
e 9.054/1997, todas de natureza eleitoral.

Dessa forma, parece claro que o intuito de regular a propaganda


para proibi-la durante determinado período teve caráter
eminentemente censurador e violador das liberdades de expressão,
de manifestação e de pensamento, a fim de coibir o surgimento de
lideranças contrárias ao regime ditatorial. Por óbvio, se a censura
que perseguiu a música e as artes em geral durante o regime militar
tinha caráter político, a política tampouco escaparia.

Mesmo após o fim do regime ditatorial e a promulgação da


Constituição Cidadã de 1988, a vedação à propaganda extemporânea
permaneceu na ordem jurídica. Hodiernamente, justifica-se a ideia de
um marco temporal para veiculação da propaganda em observância
ao princípio da pars conditio.

De acordo com Eduardo Peccinin (2013, p. 332),

Concentrando a propaganda eleitoral para os três meses que


antecedem o pleito, garante-se a partidos e candidatos o acesso
igualitário ao rádio e a televisão, aos eleitores o mesmo período
de exposição a todas as plataformas, propostas e projetos
políticos, e à Justiça Eleitoral a fiscalização da propaganda de
forma mais eficaz.

Entretanto, o conceito de propaganda extemporânea nunca foi


regulado pelo legislador, que tão somente fixa o termo a partir do

33
qual ela é permitida, de modo que tal definição coube ao Tribunal
Superior Eleitoral.

Ainda segundo Peccinin (2013, p. 322),

[...] Mesmo estabelecendo esse marco temporal em prol da


isonomia entre os candidatos no pleito, a legislação ordinária
jamais procurou conceituar objetivamente o que poderia ser
considerado propaganda eleitoral, trabalho este que sempre
coube à doutrina e, principalmente, à Justiça Eleitoral, seja por
meio de suas decisões perante casos concretos, seja por meio de
suas controversas resoluções eleitorais.

Assim, o conceito de propaganda extemporânea que é adotado


pela jurisprudência até os mais recentes julgados teve como
paradigma o Ac.-TSE nº 15.372, de relatoria do Ministro Eduardo
Alckmin, de 15.4.1999 (ROLLO, 2004).

Desde então, adotou-se um conceito tripartite de propaganda


antecipada, que a entendia como “aquela que leva ao conhecimento
geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que
apenas postulada, a ação política que se pretende desenvolver
ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais
apto ao exercício de função pública”. Ainda, o relator pontuou que,
“sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal,
apta, em determinadas circunstâncias a configurar abuso de poder
econômico, mas não propaganda eleitoral”8.

O conceito tripartite, apesar de já bastante abrangente, foi ainda


mais dilatado pela jurisprudência do TSE, que entendeu também
ser possível a propaganda eleitoral antecipada subliminar, que,
para ser configurada, “não deve ser observado tão somente o texto
dessa propaganda, como também outras circunstâncias, tais como
imagens, fotografias, meios, número e alcance de divulgação [...]”9.

Essa opção era de tal maneira ampla que concluiu Coneglian


(2014, p. 231): “para que uma mensagem anterior seja considerada
propaganda eleitoral antecipada deve ela, quer no nível de denotação,
8
Ac.-TSE nº 15.732, rel. Min. Eduardo Alckmin, 15.4.1999.
9
Ac.-TSE nº 19.905, rel. Min. Fernando Neves, 25.2.2003.

34
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

quer no nível mais profundo de conotação, levar o eleitor a pensar


na eleição”. Tal elasticidade beirava a total insegurança jurídica e
dava margem aos mais diversos entendimentos jurisprudências dos
juízes e tribunais regionais, uma vez que tudo em um político, ainda
que ele não profira palavras, remete o eleitorado ao pleito eleitoral.

Assim, é possível afirmar que um conceito amplo acerca da


caracterização da propaganda eleitoral antecipada somado à ideia
da possibilidade da realização de propaganda implícita ou subliminar
praticamente engessou o rol de ações permitidas aos políticos
fora do marco temporal fixado, restando poucas opções válidas
para os homens e mulheres públicas que desejassem manter uma
proximidade com os seus eventuais eleitores.

Nas palavras de Olivar Coneglian (2014, p. 237):

O tema da “propaganda eleitoral antecipada” está coberto pelo


manto da insensatez. É certo que existe um tempo legal para
se fazer propaganda, mas também é certo que o político precisa
se expor, deve se mostrar aos eleitores para se fazer conhecido.
Proibir isso é como proibir o político de existir. Não se concebe
que o político fique em casa, quietinho, até a convenção, onde se
lança como candidato, é aprovado, e volta para casa para esperar
o cinco de julho.

No mais, restringir demasiadamente a exposição de pré-


candidato acabava, na realidade, por ferir direitos fundamentais dos
cidadãos eleitores, pois deles era podado o direito de informação
e de participação no debate eleitoral, visto que a consequência
de tamanho ativismo judicial no tema da propaganda eleitoral
antecipada era reservar qualquer debate sobre a política e as
eleições para o antigo período de apenas três meses antes do pleito.
Não parece crível que o sujeito decida o futuro da sua nação, estado
ou município em 3 meses, e tampouco seria crível que o fizesse em
45 dias, com a atual mudança legislativa.

Não se questiona aqui a imposição de um termo legal para a


veiculação da propaganda, já que ele se coaduna com o ideal da
isonomia. O que se deve questionar é o fato de que, devido às

35
amplas restrições e à insegurança gerada pela jurisprudência, todo
o debate político seja deixado para o período fixado em lei.

Diante desse cenário, o legislador começou a flexibilizar o tema


da propaganda eleitoral extemporânea já com a Lei nº 12.034/2009,
que incluiu o art. 36-A na Lei das Eleições, a fim de indicar condutas
que, mesmo se praticadas antes do termo legal, não caracterizariam
propaganda eleitoral antecipada.

O rol de permissibilidade do art. 36-A da Lei nº 9.054/1997,


segundo a redação original da Lei nº 12.034/2009, consistia em:
i) participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em
entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão
e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos
políticos, desde que não haja pedido explícito de voto, observado
pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento
isonômico; ii) realização de encontros, seminários ou congressos,
em ambiente fechado e a expensas de partidos políticos, para tratar
da organização dos processos eleitorais, planos de governos ou
alianças partidárias visando às eleições; iii) realização de prévias
partidárias e sua divulgação pelos instrumentos de comunicação
intrapartidária; ou iv) divulgação de atos parlamentares e debates
legislativos, desde que não se mencione a possível candidatura, ou
se faça pedido de votos ou de apoio eleitoral.

Citando o artigo de Luiz Eduardo Peccinin publicado na Revista


Paraná Eleitoral:

Segundo Walber de Moura Agra, a Lei nº 12.034, de 29 de setembro


de 2009, “fora criada em razão da necessidade de reformar o
ordenamento eleitoral, evitando insegurança jurídica em virtude
de posicionamentos judiciais divergentes e cambiantes”, levando
a “um novo direcionamento da legislação eleitoral, no que alterou
questões essenciais dos procedimentos adotados nas eleições,
fazendo com que mandamentos normativos estabeleçam
vetores que dantes eram indicados por decisões judiciais” (Agra,
2012, p.56-57). Em outras palavras, ficou claro que, diante das
alterações promovidas por essa reforma, o legislador ordinário
procurou dar uma resposta legal ao muito criticado “ativismo” da
Justiça Eleitoral (PECCININ, 2013, p. 322).

36
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Ainda tecendo comentários à Lei nº 12.034/2009, pontua Peccinin


(2013, p. 235):

[...] ao buscar a regulação específica da propaganda pré-


eleitoral, o legislador procurou dar mais concretude ao princípio
da liberdade da propaganda política em si, excluindo diversas
situações materiais daquilo que historicamente a jurisprudência
sempre considerou propaganda eleitoral antecipada, quando
da análise do caso concreto. Na verdade, o próprio conceito de
propaganda eleitoral antecipada é jurisprudencial, o que deixava
qualquer caso de exposição pública de supostos pré-candidatos
à mercê de decisões nem sempre uniformes e coerentes dos
tribunais eleitorais pátrios.

No entanto, as alterações introduzidas pela mencionada lei ainda


foram insuficientes frente à necessidade de ampliação do debate
político. De certo, houve pontos extremamente positivos, como o
reconhecimento da existência dos pré-candidatos (art. 36-A, IV,
redação dada pela Lei nº 12.034/2009), o que era um tabu eleitoral10.
Assim, a lei superou qualquer entendimento doutrinário contrário e
abraçou a figura da pré-candidatura.

Desta feita, a Lei nº 13.165/2015 veio lapidar o raciocínio


inaugurado pela Lei nº 12.034/2009, ampliando ainda mais as
condutas específicas que não configuram propaganda extemporânea
e aumentando o leque de possibilidades dos pré-candidatos,
representando um verdadeiro rompimento com o conceito tripartite
de propaganda trazido pela jurisprudência.

10
Como exemplo, tem-se o pronunciamento do professor Alberto Rollo no sentido de que “não
existem pré-candidatos, nem candidatos a candidato” (ROLLO, 2004, p. 58).

37
3 O modelo de propaganda eleitoral
extemporânea inaugurado pela minirreforma
eleitoral de 2015

3.1 A nova redação do art. 36-A da Lei


nº 9.054/1997: regras e exceções
A Lei nº 13.165/2015, promulgada pela presidente Dilma Rousseff,
em 29.8.2015, alterou dispositivos da Lei nº 9.504/1997, a chamada
Lei das Eleições, da Lei nº 9.906/1995, que versa sobre os partidos
políticos, e da Lei nº 4.737/1965, o Código Eleitoral. Desse modo,
ficou conhecida pela doutrina como minirreforma eleitoral de 2015.

A exposição de motivos indica que a minirreforma tem o fulcro


de “reduzir os custos das campanhas eleitorais, simplificar a
administração dos partidos e incentivar a participação feminina”.
Apesar de as mudanças pontuais impostas, não se deve minimizar
os impactos que foram causados nas eleições municipais de 2016,
principalmente no tocante à disciplina da propaganda eleitoral.

Como já exposto, no que tange à propaganda eleitoral, o legislador


tão somente fixou o marco temporal a partir do qual é permitida,
sem nunca conceituá-la, tarefa que coube à Justiça Eleitoral. A
mudança legislativa provocada pela minirreforma de 2015, por sua
vez, tampouco ousou definir o conceito de propaganda eleitoral,
mas acrescentou na redação do caput e dos incisos do art. 36-A
novas condutas que fogem à regra da vedação à propaganda fora
do marco legal. In verbis:

Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada,


desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à
pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos
pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura
dos meios de comunicação social, inclusive via internet:
[...]
V – a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões
políticas, inclusive nas redes sociais;
VI – a realização, a expensas de partido político, de reuniões de
iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação
ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar
ideias, objetivos e propostas partidárias.

38
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

[...]
§ 2o Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o
pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das
ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver.
§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação
social no exercício da profissão.

Desta feita, observa-se que a nova redação do caput do art. 36-A


da Lei nº 9.054/1997 expressa que a menção à pretensa candidatura
e à exaltação das qualidades pessoais do pré-candidato não
configura propaganda antecipada, desde que não envolva pedido
explícito de votos. Ainda, o § 2º afirma ser permitido, nas ações das
hipóteses dos incisos I a IV, “o pedido de apoio político e a divulgação
da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se
pretende desenvolver”.

Há posicionamento doutrinário no sentido de que essa ampliação


nas formas de expressão permitidas antes do marco legal se deve
à redução do prazo da campanha em 40 dias11, o que se mostra
perfeitamente razoável dentro do ideário de que a propaganda
eleitoral e a pluralidade de ideias no debate eleitoral são essenciais
para o processo democrático. Assim, uma redução tão considerável
no tempo de campanha e, consequentemente, de propaganda, não
poderia deixar de vir acompanhada de medidas que promovessem
o debate e a ampla circulação de ideias.

3.2 A ampla flexibilidade do conceito de


promoção pessoal na fase da pré-campanha e
a admissibilidade do pedido implícito de voto
O Tribunal Superior Eleitoral, além de conceituar propaganda
eleitoral extemporânea, também definiu, casuisticamente, quais
práticas eleitorais configuravam meros atos de promoção pessoal
e, portanto, excluíam o beneficiário da sanção prevista no art. 36,
§ 3o, da Lei nº 9.054/199712. Em suma, o que não era propaganda

11
Veja ROLLO, Arthur. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças a operadores do
Direito. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-
inseguranca-operadores-direito>. Acesso em: 14 jun. 2016.
12
Art. 36, § 3º: A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da
propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no

39
extemporânea era mero ato de promoção pessoal e, por conseguinte,
conduta legal.

Entre as práticas eleitorais mais comuns que se encontram na linha


tênue entre a caracterização de propaganda eleitoral extemporânea e
os atos de promoção pessoal, estão: i) as mensagens congratulatórias,
festivas e de agradecimento; ii) o caso dos artistas candidatos e
candidatos artistas; iii) a divulgação ostensiva acerca de livros de
pré-candidatos; e iv) os adesivos em veículos (PEREIRA; MOLINARO,
2014). A depender da situação, os tribunais eleitorais sancionavam
ou não a conduta, sendo certo que a conduta era considerada legal
se inexistisse qualquer possível vinculação ao pleito.

Entretanto, com a nova redação do caput do art. 36-A e parágrafos,


parece correto afirmar que está superada toda a jurisprudência dos
tribunais acerca da diferenciação desses atos e também do conceito
de propaganda extemporânea. A lei, ao afirmar que a menção à
pretensa candidatura e à exaltação das qualidades pessoais não
configura propaganda antecipada, consequentemente dá a entender
que tais práticas caracterizam, atos de promoção pessoal.

A Lei nº 13.195/2015 propõe, assim, uma ampla flexibilidade da


promoção pessoal na fase da pré-campanha, cuja única vedação
passa a ser o pedido expresso de votos.

Nesse sentido, conclui Arthur Rollo (2016):

Agora passa a ser permitida inclusive a divulgação da pré-


candidatura, acompanhada do pedido de apoio político, das
ações políticas pretéritas e futuras, em entrevistas e nas redes
sociais, por exemplo. O que não pode acontecer é o pedido de
voto. Nesse sentido, cai toda a jurisprudência do TSE a respeito
da propaganda antecipada, porque o pedido de apoio político
acaba sendo um pedido implícito de voto, e porque a divulgação
das ações políticas visa passar ao destinatário a ideia de que o
postulante é o mais apto ao exercício do cargo pretendido.

Ainda, posiciona-se José Jairo Gomes (2011, p. 443):

valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente
ao custo da propaganda, se este for maior (redação dada pela Lei nº 12.034/2009).

40
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Tão extensas se afiguram as hipóteses arroladas nesse artigo [36-


A, Lei nº 9.054/1997] (especialmente as do caput, dos incisos I,
V e VI e do § 2º), que praticamente resta esmaecido o rigor das
restrições impostas pelo art. 36 à propaganda extemporânea.

No que tange ao pedido implícito de votos, a moderníssima


doutrina que se manifestou acerca das novas balizas da propaganda
eleitoral antecipada pontua que a possibilidade de pedir apoio
político, na prática linguística, significa pedir votos. Melhor define
Arthur Rollo quando diz que “o pedido de apoio político acaba sendo
um pedido implícito de voto” (ROLLO, 2016).

Na realidade, o pedido de apoio político parece ter um viés


menos pragmático, no sentido de apresentar aos eleitores ideias,
propostas e projetos e conclamá-los para fomentarem tais objetivos.
De todo modo, na linha da jurisprudência do TSE, tais ações ou falas
significavam, indubitavelmente, pedido implícito de voto.

Assim, parece claro que o legislador, além de prever que a menção


à pretensa candidatura e à exaltação das qualidades pessoais não
configuraria propaganda antecipada, desde que não houvesse
pedido expresso de votos, também acrescentou a permissibilidade
ao pedido de apoio político (art. 36-A, § 2º) para certamente excluir
das hipóteses que ensejam sanção por propaganda extemporânea
aquelas oriundas de propaganda subliminar ou implícita. Buscou
retirar, portanto, a aplicabilidade de sanção com base na ideia de
pedido implícito de voto.

José Jairo Gomes sintetizou deste modo (2016, p. 434):

À luz do transcrito artigo 36-A, caput, no período anterior a


16 de agosto do ano das eleições, não há óbice à “menção à
pretensa candidatura”, tampouco à “exaltação das qualidades
pessoais dos pré-candidatos”. E mais: nos termos do inciso I, não
é vedada a participação de filiados a partidos e pré-candidatos
“em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na
televisão e na Internet, inclusive com a exposição de plataformas
e projetos políticos”. Também são permitidos “o pedido de apoio
político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas
desenvolvidas e das que se pretende desenvolver” (§ 2º).

41
Quanto ao “pedido de voto”, a vedação constante do caput do
art. 36-A abrange apenas a que ocorre de forma explícita, não,
porém, a que se dá de forma implícita, subjacente à comunicação.

Mais uma vez, observa-se que o legislador inovou na disciplina


e superou, desse modo, ampla jurisprudência das cortes eleitorais,
privilegiando os ideais de liberdade de expressão e informação.

4 Pontos controvertidos da propaganda


eleitoral antecipada

4.1 A problemática em relação aos custos


dos atos de promoção pessoal
De certo, não restam dúvidas de que Lei nº 13.165/2015
aumentou consideravelmente o leque de ações que, realizadas no
período pré-eleitoral, não caracterizam a prática de propaganda
eleitoral extemporânea, mas sim atos de mera promoção pessoal.

Diante de tamanha inovação, surge na academia o questionamento


acerca dos custos que esses atos de promoção pessoal poderiam
importar e se caberia algum controle desses gastos por parte da
Justiça Eleitoral, uma vez que, como não são atos de campanha, não
estão sujeitos à prestação de contas eleitoral.

Notadamente, houve apenas uma hipótese em que o legislador


da minirreforma de 2015 se referiu aos custos de atos do período
pré-eleitoral (art. 36-A, VI, da Lei nº 9.054/1997), na qual prevê a
possibilidade de o pré-candidato participar “de reuniões de iniciativa
da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio
partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e
propostas partidárias”, e delimita que elas devem ser “a expensas
de partido político” (grifo nosso).

Desse modo, em relação a tal ponto, é certo que as reuniões


devem ingressar na prestação de contas do partido. Por um lado,
a problemática desses gastos recebeu uma solução, mas, por

42
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

outro, pode continuar a engessar a atividade do pré-candidato,


principalmente daquele que disputa o pleito por meio do sistema
proporcional, já que a verba partidária raramente o contempla.

Teme-se que a ausência de previsão legal sobre o custeio dos atos


em fase de pré-campanha faça que a jurisprudência se encaminhe no
sentido de entender que só seriam permitidos os atos de promoção
pessoal que não importem em custos, o que se mostraria bastante
perigoso, pois é difícil enumerar uma atividade da vida moderna que
não represente um custo.

A omissão legislativa não pode significar proibição; ao contrário, é


permissão, conforme se extrai do princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).

Ora, se o legislador entende que os atos de promoção pessoal


são legais, não são atos de propaganda extemporânea e não têm o
condão de ferir a isonomia entre os postulantes a cargo público, eles
não podem ser punidos e proibidos apenas por possuírem um custo.
O homem público pode escolher gastar os seus recursos como bem
entender, desde que não sejam atividades ilícitas, inclusive com
atos para promover e projetar a sua imagem.

Entender de maneira diversa é esvaziar o conteúdo da norma e, mais


uma vez, trazer para o âmbito da propaganda eleitoral um ativismo
judicial infundado, que o legislador vem, sucessivamente, rechaçando.

Não se propõe aqui que os atos de promoção pessoal sejam


alheios ao controle jurisdicional. Acredita-se, apenas, que os atos de
promoção pessoal são livres, em todas as suas formas, desde que
não contenham pedido explícito de voto.

Por outro lado, caso se constate que recursos financeiros foram


gastos em abundância, de modo a verdadeiramente desequilibrar
o pleito, caberá a intervenção da Justiça Eleitoral para coibir, nesse
caso, o abuso do poder econômico, devidamente apurado no bojo de
uma ação de investigação judicial eleitoral (art. 22, LC nº 64/1990).

43
O que não deve ser tolerado é que qualquer conduta do pré-
candidato que implique um aporte financeiro seja proibida. Isso é
o que o legislador não proibiu e, por óbvio, não caberá ao Poder
Judiciário fazê-lo.

4.2 As vedações à propaganda em geral


aplicáveis à pré-campanha: uma análise à
luz do princípio da liberdade e legalidade da
propaganda
A Lei nº 13.165/2015 traz à discussão outro ponto controvertido,
que diz respeito à incidência na fase da pré-campanha das vedações
impostas à propagada eleitoral em geral. Em suma, questiona-se a
possibilidade de veiculação de promoção pessoal se utilizando dos
meios e formas que são proibidos na época de campanha eleitoral.

Para ilustrar melhor essa problemática, tem-se o caso do


Recurso Eleitoral nº 39613, em que o Tribunal Regional Eleitoral de
Pernambuco condenou uma pré-candidata à multa de R$5.000,00
(cinco mil reais) por ter veiculado mensagem em outdoor no período
pré-eleitoral.

No caso em tela, o outdoor exibia a imagem da pré-candidata e


mensagem de felicitação, em razão de seu aniversário, assinada por
amigos.

A Corte Regional Eleitoral reconheceu tratar-se de ato de pré-


campanha e, ainda assim, concluiu por aplicar a multa prevista
no art. 36, § 3o, da Lei nº 9.054/1997 por entender que o ato foi
praticado em meio proibido pela legislação eleitoral, qual seja,
outdoor, conforme vedação prevista no art. 39, § 8o, da mesma lei14.

13
TRE/PE. RE nº 3-96.2016.6.17.0135, relator Des. Paulo Victor Vasconcellos de Almeida.
Julgado em 8.4.2016 e publicado no DJ 14.4.2016.
14
Art. 39, § 8º, da Lei nº 9.504/1997: “Na Internet, é vedada a veiculação de qualquer tipo de
propaganda eleitoral paga”.

44
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

A decisão fundamentou-se na ideia de que deveria existir uma


interpretação sistêmica da lei, não se podendo admitir “atos de
pré-campanha por meios de publicidade vedados pela legislação
no período permitido da propaganda eleitoral”, e nela acrescentou-
se que “tais atos devem seguir as regras da propaganda, com a
vedação adicional de pedido explícito de voto”.

Para a contribuição ao debate, parece que os pontos levantados


neste trabalho auxiliam na elucidação da questão.

O primeiro ponto que deve ser levado em consideração é que


o art. 39, § 8o, da Lei nº 9.504/1997 proíbe a propaganda eleitoral
mediante outdoors. Assim, atos de mera promoção pessoal,
dentro das novas balizas do art. 36-A da Lei das Eleições, por não
configurarem propaganda eleitoral nem mesmo na modalidade
extemporânea, não se sujeitam a esse modal.

Desse modo, conclui-se que apenas são vedados e passíveis de


sanção os outdoors que veiculem propaganda eleitoral, ainda que
antecipada, excluindo, por óbvio, os de promoção pessoal que não
contenham pedido expresso de votos.

Em apertada síntese, a lei não tratou atos de promoção pessoal


como se fossem atos de propaganda eleitoral e, por isso, não parece
razoável imaginar que o legislador teria imposto as proibições de
uma a outra. Ademais, é incabível admitir qualquer tipo de proibição
implícita, o que violaria o princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB).

Isso não se aplica apenas ao uso de outdoors, mas a todas as


vedações que incidem sobre a propaganda eleitoral em geral.
Entender de forma diversa do disciplinado pelo legislador seria fazer
uso da analogia para punir e ir além da disposição legal, o que não
merece ser tolerado.

Portanto, a solução do questionamento sobre as vedações


à promoção pessoal precisa ser lida sob a ótica da legalidade da
propaganda e da liberdade de propaganda e de informação.

45
O legislador entendeu que a flexibilização dos atos de promoção
pessoal não fere a isonomia entre os postulantes a cargo público e
fez uma escolha pela liberdade de expressão e manifestação, que
deve, por isso, vir a ser respeitada no âmbito jurisprudencial.

5 Conclusão
A propaganda eleitoral, subespécie do gênero propaganda política,
difere das outras espécies por visar à obtenção do voto para pleito
eleitoral específico. Entretanto, além do objeto imediato da captação
do sufrágio, é inegável o seu viés informativo e educacional, que se
torna indispensável para o exercício pleno da capacidade eleitoral
ativa, pois leva ao eleitor à pluralidade de ideias e de propostas,
além de fomentar o debate cívico.

Desde a Lei nº 12.034/2009, o legislador buscou apresentar


respostas ao ativismo judicial na caracterização da propaganda
extemporânea, cujo conceito se mostrava cada vez mais abrangente
e impreciso. Assim, neste primeiro momento, foi definido um rol
taxativo de condutas da vida política que não caracterizavam ato de
propaganda eleitoral antecipada, bem como foi dada previsão legal
à figura do pré-candidato.

Todavia, essa primeira flexibilização não foi suficiente, de modo


que a Lei nº 13.165/2015 propôs um conceito totalmente novo do
que seria a propaganda eleitoral extemporânea, sendo a proibição
ao pedido expresso de voto a única vedação precisa para os atos de
promoção pessoal no período pré-eleitoral.

Conclui-se que a minirreforma eleitoral de 2015 propõe uma


ampla flexibilidade da promoção pessoal na fase da pré-campanha,
permitindo, inclusive, o pedido implícito de votos. Entretanto, apesar
do avanço legislativo, ainda existem pontos controvertidos que
precisam ser lidos à luz dos princípios constitucionais de liberdade e
legalidade, sob pena do engessamento do debate político.

46
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Referências

BARROSO, Luiz Roberto. Curso de direito constitucional


contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo
modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Curitiba: Juruá, 2014.

GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

NEVES FILHO, Carlos. Propaganda eleitoral e o princípio da


liberdade da propaganda política. Belo Horizonte: Fórum: 2012.

PECCNIN, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda


política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei
Eleitoral. Paraná Eleitoral, v. 2, n. 3, 2013.

PEREIRA, Luiz Márcio; MOLINARO, Rodrigo. Propaganda política:


questões práticas relevantes e temas controvertidos da
propaganda eleitoral. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

PINTO, Djalma. Direito eleitoral: improbidade administrativa e


responsabilidade fiscal: noções gerais. São Paulo: Atlas, 2008.

RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 10. ed. Niterói: Impetus, 2010.

RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,


1986.

ROLLO, Alberto. Propaganda eleitoral: teoria e prática. 2. ed. rev. e


atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

47
ROLLO, Arthur Luis Mendonça. A importância ambiental da
propaganda eleitoral. Paraná Eleitoral, v. 1, 2012.

______. Mudanças recentes na lei eleitoral geram inseguranças


a operadores do Direito. Disponível em: <http://www.conjur.
com.br/2015-out-31/mudancas-lei-eleitoral-gera-inseguranca-
operadores-direito.>. Acesso em: 14 jun. 2016.

48
CANDIDATURA INDEPENDENTE NO
BRASIL: UMA PROPOSTA DE
APLICABILIDADE AO ÂMBITO LOCAL
PARA O CARGO DE VEREADOR
BRUNO FERREIRA DE OLIVEIRA
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

CANDIDATURA INDEPENDENTE NO BRASIL:


UMA PROPOSTA DE APLICABILIDADE
AO ÂMBITO LOCAL PARA O CARGO DE
VEREADOR1

INDEPENDENT CANDIDATES IN BRAZIL:


A PROPOSAL OF APPLICABILITY TO THE
LOCAL SCOPE FOR THE POSITION OF
COUNCILMAN

BRUNO FERREIRA DE OLIVEIRA2

RESUMO

A candidatura independente, que tem como fundamento abranger ao


máximo a participação efetiva dos cidadãos na política, é realidade
em diversos países. No Brasil, apesar de haver propostas de emenda
à Constituição, as opiniões a respeito dessa medida estão bem
divididas. O presente artigo visa trazer à tona os argumentos dados
pelos defensores e opositores com base na análise das propostas
de emenda à Constituição (PEC nº 21/2006 e PEC nº 6/2015), além
de demonstrar como se estrutura tal forma de participação em
países vizinhos (Chile, Paraguai, Venezuela e Bolívia). Recomenda-
se sua implantação aos cargos municipais (vereadores) no Brasil
como modelo para que, futuramente, seja estabelecida para outros
cargos.

Palavras-Chave: Candidatura independente. Filiação partidária.


Partido político.

ABSTRACT

The independent candidacies are reality in several countries as


an argument to maximize the effective participation of citizens in
1
Artigo recebido em 12 de abril de 2017 e aprovado para publicação em 5 de outubro de 2017.
2
Graduado em Letras e graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.
Pós-graduado em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário Claretiano. Professor de Língua
Portuguesa e de Direito Eleitoral para concursos públicos. Membro-colaborador da Comissão
de Direito Eleitoral da OAB de Uberlândia/MG.

51
politics. In Brazil, despite proposed amendments to the constitution,
opinions are well divided. This article aims to bring to light the
arguments put forward by defenders and opponents, based on
the analysis of the proposed amendments to the constitution (PEC
21/2006 and PEC 6/2015), as well as to demonstrate how this form
of participation is structured in some Neighboring countries (Chile,
Paraguay, Venezuela and Bolivia), without, of course, exhausting
this clash. It is recommended that municipal positions (councilmen)
be implemented in Brazil as a model so that, in the future, it can be
applied to other positions.

Keywords: Independent candidates. Party Membership. Political party.

52
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
Consoante a Constituição Federal de 1988, a filiação partidária é
condição para o exercício da capacidade eleitoral passiva, ou seja,
o direito de ser votado. Sem o preenchimento dessa condição, ao
eleitor não se permite representar a sociedade no campo político,
seja no Legislativo, seja no Executivo.

A democracia, em conceito clássico, parte das ideias de demos


(povo) e de kratein (governo): ao povo é dado exercer o governo do
alcance dos seus fins (Schumpeter, 1988, p. 313). Com base nesse
pressuposto, amarrar o cidadão a um partido político para exercer
“o governo do alcance dos seus fins” é um ataque à democracia.

É necessário fortalecer o direito fundamental ao sufrágio passivo,


e umas das formas é a implantação da candidatura independente ou
avulsa no Brasil, como ocorre na maioria das democracias modernas
no mundo.

Corroboram Medina e Gilas (2014, p. 312):

Las candidaturas tienen el propósito de abrir el sistema de


partidos y dotar a los ciudadanos de una alternativa legal, distinta
a las que ofrecen las fuerzas políticas. Al mismo tiempo, son una
expresión o fortalecimiento del derecho fundamental al sufragio
pasivo, al terminar con el monopolio de los partidos políticos en
la materia de registro de candidatos, misma que resultaba ser
una limitación al derecho a ser votado de los ciudadanos, al
obligarlos necesariamente a afiliarse a un partido político para
presentarse en las elecciones. Por el otro lado, el sentido de la
representación proporcional es reflejar la composición social en
el órgano colegiado, a fin de que los grupos minoritarios puedan
ser escuchados y exista representatividad social en la instancia
que toma decisiones imperativas para todo el cuerpo electoral. Si
los dos propósitos anteriores son correctos, entonces, no existe
justificación alguna para que las candidaturas sin partido no
obtengan espacios en la pista proporcional. Tales candidaturas
buscan ser una opción para que los ciudadanos diferencien sus
votos y, de llegar a integrarse a un órgano colegiado, ser las
voces que representen a grupos minoritarios (grifo nosso).

53
Este artigo objetiva trazer à tona argumentos favoráveis e
contrários à tal implantação de participação política – sem esgotar
a discussão –, apresentando exemplos dos vizinhos sul-americanos
e proposta para adoção, no Brasil, de um sistema de representação
para candidaturas avulsas no âmbito local (municipal).

2 Filiação Partidária na Constituição Federal


de 1988
Hodiernamente, são registrados, no Tribunal Superior Eleitoral,
35 partidos políticos3; no entanto, nem sempre foi assim. Antes da
Constituição Federal de 1988, havia apenas 5 partidos com registros
deferidos perante a Justiça Eleitoral (PMDB, PTB, PDT, PT e DEM).

Percebe-seque a “corrida partidária” é fruto da carta cidadã


embasada no pluralismo político e no pluripartidarismo O primeiro,
registrado na Constituição do Brasil como fundamento da República,
e este último, inerente a qualquer sistema eleitoral democrático,
para que se atenda à evidência de que as sociedades são pluralistas
e ideologicamente múltiplas.

Segundo Maurice Duverger (1978),

[...] as modernas democracias de certa forma secundarizam, em


benefício dos partidos políticos, a participação popular direta;
na verdade, ainda segundo esse autor, os partidos políticos
adquiriram a qualidade de autênticos protagonistas da democracia
representativa, não se encontrando, no mundo ocidental,
nenhum sistema político que prescinde da sua intermediação,
sendo excepcional e mesmo até exótica a candidatura individual
a cargo eletivo fora do abrigo de um partido político (grifo nosso).

Essa afirmação leva a crer, de acordo com Erick Wilson Pereira


(2004, p.20), que os partidos políticos parecem ser muito mais
instrumentos designadores de representantes do que condutores
de ideias e de disciplina internas entre os seus filiados. Em outras

3
Partidos Políticos – Disponível em: <http://www.tse.jus.br/partidos/partidos-politicos/
registrados-no-tse>. Acesso em: 29 mar. 2017.

54
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

palavras, os partidos viabilizam a obtenção do exercício individual e


dos benefícios do poder.

No contexto atual, a força de uma agremiação partidária é medida


conforme o número de filiados que consegue agregar: quanto maior
o número de admissões, maior a possibilidade de representação no
âmbito político, social e econômico.

A filiação associa-se a manifestações do ativismo político


em organizações partidárias que compreendem, entre outras
atividades, o engajamento em campanhas eleitorais, a participação
em mobilizações do partido ou a disputa de cargos em nome do
partido. Esta última é a mais presente no cenário jurídico eleitoral
atual – a possibilidade de disputa de cargos.

A chamada Lei Agamenon, assim intitulado o Decreto-Lei nº 7.586,


de 28 de maio de 1945, foi a primeira aparição no ordenamento
jurídico brasileiro da previsão de condição de elegibilidade – a
filiação partidária. O finado art. 39 do mesmo decreto previa que
somente poderiam concorrer às eleições candidatos registrados por
partidos ou por alianças de partidos. Conforme preleciona Savio
Chalita (2014, p.44), a filiação estabelece o vínculo entre o cidadão
e o partido político, teoricamente, por razões de afeição de ideias e
bandeiras defendidas.

No âmbito constitucional, ao longo da história, nenhuma


Constituição havia consagrado a filiação partidária como requisito
de elegibilidade – salvo a de 1988, no art. 14 –, o qual o Brasil adota
como condição de elegibilidade4 visando ao exercício da capacidade
eleitoral passiva. Desse modo, para o cidadão pleitear um cargo
eletivo, é necessário que um partido político seja intermediário
dessa relação.

Afasta-se, assim, do cenário brasileiro a possibilidade da chamada


candidatura avulsa ou independente (terminologia adotada nos
Estados Unidos da América). Exige-se do indivíduo que esteja filiado

4
Constituição Federal de 1988, art. 14, § 3º.

55
a um partido há no mínimo seis meses5 antes das eleições, prazo
este alterado pela Lei nº 13.165/2015.

O que parece ser a regra é, na verdade, a exceção. A filiação


partidária como requisito para o exercício da capacidade eleitoral
ativa representa a minoria nas democracias modernas. De acordo
com dados da Rede de Informações Eleitorais6 (ACE Project), o Brasil,
em conjunto com África do Sul, Argentina e Suécia, entre outros,
encontra-se no grupo de 9% dos países do mundo que não adotam
nenhum tipo de candidatura avulsa em seus pleitos (federais,
estaduais ou municipais).

Em contrapartida, 43% dos países consagram as candidaturas


independentes nas eleições presidenciais e legislativas, como
os Estados Unidos e a Itália. A candidatura avulsa está presente
somente nos cargos legislativos em quase 40%. Quando o olhar paira
sobre a América Latina, o percentual de países que não consideram
a candidatura avulsa sobe para 35%.

Ampliar a participação política, mediante a possibilidade de


candidaturas independentes (avulsas), é um dos argumentos
aduzidos pelos países que adotam a modalidade flexível de poder
ao cidadão.

3 Candidatura independente nos países latinos


A cidadania se manifesta na possibilidade de votar, portanto
na escolha dos melhores representantes, bem como na
ampliação de ser votado, ao se exercer a capacidade eleitoral
passiva. Hoje, a Constituição, em seu art. 14, estabelece
condições cumulativas de elegibilidade, sendo uma delas a
filiação partidária. Sem isso, o candidato, ainda que atenda
todos os outros requisitos, não poderá participar da vida política
concorrendo a um mandato eletivo: está configurada uma
quase-discriminação-à-vida-política.

5
Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997), Art. 9º.
6
Parties and Candidates: Independent candidates. Disponível em: <http://aceproject.org>.
Acesso em: 27 mar. 2017.

56
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

De forma diversa, podem-se observar condutas opostas em


países latino-americanos. A tabela7 a seguir mostra os países que
adotam e os que não adotam a candidatura avulsa.

Tabela 1 – Candidatos independentes nos países latinos


Sistema de Candidatos
País
Governo independentes?
Argentina República Não, em nenhum caso
Monarquia
Belize Sim, em eleições legislativas
constitucional
Bolívia República Sim, em ambas
Brasil República Não, em nenhum caso
Chile República Sim, em ambas
Colômbia República Sim, em ambas
Costa Rica República Não, em nenhum caso
Cuba República Sim, em eleições legislativas
El Salvador República Sim, em eleições legislativas
Equador República Sim, em ambas
Guiana Francesa República Não, em nenhum caso
Guatemala República Não, em nenhum caso
Haiti República Sim, em ambas
Honduras República Sim, em ambas
México República Sim, em ambas
Nicarágua República Não, em nenhum caso
Panamá República Sim, em ambas
Paraguai República Sim, em ambas
Peru República Sim, em ambas
República
República Sim, em ambas
Dominicana
Uruguai República Não, em nenhum caso
Venezuela República Sim, em ambas

7
Disponível em: <http://aceproject.org/epic-en/CDTable?view=country&question=PC008>.
Acesso em: 30 mar. 2017.

57
Constata-se assim que 55% dos 22 países latinos analisados
adotam candidaturas independentes em seus moldes legais e
constitucionais. Portanto, mais da metade já aplica, nas normas
eleitorais, a abertura da democracia para candidatos que não
querem ou que não podem filiar-se a partidos políticos. Desse
grupo 32% não consideram a hipótese de candidatura avulsa nas
respectivas legislações – Brasil, Argentina, Costa Rica, Guiana
Francesa, Guatemala, Nicarágua e Uruguai.

Ademais, vale ressaltar que sete países, que correspondem a 32%


do grupo, aderiram à candidatura independente de forma parcial, ou
seja, somente no âmbito das casas legislativas, não atingindo os
cargos eletivos presidenciais.Capta-se da análise da tabela ainda
que 86% dos países latinos não exigem filiação partidária para
participação na vida política.

A Constituição da República do Chile8 (1980) posiciona em um


mesmo patamar os candidatos independentes e os filiados a partidos
políticos, conferindo, assim, certa igualdade na disputa política.

Artículo 18. Habrá un sistema electoral público. Una ley orgánica


constitucional determinará su organización y funcionamiento,
regulará la forma en que se realizarán los procesos electorales
y plebiscitarios, en todo lo no previsto por esta Constitución y
garantizará siempre la plena igualdad entre los independientes
y los miembros de partidos políticos tanto en la presentación de
candidaturas como en su participación en los señalados procesos.
Dicha ley establecerá también un sistema de financiamiento,
transparencia, límite y control del gasto electoral (grifo nosso).

O art. 10 da Lei Orgânica Constitucional9 sobre votações


populares e escrutínios (Lei nº 18.700) estabelece os requisitos para
candidatura independente aos cargos de deputados e senadores:
deve-se atingir apoio mínimo de cidadãos e, posteriormente,
registrar no órgão eleitoral competente.

8
Constitucion Politica de la Republica de Chile, 1980. Disponível em: <http://www.leychile.
cl/Navegar?idNorma=242302>. Acesso em: 30 mar. 2017.
9
Ley Organica Constitucional sobre Votaciones Populares y Escrutinios. Disponível em: <http://
www.leychile.cl/Navegar?idNorma=30082&idParte=0>. Acesso em: 30 mar. 2017.

58
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Artículo 10. Las candidaturas independientes a Diputados o


Senadores requerirán del patrocinio de un número de ciudadanos
igual o superior al 0,5 por ciento de los que hubieren sufragado
en el distrito electoral o en la circunscripción senatorial, según se
trate de candidaturas a Diputados o Senadores, respectivamente,
en la anterior elección periódica de Diputados, de acuerdo con
el escrutinio general realizado por el Tribunal Calificador de
Elecciones (grifo nosso).

Além dos requisitos numéricos, a lei chilena determina ainda que


o apoio a candidatos independentes seja de eleitores não filiados a
nenhum partido político deferido ou em formação. Esse requisito é
compatível com as novas exigências de apoio mínimo para formação
de partidos políticos no Brasil, estabelecidas pelo § 1º do art. 7º da
Lei dos Partidos Políticos.

Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha


caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove,
no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados
a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco
décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para
a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e
os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um
mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja
votado em cada um deles (grifo nosso).

Diferentemente de países como Belize, Cuba e El Salvador,


a República Chilena aplica a candidatura avulsa aos cargos
presidenciáveis, conforme estatui o art. 13 da Lei nº 18.700.

Artículo 13. El patrocinio de las candidaturas independientes


a Presidente de la República deberá suscribirse ante cualquier
notario por un número de ciudadanos, habilitados para ejercer
el derecho a sufragio, no inferior al 0,5 por ciento de los que
hubieren sufragado en la anterior elección periódica de Diputados,
de acuerdo con el escrutinio general practicado por el Tribunal
Calificador de Elecciones (grifo nosso).

Se comparada à situação do Chile, a permissão à candidatura


independente está bem mais avançada no Paraguai, onde é possível aos
cidadãos legalmente registrados perante a Justiça Eleitoral se apresentar

59
como candidatos de movimentos políticos para todos os cargos eletivos,
segundo estabelece o art. 85 do Código Eleitoral paraguaio10.

Artículo 85. Todos los ciudadanos legalmente habilitados tienen el


derecho a presentarse como candidatos de movimientos políticos,
para los distintos cargos electivos nacionales, departamentales o
municipales, nominales y pluripersonales (grifo nosso).

Ademais, o Código Eleitoral paraguaio estabelece requisitos


técnicos para candidatura oriunda de movimentos políticos: (i) não
ter participado como postulante em eleições partidárias para o cargo
em questão; (ii) não integrar ou ter integrado partido político nos
últimos dois anos; (iii) apoio mínimo de eleitores, correspondente
a pelo menos 0,5% de votos válidos emitidos nas últimas eleições.

Caberá, também, ao Tribunal Eleitoral paraguaio realizar de ofício


investigações contábeis. Se comprovadas irregularidades graves
na contabilidade dos movimentos políticos, pode-se cancelar a
inscrição da candidatura.

Do cenário paraguaio depreende-se a ampliação da participação


política, esvaziando o poder partidário e conferindo poder aos
movimentos sociais.

Assim como o Chile e o Paraguai, a Venezuela confere aos


candidatos independentes o direito de concorrer às eleições, mas vai
além. Consoante o art. 47 da Lei Orgânica dos Processos Eleitorais11,
grupos de eleitores, cidadãos por iniciativa própria, comunidades
e organizações indígenas têm direito a postular candidaturas
requerentes que pertençam às organizações com fins políticos. Para
isso, assim como nos países já citados, precisam atender alguns
requisitos, como o respaldo de assinaturas de apoio da sociedade,
conforme descreve o art. 53 da mesma lei.

10
Código Electoral Paraguayo. Disponível em: <http://pdba.georgetown.edu/Parties/
Paraguay/Leyes/codigoelectoral.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2017.
11
Ley Orgánica de Procesos Electorales. Disponível em: <http://www.cne.gov.ve/web/normativa_
electoral/ley_organica_procesos_electorales/titulo5.php>. Acesso em: 30 mar. 2017.

60
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Artículo 53. Para postularse por iniciativa propia, los electores o


las electoras deberán presentar conjuntamente con los requisitos
exigidos para optar al cargo de elección popular al cual aspiran,
un respaldo de firmas de electores y electoras equivalentes al
cinco por ciento (5%) del Registro Electoral que corresponda al
ámbito territorial del cargo a elección popular (grifo nosso).

Da mesma forma que a Venezuela viabiliza a participação de


grupos indígenas, a Bolívia também o faz, como precisa a Lei do
Regime Eleitoral de 2010:

Artículo 46. (ELEGIBILIDAD). Son elegibles las bolivianas y


los bolivianos que cumplan los requisitos establecidos en la
Constitución Política del Estado y en la presente Ley. Para ser
elegible es necesario ser postulado por una organización política o,
cuando corresponda, por una nación o pueblo indígena originario
campesino (grifo nosso).

Comparar o Brasil com democracias pouco sustentáveis, como as


sul-americanas, é arriscado, constata-se, porém, que o país está, de
fato, na contramão das democracias modernas.

Segundo o Index Democracy 201612 – indexador das democracias em


plena, imperfeita, regime híbrido e regime autoritário –, o Brasil ocupa a
51ª posição no ranking: é considerado uma democracia imperfeita.

O índice analisa alguns dos pontos importantes que tornam uma


democracia forte e plena: o processo eleitoral, o pluralismo, as
liberdades civis, o funcionamento do governo, a participação e a
cultura política.

Com base na primeira tabela apresentada, sobre os países


que permitem a candidatura independente, e nos dados do Index
Democracy 2016, chega-se aos dados a seguir:

12
Index Democracy 2016. Disponível em: <http://www.eiu.com/Handlers/WhitepaperHandler.
ashx?fi=Democracy-Index-2016.pdf&mode=wp&campaignid=DemocracyIndex2016>.
Acesso em: 30 mar. 2017.

61
Tabela 2 – Índice de democracia x Candidatos independentes
Pontuação:
Candidatos Ranking
País participação
independentes? geral
política
Norue-
ga Não, em nenhum caso 10 1º
Sim, em eleições
Islândia presidenciais 8,89 2º
Suécia Não, em nenhum caso 8,33 3º
Nova
Zelân- Sim, em eleições
dia legislativas 8,89 4º
Dina- Sim, em eleições
marca legislativas 8,33 5º
Sim, em eleições
Canadá legislativas 7,78 6º
Irlanda Sim, em ambas 7,78 7º
Suíça Sim, em ambas 7,78 8º
Finlân-
dia Sim, em ambas 7,78 9º
Austrá- Sim, em eleições
lia legislativas 7,78 10º
Brasil Não, em nenhum caso 5,56 51º

Como se pode constatar, 80% das dez democracias com melhores


classificações no ranking asseguram a candidatura afastada da
filiação partidária em sua legislação. Isoladamente, isso não é
garantia de democracia plena, porém contribui para o aumento da
participação política dos cidadãos, principalmente em um cenário
marcado pela insatisfação com os partidos políticos da atualidade.

Associar diretamente o índice a uma característica exclusivamente


formal do sistema representativo não é suficiente para inserir a
candidatura independente como essencial para o fortalecimento de
uma democracia. No entanto, como defende James Bohman (1996),

62
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

O necessário, além do próprio processo de legitimação, encontra-


se na abertura do processo a qualquer cidadão interessado; na
disponibilidade de razões publicamente acessíveis; e no consenso
não acerca das decisões, mas sobre os métodos e substâncias
indispensáveis que servem de fundamento para essas decisões”
(grifo nosso).

4 Argumentos favoráveis e contrários à


implantação da candidatura independente no
Brasil
Apesar de haver posicionamentos divergentes, propostas de
emenda constitucional sobre a temática “candidatura avulsa” não
são novidade no Brasil. Em 2011, o Senador Paulo Paim (PT/RS)
apresentou proposta de emenda constitucional (PEC nº 21/200613)
que recebeu parecer contrário do relator na Comissão de Constituição
e Justiça. Na proposta em voga, ele justificou a adoção da nova
modalidade de candidatura com os seguintes argumentos:

(i) O sistema político democrático está em crise.


(ii) O monopólio da representação política pertence aos
partidos políticos – dos grupos que dominam as máquinas
partidárias, oligarquias formadas em todos os partidos,
quaisquer que sejam suas inclinações políticas ou
ideológicas.
(iii) A instituição da nova modalidade permitirá maior
abertura à participação da sociedade e contribuirá para
que a sociedade política e a sociedade civil se aproximem,
pois o distanciamento traz complicações à legitimidade das
instituições.

Poucos anos depois, o Senador Reguffe (PDT/DF), por meio da PEC


nº 6/201514, propôs novamente a matéria, considerando que, para
ser registrada pela Justiça Eleitoral, a candidatura avulsa deveria

13
PEC nº 21/2016. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/77650>. Acesso em: 4 abril 2017.
14
PEC nº 6/2015. Disponível em: <http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/
materia/119631>. Acesso em: 4 abr. 2017.

63
contar com o apoio e a assinatura de pelo menos 1% dos eleitores
aptos a votar na região (município, estado ou país, conforme o caso)
em que o concorrente disputará o pleito.

Propunha-se nessa emenda constitucional a inserção do art. 17-A,


que trazia o seguinte texto: “A filiação ao partido político é direito
de todo cidadão brasileiro, vedada a exigência de filiação partidária
como condição de elegibilidade ou requisito de qualquer espécie
para o pleno exercício dos direitos políticos”. Essa proposta de
emenda girava em torno dos seguintes argumentos:

(i) Filiação partidária não deveria ser impedimento ao cidadão de


bem que desejasse lançar-se candidato;
(ii) Respeito e valorização do eleitor e das pessoas de bem, em vez
do fortalecimento das máquinas partidárias.
(iii) Chamamento dos cidadãos de bem para a política.

Ambas as PECs foram negadas.

Os grupos defensores e contrários à candidatura independente


no Brasil se dividem, traçando inúmeras justificativas. Os favoráveis
argumentam que (i) a implantação da candidatura avulsa reduziria
a abstenção dos eleitores nas eleições municipais e gerais no Brasil.
Em 2016, o número de abstenções chegou a 25 milhões de eleitores.
Os motivos são diversos, mas os principais são a desconfiança do
eleitor para com a classe política e os inúmeros casos de corrupção
dos partidos políticos. Então, a incredibilidade das organizações
partidárias daria lugar a um candidato isento das amarras
ideológicas e corruptas de partidos políticos, (ii) que, ao longo do
tempo, vem perdendo forças para representar uma sociedade cada
dia mais exigente.

Defendem, ainda, que a candidatura independente permitiria


ao cidadão a alternativa de, mesmo contrário a todas as ideologias
partidárias, candidatar-se, pois essa modalidade de candidatura (iii)
não reivindica vinculação ao estatuto partidário. Isso poderia gerar

64
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

uma (iv) mudança significativa nas estruturas internas dos partidos


políticos, uma vez que eles se empenhariam nas campanhas
eleitorais para ganhar o eleitorado.

Outro argumento relevante para os defensores é a (v) redução


de custos na organização partidária. A adoção de um sistema
independente de filiação partidária possibilitaria redução nos gastos
de campanha eleitoral no Brasil.

Além disso, a possibilidade de se candidatar sem se filiar a um


partido político é vista como um estímulo à maior participação do
cidadão na política, principalmente ao possibilitar o ingresso de
jovens e fortalecer o sistema representativo. A cidadania não pode
ser mediada pelos partidos políticos, pois fere a dignidade da pessoa
humana exigir a filiação para cumprir um desejo de representação
popular: é uma violência à consciência do cidadão, um atentado à
liberdade de consciência.

Contrários à implantação afirmam que a candidatura sem


filiação (i) fere o pluripartidarismo constitucional15, enfraquecendo
os partidos políticos, devido à concorrência que seria implantada.
Os partidos políticos perderiam filiados e, por sua vez, reduziriam a
participação no acesso ao Fundo de Assistência aos Partidos Políticos,
mais conhecido como Fundo Partidário. Consideram, também,
que (ii) os candidatos independentes estariam em um patamar
de supremacia quanto às restrições legais de acesso aos cargos
eletivos, comparadas com as cláusulas de acesso implantadas pela
legislação eleitoral aos partidos políticos.

Não haveria justificativa para eleger candidatos de listas


independentes, pois, (iii) nos países implantados, o número dos
que acessam o poder é irrisório e insignificante perante os eleitos
mediante filiação partidária. Além disso, (iv) aqueles que conseguem
possuem alto poder aquisitivo, deixando à margem da sociedade os
que não dispõem de poderio econômico.

15
Constituição Federal de 1988 – “Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção
de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o
pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana.”

65
5 Proposta de candidatura independente no
âmbito local (municipal) para vereadores
No Brasil, como constatado, é inerente ao cidadão que quiser se
candidatar a qualquer cargo eletivo ser filiado a um partido político
registrado no Tribunal Superior Eleitoral. Ao longo deste artigo,
citaram-se países que adotam a candidatura independente e, com
base na análise feita, propõe-se um modelo de candidatura avulsa,
no âmbito local (municipal), inicialmente, para as eleições ao cargo
de vereador. Partindo desse âmbito como modelo experimental,
avança-se, posteriormente, em uma discussão de aplicabilidade às
outras circunscrições (estaduais, federais e nacionais).

À medida que se avança para os níveis estadual e nacional, a


possibilidade de eleger-se com recursos próprios, disputando com
os partidos políticos expressivos, torna-se praticamente impossível,
o que justifica opção pelo âmbito municipal. Para vereança, a
possibilidade de o nome do candidato independente ter peso
expressivo é maior e mais palpável que nas circunscrições estaduais
e nacionais.

O sistema adotado para essa proposta seria o Sistema Proporcional


Independente, baseado na formação de uma única lista com todos os
candidatos independentes da circunscrição. Ao se formar a lista de
candidatos independentes, estes estariam sujeitos à distribuição de
cadeiras pelo sistema proporcional tradicional (mediante quociente
eleitoral e quociente partidário). Funcionariam como um único
partido, denominado Lista Independente, e, a partir da formação
dela, sujeitar-se-iam a todas as exigências presentes no sistema
proporcional tradicional de distribuição de cadeiras.

A proposta de candidatura independente será dividida em cinco


etapas:

1. O pretenso candidato demonstra interesse perante o


juiz eleitoral da circunscrição em que deseja concorrer. A
manifestação de interesse se dará na forma escrita no período
compreendido entre 20 e 25 de julho, período este dentro do

66
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

lapso para a realização de convenções partidárias eleitorais16,


realizadas entre 20 de julho e 5 de agosto. Tal etapa será
nominalmente configurada como Manifestação de Interesse
para Candidatura Independente.

2. O juiz eleitoral terá 3 dias, no máximo, após a entrega da


manifestação, para deferi-la ou indeferi-la, com base em
requisitos de elegibilidade independente (nacionalidade
brasileira, pleno gozo dos direitos políticos, idade mínima
de 18 anos para o cargo de vereador, domicílio eleitoral
na circunscrição há no mínimo 1 ano antes das eleições e
alistamento eleitoral). Perceba-se que o único requisito de
elegibilidade não previsto é a filiação partidária, por questões
óbvias e factuais ao tema deste artigo.

3. Deferida a manifestação, o pretenso candidato teria até 15 de


agosto do ano eleitoral para apresentar um documento de apoio
mínimo à candidatura (Comprovação de Apoiamento Mínimo
para Candidatura Independente – CAMCI), exigindo, no mínimo,
assinaturas de 5% do eleitorado municipal não filiado a partidos
políticos. No documento constariam nome do eleitor, número
do título eleitoral, número de zona eleitoral e assinatura. Não
há previsão de inconstitucionalidade do percentual exigido para
apoio mínimo, pois trata-se apenas de uma manifestação de
interesse, não provocando a eleição do pré-candidato, como
ocorre na manifestação de apoio mínimo para criação de partido
político presente na Lei dos Partidos Políticos.

4. A entrega da documentação de apoiamento mínimo seria


feita ao juiz eleitoral da circunscrição. Após averiguação das
assinaturas, o juiz eleitoral terá no máximo 72 horas para
decidir pelo deferimento ou indeferimento da candidatura
independente, a partir de afixação do pedido de registro no
cartório eleitoral de origem.

16
Lei das Eleições – Art. 8o A escolha dos candidatos pelos partidos e a deliberação sobre
coligações deverão ser feitas no período de 20 de julho a 5 de agosto do ano em que se
realizarem as eleições, lavrando-se a respectiva ata em livro aberto, rubricado pela Justiça
Eleitoral, publicada em vinte e quatro horas em qualquer meio de comunicação.

67
5. Da publicação do deferimento, partido político, candidato,
coligação e Ministério Público teriam até 5 dias para propor
recurso, enquanto que, no caso de indeferimento, o pretenso
candidato teria o mesmo prazo, o que se assemelha à Ação
de Impugnação de Registro de Candidatura17.

Resumidamente, são estas as etapas:

Figura 1

Entrega da
Juiz eleitoral Após deferimento, Deferimento
manifestação
defere ou indefere abertura do prazo ou indeferimento Registro do
de Interesse
a manifestação para buscar apoio da manifestação candidato
para candidatura
independente mínimo de eleitores

O candidato independente estaria classificado no mesmo rol dos


candidatos às eleições proporcionais, no que tange à prestação
de contas de campanha eleitoral, portanto, será feita pelo próprio
candidato18, com base nos limites estabelecidos por eleição.

Na distribuição das vagas pelo sistema proporcional, conforme


o Código Eleitoral, o candidato independente estaria no mesmo
patamar que um partido político. Apesar da maior dificuldade
fática para preencher uma vaga, possibilitaria uma amplitude na
participação democrática.

De fato, a discussão não se encerra, pois outros aspectos devem ser


observados quanto às candidaturas independentes: barreiras legais
constitucionais, formas de financiamento, acesso ao rádio e à televisão,
representação perante as autoridades eleitorais, documentação
eleitoral, fiscalização e sanções aplicáveis (Oropeza, 2014).

17
Lei Complementar nº 64/90 – “Art. 3° Caberá a qualquer candidato, a partido político,
coligação ou ao Ministério Público, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da publicação do
pedido de registro do candidato, impugná-lo em petição fundamentada.”
18
Lei das Eleições – Art. 28 – § 2º As prestações de contas dos candidatos às eleições
proporcionais serão feitas pelo próprio candidato.

68
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

6 Conclusão
O processo de implantação das candidaturas independentes no
Brasil, devido à divergência de opiniões entre os grupos políticos e
sociais, não será fácil: dependerá de muitos debates e de análises
dos prós e contras no sistema eleitoral brasileiro. É cediço que a
regulação dessa modalidade de candidatura possui um elemento
positivo no acréscimo de participação cidadã e, como afirmam
Medina e Gilas (2014, 314),

La experiencia internacional demuestra que las candidaturas


independientes no logran dominar la escena política, aunque se
trate de un proceso para el funcionamiento de las democracias
representativas: los partidos políticos siempre serán los canales
principales de acceso al poder político (grifo nosso).

Se, em apenas 9,68% dos 217 países do mundo, as candidaturas


avulsas não são permitidas para o Legislativo nem para o Executivo,
e o Brasil está contemplado nesse número, estamos na contramão
de transformação para uma democracia moderna representativa. Os
partidos políticos já não são suficientes para garantir a representação
da sociedade.

Os desafios serão proeminentes. A alteração deverá perpassar


o texto constitucional, que preconiza a filiação partidária como
condição de elegibilidade. Sem ela, é impossível alguém pleitear
um cargo eletivo. Só então, será possível alterar as normas
infraconstitucionais, como a Lei das Eleições (Lei nº 9.504, de 1997)
e a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096, de 1995).

Como afirma Gilas (2014, p.28),

Ese reconocimiento constitucional del derecho ciudadano a


ser candidato independiente obligó a cambiar las reglas de
los procesos electorales para crear un nuevo marco legal que
permita a tales candidatos competir en pie de igualdad con los
de los partidos políticos, al regular su registro, las maneras de
hacer campaña, posibilidades de financiamiento y reglas de
fiscalización (grifo nosso).

69
De fato, reconhecer mais uma modalidade de participação cidadã,
sem respaldo dos partidos políticos, será um dos maiores desafios
da moderna legislação eleitoral brasileira, uma vez que o embate
entre as forças partidárias e a força individual cidadã não poderá ser
entrave para a renovação das normas eleitorais.

Referências

BOHMAN, James. Public deliberation: pluralism, complexity and


democracy. Cambridge: MIT Press, 1996.

DUVERGER, Maurice. As modernas tecnodemocracias. Trad. de


Natanael Caixeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

GILAS, Karolina M. Candidaturas independientes y justicia electoral.


El impacto de las sentencias del tepjf. In: EGGLETON, Marcela Ávila;
MARTÍNEZ, Angélica Cazarín; MENA Ricardo A. de la Peña; REYES,
Rubén Ibarra (Coord.). Federalismo electoral: experiencias locales.
México: Somee/ife, 2014.

OROPEZA, Manuel González. Las Candidaturas independientes en


Mexico: Escenarios y retos, 2014.

PEREIRA, Erick Wilson. Controle jurisdicional do abuso de poder no


processo eleitoral. São Paulo: LTr, 2004.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo y democracia.


Madrid: Aguillar, 1988.

70
O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO
MÍNIMA COMO CRITÉRIO DE
CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DOS
CRIMES ELEITORAIS – ESTUDO DE
CASO DO ART. 299 DO CÓDIGO
ELEITORAL
CASSIANA LOPES VIANA
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

O PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA


COMO CRITÉRIO DE CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE DOS CRIMES
ELEITORAIS – ESTUDO DE CASO DO ART. 299
DO CÓDIGO ELEITORAL1

THE PRINCIPLE OF MINIMUM


INTERVENTION AS A CRITERION FOR
CONTROLLING THE CONSTITUTIONALITY
OF ELECTORAL CRIMES – A CASE STUDY OF
ELECTORAL CODE´S ART. 299

CASSIANA LOPES VIANA2

RESUMO

Propõe-se a aplicação do princípio da intervenção mínima –


reinterpretado sob a perspectiva do Estado democrático de direito –
como critério de controle de constitucionalidade dos crimes eleitorais,
arrematando com o estudo de caso da conduta descrita no art. 299
do Código Eleitoral. A metodologia adotada foi a jurídico-dogmática;
levantou-se, como dados primários, a Constituição da República
de 1988, a legislação e a jurisprudência e, como secundários,
a doutrina especializada. Conclui-se pela incompatibilidade do
art. 299 do Código Eleitoral, no que se refere à corrupção ativa, com
a Constituição, propondo-se ao Poder Judiciário a declaração de sua
inconstitucionalidade parcial.

Palavras-chave: Princípio da intervenção mínima. Crime eleitoral.


Estado democrático de direito. Captação ilícita de sufrágio.

ABSTRACT

This article proposes to apply the principle of minimum intervention –


reinterpreted from the perspective of the Constitucional State – as a
1
Artigo recebido em 16 de agosto de 2017 e aprovado para publicação em 11 de outubro de 2017.
2
Assessora jurídica e chefe de gabinete de juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais
desde 2008, atuando como colaboradora da Presidência no período de 2014 a 2016.

73
criterion for controlling the constitutionality of electoral crimes, being
end with the case study of the conduct described in art. 299 of the
Electoral Code. The article adopted the dogmatic legal methodology.
The primary data were brought from the Constitution of 1988,
brazilian law and jurisprudence, and the secondary from specialized
doctrine. It concludes, in the end, by the incompatibility of art. 299
of the Electoral Code, with regard to active corruption, with the
Brazilian Constitution, suggesting to the Judiciary the declaration of
its partial unconstitutionality.

Keywords: Principle of minimum intervention. Election crime.


Constitutional State. Vote buying.

74
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
O presente artigo propõe a aplicação do princípio da intervenção
mínima – reinterpretado sob a perspectiva do Estado democrático
de direito – como critério de controle de constitucionalidade dos
crimes eleitorais, e apresenta, ao fim, estudo de caso da conduta
descrita no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou


para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para
obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda
que a oferta não seja aceita:
Pena: reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

Inicialmente, advirta-se não ser objetivo desta pesquisa


problematizar a necessidade de o Estado proteger a liberdade
e legitimidade do sufrágio, de forma que os pleitos eleitorais
sejam realizados dentro da mais completa regularidade e lisura.
A liberdade do voto é princípio que pode ser extraído do art. 14,
§ 9º, da Constituição da República de 19883 e um dos seus objetivos
é legitimar o mandato dos governantes, representantes do povo.
Não há dúvidas de que aludido princípio é por demais caro aos
cidadãos brasileiros, afirmação que pode ser extraída do fato de
setores da sociedade brasileira sedentos pelo resgate da ética no
processo eleitoral terem se mobilizado para incluir – por meio de
projeto de iniciativa popular4 – norma eleitoral que garantisse ao
indivíduo a liberdade de votar conforme os desígnios de sua própria
consciência. Aludida norma encontra-se materializada no art. 41-A
da Lei nº 9.504/19975, conhecida como Lei das Eleições, que pune,
3
CF/1988, art. 14, § 9º. “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade
e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e
a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o
abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
(BRASIL, 1988).
4
Cumpre esclarecer que, ante as dificuldades encontradas para fazer tramitar um projeto de
iniciativa popular, a proposta de lei, ao final aprovada com o nº 9.840/1999, foi subscrita por
deputados e apresentada como de iniciativa parlamentar.
5
Lei nº 9.504/1997, art. 41-A: “Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui
captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou
entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer
natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da
eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou

75
na esfera cível, a captação ilícita de sufrágio, também chamada de
compra de votos.

Contudo, havendo proteção, na seara cível-eleitoral, ao bem


jurídico liberdade de consciência, questiona-se: faz-se necessário
proteger esse mesmo bem também na seara penal?

Inicialmente, parte-se da premissa de que criminalizar de forma


ampla os ilícitos eleitorais era a medida que melhor se compatibilizava
com a matriz constitucional e ideológica que vigia à época da
elaboração do Código Eleitoral, período em que a democracia se
mostrava incipiente no Brasil, não passando de

[...] um período antagônico e transitório de reconstitucionalização


do país, feita em bases precárias, debaixo de uma tempestade
ideológica e logo tolhida pelo golpe de Estado de 10 de novembro
de 1937 (BONAVIDES, 2005, p. 366-367).

De modo diverso, considerando que a Constituição de 1988


está prestes a completar 30 anos, pode-se afirmar que se encontra
positivado o enquadramento democrático que confere legitimidade
ao ordenamento jurídico brasileiro. Uma vez que o Brasil
constitui-se como Estado democrático de direito, que tem como
fundamento a dignidade da pessoa humana, é necessário alertar
que esse princípio é incompatível com o expansionismo penal a que
se assiste contemporaneamente.

No novo contexto pós-Constituição de 1988, faz-se necessário


analisar a compatibilidade da criminalização dos ilícitos eleitorais
com a Constituição sob outra perspectiva teórica, cujo norte é o
reconhecimento dos direitos fundamentais tanto das vítimas dos
ilícitos eleitorais quanto daqueles que os cometem.

Neste trabalho, parte-se da ideia de que a principal função do


Direito Penal é proteger os bens jurídicos mais importantes para
uma sociedade constituída (BITENCOURT, 2016). Assim, inicia-se

do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18


de maio de 1990”.

76
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

tecendo breves considerações sobre as teorias contemporâneas,


constatando-se que a teoria constitucional é a que permite ao Direito
Penal, como subsistema social, manter sua função crítica, limitadora
do jus puniendi estatal e de remodelagem estrutural em decorrência
da evolução do conhecimento e da sociedade, priorizando a proteção
dos direitos fundamentais tanto do criminoso quanto da vítima.

Em seguida, aborda-se brevemente a teoria dos direitos


fundamentais, com ênfase no aspecto objetivo, do qual se extraem
tanto proibições de intervenção desnecessária do Estado na vida do
cidadão quanto mandamentos de proteção suficiente – pelo Estado –
em caso de violação desses direitos.

A pesquisa avança ao tecerem-se considerações sobre o


princípio da intervenção mínima, das quais propõe-se a releitura
constitucional, objetivando sua utilização como critério de
controle de constitucionalidade das medidas restritivas de direitos
fundamentais.

Ao final, partindo desse suporte teórico, é enfrentada a questão


problematizada – a proteção suficiente, na esfera cível-eleitoral, à
corrupção ativa – e são apresentadas as conclusões.

2 Teorias contemporâneas sobre bem jurídico


O Direito Penal é uma das formas mais graves que o Estado
possui de exercer coerção sobre o indivíduo, visto que a sanção,
não raramente, retira do homem um de seus mais caros direitos:
a liberdade. Assim, com o fim de restringir o âmbito de aplicação
do Direito Penal, diversos juristas, cada qual conectado à matriz
disciplinar de sua época, buscaram delimitar o bem jurídico penal,
tarefa das mais árduas6.

6
A noção de bem jurídico penal surgiu contemporaneamente ao movimento iluminista,
com o objetivo de selecionar o conjunto de valores apto a legitimar a punibilidade dos
comportamentos que os ofendessem. Em decorrência de sua matriz liberal, identificou-se
o bem jurídico com os interesses fundamentais do indivíduo na sociedade, com destaque
à vida, ao corpo, à liberdade e ao patrimônio. O Direito Penal teria legitimidade para atuar,
então, com base na lesão a direitos subjetivos. Após essa etapa, seguiram diversas teorias,
e, por relevância científica, ressaltem-se nomes como Birnbaum, Binding e Franz Von Liszt
(PRADO, 2014; BECHARA, 2009).

77
Vislumbra-se também haver dificuldades, ainda hoje, quanto
à classificação das teorias sobre o bem jurídico penal. Luiz Regis
Prado (2014), por exemplo, divide as concepções de bem jurídico
em sociológicas – funcionalistas sistêmicas e interacionistas
simbólicas – e constitucionais. Juarez Tavares (2003), por sua vez,
as denomina modelo funcional estrutural, modelo funcional próprio
e modelo funcional impróprio.

Passa-se a explicitar a teoria constitucional do bem jurídico penal


(ou funcional imprópria), advertindo ao leitor a sua adoção para, com
base nela, estabelecer os critérios pelos quais se deve proceder à
seleção de bens a serem protegidos juridicamente pelo Direito Penal.

A teoria constitucional surge após a Segunda Guerra Mundial.


Com a descoberta das atrocidades do nazismo, concluiu-se que o
Direito pode servir para justificar a barbárie praticada em nome
da lei. Constatou-se que o legislador, escudado pela lei, ainda
que representante da vontade da maioria, pode ser tão opressor
quanto o pior dos tiranos. Assim, para evitar a utilização da lei como
instrumento de opressão às minorias, fez-se necessário conectá-la
ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Em razão de movimentos liderados principalmente pelo chamado


(neo)constitucionalismo, uma gama de pensadores passou a utilizar
a letra da lei como limitação ao jus puniendi do Estado, conforme
dita o princípio da reserva legal ou legalidade, além do positivado na
Constituição, ora como limite, ora como impulsionador (ou ambos),
como fundamento de sua atuação.

Nesse momento histórico, ganha força a teoria dos princípios,


elegendo a dignidade da pessoa humana como valor supremo.
Acentua-se a importância de utilizar aludidos vetores na interpretação
da norma, alçando-os ao topo da hierarquia normativa e colocando-
os a salvo de maiorias eventuais. Destarte, pode-se afirmar,
coadunando com Luís Roberto Barroso (2009), que as constituições
pós-guerra centram na pessoa e nos seus direitos fundamentais a
base de todo o ordenamento jurídico. O Estado, atualmente, é uma

78
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

instituição que tem como principal função a proteção da dignidade


da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais7. Para ilustrar:

[...] perante as experiências históricas da aniquilação do ser


humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo,
genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base
da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o
reconhecimento do homo nourmenon, ou seja, do indivíduo como
limite e fundamento do domínio da República. Nesse sentido,
a República é uma organização política que serve o homem,
não é o homem que serve aos aparelhos político-organizatórios
(CANOTILHO, 1998, p. 221).

No contexto de reconhecimento da força normativa da Constituição


e da proteção aos direitos humanos, retorna-se à preocupação
de limitar o poder punitivo do Estado por meio da noção de bem
jurídico. Surgem, assim, as teorias constitucionais, defendendo
que a limitação ao poder punitivo do Estado deve encontrar seu
fundamento de validade na Constituição e não mais na letra da
lei. Nessa concepção, “a via escolhida, que refere a busca pelos
limites de criminalização no próprio texto constitucional, parece a
única plausível” (NEISSER, 2016, p. 125). Dentre os pensadores da
teoria constitucionalista (funcionalista imprópria) destaca-se Claus
Roxin, ao apontar que “[...] o caminho correto só pode ser deixar as
decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema
do Direito Penal” (BITENCOURT, 2016, apud ROXIN, 1972, p. 123).

7
A principal referência no desenvolvimento do novo Direito Constitucional na Europa foi a Lei
Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, sobretudo após a instalação do Tribunal
Constitucional Federal, ocorrida em 1951. A partir daí, teve início uma fecunda produção teórica
e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do Direito Constitucional no âmbito dos
países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a Constituição
da Itália, de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo
da década de 1970, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da
Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo Direito Constitucional.
Esse novo constitucionalismo europeu caracterizou-se por reconhecer a força normativa das
normas constitucionais, rompendo com a tradição que tornava a Constituição documento
antes político que jurídico, subordinado às circunstâncias do Parlamento e da administração.
No caso brasileiro, o renascimento do Direito Constitucional se deu, igualmente, no ambiente
de reconstitucionalização do país, por ocasião da discussão prévia, convocação, elaboração e
promulgação da Constituição de 1988 (BARROSO, 2009, p. 247).

79
Os defensores dessa teoria ressaltam que “[...] o conceito de bem
jurídico deve ser inferido da Constituição, operando-se uma espécie
de normativização das diretivas político-criminais” (PRADO, 2014, p. 64).

Roxin defende um sistema normativo dualista (teleológico-


funcional), admitindo que limites materiais de fora do sistema
penal influenciem na elaboração de conceitos jurídicos. Vê-se que
a abertura do sistema ao influxo de valores representa o retorno
“[...] da tradição metodológica do neokantismo, agora revitalizada
com base nos princípios garantistas limitadores do ius puniendi,
reconhecidos pela Constituição” (BITENCOURT, p. 124).

Essa perspectiva do sistema de Direito Penal permite sua crítica,


limitação e remodelação em função da evolução do conhecimento,
possibilitando a concretização dos direitos fundamentais.

Prado (2014, p. 66) destaca que Roxin parte da ideia de Constituição,


mais especificamente, da noção moderna de Estado democrático e
social de direito para elaborar sua tese, atribuindo ao Direito Penal
dupla função – proteger os bens jurídicos constitutivos da sociedade
e garantir prestações públicas necessárias à existência do indivíduo
–, objetivando possibilitar ao indivíduo o livre desenvolvimento da
sua personalidade, “[...] que a nossa Constituição considera como
pressuposto de uma condição digna”.

Diametralmente oposto a Roxin, Günter Jakobs (2007), principal


defensor da teoria funcionalista sistêmica, concebe o Direito Penal
como um sistema normativo fechado, com a exclusão de valorações
externas, defendendo a ideia de que o objeto da tutela penal é a
proteção fática da norma jurídica e que para a sua preservação
podem ser negados direitos aos que cometem delitos graves – os
inimigos a serem combatidos pelo Estado8.
8
Jakobs parte da teoria de Luhman e, ambicionando elaborar sua tese, separa os homens em
dois grupos: o primeiro é formado por cidadãos, que são aqueles que reconhecem e cumprem
as regras sociais impostas pela própria coletividade, e o segundo é composto pelos inimigos
do Estado, ou seja, os que cometem delitos e, por não participarem da dinâmica social,
a quem são negados direitos e garantias fundamentais, que seriam prerrogativas apenas
daqueles que participam do Estado. Surge, assim, o direito penal do inimigo, direito penal
rigoroso, objetivando combater o inimigo da sociedade. Como o delito seria uma disfunção
do sistema (um fato socialmente danoso): o delinquente deve ser imediatamente expurgado
do sistema (JAKOBS, 2007).

80
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Devido a isso, de modo convergente com Sales (2013), Prado


(2014), Roberti (2001) e Bitencourt (2016), conclui-se que a teoria
funcionalista sistêmica se revela incompatível com o Estado
democrático de direito e, em consequência, com todo o sistema
jurídico penal brasileiro. Ademais, ao erigir a norma jurídica a uma
categoria superior ao indivíduo, colide-se frontalmente com o
princípio da dignidade da pessoa humana.

Por todo o exposto, conclui-se que a teoria constitucionalista é a


que melhor se compatibiliza com o Estado democrático de direito,
por adotar um sistema aberto que permite influxos da sociedade
para aperfeiçoá-lo, preocupando-se em estabelecer limites ao jus
puniendi do Estado e buscando o livre desenvolvimento de todos os
indivíduos e da sociedade.

2.1 Breves considerações sobre direitos


fundamentais e mandados de criminalização
Adotada a teoria constitucionalista, reconhece-se a existência de
um limite à liberdade de conformação do legislador: os valores de
uma determinada sociedade previstos constitucionalmente. Surge,
então, uma indagação: em que se constituem esses valores?

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2007), a partir da revolução


burguesa, os direitos fundamentais integram, “[...] ao lado da
definição de forma de Estado, do sistema de governo e da organização
do poder, a essência do Estado constitucional [...]”. Os direitos
fundamentais constituem, para além de sua função limitativa do
poder, critérios de legitimação do poder estatal e da própria ordem
constitucional, só se justificando o poder para a efetivação dos
direitos do homem.

Para promover os aludidos direitos, não basta a simples abstenção


do Estado na vida do cidadão; impõe-se um dever de proteção
aos direitos fundamentais9. Em outras palavras, conforme explica

9
De acordo com Sarlet (2007), os direitos fundamentais dividem-se em duas perspectivas,
a saber: subjetivas e objetivas. A faceta subjetiva refere-se à possibilidade que tem o seu
titular de fazer valer judicialmente os poderes e liberdades que lhe foram consagrados.

81
Sarlet (2007), atualmente os direitos fundamentais não se limitam
ao aspecto subjetivo; também constituem decisões valorativas de
natureza jurídico-objetiva da Constituição, reconhecendo funções
autônomas aos direitos fundamentais com grande densidade
normativa e com eficácia em todo o ordenamento jurídico, bem
como fornecendo diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários
e executivos. O âmbito objetivo fora concebido para reforçar a
juridicidade e efetividade das normas de direitos fundamentais,
propiciando que elas se realizem no plano fático, notadamente
porque a efetividade de aludidos direitos é condição necessária para
a própria promoção do indivíduo.

Como desdobramentos da dimensão objetiva dos direitos


fundamentais, tem-se o reconhecimento de sua eficácia irradiante,
significando que os direitos fundamentais são tidos como: a) o norte
de todo o ordenamento jurídico, tanto no momento da elaboração
da norma como no de sua interpretação e aplicação – visto que
incorporam e expressam determinados valores fundamentais
de uma comunidade, que esta deve respeitar e concretizar; b) o
reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais,
significando a aplicação destes nas relações privadas; e c) a teoria
dos deveres de proteção do Estado.

Ao Estado, como ressalta Sarlet (2007), incumbe a tarefa de


ser amigo e guardião dos direitos fundamentais; para tanto, deve
adotar medidas das mais diversas naturezas, entre elas estabelecer
até normas restritivas de outros direitos fundamentais, se for
estritamente necessário.

Em sede jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal (STF)


examinou o tema na ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário
nº 418.376/MS, oportunidade em que o Ministro Gilmar Mendes
apresentou voto-vista cuja tese principal se estruturava na proibição
de proteção deficiente em matéria penal (BRASIL, 2006). Mendes
destacou que a doutrina vinha apontando para a existência
de uma espécie de garantismo positivo, como outra face da

Têm a função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do
poder público – pode-se afirmar que eles consolidam a proibição de excesso do Estado,
estabelecendo limites ao jus puniendi.

82
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

proporcionalidade, de modo que a proibição de proteção deficiente


era muito importante na aplicação dos direitos fundamentais de
proteção, especificamente naqueles casos em que “[...] o Estado
não pode abrir mão da proteção do Direito Penal para garantir a
proteção de um direito fundamental [...]”.

É necessário, após essa exposição, responder à seguinte questão:


em que hipótese o Direito Penal é imprescindível ao Estado para que
proteja efetivamente direitos fundamentais? A resposta perpassa
necessariamente pela teoria dos mandados de criminalização e pelo
princípio da não intervenção.

Cleber Masson (2010) afirma que os mandados de criminalização


“[...] indicam matérias sobre as quais o legislador ordinário não tem
a faculdade de legislar, mas a obrigatoriedade de tratar, protegendo
determinados bens ou interesses de forma adequada e, dentro do
possível, integral [...]”. Defende que os mandados de criminalização
se apresentam no texto constitucional de duas formas: explicita
e implícita. Os explícitos ou expressos são aqueles cuja simples
leitura indica, de forma clara, a necessidade de criminalização ou
de tratamento mais rígido a determinadas infrações penais; os
implícitos podem ser extraídos dos valores protegidos ao longo do
texto constitucional.

Inserindo-se no paradigma pós-Segunda Guerra, a Constituição


da República Federativa do Brasil de 1988 rompeu com o Direito
Penal até então vigente ao retirar do legislador infraconstitucional o
poder de conformação e determinar expressamente a criminalização
de algumas condutas.

O STF, quando julgou o HC nº 102.087/MG, admitiu expressamente


a existência de mandados de criminalização. Naquela oportunidade,
o Ministro Gilmar Mendes assim se manifestou:

[...] Os direitos fundamentais não podem ser considerados


apenas proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando
também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-
se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas
uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também

83
podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente
ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos
constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador,
para seu devido cumprimento, o dever de observância do
princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como
proibição de proteção insuficiente [...] (BRASIL, 2012).

Portanto, o STF entende que o princípio da proporcionalidade


deve servir de norte ao legislador, com o fim de evitar excessos e
garantir a proteção suficiente.

Com base no exposto, depreende-se que os bens selecionados


pela Constituição para serem protegidos são aqueles que expressam
os valores fundamentais da sociedade por ela normatizada, o que
corresponderia aos direitos fundamentais. Assim, estes vinculam o
legislador infraconstitucional ao indicar quais os bens merecem a
proteção do Estado e, ao mesmo tempo, lhe impõem o dever de
proteção efetiva do cidadão.

Poder-se-ia concluir que o legislador tem ampla liberdade de


conformação para criar normas penais, desde que respeitado o
conteúdo valorativo a ele indicado pelos direitos fundamentais.
Argumentar-se-ia que, por esse viés, estaria, inclusive, efetivando
seu dever de proteção.

Contudo, a aludida conclusão revela-se precipitada, uma vez que,


ao cumprir tal dever de proteção, o Estado não pode afetar de forma
desproporcional o direito fundamental à liberdade daquele que
está sendo acusado da violação ao direito fundamental de terceiro.
Não se pode perder de vista, assim, que, ao lado do garantismo
positivo, encontra-se o garantismo negativo, devendo ambos ser
considerados tanto pelo legislador, ao criar a norma penal, quanto
pelo magistrado, ao julgar o processo criminal.

A fim de solucionar esta difícil equação – de um lado, os deveres


de proteção do Estado a direitos fundamentais (mandamento
de criminalização), selecionados pela Constituição, e, de outro, a
proteção a direitos fundamentais como limite ao poder punitivo
do Estado (proibição de excesso) – recorre-se ao princípio da

84
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

intervenção mínima, propondo sua releitura com as matrizes do


Estado democrático de direito, para que o aludido princípio possa
atuar como critério de controle de constitucionalidade das medidas
restritivas de direitos fundamentais.

3 Princípio da intervenção mínima com o


colorido constitucional
Em razão da vergonhosa história das penas surge, ao lado do
Estado moderno, um movimento que objetiva proteger a liberdade
dos homens contra a intervenção punitiva do Estado10. Sobre esse
aspecto, “[...] coube a Beccaria o título de precursor da defesa e
do respeito aos direitos humanos” (ROBERTI, 2001, p. 66). Segundo
a autora, “[...] Beccaria, revolucionando o pensamento jurídico,
desencadeou um novo Direito Penal; a partir de então, voltou-se
para uma efetiva defesa social, com olhos nos direitos humanos e
respeito à dignidade individual da pessoa” (ROBERTI, 2001, p. 66).

Passou-se a defender que o Direito Penal não deve atuar para


proteger todos os bens jurídicos: deve ser reservado para que o
Estado possa dele se utilizar somente para coibir ações não toleradas
pela sociedade, em razão das graves consequências advindas da
simples instauração de um processo criminal na vida do cidadão.

Surge, nesse contexto, o princípio penal da intervenção mínima,


que, segundo Roberti (2001), tem como principal objetivo limitar o
poder punitivo do Estado, que só se legitima quando constitui meio
necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O princípio
da intervenção mínima informa que, se para o restabelecimento
da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou

10
Ferrajoli ressalta que a “[...] história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante
para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais
numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas
e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva e
necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, consciente,
organizada por muitos contra um. Frente à artificial função de defesa social, não é arriscado
afirmar que o conjunto das penas cominadas na história tem produzido ao gênero humano
um custo de sangue, de vidas e de padecimentos incomparavelmente superior ao produzido
pela soma de todos os delitos” (FERRAJOLI, 2002, p. 310).

85
administrativas – ou qualquer outra que não a penal –, são essas as
medidas que devem ser utilizadas para reprimir o ilícito.

Sales (2013) adota parcialmente o modelo garantista de Luigi


Ferrajoli, conectando o princípio da intervenção mínima ao terceiro
axioma daquele modelo: Nulla Lex (poenalis) sine necessitate.
Explica que “Ferrajoli trabalha com a ideia de que o direito Penal
somente está justificado diante de sua absoluta necessidade e
apenas pode estabelecer proibições mínimas necessárias” (SALES,
2013, p. 145).

Especificamente no que se refere ao ordenamento jurídico


brasileiro, embora não conste expressamente do texto da Constituição
da República, o princípio da intervenção mínima encontra-se nele
implícito logo em seu art. 1º, inciso III, ao consagrar a dignidade da
pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito.

No contexto da Constituição de 1988, Roberti (2001) alerta


que, uma vez que se reconheça como intangível o postulado da
dignidade da pessoa humana, uma certeza deverá advir: a de que
as disposições que restringem a liberdade humana não podem
ultrapassar o limite do necessário.

Sales (2013) ressalta que o princípio da intervenção mínima


se conecta ao Estado democrático de direito na medida em que
é característica nuclear desse modelo de Estado tutelar de forma
máxima os direitos fundamentais, bem como interferir de forma
mínima na vida dos cidadãos. Assim, liga-se o Direito Penal à política
criminal, destacando que aquele deve ser a extrema ratio: “o Estado
deve intervir o mínimo possível e, mesmo quando isso ocorrer, só
na precisa medida necessária para o asseguramento da vida em
sociedade” (SALES, 2013, p. 73).

O autor (2013) defende o minimalismo penal também na seara


criminal eleitoral, sustentando que o alargamento da zona de
abrangência do Direito Penal se revela incompatível com o Estado
democrático de direito, por violar a dignidade da pessoa humana.
Propõe a esfera não penal como um novo caminho para o Direito

86
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Eleitoral em matéria de proteção de bens jurídicos relevantes,


destacando que

[...] a existência na legislação não penal eleitoral de dispositivos


que protegem de forma adequada – muitos deles vindos de
iniciativa da própria sociedade – demonstra não só a suficiente
proteção como também a legitimidade dela. O uso do direito
penal, nesse quadro, é inadequado (SALES, 2013, p. 157. Grifos
do original).

Vive-se, ou pretende-se viver, no Estado democrático de direito,


conforme preceitua a Constituição de 198811. Nesse contexto, não
se pode admitir que existam condutas a serem obrigatoriamente
protegidas pelo Direito Penal, pois a liberdade do cidadão – ainda
que infrator da norma – é também um direito fundamental. Havendo
outras formas de proteger bens jurídicos, o Direito Penal não deve
ser aplicado. Sales (2013, p. 122) defende ainda que “[...] proteger
não significa, necessariamente, criminalizar”. De acordo com o
autor, revela-se incompatível com o princípio da dignidade da pessoa
humana o incremento no número de crimes, havendo proteção ao
bem a ser tutelado na esfera não penal.

Portanto, a regra é criminalizar somente em casos estritamente


necessários. Por essa razão, defende-se ser ônus do Poder Legislativo
demonstrar – aplicando o princípio da intervenção mínima, como
manifestação do princípio da proporcionalidade aplicado ao Direito
Penal constitucional – que as medidas adotadas por outros ramos do
Direito não foram suficientes para coibir o ilícito e proteger o bem
jurídico.

Caso o legislador não aplique o princípio da intervenção mínima


e, por razões diversas, criminalize as condutas suficientemente
protegidas por outros ramos do Direito, ou seja omisso quanto à
sua descriminalização, caberá, então, ao Poder Judiciário, por meio
do controle de constitucionalidade difuso, aplicar imediatamente
o aludido princípio, porque este consagra o direito fundamental
e porque o processo é também forma de realização do Estado
democrático de direito. Isso porque

11
Considerando que a norma é imputação e objetiva conformar a realidade.

87
[...] o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral
e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação
conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de
constitucionalidade se for necessário [...] (DIDIER, 2015, p. 158).

Por todo o exposto, conclui-se que a intervenção estatal por


meio do Direito Penal, como o último recurso democrático, deve
ser norteada pelo princípio da intervenção mínima com colorido
constitucional. O fato de um bem encontrar-se positivado na
Constituição não significa que mereça necessariamente a tutela
penal; uma vez que há diversas outras formas de se tutelarem bens
jurídicos, e o Direito Penal deve ser a última escolha, utilizado somente
quando não existirem outras formas de o Estado coibir, por meio de
sanções menos invasivas, a conduta indesejada. Portanto, somente
aplicando o princípio da intervenção mínima – para selecionar os
bens jurídicos constitucionais a serem protegidos penalmente –, o
legislador infraconstitucional estará observando tanto a proibição
do excesso quanto a proteção eficiente no que se refere aos direitos
fundamentais. E, caso proceda de forma contrária, cabe ao Poder
Judiciário aplicar imediatamente o princípio, utilizando-o como
critério de controle de constitucionalidade das medidas restritivas
de direito fundamental.

4 Estudo de caso: art. 299 do Código Eleitoral


versus art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 –
legitimidade de criminalização da violação à
liberdade de sufrágio?
Defende José Jairo Gomes (2015) que o crime eleitoral, dadas
suas nuances, poderia inaugurar uma categoria própria. Contudo,
predominantemente se insere na categoria geral dos crimes, sendo
crime comum. Adverte Gomes (2015) que, embora o crime eleitoral
tenha um colorido político – porque objetiva garantir direitos que são
essencialmente políticos, como o direito do sufrágio, por exemplo –,
o aludido fato não o qualifica como crime político. Essa afirmação
encontra-se pacífica, havendo julgados – tanto no STF quanto no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – ratificando-a. Cite-se como
exemplo, no STF, a Rcl nº 511/PB, julgada pelo Pleno, relator Ministro

88
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Celso de Mello; e, no TSE, REspe nº 16048/SP, relator Ministro José


Eduardo Rangel de Alckmin.

Dessa forma, a construção teórica desenvolvida neste artigo


pode ser aplicada aos crimes eleitorais.

Tecidas essas considerações e fixadas as premissas mestras,


seleciona-se uma das manifestações dos direitos fundamentais
políticos – o livre exercício do voto –, a fim de verificar a legitimidade,
pós-Constituição de 1988, do art. 299 do Código Eleitoral, ressaltando
que os direitos políticos se encontram inseridos no catálogo dos
direitos fundamentais de primeira dimensão (BONAVIDES, 2005).

Ao analisar-se o art. 14, § 9º, da Constituição da República,


verifica-se a determinação de proteção aos direitos políticos, dirigida
ao legislador. Contudo, como defendido, o dever de proteção não
se confunde com o dever de criminalização, pois, havendo outro
meio igualmente eficaz e menos gravoso para o cidadão, deverá ser
adotado.

Cumpre, então, utilizando o princípio da intervenção mínima,


proceder ao último teste, com o objetivo de verificar se há proteção
suficiente – na seara eleitoral – à liberdade da vontade do eleitor
quanto ao seu voto, a fim de concluir se o art. 299 do Código Eleitoral
(CE) é compatível com a Constituição de 198812.

Extrai-se, de pronto, que esse dispositivo reúne as duas


modalidades de corrupção: a ativa e a passiva. Faz-se necessário,
assim, esclarecer que, nesta pesquisa, se buscou averiguar se
há proteção suficiente, fora do Direito Penal, no que se refere à
corrupção eleitoral ativa, relacionada às condutas de dar, oferecer,
prometer dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem para obter
votos ou conseguir abstenção, ainda que a oferta não seja aceita
pelo destinatário.

12
Neisser defende a ampla liberdade de troca de ideias e informações durante o período pré-
eleitoral e eleitoral, contudo alerta que essa liberdade deve ser analisada conjuntamente
com a ideia de voto livre e, para tanto, defende também que deve ser coibida a divulgação
de informações falsas (NEISSER, 2016, p. 48 e 50).

89
Na sequência, ao se analisar o art. 41-A da Lei nº 9.504/1997,
conclui-se que as condutas configuradoras de captação ilícita de
sufrágio (doar, fornecer, prometer ou entregar) são idênticas às
descritas no crime de corrupção eleitoral ativa.

Defende Gomes (2015) que, em ambos os casos, o objetivo é


proteger o livre exercício do voto. Assim,

[...] o candidato (ou terceiro que o represente) se lança ao eleitor


com vistas a obter-lhe o voto mediante a vinculação psicológica
cimentada pela dação, oferta, promessa ou entrega de bem ou
vantagem de qualquer natureza (GOMES, 2015, p. 58).

Chega-se ao momento de responder à seguinte indagação: a


coincidência de condutas típicas implica que o art. 41-A da Lei das
Eleições tenha suplantado ou de algum modo alterado o crime de
corrupção eleitoral erigido no art. 299 do CE?

Gomes (2015, p. 58) argumenta que as duas figuras legais


convivem no sistema, porque se situam “em ambientes distintos”
e porque o tipo do art. 299 do CE é mais amplo que o art. 41-A
da Lei das Eleições, abarcando a corrupção eleitoral passiva, da
qual não trata o último artigo. Para confirmar a tese, o autor cita o
RHC nº 81/SP, julgado pelo TSE (BRASIL, 2005).

Embora reconheça os efeitos deletérios que a corrupção produz na


democracia, Sales (2013) afirma que se valer do Direito Penal para
combatê-la é um grande equívoco. Critica o movimento expansionista
do Direito Penal ao ressaltar que a inflação legislativa que dele advém
produz um Direito Penal simbólico, ineficiente no combate às práticas
ilícitas, inclusive no que se refere à corrupção eleitoral.

Convergentemente, embora no contexto da corrupção em sentido


amplo, Zaffaroni (2007) adverte que a corrupção surge no espaço
do poder arbitrário e o único modo eficaz de preveni-la é fechando
tais espaços, mediante engenharia institucional renovada.

Por outro lado, o art. 41-A da Lei das Eleições comina como sanção
ao seu infrator a cassação do registro de candidatura e multa e,

90
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

após as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 135/2010


na Lei Complementar nº 64/1990, aquele que for condenado por
essa ilicitude ficará inelegível pelo prazo de oito anos.

Vê-se, assim, que a liberdade de exercício de sufrágio se encontra


tutelada por norma de natureza não penal – dentro do próprio
sistema do Direito Eleitoral –, impondo ao seu infrator gravíssimas
consequências em sua capacidade eleitoral passiva, o que resulta,
diversas vezes, na perda do mandato eletivo.

Ademais, considerando a celeridade imposta por meio da Lei


nº 9.504/199713 aos feitos de natureza eleitoral que possam acarretar
a perda do mandato eletivo, não é difícil concluir que, na prática,
essas ações serão processadas e julgadas de forma mais rápida que
as criminais. Nestas, em decorrência de manobras processuais, não
raras vezes ocorre prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Dessa forma, demonstrado que o Direito Eleitoral – por meio


de seus instrumentos próprios – consegue proteger efetivamente
os bens jurídicos por ele tutelados, coaduna-se com Sales (2013)
para concluir pela desnecessidade de o Direito Penal atuar em se
tratando de corrupção eleitoral ativa.

Propõe-se ao Poder Judiciário – ao proferir julgamento em


que analisa casos concretos tendo como causa de pedir jurídica
a corrupção eleitoral ativa – que declare incidentalmente a
inconstitucionalidade parcial do art. 299 do Código Eleitoral.

5 Conclusão
Iniciou-se este artigo com a premissa de que as normas penais
existem para proteger os bens que foram eleitos como os de maior
importância em determinada sociedade, para viabilizar a convivência
humana e proteger as liberdades individuais.

13
Art. 97-A. Nos termos do inciso LXXVIII do art. 5o da Constituição Federal, considera-se
duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo o período
máximo de 1 (um) ano, contado da sua apresentação à Justiça Eleitoral.

91
Ao se ressaltar que a noção de bem jurídico penal é importante
para limitar a atuação do jus puniendi estatal e selecionar quais
os bens devem ser protegidos, passou-se a abordar as teorias
contemporâneas para verificar qual delas se compatibilizaria com o
Estado democrático de direito, concluindo-se que essa seleção deve
encontrar seu fundamento de validade na Constituição da República,
que tem como princípio nuclear a dignidade da pessoa humana.

Na sequência, destacou-se que tanto a proibição de excesso quanto


o imperativo de tutela a direitos fundamentais são consectários do
princípio da dignidade da pessoa humana.

Recorreu-se ao princípio da intervenção mínima, propondo sua


releitura com as matizes do Estado democrático de direito, para
que atuasse como critério de controle de constitucionalidade das
medidas restritivas de direitos fundamentais.

Com base nesse suporte teórico, o artigo enfrenta a questão


problematizada, verificando que há proteção suficiente na esfera
eleitoral à corrupção ativa e sugerindo ao Poder Judiciário, no
que se refere à corrupção ativa, a declaração incidental de sua
inconstitucionalidade.

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95
O RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO
DE DIPLOMA E A RELATIVIZAÇÃO
DO PRINCÍPIO DA UNICIDADE DA
CHAPA: UMA ANÁLISE À LUZ DA
SUSPENSÃO DOS DIREITOS
POLÍTICOS
JAMILLY IZABELA DE BRITO SILVA
JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

O RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE


DIPLOMA E A RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA UNICIDADE DA CHAPA: UMA ANÁLISE
À LUZ DA SUSPENSÃO DOS DIREITOS
POLÍTICOS1

THE APPEAL AGAINST DIPLOMA


EXPEDITION (AADE) AND THE
RELATIVIZATION OF THE UNICITY
PRINCIPLE: AN ANALYSIS IN THE LIGHT OF
THE CONDEMNATION TO THE SUSPENSION
OF THE POLITICAL RIGHTS

JAMILLY IZABELA DE BRITO SILVA2


JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES3

RESUMO

Neste artigo, pretende-se analisar as repercussões – na seara


eleitoral – da condenação à suspensão dos direitos políticos arguida,
pela primeira vez, em desfavor de um dos candidatos majoritários
eleitos, no bojo do recurso contra expedição de diploma (RCED).
Para tanto, em um primeiro momento, serão esmiuçadas as
hipóteses de cabimento do RCED, à luz da reforma eleitoral de 2013.
Depois, serão traçadas as linhas gerais de incidência do princípio da
unicidade da chapa, conforme doutrina e jurisprudência, bem como
será esmiuçada a ratio do microssistema eleitoral à luz da sanção
de cassação de diploma. Por fim, serão elencados os argumentos
que subsidiam o temperamento do princípio da unicidade da chapa

1
Artigo recebido em 11 de agosto de 2017 e aprovado para publicação em 21 de setembro de 2017.
2
Assessora Jurídica da Corregedoria Regional Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do
Amazonas. Agente técnico-jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas. Pós-
graduada em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Público pelo Centro Universitário
de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa).
3
Vice-Presidente e Corregedor Regional Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas
(biênio 2016-2018) e Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (desde 2004).
Pós-graduado em Direito Privado pela Universidade Federal do Amazonas (1982) e em
Direito Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas (1999).

99
na hipótese proposta, especialmente se considerada a teleologia da
legislação eleitoral.

Palavras-chave: RCED. Diplomação. Suspensão de direitos


políticos. Unicidade da chapa. Relativização.

ABSTRACT

The objective of this study is to analyze the repercussions of the


evocation of the suspension of an elected candidate’s political
rights in the course of the trial of the Appeal Against its Diploma
Expedition (AADE). In the first part, it will be explored when the
AADE is admissible, in the light of the 2013 electoral reform.
Then, the main lines of application of the “unicity principle” will be
drawn up according to the doctrine and jurisprudence, as well as
how the sanction of cassation of diploma works according to the
Brazilian electoral legislation. Finally, the arguments that make the
temperament of the “unicity principle” in the proposed hypothesis
will be exposed, in the light of the teleology of the electoral legislation
system in Brazil.

Keywords: AADE. Diplomation. Suspension of the political rights.


Unicity principle. Relativization.

100
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
O microssistema eleitoral, se analisado a partir da edição do
Código Eleitoral de 1965 tinha como escopo principal proteger o
direito de votar e de ser votado (capacidade eleitoral ativa e passiva
stricto sensu). Todavia, com o passar do tempo e, principalmente,
com o advento da Constituição de 1988, é certo que tem se operado
uma transfiguração do valor maior que deve ser tutelado pela
legislação eleitoral.

De fato, atualmente, a maior preocupação do Direito Eleitoral –


seja no âmbito do material, seja do contencioso eleitoral (direito
processual) – reside na busca por um processo eleitoral probo, que
não permita quaisquer vícios na formação da convicção do eleitor.
Poder-se-ia dizer que a tutela fundamental do Direito Eleitoral, na
contemporaneidade, é garantir a manifestação legítima do eleitor
(art. 14, § 9º, da Constituição Federal).

Assim, se antes as ações eleitorais que buscavam cassar o


registro e/ou diploma do candidato tinham lugar, precipuamente,
após o pleito, a exemplo do recurso contra expedição de diploma
(art. 262 do Código Eleitoral), primeiro instrumento processual
apto a cassar o diploma dos candidatos eleitos, nos dias atuais há
diversas ações eleitorais que, mesmo em momento anterior à data
da eleição, possibilitam a exclusão do candidato, a exemplo da ação
de investigação judicial eleitoral (AIJE – art. 22 da Lei Complementar
nº 64/1990).

Com essas considerações, este estudo tem como escopo


averiguar as repercussões – na seara eleitoral – da condenação
à suspensão dos direitos políticos advinda de ação de
improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF/1988 e art. 12 da
Lei nº 8.429/1992) arguida, pela primeira vez, em desfavor de
um dos candidatos majoritários eleitos, no bojo do recurso contra
expedição de diploma (RCED).

Para tanto, num primeiro momento, serão esmiuçadas as


hipóteses de cabimento do RCED, à luz da reforma eleitoral de 2013.
Depois, serão traçadas as linhas gerais de incidência do princípio da
unicidade da chapa, conforme doutrina e jurisprudência eleitorais,

101
bem como será explicitada, ainda que brevemente, a ratio do
microssistema eleitoral à luz da sanção de cassação de diploma. Por
fim, serão elencados os argumentos que subsidiam o temperamento
do referido princípio quando for analisada a teleologia do atual
arcabouço normativo eleitoral.

2 Recurso contra expedição de diploma e


arguição, pela primeira vez, da ausência de
condição de elegibilidade atinente ao pleno
gozo de direitos políticos
Como premissa indispensável para este estudo, é imperioso
mencionar que, a partir da Lei nº 12.891, de 11 de dezembro de
2013 (reforma eleitoral de 2013), o art. 262 do Código Eleitoral, que
elenca as hipóteses de cabimento do RCED, passou a vigorar com a
seguinte redação:

Art. 262. O recurso contra expedição de diploma caberá somente


nos casos de inelegibilidade superveniente ou de natureza
constitucional e de falta de condição de elegibilidade.
I – (revogado);
II – (revogado);
III – (revogado);
IV – (revogado). (Grifo nosso)

Assim, o RCED, atualmente, conforme leciona a doutrina


de Esmeraldo (2016, p. 334), “somente é cabível para arguir
inelegibilidade superveniente ou de natureza constitucional ou
a falta de condição de elegibilidade; se veiculada qualquer outra
matéria, essa ação não deve ser conhecida”.

Dito isso, o pleno gozo de direitos políticos, como condição


de elegibilidade constitucionalmente prevista (e não causa de
inelegibilidade), não se submete ao instituto da preclusão, podendo
a ausência desse requisito ser arguida tanto no processo de registro
de candidatura – via ação de impugnação de registro de candidatura –
quanto no recurso contra expedição de diploma. Sobre o assunto,
mais uma vez, a didática doutrina de Esmeraldo (2016, p. 242)4:
4
Cfr., no mesmo sentido, Gomes (2016, p. 828).

102
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

E mais: ainda que a falta de condição de elegibilidade seja


preexistente ao registro, poderá ser reconhecida a qualquer
momento nas instâncias ordinárias nos autos do pedido de registro
ou no RCED, ainda que não veiculada no momento oportuno para
impugnar o registro de candidatura, uma vez que tem natureza
constitucional, não se submetendo ao instituto da preclusão.

A coadunar o ora defendido, extrai-se da dicção constitucional,


especificamente do art. 14, § 3º, II, in litteris:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal


e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
[...]
§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I – a nacionalidade brasileira;
II – o pleno exercício dos direitos políticos;
III – o alistamento eleitoral;
IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;
V – a filiação partidária;
VI – a idade mínima de:
[...]. (Grifos nossos)

Portanto, se o candidato vencedor tem contra si decisão transitada


em julgado de condenação à suspensão dos direitos políticos,
independentemente do fato (trânsito em julgado) ser anterior ou
posterior ao requerimento de registro de candidatura, a hipótese é
de indeferimento do registro ou de cassação do registro/diploma, se
já outorgado.

Nesse sentido, é o entendimento uníssono do Tribunal Superior


Eleitoral5:

VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. AGRAVO REGIMENTAL.


RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE.
SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. ART. 14, § 3º, II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO.
SÚMULA Nº 26/TSE. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA

5
No mesmo sentido: AgR-RO nº 4898, Calçoene/AP, rel. Min. Rosa Maria Weber Candiota
da Rosa, acórdão de 13.12.2016, publicado em sessão; e REspe nº 53288, Aparecida de
Goiânia/GO, rel. Min. João Otávio de Noronha, acórdão de 30.10.2014, DJE 3.12.2014.

103
INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA
Nº 282/STF. DESPROVIMENTO.
1. In casu, o registro de candidatura foi indeferido com arrimo no
art. 14, § 3º, II, da Constituição Federal, em razão da suspensão
dos direitos políticos do pretenso candidato, penalidade que lhe
foi aplicada em virtude de condenação por ato de improbidade
administrativa, já transitada em julgado. No entanto, o recorrente
aponta como violado o disposto no art. 1º, I, l, da Lei Complementar
nº 64/1990 [...].
3. Ausente condição de elegibilidade de status constitucional,
consistente na plenitude dos direitos políticos, não há como
reformar o acórdão para deferir o registro de candidatura.
4. O marco inicial para cumprimento das sanções de perda da
função pública e de suspensão dos direitos políticos é o trânsito em
julgado da sentença condenatória (art. 20 da Lei nº 8.429/1992).
Na espécie, o trânsito em julgado do acórdão que suspendeu os
direitos políticos do agravante, pelo prazo de cinco anos, ocorreu
em 15 de fevereiro de 2016, não havendo que se falar, portanto,
no término dos efeitos da condenação.
5. Modificar o entendimento adotado pela Corte Regional implicaria
no vedado reexame da matéria fático-probatória dos autos
(Súmula nº 24/TSE). [...]
7. Agravo regimental desprovido.
(AgR-REspe nº 24758, Mairiporã/SP, rel. Min. Luciana Christina
Guimarães Lóssio, acórdão de 11.10.2016, publicado em sessão)
(Grifos nossos)

Feitas tais considerações, busca-se perquirir se o fato de a


arguição atinente à perda dessa condição de elegibilidade por um
dos integrantes da chapa eleita ser posterior ao pleito macula a
inteireza dela ou, de outro modo, por se tratar de causa de natureza
pessoal, somente atinge aquele que não mais goza de plenos
direitos políticos. Em outras palavras: a arguição de ausência de
uma das condições de elegibilidade de um dos candidatos já eleitos
(pleno gozo dos direitos políticos) pela via do RCED deve contaminar
ambos os integrantes da chapa?

A quaestio não é pacífica. Para Gomes (2016, p. 832 e 839), a


cassação do diploma de um dos integrantes da chapa contamina,
em qualquer caso, sua higidez. Vejamos, in verbis:

Malgrado tanto a inelegibilidade quanto a falta de condição de


elegibilidade (fundamento do RCED) tenham caráter pessoal, pois

104
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

comprometem tão só um dos integrantes da chapa, há mister


que no pleito majoritário se forme litisconsórcio passivo com
o outro integrante da chapa. E o litisconsórcio, aqui, é do tipo
necessário e unitário. É que na eleição majoritária é preciso que
se forme uma chapa e esta deve estar hígida quando da votação.
Assim, a desconstituição do diploma de um dos integrantes da
chapa a afeta totalmente, prejudicando o outro integrante.
Isso porque uma situação de inelegibilidade ou de falta de
condição de elegibilidade estava presente na data do pleito, o
que efetivamente contamina a chapa, comprometendo sua
regularidade e higidez [...].
Assim, a cassação do diploma de um dos membros da chapa
prejudica o outro, impondo-se sua extinção. Por conseguinte, impor-
se-á a realização de nova eleição (CE, art. 224, § 3º). (Grifos nossos)

Para Zilio (2016, p. 532-534), ao se analisar o tema sob o prisma


da inelegibilidade, a circunstância apta a cassar o diploma somente
alcança toda a chapa quando é preexistente à data do pleito:

E tratando-se de RCED com fundamento em inelegibilidade existe


a contaminação da chapa? Em síntese apertada, pode-se traçar
a seguinte distinção: a) a inelegibilidade pessoal superveniente
à eleição não contamina a chapa, porque, por ocasião do pleito,
a chapa apresentava-se formalmente perfeita e ao largo de
quaisquer vícios; b) a inelegibilidade pessoal preexistente à
eleição contamina a chapa, dado que, quando do prélio, já existia
vício insanável em um dos seus elementos formadores e, assim,
porque o voto é incindível e sufragado na chapa, o vício – que é
pessoal – estende-se para trazer ineficácia ao todo. Adota-se a
data da eleição como traço distintivo porque é no momento do
exercício do sufrágio que a chapa deve estar hígida, pois o voto
passa a beneficiá-la como um todo, sendo indiferente se a origem
do vício seja oriundo da cabeça da chapa ou do vice. Deste modo,
não se trata de conceder efeito extensivo à inelegibilidade, mas
apenas reconhecer que o vício – embora de caráter pessoal –
por preceder ao pleito, contaminou a chapa, visto que esta é a
beneficiária elementar do voto recebido. (Grifo original)

Por outro lado, ao analisar RCEDs que possuem como causa


de pedir fatos análogos ao presente (circunstâncias de natureza
pessoal), o Tribunal Superior Eleitoral já temperou a incidência do
princípio da indivisibilidade da chapa para somente cassar o diploma
daquele que não mais possuía um dos requisitos para a capacidade
eleitoral passiva. Confira-se:

105
Recurso contra expedição de diploma – Prefeito – Perda de direitos
políticos – Condenação criminal – Trânsito em julgado posterior à
eleição – Condição de elegibilidade – Natureza pessoal – Eleição
não maculada – Validade da votação – Situação em que não há
litisconsórcio passivo necessário – Eleição reflexa do vice – Art. 15,
III, da Constituição da República – Art. 18 da LC nº 64/90.
1. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidades
são aferidas com base na situação existente na data da eleição.
2. Por se tratar de questão de natureza pessoal, a suspensão dos
direitos políticos do titular do Executivo Municipal não macula
a legitimidade da eleição, sendo válida a votação porquanto a
perda de condição de elegibilidade ocorreu após a realização da
eleição, momento em que a chapa estava completa.
(REspe nº 21.273/SP, rel. Min. Fernando Neves, DJ 2.9.2005)

No mesmo sentido é a decisão monocrática proferida pelo Ministro


Arnaldo Versiani6, in verbis:

[E]videnciado o óbice posterior à diplomação do candidato a


prefeito – em face da suspensão de seus direitos políticos –, deve
ser diplomado o respectivo candidato a vice, o qual logrou êxito
nas urnas, prestigiando-se, dada a peculiar situação, a vontade
popular. (Grifos nossos)

O Tribunal Superior Eleitoral também já se valeu da “inexistência


de relação de subsidiariedade do prefeito diplomado em relação ao
vice-prefeito” quando a inelegibilidade do vice somente foi arguida
após o resultado do pleito em RCED para, mais uma vez, afastar a
incidência da indivisibilidade da chapa. Vejamos:

Existência. Vice-prefeita. Inelegibilidade reflexa. Extensão dos


efeitos ao prefeito. Não ocorrência. Omissão. Deficiência das
razões. Conhecimento. Impossibilidade.
1. A inelegibilidade de natureza pessoal do vice-prefeito não
alcança o chefe do Poder Executivo quando arguida após o pleito
[...].
2. Não há relação de subsidiariedade do prefeito em relação
aovice-prefeito cuja inelegibilidade se arguiu somente após as
eleições.
(AC-ED-REspe nº 935627566, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado
em 30.8.2012)

6
Cfr.: REspe nº 35.830/SP, DJE 4.12.2009.

106
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ELEIÇÕES DE 2008. CABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL.


RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. INELEGIBILIDADE
CONSTITUCIONAL. ARTIGO 14, §§ 5º E 7º, DA CF. INEXISTÊNCIA.
PRECLUSÃO. IRMÃO DEVICE-PREFEITO JÁ REELEITO CANDIDATO
AO MESMO CARGO. IMPOSSIBILIDADE. NÃO OCORRÊNCIA.
CONTAMINAÇÃO CHAPA. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS [...].
Preclusão. “A inelegibilidade de estatura constitucional não
se submete à preclusão” (AgR-REspe nº 36.043/MG, Rel. Min.
MARCELO RIBEIRO, julgado em 18.5.2010, DJe 25.8.2010).
Não sendo possível ao vice-prefeito lançar-se candidato ao
terceiro mandato, independentemente de ter ou não substituído
o titular nos seis meses anteriores ao pleito, ao seu irmão se
impõe igualmente a vedação para disputar o mesmo cargo, pois
a Constituição Federal visa coibir a perpetuação no mesmo cargo
político de um só núcleo familiar em determinada circunscrição.
Recurso especial de José de Araújo Neto parcialmente conhecido
e, nessa extensão, desprovido.
A inelegibilidade de natureza pessoal do vice-prefeito (artigo 14,
§ 7º, CF) arguida após o pleito não macula a legitimidade das
eleições, mormente quando se evidencia o armazenamento
tático de demanda visando atingir prefeito diplomado que não
deu causa à inelegibilidade.
Não há relação de subsidiariedade do prefeito diplomado em
relação ao vice-prefeito cuja inelegibilidade se arguiu somente
após o resultado do pleito em sede de recurso contra expedição
de diploma.
Recurso especial de Jucélio Formiga de Sousa conhecido, mas
desprovido.
(REspe nº 22213/PB, rel. Min. Gilson Langaro Dipp, DJE 28.2.2014)

Nesse panorama de divergências doutrinárias e jurisprudenciais,


para que se adote uma corrente de entendimento para os casos de
ausência de condição de elegibilidade preexistente e arguidos pela
primeira vez após a diplomação, é indispensável fazer um breve exame
do microssistema eleitoral à luz da sanção de cassação de diploma.

De fato, a cassação do diploma é sanção que pode ser imposta:


(1) no processo de registro de candidatura/ação de impugnação
de registro de candidatura; (2) nas ações que apuram suposta
prática de ilícito eleitoral (a saber, representações previstas nos
arts. 30-A, 41-A, 73 e em outros dispositivos da legislação eleitoral,
além da AIJE e da AIME); e (3) no recurso contra expedição de diploma.

107
Ora, em se tratando de configuração de ilícito eleitoral apto
a cassar o diploma (item 2), a questão não comporta maiores
digressões: inexiste dúvida quanto a unicidade da chapa. Isso
porque, nesses casos, os votos recebidos pelos integrantes da
chapa (titular e vice) estão contaminados por conduta repreendida
pela legislação eleitoral (captação ilícita de recursos e/ou sufrágio,
condutas vedadas, abuso de poder e/ou uso indevido dos meios de
comunicação, corrupção ou fraude), sendo certo que ambos (titular
e vice) são beneficiários da conduta ilícita.

Por conseguinte, na hipótese de cassação de diploma no bojo de


processo de registro de candidatura (item 1), feito em que não se
analisa ilícito eleitoral, mas se destina a verificar se o(s) potencial(is)
candidato(s) possui(em) os requisitos para capacidade eleitoral
passiva, tem-se que, havendo indeferimento, cancelamento ou
cassação do registro de um dos integrantes da chapa, ao candidato,
partido ou coligação é conferido o direito de indicar substituto.

Nesse sentido, ditam os arts. 67 e 68 da Resolução-TSE


nº 23.455/2015 (afeta às eleições de 2016), reproduzindo dispositivos
da Lei nº 9.504/1997, do Código Eleitorale da Lei Complementar
nº 64/1990:

Art. 67. É facultado ao partido político ou à coligação substituir


candidato que tiver seu registro indeferido, inclusive por
inelegibilidade, cancelado ou cassado, ou, ainda, que renunciar
ou falecer após o termo final do prazo do registro (Lei nº 9.504/1997,
art. 13, caput; Lei Complementar nº 64/1990, art. 17; e Código
Eleitoral, art. 101, § 1º) [...].
Art. 68. O pedido de registro de substituto deverá ser apresentado
em arquivo digital gerado pelo CANDex, acompanhado do RRC
específico de pedido de substituição, contendo as informações
e documentos previstos nos arts. 26 e 27, dispensada a
apresentação daqueles já existentes nos respectivos Cartórios
Eleitorais, certificando-se a sua existência em cada um dos pedidos.

É certo, porém, que o partido poderá – por sua conta e risco –


continuar com a mesma chapa, sendo imperioso mencionar que, em
relação a cargo majoritário, os pedidos de registro são julgados em
uma única decisão por chapa, com o exame individualizado de cada

108
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

uma das candidaturas, somente sendo deferido o registro se ambos


os candidatos forem considerados aptos.

Nesse diapasão, é o sentido do art. 49 da mesma Resolução :

Art. 49. Os pedidos de registro das chapas majoritárias serão


julgados em uma única decisão por chapa, com o exame
individualizado de cada uma das candidaturas, e somente serão
deferidos se ambos os candidatos forem considerados aptos, não
podendo ser deferidos os registros sob condição.
Parágrafo único. Se o Juiz Eleitoral indeferir o registro, deverá
especificar qual dos candidatos não preenche as exigências
legais e apontar o óbice existente, podendo o candidato, o
partido político ou a coligação, por sua conta e risco, recorrer da
decisão ou, desde logo, indicar substituto ao candidato que não
for considerado apto, na forma dos arts. 67 e 68.

Logo, ao optar por continuar “por sua conta e risco”, o candidato,


partido ou coligação: 1) aquiesce à possibilidade de ter o registro de
sua chapa indeferido, ainda que o motivo do indeferimento se refira
apenas a um dos integrantes; e 2) informa ao seu eleitorado que
confia na manutenção de sua candidatura. Nesse ponto, portanto,
o eleitor, ao comparecer às urnas, e os próprios candidatos já
têm conhecimento de que foi arguida situação que pode gerar o
afastamento da chapa da disputa eleitoral.

Daí por que, também, nessa hipótese, é lógica a manutenção da


unicidade da chapa, até porque já relativizada pela possibilidade de
substituição do candidato impedido, devendo ser explicitado que
a(s) situação(ões) que gera(m) o indeferimento do registro é(são)
arguidas no momento do requerimento de registro de candidatura
e, por óbvio, em data anterior ao pleito.

Tanto é assim que se extrai da dicção legal que “o registro de


candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-
governador, ou prefeito e vice-prefeito far-se-á sempre em chapa
única e indivisível, ainda que resulte na indicação de aliança de
partidos” (Código Eleitoral, art. 91).

109
De outra banda, quando se trata da cassação do diploma no
âmbito do RCED (item 3), a conclusão não parece ser a mesma,
considerando, inclusive, que, nessa fase processual, não mais se
permite a substituição do candidato impedido.

Como sabido, o recurso contra expedição de diploma sofreu


profundas alterações quanto às suas hipóteses de cabimento, a partir
da já citada reforma eleitoral promovida pela Lei nº 12.891/2013,
que, nesse ponto, é reflexo de entendimento paulatinamente fixado
pelo Tribunal Superior Eleitoral. Sobre o assunto, impende registrar
novamente a doutrina de GOMES (2016, p. 825):

Ab initio, é preciso salientar a relevante alteração que a Lei


nº 12.891/2013, trouxe ao Recurso Contra Expedição do Diploma.
Previsto no artigo 262 do CE, em sua redação original o instituto
em foco contava com quatro incisos, cada qual deles prevendo
diferentes situações. Tais incisos foram expressamente revogados
por aquela norma, a qual conferiu nova redação ao caput. [...]
Note-se que – em comparação com as categorias revogadas –
na nova feição do RCED somente sobreviveu a inelegibilidade,
que antes era prevista no inciso I. Portanto, esse instrumento
processual deixou de ser cabível para as hipóteses de abuso de
poder. Agora, as situações de abuso de poder devem ser discutidas
em AIJE e AIME, conforme a natureza e as circunstâncias dos fatos
debatidos. (Grifo nosso)

Logo, o RCED não mais apura hipóteses relacionada a ilícito


eleitoral (fato que, se comprovado, enseja o reconhecimento da
unicidade da chapa para fins de cassação por macular, ab initio, a
legitimidade do pleito e/ou a igualdade entre os candidatos), mas
tão somente circunstâncias de natureza pessoal de cada um dos (ou
de ambos) candidatos eleitos da chapa majoritária.

Por conseguinte, é certo que, diferentemente do que ocorre no


processo de registro de candidatura, no caso do RCED, no momento
da arguição de situação apta a cassar o diploma, o eleitor já
manifestou seu direito ao sufrágio.

Assim, por um lado, em se tratando de processo de registro de


candidatura, no momento do pleito, ou não havia nenhuma situação

110
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

apta a indeferir o registro e/ou cassar o registro/diploma, ou o eleitor


e/ou o candidato já detinha a informação de que havia situação que
pudesse afastar seu candidato do prélio, bem como de que eventual
indeferimento de um dos integrantes da chapa (titular ou vice)
geraria o indeferimento de toda a chapa.

Por outro lado, no concernente ao RCED, dentro da sistemática do


microssistema eleitoral, a pressuposição é de que os candidatos, no
momento da eleição, encontravam-se aptos à capacidade eleitoral
passiva, até porque tiveram seus registros de candidatura deferidos
e foram diplomados. Ora, a diplomação é o termo inicial para a
contagem do prazo de ajuizamento do RCED.

No bojo do processo de registro de candidatura há de se falar – seja


qual for o caso – em unicidade da chapa, ressalvada a possibilidade
de substituição já mencionada e, de outro modo, no RCED, há
falar em avaliação das circunstâncias pessoais de cada candidato
(ou de ambos), afastando-se a relação de subordinação entre os
integrantes da chapa.

Por interpretação sistemática, portanto, quando se trata de RCED,


deve ser retirado do mandato exclusivamente aquele que teve
contra si reconhecida hipótese de cassação de diploma. Em suma:
identificada hipótese de afastamento de um dos integrantes da
chapa, não se deve falar em automático afastamento do integrante
que restou. Caso constatada circunstância afeta a somente um dos
candidatos, apenas este terá seu diploma cassado; se, de outra
banda, a circunstância for afeta a ambos os candidatos, os dois
terão seus diplomas cassados.

Dois argumentos corroboram a tese ora proposta. O primeiro é que


apenas o registro dos candidatos majoritários far-se-á sempre em
chapa única e indivisível, assegurada a possibilidade de substituição
do candidato considerado inapto, conforme já explicitado; a partir
do momento em que são eleitos, tanto o titular quanto o vice terão
mandatos a cumprir.

Se a Justiça Eleitoral, ao apreciar o requerimento de registro de


candidatura, não identificou a ausência de uma das condições de

111
elegibilidade já existente, ainda que possa fazê-lo na via do RCED,
deverá restringir a cassação do diploma ao integrante que não se
encontra no pleno gozo de seus direitos políticos.

Por sua vez, o segundo argumento remete à própria teleologia


do microssistema eleitoral, que é prestigiada pelo entendimento
mantenedor, tanto quanto possível e respeitados os preceitos da
Justiça Eleitoral, da vontade legitimamente manifestada do eleitor
(legitimidade da representação), até porque a escolha da maioria
dos eleitores recai sobre ambos os candidatos eleitos, titular e
vice, e, caso o titular esteja impedido de assumir o mandato por
circunstância de natureza pessoal, cabe ao vice o exercício do cargo,
para preservar a vontade popular.

Ora, conforme o comando constitucional, a legislação eleitoral


deve (art. 14, § 9º)

[...] proteger a probidade administrativa, a moralidade para


exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato,
e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou
emprego na administração direta ou indireta.

É certo que, na hipótese em análise, não há violação do bem


jurídico tutelado pelo microssistema eleitoral. De fato, o candidato
impedido terá seu diploma cassado.

Feitas tais considerações, a despeito do princípio da unicidade


da chapa, a cassação do diploma do titular na hipótese em debate
não deve alcançar o vice com ele eleito (ou vice-versa). A suspensão
dos direitos políticos do cabeça da chapa configura causa de
natureza pessoal que não pode atingir a esfera jurídica de outrem,
especialmente quando arguida, pela primeira vez, na via do RCED.

Para que não paire dúvidas, recentemente, o Tribunal Superior


Eleitoral, por unanimidade, ao analisar Recurso contra expedição
de diploma com causa de pedir idêntica ao raciocínio em análise,
adotou o posicionamento ora firmado7. Vejamos:
7
No mesmo sentido: AgR-REspe nº 346, Ibicuitinga/CE, rel. Min. Luiz Fux, acórdão de
6.10.2016, DJe 19.12.2016.

112
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO CONTRA


EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. PREFEITO. VICE-PREFEITO.
SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. HIPÓTESE DE CABIMENTO DE RCED. ART. 262, I,
DO CÓDIGO ELEITORAL. INCOMPATIBILIDADE PARA O EXERCÍCIO
DO MANDATO. CASSAÇÃO DO DIPLOMA DO TITULAR DA CHAPA
MAJORITÁRIA. CAUSA DE NATUREZA PESSOAL. NÃO ALCANCE À
SITUAÇÃO JURÍDICO-ELEITORAL DO VICE. DECISÃO MANTIDA POR
SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.
1. A suspensão de direitos políticos configura hipótese
de cabimento de Recurso Contra Expedição de Diploma,
consubstanciada na incompatibilidade prevista no art. 262, I, do
Código Eleitoral. Precedentes.
2. A assunção do exercício de mandato eletivo por quem teve
os direitos políticos restringidos configura incompatibilidade
apta a ensejar o aludido apelo e a obstar a diplomação,
devendo o candidato, nesta data, estar em pleno gozo de
seus direitos políticos.
3. Na origem, o Tribunal Regional Eleitoral cearense julgou
improcedente o Recurso Contra Expedição de Diploma interposto
com arrimo na suspensão de direitos políticos decorrente de
condenação em ação de improbidade administrativa, assentando
que: (i) se considerada condição de elegibilidade, nos termos do
art. 14, § 3º, II, da Constituição da República, o RCED é instrumento
processual inidôneo, ante a normatividade taxativa do art. 262,
I, do Código Eleitoral, e, (ii) se analisada sob o prisma da causa
de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, l, da Lei Complementar
nº 64/1990, ausentes os requisitos legais para a sua configuração,
quais sejam, ato doloso de improbidade administrativa que
importe lesão ao patrimônio público e lesão ao erário.
4. In casu, é incontroverso o fato de pesar sobre o ora
Agravante, Francisco Anilton Pinheiro Maia, condenação à
suspensão dos direitos políticos, em ação de improbidade
administrativa, anterior à data da diplomação, o que configura
incompatibilidade apta a ensejar o manejo de Recurso Contra
Expedição do Diploma.
5. A despeito do princípio da unicidade da chapa majoritária, a
cassação do diploma do titular não alcança o vice com ele eleito.
De efeito, a suspensão dos direitos políticos do cabeça da chapa
configura causa de natureza pessoal que, bem por isso, não pode
transpassar a esfera jurídica de outrem.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgR-REspe nº 261, Ibicuitinga/CE, rel. Min. Luiz Fux, acórdão de
9.3.2017, DJE 7.4.2017)

113
No mais, impende registrar que a hipótese não é de nulidade
da votação, porquanto os votos somente serão nulos se forem
dados a candidatos inelegíveis ou não registrados (art. 175, § 3º,
do Código Eleitoral8), sendo certo que também não é hipótese de
falsidade, fraude, coação, abuso de poder, emprego de processo de
propaganda ou captação de sufrágios (art. 222 do Código Eleitoral9).

Em última análise, cabe destacar que raciocínio diverso permitiria


a odiosa prática de armazenamento tático de demanda por parte
do integrante da chapa que alcançou o segundo lugar na disputa
eleitoral, mormente à luz do que disciplina o § 3º do art. 224 do
Código Eleitoral10.

Dito de outro modo, quando aplicado – indistintamente – o princípio


da unicidade da chapa para a hipótese ora em debate (ausência do
pleno gozo dos direitos políticos), permite-se que opositores políticos
dos candidatos eleitos “segurem” – numa espécie de “nulidade de
algibeira ou de bolso”11 – a alegação da ausência de condição de
elegibilidade de natureza pessoal de um dos integrantes da chapa
até a diplomação, momento em que, por óbvio, o resultado do pleito
já é conhecido.

Desse modo, o segundo colocado mostra-se em vantagem para a


eleição suplementar vindoura, considerando que eventual procedência
do RCED ocasionará o afastamento de toda a chapa eleita (ambos os
candidatos), ainda que somente um dos candidatos eleitos ostente
causa de natureza pessoal que impede o exercício do mandato.

8
Art. 175. Omissis. [...] § 3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos
inelegíveis ou não registrados.
9
Art. 222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso
de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de
sufrágios vedado por lei.
10
Art. 224. Omissis. [...] § 3o A decisão da Justiça Eleitoral que importe o indeferimento do registro,
a cassação do diploma ou a perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário
acarreta, após o trânsito em julgado, a realização de novas eleições, independentemente do
número de votos anulados.
11
Expressão cunhada pelo Ministro Humberto Gomes de Barros comumente citada pelo
Superior Tribunal de Justiça nos seguintes termos: “A questão trazida pela parte, em que
pese seu prévio conhecimento, fora propositadamente omitida e só suscitada no momento
tido por conveniente pela mesma, traduzindo-se em estratégia rechaçada por esta Corte
Superior (‘nulidade de algibeira’)” Cfr. AgInt nos EDcl no AREsp 539070/PE. Relatora: Min.
Maria Isabel Gallotti. Acórdão de 14.2.2017, DJE de 21.2.2017.

114
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

3 Conclusão
Neste artigo, buscou-se desenvolver argumentos que subsidiem
a relativização do princípio da unicidade da chapa para os casos de
circunstâncias de natureza pessoal que ensejam o indeferimento do
registro e/ou a cassação do diploma que somente são arguidas por
ocasião do recurso contra expedição de diploma.

Se o microssistema eleitoral, atualmente, prima pela proteção


da probidade do processo eleitoral, a situação posta autoriza a
referida relativização, seja para garantir que a condição pessoal que
obsta a capacidade eleitoral passiva de somente um dos candidatos
integrantes da chapa não ultrapasse a pessoa do impedido, seja
porque o outro integrante da chapa, que teve seu registro deferido
e não possui nenhum impedimento para assumir o mandato, foi
legitimamente eleito. Portanto, não há que se falar em vício na
vontade legítima do eleitor.

Em suma, é preciso fazer o distinguishing em relação ao processo


de registro de candidatura e às de ações eleitorais que tenham como
causa de pedir ato ilícito. Em ambos os casos, por razões diversas,
não há falar em possibilidade de temperamento do princípio da
unicidade da chapa, salvo a hipótese de substituição no registro de
candidatura. Ademais, quando se tratar de arguição, pela primeira
vez, de ausência de condição de elegibilidade em recurso contra
expedição de diploma, é indispensável perquirir acerca da hipótese
que se analisa, sendo certo que, em se tratando de circunstância de
natureza pessoal (a exemplo da suspensão dos direitos políticos), o
temperamento do princípio da unicidade da chapa deve ser realizado.

Repise-se: independentemente de o fato ser anterior ou posterior


ao pleito, se somente foi levado a conhecimento da Justiça Eleitoral
em momento posterior à eleição, o fio condutor para apreciar a
questão deve ser a ratio da tutela coletiva do microssistema eleitoral,
considerando as peculiaridades do caso concreto e a manutenção
da vontade legitimamente manifestada pelo eleitor (afastamento do
candidato que não detém capacidade eleitoral passiva e manutenção
do candidato que a possui).

115
Ora, deve-se primar pela tutela do direito material em
detrimento da tutela do direito processual, e se o impedimento
de natureza pessoal somente foi trazido à baila quando a chapa
estava legitimamente registrada e eleita, não há que se falar em
desconsideração – ipso facto – dos dois integrantes que se elegeram
quando não há nenhuma circunstância que impeça o vice de exercer
o mandato (ou vice-versa).

Nesse ponto, traga-se à colação a ratio decidendi adotada no


julgamento do REspe nº 21.273/SP, já citado, de relatoria do Ministro
Fernando Neves, um dos primeiros precedentes a analisar a matéria:

No caso, o fundamento do recurso foi a falta de uma das condições


de elegibilidade, que, como afirmam os recorrentes, é de natureza
pessoal.
Não se trata de nenhuma das hipóteses que contaminam a eleição
da chapa – fraude, corrupção, abuso de poder, por exemplo.
É certo que o art. 91 do Código Eleitoral estabelece que a chapa é
única e indivisível e que no sistema eleitoral brasileiro o candidato
a vice não tem votação própria.
Entretanto, essas circunstâncias são relevantes até a realização
da eleição.
Um vez eleitos, tanto o titular do cargo quanto seu vice terão
mandatos a cumprir.
Mesmo que por votação reflexa, o fato é que o vice também
estará eleito e terá mandato próprio, diferentemente, por
exemplo, do suplente de senador, que somente assumirá o cargo
no afastamento do titular.
Se a falta de condição de elegibilidade tivesse sido reconhecida
antes da eleição, em impugnação a registro de candidatura, a
situação seria outra. Caberia ao partido político ou coligação
substituir o candidato, ou, então, recorrer e participar, assim
mesmo, do pleito, assumindo o risco de não ser reformada a
decisão. Neste caso, não se poderia dizer que no momento da
eleição a chapa estava devidamente constituída.
No caso dos autos, entretanto, a chapa chegou à eleição íntegra
e devidamente formada.

Reitere-se, em última ratio, que o entendimento do Tribunal


Superior Eleitoral não é uniforme sobre o tema, bem como que as
diversas mudanças legislativas, especialmente no que se refere ao
recurso contra expedição de diploma, em nada contribuem para a

116
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

consolidação da jurisprudência de forma estável, íntegra e coerente.


Assim, o fundamento da tese adotada neste artigo, com o fito de
diversificar o debate, foi a ratio da tutela coletiva do microssistema
eleitoral, considerando a manutenção da vontade do eleitor
legitimamente manifestada nas urnas.

Referências

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas. Recurso contra


a Expedição de Diploma nº. 15-56.2016.6.04.0000 – Novo Airão/
AM, Rel. Desembargador JOÃO DE JESUS ABDALA SIMÕES, Rel.
Designado Juiz BARTOLOMEU FERREIRA DE AZEVEDO JÚNIOR.
Acórdão de 27.06.2017, DJe de 29.06.2017.

_____. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental em Recurso


Ordinário nº. 4898 - CALÇOENE – AP, Relatora: Min. ROSA MARIA
WEBER CANDIOTA DA ROSA, Acórdão de 13.12.2016, Publicado em
Sessão.

_____. _____. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral


nº. 24758 – MAIRIPORÃ – SP, Relatora: Min. LUCIANA CHRISTINA
GUIMARÃES LÓSSIO, Acórdão de 11.10.2016, Publicado em Sessão.

_____. _____. Recurso Especial Eleitoral nº. 53288 - APARECIDA DE


GOIÂNIA – GO, Relator: Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Acórdão
de 30.10.2014, DJe de 03.12.2014.

_____. _____. Recurso Especial Eleitoral nº. 21.273/SP, Rel. Min.


FERNANDO NEVES, DJ de 02.09.2005.

_____. _____. Recurso Especial Eleitoral nº. 35.830/SP, Rel. Min.


ARNALDO VERSIANI, DJe de 04.12.2009.

_____. _____. Ação Cautelar no Embargos de Declaração no Recurso


Especial Eleitoral nº 935627566, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI,
Julgamento de 30.08.2012.

117
_____. _____. Recurso Especial Eleitoral nº. 22213/PB, Rel. Min.
GILSON LANGARO DIPP, DJe de 28.02.2014.

_____. _____. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral


nº. 261 - IBICUITINGA – CE, Relator: Min. LUIZ FUX, Acórdão de
09/03/2017, DJe de 07.04.2017.

_____. _____. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral


nº. 346 - IBICUITINGA – CE, Relator: Min. LUIZ FUX, Acórdão de
06.10.2016, DJe de 19.12.2016.

_____. Superior Tribunal de Justiça. AgInt nos EDcl no AREsp


539070/PE, Relatora: Min. MARIA ISABEL GALLOTTI, Acórdão de
14.02.2017, DJe de 21.02.2017.

ESMERALDO, Elmana Viana. Processo Eleitoral – Sistematização


das Ações Eleitorais. 3. ed. São Paulo: Jhmizuno, 2016.

GOMES. José Jairo. Direito Eleitoral. 12. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2016.

ZILIO, Rodrigo Lópes. Direito Eleitoral. 5. ed. – Atualizada de acordo


com a Lei nº. 13.165/15 e com as Resoluções TSE para eleição de
2016. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016.

118
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

OS CUSTOS COM AS CAMPANHAS


ELEITORAIS À LUZ DA REFORMA
ELEITORAL DE 2015
(LEI Nº 13.165/2015)
WILLIAN SILVA DIAS
MURILO BRAZ VIEIRA

119
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017
NA HISTÓRIA

OS CUSTOS COM AS CAMPANHAS


ELEITORAIS À LUZ DA REFORMA ELEITORAL
DE 2015 (LEI Nº 13.165/2015)1

THE COSTS WITH THE ELECTION


CAMPAIGNS IN THE LIGHT OF THE
ELECTORAL REFORM OF 2015
(LAW Nº 13.165/2015)

WILLIAN SILVA DIAS2


MURILO BRAZ VIEIRA3
RESUMO

Apresentam-se as alterações feitas na Lei nº 9.504/1997, que


estabelece normas para as eleições, na Lei nº 9.096/1995, sobre
partidos políticos, na Lei nº 13.165/2015, que versa sobre a reforma
eleitoral, e na Lei nº 4.737/1965, que institui o Código Eleitoral.
Trata dos aspectos relacionados ao financiamento das campanhas
eleitorais no Brasil, sua historicidade, captação de votos, custos,
prestações de contas e desaprovações das contas de campanhas,
previstos na Lei nº 13.165/2015. Defende a ideia de abertura
e de transparência quanto à origem e ao destino dos recursos
empregados no financiamento de campanhas políticas, no propósito
de reduzir os custos das campanhas eleitorais, além de estreitar
a regulamentação, a aplicação e a execução das regras legais por
parte da Justiça Eleitoral.

Palavras-chave: Campanha eleitoral. Gastos. Reforma eleitoral.


Transparência.

ABSTRACT

The present study sought to present the changes of Law nº 9.504/97,


which establishes norms for elections, Law nº 9.096/95, on political
parties, as well as Law nº 4.737/65, which establishes the Electoral

1
Artigo recebido em 5 de junho de 2017 e aprovado para publicação em 8 de novembro de 2017.
2
Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo (Fasec).
3
Professor do Curso de Direito da Fasec.

121
Code and Law nº 13.165/2015 of the electoral reform. In this bias,
aspects related to the financing of electoral campaigns in Brazil,
its historicity, capture of votes, costs, rendering of accounts
and disapproval of the campaign accounts, provided for in Law
nº 13.165/2015. Thus, this work supports the idea of a ​​ possible
openness and transparency as to the origin and destination of the
resources used to finance political campaigns, in order to reduce
the costs of electoral campaigns, and to tighten the regulation,
application and enforcement of the rules by the electoral courts.

Keywords: Election campaign. Spending. Electoral reform.


Transparency.

122
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
A Lei nº 13.165, de 29 de setembro de 2015, sofreu alterações
referentes aos custos processuais eleitorais, e tal minirreforma traz
um novo modelo de financiamento de campanha eleitoral, que terá o
condão de reduzir o abuso do poder econômico no processo eleitoral.

A democracia representativa no Brasil, por meio do sufrágio


universal, tem se demonstrado retrógrada, e não é de hoje que a
população se queixa de não se sentir representada por seus políticos.
Isso é notório nas diversas manifestações ocorridas em 2012 em
todo o país com o julgamento do Mensalão, que se consolidou mais
adiante com a Operação Lava Jato. A partir de então, com pinturas
no rosto, fantasias, caricaturas e cartazes, todos aspiravam a uma
nação livre de corrupção, reivindicando a reforma política.

Posteriormente, diante da pressão popular, em 9 de setembro


de 2015, a Câmara Federal encerrou a votação do Projeto de Lei
nº 5.735/2013, aprovando, de forma parcial, o texto do Senado.
Todavia, foram apresentados vetos em todos os artigos relacionados
ao financiamento privado, que sofreram, portanto, mudanças com
a Lei nº 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos), a Lei nº 9.504/1997
(Lei das Eleições) e a Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral).

Com base nessa premissa, no dia 29 de setembro de 2015, foi


publicada a Lei nº 13.165/2015, com sanções e vetos feitos pela
ex-Presidente da República Dilma Rousseff. É importante salientar
que as principais mudanças feitas pela reforma de 2015 (Lei
nº 13.165/2015) foram os critérios de admissibilidade de doações
para as campanhas eleitorais e, especialmente, a proibição de
doação por pessoa jurídica.

Nesse sentido, a chamada minirreforma ocorrida em 2015 está


longe de alcançar tais pretensões, até que seja sanada a atual crise
política no país. Diante de tantos escândalos de corrupção e de
lavagem de dinheiro, descobriu-se, por meio de delações premiadas
realizadas pela Polícia Federal, que a interferência do poder
econômico nas campanhas eleitorais tem afetado as decisões dos
representantes “do povo”, que tinham suas campanhas financiadas

123
e, depois de eleitos, uma plataforma de interesse do grupo
financiador entrava em ação, causando constante preocupação da
sociedade e repercutindo na ordem e no progresso.

Diante disso, a reforma surgiu para exigir transparência nas


prestações de contas em campanhas eleitorais, estimando, ainda,
limites nas propagandas e proibições de doações jurídicas aos
partidos políticos. Buscou-se, no decorrer desta pesquisa, analisar
a finalidade do financiamento de campanha eleitoral sob a ótica da
Lei nº 13.165/2015.

2 Novas regras para doação partidária


O sistema político brasileiro encontrava-se promíscuo no que
se refere a doações, tratava do financiamento de candidatos que
posteriormente atenderiam não aos interesses sociais – propósito
para o qual foram eleitos –, mas aos interesses daqueles que os
financiaram. Esse sistema fez do Brasil, durante séculos, um país
assustadoramente heterogêneo e iníquo, de forma que somente aos
portadores de capitais é permitido chegar ao poder.

Desse modo, o cidadão com pouco poder aquisitivo, ainda que


maioria, não tem a mínima chance de obter cargo político, mesmo
que dotado de boas intenções e de propostas. Para Gomes (2017,
p. 16), o sistema “velho” deve ser alterado:

Os rapinadores que fazem parte desse arcaico sistema


de composição de sociedade devem ser defenestrados.
Independentemente da ideologia e do partido político, todos
devem ser responsabilizados, consoante o princípio erga omnes,
isto é; contra todos.

Diante das revelações feitas na Operação Lava Jato, está mais


que comprovado que o sistema político-empresarial não só destrói a
perspectiva do povo, como também o alicerce do país, que, por sua
instabilidade política, retrocede e interdita investimentos no ambiente
de negócios. Além disso, abala a confiança no Estado, resultando na
alta inflacionária e, consequentemente, no desemprego, cuja taxa
era de 13,6% no final de abril de 2017.

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Atualmente, há 14 milhões de desempregados no Brasil, segundo


dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua,
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que verifica o
desemprego em todas as regiões do país.

No livro O jogo sujo da corrupção, Luiz Flávio Gomes afirma:

O sistema político-empresarial brasileiro é composto por


políticos, empresários, partidos e setores da grande mídia e
da intelectualidade. É uma potente organização criminosa
que explora a sociedade brasileira à exaustão, canalizando
consequentemente grandes montantes do dinheiro público para
seus bolsos.

Em pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado de


São Paulo e publicada em 2012, no jornal El País, concluiu-se que a
corrupção rapina algo entre 1,38% e 2,3% do produto interno bruto (PIB)
brasileiro. Considerando-se que o último PIB consolidado disponível
nesse mesmo ano fechou em R$4,4 trilhões, isso equivale, no mínimo,
a uma perda nominal entre R$61 bilhões e R$101 bilhões. Em seguida,
foi realizado estudo sobre a corrupção cujo resultado foi de 7,6% do
investimento produtivo na economia e 22,6% do gasto público em
educação nas três esferas. Isso equivale a dois terços de um produto
interno bruto, mais de R$3 trilhões surrupiados dos brasileiros.

Nesse sentido, a todo instante uma nova confissão destrutiva


é revelada por meio das mais diversas delações premiadas,
atualmente 77. A mais estrondosa é a do grupo J&F, feita pelos
donos da JBS S.A., Joesley e Wesley Batista e por outros cinco
delatores, que expuseram um esquema multimilionário de propina,
que envolve de forma direta o atual presidente da República,
Michel Temer. Por sua vez, a delação de Cláudio Melo Filho,
ex-executivo da Odebrecht, revelou que “investiu” de forma direta R$17
milhões para que fossem aprovados a seu favor 17 atos normativos,
entre eles, medidas provisórias, projetos de lei e resoluções.

Antes de irem à tona todas as revelações, a reforma eleitoral,


por intermédio da Lei nº 13.165/2015, trouxe nova redação à Lei
dos Partidos Políticos, art. 39, § 3º, que dispõe, de forma ampla,

125
sobre os meios que podem ser utilizados para promover doações
de recursos para a agremiação. O intuito era oferecer mecanismos
legais para diminuir os custos das campanhas eleitorais e também
deixar mais rigorosas as regras sobre doações de campanha, de
modo a simplificar a administração e impor sanções ao infrator.

Em razão disso, estabeleceu-se novo teto para os gastos de


cada campanha. O novo sistema se faz diretamente pelo próprio
candidato e pela pessoa por ele designada para a administração
financeira de sua campanha, competindo-lhe regular a aplicação
dos recursos que lhe forem destinados ou transferidos pelo partido.

Ressalta-se que as doações privadas efetuadas diretamente ao


partido são contempladas no art. 39 da Lei dos Partidos Políticos.
Esse dispositivo autoriza o partido a receber doações de pessoas
físicas para a constituição de seus fundos. Desse modo, podem ser
efetuadas imediatamente aos órgãos de direção nacional, estadual
e municipal:

As ofertas de bens e serviços devem ter seus valores estimados


em dinheiro, moeda corrente. Já as ofertas de recursos financeiros
(dinheiro) somente poderão ser efetuadas na conta do partido
político por meio de: I – cheques cruzados e nominais ou
transferência eletrônica de depósitos; II – depósitos em espécie
devidamente identificados; III – mecanismo disponível em sítio
do partido na internet que permita inclusive o uso de cartão de
crédito ou de débito e que atenda aos seguintes requisitos: a)
identificação do doador; b) emissão obrigatória de recibo eleitoral
para cada doação realizada (GOMES, 2016, p. 131).

Todavia, em qualquer caso, os montantes doados ao partido


devem ser lançados em sua contabilidade.

É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer


forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável
em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie,
procedente de: entidade ou governo estrangeiros; autoridade ou
órgãos públicos; autarquias, empresas públicas ou concessionárias
de serviços públicos, sociedades de economia mista e de fundações
instituídas em virtude de lei e para cujos recursos concorram órgãos

126
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ou entidades governamentais; entidade de classe ou sindical


(GONÇALVES, 2015).

Severo (2015) assim leciona:

A doação de pessoa física a candidatos e partidos para campanha


eleitoral é regulada no art. 23 da Lei nº 9.504/1997. A pessoa
física pode doar, em dinheiro, até 10% dos rendimentos brutos
auferidos no ano anterior ao da eleição. A doação acima de tal
limite está sujeita ao doador à multa de cinco a dez vezes o valor
doado irregularmente, sanção essa que deve ser aplicada pela
Justiça Eleitoral em ação jurisdicional movida em face do infrator.
Já a doação de pessoa jurídica a candidatos e partidos para
campanha eleitoral era prevista no art. 81 da Lei nº 9.504/97,
segundo o qual ela devia limitar-se a dois por cento do faturamento
bruto do ano anterior à eleição. Entretanto, tal dispositivo foi
revogado pela Lei nº 13.165, de 29-9-2015. O Projeto de Lei
aprovado no Congresso Nacional em 9-9-2015 que deu origem
a essa norma (Projeto de Lei nº 5.735/2013) incluía na Lei
nº 9.404/97 o artigo 24-B, que regulava as doações e
contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, as
quais só poderiam ser feitas para partidos políticos (e não para
candidatos). Todavia, o art. 24-B foi vetado, tendo o veto sido
mantido no Congresso Nacional. Por outro lado, no julgamento
da ADI no 4.650/DF, ocorrido em 19-9-2015, o Pleno do Supremo
Tribunal Federal, por maioria, declarou a inconstitucionalidade dos
dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas
jurídicas às campanhas eleitorais (SEVERO, 2015, p. 81).

A falta de previsão legal para doação de pessoa jurídica nas


campanhas eleitorais não impede que haja esse tipo de doação.
Porém, se houver, será ilícita por falta de embasamento legal,
doravante a ilegalidade da doação poderá ser declarada pela Justiça
Eleitoral em ação própria.

É importante ressaltar dentre as alterações feitas pela


minirreforma, a prevista no art. 23, § 1º, da Lei nº 9.504/1997, que
estabelece, no que tange ao limite de contribuições de pessoas
físicas, o limite de 10% dos rendimentos brutos obtidos no ano
anterior à eleição e no art. 23, § 1-A, quanto ao uso pelos candidatos
dos recursos próprios em suas campanhas até o limite de gastos
fixados para o cargo ao qual concorram. Além disso, o candidato

127
é solidariamente responsável, com a pessoa por ele designada,
pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua
campanha, devendo ambos assinar a prestação de conta.

3 Caixa dois e captação de votos


No que se refere à punição do chamado caixa dois, não houve
inovação mediante a reforma eleitoral de 2015. A Lei nº 13.165/2015
apenas tornou mais rigorosa a prestação de contas dos candidatos
e impôs multa por eventual omissão de despesas ou camuflagem
na contabilização dos gastos, podendo acarretar rejeição da
prestação de contas da campanha e aplicação da multa fixada pelo
art. 18-B da Lei nº 9.504/1997, bem como configurar, a depender
das circunstâncias do caso concreto, prática de abuso de poder
econômico ou da infração prevista no art. 30-A dessa mesma lei.

Por captação de votos na campanha eleitoral, compreendem-se os


atos e métodos técnicos utilizados pelos candidatos e agremiações
políticas com o objetivo de influenciar os eleitores, para obter-lhes
o voto e conseguir êxito na disputa de cargo público eletivo. Nessa
disputa é desenvolvido um conjunto de atividades consistentes em
atos de mobilização, debates, realização de propaganda, publicação
de pesquisas, consultas populares, divulgação de ideais e de
projetos, entre outros.

Frisa-se que foram estabelecidos, por meio da Lei nº 9.504/1997,


os mecanismos legais ao processo eleitoral. A Justiça Eleitoral passou
a exercer o papel de aplicadora das normas que regulamentam
quesitos como coligações, convenções para a escolha de candidatos,
registro de candidatos, prestação de contas, pesquisas eleitorais,
propaganda eleitoral, condutas vedadas aos agentes públicos em
campanhas e fiscalização das eleições.

Nesse sentido, Gomes destaca:

Os candidatos e partidos políticos necessitam de recursos para se


divulgarem e se aproximarem do eleitorado, exporem suas ideias
e projetos, de maneira a captarem os votos necessários para

128
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

vencerem o pleito e ascenderem aos postos político-estatais.


Para tanto, é essencial que tenham acesso a dinheiro e canais de
financiamento. É impensável a realização de campanha eleitoral
sem dispêndio de recursos, ainda que pouco vultosos (GOMES,
2016, p. 395).

Consequentemente, a campanha eleitoral deve ser inteiramente


voltada à captação, conquista ou atração de votos. Deve sempre
se basear na licitude, levando o candidato e seus apoiadores a
cumprirem regimentos previstos por lei.

O financiamento das campanhas eleitorais é disciplinado por lei


específica, devido ao alto custo financeiro, que impõe aos políticos a
busca incessante por financiamento público e/ou privado.

O terreno econômico é certamente onde mais se cogita do


uso abusivo de poder nas eleições, fenômeno que pode não só
desequilibrar as disputas como também relativizar (ou até tornar
menos importante) a voz dos soberanos cidadãos. Por isso, o
legislador deve intervir sempre com o objetivo de que o processo
eleitoral seja rígido e as disputas, equilibradas e harmônicas e para
que haja transparência no levantamento e dispêndio de recursos
por partidos e candidatos (RIBEIRO, 2014).

Um dos principais autores do processo eleitoral aclara:

Por direitos, compreendem-se situações jurídicas, prerrogativas,


faculdades ou poderes conferidos às pessoas para que exerçam
a cidadania passiva, ou seja, para que possam ser votadas
validamente (SEVERO, 2015).

Para fortalecer essa responsabilidade, é importante lembrar-se dos


requisitos estabelecidos pela lei. Assim, também Gomes esclarece:

Não ter a legislação reguladora do processo eleitoral alterada a


menos de um ano da data do pleito – princípio da anterioridade
ou anualidade; requerer à Justiça Eleitoral o registro de sua
própria candidatura, caso o partido não o faça no tempo devido
(= pedido individual de registro de candidatura); obter recursos
para financiamento da campanha; usar com exclusividade o

129
nome e o número com que foi registrado; imunidade formal – não
ser preso desde 15 dias antes da data do pleito até 48 (quarenta
e oito) horas depois do encerramento da eleição, salvo se houver
flagrante delito ou em virtude de prisão cautelar decretada em
sentença penal condenatória por crime inafiançável; manifestar
livremente seu pensamento; conceder entrevistas em veículos de
mídia, ainda que virtuais. Entrevistas podem ser dadas ainda antes
do início do período eleitoral; realizar todo tipo de propaganda
eleitoral considerada lícita pela legislação; não ser impedido de
fazer propaganda, nem ter inutilizado, alterado ou perturbado
meio de propaganda devidamente empregado (CE, arts. 248,
331 e 332); promover e divulgar pesquisas eleitorais; fiscalizar
todo o processo eleitoral, inclusive os atos praticados pelos seus
concorrentes; acompanhar e fiscalizar a votação, apuração e
totalização de votos (GOMES, 2016 p. 392).

Esse mesmo autor expressa, acerca dos deveres dos candidatos:

Agir conforme os preceitos éticos, elevando-se moralmente;


ser verdadeiro e coerente com sua própria história; cuidar
bem da própria imagem; aceitar o resultado das urnas
em caso de derrota, contestando-o apenas quando tiver
argumentos sólidos, razoáveis e válidos; não abusar dos
poderes econômico e político que porventura detiver, tampouco
permitir ou tolerar que terceiros o façam em seu proveito;
respeitar as normas regentes da campanha e do processo
eleitoral; tratar com dignidade e respeito os cidadãos ao
endereçar-lhes mensagens e propagandas; abster-se de fazer
promessas que não sejam sérias ou que não tenha intenção de
cumprir; agir com boa fé objetiva e subjetiva; colaborar com
o meio ambiente e manter a cidade limpa, recolhendo, após a
realização de atos de campanha, o material de propaganda que
tiver sido lançado em vias e locais públicos; abster-se de apoiar
partido diverso em detrimento daquele em que se encontra
filiado; não apoiar candidato de partido concorrente; não atacar
ou combater os próprios colegas de agremiação; contribuir para
o crescimento e aperfeiçoamento do partido, sobretudo para que
se fortaleça e tenha êxito no certame (GOMES, 2016 p. 394).

Não obstante, ainda sob a perspectiva do financiamento das


campanhas eleitorais, serão financiadas exclusivamente por
doações de pessoas físicas e pelos recursos do Fundo Partidário,
sendo vedado o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas.

130
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Para seguir esses procedimentos, existem três modelos de


financiamentos de campanha: público exclusivo, privado e misto.
Têm como objetivos:

Financiamento público exclusivo: nesse modelo as campanhas


eleitorais são integralmente financiadas pelo Estado, portanto
com recursos públicos, oriundos da cobrança de tributos.
Em seu favor, argumenta-se que ele contribui decisivamente
para a redução da corrupção na gestão estatal, porque os
candidatos eleitos deixam de estar à mercê da influência de seus
financiadores privados. Afirma-se que esse sistema promove a
igualdade de oportunidades ou chances no certame eleitoral,
tornando a disputa mais justa e equilibrada; afinal, nem todos
os candidatos têm acesso a ricos financiadores privados, e há
mesmo candidatos cujas bandeiras contrariam seus interesses.
Financiamento privado: nesse modelo as campanhas eleitorais
são integralmente financiadas por particulares, pessoas físicas
e jurídicas. Financiamento misto: nesse modelo as campanhas
são financiadas tanto pelo Estado quanto pelos agentes privados
(GONÇALVES, 2015, p. 185).

É de extrema importância a realização de abertura e de


transparência quanto à origem e ao destino dos recursos
empregados no financiamento de campanhas políticas, além de
estrita regulamentação, bem como a severa aplicação e execução
das regras legais por parte da Justiça Eleitoral.

Gomes (2016) ressalta que, normalmente, os gastos de campanha


eleitoral são elevados às somas pecuniárias de forma legal e ilegal, o
que é particularmente notório em eleições majoritárias para o Poder
Executivo. E o que é ainda mais grave e preocupante: não raras
vezes, parte do dinheiro despendido tem origem ilícita, emanando
de fontes tão variadas como o desvio de recursos do Estado, crime
organizado, tráfico de drogas, caixa dois, etc. Ora, o uso de dinheiro
ilícito torna ilegítima qualquer eleição, além de oportunizar que
espúrios financiadores exerçam indevida influência na esfera estatal.

Com a reforma eleitoral determinada pela Lei nº 13.165/2015,


as doações de recursos financeiros poderão ser efetuadas na
conta do partido político por meio de cheques cruzados e nominais
ou transferência eletrônica de depósitos, depósitos em espécie

131
devidamente identificados ou mecanismo disponível em sítio do
partido na Internet que permita, inclusive, o uso de cartão de crédito
ou de débito e que atenda aos requisitos de identificação do doador
e emissão obrigatória de recibo eleitoral para cada doação realizada.

4 Custos das campanhas eleitorais e prestação


de contas
Um dos objetivos firmados pela Lei nº 13.165/2015 foi o de diminuir
os custos das campanhas eleitorais e simplificar a administração
dos partidos políticos. O autor, Waldschmidt, explica:

O texto aprovado tem a pretensão de aperfeiçoar a legislação


eleitoral e partidária vigente, trazendo alterações pontuais, sem
se aprofundar em qualquer questão estruturante do sistema
eleitoral e partidário vigente, embora tenha o legislador federal
deixado, mais uma vez, de regulamentar dispositivos da
legislação carentes de complementação, de modo a torná-los
efetivos, principalmente os desprovidos de sanção. Esta já é a
4.ª minirreforma eleitoral aprovada pelo Poder Legislativo, após
a edição das Leis 11.300/2006, 12.034/2009 e 12.891/2013,
popularmente conhecidas como 1.ª, 2.ª e 3.ª minirreforma,
respectivamente (WALDSCHMIDT, 2015, p. 2).

Do mesmo modo, é vedado o financiamento eleitoral por pessoas


jurídicas, de acordo com os arts. 5° e 6° dessa mesma lei, que dispõem:

Art. 5º [...]
I - para o primeiro turno das eleições, o limite será de:
a) 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado para o
cargo, na circunscrição eleitoral em que houve apenas um turno;
b) 50% (cinquenta por cento) do maior gasto declarado para o
cargo, na circunscrição eleitoral em que houve dois turnos;
II - para o segundo turno das eleições, onde houver, o limite de
gastos será de 30% (trinta por cento) do valor previsto no inciso I.
Parágrafo único. Nos Municípios de até dez mil eleitores, o limite
de gastos será de R$100.000,00 (cem mil reais) para Prefeito e
de R$10.000,00 (dez mil reais) para Vereador, ou o estabelecido
no caput se for maior.
Art. 6º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos
às eleições para Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual,
Deputado Distrital e Vereador será de 70% (setenta por cento)

132
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

do maior gasto contratado na circunscrição para o respectivo


cargo na eleição imediatamente anterior à publicação desta Lei
[nº 13.165/2015].

Assim, nos municípios de até 10 mil eleitores, o limite de gastos


será de R$100 mil para prefeito e de R$10 mil para vereador, ou o
que será definido com base nos gastos declarados mencionado via
caput do art. 5°, caso seja maior.

Na definição dos limites estabelecidos nos arts. 5º e 6º da Lei


nº 13.165/2015, serão considerados os gastos efetivados pelos
candidatos e por partidos e comitês financeiros realizados em suas
campanhas. Porém, considera-se que não se incluem na base de
cálculo, para aferição dos limites, os gastos realizados por comitê
financeiro que não tenham sido repassados aos respectivos
candidatos.

Nesse contexto, Severo (2015) afirma que o art. 32, § 3º, da Lei
nº 9.096/1995 (revogado pela reforma eleitoral de 2015) exigia que
“no ano em que ocorrem eleições, o partido deve enviar balancetes
mensais à Justiça Eleitoral, durante os quatro meses anteriores e
os dois meses posteriores ao pleito”. Assim, após lançadas tais
alterações, essa obrigação deixa de existir.

Além disso, acrescentou-se o § 4º ao aludido art. 32 da Lei


nº 9.096/1995, o qual dispõe:

Art. 4º Os órgãos partidários municipais que não hajam


movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens
estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à
Justiça Eleitoral, exigindo-se do responsável partidário, no prazo
estipulado no caput, a apresentação de declaração da ausência
de movimentação de recursos nesse período.

Contudo, não houve alteração na nova redação preconizada


pela Lei nº 13.165/2015 ao texto do art. 20 da Lei nº 9.504/1997,
o qual determina ao candidato a cargo eletivo o arbítrio direto,
ou por intermédio de pessoa por ele designada, da administração
financeira dos recursos usados em campanha (repassados pelo

133
partido) e também dos relativos à cota do Fundo Partidário, dos
recursos próprios e das doações de pessoas físicas.

Em relação à prestação de contas, que antes era feita por meio do


comitê financeiro, atualmente deverá ser realizada pelo próprio candidato.

Não obstante, o art. 28 da Lei das Eleições, com a nova redação


dada pela Lei nº 13.165/2015, prevê que as prestações de contas
dos candidatos às eleições majoritárias serão feitas pelo próprio
candidato, devendo ser acompanhadas dos extratos das contas
bancárias referentes à movimentação dos recursos financeiros
usados na campanha e da relação dos cheques recebidos, com a
indicação dos respectivos números, valores e emitentes.

Quanto à punição, a sanção terá um valor fixo acrescido de uma


multa de até 20%, cujo prazo de pagamento será de 1 a 12 meses,
fixado na decisão de desaprovação das contas com base no princípio
da proporcionalidade prenunciado pela Lei nº 13.165/2015.

O pagamento desse valor nominal será feito por meio de


desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário,
mantida a ressalva de que a sanção somente pode ser aplicada
se a prestação de contas for julgada, pelo juízo ou tribunal
competente, em até cinco anos de sua apresentação. Ou seja, o
pagamento será parcelado e a agremiação partidária continuará
recebendo os repasses do Fundo Partidário enquanto promove o
pagamento da sanção. Conforme previsão do § 9º, incluído na
reforma, o desconto no repasse de cotas, através do qual se faz o
pagamento da sanção, não ocorrerá durante o segundo semestre
do ano em que se realizarem as eleições (SEVERO, 2015, p. 5).

Em relação ao cômputo da doação acima do limite legal, a Lei


nº 13.165/2015 regulamenta os procedimentos necessários para
apuração do limite de doação de cada pessoa física a candidatos
ou partidos políticos, determinando: a consolidação, pelo TSE, das
doações registradas até 31 de dezembro do exercício financeiro a
ser apurado nas prestações de contas anuais dos partidos e nas de
campanha dos candidatos; o encaminhamento das informações à
Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) até 30 de maio do
ano seguinte ao da apuração; o cruzamento das informações pela

134
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

SRFB; e a remessa ao Ministério Público Eleitoral até 30 de julho do


ano seguinte ao da apuração, que poderá, até o final do exercício
financeiro, conceder representação por doação acima do limite
legal, com vistas à aplicação da penalidade de multa no valor de
5 a 10 vezes a quantia em excesso e de outras sanções que julgar
cabíveis (WALDSCHMIDT, 2015).

Portanto, quaisquer mudanças legislativas requerem atenção,


principalmente quando se trata de temática tão delicada no que
diz respeito aos estimados valores democráticos, revestindo-se no
Direito Eleitoral como o processo, de modo a promover critérios
fundamentais e constitucionais.

4.1 Arguições das contas de campanha


eleitorais
A redação anterior do art. 37 da Lei nº 9.096/1997 dispunha que
a “falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial
implicava a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita
os responsáveis às penas da lei”. Esse texto foi alterado pela nova
lei, que estabelece a desaprovação das contas do partido implicará
exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como
irregular, acrescida de multa de até 20%. Nas palavras de Severo:

O pagamento desse valor nominal será feito por meio de desconto


nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário, mantida a
ressalva de que a sanção somente pode ser aplicada se a prestação
de contas for julgada, pelo juízo ou tribunal competente, em até
cinco anos de sua apresentação (SEVERO, 2015, p. 5).

Assim, os erros formais ou materiais que, no conjunto da prestação


de contas, não comprometem o conhecimento da origem das receitas e
a destinação das despesas não acarretarão a desaprovação das contas.

Waldschmidt (2015) leciona que

[...] houve a extinção dos comitês financeiros, a proibição de


repasses financeiros por pessoa jurídica, decorrente do veto
presidencial, a inclusão na lei de previsão de encerramento da

135
conta bancária e de devolução dos recursos oriundos de fonte
vedada ou de origem não identificada, a obrigatoriedade de
abertura de conta bancária para os candidatos ao de cargo de
vereador em municípios com menos de vinte mil eleitores, desde
que haja agência bancária ou posto de atendimento bancário e a
ampliação do valor de R$ 50.000,00 para R$ 80.000,00 para as
doações estimáveis em dinheiro (WALDSCHMIDT, 2015).

Corrobora-se que a falta de prestação de contas continua


implicando a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário enquanto
perdurar a inadimplência e sujeita os responsáveis às penas da lei.

Entretanto, a Lei nº 13.165/2015 traz diretrizes para o ordenamento


jurídico já consolidadas na jurisprudência do Tribunal Superior
Eleitoral, no sentido de que as falhas que não impedem o efetivo
controle das contas prestadas não são hábeis para determinar sua
rejeição.

No que diz respeito à responsabilização pelos atos ilícitos, Severo


esclarece que

a responsabilização pessoal civil e criminal dos dirigentes


partidários decorrente da desaprovação das contas partidárias e
de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente ocorrerá se
verificada irregularidade grave e insanável resultante de conduta
dolosa que importe enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio
do partido (SEVERO, 2015).

Para o caso de desaprovação das contas, aplica-se a sanção


de suspensão de novas cotas do Fundo Partidário. Destarte, a
Resolução-TSE nº 23.126/2009 menciona que os recursos oriundos de
fontes não identificadas compõem o Fundo Partidário e deverão ser
recolhidos por meio da Guia de Recolhimento da União, nos termos
da Resolução-TSE nº 21.975/2004 e da Portaria-TSE nº 288/2005.

Os depósitos e movimentações dos recursos provenientes


do Fundo Partidário serão feitos em estabelecimentos bancários
controlados pelo poder público federal, pelo poder público estadual
ou, inexistindo estes, no banco escolhido pelo órgão diretivo do
partido (BRASIL, 2016).

136
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Quanto à desaprovação das contas de campanha eleitoral, a


resolução prevê que a responsabilização pessoal civil e criminal
dos dirigentes partidários decorrente da desaprovação das contas
partidárias e de atos ilícitos atribuídos ao partido político somente
ocorrerá se verificada irregularidade grave e insanável resultante de
conduta fraudulenta que importe enriquecimento ilícito e lesão ao
patrimônio do partido.

Em relação à inelegibilidade, devido à desaprovação das contas


eleitorais, a Justiça Eleitoral é informada pelos órgãos, aferindo os
dados recebidos com os princípios e as regras do Direito Eleitoral, a
fim de realizar o enquadramento jurídico dos fatos, dessa maneira,
cabe-lhe averiguar a decisão que desaprova as contas apresentadas
nos requisitos configurados pela inelegibilidade.

Em outros termos, a competência da Justiça Eleitoral cinge-se a


verificar

A existência de prestação de contas relativas ao exercício de


cargos ou funções públicas; julgamento e rejeição das contas;
presença de irregularidade insanável; caracterização dessa
irregularidade como ato doloso de improbidade administrativa;
existência de decisão irrecorrível do órgão competente para
julgar as contas; se a inelegibilidade encontra-se suspensa em
razão de liminar ou antecipação de tutela concedida pela Justiça
(GOMES, 2016, p. 261).

Igualmente, dentro da esfera que lhe compete, tem a Justiça


Eleitoral plena autonomia para valorar os fatos que ensejaram
a rejeição das contas e fixar, no caso concreto, o sentido da
irregularidade insanável, bem como apontar se ela caracteriza ato
doloso de improbidade administrativa. Dentre os pontos principais
da competência e suas respectivas rejeições, Severo (2015) ressalta:

[...] a configuração da inelegibilidade requer não só a rejeição


das contas, como também a insanabilidade das irregularidades
detectadas e sua caracterização como improbidade. Se a rejeição
(ou desaprovação) das contas é dado objetivo e facilmente
verificável (basta uma certidão expedida pelo Tribunal de Contas
ou pelo órgão Legislativo), a insanabilidade e a configuração da
improbidade requerem a formulação de juízo de valor por parte

137
da Justiça Eleitoral, única competente para afirmar se há ou não
inelegibilidade.

Essas alterações normativas passaram a ter vigência e validade a


partir da eleição de 2016, quando houve preciso acompanhamento
dos efeitos provocados pela corrupção no país, diagnosticando,
ainda, a necessidade de fiscalização efetiva (Polícia Federal e TRE),
controle e produção de novas normas jurídicas, evitando, assim, o
acúmulo de problemas futuros.

4.2 Novo limite estabelecido para campanha


eleitoral
Foram impostos limites aos gastos de campanha, que são definidos
pelo Tribunal Superior Eleitoral com base nos parâmetros elencados
pela legislação. Serão contabilizados os limites de gastos de cada
campanha e despesas efetuadas pelos candidatos e as praticadas
por cada partido. Não obstante, o seu descumprimento acarretará
o pagamento de multa em valor equivalente a 100% da quantia
ultrapassada ao limite estabelecido, sem prejuízo da apuração de
ocorrência relativo ao abuso do poder econômico e das sanções
civis e penais fixados, se comprovado dolo ou culpa.

Assim, a arguição de ilícito nas contas do partido implicará sanção


de devolução da importância apontada como irregular acrescida em
multa de até 20% e, em relação a doações irregulares acima de tal
limite – diretamente ao candidato ou partido –, sujeitará o doador à
multa de cinco a dez vezes o valor doado irregularmente. A Lei nº
13.165/2015 trouxe novos limites de gastos para a campanha; se
descumpridos será aplicada multa cabível pela Justiça Eleitoral em
ação jurisdicional movida contra o infrator.

Os arts. 5º, 6º, 7º e 8º da supracitada lei estabelecem:

Art. 5º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos


às eleições para Presidente da República, Governador e Prefeito
será definido com base nos gastos declarados, na respectiva
circunscrição, na eleição para os mesmos cargos imediatamente
anterior à promulgação desta Lei, observado o seguinte:

138
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

I - para o primeiro turno das eleições, o limite será de:


a) 70% (setenta por cento) do maior gasto declarado para o
cargo, na circunscrição eleitoral em que houve apenas um turno;
b) 50% (cinquenta por cento) do maior gasto declarado para o
cargo, na circunscrição eleitoral em que houve dois turnos;
II - para o segundo turno das eleições, onde houver, o limite de
gastos será de 30% (trinta por cento) do valor previsto no inciso I.
Parágrafo único. Nos Municípios de até dez mil eleitores, o limite
de gastos será de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para Prefeito e
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para Vereador, ou o estabelecido
no caput se for maior.
Art. 6º O limite de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos
às eleições para Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual,
Deputado Distrital e Vereador será de 70% (setenta por cento) do
maior gasto contratado na circunscrição para o respectivo cargo
na eleição imediatamente anterior à publicação desta Lei.
Art. 7º Na definição dos limites mencionados nos arts. 5º e 6º,
serão considerados os gastos realizados pelos candidatos e por
partidos e comitês financeiros nas campanhas de cada um deles.
Art. 8º Caberá à Justiça Eleitoral, a partir das regras definidas nos
arts. 5º e 6º:
I - dar publicidade aos limites de gastos para cada cargo eletivo
até 20 de julho do ano da eleição;
II - na primeira eleição subsequente à publicação desta Lei,
atualizar monetariamente, pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor - INPC da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística - IBGE ou por índice que o substituir, os valores sobre
os quais incidirão os percentuais de limites de gastos previstos
nos arts. 5º e 6º;
III - atualizar monetariamente, pelo INPC do IBGE ou por índice
que o substituir, os limites de gastos nas eleições subsequentes.

Dessa forma, serão punidos os partidos que desrespeitarem os


limites estabelecidos em lei.

5 Conclusão
A reforma eleitoral, ocorrida mediante a Lei nº 13.165/2015,
requintou algumas demandas pelo Sistema Político Eleitoral
(político-empresarial), singularmente nas doações das campanhas
eleitorais, vedando-as por via de pessoa jurídica, permitindo receber
somente doações de pessoa física, que deverá ser de até 10% dos
rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição.

139
Por conseguinte, poderá o candidato, também, nos termos do
art. 23, § 1º-A, da Lei das Eleições, acrescido pela supracitada lei, usar
recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos delineado
pela legislação brasileira. A doação acima de tal limite sujeitará o
doador à multa de cinco a dez vezes o valor doado irregularmente,
sanção aplicada pela Justiça Eleitoral em ação jurisdicional movida
contra o infrator.

Lamentavelmente, subsistiu, no sistema eleitoral, o domínio


político por detentores do poder econômico, ainda que proibidas
doações por pessoa jurídica: permite-se que sejam usados recursos
próprios e doações por pessoa física. Desse modo, permanece o
sistema de casta, no qual o cidadão com poucos recursos jamais
alcançará homogeneamente o pleito, refletindo de forma negativa
na democracia.

Está mais que comprovado que a raiz problemática do país é


a corrupção em consequência das doações ilícitas e do domínio
do poder econômico sob a ótica da política, que deveria ser
representativa do povo, mas se mostra ardilosa. Os candidatos
eleitos representam apenas os próprios interesses e daqueles que
os financiam. Devido a isso, o ideal seria que todos os candidatos
nutrissem suas campanhas, isonomicamente, apenas do recurso
público, sendo vedado qualquer outro valor, a não ser os que lhes são
disponibilizados. Assim, todos teriam igual direito na concorrência
pelo cargo pretendido, resolvendo a crise de representatividade.

Atualmente, há 35 partidos no país, e outros 55 à espera de


aprovação (esse número tende a crescer), cada um com seu
idealismo e estatuto, os quais são beneficiados com Fundo Partidário
distribuído a seus participantes, em porcentagem prevista de acordo
com o número de seus representantes.

No conjunto dessas distribuições, aqueles que possuem número


maior de candidatos eleitos recebem mais; os que possuem número
menor de representantes, por sua vez, ficam prejudicados, pois
recebem menos.

140
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Outra discrepância em relação aos partidos são as chamadas


coligações, que geram grandes desequilíbrios na representatividade
e, consequentemente, no sufrágio universal, pois, por meio do
sistema proporcional, elegem-se candidatos com pouquíssimos
votos, por meio dos chamados “puxadores de votos” ou “fenômeno
Tiririca”, e ainda se garante mais tempo de propaganda no horário
eleitoral.

Quanto aos puxadores de votos, geralmente são artistas


nacionalmente conhecidos que recebem grande quantidade de
votos; assim, elegem consigo o grupo de candidatos da coligação
posto à mídia. Ora, a finalidade pluripartidária é garantir diferentes
ideologias, de forma que estas possam representar eficazmente a
sociedade. Todavia, na prática, todos os partidos, com diferentes
ideologias e doutrinas filosóficas, tornam-se um nessas coligações.
Dessa forma, a população brasileira não se sente representada
pelos partidos políticos brasileiros, os quais têm demonstrado falhas
na contribuição da atual crise democrática e corrupta no país.

No que se refere à extensão de tempo de propaganda no horário


eleitoral, as coligações corroboram para que o cidadão sem partido
seja mantido fora da política, anônimo, com poucos recursos
financeiros e não logre êxito no pleito, pois o maior tempo sempre
é concedido aos portadores de maior influência e poder econômico.
Portanto, é necessário, urgentemente, que seja realizada uma
reforma eleitoral mantendo o pluripartidarismo, limitando, todavia,
os partidos a no máximo cinco, e extinguindo, de todo modo, os
votos proporcionais às coligações.

Nesse viés, a população brasileira vive um momento singular,


no qual tem se revelado a necessidade inadiável de se tomarem
algumas medidas para que o país volte a crescer e ter credibilidade
internacional. Assim, é preciso realizar de imediato uma reforma
eleitoral com base nas seguintes premissas: a) veto à reeleição para
todos os cargos eletivos; b) proibição de qualquer tipo de doações,
seja por pessoa física, seja jurídica, mas com verbas 100% públicas;
c) redução de número de partidos para no máximo cinco e extinção
das coligações e votos proporcionais; d) criação ou estruturação dos
órgãos fiscalizadores, de maneira que seja garantida maior eficácia

141
na aplicação das medidas cabíveis aos violadores; e) criação de leis
mais rígidas, de modo que, seja punido criminalmente e civilmente;
f) fim do foro privilegiado; g) aposentadoria dos políticos nos modos
gerais e fim dos privilégios a ex-presidentes; e h) cessação dos
supersalários e de recebimento de gratificação nas sessões.

Desse modo, a crise de representatividade existente no país


será parcialmente superada, na garantia de que serão eleitos os
reais representantes do interesse coletivo de forma democrática, os
quais assegurarão prioritariamente as necessidades estabelecidas
constitucionalmente. Porém, não há aval eficaz quanto à garantia
dos direitos fundamentais como: dignidade da pessoa humana,
direito à vida, educação de qualidade, igualdade, saúde, segurança
e harmonia social, bem como proteção fisiológica e mental. Destarte,
poderá vislumbrar-se uma perspectiva de mudança na sociedade
em longo prazo, por meio de escolhas bem feitas de políticos do
Brasil.

Referências

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Leis n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, Lei n. 9.096, de 19
de setembro de 1995, e Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965 do
Código Eleitoral, para reduzir os custos das campanhas eleitorais,
simplificar a administração dos Partidos Políticos e incentivar a
participação feminina. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13165.htm>. Acesso em: 20 abr.
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142
VOLUME 12 – NÚMERO 3
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breves comentários à Lei nº 13.165/2015. Revista Brasileira de
Direito Eleitoral, Belo Horizonte, ano 7, n. 13. p. 81-120, jul./dez.
2015.

143
NA HISTÓRIA

COMO O CURSO HISTÓRICO


DARIA RAZÃO A ASSIS BRASIL
(1858-1938)
ANTONIO PAIM
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017
NA HISTÓRIA

COMO O CURSO HISTÓRICO DARIA RAZÃO A


ASSIS BRASIL (1858-1938)1

HOW THE HISTORICAL COURSE WOULD


GIVE REASON TO ASSIS BRASIL (1858-1938)

ANTONIO PAIM2

RESUMO

Faz um paralelo entre a trajetória política de Assis Brasil e a adoção


do sistema proporcional, bem como a eventual aplicação da
eleição indireta e do voto secreto. Objetiva clarificar determinadas
particularidades da carreira do estadista e questionamentos
a respeito dos pontos mencionados. Para tal, realiza-se uma
prospecção histórica, pautada por pesquisa bibliográfica, levando
ao entendimento de que sua origem e princípios conduziram e
interferiram nos rumos de sua trajetória.

Palavras-chave: Assis Brasil. Política. Voto. Sistema proporcional.


República.

ABSTRACT

It parallels the political trajectory of Assis Brasil and the adoption of


the proportional system, as well as the eventual application of the
indirect election and the secret ballot, and is objective to some points
of the statesman’s career and questions about the mentioned points.
For this, a historical research is conducted, guided by bibliographical

1
O artigo foi transcrito preservando-se a originalidade de seu conteúdo. A redação foi
atualizada em consonância com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de 2009,
e com as normas de publicação da revista Estudos Eleitorais.
2
Presidente do Conselho Acadêmico do Instituto de Humanidades e membro do Instituto
Brasileiro de Filosofia, da Academia Brasileira de Filosofia, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, da Academia das Ciências de Lisboa e do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira
(Portugal). Professor auxiliar (UFRJ), adjunto (PUC-RJ), catedrático e livre docente
(Universidade Gama Filho) de 1960 a 1989.

147
research, leading to the understanding of its origin and principles
led and interfered in the directions of its trajectory.

Keywords: Assis Brasil. Biography. Policy. Vote. Proportional system.


Republic.

148
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Tendo vivido 80 anos, fato pouco comum na época, Assis Brasil


registrou presença na vida política do país ao longo de sua fecunda
existência. Assim, publicou seu primeiro livro aos 23 anos, e, aos
76, conseguiu pôr fim ao tradicional sistema eleitoral distrital,
por acreditar que o sistema proporcional alcançaria a “média das
opiniões” – e ignorar a doutrina da representação política como
sendo de interesses que contara com todas as simpatias da elite de
seu tempo.

No entanto, ao conseguir que se desse a adoção do sistema


eleitoral proporcional, formulou um modelo que contrariava aquele
por meio do qual se consolidara na Europa continental – o voto em
lista preordenada. Em vez disso, preservou a maneira tradicional
do voto no Brasil, a escolha de um nome, como se dava no sistema
tradicional ora revogado. O voto em nome configurava uma situação
típica do sistema eleitoral distrital.

Esse modelo híbrido seria duramente criticado em prol da


introdução do voto em lista fechada. Os partidários dessa reforma
conseguiram, a duras penas, que a Comissão Especial, organizada
na Câmara dos Deputados na legislatura 2002-2005, aprovasse esse
modelo. Levando em conta as distorções constantes da maneira
como se apresentava a prática adotada na elaboração da lista
preordenada, o projeto em causa estabeleceu, de modo minucioso,
como proceder na convenção especialmente convocada para esse
fim. Os convencionais teriam apenas um voto, não podendo figurar
em mais de uma chapa. A ordenação dos nomes resultaria dos
percentuais obtidos por cada uma das chapas concorrentes.

O mencionado projeto somente foi submetido a voto no plenário


da Câmara em 2014. Enfrentou uma rejeição que beirava a
unanimidade, senão vejamos o resultado verificado:

Lista fechada
A favor – 21
Contrários – 402
Abstenções – 2

149
Só então se verificou que Assis Brasil, com o seu modelo híbrido,
havia ido ao encontro de sentimento arraigado ao qual não se podia
renunciar: a escolha de um nome na hora do voto, como, afinal
de contas, era a maneira praticada no país desde que se aboliu a
monarquia absoluta em prol da constitucional.

E, assim, reconheceu-se que o curso histórico dera razão a Assis Brasil.

O nosso personagem, contudo, atuou em diversas outras frentes


ao longo da vida, como procuraremos demonstrar nas notas que
se seguem.

1 Dados biográficos gerais


Joaquim Francisco de Assis Brasil ingressou na Faculdade de
Direito de São Paulo aos 20 anos. Ainda quartanista, em 1881,
publicou seu primeiro livro, A República Federal. O jovem publicista
pretendeu que o movimento republicano, iniciado no decênio
anterior, carecia de maior estruturação doutrinária, justamente o
que levara à perdição os movimentos de idêntica índole do passado,
dentre os quais se destacam as revoluções pernambucanas de
1817 e 1824, a Sabinada baiana de 1837 e a Guerra Farroupilha.
Encantado pelas ideias positivistas que faziam o deleite de seus
contemporâneos, Assis Brasil sustentou que a monarquia pervertesse
o caráter nacional, sendo insofismavelmente republicana a vocação
brasileira. Republicanismo e federalismo, a seu ver, constituíam
verso e reverso da mesma medalha, assim como o centralismo
seria o corolário da monarquia. No ano seguinte, em 1882, publicou
um segundo livro dedicado à Revolução Farroupilha (História da
República rio-grandense), em que defendeu aquele movimento da
acusação de separatismo e exaltou a ideia da República Federal.

Em 1884, já formado em Direito, Assis Brasil elege-se deputado à


Assembleia Provincial, tornando-se o primeiro representante que o
Partido Republicano fez chegar àquela Casa Legislativa.

150
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

2 Atuação pioneira em oposição ao castilhismo


Com a República, firmou-se no Rio Grande a liderança de Júlio
de Castilhos. Incompatibilizado com o sentido autoritário daquela
liderança, Assis Brasil ingressou na diplomacia e afastou-se da
política. Publicou, em 1893, Democracia representativa: do voto e
do modo de votar.

Parece-lhe, então, que, consolidada a República, tornada realidade


a Federação, cumpria assegurar que o povo se fizesse efetivamente
representar pelo voto. A ideia de que a representação seria de
interesses, como ensinaram os grandes teóricos do liberalismo
brasileiro no período imperial, não está presente na pregação de
Assis Brasil. No entanto, o desdobramento e as implicações de
sua doutrina da representação somente se explicitaram quando
se dispôs a assumir a liderança do combate ao castilhismo, como
veremos a seguir.

Em 1898, em substituição a Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros


tornou-se presidente do Rio Grande do Sul. Como candidato único,
reelegeu-se para um segundo mandato (1903-1907). Para o
quinquênio 1908-1913, Borges de Medeiros lançou a candidatura de
Carlos Barbosa; Júlio de Castilhos falecera em 1903.

Em face da nova circunstância, Assis Brasil aceitou assumir


a chefia da oposição ao castilhismo. Tenha-se presente que, até
então, toda oposição se entendia como tentativa de restauração
monárquica. Para combater essa doutrina, formou-se o Partido
Republicano Democrático.

No congresso da nova agremiação, realizado em setembro de


1908, Assis Brasil pela primeira vez iria proceder à sistematização
da crítica liberal ao castilhismo. Esta seria uma perversão do
republicanismo. O Partido Republicano Democrático queria apenas
reencontrar a tradição republicana rio-grandense, desvinculando-a
do sentido ditatorial que lhe imprimiu o castilhismo – mais
precisamente, em Assis Brasil, como em Rui Barbosa, não há uma
autêntica doutrina da representação.

151
No discurso em apreço, publicado com o título de Ditadura,
parlamentarismo, democracia, Assis Brasil apresentou e justificou
as seguintes teses:

1) O estabelecimento de regime eleitoral que habilite o “eleitor


a usar com segurança do seu voto por meio de mecanismo simples
e seguro de representação proporcional de todas as opiniões que
puderem exibir número de adeptos igual ao quociente da divisão do
número de votantes pelo de elegíveis”. A eleição tem por objetivo
alcançar a “média das opiniões”, a ser apurada proporcionalmente
numa base territorial que inclua toda a província.

2) “Segundo a verdadeira teoria democrática, o povo não


governa nem legisla diretamente, mas por meio de representantes
tão legitimamente escolhidos quanto o permitir o grau de cultura do
mesmo povo.”

3) “Todos sabem o que são eleições no Brasil. Não há dúvida


de que temos uma opinião pública vigorosa, que pode ser e que
tem sido desrespeitada em dados momentos, mas que, no fim
das contas, acaba por triunfar. Essa opinião pública, porém, não
tem como seu melhor instrumento a eleição, entre nós, devido à
pouca ou má educação do povo, ao escasso hábito de exercício
da liberdade e, ainda, em grande parte, às leis eleitorais que eu
chamaria absurdas se não as reconhecesse como obra-prima
de sofisma e fraude geral em favor do partidarismo tacanho. A
eleição entre nós, em regra, só serve para sagrar o arbítrio dos que
governam. É assim e foi assim, porque, na Monarquia, se houve
diferença, foi para pior – ainda quando o neguem os que creem
ingenuamente que a tênue muralha de tempo interposta entre as
duas épocas possa abafar as vozes ainda vibrantes dos pró-homens
do próprio Império, quase todos eles deixaram testemunhos
imperecíveis do embuste sistematizado a que então se chamava
consulta à nação.” Por essa razão, afirma o conhecido líder liberal,
o princípio da reeleição só beneficia os maus governos.

152
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

A ideia de que a República corresponderia ao regime de todo o


povo e a incompreensão de que a política só aparece onde há conflito
e diversidade de interesse invalidam a crítica ao sistema eleitoral
consagrado pela Constituição do Império. Este havia sido concebido
na fase do liberalismo que entendia a representação como sendo de
um segmento da sociedade, a classe proprietária, primeiro rural e
depois urbana, e apenas posteriormente cogitou expandir sua base
eleitoral, ao democratizar-se.

Assim, à luz da pregação de Assis Brasil, verifica-se que a elite


imperial tinha sobre a republicana a vantagem indiscutível de
que o princípio da representação não se confundia com o caráter
democrático do sistema.

O princípio da representação adotado na Constituição de 1824


estabelecera condições muito precisas no que diz respeito a
circunstâncias que habilitavam o cidadão a fazer-se representar.
Contudo, sua aplicação sem nuanças teria levado à exclusividade
na representação da denominada aristocracia rural. A busca
posterior da democratização do sistema conduziu à liberalização
das exigências no que se refere ao eleitor citadino, bem como a
clareza da doutrina estimulou os sucessivos aprimoramentos da
base territorial dos distritos e a limitação do número de deputados
a serem eleitos em cada distrito. Assim, as cidades chegaram a ser
super-representadas, conforme observa João Camilo de Oliveira
Torres em Os construtores do Império (São Paulo, Cia. Editora
Nacional, 1968), e foi referido. Independentemente do partido que
obtinha a maioria, a opinião citadina se congregava firmemente em
torno do Partido Liberal.

Na eleição de 1881, graças ao predomínio do eleitorado urbano,


Minas fez 14 deputados liberais e 6 conservadores. Na de 1884,
elegeram-se ali 12 liberais, 7 conservadores e 1 republicano.
Em 1886, 11 liberais e 9 conservadores. O aglutinamento do
eleitorado em torno de certas lideranças ocorria também em áreas
predominantemente rurais: no Rio Grande do Sul, os liberais e, no
Rio de Janeiro, os conservadores. Nas eleições consideradas, tais
agrupamentos ganham sistematicamente nas províncias respectivas.

153
A opinião expressa por Assis Brasil corresponde não à verdade dos
fatos, mas à sobrevivência de uma tese de cunho propagandístico,
posta em circulação nos primórdios da campanha republicana. A
distinção é a seguinte: no Império, sabia-se e proclamava-se que
a representação era de interesse; na República, perdeu-se de vista
essa evidência, despreocupando-se a nova elite da organização do
eleitorado, como forma de expressão da diversidade de interesses.

O mais grave é que, ao tempo em que a nova doutrina perpetua a


desorganização da massa de eleitores, proclama-se a total descrença
em semelhante mecanismo, como o faz Assis Brasil. Se o sistema
eleitoral é tanto mal aprimorado quanto seja o nível de educação
de um povo – tese, aliás, mais que discutível –, incumbia concebê-lo
para o eleitorado concreto, disponível, existente, em cujos padrões
educacionais certamente ninguém aportaria.

Em suma, Castilhos concebeu e levou à prática um modelo


tutelar para substituir o sistema representativo, que se identificava
globalmente com a monarquia constitucional. A grande força da
doutrina castilhista consistia no fato de ter sido proclamada em
nome da ciência; o saber positivo é que nos assegura quanto à forma
a ser assumida pela organização política. Se o comum dos mortais
não chega a semelhante entendimento, não cabe nenhum projeto
pedagógico – que o próprio Comte chegou a conceber em certa fase
de sua meditação –, mas imposição do governo forte, centralizado.

E, assim, os castilhistas, como os autoritários de diversos


matizes que cultivaram essa tradição em nosso país, podiam dormir
tranquilos, sem má consciência. Pessoalmente, nada tinham com
a vontade de poder que sempre esteve associada às tiranias. Ao
contrário: cumpriam determinada missão. Eram mártires e santos,
como o próprio Castilhos chegou a ser chamado.

À semelhante concepção não se contrapunha nenhuma doutrina


clara e precisa. Após a queda do Império, o pensamento liberal
brasileiro dissociou-se da evolução do liberalismo no plano mundial.

154
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Pode-se, portanto, afirmar que a crítica desenvolvida por


Assis Brasil, na oportunidade da criação do Partido Republicano
Democrático, se procurou situar-se em nível alto, se sistematizou os
aspectos da filosofia política castilhista que, sucessivamente, seus
porta-vozes buscariam contraditar, tangenciou o essencial.

O sentido geral da evolução do castilhismo – como em geral do


autoritarismo republicano – influiu sobremaneira no liberalismo de
Assis Brasil, que acabaria circunscrevendo sua plataforma à defesa das
liberdades democráticas. Isso ocorreria igualmente no plano nacional.

Terminado o período Carlos Barbosa, em 1913, Borges de


Medeiros ganhou novo mandato para o quinquênio 1914-1918,
fazendo questão de proclamar: “Alternaram-se os governantes,
mas não se alteraram as situações”. No período subsequente
(1919-1923), abdicou da premissa e permaneceu no poder,
voltando a candidatar-se na eleição de novembro de 1922, a que
concorre o próprio Assis Brasil, pela oposição. Nessa oportunidade,
Borges de Medeiros obtém 106 mil sufrágios, enquanto 129 mil
votos correspondem a anulações ou abstenções.

De acordo com as regras estabelecidas pelo próprio sistema


castilhista, segundo as quais o candidato eleito deveria alcançar
maioria absoluta, o governante somente poderia, mais uma vez,
ser proclamado vitorioso se alcançasse em torno de 200 mil votos.
Borges de Medeiros avançaria, entretanto, a doutrina de que
“quando a Constituição diz três quartas partes dos sufrágios do
eleitorado, entenda-se que ela quer se referir ao eleitorado ativo, ao
que exerceu o sufrágio”. Semelhante desfecho do pleito conduziu à
guerra civil que se prolongaria por todo o ano de 1923, requerendo
a intervenção do governo federal, que impôs o término do ciclo das
reeleições. Firmou-se nesta oportunidade o Tratado de Pedras Altas,
em que a situação rio-grandense se compromete a respeitar direitos
elementares estabelecidos na Constituição de 1891, como, por
exemplo, a proibição da perpetuidade das intervenções municipais.

155
3 Assis Brasil continua ativo
Assis Brasil sobreviveria à reforma constitucional de 1926,
que consagrou o princípio da proibição da reeleição do primeiro
mandatário, que, impunemente, violara-se no Rio Grande; à
ascensão de Getúlio Vargas ao governo rio-grandense, que obteve
uma trégua nas antigas disputas; e, finalmente, à Revolução de 1930
e à Constituinte de 1934, da qual foi membro, tendo renunciado ao
mandato antes de votada a Constituição.

Consoante se referiu na introdução geral, de sua participação na


Assembleia Constituinte, reunida em 1934, resultou a adoção do
sistema proporcional, medida que, entretanto, somente seria levada
à prática com o fim do Estado Novo, nas eleições de dezembro de
1945. Sua participação na Constituinte marca uma vida dedicada à
política ao longo de mais de meio século.

Nos poucos anos que lhe restaram de vida, Assis Brasil


afastar-se-ia da política, falecendo em 1938. Essa fase final da
existência pouco acrescentou ao seu liberalismo, sendo de destacar
a circunstância de que se tornou adepto da eleição indireta para
a Presidência da República e favorável ao voto secreto, que não
se praticava no Rio Grande desde que os castilhistas haviam
estabelecido o voto a descoberto.

Essa evolução, contudo, não altera em substância o liberalismo


que defendeu, como vimos, distanciado do sentido seguido por essa
corrente, em especial na Europa.

156
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NA HISTÓRIA

NA HISTÓRIA

ASSIS BRASIL E O VOTO


WALTER COSTA PORTO

157
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NA HISTÓRIA

ASSIS BRASIL E O VOTO1

ASSIS BRASIL AND THE VOTE

WALTER COSTA PORTO2

RESUMO

Apresenta a trajetória política de Assis Brasil, fundador do Partido


Libertador, deputado e membro da junta governativa gaúcha de
1891, bem como um dos propagandistas da República. Objetiva
clarificar determinadas particularidades da carreira do estadista
e questionamentos a respeito desta. Para isso, realiza-se uma
prospecção histórica, pautada por pesquisa bibliográfica, levando
ao entendimento de que sua origem e princípios conduziram e
interferiram nos rumos de sua trajetória.

Palavras-chave: Assis Brasil. Biografia. Política. Voto. Brasil.

ABSTRACT

The object of this article is a political trajectory Assis Brasil, founder


of the Liberating Party, deputy and member of the governing junta
gaucho of 1891, as well as one of the propagandists of the Republic,
and is objective to some points of the statesman’s career and
questions about it. For this, a historical research is conducted, guided
by bibliographical research, leading to the understanding of its origin
and principles led and interfered in the directions of its trajectory.

Keywords: Assis Brasil. Biography. Policy. Vote. Brazil.

1
O artigo foi transcrito preservando-se a originalidade de seu conteúdo. A redação foi
atualizada em consonância com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2009 e
com as normas de publicação da revista Estudos Eleitorais.
2
Ministro do Tribunal Superior Eleitoral entre 1996 e 2001.

159
1. A primeira eleição que Joaquim Francisco de Assis Brasil
disputou foi no final do Império, em dezembro de 1883, para uma
cadeira na Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul, em razão da
morte de um de seus membros.

O pleito se regia pela denominada Lei Saraiva, a Lei nº 3.029, de


9 de janeiro de 1881. Ela trouxera de volta os distritos que, criados
em 1855, foram afastados em 1875, pela Lei do Terço. Distritos
de um nome, para os deputados à Assembleia Geral, e distritos
plurinominais para as assembleias provinciais.

Por força do Decreto nº 8.116, de 21 de maio de 1881, a Província


de São Pedro do Rio Grande do Sul, como a norma designava,
formaria seis distritos eleitorais.

O terceiro distrito, em que concorreu Assis, teria, por cabeça, a cidade


de Alegrete e se comporia de oito municípios: São Gabriel, Rosário,
Alegrete, Santo Ângelo, São Borja, Itaqui, Uruguaiana e Quarahim.

A Lei Saraiva dispunha, para a eleição à Assembleia Geral, que


não se consideraria eleito o candidato que não reunisse “a maioria
dos votos dos eleitores que concorrerem à eleição”. O que se exigia,
na verdade, era a “maioria absoluta”, de 50% mais um dos votos.

Não alcançada essa maioria, o presidente da junta eleitoral


expediria os necessários avisos para se proceder a nova eleição 20
dias depois da apuração geral. Nesse segundo escrutínio, somente
poderiam ser votados os dois candidatos que tivessem obtido o
maior número de votos, “sendo suficientes para eleger o deputado
a maioria dos votos que fossem apurados”.3

Quanto aos candidatos à Assembleia Provincial, cada eleitor


votaria em um só nome e seriam tidos como eleitos os que obtivessem

3
Mas, nesse caso, sendo apenas dois os candidatos, e não computados os votos em branco, a
maioria absoluta seria sempre alcançada pelo vencedor. O artigo foi transcrito preservando-se
a originalidade de seu conteúdo. A redação foi atualizada em consonância com o Novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 2009 e com as normas de publicação da revista
Estudos Eleitorais

160
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

votação igual, pelo menos, ao quociente eleitoral4, calculado sobre o


número total de eleitores que concorressem à eleição.

Não alcançada esse margem, novo escrutínio era exigido.

No caso de vaga de deputado à Assembleia Geral ou à Assembleia


Legislativa, que ocorresse durante a legislatura, proceder-se-ia a
nova eleição, dentro do prazo de três meses.

Nessa sua primeira eleição, para somente um vaga, Assis ficou


em segundo lugar, e o vencedor foi o Major Geraldo de Faria Correa,
liberal, com a seguinte distribuição dos votos, segundo o jornal Paiz,
órgão do Partido Conservador, do Rio de Janeiro:

Votos
Geraldo de Faria Correa 420
Assis Brasil 44
5

2. Pedro II dissolveu a Câmara dos Deputados em setembro de 1884.

A Constituição, em seu art. 101, V, dava ao imperador, no exercício


do Poder Moderador, o direito de dissolver a Câmara nos casos em
que o exigisse a salvação do Estado. Medida, então, excepcional – em
hipóteses gravíssimas e para correção de traumas constitucionais.

Entretanto, com a aceitação, por Pedro II, de práticas


parlamentaristas6, seguiu-se o mecanismo inglês da proposição,
pelo chefe do gabinete, da dissolução para que, em um novo

4
E era a primeira vez que se aplicava, no Brasil, o quociente eleitoral – a cifra que resulta
da divisão do número de votantes, em determinada circunscrição, pelo número de postos
a preencher. Curiosamente, ainda em uma eleição majoritária, de listas, mas com escolha
uninominal pelos votantes. O quociente voltou a ser empregado na Lei nº 153, de 14
de julho de 1913, proposta por Borges de Medeiros, com seu regime que instaurou, no
Estado do Rio Grande do Sul, o regime proporcional. Segundo Giusti Tavares, em sua tão
admirável introdução à obra de Assis (A Democracia representativa na república: antologia,
Brasília, Senado Federal, 1998, p. VI), Borges seguira na trilha aberta por Assis Brasil e Assis
introduzira, assim, uma cunha liberal no autoritarismo monolítico do adversário. No plano
nacional, o sistema proporcional foi, em definitivo, imposto pelo Código Eleitoral de 1932.
5
O Paiz, ed. n. 44, 21 fev. 1884.
6
Práticas parlamentaristas efetivamente contrárias à separação entre o Executivo e o
Legislativo, prevista na Constituição.

161
pleito, se pudesse, ou não, restaurar sua maioria no Congresso. E
a dissolução de 1844 foi a 9ª entre as 11 que o Império assistiu no
Segundo Reinado.

O Imperador, por decreto de 3 de setembro de 1884, tendo


ouvido o Conselho de Estado, dissolveu a Câmara e convocou
outra, que se reuniria “extraordinariamente no dia 1º de março do
ano próximo vindouro”.

É que Souza Dantas, liberal, chefe do gabinete, achava-se


em minoria, como conta Heitor Lyra: “Depois de uma série de
escaramuças com a facção dissidente de seu próprio partido, ante
a neutralidade astuciosa dos conservadores que, de indústria,
deixavam os liberais se devorarem entre si”.7

Concorrendo, mais uma vez, em 1º de dezembro de 1884, Assis


candidatou-se, ainda pelo terceiro distrito, não só à Assembleia
Geral, como também à eleição para compor a 7ª Legislatura da
Assembleia Provincial.

Para o primeiro pleito, foi o seguinte o resultado:

Votos
Egídio Barbosa Itaqui 731
Severino Ribeiro 716
Assis Brasil 148
8

Iriam a um segundo turno os dois primeiros, sendo Assis afastado.

3. Para o segundo cargo, de deputado provincial, foi assim


distribuída a votação:

7
LYRA, Heitor. História de D. Pedro II. Belo Horizonte: USP/Itatiaia, 1997. T. 3, p. 16.
8
A Federação, n. 285, 11 dez. 1884.

162
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Partidos Votos
Egídio Barbosa Itaqui PL 384
Severino Ribeiro PC 361
Propício Barreto Pinto PL 331
Francisco Azevedo e Souza PC 319
Assis Brasil PRR 277
Eduardo Lima PL 52
Jaime Couto - 3
9

Tendo alcançado o quociente eleitoral, consideraram-se eleitos os


dois primeiros e, em um segundo escrutínio, deveriam ser escolhidos
mais três, uma vez que o 3º Círculo daria cinco representantes.

Em percuciente tese apresentada à PUC/RS, Tassiana Maria


Parcianello Saccol comenta: “Visto que Egídio e Severino já estavam
eleitos, os eleitores que votaram em ambos teriam que optar por
novos candidatos. Abria-se, assim, um espaço para negociações de
todo o tipo”.10

O segundo escrutínio se deu em 12 de janeiro de 1885,


apresentando o seguinte resultado:

Votos
Francisco Azevedo Souza 549
Propício Barreto Pinto 517
Assis Brasil 429
Eduardo Lima 272
11

Assim, coube a Assis, a última vaga.

Tassiana indaga como Assis conseguira ampliar tanto os seus


votos em um período tão curto e indica, em resposta, algumas
pistas de que os eleitores do conservador Severino Ribeiro haviam
sido fundamentais à vitória de Assis. E explica:

9
SACCOL, Tassiana Maria Parcianello, Um propagandista da República: política, letras e família
na trajetória de Assis Brasil – Década de 1880. Porto Alegre: PUCRS, p.168.
10
SACCOL, Tassiana Maria Parcianello, ob. cit., p. 168.
11
A Federação, ed. n. 38, 16 fev. 1885.

163
Dos quatro candidatos que passaram para o 2º escrutínio,
somente Francisco Souza era conservador. Se os 361 eleitores
conservadores que votaram em Severino Ribeiro no 1º escrutínio
também tivessem votado em Francisco, ele teria somado 680
votos, mas não foi isto o que ocorreu, pois ele obteve apenas
549. Portanto, 131 conservadores não votaram no candidato
de seu próprio partido e decidiram apoiar outro. Ora, de 277
votos recebidos no 1º escrutínio, exclusivamente de eleitores
republicanos, Assis Brasil saltou para 429, conseguindo, portanto,
o apoio de 157 eleitores em poucos dias. Ao cruzar tais dados, é
possível inferir que eram votos de conservadores.12

Esse apoio dos conservadores a Assis foi muito discutido ao


tempo. E o próprio Assis o reconheceu, em circular dirigida aos
eleitores do terceiro distrito, publicada no jornal A Federação:

Adversários que se mostram possuídos de singular interesse pela


boa sorte do Partido Republicano têm propalado que a minha
eleição não é um triunfo, nem sequer um indício da existência
da opinião republicana nesta província e neste distrito eleitoral,
sustentando que ela se deve à votação conservadora, que
realmente eu tive. Outros têm ido ao ponto de avançar que eu não
devia, por dignidade, tomar assento na Assembleia, visto que os
votos que me conferiram esse direito foram de conservadores... É
certo que, na impossibilidade de sustentar dois candidatos em 2º
escrutínio e para evitar que a maioria liberal conseguisse fazê-lo,
o partido conservador resolveu engrossar com alguns votos a
votação republicana. Convinha mais ao partido conservador a
eleição de um republicano, que tem com ele o ponto de contato
de ser também oposicionista, do que a de um liberal, que iria dar
força ao governo. Essa foi a razão exclusiva que determinou o
procedimento dos conservadores.13

Sobre a atuação de Assis na Assembleia Provincial, conta Sergio


da Costa Franco:

O jovem deputado republicano manteve intensa atividade na


tribuna, tanto para discutir questões administrativas menores,
como para hostilizar a monarquia e fazer a defesa do sistema
republicano federativo. Em 10 de novembro de 1885 apresentou

12
SACCOL, Tassiana Maria Parcianello, ob. cit., p. 168.
13
A Federação, ed. 48, de 28 de fevereiro de 1885, cit. por SACCOL, Tassiana Maria Parccianello,
ob. cit., p. 174.

164
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

um pedido de informações sobre os gastos do governo com a


viagem do Conde D’Eu e da Princesa Isabel, que classificou de
calamidade pública, e em 20 de novembro, a propósito de discutir
a reforma do regulamento da força policial da Província, fez
notável exposição sobre a conveniência da federação republicana.
A condição de representante solitário do seu partido, aliada à
sólida cultura, à juventude e a uma certa arrogância que sempre
o acompanhou, faziam do novel deputado uma figura destacada
nos debates do plenário.14

4. Mais uma vez, a Câmara dos Deputados foi dissolvida, pelo


Decreto nº 9.500, de 26 de setembro de 1885.

É que a chefia do Ministério fora entregue ao saquarema Barão


de Cotegipe, ante uma câmara de liberais.

E, em uma sessão do Conselho de Estado, de 27 de agosto


de 1885, Cotegipe disse que, ao assumir o gabinete, já previra a
possibilidade de um voto de desconfiança que a Câmara pronunciara
havia duas semanas.

Tendo empenhado esforços para evitar o conflito parlamentar


antes de obter os meios de governo e a lei concernente à extensão
gradual do elemento servil, e tendo procurado concorrer para o
melhoramento de nossos hábitos parlamentares, julgava, agora,
irrecusável o pedido de dissolução, que foi acolhido pelo Conselho,
dizendo um de seus membros, Paulino José Soares de Souza, que
se revelava, no caso, “a instabilidade do Partido Liberal para o
governo” e que os gabinetes anteriores haviam caído “por efeito
principalmente de hostilidades de seus próprios correligionários”.

E concluiu: o Partido Liberal não podia, afinal, dar governo “com


a maioria retalhada e discorde”.15

Assis se candidata.

14
FRANCO, Sérgio da Costa, A Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul (1835-1889). Porto
Alegre: CORAG, 2004. p. 75.
15
Atas do Conselho de Estado, Brasília: Senado Federal, v. XII, p. 44.

165
A eleição se deu em 15 de janeiro de 1886 e, em edição do dia 18
de janeiro, A Federação trazia o resultado conhecido do pleito, com
a seguinte distribuição de votos:

Votos
Severino Ribeiro 537
Egydio B. de Oliveira Itaquy 498 e 1 em sep.
Assis Brasil 120 e 1 em sep.
Em branco 1


O jornal acrescentava, no entanto, que um telegrama do candidato
Severino Ribeiro indicava como resultado final:

Votos
Severino Ribeiro 698
Egydio B. de Oliveira Itaquy 617
Assis Brasil 158
16

Não havendo os dois primeiros candidatos atingido a maioria


absoluta de votos, foram a um segundo escrutínio, designado para
o dia 6 de março. E venceu Severino Ribeiro.

5. Mas A Federação informava, em 31 de março de 1886: “Por


telegrama recebido do Alegrete, soubemos ontem à tarde que
morreu na estância do Serro, município de Qarahy, durante o sono, o
Dr. Severino Ribeiro, membro proeminente do Partido Conservador,
desta província e deputado eleito pelo terceiro distrito há ainda
poucos dias”.17

Morto o Deputado Ribeiro, sem sequer ter tomado posse, e não


havendo, pela lei de 1881, a escolha de suplentes, procedeu-se,
para preenchimento da vaga, a novo pleito, em 3 de julho de 1886.
E, mais uma vez, Assis foi candidato.

Em relatório de 8 de maio de 1886, o então presidente da


Província informou:

16
A Federação, ed. 14, 18 jan. 1886.
17
A Federação, ed. n. 73, 31 mar. 1886.

166
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Eleição de deputado geral – Tendo sido aprovado pela Câmara


parecer relativo à eleição do 1º e 2º escrutínio do 3º Distrito
Eleitoral mandando proceder a nova eleição visto ter falecido o
deputado que obtivera o diploma de deputado, o Dr. Severino
Ribeiro Carneiro Monteiro, designei o dia 3 de julho para
efetuar-se a dita eleição.

O resultado:

Votos
Cons. Francisco Antunes Maciel 689 e 1 em sep.
Dr. João Pereira da Silva Borges Fortes 543 e 3 em sep.
José Bernardino da Cunha Bittencourt 211
Dr. Joaquim Francisco de Assis Brasil 207
18

Não tendo, qualquer dos candidatos, reunido a maioria absoluta


de votos, designou-se o dia 3 de agosto para nova eleição, em
segundo escrutínio, disputando os dois primeiros. A vitória foi de
Antunes Maciel, com 901 votos.

6. Em 15 de dezembro de 1886, procedeu-se a nova eleição para


renovação dos mandatos da Assembleia Provincial.

E o resultado, segundo informava A Federação, foi, no terceiro distrito:

Partidos Votos
Geraldo Faria Liberal 323
Pinto Dias Conservador 312
Borges Fortes Conservador 304
Assis Brasil Republicano 286
Albino Pinto Liberal 237
Bittencourt Conservador 92
Egídio Itaqui Federalista 91
Adriano Ribeiro Liberal 38
Hemetério Conservador 37
19

18
Relatório apresentado pelo Sr. Des. Henrique Pereira de Lucena, presidente da Província
do Rio Grande do Sul ao Ex.mo Sr. Marechal de Campo Manoel Deodoro da Fonseca, 1º
vice-presidente ao passar-lhe a administração da mesma província, em 8 de maio de 1886,
Porto Alegre: Officinas Typográficas do Conservador, 1886. p. 25 e 26.
19
A Federação, ed. n. 5, 7 jan. 1887.
167
Faltava, dizia-se na notícia, o resultado de Alegrete, “mas
afirma-se que, ali, não houve eleição”. O quociente necessário era
de 344 votos, que nenhum candidato atingiu, havendo, então, de
ser marcado um segundo escrutínio.

Realizada a segunda eleição, em 28 de janeiro de 1877, transcrevia


A Federação, de 7 de março, notícia publicada no jornal Zig Zag, de
S. Gabriel, com o resultado, até então conhecido, do pleito:

Votos
Albino Pinto 340
Borges Fortes 338
Pinto Dias 319
Assis Brasil 284
Geraldo Corrêa 254
Itaqui 40
Bittencourt 28

E comentava: “Assim, pois, nenhuma dúvida existe de que


estão eleitos os cinco mais votados, entre os quais acha-se o nosso
correligionário Dr. Assis Brasil”.20

7. A dissolução da Câmara dos Deputados, em junho de 1889, foi


a última das 11 ocorridas no Segundo Reinado. O imperador negara,
antes, o pedido de dissolução requerido pelo Gabinete João Alfredo e
verificara, depois de algumas tentativas, não ser possível organizar
um ministério no seio do Partido Conservador. Convocou, então, o
liberal Ouro Preto, que, empossado, logo recebeu, na Câmara, por
79 contra 20, moção de desconfiança.

Ouvido o Conselho de Estado, seus membros se manifestaram


favoravelmente à dissolução, com exceção de apenas dois que a
consideraram politicamente inconveniente.21

20
A Federação, ed. n. 53, 7 mar. 1887.
21
Atas do Conselho de Estado, ob. cit., vol. VII, p. 239.

168
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

E o Decreto nº 10.251, de 15 de junho de 1889, trazia a dissolução,


convocando nova câmara que se reuniria extraordinariamente no
dia 20 de novembro.

Outro decreto, de nº 10.252, do mesmo dia, marcava para o dia


31 de agosto, em todo o Império, a eleição dos deputados.

A imprensa trouxe a proclamação dos candidatos ao pleito e, mais


uma vez, no terceiro distrito é apresentado Dr. Joaquim Francisco de
Assis Brasil, estancieiro, residente em Cruz Alta.22

Em sua edição de 2 de setembro de 1889, A Federação trazia a


distribuição dos votos, para deputados gerais, no terceiro distrito, dos
candidatos Coronel Joaquim A. Vasques, Assis Brasil e J. B. Bittencourt:

Municípios e colégios Votos


J. Vasques Assis Brasil Bittencourt
Alegreto 95 72 64
S. Francisco de Assis - - -
Santo Ângelo - - -
Itaquy 67 55 32
Rosário 58 40 -
S. Vicente 22 28 -
S. Gabriel 179 139 -
S. Borja 79 79 6
S. Luiz - - -
Guarahy - - 22
Uruguaiana - - 8
Total 749 576 132
23

Nesse mesmo dia, o jornal O Paiz, do Rio de Janeiro, informava,


quanto ao terceiro distrito do Rio Grande do Sul: “Telegrama
recebido à última hora diz ter sido eleito em primeiro escrutínio o
Tenente-Coronel Joaquim Antônio Vasques”.24

22
A Federação, n. 197, 30 ago. 1889.
23
A Federação, n. 200, 2 set. 1889.
24
O Paiz, ed. n. 1.791, 2 set. 1889.

169
8. Com a proclamação da República e o afastamento do Imperador
Pedro II, assumiu o poder Deodoro da Fonseca, como chefe do
Governo Provisório e, pelo Decreto nº 6, de 19 de novembro de
1889, dispôs que se consideravam eleitores, “para as câmaras
gerais, provinciais e municipais, todos os cidadãos brasileiros, no
gozo de seus direitos civis e políticos, que souberem ler e escrever”.

Mas não se compreende que, em um decreto firmado, também,


por ministros, como Aristides da Silveira Lobo, Rui Barbosa, Campos
Salles, Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, falasse-se ainda
em câmaras provinciais se o decreto anterior, de nº 1, de 15 de
novembro – o primeiro da República – já determinara, em seu art. 2º,
que “as Províncias do Brasil, reunidos pelo laço da Federação, ficam
constituídos os Estados Unidos do Brasil”.

O decreto de 21 de dezembro de 1889 dispôs que, no dia 15 de


setembro de 1890, seria celebrada “em toda a República a eleição
geral para a Assembleia Constituinte, a qual compor-se-á de uma só
câmara, cujos membros serão eleitos por escrutínio de lista em cada
um dos estados”.

O decreto de 8 de fevereiro de 1890, de nº 200-A, determinava


que fossem observadas as instruções do regulamento assinado por
Aristides da Silveira Lobo, então ministro dos Negócios do Interior.
Denominado como Regulamento Lobo, o texto se iniciava citando
“a eleição para deputados à Assembleia Constituinte da República
Federal dos Estados Unidos do Brasil”.

No entanto, um segundo regulamento, aprovado pelo


Decreto nº 511, de 23 de junho de 1890, firmado, agora, pelo novo
ministro e secretário de Estado dos Negócios do Interior, José Cesário
de Faria Alvim, incluiu o Senado na eleição:

Art. 1º São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional:


[...]
2º Para a Câmara ter mais de sete anos de cidadão brasileiro;
3º Para o Senado, ser maior de 35 anos e ter mais de nove de
cidadão brasileiro.

170
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

O regulamento proposto pelo Ministro Alvim e aprovado por


Deodoro dispunha, em seu art. 62:

Decidirá da eleição a pluralidade relativa de votos, sendo declarados


eleitos os votados para deputados, que tiverem maioria de votos
sucessivamente até o número que o estado ou o Distrito Federal
deve eleger, e os três mais votados para senadores.

A expressão pluralidade relativa de votos era muito utilizada


na legislação do Império, a começar pelo decreto de 26 de março
de 1824, que mandou proceder à primeira eleição “dos deputados
e senadores da Assembleia Geral Legislativa e dos membros
dos conselhos gerais das províncias”. E já constava da primeira
Constituição portuguesa, de 23 de setembro de 1822.

Ela era o oposto da pluralidade absoluta, em que ninguém se


poderia considerar eleito sem que obtivesse mais da metade de
todos os votos. Ao contrário, com a pluralidade relativa, bastaria
que o candidato, para que fosse eleito, tivesse mais votos do que
quaisquer de seus adversários.

9. No Império, como vimos, por quatro vezes – em dezembro


de 1884, em janeiro e em julho de 1886 e em agosto de
1889 – tentara Assis Brasil assumir uma cadeira na Câmara dos
Deputados. E somente consegue com a República, na eleição à
Assembleia Constituinte.

Apenas os republicanos disputaram o pleito. Os oposicionistas


não concorreram.

O Paiz, de 25 de outubro, trouxe o resultado final da escolha dos


16 deputados que, segundo o Decreto nº 511, de 23 de junho de
1890, que mandara observar o regulamento para eleição do Primeiro
Congresso Nacional, integrariam a bancada do Rio Grande do Sul:

171
Votos
Victorino Ribeiro 37.444
Pereira da Costa 36.807
Antão de Faria 36.788
Júlio de Castilhos 36.767
Ernesto Alves 36.601
Borges de Medeiros 36.486
Alcides Lima 36.007
Assis Brasil 35.646
Tenente Coronel Thomaz T. Flores 35.421
Vice Almirante Joaquim Francisco de 35.251
Abreu
Homero Baptista 35.234
General Manoel Luiz da Rocha Osório 35.065
Cassiano do Nascimento 35.096
Fernando Abott 34.981
Demétrio Ribeiro 32.847
Menna Barreto 30.635
25

Na sessão preparatória, de 4 de novembro de 1890, a Assembleia


Constituinte designara uma comissão de cinco membros

A fim de organizar, à vista dos diplomas, protestos, reclamações


e representações que fossem apresentadas à Mesa, duas
listas, sendo uma dos deputados eleitos sobre cuja eleição não
houvesse dúvida nem contestação e outra daqueles cuja eleição
fosse contestada.26

Na sessão do dia 5 procedeu-se ao sorteio para a composição


das seis comissões de verificação de poderes, ficando com a quinta
comissão o exame da eleição dos deputados pelo Rio Grande do Sul.
O parecer relativo ao estado foi lido na sessão de 9 de novembro e
aprovado, afinal, na sessão do dia 11.27

25
O Paiz, ed. n. 3105, 25 out. 1890.
26
Annaes do Congresso Constituinte da República, 1890. Brasília: Câmara dos Deputados,
Biblioteca Digital, http://bd.camara.leg.br, p. 55.
27
Annaes, ob. cit., p. 99.

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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

10. Concluído o seu trabalho, e aprovado o projeto da nova


Constituição, passou a Assembleia, em 25 de fevereiro de 1891, à
escolha do novo presidente e de seu vice, os únicos na Primeira
República a serem indicados por eleição indireta. E, uma vez eleitos,
separou-se a Assembleia em Câmara e Senado, iniciando estes,
segundo o art. 1º,§ 4º, das Disposições Transitórias, suas funções
normais em 15 de junho de 1891.

Forte a candidatura de Deodoro da Fonseca, no poder desde


novembro de 1889, ele obteve 129 votos contra Prudente de Moraes,
com 97.

Mas Assis Brasil, entre outros que se opuseram à candidatura


oficial, em 25 de fevereiro de 1891, o rejeita. E diz:

Declaro que não votei no Sr. Marechal Manoel Deodoro da Fonseca


para presidente da República. Pessoalmente, eu lhe devo provas de
afeto e de distinções muito acima de meu merecimento.28 Patriota
e antigo propagandista da República Federativa, devo-lhe imensa
gratidão, por haver contribuído, decisivamente, para a definitiva
destruição da monarquia. Estes sentimentos, porém, não me tiram
à razão a sua natural serenidade e inteireza para reconhecer,
auxiliado pela observação de longa séria de fatos, que faltam a
tão digno cidadão as qualidades elementares do homem governo.
A convicção que tenho de que sua administração será funesta, só
é igualada pelo íntimo e patriótico desejo – que alimento – de que
o futuro não dê razão às minhas preocupações.

E Assis concluiu renunciando ao mandato:

Declaro mais que, sendo representante de eleitores que em tempo


aceitaram a candidatura que agora repudio, corre-me o dever de
honra de resignar, como resigno o meu mandato. Se não observei
este procedimento antes da votação, foi por estar firmemente
persuadido que agi de conformidade com os verdadeiros
sentimentos de quem me elegeu. E se ficar demonstrado que assim

28
Muito mais tarde, Assis contaria: “Recém entrado na casa dos trinta anos, fui chamado por
Deodoro Fonseca para Ministro de Estado, quando organizava o seu primeiro Conselho para
o período constitucional. Foi-me dada opção livre por qualquer das pastas. Assisti a mais de
uma reunião do ministério a ser constituído. Neguei o meu assentimento, pelos motivos que
então fiz públicos na imprensa e que não foram desmentidos”. (In BROSSARD, Paulo, ob. cit.,
vol. 3, p. 307)

173
não foi, espero que não me negarão a justiça de reconhecer que
agora, como sempre, fui superior a toda e qualquer consideração
que não fosse o bem da pátria e da República.29

Em telegrama de 3 de outubro, Assis insiste na renúncia. Em 2 de


novembro, a Comissão de Constituição, Legislação e Justiça opina pelo
acolhimento do pedido. O Deputado Cassiano sugere o adiamento
da votação do parecer tendo em vista que fatos ulteriores haviam
modificado a situação e a Câmara, por unanimidade, rejeitou-o.30

Os fatos ulteriores eram os problemas criados por Deodoro ao


Congresso, até que, doente e desiludido, o marechal renuncia a seu
cargo. Primeiramente, ele dissolve o Parlamento e, em manifesto em 3
de novembro de 1891, diz que se haviam, ali, formado “grupos radicais
e intransigentes, para o fim de introduzir na obra constitucional ideias
e princípios que transferissem para o Poder Legislativo a mais vasta
soma de atribuições, embora diminuindo e absorvendo muitas das
quais são da essência e natureza do Poder Executivo”.31

Mas, 20 dias depois, em um segundo manifesto, diz que

[...] as condições em que nestes últimos dias, porém, acha-se


o país, a ingratidão daqueles por quem mais me sacrifiquei e o
desejo de não deixar atear-se a guerra civil em minha cara pátria,
aconselharam-me a renunciar o poder nas mãos do funcionário a
quem cabe substituir-me.32

E em 5 de janeiro de 1892, o vice-presidente, no poder, Floriano


Peixoto, dirige à Câmara pedido de licença para nomear Assis como
Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário na Argentina. A
licença é concedida.

29
Pharol, ed. 49, 27 fev. 1891.
30
BROSSARD, Paulo (org.), Ideias políticas de Assis Brasil. Brasília: Senado Federal; Rio de
Janeiro: Casa Rui Barbosa, 1989. p. 37. V. 1.
31
Manifesto do presidente da República aos brasileiros. In: Mensagens presidenciais – 1890 a
1010. Brasília: Câmara dos Deputados, 1978. p. 30.
32
A referência ao funcionário mostrava bem a indisposição de Deodoro para com Floriano,
chefe reconhecido da conspiração contra ele, na análise de José Maria Bello, em seu livro
História da República. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1940. p. 118.

174
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

11. Conta Paulo Brossard que a candidatura de Assis à presidência


do Rio Grande do Sul, na eleição de 25 de novembro de 1922, nascera
de um manifesto firmado por um grupo de estudantes e redigido por
jovem professor da Faculdade de Medicina e já prócer do Partido
Federalista, a maior força oposicionista do Estado, Raul Pilla. E
que, também em manifesto, datado de 19 de outubro daquele ano,
políticos de diferentes origens – Fernando Abbot, Armando Tavares,
Joaquim Tibúrcio, Andrade Neves Neto, Alves Valença, Raul Pilla,
Walter Jobim – convocavam Assis para candidato.33

Mas, na verdade, um pouco antes, em setembro de 1922, a


Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, informava que, no Rio Grande
do Sul, o Partido Federalista apresentaria as candidaturas de Assis
e Wenceslau Escobar para a presidência e vice-presidência do
estado. E que a notícia, tida como improcedente pelos colegas de O
Combate, fora confirmada por um membro do Diretório Central do
Partido Federalista.34

Depois, em 22 de setembro, a Gazeta informava que Assis aceitara


a candidatura, notícia colhida do Deputado Alves Valença35 e, em 3
de outubro, que seguira, via Pelotas, com destino a Pedras Altas, uma
comissão composta dos deputados estaduais Alves Valença, Souza
Lobo, Frutuoso Machado e Emílio Corrêa, portadora de um apelo
a Assis para este aceitar sua candidatura.36 E, em 17 de outubro,
o jornal publicava as palavras com que Assis, em 5 daquele mês,
respondia a uma grande manifestação que lhe fora feita, em Pedras
Altas, por diversos políticos em evidência e de grande prestígio no
estado. Assis disse, então:

Nunca fui candidato de mim mesmo. Nunca fui candidato


a candidato, a candidatura alguma. Se, na fase heroica da
República, fui uma ou duas vezes eleito para a Assembleia
Legislativa, é certo que a minha candidatura nasceu sempre da
“eleição prévia”, efetuada com a seriedade, com a honestidade e
com que tudo se fazia naqueles tempos de pureza virginal.

33
BROSSARD, Paulo, ob. cit., p. 156-7.
34
Gazeta de Notícias, ed. n. 211, 13 set. 1922.
35
Gazeta de Notícias, ed. n. 223, 22 set. 1922.
36
Gazeta de Notícias, ed. n. 232, 3 out. 1922.

175
E concluíra:

O vosso movimento é uma consagração da sociedade


fundamental que sempre existiu entre todos os sinceros
rio-grandenses amigos da liberdade, e que só um momento da
estatura do presente pode revelar.
Esse momento impõe-nos, pelo contrário, sobriedade em palavras
e prodigalidade em ação. Vamos à ação. Podem contar comigo.
Pedras Altas, 4 de outubro de 1922.
Assinado: J. F. de Assis Brasil.

12. Indagava-se no jornal situacionista O Brazil, órgão do


Partido Republicano:

Então, é admissível que o Sr. Assis Brasil possa vir a governar


o Rio Grande representando uma parcela que, em hipótese
alguma, excederá de 20% da opinião pública? É admissível
que ele se mantenha no poder tendo à sua frente o invencível
Partido Republicano, que representa mais de 90% do eleitorado
rio-grandense?37

Mas Assis obteve 32,12% dos votos.

Até um romancista, Érico Veríssimo, em seu livro O Arquipélago,


indicou as incorreções que envolveram o pleito:

Contaram que tudo indicava que a derrota de Assis Brasil na cidade


tinha sido esmagadora. O eleitorado da oposição acovardara-se
ante as ameaças da capangada do Madruga. Houvera fraude,
como se esperava. Os “fósforos”38 tinham andado ativos o dia
inteiro. O mesmo eleitor votava mais de uma vez, em mesas
diferentes: havia caminhões da Intendência encarregados de
transportá-los de um lugar para outro. Uma pouca vergonha!
– Na minha mesa votaram cinco defuntos – contou Turíbio.
– Um guri de dezoito anos apareceu com o título dum homem de
cinquenta, já falecido. Dei-lhe uns gritos, mas o mesário aceitou o
voto. Lavrei um protesto.39
37
O Brazil, ed. 13.875, 16 out. 1922.
38
Os falsos eleitores, que votam por outro. Como Rui explicava, em discurso de 10 de julho de
1879: “Fósforo é tanto o não qualificado que usurpa o nome, o lugar, o direito do qualificado,
como o realmente qualificado, sem direito a sê-lo; em suma, tudo quanto vota ilegitimamente”.
BARBOSA, Rui. Obras completas. Rio de Janeiro: MEC, 1943. v. 6, t. 1, p. 266.
39
VERÍSSIMO, Érico, O Arquipélago, cit. por Brossard, ob. cit. p. 160-1.

176
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

E segundo O Paiz, o jornal A Federação mostrara uma certidão


passada pelo notório do Município de Pinheiro Machado, onde Assis
Brasil residia há longos anos, certidão que prova não estar o candidato
alistado eleitor: “O fato talvez tenha uma explicação procedente.
Esse ilustre republicano pertence ao número dos desenchantés do
regime, para os quais ‘esta República não é dos seus sonhos”.40

Mas bastaria a Assis, para seu alistamento, segundo a Lei Eleitoral


do Estado, de nº 153, de 14 de julho de 1913, a simples exibição de
seu título de eleitor, independentemente do processo de habilitação
ali regulado (art. 9º).

13. Os trabalhos de apuração do pleito ficaram a cargo da Comissão


de Constituição e Poderes da Assembleia dos Representantes,
composta dos deputados Getúlio Vargas, Vasconcellos Pinto e Ariosto
Pinto. E o quadro da votação foi o seguinte:

Municípios Borges Assis Brasil


Alegrete 536 246
Alfredo Chaves 1.589 398
Antônio Prado 76 327
Arroio Grande 504 147
Bagé 3.308 1.292
Bento Gonçalves 593 192
Bom Jesus 483 138
Caçapava 713 685
Cachoeira 3.028 1.117
Canguçu 1.165 1.060
Caxias 1.919 500
Conceição do
1.829 132
Arroio
Cruz Alta 3.052 289
D. Pedrito 2.075 495
Dores de
362 283
Camaquam
Encruzilhada 683 500
Estrela 1.035 318

40
O Paiz, ed. 13.916, 26 nov. 1922. p. 3.

177
Municípios Borges Assis Brasil
Encantado 1.093 51
Erechim 1.135 577
Garibaldi 834 195
Gravataí 896 216
Guaporé 2.696 128
Herval 386 223
Itaqui 643 256
Ijuí 2.564 81
Jaguarão 805 235
Julio de Castilhos 1.214 710
Jaguari 546 93
Lageado 2.346 242
Lagoa Vermelha 2.084 642
Lavras 410 150
Livramento 2.300 354
Montenegro 1.456 195
Palmeira 1.877 1.203
Passo Fundo 3.488 906
Pelotas 4.257 1.582
Piratini 416 467
Porto Alegre 8.175 3.607
Pinheiro Machado 419 404
Quaraí 793 410
Rio Grande 2.458 768
Rio Pardo 1.326 591
Rosário 951 296
Santa Cruz 1.422 357
Santa Maria 1.950 505
Santa Vitória 635 354
Santo Amaro 338 75
Santo Ângelo 2.311 449
S. Antônio da
2.382 650
Patrulha
São Borja 1.311 529
S. Francisco de
450 306
Assis

178
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Municípios Borges Assis Brasil


S. Francisco de
1.512 409
Paula
S. Gabriel 1.601 1.367
S. Jerônimo 734 289
S. João de
600 594
Camaquam
S. João do Norte 608 356
S. Leopoldo 2.149 894
S. Lourenço 2.169 275
S. Luiz Gonzaga 1.316 153
S. Sebastião do
4.131 250
Cahy
S. Sepé 449 507
S. Thiago do
835 482
Boqueirão
S. Vicente 406 109
Soledade 3.393 723
Taquara 3.118 378
Taquary 982 367
Torres 885 2
Triunfo 561 100
Uruguaiana 1.300 870
Vacaria 2.213 631
Venâncio Aires 1.176 56
Viamão 1.031 488
Soma 109.620 35.216

14. Assis propõe a Borges um Tribunal de Honra para o julgamento


do caso político que envolvia o pleito. Borges aceita a proposta (ele
chegara a apoiar, naquele mesmo ano, idêntica solução para o caso da
eleição presidencial em que Bernardes vencera o candidato de Borges,
Nilo Peçanha) recusando, apenas, a cláusula referente ao modo de
interpretar o art. 9º da Constituição do Estado. E Borges indica o
Presidente Bernardes para ser o árbitro supremo e único da contenda.

Borges, então, telegrafou ao Senador rio-grandense Vespúcio


de Abreu, incumbindo-o, em seu nome, de convidar o presidente.

179
Bernardes respondeu ao senador entregando-lhe carta em que disse
que não poderia aceitar o honroso convite

[...] principalmente porque, como presidente da República, a


Constituição me dá atribuições e me impõe deveres cujo exercício
pode colidir com os daquela elevada incumbência. Sou, por esta
circunstância, o único cidadão que não pode aceitar atualmente a
função de árbitro neste incidente da política de seu estado.

Contou Bernardes que igual resposta dera a Assis, que lhe fizera
idêntico pedido.

E concluiu ele dizendo estar certo que os contendores e seus


partidos e amigos encontrariam “a fórmula para a solução pacífica
da divergência, como procuram e desejam”.41

15. Mas a fórmula foi encontrada pelo próprio Presidente


Bernardes, indicando, em outubro de 1923, seu ministro da Guerra,
General Setembrino de Carvalho, que, indo ao Rio Grande, conseguiu,
em 14 de dezembro daquele ano, se firmasse, no Castelo de Pedras
Altas, o protocolo da paz.

Incluiu-se, no acordo para a pacificação,

– a reforma do art. 9º da Constituição, proibindo a reeleição do


presidente do estado para o período presidencial imediato e idêntica
disposição quanto aos intendentes;

– a adaptação das eleições estaduais e municipais à legislação


eleitoral federal;

– a eleição do vice-presidente ao mesmo tempo e da mesma


forma da do presidente;

– a garantia, às minorias, da eleição de um representante federal


em cada distrito;

41
O Jornal, ed. n. 1213, 27 dez. 1922.

180
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

– a divisão do estado, para as eleições estaduais, em seis distritos,


ficando garantida a escolha de um representante da minoria em
cada distrito;

– que o governo federal, com a cooperação do governo do


estado, este por meio de sua representação no Congresso Federal,
promovesse o adiamento das próximas eleições federais para maio
de 1924, quando deveriam estar feitas as reformas constitucionais
assentadas.42

E tudo se fez.

16. Ocorreram, em 3 de maio de 1924, as novas eleições para


deputados e um senador.

Tentou-se a união dos oposicionistas. E muito se discutiu, na


imprensa, sobre a heterogeneidade dos elementos que formavam
as oposições coligadas, federalistas e presidencialistas.

O jornal O Brazil informava, em fevereiro de 1924, do convite


feito por Assis ao arcebispo metropolitano de Porto Alegre para que
aceitasse a candidatura a senador. O arcebispo recusou dizendo que

[...] se por hipótese a escolha de minha pessoa para essa elevada


dignidade fosse feita por unanimidade das facções políticas em
litígio e se minha candidatura oferecesse a certeza de impedir
o recomeço da luta praticada e tivesse por fim a consolidação
perfeita e integral da paz rio-grandense, haveria assim mesmo
para mim as maiores dificuldades a vencer quanto mais nas
circunstâncias presentes em que se multiplicam embaraços e
aumentam obstáculos e sacrifícios.43

O candidato a senador, pela situação, foi Vespúcio de Abreu e,


pelas oposições, Assis Brasil; o resultado da eleição foi:

42
O Paiz, n. 50, 22 dez.1923.
43
O Brazil (RS), ed. n. 8, 23 fev.1924.

181
Vespúcio de Abreu Assis Brasil
Primeiro distrito 28.655 10.027
Segundo distrito 30.506 12.829
Terceiro distrito 20.635 14.732
Total 79.796 46.588
44

17. Para as eleições de 24 de fevereiro de 1927, a coligação


oposicionista do Rio Grande do Sul, que se batizou, segundo
os jornais, “com o nome enfático e incongruente” de Aliança
Libertadora, reuniu seu estado maior na cidade uruguaia de Melo,
onde residia Assis. Houve quem propusesse a abstenção no pleito, o
adiamento da eleição, a substituição completa dos representantes,
obedecendo, assim, neste último ponto, ao que sugeria Assis Brasil.

Mas concordaram, por fim, em concorrer às urnas, não postular


a transferência do pleito e que integrassem a chapa os atuais
deputados, com a exceção de apenas dois.

O principal jornal situacionista, A Federação, publicou que


Assis era, então, “réu confesso do crime de sedição, conspiração,
sublevação e motim”, fora denunciado pelo Ministério Público e
estava sendo regularmente processado perante a Justiça Federal.
E que, em virtude do processo, para fugir ao perigo iminente de
uma prisão preventiva, “estava, desde 1924, foragido em território
estrangeiro”. Impunha-se, então, a pergunta: poderia Assis ser
eleito, reconhecido e empossado?

Mas o jornal reconhecia que, nos termos da letra b do § 1º do


art. 71 da Constituição Federal, os direitos de cidadão brasileiro só
se suspenderiam “por condenação criminal enquanto durarem seus
efeitos”. E, uma vez que só havia denúncia contra Assis, não existindo
condenação criminal, não havia impedimento legal à sua eleição.45

44
A Federação, n. 110, 12 maio 1924.
45
A Federação, ed. 30, 24 fev.1927.

182
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Em razão do que fora acertado no acordo de Pedras Altas, de


assegurar, às minorias, a escolha de um representante federal em cada
um dos distritos, a situação, para as cinco vagas do terceiro distrito,
apresentou somente quatro nomes: Domingos Pinto de Figueiredo
Mascarenhas, Ildefonso Simões Lopes, José Barbosa Gonçalves e
Joaquim Luis Osório, todos eleitos com o oposicionista Assis Brasil:

183
184
Carlos Edmundo Simões Luis Domingos Barbosa Assis Paulo
Municípios
Barbosa Berchon Lopes Osório Mascarenhas Gonçalves Brasil Labarth
Arroio Grande 504 ... 554 565 568 564 368 ...
Bagé 2.553 ... 2.553 2.553 2.553 2.553 3.000 ...
Caçapava 501 ... 489 489 489 489 1.900 ...
D. Pedrito 917 ... 917 917 917 917 2.192 250
Camaguam 971 ... 971 971 971 971 175 ...
Encruzilhada 730 ... 730 720 720 720 620 ...
Herval 186 ... 186 186 186 186 110 ...
Jaguarão 514 ... 514 512 512 514 380 ...
Lavras 339 ... 339 339 339 339 175 ...
Livramento 1.979 ... 1.837 1.837 1.837 1.837 160 1.538
Pelotas 4.385 ... 4.385 4.385 4.385 4.385 2.868 ...
P. Machado 405 ... 405 405 405 405 536 41
Piratiny 526 ... 527 527 527 527 1.440 ...
Rio Grande 3.119 ... 3.104 3.102 3.102 3.104 261 ...
Rosário 1.223 ... 1.222 1.222 1.222 1.222 156 168
S. Victoria 465 ... 465 465 465 165 560 ...
S. Gabriel 835 ... 811 831 831 838 1.896 ...
S. Jeronymo 1.182 106 1.182 1.182 1.182 1.182 382 8
Camaquam 534 ... 534 534 534 534 832 ...
S. J. do Norte 207 2 1.074 207 207 207 64 ...
S. Lourenço 1.074 ... 1.074 1.074 1.074 1.074 200 ...
S. Sepé 394 ... 394 394 394 394 793 70

TOTAL 21.905 110 25.654 24.706 24.785 24.139 19.124 2.075


46

46
A Federação, n. 51, 3 mar. 1927.
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

E o jornal A Federação, sempre situacionista, comentava, depois:

O pleito de 24 de fevereiro veio demonstrar que o Sr. Assis


Brasil, à míngua de eleitorado próprio, serviu-se do federalismo
para eleger seus três correligionários, com prejuízo integral dos
representantes do velho gasparismo. Com efeito, foram eleitos
os Srs. Plínio Casado47, B. Luzardo48 e Assis Brasil, que nada
têm de comum com os ideais parlamentaristas do eleitorado
oposicionista. Foi um jogo de agilidade política, em que o Sr. Assis
é mestre. Pela chapa apresentada, era visível o acordo: em cada
distrito eleitoral, um assisista e um federalista. Isto na chapa,
porque nas urnas, apenas, os três assisistas E W. Escobar, Arthur
Caetano e Maciel Júnior ficaram a ver navios.49

Wenceslau Escobar concorreu pelo primeiro distrito e Artur


Caetano, pelo segundo, mas Maciel Junior desistiu de sua candidatura;
A Federação explicou: “Maciel Júnior desistiu porque preferiu, como
sapo, ser engolido antes de ser caçado”.50

18. Presidente eleito em março de 1926, Washington Luís, no


término de seu mandato, impôs como seu sucessor outro paulista,
Júlio Prestes, numa exclusão afrontosa de Minas que surpreendeu
o meio político. Dezessete estados apoiaram, então, a chapa Júlio
Prestes e Vital Soares, este presidente do Estado da Bahia.

Minas Gerais e Rio Grande do Sul constituíram a Aliança Liberal e,


recebendo o apoio da Paraíba, lançaram as candidaturas de Getúlio
Vargas e João Pessoa, presidente daquele estado. Na campanha
oposicionista, pregou-se a anistia aos revoltosos de 1922 e 1924 e
uma reforma eleitoral que incluía o voto secreto, a representação
das minorias e entrega da direção das mesas eleitorais a uma
magistratura federal togada.

O pleito, em 1º de outubro de 1930, deu a vitória a Júlio Prestes


por 1.091.700 votos, contra 742.794 atribuídos a Getúlio Vargas. O
reconhecimento das fraudes e a inconformação com os resultados

47
Pelo primeiro distrito.
48
Pelo segundo distrito.
49
A Federação, n. 51, 3 mar. 1927.
50
A Federação, n. 50, 2 mar. 1927.

185
convulsionaram o meio oposicionista e o assassinato de João Pessoa
impeliu, afinal, para a revolução, em 3 de outubro de 1930, que
instalou Vargas no poder.

Assumindo a chefia do Governo Provisório e passando a


exercer discricionariamente em toda a sua plenitude as funções
e atribuições não só do Poder Executivo, como também do Poder
Legislativo51, Vargas, em um decreto de dezembro de 1932, criou
várias subcomissões para estudo e proposição e reforma de leis. A
um desses grupos, composto de Assis, João da Rocha Cabral e Mário
Pinto Serva, deu-se o encargo de estudar e sugerir a reforma da
legislação eleitoral.

A subcomissão elaborou dois anteprojetos: um sobre alistamento,


outro sobre o processo eleitor. Submetidos a uma comissão revisora,
presidida pelo então ministro da Justiça, Maurício Cardoso, resultou
no Código Eleitoral, aprovado pelo Decreto nº 21.076, de 24 de
fevereiro de 1934.

19. Vargas adiou, o quanto pôde, a reorganização constitucional


até que a pressão popular e de grande parte do meio político o
levou, em maio de 1932, a convocar, para maio de 1933, eleições à
Assembleia Constituinte, criando uma comissão, nelas representadas
as correntes organizadas de opinião e de classe, a juízo do chefe
do governo52, para elaborar o anteprojeto da Constituição. E nessa
comissão, juntamente com Afrânio de Mello Franco, ministro das
Relações Exteriores, Agenor de Roure, Antônio Carlos, Antunes Maciel,
ministro da Justiça, Carlos Maximiliano, João Mangabeira, Oliveira
Vianna e Temístocles Cavalcanti, entre outros, estava Assis Brasil.53

Mas Assis não comparece a qualquer das 51 sessões da comissão,


justificando sua ausência até a primeira metade delas e, depois,
sequer comunicando sua falta.

51
Segundo o Decreto nº 19.398, de 11 de novembro de 1930.
52
Decreto nº 21.402, de 14 de maio de 1932.
53
O trabalho da comissão, do mais elevado nível, nesse tipo de debate, em nossa história
constitucional, foi publicado no Diário Oficial e suas atas transcritas em livro do bacharel mineiro
José Affonso Mendonça de Azevedo, (Elaborando a Constituição Nacional, Belo Horizonte, (s.n.)
1993), depois republicado em edição fac-similar pelo Senado Federal, em 2004.

186
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Na última sessão da subcomissão, João Mangabeira diz que


lhe viera à lembrança uma página das Memórias de Thibeaudau,
onde se conta que Napoleão, então na presidência da comissão do
Código Civil, em uma das primeiras reuniões, observou: “O romance
da Revolução findou; agora, vamos fazer-lhe a história. Vamos
construir”. Para Mangabeira, guardadas as proporções, era “o nosso
caso. A Revolução de 30 é uma página já lida. Viremo-la. Cuidemos
do presente e do futuro”.54

20. Realizaram-se, em 3 de maio de 1933, as eleições à Assembleia


Constituinte e pela primeira vez se aplicou o Código Eleitoral.

Em 24 de outubro do mesmo ano, ocorreu o julgamento final do


pleito no Rio Grande do Sul, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Haviam comparecido às urnas, naquele estado, 180.723 eleitores,
sendo o coeficiente eleitoral a divisão do número de votantes pelo
número de postos a preencher, de 11.295. Foram eleitos, por este
quociente: Augusto Simões Lopes, Carlos Maximiliano Pereira dos
Santos, Joaquim Maurício Cardoso e Joaquim Francisco de Assis
Brasil, cujos nomes estavam escritos em primeiro lugar nas cédulas,
sendo liberais os dois primeiros e da Frente Única os dois últimos.
Foram atribuídos 11lugares ao Partido Republicano Liberal e 3 à
Frente Única pelo quociente partidário.

O Tribunal considerou eleitos em primeiro turno, além dos


candidatos que obtiveram o quociente, os que faltavam para
ser atingido o quociente partidário, em cada agremiação e, para
completar a representação, mais dois que, em segundo turno,
obtiveram maioria de votos. Pela Frente Única, além dos que
obtiveram o quociente eleitoral, foi considerado eleito Sérgio Ulrich
de Oliveira.

Entre os recursos julgados pelo Tribunal estava o do candidato


Oswaldo Vergara, que, entre outras irregularidades no pleito,
apontara o uso de cartolina, com violação do sigilo dos votos. O
TSE julgou improcedente o apelo, de acordo com os pontos de vista

54
AZEVEDO, José Afonso de Mendonça Alencar, ob. cit., p. 1.028.

187
expendidos pelo relator e pelo procurador-geral e, principalmente,
por haverem os dois partidos feito uso de chapas desse material.

Foi o seguinte o mapa da votação geral do Estado do Rio Grande


do Sul na eleição de 3 de março de 1933:

Candidatos sob a
Sba. S/ Sba.
legenda do Partido Soma S/Leg Soma
Leg. Leg. Leg.
Rep. Liberal
Heitor Annes Dias 105 25 130 172.056 6.226 138.282
Frederico J.
29 11 40 132.056 6.196 138.252
Wolffenbüttek
João Simplício A.
5 9 14 132.056 6.151 138.207
Carvalho
Renato Barbosa 3 1 4 132.056 6.096 138.152
Augusto Simões Lopes 67.329 146 67.475 132.056 6.090 138.146
Demétrio Mércio
43 31 74 132.056 6.082 138.138
Xavier
Victor Russomano 3 54 57 132.056 6.073 138.129
João Ascanio Moura
3 5 8 132.056 6.044 138.100
Tubino
Pedro Vergara 2 2 4 132.056 5.810 137.866
Frederico Dahne 339 522 861 132.056 5.308 137.364
João Fanfas Ribas 1 2 3 132.056 1.159 133.215
Carlos Marx P. dos
64.086 69 64.155 132.056 692 132.748
Santos
Argemiro Dornelles 9 33 42 132.056 536 132.592
Gaspar Saldanha 26 4 30 132.056 499 132.555
Raul Jobim Bittencourt 2 53 55 132.056 467 132.523
Adalberto Corrêa 67 1 68 132.056 295 132.351

Candidatos sob a
Sba. S/ Sba.
legenda Soma S/Leg Soma
Leg. Leg. Leg.
Frente Única
Joaquim Maurício
20.155 1.308 21.463 37.430 8.334 45.764
Cardoso
Sérgio Ulrich de
34 6 40 37.430 8.138 45.568
Oliveira
Adroaldo M. da Costa 366 5.550 5.916 37.430 8.030 45.460
Oswaldo Fernandes
0 9 9 37.430 7.914 45.344
Vergara
Joaquim Luiz Osório 92 10 102 37.430 3.731 41.161

188
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Candidatos sob a
Sba. S/ Sba.
legenda Soma S/Leg Soma
Leg. Leg. Leg.
Frente Única
João Gonçalves Vianna
10 9 19 37.430 3.551 40.981
Filho
Euclydes Minuano de
7 0 7 37.430 3.134 40.564
Moura
Bruno de Mendonça
220 85 305 37.430 3.113 40.443
Lima
Oscar Carneiro da
11 7 18 37.430 2.975 40.405
Fontoura
Edgar Luiz Schneider 9 13 22 37.430 2.924 40.354
Camillo Teixeira Mércio 105 49 154 37.430 2.925 40.359
Joaquim F. de Assis
16.422 1.583 17.006 37.430 2.760 40.190
Brasil

Candidatos sob a
Sba. S/ Sba. S/
legenda Soma Soma
Leg. Leg. Leg. Leg
Pro Estado Leigo
Manoel S. Gomes de
1.082 336 1.418 1.115 625 1.740
Freitas
Fernando Souza do Ó 18 159 177 1.115 581 1.696
Eduardo M. Barreto
1 31 32 1.115 568 1.683
Jayme
Lucídio Ramos 0 0 0 1.115 542 1.657
Agnello C. de
0 0 0 1.115 535 1.650
Albuquerque
Alcides F. das C.
0 0 0 1.115 533 1.648
Carvalho
Arthur Thompson 2 4 6 1.115 524 1.639

Candidato avulso Sba. S/ Sba. S/


Soma Soma
Leg. Leg. Leg. Leg
José Pereira da Silva 0 0 0 0 4 4

21. As eleições de maio de 1933, para escolha dos constituintes


da Segunda República, foram tidas como as primeiras eleições
verdadeiras que o país conhecera e em que os eleitos se
tranquilizaram com a verificação e o reconhecimento dos poderes,
entregues, agora, exclusivamente, à magistratura. Findara, segundo
os comentadores, a desmoralização dos reconhecimentos políticos,
das degolas eleitorais, da falsificação dos votos.

189
Por três vezes, naquele pleito, o TSE teve de fulminar escolhas
realizadas com o vício de antigas impudências, em Mato Grosso, no
Espírito Santo e em Santa Catarina.

22. Em 28 de fevereiro de 1934, o jornal O Paiz publicava:

Chegou ontem à Assembleia, e foi lido no expediente, o seguinte


telegrama do Sr. Assis Brasil: “Pelo correio tenho a honra
de remeter declaração renúncia mandato deputado datado
de 17 do corrente remessa retardada necessidade de ouvir
correligionários. Respeitosas saudações.” A mesa da Assembleia
convocará imediatamente o 1° suplente da Frente Única do
Rio Grande do Sul que é o Sr. Sérgio de Oliveira. Sabe-se,
porém, que o Sr. Sérgio de Oliveira, que pertence ao Partido
Republicano, abrirá mão da vaga, para ser chamado, em seu
lugar, o Sr. Gonçalves Vianna, 2º suplente e correligionário do
Sr. Assis Brasil no Partido Libertador.55

E já em telegrama de 14 de julho de 1932, em que respondia a


uma mensagem de Vargas, do dia 13, que lhe informava da rebelião
paulista, Assis disse:

A velhice e agora, também, alguma claudicação da saúde,


aconselham-me o regresso urgente ao repouso doméstico, pelo
que tinha insistido junto ao Ministério das Relações Exteriores
antes do presente episódio, pela dispensa há meses pedida
diretamente a Vossa Excelência.

II

23. A Constituição de 1891 dispunha, em seu art. 28, que os


deputados seriam eleitos “mediante o sufrágio direto, garantida a
representação da minoria”.

Das minorias, deveria ter sido escrito, segundo João Barbalho,


em seu livro sobre a primeira de nossas constituições republicanas.
Para ele, o artigo era uma das mais notáveis disposições da Carta
“procurando suprimir a tirania das maiorias parlamentares e

55
O Paiz, ed. n. 16911, 28 fev. 1933.

190
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

assegurando a livre expansão e influência de todas as aspirações


legítimas que surjam no país e tendam ao bem público”.56

Logo após a Constituição, a Lei nº 35, de 26 de janeiro de 1892,


detalhou o processo das eleições: os estados seriam divididos em
distritos de três deputados; os estados que dessem cinco deputados
ou menos constituiriam um só distrito eleitoral; quando o número de
deputados não fosse perfeitamente divisível por três, juntar-se-ia a
fração ao distrito da capital do estado; cada eleitor votaria em dois
terços do número dos deputados do distrito e, nos distritos de quatro
ou cinco deputados, cada eleitor votaria em três nomes.

Mas, retornando, assim, ao voto incompleto, trazido, no Império,


pelo que se denominou a Lei do Terço, o Decreto nº 2.675, de 20
de outubro de 1875, a Constituição e a nova lei falhariam nesse
intento. A começar pelos problemas que já se havia notado no
passado quando o voto incompleto, de dois terços, não se aplicara
a sete províncias (que somente elegiam dois deputados), havia sido
arbitrário em outras sete (com número de deputados não divisível
por três) sendo exercido com exatidão em apenas seis.57

Agora, o modelo não se aplicaria a 3 estados (elegendo somente


dois deputados), seria arbitrário em 16 deles e somente seria
empregado, corretamente, em 2.

E grandes eram as queixas quanto ao procedimento, como as


formuladas por Assis Brasil. Quem dera, perguntava ele, ao legislador
o arbítrio de imaginar que a minoria haveria de ser, por força, o terço
do eleitorado, nem mais nem menos? Tal critério, prosseguia ele,

[...] é arbitrário e, na maioria dos casos, conduzirá a fraudar a


opinião, ajustando-a cruelmente a um verdadeiro leito de Procusto.
Não é menor o arbítrio com que se estabelece desde logo que a
opinião estará, por força, dividida em dois únicos partidos. Outra
fraude legal.58
56
CAVALCANTI, João Barbalho Uchôa. Constituição Federal Brasileira (1891). Brasília: Senado
Federal, 2002. p. 83.
57
PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002. p. 96 e ss.
58
BRASIL, Joaquim Francisco de Assis. Ideias políticas de Assis Brasil. Brasília: Senado Federal;
Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa. 1990. v. 2, p. 110.

191
E continuava:

Mas, de tudo, o mais monstruoso é que nem mesmo essa


repartição arbitrária da letra da lei tem por si garantia alguma.
Ela será fraudada com os recursos da mesma lei. Repetirei aqui o
que é tão sabido dos cabalistas. Admitamos que, em um distrito
destinado a dar três deputados, a minoria disponha de 100
eleitores; vou provar que nem será preciso que a maioria tenha
duas vezes esse número, isto é, 200, para burlar inteiramente a
representação da minoria. Sejam, pois,153 apenas os eleitores
da maioria, que apresentará por seus candidatos, em vez de dois
nomes, como lhe competia, os três a quem chamaremos A, B
e C. Em seguida a maioria dividirá em três grupos a sua gente,
cada um de 51 eleitores, e, respeitando a letra da lei, que coíbe
a votação em mais de dois nomes, fará votar cada grupo na
seguinte ordem:

1º grupo em A e C.
2º grupo em C e B.
3º grupo em B e A.

Cada candidato foi votado por dois grupos de 51 eleitores, o que


deu a cada um 102 votos. Ora, a minoria só dispõe de 100 votos,
o que quer dizer que o seu candidato mais votado não alcançará
a eleição, visto que os três da maioria excedem esse número. Eis
aí a simples maioria fazendo unanimidade, e tudo sem violência,
nem fraude, a não ser a autorizada pela própria lei, fraude legal.59

Isso se denominava, no Império, o rodízio60, e continuou na


Primeira República, mesmo depois da denominada Lei Rosa e Silva,
a Lei nº 1.269, de 15 de novembro de 1904, que alargou os distritos
eleitorais dispondo que o eleitor votaria “em três nomes nos estados
cuja representação constar apenas de quatro deputados; em quatro
nomes nos distritos de cinco; em cinco nos de seis; e em seis nos
distritos de sete deputados (art. 58, § 3º)”. E, além disso, com o voto
cumulativo, pela única vez utilizado no país, o eleitor poderia acumular
“todos os seus votos ou parte deles em um só candidato (art. 59)”.

24. Assis apresentou, então, à Câmara, em sessão de 19 de agosto


de 189361, emendas à Lei nº 35, de 26 de janeiro de 1982. Em breves
59
BRASIL, Joaquim Francisco de Assis. Ob. cit., p. 110.
60
PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. 3. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2012. p. 336-7.
61
Embaixador na Argentina, Assis foi removido para o Japão e aproveitou sua passagem no Rio
para apresentar o projeto na Câmara.

192
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

palavras, disse que qualquer lei votada com o fim de regulamentar


o sistema eleitoral deveria “ter por ideal a representação de todas
as opiniões predominantes. Do choque das diferentes ideias, do
choque produzido pelo encontro das diversas opiniões reunidas no
seio do Congresso, é que há de nascer a luz que iluminará o futuro
da República”.

Assis não pretendia justificar as medidas uma vez que não poderia
fazê-lo “nos curtos limites de um discurso. A Câmara teria as razões
com que procurava justificá-las, em um folheto que fará imprimir e
no jornal da Casa, onde o Sr. Presidente as mandaria publicar”.

Mas terminou por publicar um livro, Democracia Representativa – Do


Voto e do Modo de Votar, escrito, segundo ele, em apenas oito
dias e impresso “com pouco cuidado”. Destinava-se a servir como
exposição de motivos ao projeto de lei que ofereceu à Câmara, mas
“rebentou nesse momento a revolta naval. O projeto não se discutiu,
nem o livro leu-se”.62

A principal das emendas propostas por Assis era ao art. 36 da lei,


que dispunha:

Art. 36, com seus parágrafos – Substitua-se pelo seguinte:


Para as eleições de deputados, cada estado da União constituirá
um distrito eleitoral, equiparando-se para tal fim aos estados o
Distrito Federal.
§ 1º Cada eleitor votará em uma mesma cédula, em um só nome
e, logo abaixo, e separado por traço bem visível, em tantos nomes
quantos quiser, até o número de deputados a eleger pelo seu
distrito eleitoral.
§ 2º Os nomes colocados no alto de cada cédula, e antes do sinal
referido no parágrafo antecedente, considerar-se-ão votados
no primeiro turno; os que vierem depois se dirão votados no
segundo turno.
§ 3º Reputar-se-ão eleitos os cidadãos que houverem obtido no
primeiro turno pelo menos número de votos igual ao quociente
que resultar da divisão do número total de eleitores, que tiverem
votado em algum nome, pelo número de deputados a eleger,
desprezadas as frações.

62
BRASIL, Joaquim Francisco de Assis. Democracia representativa: do voto e do modo de votar.
3. ed. Paris: Guillard Aillaud, 1895.

193
§ 4º Não alcançando o número de eleitos no primeiro turno ao
número de deputados a eleger, considerar-se-ão eleitos os mais
votados no segundo turno, até o preenchimento de todas as
vagas do primeiro.

Pela primeira vez, Assis apresentava, como deputado, um projeto


de modificação da lei eleitoral e para trazer o modelo proporcional,
mantendo, no que denominava segundo turno, também, o modelo
majoritário, tal como, depois, sugeriria, com êxito, para nosso
primeiro Código Eleitoral, em 1932.

Ele próprio logo reconheceria esse amálgama, em carta, de 1894,


que dirigiu ao professor e político português Rodrigues de Freitas63
e na qual escreveu:

Não compreendeu bem, disse V. Exª, a razão de querer eu o


quociente eleitoral para o primeiro turno e aplicar o método da
maioria relativa, sempre que o segundo turno seja necessário.
Resposta: Precisamente aí está o nervo da minha concepção;
o segundo turno deve ser sempre necessário; a probabilidade
de apresentarem todos os partidos quocientes exatos é tão
remota que frisa a impossibilidade; então eu confiro à maioria,
no 2º turno, todas as frações que no primeiro sobraram dos
quocientes realisados, ou que não bastaram para fazer um. Em
troca desse presente, espero obter que a maioria, segura por tal
modo de conquistar a força numérica de que precisa, respeite a
liberdade da eleição. Este resultado vale mais, para a verdade da
representação do que o presente que se faz à maioria.

E admitiu: “Não é a proporcionalidade o princípio fundamental


da minha concepção eleitoral; é um elemento dele. O princípio
fundamental é – representação proporcional, na medida do possível
e do razoável, e criação de sólido instrumento do poder público”.

E concluiu: “Penso que a dúvida de V. Exª arraiga no engano de


parecer-lhe que há incompatibilidade entre os dois turnos”.64

63
J. J. Rodrigues de Freitas Porto, nascido em janeiro de 1840 e falecido em julho de 1896 foi,
por quatro vezes, deputado à Assembleia portuguesa, e autor de livros como Notice sur le
portugal (1867), O Portugal contemporâneo do Sr. Oliveira Martins (1881) e Princípios de
economia política (1883).
64
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., p. 335.

194
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Essa é a melhor explicação para o molde com que Assis terminou


por ter êxito ao incluí-lo na reforma de 1932. Mas, em 1893,
sua proposta não foi sequer discutida. E Assis disse, então: “[...]
convenci-me de que, apesar da simplicidade do plano, ele devia
contar contra si um pouco com a nossa rebeldia incurável contra o
estudo, circunstância agravada agora pela estreiteza do tempo”.65

25. O livro Democracia representativa – do voto e do modo de


votar, segundo Assis, destinava-se “a servir como de exposição de
motivos à lei que ofereci à Câmara dos Deputados no dia 19 de
agosto de 1893. Rebentou nesse momento a revolta naval. O projeto
não se discutiu nem o livro leu-se”.

E continuou ele:

O livrinho que então não foi lido e do qual os jornais mais corteses
disseram apenas ‘recebemos e agradecemos’ acaba de suspirar
ao Senado um projeto de lei para regular as eleições municipais da
capital federal. Aprovado nessa Câmara, foi impugnado na outra.66

Mas o projeto acabou sendo aprovado.

As eleições municipais da capital federal tinham sido,


primeiramente, reguladas pela Lei nº 85, de 20 de setembro de
1892, que terminara por dispor:

Art. 83. As eleições subsequentes serão feitas por lei especial,


que o Congresso decretará.

Foi atendendo a essa determinação que o Senado formulou essa


lei especial, que sofreu críticas e emendas na Câmara, resultando na
Lei nº 248 de 15 de dezembro de 1894 na qual se dispunha sobre a
escolha dos membros do Conselho Municipal:

Art. 3º.
[...]
§ 1º Para a eleição, cada eleitor votará em cinco nomes escritos
em uma única cédula.
65
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., p. 173.
66
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., 3. ed., p. 9.

195
§ 2º O primeiro nome colocado no alto de cada cédula considera-se
votado em primeiro turno para ser eleito por quociente; os outros
nomes formarão segundo turno para serem eleitos por pluralidade
de votos.
§ 3º Consideram-se eleitos no primeiro turno todos os cidadãos
que conseguirem um número de votos correspondente ao
quociente que resultar da divisão por cinco das cédulas apuradas
nas diversas seções de cada distrito eleitoral, não se incluindo, no
cálculo, as cédulas em branco nem as que forem encontradas em
invólucro que contenha mais de uma.
§ 4º Para preencher os lugares que faltarem até o número de cinco
em cada distrito, por não atingirem ao quociente os cidadãos
votados, considerar-se-ão eleitos os mais votados do segundo
turno até o preenchimento de todas as vagas.

Assis fez algumas críticas à forma final do texto e disse, em post


scriptum ao prefácio da edição do livro, de 10 de janeiro de 1895, que
“transformada em lei, infelizmente com os defeitos apontados no
apêndice, tais defeitos não prejudicam a essência da ideia, mas não
há de negar que podem contribuir para que a primeira experiência
não seja satisfatória”.67

Foi a primeira vez que se aplicou, no Brasil, o sistema proporcional,


ainda que atrelado ao majoritário, em um segundo turno.

26. A pedido de um amigo interessado em reforma eleitoral


proposta, em 1927, para o Estado de Minas Gerais, Assis Brasil
elaborou um memorando em que reiterava o mesmo projeto
apresentado à Câmara dos Deputados em 1893, com “algumas
modificações da forma primitiva, sem abalar a substância”.68

Para o caso de Minas disse ele:

Eu proporia uma lei assim redigida:

Art. - As eleições de deputados e metade dos senadores se fará


por todo o Estado, sem divisão alguma.

67
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., p. 12.
68
Ideias políticas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1990. v. 2, p. 530.

196
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Art. - Cada eleitor votará em tantos nomes quanto quiser, sendo


nulos os votos que excederem de três além dos números de
elegendos.

Art. - O primeiro número de cada cédula será considerado votado


em primeiro turno para deputado ou senador; os dois seguintes
em primeiro turno para suplentes de deputado ou senador; os
outros em segundo turno para deputado ou senadores.

Art. - Reputar-se-ão eleitos os candidatos a deputados ou


senadores e respectivos suplentes que reunirem no primeiro turno
número de votos pelo menos igual ao do quociente da divisão
do número de eleitores que houverem concorrido validamente à
eleição pelo número de elegendos, desprezadas as frações.

Art. - Não alcançando o número de deputados ou senadores


eleitos no primeiro turno o de elegendos, considerar-se-ão eleitos
os mais votados no segundo turno até o preenchimento das vagas
do primeiro.

Art. - Se o nome do candidato eleito no primeiro turno for repetido


no segundo, não será considerado na apuração deste.

Art. - Os suplentes se denominarão primeiro e segundo, na ordem


em que forem votados e ocuparão nesta ordem a vaga deixada
pelo eleito, em caso de morte, renúncia ou perda do lugar.
§ Os suplentes só o são em relação ao deputado ou senador
votado nas mesmas cédulas em que eles o foram.

Art. - Se a vaga for de deputado ou senador eleito em segundo


turno, proceder-se-á a nova eleição, votando cada eleitor em um
só nome.
§ Em caso de eleição para o preenchimento de duas ou mais vagas,
na mesma Câmara, seguir-se-á o processo ordinário estatuído nos
artigos anteriores.

Mas a colaboração de Assis não foi acolhida pelo presidente


de Minas, Antônio Carlos, nem por sua Assembleia Legislativa, na
elaboração da Lei nº 995, de 20 de setembro de 1927, que instituiu
o voto secreto e cumulativo para as eleições estaduais e municipais
do estado.

Um jornal do Rio, sempre crítico a Assis, publicou, em 22 de julho


daquele ano: “Reforma Eleitoral de Minas – Temos informação segura
de que o Presidente Antônio Carlos não convidou o Deputado Assis

197
Brasil para intervir de qualquer maneira na elaboração da projetada
reforma eleitoral do Estado”.69

27. Sobre o voto secreto e o cumulativo Assis já havia se


pronunciado em seu livro de 1893.

Quanto ao voto secreto, que denominou, também, de voto


fechado, disse:

Quanto à liberdade que se pretende favorecer com o voto fechado,


não vejo que ela tenha evitado o espetáculo que todos nós
conhecemos da arregimentação de rebanhos eleitorais desfilando
publicamente diante do chefe, ou de seu caixeiro de eleições, de
quem recebem a ração de opinião que tem de deixar na urna...
A questão material de dar o voto, eu deixaria inteiramente ao
arbítrio de cada votante.70

E, sobre o voto cumulativo, explicou Assis que ele fora proposto, em


1853, por J. Garth Marshall. Cada eleitor disporia de tantos sufrágios
quantos devesse dar a sua circunscrição e poderia livremente aplicar
esses sufrágios em um só candidato, ou reparti-los por alguns até o
número total e com igualdade ou sem ela. E disse ele:

O mínimo esforço de meditação fará compreender que por tal


forma a minoria terá sempre garantida a sua representação. O
sistema, porém, encerra defeitos muito grandes. Em primeiro
lugar, ele é muito parente do primitivo e absurdo sistema de
simples maioria. Onde quer que não haja senão dois partidos,
mais ou menos equilibrados em número, cada um deles, na
esperança de uma vitória completa, poderá renunciar ao direito
de cumular os votos em poucos candidatos e os distribuir por
tantos quantos forem os representantes a eleger, votando cada
eleitor em toda a lista. A simples maioria prevalecerá, então, com
todos os seus obscuros corolários.71

O defeito do sistema, segundo Assis, seria, então, curiosamente,


o da probabilidade de sua não utilização.

69
O Paiz, ed. n. 15.615, 22 jul. 1927.
70
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., 3. ed., p. 93 e ss.
71
BRASIL, J. F. de Assis, ob. cit., 3. ed., p. 188 e ss.

198
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Depois, para ele, ainda no voto cumulativo não se cuidava “senão


dos interesses da minoria. Ela pode fazer mais representantes do
que uma proporção matemática lhe assinalaria”.72

28. Nosso primeiro Código Eleitoral, com o Decreto nº 21.076,


de 24 de fevereiro de 1932, trouxe quatro grandes inovações: a) a
criação de uma Justiça Eleitoral, à qual ficaria afeta a “verificação
e o reconhecimento dos poderes”, como diziam as constituições
anteriores, b) o sistema proporcional – com um segundo momento
majoritário – de deputados e vereadores, substituindo o sistema
anterior, somente majoritário, com distritos de cinco nomes, desde a
Lei Rosa e Silva, de 1904; c) o sufrágio feminino, obrigatório somente
para as mulheres que exercessem cargos públicos; e d) uma maior
ênfase no voto secreto.

Num elogio final ao código que ajudara a elaborar, João Cabral


insistiu em que ele, com o sufrágio universal, “como o elemento
essencialmente político”, soubera combinar “as três molas reais”
que o cercavam de garantias: o voto absolutamente secreto, a
distribuição dos lugares em proporção da votação, sem prejuízo do
governo que deve caber à maioria, e a mais perfeita garantia dos
direitos eleitorais desde o alistamento até a apuração, mediante
julgamento de todas as questões eleitorais por juízes e tribunais,
embora de composição especial, mas sempre com as características
da judicatura.73

29. O Código Eleitoral, como também o projeto de Assis Brasil


de 1893, fazia referência a um primeiro e a um segundo turno, mas
a eleição não se repetia e daí que o art. 58, § 2º, do Código, se
referisse a uma votação “em dois turnos simultâneos”.74

72
BRASIL, J. F. de Assis. Democracia representativa: do voto e do modo de votar. 3. ed. Paris:
Guillard Aillaud, 1895. p. 188-192.
73
CABRAL, João G. da Rocha, Código Eleitoral da República dos Estados Unidos do Brasil. 3. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1934. p. 14-15.
74
Reconhecendo que o processo de dois turnos simultâneos era “invenção do Dr. Assis Brasil”,
Rocha Cabral esclarecia: “Chama-se de dois turnos simultâneos o Projeto Assis Brasil porque,
na mesma cédula, reúne as vantagens da votação uninominal e em lista, de apuração por
quociente no primeiro caso, ou turno, e da maioria relativa, no segundo”. Ver PORTO, Walter
Costa. 2. ed. O voto no Brasil: da Colônia à 6ª República. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002.
p. 226 e ss.

199
Como explicava Domingos Vellasco, em seu livro Direito Eleitoral,
de 1935, seriam considerados para o primeiro turno:

a) Os sufrágios aos candidatos mencionados em primeiro lugar


nas cédulas;
b) os sufrágios em cédulas que contivessem um só nome;
c) os votos dados para o 2º turno a candidatos registrados sob a
mesma legenda e beneficiados pelo quociente partidário (letra b,
nº 5, art. 58 do Código).

Seriam contados para o segundo turno:


a) os sufrágios aos candidatos mencionados em seguida ao
primeiro nome da cédula, mesmo que o indicado em primeiro
lugar fosse inelegível;
b) os sufrágios em cédulas contendo apenas a legenda registrada;
c) os sufrágios a todos os candidatos registrados sob uma
legenda, quando as cédulas mencionassem só um nome além
da legenda.

Não se somavam os votos do primeiro turno com os do segundo,


nem se acumulavam os votos em qualquer turno; mas contavam-se
ao candidato de lista registrada os votos que lhe tinham sido dados
em cédulas sem legenda ou sublegenda diversa, para o efeito da
apurar a ordem de votação. Para o cálculo do quociente eleitoral,
somente se contavam os votos apurados e não o número de eleitores
que votassem.75

Escreveu Assis que tinha ouvido

[...] inquinar de complicado este plano de representação, ou,


pelo menos, a apuração das eleições realizadas segundo ele.
Tudo quanto não nos era familiar parece-nos complicado, ou
difícil, à primeira vista. Tenho a experiência de dezenas de
pessoas inteligentes que, depois de poucas explicações e alguma
meditação, se têm persuadido de que este é o mecanismo que
melhor reúne a simplicidade à perfeição, de quantos têm sido
propostos para a representação proporcional.76

75
VELLASCO, Domingos. Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1935. p. 39 e ss.
76
Ideias políticas de Assis Brasil, ob. cit., p. 532.

200
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

30. Em precisa e documentada tese sobre a representação


proporcional em nosso país77, Juliano Machado Pires mostrou que,
nas eleições de 3 de maio de 1933, para a Constituinte, o novo
sistema eleitoral, mais completo que o estabelecido pela Lei Rosa e
Silva, e revisada em 1916, viu ampliada a quantidade de eleitores
ao estender o voto às mulheres.78 Segundo ele, “o surto democrático
do início dos anos 30” levou a que centenas de pessoas se
candidatassem como avulsos. E esse grande número de candidatos
dificultava ainda mais a apuração que passara a ser feita, não nos
municípios mas nas capitais dos estados, pelos juízes dos tribunais
regionais eleitorais. Isso gerou reprovações quer na imprensa, quer
no próprio governo, ao sistema e, “apesar das fontes de parte das
confusões estarem especialmente nas instruções, foi o código que
recebeu a maior parte das críticas até se tornar um bode expiatório
para os problemas enfrentados na eleição mais democrática
realizada no país até então”.79

Porém, mesmo antes do pleito, muitas foram as críticas, provindo


até mesmo dos mais estudiosos da matéria, como as do Juiz Affonso
Penna80, integrante do novo Tribunal Superior Eleitoral, que mostrou
que o Código Eleitoral, ao explicar o modo de contar os votos, dava
lugar “a verdadeiros absurdos”.

Segundo ele,

[...] diz o art. 58 que estão eleitos primeiro turno os que tiverem
obtido o quociente eleitoral e, na ordem da votação consignada,
tantos candidatos registrados sob a mesma legenda quantos
indicar o quociente partidário. Mais adiante, acrescenta
o artigo – contendo a cédula legenda registrada e nome estranho
à respectiva lista, considera-se inexistente a legenda. Verificamos,
assim que um partido cujo quociente for dois pode eleger o seu

77
PIRES, Juliano Machado. A invenção da lista aberta: o processo de implantação da
representação proporcional no Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj, 2009.
78
Mas, segundo a imprensa, as mulheres, embora gozando da faculdade de alistar-se, “não
concorreram ao alistamento, em número considerável, por motivos que a nossa educação e
nossos hábitos facilmente justificam”. Jornal do Brasil, ed. 250, 19 out. 1934.
79
PIRES, Juliano Machado, ob. cit., p. 65.
80
Afonso Augusto Moreira Pena Junior era filho do ex-presidente Afonso Augusto Moreira Pena
(1906-1909) e foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais, secretário do Interior,
do Estado, deputado estadual e ministro da Justiça.

201
candidato colocado em primeiro lugar e mais dois na ordem da
votação.
Vejamos o final. Há um distrito de dez cadeiras e compareceram
ao pleito 60.000 eleitores. O partido A levou às urnas 18.500
eleitores, o partido B, 9.400 eleitores, o partido C, 12.800, o
partido D, 8.250 e um candidato avulso, 6.100.
O partido A, conhecendo a sua força, distribuiu cédulas fazendo,
no primeiro lugar da lista, um rodízio de três nomes; e o partido C
fez o mesmo com dois nomes.
No momento da apuração, segundo a letra do art. 58, chegamos
a este resultado: termos que considerar eleitos no primeiro
turno três candidatos do partido A (letra a do artigo 58) e mais
três, conforme indica o quociente. O mesmo procedimento será
estendido ao partido C.
Qual o resultado ?
Partido A, três cadeiras no primeiro turno e mais três no segundo;
partido B, 1 e mais 1; partido C, 2 de mais 2; partido D, 1 e mais
1; e ainda há um candidato avulso com o quociente exigido.
No fim de tudo, encontraremos, como se está vendo, quinze
candidatos eleitos e as cadeiras são somente dez”.

Esse cálculo, tão incrível, foi feito por um membro do órgão


máximo da Justiça Eleitoral.

E transcrevendo-o, o Jornal do Brasil concluiu: “O Código Eleitoral,


afirmamos nós, é essencialmente pitoresco”.81

31. A crítica veio de muitos outros, como a do celebrado autor de


A Política Geral do Brasil, José Maria dos Santos, que disse:

“[...] aceitar o projeto do Código Eleitoral, ora em apreço, como


início eficaz da nossa volta a um regime legal, seria apenas um
ato de demência. A construção levantada pela perícia do Sr. João
Cabral, sob as luzes do Sr. Assis Brasil, e confusa e incomodamente
desbastada pela comissão nomeada pelo ministro da Justiça,
uma vez promulgada constituiria uma lei irritante, nula e
simplesmente monstruosa [...]. Esse código imediatamente
excede a competência do poder que o pretende consagrar, ao
mesmo tempo em que aberra de todo senso prático, de toda
esclarecida e honesta compreensão das nossas realidades. É
apenas uma loucura”.82

81
Jornal do Brasil, ed. 64, 17 mar. 1932, p. 5.
82
Diário de Notícias, n. 61, 12 fev. 1932.

202
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

E Otto Prazeres83, escrevendo em abril de 1933, dizia:

[...] vê-se que todos os projetos de Assis Brasil, desde o mais


antigo ao mais moderno, seguem o mesmo plano, sempre o
mesmo desde que não há candidatos figurando no número 1
das cédulas que bastem para preencher os lugares do distrito
eleitoral – completado é o número de cadeiras com os candidatos
mais votados, seja de que lista for.
Veio, porém, a comissão presidida pelo Sr. Maurício Cardoso e,
embora tal não declarasse, introduziu de fato, um terceiro turno,
qual seja o do quociente do partido. Vem daí a confusão maior.

Otto se julgava um estudioso do assunto, “tendo auxiliado


mais ou menos todos os elaboradores das leis eleitorais brasileiras
neste último quarto de século, apurando sempre, na Câmara dos
Deputados, os resultados práticos de tais leis”, e confessava que
não lhe fora fácil chegar a um resultado concreto para uma apuração
lógica do pleito de 3 de maio.

O que poderia garantir, afirmava ele, é que fizera um inquérito


em que ouvira mais de 200 personalidades entendidas em eleições,
antigos deputados, antigos senadores, chefes eleitorais, funcionários
legislativos, etc., etc., “e nenhuma se mostrou firme em estabelecer
uma contagem de votos pelos dizeres do Código. Todos forneceram
hipóteses baseadas em alguns artigos e que eram derrubadas por
outros artigos”.

Otto Prazeres tinha razão ao afirmar:

Quando um eleitor deposita a sua cédula na urna ele não sabe,


sequer, se os nomes que ele propõe farão parte do primeiro ou do
segundo turno. Só o resultado geral da votação apurada é que vai
dizer qual o grupo a que o candidato tem de pertencer.
Logo, ao contrário do que diz o Código, o eleitor não vota em dois
turnos simultâneos. Só haverá tal votação se ele separasse os
nomes do primeiro e do segundo turno ou fizesse, de qualquer
modo, indicação.

83
Otto Prazeres era jornalista e autor de muitos livros como O Brasil na guerra: algumas notas
para a história. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1918; Curiosidades norte americanas,
Leite Ribeira Ed., 1922; A liga das nações. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1922
e A Presidência da República, Ed. O Norte, 1922.

203
O § 2º do artigo 49... observa:
“Serão considerados dados para o primeiro turno e serão
considerados para o segundo turno... etc.”
Quem considera os turnos ? O apurador.
Logo, o eleitor, quando votou, não designou os turnos, não
separou os turnos, não votou em dois turnos simultâneos. Estes
já estariam perfeitamente distintos.84
Daí vem uma das maiores confusões do Código.85

E, às críticas ao modelo, se juntou até João Cabral da Rocha,


“formalmente um dos coautores do Código”, como lembra, em
livro notável sobre a representação política em nosso país, Cristina
Buarque de Holanda. Ele disse: “O sistema do Dr. Assis Brasil peca,
apenas, por sacrificar demasiadamente a representação das opiniões
em minoria aos interesses predominantes da minoria”. E “com ironia,
por fim, conclui que ‘o eminente escritor brasileiro, apesar da fama,
que lhe arranjaram, de subversivo, protege em demasia o partido
situacionista, em sacrifício das minorias, embora ponderáveis”.86

32. Vargas, ao fixar, pelo decreto de 14 de maio de 1932, o dia 3 de


maio de 1933 para a realização das eleições à Assembleia Constituinte,
criou uma comissão, sob a presidência do ministro da Justiça e Negócios
Interiores, para elaborar o anteprojeto da Constituição.

Assis integrou a comissão, mas, como vimos, não compareceu a


nenhuma de suas sessões.

Na décima sessão da comissão, em 19 de dezembro de 1932,


dá-se a palavra a Antonio Carlos, para que lesse “suas fórmulas
sobre a composição da Assembleia Nacional”.

Ele diz que muito lamenta não estar presente aquele que, “no
momento, é, na matéria, a maior autoridade: o Dr. Assis Brasil”.

84
Barbosa Lima Sobrinho confirma: “[...] o chamado segundo turno, que não constituía um
novo pleito, mas tão somente uma segunda apuração, em que seriam somados os votos
avulsos, não computados na primeira apuração”. Boletim Eleitoral, abr. 1953, p. 339.
85
Jornal do Brasil, 30 abr. 1933, p. 16 e 18.
86
HOLLANDA, Cristina Buarque de. Modos de representação política: o experimento da Primeira
República brasileira. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: Iuperj, 2009. p. 251.

204
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

Confessa que, em qualquer emergência, nunca daria um passo no


assunto sem ouvi-lo.87 E pediu ao presidente que fizesse chegar a
Assis não só as propostas de Prudente de Moraes e Themístocles
Cavalcanti, como também as fórmulas que iria ler a fim de se saber
qual a opinião dele.88

Na 15ª sessão, em 29 de dezembro de 1932, lia-se a resposta de


Assis Brasil, ao telegrama que lhe fora enviado. Mas, na 19ª sessão,
de 12 de janeiro de 1932, apresentava-se o texto retificado, nos
seguintes termos:

Pedras Altas”. 27.12.-932 – Impedimento material somente


agora me permite responder á honrosa e interessante consulta.
Preliminarmente, penso que o texto constitucional deve
evitar minudências regulamentares, deixando conveniente
e necessário critério à legislatura ordinária. Bastaria instituir
a Constituição o voto secreto, direto, além das bases
fundamentais do mecanismo representativo. Compreendo,
entretanto, e até certo ponto, louvo a preocupação patriótica,
ansiosa por assegurar certos métodos, cuja solidez a presente
instabilidade política não garantiria suficientemente. Preceitos
dessa ordem somente podem figurar no pacto constitucional
com a declaração de serem suscetíveis de alteração ou
ab-rogação pelos meios ordinários.
Com essas ressalvas continuo pensar que o melhor regime de
distribuição da representação está descrito quarta edição da
Democracia Representativa especialmente nos capítulos 3º e 9º
do livro 4º, confirmando a opinião exarada nas edições anteriores
e discutidas nas páginas 193 e 204, da 4ª edição. Simpatizo com
a proposta Antonio Carlos, criando um círculo único nacional para
certa quota de representação, enquanto não convir fazer para
toda ela. Atenciosas saudações, Assis Brasil.89

No anteprojeto se dispôs, em seu art. 22: “A Assembleia Nacional


compor-se-á de deputados do povo brasileiro, eleitos por quatro

87
Curioso é que, como relatamos, à frente do governo de Minas, Antonio Carlos, em 1927,
desprezara a colaboração de Assis para sua reforma eleitoral.
88
AZEVEDO, José Afonso de Mendonça Alencar. Elaborando a constituição nacional: atas da
Subcomissão elaboradora do anteprojeto 1932-1933. Brasília: Senado Federal, 2004. p. 198.
89
AZEVEDO, José Afonso de Mendonça Alencar, ob. cit., p. 259 e ss.

205
anos, mediante sistema proporcional e sufrágio direto, igual e
secreto, dos maiores de 18 anos, alistados na forma da lei”.90

33. Eleito para a Constituinte de 1933, que iniciou seus trabalhos


em 15 de novembro, Assis faz um único discurso, em 21 de
dezembro. Nele, falando de sua “bancada”, “que poderia chamar
de tripé – somos três”91, disse que ela apresentara uma série de
emendas ao anteprojeto encaminhado pelo Governo Provisório.
Entre muitos temas, estavam a competência privativa da União, a
competência dos estados, a inconstitucionalidade das leis, a Justiça
Eleitoral. E nenhuma referência ao modelo de apuração.92

Em seu discurso, Assis fez uma grande crítica a Getúlio:

[...] o Governo Provisório cometera grande erro – digo com


respeito, é verdade, mas sou obrigado a falar com franqueza
à soberania nacional – de querer legalizar um absurdo, isto é,
de fazer do provisório, permanente. Não há nada pior do que
pretender por meio da força, do martelo, da espada, do canhão
ou de qualquer outro modo... não há nada pior do que, contra a
razão, contra a lei. Provisório é provisório; perpétuo é perpétuo.

E mais: “O Governo Provisório, quando chamou a nação a votar,


já estava bastante combalido, por ter vivido muito mais do que
razoavelmente devia”.93

Surpreendente é que, ao apresentar as emendas, Assis e seus


correligionários juntaram o exemplar de um livro “recentemente
publicado pelo Sr. Borges de Medeiros” sob o título Do Poder
Moderador da República Brasileira”.94 A Comissão Constitucional,
disse Assis, haveria de dar o devido apreço à contribuição do
Sr. Borges de Medeiros “em quem o Brasil reconhece um de seus

90
Annaes da Assembleia Nacional Constituinte. v.1, p. 135.
91
Além de Assis, os Deputados Maurício Cardoso e Adroaldo Mesquita.
92
Annaes da Assembleia Nacional Constituinte, v. 3, 1933-1934, p. 90-101.
93
Annaes da Assembleia Nacional Constituinte, v. 3, 1933-1934, p. 101.
94
O livro foi editado em 1933, em Belo Horizonte e reeditado, em edição fac-similar, pelo
Senado, em 2004.

206
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

mais conspícuos repúblicos na ordem do saber, da experiência e da


respeitabilidade moral”.95

34. A Constituição, decretada e promulgada em 16 de julho de


1934, dispôs:

Art. 32. A Câmara de Deputados compõe-se de representantes do


povo, eleitos mediante sistema proporcional e sufrágio universal,
igual e direto, e de representantes eleitos pelas organizações
profissionais, na forma que a lei indicar.

E se reiterava em seu art. 181:

As eleições para a composição da Câmara dos Deputados, das


assembleias legislativas estaduais e das câmaras municipais
obedecerão ao sistema da representação proporcional e voto
secreto, absolutamente indevassável, mantendo-se, nos termos
da lei, a instituição de suplentes.

Determinada, assim, a representação proporcional, estaria, ou


não, recepcionado pela Constituição, o modelo Assis Brasil com seu
segundo turno majoritário? É o que muitos analistas indagaram.

Entre eles, João Mangabeira, constituinte em 1933, que


encaminhou, no final de 1934, representação ao Tribunal Superior
de Justiça Eleitoral contra a aplicação do art. 58, nº 8, do Código
Eleitoral por ser contrário ao princípio da proporcionalidade adotado
na Constituição Federal.

Para Mangabeira, em entrevista dada a A Noite, entre os preceitos


da Constituição, um dos básicos era o sistema proporcional. Se,
portanto, as leis ou suplementos do Tribunal não o observarem,
validade legal não terão, por serem inconstitucionais. As leis,
anteriores à Constituição que em contrário dispuserem, não estão em
vigor, já que por ela foram revogadas. É o que diz, expressamente,
o art. 187 das Disposições Gerais da Carta: “Continuam em vigor,
enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente,
não contrariarem as disposições desta Constituição”.

95
Annaes da Assembleia Nacional Constituinte, v. 3, 1933-1934, p. 502-514.

207
E concluía Mangabeira:

Ora, o inciso 8 do art. 58 do Código, que estabelece o processo


majoritário para o 2º turno, contraria explicitamente os artigos da
Constituição que estatuíram ‘o sistema proporcional’. Logo, não
está em vigor. Nem mesmo é o caso de dispositivo inconstitucional
mas de nova disposição revogada.96

35. O Diário de Notícias enviou a Assis telegrama solicitando sua


opinião sobre o recurso de João Mangabeira. E Assis responde:

Nos motivos indicados no telegrama que acabo de receber não


vejo razão de inconstitucionalidade das eleições de 14 de outubro.
Homologando todos os atos do Governo Provisório, a Constituinte
não excetuou o mais importante deles, o Código Eleitoral,
donde ela própria nasceu. Não há contradição entre a exigência
constitucional doutrinária de proporcionalidade rigorosa e a
originalidade criada pelo Código, segundo a qual se preenchem por
simples pluralidade de voto os lugares para os quais para os quais
nenhum candidato obteve quociente. O meu livro Democracia
Representativa – quarta edição – deve ser considerado elemento
de exegese da nossa grande reforma, porque foi editado
expressamente como justificação do projeto do Código Eleitoral
nele transcrito e com ele apresentado ao Chefe do Governo
Provisório na minha qualidade de oficial de relator da respectiva
comissão. Assim o recebeu também a benemérita comissão de
juristas e professores, em boa hora por mim escolhida e convidada
para dar redação definitiva ao projeto.
Nesse livro está bem esclarecido que proporcionalidade
representativa por mais rigorosa que seja nunca poderá
ser rigorosamente numérica, nem mesmo materialmente,
porque sempre há frações de quocientes e não pode haver
frações de representantes. A proporcionalidade deve obedecer
simultaneamente a dois elementos: 1) Número de partidários;
2) Coesão partidária.
O número dá os quocientes e a coesão o máximo de aproveitamento
dos quocientes; a determinação confere todas as frações de
quocientes ao partido que o pleito demonstrou ser predominante
na função de legiferar e apoiar o governo legítimo.
Isso é matéria muito vasta, que não pode ser discutida num
recado telegráfico, o que está exaustivamente explanado na obra

96
A Noite, ed. 8251, 12 nov. 1934.

208
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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

citada – Democracia Representativa – especialmente no capítulo


segundo do livro quarto.97

No julgamento da representação, houve o parecer do


procurador-geral do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, Sampaio
Dória, que se manifestou contrário à pretensão de Mangabeira.
E começou ele por indagar se não se poderia “em caso nenhum
aplicar, em face da lei constitucional, o princípio majoritário, não
como regra, mas supletivamente nas eleições dos deputados
federais ou estaduais”.

E disse ele que a Constituição não em textos isolados, mas na


sua contextura, na trama de seus artigos, na sistemática de seus
princípios, determinou: 1º) que se aplicasse o sistema proporcional
como norma geral e 2º) que se recorresse ao majoritário, onde quer
que o proporcional fosse inexequível.98

O voto do relator, Miranda Valverde, foi no sentido de


julgar improcedente a representação, não só porque não era
inconstitucional o art. 58, nº 8, do Código Eleitoral como por não ser
possível modificar o sistema adotado pelo Código e pelas instruções
expedidas pelo Tribunal Superior.

Houve apenas um voto contrário, de Collares Moreira, que


entendeu não ser proporcional o sistema adotado pelo Código no
referido artigo.99

36. O segundo turno de nosso primeiro Código Eleitoral pretendia


determinar a distribuição dos restos ou sobras, resultantes do fato de
que o número de votos alcançados pelos partidos ou por candidatos
avulsos nunca é um múltiplo exato do quociente eleitoral.100

97
A Federação, nº 263, 19 nov. 1934.
98
Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, v. 30, n. 4, 1934.
99
Boletim Eleitoral
100
PORTO, Walter Costa Porto. Dicionário do voto, p. 334 e ss.

209
Como explicava Assis Brasil,

[...] matematicamente falando, é impossível, ainda mesmo em


teoria, uma lei que dê em resultado a representação proporcional.
Para que cada partido fosse representado em exata proporção,
seria necessário fazer frações de representante, porque não é de
esperar que o número de aderentes de cada partido seja sempre
divisor exato do número de votantes de todo o distrito.101

Então, para o aproveitamento dos votos não utilizados na primeira


distribuição das cadeiras, os sistemas eleitorais de todo o mundo
se valem: a) da atribuição das cadeiras, não inicialmente alocadas,
ao partido que tivesse alcançado o maior número de votos; b) da
atribuição dos restos ao partido que tiver as maiores sobras; e c) da
atribuição pela mais forte média.

O primeiro se fundamentava na alegação de que, se houvesse


nova eleição para provimento do lugar vago, venceria, obviamente,
o partido com o maior apoio popular. E seria utilizado, no Brasil, nas
eleições de 2 de dezembro de 1945, com a denominada Lei Agamenon
Magalhães102, o Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1946, que
dispunha, em seu art. 48, que os lugares não preenchidos com a
aplicação do quociente eleitoral e dos quocientes partidários seriam
atribuídos ao partido que tivesse “alcançado maior número de votos,
respeitada a ordem de votação nominal de seus candidatos”.103 Era,
segundo Eric Nogueira, modelo similar ao de Assis, em 1932, “com
a diferença que seria explícito o favorecimento ao partido mais
votado”.104 Mas, para Barbosa Lima Sobrinho, Assis Brasil fugira

[...] aos sistemas variados ideados para o aproveitamento dos


restos e resolveu atribuir à lista da maioria todos os restos, isto
é, todos os votos que não alcançaram o quociente. Em verdade,
101
BRASIL, J. F. de Assis. Democracia representativa, op. cit., p 123.
102
Agamenon Magalhães, então interventor em Pernambuco, foi convocado por Vargas, para
o Ministério da Justiça e entre muitos de seus esforços para redemocratização do país, veio
o Decreto-Lei nº 7.586, elaborado por uma comissão, por ele designada, e composta de
grandes nomes como o Ministro José Linhares, o Desembargador Antônio Carlos Lafayette
de Andrade e José de Miranda Valverde, regular o alistamento eleitoral e as eleições.
103
E, naquela eleição de 1945, o Partido Social Democrático, então, tendo obtido um pouco
mais de 40% dos votos (2.531.944 em um total de 6.188.856 expressos) mereceu 53% das
cadeiras (151 lugares na Câmara de 2860).
104
Nogueira, Eric. Reforma política no Brasil desde 1932: A lista aberta, gênese e persistência.
Encontro Ciência Política e a Republica, 10, Belo Horizonte Iesp-Uerj, 2016.

210
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

nesse sistema absurdo, os deputados da maioria, para os lugares


que sobrarem da dedução do quociente, são eleitos... pelos
votos das outras listas! Por mais espantoso que seja, essa é a
interpretação exata do regime do Sr, Assis Brasil.105

O segundo levava ao favorecimento dos pequenos partidos. Foi


a fórmula defendida por Hamilton quando se cogitou de atribuir,
a cada estado da nova federação norte-americana, um número de
representantes proporcional à sua população.

Recebeu a mais forte crítica daqueles que, com Domingo Vellasco,


consideraram-na fórmula mista, de transação, de acomodação de
sistemas opostos, o majoritário e o proporcional.

E, quanto ao terceiro, a alocação da cadeira ainda não distribuída


se dá, aqui, ao partido que conseguiu seu posto com o maior
número de eleitores. Esta fórmula, proposta por Jefferson em
oposição a Hamilton, na distribuição aos novos estados da república
norte-americana de representantes à Câmara.

Passou-se, no Brasil, à repartição pela maior média primeiramente


pela Lei nº 48/1935 e, depois, até hoje, a partir do Código Eleitoral
de 1950.

37. A Lei nº 48/1935 foi o nosso segundo Código Eleitoral,


sancionada a menos de um ano da Constituição de 1934, em 4 de maio
de 1935. Segundo Barbosa Lima Sobrinho106, não foram substanciais
as modificações que impôs, “mas em vários pontos esclareceram
o texto antigo, ou vieram corrigir falhas que a experiência de dois
pleitos já havia revelado”.

Mas, na verdade, foi, sim, substancial sua principal modificação,


sobre a representação proporcional, pois dispunha, em seu capítulo
III, que se faria a votação em uma cédula só, contendo apenas um
nome, ou legenda e qualquer dos nomes da lista registrada sob a
mesma legenda (art. 89). Estariam eleitos, em primeiro turno, os
105
Diário do Poder Legislativo, 1934, p. 2588-2589.
106
BALEEIRO, Aliomar; BARBOSA LIMA SOBRINHO, Alexandre José. Constituições brasileiras.
Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2012. V. 5, p. 36.

211
candidatos que tivessem obtido o quociente eleitoral e aqueles, da
mesma legenda mais votados nominalmente, quantos indicarem o
quociente partidário (art. 90).

E seriam eleitos, em segundo turno, até serem preenchidos os


lugares que não foram em primeiro, os candidatos mais votados e
ainda não eleitos, de partidos que houvessem alcançado o quociente
eleitoral (art. 94).

Bastava, então, a escolha de um só nome, pelo eleitor, para que


se definisse por qual legenda, ou lista, ele optava.

Era o modelo, tão original, que se iniciava, para se redefinir e se


consolidar depois, com o monopólio dos partidos para a apresentação
de candidatos (pelo Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945),
com a escolha uninominal dos candidatos pelos eleitores.

A melhor doutrina, de agora, leva a que se inverta a afirmação


de Blondel, de que, ao votar em um candidato, o eleitor brasileiro
indique, “de uma vez, uma preferência e um partido”.

Em verdade, primeiramente um partido, depois a preferência por


um dos candidatos. É o que ensina o grande expert Jairo Nicolau: na
realidade, segundo ele, “o sistema eleitoral utilizado nas eleições
para a Câmara prevê dois movimentos”. No primeiro, “é feita a
distribuição das cadeiras entre os partidos (ou coligações) de acordo
com o quociente eleitoral”. No segundo, o eleitor indica seu preferido
e “os mais votados do partido são eleitos, independentemente dos
votos que cada um tenha obtido”.107

III

38. Vitoriosa a Revolução de 1930, Vargas assumira o Governo


Provisório e convocara Assis para o Ministério da Agricultura. Indo
Assis ao Rio Grande do Sul, ouviu uma admoestação de Mem de
Sá, que, “com o atrevimento próprio de um libertador de 26 anos”,

107
NICOLAU, Jairo, O Globo, 12 out. 1992.

212
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

lhe disse: “O senhor me perdoe, mas o partido não está satisfeito


com a sua nomeação para ministro do Getúlio. E os moços muito
menos. O Getúlio é que poderia ser, com muito favor, seu secretário”.

Assis lhe respondeu: “Menino, saiba que todo homem tem um


preço. O corrupto se vende por dinheiro, mas os outros também
têm seu preço. Eu tenho o meu. Não é o Ministério da Agricultura,
não. É o Código Eleitoral, que considero a Carta de Alforria do povo
brasileiro. Vou arrancá-la do governo; é o meu preço”.108

E a arrancou, para sua glória.

108
MEM DE SÁ. A politização do Rio Grande. Porto Alegre; São Paulo: Edições Tabajara, 1973.
p. 125.

213
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

NO MUNDO

RECONCEITUANDO O POPULISMO:
CONSTRUINDO UM CONCEITO
MULTIFACETADO MAIS ESTRITO
DAVIDE VITTORI
Traduzido por:
ADISSON LEAL

215
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017
NO MUNDO

RECONCEITUANDO O POPULISMO:
CONSTRUINDO UM CONCEITO
MULTIFACETADO MAIS ESTRITO

RE-CONCEPTUALIZING POPULISM:
BRINGING A MULTIFACETED CONCEPT
WITHIN STRICTER BORDERS

DAVIDE VITTORI1

Traduzido por ADISSON LEAL2

RESUMO

A palavra populismo tem sido associada a significados (muito)


diferentes nos últimos anos. O rótulo populista ainda é usado para
descrever partidos, líderes, movimentos, atitudes e, também,
regimes políticos. Além disso, o adjetivo populista é usado de modo
normativo no debate público para denegrir aqueles movimentos
ou partidos que contrastam com visões dominantes. O presente
artigo tem dois propósitos: por um lado, conduzir uma análise não
normativa para evitar uma visão tendenciosa do conceito; por outro,
defender a compreensão do populismo como uma ideologia rasa,
baseada em duas características necessárias, a saber: (a) uma
mentalidade antielite(s) e (b) a crítica à política representativa.

Palavras-chave: Populismo; Política comparada; Análise conceitual;


Ideologia rasa.

ABSTRACT

The word populism has been associated to (very) different meanings


in the last years. The populist label is still used to describe parties,
leaders, movements, attitudes and political regimes, too. Moreover,

1
Doutorando na Universidade LUISS. Desenvolve pesquisa principalmente sobre partidos
políticos, movimentos partidários e organização partidária e populismo.
2
Assessor-chefe da Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral, mestre em Direito
Constitucional, doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa e pesquisador
visitante da Ludwig-Maximilians-Universität München (Alemanha).

217
the adjective populist is used in a normative fashion in the public
debate to denigrate those movements or parties which contrast
the mainstream views. The aim of this paper is twofold: on the one
hand, I conduct a non-normative analysis to avoid a biased vision
of the concept. On the other hand, I advocate the understanding of
populism as a thin-centered ideology, according to which it is based
on two necessary features, namely, (a) an antielite(s) mindset and
(b) the criticism of representative politics.

Keywords: Populism; Comparative politics; Concept analysis;


Thin-centered ideology.

218
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

1 Introdução
O sucesso tanto de partidos de oposição quanto de partidos de
extrema direita no Oeste e no Leste Europeu despertou a atenção
de acadêmicos, da imprensa e de grupos de reflexão para o fenômeno
do populismo. Até o momento, a crescente literatura acadêmica
sobre populismo percorreu desde a ideologia e a organização de
partidos populistas (entre outros, BETZ e JOHNSON, 2004; MUDDE,
2007; STANLEY, 2008) até as atitudes do eleitorado (KROUWEL
and Abts, 2007; AKKERMAN et al. 2013). Também tratou de política
externa (SCHORI-LIANG, 2007; VEERBEK et al., 2014), da participação
de partidos populistas em governos de coalizão (AKKERMAN, 2012;
AKKERMAN e DE LANGE, 2012; MINKENBERG, 2001; HEINISCH, 2003;
FELLA y RUZZA, 2007) e de sua relação com a democracia (ARDITI,
2004; MENY e SUREL, 2000; CANOVAN, 2002; URBINATI, 2013).

Logo depois das eleições europeias, o presidente do Parlamento


Europeu, Martin Schultz (2015), definiu o populismo como uma ameaça
à estabilidade de toda a União Europeia. Em suma, populistas foram
acusados de simplificar demais a complexa realidade da crise econômica
e de fazer campanha por reformas destrutivas para a Europa.

Assim, o populismo foi conscientemente transformado em um


termo abrangente, destinado a denegrir ou, pelo menos, criticar
os movimentos ou partidos que contrastem com as opiniões
dominantes. Por outro lado, a abordagem que equipara o populismo
a um perigo para a democracia implica julgamento inerentemente
negativo do populismo. A esse respeito, Müller (2016) o define como
uma forma degradada de democracia. Contudo, a normatividade
de uma tal abordagem lida com esse fenômeno de forma
enganosa (MASTROPAOLO, 2005), porque implica uma teleologia
contestável – a preeminência de valores liberais sobre outras formas
de participação. Além disso, a generalização da crítica ao populismo
tem levado confundi-lo com outras orientações políticas, tais como
o radicalismo, ou melhor, com uma visão excludente contra as
minorias. Em uma perspectiva diferente, a palavra populismo tem
sido associada a uma determinada família partidária: os partidos de
extrema direita. Na Europa, uma identificação inicial com essa família

219
partidária promoveu uma tendência de identificação automática do
populismo como um fenômeno perigoso para a democracia.

O rótulo populismo também é usado para descrever líderes


confusos e carismáticos: Berlusconi (TAGUIEFF, 1995), Haider
(BETZ, 1994; 2001), Le Pen (SHIELDS, 2007), Grillo (MOSCA, 2014;
TRONCONI, 2015) ou Farage (KELSEY, 2015; ABEDI e LUNDBERG,
2009), entre outros, foram retratados como líderes populistas em
busca de uma relação sem intermediários com o eleitorado. Não
há nada de novo nessa predisposição: desde o crescimento do
caudillismo na América Latina, a liderança passou a ser considerada
uma condição sine qua non para o populismo. De modo análogo
para os partidos políticos, a terminologia liderança populista é
frequentemente adotada com significado extremamente negativo,
em contraste com lideranças moderadas e responsáveis.

O presente artigo presta-se a dois objetivos: com apoio na


literatura da formação dos conceitos, o populismo será definido de
modo não normativo, de modo a evitar uma distorção tendenciosa
desse conceito; segundo, será proposta uma definição mínima
baseada em dois atributos necessários (antielitismo e crítica à
política representativa), buscando equilibrar a profundidade e
a amplitude do conceito. Reconhecidamente, uma forma pura
de populismo é mais teórica do que real: do mesmo modo que
líderes, movimentos e partidos social-democratas, conservadores
e liberais podem compartilhar algumas inclinações ideológicas
e divergir quanto a outras, também o populismo pode ter visões
contrastantes acerca de diversas questões políticas. Entretanto, sob
uma perspectiva teórica, é crucial identificar uma definição mínima
que possa embasar estudos comparativos consistentes, mesmo que
o populismo possa ser considerado um “objeto” mais camaleônico
do que outros fenômenos políticos (TAGGART, 2000, p. 2).

A estrutura do artigo é a seguinte: a primeira parte dedica-se a


teorias de análise conceitual. Subsequentemente, serão revisadas
as diferentes abordagens do populismo na literatura. Nas últimas
décadas, diversas contribuições têm ajudado a desembaraçar a
indefinição do fenômeno populista. Essas tentativas foram divididas
em cinco abordagens principais. Apesar de as definições selecionadas

220
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

não poderem ser analisadas unicamente pela categoria a que


pertencem, já que todas têm características distintas que podem ser
associadas a outras abordagens, esse método deve trazer clareza
para os argumentos aqui desenvolvidos. Finalmente, o populismo
será definido como uma ideologia rasa cujo núcleo é representado
por: (a) mentalidade antielite vs. mentalidade do povo; e (b) crítica
à política representativa.

2 Base para a análise conceitual


Apesar das diversas e frutuosas tentativas de definir os
principais conceitos da ciência política, a literatura da formação
dos conceitos é bastante subdesenvolvida: encontrar definições
adequadas para democracia, bem-estar ou conflito ainda gera
controvérsias entre cientistas políticos, mesmo quando um
consenso acerca da sua operacionalização possa ser encontrado
na literatura (GOERTZ, 2006; GERRING, 2012). O populismo não
é exceção a essa tendência. Ademais, a palavra populismo tem
sido utilizada por ampla gama de acadêmicos com contextos e
interesses díspares: filosofia política, sociologia, ciência política etc.
Todas essas áreas têm focos e premissas ontológicas diferentes,
o que pode conduzir a definições contrastantes. Ao oferecer uma
visão panorâmica compreensível – apesar de não exaustiva – das
diferentes abordagens, meu foco está no conceito de populismo na
ciência política. Uma das mais bem sucedidas definições mínimas
foi fornecida por Mudde (2004; 2007; 2010; 2013), cuja obra é,
hoje, ponto de referência para boa parte da literatura sobre o tema.
Partindo dela, busco reconceituá-lo numa tentativa de desenvolver
uma definição mínima mais útil.

Gerring (2012) identifica quatro fases no processo de reconstrução


conceitual: (a) o termo; (b) os atributos que definem o fenômeno;
(c) os indicadores que ajudam a alocar o conceito no espaço
empírico; e (d) o próprio fenômeno a ser definido. Goertz (2006),
por outro lado, propõe três níveis de análise: o nível básico, o nível
secundário e o nível de indicador/dado. Apesar das suas diferenças,
Gerring e Goertz concordam ao constatar dois aspectos cruciais da
análise conceitual: a terminologia e o delineamento dos atributos
relacionados ao conceito. Na visão de Sartori (2009), dar uma

221
referência a um termo demanda a reconstrução do significado do
conceito, porque o significado é a intermediação entre o “mundo
exterior”, isto é, os “objetos”, e a sequência de morfemas que
formam o termo (ou o “significante”). Nas palavras de Gerring,
“conceitos visam identificar as semelhanças, agrupando-as, e
contrastando-as com as diferenças”. Maçãs são maçãs, e laranjas
são laranjas” (2012, p. 125).

Com vistas a estabelecer a referência a ser adotada para cada


objeto, o primeiro passo é coletar um conjunto de definições
representativas; em seguida, o pesquisador deve inquirir acerca
das características básicas do objeto; terceiro, deve organizá-los,
separando propriedades observáveis de propriedades menos
observáveis, assim como propriedades adicionais, que correspondem
à exata essência de um conceito. Seguindo Goertz, uma vez
identificado o nível básico do conceito, isto é, a sua referência,
o próximo passo é o reconhecimento do nível secundário, que
compreende as dimensões constitutivas dos conceitos.

Na medida em que o objetivo deste artigo é propor um conceito


mínimo de populismo – ou, na terminologia de Sartori, uma definição
denotativa –, os parágrafos seguintes desembaraçam justamente o que
foi referido como nível secundário. A propósito, uma definição mínima
deve conter as propriedades distintivas do populismo, deixando de
lado as propriedades adicionais: o compromisso conceitual está entre
a profundidade e a amplitude do conceito. A definição deve equilibrar
a chamada escala de compromisso de generalidade: por um lado, se
um número excessivo de características (restrição) for exigido para
que um fenômeno político seja considerado populista, comparações
serão quase impossíveis e tal definição não fará sentido para as
ciências sociais. Por outro lado, é preciso evitar qualquer alargamento
conceitual (extensão), incluindo-se tão somente as características
que ajudam a discriminar o que o populismo é e o que não é. Evitar
a ambiguidade, “classificando qualquer associação de qualquer
denotatum [...] e definindo o ponto de corte vis-à-vis com institutos
próximos”, é a essência deste trabalho (SARTORI, 2009, p. 112).
Ademais, como destaca Goertz, a reconstrução de um conceito deve
incluir um polo negativo: se um conceito mínimo estabelece o que o

222
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

populismo é, deve também especificar o que ele não é. Do contrário, a


análise conceitual tornar-se-ia indefinida e a definição mínima, inútil.

Seguindo Gerring, inicio a análise do populismo com base


em um “exame semântico consciente”, que “começa com uma
amostra representativa de definições formais e padrões de uso
para um determinado termo, conforme se depreende de áreas
científicas importantes” (2012, p. 132-134). O passo seguinte será
a classificação de atributos, operação necessária para reduzir a
amplitude de significados implicados por um termo. Apesar de a
literatura acerca do tema ser vasta, a identificação dos atributos
mais frequentes, estabelecidos por pesquisadores, permite reduzir a
“profusão conceitual até mesmo do mais complexo conceito a tabela
de atributos relativamente parcimoniosa” (GERRING, 2012, p. 134).

2.1 Exame semântico do fenômeno populista


Desde a primeira análise relevante da questão, a literatura
acadêmica tem encarado dois principais problemas quanto à palavra
populismo: a sua ambiguidade e as diferentes manifestações
geográficas e diacrônicas, o que encoraja o seu alargamento
conceitual. Diversas definições foram dadas devido à impalpabilidade
do termo e às diferentes manifestações desse fenômeno no tempo e
no espaço (TAGGART, 1995; 2000; 2004).

Em um dos primeiros estudos abrangentes sobre o populismo,


Margaret Canovan (1981) identificou sete subcategorias, das
quais quatro contém o rótulo populismo: (1) radicalismo rural,
(2) movimentos camponeses, (3) socialismo agrário intelectual,
(4) ditadura populista, (5) democracia populista, (6) populismo
reacionário e (7) populismo político. Em seu trabalho seminal sobre
o assunto, Gino Germani (1978) referiu-se a algumas fórmulas
híbridas que apareceram na América Latina nos anos 1960 e 1970,
pertencendo a uma categoria específica intitulada populismo
nacional. Essas categorias incluem ideologias, movimentos e
qualidades de um regime político: desse ponto de vista, o populismo
é considerado uma qualificação atribuída a diferentes fenômenos

223
políticos e, por essa razão, diversos atributos adicionais foram
atrelados a ele.

Ao tratar de um fenômeno tão amorfo, é preciso endereçar duas


perguntas principais: primeiramente, como categorizar o populismo?
E, em seguida, como definir limites para a definição?

Quanto ao primeiro problema, em seu trabalho seminal sobre


populismo, Ionescu e Gellner concluíram que era difícil definir esse
termo: “como uma doutrina ou um movimento, é elusivo e inconstante.
Ocorre em toda parte, mas em formas diversas e contraditórias”
(1969, p. 4). O fato de o populismo ser essencialmente considerado
como um fenômeno dependente de contexto e camaleônico
(TAGGART, 2000) impulsionou a sua vagueza. Na introdução do
seu livro, Ionescu e Gellner identificaram que o culto ao povo é sua
principal característica; nenhuma outra definição é dada.

Quanto ao problema dos limites, Wiles (1969) detectou 24


atributos do populismo: as características vão desde “não ser
revolucionário e opor-se à luta de classes até a adoção de pequenas
cooperativas como um tipo econômico ideal, e ser religioso, porém,
oposto ao sistema religioso” (LACLAU, 2005a, p. 9). Por questão de
clareza, o restante do tópico será dividido em cinco macroáreas,
de acordo com as abordagens seguidas pela literatura na definição
desse termo.

2.1.1 Populismo como não liberalismo político


A mais recente tentativa de empreender uma definição mínima
de populismo foi feita por Pappas (2015; 2016), que foca na
insuficiência de definições anteriores acerca do desenvolvimento
de uma interpretação mínima do populismo moderno, ou seja, “as
ocorrências desse fenômeno em democracias pós segunda guerra
mundial ao redor do mundo, as quais são qualitativamente diferentes
de populismos em configurações políticas pré-democráticas ou não
democráticas” (PAPPAS, 2015, p. 4, grifos do autor). Recordando
a definição de “democracias não liberais” de Zakaria (1997) e
tentando evitar as dez armadilhas metodológicas (juntamente com

224
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

o alargamento conceitual, o polo negativo da falta de clareza e a


indeterminação normativa), Pappas define populismo como “não
liberalismo democrático” (2015, p.10).

Na essência, o populismo em poliarquias é intercambiável


com uma ideologia não liberal. De modo similar, para Urbinati, “é
uma contestação radical da política parlamentar e, assim, uma
alternativa à democracia representativa” (2014, p. 128). Nesse
sentido, o populismo é parasitário na democracia representativa,
na medida em que “não é externo a ela e compete, sim, com ela
quanto ao significado e o uso da representação ou quanto ao modo
de detectar, afirmar e gerir a vontade do povo” (URBINATI, 2014,
p. 135, grifo do autor).

A principal força dessa abordagem é especificar o universo


empírico do populismo, nomeadamente a crítica à representação
política tal como concebida em poliarquias. Ademais, permite uma
operacionalização do termo baseada nos valores liberais incorporados
por partidos, movimentos e líderes. Por meio da análise do discurso
ou da criação de políticas públicas, seria possível estabelecer o grau
de liberalismo da unidade de análise e “usar escalas ordinais para
indicar o ranking dos fenômenos populistas” (PAPPAS, 2015, p. 16).

A definição mínima proposta por Pappas, no entanto, precisa ser


cuidadosamente avaliada, especialmente em relação às armadilhas
metodológicas que o próprio autor encontra em outra definição.
Em particular, a ampliação conceitual dessa definição leva a um
efeito paradoxal, que faz com que todo partido não liberal seja
considerado populista. Todos os partidos de esquerda radical, sejam
eles comunistas, sejam pós-comunistas, e também os de direita
radical devem ser abrangidos por essa categoria, enquanto outros
partidos autointitulados liberais ou de centro, identificados por parte
da literatura como populistas, não o seriam (Forza Italia, na Itália, por
exemplo – cfr. TAGUIEFF, 1995; ZASLOVE, 2008). Se tudo que estiver
fora dos tradicionais partidos liberais for populista, o rótulo perde
sua relevância. Apesar de a definição como não liberalismo político
distinguir um claro polo negativo, a natureza do polo negativo é ampla
e contraditória em demasia. Por um lado, não fica claro quando o liberal
democrático começa (ou termina) em um partido ou movimento; por

225
outro, o liberalismo como ideologia nuclear já tem os seus opositores,
tais como o comunismo, o fascismo e assim por diante. É bastante
discutível se todas essas ideologias nucleares podem ser consideradas
populistas em razão da sua orientação não liberal.

Ademais, a que tipo de liberalismo se opõem esses partidos


alegadamente populistas? De acordo com Pappas, o não liberalismo
é constituído por uma característica principal (i. e.), a ideia de que
a soberania política pertence ao povo, e por quatro subcategorias
que são “fundamentalmente contrárias ao liberalismo político
contemporâneo”: a intenção de criar uma maioria política; a natureza
over-soul do povo; a percepção da bipolarização do mundo e a crença
na titularidade do direito moral (2015, p. 22). No entanto, não fica
claro em que medida tais atributos são contrárias ao liberalismo.

2.1.2 Populismo como instrumento de


mobilização política
Jansen define populismo como “todo projeto político contínuo
de larga escala que mobiliza, normalmente, setores sociais
marginalizados para uma ação política publicamente visível e
contenciosa, articulando uma retórica nacionalista antielite que
valoriza as pessoas comuns” (2011, p. 82). No mesmo sentido, Di
Tella (1965, p. 47) o descreve como um

movimento político que goza do apoio da massa de trabalhadores


urbanos e/ou rurais, mas que não resulta do poder organizacional
autônomo de nenhum desses setores. Também é apoiado por
setores não operários, defendendo uma ideologia contrária ao
statu quo.

Ambas as definições têm uma premissa intrigante: o populismo


ocorre quando pelo menos uma parte da comunidade se mobiliza por
meio de ações políticas, sejam elas em nível partidário, seja como
massa de apoio para projeto político. De acordo com os autores,
o populismo é mais do que uma atitude vaga do eleitor/cidadão
individual. No entanto, outros projetos políticos de larga escala
cujo objetivo é a emancipação de setores marginalizados da
sociedade compartilharam os instrumentos de mobilização

226
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

política – com maior ou menor sucesso e com diferentes objetivos


políticos (e.g. socialismo em suas diversas formas ou movimentos
protofascistas). A última abordagem é baseada na análise de Di Tella
acerca do populismo latino-americano em países autocráticos e na
explicação da mobilização política como apoio a líderes políticos
(caudillos). As dificuldades de se aplicar essa definição em outros
contextos geopolíticos estão relacionadas à evolução das forças
laborais e à mutação do loci do poder organizacional. Por um lado,
as dicotomias classe operária/não operária e classe operária/rural
são bem menos relevantes para descrever a ideia de mobilização
política, especialmente no que concerne a valores pós-materialistas
(INGELHART, 1977). Por outro, classes operárias ou rurais, se ainda
são relevantes como categorias políticas, perderam parte de seu
poder organizacional, especialmente num ambiente altamente
institucionalizado, como a Europa Oriental (ou a América do Norte).
Também não é correto argumentar que a ideologia contrária
ao statu quo é sustentada apenas pela classe não operária. Na
verdade, o estudo do eleitorado de diferentes partidos considerados
populistas enfatiza uma perspectiva divergente, segundo a qual
partidos populistas recebem apoio principalmente do trabalhador
de colarinho azul, mas também de autônomos e artesãos (cfr. Betz
e Immerfall, 1998).

A tentativa de Jansen de descrever o populismo como uma ferramenta


de mobilização é mais ampla do que a de Di Tella. Aqui, o argumento está
focado na organização de setores sociais marginalizados envolvidos e
no uso de uma retórica nacionalista (cfr. seção 4).

Se a diferenciação entre o populismo e o não populismo é baseada


na mobilização do setor marginal, então movimentos antitributação
com apoiadores abastados ou partidos contra o statu quo com um
eleitorado diversificado (trabalhadores de colarinho azul e branco)
estariam excluídos da definição de populismo. Deixando, por um
momento, o problema da retórica nacionalista de lado, o conceito
de marginalização tende a subestimar a possibilidade de partidos
“burgueses”, “liberais” ou dominantes contra o statu quo, que
presumivelmente falam, também, para cidadãos já envolvidos na
vida política.

227
Ademais, de acordo com Jansen, movimentos populistas são
projetos políticos de massa ou de larga escala; no entanto, tal suposição
pressupõe que partidos de micro escala ou não institucionalizados
devam ser considerados não populistas. É desnecessário dizer que
alguns partidos políticos que são atualmente definidos como populistas
tiveram início como movimentos antissistema/antielite, que ganharam
projeção nacional apenas nas intenções (FPO e Northern League, mas
também os partidos progressistas na Noruega ou o National Front
na França, entre outros). No que diz respeito ao sucesso eleitoral, é
evidente que o populismo não pode ser definido pela parcela de votos
que um partido ou um movimento obtém nas eleições.

2.1.3 Populismo como movimento liderado


A terceira abordagem sobre o populismo é baseada na centralidade
da liderança e no relacionamento sem intermediários com o povo.
Roberts, por exemplo, afirma que o populismo representa uma
“mobilização política de círculos de massa por líderes personalistas
que desafiam elites estabelecidas” (2006, p. 127), ao passo que,
conforme Weyland (2001, p. 14),

[...] o populismo é uma “estratégia política por meio da qual um


líder personalista busca ou exerce o poder governamental baseado
no apoio direto, não intermediado, não institucionalizado, de um
grande número de seguidores, normalmente não organizados”.

E, de acordo com Urbinati (2014, p. 131),

[...] enquanto a interpretação epistêmica de democracia é


acéfala, o populismo mal poderá existir sem uma política de
personalidade; enquanto aquela visa apagar a ideologia e todas
as formas de sedimentação de opiniões, esta vive de uma forte
retórica ideológica.

Quanto à escala do projeto, já foi destacado que círculos de massa


não são pré-requisito para o populismo. A característica mais relevante
das definições acima reside em seu foco no líder como convocador de
atitudes populistas. Como explicam Mudde e Kaltwasser, “parece existir
uma afinidade eletiva entre o populismo e um líder forte. No entanto, o

228
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

primeiro pode existir sem o segundo” (2014, p. 383). A diversidade na


organização interna de partidos populistas europeus não pode levar à
equação entre partidos de liderança carismática e partidos populistas.
Nesse caso, a sinonímia dos dois termos é equivocada. Urbinati (2014)
propõe uma distinção entre todos os movimentos sem líderes – tais
como o Occupy, nos Estados Unidos; o Indignados, na Espanha e o
Kínima Aganaktisménon-Politón, na Grécia –, que são tidos como
manifestações populares de insatisfação em relação a algum aspecto
do mundo capitalista contemporâneo, e os movimentos liderados, por
sua vez, considerados populistas por causa da presença de um líder. No
entanto, os repertórios de controvérsias dos movimentos sem líderes
incluem características populistas cruciais, tais como a mobilização
política e a crítica à elite (cfr. seções 2 e 5).

Assim, a extensa seletividade de uma definição pela


qual líderes são considerados essenciais permite a exclusão
abertamente discriminatória de todos os movimentos sem líderes.
O adjetivo personalista também é problemático: enquanto partidos
latino-americanos e movimentos em contextos autocráticos
demonstram alto grau de personalismo, já que os líderes vincularam
seus destinos políticos às organizações que fundaram (DE LA TORRE,
2010), em outros casos (europeus), líderes populistas emergiram
do partido após relevantes lideranças carismáticas (Matteo Salvini,
no Northern League, Marine Le Pen, no National Front, entre
outros). Outros casos atípicos implicam empreendedores políticos
com atitudes populistas, os quais foram substituídos de forma
bem sucedida (em termos eleitorais) por outros líderes, depois de
uma fase de transição (entre outros, o Partido Liberal da Áustria e
o Partido Progressista, na Dinamarca). Reconhecidamente, outros
partidos encararam consideráveis fracassos depois da queda da
liderança (L’Uomo Qualinque, na Itália ou o Pim Fortuyn List, na
Holanda), mas essa não é a regra: a institucionalização em qualquer
partido político é causada por fatores internos e externos e a troca
de liderança pode ser apenas um deles.

Apesar de líderes fortes poderem ser a “chave para mobilizar o


povo e (re)fundar a organização política especializada em fomentar
uma relação direta e não intermediada com o eleitorado” (MUDDE;
KALTWASSER, 2014, p. 387), a liderança em si mesma não pode ser

229
considerada característica definidora do fenômeno populista, a não
ser que todos os movimentos sem liderança (tais como o Occupy
Wall Street; o Indignados, na Espanha e na Grécia; e o Popolo Viola,
na Itália) sejam tratados inicialmente como não populistas.

2.1.4 Populismo como instrumento


comunicativo/discursivo
A análise do populismo como estilo comunicativo enfatiza a
forma como membros proeminentes de uma comunidade política,
dos secretários do partido aos líderes de opinião, usam a retórica
antielite para ganhar apoio do público. Jagers e Walgrave consideram
o populismo um estilo comunicativo por parte de atores políticos
que se referem ao povo (2007, p. 322). Tais atores podem ser
políticos ou partidos políticos, mas também líderes de movimentos,
representantes de grupos de interesse e jornalistas.

Em alguma medida, essa é a definição que Canovan (1981; 1984)


acredita ser mais convincente em seus primeiros trabalhos; em suas
palavras, a única característica que os populistas têm em comum
“é um estilo retórico que depende fortemente de apelos ao povo”
(CANOVAN, 1984, p. 313). Uma importante implicação dessa definição
é a sua anormalidade: quem quer que fale sobre o “povo” e para o
“povo” em geral deve ser reconhecido como populista, na medida
em que, “ao se referir ao povo, um ator político declara que ele ou
ela se importa com as preocupações do povo […]. O lema implícito
do populismo é: ‘eu o ouço porque eu falo sobre você’” (JAGERS e
WALGRAVE, 2007, p. 323). Ademais, outro mérito é a possibilidade
de uma operacionalização direta da definição. Se o populismo é um
estilo retórico, a análise do discurso baseado no apelo ao povo seria
um sólido ponto de partida. No entanto, um problema central dessa
definição é a grande amplitude do conceito. A mais adotada por
Jagers e Walgrave implica que o populismo é apenas uma estratégia
comunicativa que qualquer pessoa pode usar em qualquer momento
simplesmente ao se referir ao povo. Não há na definição nenhuma
referência à qualidade do discurso. Nessa perspectiva, a fala de
Lincoln em Gettysburg – o governo do povo, pelo povo, para o povo
– deve ser considerada a obra prima do populismo. Assim, a vagueza

230
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

da definição torna obscuras as fronteiras do conceito. O apelo ao povo


e todos os sinônimos relacionados a essa palavra não configuram per
se um fenômeno populista.

Semelhantemente à definição de Jager e Walgrave, De la Torre vê


o populismo como uma retórica que constrói a política como a luta
moral e ética entre el pueblo e a oligarquia. O discurso populista
transforma a política em luta por valores morais em que não se
aceita acordo ou diálogo com o oponente (2010, p. 4). Aqui, o estilo
político é mais do que mera referência ao povo (pueblo) e está focado
na contraposição entre este e a(s) elite(s) (a oligarquia). A anterior
indefinição do conceito de populismo está limitada a discurso de
confronto. Não obstante, nessa definição, populistas são aqueles que
se recusam a acordo com os oponentes dentro ou fora do sistema
parlamentar; contudo, sob uma perspectiva europeia, há diversos
exemplos de partidos populistas que participaram de governos de
coalizão tanto como maioria quanto como partes menores (Forza
Italia e Northern League, na Itália; Partido Progressista, na Noruega;
Partido Liberal da Áustria; Aliança para o Futuro da Áustria; Fidesz,
na Hungria; o Lijst Pim Fortuyn, na Holanda) ou aceitando o governo
sem integrá-lo (O Partido pela Liberdade, na Holanda, e o Partido
Popular Dinamarquês, na Dinamarca). Esses exemplos sugerem que
populistas podem estar propensos a acordo quando as circunstâncias
permitem que participem do governo. Mesmo aprimorando o poder
discriminatório da definição anterior, excluir da análise aqueles
partidos que participaram de um governo de coalizão poderia ser
demasiado seletivo, tanto para o contexto europeu quanto para o
latino-americano.

Outra definição, ligeiramente diferente, mas de alguma forma


complementar à anterior, foi proposta por Ernesto Laclau (2005a)
e Hawkins (2009). Nas palavras de Hawkins, o populismo é um
“discurso maniqueísta porque atribui uma dimensão moral a tudo,
não importa como, e a interpreta como parte de uma luta cósmica
entre o bem e o mal” (2009, p. 1043). Usando um quadro gramsciano
de análise, Laclau o define observando mais a prática discursiva
do que seu conteúdo. O populismo começa quando o povo, com as
mesmas demandas políticas, verte um significante vazio (instância
política) contra uma prática hegemônica. É definido contra a lógica

231
da administração, que divide demandas que o populismo une,
conferindo um significado consistente a um significante vazio (ver
também Panizza, 2005). Assim,

[...] se essa abordagem for correta, poderíamos dizer que um


movimento não é populista porque em sua política ou ideologia
apresentam-se conteúdos realmente identificáveis como
populistas, mas porque demonstra uma lógica particular de
articulação com tais conteúdos – o que quer que esses conteúdos
sejam (LACLAU, 2005b, p. 33).

Do ponto de vista analítico, o quebra-cabeça está no modo de


definir limites para o conceito. De fato, o populismo como conceito
não ligado a conteúdo traz um problema de ambiguidade: atributos
laterais e atributos não observáveis ou minimamente observáveis
misturam-se com os atributos definidores nessa abordagem,
deixando uma interpretação subjetiva do modo como a lógica de
articulação está dissociada da prática discursiva. Seguindo Mudde e
Kaltwasser (2012), sustenta-se que limitar a análise à interpretação
maniqueísta da realidade amplia a definição para além dos seus
limites teóricos, na medida em que isso pode ser aplicado a outras
ideologias nucleares ou rasas que incorporam uma distinção binária
entre o nós – ou seja, o povo, no caso do populismo, mas também
a nação em visão nacionalista, ou o proletariado em ideologia
comunista – e os outros, que são os oponentes do grupo nós.

2.1.5 Populismo como ideologia


O quinto grupo de definições considera o populismo como uma
ideologia. De acordo com Jost, Christopher e Napier, uma ideologia

reflete tanto tentativas genuínas (e até mesmo altamente precisas)


de compreender, interpretar e organizar informação sobre o
mundo político, quanto tendências conscientes ou inconscientes
de racionalizar o modo de ser das coisas ou, alternativamente, o
desejo de que sejam diferentes (JOST, John T; CHRISTOPHER M,
Federico; NAPIER, Jaime L; 2009, p. 310).

Assim, ideologias “permitem que relevantes mundos políticos


sejam construídos, bem como traduzem a multiplicidade de

232
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

potenciais significados conceituais na singularidade de uma decisão


política” (FREEDEN, 1998, p. 749). Como um conjunto de crenças
mais ou menos estruturado, o populismo racionaliza o mundo político
do seu próprio modo por meio de lentes antielite. Além disso, o statu
quo antipolítico e o apelo a uma comunidade política homogênea
são os pontos de partida dos quais os populistas propõem um
mundo político diferente, no qual a(s) elite(s) poderosa(s) é (são)
deposta(s) do principal posto de governo. Albertazzi e McDonnell,
por exemplo, definem o populismo como “uma ideologia que coloca
um povo virtuoso e homogêneo contra um conjunto de elites e de
‘outros’ perigosos, que são retratados juntos como pessoas que
privam (ou tentam privar) o povo soberano de seus direitos, valores,
prosperidade, identidade e voz” (2008, p. 14).

Uma possível lacuna dessa interpretação é que as várias formas


de populismo não exibem uma visão consistente e abrangente de
um dado contexto político. Pelo contrário, os adeptos da tipologia
discursiva poderiam alegar que o populismo é moldado e remoldado
por ferramentas retóricas e ideológicas, baseado em distinção
maniqueísta do povo e da(s) elite(s). Assim, esse tema é mais
flexível vis-à-vis a outras ideologias mais estruturadas.

Canovan sublinha que “pode-se alegar que exista algo como


uma ideologia populista. No entanto, tentativas de definir o
populismo como uma ideologia falharam, pois, em outro contexto,
a mobilização antielitista em questão pode estar reagindo a um
ambiente ideológico coerente” (1999, p. 4). E acrescenta que “os
assim chamados ‘populistas’ são encontrados à direita, à esquerda
ou ao centro do espectro político, e quase toda generalização sobre
eles pode ser derrotada com um contraexemplo” (1984, p. 2). Essa
crítica só pode ser sustentada se o populismo for analisado como
quaisquer outras ideologias clássicas.

Todavia, ideologias podem ser tanto nucleares quanto rasas.


Ideologias rasas apresentam inabilidade estrutural para oferecer
uma complexa gama de argumentos porque diversas cadeias de
ideias estão simplesmente ausentes. Consequentemente, uma
ideologia rasa está limitada quanto a ambições ideacionais e
escopo (FREEDEN, 1998, p. 750). Essa pouca profundidade pode

233
ser equiparada a um princípio transversal que influencia o modo
como são enquadradas outras questões que não são os argumentos
nucleares da ideologia rasa. Freeden identificou essa característica
na ideologia nacionalista, mas Mudde (2004) aplicou a mesma
interpretação ao populismo. Mais recentemente, Freeden contestou
esse entendimento. Em sua visão, o populismo “não falha apenas
em abrangência, mas também em especificidade contrastante
quanto àquilo que oferece. Vagueza e indeterminação podem
ser bens captadores de votos, mas o resultado é, na melhor das
hipóteses, uma ideologia fantasma” (FREEDEN, 2017, p. 10).
Assim, ele não pode ser considerado uma ideologia, a não ser que
se refira a correntes contrastantes: “(1) quando serve como um
marco conveniente que abarca demandas populares radicais que
clamam por legitimação, e (2) quando é utilizado para denunciar
tipos de xenofobia da direita” (FREEDEN, 2017, p. 11). Apesar de o
populismo ser mais indeterminado quanto “ao que oferece” do que
outras ideologias rasas, populistas, na interpretação aqui adotada,
podem articular programas políticos, amparando-se nos conceitos
eminentemente ideológicos do antielitismo e da crítica à democracia
representativa. Freeden parece subestimar que o uso do referendo,
por exemplo, é bom exemplo de instrumento de definição de políticas
que é crucial para a política representativa. Mesmo que o conteúdo
do referendo possa variar (de acordo com as ideologias nucleares
incorporadas por populistas), a estrutura crucial tanto das formas de
intermediação política quanto dos representantes da intermediação
é um traço ideológico particular.

Assim, a presença de uma ideologia populista em um contexto


político distinto e em diferentes atores políticos (partidos,
movimentos e líderes) é coerente com a definição vaga de ideologia
apresentada aqui. Consequentemente, uma definição mais
adequada de populismo seria:

[...] uma ideologia rasa que considera que a sociedade está


dividida, finalmente, em dois grupos homogêneos e antagônicos,
‘o povo puro’ versus ‘a elite corrupta’, e que sustenta que a
política deve ser uma expressão da volonté générale (vontade
geral) do povo (MUDDE, 2004, p. 543. Grifos do autor).

234
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

A principal armadilha dessa definição é a díade puro/corrupto.


Certamente, é possível que haja forte posição anticorrupção
na maioria dos partidos populistas, mas isso não significa
necessariamente que o antagonismo proposto por populistas seja
entre o povo e a elite corrupta.

A mesma inferência pode-se fazer do adjetivo puro. Uma


valoração positiva das comunidades de interesse é conditio sine
qua non durante campanhas eleitorais de qualquer tipo. Um
contra-argumento poderia ser que essa pureza se refere a algo ou
alguém não contaminado por substâncias desnecessárias ou não
puras; como consequência, o povo puro não se mistura com as elites.
O povo a quem os populistas se dirigem, no entanto, é o mesmo que
pode ter votado anteriormente em partido pró-elite ou que pode
estar contaminado por partidos conduzidos pela elite. A pureza
do povo, se e quando evocada por populistas, parece instrumento
retórico usado claramente para distinguir nós e outros, de modo a
degradar as minorias. Pureza, em conclusão, pode se referir a outras
ideologias rasas (e.g. nacionalismo) e pode se considerar que está
um passo à frente no que se refere a uma definição mínima.

3 Classificação de atributos
As definições mínimas fornecidas até aqui se mostraram apenas
parcialmente satisfatórias para a reconstrução do conceito de
populismo. Portanto, deve-se focar na classificação de traços que
lhe são atribuídos pela literatura. Começando por aqueles que
foram identificados nas definições mínimas acima e adicionando
outros possíveis, serão listadas 10 características que têm sido
consideradas necessárias ao populismo em diferentes graus.
Dentre 12 características normalmente associadas ao tema,
Rooduijn extrai quatro mínimas: (1) ênfase na posição central do
povo; (2) crítica à elite; (3) concepção do povo como uma entidade
homogênea e (4) convicção de que se vive em um período de
séria crise (2014, p. 573). Semelhantemente, Taggart (2000,
p. 2) identifica 6 características populistas cruciais: (a) hostilidade
à política representativa; (b) idealização de uma “terra amada”;
(c) ausência de valores nucleares; (d) reação à crise; (e) existência
de dilemas fundamentais que tornam o populismo autolimitador; e

235
(f) fenômeno dependente de contexto. De acordo com Taguieff, o
tipo ideal de populismo nacionalista (o National Front, na França)
compreende 5 características: (I) o apelo pessoal ao povo; (II) o
apelo ao povo não pertencente a uma classe; (III) o apelo direto ao
povo autêntico, são, simples e honesto; (IV) o apelo por purificação
ou por ruptura redentora e (V) a discriminação entre indivíduos
em termos de origem étnica ou de características culturais (1995,
p. 27-32). Combinando os três conjuntos de características, é
plausível identificar 10 características básicas: (1) populismo como
uma ideologia sem valor nuclear; (2) antielitismo; (3) hostilidade à
política representativa; (4) mobilização contra o statu quo político
(ruptura); (5) apelo pessoal ao povo; (6) homogeneidade do povo;
(7) discriminação étnica e cultural; (8) idealização de uma “terra
amada”; (9) senso de crise visível; (10) fenômeno dependente de
contexto e autolimitador.

Como explicado anteriormente, entre as diferentes interpretações


teóricas de populismo, a relativa à ideologia prova-se a mais
robusta. Contudo, essa base teórica não pode ser definida como
uma característica básica do populismo; mais propriamente, trata-se
de uma suposição segundo a qual a reconstrução do conceito pode
ser frutiferamente conduzida. Como será explicado nos parágrafos
seguintes, os atributos necessários são identificados no antielitismo
e na correspondente oposição entre a elite e o povo (atributo 2) e na
crítica à política representativa (atributo 3).

Na sequência, o foco será nas demais características e na


explicação do porquê elas devem ser excluídas da definição mínima.
Nas seções anteriores, foram discutidos os atributos da mobilização
política (4) e da necessidade de uma liderança forte ou carismática.
Parece existir consenso entre os pesquisadores quanto à distinção
essencial entre o povo homogêneo e os outros. Não se contesta a
centralidade do povo na ideologia populista; contudo, defende-se
que o conceito de povo homogêneo é normativamente tendencioso,
na medida em que está relacionado a uma concepção distinta de
povo que é típica de partidos de extrema direita. A não ser que
a definição mínima de populismo se refira apenas a essa família
partidária, o atributo da homogeneidade deve ser deixado de lado,

236
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ou, pelo menos, considerado característica lateral de uma das


diferentes formas de populismo, o populismo excludente.

Quanto ao atributo (6), a homogeneidade do povo, Meny e


Surel (2000) descrevem três usos do termo povo: povo-soberano,
povo-classe e povo-nação. Nenhum deles pode ser classificado
como específico do populismo, já que todos correspondem a outras
ideologias (nacionalismo, socialismo), ou pelo menos ao modo como
a constituição do estado evoluiu na história. Como explicado por
Mudde e Kaltwasser (2013), o populismo é tanto “excludente” quando
“inclusivo”, dependendo da ideologia nuclear na qual se ampara. Na
visão de tais autores, populistas compartilham “o modo como atores
populistas definem quem pertence ao ‘povo’ vis-à-vis ‘a elite’”, mas,
por outro lado, “as características ideológicas que estão vinculadas à
particular ideologia dos atores” (MUDDE, KALTWASSER, 2013, p. 148)
abrangem desde a extrema esquerda até a extrema direita.

Paradoxalmente, outras ideologias nucleares são indispensáveis


para definir quem é o povo; assim, um povo-populista não pode
existir em si mesmo. Por essa razão, construir uma definição comum
de populismo baseada em uma definição estável do conceito de
povo (cfr. Meny e Surel, 2000) parece impraticável. Soberania,
classe e nação compreendem diferentes nós e, principalmente,
muitos diferentes outros. Esses três conceitos podem ser atributos
complementares úteis para o populismo, mas a sua inserção em uma
definição mínima é abertamente discriminatória. De fato, o populista
se refere ao povo ou à maioria do povo, mas esse apelo destina-se
claramente a fazer distinção entre a(s) elite(s) e os não elitistas, em
vez de proclamar a homogeneidade ou a pureza do povo.

Passando aos atributos (7) e (8), quando os populistas se referem


(7) à pureza de um grupo particular e ao seu glorioso passado
(local, nacional ou de base classista), eles adotam outras ideologias
relevantes para justificar a exclusão desses outros (nacionalismo,
federalismo ou regionalismo, socialismo, mas também o liberalismo,
quando enquadrado como a distinção entre valores liberais e grupos
não democráticos). Qualquer que seja (8) o enquadramento da terra
amada, a discriminação entre o que está dentro ou fora do grupo
depende do núcleo da ideologia adotada por quem está dentro do

237
grupo. Embora possa haver uma correlação entre populismo e “crise”
(Kriesi e Pappas, 2015), (9) o senso de “crise” que os populistas
têm em qualquer contexto político deve ser considerado mais como
um instrumento retórico usado também por outros partidos não
populistas do que uma pré-condição para que o populismo emerja.

O atributo (10) – fenômeno autolimitador e dependente de


contexto – também é desnecessário para o âmbito de uma definição
mínima, cujo objetivo é alargar a extensão do fenômeno, definindo limites
precisos para evitar a extensão demasiada do conceito. Pelo contrário, a
dependência do contexto torna essa definição analiticamente inútil, na
medida em que poderia ser problemático encontrar hábitos populistas
comuns e recorrentes. A interpretação do fenômeno como autolimitador
baseia-se na suposição de que partidos populistas, movimentos ou
líderes não podem ser institucionalizados como resultado de seu
confronto com a complexidade do processo de tomada de decisão
dentro de instituições representativas. Focando na família de partidos
de direita radical, quer seja visto o populismo como “normalidade
patológica” (MUDDE, 2010), quer seja visto como uma patologia normal
(BETZ, 1994), a estabilidade (eleitoral) dos partidos populistas de direita
tem sido amplamente reconhecida na literatura (IVARSFLATEN, 2008;
MUDDE, 2013 e ROODUIJN, 2015), não apenas por causa da crescente
importância eleitoral dos partidos rotulados como “populistas”, como
também em razão da sua participação ativa no governo de coalizão
(AKKERMAN, 2012; AKKERMAN; DE LANGE, 2012).

4 Rumo a uma definição mínima


Tendo em mente as considerações acima, populismo é definido
como uma ideologia rasa cujo núcleo é representado por duas
características necessárias: (a) mentalidade antielite(s), e (b) crítica
à política representativa. Foi elucidada nas linhas anteriores a escolha
quanto à ideologia rasa. Comentários adicionais são exigidos quanto
às referidas características (a) e (b).

A atitude antissistema é propositadamente deixada de fora do


ponto (a) porque uma postura antissistema não pode ser equiparada a
antielitismo. Apesar de populistas poderem nunca se considerar como

238
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

parte do sistema político, quando (e se) ultrapassam o processo de


institucionalização em um dado sistema político, tornam-se parte dele.
Tendo em vista a referida resiliência dos partidos chamados populistas
na Europa, é previsível que se tornem parte do sistema no médio prazo.
Tratá-los como parte não é contradizer o discurso antielite; o antielitismo
tem um significado mais amplo e se refere ao antagonismo em relação
às mais poderosas elites econômicas, políticas e culturais nacionais
ou supranacionais, que decidem o destino do povo. Princípios pouco
idealistas podem consistentemente permanecer estáveis ao longo do
tempo em movimentos/partidos populistas.

Uma atitude antielite(s) é uma condição necessária, porém


insuficiente para descortinar completamente a ideologia populista;
por outro lado, o antielitismo deve ser considerado sinônimo de
populismo em violação ao princípio da antissinonímia delineado por
Sartori nas regras 3a e 3b (2009, p. 114).

Na verdade, uma definição mais exaustiva de populismo deve


prever outro atributo: a crítica à política representativa. Prefere-se o
termo crítica a hostilidade, pois aquele tem significado mais amplo,
que compreende tanto a hostilidade em relação à representação
política per se quanto uma postura contrária à forma como a
representação política é organizada em determinado momento, sem
defender a sua substituição tout court. A mentalidade antielite(s)
está relacionada a um discurso político cuja aspiração é substituir a
“minoria” dominante (a elite que pode pertencer a diferentes áreas,
desde a economia até a política, desde o Poder Judiciário até a área
cultural e a imprensa). Essa definição é neutra quanto ao “quem” (i.e.),
os agentes políticos que incorporam o populismo às suas próprias
ideologias. Mesmo que isso possa parecer paradoxal, o antielitismo
não está fechado a forasteiros elitistas, especialmente quando está
relacionado à crítica a uma determinada elite, da qual os forasteiros
estão excluídos. Por exemplo, isso explica por que magnatas ou
outros membros de uma classe “privilegiada” podem conduzir
uma ideologia populista consistente. Antielitismo, nesse caso, não
pode ser encarado como sinônimo de antipluralismo. Nem todos os
populistas são antipluralistas em si mesmos. Apesar de populistas
poderem ser antipluralistas (MÜLLER, 2016; PAPPAS, 2015, 2016) e
rejeitarem o conceito de pluralismo político e de representatividade

239
política, ambos os conceitos são ontologicamente diferentes e não
há automatismo entre eles.

A crítica à representação política pode assumir diversas formas.


Por um lado, pode se dirigir contra a clássica divisão horizontal entre
esquerda e direita (BOBBIO, 1994). Populistas contestam o clássico
eixo horizontal da divisão política (esquerda e direita), focando, ao
contrário, no eixo vertical, que faz divisão entre os poucos poderosos
e o povo. Embora partidos que incorporam uma ideologia populista
possam ser enquadrados no espectro da direita ou da esquerda,
o populismo em si é neutro quanto a essa distinção. A esse
respeito, outras ideologias nucleares podem justificar a inserção
de um partido no espectro da direita ou da esquerda: comunismo
para partidos de extrema esquerda, social-democracia para
partidos de centro-esquerda, liberalismo para partidos de centro,
conservadorismo para partidos de centro-direita etc. Em sua obra
comparativa sobre o populismo, Pappas conclui que não há um
único eleitorado populista, seja em um país especifico, seja ao redor
do mundo;

[...] indivíduos pertencentes ao setor informal da economia em


países como Peru ou Venezuela podem ser atraídos por líderes
populistas de modo semelhante a trabalhadores industriais
franceses, agricultores gregos ou holandeses de classe média
alta (PAPPAS, 2012, p. 15).

Ademais, populistas rejeitam uma profissionalização weberiana


da política. Embora seja frequentemente indeterminado, um dos
mais frequentes problemas do discurso populista é a transformação
radical tanto da classe política quanto, particularmente, da burocracia
partidária, a chamada organização central do partido.

A crítica ao elitismo tanto na política quanto na representação


política, que é crucial para que o populismo se torne uma ideologia
rasa, tem um viés de defesa da participação do povo do processo
de tomada de decisão. Aqui, participação implica (as promessas de)
envolvimento da tomada de decisão tanto em nível governamental
quanto no âmbito dos partidos ou movimentos por meio do
instrumento do referendo, retratado por populistas como a principal

240
VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

ferramenta que o povo detém para decidir o seu destino sem a


influência da elite. No entanto, referendos não são um instrumento
populista per se, como demonstra a experiência de referendos na
Suíça. Mesmo assim, quando um partido ou movimento defende um
referendo, somando à sua campanha um discurso antielitista e uma
manifesta crítica à representação política, é possível argumentar que
esse partido ou movimento incorporou a ideologia rasa populista.

Essa definição contempla algumas implicações relevantes. Em


primeiro lugar, ela é não normativa, na medida em que faltam
juízos quanto à ameaça populista à democracia (ROSANVALLION,
2008) ou ao seu problemático relacionamento com a democracia
representativa (TAGGART, 2004; URBINATI, 2013; 2014). Em segundo
lugar, embora seja possível detectar uma correlação positiva entre
a presença de um agente político “midiatizado” (MAZZOLENI;
SCHUTZ, 1999; MAZZONELI, 2003) e o populismo, não se trata de
uma condição necessária em si mesma. Uma liderança forte pode
ser um fator facilitador para transmitir uma ideologia populista; no
entanto, a presença de partidos populistas sem líderes não pode ser
excluída a princípio. Em terceiro lugar, e discordando de Freeden
(2017), a definição destaca a importância do conceito de ideologia
rasa. O populismo pode ser encontrado em partidos, movimentos
ou líderes com diferentes ideologias nucleares: partidos de direita
(confira-se, entre uma vasta literatura, TAGGART, 1995; MUDDE,
2007), partidos de esquerda (STARAKIS; KATSAMBEKIS, 2014;
WEYLAND, 2013; ROODUJIN; AKKERMAN, 2015) e até mesmo liberais
e verdes (ZASLOVE, 2008; MÜLLER-ROMMEL, 1998).

Finalmente, essa definição tenta equilibrar a profundidade e a


amplitude do populismo. Seguindo a literatura sobre formação de
conceitos, o foco se deu primariamente nos atributos necessários
ao populismo, deixando de lado as características secundárias. O
resultado desse processo combina dois atributos – antielitismo e crítica
à política representativa – que representam o núcleo do populismo.
Nem o antielitismo em si nem a crítica à política representativa,
considerados separadamente, podem ser considerados como
populistas – seria uma quebra da regra sartoriana acerca da
sinonímia. Na verdade, a combinação de ambos os aspectos é quase
como uma tentativa de organizar informação sobre o mundo político

241
por meio da peculiar distinção de dois grupos, isto é, a elite e os
representantes políticos, por um lado, e o que os populistas definem
como o povo, por outro.

5 Conclusão
Neste artigo, o foco se deu primeiramente nas definições do
populismo fornecidas pela literatura. Foram identificadas cinco
categorias principais que abordam o fenômeno populista de cinco
modos diferentes: (1) o populismo como não liberalismo político,
(2) o populismo como instrumento de mobilização política;
(3) o populismo como movimento liderado, (4) o populismo como
instrumento discursivo/retórico e (5) o populismo como ideologia; e
discutiu-se tanto os pontos positivos quanto as possíveis armadilhas
dessas abordagens. Combinando essa revisão a outros atributos
mínimos do populismo identificados pela literatura, uma definição
mínima foi desenvolvida, buscando equilibrar a conveniência de
uma extensão adequada que cubra a ampla gama de fenômenos
políticos e a necessidade de definir limites precisos entre o polo
positivo (o que o populismo é) e o polo negativo (o que o populismo
não é). Seguindo a abordagem ideológica, o populismo foi definido
com uma ideologia rasa que incorpora dois atributos necessários: o
antielitismo e a crítica à representação política. Finalmente, foram
destacadas algumas implicações relevantes, tais como a natureza
não normativa do populismo, a sua vinculação a outras ideologias
nucleares ou rasas e o equilíbrio entre a amplitude e a profundidade
do conceito.

Outras pesquisas são necessárias para que se otimize e se


operacionalize a definição de populismo; ademais, a literatura
também se beneficiará de outras análises acerca da adequação de
adjetivos que são atribuídos unicamente a populistas, tais como
“populista-midiático”, “telepopulista” ou “populismo vago” etc.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

ESTUDOS ELEITORIAS

ISSN 1414-5146

LINHA EDITORIAL

A revista Estudos Eleitorais tem como objetivos oferecer


subsídios para o exame e o debate do Direito Eleitoral, por meio de
artigos, estudos e propostas apresentadas por juristas e estudiosos
da área, auxiliar a Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior
Eleitoral (EJE/TSE), atender aos propósitos de promover a formação
e a atualização de magistrados e demais interessados em Direito
Eleitoral, bem como incentivar a discussão e a divulgação da matéria.

CONVOCAÇÃO DE ARTIGOS – CHAMADA PERMANENTE

1. A Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral


convida, em chamada permanente, a comunidade científica e os
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a submeterem seus textos para publicação na revista Estudos
Eleitorais (ISSN 1414-5146).

2. Serão admitidos trabalhos que versem sobre Direito Eleitoral,


eleições e democracia que estejam em conformidade com a linha
editorial da revista, respeitando, de todo modo, o debate democrático
dos temas, em nível científico.

3. Os trabalhos deverão atender às normas de submissão, como requisito


fundamental para aceitação dos artigos pela coordenação da revista.

4. A seleção de trabalhos para publicação é de competência


do editor da revista e será feita mediante a análise dos pareceres
técnicos. Os trabalhos recebidos para análise e aprovados não serão
devolvidos aos autores.

255
5. Será facultado ao autor apresentar novamente texto
anteriormente submetido e não aceito para publicação, desde que
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Eleitorais da EJE/TSE deverão ser inéditos no Brasil – salvo dispensa
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pela publicação dos trabalhos na revista Estudos Eleitorais, em
qualquer tipo de mídia impressa (papel) ou eletrônica (Internet,
CD-ROM, e-book, etc.). O autor receberá gratuitamente da Escola
Judiciária Eleitoral dois exemplares do número da revista em que
seu trabalho tenha sido publicado.

5. Os artigos deverão ser precedidos por página de rosto da qual


se fará constar:

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SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

• títulos do trabalho, resumos e palavras-chave descritos em


português e em inglês;

• data de conclusão do artigo;

• nome do autor, brevíssimo currículo com filiação institucional,


com os principais títulos acadêmicos e/ou a principal atividade
exercida, CPF, endereço completo para correspondência, com
CEP, telefone, e-mail.

6. Os trabalhos devem ter preferencialmente entre 10 e 20


páginas. Os parágrafos devem ser justificados. Não devem ser
utilizados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou
depois. No texto, deve-se utilizar a fonte Times New Roman, corpo
14. Os parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens superior e
inferior devem medir 2cm e as laterais, 3cm. O tamanho do papel
deve ser A4.

7. Os conteúdos dos artigos serão apresentados em português.

8. O resumo seguirá as diretrizes da ABNT NBR 6028:2003


(Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas).
Deverá contemplar, em sua estrutura, quatro partes: objeto (do que
trata); objetivo (aonde pretende chegar); método (tipo de pesquisa
ou estrutura textual); conclusão (resultados alcançados). Terá, no
máximo, dez linhas e será redigido em um só parágrafo, obedecendo
às pontuações gramaticais.

9. As palavras-chave (palavras ou expressões que expressem as ideias


centrais do texto) devem ser no máximo cinco, como, por exemplo:

Palavras-chave: Partido Político. História. Democracia. Desafio.


Pós-modernidade.

10. O texto deverá ser estruturado com introdução,


desenvolvimento, conclusão e referências a fontes consultadas,
sendo que:

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• a introdução deverá conter a justificativa e os objetivos do
trabalho, ressaltando a relevância do tema investigado;

• o desenvolvimento abrangerá a discussão e/ou análise das


hipóteses apresentadas, com amparo bibliográfico adequado;

• a conclusão deverá conter de forma concisa a resposta aos


objetivos propostos;

• a numeração dos tópicos deverá ser progressiva, identificadas


com algarismos arábicos, sem ponto, com dois espaços antes
do título do tópico (Exemplo: 2); as subseções têm ponto
intermediário (Exemplo: 2.1).

11. As referências deverão ser feitas de acordo com a


ABNT NBR 6023:2002. Elas devem ser citadas no sistema autor-data,
conforme item 6.3 da ABNT NBR 10520:2002, no corpo do texto
principal. Todas as fontes utilizadas na pesquisa e citadas no
texto deverão constar no final do artigo com o título Referências.

12. Citações de outros autores contendo até três linhas devem


ser feitas entre aspas, no corpo do texto, sem o uso de itálico.
As citações que ultrapassarem três linhas deverão figurar em
parágrafo próprio, com recuo de 4cm, fonte 1 ponto menor que o
do texto principal, sem aspas, conforme orientações da ABNT NBR
10520:2002 (Citações em documentos). As referências legislativas
ou jurisprudenciais devem conter todos os dados necessários para
sua adequada identificação e localização. Em citações de sites,
deve-se indicar expressamente a data de acesso no formato do
exemplo seguinte: Acesso em: 16 mar. 2011.

13. As citações em línguas estrangeiras devem ser obrigatoriamente


traduzidas.

14. As notas de rodapé de cada página serão utilizadas,


preferencialmente, para apresentação de conceitos e explicações
que não possam ser inseridos no corpo do texto.

15. Todo destaque que se queira dar ao texto deve ser feito com
o uso de itálico. Jamais deve ser usado o negrito ou a sublinha.

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VOLUME 12 – NÚMERO 3
SETEMBRO/DEZEMBRO 2017

16. Não será admitido texto que contenha fotografias ou


imagens. Tabelas e gráficos serão admitidos desde que elaborados
em programa do Office.

17. Os trabalhos que não atenderem a qualquer uma das


normas de submissão serão devolvidos com observações aos
autores, que poderão reenviá-los, após efetuarem as modificações
necessárias. A revista Estudos Eleitorais não se responsabilizará por
realizar qualquer complemento nos trabalhos, tais como inserção
de resumo ou palavras-chave, que ficam à elaboração exclusiva do
autor do artigo.

18. Recebido o trabalho pela coordenação da revista, realizar-se-á


o respectivo aviso de recebimento ao autor.

19. O artigo terá suprimidos todos os elementos que permitam


a identificação de seu autor e será remetido à análise de dois
pareceristas, indicados pelo Editor, para avaliação qualitativa de
sua forma e conteúdo, seguindo o sistema double blind peer review.

20. Os autores serão comunicados do resultado da análise e receberão


por e-mail o parecer anônimo em caso de rejeição dos trabalhos.

21. Independentemente de blind peer review e do atendimento


do formato padrão de publicação, a coordenação da revista poderá
excepcionalmente aceitar trabalhos como artigos convidados, sempre
que se considerar a contribuição do autor de fundamental importância
para o tema ou relevância da matéria. A quantidade de artigos
convidados não excederá 25% (vinte e cinco por cento) por número.

22. A coordenação da revista Estudos Eleitorais ficará à disposição


dos autores, sempre que pretenderem obter informações acerca
do andamento do processo de análise editorial dos trabalhos
encaminhados, por meio do correio eletrônico eje.revista@tse.jus.br.

23. Os casos omissos serão resolvidos pelo editor da revista.

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Esta obra foi composta na fonte Deja Vu Sans, corpo 10,
entrelinhas de 18 pontos em papel Cartão Supremo 250g/m2 (capa)
e papel AP 75g/m2 (miolo).

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